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QUANDO FREUD FALADAS FOBIAS

JEAN BERGES

É por uma incapacidade do sujeito à conversão histérica, ou


seja, à "aptidão psicofísica para transpor enormes somas de
excitação para a inervação corpórea", que para Freud se
fundamenta sua teoria sobre as obsessões e fobias, no artigo As
Psiconeuroses de Defesa. De fato, se a conversão é impossível, a
defesa contra uma representação incompatível provoca a
separação desta de seu afeto, este devendo necessariamente
permanecer na esfera psíquica. Assim, a representação doravante
enfraquecida permanece na consciência separada de qualquer
associação, mas seu afeto que tornou-se livre liga-se a outras
representações que,por esta falsa conexão, transformam-se em
representações obsedantes, resultado desta transposição do afeto.
Enumerando em seguida os elementos necessários à teoria, ele faz
a seguinte observação : "se nas fobias e obsessões não encontramos
os notáveis sintomas da histeria, é sem dúvida por que toda

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Quando Freud fala das fobias

transformação permaneceu na esfera psíquica e a relação entre a


excitação psíquica e a inervação somática não sofreu qualquer
mudança." Destas mudanças ele tratará em seguida, interpretando
o mecanismo de transposição do afeto, revelando-o.

É em torno da qualidade deste afeto, deste estado emocional


associado à idéia imposta ao sujeito que doravante vai girar a
posição de Freud sobre a fobia no seu artigo Obsessões e fobias,
1895. De fato, o estado emocional é sempre a angústia na fobia,
enquanto que ele é mais elaborado nas obsessões, como a dúvida,
o remorso, etc.

Mas é também no mecanismo que jaz a diferença : na


obsessão o mecanismo é o da substituição. A idéia incompatível
original é substituída por uma outra menos apropriada a se
associar ao estado emocional que permaneceu inalterado. O
trabalho analítico consiste em uma "restituição da substituição",
para empregar o termo que Freud utiliza nas curtas vinhetas de
observação.
Na "classe das fobias”, Freud menciona a princípio as fobias
comuns (medo exagerado de coisas que todos detestam) e em
seguida as fobias contingentes (medo de condições especiais que
não inspiram temor ao homem normal). Ele observa que estas
últimas não são obsedantes como os medos comuns e as
verdadeiras obsessões e que o estado emocional é desencadeado
em condições específicas que podem eventualmente ser evitadas
pelo fóbico.
Quanto ao mecanismo, o da substituição não é mais
evocado. O estado emocional é encontrado só e "por uma espécie
de eleição traz a tona todas as idéias adequadas para se tornarem
objeto de uma fobia", diz ele. O que o paciente de fato teme é a
ocorrência de um ataque de angústia em condições que este não
possa escapar. A fobia faz parte da neurose ansiosa, de origem
sexual, mas não se liga às idéias extraídas da vida sexual. Ela não
tem mecanismos psíquicos, a bem da verdade. Ela é diretamente
ligada a acumulação de tensão sexual. Aqui está a contrapartida do
que "o ataque" tem de quantitativo : algo da ordem de um
transbordamento, na "lembrança de um ataque de angústia."

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Quando Freud fala das fobias

Doravante não existe elaboração da representação libidinal.


Um afeto (libido sexual) unicamente somático irrompe em forma
de angústia. A fobia funciona num segundo tempo "escolhendo"
uma representação onde fixar-se : eleição ou soldadura
(Verlõtung). No pequeno Hans, o cavalo vem por esta soldadura
ligar a angústia, fazê-la estase. Aqui podemos fazer uma
aproximação com uma passagem do Projeto que torna talvez mais
claro este procedimento da soldadura.
No seu "plano geral" introdutório, Freud se interroga sobre
o problema da quantidade. Ele elabora a hipótese de semelhança
dos neurônios 9 e V, apesar de uma permeabilidade diferente. A
tendência original do sistema neuronal a manter a quantidade a
receber (Q'n) em zero já não atuaria nos processos de recepção dos
estímulos e tenderia a só transmitir frações de quantidades
exógenas. Isto supõe a existência de um sistema destinado a reter
longe dos neurônios a quantidade a receber, que operaria ao lado
do sistema que escoa as quantidades recebidas pelos neurônios V-
Assim, esta "soldadura" e a "eleição" do objeto fóbico fazem parte
ao mesmo tempo do que se liga a quantidade e a representação.

