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Trilogia Opostos

Mistaken

Betrayed

Ruined

Contos da Trilogia Opostos

The Turning

The Revelry

The Halloween

Spin-Offs da Trilogia Opostos

Believer

Resumption

Livros Únicos
Summer Camp

Para Sempre Minha: A Redenção do CEO

Sombras do Passado

Trilogia Recomeços

Por mim

Série Gorillas

First Time

Playing For Life


Copyright © 2022 K.A. PEIXOTO
Capa: Lilly Designer.

Ilustração: Gabriella Góis - Olhos de Tinta.

Revisão: Evelyn Fernandes e Amanda Mont’Alverne.

Os personagens e eventos retratados neste livro são fictícios.


Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, é mera
coincidência e não foi pretendida pelo autor.

Nenhuma parte deste livro pode ser reproduzida ou armazenada


em um sistema de recuperação ou transmitida de qualquer forma ou
por qualquer meio, eletrônico, mecânico, fotocópia, gravação ou
outro, sem a permissão expressa por escrito do editor.

ISBN: 978-65-00-75361-5
Oi meus amores, que prazer estar aqui com vocês
novamente, ou pela primeira vez.

Se é seu primeiro contato com um livro meu, eu desejo que


seja muito bem-vindo ao Kaverso .

Sombras do Passado é um livro único, porém a mocinha


principal já apareceu em outro livro, o Para Sempre Minha: A
Redenção do CEO, que também é único e está disponível na
Amazon e Kindle Unlimited.

Aqui vocês irão conhecer a história do André e da Alana,


pessoas totalmente opostas e que por mais que já convivam juntos,
era como se nem notassem a presença um do outro.

É mocinho com passado traumático que vocês gostam?


Porque se for, o André é exatamente esse tipo de personagem. E por
conta disso, esse livro terá mais gatilhos do que normalmente as
minhas histórias tem, e eu vou listá-los todos para vocês, ok?

SDP é um romance contemporâneo + 18, ou seja, tem cenas


explicitas de sexo, consumo de bebidas alcóolicas e palavras de
baixo calão. Também contém cenas de assuntos que podem gerar
gatilhos como: morte, abuso psicológico, agressão física, menção a
agressão sexual, automutilação e maus tratos infantis.

Prometo que tudo que está escrito foi colocado na história


com muito cuidado para que não gere nenhum grande desconforto
em ninguém, mas se em algum momento isso acontecer, eu
aconselho que abandone a leitura. E se ainda assim quiser saber da
história, estou à disposição para fazer um resumo dela sem detalhar
as cenas mais pesadas.

Acho que todos os recados importantes já foram dados, dito


tudo, eu desejo a vocês uma ótima leitura e espero que se
apaixonem por esses dois da mesma forma que eu me apaixonei.

E não esqueçam, estou sempre à disposição de vocês em


todas as minhas redes sociais.

Com amor,

K.A. PEIXOTO.
Escute a playlist no Spotify clicando aqui.
"Que as dores das nossas almas nunca sejam maiores do que a
nossa força de nos manter em pé, prontos para vencermos mais
uma batalha e provar a nós mesmo que somos muito mais do que
um passado difícil e cruel.”
Vários anos atrás.

Não sei o que eu fiz de errado dessa vez.

Renato e a minha mãe fecharam a porta do quarto deles para


que eu não ouvisse, mas eu sempre escuto.

— Esse garoto é o problema do nosso relacionamento,


Patrícia! — Para quem não quer que eu ouça, ele fala muito alto. —
Você viu as merdas das notas dele? Vai repetir de novo!

Ah, foram as notas.

Tentei esconder meu boletim, mas acho que isso só piorou


quando ele o achou todo amassado dentro de um tênis velho que
não uso mais.

Sinto o meu maxilar trincar ainda mais a cada palavra que


escuto sair da boca dele.

Deixo a porta do meu quarto meio aberta, ou o que sobrou


dela depois de ele ter quebrado, e sento no chão ao lado dela,
encostando as minhas costas na parede e abraço as minhas pernas.

— Renato, você sabe que el…


— Cansei das suas desculpas! Esse garoto não vai ser
ninguém na vida, vai ser um encosto que eu terei que ficar
bancando, e ele nem meu filho é.

Ouço o choro da minha mãe e suspiro.

Minhas notas realmente não estão boas, mas é difícil


conseguir estudar ou prestar atenção enquanto eu sinto dor, elas
sempre me distraem.

Ele não entende que a culpa é dele.

Renato me bate todo dia, por motivos que, na maioria das


vezes, eu nem sei.

Ontem foi porque esqueci de tirar o resto de comida do ralinho


da pia.

Sei que ele não gosta porque fica um cheiro ruim, mas eu já
tinha lavado toda a louça, limpado o chão e lavado o quintal todinho.
Acabei esquecendo de conferir o ralinho e as minhas costas ainda
estão doendo da surra de cinto que levei por causa disso. Tentei
olhar pelo espelho, mas ele também quebrou e só sobrou um pedaço
preso na porta do guarda-roupa.

Levo um susto ao ouvir o barulho de algo se quebrando e


levanto na mesma hora, esperando que a qualquer momento ele
entre aqui no meu quarto.

Ele sempre vem aqui, não me lembro da última noite que


dormi confortável, sem nenhuma parte do corpo ardendo ou
sangrando.

Como seria se o meu pai não tivesse morrido? Será que ele
seria bom comigo?

Infelizmente, nunca vou saber.

Meu pai morreu antes que eu fizesse um ano.


Ele era policial e foi assassinado. Não sei a história
verdadeira, porque nada do que vem do Renato eu consigo acreditar,
mas a versão dele é que meu pai estava envolvido com corrupção e
acabou sendo traído por alguém do mesmo esquema.

Renato era um colega dele, começaram juntos na Polícia aqui


do Rio de Janeiro. E foi ele quem ajudou a minha mãe no luto.

Essa ajuda acabou se tornando um namoro, se casaram


menos de um ano depois e ele se propôs a ser um bom pai, pelo que
minha mãe contou, mas eu descobri muito cedo que isso era
mentira.

No início, ele ainda tentava disfarçar, brigava comigo apenas


quando ela não estava por perto, beliscava meu corpo em partes que
normalmente não apareciam e fazia algumas ameaças que enquanto
criança eu acreditava serem possíveis de acontecer.

Fiz 11 anos no último final de semana e não consigo lembrar


qual foi a última vez que pude ir na rua brincar com os meus amigos.
Acho que eles nem se lembram mais de mim. E depois de tanto
ouvirem não do Renato quando me chamavam do portão, nunca
mais os vi.

Minha rotina é ir para escola, depois para o curso de inglês e


logo em seguida voltar para casa.

Apenas isso.

Aqui em casa eu faço tudo o que ele manda, não posso nem
descansar depois que chego da escola porque ele diz que é minha
obrigação ajudar em tudo, já que eu como demais e as compras do
mercado ficam caras por minha culpa.

E isso não faz sentido, tem dia que ele coloca tanta comida no
prato dele que nem sobra para mim.

A minha vida é um inferno e eu só queria morrer.


Eu tentei uma vez, na verdade.

Mas acho que o Renato está certo, eu sou tão burro que nem
sou capaz de me matar.

Fico andando pelo quarto, olhando para os meus pés se


movimentando por cima do tapete enquanto aguardo a chegada
dele, com o coração batendo forte.

A demora me assusta mais do que quando ele chega mais


rápido até aqui, pois significa que tem algo acontecendo no quarto
deles.

Mas tudo está quieto demais.

Olho na direção da minha porta, pensando se eu vou até lá ou


não.

Mas e se a mamãe estiver precisando de ajuda?

Meu coração bate tão rápido que chega a doer na hora que
respiro.

Encaixo a minha mão na parte quebrada da porta, puxo-a com


muito cuidado para que não faça nenhum barulho e ando pelo
corredor na ponta do pé, me arrastando pela parede até chegar onde
possa ver dentro do quarto deles.

E a primeira coisa que vejo é o olhar frio da minha mãe,


olhando na direção que estou enquanto Renato está em cima dela,
com as calças meio emboladas em seu pé e uma das suas mãos
forçando a boca dela, para que ela não faça barulho.

Uma lágrima escorre de um dos seus olhos, mas ela continua


ali, imóvel e me encarando, porém, acho que ela nem está me
vendo, apenas olhando para o nada.

Sei o que ele está fazendo, sei o que significa quando ele
transa a força com ela.
Saio dali limpando o meu rosto enquanto as lágrimas
começam a descer sem que eu consiga controlá-las.

Só que eu não sou rápido o suficiente e antes de conseguir


entrar em meu quarto, sinto a mão grande do Renato segurando em
meu cabelo, me puxando com força para trás e logo em seguida para
a frente, me jogando no chão como se eu fosse um saco de lixo.

— Gostou do que viu lá dentro, seu merda? — ele grita


enquanto ainda tento me erguer e virar de frente para ele. — Eu
deveria fazer com você igual faço com a sua mãe, talvez assim você
aprenda a me respeitar.

Sua saliva respinga em mim quando consigo me virar e ele


aproxima o rosto do meu, com seus olhos vermelhos como uma bola
de sangue.

Bem embaixo do seu nariz, consigo ver uma sujeira branca.

Eu também sei o que isso significa.

Renato coloca a mão na calça, naquela parte onde fica o


cinto, mas ele não encontra o acessório preferido para me bater e
fica ainda mais irritado.

— Hoje teve um caso na delegacia… uma criança acabou


caindo da janela enquanto tentava pegar uma linha de pipa que ficou
presa! — ele começa a falar, mexendo no nariz o tempo todo. —
Infelizmente o menino bateu a cabeça e morreu na hora. Acho que
foi um acidente mesmo e até fui à cena ver como tudo aconteceu! —
Renato me olha com um sorriso assustador. — Você gosta de pipa,
André?

Eu não respondo, apenas tento fazer com que meu corpo pare
de tremer.

— Me responde, moleque! — Se abaixa e me segura com


força pelo queixo.
— Go-gosto! — respondo com dificuldade.

Ele ri ao ouvir a minha resposta e me solta.

— Seria incrível se esse acidente também acontecesse aqui!


— Ele é louco. — Sua mãe e eu seríamos muito mais felizes sem
você, André. Você foi um erro e é a cara do seu pai, o que me dá
ainda mais raiva.

De novo, ele coloca a mão na calça para procurar o cinto.

Está tão drogado que nem lembra que acabou de fazer isso.

— Merda!

Ele sai do meu quarto e acho que vai atrás do objeto.

Olho para as minhas pernas e meus braços cheios de


machucados. Qualquer lugar que ele for bater vai doer ainda mais.

— Filho! — Minha mãe entra rápido no meu quarto e se


abaixa na minha frente. — Você precisa ir embora daqui! — Ela
coloca um bolo de dinheiro na minha mão. — Agora, André.

Como assim?

Para onde eu vou?

— Mãe, eu não vou deixar a senhora aqui!

Ela morde o lábio para segurar o choro.

— Meu amor, se eu for com você, ele irá atrás da gente! — diz
enquanto faz um carinho no meu rosto. — Eu estou juntando esse
dinheiro há um ano, tem o suficiente para você conseguir ficar bem
por um tempo! E eu também coloquei o número de uma antiga amiga
minha, sei que ela vai te ajudar.

— Não vou sem a senhora! — digo.


— Cadê a merda do cinto? — Nós dois trememos ao mesmo
tempo ao ouvi-lo gritar do outro cômodo.

— André, me escuta! — Ela segura em meu rosto com


firmeza. — Eu não tenho como te proteger aqui dentro, você sabe
disso. E ele nunca vai deixar que eu vá embora, então a melhor
coisa a fazer é te tirar daqui, meu amor.

Sinto a minha garganta arder e um gosto amargo toma conta


da minha boca.

— Ele vai bater na senhora se descobrir que me deu dinheiro


para fugir.

Ela faz que não com a cabeça.

— Ele não precisa saber que eu te ajudei, filho.

Minha mãe me puxa para um abraço apertado e eu nem me


importo com a dor física que isso me causa. Abraço-a de volta, com
a sensação de que talvez esse seja o nosso último abraço e isso me
deixa ainda mais triste.

— Eu volto para te buscar, mamãe! — falo para ela quando


voltamos a nos olhar, ela tenta sorrir entre as lágrimas e concorda
com um movimento de cabeça. — Tem certeza que não quer vir
comigo?

Ela se levanta e também me puxa para ficar de pé, me


olhando como se quisesse gravar a minha imagem em sua memória.

— Eu preciso resolver umas coisas antes de conseguir fugir


também, meu amor — diz e olha rápido para trás, conferindo se o
Renato não está vindo. — Me promete que vai procurar pela pessoa
que eu deixei o contato no papel? Eu só vou ficar em paz se você me
prometer.

Faço que sim com a cabeça e a abraço novamente.


— Eu te amo, meu filho! Espero que um dia você possa me
perdoar por ter deixado o Renato fazer da nossa vida um inferno. —
Minha mãe beija a minha testa mais uma vez e pede para que eu vá
antes que ele apareça.

E é por questões de alguns segundos que eu consigo descer


a escada antes que ele vá para o meu quarto.

— Onde está o merdinha do seu filho, Patrícia? — Escuto-o


falando enquanto abro a porta da cozinha que dá para o quintal de
casa, tentando fazer o mínimo de barulho possível. — Se escondeu,
seu covarde? Eu vou te achar!

Assim que consigo abrir a porta, saio correndo, como a


mamãe pediu.

Não trouxe nada além do dinheiro e da roupa que estou


vestindo. Não deu nem tempo de pegar um chinelo, mas eu não me
importo.

Pulo o murinho baixo que cerca a nossa casa e só quando


chego na esquina, com o meu peito doendo, que paro e olho para
trás, ainda em tempo de conseguir ver a casa onde cresci e sofri
cada dia desde que consigo me lembrar.

A casa deveria ser bonita, com o jardim que a minha mãe


cuida e a pintura sempre em dia, mas a energia dela é ruim, pesada
demais.

Renato chega na janela do quarto deles, que dá para a rua e


eu vejo o exato momento em que ele me vê.

Mas o homem apenas me encara cheio de raiva, como


sempre, e depois fecha a janela com força.

Será que ele sabe que eu fugi?

Será que vai fazer algo com a minha mãe?


Eu não deveria deixá-la, estou sendo covarde. Mas como eu
posso ajudá-la se sou mais fraco do que ele e nem consigo me
defender?

Preciso me transformar em um homem forte para salvá-la


dessa vida miserável que nós temos. E eu já aprendi, depois de
muitas tentativas de pedir ajuda, que não posso contar com ninguém
além de mim mesmo.

Tiro do bolso o papel que minha mãe me deu e vejo o nome


de uma mulher e o número dela.

