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Quando o analista não se apaga (final)

28/04/2014 / 4 Comentários

No artigo “Elasticidade da técnica


psicanalítica”, Ferenczi assinala de forma veemente que o uso da empatia como recurso
terapêutico não seria propriamente uma inovação no campo da técnica psicanalítica,
pois Freud já o teria preconizado. De fato, o fundador da psicanálise sempre defendeu
que as intervenções do analista não poderiam ser levadas a cabo à revelia do que se
passava com o paciente durante a sessão. Uma interpretação, por exemplo, só deveria
ser enunciada quando o analista percebesse que o paciente estava bem próximo de
chegar a ela por seus próprios meios. Cremos, todavia, que ao recomendar aos analistas
que estejam atentos aos movimentos psíquicos do paciente durante a sessão, Freud não
tinha em mente a atitude empática de “sentir com”. Afinal, essa atitude demanda do
terapeuta uma disponibilidade para afetar-se que Freud não via com bons olhos.

Ao falar do uso da empatia, Ferenczi está descrevendo uma transformação da posição


que o analista ocupava até então no tratamento. O analista que se localizava fora do
campo de visão do paciente justamente para facilitar o apagamento de sua pessoa dá
lugar a um analista que se posiciona ao lado do paciente, pois só assim é possível
“sentir com”. Isso não significa, evidentemente, que o analista abandone sua função de
terapeuta e passe a se comportar como um amigo do paciente. Cremos que o cerne da
concepção ferencziana sobre o uso da empatia como recurso técnico é a defesa da
adaptabilidade do analista. Do ponto de vista freudiano, o analista deve adotar uma
postura única para todos os pacientes (até porque Freud considerava que a psicanálise
era um método útil apenas para o tratamento das neuroses). Já para Ferenczi, que
experimentou a psicanálise no tratamento de formas não-neuróticas de adoecimento
emocional, o analista deve adaptar-se às necessidades do paciente. E essa adaptação
não pode acontecer jamais se o analista não se coloca no tratamento numa posição de
parceria. É a partir desse lugar instaurado no início do processo terapêutico que o
analista terá condições de empaticamente “adivinhar” do que o paciente precisa. É
possível, inclusive, que o terapeuta chegue à conclusão de que o analisando necessite de
um analista mais distante mesmo, mais apagado, pois já é maduro o suficiente para se
aventurar nas trilhas de seu inconsciente. No entanto, essa conclusão não pode ser
estabelecida a priori, mas a partir da disponibilidade do analista a se deixar afetar pelo
paciente.

Ferenczi ilustra essa disponibilidade afetiva do analista com a figura do “João Bobo”,
aquele brinquedo infantil que pode ser empurrado e golpeado em várias direções, mas
que consegue, ainda assim, retornar a sua posição inicial. A saída do lugar relativamente
seguro oferecido pela neutralidade e abstinência e a adoção da posição de parceria
exigirá do analista a capacidade de suportar os sentimentos de ódio que eventualmente
podem surgir no decorrer do tratamento sem perder o equilíbrio. O analista deve se
mostrar aberto a ser alvo tanto dos sentimentos ternos e afáveis quanto dos movimentos
apaixonados e agressivos. Mais: deve não apenas se apresentar disponível a recebe-los
como também capaz de sobreviver a eles.

Ferenczi observou que pacientes que foram severamente traumatizados nas etapas
iniciais de seu desenvolvimento sofrem principalmente da incapacidade de confiarem no
mundo (e, por transferência, no analista). Isso os leva a terem dificuldade de se entregar
ao processo terapêutico. Assim, o conjunto de manifestações refratárias ao tratamento
que Freud chamou de “reação terapêutica negativa” não seria, em todos os casos, uma
mera resistência à exploração do conteúdo recalcado ou a expressão de uma suposta
“pulsão de morte”. Em outras palavras, o paciente não se entregaria por razões de
natureza relacional e não intrapsíquica. A experiência precoce com um ambiente hostil
o levaria a sentir-se inseguro e desconfiado: o que garante que o trauma não possa se
repetir? Por esse motivo, o esforço do analista não deve ser no sentido de debelar uma
suposta resistência, mas na direção de proporcionar um ambiente afetivo o mais
próximo possível do esperado pelo bebê antes do trauma. O oferecimento desse
ambiente, contudo, não levará o paciente imediatamente à reconquista da capacidade de
confiar. Justamente pelo temor de que o trauma possa se repetir, o paciente
inevitavelmente tenderá a testar esse novo ambiente acolhedor a fim de certificar-se de
que ele é efetivamente confiável. É nesse momento que a maturidade do próprio analista
(conquistada graças a sua própria análise) será fundamental. Afinal, o terapeuta deverá
ser maduro o suficiente para (1) compreender empaticamente a esperança subjacente
aos comportamentos eventualmente agressivos do paciente, (2) aceitar, como um João
Bobo, ser golpeado por ele e (3) sobreviver a esses ataques, demonstrando afetivamente
ao paciente que ele está diante de um ambiente confiável.

Isso significa que, diante dos movimentos agressivos do paciente, o analista deve
simplesmente fazer uma “cara de paisagem” e fingir que nada está acontecendo? Não,
dirá Ferenczi. Com efeito, uma das características essenciais de uma pessoa confiável é
a sinceridade. O analista húngaro chega, inclusive, a chamar de “hipocrisia
profissional” a tendência dos analistas ortodoxos a não expressarem nunca o que sentem
a fim de preservarem a neutralidade. Como estamos frisando desde o início deste texto,
para Ferenczi o analista não é um lugar, uma função, um vazio. Pelo contrário! O
analista é, antes de tudo, uma pessoa com quem o paciente estabelece uma relação real.
Nesse sentido, se o analista oculta do paciente todos os seus movimentos afetivos
produzidos pela própria relação analítica, ele está impedindo o estabelecimento de uma
relação autêntica. Para alguns pacientes (que cada vez se tornam mais raros) essa atitude
pode até não comprometer de forma significativa o trabalho. Já para pacientes cuja raiz
do adoecimento emocional é a série de traumatismos sofridos na relação com o
ambiente, um analista que resiste à instauração de uma relação real é radicalmente anti-
terapêutico. Por outro lado, ao defender o uso da sinceridade na relação com o paciente,
Ferenczi não está propondo que a análise se transforme numa exposição contínua do
próprio analista. O analista húngaro está apenas frisando o valor terapêutico da atitude
espontânea e sincera do analista.

À guisa de conclusão, diremos que a técnica psicanalítica clássica proposta por Freud,
fundamentada na abstinência e na neutralidade do analista, foi um experimento
inegavelmente útil para o tratamento de pacientes que podiam, digamos, se darem ao
luxo de prescindir da presença do analista. O analista que se apaga e deixa seu lugar
mais ou menos vazio para que o paciente possa atualizar seus conflitos inconscientes é
adequado para casos leves de histeria, neurose obsessiva e fobia. Contudo, na
atualidade, tais casos têm se mostrado cada vez menos frequentes na clínica. Temos
encontrado pacientes cuja capacidade para lidarem com o apagamento do analista é
bastante reduzida. Para esses pacientes, o analista empático, que não se apaga e se
apresenta disponível para ser afetado é de suma importância. Nesses casos, é a
experiência afetiva de relação com tal analista o elemento terapêutico primordial e não
a elaboração intrapsíquica de conflitos inconscientes.

