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A Inveja na Vida Cotidiana
Este artigo foi originalmente apresentado sob a forma de uma conferência aberta ao público
em geral no Tavistock Institute, em novembro de 1985, sendo em seguida publicado no
Psychoanalytic Psychotherapy 2 (1986): 13-22.
Introdução
Pode talvez parecer curioso escrever sobre a inveja na vida cotidiana, já que, como
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poderíamos dizer, esta é uma emoção por demais cotidiana, conhecida de todos. Sempre
se falou dela e, através de toda a literatura, encontramos abundantes referências à inveja e
descrições dela e de suas operações. Sabemos por Otelo do monstro de olhos verdes:
Shakespeare usa aqui a palavra "ciúme", mas num sentido muito próximo do que
consideramos ser um aspecto essencial da inveja. Voltarei depois à relação entre os dois.
No entanto, a psicanálise, curiosamente, até cerca de trinta anos atrás, apenas prestou
atenção à inveja de um ponto de vista muito limitado. Freud falou quase que
exclusivamente sobre um único tipo de inveja, que ele chamou de "inveja do pênis".
Tratava-se da inveja da mulher pelo pênis do homem e por seus atributos masculinos, do
ressentimento dela por não ter um, e assim por diante, mas idéias mais amplas sobre o
significado da inveja, de sua ubiqüidade, ou a noção de que um homem poderia invejar os
atributos e capacidades de uma mulher, de fato raramente fizeram parte dos escritos de
Freud. Foi provavelmente apenas depois dos anos 50, e em particular após 1957, quando
Melanie Klein publicou seu livro Inveja e Gratidão, que o significado da inveja foi mais
plenamente discutido e compreendido. Todos os que conhecem esse livro verão que o que
vou examinar deriva-se essencialmente do pensamento de Melanie Klein.
É interessante considerar por que o significado da inveja levou tanto tempo para ser
reconhecido, enquanto o seu parente próximo, o ciúme, já estava na literatura analítica e
fazia parte do entendimento geral havia muito tempo. Penso agora que nossa
compreensão e reconhecimento do ciúme, quando comparados com nossa negligência
quanto à inveja, têm raízes muito importantes. Quando pensamos em ciúme, a que nos
referimos? Referimo-nos a um relacionamento que envolve três pessoas; sente-se ciúme
porque alguém a quem se ama, ou a quem se está ligado, demonstra mais interesse ou
afeição por outrem. Mas, de modo geral, isso é considerado normal, penso que porque o
ciúme está baseado em amor ou afeição por uma pessoa - de outro modo não se sentiria
ciúme. Assim, há uma razão para o ciúme que o torna, em certa medida, tolerável e
perdoável. De fato, sabemos que certos crimes cometidos sob pressão de extremo ciúme
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Mas com a inveja o quadro é diferente: ela envolve basicamente duas pessoas, e
inveja-se o que a outra pessoa possui, ou suas capacidades, conquistas, qualidades pessoais
etc. A inveja envolve, em maior ou menor grau, uma qualidade espoliadora, ou pelo menos
hostilidade para com as boas capacidades da outra pessoa, ainda que isso possa não ser
reconhecido. O Oxford English Dictionary (edição de 1979) a descreve como "O sentimento
de mortificação e malevolência ocasionado pela contemplação de vantagens superiores
possuídas por outrem". Se se destrói por ciúme, há alguma razão para tanto. Mas na inveja
a espoliação se faz por ódio, e parece não haver nenhuma circunstância atenuante. Como
diz um de meus pacientes, a inveja é tão "sem sentido".
A inveja muitas vezes parece estar ligada à voracidade, e no entanto é diferente
dela. A pessoa que é voraz quer obter algo - desconsiderando o custo para a pessoa de
quem ela quer esse algo - e reconhece que há algo de bom a ser obtido. Mas a pessoa
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invejosa não está tão interessada em obter algo para si própria e usufruir isso - ainda que
vorazmente -, mas sim em tirar algo da outra pessoa, algo de que ela possa então tomar
posse, de forma que se torne parte de si própria.
