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A INFÂNCIA COMO OBJETO DE REPRESENTAÇÃO E AS CRIANÇAS

COMO SUJEITOS QUE ELABORAM NOVOS SENTIDOS SOBRE A


REALIDADE: SUTILEZAS DE UM DEBATE

Daniela B. S. Freire Andrade

Introdução

Serão crianças capazes de influenciar processos de significação da


realidade de forma a concorrer para a construção de representações sociais e
exercer influência social?

A resposta para essa pergunta tem mobilizado esforços orientados ao


debate entre a teoria das Representações Sociais, a teoria Genética e da
Inovação, ambas elaboradas por Serge Moscovici, no diálogo com os estudos
de Chombart De Lauwe (1991), Castorina e Kaplan (2003), Kohan (2008).

Como contraponto ainda exige especial atenção às proposições da


Psicologia do desenvolvimento na perspectiva histórico-cultural (VIGOTSKI,
2009) e a Sociologia da Infância mais especificamente aos trabalhos de W.
Corsaro(2005), J. Sarmento (2007) e Gouvêa (2008).

Os estudos da Sociologia da Infância contrapõem a imagem da criança


em desenvolvimento anunciada na teoria piagetiana com a imagem da criança
sociológica provocando um debate em torno da ideia da criança como sujeito
incompleto, incapaz de participar das trocas sociais de forma competente. A
noção de egocentrismo, por exemplo, é anunciada como um conceito limitador
do entendimento acerca da visibilidade cívica da criança remetendo-a a ideia
de baixa capacidade de integração social.

Como contraponto anuncia-se a criança em seu poder de criação


destacando a existência de outras lógicas concorrentes a lógica adulta
devendo ser considerada igualmente válida. Esta crítica inspira a pergunta
inaugural deste texto e incita o debate sobre a imagem de criança presente no
interior do discurso da teoria da Representação Social e da teoria Genética e
da Inovação. Para tanto, optou-se por desenvolver uma argumentação que a
partir da imagem da criança sociológica, pretende identificar, no campo das
teorias citadas, o potencial de fonte de influência dos discursos de crianças.

Themata de base e a criança como sujeito e objeto de representações


sociais

Moscovici e Vignaux (1994), inspirados no conceito de themata proposto


por Holton (1982), tem anunciado a existência de antinomias orientadoras do
pensamento social o que inclui o processo de formação de teorias científicas.

Por themata compreende-se uma unidade semântica de base do senso


comum que exprime, com frequência, uma oposição, podendo ser
caracterizada como idéia-fonte ou conceito-imagem, refere-se às primeiras
concepções, ainda que intuitivas, as quais sustentam a construção do
conhecimento porque estão profundamente arraigadas em imagens
arquetípicas do mundo, caracterizando-se como ideias primitivas, estratos
originais da cognição que governam certo número de desenvolvimentos
discursivos.

Markova (2003) afirma que as themata estão enraizadas na cultura e


são transmitidas pela linguagem, pela comunicação, a partir do senso comum,
de geração em geração. Ainda lembra a autora que umathema, que faz parte
do senso comum e de uma linguagem, se problematiza e se thematiza em
razão das circunstâncias sócio-históricas ou políticas.

Em outras palavras, themata são idéias primárias sob as quais se


ancoram os significados constitutivos das representações sociais. Na dinâmica
conversacional, tais themata podem ser desenvolvidas, reformuladas ou
simplesmente desaparecem.

Mazzotti (1995), em seu artigo intitulado Núcleo figurativo: themata ou


metáfora?,dedicou-se a demonstrar como as themata são assimiladas pelas
representações sociais, partindo do princípio de que elas operam através de
pares antitéticos.

Para o autor, as themata, além de operar no campo da produção do


saber científico, elas podem ser tomadas como linhas de argumentação
comuns ou lugares comuns e, por que não dizer, mapas coletivos presentes
em todas as conversações, recebendo significados diferentes ao longo do
processo representacional, segundo a metáfora utilizada no discurso.

Neste sentido, os estudos anunciam que tais themata podem, por


exemplo, bloquear os avanços científicos ou potencializá-los, uma vez que
funcionam como paradigma. Deste modo, acredita-se que, tanto o cientista
quanto o homem comum recorrem, de forma explícita ou implícita, as
antinomias do pensamento, as quais se tornam geradoras de novos conceitos
e novos entendimentos sobre a realidade.

