Você está na página 1de 22

A Invasão da angústia:

considerações psicanalíticas sobre


as fobias
UNIPSICO Ribeirão Preto
15-05-21
Introdução

- Psicopatologia pro psicanalista. Não tratamos doenças, partimos do princípio


que os sintomas não são disfunções mas funcionamentos. Neste sentido, eles
são tanto o que faz sofrer, quanto uma solução, uma forma de lidar com outra
coisa.
- Sintoma e sintomal: da queixa ao sintoma.
- Não há nisso, uma crítica ao tratamento do sintoma, mas a aposta de um “à
mais”, um além do patológico que implica o próprio modo de ser de cada um.
- Isso define o sintoma também como um compromisso do sujeito. Muitas vezes,
a dificuldade de dissolução do sintoma está justamente no compromisso que um
sujeito tem com ele, na função que este ocupa pra um sujeito e até mesmo no
papel estruturante que um determinado sintoma pode ter na vida de uma pessoa.
Fobias na psiquiatria

- Karl Westphal (alemanha, 1871): primeira observação precisa de um caso de


agorafobia.
- No início não havia muita diferencia entre fobias e obsessões.
- Esquirol diferenciou mania de fobia: “O primeiro aludia diretamente aos atos
(por exemplo, na cleptomania), e o segundo, aos pensamentos (o cleptofóbico
sofre por seu temor em poder cometê-lo).
- Manual de Psiquiatria (Henry Ey, P. Bernard e C. Brisset (1960): Neurose fóbica
(histeria de angústia): caracteriza o deslocamento da angústia para objetos que
exigem uma luta “contrafóbica”.
Fobias na psiquiatria

- Os sintomas estariam relacionados com situações visuais: “a rua, o carro, a


escada, o cavalo ou o percevejo são buscados, descobertos, às vezes
‘suspeitados’ e quase ‘alucinados’ para justificar o evitamento e tranquilizar-se”
(Ey; Bernard; Brisset, 1981, p.462).
- O padrão é sempre de “deslocar a angústia em um alibi”. Esse mecanismo
substitui a angústia de um perigo interno pelo medo de um perigo externo (Ey;
Bernard; Brisset, 1981, p.460)
- Na atualidade, existe um debate um debate sobre a proximidade entre a
agorafobia e a síndrome do pânico, to como indicador da gravidade da fobia.
Fobias na psiquiatria

- Segundo Reys (1999), existe uma estreita relação entre a síndrome do pânico,
a ocorrência da angústia e a formação de uma fobia, principalmente a
agorafobia.
- Classificação geral:
- Fobia simples ou específica: manifesta-se como medo desproporcional e irracional de
objetos como animais, altura, escuro, tempestade, trovões, sangue, faca, agulha,
banheiros públicos, doenças e etc…
- Fobia complexa ou social: medo intenso de situações sociais que envolvam exposição
ao contato interpessoal, competição, cobrança, exposição ao sexo oposto, angústia ao
ter de falar em público, dar aulas e etc. Tende a estar associada ao medo do julgamento
alheio.
Fobias na psiquiatria

- Condutas Fóbicas:
- Condutas de evitamento: que consistem em evitar o encontro com o objeto tabu,
por meio de condutas de fuga variadas, como isolar-se em casa para evitar o encontro
terrificante, evitar ruas, trajetos e meios de locomoção, etc.

- Condutas tranquilizadoras: que correspondem a condutas de tranquilização


diante da situação fóbica, como a presença de pessoas ou objetos tranquilizadores. O
indivíduo lança mão da estratégi de não estar só (Ey; Bernard; Brisset, 1981, p. 464)
Fobias na psiquiatria

- As síndromes fóbicas são descritas no DSM-V como medos intensos e irracionais,


por situações, objetos ou animais que objetivamente não representam um perigo real e
proporcional à intensidade do medo.

- No CID-X: transtorno fóbicos-ansiosos (F40.0 - F40.2): ansiedade evocada por certas


situações ou objetos bem definidos, não correntemente perigosos. A ansiedade fóbica
é subjetiva, psicológica e comportamentalmente indistinguível de outros tipos de
ansiedade que pode variar de leve desconforto até terror. Frequentemente associada a
medos secundários de morrer, perder o controle ou enlouquecer. A mera perspectiva
de entrar em uma situação fóbica usualmente gera ansiedade antecipatória. (CID-10, p.
132)
Fobias na psiquiatria

Critérios diagnósticos DSM-V:

