Você está na página 1de 8

Sumário

Pré-texto........................................................................................................................1
1. O amor genuíno do paciente.....................................................................................1
2. O amor e a paixão em Gradiva.................................................................................2
3. Resistência, sedução e neutralidade do analista......................................................3
4. O discurso amoroso, afinal.......................................................................................5
Bibliografia.....................................................................................................................6
1

AMOR E PSICANÁLISE
(TRANSFERÊNCIA AMOROSA, TRANSFERÊNCIA ANALÍTICA)

 
Pré-texto

O que é o amor na psicanálise? A demanda amorosa adquire uma importância


fundamental na relação analítica. Ela é material básico para o tratamento, ao mesmo
tempo que é resistência, obstáculo à análise. Aparece com essa “dupla função”, ao
mesmo tempo, antagônica e complementar. Afinal, que amor é esse? É o mesmo
amor dos enamorados? É justa a distinção entre amor na transferência e amor fora
da análise?

1. O amor genuíno do paciente

No texto “Observações sobre o amor transferencial” (1915), Freud, escreve


sobre a situação específica em que uma paciente se enamora do médico que a está
analisando. Freud alerta sobre a constância desse fenômeno na clínica e das
dificuldades que isso pode significar:

“Todo principiante em psicanálise, quando chega a ocasião, fica


convencido de que as únicas dificuldades realmente sérias que tem
de enfrentar residem no manejo da transferência.”

Do ponto de vista da paciente, segundo Freud, são duas as alternativas diante


desse fato: abandonar o tratamento psicanalítico ou aceitar enamorar-se do médico
como um destino inelutável.

A situação parece se complicar quando esse enamoramento se torna


inoportuno e passa a atrapalhar o trabalho analítico, ou seja, passa a agir como
resistência à análise.

Escreve Freud sobre a paciente, que por causa da “irrupção de uma


apaixonada exigência de amor” fica sem possibilidade de compreensão interna
(insight) e se mostra absorvida pelo seu amor. Depois adverte que esta mudança
ocorre muito regularmente quando se está aproximando de uma recordação aflitiva
ou de algum fragmento reprimido da história da sua vida. A resistência começa a se
utilizar do amor, que já estava colocado na situação analítica, a fim de atrapalhar a
continuação do tratamento, desviando o interesse da paciente pelo trabalho e
colocando o analista “em posição canhestra.”

O papel desempenhado pela resistência no amor transferencial é


inquestionável e muito considerável, entretanto, não é a resistência que provoca
esse amor; encontra-o pronto e faz uso dele e agrava suas manifestações, escreve
Freud.

Não há dúvidas que o amor que o paciente dedica ao analista seja amor
‘genuíno’; embora ele seja característico na transferência, pois é intensificado,
provocado pela situação analítica e não leva tanto em conta a realidade.
2

No entanto, estas características podem ser pensadas como próprias do


apaixonamento. Sentimentos muito poderosos porque derivam do reprimido, de
fantasias inconscientes, próprias da sexualidade infantil. Freud, então aponta que
não é isso o mais importante na transferência analítica.

“É verdade que o amor consiste em novas adições de antigas


características e que ele repete reações infantis. Mas este é o caráter
essencial de todo estado amoroso. Não existe estado deste tipo que
não reproduza protótipos infantis. É precisamente desta
determinação infantil que ele recebe seu caráter compulsivo,
beirando, como o faz, o patológico. O amor transferencial possui
talvez um grau menor de liberdade do que o amor que aparece na
vida comum e é chamado normal; ele exibe sua dependência do
padrão infantil mais claramente e é menos adaptável e capaz de
modificação; mas isso é tudo, e não o que é essencial.” (5)

2. O amor e a paixão em Gradiva

Ora é exatamente o estado descrito anteriormente que é atribuído a Norbert, o


arqueólogo em Gradiva de Jensen. Freud em “Delírios e Sonhos na Gradiva de
Jensen” (1907) compara o delírio do personagem ao estado apaixonado e faz uma
analogia entre o método empregado nessa obra fictícia e o método analítico.
Chamou o tratamento empreendido por Zoé-Gradiva de “a cura pelo amor”. Norbert
está apaixonado, louco de amor, transfere, atualizado, intensificado e deslocado
para a figura do baixo-relevo, um amor infantil. Não se sabe por que, mas Norbert
não pode se lembrar de Zoé, o amor infantil está reprimido: quando se aproxima
dessas lembranças infantis, através dos sonhos, ele então começa a delirar. Zoé
através de seu método “ambíguo” - considera tanto na atualidade como na
inatualidade o amor de Norbert - “maneja” esse apaixonamento e desposa seu
“paciente”.

