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O interesse humano

N. Shri Ram

Tradução castelhana de Edith B. Carroll

De Houston Texas

CAPÍTULO I - O INTERESSE HUMANO

Nunca como agora na história do mundo as organizações de todas as classes


e para todos os projetos tem assumido uma parte tão importante na vida humana.
Conforme os meios de comunicação vão aumentando os contatos vão se multiplicando e
toda a atividade baseada na cooperação de um número de pessoas inclui uma quantidade
cada vez maior tanto na execução como dentro de sua esfera de influência e operações.
A extensão de sua atividade e o número que abarca demanda certa organização,
proporcionalmente complexa e dividida. Se for questão de empréstimo e financiamento,
temos hoje em dia um sistema de crédito tornado possível pela facilidade de
comunicações e transporte que, apesar de sua regulamentação de acordo com os
interesses nacionais, tem assumido um caráter internacional e complicado. O cidadão
comum, com suas necessidades e desejos, encontra-se com pouca oportunidade de
assegurar sua influência com sua cidadania a menos que se una a outros e submerja sua
individualidade na de uma sociedade, grupo ou partido, cujos objetivos sejam mais ou
menos semelhantes aos seus. Se tiver que proteger suas ações, ou encontrar mercado
para seus produtos, ou obter sua provisão de alimentos, tem que se ajustar aos objetivos
de uma organização apropriada, submetendo-se a suas regras e prestando-se a tomar
parte em suas atividades.
Esta organização, com diversos propósitos, é obviamente necessária sob as
circunstâncias atuais. Mas também significa inevitavelmente que o homem comum, no
lugar de ser um indivíduo mais ou menos livre que era sob circunstâncias mais
primitivas, se encontra envolvido em cada uma das organizações que foram instituídas
para seu benefício. Tem que tomar parte em suas atividades e tende, naturalmente, a
adotar algo de sua cor e parcialidade. Nas discussões de problemas que se referem ao
seu bem-estar, o pensamento e interesse que encontram expressão usualmente se
concernem mais com as metas dos partidos e organizações que tocam ao problema e a
suas atividades, que com as necessidades dos membros que a compõem. O interesse é
transladado do indivíduo aos grupos com suas psicologias opostas e rivais. No
redemoinho criado por opiniões contraditórias, os interesse do indivíduo se afundam,
esquecidos, no fundo.
A natureza tem feito um todo de diversos elementos ao criar a figura física e
fisiológica do homem. E na caixa mágica de sua mente há unidade em meio à
complexidade que torna cada homem consistente consigo mesmo, ou se for
inconsistente, o é assim ao menos conscientemente e sem detrimento de sua
individualidade. É neste homem indivisível cuja unidade a representa a arte de uma
figura física e a psicologia a assemelha a integridade da mente, cuja individualidade
como entidade consciente pode absorver e integrar os efeitos de um milhão de impactos
dos mais variados caracteres; mas este homem se retira mais e mais em meio de
sistemas criados em seu benefício, onde cada um busca como subdividi-lo de acordo
com o que deseja tirar dele. Que perfeição a do homem! Que nobre seu raciocínio. Quão
infinita suas faculdades. Tão expressivo e admirável em sua forma e movimento... em
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ação, tão parecido a um anjo... em sua concepção do abstrato, tão parecido a um deus.
Porém será esse homem um democrata, um comunista, conservador do grêmio obreiro,
membro do congresso, socialista, hindu, muçulmano, cristão, doutor, banqueiro,
professor, barbeiro ou atleta.
Façamos distinção entre o homem e a besta, a qual está baseada não na
transcendência do homem sobre seus desejos animais, senão que na capacidade de viver
uma vida onde seu fértil intelecto lhe provê um meio de saciar seus apetites. Mas temos
que fazer mais uma distinção entre o homem e as coisas que usa. No entanto seria um
exagero dizer que o interesse do homem comum é menos para com seus semelhantes
que para as coisas que possui ou que secretamente cobiça? O elemento obreiro tem
gradualmente assumido um lugar na sociedade, mas não fica ainda um resíduo na
atitude da sociedade de considerá-lo como mãos e pés para a produção das coisas que
quer, os produtos que necessita e que desfruta e que são adquiridos por aqueles que
podem pagá-los, o que redunda em ganância para aqueles que possuem um interesse
monetário na sua produção? Embora sintamos afeto pelos membros de nossa família ou
amigos, nosso interesse não é sem o elemento de possessão que entra em jogo em nossa
atitude para as “coisas materiais”. De modo que o interesse possessivo e o interesse para
as coisas inanimadas, algumas vezes estimulado por admiração ou curiosidade
intelectual, mas na maioria das vezes pela satisfação que pode acarretar-nos e a
segurança que pode proporcionar-nos, tomam precedência ao interesse humanitário e
humano. Muitas mais coisas estão sendo fabricadas em nossos dias, muitas mais coisas
com as quais nos rodeamos no mundo moderno e que eram desconhecidas no mundo de
ontem. A atração dessas coisas e a perversão que causam no campo psicológico se
refletem no desequilíbrio na presente situação humana. No homem comum há um
marcado decaimento em seu interesse nas situações humanas e suas relações que no
passado, embora fixado num campo limitado, provia a maior parte do material de sua
experiência.
Estamos em uma era de maquinárias e transportes e há uma mentalidade
correspondente que dá menos importância ao pensamento individual que as opiniões
produzidas em massa e a arte da propaganda. As comunicações modernas, assim como a
idéia da democracia que também surge do poder de números móveis de pessoas, tem
aumentado o alvo e a tendência de cada mentor público ou homem de negócios
ambicioso, a fazer crer as pessoas o que lhe convém. Há alguns que consideram seu
dever, ou melhor, que consideram vantajoso, moldar a todos conforme seu padrão
particular e de transmitir ao sofrido público as peculiaridades idiomáticas e vocabulário
que serve para condicionar o modo de pensar. As asas do comércio estão estendidas no
exterior em todas as direções e parte da batalha pela existência e das amenidades
modernas tomam a forma de brutal competição para superar a outros e ser os primeiros
do mercado, seja para comprar ou vender.
Num mundo onde a mente comum está sendo submetida à pressão constante
de persuasão em tons e vozes em todos os diapasões imagináveis, cada um com uma
apelação a uma forma ou outra de gratificação e interesse próprio, o interesse nos
demais – nos casos que afetam seu bem-estar e felicidade – que é o interesse humano,
vai tomando um lugar estritamente subordinado e insignificante. O interesse humano
não é um interesse que possa ser fabricado, senão tem que ser provido com a atmosfera
e terreno próprio para seu desenvolvimento: o terreno é a experiência e as relações de
homem a homem das quais nascem suas percepções e realizações espontâneas. O
indivíduo tem que pensar e sentir fora das massas, não importa quão limitada seja sua
capacidade, para poder vangloriar-se de um interesse nascido de seu coração, que é o
interesse humano. Este interesse é quando evidencia uma capacidade de exame próprio

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e profunda inquietude pelos demais, de refletir a intensidade de emoções nascidas de
íntimos afetos e de sentir a dor e a humilhação do outro, ao menos momentaneamente,
como se fosse próprio, o que os gênios da literatura sempre se deleitam em descrever.
A vida moderna, com seu ritmo precipitado, concede pouco tempo para que
assimilemos com os estados mentais e emocionais de outras pessoas exceto casual e
superficialmente. Enquanto nos precipitamos num carro a 60 ou mais milhas por hora
seja por negócio ou prazer, tratando intensamente de traduzir cada momento em uma
suposta ganância, fica pouco tempo para indagar cuidadosamente as causas das
tragédias que encontramos no caminho, ou para considerar seriamente o problema de
prestar o devido socorro. Nem temos que nos molestar em evitar uma crueldade que se
apresenta na nossa frente. O único que temos que fazer para calar nossa consciência,
caso se sinta ligeiramente molestada, é levar o caso a uma organização que exista para
isso ou ao policial mais perto que pode ou não ser que tenha a conveniência ou
inclinação de tomar nota. O Interesse humano se desvanece progressivamente conforme
nos rodeamos de conveniências para iludirmo-nos e assim poder evitar o trabalho numa
ação apropriada.
Conforme os conhecimentos vão aumentando, suas aplicações são ainda
mais numerosas e há um aumento de especialistas em cada um dos departamentos de
estudos e ação. O interesse de cada um deles limita-se ao seu campo de especialização,
seu vocabulário particular e ver tudo a partir de seu ponto de vista especial e relativo.
Mesmo quando trata de compreender o homem em si, como na psicologia moderna,
procede com uma teoria e técnica onde elementos particulares têm sido exagerados em
detrimento de outros. Quanto mais técnicas, especialização e análises tenhamos, mais
difícil se torna chegar ao ponto de vista completo, no único que é possível encontrar a
compreensão do homem. Esse ponto de vista completo é possível apenas àqueles com
interesse no homem como homem, em estudá-lo como é, em todos os seus aspectos e
compreendê-lo.
O interesse humano é um precioso elixir, onde uma pequena gota pode
render muito. Necessita-se cultivar amizades e dar a nossas atividades práticas uma
meta frutífera sem a qual correm como águas na areia. Apesar de todas as máquinas que
se tem inventado e de todas as fórmulas científicas que foram descobertas, continua
sendo certo que o homem não pode ser feliz sem amar ao próximo e sem estimular o
interesse recíproco. No meio da multidão de medidas, se torna mais difícil que nunca o
simples acesso a um problema que refletiria o interesse que não está envolvido num
projeto de politicagem, juramentado e distribuído por seus fabricantes e partidários.

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CAPÍTULO II - O PONTO DE VISTA ALHEIO

Meu tema (o ponto de vista alheio) é especialmente oportuno, já que as


condições existentes estão mais agitadas que nunca. Podemos perceber que muitos dos
distúrbios entre diferentes nações, entre raças e comunidades, e os sociais e pessoais,
são causados simplesmente porque carecemos da retidão e justiça necessárias para
compreender o ponto de vista alheio. Freqüentemente, quando o escutamos, o tratamos
com pouca cortesia e até chegamos a vê-lo com ressentimento ou com desdém. Esta é
uma era de direitos e liberdades, mas nos inclinamos a estabelecer em seu exercício, um
direito exclusivo e pessoal. Parece que pensamos que um homem tem menos direito a
seu ponto de vista que a seus bens pessoais tangíveis. Não percebemos que o pobre
homem não pode desprender-se dele... embora quisesse. Estas observações são muito
gerais? O espírito a que se referem é muito comum. Esta intransigência é geral e a
diferença consiste em sua proporção, seja em maior ou menor grau. A tolerância não é
uma virtude comum, porque é uma virtude que resulta da maturidade emocional e ainda
não deixamos nosso estado primitivo o suficientemente longe para alcançá-la. A fina
capa de civilização apenas esconde nossas paixões e instintos, que nos dias passados
encontravam expressão em outras maneiras menos complicadas.
“O outro homem”, cujo ponto de vista estou discutindo, pode ser de outra
raça, de outra nacionalidade, ou de outra comunidade; pode ser um rival, um
empregado, ou um chefe, um estranho que casualmente entra onde você está, enfim,
qualquer um que tropece com você na rua, ou talvez um vizinho curioso; pode muito
bem ser um irmão ou um amigo. Ele está em todas as partes e o importuna
continuamente com um ponto de vista. A própria vida parece empenhada em que seja
compreendida. De tal forma que é uma prática muito útil nos imaginar no lugar da outra
pessoa e nos perguntar qual seria nesse caso, o nosso ponto de vista. Pequenas
discussões se evitariam com isso e muitas oposições se aclarariam rápida e
pacificamente. Se pudéssemos empregar um pouco de afabilidade ao ajustar as nossas
diferenças, ajudaríamos muito a aliviar o peso da vida cotidiana.
Um ponto de vista, só por ser o nosso não é necessariamente correto, já que
pode estar arraigado no preconceito. Nossa razão, a que usualmente assumimos
infalível, move-se normalmente na escorregadia superfície das nossas preferências e
antipatias, mesmo quando evita a inclinação à ira. Quando dizemos “este é meu ponto
de vista”, não temos dito nada para justificá-lo, apenas temos declarado nossa posição
desde o pináculo da arrogância de onde não queremos ser desalojados. Se não há lugar
para outra pessoa aí, isso nos permite gozar de um sentido de solitária superioridade. A
partir dessa eminência, os outros se tornam pequenos. Mesmo quando não o fazemos
para nos engrandecer senão que para manter um princípio, isto não assegura que vemos
as coisas em sua correta perspectiva ou em seu devido aspecto, porque pode ser que a
vejamos através de um véu de preconceitos, como conseqüência do nosso
temperamento, ou da nossa educação, ou pelas circunstâncias da nossa vida.
Mesmo quando o nosso princípio é correto, sua aplicação pode estar errada.
É muito possível invocar um princípio para defender uma injustiça. A forma como
aplicamos um princípio sob dadas circunstâncias é tão prova de retidão como o próprio
princípio, em sua fria impersonalidade. É muito raro encontrar um homem de visão
clara, tão reto em suas perspectivas que vê cada coisa como ela é, na objetividade que
Deus lhe deu.
Quando estamos ressentidos ou quando trabalhamos sob a compulsão de
alguma emoção tensionada ou suspensa, é muito difícil ver outro ponto de vista que não

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seja o nosso, mas ao passar do tempo, quando as condições normais são restabelecidas,
podemos nos dar conta de que fomos injustos, em nosso juízo e também em ação, por
causa de nossa confusa visão. De tal maneira que se podemos nos disciplinar e
considerar cada situação a partir do ponto de vista alheio juntamente com o nosso,
evitaremos muitas emoções desnecessárias e a dor moral de haver infringido um juízo
impulsivo. A dourada regra “faça pelos outros o que queira que outros façam por ti” é
uma máxima que nos aconselha que nos coloquemos no lugar da outra pessoa e depois
determinar nossa ação. Quando fazemos isso há probabilidade de chegar a opinar como
ele.
Um ponto de vista pode nos ser atrativo ou repulsivo, mas se for
sinceramente professado pela pessoa com que tratamos, merece, pelo menos, nossa
consideração. Algumas vezes nos atemoriza porque é estranho às nossas idéias, mas se
o contemplarmos de perto e submetê-lo a estudo, encontraremos que está justificado, o
mesmo que o nosso pela batida do coração da natureza que forma o vínculo entre todo o
mundo.
É imprudente refutar um ponto de vista sem antes examiná-lo. Embora este
faça cair uma sombra sobre nós ou sobre nossos semelhantes, o único modo de dissipá-
lo é por meio da luz de nossa compreensão.
Entrincheirar-se em um ponto de vista, que chamamos próprio, é ser um
prisioneiro; e somos prisioneiros de um ponto de vista principalmente por falta de
imaginação, não por falta de bondade inata. Um homem é um homem apesar de toda
estupidez e paixão que desenvolva. Nele há uma partícula indelével de bondade, mas a
medida que faz seus contatos na vida, frequentemente a bondade permanece latente.
Mas deve ter esperança, porque a compreensão pode ser cultivada e ao aperfeiçoá-la, dá
o poder de entoá-la com perfeita exatidão com o chamado alheio, com suas
necessidades e circunstâncias.
A experiência de cada um de nós deveria nos ter ensinado que nosso
crescimento vai sempre acompanhado de mudança; de que à medida que elevamos o
desenvolvimento moral, nossos objetivos se transformam e alteram. Assim não há razão
para supor que devemos nos aderir aos nossos pontos de vista presentes com lealdade
que pode ser dedicada à melhores causas. Além do mais toda proposição tem dois lados
ou mais; vivemos num mundo de muitas dimensões, embora vejamos poucas por vez.
Antes de poder alcançar a plenitude de compreensão, parece que devemos aprender por
experiência a verdade dos princípios que estão em conflito. Socialismo e
individualismo, endeusamento e humanidade, liberdade e disciplina e todos os opostos
similares, que as pessoas perseguem devotadamente, devem reconciliar-se em uma
verdade que os transcenda, mas que expresse todos. O ponto de vista alheio pode
colocar ao nosso alcance riquezas de conhecimento que não podemos descobrir por
nossos meios. É o ponto a partir do qual a outra pessoa reage diante da vida e sua reação
pode ter qualidades que nós não possuímos. Shakespeare foi um grande homem porque
compreendia a vida sob muitos ângulos, embora nem todos os seus indivíduos fossem
grandes homens.
O ponto de vista de um gênio pode ser o ponto de concentração de todo um
desígnio filosófico, o cume, figurativamente, de todo um sistema de pensamento,
conhecendo profundamente seu alcance, contemplado desde um lado, a consumação do
sistema e de outro, sua origem. Há verdade em muitos destes pontos de vista, porque
cada um é uma porção do total, que é verdade. A essência ou semente de uma filosofia
encontra-se muitas vezes não tanto na idéia que é concreta e limitada, mas em um ponto
de vista que domina o alcance do pensamento que se amplia. Muitas vezes até um

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homem simples – inculto no que se refere a livros – pode nos assinalar um valor omitido
nas nossas elaboradas sofisticações.
Um ponto de vista pode estar baseado em uma atitude ou em uma opinião. A
atitude importa mais que a opinião. Aventuro-me a pensar que a maioria das nossas
opiniões importam comparativamente pouco, porque há pouca permanência nelas; de
todas as formas a verdade vence rapidamente nossas opiniões. Mas a atitude da mente
com que vivemos nossa vida é o que faz a diferença com relação à felicidade da
sociedade e a nossa. Adotando uma atitude aberta, podemos ajudar a outros e a nós
mesmos. Esse serviço demanda compreensão, porque sem compreensão nossos
melhores esforços para ajudar a outros só estorvam e esta não pode ser alcançada exceto
por meio da recepção do ponto de vista alheio.
A compreensão de outras mentes não necessita que nos tornemos menos
capazes de tomar decisões, nem admitir que havendo verdade em outro ponto de vista
debilite a validez do nosso. Tolerância não significa indiferença à injustiça, senão
compreensão da sua causa. O que é necessário é estar em simpatia com o homem que
está expressando o seu ponto de vista. Se conseguirmos isto, poderemos viver plena e
alegremente, perdoando aos outros suas oposições e diferenças, sem dar-lhes
importância só por ser diferentes. Aliviamos a pressão exercida sobre nós quando
deixamos viver.
A era presente é descrita de várias maneiras, conforme o ponto de onde se
contemple seus desenvolvimentos. Politicamente, a evolução da democracia tem sido
considerada o rasgo principal embora este princípio tem sido submetido a sério desafio
em certas partes, tem tido a suficiente atração para colorir a perspectiva das pessoas em
todos os lugares do mundo. Mas a democracia para ter êxito necessita o cumprimento de
aspectos essenciais: que cada indivíduo que cumpre com seus deveres deveria receber
garantia da mais completa liberdade, enquanto esta for compatível com o bem-estar
público; liberdade para viver sua vida de acordo com suas idéias e de dar sua
contribuição ao Estado. Não apenas outorgar-lhe respeito à sua pessoa e a sua
personalidade, mas conceder-lhe também oportunidades para desenvolver sua
personalidade na infância, e mais tarde deveria ser reconhecido tanto o valor e
necessidade de seu próprio sistema para trabalhar, como o seu ponto de vista.
Devemos buscar uma ordem onde o ponto de vista de cada um,
representando sua experiência, tenha seu lugar na soma total da vida social e nacional.
O ponto de vista de cada um é, em sua maioria, o produto de sua experiência e a vida é
tão rica em experiência que ninguém recebe exatamente a mesma porção que seu
vizinho, seja em qualidade ou quantidade. Se o mundo humano não fosse um mundo de
vida e o problema de harmonia social fosse um problema mecânico, seria um quebra-
cabeças do qual seria impossível encaixar exatamente as peças. Mas a vida é um agente
que constrói um milhão de células de diversas classes para formar um todo perfeito.
Nossa sociologia pode ser tão exata como a biologia, se começamos com a admissão de
fatos e a fundamos em axiomas naturais. Eu especificaria, entre estes axiomas, que o
êxito da vida coletiva deve depender da plenitude da vida do indivíduo.
Temperamento, profissão, amizades, circunstâncias, tudo isso contribui para
formar o ponto de vista a partir do qual o homem considera a vida. Todas essas coisas
condicionam sua mentalidade. Se tivéssemos a virtude de entrar na mente alheia e ver
através dela, perceberíamos muitos aspectos da vida que estão selados no presente para
nós e deste modo, elevarmo-nos até o pináculo de onde esses aspectos são percebidos.
Infelizmente, a maioria nos conhecemos tão pouco, seja sobre nossas limitações ou
nossas capacidades.

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A religião e a nacionalidade são influências específicas que criam distinções,
assim como separação. Por estes e outros fatores, a vida humana é especializada e os
resultados desta especialização constituem riqueza e diversidade. Tempo há de chegar,
ou melhor, já tem chegado, como rompimento das barreiras materiais, para fusão dessas
diversidades em uma só unidade. Nesses dias quando todas as partes do mundo se
conectam pela facilidade de transporte e as comunicações entre países distantes são
feitas rapidamente como conseqüência da ciência e suas invenções, o ponto de vista
alheio requer mais atenção e respeito do que era concedido antes, em que se vivia com
menos pressa. A paz do mundo em cada um de seus aspectos físico, mental e moral e
nosso progresso, depende de lhe cedermos o lugar que merece.

