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a

QUE
SIGNIFICA AMAR?
Tomás Melendo

QUADRANTE
Titulo original
el
tras las huellas de
Aristoteles
am
C o m p r e n d e r

Copyright 2006 do Autor

Capa
José C. Prado

lustração da capa
Casal elegante em interior 2,
de Pio Ricci (-1919); coleção particular

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Melendo, Tomás
O que significa amar? / Tomás Melendo; tradução de Henri
que Elfes São
Paulo : Quadrante, 2006-(Temas cristãos; 123)
el amor. tras las huellas de Aris-
Titulo, original: Comprender
tóteles.
ISBN: 85-7465-009-9 coleção
ISBN:85-7465-108-7 vol. 123: O que significa amar?
Filosofia 3. Vida crist I. Titulo. I. Série.
1. Amor 2. Amor
-

CDD-248
06-7122
sistemático:
Indices para catálogo
Cristianismo 248.
Vida crist :
1. Amor :

a
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Paulo
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i n f o @ q u a d r a n t e . c o m . b r /w w w . q u a d r a n t e
INTRODUÇÃO

"Enganar-se a é a perda mais ter-


respeito do amor
rível; é um dano eterno, para o qual não há compensa-
ção nem no tempo nem na eternidade!"1
Estas palavras de Kierkegaard, escritas há mais de
um século e meio, continuam plenamente atuais; mais
ainda, parecem-nos hoje mais próximas e sugestivas
do que no momento em que foram escritas. Porque ob-
servamos atualmente uma infinidade de erros e fracas-
sos no amor: infidelidades e faltas de lealdade entre
esposos, namorados, amigos, colegas, vizinhos, com-
panheiros., penosas situações de tolerância mútua, di
Vorcios, separaçõões...; abandono dos pais ou avós em
lugares onde ""serão mais bem cuidados do que lá em
casa", indiferença dos filhos para com os pais e vicee
-versa.. Aliás e isso é mais decisivo ainda
-

- , nhos
nossos dias parece ter-se
perdido o próprio sentido do
amor, o seu significado mais alto e mais autêntico.
Já não sabemos o que
significa amar. A própria pa-
lavra foi desvirtuada, se não
dias, o vocábulo "amor"
prostituída. Nos nossos
designa com freqüëncia uma

(1) Kierkegaard, Soren, Os atos do amor; cit.


de Cornelio Fabro, Gli atti del amore, Rusconi, pela tradução italiana
Milão, 1984, påg. 148.

3
espécie de
sentimentalismo

satisfazer sequer os
ou
emotivismo difuso
mole, incapaz de nobres
de um adolescente. Ou entãoreremete para a pura anseios
gia, como na envilecida e malfadada frase biolo. Diolo
amor". tão distante do seu signif+cado fazer
conquistar uma pessoa ou de fazer-he nobred dede original
corte, ou ainda desse outro, maravilhoso e mais a

fundo, de marido e mulher edificarem juntos, e diarpro-


mente, o amor de toda uma vida.
Semelhante esquecimento do significado do amamor
representa sem dúvida um dos males de fundo da
nos-
sa cultura. Por isso, se aspiramos a construir uma "cj
vilização do amor", tëm sugerido os
como nos
Papas
João Paulo II e Bento XVI, temos de começar
por uma
elevação das qualidades humanas da sociedade; temos
de aprender, na teoria e na pråtica, nós mesmos e
cada
um dos que nos cercam, o
que significa amar.
Todos deveremos ter claro que, longe de esfu-
mar-se nesses eflúvios sentimentalóides a
que antes
me referia, longe de consistir
apenas numa função de
pura fisiologia ou até de mera ""química" coisas que -

sem dúvida intervêm com


Zir-se a um
freqüência -, longe de redu-
simples estímulo para o prazer ou a auto
realização egocêntrica - numa espécie de "egoísmo a
dois" compartilhado
apenas aparentemente , 0 amo
consiste essencial, embora não
ato da exclusivamente,
num
vontade, firme e estável, que imprime uma i
Cunda tensão à pessoa inteira e que permite
escolher, procurar e descoDr
realizar o bem do ser amado.

4
I. QUERER O BEM PARA OUTRO

Para começarmos a desenredar o magno e assom-


broso mistério do amor, podemos recorrer à singela
descrição que Aristóteles faz dele na sua Retórica.
Diz-nos o filósofo grego que amar é "querer o bem do
outro enquanto outro".
São, pois, três os elementos que compõem a reali-
dade que nos propomos estudar

a) querer
b) o bem,
c) do outro enquanto outro.
Um breve comentário de cada um destes compo-
nentes nos situará na estrada adequada
para começar-
mos a compreender a natureza do amor.

1. QUERER

a) A vontade.. e algo mais

Quando Aristóteles descreve o amor como "que-


rer", tenta deixar claro que o nervo ou a coluna verte-
bral de toda a ação amorosa tem a sua base na vonta-

5
de. Mas nós sabemos
que o amor não
que, em sentido forte e se
nossa pessoa. O amor profundo, amamosesgota
esoo
ta nisso, r
abrange: co
desde-

atos mais os
toda a
ção sacrificio pelo sertranscendentes,
e o
amad ou como
conjunto e progressivo daquilo como
que virá a o
a ora-
conjugal e familiar,
- ser projeto
a
vida
passando pelos sentimentos
ressoa e se exterioriza o
nosso
e afetos noS
até as questões
-
carinho. quais
transcendentes, aparentemente mais ínfimas e
como o
empenh por in-
gante e atrativo (ele! e ela, mostrar-se ele
sorrir com amabilidade; a ela e ele!); o esforco o por
nho, mesmo no momentos cariciade
ou o
olhar de cari
ou cansaço ou nervosismo
desalento; ou ainda os pequenoS
nam mais saborosOS que tor- detalhes
entranháveis
descanso em família, que iluminam
e
a volta ao
lar e o
diana com brilhos a
existência coti.
nam e dão vida à fulgurantes
de
entrega, que encar-
íntima e escondida
pais a cada filho ou dedicação dos
dos irmãos e
amigos entre si.
Amamos, pois, com tudo o que
sentimos, podemos, fazemos, temos somos, sabemos,
portanto, também com os nossos e
desejamos (e,
mente tudo. Neste ideais!). Absoluta-
o nosso ser
sentido, amar consiste em derramar
inteiro no apoio e na
rido. promoção do ser que
Mas
amplitude
a
do é tão vasta e
amor
que esse repertório quase infinitoimpossivel
de abarcar
de açoes
a palavra ou o silêncio
tenso ou a
generosa
compreensivos, o trabalho in*
amigos quando andamos disponibilidade para os filhos ou
cuidado da muito escassos de
própria tempo,
aparência ou da casa, com
6 mn
cias freqüentemente quase imperceptíveis, mas sempre
indispensáveis... - só se transforma em amor pleno0,
sincero e provado na medida em que todas essas ativi-
dades sejam "pilotadas" por uma operação da vontade
(o querer), e estejam como que envolvidas ou "imer
sas nesse querer que procura de maneira nobre, fran-
ca e resoluta o bem da pessoa a quem se estima.
Amar, querer: estamos diante de palavras e realida-
des-chave. Pois o amor não se esgota nas disjuntivas
gosto" ou "não gosto", "agrada-me" ou "desagrada-
-me", nem se identifica com o puro e simples "atral
-me", "interessa-me", "apaixona-me".. com que tan-
tos dos nossos contemporâneos, jovens e não täo jo-
vens, pretendem justificar o seu comportamento. No
fim das contas, se considerarmos isoladamente cada
um desses verbos e os absolutizarmos, veremos que
acabam por revelar-se mais próprios dos animais do
que do homem.
Com efeito, os animais movem-se por atração-re-
pulsão, por instintos; buscam o seu bem, estreito, pun-
tiforme e exclusivo, de uma maneira quase automáti-
ca. Gostam daquilo que os beneficia a eles ou à sua
espécie, e rejeitam aquilo que lhes é daninho. São To-
más de Aquino descrevia assim essa realidade: magis
aguntur quam agunt, "mais do que mover-se, são mo-
vidos" pelo objeto externo que os atrai ou repele; mais
do que agir por iniciativa própria, são "levados a
agir",
Já o homem, não. O homem transcende as simples
necessidades biológicas, e é capaz de realizar ações
que não se explicam de maneira nenhuma pelo mero
impulso da sua conservação fisica. Para dizê-lo de al-
gum modo, o homem pode pôr entre parênteses os
seus instintos (melhor seria dizer as suas tendências),

7
e querer e realizar uma ação boa enm s
m
mais que ela nao 0 atraia pessoalmente,sipor mais quepormesma,
por
não lhe agrade nem desperte o seu interesse.
que
desagradee repugne; ou, em sentido contrário e podeIhe ate Ihe
não querê-la nem levá-laa cabo
mesmo que
morrendo" de desejo de realizá-la, se este
esse ato não contribui para o bem dos perceber que
outros.
Uma das alidades que manifestam de mane'
mane.
mais clara a superioridade do homem sobre o
e que os distancia
animal.
infinitamente um do outro, segundo
Pascal é que, deixando de lado os seus gostos e ane.
tites quando as circunstäncias o exigem, o ser
humano
é capaz de conjugar em primeira pessoa o eu quero
ou, se for o cas0, 0 não quero, dotado ås vezes de
muito maior importância antropológica e ética.
Eo que diz também Julián Marías: "Quando nego
que o amor seja um sentimento - identificá-los pare-
ce-me um grave erro, e talvez o mais difundido -, não
nego a enorme importäncia que têm os sentimentos,
incluidos Os amorosos, que acompanham o amor e for
mam como que o séquito da sua realidade central;
esta, porém, pertence a níveis mais profundos"2 da
pessoa: os da vontade.
Também São Josemaria Escrivá comentou ampla-
mente essa realidade, com diversos desdobramentos
que não é possível comentar aqui. Num dos seus textos
mais significativos, depois de deixar claro que o amor
nao se confunde com uma atitude sentimental", per

(2) Julián
Marías, La educación sentimental, Alianza Eaitora la-
drid, 1992, pág. 26.
) São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, Quadrante, São rau
aulo,
2000, n. 230

8
que
diretamente em consiste o amor huma-
gunta-se
Escritura fala-nos de di-
no. E responde: "A Sagrada
bem que
lectio dileção para que se compreenda
sensível. Exprime antes
não se refere apenas ao afeto
Dilectio deriva
uma determinação firme, da vontade.
em lin
de electio, escolha. Eu acrescentaria que 4amar,
guagem crista, significa querer querer.."*

6) Querer querer

Portanto, podemos distinguir três degraus que nos


permitenm alcançar a substância mais pura do
amor:

- Em primeiro lugar, é preciso negar que se trate

de um simples sentimento, de um afeto sensível, em-


bora não devamos excluir em nenhum caso a presença
desses afetos.
- A seguir, precisamos ressaltar o seu caráter emi-
nentemente ativo, qualificando-o como determinação
firme da vontade.
- Por fim, devemos potenciar essa índole ativa por
meio daquilo a que chamei por vezes "a maior prer
rogativa do ser humano do ponto de vista operativo":
a reflexividade da vontade, capaz de libertar energias
volitivas praticamente infinitas.
Na citação de São Josemaria Escrivá feita acima,
fala-se de "querer querer", mas o autor comenta em
outras passagens que a possibilidade de reduplicação
não é apenas uma: também podemos "querer querer

4) São Josemaria Escrivá, Amigos de Deus, n. 231.