Nos textos de "Metapsicologia", Freud repõe as fobias no


contexto das psiconeuroses, mais precisamente naquele da
histeria. Nós nos referiremos aos capítulos "O Recalque" e "O
Inconsciente" (sobretudo este último).
O mecanismo do recalque pode ser abordado através dos
resultados da cura no que tange a representação do representante.
Eles nos mostram que o recalque produz geralmente uma
formação de substituto, mas esta e o sintoma, índices do retorno
do recalcado, não provém diretamente do recalque. É assim na
análise do Homem dos Lobos : o recalque tem por objeto a moção
terna dirigida ao pai associada à angústia cujo pai é o objeto. Após
o recalque, o pai não é mais objeto da libido. A ele se substitui um

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Quando Freud fala das fobias

animal mais ou menos apropriado para servir de objeto da


angústia. A representação deslocou-se, o elemento quantitativo
foi transposto em angústia.
Ao mesmo tempo ele escreve : "a economia do desprazer
falhou.” A neurose neste caso continuando a trabalhar, num
segundo tempo, determina a formação de uma tentativa de fuga, a
fobia propriamente dita. É este segundo tempo que diferencia a
fobia da histeria de conversão, que não o apresenta.
*
* *

Em "O Inconsciente”, Freud utiliza três sortes de relações


para descrever os processos psíquicos : dinâmica, tópica e
econômica, e as aplica na descrição do recalque na histeria de
an g ú stia. Ele articula desde então o jogo do investimento no
inconsciente de uma moção que reclama uma transposição para o
sistema préconsciente, mas o movimento de investimento
nascido deste se retira, numa tentativa de fuga e o investimento
inconsciente da representação afastada se descarrega sob forma de
angústia. A repetição do processo é um primeiro passo em direção
ao domínio do desenvolvimento da angústia. Desde então, o
investimento na sua fuga se dirige para uma representação
substitutiva associada à representação descartada cujo
distanciamento permite que ela escape ao recalque e por outro
lado permite uma "racionalização” da angústia ainda impossível
a limitar.
A fuga atua primeiro no jogo das representações e a
angústia permanece ativa.
É assim que a representação substitutiva aparece como o
ponto de partida da liberação de um afeto de angústia.
Na clínica, a criança apresentando uma fobia de animal, por
exemplo,sente angústia quando a moção recalcada é intensificada
ou quando o animal é percebido. É o segundo caso que predomina
sobre o primeiro tão logo o sistema consciente prevalece. Mas o
processo de recalque não está terminado,tanto que a angústia
surge diante do substituto. Doravante é o meio ambiente
propriamente dito, associado ao substituto, que é investido com
uma intensidade particular. Cria-se aí uma vanguarda cuja

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Quando Freud fala das fobias

excitação vai provocar o aparecimento de uma angústia mínima,


verdadeiro sinal de uma nova fuga do investimento.
A cada aumento da excitação pulsional a ‘'muralha"
protetora em torno da representação substitutiva deve avançar
um pouco mais.
Assim, a terceira fase repetiu o trabalho da segunda. Freud
concluiu : "Toda esta construção porta o nome de fobia." Ela tem
como efeito permutar, ao nível do inconsciente, uma pequena
área onde poderia irromper a moção pulsional recalcada por uma
vasta superfície, verdadeira cadeia de vanguardas da fobia que
torna-se um território da influência inconsciente.
Porém desde então o Eu (moi) se comporta como se o
perigo da angústia não se originasse de uma emoção pulsional
mas de uma percepção e o perigo pulsional é projetado no
exterior. A fobia constitui a marca da fuga deste perigo exterior.
Em Inibição, Sintoma e Angústia, Freud livra-se a uma
autocrítica de suas posições no que tange ao itinerário que
percorreu até então a fobia : desde a fobia como sintoma de uma
neurose de defesa cujo sentido pode ser encontrado na neurose
obsessiva, passando pelas neuroses atuais onde ela aparece
soldada ao afeto da angústia até a metapsicologia onde ela
reintegra as psiconeuroses mais próximas da histeria, na histeria
de angústia. É precisamente em seu trabalho sobre a angústia e
seus vínculos com o recalque, numa revisão dos processos de
defesa, que ele tentará situar a fobia na nova perspectiva da
metapsicologia.
Ele livra-se a uma autocrítica no que diz respeito a sua
tentativa de entender a fobia nas neuroses atuais. Apesar de ter
pretendido esclarecer o processo m etapsicológico da
transformação direta da libido em angústia ele teve que convir
que tratava-se apenas de uma descrição. De fato, ele apóia-se em
suas inovações elaboradas em "O Eu e o Isso." Assim, a tese que
supunha que pelo recalque a representação se via deformada,
deslocada enquanto que a libido da moção pulsional era
transformada em angústia não foi confirmada pelo exame das
fobias, bem ao contrário, nos diz ele. A maior parte das fobias
remetem a uma angústia do eu (moi). É esta posição do eu (moi)
que constitui o elemento primário e impele ao recalque. "A

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angústia não nasce jamais da libido recalcada" afirma ele.


