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Fragmento da análise de um caso

de histeria – O Caso Dora


1905 – Sigmund Freud
• Caso Dora – momento de construção da
concepção freudiana da sexualidade.
• Descoberta da origem insuportável
intensidade afetiva, qual seja, a experiência
sexual prematura.
• Recalque da experiência sexual – sintoma
histérico.
• A sexualidade infantil (os representantes das
experiências sexuais infantis) são os alvos do
recalcamento.
• Sexualidade infantil – um modo de
sexualidade que está presente na infância,
mas se prolonga, jamais sendo superada, por
toda vida do sujeito.
• A sexualidade adulta e genital é o resultado de
uma transformação da sexualidade originária,
e dela conserva seus traços.
• Assim, o sujeito jamais se liberta
completamente da influência das primeiras
experiências sexuais, mesmo que essas
vigorem de modo modificado – recalcado.

• A partir do livro Três ensaios – Sexualidade


infantil deve ser tratada como o conceito de
sexualidade na psicanálise.
• Para a psicanálise, no fundo do nosso
inconsciente, permanecemos infantis como o
fomos, permaneceremos impulsionados pelas
marcas indeléveis das experiências de
satisfação.

• Psicanálise: Idéia de que o tempo não passa.


(Pontalis)
• Temas: processos psíquicos, tese do
inconsciente, o tema da transferência...
• Momento constitutivo da psicanálise
• Os casos clínicos de Freud não são a simples
descrição ou exposição de casos clínicos.
• Os casos clínicos são a expressão das relações
de Freud com os seus pacientes, engajados na
tarefa da análise.
Situando o caso Dora
• Publicação 1905
• Escrito 1901, logo após o tratamento de Dora.
• Tratamento: 3 meses. De outubro a dezembro de 1900.
• Da interpretação dos sonhos para o caso Dora – Os três ensaios... (zona
erógena, sexualidade infantil, conservação da sexualidade infantil no adulto,
fases do desenvolvimento sexual, perversões, neuroses) – ainda não presente
à época do caso Dora.
• Dora – continuação do livro dos sonhos (Sonho e histeria)
• Dora – 2 sonhos – Psicanálise: a arte de interpretar sonhos – objetivo prático.
• Como a interpretação dos sonhos se entrelaça a história de um tratamento.
• Caso Dora – se situa entre uma teoria do inconsciente já formulada e uma
teoria da sexualidade por formular.
• Caso Dora – o texto de um trabalho fracassado.
• Interesse em publicar: mostrar como a I.S se entrelaça
na história de um tratamento.
• Interpretação dos Sonhos – teoria
• Caso Dora: expressão da psicologia das neuroses
segundo o modelo dos sonhos, sua aplicabilidade.
• 31 de dezembro de 1900 – a paciente interrompe
abruptamente o tratamento, precisamente quando
Freud tinha a mais alta confiança no seu bom
resultado.
• Que positividade existe no caso? O que se
firma, não obstante o fracasso, no caso Dora?
• Resposta: a compreensão dos sonhos, se é
necessária para a compreensão das neuroses,
não é suficiente.
• Celes (1995) diz que o Caso Dora é uma crítica,
uma denúncia da insuficiência da
Interpretação do sonhos para a análise.
• Estudos sobre a histeria – elucidação dos sintomas.
• Por mais que os sonhos tenham sido proeminentes no
caso de Dora, a parcela mais difícil do trabalho técnico
esteve sempre de fora – o fator da transferência.
• Freud deu tanta importância aos sonhos que a questão
da transferência ficou excluída.
• Sob o termo “transferência”, Freud expressa a relação de
Dora com ele. Relação que não foi cuidada na análise.
• A “transferência” é o que há de positivo no fracasso do
caso, isto é, é o que Freud “aprende” com Dora.
Sexualidade no caso Dora
• À época do caso Dora, não tinha formulado
uma teoria da sexualidade, mas o tema da
sexualidade percorre o caso em toda a sua
extensão.
• Freud parte da concepção geral: etiologia da
histeria é psicossexual, como a sexualidade
permeia toda a vida de Dora.
• Os sintomas de Dora tem significação sexual.
• Pressão no peito – repugnância e evitação de
homens em conversas afetuosas são
expressões da rejeição à sexualidade.
• Mucosas orais suscetíveis – ligadas à
satisfação remota de chupar o dedo.
• Irritação de garganta e tosse – expressões de
uma fantasia de felação.
• “Apendicite” – fantasia de parto.
• Histeria de Dora está diretamente vinculada à
masturbação infantil.
• Sonhos de Dora – simbolismo sexual: a caixa de
joia, o quarto, a chave, o fogo – do primeiro sonho.
• As ninfas, o bosque, a estação, o cemitério – do
segundo sonho representam os órgãos genitais