O que desejo fazer agora é examinar a inveja da forma como a vemos operar na vida
cotidiana, para então considerar algumas de suas implicações. Em certo sentido, todos nós
conhecemos o resultado final consciente - sentimentos de ressentimento por alguém estar
à frente, ou fazer melhor, e uma vaga hostilidade, rivalidade, competitividade -, mas é
quando ela é mais intensa que começa o problema, como, por exemplo, quando conduz a
uma espécie de crítica incessante ou a constantes alfinetadas. Ou, ao contrário, quando o
indivíduo invejoso não consegue ver nada a elogiar ou a valorizar em outro indivíduo, mas
só acha dúvidas - "bem, estava bom, mas ... " - e encontra sempre alguma razão para
duvidar da outra pessoa ou derrubá-Ia. E, como de fato sempre há algum motivo para
crítica em todos nós ou no que fazemos, a atitude invejosa pode facilmente passar
despercebida e as críticas e dúvidas parecerem reais.
Outra forma sob a qual a inveja pode ser vista com mais facilidade é quando
abertamente conduz a uma espécie de implacável determinação de obter o que a outra
pessoa tem, de forma que, se X tem um bom emprego ou uma nova panela, seu amigo ou
amiga invejosa não sossegará enquanto não tiver emprego ou panela equivalente ou
melhor. Esse tipo de atitude está naturalmente muito mais próximo de uma ambição
presunçosa. É provavelmente menos perigoso e problemático do que o tipo mais insidioso,
que causa o verdadeiro problema. As manifestações da inveja que mais nos interessam
aqui são aquelas mais claramente associadas à espoliação - a espoliação é provavelmente
fundamental à inveja. A pessoa invejosa pode espoliar literalmente, injuriando, danificando
ou ferindo outra pessoa ou suas posses; ou pode espoliar por meio de injúrias psicológicas,
ferindo os atributos ou as conquistas de outra pessoa em sua própria mente, em seu pensa-
mento, ou externamente, por meio de críticas, escárnio ou provocação. Cito a
"provocação" porque é uma magnífica espoliadora, bem conhecida de muita gente e
muitas vezes bastante visível, digamos, por exemplo, na adolescência e no tratamento
psicanalítico. Podemos ver esse tipo de coisa quando a pessoa invejosa inveja a inteligência
tranqüila e a paz de espírito de outra pessoa e se põe a cutucá-Ia e a provocá-Ia até que ela
perca a calma. Essa pode ser uma arma muito evidente em análise.
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Meu paciente fez uma série de associações ao sonho e falou sobre os detalhes, que
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não vou apresentar aqui. Quero apenas contar sobre o que eu penso que seja o sonho, e
espero que sigam o meu raciocínio. Eis aqui um homem que, de fato, conscientemente
deseja que sua esposa tenha um bebê e que a análise vá bem, mas nós vemos que as duas
mulheres, a esposa e Barbara, são diminuídas. A esposa perde sua feminilidade, toma-se
pueril como um menininho e tola, mas ele a perdoa. A amiga, Barbara, fica sem graça,
pequena e desajeitada. Pequena e desajeitada me soa um pouco como eu mesma, mas ele
não estivera achando a análise sem graça ou sem vida ultimamente! Penso que essas duas
mulheres, particularmente importantes em sua vida, tiveram suas qualidades específicas -
aquelas mesmas qualidades que ele valoriza nelas, como a minha capacidade de estar
atenta e sensível ao que está ocorrendo - retiradas no sonho, de forma que eu me tomo
pequena e desajeitada, não apenas de corpo, mas mentalmente. E a capacidade de sua
esposa de ser inteligente, atenta, feminina e conceber, tudo isso se vai.
Depois disso, os dois casais foram para a cidade onde meu paciente e sua esposa
tomariam o avião para casa, o que, segundo ele me explicou, era estranho, já que a cidade
onde comeram também tem aeroporto e, portanto, eles poderiam na realidade ter viajado
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direto de lá para Londres. Penso que este último ponto sugere que, uma vez que meu
paciente tenha deixado seus bons objetos - sua esposa e eu mesma - numa condição
desvalorizada ou condescendentemente diminuída, seu equilíbrio mental é restaurado e
ele pode retomar às suas formas usuais, seu modo habitual de relacionar-se com as
pessoas, vendo-as como inferiores e não invejáveis. Esse é o caminho pelo qual ele volta
para casa. Esse equilíbrio fora perturbado por sua percepção tanto da posição única de sua
esposa, se ela engravidasse, como do meu valor, à medida que a análise prosseguia, vendo-
me analiticamente grávida de idéias.
