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A CONSTRUÇÃO DOS SIGNIFICANTES PELA CRIANÇA

Simone A. de Carvalho Souza


Psicóloga Clínica – Especialista em Saúde Mental e Intervenção Psicossocial

“Histórias são pintadas, nas linhas de


sua face [...].”(A-ha Trad. White
Canvas, 2002).

Mas, do que trata o significante? Para Lacan (1979), é preexistente ao sujeito,


condiz com o mito familiar, se repete e é perpassado por questões transgeracionais,
além de ser relação de oposição entre o eu e o Outro1. O real e o simbólico se opõem
não só por suas relações de materialidade concreta à fantasia imaginaria, mas, também
pelo que é dito e o que é compreendido. Fundando-se, pois, o significante como
instancia estruturante da linguagem,e efeito de sentido, um símbolo ao apontar para
outro, remete ao significante. Lacan (LEMAIRE, 1979, p. 79) define o significante
como:

Conjunto dos elementos materiais da linguagem, ligados por uma estrutura. O


significante é um suporte material do discurso: “a letra” ou “os sons”. Não é
nem o sinal nem signo da coisa, menos ainda o significado. O significado é o
sentido, comum a todos, de uma experiência relatada no discurso.
Exterioriza-se na globalidade sucessivos e não se situa em parte alguma
precisamente no significante da frase.

A cadeia de significantes condiz com sua característica de remeter-se a outro,


evidenciando-se por um efeito em cascata ao qual, sua principal característica de
repetição denota o acesso ao inconsciente.

A “via régia do inconsciente”, qual seja, a linguagem do sonho, caracteriza se


por ignorar as oposições, por empreender uma combinação dos contrários em
torno de um único elemento (hoje diríamos significante, com Lacan) ou por
representá-los como uma mesma coisa. (AZEVEDO, 2004, p.19).

Para Rodulfo (1990), o significante tem que se repetir, perpassar o individual, o


familiar e o social, e a partir do momento em que um elemento adquire gravitação

1
Grande Outro, referente ao local onde se situa a cadeia de significantes e onde o sujeito aparece. É a
ordem inconsciente simbólica que distingue-se assim do outro (com o minúsculo) que remete a um outro
sujeito. (GARCIA-ROZA, 2009).
significante dentro da cadeia já existente, algo novo se forma, além de valer-se pelas
significações que vão se construindo.
Para que algo em psicanálise seja considerado como significante, tem que se
repetir. [...] E mais, não reconhece a propriedade privada, não é próprio de
ninguém: cruza, circula, atravessa gerações, trespassa o individual, o grupal e
o social: não é pertencente a algum membro da família: em todo caso, é o
problema que interpela cada um. [...] Quando um elemento adquire
gravitação significante, no momento de sua introdução, algo novo se traça.
(RODULFO, 1990, p. 20-21).

A importância do significante está em ser constitutivo do sujeito, em toda a sua


trajetória, antes e depois dele mesmo. Assim como a forma como esse sujeito vai
agarrar-se a vida, além da definição dos campos simbólicos e imaginários que povoam a
mente deste, e que podem ser utilizados como instrumentos dos significantes. “O sujeito
não é uma maquininha segundo soe um significante ou outro [...] de modo que não
devemos nos apressar ao supor o significante um poder automático e onímodo.”
(RODULFO, 1990, p.23).
Para maior esclarecimento do significante, vale ressaltar sua diferença e relação
com o signo e significado, utilizando o conceito de Zimermann (1999, p.55) que define:
“Signo como unidade fundamental da linguagem, significante como imagem acústica
deste, e significado como um conceito determinado pelo signo.”Este autor ainda oferece
um exemplo para favorecer o entendimento destes conceitos: onde um farol, é
significante em relação às leis de trânsito regidas por sua simples presença em
determinado local, e as cores que ele apresenta, representa os significados.

[...] o psiquismo inconsciente funciona com uma cadeia de significantes de


tal sorte que por meio de deslizamentos [...] um significante é remetido a um
outro de um modo que permite comparar esse processo com o de uma
decifração de uma carta enigmática, ou a de uma consulta de um termo no
dicionário, que vai remeter a um outro termo, que remete a um terceiro, e
assim por diante, até ser conceitualizado com algum significado.
(ZIMERMANN, 1999, p. 55).

