Você está na página 1de 75

Direção da Cura

Nos problemas do
desenvolvimento
na infância e adolescência
Deborah Nagel Pinho
 Psicóloga e Psicanalista
 Especialista em “Psicanálise e Clínicas Psicológicas”, pela
UFRGS
 Membro da equipe do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre
 Professora do Centro de Estudos Paulo Cesar DÁvila
Brandão do Centro Lydia Coriat de Porto Alegre
 Psicóloga do Setor da Infância do CIAPS (Centro de
Atendimento Psicossocial à Infância e Adolescência) do
HPSP (Hospital Psiquiátrico São Pedro)
 Membro da APPOA (Associação Psicanalítica de Porto
Alegre)
A Direção da Cura
 eixo da nossa prática clínica, pois atravessa o modo
como se dá a direção da cura em qualquer tratamento

 trata-se de tomar a direção da cura nos modos como


se toma em psicanálise, a partir do que é colocado por
Freud e Lacan

 procura-se delimitar certos pontos de referência


fundamentais que nos permita guiar nossa intervenção
na direção da cura na clínica
Lacan no texto “A direção do tratamento e os
princípios de seu poder”

 propõe uma concepção de tratamento que


buscava renovar a psicanálise a partir da sua
origem freudiana

 Lacan, nas suas proposições, rompe com o que


até então era estabelecido como psicanálise pela
IPA

 aponta para o risco de se realizar uma


“reeducação emocional do paciente”
relação dual/ sugestão
 não se trata de uma situação a dois: um adestramento de
um Eu fraco por um Eu forte

 não se trata de uma relação entre 2 sujeitos, discutindo


sobre uma objetividade (intelectualização), uma aliança do
analista à parte sã do eu do analisante, apta a julgar a
realidade e a distinguir da ilusão

 Lacan aponta o como se dá a direção da cura na psicologia


do ego, onde se visa assegurar o domínio da pulsão pelo
reforço do Eu, tendo como fim a adaptação do indivíduo à
realidade
 Lacan aponta o que Freud falava em Análise
terminável e interminável, sobre os limites da
terapia analítica, de que é uma ficção, uma
idealização, supor que se possa amenizar os
efeitos da pulsão pelo reforço do Eu
 Critica a ideia de padronizar a vida sexual, pela
idealização do caráter genital de relação ao objeto/
desconsiderando tudo que Freud nos apresentou
em torno das barreiras e degradações que
caracterizam a vida amorosa mais banal e, mesmo
a mais realizada

 quando há a impotência em sustentar


autenticamente uma práxis, reduz-se ao
exercício de um poder
o ser do analista x a realização do sujeito

 que uma análise traga consigo os traços da


pessoa do analisado parece óbvio

 mas se fala dos efeitos que a pessoa do analista


surtiria: contra-transferência

 impropriedade conceitual, essa ideia de se mostrar


sob os mesmos efeitos daquele que tratamos: a
transferência do lado do analisando e a contra-
transferência do lado do analista
 o analista é tão menos seguro de sua ação
quanto mais está interessado em seu ser

 o analista faria melhor situando-se em sua falta-


a-ser do que em seu ser

 em oposição ao Ego autônomo do analista, em


direção ao qual o paciente deveria se identificar,
Lacan propõe a ideia de uma falta-a-ser, relativa
ao desejo e a linguagem

 o tratamento não tem como finalidade preencher


essa falta, mas expô-la e exprimi-la pelas vias da
sublimação
 o analista não está aí para dirigir o paciente,
em termos da consciência, mas dirige o
tratamento

 toda resposta à demanda na análise conduz a


transferência à sugestão

 a direção do tratamento consiste em fazer com


que o sujeito aplique a regra analítica

 é no desdobramento da transferência que deve


se buscar o segredo da análise
 não se trata da identificação do analisando
com o analista, mas de o sujeito ter que
encontrar a estrutura constitutiva de seu
desejo

 para que a interpretação possa produzir algo


novo, importa o efeito do ste no advento do sdo/
o inconsciente tem a estrutura da linguagem

 o desejo se produz no para-além da demanda

 trata-se de tomar o desejo e ele só pode ser


tomado ao pé da letra
 é a série ste daquele que escutamos
que aponta o caminho e abre as trilhas
que percorreremos ao longo do
tratamento

 se a nossa intervenção imprime suas


marcas, o passo seguinte é sempre
dado pelo discurso do paciente
Direção da cura e o laço social
 as críticas feitas por Lacan à psicanálise de sua
época, tem relação com uma normatização, que
situa o ideal ligado à ideia de realidade ou a uma
modalidade de relação de objeto

 pensar na direção da cura na clínica


contemporânea, remete à escuta do discurso
que constitui o laço social na atualidade

 e importa pensar a nossa posição em relação a


esse laço, pois é a partir daí que seremos
demandados e que seremos escutados
 hoje, em que pontos estaria situado o ideal da
felicidade na nossa cultura?

