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05/12/2023 23:44 A autoconservação e a pulsão de morte – Lacuna

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LACUNA
U M A R E V I S TA D E P S I C A N Á L I S E – I S S N 2 4 4 7 - 2 6 6 3

Revista Lacuna / 26 de agosto de 2021 / clássico, n. -11, Tradução

A autoconservação e a pulsão de morte


[ Self-preservation and the death instinct ]

por Ernst Simmel

Tradução | Gabriel K. Saito


Reimpresso e traduzido da The Psychoanalytic Quarterly, vol. XIII, n. 2, abril de
1944. Escrito antes para a San Francisco Psychoanalytic Society, 17 de Abril, 1943. [1]

Há certa inquietação hoje entre os psicanalistas quanto aos fundamentos da teoria


psicanalítica: as teorias da libido e da pulsão. Esta inquietude se originou quando Freud
em Além do princípio do prazer desenvolveu uma teoria dualística da pulsão, na qual
supôs que a vida em suas manifestações normais e atípicas era controlada por dinâmicas
antagonistas: uma pulsão de vida construtiva, libidinal e outra pulsão de morte
destrutiva, não libidinal. Deve-se lembrar que a teoria fundamental da pulsão de Freud
desenvolveu-se sobre a base dos estudos clínicos das neuroses de transferência, que por
sua vez também era dualística. Ela antevia o conflito entre o eu e as pulsões sexuais ou,
como Freud formulou em seu tempo, um conflito entre as pulsões do eu e as pulsões
sexuais.

Em suas Conferências introdutórias[2] Freud diz: “a Psicanálise jamais se esqueceu das


pulsões não-sexuais, tampouco de sua existência; ela se tem construído sobre uma estrita
distinção entre as pulsões sexuais e as pulsões do eu; e frente a toda oposição tem
insistido não que elas surgem da sexualidade, mas que as neuroses devem suas origens
ao conflito entre o eu e a sexualidade”.

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As pulsões do eu eram pulsões de autoconservação. Certa vez Freud formulou o princípio


da autoconservação inerente às pulsões do eu de maneira muito simples, quando ele
disse “em todos os seus conflitos, o eu pode ter nenhum outro objetivo senão aquele de
conservar a si mesmo”.

A teoria da pulsão com a qual Freud iniciou a sua pesquisa analítica teve assim um
pensamento em comum com a teoria concluída por ele: o princípio do dualismo reflete a
dinâmica entre duas energias pulsionais opostas.

Portanto, a formulação da primeira concepção foi autoconservação versus sexo, ou como


Freud expressava em termos biológicos: “pelo seu aspecto de organismo individualizado
e independente, o eu entrou em oposição a si mesmo, devido a sua outra característica de
ser um membro de uma série de gerações”.[3]

Freud aprofundou-se no caminho da pesquisa psicanalítica até que, partindo de uma


teoria dualística relativa ao conflito com o eu, ele finalmente chegou à concepção de um
conflito pulsional dentro do eu: a luta de uma parte do eu cujo desejo de se manter vivo
se contrapõe a parte cujo desejo é destruir a si mesmo. Ao longo desse percurso, ele
repetidamente estabeleceu como necessário reexaminar seus conceitos básicos da libido
e das pulsões e modificá-los ou, respectivamente, ampliá-los.

Este artigo é uma tentativa de avançar outra teoria relativa à teoria das pulsões, a qual se
diferencia em certo grau da visão de Freud.[4] Sustenta-se que a visão de Freud sobre o
conflito fundamental que vincula e rompe a vida extraindividual é também responsável
por todos os transtornos intraindividuais. É o eterno conflito entre os princípios
construtivos e destrutivos: o conflito ambivalente entre amor e ódio. Porém, desviamos
de Freud ao passo que discutimos sobre a essência da libido, e sua função no conflito
entre os dois supracitados princípios.

Antecipo-me: devo dizer que não considero as energias destrutivas manifestações de


uma pulsão de morte, senão manifestações de pulsões de autoconservação. De acordo
com o último conceito de libido de Freud, a necessidade da autoconservação deve ser
considerada uma componente libidinal do eu. Se assim for aceito, então, desde o começo
há uma aparente contradição na atribuição das tendências destrutivas à pulsão de
autoconservação do eu. Dizer que somos agressivos e destrutivos quando confrontados
na necessidade de nos defender de ameaças que podem extinguir nosso eu, pode soar
como algo sensato ainda que banal. No entanto, sustentar que nós derivamos energias
pulsionais destrutivas para tais emergências do reservatório da libido parece se tratar de
um patente contrassenso teórico libidinal. E isso porque, de acordo com os últimos
conceitos de Freud, a libido é precisamente a energia pulsional que vincularia as
substâncias, não visando suas perturbações ou suas destruições.

Antes que alguém possa aceitar a asserção de que não há uma real contradição entre
estes dois postulados, é preciso brevemente revisar o desenvolvimento das teorias da
libido e da pulsão de Freud. O próprio Freud finalmente ampliou o conceito de libido

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para tal extensão que não temos dificuldades práticas ou teóricas em incluir energias
destrutivas dentro da natureza libidinal da pulsão de autoconservação.

Vamos recapitular a formulação de Freud de pulsão e libido:

“Uma ‘pulsão’ se apresenta para nós como um conceito-limite entre o psíquico e o


somático […]”.[5] “Uma pulsão pode ser descrita como tendo uma fonte, um objeto e
uma meta. A fonte é um estado de excitação dentro do corpo e a sua meta é a
remoção dessa excitação; neste percurso desde a fonte até a obtenção da meta, a
pulsão se torna psiquicamente atuante.[6]

Ademais, Freud caracteriza a pulsão sexual como uma pulsão cuja meta específica é
prover um prazer orgânico para determinadas zonas erógenas do corpo. As principais
zonas erógenas da infância são a boca, o ânus e os genitais. A experiência das sensações
aprazíveis nestas zonas, lograda no contato com o objeto, estabelece as relações de objeto
da criança, apesar do caráter sexual destas zonas ser reconhecido como tal apenas mais
tarde, quando as zonas erógenas forem organizadas sob a primazia da zona genital,
dispostas a serviço da função da reprodução.[7]

Agora vamos retornar ao conceito original de libido. “Libido é o investimento de energia


dirigido pelo eu em direção ao objeto de seu desejo sexual”[8]. Freud distinguiu três fases
do desenvolvimento da libido: a oral, a anal e a fálica, a qual precede a organização
genital da libido. Ele abandonou sua ideia original de que as zonas erógenas pré-genitais
vão “predando separadamente” em busca do prazer do órgão. Ele descobriu que no
estágio pré-genital já existia uma organização dos componentes de moções sexuais, a
qual determina a escolha do objeto da criança; e que essa organização pré-genital da
libido tem características destrutivas. Esta é a organização anal-sádica da libido.

Por outro lado, Freud empregou frequentemente o termo “estágio oral do


desenvolvimento da libido” como sinônimo do “estágio canibalístico da libido”. Uma vez
que o canibalismo possui um indubitável caráter destrutivo, nós vemos que destruição e
libido não são opostos irreconciliáveis nas teorias originais de Freud. Mais tarde, ele
assumiu que estas duas categorias de energia comumente aparecem de forma
simultânea, e que todo estágio de desenvolvimento da pulsão sexual corresponde a um
estágio específico do desenvolvimento da pulsão destrutiva.