9
"querer querer querer querer", e
querer", e
o objetivo desejado5.
assim até
alcançar
querer.. O homem m ultrapaSsa
Amar: querer, querer
infinitamente o animal precisamente medio. mediante
meio do qual supera e excede os e esse
querer por meros
itáa-los, reforçá-los de
sejos, paixões e afetos: pode suscit
contrariá-los segundo Ihe parece conveniente AOu
pois, um ato refinadamente humano, talvez o ma,
mano de todos. E um ato livre e, portanto, intelio hu-
sapientíssimo; decidido, audaze vibrante, fonte de ini
ciativas criadoras, e por isso mesmo libertador e sur
preendente, e por vezes esmagador, muitas vezes cus.
toso, sempre desprendido, generoso, altruísta, liberal.

2. QUERER "O BEM"

a) Ensinar e facilitar o amor

O segundo elemento que define o anmor, "querer o


bem", parece mais evidente e o
ser o
que menos pro-
blemas levanta, tanto
teóricos como práticos: ninguem
duvida, em princípio, de que uma me ou um pai ae

) No texto
que citei, não deveria
rerquerer é qualificado como amor
passar despercebido que o
que
"em crist. Entre a di-
versas
interpretações que se poderiam darlinguagem
Sugerir duas, que não são de forma a essas
palavras, gosa e
uerer querer" -o autor fala emalguma incompatíveis
outras ocasiões de enrc ac
aEsejosmanifesta
bretudo depois do por um lado a
"desejos i
absoluta impotência da criatur so-
Deus que tudo
pecado original, que por isso chama
chama em sua ajuda o
pode; em
multiplica o vigor e a b)capacidade
simultaneamente, a
elevação
> a graça
natural meramente natural., de agir que a vontadea oru ambito
incrementando ou pondo em mas do modo que Ihe e teria ou seja,
jogo a Sua prop
"quer uerer
sua
10 reflexividade, "querer
o querer"
família normais queiram o melhor para os seus filhos.
No entanto, quando esses pais tentam determinar con-
cretamente o que convém a um filho em determinadas
circunstäncias particulares, a questão já se torna mais
complicada. Que é realmente o bem para esse filho,
aqui e agora?
Mais adiante estudaremos detidamente esta ques-
tão. Por agora, basta apontar dois requisitos concatena-
dos na procura e no oferecimento do autêntico bem:

Em primeiro lugar, que esse bem seja o bem do


beneficiado, e não - através de um auto-engano mais

ou menos consciente e hoje bastante difundido o


bem do benfeitor. No caso da me ou do pai do nosso
exemplo, ao darem um presente ou um prêmio ao fi
Iho ou à filha, talvez procurem na realidade, mais do
que favorecê-los, serem eles deixados em paz, evitar
um confronto, poupar desgostos a si mesmos, projetar
a sua própria vida na vida dos filhos, ou outras vanta-
gens desse estil0.
- Em segundo lugar, e quase como corolário ou
explicitação do item anterior: quando amamos alguém,
o que é necessário éé que o bem que lhe oferecemos
seja um bem real, objetivo; ou seja, algo que o torne
melhor, que faça do ser amado uma pessoa mais cabal,
mais completa, mais plena e perfeita; algo que o apro
xime de uma maneira ou de outra do seu destino final,
que é amar os outros e a Deus e ser por eles amado.

Em última e definitiva instância, devemos, pois,


procurar que a pessoa que amamoS aprenda a amar de
maneira mais sincera, profunda, intensa e eficaz, atra-
Ves e por meio das nossas intervenções e dádivas. (E
nao esqueçamos que entre essas dádivas, ocupa um lu-

11
ço
esforço da nossa intelig
gar
principal
o
fundo e descobrirO
cia Por
por co
nhecer essa
pessoa a que mais Ihe
convém.) Estabelece-se assim
m uma espécie de
virtuoso", graças
o alguém ama
qual, quando
ao de Vealguém "circulo
tem de procurar por to
dade outra pessoa,
sua vez,
saiba amar mais e melhor.
meios
que esta,
por a
Podemos dizer, portanto, mesmo que primeira
estranho ou até contraditório,
at
amar eque
parecer
Vista possa equivale aa ensinar aa am
no fim
das contas, amar o amor, a faze
acrescento agora
a facilitar
-

azer-no.
modo de o marido
amar. amar a eSno
melhor
Por isso, o
amavel com ela, no senti.
ser muito
vice-versa) é
sa (e da palavra: no fim das
certeiro e penetrante
do mais a tarefa de amar-nos; é
facilitar a0 cônjuge
contas, é o amor por nós, receber
simples e agradável
tornar-lhe levantar barreiras que
o seu carinho, não
sem entraves
os seus
definitivos desejos de
a sua entrega,
impeçam
unir-se a nós.
reconciliação depois de
hora da
Por exemplo, à enquistarmos na nossa
é não nos
uma pequena briga, do outro,
encontro
abertamente ao
mas sair volte a
posição,
tornar-nos acessíveis e
bem dispostos para que
com a
afeto, e corresponder
depositar em nós o seu
adiantarmo-nos
mesma delicadeza.. ou, melhor ainda,
nós, pedindo-lhe perdão. diária com os
convivência
m e s m 0 acontece na
e co
família restantes amigos
Outros membros da e os

Melendo, Un ses
0 Permito-me remeter, nesta matéria, a Tomás
ro de vida para el matrimonio, em Escritos Arvo, ano XXII, n.4°03
03,
2003, e id., San Josemaria Escrivá y la familia, Rialp, Madri, **
págs. 85-95.

12
nhecidos. Em todas essas circunstäncias, facilitamos o
amor quando nos mostramos francos, próximos e dis-
poniveis. Isto costuma equivaler a estarmos pendentes
dos outros ou, o que é quase a mesma coisa, a não nos
fazermos ásperos, esquivos, distantes... por estarmos
encerrados nos nossos próprios problemas e ocupa-
cões ou entrincheirados nos orgulhosos direitos do
"eu: no "meu... enquanto meu".
De maneira um tanto negativa, e com o dramatis-
mo tão próprio do seu estilo, o poeta Gustavo Bécquer
dizia:

Assomava aos seus olhos lágrima


uma
lábios
e aos meus uma frase de perdão
falou o orgulho e secou o seu pranto,
e a frase nos meus lábios expirou.

Eu vou por um caminho, ela por outro;


mas, ao pensar no nosso mütuo amor,
ainda digo: "Por que calei naquele dia?",
e ela dirá: "Por que não chorei eu?"

E de forma mais positiva, com palavras à primeira


vista um tanto complicadas, mas muito sugestivas se
forem lidas com vagar, o filósofo Jean Guitton afirma:
O que o amor tem de admirável é que o serviço que
prestamos a nós mesmos ao amar, também o presta-
mos ao outro amando-o; mais ainda, prestamo-lo pela
Segunda vez deixando-nos amar"",

(7) Gustavo Adolfo Bécquer, Rimas, XXX.


Guitton, Ensayo sobre el amor humano, Ed. Sudamerica-
(8) Jean
na, Buenos Aires, 1968, pág. 74.

13
todo o ato educativo
A bússola de
b)
amor-

Ser amável - facilitar


o
como modo
me e
supremo
de amar: sta é,
eesi
dúvida uma subli
sem
con
reveladora. E beria acrescentar-lhe
menos relevante, afirmando sem perigo . sem a não
de sermos
considerados ingenuos que
de eceio
o fim do toda:
ensinar a
pessoa a u e
educação consiste em
a amar, em fazer dela alguém mais enérgica e decid Jormamos
damente interessado no bem dos outros do que na.
seu
próprio.
Por isso, em todas as tarefas educativas ou de
orientação familiar ou profissional, à hora de tomar.
mos ou sugerirmos uma decisão mais ou menos com.
plexa, a pergunta que sempre deveremos fazer-nos co
mo educadores será: "Isto que vou
sugerir ou proibir
ao meu filho ou ao meu aluno, o modo como
pretendo
fazê-lo, o grau de liberdade que Ihe concederei para di-
vergir da minha opinião ou, pelo menos, manifestar a
sua..., tudo isso
ajudará essa pessoa a amar mais e me-
Ihor os outros, ou,
em
pelo contrário, a levará a encerrar-se
si mesma, no seu «bem» míope e egoista?
A
resposta a esta
pergunta que nunca poderemos
-

encontrar
de
sem um
esforço perspicaz e compromeidu
todas as
nossas capacidades de
Co e sem
recorrer à nossa conhecimento teorn-
ra, praticamente na experiência de vida indica -

são que totalidade das vezes, deci-


s, qual aa dec
Pode
deveremos tomar.
acontecer, por exemplo, que uns pais tenh am
sérias dúvidas
filha sobre se é
adolescente à conveniente
nte ou não envia
naodos
a
fim de Inglaterra ou Estados
aperfeiçoar
glaterra ou aos UnidosS a
Por um
lado, há
os seus
eus conhecimentos de ingls.
de
conhecer hoje em dia a essidade

14
esse
idioma; por outro,
imperioSa
estão
outro, estao Os perigos
às vezes notáveis da solidão, da desadaptação e da de-
sorientação que uma estadia fora de casa poderia pro-
vocar, sobretudo nessa idade. Mas estes aspectos ne-
gativos podem ter por sua vez alguns efeitos positivos,
na medida em que contribuam para o amadurecimento
da jovem.
Na realidade, porém, a questão decisiva é outra. O
essencial é que formulemos a pergunta-chave: na si-
tuação animica e de maturidade em que se encontra a
minha filha, a estadia no estrangeiro por um certo
tempo poderá ajudá-la a amadurecer, a crescer em ca-
pacidade de amar, ou, pelo contrário, poderá introdu-
zir no seu desenvolvimento uma deformação que atra-
se por muitos anos o seu crescimento com0 pessoa?
Esta é que é a "pergunta do milhão", e é a ela que os
pais devem responder antes de tomarem qualquer de-
cisão a esse respeito; e para isso é preciso que lancem
mão de todos os recursos da sua inteligência potencia
da pelo carinho, e peçam conselho a pessoas que con-
siderem sensatas e bem informadas sobre o tema.

