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1ª Edição 2023.
Produzido no Brasil.
OUTRAS OBRAS
Efeito Rebote
Sumário
Nota da Autora
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37
Capítulo 38
Capítulo 39
Capítulo 40
Capítulo 41
Capítulo 42
Capítulo 43
Capítulo 44
Capítulo 45
Capítulo 46
Capítulo 47
Capítulo 48
Capítulo 49
Capítulo 50
Capítulo 51
Capítulo 52
Capítulo 53
Epílogo
Agradecimentos
OVERJOY surgiu, originalmente, em 2014.
Faz tempo, né?
Eu não era a mesma mulher. Na verdade, eu era uma garota, uma
adolescente, uma jovem que adorava séries e filmes policiais, mas sentia
falta de ver uma mulher forte como protagonista de um gênero
predominantemente dominado por heróis masculinos.
Então, Joy Saroyan nasceu. E com ela, um universo de possibilidades.
Uma história complexa. Diversos personagens com personalidades
diferentes. Segredos, intrigas, dramas, mistérios. Tramas complexas demais
para uma garota de 16 anos desenvolver.
Mas a Lau de 2014 tentou. Ela se escreveu, deu voz a esses personagens
do jeito que podia.
Entretanto, lá no passado, eu já sabia que não era a hora da Joy vir para o
mundo.
Em 2020, tentei de novo. Dessa vez, o livro foi para o Wattpad.
Conquistou fãs que me ajudaram a construir um enredo ainda mais forte e
me deram gás para terminar a trilogia. Porém, mesmo concluindo os três
livros, eu ainda não sentia que o livro tinha potencial o suficiente para
chegar a Amazon.
Escrevi diversos outros. Publiquei, me arrisquei, conquistei um público.
E enfim voltei a minha essência, para a primeira história que surgiu na
minha mente. Joy foi ouvida. Ganhou a tão sonhada voz e uma história que
faz jus a sua magnitude.
Esse livro não é simples. Não é uma história para você ler em uma
sentada e esquecer. OVERJOY é repleto de coisas escondidas nas
entrelinhas, momentos de tensão e mistérios que você vai se ver louco para
desvendar.
Lembre-se de que essa história vive na minha mente há anos. Imagine
conviver quase 10 anos com esses personagens. Agora imagine o quanto
eles me contaram, quantos segredos eu tenho guardado... Só cabe em três
livros, certo?
Como já disse acima, não é um livro único, então não espere uma
conclusão para todas as pautas. As respostas virão na hora certa durante o
segundo e terceiro livro.
Gosto de imaginar que você já chegou aqui sabendo que esse é um
DARK ROMANCE, portanto, trata de temas que não são exatamente
éticos, que vão contra coisas que consideramos corretas. Esse livro contém
cenas explícitas de sexo, tortura, assassinato, retrata relações abusivas,
traições e tem menções a estupro (sem cenas gráficas). Se você não se sentir
confortável com algum desses temas, sugiro que não prossiga a leitura. Sua
saúde mental deve sempre vir em primeiro lugar.
Não quero me prolongar mais, porque espero que você esteja tão ansioso
para ler essa história quanto eu estava para jogá-la no mundo.
Joy Saroyan é a personagem mais complexa e cheia de camadas que já
escrevi. Esse livro é o mais desafiador que já escrevi. E essa história batalha
por um espaço no meu coração, de igual para igual, com Outro Verão Com
Você (meu romance de verão dramático, leia se quiser chorar).
Agora, OVERJOY também é de vocês. Sou grata todos os dias por ter a
oportunidade de compartilhar minha primeira ideia com o mundo depois de
tanto tempo. A Lau de 16 anos está realizada.
Espero que se apaixonem por esse universo insano.
“— Alex, você não consegue escolher uma estação? Que saco, quero
ouvir uma música até o final! — reclamei, irritada com sua falta de senso.
Aproveitei para chutar o banco do passageiro, onde ela estava, mas Alex
não se deu ao trabalho de olhar para mim. Só bufou e continuou mudando
a estação do rádio, nunca achando uma que a deixasse satisfeita.
Cruzei os braços, desejando que minha irmã desaparecesse, só para que
eu pudesse tomar o controle da trilha sonora. Era uma preocupação boba,
mas que parecia de grande importância para uma jovem que só tinha como
responsabilidade passar de ano no colégio.
— Será que vocês não conseguem encontrar uma rádio que toque algo
que as duas gostem? Escutem uma música inteira, depois procurem por
outra. — O tom da minha mãe deixava claro o quanto ela estava cansada
das nossas brigas sem fim.
Alex tinha a mania de querer me tirar do sério e me rebaixar a qualquer
custo, apenas por eu ser mais nova. No auge dos meus doze anos, não via
escolha a não ser deixar. Eu não era durona. Bater de frente com ela não
me parecia uma boa ideia, então, minha mãe sempre acabava intervindo na
situação, para tentar me ajudar.
Eu sorri quando Alex parou de trocar as estações e deixou que o mais
novo hit da Britney Spears tocasse no rádio.
Ainda estava sorrindo e cantando quando ouvi o primeiro estrondo. A
princípio, não entendi o que o barulho representava. Mas quando o ritmo
dos estrondos aumentou e a lataria do carro começou a ser atingida, eu
entendi que o barulho vinha de tiros. Eu não tinha noção de que aquilo
podia acontecer na vida real. Achava que era uma coisa de filme. Perceber
que aquilo estava acontecendo com minha família me pareceu uma
loucura.
Olhei para trás e vi, através do vidro traseiro, que um carro preto nos
perseguia. Três homens armados estavam pendurados nas janelas, as
armas enormes apontadas para nós. Abaixei a cabeça para tentar me
proteger, como via no cinema, mas não foi o suficiente para evitar que eu
fosse atingida. Uma das balas destruiu a janela ao meu lado e um pequeno
pedaço de vidro perfurou minha pele.
A dor era insuportável. Queimava. Ardia. Matava a infância feliz que eu
tinha de pouquinho em pouquinho.
— Mãe... dói... — choraminguei, tocando meu braço, ficando ainda mais
assustada quando percebi que o sangue escorria até os meus dedos.
Ela não me respondeu, eu achava que nem sequer tinha me ouvido. Foi
só então que ergui a cabeça e olhei para minha mãe. Seu semblante não
mostrava a mulher carinhosa que me defendia de Alex. Não mostrava a
mãe que me dava beijos de boa noite e me contava histórias para dormir.
Não mostrava a mãe que me dava os melhores abraços do mundo.
Mostrava fúria, misturada com uma certa familiaridade, como se aquela
fosse uma cena que acontecesse constantemente na sua vida.
Mamãe acelerava pela estrada vazia com uma maestria impressionante,
como se já tivesse feito aquilo incontáveis vezes. A adrenalina não permitiu
que eu fizesse nenhuma pergunta, pelo menos não naquele momento, mas
as dúvidas sobre o porquê de aquilo estar acontecendo tomavam minha
mente.
Minha mãe era só uma advogada. Nós morávamos no subúrbio.
Tínhamos uma vida normal. Por que alguém iria nos perseguir? Por que
alguém atiraria contra nós?
O lugar onde estávamos era pacato demais. A pequena estrada que
ligava Pennetown, a cidade onde morávamos, a Sinclair, a cidade onde
estudávamos, ficava no meio de plantações de trigo. Não havia nada, nem
ninguém.
E não havia saída, a não ser acelerar.
Minha mãe tentava desviar dos tiros jogando o carro para a pista
oposta, correndo o risco de sofrermos uma colisão perigosa, só para
amenizar o impacto dos disparos. Não adiantou muito, os tiros não
paravam de nos atingir. A lataria do carro parecia resistir bem, mas uma
hora ou outra o veículo que nos perseguia poderia nos alcançar.
Faziam apenas alguns minutos que os tiros haviam começado, porém,
pareciam horas. Eu estava suando, meu braço não parava de sangrar,
minha mente não conseguia compreender o que estava acontecendo.
Apesar do meu desespero, mamãe parecia focada em resolver a situação.
— Alex, preciso que você dirija! — minha mãe ordenou com rapidez,
alternando seu olhar entre os espelhos, a estrada e Alex.
Minha irmã arregalou os olhos, em completo pânico. Ela tinha quinze
anos, ainda não tinha carteira de motorista, muito menos sabia dirigir.
— Mãe, o papai me levou para dirigir duas vezes. Eu não...
— Não importa, Alex! Troque de lugar comigo agora! — A voz
desesperada da mulher que sempre víamos como exemplo de plenitude fez
Alex agir.
Minha mãe diminuiu a velocidade para que Alex pudesse assumir seu
lugar. A troca foi feita com cuidado, minha mãe não soltou o volante, para
não nos desestabilizar totalmente.
— Pise no acelerador com força e deixe a direção parada! — mamãe
ordenou e tirou um molho de chaves de dentro da bolsa, que estava apoiada
no chão do carro.
Tudo aconteceu muito rápido. Ela foi habilidosa em abrir um
compartimento secreto, que ficava embaixo do banco do passageiro, e
puxar um colete, provavelmente a prova de balas, de lá. Enquanto o vestia,
entregou uma chave para mim e apontou para o meu banco.
— Abra e pegue a maior arma que encontrar.
Engoli em seco quando a ouvi, confusa com a imagem daquela mulher,
que não era nada como a mãe que eu conhecia. Não demorei para reagir,
entretanto, porque sabia que estávamos em uma situação complicada.
Graças a minha baixa estatura e magreza, consegui me abaixar no vão
entre os bancos da frente e o de trás, e abri o pequeno cadeado que eu
sequer havia reparado que existia. Embaixo do banco onde eu me sentava
todos os dias, estava um arsenal de armas e apetrechos que eu só via em
filmes policiais.
Aquela foi a primeira vez que eu vi uma arma de perto. A primeira vez
em que segurei uma em minhas mãos. E não tive um sentimento bom. Não
foi amor à primeira vista. Foi pavor.
A arma era pesada, mas consegui entregá-la para minha mãe. No tempo
em que fiquei entretida com seu arsenal secreto, ela havia aberto o teto
solar que nunca usávamos. Mamãe destravou a arma, ficou em pé dentro
do carro, posicionando seu tronco para fora, através do teto solar.
Alex não podia olhar para mim, estava focada demais em manter o carro
andando em linha reta, para poder me consolar. Mesmo com todo seu
esforço, o pneu cantava, o barulho do contato com o asfalto beirava o
insuportável.
Tudo o que eu queria era um consolo, uma companhia, alguém para me
explicar o que diabos estava acontecendo. Contudo, aquela não era uma
possibilidade, porque Alex tampouco sabia o significado de tudo aquilo.
Tive que engolir o choro, a dor, o desespero. Tive que assistir minha mãe
amorosa matar quem nos perseguia. Tive que vê-la agir como uma
assassina.
Antes de ela começar a atirar, achei que eu iria ficar ainda mais
assustada. Mas o que eu senti ali, olhando a mulher que eu mais amava no
mundo, atirar, foi admiração. Ela parecia tão bela, tão poderosa, tão forte.
Parecia estar no controle.
Eu não olhei para trás para ver os corpos dos homens que ela havia
matado, mas, rapidamente, soube que ela tinha resolvido a situação.
Mamãe fechou o teto solar, travou sua arma e ordenou que Alex freasse.
— Vá para o banco de trás e dê uma olhada no braço da sua irmã. — Me
surpreendi com seu pedido, não achei que ela tivesse me escutado em meio
à confusão.
Alex obedeceu e se sentou ao meu lado. Entreguei meu braço para que
ela visse a situação, mas nós não fazíamos ideia do que fazer. Trocamos um
olhar preocupado, ambas chocadas com o que tinha acabado de acontecer.
Nada daquilo fazia sentido para nós.
Minha mãe percebeu que estávamos quietas demais, então colocou a
arma apoiada no banco do passageiro, tirou seu colete e rasgou um pedaço
de sua camisa, entregando-o para Alex.
— Enrole no braço dela, para estancar o sangramento — aconselhou,
sinalizando com a cabeça para que a filha mais velha a obedecesse. Alex
ficou parada, eu também. Apenas a olhávamos, buscando respostas para as
mil perguntas que pairavam em nossas mentes. Mamãe suspirou e nos fitou
com seus olhos escuros e carinhosos. Foi a última vez que ela nos lançou
um olhar amoroso. A última vez que realmente agiu como uma mãe. — Vou
explicar tudo, mas primeiro, preciso que me prometam que isso vai ficar
entre nós. Ninguém pode saber do que vou revelar para vocês.
— Nem o papai? — perguntei, buscando saber se ele também estava
envolvido naquela loucura.
Minha mãe se apressou em negar com a cabeça.
— Especialmente o seu pai. Esse assunto ficará sempre entre nós três.
Entenderam? Preciso saber se posso contar com vocês.
Não havia uma forma de dizer não. Seu tom era impositor, a voz já
estava começando a mudar, a postura foi ficando mais dura, mais firme.
Nós concordamos, ouvimos sua história e tudo, absolutamente tudo,
mudou.”
Minha mente ligada faz meus olhos se abrirem quando um barulho ecoa
pelo corredor. Imediatamente me sento na cama, ficando tonta com o
movimento brusco. Estou com fome, em abstinência de nicotina e com a
cabeça perturbada graças às lembranças tatuadas em minha memória.
Quando recupero a totalidade da minha consciência, olho para o policial
branquelo do turno atual. Ele me encara com desprezo, deve ter escutado de
seus colegas que matei um pobre homem a sangue frio.
— Você tem uma visita — anuncia e eu me levanto, revirando os olhos
quando tenho que colocar meus braços para fora da cela. Ele me algema e
ordena que eu volte a me sentar na cama, enquanto espero pela tal visita.
Um homem engravatado aparece. O cabelo loiro está penteado para o
lado, a pele não tem uma mancha ou ruga sequer. Chuto que não deve ter
mais do que trinta anos. Não preciso olhar para a maleta de segunda mão
que carrega para ter certeza de que é um advogado que trabalha para o
governo.
Ele entra na cela com certo receio, parando na parede oposta à cama,
fitando o policial para se certificar de que ele não vai sair da porta da cela.
Pelo jeito, está com medo de mim.
— Ahn... — Arranha a garganta, um tanto atrapalhado. Não resisto e faço
uma careta de desprezo antes que ele sequer comece a falar. — Sou Michael
Larry. Vou representar seu caso.
O coitadinho nem consegue disfarçar o quanto está nervoso com a
situação. Ao julgar o modo como agarra a maleta, o jeito com que libera
suor e respira de forma pausada, imagino que nunca tenha defendido um
preso antes.
— É um prazer, Mike — brinco de forma sarcástica e apoio as costas na
parede, mantendo as pernas estendidas e cruzando meus pés, me mostrando
o mais fechada possível.
Um advogado recém-formado não vai conseguir me tirar daqui. É
provável que nem um advogado pomposo consiga. Não estou carregando
uma acusação, fui pega em flagrante cometendo um assassinato. As coisas
não serão fáceis para mim.
— Por favor, me chame de Sr. Larry — pede e eu dou risada. Essa é uma
tentativa de parecer sério?
— Sem problemas, Mike. — Não o obedeço por motivos óbvios.
Ainda faço questão de abrir meu melhor sorriso irônico, deixando
Michael mais e mais desconfortável. Para o seu bem, é melhor que suma do
meu caminho.
O advogado não desiste, entretanto. Apoia a pasta no chão e puxa um
caderno e uma caneta de dentro.
— Preciso que me conte os detalhes do que aconteceu. Também necessito
dos seus dados, essa delegacia é antiga e não tem um sistema tão moderno.
Enquanto não puxam seu histórico, você pode me adiantar algumas coisas,
assim já agilizamos o processo.
Então eles ainda não descobriram quem eu sou. Interessante. Preciso
usar essa vantagem.
— Saí com o Tan, achei que ele fosse um cara legal, mas não era. Ele
tentou me agarrar em um beco escuro, me apavorei e o matei. Se a polícia
tivesse sido mais rápida, eu não precisaria fazer isso. Uma moça indefesa
como eu, em um lugar desses... não havia outro jeito. Você sabe como são
os dias de hoje — conto a história com um esboço de sorriso no rosto. Não
adianta negar o assassinato, os policiais assistiram essa parte da cena. O
melhor que posso fazer é tentar levar a situação com humor e afastar
Michael Larry da busca pela minha identidade.
Ele fica sem reação quando me escuta. Sua boca se abre levemente, deve
estar se lamentando por ter caído justamente com o meu caso.
— Olha, se você agiu mesmo por legítima defesa, consigo construir um
caso.
Suas palavras me dão a esperança que eu precisava. Se bancar a mocinha
inocente pode me ajudar a sair daqui, é a isso que vou me agarrar.
— Ah, Sr. Larry. Ele me encurralou e ia me estuprar. O que mais eu
poderia fazer? — Faço a melhor expressão sofrida que consigo. Até encho
meus olhos de lágrimas, para dar mais veracidade à atuação.
Mike se comove, dá para ver que criou uma certa compaixão pela minha
situação.
— Prometo que vou tentar construir um bom caso para te tirar daqui, ok?
— Ele esboça um meio sorriso, saindo da cela com uma expressão
completamente diferente da expressão que exibia quando entrou.
Até o próprio policial que tem me vigiado parece comovido. Permaneço
sentada mesmo depois que o advogado sai, com a cabeça abaixada, como se
estivesse mesmo sofrendo pelo que passei.
O que esses idiotas não conseguem ver é que um sorriso enorme toma
conta do meu rosto.
Se Mike conseguir cumprir sua promessa, não precisarei voltar para
aquele maldito lugar. Me parece a saída perfeita.
Mais uma vez, eu sonho.
Nesta noite, as imagens são mais nebulosas. Estou na agência, andando
pelos largos corredores, buscando por uma coisa que nunca encontro. Saio
de um andar, pego o elevador e vou para o outro, mas sempre parece que
estou vendo o mesmo lugar. Os corredores são iguais. Eu sigo sem
encontrar o que procuro. Nem mesmo sei o que procuro.
Sinto que estou em uma busca constante, infinita, presa no lugar que me
ensinou tudo o que sei, mas que quebrou tudo o que eu era.
De repente, a vontade de escapar é maior do que a de buscar por
respostas. Eu corro pelos corredores, entro no elevador novamente e aperto
o botão do térreo. O problema é que quando chego ao andar, não vejo uma
saída, não vejo a luz do dia. Só vejo mais um corredor, igual a todos os
outros.
Corro, corro e corro, mas não há fim. Estou presa.
Ajoelho no chão quando sinto que não tenho mais fôlego para continuar a
correr. Meus pulmões queimam. A frustração que sinto é tamanha, que
grito. Sei que estou sonhando, tenho consciência de que tudo acontece
apenas dentro da minha mente, mas ainda assim, não consigo escapar, não
consigo fazer com que essa angústia acabe.
Quero acordar, meus olhos não abrem.
Quero gritar, nenhum som sai.
Quero escapar, não há saída.
Nunca houve, Joy. A agência é o seu destino. Você sabe disso.
A voz que ecoa em minha mente, dessa vez, não é minha. É dela.
Acordo sobressaltada e escuto um zumbido no ouvido que me faz colocar
a mão na cabeça. Tateio a cama dura para me certificar de que estou mesmo
acordada. Reconheço a cela que se tornou meu lar, o que não me alivia em
nada. Estou tão presa aqui, quanto estava no sonho.
Em uma rápida olhada para o chão, vejo que há uma bandeja com um
pão, aparentando estar velho, e um copo de água. Devo ter perdido o
horário do café da manhã, nem sequer percebi quando entregaram a comida
para mim.
Ontem foi um dia estressante e consegui dormir a noite inteira, coisa que
raramente faço. Porém, mesmo com as horas de sono, ainda me sinto
cansada. A verdade é que eu nunca consigo relaxar por completo. Posso
estar dormindo, mas minha mente nunca está vazia. Sempre estou
sonhando, arquitetando algum plano ou atenta com o que acontece à minha
volta. Preciso estar sempre em alerta para não acabar morta.
Faço um esforço e me obrigo a levantar da cama para me alimentar. Pego
a bandeja, cheiro o pão e, ao constatar que ele não parece estragado, decido
comê-lo. Meu estômago começa a roncar assim que dou a primeira
mordida. Não me lembro quando foi a última vez que comi. Às vezes me
afundo nas missões e esqueço de fazer o básico. Comer, ir ao banheiro,
tomar banho.
Mas de fumar, eu nunca esqueço.
Será que se eu pedisse com carinho, algum policial arranjaria um cigarro
para mim? Já que eles se comoveram com meu caso, podem também se
comover com minha abstinência. De repente, em meu papel de mocinha
inocente, consigo até um passeio para o lado de fora para dar algumas
tragadas. Vou esperar um policial aparecer para ver se tenho alguma chance.
Termino de comer em poucos minutos, tomo a água e deixo a bandeja
próxima a cela, para que alguém venha buscar. Não há mais nada para fazer,
a não ser aguardar que Mike apareça com boas notícias.
Levanto, sento, deito, ando pela cela. Estou prestes a arranhar a parede de
ansiedade, quando escuto passos ao longe. Deve ser Mike. Caminho até as
grades, segurando-as para tentar olhar para o lado de fora.
Não consigo esconder minha felicidade quando vejo Michael Larry se
aproximar com um policial a tiracolo. Mordo a língua para não parecer
muito eufórica e levantar suspeitas. É melhor que eu não me mostre tão
desesperada para sair daqui.
Mike troca um olhar com o policial e noto que há uma tensão diferente
no ar. Fico receosa, com medo de que o advogado tenha descoberto alguma
coisa comprometedora.
O ritual de colocar as algemas é feito e eu me sento na cama, esperando
que Michael entre na cela. Ele se coloca à minha frente, no mesmo lugar de
ontem. Reparo que, além da maleta, ele também carrega inúmeras folhas de
papel. Sua expressão não é tão amigável, meu querido advogado está bravo
comigo, o que automaticamente me coloca na defensiva. O que quer que ele
diga, não será bom para mim.
Ele com certeza descobriu alguma coisa.
— Bom dia, Sr. Larry. Você parece mal-humorado — comento, tentando
me manter no papel de boa moça até que eu saiba o que de fato está
acontecendo.
O advogado leva a mão livre ao rosto, passando-a perto da boca. Ele não
sabe como me dizer o que descobriu. É algo ruim. Bom, não dá para nada
ser bom na situação em que estou.
— É o seguinte... — Mike inspira fundo e se aproxima, praticamente
arremessando a papelada em minhas mãos. — Existem treze identidades
que batem com as suas digitais. Treze! Como você conseguiu fazer uma
coisa dessas? Treze identidades! — grita, inconformado com o meu bom
trabalho.
Fiquei solta no mundo durante quatro anos, trabalhando para inúmeras
pessoas diferentes, matando em diversas partes do país. Como manter meu
nome? Impossível. As identidades foram bem utilizadas, mas não vou dizer
isso para Mike. Ele já parece bem perturbado com a novidade que recebeu.
Eu sabia que iria me foder se conseguissem me encontrar no sistema. O
que me resta é levar a situação com sarcasmo. Os momentos de princesinha
acabaram. Me prestar a esse papel não faz mais sentido.
— Adoro esse número — digo, afinal, não é mentira.
Eu nasci dia treze. É um número especial.
Mike fica paralisado, com a boca aberta, quando me escuta. Eu o encaro
com as sobrancelhas erguidas e um esboço de sorriso no rosto, esperando
para ver o que vai fazer.
Ele dá alguns passos para trás, voltando para perto de sua preciosa
parede, balançando a cabeça em negação, como se estivesse indignado
comigo. Vê-lo desconcertado é bem divertido.
— Você tem noção de quantos anos de cadeia uma acusação de falsidade
ideológica vai te dar? — questiona, sem dúvidas achando que não estou sã.
— É menos ou mais do que uma acusação de assassinato? — Minha
pergunta é carregada de ironia e descaso e vem acompanhada de um sorriso
completamente tranquilo.
Diante da minha reação, Mike parece prestes a bater a cabeça na parede.
Ou me bater. Ou sair correndo. Ou gritar comigo para ver se consegue
colocar juízo na minha cabeça. Talvez todas as opções juntas. Ele deve me
achar insana. E não está errado.
— Parece que quanto mais tempo você passa aqui, mais crimes
descobrem que você cometeu — diz, fazendo uma alegação correta pela
primeira vez. Ele não tem ideia do que pode encontrar se souber onde
procurar. — Quem é você? — questiona, perdido em meio a essa história
complicada.
Pobre Mike. Espero, de verdade, que esse não seja seu primeiro caso
criminal. Não quero traumatizar o coitado. Vai que ele desiste da profissão
por minha causa.
Dou um sorrisinho sarcástico ao pensar na melhor resposta que posso dar.
— Alguém com quem você não deveria se meter. — Sou, mais uma vez,
honesta. Não uso um tom frio, nem grosseiro. Tento me manter linear e
deixar os sorrisos sarcásticos de lado para que ele entenda que esse é um
alerta. — Mike, todos os presos têm direito a uma ligação, certo? — indago,
um pouco mais simpática.
A alternativa que me deu esperanças não é mais uma possibilidade. Vou
precisar recorrer às pessoas do meu passado. A uma pessoa, em específico.
— Sim, você tem direito — ele responde com má vontade, claramente
insatisfeito com a interrupção. Não há sentido em discutir minhas
identidades ou o assassinato que cometi.
Não mais.
— Ótimo. Quero fazer minha ligação — anuncio e me levanto, deixando
claro que isso irá acontecer agora.
Cada minuto que passo nesse lugar traz um novo risco. Se eles
descobrirem quem eu sou de fato, terei um problema que vai muito além
dessa delegacia. Tenho inimigos para todo o lado, tanto no meu passado na
agência, quanto na minha vida no crime. Há muito em jogo. Preciso de uma
solução rápida. Não posso perder tempo.
Mike me encara com a boca levemente aberta, ainda não se conformou
com a minha mudança de comportamento, com o fato de eu não aparentar
ter remorso algum do que fiz. A realidade em que estou imersa em nada se
assemelha com a vida que ele deve levar.
— Mike, por favor — peço com a voz um pouco mais carinhosa,
apontando com a cabeça para as grades que me separam da liberdade.
O advogado ainda hesita, fica óbvio que ele não quer fazer o que solicito,
mas, por fim, sai da cela e conversa com o policial que está de guarda,
explicando a ele a situação. Mike não pode negar meus direitos, muito
menos esse policial estúpido, contudo, dá para ver que nenhum dos dois
tem muita vontade de me ajudar. O diálogo demora, me deixando mais
impaciente.
— Eu sei dos meus direitos, viu? Vocês não podem me impedir de fazer
essa ligação.
Os dois me encaram e eu levanto as sobrancelhas para tentar apressá-los.
Não funciona, a conversa ainda demora mais um pouco, fazendo com que
meu coração dispare, tamanha a ansiedade que sinto.
Cada segundo importa.
A cela está entreaberta graças ao diálogo. O espaço é pequeno, mas eu
acho que conseguiria passar, se tivesse tempo. Imagino exatamente a cena:
uma passagem meteórica pela fresta, um soco no rosto de Mike,
nocauteando-o na hora, uma cotovelada no nariz do guarda, seguida de um
furto à sua arma e um tiro em sua perna, para desestabilizá-lo. A delegacia
inteira viria atrás de mim em segundos, mas o treinamento da polícia não
seria páreo para o meu. Eu acho. Considerando que fiquei quatro anos
afastada, sem treinar o suficiente... é, talvez esse plano não seja dos
melhores. O risco de vida é alto. Não ligo de morrer, mas uma morte dessas
seria motivo de piada no inferno.
E é definitivamente para lá que eu vou.
— Senhorita? — Mike pergunta, me tirando do meu devaneio. — O
policial Jenkins vai nos acompanhar na ligação.
Respiro aliviada quando a permissão é concedida. O guarda abre mais a
cela para que eu passe, segurando em meu antebraço com força, para me
conduzir até o telefone. Seu toque aperta minha pele, o olhar de nojo que
me lança durante o caminho me incomoda, traz um desconforto ainda maior
para uma situação que já é uma bosta.
Aproveito o percurso para analisar a planta do lugar onde estou. Fora as
celas vizinhas à minha — todas vazias — há duas salas fechadas e um
banheiro. Não vejo a entrada, mas sei que não é muito longe de onde
estamos. O policial me conduz a um outro corredor, direto para uma sala de
interrogatório. Há apenas uma mesa e duas cadeiras no cômodo, mas ele
não permite que eu sente. O homem praticamente me lança contra a parede,
para que eu me aproxime do telefone. Preciso apoiar as mãos nela para não
me machucar.
Fuzilo o policial, tendo que controlar minha vontade de cortar seu pau
fora. Se ele soubesse quantas vezes eu já fiz isso, não ficaria me afrontando
dessa forma.
— Você tem dois minutos — anuncia, grosseiro.
Quando eu acho que me livrei do filho da puta, ele dá alguns passos para
trás e permanece no cômodo. Vejo que Mike aparece, fica próximo à porta,
os braços na frente do corpo, segurando a maleta enquanto me espera. A
presença dele me traz um certo conforto, entendo que está aqui para se
certificar de que eu usufrua do meu direito como cidadã.
Aceno com a cabeça para ele, agradecendo a ajuda, e me viro para o
telefone. É um aparelho antigo, que nem deve mais ser fabricado. Combina
com essa cidadezinha de merda, com essa delegacia presa no tempo.
Aproximo a mão devagar, pegando o telefone enquanto solto um longo
suspiro.
Teclo os números com rapidez, o som é quase uma melodia, uma música
que vai me livrar do problema em que me meti.
Levo o aparelho à orelha e espero Luke me atender. Penso na nossa
história, em todos os momentos bons que passamos juntos, e rezo para que
ele se apegue a eles, e não ao modo como fui embora. Não sou religiosa,
nunca fui, nem mesmo acredito em nada disso, mas nesse instante, suplico
para qualquer pessoa que queira me ajudar. Luke tem que atender. Luke
precisa me tirar daqui. Luke não pode me odiar a ponto de recusar meu
pedido.
O telefone chama, chama e chama.
Mas ele não atende.
Engulo a vontade de quebrar essa porra de telefone. Coloco-o de volta na
base com certa brutalidade, tentando absorver o que acabou de acontecer.
Luke não atendeu a ligação. Não quis me ajudar. Será que seu número
mudou? Será que não me suporta a ponto de rejeitar uma ligação
desesperada? Pensando bem, como ele vai adivinhar que sou eu? Ninguém
aqui sabe meu nome. A única informação que ele tem é que estão ligando
da cadeia.
Preciso tentar de novo. Essa é minha única chance.
Pego o aparelho novamente, mas o policial surge ao meu lado e segura
meu antebraço, me impedindo de completar o movimento. Encaro o homem
com um desespero latente no olhar, ele sequer se comove.
— Por favor, Jenkins. Deixe-a tentar de novo. Só mais uma vez — Mike
pede, me pegando de surpresa por sua intervenção.
O policial assente devagar, não sem antes apertar meu braço com mais
força, freando o movimento segundos antes de deixar marcas. Minha
vontade é cuspir na cara dele, mas não vou gastar minha energia com
alguém que não vale a pena.
Preciso me focar em Luke.
Disco seu número outra vez. Novamente, imploro para que ele me
atenda. A ligação toca, toca, toca... O pânico me consome. Não sei o que
farei se não conseguir contato com ele. É o único número que nunca
apaguei da mente. É a única pessoa que talvez me salvaria. É o único que
talvez não me odeie tanto.
— Alô? Quem é? — as duas perguntas vêm seguidas, feitas pela voz
suave que tanto me acalentou anos atrás.
A voz que me contou segredos, que sussurrou putarias no meu ouvido,
que disse que me amava incontáveis vezes.
Abaixo a cabeça, sentindo meus olhos se encherem de lágrimas. Meu
coração, o pobre músculo que eu jurava ter parado de funcionar, dói.
Sinto tanto a sua falta, Luke.
Eu não queria ter feito o que fiz.
Mas não havia escolha.
— Sou eu — é o que, na realidade, tenho coragem de dizer.
Não podemos falar muito, não podemos citar nomes, não podemos dar
qualquer indício de quem somos.
Há um silêncio do outro lado da linha. Ouço um breve som de respiração,
se eu bem o conheço, Luke deve estar surtando por ter notícias minhas
depois de tanto tempo.
— Onde você está? — o questionamento sai embargado, é nítido que
Luke está abalado.
Liguei para ele conscientemente, me preparei para o baque de ouvir sua
voz outra vez. Ele sequer imaginou que teria notícias minhas logo hoje.
Luke deve estar trabalhando. Deve estar no meu inferno pessoal, no lugar
onde cresci.
Naquela maldita agência.
— Fui presa em Birghem, na Carolina do Norte. Preciso da sua ajuda. —
Dessa vez, não tenho vergonha de pedir.
Luke vem do meu mundo, sabe que é estritamente necessário que eu saia
daqui antes que descubram quem eu sou, antes que encontrem coisas
estranhas demais sobre mim.
Joy Saroyan é basicamente um fantasma. Ela não pode ser descoberta. Eu
não posso ser descoberta.
— Qual a delegacia? Estou indo para aí. — Luke não hesita, não faz mais
perguntas, entende que o tempo é curto e que cada minuto importa.
Passo as informações necessárias e não nos despedimos. Simplesmente
desligo com a certeza de que ele está vindo me resgatar. Vou reencontrar
Lucas Carter depois de quatro anos sem sequer saber como ele estava. Vou
ficar frente a frente com o meu ex-namorado, meu parceiro, com o meu
primeiro amor.
Por favor, que ele não me odeie. Só preciso que ele não me odeie.
Estou há quase dois dias nesse lugar. Não fui transferida, nenhum
superior veio conversar comigo, Mike não apareceu mais, chuto que até
desistiu do meu caso.
Meu destino está, literalmente, nas mãos do homem que eu amei e
abandonei.
