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#019 - A reação histérica de Dora ao Sr.

K, análise do nojo e o recalque orgânico

Aula passada:
Na ala passada falamos sobre a identificação de Dora com o irmão mais velho na infância e a
identificação posterior com a tia que morrera em função de um “marasmo que progrediu
rapidamente”
Dora quando criança se identificou ao seu irmão, ou seja, ela assumiu a imagem do seu irmão
como sua, então ela passou a imitar inconscientemente o irmão. Freud analisa a lembrança de
Dora de pegar as mesmas doenças do irmão mas de uma forma mais grave, Freud vai tomar
isso como uma lembrança encobridora que encobre o fato de Dora ter se habituado à pratica
da masturbação na infância por influência do irmão.

Dora como uma boa histérica se identificava também com uma mulher, a histérica assume sua
feminilidade a partir da feminilidade de outra mulher. No momento em que Dora é levado a
Freud por seu pai, ela está identificada com uma tia (também está identificada com outras
pessoas) que segudo Freud teria morrido de um marasmo que progrediu rapidamente, era
uma senhora que estava muito infeliz no casamento e deprimida, Dora teria se identificado
com essa tia.

Repassamos também o histórico do caso clínico de Dora, vimos as divergências entre o


discurso dela e do pai e começamos a abordar os episódios da vida da jovem que foram
identificados por Freud como traumáticos.
Vimos a divergência entre o discurso do pai e de Dora, o pai faz parecer que Dora teria
inventado a história com o Sr. K (história do passeio no lago), ele acredita que aquele episodio
não teria acontecido, seria uma fantasia da cabeça de Dora porque ela estaria lendo uma
literatura voltada para assuntos da sexualidade e por conta disso havia criado uma fantasia
envolvendo o Sr. K, e o pai não acredita na história de Dora até porque pra ele acreditar não
era muito vantajoso, porque se ele desse crédito pro relato de Dora, ele teria que
inevitavelmente se afastar do casal, confrontar o Sr. K e isso não seria do interesse para ele
para manter a manutenção de seu relacionamento com a Sra. K

Freud acha suspeita essa alegação do pai, então ele decide prestar atenção no discurso da
Dora, então ele decide acreditar em Dora.

Quando Freud começa a analisar aqueles que ele acredita serem os episódios traumáticos na
vida de Dora, porque naquele momento Freud ainda acredita que em toda neurose seria
possível encontrar um acontecimento traumático, ou seja, um episódio na vida do sujeito que
teria desencadeado sintomas.

Chama a atenção de Freud o fato de Dora alegar ter sentido um forte nojo ao invés de “uma
nítida sensação de excitação sexual” que, de ponto de vista do médico, seria a reação normal
para uma “mocinha virgem de quatorze anos”

Essa reação de Dora é tomada por Freud como um indicativo de que ela já era histérica nessa
época, ou seja, não seria tal cena que a teria levado a desenvolver um quadro de histeria.

“Eu tomaria por histérica, sem hesitação, qualquer pessoa em quem uma oportunidade de
excitação sexual despertasse sentimentos preponderante ou exclusivamente desprazerosos
[...]” (p. 37)

- Aula de hoje
Freud interpreta essa reação de Dora como resultante do emprego de dois mecanismos de
defesa: a “inversão do afeto” (atração -> repulsa) e o “deslocamento da sensação” (exciração
genital -> nojo oral)
Naquele momento em que o Sr. K impressou/agarrou a Dora, ela automaticamente (não de
forma consciente) dois mecanismos de defesa se fazem presentes, o primeiro Freud chama de
“inversão do afeto”, qual seria o afeto natural a ser experimentado por uma “mocinha virgem
de 14 anos”? Atração, ao invés de sentir atração Dora sentiu repulsa. Por trás da repulsa de
Dora tem tesão.

Deslocamento da sensação. O que deveria ter ficado intenso era a parte de baixo mas houve
um deslocamento para a parte de cima. Dois mecanismo de defesa: inversão do afeto e
deslocamento da sensação.

Um dado que corrobora a interpretação de Freud é o fato de Dora ter desenvolvido alguns
sintomas após a cena: “certa aversão pelos alimentos” e uma “alucinação sensorial” de
pressão na parte superior do corpo.

Além disso, a paciente costumava evitar passar por homens que estivessem “em conversa
animada ou terna com uma mulher”, sintoma fóbico tipicamente histérico que visa proteger
o sujeito das “tentações” do seu próprio desejo.
O medo no final das contas que fazia ela evitar passar por essa situação não era da situação
mas dela mesma. Aquela situação ali de um homem qualquer conversando animadamente
com uma mulher evocava na Dora uma outra situação que por sua vez estava vinculada aos
desejos dela e contra o que o neurótico se defende? De seus próprios desejos

Freud, então, reconstrói a cena narrada por Dora, inferindo o que provavelmente teria
acontecido nos “bastidores” dela:
Dora teria sentido a ereção do Sr. K e recalcado essa percepção do membro ereto. Por quê?
Porque a pressão do pênis do homem teria excitado seu clitóris – o que ela, sendo histérica,
não poderia reconhecer.

