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Adolescência e Cultura: implicações no psicossoma.

Wagner Ranña

NÃO VOU ME ADAPTAR

(Nando Reis/Titãs )

Eu não caibo mais nas roupas que eu cabia,

Eu não encho mais a casa de alegria.

Os anos se passaram enquanto eu dormia,

E quem eu queria bem me esquecia.

Será que eu falei o que ninguém ouvia?

Será que eu escutei o que ninguém dizia?

Eu não vou me adaptar, me adaptar…

Eu não tenho mais a cara que eu tinha,

No espelho essa cara já não é minha.

Mas é que quando eu me toquei, achei tão estranho.

A minha barba estava desse tamanho.

Vitor Guerra afirmou, citando Winnicott, que estamos vivendo um novo cogito

cartesiano. Do “penso, logo existo”, da onipotência do pensar cartesiano, com


raízes em Platão, para a tirania do: “sou visto, logo existo” (Winnicott, 1975).

Estamos no império do imaginário (Lacan, 1998).

Na adolescência, como vamos discutir nesse texto, a imagem corporal em

transformação é desarrumada e ao mesmo tempo exerce um fascínio. O

adolescente, diante dos desafios da adolescência, vai sentir-se como um

estranho de si mesmo, mas ao mesmo tempo familiar. O sinistro na concepção

de Freud no texto “O estranho” (Freud, 1919). O adolescente tem a experiência

da sideração diante do novo, do real enigmático. Paralisado, fulminado, atônito,

atordoado as referências para a identificação são questionadas. Diante dessa

fragilização egóica a busca por uma nova imagem corporal pode colocar o

adolescente na beira de um abismo. Infinitas imagens e subjetividades

expostas nas redes sociais e nas mídias são um labirinto, desencadeando seu

poder de sideração paranóica. O estádio do espelho tem sua repetição, mas

agora não mais no olhar do outro primordial da função materna, mas no outro

adolescente, do mesmo sexo, ou do outro sexo (Rassial,1999).

Esse cenário nos faz questionar as formas possíveis de subjetivação dos

adolescentes inseridos nessa cultura do espetáculo, da lógica do consumo, do

individualismo, da medicalização, dos grupos virtuais.

As patologias relacionadas à descarga de excitações, ou da economia de gozo,

na vertente do corpo e do comportamento, são formas de expressão do mal

estar do adolescimento na contemporaneidade.

A articulação entre o mal estar contemporâneo na adolescência e as patologias

observadas entre os jovens, serão discutidas nesse texto.


A constituição na adolescência e a psicossomática: o nascimento, o

adoecimento, o envelhecimento e a morte.

A constituição do sujeito pode ser estudada no tempo e no espaço. No espaço

detectamos os seus três eixos: Pulsional, Simbólico e Intersubjetivo (Ranña,

2004). No tempo encontramos dois momentos: um que ocorre na primeira

infância; momento do bebê; o tempo do Originário. Da metáfora paterna e a

passagem pelos três tempos do Édipo. Tempo de construção do aparelho

psíquico arquaico, resultado do enlace entre organismo, corpo e mente. Tempo

da dependência absoluta e da constituição do psicossoma. Tempo da

alienação no desejo do outro e depois tempo da subjetivação quando da

inscrição da ordem simbólica.

O segundo momento é na adolescência, quando uma nova rodada vai colocar

o jovem diante das transformações da puberdade, da finalização do Édipo e da

demanda para se estruturar como um sujeito autônomo, com seu lugar na

cultura. Tempo de responder à sideração diante da travessia entre a infância e

a vida adulta.

Essa travessia é muito problemática na contemporaneidade, em função da

ausência de rituais culturais, que outrora exerceram sua função de sustentar

essa travessia. Se tiver algo que define o adolescer na contemporaneidade é a

ausência de rituais de passagem, levando cada jovem a descobrir, inventar,

sintomatizar seu adolescimento (Rufino, 1993). Paradoxalmente é um momento

de grande dependência. O que caracteriza essa travessia é o tema do “trabalho

do luto”, conforme o conceitua Freud em “Luto e Melancolia” (Freud, 1917)


Jean-Jacques Rassial (Rassial, 1999) destaca três momentos de maior

vulnerabilidade no sujeito diante de um “insulto do real”:

- o nascimento.

- o adolescimento.

- o adoecimento e morte.