Podemos ver nesse material um elemento muito importante, aquilo que esse
paciente costumava chamar de falta de sentido de seu estrago. Ele próprio não ganha nada
em retirar a feminilidade de sua esposa ou a minha vivacidade; ao contrário, do ponto de
vista da realidade, ele perderia com isso. Mas, como sugeri, a pessoa invejosa está de fato
mais interessada em espoliar o que a outra pessoa tem do que em obter coisas ou
experiências boas e reais para si. Meu paciente não pode ficar grávido, atacando a
feminilidade de sua esposa. Se eu me tomo uma analista estúpida e sem graça, não tenho
grande utilidade para ele, mas sua inveja é apaziguada. Não há nada mais a ser invejado e
seu equilíbrio mental é restaurado. Podemos ver assim, nesse breve exemplo, como a
inveja do paciente "escarnece da carne com que se nutre".
Voltando a esse paciente, procurei indicar algumas das camadas mais profundas por
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trás dos problemas atuais, no nível adulto, com sua esposa: por exemplo, como ele se toma
incapaz de receber uma boa nutrição analítica de mim, incapaz de estar feliz na condição de
quem recebe. Estou tentando aqui assinalar como, nessas pessoas, os problemas originais
de receber e usufruir têm grande chance de emergir a cada passo do desenvolvimento,
interferindo com o progresso em novos relacionamentos e situações.
Desejo agora examinar algumas outras implicações desse tipo de atitude invejosa.
Como esclareci, a pessoa realmente invejosa não pode aproveitar o que vem de outra
pessoa e não pode sentir gratidão, o que significa que sua capacidade de ter prazer e de
amar sofre graves interferências. Nós sabemos que construímos nosso caráter colocando
dentro de nós - introjetando - nossas relações iniciais com nossos pais e figuras próximas de
nossa infância da forma como as experimentamos, e a maneira com que sentimos a nosso
respeito está de acordo com o mundo que construímos e o nosso interior, nosso mundo
interno. Se a inveja, qualquer que seja a razão, impede que o indivíduo construa
relacionamentos bons, calorosos e confiáveis, todo o seu mundo interno, e portanto seu
caráter, será influenciado e é provável que ele fique, de acordo com isso, inseguro. Essa
própria insegurança ou sentimento de inadequação incrementará o ódio de outros que se
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sintam mais confortáveis, mas confiantes e mais estáveis. E assim a insegurança incrementa
a inveja, e nós ficamos com um círculo vicioso.
É claro que nessa altura não é apenas o paciente que fica privado de experiências
felizes, mas analiticamente também o analista, a quem é dada pouca oportunidade de
usufruir sua posição de analista desse paciente.
Quero agora falar sobre algumas dessas defesas e sobre alguns dos problemas que
causam. Há freqüentemente uma mistura entre a expressão real de inveja e as defesas
contra essa inveja. Nem sempre é possível dizer que se trata de um ataque invejoso ou de
uma defesa contra ele. Tomemos, por exemplo, o sonho do homem cuja esposa ele
esperava que estivesse grávida: se ele puder me manter em sua mente como alguém
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embotado e estéril, ele se protegerá do sentimento de hostilidade para comigo por lhe ser
útil; no entanto, quando ele me toma, como sugeri que o fez no sonho, mentalmente,
embotada e pequena, nós podemos ver isso de per si como um ataque a mim. No
tratamento, pode ser muito importante discriminar isso.
Outro tipo de defesa, que apenas mencionei aqui anteriormente, está mais lidado a
um tipo particular de voracidade, e é muito importante em algumas pessoas que têm
dificuldades em aprender e absorver informação - incluindo, naturalmente, informação
analítica, ainda que possa não parecê-Io. Certos pacientes em análise podem parecer
extremamente cooperativos e compreensivos; mas, conforme examinamos o
desenvolvimento da sessão, podemos ver que o que de fato estão fazendo não é responder
às interpretações e à compreensão do analista, com a capacidade de concordar ou
discordar, de mastigar as coisas, digeri-Ias, e assim por diante. Eles estão fazendo outra
coisa. Eles escutam e, por assim dizer, engolem as idéias do analista e se apossam delas,
muitas vezes sem acompanhar de fato o que este ou o terapeuta está realmente dizendo
ou querendo dizer, e deixando de registrar o que quer que seja novo ou qualquer sutileza,
nuança ou frescor no que está sendo dito. Ficamos assim com a impressão de que o
paciente, em sua fantasia, introduziu-se na mente do analista, de modo que se tomou,
nesse momento, analista de si mesmo ou do paciente no divã, por assim dizer, e o analista
mesmo tomou-se quase redundante, quase inexistente. Pode parecer insight, mas é algo
muito diferente, e o processo pode ser muito sutil. É claro o porquê de eu estar
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descrevendo isso como uma defesa contra a inveja. Na medida em que o paciente se
apossa rapidamente de tudo, ele nunca tem a vivência de que lhe é dado algo bom e
digerível ou de saber que isso vem de outra pessoa, no caso o analista, que poderia
portanto ser útil, até mesmo invejável; assim, a inveja pode ser evitada. Podemos ver
também como esse tipo de defesa pode estar ligado a dificuldades de aprendizagem, como
já me referi antes, e também a dificuldades mais antigas de alimentação, até a uma
verdadeira anorexia e frigidez, mas esse é um vasto tópico no qual não podemos embarcar
aqui.