Neste texto destacam-se duas themata de base que podem auxiliar na


compreensão do propósito anunciado. São elas: presença e ausência,
masculino e feminino.

No primeiro caso, é útil a reflexão de Kohan (2008) sobre as redes de


significados que orientam o delineamento das imagens sociais de criança.
Nesta o autor destaca que crianças podem ser significadas como aquele que
não fala –infans –, ser incompleto que não possui voz passível de ser
considerada nos contextos em que se insere, ou comopresença, afirmação e
força derivada de neós– novidade, inovação, revolução.

Entre infans e neós instaura-se uma tensão reguladora que, no âmbito


das representações acerca da infância, pode ser anunciada em termos de
ausência e presença. Eis aqui uma oposição ora anunciada como thema. O
sentido de ausência, mais rotinizado na memória social, ancora-se na
imagemda criança como ser incompleto, ainda em desenvolvimento e portanto
imaturo.

Em rápida análise historiográfica Sarmento (2007), ao falar da


negatividade da infância, destaca a emergência da imagem da infância como a
idade da não razão marcada pelos discursos iluministas; do não-trabalho
revelada a partir da revolução industrial, até chegar na segunda modernidade
quando se verifica trabalhos como o de Postman (1983) acerca da idade da
não infância.

Acredita Sarmento (2007:p.35) que,

[...] todos os processos de qualificação da infância por negação


constituem, efetivamente, um acto simbólico de expressão de
adultocrentrismo e a projecção ideológica sobre a infância de
concepções ideológicas essencialistas sobre a condição
humana.

Já o sentido da novidade ancora-se na imagem que define infância como


possibilidades de acontecimentos inusitados descolada da noção de idade e
geração, embora incluindo-as, significado menos rotinizado no tecido cultural.
Esta significação destaca o potencial criativo das crianças aproximando-a da
dinâmica criativa do artista. A rede de significados subjacentes à ideia de
infância como néossustenta argumentos que explicitam a existência de outro
discurso reificado tal como se pode observar:

A infância não é a idade da não-fala: todas as crianças, desde


bebês, têm múltiplas linguagens (gestuais, corporais, plásticas
e verbais) porque se expressam. A infância não é a idade da
não-razão: para além da racionalidadetécnica-instrumental,
hegémonica na sociedade industrial, outras racionalidades se
constroem, designadamente nas interacções de crianças, com
a incorporação de afectos, da fantasia e da vinculação ao real.
A infância não é a idade do não-trabalho: todas as crianças
trabalham,nas múltiplas tarefas que preenchem os seus
quotidianos, na escola, no espaço doméstico e, para muitas,
também nos campos, nas oficinas ou na rua. A infância não
vive a idade da não-infância está aí presente nas múltiplas
dimensões que a vida das crianças (na sua heterogeneidade)
continuamente preenche. (SARMENTO, 2007:p.35).

Deste modo, ao considerar o potencial gerador de representações sobre


crianças presentes na themapresença e ausência ou na antinomia infans e
neós o que se propõe é que a mesma possa ser pensada como inspiração para
as escolas de pensamento em Ciências Humanas e Sociais e que, por sua vez,
desdobre-se em teorias e estratégias conceituais e metodológicas de resolução
de problemas, celebrando aquilo que Sarmento (2007) denomina de
visibilidade científica das crianças. Tal proposição inclui os esforços de
considerar crianças ainda pequenas como portadoras de processos simbólicos
que as autorizam a produção de sentidos e a reinterpretação da realidade tanto
no âmbito individual, quanto no grupal para além da cultura de pares, na
direção do diálogo com a produção de representações sociais partilhadas entre
crianças e adultos.

Outra themaa ser analisada refere-se a antinomia masculino e feminino.


A mesma será desenvolvida conforme o estudo proposto por Andrade (2007).
Em síntese, pode-se pensar que, contrário ao masculino, identificado pela
tendência a racionalidade e a homogeneização,a inscrição do feminino na
cultura estaria inspirada na existência de um eu radicalmente descentrado,
apaixonado pelo outro, um sujeito de intensidade pulsional que, na cena
cultural, demarca a singularidade como estética pulsional, o qual, através da
sublimação criadora, chega até a arte e ao estilo (NERI, 2002).
Com o feminino, um novo paradigma surge para sepensar a diferença,
destacando as questões relativas à alteridade, à subjetivação e à erotização da
razão científica, anunciando um sujeito de mobilidade pulsional e em
permanente tentativa de inscrição de sua singularidade.
Ao considerar a thema masculino e feminino no diálogo com a imagem
da criança como fonte de influência social observa-se uma linha argumentativa
afinada com o valor da diferença e com o potencial criativo aspecto favorável a
novas incursões do discurso científico a esse respeito.