Vou fazer o que a mamãe pediu e procurar pela sua amiga.

Corro até o outro lado da rua, onde tem um telefone público e


ligo a cobrar para o número que ela anotou com uma caneta rosa.
Para a minha sorte, começa a chamar e depois ouço uma voz do
outro lado.

— Alô?

— Oi… é a Luciana?

— Sim, sou eu! Quem deseja?

— Minha mãe pediu para te ligar… sou o André, filho da


Patrícia.

— Finalmente! — ela diz, parecendo estar esperando por essa


ligação há algum tempo. — Onde você está? Vou te buscar agora.

Passo o endereço da pracinha que fica um pouco mais


distante daqui, para não correr o risco do Renato vir atrás de mim e
conseguir me levar embora.

Ela me avisa que vai demorar uns 40 minutos porque mora


um pouco longe e eu aproveito para comprar um salgado e um copo
de refresco. Não sei se o lanche é tão gostoso assim, mas é a
primeira vez em muitos meses que eu consigo comer tanta comida, e
minha barriga até estranha.

Depois fico atrás de uma árvore que tem na praça, meio


escondido, esperando pela Luciana, que me informou a placa do seu
carro e pediu para que eu não aceitasse carona de ninguém.

A mulher parece demorar muito mais do que 40 minutos, e


qualquer vulto já penso que é o Renato para me levar de volta à
força, e acabo me assustando o tempo todo até que ela finalmente
chega.

— Oi, André! — Ela sai do carro assim que estaciona e


percebo o seu choque ao me ver, por mais que ela tente disfarçar. —
A sua mãe… está bem?

— Não tem como ninguém estar bem perto daquele homem…


— Eu não sabia que ia responder isso até que as palavras saíram da
minha boca. — A gente precisa tirar a mamãe de lá.

— Nós vamos, eu prometo! — ela fala de um jeito bem


tranquilo, diferente do que estou acostumado. — Vamos? — Estende
a mão para mim e eu penso um pouco antes de aceitar.

Mas não tem como as coisas ficarem piores do que já estão.

Seguro na mão dela e entramos em seu carro.

Novamente ela se sente aliviada quando vamos nos afastando


de onde estamos, e ao mesmo tempo que sinto que minha vida
agora pode ser mais leve, vou me sentindo o pior filho do mundo por
ter deixado a minha mãe para trás.
01

Dias atuais.

Visitar a minha mãe é sempre algo complicado e que a cada


ano venho fazendo com menos frequência.

Estar aqui é um lembrete de que eu não consegui cumprir a


promessa que fiz a ela anos atrás quando fugi da nossa casa. E eu
tenho para mim que nunca vou conseguir lidar com essa dor.

Houve um tempo em que eu ainda conversava com ela, falava


sobre como as coisas deram certo para mim, mas é terrível
conversar com alguém que não te responde de volta.

É só uma placa grande de cimento e uma foto dela.

“Uma mãe dedicada e esposa amada.”

Aquele infeliz nem se deu ao trabalho de escrever uma frase


menos clichê em sua lápide.

Toda semana, o rapaz que trabalha aqui no cemitério recebe


as flores que eu mando, troca as velhas na jarra pelas novas e
cheias de vida e também deixa tudo bem limpinho.

Eu o pago para que me avise caso o Renato venha aqui.


Porém, ele nunca veio desde o dia em que a enterrou. Renato
fez uma cena ridícula, que assisti de longe, porque não fui convidado
para o enterro da minha própria mãe. E de acordo com ele, mamãe
“acidentalmente” caiu da escada.

Essa é a pior desculpa que um agressor pode dar.

Mas ele não é um agressor qualquer, ele é um Delegado


Federal, amigo próximo de muitos juízes e políticos, que assim como
ele, também são pessoas péssimas. E o que eles têm em comum,
além de um ter o outro na palma da mão, é que são bons em
esconder os seus rastros.

Mal sabem o que os esperam muito em breve.

— Feliz aniversário, mãe! — digo antes de me levantar,


olhando para a foto dela sorridente.

Fui eu que tirei essa foto e ela precisou passar muita


maquiagem para esconder o roxo no olho esquerdo.

Queria ter boas lembranças com ela, uma só que fosse, mas
lembrar da minha infância é como voltar aos acontecimentos e sentir
na pele novamente tudo de ruim que eu havia passado.

Não lembro de uma risada sincera, de brincarmos juntos ou


de passearmos.

Apenas dor, sangue e gritos.

Vir aqui sempre me deixa extremamente triste porque eu sei


que falhei com a única promessa que eu fiz a ela… queria apenas
que fosse menos difícil depois de tantos anos.

Limpo minha calça, dou uma olhada na lápide mais uma vez e
vou embora do cemitério, com o coração apertado de saudade de
algo que eu nunca vivi com a minha mãe.
Entro no meu carro e pego o celular que havia deixado ali
para não ter nenhuma interrupção.

Tem duas chamadas não atendidas.

Victoria, minha ex-esposa, e Eduardo.

Não tenho nenhuma intenção de retornar para Victoria porque


eu sei o que ela quer: mais dinheiro. Já Eduardo é alguém que eu
sempre espero por uma ligação.

Ligo para ele, conecto com o multimídia do carro e começo a


dirigir para casa.

— Oi, André. Está podendo falar?

— Estou, sim! Aconteceu alguma coisa?

Escuto o barulho da porta se fechando antes de ele começar a


falar.

— Te mandei um documento naquele esquema codificado que


você me ensinou! Abra-o e imprima direto.

— Tudo bem, estou indo para casa. — Presto atenção nos


outros carros ao meu redor e paro antes da faixa de pedestre quando
o sinal fecha. — Algo relevante?

— Estamos mais perto, André! Estou sentindo que vamos


conseguir ligar todos esses crimes ao Renato, finalmente.

Um arrepio ruim passa por todo o meu corpo ao ouvi-lo


mencionar o nome do homem que arruinou a minha vida.

Eduardo é o novo delegado da Polícia Civil, nós nos


conhecemos através de um amigo em comum e ele já me ajudava
em algumas coisas enquanto ainda era Escrivão da polícia.
Com o tempo, fomos pegando confiança um no outro e ele foi
me contando por alto qual a sua intenção ao ter se tornado policial e
eu vi ali a minha chance de derrubar o Renato.

Ele também perdeu alguém por causa de um filho da puta


dentro da polícia, só que de uma maneira diferente de como foi
comigo.

Já tem muitos anos que eu estou na cola do Renato,


procurando pelo máximo de provas possíveis para colocá-lo na
cadeia e só sair se for dentro de um caixão.

Mas eu tenho que ser muito cauteloso, porque os esquemas


que ele está envolvido também têm muitas outras pessoas e eu não
quero me colocar em risco e nem muito menos o Eduardo.

— Ok, eu entro em contato assim que ler tudo o que me


mandou — digo e logo em seguida desligo, voltando a dirigir pelas
ruas de Laranjeiras.

Quando voltei para o Brasil, há 6 anos, fiquei morando quase


um ano inteiro em um hotel enquanto esperava a minha casa ficar
pronta.

Poderia ter escolhido qualquer outro lugar do país ou até


mesmo no Rio de Janeiro. Mas foi nesse bairro que eu tive uma
segunda chance na vida e eu tenho um apego pessoal muito grande.

Comprei um terreno em uma rua sem saída, consegui


convencer os vizinhos de fechar a rua como uma vila, com a
condição de cobrir os gastos da obra que teria que ser feita e
aproveitei para instalar um bom equipamento de segurança, não só
na minha casa, mas em toda a rua.

Acabei me tornando muito querido por eles por conta disso e


tenho uma boa relação com todos.

Além disso, minha casa fica a menos de 10 minutos da casa


da Luciana, que foi onde morei dos meus 11 anos até os 20, quando
me mudei para os Estados Unidos para estudar.

Aperto o botão que abre o portão automático que fecha a vila


e vou direto até a minha casa, estacionando o carro na garagem.

Hoje é o aniversário da Priscila, a única amiga que sabe tudo


da minha vida, ou quase tudo. Conheci a Pri assim que fui morar
com a Luciana, já que elas são vizinhas.

Ela era uma criança insistente e chata, mas que acabou


conseguindo um espaço na minha vida que eu nunca pensei que
ninguém teria. Eu a amo da mesma forma que amo os meus dois
irmãos de criação, o Rennan e a Beatriz.

E é por isso que todo dia eu me arrependo amargamente do


que aconteceu no Carnaval.

Onde eu estava com a cabeça quando deixei que as coisas


tomassem aquele caminho?

Para a minha sorte e da Alana, filha dela, ela nunca saberá,


pois foi um erro único. Estamos fingindo bem que nada aconteceu e
continuamos nos falando de forma rasa, como sempre foi antes de
transarmos.

Ainda não acredito que eu realmente transei com a filha da


minha melhor amiga. Uma mulher 20 anos mais nova do que eu!
Certamente o álcool colaborou para tudo o que aconteceu, porque
não faz sentido.

Eu nunca nem havia reparado direito na Alana, pelo menos


não com malícia.

Lembro de ter ficado surpreso em como ela era uma


adolescente bonita quando voltei para o Brasil. Depois, no seu
aniversário de 20 anos, reparei que ela já era uma mulher muito
atraente. E a Pri sempre me atualizava sobre as coisas que ela
aprontava nos seus momentos de desabafo.
Porra, eu sei até com quem a Alana perdeu a virgindade.
Priscila ficou louca e queria colocar a filha no colégio de freiras. E
isso tudo porque ela tinha 15 anos e o rapaz 19.

Imagina como a minha amiga reagiria sabendo que a filha


transou com alguém 20 anos mais velho?

Afasto esses pensamentos para bem longe, sabendo que em


algum momento eles voltarão, porque a culpa de esconder algo dela
me consome, mas eu preciso continuar fingindo que nada aconteceu.

Entro em casa e vou direto até o meu escritório.

Coloco o polegar na fechadura digital, espero que destrave a


porta e entro, me trancando logo em seguida.

Ligo o meu computador que uso especialmente para os


trabalhos que não podem deixar nenhum rastro, e assim que ele liga,
vejo o e-mail que o Eduardo me mandou.

Fico na frente da impressora enquanto mais de trinta páginas


vão sendo impressas e espero até a última folha sair para juntar
todas, grampear e começar a ler.

Meus olhos procuram por palavras-chaves entre tantas coisas


e vou marcando as que vou encontrando para mais tarde estudar
tudo com muita calma.

Mas o Eduardo estava certo, esses documentos vão nos


ajudar muito.

— Claro que esse filho da puta estava envolvido com tráfico


humano! — falo sozinho.

E eu achando que esse homem não tinha como ser ainda


mais nojento.

Os dados que eu tenho em mãos são extremamente


importantes para o meu plano, mas eu preciso conversar com o
Eduardo para saber quem o ajudou e deu essas informações.

Tenho que ter certeza que o Renato não suspeita de nada e


que isso nunca chegará a ele antes de tudo explodir.

Afasto a parte falsa do armário, digito a senha do cofre, coloco


os documentos lá dentro junto de outras coisas importantes e a
minha arma, depois arrumo tudo antes de sair do escritório.

Subo até o meu quarto para tomar um banho rápido, tentando


tirar toda a tensão do meu corpo e depois pego uma calça jeans
preta, uma camisa de manga curta e um tênis.

Por mim, eu iria sem roupa nenhuma, o outono chegou há


quase 2 meses, mas parece que o verão é eterno aqui no Rio de
Janeiro.

Meu telefone vibra em cima da cama e eu ignoro para


terminar de me vestir, só depois de passar a camisa por um dos
braços e ir puxando o tecido pelo outro que vejo quem está me
ligando.

— André, você pode pegar o bolo para mim, meu querido e


bondoso amigo que sempre me ajuda quando esqueço algo em cima
da hora? — Eu já sabia que essa ligação da Priscila era para me
pedir algo.

— Como vou levar o bolo e dirigir ao mesmo tempo, Pri?

— Hum… Alana? Já está arrumada? Vem me ajudar, por


favor. — Afasto o celular do ouvido quando ela começa a gritar com
a filha. — Prontinho! Lana vai te ajudar, vou pedir para ela ir direto na
loja e você a busca lá, pode ser?

Ótimo.

— Estou indo! — Desligo antes que ela me peça mais alguma


coisa.
Pego as minhas coisas, saio de casa e volto para o meu carro.

Não precisei perguntar para a Priscila onde era a confeitaria,


porque sei a única que ela gosta, que também é onde compro
sempre que quero algum doce.

O caminho até lá não demora nem 15 minutos e eu tomo esse


tempo para garantir que não vai ser nem um pouco estranho estar
sozinho com a Alana pela primeira vez desde fevereiro.

Óbvio que uma situação como essa já aconteceu várias outras


vezes, mas agora a porra toda entre nós dois é diferente.

Antes, era fácil apenas falar o trivial, ignorar suas crises de


felicidade e animação quando algo acontecia e todos os gritinhos
que ela e a Gabriela, a melhor amiga dela, ficavam dando a todo
momento.

Agora, tudo chama a minha atenção, qualquer coisinha.

E é claro que eu ignoro, mas é muito mais fácil quando tem


outras pessoas conosco.

Antes mesmo de estacionar na frente da confeitaria, vejo a


Alana na beira da calçada segurando a caixa com as duas mãos e
visivelmente irritada com uma mecha de cabelo que voou para a
frente do seu rosto.

Paro bem na frente dela e abro a porta por dentro para que
entre.

— Obrigada, André! — ela diz ao entrar, coloca a caixa sobre


as coxas e arruma o cabelo.

— O cinto! — digo e espero que ela coloque para irmos até a


sua casa.

Observo-a puxar a fivela e depois prender na trava que fica


colada ao banco.
O perfume dela preenche todo o espaço dentro do carro, e por
mais que seja doce, é bem suave. Ele tem presença suficiente para
ser marcante e lembrar dela quando eu senti-lo novamente, mas não
chega a ser um cheiro que incomoda ou me faça abrir as janelas
para que ele se dissipe.

Volto a dirigir tranquilo, sabendo que vou chegar rápido ao


nosso destino. Mas sou pego de surpresa assim que viro na outra
rua, que dá para a principal, e vejo que dois caminhões bateram,
fechando assim toda a via.

Viro para trás para tentar dar ré, mas já tem vários carros
atrás do meu.

— Ótimo! — resmungo.

Alana olha para trás e depois abaixa o vidro da janela para


erguer um pouco o corpo e ver melhor a colisão dos veículos à nossa
frente.

Ela segura a caixa do bolo e joga mais um pouco o corpo para


fora, e eu queria muito ter o autocontrole de não olhar para a sua
bunda, mas eu faço exatamente o contrário.