Esse pode ser um traço caracterológico muito profundo. Naturalmente, ele cria
outros problemas, porque tais indivíduos ficam preocupados com a competitividade, a
hostilidade e a inveja das outras pessoas e se sentem ao mesmo tempo, num certo sentido,
superiores, como se contivessem todas as boas qualidades, mas também muito
ameaçados. Darei um exemplo extraído de uma análise, mas penso que o quadro que vai
surgir será familiar.
Trata-se de uma jovem que veio do exterior para concluir seu trabalho científico de
pós-graduação e permaneceu aqui para fazer análise. Ela era atraente, cheia de vida e
muito inteligente e, por um lado, me mantinha em sua mente da maneira que descrevi
anteriormente, muito idealizada. Conscientemente ela me via como uma analista muito
boa - honesta, culta, decente etc. Porém, por trás disso, comecei a perceber uma imagem
muito diferente de mim, da qual ela não tinha consciência naquele momento: eu sendo
vista como uma velha solteirona invejosa que na verdade não queria que ela, a paciente, se
divertisse e tivesse uma vida social plena, muitos amigos, ou fosse admirada por homens
jovens (tudo o que ela realmente tinha). Quanto à imagem de mim como uma velha
solteirona, tudo bem, mas o que dizer de minha atitude espoliadora, invejosa, escindida de
sua consciência, mas que agora começava a emergir? Naturalmente, poderia ser verdade,
mas também poderia não sê-Io. O que eu pude notar foi a enorme preocupação de minha
paciente em discutir e rediscutir interminavelmente, tanto na análise quanto fora dela, o
que estava acontecendo, qual namorado havia telefonado, o que ele disse, o que ela
pensou sobre o que ele disse etc., focalizando principalmente a si própria e seu papel
central em seu mundo. Qualquer percepção, qualquer evidência de mim como ser humano
com vida própria, dificilmente ganhava vida em sua mente. Suas amigas, de sua própria
geração, cada vez mais apareciam na análise como um tanto "paranóides" (palavra sua):
tentavam fazê-Ia sentir-se por baixo, divertiam-se em assinalar coisas desagradáveis nos
relacionamentos dela ou eram competitivas etc. Ora, eu não duvido de que havia um tanto
de verdade nisso, mas ...
O que penso que estava de fato ocorrendo é que seu equilíbrio fora mantido no
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passado por ter construído e se apegado a relacionamentos nos quais ela em geral não se
dava conta do sucesso, do prazer e do interesse que existem nas vidas de outras pessoas -
como vemos na análise - e inconscientemente tentava estimular o interesse e a
preocupação com os seus próprios relacionamentos, particularmente com os homens,
assim como tentara estimular a excitação, a inveja e a competitividade em suas amigas, do
mesmo modo que tentava comigo. E eu suspeito de que ela fosse bem-sucedida. Agora
parece claro que ela de fato se tornava objeto de inveja e que o modo como ela falava, se
vestia e fazia insinuações destinava-se a provocar isso. Ela trabalhava no meio de um grupo
de jovens cientistas muito talentosos e conseguia me transmitir os interesses desse grupo
de um modo que inconscientemente tinha, penso eu, a intenção de me fascinar e, no
entanto, me fazer sentir, da maneira mais delicada possível, quão ignorante ocorria de eu
ser em seu campo.