3. QUERER O BEM DO OUTRO...


ENQUANTO OUTRO

E na reduplicação ""o outro... enquanto outro que


está a chave do amor genuíno. Com efeito, amar,
na

sua concepção mais nobre e certeira,


é procurar o bem
do outro não por mim, mas por ele.
beneficios mais ou menos
Por ele, isto é, no pelos
materiais que amizade
uma por exemplo
-
poderia-

as minhas avalia-
proporcionar-me: desde melhorar
empresa, até introduzir-me
çoes de desempenho na
o meu progresso
num âmbito social que favoreceria

15
ofereceria
a
o p o r t u n i d a d e

de conseguir umbbom
filho ou um Conhecido
um fil
me
ou
nara um

Tambémnão há de ser pela satisfaçao, pelos efei


trabalho
para

saboros: rosíssimos muit


mas efe
tOs
secundáriOs,
oreados hoje em dia, que o lacionamento cocO Ssaos
traz. Nem
auténticos amigos
nos
sequer porqu è as
sim e só assim, valorizando a qualidade dos
neus
pessoa melhor, dou maior
me torno uma
que
.

amores,
consistencia às minhas virtudes humanas e me aproxi,
moda perfeição e da felicidade... Nem sequer por is
so, embora estes aspect0S não devam ser reieitadoe
seria inumano; o que nao devem e ser propostos como
fim expresso e primordial.
Trata-se, pois, de amar o "outro" unicamente
"outro", por ser aquele a quem amamos. E a razão pelo
to é muito clara: dis
porque é pessoa e, só por esse mot-
Vo, merecedor de amor. Ou
pois vem a dar
se ento, preferirmos-
na mesmaDeus o destinou
manter com Ele um colóquioporque
-, a

toda a de afeto apaixonado


eternidade, entregando-lhe, Po
de um amor
justamente atravs
recíproco e inteligente, o mais imenso udos
bens: Ele mesmo. E
05
planos do próprio quem sou eu para pôr dúvida em
Deus?

l6
CONFIRMAR NO SER
11.

nücleo deste ensaio


consis-
antes que o
Dizíamos deve ser
a seguinte pergunta: "Qual
tiria em esclarecer
e procurado para o
ser amado?", "Co-
o bem querido o amor ao ou-
em ültima análise,
mo se concretiza,
tro2

momento de começarmos
a responder, dois ca-
No
análise e o da
minhos se abrem diante de nós: o da
sintese.
enveredarmos pelo primeiro, da descrição fo-
o
Se
deve-
tográfica e pormenorizada dos beneficios que
aos amados,
seres a senda torna-se infini-
mos prestar
ås pessoas que es-
ta. Afinal, devo tentar proporcionar
meu alcance, todos
timo, na medida em que esteja ao
neste caso, a minha
os bens que Ihes aproveitem. Mas,
desses
tarefa torna-se interminável, pois o número
bens não tem limite.
Com efeito, que razão teria eu para não oferecer
um bem à minha mulher, aos meus filhos, aos
meus

amigos mais intimos, aos meus vizinhos, até aos meus


simples conhecidos... sempre que contribua de alguma
forma para a sua melhora ou aperfeiçoamento? Assim,
enveredar por esse caminho introduz-nos num beco,
não sem saida, mas sem fim: naquilo a que os clás-
sicos davam o nome de aporia.

17
pois, ada outra via, a
intese. E
e
Experimentemos,
se simplifica.
então veremos que a questão
todos os bens do
ser querido se Poderemos
afirmar
no fim das
que
contas, a dois: reduzem,
que essa pessoa seia
alcaSto
m,
isto éé,
ë, que vá
seja boa, isto
que exista, e que ndo a
a sua perfeicão
sua plenitude como pessoa,
ela, aquilo a que hoje chamamos realização o (e, Com
dade). Tudo o que poderíamos desejar de autentica-
mente benéfico para alguém encontra-se
nesses dois propósitos capitais.
englobado

1.QUERER QUE A PESSOA SEJA

a) Dizer que "sim"

Como já vimos de passagem, amar uma pessoa


na sua substância mais íntima, confirmá-la no é,
zer "sim" à ser, di-
vras,
sua existência, não apenas
com as pala-
mas sobretudo com a vida inteira.
Amar é apoiar com todo o nosso
ser o ser da
soa a
quem amamos: derramar nela tudo pes-
o que somos,
sentimos, podemos,
se
expanda e desejamos e temos, a fim de que
desenvolva atéé atingir
perfeição. o cume da sua
O tema é
antigo, vem ao menos da
teles. NoS nossos
tempos, talvez tenha sido Josef Pie
época de Aristo-
per quemo expôs com
mais precisão:
moramoS- ou
pois este é o continuamos mais e mais
quando nos ena
destino enamorados,
que surge em nós são do casamento - , a primeira col5a
vilhoso que você sentimentos deste tipo: "E maa
ças da minha exista!",
alma, que você"Eu quero, com
todas as
om todas for-
exista!", as
18 "Que maraviinda
maravilha,
criada
acerto, que vocë tenha sido
ou
que alegria, que
criado!"9
consiste em última
Deste ponto de Vista, amar

tenhamos consciëncia disso ou não, em


análise, quer
dizer-lhe: "Neste rapaz ou
-

"aplaudir a Deus", em
Vós acertastes a mão!", "Agora
nesta moça, sim,
sois capaz"; "Muito bem,
sim demonstrastes do que
o que Bécquer eternizou,
com pa-
parabéns, bravo!" E
Vi-a e me
lavras mais cultas, no seu verso: "Hoje vi,
a

olhou: hoje creio em Deus!"10


amor não é
Essa "confirmação no ser" gerada pelo
uma mera veleidade,
uma de desejo inconsis-
espécie
muito pelo contrário, tal como sucede no ato
tente:
criador, o amor entre seres humanos tem como princCl
efeito tornar "realmente real" (para quem ama)
a
pal
"exista de verdade"
pessoa querida, conseguir que
ao menos para mim.
tanto
Esta afirmação talvez possa parecer-nos um
abstrusa à primeira vista, mas não é dificil ilustrá-la
mediante um exemplo: muitos de nós, quando damos
ou fazemos uma viagem, quando nos
des-
um paseio
locamos de um lugar para outro ou vamos a um espe-

táculo ou a uma reunião, cruzamos com centenas e até


milhares de pessoas das quais depois não saberemos
dizer nada, que nem seremos capazes de reconhecer
mais tarde, e que não exerceram nem exercerão in-

Há alguns anos, um outdoor publicitário trazia, por ocasião do


(9)
dia dos namorados, a foto de uma moça ou de um rapaz e a frase: "Se
você não existisse, teria de ser inventada/o" (N. do T.).
(10) Por isso, o amor, quando é verdadeiro, sempre aproxima de
Deus, mesmo que a pessoa não tenha consci ncia disso, ou sequer da

existência do Amor infinito: Deus sempre infunde alento, e isso é o que


importa em última análise, mesmo que a pessoa O desconheça.

19
sobre o noss
fluência alguma comportam o.
existe para nós.
ma delas
entro em ca«
nenhu.
Pelo contrário, quando sa ou no
me reúno co
lugar de trabalho, quando um me
amigos a quem - esses sim!-aprecio. todo: grupo de
para minm, despertam
sentimentos e reflo
es, solici.
existem
atençao, moditicam a minha cor
tam a minha
que é a manifestação
mais clara da suan Juta..., o
mim. Noutras palavras, real e
conseqüente diante
a ter detalhes de comportamento materiais levam-me
e
tuais que tornem mais alegres e fecundas as sa
Vi
das..Ou seja, esses, Sim, eu os percebo como reais
A idéia foi muito bem expressa por Juan Ramón
Jiménez, numas palavras que nao só compõem um in.
signe canto à dignidade de qualquer existência huma.
na, mas constituem uma grandiosa exaltação da mater
nidade
"Sempre que voltávamos pela rua de São José
-

lé-se em Platero y yo -, estava o menino defi-


ciente à porta da sua casa, sentado na sua cadeiri-
nha, olhando os outros passarem. Era uma dessas
pobres crianças que nunca recebem o dom da pa
avra nem o presente da graça; ela mesma uma
criança alegre, mas triste de se ver; toda para a
Sua mae, nada
para os outros"
Estas últimas palavras sublinham a
Sal de
realidade colos-
que, para uma mulher - como para qualquc
pessoa que ame de verdade
Ou
-,o filho, esposo, irmao
amigo constitui efetivamente o seu todo, aquilo qu

Juan Ramón Jiménez, Platero y yo, Taurus, Madrid, * ed.


1967, pág. 36.
20
confere valor ao resto do universo e o faz ser. Mas
esse todo
não é xclusivo: cada um dos seres que esti-
mamos intimamente, com toda a força do nosso afeto
e sem que haja contradição alguma niso, representa o
todo para nos.
Confirmar no ser, portanto: fazer da pessoa querida
alguém realmente real. Esta verdade torna-se mais cla-
a realidade pelo seu reverso. O con-
ra se observarmos
trário do amor, que estå unido à vida, são a indiferença
e o ódio - no seu sentido mais sóbrio e intelectual, e
menos emotivo e visceral-, que estão unidos à morte.
Quando alguém no só não ama, mas odeia, e
odeia a sério, o que pretende em última análise e com
maior ou menor consciência é eliminar o ser do não-
-querido:

quer suprimi-lo enquanto outro, valorizando-o


apenas na medida em que serve aos próprios gostos,
paixões ou interesses, configurando-o - na certeira ex-
pressão de Delibes - como uma "prótese do próprio

eu", como um apêndice do seu egoísmo; ou então0


quer anulá-lo de forma radical, lançando-o para
-

fora da existência ou impedindo-o de entrar no ban-


quete da vida (eutanásia, aborto, anticoncepcionais,
terrorismo, genocídios, fobias racistas ou de qualquer
outro tipo, violência em geral...).

E quando é uma civilização inteira que, por um


egocentrismo excessivo e às vezes neurótico, se en-
contra de algum modo dominada pelo desamor, não
nos deve estranhar que dê à luz uma cultura do desin-
teresse, do egoísmo, e, se me obrigarem a ser total-
mente explícito, uma autêntica cultura da morte, comoo
alias a Igreja nos vem recordando com freqüência.
21
absoluta
maneira

Dizé-lo
de
b)
voltarmos a temas
itivos, amor
mais
Mas, para não só nfirma corrobor
ou
indiscutível

o faz
faz comno
com tal
provado,

aquele a
quem
se dirige, mas

amado passa a serfranque


ser
radicalidade que o ser
desde as coisas mais
impres-
za e
tudo,
endentes até
para intranscendent
aparentemente
cindivel até o conjunto
quenas e
uni-
unj
neste
sentido nosso "todo
do éé oo nosso "todo")12
(também aspecto com
verso

Ortega y
Gasset expos
este
mestria,
reproduzimc a seguir dos seus Estu
parágrafo que
no pessoa é estar emna
"Amar uma
dios sobre el amor: não dmitir, na medida em que
nhado em que
exista;
a possibilidade
de um universo do
de nós dependa,
ausente"13,
essa pessoa esteja
qual formular uma ques-
função disso, poderiamos
Em
calado existencial. Poderíamos
tão prática de enorme
de certa forma,
perguntar sobretudo aos esposos (e,
também aos noivos): "Vocë é capaz de conceber a sua
vida sem o seu cônjuge? Você consegue imaginar-se
vivendo com relativa normalidade se ele ou ela vierem
a faltar?"
Não se trata de que você não consiga refazer-se,
com a ajuda de Deus e das restantes pessoas que lhe
querem bem e lhe dão consolo, se por infelicidade vier
a perder o marido ou a mulher; mas de que agora mes-

mo, neste preciso instante, você se sinta capaz de con-


unuar a viver sem aquele a quem diz amar com loucu
ra, que consiga imaginar-se sem ele. Se você respon