Da pureza inocente à perverso polimorfo, a criança assumiu em diferentes


contextos sociohistoricoculturais, diferentes conceituações. Os papeis assumidos diante
da família e da sociedade mudaram bastante. A importância do conhecimento deste
âmbito para a definição do sujeito criança torna-se imprescindível por entender que os
âmbitos citados acima, a definem. Ariès(1981) discorre sobre os processos de mudança
acerca da conceituação infantil ao longo do tempo. Nos séculos XIV e XV, as crianças
eram vistas como pequenos adultos, atribuindo a elas, trabalhos pesados. As famílias
eram mais da ordem moralista do que da sentimental.
[...]as crianças demoraram até quase o fim do século XVI para serem dignas
de alguma importância e atenção. Antes disso, quando sobreviviam aos altos
índices de mortalidade infantil, eram criadas entre os adultos, compartilhando
promiscuamente todos os aspectos da vida, até que a maturidade física as
tornava um deles. (CORSO; CORSO, 2009, p. 44).

Do século XVI ao XVIII, houve uma grande mudança, através dos novos
contextos econômicos que se delineavam, o sentido de criança se transformou, e esta
passou a receber mais cuidados, assim como também o direito a educação. Na família,
essa transformação, fez com que a criança se tornasse o centro das atenções, apesar dos
castigos serem considerados severos. A partir do século XIX, em consonância com as
transformações sociais e políticas de profundo apelo médico-sanitarista, surgiram às
creches. No inicio do capitalismo, a inserção nas escolas e faculdades condizia com as
esferas sociais, neste contexto:

A escola tornou-se um instrumento de fragmentação da sociedade, na medida


que isolou as crianças dos adultos e separou os ricos dos pobres. Pode-se
perceber assim que, o prolongamento da infância, o aparecimento da
adolescência, da idade adulta e dos níveis de ensino, foram fatores
coadjuvantes na estratificação social (ÀRIES apud RODRIGUES, 2006,
p.14).

No início do século XX, ocorre uma mudança radical acerca do pensar a


infância, e isto deve-se as contribuições de Freud(2009) acerca da sexualidade infantil
na sua obra Três Ensaios Sobre A Sexualidade Infantil(1905). Esta descoberta de Freud
tem seu aporte teórico na instauração do Desejo na instância infantil, sendo a criança
um ser desejante, de corporeidade pulsional. Outros autores também realizaram grandes
trabalhos em detrimento da fase infantil, como Melanie Klein que começou a aplicar a
técnica do brincar, depois das concepções de Freud acerca do brincar de carretel. Ela
fundamentou esse conceito, levando em conta que o brincar infantil é expressão
simbólica de suas representações inconscientes. As crianças enunciam de forma lúdica
aquilo que está subscrito no inconsciente. A possibilidade de jogos e brincadeiras é
infinita, pois, a cada criança que brinca, inventa algo novo, e tem uma representação
diferente daquilo que se passa. Klein concorda com Freud ao relacionar a atividade
lúdica às oníricas em se tratando de representação do inconsciente a partir dos
simbolismos utilizados. Já Donald Winnicott, discorreu desde as mais primordiais
brincadeiras, até os campos transicionais necessários, a importância da criatividade e do
humor, e no âmbito familiar, a importância de uma mãe suficientemente boa2. Conforme
Winnicott, (1977, p. 163):

Tal como as personalidades dos adultos se desenvolvem através de suas


experiências de vida, assim as das crianças evoluem por intermédio de suas
próprias brincadeiras e das invenções de brincadeiras, feitas por outras
crianças, e por adultos. (...) As crianças ampliam gradualmente sua
capacidade de exagerar a riqueza do mundo externamente real. A brincadeira
é a prova evidente e constante da capacidade criadora, que quer dizer
vivencia.