femininos. Fantasia de defloração, figuração de
uma cena sexual.
• Receios de Dora são receios das relações sexuais.
• Desejos de Dora são sexuais:
• Desejo de ceder à proposta amorosa do Sr.K.
• Desejo de ser beijada por Freud.
• Desejo de conhecimento sobre assuntos sexuais.
• O amor de Dora é sexual: por seu pai, pelo Sr.K. e pela Sra. K.
• Trazer uma bolsinha para a sessão de análise e brincar com
ela – representação do ato de masturbação.
• Dora sabe e lê sobre sexualidade e conversa sobre
sexualidade com sua amiga, a Sra.K., com a governanta, com
Freud.
• Dora compreende a sexualidade dos que a cercam:
seu pai com a Sr. K; da governanta com o seu pai,
no desejo do Sr.K por ela.
• Enfim, a sexualidade atravessa toda a vida de Dora.
• É Freud que alerta o leitor sobre o tema da
sexualidade.
• Não há questão sobre a sexualidade que a
histérica não saiba em seu inconsciente.
• “Os sintomas histéricos são expressão de seus
(da paciente) mais secretos desejos
recalcados, o esclarecimento de um caso de
histeria terá por força que revelar essas
intimidades e trazer à luz esses segredos”.
• As condições para a histeria:
• “Em nenhum [dos casos de histeria] deixei de
achar aquelas condições psíquicas que os
Estudos postulavam: o trauma psíquico, o
conflito de afetos e, segundo acrescentei em
publicações posteriores, o distúrbio na esfera
da sexualidade”. (Freud, 1905)
Quem é Dora?
• Ida Bauer – Filha caçula de Philipp Bauer e
Katharina Bauer. Irmão 1 ano mais velho (Otto)
• Pai: Várias doenças ao longo da vida.
Tuberculose, descolamento de retina, sífilis.
• Consulta Freud em função das crises confusionais
e sintomas de paralisia.
• Freud descreve Philipp como um grande
industrial, com excelente situação financeira,
talento e dotes intelectuais fora do comum.
• Mãe: Freud não chegou a conhecer. Dora e Philipp
a apresenta como uma mulher inculta, pouco
inteligente, que, a partir da doença do marido,
concentra todos os seus interesses nos assuntos
domésticos – psicose de dona de casa. Sem
nenhuma compreensão dos interesses dos filhos.
• Passava o dia cuidando e zelando pela casa, com
tanto exagero que se tornava quase impossível
usá-los ou desfrutá-los.
• Ida tinha muito ternura e admiração pelo pai.
• Sua relação com a mãe era conflituosa e
hostil.
• Seu irmão Otto era mais ligado afetivamente à
mãe do que ao pai.
• Na Itália, na cidade de Merano, conhecem
Hans Zellenka (Sr.K) e sua bela esposa
Giuseppina (Sra. K), que “sofria de distúrbios
histéricos e era frequentadora de sanatórios”
(Elizabeth Roudinesco)
• O convívio com o Sr.K. e a Sra.K. teriam papel
decisivo no desenvolvimento dos sintomas da
então adolescente Dora (Ida Bauer)
• Merano
• 16 anos se mudam para Viena
• Dora – 18 anos – seu pai procura Freud para
tratar sua filha, que sofre de fortes
enxaquecas, depressão, tosse convulsiva e
afonia.
• Em outubro de 1900 – início do tratamento,
que dura precisamente 11 semanas.
• Aos 21 anos – Dora se casa com o músico Ernest Adler, que
trabalha na fábrica do pai.
• Aos 23 anos – Dora e Ernest têm um filho, Kurt Herbert Adler
• Aos 40 anos, em 1922, visita a um psiquiatra com sintomas de
enxaqueca, insônia, vertigens. Médico a descreve como uma
mulher que se queixa do filho, do marido, do pai, da mãe e de si
mesma.
• Marido indiferente aos seus sofrimentos.
• Frígida sexualmente, sente asco pela relação sexual e tem
convicção que o marido é infiel. Pensa em divórcio, mas não
consegue tomar uma decisão.
• “Os homens são tão detestáveis que preferia não me casar.”
• Dora era carinhosamente apegada ao pai que apresentou
durante a vida diversas enfermidades e tinha na filha uma
cuidadora, companheira e confidente.
• Dora não se sentia amada pela mãe.
• Na segunda guerra mundial, Ida, Ernest e seu filho se
mudam para Nova York.
• Permanece com os seus sintomas, escrevendo no real do
corpo o que nunca pôde ser dito, e portanto, reconhecido.
• Morre em 1945, com 63 anos, em virtude de um câncer de
cólon.
O caso Dora: “um fragmento de análise”
• Freud: Dora apresentava os sintomas característicos
de uma histeria: enxaquecas, acessos de tosse
nervosa, afonia, tédio da vida, abatimento.
• Pai encontrou uma carta de Dora em que ela se
despedia porque “não podia mais suportar a vida.”
• Dora chega ao consultório de Freud insatisfeita
consigo mesma e reclamando da vida.
• Se desentende com a mãe
• Seu pai tivera uma amante – Sra.K.
Freud diz a Dora: “Veja, qual é sua própria parte na desordem de que você se queixa ?”