12)0 que não implica, é evidente, uma dependência psiquuica


doentia, como às vezes se tende a
Jose Ortega yGasset, Estudios pensar.
sobre el amor, Revista de
dente, Alianza
Editorial, Madrid, 2" ed., 1981,
pág. 20.
22
der que sim, que conseguiria, talvez
seja o caso de
suspeitar que o seu amor anda não amadureceu
quanto seria de desejar. tanto
A este respeito, contava-me
emocionado amigo um
iá passado
da meia-idade:
"Depois de muitos anos de
convivência e de trabalho duro para levar adiante uma
familia numerosa sem os recursoS
suficientes, a minha
mae ficou gravemente doente, tivemos que levá-la
e
do povoado onde morávamos a uma cidade distante,
maior, onde foi operada. Durante a operação, sentado
num banco no meio do
corredor, vi pela primeira e úl-
tima vez na minha vida o meu
ta e mais de cem
pai um metro e noven-
-

quilos chorando desconsoladamen-


-

te. Tentei
mitigar-lhe a dor, mas só o ouvi
e outra vez, com os lábios repetir uma
trêmulos: «E eu, que vou fa-
zer sem a sua me?
Que será de mim se ela morrer?»'
Não é um episódio raro. Mas a
emoção do meu
amigo, décadas depois desse episódio, transmitia-me
com uma força
incomparavelmente mais viva do que
consigo reproduzir aqui a realidade desse amor.

2. COMPROVAÇÃO POSITIVA

Tudo que vimos estudando pode comprovar-se


o
claramente de duas maneiras: uma afirmativa e outra
negativa. Comecemos pela primeira: a comprovação
prazerosa.

a) "Quando m'innamoro... "

A confirmação radical do amado no ser dá-se, de


Torma evidente, na paixão amorosa dos enamorados:
quando a pessoa se enamora - ou quando, passados

23
vinte e cinco, trint ou mais
anos
nial, continua a crescer no
seu
de uniäião matrimo.
amor
só amado e
o ser
parece
apaixonadl
mas tudo o que o rodeia e tudo maravilhoso, exce .não
epcional
o
que existe
brilho, com resplande.
ce com uma luz nova, com um
zes absolutamente desconhecidos uns
fora da mati
m
apaixonado. condiçå ode
E aqui poderiamos recorda um
poemas e canções que manifest sem-número o de

fulgor particular de que se


reveste a
intuitivament
natureza inte
como conseqüência da transfor que o enamora-
do experimenta. Para citar
apenas um ünico
caso. ve.
jamos a seguinte afirmação de Lucrécio:

Sem ti nada nasce para a clara luz do


dia,
nem há coisa
alguma alegre ou amávell4
Reflitamos sobre este fato.
Não há muito tempo, num trabalho
especializado
cujo tema era a beleza, cheguei à conclusão de que se
podia defini-la como "o ser levado à
plenitude e torna-
do presença". E argumentava, de acordo com a tese
clássica na história do
Ocidente, que semelhante pleni-
tude exige integridade; que uma obra (artisticamen-
a
te) inacabada dificilmente é bela; e
rio,
que, contra-
que conhecemos como o "toque de mestre", esse
o pelo
detalhe final próprio do
até um trabalho medíocre gênio, é capaz de transformar
por estar inconcluso
-

num
prodigio formosura.
de

(14) "Nec sine te quidquam divinas in


luminas oras / exoritur, e
que fit laetum, neque amabilem quidquam". Lucrécio, De rerum
,Vs. 22-23. Uma
tradução mais literal seria: "e sem ti nada Hu
as divinas
margens da luz, nem há sem ti no mundo emerge
amor ou alegl
24
Pois bem, o ser amado é como o
genial aplicado "toque de mestre"
ao próprio universo: completa-o, apro-
xima o mundo de nós e faz com que reverbere com
um vigor e uma
intensidade, com uns resplendores e
lampejos impossiveis até de vislumbrar poucos mo-
ntos antes de nos enamorarmos.
Quando o amor se
apossa de nós, tudo se transfigura e transmuta,
em qualidade, manifesta o seu brilho
ganha
radiante.
Rafael Morales exprime-o com todo o acerto em
relação à vida matrimonial:

Eu estava junto de ti. Caladamente


abrasava-se a paisagem no ocaso
e era de fogo o
coração do mundo
no silêncio cálido do campo.

Um não sei quë de secreto, surdo, cego,


cumulava-me de amor; eu, ensimesmado,
estava pendente de ti, não compreendendo
o profundo mistério dos teus lábios.

Pus a minha boca na sua insistência pura


com um tremor quase de luz, de pássaro,
evi a paisagem converter-se em asa
ea minha fronte arder contra o céu alto.

Ai, loucura de amor!, já tudo estava


em voo e em caricia transformado ....
Tudo era belo, venturoso, aberto [...].
e o ar tornou-se quase humano'

em Obra poéica, Se-


(15) Rafael Morales, "El corazón y la tierra", 68.
lecciones Austral, Espasa-Calpe, Madrid, 1982, pág.

25
"Em conseqüência, que sou senão aquilo que
1
esperam de mtm os que me amam? Quando a
consciência se fecha sobre si mesma, resseca-se e
atormenta-se; quando se abre ao amor liberta-se
das suas cadeias interiores. Mas a con~ciência só
se abre qua ndo acolhe o amor; assim, no círculo
do amor, a resposta vai mais_longe que o pedido,
e o dom que se recebe, mais longe que o dom
que se faz" 35 •

Em resumo, a resposta amorosa ao amor que con


-
cedemos a alg uém é, inevitavelmente, uma melho
ra
do ser do amado. Co mo queremos que seja bom,
per-
feito, ativ am os o processo do seu aperfeiçoame
nto
pessoal, avi vad o pel a energia inigualável que o nos
so
carinho lhe transmite. Philine, a namorada de Am
iel,
expressava-o com ma gní fica intuição feminina na
car-
ta em que res pon dia provavelmente a um a pequen
a
censura, tam bém epistolar, do namorado:

"A s min has desigualdades hão de desaparecer


qua ndo est ive r ao teu lado para sempre. C~nt_igo,
me lho rar ei, pod ere i aperfeiçoar-me se~ ...hmitt:.s;
por que ao teu lado a saciedade e a desun1ao serao
inc onc ebí vei s. Nã o saberás tudo o que valho en-
qua nto eu não pud er ser, jun to de ti, tudo o que
sou " 36 •

amor.~~~:n ºJ'a~~id~ 5·11


(35) Jean Guitton, Ensayo so~re e/
(36) Gregorio Maraõón, Ami el, Espasa
11
ed.,
P'
1967, pág. 134.

51
a n [f e st a ç õ e s 111uito c o n c re ta s
b) M

o s . d iz e n d o ,
s d o q u e v im
A s c o n se q ü ê n c ia é m a b u n d a n te s. D es~es~as ul-
ta m b
t Íin a s p á g in a s sã o q emos
a l g u m a s d e la s :

e d e v e rí a m o s se n ti r- n o s in d ig n os
- A p ri m e ir a é q, u ~ 1
.d , p o r e x e m p lo , n a vida
o
0 1 er ec
d o ~mor que nos e n h e c e r q u e u m a d as coisas
u e re c o
co n Ju g al . T e n h o q m a o lo n g o d a m in h a expe-
c io n a ra
q u e m a is m e e m o n a c o n v iv ê n c ia c o m o u tr o s ca-
do e
ri ê n c ia c o m o m a ri z e s, e n ã o só n o c o m e ç o d a vida
v e
sa is fo i q u e m u it a s s d iz ia a o o u tr o : "E u am o
s e sp o so
em comum, um do n d ic io n a lm e n te , e, ao o lh ar
, in c o
v o c ê c o m lo u c u ra e sm o , n ã o c o m p re e n d o co m o é
m
p a ra d e n tr o d e m im a m e "; e a re sp o s ta d o cô n ju g e
me
p o ss ív e l q u e v o c ê ra ç ã o a o a v e ss o : " N ã o , so u eu
a o
c o n si st ia e m v ir a r r v o c ê , e, co n h ec en d o -m e,
ado po
q u e m e st á a p a ix o n a r q u e m e te n h a e sc o lh id o
a c re d it
é -m e im p o s s ív e l
o u e sp o sa ".
p a ra se r se u e sp o so tu d o is to ro m a n ti sm o b ar at o ;
A lg u n s c o n si d e ra
rã o
n ã o h á m u it o te m p o , a o fi n al d e
va ,
er a o q u e p ro c la m a ei so b re o te m a q u e n o s o cu p a,
e d
u m a c o n fe rê n c ia q u e io d iz e n d o : "S e i m u it o b e m as
rv
u m a p e ss o a q u e in te e q u e fi z e ra m a m in h a mulh_er
ho,
q u al id ad es q u e te n C o n fe ss o q u e e ss a in te rv en ça o
!"
e n a m o ra r- se d e m im o d e s e n ti m e n ta li s m o e d e se r
u sa d
- n a q u a l e u e ra a c p ri o B é c q u e r - m e c a u so u u m a
p ró
m ais m e lo so q u e o n ta r a té v in te , p o rq u e a al m a
que co
p en a ,e n o n n e . T iv e e st a ss e a li m e sm o 0
ia m q u e a d m o
~ ª 1in g u a m e p e d re ss ã o "I n fe li z !" E is s o n ã o ems
m a ex p
in o p o rt u n o co
· · m u it o m e n o s d e o fe n sa , m a
to m d e re c n m 1 n aç ã o , o u
e ra in ca p a z d e p e rc e b e r a q u il o
em
p o rq u e p o b re h o m
O

52
ue há de 1nais gratificante no amor: justamente a níti-
da sensação de que não o merecemos!
como afirma Étienne Rey, "para saborear plena-
mente a felicidade, não há nada como sentir-se indig-
no dela". E Marta Btancatisano: "Ser amados quando
somos os heróis ou os primeiros da classe não chega a
dar-nos grande satisfação; mas ser amados quando so-
mos e nos comportamos como uns vermes... ah, isso
sim comove as entranhas do mundo, provoca um as-
sombro capaz de dar nova vida a quem recebe um
amor assim" 37 , injustificado, gratuito.
No amor conjugal, tudo é gratuito. Não há dúvida
de que qualquer p~ssoa merece ser amada pela sua
simples condição de pessoa (também gratuita, fruto da
liberalidade criadora); -mas que alguém. faça de nós o
objeto exclusivo dos seus amores, ou que se obrigue
mediante uma promessa irrevogável a entregar-se a
nós pela vida inteira e lute dia a dia por cumpri-la, nos
momentos de alta e nos de bancarrota, isso ninguém o
pode exigir, pois é o resultado de uma decisão com-
pletamente livre, que pede toda a nossa gratidão.
Embora sejam muitas as razões desta espécie de
contradição que acabo de expor - reconhecermo-nos
reciprocamente indignos do amor que nos é outorgado
-, uma delas consiste muito concretamente em que,
como vimos, aquele que ama não só percebe as perfei-
ções atuais do ser amado, mas toda a plenitude que ele
está destinado a encarnar. Dentro de qualquer casa-
mento autêntico, cada um dos cônjuges ama o outro
mais do que a si mesmo, e por isso também descobre

(17) Marta Brancatisano, La gran aventura, Grijalbo, Barce lona,


2000, pág. 68.

