Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Resumo: Este breve artigo tem por objetivo discorrer sobre a direção do tratamento na
clínica psicanalítica Lacaniana. Para tal, foi posto em contraponto as improbidades
herdadas da teoria Freudiana, que o psicanalista faz interpretações, e assim, termina
desejando pelo paciente. Além de relações com o amor, o desejo e a transferências - fatores
preponderantes para a análise.
O analista tem que dirigir o tratamento e não o paciente. O paciente se dirige. Tentar dirigir a
consciência do paciente é ser o padre que reza a missa para o fiel, ficar dando dogmas a ele.
A direção do tratamento é "fazer com que o sujeito aplique a regra analítica", sustentar o
sujeito na análise, manter a angústia que impulsiona o paciente a si mesmo (LACAN, 1998)..
Assim, o analista se põe na posição de objeto, não tenta ajustar nada, apenas o paciente se
ajusta à sua própria realidade e a entrar em contato com o desejo próprio, não o querer do
Outro - "O desejo está assumido pelo sujeito diante do objeto, mas também a uma posição
que ele assume fora da relação com o objeto" (LACAN, 1999).
Como uma relação a dois, dentro do set, a transferência se torna um fator a ser encarado e
simbolizado. Por sinal, o analista é o sujeito de suposto saber que não vai acalentar, situado
posição de objeto, vai abster-se de suprir a demanda do paciente, vai guiar o tratamento
através da fala. Assim, "A análise nos mostra o caráter vagabundo, fugidio e inapreensível
do desejo. Ele escapa a qualquer síntese do eu, não deixando outra saída senão ser, a todo
instante, apenas uma afirmação ilusória de síntese". (Correia, 2003)
O desejo: "a expressão de uma cobiça que tendem a se satisfazer no absoluto, isto é, fora de
qualquer realização de um anseio ou de uma propensão (...) (desejo no sentido de desejo de
um desejo)" (ROUDINESCO, 1998)
Lacan em "As formações do inconsciente" discorre que a relação com o objeto de desejo
não se esgota. O desejo ocorre com o objeto e fora do objeto, ele está além do objeto. Dessa
forma a análise se diferencia das terapias, pois a análise não normatiza nem demonstra
princípios, isto seria transformar o analisando em objeto.
O objeto: "o objeto desejado pelo sujeito e que se furta a ele a ponto de ser não
representável, ou de se tornar um 'resto' não simbolizável. Nessas condições, ele aparece
apenas como uma 'falha-a-ser', ou então de forma fragmentada..." (procurar referência)
Em seu Seminário 8, "A Transferência", Lacan escreve "amar é dar o que não se tem para
aquele que não é". "Como dom ativo, o amor visa o ser, para além da captura imaginária,
sustentando-se e equivocando-se na trama significante. O que Lacan sublinha é, sobretudo, a
falta de harmonia fundamental entre sujeito e objeto. Como a linguagem, o amor, em sua
vertente simbólica, revela um esforço, sempre precário, de fazer frente ao real da falta."
(LEITE apud STOTZ, 2005)
Então o objeto (pequeno) a só pode ser amado quando é diferenciado do sujeito, mas, ainda
assim, haverá a falta. Amar só irá apaziguar a falta, que nunca será preenchida, mas o sujeito
irá evitá-la, achando que de alguma pode se completar - fechar a fenda narcísica obtida na
castração. Tanto que em algum momento ele pode perceber a falta, afinal o objeto não é, pois
também é faltante.
Se o desejo se expressa pela demanda de um amor faltante que nunca irá completá-lo, não há
essa resposta absoluta do desejo, pois ele estará sempre no além do sujeito.
Deste modo o analista observa na fala do analisando o desejo que se aparece através da
demanda e a própria que vem através da fala. De forma que sustentar a demanda é alienar o
paciente com um alívio que vai apaziguá-lo e ir de encontro ao processo analítico, pois seria
uma fala do analista interpretada como uma sugestão.
Daí o absenteísmo, pois o sujeito satisfeito ignora a fenda narcísica, e assim, não entra em
contato o que o desejo vai lhe proporcionar quando a sensação de completude passar e a
angústia vir à tona.
Insistir na sugestão, então, se torna uma resistência do analista, o que vai atrapalhar o rumo
da análise, afinal o analista sai da posição de objeto e se torna sujeito desejante. Isso
impossibilita o paciente ao desejo de ter seu próprio desejo, para uma relação de
resistência onde o analista desejaria pelo paciente assim como a mãe deseja pelo filho a ser
cuidado.
Comentários sugestivos, respostas, afeto excessivo, dentre outros comportamentos não são
papel do analista, este tem que frustrar, pois abster-se da demanda é frustrar. O analista não
será o preenchimento narcísico, nem quem vai amar ou ser amado pelo analisando. "Trata-
se de uma frustração profunda, que intervém na essência da fala e faz surgir o horizonte da
demanda de amor, ou demanda de reconhecimento, ou ainda demanda de saber".
(CORREIA, 2003).
O analista não pretende satisfazer, mas não quer decepcionar; ele não tem medo do erro,
mas da ignorância; o receio de se demonstrar com não faltante. Lacan, em Escritos, diz que
a análise como uma relação dual vai existir interpretação, mas ele deve apenas possibilitar a
tradução "precisamente aquilo que a função do Outro permite no receptáculo do código,
sendo a propósito dele que aparece o elemento faltante". (referência)
Se o desejo do analista invade o divã, o desejo do sujeito ficará opaco em relação com o
Outro. Mas quando o Outro se nega, o confronto com a demanda irá ocorrer no lugar da
fala, pois o Outro não suprirá esse lugar. Assim, a partir das entrelinhas do discurso o
desejo do analisando poderá desejar.
Desse modo o analisando poderá completar seus vários processos de análise, à medida que
conseguir desejar e se organizar subjetivamente. Sabendo diferenciar o seu querer da
acepção do desejo do outro e o desejo do seu desejo, possibilitando-se ser um sujeito
desejante e, portanto, frustrado com sua fenda narcísica. Que, em algum momento, vai saber
que é um sujeito faltante e que o desejo só suprirá a fenda narcísica temporariamente, pois a
castração é como uma grande lixiviação que o desejo tenta tapar com areia, porém a falta é
uma chuva que vai levar tudo sempre. Resta ao analisando realizar a impossibilidade da
completude.
Segundo Júnior (2003), depois dos 70 anos, em uma entrevista a um jornalista, Freud dizia: '
o verdadeiro companheiro do amor é a morte'. O ódio, por exemplo, muitas vezes é a
resposta para a presentificação do amor por algum recurso como o da recusa, como também
do desejo insatisfeito. O companheiro do amor é a morte e a nossa vivência se faz aí. Somos
siris na lata e ela está no fogo, não há como fugir, resta saber o que fazer com o tempo que
nos resta.
E o amor pode não ser eterno e não completar, mas é tão presente como a falta.