— Será que não é melhor eu ir andando para levar o bolo? —


ela diz quando volta a se sentar normalmente e eu viro o meu rosto
para a frente, muito rápido, de forma brusca o suficiente para ela
estranhar.

— Não, os carros atrás de nós já estão começando a dar ré. E


você levaria uns 30 minutos até chegar na sua casa.

— Certo.

O silêncio estranho toma conta do carro, e eu fico com os


olhos vidrados no retrovisor, esperando a minha vez de sair deste
trânsito e pegar um caminho alternativo para chegar na casa da
Priscila.
O seu telefone toca e ela ignora, mas depois da terceira vez,
acaba atendendo.

— Oi, Gabi! De quem é esse número? Se soubesse que era


você teria atendido na hora.

Tento ignorar a conversa das duas, mesmo conseguindo ouvir


o que a Gabriela fala do outro lado, mas como o assunto é homem,
não quero mesmo saber o que mais elas podem falar.

Dou ré devagar quando abrem espaço para mim e pego um


caminho um pouco mais longo, mas que é o único que me resta.

Percebo que Alana apenas ri e fala poucas coisas porque eu


estou ao seu lado, mas se não estou ficando louco, tenho certeza
que ouvi Gabriela falando: “A casa de swing que nós fomos”.

Eu não deveria ouvir isso.

Ligo o rádio apenas para ter algum som que me atrapalhe a


escutar a conversa das duas e deixo em qualquer música.

Alana me olha de rabo de olho antes de falar novamente com


a amiga.

— Gabi, eu já estou chegando em casa! Você vai, né? Melhor


terminarmos nossa conversa lá! Te amo, beijos.

— O pai da Gabriela está bem? — pergunto.

Paulo, pai da Gabi, tem diabetes tipo 2 e Parkinson. O


conheço antes mesmo da Gabriela nascer porque ele também mora
perto da Luciana e mesmo que não tenhamos muito contato, lembro
que ele e a sua falecida esposa sempre davam doces de São
Cosme e São Damião, e eu adorava receber aqueles saquinhos
cheios deles.

É triste assisti-lo cada vez ficando mais doente.


Alana suspira antes de me responder, com o olhar meio
entristecido.

— Ele está do mesmo jeito, né? Muito doente, sem nenhuma


melhora e pouquíssimas chances de alguma notícia boa sobre o
tratamento. Mas agora a Gabi está em um bom emprego, está
procurando por novos tratamentos.

— Não deve ser fácil para ela.

— Não é, não mesmo! Faço o que posso para tornar a vida


dela mais leve…

Será que isso inclui a tal ida à casa de swing?

Será que elas ficam? Os tempos são outros e eu tenho uma


irmã de 25 anos que me contou que já beijou algumas amigas, mas
que isso não era nada demais. Deu vontade nelas, elas ficaram e
depois tudo continuou como antes.

Mas ninguém vai para a casa de swing para beijar… e eu não


deveria estar pensando sobre isso, não é da minha conta.

— Tá tudo bem? Seu rosto está vermelho igual a um


pimentão! — Alana me pergunta, olhando para mim com as
sobrancelhas meio franzidas.

— Está.

Ela fica me olhando, esperando que eu diga mais alguma


coisa, até que desiste quando percebe que encerrei o assunto.

Finalmente chegamos em sua rua e estaciono na frente da


casa da Luciana.

— Rennan está diferente… — Alana comenta quando tira o


cinto para sair do carro. — Ele com certeza está levando os treinos a
sério.
— Ele tem 32 anos, Alana! Sabe disso, né? — Minha voz sai
um pouco ríspida e eu não deveria ter falado essa merda, mas saiu
naturalmente.

A loira ao meu lado vira o rosto para mim, me olhando com


surpresa.

— Talvez eu esteja me descobrindo uma Maria INSS — fala e


em seguida sai do carro, segurando a caixa do bolo com cuidado.

O que porra é Maria INSS?

Saio logo depois, vou até ela e pego a caixa dos seus braços.

— O que é isso?

— Na caixa? O bolo! Você tomou os seus remédios hoje,


André? — zomba de mim.

Reviro os meus olhos com força, sentindo uma leve pontada


na testa.

Alana tira a mãe do sério o tempo todo com o seu jeitinho


irritante e eu consigo entender o porquê.

— Não se faça de idiota!

Ela solta uma risada e dá de ombros antes de me responder.

— Maria INSS é tipo Maria farda, sabe? — Faço que não com
a cabeça. — Nossa, você é muito desatualizado! É quando uma
mulher gosta de homens mais velhos! INSS, entendeu? — Faz um
gesto com as mãos perto do rosto, balançando o polegar e o
indicador, como se essas informações fossem óbvias.

Preciso de alguns segundos para compreender o termo idiota


e alguns segundos mais para perceber o porquê de ela ter falado
isso.
— Não deveria estar interessada em homens mais velhos!

— Jura, André? — Ela cruza os braços na altura dos seios,


com o seu olhar afiado para mim. — Deveria ter me alertado disso há
alguns m…

— Por que vocês estão parados aqui fora? — Continuo


encarando Alana por algum tempo antes de desviar o olhar para o
meu irmão, que dá um tapinha nas minhas costas. — Credo, que
energia pesada aqui!

Ele finge um arrepio, Alana ri, o convida para entrar, mas sai
andando na nossa frente, sem esperar por nós.

— Obrigado! — digo a ele.

— O que foi isso? — me pergunta enquanto tenta fuxicar o


que tem dentro da caixa. — Pensei que as coisas entre vocês
estavam resolvidas.

Rennan é a única pessoa que sabe que Alana e eu nos


envolvemos.

Eu precisava contar para alguém, iria enlouquecer com essa


informação só para mim e eu confio nele da mesma forma que confio
na Beatriz e também na Priscila.

— Eu também não sei o que rolou, mas não vai se repetir.

Ele dá uma risada meio desacreditada, mas nós encerramos o


assunto e entramos.

O quintal já estava cheio de convidados, com uma decoração


simples, mas que com certeza a aniversariante amou. Eu levo o bolo
para dentro da casa dela, coloco na geladeira e antes de voltar lá
para fora, escuto a risada da Alana.

— Talvez eu vá ao clube hoje! Estou precisando de um bom


sexo com alguém desconhecido. — Acho que está falando no
telefone de novo.

A minha curiosidade fala mais alto e eu dou alguns passos


para o lado, o que faz com que eu a encontre com o telefone no
ouvido, encostada na parede e com uma expressão animada.

Mas ela nota a minha presença e fixa o olhar em mim.

— Com sorte eu encontro um homem mais velho, lá pela casa


dos 40! Alguns desses fazem coisas sensacionais.

Merda.

Por que ela está falando isso e me encarando?

E por que eu simplesmente estou a encarando de volta?

Que porra está acontecendo hoje?

Meu corpo esquenta como o inferno quando não consigo


controlar as lembranças do Carnaval e eu preciso me esforçar para
conseguir arrastar o meu corpo para longe dali, antes que acabe
ficando excitado na frente dela.

Escuto novamente a sua risada quando consigo me afastar.

Ela estava me provocando deliberadamente e isso nunca


havia acontecido desde que combinamos de fingir que nada
aconteceu, nunca nem havíamos ficado em uma situação
constrangedora como quando saímos do carro.

As coisas não podem seguir por esse rumo, o clima entre nós
dois não pode ficar diferente do habitual.

Porra!

Agora sou eu que preciso transar e relaxar.


02

Às vezes eu tenho a sensação que gosto de brincar com o


perigo.

Essa é a única explicação para o que eu acabei de fazer.

Não faz sentido nenhum eu ter provocado o André, até porque


eu nem quero me envolver com ele novamente.

Ou melhor, eu até me envolveria de novo porque foi um sexo


maravilhoso, mas aí eu lembro de todo o resto e na mesma hora não
quero mais. Esse é o maior motivo de eu nunca, de jeito nenhum,
provocá-lo ou até mesmo encará-lo por tempo demais.

Acho que até dou menos atenção para ele do que antes,
porque sempre fico com a sensação de que minha mãe vai perceber
e o evito a qualquer custo.

Aí hoje, bem no aniversário dela, meus hormônios parecem


estar gritando por ele.

Hormônios traidores.

— Seu sutiã super valorizou os seus peitos, amiga — Gabi


comenta e eu lembro que a minha amiga acabou de chegar e está do
meu lado falando várias coisas que não ouvi. — Depois me fala a
marca, também quero.
Abaixo o olhar na direção do meu decote e vejo que realmente
o sutiã está dando a impressão que eles são maiores.

— Comprei na feirinha, amiga. Não tem marca!

— A última vez que comprei o da feirinha, o ferro rasgou o


tecido e machucou o meu mamilo. — Ela faz uma careta,
provavelmente lembrando da dor. — Você é ótima em achar boas
roupas por lá! Eu vejo os seus looks e eles facilmente poderiam estar
em um manequim de uma das lojas de grife dos shoppings.

E essa é uma das coisas que eu me orgulho.

Sou muito vaidosa, amo ter roupas bonitas e sempre consigo


achar peças boas e baratas, porque é o que eu consigo arcar.

É o meu dom.

Gabi termina de encher os copos com refrigerante na bandeja


que estou segurando, que na verdade é uma forma de alumínio de
fazer bolo, e depois pega outra garrafa para levarmos até o quintal e
servirmos às pessoas.

Minha mãe está radiante, sambando com duas amigas


enquanto os convidados conversam entre si, todos com uma energia
incrível, comemorando mais um ano de vida dela.

Eu não poderia estar mais feliz em vê-la assim e saber que


pude, pela primeira vez, ajudar com seu aniversário, uma das datas
que ela mais gosta de comemorar.

Vou parando em cada grupinho de pessoas espalhadas pelo


quintal para servir o refrigerante, algumas aceitam e outras recusam,
bebendo sua água ou cerveja. E evito a todo custo ir até o André, ele
é de casa e pode pegar a sua própria bebida.

A coragem de ter falado aquelas coisas se esvaiu assim que


ele saiu de perto de mim e agora uma vergonha tomou conta de todo
o meu corpo. Não consigo nem olhar na direção dele.
E se tem uma coisa que eu não sou, é envergonhada.

Minha mãe vive dizendo que um pouco de vergonha não me


faria mal.

— Desculpa o atraso! — Guto aparece na nossa frente, dá um


beijo na bochecha da Gabi e faz o mesmo em mim. — Querem ajuda
em algo?

— A próxima rodada de refrigerante fica por sua conta! — digo


e ele sorri, concordando. — Veio sozinho?

Ele concorda, como se fosse óbvio.

— Quando iremos conhecer a menina misteriosa que você


está ficando?

Gustavo e Gabriela são meus melhores amigos desde que


sou criança e sempre fomos um trio incrível, mesmo que nossas
idades sejam diferentes. Teve uma época em que os dois
namoraram, durou um tempo e depois eles decidiram manter só a
amizade.

Quando isso aconteceu, eu morri de medo que o término


fosse atrapalhar a nossa dinâmica, mas deu tudo certo.

Nós três continuamos unidos como antes, apenas não


conseguimos nos ver com tanta frequência porque a vida adulta
bateu em nossa porta e todos temos nossos compromissos e
responsabilidades.

Mas sempre damos um jeitinho de nos ver e ficarmos juntos.

— Não é misteriosa, só mora longe.

Ergo a sobrancelha ao ouvi-lo e tenho certeza que a Gabi


também percebeu pelo tom de voz dele que nessa história tem muito
mais do que só a distância.
O que o Gustavo está aprontando?

— Nós vamos fingir que acreditamos só para você não se


chatear com a nossa insistência! — falo e deixo a bandeja em uma
mesa vazia. Gabi vai até o galão de lixo e joga a garrafa que
esvaziou ao servir as pessoas que já tinham seus copos. — Mas não
sei quanto tempo irei conseguir conter a minha curiosidade, Guto!

— Vou lá falar com a sua mãe. — Ele foge do assunto e já


chega perto dela sambando, puxando-a para dançar com ele.

E, despercebidamente, acabo olhando na direção do André,


que está conversando com o irmão.

André sempre foi um homem muito bonito e isso é um fato


para qualquer pessoa e até mesmo quem não se atrai por alguém
como ele, consegue reconhecer que é uma pessoa muito atraente.

Muito mesmo.

O amigo da minha mãe não é igual a esses homens cheios de


músculos, que parecem uma geladeira de duas portas. Mas seu
corpo é todo definido, seus braços têm volume suficiente para que
suas camisas fiquem justas e seu rosto… eu fico até meio perdida
quando olho demais.

Barba perfeita, sempre muito bem aparada, o cabelo que


agora está curto, mas às vezes fica um pouco mais longo e das duas
maneiras ele fica lindo.

Uma coisa que o deixa com um charme a mais são os fios


brancos crescendo em seu cabelo e também na barba. De fato,
nunca me senti atraída por alguém que eu sabia que tinha mais de
40 e não fosse famoso, mas com André é impossível não o fazer.

Na adolescência, assim que ele voltou para o Brasil, eu tive


um crush fortíssimo nele.

Acho que quase todas as meninas aqui do bairro tiveram.


Mas ele sempre se colocou na posição de “Velho demais para
sequer olhar para vocês.” E, com o tempo, fui me acostumando com
a presença dele e parei de me afetar a cada vez que o via.

Só que depois de tê-lo visto nu e sentido literalmente na pele


o que ele é capaz de fazer, me sinto novamente atraída por ele.

Claro que vou ignorar essa atração, mas não posso fingir para
mim mesma que ela não existe.

— Alana? O que está acontecendo? Você está muito distraída


hoje — Gabriela reclama ao meu lado e eu desvio o olhar do André
para ela. — Você estava encarando o Rennan? Não vou te julgar,
fica tranquila. Até porque o Marcus tem a mesma idade que ele!

— Rennan? Não, por Deus! Ele é tipo um irmão mais velho,


que nojo.

Ela ri ao me ouvir.

— Mas ele é um gato!

— E ainda assim é como se fosse meu irmão mais velho.

Ela volta a olhar na direção dele e finge um pigarro antes de


continuar falando:

— Será que a sua quedinha pelo André está voltando?

Puxo minha amiga dali, indo para onde as pessoas estão


dançando e eu só a escuto rindo baixinho.

— Cadê o seu corretor? — pergunto, mudando de assunto.

Gabi começa a falar dos últimos acontecimentos entre os dois.

Marcus é o chefe dela e também o maior corretor de imóveis


do Brasil. Ela conseguiu um estágio na corretora dele, mas eles já se
conheciam. Gabriela ficou com ele na casa de swing onde fomos
dias antes de ela começar a trabalhar com ele, só que ela não o
reconheceu.

