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INTRODUÇÃO

Segundo o levantamento realizado em 2013 pela Pesquisa Internacional sobre

Ensino e Aprendizado (Talis)1, acerca da realidade educacional de 32 países, o Brasil

ocupa o primeiro lugar no quesito “tempo gasto para manter a ordem na sala”. Em

média, os professores entrevistados afirmaram ocupar cerca de 20 % do período de

aula para gerenciar e combater atitudes indisciplinares dos alunos contra a média de

13% apontada por profissionais da educação de outros países2.

Contudo, esta não foi a primeira vez que o Brasil amargou a liderança desse

ranking. Em 2008, em outro estudo elaborado pela Talis (OCDE), o país também lide-

rou a estatística de país em que os professores mais perdem tempo com indisciplina

em sala de aula. A problemática da indisciplina em sala de aula é um dos fatores que

mais repercute entre as queixas dos profissionais da educação, pois sinaliza a desva-

lorização e respeito da categoria.

Com a retomada das aulas após o período de isolamento social, a indisciplina,

mais uma vez, ganha destaque entre os professores, gestores e pesquisadores. Com

o retorno das aulas presenciais, a problemática em questões ganhou novos contornos

e proporções. A retomada do trabalho em sala de aula evidenciou as dificuldades,

tanto nas escolas públicas como privadas, do reestabelecimento de uma rotina de

estudos no ambiente escolar e o cumprimento de regras.

De acordo com dados da Secretaria Estadual de São Paulo (SEE-SP) houve um

aumento de 48,5% dos casos de agressão física no primeiro bimestre de 2022 em

1
Teaching and Learning International Survey (Talis) é um estudo realizado pela Organização para Co-
operação de Desenvolvimento Econômico (OCDE), cujo objetivo é avaliar as relações de ensino-apren-
dizagem e as condições do trabalho docente e a atuação de gestores. No Brasil, o desenvolvimento da
pesquisa e análise dos dados são de responsabilidade do INEP - Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais Anísio Teixeira. Disponível em < https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atua-
cao/pesquisas-estatisticas-e-indicadores/talis> . Acesso em abr. 2023.
2
O estudo foi realizado com profissionais da educação que lecionam nas últimas séries do Ensino
Fundamental.
8

comparação ao mesmo período em 2019, antes da pandemia de COVID-19. Em mé-

dia, são registrados 108 casos de violência diariamente no universo de 5500 escolas

estaduais no estado, de acordo com a plataforma Conviva, responsável pelos regis-

tros de ocorrências no ambiente escolar.

Um mapeamento realizado pela SEE-SP em parceria com o Instituto Ayrton

Senna revelou que no universo amostral de 642 mil alunos do Ensino Fundamental e

Médio, 70% dos alunos da rede pública estadual relatam apresentar sintomas de de-

pressão e ansiedade. A violência é um dos fatores que agravam a fragilidade psíquica

dos alunos. Em 2022, em comparação ao mesmo período de 2019, houve um au-

mento de 77% nos casos de bullying e 52% nos casos de ameaça por parte grupos e

gangues que agem no interior das escolas.

A respeito do assunto, a Revista Carta Capital 3 entrevistou pesquisadores da

área da educação que salientam que os problemas agravados no período do retorno

às aulas presenciais estão atrelados à própria organização das escolas, que se man-

teve inalterada. Nessa perspectiva, para os especialistas em educação, as escolas

não se adaptaram às novas demandas socioemocionais agudizadas no período pan-

dêmico. As escolas mantiveram o mesmo modelo de ensino, que pouco dialoga com

as demandas das crianças e adolescentes na contemporaneidade. Ademais, a falta

de profissionais da área de saúde no espaço escolar é um elemento central que con-

tribui para adoecimento psíquico dos alunos e também dos professores.

Em parceria com o Instituto Ame sua mente, a revista Nova Escola4 realizou uma

pesquisa intitulada “Saúde Mental dos Educadores 2022”. O estudo contou com a

3
Disponível em < https://www.cartacapital.com.br/educacao/retomada-as-aulas-presenciais-acirra-a-
violencia-nas-escolas-o-que-fazer-para-supera-la/ > . Acesso em abr. 2023.
4 Disponível em < https://novaescola.org.br/conteudo/21359/pesquisa-revela-que-saude-mental-dos-

professores-piorou-em-2022#:~:text=Houve%20uma%20queda%20significa-
tiva%20da,2022%20(21%2C5%25).> Acesso em abr. 2023.
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participação de mais de 5 mil profissionais da educação, entre eles, professores e

gestores de todos os estados e Distrito Federal. A maioria, cerca de 84,6%, atuam na

rede pública de ensino. Entre os entrevistados, 21,5% revelara que consideram sua

saúde mental “ruim” ou “muito ruim”, contra 13,7% registrados no ano anterior.

Em um breve intervalo de dias a sociedade brasileira se deparou com a brutalidade

de dois casos envolvendo violência no ambiente escolar. Em 27 de março desse ano

a professora Elisabeth Tenório, de 71 anos, foi esfaqueada por um aluno de treze anos

na Escola Estadual Thomazia Montoro, localizada na Zona Oeste da capital paulista.

Segundo a apuração da polícia a motivação do crime teria sido a repreensão da pro-

fessora à postura racista do adolescente autor do assassinado dias antes do ocorrido

ao chamar um aluno negro de “macaco” dentro da sala de aula5.

