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A intervenção Terapêutica da

Análise do Comportamento no TOC


KAIRON PEREIRA DE ARAÚJO SOUSA*

Os principais problemas enfrentados hoje


pelo mundo só poderão ser resolvidos se
melhorarmos nossa compreensão do
comportamento humano
(Skinner, 1974).

Resumo
O TOC é um transtorno psiquiátrico que afeta substancialmente a vida do
portador, comprometendo sua rotina diária, interferindo em áreas como trabalho,
escola, universidade e até mesmo nas relações sociais. Isso decorre pelo fato dos
sintomas obsessivo-compulsivos tomarem boa parte do tempo do indivíduo que
gasta horas executando rituais compulsivos como forma de suprimir as
obsessões. Esse trabalho tem como objetivo analisar algumas das estratégias
terapêuticas propostas pela Análise do Comportamento no tratamento do
comportamento obsessivo-compulsivo.
Palavras-chave: Análise do Comportamento; Intervenção Terapêutica; TOC.
Abstract
OCD is a psychiatric disorder that substantially affects the person's life, affecting
their daily routine, interfering in such areas as work, school, university and even
social relations. This is because of the obsessive-compulsive symptoms take
much of the individual's time to spend hours performing compulsive rituals as a
way to suppress the obsessions. This study aims to analyze some of the
therapeutic strategies proposed by Behavior Analysis in the treatment of
obsessive-compulsive behavior.
Key words: Analysis of Behavior; Therapeutic Intervention; OCD.

*
KAIRON PEREIRA DE ARAÚJO SOUSA é mestrando em Psicologia pelo PPgPsi/UFPI

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1. Introdução invasivos, involuntários, intrusivos e
persistentes que provocam ansiedade no
O transtorno obsessivo-compulsivo
indivíduo. Como forma de suprimir
(TOC) é um dos transtornos que mais
esses pensamentos desagradáveis que
compromete a rotina de vida dos
causam angústia e tensão, ele recorre às
portadores, provocando graves
compulsões que são comportamentos
limitações e interferindo em áreas ou
repetitivos utilizados como forma de
setores importantes, como atividades
acadêmicas, sociais, profissionais, entre eliminar as obsessões e conferir alívio
em relação a ansiedade (BARLOW;
outras.
DURAND, 2011).
A complexidade do transtorno é tão
intensa quanto o sofrimento Quanto às compulsões mais comuns,
desencadeado nos indivíduos que Silva (2011, p. 146-147) destaca:
vivenciam quadros de desconforto Mania de limpeza e lavagem:
emocional provocados pelos banhos intermináveis, lavar
pensamentos angustiantes que parecem repetidas vezes as mãos [...], medo
paralisá-los, impondo-os sob a de se contaminar ao tocar
vulnerabilidade das compulsões, como determinados objetos, limpar os
objetos com diversos produtos de
forma de amenizar a tensão ansiogênica.
limpeza etc. Mania de ordenação ou
Assim, quanto mais recorrem a esses simetria: ritual de guardar ou
rituais compensatórios, que num ordenar determinados objetos
primeiro momento, conferem alívio e sempre da mesma forma, na mesma
conforto imediato, mais eles são posição ou ainda com a mesma
envolvidos pelos pensamentos invasivos, simetria em relação aos demais
objetos. Mania de verificação ou
adquirindo padrões repetitivos e
checagem: conferir diversas vezes
limitadores. se trancou o carro, se o filho chegou
Neste artigo, investigaremos a seguinte da escola, se o despertador está
questão: quais são as principais programado para a hora certa, se
estratégias terapêuticas propostas pela desligou o gás do fogão etc. Mania
Análise do Comportamento no de contagem: não conseguir subir
uma escada sem contar o número de
tratamento do comportamento
degraus, contar as listas da camisa
obsessivo-compulsivo? Para tanto, do seu interlocutor durante
iniciaremos conceituando o TOC a partir conversa, quantas janelas tem o
do enfoque psiquiátrico. Logo em prédio ao lado cada vez que um
seguida, procuraremos esclarecer pensamento desagradável invade sua
brevemente o que é a Análise do mente, entre outros. Mania de
Comportamento. Finalizaremos o artigo colecionamento: guardar uma serie
analisando algumas das intervenções de inutilidades, na maioria das vezes
terapêuticas, em relação ao TOC, verdadeiros “lixos”, como garrafas
propostas pela Análise do vazias, jornais velhos, por puro
Comportamento (AC). medo de que possa um dia precisar
daquelas quinquilharias e não tê-las
2. Definição do TOC mais a mão [...].
O transtorno obsessivo-compulsivo é um Esses rituais compulsivos colocam o
distúrbio psiquiátrico que se caracteriza indivíduo em situações constrangedoras.
pela relação entre as obsessões e as É comum, por exemplo, aqueles que
compulsões. As obsessões são definidas desconhecem o problema acharem
como pensamentos e/ou imagens divertido os rituais realizados pelos