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CAPÍTULO III – AVALIAÇÃO MORAL

Só quando começamos a estudar o valor que atribuímos, consciente ou


inconscientemente aos elementos que formam nossas vidas, começamos a viver
inteligentemente. Mas a faculdade que nos permite esse exame é muito rara de se
encontrar e tão só demonstrada por poucos indivíduos, embora a influência exercida
pelas pessoas que a possui se estenda a um maior ou menor círculo, de acordo com seu
dinamismo e a maneira em que sua influência seja propagada.
O presente se caracteriza, entre outras coisas, por um “esquadrinhar” de
corações e valores mais intenso e extenso que antes. É óbvio que as pessoas de todos os
lugares do mundo encontram-se agora em uma situação onde há necessidade de uma
reconstrução radical de valores, em descobrir quais são as coisas nas quais mais
acreditam e que mais apreciam, não só teoricamente, mas também em sua conduta
prática. Um cristão comum pode professar que crê nas sublimes doutrinas da Oração do
Horto, mas a fé que atualmente governa sua conduta é demonstrada no seu lar, nos
mercados, nas oficinas, nos escritórios, nos clubes, nos campos de batalha. Isto também
é assim com relação à pessoas que professam outras religiões.
As guerras mundiais que passamos, as atuais condições do mundo e o perigo
de outra catástrofe, excedendo ainda mais a magnitude da última, combinam-se todas
para provocar pensamentos sobre quais são os valores que são reais e que deveríamos
nos empenhar em mantê-los em nossas vidas, eliminando assim as ilusões. O dinheiro, o
poder de todas as classes, a pompa e a posição social, os prazeres e satisfações, são
obviamente tentadores, e são perseguidos com febril energia, e estes são os valores que
reinam no empório da vida de mãos dadas com estas qualidades ou idéias aos que
atribuímos esse termo, como liberdade, verdade, respeito à lei, dever, lealdade, bondade,
beleza e justiça. Tudo na vida tem teoricamente e na prática seu valor para uma ou outra
classe de pessoas. Mas os valores de um indivíduo dependem do juízo que têm formado
ao externá-lo. Nisto, como em outros aspectos, evoluímos apenas por meio de
experiências como indivíduo e como sociedade e nosso crescimento se registra no valor
que motiva nossa ação.
Os valores de um selvagem são indiferentes aos de um membro de uma
sociedade onde há influências de artes, de normas de vida mais complexas, e os efeitos
das instituições estabelecidas. Quando usamos a palavra “valores” ela soa abstrata e
intangível mas admitamos ou não, eles existem em cada sociedade e formam o princípio
que serve de fundamento à psicologia e conduta da raça a que pertence. O que esses
valores representam na realidade para as pessoas podem ser observados em suas vidas,
pois são uma herança de sua prévia história cultural e sociológica. Os valores que
realçam seus pensamentos e motivos são aqueles que foram estabelecidos por homens
ilustres que viveram entre eles, como também o produto de seus próprios esforços e
experiências. É necessário tempo para comprovar todas as coisas, para separar o
verdadeiro do falso, o que estimula a vida e o que a destrói.
As pessoas da Índia, assim como os chineses, entre outras nações do mundo,
têm um critério de valores desenvolvido através de uma longa história de pensamentos e
conhecimentos que se refletem em sua filosofia e literatura nas suas instituições sociais
e seus costumes, em todo o seu modo de viver. É certo que por causa de sua larga
aceitação, esses valores se tornaram convencionais e tem perdido até certo ponto, seu
significado. O ideal de AHINMSA, ou não violência, do qual o Senhor Ghandi foi tão
notável expoente, não importa quantas vezes na prática seja transgredida, ou ainda seja
mal interpretada, é produto de um profundo reconhecimento que bate no fundo da mente

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hindu que foi moldada em milhares de anos. Todo o conceito de dharma apresentado ao
hindu por tradição e por seu código social e religioso, está fundamentado em certo
grupo de valores com relação a sua vasta extensão de efeitos e repercussões, cujo
alcance crê, de acordo com a filosofia hindu, não apenas uma vida, mas numa sucessão
de vidas a reencarnar e não apenas relacionadas com os ganhos e perdas temporais do
homem, com seus prazeres e dores, senão com sua felicidade permanente, com o seu
progresso dirigido para a emancipação final da dor.
As duas guerras mundiais foram combatidas para conquistar a liberdade de
indivíduos e nações, de viver sua vida à seu bel prazer e sem ser molestado, sem
ditaduras ou meio de violência, de ter seus próprios pensamentos e poder expressá-los,
enquanto esta ação seja consistente com o gozo de igual liberdade dos demais. Esta
liberdade foi comprovada com o esforço dos aliados e custou sacrifícios sem
precedentes nos anais da raça humana. Este é obviamente um princípio cujo valor para a
felicidade duradoura de toda a raça humana foi exaltado e fixado por consentimento
geral, e dado a chave de uma escala de valores por meio da qual as expressões da vida
humana serão moduladas e governadas.
Disse chave porque afeta todas as fases de nossa vida. Tomemos como
ilustração a infância e o problema da educação para que o indivíduo possa alcançar um
Máximo de aptidão para a vida futura. Está sendo reconhecido, mais e mais, que quase
cada criança tem em si sementes únicas, que se forem desenvolvidas, poderão chegar a
ser sua mais preciosa possessão e sua contribuição à cultura de sua sociedade; de
maneira que a originalidade em seu mais tenro começo, mais ainda que depois quando
está mais pronunciada e manifestada, é de um valor que, como um raro metal
desprezado e ignorado, começa a tornar-se importante. A conformidade era uma virtude
quando era necessário estabelecer a existência de leis naturais invariáveis, e de acordo
com os filósofos hindus, também de leis morais operando igualmente, invariável e
naturalmente, em uma esfera que não é mais que uma extensão da natureza segundo a
definimos baseados em nossas limitadas percepções. O respeito às leis, que em sua
ordem natural são invioláveis e que na sociedade humana são a base de uma ordem justa
e estável, é um valor essencial para nosso crescimento e felicidade, que nunca
transcenderemos. Mas se ao promover conformidade com qualquer sistema de
pensamento estabelecido, seja incorporado na educação ou em qualquer outro ramo de
nossa ordem social limitamos o livre movimento do pensamento, sua apta expressão e
livre exploração, matamos a possibilidade de originalidade e variedade e no lugar de
servir a causa da vida, que é a causa do deleite e da expansão, servimos a finalidade da
petrificação e da morte. De maneira que em qualquer sistema expansivo com uma escala
de valores que ate, ate no sentido de criar ordem e harmonia, não caos e discórdia, a
individualidade, seja de uma criança ou de um cidadão adulto, deverá ter seu lugar e
valor fundamental.
Há certos valores que duram para sempre. Mas todos estão resumidos na
maior felicidade humana que pode ser obtida na terra, já que cada homem, melhor, toda
a forma animada, procura conseguir mais vida, mais felicidade. A busca instintiva com
esse fim, que na realidade não é um fim mas um passo contínuo de um estado a outro,
não é incompatível com aqueles valores que promovem felicidade universal e
individual; o incremento de vida expressado, não em parasitismo, mas na faculdade
criadora e na contribuição ao bem geral. Mas toda civilização incorporando tais valores
não terá necessidade de ser mantida por força porque servirá às necessidades inatas das
pessoas que participam dela. Cada indivíduo pode estar em liberdade nessa classe de
civilização, de chegar à aceitação desses valores por sua própria observação e
experiência. Não têm necessidade de serem forçados por métodos que são adotados em

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estados autoritários para condicionar a mente de seu povo. Uma luz verdadeira não
necessita mais que ser enunciada ao determinar os dados que ilumina e resume.
A guerra mundial enquanto durou, enfatizou contraste entre os ideais que as
respectivas nações combatentes defendiam. Era um tempo de tensão, de visão, e de
valores realçados; quando a vida, a felicidade e a fortuna eram tão espontaneamente
sacrificadas, não podia haver valor maior colocado na causa, que era considerada maior
que estas benções tão cobiçadas na pacífica vida normal. Mas os valores percebidos
quando as cordas da consciência humana estão em tensão e depois sustenido para
reverenciá-los, tendem a dissolver-se quando a magia do momento desapareceu e não só
há reversão à estreiteza de nossa vida rotineira, senão que há uma reação devido ao
excesso de tensão imposto pelo esforço. Em uma era de contatos promíscuos, de
incessante e fera propaganda e de métodos de mobilização em massa, é mais difícil que
nunca ver claro e sustentar um critério de valores. No entanto, esse é o único mapa e
compasso que possuímos para chegar a nosso refúgio.

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CAPÍTULO IV – O JOGO DE OPOSTOS

O ocultismo está cheio de paradoxos difíceis de entender portanto auxilia


para que se forme conceitos falsos e até suspeitas sobre ele. Todas as verdades
espirituais tem uma qualidade de perfeição e daí aparência de JANOS, que nasce da
dualidade original na natureza das coisas: espírito-matéria, conhecer e conhecido, ator e
objeto de ação.
Primeiro está a unidade; sua primeira descida à manifestação é em direção a
dualidade. Então a corrente da vida se divide sucessivamente.
O princípio de equilíbrio, de compensação, onde o karma é uma
manifestação, está em todas as partes da natureza. Há oscilações por todos os lados
porque tudo é movimento na natureza, mas ao redor de um centro de equilíbrio. Mesmo
no modo de pensar mais parcial há um subconsciente ou acadêmico equilíbrio em seu
reconhecimento do oposto. Nossa inteligência nutre-se com diferenças de quantidade e
qualidade. Cada categoria implica seu oposto: calor implica frio, longo é relativo à
curto, o abstrato segue ao concreto; assim que quando temos a idéia de multiplicidade,
subconscientemente, senão conscientemente, sabemos que é o oposto à unidade.
Quando vemos mortalidade, postulamos imortalidade. Quando percebemos a definição
de objetos em um campo de percepção, pensamos abstratamente na falta de definição ou
indefinível. Similarmente, a consciência de espaço e tempo nos faz chegar ao que
chamamos, embora não percebamos, a consciência do mais além do espaço e do tempo.
Quando pensamos em resistência, afirmamos algo que não encontra resistência, ou seja,
que se move por todos os lados que é omnipresente. De modo que da matéria
procedemos ao espírito. Então postulamos estes opostos porque temos uma razão ou
plausível para assumir sua existência, uma razão na natureza, ou por causa de nossa
categórica e bifurcada mente! Uma resposta à isso é que ambas explicações estão
corretas, o universo surge do jogo das mesmas forças que nossa mente. Nas duas há
categorias; há contrariedade em ambas. Uma das contrariedades pode ser no mais além,
não percebido claramente, porém adivinhado.
A contrariedade é na verdade um complemento; essa verdade que surge da
hipótese da unidade. Se do número um a fração 3/7 emerge, a outra é 4/7. O número 3 e
o 4 tem diferentes significados na ordem da natureza, mas 3/7 e 4/7 fazem a unidade.
Vemos esta dualidade não apenas na filosofia, no sujeito e no objeto, mas por toda a
natureza, como: homem-mulher, noite-dia, causa-efeito, e também na vida humana
comum. Os opostos começam com uma relação de separação, daí procedem ao conflito,
resultado do qual é o domínio de um, sublevação do outro, e eventualmente terminam
num equilíbrio perfeito de livre cooperação. Isto é percebido em várias relações. A livre
cooperação é uma relação onde cada um retém sua individualidade de ser e de ação.
Estão as fases complementarias da existência única a um nível mais elevado:
ser e ação, existência e energia, Shiva e Shakti. O processo de aperfeiçoamento, do qual
a unidade é tanto origem e fim sintetizado, como o ser independente da limitação do
tempo que é uno com sua energia, são também opostos; pode ser que se podemos chegar
a ver a relação entre o tempo e o que está fora da limitação do tempo, o que entre o
tempo e o que Está Fora Das Limitações do Tempo, este se fundiriam em um só. A
evolução e a eternidade, são possivelmente uma dualidade enraizada numa unidade
básica.
No reino da ética, da organização social e política, da psicologia, toda
virtude, toda verdade, é apenas parcial; ou seja, há uma virtude ou uma verdade
complementar. As frases: “Mata sua ambição. Trabalha como trabalham aqueles que
são ambiciosos” e outros aforismos similares da “LUZ DO CAMINHO”, põem de

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manifesto estes complementos. Cada um por si mesmo não é suficiente. É fácil ser
enérgico quando se tem a ambição de sobressair, de ser importante, quando se é
alentado pelo amor próprio; mas é difícil atuar com desapego ou renúncia, nascido de
um motivo perfeitamente puro e sem egoísmo. O verdadeiro artista, que trabalha por
amor ao seu trabalho, pode estar mais firmemente encaminhado no devido caminho,
segundo diz o mesmo livro, que o ocultista que apenas ampliou os limites de sua
experiência e de seu desejo. Os motivos são muito sutis e qualificam o efeito. Matar o
desejo pelo fruto pode resultar em inação. Desde o ponto de vista filosófico, que é
correto? Socialismo ou individualismo? Não direi capitalismo, pois o capital é somente
uma acumulação. Há verdade em ambos, assim como em monismo e dualismo.
Um verdadeiro filósofo evita todos os “ismos”, porque cada “ismo” cobre
um vazio. Quase cada filosofia dos períodos pós-clássicos do oeste, porque é tão
puramente mental, é um “ismo”, é muitas vezes a prolongação de uma só idéia (ou de
duas idéias conexas) para explicar muito do que não pode ser coberto.
O senhor Buda predicou o meio termo na conduta humana: o equilíbrio
perfeito. Dourado meio também foi ensinado na Grécia como caminho da virtude. Na
prática é muito difícil, porém matematicamente produz os máximos resultados porque
evita ter que regressar ao ponto de partida e evita dilações. Ordinariamente, uma reação
conduz à outra, o pêndulo oscila. Quando estamos em equilíbrio vamos mais longe com
um mínimo de esforço e de desgaste de energia. Exceder-se é mais fácil que pousar-se
no limite correto, o limite da ação perfeita. Cometemos excessos porque temos ambição
de alcançarmos resultados, ou porque cobiçamos uma sensação que é induzida em nós
por uma atividade em particular, ou por causa do ímpeto alcançado, que é uma
inclinação inconsciente de prolongar a sensação.
Se dizemos que o que se necessita é conhecimento de si próprio, não há “eu”
à parte de ou exceto em relação à “outro”. Não podemos nos colocar em contato com o
sujeito, com nossa consciência, naturalmente, exceto com relação a um objeto. Assim
que o efeito do objeto é criar, ou melhor, manifestar a natureza do sujeito.
Um dos Sete Raios ou qualidade temperamentais entre as que o ocultismo
divide tudo na vida, está descrito algumas vezes como raio dos opostos. Cada raio é,
entre outras coisas, um modo de compreender o processo universal, porque cada um
deles está ativo através de todo o processo. Nas primeiras fases o jogo dos opostos
produz conflito, como por exemplo entre a mente e as emoções, mais tarde chega a
harmonia – o equilíbrio do perfeito andrógino. Mas em cada raio as virtudes de todos
eles terão que entrar em jogo, daí, entre outras qualidades, o equilíbrio ao que se chega
ao ver os pontos de vista opostos, de ação que não erra em nenhum dos dois lados.
A simpatia completa produz equilíbrio. Este equilíbrio, que é a correção de
todas as formas de parcialidade, resulta em apreciar a qualidade de cada coisa e pessoa,
como é, sem comparações que qualifiquem o apreço. Se se amplia a compreensão de
cada coisa com que a vida o confronte e é afetado por ela, a vida evoluirá nele uma
totalidade que será a síntese perfeita de cada experiência necessitada. Ao final, não se
pode ser outra coisa que si mesmo. Todos os presunçosos moldes deverão romper-se
cedo ou tarde. Quando se é sensitivo aos destros toques da natureza que são as sutis
variações da vida, depois que tenha atuado em nosso tosco plano geral, reluzirá em nós
nossa inata beleza, que também se encontra nela.

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CAPÍTULO V – A ATIVIDADE DO DESEJO

A sensação nasce do contato dos sentidos e é a base de nossa relação com o


mundo dos fenômenos. É nossa maneira de perceber que tem valor, em seu lugar, como
um meio de receber conhecimentos, felicidade e crescimento. Quando uma sensação
(digamos a sensação sexual, que podemos considerar típica) se torna psicológica,
convertida em necessidade e é mesclada sem discriminação com o processo de nossos
pensamentos, é que começa a confusão.
Quando a sensação é de prazer, Manas ou a mente, que é o instrumento de
percepção, apega-se ao método de percepção; ou seja, a esta sensação em particular. O
desejo surge da forma ativa ou vitalizada deste apego, o desejo de repetir a experiência.
A repetição é essencialmente mecânica, pertence a natureza material, é uma forma de
inércia. A memória é repetitiva. O desejo também é repetitivo. Tem seu ciclo de origem,
crescimento, termina em satisfação e renascimento imediato.
A atividade do desejo é produzida pela mente. Mesmo nos animais o desejo
surge por causa da mente subconsciente.
A mente e a sensação geram desejo ao submergir a mente em sensação. A
sensação está mentalizada e é dessa forma que a mente identifica mais tarde a sensação,
a retém como uma base de pensamento e como memória. Também a mente é
sensacionalizada, ou seja, seu pensamento está afetado pela sensação, seu prazer ou sua
dor. A reação ao prazer ou à dor penetra no pensamento e o guarda. Se isso não fosse
assim a sensação existiria só por um momento, só quando houvesse contato direto
excitante e assim não produziria desejo.
É a mente que em sua parte material (também está conectada com seu
princípio espiritual) enlaça o passado com o presente e associa uma coisa com outra por
meio da observação e comparação. Arrasta atrás de si recordação e cria redes de
associação.
O desejo, que é um impulso criado pelo contato da mente com a sensação,
invade a mente. Desta forma se perpetua e se espalha. A sensação, com sua origem no
passado se estende até o presente. Suas vibrações originais continuam em diminuição (a
menos que sejam estimuladas) como os tons de um diapasão, por meio do contínuo
meio da mente. A mente recorda a sensação passada, e como está envolvida no desejo,
goza da sensação e trata de prolongá-la e intensificá-la. Por meio das associações que a
mente faz, o desejo se espalha pelos conteúdos da mente. Daí que cada associação se
encontra afetada e excita o desejo.
O desejo, se é sexual, trabalha por meio do sistema nervoso. Toda sensação é
uma excitação dos nervos, ou seja, de todo o corpo. Quando a mente recorda esta
excitação, ou seja, a revive na memória, o desejo se estimula em cada associação, até
que alcança seu cume. A mente se torna escrava dessa excitação e não pode funcionar
sem ela. Mas como escrava está ativa, açoita os sentidos com toda classe de artifícios,
para aumentar o desejo e alimentá-lo.
Isto vemos demonstrado em espetáculos sensuais públicos ou revistas.
Aquele que produz a revista representa a mente. É o que imagina e desenha todos os
detalhes para atrair os espectadores e atuando sobre suas associações mentais, estimula
seu desejo sexual que intensifica as velhas associações e as espalha por novas. Cada
detalhe se torna um riacho que engrossa a corrente do desejo e da excitação, resultando
em um estado de interação, um círculo vicioso entre a mente estimulada pelo desejo e os
nervos.

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Quanto mais excitação haja nos nervos, mais se vivificará o corpo e se
gozará dessa sensação corporal. Quanto maior for o gozo, maior será o apego a esse
gozo e mais ardente o desejo de sua repetição.
A “arte” em uma novela erótica consiste também em estimular associações.
De forma que muitas pessoas caem sob domínio da luxúria intensificada que
vai sempre aumentando, o que as torna, eventualmente, autômatos que existem para
satisfazer essa luxúria, monstros que não se detém diante de nenhum obstáculo sob sua
implacável tirania. Sua gratificação, no final, sufoca e destrói todos os generosos
instintos porque a mente está entrincheirada em sensação. A luxúria se transforma em
crueldade, em sadismo. Mesmo em sua forma mais débil, a luxúria e sua gratificação
produzem indiferença para com os demais, destrói o amor em seu único, belo e
generoso sentido.
É através da mente que o desejo é controlado e vencido. O homem sábio não
diz “eu desejo”, senão que pode separar-se dele. Eventualmente aprende que “sua”
mente é principalmente um processo de pensamento que contraiu.
Quando o coração está cheio de amor que busca como dar e não como
receber e gozar, que não busca intensificação de “si mesmo” por sensação enraizada em
egoísmo, os desejos tem que desaparecer. O amor é o antídoto da sexualidade, quando
esta é um problema. Quando há santidade de amor naquele em que não existe egoísmo,
pode se contemplar todas as coisas que seriam excitantes a uma mente afetada pela
sexualidade, como através dos olhos de uma criança inocente.
Na vida moderna, o “amor” está associado com possessão e gozo. Porém sua
verdadeira relação é com ausência de desejo de qualquer forma – sutil ou grosseiro.