 a realização da imagem de um ideal que


permitiria o livre acesso a todos objetos
 tentativa de obstruir a falta pela via do consumo
instantâneo e compulsivo/ ilusória busca da
felicidade
 propicia um gozo que tem como efeito distanciar
o sujeito de uma posição desejante
 no desejo não há acesso direto ao objeto: o
objeto ‘a’ está para sempre perdido
 hoje em dia uma tentativa de positivar o objeto
mesmo que o sujeito não seja perverso, está
implicado em certa perversão social: acredita que
toda questão subjetiva possa ser resolvida por um
objeto, cuja posse garantiria o gozo

como intervimos, ao sermos demandados por


quem nos procura no sentido de ofertarmos mais
um objeto ao sujeito?
A Direção da Cura na infância e
adolescência

 a psicanálise de crianças é a psicanálise: o


campo em que se opera segue sendo o da
linguagem, ainda que não fale (assim como com
os adultos)

 o discurso sobre o sintoma da criança é coletivo,


envolve a criança, os pais e o analista
a linguagem/discurso na criança
 a criança fala a partir do brincar [do corpo, desenho]

 o texto que a criança nos oferece é uma linguagem,


que é preciso compreender/ a criança apresenta
com gestos, motricidade, uma atitude cheia de
significações/ nossa atenção se fixa em um discurso
que apenas em parte é verbal

 a associação livre na criança se dá pela via do


brincar, por onde podemos acessar o sujeito
os stes do sujeito/ a realidade psíquica
 o analista não sabe quais são os stes singulares de cada
um que chega, por isso o convida a falar [brincar, etc]
 o discurso que se dá na análise remete não a realidade,
mas a um mundo de desejos e fantasias
 diante de um problema psíquico ou sintoma, não nos cabe
levantar um saber descolado do discurso daquele sujeito/
importa escutar o que a criança diz através do seu sintoma
[ou pré sintoma]
 crítica à MK de tomar o objeto no brincar como símbolo/ os
objetos são stes, o uso que a criança faz desses objetos é
que situam o sentido, que pode ser criado por qualquer
coisa
 essas descobertas não nos levam à uma infância
real, nem à história do desenvolvimento do
indivíduo, mas à linguagem do inconsciente

 Melanie Klein vem romper com os critérios de


adaptação e educabilidade (o risco do moralismo
também) propostos por Anna Freud na intervenção
com as crianças: o quanto o sujeito criança situa a
si próprio e sua família em um mundo de fantasias,
o que se passa no registro do inconsciente
da criança ao sujeito
 precisamos compreender quem fala, pois o sujeito
do discurso não é necessariamente a criança
 a criança não é o objeto da psicanálise, pois dirige-
se ao sujeito (esse é o diferencial em relação a
todas as psicoterapias, não é a conduta, ou o
organismo, a mente, a personalidade ou os
transtornos, estes objetos de outros campos)
 o objeto da psicanálise é o sujeito da estrutura
 quando se atende uma criança se aponta para o
sujeito
A formalização das intervenções na Direção da
Cura
 a pergunta sobre a direção da cura surge de que, de fato, a
cura tem uma direção
 Lacan coloca que o analista não sabe o que está dizendo, mas
deve saber o que faz
 a suposição de saber, efeito da transferência, faz crer que o
analista antecipa um saber que, na verdade, é algo produzido/
há um saber que irá se realizando ao longo do trabalho analítico
 nesse sentido, o inconsciente é da ordem de uma realização
 não se trata de uma descoberta do que estava escondido, não
dito, mas do que vai se dar, ser construído, em
transferência...narrativas construídas de uma realidade que é
sempre psíquica, a verdade do sujeito
 mas há um saber que o analista tem quando pede que o analisante
fale ou que a criança brinque: para onde direcionar a cura