• Dora admite que é cúmplice na relação amorosa do pai


com a Sra.K.
• Início: amizade com a família k.
• Sra. K se dedica a cuidar do pai de Dora por causa da
doença nos olhos.
• Em contrapartida, o Sr.K leva Dora para passear e lhe
dá presentes.
• Dora cuida dos dois filhos do casal com afeto materno
e permite, assim, que Sra.K e seu pai (amantes) fiquem
sozinhos.
• Sra.K e Dora: amigas, confidentes e
conselheiras. Dora costumava elogiar seu
corpo alvo e sua pele macia, o que Freud dizia
que Dora se parecia muito mais uma amante
apaixonada do que uma mulher referindo-se a
uma rival, devido ao amor que Dora dedicava
ao pai.
Duas cenas de beijo e uma declaração de
amor
• Primeira cena: Dora conta a Freud que aos 14
anos, Sr.K. a convidou, junto com a Sra.K, para
se encontrarem com ele em sua loja.
• Quando Dora chegou à loja, o Sr.K. estava
sozinho, intencionalmente, e abraça Dora e lhe
dá um beijo na boca.
• Dora sente uma violenta repugnância (recalque
da parte erógena dos lábios – chuchar foi
ultracultivado)
• A repugnância é o sintoma decorrente do
recalque na atividade do chuchar excessivo.
Recusa à genitalidade.
• A excitação genital de Dora no encontro com
Sr.K fora negada, isto é, recalcada e a
satisfação oral fora convertida em
repugnância,em desprazer.
• Os fenômenos patológicos são (....) a atividade
sexual dos doentes...”
• Esse beijo, contado somente em análise,
opera um trauma sexual que se conecta com
outras experiências sexuais traumáticas da
infância.
• Lembrança – chuchar o dedo até os 5 anos, puxando o
lóbulo da orelha do irmão – auto-satisfação.
• Chuchar o polegar –zona erógena – boca - beijo
• Complacência somática: a vulnerabilidade a que fica
submetido o órgão corporal para desenvolver
sintomas, devido a conservação de sua erogeneidade,
determinada por sua intensa ativação numa
experiência de satisfação.
• O beijo denuncia a conservação da erogeneidade da
zona oral.
• O determinante na histeria, nos ensina Freud, no
que diz respeito à esfera da sexualidade, não é a
simples presença desta, mas a sua superpresença.
• Freud está falando de uma ultracultivo de uma
experiência infantil e não-genital.
• No caso de Dora, supreendentemente, o beijo, não
obstante o vício da satisfação oral, traz repugnância e
não, satisfação. Mas é exatamente por essa
“inversão de afeto” que Freud caracteriza Dora
como histérica.
• Segunda cena: outro assédio do Sr.K durante um passeio à
beira do lago, quando ele beija Dora novamente e lhe faz
uma declaração de amor. Dora lhe dá uma bofetada no
rosto e sai correndo.
• Ao ser procurado pelo pai (Dora conta aos pais), Sr.K. nega
e diz que tudo é imaginação de Dora.
• Mesmo não acreditando na versão de Sr.K, o pai nega a
atender à exigência de Dora: terminar a amizade com os K.
• Sra.K tinha se comportado como traidora, já que era
confidente de Dora.
• Freud se surpreende com o fato de Dora, no lugar de
ficar com ódio da Sra.K., fica com ciúme da relação
amorosa do pai.