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CAPÍTULO VI – KARMA

A lei do karma explica muito e satisfaz moral e cientificamente. Sua


alternativa, segundo observamos, é casualidade, injustiça, ou caos. Mas a lei do karma
não nos explica tudo satisfatoriamente. O príncipe Sidharta, que mais tarde se converteu
em Buda, sabia tudo o que concerne ao karma, que era uma doutrina bem recebida e
extensamente aceita na Índia bem antes que ele tivesse êxito na sua busca pela verdade
da tristeza e do sofrimento. Porém sem estar conformado com o que outros explicavam
decidiu buscar por si próprio o segredo da dor, sua causa e sua cura. Descobriu sua
causa no princípio do “euismo” que é o coração de nossa limitada existência
manifestada. Temos que penetrar, ou melhor, dissolver este coração para poder alcançar
a verdadeira compreensão.
Podemos evitar os efeitos do karma feitos previamente? Minha resposta seria
que esse desejo de escapar de nossos problemas e dificuldades é uma fraqueza que
prolonga e aumenta o karma. O desejo de evitar os efeitos de nossas próprias ações é
causado pela influência de um erro sob o qual vivemos. O karma, não importa quão mal
pareça, é sempre benéfico porque retifica. É uma lei inexorável que ninguém pode
esquivar e que existe onde quer que a natureza atue em nós ao mesmo tempo em que
nós atuamos, de maneira que corresponde com nossa ação, embora o efeito seja
retardado pela natureza do meio material onde a operação se efetua e o tempo que serve
de amortizador. Mas de nós depende engendrá-lo e cada momento estamos engendrando
novas forças, através das velhas forças que são até certo ponto neutralizadas, ou
desviadas e modificadas. O efeito do karma é sempre uma restituição, a restauração de
um equilíbrio perturbado.
Toda a ação, e isto inclui cada pensamento, tem uma repercussão na
consciência ativa, modificando sua natureza, ou seja, acondicionando-a, e é a reação do
universo exterior – o retorno do golpe do objeto ao sujeito – que desfaz esta
modificação, descondiciona o sujeito, a menos que esta modificação não seja
modificação externa, mas apenas uma etapa no desenvolvimento do inato e invulnerável
Ser. De maneira que não devemos fugir desse golpe, o efeito retificador, que deixará
intocada a pura forma de nosso Ser, na sua original individualidade; seu efeito é apenas
para libertar a este ser da envoltura das modificações com que está encoberto, uma
envoltura que não deforma a este Ser, mas que previne sua manifestação.
Pensamos em causa e efeito de forma dividida pelo elemento de tempo
implicado, porém nos é ensinado que o tempo é ilusório. Se eu me bofeteio, sinto o
golpe imediatamente. Não há intervalo entre o soco e a sua sensação. O karma embora
tome o seu tempo, opera com os mesmos resultados. O karma atua como se o indivíduo
fosse o único centro do universo do qual irradia várias forças, que ao tropeçar com a
resistência no universo, ricocheteia; algumas atrasadas pelas circunstâncias, algumas se
mesclando com outras forças, neutralizando ou modificando assim um pouco o seu
curso, mas todas eventualmente alcançando-o de um modo ou outro.
Karma é uma lei que reflete a união do espírito na multiplicidade da matéria,
a união de um ser que está só no universo, porém que se cria novamente a si próprio
através de cada centro contínuo no meio da matriz material. E uso a expressão “criar de
novo” para sugerir uma criação contínua de um estado pré-existente, uma sucessão de
pulsações no processo criativo de cada um desses centros. A consciência que tem seu
centro em todas as partes e sua circunferência em nenhuma, que se diz pertencer a um
elevado plano espiritual, tem sua correspondência em uma infinita multiplicidade de
centros que parecem estar separados, mas que são sutilmente um, e que no estado de

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separação, de individualidade, atua sobre todo o universo e este atua sobre ele de uma
maneira que afirma a verdade da unidade e seu estado de solidão.
Já que o homem é o criador do seu próprio karma e não apenas sua criatura,
é razoável que deve pegar certas partes de sua experiência que ainda tem que se definir
e tomar forma; ele as determinará segundo proceda. Certos eventos parecem estar fixos
e outros dentro da probabilidade. Nem tudo pode ser determinado previamente. Quando
pensamos no plano de Deus como algo inalterável, encomendamo-nos à predestinação,
que representa uma parte do que na realidade acontece. Podemos dizer que certas forças
já geradas tendem gradualmente para certos eventos que não podem ser evitados. Como
não estamos em posição de ver todas as forças que operam no universo, não podemos
responder perguntas sobre o futuro com absoluta certeza. O homem sábio é aquele que
enquanto planeja desempenhar todas suas responsabilidades, vive num estado de
essencial indiferença sobre o futuro. Isto torna-lhe a vida deleitável sem torná-lo
irresponsável e permite-lhe capturar novamente a qualidade aventureira da vida. Não
viver sob o peso do passado, do qual nascem as penas do amanhã, é um modo de
experimentar as vivas emoções do presente. De todas as penas a que mais facilmente
podemos desfazer, se temos o sentido comum suficiente, é do medo ao que nos vai
acontecer na passagem do término mortal de nossa existência física para o mais além, a
passagem que a maioria da humanidade equivocadamente considera como uma grande
aflição e uma dolorosa causa de medo.

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CAPÍTULO VII – VIDA E MORTE

A filosofia contempla a morte de um ponto de vista bem diferente da maioria


das pessoas, não importa de que fé. O medo à morte é muito comum no mundo e é
representada como o rei dos terrores. Na Índia, os costumes e os ritos funerários
impressionam seu horror na mente dos doentes com sua pompa quase barbárica,
enquanto que nos países ocidentais o horror com o qual se contempla está coberto com
o silêncio de uma negra dor. Porém do ponto de vista do homem interno é um incidente
periódico na caminhada do seu progresso e como diz o BHAGAVAD GITA “para quê
chorar o inevitável?”.
Não é um incidente danoso e há razões para crer que usualmente não é
doloroso. A mudança, na maioria dos casos, é decididamente para melhorar. Descartar-
se do pacote mortal deve ser de um sucesso cheio de alívio, não angustiante. O mundo
físico é para nós o verdadeiro círculo exterior da escuridão. O processo de respirar para
dentro, que é o que a morte é em suas fases sucessivas, é um processo de aproximarmo-
nos mais ao centro de onde partimos. Por todos os lados vemos a alternância de noite e
dia, Manvantara e Pralaya, nascimento e morte, expansão e contração, limitação e
transcendência, aumento e decadência, o ímpeto do pêndulo eterno. Toda a
manifestação é, então, uma dualidade, o ritmo de oscilação de pólo a pólo de qualidade
ou de estado. Visto desta maneira, há uma lei de morte e nascimento constantes, todo o
tempo e em todas as partes, e não há nada estranho nem terrível nesta operação.
De um ponto de vista prático, a morte significará simplesmente um
movimento de um peão no jogo de xadrez, para os Senhores do Karma, e provavelmente
não é considerado por Eles como um evento de extraordinária importância. Pode ser
uma recompensa por um trabalho bem feito, a conseqüência de um juízo de que o
homem se desenvolverá melhor em outro lugar que onde se encontra, se sua encarnação
se prolongar. Pode, em muitos casos, ser um evento ajustável e até certo ponto, talvez,
sob nosso controle. De todas as formas, se fizermos o melhor que pudermos sob
qualquer circunstâncias, podemos ter esperança de receber melhores oportunidades na
próxima vez.
A morte não corta os laços humanos nem cancela obrigações mútuas. É um
dramático evento na vida como o nascer, enamorar-se, o florescer de uma flor, a
aparição de uma nova estrela, a saída ou cair do sol. A morte não rompe o dourado
vínculo do amor, nem o férreo elo do ódio, embora a conexão física se separe por um
tempo. Embora a morte bata suas asas ao nosso redor sempre, para que não nos passe
por alto a sua existência, não tem poder sobre a Vida essencial do homem – que é
imortal – porque é divina. A imortalidade é uma idéia proeminente na doutrina religiosa
hindu. Não só os deuses a alcançaram ao beber o néctar como é dito poeticamente; mas
se considera uma façanha ao alcance dos mortais que tenham o intrépido valor e a
perseverança que são requisitos necessários para isso.
A imortalidade é considerada geralmente, como uma liberação de incidentes
da vida mortal física, embora algumas lendas – cujo significado original tem sido
materializado por expoentes do exotérico – dão preeminência à idéia de uma
imortalidade física objetiva. Este é um estado desejável, ou mesmo tolerável? Isto deve
ser considerado por aqueles que aceitam tais histórias da doutrina sagrada dos hindus
em seu sentido literal, como as de Markandeia e outros que diz que se sobrepuseram à
morte. É um benefício poder começar novamente – cada encarnação – recém banhados
nas águas do Leteu, em esquecida inocência. Cada vez nos retiramos dentro de nós
mesmos para nos colocar sob melhores vantagens no mundo exterior. O quadro negro é

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limpo para que desenhemos num quadro mais perfeito. Se tivéssemos que desenhar num
quadro já cheio de inumeráveis e indeléveis caracteres correríamos o risco de tornar
maior a confusão, até nos perder em um emaranhado de recordações, amargas e doces,
engendrando remorsos e despertando novamente paixões, que causaria pelo menos
confusão, porém que seria provavelmente como um pesadelo.
O conceito de imortalidade como um estado que pertence apenas àquele que
merece imortalidade parece razoável. A qualidade básica – que é indefinível – que em
qualquer trabalho do homem se diz que dá título à sua perpetuação, é a qualidade da
beleza, de inspiração, que comunica alguma verdade àqueles que estão prontos para
percebê-la, que desperta assombro e que apela à este sentido no homem que é mais
duradouro que gozar da experiência sensual. A Beleza é Verdade e a Verdade é Beleza,
indubitavelmente, porque ambas são aspectos da mesma Vida.
Que é Vida? Este é um mistério, mas conhecemos suas manifestações. Pode
ser considerada como a consciência e atividade do Eu em todas as coisas, que é Uno,
Infinito, infinitamente capaz, imortal, que não pode ser modificado pelo tempo ou pelo
espaço, eternamente belo e criativo. A natureza desse Eu tem sido imaginada como Luz,
como Fogo, como Som. A Morte o acompanha em todas as suas formas, exceto na
plenitude. Porque o processo de sua manifestação necessita ser uma limitação e uma
retirada. Pravritti Marga e Nivritti Marga, caminhos de saída e regresso,
respectivamente, são uma atividade cíclica que é uma tentativa sucessiva para o alcance
da definição própria da entidade ou consciência, uma passagem do menos ao mais. A
vida no mundo é vida em uma prisão; a vida dentro de qualquer forma deve,
inevitavelmente, transformar-se em uma prisão. Mas o Dharma de cada etapa consiste
em tornar a vida nela tão perfeita, tão bela como for possível.
Assim que passando de etapa em etapa, crescemos em conhecimentos e em
capacidade e, eventualmente, quando o quadro perfeito for desenhado, será belo
contemplar em todas as suas partes e em sua totalidade, e toda a confusão, o árduo
trabalho, a busca cega, o sofrimento e o cansaço, parecerão não só maravilhosos e
valiosos para alcançar uma meta tão gloriosa, senão que talvez diferentes do que nos
parecem agora. Talvez mesmo agora, de uma forma misteriosa e inimaginável, seja uma
revelação do que saberemos algum dia, sem mancha, em sua perfeita sabedoria, força e
amor.

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CAPITULO VIII – LIBERAÇÃO

A liberação pode ser tomada do ponto de vista religioso comum; desde o da


psicologia moderna, ou desde o ponto de vista filosófico;
Liberação do ponto de vista religioso exotérico, que é o do homem comum, é
essencialmente mundano na maioria dos casos, mesmo quando toma o hábito religioso –
é mais um meio de escape que outra coisa. Para eles, a religião se torna “um complexo”,
um meio de consolo que se transforma numa debilidade, em um refúgio do campo de
batalha da vida; um manto respeitável para cobrir a inação, uma razão para relaxar a
carga da responsabilidade, uma satisfação para um íntimo impulso cuja qualidade não é
diferente aos outros impulsos de sua natureza. O homem religioso vê a liberação como
uma retirada final de desmaio e tensão de uma vida difícil e pouco satisfatória. Mas tal
retirada implica não apenas a derrota do propósito da vida e a confissão de debilidade,
mas também o isolamento da salvação individual com a que os demais não concebem; e
de acordo com esse conceito o homem que obteve sua liberação vive nesse estado de
isolamento gozando de uma bem-aventurança egoísta na presença de seu Deus, para
sempre.
Liberação é também um termo familiar no pensamento psicológico moderno,
que tenta analisar os elementos que entram na composição do homem como uma
entidade psicológica, e busca como explicá-lo baseado naquilo que percebe na sua vida
consciente e subconsciente, o psicoanalista ajuda a seu paciente a manter-se consciente
das frustrações que experimentou e dissolver os complexos gerados pela sua repressão.
Esse meio de alívio ao qual o paciente é guiado, inclina-o às vezes à livre indulgência
de qualquer insaciável paixão, ou desejos, que reprimiu ate este momento.
Por um lado abnegação, refreamento, pelo outro indulgência de si próprio,
licenciosidade.
A filosofia, que é uma síntese da verdade em qualquer extremo, ou a verdade
que equilibra os dois, oferece um ponto de vista do qual podemos perceber que o
caminho da liberação não está nem na luxúria nem na sua repulsão, mas no amor que
transcende ambos e que produz uma compreensão em que há um equilíbrio nascido de
uma profunda harmonia interna e que dá uma saída construtiva a essas energias
criadoras que jazem em nosso íntimo Ser.
Em cada etapa de evolução, cedo ou tarde, o homem pode viver em um
estado de equilíbrio, criativo até certo ponto, embora não tenhamos aprendido a
construir uma classe de sociedade onde esta ordem é possível. Correta educação tem
que ser o meio para alcançá-lo.
A liberação pode ser imaginada como um fim e como um processo. A
compreensão do processo no qual estamos envolvidos abrirá nossa visão do fim.
O processo é continuo e é o caminho descrito na filosofia hindu como o
caminho de retorno, o caminho no qual o homem já não sente a sede de ter mais e mais
experiências das que provê a terra, senão que tendo alcançado um ponto de saturação,
busca como conhecer o valor e significado de tudo isto e compreendendo-o, descobrir-
se a si próprio.
Então chega a etapa onde se descobre o que é limitado e o que limita.
O que deve liberar-se é a realidade em nós mesmos, como somos
interiormente, e não como acreditamos ser. Temos que desembaraçar-nos dessa natureza
que temos adotado, que é nossa limitação. O fluxo de nossa consciência tem sido
dividido, estreitado e persuadido por nossos afetos, repulsões, ambição, medo,
convencionalismos e hábitos.

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A liberação é essencialmente descartar-se do frio e venenoso egoísmo, do
qual nasce todo o mal e todo o monstruoso. Nossa experiência cotidiana pode nos
ensinar que da nossa normal concentração em nós mesmos, o amor, como uma emoção
de sacrifício ou força é o único e supremo libertador.
Infelizmente, nesses dias, o significado do termo amor é degradante. Dá-se
uma conotação de excitação sexual, sua indulgência e um estado de possessão baseado
no insaciável desejo de tal excitação. Este não é o amor de que fala São Paulo em suas
carta aos Corintios, ou o Bhakti (devoção abnegada) do verdadeiro devoto.
O principal meio de liberação em relação a todos os nossos semelhantes só
pode ser amor expresso em serviço – ação onde o próprio ser se esquece – por meio do
qual o Eu mais alto se manifesta, resultando na criação de beleza e felicidade.
O ocultista, o homem que aspira alcançar perfeita aptidão espiritual em sua
vida, tem que transcender toda classe de desejos, toda debilidade que pede indulgência e
alcançar um estado de domínio espiritual de si próprio, assim como vencer sua
necessidade de possuir. Seu amor consiste em dar de si mesmo em abundância, que é a
expansão de si próprio, mas não em possuir nada em realidade. É a neutralização do
veneno do euismo e a liberação do movimento prisioneiro da vida de suas limitações de
tempo para a eternidade.
Os direitos de possuir, de afirmação de si mesmo, e de indulgência sem
limites, são infelizmente, os fenômenos mais desenfreados da vida moderna e aos quais
se devem a maioria das dificuldades. Nenhuma pessoa sensível pode esperar alcançar
uma perfeição impossível na etapa presente, nem fará bem predicar ao homem vulgar o
ideal do Sannyasin hindu, ou daquele que tudo renuncia. Mas não há nesses dias
nenhuma disciplina moderada, nem ideal de verdadeira vida espiritual que possa ser
praticada pelo homem vulgar. O mérito da maravilhosa ordem de Ashrama “etapas da
vida” na Índia antiga era que os deveres consignados a cada etapa – na juventude, na
idade adulta, na idade de profunda maturidade e no período precedente à liberação
temporal do corpo – eram calculados para preparar o indivíduo para a próxima, e poder
manter-se consciente de um profundo propósito espiritual.
O ideal do amor, posto ao nível da vida prática, deve significar o serviço de
cada um para todos os que estão dentro de sua esfera, consideração aos direitos dos
demais, controle de si mesmo, e em particular a suspensão de crueldade e da luxúria
excessiva. Pode haver certa medida de liberdade espiritual para aquele onde as
condições de vida se organizem sobre esta base.
Cada um deve descobrir em si mesmo aquilo que é capaz de uma bela
expansão, o que será uma proteção e bendição para os demais, o meio para libertar a luz
em si mesmo a qual em comparação, tudo é sombra. Nesta luz e nesta expansão está a
mais pura felicidade.
Há momentos, que chegam raramente, quando sentimos a bem-aventurança
de esquecer de nós mesmos temporalmente, seja por meio do amor humano, por
devoção, ou pelo trabalho, e em tais momentos, ascendemos certa chispa que algum dia
se transformará em uma brilhante e majestosa chama. Quando alcancemos este estado
seremos homens livres.

(20)
CAPÍTULO IX – DEUS E HOMEM

Muitas vezes se diz que esta não é uma idade de Deus e religião, mas do
homem e de seus triunfos. O senhor C. Jinarajadasa, expressou essa idéia muito bem ao
descrever o tipo de santidade que seria o coroamento da consumação do tempo presente,
como a realização de “Deus, o homem irmão”. Temos que aprender a perceber Sua Luz
nos semblantes de nossos semelhantes. A doutrina da Transcendência, está tão longe do
alcance do homem que se tem prestado a todo tipo de perversão e à imaginação de um
estado de absolutismo que está para além de qualquer relação da ordem relativa natural.
O homem tem feito de Deus a imagem de suas próprias fantasias e grosserias e o tem
colocado num pedestal onde Ele: ou reina como um caprichoso déspota com atributos
humanos similares aos de seus devotos, ou permanece como uma abstração da qual não
devemos nos preocupar em nossa conduta prática.
Toda a verdade que está fora da compreensão humana tenderá a ser
apresentada sob uma forma ridícula e desonrosa. Uma criatura que percebe apenas duas
dimensões não pode, ao viver num mundo de 3, compreender tudo o que acontece,
exceto sob termos fantásticos e muito complicados. O falhar tão miseravelmente em
compreender a sólida realidade não refuta sua existência. A teoria de relatividade não
pode pela sua natureza, desestabelecer o absoluto, ainda que o absoluto não possa ser
mais que uma frase para uma mente relativa descritível apenas em termos do que não é.
Podemos compreender as limitações que nos impedem de conhecer a realidade e os
filósofos que a tem compreendido e assim a tem transcendido, tem dado testemunho da
Realidade em sua própria consciência, vista como por uma luz refletida; refletida desde
essas mesmas limitações.
A principal nota de mentalidade da era presente é a exploração do concreto e
o estabelecimento das leis de seu reino. O caminho do progresso científico moderno e
do filósofo – dos quais lorde Bacon foi, entre outros, dos primeiros expoentes - vai
desde o tangível e o concreto, ao intangível e abstrato. Este método tinha que começar,
necessariamente, com a demolição de crenças e teorias existentes que regiam as
atividades desse período. Essas crenças e teorias concernentes não apenas com coisas
objetivas, mas também com homens e mulheres, e sua negação, abriu o caminho – no
campo das relações humanas - à democracia, entre outras teorias concomitantes. A era
do homem começou, embora crua e materialisticamente, com a contestação de Deus e
de todo o antitético, para as percepções exteriores nas quais sua consciência estava
ativamente centrada. Mas a ciência progrediu o suficiente desde então para que alguns
de seus mais avançados pensadores se dessem conta das origens filosóficas e das leis
que dominam os dados científicos, estendidos hoje muito mais além dos confins dos
descobrimentos iniciais. Ao universo mecanicista do século XIX, foi-se instilando o
princípio de vida, de forma crescente, e tem-se figurado mais e mais como fator central
criativo e onipresente, no plano de evolução que a ciência propôs como um de seus
descobrimentos principais. A Vida, a morte, o homem se tornaram sucessivamente e em
certo grau, a imagem e o termo ao redor do qual tem-se centralizado muito do
pensamento científico moderno.
Hoje, a suscetibilidade do homem que lhe permite percepção ao longo de um
mundo de avenidas de pensamentos convergentes, lhe revestiu de tanto significado, que
o conceito do que é e como deveria ser considerado pode muito bem ser descrito como
fator decisivo na civilização do futuro. A aceitação da idéia de que o homem é um deus
latente, uma verdade que é o pivô do sistema filosófico, inevitavelmente tornará a
civilização mais semelhante à divindade. Então se compreenderá que a natureza da

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deidade e a natureza do homem em sua mais recôndita e incorrupta essência formam
uma unidade glorificada e a vida humana será considerada como terreno para o cultivo
de uma semente espiritual imperecível. A natureza de Deus será conhecida até certo
ponto; o suficiente para nos elevar a alturas que transcendem nossa consciência
presente, quando a natureza do homem adquire certa aproximação a seu inato arquétipo,
a forma a que será guiado pela sublimação de suas experiências e pela integridade em
suas ações. Deus regressará para ocupar seu lugar em nossas vidas quando honremos ao
homem por haver sido feito a sua imagem e como um símbolo de sua presença – o
homem como um filho de Deus, eterna e essencialmente uno com o pai – não como um
renegado rebelde que vai contra as leis de deus (ou das da mãe natureza) tratando de
usurpar seu trono na vã presunção de uma entidade separada.