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portadores, associando o episódio como Por isso, para Del-Porto (2001), o TOC
uma tentativa do indivíduo parecer mais deveria ser uma doença de grande
descontraído e divertido, ou mesmo interesse da saúde pública, levando-se
como uma esquisitice. Somente, após em consideração tanto os prejuízos
terem conhecimento dos efeitos sociais, como também os sofrimentos
devastadores do transtorno, é que causados ao portador e a família. A
percebem o enorme sofrimento incapacitação social, uma das principais
experimentado pela pessoa com consequências dos sintomas obsessivo-
sintomas do TOC (SOUSA, 2015). compulsivos, provoca gastos
substanciais em função da inaptidão ao
Conforme Silva (2011), o TOC é um trabalho, impacto familiar e
transtorno limitador que provoca sérios aposentadoria antecipada.
prejuízos na rotina de vida de seus
portadores. Em alguns casos, por Segundo Silva (2011, p. 144), pesquisas
exemplo, os indivíduos com TOC têm demonstrado que “as pessoas com
acabam abandonando os estudos, devido TOC levam cerca de dez anos, após o
às muitas faltas ou não cumprimento das surgimento dos primeiros sintomas, para
tarefas acadêmicas, motivadas pelos procurar ajuda profissional”. Essa
rituais compensatórios incapacitantes, situação é preocupante, pois, quanto
que os mesmos empreendem durante boa mais cedo se realiza o diagnóstico e
parte do dia. O desempenho reduzido tratamento, menos sofrimento o
nas tarefas escolares, muitas vezes, indivíduo experimentará. Ademais, o
percebido como falta de habilidades ou tratamento no início do transtorno
aptidão para os estudos, pode ser minimiza a possibilidade do
simplesmente resultado de um transtorno desenvolvimento de transtornos
limitador (o TOC) que afeta o secundários (comorbidades).
rendimento acadêmico do estudante. 3. A análise do comportamento

Às faltas constantes ao trabalho e A Análise do Comportamento é “uma


produtividade reduzida podem ocasionar abordagem psicológica que busca
desemprego, intensificando ainda mais o compreender o ser humano a partir de
sofrimento dessas pessoas, com redução sua interação com seu ambiente –
de contatos sociais importantes, além de “condicionamento pavloviano,
diminuição da autoestima, o que as torna contingências de reforço e punição” bem
vulneráveis ao desenvolvimento de como “esquemas de reforçamento, o
transtornos secundários, como a papel do contexto, entre outros tipos de
depressão (SOUSA, 2015). interação-” (MOREIRA; MEDEIROS,
2007, p. 213), originando-se da posição
O isolamento é outra consequência do behaviorista assumida por Skinner, que
distúrbio. Os portadores do TOC, em ficou conhecida como Behaviorismo
muitos casos, vão se distanciando Radical.
gradualmente da companhia de amigos e Como uma abordagem terapêutica, a
familiares e adotando uma rotina de vida Análise do Comportamento pauta-se na
mais solitária. É comum evitar locais busca dos determinantes de um
que antes faziam parte da rotina diária da comportamento. Nessa perspectiva, o
pessoa, como forma de se esquivar das comportamento é analisando tendo como
obsessões e compulsões (VERMES; foco a relação entre o organismo
ZAMIGNANI, 2002). (indivíduo) e o ambiente, já que para