Quando o analista não se apaga (parte 3)


21/04/2014 / 1 comentário

Ferenczi observou que o choque entre a linguagem da ternura expressa pela criança e a
linguagem da paixão manifesta pelo adulto é inevitavelmente traumático. Afinal, assim
como a criança é ainda incapaz de compreender uma sexualidade que ultrapasse os
limites do pré-prazer lúdico, o adulto também não tem condições de abandonar
completamente a linguagem da paixão e identificar-se de forma plena com o modo
infantil de amar. Em decorrência, um ponto de incompreensão marcaria desde o início
as relações entre os adultos e as crianças. Contudo, para Ferenczi, essa fator só se
tornaria efetivamente um trauma desestruturante e fonte de adoecimento emocional se o
adulto negligenciasse a diferença entre o seu modo de amar e o modo de amar infantil e
impusesse a linguagem da paixão sobre a criança. No texto “Confusão de língua entre
os adultos e a criança”, Ferenczi cita especificamente o exemplo do abuso sexual, em
que essa imposição se dá de modo flagrante. No entanto, podemos inferir, à luz dos
desenvolvimentos teóricos de outros autores, como Winnicott, que, ao falar do potencial
traumático das imposições do adulto sobre a criança, Ferenczi não estava fazendo
referência apenas a casos de abusos sexuais.

O que Ferenczi parece querer acentuar – e as modificações que ele fará no plano da
técnica evidenciam isso – é o papel que o ambiente exerce na etiologia do adoecimento
emocional. De fato, com o abandono da chamada “teoria da sedução” e a valorização da
fantasia, Freud passou a dar menos importância aos fatores externos na formação das
neuroses, enfatizando muito mais os mecanismos de defesa e as fantasias inconscientes.
Foi justamente esse enfoque eminentemente intrapsíquico do adoecimento emocional
que deu origem ao enquadre terapêutico clássico proposto por Freud, no qual o analista
é uma figura passiva, que funciona basicamente como um endereço para as projeções do
paciente. Em outras palavras, se o ambiente externo não exerce papel importante na
etiologia das neuroses, a pessoa do analista é igualmente irrelevante. Assim como, no
plano teórico, o ambiente externo não teria levado ao surgimento da doença, no plano da
técnica, o comportamento do ambiente externo (analista) também não contribuiria para
o resgate da saúde.

Ferenczi, por seu turno, ao se dar conta dos efeitos deletérios da aplicação da técnica
ativa e refletir sobre o potencial traumatogênico dos comportamentos do adulto em
relação à criança, chegou à conclusão de que o ambiente externo poderia, sim, ser fonte
de adoecimento emocional. Muitos pacientes, em especial os que apresentavam
patologias mais graves, não teriam adoecido apenas em decorrência de conflitos
intrapsíquicos mal elaborados, mas em função de traumas provocados por
comportamentos invasivos, opressivos ou negligentes do ambiente externo. Nesse
sentido, o tratamento desses pacientes não poderia mais ser concebido como um
processo exclusivamente intrapsíquico, como queria Freud. Se o comportamento de
determinadas pessoas foi determinante para o surgimento da neurose, assim também o
comportamento do analista seria igualmente determinante para o sucesso do tratamento.
Ferenczi fará, então, fortes questionamentos em relação ao lugar clássico do analista.

Do ponto de vista ferencziano, o comportamento clássico do analista, marcado por certa


frieza emocional, objetividade e neutralidade, é bastante semelhante à atitude geral de
um ambiente que pode traumatizar uma criança. Com efeito, a criança espera encontrar
à sua volta um ambiente terno, afável, acolhedor, que a compreenda e no qual ela possa
confiar para continuar simplesmente existindo, sem se preocupar com os perigos do
mundo. Esses desejos, contudo, são expressos na linguagem da ternura, ou seja, a
criança não tem a expectativa de ser satisfeita pelo adulto com uma relação sexual
propriamente dita. Exercitando sua aguda perspicácia clínica, Ferenczi observará que
muitos pacientes, ao longo do processo terapêutico, começam a fazer essas mesmas
demandas infantis. Diferentemente de outros analisandos que expressavam desejos de
efetivamente terem uma relação amorosa com o analista, esses pacientes faziam
demandas que eram bem características da linguagem da ternura. Em outras palavras,
eles não queriam transar com o analista, mas encontrar nele acolhimento e
confiabilidade – elementos com os quais não teriam podido contar na infância.
Ferenczi compreendeu, portanto, que esses pacientes haviam regredido para um ponto
de seu desenvolvimento anterior à incidência do trauma, um ponto em que ainda eram
capazes de esperar acolhimento, ternura e confiabilidade do ambiente externo. Se o
analista, frente a essas demandas, se comportasse da maneira clássica, ou seja,
frustrando-as e mantendo-se numa posição de neutralidade, ele estaria repetindo a
mesma atitude traumatogênica do ambiente primário do paciente. Em outras palavras,
podemos dizer que, em certos casos, o apagamento do analista não contribui para o
sucesso do tratamento. Pelo contrário, favorece a continuidade e a intensificação do
adoecimento.

Atento ao potencial “re-traumatogênico” da neutralidade analítica, Ferenczi irá propor


que a técnica psicanalítica não seja mais padronizada, mas vem ao encontro das
necessidades de cada paciente. Tomando emprestada uma expressão proposta por um de
seus analisandos, Ferenczi defenderá uma “elasticidade da técnica psicanalítica”. Para
o analista húngaro, se levarmos em conta que na clínica encontramos vários perfis de
pacientes (alguns mais traumatizados que outros ou mais amadurecidos que outros, por
exemplo), isso significa que nossa intervenção não pode ser a mesma para todos eles. O
terapeuta precisaria modular sua posição clínica de acordo com as especificidades de
cada caso. E como saber o tipo de abordagem que cada paciente precisa? Observando e
classificando os sintomas? Lendo tratados de psicopatologia? Não, dirá Ferenczi. Para
identificar as necessidades de cada paciente, o analista deverá fazer uso da empatia, ou
seja, deverá colocar-se não mais numa posição de neutralidade e objetividade, mas de
sintonia, sentindo com o paciente o que esse lhe dirige.

Quando o analista não se apaga (parte 2)


14/04/2014 / 1 comentário
Sándor Ferenczi, analista húngaro cuja obra tem sido injustamente pouco valorizada nos
cursos de psicologia do Brasil, foi certamente um dos pioneiros no questionamento da
neutralidade do analista. Esse questionamento se deu, sobretudo, em virtude dos efeitos
colaterais produzidos pela aplicação do que Ferenczi chamou de “técnica ativa”, uma
tática clínica que pretendia radicalizar o princípio de abstinência freudiano. A técnica
ativa consistia basicamente em exortar o paciente a adotar certos comportamentos
(como enfrentar diretamente uma fobia através da aproximação ao objeto fóbico, por
exemplo) e proibi-lo de executar outros (como certas manias ou tiques, hábitos
considerados equivalentes à masturbação). O objetivo era impedir que o paciente
utilizasse suas inibições ou comportamentos, principalmente no setting analítico, como
meio de descarga pulsional. Ferenczi observava que, ao ter sua tensão psíquica
aumentada dessa maneira, o doente não poderia evitar o trabalho de rememoração e
elaboração dos conteúdos recalcados, acelerando o processo analítico. Vale lembrar
que, ao formular o princípio de abstinência segundo o qual o analista não deve
atender a nenhuma demanda do paciente, Freud tinha em mente a mesma intenção:
aumentar a tensão psíquica através da frustração da demanda e, com isso, facilitar o
aparecimento do material recalcado. O aspecto inovador da técnica ativa proposta por
Ferenczi foi a constatação de que, a despeito de não poder utilizar o analista, o paciente
poderia encontrar outros meios de descarga pulsional, como os ganhos secundários dos
sintomas e certos comportamentos de caráter masturbatório. Portanto, seria preciso
estancar também essas vias de descarga a fim de evitar que a análise estagnasse.

