Não é raro ouvir pacientes contarem sonhos em que recém-
-nascidos, bebês de cueiros ou crianças muito pequenas, são capa- zes de falar ou escrever com perfeita desenvoltura, brindar seu meio com falas profundas ou sustentar conversas de erudito, pro- ferir discursos, dar explicações científicas e assim por diante. O conteúdo desses sonhos parece-me dissimular algo muito típico. Uma primeira interpretação superficial do sonho faz ressaltar, com frequência, .uma concepção irônica da psicanálise, que, como se sabe, confere muito mais valor e efeito psíquico às vivências da pri- meira infância do que geralmente se faz. Essa exageração irônica da inteligência das crianças pequenas exprimiria, portanto, a dúvi- da sobre as comunicações psicanalíticas a esse respeito. Mas como fenômenos semelhantes são muito frequentes nos contos, nos mi- tos e na tradição religiosa, e os encontramos, por outro lado, repre- sentados concretamente na pintura (ver o debate entre a Virgem Maria e os Doutores da Lei), creio que a ironia serve neste caso unicamente de intermediária para lembranças mais profundas e mais graves da própria infância do sujeito. O desejo de vir a ser um sábio e de suplantar os "grandes" em sabedoria e em conhecimen- tos seria apenas, portanto, uma inversão da situação em que a criança se encontra. Uma parte dos sonhos que apresentam esse conteúdo manifesto e que pude estudar são ilustrados pela célebre tirada do libertino: "Ah, se eu tivesse sabido fazer melhor uso da 224 OBRAS COMPLETAS
situação de bebê!" Enfim, não esqueçamos que um bom número
de conhecimentos ainda são, efetivamente, familiares à criança, conhecimentos que mais tarde serão enterrados pelas forças do re- calcamento-. XXXN
Compulsão de lavagem, e masturbação
Tenho em tratamento uma paciente muito inteligente que so-
.' fre de um misto de histeria e de neurose obsessiva. Sua obsessão mais intensa é a de que vai enlouquecer; apresenta também uma compulsão de lavagem. Foi durante muito tempo uma onanista in- veterada, mesmo depois do seu casamento. Tinha sempre escrúpu- los de consciência ao masturbar-se porque (quando menina) sua mãe a ameaçara, afirmando que ela iria acabar idiota (por causa da masturbação). O início de sua neurose atual coincide com o aban- dono do onanismo. Algumas análises de sonhos convenceram-me de que a obsessão de perder a razão ocupa o lugar de todo um con- junto de fantasias perversas. Enlouquecer = cometer atos loucos, insensatos, idiotas e, por certo, de natureza sexual'. Essa paciente apresenta uma multidão de fantasias de prostituição; as fantasias sexuais inconscientes referem-se a seus pais, que ela substitui fre- quentemente por seus filhos. Ela adora seu filho e chama-o de "pai- zinho" (expressão corrente em húngaro); quanto à filha, a quem trata com severidade, chama-a de "mãezinha" em seus acessos de ternura. Mas o fato mais notável no caso desta paciente é que ela variou suas lavagens até conseguir que elas lhe proporcionassem de novo a satisfação genital. Acabou por masturbar-se com a cânula 1. Não penso ter esgotado a interpretação desse tipo de sonhos nesta comuni- para lavagens internas e por esfregar a vulva com uma escova dura. Sua cação, cujo intuito foi somente chamar a atenção dos psicanalistas para o assunto. (Uma observação recente do mesmo gênero ensinou-me que esses sonhos ilustram 1. Num bom número de casos, essa ideia obsessiva e hipocondríaca de enlou- o saber efetivo das crianças sobre a sexualidade.) quecer pareceu-me servir de cobertura para desejos sexuais "loucos".