 como vimos no que aponta Lacan, o analista não dirige a vida do


paciente, mas dirige a cura

 e a direção é a do sujeito e do ato analítico

 nesse sentido, não trabalhamos com um projeto terapêutico pré-


definido, com prognósticos

 as bases do tratamento atravessado pela psicanálise, vão ser


encontradas na própria conceituação do sujeito
 não falamos de uma psicanálise evolutiva, de fases (oral,
anal, genital...), chegando à fase genital do sujeito como
norma
 o sujeito em questão aqui é aquele que se constitui em
tempos lógicos (ainda que o cronológico nos importe)
 se pode falar em “caminhos” pelos quais se dirige uma
cura, mas não se sabe o destino ao qual irá chegar
 se sabe por onde ir, vai acontecendo passo a passo (é
um processo, que se dá nos tempos do sujeito)
 temos indícios que nos permitem perceber que estamos
no caminho certo
(Alba Flesler)

 atingir o estatuto lógico nas intervenções dá


legitimidade e liberdade, pois propicia ferramentas
para saber o que se faz quando se analisa uma
criança e se dirige a cura

 é importante então formalizar nossas


intervenções, refinando a lógica do ato analítico

 quais são os eixos e coordenadas lógicas da


direção da cura?
Tempos da Direção da Cura
pode se tomar a direção da cura como tendo tempos
e, momentos fecundos para nossa intervenção
aparecem em qualquer um desses tempos:

tempo das entrevistas preliminares: desdobramento


da demanda
tempo inicial do tratamento: instalação da
transferência
tempo da tarefa do analisante

tempo de final de análise: de resolução transferencial


E princípios da Direção da Cura:

 associação livre (pelo brincar, etc...)


 análise de um discurso, pela via dos
significantes (elementos trazidos no brincar,
etc...)
 o desvendamento do fantasma
 a inclusão dos pais no tratamento
 a transferência
 a intervenção
Entrevistas Preliminares: a demanda e seu
desdobramento
 as entrevistas preliminares nos permitem desdobrar a
demanda, situar os principais temas da problemática
da criança e da família e situar a um possível
tratamento
 importância do tempo de entrevista preliminar, antes
de propor um tratamento, mas que já faz parte do
tratamento
 Importante situar o que é dos pais, o que é da criança
e o que é desse laço
 Pensar também quando tomar uma criança em análise
Nos encontramos frente ao pedido de que nos
ocupemos daquela criança ou adolescente e
agora, por onde começar?
 primeiramente na definição de onde está o problema

 é preciso considerar que as crianças e adolescentes


não procuram por atendimento sozinhos, mas são
trazidos ○

 Estes nos procuram porque não sabem mais o que


fazer, por onde ir. Então, a demanda a ser levada
em conta em primeiro plano é essa de quem busca
ajuda.
 É importante que levemos em conta em nossa avaliação
uma diferenciação do que é sofrimento psíquico já
instalado naquela criança, ou o que é decorrente de uma
relação que não vem funcionando bem.
 Para tanto é preciso começar um trabalho com os pais ou
responsáveis, de escutá-los e trabalhar sua demanda,
podendo entender melhor a situação e definir junto com
eles as indicações, em paralelo com a avaliação da
criança.
 Assim, pode acontecer que aquela criança não entre em
atendimento, mas se considere alguma intervenção junto
aos pais ou responsáveis.
Demanda e seu desdobramento
 quando se escuta o motivo da consulta; no plano manifesto
[a queixa], mas no plano não manifesto [a importância do
desdobramento da demanda, plano inconsciente]

 a queixa dos pais não é igual à demanda/ sem que a


demanda surja e seja trabalhada, não é possível sustentar a
análise da criança

 sem trabalhar a demanda dos pais, esta retornará através


das modificações na criança e os tomará de surpresa na
sala de espera, como um fantasma num filme de terror, do
qual só lhes resta correr (Eda Tavares)
 a criança apresenta um sintoma, um
comportamento conflituoso, o que ela Demanda é
o direito de compreender o que acontece com ela
 o adulto em geral censura esse comportamento,
raramente se põe a entender o que se passa ali, o
que isso quer dizer
 por isso congela sob a forma de sintoma, que vai
agregando, como bola de neve, cada vez mais
situações conflitantes- a sobredeterminação do
sintoma
Mito familiar/ pré-história/ fantasma
(Ricardo Rodulfo)
 uma via da nossa intervenção é pelo que a psicanálise
descobriu quanto a uma ordem fantasmática
inconsciente, importam os processos imaginários, a
fantasia do brincar, do grafismo/ também importa
escutarmos sobre os 1ºs anos de vida
 mas para entender uma criança ou adolescente é
preciso retroceder também onde ainda não estava
 o que nos conduz à pré-história (mito familiar), em
direção às gerações anteriores (pais, avós, etc): a
história dessa família, seu folclore, mais ainda no que
concerne às psicoses ou transtornos narcisistas
 a pré-história e as funções simbólicas, um além,
material de outras gerações, os stes (podem vir
num lugar complicador ou possibilitador) que se
repetem e atravessam gerações