Dias depois, na cidade de Blumenau -SC, um homem assassinou brutalmente

quatro crianças na creche Cantinho Bom Pastor. De acordo com a polícia, um homem

de 25 anos adentrou no espaço escolar e atacou a golpes de machadinhas as crianças

e, em seguida, apresentou-se à polícia. As vítimas tinham entre 3 e 7 anos6.

Ambos os casos tomaram os meios de comunicação gerando além de indigna-

ção, a emergência da ameaça de novos ataques. Nas últimas semanas a ação da

polícia em vários estados busca mapear a incitação a novos ataques planejados prin-

cipalmente pelas redes sociais. O clima de insegurança tomou conta das familiares e

comunidade escolar em todo Brasil e fez com que o debate sobre a vulnerabilidade

das escolas frente à violência em todo o país.

Embora ambos casos sejam de extrema violência, não podem ser desconecta-

5
Disponível em < https://www.cartacapital.com.br/opiniao/assassinato-da-professora-elisabeth-e-re-
flexo-de-uma-sociedade-doente/> . Acesso em abr. 2023.
6 Disponível em < https://www.bbc.com/portuguese/articles/cgln2de3nvvo > Acesso em abr. 2023.
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dos do cenário de violência que assolam as escolas no Brasil. Os chamados “massa-

cres” não podem ser compreendidos, por meio de justificativas do senso comum, so-

mente como a falta de punição, necessidade de intensificação do armamento no inte-

rior das escolas somada à responsabilização restrita às famílias ou aos educadores.

Ambos os episódios exprimem a realidade de um sistema educacional fracassado,

seja em cumprir sua função de formar cidadãos para a vida em sociedade como tam-

bém em propiciar condições dignas de trabalho aos profissionais da educação.

A indisciplina é compreendida como um componente escalar da violência nas

escolas que prejudica tanto a formação dos educandos, as condições de trabalho do-

cente como também servem de alerta para a necessidade de refletirmos sobre a rea-

lidade social em que vivemos.

Mas afinal, o que é indisciplina? De acordo com La Taille (1996), definir o que é

indisciplina não é uma tarefa fácil. Pelo contrário, uma abordagem simplista pode até

mesmo dificultar a compreensão do fenômeno. O autor destaca ainda que uma defi-

nição imediatista, que a compreende apenas como uma consequência da falta de va-

lores do nosso tempo, tende a reproduzir um moralismo ingênuo. Ademais, essa re-

flexão pode inibir uma análise mais aprofundada, capaz de dimensionar o fenômeno

tanto no campo pedagógico como sociológico. Por fim, o fenômeno da indisciplina,

como síntese de diversas manifestações, pode acarretar uma análise ambígua e até

mesmo superficial, o que inviabiliza uma abordagem mais crítica sobre suas causas e

consequências.

O conceito de disciplina tem a mesma origem semântica da palavra “discípulo”,

que significa “aquele que segue”. Segundo Carvalho (1996), o aluno disciplinado é

aquele que se submete às regras impostas pelas instituições socializadoras e à auto-


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ridade do mestre em um processo de ensino aprendizagem. A indisciplina é uma ma-

nifestação daquilo que no campo sociológico é caracterizado como “desvio social”

(BECKER, 2016). Em síntese, a determinação de que um indivíduo é indisciplinado

(desviante) é feita partir de uma classificação prévia acerca de um comportamento

esperado. Nessa perspectiva, o ser indisciplinado é aquele que apresenta um com-

portamento não condizente com àquilo que é classificado como “ideal” ou até mesmo

“normal”.

Os comportamentos desviantes são objeto de estudo da chamada sociologia da

punição, que estuda tanto as práticas que destoam das expectativas hegemônicas de

comportamento social como também dos mecanismos criados socialmente para coibir

tais comportamentos e estimular o cumprimento das regras previstas pelo grupo social.

Nesse campo de estudo destacam-se as obras de três grandes pensadores, cu-

jas obras visam compreender o complexo sistema de normas que incidem sobre os

indivíduos: o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) e o sociólogo americano

Howard Becker (1928-). Para esses autores, cada um a seu modo, a compreensão do

comportamento desviando exige uma análise sobre as relações sociais que o envol-

vem.

A partir das proposições apresentadas, o problema que emerge é - em que me-

dida as instituições socializadoras, família e escola produzem um comportamento des-

viante dos alunos no âmbito escolar?

Diante das questões apresentadas, o objetivo geral da pesquisa consiste em

analisar quais elementos que contribuem para a manifestação da indisciplina no es-

paço escolar. Para responder a essa questão, determina-se como objetivos específi-

cos:
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 Apresentar brevemente o conceito de indisciplina e as discussões propostas pelas

“teorias do desvio” no campo sociológico e pedagógico;

 Avaliar as transformações ocorridas na escola e família nas últimas décadas na

sociedade brasileira;

 Detectar quais estratégias contribuem para a diminuição da indisciplina em âm-

bito escolar.

A pesquisa caracteriza-se como qualitativa, pois busca investigar uma realidade

que não pode ser quantificada. Segundo Minayo (2014), ao invés de estatísticas, re-

gras e outras generalizações, a qualitativa trabalha com descrições, comparações e

interpretações.