Do ponto de vista do objetivo clássico do tratamento psicanalítico, qual seja, promover


a rememoração e integração psíquica dos conteúdos recalcados, a aplicação da técnica
ativa proporcionou resultados bastante positivos. De fato, quando o paciente se
submetia às injunções e proibições do analista, a análise que até então parecia estagnada
e girando em círculos, apresentava um significativo avanço. O material recalcado
passava a se manifestar de modo menos tolhido e o trabalho de elaboração adquiria um
novo impulso. Contudo, do ponto de vista da relação entre paciente e analista, a técnica
ativa produzia efeitos de natureza iatrogênica. O terapeuta inevitavelmente acabava
ocupando o lugar de mestre – posição que Freud sempre considerou contrária aos
objetivos da psicanálise – e o paciente, em contrapartida, colocava-se numa posição de
submissão a qual, como o próprio Ferenczi percebeu, frequentemente era utilizada para
esconder sentimentos de desconfiança, incredulidade e hostilidade em relação ao
analista.

A partir da constatação desses efeitos colaterais da técnica ativa e de uma reflexão


renovada sobre o papel do da fator traumático na causação das neuroses, Ferenczi
chegaria à conclusão que o faria questionar o princípio de abstinência e a neutralidade
do analista. Ferenczi notou que esse lugar de sujeição ao terapeuta que o paciente era
obrigado a ocupar pela aplicação da técnica ativa era análogo à posição de uma criança
vítima de um trauma. Assim como um bebê que é forçado precocemente a abrir mão de
sua espontaneidade para se sujeitar à realidade dura do ambiente à sua volta que não o
compreende, na técnica ativa o paciente é forçado a se submeter às regras ditadas pelo
analista. Quando o terapeuta proíbe o paciente de executar determinadas ações ele se
comporta como um pai ou uma mãe que vê seu filho brincando com seu órgão genital e
o proíbe terminantemente de fazê-lo. Assim como a mãe ou o pai acreditam que tal
comportamento não é adequado, o analista também se fundamenta no pressuposto de
que determinados comportamentos podem ser inadequados para o alcance dos objetivos
psicanalíticos. Em ambos os casos, as proibições apresentam um caráter moralizante.
Podemos, ademais, nos questionarmos acerca da própria natureza dos comportamentos
que a técnica ativa proibia. Eles representariam de fato uma descarga pulsional, ou seja,
seriam a expressão deslocada da sexualidade tal como vivenciada pelo adulto? Não
seriam, talvez, equivalentes à manipulação lúdica que a criança faz de seus órgãos
genitais, manipulação que evidentemente provoca prazer, mas um prazer diverso
daquele em jogo na sexualidade adulta, que visa ao orgasmo?

Penso que Ferenczi respondeu afirmativamente a essa última pergunta, já que o


abandono da técnica ativa é contemporâneo das reflexões sobre as diferenças entre os
pontos de vista dos adultos e das crianças que o analista húngaro faz em um de seus
textos mais conhecidos: “Confusão de língua entre os adultos e a criança”. Nesse
artigo, Ferenczi defende a tese de que a expressão da sexualidade na criança é bastante
distinta da manifestação da sexualidade entre os adultos. Diferentemente da sexualidade
adulta, a sexualidade infantil não visaria o prazer final (orgasmo). Permaneceria,
portanto, nos limites daquilo que Freud chamou de “pré-prazer”, isto é, daqueles
comportamentos que, na sexualidade adulta, servem como preliminares à penetração. O
pré-prazer seria suficiente para satisfazer a criança e sua expressão não comportaria a
seriedade e o caráter apaixonado presente na sexualidade adulta. A sexualidade infantil
se manifestaria através da ternura e apresentaria um caráter lúdico. Nesse sentido, em
termos de sexualidade, crianças e adultos falariam dois idiomas completamente
diferentes: a linguagem da ternura e a linguagem da paixão.

CONTINUA

Quando o analista não se apaga (parte 1)


06/04/2014 / Deixe um comentário

Qualquer pessoa minimamente versada em psicanálise sabe que Freud inventou o


método psicanalítico principalmente para obter êxito no tratamento da histeria. As
experiências com a hipnose e com o método catártico realizadas em parceria com
Breuer já haviam revelado a ele a natureza dos enigmáticos sintomas histéricos.
Tratava-se, na verdade, de substitutos de desejos, pensamentos e fantasias que haviam
sido excluídos da consciência pelo próprio indivíduo. A hipnose e o método catártico
também haviam mostrado que quando se trazia os conteúdos reprimidos novamente
para a consciência, os sintomas tendiam a desaparecer, pois perdiam sua função de
substituir o material recalcado. Como já expliquei em outro texto, a psicanálise foi
inventada justamente porque esse processo de trazer os conteúdos reprimidos
novamente para a consciência não é nada fácil na medida em que sofre uma forte
resistência da parte do ego.

Contudo, apesar de ter proposto um método novo para o tratamento da histeria (e de


outras neuroses), Freud continuou durante um bom tempo almejando o mesmo objetivo
de antes: levar o sujeito a preencher as lacunas de seu psiquismo produzidas pelo
processo de recalcamento. Isso fez com que o tratamento psicanalítico se concentrasse
naquilo que o paciente diz (e não diz) e nas eventuais interpretações do analista desses
ditos e não-ditos. A regra da associação livre e a técnica da atenção flutuante, por
exemplo, são procedimentos que visam justamente permitir que o material inconsciente
possa aflorar. Assim, podemos dizer que o foco do tratamento são os conteúdos que
emergem ao longo das sessões.

Nesse contexto, a relação entre paciente e analista é vista como um elemento


potencialmente perturbador do processo de revelação do inconsciente. Por isso, Freud
recomenda que o analista se mantenha neutro, tal como um químico diante de um tubo
de ensaio. As possíveis demandas de apoio, cuidado e amor feitas pelo paciente não
devem ser atendidas, mas interpretadas, na medida em que são vistas apenas como
reedições de demandas feitas originalmente às figuras parentais. Em outras palavras, o
analista não deve se colocar no tratamento como uma pessoa se relacionando com
outra. Pelo contrário, deve apagar-se a fim de que apenas o inconsciente possa se fazer
presente.

Diversos analistas pós-freudianos, dentre eles Ferenczi e Winnicott, perceberam que


para muitos pacientes, o apagamento do analista não era nada terapêutico. No
tratamento desses pacientes, a relação com o analista seria tão ou mais relevante que a
análise do material verbalizado. Para Winnicott, por exemplo, alguns pacientes
neuróticos (histéricos, obsessivos e fóbicos), a despeito da gravidade de seus sintomas,
possuem a segurança suficiente para mergulharem na investigação do inconsciente sem
que o analista precisasse fazer nada. Nesses casos, a atitude fria e neutra do analista não
exerceria influência significativa no tratamento, podendo até favorecer o trabalho.