Freud sempre destacou o ponto que no início da vida, as pulsões sexuais infantis
“veiculam-se apoiadas pelas pulsões de autoconservação”[9]. É evidente que Freud
considerou o estágio oral da libido, a tendência para a destruição canibalística e as
manifestações das pulsões de autoconservação como idênticas ou, ao menos,
coordenadas. Estes três termos estão postos lado a lado, como preparativo para uma
nova teoria; para demonstrar que, na descoberta de um novo campo, nada mais foi feito
além de atravessar a porta a qual Freud abriu sem tê-la cruzado.

Freud frequentemente enfatizou que as duas principais forças reinantes sobre o mundo
são a fome e amor. Porém, enquanto se concentrou sobre o estudo da psicodinâmica das
neuroses de transferência, não esperava que a comparação entre estas duas forças
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biológicas iria ajudá-lo de alguma forma. Ele nos disse que a investigação psicanalítica
acerca das pulsões de autoconservação teria de esperar até que nós tivéssemos reunido
mais conhecimento sobre o próprio eu, ou no tocante ao que acontece dentro do eu,
quando, em obediência à realidade, ele tem que recolher suas demandas libidinosas e
sexuais. Freud não nos deixou esperando por muito tempo. Ele estendeu sua pesquisa às
derivações do eu nas neuroses narcísicas e psicoses, fornecendo-nos uma profunda
compreensão do fato de que o eu “em todos os seus conflitos, não pode ter outra
tendência além que manter a si mesmo”. Isto nada mais significa que o eu deve lutar
para manter seu equilíbrio libido narcísico interior.

Seguindo a observação de que, nas psicoses, a libido retirada do objeto-mundo retorna


ao eu e toma o próprio eu como um substituto do objeto, Freud se encontrou frente à
necessidade de ampliar seu conceito original da libido. Esta poderia ainda ser definida
como um “investimento de energia direcionado pelo eu a um objeto de seu desejo
sexual”; mas o fato de que o eu poderia se tornar regressivamente seu próprio objeto
provou que o reservatório da libido estava contido dentro do próprio eu, como uma
energia psicobiológica, originalmente a libido era desprovida de objeto e poderia ser
enviada ou retirada pelo eu, de acordo com suas necessidades. Esta (re)transformação de
uma libido objetal em libido narcísica e o subsequente represamento da libido do eu
foram então consideradas a causa dinâmica da deteriorização do eu, como são vistas na
hipocondria e nas psicoses parafrênicas.

O pré-requisito qualitativo prévio para a libido sexual, a provisão do prazer orgânico,


perdeu a sua significância e cedeu lugar ao ponto de vista da distribuição quantitativa da
libido narcísica no interior do eu. O conceito original sobre a propensão ao princípio
prazer-dor – de proporcionar prazer e evitar a dor — foi ampliado para o conceito de um
princípio cuja tendência está em manter a tensão libidinal dentro do eu a certo nível
além do qual a dor ou o desprazer [Unlust] são experimentados.

A angústia é um fenômeno específico dessas perturbações quantitativas do equilíbrio da


libido narcísica. Ela funciona como um alerta para o eu, ora fazendo-lhe deslocar
descargas pulsionais autônomas adequadas e descargas motoras externas, ora, em vez
disso, ativando mecanismos necessários de defesa psíquicos.

A percepção da angústia constitui a situação de perigo para o eu. Em termos da teoria da


pulsão, nós podemos dizer que o eu percebe a si mesmo em perigo, quando se encontra
exposto e desamparado frente às energias mobilizadas pelas necessidades pulsionais
necessárias ao id. O medo da aniquilação ou da morte resulta da percepção concomitante
de que: ou há um objeto mais forte que o eu — o objeto hostil que se opõe ao
relaxamento da tensão — ou de que não há um objeto amigável e acessível para conduzir
à liberação da tensão, que veio a se tornar insuportável.

A formulação de Freud: “o eu, em todos os seus conflitos, não pode ter outra tendência do
que se manter a si mesmo” pode ser interpretada, portanto, nos termos do princípio de
prazer-dor. A angústia é o sinal para o eu que está prestes a sucumbir à frustração de
uma necessidade pulsional vital. Angústia é uma manifestação da dirupção do equilíbrio
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do eu narcísico. O objetivo do eu de “manter-se a si mesmo” expressa então sua


necessidade de preservar ou restaurar a normalidade do seu equilíbrio narcísico
interno.

O critério de um eu normal é de que ele não é consciente sobre si mesmo enquanto


funciona como agente de controle, de passagem ou como barragem de contenção das
energias pulsionais do id. Esta inconsciência de si é uma expressão de seu perfeito
balanço libidinal interno. Por outro lado, o eu normal permanece ciente do mundo
objetal externo, porque as forças condutoras de suas fontes pulsionais o tornam
dependente desse.

A maturidade do eu normal pode ser descrita com base no desempenho efetivo de seu
supereu. O supereu é uma formação de compromisso. A realidade objetiva externa e a
realidade psíquica pulsional interna pactuaram em estabelecer um representante
comum interno do eu, pela proposta de uma arbitragem nos conflitos entre as demandas
da realidade e as demandas das pulsões. O supereu auxilia o eu a avaliar a intensidade
libidinal das necessidades pulsionais e as possibilidades de satisfação mediante os
objetos. A efetividade do supereu determina a capacidade de um eu maduro em perceber
uma situação de tensão, como um perigo e reagir a ele com o medo da morte. (O medo da
morte é uma antecipação a uma final e irreparável dirupção do equilíbrio da libido
narcísica.) Se a avaliação revela uma condição permanente e absoluta de desamparo,
pois o objeto — “a coisa pela qual a pulsão atinge o seu objetivo” — está e permanecerá
fora de alcance, então, ainda resta a possibilidade de evitar o medo da morte, por meio
de uma nova distribuição da libido narcísica entre o eu e o seu próprio supereu. O
supereu é capaz de tomar o lugar do objeto e se vincular a libido objetal frustrada, depois
da transformação desta em libido narcísica[10]. Um supereu eficaz pode prover ao eu
uma segurança pulsional temporária, como protótipo paterno, e então agir de forma
preventiva contra o medo da morte. Parece ser este o significado da observação de Freud
feita certa vez, na qual “o medo da morte diz respeito a uma interação entre o eu e o
supereu”[11]. Assim, um homem maduro se torna capaz de morrer sem medo em virtude
de um supereu em bom funcionamento[12].

Ulteriormente, a autoconservação é uma tentativa de preservar a coerência da unidade


estrutural do eu, por meio de uma distribuição adequada da libido narcísica. A
autoconservação indica a tendência do eu de se manter livre da angústia.

O ensino original de Freud foi que o conjunto que abrange os transtornos


psiconeuróticos e psicóticos surge da luta do eu para se livrar da angústia. Os transtornos
psiconeuróticos resultam da necessidade de mobilizar os mecanismos de defesa, porque
a angústia, como uma expressão da tensão das necessidades pulsionais, carece de
descargas somáticas adequadas. Preso em conflitos entre objetos-frustrantes e
reivindicações libidinais, o eu está em risco de perder seu balanço econômico interno e,
portanto, sua coerência estrutural.

Em retrospecto, nós podemos dizer que o conceito original dualístico de Freud sobre a
autoconservação do eu versus as reivindicações pulsionais do id, fundamentalmente
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conservou a sua validez. Desde sua formulação nós chegamos a compreender a


preservação do eu [self] como uma manifestação do princípio de prazer-dor. Então, foi
lógico para Freud aceitar a natureza libidinal da “pulsão de autoconservação”.

