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“Fragmento da análise de um caso de histeria”. Trata-se do primeiro relato clínico mais longo
de Freud, publicado em 1905. Todavia, a paciente Dora foi atendida pelo médico entre
outubro e dezembro de 1900.
Porque fragmento? Por que Freud não apresenta o caso na sua inteireza, ele foca na
apresentação desse caso em dois sonhos que Dora teve e são sonhos que Freud entende que
ajudam muito a esclarecer a dinâmica do caso. Inicialmente, antes de publicar nesse revista
Freud pensava intitular esse caso como “sonhos e histeria”, a ideia inicial era de usar esse caso
clinico de Dora como uma forma de ilustrar como se dá a interpretação dos sonhos na prática,
na clínica. Freud, portanto, usou a interpretação dos sonhos nesse caso, por isso “fragmento”
e também foi um caso que não foi pra frente, precisou ser interrompido não por conta do
desejo de Freud ou pela análise ter terminado mas porque a paciente decidiu sair.
2- A doença de Dora: vamos centrar a essa resposta que ela dá, quais são os sintomas que
Dora vêm apresentando desde a infância.
(1)
Dora foi o pseudônimo que Freud escolheu para ocultar a identidade de Ida Bauer, uma
moça nascida em 1882 na mesma rua de Viena em que o médico passou morar desde 1891, a
Bergasse.
Ida tinha um único irmão chamado Otto, 1 ano e meio mais velho do que ela. Os pais se
chamava Philipp e Katharina. Philipp era um próspero empresário, dono de duas fábricas de
tecido na região onde atualmente é a República Tcheca.
A vida desse homem foi marcada por muitos problemas físicos. Ele nasceu cego de um olho,
pegou sífilis ainda antes de se casar e, quando Dora estava com 6 anos, foi diagnosticado
como tuberculoso.
Por recomendação médica, a família se mudou para Merano, no norte da Itália, uma cidade
conhecida por seus resorts que ofereciam hidroterapia, forma de tratamento muito comum
naquela época. No caso clínico, Freud oculta o nome da cidade com a sigla “B----“
A família permaneceu nessa cidade até 1898, quando Dora tinha 16 anos. Ao longo desses
dez anos, a filha muitas vezes atuava como “enfermeira” do pai, ajudando-o a recuperar-se
da tuberculose.
Esse traço de cuidadora é um traço muito presente nas primeiras pacientes histéricas de
Freud, como por exemplo, Anna O que também tinha esse papel de cuidar do pai. Talvez isso
nos revele um traço da histeria que foi muito acentuado por Lacan que é a presença da ideia
de um pai fraco, impotente, um pai que não é “super-poderoso” e castrador como o do
neurótico obsessivo.
Ainda em Merano, o pai sofreu um descolamento de retina em 1892 (Dora com 10 anos) e
ficou completamente cego. Todavia, algum tempo depois, passou a enxergar com o olho que
desde o nascimento não vinha “funcionando”.
Foi provavelmente em função do descolamento de retina que a mãe descobriu que o marido
tinha sífilis. Como resposta a isso, Kathe desenvolveu um quadro que Freud chamou
jocosamente de “psicose da dona-de-casa”
O significa “psicose da dona-de-casa”? É aquela mania de limpeza de casa que chega a ponto
de tornar praticamente inviável a vida dentro daquele ambiente. É uma obsessão com limpeza.
Kathe desenvolveu esses sintomas como uma resposta a essa descoberta, como se ela
estivesse simbolicamente tentando deixar tudo limpo na tentativa simbólica de se limpar.
Em 1894 (Dora com 12 anos), a sífilis atingiu o estágio terciário e Philipp passou a sofrer
paralisias e perturbações mentais. Aconselhado por um novo amigo da família, o caixeiro-
viajante Hans Zellenka, o pai da jovem começou a tratar-se com Freud em Viena. Foi a esse
Zellenka que Freud atribuiu o pseudônimo de “Sr. K”.
Nesse terceiro momento de enfermidade, quem fez o papel de “enfermeira” de Philipp foi a
esposa de Hans, Peppina Zellenka (“Sra. K”, já que Kathe se mantinha cada vez mais afastada
do marido. Foi nesse contexto que Philipp e a Sra. K começaram a ter um caso.