Por outro lado, existem pacientes que sofrem de patologias cuja raiz não está no
recalque de determinados conteúdos psíquicos, mas em distúrbios experimentados nos
estágios mais precoces do desenvolvimento emocional. Na análise desses indivíduos, a
relação com o analista é trazida para o primeiro plano. Na medida em que os sintomas
que apresentam não são, em sua maioria, substitutos de conteúdos recalcados, tais
pacientes não se beneficiam de uma análise baseada apenas na associação livre e na
interpretação. As manifestações patológicas que trazem à clínica estão ligadas a traumas
vivenciados em estágios muito primitivos de sua história e provocados por falhas do
ambiente. Em outras palavras, a origem do sofrimento desses pacientes está ligado a
problemas na relação com os primeiros objetos. Em decorrência, no tratamento, o
elemento determinante não poderá ser outro que não a relação com o analista. Nesse
caso, o analista será obrigado a abandonar sua posição habitual de neutralidade e
abstinência já que esse tipo de atitude, como dissemos, faz com que ele se apague em
vez de se fazer presente.

De que forma o analista deve se fazer presente? Se o foco do tratamento passa a ser a
relação e não os conteúdos, de que forma o analista deve se comportar? E quais serão os
novos objetivos do tratamento já que não se trata mais de preencher as lacunas
produzidas pelo recalque?

A psicologia do “bonzinho”
30/03/2014 / 9 Comentários
Você certamente deve conhecer pessoas que se encaixam no perfil que irei descrever
abaixo. Talvez você até seja uma delas. Trata-se daqueles indivíduos aos quais o senso
comum se refere como “bonzinhos”. O fato de essa alcunha ser formulada no
diminutivo já denota suficientemente uma característica básica dessas pessoas: o modo
afetado com que expressam os atributos que tendemos a associar à bondade. O
bonzinho é uma caricatura do ideal de bondade construído pela civilização ocidental.
Ele é cordial em excesso, solícito em excesso, prestativo em excesso, humilde em
excesso… Enfim, o bonzinho manifesta em suas atitudes e comportamentos todas as
características superficiais que são reputadas a um indivíduo supostamente bom.
Contudo, não possui o tempero do equilíbrio que torna a bondade um valor precioso.

Neste texto pretendo fazer algumas despretensiosas ilações e formular algumas


hipóteses que podem nos ajudar a compreender a dinâmica psicológica subjacente ao
modo “bonzinho” de ser. Como o leitor poderá perceber, farei um uso bastante livre de
certos conceitos da teoria psicanalítica, sem a preocupação de demonstrar filiação a
alguma orientação teórica específica.

Insegurança

Os pais, cônjuges, familiares e amigos mais próximos dos indivíduos “bonzinhos”


percebem com muita clareza que se trata de pessoas geralmente muito inseguras. A
despeito da devoção que demonstram pelo outro em muitas ocasiões – o que poderia a
princípio indicar amadurecimento emocional – os “bonzinhos” frequentemente sofrem
com o medo de não serem aceitos, amados ou reconhecidos pelo outro. Nesse sentido,
quando se mostra excessivamente prestativo ou incapaz de negar um favor a alguém, o
“bonzinho” não está dando mostras de que não é uma pessoa egoísta ou avarenta. Na
maior parte das vezes, o “bonzinho” não ajuda o outro por uma decisão espontânea e
consciente de fazê-lo, mas sim pelo medo de não ser amado pelo outro. Em
decorrência, as relações interpessoais do “bonzinho” tendem a ser profundamente
narcísicas, pois ele está o tempo todo tentando “resolver” a sua própria insegurança.

O temor de perder o amor do outro é tão imperativo que as demandas alheias acabam
sendo tomadas pelo “bonzinho” como obrigações. Isso faz com que as pessoas com as
quais o ele não possui vínculos muito fortes acabem acreditando que estão lidando
apenas com uma pessoa muito prestativa e generosa.

Podemos concluir, portanto, que o “bonzinho” está muito mais preocupado com o seu
próprio eu, ou melhor, com as fragilidades de sua estrutura egóica, do que com o outro.
Em outras palavras, o que está por trás dos comportamentos do “bonzinho” é
exatamente o oposto do que sua conduta parece indicar à primeira vista. Com isso, não
estou defendendo a tese de que o “bonzinho” encarne a figura do canalha egoísta que
ajuda os outros por um mero exercício de “marketing pessoal”. O funcionamento
subjetivo do “bonzinho” não é perverso, mas da ordem do que ficou conhecido em
psicanálise como “patologias narcísicas”. Devotar-se ao outro, ter dificuldade para
confrontá-lo e para resistir às suas demandas são comportamentos que se impõem ao
“bonzinho” com a força de atos compulsivos. Ele só consegue fazer frente ao medo de
perder o amor do outro, sujeitando-se, tornando-se um servo resignado.

Máscara

Um conceito que talvez nos possa ser de grande utilidade para a compreensão da
etiologia da conduta “boazinha” é a noção de “falso self” proposta por Winnicott. Do
ponto de vista desse autor, quando o ambiente não se relaciona de modo sintônico com
o bebê nas fases iniciais do desenvolvimento, a criança pode desenvolver um falso self a
fim de assegurar sua sobrevivência psíquica. Quando o ambiente não se relaciona de
modo sintônico? Quando é invasivo ou negligente, ou seja, quando não atende as
necessidades do bebê em seu ritmo. Nessas situações, o bebê é obrigado a abrir mão de
sua espontaneidade para se comportar de acordo com o ritmo do ambiente. Essa maneira
artificial de se comportar é uma das facetas do que Winnicott chamou de “falso self”.

Ora, em linhas gerais não é isso o que ocorre com o “bonzinho”? Se levarmos em conta
o modo subserviente com que lida com as pessoas, podemos inferir que
inconscientemente o “bonzinho” experimenta o outro como hostil ou, no mínimo, como
incapaz de resistir a uma negativa. Assim, o “bonzinho” dá mostras de não ter
incorporado uma referência de cuidado suficientemente bom capaz de produzir nele o
sentimento de segurança que dá sustentação ao eu. Por essa razão, é como se o
indivíduo precisasse segurar a si mesmo o tempo todo e proteger-se do abandono do
outro, objetivos que só podem ser alcançados por meio da construção de uma identidade
artificial: o modo “bonzinho” de ser.

Metapsicologia da paixão
16/03/2014 / 6 Comentários
O processo de apaixonar-se certamente é um dos fenômenos mais comuns e fascinantes
da experiência humana. Como se sabe, a palavra “paixão” está vinculada
etimologicamente ao vocábulo grego “pathos” que poderia ser traduzido livremente por
doença, enfermidade, sofrimento – daí a nossa conhecida patologia. De fato, embora
geralmente seja fonte de grande prazer para o indivíduo, o estar apaixonado também
envolve frequentemente certo grau de sofrimento, especialmente nos casos em que o
objeto não corresponde ao amor que lhe é endereçado. Por outro lado, mesmo nos casos
em que o desejo entre os parceiros é recíproco, ainda assim a experiência da paixão
chega a produzir estados de angústia que só são superados após certo tempo de
relacionamento.

Ao introduzir na teoria psicanalítica a noção de “narcisismo primário” num artigo


clássico de 1914, Freud acabou lançando luz sobre o que acontece, do ponto de vista
metapsicológico, com uma pessoa que se encontra apaixonada. Inicialmente, tentaremos
explicar em humanês o que o fundador da psicanálise tinha em mente ao propor a noção
de um narcisismo primário. Em seguida, demonstraremos como esse conceito permitiu a
Freud inferir os mecanismos psicológicos que estariam por trás do fenômeno do
apaixonar-se.

