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O que a psicanálise diz sobre sintoma?

De todas as formações do inconsciente, o sintoma se destaca por


uma perdurabilidade no tempo que as outras não têm. Acompanha
nosso viver, insiste em se fazer ouvir, irrompe intempestivamente
com uma força que não cessa, perdura e não se esquece. Não tem o
caráter evanescente de um sonho nem pode ser esquecido, como um
lapso. Mas há sintomas e sintomas: alguns não sobrevivem e são
levantados em uma análise, outros parecem operar como marcas
indeléveis. É assim que o sintoma caracteriza nossa singularidade.
Por isso, para fins de uma análise, Lacan propõe saber o que fazer
com ele, uma vez que o sintoma tenha sido reduzido, transformado e
seja funcional ao sujeito.
Os grandes avanços da psicanálise estão vinculados à pergunta pelo
sentido dos sintomas, pela razão de sua insistência e pelo estatuto
perene de alguns deles. A cura analítica desenhada por Freud alivia;
seu voto é tornar a vida mais simples; mas sempre deixa um resto, o
sintoma “ineliminável” que o fará avançar em sua descoberta. No
começo, Freud pensa que basta a interpretação e que o sintoma é
equiparável a outras formações do inconsciente. Logo, descobre que
não se trata só de uma formação substitutiva, mas que traz em si
uma satisfação substitutiva e libidinal que o torna rebelde à
mudança. Como formação substitutiva, é interpretável como uma
metáfora: pensemos na histérica de outrora, que, logo após uma
aproximação sexual não consumada, tem dificuldade em caminhar;
seu medo de dar “um mau passo” explica o sintoma conversivo.
Como satisfação substitutiva, não se levanta tão facilmente porque
não expressa só uma mensagem, mas abriga um prazer que indica o
caráter inercial da libido. Se para Freud os sintomas se articulam com
a verdade, esta estará irremediavelmente ligada ao polo pulsional; o
sintoma não é só uma formação substitutiva, mas uma satisfação
substitutiva.
Assim, o sintoma freudiano quer a satisfação antes da comunicação.
Em outras palavras, em Freud o sintoma não é só metáfora, visto que
não é somente uma formação substitutiva, mas uma satisfação
substitutiva, fato pelo qual é difícil separar, em sua obra, a verdade
do sintoma da “carga” que traz em si. Não devemos esquecer que ele
indica, sem ambiguidade: “Daqui se depreende que o destino da
carga de afeto do representante é muito mais importante que o da
representação, que ali está o que decide nosso juízo sobre o valor do
processo de repressão”.
Você sabia que… o sintoma é uma formação transacional entre
a defesa e a pulsão, como uma operação na qual confluem as
duas faces?
Nem a descoberta da existência da repressão sobre a sexualidade
nem a do inconsciente conseguirão, por si só, derrubar os postulados
metafísicos. É só o sintoma que derrui as antíteses; o que se quer
condenar aparece disfarçado na mesma condenação. Já não se pode
falar de dois polos separados por uma linha divisória; é necessária
outra topologia. Para Freud, o homem virtuoso leva em seu caráter o
traço das pulsões que trata de impugnar; o sintoma como satisfação
substitutiva mostra o fracasso da defesa metafísica, que divide as
áreas que não quer corrompidas. Dado que o sintoma não tem nem
direito nem avesso, ele é uma formação transacional na qual seus
compostos se situam em uma mesma face: é ao mesmo tempo
exterior e interior.
A simples existência do sintoma não basta para desencadear o
pedido de análise. De fato, esta pode ocasionar sofrimento, mal-estar
e infelicidade; mas, se não houver pergunta sobre o sintoma, a porta
para o dispositivo analítico estará fechada.
No início da análise o sintoma ocasiona sofrimento, perguntas e mal-
estar. A análise reduz esse pesar, desaparecem alguns sintomas e
resta aquilo do qual o sujeito não pode se desembaraçar, o mais real:
saber o que fazer com isso aproxima essa tarefa à de um artista.
Em O seminário 10: a angústia, Lacan (2005) diz que o sintoma basta
a si mesmo e não precisa do Outro. O passo para a análise implica
uma transformação, porque envolve a crença de que o sintoma quer
dizer algo que se deverá decifrar. Dimensão, pois, que já inclui o
Outro.
No começo de uma análise, a pergunta pelo significado do sintoma se
produz porque a angústia está presente na sessão; o sintoma precisa
dela como motor para aparecer. Por essa razão, Lacan recomenda
não aceitar na análise aqueles que vão para “se conhecer melhor”. A
análise não é uma mera descoberta epistêmica; causa um
sofrimento, um imbróglio que põe em jogo o patético de uma
existência.
Nesse mesmo seminário, Lacan assinala que, para que o sintoma saia
do estado no qual ainda não está formulado, é necessário que o
sujeito advirta que há uma causa. Muitas vezes, esse momento está
vinculado ao encontro com uma mulher, a partir do qual o sintoma se
atualiza, ou impõe-se uma interrogação inédita referente a ele.
Acreditar que ela, a mulher, pode dizer algo relativo a uma verdade
concilia-se com a crença de que algo do próprio sujeito pode ser
decifrado. A conexão entre o sintoma como enigma e uma mulher é
evidente aqui. Mas Lacan é mais radical quando diz que a mulher é
um sintoma. E é, na medida em que o homem ali acredita: “acredita
que ela efetivamente diz algo”. A esse respeito, vale perguntar se um
homem pode acreditar que seu sintoma pode dizer algo, se não
acredita que ela poderia dizer algo. Lacan frisa um ponto que a língua
francesa permite: não acreditar em uma mulher, mas, sim, acreditar
“ali”, ou seja, acreditar que há um lugar êxtimo, acreditar inclusive
nesse lugar. Sobre essa questão, Maddox (1994) diz: “Nora é
importante porque pertenceu a Joyce e porque, de fato, nunca lhe
pertenceu”. É que a mulher, assim como o sintoma, tem um caráter
“hétero” com relação ao sujeito. Acaso Freud não chama o sintoma
de terra estrangeira interna?
Ao passo que no sonho o desejo aponta para sua realização, no
sintoma a pulsão aponta para a satisfação. Forço essa diferença para
destacar que, embora sejam duas formações do inconsciente,
quando Freud se refere ao sintoma, ele enfatiza seu caráter de
“prática da vida sexual do doente”, e não tanto o caráter
evanescente do desejo das outras formações substitutivas. Ao falar
dos neuróticos, Freud diz que “os sintomas devem ser
compreendidos como uma satisfação substitutiva do que se sentiu
falta na vida”. Ideia que bem pode se articular com a de Lacan acerca
do lugar do sintoma como aquilo que supre a ausência de relação
sexual.

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