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INTRODUÇÃO

Conforme será abordado neste trabalho, a histeria se configura como uma forma
clínica neurótica muito importante para a história da Psicanálise (ROUDINESCO & PLON,
1998), devido ao fato de ter sido uma doença muito presente na época freudiana, para a qual
Freud propôs um tratamento. Dessa forma, o trabalho busca mostrar essa importância, e o
desenvolvimento da teorização da histeria por meio do famoso Caso Dora, tratado por Freud.
Nesse caso, Freud teoriza diversas questões acerca da teoria de conversão, ao interpretar o
drama familiar vivido por Dora, que desembocou na forma clínica da qual ela sofre (FREUD,
1905[1901]).
Assim, buscamos, aqui, destrinchar essa teorização, utilizando de referências
bibliográficas e conceitos adequados para se compreender o pensamento freudiano. Assim,
abordamos tanto o desenrolar do caso, quanto sua interpretação por parte de Freud, e
importância para a psicanálise.

O CASO
O relato e análise do Caso Dora, presente neste documento, foi baseado nos escritos
freudianos, de acordo com Freud (1905[1901]). Freud inicia o relato do caso fazendo um
apanhado do círculo familiar de Dora, que era composto pelo Pai, Mãe e um Irmão mais
velho. Na família patriarcal, o pai era a figura autoritária e a paciente possuía muito apego
por ele em virtude das graves doenças que ele desenvolveu ao longo da vida. A mãe era uma
pessoa ausente na dinâmica familiar, pois possuía o que Freud chama de “Psicose doméstica”.
Em 1888, a família de Dora se mudou para a cidade "B" por causa da tuberculose do
Pai, e lá fizeram amizade com um casal, o Sr. e a Sra. K. O pai de Dora construiu uma relação
muito próxima com a Sra. K, que cuidava dele em virtude do seu estado de saúde que agrava,
e o Sr. K. possuía uma boa relação com todos, inclusive com Dora, pois ela ajudava o casal a
cuidar de seus filhos.
Os sintomas da histeria em Dora estão presentes desde sua infância. (FREUD,
1905[1901]). Aos oito anos teve uma dispnéia crônica com acessos ocasionais agudos,
interpretado na época como resultado de esforço excessivo. Por volta dos doze, começou a
sofrer de dores unilaterais na cabeça do tipo de enxaquecas e tosse nervosa. O sintoma mais
desconfortável era a perda completa da voz. Quando cresceu, a melancolia, desânimo e
mudanças no caráter tinham se tornado traços dominantes. Ela estava insatisfeita em todos os
sentidos e evitava se relacionar com outras pessoas. Seus pais ficaram preocupados com uma
carta que ela havia escrito com teor suicida, e quando ela teve um primeiro acesso de perda
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da consciência, foi decidido que ela iniciaria sua terapia com Freud. Ele concluiu que se
tratava de uma “petite hystérie”, com os mais comuns dos sintomas histéricos.
Ao longo da terapia, Freud investiga a dinâmica familiar em que Dora está inserida e,
disso, começam a surgir vários relatos e caminhos de análise. É a partir desse ponto que o
caso começa a se desdobrar em duas direções. Na primeira direção, Dora mantém uma
espécie de identificação, idealização e admiração pela Sra. K, que ela via como uma espécie
de introdutora do saber sexual e mantinham um sentimento de aliança. No entanto, a Sra. K
se torna amante do Pai, o que afasta Dora de seu relacionamento paterno e, para Freud, Dora
possuía uma inclinação para o Pai, já que ele, em momentos de certas enfermidades, requer
unicamente a presença da filha, e, orgulhoso de sua inteligência desde criança, tornou-a sua
confidente, o que revelou, com o aparecimento da Sra. K, que quem perdera o lugar ao lado
do Pai, fora ela mesma, e não a Mãe.
Além disso, Dora relata dois episódios "amorosos" com o Sr. K. O primeiro ocorreu
quando Dora tinha 14 anos, ela se encontra com o Sr. K. em uma loja, ele se aproxima dela e
rouba um beijo e oprime o seu peito. A partir daquele momento, ela se mostra indignada com
o que aconteceu. Esse encontro deixa na jovem uma série de marcas histéricas: ela sente um
desprazer contínuo, passa a desenvolver o sintoma da tosse e o medo de se aproximar de
homens. Já o segundo episódio ocorre anos depois, onde o Sr. K. e Dora fazem um passeio
em um lago, e, durante esse passeio, o Sr. K. confidencia a Dora que a sua esposa não
representa nada para ele e que ele a deixaria para ficar com ela.
Essa declaração amorosa a deixa furiosa e Dora dá um tapa no rosto dele. Freud