Centro do mundo

Até o momento em que Freud publicou esse artigo que eu mencionei de 1914 chamado
“Sobre o narcisismo: uma introdução”, o narcisismo era compreendido pela psiquiatria
da época unicamente como um transtorno da sexualidade caracterizado pelo fato de o
indivíduo nutrir desejos eróticos por si mesmo. Como, do ponto de vista freudiano, a
sexualidade não estava restrita ao campo da genitalidade, mas englobava tudo o que
tivesse a ver com o amor num sentido amplo do termo, Freud logo percebeu que o
“amor por si mesmo” não era uma prerrogativa apenas de determinados perversos. Em
outras palavras, o narcisismo, tomado num sentido mais amplo, era um fenômeno
passível de ser encontrado em todas as pessoas. Todas as pessoas tomariam a si mesmas
como objeto de amor, em maior ou menor grau. A pergunta que Freud buscou responder
no artigo foi: por que isso acontece, isto é, por que nós amamos a nós mesmos?

Atento ao lugar privilegiado que os bebês ocupavam nas famílias ocidentais modernas,
o médico vienense formulou a seguinte hipótese: nós amamos a nós mesmos como
forma de resgatar a primeira experiência que tivemos na vida: a de sermos plenamente,
integralmente, completamente amados pelas pessoas que estão ao nosso redor. Ora, não
é isso o que acontece com a maioria dos bebês quando nascem? O próprio Freud, no
artigo, brinca dizendo que o bebê torna-se uma verdadeira majestade no ambiente
familiar. Para ele são dirigidas todas as atenções, todas as expectativas, todos os
projetos. É essa experiência inicial de ser o centro do mundo que Freud chamou de
“narcisismo primário”. Quando esse momento se encerra, é como se ficássemos como
um “gostinho de quero mais” e passássemos a vida inteira tentando de alguma forma
reproduzi-lo. Para alcançar isso, Freud diz que nós forjamos uma imagem idealizada de
nós mesmos (eu ideal) que caso fosse de fato encarnada nos proporcionaria a mesma
experiência de ser o centro do mundo que tivemos quando bebês.

Amo-me em ti

O que tudo isso tem a ver com o estar apaixonado? Ao observar a fenomenologia da
paixão, Freud chega à conclusão de que, na verdade, amar seria uma forma indireta
(talvez pudéssemos até dizer: sintomática) de buscar o retorno da experiência de
narcisismo primário. Quando estamos apaixonados, idealizamos os traços do objeto
amado, colocando-o no centro de nossa existência, ou seja, fazemos com o objeto
exatamente aquilo que o mundo fez conosco quando éramos bebês – experiência que
gostaríamos de vivenciar ininterruptamente. É como se idolatrando e idealizando o
objeto amado pudéssemos vivenciar indiretamente a experiência de sermos amados
plenamente.

Trata-se de um fenômeno paradoxal, pois, como Freud assinala, o indivíduo apaixonado


se apresenta humilde, não raro sem demonstrações de amor próprio. Grande parte da sua
libido, que anteriormente estava investida em si mesmo e na imagem idealizada de si
mesmo (seu eu ideal) agora passa a ser dirigida ao objeto. O indivíduo não se sente
digno de elogios ou favores. Somente o objeto deve ser servido e adorado. Nesse
sentido, do ponto de vista freudiano, ao se apaixonar o indivíduo abre mão de seu
narcisismo, mas para recuperá-lo de forma indireta e bem mais potente no objeto
amoroso idealizado. Dito de outro modo, para Freud, amamos o outro para melhor
amarmos a nós mesmos.

Sofrendo o suficiente para não sofrer


o insuportável
09/03/2014 / Deixe um comentário
Diferentemente do que pensam os leigos, o delírio apresentado por um indivíduo
psicótico não é uma manifestação direta de sua doença, mas sim uma tentativa,
digamos, capenga de se autocurar. Sim, um paranoico que acredita piamente estar sendo
monitorado e perseguido pelo FBI não padece propriamente dessa ideia delirante. Ela o
faz sofrer, evidentemente, mas, por outro lado, é justamente essa crença que o impede
de provar um sofrimento ainda maior: aquele que está em jogo na experiência de
desmoronamento da realidade que acomete o psicótico nos momentos iniciais da
doença. O delírio é uma espécie de colagem de fragmentos psíquicos que foram, por
alguma razão, espalhados. É como se a tendência espontânea de integração presente
desde o início da vida impulsionasse o indivíduo a fazer um mosaico com os pedaços de
si mesmo. O delírio é, portanto, uma terapêutica “natural” para a experiência de
desintegração e de ausência de sentido presente na psicose.

É interessante notar que delirar, em certo sentido, não é uma prerrogativa apenas dos
psicóticos. Se levarmos em conta a função eminentemente terapêutica do delírio de
possibilitar uma saída diante do sem-sentido, podemos dizer com certa segurança,
parafraseando Lacan, que todos deliram. A vida inevitavelmente nos oferece
experiências que não podem ser processadas pelos nossos “esquemas cognitivos
prévios” (expressão que usada livremente, isto é, fora da teoria piagetiana, possui o seu
valor). A morte de uma pessoa querida, por exemplo, experimentada sem o apoio
reconfortante das crenças religiosas, apavora muito mais por sua incompreensibilidade
do que pela perda de quem se foi. Há quem diga que as religiões não passam de grandes
delírios que nos servem de consolo para o sem-sentido da morte. De fato, a experiência
de compreender aquele evento como um processo de desencarnação ou de
adormecimento espiritual é, sem dúvida, menos sufocante do que lidar de forma
imediata com ele.

Entre o delírio psicótico e as inevitáveis construções que fazemos diante de


determinadas experiências a fim de enfrentá-las de modo menos doloroso, estão certas
fantasias que, assim como os delírios, produzem um sofrimento suportável como
“remédio” para um sofrimento insuportável. Algumas dessas fantasias são típicas, como
a convicção jamais confirmada pela experiência que alguns pacientes têm de que seus
pais possuem uma preferência ou predileção por seus irmãos. É óbvio que uma situação
como essa pode se configurar efetivamente, mas, no caso dessas pessoas, não há
nenhuma evidência de que ocorra. Quando se analisa a história do paciente, verifica-se
com certa clareza que a fantasia de que se foi preterido pelos pais funcionou, na
verdade, como uma tentativa desesperada de dar sentido a determinadas experiências
que, à época em que aconteceram, não puderam ser compreendidas. Um exemplo
simples: um indivíduo pode ter construído a fantasia de que não era amado pela mãe
porque, quando criança, sua genitora precisou ser internada num hospital em função de
uma doença grave e ninguém lhe explicara na ocasião o que de fato havia acontecido.
Em outras palavras, a fim de lidar com a experiência bruta e intensamente angustiante
da ausência inexplicável da mãe, a criança forjou sua própria explicação, a qual, embora
dolorosa, lhe permitiu compreender o episódio.

Vemos na clínica que muitos pacientes experimentam um sofrimento intenso justamente


por interpretarem os diversos eventos da existência a partir do seu “paradigma
fantasmático”. Não percebem que o seu ponto de vista diante das situações é o ponto de
vista que a fantasia lhe proporciona. Não percebem, ademais, que, de forma indireta e
inconsciente acabam “produzindo” situações que justificam a fantasia, como um policial
que “planta” evidências a fim de incriminar uma pessoa. Isso acontece porque a fantasia
precisa se manter sólida a fim de evitar o retorno da experiência incompreensível e
angustiante. Nesse sentido, o que se busca na psicoterapia é proporcionar as condições
afetivas suficientemente boas para que o paciente possa se permitir experimentar
novamente o incompreensível sentindo-se seguro para dar a ele um sentido novo,
criativo e aberto à mudança.

