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AS MATRIZES CLÍNICAS...

MODELO DA HISTERIA:

“primeiro sistema de psicanálise”

- esse primeiro modelo coloca em termos teóricos um tipo de funcionamento mental cuja
referência básica é a histeria

- a dificuldade para fazer entrar nele outros tipos de funcionamento mental foi aos poucos
persuadindo Freud a introduzir outros modelos metapsicológicos, que incluíam elementos
teóricos novos

Repousa sobre três bases: a teoria do inconsciente, a teoria da libido, e, no plano terapêutico,
o trabalho com o par dinâmico resistência/transferência.

1. A teoria do inconsciente envolve as noções de processo primário e secundário, a ideia-chave


de um conflito entre desejos e ideais contrários a esses desejos, a tópica como geografia dos
lugares psíquicos, e a hipótese de que a defesa contra os impulsos condenados está na origem
da formação dos sintomas.

2. A libido é uma força variável capaz de servir como substrato das transformações e dos
processos em que consiste o funcionamento mental; esta força é de natureza sexual, o que faz
da sexualidade o centro da vida psíquica.

Do ponto de vista do desenvolvimento, a libido passa por uma evolução que conduz das
pulsões parciais até a genitalidade e à escolha de um objeto externo.

3. A teoria psicopatológica se organiza como função das propriedades da libido: da sua


plasticidade e da sua capacidade de aderir a representações decorre a possibilidade de os
impulsos libidinais serem gratificados, reprimidos, sublimados ou utilizados para construir
formações reativas;

do seu caráter temporal-evolutivo, decorre a possibilidade da sua fixação e da sua regressão a


alguma das etapas que percorreu.

4. Dessas duas teorias combinadas — a do inconsciente e a da sexualidade — decorre a


concepção do processo analítico: ele consiste em mobilizar as fixações, o que permite à libido
desfazer as repressões.

Nesse processo, surgem as resistências, que se opõem à rememoração dos eventos e dos
processos psíquicos que se encontram na base da neurose: uma vez interpretadas, elas cedem,
e os sintomas desaparecem.

O essencial do paradigma pulsional é a determinação unívoca da pulsão como sexualidade

MODELO DA PSICOSE

Em abril de 1906, Jung envia a Freud um exemplar do livro "Estudos sobre o diagnóstico por
associação", que continha trabalhos seus e de outros colegas do hospital psiquiátrico de
Zurique

Começa uma relação que se prolonga por sete anos, até a ruptura final e o afastamento de
Jung da psicanálise.
Jung se interessa pela psicanálise como método e como teoria, mas encontra dificuldades para
utilizar tanto uma como outro em seu trabalho com os psicóticos.

Desde as primeiras cartas Jung manifesta suas dúvidas: a teoria da libido será mesmo
adequada para compreender os mecanismos e os fenômenos da psicose?

Freud responde com uma série de explicações nas quais podemos perceber a presença de um
tema que o conduzirá a desenvolver um novo modelo metapsicológico: trata-se da regressão
ao autoerotismo como um processo que afeta não somente a esfera da sexualidade, mas todo
o conjunto da vida psíquica do sujeito.

O autoerotismo das pulsões sexuais consiste exatamente no investimento de objetos


fantasiados, ou, o que é o mesmo, no investimento das fantasias, por oposição aos objetos
“reais”

A ideia de regressão autoerótica desemboca no conceito de narcisismo, que é a chave do


segundo modelo metapsicológico

É com a aparição do narcisismo que vai surgir um objeto realmente heterogêneo à pulsão, o
Ego – e uma “psicologia do ego” que venha completar a “psicologia da libido”.

Do ponto de vista genético, as pulsões são primordialmente autoeróticas; já o ego precisa ser
constituído, porque é uma unidade.

É esta a concepção que vai predominar na vertente da teoria sobre o processo analítico, que
abandona o paradigma catártico e passa a se concentrar na análise da transferência e da
resistência como repetição.

MODELO DA NEUROSE OBSESSIVA

O ódio recalcado e a matriz clínica da neurose obsessiva

Nos últimos meses de 1907 Freud começa a trabalhar em uma análise que dará lugar a vários
remanejamentos importantes na teoria e na técnica da psicanálise: trata--se de Ernst Lanzer, o
Homem dos Ratos

A análise do Homem dos Ratos produz um resultado não previsto pela teoria então vigente: o
que é recalcado, longe de ser uma fantasia de desejo sexual, é o ódio inconsciente contra o
pai.

- até então o ódio não ocupava nenhuma posição de destaque nas doutrinas psicanalíticas de
então;

- no primeiro sistema psicanalítico o alvo do recalque é sempre e por definição a sexualidade;


entretanto, na neurose obsessiva o “amor” é justamente o que inibe o ódio e o expulsa para o
inconsciente

Essa situação introduz nas “engrenagens da metapsicologia” um “grão de areia, “responsável


por todos os deslocamentos e remanejamentos metapsicológicos que se produzirão a partir de
então na obra de Freud” (Luís Carlos Menezes, 1991)

A metapsicologia desta neurose se revela incompatível com a tese de que o recalcado é


sempre o sexual.
O mecanismo central da neurose obsessiva é um conflito entre o ódio e o amor, no qual o
amor não extinguiu o ódio nem foi vencido por ele, coexistindo ambos em relação à mesma
pessoa

A esta configuração, Freud chamará "ambivalência", reconhecendo ainda que “mantido sob
repressão no inconsciente através do amor, o ódio também desempenha um grande papel na
patogênese da histeria e da paranoia” (Freud, S. Obras Completas, v.9, pp 96-97)

O ódio é o reprimido: como isso é possível, se o reprimido é o sexual?

