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o DESENVOLVIMENTO PSICOAFETIVO: A RELAÇAO MAE-FILHO E - -

O CONTEXTO SOCIAL
(THE PSICHOLOGICAL ANO AFFECTIVE OEVELOPMENT: THE MOTHER-KIO
RELATIONSHIPANO SOCIAL CONTEXT)

FRANCINETE AL VES DE OLIVEIRA GIFFONI I

Olhou o mundo a seu redor, como se o enxergasse pela


primeira vez. Belo era o mundo!
Hennan Hesse

RESUMO zentos anos depois que o filósofo francês Montaigne


lançara suas primeiras idéias a respeito da criança. A
opresente trabalho trata do Desenvolvimento autora afirma que o significado da infância vem se trans-
Humano, no aspecto psicoafetivo, tendo por base as formando através dos tempos, e aponta o século XVII,
relações familiares e o contexto social, em interação como marco histórico, devido às mudanças pelas quais
com osfatores constitucionais. Na abordagem do tema, passou a humanidade, naquele período, com relação à
procuramos demonstrar a influência das relações estruturação familiar, aos papéis e valores sociais. A no-
sociohistóricas, estabelecidas nas fases mais pre- ção de "criança", a partir daí, passa a conceber a inser-
coces do desenvolvimento, sobre o delinear da per- ção desta no contexto familiar e social.
sonalidade, do potencial psicoafetivo e cognitivo do Na busca de uma delimitação desta fase da
sujeito. vida que antecede à idade adulta, utilizaremos o
parâmetro da temporal idade, relacionando-a à natu-
Palavras-chave: Desenvolvimento, Relação mãe-fi- reza e a cultura, segundo a concepção de Bernard
lho, Sociedade. (1983), que relaciona natureza à idéia de constituição
e desenvolvimento, com referência também ao esta-
do otiginal da humanidade e aos traços essenciais da
ABSTRACT natureza humana. O autor estabelece uma acepção de
infância, adequada à abordagem pedagógica, fazen-
The present essay concerns to the Human do a combinação entre uma teoria da cultura e as rela-
Development, in its psychological and a.ffective ções desta cultura com a natureza humana.
aspects, on the basis of family relationships and Dentro desta perspectiva, a noção de ' crian-
interation bettween the constitutional factors and the ça", com aplicabilidade na pedagogia, deriva das con-
social contexto In that approach we tryed to cepções culturais vigentes em determinado contexto.
demonstrate the influence of the social and historical Para Bernard (1983: 99) A pedagogia não considera
relations, defined since the starting phases of the a educação a partir da criança, mas a criança a par-
developing processo Also, it looks to draw the tir da educação concebida como cultura. A pedago-
personality by developing the psycological, a.ffective gia, então, considerando as emanações culturais,
and cognitive dimensions ofthe self. elabora uma representação de infância, à qual incor-
pora os conceitos essenciais do saber pedagógico.
Keywords: Development, Mother-Kid relationship, Nesta representação, figuram as transforma. ões o or-
Society. ridas no período de desenvol irnento, na interação
entre natureza e cultura.
Bernard (1983) enfatiza a influência das rela-
o CONCEITO DE INFÂNCIA ções sociais como fator de desenvolvimento, e analisa
o processo interativo que en 01 e o adulto em
o conceito moderno de infância segundo GaIlatin contraposição à criança. O meio social se encarregará
(1978), veio firmar-se por volta do século XVIII, du- de lhe proporcionar as condições para o crescimento

I Médica homeopata, com Residência em Psiquiatria e especialização em Psicoterapia. Formação em Psicanálise, Psicodrama e Terapia
Familiar Sistêmica. Mestre em Educação.

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e esenvolvirnento nos aspectos biológico e social, as- No dinamismo destas relações entre adulto e
egurando, inicialmente, a existência da criança, aten- criança, sociedade e criança, é que se vão definindo os
dendo às suas necessidades naturais como, por limites do conceito de infância. Podemos apreender do
exemplo, de alimento e agasalho, bem como as neces- processo de desenvolvimento humano, um antagonis-
sidades psicoafetivas e cognitivas. No primeiro caso, mo dialético em que se alternam e complementam a
especialmente quanto às necessidades biológicas ime- dependência e a autonomia, de forma que a criança
diatas, a relação adulto-criança faz-se no sentido do inicialmente imita o adulto e o segue, para, posterior-
adulto para a criança. Quanto às trocas afetivas e mente ser capaz de opor-se a ele, criando e re-criando a
cognitivas, diferentemente, ocorre uma relação de re- realidade, enquanto ganha individualidade.