E nós acrescentamos um quarto:

- o envelhecimento.

Em todos é central a mudança na imagem do corpo e suas implicações para o

sujeito.

Quando falamos de enlace entre organismo, corpo e mente, o conceito de

mente precisa ser esclarecido, pois é um divisor de águas para a psicanálise

contemporânea, e pode trabalhar com uma questão de litoral entre o

impensável de um lado e a mente, suas representações e palavras. Winnicott

defende que a mente tem seu início na etapa da dependência relativa, quando

a mãe começa a falhar, sendo só nessa época que sua ausência pode ser

percebida e suportada pelas representações. Isso vai ser importante no

entendimento da tendência anti-social adiante.

Já para Freud o bebê alucina o objeto ausente e assim supre sua falta desde

as origens. Outros autores pensam assim também.

Em Lacan nesse estádio dominam as imagens e a alienação no desejo do

outro (Lacan, 1949).


A entrada na linguagem aponta para o aspecto de que esse processo começa

bem cedo.

Mas o fato é que mais tarde ou mais cedo o sujeito vai ser afetado pelo real e

os processos psíquicos para engendrar esse real chegam. As marcas e

traumas que ocorrem nestas etapas iniciais deixam registros e falhas, que no

momento do adolescimento vão ser resignificadas. Vão entrar em processo de

resolução.

Na adolescência existe uma reedição do perverso polimorfo, que precisa ser

simbolizado e recalcado, exigindo um processo inverso ao do trabalho com a

neurose. O real tem que ser inscrito enquanto imagem e enquanto palavra,

para só depois ser recalcado. Assimilar e recalcar o novo traumático e viver o

trabalho do luto pelas perdas determinadas pelas transformações.

O real vai atravessar o jovem, que se vê tomado por narrativas, enredos e

destinos. O desejo do outro vai ser expulso, ou vai capturá-lo? As mudanças

orgânicas demandam significação, que por sua vez disparam resistências e

hesitações. Estamos diante de movimentos pulsionais que demandam

significado e nomeações, incorporando-se ao repertório psíquico pré-existente.

Demandas que vão além do princípio do prazer e da realidade, mas ao mais

além, no desconhecido abismal, sinistro, que desperta o desafio do mistério da

morte e do infinito.

É na adolescência que três conceitos presentes na vida se apresentam para o

jovem como um desafio do qual não pode recuar (Rassial, 1999):


- conceito de morte.

- conceito de infinito.

- conceito de liberdade.

Esses enigmas e a condição de um ser em transformação colocam o

adolescente diante de uma perda. O que eu era não é mais... e o que eu sou?

O que serei?

Por isso que invocamos aqui o trabalho do sujeito para elaborar uma perda de

identidade e reestruturar a nova identidade que se chama trabalho do luto.

Freud em “Luto e melancolia” vai estabelecer essa diferença entre luto e

melancolia. No luto a perda é inevitável e o trabalho é reconstruir, ou construir

se nessa nova e inevitável condição.

Na melancolia esse trabalho encontra resistências e vicissitudes que vão

identificar as diversas formas patológicas, ou quase patológicas da

adolescência (Rufino, 1993).

A recusa, a negação, o ficar na borda da psicopatologia, ocorrem e nem

sempre significam um abismo subjetivo. Às vezes não passam de experiências.

O paradigma terapêutico vai além da interpretação incorporando-se o trabalho

para dar sentido para as expressões, construir narrativas e significados, recriar

e ampliar limites. Os processos terapêuticos se desenvolvem nos três tempos:

o de ver, o de compreender e o de concluir.

Momentos de crise, mas também momentos de reestruturações maravilhosas.


Os processos de simbolização que falham e resultam em fenômenos

psicossomáticos implicam o limite entre o somático e a mente. Diferente da

clivagem, ente o consciente/pré-consciente e o inconsciente, ponto de

emergência das neuroses, com referência na primeira tópica. Na segunda

tópica o conceito de superego aponta para outra modalidade de sofrimento,

para além daquela erótica e do romance familiar, colocando em cena os

conflitos entre ego ideal e ideal de ego, abrindo horizontes sobre a pressão

pulsional do inominável, do sinistro, da repetição e do adiamento infindável do

prazer.