• Freud percebe que o repentino ciúme de Dora pelo


pai mascara sua fascinação pela Sra.K., a quem se
mantém leal, mesmo depois da traição e mesmo à
custa de que ela própria passe por mentirosa.
Duas interpretações de Freud da posição de
Dora nessa trama familiar
• 1) O que está recalcado é o amor pelo Sr.K. Mas, esse amor,
desde a cena do lago, desencadeia uma violenta resistência,
fazendo com que a afeição infantil pelo pai renasça.

• 2) descobre a face homossexual da neurose histérica: ao


nível inconsciente, o ciúme que Dora sente pela Sra.k. é fruto
de sua identificação com o homem. Dora se identifica com
um personagem viril.
• Muito mais que uma paixão, o que liga Dora à Sra.k. é uma
questão: o que é ser mulher? É a partir dessa questão,
encarnada na Sra.k., que Dora se situa na relação triangular.
• Dora quer ser amada pelo pai como a Sra.K,
mas, para ser objeto do desejo masculino, terá
primeiro de se identificar com o pai, a fim de
esclarecer qual o valor que tem a mulher
nesse desejo masculino.
• Assim, a relação de Dora com a Sra.K não é um
desejo homossexual; a Sra K é, para Dora, o
“modelo da própria feminilidade”.
• identificação que Dora faz com Sra.K, que
conforme Freud (1905) afirma, sua paciente
identificava-se com a mulher que seu pai
amava, concluindo que a afeição desta moça
ao seu genitor, seria mais forte do que ela
pensava ser: ela o amava (p.53).
• Dora, de certa forma, é condescendente com o assédio do
Sr.K. Mas ela o esbofeteia quando ele lhe diz que a Sra. K
não é nada para ele.
• Se o Sr. K só se interessa por Dora e seu pai só se interessa
pela Sra.k., logo Dora não é amada pelo pai.
• É a recusa do dom de amor do pai que ela não pode
suportar, que faz com que Dora se veja reduzida a um
objeto de troca. “Meu pai me vende a um outro”
• Dora reivindica, assim, a exclusividade do amor do pai.
Agora não faz mais sentido manter qualquer relação com
os K.
Sonhos de Dora

A interpretações dos sonhos e o


entendimento da neurose.
• Sonho - realização de desejos recalcados,
portanto, inconscientes, que só podem ser
representados de forma disfarçada, por meio
dos mecanismos de deslocamento e da
condensação.
Primeiro sonho
• “A casa está pegando fogo. Meu pai vai ao meu
quarto para me acordar e está de pé ao lado da
minha cama. Visto-me rapidamente. Mamãe quer
salvar sua caixa de joias. Meu pai diz: ‘Não quero
que por causa de sua caixa de joias eu e as crianças
nos queimemos.’ Descemos correndo. Ao sair na
rua, acordo”.
• Trata-se de um sonho que se repete por três noites
consecutivas e mais uma vez, no decorrer da
análise.
• Deslocamento no sonho:
• O pai como salvador em vez de culpado.
• A mãe como proprietária da caixa de joias e
não Dora.
• O pai no lugar do Sr.K
• A mãe no lugar da Sra.K.
• Quais são então os desejos inconscientes que
motivam esse sonho?
Primeira associação de Dora: se refere à primeira cena
do sonho: “A casa está pegando fogo”.