ciprocidade, que flui tanto do adulto para a criança,
quanto desta para o adulto. Desta forma, o autor con-
sidera que as noções de fraqueza e dependência, asso- MATURAÇÃO E DESENVOLVIMENTO
ciadas à criança, não podem ser assumidas pela
pedagogia, num sentido absoluto e sim, devem ser Podemos considerar o princípio da vida de um
incorporadas a uma visão dialética das interações en- ser humano, como um período marcado por intensa
tre a criança e o meio, em cada fase evolutiva. A cri- dependência e imaturidade biopsicológica, e, embora
ança recém-nascida, por exemplo, para ele, apresenta pareça paradoxal, este mesmo ser, que apresenta ex-
uma dependência biológica real, condicionada à fisi- trema fragilidade na infância poderá atingir, na ida e
ologia ainda em maturação, e, também uma depen- adulta, altos níveis de especificidade e complexidade
dência afetiva, encontrando-se socialmente frágil e Segundo Grunspun (1985: I), maturação L~
inacabada No decorrer da infância, no entanto, ela vai sequência dos processos evolutivos pelos quais passa
absorvendo as diversas influências culturais, tornan- o ser humano, desde a concepção até a maturid -
do-se, gradativamente, mais independente e apta a de. Ele demonstra que, a cada fase do processo íe
participar da sociedade de forma mais consciente, amadurecimento somático, efetivam-se mudanças, .e
influenciando por sua vez, os processos sociais. acordo com a programação genética individual. A es-
tas fases correspondem certas necessidades, que _
A criança não ésomente fraca, impotente, depen- criança lança no ambiente, sob forma de demanda:
dente. É também, em razão dessafraqueza mesma, implícitas ou explícitas.
exigente. Dirige ao adulto certo número de solicita- Do nascimento até os dois anos de idade, as-
ções, de início, essencialmente vitais e inconscien- sume importância o amadurecimento do sistema ner-
tes, depois, cada vez mais afetivas, sociais, voso, condição para que a criança possa evoluir
conscientes. O adulto reage a seus apelos emfun- gradualmente do sensorial ao psíquico. A partir d
ção de suas próprias necessidades, de seus proble- segundo ano de vida,já se observa uma certa organi-
mas, de seus conflitos, de sua personalidade, etc. zação na estrutura psíquica, intensificando-se as tro-
Da mesma forma, a sociedade responde às exigên- cas comunicacionais, afetivas e cognitivas com ornei
cias irfamis emfunção de seus modos deprodução, Um aspecto a ser ressaltado é o de que o desenvolvi-
de sua organização, de suas estruturas (Bemard, mento somático segue uma certa padronização da es-
1983: 107). pécie, enquanto o psiquismo se desenvolve segund
leis que dependem de uma dinâmica psicoafetiva espe-
Vemos aí a importância das respostas dadas cial entre mãe e filho, do encontro entre o psiquism
pelo adulto e pela sociedade às demandas da persona- adulto e diferenciado da mãe e o potencial psíquic
lidade em formação. Dependendo do tipo e da inten- do bebê. Estágios mais satisfatórios de desenvolvi-
sidade destas respostas, adulto e sociedade modulam mento serão atingidos, quanto maior a capacidade da
o grau de impotência e o nível de exigências da criança. mãe em dar e receber afeto, de ter empatia e atende-
às diversas necessidades do filho.
Sua personalidade se constrói sob a influên-
cia da ação dos adultos e da sociedade: a cri-
ança não pode abster-se destes, mas, por essa A PSICOGÊNESE
mesma razão, não pode, ao mesmo tempo, não
querer abster-se deles e é inevitavelmente le- As origens da vida psíquica prendem-se ao te-
vada a rejeitar algumas de suas influências cido primordial das relações afetivas, estabelecidas pre-
(Bemard,1983: 108). cocemente. O recém-nascido, não tendo uma estrutura

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de ego organizada, nem consciência do próprio corpo vés de comportamentos cada vez mais específicos,
e da própria existência, vive em estado sem i- complementar a relação. O aporte emocional da mãe
indiferenciado, confundido com o corpo da mãe, numa (ou pessoa cuidadora), a forma de lidar com a crian-
simbiose, onde predomina a regência dos marcadores ça, ficam incorporados no psiquismo sob forma de
biológicos, regulando os processos de sobrevivência marcas mnêmicas, juntamente com as sensações li-
mais imediata. Os primeiros passos para a formação gadas à alimentação e aos primeiros cuidados. Tudo
o mundo subjetivo da criança são, portanto, aqueles isso refletirá diretamente no desempenho afetivo e
ados no aconchego dessa relação mãe-filho, sob a cognitivo que o indivíduo terá durante a vida.