Na tópica winnicottiana encontramos os conceitos de soma, psicossoma e

mente, de não integração e integração. O psicossoma é a sedimentação das

experiências e imagens no encontro com o outro dos cuidados. Tempo dos

processos de integração e personalização. Mas também, tempo do estádio do

espelho. Primazia do imaginário. Tempo de ser visto para existir.

O discurso sobre o bebê define um imaginário, que o antecipa num lugar de

júbilo. É o narcisismo primário. Que na adolescência vai ser transformado em

superego, do ego-ideal e seus efeitos patológicos, cruéis de tirânicos, ou do

ideal de ego. O sofrimento amplia seus domínios para os apelos dos modelos

sociais do existir e as impossibilidades conseguirem responder aos ideais. O

ideal de ego com sua criatividade e flexibilidade podem ser uma via para

libertar-se de repetições esvaziadas de sentido.

Nascer, deixar de ser criança, ficar doente e preparar-se para morrer são

acontecimentos e transformações permanentes na vida e exigem

reconstruções subjetivas constantemente. Dessa forma, de algum modo o


adolescimento é vivido por todos, mas por um sentimento sádico o discurso

social procura restringi-los aos adolescentes.

O adolescente precisa de um espaço potencial, de uma relação com um

terceiro, fora do núcleo familiar, para poder elaborar, metabolizar e reorganizar

a sua melancolia tríplice: por perda da infância, por perda dos pais da infância

e do ego ideal infantil, vestígios de seu narcisismo primário.

Suicídio, anorexia, toxicomania, delírios, fugas, rebeldia, agressividade

demandam acolhimento, espaços para elaborações psíquicas diante desse

novo momento da integração, personalização e reconstrução do ego, mas

também de identificações alienadas e de interdição no gozo.

Nos dispositivos psicoterapêuticos é fundamental o acolhimento dos pais, que

são vítimas e geradores de sintomas, principalmente quando não estão

conseguindo resignificar o bebê, ou a criança de seus sonhos, confrontados

com o adolescente real que se apresenta. Ou então são omissos na definição

dos limites, ou ainda, e infelizmente, não se fazem presentes.

Mas o que se vê nas redes de atenção é um vazio e uma falta de percepção do

adolescente. Omissões (nos convênios ou na rede pública não se atende

adolescentes). Ataques ao ECA. Desmantelamento das RAPS. Medicalização

em excesso e quando pensávamos que a medicalização era o pior, deparamo-

nos com a criminalização.

Também existem muitos problemas em função da dicotomia orgânica x

psíquico, que parecia superada, mas o paradigma biomédico vem tentando

ocupar uma posição hegemônica sobre classificação e suposições etiológicas

dos problemas psicopatológicos na infância e juventude.


Aqui o paradigma é de um organismo que funciona, pensa e age por efeito de

estruturas cibernético-neurológicas, mas separadas do sentir, do amar, do

odiar, e principalmente separado do laço com o outro. As modalidades

psicopatológicas são concebidas como entidades fixas, que pré-existem ao

sujeito. São verdades absolutas e não sofrem deformações pelo contexto, por

quem avalia ou pelo efeito de torção no encontro do organismo com o circuito

pulsional e a subjetividade. Não se pensa na alteridade. Para a sua

identificação basta uma ação classificatória. Foucault no “Nascimento da

Clínica”, fala que essa concepção sobre as doenças coloca-as como um corpo

estranho em nós.

Para Platão a mente teria totais condições de realizar seu desejo, ou seja,

capturar a verdade, desde que não ceda às questões corporais. Para

Descartes a mente e o corpo podem ser conhecidos e dominados pelo pensar.

O corpo aparece como um estranho, estrangeiro, inimigo. O corpo erógeno é

do mal.

Com Spinoza, Nietzsche e Freud o corpo e a mente estão integrados. O corpo

erógeno tem uma nova determinação, existe o inconsciente e estamos abertos

para o devir criança. O organismo é natural, mas também naturante, capturado

pelo desejo.

A investigação clínica deve buscar o sentido do sintoma, de sua articulação

com o sujeito e sua singularidade radical, que só pode ser apreendida no laço e

no “a posteriori”. Na longitudinalidade e na narratividade.

Os índices de mortalidade revelam a ocorrência de um número alarmante e

crescente de mortes por causas externas na adolescência e eles deveriam ser


prioridade na saúde pública. E vendo essas pesquisas com mais detalhes

revela-se também que a quase totalidade desses óbitos são de jovens entre 15

e 20 anos, pobres e negros.