Você é o profeta do seu


próprio sofrimento?
02/03/2014 / 6 Comentários
A auto-vitimização é um traço que aparece com
muita frequência no discurso dos pacientes que atendemos em psicoterapia. Com
exceção, talvez, dos deprimidos que, em vez de se considerarem vítimas, enxergam a si
mesmos como algozes do mundo, a maioria de nossos pacientes tende a apresentar a
fantasia de que não são responsáveis por nenhuma parcela do próprio sofrimento. A
mudança dessa posição subjetiva, aliás, é uma das primeiras tarefas a serem levadas a
cabo num tratamento psicoterapêutico. Essa mudança acontece, sobretudo, através de
um processo de elaboração psíquica que leva o doente a se dar conta de como ele
próprio contribui para a manutenção do seu padecimento.

Como inicialmente veem a si mesmos apenas como vítimas das ações cruéis de outras
pessoas, muitos pacientes não percebem que eles próprios, de uma forma inconsciente e
amiúde não-verbal, acabam estabelecendo as condições para que lhes aconteça
exatamente aquilo que não gostariam que acontecesse. Em psicologia, esse fenômeno
recebeu o nome de “profecias auto-realizadoras”.

Tomemos uma ilustração clínica: uma paciente vem ao consultório queixando-se de que
as pessoas com as quais convive na faculdade e no ambiente de trabalho
sistematicamente a rejeitam por considerarem-na chata. A fim de compreender melhor a
lamentação da moça, o terapeuta pergunta a ela se alguma daquelas pessoas já lhe disse
explicitamente que ela era chata. A paciente diz que não, que, na verdade, ninguém
nunca lhe disse isso, mas ela consegue perceber que é essa a visão que as pessoas têm
dela. Notando uma boa oportunidade para uma intervenção, o terapeuta diz: “Então não
são as pessoas que lhe veem como chata. É você que imagina que elas pensam isso de
você.”. Ao se perceber flagrada em sua auto-vitimização, a paciente tenta se defender,
mas acaba se denunciando novamente: “Não! Isso não é coisa da minha cabeça! Eles
realmente me acham chata. Por isso, eu quase não converso com ninguém. Povo
metido…”.

Segunda ilustração: um jovem de trinta e poucos anos afirma ter procurado tratamento
psicoterapêutico por ter dificuldade em relacionar-se com o sexo oposto. Quando
perguntado pelo terapeuta acerca da natureza da dificuldade, o sujeito responde que “as
mulheres nunca dão bola para mim; só me dão foras!”. Observando a atitude auto-
vitimizadora do paciente, o terapeuta decide repetir a pergunta colocando ênfase na
palavra “sua” como forma de retificar sua posição subjetiva: “Mas qual é a natureza da
sua dificuldade com as mulheres?”. O paciente, então, responde que não sabe e que
procurou ajuda justamente para descobrir o que ele tem de errado.

Nesses dois exemplos é possível observar com certa clareza que as queixas dos
pacientes é verbalizada inicialmente com o único propósito de justificar a fantasia de
que são inocentes vítimas do comportamento perverso de outras pessoas. Em outras
palavras, é como se implicitamente estivessem dizendo ao terapeuta: “Eu sofro porque o
mundo me faz sofrer. O mundo tem que mudar, não eu.”. As intervenções do terapeuta
visam justamente levar o paciente a converter esse discurso auto-vimizador em um
questionamento acerca do que ele próprio precisa mudar em seu comportamento.

Nesse processo, fica claro que tanto a moça que reclama de ser considerada chata
quanto o rapaz que se queixa do desprezo das mulheres, contribuem de uma forma
muito significativa para que suas queixas se mantenham. A moça não percebe que ela
própria se exclui das relações com as pessoas e não o inverso. E ela se exclui por
imaginar que os outros a consideram chata, sendo que ninguém jamais lhe disse isso.
Pode-se concluir, portanto, que ela própria, antes dos outros, se vê como chata. Trata-se
de um auto-julgamento que provavelmente já faz com que ela se coloque frente às
outras pessoas de um modo tímido e receoso – atitude que, naturalmente, não favorece
ninguém nas relações interpessoais.

No caso do rapaz, as coisas se passam de modo semelhante. Quando o terapeuta repete a


pergunta acerca da natureza de sua dificuldade com as mulheres, ele responde com uma
fantasia que certamente influencia o modo como se relaciona com o sexo oposto. Ele
diz que veio à psicoterapia para descobrir “o que tem de errado” consigo. Nesse
momento, o paciente evidencia que vem estabelecendo um juízo moral sobre si mesmo.
Ele ainda não formula uma demanda de mudança; quer apenas encontrar essa espécie de
“pecado original” que carrega consigo e que lhe impede de obter sucesso com as
mulheres. É bastante provável que nas ocasiões em que tem a oportunidade de iniciar
uma paquera, o paciente se apresente de modo inseguro e hesitante por considerar de
antemão que possui “algo de errado”. Essa insegurança e hesitação, por sua vez,
provavelmente acabem transmitindo às mulheres uma impressão negativa a seu respeito
e fazendo com que elas se afastem.

Nos dois casos, a expectativa que os pacientes apresentam em relação ao


comportamento do outro, isto é, a profecia de que sempre serão rejeitados,
inevitavelmente se realiza. Isso não acontece, contudo, porque sejam, como Jó, alvos de
um acordo maroto entre Deus e o diabo, mas sim porque eles próprios, sem perceberem,
se encarregam de cumprirem a profecia. Um dos objetivos da psicoterapia, como
dissemos acima, é justamente o de levar o paciente a perceber que frequentemente
exerce o papel de profeta do próprio infortúnio e que a saída para o abandono das
profecias auto-realizadoras está na quebra das fantasias de auto-vitimização.

O que é o grande Outro lacaniano?


23/02/2014 / 10 Comentários
Quero iniciar este texto fazendo a ressalva de que meu objetivo ao escrevê-lo não é o de
fazer uma exposição completa do significado do termo “Outro” na teoria lacaniana de
modo a esgotar o assunto. Não tenho sequer a pretensão de contemplar todos os sentidos
em que Lacan utilizou aquela expressão ao longo de seu ensino. Meu propósito é
bastante modesto: trata-se de esclarecer de modo didático a acepção mais clássica do
grande Outro lacaniano. Dirijo-me, portanto, especialmente àqueles que estão se
iniciando no estudo da psicanálise.

Como já disse em outros textos, conceitos são sempre elaborados com a finalidade de
tornar acessíveis teoricamente uma experiência ou um conjunto de experiências. No
caso do conceito de “grande Outro” podemos dizer que Lacan pretendia dar conta da
relação do homem com tudo aquilo que determina boa parte do seu modo de ser.

O que determina o que somos? Uma resposta possível para essa pergunta poderia ser: as
experiências que temos ao longo da vida, certo? Essas experiências de algum modo
modelariam a nossa maneira de agir e de pensar. Precisamos nos lembrar, contudo, que
essas experiências acontecem dentro de um contexto cultural específico. As
experiências possíveis para alguém que nasceu no Oriente Médio são completamente
diferentes das experiências possíveis para quem nasceu no Brasil, por exemplo. Em
outras palavras, entre o indivíduo e o mundo de experiências que a ele está acessível,
existe alguma coisa que recorta a sua realidade.