É claro que não é de admirar que essa jovem se sentisse desconfortavelmente
cercada por amigos' invejosos e por uma analista velha, invejosa e de má vontade para com
ela, e então tivesse de tentar consertar tudo isso. As pessoas como essa paciente tentam
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livrar-se de sentimentos invejosos e similares ou projetá-Ios. Outros parecem mais
ativamente sufocar, quase aniquilar tais sentimentos e emoções. Assim, por exemplo, o
homem cuja mulher esperava estar grávida, quando veio para a análise e em alguma
medida muito depois, simplesmente estancava seus sentimentos e não os sentia. As idas e
vindas das pessoas, o que faziam, férias ou mudanças da análise simplesmente pareciam
não tocá-Io, e assim todos os tipos de emoções, e certamente a inveja, eram mantidos a
distância. Ele então dava a impressão de ser uma pessoa muito fria, e no entanto, na
verdade, não é assim, e só o tempo irá mostrar se podemos realmente libertar os
sentimentos que, estou convencida, estão lá e são potencialmente disponíveis.
É claro que restringir contatos, evitar áreas de vivência que estimulem rivalidade e
inveja, é outro modo importante de defender-se contra a inveja, e um modo bastante
familiar. Esta é quase certamente uma raiz importante da homossexualidade masculina: se
o homossexual masculino evita o contato emocional íntimo e o contato físico com
mulheres, ele não tem de encarar o forte reconhecimento de diferenças que poderiam
provocar inveja e ansiedades associadas. Mas podemos ver também uma restrição mais
maciça da vida, de forma quase caracterológica, em certas pessoas que se saem bastante
bem, desde que as restrições se mantenham, mas podem ficar muito perturbadas quando
as restrições se movem.
Outro ponto: Sinto que não tenho o conhecimento nem estou em posição de falar
sobre as implicações sociológicas mais amplas da inveja, que no entanto penso serem
imensas. Mas, num nível individual, estou certa de que, em pessoas que não chegaram
suficientemente a um acordo com isso em si próprias, haverá fatalmente dificuldades em
cada novo estágio de desenvolvimento e, particularmente, talvez no envelhecimento.
Envelhecer, com o que se poderia chamar uma verdadeira resignação, significa ser capaz de
permitir que as gerações mais novas tenham coisas, conhecimento, talentos e um futuro
que a geração mais velha não pode ter; e isso quer dizer abrir espaço para as gerações
seguintes, ser capaz de identificar-se em seu sucesso e até mesmo usufruí-Io, e lamentar o
que não se conseguiu, bem como usufruir o que se tem. A inveja excessiva pode tomar
muito difícil esse estágio particular de desenvolvimento, ainda que todos tenham de
alcançá-lo.
Considerei a inveja como a vemos emergir, ou mesmo não emergir, em nossa vida
cotidiana. Uma questão em que não toquei é como nós de fato tentamos lidar com ela.
Sugeri que ela está em toda parte, e assinalei que todos nós nascemos com uma
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potencialidade para a inveja; e que todos nós temos de lidar com ela em nossas próprias
vidas e temos de vivenciá-Ia como parte de nossas personalidades. Talvez tudo o que eu
possa dizer a esta altura é que em geral esperamos que o indivíduo tenha suficiente afeto e
amor disponíveis, capacidade de sentir calor humano e gratidão, para poder contrabalançar
sua rivalidade e sua inveja, e ainda assim estar consciente de sua existência e permitir que
outros seres humanos sejam vistos como dignos de inveja. Em certo sentido, isso é uma das
coisas que esperamos alcançar, ao analisarmos nossos pacientes que não foram capazes de
lidar com esses problemas em suas próprias vidas, ou seja, proporcionar insight das
profundezas reais da inveja e redescobrir e libertar o amor e a gratidão escindidos ou
sufocados, ajudando assim o paciente a integrá-Ios. Isso de per si pode levar a um alívio
considerável e ajudar a afrouxar as garras terríveis dos sentimentos invejosos, levando a
um círculo mais benigno.
Resumo
Este capítulo tem por objetivo descrever e discutir a noção de inveja, de suas
manifestações mais simples e conscientes até as mais profundamente destrutivas e_
espoliadoras, tanto conscientes como inconscientes; vê-Ia como parte inevitável da vida
mental e da vida cotidiana. Se a inveja for excessivamente poderosa e não for
suficientemente mitigada pelo amor, ela perturbará as relações normais com as pessoas e a
construção de uma estrutura de caráter saudável e satisfatória; e contribuirá para sérias
dificuldades emocionais. A dor da inveja nos leva a tentar construir várias defesas
diferentes, que são aqui descritas. Cito um breve material clínico para mostrar a inveja em
operação durante o tratamento analítico e discuto os objetivos da terapia nos termos de
proporcionar maior integração entre as várias forças conflitantes e assim abrandar o círculo
vicioso que a inveja insuficientemente mitigada tende a perpetuar.
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