Pode-se pensar neste ponto, após a analogia entre o método curativo do


personagem do texto e o do analista, em transferência amorosa na transferência
analítica. A transferência (enquanto transporte de sentimentos) do amor infantil
(deslocado) para a figura do analista é o material do trabalho que opera a partir do
amor na transferência. Dentro desta perspectiva o amor [passa a ter, uma
importância fundamental para o trabalho analítico pois] não é só material de trabalho
seja para o analista como para o paciente, mas também é a base da relação entre o
analista e o paciente, que garante a análise.

Freud aconselha o analista a não Instigar a paciente a suprimir, renunciar ou


sublimar seus instintos, no momento em que ela admite a transferência erótica, pois
não seria uma maneira analítica de lidar com os mesmos. Propõe uma curiosa
analogia:

“Seria exatamente como se, após invocar um espírito dos infernos,


devêssemos mandá-lo de volta para baixo, sem lhe fazer uma única
pergunta. Ter-se-ia trazido o reprimido à consciência, apenas para
reprimi-lo mais uma vez, um susto.” (5)
3

Como princípio fundamental o analista deve permitir que a necessidade e o


anseio da paciente persistam, de modo a poderem servir de forças para o trabalho e
para efetuar mudanças, propõe Freud no texto. Entretanto, o analista não deve
responder aos avanços da paciente, retribuindo-os:

“ela teria alcançado sucesso naquilo por que todos os pacientes


lutam na análise - teria tido êxito em atuar (acting out), em repetir na
vida real o que deveria apenas ter lembrado, reproduzido como
material psíquico e mantido dentro da esfera dos eventos psíquicos.”
(5)

Não se trata de recusar a demanda de amor do paciente, não é isso que está
mais em questão. Por outro lado, o analista não deve responder a essa demanda de
amor. O que quer dizer com isso? O próprio Freud mostra o caminho:

“O analista deve seguir um caminho para o qual não existe modelo


na vida real”. Não se trata exatamente de receber o amor do paciente
na análise como algo irreal, mas de remetê-lo às suas origens
inconscientes. Assim, a “sinceridade do analista”, é condição para
possibilitar ao paciente “sentir-se seguro o bastante para permitir que
todas as suas precondições para amar, todas as fantasias que
surgem de seus desejos sexuais, todas as características
pormenorizadas de seu estado amoroso venham à luz. Ela própria
abrirá caminho para as raízes infantis do seu amor.” (5)

3. Resistência, sedução e neutralidade do analista

A questão se volta, então, para o analista. Cabe ao analista reconhecer e


considerar a demanda que está em jogo numa psicanálise. Para além da questão
ética que implica em não responder eroticamente ao paciente, está presente
também a questão do método (técnica), já que não se trata numa psicanálise adotar
a mesma solução que a encontrada pela Gradiva, ou seja, conquistar o paciente.
Não é esse o prêmio que o paciente recebe no final da análise, o analista.

Segundo Silvestre, no texto organizado por Gérard Miller, a demanda do


paciente é de saber. Ele quer que o analista o ajude no saber sobre si mesmo,
naquilo que desconhece sobre si mesmo e que está relacionado com seu
sofrimento.

Os autores propõe a distinção entre a noção de [amor de] transferência como


sentimento em questão na relação analítica, do conjunto dos afetos que surgem no
tratamento. Trata-se de diferenciar a vertente passional da vertente dirigida para o
saber inconsciente.

O analista provoca inevitavelmente no analisando emoções e sentimentos, e


todos os sentimentos são possíveis. O analista não está numa posição neutra.
Essas emoções pertencem à repetição que é uma conduta do neurótico e talvez do
ser humano em geral. No entanto, o amor que está em jogo na transferência
4

analítica é outra coisa: está ligado à presença do analista e à função que ele ocupa
no tratamento.