Entretanto, neste fim do capítulo IV, ele não pode abandonar
totalmente a tese que a libido se transforma em angústia quando a
excitação sexual se encontra inibida, retida ou desviada. Mas sua
análise das fobias também não pode ser renegada. Non Liquet!
Abandonando assim a fobia como sintoma, Freud aborda-a
como uma das três neuroses edipianas cuja saída é a destruição do
complexo e que se reúne às duas outras pelos efeitos da angústia
de castração. A fobia separa-se delas na medida em que é a única
no curso da qual esta angústia é confessada. Ele precisa, um pouco
mais tarde, as condições que a determinam : é a perda do amor
proveniente do objeto na histeria, e não a ausência de objeto ou a
sua perda real, que tem a mesma função da ameaça castração nas
fobias e a angústia diante do super-eu na neurose obsessiva.
Além disso ele aborda as relações entre função do sintoma e
desenvolvimento da angústia. Na clínica constatamos que
quando um agorafóbico é abandonado na rua após ter sido
acompanhado até lá ele tem um acesso de angústia. Assim, se
impedimos o sintoma de formar-se, o perigo da castração, por
exemplo, constitui uma ameaça externa. Mas ela provém da
moção pulsional que a condiciona de sorte que combatemos este
perigo exterior por precauções tomadas contra um perigo interior.
No caso da fobia de animais o perigo parece ser então percebido
como exterior e, como pode-se notar, no sintoma ele conhece um
deslocamento em direção ao exterior. Assim, os processos
defensivos se parecem com um processo de fuga na fobia.
Assim como o perigo real é um perigo que conhecemos a
angústia neurótica é uma angústia diante de um perigo que não
conhecemos : é um perigo pulsional. Mas o que significa a
situação de perigo? Seria o reconhecimento de nossa fraqueza, de
nossa aflição diante dela, do que ela tem de traumático. Nós
podemos então separar situação traumática e perigo. Daquela
temos a experiência e podemos percebê-la pelo sinal de angústia.
Na fobia a angústia estaria relacionada a punição da pulsão,
o sintoma fobia aparece então como uma vanguarda contra a
angústia. É de um certo modo uma montagem que evoca o limite
da instalação de uma psicologia do comportamento, de um
verdadeiro reflexo condicionado.

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Quando Freud fala das fobias

Mas Freud tem o cuidado, no Capítulo IV, de mostrar a que


ponto ele utiliza esta posição como verdadeiro contraponto a sua
dialética. Ele nos diz : depois da análise do pequeno Hans e do
Russo, o Homem dos Lobos, eu encontrei um terceiro caso, um
jovem americano no qual, é verdade, não se formou uma fobia de
animais mas que precisamente por esta ausência ajuda a
compreender os outros casos. Sua excitação sexual "se acendeu" a
partir de uma estória infantil fantástica que alguém lera para ele.
Tratava-se de um chefe árabe que perseguia um personagem feito
de substâncias comestíveis (o ginger-bread-man) para devorá-lo.
Ele próprio identificava-se a esta criatura e era fácil reconhecer no
chefe um substituto do pai. Este fantasma fora o primeiro suporte
de sua atividade auto-erótica. Entretanto deve-se precisar que a
representação do pai devorador faz parte de um fundo arcáico e
típico da infância, e são universalmente conhecidas as analogias
que podemos encontrar na mitologia (Cronos) ou na vida dos
animais.
O essencial aqui é que a angústia encontra-se do lado da
pulsão e não da sua punição. A angústia está aqui no lugar do
substituto do amor passivo, sua outra face. O sintoma é aqui
querido pela angústia que ele proporciona, ela está do lado da
pulsão, do lado do gozo.

* *

É neste ponto que podemos nos deter um instante e vir ao


encontro do que Lacan nos precisa na passagem ao plano do nó
borromeu onde ele situa o gozo fálico na intersecção do Simbólico
com o Real, íora do corpo. E de que temos medo senão do nosso
corpo, da suspeita que poderíamos ser reduzidos a nosso corpo
imaginário? E é justamente de onde avizinha no simbólico a
borda do Real que irrompe que escoa o sintoma da margem do
imaginário na representação preconsciente freudiana.

Permito-m e esquematizar aqui,por minha vez, um


fragmento de observação que me parece possibilitar a
compreensão dos efeitos deste entrelaçamento. Este homem

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Quando Freud fala das fobias

jovem tinha fobia de sangue, de ferida que lhe provocam horror.


Ele sonhou que tirava toda a superfície do seu corpo com as mãos.
Tudo era retirado facilmente : a pele, a carne, em seus relevos e
dobras. Enquanto ele despia-se integralmente, para retomar a sua
expressão, procurava um espelho para ver o que isto produzia
como efeito. Todos os seus orgãos pouco a pouco eram
descobertos, desnudados."Eu tocava-os com os dedos, sem
repugnância. Era como um coelho esfolado, um Conde d'Orange
descascado, dissecado. Eu estava surpreso com o grande prazer, o
bem que isso me proporcionava e tinha necessidade de explorar
tudo longamente, de percorrer todos os lugares. Sem cessar queria
ver em que estado eu estava, talvez para mostrar aos outros. Mas
os espelhos não estavam lá eu geralmente imaginava que
estavam, onde existiam sempre."
No sonho também o gozo do Outro era impossível.

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