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Skinner não é possível estudá-lo essa forma do comportamento não é
isolando-o do seu contexto de ocorrência a informação mais importante; o
(MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Sendo importante é a função que o
assim, enquanto outras áreas, como a comportamento adquire na relação
psiquiatria (por exemplo), estabelecem do indivíduo com seu ambiente.
critérios de classificação em termos de A medicina procurava a etiologia da
patologias (rótulos), procurando doença, em geral em anormalidades
diferenciar normalidade e anormalidade, do organismo, e a Análise do
a Análise do Comportamento busca Comportamento se propunha a
identificar as relações funcionais entre o explicar e descrever a probabilidade,
comportamento (dito problemático) e os a freqüência (sic), a intensidade com
eventos ambientais que atuam na sua a qual todo e qualquer
comportamento se apresenta.
manutenção (BANACO et al., 2012).
A psiquiatria se esforça para
Para a AC, portanto, todo descrever o curso (ou o
comportamento apresenta uma desenvolvimento) de uma doença
funcionalidade, sendo possível modificá- mental, já a Análise do
lo. Nesse sentido, ao invés de focalizar Comportamento tenta desvendar
os sintomas (típico dos manuais de quais são as condições que mantêm
classificação), é necessário estudar a um comportamento ao ser emitido.
relação entre o organismo e o ambiente
Como se não bastassem essas
no qual este se insere (BANACO et al., diferenças, o modelo médico batizou
2012). os problemas de comportamento
Isso significa descortinar as aparências como “doenças mentais”, e a
Análise do Comportamento
envolvidas em diagnósticos ou
considera que os comportamentos
classificações (como depressivo, sejam fruto de uma seleção pelas
compulsivo e esquizofrênico) que consequências (sic),
estereotipam o sujeito, escondendo as semelhantemente à seleção natural
raízes motivadoras do comportamento que opera sobre os organismos: o
rotulado (BANACO et al., 2012). Cada comportamento que, de alguma
indivíduo é único, e qualquer tentativa maneira, “funciona” para um
de comparação representa um obstáculo indivíduo será mais provável do que
a uma intervenção satisfatória. Para AC, aquele que “não funciona”. Essa
o aspecto idiossincrático do sujeito deve concepção dificulta o entendimento
ser considerado como ponto de partida do problema de comportamento
como fruto de uma “doença mental”
do tratamento (MOREIRA;
MEDEIROS, 2007). Enquanto se tenta descrever o que é
o comportamento normal para se
Descrevendo algumas diferenças entre à identificar o anormal na Psiquiatria,
Análise do Comportamento e o modelo a Análise do Comportamento tenta
médico em relação à psicopatologia descrever as leis gerais do
Banaco et. al (2012, p. 154) destacam comportamento, seja ele qual for.
que:
Argumentando a respeito dessa visão da
O modelo médico descrevia a psiquiatria biológica, referente aos
fenomenologia da psicopatologia, problemas “mentais”, Corchs (2010, p.
ou seja, descrevia minuciosamente 57) aponta que:
como funcionavam os
comportamentos psicopatológicos. No mesmo sentido, ao explicar
Para a Análise do Comportamento, nosso comportamento pelo cérebro,