O nível de abordagem é exploratório. Para Gil (2008), a pesquisa exploratória

“visa de desenvolver, esclarecer, modificar conceitos e ideias. Podem constituir a pri-

meira etapa de uma pesquisa mais ampla”. Nesse sentido, é valido de destacar que o

presente trabalho visa apenas contribuir com o debate acerca de um tema de extrema

importância social. Por fim, o procedimento adotado é bibliográfico, pois é desenvol-

vida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos

científicos.
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CAPÍTULO I

A indisciplina como desvio social

A indisciplina é tratada como um comportamento contrário à ideia de disciplina,

que conforme já foi abordado anteriormente, consiste em um comportamento subme-

tido as regras e autoridade de um indivíduo em uma relação assimétrica de poder. A

indisciplina, contudo, é tratada como um comportamento avesso à disciplina, “como

um comportamento inadequado, um sinal de rebeldia, intransigência e desacato, tra-

duzido na falta de educação ou de respeito pelas autoridades, na bagunça ou agitação

motora” (REGO, 1996, p. 85 apud BASSO, 2010).

No ambiente escolar a indisciplina é, na maioria das vezes, associada ao com-

portamento agitado, irrefreável dos alunos que apresentam dificuldades em manter-

se quietos, em silêncio e que não desacatem as ordens dadas por professores e ges-

tores. Sendo assim, a indisciplina é compreendida meramente como um problema de

comportamento, que segundo Garcia (1999, p. 12) precisa ser superado, pois trata-se

de um fenômeno que apresenta aspectos psicossociais.

A indisciplina pode ser vista como uma expressão de que algo não vai bem

tanto no âmbito pessoal, como a tentativa de comunicar-se e estar no mundo. Possi-

bilita também, identificar problemáticas em outras esferas da vida social. Ainda que se

trate de um fenômeno atual, os comportamentos indisciplinares existem desde que

surgiu a escolaridade formal (BETCHER, 2018, p. 04)

Desse modo, é importante compreender a indisciplina como um fenômeno ine-

vitável dentro da dinâmica escolar, pois se trata de um espaço que não é desconec-

tado da sociedade como também reúne indivíduos singulares com aspirações e tem-
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peramentos distintos que se somam à heterogeneidade de suas respectivas realida-

des e interações sociais. Diante dos fatos apresentados, será apresentado breve-

mente as reflexões sociológicas que contribuem para a reflexão da indisciplina como

comportamento desviante.

1.1. MICHEL FOUCAULT E A SOCIEDADE DISCIPLINAR

O filósofo francês é considerado um dos principais pensadores do século XX.

Em sua obra buscou investigar a história moderna da Europa sob a perspectiva do

poder. Em sua obra observou que no século XIX, após a superação do Absolutismo

na maioria dos países ocidentais identificou que com o processo de institucionalização

das escolas, hospitais e presídios como organizações laicas e públicas o poder pas-

sou a ser exercido sobre a forma de disciplina.

A partir de diversas normas higiênicas e de obediências impostas aos corpos

dos indivíduos, Foucault observou que as instituições sociais moldavam o comporta-

mento dos indivíduos, ou como o autor aborda “corpos dóceis”, que sejam capazes

de obedecerem às regras e serem produtivos no mundo do trabalho. Esse modelo

social é caracterizado pelo autor como sociedade disciplinar (FOUCAULT, 1987).

O poder disciplinar se baseia em três técnicas que podem ser facilmente ob-

servadas no ambiente escolar:

• Observação hierárquica: os espaços são arquitetonicamente projetados para

haver uma vigilância dos indivíduos. Ademais há a figura de pessoas em uma dispo-

sição hierárquica cujo papel é punir aqueles que não se comportam conforme as re-

gras. No ambiente escolar diferentes profissionais executam a tarefa de coibir ações

que coloquem em risco o “bom funcionamento” das atividades desenvolvidas.


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• Julgamento: No exercício do poder disciplinar o julgamento tem um papel fun-

damental. Os comportamentos desviantes, dos mais leves aos mais graves são rapi-

damente punidos e os castigos são utilizados como estratégias de repreensão de fu-

turos comportamentos desviantes. Em outras palavras, aqueles que erram, ao serem

punidos servem de exemplo e inibem, nessa lógica, outros comportamentos indiscipli-

nados.

• Exame: As avaliações são um exemplo de estratégias de verificação do cum-

primento das regras como também exercem um papel de atribuir status social aos

alunos. Aqueles que conquistam boas notas possuem seu desempenho valorizado e

passam a receber tratamento diferencial ou até mesmo recebem certificações por

seus méritos como medalhas e certificados.

1.2. HOWARD BECKER E A SOCIOLOGIA DO DESVIO

O sociólogo estadunidense Howard Becker é um dos mais importantes estudi-

osos sobre transgressões sociais. Em sua obra destaca as três formas mais usuais

de compreender o fenômeno e seus problemas. A primeira abordagem discutida é a

estatística, que compreende o comportamento desviante como uma variação à média

dos dados. Para o autor essa abordagem é simplória, pois trata os dados de forma

qualitativa. Nem sempre um comportamento variante em relação à média é efetiva-

mente desviante. A exemplo podemos pensar em alunos dotados de altas habilidades.

Mesmo que sejam uma minoria em relação à maioria dos alunos, não significa que o

comportamento desses alunos seja marginal às normas estabelecidas.

Outro aspecto citado é a abordagem patológica que, em geral, é abordada na

área da saúde. A exemplo temos os usuários de drogas. Nesse tipo de abordagem o


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usuário é estigmatizado como alguém doente e que manifesta problemas emocionais,

não possibilitando compreender esses indivíduos como pessoas autônomas que po-

dem fazer uma escolha consciente do uso de substâncias ilícitas.