influência do contexto circundante. Desta forma, o ser A partir do potencial genético herdado, o desenvolvi-
. redominantemente biológico, e totalmente dependente mento psicoafetivo da criança dependerá da com bina-
ai se plasmando, gradativamente, em um ser ção destes diversos fatores: a forma como é estimulado
iopsicossocial, autônomo. pela pessoa da mãe, as relações familiares, os valores
As características de individualidade desenvol- culturais presentes na sociedade. O biológico e o social
'em-se pela ativação do potencial genético herdado, entrelaçam-se num processo que envolve rnaturação
_ aças ao minucioso processo de elaboração, entre in- e aculturação. Isto significa que, para que se dêem as
ivíduo e ambiente, onde se cruzam incessantemente primeiras aquisições afetivas e cognitivas, faz-se ne-
filogênese e a ontogênese. E, como se dá a possibili- cessário o amadurecimento das funções fisiológicas
cade de cada ser formado tornar-se único e, cada vez básicas como ocorre por exemplo, nas fases de
ais diferenciado dos demais, ao longo da vida? amamentação e do controle dos esfíncteres. E, em
A natureza, sabiamente, coloca no próprio pro- seguida, assumindo prioridade, o amadurecimento das
cesso de maturação das estruturas neurológicas, a exi- funções psíquicas superiores, como a capacidade de
gência que cada recém-nascido seja cuidado de perto. atenção e percepção. É através destas, que o ego
Esta determinação biológica condiciona o estabeleci- incipiente do bebê capta os elementos da estrutura
ento de uma relação exclusiva e íntima entre o bebê egóica da mãe, para a formação de sua estrutura psi-
_ a mãe (ou pessoa cuidadora). Disto resulta que cada cológica básica e capta também, simultânea e
_ .ança vá adquirindo características próprias; únicas, seqüencialmente, as emanações culturais de seu ambi-
zma vez que cada relação mãe-filho também é única, ente familiar, escolar e social.
~
_specífica. E é a partir desta unidade simbiótica inici-
. que o psiquismo do bebê vai se delineando, em
forma individual, estruturando-se, pouco a pouco DA DEPENDENCIA À AUTONOMIA -
_ a, em seguida, ganhar autonomia. Desta maneira, VIGOTSKY, WALLON E PIAGET
.c. natureza garante que um ser humano jamais será
::: ai a outro. A formação de um ser humano, independente,
A vontade, a autonomia e as capacidades como vimos, tem início numa relação de dependência,
- gnitivas da figura materna são fatores importantes a simbiose mãe-filho. O modelo psicoafetivo materno
processo de formação da personalidade da criança, funcionando como matriz, é a base sobre a qual se as-
a vez que a mãe, de certa forma, empresta o seu ego senta o alicerce da personalidade da criança, em cons-
a moldagem do ego do bebê. Se ela tem um ego trução. Este processo, aparentemente linear e rigidamente
estruturado, esse bebê terá maiores chances de tam- determinado, transcorre dentro de uma teia de "n" fa-
rem adquirir uma boa estruturação psicoafetiva, especi- tores, imbrincados e correlacionados, com os quais se
almente quando o meio social oferece condições articulam, dialeticamente, a espontaneidade e a
-. 'oráveis, colaborando com o processo. criatividade, brotando do âmago de cada novo ser. Essa
O nível de empatia que a mãe consegue esta- conjugação dialética entre a imitação e a oposição, pos-
_ lecer desde cedo, é fator preponderante para as aqui- sibilita a ampliação das potencial idades humanas, e a
. ões afetivas e cognitivas de uma criança. Isto porque progressiva individuação .