Foi uma coincidência embaraçosa e constrangedora, só que


eles decidiram tentar se conhecer melhor fora da empresa, sem que
ninguém soubesse. Acho que estão apenas deixando rolar e ver no
que dá, mas eu conheço a minha amiga e tenho medo de que ela se
machuque.

A fama de homens mais velhos, ricos e poderosos não é das


melhores no quesito relacionamento.

Mas, por algum motivo que eu ainda não sei, confio nele.

Nos falamos poucas vezes, contudo, foi o suficiente para eu


ter certeza que ele está muito mais na dela, do que ela na dele. E
isso é bom, se for para alguém sofrer, que seja ele.

Eu ficarei de olho porque não irei deixar que ninguém a


magoe.

— E a roupa para a festa de encerramento do seu curso, já


comprou? — pergunto e na mesma hora os olhos dela brilham.

Gabriela me mostra o look que escolheu no celular e eu


aprovo, porque é lindíssimo.

As coisas estão melhorando na vida dela no quesito


financeiro, o que é ótimo. Tio Paulo tem um custo muito alto e eles
viviam enrolados com empréstimos em bancos.

E por mais que a gente oferecesse ajuda, que nunca era


muita coisa, eles viviam recusando. Por muito tempo achei que era
um orgulho bobo, mas hoje eu os entendo.

Eu os amo como a minha família e só quero que as coisas


sejam mais fáceis para ambos, eles merecem um pouco de paz e
sossego.
Nós duas nos arriscamos em sambar enquanto conversamos,
mas não levamos muito jeito para esse ritmo e ficamos rindo uma da
outra.

Já a minha mãe arrasa e não teria como ser diferente.

Ela foi professora de dança por muitos anos, mas teve que
parar por conta de uma hérnia na lombar.

— Você é chato demais, André! — Ouço a voz da Beatriz


antes mesmo de sentir os seus braços rodearem o meu corpo em um
abraço apertado. — Oi, linda! Como você está? — Beija a minha
bochecha com força, deixando a marca do batom e depois fala com
a Gabi.

Beatriz é a irmã mais nova do André, tem 25 anos, apenas um


ano a mais que eu.

Durante a adolescência, nós fomos muito próximas, mas


depois de um relacionamento abusivo, ela se afastou de todo mundo
e só há pouco tempo voltou a ser a mesma Beatriz de antes, alegre e
divertida.

— O que o seu irmão fez dessa vez? — Gabriela pergunta


enquanto tenta abrir um latão de cerveja sem quebrar a unha.

— Reclamou que eu não respondi a mensagem dele ontem, aí


expliquei que estava transando e ele ficou irritado.

Deixo uma risada alta escapar, porque mesmo sem olhá-lo,


sei a cara que fez ao ouvir a irmã.

— Até parece que ele não transa, né!? — Beatriz continua


falando. — Na semana passada mesmo, vi uma mulher saindo da
casa dele, a bichinha parecia ter sido jogada na parede várias vezes,
mal conseguiu entrar no Uber.

Sinto o meu rosto esquentar ao ouvir o que ela fala.


— Nunca vi o André com ninguém! — Gabriela fala e olha na
direção dele. — Será que traumatizou depois do divórcio?

Também já pensei sobre isso.

Minha mãe já me contou o que aconteceu, mas, na época, eu


não tinha muito interesse em saber da vida dele e não prestei
atenção. A única coisa que eu lembro é que a ex-esposa dele estava
frustrada pela falta de interesse dele em ter filhos.

Achei estranho, porque qualquer pessoa que o conhece


minimamente sabe que ele não gosta de criança. Não me
surpreenderia se tivesse feito uma vasectomia.

— É muito errado eu falar que fiquei feliz pelo divórcio? —


Beatriz comenta, com um sorrisinho irônico no rosto. — Eu não gosto
de ficar falando mal de outra mulher, mas aquela ali era difícil não
soltar a mão, insuportável. Ficava falando mal das raízes do Dré,
diminuindo a nossa família só porque não somos do mesmo sangue.

— Minha mãe também não gostava dela, não tinha uma


semana que não reclamava de algo.

— Ela morria de ciúmes da sua mãe, Lana! Até mesmo tentou


afastar os dois, mas isso é algo impossível de ser feito. Acho que
nem se o Dré desse um tiro nela, os dois se afastariam.

Houve uma época que eu pensei que rolava alguma coisa


entre os dois e achei que a minha mãe não queria me contar porque
o André também era amigo do meu pai. Fiquei um bom tempo
prestando atenção, mas realmente não tem nada disso na relação
deles.

Uma vez cheguei até a perguntar se em algum momento de


todos esses anos de amizade não rolou algo, mas ela disse que
desde o ínicio a relação deles era de irmandade e que isso nunca
mudou.
E é um alívio, porque transar com o melhor amigo dela já é
ruim, se ela já tivesse nutrido algum sentimento por ele, seria ainda
pior.

Peço um minuto às meninas e venho dentro de casa para


deixar o meu celular carregando.

— Eu jurava que tinha deixado o carregador aqui na sala! —


falo sozinha, abrindo a gaveta da mesinha auxiliar que fica ao lado
de um dos sofás. — Cadê essa merda?

— Eu peguei, desculpa. — Dou um salto para trás quando


escuto a voz do André, levando um susto.

Mas ele não estava lá fora agora mesmo?

— Não, tudo bem. Pode usar, eu pego o da minha mãe


emprestado.

— Eu já terminei, só precisava responder uma mensagem


antes que ele descarregasse. — André desconecta o cabo do celular
e vem até onde estou para me dar, saindo de perto das cortinas. —
Desculpa pegar sem pedir!

— É só um carregador, não precisa se desculpar.

Ele concorda, mas não sai da minha frente.

Fico um pouco intimidada, sem saber o que fazer com a


presença dele tão perto.

— André… desculpa por mais cedo! — falo de uma vez o que


estava me engasgando, antes que acabasse desistindo. — Não
deveria ter falado daquele jeito sabendo que você estava ouvindo.

Vejo o pomo de adão dele se movimentar ao me ouvir.

— Eu fiquei um pouco confuso! — fala calmamente, com a


sua voz rouca e grossa. Ele olha para trás de mim, conferindo se não
tem ninguém por perto e depois volta a me encarar. — Pensei que
havíamos combinado que continuaríamos agindo como antes,
quando ainda não tinha rolado nada.

Essa era a ideia, mas não sei por que fiz aquele caralho.

— Eu também não sei por que fiz… não pensei direito! É que
ultimamente o meu apetit… esquece, não é nada importante.

Os olhos dele passeiam pelo meu rosto, mas não de um jeito


maldoso, parece preocupação.

— Tem certeza que está tudo bem mesmo? Entre nós?

Quanta humilhação, meu Deus!

Era só eu ter ficado quieta, simples assim.

— Está a mesma coisa de antes, André. O que aconteceu


hoje não irá se repetir, pode ficar tranquilo!

André gosta de olhar fundo nos olhos, e eu não havia notado


isso até agora enquanto ele me encara, tirando todo o ar do meu
pulmão.

Ele concorda depois de me fazer quase morrer sem nenhum


ar e sai da sala sem falar mais nada, me deixando sozinha com os
meus pensamentos enlouquecidos.

Me movimento rápido na intenção de colocar o celular para


carregar, mas acabo ficando tonta e sento na beira do sofá, com a
vista meio embaçada.

Que estranho!

Fico sentada até me sentir bem novamente, coloco o celular


para carregar e procuro alguma coisa para beliscar, acreditando que
a culpa da minha tontura é não ter me alimentado ainda.
03

Trabalhar de casa para mim é uma das melhores coisas


possíveis.

A minha qualidade de vida aumentou absurdamente.

Consigo ir à academia de manhã, sem ter que acordar quase


de madrugada para isso, depois tomo um bom café com calma e
ainda sobra tempo para o banho antes de ir para o escritório
começar a trabalhar.

O meu escritório foi algo que eu mesmo idealizei sozinho,


desde todo o equipamento que eu preciso até a parte de segurança.

A decoração é em tons escuros como todo o resto da casa,


acho mais prático assim, não ligo muito para decorações. E depois
de ter tido uma casa grande demais, com objetos que daria para
dividir entre cinco casas, agora eu só aprecio o minimalismo da
minha casa.

Termino de tomar o meu café de pé, enquanto vejo todos os


computadores ligando ao mesmo tempo.

Eu sou diretor de TI de uma empresa multinacional


automotiva, ou seja, uma empresa que é dona de uma fábrica
famosa e gigantesca de carros que vende em todos os países.

Mas não foi fácil conseguir esse cargo.


Quando completei 20 anos, viajei para os Estados Unidos, fui
morar em Washington na intenção de estudar.

Na verdade, ganhei uma bolsa em um curso que fazia aqui no


Brasil, como melhor aluno de Software.

Eles pagariam basicamente todos os meus estudos, desde


que eu me dedicasse 110% para ganhar destaque e fazer com que o
curso daqui ficasse famoso, e foi exatamente isso que aconteceu.

Na época, Luciana pagava uma mensalidade bem baratinha


para cada módulo do curso que eu fazia. Hoje em dia está mais caro,
além de ter várias outras unidades espalhadas pela Zona Sul.

De tempos em tempos eles me chamam para dar palestra e


na maioria das vezes eu vou, porque sou muito grato a todas as
portas que abriram para mim.

Foi muito difícil me adaptar com a mudança e deixar todos


que eu amava para trás, mas algo dentro de mim falava que era a
coisa certa a se fazer e que eu nunca teria uma chance tão boa
quanto essa.

E em menos de 6 meses, eu já havia conseguido um emprego


nessa mesma empresa que trabalho até hoje. Eles recrutavam
pessoas que tinham destaque nesse tipo de curso e eu comecei
apenas ajudando com problemas bobos e pequenos do dia a dia na
parte da informática, e dois anos depois eu já era responsável por
todo o suporte do TI.

Assim que eles abriram uma sede aqui no Rio de Janeiro, já


me cotaram para ser o diretor daqui, pelo fato de ser o meu país de
origem, e foi uma luz no fim do túnel para mim, que já estava com
um casamento fracassado ao qual não sabia como terminar.

Tudo aconteceu exatamente como deveria ter acontecido.


Tinha alguns anos que eu queria voltar para cá, e já estava com
saudades da minha família e do clima que só o Brasil tem.
O celular da empresa que eu liguei há poucos minutos
começa a tocar e eu atendo para descobrir qual é a primeira merda
do dia.

O sistema da empresa é todo controlado por mim, daqui de


casa mesmo, mas toda semana eu vou até lá, só para que eles
entendam que, mesmo distante, eu estou ciente de tudo.

Também tem algumas reuniões que eu prefiro fazer


pessoalmente, mesmo que a maioria se dê de forma online, com
funcionários de outros países.

— Tudo bem, vou ver aqui o que aconteceu! Mas isso travou
alguma máquina? — Escuto o que o novo estagiário me explica e já
me sento, deixando a xícara no suporte e digitando alguns comandos
para chegar no lugar onde está dando problema. — Já achei, vou
resolver e entro em contato daqui a alguns minutos.

Não tem nem 10 minutos que eles começaram a trabalhar e já


fizeram merda, incrível.

Quase todos os aplicativos que usamos foram criados por


mim e já me ofereceram algumas fortunas para que eu vendesse
para outras empresas do mesmo ramo. Mas eu não sou esse tipo de
pessoa e também não ligo muito para o que a maioria das pessoas
querem: dinheiro infinito.

Vivi uma infância difícil em muitos sentidos, inclusive o


financeiro. Não que o meu padrasto não tivesse, porque ele
participava de esquemas corruptos, porém, isso não significava que
ele comprava, por exemplo, casacos novos para mim quando o
inverno chegava.

Minhas calças pareciam bermudas e minha mãe tentava abrir


a parte de cima e aumentar com tecido de outra calça para que eu
continuasse usando. Era vergonhoso, mas ou eu usava ou ia de
cueca para a escola.
Então, por mais que eu tenha bastante dinheiro para viver
uma vida de luxo, estou muito bem da forma que vivo.

Minha casa é ótima, tenho um Jeep Wrangler Sahara, duas


portas, blindado, que é o meu xodó e a coisa mais cara que comprei
para mim depois da construção dessa casa. E por mais que ambas
as coisas sejam luxuosas, não vivo gastando dinheiro com coisas
que eu acho que não valham a pena.

Já bastava todo o dinheiro que a Victoria gastava todo mês


enquanto ainda éramos casados.

Meu telefone pessoal começa a vibrar em meu bolso e assim


que o pego para ver quem está ligando, vejo que é a minha ex.

É só pensar nela que parece que o anjo da guarda escuta e


ela aparece do nada.

— Nossa, me atendeu tão fácil. — Coloco no alto-falante e


apoio o celular na mesa. — Como você está, lindo?

— Bem. O que você quer, Victoria? — respondo em seu


idioma, já que nunca criou o mínimo de interesse por aprender o
meu, mesmo que eu tentasse ensinar. — O seu dinheiro foi
depositado há dias.

Ela suspira do outro lado, se preparando para começar o


drama.

— Você sabe que sou uma mulher com muitos gastos,


André… nossa casa é muito cara de se manter.

— Foi você quem escolheu por ela e eu falei para vender e


comprar uma menor.

— Mas eu tenho apego a ela, foi aqui que vivemos os nossos


melhores momentos, noites incríveis com aqueles vibradores que
você adorava usar em m…
— Victoria, não vá por esse caminho! — digo depois de
respirar fundo para não ser grosseiro. — Faz bastante tempo que
nos separamos, você sabe que não vai conseguir mais nada comigo
nesse sentido. E eu já te ajudo muito mais do que deveria, deixei
praticamente tudo que eu tinha com você! O que mais você quer?

Quando descobri o que ela fez e pedi o divórcio, sem nem ter
que precisar usar o trabalho como desculpa para nos separar, foi um
alívio. E mesmo que ela não merecesse, para ter paz, eu deixei tudo
que era meu para ela.

Os dois carros, a casa em que ela mora, uma casa de


veraneio que Victoria me convenceu a comprar e não fomos nem dez
vezes, além de pagar uma pensão muito boa.

— Eu só queria filhos, sabia? É pedir muito querer ter filhos


com o próprio marido?

Lá vamos nós de novo para esse mesmo assunto.

— Não é pedir muito, porém, no nosso primeiro encontro, eu


te falei que não queria naquela época e não iria querer depois.

— Mas eu pensei que você mudaria de ideia! Nós éramos


felizes, André. A única coisa que faltava eram os filhos para sermos
completos.

Apoio a cabeça no encosto da cadeira e fico em silêncio,


porque esse assunto além de me deixar irritado, me leva ao passado
desagradável que eu tento a todo custo não lembrar.