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como se ele fosse um ser vivo que conjunto específico de comportamentos-
pensa, sente, age e assim por diante, alvo para um cliente individual”. Em
torna-se necessário explicar como outras palavras, a análise funcional é um
ele (o cérebro) o faz. Não tem jeito. método que busca os determinantes de
Se admitirmos apenas a dimensão um comportamento, ou seja, analisar
física em nossas explicações e não
funcionalmente o comportamento
quisermos entrar em uma espécie de
queda livre explicativa ad infinitum significa encontrar sua funcionalidade.
no mundo interior, temos de voltar Desta maneira, segundo Moreira e
às relações deste organismo com o Medeiros (2007, p. 147), “a análise do
ambiente para explicar qualquer comportamento deve ser funcional, e
parte do mesmo. Explicar uma parte não topográfica”.
do mundo físico por si, ao invés de
por sua interação com outras partes
Segundo Costa e Marinho (2002, p. 46),
desse universo, é como colocá-lo no “para os analistas do comportamento,
centro do universo do ponto de vista independentemente de onde
explicativo, reincidindo num dos desenvolvam sua atividade e de qual seja
erros frequentes das ciências como ela (ensino, pesquisa, extensão,
um todo. administração, prática clínica, etc.), a
Nesse exposto, fica evidente o papel que análise funcional ocupa um ponto
o ambiente exerce no comportamento do central”.
organismo. A psiquiatria, ao estabelecer Visando compreendermos essa questão
as causas dos problemas psiquiátricos a da funcionalidade de um
eventos orgânicos ou mentais (internos comportamento, vamos utilizar um
ao sujeito), retoma o antigo modelo exemplo envolvendo o comportamento
cartesiano de separação entre mente e obsessivo-compulsivo.
corpo, fragmentando o sujeito em duas
Para os analistas do comportamento, os
partes. A análise do comportamento, em
rituais compulsivos empreendidos pelo
contrapartida, possui uma visão
indivíduo, como forma de suprimir as
“monista fisicalista” (CORCHS, 2010, p.
obsessões, têm uma função, ou seja, para
63).
esse comportamento-problema
O método adotado pela Análise do (compulsão) está sendo realizado é
Comportamento para estudar as relações porque existe algo que o mantém.
funcionais entre os comportamentos ou
Sendo assim, a tarefa do terapeuta
comportamento e ambiente é conhecido
analítico-comportamental é identificar
como Análise Funcional.
corretamente o aspecto funcional desse
De acordo com Costa e Marinho (2002, comportamento-problema, para em
p. 44), “o termo Análise Funcional é seguida, estabelecer estratégias
empregado inúmeras vezes por analistas terapêuticas (VERMES; ZAMIGNANI,
do comportamento durante atividades 2002).
científicas, didáticas e de prática
No caso do cliente, por exemplo, que
clínica”. Mas o que é análise funcional?
lava as mãos frequentemente motivado
Conforme Haynes e O´Brien (1990, p. por uma obsessão relacionada à
654 apud COSTA; MARINHO, 2002, p. contaminação. Esse comportamento de
44), análise funcional é “a identificação lavar as mãos com frequência tem uma
de relações relevantes, controláveis, razão de estar ocorrendo. O esquema a
causais e funcionais aplicáveis a um seguir ilustra essa situação:

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Modelo operante

Situação Comportamento/ Resposta Consequências


Abrir a porta de casa ao Lavar as mãos repetidamente - Diminuição da ansiedade
chegar da rua (reforço negativo)
- Sensação de controle (reforço
positivo)
- Relaxamento (reforço positivo)
Fonte: autor

Nesse exemplo, o comportamento de (MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Como