- A ansiedade deve ser a alteração primária, sendo as demais alterações


psicológicas e autonômicas dela decorrentes;
- A ansiedade deve estar restrita a, pelo menos, duas das seguintes situações:
multidões, lugares públicos, viajar para longe de casa e viajar sozinho;
- A evitação da situação fóbica deve ser aspecto proeminente.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)

- Na perspectiva psicanalítica, não é a sintomatologia que orienta o tratamento


mas o modo como um sofrimento se articula no discurso de um sujeito e o
que isso revela de sua economia de desejo e gozo.
A perspectiva Freudiana
- 1o. momento: “Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia”
- em ambas uma representação se impõe com um respectivo estado emocional.
Mas na fobia esse estado emocional é sempre a angústia.
- O mecanismo típico do recalque é a capacidade de descolar uma representação
de um afeto.
- A fobia seria o deslocamento de um afeto para uma representação mais
“aceitável”.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)

A perspectiva Freudiana

- A fobia seria uma neurose de angústia cuja a causa específica seria o


acúmulo da tensão sexual somática provocada pela abstinência ou pela
excitação sexual frustrada.
- Nessa época Freud já destaca que a angústia pode subitamente irromper na
consciência, sem passar por um encadeamento de representações.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)

A perspectiva Freudiana
- 2o. momento: “Análise de uma fobia em um menino de cinco anos” (1909)
- Caso Hans: uma criança com fobia de cavalos. Uma angústia que passa de um
medo difuso de sair à rua, para um medo “bastante específico de que um cavalo o
mordesse” (p.121)
- “A libido é transformada em angústia, ligando-se à representação de um cavalo
branco, dando expressão ao medo de ser mordido por um cavalo dessa cor. Essa
fobia cumpre o papel de inibir qualquer possibilidade da emergência da angústia,
são construções protetoras.” (TEIXEIRA; ROSA; 2020)
- A fobia seria um modo de lidar com seu desejo erótico recalcado em relação à mãe
e ao mesmo tempo com a rivalidade com o pai no conflito edipiano.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)

A perspectiva Freudiana

- 3o. momento: “Inibição, sintoma e angústia”


- promove uma revisão do conceito de angústia: não mais o clássico conflito
ego x libido, mas agora entra em cena a “angústia de castração”. “O autor
demonstra que em cada período da vida a angústia surge diante de uma falta
específica: falta de amparo, falta de amor de objeto, falta fálica e falta moral.
- Freud coloca em evidência o deslocamento em Hans, da pulsão hostil e a
ambivalência afetiva em relação ao pai amado, para o medo de cavalo.
- A angústia passa a ser então, angústia de castração.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
A perspectiva Freudiana

- A fobia aparece então como mais uma modalidade de resposta à castração.


Algo intermediário entre a histeria de conversão e a neurose obsessiva. O que
diferencia a fobia das outras neuroses é que nela o medo aflora sob a forma
de angústia.
- Angústia-sinal: angústia que, deslocada da representação, permite velá-la.
- A fobia corresponderia, então, a uma “defesa contra a emergência do sinal de
angústia diante do temor da perda do objeto”.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
A perspectiva Lacaniana
- Sobre Hans (Seminário 4): o objeto da fobia é um significante que tem função
metafórica, ou seja, ele substitui a função paterna no complexo de Édipo do
pequeno Hans.
- Um édipo logificado: para Lacan, o édipo não é uma trama amorosa mas a
encarnação do processo de estruturação simbólica da relação do sujeito com o
mundo, seus objetos e seu corpo.
- O pai (função paterna) é o que transmite um saber-fazer com o desejo da mãe,
desse Outro que parece nunca se satisfazer. Sobretudo, no consentimento com a
castração, ou seja, no impossível de haver qualquer sentido (ou significante) que
me permita ter uma relação completa, unívoca e total com o mundo e comigo
mesmo.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
A perspectiva Lacaniana
- Lacan aponta que o pai de Hans, muito amável, dedicado e cordial, não consegue
transmitir a Hans um modo de lidar com uma mãe “imensa”, pregnante.
- A mãe lacaniana: para Lacan, a relação com a mãe é permeada por uma fantasia de
devoramento. Não só pelos conflitos relativos ao problema “ser sujeito X ser objeto
de amor”. Mas também pelo fato da mãe ser mulher, iniciando o enigma do
feminino que revela a castração da mãe que coloca a questão “O que o Outro quer
de mim?”.
- O pai lacaniano é o Nome-do-pai que permite ao sujeito se inserir na ordem
simbólica, nos usos metafóricos e metonímicos do sentido, o reino da lei, de uma lei
que lhe permita suas trocas simbólicas com o mundo.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
A perspectiva Lacaniana