Luke me conheceu em uma fase menos corrompida, mas ainda
tremendamente perturbada. Eu já sobrevivia a torturas, sabia atirar melhor
do que todos e não me esquivava de nenhuma briga. Ele se apaixonou pelo
problema que eu era. Luke sempre foi certinho demais. Talvez seja por isso
que combinávamos. Eu era a errada, ele era o exemplo.
O casal perfeito.
Até eu ir embora e não sermos mais nada.
Será que Luke virá mesmo me resgatar?
Depois de tudo o que eu fiz, será que ainda há alguma parte dele que me
ama? Ou agora teremos uma relação de puro ódio?
Diversas dúvidas pairam em minha mente inquieta. É melhor pensar em
Luke do que nas torturas dilacerantes que sofri na infância, então, de certa
forma, curto esse momento. Ando de um lado para o outro, inquieta.
O relógio da parede fora da cela me mostra quando uma hora se passa.
Duas horas.
Três horas.
Quatro horas.
Onde diabos está Luke?
Se ele desistir de me resgatar, como farei para sair daqui?
Sou praticamente um segredo nacional ambulante. Ele seria estúpido o
suficiente para negar meu pedido?
— Ei, garota — um policial solta, acabando com meu devaneio. — Você
tem uma visita.
Minha única reação é levantar abruptamente. Sorrio para o policial, sem
mostrar meus dentes, me sentindo vitoriosa por estar finalmente saindo
dessa prisão tenebrosa.
— Uma visita não vai te salvar — o homem alerta, seu semblante está
preocupado, ainda tentando compreender por que tenho as atitudes que
tenho.
Ele não sabe de nada.
— Veremos — respondo dando de ombros, já apontando com a cabeça
para fora da cela.
Não quero mais passar um minuto sequer nesse lugar.
Depois de me algemar, o policial me segura pelo braço para que eu saia
da cela e, assim como seu amigo do dia anterior, me aperta com força. Se
ele acha que vai me amedrontar, eu lamento. Um apertinho no braço não
arranca caretas de mim. Ele terá que fazer coisa melhor se quiser me fazer
sofrer.
Vamos até o corredor do dia anterior e sou levada na direção de uma das
salas de interrogatório. Percebo que há um vidro do lado de fora e logo
tenho certeza de que eu e Luke seremos observados, possivelmente até
ouvidos.
Ainda bem que nos conhecemos bem o suficiente para conversar em
códigos.
O policial abre a porta para que eu possa entrar na sala. Estou tão focada
no fato de que irei sair daqui que não paro para pensar em Luke. Só me dou
conta de que o estou vendo depois de ficarmos quatro anos sem nos
encontrarmos, quando ficamos frente a frente. Ele está em pé no canto da
sala, andando de um lado para o outro, exalando impaciência. Quando
percebe que há outras pessoas no mesmo recinto, que estamos respirando o
mesmo ar depois de tanto tempo, ele fica estático.
Eu também paraliso, sem saber lidar com as batidas desenfreadas do meu
coração. Não fazia ideia de que ele ainda podia bater desse jeito, que eu
ainda sabia sentir.
Luke está idêntico. O cabelo castanho está penteado para trás, com
alguns fios rebeldes escapando, dando um ar sexy, de um cara certinho que
sabe ser despojado. A barba, que ele não tinha antes, agora cobre parte do
seu rosto. Ele não está usando seus habituais ternos, fez questão de vir com
uma calça jeans e uma camiseta escura, o mais neutro possível, para que
ninguém desconfie que ele tem um trabalho importante. Os olhos castanhos
estão focados diretamente nos meus. Eu não desvio o contato, não consigo
parar de encará-lo, tenho que fazer um esforço enorme para não sair
correndo e abraçá-lo.
Entretanto, Luke não parece pensar o mesmo. Não trocamos uma palavra
sequer, mas sinto que ele quer se manter distante. É de se esperar, visto tudo
o que fiz. Mesmo assim, sua rejeição dói. Ele é uma das únicas pessoas no
mundo que tem o poder de me ferir.
Para não mergulhar nessa ferida, me apego ao fato de que ele se apressou
para vir até aqui. Sei que não foi somente por minha causa, o fato de eu
saber muito sobre a agência tem um grande peso, mas, mesmo que eu me
iluda, prefiro pensar que, se fosse qualquer outra pessoa, ele não teria vindo
tão rápido.
O policial leva meu braço para trás do meu corpo para me guiar até a
cadeira. O movimento dói, não é nada insuportável, mas também não é
agradável. Fico irritada pela agressividade desnecessária desses filhos da
puta, cheia de vontade de dar um chute no meio de suas pernas. Espero que
Luke tenha alguma reação diante do modo como o homem me joga na
cadeira, mas ele não reage.
Ajeito minha postura, tentando arrumar o cabelo, mesmo com as mãos
algemadas. Enquanto isso, o policial se retira da sala, mas mantém a porta
aberta e permanece logo ali, pronto para escutar a conversa. Troco mais um
olhar com Luke, que entende que teremos que ser cautelosos ao extremo.
Ele puxa a cadeira e se senta à minha frente. Agora, há apenas uma mesa
nos separando. Minha mente maliciosa não deixa de imaginar o quanto
seria gostoso se ele, ao invés de olhar para mim com essa cara feia, me
fodesse em cima dessa mesa. Eu poderia ficar com as pernas abertas para
ele, apenas recebendo suas estocadas fortes, enquanto gememos alto e
curtimos o espaço apertado e proibido. As algemas nem precisariam ser
tiradas. Poderíamos brincar com elas. Consigo pensar em inúmeras
utilidades para esse lindo acessório.
— Oi — ele fala, sua voz me trazendo de volta para a realidade.
É reconfortante ouvir uma pessoa conhecida, depois de tanto tempo
afastada da minha antiga vida.
— Oi.
O silêncio recai sobre nós. Temos muito a dizer, mas não podemos falar
nada, não aqui. Há apenas uma coisa que preciso que ele faça.
— Ouvi dizer que você está sendo chamada de “a garota das treze
identidades”. É uma bela nomeação. Combina com você. — Luke me
surpreende ao começar o assunto.
Ao menos nesse quesito, estamos alinhados. Vamos falar somente sobre a
minha situação.
— Estou adorando a atenção e o tratamento que estão me dando —
ironizo. — Mas preciso sair daqui. — Minha afirmação exala desespero.
Quero mostrar a Luke que estou com uma corda no pescoço, prestes a ser
enforcada.
Uma hora ou outra, esses policiais estúpidos vão descobrir coisas que não
devem. Se eles souberem meu verdadeiro nome e encontrarem arquivos
sigilosos por ordens do governo, vou me tornar valiosa. Não duvido que
queiram me usar para conseguir alguma coisa. O que mais existe, nesse
mundo, é gente podre e corrupta. Me manter nessa prisão no meio do nada é
um risco de segurança nacional.
— Eu sei. — Luke não diz mais nada. Fico olhando para ele com as
sobrancelhas erguidas, esperando que desenvolva o assunto. — Mas não
posso te ajudar.
— Como assim?
— Não tenho autoridade.
Sua resposta me deixa desconfiada. Eu costumava saber quando Luke
estava mentindo, mas agora não sei mais dizer. Passamos muito tempo
distantes, ele parece diferente, não consigo ter certeza se está sendo honesto
ou não. O que concluo é que, definitivamente, sua resposta é estranha.
Mesmo quatro anos atrás, quando eu ainda estava na agência, estávamos em
um nível elevado. Tínhamos autoridade para fazer inúmeras coisas. Se Luke
continuou firme em sua carreira, deve estar em um nível ainda mais alto.
Ele não é um agente qualquer.
— Isso não faz sentido. — Minha resposta não o surpreende.
Conheço a agência e suas particularidades bem mais do que ele.
— Ela é a única com autoridade suficiente para te tirar daqui.
Sua frase me fere mais do que um tiro e olha que já levei vários. Um
arrepio percorre minha espinha e domina minha mente. Pensar nela me
deixa completamente deturpada e Luke tem consciência disso. Ele me
conhece, sabe de todos os problemas que tenho com ela. Não entendo por
que está fazendo isso comigo, logo agora que estou suplicando por ajuda.
— Então por que você veio até aqui? Por que ela não apareceu de uma
vez? — questiono, querendo entender seu plano.
Luke é um estrategista. Ele sempre tem um plano.
— Ela ainda não sabe. Eu preferi vir primeiro e verificar a veracidade
dos fatos.
— Duvidou de mim? Acha que eu te ligaria, depois de quatro anos sem
aparecer, se não fosse uma emergência?
— Não acho mais nada. Agora, trabalho somente com fatos
comprovados.
Sua expressão de desdém me deixa irritada. Entendo que o feri
profundamente e blá-blá-blá. Mas precisa desse showzinho todo? Estou na
prisão, porra!
Ele não percebe que é necessário que eu saia dessa bosta de lugar o mais
rápido possível? Acha que é uma boa ideia ficar jogando comigo?
— Tá, que seja. Você já comprovou sua teoria. Dê um jeito nisso. —
Mostro minhas algemas, afogando qualquer sentimento bom que eu tive a
respeito de Luke.
Ele está sendo um cuzão teimoso.
— O controle dessa situação não é seu.
— É seu? — rebato, irritada.
Luke nem altera sua expressão.
— Não. É dela.
Quando acho que a situação vai melhorar, me fodo ainda mais. Eu
gostaria de dizer que prefiro ficar aqui a voltar para o controle dela, mas
não posso. Sou razoavelmente racional quando preciso. Me manter nessa
merda de gaiola é uma péssima ideia. Alguém vai acabar descobrindo que
estou aqui. E esse alguém não vai me deixar sair desse lugar com vida.
— Então fale com ela! — Bato as duas mãos na mesa com força,
esperando que Luke se assuste com minha fúria, como fazia anos atrás.
Ele costumava me temer e me respeitar. Era o cara que me acalmava, que
controlava as loucuras que eu tentava fazer. Em outros tempos, teria pulado
da cadeira ao me ver olhando para ele dessa forma tão incisiva.
Hoje, entretanto, ele não se move. Apenas esboça um tenebroso sorriso
vencedor.
— É ótimo te ver desesperada.
Suas palavras fazem o fogo dentro de mim triplicar. Luke tem um rosto
lindo, mas eu não me importaria de socá-lo. Chutaria sua cara com a maior
facilidade do mundo.
Infelizmente, estou algemada e tem um policial fiscalizando nossa
conversa. Terei que parecer uma mocinha calma.
— Vai se foder! — falo olhando diretamente em seus olhos, tentando
consumi-lo com minha fúria. Luke não se abala, o que só amplifica minha
irritação. — Não acredito que você veio até aqui só para me dizer que não
pode me ajudar.
Deixo minha indignação clara, caso ele ainda não tenha compreendido.
— Não foi bem assim. Eu vim para te avisar que só ela poderia te ajudar.
— Distorce a situação. O rosto bonzinho que eu conheci quando ainda era
uma jovem em treinamento volta a aparecer por alguns segundos.
Porém, tão rápido quanto veio, sua expressão se vai. Ele volta a parecer
pleno e intocável, como se tivesse virado uma chave.
Cadê o Luke que conheço?
Aquele garoto não falaria assim comigo, não me olharia dessa forma tão
fria. Muito menos se levantaria no meio do nosso diálogo, sinalizando que
essa conversa chegou ao fim.
— Espera, você vai embora assim, do nada? — pergunto, indignada. —
Não vai sequer me dizer o que acontece agora? Quanto tempo vou ter que
esperar?
Ele vai simplesmente me deixar apodrecer nesse lugar?
— Não, não vou te dizer nada — fala com uma tranquilidade
perturbadora. Luke fica em pé à minha frente, com a mesa ainda nos
separando, me olhando de cima. Ele quer se sentir superior, precisa
demonstrar que, nessa situação, está acima de mim. Homens e suas sempre
necessárias afirmações de poder. — E sim, vou simplesmente embora. —
Apoia as duas mãos na mesa, fazendo questão de deixar seu rosto próximo
ao meu. — Exatamente do jeito que você fez.
Respiro fundo quando o escuto. Nosso contato visual dura alguns
segundos. Temos uma troca desafiadora, cheia de mágoa e revolta. Dá para
ver que Luke me odeia. Seu corpo me repele. Seu semblante está fechado
para mim. Seu coração, então, deve me achar um demônio.
Isso me mata por dentro? Sim. Tenho sentimentos por ele e pelo que
vivemos, não sou uma rocha sem por cento do tempo. Porém, jamais vou
abaixar a cabeça para um homem. Jamais vou permitir que ele me veja
fraquejar.
Mantenho o contato com firmeza, poderia ficar o dia inteiro o encarando,
piscando somente quando necessário. Luke pode ter achado que venceu só
por ter me estressado, mas, assim como ele, eu também mudei. Estou muito
mais forte agora. Mais fria. Mais impassível. Mais inconsequente. Mais
surpreendente.
Duvido que ele teria coragem de me enfrentar desse jeito, se
estivéssemos em outro ambiente.
Rosno para ele, ameaçando levantar e avançar para batalharmos de fato,
esperando que ele se assuste.
O maldito não pisca.
Seus movimentos são novos e não consigo manipulá-lo como antes. É
desconcertante dividir o controle dessa situação com outra pessoa. É
perturbador não o conhecer mais. É destruidor saber que ele percebe minha
irritação com sua falta de previsibilidade. É um saco ser ainda mais foda do
que eu era, e não conseguir batê-lo.
— Alguém entrará em contato em breve. Enquanto isso, tente manter sua
boquinha linda fechada, entendeu? — murmura para mim, o rosto mais
próximo do que deveria.
Nossas respirações, por pouco, não se entrelaçam.
Eu não me mexo, não paro de encará-lo até que saia da sala e avise o
policial que a visita terminou. Ele vai embora sem sequer olhar para trás.
Assim que tenho certeza de que Luke não está mais me vendo, forço
meus punhos contra as algemas. Sei que não vou conseguir me soltar, mas
gosto da sensação do metal tentando rasgar minha pele.
A dor me traz lembranças horrorosas. Momentos tenebrosos que eu
gostaria de esquecer, mas não posso. Foram essas dores que me deram
minhas cicatrizes. Foram essas dores que me deixaram forte. Foram essas
dores que me tornaram a mulher que sou hoje. E a causadora de todas essas
dores, foi ela.
No minuto em que minha mãe aparecer nessa prisão, terei que voltar. Ela
não me dará escolha.
Estou presa nessa delegacia, mas estarei tão presa quanto na agência.
Meus dias de liberdade, definitivamente, chegaram ao fim.
Já ouvi uma coisa ou outra sobre a Síndrome de Estocolmo. Você é
violentado, abusado e até torturado (no meu maravilhoso caso), e acaba
criando um laço emocional com seu agressor.
Acredito que seja assim que eu me sinta a respeito da minha mãe. Ao
mesmo tempo que sinto pavor só de pensar que vamos nos ver em breve,
sinto alívio. Ela foi a pessoa que mais me machucou, mas também foi a
pessoa que mais me deu amor, ainda que de uma forma completamente
perturbada. E bem distante, diga-se de passagem.
Nossa relação é a definição de complicada. Eu sou fria com ela, ela é fria
comigo. Nós duas juntas somos, literalmente, gelo. A dinâmica mãe e filha
saudável e calorosa acabou aos meus doze anos, quando fomos atacadas
naquele carro. Desde então, estamos presas dentro de um globo de neve,
daqueles que crianças felizes chacoalham quando veem.
Eu nunca chacoalhei um globo de neve.
Mal consigo dormir durante a noite, consumida pela ansiedade, me
perguntando como vai ser encontrar minha mãe depois de quatro anos sem
vê-la. O resto dos sentimentos bons que tínhamos uma pela outra se
deteriorou um pouco antes da minha fuga por causa das coisas que ela me
disse. Não sei o que será de nós agora e essa dúvida me deixa inquieta.
Odeio não saber o que esperar.
Odeio estar me perguntando se ela acha que eu valho tão a pena a ponto
de mostrar as caras em uma delegacia.
Odeio imaginar o quanto ela vai barganhar para me fazer voltar à
agência.
Odeio saber que vou aceitar qualquer coisa, porque preciso urgentemente
sair desse lugar.
Sei lá a que horas da madrugada, desisto de dormir. Reviro na maldita
cama dura, com uma dificuldade extrema de lidar com a angústia que cresce
em meu peito. Nada me distrai nessa cela. Não há nada que acabe com essa
dor emocional que me consome.
Me sinto fraca. Impotente. Sem controle.
Não há nada que eu odeie mais do que uma mistura dessas três
sensações.
Quando quero aliviar minha cabeça, fumo um cigarro, mas a nicotina não
nasce em concreto, infelizmente, então essa não é uma opção.
Durante meu tempo na agência, eu costumava bater em um saco de
pancadas para relaxar. Ou em alguém.
A ideia me parece tenebrosa. Perigosa. Insana. Do jeitinho que eu gosto.
Me sento na cama, abro um sorriso sarcástico para mim mesma e começo
a pensar em como posso irritar o policial que está vigiando minha cela. Dou
uma olhada discreta para trás e percebo que é Jenkins que está de pé,
próximo à parede oposta a grade. Já nos conhecemos e ele já não gosta de
mim.
Excelente.
Levanto de forma nada discreta, fazendo questão de praticamente pular
para fora da cama. O movimento chama a atenção do policial Jenkins, que
acreditava que eu estava dormindo.
— Oi, querido. Tendo uma boa noite? — pergunto, irônica, pronta para
irritá-lo com minhas palavras.
E também com minhas atitudes.
— Volte a dormir, garota — responde, revirando os olhos diante da forma
como ando pela cela.
Arrastando meus pés pelo concreto, acabando com a paz da madrugada
na delegacia.
— Não estou com sono.
Conforme falo, me aproximo mais das grades. Dou um chute nelas só
para fazer graça. Percebo que o barulho do meu calçado em contato com o
metal das grades faz Jenkins dar um pequeno pulo. É discreto, mas dá para
ver seus ombros se movendo levemente, seus pés perdendo um pouco de
contato com o chão.
Chuto a grade mais uma vez, agora usando o dobro de força. Ele cerra os
punhos, começando a ficar nervoso.
— Não importa. Durma — exige, o tom de voz mais grosseiro, a feição
começando a perder a paciência.
Ele não entende por que estou fazendo isso. Não sabe o quanto minha
cabeça é perturbada, o quanto eu sinto uma necessidade insana de matar, de
sentir dor, de ver alguém me temer.
A dor te torna mais forte, é o que ela sempre dizia para mim.
— Vai me obrigar?
— Se precisar, sim.
— Acha que conseguiria me vencer? — jogo a ideia no ar, esperando que
ele morda a isca.
— Acho que você deveria ficar quieta — rebate com a paciência cada
vez menor.
— Não estou com vontade. E eu sou o tipo de mulher que faz somente o
que quer. — Sorrio para ele, mostrando meus dentes perfeitamente
alinhados e brancos.
Sei que sou bonita, posso até ser sedutora e encantadora quando estou
com vontade, mas Jenkins parece imune às minhas táticas maliciosas. Olho
para sua mão esquerda em busca da confirmação que eu precisava.
Ele é um homem apaixonado. Minha noite só melhora.
— Me diga, Jenkins. Como é defender um estuprador?
O policial franze a testa e transfere o peso de uma perna para a outra.
Desconforto. Ótimo.
— Do que está falando, garota?
— Você e seus amigos estão me tratando mal por causa do que eu fiz
com o Tan. Quero entender por quê. — Faço um biquinho com os lábios.
Jenkins não gosta de mim. Já entendeu que sou cínica. Ele é o melhor
oponente que eu poderia querer.
— Estamos no meio da madrugada.
— Não tenho mais nada para fazer. Nem você. — Vou me aproximando
da grade devagar, até que eu esteja agarrando-as. É o mais próximo que
consigo ficar de Jenkins.
— Justiça com as próprias mãos nunca é a melhor saída — responde,
cruzando os braços, se fechando cada vez mais para essa conversa.
Que chato. Terei que jogar baixo.
— Eu acho uma saída bem inteligente.
— É por isso que você está atrás dessas grades e eu estou aqui fora.
Sua rebatida me faz erguer as sobrancelhas. Levo as duas mãos para fora
das grades da cela e as uno para bater palmas, aplaudindo-o pela primeira
resposta inteligente do dia.
Agora podemos conversar como seres humanos capacitados.
— Ah, mas eu não acho que cometi um erro de julgamento tão grande.
Imagine um homem que estuprou uma criança, assediou inúmeras outras
mulheres, talvez tenha até violentado algumas delas, andando solto por aí
por incompetência da polícia. — Tento fazê-lo enxergar a situação pelos
meus olhos. É uma jogada para deixá-lo irritado, mas não deixa de ser
verdade.
Não me arrependo nem por um segundo de ter matado Tan. Ele mereceu.
Eu faria de novo. Gostaria de ter seguido meu plano original e feito pior,
inclusive. Um cara como ele merecia umas doses de tortura no estilo Joy.
— Não é você quem decide o que acontece com ele. As leis existem por
um motivo. — Jenkins segue firme em sua teoria. Percebo, entretanto, que
está ficando cada vez mais incomodado com minhas palavras.
Ele perde a postura perfeita. Coloca o peso do corpo em uma das pernas.
Segura no passador do cinto do uniforme. Move a língua pela boca.
E eu só continuo.
— Pense comigo, Jenkins. — Olho no fundo dos seus olhos, me
preparando para dar minha melhor cartada. — E se a sua mulher fosse a
pessoa atacada por ele?
Ele prende o ar, chocado por eu ter citado a esposa que sequer conheço.
O ser humano é limitado, esquece que acessórios como uma aliança
entregam coisas demais sobre você.
— Não coloque minha mulher no meio desse assunto. — A compostura
de Jenkins se vai. Ele se aproxima da grade, mas ainda fica longe de mim o
suficiente para que eu não consiga tocá-lo, mesmo com os braços para fora
da cela. — Estou falando sério, volte a dormir. — Aponta o dedo em riste
para mim, achando que vai me intimidar.
Mas sou eu que dito o ritmo dessa conversa.
— Pense no Tan com as garras nojentas nela. Puxando o cabelo dela.
Beijando a boca dela. Fazendo com que ela implore por socorro — falo de
forma pausada, usando meu rosto para fazer expressões teatrais e deixá-lo
ainda mais repugnado.
— Cale a boca — pede, já mais próximo de mim, quase ao meu alcance.
Não posso parar agora.
Agarro as grades e fixo meu olhar diretamente no seu.
— Tocando no corpo dela.
— Garota...
Ele está me pedindo para parar. Dizendo que se eu avançar mais um
pouco, não vai mais hesitar. Seus punhos estão cerrados, sua vontade de
partir para cima de mim não para de crescer.
— Levando as mãos dele para os seios dela... — Minha voz soa forte,
mas carregada de podridão.
A cena que recito é horrenda e eu jamais desejaria que sua esposa de fato
passasse por isso. Porém, confesso que ver Jenkins perdendo a linha me
diverte e muito. Ele vai surtar em três, dois, um...
— Cala a porra da sua boca!
O policial se aproxima como um raio. Quando vejo, suas mãos estão no
meu macacão, me puxando para cima através da grade. Meu peito está
colado no metal, meus pés não encostam mais no chão.
A adrenalina me faz abrir um largo sorriso.
— Vai me bater? — questiono, doida para que ele responda sim. —
Porque se quer tentar, abra essa porra de cela e vamos ter uma briga justa.
Faço questão de lançar meu olhar mais alucinado. A oferta está no ar. Só
espero que esse trouxa aceite. Seu rosto vai ficar lindo quando se tornar
meu saco de pancadas.
Jenkins está com as narinas tremendo, os olhos castanhos transbordando
raiva. Suas mãos fortes não me soltam de forma alguma. Eu o irritei o
suficiente para que ele gaste toda a força muscular do seu braço me
segurando.
— Nunca. — A resposta vem acompanhada de um cuspe.
Esse imbecil acabou de cuspir na minha cara?
— Cuzão de merda! — xingo e levo uma das mãos direto para o seu
pescoço.
Jenkins não vê o movimento chegando e cai na minha. Aperto no lugar
certo, usando a força certa, vendo-o perder o ar aos poucos. A sensação de
desespero que toma seu olhar me faz soltar uma risadinha. O problema é
que esse policial de quinta categoria aproveita a vantagem que tem sobre
mim. Através da pegada em meu macacão, ele consegue controlar meu
corpo. A jogada é rápida, o policial me levanta com mais força e bate minha
testa direto na grade. A pancada é forte e faz com que eu diminua a força
que aplico em seu pescoço, mas não me desestabiliza.
Eu dou risada pela tentativa, sempre deixando minha personalidade
sarcástica atrapalhar o foco dos momentos sérios.
Minha mãe sempre dizia que esse é meu pior defeito.
É nela que estou pensando quando Jenkins leva minha cabeça de
encontro a grade mais uma vez.
De repente, minha mão se afasta de seu pescoço. Sinto que estou
perdendo a consciência, mas, antes que eu possa pensar em reagir, tudo fica
escuro.
Abro os olhos devagar quando escuto um barulho conhecido. Parece o
som das botas de salto da minha mãe. Ela sempre gostou de usá-las no dia a
dia, eram quase sua marca registrada. Um modelo preto fechado, com um
cano que vai até a altura do tornozelo e um salto quadrado e baixo para
promover o conforto que um trabalho como o nosso necessita. O quadrado
também ajuda servindo de esconderijo para alguns objetos. Uma dose de
veneno no pé direito, uma faca pequena e afiada no esquerdo. Nunca se
sabe quando se pode precisar de uma arma secreta, foi o que ela me disse
uma vez, em uma de nossas inúmeras lições.
Eu gravei cada uma delas em minha alma, em minha pele, em minha
memória.
E minha memória é boa o suficiente para ter certeza de que as botas que
estou vendo são as de Brenda Saroyan.
Ela não podia ter chegado em um momento pior. Depois de quatro anos
sem me ver, o que minha mãe encontra é uma garota magra, deitada no
chão da cela. Sério, aquele filho da puta do Jenkins vai pagar por ter me
deixado dessa forma. Tudo bem que fui que o provoquei, mas ele não
precisava ter agido desse jeito. Sua covardia não permitiu que me
enfrentasse de frente em uma briga justa. Se tivesse aberto aquela cela, o
final dessa história seria bem diferente. Jenkins ficou com medo de perder a
luta para uma mulher, é fato.
Estou com uma dor de cabeça do caralho e tenho certeza de que há
alguma marca na minha testa que denuncia que andei me aventurando. Meu
corpo dói um pouco pelo baque que levei ao cair no chão com tudo. Ainda
não estou totalmente recuperada da minha briga com Tan. Devo ter
hematomas em lugares inimagináveis, mas, como minha querida mamãe me
ensinou, não posso parar, fraquejar ou permitir que a dor me vença.
Esfrego meus olhos para acordar de vez e apoio as mãos no chão para me
levantar. Não faço careta, apesar de sentir que um trator passou por cima do
meu corpo, deu ré e estacionou em cima da minha cabeça. Tento me
mostrar forte, porque fraquejar diante de Brenda não é uma opção.
Agora que estou de pé, consigo de fato vê-la. No auge dos seus cinquenta
anos, ela está sempre linda, sempre impecável, sempre plena demais para o
peso que carrega nos ombros graças ao seu cargo.
Brenda Saroyan exala poder. Quando chega em qualquer ambiente,
intimida qualquer um com sua beleza, elegância e confiança. Apesar da
iluminação baixa, consigo ver as ondas perfeitas do seu cabelo preto. O
terninho do mesmo tom está alinhado, a bolsa na frente do corpo traz um ar
ainda mais refinado para o visual. Não deixo de reparar que ela está usando
óculos escuros, um detalhe que não consigo deixar passar.
— Acha que consegue esconder seu rosto só por causa desses óculos?
Para mim, é uma completa idiotice achar que isso muda alguma coisa. É
igual o Superman colocar óculos de grau e ninguém mais reconhecê-lo.
Minha mãe não parece surpresa ao perceber que a primeira frase que
dirigi a ela foi uma provocação. A cada dez frases que saem da minha boca,
pelo menos oito são tentativas de tirá-la do sério.
— Você sabe porque estou assim. Ou pelo menos sabia. — Sim, sei. As
câmeras. Ela tenta evitá-las a todo custo, tem o costume de ficar olhando
para baixo o máximo de tempo possível, sempre cobrindo seus olhos, as
vezes até a cabeça, e estudando a angulação das câmeras dos lugares
públicos onde frequenta, para que possa passar a maior parte do tempo no
ponto cego. O melhor, para nós, é sempre viver nas sombras. — Talvez o
tempo fora tenha apagado algumas coisas da sua mente.
— Acho que o tempo fora me fez selecionar as memórias importantes —
rebato, bem mais carinhosa do que sou normalmente.
Odeio ser peão de Brenda, mas é o que temos para hoje. Fuga da prisão
vence o orgulho por um a zero.
— Temos um assunto importante para tratar. Quanto menos tempo eu
passar aqui, melhor — fala, indo direto ao ponto, a voz firme e forte, como
se eu não tivesse jogado indireta nenhuma em seu colo.
— Sempre pensando em você, é claro. — Não resisto e penso em voz
alta.
Se Brenda estremeceu com minha frase, não demonstra. Pelo contrário,
faz questão de me afrontar erguendo o braço e balançando a chave da cela
na minha frente. Encaro o objeto e a olho com desdém, tentando disfarçar
que, por dentro, estou desesperada.
Brenda sabe que tem controle sobre mim e odeio ser controlada. Mas
ainda tenho uma chance de tentar barganhar alguma coisa usando meu
inestimável valor.
— O que você disse a eles? — pergunto, tentando entender como ela
conseguiu, literalmente, carregar minha liberdade em suas mãos.
— Que você trabalha para o governo e estava em uma missão disfarçada.
Demoramos para te localizar, mas agora te encontramos e você não pode
mais permanecer nessa delegacia.
Sua explicação me faz abrir um sorriso sarcástico.
— Revelou sua identidade supersecreta só para me salvar?
— O diretor do FBI me devia um favor — explica e eu não me
surpreendo. — Ele ligou para a delegacia e enviou um pedido judicial de
liberação.
— Então você não sujou suas mãos — constato apenas para deixar minha
percepção escancarada.
Brenda sempre resolve as situações contornando-as.
— Lembre do que te ensinei, querida. É sempre mais favorável ter
pessoas que fazem o trabalho sujo por você. — O tom irônico de sua voz é
tão parecido com o meu que me causa um arrepio.
Todo mundo que nos conhece de verdade diz que somos extremamente
parecidas. Esse pensamento sempre me perturbou, mas, nos últimos anos,
guardei essa teoria no fundo da minha mente para me preservar. Agora, com
ela aqui à minha frente, volto a relembrar as coisas que já vivemos. As
memórias fazem com que eu me feche. Não gosto de ter similaridades com
Brenda.
— Eu lembro de tudo, fique tranquila.
Inclusive das sessões de tortura as quais me submeteu para me fortalecer.
Das inúmeras vezes que me fez agredir minha irmã. Das grosserias que
gritou para mim quando tudo aconteceu com Ethan.
— Quer sair ou não quer? — pergunta, enfática, deixando claro que não
há espaço para discutirmos mais nada.
— Você vai me levar de volta? — Vou direto ao ponto que mais me
interessa.
Quero saber o que ela planejou.
— Acha que vou te tirar daqui para que se jogue no mundo de novo?
Pense bem.
— Eu sei muito, não se esqueça disso. Posso destruir seu império
rapidinho. — Tento usar a única arma que tenho contra ela, imaginando
que, possivelmente, consigo uma vantagem para fazer alguma exigência.
Me deixar solta não é uma jogada inteligente.
— E como você faria isso? Ninguém confia em você dentro desse lugar.
A marca na sua testa te entrega. — Se aproxima da cela e aperta exatamente
o lugar onde está doendo. Não tenho nenhuma reação à sua atitude, sequer
me mexo. Apenas a encaro, buscando ver se há alguma chance de eu vencer
essa batalha.
Apesar dos óculos escuros, consigo dizer, por sua expressão, que não há
nada que eu diga que a convença a me conceder o tipo de liberdade que
quero.
Pelo menos eu tentei.
— Eu volto, mas só se você me restabelecer em minha antiga posição. —
Tento barganhar um pequeno detalhe que fará toda diferença no meu
retorno.
Nem fodendo que ficarei em um nível mais baixo que Luke. Ele se
tornou um filho da puta e vai me infernizar pelo que fiz. Se eu for sua
subordinada, estarei na merda.
— O poder em um acordo está em quem tem algo que o outro quer. —
Ela mostra a chave para provar seu argumento. — Você não tem nada que
eu queira, logo...
Essa maldita chave está causando em nossa discussão. Brenda detém o
poder, sabe disso e está fazendo questão de esfregar na minha cara que
venceu.
— O que você quer que eu faça, então? — Ela sabe que eu me refiro à
agência.
Eu amava o trabalho. O que aconteceu conosco fez com que eu fugisse,
sim, mas isso nunca diminuiu meu gosto pela adrenalina, por resolver casos
e derrubar gente que não presta. Não é à toa que eu passei os últimos anos
fazendo o que fiz. É triste saber que vou voltar em sei lá que posição.
— Só volte — responde, parecendo querer encerrar o assunto o mais
rápido possível.
— Para fazer o quê, exatamente? — insisto. Se Brenda me deixar
responsável por cuidar de burocracias, vou surtar.
— Não temos tempo para discutir detalhes. Qual parte do “precisamos
sair daqui o mais rápido possível”, você não entendeu?
O desespero está nítido para quem quiser ver. Seu corpo está inquieto, ela
não para de olhar para a saída de forma discreta, mostrando para onde quer
ir. Brenda não quer passar mais um segundo sequer nesse lugar.
— Eu te fiz uma pergunta importante. Não vou voltar para ser seu
capacho.
— Quer sair ou não quer? — rebate, levantando as chaves mais uma vez,
bruta e decidida. Meu espaço para barganhar acabou.