lavar as mãos produz consequências exemplo, pode-se apontar o caso de
satisfatórias ao indivíduo (diminuição da alguém que entra por outra porta para
ansiedade, sensação de controle e não ter que cumprimentar um amigo
relaxamento), atuando como reforçador pegando em sua mão.
do comportamento-problema. No segundo, o organismo apresenta
Realizar análise funcional de um comportamento de evitar a situação
comportamento significa investigar os ansiogênica, ou seja, desenvolve
seus determinantes, isto é, a comportamentos na tentativa de não
funcionalidade presente em cada entrar em contado com um estímulo
comportamento emitido. Nenhum punitivo ou no mínimo adiar o contado
comportamento ocorre ao acaso com o mesmo (MOREIRA;
(MOREIRA; MEDEIROS, 2007). Em MEDEIROS, 2007). É o caso de pessoas
outras palavras, para um comportamento que evitam lugares ou situações que
adquirido continuar sendo emitido é possam desencadear tanto as obsessões
porque está sendo recompensado, seja quanto as compulsões. Por exemplo, a
positivamente ou negativamente. pessoa que evita ir ao banheiro para
tomar banho, porque, todas às vezes que
4 A intervenção Terapêutica da
a mesma realizava essa prática rotineira,
Análise do Comportamento no TOC
passava horas e mais horas repetindo
Como mencionado anteriormente, no rituais cansativos (SOUSA, 2015).
caso do TOC, existe uma relação entre
as obsessões e as compulsões. O Adotando uma visão analítico-
indivíduo com esse transtorno utiliza comportamental em relação ao TOC, é
como forma de reduzir, aliviar ou interessante começarmos a identificá-lo
mesmo eliminar as obsessões com uma “terminologia” diferente e, ao
(pensamentos invasivos, causadores de invés de utilizarmos a expressão
grande ansiedade) os comportamentos transtorno obsessivo-compulsivo,
repetitivos ou ritualísticos, que nesse usarmos, como destacam Vermes e
sentido, como apontam Vermes e Zamignani (2002), o termo
Zamignani (2002), funcionam como comportamento obsessivo-compulsivo,
reforçador negativo, servindo para já que para a Análise do Comportamento
retirada dos pensamentos aversivos ao tudo é comportamento, e tanto as
organismo. obsessões quanto as compulsões são
classes de respostas, que por sua vez
Deste modo, é comum tanto a fuga produzem consequências que operaram
quanto a esquiva. No que concerne ao sobre esse comportamento determinando
primeiro comportamento, o indivíduo se sua ocorrência ou não.
comporta de modo a retirar o estímulo
aversivo presente no ambiente

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Nessa direção, em uma análise funcional familiar com comportamento obsessivo-
desse tipo de comportamento, é compulsivo, na realidade estão
realizada a busca pelas variáveis reforçando positivamente esse
ambientais determinantes dessas comportamento (GUEDES, 2001). Esse
respostas. Isso significa identificar as é o caso, por exemplo, da mãe que
variáveis que contribuíram para que esse cumpre as exigências do filho, lavando
comportamento fosse instalado e as roupas que este afirma estar
mantido. contaminadas, que evita sair nos locais
temidos por ele, que lava as mãos
Em relação aos controladores do
repetidas vezes na frente do filho para
comportamento obsessivo-compulsivo,
deixá-lo mais confortável e seguro
alguns reforçadores sociais acabam
(SOUSA, 2015).
sendo influentes na manutenção dessas
respostas, e como verificam Vermes e Como no comportamento obsessivo-
Zamignani (2002, p. 138), “tais compulsivo, o organismo adquire um
respostas podem, em algumas padrão de fuga e esquiva em decorrência
circusntâncias, proporcionar um das situações aversivas, uma das
desempenho desejavel para a estratégias terapêuticas mais empregadas
comunidade, com a qual o cliente no tratamento desse comportamento, é a
relaciona-se, ocasionando o técnica de exposição com prevenção de
reforçamento de sua emissão”. respostas, a qual tem demonstrado
Exemplificando isso os autores notável eficiência na diminuição desses
supracitados destacam: padrões de respostas. Dessa forma, como
Uma possível situação na qual isso aponta Wielenska (2001, p. 63):
aconteceria é quando uma criança é O tratamento é norteado pela idéia
elogiada por seus pais devido um (sic) de que ele precisará correr os
desempenho impecável nos riscos potenciais que evita ao emitir
cadernos escolares proporcionado esquivas e rituais. O subproduto
pelo excesso de zelo. Outro exemplo direto desta exposição é uma nítida
(obtido a partir da pratica de um dos ativação emocional (gerada pela
autores) que ilustra essa relação é o forma não-obsessiva de contato com
caso de uma criança, cujo ritual de o mundo). O paciente não será
lavagem é criticado pela mãe, impedido de “pensar o que pensa e
embora em alguns momentos ela de sentir o que sente”, mas precisa
relate admiração por determinado ser levado a “viver o que evita
aspecto deste mesmo sentir” enquanto se expõe
comportamento: “você tem que ver (geralmente ele supõe que sentirá
como ela é higiênica [...] ela chega a níveis insuportáveis de medo,
lavar a mão com detergente!” (sic) desconforto físico, sensação de
(VERMES; ZAMIGNANI, 2002, p. incompletude, imperfeição, perigo
138). ou ameaça).
Nesse segundo exemplo, a ocorrência de
Quando o indivíduo é exposto
reforçamento intermitente torna o
inicialmente ao estímulo aversivo (nesse
comportamento mais resistente.
caso a um pensamento desagradável, a
Em muitos casos, os familiares obsessão), é evidente que experimentará
contribuem para o reforçamento dos ansiedade elevada (resposta) e tentará
comportamentos obsessivo-compulsivos fugir dessa situação desconfortável. Isso
do indivíduo. Ao se envolverem nos significa que quanto mais desagradável e
rituais, pensando estar ajudando o aterrorizador parecer à obsessão, maior