 trabalho terapêutico, abrir as significações


possíveis, o mais terrível que pode acontecer a
uma pessoa é ficar onde o puseram certos
significantes da pré-história, mesmo quando
esses stes soem bem
 ampliando ainda mais o que levar em conta em nossa
intervenção: além da pergunta ‘O que tem a criança?’,
a pergunta ‘Onde vive essa criança?’
 continua a viver no corpo materno ou já começou a viver
em outro tipo de território, espaço
 outra pergunta a fazermos: ‘O que representa essa
criança para o desejo dos pais (pra que é desejado)?
[mas não do lado consciente, foi um filho planejado, ou
não foi, mas do lado do desejo inconsciente dos pais...]
 se articula com a pergunta ‘Que lugar concerne a essa
criança no mito familiar?’
 mito familiar: o que se respira, práticas cotidianas,
incluem atos, ditos, normas, formas educativas, de
regulação do corpo, por ex. quando se diz ‘é feio uma
menina fazer isso’ se coloca em ação o mito
familiar..., que nesse caso tem relação com a
diferença sexual
 o mito familiar não se visualiza facilmente, é a ser
deduzido ao longo do trabalho, extraído aos pedaços,
continua pra além das entrevistas preliminares
 o MF não se trata de algo congruente e harmônico, o
que seria simplista/ uma rede, pequenos mitos, com
contradições/ um punhado de significantes
 altera profundamente a concepção das entrevistas
iniciais, pois não se trata de procurar informações
(que idade caminhou ou largou a mamadeira),
esses dados importam quando ressignificados
 de nada adianta termos uma grande lista de dados
da criança, se não sabemos como tomá-los
 pra iniciar o tratamento de uma criança, se
pronunciar pela necessidade ou não de tratamento,
é fundamental ter uma noção dos traços do mito
familiar, onde a criança está posicionada e como
da criança do Outro à resposta do sujeito
(Alba Flesler)
 a criança que se atende é a criança do Outro, mas
se aponta para a resposta do sujeito
 sobre a criança estruturalmente como objeto do
fantasma do Outro
 fantasma: definido como uma cena imaginária cujo
centro é o desejo inconsciente/ nessa cena o
sujeito participa de uma maneira ou de outra, mais
que isso, encontra-se capturado
 nas entrevistas preliminares, importante escutar de
como está enodado nos pais o lugar da criança
 a criança como objeto de desejo pra mãe: funciona uma equivalência
simbólica, se ativou a lógica que regula o desejo/ pra que funcione a
lógica do desejo da mãe é condição que haja falta (falta de gozo), a falta
de gozo é que causa o desejo/ a criança assume um valor fálico
 a criança como objeto de amor ou de narcisismo dos pais: plano
imaginário, objeto de satisfação narcísica/ há amores que matam, que no
impulso unificador querem fundir-se com o objeto amado e não desejam
nada mais além dele (mito de narciso)/ demandas de amor que não
admitem insatisfação nenhuma
 a criança como objeto de gozo: “eu o comeria todo”, “eu o apertaria”, “eu
o mataria” (se não parar de chorar), revelando o fator pulsional que aí
anima
 importante situar do desejo de filho, bem como do desejo entre os pais,
como homem e mulher, assim como se tem outros interesses além do
filho
Lacan, ‘Duas Notas sobre a criança’ (1969)
 sobre o lugar da criança em relação aos pais: o sintoma
da criança responde à verdade do casal na família
 sobre a dependência estrutural da criança em relação
aos que encarnam para ela a função de Outro
 podemos depreender nesta nota uma referência às 3
estruturas (neurose, perversão, psicose), a partir do
lugar da criança na fantasia materna: a criança como
sintoma do casal [aqui há uma resposta], a criança
como fetiche, a criança como objeto no fantasma
materno [aqui há uma realização]
 se viermos a atender o filho do Outro, nos preparamos para
escutar a resposta do sujeito