53
I
e iç ã o in u it o in aior do u
nele u m a perf tr o s p e c q ... e_ o ou tro seria
a r p o r inera in
ca p _a z d e e n x e r g
e s s a perf e iç ã o p o te nc i çf º ' e assim , ma.
:a v il h a d o c o m o r. ª , faz dele o ot,..
J e to d o s e u a m á veis do
fe it o s in e vit l já
- O u tr o d o s e
u é m s e e a m or, ao quab
e mal a lg namorad e d _co re es
a lu d im o s , é q u '.
, rr e s p o n d id o , independentemente } sual1dade,
que e co e s ta d o d e saúde , etc ., 1ormu a um
ã o soc l',_ ia l,
c o n d iç az e r-se m e nos indigno do
, • ,,.J
rbtf!ra p a r a ~ a
propo~1to u e " ! eo I_Jeto. P o r isso, quando escutamos
amor_ e q u e e tr is te a fi rm a ç ã o de que
sy e 1to _ d ~ a lg ~ ma pes_soa a o s e st a r certos de
~e n a vida", p o d e m
n a o foi ~ in g u e m m o u d e v erdade.
m a a sentença de
q u e n1ngue s e n ti d o d e st a
vida, o
E s te é, s e m dú ibui tanto para tornar mau um ho•
contr vavelmente,
Gautier: " N a d a a m a d o " . E , p ro
te r sido era
m e m c o m o n ã o fi rm a ç ã o de Niemeyer: "O amor g
a m-
ta m b é m o d e s ta n a tu re z a rude consegue resistir se
a -
a m o r , e n e m u m m u it ís s im o s homens tivessem rece
Se am
p r e à s u a força. a s u a infância e juventude, ter-se-i
n
b id o m a is a m o r io r grau".
human iz a d o e m m a
ú lt im a s p a la v ra s , conse-
c o m estas
E m consonância da é muitas vezes fruto da cons-
aliza ran-
g u ir u m a vida re s queridos e da confiança inqueblo. -
o
c iê n c ia d e s e rm nos a m a - uma mãe, p o r exemp mo
tável q u e q u e m . e assim faz surgir em nós . (Antocon-
..
deposita e m n ó sum d o s mais eminentes filósofos gra-
Millán-Puelles, petia n a intimidade, com convictaa _na
temporâneos, re ha chegado a s e r alguma coismae,
tidão, que, s e m tin a o c a rin h o da sua
e boa m e d id a
vida, devia-o e c o n fi a n ç a : " Meu fi lh o ,
que o incentivém ava cheia d
c ê s e rá a lg u na vida"). n a r o ti p o eg o ís ta .
v o c io
eríamos men e d e fi n iç ã o desta ati-
- P o r fi m , pod d
m a -s e c o n s id e ra r, a tí tu lo
C o s tu
54
que O homem
enclausurado em si mesmo se
t
tu de, mai . t
s ou menos. consc1en emen e a amar ·os ou-
nega em mui tas ocas1oes isso ta 1vez
•N •

seJa con-
mas que d
· tuosa ou e um tem-
, ia de uma educaçao de.
troSüênc N

e1e1
seq e. .
101 corn
. 'd
g1 o. . ,
peramento que não
Muito .mais revelador de um verdadetro ego1smo,
porém é o fato de que a pessoa egoísta rejeita ser
amadd. Como percebe claramente que o carinho que
receberia a obrigaria a esforçar-se por melhorar, sain-
do de si e amando por sua vez, evita todo o compro-
misso, uma vez que não está disposta a suportar os sa-
crificios - esses sacrifícios tão saborosos para quem
ama de verdade - que lhe imporia a atitude de "amar
porque é amada".

e) O esforço da própria entrega

Confirmação no ser, exigência de plenitude, desco-


berta de uma perfeição que a própria pessoa não per-
cebe em si, desejos impetuosos de melhora... Tudo
isso foi ~xpresso com perfeição pelo poeta, naquele
que considero o mais iluminado cântico de amor em
língua castelhana de todo o século XX La voz a ti de-
bida, de Pedro Salinas: '

P_,_erdoa-me por ir assim, procurando-te


tao desajeitadamente, dentro
de ti.
Perdoa-me a dor, de vez em quando.
É que quero tirar
de ti o teu melhor tu.
Esse que não viste em ti e que eu,
nadador por tuas profundezas, vejo , preciosíssimo.
55
E ton1á- lo
e se gu rá -lo ao alto,
,
con10 a ar vo re retem a última luz
qu e en co ntrou no sol.
E en tão tu
irias e,n su a busca, pa ra o alto.
Pa ra ch egar a ele,
subida so bre ti, como te quero,
toc ando já o teu pa ssado
teus pés,
ap en as co m as po ntas rosadas dos
o co rp o todo em tensão, já subindo
de ti pa ra ti mesma.
E qu e ao me u am or então res ponda
38
a no va criatura que tu eras •
do, representa
O ve rso final, co m o verbo no passa
ição: Salinas afir-
o cu me de sta ins pirad íssima compos
ma aq ui qu e o desenvo lvimento pe
ssoal de todo o ser
39; e que
é jus tam en te iss o, des-e nvolv imen to
hu ma no
contrava de algum
o co nju nto da su a ple nitud e já se en
deu no próprio mo-
mo do contido no se r que De us lhe
efa é desenvolver
me nto da su a criação . A nossa tar
al da vida, aquilo
ess a riqueza até alcançarmos , no fin
o começo: a bele-
que até certo po nto já éramos desde
Goethe. E, para o
za está próxima da origem, afirmava
dos outros.
conseguirmos, precisamos do am or
do estudo so-
Gregorio Marafión, numa passagem
essa verdade com
bre Am iel que citei acima, exprime

(38) Ped ro Salinas, La voz a ti deb


ida, Clásicos CastaJia, Madrid,
1974, 2ª ed., págs. 93-94.
. (39) Etimologicamente, sig nifica
tirar do seu envoltório alguma
sente do em bru lho sem valor que
coisa qu~ já está lá, por exemplo o pre
o escondia (N. do T.).

56
entendamos que
insuperável precisão ... , desde que lica com idênti-
ap
aquilo que ele afirn1a da mulher se
co vigor ao hon1em:
não exis-
"Amiel ignorava que a mulher ideal
ição: porque,
te quase nunca em estado de perfe
acaso, mas em
via de regra, não é apenas obra do
[... ]. O ideal
grande parte obra da criação própria
nunca nos é
fe1ninino, como todos os ideais,
com o barro
dado feito; é preciso construí-lo;
é construí-lo
adequado, é claro, mas o essencial
os dias, ex-
com o amor e o sacrifício de todos
de cara ou co-
pondo por ele, num jogo arriscado4
roa, o porvir do próprio coração"
º.
nso que vale a
Uma vez chegados a este ponto, pe
ist ir so br e um as pe cto . Pa rec e-m e indubitável
pena ins
am or , es se qu ere r qu e alg ué m se ja e alcance a
que o
ue za de fin itiva en ce rra da no se u ser, se configura
riq
de qualquer tentati-
como o motor de toda a educação,
ria acrescentar que,
va de ajudar os outros. Mas quere
en te po r se tratar de pe sso as , ca da uma delas é
justam
etíve l, e a sua pe rfe içã o - po r ma is que apresente
irrep
- é também estrita-
certa analogia com a dos outros
isso, o que sempre
mente singular e irrepetível. Por
is ardente amor é
devemos procurar por meio do ma
se r a qu em am am os atinja o seu próprio apogeu:
que o
u rea lm en te distinto do de qu alq uer outro. se.r hu-
o se '
no qu e ex ist a, ten ha ex istido ou venha a existir ... , e
ma
também do nosso. ia o amor como
Recordemos que Aristóteles defin

. 11 2.
(40) Gregorio Marafión, Amiel, pág
57
u
re r o b c n 1 d o o u tr o e n q a n to o u t ro ,, . E e
··q u e
b é rn a s p a la v ras d ir ig ,·da s p o r M 1·g uc1 deVolJq lle ,
rn o s ta n1 .to r n o v a to . q u e s e u e ix .
a un 1 e s c n q a v a ao '1le na,
n1un o - ·
,. q e ,, ,, p rod UÇ-ao n a o era S ll fi1c 1en tc ,n te_ rest
s ll n co
re
,
I U " · u e l r e s p o n d e u -l h e : " Nà en
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se Julgue
qua 1squ er 0 utro ,
n e rn n1
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J -
a o s o m o s q u a n ti d a d e
· ,
1o n1 ~ns, n r,· : aC a d a uni
I:'º,'s .n o s o ~
vel; p o n h a O s e u p
nc1p J e mpe-
e u nz c o ,.. e 1n s ubs t1tu1
o e s c r up u lo s a n1e nte "4 '·
n ho e m se -l ím 1a a m esn 1 a coisa ' embo ra a p a r-
f
Juli án M arías a .va b as tante diversa , que subi·mhª
p ecti
t1. r e u m a p e rs'd ad e s d o a1n a n te d o que a b u scs le~
d a d
n1a1.s as n ec es s1 a da. N o entanto, s e corrigirm sofo
o
am
bem da p e ssoa d e m ira , essa passagem do fi ável

v e m e n te o p o n to m r e s u m o p lenamente aproveit
u
p o d e constituir os d iz endo:
daq uilo qu e v im
cia b il id a d e » d o amor, que-
sa
" A o falar d a «in o r n ão s e co n tenta com ne-
e o am
ro significar q u lh e b a s ta e s te ou aque-
, q ue n ã o
n h u m a abstração oa a m a d a , m a s q u e aspira a ela
ss
le a s p e c to da p e de passada , presente e futura ,
a
na s u a integrid m e n ta l e in te le ctual, nes-
a, s e n ti
corporal e anímic tro.
te m u n d o e n o
ou o lo n g o da vida
e te m p o r a l, a
"Na sua realidad ta q u e a v id a humana é um
de vis
- não p e rc a m o s rs o argumental, e m q u e o te ~ -
cu
transcurso ou d e dimentando e p e n n it e , a partir
se
p o vivido se vai r a té c e r to p o n to o futu-
desse sedimento
, antecipa u it o p rincipal-
o n s is te m
o amor c
ro p r é - v iv id o - ,
· d
,, , s se le c ta s P le m tu ,
U
(4 1 ) M ig ue J d e n am u n o • " J·A d en tr o . , en O b ra '
.
Madrid ' y• ed ·, 196 5 , p ag . 18 6.