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será também a resposta de ansiedade. É, cliente, recompensando adequadamente
como destaca Moreira e Medeiros suas respostas de enfrentamento ao
(2007), a lei da intensidade-magnitude, problema. O objetivo final é que o
ou seja, quanto maior a intensidade do próprio ato de evitar a compulsão seja
estímulo, maior também será a percebido pelo cliente como reforçador,
magnitude da resposta fornecida pelo ou seja, mais importante do que os
indivíduo. Entretanto, depois de certo elogios do terapeuta, o ato de não ceder
tempo em contato com esse estímulo às obsessões, por si só, é recompensador,
causador de medo e inquietação, a porque enfraquece as obsessões
resposta de ansiedade apresentada tende (SOUSA, 2015).
a diminuir. Nas exposições seguintes, a
magnitude dessa resposta estará menor Entretanto, apesar dos resultados
ainda. alcançados com o uso da EPR, existem
alguns questionamentos em relação a sua
O objetivo dessa técnica terapêutica é aplicação. Uma dessas questões se refere
fazer com que o cliente entre em contato à própria adesão do paciente ao
com seus medos, mas sem utilizar os tratamento. Sendo a EPR uma técnica de
rituais compulsivos, os quais ele faz uso natureza punitiva que coloca o indivíduo
para suprimir a ansiedade e obter o em contato com os estímulos aversivos,
“controle” da situação. Esse os quais ele tenta se esquiva ou fugir,
procedimento de exposição sucessiva ao “há uma alta probabilidade de ocorrência
estímulo ameaçador desenvolverá no de respostas de evitação. Quando esta
organismo uma resposta de habituação característica está presente na terapia, a
frente a esse estímulo, reduzindo a adesão ao tratamento pode ser
ansiedade e o desconforto comprometida” (VERMES;
(WIELENSKA, 2001). ZAMIGNANI, 2002, p. 139). Além
disso, como referem os autores
O terapeuta, ao desenvolver essas
supracitados:
estratégias de enfrentamento com seu
cliente, necessita estar atento, para Procedimentos de natureza aversiva
reforçar adequadamente aqueles costumam ser uteis para diminuir a
comportamentos considerados frequencia das respostas
apropriados na situação. Como se sabe, indesejadas, entretanto são pouco
os reforçadores são responsáveis tanto produtivos quando o objetivo é
pela instalação de novos repertórios ensinar algum tipo de repertorio
comportamentais quanto para sua novo ou respostas alternativas
àquelas que são relacionadas ao
manutenção.
sofrimento do cliente. Um
Reforçar o comportamento do cliente, procedimento terapeutico que
que na sessão terapêutica ou mesmo em minimizasse a estimulação aversiva
ambiente fora do setting terapêutico, e potencializasse as possibiliades de
contato com reforçadores naturais
conseguiu, por exemplo, ficar sem lavar
poderia ser mais eficaz (VERMES;
as mãos (compulsão) após ter sido ZAMIGNANI, 2002, p. 139).
incomodado pelas obsessões de
contaminação, é importante para que Nesse caso, cabe ao terapeuta
esses comportamentos de enfretamento desenvolver estratégias de exposição
se repitam em outras situações. Desse gradual, como forma de treinar o
modo, o psicólogo analítico- paciente para enfrentar as obsessões
comportamental deve procurar mais complexas, isto é, os pensamentos
identificar o que é reforçador para o causadores de forte ansiedade e tensão,