Ergo as mãos, me rendendo. Eu perdi essa batalha, não tenho como
argumentar contra a mulher que, além de me conhecer a vida toda e ter me
ensinado tudo o que sei, ainda está com as chaves da minha cela. Minhas
opções acabaram. É hora de sair desse maldito lugar e enfrentar as pessoas
do meu passado.
— Abre essa porra logo. Não aguento mais olhar para o concreto.
Quando pulo para fora do carro e observo o Navio, percebo que algumas
coisas nunca mudam. Ele continua grandioso e macabro, exatamente da
forma que me lembro.
Brenda não fala nada, apenas tranca o carro e segue na direção da
entrada, esperando que eu a siga. Meu corpo tem uma reação estranha a
esse lugar. Sinto que fico mais forte no minuto em que passo pela porta de
ferro.
Fraquejar dentro do Navio nunca é uma opção, seja você a executora da
sentença ou a torturada. Eu já estive em ambas as posições mais vezes do
que consigo contar.
Minha mãe me lança um olhar conforme andamos pelo corredor, sem
dúvida lembrando das mesmas coisas que eu. Entretanto, remorso não é
algo visto em suas pupilas. Ela não gostava de me torturar, mas fez o que
era necessário para me tornar o monstro que eu sou.
— Connie — a diretora cumprimenta a responsável pelo Navio, que se
aproxima para nos receber.
Ela é negra, tem o cabelo raspado, os olhos escuros como o ambiente em
que estamos. Connie é da geração de Brenda e é uma de suas pessoas de
confiança. Os ouvidos, olhos e mãos da diretora dentro do Navio.
— Diretora, está tudo pronto para você — avisa, educada e singela como
sempre. — Joy, é bom vê-la novamente. — Me cumprimenta com um breve
sorriso, ao qual eu retribuo.
Não estou com vontade de falar nada, contudo.
Brenda pediu que eu deixasse o arquivo com as informações do homem
que eu vim torturar dentro do carro. Estou repetindo-as em minha mente
para não as esquecer.
Marlon. Vinte e poucos anos. Parte de uma máfia ainda desconhecida.
Resistente a todas as torturas às quais foi submetido. Sem família. Sem
vínculos. Um resto de tatuagem no corpo, impossível de ser identificado. O
maldito praticamente arrancou um pedaço da própria pele quando foi
capturado, para que não reconhecêssemos o desenho. Já foi torturado por
Elizabeth e David, os pais de Lucy, dois dos maiores agentes da ANDOS. O
cara é valioso. Não sei o que ele fez para chegar até aqui, mas estou pouco
me lixando. Vou fazer o que precisa ser feito.
— Obrigada, Connie. Assumirei daqui. — Brenda estende a mão para
que a mulher lhe entregue uma chave.
Percebo que é pesada, grossa e está enferrujada.
Marlon está sendo mantido nas salas do porão do Navio. Um local mais
isolado, livre da visão de grande parte dos agentes, aberto apenas quando a
diretora ordena.
Brenda segue pelos corredores até chegarmos ao elevador. É uma
máquina antiga, apenas fechada por grades. Conforme descemos,
conseguimos enxergar cada um dos andares, escutar cada um dos gritos.
— Você está quieta — diz Brenda, quebrando o silêncio gelado entre nós.
— Quer que eu diga o quê? — rebato, levantando as sobrancelhas.
Já entendi que vou torturar um cara até fazê-lo falar. Brenda está
apostando fichas em mim, depositando essa missão em minhas mãos. Para
que ela confie em mim novamente, preciso cumprir o que me foi proposto.
É um acordo simples.
— Descubra para quem ele trabalha. Quando obter a informação, conte
somente a mim. Ninguém pode saber sobre isso, entendeu? — A mensagem
de Brenda é fria e clara.
Essa é uma missão secreta.
— Entendido — respondo, transmitindo tranquilidade, quando, por
dentro, repasso todas as técnicas que ela já me ensinou.
Não entendo o que a leva a crer que eu terei sucesso, mas tenho para mim
que esse é o momento em que a aprendiz supera a mestra. Ela está
apostando que minha determinação me impedirá de falhar. E ela está certa.
O elevador para no último andar do Navio. Há apenas um segurança
fiscalizando o corredor, um homem que com certeza tem a confiança de
Connie e Brenda. Ele avança para abrir a porta de ferro, sem exibir qualquer
expressão.
Encaro Brenda uma última vez, vendo-a tão impassível quanto o homem.
Porém, em seu olhar, consigo perceber que há uma preocupação, um alerta.
Ela precisa que eu consiga a informação. Essa missão não é qualquer uma.
Marlon é a peça de um quebra-cabeça que eu ainda não tenho permissão
para conhecer.
— Faça o seu pior. — É a última coisa que ela diz, antes que o segurança
feche a grade e eu a veja subir novamente para a superfície.
Espero até que ela suma da minha visão para contemplar o corredor à
minha frente. As paredes estão com uma aparência enferrujada. Há uma
única lâmpada fraca iluminando o ambiente. De tempos em tempos, ela
pisca.
Exatamente como piscava quando eu era uma adolescente e passava
horas presa nesse lugar.
As salas estão todas vazias, exceto pela última. O segurança me leva até a
caixa onde nossos instrumentos estão. Pego um garrote e uma faca. Ele me
fita, com certeza se perguntando como conseguirei alguma coisa somente
com isso. O homem não me conhece, não sabe do que sou capaz.
— Você é forte. Venha comigo — ordeno, sinalizando para que me siga
até a sala onde Marlon está.
Não sei o que ele fez, mas finjo que é apenas mais um nome na minha
lista, apenas mais um filho da puta que cometeu alguma atrocidade.
O imbecil está ensanguentado, deitado no chão em posição fetal, usando
apenas calças. Dá para ver que está aqui há dias pela saliência em suas
costelas, pelo sangue seco que domina o chão da cela.
Ordeno que o segurança me ajude a levantá-lo. Marlon nos xinga e tenta
se debater, mas está fraco, não é páreo para nossa força.
Ele não vai durar muito, Elizabeth e David acabaram com ele. Preciso ser
rápida e precisa.
Prendo seus punhos e tornozelos na parede. Com a ajuda do segurança,
Marlon fica pendurado pelas extremidades, as pernas e braços abertos, a
cabeça caída, tamanha a dor que ele deve sentir em seu corpo.
Dispenso o segurança, imaginando que ele não quer ficar para ver o que
vou fazer com nosso prisioneiro.
— Eu não vou falar nada, vadia! — Marlon ergue a cabeça por um
momento, cuspindo sangue na minha direção.
Olho para o lugar onde as gotas caíram no chão, indignada com o quanto
sua mira é péssima.
— Há algumas coisas que eu odeio na vida, Marlon — começo a falar,
girando a faca entre os dedos. — Quer saber quais? — Ele me olha com
repugnância, mas há um certo desespero em suas pupilas. É a esse
desespero que eu me apego. — Injustiças. Gente fraca. Homens. Ah, como
eu odeio homens! — Solto uma risada irônica, me aproximando dele,
ficando próxima o suficiente para usar minha faca para erguer seu queixo.
— Homens estão no meu Top 1 de coisas mais odiadas, mas há algo sobre
os homens que eu adoro. — Marlon engole em seco, tentando me desafiar
com seu olhar. Pelo jeito, não aprendeu nada com as últimas duas pessoas
que vieram o torturar. — Homens têm uma fraqueza.
Mantenho a faca em seu queixo e, com minha mão livre, torço suas
bolas.
O grito que ele dá deve estar sendo ouvido na sede da agência.
— Sua puta! Desgraçada! — Se debate, virando o rosto com tanta força,
que acaba se cortando com a minha faca.
Gotas de sangue voam em meu rosto. Eu nem me mexo. Sempre achei
que o sangue me deixava mais intimidadora.
— Você quer ir para o inferno com ou sem pau? — Aperto suas bolas
com mais força, a faca se aproximando mais de seu pescoço, obrigando-o a
olhar para mim. Vejo lágrimas escapando pelos seus olhos. Fraco. — Para
quem você trabalha, Marlon?
— Nunca. Vou. Dizer — fala pausadamente, mostrando os dentes
ensanguentados, tentando me amedrontar.
— Sem o pau, então? Certo.
Tiro minha faca de seu pescoço, guardando-a de volta no bolso. Pego o
garrote, puxando as duas pontas na frente de Marlon, para que ele perceba o
que estou prestes a fazer.
— Não, não. — Se debate novamente, mas agora não há volta.
Abaixo sua calça de uma vez. Seu pau está encolhido. Talvez já tenha
sido mediano um dia, mas agora é tão pequeno, que dá dó.
— Isso tudo é medo, Marlon? — abro um sorriso repleto de escárnio.
— Sua vadia maluca! — ele xinga, eu apenas o encaro, amarrando o
garrote no seu pau.
— O corpo humano é perfeito, sabia? Quando você prende uma área, ele
para de levar sangue até lá. Não é incrível? — Aperto um pouco mais o nó.
Sinto que meus olhos brilham quando o vejo urrar de dor. — Normalmente,
o garrote não é usado por mais do que um minuto. Então, se você quiser
manter o seu pau até o fim dessa conversa, sugiro que comece a falar.
Marlon se debate e tenta escapar das algemas, mas não adianta. Ele só se
machuca mais. Não há escapatória. Eu venci.
— Eu... eu.... não... sei quem é o chefe — gagueja.
— Resposta errada.
Uso minhas duas mãos para apertar o nó mais uma vez. O pequeno pau
está ficando branquinho.
— CARALHO! — Marlon berra, é um grito gutural, que vem do fundo
de sua alma. Aperto de novo, fazendo-o chegar ao limite. — Para, para, por
favor, para! — implora, sem ver outra saída.
— Para quem você trabalha?
— Eu já disse que não sei o nome do chefe!
O garrote esmaga seu pau outra vez.
— Alguma coisa você sabe, Marlon. Quem era seu contato? Quem te
pagava? — mudo as perguntas, buscando outra saída. Ele está desesperado,
com certeza me diria o nome do seu chefe se soubesse.
— Richard O’Conell. Ele era o cara com o dinheiro e as informações,
mas não dava as ordens.
Sua resposta me faz afrouxar um pouco o garrote.
Richard O’Conell é o Chefe de Gabinete na Casa Branca, trabalha
diretamente com o Presidente, justo o único cara que tem poder sobre
minha mãe.
Isso só fica mais interessante.
— Você sabe alguma coisa sobre quem dá as ordens? — questiono, mas
Marlon parece hesitante em responder. Para surpreendê-lo, pego minha faca
e corto um pedaço da cabeça do seu pau. Sangue começa a jorrar para todo
o lado, mas pouco me importo. Esse idiota vai morrer agora ou mais tarde,
pelas mãos de outra pessoa. — Pense direitinho na resposta.
— Eles chamam a pessoa de Coruja. Eu não sei nada além disso, eu juro.
— Jura pelo seu pau? — pergunto, segurando o garrote com uma mão, a
faca com a outra.
— Juro, eu juro, por favor, eu juro. É tudo o que eu sei. — O pobrezinho
começa a chorar de desespero.
Depois dizem que as mulheres são o sexo frágil.
— Obrigada pela sua cooperação, Marlon — agradeço, dando dois
tapinhas carinhosos no seu pobre pauzinho.
Limpo minha faca nos restos da sua calça e guardo de volta no bolso.
Dou um último sorriso cínico para Marlon e me dirijo a porta, ansiosa para
contar a Brenda o que eu descobri. Quero analisar sua reação quando souber
que alguém relacionado ao Presidente está, aparentemente, envolvido com
uma máfia.
— Ei, espera, você vai me deixar amarrado? E com essa porra
esmagando meu pau? — Marlon pergunta, indignado.
Ele ainda tinha alguma esperança?
— Aqui se faz, aqui se paga, meu amor. Você demorou muito para abrir a
boca.
Aceno para ele, que solta mais um berro, desesperado por passar os
últimos minutos de sua vida sofrendo dessa forma.
Ele pode se vingar de mim quando estivermos no inferno.
Agora, eu vou relaxar fumando um cigarro bem longe daqui.
Minha alegria dura pouco. Depois de limpar o sangue do meu rosto e das
minhas mãos, vejo que há uma mensagem de Brenda no meu celular
dizendo que vai conversar comigo somente amanhã, e que mandou um
motorista para me buscar. O homem entrega minha mochila e me deixa na
porta da agência, mais uma vez sem ter onde dormir.
Brenda vai pagar por me fazer passar por esse perrengue.
Penso em chamar um táxi e tentar ir para o apartamento de Luke, mesmo
que ele tenha me dito que não sou bem-vinda em sua casa. Tenho certeza de
que foi a fúria do momento que o fez proferir essas infames palavras. Ele
não teria coragem de me deixar dormindo na rua.
Ou talvez teria, não sei mais dizer. Sua versão esquentadinha ainda não é
muito familiar para mim.
— Está perdida? — Uma SUV preta, como todas as outras do
estacionamento, para à minha frente. Zoey apoia o braço na janela, sorrindo
para mim.
Percebo que Lucy está no banco do passageiro. Minha amiga esboça um
sorriso esquisito, com certeza pensando em seu parceiro. A recepção
calorosa que ela me deu ontem evaporou no minuto em que compreendeu
que eu sabia o segredo de Noah.
— Perdida, não. Abandonada e sem um lugar para ir, sim — admito a
verdade, abraçando a oportunidade que a vida me deu.
Que se dane a cara feia de Lucy. Elas são minha única saída.
— Vamos tomar uma, topa? — indaga, apontando para o banco de trás do
veículo com a cabeça.
Não hesito, apenas dou de ombros, abro a porta e entro no carro.
Passamos o caminho conversando amenidades. Zoey fala sobre a
simulação que fizemos mais cedo e o quanto isso ajudou todos a
perceberem que faço falta na equipe. Eu não sei em que momento os outros
membros do time falaram isso para ela, mas resolvo aceitar, porque sei que
é verdade. Eles são bons, mas comigo se tornam imbatíveis.
Lucy pergunta onde eu estive o resto do dia, e eu sei que não é apenas
uma curiosidade de amiga, e sim uma tentativa de me rastrear. Ela é a nossa
musa da tecnologia, ótima em encontrar quem quer que seja. Não duvido
que tenha tentado me achar nos últimos anos. Lucy só não conseguiu
porque crescemos juntas e conheço todos os seus truques.
— Brenda me pediu um favor — revelo, mas não conto detalhes.
O nome da minha mãe é uma ótima arma quando quero calar a boca de
alguém.
— É questão de tempo até que ela te coloque de volta na equipe — Zoey
constata enquanto estaciona o carro na frente do Black Sea, o bar mais
próximo à agência.
— É isso que espero.
— Os últimos parceiros do Luke foram péssimos — diz Lucy, fingindo
normalidade por causa da presença de Zoey.
— Conhecidos? — pergunto, curiosa por descobrir que Luke teve outros
parceiros durante esse tempo.
— Ninguém relevante. Todos desistiram de trabalhar com ele —
responde Zoey, quando já estamos fora do carro e entrando no bar.
Saber que Luke não conseguiu se dar bem com nenhum outro parceiro é
estranhamente reconfortante.
O sino denuncia nossa entrada, mas ninguém nos encara. As pessoas de
Row Fair já aprenderam a ser discretas. O Black Sea fica próximo o
suficiente para que os agentes da ANDOS frequentem o lugar com certa
regularidade. Logo, nesse ambiente, os civis e os agentes convivem em paz.
Há um acordo de discrição pairando no ar. Ninguém sabe ao certo quem
trabalha na ANDOS, mas eles têm suas desconfianças. Três mulheres gatas
e com um andar poderoso como o nosso, definitivamente, chamam atenção.
Porém, podemos ser jovens bonitas procurando uma diversão ou agentes
secretas relaxando depois de um dia de trabalho.
Nenhum deles jamais saberá a verdade, e preferem se manter distantes a
arriscar serem mortos. Quando se mora em uma cidade como essa, ou você
fica quieto ou acaba com a sua vida.
— Noah está ali — Lucy indica a mesa mais ao fundo, onde seu parceiro
está sentado, com um gorro preto enfiado na cabeça.
Que ótimo disfarce.
Nós nos aproximamos, não sem antes pedir uma rodada de cervejas
gigantescas para nos hidratarmos.
Percebo que Noah está um tanto desconfortável com minha presença.
Apesar de entender, odeio que ele se sinta assim. Não era o tipo de relação
que tínhamos.
Espero até que Lucy e Zoey resolvam ir pegar mais bebidas para fitar
Noah diretamente.
— Minha boca é um túmulo — falo, sabendo que ele não tem pulso
suficiente para iniciar a conversa que tanto quer ter.
Vejo o pomo de adão de Noah subir e descer, indicando seu desconforto
com o assunto.
— Esse segredo precisa permanecer um segredo, Joy. Eu ainda...
Levanto a mão para que ele pare de falar.
— Não precisa se justificar. Pode confiar em mim igual sempre confiou.
— Tento passar alguma credibilidade, mas, pelo que vejo nos olhos azuis de
Noah, não funciona.
Minha má fama me precede.
— Como posso confiar em alguém que não sei se ainda conheço? — Sua
pergunta me fere, entretanto, não deixo nada transparecer em meu rosto. —
Você passou quatro anos fora. Ninguém nem sabe onde você esteve.
— Arrumando encrenca, com toda certeza — Zoey brinca quando volta à
mesa, distribuindo canecas abastecidas de cerveja.
Eu me calo, mas solto uma risada para evitar que alguém perceba a
tensão entre mim e Noah.
Quando penso em quanto tempo fiquei longe deles, fico chateada. Tive
meus motivos, mas isso não significa que a distância tenha doído menos.
Sou humana.
E já percebi que terei que batalhar se quiser ganhar a confiança de Noah
de volta.
— Aproveite que estamos só nós, longe da agência, e nos conte um
pouco das suas aventuras — Lucy incita, parecendo animada, mas eu sei
que está doida para arranjar algo para usar contra mim.
Ela bebe um gole de sua cerveja, me encarando por cima da caneca,
esperando para ver o que vou responder.
— Não foi tão emocionante quanto parece. — Dou de ombros, dando
uma longa golada em minha própria cerveja, adorando o sabor amargo do
álcool contra a minha língua. — Tentei desvendar um mistério, falhei, e
depois decidi me virar fazendo a única coisa que eu sei fazer. — Resolvo
entregar um pouco da verdade, sabendo que, se eu não disser nada, os
questionamentos não vão parar.
— Matar, sequestrar, arrancar informações sobre qualquer coisa que você
queira descobrir? — Noah indaga, certeiro.
— Exatamente. — Levanto minha caneca para ele, brindando em
homenagem ao seu belo conhecimento.
— Brincou de justiceira? — Lucy questiona, os olhos azuis me
devorando, ansiosos para me verem cair.
Que sua mãe me desculpe, mas Lucy virou uma filha da puta.
— Pode se dizer que sim. Era divertido. — Mantenho minha resposta
sarcástica, sem me afetar com as indagações de Lucy. Se eu mostrar
qualquer fraqueza, ela vai achar uma brecha para tentar me controlar.
Mas nós duas passamos boa parte da adolescência juntas. Fomos
treinadas por nossos pais, que são colegas há anos. Seu treinamento foi
mais suave do que o meu — Liz e David não torturaram a própria filha —
porém, Lucy é boa. Articulada, esperta, maliciosa quando precisa.
— Alguém te pagava? — indaga com mais transparência, transbordando
rancor em sua expressão.
— Lucy! — Zoey repreende a pergunta invasiva da amiga, negando com
a cabeça para mostrar sua indignação.
— Joy é nossa amiga, ficou desaparecida por anos. Só estou tentando me
atualizar. — A loira se justifica como se seu comportamento pudesse ser
resumido a apenas curiosidade.
Além do fato de nos conhecer, Zoey é esperta o suficiente para não
comprar um teatrinho desses. Ela alterna o olhar entre mim e Lucy, sabendo
que há algo acontecendo. Por sorte, eu e Noah fomos discretos e ela não
consegue encaixá-lo nessa equação.
Esse segredo não pode ser vazado para Zoey de forma alguma.
— Ninguém pagava, Lucy. Eu estava apenas tentando contribuir para um
mundo melhor, ainda que de uma forma um tanto nebulosa. — Entrego a
eles meu melhor sorriso debochado. Zoey e Noah soltam um leve riso, com
certeza pensando no quanto isso é minha cara.
Em compensação, Lucy não se comove. Ela apoia os antebraços na mesa
de madeira, a pele tão pálida, que contrasta com o tom escuro.
— Como arranjou dinheiro para sobreviver? — Lança mais um
questionamento.
Estou começando a ficar sem paciência.
— Trabalhos normais. Restaurantes, cafés e bares.
Lucy não parece satisfeita com a resposta. Preciso tomar cuidado com
ela. Se minha antiga amiga quiser dedicar uma parte de seu tempo para
desvendar meu passado, poderei ter problemas.
— Você disse que falhou em descobrir o mistério do sequestro do seu
irmão. Imagino que isso tenha sido há anos. Por que não voltou antes? Por
que agora? — A próxima pergunta pega em um ponto delicado.
Investiguei o caso de Ethan por alguns meses, até perceber que estava em
um beco sem saída. Quando o período acabou, eu estava mergulhada no
submundo, envolvida até o pescoço com gente que eu não deveria me
envolver. Voltar deixou de ser uma possibilidade. Não só para não
comprometer a agência, mas também porque eu sabia que seria julgada por
duzentas encarnações se soubessem onde eu andei, com quem eu andei.
Esse é um segredo que pretendo levar comigo para o túmulo.
— Estava cansada dessa vida — respondo com um ar mais sensível,
ferido, tentando comovê-los.
Os três sabem que tenho problemas com minha mãe, que minha relação
com a ANDOS é complicada, que passei por coisas diabólicas para me
tornar a pessoa que sou hoje.
— Vamos parar com o interrogatório? — pede Zoey, enfática.
Ela leva uma mão para cima da minha, que está apoiada no estofado do
banco. Seu toque firme me mostra que ela está me apoiando, sentindo
compaixão pela minha dor fingida.
Eu não tinha dúvida de que ela me defenderia.
— Nem Brenda me fez tantas perguntas — falo, ainda mantendo o tom
suave.
Por fora, sofrendo. Por dentro, sorrindo. Sempre.
— Ela te falou alguma coisa sobre voltar para a nossa equipe? — Noah
pergunta, aceitando meu pedido silencioso de encerrarmos qualquer assunto
relacionado a minha fuga.
— Falou, sim. É provável que aconteça.
Mas não antes de eu fazer inúmeras perguntas a ela amanhã. Essa história
de O’Conell estar envolvido com uma máfia é estranha demais. Algo nessa
história não me cheira bem.
— Nate vai pirar. — Noah ri, balançando a cabeça e pegando sua caneca
para beber.
— Como se eu me importasse. — Seguro minha própria caneca,
arrancando risadas dele e de Zoey.
Lucy permanece imóvel, recostando o tronco no banco, apenas
observando a conversa.
Zoey fala sobre Nathan, Noah dá seus próprios pitacos no relacionamento
do irmão, até Lucy volta a participar do diálogo, quando percebe que o
assunto é importante para a nossa amiga.
Passamos mais algumas horas no bar. Quando o relógio marca uma da
manhã, Zoey anuncia que é hora de irmos embora. Todos concordam e nós
seguimos juntos para fora do Black Sea. Noah se despede, entra em seu
carro e vai embora.
O momento constrangedor nomeado como “onde vou dormir” me atinge
de novo. Pretendo, discretamente, me convidar para ficar no sofá de Zoey e
Lucy. Não tenho muita escolha.
— Te deixo na sua casa? — minha amiga pergunta, segurando a chave do
carro entre os dedos.
— Na verdade, não. Brenda ainda não contou para o meu pai que voltei,
a situação na família está um pouco confusa — explico, focando meu olhar
no de Zoey, esperando que o convite seja feito.
A lealdade sempre foi sua melhor característica.
— Fique com a gente, não tem problema. Temos um quarto sobrando
mesmo. — Dá de ombros, fitando Lucy para ver o que ela acha.
A loira hesita por alguns segundos, mas, quando vira para mim, abre um
sorriso falso, montado para deixar claro que ela seguirá o ditado “mantenha
seus amigos por perto e seus inimigos mais perto ainda”.
— Pode ficar por quanto tempo quiser, Joy. Vamos adorar receber você.
“Alex era uma vaca. Nunca tivemos uma relação boa, mas eu ainda
tinha uma consideração por ela. Até deixava que usasse meu Xbox quando
eu estava estudando.
Agora queria que ela se fodesse.
Minha mãe dizia que eu ainda não tinha idade para usar palavras desse
tipo, mas, bem, que se foda.
Havia várias coisas que eu não deveria estar fazendo e estava.
— Mais forte, Alex! Vai deixar uma garota mais nova te vencer? —
Mamãe a desafiou e minha irmã a obedeceu.
Tomei um gancho de direita na bochecha. O golpe doeu, todos doíam,
mas eu não podia fazer caretas de dor ou minha mãe brigava comigo.
Quando qualquer uma de nós reclamava ou chorava, ela dizia “você é
fraca, sua irmã está te superando”.
Ouvir essa mesma frase durante meses terminou de destruir nossa
relação.
Eu olhava para Alex e não via nada além de uma oponente. Alguém que
eu precisava vencer, que eu precisava superar. Eu seria a melhor. Não
havia outra opção.
Alex ameaçou dar um soco em meu estômago, mas segurei seu punho
antes que ela completasse a ação. Ela era três anos mais velha, já tinha
dezesseis, e era mais forte do que eu. Minha mãe repetia que isso não
significava nada, que era a técnica e a inteligência que me fariam vencer.
Foi a isso que me apeguei para virar o jogo.
Empurrei seu punho com força e, com a outra mão, segurei seu outro
punho. Usei minha leveza para saltar e enlaçar minhas pernas em seus
joelhos, fazendo-a cair no chão. O baque do seu corpo contra o tatame foi
alto, sinal de que eu tinha usado a quantidade certa de força.
Cruzei seus braços e permaneci sentada em cima de seu corpo,
prendendo-a com minhas coxas. Alex se debateu, mas não conseguiu se
livrar do meu toque.
Eu tinha ganho. De novo.
— Saia de cima de mim, sua pirralha nojenta! — gritou, as bochechas
corando, vermelhas de tanta raiva.
— Tente me tirar. Vamos ver se consegue — provoquei, apertando seus
braços com mais força, gostando de vê-la sofrer para me vencer.
Levantei o olhar para conferir a reação da minha mãe. A aprovação dela
era a única coisa que importava.
A distração fez com que Alex soltasse uma das mãos. Ela a levou direto
para o meu pescoço, me apertando e empurrando para trás até que eu a
tivesse soltado. Minha irmã ficou de pé e deu um chute na minha barriga,
fazendo com que eu caísse de bunda no chão.
Ela gargalhou quando viu a queda. Riu da minha cara. Zombou de mim
como se eu não tivesse acabado com ela diversas vezes.
— Não conte vitória antes da hora — mamãe aconselhou, os braços
cruzados, o olhar impassível diante da minha derrota.
Ela estava decepcionada. Eu me sentia péssima, inferior, medíocre. Tudo
o que tinha sido a vida toda. Treinar para me tornar uma agente não estava
me ajudando. Eu continuava fraca.
— Vai se levantar e agir ou ficar se lamentando? — minha mãe
perguntou, e só então vi que estava parada à minha frente, sinalizando com
a cabeça para que eu saísse daquele chão.
Alex seguia com um riso no rosto, certa de que eu não conseguiria
vencê-la.
Ela não devia ter me subestimado.
Apoiei as mãos no chão e impulsionei minhas pernas para trás, para que
eu conseguisse me levantar em um único pulo. Corri até Alex com raiva,
erguendo meu punho, pronta para arrancar aquele sorriso ordinário de seu
rosto.
Sua tentativa de me frear segurando em meu antebraço foi falha. Eu já
estava com meu braço esquerdo pronto para atingi-la. O golpe foi direto na
lateral do seu rosto, fazendo-a se virar e soltar o toque do meu outro braço.
Aproveitei a liberdade para dar uma cotovelada direto em seu nariz.
Vi sangue escorrer em seu rosto. A sensação de vê-la sangrar me deixou
satisfeita. Me trouxe uma sensação de dever cumprido. Uma certeza de que
eu não deixaria ninguém duvidar de mim.
— Dê risada agora! — gritei, atingindo seu rosto de novo. — Ria! Tente
rir de mim! — repeti, dessa vez batendo em sua barriga, fazendo-a cuspir
sangue na minha direção.
Seus olhos transbordavam desespero. Ela estava com medo de mim.
Aquilo me fez sorrir.
Com mais um golpe, a derrubei no chão. Montei em cima dela para
continuar, mas, quando ergui meu punho, alguém me segurou.
Era minha mãe.
— Chega — pediu, séria.
Assenti, compreendendo que eu estava passando dos limites. Nem me dei
conta de que minha irmã estava tão mal. Por mim, eu a socaria até que
desmaiasse.
Mas, como tinha amor à minha vida e respeito pela minha mãe, me
afastei, não sem antes contemplar o rosto de Alex ensanguentado.
Ela mereceu.
Passei a mão em meu rosto para limpar o sangue. Minha mãe ordenou
que ela fosse se lavar e perguntou se estava muito dolorida. Alex estava tão
brava comigo que saiu andando sem responder o questionamento de nossa
mãe.
Quando a vi batendo os pés para sair da sala de treinamento, esbocei um
sorriso repleto de escárnio.
Só um dos muitos que passei a abrir a partir daquele dia.”
O ataque de raiva de Luke trouxe uma coisa boa para o meu dia. Visitar
minha querida irmã me pareceu interessante. Graças à idiotice de Nathan,
não tenho nada para fazer. Ficar ociosa com Luke não me pareceu a melhor
opção, mas provocar Alex me parece uma ótima.
Enquanto desço até o nono andar, pelas escadas para poder recuperar
meu condicionamento físico, penso no momento em que Luke enfiou a faca
em meu pescoço. Talvez seja perturbador admitir isso, mesmo que
mentalmente, mas adorei sentir a lâmina fria contra minha pele, a sensação
de poder morrer a qualquer minuto, de sentir o ódio transbordando do corpo
dele, de ter a certeza de que o tesão e o rancor se misturam da forma mais
conturbada possível.
Esse sim foi um momento digno de Luke e Joy.
Quente. Perigoso. No limite.
Eu simplesmente amei.
Abro a porta que separa as escadas do corredor do nono andar e me
preparo para ver Alex. Não gostei de saber que ela se aproximou de Luke
porque imagino o tipo de coisa que deve ter dito.
“Joy é insana”.
“Você nunca devia ter se envolvido com ela”.
“Minha irmã é doente”.
Ela não está exatamente errada, mas não deve abrir a boca para falar com
pessoas que fazem parte da minha vida. Preciso de Alex e sua inveja bem
longe de mim.
Levo as mãos para os cabelos, soltando mais os fios, chamando a atenção
dos agentes que perambulam pelo andar. Todos sabem quem eu sou e se
intimidam com minha confiança. Sempre desfilei pela ANDOS como se eu
fosse dona do lugar, porque eu meio que sou.
Escolhi o dia certo para vir atrás de Alex. Fiz compras, estou estilosa
como sempre fui, com uma credencial oficial e de volta a uma das equipes
mais prestigiadas da agência.
É um dia de glória no mundinho Joy Saroyan.
Pergunto a um agente aleatório onde minha irmã está e ele me informa
que Alex agora tem uma sala. Ser filha da diretora realmente tem seus
privilégios. Alex jamais teria um lugar em uma equipe se não fosse por seu
sangue, ela não é boa o suficiente para isso. Brenda, pelo menos, teve
consciência e a colocou no nono andar.
Todo mundo da ANDOS sabe que os andares não servem somente para
dividir o prédio, mas também ditam os níveis de aptidão de cada time. As
equipes mais importantes, como a minha, ficam em andares mais altos,
próximos ao andar da diretoria. As que cuidam de casos menores e mais
fáceis, ficam nos andares mais baixos.
Pobre Alex. Sempre inferior a mim.
Paro em frente à sua porta, onde uma plaquinha de vídeo tem seu nome
gravado. Brenda precisa me arranjar uma sala o mais rápido possível. Se
minha irmã descobrir que tem algo que eu não tenho, vai tentar me ferrar.
Estou com a mão erguida, prestes a bater, quando Alex abre a porta
abruptamente.
Ela respira fundo ao me ver. Eu esboço um sorrisinho que me é típico,
fitando-a de cima a baixo. Alexandra está com o cabelo preto preso em um
rabo de cavalo, consigo perceber que está mais curto do que usava antes.
Sua calça social preta não combina com o blazer azul, mas respeito sua
tentativa de tentar se assemelhar a Brenda.
— Joy.
— Alex.
Em nossas vozes, o desgosto transborda.
— Quanto tempo, irmãzinha — provoco, esboçando uma expressão
angelical que é obviamente fingida.
— Aproveitou seu tempo fora? — ela pergunta, tentando produzir um
tom irônico.
— Ah, foi ótimo conhecer o mundo real e sair das asas da mamãe por um
tempo — falo como se eu estivesse encontrando uma velha amiga, e não
alguém que desprezo. — Não que você saiba como é isso.
Minha indireta faz Alex revirar os olhos. Ela se afasta da porta, dando as
costas para mim. Entendo que é um convite para continuarmos essa
conversa farpada dentro de sua sala. Minha irmã sempre foi a filhinha
perfeita e obediente. Mesmo aos vinte e sete anos, ainda se recusa a quebrar
as regras da mamãe e se comportar mal na frente de outros agentes.
Quando estamos somente nós duas, ela volta a se virar na minha direção.
Seus olhos castanhos transbordam a raiva que eu tanto gosto de ver em suas
íris.
— Nossa vida não combina com religião alguma, mas só eu sei o quanto
rezei para você estar morta.