Como caberia a suposição tardia de Freud sobre a agressividade destrutiva não-libidinal


da pulsão de morte neste esquema? Como pode a tese da pulsão destrutiva se encaixar
na teoria das neuroses e psicoses?

O conflito ambivalente do amor e ódio que subjaz todos os transtornos psíquicos surge
em uma nova luz, quando admite as energias da pulsão dotadas apenas de qualidades
destrutivas. Como nós podemos aplicar a teoria da pulsão de morte não-libidinal para as
teorias geralmente aceitas da neurose e psicose? Esta suposição não implicaria uma
revisão da metapsicologia dos transtornos psíquicos? O próprio Freud não empreendeu a
tarefa de revisar a teoria das neuroses sob a sua nova perspectiva dualística. E,
aparentemente, as tentativas feitas por outros psicanalistas nesta direção não
produziram resultados satisfatórios.

É aqui que a suposição de uma pulsão de autoconservação com energias destrutivas de


objeto preencheria a lacuna em nossa compreensão do papel do ódio e da destruição na
gênese da psiconeurose.

Podemos nos perguntar se a necessidade de autoconservação não é, por si mesma,


suficientemente inteligível como uma manifestação da libido em seu sentido mais amplo.
Seria necessário estabelecer uma pulsão isolada para os fins da autoconservação, a qual
teria uma tarefa psicobiológica de fornecer gratificações específicas, que
simultaneamente auxiliam em manter a integridade do eu?

Freud obviamente achou essa hipótese desnecessária. Ele considerou a luta pela
autoconservação explicável nas bases de energias libidinais da pulsão sexual, que agora
se tornou Eros. As complicações encontradas nesta luta, Freud as ponderou devido ao
funcionamento antagonístico de uma pulsão isolada para a autodestruição.

Freud descreveu uma pulsão de autodestruição, porque a autodestruição obedece à


tendência última de todas as pulsões: remover excitações orgânicas e restabelecer a
condição primeva do repouso da pulsão. A completa autodestruição remove a excitação
de todas as fontes orgânicas, e reintegra a condição inorgânica da substância que é a
morte.

Muitos psicanalistas se mostram bem dispostos a aceitar a suposição de Freud da


autodestruição como um princípio fundamental da natureza. No entanto, eles têm
hesitado em aceitar esta definição do princípio como uma pulsão, porque a pulsão de
morte apresenta apenas uma das três características da pulsão, a saber, a meta de
eliminar a excitação. Mas não há nem uma fonte orgânica específica, nem um objeto que
poderia ser considerado característico de uma pulsão de morte.

Na realidade, a pulsão específica de autoconservação cumpre todos os requisitos da


definição prévia e completa de Freud sobre uma pulsão. Examinemos a pulsão de

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autoconservação seguindo o método utilizado por Freud para estudar a pulsão sexual.
Todas as manifestações da vida amorosa foram reduzidas para uma pulsão sexual
fundamental. A pulsão de autoconservação tem abundância de manifestações,
variedades e derivações, e em todas também se pode remeter às demandas de uma zona
orgânica única. Ademais, a pulsão de autoconservação tem uma significação particular
para o estabelecimento de um perfeito equilíbrio da libido narcísica, resultante em um
repouso completo da pulsão.

Qual é a origem do princípio de autoconservação? Quais são suas três características:


fonte orgânica, meta e objeto?

A origem é a pulsão de devorar. Sua fonte orgânica é o trato gastrointestinal[13]. Sua meta
é remover o estímulo oriundo do trato gastrointestinal e seu objeto é o alimento. A
finalidade ulterior, representada apenas em nosso inconsciente mais profundo como um
tipo de conhecimento pulsional inconsciente, é a meta de autoconservação e
autodesenvolvimento. Isto pode ser contrastado com a meta final da pulsão sexual, que é
a reprodução. No último conceito de libido, Freud abandonou sua ideia original da não
existência de uma meta final da pulsão sexual. Quando ele definiu libido como “a
energia manifesta da pulsão de Eros, que luta pela “síntese de substância vivas em
entidades de maior tamanho”, ele certamente incluiu a reprodução.

Se nós aceitarmos a definição de Freud da libido como uma energia direcionada à


“síntese de substâncias vivas”, teremos uma surpresa de ajustarmos a energia destrutiva
da pulsão de autoconservação, como definida acima, dentro da categoria de energia
libidinal. A pulsão de autoconservação intenta, como a pulsão sexual, uma “síntese da
substância viva”. A pulsão de autoconservação procura alcançar sua meta dentro do
indivíduo, enquanto a pulsão sexual se estende além da fronteira do individual. A
gratificação da pulsão sexual elimina a excitação das fontes orgânicas e preserva o
objeto, por sua vez a gratificação da pulsão de autoconservação remove a excitação
gastrointestinal e destrói o objeto.

A definição abrangente de Freud sobre a libido permite reconhecer a minha tese sobre a
destruição como uma manifestação da autoconservação do eu, com seu ponto de vista de
que as pulsões do eu são de natureza libidinal.

Há razões válidas para supor que todas as variações da agressão e das tendências
destrutivas que podem se desenvolver no curso da vida derivam de exigências primitivas
da zona gastrointestinal.

Para tornar compreensível que a pulsão do eu, direcionada ao restabelecimento do


equilíbrio da libido narcísica, procura primitivamente um repouso completo da pulsão, é
necessário recapitular as afirmações de Freud concernentes ao desenvolvimento da
libido do eu.

Libido é, em primeiro lugar e sobretudo, libido narcísica. Deste seu reservatório, a libido
pode ser enviada e trazida de volta. Ela adquire o caráter de libido objetal apenas
mediante uma mudança de vínculo.
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Freud distinguiu três estágios do desenvolvimento da libido narcísica. Em sequência, a


qual é o inverso de seu desenvolvimento cronológico, eles estão dispostos da seguinte
maneira: no conflito edípico, a criança responde à frustração de seu objeto libidinal com
o estágio do narcisismo secundário. Ela toma seu eu como um substituto do objeto
frustrante. Isto é possível, porque o eu infantil estava previamente no estado de
narcisismo primário. O narcisismo primário é a condição pela qual o eu infantil
descobriu a si mesmo, por causa da síntese de seu esforço autoerótico, derivado de todas
as suas zonas erógenas parciais. Este estágio do narcisismo primário desenvolve aquilo
que pode ser chamado de condição do “narcisismo primordial”. Este narcisismo
primordial existe antes do nascimento, no útero. Este é o estágio vegetativo do pré-eu,
idêntico ao id. Neste estágio, há um repouso completo da pulsão. Durante a existência
pré-natal, a libido narcísica não precisa deixar o seu reservatório para se ligar a um
objeto. Não são necessárias recompensas gratificantes de prazer para induzir o feto
[infant] a procurar por um objeto, porque não há estimulação de fonte orgânica. O objeto
maternal, “a coisa pela qual” a pulsão de autoconservação “alcança sua meta”, funciona
automaticamente. Da mesma forma, não há necessidade de perceber o desejo do objeto.
O repouso completo da pulsão é idêntico ao perfeito equilíbrio narcísico e se reflete
psiquicamente em uma condição de inconsciência, que é rompida no ato do nascimento.