Assim, a jovem teria inconsciente deslocado a forte intensidade da sua excitação clitoriana
para a “inocente” sensação do abraço. Isso explicaria a alucinação sensorial da pressão no
tórax.

Isso também explicaria a fobia em relação à visão de homens conversando com mulheres:
Dora estaria se protegendo da lembrança da ereção ao evitar se aproximar de homens que
pudessem estar excitados.

Ao falar sobre esse segundo ponto, Freud faz um comentário interessante para pensarmos o
fenômeno geral da fobia. Ele diz: [..]A compulsão em seu comportamento construía-se como
se proviesse da lembrança inalterada da cena.”
Na origem do sintoma fóbico tenho uma lembrança inalterada, ou seja, tenho uma memória,
uma imagem, uma cena e essa cena que de alguma forma é evocada pela situação que
aterroriza e que quer evitar. Diferentemente do que acontece no sintoma comum como
pensamentos obsessivo, compulsão, sintoma conversivo em que se tem fragmentos de uma
cena que vão ser expressos através do sintoma ou que vai ter uma alteração de uma cena
especifica para constituição do sintoma, na fobia não.

E o nojo? Essa reação seria fruto do recalcamento do tesão oral (que Freud acredita ser
bastante forte em Dora). Assim, devido ao recalque, em vez de experimentar prazer com o
beijo do Sr. K, Dora sentira repugnância.
Essa reação do nojo Freud vai pensa-la num primeiro momento como sendo fruto do
recalcamento do tesão oral. Freud nesse momento não fala sobre o quanto Dora havia sido
estimulada no campo da região oral, ele falará disso posteriormente mas ele já dá um
indicamento de que essa região em Dora era muito estimulada e que provavelmente Dora
teria desenvolvido uma fixação no tesão oral, então o nojo, a forte repugnância que ela teria
experimentado ali ao ser agarrada por Sr. K seria resultante do recalcamento do tesão oral.
Decido ao recalque ao invés de experimentar prazer com o beijo do Sr. K Dora sentira
repugnância.

A fixação no sujeito neurótico se torna alvo/objeto de um recalque/repressão diferente do que


acontece com o perverso, o perverso se fixa em uma determinada de prazer infantil e ele leva
essa fixação pra vida adulta. O perverso sádico que só consegue experimentar prazer sexual
num contexto de humilhação, dominação que ele domina, em que ele humilha, em que ele
agride e machuca, esse sujeito sádico está exercendo na vida adulta com seu fetiche uma
forma de prazer que muito provavelmente ele já havia exercido, que já havia sido bastante
estimulada nele quando criança, e por ele ser perverso ele trouxe essa forma de prazer infantil
pra vida adulta.

No caso do neurótico não é assim que acontece, o neurótico desenvolve uma fixação mas ao
invés de traze-la pra vida adulta conscientemente, ele reprime a fixação, mas quando reprime
uma fixação é como se tivesse reprimindo um vulcão dentro de si, então tem que dar uma
destinação pra aquilo, a destinação que o neurótico vai dar pra sua fixação são justamente os
sintomas neuróticos, por isso o sintoma é difícil de ser abandonado pelo neurótico porqie há
satisfação de um tesão infantil ao qual o sujeito ficou fixado.

No caso de Dora Freud vai dizer que houve uma fixação no tesão oral, Dora por ser neurótica
precisou recalcar esse erotismo e agora ela manifesta esse tesão no qual ela ficou fixada por
meio do nojo. Quando vemos o nojo no senso comum a primeira vista o que pensamos no
senso comum é que não há nada de sexual ou erótico mas quando se faz essa analise
psicanalítica entendendo que o inconsciente obtém satisfação por meio dos contrários, por
meio da inversão, então podemos ver no nojo uma expressão de tesão. No final das contas
Dora gostou/sentiu tesão oral ao ser beijada por Sr. K, mas como está escrito na cabeça da
histérica que não pode sentir tesão, não pode gozar ao invés de sentir o prazer de beijar
aquele senhor ela experimentou uma violenta repugnância.

Mas, podemos nos perguntar, por que Dora sentiu exatamente nojo? Por que ela não
vivenciou uma dor ou mesmo uma anestesia na região oral, por exemplo?

A explicação de Freud fará referência ao fato de que o pênis, para além de ser um órgão
sexual, é também um órgão excretor e o nojo é justamente uma reação que desenvolvemos
como defesa contra nossa natural atração pelos excrementos.
Dora ao invés de sentir tesão pelo contato do órgão sexual do Sr. K, ao invés de tomar o órgão
ereto de Sr. K na sua dimensão sexual, ela tomou o pênis de Sr. K em sua dimensão excretória.
O pênis tem duas dimensões: a sexual e a excretória. Normalmente no contexto sexual se
toma o pênis na dimensão erótica, se a mulher ou o homem está com seu parceiro sexual se
ela parar pra pensar que aquele órgão também é o órgão que seu parceiro faz xixi ela vai sentir
nojo, na hora do contexto sexual normalmente exclui a dimensão excretória daqueles órgãos e
fica com a dimensão sexual, isso vale inclusive pra boca, se para pra pensar que a pessoa que
você está beijando passa catarro pela boca dela, passa restos de comida, bafo, se pensar nessa
dimensão orgânica do corpo não se beija a pessoa mas fica com nojo. Para que a sexualidade
seja vivenciada precisa-se recalcar essa dimensão excretória do corpo.