Victoria não sabe da minha história, contudo, ela não


precisava saber para respeitar o meu desejo de não querer ser pai.

Ela fingiu que estava tudo bem e com uns três anos de
casamento começou com as tentativas de me convencer do
contrário.

E foi nessa mesma época que eu voltei a usar camisinha.


Victoria tentou pedir para eu não usar, disse que estava
tomando os remédios certinhos, mas eu escutei algumas conversas
dela com a mãe, e qualquer dúvida que eu tinha foi totalmente
resolvida ao ouvi-la falar que iria tentar engravidar a todo custo.

Nosso casamento começou a ruir a partir daí, ela se


transformou em uma pessoa da qual eu não admirava.

Começou a mentir, passou a gastar muito mais do que o


normal porque dizia que tinha que suprir de alguma forma a ausência
de filhos. Filhos esses que nunca prometi e as brigas se tornaram
rotineiras em nosso relacionamento.

E eu definitivamente odeio brigas, odeio!

— Nós éramos felizes até você decidir que o nosso


relacionamento só iria para a frente se tivéssemos filhos! — digo,
mas me arrependo logo depois, porque é sempre assim que a gente
começa a discutir. — Victoria, eu estou trabalhando e não tenho mais
nada para falar com você.

Escuto-a reclamando do outro lado e depois desligo, sem


nenhuma vontade de arruinar a minha sexta-feira por causa dela.

Toda a semana foi tranquila, mesmo com alguns estresses no


trabalho, tudo correu como deveria.

Eduardo e eu estamos mais focados que nunca no nosso


plano e eu li todo o documento que ele me mandou com muito
cuidado, associei a algumas notícias e também consegui fazer
ligações com outros crimes.

Outras pessoas foram presas por causa do que o Renato fez,


e por mais que a maioria delas realmente estivessem envolvidas,
algumas foram apenas “laranjas”, não tinham nem noção do real
motivo de estarem sendo presas.

Mas agora nós precisamos nos manter cautelosos, porque


Eduardo falou com algumas pessoas e isso pode acabar levantando
alguma suspeita e não queremos isso.

Por ora, continuarei fazendo as minhas pesquisas e


conseguindo informações do meu jeito mais discreto.

Foco no que havia começado a fazer antes da Victoria me


atrapalhar. Inicio as alterações nos dados que os funcionários
fizeram merda e não descobriram onde. Levo em torno de uns 30
minutos para terminar, ligo para o estagiário avisando que está tudo
certo e vou ler os e-mails que os meus superiores mandaram, vendo
se tem algo que deixei de fazer essa semana.

Me levanto para ir até o quadro onde anoto tudo o que faço


diariamente e apago o que estava escrito, começando a me preparar
para a semana que vem.

Preciso ir dois dias na empresa, tenho uns exames na terça-


feira, topei ir em um evento com o Rennan e o resto são coisas que
já faço todos os dias mesmo, anoto só para deixar tudo organizado
no quadro.

Estou torcendo para que esse evento, que meu irmão me


chamou, seja bom e tenha alguém interessante. Já faz mais de uma
semana desde a última vez que eu transei, estou ficando louco.

O barulho do interfone me arranca dos meus pensamentos e


olho na tela onde mostram as imagens das duas câmeras que
pegam todo o perímetro da minha calçada e mais um pouco além
dela.

É a minha irmã.

Destravo no automático e fico observando para ver se ela vai


fechar o portão direito.

Ela só encosta, mas segundos depois volta, o tranca por


dentro e mostra o dedo do meio na câmera que fica na varanda,
sabendo que eu estou assistindo e eu rio.
— Abra-te, sésamo! — Beatriz grita do outro lado da porta
enquanto abro. — Seu escritório tem uma vibe de lugar onde crimes
cibernéticos acontecem. — Ela vai direto até uma das telas do
computador, fuxicando o que está ali e repete a mesma coisa nas
demais.

Vou para a frente do gavetão, onde ficam algumas coisas que


ela não pode ver, e ela percebe, mas finge que não é curiosa a ponto
de me perguntar o que estou escondendo.

— Não deveria estar trabalhando? — pergunto.

— Saí do emprego!

— De novo, Beatriz?

Ela suspira e senta na minha cadeira, dando um giro completo


e depois para de frente para mim.

— Eu não sirvo para ser vendedora de loja de grife! As


mulheres são insuportáveis, parecem até a sua ex-esposa, todas
nojentas e acham que são superiores só porque podem gastar uma
fortuna em um vestido que provavelmente só irão usar uma vez.

Beatriz é uma pessoa incrível, com um coração muito bom e


passou por momentos complicados com seu ex-namorado. Ele era
muito abusivo, controlava a minha irmã e quase conseguiu afastá-la
de nós.

Eu que não gosto de briga verbal e muito menos física, acabei


me envolvendo em uma confusão com ele quando o vi puxando-a
com força pelo braço, para ela ir embora da casa da mãe Luciana.

Minha mão ficou doendo uns três dias, mas o nariz quebrado
dele deve ter doído muito mais.

E por conta dessa relação abusiva, ela largou a faculdade que


mal havia começado a fazer e nunca trabalhou enquanto estavam
juntos.
A sorte é que ela ainda é jovem e tem um caminho todo a
trilhar.

— E a faculdade, Bia? Não tem vontade de voltar?

— Tenho, mas eu preciso de um emprego primeiro, Dré! Não


tem como ficar morando na mamãe, dando várias despesas e ainda
incluir as despesas da faculdade.

— E se eu te ajudar? — pergunto e ela já abre a boca para


reclamar, mas eu faço um sinal para que espere. — Antes que
reclame, a gente pode fazer um combinado! Você volta para a
faculdade, eu pago as suas despesas referentes a ela, e com calma,
você vê um emprego de meio período ou em um horário que não te
atrapalhe a estudar.

Ela sai da cadeira e pula tão rápido em mim, enroscando os


braços em meu pescoço, que eu quase nem tenho tempo de reagir.

— Você é o melhor irmão do mundo! — diz depois de dar um


beijo na minha bochecha. — Só não conta para o Rennan, por favor
— ri e se afasta, visivelmente feliz com a nossa conversa. — Juro
que quando eu virar uma arquiteta famosa, eu te pago tudo de volta!

— Faça o projeto da minha próxima casa e estaremos quites!

Ela concorda, dá mais uma olhada pela minha sala e depois


sai do cômodo, provavelmente indo para a cozinha.

Ouço o barulho da porta da geladeira segundos depois, que


me confirma que ela realmente está na cozinha e eu vou atrás.

— O que você vai fazer de bom hoje? — questiono ao me


sentar na banqueta de frente para a ilha.

— Vou sair com a Lana! — diz com a boca cheia de morango


enquanto enche um copo de água. — Hoje é a festa de conclusão do
curso da Gabi, mas depois ela estará disponível e nós vamos à uma
boate.
— Que boate?

— A sertaneja! Quer ir?

Eu bufo ao ouvi-la.

— Claro, eu amo sertanejo — respondo com ironia. — Vão só


vocês duas? — Ela concorda, pegando mais alguns morangos e
enfiando na boca. — Lá é um lugar tranquilo, né?

Ela para o que está fazendo na mesma hora e me olha com


uma sobrancelha erguida.

— O que deu em você? Eu hein! — Minha irmã guarda a


bandeja de morango e a garrafa d'água, limpa a pouquíssima sujeira
que fez na bancada e lava as mãos. — Torça para que a sua irmã e
a amiga dela consigam se dar bem! Você não quer ir, é uma pena…
lá dá muita mulher linda que adoraria um velho bonito igual você.

— Quando você me chama de velho, sinto como se tivesse


uns 80 anos.

Ela ri e mexe no cabelo, prendendo em um coque bagunçado.

— É tipo isso para mim, você é praticamente 20 anos mais


velho do que eu.

Parece que depois de eu ter ficado com a Alana, toda hora


acontece algo para que me lembre da minha idade e a diferença
entre nós dois.

Parece que o Universo quer jogar na minha cara o tempo


todo, para não me dar sossego e ficar pensando nisso.

— E você é uma piralha! — Levanto da cadeira para voltar ao


escritório, sei que essa nossa conversa não vai levar a nenhum lugar
interessante.

— Você acha isso da Alana também?


Travo no lugar onde estou, de costas para ela.

Por que ela perguntou isso?

Será que sabe de alguma coisa?

— Como assim, Bia? — Me viro, tentando não deixar


transparecer nada em meu rosto. — De onde tirou essa ideia?

Ela revira os olhos e chega perto de mim, fazendo um


suspense danado a troco de nada.

Ou melhor, a troco de me deixar louco.

— Eu pensei que em algum momento você me contaria, mas,


descobri ouvindo uma conversa sua e do Rennan — diz com um tom
de voz ressentido. — E daí perguntei a ele se era aquilo mesmo que
eu tinha ouvido. E você sabe que o nosso irmão é um péssimo
mentiroso.

Merda.

Bem que dizem que um segredo nunca fica bem guardado se


contarmos a alguém.

— É complicado, Bia! — falo, totalmente constrangido na


frente da minha irmã mais nova. — Foi um erro que não se repetirá!
Acho que o maior erro que já cometi na vida.

Ela coloca uma mão em meu ombro, me olhando séria.

— Está tudo bem, André. Eu já sei disso há mais de um mês e


não falei nada, pode confiar em mim — me tranquiliza. — Mas…
puta que pariu, hein? Que merda você fez! — Dá um tapa na lateral
da minha cabeça. — Só não vou te julgar porque já fiquei com um
cara e depois descobri que ele era pai de uma amiga minha.

Eu arregalo os olhos na hora, tentando lembrar de todas as


amigas dela que eu conheço.
— Vem cá, me conta essa história!

— Humm, estou atrasada para me… arrumar! — ela diz e se


afasta rapidamente, quase correndo na direção da porta para ir
embora. — Que família mais esquisita a nossa, hein? — diz
enquanto abre a porta, rindo da gente. — Te amo!

Coloco a mão no peito, na direção do coração, sentindo-o


acelerado.

Eu quase tive um infarto quando ela soltou a bomba que


sabia, mas tudo bem, Beatriz não faria nada que pudesse me
prejudicar. Porém ainda estou me sentindo incomodado, porque as
duas são amigas, mesmo que não sejam tão próximas, mas ainda
assim são amigas.

Minha sorte é que a Beatriz é pra frente o suficiente para não


ter ficado chateada com o ocorrido.
04

Eu não deveria ter ido para uma balada ontem.

Meu corpo está tão cansado, como se eu tivesse ficado umas


24 horas acordada direto. E aquela vodka com certeza era falsa,
porque não tem como eu ter vomitado tanto na madrugada e ainda
ter acordado por causa de uma bebida que eu sempre bebo.

— Toma, isso deve ajudar um pouco. — Danilo, dono e


também dentista do consultório onde trabalho, me oferece um copo
com um efervescente que ainda está dissolvendo na pouca água. —
Poderia ter me falado que saiu ontem, não pediria para vir cobrir a
outra dentista.

Danilo é um homem incrível, eu o adoro.

Ele fez 40 anos na semana passada, mas é tão vaidoso que a


maioria das pessoas acham que ele tem uns 28 anos, no máximo 30.
E a sua beleza vai muito além do que só a externa, ele é uma
pessoa incrível.

Me surpreende que nenhuma mulher tenha conseguido


colocar uma aliança no dedo dele.

— Eu estou bem, só muito enjoada e cansada! Mas as minhas


funções motoras estão 100% e fora que receber por um dia a mais
sempre cai bem.
Ele sorri e cruza os braços, se escorando na porta da sala
onde eu trabalho.

— Foi boa a noite, pelo menos?

Sorrio ao me lembrar da noite maravilhosa.

Não lembro a última vez que curti tanto uma balada como a de
ontem. E sair com a Beatriz é uma garantia de diversão, ela não para
de falar bobagens que me arrancam altas gargalhadas.

E eu fiquei com um cara tão gato, dançamos juntinhos os


sertanejos mais lentos e ele beijava bem demais.

Uma pena que comecei a passar mal e não pude terminar a


noite com ele, mas, tudo bem, nós trocamos números de telefone e
ele já até me mandou mensagem de manhã.

— Foi ótima, Danilo. Você realmente não gosta de sair, né?


Tenho certeza que você faria muito sucesso.

Ele sorri de um jeito mais tímido, mostrando as covinhas.

— Acho que não tenho energia para essas coisas.

A recepcionista pede licença ao se aproximar e informa a ele


que a paciente da harmonização chegou. Depois me avisa que a
minha também já está me esperando para a retirada dos dois sisos.

— Bom, vamos ao trabalho! — digo e me levanto para deixar


tudo preparado.

Os dois vão para os seus respectivos destinos, eu coloco a


minha máscara e confirmo que meu cabelo está bem amarrado no
rabo de cavalo.

A paciente entra, nós nos cumprimentamos, peço para que ela


se sente e conversamos um pouco sobre o histórico dela.
Dificilmente eles falam a verdade sobre a higienização diária dos
dentes, mas eu descubro isso facilmente quando eles abrem a boca.
E com ela não é diferente.

Sem dúvidas esses dentes não costumam ver o fio dental.

Coloco a minha luva, ajusto a cadeira odontológica para ficar


numa altura boa para mim, arrasto a minha mais para a frente e por
fim ajusto a luz bem em cima da boca dela para poder começar.

— Vou aplicar a anestesia, tá bom? Vai dar uma pressão de


leve.

A paciente concorda, mas vejo que suas mãos tremem


apoiadas em cima da barriga.

Eu ficava assim quando era mais nova, só o barulho do


compressor já me deixava tensa.

Aplico a anestesia nos pontos necessários ao redor dos dois


sisos que serão extraídos, confiro com ela se não está sentindo nada
na gengiva e encaixo o sugador no canto da sua boca para começar
o processo.

Fico em torno de 30 minutos para realizar tudo, coloco os


rolinhos de algodão e explico para ela todos os cuidados que precisa
ter nesses primeiros dias.

— Obrigada, doutora — se despede antes de sair da sala.

Me levanto e limpo toda a sujeira que foi feita, colocando


alguns materiais na máquina de esterilização e me viro ao ouvir a
minha porta abrir.

— Pedi almoço para nós! — Danilo comenta, tirando as luvas


e jogando na lixeira específica dela que eu tenho aqui no consultório.
— Vi na geladeira que você não trouxe, aí peguei algo bem leve.
Você gosta de peixe, né?
— Eu amo, obrigada! Quanto foi? — pergunto e já pego o meu
celular para fazer o pix para ele.

— Não precisa, Lana! Por conta do consultório.

