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Resenha de “Obsessões e fobias: seu mecanismo

psíquico e sua etiologia (1895[1894])” de Freud

O texto “Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia

(1895[1894])”  é parte das primeiras reflexões propriamente psicanalíticas de

Freud. Nele, o autor esboça as características e as fronteiras entre

a obsessão e a fobia. Não se trata em hipótese alguma de uma reflexão

definitiva sobre tais neuroses, tendo em vista que elas receberam análises mais

aprofundadas e precisas nas décadas posteriores. Em verdade, como todo

texto freudiano, esse trabalho funciona como um retrato ao modo como o autor

estava delineando os conceitos fundamentais de seu pensamento. Naquele

momento, já se explicitava a divisão consciente e inconsciente, a centralidade

da repressão de impulsos sexuais e agressivos nas neuroses, os processos de

deslocamentos em representações substitutas e a complexa dinâmica entre

representação e afeto.

Para Freud, a obsessão possui dois correspondentes: 1. Uma representação

que se impõe ao paciente. 2. Algum estado emocional particular associado, que

pode ser de dúvida, remorso, angustia, raiva, culpa, medo, entre outras

emoções. Diferentemente, na fobia a única emoção associada é a angustia.

Apesar de o estado emocional na obsessão ser de diferentes tipos, este

permanece constante em cada caso, enquanto a representação a ele associado

varia. Afirma Freud:

“1. o estado emocional persiste indefinidamente e 2. a representação associada

não é mais a representação apropriada original, relacionada com a etiologia da

obsessão, mas uma representação que a substitui, um sucedâneo dela”

([1895[1894]] 2006 p. 80).


Em seus exemplos, Freud relata o caso de uma jovem que sentia certo grau de

remorso por toda sorte de razões: por ter cometido um furto, mal tratado as

irmãs, ter fabricado dinheiro falso. Ou seja, o remorso era persistente,

independente do objeto. Em outro caso analisado, era a dúvida o estado

emocional da obsessão (dúvida se havia ou não realizado qualquer tipo de ato

corretamente).

De acordo com Freud, por meio de investigação da história prévia do paciente,

pode se chegar à representação original que foi substituída. Introduzindo a

questão da sexualidade na obsessão, afirma o autor:

“Todas as representações substituídas têm atributos comuns, elas

correspondem a experiências realmente penosas na vida sexual do sujeito, que

ele se esforça por esquecer. Consegue meramente substituir a representação

incompatível por uma outra, mal adaptada para se associar com o estado

emocional, o qual, por sua vez, permanece inalterado. É essa mésalliance [falsa

ligação] entre o estado emocional e a representação associada que explica os

disparates tão característicos das obsessões” (idem, p. 80).

O autor ilustra a obsessão com alguns exemplos. Uma jovem condenava-se por

coisas absurdas, que não tinha feito, imagens eram formadas de acordo com o

que ela tivesse lido durante o dia. Em verdade, tratava-se de uma

autocondenação por sua masturbação compulsiva. Outro jovem também se

recriminava por toda sorte de atos imorais (ter matado o primo, violado a irmã,

colocado fogo em uma casa), sendo estes substitutos de sua autocondenação

por sua masturbação. Outras mulheres se queixavam de um impulso obsessivo

de se atirar pela janela, ferir seus filhos. Na verdade, estas mulheres estavam

insatisfeitas em seus casamentos e tinham que lutar contra desejos e ideias

voluptuosas com relação a outros homens.


Em outros casos:

“A representação original foi substituída, mas não por outra representação — foi

substituída por atos ou impulsos que serviram originalmente como medidas

de alívio ou como procedimentos protetores, e que são agora grotescamente

associados a um estado emocional que não lhes é adequado, mas que

permaneceu inalterado e continuou a ser tão justificável quanto em sua origem”

(idem, p. 82).

Freud dá alguns exemplos de atos obsessivos ritualizados que algumas

pessoas tomaram como defesa a uma representação original incompatível.

Uma moça era tomada pelo impulso de contar. Tal obsessão iniciou-se como

meio para ela desviar a sua mente de “tentações”. Outra mulher sofria de

temores hipocondríacos e especulação obsessiva. Tal obsessão iniciou-se a

partir de seu medo de enlouquecer, que foi refreado por meio de especulações

que asseguravam para si a sua sanidade. Tais processos de defesa se

autonomizaram da representação original, mantendo constante o estado

emocional.

Assim como a histeria, a obsessão é uma neurose de defesa contra uma

representação insuportável à consciência. O que torna impossível o

desaparecimento do estado emocional é o próprio ato de substituição da

representação.

Como já foi comentado, enquanto as obsessões são variadas e especializadas,

a fobia, diferentemente, é mais monótona e típica, sendo a emoção relativa a

ela sempre de angustia, de medo.


Sobre a fobia, Freud a divide em dois grupos: 1) Fobias comuns, isto é, medo

exagerado de coisas que todos detestam ou temem em alguma medida (noite,

solidão, morte, doenças, perigos em geral, cobra). 2) Fobias contingentes, isto

é, “medo de condições especiais que não inspiram medo ao homem normal: por

exemplo, agorafobia e outras fobias de locomoção [….] o estado emocional só

aparece, nesses casos, em condições especiais, que o paciente evita

cuidadosamente” (p.85), ou seja, não possui um caráter obsessivo.

Naquele momento, para Freud, a substituição não é um traço importante no

caso da fobia:

“Nunca se encontra nada além do estado emocional de angustia que, por uma

espécie de processo seletivo, traz à tona todas as representações adequadas

para se tornarem alvo de uma fobia. No caso de agorafobia etc., encontramos

frequentemente a recordação de um ataque de angústia, e o que o paciente de

fato teme é a ocorrência de tal ataque nas condições especiais em que acredita

não poder escapar dele” (idem, p. 85).

Para o autor, a causa da fobia seria o acúmulo de tensão sexual produzida pela

abstinência ou pela excitação sexual não consumada. A fobia pode também se

combinar com a obsessão, como parece ser o caso da mulher que sofria de

especulações obsessivas. Tal obsessão se desenvolveu para atenuar o seu

medo de enlouquecer.

Nesse texto, o tratamento da fobia foi bem menos detalhado do que o da

obsessão. É somente nos trabalhos posteriores sobre os casos do Pequeno

Hans (1909) e Homem dos lobos (1918[1914]) e em Inibição, sintoma e

angústia (1926) que Freud aprofunda a análise da fobia nomeada como histeria

de angústia.
Referência bibliográfica

FREUD, Sigmund. Obsessões e fobias: seu mecanismo psíquico e sua etiologia

(1895[1894]). In: FREUD, Sigmund. Primeiras publicações psicanalíticas (1893–

1899). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de

Sigmund Freud. Volume III. Rio de Janeiro: Imago, 2006. 75–88p.

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