“Mas presos são quase todos pretos,

Ou quase pretos,

“Ou quase brancos, quase pretos de tão pobres...” (G. Gil e C. Veloso).

É importante destacar que a experiência com o cuidado dos adolescentes

revela também que diante dos desafios acima apontados, um passado de

perdas, privações e violências são reativados, mobilizando defesas psicóticas,

tendência anti-social e uma gama de passagens ao ato.

Na sessão Andréia não sabe por que fugiu de casa e foi fumar maconha,

entrou em surto. Em casa dizem que eu tenho Depressão. Perguntada se não

teria a ver com o pai ela diz: não tenho nada do meu pai, só a doença. Ele

surtou no crime e eu na fuga a na vontade de morrer. Sem saber ela fala, e eu

escuto seu desejo imaginário de estabelecer uma filiação e identifica-se com o

pai.

A reedição de uma história traumática de um personagem. “Na minha família

tudo gira em torno do meu pai”.

Outra adolescente, Nadia, vinha claudicante na sua constituição, simbiotizada

com a mãe, até que ao entrar na adolescência resolve procurar um pai, sumido

e descrito pela mãe como drogado e bandido. Ela foge e vai para a casa dos

avós paternos; entra em uma atuação no sexo e nas drogas e torna-se

namorada de um jovem do tráfico. Brigou com ele. Veio encaminhada de uma


clínica para drogadictos. Na sessão, ela com o dedo na boca e agarrada a um

ursinho, depois de minha interrogação sobre se tudo isso não foi para

reencontrar esse pai imaginário, fica pensando e fala: às vezes eu sonho que

estou no abismo e fico na dúvida se pulo ou se fico só olhando.

Para além dos diagnósticos dos transtornos escutamos e ajudamos desenhar

quadros de uma história fragmentada, descontínua. Imagens que atravessam o

sujeito como um rio caudaloso. Pois “Viver é muito perigoso” (Rosa,

Guimarães) e podemos ser capturados pela “terceira margem do rio”..

O desamparo dos jovens hoje é estrutural, conforme aponta Rufino, pois

desapareceram os rituais de passagem e torna-se então crítica a passagem

para a condição de adulto. O ritual agora é o sintoma. A “crise da adolescência”

ou a “patologia normal do adolescente” são conceitos fundamentais para

darmos sentido para o adolescer, antes de patologizá-lo.

O Real, o imaginário e o simbólico na adolescência.

O real da adolescência é a Puberdade com seus aspectos no amadurecimento

com transformações físicas dos caracteres sexuais e da relação sexual. Mas

entram para compor esse real o amadurecimento intelectual, com

desdobramento no conceito de morte e de infinito (Rassial, 1999).

Mas existe um real torturante: como o enfrentado por Wellington, que é

impulsivo, surta na violência de forma incontrolável. Foi medicado. No CAPS

nunca surtou. Foi abandonado pela mãe e pelo pai e é criado pela avó.

Ninguém gosta dele, pois ele reedita nas relações o abandono. Atua até ser
expulso, rejeitado. Até o pessoal da “biqueira” não o querem. Nas conversas

nos grupos terapêuticos não para, sempre agitado, ou agindo. Fica na tirania

da coisa, do real. Ler e escrever ainda são obstáculos que não conseguiu

ultrapassar. É criado pela avó e os pais biológicos moram ao lado e ele os vê

diariamente. É como uma ferida que não fecha, e fica ali, real. Wellington

precisa ir para outro lugar, enlutar essa perda para ela ser mentalizada,

imaginarizada e depois recalcada e se possível esquecida. Ou então ficar

reeditando a perda e surtando no ódio, na ira, como ele mesmo diz.

O imaginário são as mudanças corporais, que exigem um novo estatuto da

imagem corporal. Para se sentir real e habitando seu corpo, numa referência

de Winnicott, um rearranjo imaginário se faz necessário. O espelho que se

apresenta agora é o olhar do outro, do sexo, ou do outro sexo. Pulsão escópica

para as meninas e pulsão invocante para os meninos.

O imaginário das marcas traumáticas é reativado, como se fossem “espíritos”,

como falam os adolescentes. O que contrapomos dizendo que são fragmentos

de histórias, como as de Andréa, Nadia e Wellington.