— Você é o melhor! — Coloco o celular na bancada


novamente. — Ah, consegui garantir a vaga na especialização do
Bucomaxilofacial lá em Niterói. Preciso me preparar mentalmente
para ir até o outro lado da ponte, mas foi lá que vários dentistas
incríveis cursaram.

Ele senta na cadeira onde meus pacientes ficam e cruza as


mãos em cima das pernas.

— Vai valer muito a pena, Alana! E é ótimo ver como você não
se acomodou depois de se formar, que está querendo se especializar
em algumas áreas diferentes — diz e eu sorrio. — E para mim, como
seu chefe, te dou todo o apoio. Podemos conversar depois sobre
alterar o seu horário, se for necessário. Você pode chegar mais
tarde, se quiser fazer de manhã, ou sair mais cedo se for à noite.

É quase um sonho que eu tenha conseguido um emprego em


um lugar tão sensacional.

— Tudo bem, assim que isso for resolvido eu te aviso!

— O almoço chegou! — Camila nos avisa. — Danilo, a sua


outra paciente já está aqui. Vai almoçar primeiro ou atendê-la?

— Vou atendê-la logo, depois almoço com calma!

Olho para o relógio em meu pulso e confirmo que meu


próximo paciente só chegará em 20 minutos, então irei almoçar.

Vou até a copa, onde tem todos os equipamentos de cozinha


que precisamos, uma mesa e também um sofá grande e confortável,
que às vezes deitamos um pouco para descansar.
O cheiro da comida empesteou tudo aqui dentro e eu sinto um
leve enjoo, mas o ignoro e pego a minha quentinha, abrindo-a cheia
de vontade de comer o peixe desse restaurante que é incrível, mas o
cheiro mais forte embrulha muito o meu estômago, a ponto de doer
um pouco.

Me afasto da comida, querendo respirar um ar sem esse


cheiro, mas ao puxar o ar pelo nariz, preciso pressionar com força a
mão na minha boca para não vomitar antes de chegar ao banheiro.

Tento fazer o mínimo de barulho possível enquanto um jato


forte sai de dentro da minha garganta.

Fico de joelhos na frente do vaso até vomitar tudo o que tinha


no meu estômago, que se resume a um café, pão com ovo e água.

Espero alguns minutos para ter certeza que não vou vomitar
mais, me levanto e escovo bem os dentes e a língua, querendo tirar
todo o gosto amargo que ficou.

— Ei, está tudo bem? — Camila pergunta, preocupada.

Dou descarga, lavo as mãos e me olho no espelho.

Minha maquiagem borrou um pouco e eu tento limpar.

— Sim, mas o cheiro da comida acabou comigo! Ontem eu


bebi demais, agora estou muito enjoada.

— Mas você enjoou com o cheiro da comida, Lana? —


Concordo, terminando de tirar a mancha que a máscara de cílios fez
na pálpebra esquerda. — E que tipo de bebida faz a gente enjoar
assim? Você sabe que eu bebo de tudo, e sempre fico enjoada ao
comer, mas com cheiro…

Desde que tenho idade suficiente para as pessoas deduzirem


que transo, sempre tem a especulação de gravidez ao passar mal ou
ficar enjoada.
Acho que é uma coisa cultural e enraizada em todo mundo, eu
mesma faço isso com as minhas amigas, é automático.

Mas no meu caso é impossível ser uma gravidez.

— Não estou grávida, Camis.

— Você não transa?

Eu rio da sua pergunta e vou empurrando-a para sairmos do


banheiro.

— Claro que sim!

— Ah tá, porque você falou com tanta convicção que parece


que tem um método com por cento contraceptivo! E eu só conheço
esse, ou a vasectomia… se bem que a minha vizinha engravidou do
marido vasectomizado! Eles até se separaram, porque ele pensou
que ela havia o traído, mas a mulher fez questão de fazer o tes…

Paro de prestar atenção no que ela fala quando me sinto


enjoada novamente só de chegar perto da copa.

— Você pode fechar a minha quentinha e colocar na


geladeira? É melhor eu comer depois quando tiver melhorado. — Me
encosto na parede do lado de fora da copa, apoiando as mãos na
barriga que está doendo.

Tento lembrar tudo o que eu comi ontem no restaurante, mas


nada parecia estranho ou passado, não faz sentido ter sido a
comida. E não estou com dor de barriga ou algo do tipo.

Sinto o meu corpo meio gelado e a minha vista novamente


fica meio escura.

Fecho os olhos e encosto a cabeça na parede também,


tombando-a para trás.
— Quer que eu desmarque a sua paciente? Não sei se você
está em condições de atendê-la.

— Não precisa, Camila. Eu atendo por ela! — Danilo fala ao


sair da sala e eu abro só um olho, encontrando-o ao meu lado,
preocupado. — Quer ir até a emergência?

Faço que não com a cabeça.

— Eu só preciso de alguns minutos e vou melhorar, tenho


certeza.

Ele concorda, me olha por mais algum tempo e depois volta


para a sua sala.

Que vergonha!

Vou para a copa me sentar um pouco e agradeço a Camis por


ter guardado todas as comidas, quase não sinto mais o cheiro delas.

— Sem querer ser chata, mas… a sua menstruação está em


dia? Aí, a gente pode descartar essa possibilidade e eu peço na
farmácia algum remédio mais forte para você.

— Está, sim. A última vez que menstruei foi dia 25 de março!

Camila arregala os olhos e depois pressiona um lábio no


outro, com força.

— O que foi? — pergunto.

— Lana, estamos no final de maio!

Maio? Como assim… não é possível.

Pego o meu celular que havia colocado no bolso do jaleco


antes de sair da minha sala e vejo a data enorme, mostrando que
realmente já estamos em maio.
Minha vida nesses últimos meses foi tão agitada que eu nem
reparei em como passou rápido.

Desbloqueio a tela e entro no aplicativo onde anoto as datas


da menstruação e também vejo o meu período fértil, pois evito
transar nesses dias, mesmo com camisinha.

39 dias de atraso.

Meu Deus!

Minha vista fica preta novamente e eu só escuto o barulho do


celular caindo no chão, depois as mãos da Camis encostando na
minha testa, batendo de leve na minha bochecha e sua voz
chamando o meu nome incontáveis vezes.

— Pode ser um engano, Lana! Você tem estado estressada


nas últimas semanas, isso também faz com que a menstruação
atrase.

Sim, mas dificilmente por tanto tempo.

39 dias em atraso, isso não é normal.

Vou aos poucos recuperando a visão e sentindo o tremor em


meu corpo diminuindo. Mas o meu coração continua parecendo a
bateria de uma escola de samba.

Isso com certeza é um engano, não tenho dúvidas.

— Toma, bebe um pouco de água! Você está pálida, tem


certeza que não quer ir a emergência?

Eu aceito o copo, bebo todo o líquido e depois entrego


novamente.

Me levanto aos poucos, conferindo se realmente estou bem


para ficar de pé e depois respiro fundo algumas vezes, tentando
manter o controle da minha ansiedade que está começando a dar
sinais.

— É melhor eu trabalhar, preciso ocupar a minha cabeça, por


ora — digo e ela concorda, mas deixa transparecer a sua
preocupação. — Eu estou bem, juro!

— Tudo bem, mas ficarei de olho e estou a pouquíssimos


metros de distância, tá bom?

Eu agradeço e ela sai, voltando para a recepção.

Atendo todos os meus clientes, me ofereço para atender


alguns do Danilo quando ele acaba atrasando em um procedimento,
e faço de tudo para manter qualquer pensamento sobre a minha
menstruação atrasada fora da minha cabeça.

É impossível, óbvio. Mas estou tentando lembrar de tudo que


sei sobre esse tema e outros motivos que não sejam gradivez para
justificar esse atraso.

A hora passa voando e quando percebo já estou indo para o


estacionamento da clínica, até o meu carro para poder ir embora.

E quando sento no banco para começar a dirigir que uma


maldita lembrança me vem à mente.

Eu transei sem camisinha com o André.

Foi a única pessoa na vida que eu transei sem camisinha,


única vez mesmo.

Pego o celular no desespero para abrir o aplicativo, torcendo


incontáveis vezes para que o dia não tenha sido no meu período
fértil, porque não é possível que essa coincidência acont… merda!

O aplicativo me mostra que era o dia mais intenso da


ovulação, tem até a observação “Ótimo dia para engravidar” na data.
Bato com a minha cabeça no volante, sem querer acreditar
que isso pode ser real.

Pesquiso no Google sobre a menstruação para quem está


grávida e descubro que na verdade é um sangramento que parece
muito, mas não é de fato uma menstruação. E no aplicativo eu havia
colocado a observação que ela estava mais amarronzada, durou
apenas dois dias e veio em pouca quantidade.

Até anotei que deveria marcar um ginecologista para ver se


estava tudo bem.

Como eu simplesmente ignorei isso?

Volto para o pai dos burros e pesquiso a fundo sobre isso.

E como sempre as respostas são: cancêr ou gravidez.

Jogo meu celular no banco do lado, coloco o cinto e decido ir


direto para casa, mas parece que hoje todas as farmácias aparecem
com mais destaque na minha frente e eu decido parar em uma perto
de casa, compro dez testes de gravidez, enfio na minha bolsa para a
minha mãe não acabar vendo e volto a dirigir.

Tenho fé que todos darão negativo.

Com certeza isso é só uma coincidência muito louca para


testar o meu coração.
05

Mexo na minha câmera profissional que eu desmontei para


poder limpá-la e vou encaixando peça por peça, da forma que tem
que ser.

Coloco dentro da capa dela e a guardo, indo para a pilha das


últimas fotos que eu revelei ontem de tarde.

Fotografar é um hobbie que eu criei assim que me mudei para


outro país.

Eu queria a todo custo lembrar de tudo que eu via e me


encantava, porque não sabia até quando teria a chance de voltar
àquele mesmo lugar e ver de novo. Não sabia até quando a vida
seria boa comigo para me dar aquelas oportunidades, e a foto é a
melhor maneira de eternizar algo.

Comprei na época uma câmera bem baratinha, mas que era


muito funcional e fazia questão de tirar fotos de cada lugar ou
acontecimento legal que eu via.

Acabou se tornando um costume e eu levo a câmera no meu


carro para onde for, só para ter certeza que se eu precisar registrar
algo, ela estará comigo.

Vou vendo as fotos, uma por uma, e separo as que tirei no


aniversário da Priscila.
Ela com certeza vai amar.

Uma delas acaba me chamando atenção.

Alana está sozinha, encostada em uma parede e olhando com


muito amor para alguém e eu tenho quase certeza que era para a
mãe dela.

As duas têm uma relação muito bonita, com muito respeito e


amizade, e eu sempre admirei isso nelas, mesmo distante.

O fato de não gostar de crianças e morar em outro país


contribuiu para que eu não fosse uma pessoa próxima da Alana.

Claro que sempre fiquei sabendo de muitas coisas do que


acontecia na vida da filha da minha amiga, mas quando não era algo
realmente importante, eu não prestava muita atenção.

Isso vai além da minha capacidade como amigo, infelizmente


não gosto de crianças, não sei lidar com elas e prefiro sempre estar
longe.

E a Priscila sempre respeitou isso, tanto que nunca forçou


uma aproximação entre nós dois, nem pedia para a filha me chamar
de tio quando eu vinha ao Brasil.

E Alana e eu nos tornamos estranhos que convivem.

Só que desde o maldito Carnaval, tenho criado um certo


interesse a mais em saber coisas sobre ela.

E é por isso que não transo com quem eu conheço, sempre


fica estranho depois, nunca é a mesma coisa.

Separo as fotos do aniversário da minha amiga em uma pilha


e coloco em um saco de papel, deixando-as separadas para entregar
a ela de noite, quando eu for lá comer o bife com purê que ela faz e é
uma delícia.
Termino de arrumar as coisas, pego-as junto da câmera e vou
até o meu carro para ir à casa da Luciana.

Tento sempre estar por perto, mesmo morando em outra casa


e também era assim quando estava em outro país.

Luciana é a pessoa mais importante da minha vida, foi quem


me deu uma segunda chance e me mostrou que existia uma outra
maneira de viver.

Uma vida sem agressões constantes, sem sentir medo a cada


coisa errada que eu fizesse ou pelo simples fato dele apenas gostar
de me ver sofrer, sem nenhum motivo. E me mostrou o que é uma
vida com amor.

Ela me deu o amor que minha mãe foi impedida de me dar, e


eu nunca serei capaz de ser grato o suficiente.

Moramos bem perto, então chego bem rápido em sua casa.

Deixo a câmera no banco de trás, saio do carro e já a vejo no


portão, me esperando.

— Oi, meu filho! — Me abaixo um pouco para abraçá-la com


força. — Como você está? Espero que com fome. Fiz comida para a
Alana e Priscila também, mas nenhuma das duas estavam em casa.

Eu sabia que a Priscila não estava, por isso não trouxe as


fotografias dela.

— Como a senhora está? — Passo o braço pelo ombro dela e


entramos juntos. — O cheiro está delicioso!

Ela me conta como foi essa semana e o que fez de bom.

Luciana tem 66 anos, mas se eu não soubesse, daria no


máximo uns 50.
Ela é jovem, cheia de energia e adora viver a sua vida
tranquila e calma. Tem uns 6 anos que começou a namorar com um
dos seus primeiros namorados.

Se reencontraram em uma feira de flores e parece que o amor


ressurgiu entre eles.

Fiquei com ciúmes e preocupado, mas depois que a vi feliz e


de ter pedido para o Eduardo pesquisar toda a vida dele, fiquei mais
tranquilo.

— Bom dia, maninho! — Biadesce as escadas e me abraça


rápido, bocejando e ainda com a sua roupa de dormir. — Não está
muito cedo para almoçar? — pergunta, totalmente fora do tempo.

— Já são quase uma hora da tarde, filha — Luciana responde,


com seu jeito calmo e carinhoso. — Dormiu tarde?

Ela faz que sim e começa a tentar pentear o cabelo com os


próprios dedos.

— Assisti a temporada nova de Outlander todinha!

— Eu ainda estou na terceira.

As duas começam a falar de uma série e eu claramente não a


conheço. E sabendo do gosto delas, deve ser um romance bem água
com açúcar ou algum de época.

— Chegou o preferido da família! — Rennan fala alto ao entrar


na sala, tirando os óculos de sol do rosto e sorrindo.

— Eu já havia chegado, cara! — afirmo, implicando com ele.


— E você está com um chupão no pescoço.

Rennan vai até o espelho que fica acima do aparador e vira


um pouco a cabeça para conseguir ver.

— Merda, odeio chupão!


— Alguém gosta? — Bia pergunta. — Aliás, eu até gosto da
sensação, mas não da marca depois!