 entre a criança esperada e o sujeito encontrado, há uma


abertura para a resposta do sujeito

 o sujeito responde ao Outro/ o sujeito é uma resposta

 o sujeito responde sim e se aliena no ste do Outro [alienação]/


responde não e abre um traço distintivo [separação], não
idêntica à criança que lhe propuseram ser → [possibilidade de
surgimento de sujeito]
(Leda Bernardino)
essa criança está em posição de sujeito?
seu processo de constituição subjetiva está em andamento/ os

sintomas são sinal disso/ tem condições de responder às


demandas do Outro de um modo próprio?
ou seu processo de constituição subjetiva está paralisado/ os

sintomas aparecem como apelo/ impasse na relação com o


Outro/ condição subjetiva em risco de vir a ser?
essa criança está em posição de objeto?
compõe com o Outro uma relação de simbiose,
complementaridade?
recusa a entrada no campo do Outro como alteridade, ficando

à margem da linguagem?
 nem toda produção da criança é derivada da relação com os
pais, pois o inconsciente infantil é mais que um receptáculo
das fantasias parentais
 sintoma dos pais ou da criança? só há análise da criança
quando se dá lugar à passagem do “infantil” dos pais ao
“infantil” do filho
 os pais trazem geralmente um sintoma já constituído, cabe ao
analista propor um desvio para o sujeito-criança: quem é essa
criança, o que tem a dizer, um enigma pode aí aparecer
 somente nessa passagem é que a criança poderá apropriar-se
de um sintoma, na transferência com o analista
Alba Flesler põe em xeque a disjunção criança
como objeto/ criança como sujeito
 do lado da criança objeto, facilmente se pode cair no risco
da culpabilização dos pais
 os pais, se não forem escutados ou até reconhecidos a
partir de sua posição, podem tomar o psicanalista como
quem os acusa
 importância do psicanalista se afastar dessa posição/ a
culpa fixa as coisas como estão, não permitem movimento,
poder pensar em implicação e não em culpa
 do lado da criança sujeito, os plenos direitos desta, a
adultização abolindo os brinquedos em consulta,
desconhecendo que ainda carecem de elementos
constitutivos
propõe o conceito ‘tempos do sujeito’

 permite pensar como tempos numa criança


 o intervalo do Outro e a resposta do sujeito
precisam ser recriados continuamente ○
 alguma situação na vida pode vir a fechar o
intervalo e levar a objetalização da criança
novamente
 a falta originária precisa ser recriada [ao longo dos
tempos do sujeito]
 na intervenção buscamos recriar a falta entre o
sujeito e o Outro
 sobre os tempos, cabe a pergunta: houve uma passagem
pelo espelho que forneceu a possibilidade de unificação
narcísica, libidinização do narcisismo primário, como se
deu?/ tempo da alienação-separação/ a passagem pelo
Édipo, a castração, inauguração da falta, do desejo,
entrada do terceiro?

 por todas essas questões é que se recebe também a


criança no tempo das entrevistas preliminares, antes de
decidirmos tomá-la ou não em análise
 abrir um [espaço]/ intervalo à criança para que venha a
resposta do sujeito
Estabelecimento da transferência e suas
vicissitudes
 a transferência, é trazida por Freud, como um amor
autêntico, mas tomado como transferência por se dar
na situação analítica e ser tomada como o que
possibilita o trabalho

 na transferência o paciente supõe que o analista sabe


da verdade sobre ele

 está do lado do amor e, se de um lado move o trabalho


psíquico, de outro faz resistência à abertura do
inconsciente
 (José Attal) na criança o sujeito suposto saber faz apelo de
início à noção de adivinhação, sendo o sujeito suposto
adivinhar a forma mais freqüente
 do lado do analista, de início ocupa essa posição do suposto
adivinhar, para passar à posição do suposto saber
 permanecer na primeira posição levaria a uma perversão do
uso do conceito, referenda o tratamento numa dimensão
inteiramente imaginária
 a criança toma o adulto na posição de sujeito suposto ao
poder, daí o não ocupar esse lugar, não realizar o exercício
de um poder/ importa não só o que o analista diz mas de que
lugar fala
 se o analista dá espaço para que surja a verdade do
paciente, se constitui o lugar suposto saber (o saber
inconsciente está do lado do paciente)

 no amor transferencial, o paciente supõe que o analista tem o


que lhe falta, operação de fechamento: que o analista não
responda desse lugar, colocando em cena a falta, constitutiva
do desejo

 não se trata de recusar a transferência, o amor, mas devolver


o paciente ao lugar em que possa desejar, uma intervenção
que o reconheça enquanto sujeito
na infância, sobre o analista ser um passador
(Erik Porge)
 Freud: “a transferência (na criança), considerando-se
que os pais reais existem ainda, desempenha um papel
diferente (do adulto)”
 se no trabalho com os adultos a transferência é o retorno