(22)
CAPÍTULO X – A GRANDE ILUSÃO

“Conhece-te a ti mesmo”. Porque o eu é o fator que condiciona nossos


conhecimentos e nossas reações de acordo com a sua natureza. Do ponto de vista
materialista da ciência do século XIX, o eu ou a mente – consideravam os dois
significados como sendo o mesmo – eram produto da matéria ou das circunstâncias,
pertencentes ao corpo físico perecível. O ponto de vista oculto era diametralmente
oposto e desde então tem sido justificado. A “Personalidade Humana E Sua
Sobrevivência”, de Myers, marcou a mudança de perspectiva da ciência sobre a
constituição e a natureza do homem. Mas devemos notar que a sobrevivência do corpo
não comprova a permanência do princípio supervivente que é o da consciência humana
ou do eu. A ciência moderna não nos levou muito longe no caminho de sua natureza
atual. Por outro lado, os filósofos antigos principalmente na Índia, dirigiram suas
minuciosas investigações a este princípio, cuja constituição tem sido dissecada e
examinada com inesgotável esmero. Sua dissecação e análise – nem sempre simples
especulações como os orientalistas ocidentais nomeiam tão facilmente – levaram aos
mais assombrosos descobrimentos. Esses descobrimentos não são menos assombrosos e
revolucionários que os resultados das investigações da ciência moderna, já que tomaram
o caminho que traçou Copérnico, Newton e Einstein sucessivamente.
A mudança fundamental em nossa compreensão, produzida pelo estudo de
qualquer das duas, é o destrocar dessa base de egocentricidade onde o homem, no alvor
de sua inteligência, procedeu em construir as teorias relativas de sua existência. Ele é
um infinitésimo na ilimitada continuidade do tempo e do espaço – ilimitado mas não
infinito de acordo com Einstein – e a consciência em que descansa seu eu é tão efêmera
como a natureza externa, de acordo com as investigações da ciência subjetiva. Não é
uma maravilha das maravilhas que a única certeza do mundo de cognição humana, o
fator principal que entra em jogo em todas as suas experiências, ou seja, seu próprio eu
– como é chamado afetuosamente – provou ser a maior ilusão de todas, pois em um
sentido artificial criado pelas suas investidas com o mundo externo, da qual suas
recordações são as marcas?
O espaço, o tempo e o eu, tudo se torna ilusório, eles constituem
aparentemente um triângulo de ilusões. É obvio que antes de ter esperança de perceber a
natureza dessas ilusões, temos que estudá-las com uma inteligência que não esteja
afetada por elas, que pode contemplar as extensões do nosso problema desde uma nova
dimensão. A ciência oculta nos ensina a existência dessa possibilidade. À luz dessa
inteligência, que está incrustada em todo o ser humano como um germe sem ter sido
desenvolvido, seu eu - como é conhecido aqui – não é nada mais que um cercado de
sombras ao qual trata de manter e reforçar por todos os meios psicológicos ao seu
alcance. Antes de poder compreender a natureza do tempo e do espaço, em termos
diferentes dos símbolos matemáticos, tem que preparar em si próprio um estado de
consciência que possa pegar impressões frescas dos fenômenos que os constituem e
saber ler seu significado sem ser afetado por métodos usados previamente para
compreendê-los. Tem que ser um estado de consciência onde a faculdade de receber
conhecimentos esteja livre da escravidão da adesão as suas percepções anteriores; livre
do impedimento da inércia que o arrasta sem que se perceba sobre os limites de novas
percepções diretas, dependendo do contato entre sujeito e objeto de momento a
momento. Tem que ser uma faculdade tão sutil que não aceite conexão entre um e outro
ponto em tempo e espaço, a menos que possa percebê-la diretamente ou verificá-la por
si mesmo. Tal expansão iluminativa e concentrada de consciência tende a dissipar

(23)
primeiro as trevas que rodeiam a prisão de sua própria origem. Somente realizando a
natureza do eu que nos limita, que a faculdade de cognição, removida de seus labores,
se torna suficientemente refinada ou purificada para compreender o aspecto externo
desta eterna relação entre ser e não ser, que é o que constitui a essência da manifestação.

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CAPÍTULO XI – FELICIDADE

Felicidade é a condição ou estado que buscam todos os seres vivos. É


inerente na vida, que é um processo de movimento constante, de expansão. Toda
evolução é um processo de organização para a liberação de vida, mais vida.
Por isso há alegria num mero viver da vida através de um instrumento
perfeito, através de uma forma perfeita. Olhe os pássaros e os animais quando são
livres. Apesar de que se devoram uns aos outros, apesar da dor ocasional, sua vida é
alegre, enquanto o homem não intervir. O homem é quem caça, é aquele que os enjaula,
que os tortura e os despoja de mil formas.
Mesmo o homem que morre como mártir ou que se inflige penas corporais, o
faz porque lhe dá prazer afirmar seu domínio. Experimenta assim uma felicidade que
prepondera a dor.
Maior que as alegrias da natureza física são as alegrias das emoções e da
mente, a alegria de criar, a alegria de uma experiência estética, ou a de amar. Cada uma
dessas é uma experiência em diferente nível.
De acordo com a filosofia antiga da Índia, a natureza da vida, ou de ser, é
bem-aventurança. A vida é obviamente uma força motriz. É também segundo podemos
ver, um fundo de energia latente, um armazém de potencialidade; é, até onde podemos
ver, ilimitada. Quando a energia flui de forma que dá saída a essa potencialidade, há
felicidade. Quando há restrição, há sofrimento ou dor. Tal restrição se deve ou ao molde
em que a vida que flui é aprisionada ou por uma alteração que sofre quando trata de ser
algo que não é.
O que é que cria este molde, ou que causa esta contorção? Nos seres
humanos obviamente, é a mente.
Qual é a relação entre a mente e a vida? A mente é inerente na vida. Desde o
ponto de vista da filosofia que é a sabedoria inerente nas coisas – todas as coisas –
aonde houver vida há realização ou consciência, adormecida ou desperta, em germe ou
desenvolvida.
Onde há mente há dualidade: o eu e a outra pessoa, dentro e fora, uma coisa
e outra. A mente não se satisfaz com deixar que a corrente de vida siga seu curso, no seu
plano natural, mas coloca metas e objetivos de acordo com experiências que recorda e
busca ser algo que não é. Ou quer restrição dentro dos limites de certos hábitos, os quais
lhes dá satisfação de ócio ou indolência (de Thamas), ou atua de acordo a certas idéias
ou desejos, que também vem do passado e se desfiguram violentamente no processo.
Este é o homem ambicioso ou apaixonado, homem de Rajas.
Nos dois está a limitação da mente e vida do homem. Em um caso pelo
simples ímpeto de velhos hábitos de pensamento e ação e no outro pelas manobras da
mente sobre as experiências passadas, produzindo novas idéias ou desejos.
Desde que o resultado seja estagnação ou ambição, estupidez ou desejo
febril, existe um retrocesso no processo natural da livre expressão do que há dentro de si
mesmo, e daí resulta a infelicidade.
As palavras “perseguição da felicidade” fazem parte de uma frase
pronunciada freqüentemente na América: “direito à vida, à liberdade e à perseguição da
felicidade”. É interessante que os três estados que são inseparáveis – vida, liberdade e
felicidade - que surgem de dentro e não apenas de uma reação prazerosa por excitação
externa, unem-se em uma frase. Felicidade é inerente a vida, não necessita ser
perseguida ou buscada, e em sua livre expressão, nos seres humanos é possível apenas
quando as ações da sua natureza, da sua mente não são influenciadas pelo seu passado.

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Não deixa de ter seu significado que, de acordo com a filosofia da antiga Índia, o fim e
meta da vida era concebida como Moksha ou liberdade absoluta. Não era apenas
liberdade da necessidade de uma vida terrestre e de seus labores, liberdade de karma,
das complicações de nosso passado; mas também das limitações de nossa capacidade
para viver; em outras palavras, a vida em um estado de liberdade tal como podemos
conceber que uma flor vive sua experiência quando ela é ela mesma (considera os lírios
do campo, não trabalham nem tecem, mas neles há exuberância de viver).
O problema não é um problema de felicidade, que é nosso privilégio ao
nascer. Todos crêem ter direito à felicidade. Apenas estranham quando há dor, não
compreendem porque há de existir essa dor. O problema é um problema de sofrimento e
de dor, como especificou há muito tempo o senhor Buda em sua sabedoria. O
sofrimento e a dor são as negociações da vida pelas limitações impostas.
Esta limitação, que é o próprio karma, é imposta a cada um por si mesmo,
em sua ignorância. Somos prisioneiros de nossas recordações, ansiando a repetição de
prazeres passados, planejando como repeti-los, construindo uma vala de segurança por
medo de perdê-la e nos fechando dentro dessa vala.
O homem feliz é aquele que não é escravo dos seus desejos, onde mente e
coração estão livres de ansiedade pelo amanhã. Ser dominado por um desejo não é ser
um homem livre. Quando está perturbado pelo desejo não experimenta felicidade.
Quando o desejo está satisfeito, a satisfação é temporária; há uma reação de cada
satisfação, e todo o processo se repete perpetuamente. A verdadeira felicidade é uma
experiência que não dá lugar a reação porque nasce de nossa própria expressão, de
nossa própria manifestação. Não surge de fora, não depende de nada, não está em
encher um vazio dentro de nós mesmos, não é alívio do tédio. Não é o mesmo que
prazer, que surge da excitação do corpo físico ou de qualquer outro corpo.
A verdadeira felicidade não é um estado em que o homem se separa do resto
do mundo e se coloca indiferente a ele, como quando estamos sob o estímulo de bebidas
fortes ou das drogas. O estado mais alto de felicidade é aquele onde a consciência é
universal, livre como o vento, e pode identificar-se com cada movimento – com o vôo
de um pássaro, com o tremor de uma folha, com o trabalho de uma formiga, com
sorrisos e lágrimas de outros seres humanos – tudo em um instante. Um homem que
está concentrado em satisfazer sua luxúria não pode pensar mais que na sua satisfação e
em si mesmo. O desejo imoderado de prazer, que é luxúria, pode destruir a humanidade,
individual ou no mundo em geral.
Também especifiquei liberdade pelo anseio do amanhã. Isto não quer dizer
que não se deva planejar a vida e vivê-la de forma inteligente. Mas devemos ter esta
elasticidade de espírito, chamemos valor, e a boa vontade de aceitar qualquer estado que
nos confronte, que é o único que nos permitirá viver sem angústia: um homem livre no
verdadeiro sentido da palavra.
Pelo menos, podemos alcançar certa medida de felicidade, tomando a vida
filosoficamente. Muito da nossa desdita é devido à maneira que enfrentamos os
incidentes da vida. Um bom batedor de Cricket pode fazer que a bola rebote no ângulo
para o lado do campo apenas roçando a bola. Se alguém faz um comentário
desagradável sobre nós, podemos não dar importância – o que faremos se não
possuímos muito do que se chama em sânscrito Ahamkara ou euismo – ou podemos
pegar fundo e deixar que nos fira que machuque os nossos sentimentos até que nos
prenda de um modo que seja difícil se soltar.
Aquele que busca generosamente como proporcionar felicidade aos demais,
a cria para si mesmo. Há alegria em dar, que sempre aumenta, há prazer que decai, no
receber. A felicidade do homem não é medida por suas possessões. É possível dormir

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mais profundamente no solo que num colchão de plumas. Dizem que Deus distribui os
seus favores muito desproporcionalmente; mas ele é muito imparcial na quantidade de
felicidade que assigna a cada um de seus filhos.
Liberdade do desejo, se isto pode ser alcançado, é a chave do segredo da
felicidade. Esse segredo está em si mesmo e não em nenhuma outra parte do universo;
nem mesmo em deus, porque o que chamamos Deus não é a realidade, mas apenas uma
projeção de nossa própria mente. Este segredo consiste em ser você mesmo – que não
consiste em chegar a ser isto ou aquilo, que é o que tem planejado e tem desejado nossa
ambiciosa mente. Há um chegar a ser na natureza que é questão de forma. Ser é da vida,
em sua essência e pureza. Mas quando queremos chegar a ser, alcançar, ganhar,
experimentar, colocamos um objetivo fora de nós mesmos ao qual aspiramos alcançar.
Então há luta, conflito, a renúncia à felicidade que é possível encontrar dentro de nós
mesmos. O cessar do desejo, ao realizar sua natureza, é a separação do não ser e a
realização do verdadeiro ser. Nisto consiste a maior felicidade. Há uma passagem
extraordinária em um dos Upanishads que compara a felicidade dos mortais de vários
Devas e de outros. A felicidade maior, segundo essa passagem, é a felicidade do homem
que realizou sua natureza de Braman, a verdade em todas as coisas e dentro de si
mesmo e que já não é agitado pelo desejo.
Não desejar é amar tudo; porque é desejo o que separa aquele que goza do
objeto a gozar e de outros aos que possa servir esse objeto. Quando existe amor sem
possessão e sem a busca de gratificação dessa possessão, há bem-aventurança. Amar é
dar de si mesmo e dar é a experiência da felicidade. A felicidade consiste na plenitude
de vida. A vida é consciência e existe em todos os níveis, no mental, no emocional, e no
físico. Plenitude implica, portanto, no cume da realização, a realização de todos os
ideais, da verdade, da beleza e da bondade, a harmonização do pensamento e da ação.
Então não vive desde um centro interior nele que não há possibilidade de conflito, onde
há uma fonte perene de pensamento, de sentimentos e de ação, todos perfeitamente
mesclados, todos respondendo instintivamente à necessidade de cada situação segundo
se apresenta de instante a instante.

(27)
CAPITULO XII – JUVENTUDE

Os jovens são aqueles que deixaram o céu recentemente. Ainda têm ao seu
redor os halos das influências celestiais. Daí que através deles é mais fácil aproximar o
céu à terra. Ou dito de outra maneira, elevar a terra ao céu.
A terra como a encontramos em todos os seus aspectos, está muito longe de
ser nosso verdadeiro lar e meta de nossas aspirações. Por ser sórdida e cruel faz com
que queiramos moldá-la de acordo a nossa íntima saudade; especialmente agora quando
os tempos parecem estar fora de ordem, onde o futuro antagonizando ao passado
ameaça romper a ponte que os une e arrastar o mundo dentro de um abismo de
contendas e caos.
Hoje em dia, em qualquer das particularidades da vida, identificam-se
situações que chegaram ou alcançaram seus pontos culminantes de discórdia, onde estão
presentes polarizações de forças opostas, que devem resolver-se por meio de um choque
explosivo ou por um imediato ajuste; em outras palavras, por meio de uma revolução,
como de um monstro destruidor, ou por uma rápida evolução, tão rápida como um
relâmpago, porém pacífica; uma revolução como o abrir-se de um botão quando se
transforma em flor, ou como dar a luz uma criança.
Para levar a cabo uma mudança desta natureza, necessitamos revolucionários
intrépidos, desejosos de serem construtivos, cujas ações estejam guiadas por um plano
inteligente que prometa ordem e liberdade. Esse novo plano deve dar, aos nossos
tempos, a reconciliação que tanto necessitam, e estar baseado em princípios que possam
relevar à prova da experiência; princípios que conservem o melhor da evolução do
passado enquanto permitem o livre progresso de novas idéias e das experiências
recentes.
O mundo não pode sobreviver sem estabilidade ou sem uma base para uma
vida social, ou seja, sem paredes para proteção e comodidade, e uma abóbada celeste
que lhe sirva de inspiração. Necessitamos um novo céu e uma nova terra, uma terra que
reflita a beleza, a unidade e a liberdade desse céu, como as marcas triangulares da nova
era.
O passado condenou-se a si mesmo. Suas forças têm sido determinadas para
sua própria destruição. Da batalha do kurushetra, no Mahabharata só ficou o progenitor
da nova era, que para nós é o elo com o ser mais alto do mundo, cuja personalidade é
celestial. Este elo está no espírito de juventude, mas é nessa verdadeira e pura
juventude, onde se encontra a essência de muita experiência anterior.
A juventude do mundo constituirá esse elo, porém, uma juventude não do
corpo, mas uma juventude do espírito, própria daqueles que são jovens de coração e que
têm em si o fogo rejuvenescedor. Deles está formado o reino do céu da humanidade,
que não só o herdarão, como também, o estabelecerão para todos os demais.
Em todos os lugares do mundo exceto nas tradições da antiga Índia, a
juventude é identificada com a inexperiência e a ignorância. Embora isso possa parecer
apenas superficial, um estudo cuidadoso indica, que de um ponto de vista espiritual,
nossa capacidade de ignorância aumenta com a acumulação de experiência não
resolvida, ou seja, à medida que, viajamos mais e mais pelos labirintos de uma
existência que compreendemos pouco, nos afastamos mais e mais da direção de uma
verdadeira compreensão. Porém, ainda que em nossos primeiros anos não tenhamos
familiaridade consciente dos fenômenos e processos do mundo, existe guardado em
nossos corações a experiência destilada do passado, que é tão superior, em qualidade,
aos acúmulos materiais da vida, como são as leis e princípios, que mesmo dando a

(28)
cadência a um vasto campo de fundamentos, são superiores aos próprios fundamentos.
De modo que, o coração sempre viçoso e sensível, que ainda não está envolto pelos
véus da ilusão, engendrados pela nossa ignorância mundana, é onde existe o puro e
potente elixir com o qual podemos regenerar nossos seres e criar uma ordem, nova e
bela, para esse desintegrado e velho mundo material, incorporando-lhe uma nova fase
da Vida Divina.
A juventude pode ser a falange da velhice, não pela virtude de sua
impulsividade, nem por sua abundância de energia bruta ou a debilidade que a faz
seguir tudo que seja novidade ou excitante, nem por qualquer coisa que satisfaz sua sede
recém desperta, senão que pelo poder que contém, como no interior de uma semente, de
aplicar a pura sabedoria, que está dentro de si mesmo, às condições em que se encontra,
sem limitar-se pelos métodos de experiências passadas e livre do peso da mecanização,
que sempre aumentando, tende a debilitar todo e qualquer novo impulso.

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CAPITULO XIII – DA ESCURIDÃO À LUZ

Antigamente na Índia os períodos naturais do mundo eram divididos em


quatro ciclos, dos quais o quarto se denomina Kali Yuga, ou a era da discórdia, da
confusão e do materialismo, representando a etapa do emaranhamento mais espesso do
espírito humano ou divino, em suas tarefas materiais. Dizia-se que no Kali Yuga haveria
uma intensificação de todas as energias ao sair, e tornaria a vida mais difícil; mas para
aqueles que esforçando-se pudessem sobrepor a essas dificuldades teriam uma
oportunidade de desenvolvimento que as condições determinadas de yugas ou eras
anteriores não brindava. Vemos na natureza graus variáveis de mudanças, e
proporcionalmente a esses graus de mudanças, períodos nos quais esses graus de
mudança devem ser medidos diferentemente. As medidas, enfim, que o astrônomo
registra as mudanças que observa, por exemplo, na posição ou crescimento de uma
névoa, que o geólogo divide, em épocas, a historia da vida das rochas e dos minerais, ou
as medidas dos períodos da evolução biológica das formas, do progresso humano, do
crescimento individual, assim como, do desenvolvimento social, todas têm que ser
descritas em diferentes escalas. O Kali Yuga, é a época presente, é o tempo de vida
acelerada. De acordo com outra classificação oriental é a era de rajas ou mobilidade e
saída, que é distinta das outras duas gunas ou qualidades, quais sejam, thamas que
significa inércia e estabilidade e satwa que significa ritmo e harmonia. Velocidade é a
paixão de hoje em dia, já que é comum a pressa para pegar o ônibus, para apresentar-se
a um compromisso, para conseguir um emprego, para vencer os nossos rivais nos
negócios ou para divertirmos ainda mais. Nos falta aprender a usar esta nova faculdade
de agilidade e movimentação, que tem quebrado todas as prévias restrições, com
sabedoria e domínio para conquistar nossa verdadeira felicidade. Quando há tantas
partículas humanas voando por todos os lados levando chispas, como germens, tem que
haver inevitavelmente por um tempo, um aumento de choques de confusão e maldade,
de mau ajuste e falta de harmonia. Estamos nesta situação.
No entanto não devemos perder as esperanças. Depois que houver uma
revolução completa, o ciclo volta a começar e se diz que quando o Kali Yuga termina,
depois de ter havido uma nova classificação, ou em outras palavras, um ajuste baseado
em valores novos tanto para pessoas quanto para as coisas, emerge o Satya Yuga ou a
Era da Verdade: o milênio dourado.
A palavra milênio significa algo tão distante para nós, que só podemos ter
uma vaga visão do mesmo, já que não concorda com os fundamentos dessa nossa
experiência presente e que nos impressiona tanto. Mas podemos reconhecer que tendo
êxito na criação de uma sociedade baseada em ideais capazes de manterem-se firmes
nas mentes humanas, esta tenderá naturalmente a sua consolidação e durará; até que
esses ideais percam gradualmente sua forma original, sejam envilecidos, e homens com
poder e influência, porém incapazes de representa-los, prostituam-nos, usando-os para
seus próprios fins. Não há razão para que a reconstrução do pós-guerra, que tem-se
falado tanto e em tantas partes do mundo, não possa eventualmente resultar numa
estrutura que dure um tempo considerável. Que dure ou não, dependerá da natureza de
sua estrutura, de suas bases, se preenche, em si, seu propósito que é a felicidade
humana, de como esteja delineada, da qualidade do material com qual se construa, e
esse deve estar composto de seres humanos como nós. Nenhuma estrutura dura mais
que o material do qual está composta. Se o material não dura, a estrutura tampouco
dura. O que faz que o material se mantenha unido e firmemente resistente é uma atitude
nova, uma idéia nova ou a idéia de uma irmandade universal. A extensão mais ampla
desse espírito de boa vontade é aquela que nos países cristãos é a principal influência do

(30)
natal. Se esse espírito puder triunfar sobre as forcas crescentes da sombra, que nos
arrastam aos calabouços da separatividade e do isolamento mantendo-nos acorrentados,
então o mundo será testemunha de uma era de luz, de iluminação e de felicidade onde
todas as pessoas poderão participar.
Num dos festivais mais alegres celebrados na Índia, chamado Deepavali, que
literalmente significa cercar com luzes, tem-se a idéia que Vishnu, a segunda pessoa que
é sempre o redentor e o rei divino, vence ao inimigo da paz e da retidão, o príncipe das
sombras. O festival é celebrado para comemorar este evento e é contemplado com
banhos purificadores, roupas novas, visitas a amigos e conhecidos, com fogos de
artifícios e jogos, e com a consumação de tudo aquilo que se considere as boas coisas da
vida. Todas essas lendas são, naturalmente, alegóricas.
As forças da escuridão não estão somente na Natureza, de onde elas não nos
dizem respeito, mas que de todos os modos, só não é obscura para aqueles capazes de
explora-la examinando-a com o puro olhar do espírito, senão que, também em todos
nós. Neste caso são nossos instintos primitivos, como forças cegas e sem inteligência, e
nossas paixões elementares enraizadas na parte tosca e material de nossas naturezas.
Temos que afugenta-las com o poder de nosso ser espiritual, antes de poder estabelecer,
em nós, o reino dourado da sabedoria e retidão. O reino de Deus, este que há de chegar,
está dentro e fora de nós mesmos, e a não ser que suas leis se estabeleçam firmemente
dentro de cada individuo, são vãs as esperanças de que sua autoridade prevaleça no
mundo exterior.
Há uma história no famoso épico hindu, Mahabarata, sobre a maneira que o
maior dos príncipes vitoriosos, finalmente, ganha seu reino. De acordo com o costume
tradicional solta-se um cavalo e deixa-o vagar livremente. Qualquer um pode captura-lo
e mantê-lo amarrado. Porém, aquele que o consegue desafia, com sua ação, ao Príncipe,
e se este sai vitorioso em todos os desafios, é reconhecido e coroado como Governador
ou Imperador. Aqui, o Príncipe é um fragmento do Ser Divino esperando ascender ao
seu Reino, o homem interior, o imortal Governador, como é descrito pitorescamente na
obra religiosa hindu mais reverenciada, o Bhagavad Gita. O cavalo é a mente sensitiva,
veloz e com capacidade, para ser usada numa variedade de excelentes propósitos.
Porém, a mente esta sujeita a ser capturada e aprisionada por uma superstição ou por um
erro. As forças que impedem a supremacia do Príncipe são as várias paixões que se
apossam de nossas mentes. Quando o Príncipe é entronado como Governante de tudo, o
Reino ao qual governa é o Reino perfeito da retidão, onde tudo está em ordem e em paz.
É interessante notar como as grandes verdades da vida espiritual são
apresentadas de diferentes modos em diferentes religiões.
Retomando o nosso tema central constata-se, que o estabelecimento do
indivíduo num estado de harmonia com seus semelhantes é tão essencial como o sábio
manejo de seus assuntos pessoais. E essa harmonia requer o alicerce básico da boa
vontade. Quanto mais irradiamos boa vontade aos nossos semelhantes e para todas as
formas de vida ao nosso redor, nos harmonizamos e sentimos a felicidade que estamos
proporcionando aos demais.
A paz e salvação estão em nós mesmos. O advento da cristandade significa
tanto o nascimento do Cristo histórico e universal, como esse segundo nascimento de
cada individuo, que é simbolizado pelos hindus numa cerimônia chamada Upanayana,
literalmente colher ou seguir a trilha da luz ou dos conhecimentos espirituais, na qual o
estudante é iniciado desde cedo. Temos que nascer no reino dos céus depois do
nascimento físico no reino da terra, e na Índia se considerava que o momento certo para
se despertar para as realidades do espírito, era enquanto as persianas da prisão não