— Deus, esses meus filhos vão me deixar louca — Luciana


resmunga, porém ri logo depois, indo até a cozinha para pegar o
almoço.

Nós três começamos a arrumar a mesa em sincronia e depois


eu vou até a cozinha para ajudar a trazer as coisas mais pesadas e
quentes.

— Fiz fricassê de frango, um arroz fresquinho, salada e


também carne assada com batata.

— É muita comida, mãe — Rennan diz e tenta roubar uma


das linguiças que está na travessa da carne assada, todavia, solta
logo em seguida quando queima o dedo.

— Eu ia chamar a Priscila e a Alaninha, mas as duas haviam


saído.

Rennan me dá uma olhada muito rápida, e quando me ajeito


para sentar, vejo que a Bia também me lançou o mesmo olhar.

Eu apenas irei ignorá-los, como já tenho feito com Rennan


desde que eu contei para ele sobre o que aconteceu.

Jorge, o namorado da Luciana, entra na sala de jantar com


duas garrafas grandes de Coca-cola e se junta a nós.

Espero que todos eles se sirvam e só quando já começam a


comer, que eu coloco a comida em meu prato.

Luciana faz um carinho breve em cima da minha mão e eu sei


que é a maneira dela de falar que tudo já passou e que nunca será
como antes.

Algumas coisas ainda ficaram enraizadas em mim, mesmo


que eu faça terapia e vá ao psicólogo desde os 12 anos, essas
coisas não mudaram. Como, por exemplo, esperar que todo mundo
se sirva.

Cresci comendo apenas as sobras do Renato e demorei muito


para entender que eu podia comer bem e repetir se eu quisesse.
Mas não consigo de jeito nenhum me servir primeiro.

Pode parecer bobeira e a maioria das pessoas pensam que é


apenas gentileza, mas as sombras do passado vivem me cercando,
a todo momento e em coisas do dia a dia.

Esses pensamentos vão embora assim que dou a primeira


garfada e sinto o sabor incrível da comida deliciosa que a Luciana
faz, que não tem outra igual em lugar algum.

E como ela mesma diz: o melhor tempero é o amor.

Isso ela tem de sobra.

— Querido… — Luciana limpa a boca no guardanapo e olha


na minha direção antes de começar a falar. — Você tem falado com
a Victoria?

Luciana perguntando dela? Isso é algo inédito.

— Ela liga às vezes, por quê?

Vejo que os quatro se encaram sutilmente, mas não tanto para


que eu não perceba.

— Não sei a melhor forma de te contar isso, mas, ela está no


Brasil.

Eu engasgo com o refrigerante que estava bebendo e


Rennan, que está do meu outro lado, dá uns tapinhas nas minhas
costas para me ajudar.

— Te-tem certeza? — falo com dificuldade. — Tem certeza


que é ela?
— Absoluta! Aquela nojenta esteve aqui ontem.

O quê?

— Ela esteve aqui? — Os quatro concordam. — Por que


vocês não me falaram?

Rennan suspira e eu olho para ele.

— Por sorte, eu ainda estava aqui e consegui falar com ela!


Victoria veio com uma outra mulher que arriscava um pouco no
espanhol, mas eu traduzi o que ambas falaram.

— E o que elas falaram?

— Victoria disse que quer te reconquistar e que fez essa


surpresa porque sabia que você sempre quis que ela viesse ao
Brasil, que a chama de vocês ainda está acesa e só precisa de um
pouco mais de lenha.

Isso só pode ser uma pegadinha.

Na mesma hora, parece que a comida pesa uma tonelada


dentro do meu estômago.

Eu me levanto, peço licença e vou até a varanda já


procurando pelo número dela na agenda para saber que merda ela
acha que está fazendo.

O número até chama, mas cai na caixa postal todas as oito


vezes que eu tento ligar.

Fácil assim, essa mulher conseguiu acabar com o meu


domingo.

— Toma! — Luciana pega a minha carteira e a chave do meu


carro. — Sei que você vai querer ir embora, por isso esperei
almoçarmos para contar… desculpa não ter falado antes.
— Tudo bem, mãe! A culpa não é de nenhum de vocês.

— Gosto quando me chama de mãe em conversas que são


mais alegres. — Eu a abraço e beijo o alto da sua cabeça.

Luciana é a mãe que toda pessoa deveria ter, e eu tive essa


sorte, mesmo que de uma forma diferente. Eu não criei o hábito de
chamá-la assim, mas às vezes acabo falando sem perceber.

— Amo a senhora, obrigado por ser incrível.

Ela me abraça mais uma vez e eu vou embora sem me


despedir dos demais, ciente de que eles vão me entender e não se
chatearão com isso.

Victoria me manda uma mensagem e eu leio na mesma hora.

Victoria: Estou na praia, não deu para atender.

Victoria: O Rio de Janeiro realmente é muito lindo.

Manda uma foto logo em seguida e eu reconheço que é a


praia de Copacabana. Provavelmente está em algum hotel, gastando
o dinheiro que há poucos dias disse que estava faltando.

Ligo para ela na mesma hora e nada de ela atender.

Não consigo entender qual é a real intenção dela, porque sei


que me reconquistar não é.

Dirijo sem rumo por alguns minutos e depois acabo parando


na frente da minha casa.

Meu telefone toca assim que entro, e eu já pego rápido


achando que é a minha ex, mas me surpreendo com o nome que
aparece na tela.

Alana.
Fico tão surpreso que demoro um pouco para atender.
— Alana? Está tudo bem? Sua mãe está bem?
— Minha mãe está ótima, por enquanto.
A voz dela está diferente, parece assustada… desesperada,
na verdade.
— O que houve então? Você precisa de alguma coisa?
— Sim, preciso!
— Pode dizer. Cheguei em casa agora, mas posso passar na
sua.
— Não! Se você for lá em casa, minha mãe vai estranhar se
souber que eu te chamei. — Ela faz uma pausa que me deixa um
pouco tenso. — Lembra da última viagem para a sua casa de praia?
— Eu respondo só um “uhum”, porque é óbvio que eu lembro.
Inclusive, falamos disso esses dias. — Então… nós agora teremos
uma eterna lembrança daquela noite.

Eterna lembrança?

Será que ela está bêbada? Ainda é cedo para isso, mas talvez
ela nem tenha dormido em casa.

Como que a gente teria uma lembrança da noite em que


tran…

Não!

Não é possível que ela esteja falando disso.

Não tem cabimento nenhum que seja isso que eu estou


pensando.
— Merda!
— Eu concordo.
— Não… não quis dizer isso para você, só pensei rápido. Ér…
Já estou saindo de casa e vou até você. Podemos conversar em
algum lugar tranquilo, só nós dois? — Preciso entender exatamente
o que está acontecendo antes de enlouquecer, porque talvez ela
nem esteja grávida mesmo e também pode não ser meu.
Eu não sei.
Estou começando a me sentir zonzo e parece que as minhas
pernas perderam as forças.
Preciso entender direito o que está acontecendo e torcer para
que seja uma pegadinha de muito mau gosto dela, porque ela sabe
que eu não quero ser pai de jeito nenhum.
De jeito nenhum mesmo.
— A minha amiga está aqui do meu lado, eu vou passar o
endereço de onde vamos para ela e deixar o localizador ligado o
tempo todo! Entendido?
— Meu Deus, Alana! Você acha que eu vou fazer o quê? Só
quero conversar!
— Ótimo, estou na casa da Gabriela.
— Chego em 15 minutos.

Desligo o telefone logo depois, coloco no meu bolso e olho ao


redor, vendo tudo se movimentar em câmera lenta.

Talvez seja só um pesadelo e daqui a pouco eu acorde


aliviado.

Me belisco com força no braço, mas nada acontece além de


arder.

Entro no carro novamente e dirijo em direção à casa da


Gabriela, indo mais devagar do que o normal, tomando um tempo
para acalmar os meus pensamentos que estão me deixando louco.

Não é possível que nós sejamos tão azarados assim. Várias


pessoas demoram meses ou até anos para engravidar, têm mulheres
que tomam injeções e ainda podem ser inférteis.

Sei que muitas gravidezes não são planejadas e acontecem


assim, como um erro.

Mas isso não pode acontecer comigo.

Não é possível que na única vez que eu não fui cuidadoso,


isso tenha acontecido.
Eu não posso ser pai, não há maneira disso dar certo.

Que merda!

O que mais pode acontecer hoje?


06

Não lembro a última vez que eu chorei tanto.

Gabi deixou que eu colocasse todo o meu desespero para


fora enquanto esperava o André chegar, depois me deu um chá para
tentar me acalmar e limpou meu rosto que deve ter ficado horrível
com a maquiagem borrada.
— Amiga, nós iremos fazer isso dar certo! — ela diz enquanto
andamos no quintal, em direção ao portão. — Independente do que
ele fale, como reaja e o que decidir, eu estarei aqui para te ajudar em
tudo, tá? Sou ótima com crianças, você sabe disso.
Eu sorrio sem força ao ouvi-la, mas de alguma forma, isso me
conforta um pouco.
Saber que posso contar com uma das pessoas que eu mais
amo é muito importante nesse momento em que a minha cabeça
parece que vai explodir.
Nós duas apertamos a mão uma da outra no mesmo momento
em que vemos o carro do André parar na frente da casa dela.
Ele não sai, não abre a janela e nem muito menos a porta.
Apenas espera que eu vá até lá e isso faz com que eu queira
chorar novamente.
Eu não deveria ter falado com ele agora, com todos os meus
nervos a flor da pele, sem saber se choro, se grito ou se durmo e
acordo só quando isso tudo não passar de um sonho muito estranho.
— Obrigada, amiga! — Abraço a Gabi, que me aperta e beija
o meu rosto antes de abrir o portão para mim.
— Meu celular ficará ligado o tempo todo, à sua disposição.
Concordo com a cabeça e em passos muito curtos e
demorados chego até o carro dele, abro a porta e entro sem falar
nada.
Nós dois ficamos quietos, parados ali dentro, ouvindo apenas
a respiração um do outro.
Coloco o cinto e continuo olhando para a frente, sem coragem
de encará-lo.
— Você tem certeza que está grávida? — É a primeira coisa
que ele fala.
— Sim, eu fiz dez testes de farmácia.
— E as contas batem com o dia em que transamos?
— No Carnaval eu só transei com você, André. Também foi a
única vez que transei sem camisinha… e era o meu período fértil. —
Viro o meu rosto para olhá-lo, mas ele continua olhando para a
frente, tão tenso quanto eu.
E o pior é que eu estou com a sensação de ser a culpada
nisso tudo, mesmo que a responsabilidade tenha sido dos dois.
— Eu nem sei o que falar, Alana — ele suspira e relaxa o
corpo, deixando que suas costas batam no encosto do banco e fecha
os olhos. — Você sabe que eu não des…
— Eu sei — o interrompo. — Sei que você nunca quis ter
filhos e que parece ter alergia a crianças, sei muito bem disso,
André. — Abaixo o meu olhar para a minha barriga que está um
pouco inchada, que eu pensava estar assim porque estava comendo
hambúrguer demais nas últimas semanas. — Mas eu não sou capaz
de abortar.
Ele abre os olhos e vira o rosto em minha direção.
— Eu imaginei.
— Você queria que eu… abortasse?
— Alana… nunca pensei que estaria nessa posição, porque é
algo que em hipótese alguma esteve em meus planos, ainda estou
tentando entender como estou me sentindo, porém, o erro foi nosso
e a criança que você carrega não tem culpa disso.
Dessa vez sou eu que fecho os olhos na tentativa de controlar
as lágrimas.
Meu Deus, eu vou ter um filho.
Com certeza é algo que, diferente dele, está em meus planos,
mas não assim e nem muito menos com ele.
Ainda tem essa questão, que caos!
— Eu sinto muito, André…
— Você não deveria estar se desculpando por um erro nosso.
— Mas fui eu quem começou o assunto que nos levou a isso!
— Aponto para a minha barriga, contudo, ele não olha para nada que
não seja os meus olhos.
— E eu continuei. Poderia ter ido embora quando as coisas
tomaram outro rumo, poderia não ter falado ainda mais besteiras e
poderia não ter te levado para dentro do meu quarto.
Meu corpo não está entendendo que é um assunto sério, que
não é para eu ficar excitada agora.
— O que nós faremos, André? — pergunto depois de um
tempo calada. — Como nós iremos contar isso para a minha mãe?
Como vamos criar um filho juntos se você nem consegue ficar perto
de uma criança?
Ele esfrega o rosto com as duas mãos, tão perdido e confuso
quanto eu.
— Alana… eu não sou capaz de ser um bom pai para o seu
filho. — Ele é totalmente sincero, mas as suas palavras parecem
machucar não só a mim. — Isso está além do que eu posso fazer,
você me entende?
Por mais que me doa, eu o entendo.
André com certeza sabe que eu conheço a sua história, já
ouvi sobre o que aconteceu pela minha mãe, tia Luciana e também
pela Bia. Tudo muito por alto, mas o suficiente para entender a dor
que ele carrega.
— Tudo bem! Eu posso falar para a minha mãe que não sei
quem é o pai, que foi alguém que eu transei no Carnaval. Ela vai me
ajudar, será uma ótima avó… — eu paro de falar porque a minha voz
trava por conta do choro e respiro algumas vezes antes de continuar:
— Tem a Gabi também, o Guto, sua família. Sou rodeada de
pessoas que me amam e que farão de t…
— O quê? Não! Você me entendeu errado.
Ele tira o cinto que o prendia e vira todo o corpo na minha
direção, querendo toda a minha atenção.
— Alana, eu vou assumir essa criança e ajudar
financeiramente. Eu pago tudo, não tem problema… cada centavo
que for necessário — me explica, toda hora passando a mão na
barba sem conter o nervosismo. — Mas eu não sou capaz de ser
para o bebê o pai que ele precisa no sentido afetivo! — Ele fecha os
olhos, respira fundo e engole em seco para continuar: — Porra, isso
é difícil.
André tampa o rosto com as duas mãos e eu pressiono um
lábio no outro, sentindo meu queixo balançando com força enquanto
tento segurar as lágrimas que escorrem incontrolavelmente.
— É difícil mesmo, André. E eu estou tentando pensar em
como isso vai ser ainda mais difícil futuramente, mas eu prefiro que
você seja sincero agora e não me faça criar esperanças, do que me
magoar na frente com a sua ausência na vida dele.
André tira as mãos do rosto e eu sinto meu coração doer ao
ver que ele também está chorando.
— Eu sinto muito, Alana…
Só balanço a cabeça, sentindo tanto quanto ele.
— Você pode me deixar em casa, por favor? — pergunto e ele
faz que sim, se mantendo em silêncio.
Por que isso está acontecendo comigo?
Como eu vou conseguir dar para essa criança todo o amor
que ela não terá do pai?
Como as mães solos conseguem fazer isso?
Não sei se sou forte o suficiente.