levanta a pergunta se ela está se vingando daquele mau trato que ele impôs quando criança ou
se estaria se vingando do fato de ele falar negativamente da Sra. K. Após essa situação, Dora
tenta contar aos seus pais sobre essa investida/assédio do Sr. K., e eles não acreditam nela,
assim, Dora se sente uma moeda de troca para neutralizar a relação de seu Pai com a Sra. K.
Desse modo, Freud conclui que o comportamento de Dora é resquício do Complexo
de Édipo, e que ela possui uma paixão reprimida pelo pai e que sua obsessão se assemelha ao
de uma mulher para com o marido. Além disso, seu retorno edípico é um modo dela se
defender do interesse romântico que sente pelo Sr. K. Também avalia uma possível
bissexualidade da Dora, com uma atração sexual direcionada à Sra. K. Ademais, fala que esse
movimento de fuga é um comportamento histérico pois, ao se deparar com uma oportunidade
de excitação sexual, foram despertados sentimentos desprazerosos de repulsa.
Essa análise de Freud também se baseia em sonhos que Dora trouxe para as sessões e
que são muito importantes para o decorrer da análise. Ele analisou cada elemento onírico
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separadamente. O primeiro sonho se refere à casa que estava em chamas e o Pai estava ao
lado de sua cama e a acordou. Ela vestiu-se rapidamente. A mãe queria salvar a caixa de
jóias, mas o Pai disse que não queria que ele e os dois filhos se queimassem por causa da
mesma. Assim, desceram as escadas às pressas, e logo Dora se viu do lado de fora e acordou.
Nesse sonho Freud analisa que a caixa de jóias que a mãe queria salvar durante o
sonho e a fala do Pai; "não quero que eu e meus dois filhos nos queimemos por causa da sua
caixa de jóias "; os conduz ao fato de tal caixa ter sido presente do Sr. K. a Dora. Além disso,
"caixa de jóias" era um nome que se referia à genitália feminina, e podemos ligar isso ao
Complexo de Édipo vivido na infância e ao desejo pelo Pai e a aversão à Mãe. A casa em
chamas remete que algo poderia ocorrer que viesse tornar necessária a saída da casa. Além
disso, o fogo pode ser relacionado à sua paixão ardente pelo Sr. K, que assim como o
incêndio na casa, colocava toda a sua realidade em perigo. (FREUD, 1905[1901]).
De acordo com Freud (1905[1901]), no segundo sonho apresentado por Dora, relatado
em análise, Freud analisa aspectos como o desejo de vingança que Dora tem pelo Pai, como
um resquício do relacionamento de ambos, também inter-relacionado com o casal K, e
também aborda o defloração da jovem, que vive o dilema de tornar-se mulher, como é
clássico da histeria.
No sonho, Dora relata que saiu de casa, tendo sua mãe não contado do adoecimento
do seu pai, o que culminou na morte deste, sem que ela estivesse por perto. Assim, a mãe a
convida em uma carta para voltar para casa, porém, na jornada de volta, ela passa por
dificuldades para alcançar a estação ferroviária e pegar o trem, passando por um bosque.
Quando Dora finalmente chega ao destino, a criada atende a porta e lhe informa que todos já
estão no cemitério, no enterro do pai. Nesse contexto, Dora diz que sobe para o seu quarto e
passa a ler uma enciclopédia, sem nenhuma tristeza. Na interpretação de Freud, a falta de
tristeza representa o desejo de vingança contra o Pai. Isso pode ter ocorrido devido ao
sentimento de Dora não ser mais um objeto de amor do Pai, uma vez que este focou seus
desejos na Sra. K.
Além disso, Freud associou o bosque do sonho ao bosque onde ocorreu o fatídico
episódio do lago com o Sr. K., algo que tornou os desejos inconscientes dela por ele
repudiáveis. Entretanto, a investida sexual do Sr. K simboliza uma oportunidade de Dora de
seguir em seu processo de deflorar e se tornar mulher, sendo este um drama das histéricas.
Nesse sentido, segundo Freud, o bosque representa esse dilema da defloração da
paciente, associando o local ao órgão genital feminino. Nesse ponto, a sexualidade de Dora
foi bastante genitalizada, algo que gera uma discordância na teoria, pois o próprio Freud
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distribui a sexualidade por todo o corpo, sendo ela representada pela libido, que circula por
várias zonas erógenas potenciais. De qualquer forma, no contexto descrito, por meio dos
sonhos, Freud aborda, na relação terapêutica, a sexualidade de Dora de forma muito direta, o
que gera um desconforto para a paciente, e ela desiste da terapia. Nesse ínterim, Freud admite
erros no manejo da transferência, e descreve isso na escrita do caso.