Como aponta o psicanalista Vladimir Safatle, o fato de Dora recorrer ao nojo mostra que
nela, como em toda histérica, há uma “incapacidade de [..] idealizar os órgãos sexuais,
retirando-os a sua função excremental, cuja atração deve ser objeto de um recalque
orgânico. Esta sobreposição entre duas funções de valor contrário (excitação sexual e
excrementos), assim como o déficir de idealização indica uma ambivalência insuperável
entre desgosto e atração. Tal ambivalência é resultado direto de um recalque que não se
realiza no caso da histeria. Ela não recalca a natureza aversiva dos órgãos sexuais através
daquilo que Freud chama de “recalque orgânico” fundamentado no trabalho de valores
morais como a vergonha, o que tem por consequência fragilizar uma organização da
sexualidade centrada no primado genital”.
O excrementos são atrativos pra nós, hoje não mais, mas já foram (quando criança). A nossa
atração pelos excrementos, pela sujeira, Freud vai dizer que essa atração é objeto de um
recalque orgânico.

Na hora que a histérica está diante da pressão da ereção de Sr. K e ela não consegue ver essa
ereção apenas do ponto de vista sexual, isso coloca uma ambivalência insuperável entre
desgosto e atração, é ao mesmo tempo algo que atrai mas que também provoca aversão
porque é “o fazedor de xixi”.

Nas pessoas “normais” (que não são histéricas) elas sabem que pelo ânus sai cocô, sabem que
pela vagina sai menstruação, que na vulva tem o canal urinário pelo qual sai xixi, sabe que o
pênis é um órgão que também é usado pra fazer xixi mas ela recalca essa dimensão, recalca a
aversão que isso causaria. A histérica não faz esse recalque, ela fica por um lado com desejo
mas por outro ela mantem o nojo e a aversão, então fica uma ambivalência insuperável entre
desgosto e atração, o pênis ao mesmo tempo atrai e ao mesmo tempo enoja.

A ideia de um “recalque orgânica” é muito antiga na obra freudiana e designa um tipo de


recalque que não seria produto da civilização, mas derivado da adoção da postura ereta pelo
ser humano durante o processo evolutivo. Essa mudança teria promovido uma
desvalorização dos estímulos olfativos e, consequentemente, a reação de repugnância aos
excrementos.
O que é o recalque orgânico? É um tipo de recalque que não é produto da civilização. O
recalque tradicional é produto da civilização porque ela que diz que “não pode gozar batendo
no coleguinha” “não pode gozar demais se exibindo” etc mas Freud está falando de um
recalque anterior à civilização, é um recalque orgânico pelo fato de ser biológico.

Como a gente repete no desenvolvimento individual a evolução da espécie, quando crianças


sentimos durante algum tempo uma atração pelos excrementos. O neurótico conservaria no
Inconsciente, tal como alguns perversos o fazem conscientemente, essa atração.

Em “O mal-estar na civilização” (1930/1996, pp. 105-106), Freud diz: “O incentivo à limpeza


origina-se num impulso a livrar-se das excreções, que se tornaram (graças ao recalque
orgânico) desagradáveis à percepção dos sentidos. Sabemos que, no quarto das crianças, as
coisas são diferentes. Os excrementos não lhe despertam repugnância. Parecem-lhes
valiosos, como se fossem parte de seu próprio corpo, que dele se separou”.

À luz desses apontamentos de Freud e dos comentários de Sefatle, podemos interpretar o


sintoma de repugnância de Dora como um símbolo tanto de sua fixação oral quanto e sua
atração perversa (mas inconsciente) pela dimensão excretora dos órgãos sexuais. Trata-se de
um exemplo de como os sintomas neuróticos costumam ser sobredeterminados.

Esse sintoma de Dora também nos serve de ilustração para um aspecto do que estudamos
nas “cinco lições”: a neurose é constituída a partir e, ao mesmo tempo, em oposição às
inclinações perversas que subsistem no sujeito. Como diz Freud (1950/1996) já na carta 52 a
Wilhelm Fliess: “[...]histeria não é sexualidade repudiante, mas, antes, perversão repudiada”
(p. 287)

Prof. não corre-se o risco de normalizar a violência sexual? Ela não poderia ter sentido nojo,
justamente, por ter sido violada como pessoa, a ser coagida a fazer algo que ela não queria?
Sim, Patrícia! É porque o olhar do Freud é exclusivamente PULSIONAL. É como se ele não
estivesse analisando o que aconteceu com a ADOLESCENTE DORA, mas com o APARELHO
PSÍQUICO DORA.

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