Sua confissão me faz erguer as sobrancelhas e sorrir ainda mais.
— Seu desejo quase se tornou realidade diversas vezes, irmãzinha. Mas
acontece que sou boa no que faço. Raras pessoas conseguem me atingir.
— Ainda egocêntrica, que surpresa! — ironiza, apoiando a mão no peito
para fingir emoção.
— Não, apenas consciente da realidade — corrijo, erguendo meu dedo
indicador para enfatizar as palavras.
Alex nega com a cabeça, irritada comigo. Ela nunca teve paciência para
minha personalidade. Não é à toa que temos essa ótima relação.
— Por que veio até aqui? Qual o sentido em me procurar? — indaga,
chateada por eu ter perturbado sua paz.
Eu queria dizer que lamento, mas estaria mentindo.
— Ah, Alex, eu senti sua falta — me aproximo dela, Alex dá um passo
para trás. Eu dou mais um para frente, ela resolve ficar parada. Levo meus
dedos ao seu cabelo, tocando nos fios grossos, tão diferentes dos meus. —
Brenda tem uma alma muito caridosa. Até te deu uma sala! E um lugar em
uma equipe, o que é muito mais do que você merece. Seus colegas não se
incomodam por você nunca acertar um tiro?
Por mais que tenha se esforçado, Alexandra não tem um talento natural
como o meu. Ela sofreu nos treinamentos, vomitou quando Brenda pediu
que tentasse torturar alguém, não aguentou a mesma dose de dor que eu
aguentei quando a nossa mãe me torturou para me preparar. Se fosse
qualquer outra agente tentando entrar na ANDOS através do treinamento de
recrutas, Alex já estaria morta.
— Uma vez vadia, sempre vadia. — Afasta minha mão do seu cabelo,
começando a ficar irritadinha.
É saboroso tirá-la do sério.
— Obrigada pela nomeação. É sempre uma honra ser elogiada por você.
Alex revira os olhos diante do meu cinismo.
— Por que voltar? As coisas estavam tão tranquilas sem você.
— Uma vida tranquila é uma vida chata. A emoção faz tudo valer a pena.
— Você é insana.
Eu sabia que ela diria algo do tipo.
Solto uma risada alta, sarcástica, desdenhosa.
— Já imaginou como vai ser a reação do papai quando ele descobrir que
sua garotinha insana está de volta? — provoco, com meu melhor
argumento, citando a maior de nossas desavenças.
A disputa pelo amor do nosso pai.
Alex costumava explodir quando ouvia qualquer coisa relacionada a ele.
Entretanto, agora parece não se abalar. Muito pelo contrário. Seus olhos
estão convencidos, está na cara que acabei de perder o controle desse
diálogo.
Ela sabe de algo que não sei.
— Ele não vai descobrir — afirma, esboçando um sorriso lateral perverso
que Alex só reserva para mim.
— Do que você está falando? — Cruzo os braços, nervosa, sentindo que
não vou gostar nem um pouco dessa revelação.
— Sabe, eu insisti para que a mamãe te contasse, porque imaginei que
você iria sofrer se descobrisse de repente. Pensei que você pudesse ter
mudado, Joy. Fiquei com pena de você. — Ela leva a mão para o meu
cabelo, tocando em meus fios da mesma forma que fiz com os dela. Odeio
que tenham pena de mim e Alex sabe. — Mas agora que vi que você está
até pior, me arrependo de ter sequer me preocupado.
— Dispenso sua preocupação. Diga o que quer dizer. Acabe logo com
isso — peço, sem controle da minha ansiedade.
Se é sobre meu pai, preciso saber.
— Ainda bem que você voltou para sua equipe, porque para casa, você
não vai.
Reviro os olhos, cansada do joguinho de Alex. Seguro o punho da mão
que usava para tocar em meu cabelo, freando seu movimento. Aperto o osso
com força, enquanto a encaro diretamente.
— Explique — ordeno, forçando meus dedos mais e mais, vendo o
semblante de Alex ser tomado por dor.
— Me solta — pede, mas eu não me mexo. Estamos nos encarando com
ferocidade, há tanta rivalidade em nosso olhar, que parecemos crianças
novamente. — Joy, me solta e eu falo — repete e a sinto tremer sob seu
toque.
Bom saber que ela ainda é a mesma fracote de sempre. Largo seu punho
de repente, vendo-a puxá-lo na sua direção, acariciando a região que agora
tem diversas marcas dos meus dedos.
Alex me lança um olhar baixo, o mesmo maldito olhar amedrontado que
ela me lançava quando éramos adolescentes e eu socava sua cara.
— Papai acha que você morreu.
A revelação me causa estranhamento.
— O quê? — pergunto, desmontando minha pose bruta, permitindo que a
fragilidade entre dentro de mim.
— Ah, você não conhece a mamãe? Ela sempre precisa inventar uma
história para proteger a agência.
— Alex... — ameaço, esperando que ela entenda que é bom que explique
essa porra direito.
— Você foi embora logo depois do Ethan ser sequestrado, Joy. A mamãe
não conseguia encontrá-lo e sabia que você não queria ser encontrada, então
inventou uma história ridícula de que vocês tinham sido raptados
aleatoriamente por um sequestrador misterioso que a polícia falhou em
descobrir quem era. Ela até forjou uma ligação em que a polícia revelava
que tinha encontrado os corpos de vocês. Houve um funeral e tudo. Foi um
teatro digno de Brenda Saroyan.
O mundo parece estar girando. As paredes se fecham contra mim, me
deixando sufocada, sem ar. Eu sinto como se fosse quebrar a qualquer
momento. Como se parte do meu coração tivesse sido arrancada de dentro
do meu peito.
Meu pai é uma das pessoas que mais amo no mundo. Ele é o único que
continuou me dando amor, mesmo depois que minha vida virou de cabeça
para baixo. Bryan sentiu que eu mudei, que fiquei mais fria e distante, mas
não se importou, nem me encheu de perguntas. Acho que ele apenas
acreditou que era uma fase, uma rebeldia repentina.
Ele acha que estou morta. Meu pai acha que eu morri.
Brenda... Ah, Brenda. Ela vai pagar por isso.
— Joy? — Alex pergunta, o cenho franzido, preocupada com meu
silêncio, com minha respiração encurtada. Ela tenta me tocar, mas a afasto.
— Não encoste em mim — peço, brava, ferida, sentindo como se o chão
tivesse escapado dos meus pés.
Minha mãe não tinha o direito de fazer isso. E se ela acha que vai sair
ilesa, está bem enganada.
— Onde você vai? — Alex pergunta quando começo a marchar até a
porta.
Lanço a ela meu olhar mais raivoso, engolindo a dor que consome meu
peito.
— Acertar as contas.
Transformo meu caminhar poderoso em uma marcha revoltada. O
controle me parece uma lembrança distante. Eu permito que o sentimento
de raiva entre, para que o da dor possa se camuflar. Pensar na revelação de
Alex faz o que restou do meu coração dilacerar.
Não sei o que se passou na cabeça de Brenda quando tomou essa decisão
horrorosa, mas estou prestes a descobrir.
Fui até sua sala, porém, para me dar mais trabalho, ela não estava lá.
Ingrid me informou que a diretora tinha uma rotina cheia fazendo reuniões
com algumas equipes. Ela não soube — ou talvez não quis — me dizer
onde Brenda estava naquele momento. Minha revolta está palpável, então é
natural que ela tenha recuado para proteger a chefe.
Mas ninguém pode protegê-la de mim. Eu não vou descansar até
encontrá-la.
Passo de andar em andar, caminhando com afinco, procurando por ela
como se eu estivesse atrás de uma das minhas vítimas. Vou subindo pelas
escadas, correndo pelos degraus, me forçando a não pensar no porquê estou
tão determinada. Entretanto, é inevitável. Por mais que eu evite, estou
sozinha nas escadas de emergência da agência enquanto transito pelos
andares.
Nesses momentos, só penso em Bryan. Em seu sorriso meigo e fácil. Em
sua vontade de cozinhar pizza para nós toda sexta. Em sua forma de tentar
apaziguar as diferenças entre mim e Alex. Em seu modo carinhoso de me
tratar.
Eu sinto a falta dele. Sinto tanto que dói.
Esse sentimento me machuca da mesma forma que me dá forças para
continuar buscando por Brenda.
Minhas pernas estão queimando pela velocidade que implico. Não paro
para descansar ou tomar fôlego. Apenas continuo, continuo e continuo.
Estou no vigésimo terceiro andar quando a encontro vagando pelos
corredores. Kyle está ao seu lado, falando alguma coisa. Brenda solta uma
risadinha, apoiando a mão em seu ombro, descontraída demais para estar
falando coisas da agência.
Sei que minha mãe e meu mentor tem uma grande intimidade, mas nunca
os vi tão próximos. Eu até tentaria descobrir o que essa cena significa, se
não tivesse um assunto mais importante para resolver.
Vou arrancar essa felicidade de seu rosto de uma vez só.
— O que diabos você estava pensando? — Já chego gritando, chamando
a atenção do andar inteiro.
A risada de Brenda cessa, dando lugar ao olhar repressor e a expressão
séria da mulher dura que eu tão bem conheço.
— Joy. — Apenas recita meu nome, sabendo que entenderei o recado.
Ela quer que eu me acalme. A diretora odeia que os outros agentes nos
vejam em momentos de conflito, sensibilidade, fragilidade. Brenda Saroyan
precisa sempre ser a diretora perfeita e suas filhas, exemplos a serem
seguidos.
Faço questão de mandar essa norma de conduta para os ares.
— Responda, Brenda. O que diabos estava pensando quando disse ao
meu pai que eu morri? — repito com uma frase mais elaborada, explicando
exatamente qual é o assunto que vim tratar.
Brenda paralisa.
Se respirar não fosse necessário para a sobrevivência, ela com certeza
perderia o ar.
Kyle passa a mão no rosto, terminando o movimento puxando alguns fios
de seu cabelo esbranquiçado. Por sua reação, tenho a certeza de que já sabia
dessa história de merda.
— Se eu não te conhecesse, até me surpreenderia. Mas você é capaz de
qualquer coisa, não é? — Me aproximo dela, respirando perto de seu rosto,
esperando que ela sinta toda a minha fúria.
Em seus olhos, vejo um lampejo de incômodo. É leve, mas está lá. Eu
estou a atingindo.
— Não vamos ter essa conversa aqui — responde, fingindo plenitude.
Ela desvia o olhar para os agentes que passam por nós, pedindo que eu me
cale.
Quero que suas vontades se fodam, assim como eu estou me fodendo por
não poder voltar para minha casa.
— Vamos ter essa conversa onde eu quiser — devolvo, olhando
fixamente em seus olhos, mostrando o tamanho da minha determinação.
— Perder a razão é o pior erro que um agente pode cometer. — Sua
liçãozinha não poderia ter vindo em uma hora pior.
— Como não perder a razão descobrindo que sua própria mãe forjou sua
morte? — Abro os braços, falando mais alto, rezando para que todos os
agentes dessa porra de andar me escutem e vejam quem a diretora
realmente é.
Uma mulher sem escrúpulo algum.
— As coisas não são tão simples quanto você pensa. Tente se colocar no
meu lugar...
— Você por acaso se colocou no meu? — rebato, inconformada por estar
ouvindo essa merda.
Sei que estou me exaltando e que Brenda não vai abrir o jogo enquanto
estivermos no meio do corredor. Pela expressão irritada em seu rosto e o
modo como cruza os braços, entendo que, se eu quiser ter respostas, terei
que ceder.
— Por que não entramos na sala de reuniões? — Kyle sugere, apontando
para a porta envidraçada no fundo do corredor.
Eu não espero que Brenda diga nada. Apenas sigo até a sala, em busca
das minhas respostas.
No momento em que Kyle fecha a porta, eu viro na direção dela,
cruzando meus braços para pedir explicações. Nada do que ela diga vai me
fazer achar que esse foi um bom caminho, mas eu quero entender por que
sua mente brilhante resolveu seguir por um lado tão destruidor.
— Comece a falar — peço, em um tom de ordem que Brenda não
aguenta ouvir. Ela adora ser sempre a pessoa mais autoritária na sala.
Porém, sabe a merda que fez e resolve me obedecer.
— O Bryan ficou destruído quando o Ethan sumiu. Como se a situação
não fosse difícil o suficiente, você fez o favor de desaparecer também. Ele
quis contatar a polícia, mover o mundo para tentar encontrá-los. Eu tive que
usar minha influência e me expor para encerrar as buscas, porque eu mesma
queria cuidar disso. Mas eu não encontrei nada, Joy, assim como você
também não encontrou. Tive que fazer um acordo com a polícia local, fingir
que eles haviam encontrado os corpos e que vocês estavam mortos. —
Consigo sentir a dor em sua voz quando toca no assunto que mais fere
nossa família.
Mas isso não muda nada.
— E declarar minha morte pareceu a melhor saída?
Brenda suspira, apoiando as mãos na mesa, os olhos focados nos meus.
— Ele precisava de um fechamento para poder começar a superar.
Sua fala dá a entender que ela fez isso somente por ele, mas eu sei que
não é o caso. Brenda não é nada altruísta.
— Não era mais simples contar a verdade? — pergunto, mesmo já
sabendo a resposta.
Quero que ela admita na minha cara.
— Eu não podia. Não posso.
A resposta faz algo ferver dentro de mim. A raiva me consome como se
eu estivesse em chamas.
— Você não cansa de colocar a agência acima de tudo? Até acima da sua
própria família? — questiono, aumentando o tom de voz, gesticulando, me
exaltando ainda mais do que me exaltei no corredor.
— Joy... — Kyle tenta vir até mim, percebendo que estou prestes a perder
a linha.
Eu o encaro para pedir que se afaste, mas Brenda é mais rápida. Ela ergue
a mão, sem olhar para trás, freando o movimento do parceiro.
— Fique fora disso — pede a Kyle, mas mantém seu olhar focado em
mim. — Tem ideia do tipo de perigo que Bryan enfrentaria se soubesse da
existência da ANDOS?
— O mesmo tipo de perigo que suas duas filhas correm desde o dia em
que descobriram sua verdadeira identidade.
— Eu nunca quis que isso acontecesse — reforça o que já nos disse
inúmeras vezes.
O sonho de Brenda era que fôssemos os Fisher, uma família suburbana
comum. Mas ela teve que revelar o lado Saroyan, seu verdadeiro
sobrenome, e expor a mim e a Alex quem realmente era, quando aquele
maldito ataque aconteceu.
— Pelo menos concordamos em alguma coisa — digo a verdade mais
dura que carrego dentro de mim.
Posso gostar do que faço, posso ser boa e ter herdado todo o talento de
Brenda, mas a verdade é que, se eu pudesse escolher, teria escolhido uma
vida normal. Essa é uma realidade completamente distante e irreal para
mim agora, porém, se a possibilidade de voltar no tempo fosse verdadeira,
eu resolveria não ter ido à escola naquele dia, para não estar presente
quando o ataque acontecesse.
— O Bryan não pode saber a verdade, Joy — Brenda fala com um tom
mais suave, imaginando o que se passa na minha cabeça.
— Então é isso? Não vou poder mais conviver com o meu pai? —
questiono, sentindo a dor me consumir outra vez.
Encarar a tristeza dos olhos de Brenda faz com que eu queira chorar. Mas
eu me recuso a derramar lágrimas na frente dela.
— Eu não gosto dessa situação, mas não há outra escolha — responde,
racional, impassível, direta como sempre é.
Mais uma vez, o mundo desaba sob os meus pés. Não posso mais
conviver com meu pai. Minha própria mãe arrancou esse direito de mim.
Receber o amor de Bryan não é mais uma possibilidade. Ele acha que não
estou mais aqui. Se lembra de mim apenas como a garotinha que pedia colo
quando estava com medo. Da menina que pedia dinheiro para comprar um
sorvete e sempre trazia um para ele. Da adolescente rebelde que começou a
se afastar graças ao segredo que carregava, mas que ainda achava um
tempinho para demonstrar seu amor para ele. Para o meu pai, eu sou apenas
uma memória. Para mim, ele é uma grande saudade.
Brenda dá alguns passos para trás, respeitando que eu tenha meu
momento para sofrer. Viro de costas para ela, odiando que me veja
transparecer tantas emoções.
Como aceitar tudo isso? Abaixar a cabeça não é do meu feitio. Brenda
fez algo absurdo. Mentiu sobre a minha vida para o meu pai. Fez com que
ele chorasse minha morte, mesmo sabendo que eu estava viva. Como pôde
ser fria o suficiente para vê-lo sofrer dessa forma? Para ter causado toda
essa dor?
Entendo que ele não pode ser exposto a ANDOS, mas deve haver uma
forma de contornar essa situação. Me recuso a viver o resto da vida longe
dele. Preciso fazer algo a respeito disso. Preciso contar a ele a verdade.
Viro novamente para Brenda, que não se mexeu. Marcho até ela, ficando
à sua frente, o mais próxima que nossa relação permite, para que enxergue a
potência do meu olhar.
— Eu nunca vou te perdoar por isso — afirmo, convicta. Não há nada
que Brenda diga ou faça que me fará mudar de ideia.
Para minha sorte, ela entende meu posicionamento e resolve não discutir.
Eu declaro essa conversa encerrada, saindo da sala de reuniões com um
único objetivo em mente.
Desatar o nó que Brenda criou.
Eu poderia ir para casa e abrir uma garrafa de vinho, mas não estou com
humor para beber sozinha. Alex saiu com amigos da agência, Bryan foi
jogar cartas na casa de um amigo e acha que estou em um bar com colegas
de trabalho. Tenho mais algumas horas de liberdade, uma coisa rara em
minha vida.
Quando saio do parquinho que tanto fez parte da história de Joy, só
consigo pensar que preciso retomar meu equilíbrio. Ela me tira do sério. E
só há uma pessoa no mundo que consegue me transmitir a sensação de paz.
Toco a campainha sem saber o que esperar. Tenho a chave, mas costumo
usá-la apenas quando nossos encontros são combinados. Kyle não faz ideia
de que estou na sua porta.
Demora alguns segundos até que ele venha me atender. Escuto as travas
eletrônicas sendo desativadas e o barulho da chave abrindo a fechadura. Ele
tem câmeras no corredor e na porta, então já está sorrindo quando ficamos
frente a frente.
— Que surpresa boa — comenta, sexy como só ele consegue ser.
Está frio lá fora, mas Kyle está sem camisa, mostrando o peitoral largo e
forte, cheio de pelos brancos, com um aspecto masculino, meio homem das
cavernas, que eu adoro.
— Digo o mesmo. — Fito seu corpo, deixando minhas intenções bem
claras.
Kyle abre um sorrisinho malicioso sensual e permite minha entrada.
Deixo minha bolsa na mesa localizada ao lado da porta, desabotoo meu
casaco e levo minhas mãos para a gola para poder tirá-lo. Antes que eu
possa terminar o movimento, ele aparece atrás de mim e me ajuda,
completando a ação por mim. Seus dedos tocam meus braços no processo.
Estou com a pele coberta por uma camisa de mangas compridas, mas sua
lentidão faz com que eu sinta o arrepio proveniente do seu calor.
Ao fim do movimento, Kyle afasta meu cabelo e deixa um beijo em meu
pescoço. Olho para ele quando seus lábios se afastam da minha pele,
permitindo que meu desejo transborde e consuma cada parte do meu ser.
— Vinho? — sussurra próximo ao meu ouvido.
Sorrio com sua leitura perfeita.
— Por favor.
Ele vai até a cozinha e eu aproveito para tirar meus saltos, deixando-os
próximos à porta. O apartamento de Kyle é grande e discreto. Tem poucas
janelas, uma decoração em uma tonalidade bege e impessoal, não há
nenhuma foto que entregue que ele mora nesse lugar. Apesar disso, eu sinto
seu cheiro em todos os cômodos, reparo nos pequenos detalhes que
entregam que essa é sua residência. A cozinha organizada, o quarto mais
bagunçado, os pequenos itens que remetem às viagens que fizemos juntos
quando éramos mais novos. Uma Torre Eiffel, uma miniatura da Sagrada
Família, um pequeno Taj Mahal.
Me lembro exatamente do momento em que compramos cada um desses
itens. Nossa vida era tão fácil, tão descomplicada.
— Vai me dizer o que te aflige ou terei que adivinhar? — indaga,
posicionando duas taças na bancada de sua cozinha. Ele abre o vinho,
servindo a quantidade que sabe que gosto de beber.
— Hoje, terei que me manter misteriosa. — Brindamos antes de
tomarmos um gole do vinho.
Kyle não tira o olhar do meu enquanto bebe.
— Sempre me disseram que sou ótimo em desvendar mistérios — diz,
arrancando uma risada leve do meu rosto.
— Quem foi a mulher brilhante que chegou a essa conclusão? —
provoco, bebendo mais uma golada do meu vinho, sentindo o álcool aliviar
todo o meu estresse.
O álcool e Kyle.
— É uma mulher bem confiante. Não sinto a necessidade de reforçar isso
a ela, nem de bajulá-la. — Enquanto fala, ele vai se aproximando, até parar
ao meu lado, colocar suas mãos em minha cintura e grudar nossos corpos.
— Ela já é bajulada o suficiente — respondo, rindo, sentindo que fiz a
escolha certa de vir até aqui.
Termino meu vinho em uma longa golada, apoiando a taça na bancada
com força, para que Kyle entenda que o diálogo acabou. Levo meus braços
para o seu pescoço, envolvendo-o no meu corpo, trazendo sua boca para a
minha.
Quando nos beijamos, esqueço da realidade.
Não sou a diretora da ANDOS, a esposa de Bryan, a mãe de Alex, Joy e
Ethan.
Sou a Brenda de Kyle. A jovem despreocupada, ousada, apaixonada.
Suas mãos vão para minha bunda e ele aperta a carne com força,
grudando nossos quadris o suficiente para que eu sinta o seu pau duro. A
euforia da batalha das nossas línguas me obriga a ir andando para trás,
trazendo-o junto comigo, desviando dos móveis como se estivéssemos
dançando.
Direciono nosso momento até sua cama, porque, bem, conheço o
caminho.
Quando sinto o colchão atrás das minhas pernas, me abaixo devagar, sem
desgrudar meus lábios de Kyle, mas levando minhas mãos para a superfície,
sentindo onde estou me deitando. Ele apoia os joelhos no colchão, ficando
por cima de mim, se afastando para levar suas mãos aos botões da minha
camisa.
Assisto quando o homem potente que eu tanto amo tira as minhas roupas.
Kyle vai tocando meu corpo, esbarrando a ponta dos dedos nos meus seios,
em qualquer parte da minha pele, sempre que tem a oportunidade.
Quando minha camisa já está no chão, ele para e me contempla, como
sempre faz quando transamos.
— Nunca me canso dessa visão — murmura, os olhos verdes exalando
paixão.
Levanto meu tronco para poder puxá-lo para mais um beijo, querendo
aproveitar cada segundo que tenho ao lado dele.
Kyle leva as mãos ao fecho do meu sutiã, usando minha posição para
libertar meus seios. Sem soltar meus lábios, ele pressiona meus peitos,
usando a força certa, a força que me estimula e que eu gosto.
Sou conduzida de volta ao colchão, em poucos segundos minha saia já
está no chão, Kyle já tirou sua calça e estamos apenas com nossas roupas
íntimas.
Sua boca vai para o meu pescoço, chupando minha pele, distribuindo
beijos e carícias que me incitam a gemer.
— Kyle — sussurro, abraçando suas costas, mantendo seu peito colado
ao meu.
Os beijos vão descendo até meus seios. Ele mordisca os mamilos, aperta
ambos enquanto seu quadril se movimenta na direção do meu, em uma
fricção insuportavelmente boa.
Não tenho o corpo que eu tinha quando nos conhecemos, mas Kyle
continua me lançando o mesmo olhar de trinta anos atrás. Eu o encaro com
a mesma paixão, mas carrego um peso diferente nos ombros. Olhá-lo não é
tão fácil quanto era. Pensar na nossa história e no que eu fiz a ele acaba
comigo.
É por isso que prefiro me manter beijando-o. Puxo seu rosto novamente
contra o meu, nossos lábios se encontrando, mantendo um ritmo encaixado,
único.
Kyle leva uma das mãos à minha coxa, levantando-a para deixar nossos
quadris mais encaixados. Em meio aos beijos, ao suor, ao amor confuso e
conturbado que temos, encontro a paz que eu precisava, a sensação que
somente Kyle Fletcher consegue me transmitir.
Amor é leveza. Eu só me sinto leve com Kyle.
Inverto nossas posições, raspando meu quadril no seu, excitando-o mais,
sentindo seu comprimento através da cueca.
— Tira essa calcinha, B., ou vou rasgá-la — ele ameaça, levando as mãos
às laterais da calcinha, louco com a minha dança sensual.
Aceito a provocação e aumento meus movimentos, apoiando minhas
mãos em seu peitoral para deixar a cena ainda mais sensual. Meus peitos
estão balançando, meus cabelos caindo em meu ombro nu como ondas, os
olhos focados na luxúria exibida no rosto de Kyle.
— Você pediu, depois não reclame — ele fala antes de me empurrar na
cama, invertendo nossas posições de novo.
Uma de suas mãos vai direto para minha intimidade. Ele me toca com
lentidão, enlouquecendo cada pedacinho do meu corpo, transmitindo uma
sensação que não consigo explicar em palavras.
— Rasgue, Kyle — ordeno, desesperada para senti-lo.
Meu parceiro leva a boca até uma das laterais e rasga o tecido com os
dentes. Depois de fazer o mesmo do outro lado, ele arranca o que sobrou da
calcinha e cheira o lugar onde minha lubrificação escorria.
— Deliciosa como sempre — analisa, jogando o tecido longe, afastando
minhas pernas para poder me dar prazer.
Kyle me devora com a boca até que eu esteja à beira de um colapso. Ele
quer que eu implore, eu sei que quer, e hoje não tenho tempo para
joguinhos.
— Me fode do jeito que só você sabe, amor — peço, jogando baixo,
usando a nomeação do passado para fazê-lo agir com mais rapidez.
Kyle dá mais uma lambida em meu clitóris antes de descer da cama para
tirar sua cueca. Ele se senta próximo a cabeceira e sinaliza com o dedo para
que eu me aproxime. Apoio os joelhos no colchão, segurando seu pau para
guiá-lo para dentro de mim, do jeito que eu sei que ele gosta.
Vou sentando devagar até que ele esteja todo dentro de mim. Nesse
momento, paro e contemplo seu lindo rosto. Toco em sua boca, em suas
bochechas, em seu cabelo, admirando cada traço, apaixonada pelo homem
que se tornou.
O sentimento bom sempre vem atrelado a um que me derruba.
Acompanhei seu amadurecimento, mas não da forma que eu gostaria, não
da forma que deveria ter sido.
— Não pense demais, B. — pede, levando uma das mãos para o meu
rosto.
Trocamos o olhar doloroso que só nós dois entendemos o que significa.
Movo meus quadris para cima e para baixo, tentando me focar no sexo,
na luxúria, no tesão e não no preço que paguei pelas escolhas que fiz.
É difícil, eu sempre fui uma boa agente, impecável em qualquer disfarce,
mas Kyle consegue me ler com perfeição e derruba minhas barreiras com
uma facilidade que apenas concedo a ele.
Nossas transas são sempre uma confusão de arrependimentos, paixões e
perguntas. A todo momento, nos perguntamos “e se?”, mesmo que
estejamos conscientes de que nunca vamos mudar o passado.
Kyle muda nossa posição, passa a me foder estando em cima de mim,
depois de lado, em todos os ângulos que podemos, até estarmos cansados
demais para continuar. Seguimos na cama por mais alguns minutos,
olhando um para o outro, sabendo que em breve terei que ir embora e voltar
para a minha vida.
Os olhares transmitem o que sentimos e nunca podemos verbalizar.
A frase “eu te amo” está engasgada, entalada em nossas gargantas, em
prisão perpétua dentro de nossas bocas desde que eu fiz a escolha que nos
arruinou.
A escolha pela qual me arrependo, mas que para sempre carregarei
comigo.
Faz uma semana que Alex revelou o segredo de Brenda. Ainda me sinto
quebrada e magoada, mas entendi que não posso fazer nada para melhorar
essa situação. Eu fui embora, não pensei no que poderia acontecer com meu
pai, muito menos no que Brenda diria para ele. Também tenho certa
responsabilidade nessa bagunça e preciso lidar com isso.
No dia em que tudo aconteceu, compreendi que Bryan não podia saber a
verdade, mas segui brava com Brenda. Passei os últimos dias bem, até
minha querida mãe me chamar para conversar no parquinho que frequentei
durante a infância. Ela jogou baixo para tentar me amolecer, porém, não
funcionou. Continuo sem vontade alguma de perdoá-la.
Por sua causa, tive que ficar o final de semana inteiro sozinha, ao invés
de me aconchegar nos braços do meu pai, uma das únicas pessoas das quais
senti falta durante meu tempo fora. Zoey e Lucy me abrigaram oficialmente
quando contei a elas o que Brenda tinha feito, o que pelo menos ajudou para
que eu não ficasse sem teto. Aproveitei que Zoey foi para a casa de Nate e
Lucy foi dormir sei lá onde, para mobiliar e arrumar meu quarto.
Joy Saroyan passando o final de semana em lojas de departamento,
comprando uma cama, cobertas e itens decorativos.
Eu definitivamente cheguei no fundo do poço.
Chego na agência na segunda-feira sedenta. Do fundo do meu coração,
eu só quero poder acabar com alguém ainda hoje. Estou cansada de ficar no
tédio, preciso de um pouco de ação para me sentir bem. A vida pacata e
comum não é para mim.
— Se não é a garota mais infernal dessa agência. — Ouço uma
brincadeira atrás de mim e me viro para ver quem está me abordando de
forma tão íntima.
Estou na entrada da agência, já passei pelo scanner de retina e estou
colocando a credencial na bolsa de couro preta que comprei no final de
semana. Reparo que é James Masterson e seu filho, Mason, que me chama.
— Vice-diretor. É uma honra te ver. — Sorrio, esperando que os dois
passem pelas catracas para me cumprimentarem.
James faz parte do Big Six, como é popularmente conhecida a equipe
composta por ele, Brenda, Kyle, Liz, David e Christian Mayflower. Os seis
são os agentes ativos mais antigos da ANDOS e são conhecidos pela
excelência em campo.
Alguns dizem que o Big Six é a melhor equipe de todos os tempos,
apesar de não trabalharem tanto juntos, por causa de seus cargos, e eu
acredito fielmente nisso. Minha equipe tem potencial de ser tão boa quanto
a deles, se pararmos de brigar por bobeira e travar disputas internas. O que
faz os seis grandes agentes serem bons não são apenas suas habilidades
individuais, e sim o quanto são entrosados como um grupo. Eles se
comunicam, se completam, se veem como uma família mesmo agora,
quando não saem mais para tantas operações.
Sempre tive um contato próximo com esses agentes, principalmente com
James, que é braço direito de Brenda há anos na diretoria. Mas esse não é o
único motivo pelo qual sou próxima da família Masterson.
— Sentimos sua falta, Joy — ele diz quando para à minha frente, me
cumprimentando com um rápido abraço.
Quando se afasta, tenho a visão de Mason, seu filho mais novo, que tem a
mesma idade que Ethan teria agora.
— Uau, Mase, você cresceu! — comento, chocada pelo garotinho que eu
conheci ser quase um homem.
— Já fiz dezesseis — afirma, orgulhoso, e se aproxima para me dar um
abraço apertado. — Nunca tive a oportunidade de dizer que sinto muito
pelo que aconteceu com Ethan — ele murmura contra meu ouvido.
Suspiro quando o escuto, me soltando do abraço para poder encará-lo.
Mason e Ethan estudaram na mesma escola boa parte da vida e eram bons
amigos. Diferente de Brenda, James resolveu treinar seu filho desde que ele
era uma criança. Mason aprendeu a andar nos corredores da ANDOS e
sempre soube da verdadeira vida do pai, coisa que não podia contar a Ethan,
para respeitar as vontades da diretora. Meu irmão era vendado por todas as
pessoas que estavam à sua volta.
— Obrigada, Mason. Ele gostava muito de você — digo no passado,
porque seria inocente da minha parte não supor que meu irmão está
possivelmente morto.
— Sinto saudades dele. — O filho de James olha para baixo, triste, e
recebe um carinho nas costas de seu pai, que nunca deixou de lhe dar amor,
mesmo o treinando para ser um agente impiedoso.
A resposta “Eu também sinto todos os dias” fica entalada na minha
garganta.
Me pergunto como meu irmão estaria hoje em dia. Seus cabelos
continuariam mais compridinhos, do jeito que ele gostava de usar? Ele seria
forte? Conseguiria ultrapassar minha altura? Teria mantido o brilho em seus
olhos, se por acaso descobrisse que sua mãe e irmãs não eram quem diziam
ser? São muitas perguntas para nenhuma resposta.
Brenda não estava errada quando concluiu que eu vivo apegada ao
passado. É difícil superar uma história que não teve um fechamento
concreto.
— Vai subir? — James pergunta, me tirando da minha fantasia,
sinalizando para o elevador. Assinto, sorrindo e seguindo os Masterson até
o local. — Vou treinar Mason antes de começar a trabalhar — conta,
lançando um olhar orgulhoso para o filho.
— Espero você no treinamento de recrutas daqui dois anos. Os filhos dos
Big Six precisam ser os melhores, lembre-se disso — brinco, mas no fundo
estou falando a verdade.
A cobrança é muito maior. Eu passei por isso quando estive no
treinamento, Alex e Lucy também. E Natasha Masterson, a filha mais velha
de James, a primeira e única mulher por quem eu já me apaixonei, a mulher
que fez com que eu descobrisse que sou bissexual. Nós éramos próximas
durante um momento de nossas vidas, mas ela nunca terminou o
treinamento da ANDOS e acabou migrando para o FBI antes de ter a
chance de se tornar uma agente de fato.