NEUROSE: VERDRÄNGUNG E A HISTERIA DE CONVERSÃO


Segundo o Vocabulário de Psicanálise, de Laplanche e Pontalis (1998), o qual
descreve os conceitos da obra freudiana, o recalque (Verdrängung) se trata de uma operação
psíquica, característica da neurose. Conforme sabe-se, com base no Esboço de Psicanálise,
(Freud, 1940 [1938]) obra freudiana que aborda as formas de subjetivação entendidas pela
psicanálise, a neurose consiste em uma forma de subjetivação na qual o indivíduo nega a
realidade, e passa a recalcá-la, devido ao seu teor angustiante.
Conforme descrito no Caso Dora, essa paciente de Freud sofre de uma formação
clínica da neurose, a histeria. Dessa forma, assim como todos os neuróticos, Dora utiliza do
recalque para lidar com suas angústias. Entretanto, na histeria de conversão, forma clínica
manifestada em Dora, o recalque se manifesta de forma singular, gerando sintomas
característicos. Para explanar esse aspecto, deve-se explorar mais o mecanismo de recalque.
Segundo Laplanche e Pontalis (1998), o recalque consiste no processo de manter no
inconsciente, por meio de um investimento psíquico, ideias ligadas a pulsões cuja satisfação
ameaça a geração de desprazer. É importante ressaltar que, quando este ocorre, o
representante ideativo da pulsão - a ideia a ela associada - se separa de seu quantum de afeto
correspondente. Nesse processo, a ideia representativa da pulsão é recalcada, para que esta
não venha a se tornar consciente, evitando-se, assim, a angústia. Contudo, o quantum de
afeto, que se separou da ideia, na histeria de conversão, se converte em um sintoma -
justificando-se o nome da forma clínica -, de maneira a gerar as formas sintomáticas
características de histéricas, presentes em Dora, por exemplo, na forma de dores no peito e
tosse constante.
Dessa maneira, no contexto do Caso Dora, pode-se perceber que a paciente recalcava
os desejos sentidos por Sr. K, devido à repugnância associada a essa ideia caso ela viesse ao
consciente, o que foi gerador de sintomas diversos, marcantes em sua forma clínica (FREUD,
1905[1901]).

O SINTOMA COMO FANTASIA ENCENADA


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É indispensável comentar, também, a respeito de como o caso Dora se torna


