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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS

INTRODUÇÃO À OBRA DE S. FERENCZI

FICHAMENTO I - AULA 6

Jéssica Houri Cossenzo


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Ferenczi. A criança mal acolhida e sua pulsão de morte (1929). Vol 4.

Nesse texto, Ferenczi vai falar das crianças não desejadas, os “hóspedes não
bem-vindos na família'', como ele diz, e quais as consequências disso na sua psique, como a
criança percebe que não foi desejada e a consequência disso.

Ferenczi vai apontar, no texto, que “os menores acontecimentos, no decorrer da vida
posterior, eram bastantes para suscitar nelas a vontade de morrer” (p. 49). Ele percebeu, ao
lidar com pacientes adultos que já foram crianças não bem-vindas, que o método analítico
ortodoxo causava neles uma angústia que não conseguiam suportar, como se houvesse um
retorno àquela situação primária.

Para Freud, os traumas iniciais da vida, os movimentos ligados à pulsão de morte,


tendem a se repetir, encontrar um estado anterior. Ferenczi, então, criou uma técnica (não tão
clara) para tornar possível a análise desses pacientes, fazendo um movimento que me parece
contrário a esse retorno ao estado anterior.

Se a postura analítica é insuportável para esse paciente, Ferenczi começou a testar a


“elasticidade da técnica analítica”, reduzindo, a princípio, as exigências em relação a esse
paciente, e permitindo a ele “agir como criança, desfrutar pela primeira vez a
irresponsabilidade da infância, o que equivale a introduzir impulsos positivos de vida e razões
para continuar existindo” (p. 51). O analista precisa, então, sair de sua postura de analista e
acolher primeiro. Somente após essa etapa ser “superada” é que pode haver análise com esse
paciente e pensar em abordar alguma exigência de frustração.

Achei esse texto muito importante do ponto de vista prático. Na nossa cabeça não é
difícil pensar que, dependendo do paciente, a psicanálise pode não ser ideal em um primeiro
momento, mas eu nunca tinha parado para pensar nos inúmeros porquês disso. E faz todo
sentido, agora, pensar que, para uma pessoa que carrega em si um sentimento muito forte de
rejeição que vem da infância, a análise vai ser um lugar de angústia muito maior do que já
seria normalmente. Uma postura analítica só vai ajudar a confirmar nessa pessoa o
sentimento de rejeição, levando-a a reviver aqueles traumas iniciais de uma maneira brutal.

Apesar de ver a importância dessa elasticidade da técnica, me pergunto quantos


analistas estão dispostos a “abrir mão” de sua técnica e fazer esse trabalho, digamos,
terapêutico. Se a análise é, em sua essência, angustiante, ainda que hoje não seja feita de
maneira tão ortodoxa quanto quando só havia Freud, me parece que a saída mais óbvia seja
indicar uma outra abordagem a esse paciente que não a suportaria. Quase como se esticar um
pouco a borda da postura analítica fosse significar abandonar toda a Psicanálise, que é como
um pai, o que pode tocar em um ponto insuportável para o próprio analista. Enfim, não sei se
isso faz algum sentido ou se as leituras do Ferenczi estão me fazendo viajar demais na
reflexão.

Eu gosto desse texto porque me passa a sensação de aumento das possibilidades da


Psicanálise. Esse saber que foi criado de uma forma bastante elitizada, que perdura até hoje,
parece carregar muitos poréns o tempo todo. Há sempre um resto de “a psicanálise não é para
todos” que incomoda, como se esta não quisesse se haver com certos pacientes, e por isso não
aceitasse mudanças.

Uma das questões da Psicanálise sempre foram as críticas, e não à toa Ferenczi foi
jogado no ostracismo sem piedade, pois lhe sobravam críticas e vontade de dizê-las, algo que
ninguém tinha coragem à época.

Acho que pode vir daí minha reflexão, pois esse caráter intocável da Psicanálise
parece atuar, com o perdão de trazer Lacan pra cá, quase como um Nome-do-pai para os
analistas. Freud ser “pai da Psicanálise” carrega algo além do significado simples de ter dado
vida à teoria. Assim como sua palavra é lei para muitos, para outros, durante mais de um
século, sempre existiu essa vontade de conseguir subverter à sua vontade, o que talvez
explique o porquê de Freud inspirar críticos tão ferrenhos até hoje.

Voltando ao texto, é também interessante a leitura que ele traz da pulsão de morte na
criança. Para ele, as consequências de não ser desejada tem um efeito tão brutal na criança,
pois esta nasce imersa em pulsão de morte, e apenas ao longo do tempo é que a força vital vai
se reforçando e tornando o indivíduo capaz de resistir às dificuldades da vida. Logo, o bebê
se encontra muito próximo do “não-ser”, sendo muito mais fácil para a criança ser destruída
pela sensação de abandono do que para o adulto. “Deslizar de novo para esse não-ser poderia,
portanto, nas crianças, acontecer de um modo muito mais fácil” (p. 50).

Para Ferenczi, se bem sucedido esse movimento de acolhimento e análise da pessoa


mortificada pela rejeição, me parece que seria feito um movimento de deslizar de volta do
não-ser, quando ele diz que isso possibilitaria a capacidade de “desfrutar da felicidade onde
ela realmente for ofertada”, visto que as crianças mal acolhidas, mesmo diante de
oportunidades positivas, não conseguem se alegrar ou aproveitar o que a vida traz de bom.

É intrigante pensar dessa maneira, que se alegrar, que aproveitar algo bom possa ser
uma habilidade, e não algo inerente, principalmente pelo fato de muitas das reflexões de
Ferenczi terem como base a ideia de inatismo. Seria mais fácil entender isso como algo inato,
mas ele contrapõe esse desfrutar de coisas boas com a capacidade de lidar com as frustrações,
logo aproveitar as coisas boas também é algo deve ser aprendido.

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FERENCZI, S. A criança mal acolhida e sua pulsão de morte. In: Obras Completas – Sándor
Ferenczi, Psicanálise IV.São Paulo: Martins Fontes, 1992.

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