O trauma do nascimento, como Freud formulou, consiste em uma ruptura total com o
equilíbrio narcísico pré-natal infantil. É através do ato de alimentação, após o
nascimento, que o bebê retoma seu equilíbrio narcísico e se torna inconsciente
novamente, isto é, ao cair no sono. Esta é a satisfação da zona gastrointestinal — a
representante da pulsão de autoconservação — o que gera este repouso pulsional
completo. Então a preservação do eu [self], desde o tenro início da vida, associa-se em
nossa mente com a tendência a preservar ou recuperar o repouso completo da pulsão.

Minha tese fundamental é que o estágio mais primitivo do desenvolvimento da libido


não é o oral, mas a organização da libido gastrointestinal, porque apenas por meio da
saciação das demandas de todo o trato gastrointestinal é que o bebê é capaz de recuperar
o repouso geral da pulsão. Boca e ânus devem ser considerados apenas como as partes
terminais desta zona orgânica, a qual estabelece seu contato com o mundo objetal.
Sensações prazerosas nestas zonas terminais são essencialmente mecanismos prévios de
prazer — introduzindo o prazer final da digestão. O funcionamento de toda a zona
gastrointestinal é necessária para levar o processo de alimentação à qualidade de ato
canibalístico. Pois somente assim a sucção do leite da mãe tornar-se a incorporação do
objeto materno, ao mesmo tempo se restabelece uma união psicológica que existia entre
o bebê e o objeto materno antes do nascimento.

Nos termos da teoria da libido, nós podemos dizer: durante o processo de alimentação no
pós-natal, a libido narcísica deixa o seu reservatório e retorna a ele sem ser submetida a
nenhuma alteração de qualidade. De fato, ela alcançou um objeto, mas a satisfação que
este objeto provê serve apenas à necessidade de restaurar o equilíbrio narcísico da
libido. É justamente esta constelação psicológica resultante do ato de nutrição pós-natal

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que sustenta a afirmação de Freud que, no começo da vida, as qualidades da libido


narcísica e da libido objetal são indistinguíveis.

O ato da alimentação é receptivo, porém, não simplesmente passivo. Um conjunto


[syndrome] de músculos estriados deve entrar em jogo para fazer o bebê encontrar o seio
materno e segurá-lo, até que a satisfação intestinal completa seja alcançada e a
inconsciência restabelecida.

O mundo circundante desaparece da percepção consciente mediante a saciação da zona


da pulsão gastrointestinal. Traços inextinguíveis de memória dessa experiência
primordial pós-natal subsistem indubitavelmente ao longo da vida e há evidências
clínicas suficientes, que não podem ser apresentadas aqui, para provar que estas
mesmas experiências primevas são o protótipo de certas defesas reativas posteriores do
indivíduo — tão físicas quão psíquicas — que ocorrem no eu, frente ao objeto
insuportável de frustração, quando necessita retomar o repouso da pulsão.

Em outras ocasiões,[14] foi demonstrado que não apenas o mecanismo de defesa da


introjeção, mas também o de repressão é um derivado psíquico do ato de devorar, cujos
efeitos fazem desaparecer o objeto na percepção consciente. Aqui é suficiente a
referência ao afeto da raiva e sua descarga somática através de adequadas inervações
motoras exteriores.

A raiva [rage] deve ser considerada uma manifestação emocional de um transtorno do


equilíbrio narcísico, causado pela frustração de necessidades pulsionais. É a condição
afetiva primordial, reflexo da sensação física da fome da criança. Pelo ato da
alimentação (incorporação), a criança retoma seu equilíbrio narcísico e supera sua fome.

O desejo reativo de matar o indivíduo frustrante, expressado mais tarde no conflito


ambivalente, é fundamentalmente nada mais que o desejo de repetir a experiência
primitiva de devorar, a fim de se libertar da tensão insuportável que toma a forma da
raiva. Despertadas pela reação ao objeto frustrante, individualmente aos órgãos de
execução (boca, dentes, mãos, ou até armas), as tendências agressivas do indivíduo são
derivados inconscientes de demandas da zona gastrointestinal.

Da mesma forma, o ódio é também uma expressão emocional de exigências da zona


gastrointestinal, tal como o amor é a expressão emocional da zona genital. Para dar
suporte a esta tese, é preciso investigar detalhadamente as reações afetivas do trauma do
nascimento na criança, e particularmente a relação entre a primitiva angústia e a raiva
primitiva. Para ser breve: como a excitação sexual, primitivamente, a raiva não tem um
objeto. Ambos afetos chegam a se relacionar com o objeto por meio de suas expressões
emocionais. Nós odiamos objetos porque eles despertam nossa fome de objeto, negando
suas gratificações.

A língua é amiúde um monumento para os significados esquecidos das ideias originais,


concretas e subjacentes das palavras. A palavra alemã para ódio [hatred] é Hass.[15] Hass
é derivado de hatzen; hatzen significa caçar [hunting], e caçar é perseguir um animal com
o propósito de matá-lo e devorá-lo. Assim, o objetivo final do ódio é a incorporação do
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objeto. O ato de devorar e o processo de digestão podem também ser considerados a


descarga adequada da raiva em suas inervações motoras externas, tal como em sua
motilidade interna; pois o ódio é o equivalente emocional do afeto da raiva.

Os três termos de Freud que foram considerados as primeiras fases do desenvolvimento


da libido foram citados acima. Ele nomeou a “fase oral”, a “fase canibalística”, mas
também sugeriu que nesta fase as pulsões sexuais da libido infantil repousam sobre as
pulsões de autoconservação. Agora se supõe que estas três características na realidade
descrevem um fato psicobiológico, isto é, a operação da pulsão destrutiva libidinal da
autoconservação, manifestando as exigências do trato gastrointestinal.

Qual é a relação entre esta pulsão de autoconservação e o conceito de Freud de pulsão de


morte? Ambos os conceitos têm o estado inconsciente como uma meta comum. Como
vimos, a primeira gratificação da pulsão de autoconservação depois do nascimento
resulta na inconsciência, como uma expressão de completo repouso pulsional. Esta
condição inconsciente absoluta pode ser considerada o equivalente psíquico da morte
física. Freud acreditava que o esforço imanente de nosso sistema psíquico pela liberação
da tensão era característica do funcionamento da pulsão de morte. “Nosso
reconhecimento que a tendência dominante da vida psíquica […] é a luta por reduzir,
manter em nível constante ou eliminar os estímulos internos de tensão (o princípio de
Nirvana, como o chamou Barbara Low) — uma luta que vem a se expressar no princípio
do prazer — de fato, é um dos nossos motivos mais fortes para acreditar na existência da
pulsão de morte”.[16]

Com razão, Freud pôs ênfase particular na eficácia do princípio de Nirvana em nossa
vida psíquica. No entanto, na relação entre o princípio de Nirvana e nossas energias
pulsionais destrutivas, não parece haver uma tendência de autodestruição como há pela
destruição do objeto; pois a destruição do objeto serve ao propósito de autoconservação,
isto é, à preservação ou restabelecimento do equilíbrio narcísico do eu.