O analisando ama seu analista por causa do que ele lhe confiou quando
decidiu começar sua análise e o que ele confia ao analista é, antes de tudo e
principalmente, o que ele não sabe de si. Assim, o analista deve responder ao amor
do paciente em termos de saber. Ele responde - interpreta - para fazer desse saber
uma verdade tal que mude o sujeito. É nesse sentido que os autores vão apontar
que Lacan vai inverter a questão ao dizer que a resistência é obra do próprio
analista e não do paciente.

A resistência por parte do analista, “resulta da interposição de sua


subjetividade entre o sujeito que fala e o retorno dessa palavra a partir do lugar onde
ele a envia.” (7)

Na situação analítica o amor que está presente deve permitir ao paciente obter
respostas às suas perguntas, porém na condição de que o analista não se inclua
como o outro sujeito.

Responder à demanda amorosa do paciente, como se fosse o analista, ele


mesmo o objeto desse amor é o mesmo que não escutar o paciente; é o Fédida
chama de delírio no tratamento. (2) Do mesmo modo, recusar essa demanda
amorosa como genuína é o mesmo que seduzir e trabalhar a serviço da resistência
do próprio analista.

Fédida em “Amor e Morte na Transferência” escreve, que a ambigüidade diz


respeito à posição do analista, pois diz respeito ao sentido inconsciente, ao desejo
inconsciente que concerne ao inatual, ao infantil. Essa relação entre o inatual e o
atual define a temporalidade ambígua de todo tratamento analítico.

Quando o paciente fala de seu amor pelo analista é na inatualidade do infantil


que ele deve ser ouvido.

O importante desse duplo sentido é que as duas verdades coexistem. Há


sempre uma verdade no inatual e uma verdade no atual. Entretanto, a fala do
analista possui essa peculiaridade de ser ambígua, e quando ele não pode sê-lo,
então, cai no equívoco, porque faz parecer que responde atualmente. O paciente
acredita, então que o analista responde àquilo que ele pede. Ao mesmo tempo o
analista se retira. Nessa situação o analista representa o papel do sedutor sem
saber que o faz.

A criança experimenta excitações em seu corpo e quer comunicar-se com o pai


e a mãe aquilo que experimenta. É o adulto que provoca tais excitações, mas diz à
criança: “É você que experimenta isso, eu não provoco nada.” (2)

O paciente confessa que se enamorou do analista e este para se defender,


imediatamente interpreta o paciente: “Eu represento o seu pai ou a sua mãe” (2) - é
exatamente essa a atitude do sedutor.
5

Segundo o autor, trata-se de uma situação angustiante para o paciente, pois


ele passa a duvidar das excitações que sente em seu corpo. Nesse sentido a
sedução provoca uma ruptura da circulação do afeto.

O tratamento analítico busca precisamente restabelecer a circulação de afeto,


sendo que o analista não pode agir concretamente, corporalmente. O afeto deve
entrar em jogo na análise e através da palavra. É este o lugar do amor na relação
analítica.

O que o paciente comunica ao analista obviamente pode também se dirigir ao


próprio sujeito do analista, e o analista deve não recusá-lo. Mas não é isso que é o
mais importante na análise e para o paciente; o importante é o fragmento do
passado que ele repete na atualidade, na medida que isso significa o desconhecido
sobre si mesmo, e que deve ser inserido na linguagem.

E então penso que não nos afastamos de Freud, pois segundo Laplanche e
Pontalis (6), “mesmo quando Freud vai mais longe no reconhecimento do caráter da
repetição na transferência, pois o paciente não pode recordar tudo o que está
recalcado e é obrigado a repetir o recalcado como vivência no presente”, ele orienta
o psicanalista a levar o máximo de conteúdo possível para o campo da
rememoração. De modo que Freud sustentou como ideal a rememoração completa
e quando esta é impossível, pode o analista se valer das “construções”, tudo como
esforço para “preencher as lacunas” do passado infantil. Freud aposta no valor das
palavras. Esse esforço justifica-se, ainda segundo os autores, porque tudo que é
essencial na transferência não é tanto a repetição do vivido na infância, quanto a
realidade psíquica: ou seja, mais profundamente, o desejo inconsciente e as
fantasias conexas do sujeito.

É através desse saber que se pode pensar em resultados na análise (e em


tratamento); e é em nome desse saber - ou desse suposto saber - que se dá o amor
pelo analista.

4. O discurso amoroso, afinal

Em relação à questão colocada no início do trabalho: quanto a ser justo ou não


diferenciar o amor que surge na situação analítica daquele dos enamorados, posso
repetir que não me coloquei na intenção de respondê-la. Mas gostaria de arriscar-
me a dizer que ela pode ser enganosa se formulada desta maneira.