Por fim, há a abordagem relativista que restringe a abordagem ao campo cul-

tural e específico de determinados grupos, o que gera análises subjetivistas, que difi-

cultam a abordagem do problema.

O autor chama atenção a um fator problemático em todas as abordagens cita-

das anteriormente: esqueceram de perceber a questão central: “todo desvio é criado

pela sociedade”. As regras sociais não são inatas, naturais, mas desenvolvidas e di-

fundidas nas interações sociais. Assim o autor chama atenção para a necessidade de

inversão da abordagem. No que diz respeito à indisciplina, a pergunta central a ser

feira é: que tipo de escola produz um comportamento indisciplinado? Para responder

a essa questão não basta estudar os alunos, mas quais as diretrizes impostas aos

seus comportamentos.

Nessa seção buscou-se apresentar algumas reflexões sobre a importância de

refletirmos sobre o papel que as interações sociais têm em reprimir e/ou reproduzir

comportamentos desviantes. A escola laica, enquanto produto da sociedade discipli-

nar estipula um comportamento social a ser seguido como também estimula a punição

e culpabilização daqueles que não se encaixam conforme as normas expressas.

Desde o século XIX a sociedade mudou, as crianças e os jovens mudaram, mas a

escola permanece igual, reproduzindo os mesmos valores e impondo regras que não

dialogam com a realidade dos alunos. No próximo capítulos será abordada a escola e

sua função enquanto instituição social imprescindível para a formação cidadã dos in-

divíduos.
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CAPÍTULO II

A ESCOLA

Estudar as principais instituições que compõem uma sociedade nos permite

compreender as dinâmicas que a estruturam e como as atividades humanas se mani-

festam. As instituições sociais podem ser compreendidas como organizações da so-

ciedade que visam a formação dos indivíduos – socialização – e também estabelecem

mecanismos de coerção social. De acordo com Schaefer (2016), as instituições so-

brevivem ao longo de diferentes gerações quando cumprem alguns requisitos como:

• A reposição de pessoas, ou seja, há sempre novos indivíduos desenvolvendo

as funções institucionais;

• Treinamento de novos integrantes: compartilhamento de normas, regras e

crenças

• Produção de bens e serviços à sociedade

• Preservação da ordem e apresentação de propósitos e justificativas para a ma-

nutenção de sua existência.

A escola se caracteriza como uma das principias instituições sociais, pois per-

mite que haja o aprimoramento da habilidade de apreender e a melhoria da espécie

humana em adquirir conhecimento. De acordo com Émile Durkheim (2011, p. 54) “edu-

cação consiste em uma socialização metódica das novas gerações”. Em sua obra

publicada no século XIX, Educação e Sociologia, o autor desenvolve uma análise so-

bre a função da educação para a organização da sociedade.

Tratando-se de uma análise funcionalista, Durkheim defendia que a escola ti-

nha o papel de incutir no indivíduo os valores e as normas sociais. Ao promover a


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formação dos indivíduos, capaz de respeitar as regras, a autoridade e lidar com dife-

rentes perspectivas culturais, a escola contribui para manter a coesão social, senso

de solidariedade e o bom funcionamento da sociedade. Em outras palavras, a escola

prepara as crianças e jovens para se tornarem membros funcionais da sociedade.

A definição da educação feita por Durkheim é conservadora, pois busca a ma-

nutenção da ordem social. Na perspectiva teórica do autor, a escola, assim como as

demais instituições existem para garantir a ordem social. Contudo, o sociólogo francês

não faz uma abordagem crítica acerca das relações de poder que permeiam o funci-

onamento das instituições.

Em 1970, Pierre Bourdieu e Jean-Claude Passeron publicam o livro A reprodu-

ção: elementos para uma teoria do sistema de ensino. Ainda hoje a obra é uma im-

portante referência crítica acerca da escola e das políticas educacionais. De forma

sintética os autores discutem o quanto o sistema educacional contribuiu para a manu-

tenção das desigualdades sociais.

Segundo os autores, a escola, desde a organização até a disposição de seu

currículo não pode ser concebida como um campo neutro e imparcial. Pelo contrário,

em seu espaço há a reprodução das estruturas de poder que sustentam o capitalismo

e suas hierarquias sociais. As instituições de ensino tendem a favorecer a manutenção

do poder de certos grupos sociais enquanto limitam e até mesmo excluem o acesso

dos grupos menos favorecidos.

Em síntese, a obra avalia como a cultura dominante e os valores defendidos

por esse grupo são transmitidas e valorizadas pelos sistemas educacionais. Os siste-

mas de avaliação e seleção contribuem para a manter as desigualdades, impedir o

acesso de certos grupos subalternizados ao sistema de ensino vigente como também

impedem uma reflexão crítica acerca das dinâmicas de poder que envolvem a vida
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em sociedade.