~ mãe exerce o papel de decodificar os primeiros si- A noção que o indivíduo tem de um Eu, vai se
- '5 fisiológicos, como por exemplo, o choro, que pode definindo, durante a infância, podendo já ser percebida
se desencadeado por sensação de fome, frio, dor ou por volta do segundo ano de vida. Esta noção é a cons-
zesconforto. Identificando a origem do choro, dando- ciência da própria identidade, que vai assumindo con-
e uma resposta adequada, a mãe, com a repetição tornos cada vez mais nítidos e se redefinindo nas diversas
-..,- experiências, transmite ao bebê segurança e auto- fases da infância até a vida adulta, graças às interações
szima, ensinando-o a perceber, a com unicar-se e, atra- entre o indivíduo e sua realidade circundante· H IU FC
S
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Vigotsky (1984), dentro de uma perspectiva A cultura seria o legado resultante destas
psicológica, de traços mais culturalistas, fala da trans- vivências, acumuladas ao longo do processo de de-
formação de um construto biológico num ser socio- senvolvimento dos indivíduos, e, por extensão, do
histórico. Evidencia a importância da capacidade processo de evolução da humanidade.
perceptiva e de elaboração mental do material senso- Estudando os mecanismos psíquicos do pen-
rial captado, em cada fase do desenvolvimento do in- samento, desenvolveu um método para tentar com-
divíduo, sob a regência das leis gerais da evolução preender como são formados os primeiros conceitos.
cultural da humanidade. Dedicou-se ao estudo dos Utilizou-se de experimentos com duplo-estímulo, em
aspectos tipicamente humanos do comportamento, e que apresentava à criança duas séries de estímulos,
de como estes se desenvolvem no indivíduo, dentro uma com objetos da atividade diária da criança e outra
de determinado contexto sociohistórico. Ele considera com os signos que servem para organizar estes obje-
o processo de maturação como um fator secundário tos. A partir destes estudos conclui que:
para o desenvolvimento de capacidades humanas mais
complexas. A noção corrente de maturação como A formação do conceito é seguida pela sua
um processo passivo não pode descrever, de for- transferência para outros objetos; o indivíduo
ma adequada, os fenômenos complexos (Vigotsky, observado é induzido a utilizar os novos ter-
1984:21). A experiência social teria um papel pre- mos para falar dos objetos diferentes dos blo-
ponderante, levando a modificações na estrutura in- cos experimentais e a definir seu significado
terna, responsável pelas operações intelectuais da deforma generalizada (Vigotsky, 1979:81).
criança. Refere-se aí, à capacidade do ser humano de
utilizar a linguagem, e assim, representar vivências, Ele afirma que, por volta do segundo ano de
analisar experiências passadas, presentes, comunicar- vida, a criança geralmente já apresenta um nível de
se a respeito dessas vivências e experiências e, sobre- maturidade neuropsíquica que possibilita a complexa
tudo, criar e planejar ações futuras. atividade das funções intelectuais envolvidas no pro-
Na ótica vigotskiana, a fala assume um papel cesso de formação dos conceitos. Ela já teria um cer-
especial, nas questões relativas ao desenvolvimento, to domínio da atenção e da lógica, manifestando a
funcionando como elemento de ligação do indivíduo capacidade de fazer comparações. Estes atributos são
ao ambiente. A capacidade de utilização dos signos, fatores indispensáveis para a assimilação do signifi-
permitiria ao homem a elaboração e preservação de cado das palavras. Graças a eles, o psiquismo abstrai
um conjunto de processos simbólicos emergentes do da experiência concreta elementos que vai isolando,
viver em sociedade, nos mais diversos contextos, trans- comparando com outros, a fim de chegar a uma sínte-
cendendo as limitações da inteligência prática, tam- se, a ser cotejada com novas análises.
bém observada nos animais. Durante os dois primeiros anos de vida, a cri-
ança vai se apropriando da palavra, ligando-a à es-
Embora a inteligência prática e o uso de sig-
trutura do objeto em si, antes de fazer uma utilização
nos possam operar independentemente em
simbólica, através do processo acima descrito. Com
crianças pequenas, a unidade dialética des-
o amadurecimento psíquico e o aporte cultural ad-
ses sistemas no adulto humano constitui a ver-
quirido, a estrutura externa do signo, que é a pala-
dadeira essência no comportamento humano
vra, vai sendo internalizada,juntamente com o sentido
complexo (Vigotsky, 1984:26)
simbólico.