Deste modo, as themata – presença e ausência; masculino e feminino –


podem ser compreendidas como linhas argumentativas que orientam o
raciocínio em torno dos estudos sobre a criança tomando-a ora como objeto,
ora como sujeito de representações sociais.

A reflexão que se anuncia requer uma diferenciação estratégica. A


princípio vale sublinhar a compreensão acerca do termo infância, como a
condição social da criança (GOUVÊA, 2008; CHOMBART, DE LAUWE, 1991),
que pode ser identificada naquilo que se fala acerca da infância, as
expectativas sociais dirigidas às crianças.

Os discursos e as práticas de socialização, ao dirigirem-se à criança,


constroem um imaginário sobre a infância, produzindo modelos de gestos,
hábitos, comportamentos que são material de socialização nos processos de
formação de tais atores (GOUVÊA, 2008, p. 106).
Aco-existência das práticas sociais dirigidas às crianças enraízam-se no
tecido cultural com maior e menor possibilidades de adesão delineando o que
De Lauwe (1991) denominou universos de socialização.

A maneira de perceber e de pensar a criança influi sobre suas


condições de vida, sobre seu estatuto e sobre os comportamentos dos
adultos em relação a ela. Em uma dada sociedade, as ideias e as
imagens relativas à criança, por mais variadas que sejam, organizam-
se em representações coletivas, que formam um sistema em níveis
múltiplos. Uma linguagem “sobre” criança é criada assim como uma
linguagem “para” a criança, já que imagens ideais e modelos lhe são
propostos. (DE LAUWE, 1991, p.1).

A referida autora, ao analisar práticas sociais dirigidas às crianças,


identifica, além das condições que o adulto oferece a estas, as associações
com os dados geográficos, socioeconômicos e institucionais, bem como as
concepções e representações acerca da criança daqueles que têm o poder
sobre suas condições de vida. Deste modo, anunciam-se estudos sobre
representações referentes à criança e desenvolvidos a partir dela.

As práticas de socialização infantis são assim tomadas comoconstrução


social tanto quanto a própria infância e ancoram-se em redes de significados
partilhadas nas trocas sociais ao longo dos tempos.

Nesta perspectiva, a teoria das Representações Sociais parece útil ao


estudo sobre a infância anunciando o poder adaptativo e reprodutivo das
crianças frente ao conhecimento socialmente partilhado. Analisado por esta
perspectiva, a representação social, ao limitar a criança a categoria objeto de
representação, poderia ser compreendida como ferramenta teórica e
metodológica comprometida com a conservação de crenças e valores
ancorados na tradição e na lógica adultocêntrica. No entanto, ao retomar a
descrição do conceito de representações sociais em Moscovici (2003) observa-
se que o autor também revela as representações sociais a partir de seu
potencial criativo aproximando-as da imagem de obras de arte e anunciando
ação da atividade criadora no processo de produção de sentidos.

Para o autor, a transformação das representações sociais sugere a


existência de sub-grupos cujos discursos possuem o potencial gerador de
novas representações sociais, grupos com códigos próprios que compartilham
novos significados a respeito da realidade tensionando o campo
representacional. Se, conforme o autor, todo o indivíduo em um grupo e todo
grupo em uma sociedade é, ao mesmo tempo, fonte potencial e receptor
potencial de influência, à margem da quantidade de poder que o sistema social
lhe atribua, então pode-se pensar nas culturas da infância influenciando o
modo por meio do qual adultos pensam as crianças e a si próprios a partir da
relação com as mesmas.

Este binômio reprodução-criação estabelece diálogo com os debates


daPsicologia do Desenvolvimento, em especial da Teoria histórico-cultural,
cujos pressupostos permitem questionar sobre a capacidade interpretativa da
criança mediante a realidade social apresentada pelos adultos (VIGOTSKI,
2009).

Em certo sentido, é preciso pensar, conforme sugere Vigotski (2009), em


sua reflexão sobre reprodução e atividade criadora, na possibilidade da criança
desenvolver a habilidade de interpretar as descobertas do meio físico e social,
conferindo-lhes sentidos. Sobre tal aspecto destaca-se a observação de
Castorina e Kaplan (2003) ao alertarem que considerar a transmissão social
como fundamento de parte do conhecimento infantil não significa dizer que
esse processo ocorra de maneira direta e passiva, uma vez que essa
transmissão é ressignificada e reelaborada pela criança.