58
mente em deixar ser. Esta é a raiz do seu impres-
cindível respeito pela pessoa amada, respeito que
é compatível com essa avidez que chega à insa-
ciabilidade [ ... ]. Quem ama precisa tanto da pes-
soa amada que tem de deixá-la ser o que é, o que
precisa continuar a ser.
"A única coisa em que pode agir ativamente
sobre ela é estimular o nascimento do mais pró-
prio e do melhor· que há nela, ajudá-la a desco-
brir-se, a ver-se como num espelho que aquele
que a vê lhe estende. Quem quer transformar a
pessoa amada - erro tão freqüente - não a ama
de verdade; a atitude de que venho falando leva a
querer que ela seja na maior medida possível ela
mesma, e por isso limita-se a tentar despojá-la de
aderências postiças para deixar a sua realidade li-
vre, não para trocá-la pela própria ou por aquela
que se prefere pessoalmente" 42 •

E com isto podemos passar ao último ponto.

2
(42) Julián Marias, La educación sentimental, pág. 28 ,
59
IV. ENTREGA

1. ENTREGA PESSOAL
E GRATUITA

a) "Tu, só tu"

ga é a cu lm in aç ão m ai s au têntica do amor.
A entre : com a agude-
ul ar as si m es ta af irm aç ão
Costumo form
do en te nd im en to ap er fe iç oa da pelo carinho, a pes-
za ilha que o ser ama-
e am a de sc ob re to da a m ar av
soa qu tu ra de crescimento
rra no se u in te ri or e a av en
do ence almente sem padl~1--
tá de stin ad o· e en tã o no rm
a que es ' ' não pode deix · ar de
vras, mas" com a própria vi da . . arnioendete
'
lh e: V ~le a pe na qu e eu m e ponha tetrí in
zer- al ca nc e es se prodquge eu,
ao ..eseu· ...serviço pa ra qu e vo cê
i ie iç ao e be le za qu e es tá ch amado a se"Ir "e
pe
e am or , de sc ob ri em voce. corn eça
pe ª,
1 1 or ça do m eu
qu and? s~iiar e na
qu e co m eç a a av en tu ra :
E ~ntão
da na se gu nd a pe ssoa do stn~ç a a veL
ª~ 00 J_u ga r a vi
e nó s) · qu an do se co me sobretu·1
pr-imei,ra do pl ur al (tu , b,
ol ho s pr óp rio s, m as ta m ernd 0 . quaD0l
nao so com os ento do arn~ '
do com os olhos e o entendim seu coraçaod. ist0 ~~
se de seja e. se anseia através do ue tu .0derr10Il~J
M . , s1mos são os exemplos em q
. u1tis se m es pa ve ntosp,resenta
manife sta co m si m pl ic id ad e
. ' en tre ga re
nd
tra 0 em qualquer caso qu e a
60
d ida do an1or fidedig no: sem ir mais longe, na exis-
1ne . b f: ,1· l
t''ncia cotidiana de uma oa amt ta, na qua cada um,
: nfon,,e an1adurece, tende a subord inar os seus pró-
~rios interesses aos desejo s _dos outros ; e também. na
vida 11,ais ou 1nenos excep cional das pessoa s dedica -
das por vocaçã o ao serviç o dos outros .
A pergunta que surge então, quase sem que o pre-
tenda1n os, é a seguin te: O que é que os que se amam
desejatn interca mbiar? O que é que o apaixo nado es-
pera oferec er ao objeto da sua devoç ão? Poder íamos
encontrar a respos ta, mais uma vez, nuns versos de
Salinas, que consti tuem ao mesm o tempo toda uma
síntese da antrop ologia do dom e, atravé s dele, da
condição de pessoa : pois esta, como verem os, está na-
tural e intima mente orient ada para o dom, a dádiva , a
entrega de si.

Presente, dom, entrega?


Símbolo puro, signo
de que me quero dar.
Que dor, separar-me
daquilo que te entrego
e que te pertence,
já sem outro destino
que não ser teu, de ti,
enquanto eu permaneço
na outra margem, só,
ainda tão meu!
Como quereria ser
isso que te dou,
e não aquele que to dá 43 •

(43) Pedro Salinas, la voz a ,; debida, páj. 77.

61
b) o sentido do dom
Por que un1a ant ropologi_a do dom, do presente?
re '-'eriria Iimitar-111e a sugenr apenas algumas ide'·ias·
P 1
1
•" •
sc1encia. hda .nossa próp na. ·
bor a tod os ten hamos con
Em . 1
pequenez e até d~ ocas1? na mesqu1n ana de al~urnas
das nossas atuaçoes, a 1ndole pessoal de cad a indi ví-
duo eleva-o a urna altura tão prodigiosa, tão fora de
qualquer parâmetro, que faz ~om que ta~bém para ele
seja válido, plenamente efe tivo, o seguinte aforismo:
"E tanta a perfeição radica l da pessoa , que nen
hum
presente é digno dela se for menor que ... outra pessoa!
Qualquer outra realidade distinta que lhe seja ofereci-
da fica aquém, é insuficiente, permanece muito abaixo
daquilo que a densidade pessoal reclama".
Nes te sen tido Em erson afirmava: "Os anéis e as
., . '
J, ~s não
01 são pre sentes, mas pedidos de desculpas. ~
umco presente é um pedaço de você mesmo": é vo:e
me__smo, todo o seu ser, acrescentaria eu, imitando Sao
Joao da Cruz:

A1~me deu o seu peito,


a/z me ensinou uma ciência muito saborosa,
e eu_lhe dei de Jato
a mim mesmo,. sem faltar coz.sa aIgum a,.
ali lhe
prometz ser sua esposa 44 .
E, na verdad um presente realiza a sua fiunção t'da
ºª--
exata rned·d e,q l ron1eque
i
1 a em encontra comP o
e corno que ue ne e se
dá. As cuit encarnada ou resumida - a pessoa a sa-
uras antigas, como por exemplo a greg,'
------
62
(44) São João d·
a Cruz• e·an11.co espiritual.
bian,-no n,uito ben, ; assin1 , quando Telêmaco tenta re-
ter Atena, di sfarçada de forasteiro, e 1he oferece "um
presente. utn don, inestitnável e belo que será para ti
um tesouro de n,in,, co1no os que hospedam costumam
dar aos seus hóspedes ", Atena, "a dos olhos brilhan-
tes". respond e-lhe: "Não me detenhas mais, pois já an-
seio pelo canlinho . Entrega-me o presente que o teu
coração te inclina a dar-tne, para que o leve comigo
quando voltar. Escolhe um que seja realmente bom e
terás outro igual etn recompensa" 45 .
Tudo isto, infelizmente, vem sendo abandonado no
mundo "civilizado" de hoje. E as grandes lojas - com
os seus presentes anônimos já prontos e bem emba-
lados ... e com os seus impessoais "cartões de presen-
te" - não ajudam muito a reparar essa perda.
Não obstante , também agora continua a ser verdade
que, independentemente do seu valor material, um pre-
sente vale o que valer a pessoa que empenhou algo de
si nele. O leitor certamente se recordará da memorável
cena do filme Dea d Poet 's Society ["A sociedade dos
poetas mortosº ], em que, despeitado, o co-protagonista
lança do alto do pontilhão que liga dois edificios os
mate riais de escritório que recebeu dos pais por dois
anos seguidos . Estamos diante do exemplo eloqüente
de w11 fenô1neno que, infelizmente, prolifera na nossa
cultura : o presente muitas vezes representa - mes mo
entre pais e fi lhos - , não uma manifestação de amor e
sin1bolo de entrega 1nútua, mas um mero gesto epidér-
mico 1novido mai s pela rotina do que pelo c~~i n~o. Ou
então é um meio de aplacarn10s a n1á consc1enc1a q~le
talvez tenha1nos por term os pres tado pouca atençao

(45) Homero, UJ1.>:~éw . 1, 311 -31~

ó)
àqueles a quem deveríamos amar. Ou
ainda um meio
de "comprar" - e assim "prostitui r",
com perdão da
palavra - os filhos com quem não qu
eremos gastar 0
tempo necessário e dos quais desej
amos sobretudo,
talvez sem o perceber, mimos e agradeci
mentos perifé-
ricos, ou até ... que nos deixem em pa
z.
No extremo contrário, continua sempre
nar-nos o embevecimento com que um a emocio-
a mãe recebe
quatro traços desajeitados que o filh
o ou a filha d_e
muito poucos anos lhe oferecem por
ocasião do am·
versário ou do dia das mães. Bosquejo
qu
absolutamente nada... , exceto toda a pe e nada vale,
sso
que se empenhou na sua elaboração du a da criança,
rante uma, duas
ou mais semanas . As mães apreciam 1

efetivamente 0
valor dessa demonstração de entrega,
embora O seu
preço comercial seja nulo e menos que
nulo. ·
Alberoni expõe-no também, e com sin
são: "Na vida cotidiana - afirma - vale gu_lar,c?º~~
intercam" b'10 calculáv o pnncipio·5a
el: se eu lhe der a1guma co1va·'
quero algo em contrapartida, e deve ser O
lor'' • Entre os que se amam pelo con d~ _m e~~ ão ha
trario, cebo,
nenhuma contabilidade do qu '
e dou e dO .que que re
Cada qual entrega dádivas ao outro: as \he
parecem belas algo que fale de si, qu coiOsas arde ao
' e reco outro,
amado. Mas tam bém coisas que agradªmf aqüênc1·,ª'
que o outro mencionou ou recordou. Co
o do ' m r:âneoque
. m _e um ato imprevisto, ~m ge_s to. .espon l N1ª5
stmbohza a doação de si a d1spon1bi1td de tota · . tii-
od '
a a retrib e
· om não espera outro do .., era
m, nao esp uJl \ 111·5
ção. Ao fazennos um dom, as conta qui libr afi tl~
s e_e ql1e 1\r
imediatamente: basta que o outro Oap~
contente . A alegria do outro vale mai~eci u'e quali\1 1
-
. '!.,_ e
0 b~et o. Desta fonna, os dois pre se_n,,te1a 5 111t l
1"

mente, mas sem que haja intercâmbio


·
64

l:! i ,_
1'
1 (,

1 ~'

~',•; Pelo contr ário, "se se dese ncad eia uma contabilida-
◊. de dos dons, um «eu lhe dei, mas você não me deu», a
::~ paixão - o amor - está a pont o de terminar. E se cada
i um exige essa conta bilid ade do dar e do receber; então
... ou talve z nunc a tenha che-
46
\e acab ou por comp leto"
1\'
~·· gado a nascer.
'
'
• f,