(31)
haviam descido para o jovem visitante, apagando assim a divindade que pertence a
nossa inocência.
Nascer em Cristo é a frase que usa São Paulo. O Cristo desse conceito está
em cada um de nós, numa gestação solitária, e nosso nascimento ao mundo da luz e do
ar é o abrir-se da flor da alma, se me permitem mudar de metáfora. Esse abrir-se, por
pouco que seja, dá acesso à câmara interior de nosso ser a insinuações, que começam
com um murmúrio apenas discernível e crescem até atingirem um desenvolvimento
melódico maravilhoso, sustentado por harmonias apropriadas do tema do individuo
único e eterno. Este princípio, que é o cristo dentro de nós, como parte do cristo
universal e que é o Deus imanente em todas as coisas, começa então, uma expansão
composta de relações com todas as outras coisas do universo da vida. Estas relações
formam para cada individuo um padrão, que tem existido sempre, inerentemente, às
partes espirituais de seu ser, e donde um não pode separar-se do outro, como somos
separados pelas paredes de nossa cavidade material. Assim pois, fica a certeza de que
nada acontece, em qualquer parte do universo, que não nos afete por necessidade,
levemente, misteriosamente, ou ainda infinitesimalmente.
São Paulo diz em uma de suas epístolas, “como o corpo é um e consiste em
muitos membros e todos os membros desse corpo sendo muitos são um só corpo, assim
também cristo... Donde um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; ou
quando um membro é honrado todos os membros gozam com isso”. Esta é,
precisamente, a verdade que toda a humanidade, composta de tantas nações e raças, tem
que aprender na atualidade e cada nação também tem que aprender, porque também está
subdividida. Estamos numa era onde mundo, como um todo, volta-se para seu lado
material. Porém, é necessário que seja desenvolvido um sentido de unidade espiritual,
sem a qual, não importa quão inteligentemente organizada esteja para servir às
necessidades externas, essa organização é como um corpo sem alma. Esperemos que
haja uma rápida mudança nos assuntos do mundo, em geral, e que, no inverno do nosso
descontentamento, nossos esforços comecem a descongelar o caminho, dando passagem
ao mais glorioso verão.

(32)
CAPÍTULO XIV – A COMUNHÃO DOS SANTOS

Têm havido santos em todos os tempos em todas as religiões. Que é e quem


é um santo? Um santo é alguém no qual o germe da divindade ou de Cristo, escondido
em cada filho do homem, chegou a florescer. Esta divindade revela-se como bondade e
perfeição; e como a perfeição humana compreende todas as virtudes e graças, há santos
de muitos tipos: uns que se sobressaem pela sua devoção a Deus, outros por seu
conhecimento da verdade, alguns pelas suas ações sem egoísmo de acordo com a
vontade de Deus. Todos estes são caminhos que levam ao cume da perfeição.
Tem existido grandes homens e mulheres que têm sido muito amados por
Deus, embora não sejam reconhecidos pelos homens; deve ter havido alguns dos santos
designados aos quais seus devotos lhes colocaram a aureola com antecipação. A
grandeza não é sempre reconhecida em seu tempo, nem sempre consiste no que parece
ser.
Estes santos, embora não estejam no corpo, são presenças espirituais, assim
como todos os homens, que neste aspecto de sua natureza estão sempre diante de Deus;
só que como santos estão um pouco mais presentes. E é por esta semelhança que estão
unidos a nós de um modo sutil e misterioso. No reino do espírito, todas as suas
manifestações formam uma unidade.
A idéia de que todos os santos que existiram constituem uma comunhão ou
irmandade é bela e guarda uma maravilhosa verdade. Se no nosso mundo comum os
similares se atraem, mais intensa ainda é a atração no reino onde cada vida ou centro
bate com magnetismo e poder. Deve haver concórdia onde existe perfeita compreensão
e unidade de meta, ou seja, levar a cabo o plano de Deus.
Todo o belo brota da mesma fonte, e conta-se que secretamente têm
afinidades entre si. Este elo secreto torna-se nos Homens Perfeitos um vinculo vivo e
consciente, resultando numa perfeita cooperação entre si.
Os grandes santos são representados com vestes brancas como símbolo de
sua pureza. No processo de evolução, inicialmente, os conhecimentos destroem a
inocência, mas depois, à medida que, esses conhecimentos aumentam, esta inocência é
restabelecida e alcançamos, na sabedoria da velhice, uma mescla de todas as qualidades
que marcam as prévias fases de nosso crescimento.
Cada filho do homem deveria chegar eventualmente a essa etapa e herdar o
reino preparado para ele, o qual não está fora dele mas em seu coração, já “preparado
desde a fundação do mundo”, uma vez que, na consciência que abarca tudo, o futuro
está presente simultaneamente com o passado.
Em cada um de nós há um germe de bondade e de beleza espiritual, e se o
nutrirmos, correta e assiduamente, formará uma bela planta, que após um tempo
florescerá com uma flor sem igual, espargindo pelo mundo seu perfume único.
Uma forma de nutri-lo é participando dos serviços a Deus, que abre, nos
participantes, todo canal espiritual contido neles inundando-os de vida. Outra forma é
indicada nas palavras “Assim como fizerdes por este, o último dos meus irmãos, farás
por mim”.
Temos que aprender a servir em todas as partes e de todas as maneiras
necessárias e possíveis. Ao faze-lo, encontraremos ao Senhor em todas as partes e Sua
presença se refletirá em nós de todas as formas.
Além de honrar a todos os santos, “não fazemos distinção entre profetas “,
disse o Senhor Maomé, faremos bem em reconhecer o valor de viver em santidade; ou
seja, viver uma vida de pureza e de generoso serviço, especialmente nestes dias quando
a pressão do mundo é tão insistente e flui de tantas direções, e que o outro belo mundo

(33)
está perdido de vista. Não necessitamos tanto rezar aos santos para pedir-lhes favores,
mas pensar em suas maravilhosas qualidades, colocando-as diante de nós como
exemplo, bem como, buscar suas inspirações. Ao pensar neles suas bênçãos cairão sobre
nós. Suas bênção são como os aromas de muitas flores, cada qual com sua qualidade
pacificadora e estimulante.
O homem, segundo conceito oriental, é em seu ser interior como uma
pequena estrela que se levanta e se põe muitas vezes na vida terrestre, mas que
eventualmente, seu brilho aumentado até tornar-se uma estrela de primeira magnitude e
libertada de sua adesão a personalidade humana que limita, toma seu lugar nos céus
“para não voltar a sair”. Estas estrelas são a glória de nosso céu espiritual e iluminam,
de acordo ao seu brilho, os degraus do altar de Deus.

(34)
CAPITULO XV – VERDADE

Que é a verdade? Será que é apenas o que se conhece como o dizer a


verdade, o evitar fingimento, o usar de honestidade absoluta conosco e com os demais?
É seguir o curso da ação que consideramos justo sem pensar nas conseqüências que
acarrete? Que é verdade, escrita com V maiúscula? É apenas uma abstração em que
buscamos uma âncora em meio do fluxo pouco satisfatório do tempo? É tudo isto. Mas
existe por acaso uma visão mais completa da verdade, de onde sai tudo isto?
Quando dizemos Verdade, há em nosso conceito um elemento do absoluto,
uma noção de que a verdade é primordial, não sendo portanto, segunda ou derivada de
algo.
Quando uma pessoa se expressa como é, aparecendo como é, então é
indubitavelmente veraz na sua ação, leal a si mesma. Isto é fazer, o outro lado do ser. O
que há dentro de si mesmo é a verdade de seu ser, assim, o que faz e parece ser aos
outros deve fluir dessa verdade, deve ser modelada de acordo a ela. A sinceridade ou a
falta completa de duplicidade é ao menos um meio de busca da verdade, que jaz dentro
de nosso profundo ser e não nasce de coisas externas.
Existe verdade em todas as coisas, e esta é a verdade de seus seres; aquilo
que é em essência e que nem sempre é o que aparenta ser ou mesmo o que aparenta
fazer. É esta verdade que devemos descobrir primeiro em nós, para poder reconhece-la
nos demais.
Toda a virtude é uma forma de verdade. O que é virtude? Esta é uma palavra
muito discutida. Porém, uma virtude é, essencialmente, a qualidade através da qual uma
coisa produz seu próprio efeito. Há equivalência disso quando dizemos: há muita
virtude nisso. É um efeito procedente da mesma natureza da coisa. Se a verdade é a
natureza da coisa, então virtude é a forca que lhe pertence e está relacionada com ela,
assim como Deus e Shakti (Poder) estão relacionados na filosofia hindu. Este ponto de
vista está de acordo com a raiz da palavra virtude, que é virtus ou vir, que significa
energia; é por esta construção que Ruskin declarou que a virtude significa valor.
Outrossim, virtude está no correto emprego de energia, bem como, na sua disposição.
Se a verdade é da mesma natureza do nosso ser, e todas as virtudes são
formas de como a energia desse ser opera, todas as virtudes são formas de verdade.
Verdade é ser; virtude é fazer, ou ação. Porém, ser e fazer não podem estar separados,
porque ninguém pode fazer ou atuar, se não estiver de acordo com o que É, em qualquer
nível.

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CAPITULO XVI – DEVOÇÃO

A devoção é uma virtude maravilhosa. É um fogo espiritual, visto que, na


sua pureza e intensidade é como uma chama que se estende rapidamente, comunicando-
se, sobrepondo-se aos obstáculos e acelerando processos tanto destrutivos quanto
construtivos. Tem sido chamada como a rota mais curta para chegar à meta, porque nos
identifica diretamente com o final da nossa busca. Pode ser considerada como um
estado da mente, em que o final é constantemente incorporado aos meios de alcança-lo.
Não é apenas um estado de busca, também, é um estado de complementação e
cumprimento; uma condição onde o último e o próximo aproximam-se e sintetizam-se;
deste modo o resultado, que é uma consumação, é e permanece sempre satisfatório. É
uma qualidade essencial para o aperfeiçoamento de todo o temperamento, da mesma
forma que perseverança e amor são qualidades necessitadas por todos.
A devoção pode ser de várias classes: a do devoto que se expressa em
adoração; a do soldado que é demonstrada em ação; a que toma a forma de
compreensão e serviço.
O objeto de devoção depende sempre do caráter do devoto; essencialmente,
o objeto de devoção é o que o fazemos com a mente e o coração.
A devoção por um líder ou por um mestre quando é pura, representa sempre
o que é verdade, bondade e beleza nele. A devoção por um ideal é pela quantidade de
verdade expressa no conceito deste ideal. Quando a devoção é fanática, é porque existe
uma certa dureza, ou algo, que fere a natureza do devoto, o qual é estimulado e
gratificado pelo objeto de sua devoção. Embora a causa seja justa, o que lhe atrai é o
que atrai a sua natureza.
A devoção pode ser tão egoísta quanto, freqüentemente, é o amor; pode ser
intensamente egocêntrica; pode ser uma atitude de impotência e dependência, ao invés
de força; ou de parcialidade, ao invés de totalidade, podendo nos tornar exclusivos,
duros, violentos e até cruéis, ao invés de inclusivos e bondosos.
Necessitamos então, nos desprender do objeto de nossa devoção, separar-nos
dele o suficiente para poder estuda-lo objetivamente, e assim, ver porque somos devotos
a ele e qual é a natureza exata de nossa devoção por ele, seja por uma pessoa ou por
um ideal. Será que existe um desejo secreto ou motivo que sustenta essas relações? O
desejo de obter favores pode estar escondido em nosso desejo de agradar, bem como, o
de nos colocar sob o resplendor da fama da pessoa a quem professamos devoção, e
ainda pode estar na expressão mascarada de um medo sutil. A devoção pode ser por
uma pessoa que acreditamos grande e nobre, cheias de atrativos e inspiradoras
qualidades. Pode ser o dar-nos completamente. Ou pode ser uma atitude de possessão
onde a pessoa se fecha com seu Deus, excluindo a todos os que não pertencem a este
intercâmbio privado. Esta separação de si mesmo dentro de um circulo de indiferença
para com as outras manifestações da vida tem no fundo o elemento pessoal, pelo menos
em um gozo que é essencialmente egoísta e egocêntrico, e por isso mesmo aprisiona.
A devoção, para ser verdadeiramente espiritual, deve ter a qualidade
constante, concentrada e generosa do amor, que em sua mais alta forma é filantropia, e
portanto essencialmente impessoal. A devoção torna uma pessoa verdadeiramente
espiritual, ou ideal, aprimorando-a gradualmente. A devoção sem reservas e que se dá
completamente, assimila a natureza da pessoa de quem nasce com o objeto de sua
devoção. A menos que a devoção eleve e universalize nossa natureza, não é verdadeira
devoção, a que em última análise não é nada mais que devoção pela única verdade.
A devoção verdadeira deve ampliar a todo o ser e expô-lo, como as águas ao
sol, de forma que toda a superfície de nossa natureza receba a atuação dos raios

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actínicos da verdade. Que cada qual creia de acordo ao modelo de seu coração, em
qualquer imagem, figura ou verdade, ou em qualquer conceito ao qual possa render-se
completamente. Então terá a experiência dos efeitos dessas influências cósmicas que são
constantemente derramadas do alto; então conhecerá o gozo de uma vida vivida com
sentido de unidade que é totalidade, ou seja, um abandono onde não há problemas.

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CAPITULO XVII – LEALDADE

Lealdade, seja para com nosso companheiro da vida, para com um colega
que temos responsabilidade, para com um ideal, ou para com um grande mestre, é muito
valiosa. Sem ela não pode haver firme dependência em outros num mundo que é
interdependente. Sem lealdade não pode haver força nas afinidades, nem princípio de
coerência entre fatores diferentes. Mas como toda virtude, tem um aspecto universal e
outro individual, que da primazia ao afeto individual em detrimento dos valores
universais, converte o amor em possessão, a fé em salvaguarda, ou uma crença em um
mazo. Nossas lealdades não devem converter-se em norma sobre a qual restringimos as
liberdades dos demais, ou em critério que nos baseamos para condenar aos demais.
A lealdade não tem que ser exclusiva, não tem que ser destruidora da
irmandade ou da compreensão. Isto é possível apenas quando damos nossa aliança a um
ideal, o Mais Alto, aquele que compreende cada interesse desejável mais baixo que ele.
A verdade a qual aspiramos tem que incluir cada verdade que percebemos com nossas
mentes abertas. Tem que expandir-se, elevar-se e ser suscetível à transmutação, à
medida que, nossas percepções e experiência aumentem. A verdade, sendo maior do que
imaginamos, necessitará muitos canais. O tema, sendo mais vasto que a música que
temos ouvido, deve ser aberto e poder assimilar variações. No desenvolvimento do
plano de evolução muitas pessoas são usadas para muitos propósitos. Nossas boas
qualidades, inevitavelmente exageradas, necessitam ser corrigidas e balanceadas por
outras, no desenvolvimento do trabalho.
A lealdade não deve nos tornar rígidos ou inadaptáveis. A lealdade para uma
idéia pode também ser uma lealdade para com um convencionalismo ou para com um
preconceito, como uma imagem abstrata que temos formado para acomodar nossas
preferências e antipatias. O homem faz de Deus, A Grande Idéia, a sua própria imagem
para satisfazer os seus medos e apetites.
Devemos evitar os perigos de uma mentalidade que gere ou promova
fendas, ou seja, evitar expor-se a dilemas, como por exemplo ser leal a uma idéia ou a
uma pessoa, e não evitar situações com as quais esta lealdade torna-se incompatível.
Quando falamos de ser leais ou desleais, quem somos nós? É a mente a que
escolhe e decide. A mente embora associada com outros elos na corrente da
individualidade humana, é o homem essencialmente. Onde está a lealdade natural ou o
centro de gravitação da mente? Está no que chamamos espírito, o foco espiritual da
consciência manifestada. Como o espírito não é pessoal, senão que vivente, penetrante
por todos os lados e infinitamente centrado, uma atração para o espírito é uma atração
para todo o espiritual. Nisto está a direção do progresso para que possamos nos elevar
acima do mero plano de expansão da mentalidade comum, que está ativa na maioria dos
homens. A mente tem que ser incorporada ou elevada até a um principio espiritual. De
maneira que não pode haver lealdade para com a mente, que é o homem, exceto para
com esses valores, estejam eles revestidos numa pessoa ou contemplados no abstrato,
como cristalizações desta qualidade espiritual, que é imperecível enquanto durar sua
manifestação.
O homem perfeito sendo o homem espiritual, pode receber a submissão da
mente, porque esta submissão é feita a sua própria raiz ou pai. Verdadeira lealdade, em
todos os outros casos, pode ser tão só para aquilo que pode induzi-la por refletir a
natureza do espírito, que espera a atração da mente. Nessa lealdade não há exclusão ou a
possibilidade de contradições e conflitos futuros; não há artifício nem degradação por
uma prostituição que leve a um fim indigno, ou por meios indignos.

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Nossa devoção e lealdade para uma pessoa consiste freqüentemente em fazer
um cerco ao nosso redor, onde os demais são excluídos. Nossa admiração por uma
pessoa implica censura subconsciente de outra, mesmo quando não expressemos a
comparação. A lealdade pode ser busca de engrandecimento pessoal: algumas vezes
adulamos ao nosso deus para ganhar uma porção do seu reino. A gangrena do eu pode
permanecer oculta na mais bela das flores. Devemos estar alertas para estirpa-la.
Lealdade é uma dessas virtudes que NA LUZ DO CAMINHO diz: “as
virtudes do homem são degraus, verdadeiramente, necessários, pois não se pode
ascender sem eles. No entanto, são inúteis por si só. A natureza completa do homem
deve ser usada ajuizadamente por aquele que deseja entrar no caminho”. Quando toda
natureza é usada ajuizadamente, torna-se santa, e assim, não existe nela distinção
maligna. Deste modo, lealdade para com deus, para com o homem, para consigo mesmo
e seus ideais, ou ainda para com um cachorro, torna-se um fator estabilizador unificado,
como uma coluna vertebral para nosso desenvolvimento. Nos transformamos, para nós
mesmos, no caminho, na verdade, e na vida, à medida que alcançamos o estado de
integração perfeita.

(39)
CAPITULO XVIII – REVERÊNCIA

A reverência é um aspecto da emoção de Amar. Por isso que não tem em si


nenhum elemento de medo. Surge de um conceito, no coração, de grandeza ou do alto
valor de seu objeto. É análogo ao respeito e, embora possa ser expresso com a
observância de certas formas, que lhe são apropriadas, não artificiais e tão só
convencionais, não proíbe uma proximidade em espírito, nem impede uma completa
comunhão entre o grande e o pequeno; comunhão como resultado de encher a pessoa
menor com a vida maior. Assim, eleva a pessoa pequena à atmosfera da grandeza e a
transmuta com sua magia.
Ser inspirado com reverencia não significa ser dominado pelo respeito ou
atemorizado. Majestade e poder pertencem a cada ser espiritual. O medo é gerador de
antipatias, portanto, se alguém não quer sentir antipatia por ninguém, que não tema a
ninguém. Dissipar o medo reconhecendo a unidade da vida é, indubitavelmente, mais
efetivo que o caminho que usamos sempre, quando buscamos contrabalança-lo por meio
de intensa auto-afirmação, que é uma espécie de orgulho, tentando cobri-lo e simulando
bravura.
A palavra MANO em Pâli, que é vulgarmente traduzida como orgulho, um
dos últimos grilhões que deve se descartado, é mais que orgulho, na forma crua e
comum com que se associa a palavra normalmente. Esta palavra compreende toda a
classe de processo mental e instintivo pelo qual um véu de insensibilidade nega a
condição do verdadeiro homem espiritual, cuja realização de si mesmo pode ser descrita
como uma negativa à incompreensão da consciência comum, devido a suas ocupações
com atributos de superficialidade. O forçar alguém ir adiante, ou toda a forma de
espírito agressivo, não importa quão sutil e refinado seja, tem que ser evitado para que
esta realização seja conseguida.
A reverência é uma qualidade interior, não uma atitude exterior. Geralmente
se traduz como uma pose solene, subjugadora de espíritos, com constrangimento e
humilhação, e que não permite desviar-se da força com que o objeto de reverência atrai,
magneticamente, e imprime sua autoridade. Vulgarmente, é como a esquiva de um
galanteio, simulada e artificial, preparada para ser usada assim que se apresenta a
situação de galanteio indesejável e obter permissão para retirar-se, mesmo sendo ilegal.
A reverência compreende um apreço, ou pelo menos um vago sentido da
majestade e o valor do objeto reverenciado, da sua sublimidade, da sua profundidade, da
sua força e de sua delicadeza. É completamente compatível com a intimidade, porém
evita o possível excesso de liberdade. Nenhum amor pode ser duradouro ou pode
alcançar seu zênite se não estiver impregnado, com uma certa intimação, da terna
emoção ou sublimidade, da situação incorporada no objeto desse amor.
O principio puro de vida que se encontra em cada um e em toda coisa
demanda um reverente manejo e trato. É algo delicado, precioso que deve ser tratado
com cuidado. Os grandes mestres tem respeito por cada um de nós que estamos tão
abaixo deles. Seguramente aqueles que tratam a seus iguais ou a seus inferiores com
pouco respeito, de acordo com nossa classificação, não pode demonstrar o devido
respeito a seus superiores.