fundamental para que alguns conceitos fossem fundamentados na teoria psicanalítica. Dentre
eles, pode-se compreender a ideia de que o sintoma, dentro de uma estrutura de caráter
histérico, pode retornar e manifestar-se enquanto uma fantasia, dentro de uma estrutura de
encenação. Para tal, retomemos alguns conceitos abordados na obra Freudiana.
Segundo o próprio mestre o divã, na referida obra, o sintoma pode ser compreendido
enquanto uma representação, ou seja, o realizar de uma fantasia de caráter sexual (FREUD,
1905[1901]). Sendo assim, percebe-se que esta representação se dá em função deste
investimento somático da chamada carga afetiva (ou afeto) que tende a criar aquilo que Freud
denominou de sintoma conversivo, ou seja, um sintoma que retorna sua energia libidinal para
o próprio corpo. A partir disso, uma parte deste corpo, devidamente afetado pela libido,
começa a comportar-se de maneira análoga a um órgão genital. No caso Dora, por exemplo,
tal conceito pode ser exemplificado em duas situações distintas: a situação da tosse e a
situação da gravidez. (FREUD, 1905[1901]).
No quadro das tosses, Freud postula que seria possível que tais comportamentos se
dessem em função de algum comportamento relacionado com seu pai. Sendo assim, o mestre
do divã constata que tal situação na verdade poderia ser compreendida enquanto uma
encenação de um estímulo sexual, uma vez que tal comportamento se daria em função de
descoberta de Dora de que seria possível que o órgão sexual fosse também estimulado por
sucção e que, sendo assim, tal representação se dava na medida em que Dora se via
encenando uma fantasia inconsciente que pudesse expressar tal relação sexual através de uma
sensação de cócegas em sua garganta, promovida através da tosse.
Além disso, Freud aponta também a simulação de um uma gravidez que fora vivida
por Dora, num período posterior à cena do Lago. A partir da análise clínica, o mestre do divã
se vê instigado com o fato da paciente andar arrastando uma perna, considerando que tal
sintoma era incompatível com a peritiflite, considerada até então a causa para tal sequela.
Sendo assim, seria possível pensar que tal sintoma estivesse na verdade relacionado com
algum sentido secreto, e possivelmente de caráter sexual, deste quadro patológico. Como
consequência, Freud promove, junto à Dora, um processo de reconstrução desta cena e
constata que, após a cena do Lago com o Senhor K, a garota havia desenvolvido um quadro
de apendicite que perduraria por nove meses. Para o psicanalista, tal representação
sintomática se deu considerando através da encenação de uma fantasia de gravidez, vivido
por Dora que, provavelmente, já detinha algum conhecimento prévio a respeito daquilo que é
vivenciado na gravidez, como as contrações, por exemplo. Não obstante, após os referido
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nove meses, Dora começa então a andar mancando, como quem torce o pé, justamente
porque tal metáfora representa para a menina um “passo em falso”, já que seria esperado que
esta desse à luz nove meses depois da referida cena junto ao senhor K. (FREUD,
1905[1901]).
É importante considerar, também, um conceito trazido por Freud que compreende
como muitos destes sintomas podem ser manifestados: a ideia da complacência somática.
Segundo tal postulado, todo sintoma se apoia em algum resquício de memória patológica que
já fora vivenciado pelo paciente em questão, sobretudo em sua tenra infância. No caso de
Dora, por exemplo, vemos que esta quando criança torcera seu pé, o que possibilitou que a
fantasia do “pisar em falso” pudesse ser vivenciada a partir da memória gerada por tal
situação (FREUD, 1905[1901]).

BISSEXUALIDADE E AS IDENTIFICAÇÕES HISTÉRICAS


Embora existam diversas definições sobre o conceito de identificação,
compreendendo desde o senso comum à cientificidade, esta seção tratará brevemente sobre a
questão deste conceito aos olhos da Psicanálise, tendo como horizonte orientador o Caso
Dora.
De acordo com Laplanche & Pontalis (1998), autores da obra Vocabulários da
Psicanálise, a identificação é o processo psicológico pelo qual o sujeito assimila um aspecto,
uma propriedade, um atributo do outro e se transforma, total ou parcialmente, segundo o
modelo desse outro. Portanto, a personalidade de um indivíduo constitui-se e diferencia-se a
partir de uma série de identificações. É possível encontrar no capítulo Identificação Histérica,
de Hugo Mayer, que, para Freud, a identificação além de ser um mecanismo psicológico que
se encontra na base de certos sintomas neuróticos, seria também um dos processos utilizados
pela elaboração onírica para simbolizar desejos inconscientes.
Sobre o Caso Dora, portanto, quando nos deparamos com um sintoma histérico e
suspeitamos que se apoia em um dos tipos de identificação explicitados por Freud, é
necessário atentar-se sobre essa identificação remeter a uma história, a um argumento
inconsciente que deve ser descoberto ou reconstruído a partir das associações do analisando e
é isto que Freud busca conforme se dá o processo psicanalítico com a jovem garota. As
identificações observadas na análise de Dora são as seguintes: primeiro, ela identifica-se com
seu pai. A primeira identificação que temos é em relação ao pai, que Freud denomina de
identificação regressiva (CASTRO & LIMA, 2004). Nessa identificação a pessoa não se
identifica com a pessoa amada, mas sim com um sintoma da pessoa amada. Com isso, ele
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estabelece a conexão entre a tosse que Dora apresentava apresentando alguma relação com o
pai.
A segunda identificação Dora identifica-se com a governanta. Freud resgata a
presença de uma governanta que trabalhava na casa da jovem, devido Dora perceber que a
empregada apenas a tratava bem na presença do pai e tentava seduzí-lo, desse modo ela
convence-o a demiti-la. Freud descreve essa identificação como sendo um mecanismo
baseado na possibilidade ou desejo de colocar-se na mesma situação, ser mãe ou ser mulher
do pai (CASTRO & LIMA, 2004). Dora sente-se como um objeto intermediário para que a
governanta alcançasse seus objetivos, no entanto, a adolescente também comporta-se da
mesma maneira que a governanta ao buscar cuidar dos filhos do Sr. e Sra. K. Essa
identificação com a governanta permite-nos inferir que Dora também apresentava o mesmo
objetivo, isto é, ser correspondida pela pessoa amada. Mas essa pessoa amada seria o pai? O
Sr ou a Sra. K? Freud, portanto, considera em suas análises essa característica bissexual.
Após o fim dos encontros com Dora e Freud rever as suas intervenções, ele percebe
que não deu as devidas atenções às relações homossexuais que a jovem estabelece com as
mulheres de sua vida. Ao considerar o vínculo amoroso com a Sra. K., pressupondo a
bissexualidade psíquica, possibilitando pensarmos sobre as paixões que Dora estabelece tanto
pela governanta, quanto pela Sra. K. Essas paixões também não são correspondidas, devido a
jovem se sentir usada por ambas para alcançarem o amor do pai. Temos um cenário onde a
adolescente encontra-se, portanto, no meio entre dois casais (seus pais e o casal K) e tenta, à
sua maneira, resolver seu complexo de Édipo, que é ainda mais problematizado pela questão
da bissexualidade.
Por fim, a terceira identificação que ocorre com Dora é com a Sra. K. essa
identificação é bastante semelhante à que a jovem estabelece em relação a governanta (Castro
& Lima, 2004), portanto temos a identificação a qual Dora sente o desejo inconsciente de se
colocar na mesma situação que a Sra. K visando o mesmo objetivo, isto é, conquistar o amor
do pai.