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tendo como foco a prevenção dos rituais solicitar ao cliente o monitoramento do
repetitivos. seu comportamento
(automonitoramento). Esse método pode
A meta, como destaca Wielenska (2001, ser usado para diminuir ou aumentar a
p. 63), é “provocar a habituação frequência de respostas. No caso de
emocional aos estímulos ansiogênicos, comportamentos inapropriados (como o
sendo os progressos avaliados segundo comportamento obsessivo-compulsivo),
parâmetros objetivos e subjetivos”. é possível diminuir a frequência do
Expor o cliente a esses estímulos comportamento através do
ansiogênicos provoca respostas como monitoramento do mesmo. A tendência
ansiedade, sudorese, taquicardia, etc., é o cliente, que apresenta determinada
sendo assim, “o uso, na sessão, do frequência de respostas desapropriadas,
humor, de relaxamento muscular e reduzi-las, reagindo à observação com
respiratório, de pausas breves e de mudança de comportamento.
técnicas de distração temporária pode
ajudar o paciente a suportar o Pedir para monitorar quantas vezes ele
enfrentamento” (WIELENSKA, 2001, p. executa ao dia (por exemplo) os
64). comportamentos repetitivos, e em quais
situações ou contextos isso acontece,
Outro recurso que representa a base da pode ajudá-lo a minimizar a frequência
terapia analítico-comportamental e que é das respostas. É conforme Barlow e
muito eficiente na intervenção do Durand (2011), a chamada reatividade
comportamento obsessivo-compulsivo, da automonitoração. Os psicólogos, de
refere-se à análise funcional do acordo que os autores, utilizam essa
problema-alvo. Ao fazer a análise de técnica para aumentar a efetividade dos
contingências, juntamente com seu tratamentos.
cliente, o terapeuta identifica o que
acontece antes (situação) e depois Mais uma questão importante no caso do
(consequências) do comportamento tratamento do comportamento
(resposta), permitindo a ambos obsessivo-compulsivo, diz respeito ao
observarem o que está mantendo esse isolamento característico de algumas
comportamento inadequado. pessoas com esse padrão de resposta.
Ensinar o modelo de contingências ao Como abordado no primeiro tópico, os
cliente, como forma de analisar seus indivíduos com TOC, em alguns casos,
comportamentos de acordo com a vão se distanciando gradualmente da
contingência de três termos companhia de amigos e familiares e
(Antecedentes. Comportamento e adotando uma rotina de vida mais
Consequência), é uma estratégia solitária. Dessa forma, as estratégias de
terapêutica que investe o cliente de intervenção terapêutica devem se
autonomia, possibilitando a ele prever, concentrar também na instalação de
controlar e modificar seu próprio novos repertórios sociais, que nesse
comportamento, que segundo Moreira e caso, representariam novos reforçadores
Medeiros (2007, p. 149) “é o objetivo da importantes no tratamento do
psicologia encarada como ciência do comportamento obsessivo-compulsivo.
comportamento ou mesmo Análise do
Comportamento”. Isso seria possível mediante o processo
de modelagem utilizado pelo terapeuta
Através do paradigma operante, o como forma de atingir o objetivo final: o
terapeuta analítico-comportamental pode estabelecimento de relações