(40)
CAPITULO XIX – AÇÃO CORRETA

A classe de ação mais elevada é a ação que é direta e instantânea. Mas antes
de alcançar este grau de poder, devemos purificar-nos como instrumento. Devemos
começar com ação correta, sem nenhum desejo de obter benefício pessoal, mesmo a
gratificação que sua execução possa acarretar. Tal gratificação é freqüentemente
subconsciente, invisível como a sombra que arrastamos ao defrontarmos com a luz. É
muitas vezes sutil e difícil de se analisar. Na execução de um ato não deveria haver
nenhum elemento de reação pessoal. Quando é ação sem reação, não há aprisionamento.
Liberdade de karma é liberdade de reação, no sentido do regresso das forças
que emitimos. Uma força que é emitida regressa porque golpeia com um meio de
resistência, um circulo que não pode romper. Podemos considerar essa resistência como
a vontade de deus. Sempre há uma correspondência entre uma verdade subjetiva e um
fato objetivo, pois o subjetivo e o objetivo estão envolvidos pela mesma realidade; são
os dois lados de um plano intangível e indivisível.
Se consideramos cada ato como a emissão de uma força, essa força deve ter
sua origem em uma base, da qual procede. A base e a mira são colocadas em correlação
no momento da ação. Se a intenção, que é o fim, está errada, o motivo, que é a origem,
também está errado, porque a intenção ou fim é uma projeção do motivo ou origem.
Assim é, porque a mira está contida da origem.
A mira se apresenta muito bela e efetiva quando surge de um movimento
interno e espontâneo, do fundo, de nossa natureza, ou seja, surge de elementos que se
encontram ativos na constituição do individuo. Esse movimento é efetuado num plano
que é perpendicular ao lançamento da flecha, que deve estar correlacionada com a mira.
Qual deveria ser a natureza do motivo da ação? Quais são as qualidades que
deveriam marcar seu motivo? Os termos que poderíamos usar para responder a essa
pergunta podem diferir com o ponto de vista expresso. Farei uma lista de algumas
qualidades insuspeitáveis como tendo conexão com ação potente e efetiva, depois
acrescentarei outras.
Primeiro, deveria haver inocência, ou seja, a ausência de qualquer motivo, de
intenção, de desejo, de intenção de projetar a mais leve sombra sobre a felicidade do
outro, e ainda dos desagradáveis ingredientes da má vontade e da malignidade.
Segundo, deveria haver nobreza, ou seja, tornar a ação tão benéfica quanto
possível para a pessoa, em quem se está atuando. Evitar a dor desnecessária, ainda que
seja uma operação cirúrgica. Agir com moderação, que é a adaptação perfeita à
necessidade da pessoa a quem vamos ajudar.
Terceiro, retidão. Assegurar que na adaptação não exista mancha de
falsidade ou de debilidade.
Quarto, inteligência e discrição. Assegurar que a ação tenha clareza de
definição e de movimento, sem a qual não se realiza dentro dos seus limites
correspondentes.
Quinto, necessitamos perseverança e destreza. Assegurar a indispensável
firmeza de propósito, porque, como trabalhamos através do tempo, cada ato ao ser
prolongado por um período coloca provas, fazendo com que a meta somente seja
alcançada depois de superados certos obstáculos e após certas reflexões ou deflexões de
movimento.
Por último, deve possuir as qualidades de justiça e responsabilidade. Sem a
primeira toda a ação é errada, e a segunda dá o reconhecimento das obrigações, em que
cada situação nos envolve, bem como, a relação do ato particular com o desígnio maior,
que desde o ponto mais alto, é trabalho para o progresso do plano divino.

(41)
Conhecimento sem ação não é somente absurdo, senão que, puramente mental, e
é apenas reação aos impactos externos de uma natureza composta, que não está
clarificada com suas várias partes carecendo de coesão e equilíbrio.
O caminho de ação de cada indivíduo está envolto por seu próprio karma, assim
como, nas confusões desse complicado nó em que sua mentalidade se vira e se retorce.
Há que desatar esse nó por meio do amor e do conhecimento verdadeiros, e
simultaneamente, fazer um caminho no mundo exterior, através da força de vontade e
decisão. Verdadeiros conhecimentos são os do filosofo que vê a verdade com os olhos
da intuição.
Há uma decisão instantânea quando não há dilema ou eleição, ou seja,
quando a ação consequente tem uma direção exata, resultante de uma determinação
espontânea e interior, e de uma análise e de uma avaliação capaz de produzir, dentro de
nós, um movimento harmonioso, cujo resultado é uma ação particular. Existe força de
propósito, que sustenta, quando as reações causadas por objetos externos ou obstáculos
não tocam a vontade. Uma vontade, que isolada deve mover-se pelo seu próprio
caminho. Os obstáculos podem impedir uma ação porque estão no mesmo plano. Mas
não podem impedir a vontade fundamental. A força está na resistência, na concentração
e na direção, não na violência; também, no perfeito equilíbrio e controle de si mesmo,
para agir com controle conduzindo a outros.

(42)
CAPÍTULO XX – INOCÊNCIA

Inocência é a qualidade das crianças que, junto com seu frescor e


naturalidade, é o seu maior encanto. Todos conhecemos o dito: “exceto que vocês sejam
como crianças não poderão entrar no reino dos céus”, sendo o reino dos céus o estado
espiritual da consciência budhica, um novo nascimento.
A alma entra em cada encarnação livre das memórias anteriores; não há
melhor princípio possível. Por causa de inexperiência e ignorância aprendemos as
maneiras do mundo muito rapidamente. A nossa grande necessidade é desaprende-las.
A inocência não deve ser interpretada como mera falta de conhecimentos: os
conhecimentos devem ser somados à inocência sem destruí-la. Somos inocentes no
Devachan ou céu, quando nos liberamos do visgo da má vontade, dos preconceitos e dos
desejos egoístas. Mas em cada nova encarnação a consciência da entidade que encarna é
aprisionada em um favo de muitas células de recordações, com quantidade de cera
resultante da interação da consciência com a sensação. É realmente fora da casca dessa
recordação, superficial num sentido, porém marcando nossa natureza naquilo que está
trançado pelos tecidos de cada tendência transmitida, que a alma espiritual tem que ser
liberada.
É necessário a Recordação Correta, ou Memória, que é um dos passos do
Nobre Óctuplo Caminho dos budistas. A recordação subjetiva, e não objetiva,
relacionada com cada impulso continuado, é um organismo vivo, palpitante e pulsante,
trabalhando com automatismo mecânico. Realmente é, em nosso próprio passado, a
herança do ímpeto de nossa maldade, onde somos colhidos e sustentados. É a rede, o
castelo da ilusão, que temos que nos liberar. Favo, casca de ovo, rede, castelo de ilusão,
todas são figuras para descrever nossa prisão psicológica.
Dizem que nossa memória, que pertence ao passado, deve tornar-se uma
casca fria sem nenhum conteúdo vivo. Devemos cessar as reações aos incidentes
registrados nela. Esta é uma liberação do karma, dos vínculos e apegos do tempo.
Involução a essas recordações que nascem do contato, usando uma frase do
BHAGAVAD GITA, é involução no Karma, e é criada por nós mesmos.
Karma, memória, tempo, estão todos relacionados com a idéia do eu
separado. A dissolução dessa idéia de separação é a verdadeira inocência. E quando um
homem alcança essa inocência, a Natureza, a Mãe, o amamenta com o leite de seu puro
peito. E torna-se fabuloso, como o cisne que separa o leite puro de toda a forma de
adulteração.
Contempla o mundo com olhos inocentes e curiosos, mas sem egoísmos, e
todas as coisas da natureza serão suas tutoras.

(43)
CAPITULO XXI – O AMOR CONQUISTA TUDO

No mundo, em geral, há muitas dificuldades geradas pelas forças das


sombras ou da resistência, as quais, devemos sobrepô-las, os destinos da humanidade
oscilam, continuamente, entre elas e as forças da luz ou do progresso. Mas nós sabemos
que o amor tem que vencer, eventualmente, porque esta é a lei.
Como podemos perceber a lei? Em nós, já que o homem é uma partícula
onde está centrada ou expressa como uma onda da vida universal.
Também há luz e sombras em nós. Existem, em nós, as forças que causam
unidade ao criativo na beleza e à felicidade que o abarca todo de forma duradoura e
ilimitada; porém, existem também seus opostos. Porém, depois de um tempo a unidade
prevalece, a separação é rompida por si mesma. Cada força emitida por nós é devolvida
infalivelmente a sua origem. De forma que o que pode ser destruído é destruído; mas o
destruidor é sempre nós mesmos.
O amor é a única força conhecida pelo homem que não é vencida por
nenhuma ameaça, não importa quão horrenda. Na sua pureza inspira aos mais
maravilhosos sacrifícios. Onde reina, com sua perfeição, há bem-aventurança de
totalidade, de consumação, transcendendo a necessidade de buscar outra experiência.
Nesta condição de Amar encontramos a experiência de eternidade.
O que é certo do amor é também essa forma moderada de amor que é a
devoção, quando é oferecida à verdade, seja em estado infinito, ilimitado, ou em seu
estado manifestado no caso da atração humana.
Um microcosmo pode ser ganho por meio da força do amor. Por essa mesma
força pode ser conquistado o macrocosmo. Aquele que se torna amo de si próprio
poderá tornar-se amo de um universo.
Controle de si mesmo implica conhecimento de si mesmo e é suficiente em
si mesmo. E nada no mundo é suficiente em si mesmo, exceto o ser que está enraizado
na condição do amor.

(44)
CAPITULO XXII – PODER NA TRANQUILIDADE

Perguntaram-me: se duas pessoas que estão juntas se colocassem num estado


de percepção negativa, o que aconteceria? Um poderia colocar-se intuitivamente
perceptível aos problemas do outro? Ou um deles teria que se colocar positivo e
afirmativo para poder impressionar ao outro?
Neste contexto, negativo significa sensitivo. Entretanto, quando falamos de
eletricidade negativa ou positiva, considera-se que a negativa é tão efetiva quanto a
positiva, e que são apenas duas diferentes classes de manifestação. Da mesma maneira
toda pessoa possui duas qualidades: o poder de atuar e a qualidade da sensibilidade,
para receber. Essas duas qualidades devem estar sempre juntas, visto que, são apenas as
duas faces de uma mesma coisa. Portanto, devemos aprender a ser sensitivos, não só
para poder compreender, mas também para poder atuar.
Ser negativo nesse sentido não quer dizer que nos colocamos indiferentes,
inertes, fechados às influências ou sugestões, nem impossibilitados ou em um estado
mediúnico, uma vez que, esta é uma espécie de condição de negatividade que
deveríamos já ter deixado para trás. A qualidade negativa de consciência que
necessitamos é alerta e vital, porém em repouso, como o lago de uma montanha
refletindo exatamente o que lhe é posto adiante.
É raro que duas pessoas possam estar negativamente perceptivas, ao mesmo
tempo, e no mesmo grau; mas ao estarem nessa condição e numa relação mútua,
significa alcançarem um estado de valor mútuo e uma comunhão sem deliberada
imposição de uma mente afirmativa sobre a outra. Quando eu estou sensibilizado a tudo
o que você me manifesta e você está similarmente sensibilizado a tudo o que há em
mim, então estamos realmente em um estado positivo. Eu o compreendo profunda e
interiormente; você me compreende da mesma forma. Alcançamos esse estado de
consciência interior sensitiva, onde há uma interação que é delicada, potente e sutil.
Tratemos de ser negativamente perceptivos, e então veremos como reagimos e o que
acontece. Assim poderemos responder essas perguntas nós mesmos.
É muito importante alcançar este profundo repouso de tranqüilidade interior,
ao invés de, estarmos sempre perturbados com nossas inquietudes, arrependimentos,
etc..
Quando estamos tranqüilos, por termos apagado as causas da inquietude,
existe em nós um silêncio que é o único, de onde poderá sair a palavra fecunda. Conta-
se que na criação do universo, o ponto de luz surgiu do silêncio da escuridão. Das
profundidades do Não Ser surgiu o Ser, que é o Logos. No principio estava a palavra. O
que é a verdade do universo é também a nossa. É apenas no fundo do silêncio que
podemos ouvir a musica da natureza – o mesmo que um quadro deve ter um fundo
perfeitamente claro e nítido para que tudo o que esteja nele fique ressaltado. Da mesma
forma deve haver silencio antes que a palavra verdadeira possa ser proferida ou ouvida.
Se queremos ouvir música e aprecia-la, temos que nos colocar nesse estado
passivo, devemos escutar não apenas com o ouvido mas com todo o ser.
Ocasionalmente deveríamos experimentar esta tranqüilidade em nós, quando cada nota
emitida por um piano ou um violino sobressair de uma maneira extraordinária, quando
soar cristalina e distinta, quando vibrar e ressonar em nossos corações, quando chegar
até o fundo de nosso ser. É assim como temos que ser receptivos a tudo que nos rodeia.
Esta calma interior é a condição de negatividade, que dá lugar aos conhecimentos reais.
O único que podemos fazer para nos acalmar é tornar-nos receptivos a outras pessoas ao

(45)
estar em contato com elas, tratar de compreendê-las com toda a mente. Devemos nos
manter silenciosos diante de cada pessoa e deixa-la imprimir-se em nosso coração.
Ser positivo não é ser afirmativo. Devemos ser positivos na ação, precisos,
chegar a decisões rápidas e ser destros na sua execução. Podemos fazer todas essas
coisas e ao mesmo tempo nos manter completamente tranqüilos no controle de nós
mesmos, perfeitamente sossegados e apaziguados. Devemos ser capazes de trabalhar
rapidamente sem perder a calma. Nossas afirmações devem ser como as afirmações de
uma nota pura em uma atmosfera de silêncio perfeito.

(46)
CAPITULO XXIII – SABEDORIA NO CORAÇÃO

A verdade, que está no coração de toda religião, é toda uma: é a fonte de


onde todos os grandes mestres espirituais trouxeram a sabedoria vivificadora; uma fonte
que está a mão de todos. Quando um homem recebe esta sabedoria em seu coração,
todas as coisas se renovam para ele. Então vê com os olhos de um recém-nascido
espiritual. O Cristo nele abre uma nova visão, uma visão que gradualmente inclui toda a
terra e o céu. O potente farol do seu poder revelará em ambos, céu e terra, muitas coisas
que sequer sonhou até o presente.
Então ele verá, entre outras coisas, que a terra é um céu em construção.
Chegará o dia em que não haverá nem sofrimento, nem pranto, nem dor, pois estes se
devem à ignorância, a qual não importa o quanto dure, passará. A ignorância é,
essencialmente, ignorância da nossa própria natureza, a qual é divina. Esta natureza está
profundamente escondida em nós e aparece, ocasionalmente, nos momentos em que
esquecemos de nós mesmos, ou momentos de iluminação inesperados num ato de
renúncia completa ou em um momento de suprema felicidade.
“ Eis-me aqui! Chego rapidamente”. A chamada de percepção, de Budhi, a
sabedoria intuitiva, surge de repente, quando não se espera. Porque quando esperamos,
esperamos algo concebido em nossa ignorância antes que surgisse o chamado. Assim,
tal expectativa é um obstáculo para que passe a luz. Porém quando a mente está
receptiva à verdade, sem expectativa, que é preconceito, então será iluminada.
Todo o mais maravilhoso da vida acontece, rapidamente, como o nascimento
de uma estrela ou de um bebê, bem como, o abrir-se do botão de uma flor ou o
fenômeno de enamorar-se. Mas há processos silenciosos, lentos, que precedem a estes
dramáticos sucessos. Quando Cristo ou Deus em nós entra no reino dos nossos
corações, o faz rapidamente, como a luz do céu penetra na escuridão. Quando Ele, que é
o Cristo em nós, prevalece, não há mais sombras. Na Índia se diz que os Devas não têm
uma sombra porque brilham com uma luz que os transpassam todos. Assim é a luz da
verdadeira sabedoria que ilumina o interior de tudo.
Quando a sabedoria governar o mundo, todas as coisas se ordenarão para
fazer que sua luz e a dos homens brilhem. Então existirão e atuarão para a glória de
Deus, que está neles e para alem deles, e em perfeita irmandade.
Para cada um chegará o tempo em que sobreporá a própria morte, mas isso
se dará quando tenha aprendido essas lições. Aquele que se sobrepor a si próprio
herdará o Reino de Luz que está dentro de si mesmo e aí reinará como um Rei
espiritual, O Homem Perfeito.

(47)
CAPITULO XXIV – PAZ E BOA VONTADE

25 de dezembro, dia de natal, é um dia em que uma grande parte do mundo


está, especialmente, dedicada à paz e à boa vontade.
Duas palavras, paz e boa vontade, denotam estados que são inseparáveis, não
apenas porque onde existe boa vontade não há conflito e consequentemente, há paz, mas
porque é somente quando se está interiormente num estado de boa vontade é possível
experimentar paz.
Todos desejam sentir paz, ser felizes e viver em harmonia, mas esse estado
não é possível nem pode chegar-nos por meio da benção de outros fora de nós, a menos
que dentro de nossos corações tenhamos tanta boa vontade como nos é possível possuir.
Esta é na realidade, a verdade que se dá a entender na frase “Paz aos homens de boa
vontade”.
Às vezes se pergunta: não deveria derramar a boa vontade, sobre TUDO, aos
bons e maus, indistintamente? Os maus podem necessitar mais que os bons. Qual é a
atitude correta?
Devemos irradiar o bem para todos, sem discriminação nem medida. Mas,
que é o BEM? Isto requer uma séria consideração. Existe um fundo de bondade em cada
homem e em cada mulher, e tudo o que conduza a sua expressão natural e a sua
expansão é a melhor ajuda que se pode prestar. Este fundo ou centro constitui, segundo
os gregos e outros filósofos, a parte duradoura do homem, o divino nele. Sua expressão
é na beleza e experimenta na sua realização a mais perfeita bem aventurança. Também é
esse princípio em nós, o único pelo qual podem chegar conhecimentos puros, seja do
mundo subjetivo ou do objetivo. Se podemos emanar influências condizentes à
expressão dessa beleza natural, aos conhecimentos puros e de inata beneficência,
fazemos o bem. Primeiro passo para essa irradiação, ou seu principal processo, é o
sentimento similar a um anseio de boa vontade.
O desejar ou fazer o Bem, estimula o bem em outros e deixa o mal, se existe
neles, intocado. A paz não pode chegar a uma mente cheia de má vontade, não importa
quanto se deseje. Mas se pudermos estar cheios de boa vontade para todos, sem
limitações ou reservas, encontraremos, naturalmente, a paz que é o pousar-se em uma
harmonia interior, um sentimento de coerência interna que não depende das
circunstâncias exteriores. É apenas por meio dos elementos do bem, que podem residir
em cada qual, que podemos comunicar a benção de paz, mesmo naqueles onde o mal
está mais manifestado. Dentro de cada homem, que faz dano e que é malevolente, há
escondido e esperando, um ser de boa vontade, que pode enviar-lhe a benção da paz.
Então desejamos paz a todos, mas segundo a natureza das coisas, cada qual só pode
alcançar ao melhor que lhe for próprio. O ser inferior pode encontrar paz somente
quando fundir-se com o mais alto, tornando-se seu reflexo, ou em outras palavras,
tornando-se receptivo e capaz de fazer o bem.
Não é que recusemos a paz a outros, porém é apenas quando estamos em um
estado positivo de boa vontade, que pode haver paz em nossos corações.
Naturalmente, sem paz nos corações das pessoas é inevitável que exista
conflito. Estamos sonhando com uma era de bela e pura paz que reine por longo tempo
por todo o mundo, mas essa paz não poderá ser estabelecida a menos que exista certa
medida de paz nos corações das pessoas. Certamente este é um ponto muito prático que
deve ser compreendido.
Geralmente a palavra amor é considerada mais forte que a palavra boa
vontade, a qual é considerada como um sentimento comum. O termo amor tem sido
muito envilecido, mas a expressão “boa vontade” ainda não tem sido degradada. Pode