- O falo (penis real) que a criança imaginariamente teme perder, deve ser
significantizado, transformado num “significante fálico”, que permite de forma
arbitrária, interpretar o existir, deslizar a significação.
- O objeto fóbico vem preencher essa função de simbolização. A “fobia
constitui um apelo por socorro, o apelo a um elemento simbólico singular”.
(Lacan, 1995, P. 57)
- A angústia ganha um novo lugar para Lacan. Deixa de ser a falta de sentido e
passa a ser definida como a falta da falta, uma invasão.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
A perspectiva Lacaniana

- A falta de sentido não causa angústia por si mesmo. Ela pode ser contornada
ou até mesmo ignorada.
- Só consigo dar sentido à vida, se eu permitir que algo caia nesse processo,
que algo permaneça sem significação, como resto. (objeto a)
- A angústia como “falta da falta” é sentida como uma invasão, uma presença,
uma consistência infamiliar, unheimlich, como disse Freud. Chamamos essa
presença do Real, na medida em que ele é um ponto de impossível
simbolização na cadeia simbólica de cada um.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
A perspectiva Lacaniana

- Por outro lado, é exatamente esta experiência de incompletude e falta, que


permite a renovação do desejo. É justamente por não ter nada que me
satisfaça plenamente, que posso continuar buscando, inventando, mudando
ou mesmo renovando.
- A angústia, falta da falta, é quando sou capturado por uma presença, por uma
cena, um evento, uma sensação, para o qual minhas ferramentas simbólicas,
meus significantes, minhas significações, não dão conta.
- o fóbico resolve isso com o objeto fóbico.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
Considerações finais
- O tratamento do sujeito fóbico passa pela paulatina construção de um tecido
simbólico-imaginário, amparado na transferência (supondo um saber no
analista), que possibilite a vacilação da certeza do sintoma fóbico.
- As referências de Freud ao sexual não são tão anacrônicas. O sexual, a libido,
não é algo harmônico, naturalmente assimilável. É um gozo, ou seja, um
modo de atuação corpo com aspectos muito autônomos. O encontro com o
sexual sempre exige uma elaboração, um significação que sempre deixa um
resto estranho, inassimilável.
- Este resto estranho pode ser vivido como um excesso ou até mesmo como
um perigo de enlouquecimento.
As fobias na psicanálise (Freud e Lacan)
Considerações finais

- Pensar na fobia como uma defesa também deve nos fazer ter o cuidado de
pensar em cada caso, qual o papel que esse sintoma desempenha para
calcularmos os riscos de sua dissolução. Por exemplo se ele não impede um
desorganização psicótica, ou uma passagem ao ato.
- A reconstrução da fantasia (S⟡a), da cena que representa esse sujeito para o
outro, poderá produzir uma nova resposta subjetiva que leve em conta um
saber fazer com essa parte obscura do seu ser (seu gozo) que não é
representável e que permanece como resto de uma reserva libidinal.
Bibliografia
CAPANEMA, C. A. A fobia como manifestação da angústia. IN: TEIXEIRA, A. ; ROSA, M (Orgs.).
Psicopatologia lacaniana: volume 2: nosologia - 1a. ed. - Belo Horizonte: Autêntica, 2020.

TEIXEIRA, A.; CALDAS, H. (Orgs) Psicopatologia lacaniana. Volume 1: semiologia. Belo Horizonte:
Autêntica, 2017.

EY, H.; BERNARD, P.; BRISSET, C. Manual de psiquiatria, 5.ed. Rio de Janeiro: Masson, 1981

REYS, B. N. Angústia e fobia: pontuações sobre a síndrome do pânico. Escola da Letra Freudiana:
Hans e a Fobia, Rio de Janeiro, n. 24, p. 141-148, 1999.

FREUD, S. Análise de uma fobia em um menino de cinco anos [1909]. In: Duas histórias clínicas (o
pequeno Hans e o Homem dos Ratos). Rio de janeiro: Imago, 1989. Edição Standard Brasileira , Vol
X.
Bibliografia

FREUD, S. Inibição, sintoma e ansiedade [9126[1925]]. In: Um estudo


autobiográfico.... Rio de janeiro: Imago, 1989. Edição Standard Brasileira , Vol XX.
FREUD, S. Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia
[1895[1894]]. In: Primeiras publicações psicanalíticas [1983-1899). Rio de janeiro:
Imago, 1989. Edição Standard Brasileira , Vol III.
LACAN, J. O seminário, livro 10: A angústia [1962-63]. Rio de janeiro: Jorge Zahar,
2005
LACAN, J. O seminário, livro 4: A relação de objeto [1956-57]. Rio de janeiro: Jorge
Zahar, 1995

Você também pode gostar