O conceito, portanto, de forma genérica, é
A criança se utilizaria da fala para a realiza-
um construto mental, representativo da realidade ex-
ção de atividades práticas, que se tornariam cada vez
terior, formado por signos (palavras) que são incor-
mais complexas, a cada fase do desenvolvimento, e
porados gradativamente no psiquismo, através de um
suas potencialidades humanas seriam gradativamente
processo, em que o sujeito participa com sua estru-
ampliadas.
tura psíquica, no encontro com os estímulos do am-
Essa unidade de percepção, fala e ação, que, biente. Os signos são instrumentos de intermediação
em última instância, provoca a internalização do entre a mente e seu contexto, possibilitando a inter-
campo visual, constitui o objeto central de qual- comunicação. Através dessa comunicação, e também
quer análise da origem das formas caracteristi- de sua participação criativa, a criança vai organizan-
camente humanas de comportamento (Vigotsky, do e orientando seu comportamento, enquanto vai se
1984:28) tornando um adulto.

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o processo de individuação é, portanto, aque- cedente às aquisições cognitivas. Em seus estudos de
le, através do qual, a criança vai deixando o estado de neurologia, evidencia a plasticidade do sistema ner-
dependência e assumindo uma diferenciação grada- voso e as relações entre o movimento e o psiquismo
tiva, até chegar à condição de indivíduo. Para e o impacto da linguagem sobre o desenvolvimento.
Vigotsky(1984), o ponto de partida é o biológico, para Em incursões pelo terreno da antropologia, mostra a
se chegar ao social e dá-se concomitantemente ao pro- importância de se observar a criança, em diversos
cesso de formação do conceito, que acontece no inte- contextos, conforme. refere Galvão (1995:34)
rior do psiquismo, mas sofre a influência da cultura.
Assim, a palavra se transforma de signo em símbolo. Para Wallon, a comparação entre sociedades
distintas favorece que se apreenda a influên-
A tarefa da cultura, por si só, porém, não ex- cia de técnicas, instrumentos e conhecimen-
plica o mecanismo de desenvolvimento que tos, ou seja, do meio cultural, sobre o
tem por resultado aformação do conceito. O desenvolvimento do sujeito.
investigador deve tentar compreender as re-
lações intrínsecas entre as tarefas externas e Wallon (1971) considera o ser, como "geneti-
a dinâmica do desenvolvimento e considera a camente social". Isto significa que ele se comunica,
gênese dos conceitos como função do cresci- desde os primórdios da vida, através dos contatos
mento cultural e social global da criança afeta afetivos iniciais, na simbiose mãe e filho, onde estabe-
não apenas o conteúdo, mas também o seu lece uma relação de cunho essencialmente emocional.
modo de pensar (Vigotsky, 1979:81).
Assim, temos, no primeiro estágio da psico-
A compreensão de como se transformam as gênese, uma afetividade impulsiva, emocio-
vivências individuais em símbolos culturais é um dos nal, que se nutre pelo olhar, pelo contato fisico
importantes legados deste autor. Para ele, o aprendi- e se expressa em gestos, mímica e posturas
zado, que é um processo aparentemente externo, ocorre (Wallon, in Galvão, 1995:45).
no despertar de processos internos, que ~rotam na
interação social. Numa brincadeira, por exemplo, a Ele desenvolveu a "teoria da emoção", inspi-
ação desempenhada torna-se pouco a pouco uma re- rada em Darwin, onde o aspecto biológico dá origem
gra internalizada, que proporciona comunicação e ao emocional e ao social. É, por exemplo, através do
passa a ter significado social. Sobre essa ação, o su- choro, (emoção) que o bebê mobiliza a atenção das
jeito pode desenvolver sua imaginação, buscar prazer pessoas, no sentido de satisfazer suas necessidades.
e, no contato com os outros, aprender a adiar a satis- A emoção, nesta perspectiva, pode ser vista como ins-
fação, ter auto-controle, relacionar-se. No bebê, atra- trumento de sobrevivência típico da espécie humana.
vés do afeto e das repetições simbólicas das atitudes A manifestação emocional, afetiva, estaria ligada a
dos adultos, impregnadas de cultura, gradativamente uma socialização, existente,já, desde o início da vida,
ocorrem novos aprendizados que ampliam as chances representando o vínculo com o grupo.