do que é infantil, nas crianças o infantil não pode retornar,


pois está em constituição, inclusive com seus sintomas
 para as crianças, os pais é que assumem um lugar de

sujeito suposto saber: saber como lidar com o filho, [como


acompanhar sua constituição]
 a criança dirige transferência para qualquer objeto

parental próximo (pai, mãe, irmão, irmã)


 a neurose de transferência eclode diante de
quem não mais sustenta a transferência da
criança
 quando os pais encontram-se desnorteados,

eles não assumem mais um lugar de sujeito


suposto saber
 é como se houvesse ruptura na transmissão de

saber
 se esse outro real não responde é aí que a

criança entra em sofrimento


o analista é levado a preencher o lugar do
romance familiar (a partir de Freud, é uma
maneira de restabelecer o pedestal do qual os
pais caíram)/ restabelecer uma transferência
posta à prova
 o analista, no lugar de um bom entendedor, vai

permitir que a transferência da criança dirigida


aos pais se desenvolva e seja tolerada
a transferência dos pais
 no começo da análise de uma criança a transferência é
dos pais: são eles que buscam o analista e se queixam
do sintoma do filho
 por tudo que já vimos, podemos dizer que não incluir os
pais no trabalho com a criança, pode obstruir o trabalho,
pode retornar como acting out, por nossa omissão em
tomá-los na escuta
 o como e o quanto vamos trabalhar com os pais/
responsáveis, vai depender de que situação se trata
 quanto mais a criança está no Outro, mais precisamos
incluir o trabalho com os pais e vice-versa
 quanto mais se está no campo das psicoses autismos,
transtornos narcisistas, em andamento, mais insuficiente é nos
restringirmos ao que a criança produz, pois essa criança está
muito mais frágil e aderida maciçamente ao lugar onde vive [do
Outro], enquanto que a neurose tem uma autonomia
consideravelmente maior

 assistir como a criança brinca (se não brinca), escutar quando


fala (se não fala), não basta/ é preciso um trabalho junto aos pais

 também dependendo em que tempo subjetivo a criança/ado se


encontra, cronológico também
 não há regra fixa, por vezes falamos com os pais
paralelamente, por vezes incluímos na consulta com o
filho/ ou ver os pais juntos ou em separado/ por vezes
os pais solicitam, por vezes nós solicitamos e nem
sempre aceitamos a solicitação (pra que pedem?)

 por vezes uma criança está em atendimento, pede os


brinquedos, guarda, etc e, ao entrar ou sair faz birras
com os pais/ responsáveis...um apelo para o terapeuta
intervir com os pais, promover a palavra onde há puro
gozo encenado
diferença do tratamento dos pais e do
trabalho com os pais

 outro ponto a considerar é que, mesmo que uma


mãe ou um pai, façam seu tratamento pessoal
em paralelo ao do seu filho, nem assim nós
terapeutas de crianças podemos deixar de
trabalhar com eles

 pois existem questões relativas ao que se passa


com o filho que somente no contexto de
tratamento do filho é que virão à tona
os limites dessa transferência com os pais
 nos casos em que é recomendável intervir com os pais não se
pode perder de vista que o paciente é a criança e se coloca um
limite na intervenção com os pais: o que é suportável p/ eles
sem romper a transferência ou provocar uma crise que leve à
passagem ao ato
 como estabelecer esse limite?
 os pais trazem os filhos ao analista esperando que ele entenda
o que eles não entendem: o que sintoma do filho representa
escapa aos pais, pois justamente no seu avesso, está o
fantasma fundamental deles mesmos
 se a intervenção do analista com os pais for em direção de
revelar essa junção, como seria numa análise, pode abrir uma
crise
 a interpretação do fantasma dos pais é um ponto crítico, só
pode ser entrevisto nas intervenções do analista,
sustentada na transferência e lembrando que a cadeia
significante que está sendo “fiada” é a do seu filho e não a
deles
 caso contrário, se pode submetê-los a uma violência, sem
oferecer a possibilidade de elaboração simbólica
 por outro lado, a análise dos filhos pode oportunizar uma
elaboração por parte dos pais que lhes permite crescer:
reconhecendo a alteridade do filho, relação de sujeito à
sujeito e não a ilusão imaginária de um filho que
represente o ideal de felicidade
 pais que se analisam a muito tempo, podem encontrar
através da análise de seus filhos pontos cegos de suas
análises
 um pai ou uma mãe podem se reconhecer como
transmissores, no sintoma ou no fantasma e buscar o que
em suas histórias se liga a essa situação: passa de “no
que eu faço o outro padecer” para “aquilo que me faz
padecer”
 na cadeia das gerações, se estende a anterioridade e a
posterioridade, onde os pais se situam como
transmissores e também, como qualquer um, nas suas
tentativas de lidar com a castração, transmite o padecer
versões da transferência na infância
(Alba Flesler)
versão simbólica da transferência
os pais nos consultam, trazem alguma pergunta,