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interpessoais, antes fragmentadas em comportamento obsessivo-compulsivo,
decorrência da evitação esquiva ou de inspira cuidados, sendo parte integrante
fuga. do processo de recuperação do indivíduo
afetado, e, portanto, deve ser incluída no
Fortalecer as habilidades sociais do tratamento. Quando as relações
cliente em âmbitos como trabalho, familiares se mostram muito
escola, relações familiares, grupo de fragmentadas em virtude do
amigos, etc., contribui para reduzir esses comportamento-problema, pode ser
comportamentos de esquiva ou fuga das indicada a terapia familiar.
situações sociais e o isolamento. Nas
palavras de Mitsi, Silveira e Costa Considerações finais
(2004, p. 53), “o fortalecimento de uma O transtorno obsessivo-compulsivo é
classe de respostas concorrente aos uma das síndromes psiquiátricas que
comportamentos ritualísticos, mais desafiam os profissionais da saúde
especificamente, a de comportamentos mental.
de interação social, tende a diminuir a
freqüência (sic) de respostas dos Como observado no tópico referente à
mesmos”. definição do TOC, um dos principais
efeitos do distúrbio é a incapacitação ou
A análise do comportamento atua na interferência dos sintomas na qualidade
tentativa de modificar as relações do de vida do indivíduo. Em muitos casos,
organismo com seu ambiente. Desta o portador do TOC somente consegue
maneira, modificar as contingências dar o primeiro passo em direção ao
familiares que atuam como tratamento, após perceber-se incapaz de
condicionantes para o comportamento desempenhar atividades simples do dia a
obsessivo-compulsivo é outra tarefa do dia.
terapeuta analista do comportamento,
uma vez que a família, como principal Algumas formas de tratamentos foram
ambiente de interação do indivíduo, propostas de modo a auxiliar o portador
pode atuar como reforçadora do do distúrbio no enfrentamento do
comportamento obsessivo-compulsivo. mesmo. Dentre os modelos de
tratamentos adotados, incluem-se os
Focalizar apenas o indivíduo (ou medicamentosos (psiquiatria) e as
transtorno em si) representaria um psicoterapias (psicologia).
reducionismo grosseiro, que pouco
contribuiria para a restauração desse Apesar de termos mostrado nesse
organismo, desconsiderando fatores trabalho algumas questões a respeito da
importantes nesse processo, como as abordagem psiquiátrica no tratamento
relações sociais e ambientais nas quais o TOC que são alvo de ásperas críticas
mesmo está inserido e sobre o qual elas pelos analistas do comportamento. Isso
atuam. não significa que os psicólogos dessa
abordagem terapêutica descartam a
Considerando esse exposto, a família importância do trabalho médico
representa um contexto importante a ser (psiquiátrico) no tratamento do
investigado, como forma de se transtorno, apenas se procurou
compreender o processo de manutenção demonstrar que ficar sobre o controle de
dos comportamentos obsessivo- sintomatologias não é suficiente para se
compulsivos do cliente, além disso, a explicar, controlar, prever e modificar
própria família que sofre com as esse problema-alvo. Cada indivíduo é
limitações provocadas pelo um ser único e qualquer tentativa de

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comparação representa um obstáculo a GUEDES, M. L. Relação família-paciente no
uma intervenção satisfatória. transtorno obsessivo-compulsivo. Rev. Bras.
Psiquiatr., v.23, supl.2, p. 65-7, 2001.
Contudo, o comportamento obsessivo- MOREIRA, M. B.; MEDEIROS, C. A. de.
compulsivo é complexo, e apesar da Princípios básicos de análise do
eficiência de técnicas comportamentais, comportamento. Porto Alegre: Artmed, 2007.
como a EPR, é importante o estudo de PETRIBÚ, K. Comorbidade no transtorno
novas estratégias terapêuticas para o obsessivo-compulsivo. Rev. Bras. Psiquiatr.,
manejo desse tipo de comportamento, de v.23, Supl.2, p.17-20, 2001.
modo a contribuir com o indivíduo no SCHULTZ, D. P; SCHULTZ, S. E. História da
enfrentamento desse comportamento- psicopatologia moderna; trad. Sonoe Murai
problema, possibilitando-lhe fruir de Cuccio.- São Paulo: Cengage Learning,2009.
uma vida de mais qualidade. SILVA, A. B. B. Mentes ansiosas: medo e
ansiedade além dos limites. Rio de Janeiro:
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