de um desenvolvimento satisfatório. A teoria psicogenética walloniana destaca o
A maturação neuro-psíquica e as interações fator afetividade como fundamental no processo do
sociais possibilitam a formação dos conceitos e a desenvolvimento humano. O Início deste desen 01 i-
consequente organização dos aprendizados afetivos e mento dá-se no período que ele denominou impulsi-
cognitivos. A tarefa da educação seria a de comple- vo-emocional e que se estende ao longo do primeiro
mentar aquilo que a criança estivesse necessitando em ano de vida. E, neste período, de exuberância motora
seu aprendizado individual, para continuar cada vez e emocional, a criança tem oportunidades de aquisi-
se formando enquanto ser, se individualizando. A ção, incorporação e também expressão, partindo de
escola seria então um espaço para a organização de um "eu corporal" para um "eu psíquico " construin-
certos conhecimentos, auxiliando neste processo de do-se à medida que vai se diferenciando. Podemos con-
desenvolvimento dos indivíduos. siderar que, nesta concepção, o cognitivo se assentará
Veremos agora algumas importantes contri- na base construída pelo afeti o. Analisando Wallon,
buições de Wallon (1981), que, veio também situar-se Dantas refere que:
epistemologicamente, entre a pedagogia e a psicolo-
gia, trazendo dentre suas contribuições teóricas, a O processo que começou pela simbiose fetal
ênfase na importância da afetividade como fator pre- tem no horizonte a individualização (...) Não

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há nada mais social do que o processo através vimento do bebê atua sobre o meio humano, provo-
do qual o indivíduo se singulariza, constrói sua cando reações e, dessa forma estabelece-se a expres-
unicidade. Quando ele superou a dependência são e a comunicação. Daí dizer que este bebê, desde
mais imediata da interpessoalidade, prossegue o início, é um ser social. Até o terceiro ano transcor-
alimentando-se da cultura, isto é, ainda do ou- rem os estágios sensório-motor e projetivo com a bus-
tro, sob a forma, agora, do produto do seu ca de exploração do espaço e manipulação de objetos.
trabalho (1990: 97). Seu marco é o desenvolvimento da função simbólica e
da linguagem, quando o ato motor converte-se em ato
É importante ressaltar também a ênfase dada mental. No período personalista, entre os 3 e 6 anos,
à cultura e à linguagem como instrumentos para a evo- as relações interpessoais assumem prioridade, em de-
lução do pensamento da criança, na teoria walloniana. trimento da atividade cognitiva. A apropriação dos sig-
Galvão (1995: 41), lembra que, para ele, O simples nos se dá pelo elo com as pessoas que os detêm. As
amadurecimento do sistema nervoso não garante o interações sociais possibilitam a construção da perso-
desenvolvimento de habilidades intelectuais mais nalidade e a definição da consciência de si. A imitação
complexas. Para que se desenvolvam, precisam dá lugar à crise de oposição, no jogo entre o "sim" e o
interagir com alimento cultural, isto é, linguagem e "não" . O estágio categoria I tem início a partir dos 6
conhecimento. Por outro lado, mesmo que o sistema anos, quando já devem estar consolidados a função
nervoso já tenha atingido sua maturação orgânica de- simbólica e a diferenciação da personalidade. É uma
finitiva, para Wallon, as funções psíquicas podem con- fase em que o progresso intelectual, direciona as rela-
tinuar em processo de especialização, evoluindo. E, ções com o meio, especialmente para o especto
um outro aspecto peculiar, que queremos salientar é o cognitivo. O último estágio é a fase adolescente, des-
de que, nesta abordagem, o desenvolvimento não é crita por Wallon (in: Galvão, 1995:44-45)
visto de forma estratificada e linear. Do pensamento
de Wallon, entende Galvão (1995:41) que: O ritmo pelo No estágio da adolescência, a crise pubertária
qual se sucedem as etapas é descontinuo, marcado rompe a "tranqüilidade" afetiva que caracteri-
por rupturas, retrocessos e reviravoltas. Estas etapas zou o estágio categorial e impõe a necessidade de
são caracterizadas pelo conjunto de necessidades e uma nova definição dos contornos da personali-
interesses da criança, de forma que, em cada idade, se dade, desestruturados devido às modificações cor-
estabelecem relações específicas entre o indivíduo e porais resultantes da ação hormonal. Este
o ambiente. São considerados importantes, os aspec- processo traz à tona questões pessoais, morais e
tos físicos do espaço onde vive a criança, as pessoas existenciais, numa retomada da predominância
mais próximas, a linguagem utilizada por estas e a da afetividade.
cultura em si, enquanto contexto onde se dá o desen-
volvimento. E, assim, apesar deste desenvolvimento Ele chama de "predominância funcional" a
obedecer a certas leis constantes, ele transcorre com altemância entre os aspectos afetivos e cognitivos, e
dinâmica e ritmo próprios, quando se considera cada cada um dos cinco estágios do desenvolvimento, por
criança, de forma contextualizada. De início, os fatores ele descrito.