buscam saber
o sintoma do filho os inquieta como enigma

nesse caso está funcionando a suposição de saber

a criança como objeto de desejo

é a vertente da transferência mais apta as nossas

intervenções
a modalidade discursiva é própria do analisando

a disponibilidade aí é altamente produtiva


versão imaginária da transferência
 nem todos pais consultam, alguns demandam, pedem
 o filho feriu a imagem do narcisismo parental ou incomoda
por não se ajustar ao esperado
 se reclama uma resposta de acordo com a demanda, não
há busca de saber
 pais refratários a qualquer movimento dialético, pois
anseiam atingir exatamente a sua expectativa
 a criança como objeto de amor/ demanda de amor
 exigem que a criança lhes conceda contentamento (querem
a criança dócil novamente)
 expectativa que acentua o perfil idealizado do analista
versão real da transferência

 mais complicado quando os pais não consultam e


nem demandam, chegam enviados (pela escola,
juizado...)
 chegam contrariados pela interrupção de um gozo
que não os incomoda
 a criança como objeto de gozo
 eles vêm para cumprir a exigência
 forte conteúdo pulsional
 confronta o analista com pouca ou nenhuma
disponibilidade para o tratamento
Faces da resistência

 resistência: aquilo que interrompe o progresso


da cura, interferindo no movimento e retardando
o andamento da análise

 entender essas dinâmicas da resistência abre


uma saída, orienta a direção da cura
Resistência na versão simbólica da transferência

 surge como um limite do Simbólico

 momento em que o discurso interrompe a busca de saber

 as perguntas ficam suspensas e os stes paralisados


(como signos)

 entender essa resistência pode nos possibilitar o


relançamento da dialética de saber entre a criança e os
pais
Resistência

na versão imaginária da transferência
situando essa resistência, se pode antecipar que a toda idealização
amorosa, vai incluir seu aspecto do ódio
 exige que comecemos nossa intervenção tentando ligar Imaginário
e Simbólico
 senão, o analista facilmente cairá da idealização para a decepção e
ódio, com os restos não satisfeitos da demanda
 a resistência fica aí do lado do analista, caso ele acredite que o
amor oferecido a sua pessoa corresponde às suas virtudes e não a
razões estruturais
 antes de abordar o sintoma da criança, é necessário abrir o
discurso dando lugar a uma pergunta
 pra tanto, o analista precisa não ocupar o lugar daquele que sabe
tudo/ tem as respostas, se propondo como produtor do saber
Resistência na versão real da transferência
 sua face imóvel mostra-se fechadas às perguntas,
incomodada com nossa intervenção
 importante não ignorarmos ou subestimarmos esse impossível
da estrutura
 o analista advertido do impossível, pode não cair na
impotência do ato analítico, mas apontar para um ato possível
[a castração do analista a ser sempre levada em conta]
 a possibilidade de tecer uma rede de contato com aquele(s)
que tem uma [via (ainda que incipiente)] de transferência, que
conseguiram produzir algum movimento
 o importante é reconhecermos que não somos nós, analistas,
que temos a “alavanca transferencial”
 nessa situação a resistência está muito presente
e, assim como trazem a criança, facilmente não
vem mais
 é uma instância externa que pressiona para que
se movam
 aceitaram a autoridade da instância que
encaminha, que percebeu o excesso de gozo
 importante delimitar o impossível pra evitar a
onipotência/ impotência do ato analítico
 a entrada em análise é um tempo fundamental na
direção da cura, não tem como ser pulado