Resposta: o ódio está de alguma forma ligado ao sexual, é parte dele — o “componente sádico
do amor”, ou seu “fator negativo” — e foi cindido precocemente, devido à sua excepcional
intensidade

O que resulta dessas hipóteses é que o funcionamento psíquico tende a um objetivo muito
diferente daquele que se depreende dos dois primeiros modelos metapsicológicos: o
funcionamento mental tende à descarga automática sob a forma de uma ação impulsiva, e é a
força que deveria alimentar esta ação, mas não o faz por causa da regressão, que vem investir
o pensamento.

Estes elementos ainda não formam entre si um conjunto coerente, nem coerente com o resto
da metapsicologia.

Permanecerão em latência, até a elaboração de "Totem e tabu" que será estruturado seguindo
duas grandes linhas:

- do narcisismo por um lado,

- da ambivalência por outro;

A referência clínica de Freud é a neurose obsessiva: ela é evocada em quase todas as páginas
de Totem e tabu, e fornece os parâmetros para compreender os costumes e crenças dos
primitivos.

Será da conjunção destas duas temáticas que surgirão, mais claramente, seu quarto modelo
metapsicológico, que terá por matriz clínica a melancolia, mas neste momento ainda não está
constituído.

Freud só o montará quando extrair todas as consequências do conceito de "identificação" que,


na época é apenas um entre os vários mecanismos psíquicos.

É a identificação que dá conta do ato que se segue ao parricídio: os filhos coligados devoram o
cadáver do pai, e assim cada um incorpora um “pedaço de pai”.

O destino deste “pedaço” vai constituir o núcleo do superego pelo processo da identificação.

O estudo da neurose obsessiva no “Homem dos Ratos” e em "Totem e tabu" havia sugerido
um modelo para o funcionamento psíquico no qual a energia, sob a forma de ódio, tendia a
uma descarga imediata e destrutiva para o objeto

É na neurose obsessiva que reside o “grão de areia”, que é exatamente o papel do ódio no
funcionamento mental: é ela a matriz clínica do terceiro modelo, e a tarefa fundamental deste
modelo será precisamente dar conta do problema do ódio.
Essa solução está na parte final de “Pulsões e destinos de pulsão” e consiste em estabelecer
um vínculo entre o ódio e o narcisismo, vínculo que afeta profundamente a noção mesma de
narcisismo

MODELO DA MELANCOLIA

Entre 1917 (“Luto e melancolia”) e 1923 (“O ego e o id”) a identificação deixa de ser mais um
entre os diversos mecanismos defensivos para se tornar um momento fundamental no
processo de subjetivação.

Em “Luto e melancolia” Freud elabora um novo conceito de identificação.

Seu solo de origem é a ambivalência, tal como aparece no mecanismo de incorporação


descrito em "Totem e Tabu"

A identificação é conceito chave do processo patológico na melancolia: havia um investimento


erótico no objeto, mas, devido a uma falha grave no comportamento deste (= pessoa amada),
tal investimento foi-lhe retirado.

Em vez de se deslocar para outro objeto, a libido regrediu até o ego, e neste encontra uma
aplicação determinada, servindo para estabelecer uma identificação com o objeto
abandonado.

"A sombra do objeto caiu assim sobre o ego; a partir deste momento, este último pôde ser
julgado por uma instância especial como se fosse um objeto, como o objeto abandonado.
Deste modo, a perda do objeto se transformou numa perda do ego, e o conflito entre o ego e a
pessoa amada, numa dissociação entre a atividade crítica do ego e o ego modificado pela
identificação." (Freud, S. Obras Completas, v. 12, pp. 170-94).

O quarto modelo introduz também uma noção de extrema importância: a de relação de objeto

Segundo Diana Rabinovitch (1988), há diversos usos do termo “objeto” em Freud; destaca 03
diferentes séries ou perspectivas das quais surgem as interpretações de Melanie Klein, de
Lacan e outros autores.

As três séries são: (1) a do objeto do desejo, (2) a do objeto da pulsão e (3) a do objeto do
amor, aquele que se escolhe na “escolha de objeto”.

A reformulação do conceito de identificação postula uma forma inédita de abandonar e ao


mesmo tempo manter o objeto; sugere um processo de gênese para o ego — e para o que
logo mais será o superego

A PARTIR DE 1920...

Os desenvolvimentos da década de 20 darão continuidade ao terceiro modelo:

- ele servirá de parâmetro para a construção do novo dualismo pulsional, juntamente com os
fenômenos do polo “negativo” do gradiente emocional — medo, culpa, angústia, repetição
mortífera, etc.

Também darão continuidade ao quarto modelo:


- ele está presente na teoria do complexo de Édipo, que culmina com as identificações
normativas a um ou a outro progenitor; na análise dos fenômenos sociais e do vínculo
amoroso entre os membros da multidão e das instituições (Psicologia das massas); e na
reelaboração da tópica, tanto no plano do ego quanto do superego.

Na ideia de superego, virão confluir elementos de ambos os modelos: ele resulta de uma
identificação, mas está em estreito contato com as pulsões do id, de onde seu caráter cruel e
sua severidade extrema frente ao ego.

A nova tópica e a nova teoria das pulsões determinarão uma extensa reavaliação da teoria
psicopatológica, recentrando-a sobre a angústia e sobre o complexo de castração (Inibição,
sintoma e angústia).

Quanto à teoria do processo analítico, ela se enriquecerá com a análise da contratransferência


e com a noção de “construção”, além de se deter com mais atenção nos fatores que
obstaculizam o trabalho e podem determinar seu fracasso: resistências excessivas, reação
terapêutica negativa e sentimento inconsciente de culpa excepcionalmente intenso.

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