orgânicos têm um peso maior, obedecendo essencial- Piaget (1997) faz, de certa forma, um contra-
mente às determinações biológicas, e progressivamen- ponto os autores citados acima, quando trata como igu -
te, a influência do meio cultural assume a regência, mente cognitivas todas as fases do desenvolvimem
torna-se mais decisiva na aquisição de condutas psi- Em sua teoria da psicogênese postula que, desde o iní-
cológicas superiores, como a inteligência simbólica cio da vida, o bebê já tem uma gestualidade instrume -
(Galvão, 1995:40) tal dirigida para conhecer o mundo. Construiu a idéia
Em seu estadiamento, Wallon (in: Galvão, de um "sujeito epistêmico", cujos processos de pensa-
1995) considera a altemância entre fases com predo- mento já se encontram presentes na infância, indo até z
minância afetiva e cognitiva, totalizando cinco estágios: idade adulta, diferindo apenas quanto aos mecanism =
impulsivo-emocional, sensório-motor e projetivo, mentais utilizados por este sujeito, para tentar entende-
personalista, categorial e adolescente. o mundo, nas diferentes etapas da vida.
A fase inicial do desenvolvimento, o primei-
ro ano de vida, corresponde ao estágio impulsivo- Desde antes da formação da linguagem (.
emocional, que não começando cognitivamente, tem quanto à estrutura dos conhecimentos, vê-se
na emoção o elo entre a criança e o ambiente. O mo- que estes se constituem no plano da própr.

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ação, com suas bipolaridades lógico-matemáti- para um estado de equilíbrio superior. :L-
ca efisica (..) e uma longa evolução será neces- sim, do ponto de vista da inteligência. é
sária até sua subjetivação em operações (piaget, fácil se opor a instabilidade e incoerên-
1978:10) cia relativas às idéias infantis à sistema-
tização de raciocínio do adulto. No campo
Ele mostra tanto a criança como o adulto num da vida afetiva, notou-se muitas vezes,
processo ativo de contínua interação com o ambiente quanto o equilíbrio dos sentimentos au-
e, que, nesta interação, a adaptação à realidade exter- menta com a idade. E,finalmente também
na depende basicamente do conhecimento. as relações sociais obedecem à mesma lei
de estabilização gradual (Piaget,
o que se propõe a epistemologia genética é 1997:13)
pois pôr a descoberto as raizes das diversas va-
riedades de conhecimento, desde as suas formas Piaget (1997) centraliza seu conceito de in-
mais elementares, e seguir sua evolução até os teligência no desenvolvimento gradativo dos proces-
níveis seguintes, até, inclusive, opensamento ci- sos de simbolização. Afirma que o desenvolvimento
entífico (piaget,1978:3) cognitivo é observado a partir do nascimento e que
os desenvolvimentos atingidos subseqüentemente têm
Dedicou-se portanto, a estudar como o orga- suas bases estabelecidas na infância. A criança nas-
nismo conhece o mundo, considerando que, só o co- ce com um conjunto de reflexos e mecanismos ina-
nhecimento possibilita ao homem um estado de tos que caracterizam o período sensório-motor. Estes
equilíbrio interno, a partir do qual se adapta ao ambi- mecanismos modificam-se, de acordo com os estí-
ente. O desenvolvimento seria a construção de estru- mulos do ambiente, sendo, no entanto, condicionados
turas lógicas que capacitam o indivíduo para atuar a um estadiamento, de forma que, cada estágio pre-
sobre o mundo, e, cada vez mais, conhecê-lo em di- para as estruturas para o próximo, num processo que
ersos níveis de complexidade. segue, inexoravelmente, até a formação dos símbolos.