Para a pesquisadora em educação Ione Ribeiro Valle, que pesquisa a contri-

buição do trabalho de Bourdieu e Passeron, as discussões realizadas em A reprodu-

ção são atuais, pois

Nossa escola, que ainda não se estendeu a toda população, continua im-
pondo arbitrariamente os saberes tidos como necessários, assim como a ma-
neira de transmiti-los e avaliá-los. Métodos e conteúdos escolares permane-
cem privilegiando uma relação com o saber e uma forma de cultura que favo-
rece as classes econômica e culturalmente dominantes. A escola persiste na
transmissão de conteúdos tidos como neutros e não tem procurado compen-
sar as diferenças que favorecem essa aquisição. Na medida em que as opor-
tunidades de escolarização se expandem, o mérito escolar figura como refe-
rência essencial de seleção e classificação das novas gerações. As políticas
educacionais não têm conseguido, de modo qualificado, combinar o aporte
das diferentes ciências (dos conteúdos escolares) com os direitos constituci-
onais, dadas as condições desiguais de existência da população (VALLE,
2022, p. 12).

Diante das discussões apresentadas, assim como a indisciplina, a evasão es-


colar e o Novo Ensino Médio – NEM, são elementos que nos intui a compreender a
escola como um espaço social de manutenção e reprodução das desigualdades soci-
ais. Nas seções seguintes serão apresentados dados sobre essas práticas e como
afetam as condições de ensino e aprendizagem nas escolas.

2.1. EVASÃO ESCOLAR

A evasão escolar é um problema complexo e suas causas são oriundas de di-


versos fatores. Entre os principais motivos destacam-se a falta do interesse dos alu-
nos que em diversas situações não se sentem atraídos pela aprendizagem ofertada
pelos sistemas de ensino, a necessidade de trabalhar para ajudar no sustento da fa-
mília, as relações de violência nas áreas urbanas e a falta de infraestrutura das esco-
las.
De acordo com dados do IBGE, o Brasil possui uma alta taxa de evasão escolar.
Em 2019 a taxa de abandono escolar foi de 11,8% entre os alunos do Ensino Médio.
Isso significa que 1 em cada 10 alunos com idades entre 156 e 17 anos abandonaram
a escola. As regiões Norte e Nordeste são as regiões que apresentam as taxas mais
altas de evasão escolar. A situação de evasão piorou durante a Pandemia da COVID-
19. Em 2022, uma pesquisa da UNICEF ratificou os dados apontados pelo IBGE. De
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2 milhões de adolescentes em idade escolar estão fora da escola7.


A evasão escolar tem consequências significativas e abrangentes para a vida
pessoal dos alunos e também para toda a sociedade. Os estudantes que abandonam
a escola estão mais propensos ao desemprego e trabalho informal, possuem piores
perspectivas de ascensão social. Em escala macroeconômica, a evasão escolar con-
tribui para problemas sociais mais amplos, como arrecadação na previdência social,
perpetuação da desigualdade social e a limitação do desenvolvimento social do país.

2.2. O NOVO ENSINO MÉDIO

O Novo Ensino Médio, projeto que visa a modernização do currículo das escolas
de nível médio em todo o país. O projeto foi estabelecido pela Lei 13.415/17, conhe-
cido como Reforma do Ensino Médio. Sua realização tem como proposta modernizar
a educação a partir da flexibilização do currículo. Com a Reforma, o aluno teria mais
autonomia em escolher disciplinas caracterizadas como “itinerários formativos” que
visam explorar habilidades mais práticas e que dialoguem com a realidade dos alunos
e os prepare para o mundo do trabalho.
Entretanto, desde sua implementação o projeto vem recebendo críticas. A pri-
meira é resultado da própria formulação da Lei votada como Medida Provisória (MP),
que “são normas com força de lei editadas pelo Presidente da República em situações
de relevância e urgência”8. Nesse sentido, especialistas da área da educação alega-
ram que o projeto possui um caráter impositivo, uma vez que não houve participação
da sociedade civil na elaboração de seu texto base.
Outros dois pontos bastante criticados são a precariedade das condições de in-
fraestrutura e orçamento para as adequações necessárias para a implementação do
novo sistema de ensino como também o empobrecimento do currículo. Nesse novo
modelo, as disciplinas perderam suas especificidades e passaram a ser abordadas de
forma superficial por área do conhecimento.
Após constantes críticas, em março de 2023 o governo federal suspendeu as
mudanças curriculares e abriu uma consulta pública por 90 dias para avaliar as críticas

7 Disponível em < https://g1.globo.com/educacao/noticia/2022/11/07/mec-omisso-no-pos-pandemia-


evasao-escolar-atrasos-na-aprendizagem-e-universidades-falidas-especialistas-apontam-desafios-de-
lula-na-educacao.ghtml. >. Acesso em maio de 2023.
8 Disponível em https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/entenda-a-trami-

tacao-da-medida-provisoria . Acesso em maio de 2023.


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e problemas apresentados pela Reforma. Além dos especialistas os alunos também


são críticos ao projeto, pois apontam a falta de profissionais qualificados para lecio-
narem as disciplinas como também de investimento. Os alunos das escolas públicas
do país são os que mais se queixam das mudanças, pois alegam que o esvaziamento
do currículo não os prepara nem para o mercado de trabalho e nem para o vestibular.
Para o especialista em políticas educacionais da UFABC defende que a lei deve
ser revogada, pois os problemas do Novo Ensino Médio- NEM prejudicam mais os
estudantes das escolas públicas do que das escolas particulares. Deste modo, ao
invés de preparar os jovens para os desafios do futuro, o projeto reforça as desigual-
dades sociais no espaço escolar9.