Traços de memória da experiência primitiva de alcançar a inconsciência pelo ato de


devorar associam o impulso de destruir um objeto com a perda da consciência.[17] Em
sua busca pelo estado de inconsciência e repouso pulsional, o eu retira sua libido do
mundo externo e a direciona ao seu reservatório da libido. No entanto, posto que a libido
tenha adotado as qualidades gastrointestinais devoradoras, esta retirada pode ter
consequências destrutivas aos sistemas psíquicos e somáticos. O equilíbrio egoico do
indivíduo maduro não se expressa em completa inconsciência, como no caso infantil. O
eu maduro e saudável não é consciente de si mesmo quando funciona de acordo com as
demandas da realidade objetiva. Sob condições patológicas, a pulsão de
“autoconservação”, com toda a sua força pulsional liberada e sem restrições da pulsão
sexual, obrigaria o indivíduo a matar a totalidade do mundo ao seu redor, por conta de
seu próprio repouso completo pulsional. Tal parece ser a condição emocional para o
assassino esquizofrênico em massa,[18] que está ligada ao meio social apenas por
exigências gastrointestinais.

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05/12/2023 23:44 A autoconservação e a pulsão de morte – Lacuna

Para resumir: a primazia genital de nossa organização libidinal é precedida por uma
primazia pré-genital gastrointestinal. Operando como agente primitivo de nossa libido
do eu, a primazia gastrointestinal nunca cessa de exercer seu poder pulsional. Um
conflito contínuo entre as duas primazias pulsionais persiste por toda a vida. A primazia
intestinal se torna subordinada da primazia genital no processo de amadurecimento do
indivíduo: na ascensão da relação primitiva de objeto, governada pelo ódio, até uma
relação de objeto civilizada, governada pelo amor. O conflito da ambivalência reflete o
conflito entre estas duas primazias pulsionais.[19] Está subjacente a todos os fenômenos
normais e anormais da vida psíquica, tanto na profundeza psíquica quanto nas relações
interpessoais.

Esta teoria pode nos fornecer uma compreensão mais abrangente da teoria da neurose,
no que concerne ao conflito da ambivalência. Grosso modo, a teoria das psiconeuroses e
psicoses estaria: em todas as experiências traumáticas, baseadas na frustração do objeto
de amor, o eu tende a abandonar a primazia da libido genital em uma troca pela
primazia da libido gastrointestinal. O trauma fundamental da castração nada perde em
sua significância, já que coloca em perigo justamente a zona do órgão que, sob a
primazia genital, estabelece o contato com o objeto.

A tendência pela regressão da primazia genital à primazia gastrointestinal como uma


reação a frustração ao objeto de amor implica que o eu sempre pende a restabelecer a
condição do completo repouso pulsional, tal como certa vez experimentado em
sequência do ato de alimentação pós-natal.

O Nirvana, isto é, a condição do repouso completo da pulsão, é a atração basal de todas


as tendências regressivas que constituem o transtorno psíquico. Rank não estava
equivocado em sua visão do significado sobre o trauma do nascimento como a gênese da
neurose, mas ele falhou em suas interpretações. Nós não queremos repetir o trauma do
nascimento. O que nós tendemos a repetir é o ato alimentar gastrointestinal agressivo,
pelo qual podemos anular o trauma do nascimento, isto é, restabelecer uma condição
livre de todas as tensões.

Nas neuroses narcísicas e psicoses, o eu finalmente abandona a primazia genital e cede à


primazia gastrointestinal, a garantia do repouso pulsional total.

Nas neuroses de transferência, o eu é retido no caminho de sua última meta: de


regressão pelos pontos de fixação do objeto libidinal, onde já existira uma fusão da libido
sexual imatura com a libido gastrointestinal. Estas são as fases fálica e anal.

Nosso espaço não permite a apresentação detalhada de evidências clínicas, do quanto à


significância desta teoria estaria ampliando o entendimento da teoria das neuroses e
psicoses. No entanto, algumas provas deveriam ser oferecidas para que realmente a
teoria justificasse sua pretensão de validade, cujo critério serviria a seu uso como
hipótese de trabalho em pesquisas posteriores no campo dos transtornos psíquicos. Vista
por meio de uma perspectiva teórica, é evidente que as manifestações das neuroses e
psicoses refletem essencialmente uma defesa do eu contra as perigosas consequências de

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05/12/2023 23:44 A autoconservação e a pulsão de morte – Lacuna

sua desperta destrutividade regressiva, ou seja, a tendência a devorar. O conflito básico


do eu, no qual ele luta para “manter-se a si mesmo”, consiste no dilema de ser apanhado
entre duas alternativas: de preservar o objeto frustrante ou de preservar a si mesmo, isto
é, seu equilíbrio narcísico. O caminho de regressão pelo qual o eu atravessa na neurose
de transferência, via a neurose narcísica, até a psicose demonstra a escolha do eu entre
as duas alternativas. Na neurose de transferência, o eu decide a favor do objeto, de cuja
existência depende para a realização de suas demandas de amor e segurança. Na psicose,
ele tende a sacrificar o objeto no interesse de alcançar o repouso completo da pulsão ou
do restabelecimento da condição primitiva do narcisismo.

Como nós sabemos, o histérico é capaz de amar seu objeto apenas sob a condição de
excluir de seu amor os órgãos genitais. O que isto significa? Significa que ele restringe as
suas intenções inconscientes de devorar para o órgão genital de seu objeto, o foco de seu
ódio. Ele logrou localizar seu ódio para uma parte do objeto ambivalente, e pode então
preservar seu amor pelo objeto como um todo. O histérico dessexualiza sua relação com
o objeto: seja pela fantasia inconsciente de ter destruído introjetivamente as genitais de
seu objeto, seja defendendo-se contra este desejo. O globus hystericus indica que o falo
odiado foi interrompido em seu caminho até o trato gastrointestinal. A anestesia vaginal
da mulher frígida é um meio de defesa contra a tendência devoradora da vagina, cujas
demandas inconscientemente se fundem com as demandas da boca.

O neurótico compulsivo odeia seu objeto em sua plenitude e tende a devorá-lo


totalmente. Como uma defesa contra isto, suas mãos estão atadas, elas assumiram a
significância simbólica da boca. Devido à meta de devorar, o agir em geral está inibido e
substituído por seu pensamento, “a forma experimental do agir”. Então, confinado em
sua ruminação sem fim, o neurótico compulsivo é capaz de preservar o seu objeto, por
descargas do seu ódio em seu processo de pensar.

Nas neuroses narcísicas, o eu é retido em sua fase narcísica secundária, enquanto se


retira para a condição de “narcisismo primário”. A libido é afastada do objeto e colocada
sobre o eu, que substitui o objeto. No entanto, uma vez que a transformação regressiva
da libido genital na libido gastrointestinal ocorre simultaneamente, a tendência do eu
melancólico é de devorar a si mesmo, ao invés do objeto. Partindo de poucas observações
clínicas, pode-se deduzir que as tentativas de suicídios dos melancólicos simbolizam na
verdade seu desejo de devorar a si mesmos. Nas autotorturantes acusações do
melancólico há uma “intestinalização”, por meio de um processo similar ao pensar
ruminante do neurótico compulsivo. Porém, o neurótico compulsivo usa a “a forma
experimental do agir” como uma defesa contra a devoração do objeto, enquanto o
melancólico introduz o processo de pensamento autoflagelador como uma defesa contra
a destruição de si mesmo.