• Dora conta de uma briga entre seus pais: o acesso do


quarto do seu irmão era pela sala de jantar e sua mãe
trancava essa sala todas as noites antes de dormir. Seu pai
achava que se acontecesse algo seu irmão não poderia sair
do quarto;
• Depois de Dora concordar com Freud que essa cena a leva
a pensar no risco de um incêndio, ele pontua sua fala
dizendo que ela deve prestar atenção ao que ela mesma
havia dito:
• “Alguma coisa pode acontecer durante a noite que torne
necessário sair de casa”
• Freud lança outra pergunta para decifrar a
segunda cena do sonho (meu pai vai ao meu
quarto para me acordar e está de pé ao lado
da minha cama)
• “Você teve o sonho antes ou depois da cena
no lago?”
• Dora: “Não sei. Mas creio que foi depois.”
• Freud – o sonho foi uma reação ao episódio.
• Dora continua e diz que ela e o Sr.k acabaram
voltando juntos do passeio do lago. Depois do
almoço, ela foi deitar no sofá, no quarto do
casal K, e acordou sobressaltada, dando de cara
com o Sr.K de pé, perto dela.
• Freud intervém: “Sr.k aparece tal qual seu pai
no sonho”.
• Dora concorda e conta que pediu a chave do
quarto à Sra.K e que trancou a porta.
• Chave desaparece, medo do assédio do Sr.K (seu pai e
a Sra.k saem para passear toda manhã e ela fica só).
Dora acredita que está correndo “um sério perigo” e
por isso sempre se veste rapidamente. Mas o sr.K
nunca mais a incomodou.
• Visto-me rapidamente – no sonho e no propósito de
Dora.
• Acordada Dora diz: “Aqui não tenho tranquilidade. Não
poderei dormir tranquilamente até sair desta casa”.
• No sonho Dora diz: “Ao sair na rua, acordo”
Sobre a caixa de joias
• Dora diz que a mãe adora joias e que seu pai lhe dá sempre
várias. Eles brigam. A mãe recusa uma pulseira que o pai deu. Ela
queria um brinco e não uma pulseira.
• Freud pergunta a Dora se ela gosta de joias. Ela diz que sim e
Freud lhe pergunta se ficaria contente caso o pai lhe desse o
presente que sua mãe recusara.
• Dora: “Não sei. Como também não sei por que mamãe aparece
no sonho, já que ela não estava conosco”.
• Não sei – para Freud se esbarra com algo da ordem do recalcado.
• Recalcado se liga ao desejo infantil – drama edípico: o amor ao
pai e ódio à mãe como rival
• Na sessão seguinte volta a falar sobre o tema
das joias: “Até agora você só me falou das joias”
• Dora: Sr.k lhe havia dado de presente uma caixa
de joias muito cara.
• Freud intervém perguntando se Dora sabia que
“caixa de joias” também significava “órgão
sexual feminino.”
• Dora: “Sabia que o senhor ia dizer isso”.
• Na vida desperta, o homem que invade o quarto que Dora está
dormindo, colocando em perigo sua “caixa de joias’, é o Sr.k.
• Na segunda cena, o Sr.k é substituído pelo pai, assim, em vez
de culpado pelo assédio, aparece como salvador.
(deslocamento)
• Freud volta ao episódio da pulseira: ela teria aceitado com
prazer o presente que a mãe, sua rival recusara.
• Dora daria ao pai o que sua mãe lhe recusara dar, assim como
daria ao Sr.K o que a Sra.K lhe recusara dar.
• Dessa forma, o sonho estabelece a ligação entre o amor
infantil pelo pai, no passado, e o amor pelo Sr.K
• Freud em nota de roda pé: começa a suspeitar do
“profundo amor homossexual de Dora pela Sra.k”
• E o incêndio no sonho?
• “Crianças que brincam com fogo molham a cama”
• Uma casa em chamas: o fogo seria o oposto de água e
paixão ardente. “O amor deixas as coisas molhadas”.
• Pai acordava para que Dora fosse urinar no banheiro.
• Associação com a enurese noturna do irmão e de Dora.

Na sessão seguinte: Dora diz que toda vez que acorda sente cheiro de fumaça. Freud
fuma – inclusão no sonho como efeito da relação transferencial.