2.3. A ESCOLA COMO ESPAÇO DE MANUTENÇÃO DAS DESIGUALDADES

No Brasil, a deficiente qualidade da educação pública, seus problemas estrutu-


rais e a precarização da carreira docente fez com que nas últimas décadas houvesse
um aumento significativo de instituições privadas de ensino. Esses fatores contribuem
para o agravamento das desigualdades no sistema educacional. Esse sistema acaba
favorecendo os estudantes de classes mais abastadas que tendem a ter mais facili-
dade em ingressar em centros universitários de excelência que lhes possibilitarão me-
lhores oportunidades de trabalho e renda.
A escola é idealizada como uma instituição encarregada da formação plena do
indivíduo em múltiplas dimensões: psíquica, social, política e cultura. Seu significado
simbólico é carregado de expectativas e valores que variam ao longo da história. Na
escola republicana, a formação cidadã do indivíduo é compreendida como uma meta
a ser alcançada. Contudo, a heterogeneidade das condições subjetivas dos alunos
somada à ineficiência dos sistemas de ensino torna-se um obstáculo na formação
cidadã.
Podemos relacionar que o sucateamento da infraestrutura, pouco investimento
em tecnologia, falta de atrativo para os professores exercerem seu trabalho são ele-
mentos contribuem para a manutenção das desigualdades sociais e propiciam um
aumento da indisciplina, pois há ausência de estratégias de assistência psicossocial

9 Disponível em , https://g1.globo.com/jornal-hoje/noticia/2023/03/16/novo-ensino-medio-e-alvo-de-cri-
ticas-de-alunos-e-especialistas-em-educacao.ghtml> . Acesso em maio de 2023.
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aos alunos, mediação de conflitos. O sucateamento da educação contribui para a dis-


seminação de conflitos que resultam em manifestações de violência.
De acordo com Aquino (1996, p. 48) “A indisciplina seria indício de uma carência
estrutural que se alojaria na interioridade psíquica do aluno, determinada pelas trans-
formações institucionais na família e desembocando nas relações escolares”. Na se-
ção seguinte abordaremos as mudanças que ocorreram na instituição familiar e os
impactos que tais mudanças ocasionaram na formação educativa dos indivíduos.
23

CAPÍTULO III

A FAMÍLIA

A família é caracterizada como uma instituição primária, ou seja, é comumente


a primeira experiência socializadora na vida dos indivíduos. Para Durkheim (1982), as
famílias são grupos sociais, estruturados por meio de relações de afinidade, descen-
dência e consanguidade que se constituem como unidades de reprodução humana.
Como instituição, tem como característica fundamental sua função socializadora.
Observa-se facilmente entre o senso comum o compartilhamento da ideia de que
a família é uma instituição em crise. Essa constatação está relacionada às formas e
modelos tradicionais que foram incorporadas e partilhadas no imaginário social (SILVA;
CHAVEIRO, 2009, p. 175). Nesse sentido, a percepção da crise institucional familiar
está atrelada à idealização e a generalização de um padrão de organização familiar
que vem se transformando. Não é possível estabelecer uma categorização unívoca
sobre um modelo familiar ideal.
A crise reconhecida pelos indivíduos reside na impossibilidade de manutenção
de um modelo hegemônico frente à diversidade dos arranjos familiares bem como as
transformações sociais e políticas que ocorrem tanto no Brasil como no mundo nas
últimas décadas. Na seção seguintes serão abordadas algumas transformações que
ocorreram nas famílias nas últimas décadas e como elas impactam a formação soci-
oemocional dos indivíduos.

3.1. A INSTITUIÇÃO FAMILIAR E SUAS TRANSFORMAÇÕES SOCIOECONÔMI-


CAS

A família é compreendida como uma instituição complexa e em constante trans-


formação. Sua estrutura reflete as mudanças históricas e sociais, assim como as
adaptações frente às exigências e expectativas diante dos papéis sociais desempe-
nhados por seus membros (PIATO; ALVES; MARTINS, 2013, p.41). Sua organização
reúne uma série de funções fundamentais para a manutenção da sociedade, como a
reprodução de seus componentes e elementos primordiais à socialização como a pro-
teção, a formação e o sustento material.
Frente à diversidade de suas configurações, a análise da família possibilita
24

compreendermos os redimensionamentos que ocorrem na estrutura social, nos papéis


e nos status sociais dos indivíduos, em especial, as mulheres. No Brasil, O aumento
da inserção feminina no mercado de trabalho, o direito ao divórcio nas décadas de
197010 e o aumento da liberdade sexual feminina, conquistado pelas inovações dos
métodos contraceptivos, suscitaram novas expectativas acerca das representações
de gênero assumidos por homens e mulheres (DUBET, 2001, p. 09; GIDDENS,1993,
p.37). Nesse sentido, as dinâmicas sociais fizeram emergir novas disputas e a poten-
cialização das desigualdades em outras perspectivas, como, por exemplo, a respon-
sabilização pelo sustento da unidade doméstica
Conforme os dados divulgados pela Associação Nacional dos Registradores de
Pessoas Naturais (Arpen-Brasil) em seu Portal de Transparência11, nos quatro primei-
ros meses do ano de 2022 foram registradas 56.931 crianças apenas em nome ma-
terno, correspondendo a 6,6% do total de nascimentos registrados no período. Se-
gundo a instituição, o agravamento referente ao aumento sucessivo de casos desde
2020 está associado à pandemia de COVID-19.
Nos cartórios brasileiros, quando ocorre negligência ou recusa em atestar a
paternidade, é permitido que o registro de recém-nascido seja feito apenas em nome
da mãe, ou ainda é permitido apontar o nome do pai e, posteriormente, reivindicar o
reconhecimento da paternidade judicialmente. Mesmo com a possibilidade póstuma
em oficializar o registro, houve uma queda da procura voluntária por parte dos pais. A
pandemia de COVID-19 intensificou uma questão social recorrente na sociedade bra-
sileira: a composição de famílias monoparentais12.
A admissão de famílias monoparentais como entidade familiar pela Constituição
Federal de 1988 deu-se pela necessidade de ampliar o conceito de família diante das
transformações sociais ocorridas pela instituição no decorrer do século XX. O reco-
nhecimento das famílias monoparentais sublinha uma importante ruptura com a ideia
preconcebida de que o núcleo familiar deve ser oriundo exclusivamente de casamento
e composto apenas pela figura do pai, da mãe e dos filhos (Santos e Santos, 2008,
p.31).