Dentro desse mundo específico de experiências que a cultura em que eu estou inserido
me oferece, podemos dizer que as relações que estabelecemos com as pessoas também
determinam quem somos, não é verdade? Muitos dos nossos gestos, hábitos e modos de
falar foram fruto das identificações que tivemos com pessoas que, em algum momento
da vida, foram importantes para nós. Contudo, o que mais determina o nosso jeito de ser
a partir das relações com as pessoas é aquilo que elas falam a nosso respeito. Pense, por
exemplo, no seu nome: essa palavra (que certamente não foi escolhida por você, mas
sim por outras pessoas, provavelmente seus pais) determinou uma série de situações em
sua vida. Pense nas coisas que os seus pais disseram sobre você antes do seu
nascimento. Ao contrário do que muita gente pensa, essas coisas não são irrelevantes.
Os sonhos, desejos e medos que seus pais tiveram a seu respeito de algum modo
condicionaram a sua existência. E isso não sou nem Lacan quem diz. É a própria clínica
psicanalítica que o evidencia! É como se nascêssemos como pessoas antes mesmo de
nascermos efetivamente. Pense também em que medida a forma como você se descreve
está carregada de coisas que as pessoas disseram sobre você. Como psicólogo de um
abrigo para crianças e adolescentes percebo como o discurso dos familiares e dos
próprios profissionais da instituição organizam a imagem que as acolhidas tem de si
mesmas.

Pois bem. Pedi para você pensar em todas essas situações porque elas permitem
observar de forma clara que a nossa maneira de ser, de pensar e, sobretudo, de enxergar
a si mesmo é fortemente determinada por… palavras. Isso mesmo. Palavras que foram
enunciadas por pessoas, mas que parecem se organizar de forma independente e agir
sobre nós com um peso de verdade, como se tivessem sido ditas por Deus! Na clínica,
por exemplo, às vezes vemos que o sofrimento de algumas pessoas está profundamente
enraizado em certas palavras ouvidas quando crianças.

Com o conceito de “grande Outro” Lacan pretendeu abarcar em um único movimento


teórico as diversas formas através das quais a palavra nos constitui: da cultura (que é
essencialmente feita de linguagem) ao discurso familiar. Do ponto de vista lacaniano,
nada mais somos do que o efeito da incidência da linguagem sobre nossos corpos.

Talvez você esteja se perguntando neste momento sobre a necessidade de grafar a


palavra Outro com O maiúsculo. Pois bem. Lacan fez isso com o propósito de
diferenciar esse Outro como lugar da palavra que nos determina dos “outros” (com o
minúsculo) que são as pessoas com as quais nos relacionamos, nos identificamos e às
vezes nos confundimos. Para Lacan era necessário fazer essa distinção, dentre outras
razões, porque o Outro como lugar da palavra possui uma autonomia que faz com que
ele não possa ser reduzido ao que os pequenos outros enunciam. Essa independência da
linguagem na determinação do sujeito é certamente uma das grandes marcas da teoria
lacaniana.

[Vídeo] Realização Pessoal


19/02/2014 / 6 Comentários

Você já deve ter ouvido algum palestrante argumentando que o trabalho deve ser capaz
de nos proporcionar “realização pessoal”. Contudo, raramente se faz menção ao
significado dessa expressão, de modo que “sentir-se realizado” se mostra um ideal vago
e abstrato. No vídeo abaixo proponho uma interpretação bastante específica para a
noção de “realização pessoal” baseada nas concepções teóricas de Winnicott,
psicanalista que identificou a necessidade de “sentir-se real” como uma das tendências
mais básicas do indivíduo.
Entenda a regra da abstinência de
Freud (final)
16/02/2014 / 5 Comentários
No post anterior, vimos que do ponto de vista freudiano a neurose é resultado de um
conflito entre o recalcado (pensamentos, lembranças e desejos que jogamos para
debaixo do tapete de nosso psiquismo) e o ego (a imagem que temos de nós mesmos e
que, a princípio, seria maculada pelo recalcado). Vimos também que a neurose tem
início quando sofremos uma frustração amorosa, a qual faz com que a nossa libido volte
a investir os pensamentos que foram recalcados, levando o ego a se sentir ameaçado. A
neurose seria, então, um acordo de “paz” selado entre o ego e o recalcado em que o
primeiro permite que o último se manifeste desde que de forma disfarçada.

Pois bem. Se o recalcado só foi “reativado” porque a libido não pôde ser satisfeita com
objetos da realidade externa (frustração), isso significa, portanto, que se um novo objeto
se apresentar para a pessoa e essa passar a amá-lo, grande parte da sua libido tenderá a
investir o novo objeto e abandonará os pensamentos recalcados. O que acontecerá então
com eles? Serão novamente jogados para debaixo do tapete do psiquismo e
permanecerão preparados para se manifestarem novamente caso uma nova frustração
amorosa aconteça. Em outras palavras, o recalcado se comportará como um vírus que
aguarda a ocasião em que o organismo estará debilitado ou com a imunidade baixa para
poder agir.

Qual seria a saída para que o sujeito não ficasse tão vulnerável assim à ação do
recalcado? Freud dirá: fazendo com que os pensamentos recalcados não sejam mais
recalcados! Não entendeu? Eu explico: a única diferença entre os pensamentos que
estão recalcados, ou seja, estão no inconsciente, e os que não estão é que os primeiros
não podem, a princípio, ser objetos da consciência. Nesse sentido, fazer com que os
pensamentos recalcados não sejam mais recalcados significa permitir que eles possam
adentrar os salões da consciência – o que só será possível se o sujeito não se sentir
ameaçado por eles. E como o sujeito poderá lidar com o recalcado sem se sentir
ameaçado? Em primeiro lugar, aprendendo a ter uma imagem de si mesmo (ego) que
não seja tão rígida e idealizada. Em segundo lugar, olhando para o recalcado de frente e
se dando conta de que objetivamente eles não oferecem perigo algum. Esses dois
processos sintetizam o que acontece durante um tratamento psicanalítico.

Neste ponto você pode estar pensando: “Ok. Até aí eu consegui entender. Mas você se
propôs a explicar o princípio da abstinência defendido por Freud e até agora não falou
muita coisa sobre isso.”. Não ouso discordar de você, caro leitor. De fato, era preciso
estabelecer algumas bases antes de chegarmos ao ponto central desta explicação.

Disse no parágrafo anterior que a única forma de impedir que o recalcado se mantenha à
espreita, como um vírus, seria fornecendo as condições para que ele pudesse se
manifestar e entrar livremente no território da consciência. Ora, a neurose é justamente
uma das condições que tornam isso possível! Afinal, os sintomas neuróticos nada mais
são do que pensamentos recalcados se manifestando de forma disfarçada. Por outro
lado, como frisamos, a neurose só aparece após uma frustração e pode muito bem
desaparecer em função de uma nova ligação amorosa. Portanto, a condição sine qua non
para que o recalcado possa ser reavaliado pelo indivíduo na análise é a abstinência de
satisfações amorosas. Do contrário, isto é, se o indivíduo dirigisse sua demanda de ser
amado ao analista e esse a aceitasse, a ligação amorosa entre o paciente e o terapeuta
tomaria o lugar da neurose, impedindo a continuidade do tratamento. É por essa razão
que, do ponto de vista freudiano, é preciso recusar a demanda de amor do paciente. É
preciso manter o doente num estado de insatisfação suficientemente bom para que o
recalcado permaneça se manifestando e possa se tornar objeto da consciência.