• Dora se recusa a aceitar e diz que relação entre fogo (sonho) e


fumaça (via desperta) se explica pelo fato de que ela, seu pai
e o Sr.k fumam muito.
• Para Freud, essa conexão remete a “tentação de ceder aos
desejos do seu amado” e se deixar beijar por ele.
• E Freud diz: dois fumantes que se beijam exalam cheiro de
fumo.
• O desejo recalcado de ser beijada pelo Sr.K remete a uma
cena do passado, no qual o Sr.k lhe dá um beijo, o que
provoca em Dora a repugnância como defesa.
Conexões entre beijo, fogo e fumaça – o
amor de transferência
• “Reunindo agora todos aqueles indícios que
tornaram verossímil uma transferência para
mim, facilitada pelo fato de que eu também
sou fumante, cheguei a conclusão de que,
durante a sessão, ocorrera à paciente desejar
que a beijasse. Isto teria sido então o motivo
da repetição desse sonho de advertência e a
resolução de interromper o
tratamento.”(Freud, 1905)
Segundo sonho
• “Estou passeando por uma cidade desconhecida e
vejo ruas e praças totalmente novas para mim.
Entro logo na casa onde moro, vou para o meu
quarto e encontro uma carta da minha mãe. Diz-me
que, tendo eu saído de casa sem seu
consentimento, ela não quis me escrever antes para
me comunicar que meu pai estava doente. ‘Agora
que ele está morto, você pode vir se quiser’.Vou
para a estação e pergunto umas cem vezes: ‘Onde
fica a estação?’
• Respondem-me sempre o mesmo: ‘Cinco minutos’. Vejo
então à minha frente um bosque muito espesso. Penetro nele
e encontro um homem a quem faço a mesma pergunta. Ele
me diz: ‘Mais duas horas e meia’. [Duas horas]. Ele se oferece
para me acompanhar. Recuso e continuo andando sozinha.
• Vejo à minha frente a estação, porém não consigo alcançá-la
e experimento aquela angústia que sempre se sente naqueles
sonhos em que nos sentimos paralisados. Logo estou em
casa. Nesse intervalo, devo ter viajado de trem, mas nada sei
sobre isso. A empregada abre a porta e me responde: ‘Sua
mãe e os outros já estão no cemitério”.
• Esse sonho é produzido no momento em que
Dora se pergunta, na análise, por que
primeiro mantém segredo sobre o que
aconteceu no lago entre ela e o Sr. K e só
depois decide contar aos pais.
• Primeira cena: cidade desconhecida, remete a
um album (caixa) com paisagens de uma estação
de águas. Onde está a caixa?
• Dresden – sozinha – quadro Madona Sistina.
• Onde está a estação – onde está a caixa.
• “Uma cem vezes a mesma pergunta” – Onde fica
a estação. Pai – conhaque – chave do bufê – mãe
não ouve – “já lhe perguntei umas cem vezes
onde está a chave”
• Para Freud o que está em jogo é uma
indagação sobre os órgãos sexuais femininos.
Onde está a chave, onde está a caixa.
• Carta escrita pela mãe – carta escrita por Dora
despedindo-se dos pais.
• Essa substituição é feita para escamotear a
‘sede de vingança’ contra o pai e o sr.k.
• “Você pode vir se quiser? – essa frase aparece na carta que a Sra.K
escreveu para Dora, convidando-a para passear em L, lugar que
fica perto do lago onde ocorrera a cena da tentativa de sedução.
• Sonho e lago – associação de Freud.
• Freud pede que Dora fale novamente o que se passou e o que o
Sr.k lhe disse.
• Dora responde: “Você sabe que minha mulher não é nada para
mim”.
• Ela o esbofeteia e sai correndo. E pergunta a um desconhecido:
quando tempo falta para chegar a L. Ele lhe responde: “Duas horas
e meia”. Dora desiste e volta e pede desculpas e segredo para Sr.k.
• Freud relaciona o bosque da estação (sonho) com o
bosque que beirava o lago (cena de sedução do Sr.k) e o
quadro que Dora vê, em que aparecem ninfas.
• Ninfas – pequenos lábios
• Bosque denso – pelos pubianos.
• Onde está a caixa? Onde está a estação? A chave?
• Órgão sexual feminino
• Na desconstrução do sonho – uma geografia simbólica do
sexo revela uma fantasia de defloração.
• Fantasia de parto – sintomas de uma pseudoapendicite.
• Nove meses depois da cena no lago, Dora tem
sintomas de uma apendicite, febre alta e
dores muito fortes no baixo-ventre.
• Suposta apendicite – realiza a fantasia de um
parto, a qual remete para o desejo infantil
inconsciente de ter um filho do próprio pai.
• O desejo recalcado que motiva esse sonho,
desencadeando fantasias sexuais infantis e atuais, é
uma “sede brutal de vingança” contra o pai e o Sr.K.
• No sonho, o pai está morto, portanto, Dora está livre
para amar quem quiser.
• Dora não perdoa as atitudes do Sr.K: em um primeiro
momento, ele nega o assédio e a acusa de ler livros
imorais.
• Depois, Sr.k não insiste na conquista de seu amor.
• Após duas sessões dedicadas à interpretação desse
segundo sonho, Dora anuncia o fim do tratamento a Freud.
• “O senhor sabe, doutor, que hoje é a última vez que venho
aqui?”
• Freud: “Você sabe que pode interromper o tratamento
quando quiser. Porém hoje ainda vamos trabalhar.” Depois
pergunta quando essa decisão foi tomada.
• Dora: “Há quinze dias”.
• Freud: Isso se parece com o aviso prévio que é dado às
governantas e empregadas.
• Dora continua as associações – lembra de que a
governanta do Sr.k, antes da cena no lago, confessara que
o patrão tentara seduzi-la com o mesmo argumento que,
posteriormente, iria usar com ela: de que sua mulher não
era nada para ele.
• Governanta foi demitida.
• Freud encontra a razão da bofetada e do desejo
inconsciente de vingança: ciúme da governanta e
indignação por ser tratada como se fosse uma empregada.
• Identificação de Dora com a governanta.
• Dora se despede de Freud desejando-lhe um
feliz ano novo.
• Por ora, Freud está convencido de que o
intenso e frustrado amor de Dora pelo pai e
pelo Sr.k desencadeou o desejo de vingança.
• Mas Freud ainda se pergunta: por que Dora
interrompe o tratamento?
Nota de roda pé de página:
• Freud escreve que seu ‘erro técnico’ foi não
ter se dado conta, durante o tratamento, de
que o objeto de amor de Dora era a Sra.K.
• No segundo sonho, o ódio que motiva a ‘sede
brutal de vingança’ contra o pai tem a função
de ocultar o extremo amor pela Sra.K, que se
manifesta no perdão da traição da amiga.
• A transferência definida como a reedição e
redirecionamento dos impulsos e das fantasias para
a figura do analista – condição para o tratamento
analítico. O psicanalista como um para-raios de
identificações.
• Dora se vinga de Freud interrompendo o
tratamento porque queria se vingar do pai, que
preferia sempre os segredos do Sr.K.
• Assim, ela, que fora abandonada pelo pai e pelo Sr.K,
abandona Freud.
• Freud admite que falhou porque, a partir do
lugar que lhe é dado na transferência, em vez
de conduzir Dora para o reconhecimento do
objeto de seu desejo, a Sra.K, fica insistindo
que esse objeto é o Sr. K.
• O que Freud parece não ter percebido é que o que une
Dora ao Sr. K. não é amor, mas identificação. Identificação
masculina que simboliza sua possível saída do Édipo. ”
• Dora identificou-se com o Sr. K., tal como vai-se
identificando com o próprio Freud…
• O querer de Dora era de que alguém respondesse o que
acontecia com ela… Paradoxalmente, as respostas que
encontra não a satisfazem, deixam a desejar… Dora não
encontra, procura. Procura o mistério feminino através da
identificação com o homem, a quem não deseja como
homem – deseja o seu desejo.
• Dora se coloca entre dois pares:

• PAI -----------Sra.K
• Sr.K-----------Sra.K

• Porque imagina que a Sra.K TEM O QUE ELA


NÃO SABE O QUE É, MAS SABE QUE FALTA
• Quando o Sr.K diz que SUA MULHER NÃO
SIGNIFICA NADA PARA ELE, destrói toda a
suposição de Dora sobre o mais além da Sra.K.
• A partir dessa confissão, Dora se sente
excluída do amor: se o Sr.K se interessa por ela
é porque seu pai não a ama e, justamente por
isso, ele só ama a Sra.k.
• A histérica não se coloca na posição das
mulheres. Ela se identifica com o homem para
formular: o que é ser mulher?
• A histérica se coloca na posição masculina que
ela se interroga sobre o que é ser mulher.
• A neurose histérica evita a castração.
• A histérica para manter seu desejo insatisfeito,
precisa que o homem, como seu parceiro, seja
castrado.
• A castração do parceiro é a condição do gozo
da histérica, porque só assim ela tem
condições de reinar de forma soberana, isto é,
fálica.
• A marca da neurose – horror ao desejo –
recusa do desejo.
• A insatisfação na histeria
• No caso Dora: o pai tem um desejo: a Sra.K
• O desejo do pai é insatisfeito, porque ele se
apresenta como impotente.
• A Sra.k é o objeto de desejo de Dora, porque
ela é o objeto de desejo do pai.
• O Sr.k tem condições de satisfazer o desejo de Dora,
desde que a Sra.k também seja o seu objeto de desejo.
• Dora não pode tolerar que a Sra.k, objeto do seu desejo
e do desejo do seu pai, não seja objeto do desejo do Sr.k.
• Quando Sr.k diz: essa mulher não é nada para mim – se
desmorona toda a construção histérica de identificação.
• Dora retoma à demanda de amor ao pai, exigindo que
ele rompa com os K. A partir de agora, Dora exige ser o
único objeto do amor para receber do pai tudo aquilo
que ele não tem.
Dora