A ESTRUTURA DO CARÁTER HISTÉRICO


Ao falar em estrutura do caráter histérico, primeiramente, faz-se necessário ressaltar
que não existe uma estrutura pura, isto é, não há neurose pura. Ou seja, um neurótico pode
apresentar condutas tidas como psicóticas ou perversas, graças ao que é chamado de cisão do
ego (MAYER, 1989).
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Quando se fala em estrutura de caráter, se diz das ferramentas das quais o aparelho
psíquico vai dispor para tentar resolver seus conflitos psíquicos, os quais são geradores de
angústia. E quando essa angústia é demais, ou essas ferramentas não estão dando conta de
manejá-la, inconscientemente o sujeito recorrerá a operações mentais, tais como a atuação, o
sintoma ou o aumento dos traços do caráter, as utilizando como mecanismo de defesa. E essa
estrutura do caráter histérico tem alguns aspectos principais a serem elencados e até
extrapolados para o caso Dora, de forma a pensar de que forma cada aspecto pode ser notado
diante das situações.
O primeiro aspecto a ser citado é o infantilismo. A partir do infantilismo, há vários
traços que podem ser evidenciados, como o egocentrismo, dependência de certos personagens
idealizados (como no caso da Dora podemos notar a forma que ela idealiza seu pai),
sugestionabilidade, ingenuidade, frigidez ou mesmo graus de inibição sexual (MAYER,
1989).
Pode-se notar que chega à clínica uma mãe que “só reclama de ser mulher”, e em
compensação um pai submisso e dependente, que pra tentar compensar essa humilhação,
erotiza sua filha, alimentando essa fantasia dela de se tornar sua parceira. Isso é muito
evidente também no caso da Dora, se nota que a relação conjugal do seu pai, doente e em
uma posição de vulnerabilidade, era muito mais voltada a ela (Dora) que à sua mãe, o que faz
com que ela fantasie com esse lugar de parceira do pai, e sinta uma traição a si própria e não
à mãe quando o pai se relaciona com a senhora K. Os reflexos do infantilismo podem formar
uma mulher que procura um cônjuge com quem vai estabelecer um vínculo mais terno,
enquanto está sexualmente insatisfeita.
São evidentes também nesse caso três aspectos importantes, sendo eles a frieza
emocional, a dissociação afetivo-sexual e a inibição genital. Ao abordar esses aspectos,
não é um fato que necessariamente a mulher histérica não vai atingir o orgasmo, algumas até
vão, mas não vão desfrutar desse prazer em sua plenitude, podem se sentir vazias nesse lugar
do prazer. Isso pode ser entendido como a necessidade de manter uma relação clandestina,
que seja análoga a uma relação com o pai (MAYER, 1989).
Assim, somadas às características da infantilidade, pode-se dizer que “A mulher
histérica seduz e frustra”, cuja sedução será abordada mais adiante. Isso pode ser explicado
pois por trás disso está uma menina desvalorizada que quer desesperadamente o amor
parental que lhe é faltante. Já quanto à inibição genital e esse jogo de sedução podem ser
evidenciados através da situação no lago, onde há a questão da sedução, mas no momento da
investida genital por parte do senhor K., Dora foge, marcando a inibição genital. Juntamente
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à sedução, estão assinalados a teatralidade e o exibicionismo. Chamado de ‘histrionismo