— Ah, eu me lembro todos os dias. — Mason ri, mas eu sei que está
nervoso, não há como não ficar.
— E a sua irmã? — pergunto, curiosa para saber como Nat anda. Aperto
o botão para chamar o elevador para esconder o sorrisinho safado que exibo
quando me lembro de nossas escapadas durante os treinamentos que
tínhamos na adolescência.
— FBI. Se mudou para Nova York uns dois anos atrás — o garoto fala,
me contando apenas o que eu já sei.
Tive um infeliz encontro com Natasha durante meu tempo trabalhando
com minha segunda equipe, ao lado de pessoas que a agência abomina e
vive tentando eliminar.
Vamos dizer que prefiro que ela se mantenha em Nova York e não
resolva aparecer por aqui. A coisa poderia ficar feia para mim.
— Que bom — respondo a Mason no momento em que o elevador chega,
aproveitando para entrar e apertar o botão do vigésimo quinto andar. —
Você vai para a diretoria? — pergunto para James para que eu possa acionar
o botão do seu andar.
Ele leva uma das mãos ao cabelo grisalho, demorando para focar os olhos
azuis em mim. Noto que Mason está olhando para os números do elevador,
tentando parecer distraído. Estranho.
— Não sou mais vice-diretor — revela e minhas sobrancelhas se unem
no mesmo momento.
— Como assim? Por quê?
A ANDOS é conservadora, Brenda está no poder há anos e James sempre
foi seu vice. Sei que estou fora faz tempo, mas, para tirarem James, algo
aconteceu.
— Políticas. — Dá de ombros como se isso não fosse nada, como se
perder a segunda posição de maior prestígio dentro da agência não o
incomodasse.
Meu cu que não incomoda!
— Brenda concordou com isso? — questiono, mantendo certa cautela,
analisando o terreno para ver o que conseguirei descobrir.
James não é um agente qualquer.
— Brenda obedece às ordens que recebe, Joy. Mas nós continuamos
amigos, não se preocupe.
Eu definitivamente não me preocupo. Só desconfio do teor dessa história.
Minha mãe pode ter contato direto com o Presidente e ser obrigada a acatar
alguns de seus pedidos, mas ela sempre teve uma voz ativa e brigou pelas
coisas nas quais acredita. Ela não permitiria que James fosse tirado da
jogada se não houvesse um bom motivo.
Pelo menos uma coisa para movimentar meu dia.
— Você está em qual andar agora? — pergunto, fingindo que deixei essa
história de lado, porque conheço James Masterson muito bem.
Ele iria correndo conversar com Brenda se achasse que desconfiei de
alguma coisa.
— Décimo quarto.
Aperto o botão do seu andar, falando sobre amenidades para distraí-lo,
enquanto minha mente trabalha. Preciso descobrir por que James foi vetado
para ter mais peças desse quebra-cabeça. Sinto o cheiro de mistério pedindo
para ser desvendado.
James e Mason descem juntos e eu sigo no elevador até o vigésimo
quinto, indo direto para a sala de Luke.
Já trabalhamos no mesmo ambiente durante alguns dias depois que nosso
momento no treino de luta aconteceu. Torturamos o cara que nossa equipe
capturou na operação, conseguimos a informação que precisávamos,
trabalhamos em uma parceria de trabalho impecável. Entretanto, Luke não
disse nada e resolveu fingir normalidade, brigando comigo o tempo todo,
fingindo que eu não senti seu pau duro, que ele não falou a palavra
“bocetinha” com o rosto a centímetros do meu. Ainda pretendo confrontá-lo
sobre essa cena, mas, pelo menos hoje, não estou a fim de comprar essa
briga.
Estou mais interessada na emoção que investigar minha mãe e seus
colegas pode me trazer.
— Bom dia, Carter — cumprimento enquanto entro na sala, deixo meu
casaco no cabideiro ao lado da porta e jogo a bolsa no sofá.
Luke não move a cabeça, apenas levanta o olhar para mostrar o quanto
despreza meu senso de organização.
— Bom dia, Saroyan.
— Alguma novidade interessante? — pergunto, me jogando no sofá,
apoiando os pés na mesa do jeito que sei que ele odeia.
Luke retirou todos os enfeites do lugar para que eu não quebrasse nada.
Já entendeu que não vou sair da sua sala tão cedo.
— Estou trabalhando há — confere o relógio de punho — quarenta
minutos, mais ou menos, no caso que Nate nos passou no final da semana.
— Não deixo de notar a reclamação sutil em relação ao meu atraso.
— Ah, o da máfia? Achei chato — resmungo, porque odeio essa
investigação passiva para tentar descobrir como andam os negócios de
máfias que o Presidente se recusa a eliminar, por causa do movimento que
trazem ao submundo do país.
Luke me encara com um olhar estoico. Ele é tão responsável que me
irrita.
— Sabe o que é mais legal? — questiono, me levantando do sofá ao
entender que essa é a hora perfeita para abordá-lo. Afasto os itens de sua
mesa para me sentar no vidro, com as pernas viradas em sua direção, soltas
bem ao lado de onde está sentado. — Acabei de descobrir que James
Masterson não é mais vice-diretor. Isso me intrigou. Quer me contar o que
aconteceu?
Luke não exibe expressão nenhuma quando falo. Ou ele já se acostumou
com esse fato ou está tentando se controlar para não exibir nada em seu
rosto, porque sabe o quanto sou boa em analisar linguagem corporal.
Mal sabe ele que o silêncio diz muito mais do que palavras.
— Foram questões políticas, nada demais. — Dá de ombros da mesma
forma desencanada que James.
Meu parceiro acabou de comprovar que há algo nessa história que eu não
estou vendo. Estou prestes a perguntar o que diabos aconteceu nos últimos
anos para essa mudança ter sido permitida, quando o telefone da agência
toca.
Tomamos um susto, porém, Luke aproveita a interrupção e desvia o olhar
do meu para atender.
Droga, perdi minha oportunidade.
— Agente Carter. Sim, estou com ela. — Olha para mim e eu tento
perguntar quem está falando de mim. Ele levanta o dedo indicador, pedindo
que eu espere. — Estamos indo aí imediatamente. — Luke desliga, o
semblante mudando por completo.
— O que foi?
— Reunião de emergência no vigésimo nono — revela, se levantando e
pegando seu paletó na cadeira.
Trocamos um olhar, ambos compreendendo que a emoção do nosso dia
acabou de ser multiplicada por cem. O vigésimo nono andar da agência é
usado somente quando alguma figura importante do governo vem até aqui,
seja para uma visita ou para que possamos resolver alguma situação
urgente. Pelo tom da ligação e a rapidez com que nos locomovemos, chego
à conclusão de que algo aconteceu.
Não demora para que cheguemos ao andar mais reservado do prédio.
Diferente dos outros, sua pintura tem um tom mais escuro, as janelas são
mais discretas e há uma saída exclusiva que leva direto ao heliponto, tudo
para que as pessoas que frequentam esse lugar fiquem ainda mais
camufladas. Anunciar uma crise nunca é uma boa ideia. Nossa política é
sempre agir com a maior discrição possível.
O andar não está cheio, mas conto pelo menos meia dúzia de agentes do
Serviço Secreto posicionados em lugares estratégicos. Um deles nos aborda,
porém, Brenda sinaliza para que nos deixe passar. Esse andar contém
apenas uma sala gigantesca de reuniões com tudo o que precisamos para
poder investigar algum caso sigiloso, entretanto, não é lá que a diretora está.
— Agora que estão todos aqui, vou informá-los do que aconteceu — ela
fala assim que Luke e eu nos aproximamos do grupo.
O restante da nossa equipe já está no corredor, apenas esperando por nós.
O clima de tensão domina o ar.
Em uma rápida olhada, vejo que o Vice-Presidente, Marcus Woody, está
dentro da sala de reuniões, andando de um lado para o outro, nitidamente
nervoso com alguma coisa. David, pai de Lucy, está tentando conversar
com o VP, mas o homem não se concentra o suficiente a ponto de olhar para
ele. Presumo que, depois da saída de James, David se tornou o vice-diretor
da agência. É a escolha mais óbvia e explicaria sua presença nessa reunião
emergencial.
— O filho do VP foi sequestrado durante a madrugada, algumas horas
atrás. — Brenda olha discretamente para mim assim que termina de falar.
Minha respiração parece ficar presa nos pulmões, posso jurar que o
famigerado vigésimo nono andar se tornou pequeno. — Ele tem cinco anos.
— A informação extra termina de me quebrar.
Dou um passo discreto para o lado para poder me escorar na parede.
Luke, vendo meu abalo, segura em meu antebraço e ajuda a me manter em
pé. Ele não olha para mim, segue prestando atenção em Brenda para que
ninguém perceba o déjà-vu que estou tendo, mas ainda assim, está evitando
que eu desabe.
— É crucial que o encontremos o mais rápido possível. Crianças são
mais fáceis de serem vendidas e perdidas.
— Algum pedido de resgate? — Noah pergunta.
O ar ainda parece rarefeito, mas consigo controlar melhor minha
respiração. Estou tensa e mil pensamentos diferentes tentam me dominar.
Entretanto, uso toda a minha força mental para bloquear os sentimentos e
deixar apenas a razão entrar. Aos poucos, me solto do braço de Luke e
consigo me reerguer sozinha.
— Nada. Mas antes que um pedido seja feito, quero essa criança de volta
em sua casa — Brenda determina e nos direciona para diferentes tarefas.
Lucy e Noah partem para a parte tecnológica, recebendo ajuda de alguns
agentes do Serviço Secreto para terem acesso ao sistema de segurança da
casa do VP. Zoey vai colher depoimentos dos agentes que estavam vigiando
a residência durante à noite, e Nate e Luke entram na sala de reuniões para
conversarem com o VP.
Ameaço segui-los, mas Brenda segura meu braço, me impedindo de
seguir em frente.
— Tem certeza de que consegue lidar com esse caso? — questiona, os
olhos tão perturbados e feridos quanto os meus.
— Tem certeza de que você consegue lidar com esse caso? — devolvo,
porque, afinal, foi ela quem perdeu a cabeça quando Ethan foi tirado de nós.
— Não tenho escolha.
— Eu também não.
Olho para o meu braço, pedindo, em silêncio, para que me solte. Posso
não estar cem por cento bem com essa situação, mas jamais deixaria um
caso por causa disso. Vou encontrar esse garoto e trazê-lo de volta para
casa.
Me recuso a deixar que essa história termine da mesma forma que a de
Ethan terminou.
Uma hora depois, ainda estamos na mesma posição, tentando arrancar
informações úteis do VP. Eu não conhecia Marcus Woody, só o vi pela
televisão, e admito que o cara é tão babaca quanto imaginei. Homens em
posições de poder, normalmente, são. Ele está nos dizendo tudo o que
consegue, porém, seu estado catatônico o impede de se lembrar de detalhes
importantes que podem ser cruciais para descobrirmos o paradeiro de seu
filho.
— Sua equipe diz não ter ouvido nada, ninguém da sua família acordou,
não houve barulho algum. Ainda assim, você diz confiar em todos os
agentes do Serviço Secreto que trabalham para você. — Nate mais uma vez
expõe os fatos que já apuramos. O VP está tendo dificuldades de aceitar que
possivelmente tem um traidor em sua equipe, teimosia que pode custar a
vida de seu filho.
— O acesso à sua casa não é simples, senhor. Foi um sequestro limpo.
Alguém da sua equipe permitiu a entrada do sequestrador. — Luke reforça
o que estamos tentando lhe explicar.
Alguns minutos atrás, Lucy descobriu que as imagens de todas as
câmeras do lugar foram deletadas no momento em que o sequestro
aconteceu, o que só comprova nossa teoria de que existe um traidor dentro
da equipe de segurança.
E é exatamente por esse motivo que o Presidente nos designou para esse
caso. Não dá para confiar no Serviço Secreto nesse momento.
— Eu já disse que confio em cada um que trabalha comigo! — O VP
fala, meio gritando, meio tremendo.
— Você quer achar seu filho ou não? — questiono, perdendo a paciência.
— É claro que quero. — Ele abre os braços, como se perguntasse se sou
idiota por indagar uma coisa dessas.
— Então colabore e comece a pensar em quem andou irritando nos
últimos tempos. Se não falar por livre e espontânea vontade, iremos
arrancar a informação de outra forma — ameaço, sem ter medo de quem
esse cuzão é.
Estamos falando da vida de uma criança.
Nathan me lança um olhar repressor, se controlando para não me dar uma
bronca na frente do Vice-Presidente do país.
— Irrito muitas pessoas, garota — ele responde, conseguindo me colocar
nessa lista.
— Comece a nomeá-los — peço, dando alguns passos na direção dele. —
E não me chame de garota. Eu sou uma mulher. E nesse momento,
represento a única esperança de você ver seu filho de novo. — Coloco o
homem em seu devido lugar. Trabalhamos para o governo, mas isso não lhe
dá o direito de dizer o que quiser.
Dessa vez, Luke e Nate ficam quietos. Por suas expressões, percebo que
concordam comigo.
O VP suspira, sua testa está suando, o rosto exalando tensão. Eu o
entendo, já senti essa mesma sensação. Ter alguém que você ama arrancado
de você à força dói de uma maneira inimaginável. Mas se ele não colaborar,
não conseguiremos nada.
— Você tem alguma desavença com alguém da Casa Branca? — Nate
pergunta e espremo os olhos, desconfiada do teor desse questionamento.
— Várias pessoas. Mas isso é perfeitamente normal. Acha que alguém do
governo sequestrou o meu filho? Por quê? — O VP indaga, confuso com o
caminho que Nathan está tomando.
Antes que meu líder possa responder, Brenda, que até então estava quieta
no fundo da sala, sentada ao lado de David, se manifesta:
— Você tem algum problema com Richard O’Conell?
Me surpreendo quando escuto o nome que eu mesma arranquei de
Marlon, o suposto mafioso que minha mãe me pediu para torturar.
Entretanto, pareço ser a única surpresa. Luke, Nate e David não alteram a
expressão.
Se eu já estava desconfiada de que há algo acontecendo nos bastidores,
agora tenho certeza. Mas o quê? Porque eles sabem dessa informação? É o
que pergunto a mim mesma.
— Richard? O Chefe de Gabinete? — O VP questiona, tão perdido
quanto eu.
— Sim, Woody. — Brenda o chama de uma forma mais íntima, é como
se estivesse pedindo que confie nela.
O homem passa a mão nos cabelos, ainda desnorteado.
— Não gosto do cara, nunca achei que fosse uma boa escolha para o
cargo onde está. Temos opiniões bem diferentes, acabo sempre contra ele
quando temos que tomar alguma decisão, mas O’Conell é da confiança do
Presidente Campbell. — O que ele conta faz um sinal de alerta gritar na
mente de todos nós. Vejo que, discretamente, Brenda troca um olhar com
David. — Achei que estávamos atrás de bandidos, mafiosos, traficantes...
por que estamos nos preocupando com as pessoas da Casa Branca?
— Só levantamos uma hipótese, senhor. Fique tranquilo — diz Nathan,
mas não confio no tom de sua voz.
Especialmente quando todos eles sabem de algo que não sei.
Encaro Luke, buscando informações em seus olhos. Ele me conhece há
anos e compreende que estou desconfiada. Mas essa não é a hora, nem o
lugar para falarmos sobre isso.
— Achei uma coisa — Lucy grita, chamando a atenção para si. Ela está
sentada atrás de um dos grandes computadores da sala, e espelha sua tela no
enorme painel que há à frente de sua mesa. — Consegui acesso às câmeras
de todas as ruas do bairro onde o VP mora e encontrei um carro suspeito
que transita nos horários em que acreditamos que o garoto desapareceu. —
Ela mostra as imagens enquanto todos nos aglomeramos à sua volta.
— Rastreamos o veículo, mas ele foi abandonado em um posto de
gasolina a trinta quilômetros de distância dali — Noah dá continuidade,
mostrando outras imagens que comprovam a descoberta. — Outro carro
saiu no mesmo horário. Esse mesmo carro foi trocado mais duas vezes e, no
meio do caminho, outro veículo passou a acompanhá-lo na estrada.
— Onde estão os carros? Vá direto ao ponto, não temos tempo — Brenda
ordena.
— A caminho do litoral de Washington, estou rastreando em tempo real,
hackeando todas as câmeras no caminho — Lucy mostra a confusão em sua
tela preta, ela não para de digitar um segundo sequer, para poder continuar
acompanhando o veículo.
— Vamos abordar esse carro imediatamente. Quero a equipe toda na
missão. David, chame dois helicópteros agora — Brenda dispara,
apontando para o seu vice-diretor. David pega seu celular e sai da sala na
mesma hora, indo fazer a ligação. — Descubram quem está no comando e
tragam para o Navio. O resto, eliminem.
Sua ordem é clara e sucinta. Minha equipe apenas assente e se prepara
para a nossa primeira missão juntos desde a minha volta.
Eu não poderia pedir por um dia melhor.
Estou tentando me manter frio e impassível, mas me controlar fica difícil
quando vejo a escuridão tomar conta dos olhos de Joy. Divido minha
concentração entre tentar decifrá-la e evitar que nosso carro capote. A cada
segundo, descumpro uma lei de trânsito diferente. Ando na contramão,
passo nos faróis vermelhos, rio do limite de velocidade.
Assim que descemos dos helicópteros, uma equipe da agência local nos
esperava com reforços e dois carros para que pudéssemos perseguir o
suposto sequestrador. Nate, Zoey e Noah estão no carro à nossa frente, meu
amigo e líder parece a porra de um piloto atrás da merda do volante e
costura o trânsito sem dó. Para segui-lo, piso no acelerador e mantenho as
duas mãos no volante, agindo apenas de forma reativa.
A ação do nosso trabalho é sem dúvida a parte mais legal, a adrenalina
sempre invade minha corrente sanguínea e me deixa eufórico para cumprir
a missão que nos foi dada. Entretanto, hoje, especificamente, estou
preocupado com o que as sombras nas pupilas claras da minha parceira
podem significar.
Tenho a ignorado nos últimos dias, falando apenas sobre o trabalho,
fingindo que nosso momento no ringue nunca aconteceu. O melhor para
mim é me manter longe dela e eu sei disso. Esqueci da minha própria luta
por causa dela, porra. É óbvio que Joy é uma distração perigosa.
O problema é que não consigo deixar de me importar com ela.
Esse caso toca diretamente em sua ferida. O sequestro de seu irmão é
uma das poucas coisas capazes de desestabilizá-la. Ethan já era mais velho
do que o filho do VP, se bem me lembro tinha doze anos quando foi levado,
mas a história é similar em todos os outros aspectos. O filho de alguém
poderoso sequestrado dentro de sua própria casa.
Por sorte, conseguimos uma forma de localizá-lo em poucas horas, foi até
fácil, comparado ao caso de Ethan.
Não gosto de soltar teorias infundadas, mas confesso que a possibilidade
de os dois casos estarem interligados passou pela minha cabeça. O
pensamento logo foi embora, porque, apesar do modus operandi ser
parecido, Ethan foi levado há quatro anos. Não faria sentido, a não ser que...
Não. Estou vendo ligações que não existem. O filho do VP pode ter sido
sequestrado por diversas pessoas, ele tem inúmeros inimigos poderosos,
assim como Brenda.
— Luke, eles estão acelerando, aumente essa velocidade! — Lucy
comanda do banco de trás, monitorando os carros dos sequestradores
através de um pequeno computador.
Eu também acompanho a trajetória pelo painel central do carro. O
veículo de Nate está marcado logo à minha frente, os nossos alvos ainda
estão a algumas ruas de distância. Entendo o pedido de Lucy quando o
mapa vai se ampliando, porque nossa distância está se ampliando.
— Que merda, porra! — xingo, batendo na direção quando não consigo
costurar outros carros da maneira que gostaria.
Tenho que mudar a estratégia para conseguir acompanhar Nate e jogo o
carro para a pista contrária da estrada, andando na contramão por alguns
metros, voltando para a pista correta somente quando quase colido com
outro carro.
A adrenalina segue comandando minhas veias, Lucy solta um gritinho do
banco de trás, tão eufórica quanto eu. Olho para o lado para ver a reação de
Joy, mas ela sequer pisca. A AK-47 está em suas mãos, ela apoia a arma no
colo, porém, mantém o dedo indicador no gatilho, pronta para atacar.
Sua falta de emoção me deixa ainda mais preocupado.
— Joy? — Ela desvia os olhos para mim sem sequer mover a cabeça. —
Você está bem?
— Me deixe pegar o cara que ficarei — responde, destravando a arma
para provar seu ponto.
Como o esperado, ela vai usar esse caso para descontar a raiva pelo que
aconteceu com seu irmão. Decido que não vou sair do lado dela durante a
operação, porque conheço minha parceira e sei muito bem qual é sua maior
dificuldade.
Controle.
— Merda, eles estão saindo da estrada — Lucy alerta, e vejo pelo
monitor que os carros estão pegando um acesso à esquerda rumo a cidade.
Mudo de pista para ficar mais próximo ao acesso, vendo que Nathan está
fazendo o mesmo.
— Noah, diga ao Nate para seguir à esquerda — Lucy se comunica com
o parceiro através do ponto em seu ouvido. — Luke, acelere e saia no
próximo acesso à direita.
— O que? Quer que eu me distancie do alvo? — questiono, confuso com
a ordem, sem sair de onde estou.
— Só me obedeça, porra! Não confia em mim? — a loira devolve,
irritada, agitada pela responsabilidade que tem em mãos e não pelas
substâncias externas que tem mania de usar. Agradeço por ter se mantido
sóbria pelo menos hoje, caso contrário nossa missão poderia ser
comprometida.
Não respondo, apenas mudo de pista, acelerando o máximo que consigo e
a obedeço, pegando o próximo aceso à direita. Fico completamente longe
do alvo, por um momento, sinto que estou indo pelo lado oposto e que Lucy
está fazendo a maior cagada do século.
— Cassidy, que diabos? Vamos perdê-los!
— Vire à esquerda — ela segue me dando orientações sem sentido.
— Estamos andando em círculos — reclamo, mas obedeço.
— Direita — orienta, ignorando minhas reivindicações.
— Lucy!
— Cala a boca, Carter! Ela está nos fazendo cercá-lo! — Joy berra,
engatilhando a arma mais uma vez, completamente puta comigo.
Caralho, como eu não percebi?
— Vamos encontrá-los na próxima rua, vire à direita agora e pise no
acelerador com a maior força que puder — Lucy orienta, vejo que fechou
seu notebook e está pegando uma arma em seu coldre, pronta para atacar.
Agora que conheço seu plano, tenho confiança para obedecê-la sem
pestanejar. Enfio o pé no acelerador, cruzando a avenida movimentada em
segundos, chegando em uma ruazinha no mesmo momento que nossos
alvos tentam cruzá-la. Nathan está logo atrás deles, impedindo que fujam
pelo outro lado, eu estou com o carro atravessado, impedindo que saiam
pela frente. Os filhos da puta estão encurralados.
— Eu disse para confiar em mim, Carter — diz Lucy, e eu pisco para ela,
mostrando que nunca mais duvidarei de sua palavra.
Em sincronia, nós três descemos do carro, equipados com nossos coletes
a prova de bala e armados até os dentes. Nate, Zoey e Noah fazem o mesmo
no outro veículo e os homens ficam sem escolha. Ou descem dos carros ou
estão mortos.
Como tem amor à vida, as portas dos veículos começam a abrir e quatro
homens aparecem com as mãos para cima, indicando que se renderam. Eles
estão vestidos de preto, apenas um está com uma jaqueta de couro, peça
normalmente usada por membros de máfias, mas não há nada que denuncie
a qual grupo pertencem.
— Cadê o garoto? — Nathan questiona com um berro, a arma
empunhada na direção de um deles.
— Não sabemos de nada disso — um deles responde.
— Vocês pegaram os caras errados — outro completa.
Não acredito nessa baboseira. Lucy foi minuciosa ao encontrá-los.
Parece que não sou o único descrente, porque Joy dá um tiro nos pneus
frontais de ambos os carros, já dizendo que não vão escapar.
— Se continuar mentindo, o próximo vai ser na testa de um de vocês —
ameaça, a voz firme, sem um pingo de hesitação.
É bom que esses caras não sejam burros e duvidem da palavra dela.
— Nós não temos...
Sempre tem que existir um burro, porra!
Joy não espera que ele complete a frase. Apenas atira no meio de sua
testa, como prometido.
O corpo do homem cai no chão em um baque. Seus olhos estão abertos, o
sangue escorrendo do buraco no meio de sua testa e formando uma poça à
sua volta.
— Vão começar a falar ou querem ter seus miolos explodidos? — Nate
pergunta, e ao ver o receio dos homens, atira no pé de um deles.
O cara urra de dor, mas Nathan não permite que ele se abaixe para tentar
estancar o sangramento ou fazer qualquer outra coisa para amenizar seu
sofrimento. Com um movimento de cabeça, ordena que seu irmão vá até o
homem. Noah o segura pela gola da jaqueta de couro, levantando-o do chão
com apenas uma das mãos.
— Nós não estamos com o garoto, eu juro — o homem fala, chorando de
tanta dor.
Homens que trabalham para o submundo não duram muito, por isso estão
constantemente sendo substituídos. Para esse imbecil chorar desse jeito por
causa de um tiro no pé, é porque deve ser novato na gangue. Típico.
— Onde ele está? — Zoey questiona, pegando duas facas em sua cintura,
apontando-as para o homem.
— Eu não sei. Nós só estávamos responsáveis por distrair vocês —
responde em meio às lágrimas, todo amedrontado.
Minha equipe troca um olhar que diz o óbvio. Esse idiota não vai nos
ajudar. E se não vai ser útil, pode servir de lição.
Nate assente para Noah, dando o sinal para que ele faça o seu melhor
para apagá-lo. Noah não é tão frio e violento como eu e Nate, mas faz o seu
trabalho. Ele permite que o cara apoie os pés no chão novamente. Quando o
trouxa acha que vai escapar dessa ileso, Noah quebra o seu pescoço.
Agora só nos restam dois.
— Vão ser inúteis ou vão abrir a maldita boca e colaborar? — Joy
indaga, nós já mostramos do que somos capazes, os dois estão cientes do
destino que terão se não nos derem o que queremos.
Estamos com pouco tempo, cada segundo é crucial para recuperarmos o
garoto. Penso em atirar na perna de um deles para mandar um recado, mas
Zoey é mais rápida. Ela lança uma faca no ombro de um deles, a lâmina
entra direto no músculo e se finca ali. O homem leva a mão ao ferimento,
mas não tira a faca dali, sabendo que pode sangrar até a morte se o fizer.
Zoey aproveita sua distração e lança outra faca, dessa vez no ombro oposto.
O sorrisinho em seus lábios é maldoso, imagino que ela esteja adorando que
conseguiu lançar as facas de forma simétrica, minha amiga sempre diz que
adora mandar recados com classe. Zoey é adepta a frase “não perder a pose
jamais”.
Enquanto seu amigo sofre com as facas fincadas nos ombros, o único
homem ileso nos olha com crescente desespero. Esse é o imbecil que vai
abrir a boca. Ele já tem incentivo o suficiente.
— Levaram o garoto para as docas. Vão embarcá-lo em um navio para a
América do Sul em poucos minutos.
A revelação que tanto queríamos aparece.
Em um movimento rápido, atiro no homem esfaqueado, livrando-o de
seu sofrimento. O outro mantém as mãos atrás da cabeça, nervoso com seu
destino, com certeza se perguntando se há uma chance de ser poupado por
ter aberto a boca.
— Noah, Zoey, aguardem a equipe da agência chegar para recolher esses
corpos e depois venham até as docas — Nate ordena, jogando a chave do
carro para o irmão. — Façam o que quiser com ele. — Aponta para o
homem que nos revelou o paradeiro do garoto. Chuto que ele estará morto
em menos de cinco minutos. — O resto de vocês, comigo.
Entro no carro novamente, Joy se joga ao meu lado, Lucy e Nate no
banco de trás. Saio de ré, manobrando o carro para voltar à avenida e seguir
caminho até as docas. Lucy pega o notebook novamente para nos guiar e
me vejo mais uma vez costurando o trânsito.
No caminho, reabastecemos nossas armas e enchemos nossos coldres
com mais munição. As pistolas são substituídas por armas de maior calibre,
prontas para eliminar todos que cruzarem nosso caminho.
— Esse garoto precisa voltar sem nenhum arranhão, ouviram? — Nate dá
o último comando antes de descermos do carro.
Estaciono nas docas de qualquer jeito, nós quatro saltamos para fora do
veículo, mas paramos assim que notamos a magnitude do lugar. Inúmeros
containers estão espalhados, há pelo menos meia dúzia de navios atracados
e dezenas de pessoas.
Com civis na missão, a coisa fica muito mais complicada.
— Vamos nos separar — sugiro.
— Não, tenho uma ideia melhor. — Lucy volta para o carro depois de
falar, tira o seu notebook de lá, apoia na capota e começa a digitar. — Deve
haver uma parte mais reservada nessas docas, algum lugar sem tantos civis.
— Nenhum sequestrador é idiota a ponto de se infiltrar em meio a tantas
pessoas para tentar embarcar — fala Joy.
— Bingo! — comemora Lucy, nos indicando no mapa um lugar a direita
das docas. — Aqui diz que essa entrada é reservada a entrada e saída de
itens valiosos.
— Ou seja, uma ótima cobertura para negócios ilegais — conclui Joy. —
Vamos matar esses desgraçados! — Ela empunha a arma e nos
posicionamos de novo, agora indo para o lugar certo.
Nate avisa Zoey e Noah da nossa localização e eles relatam que já estão a
caminho. Não sabemos quantos homens enfrentaremos, então qualquer
reforço é bem-vindo.
Usamos os containers espalhados pelo lugar para nos esconder e mapear
nossos inimigos. Nos alternamos para checar quantos são e onde estão.
— Dois de guarda ao sul. Três ao norte — informa Nathan.
Chega a vez de Joy de fazer a contagem e ela olha direto para a saída
para o oceano. Quando volta a nos encarar, percebo que está se controlando
para não transparecer nenhuma emoção.
— Eu vi o garoto. Estão o arrastando para dentro de um barco pequeno,
provavelmente na direção do navio que está atracado mais longe. Há pelo
menos oito homens com ele.
O garoto tinha que ser visto justo por ela? Puta merda.
— Precisamos agir agora — afirmo, sabendo que Joy não precisa de um
consolo, e sim de ação. Se demorarmos mais e eles entrarem nesse barco,
fodeu.
— Noah e Zoey chegaram, eles vão pegar os guardas no norte — conta
Lucy, se comunicando com seu parceiro pelo ponto em seu ouvido.
— Eu e o Luke vamos pegar o garoto — Joy afirma e, sem sequer ouvir a
resposta de Nathan, sai em disparada na direção do barco.
Sem ter outra escolha, a sigo, sabendo que nossa equipe nos dará
retaguarda pelos fundos eliminando os guardas sem serem notados.
Minha ideia era ser discreto para evitar um caos generalizado, mas minha
parceira parece estar pensando justamente o contrário. Enquanto se
aproxima, já mata dois caras com tiros na cabeça. Os outros homens
percebem que estão sendo atacados e apontam suas armas contra nós dois.
Joy está esperando a retaliação, mas eu não estou a fim de levar um tiro,
então a puxo pelo colete para que possamos nos proteger atrás de um dos
containers.
Tiros ecoam para todos os lados, é fato que nossos amigos também foram
descobertos e estão travando uma batalha contra os alvos. Eu odeio quando
saímos da estratégia, odeio essa sensação de não saber se meus
companheiros de equipe estão vencendo ou perdendo, se algum deles está
ferido ou morto.
— Porra, Luke, eu estava com outros dois na mira! — Joy reclama
enquanto escoramos nossas costas no container, escutando o barulho das
balas atingindo a estrutura.
— Você ia acabar levando um tiro. Precisa pensar antes de agir, Saroyan!
— A afirmação soa como uma bronca porque, no fundo, sei que ela merece.
Joy está sendo imprudente, não consegue enxergar que a proximidade do
caso com sua vida pessoal está interferindo em seu julgamento.
— Temos que atacar ou eles vão sumir com o garoto, caralho! Pense um
pouco, porra! — Ela me empurra, apoia a arma no ombro e se posiciona
para sair do nosso esconderijo.
Filha da puta! Vou ser obrigado a segui-la.
Uso o outro lado do container, rezando para que nossa conexão em
campo esteja tão afiada quanto antes. Ao mesmo tempo, nós dois saímos e
armamos fogo contra os homens. Joy atira no peito de um deles, outro
aponta sua arma para ela, mas consigo pegá-lo, atingindo-o com dois
disparos no pescoço. Reparo que o garotinho está sendo segurado por um
homem, suas mãozinhas estão algemadas e ele chora de desespero enquanto
assiste o desenrolar de seu resgate. Esse garoto nunca vai esquecer das
cenas que está presenciando, nunca vai apagar o desespero que sentiu por
ser levado de sua família. Por causa desses idiotas, estará traumatizado para
o resto da vida.
Apenas quatro homens nos separam do garoto. Nós estamos com as
armas apontadas para eles, eles com suas armas apontadas para nós. Mas
ninguém atira, sabendo que a retaliação vai ser imediata. Eu e Joy vamos
nos aproximando passo a passo, como se estivéssemos em uma dança
perfeitamente coreografada. Se bem a conheço, está querendo matar todo
mundo para pegar o menino, mesmo que isso signifique perder sua própria
vida. Eu já penso diferente. Antes de partirmos para o ataque, podemos
tentar um meio-campo.
— Soltem o garoto e deixamos vocês escaparem — ofereço, me
mostrando aberto a negociar.
Os três homens mais à frente desviam o olhar para o que está segurando
o garotinho. Presumo que ele seja o chefe.
— Não — responde, indo pelo caminho que eu não gostaria de seguir.
Agora, é guerra.
