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XXXIII

o sonho do bebê sábio

Não é raro ouvir pacientes contarem sonhos em que recém-


-nascidos, bebês de cueiros ou crianças muito pequenas, são capa-
zes de falar ou escrever com perfeita desenvoltura, brindar seu
meio com falas profundas ou sustentar conversas de erudito, pro-
ferir discursos, dar explicações científicas e assim por diante. O
conteúdo desses sonhos parece-me dissimular algo muito típico.
Uma primeira interpretação superficial do sonho faz ressaltar, com
frequência, .uma concepção irônica da psicanálise, que, como se
sabe, confere muito mais valor e efeito psíquico às vivências da pri-
meira infância do que geralmente se faz. Essa exageração irônica
da inteligência das crianças pequenas exprimiria, portanto, a dúvi-
da sobre as comunicações psicanalíticas a esse respeito. Mas como
fenômenos semelhantes são muito frequentes nos contos, nos mi-
tos e na tradição religiosa, e os encontramos, por outro lado, repre-
sentados concretamente na pintura (ver o debate entre a Virgem
Maria e os Doutores da Lei), creio que a ironia serve neste caso
unicamente de intermediária para lembranças mais profundas e
mais graves da própria infância do sujeito. O desejo de vir a ser um
sábio e de suplantar os "grandes" em sabedoria e em conhecimen-
tos seria apenas, portanto, uma inversão da situação em que a
criança se encontra. Uma parte dos sonhos que apresentam esse
conteúdo manifesto e que pude estudar são ilustrados pela célebre
tirada do libertino: "Ah, se eu tivesse sabido fazer melhor uso da
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situação de bebê!" Enfim, não esqueçamos que um bom número


de conhecimentos ainda são, efetivamente, familiares à criança,
conhecimentos que mais tarde serão enterrados pelas forças do re-
calcamento-. XXXN

Compulsão de lavagem, e masturbação

Tenho em tratamento uma paciente muito inteligente que so-


.' fre de um misto de histeria e de neurose obsessiva. Sua obsessão
mais intensa é a de que vai enlouquecer; apresenta também uma
compulsão de lavagem. Foi durante muito tempo uma onanista in-
veterada, mesmo depois do seu casamento. Tinha sempre escrúpu-
los de consciência ao masturbar-se porque (quando menina) sua
mãe a ameaçara, afirmando que ela iria acabar idiota (por causa da
masturbação). O início de sua neurose atual coincide com o aban-
dono do onanismo. Algumas análises de sonhos convenceram-me
de que a obsessão de perder a razão ocupa o lugar de todo um con-
junto de fantasias perversas. Enlouquecer = cometer atos loucos,
insensatos, idiotas e, por certo, de natureza sexual'. Essa paciente
apresenta uma multidão de fantasias de prostituição; as fantasias
sexuais inconscientes referem-se a seus pais, que ela substitui fre-
quentemente por seus filhos. Ela adora seu filho e chama-o de "pai-
zinho" (expressão corrente em húngaro); quanto à filha, a quem
trata com severidade, chama-a de "mãezinha" em seus acessos de
ternura. Mas o fato mais notável no caso desta paciente é que ela
variou suas lavagens até conseguir que elas lhe proporcionassem
de novo a satisfação genital. Acabou por masturbar-se com a cânula
1. Não penso ter esgotado a interpretação desse tipo de sonhos nesta comuni- para lavagens internas e por esfregar a vulva com uma escova dura. Sua
cação, cujo intuito foi somente chamar a atenção dos psicanalistas para o assunto.
(Uma observação recente do mesmo gênero ensinou-me que esses sonhos ilustram
1. Num bom número de casos, essa ideia obsessiva e hipocondríaca de enlou-
o saber efetivo das crianças sobre a sexualidade.)
quecer pareceu-me servir de cobertura para desejos sexuais "loucos".

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