histérico’, que seria o fato de essas pessoas se exibirem de uma forma inconsciente,
representando uma trama onde se encenam os desejos sexuais proibidos da infância
(MAYER, 1989).
Então pode-se visualizar uma menina extremamente apegada à figura dos pais. A
questão em si de despertar o desejo de um homem é muito maior que alcançar o prazer
sexual, a fim de ter, por parte desse homem, a confirmação de que ela é de fato uma mulher.
A questão do prazer sexual, se chegar a acontecer o ato sexual em si, será decepcionante para
ambos os envolvidos, porque a mulher recai num pensamento de que foi usada como objeto
sexual e castrada, e o homem de que é impotente e não consegue satisfazê-la.
A histérica tenta encenar, então, a fantasia de que ela consegue de fato alcançar o
amor desse pai idealizado. É interessante que Freud pontua que a barreira do incesto nunca
foi tão frágil como na histeria. Então tem-se um ponto de fixação nessa sedução mútua
incestuosa infantil. E é através da conversão que esse corpo será o palco dessas encenações
através de metáforas. Assim, no caso de Dora pode-se inferir isso através da tosse nervosa,
por exemplo, para ilustrar essa teatralidade, ou os outros sintomas que iam aparecendo em
relação a algum acontecimento e tomando materialidade em seu corpo.
O penúltimo aspecto aqui elencado é o da necessidade de perfeição. Entende-se que
essa posição infantil implica numa fixação na fase fálica, onde a histérica, então, se vê como
castrada e faltante. Então, para compensar a falta do falo, ela busca a perfeição em todas as
áreas da sua vida, seja material, físico ou intelectual. Ainda assim, ela sempre vai ter a
sensação de inferioridade; ao mesmo tempo, por se sentir faltante, a histérica vai procurar
inconscientemente a todo tempo situações em que ela se sinta insatisfeita e se colocar em tais
situações, já que sempre vai haver essa falta para ela, o que a impede de estar satisfeita de
fato (MAYER, 1989).
Por fim, a ingenuidade aparece também como um aspecto dessa estrutura, na qual a
histérica tem uma tendência a impressionar o outro, estaticamente ou por via do desejo
sexual, o que pode fazer com que ela tenha um ar de ingenuidade que pode passar até mesmo
por um “infantilismo emocional”. Mas tudo de forma inconsciente, ou então esses sujeitos
seriam tomados por angústia e culpa, sendo esse conteúdo reprimido (MAYER, 1989).
A HISTERIA MASCULINA
O olhar sob a histeria masculina nem sempre foi possível. Por muito, a histeria recaiu
sobre as mulheres, interligando-a ao fator do útero e, portanto, não dizendo respeito aos
homens. Pode-se dizer que Freud será um precursor nos estudos da histeria no homem,
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enfrentando para tal questionamentos e críticas, tendo elucidado dois casos principais. Como
citado por Silva e Ceccarelli (2016), Freud pôde perceber em seus dois pacientes
sintomatologias às quais causas orgânicas não possibilitavam explicar e desse modo começa a
supor junto a essas a presença de causas psíquicas.
Nos dias atuais, a definição e o caráter da histeria no homem se apresentam de
maneira mais clara e explícita. É possível pontuar que o caráter do homem histérico pouco se
diferencia do da mulher histérica, de forma que há nele também uma insegurança quanto a
sua identidade sexual e esta acaba por ocasionar uma necessidade de acobertar-se disso por
meio de um falo inflacionado, gerando uma constante exibição aos outros, que se manifesta
por meio de excessos de dinheiro, de posse, de trabalho ou de mulheres (MAYER, 1989).
O fato anterior expõe, além do que já foi dito, uma dificuldade em lidar com a
castração por parte do homem histérico. Este, que valoriza exacerbadamente seu falo, ao
mesmo tempo que o reconhece superior por tê-lo, percebe que pode perdê-lo a qualquer
instante, portanto, precisa assegurar-se constantemente de que não corre tal perigo. Advém
disto, uma busca incessante por sedução de terceiros, mas que dela volte a si mesmo o desejo
do outro. A sedução para o homem histérico assegura-o como objeto de desejo, ou seja, a
busca por ser amado por todos, já que este seduz em busca de uma negociação ao qual receba
de volta o interesse e o amor de terceiros.
Ademais, tal como descrito por Mayer (1989), há no histérico sintomas de angústia,
mais presentes do que os sintomas conversivos, por exemplo. Essa angústia atravessa o fator
de sua insatisfação quanto a ser objeto de desejo máximo dos demais, de modo que não
consegue sustentar e levar adiante suas iniciativas de sedução, podendo apresentar impotência
diante das situações de intimidade, embora enalteça seu falo diante do público e do social.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O texto Fragmentos da análise de um caso de Histeria, cujo nome permite
circunscrever o caso de Dora e todos os aspectos que Freud pôde submeter a análises e
discussões, (Freud (1905[1901]) situa-se em um momento oportuno para que não só a teoria
psicanalítica – como o trabalho analítico – pudesse ser fundamentado nas suas formulações
acerca da neurose, sexualidade, da interpretação dos sonhos e da associação livre.
Sendo assim, podemos concluir a partir do que foi exposto que Freud, ao adentrar-se
na trama familiar de Dora, traz à tona toda a patologia velada dentro das aparências, e o
sofrimento da jovem que as pessoas ao seu redor se negavam a acreditar. Paulatinamente, o
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desenvolvimento do caso foi trazendo à tona a clínica freudiana e uma nova maneira de
voltar-se para a feminilidade (ROUDINESCO & PLON, 1998).
Ainda que encerrado prematuramente e tenha sido atravessado por algumas falhas no
manejo da transferência, o processo de tratamento de Dora ter ido a público reafirmou a sua
importância para a Psicanálise na medida em que problematizava a própria prática e precisão
para o tratamento da neurose e da histeria de conversão. Portanto, para além de como as
discussões permitiram o entendimento da ligação entre a fantasia, da interpretação dos sonhos
(FREUD, 1900) e a teoria da sexualidade infantil (FREUD, 1905), o Caso Dora demonstrou
na prática como uma variedade de fenômenos clínicos são passíveis de serem reduzidos a
uma unidade teórica válida, coerente e adequada na compreensão da etiologia e tratamento da
forma clínica histérica (SORIA, 2008).