Considerando que em muitos momentos os adultos criam as condições


de inserção da criança na sociedade a partir de suas representações,
Castorina e Kaplan (2003) indicam que a criança só tem acesso aos
conhecimentos na medida em que participa da vida grupal e institucional,
conforme lhe é permitido. Isso significa que, ao mesmo tempo em que a
criança sofre ações normativas em seu contexto, ela também tenta conhecer,
de modo que as ideias das crianças, principalmente sobre conhecimentos
sociais, se relacionam com o que as instituições fazem com elas.

Sobre este aspecto, os autores relatam que em seus trabalhos vêm


encontrando indicativos de que a elaboração individual dos conhecimentos
sociais pelas crianças, tais como regras institucionais ou de conduta, assumem
peculiaridades que são indicadoras de determinados contextos dentre os quais
se destacam a família e a escola.
As crenças e valores relacionados à infância presentes e partilhados na
escola, por meio dos processos comunicacionais, das práticas sociais e
espaciais, acabam por ordenar o cotidiano das crianças, ao mesmo tempo em
que se tornam matéria prima para a criação de hipóteses pelas mesmas, sobre
as normativas vinculadas na instituição.

Deste modo, pode-se dizer que, de um lado, os conteúdos


representacionais funcionam como orientações-guias para adultos no exercício
de significação sobre a infância e consequente organização de universos de
socialização destinados às crianças em torno das quais constroem suas
identidades sociais e anunciam referenciais identitários para os pequenos; de
outro, crianças criam hipóteses sobre o mundo com base nas representações
sociais partilhadas no seu grupo de pertencimento podendo, no exercício de
sua atividade criadora, propor novas formas de interpretação da realidade cujos
sentidos evidenciam potencial gerador de representações sociais bem como
potencial de influência social.

Ao anunciar crianças como sujeitos no contexto de estudos em


representações sociais o que se pretende é sensibilizar o olhar de
pesquisadores sobre a visibilidade cívica das crianças que, embora
apresentem padrões variados de integração grupal e de partilha de
significados, são portadoras de processos simbólicos que as autorizam a
produção de sentidos e a reinterpretação da realidade tanto no âmbito
individual, quanto no grupal. Ainda, os dizeres das crianças podem, para além
da cultura de pares, estabelecer diálogo com o processo representacional de
adultos. Este fenômeno pode ser observado no âmbito das expressões
artísticas e dos discursos acadêmicos, como já revelam as pesquisas com
crianças e as discussões sobre a Sociologia da Infância.

Entre a objetividade e a originalidade: a criança como minoria ativa,


possibilidades identificadas

Uma vez em Vitoria – Espirito Santo –uma menina de mais ou


menos 8-9 anos me perguntou: – Por que você só fez meninos
nesse livro dos planetas?
Eu respondi: - Acho que é porque eu entendo mais de menino
do que de menina. Tem uma namoradinha de um dos meninos,
mas realmente é muito pouca representação de meninas.
Daí a menina respondeu: – Não, não é por isso, é porque os
meninos são dos planetas e as meninas são das estrelas.
Eu pensei: - Ih meu Deus, isso dá samba!1

Das seis proposições apresentadas por Moscovici (2011) no livro


Psicologia das minorias ativas serão destacadas, para efeito da presente
análise,duas delas: a primeira e a quinta.

Na primeira proposição Moscovici (2011) argumenta que cada membro


do grupo, independentemente de sua posição, é uma fonte e um receptor
potencial de influência(p.73).

Neste raciocínio entende que a influência se exerce em duas direções:


da maioria para a minoria e da minoria para a maioria, é um processo recíproco
que implica ação e reação tanto da fonte como do alvo em relações simétricas
entre a maioria e o desviante.

A quinta proposição por sua vez apresenta as normas sociais que


orientam o processo de influência social.As mesmas são assim anunciadas: o
processo de influência é determinado pelas normas de objetividade, normas de
preferência e normas de originalidade (MOSCOVICI, 2011, p.162).

