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À medida que uma criança (ou adulto) vai tendo contato com o texto literário, vai
desenvolvendo as suas sensibilidades, a sua empatia para com o mundo externo, seja ele
representado por coisas, bichos ou gentes. “Crianças sensibilizadas desde cedo para o
universo da linguagem, como também para a utilização da capacidade simbólica, se tornam
pessoas capazes de ter para o mundo um olhar de doação, generosidade e transformação.”
(CAVALCANTI, 2002, p. 38).
Nos apólogos ou contos fabulosos, por exemplo, as crianças “conseguem” acessar
os pensamentos e sentimentos dos animais e das coisas. Estas perdem as características de
inanimadas e “ganham vida”. Através desse contato simbólico, é possível a criança se
identificar com as dores do outro e ser capaz de se colocar em seu lugar, desenvolvendo
assim a empatia.
[…] a literatura tem sido um instrumento poderoso de instrução e educação,
entrando nos currículos, sendo proposta a cada um como equipamento intelectual
e afetivo. Os valores que a sociedade preconiza, ou os que considera prejudicais,
estão presentes nas diversas manifestações da ficção, da poesia e da ação
dramática. A literatura confirma e nega, propõe e denuncia, apoia e combate,
fornecendo a possibilidade de vivermos dialeticamente os problemas.
(CANDIDO, 1989, p. 113).
No caso das crianças, os contos possibilitam que elas tenham contato direto, através
das histórias, com os seus próprios medos, as ansiedades e conflitos interiores. Os contos
nos falam de muito próximo dos nossos sentimentos escondidos. Experienciar sentimentos
de perdas numa história, contribui para o enfrentamento das perdas reais. Através das
narrativas as crianças vão ganhando experiências para enfrentar problemas reais.
Mesmo diante do sofrimento infantil, seja porque não tem um pai ou uma mãe;
seja pela presença de um irmãozinho que acabou, na sua cabeça, tomando seu lugar; seja
por um desejo de posse de um objeto que não o pertence, ou tantas outras situações de
sofrimento, os contos declaram para a criança que uma vida compensadora é possível e
que, no final, tudo vai dar certo.
Nas histórias para crianças, o “Felizes para sempre” saltam da história para a vida
da criança, lhe enchendo de esperanças. Fica a promessa de que o bem sempre vai vencer
o mal. As crianças se veem nos conflitos dos personagens e vão se projetando nos seus
próprios conflitos. Já nas histórias para adolescente ou adultos, por triste que sejam os
finais, nos faz pensar que a vida tem seus altos e baixos, e que o percurso vivido pode fazer
toda a diferença.
As histórias para as crianças vão criando a ilusão do real e mexendo com todas as
estruturas psíquicas desse sujeito em formação. Para o psicanalista Bruno Bettelheim
(2012), a literatura infantil oferece uma válvula de escape. As crianças vão fantasiando
suas compreensões e encontrando soluções para seus conflitos interiores. Mesmo os
sentimentos que julgamos nocivos, como a raiva, é importante que a criança sinta ao estar
imersa numa narrativa. É uma raiva transfigurada, que não encontra causa real imediata,
mas diz de suas próprias angústias e visões de mundo.
Nessas experiências, ela vai se constituindo, elaborando subjetivamente os próprios
conceitos. Ainda para Bettelheim (2012), quando o contador de histórias ou o leitor dá
tempo para as crianças falarem sobre a narrativa, esta tem muito mais a oferecer emocional
e intelectualmente. No entanto, nesse momento o adulto não pode imprimir suas verdades
ou se aproveitar da história para dá lições de moral.
Cada criança retira das narrativas o que necessita. E uma mesma história pode
causar diferentes sensações em diferentes momentos da vida. “Cada texto é único nas suas
diferenças, assim como também cada leitura é única na sua possibilidade de dizer o outro
do texto”. (CAVALCANTI, 2002, p. 24). As histórias influenciam também na construção
da identidade da criança, ajudando no desenvolvimento do seu caráter. “A criança iniciada
no mundo da leitura é alguém que pode ampliar sua visão do outro, que pode adentrar o
universo do simbólico e construir para si uma realidade mais carregada de sentido.”
(CAVALCANTI, 2002, p. 31).
Pelas narrativas, as pessoas são tocadas de maneira diferente, de acordo com suas
experiências e sentimentos. A literatura nos permite representações. As histórias contam e,
ao mesmo tempo, perguntam sobre os mistérios que constitui as nossas subjetividades. A
literatura transcende tempo e espaço, por ela é possível fazer diferentes representações do
homem e seu meio social, cultural e simbólico, por tratar de questões referentes a tudo que
constitui o que é de ordem humana.
A literatura pode ser para a criança o espaço fantástico para a expansão do seu
ser, exercício pleno da sua capacidade simbólica, visto trabalhar diretamente
com elementos do imaginário, do maravilhoso e do poético. Amplia o universo
mágico, transreal da criança para que esta se torne adulto mais criativo, integrado
e feliz. (CAVALCANTI, 2002, p. 39).
Tudo isso parece muito subjetivo e não teria como ser diferente. A literatura é
constituída de subjetividades e os leitores ou ouvintes vão se (re)construindo por esses
caminhos, entre o real e o imaginário, entre o pragmático e o subjetivo, entre o palpável e
o imensurável. Não é demais reforçar que as crianças e adolescentes precisam de narrativas
e poesias para sua formação pessoal, afetiva, social e intelectual.
REFERÊNCIAS
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. São Paulo: Paz e Terra,
2012.
CANDIDO, Antonio. Direitos Humanos e literatura. In: A.C.R. Fester (Org.) Direitos
humanos E… Cjp / Ed. Brasiliense, 1989.
COMPAGNON. Antoine. Literatura para quê. Tradução: Laura Taddei Brandini. Belo
Horizonte, Editora UFMG, 2012.
*Efigênia Alves é doutoranda em Literatura Comparada, pela UFC, é Professora do
IFCE, Contadora de histórias, Mediadora de leitura, Escritora e Consultora do Eixo de
Literatura e Formação do Leitor (PAIC-SEDUC).