Dois homens atiram contra Joy, mas ela é uma especialista, uma atiradora
nata, treinada para fugir desse tipo de situação. Ela desvia dos tiros com
maestria, virando o tronco para que algumas balas peguem em seu colete,
outras passem batida. De um jeito bizarro, ela arranja um ângulo para atirar
na perna de um deles.
Aproveito que o homem está desestabilizado e o ataco. Bato com a arma
em sua cabeça, mas o filho da puta é mais treinado do que os homens que
encurralamos mais cedo. Ele ri quando recebe a pancada e devolve um soco
pesado em meu rosto. O gosto de sangue inunda minha boca, mas não deixo
que a dor me consuma. Esqueço de sua existência e me anestesio para o
bem da missão.
Levo meu punho fechado ao queixo do homem, atingindo-o por baixo,
fazendo sua cabeça ir com tudo para trás.
— Pro lado! — Joy grita e entendo seu comando na hora, me afastando
para que ela atinja o babaca na cabeça, eliminando-o de vez.
Enquanto me ajuda, outro homem se aproxima, dando uma cotovelada
em sua testa, cortando o supercílio na hora. Me prontifico a ajudá-la, mas
não consigo, porque outro se aproxima para brigar comigo. Percebo que o
garotinho se debate nos braços do chefe, que tenta arrastá-lo para dentro do
barco. Para nossa sorte, ele não consegue sair imediatamente, porque a
embarcação está presa por uma corda grossa que precisa ser desenrolada
com certa paciência. Com o filho do VP se movendo desse jeito, o homem
não conseguirá fazer o que precisa. Isso nos dá algum tempo de vantagem.
A briga com o cara é boa, ele tem um soco forte e reage rápido, mas não
é páreo para mim. Seu rosto está protegido pela guarda, então levo meu
punho direto para a boca de seu estômago, sabendo que o baque deixará o
homem desestabilizado. Quando ele cambaleia, me preparo para o golpe
final, atirando em seu peito.
— Luke! — minha parceira grita e me viro para vê-la sendo segurada
pelo colete, os pés longe do chão.
Faço um sinal com a cabeça e, em pura sincronia, Joy chuta o saco do
cara, fazendo com que ele a solte. Ela cai no chão e eu tenho o espaço
perfeito para matá-lo.
— O mar! — avisa quando me aproximo, estendendo a mão para ajudá-la
a se levantar.
Pelo menos vinte homens se aproximam em jet-skis, vindos do navio que
Joy apontou como o local para onde o menino estava sendo levado.
— Ajuda emergencial na saída! — falo pelo comunicador em meu
ouvido, rezando para que nossos amigos estejam livres para nos auxiliar.
— Vou pegar o garoto — Joy anuncia, aceitando minha ajuda,
recuperando sua arma no chão e correndo na direção do chefe.
Um tiroteio infernal começa quando os homens nos jet-skis estão a uma
distância boa para atirarem. Revido alguns disparos, mas fico sem munição
e acabo voltando a me proteger no container para me reabastecer. Odeio
deixar Joy sozinha, mas não tenho escolha, alguém precisa ir atrás do chefe
antes que ele suba naquele maldito barco.
Quando saio do esconderijo, o resto da equipe já se aproximou e
batalham contra nossos inimigos, que já estacionaram seus jet-skis para nos
atacar. Mato dois caras antes de perceber que Joy está brigando com três ao
mesmo tempo, e que o chefe amarrou o menino em uma viga de madeira no
píer. Com as mãos livres, ele consegue, aos poucos, desatar a corda de
marinheiro que mantém o barco atracado.
Deixo o resto da equipe cuidando dos homens, ignorando os barulhos dos
disparos, o sangue que vejo em seus rostos e que escorre direto para o mar.
Corro até Joy, vendo que ela está machucada, mas, como sempre, resistindo
e batalhando. Enquanto bate em um, ela usa o outro para atacar o terceiro,
quando ele tenta golpeá-la, ela puxa o homem pelo braço para que ele seja
atingido no lugar dela.
Quando estou próximo o suficiente, atiro em um dos caras, vendo seu
corpo cair na água, devido à proximidade com o mar. Joy está chutando a
barriga de um, quando outro puxa seu cabelo, arrastando-as pelos fios. Ela
solta um berro misturando dor e raiva, tentando atacá-lo.
Nesse momento, seus olhos se encontram com os meus e ela abre um
sorrisinho, sabendo que agora terá uma briga justa.
Ela agarra o tornozelo do homem que a segura pelo cabelo, derrubando-o
no chão. Joy tenta prendê-lo no lugar, mas o outro vem por trás dela e a
ataca com uma coronhada. Sem se abalar, minha parceira fica de pé,
entrando em um combate corpo a corpo com o cara. Sabendo que estou por
perto, ela dá um mata-leão no homem, afastando a cabeça o suficiente para
que eu o atinja.
Quando o solta, Joy suspira, ofegante pela batalha que acabou de
enfrentar.
— Vá atrás do chefe! — comando quando vou para cima do homem que
ela derrubou no chão, o último que preciso destruir antes de chegar no
garoto.
Tudo acontece muito rápido. Destruo o homem em poucos segundos e
estou pronto para resgatar o menino, quando vejo que Joy está montada em
cima do chefe, desferindo incontáveis socos em seu rosto. Vejo o sangue
jorrar do corpo do homem, sujando o cabelo, o rosto e a roupa de Joy.
— Joy! — chamo, me aproximando, tentando fazer com que pare. —
Precisamos dele vivo! Joy! — chamo de novo, mas ela não olha para mim.
Quando me aproximo o suficiente, consigo ver que seus olhos estão
vazios. O homem já está morto, mas ela continua batendo, desfigurando seu
rosto, descontando toda a raiva que guarda por nunca ter concluído o caso
de seu irmão.
— Joy! — Minha última tentativa é falha. Seguro em seu ombro,
empurrando-a de cima do homem para tentar trazê-la para a realidade.
Minha parceira me encara com raiva quando cai sentada no píer. Aponto
com a cabeça para o chefe, e quando ela toma consciência do que fez, os
olhos passam a transbordar pânico.
— Luke... eu... — tenta falar, mas não consegue, em choque por ter
perdido completamente o controle. Em sua expressão, decifro uma certa
dúvida. Parece que ela viu algo que a surpreendeu.
— Luke, Joy! Que porra? — Nate questiona, se aproximando da cena na
mesma hora.
Se ele tivesse chegado segundos antes, teria flagrado Joy exterminando o
homem sem dó.
Encaro minha parceira em busca de uma resposta. Espero que ela
responda, mas, como o esperado, Joy fica atônita, ainda se recuperando do
baque. Respiro fundo, voltando a olhar para Nate, notando que nossa equipe
inteira está atrás dele, aguardando explicações. Os homens que vieram nos
atacar estão todos mortos. Não restou ninguém para entendermos porque
levaram o filho do VP. O garoto ainda está amarrado, chorando
copiosamente, apavorado com as imagens que nunca sairão de sua mente.
— Alguém me responda agora! — Nathan insiste, usando sua voz mais
intimidadora, montando a pose de líder.
Eu não tenho escolha. Preciso justificar a cena que eles estão vendo com
coerência. Preciso explicar o que aconteceu. Preciso ser honesto.
— Ele veio para cima dela. Éramos nós ou ele.
Eu menti para protegê-la.
Menti para o meu melhor amigo, para o meu líder, para a minha equipe
inteira.
Fiz algo que não faz parte da minha índole, algo que não tenho o costume
de fazer, por causa dela.
Esse é o tamanho do poder que essa mulher tem sobre mim.
Posso tentar evitar, mas meu ponto fraco é ela. Sempre vai ser. Eu faria
de tudo por Joy. E isso é assustador pra caralho. Mais assustador ainda, é
me dar conta de que eu estava me enganando.
Disse a mim mesmo diversas vezes que eu não era o mesmo cara porque
não cairia na dela de novo. De fato, não sou o mesmo de quatro anos atrás.
Mudei e mudei muito. Aprendi com sua ausência, me priorizei, dei mais
valor para o meu trabalho. Entretanto, meu amor por ela ainda está vivo.
Meu sangue ferve quando estamos perto, eu fico quente por inteiro, me
arrepio, tenho uma necessidade visceral de protegê-la.
Joy era mais do que minha namorada e sabe disso. Eu a via como uma
família e sou o tipo de homem que protege sua família, que protege seu
amor. Constatar que minha paixão segue existindo não é fácil, não me
agrada. Na verdade, faz com que eu sinta que perco o controle, porque
meus sentimentos por ela fazem exatamente isso.
Me fazem perder o controle.
Cair aos seus pés.
Fazer o que ela precisa que eu faça para ficar bem, independentemente
das minhas crenças. Sinto medo dessa ação involuntária da minha mente.
Eu me apavoro, porque ainda não confio totalmente nela. Não quero me
entregar, com medo de que ela vá me deixar outra vez. Preciso me manter
duro, fechado, arisco. Não vai ser fácil, mas, depois dessa reflexão, sinto
que é o necessário.
— Aí! — ela reclama enquanto passo o algodão por sua pele branca,
limpando o sangue seco.
Assim que a missão acabou e uma equipe local chegou para dar um jeito
nos corpos, pegamos os helicópteros e voltamos para a sede da ANDOS.
Ninguém falou durante a viagem, Nate não comentou mais nada, nem
cobrou por mais detalhes. Apesar da conclusão da missão ter sido um
sucesso — o filho do VP já está de volta em sua casa —, não conseguimos
descobrir quem foi o mandante do sequestro. Todos os corpos serão
analisados, vamos investigar a vida de cada homem que matamos na
operação, mas o processo seria muito mais rápido e conclusivo se
tivéssemos um chefão para torturar e colher informações. Essa falha não
será perdoada por Brenda.
— Se reclamar mais uma vez, deixo você limpar seus ferimentos sozinha
— falo, irritado com a falta de cooperação de Joy.
— Eu devia ter ido ao hospital — rebate, tão mal-humorada quanto eu.
— Devia mesmo.
Joy está cheia de hematomas nos braços, ganhou um corte grande na
perna por causa de uma faca, um corte no supercílio — que estou limpando
— e um olho arroxeado. Todos os membros da equipe estão doloridos, mas
ela sem dúvida foi a que mais se machucou.
— Não acredito que você perdeu o controle daquele jeito — resmungo,
cansado de me manter em silêncio. O que aconteceu hoje poderia nos
comprometer, poderia nos custar nossos empregos, até mesmo nossas vidas.
Se Joy não fosse filha de Brenda, nossa punição seria duríssima. — Tive
que limpar sua barra, tive que mentir por você! — continuo, querendo que
ela justifique, que ela me diga o que diabos aconteceu.
— É isso que parceiros fazem — responde sem muita emoção.
Joy segue impassível, presa dentro de sua perigosa e brilhante mente.
Tenho a leve sensação de que ela não está afastada apenas por ter deixado a
raiva consumir seu corpo. Minha parceira é uma máquina mortífera, sempre
matou sem pestanejar, sem sequer piscar. Essa situação foi pessoal, sim,
mas minha intuição me diz que há algo que não estou vendo.
— Não, não é isso que parceiros fazem. Parceiros se protegem — corrijo,
apoiando o algodão que usava para limpar sua pele na mesa de centro.
Estamos no meu escritório, sentados no meu sofá, com poucos
centímetros nos separando.
Estendo a mão para pegar um curativo na caixa de primeiros socorros.
— Então, você me protegeu — Joy fala enquanto me fita, uma doçura
fingida transbordando em seu olhar.
Grudo o curativo com calma, protegendo o corte da forma mais delicada
que consigo. Quando o movimento leve termina, me dou o direito de
explodir.
— Não desse jeito! Isso compromete nosso trabalho — alerto, porque
Joy não parece enxergar a magnitude do que fez. — O que aconteceu lá?
— Um homem morreu — responde com sarcasmo, virando o rosto todo
para me encarar, para me mostrar que não tem medo de usar seu jeito
irônico para me fazer recuar.
Mas eu a conheço. Cada traço de sua personalidade é conhecido por
mim. Eu sei lidar com ela, sei interpretá-la, sei como cutucá-la até que fique
perto do limite e solte alguma informação importante.
— Joy, pelo amor de Deus, admita que você perdeu o controle! — Passo
as duas mãos no rosto, mostrando minha frustração com esse deslize.
Joy levanta as duas sobrancelhas, nada abalada com o quanto me
importei com sua situação, nada grata pela ajuda que eu dei. Não sei por
que eu esperei o contrário.
— Igual você admite que sentiu tesão por mim durante nossa luta? —
joga no meio da conversa, me deixando boquiaberto.
Eu não acredito que ela citou o momento que tivemos naquele maldito
ringue. A cada frase, Joy só comprova o quanto é ardilosa. Ela quer me
incomodar, quer que eu entre na sua só para poder discutir algo que, em
tese, é minha culpa. Fui eu que escolhi fingir que nada aconteceu,
justamente com medo de cair em suas garras de novo.
Não posso deixar o Luke bondoso dar as caras. Preciso que a versão mais
dura que construí nos últimos anos assuma as rédeas desse diálogo.
Deixar Joy no controle é a pior ideia do mundo.
— Não misture as coisas! Isso não está relacionado ao que está
acontecendo aqui. Estamos falando de trabalho, não da vida pessoal. —
Diminuo a distância de nossos rostos, encarando-a diretamente, tentando
transmitir a mesma impassibilidade que ela demonstra.
Joy compra a briga e se aproxima um pouco mais.
As pontas dos nossos narizes quase se encostam.
Sinto sua respiração se misturar à minha.
Seus olhos vão direto para os meus.
Por alguns segundos, caio no seu encanto, fico tentado a provar seu
veneno, me deixo hipnotizar pelo verde de seus olhos.
— Quando se trata de nós, as coisas estão sempre interligadas — sussurra
com sua voz mais sexy, arrepiando cada pedacinho do meu corpo.
É um truque, Luke. Ela é uma serpente, uma víbora, uma encantadora de
homens. Vai te convencer a pedir desculpas no final desse diálogo, sem
você ter feito nada.
— Não, não estão — respondo, retomando o controle do meu corpo ao
relembrar tudo o que essa mulher já me fez. — Joy, você perdeu totalmente
o controle. Você espancou até a morte um cara que nós devíamos trazer para
o Navio!
Joy recua quando percebe que não cai na dela.
— Nada aconteceu, Luke. Ele foi para cima de mim, não foi isso que
você disse? — Muda completamente a voz, a postura, o modo como me
olha.
— Quer acreditar na mentira até que se torne verdade? — retruco. Ela
apenas dá de ombros, aparentando descaso. Mas eu sei que há mais do que
ela está mostrando. Preciso insistir até que ela se irrite. — Você se lembrou
do Ethan? Quis se vingar daquele homem como se ele tivesse sequestrado
seu irmão?
— Você realmente não tem amor a sua língua.
— Você está escondendo alguma coisa.
— Não, não estou.
— Você sempre teve um problema com controle, mas nunca desse jeito.
Joy me encara, quieta, apenas esperando para ver o quão longe eu vou.
— Fala pra mim, Joy, confia em mim! — peço, tentando uma abordagem
mais amigável. Quando ela não responde, cerro os punhos, sentindo meu
corpo queimar de irritação. — Eu sei que você está escondendo alguma
coisa! — Me exalto, praticamente gritando com ela.
— Igual vocês todos estão escondendo algo de mim? — responde sem
perder a postura, plena, impassível. Exatamente como Brenda.
Sua rebatida me desestabiliza e ela sabe. Tento disfarçar, mas nós dois
sabemos que não há como negar. Nós estamos mesmo escondendo um
segredo dela. Um segredo grandioso, perigoso e que precisa se manter nas
sombras.
O problema é que Joy não vai permitir que isso aconteça.
Ainda estou formulando uma resposta quando Noah bate à nossa porta
para avisar que Brenda já nos aguarda na sala de reuniões. Quando me viro
para encarar Joy, ela já está de pé, e passa por mim com um olhar de
superioridade, de quem sabe que venceu.
Joy irá expor os Serpentes sem dó se descobrir o que estamos fazendo em
suas costas. Nesse momento, o ditado “mantenha seus inimigos por perto”
me parece corretíssimo. Se não trouxermos Joy para o nosso lado, ela irá
nos destruir.
Quando chega a hora de irmos embora, Nate convida Zoey para ir à casa
dele e, com uma gargalhada alta e irônica, ela recusa. Ele fica puto, o que
deixa minha amiga mais puta ainda. Para Nathan, toda a discussão que
tiveram na reunião não teve importância. Zoey fica brava quando ele finge
que nada aconteceu, e é exatamente isso que estamos discutindo dentro de
seu carro.
— Ele quer bancar o maduro, mas é um frouxo que não assume a
responsabilidade pelas coisas que diz! — Zoey explode, se permitindo
perder um pouco as estribeiras agora que estamos apenas entre amigas.
— Sigo sem entender por que você continua com ele — digo a mesma
frase de sempre, isso é algo que de fato nunca entra na minha cabeça.
— Brenda colocou um basta na situação e você vai na missão, amiga —
Lucy fala e eu me viro para o banco de trás, erguendo as sobrancelhas para
ela. — O quê?
— Vai passar pano para macho? Só porque a Brenda “resolveu” o
impasse? — Faço aspas com as mãos.
Lucy olha para o lado, parecendo desconfortável.
— Só quis dizer que as coisas acabaram bem. — Tenta se justificar, mas
não adianta. Já estou com uma péssima impressão de suas opiniões.
Viro de volta para frente, vendo Zoey segurar o volante com as duas
mãos, os nós dos dedos brancos, tamanha a força que ela aplica.
— Ei — chamo e ela me encara, os olhos escuros carregados de uma
raiva que eu odeio ver em sua expressão. — Você é a pessoa certa nessa
situação.
Zoey acena com a cabeça e eu estendo minha mão para segurar a dela,
mostrando meu apoio.
— Nathan é maravilhoso em muitos quesitos. — Franzo o rosto quando a
escuto. Zoey solta um riso quando nota minha expressão. — Ele é, Joy.
Caso contrário, eu não estaria com ele. — Assinto com desgosto. Eu sei que
isso é verdade, porque Zoey é um mulherão foda e não se contentaria com
pouco. Mas não apaga nada do que Nate faz ou fala. — O problema é que
às vezes eu sinto que ele se irrita com a minha liberdade e se incomoda com
minha independência. E eu me pergunto até quando ele vai aturar uma
mulher como eu, até quando eu vou aturar seus surtos. Sinto que estamos
sempre próximos do fim. Esse pensamento me quebra porque eu até poderia
viver sozinha, mas prefiro viver ao lado dele.
As palavras de Zoey são fortes, tocantes e me fazem refletir sobre
inúmeras coisas. Lembro da conversa que tivemos em nosso apartamento
outro dia, quando Lucy afirmou que o amor não é tão simples. A história de
Zoey e Nate é a prova disso, a minha com Luke também. Se tudo fosse
fácil, nós estaríamos juntos e felizes, mas as memórias de nosso passado
ainda o ferem. Se tudo fosse fácil, Nate não seria machista e daria a
liberdade que Zoey precisa.
Raramente vejo minha amiga fraquejar, entretanto, hoje, seus olhos estão
marejados e ela se controla para não desabar. Aperto sua mão com força
para que veja que está tudo bem chorar e libertar toda mágoa dentro de si.
Zoey me agradece com um sorriso, mas eu sei que não vai se permitir sofrer
por causa disso.
— Não preciso de lágrimas, preciso dormir — diz, soltando uma risada
seguida de um bocejo. Vê-la bocejar me dá vontade de fazer o mesmo.
— É, terei que concordar. Precisamos dormir.
Nós duas rimos e olhamos para Lucy, esperando que ela nos acompanhe.
Contudo, nossa amiga está com os olhos vidrados no celular, alheia à nossa
conversa.
— Tudo bem aí? — Zoey pergunta, trocando um olhar discreto comigo.
A estranheza de Lucy é notada por nós duas. Quando ela ergue a cabeça,
com uma expressão distante, bem diferente da que estampava quando
entramos no carro, entendemos que há algo de errado.
— Meu pai mandou uma mensagem querendo conversar. Ele quer que eu
durma na casa dele, provavelmente vai querer falar sobre a provocada que
dei na minha mãe. Sabe como é, aqueles dois se protegem até o fim. — Dá
uma risadinha que demonstra o quanto sua explicação foi uma mentira
deslavada.
Quem fala demais, normalmente, não está dizendo a verdade.
— Posso te deixar lá — Zoey oferece e já dá partida no carro.
— Não, não. — Lucy gesticula, o desespero me deixando mais
desconfiada. — Ele vai vir me buscar aqui.
Troco outro olhar com Zoey.
David foi embora um pouco antes de nós. Qual a chance de vir buscar a
filha por que quer conversar com ela no meio da madrugada?
— Podemos ficar com você enquanto ele não chega — é minha vez de
oferecer alguma coisa, tentando ver o quão longe sua mentira chega.
— Vocês querem dormir. Podem ir. Consigo me cuidar. — A loira leva a
mão para a cintura, a saliência mostra que há uma arma ali, mas isso não me
deixa mais tranquila.
Antes que possamos continuar discutindo, Lucy se despede, abre a porta
e caminha de volta para a entrada do bunker. Permanecemos estacionadas
por alguns segundos, ambas olhando para nossa amiga e se perguntando o
que diabos está acontecendo com ela.
É somente quando Zoey dá partida e nos afastamos do campo visual de
Lucy, que temos coragem de verbalizar nossos pensamentos.
— Quando isso começou? — questiono, tentando preencher os espaços
em branco que os últimos anos deixaram.
— Lucy está estranha há mais de um ano.
A revelação de Zoey me deixa pensativa. Já vi Lucy passar por poucas e
boas, mas ela nunca se afundou dessa forma.
— Ela está usando de novo? — Vou direto para o assunto mais cruel, do
qual ninguém gosta de conversar.
Eu presenciei o vício de Lucy, assisti minha amiga mergulhar nessa
merda de pouquinho em pouquinho, até que estivesse completamente
afundada.
Zoey passa a mão no volante, diminuindo um pouco a velocidade do
carro, prolongando essa conversa tão importante, que já deveríamos ter tido.
— Ela voltou a usar quando pegou David e Liz na cama. — A revelação
me faz abrir a boca, tamanho o choque. Odeio que Lucy teve uma recaída,
mas adoro os casos de família da agência. O entretenimento é de alta
qualidade. — Não é da minha conta, mas parece que eles estão tendo um
caso. Lucy está perturbada com isso, já que a separação foi o gatilho para
tudo desandar na vida dela.
— Acha que esse é o único motivo para ela ter voltado a usar? — indago,
jogando uma hipótese no ar, esperando que Zoey esteja tendo as mesmas
impressões que eu.
— Não, não acho. Pode ter sido o pontapé inicial, mas não é o que faz ela
continuar.
— Tenho a teoria de que os problemas de Lucy são muito mais
complexos do que enxergamos — constato, me perguntando se devo revelar
a Zoey a conversa que tive com nossa amiga no telhado da agência. Em
poucos segundos, decido que é melhor termos essa conversa de vez e
exponho nosso diálogo, certa de que Zoey, assim como eu, só quer o melhor
para Lucy. — Ela perguntou se eu iria matar o Marlon. Estava toda
estranha, querendo informações que, em tese, não fazem grande diferença
para o trabalho dela. Fora que, quando questionei por que estava me
perguntando, se esquivou e jogou nossa amizade na conversa para tentar
fazer com que eu me sentisse culpada.
— Ela queria Marlon morto? Isso não faz o menor sentido. — Ela nega
com a cabeça, os pensamentos a mil depois da revelação que acabei de
fazer.
— Só faria se ela quisesse evitar que ele revelasse alguma coisa. Para
essa teoria estar certa, Lucy teria que estar envolvida com a Tempestade
Noturna — digo a hipótese perturbadora em voz alta enquanto Zoey
manobra o carro em nossa garagem.
— Você acabou de dizer que ela parecia querer que você desconfiasse. Se
estivesse envolvida com uma máfia, com certeza iria esconder até a morte.
Lucy não é boba.
— É isso que me intriga e me leva a pensar em uma outra possibilidade...
— Jogo a frase no ar, esperando que Zoey entenda meu raciocínio.
— Lucy estar sendo ameaçada.
A constatação vem no segundo em que Zoey puxa o freio de mão e
desliga o carro. Ficamos um tempo em silêncio, apenas refletindo e
pensando no que podemos fazer para ajudá-la.
Tenho para mim que a segunda teoria tem mais chance de estar certa,
porém, não podemos perguntar nada a Lucy sem ter certeza absoluta. Tudo
o que nos resta, nesse momento, é observar para entendermos o panorama
completo da situação. Se Lucy está sendo coagida a fazer algo que não quer,
a Tempestade Noturna está ainda mais perto do que imaginamos. O fato de
terem uma forma de ameaçar uma agente inteligente como ela também me
preocupa, e significa que Lucy está escondendo algum podre de nós.
Foi bom conversar com Zoey sobre Lucy para alinhar o que sabemos,
porém, infelizmente, ainda não podemos agir. Precisamos esperar, analisar e
atacar na hora certa, ou nossa amiga poderá escapar. Uma pessoa abalada
como ela não cede facilmente, muito menos aceita ajuda. Para não a
perdemos, precisamos ser pacientes e delicadas, duas virtudes que eu com
certeza não tenho.
Para mim, a melhor forma de combater a dor, é com mais dor.
Depois de um dia inteiro sendo ignorado, desisto de tentar esperar por um
retorno de Zoey e, em um único telefonema, consigo uma vaga no round
dessa noite.
Vou até o quarto de Noah para avisá-lo que vou sair, mas meu irmão não
está. Imagino que esteja com Lucy, como quase toda noite, ou que tenha
arranjado alguma puta para comer. Odeio que ele não me avise do seu
paradeiro, mas, com tanta coisa me estressando no dia de hoje, resolvo
relevar sua falta de consideração. Ele sabe que sou paranoico em saber onde
ele está, então prefiro presumir que está com Lucy e esqueceu de me avisar.
Enquanto dirijo, digito uma mensagem para Luke e passo em seu
apartamento para buscá-lo. Escondido embaixo de um moletom escuro,
meu amigo entra no carro, batendo a porta com força, tirando o capuz com
brutalidade, já mostrando como está seu humor.
— Você é louco, porra? — Luke se exalta e eu faço uma careta. Não
estou com a menor vontade de brigar. Pelo menos, não usando palavras.
— Relaxa.
— Relaxa? Nós temos um acordo, Nate! Cada um luta em uma noite,
para o outro ficar de guarda e evitar qualquer merda. O que deu na sua
cabeça para se enfiar no ringue na mesma noite que eu?
É difícil ver Luke bravo, principalmente comigo. Entendo que quebrei
um combinado nosso, mas foi por uma causa nobre.
— Preciso desestressar, cara! Não trepo há dois dias, a cuzona da Zoey
não me responde. Se eu não quebrar a cara de alguém, vou pirar. — Aponto
para minha cabeça. Entrei nessa com Luke para ter um momento de alívio,
longe da minha posição de líder, das responsabilidades que tenho com meu
irmão, com meu trabalho. Quando estou no ringue, não preciso cuidar de
ninguém além de mim mesmo.
— Vou ligar para o Walter e me retirar das lutas de hoje. — Pega seu
celular, mas o impeço de desbloquear o aparelho, roubando-o para mim. —
Que porra?
— Ele vai surtar se você sair em cima da hora. As apostas já devem estar
rolando. — Aperto o botão para acender a tela do seu celular, mostrando o
horário. Luke suspira, incomodado porque sabe que estou certo. — Vai ficar
tudo bem. Nós não vamos perder.
— E na final? Vamos lutar um contra o outro? — ele pergunta e eu sorrio
para descontrair o clima.
— A dupla “Mad” batalhando frente a frente. Imagina o quanto vamos
embolsar! — Me empolgo, jogando o celular de volta para ele e esfregando
uma mão na outra, pensando no dinheiro. Ter uma grana guardada nunca
faz mal. Eu sei muito bem o que é passar perrengue e não quero nunca
mais.
— Vai ser a única vez, entendeu? O combinado não pode mudar.
— E não vai. Um luta, um cuida — afirmo, sério.
Luke assente devagar. A expressão irritada vai aos poucos se
transformando em um riso. Vou me deixando levar por ele, até que
estejamos os dois rindo, animados com a noite louca que teremos pela
frente.
— Vou adorar arrebentar sua cara na final — ele se gaba e eu gargalho.
Só pode ser zoeira.
— Quem disse que você vai vencer, bonitão? Estou pronto para acabar
com a sua raça!
— Que o melhor vença, Starffey. — Luke pisca para mim e finalmente
dou partida no carro, agora com tudo resolvido e uma nova meta traçada
para a noite.
Vencer meu melhor amigo.
Assim como Luke, eu amo a gritaria que nos envolve quando estamos no
ringue. Tanto quando estou dentro, usando meus punhos, quando estou fora,
apenas observando meu amigo acabar com qualquer marmanjo, é essa
gritaria que me estimula, que me faz continuar frequentando o Silver Fight.
Walter deve ter espalhado que a dupla “Mad” lutaria hoje à noite, porque
o lugar está mais lotado do que o normal. Ele nos colocou em chaves
diferentes para que batalhássemos somente na final, fazendo as pessoas
apostarem mais e mais dinheiro e permanecerem mais tempo no galpão
enchendo a cara. Não dá para negar que Walter é um visionário.
Como o esperado, detono todos os idiotas da minha chave e enfrento
Luke na final. Enquanto uma das funcionárias, com uma roupa minúscula e
indecente, nos apresenta para o público, deixando-os ainda mais eufóricos
por nos ver batalhando, em um momento raro e inédito, troco olhares com
Luke. Estamos tendo um breve diálogo silencioso para decidir como será o
curso dessa luta. Em tese, a briga só acaba quando um dos oponentes fica
desacordado. Nós não podemos levar a luta até esse ponto, não só porque
somos amigos e não gostaríamos de arrebentar a cara um do outro, mas
porque temos que trabalhar amanhã. Não dá para explicar os hematomas
sem ter uma missão como justificativa.
— De um lado, aplausos para o nosso campeão, invicto há mais de vinte
lutas, Mad Tyson! — a mulher chama a plateia para gritar o codinome de
Luke, apontando para ele.
Meu amigo acena para todos, batendo a luva uma na outra enquanto me
lança um olhar sanguinário. Ele move a cabeça para o lado e aponta para
mim, me levando a entender que quer que a vitória seja minha.
Teremos que fazer um belo teatro.
— Do outro, o oponente mais desafiador, o invencível Mad Jones! — Ela
aponta para mim e eu aceno para as pessoas, fazendo o mesmo ritual de
Luke.
Nós nos posicionamos no centro do ringue, prontos para nos enfrentar. A
mulher se afasta, fazendo um sinal para que os homens do lado de fora
soem o sino de início.
A euforia dos espectadores aumenta ainda mais quando temos o aval para
iniciar a luta. Estralo o pescoço, focando o olhar em Luke, tentando
amedrontá-lo com certo sarcasmo, uma postura louca que a plateia adora.
Quando acho que Luke vai fazer o mesmo, ele dá um soco direto na
minha bochecha. O movimento me pega de surpresa e me deixa puto na
hora. Fito meu amigo com braveza, mostrando que não gostei da atitude.
— É uma luta. Siga no jogo — diz, me lançando uma sequência de socos
que, dessa vez, consigo defender.
Não tenho tempo para pensar. Luke é um oponente ágil e forte, tão bem
treinado quanto eu. Arrisco dizer que não existe um melhor entre nós,
somos igualmente bons. Se estivéssemos em uma briga de verdade, eu
poderia vencer hoje, ele amanhã. A vitória seria alternada e equilibrada,
assim como nossas habilidades.
Aproveito alguns segundos em que Luke diminui o ritmo, para investir
contra ele. Até agora, a vantagem é sua, mas, se for para eu vencer, a plateia
precisa acreditar que estou mais forte.
Alterno entre golpes em seu queixo, braço e costelas. Não quero
machucá-lo demais, então não exagero na força. Estamos dando nosso
melhor para dar um bom show, mas as pessoas querem mais sangue, pedem
por mais agressividade.
Enquanto desfiro golpes na direção do rosto de Luke, ele mantém a
guarda alta. Nossos olhares se cruzam e eu já peço desculpas
antecipadamente pelo que terei que fazer. Meu amigo mostra o mesmo, e
responde meus socos com uma cotovelada em meu queixo.
Sinto o sangue preencher minha boca. Meus dentes doem, esse filho da
puta não perdoou na força. Não sou vingativo, mas preciso vencer essa
merda. É o combinado.
Volto a golpeá-lo, e aproveito que está atento com seu rosto, para dar um
chute em suas costelas. A força não é suficiente para fazê-lo perder o ar,
mas Luke faz um bom teatro fingindo que sim. Ele segura a lateral do
corpo, demorando para puxar o ar, e eu ergo as mãos para o alto, fazendo a
plateia enlouquecer.
Meu amigo abre um sorriso perturbador ao notar minha atitude. Me
preparo, porque sei que Luke vai vir para cima para nosso grand finale. Em
uma corrida rápida, ele leva as duas mãos ao meu ombro e me empurra até
que minhas costas batam nas cordas do ringue. O elástico me impede de
cair, preciso me segurar para não voar direto na plateia.
— Cuzão! — reclamo, cuspindo sangue no chão, próximo ao seu pé.
Uso o impulso do elástico para revidar. Disparo golpes na direção de
Luke, acertando um em seu olho que tenho certeza de que irá ficar roxo. Lá
se vai nossa tentativa de esconder o lado clandestino de nossas vidas.
Em momentos normais, eu estaria extremamente preocupado com esse
deslize. Mas no meio dessa batalha, com a adrenalina consumindo minhas
veias, eu não penso em nada, a não ser na vitória. Luke, assim como eu,
sequer se lembra do que deixamos no mundo lá fora.