Dora tornou-se amiga intima de Peppina, chegando a dormir com ela durante as férias de
verão que as duas famílias passaram juntas. Além disso, Dora atuava como uma “babá
informal” dos filhos do casal Zellenka.
Detalhe: ao dormir com a Sra. K a Dora acabava contribuindo para que houvesse um
distanciamento entre o Sr. K e a Sra. K. Dora contribuía para que o caso de Sra. K e seu pai
fosse mantido porque ela evitava naquele momento que o Sr. K fosse dormir com a esposa.
Dora tomando conta das crianças, na hora em que a Sra. K tinha seus encontros com Philipp,
em mais um momento Dora está contribuindo para a manutenção do caso de Sra. K e seu pai.
Em merano, Dora foi mandada para um colégio de freiras, mas, por ser mulher, pôde fazer
apenas o “primário”. Após a saída do colégio passou a ser tutelada por governantas.
As governantes tiveram um papel importante no caso clinico de Dora. A primeira governanta
que sacou que o pai de Dora estava tendo um caso com a Sra. K e disse para Dora que aquilo
era um absurdo, que era coisa de mulher “vagabunda”, mas Dora percebeu, que na verdade
essa governanta só falava isso pra ela porque a governanta estava apaixonada pelo pai de
Dora. Dora fala pra Freud que ela notou que quando o pai estava perto a governanta a tratava
bem e quando estava longe a tratava com frieza.
Aos 8 anos, Dora teve seu primeiro sintoma histérico: um ataque de dispneia (ataque de
falta de ar) que a levou ficar 6 meses em repouso. Aos 12, no contexto do envolvimento do
pai com a Sra. K, Dora passou a ter enxaqueca, afonia e tussis nervosa.
Enquanto na neurose obsessiva o sofrimento tende a ficar muito manifesto no plano do
pensamento (os n.o são pessoas que sofrem porque seus pensamentos são intrusivos, são
fonte de incomodo, está toda hora calculando, pensando e a fonte do sofrimento está na
cabeça), por outro lado, a histeria está marcada pela expressão do sofrimento no corpo, em
geral nos quadros histéricos típicos se tem sintomas físicos como enxaqueca, tosse, vômitos
onde converte algo que é psíquico em algo físico.
Freud vai colocar como uma possiblidade de raiz desses sintomas pelo fato do pai de Dora ser
fumante, então haveria ali uma identificação com o pai.
Quando Dora estava com 16 anos, o pai a levou pela primeira vez a Freud. Foi apenas uma
consulta que não teve qualquer efeito. Os sintomas que a jovem apresentava
desapareceram espontaneamente.
Naquele mesmo ano, 1898, Dora disse que não queria mais ficar na casa de veraneio dos
Zellenka, onde passavam as férias e acusou o Sr. K de ter lhe passado uma “cantada” quando
estavam passeando à beira do lago. Não deu em nada; Dora ficou como mentirosa e
“safada”.
A família acaba acreditando no Sr. K, não pela fala do Sr. K fosse mais confiável e convincente
mas porque o pai de Dora tinha rabo preso, ele não podia bater de frente com o Sr. K porque
ele pegava a mulher do Sr. K, o melhor pra ele era ter uma boa relação com ele para que
continuasse encontrando a Sra. K. Então no final das contas o pai deve ter pensado “esse
negócio pode até ter acontecido mas deixa, de repente se esse cara quiser ficar com a minha
filha não tem problema”, ou seja, Dora foi sacrificada pra preservar a relação extraconjugal do
pai e foi mais por isso que Philipp acreditou em Sr. K e não em Dora.
Indiginada, Dora perdeu a afeição pelo pai e se afastou ainda mais da mãe. Além disso, a
jovem parou de comer, evitava interagir socialmente, sentia-se constantemente
desanimada, cansada, sem concentração e, por fim, escreveu um bilhete suicida para os pais
dizendo não suportar mais a vida.
Dora não entrega esse bilhete aos pais mas deixa-o cuidadosamente num lugar em que eles
veriam.
Certo dia, numa conversa com o pai a respeito do casal Zellenka, Dora perdeu a consciência e
provavelmente teve convulsões, episódio do qual a jovem não conseguia se lembrar.
Preocupado, Philipp decidiu leva-la a Freud na esperança de que o médico conseguisse
coloca-la “no bom caminho”.