O simbólico está na morte simbólica da criança do narcisismo primário, dos

pais da infância e do ego ideal. Deslocar-se da parentalidade para a

fraternidade. Encontrar o seu lugar na cultura e na identidade sexual

compartilhada.

Winnicott fala que na adolescência vai haver uma nova adaptação à realidade,

na qual a vulnerabilidade do eu (self) ocasiona uma nova necessidade de

dependência.
Liberar-se da tirania de um Ego Ideal muito narcisizado e buscar um Ideal de

Ego mais flexível, criativo e verdadeiro são trabalhos psíquicos que o

adolescente não pode deixar de fazer, mas precisa de tempo e de outros que

sobrevivam aos seus ataques e surtos. Alem de se libertarem de identificações

sintomáticas.

As demandas para acolhimento terapêutico são o agir impulsivo, as passagens

ao ato, o desequilíbrio psicossomático, a auto/heteroagressividade, as

adicções, suicídios, anorexias e delírios.

Rassial fala que delinqüir é fugir e ir para outro lugar. Fala também que essa

fuga pode ser na droga, na loucura ou na morte.

Essa experiência psicoterapêutica é traumática e precisa ser compartilhada nos

espaços de supervisão e apoio para os cuidadores e terapeutas. O adolescente

vivo no terapeuta precisa ser identificado, para não criar impasses na

contratransferência.

Na atualidade a teoria da constituição psíquica assume grande importância

para a psicanálise em geral e também para o trabalho com adolescentes. A

clínica com aquele que não fala passa a ser referência quando estamos lidando

com falhas nos processos de simbolização. A teoria da constituição do sujeito é

um protagonista fundamental aqui.

A tendência anti-social e Winnicott.

A tendência anti-social foi estudada e nasce concomitante a teoria do

amadurecimento de Winnicott. Ambas têm como espaço teórico-clínico a

famosa evacuação das crianças de cidade de Londres, na segunda guerra.


Para Winnicott esse transtorno psíquico tem raízes sobre uma perda vivida na

etapa de dependência relativa, depois da dependência absoluta. O ego já está

estruturado o suficiente para perceber o outro e se preocupar com ele. Tem

culpa por se exceder agressivamente sobre o objeto. O objeto é perdido e

defesas primitivas são fortemente mobilizadas. Encontramos semelhanças com

a Depressão Anaclítica de Spitz, com a Depressão Branca, de Kreisler, com a

Depressão Essêncial.

O núcleo melancólico (Violante) fica retido no inconsciente mais profundo, no

psicossoma, mas na adolescência tende a ser reativado, gerando sentimentos

e lembranças impensáveis. Sem uma relação continente não pode ser

elaborado e é fonte de comportamento anti-social. O sentimento de preocupar-

se com o outro é adormecido em função da perda objetal.

“Encoprese, enurese, mentir, roubar, agressividade, autodestruição, crueldade

compulsiva e perversões, mais como expressão desorganizada da nova ordem

libidinal, do que de desejos sexuais em conflito. A ruptura com a realidade

também integra essa sintomatologia.

Para a neurose a patologia de referência é a histeria e o referencial terapêutico

é a livre associação e a interpretação do retorno do recalcado.

Nas estruturas não-neuróticas (Green), que englobam as questões acima

apontadas para os adolescentes, estamos diante de expressões decorrentes

de excessos nas demandas pulsionais e falhas no processo de simbolização

que elas exigem. Fragmentações nos momentos da constituição subjetiva e da

integração psicossomática são reeditadas, possibilitando sua reedição.


Podemos dizer também que a patologia de referência é a psicossomática e o

paradigma terapêutico a função materna.

Nos casos apresentados anteriormente encontramos reedições de privações,

violências e intrusões vivenciadas na alteridade nos tempos da subjetivação

arcaica, ou originária na origem das somatizações “graves e agudas”.

O choque com o real, pensando com Lacan, que mobiliza defesas imaginárias,

ataques ao real, mas demandam uma saída no simbólico.

O adolescente e a morte.

Nas terapias com adolescentes é permanente o lidar-se com a morte de

alguém. Além das imaginárias e simbólicas já referidas. Encontramos

homicídios, suicídios e triunfos pessoais.