Por “intestinalização” do processo de pensar, entende-se na realidade uma


intestinalização da relação entre eu e superego. Nós aprendemos com Freud que a
severidade do superego resulta das agressões suprimidas do eu, que tão logo se
“formaram como” superego. Nos termos da gastrointestinalização, nós podemos dizer

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que o superego assumiu as tendências devoradoras do eu e as voltou contra os objetos


introjetados psiquicamente dentro do eu. O eu é então torturado pela Gewissensbisse, “o
remoer da consciência”, ou remorso. A palavra remorso é derivado da palavra do latim
re-mordeo, que significa “morder novamente”.[20] Morder é o ato inicial da devoração.

Poucas afirmações podem ser feitas sobre o conflito de ambivalência nas psicoses
esquizofrênicas, quando visto por meio da perspectiva do funcionamento da primitiva
pulsão gastrointestinal. Teoricamente, o estado maníaco da neurose narcísica pode ser
considerado uma transição para a psicose esquizofrênica. Esta conclusão é alcançada
pela aplicação da teoria desenvolvida acima ao fato bem conhecido que o estado
maníaco representa a fusão do eu e do supereu. Esta fusão é o resultado das tendências
devoradoras do eu, dirigidas contra o supereu. Num processo esquizofrênico, o supereu
divide a tendência de regressão com o eu e eventualmente assume a significância do
objeto maternal primitivo. No estágio final da regressão, o eu tende a encontrar o
repouso pulsional pela devoração do supereu, que lhe serve como uma mãe substituta.
Neste sentido, livra-se de seu próprio remorso, ou seja, de ser atacado pelo seu próprio
supereu. No entanto, ele também perdeu o mediador entre si mesmo e a realidade
objetiva. Assim, o eu torna a se transformar no id, para o qual todo objeto externo é um
objeto materno. O fato de que em suas relações em direção ao mundo objetal o
esquizofrênico toma todas as coisas como substitutas do objetivo maternal primitivo,
determina em grande parte sua inabilidade final em testar a realidade. Ele sente a si
mesmo ligado ao mundo a sua volta apenas através de reviver a fase mágica,
alucinatória de onipotência.[21] A agressividade do indivíduo esquizofrênico indica a
tendência a incorporar o objeto externo a fim de retornar a condição do narcisismo
primitivo, isto é, para o repouso pulsional completo.

A “ruptura da realidade” do psicótico surge da necessidade de retirar suas demandas


devoradoras gastrointestinais do mundo objetivo, com a meta de enfim recuperar o
equilíbrio narcísico completo, expressado na condição inconsciente. O esquizofrênico
alcança essa meta na condição de estupor. Uma condição similar é causada, por um
atalho, pelo coma da moderna terapia de choque induzido por insulina, metrazol, ou
corrente elétrica. Portanto, torna-se supérflua a necessidade de destruir o objeto de
ambivalência para alcançar este fim, ao menos temporariamente. Por outro lado, as
inervações dos músculos estriados, induzindo convulsões, parecem ser um repetição dos
movimentos descoordenados do bebê, nos quais descarrega sua raiva primitiva sem
objeto.

Retrospectivamente, podemos nos permitir estabelecer que o processo de desfusão de


energias construtivas e destrutivas, que foi exposto por Freud, corresponde à tendência
inerente ao próprio processo de regressão. É uma mudança gradual de ênfase do amor
ao objeto genital até o ódio ao objeto intestinal.

Talvez as dúvidas sobre a validade da teoria de psiconeuroses e psicoses nesta


perspectiva podem ser dissipadas pelo estudo do grande trauma infantil, responsável por

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todas as regressões — o trauma pela frustração do objeto, precipitado pelo conflito


edípico.

Este trauma é o segundo grande trauma no desenvolvimento psíquico da criança. O


primeiro foi o trauma do nascimento, que rompeu o equilíbrio do narcisismo primitivo.
Essa disrupção ocorre quando a criança está prestes a vincular sua libido genital
despertada, mas ainda imatura, aos seus objetos parentais. O eu infantil tende a
restaurar seu equilíbrio narcísico, interrompido pelo segundo trauma, seguindo o
modelo de restauro do primeiro trauma. Esta tendência significa ceder às demandas
pulsionais gastrointestinais e retornar para o estágio primário da vida, quando havia
apenas um objeto, cuja incorporação provoca o repouso completo da pulsão.

Assim, o processo descrito não é nada mais que a solução final do conflito do Édipo por
meio da identificação. Citando Freud: “quando o complexo de Édipo é deixado para trás,
a criança deve renunciar o investimento objetal que se formou em direção a seus pais, e
— para compensar esta perda de objeto — suas identificações com os seus pais, que
provavelmente há muito tempo estão presentes, tornam-se ainda mais intensificadas”.
[22]
“Essa identificação tem sido comparada, não inapropriadamente, com a incorporação
oral canibalística da outra pessoa”.[23]

Vemos que a tendência à regressão temporária da primazia da pulsão genital para a


primazia gastrointestinal, em respostas às privações de objeto, é um pré-requisito para
solução normal do complexo de Édipo. É esta regressão que introduz o período da
latência, caracterizado pela dessexualização do objeto parental, que é a elevação da
barreira do incesto. A renúncia pulsional ao nível genital é compensada por uma
gratificação da pulsão ao nível gastrointestinal. No entanto, o real ato somático de
incorporação é afastado pelo ato psíquico de introjeção. Há evidências para indicar que a
formação do supereu aparece como um substituto e, ao mesmo tempo, como uma reação
contrária à gratificação real da pulsão de devorar. Uma identificação bem-sucedida
destitui o ódio entre os pais e a criança e permite um restabelecimento da relação de
amor. O fracasso em alcançar a identificação na ocasião do primeiro conflito de objetos
da vida resulta na continuidade das exigências da pulsão de devorar, mantendo-a viva
no inconsciente. Esta constelação estabelece o conflito da ambivalência como um fator
determinante na gênese e sintomatologia do transtorno psíquico.

É importante entender como a mais alta realização da psique humana — sua consciência
— surge sobre o desejo animalesco de devorar nossas criaturas irmãs. Para tentar tal
entendimento nós teríamos que estender nossas investigações psicanalíticas do
desenvolvimento ontogenético do supereu e do complexo da culpa até as considerações
filogenéticas e especulações concernentes à ascensão do supereu além do culto totêmico.
Em Totem e Tabu, Freud nos deu uma pista da evolução do conceito ontogenético da
culpa, tal como se desenvolveu a partir da filogênese. A ontogênese do problema merece
algumas observações em relação às duas faces do conflito de Édipo da criança, que se
finda no processo de identificação.

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Apanhada pela situação edípica, a criança é atravessada pela necessidade de escolher


entre dois objetos. No entanto, a criança tem uma reação emocional comum às duas
relações com seus pais: ela odeia a ambos. Por sua vez, o menino odeia seu pai como um
rival, mas também odeia sua mãe, pois ela se nega a ele. Seu ódio é a expressão
emocional de sua tendência regressiva de retornar à primazia gastrointestinal, que
governa sua existência pós-natal. Ele resolve o problema com um ódio duplo, numa
condensação de ambas as figuras parentais em um objeto, como existiam antes do
nascimento. A fantasia desejosa por uma mãe fálica parece ser o resultado deste
processo de condensação, do pai mais a mãe.

O complexo de castração não perde nenhum significado nesta suposição. Somente a tese
muito contestada da inveja do pênis ganha um novo aspecto. O falo da mãe representa
ao inconsciente da criança a redescoberta do seio materno, expressado nos termos das
demandas da primazia genital que, por conta da frustração do conflito do Édipo, produz
a primazia gastrointestinal.