Aqui, somos a dupla “Mad”. Loucos por sangue, pela adrenalina, pela
vitória.
A plateia grita quando eu enlouqueço, enchendo Luke de porrada. Ele
revida, me segura pelos ombros, tenta me derrubar, mas sou quem acaba o
derrubando. O impacto das costas do meu amigo batendo no chão levanta
os espectadores. Eles gritam quando prendo Luke no chão e fecho meu
punho, erguendo-o, prestes a acabar com ele. Antes que eu possa completar
o movimento, Luke inverte nossas posições. Não deixo que ele me prenda
no chão e nós rolamos pelo ringue, batalhando até o último segundo,
entregando o melhor espetáculo que o Silver Fight já viu.
Percebo que Luke diminui a força, o que entendo como um sinal para a
finalização. Fico por cima dele de novo, prendendo-o, e dou o soco final
que eu tanto queria. Não abuso para não apagá-lo, mas Luke faz um ótimo
teatro virando o rosto e fechando os olhos, declarando sua derrota.
Eu me levanto, batendo com as luvas no peito, chamando mais a plateia,
pedindo que me ovacionem. A gritaria aumenta a euforia dentro de mim.
Sou consumido pelo sentimento de paz e relaxamento que lutar me
transmite.
Esqueço tudo o que eu sentia, porque aqui eu sou o cara.
Aqui, nada me abala, nada me afeta, não há ninguém que consiga me
atingir.
A boa notícia é que o garoto saiu com o pau intacto. Bom, não
totalmente, porque Joy pisou em suas bolas de salto alto. Imagino que não
tenha sido muito agradável, mas ele pelo menos aprendeu a lição. Não
duvido que vá fazer isso de novo, porém, é certo que vai se lembrar de Joy.
Sua ameaça foi inesquecível.
— Nós não conseguimos ter uma noite normal — constato, rindo de leve.
Joy está com a cabeça apoiada no meu abdômen, usando apenas minha
camiseta, deitada de barriga para cima na minha cama. Faço carinho em seu
cabelo, observando a bagunça do quarto. Estou apenas de cueca, minha
camisa está jogada no chão, a calça deve ter ficado na sala. O vestido de Joy
está perto da porta de entrada do apartamento, porque precisei despi-la
antes de chegarmos no quarto. A euforia da noite nos consumiu e transamos
na sala. Depois no quarto. E no banheiro.
— Nosso jantar precisava de uma adrenalina — responde, sem tanto
humor. — É impressionante como atraio o caos.
— Não sei se atrair o caos é o termo correto. Acho que nós só não
conseguimos ignorar algumas coisas que aparecem na nossa frente, como
pessoas normais.
Joy fica em silêncio, pensando demais. Não a pressiono, apenas enrolo
seus fios de cabelo nos meus dedos, mostrando que estou aqui, esperando
que fique pronta para falar.
— Sim, mas eu atraio o caos, Luke. Aonde quer que eu vá, o caos está
atrás de mim.
Sua frase me deixa intrigado.
— Está falando sobre seu tempo fora? — Ela fica quieta de novo. — Se
não quiser responder, tudo bem. Mas eu gostaria de saber o que você fez,
por onde passou. Não para jogar na sua cara, até porque já superamos essa
fase. Quero apenas preencher a lacuna que esses anos deixaram.
Joy segue olhando para cima. Suas mãos estão entrelaçadas em cima de
sua barriga. Ela tamborila os dedos em nítido nervosismo. Já tentei
questionar sobre os últimos quatro anos, mas não obtive sucesso.
Entretanto, isso foi meses atrás, quando ela havia acabado de voltar e meu
ódio ainda falava mais alto. Agora, estamos em uma relação, que, no fundo,
de casual não tem nada. Temos sentimentos um pelo outro e Joy sabe que
não estou perguntando por que quero brigar, e sim porque quero apenas
saber.
— Eu passaria semanas contando cada detalhe e não faria diferença,
então vou resumir. — Quando fala, eu já sei que não entregará tudo. Parte
de mim se frustra, outra parte fica feliz por pelo menos obter alguma coisa.
— Assim que fugi, procurei por Ethan. Foram meses tentando rastreá-lo,
mas não deu certo. Descobri que Brenda não tinha desistido por falta de
vontade, e sim porque era um beco sem saída. Mas eu não podia voltar, não
com a culpa que eu sentia. Eu já estava saturada quando conheci uma
garota. — Gelo com sua frase, pensando que vai dizer que se apaixonou e
viveu uma história de amor com essa tal garota. — Nós trabalhávamos
juntas. Um dia, saímos para beber e descobri que ela estava envolvida com
um cara perigoso. Ele tentou matá-la, eu revidei. A noite foi uma bagunça
generalizada e minha amiga não saiu com vida.
— Sinto muito.
— Isso me despertou uma vontade de fazer justiça por aqueles que não
podiam se defender. Ela não tinha condições de brigar com aquele cara.
Fiquei me perguntando quantas mulheres passavam pelo mesmo. Fui indo
de cidade em cidade, conhecendo pessoas, hackeando a delegacia local para
encontrar denúncias de casos de estupro, assédio e abuso. Descobri um
número absurdo de ocorrências que eram fechadas por falta de provas.
Comecei a ir atrás daqueles homens para fazê-los pagar. Não foi bonito. —
Na última frase, olha para mim, fazendo uma cara engraçada.
Estou prestes a perguntar como ela hackeou a delegacia se não é boa
nisso, quando resolvo deixar para lá. Estamos em um bom momento, ela
está se abrindo, vou correr o risco de vê-la se fechar de novo se eu
pressionar demais.
— Quantos paus você cortou? — pergunto, intrigado.
Um sorriso lateral repleto de escárnio se forma em seu rosto.
— Impossível de ser contabilizado.
Como resposta, levo as mãos à frente da minha cueca, protegendo meu
precioso pau. Joy bate no meu braço, revirando os olhos pela brincadeira.
— E você seguiu nisso até ser presa? — indago, desconfiado.
Quatro anos apenas matando abusadores? Joy Saroyan se entedia
facilmente. Não consigo imaginá-la fazendo a exata mesma coisa por tanto
tempo.
— Basicamente sim. — A resposta vaga me faz ter certeza de que estou
certo.
Joy não me contou nem metade da história.
Não é possível que ela tenha ficado sozinha.
Não é possível que ela não tenha chamado a atenção das máfias locais
assassinando tantos homens.
Não é possível que ela tenha passado quatro anos apenas bancando a
justiceira.
Joy está escondendo a maior, e talvez mais obscura, parte dessa história.
A falta de conhecimento me corrói por dentro.
Tenho para mim que sua história é ainda mais perturbadora do que
imagino.
Estou tentando não pensar na falta de confiança de Luke diante da minha
resposta. Imaginei que ele iria tentar descobrir o que fiz nos últimos anos
novamente, mas uma parte de mim estava esperançosa de ele se apegar ao
momento bom que estamos vivendo e esquecer a lacuna em nossa relação.
Fui inocente e quis fingir que vivia em um conto de fadas, quando na
verdade durmo ao lado de um homem que me perdoou, mas no fundo ainda
guarda rancor do meu abandono.
Decidi entregar alguma coisa para que ele se sentisse respondido, mas
Luke é esperto e logo compreendeu que não contei a história inteira. Alguns
dias já se passaram e ele não me pressionou para dizer mais, entretanto, esse
momento irá chegar. Luke está apenas esperando a hora certa de me
encurralar. Mal sabe ele que não vou abrir a boca nem sob tortura. Se ficar
sabendo de tudo, não vai me olhar do mesmo jeito, porque fiz algo que é
considerado uma das maiores traições da agência. Me envolvi com o outro
lado.
O assunto não vai ser mais citado por mim e espero que não seja tão cedo
por ele. Nos próximos dias, quero focar minha energia na missão que temos
a cumprir.
Chegamos em Washington na noite de ontem. Estamos hospedados em
um hotel próximo à Casa Branca, onde diversas figuras importantes do
governo do nosso país e do mundo também estão alocados. Se misturar não
era a primeira escolha de Brenda, que sempre prefere discrição, mas o
Presidente Campbell insistiu que ela ficasse nesse hotel, para que tivesse
toda a segurança e o conforto necessário. Como se nós precisássemos.
Estamos evitando conversar uns com os outros. Brenda não quer que as
pessoas vejam que somos um grupo grande, muito menos que percebam
que somos agentes da ANDOS, um mito para grande parte das pessoas que
irão ao baile.
Ajustamos os comunicadores em nossos quartos antes de sairmos rumo a
nossa próxima missão. Luke enlaça o braço no meu e desfilamos juntos
pelo hotel, cumprimentando pessoas de todo o mundo pelo caminho até a
entrada, onde um carro do Serviço Secreto nos espera. Ao longe, vejo Nate
e Zoey entrando em outro carro. Lucy e Noah já foram há alguns minutos,
Brenda e Kyle avisaram que já estão lá, e Liz e David estão logo atrás de
nós. Como James não veio, Christian optou por também ficar. Uma pena.
Eu estava doida para lançar um olhar ameaçador para ele.
Ajeito meu vestido rosa quando saímos do carro, logo em frente à Casa
Branca. Há um perímetro de segurança gigantesco criado pelo Serviço
Secreto, envolvendo nosso hotel e toda a propriedade da residência do
Presidente, para que ninguém tente nos incomodar. Troco um olhar com
Luke enquanto entramos no majestoso local.
— Você está espetacular — ele sussurra quando paramos na fila da
entrada.
— Você também não está nada mal. — Pisco para ele, sem conseguir
conter meu sorriso. Estou sorrindo muito ultimamente.
Luke está com um smoking preto feito sob medida. A gravata borboleta
azul faz oposição ao meu vestido rosa. Seu cabelo está arrumadinho,
penteado para trás de um jeito elegante e sério, que não deixa de ser
sensual. Ele está um gato. Nós dois estamos, na verdade. Algumas pessoas
até nos encaram, espremendo os olhos para tentar nos reconhecer, achando
que somos famosos ou qualquer baboseira do tipo.
Ignoramos todos os olhares e seguimos para o salão onde o baile está
acontecendo. Mesas estão posicionadas nas laterais, no centro há uma pista
de dança, onde alguns casais se divertem ao som do DJ. Reparo que há uma
escadaria à minha direita. Algumas pessoas circulam no andar superior, que
é aberto como um mezanino. Noto algumas portas fechadas, locais perfeitos
para reuniões secretas. O governo é traiçoeiro. Um evento como esse é
ótimo para fazer acordos sem todo o alvoroço de uma reunião oficial.
Também é ótimo para que um homem com alto cargo político converse com
um bandido sem que percebam.
— O’Conell está com a esposa no mezanino — Liz anuncia no
comunicador.
Olho para cima ao mesmo tempo que Luke. Vemos Elizabeth e David no
fundo do mezanino, conversando e bebendo uma taça de champagne,
aparentemente distraídos. Contudo, a mãe da Lucy faz um breve
movimento com a cabeça, apontando para Richard O’Conell, posicionado
mais à frente, também bebendo com sua esposa.
— Topa uma dança? — Luke pergunta e eu faço uma careta. — Sei que
estamos no meio de algo, mas Liz e David vão ficar de guarda por agora.
Vamos usar esse tempo para nós dois.
A ideia não me agrada. Distrações no meio de missões não são bem-
vindas. Mas Luke está com a mão estendida na minha direção, os olhos
repletos de esperança de que eu aceite o convite. “Bust Your Windows”, da
Jazmine Sullivan, uma música que amo, e que tem a batida perfeita para
uma dança a dois, começa a tocar. É quase como se o universo estivesse me
dizendo para aceitar.
Sou desconfiada por natureza, algo que considero uma qualidade e um
defeito ao mesmo tempo. Isso me ajuda a sobreviver, mas me priva de viver
momentos bons. E estou cansada de perder momentos bons.
— Me mostre suas habilidades, Carter — aceito o convite, prometendo a
mim mesma que manterei os olhos abertos e os ouvidos atentos.
Luke me conduz ao centro da pista de dança. Uma de suas mãos vai para
a minha cintura, a outra segura na minha. Levo meu braço para seu ombro,
estufo o peito e fixo meu olhar no seu. Travamos uma conexão tão poderosa
que não escuto nada além da música. Não vejo ninguém à minha volta.
Somos só nós dois na pista de dança. Apenas Joy e Luke.
Andamos para trás, usando alguns passos do tango, sincronizados como
se dançássemos juntos todos os dias. Ele segura uma das minhas mãos para
o alto, me girando até que eu volte para seus braços. Não é fácil me
equilibrar nesses saltos rosa nude — escolhidos nesse tom para não
brigarem com o vestido — mas o momento parece tão perfeito que isso se
torna irrelevante.
Volto para seus braços, dessa vez com mais proximidade, compartilhando
o mesmo ar, os corações seguindo a mesma batida. Luke envolve minha
cintura e joga meu corpo para o lado. Caio em seus braços, mas não tiro o
olhar do seu, confiando que ele não vai me deixar atingir o chão.
Ele me levanta, envolve minha cintura e une nossas mãos outra vez.
Seguimos rodopiando pelo salão até que ele me gire e me mantenha com as
costas em seu peito. Luke une nossos braços na frente do meu corpo e leva
sua boca ao meu pescoço, deixando um beijo que me arrepia. Sinto seu pau
duro raspando em minha bunda, fazendo minha mente ter ideias que não
deveria. Pelo menos, não nesse momento.
— Esse vestido está me matando — sussurra em meu ouvido, a voz doce
e sexy me fazendo delirar da cabeça aos pés.
— Vai fazer algo a respeito disso ou continuar reclamando? — rebato e
recebo um aperto na bunda como resposta. No meio do Baile Anual da Casa
Branca.
— Me siga — murmura, me dando um beijo na bochecha antes de dar
nossa dança como encerrada.
Com nossas mãos entrelaçadas, Luke me guia para o mezanino. Estou
com um sorriso travesso no rosto enquanto mexemos em todas as
maçanetas, procurando por uma sala aberta. Escuto alguém falando no
comunicador. Tento me concentrar para escutar, mas achamos um lugar
vazio, entramos e Luke me prensa contra a porta. Começamos a nos agarrar,
sua boca me invade, nossas línguas travam uma batalha intensa e complexa.
Não escuto mais nada.
Não faço ideia de onde estamos, mas me parece um escritório e nós dois
temos um ótimo histórico com escritórios. Enquanto nos beijamos, vamos
andando até a mesa de madeira, próxima a uma estante de livros. É ali que
Luke pressiona meu quadril, se encaixando entre minhas pernas, segurando
em uma das minhas coxas, aproveitando a abertura do vestido para tocar em
minha pele. Minha arma fica aparente, presa por uma cinta. Uma das mãos
dele vai para mesa, fazendo com que seu corpo fique ainda mais próximo
do meu. Seguro em seu pescoço, encarando-o antes de devorá-lo outra vez.
É impossível explicar o que seu beijo faz comigo. Nenhuma lei da física
consegue explicar a atração que temos um pelo outro. Aposto que ninguém
saberia explicar como uma garota fria como eu se apaixonou por alguém
como ele. Eu também não consigo explicar.
Nosso amor é inexplicavelmente forte. O suficiente para me fazer
esquecer de tudo e focar somente nele. O suficiente para que façamos algo
terrivelmente perigoso e proibido juntos, no pior momento possível.
— Eu vou te comer aqui nessa mesa, Saroyan. E vai ser agora — Luke
murmura, ofegante em meio a intensidade entre nós dois.
Levo minhas mãos para minha calcinha, arrastando o tecido pela coxa,
até conseguir segurá-la com dois dedos. Luke arranca a peça da minha mão
e guarda no bolso de dentro do paletó. Ele volta a me beijar, me prensando
contra a mesa, sua mão se aproximando da minha boceta encharcada. Os
dedos brincam com meu clitóris, os movimentos circulares me fazem
gemer. O barulho do gemido se mistura ao nosso beijo, ao som da fricção
de seus dedos contra minha umidade. É a trilha sonora mais suja e deliciosa
da vida.
Luke introduz um dos dedos em mim, entrando e saindo com força,
abrindo espaço para seu pau grosso. Ele movimenta com uma velocidade
insana, querendo me fazer gozar logo, sabendo que temos pouco tempo.
Com essa intensidade toda, não demora para que eu chegue ao meu ápice.
Luke está com a cara fechada, malvado do jeitinho que eu curto. Ele tira
as mãos da minha boceta e vai abrir sua calça, puxando o zíper para baixo e
o pau para fora. Afasto as pernas e o encaro com luxúria, em um claro sinal
para que me foda logo.
Ele morde o lábio inferior, o sorrisinho safado tomando conta da
expressão quando me coloca sentada na mesa e empurra meus joelhos para
fora. Sei que Luke gosta quando posiciono seu pau na minha entrada, então
seguro seu membro e raspo a cabecinha no clitóris, unindo sua lubrificação
com a minha. Ele me encara com um olhar inconformado. Nunca deixo de
surpreendê-lo.
Posiciono seu pau na minha boceta e seu quadril arremete na direção do
meu, me penetrando fundo. Ele faz um movimento de vai e vem constante,
forte, entrando todo e saindo quase por completo antes de meter de novo.
Agarro seu pescoço para sustentar meu peso. Sua boca vai para o meu
pescoço, chupando minha pele com força, com certeza deixando marcas.
Jogo os cabelos para trás, gemendo diante de sua atitude.
Os beijos vão para o meu rosto. Para meus peitos. Para minha boca.
Estamos descontrolados. Eu sinto que Luke está próximo. Eu estou perto de
atingir o meu ápice de novo.
Até que escuto alguém gritar no meu ouvido. Não é qualquer pessoa. Não
é qualquer grito. Brenda está me chamando. Dizendo meu nome como dizia
quando eu fazia algo de errado no treinamento.
Volto para a realidade. É como se um botão fosse ligado dentro de mim,
fazendo com que eu perceba a merda que estou fazendo.
Luke se afasta, ouvindo o mesmo que eu. Seu pau fica mole no mesmo
instante.
— Joy Saroyan e Lucas Carter, o que pensam que estão fazendo? Onde
vocês estão? Acham que podem simplesmente desaparecer no meio de uma
missão? — Brenda está irritada. Muito irritada.
Luke fecha as calças na hora e joga minha calcinha de volta para mim.
Nós nos vestimos em silêncio, trocando olhares constrangidos, ambos sem
entender como nos desligamos do mundo dessa forma. Esse trabalho é
importante demais para nós.
— Respondam alguma coisa ou eu vou procurá-los por cada canto dessa
mansão. E vocês não vão gostar do que farei quando encontrá-los —
Brenda ameaça, a voz mais trêmula do que o normal, o nervosismo
tomando conta da sua postura perfeita.
— Estávamos seguindo uma pista — respondo tocando no meu
comunicador, dando de ombros quando Luke franze a testa, sem entender
como tive coragem de mentir.
— Conta outra, Joy! — Brenda rebate, nada calma.
— Ahn, desculpa interromper — Lucy diz, atravessando a conversa. Toda
a equipe está na mesma linha de comunicação. Todos ouviram a bronca que
minha mãe nos deu. Que lindo. — Huskey subiu para a sala onde O’Conell
entrou. A reunião vai começar.
Fico atenta quando escuto a informação. Eu nem sabia que Paul Huskey
já estava na festa. Tesão do caralho!
— Alguém perto do mezanino? — Nathan pergunta.
Olho para Luke e ele assente, me dando o sinal que eu precisava.
— Eu e o Luke estamos. Qual o plano? — indago.
— Lucy — Brenda apenas fala o nome da garota. Imagino que minha
amiga vai entender o recado. — O Presidente está se aproximando de mim.
Cuidem disso. Não vou responder, mas me mantenham atualizada.
— Joy, Luke, onde vocês estão? — Lucy pergunta. Estou perdida sobre o
posicionamento de todos eles.
— Em uma das salas do mezanino. Terceira porta à direita — Luke
responde.
Há um breve momento de silêncio, enquanto aguardamos por instruções.
— Nós somos loucos — falo para Luke, dando risada, ainda abismada
que tivemos coragem de transar em uma sala da Casa Branca.
— Completamente pirados. É você que me deixa assim — constata,
brincalhão.
— Você também não me deixa nada sã, Carter — retruco, lançando um
olhar travesso, o fogo voltando a queimar entre nós.
— Huskey e O’Conell estão a duas salas de distância de vocês. O prédio
é antigo, usem os dutos do ar-condicionado para chegar até lá. Vou guiá-
los — Lucy define o plano e respondo que estamos a caminho.
Abro um sorriso convencido para Luke. Nós fazemos merda, mas ainda
assim salvamos o dia.
— Não me olhe assim, Saroyan. Preciso trabalhar. — Passa a mão no
meu rosto, tentando me impedir de sorrir, mas não consegue.
O sorriso não sai do meu rosto.
O duto do ar-condicionado é maior do que eu imaginava. Consigo
caminhar confortavelmente de quatro, sem sequer encostar meu corpo nas
laterais ou no teto. Luke, por outro lado, não teve tanta sorte. Ele é mais alto
e mais forte. Está todo entalado e se movimentando mais devagar do que
uma tartaruga.
— Queremos chegar a tempo da conversa, Carter. Anda logo!
— Experimente ter o meu tamanho, Saroyan, e veja se é fácil!
— Lucy, estamos perto? — pergunto pelo comunicador, rezando para que
a resposta seja sim, caso contrário colocaremos tudo a perder.
Huskey e O’Conell já devem estar conversando há tempos.
— Virem no próximo duto a direita. Em algum lugar dele, fica a saída de
ar para a sala onde eles estão — Lucy orienta e obedeço no mesmo
momento.
Acelero o ritmo, determinada a cumprir a missão que me foi proposta.
Nossa equipe está contando com a gente.
Luke fica um pouco para trás, mas também acelera, sabendo que
precisamos ser bem-sucedidos para limpar nossa barra.
Começo a escutar vozes a uma distância próxima. Vou diminuindo o
ritmo para não fazer barulho, evitando que sejamos descobertos. Encontro a
abertura para a sala que Lucy disse que existia. Me posiciono de um lado
para que Luke possa se posicionar do outro. A grade é grossa e não
conseguimos ver muito bem a silhueta e o rosto das pessoas que estão ali.
Mas, pelas vozes, tenho certeza de que estamos no lugar certo.
— Você não está se comportando muito bem, Richard — diz Paul, o
mesmo tom desencanado do dia em que nos conhecemos no Clube Nix.
— Porque vocês estão passando dos limites! — ele rebate, irritado.
Olho para Luke e nós dois temos a mesma certeza. Richard é só um peão
nessa história. E se não colaborar, será eliminado do tabuleiro.
— Vamos sequestrar o filho do Presidente quer você queira ou não. — A
voz de uma mulher que nunca ouvi reverbera pela sala. — Você pode
colaborar ou ter seu segredo revelado. A escolha é sua.
— Não me ameace — fala Richard e acho que vejo seu dedo apontado na
cara da tal mulher.
— Já imagino as manchetes “Chefe do Gabinete fez acordo com
sequestrador para substituir seu filho, morto no parto. Richard O’Conell não
quis que a pobre esposa sofresse e resolveu pagar por um bebê e fingir que
é seu.” Os tabloides vão adorar. Imagine o quanto vai bombar no Twitter!
— Paul dá risada, se divertindo com a desgraça de Richard.
Minha boca abriu e não quer mais fechar. Ter uma mulher no meio dos
dois é interessante, mas saber do segredo de O’Conell é ainda mais. Ele fez
negócios com Huskey e comprou uma criança para substituir a sua. Essa
história só fica melhor.
— Não façam isso. O Presidente Campbell é querido pelo povo. As
pessoas vão surtar com as notícias! A equipe dele é forte, o Serviço
Secreto... — Richard está argumentando quando escuto uma arma ser
destravada. — Se acalme.
— Não se pede calma para uma mulher armada — a tal mulher responde
com uma entonação parecida com a que Brenda sempre usa.
É a entonação de uma mulher no comando. Ela é a Coruja. E ela está
prestes a matar Richard O’Conell.
Começo a mexer na grade do ar, tentando abri-la.
— Joy... — Luke sussurra meu nome, mas não deixo que me impeça.
Continuo forçando a grade, conseguindo algum resultado quando ela
começa a se movimentar.
Sem ver outra escolha, ele me ajuda. Sua força extra faz com que
consigamos abrir a entrada. Não penso muito, só ajo.
Deixar a Coruja escapar sem ver quem ela é não é uma opção.
Luke desce primeiro, enfiando as pernas pelo espaço, se segurando pelos
braços até que consiga ângulo para atingir o chão. Assim que o trio coloca
os olhos nele, uma confusão começa. Desço logo em seguida, quase caindo
por causa dos malditos saltos que resolvi usar. Teremos que sair daqui em
disparada e manter a classe, então não poderei me dar ao luxo de tirá-los.
Pego a arma em minha perna, empunhando-a, entrando na confusão. Há
seguranças espalhados pela sala, talvez de Huskey, talvez de Richard, talvez
da própria Coruja. Eles partem para cima de mim e de Luke, pelo menos
quatro homens encurralando cada um de nós.
Atiro em um, recebo um soco de outro. Fico puta com a possibilidade de
estragar minha maquiagem e devolvo a gentileza golpeando seu rosto com o
cotovelo. Enquanto acabo com seu nariz, atiro em outro homem,
derrubando mais um no chão.
Um dos restantes me encara sedento. O outro está segurando o nariz que
acabei de quebrar. Parto para cima do que está menos debilitado. Trocamos
socos, ele tenta me segurar, mas não deixo. Levo uma porrada dolorida na
costela, perdendo a vantagem por alguns segundos, o suficiente para que ele
me derrube.
Caio com tudo no chão, o baque da cabeça contra o piso me deixa
inconsciente por alguns segundos. As imagens que vejo flutuam pela minha
mente. Reparo que Luke está somente usando os punhos e já derrubou dois
homens. Seu rosto está cheio de sangue, o smoking perfeito também. Paul
está assistindo a cena de um sofá, rindo enquanto toma seu whisky. Richard
está encostado em uma parede, apavorado, sem entender quem somos.
Procuro pela Coruja. Levo um soco no olho. Outro na costela. Consigo
achá-la. Ela está com um vestido preto simples. O cabelo é escuro. Levo
mais um soco. Ela está de costas, guarda a arma no que parece ser um
espaço entre os seios e sai da sala correndo. Um dos homens que está
brigando com Luke resolve segui-la. Levo um chute.
Eu queria pegá-la, mas preciso revidar ou vou acabar me machucando
demais.
Seguro o homem por seu terno, usando técnica, e não força, para inverter
nossas posições. Sinto sangue escorrer do meu nariz, pingando no rosto do
idiota. Meto a porrada no seu rosto, mas não consigo dar continuidade
porque seu amigo me puxa pelos cabelos. Sou arrastada pelo chão, jogada
perto de Richard. Ele me encara com os olhos arregalados, chocado pela
cena que se desenrola à sua frente, ainda sem compreender quem somos.
Tenho poucas balas restantes, mas vou ser obrigada a desperdiçar uma
com o imbecil que teve a audácia de me arremessar como se eu fosse um
saco de batatas. Ele chega a apontar a arma para mim, entretanto, é um
lento do caralho e não consegue me atingir antes que eu estoure seus
miolos. Mais um para conta.
Me levanto e avanço na direção do homem que batalhava comigo no
chão. Ele já está de pé, o rosto medonho, completamente tomado por
sangue. Nós nos encaramos. Eu sou o predador. Ele é minha presa. Minha
arma está em mãos e penso em usá-la, mas não quero desperdiçar as últimas
balas, quando posso resolver as coisas de outra forma.
O homem corre na minha direção como um brutamonte. É uma jogada
imbecil, porque estou parada e posso fazer o que quiser com ele. Posiciono
meu braço de uma forma que ele seja freado, com meu golpe, consigo
derrubá-lo no chão outra vez. Sua velocidade contribui para que caia,
batendo a cabeça com força, da mesma forma que fez comigo.
Paro à sua frente e piso em suas bolas com meu salto. Eu sempre quis
fazer isso. É como um sonho realizado.
— Por favor. Ah! — O homem grita. É lento, doloroso. Quase chego a
ter pena. Mas meu coração não é tão bondoso assim.
Afundo ainda mais o salto, ele passa a urrar.
— Você tem sorte que não quero estragar esse sapato. Caso contrário,
tudo seria muito pior. — Mantenho meu pé em seu saco e pego a faca que
estava escondida no meu sutiã. Aproximo a lâmina do seu pescoço,
inclinando o tronco para frente. — A morte é mais suave do que batalhar
contra mim. Prometo — brinco, rasgando sua garganta até que a vida suma
de seu corpo. Somando seu rosto sangrento, aos olhos que permaneceram
abertos, a cena parece pertencer a um verdadeiro filme de terror.
Limpo a faca em sua roupa, dessa vez guardando-a na cinta presa à
minha perna. Me afasto do homem a tempo de ver Huskey tentando
escapar. Luke ainda está em uma batalha, tudo acontece muito rápido. Saio
correndo na direção da porta, puxando Huskey pelo braço para que não
fuja.
Eu não sei por que vou até ele.
É arriscado para mim. Para o meu segredo.
Mas perdê-lo de vista sem entender todos os planos envolvendo o filho
do Presidente e sem descobrir quem é a Coruja não é prudente.
Entretanto, Paul Huskey me encara. Os olhos me analisam e me
reconhecem.
— Você estava no Clube Nix, agora está aqui — pontua,
surpreendentemente perceptivo. Ele já sabia quem eu era desde o primeiro
dia em que nos vimos. — O que Darius Black quer?
A pergunta me arrepia da cabeça aos pés. E não é um arrepio bom.
— Não trabalho para ele — respondo a verdade, apesar de omitir um
pequeno detalhe.
Não trabalho mais para ele.
— Ninguém para de trabalhar para o chefão de Nova York e sai vivo —
constata, se mostrando um grande conhecedor de um mundo que um dia fiz
parte.
— Eu parei. — Dou de ombros uma única vez, encarando-o diretamente
para que sinta o perigo que represento.
— Tem algo errado nessa história — pontua, desconfiado. Ele aproxima
o rosto do meu, quase cuspindo na minha cara. — Você era a putinha dele,
não era?
O modo como se refere a mim me deixa revoltada. Quero acabar com
esse desgraçado, mas não posso. Ele é nossa única ligação com a Coruja,
com o comando da Tempestade Noturna.
Aperto seu braço, impedindo-o de escapar.
— Me diga quem é a Coruja.
Paul gargalha.
— Acha que sou marinheiro de primeira viagem, garota? Acha que não
sei que seu amigo ali não sabe do seu envolvimento com a máfia? — fala a
última palavra com o rosto colado ao meu. — Me deixe ir e não revelo tudo
o que você fez, justiceira.
Merda. Merda. Merda. Merda. Só... merda.
Solto seu braço, abrindo mão de concluir a missão para me proteger. Eu
me odeio por isso, mas não há escolha. Por mais que eu me importe em
pegar a Tempestade Noturna, esse é só o meu trabalho. A minha reputação
perante a todos os Serpentes vale muito mais do que essa informação.
— Suma da minha frente e nunca mais relacione o nome de Black ao
meu — ordeno, soltando-o de uma vez.
— Boa garota. — Paul sorri e vai embora porque eu o deixei escapar.
Quando sai pela porta, dezenas de agentes do Serviço Secreto invadem a
sala. Há mais uma confusão generalizada, Luke tenta batalhar contra eles,
eu também, e Paul é um filho da mãe e consegue escapar. Imagino que
estejam protegendo Richard, porém, quando percebo, ele também está
tentando escapar.
Enquanto luto contra agentes com o dobro do meu tamanho, começo a
pensar. O’Conell estava na reunião, assim como Paul. Ele estava com a
Coruja. Ele possivelmente sabe quem ela é. E se não souber, pode nos
ajudar a descobrir, porque pelo menos ficou frente a frente com a mulher.
Richard está sendo ameaçado, logo podemos arranjar um jeito de fazê-lo vir
para o nosso lado. Oferecemos proteção em troca de informações sobre a
Tempestade Noturna. Qualquer coisa que ele puder entregar, é melhor do
que o que temos.
Luke já derrubou alguns homens e está controlando a batalha da forma
que pode. Em meio a troca de socos, pressiono o comunicador e chamo por
reforços. Não explico o caos em que nós nos metemos porque não convém.
Quando chegarem, teremos que encerrar essa briga e explicar para o
Serviço Secreto que estamos do mesmo lado.
Deixo Luke sozinho com todos os homens, tendo fé de que ele irá ser
capaz de segurá-los. Saio em disparada atrás de Richard, que abre uma
porta que eu não havia notado antes, no meio da sala. Óbvio que ele
conhece outra saída.
Sigo seu caminho, abrindo a mesma porta, seguindo-o por dentro dos
quartos. Ele não para de correr, não me escuta quando eu chamo, mesmo
que eu berre que quero ajudá-lo. Não posso deixar que saia desse quarto
porque estaremos em público, o que julgo que é exatamente o que ele quer
fazer.
Tenho uma ideia péssima, mas que julgo ser melhor do que apenas deixá-
lo voltar para a festa como se nada tivesse acontecido. Preciso de
informações.
Pego minha arma e miro em sua perna, em um lugar nada fatal e pouco
doloroso. Meu dedo está no gatilho. Estou prestes a dispará-lo. Mas por um
segundo, por uma mísera fração de segundo, sou derrubada por Luke.
— Joy! — ele grita meu nome no instante em que aperto o gatilho.
Tudo é muito rápido. Enquanto estou caindo, com Luke pesando em
minhas costas, a bala vai na direção de O’Conell. Porém, a minha mira
perfeita foi destruída com o empurrão de Luke. Ele fez o ângulo mudar para
cima. A bala entra direto na cabeça de Richard.
Richard O’Conell está morto.
Eu acabei de assassinar o Chefe de Gabinete dentro da Casa Branca.