Segundo Menezes (in: Leite, 1997, 142-3),
o conhecimento não poderia ser concebi- para Piaget, a ação da "sociedade" ou da "vida social",
do como algo predeterminado nas estrutu- mo influenciaria o desenvolvimento de maneira uni-
ras internas do indivíduo, pois que estas forme e contínua. A influência do contexto social seria
resultam de uma construção efetiva e con- diferenciada em cada fase, resultando na socialização
tínua (Piaget, 1978:3) do pensamento, no período das operações formais,
onde o individual e o social estariam em equivalên-
Na teoria piagetiana, a tarefa principal do cia. O processo de desenvolvimento consistiria, em
::esenvolvimento mental no primeiro ano de vida com- suma, na evolução do pensamento egocêntrico para o
reende a organização das primeiras impressões sociocêntrico.
sensoriais. A criança recebe um equipamento gene-
. amente herdado, e forma estruturas mentais com
- quais organiza suas sensações e estados internos. CONSIDERAÇÕES FINAIS
~sta estrutura biológica muda e se adapta com o tem-
. ,com o desenvolvimento de novas estratégias Retomando a acepção de Bernard 198.», em
mentais, que lhe possibilitam a resolução de proble- que a criança emerge da cultura, de onde re ebe estí-
mas. Em cada fase da infância, ela atinge novas for- mulos para as transformações naturais, rumo à au o-
as de organização mental e transita constantemente nomia, chegamos às concepções atualmente a ei
de um estado de desequilíbrio para um estado de equi- no campo da psicologia e da pedagogia, o e a
líbrio, cujo funcionamento mental é de nível mais seria o período vivenciado entre a fase e indife-
superior. Na adolescência, deverá ter atingido um renciação afetivo-cognitiva e o ai orecer da persona-
certo patamar intelectual que perdurará durante toda lidade. Consideramos, no entanto a dificuldade real
a idade adulta. de delimitação, quanto às dimensões de espa o e tem-
po que a infância assumirá na vida de cada indivíduo,
O desenvolvimento intelectual envolve uma em cada contexto cultural. O conceito de infância,
equilibração progressiva, uma passagem contí- conforme estamos compreendendo, evoca ainda o
nua de um estado de menor equilíbrio paradoxal binômio: dependência-independência, e en-

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volve as noções de necessidade, poder, capacidade e REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
aptidão da criança com relação aos papéis sociais, his-
toricamente determinados. BERNARD, C. - A mistificação pedagógica. 2 ed.
Nestes moldes, vemos o ser humano, ao Rio de Janeiro: Zahar, 1983.
longo de seu desenvolvimento, interagindo, posicio- DANTAS, H. - A infância da razão. São Paulo:
nando-se, individual ou socialmente, construindo um Manole, 1990.
centro próprio de referência, a personalidade. E, a GALLA TI ,J. - Adolescência e individualidade.
construção deste arcabouço psicológico, a nosso São Paulo: Harper & Row do Brasil, 1942.
ver, assenta-se no alicerce afetivo da família, onde GALVÃO, L - Henri Wal/on - Uma concepção
os potenciais genéticos herdados misturam-se, ini- dialética do desenvolvimento infantil. 5. ed. Rio
cialmente, com o amálgama psicoafetivo da mãe de Janeiro: Vozes, 1995.
(ou pessoa cuidadora), sofrendo, a seguir, a influ- GRUNSPUN, H. - Distúrbios neuróticos da crian-
ência das interações sociais mais próximas (pa- ça.4. ed. Rio de Janeiro: Livraria Atheneu, 1985.
rentes, escola). Ressaltamos, no decorrer de todo LEITE-BANKS, L (org.) - Percursos piagetianos.
o processo de desenvolvimento, a influência dos São Paulo: Cortez Editora, 1997.
valores presentes no contexto sociohistórico, num PIAGET, 1.- Seis estudos de psicologia. 22 ed. São
sentido mais amplo. Paulo: Forense, 1997.
Dentro deste contexto, os elementos primi- ___ o A epistemologia genética In: Os pensado-
tivos da linguagem, como gestos, posturas, atitudes, res. São Paulo: Abril, 1977.
da infância à idade adulta, vão se agregando, RAPPAPORT, C. R., et aI., - Teorias do desenvol-
gradativamente à sua correspondente estrutura sim- vimento. São Paulo: E.P.U., 1981.
bólica, num processo que resulta na incorporação \0GOTSKY, L. S. - Pensamento e linguagem. Lis-
dos valores culturais, sob forma de representações boa: Editora Antídoto, 1979.
internas. Daí, concluímos que, graças às experiên- ___ o A formação social da mente. São Paulo:
cias afetivas e cognitivas vividas pelo sujeito nas Martins Fontes, 1984.
fases mais precoces da vida, mediadas pela lingua- WALLON, H. - As origens do caráter na criança.
gem, ocorrem as transformações evolutivas indivi- São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1971.
duais e sociais. ___ o A evolução psicológica da criança. São
Paulo: Martins Fontes, 1981.

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