O objeto parental unificado retorna psiquicamente como superego, como “o herdeiro do


complexo de Édipo”. Citando mais uma vez Freud: “A renúncia […] dá origem à
consciência[i] […]”.[24] “A frustração da gratificação erótica provoca um acesso de
agressividade contra a pessoa que interfere com esta gratificação, e logo esta tendência
de agressão tem, por sua vez, de ser reprimida. De maneira que, depois de tudo, é apenas
a agressão que foi transformada em culpa ao ser reprimida e reestruturada em supereu”.
[25]
Também: “a relação entre supereu e eu é uma reprodução, distorcida pelo desejo, da
relação real entre o eu, antes de ser subdividido, e um objeto externo […] A diferença
essencial é, no entanto, que a severidade original do supereu não representa — ou não
em grande medida — a severidade que foi experimentada ou antecipada pelo objeto,
mas expressa a própria agressividade da criança. Se isto é correto, alguém poderia
afirmar seguramente que a consciência é formada no começo da repressão de um
impulso agressivo e é fortalecida, paulatinamente, a cada nova repressão deste mesmo
tipo”.[26] E, concluindo, Freud diz: “Estou convencido de que muitos processos admitirão
exposição mais simples e clara se restringirmos as descobertas da psicanálise sobre a
origem do sentimento de culpa às pulsões agressivas”.[27]

Se nós concordamos com a definição do termo “pulsões agressivas” em consonância com


as minhas suposições, como energias pulsionais destrutivas-devoradoras e como os
derivados da primazia da pulsão gastrointestinal, então não haveria contradição entre a
teoria de Freud e a minha. O supereu surgiu por meio do processo de identificação, uma
tese que é complementada pela afirmação que a identificação substitui e exclui a
incorporação, a qual é o resultado da regressão do eu para sua primazia da pulsão
gastrointestinal.

Estas teorias são o produto de vinte anos de observação clínica, este artigo é apenas um
resumo abreviado. Sua intenção é apresentar que há uma pulsão de devorar no homem,
estreitamente associada com sua necessidade de autopreservação. O processo de
identificação, ao por fim no complexo de Édipo, é o caminho normal para a liquidação

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desta herança animalesca. Fracassos nesse processo precipitam mórbidas


psicopatologias, que convertem a autoconservação em autodestruição, submetendo o eu
ao poder de atração do princípio de Nirvana.

Antes de concluir, quero enfatizar que este artigo se preocupou apenas com a
investigação das energias pulsionais destrutivas até onde pudemos detectá-las na psique
do indivíduo, afetando seus conflitos intrapessoais e interpessoais. Intencionalmente
omiti toda especulação que se estende sobre o campo da biologia.

Considerada como uma contribuição à ciência psicanalítica, meu trabalho segue um


rumo de investigação aberto por Freud. Ele mesmo não seguiu este caminho até o fim,
porque durante seus últimos anos de vida não esteve muito preocupado com os
problemas clínicos. As perspectivas que seu gênio se esforçava para observar não eram
microscópicas, mas macroscópicas. Lutou por uma compreensão do cataclismo mundial
de ódio, que ameaçava engolir nossa civilização. Ele aplicou seu conceito de morte e
agressão ao fenômeno da psicologia de massas e ao fenômeno sociológico da civilização,
antes de ter exaurido a essência de suas descobertas com a investigação da psique
individual.

No entanto, se a morte não tivesse o encontrado, eu acredito que Freud teria chegado às
minhas conclusões, mais cedo ou mais tarde. Pois ele resumiu a essência do conflito da
ambivalência da seguinte forma: “O eu não está à vontade consigo mesmo — tendo que
sujeitar seu próprio ser às tendências destrutivas, das quais muitas agressões ele gostaria
de empregar contra os outros. É como um deslocamento ao campo psíquico do dilema
que rege o mundo orgânico: ‘Devorar ou ser Devorado’”.[28] ♦

REFERÊNCIAS
FERENCZI, Sándor, “Stages in the Development of the Sense of Reality”. In: Contribuitions
to Psychoanalysis. London: Hogarth Press, 1916.

_____. (1915) Instincts and Their Vicissitudes. Coll. Papers, IV.

_____. (1916-17) Introductory Lectures on Psycho-Analysis. London: Allen & Unwin, 1933.

_____. (1920) Beyond the Pleasure Principle. London: Int. Psa, Press, 1922.

_____. (1923) The Ego and the Id. London: The Horgarth Press, 1927.

_____. (1933) Neue Folge der Vorlesungen zur Einführung in die Psychoanalyse. Viena. Int.
Psa. Verlag.

_____. (1933) New Introductory Lectures on Psychoanalysis: Anxiety and Instinctual Life.
London: Hogarth Press, 1933.

_____. (1930) Civilization and Its Discontents. New York: Jonathan Cape and Harrison
Smith, 1930.

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KLUGE, Friedrich (1910) Etymologisches Wörterbuch der deutschen Sprache. Strassburg:


Verlag Von Karl I. Trubner.

* Ernest Simmel era psicanalista e neurologista. De origem judaica, aproximou-se do


movimento psicanalítico durante a Primeira Guerra Mundial, ao transpor a metodologia
de tratamento freudiano da histeria para as neuroses de guerra. Junto com Abraham e
Max Eitington, ajudou a estabelecer o Instituto Psicanalítico de Berlim em 1920. Foi
presidente da Sociedade Psicanalítica de Berlim de 1926 a 1930; fundou e serviu como
médico-chefe do sanatório Schloss Tegel, em 1927. O sanatório inovou ao propor
tratamentos segundo princípios psicanalíticos, porém faliu e fechou em 1931. Também
participou da fundação da Sociedade dos Médicos Socialistas, atuando como presidente
de 1924 a 1933, quando entrou em conflito com as autoridades nazistas, logo após Hitler
chegar ao poder em 1933. Exilou-se nos Estados Unidos em 1934.

** Gabriel K. Saito é psicólogo pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.


Mestre e doutorando pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar do
Desenvolvimento Humano (IP-USP). Pesquisador no Laboratório dos Estudos do
Preconceito (LaEP- IPUSP). Também é psicanalista e participa do grupo de discussão
clínica do Laboratório de Pesquisa e Intervenções Psicanalíticas (PsiA-IPUSP).

[1]
Apresento os créditos e a permissão de publicação sem fins comerciais ao New Center
for Psychoanalysis de Los Angeles (NCP-LA), ao Arquivo online, à Direção e ao Comitê
Histórico desta instituição. Os arquivos podem ser encontrados no endereço <www.n-c-
p.org/Archival_Collections.html>. Agradeço especialmente ao Dr. V. Melamed pelo apoio
e mediação com o NCP-LA. Agradeço a revisão cuidadosa de Letícia Neumann.
[2]
Freud: Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Parte III. Algumas ideias sobre
desenvolvimento e regressão – etiologia (XXII). In Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XVI. Rio de Janeiro: Imago. 2006 [1916-
1917], p. 354.
[3]
Ibid., (conferência XXVI, p. 415). O que aparenta que Freud esteve inclinado a assumir
que o conflito entre duas categorias de pulsões apontava para um último conflito entre
autoconservação do indivíduo, por um lado, e a reprodução como preservação da
espécie, por outro. No entanto, ele enfatizava que este antagonismo biológico lhe parecia
sem importância, já que não era aplicável ao estudo das neuroses de transferência.
[4]
Eu apresentei minhas teorias em vários encontros da German Psychoanalytic Society e
na International Psychoanalytic Association, já em 1921. Resumi-as no encontro em
Innsbruck, enviei um artigo sobre o tema a Repressão Primária (Urverdrängung) e a
Libido Intestinal, e mais tarde em Wiesbaden em 1932, sob o cabeçalho Primazia
Pulsional Pré-genital e a Organização da Libido. Estes estudos tratados com a vicissitude
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da libido do eu, precisamente o problema cujo Freud tinha reiteradamente chamado a


atenção aos psicanalistas, requisitando-lhes seu estudo. Isto porque o campo da
psicologia do eu ainda estava largamente inexplorado, e prometia oferecer resultados
importantes para um entendimento profundo da psicopatologia de certos transtornos de
personalidade.