O valor da infância condiz com a sua forma de ser constituinte primordial do


sujeito. Todas as projeções futuras têm raiz no passado, enterrados no inconsciente. A
noção de criança delineia-se por esta encontrar-se na fase infantil, por acarretar além de
constantes mudanças biológicas e sociais, uma formação de cunho familiar e
educacional, e transformações na cadeia de significantes que se delineiam e se fundem a
partir desses movimentos. Além de ser um sujeito com incrível poder de imaginação, de
fantasia e de criação.
Ricardo Rodulfo em O Brincar E O Significante(1990)aponta as posições que a
criança apresenta para a psicanálise, e como vai se constituindo e tecendo a teia de
significantes, definindo: a criança como falo, que vai muito além de ser desejado ou
não, consiste na cessão do libido narcisista; a criança como sintoma, regida pela trama
familiar é adoecida por esta; e a criança como fantasma, nascente perto de um
falecimento de alguém querido, ao qual é herdado geralmente o mesmo nome. Essas
classificações não são distintas, podem coexistir. Por conseguinte vale enfatizar que
cada criança possui seu diferencial, este por sua vez provém dos significantes que a
sustentam. Em detrimento disto, vale ressaltar a importância de se conhecer tudo o que
cerceia a vida desta, desde seus mais primórdios indícios de vida. Ainda segundo
Rodulfo(1990), ao nascer, a criança precisa de um apoio egóico, é de fundamental
importância que a mãe ou cuidador exerça esse papel. Os papéis exercidos tanto pela
criança como pelos adultos que a rodeiam será de fundamental importância para a
formação desta, e para a uma vida mental saudável. A partir de uma condição de
investimento e estimulação dos pais para com a criança, torna-se possível, esta
conseguir atravessar com mais facilidade as fases que ainda estarão por vir.

2
Termo Winnicottiano para definir a mãe que atenta para as necessidades do bebê, e cuida para esta
conseguir tolerar as frustrações.
Ao brincar a criança revela uma realidade que é só sua: a realidade psíquica
consonante com a cadeia de significantes que a nomeia. Portanto o brincar é constitutivo
do sujeito, em todo o seu desenvolvimento. E apesar de nem todo brincar estar ligado a
um brinquedo, pois, está além do palpável, é simbólico. Assim, mesmo ao utilizar-se do
brinquedo, o significante se encontra na realidade ao modo como a criança vai conduzir
esse brincar. Da mesma forma que a associação livre funciona para o adulto, onde lhe é
permitido ter um espaço para expor parte do seu inconsciente, no brincar a criança
revela o que se delineou ou ainda esta se delineando como significante na sua vida.
Ressaltando que essa forma de revelação só é possível quando a criança já tem
condições para representar.
As primeiras formas de brincar decorrem da distinção entre o corpo do bebê e o
da mãe. O bebê tem que criar um corpo para si, inicialmente é necessário criar uma
diferenciação entre interno e externo, para isso se faz necessário à criação de uma pele.
Essa é construída a partir do brincar do bebê com os objetos que estão ao seu dispor,
sejam estes partes do seu próprio corpo ou do corpo do outro, sejam alimentos ou
quaisquer tipos de instrumentos disponíveis. Para isto o bebê utiliza-se dos seus
sentidos, morde, berra, cheira, reage com o olhar, toca. Assim como que para criar um
corpo, é necessário tirar do outro, isto também ocorre em termos de significantes.
Perfurando o corpo do outro é que se torna possível achar uma saída libidinal.
A constituição do sujeito se faz através da sua capacidade de simbolização, este
como um advir de sujeito, descobre aos poucos a si mesmo e o mundo ao qual lhe é
apresentado. Aqui se mostra outra forma do brincar, que é a criação de uma superfície,
que significa sustentação, e pode ser repassada da mãe para o filho através da criação de
uma rotina, de tornar o imprevisível, previsível. A criação de uma superfície do bebê
por meio do auxilio de sua mãe permite-o simbolizar determinadas discrepâncias, entre
o ir e vir, o aparecer, desaparecer, fenômeno observado por Freud e nomeado de
Fort/Da.
Um terceiro tipo de jogo ocorre, quando há o rompimento do corpo do
bebê/corpo da mãe, o bebê brinca de tirar e pôr os objetos que estão ao seu dispor,
delineando a condição continente/conteúdo.
Para a criança tornar-se sujeito, é necessário que ela passe por uma transição, a
do estado de fusão para o de separação, concretizando-se como faltosa, e efetivamente
desejosa.Geralmente neste momento, a criança já brinca de aparecer e se esconder ao
olhar do outro, do poder verbal do não, e essas ambivalências são fatores essenciais para
o desenvolvimento da criança, pois, abre o caminho da possibilidade do aparecer e
desaparecer, do ser ou não ser.
Com o brincar a criança vai crescendo e simbolizando a partir das
representatividades que vai nomeando e ressignificando. Jogos, brinquedos, histórias e
brincadeiras, com todo o seu conteúdo de infinitas possibilidades, criam uma forma da
criança, vivenciar situações, criar seu corpo, delimitar seu espaço e deixar mostrar seus
significantes, além de demonstrar o que mais há de libidinal/pulsional/institivo em seu
âmago.
Seja qual for a fase da vida do sujeito, este é remetido sempre ao seu passado,
seja por meio de reminiscências, seja pelas lembranças, os significantes são perpassados
e renovados. A criança vive em um mundo fantástico, é o mundo real, atrelado à
fantasias e ao imaginário. Transforma seus sentimentos, a partir de seu investimento em
um trabalho lúdico, a partir das representações que lhe dá. Consonante a isso a
linguagem pode advir das mais diversas formas, nos primeiros meses de vida, um bebê
usa seu corpo como forma de falar, até estar pronto para verbalizar oralmente, este ainda
continua se constituindo através dos símbolos que vai apreendendo. Assim a criança não
só aprende sobre o mundo, mas também sobre si mesma. Na adolescência, diversos
âmbitos da infância são revisitados, o conflito de não ser mais criança, e nem ainda
adulto, sugere ao adolescente, formas de experimentação de ser um e outro. E o brincar
ressignificado, abarca as angústias de um advir, e a descoberta de si mesmo, onde os
significantes se apresentam instaurados no inconsciente, num movimento em cadeia,
onde a repetição torna-se sua característica mais marcante.
Os significantes são perpassados para o sujeito das mais diversas formas, pela
família, pela escola, pela cultura e todos os outros âmbitos aos quais, o sujeito se depara
ao longo da vida. Os significantes são observados na psicoterapia com crianças, através
de um trabalho lúdico, onde psicólogo e paciente são envolvidos em uma trama de
descobertas e ressignificações.
O Bullying na escola: violência emocional, física e psicológica