(48)
haver verdadeiro amor onde não há vontade para o bem do outro? Se examinamos o
estado de amor puro, é um amor beneficente que não busca impor-se, que dá ao outro a
mesma liberdade que deseja para si. É um amor que tem relação com a felicidade e
realização do outro indivíduo. Quando alguém experimenta tal amor, não é realmente
diferente da vontade que busca o bem do outro, essa vontade cujo objetivo
essencialmente, é aquilo que seja o melhor para o outro.
Quando falamos do que é melhor para alguém, o distinguimos por aquilo que
é bom para nós. É muito difícil determinar e descobrir o que é bom, o que é bondade, ou
onde está o Bem supremo.
Devemos começar de onde estamos. Reduzamos a termos fundamentais o
bem básico como o temos concebido para nós, e que deve também adaptar-se para
outro. Busco liberdade, desejo felicidade. Portanto, esses são elementos de bem para a
outra pessoa. Busco oportunidades para expressar o melhor em mim; a outra pessoa
necessita similares oportunidades. A menos que, isto esteja expresso em nossas relações
e atitude para com os demais, há uma falta fundamental. Embora falemos do que é bom
para outra pessoa, não há verdadeira boa vontade onde houver ganância ou prazer às
custas dos demais.
Quão ansiosamente estamos abolindo a distinção e a contrariedade, que
existe entre nós e outros na vida cotidiana? Tenho uma norma para mim e outra para os
demais? Quero comodidade, descanso, boa comida, viver em uma boa casa, e estar
rodeado de afeto e que alguém se preocupe de minhas necessidades em todos os
momentos. Mas quando pensamos em outra pessoa, será que pensamos no seu bem
nesses mesmos termos? Poderíamos dizer que pensar no bem de outros nesses termos é
um ditame de perfeição. Ao menos percebamos o quão escassos estamos para preencher
a norma verdadeira de viver nossas vidas retamente.
O mundo necessita paz, e o requisito principal de paz é boa vontade.
Necessita-se entre membros de diferentes nações, bem como, entre os fieis de diferentes
religiões, porque a nacionalidade e a religião, embora influenciem profundamente, são
fatores externos à vida do homem que busca expressão de diferentes formas. Estas
formas se complementam umas as outras como cores de um espectro que, juntas,
formam a luz branca. Esta vida que é comum, é divina em sua essência, e sua natureza
que está envolta em véus de matéria, será um dia revelada em cada filho do homem, ao
invés de estar eclipsada e obscurecida como no presente.
O começo dessa revelação é simbolicamente o nascimento de Cristo que, de
acordo ao mito da bíblia, passa por vários perigos e investidas antes de poder chegar ao
Seu Reino e reinar sobre os corações dos homens. A lenda de Sri Krishna na Índia é
muito similar. Ele é considerado como a encarnação da Deidade na Segunda Pessoa, ou
o Filho. Estes incidentes na vida do Salvador tipificam o fato que mesmo depois que o
Princípio Divino se manifesta no indivíduo, tem que lidar com as forças de sua natureza
inferior, ou natureza material, na qual habitualmente sucumbe-se. Mas a luta termina,
eventualmente, na vitória do mais alto sobre o mais baixo.
A causa raiz do sofrimento no mundo é o sentido de separação. O EU -
ISMO em nós é a mais asfixiante prisão e chegará o dia em que essa limitação cessará.
O amor é a única força que pode nos elevar dessa separação. Quando uma pessoa se
enamora, a outra pessoa se torna, provisoriamente, o centro de um interesse divino. Em
um mundo de dualidade, onde há um EU e um VOCÊ, quando o sentido do EU – ISMO
desaparece, VOCÊ é o único que fica. Mas não há um só VOCÊ, há inumeráveis
VOCÊS. No estado de amor espiritual ou universal, todos os demais não são mais que
uma pessoa, o objeto amado. A consciência livre dessas correntes pode ser enfocada em
qualquer parte dentro do círculo de suas infinidades. Para cada um de nós não há

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somente um foco, mas inumeráveis. Todos os VOCÊS são vistos (quando a ilusão do
EU desapareceu) como reflexos de um VOCÊ. Quando há completo amor em tudo, é o
Amado que está presente em todas as partes. Todas as consciências são reflexos da
CONSCIÊNCIA. Todas as vidas são expressões da VIDA. O nascimento dessa
consciência de unidade é o nascimento do CRISTO em cada um de nós, uma unidade
que pode ser enfocada em qualquer parte como centro de qualquer círculo de um
incalculável número de círculos.
Depois de ter nascido dentro de nós e de se sobrepor à resistência e aos
assaltos de forças, que pertencem a parte sombria de nossa natureza, deverá crescer até
que tudo nessa natureza transforme-se por meio de seu poder. Então se realizará o
mandamento: “sejam perfeitos, como vosso Pai no céu é perfeito”.

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CAPÍTULO XXV – CAMINHOS PARA A MESMA META

O que o mundo necessita agora mais do que nunca é irmandade; primeiro, no


coração do homem e como seu reflexo no mundo exterior, uma integração, uma síntese
de suas partes disseminadas e de suas funções. Necessitamos um equilíbrio das forças
centralizadoras com as forças centrífugas. Esta síntese tem que ser levada a cabo por
uma realização, que vai sempre em aumento de unidades, por meio da dedicação a estas
unidades das diferenças que jazem ao nosso redor.
O ritual da Estrela Mística é um esforço nesta direção, pois nos ensina que
todos os caminhos e todas as evocações necessárias levam a mesma meta, se
concentram em torno do propósito da perfeição de viver, na qual palpita a possibilidade
de nossa consumação. Seja o homem um criado ou um rei, um artista ou um curandeiro,
pode dedicar sua vocação, e as qualidades necessárias para ela, ao Supremo, rompendo
assim a divisão entre o secular e o espiritual, que entre outras barreiras, ajuda a enjaular,
a aprisionar e a limitar o espírito humano.
A ocupação dos vários representantes em um círculo, e no primeiro piso,
com o altar no centro, é uma expressão simbólica do fato de que, em relação com o
Santa Sanctorum de Deus, nossas diferenças na posição externa e na função, são só
como os arcos de um círculo, que mesmo a pessoa que governa e dirige é como um
chefe em meio de iguais, rendendo homenagem, como o mais humilde de seus criados,
aquele que é, ou deveria ser, o mais sagrado para todos. O altar é velado por uma tela
descrevendo os signos zodiacais, para demonstrar que toda a natureza, cuja incessante
revolução é sublimemente simbolizada por estas estrelas, é só uma vestimenta de Deus,
que é a Realidade Escondida. Ele é a Obscuridade que nenhuma luz humana pode
compreender. Gradualmente, a iluminação chega de muitas formas, de acordo com as
necessidades de cada era.
Este rito tem o mérito de demonstrar que não existe mais que uma Verdade,
a que tem sido apresentada sob muitos símbolos; só há um caminho e a fonte de nossa
inspiração é toda uma: a mesma. Nos enfrentamos ao altar de muitas direções, porém há
só um altar ainda que tenha muitas luzes.
A Estrela Mística simboliza a Luz que está distante e ao mesmo tempo
próxima, transcendendo todas a Luzes menores, que são nada mais que seu reflexo,
porém que está inerente no coração do homem. No ritual se demonstra que todas as fés
não são nada mais que o Caminho da Estrela e que todos os atributos como Poder,
Sabedoria, Amor, Beleza e Felicidade, são só aspectos desta Realidade.
Já que o caminho está escondido no coração do homem, não é extraordinário
que tenda por rumos que são falsidades e superstições, muitas vezes equivocados com a
verdade. O ritual ensina onde jaz a essência do caminho que proclamaram os grandes
Mestres.
Cada bela forma de cerimônia tem este uso, ou seja, que a verdade que
incorpore se imprima naqueles que tomam parte na cerimônia e em outros, de um modo
que os afete com seu encanto e seu valor.
Estamos em tempos em que os conhecimentos nos diferentes campos, a
investigação científica de especialistas, devem resumir-se em um todo, para que
possamos ver os diferentes processos de evolução como parte de um Plano; quando,
similarmente, as religiões do mundo necessitam ser compreendidas, já que todas
preenchem a mesma necessidade humana; quando homens e mulheres de diferentes
nações e raças, e dentro de cada nação, suprindo diferentes funções, tenham que dar-se
conta de sua inseparabilidade, de seu complemento e de seu valor mútuo. Temos

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descido à diferenciação de todos os tipos. Devemos ascender à unidade da Irmandade.
Este ritual é designado como uma escada para nossa ascensão. Todas as cores não são
mais que vibrações de uma corda, a corda de nossa consciência, e se mesclam para
formar a compreensão perfeita, que é a luz branca.

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CAPÍTULO XXVI – PLANO E ESFERA

Imagine, geometricamente, uma esfera perfeita colocada ao lado de um


plano. Em um pedaço de papel, isso seria representado por um círculo tocando uma
tangente, que naturalmente seria uma seção bidimensional de uma figura tridimensional.
A esfera e o plano são um símbolo da justaposição desta natureza do homem, que
podemos descrever como espiritual, ainda que apenas manifestada, na maioria dos
homens, e o mundo de coisas materiais e circunstanciais, nas quais está encarnado. O
ponto onde a esfera toca o plano é o ponto de sua percepção ou consciência aqui em
baixo.
Se o universo do passado, do presente e do futuro, se invisiona de um
continuum de quatro dimensões onde o tempo é a quarta dimensão, o plano, neste
símbolo de plano e esfera, representaria este continuum e a esfera algo completamente
fora dele. A consciência espiritual, sendo capaz de infinita expansão, pode ser
concebida como estando em muitas mais dimensões que aquelas que conhecemos.
Porém, como estas dimensões e possibilidades nos são desconhecidas, podemos
contentar-nos, pensando nesta diferença, em termos de só uma dimensão fora do plano
do nosso conhecimento. A esfera em relação com o plano possui esta dimensão.
Um cubo é obviamente o mais simples retilíneo sólido perfeito em três
dimensões. Para uma consciência que pensa, em termos de escalas definitivas e de
medidas, é a mais simples figura tridimensional que pode ser usada para simbolizar a
perfeição. Porém a esfera é uma figura mais natural, como podemos ver nos exemplos
providos pela natureza (planetas, gotas de água, etc...), sendo uma amplificação igual e
tridimensional de seu ponto central, tal qual, um círculo é uma extensão bidimensional e
uniforme de seu centro.
Perfeição, ou Beleza, sendo a marca do espírito ao objetivar-se, a natureza
espiritual do homem deve ser perfeita ou bela em cada uma de suas expressões, não
importa quão limitada seja a expressão. Isto é simbolizado pelo fato de que cada seção
de uma esfera é um círculo completo e perfeito. Sendo o círculo um símbolo de
eternidade e de incomensurabilidade, a qualidade dessa perfeição é uma indefinível
qualidade de eternidade, como a encontramos em uma obra de arte que nunca passa, e
que expressa uma idéia cuja importância ou atrativo é de valor universal.
Um círculo tem todos os pontos da circunferência eqüidistantes de seu
centro; a esfera tem uma propriedade similar, indicando que para o centro desta
consciência a que a esfera representa, todas as coisas na superfície, que são de caráter
fenomênico, estão igualmente relacionadas. Este centro pode ser considerado, portanto,
como o fragmento ou o reflexo da Deidade na natureza interior do homem, chamado
Atman ou Mônada. Este centro se encontra sempre diretamente acima do ponto onde a
esfera faz contato com o plano, o que demonstra que cada reação deste plano que é
direto, e portanto do mais completo efeito possível, passa por este centro, evocando
ademais uma reação que desperta e que desenvolve o ponto de baixo. Ainda que a
reação do plano não esteja em ângulos retos com o plano, quer dizer, não seja tudo o
que deveria ser, deve ter um componente que passe através do centro e assim ter um
efeito limitado na relação entre o centro interior e sua imperfeita reprodução exterior. O
raio que conecta aos dois sendo sua relação direta, não tem inclinação tangente, isto é,
não demonstra inclinação à tendência a uma vida material ou mundana.
A medida que a natureza espiritual do homem vai crescendo em magnitude,
a esfera se amplifica, e mantendo seu contato com o plano, sua expansão ou tamanhos
sucessivos pode ser ilustrada como uma série de círculos, todos tocando a tangente no

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ponto comum. O raio aumenta mais e mais, o centro eleva-se, porém permanece em
cada elevação diretamente acima do ponto de contato. Isto é, desde o ponto de vista da
consciência inferior, o centro do seu ser ou Atman se aproxima à Deidade infinita,
porém, está sempre no meridiano superior, segundo um termo astrológico, e em linha
direta com nossos mais elevados conceitos. Quando este centro se eleva até o infinito, a
esfera torna-se ilimitada em extensão, e se aproxima ao plano em seu ponto de contato;
se identifica com o plano, em um círculo cada vez maior em torno deste ponto. Isto é , a
consciência, que é este ponto, se estende no círculo e inclui, mais e mais, a extensão do
plano até que alcança o estado de omnisciência com respeito ao mundo que existe.

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CAPÍTULO XXVII – O VÉU DO TEMPO

A Estrela Mística é essa fonte de luz e de vida cujos raios constituem o


universo inteiro. Cada estrela física é em realidade um sol, e a Estrela Mística é o Sol
Espiritual Central do Universo. Parece uma estrela pela distância. A distância não é
espacial como no universo astronômico, senão que, temporal ou em manifestação.
Cada um de nós é, em verdade, um mundo espiritual de luz e beleza. Porém,
quando tratamos de ver nossa própria natureza espiritual, não sentimos mais que um
vazio distante, comparável a uma névoa. Existem milhões de pessoas que não podem,
sequer, perceber isto, porque sua natureza está ainda tão desorganizada e tão envolta em
densidade que nenhuma luz celestial, como a luz de tal objeto, pode penetra-la. Porém,
aqui e ali, se encontra alguém que possa perceber que existe uma natureza espiritual em
si e em cada homem, um ser espiritual esperando ser realizado. Na medida que
crescemos espiritualmente, que é uma questão de tempo, esta névoa se organiza em um
sistema esplêndido; digamos, em um sistema de estrelas ou em uma constelação. Isto é,
a realidade espiritual se torna com o curso do tempo o Logos de um Sistema Solar, ou
ainda o Logos Cósmico, que inclui dentro de Si inumeráveis centros ou Logos.
Ainda que, em termos temporais, isso tudo seja assim, podemos conceber
uma consciência que pertence à Eternidade, onde o passado, o presente e o futuro são
simultâneos; porque nesta consciência o tempo, como nós o conhecemos, não existe.
Tem sido nos ensinado que uma consciência como esta existe.
O astrônomo tropeça com certas nuvens que aparentam ser névoa, porém
quando as vê através das lentes de maior potência, encontra-se com o que não é um
objeto amorfo, senão que é uma galáxia de estrelas. Se podemos usar uma visão como a
do astrônomo através de suas lentes e ver este vago objeto que é nossa natureza
espiritual, veremos que não é a nuvem amorfa que nos parece ser, senão que um
esplêndido sistema de luz, que parecem uma nuvem pela distância no tempo que separa
o futuro do presente.
Se o tempo é uma ilusão, o futuro existe agora simultaneamente com o
presente e o passado. A divina pessoa em nós existe agora mesmo em toda sua futura
glória e esplendor. A vaga nuvem é um aspecto, o aspecto do presente. O sistema estelar
é outro aspecto, o aspecto do futuro. É o véu do tempo o que separa o futuro do
presente.
Removido o véu, cada indivíduo é uma estrela em uma hoste de estrelas,
com o que, a esfera celestial flameja. Todas giram em torno de uma estrela central ou
uma estrela polar, que é a Estrela Mística.

(55)
CAPITULO XXVIII – MANIFESTAÇÃO E PRALAYA

Como o Sol Central do universo, chamejante de vida, de luz e de glória, é


perceptível por nós, apenas como uma estrela por causa da distância, assim a Realidade,
da qual essa estrela é um reflexo e um símbolo, é perceptível dentro de nossa
consciência, apenas como um ponto infinitesimal pela distância que separa nossa
consciência dessa Realidade. É a estrela ao redor da qual gira tudo, ainda que
inconscientemente.
Assim como os raios de um círculo estendidos até o infinito em todas as
direções formariam uma esfera imaginária, com seu outro pólo no infinito, assim os
raios dessa estrela, radiando em todas as direções, formam o que corresponderia a uma
esfera em alguma nova dimensão, da qual o outro pólo está no infinito e é portanto, para
nós, imaginário. Porém, quem poderá dizer o que é imaginário e o que e real? O que
vemos no espelho da mortalidade, de Maya, deve ser, necessariamente, uma inversão da
verdade imortal. Para aquele que tem clara visão, a noite é como dia e o dia é como a
noite, diz Shri Krishna no Bhagavad Gita.
Os dois pólos, o pólo de onde se vêem os raios estender-se em todas as
direções, e outro pólo no infinito, pode ser considerado como o pólo (ou o centro) do
Imanente, e o pólo do Transcendente. O Transcendente e o Imanente são, em essência, o
mesmo; mas é somente um fragmento que se manifesta no Imanente. Shri Krishna,
representando o Logos Imanente, assim como também ao Logos Transcendente, diz no
Bhagavad Gita: “tendo penetrado este universo com um fragmento de Mim Mesmo, Eu
permaneço”.
Como não podemos pensar em mais de três dimensões do espaço que
conhecemos, pensemos na esfera como representação do universo e com todas as
estrelas na sua superfície. O Sol Central seria o centro dessa esfera e cada estrela na
superfície seria um raio ou um reflexo desse centro.
A Estrela que é o ponto da nossa origem, embora seja uma, reflete-se em
inumeráveis corações. O reflexo ou raio em cada um de nós é nosso Pai no céu, o
criador de nosso futuro universo. Inumeráveis estrelas como essa na esfera, que estão
em uma direção, formam um meridiano celeste, são todas de uma mesma classe.
Inumeráveis dessas estrelas em todas as direções, formando um circulo perfeito,
constituem uma latitude celeste, formam uma faixa. O centro de cada um desses
círculos podem então ser concebidos como representando um Homem Celestial.
Inumeráveis desses centros ou Homens Celestiais formam a linha, o eixo, de pólo a
pólo, de manifestação.
Quando o raio da esfera torna-se infinito e a esfera torna-se um plano, a
manifestação cessa; quando o raio torna-se finito e o plano curva-se tornando-se
novamente uma esfera, ocorre a manifestação. Aquilo que está manifestado tem que ser
finito e puro. Pralaya a Manvantara e Manvantara a Pralaya, a expansão da esfera
tornando-se um plano e a contração do plano tornando-se uma esfera, com o
alongamento e a diminuição do raio, respectivamente, constituem a vibração do tempo.
Cada um pode perceber a estrela central da esfera total em sua própria
consciência, quando esta está cheia da escuridão da humildade. Quando formos filhos
da humildade, poderemos também nos reconhecer como filhos de Deus.
Todas as estrelas que não são mais que reflexos da Estrela em inumeráveis
pontos, emergem no processo de limitação de si mesmo do Absoluto, o enquadramento
do círculo infinito. Toda a manifestação, a partir deste ponto de vista, é Maya ou ilusão.
A matéria não é nada mais que uma sala de espelhos. A única Luz ou Realidade é
Aquilo que está refletido nela.

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CAPÍTULO XXIX – EVOLUÇÃO DESDE O ALTO

Tudo o que há aqui em baixo tem a sua contra parte nos planos de cima; é um
aspecto da Realidade, não importa quão velada, até certo ponto, falseada e deformada
pelos véus. Imaginemos a raiz de toda manifestação como ponto básico de uma flor,
digamos um loto, que ainda se formará perfeitamente. Toda a manifestação pode ser
concebida como inumeráveis correntes de força brotando através desse ponto, tecendo-
se e destecendo-se em uma infinidade de maneiras. Assim cria-se um modelo, uma
ordem, um cosmos. A opinião de que a base de toda a manifestação, a base da matéria
que conhecemos, é força, é admissível mesmo de acordo com a ciência moderna. Tudo
da natureza fenomenal é o funcionamento da Energia Divina fluindo em uma infinidade
de ritmos e vibrações. Um átomo é um sistema de forças; todas as formas são criadas
pelo incessante alento de Deus. Qualquer que seja sua aparência, é apenas a criação das
forças que descem em correntes entrelaçadas, pelo seu mútuo ajuste temporal e pelo seu
desajuste.
De maneira que o mundo como é, é uma combinação do que é como que deveria
ser; ou seja, como será no modelo final, e muito do que terá que desfazer-se, reordenar-
se ou amoldar-se de novo. Em meio ao crú, ao bastardo, ao disforme, vemos intimações
de um céu, o céu do pensamento perfeito de Deus. Onde vemos algo completamente
belo, algo que nos transporta fora de nós mesmos seja em cor, ou em som, ou em forma,
ou em suas correspondências em matéria mais sutil, em sentimentos, em imaginação,
em pensamento, aí vemos uma idéia de Deus refletida como em um símbolo, um
indicador da Realidade em um de seus muitos aspectos. Aqui e ali podemos ver não o
trabalho perfeito, mas um esquema, um ensaio imperfeito, ou um fato que será
consumado. Vemos também coisas que repelem, que segundo possamos julgar, são
combinações erradas, má aplicação, matéria fora do seu devido lugar, força
impropriamente aplicada.
O verdadeiro, o bom e o belo são sempre um devido estudo para nós. O
problema do mal e do sofrimento é muito mais difícil de desenrolar.
Primeiro tomemos esses simples caminhos diretos, para o céu das idéias de
Deus, que nascem dos reflexos aqui em baixo, daquelas idéias que percebemos ser
completamente belas e celestiais em sua natureza. Comecemos, por exemplo, com as
fragrâncias puras, como a da rosa, do jasmim e do sândalo. Elas têm uma
correspondência celestial. Nós podemos reproduzir a radiação espiritual, a emanação da
qual uma bela fragrância é a correspondência ou a contra parte? Podemos, pelo menos,
por meio da imaginação sentir a natureza da classe de estímulo ou influência, que uma
fragrância particular produz em nós. Cada adepto, que por sua própria decisão tem
vivificado sua natureza material com sua natureza espiritual, tem sua fragrância
particular, não porque a seleciona, como uma mulher moderna elege uma para seus
propósitos, mas sim porque é uma manifestação de seu poder, – como podemos
perceber por meio de um de nossos sentidos, aquele que é talvez afetado mais
facilmente que os outros.
Cada um tem certos sentidos que traduzem o que chamamos sensações; efeitos
vibratórios de um estímulo particular. Não é inconcebível, que a escala de nossa reação,
mesmo a reação física, provavelmente, amplie-se a seu devido tempo, uma vez que,
existem diferentes potencialidades de impressões sensoriais, as quais, conhecemos por
meio de órgãos que não estão desenvolvidos no presente; que podem ser entendidos
como novos elos, com os quais nem sonhamos no presente, entre o mundo objetivo e o
subjetivo.