 é necessário situar o que produziu movimento e localizar


que tipo de transferência está ali colocada

 as entrevistas preliminares não se reduzem a um trâmite

 será um tempo preliminar, se de fato acontecer uma


análise [o que só se dá à posteriori, só depois]
efeitos da transferência na criança

 para além da queixa ou angústia dos pais, que


levam o filho para que o analista a cure,
suprimindo os sintomas, corrigindo o mau
comportamento, pode se dizer que a criança
está em transferência se aceita ser “interpretada”
por um Outro que se oferece a escutar o que ela
faz ou diz: não como uma conduta “desviada” ou
de uma patologia, senão como portador de uma
verdade
 a intervenção se dá na transferência e com as crianças,
na cena e não em uma interpretação sobre a cena
(quando irão nos dizer, ‘tá, vamos brincar’)

 a criança atribui o que não somos e temos que entender


o que ela nos diz na cena

 o analista precisa ter uma maleabilidade psíquica e


tolerar subjetivamente o lugar transferencial em que é
colocado/ o que não quer dizer omitir o imaginário, mas
colocá-lo em cena
 pode se dizer que uma criança está em transferência se
responde com surpresa ou angústia a uma pergunta,
interpretação ou intervenção do analista e não espere
outra pergunta ou resposta, mas siga oferecendo
elementos (através do brincar, do desenho, da palavra, ou
dos diferentes modos em que “isso fala”) que nos fazem
sentir que começou a confiar em nós

 também os efeitos de que tem sujeito, a surpresa, quando


nos surpreendem, não estão onde esperávamos que
estivessem...
no adolescente:
 de um lado pode tomar o analista como qualquer
adulto e rejeitar qualquer intervenção, ou então
responder pelo mutismo

 importância do analista não ocupar o lugar de


autoridade, de querer submeter o adolescente
ao tratamento

 de outro lado, não se tornar cúmplice


Sobre o desdobramento da estrutura na
transferência/ a questão do diagnóstico
 assim como em nossa intervenção apontamos, não para a
criança ou ado, mas para o sujeito; também não apontamos
para os transtornos, mas para a estrutura do sujeito
 na psicanálise, não se trata de reunir sintomas e, a partir daí,
definir a patologia correspondente dentro de um quadro
nosográfico/ diferente de um diagnóstico a partir de um
inventário de sintomas, isso importa também, mas não é o
próprio da direção da nossa intervenção
 desde Freud, na psicanálise, essa não é a única forma de
tomar o sintoma, do ponto de vista de uma observação de
fenômenos/ na psicanálise o sintoma está do lado de uma
escuta, da leitura de uma linguagem, deciframento de um
enigma
 se onde está o sintoma está o sujeito, não se trata de
simplesmente eliminá-lo, mas tomar como uma
manifestação do sujeito
 (Lacan) “a transferência é a atualização da realidade do
inconsciente”/ pela transferência se coloca em ato a
estrutura do inconsciente que determina o sujeito, de
que lugar responde ao Outro
 o diagnóstico em psicanálise é diretamente na estrutura
mesma do sujeito: a partir da existência da transferência,
a fala de um sujeito desdobra experimentalmente a
estrutura, na qual o analista está incluído
 o analista não estaria olhando de um terceiro lugar,
contemplando a transferência que o sujeito organiza
e assim descreveria a categoria nosográfica
estrutural/ importa o lugar em que é colocado pela
fala do paciente

 assim, o diagnóstico não é diferente do trabalho


normal de uma cura/ [Dunker] a diagnóstica em
psicanálise se exerce do início ao fim da experiência
analítica: diagnóstico, intervenção e transferência
estão desde sempre conectados
 [Contardo] a estruturação do sujeito é uma operação de
defesa, no sentido freudiano, de psiconeurose de defesa:
pois se subjetivar (obter alguma significação, algum
estatuto simbólico) é se “defender” em relação a não ser
puro Real do corpo, em não ser puro objeto do Outro
 o saber com o qual o sujeito se defende na neurose:
sujeito suposto ao saber, ao menos um sabe lidar com o
Outro
 o saber com o qual o psicótico se defende é o saber total,
ele mesmo tem que sustentá-lo; não há um saber central
ao qual se referir
 Freud apontou a ambiguidade do problema do diagnóstico na
clínica psicanalítica: estabelecer precocemente um diagnóstico
para decidir a direção da cura, mas a pertinência desse
diagnóstico só receberá confirmação após um certo tempo de
tratamento
 perigo da psicanálise selvagem/ uma interpretação não pode se
apoiar simplesmente numa consequência lógica do diagnóstico
 na clínica analítica o diagnóstico é necessariamente, de partida,
um ato deliberadamente posto em suspenso e num devir de
uma confirmação
 o único instrumento de discriminação diagnóstica, a escuta,
deve ter prioridade sobre o saber nosográfico e as
racionalizações causalistas

Você também pode gostar