Determinantes da histeria
• Os sintomas histéricos são substitutos da
satisfação masturbatória. Por isso eles
ocorrem na abstinência da masturbação, até
que uma satisfação mais normal apareça. A
cura eventual da histeria, o desaparecimento
dos sintomas, é possível porque as relações
sexuais normais propiciam uma satisfação
sexual adequada, uma maneira adequada de
exteriorização da libido. (Freud)
• A libido deve-se exteriorizar. Interrompida, a
libido exteriorizar-se-á nos sintomas.
• Os sintomas desaparecem se a libido encontra
exteriorização na satisfação devida ao
intercurso sexual normal.
• Por que a masturbação infantil é causa da histeria?
• Porque a masturbação provoca sensações genitais precoces, o
que dá às experiências de relações edípicas um caráter de
inclinação sexual, fixando-as como canais de exteriorização da
libido.
• O distúrbio estaria no carater precoce da masturbação infantil.
• Haveria no tempo de maturação um momento mais próprio
para as sensações genitais.
• A antecipação dessas sensações implica a noção de distúrbio
na esfera da sexualidade, fator determinante da histeria.
• Assim, podemos apontar que a simples presença
da sexualidade é distúrbio, é perturbação.
• A sexualidade é desorganizadora.
• A sexualidade é traumática.
• Sexualidade define-se nas experiências de
satisfação, nas experiências e nos canais de
exteriorização (possíveis) da excitação sexual, da
libido.
• A atração edípica é um sentimento infantil, uma atração que se dá
muito cedo na vida do indivíduo.
• Freud fala da atração sexual infantil como atração dos filhos pelos
pais – uma condição psíquica infantil.
• As sensações genitais provocadas pela masturbação seriam
precoces. O organismo seria imaturo para o exercício da
genitalidade, pois incide sobre uma organização psíquica em
construção.
• Fixa-se o canal de absorção da libido construído a partir da
experiência infantil, da inclinação pelos genitores.
• Prende o sujeito naquilo que caracteriza essas relações:
dependencia, autoerotismo, objeto incestuoso, etc.
• No caso Dora, o que aparece é a ideia de que
a absorção da libido pela inclinação de Dora
em relação a seu pai é um impedimento do
seu amor pelo Sr.K, impedimento às relações
sexuais normais que seriam a solução de
encaminhamento dado por Freud à Dora.
• Dora estaria, assim, fixada às relações
edípicas.
• Determinações infantis dos sintomas de Dora
• Não é o impedimento pelo Sr.K que é tomado como
sintoma, mas, o amor pelo pai o é.
• O amor pelo pai é entendido como uma fixação de
inclinações infantis pelo progenitor do sexo oposto.
• Os neuróticos, diz Freud, teriam uma fixação de
maneira mais acentuada.
• O amor pelo pai, em Dora, seria mais primitivo, em
relação ao seu amor pelo Sr.K
• Crítica que Freud faz à sua análise de Dora: acabou
privilegiando o amor de Dora pelo Sr.K e não considerou o
amor de Dora pela Sr.K.
• Freud ainda estava com uma compreensão insuficiente
sobre o Édipo, quanto ao valor das relações edípicas na
determinação dos destinos da sexualidade.
• Freud explica o amor de Dora pela Sra.K pelo mesmo
esquema com o qual entende o amor de Dora pelo pai: um
impedimento do amor heterossexual, leva, vicariamente, a
despertar a corrente de amor homossexual que, caso
contrario, estaria destinada a secar.
• Ao identificar nas situações com a governanta, com a
Sra. K. traços da moção homossexual de Dora, Freud
está privilegiando o pensamento que, em Dora, seria
do tipo: “ Elas não me amam primeiramente, mas a
meu pai”.
• Por que Dora ama as mulheres que amam seu pai?
• Ou por que Dora elege como objeto de seu amor
mulheres que são escolhidas pelo seu pai?
• O que tem essas mulheres para que meu pai as ame e
me substitua por elas? (pergunta que Freud não faz)
• A questão, assim, supostamente formulada
por Dora é uma questão de conhecimento,
revela uma curiosidade:
• “Há um segredo nessas mulheres que eu não
conheço?”
• O que Dora deseja conhecer nessas mulheres?
Desejo de conhecimento da genitália
feminina, desejo de conhecimento da mulher.
• O que Dora busca nessas mulheres, fontes de
seu conhecimento e objetos de investimento
do amor de seu pai, é a si mesma.
• Da relação com o pai, Dora quer se livrar, para
poder amar a quem queira.
• É nesse desejo do pai que Dora parece enredada.
Dele só escaparia se descobrisse o que têm as
mulheres que seu pai e o Sr. K desejam.
• A homossexualidade de Dora, seria então, muito
mais uma questão de identidade, uma questão
sobre feminilidade. (algo que Freud não discerne)
• Quem sou eu, mulher?
• Por que eu, mulher, sou desejada?
• O que quero eu, mulher?

• Questões que não encontram formulação em


Freud.

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