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Nosso desenvolvimento depende por um lado, de aumentar as sutis variantes de
nossos sentimentos, e por outro, da nossa habilidade em construir novos tipos de formas
em nossas mentes e em aprender o significado de forma, som e cor, que nos meios
particulares são traduções de sentimento e pensamento.
Que o pensamento é infinito, é fácil de compreender. Toda a natureza, na sua
parte tangível e na intangível, é uma expressão do Pensamento Divino, é a arquitetura
que é música sólida. Compreender o significado e música de cada frase nos volumes da
natureza requer interminável estudo. Mas a arquitetura e a música não tem só um ponto
de vista intelectual, mas também de emocional e espiritual. Todas as coisas vibram e
todas as formas são formas de efeito vibratório. Cada uma tem uma mensagem. Cada
pequena onda do ilimitado oceano de vida tem uma história a contar. Quando cada
vibração da matéria ou força é traduzida ou transmutada em pensamento, em
sentimento, em sensações subjetivas e singulares que não têm descrição possível, entra
o divino no homem; o Infinito nesta expressão finita, que é a verdadeira individualidade
de cada homem.

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CAPITULO XXX – O PLANO DE DEUS

O Plano de Deus existe em Seu Plano Mental, no cósmico mental. Consiste de


Suas idéias, que são arquétipos de todas as coisas daqui debaixo. Os construtores dos
níveis inferiores tratam de construir essas idéias, envolvendo as formas, de seus planos,
que assim vão sendo gradualmente modeladas do caos original ao modelo do arquétipo.
Evoluem-se do caos, natureza homogênea, através de desenhos cada vez mais
complexos, buscando uma ordem perfeita refletindo a totalidade de desenvolvimento
possível, bem como, a simplicidade de uma síntese perfeita. Há uma síntese em cada
etapa, que forma um elo com uma corrente de sínteses, ou grupos.
Os Manus são os engenheiros construtores; construtores nos diferentes níveis.
Podem ser imaginados como círculos de diferentes tamanhos e curvaturas tocando-se
em um ponto. Este ponto é o principio do Manu ou raiz, que corresponde à AdyBudha
na linha paralela do Bodhisattwa. Cada um Deles faz que seu arquétipo desça de Seu
mais alto nível ao imediatamente abaixo. De um ponto de vista, trata-se de uma descida
de idéias, ou de energias mentais do Logos, mas de outro, de um entendimento ao nível
mais elevado. Pelo esforço de sua mente e de sua vontade, o Manu evoca o fluxo de
idéias divinas que se procura reter e incorporar. A derivação do termo Manu, como
também do homem, que é, em sua mais estrita forma, seu descendente, é da raiz
sânscrita MAN: pensar. A mente é o princípio da descida, o quinto dos sete princípios
humanos; existe e se encontra ativo em cada nível. Eleva-se até Budhi e Atman,
também, se reflete mais embaixo na emoção e consciência física.
O plano de Deus que podemos dizer é eterno nos céus, é no tempo, um projeto
de evolução, que se desenvolve, tanto na, quanto através da, mente e da vontade dos
homens, cuja evolução procede de acordo com suas livres vontades e pensamentos
individuais. Porém todas as nossas liberdades são compreendidas, desde o princípio, por
Sua omnisciência, e embora somos livres e escolhemos, Ele, que sabe tudo, sabe o que
vamos escolher. Desde o nosso lugar, mesmo que inferior, temos que planejar o melhor,
e aceitar tudo o que for aceitável, e descobrir que é parte de seu Plano que está sendo
desenvolvido.
Assim como o entendimento ou vontade do Manu, dois atos que são um para
Ele, é uma descida do infinito armazém do pensamento divino, a perfeição, que é
alcançada aqui embaixo pelos nossos melhores esforços, é a incorporação da perfeição
divina que está sempre esperando como descer. A ascensão da matéria cruza e mistura
com a corrente descendente do espírito, que ao se refletir na natureza da matéria divide-
se em uma infinidade de divinas formas ou de idéias e na união dessas forças, debaixo e
de cima, gera-se essa perfeição que é tão objetiva como subjetiva.

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CAPITULO XXXI – DO CENTRO À CIRCUNFERÊNCIA

Do centro à circunferência e da circunferência ao centro, este é o processo total


do cosmos. É uma vasta vibração, uma expansão e uma contração, com seu Tattva e
Tanmatra (qualidade e medida), dentro da qual se desenvolvem vários e infinitos
desenhos, cada um centrando-se ao redor do ponto de uma individualidade. Este
símbolo cósmico, já que tudo na natureza que é fenomenal, suscetível à descrição, é um
símbolo, tem diferentes graus de significado que vão desde o indivíduo até o cosmos. O
indivíduo é o centro e ao nos elevar de plano em plano, a pluralidade de indivíduos
resolve-se em uma unidade que é o Atman, o Ser universal, sempre indivisível. Desde o
ponto de vista da verdade, que é visão sem escalas, a pluralidade é apenas de aparência,
uma ilusão, o reflexo da luz na sala dos espelhos.
Quando dizemos indivíduo, o que é que estamos querendo dizer? Está a
individualidade do eu e egotismo e está a individualidade que é dar corpo, iridiscente,
objetivação do incomparável, que é o princípio da individualidade. O que é
incomparável é a Mônada, a primeira emanação da unidade, a base de todo o
desenvolvimento subseqüente.
A consciência da Mônada até certo ponto, embora limitada, não está
interrompida, senão que acima há um ponto onde se torna propensa ao jogo dos opostos:
um aspecto permanece na luz e o outro move-se nas sombras. Daí provem a dualidade
da mente. Ao ir percebendo a forma, o externo, a aparência, a circunferência exterior de
cada coisa, passa por alto a vida, a alma, a realidade desta coisa. A circunferência é uma
limitação, um continente. Em seu exterior está a aparência, o aspecto objetivo e
concreto. No seu interior está a relação com o seu centro, a idéia, a vida especializada
que está sendo expressada. No exterior da circunferência, que não é nada mais que uma
linha inexistente, há uma forma em cada ponto, na interior, no mesmo ponto, está a
idéia que anima a forma, a verdade dessa forma, que é também sua bondade e a alma de
sua beleza.
Quando a relação do centro com a circunferência é correta, completa e perfeita, a
forma é perfeita. O que é perfeito em seu funcionamento e em seus efeitos, é bom e
belo. Não há regra de beleza por meio do qual o belo possa ser definido. Mas desde o
ponto de onde estou falando só é belo aquilo que parece sê-lo ao sentido puramente
intuitivo que não compara as diferentes partes, mas que instantaneamente inclui tudo,
um sentido no qual as partes e suas relações são naturalmente compreendidas.
A beleza pertence à totalidade e não à parte, embora a parte seja também bela
pois é uma totalidade em si própria. A beleza se encontra em integração perfeita, seja de
movimentos, de cores, de linhas, de sons, de processos da vida ou de termos lógicos.
Integração é fazer entrar uma multiplicidade a uma unidade, a manifestação do centro
dentro da circunferência.
Desde o centro à circunferência há um processo de diferenciação. Mas cada
parte diferenciada tem sua relação com o centro. A idéia, o significado, o propósito que
é o centro, encontra-se presente em cada parte diferenciada ou elemento. É a presença
da qualidade de vida que pertence ao todo o que torna possível a síntese ou integração.
Porque vida pode confundir-se com vida; consciência pode mesclar-se com consciência:
a vida e a consciência são flexíveis e vitais.
A síntese deve ser imaginada não como um agrupamento mecânico, mas como a
integração da vida. Os Homens Perfeitos de cada raça, de cada ronda e de cada cadeia
de evolução integram-se assim. Isto é difícil de imaginar porque contemplamos o
processo com nossas mentes formais e separatistas, ao invés de usar nossa consciência

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unificadora e vital. Porém, nos dá uma idéia do que acontece no ciclo de regresso, que é
diferente do ciclo de saída.
A contra parte de integração é criação: a emergência de uma nova idéia. Cada
idéia perfeita, cada perfeita percepção, é uma individualidade. A essência dessa
individualidade é sua totalidade, seu conteúdo e seu absolutismo. As criações de nosso
ser subjetivo são as individualidades que levam a marca e selo de perfeição que falam
nesse ser, e essa perfeição é esse ser. Desde o centro à circunferência está este impulso
radiante que se incorpora num ato perfeito, em uma criação, em uma forma ou em outra.
Nos referimos ao Espírito Divino como o Espírito Criativo, e o homem que encontrou
seu centro e atua desde aí, também pode criar.
Todo sentido da beleza é criado por uma complementação em relações, que é
mais completa e compreensiva, se analisadas entre mais e mais partes, estendendo-se
numa expansão que não é aparente a primeira simples, inclusiva ou integral vista. Não é
esta mera análise, ou diferenciação, a infinita emergência de espécies, individualidades
e subespécies, na objetiva evolução, que estamos estudando?
O mundo é a circunferência. No coração do homem está o centro. Ele tem que
estabelecer uma relação viva entre os dois. Esta relação é comparativamente estática
quando a circunferência é estreita e o homem é o centro de seu pequeno círculo. Torna-
se infinitamente dinâmica, à medida que, a circunferência vai incluindo todas as coisas e
seu centro se unifica com o centro do círculo da existência universal. A forma é
relativamente estática e todas as formas estão na circunferência. A vida é dinâmica e o
centro é o centro de vida. De modo que, a relação do centro à circunferência é uma
relação dinâmica, uma vez que, o centro é tocado pela consciência em movimento,
desde a circunferência.
Normalmente, chama-se homem dinâmico a alguém que procura mudar as
pessoas e as coisas, sem mudar-se a si mesmo; mas do ponto de vista do ocultismo ou
da verdade, esta mudança deve começar consigo mesmo; e há de durar. Esta mudança
será uma revolução contínua. Uma vez que, tudo o que aconteceu até agora é uma
involução, que inversamente, significará nossa liberação de cada uma das forças
colhidas nesta involução. O processo de imanência é um lado, e o processo de
transcendência, que é liberação, que é o descobrimento de si mesmo, é o outro lado do
ciclo.
Da circunferência ao centro está a reação de cada um às circunstâncias de sua
vida. Quando a reação é direta passa através do centro, o qual, é o próprio coração de
seu ser.
No Bhagavad Gita a virtude da igualdade para tudo é, especialmente, ressaltada.
Esta é a relação do centro à circunferência. Igual em honra e ignomínia, com amigo ou
inimigo, em êxito ou derrota; é a descrição que faz Shri Krishna do homem que
alcançou, do devoto ou místico que é o mais amado por ele. Esta uniformidade não
surge da indiferença nem da falta de sensibilidade, senão que, deve-se a um desapego
interior e uma sensibilidade envolvente. Experimentar tudo, seja prazer ou dor, sem
busca-los, e não temer a repetição dessa experiência, é a atitude do yogui. Esta atitude é
muito difícil de alcançar. Mas se não podemos ser uniformes nas nossas reações,
podemos procurar ser equilibrados. Alguém pode ser igual com os chamados amigos ou
inimigos, porque o divino está em todos nós. Nossas contendas, mesmo os pleitos, são
só na superfície onde tudo está colocado de maneiras contrárias. Mas no fundo todos
temos a mesma vida e temos a capacidade de alcançar e manter uma atitude de boa
vontade universal. É possível considerar a todos os seres humanos, sejam ricos ou
pobres, inteligentes ou simples, como nossos iguais, fundamentalmente. Há uma

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igualdade natural que se faz notar no trato entre crianças, embora infelizmente, perdem-
na muito rápido.
Quando levamos a natureza do centro à circunferência, onde quer que
toque, em seus pontos, há amor. Sutilmente, sente-se que o outro é si mesmo e
simultaneamente diferente; se mesmo na aparência de uma beleza até aqui ignorada,
exalando um novo e ignorado perfume. A fricção das diferenças eletrifica, dá luz ao
sentido de unidade, cuja eletricidade, cujo fogo, parece transformar a natureza das
diferenças que percebemos, produzindo assim uma versão, onde, descobrindo um
aspecto que esteve aí sempre, porém, sem manifestar-se à comparativa insensibilidade
de nossa absorção na familiaridade do conhecido.
Nossa humanidade chegou a etapa de estar pronta para ser integrada política e
socialmente. A diferenciação entre raças e culturas tem ido muito longe para que agora
se possa começar a efetuar uma união entre elas. As condições físicas para essa união
foram trazidas à existência pela operação do princípio da mente, em seu aspecto
cientifico e objetivo. Essa união tipificará a manifestação do outro aspecto, a mente
superior.
A Filosofia à Maneira Clássica existe para ajudar esse processo porque sua
influência é unificadora. A irmandade que ela proclama implica a afirmação simultânea
de unidade e diferença, mas também implica que as diferenças têm seus lugares e
necessitam ser compreendidas e sabiamente manejadas. A cada um de acordo com suas
necessidades, e de cada um segundo sua capacidade, é o princípio de família. A
Filosofia à Maneira Clássica busca, também, chegar a síntese do campo do pensamento,
através do estudo comparativo e do descobrimento da identidade do princípio da alma
do homem para promover a unidade humana.
A influência da Filosofia à Maneira Clássica emana do centro, porque é a
sabedoria espiritual. Seu efeito é o de aproximar os homens, que é o movimento da
circunferência para o centro.

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CAPITULO XXXII – BELEZA E ARTE

A Beleza é indefinível porque é uma expressão de vida. A fealdade surge quando


a vida dentro de uma forma é impedida por uma falta na forma criada para seu
funcionamento. A vida sempre busca integrar. Quando esta integração se completa
existe beleza. Algo se expressa numa totalidade que não havia em suas partes. Assim
que a vida está cheia de significados. Cheia de idéias (por falta de melhor termo). A
totalidade do processo de evolução é o processo de dar luz a estas idéias. Elas se
encontram latentes sem manifestarem-se, desde o princípio. Manifestam-se no seu
devido tempo, à medida que, as formas e a matéria evoluem. Esta é a Arte da Natureza.
Cada idéia, a essência de cada integração, é algo indefinível, um círculo que não
pode ser esquadriado; pode ser submetido a análise, a cálculo, mas não pode ser
expressado em quantidades finitas mensuráveis.
Beleza, Bondade e Verdade! O triângulo eqüilátero da Virtude, que é energia
correta. São inseparáveis como as três Benditas Pessoas e aspectos da mesma realidade.
A Verdade em sua natureza inerente, o aspecto da eternidade no tempo, as idéias do
pensamento divino. A Bondade, em relação a todas as outras formas e expressões,
cooperativa em sua natureza, desenvolvendo-se, cada vez mais, como um canal aberto,
uma curva aberta de progressão que não tem limite ou fim. A Beleza, na sua
manifestação exterior, uma definição em si própria. Verdade no seu aspecto subjetivo
interno, Beleza que é objetiva, e Bondade cuja natureza é equilíbrio perfeito entre
sujeito e objeto.
Há beleza, seja na Natureza ou na arte, onde há expressão de um fragmento do
pensamento divino, quando incorpora um raio da Natureza divina. Esta Natureza
encontra-se também na consciência do homem, que é um foco individual da vida
universal. Então, cada idéia verdadeira e profunda apela à inteligência humana, a
faculdade de cognição nele, e é aceita por ele quando evoluiu o suficiente para aceita-la.
Ele tem a potencialidade de ser afetado por essa idéia, mesmo quando não possa realizar
em uma etapa particular.
Diz-se faculdade de cognição. Não é a mente racional, que raciocina passo a
passo. É um aspecto de cognição, que inclui instantaneamente os diferentes aspectos ou
partes da coisa, que é apresentada, e é afetada por ela de uma maneira que prova
imediatamente sua verdade. É dessa maneira que uma sucessão de frases melodiosas ou
um acorde é comprovado que é musical, sem exame mental.
Todas as grandes idéias, os mais importantes descobrimentos, vem assim à
inteligência humana como um relâmpago.
A apelação da beleza é o que em Filosofia à Maneira Clássica se denomina
Budhi ou a Intuição Espiritual no homem. Conhecemos muito pouco de sua natureza.
Quando essa intuição é tocada, há um sentimento de felicidade pura, um sentido de
unidade, uma modelação e organização da natureza interna do homem, mais de acordo
com o modelo original. Essa intuição, também, lhe dá um elevado sentido de
individualidade, cujo efeito subjetivo leva-o de encontro a sua natureza única,
produzindo-lhe um sentido de segurança que o leva a interagir com o objeto
apresentado, numa aprovação, a partir de dentro.
Pode existir um objeto belo, uma verdade que pode não tocar a faculdade de
cognição na sua origem. Necessita-se experiência para permitir que essa faculdade
amplie-se e trate com os dados do mundo físico (ou dos mundos inferiores) que estão
separados dele. Até que essa experiência seja adquirida e a faculdade possa operar nos
campos dos dados particulares, a verdade tem que esperar.

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O selvagem, que tem pouca experiência, pode aclamar algo que é cru,
barulhento, e estrondoso, como seu objeto de prazer. Mas gradualmente, ao ir
evoluindo, nossa percepção vai se refinando e podemos separar os que são verdadeiros
valores de arte, entre outras coisas, dos que são falsos.
Não há autoridade na arte, porque a apreciação deve nascer natural e
espontaneamente. Uma autoridade aceita pelo público pode ser uma autoridade falsa. A
frase “república de letras – arte” contém a verdade de que a arte tem que estar livres de
imposições. No entanto, embora não possa existir definição de retidão, seu sentido
cresce gradualmente. O que apela a mais profunda consciência do homem, onde se
encontra a possibilidade da mais perfeita e compreensiva síntese, é o que sobreviverá
inevitavelmente. Outros gostos, outras idéias, deve passar e ser ultrapassadas.
A arte nem sempre é sinônimo de beleza, pois ela pode ser superficial, pode ser
um truque, pode ser só técnica. Do ponto de vista filosófico, a arte não pode ser apenas
um meio. Os meios estão relacionados com os fins. Não há beleza em uma chamada
obra de arte que produz um efeito psicológico que está longe de ser belo. Pode
representar destreza e recurso mental que pertence ao arco descendente da vida do ciclo,
enquanto estamos diferenciando.
A arte é mais bela, mais efetiva, quando a forma é subordinada a vida, onde o
mínimo de material é empregado com um máximo de efeito, onde cada detalhe é
desenhado para promover ou expressar a idéia interior.
Pode-se ver esse desenho em objetos naturais em um pássaro ou em um peixe,
em muitas outras formas orgânicas. A Vida do Ser cria os órgãos necessários para a
conquista do elemento no qual entra. E quanto mais entra no elemento ou meio, maior é
seu poder de expressão que, na ação é capacidade de revelação de sua própria natureza,
que é beleza. Então Beleza e Aptidão, Capacidade e Utilidade caminham unidas,
crescem juntas. Esta combinação se tornará mais e mais evidente, à medida que, a
evolução vai progredindo.
Poder significa liberdade. Beleza é igualmente liberdade ou liberação. Toda
manifestação deve ser em certa forma. Mas a forma é uma limitação. Uma sucessão de
sons que tenta produzir um som particular deve excluir a qualquer outro som. Limitação
significa uma rédea para a vida nessa forma. Mas quando a forma se torna bela, ajuda a
vida manifestar sua natureza, e assim, é seu propósito atingido. Só o alcançar beleza
perfeita de pensamento e de ação, completa e realiza, por si mesmo, o propósito de
manifestação da natureza da vida.
O sentido de beleza está na percepção de uma relação no espaço, no tempo, ou
em ambos. Não está no material ou nem mesmo no objeto, embora a identificamos na
relação com o objeto. Aquele que é mais sensível na relação, o artista, é aquele que a
contempla mais claramente desapegado da substância em que se reflete. Torna-se para
ele uma abstração, uma idéia.
Esta idéia é percebida como bela pois incorpora uma lei. Em sua legalidade está
a essência de sua beleza. Um se torna muitos. Mas muitos chegam com o tempo e de
diferentes direções ou por diferentes raios desde o centro comum. Daí as inumeráveis
diferenças. Mas há uma relação entre a unidade e a multiplicidade, que é lei no abstrato,
as leis da Natureza ou de Deus. São estas leis as que são grandes generalizações, as que
enlaçam fatos particulares e fenomenais, que são a causa da ordem. Quando somos
afetados por essa lei ou por uma das leis, que se encontram em uma coisa bela, dizemos
que é bela.
Nossa consciência pode ser afetada por estas leis porque seu mecanismo é tal
que é suscetível de ser afetada por elas. Conhecemos muito pouco desse mecanismo.

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Aquelas leis que são leis do universo são também as leis de nosso ser, porque o homem
é em sua pura natureza um reflexo de Deus.
Todas as artes devem incorporar-se as mesmas leis, se são belas artes. Daí vem a
unidade de corações. Os princípios que apelam as nossas mentes devem ser os mesmos.
É a mesma consciência a que é afetada de diferentes maneiras pelas diferentes artes. A
forma como são afetadas é uma indicação de sua unidade.
A consciência é tão elástica que pode ser modelada rápida e facilmente. É Por
isso, que nem sempre vamos apreciando ou julgando as coisas, por meio de uma
consciência que não esteja condicionada. É nessa consciência onde reside as qualidades
da divina natureza e o poder de responder as suas belas manifestações. Aí está o
verdadeiro juiz, o incorruptível juiz, da natureza do objeto que lhe é apresentado como
arte, se é belo ou não, se é ou não legal de acordo às leis de Deus. A apelação da arte é a
intuição no homem, que é sintética em sua natureza e atua espontaneamente, ou seja,
não tolera ditadura.
A arte sem beleza é só pretensão. A arte não é a produção de um efeito, não é
artificial.
Quanto maior for o círculo de consciência e compreensão, maior será o número
de pontos distinguidos, marcando seu limite. A cada ampliação do círculo, maior se
torna a claridade de cada idéia individual, constituindo o céu do pensamento divino, a
ilimitada expansão da inteligência natural (Chidâkâsha). Quando mais claro for o ponto
de percepção, mais agudo é o peixe que pode se transfigurar no manifestante plano de
formas e materializações. Cada uma dessas transfigurações de uma idéia, Divina ou
etérea, é a criação de uma obra mestra pela qual a idéia é revelada ou descoberta. De
maneira que a arte é o brotar de idéias do céu aparentemente vazio, mas no entanto
esplendorosamente iluminado, em formas que aprisionam, mas apenas para manifestar
estas idéias.

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