~ 2. A INCLINAÇÃO PESSOAL A DAR-SE


'
1
~ a) O homem, um ser para o amor (e para
l~ a felicidade, como conseqüência)
it
r
/1(.
Mas conti nuem os com o noss o tema. A parti r do
momento em que percebemos com clareza que a en-
.~ trega constitui a coro ação ·e o comp êndio do amor, tor-
na-se evidente que falar de amor entre animais é ape-
ii . nas uma pobr e metáfora.
O animal não pode amar porque não pode entre-
ir. gar-se; e não é capa z de fazê-lo, em última análise,
f porque não se pertence a si mesmo; o ser das realida-
des infra-humanas reduz-se a uma simples porção ou
(t,
fragmento do conjunto do cosmos material, uma espé-
j~~ cie de "emp résti mo ecológico"; como não possuem
,~i
,r'
propriamente o seu ser, não podem oferecê-lo a nin-
guém, e portanto são incapazes de amar, se entender-
1 mos este termo no seu sentido mais próprio e pleno.
/ Já a situação do homem é muito diferente. O ho-
41, mem é capaz de amar porque pode entregar-se. Com ?
>· Deus lhe concedeu o ser a título de "propriedade pn-
l vada" - inalienável e inamissível - , no momento su-
}'
j '
11,
/i'
(46) Francesco Alberoni, Enamoramiento y wnor, 6»- ed., Gedisa,
,,.,'/'. Madrid, 1996, pág. 61 .
,·f
' J,. 65
l.
1 '
blitne e1n que se enamora po
utn ato supre1no de generosidde dispor de
ade para ofes se "ser co111
t1. va1nente a, pessoa que ama (
. pela vida inret ce. -lo eiee
todas as suas dun ensoes, se se trata do eira e -
. .
jugal). e111
amor con-
Ora bem, a isto que bem pode
. mos consid
con,d19...ao const~.t~t1.va .da e~tre erar um
espec1e de requ1s1to ex1stenc1al ga, acrescenta-se a
ou
ro; e e, que, no acon tecer d.1a, . vital, mas corn.quum ei-
_a
, d no , esse homem
mulher devem ser tambem 0 u essa
• an os de si isto e' a
v~n~de deve 1~ p~rar sobre os seus insti' ntos , sua
denc1as) e domina-los, moder (ou ten-
ando-os ou avivando-os
conforme o caso. E devem sê
-lo sempre, não só na
vida sexual, mas em todas e ca
cias da sua existência: quem da uma das circunstân-

mo, aquele cujo humor e esta o é senhor de si mes-
do de ânimo dependem
de como se sente fisicamente,
do
contrariedades, do êxito dos pl clima, da ausência de
an
os fins de semana... , dificilmen os estabelecidos para
te poderá amar de for-
ma plena, uma vez que, não se
de entregar-se eficaz e ·realmpossuindo, será incapaz
ente. Dessa forma, só
conseguirá frustrar a sua exis
tência
O homem e a mulher estão de .
por isso aspiram naturalmente stinados ao amor, e
a da
oferecerem ao outro o próprio r-se. Para quê? Para
ser pessoal, que é ~m
grande bem, o maior que te
mos ... e o mais perfeito
que há em toda a natureza (p
erfectissimum in tota na-
tura, segundo a expressão já
clássica). O grande para-
doxo é que só assim, prod
igalizando-se, esquecen-
do-s~ de si, de_s-_vivendo-se,
plenitude e fehc1dade vitais . o homem al~a~ça ª.sul~
O
mente homem, pessoa, se e na homem so e radica
0 be
medida em que procura
m do outro enquanto outro.
Dar-se, entregar-se, é constitut . . ma-
ivo do suJeito hu
66
é aquilo que lhe permite ser uma pessoa íntegra,
no, teta Recorda-o a Gaudium et spes, numa pas-
comp con1entad
. a com ~ .. " .a por Joao
... p au1o II :
sage1n . 1requenc1
b .
"O hoinem, única criatura so re a terra que Oeus q~1s
or si 1nes1na, não se pode encontrar plenamente a nao
p .
ser no sincero dom de s1. mesmo"47
.

b) A fecundidade característica da pessoa

Qual a razão dessa exigência? Noutros lugares, ao


falar da felicidade, expliquei-o .com mais extensão.
Aqui bastará responder: o motivo é a sua grandeza, a
sua enorme riqueza ou densidade ontológica. Ao con-
trário de todos os ser'es infra-humanos, que por causa
da sua pobreza de ser buscam exclusivamente a pró-
pria perfeição, a pessoa - de maneira primordial as
Três Pessoas divinas, mas também as pessoas criadas
-, em virtude do seu grau de ser superior, parece "ter
realidade de so~ra", e por isso encontra-se intimamen-
t~ inclinada a dar-se, procurando mediante o am_ or o
aperf~~çoamento alheio.
Se estamos inclinados a dar-nos, também o esta-
mos a receber o outro, já desde a infância. Sugere-o de
maneira um tanto indireta, mas com fina intuição,
Mercedes Arzú de Wilson:

"A criança indefesa - escreve - , ao menos


nas primeiras etapas do seu desenvolvimento, pa-
rece ser apenas um conjunto de necessidades.

<47 ) Concílio Vaticano 11, Gaudium e/ Spes. Constituição Pastoral


sobre a Igreja no mundo de hoje, 07.12.1965, n. 24.

67
. . ,
Ma s é n~a1s q~!c 1sso~ e u_tntserdesp iritual
to cont1nua, o que mais ar e se revet''. Port
,
·. . ,
dec tstvo e se a ct.1•anç a ,
e a1nada e se ara conan.
-.
. •110
en1 sat1·s1a
r zer
as sua s necessid · ade
s vai· °
CUtdacto
nhado de an1or. eom e1eito, e mais
e . , .
im acomp
a-
atnar a cn.an ça do qu e s~ t·is f:azer-lhe um dPortant
nado nún1ero de necessidades objetivas'' t _e
4; ermi-

0 que a condição pessoal do ser hum


. ., . .d ... ano .
desde os pnn1einssi1:10~ vagi exige
os, nbao é a satisfaçã~
egotista das suas carencias, mas a a ertura
, infinita
dom reciproco. ao
Entende-se assim o grito do poeta: "Com
o querer·
ser isso que te dou, e na~o aque 1e que to 1a
dá!" E com-
preende-se também que essas palavras exp
rimam um
anelo nostálgic? e sempre_insati~feito ("C
omo quere-
ria!"). Com efeito, por razoes evidentes,
o homem e a
mulher, por mais que se empenhem, não
podem entre-
gar de uma vez, definitivamente e por com
pleto, todo
o seu ser. Mesmo quando assumem um
compromisso
de amor integral e para sempre, que no
caso do amor
entre os cônjuges abrange também a dim
ensão sexual,
continuam a ser, para dizê-lo com o poeta
, "demasia-
do seus".
A lírica exprime-o com elegância:

Que pena sermos dois, amar-nos


e estar cheios de delírio.
Que pena sermos dois, que pena
pensar que são dois caminhos ...

e ~48_)_Mercedes Arzú de Wilson, Amor y


familia. Guia práctica de
ducac,on Y sexualidad, Palabra, Madrid, 199
8, pág. 123.
68
-
Ai, co n10 é du ro pe ns ar
que dois nunca sã o o me sm o,
que dois ventos di fer en tes 49
anda n1 po r ca mi nh os di ve rs os •

aç ão 1n útu a, po is, m as im pl ac av e] m en te Jimi!a-


Do
r iss o qu e, alé m de ac re sc en ta r ao co m pr om is-
da . É po
a fid eli da de , a en tre ga do se r en tre os ho m en s de va
so
du zir -se no of er ec im en to de ou tra s re a] id ad es qu e
tra
se r ín tim o e co ns ti-
de alguin mo do re pr es en tem es se
s, a m ai s co m um e
tutivo. De to da s es sa s re ali da de
en to (n em um po uc o
mais significativa é o of er ec im
da pr óp ria vo nt ad e, da ca pa ci da de de am ar ,
alienante)
z qu e na s mã os da vo nt ad e es tã o as ré de as de
uma ve
as no ss as fa cu ld ad es e op er aç õe s e, de ss e po nt o
todas
de vista, de tu do o qu e so mo s.
z co m ce rta im pr e-
Mauro Le on ar di ex pr im e- o tal ve
vi go r:
cisão metafisica, ma s co m su m o
os ta é ób vi a:
"C om o se po de am ar ? A re sp
ise nn os to rn ar a
dando a pr óp ria vida. M as se qu
s pe rg un ta rm os :
pergunta ain da ma is pr ec isa e no
~ qu e é qu e o ho m em po ss ui
co m o pr óp rio na
a vi da »? , a ún i-
vida, e o qu e sig ni fic a en tão «d ar
ga r a lib er da de .
ca resposta po ss ív el será: en tre
e pe rte nc e: tu do
~a da daquilo qu e o ho me m é lh
de lhe pe rte nc e
e un1 do m de Deus. Só a lib er da
rq ue De us qu is
en! ,pr op rie da de , e isso ap en as po
enz pr op rie da de
cn a- 1~ livre, ou seja, da r-l he
tu tel a co m in-
uma l1b erdade qu e o me sm o De us

49 Ra fae l Mo ral e s, " Pc:na ", em Oh r" po<1ti cu, pág . 65 .


( J
69
-
finita delicadeza en1 qualquer instante
huinana" 50 • da Vida

Tan1bén1 São Joseinaría Escrivá, com um cl


bor , ·
1inco, a fiinnou: "A inar e' ... nao aro sa-
~ albergar sen""
, . . ao um
unico pensamento, viver para a pessoa amada .. se
.do venturosa e livrem ' nao
pertencer, estar su bmeti ~ en~
co1n a ahna e o coraçao, a uma vontade alheia ... e ao'
, . "51 "Alh .
mesm,o t~1;;Pº propn~ . . e:ª·.. e ao mesmo tem-
po propna po~q~e a 1dentificaçao entre ·os seres ama-
dos, que const1tu1 de certo modo a essência final d
amor, faz com que não seja possível distinguir real~
mente aquilo que corresponde a um e aquilo que cor-
responde ao outro.

e) A absoluta prioridade do outro

Vamo-nos aproximando do final deste capítulo. Já


vimos que, do ponto de vista da sua naturez~ mais ín-
tima, toda a pessoa está chamada a entregar-se, a tal
ponto que, se não o fizer, se frustra no seu próprio ser
e se afunda na infelicidade. Mas ainda poden:i-os per-
guntar-nos: em concreto, na realidade do casamento,
por exemplo, quàis hão de ser os motivos desse ofere-
cimento de si?
Neste ponto, a famosa meia-laranja do mito platô-

(50) Mauro Leonardi, "Paura di servire, paura di vivere", em Studi


Catto/ici, n. 518, abr. 2004, págs. 326-327.
(51) São Josemaría Escrivá, Sulco, 211 ed., Quadrante, São Paulo,
2005, n. 797.