Simone A. de Carvalho Souza


Psicóloga Clínica – Especialista em Saúde Mental e Intervenção Psicossocial

Hoje em dia, a violência escolar é uma das que mais crescem, o bullying está
intrinsecamente ligado a isso. A escola é co-responsável nos casos de bullying, pois é nela que
os comportamentos agressivos e transgressores se evidenciam ou se agravam. É ali que os
alunos deveriam aprender a conviver em grupo, respeitar as diferenças, entender o verdadeiro
sentido da tolerância em seus relacionamentos interpessoais, que os norteiam para uma vida
ética e responsável. Infelizmente, a instituição escolar é o cenário principal dessa tragédia
endêmica, que por omissão ou conivência, facilita a sua disseminação. Mudanças estruturais
educacionais são imprescindíveis. Mas, a maioria da equipe escolar recusa-se a admitir que o
bullying ocorra na escola em que trabalha, muitos professores fecham os olhos para a
agressão entre alunos, são omissos, ou algumas vezes agridem o aluno também, assim muitas
vitimas de bullying ficam acuadas. Isso é muito grave quando acontece em qualquer época da
vida da pessoa, mas, quando acontece na fase infantil ou na fase da adolescência pode trazer
danos irreparáveis para a vida adulta. A auto-estima é a primeira afetada e pode desencadear
problemas mais sérios, vitimas do bullying podem ter alem de problemas psicológicos,
problemas fisiológicos, pois, a imunidade fica mais baixa.
O ato de violência na escola sempre existiu, mas somente em meados do século XX foi
dado um nome universal bullying. E devido esses atos de violência virem crescendo cada dia
mais no âmbito escolar, foi escolhido esse tema para discuti-lo, e através do mesmo fazer
analogias com a realidade. A violência escolar diz respeito a todos os comportamentos
agressivos e anti-sociais, incluindo os conflitos interpessoais, danos ao patrimônio e atos
criminosos, sendo um problema universal tradicionalmente sendo admitido como natural e
freqüentemente ignorado ou não valorizado pelos adultos, mas que pode deixar sérias
seqüelas para as vitimas, tanto físicas quanto psicológicas, principalmente no âmbito cognitivo
o desinteresse pelos estudos, o déficit de concentração e aprendizagem, a queda do
rendimento intelectual, o absenteísmo, a reprovação e a evasão escolar. E importante
sensibilizar os adultos, pais, professores entre outros a importância de sua atuação na
prevenção, identificação e tratamento dos possíveis danos à saúde e ao desenvolvimento de
crianças e adolescentes, alem da necessidade de orientar as famílias juntamente com a
sociedade para enfrentar a cada dia essa freqüente forma de violência, o bullying (JOSEVALDO,
2010).

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