10 Lei n. 6.515, de 26 de dezembro de 1977.


11 Disponível em <https://basedosdados.org/organization/associacao-nacional-de-registradores-de-
pessoas-naturais-arpen> . Acesso em novembro de 2022.
12 O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010) considera como família monoparental

aquela constituída por um adulto responsável familiar, do sexo masculino ou feminino, tendo ao menos
um filho ou outra criança ou adolescente sob sua responsabilidade, com a presença ou não de outros
adultos na mesma unidade doméstica.
25

Os dados divulgados pelo Censo Demográfico de 2010 13 revelaram um au-


mento de famílias monoparentais femininas de 15,3%, no ano de 2000, para 16,2%
em 2010. Em comparação ao mesmo período, no que se refere às famílias monopa-
rentais masculinas, houve um aumento de 1,9% para 2,4%. No universo total de fa-
mílias monoparentais no país, 87,4% possuem mulheres como responsáveis pelo sus-
tento e manutenção do lar (IBGE, 2012)14.
Embora as mudanças econômicas, que incidem sobre a dinâmica de organiza-
ção das famílias seja mais impactante nas famílias de classe social menos favorecida,
o aumento do custo de vida somada à diminuição da duração dos casamentos (IBGE,
2017) impacta na organização do lar e na dinâmica de educação dos filhos são con-
sequências que assolam a dinâmica das famílias e todas as classes sociais.
Não podemos esquecer que o aparecimento de famílias homoafetivas também
é um fenômeno que vem crescendo nas últimas décadas. No Brasil é reconhecida a
união estável entre pessoas do mesmo sexo desde 2011. Uma conquista social desde
a Constituição de 1988 que reconhecia apenas a união estável de casais heteronor-
mativos.
É importante destacar que as mudanças que ocorrem no perfil das famílias pro-
vocam estranhamento entre a parcela mais conservadora da sociedade que em mui-
tas situações acaba culpabilizando as mudanças nos comportamentos de gênero, em
especial das mulheres, e na expansão da cidadania de grupos minoritários como a
principal causa dos problemas enfrentados na organização das famílias.
Todavia, é necessário abordarmos o quanto o encarecimento no custo de vida
somado às próprias dinâmicas inerentes à vida social faz com que haja mudanças e
surjam novas estratégias de sobrevivência que inevitavelmente impactarão as dinâ-
micas institucionais. Consequentemente, as mudanças ocorridas nas famílias vão
ocasionar novos problemas nas dinâmicas no interior da escola como veremos no
próximo capítulo.

13 Em decorrência da não realização do Censo Demográfico em 2020, utiliza-se os dados obtidos na


última pesquisa, realizada em 2010.
14 Disponível em< https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/97/cd_2010_familias_domici-

lios_amostra.pdf>. Acesso em maio de 2023.


26

CAPÍTULO IV
A INDISCIPLINA COMO REFLEXO DAS TRANSFORMAÇÕES
SOCIAIS NA ESCOLA E NA FAMÍLIA

Segundo Tiba (2006, p. 159) “Se a criança encontrar terreno fértil dentro de casa,
se tornará uma planta rebelde na escola, expandindo-se depois em direção à socie-
dade. É comum no ambiente escolar queixas por parte dos profissionais da educação
que afirmam haver um aumento significativo nos casos de indisciplina compreendidos
como um reflexo da falta de participação das famílias em supervisionar a rotina escolar
dos filhos e também em conseguirem estabelecer uma postura de autoridade diante
da falta de reconhecimento por parte dos alunos.
Para Basso (2010) “a indisciplina na sala de aula pode ser reflexo da sociedade,
que nos dias de hoje é marcada pelo individualismo, consumismo, racionalismo, con-
flito, insegurança e violência.” Em uma sociedade altamente impactada pela ideologia
do consumismo muitas famílias acabam perdendo o controle sob a formação educa-
tiva de seus filhos, reduzindo a função de educar ao ato de propiciar o acesso irrefre-
ado a bens de consumo. Ao invés de manterem-se presente e vigilantes sobre as
necessidades afetivas da criança de forma responsável as famílias acabam substi-
tuindo o processo educativo por práticas compensatórias, o que lhes retira a possibi-
lidade de exercer autoridade, que é uma condição inerente à função socializada dos
pais.
A criação em um lar isento de regras e de mecanismos coercitivos impostos à
criança e ao adolescente tendem a ter dificuldades em reconhecer a autoridade tanto
dos pais como também de gestores e professores no espaço escolar. As práticas de
desrespeitos e maus comportamentos do aluno indisciplinado são influenciadas desde
o ambiente familiar até a instituição escolar, e quando não se busca soluções, acom-
panhamentos e parcerias através da família-escola, a indisciplina pode ser o estopim
para a violência (AQUINO, 1996).
No âmbito escolar a precariedade da infraestrutura escolar, que carece de aper-
feiçoamento e investimento constante tornam-se fatores que contribuem para a pro-
pagação da indisciplina. Os educadores, assim como os alunos são, ao mesmo tempo
vítimas e atores propagadores da violência.
As necessidades econômicas e socioemocionais das crianças e jovens na con-
temporaneidade exigem da escola uma reformulação do currículo, a necessidade de
27