Quando eu considerei a conveniência de apresentar minhas teorias em forma de livro,


eu decidi postergar pela razão seguinte: encontrei-me naquele momento incapaz de
assentar a minha teoria ao conceito freudiano de um teoria dualística da pulsão do eros
libidinal versus a pulsão de morte não libidinal. Minhas teorias tinham sido
desenvolvidas de forma independente e, em parte, antes da publicação de Freud sobre
este tema. Comecei a trabalhar num artigo que levava o título: Sobre a Ubiquidade da
Destruição Introjetiva. Enquanto isso, desde que Freud tinha publicado o Além do
princípio do prazer, foi apenas natural para eu suspeitar que minhas próprias teorias
poderiam estar todas erradas e que eu precisaria aguardar por mais publicações de
Freud, testando entrementes minhas hipóteses mediante observações clínicas. Hoje estou
convencido que minhas suposições originais eram corretas, e podem ser usadas como
hipóteses de trabalho para lançar uma nova luz não apenas sobre a gênese e as
dinâmicas das neuroses de transferência, mas também sobre as neuroses narcísicas,
psicoses e problemas da medicina psicossomática.
[5]
Cf Freud: Pulsões e destinos das pulsões. Obras psicológicas de Freud, I, p. 151.
[6]
Freud: Conferências introdutórias sobre psicanálise. Op. cit., XXVI, p. 415.
[7]
Freud: Pulsões e destinos das pulsões. Obras psicológicas de Freud, I, p. 151.
[8] Freud: Conferências introdutórias sobre psicanálise. Op. cit., XXVI, p. 415.
[9]
Freud: Pulsões e destinos das pulsões. Obras psicológicas de Freud, I, p. 151.
[10]
Freud nos ensinou a compreender que o aumento da auto-estima resulta da renúncia
de uma pulsão.
[11]
Freud: O Ego e o Id. In Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago. Vol. XIX, 2006, p.70.
[12]
No entanto, morrer sem medo é também a capacidade de pessoas idosas, porque, em
virtude de sua idade, suas fontes pulsionais deixaram de produzir exigências e, portanto,
elas estão menos aptas a serem expostas irremediavelmente às necessidades pulsionais,
e consequentemente menos expostas às perturbações de seu equilíbrio libidinal
narcísico.
[13] Em um artigo, Repression, Regression, and Organic Disease, eu chamei uma vez de “o
animal dentro de nós”. Num animal, morder e devorar não apenas servem ao propósito
de alimentar, mas também constituem meios únicos de agressão, se a fuga é impossível.
Nós temos a inerente tendência a devorar de nossos ancestrais animais, não de nossos
antepassados humanos canibais, aqueles que apenas nos transmitiram tal tendência.

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[14]
SIMMEL, Ernst, Repression, Regression and Organic Disease (apresentado no encontro
semi-anual de Analistas da California, São Franciso, 1940) e Die Psycho-physische
Bedeutsamkeit des Intestinalorgans für die Urverdrängung (A significância psicossomática
do trato intestinal para a repressão primária, lido no 8º Congresso Internacional
Psicanalítico, Salzburgo, 1924; resumo publicado Int. Ztschr. F. Psa., 1924, X, p. 217-223).
[15]
Cf. KLUGE, Friedrich, Etymologisches Wörterbuch der deutschen Sprache. Strassburg:
Verlag Von Karl I. Trubner, 1910.
[16]
Freud: Além do princípio de prazer. In Edição standard brasileira das obras
psicológicas completas de Sigmund Freud . Imago. Rio de Janeiro.Vol. XVIII, 2006, p.66.
[17] Talvez por isso na vida tardia o inconsciente inversamente poderia funcionar como
uma defesa contra os impulsos agressivo-destrutivos. Fenômenos como desmaios,
narcolepsia, etc., encontram assim uma possível explicação como fenômeno regressivo.
[18]
O termo serial killer (assassino em série) foi criado apenas em 1974 — guarda
algumas semelhanças ao assassino em massa citado por Simmel. (N. de T.)
[19]
Este conflito surge cedo na vida infantil, primeiro sobre uma base biológica, como
Lipschütz descobriu (Lipschütz, Alexander: Die Pubertätsdrüse und ihre Wirkungen.
Berne: Bircher, 1919, citado Freud: Três ensaios sobre a teoria da sexualidade). “A porção
intersticial da glândula sexual, os fatores que determinam o impulso biológico específico,
desenvolvem-se cedo na infância — denominada como ‘fase intermediária da
puberdade’”. Isto ocorre no momento em que a primazia gastrointestinal está ainda em
plena floração. Neste período, a libido genital é de importância secundária e permanece
assim até a maturidade das gônadas, estas vêm a dotar o órgão genital como guia do eu
na busca do contato com o objeto, afastando as zonas terminas do trato gastrointestinal
— o ânus e a boca”.
[20]
Em português, temos o “remoer”, que possui a mesma origem latina. (N. de T.)
[21]
Ferenczi, Sándor: O desenvolvimento do sentido de realidade e seus estágios. in Obras
completas: Psicanálise II. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011. .
[22]
Freud: Novas Conferências Introdutórias. A dissecação da personalidade psíquica –
XXXI. Op. Cit. p. 69.
[23] Ibid., p. 68. (Itálicos meus)..
[i]
Na tradução de Renato Zwick, “consciência moral” e não apenas “consciência”. Nota de
rodapé adicionada após a publicação do texto em 12/12/2021.
[24] Freud: Mal-estar na cultura. (trad. Renato Zwick). Porto Alegre: L&PM Pocket. 1930
[2019], p. 154-155.
[25]
Ibid., p. 172. (Itálicos meus)..
[26]
Ibid., pp. 156. (Itálicos meus).

https://revistalacuna.com/2021/08/26/n-11-02/ 19/20
05/12/2023 23:44 A autoconservação e a pulsão de morte – Lacuna
[27]
Ibid., pp. 172-173. (Itálicos meus).
[28]
Freud: Novas Conferências Introdutórias. Ansiedade e vida instintual – XXXII. In
Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Vol. XXII.
Rio de Janeiro: Imago. 2006[1932], p. 112

COMO CITAR ESTE ARTIGO | SIMMEL, Ernst (1944)A autoconservação e a pulsão de


morte [Trad. Gabriel K. Saito]. Lacuna: uma revista de psicanálise, São Paulo, n. -11, p. 2,
2021. Disponível em: <https://revistalacuna.com/2021/08/15/n-11-02/>.

Publicado em clássico, n. -11, Tradução e etiquetado como Além do princípio do prazer,


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