70
nicos2 não nos ten1 sido de muita utilidade. Porqu e é
verdade que o homet n e a tnulhe r são de certa forma
coinplen1entares e que o desejo de unir-n os à pessoa
que nos aperfe içoa constit ui .um dos impuls os para de-
sejar essa entrega. O desejo de compl ement aridad e
pertence realme nte aos ingred ientes do amor. Mas não
é ne111 a sua causa n1ais alta - embor a talvez seja o seu
ponto de partid a - , nem aquilo que o toma formal-
1nente hu111ano. O que especi fica o verdad eiro amor
pessoal é, pelo contrá rio, a procur a e a entreg a ao ou-
tro enquan to outro: aquilo que poderí amos qualifi car
como o "prima do radica l do tu".
Confo rme explic a Carlo Caffar ra,

"a pessoa que preten de amar com autent icida-


de não é aquela que procur a o ser amado «porqu e
é útil que você exista para mim», «porqu e me dá
prazer dispor de você para mim", ou «porqu e te-
nho necess idade de que você exista para satisfa -
zer as minha s carênc ias». Dispõ e-se para o amor
de verdad e quem afirma da pessoa amada : «Que
bom que você exista em si e por si mesm o; entre-
go-me para ajudá- lo a levar à plenitu de o melho r
de você mesm o», porque o entend imento desse
amant e perceb eu em profun didade o valor intrín-

(52) No Banquete, o escritor cômico Aristófa nes expõe o mito meio


burlesco de que, em tempos remotos , os homens teriam sido redondo s,
com quatro pernas e quatro braços; como tentasse m fazer guerra aos
deuses, Zeus teria mandad o parti-los em dois, e desde então cada meta-
de - o homem e a mulher atuais - andaria à procura do seu complem en-
to. Platão põe esse mito na boca de um persona gem cujas opiniões não
endossa plename nte; no entanto, costuma -se citar esta passage m como
se fosse o que ele pensava (N. do T .).

71

_ ,nm,Fttt11,r.tta-u.,.,,
sec o do outro e a.e. sua vontade se abre para dar-se
d .e. • iizaç"' 0
ao outro na tare1a e aper1e1çoar a rea ª do
bern ou valor intrínseco do a1nado"sJ.
eraiizad
Ao contrário de uma opinião bastante gen
afirmava e~
nos nossos dias, e ta1nbém da,quilo _que se
como ponto
outros tempos, o am or genu1no nao tem
, procurar 0
de referência o eu. Como mostra Cardona
a não tanto
bern próprio, a auto-realização, manifest
dizer, "esper-
que a pessoa é boa, mas que é, po r assim
, pelo contrá-
ta" ... ou "espertinha". O am or verdadeiro
tu, dos ou-
rio , procura inelutavelmente a perfeição do de mui-
ois
tros 54 • Também Juan Bautista Torelló, dep em Vie-
ria
tos anos de experiência prática em psiquiat
e da capaci-
na, afirma: "A maturidade afetiva depend
e incapacita
dade de amar, e o egocentrismo é o qu
como para o
para o amor, tanto pa ra o am or humano
r do «viver
divino. Para amadurecer, é necessário sai " 55 •
eg óti co e ati ng ir um «v ive r pa ra ti»
para mim»
ça e uma
Charles Moeller diz o me sm o com gra
há um sair
certa índole cordial: "N o am or autêntico,
s mostrará»,
de si rumo a um «país no vo qu e Deus no
asteiros, que
que fará de nós verdadeiramente uns for
lançará a essa
se apoderará de nós po r completo e nos
que o ser a
grande aventura que consiste em fazer
mesmo, pr~-
quem amamos seja verdadeiramente ele
s, incomunt-
servado tal como é, ou seja, distinto de nó

de la antropología Y de la
. ~53 ) ~arlo Caffarra, Sexualidad a la luz
Biblta, Rialp, Madrid ' 1998 ' pag, 22
. ·
.
(54
) Cfr. Carlos Car dona, Étic a dei que hac er educativo, Rialp, Ma-
dnd, J990, pág . 96.
(55 ) bJuan Bau tista TorelJó • cit. por Carlos Nannei • E/
amor "º es
,
una pala ra equl'vo ca, sem ref., págs. J J -12.

72
, l Diante desse ser, não pode mos senão estar a seu
cave . , d'1zer: E ~ "
serv iço , desap arece. rmos
. . nos e « u,
, nao: voce»
• ,, s6 ,
nas palavras de D1m1tnu no roma nce 1ncognzto .

3. FECU NDID ADE PELA VIDA TODA

Tudo o que vimo s até agora pode ria resum ir-se em


duas idéias, que ilustrarei com outra s tanta s citaçõ es:

- A prime ira é que o amor , todo o amor , cada um à


sua maneira, é semp re fecundo: origin a realid ade, per-
feição, desen volvi mento , pleni tude. Daí a defin ição
platônica, recor dada por Ortega: "Am or é afã de gerar
na beleza, tíktein en to
kaló - dizia Platã o. Gera r, criar
futuro. Beleza, vida ótima. O amor impli ca uma ínti-
ma adesão a certo tipo de vida huma na que nos parec e
o melhor e que encon tramo s pré-f orma do, insin uado
em outro ser" 57 •
- A segunda, que essa fecun didad e se alcan ça,
sempre, através da entre ga e dispo nibili dade própr ias.
Neste sentido, a afirm ação de Philin e most ra-se nova -
mente eficacíssima: "Não saber ás tudo o que valho
enquanto eu não puder ser, junto de ti, tudo o que
sou".

Os educa dores profis siona is, os amig os, os pais, os


namorados ... dever iam refletir sobre esta idéia, talve z
com a ajuda do conhe cidíss imo texto de Santo Agos ti-

(56) C harles Moelle r, literat ura dei siglo XX y cristia nismo. V:


Amores human os, Gredos , Madrid , 2.. ed., pág. 30.
<57 ) José Ortega y Gasset , Estudio s sobre d amor, pág. 76.

73
nho: "Di lige, et quo d vis fac .. . : ama e faz O que .
res; se te calares, calarás com amor; se gritares qu,_se-
rás com amor; se corrigires, corrCigirás com am' or, g~lta-
d , se
per?oares, pder o_aras dcom ª :!1ºrb. orno a raiz do arno r
esta den tro e ti, na a senao em poderá sair de ta1
. ,,
raiz .
Trata-se, pois, em todos os casos, não apenas nern
fundam entalme nte de faz
,. er, com o sugere a toda a hora
. .
o ativismo contemporaneo, mas antes e sobretudo de
amar, mesmo sabendo que, sem obras - e entre estas
as da inteligência que inquire e por fim compreende_
tal carinho não é completo. Assim se poderiam evita;
muitas fricçõe s interiores, fruto de falsas alternativas '
como entre trab alhar em excesso fora do lar, empe-
nhando-se em "produzir" no âmbito social, diante dos
amigos e conhecidos ... , e dedicar uma atenção prefe-
rencial ao cônjuge e aos filhos. Quando todas as ações
são fruto do amor, a aparente incompatibilidade entre
fazer e amar desaparece, não só na teoria, mas na prá-
tica, que talvez necessite ser temperada com certa
dose de esperteza.
Por último, seria oportuno recordar que o aperfei-
çoamento obtido em virtude do amor não é coisa de
um instante, nem mesmo de anos, mas tarefa de toda
úma vida. Daí, entre outros motivos, a função inigua-
lável da família. Porque , como nos recorda Mazzin_i,
"a família possui em si mesma um dom precioso, mut-
to raro fora dela : a pers istência. Os afetos entrete-
cem-se lentamente, despercebido s; mas, tenazes e du-
radouros, entrelaçam-se dia a dia como a hera em tor-
n~ ,. da. árvore; identific am- se por fim, com muita fre-
quencia, com a nossa própria vida. Muitas vezes, nem
sequer somos capazes de discerni -los, já que f~zem
parte de nós mesmos; mas, quando os perdemos, e co-
74
faltasse u1n não sei quê de íntimo, de neces-
1110 se nos . ,,
, . ai·a poderm os viver
sano P c.e ·to para referir .
· -me a um so' caso, a at't
i u de
e on1 e1 1 1 , • _ • .
de u1n ancião ou uma ancia diante do 1eito de mo rte
do cônjuge, o beijo ar~ente com_ 9-ue dele se despede,
pode constituir uma aJuda defini!iva p~ra a passagem
deste mundo para a vida etern~. E ~recis~ an:iar~se de
paciência, portanto, e - o que e muito mais d1fic1l nes-
tes tempos, conforme comentava com uma ponta de
ironia Carlos Cardona - esquecer-se da velocidade.

"Considere uma coisa - escreve novamente


Thibon -: quanto mais elevado estiver um ato na
hierarquia dos valores, menos interessante será
que se faça rapidamente. [...] Que um namorado
chegue depressa a um encontro é algo excelente;
mas, se começar a inquietar-se pela hora assim
~ue c~ega_ aos pés da sua amada, a plenitude do
1ntercamb10 estará muito comprometida. «O
ª~?r e.ª precipitação não fazem um bom par»,
d1z1a Milosz . Tudo o que, no tempo, se aproxima
do eterno exige longos prazos de amadurecimen-
to e espera" ss.

(58) Gustave Thib


1977 , págs. 48-49. on, Entre e/ amor y la muerte, Rialp, Madrid,

75
IWIJnHU1,,,,...._..
ÍNDICE

3
INTRODUÇÃO . .

PARA OUTRO..
1.QUERER O BEM
1.QUERER. . mais..
a) A vontade... e algo 9
b) Ouerer querer....*ss. 10
2. QUERER "O BEM". 10
amor..
a) Ensinar e facilitar o
.

educativo
14
b) A bússola de todo o ato
. . . .

OUTRO...
3. QUERER O BEM DO 15
ENQUANTO OUTRO..
17
II. CONFIRMAR NO SER.. e**** *****************
18
1. QUERER QUE A PESSOA SEJA.. 18
a) Dizer que "sim" e******e**********°*°.

22
6) Dizé-lo de maneira absoluta... 23
2. COMPROVAÇÃO POSITIVA.. *°°°

23
a)Quandom innamoro.. * ° ° ° ° * * .

26
b) Os defeitos do conjuge..
28
c) A nossa própria melhora.... eeeeoneee*

3. COMPROVAÇAO NEGATIVVA. 31
31
a) Amar é dizer: "Não morrerás" °°°°°°°
***°°

b) Umafratura no ser.. 32

III. DESEJOS DE PLENITUDE... 38


1. A ASPIRAÇÃO ESSENCIAL DO AMOR.. 38
a) Amar alguém é querer que melhore.... 38
b) Ser, para o homem, é viver e aperfeiçoar-se. 40
2.0 AMOR É CEG0?. .
e************************
41
a) Descobrir a atual riqueza interior
do ser amado... 41
b) Entrever a riqueza futura.. 44
3. AS AMÁVEIS EXIGENCIAS DO CARINHO
a) Para avivar o processo de melhora.. 49
*******
b) Manifestações muito concretas. 49
c)O esforço da própria entrega.**** 52
55
IV. ENTREGA..
1. ENTREGA PESSOAL E GRATUITA. 60
a) "Tu, só tu". 60
°****°**** 60
b) O sentido do dom.. *°* °°°°°°°°°°°°*°°°***.

62
2. A INCLINAÇÃO PESSOALA DAR-SE. **°*°°* 65
a) O homem, um ser para o amor (e paraa
a felicidade, como conseqüëncia) . . 65
b) Afecundidade caracteristica da pessoa... 67
c)A absoluta prioridade do outro... 70
3. FECUNDIDADE PELA VIDA TODA. 73

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