Não há problemas em dizer que o amor é sempre aquele velho conhecido,


afinal ele tem mesmo origem nas primeiras relações infantis de todos nós. Ele pode
aparecer na situação analítica como em qualquer outra relação. O campo é sempre
o mesmo: a relação.

Na análise, quando não bem manejado, ele impossibilita a interpretação. A


sensação é de não haver diferença entre as duas partes em jogo, a função analítica
fica perturbada e o sentimento é de limite e fragilidade. É o contato com a própria
resistência, que vem atrapalhar e, às vezes, inviabilizar o trabalho.
6

Talvez a questão anterior seja melhor colocada, ao considerar não a diferença


de qualidade do sentimento, mas com que propósito, ou a que função o amor vem
se prestar nas diferentes relações - na amorosa e na analítica.

A transferência amorosa é observada na transferência analítica, mas não se


confunde com ela. A primeira é material de trabalho, de análise, seja a paixão
desenfreada que beira o ódio, seja o amor mais sublime (idealizado ou sensual). A
segunda é por onde se sustenta a relação analítica, a confiança do paciente no
analista que outorga a sua função, a do suposto saber. Assim, na verdade, o amor
ocupa um lugar importante na análise, podendo-se dizer que esta se estabelece
naquele.

Mais do que atualizar um passado esquecido, a transferência amorosa na


análise permite ao analisando enunciar sobre si mesmo: o que tem de mais valioso -
porque carrega a consistência dos sentimentos - e o que tem de mais profundo -
porque nunca lhe tinha sido permitido sonhar, pensar ou falar. É a sua verdade. Mas
afinal, quanto ao amor dos apaixonados, o amor “fora da análise”, o que há para ser
dito?

Do ponto de vista psicanalítico, certamente o amante é quem acolhe o desejo


do parceiro, e leva “grátis” tudo o mais: suas confidências, ódios e amores, seus
gostos e aversões, seu passado e seus projetos.

Porém o discurso amoroso tem sua especificidade e não deve ser reduzido aos
sintomas, segundo Barthes (1). Neste sentido, ele é e sempre será inatual e
intratável. Assim, o discurso amoroso, não vai muito além de seu próprio enunciado.
Ele tem na sua relação peculiar com os signos o caráter de ser sempre uma
declaração, uma declaração de amor.

Aos olhos e ouvidos daquele que não ama, é pieguice, vazio. E talvez o
discurso amoroso seja mesmo sempre vazio, e o enamorado sempre fadado a sofrer
no silêncio, já que o que fala não dá conta dos seus sentimentos.

Certamente o lugar do amor para o enamorado, diferente do analisando, está


mais próximo do silêncio do que das palavras.

Como, então, não compartilhar com Barthes quando ele escreve em seu livro?

“Freud à sua noiva: ‘A única coisa que me faz sofrer, é estar


impossibilitado de te provar o meu amor.’ E Gide: ‘No comportamento
dela tudo parecia dizer: já que ele não me ama, nada me importa.
Ora, eu a amava ainda e até mais do que nunca; mas não me era
mais possível prová-lo. E isso era o mais terrível de tudo.’” (1)

Bibliografia

1- Barthes, Roland. Fragmentos de um discurso amoroso; vocábulo: “Gradiva”;


“Signos”; Ed. Francisco Alves; RJ, 1989.
2- Fédida, Pierre. ‘Amor e Morte na Transferência’; Clínica Psicanalítica; Ed. Escuta;
SP, 1988.
7

Freud, Sigmund. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas;


RJ, Imago, 1996:
3- “Delírios e sonhos na Gradiva de Jensen” (1907);
4- “A dinâmica da transferência” (1912);
5- “Observação sobre o amor transferencial” (1915);
6- Laplanche, Jean. Vocabulário da Psicanálise/ Laplanche e Pontalis; Verbete:
“Transferência”. SP, Martins Fontes; 1992.
7- Silvestre, Danielle e Michel. “A transferência é amor que se dirige ao saber” in:
Lacan; org. Gérard Miller; Zahar Editor, RJ; 1989.

(Monografia apresentada para o seminário: 'Da Terapia Catártica ao Método


Psicanalítico' no Sedes Sapientiae)

Você também pode gostar