profissionais qualificados capazes de enfrentar novas demandas. Professores desmo-


tivados e desrespeitados, com pouca autoridade e confiabilidade por parte das famí-
lias somada a conflitos geracionais também reforçam a manutenção da indisciplina e
da violência nas escolas.
Mas afinal, como resolver o problema? A pergunta não é de simples solução,
mas a aceitação de sua existência e aceitação da ineficiência das famílias e escola
em promover uma formação humanística já um começo.
É necessário que haja investimento maciço em educação. Tal investimento per-
passa tanto pela necessidade de inovação tecnológica e de infraestrutura como tam-
bém em promover condições dignas de trabalho para professores e gestores. Outro
aspecto fundamental é o desenvolvimento de estratégias que estimulem uma parceria
entre escola e as famílias. Sem esse vínculo não é possível haver transformações
significativas na formação dos alunos.
Como salienta Bourdieu e Passeron (1982), a escola é um espaço de manuten-
ção das desigualdades. Um currículo que não dialogue com os saberes, a realidade e
necessidade dos alunos gera apenas uma violência simbólica, pois há o reconheci-
mento da escola como espaço de formação de sujeitos. Nesse sentido, cada vez mais
a escola precisa se soltar das velhas amarras do conservadorismo sem perder sua
função formativa. A esse respeito,

A verdadeira dificuldade na educação moderna está no fato de que, a des-


peito de toda conversa da moda acerca de um novo conservadorismo, até
mesmo aquele mínimo de conservação e de atitude conservadora sem o qual
a educação simplesmente não é possível se torna, em nossos dias, extraor-
dinariamente difícil de atingir. Há sólidas razões para isso. A crise da autori-
dade na educação guarda a mais estreita conexão com a crise da tradição,
ou seja, com a crise de nossa atitude face ao âmbito passado. É sobremodo
difícil para o educador arcar com esse aspecto da crise moderna, pois é de
seu ofício servir como mediador entre o velho e o novo, de tal modo que sua
própria profissão lhe exige um respeito extraordinário pelo passado.
(ARENDT, 2016).

As instituições sociais não são inertes às transformações sociais. Se as famílias,


diante das demandas do mundo do trabalho e novas necessidades socioafetivas vem
apresentando dificuldades em estabelecer seu poder coercitivo sobre seus filhos con-
sequentemente isso causará um aumento nas demandas e responsabilidades das es-
colas, que carecerão de mais investimentos por parte do Estado e exigirão uma me-
lhor formação docente para lidar com conflitos. A anomia social se apresenta genera-
lizada. Professores e pais sentem os impactos das novas dinâmicas da sociedade
28

capitalista. Crianças e adolescentes clamam por uma formação familiar e educativa


capaz de lhes propiciar uma formação autônoma e condizentes com as demandas
sociais do seu tempo. No imaginário social o passado é um lugar de conforto. As ge-
rações anteriores são melhores do que as atuais, mais preparadas e combativas. So-
mos seres produto das relações materiais do nosso tempo histórico. Enquanto resis-
tirmos às transformações e demandas sociais do nosso tempo a escola permanecerá
em estado letárgico, incapaz de promover sua função moral de formar indivíduos para
a vida em sociedade, capaz de dialogar com as diferenças e demandas sociais e cul-
turais do tempo histórico em que vivemos.
29

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho intuiu abordar o problema da indisciplina e seus impactos


na educação enquanto instituição social cuja função moral é preparar os indivíduos
para a vida em coletividade e mundo do trabalho. Na tentativa de propiciar uma análise
críticas sem recair no senso comum, foi adotada como referencial teórico autores da
chamada teoria do desvio Becker (2016) e Foucault (1987), que visam compreender
quais condicionantes sociais que contribuem para o surgimento de um comportamento
caracterizado como desviante. Somada a esse aspecto, a escola, na perspectiva de
Bourdieu e Passeron (1982) é um espaço de reprodução das desigualdades e violên-
cia simbólica.
Nessa perspectiva observou-se que as transformações socioculturais e econô-
micas ocorridas nas últimas décadas contribuíram para que a escola e família apre-
sentassem dificuldades em cumprir sua função moral e formativa (Durkheim, 2011).
Esses elementos contribuem para o aumento da indisciplina como um elemento es-
calar da violência que compromete a formação plena de crianças e jovens para a vida
em sociedade.
Em suma, constatou-se que diante dos problemas apresentados há a necessi-
dade de haver um trabalho conjunto das famílias escolas para suprir as novas deman-
das sociais que se apresentam aos alunos. Nesse sentido, a valorização da carreira
docente, investimento em infraestrutura e tecnologia somada a uma assistência soci-
oemocional adequada são propostas de intervenção que podem contribuir para a mi-
tigação do problema e melhoria da qualidade e bem-estar dos alunos, pais e profes-
sores.
30

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