Das três normas anunciadas serão exploradas, no escopo deste texto,


as normas de objetividade e de originalidade.
A norma da objetividade baseia-se na realidade pública, definida pela
observação de todos, neste caso não há lugar para dúvidas ou ambiguidades.
Por sua vez a norma de originalidade combina a realidade pública e a
realidade privada. Pressupõe a existência de uma realidade privada no
indivíduo ou grupo, ou exige que se crie uma.
A originalidade como norma encontra-se nos domínios da Arte, da
ciência, da tecnologia e da cultura, contextos em que a aparição de uma visão
ou de uma atividade que era única e até certo ponto isolada durante algum
tempose descola de seu ambiente e passa a ser reforçada pelo grupo.Neste
processo a realidade privada, através da interação social, se transforma em

1
Depoimento de Ziraldo para o programa televisivo exibido em novembro de 2012. O livro em
questão é o Menino da Lua. Tempos depois o autor publicou Menina das estrelas.
realidade pública e viável para os demais anunciando a singularidade de uma
ideia, de um estilo.
A norma da originalidade favorece a inovação,a novidade e quando esta
é valorizada por um meio social a minoria exerce maior capacidade de
influência. Neste caso, a consistência do comportamento exigida na resposta
não é tão grande como a que se exigiria se prevalecesse a norma da
objetividade.
O contexto normativo determina o comportamento dos indivíduos e grupos. O
controle social requer uma norma de objetividade que insista na validez das
opiniões e juízos. Enquanto o interesse se centrar na conformidade, o
problema das normas diferentes não aparece. A partir do momento que entra
em jogo a inovação, as normas exigem nossa atenção. Seu estudo e,
sobretudo, o da norma de originalidade, ligada à existência de uma minoria e
do desvio, deve ser prioritário (MOSCOVICI, 2011, p.174).

A análise das duas proposições moscoviciana possibilita a especulação


em torno da criança como fonte de influência social e em certa medida como
minoria ativa.
Em contextos organizados pela norma da objetividade e pelo controle
social com vistas a conformidade, tradicionalmente reconhecidos como a
escola e a família, observa-se a busca por respostas consistentes e
objetivamente corretas. No campo da infância, ao se pensar nestas condições
evidencia-se a imagem de criança como ser dependente e incompleto, o
infante, aquele sem voz. Neste raciocínio não se observa qualquer
possibilidade de se estabelecer a relação entre a criança e a categoria minoria
ativa antes sim, destaca-se a invisibilidade cívica da criança.
A lógica do masculino revela-se no poder argumentativo implícito ao
valorizar a homogeneidade presente na imagem de um modelo tomado como
ideal, completo, no caso, o adulto capaz de utilizar a lógica formal como
ferramenta para interpretar a realidade de modo consistente.

Por sua vez, em contextos sociais orientados pela mudança social e pela
norma da originalidade, no qual a consistência da resposta não se apresenta
como único critério de validação,a imagem da criança objetivada na ideia do
novo ganha força. Neste caso, tem-se uma maioria aberta as influências de
respostas minoritárias elaboradas pela criança em um exercício de valorização
da singularidade característico da manifestação do feminino. Este parece ser o
caso dos adultos atípicos,aquelesintencionalmente esvaziados de adultez
desnecessária e dispostos a estabelecer relações horizontais com as crianças
(CORSARO, 2005).

Considerações

Neste ensaio reflexivo, inspirado nos estudos de Moscovici sobre os


fenômenos das representações sociais e da influência social e nos estudos
sobre as infâncias e as crianças (CORSARO, 2005; SARMENTO, 2007), foi
possivel identificar o poder gerador das themata ausênca e presença;
masculino e feminino em um exercício em torno da seguinte questão:

Serão crianças capazes de influenciar processos de significação da


realidade de forma a concorrer para a construção de representações sociaise
exercer influência social?

De fato, crianças exercem influência social seja em contextos marcados


pela conformidade, seja pela mudança social. No entanto, pensar as crianças
como minoria ativa parece ser exercício em construção que se imprime a
medida que se analisa o modelo de pensamento organizado por Moscovici
(2011) acerca da teoria Genética e da inovação.

Questões como estilo de comportamento e a classificação entre grupos


nômicos e anômicos ainda precisam ser analisadas na perspectiva dos estudos
sobre a infância. Por ora o desafio que se configura demanda, conforme as
palavras de Moscovici(2011, p. 238) uma percepção e uma sensibilidade
renovada de modo a valorizar o conhecimento e a vida que se forjam nas
linhas do discurso reificado.
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