O relógio diz que estou trancada dentro da sala de Brenda há trinta
minutos, mas meu corpo sente outra coisa. Parece que estou presa aqui há
horas. Ando de um lado para o outro, esvazio uma garrafa de água que
estava em sua mesa e bebo três xícaras de café.
A cafeína pode até ter contribuído para meu estado agitado, mas não é
sua causa.
As repercussões do que aconteceu no Baile Anual da Casa Branca ainda
estão recaindo sobre mim. Na verdade, sobre a ANDOS como um todo,
principalmente Brenda.
Dois homens sabiam da identidade da Coruja. Um deles sabe do meu
passado e não pode ser usado. O outro, o único maleável, está morto. Seria
de muita utilidade saber quem é essa maldita mulher agora. Assim,
poderíamos ir atrás dela e justificar toda essa maluquice para o Presidente.
Como isso está fora de cogitação, estamos ferrados.
Assim que Richard foi morto, trancamos as salas e chamamos por ajuda.
Não troquei uma palavra com Luke, que estava em choque com toda a cena.
Estou com raiva de sua atitude, de não ter confiado de que eu estava
fazendo a coisa certa. E ele estava catatônico, desesperado porque
contribuiu para que o Chefe do Gabinete fosse assassinado. O problema é
que ele me atrapalhou, mas não foi quem puxou o gatilho.
Liz e David foram os primeiros a chegar na cena. O que temos de idade,
eles têm de experiência, então nenhum dos dois se assustou. O resto da
equipe chegou logo depois, exceto Brenda, que estava se resolvendo com o
Serviço Secreto. Não sei que merda ela inventou, mas tudo ficou bem, pelo
menos até ela descobrir o corpo de Richard.
Nesse momento, o caos se instalou. Não porque Brenda saiu gritando e
me xingando, mas por seu silêncio. Ela apenas fez algumas ligações e pediu
que toda a minha equipe saísse de lá. Apenas Kyle, Liz e David ficaram
para trás, imagino que para arrumar a bagunça e tentar adulterar a cena.
Conheço minha mãe. Ela não vai deixar que isso recaia na agência.
Contudo, o Presidente vai exigir explicações, portanto, ela precisa de uma
história.
Passei a noite em claro, rolando na cama, pensando em Paul, na merda
que é ter alguém como ele sabendo tanto sobre mim. Também pensei na
Coruja e em seu tom ameaçador de voz. Depois, O’Conell me veio à mente.
Seu filho que não terá mais um pai. O filho que Paul Huskey arrancou de
outra família para ser o dele. Sua esposa, a quem claramente ele amava. O
segredo que ele está levando para o túmulo consigo.
Um homem do governo que trabalhava para os bandidos, que poderia ser
de grande utilidade, se fosse convencido da maneira certa.
Nós desperdiçamos uma oportunidade de ouro. Não, nós não. Eu. Luke.
Maldito e desconfiado Luke.
Cansada de andar e esgotada mentalmente, vou até uma parede e a soco
com toda a raiva dentro de mim. Acabo com os nós dos meus dedos, que
ainda estão esfolados das lutas no baile, mas não estou nem aí. Preciso
depositar um pouco dos meus sentimentos nessa parede para ficar mais
leve.
Quando termino, apoio a testa na parede, me concentrando na minha
respiração, tentando fazer meu coração bater mais devagar, voltar para um
ritmo menos eufórico.
Escuto a porta se abrindo devagar, em seguida se fechando outra vez.
Desencosto a cabeça da parede, mas continuo escorada nela, me preparando
para o que está por vir.
Mesmo que o mundo esteja ruindo sob seus pés, Brenda está glamurosa
como o habitual. Hoje, usa calças pantalona pretas e uma camisa social
branca, com os primeiros botões abertos, deixando um colar de pérolas à
mostra. Os pés estão calçados com uma bota arredondada, o salto grosso
fazendo com que ela fique muito mais alta e intimidadora do que realmente
é.
— Diga minha sentença — peço, já que não adianta negar.
— Isso aqui não é um julgamento. Não haverá sentença nenhuma —
responde, se aproximando de sua mesa para deixar uma pasta de arquivos
ali.
— Por que me deixou trancada então? — Minha rebatida não é muito
educada, refletindo todo o nervosismo que sinto por dentro.
Brenda me olha feio. Preciso ficar mais boazinha ou vou me ferrar.
— Estava consertando a bagunça que você fez — enfatiza, me culpando
com vontade, trazendo memórias desagradáveis para minha mente. Ethan.
Sequestro. Nossa casa. Minha culpa. Foi minha culpa. Sempre vai ser
minha culpa.
Engulo em seco, doida para dizer a ela que Luke teve participação e
desviou o percurso da minha bala, que a culpa, dessa vez, não foi
completamente minha. Entretanto, não posso, porque ele me protegeu
durante o resgate do filho do Vice-Presidente, quando estraguei tudo
batendo no chefe até a morte. Pelo menos, depois descobrimos que o cara,
no fim, trabalhava para Huskey, que foi de fato o responsável pelo
sequestro.
— Quais foram as soluções? — pergunto, séria, tentando não
transparecer a dor que começa a consumir meu peito. Lembrar de Ethan
sempre me abala.
Brenda apoia uma mão na cintura, a outra em sua mesa, olhando para
mim com uma expressão neutra demais para um momento como esse.
— Primeiro, menti para o Serviço Secreto para despistá-los. Disse que
estávamos ali a pedido de O’Conell, que estava desconfiado de um homem
com quem fazia negócios.
— Paul — completo, entendendo o raciocínio.
— Exato. Expliquei que a situação ficou complicada e que estavam
prestes a matá-lo, então vocês interviram e batalharam duro para tentar
mantê-lo vivo, porém, Richard escapou e havia um homem esperando-o na
outra sala. Um funcionário de Huskey que estava de retaguarda. Ele o
matou sem dó porque O’Conell não queria cumprir com seu pedido.
Inventei que ele não me contou a origem dos negócios para não me
complicar mais.
— Foi uma boa saída.
— A única que eu tinha — Brenda rebate com certo desgosto em sua
voz.
Gostaria de dar essa conversa por encerrada, mas, infelizmente, não
posso. Preciso enfrentar as consequências de ter apertado aquele gatilho, de
ter invadido a sala sem autorização de ninguém, de ter matado sei lá
quantos homens que trabalhavam para a Tempestade Noturna.
— Você está brava? — faço uma pergunta óbvia, abaixando um pouco a
cabeça, montando a expressão mais dramática que consigo, para que ela
veja que eu me arrependi.
Brenda nega com a cabeça, odiando meu disfarce.
— Não consigo dimensionar meus sentimentos em palavras — fala com
certa rispidez, olhando para minha cara de cachorrinho arrependido, ficando
cada vez mais irritada. Ela solta a mão da mesa e da cintura e dá dois passos
na minha direção. Tento ir para trás e me afastar, mas a parede me impede.
— Onde você estava com a cabeça? — a pergunta ainda sai em um tom
linear, mas dá para ver que ela está prestes a explodir.
E ver Brenda Saroyan explodir não é nada legal. Ser o motivo que a fez
explodir muito menos.
— Eu não... — tento falar, mas sou impedida quando ela se aproxima
ainda mais.
Estamos a menos de um metro uma da outra. Não nos encostamos. Ela
não chega perto. Eu me recuso a me aproximar. Estávamos indo bem, mas
eu fiz tudo desandar. Brenda vai me fazer pagar por isso.
— Eu permiti que fossem armados na missão para se sentirem
confortáveis, não para matarem alguém! Fiz isso pensando em você, Joy!
— grita, perdendo a postura, o rosto ficando ruborizado de raiva, algumas
gotas de suor escorrendo em sua testa.
— Não faz sentido levar uma arma para uma missão se você não vai usar,
não é? — retruco, petulante, recebendo um olhar de ódio. — Juro que não
queria matá-lo.
— Então logo você, que tem a mira mais perfeita da agência, não queria
matar O’Conell, mas atirou na cabeça dele?
Silêncio. Silêncio. Silêncio.
Brenda sabe que a história não é só essa. Deve imaginar que sofri
interferência de terceiros. Mas eu não vou abrir a boca. Ela não vai insistir.
Se quero assumir a responsabilidade, o problema é somente meu.
Minha mãe se afasta, virando de costas para ir até sua mesa. Se senta na
cadeira que tanto amo, o rosto com menos expressões, os olhos mostrando
milhares delas. Ela sabe que estou protegendo alguém, provavelmente
Luke. Acha honroso da minha parte, mas também burro. Toda a equipe sabe
que fui eu quem puxou o gatilho. Elizabeth. David. Kyle. Noah. Zoey.
Lucy. Nathan. Ele com certeza vai esfregar o acontecimento na minha cara.
— Você está suspensa das missões — diz, apenas.
— Vai me deixar presa com burocracias? Tudo bem. — Dou de ombros,
aceitando meu destino.
É o melhor que eu poderia pedir.
— Tem mais.
— Lá vamos nós. — Suspiro, resolvendo me sentar à sua frente para
ouvir o resto.
— Para salvar sua pele, tive que dizer ao Presidente que você, minha
filha querida e uma das melhores agentes da ANDOS, escutou Paul Huskey
dizer que iria sequestrar o filho do Presidente, assim como fez com o filho
do Vice. Também disse que você mesma se ofereceu para protegê-lo. Ele
adorou, ficou admirado por sua atitude honrosa. — Sua voz sai um tanto
irônica.
Faço uma careta ao entender o cenário. Brenda fez com que eu saísse
dessa história como a salvadora. O Presidente Campbell deve estar achando
que eu sou uma cópia da minha mãe, sempre preocupada com o bem-estar
do nosso país.
— O que você quer que eu faça exatamente?
— Vá para Nova York e se aproxime do garoto. William estuda na
Universidade de Columbia. Você vai se infiltrar e se certificar de que ele
não seja raptado.
Paraliso quando escuto o destino. Nova York.
— Por quanto tempo?
— Quanto eu quiser. — Brenda esboça um sorriso controlador.
Meu destino está nas mãos dela.
— Entendi. — Levanto as sobrancelhas, nada feliz com essa situação.
Logo agora que eu estava estabilizada...
— Você parte amanhã de manhã — anuncia e respiro fundo, apoiando as
mãos na cadeira para me levantar.
— Vou avisar as meninas, Noah e Luke e arrumar minhas coisas.
— Não. — Estou prestes a sair da cadeira quando a escuto. Paro no lugar
e volto a me sentar. — Você não vai avisar ninguém. Essa missão fica entre
nós.
— Você está mandando eu ficar de babá do filho do Presidente, mas não
permite que eu conte para os meus amigos e meu... — engulo em seco, sem
saber como nomeá-lo — Luke, para eles acharem que eu fugi de novo só
porque as coisas ficaram difíceis? Sério que vai fazer isso? Essa é a sua
vingança por eu ter descumprido uma mísera regra?
— Preciso que as coisas esfriem, Joy. Se você permanecer aqui, isso não
vai acontecer. — Fico calada, porque sei que ela está certa. — Amanhã vou
te dar uma mala com todos os itens que precisar e um telefone para se
comunicar comigo. Vou entrar em contato todos os dias. Agora me dê o seu
celular.
Estende a mão, esperando que eu a obedeça.
— Você está passando do limite — constato, cruzando os braços e me
levantando para enfim sumir dessa sala.
— Entregue — ordena, os olhos castanhos vidrados em mim. Ela está me
avisando que é melhor obedecê-la. Mesmo a contragosto, enfio a mão no
bolso da calça e coloco o celular na mão dela de forma bruta. Brenda apoia
o aparelho na mesa, se dando por satisfeita. — Você vai gostar de Nova
York. É uma ótima cidade para conhecer — fala com um sorriso ridículo no
rosto, quase como se precisasse se convencer de que essa é uma boa ideia.
Pensando no que aconteceu e na missão que comprometi, me afastar é, de
fato, a melhor opção. Mas levando em conta meus amigos, a confiança que
batalhei para reconquistar, minha relação com Luke... Essa é a pior ideia do
mundo. Brenda vai colocar tudo a perder e todos vão achar que é minha
culpa. Vou, novamente, sair como a vilã dessa história.
Entretanto, se eu ficar, vou comprometer algo muito maior do que a
confiança dos meus amigos. Nossa missão é importante. Destruir a
Tempestade Noturna é crucial. Terei que priorizar a agência, os Serpentes e
o meu trabalho. Terei que agir como Brenda e fazer algo que sempre julguei
que ela fizesse.
Mas eu não sou como ela. Pelo menos, não cem por cento. Preciso, pelo
menos, ficar frente a frente com Luke uma última vez antes de partir de
novo.
Eu não devia estar aqui.
Brenda deixou claro que avisar Luke ou qualquer outro membro da
minha equipe está fora de cogitação, mas eu preciso falar com ele.
Nós não tivemos oportunidade de dialogar depois do que aconteceu. Eu
não entendi sua atitude, fiquei revoltada por ter me interrompido e quero
tirar isso a limpo.
Depois de deixar uma mala de roupas pronta no meu apartamento —
escondida embaixo da cama para que Zoey e Lucy não a notem — venho
para o prédio de Luke. Bato duas vezes em sua porta, pensando em como
vou começar essa conversa. Minha cabeça está uma bagunça, ora pensando
no que aconteceu no baile, ora voltando para o passado, relembrando todas
as memórias com as pessoas que deixei em Nova York. Parte de mim está
feliz pela oportunidade de revê-los. A outra parte está apavorada. Vamos
dizer que não sou exatamente bem-vista por lá.
Escuto a porta ser destrancada e me foco no mundo real novamente ao
ver Luke. Ele está, felizmente, vestido. A expressão fechada se assemelha
com a minha.
Toda a paz entre nós se foi.
— Que porra você fez? — Empurro seu peito enquanto entro no
apartamento. Fecho a porta atrás de mim com um chute, irritada. Luke nem
se mexe. — Onde estava com a cabeça? Não confia em mim? — lanço mais
perguntas, querendo resolver essa merda logo.
Não posso ir embora por sei lá quanto tempo sem saber por que me
impediu daquele jeito.
— Joy... — fala meu nome de forma afastada, como se quisesse me
acalmar, mas ao mesmo tempo discutir comigo. Vejo que assumiu a pose de
bad boy rancoroso de novo.
— Você não confia em mim? — repito a pergunta, olhando direto em
seus olhos.
Luke está bravo. Eu também estou.
— Como vou confiar em alguém que não me conta a verdade? — Joga
na minha cara sem dó. Não me atinjo. Estava só esperando pelo momento
em que ele traria esse assunto de novo. — Você deixou um bandido escapar
na minha frente! Por quê? Por que deixou Paul escapar? — Engulo em
seco, incomodada por ele ter percebido isso. Tento ao máximo disfarçar
minha reação para que não insista no assunto. — Eu vi! Não tem como você
negar. — Aponta o dedo para minha cara, esbravejando. — Você quis
invadir aquela cena, para no fim apontar sua arma para Richard e libertar
Huskey! Não dá para entender qual é a sua! — Passa a mão pelo cabelo, se
afastando de mim, me olhando de uma forma que nunca olhou.
Seus olhos transbordam decepção.
— Qual é a minha? Está brincando com a minha cara? — Agora sou eu
quem esbravejo. Posso até ter libertado Huskey por interesse próprio, mas
invadi aquela sala pensando em desvendar os segredos da Tempestade
Noturna. Sei como a situação se parece, mas fiz quase tudo em prol dos
Serpentes. — Eu ia atirar na perna dele, imbecil! Impedir que ele
continuasse correndo e se distanciando. Você atrapalhou tudo! — Aponto o
dedo para seu rosto da forma que ele fez no meu. Me aproximo para acusá-
lo, nos deixando mais próximos do que o considerado seguro. — A
atiradora perfeita errando um tiro! O que acha que as pessoas pensaram?
Que Brenda pensou? — Aponto para minha cabeça, tocando nela repetidas
vezes para tentar colocar alguma consciência na mente de Luke.
Ele está pensando tanto nos meus segredos, que se esqueceu do meu
talento, do peso que carrego em meus ombros por ser quem eu sou.
Ninguém, em sã consciência, acredita que errei um tiro desses. Toda a nossa
equipe deve achar que matei Richard de propósito. E eu não terei sequer a
oportunidade de me defender.
— Você contou para alguém? — ele pergunta, preocupado.
Dou um passo para trás, irritada por ele só ter percebido esse problema
agora.
— Claro que não! Eu sou leal, Luke. — Uso a última frase apenas para
cutucá-lo. — Nós somos parceiros, porra! Preciso que você confie em mim,
nas minhas decisões e nas minhas atitudes. Preciso que saiba que eu sei o
que estou fazendo. — Falo com mais calma, disposta a fazê-lo entender
meu lado para que possamos superar esse acontecimento.
Entretanto, Luke não parece disposto a colaborar.
— Você não me diz a verdade.
Bufo, puxando meu cabelo e dando alguns passos para trás, ficando de
lado para ele.
— Pelo amor de Deus! — gesticulo, voltando a ficar irritada por,
novamente, ele bater nessa tecla.
— Porque deixou o Huskey escapar? Vocês já se conheciam da sua vida
antiga? Eu sei que não ficou só fazendo justiça para as mulheres indefesas
— Luke dispara. Dá para ver que está com isso engasgado há tempos.
— É melhor que você não saiba — repito a verdade que enraizei dentro
de mim.
Não quero ser julgada. Não quero compartilhar todas as sujeiras nas
quais me meti. Não quero que ninguém do meu convívio saiba sobre meu
envolvimento com o submundo.
— Porra! — Vejo, pelo modo como cerra seus punhos, que Luke quer
extravasar a irritação. Ele ameaça socar a parede, mas desiste de última
hora e apoia as mãos no balcão da cozinha, ficando de costas para mim.
— Isso é para te proteger, Luke.
Minha frase faz com que ele desista de se controlar. Ele bate as duas
mãos no granito com força, se virando na minha direção, caminhando até
que esteja com o rosto colado no meu. Me olha de cima, querendo me
intimidar, mas eu o encaro de volta.
— Eu não quero ser protegido! — grita na porra da minha cara.
— Você não entende o que está me pedindo! — Uso o mesmo tom,
avançando para cima dele da mesma forma que avançou para cima de mim.
— Você não entende o quanto isso me incomoda?
— É para o seu bem! — reforço, nossos narizes estão quase se
encostando, tamanha a proximidade.
Estamos cada vez mais perto. Essa conversa está cada vez mais perigosa.
— Não preciso ser protegido, Saroyan!
Dou risada quando o escuto.
— Você não sabe do que está falando.
— Quem é você? O que aconteceu com você?
— Coisas que você não entenderia, Carter.
— Porque você não me deixa entender! — Perde as estribeiras de novo.
Agora, nossos peitos estão praticamente colados. Eu sinto sua respiração
ofegante se misturar com a minha.
— Você não nasceu nesse mundo, não entende de boa parte dele — falo,
nivelando a discussão.
— Vai jogar isso na minha cara?
— Você está jogando várias coisas na minha.
— Não te reconheço mais.
— Ótimo, porque não sou a mesma pessoa.
— Eu também não sou.
O diálogo rápido faz com que a temperatura da sala aumente. Eu sabia
que ficar perto desse jeito seria um perigo. Não importa se o sentimento
entre nós seja amor ou ódio. Sempre há um sentimento. Uma faísca. Um
calor. Um tesão fatal que nos domina completamente.
Luke olha para minha boca. Eu levanto o olhar para o seu. Quando me
encara, declaramos o fim da discussão. Ainda estamos com raiva. Mas isso
só fará o sexo ser ainda melhor.
Para mim, ainda terá gosto de despedida.
Suas mãos vão para meu cabelo. Ele me segura com força, unindo nossas
bocas com uma brutalidade que me deixa em chamas. Em resposta, também
puxo seu cabelo, eliminando qualquer espaço que ainda restava entre nós.
Nossos corpos conversam, entrando em uma sincronia absoluta enquanto
andamos na direção do quarto. O caminho não é longo, mas nossa vontade
nos consome de tal forma, que paramos de andar quando chegamos ao
corredor. Luke me empurra contra a parede com brutalidade e fica me
olhando como se eu fosse a última gota de água do planeta.
— Estou tentando decidir o que fazer com você. Seu comportamento não
tem estado muito bom — a fala carrega malícia, usando nossa discussão
para apimentar as coisas.
— Você também não tem sido um garoto bonzinho, Carter — retruco,
mordendo o lábio inferior, cheia de expectativa para o que virá.
— Mas você sempre é mais malvada do que eu, Saroyan. — Ele arranca
a camisa, mostrando seu belo abdômen para mim.
Preciso de um babador urgente.
Luke se aproxima a passos lentos, me encurralando na parede, segurando
meu braço com uma mão, um dos meus seios com a outra. Ele cheira meu
pescoço, a respiração quente me arrepiando. Quando vejo que sua boca está
próxima ao meu ouvido, já me derreto.
— E você gosta de ser malvada. Não gosta? — sussurra com a voz rouca,
umedecendo ainda mais minha boceta.
Esse homem pode ter cagado com a minha estabilidade, pode ser um
chato perguntando inúmeras vezes sobre meu passado, pode adorar ser
metódico como o bom virginiano que é, mas ele sabe foder como ninguém,
sabe como esquentar o clima como ninguém.
Eu também sei. É por isso que nossos momentos são inesquecíveis.
Avanço para cima de Luke, mordendo seu lábio gostoso com força,
levando minhas mãos para seu peitoral firme e definido até empurrá-lo
contra a parede oposta. Transformo a mordida em um beijo, descendo a
mão por seu abdômen enquanto ele toca meu corpo.
Somos uma confusão de toques e saliva.
Levo a mão para sua calça, abrindo o zíper sem descolar nossas bocas.
Nos afastamos momentaneamente para que ele possa abaixá-la e aproveito
para tirar a minha também. Luke está apenas de cueca, e eu ainda de blusa.
Incomodado com a discrepância entre nós, ele joga toda a minha roupa no
chão, me deixando apenas de calcinha.
Voltamos a nos beijar, agora com menos tecido, com menos barreiras
entre nós. Pensando no tempo em que vamos ficar separados, resolvo que
preciso aproveitar todos os segundos dessa transa. Esfrego meu quadril no
seu, arranjando uma forma de deixar sua perna próxima ao meu clitóris para
que eu sinta mais prazer. Vendo minha necessidade, Luke leva a mão para
minha boceta, me provocando por cima do tecido antes de enfiar a mão por
baixo dele, me encontrando encharcada.
Os dedos brincam com a minha umidade, eu gemo em seus lábios,
decidindo retribuir. Passo a mão em seu pau por cima da cueca, fazendo
movimentos para cima e para baixo, deixando-o tão louco por mim, quanto
estou por ele.
Luke me faz gozar no corredor. Quando já estamos cansados de ficar de
pé, ele aperta meus seios com força, melando-os com meu gozo, e sugere
irmos até o quarto. Viro de costas, chamando-o com o dedo indicador, a
expressão mais safada dominando meu rosto.
Ele vem atrás de mim na hora, me encoxando, o pau duro roçando na
minha bunda. Aperta minhas nádegas, depois dá um tapinha em cada uma,
me fazendo dar risada. Finjo que vou fugir dele e me jogo na cama.
Aproveito a pose para tirar minha calcinha da forma mais sexy que consigo,
arremessando-a em sua direção. Luke a pega com um sorrisinho, mas logo
dispensa a peça. Ela, de fato, é indispensável.
Sua cueca também.
Luke a arranca antes de subir na cama de joelhos, se masturbando
enquanto me encara deitada, o cabelo esparramado por seu travesseiro. Ele
desliza pela cama com os joelhos, até chegar perto de mim e posicionar um
joelho de cada lado do meu corpo. Seu pau fica raspando na minha barriga
enquanto ele monta em cima de mim. Nossas bocas se encontram quando
ele se inclina para frente, se esfregando no meu corpo.
O beijo molhado é substituído pelo seu pau. Luke leva o membro até a
minha boca, eu lambo a pontinha, vou chupando aos poucos, enquanto ele
se enfia para dentro de mim.
— Me deixa babado, Saroyan — ordena, se enfiando mais dentro da
minha boca.
Quase fico sem ar, asfixiada pelo seu pau grosso. Luke vai até o meu
limite e tira só para enfiar de novo. Adoro a sensação de impotência, de não
saber o que esperar. Luke só me surpreende quando tira seu pau da minha
boca e o posiciona no meio dos meus seios.
Rapidamente entendo o que quer fazer e aperto os peitos, formando o
espaço perfeito para que ele movimente seu pau.
Minha boceta está latejando de tesão enquanto Luke fode meus peitos.
Mas eu quero mais. Consigo sentir que ele também quer.
Luke se afasta apenas o suficiente para alcançar sua mesa de cabeceira.
De lá, tira um tubo de lubrificante. No mesmo momento, abro um sorriso
que está longe de ser puritano, entendendo o que ele quer fazer.
Primeiro, Luke leva as mãos para minha boceta, me tocando de novo, me
fazendo gozar de novo. Enquanto estou relaxada, fico de quatro, porque sei
que é a hora certa para agirmos.
Ele me lambuza com o lubrificante. Espalha enquanto acaricia minhas
nádegas, derrapando um dedo molhado no meu cu sem que eu perceba.
Já fiz isso antes, várias vezes, para ser honesta, e adoro. Porém, dar o cu
precisa ser ocasional para não cair na mesmice.
Luke não diz que sou “apertadinha” ou qualquer porra do gênero porque
sabe o quanto acho broxante. Alguma mulher gosta dessa merda? Ser
apertada significa que vai doer. Os homens precisam pensar um pouco antes
de falar.
Graças a Deus, meu homem não fala, apenas age. Acrescenta mais um
dedo em meu cu, me fazendo gemer com os movimentos de vai e vem. Um
terceiro dedo acompanha a brincadeira, abrindo espaço, me deixa
preparada, babando, sedenta.
Gemo alto, implorando para que ele me foda de uma vez. Luke está tão
desesperado para gozar quanto eu, logo substitui os dedos pela cabecinha
do seu pau. Não me contraio, relaxo, esperando pela arremetida. Ele vai
devagar, entrando pouco a pouco, até que seu quadril esteja batendo na
minha bunda.
Empino o rabo ainda mais, esperando que ele se movimente. Luke
demora e olho para trás, vendo que está envolvido em seu prazer, preso nas
memórias do nosso passado, lembrando de todas as vezes que fizemos isso
antes. Começo a me mover, levando a bunda para frente e para trás para
trazê-lo de volta.
Luke passa a agir, tomando o controle, segurando na minha bunda
enquanto fode meu cu com gosto. Seus tapas ocasionais marcam minha
pele, algo territorial, primitivo, controlador de um jeito que aceito e ainda
gosto.
O prazer que sinto é bom, mas se torna inexplicável quando Luke leva
um dedo ao meu clitóris.
— Quero você gritando meu nome quando gozar, ouviu? — murmura, a
voz sensual me incentivando a rebolar mais.
Luke coordena os movimentos do dedo com o pau, me estimulando em
ambas as entradas. O prazer em dobro consome minha mente. Não penso
em nada, a não ser no sexo, no nosso momento, em mim e Luke. Nós dois.
Juntos. Sendo um só.
— Caralho, Carter — xingo quando o orgasmo vem, consumida por uma
sensação forte que só ele pode me proporcionar.
Ele mete sem parar até que esteja satisfeito, até que esporre dentro do
meu cu e deixe o líquido escorrendo para fora dele.
Essa foi a transa mais suja, raivosa e gostosa que já tivemos.
Me jogo na cama, pouco me importando de melecar seu lençol, porque
não aguento me mover no momento. Luke, igualmente esgotado, se deita ao
meu lado. Nós dois estamos ofegantes, com as respirações entrecortadas, o
coração batendo mais forte.
Resolvo olhá-lo no mesmo momento que ele também me olha. Sorrimos
um para o outro, depois damos risada pela coincidência. Luke me puxa para
seus braços e me aconchego em seu peito. Faço carinho perto de seu
coração, querendo dizer inúmeras coisas, mas sem coragem para abrir a
boca.
Ainda estou puta com ele. Ainda o amo. Porém, mais uma vez, precisarei
ir embora em segredo. Não por escolha própria, mas por necessidade. Seu
erro, nosso erro, pode me custar muito se eu não obedecer a Brenda.
Luke talvez fique destruído e me odeie de novo, mas, nessa nossa vida,
estar em uma relação amorosa é uma loucura que nem sempre dá certo e
raramente fica em primeiro lugar.
Aproveito a última noite ao lado dele, sentindo seu cheiro, guardando o
ritmo das batidas de seu coração na memória. Pela manhã, observo sua
calmaria dormindo, feliz por ainda guardar certa pureza dentro de si e
conseguir relaxar dessa forma.
Pego um papel em sua cozinha e resolvo que, dessa vez, pelo menos, vou
escrever uma breve despedida.
“Lembre-se de que meu coração é seu.
E de que você é meu.
Volto logo,
J.S.”
Deixo um beijo no papel, marcando-o com o batom que acabei de passar.
Sinto um aperto enorme no peito por deixá-lo de novo, mas não há escolha.
Preciso enfrentar as consequências do que fizemos naquele baile.
E de brinde, ainda ficar frente a frente com a parte mais obscura do meu
passado.
O taxista está ouvindo “New York, New York” do Frank Sinatra. Ele
cantarola junto com a letra, enfatizando o nome da cidade, olhando para
mim quando o faz, querendo compartilhar sua paixão com o lugar que
nunca dorme.
Eu dou risada, tentando descontrair o clima, mesmo que esteja apreensiva
por estar de volta.
Observo a cidade iluminada e caótica pela janela. O trânsito permite que
eu perceba os detalhes que nunca notei quando estive aqui pela primeira
vez. Anos atrás, cheguei com pressa, procurando por um lugar para ficar,
onde pudesse me esconder da máfia que estava me perseguindo depois de
descobrir que eu havia matado um de seus homens.
A Tempestade Noturna.
— Primeira vez na cidade? — O homem pergunta, sorrindo
amigavelmente.
— Não — respondo de forma sucinta, ajeitando meus óculos escuros, me
certificando de que o chapéu está cobrindo meu rosto da forma que deve.
Ninguém pode me reconhecer.
— Tome cuidado com a bandidagem. As coisas estão cada vez mais
perigosas por aqui — alerta de uma forma tão inocente, que chega a ser
fofa.
Coitado. Mal sabe ele que o maior perigo acabou de chegar.
— Obrigada por avisar. Tomarei muito cuidado — enfatizo, dizendo a
mais pura verdade.
Precisarei tomar cuidado com cada movimento. Me manter o máximo
possível dentro da Universidade atrás do filho do Presidente, evitando andar
pelas ruas sem um disfarce para não ser pega pelas pessoas erradas. Fingir
ser uma estudante de direito e ser babá de um mauricinho não estava nos
meus planos, mas é o que tenho por agora.
Aproveito o momento ocioso para entrar no Instagram. Crio uma conta
fake para entrar no perfil de William Campbell, o garoto que vou proteger.
Imagino que seja um otário, nerd e engomadinho, mas, quando vejo suas
fotos, percebo que ele é bonitão. Gostoso, forte, adora postar fotos
treinando na academia e fazendo simulações de julgamentos de terno. Eu
perderia uma meia hora com ele, fácil.
Suspiro, bloqueando o celular e voltando a olhar para a cidade,
declarando o fim da minha busca. Em breve, me doarei exclusivamente a
William. Por agora, posso pensar no passado e em todas as formas que ele
se entrelaça com meu presente.
A Tempestade Noturna tem uma base gigante por aqui, mas Black
também tem. O comando, na verdade, é todo dele.
Brenda não fazia ideia de que Nova York foi o lugar onde mais fiquei nos
últimos quatro anos quando me designou para essa missão.
O lugar onde conheci Darius Black e minha segunda equipe.
Onde me tornei a primeira-dama do submundo e fiz coisas que nenhuma
mãe gostaria que a filha fizesse.
Onde fui protegida por um homem que boa parte do país considera o
próprio diabo.
Onde me tornei ainda mais insana e perigosa, digna de ocupar o lugar ao
lado dele ou até de derrubá-lo. Eu poderia ter sentado em seu trono, se tudo
não tivesse dado errado. Se a Tempestade Noturna não se intrometesse. Se
eu não precisasse ir embora para não prejudicar os negócios de Darius. Se
eu não tivesse sido presa, quase que propositalmente, para poder retomar a
minha antiga vida e voltar para a proteção da ANDOS, porque se tivesse
ficado, estaria enterrada a sete palmos abaixo da terra.
É engraçado que justo agora, quando estou tentando andar nos trilhos,
estabilizada na agência e relativamente resolvida com Luke, uma coisa
dessas acontece e sou mandada para o lugar do qual também tive que fugir.
Graças a colisão do meu passado com o presente, meu tempo em Nova
York tem tudo para ser caótico.
Estou com esse pensamento em mente quando meu celular vibra. Acho
estranho, porque Brenda acabou de me dar o aparelho e ninguém, exceto
ela, tem esse número. Imagino que esteja perguntando se cheguei bem,
porém, logo me lembro que é de Brenda que estamos falando. Ela jamais
teria tal preocupação.
Curiosa, desbloqueio a tela para ler a mensagem.
Desconhecido: Está de volta e não me avisou?
Congelo, sentindo meu coração disparar dentro do peito. Olho para fora
do carro, procurando para ver se alguém me observa, mas encontro apenas
o trânsito, as ruas, o caos.
Outra mensagem chega.
Desconhecido: Estou sempre de olho em você.
Darius.
É ele. Só pode ser. Eu sinto.
Engulo em seco, arrependida por ter permitido que Darius me conhecesse
a ponto de conseguir prever meus pensamentos e atitudes.
Essas mensagens só provam o que eu já sabia. Ele tem olhos em todo
lugar. Ele está me vigiando. Ele virá atrás de mim.
Nossa história ainda não acabou.
FIM DO LIVRO 1
VEJO VOCÊS EM
Com amor,
Lau <3
[1]
Soco lançado com a mão que está à frente da guarda.