REFERÊNCIAS:
CASTRO, C.M., LIMA, M.S.P. Pensando o Caso Dora através do Conceito
de Identificação. 2004. Trabalho de Graduação (Curso de Psicologia) –
Universidade da Amazônia – Unama.
FONTOURA, L. L. “A Dora de cada um”, Correio APPOA, Porto Alegre, outubro de 2015,
p1-3.
FREUD, S. A interpretação dos sonhos. (1900). Vol. IV Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud edição standard brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
FREUD, S. Fragmento da análise de um caso de histeria (1905[1901]) – Caso Dora. In:
Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio
de Janeiro: Imago, v.7.
FREUD, S.Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. (1905). Edição Standard Brasileira
das obras completas, vol. VII. Rio de Janeiro: Imago, 1976.
FREUD, S. Esboço de psicanálise (1940 [1938]). Edição Standard Brasileira das Obras
Completas de Sigmund Freud, vol. XXIII. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. L. Vocabulário de Psicanálise. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
MAYER, H. Identificação histérica; A estrutura do caráter histérico. In: MAYER, H.
Histeria. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989, p. 37-71.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Verbete: Histeria. In: ROUDINESCO, E; PLON, M.
Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998, p. 337-342.
SILVA, L. S., & CECCARELLI, P. R. Histeria e Masculinidade em Freud e na
contemporaneidade. Estudos de Psicanálise, (45), 101-110, julho, 2016.
SORIA, A. C. S. O “Caso Dora”: algumas considerações acerca da sua redação. Cadernos de
Filosofia Alemã, (11), 83-98, junho, 2008.

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