À guisa de conclusão, poderíamos dizer que a regra da abstinência é a diretriz técnica


que torna possível tanto ao paciente quanto ao analista a descoberta e a análise do
material recalcado. Como Freud costumava assinalar, é muito comum observarmos uma
melhora súbita no quadro apresentado pelo paciente durante os primeiros meses de
tratamento. Isso seria resultado da própria relação entre paciente e terapeuta, pois o
primeiro investiria no segundo a libido que até então estava vinculada aos pensamentos
recalcados. Essa melhora, contudo, não seria duradoura justamente porque o analista
não forneceria ao paciente uma contrapartida a seu investimento libidinal. Assim, a
libido do paciente não teria alternativa a não ser retornar para onde estava até então, a
saber: no recalcado. Essa nova frustração amorosa sofrida pelo paciente produziria uma
nova neurose que, dessa vez, estaria ligada à pessoa do analista.

Nesse sentido, ao manter o tratamento em abstinência, ou seja, recusando-se em atender


a demanda de amor do paciente, o analista permite que a doença que teve origem fora
do consultório possa ser atualizada no interior do setting analítico. Isso permite tanto ao
paciente quanto ao analista trabalharem o recalcado e as formas que o ego tem de se
defender contra ele não como resquícios de acontecimentos passados mas como
fenômenos atuais.

Entenda a regra da abstinência de Freud


(parte 1)
09/02/2014 / 1 comentário
Em 1915, no artigo “Observações sobre o amor transferencial”, Freud escreveu que “o
tratamento [psicanalítico] deve ser levado a cabo na abstinência”. O público leigo
poderia pensar que Freud estava apenas alertando os analistas para que jamais cedessem
à tentação de terem algum envolvimento amoroso e/ou sexual com seus pacientes. O
buraco, contudo, é mais embaixo. Para Freud, não se tratava de uma questão meramente
ética, mas, sobretudo técnica. A abstinência em questão deveria ser mantida
principalmente do lado do paciente.

Neste momento você pode estar se perguntando: “Como assim?”. Para entendermos
porque Freud defendeu que o tratamento psicanalítico deve acontecer num estado de
abstinência, é preciso levar em conta a forma como Freud entendia o surgimento de uma
neurose, ou seja, do tipo de adoecimento psíquico que mais aparecia em sua clínica.

Para Freud, uma neurose, seja ela uma obsessão, uma histeria ou uma fobia, é sempre o
resultado de um grave conflito psíquico. Conflito entre aquilo que o sujeito acredita que
é (o que Freud chamou de ego) e determinados pensamentos, lembranças e fantasias que
num primeiro momento lhe proporcionam muito prazer, mas que ele acaba mandando
para o inconsciente porque não estão de acordo com a imagem que tem de si mesmo.
Um exemplo bobo: uma moça criada em um contexto religioso muito severo acredita
que não deve jamais fazer sexo oral com seu marido, pois isso a desqualificaria como
mulher. Quando adolescente, no entanto, essa moça já teve fantasias de que fazia sexo
oral em um professor. Como tais pensamentos eram incompatíveis com seu ego, a
moça, embora sentisse muito prazer, recalcou-os no inconsciente.

Pois bem, a neurose, de acordo com Freud, poderá emergir justamente quando esses
pensamentos que foram recalcados tiverem oportunidade de ser “reativados”. Se isso
acontecer, o sujeito precisará se defender a fim de impedir que eles novamente se
manifestem. Do contrário, terá de ver manchada a bela imagem que tem de si mesmo.
Estabelece-se, então, uma guerra entre o ego e os pensamentos recalcados. Quem
costuma vencer? Freud dirá: ambos! Ego e recalcado fazem uma espécie de “acordo”. O
ego permite que o recalcado se manifeste desde que seja de forma disfarçada. A neurose
é precisamente um desses disfarces! Na histeria, o recalcado se disfarça como sintomas
corporais: dores, parestesias, formigamentos, vômitos etc. Na neurose obsessiva, o
disfarce é constituído de pensamentos irrelevantes que não saem da cabeça do sujeito. E
na fobia, o medo de um objeto, animal ou situação é a máscara adotada pelo recalcado.

E o que a abstinência tem a ver com tudo isso é o que você deve estar se perguntando.
Ora, a questão que ficou em aberto acima é a seguinte: como é que os pensamentos,
fantasias e lembranças recalcados entram novamente em ação? Freud responde: quando
a libido, a energia sexual, retorna para eles. E como a libido retorna para eles? Quando
ela não tem mais para onde ir. Não entendeu, né? Eu explico: quando estamos nos
relacionando com alguém e nos sentimos satisfeitos com esse relacionamento, grande
parte da nossa libido está investida na pessoa com quem estamos nos relacionando.
Portanto, o recalcado não tem combustível para “subir” até as portas da consciência.
Contudo, se por alguma razão, o relacionamento atual for rompido (seja pela morte da
pessoa amada ou por uma separação mesmo) aquela libido que estava investindo o
objeto de amor, acaba ficando livre, leve e solta. Como forma de compensar a
frustração sofrida, ela vai reinvestir aqueles pensamentos que um dia nos provocaram
satisfação. Que pensamentos são esses? Sim, os recalcados, que agora terão munição de
sobra para entrarem em combate com ego novamente.

Em outras palavras, a neurose como “acordo” entre o recalcado e o ego só foi possível
porque a realidade deixou o indivíduo num estado de… abstinência!

[Vídeo] Ética, medo e confiança


09/02/2014 / Deixe um comentário

Como nos tornamos seres morais? Essa questão que tradicionalmente foi objeto da
filosofia, também foi abordada pela psicanálise. Para Freud, a moralidade seria
necessariamente proveniente de fora do indivíduo já que “naturalmente” seríamos
dotados apenas de pulsões. Do ponto de vista freudiano, os responsáveis por nos
transmitir as regras e princípios morais seriam os pais ou cuidadores e o principal fator
que faria com que introjetássemos a moralidade seria o medo de perder o amor dos pais.
No vídeo abaixo faço uma crítica a esse raciocínio demonstrando que ele só tem
validade para os casos de crianças emocionalmente doentes.

[Vídeo] Anorexia
31/01/2014 / Deixe um comentário

É muito comum ouvirmos leigos e até mesmo psicólogos e psiquiatras dizerem que a
anorexia nervosa é uma patologia cuja origem está ligada diretamente aos padrões de
beleza do mundo contemporâneo. Defende-se a ideia de que esses referenciais estéticos
oprimem de tal forma os indivíduos, sobretudo mulheres, que acabam levando alguns
deles a recusarem a ingestão de alimentos a fim de alcançarem o corpo supostamente
valorizado socialmente. No vídeo abaixo, apresento um ponto de vista completamente
distinto fundamentado na tese proposta pelo psicanalista Jacques Lacan de que na
anorexia come-se o nada.

[Vídeo] Recalque
29/01/2014 / Deixe um comentário

Atualmente, a palavra “recalque” e suas correlatas “recalcado” e “recalcada” têm se


feito presentes com muita frequência no linguajar popular, especialmente entre os mais
jovens. Ao contrário do que se poderia pensar num primeiro momento, isso não
significa que a juventude brasileira esteja lendo mais sobre psicanálise. Por reviravoltas
que a só a linguagem é capaz de provocar, a palavra “recalque” é utilizada não em sua
acepção original psicanalítica, mas como sinônimo de inveja ou ressentimento. Levando
isso em conta, decidi falar no vídeo abaixo sobre o sentido preciso que o conceito de
recalque possui na teoria psicanalítica.

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