Personagens como Édipo, Hamlet, Pavliv são reeditados. Segundo Rassial

dois filmes enfocam a crise da adolescência: “A imensidão azul” e” A sociedade

dos poetas mortos”. Em ambos a narrativa tem como centro mortes e suicídio

Em Freud o adolescimento pode ser discutido na referência de “Totem e Tabu”,

o texto antropológico de Freud, onde os filhos matam o pai da horta. Crescer é

tomar o lugar dos genitores. O adolescente tem que matar simbolicamente o

pai e a infância e se estruturar como sujeito adulto.

Para finalizar é importante salientar que a Imaturidade e irresponsabilidade são

essenciais na adolescência e podem engendrar a liberdade criativa e

revolucionária, da qual muitas mudanças sociais e culturais históricas

encontraram sua origem, ou impulsionar um ciclo destrutivo, violento, com

desfechos trágicos. A “síndrome da mãe morta” (Green) é reativada e pode se


fundir com o mandato imaginário “para destruir o pai da horda”, deslizando para

o negativo sem controle.

Fragmento de Caso clínico: Priscila entra na consulta e fica calada. Não sabe

por que está na sessão. Diz: a minha mãe sabe. Vejo uma grande alienação.

Diz que deve ser porque tentou se matar.

Como assim? Pergunto.

Ela conta que se atirou do terceiro andar, se atirou não, corrige-se

rapidamente, escorregou e caiu.

Teve fratura de três vértebras. Mostra as cicatrizes e fala: três vértebras de

metal! Fala como se fosse um troféu.

Pergunto o que aconteceu antes de “cair”? Disse que brigou com a mãe, pois

ela não entende nada do que eu falo. Foi para o quarto, se fechou e sentou na

janela, com as pernas para fora, então caiu.

Pergunto se tem algum hábito compulsivo. Responde que se corta e mostra o

braço com mais de cem cortes superficiais.

Por que se corta? Diz que quando estou nervosa se cortar acalma, alivia.

Do que vc gosta? Gosto de música. Rock. Slipknok. A música preferida é

Silence Suicide.

Patrícia vivia com a mãe, numa relação muito simbiótica até há um ano,

quando começou a se retrair diante da mãe, se fechar no quarto e ficar no

facebook.
A mãe descobriu que ela pertence a um grupo de pessoas que se cortam, não

gostam de viver, planejam suicídios.

Tem uma namorada no Facebook, segundo a mãe. Ela diz que é tudo mentira

e que a mãe não respeita sua privacidade.

Patrícia foi adotada com dois anos, não gosta de falar disso. O pai separou-se

da mãe quando tinha cinco anos e não tem contato com ele.

Essa fragilização egóica, a busca por uma nova imagem corporal e o trabalho

para encontrar uma identidade, associada à intrusão materna e ao abondono

paterno, colocam a adolescente na beira de um cataclisma subjetivo, do qual

só poderá sair pela presença de um terapeuta e de dispositivos de construção

subjetiva. Grupos, oficinas, sessões individuais e conjuntas, além de outros

dispositivos, são um desafio compartilharmos terapeuticamente com essa

travessia.

Referências bibliográficas:

Freud, S. “O estranho”. Em Obras Completas edição standart. Vol. XVII.

Freud, S. “Luto e melancolia”. Em Obras Completas. Vol.XIV, 1917.

Knobel, M e Aberastury, A síndrome normal da adolescência. Em:

Adolescência Normal. Artes Médicas, 1992.

Lacan, J. “O estádio do espelho como formador da função do eu tal como nos é

revelada na experiência psicanalítica”. Em: Escritos. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar Ed., 1998.


Rassial, J-J. Hipóteses psicanalíticas sobre a adolescência. Em: O adolescente

e o psicanalista. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 1999.

Ranña, W. Os eixos RANÑA, W. A clínica com bebês: eixos da constituição subjetiva


e modalidades de intervenção. In:O bebê, o corpo e a linguagem. ARAGÃO, Regina O.
(Org.). São Paulo: Casa do Psicólogo, 2004, p. 59.

Ruffino, R. Sobre o lugar do sujeito na teoria do sujeito. Em: Adolescência.


Abordagem psicanalítica. Clara Regina Rappaport ( org.). São Paulo: EPU,
1993.
Winnicott, D. W. O papel de espelho da mãe e da família no desenvolvimento

infantil. Em: O brincar e a realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora LTDA, 1975.

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