◆◆◆

André me deixa na frente de casa e eu saio do carro antes


que ele tenha tempo de falar alguma coisa, mesmo que eu ache que
ele não tem mais nada para dizer.
— Oi, filh… André? — Minha mãe aparece no portão assim
que saio do carro dele e na mesma hora estranha por ver quem me
deu carona. — Ei, está tudo bem?
Ela segura em meu rosto na mesma hora que percebe que eu
estava chorando.
— Não… — Minha voz quase nem sai. — O André me viu na
rua e me deu uma carona quando percebeu que eu estava chorando.
— O que houve, meu amor? — Seus olhos já ficam úmidos
sem que ela nem saiba o que está acontecendo, só por me ver triste
e abalada. — Obrigada, André! Nos falamos depois? — Ela olha por
cima da minha cabeça e fala com o amigo. — Vamos entrar, filha.
Eu não posso contar para ela, não ainda, não hoje.
E nós dois nem conversamos sobre isso ainda, não decidimos
como iremos fazer isso.
Vai ser um baque muito forte para a minha mãe, preciso fazer
do jeito certo.
— Alguém te machucou? — ela me pergunta assim que
entramos.
Me sento no sofá e ela faz o mesmo, ficando ao meu lado.
— Não, mãe… eu fiz uma merda muito grande.
Dona Priscila alisa o meu rosto com carinho e seca algumas
lágrimas que escorrem.
— Oh, meu amor, todo mundo faz merda! É normal, não
precisa ficar desse jeito.
Eu choro ainda mais ao ouvi-la, porque ela não tem noção da
proporção dessa merda e como isso vai impactar em nossas vidas
para sempre.
— Independente do que for, você sabe que pode contar com a
sua mãe, né? — ela me diz, já puxando o meu corpo para cima do
dela, quase me pegando no colo como fazia quando eu era criança.
— Eu te amo e você é a minha maior felicidade, estaremos juntas em
todas as merdas que vierem.
Afundo o meu rosto em sua barriga, agarrando a sua blusa
enquanto choro e me sinto a pior filha do mundo, que não merece a
mãe incrível que tem.
Fico tanto tempo ali, sentindo os seus carinhos e a ouvindo
falar coisas para me confortar, que acabo dormindo. Quando acordo,
estou deitada no sofá, coberta e com um travesseiro embaixo da
minha cabeça.
Encontro-a na poltrona do outro lado, toda encolhida e
também dormindo.
Sei que ela está preocupada, mas não vai me perguntar o que
aconteceu até que eu mesma conte por vontade própria.
Porém, me ver dessa maneira a deixará em alerta o tempo
todo e mais preocupada que o normal.
E eu não vou poder esconder essa gravidez por muito tempo.
A qualquer momento essa barriga vai começar a criar forma e
eu preciso contar antes que ela descubra de outra forma.
Pego o meu celular que ela deixou na mesinha de centro e
vejo que tem mensagens da Gabi e também do André.
Respondo primeiro à minha amiga, prometendo jantar com ela
amanhã para contar tudo o que aconteceu e depois eu vejo as
mensagens do André.
André: Esperei algumas horas para ver se a Priscila iria aparecer
aqui querendo me matar, então acho que você não contou, né?
André: Melhor assim… por ora, vamos priorizar os seus
cuidados! Desde que cheguei em casa estou pesquisando sobre
gravidez, porque além do óbvio, não sei nada sobre o assunto.
André: Me liga quando puder, tá bom? Precisamos conversar
sobre os médicos e os cuidados que você precisa para que seu filho
nasça bem e que a sua saúde continue boa.
Isso é um pouco confuso… mas imagino que essa
preocupação dele seja para saber os gastos que terá.
Não sei nem se eu realmente quero a ajuda financeira dele.
Não faz sentido ele servir só para isso… mas em
compensação, sei que tudo de criança é muito caro e não posso ser
orgulhosa nesse quesito.
Vou pensar nisso amanhã, agora eu só quero dormir e
descansar depois desse dia que esgotou todas as minhas energias.
07

Rennan anda na minha frente, de um lado para o outro e a


única coisa que eu ouço é o som do seu chinelo em contato com o
piso da minha casa.
Eu estava a ponto de surtar, literalmente. Precisei chamá-lo, já
que a minha primeira opção para conversar seria inviável
exatamente por ser a mãe da Alana.
Meu irmão pensou que eu estava brincando e depois quando
viu que eu não esbocei nenhum sorriso, ficou em choque.
Quem não ficaria?
— André, isso tomou uma proporção surreal. Você tem noção
disso?
— Eu tenho, Rennan. E é por isso que eu estou desesperado.
Ele me olha dos pés à cabeça e bufa.
— Você é calmo até quando está desesperado, isso é
assustador.
Eu ignoro seu comentário e continuo sentado, olhando-o
enquanto tenta fazer um buraco no meu chão de tanto que anda no
mesmo lugar.
— Eu vou ser bem direto com você, tá bom? — me pergunta e
eu confirmo. Rennan se aproxima um pouco mais, ficando na minha
frente e cruza os braços antes de falar. — Alana tem apenas 23
anos, você não pode deixar essa responsabilidade toda em cima
dela… mesmo que ela tivesse 50, isso não seria a coisa certa.
Porra, e eu não sei?
— Eu sei.
— Bom, menos um problema. Porque você não vai deixar
aquela menina desamparada, elas são nossa família também e
agora são ainda mais! — Fico quieto apenas o escutando. — E em
relação aos seus problemas com crianças… não acho justo eu ditar
o que deve ou não fazer, porque só você sabe da sua dor. Querendo
ou não, você tendo passado por todas aquelas merdas ou não, agora
você é pai.
Pai.
Eu sou pai.
É tão errado essas três palavras serem destinadas a mim.
— E eu não quero ser.
— Aí, você teria que voltar no tempo e não transar com
alguém sem camisinha — diz. — Ou melhor, não transar com a
Alana de jeito nenhum porque ela é filha da Priscila… porra, ela vai
surtar, cara. Você sabe disso, né?
Estou tentando não pensar nisso, mas é impossível.
Minha melhor amiga vai ser avó… e adivinha? Eu sou o pai!
Onde isso tudo tem cabimento?
— Eu ainda não acredito que isso tudo realmente está
acontecendo.
— É uma grande ironia, né? Você fez uma merda enorme em
ter ficado com a Alana, mas iam fingir pro resto da vida que nada
aconteceu para a Pri não ficar sabendo. Aí… acontece a única coisa
que não tem como esconder: um filho — ri sem humor. — Realmente
parece que é a vida te pregando uma bela e complicada peça, Dré.
— Estou fodido, obrigado por falar isso em outras palavras e
com mais detalhes.
— Sempre à disposição, querido irmão.
Levanto o dedo do meio para ele.
Sei que Rennan está tentando conversar de um jeito mais
descontraído, mas nem o próprio palhaço Carequinha conseguiria
tal coisa.
Hoje foi um inferno para conseguir me concentrar no trabalho
e segunda-feira é o dia que mais temos demanda e eu preciso de
mais foco e atenção.
Só que é impossível fingir que tudo isso não está
acontecendo.
Rennan veio para cá há alguns minutos e agora estamos aqui,
os dois desnorteados e eu ouvindo conselhos do meu irmão mais
novo, que além de não ser pai, também nunca se meteu em uma
confusão como essa, mas, ainda assim, eu preciso dele.
— Vocês dois conversaram novamente? — me pergunta.
— Sim, nos falamos hoje mais cedo — digo e em seguida me
levanto, agoniado demais para permanecer sentado. — Ela disse
que precisa de uns dias para entender tudo o que está acontecendo
e aceitar a ideia de que será mãe.
— Justo. E você, o que fará?
Gostaria de ter uma resposta para isso.
— Eu vou dar todo o suporte que ela precisar na gravidez e
isso é o que pretendo conversar com ela quando estiver disposta.
Posso levá-la aos médicos, ajudar a comprar as coisas, pagar o que
for necessário para que ela tenha o maior conforto possível.
Lembro da gestação da Luciana, enquanto esperava pelo
Rennan.
Aconteceu pouco tempo depois que ela me resgatou e lembro
que eu fiquei encantado em como ela era incrível com o filho que
ainda nem tinha visto o rosto. Mas também lembro que ela sentia
muitas dores, enjoos e que a gestação foi complicada.
Não sabemos quem é o pai do Rennan, isso é uma coisa que
ela guarda a sete chaves, mas ele ajudava financeiramente, mesmo
que distante, e isso foi importante para que ela conseguisse ter
acesso às consultas e remédios necessários.
E eu tentava ajudar em tudo lá em casa, para que ela fizesse
pouco esforço.
Não sei como será a gestação da Alana, mas ela já deve estar
de 3 meses e não fez nenhum exame necessário ou o uso das
vitaminas.
E nem sei se toda grávida toma vitamina.
Será que é só quando está faltando algo?
Eu realmente não faço ideia.
Quero poder dar para a Alana esse conforto de uma gravidez
tranquila, acho que é o mínimo que posso fazer, já que depois disso
eu serei um merda qualquer que apenas a engravidou e não quer
saber do filho.
Eu queria que fosse diferente, mas é algo fora do meu
controle.
Por esse tipo de coisa que eu não quis ceder para a Victoria,
porque sabia que tudo ao nosso redor ia desmoronar.
No final, tudo foi um caos, mas seria ainda pior se tivesse uma
criança no nosso meio.
— Acho que é uma ideia razoável, mas é bom falar com ela
mesmo. Não sei se Lana aceitará sua presença agora para depois
você sumir.
Sinto meu maxilar trincar quando o escuto e sei que é
verdade.
— É, vamos ver.
Rennan e eu conversamos mais um pouco, ele fala de uma
obstetra que conhece e que é muito boa, eu pego o contato dela e
deixo salvo, caso a Alana queira conhecê-la.
Ele vai embora depois de ficarmos mais uma hora
conversando e eu vou para o meu quarto, sentindo um peso absurdo
em meus ombros e uma sensação estranha, um incômodo em meu
peito.
Olho para o retrato da minha mãe quando me sento na cama
e, como sempre, tento buscar alguma lembrança boa, algum abraço
amoroso por um motivo bom ou da última vez que ela sorriu com
felicidade.
Essas lembranças nunca chegam… Como chegariam? Elas
não existem.
Abaixo o porta-retrato e deixo que meu corpo tombe para trás,
deitando na cama.
A voz do Renato invade a minha cabeça e eu não consigo
lutar contra ela.
“Você nunca será amado, você não merece esse sentimento.”
“Deveria ter morrido antes mesmo de nascer, seu verme.”
“Seu pai preferiu morrer a ter que cuidar de você!”
Me estico para pegar o controle da televisão na mesa-auxiliar
da cama, ligo-a e já procuro no catálogo por um dos filmes de O
Senhor dos Anéis, que normalmente é a única coisa que consegue
me distrair o suficiente para que a voz do Renato fique tão baixa
dentro da minha mente que eu nem consiga dar atenção para ela.
Essa trilogia sempre me confortou, eram os únicos DVDs que
eu tinha e o Renato não jogou fora. Eu passava as madrugadas que
não conseguia dormir por causa da dor assistindo os filmes. Frodo
foi o que eu tive como amigo por muitos anos.
Minutos depois, já não ouço nenhuma voz na minha cabeça.

◆◆◆

Hoje é quinta-feira e Alana decidiu me chamar para conversar


novamente.
Me ofereci para buscá-la no trabalho e estou aqui fora
esperando, dentro do meu carro.
Cinco minutos depois do horário que ela falou que sairia, vejo-
a correndo na minha direção depois de reconhecer o meu carro,
tentando não se molhar muito com a chuva que começou a cair uma
hora atrás e até agora não parou.
— Que dilúvio! — diz ao entrar, tentando secar os braços com
as próprias mãos.
Solto o meu cinto para conseguir tirar a minha camisa de
manga que estou usando por cima de outra e entrego a ela.
— Pode se secar ou vesti-la.
Ela olha para mim, depois para a camisa e prende uma
risadinha.
— É mais fácil você me dar a que está por baixo para que eu
me seque e use essa para continuar bem aquecido, porque a
temperatura está caindo muito.
— Humm, ok.
Eu tiro também a outra camisa e dou para ela.
Alana até tenta disfarçar, mas eu percebo que ela corou ao
ver meu peito nu.
E ela já viu muitas outras vezes, não entendo o porquê dessa
reação.
Me visto com a outra, coloco o cinto novamente e começo a
dirigir para não prender a vaga por ainda mais tempo.
— O que você quer comer?
— Como assim? — me pergunta enquanto se seca.
— Nós temos que conversar e já passa das 20 horas! Achei
que talvez você quisesse jantar…
Ela alisa a barriga e não sei se é por fome ou se já está se
sentindo confortável com a gravidez para ter esses momentos de
autocarinho.
Na verdade, eu não sei nada, nem o que pensar. E não gosto
de me sentir no escuro como estou agora, é agoniante.
— Eu adoraria comer um macarrão com muito molho e queijo
— ela diz quase vislumbrando o prato que deseja.
Pego a rotatória à nossa frente e faço o retorno, sabendo
exatamente o restaurante ao qual vou levá-la.
Alana fica no celular o tempo todo, parecendo digitar um texto
enorme de tão rápido que seus dedos deslizam pela tela. E eu tento
me concentrar apenas na direção, ignorando a ansiedade para a
nossa conversa.
Entro no estacionamento do restaurante e, antes mesmo de
conseguir sair do carro, Alana abre a porta e desce, arrumando a sua
bolsa no ombro.
Nossas interações são embaraçosas do início ao fim.
Eu me sinto um homem que não sabe lidar com as mulheres,
porque de fato não sei como lidar com a Alana, ainda mais nessa
situação.
Nós somos levados a uma mesa para dois assim que somos
atendidos, e nos sentamos um de frente para o outro.
Espero enquanto ela demora mais de 10 minutos para
escolher o que comer e peço um nhoque com molho de camarão para
mim.
— Vamos direto ao assunto? Essa ansiedade está me dando
ânsia — Alana fala ao mesmo tempo em que coloca o celular na
mesa, com a tela virada para baixo, dando a entender que não quer
ser interrompida. — Eu pensei muito esses dias, André. Foi
importante para eu colocar os pensamentos no lugar e conseguir
entender que estou grávida, gerando uma vida que depende
totalmente de mim… Ainda estou assustada e devo permanecer
assim por muito tempo, ou talvez para sempre, levando em conta
que tenho 23 anos e minha mãe ainda se preocupa comigo o tempo
todo.
Fico em silêncio, esperando que ela fale tudo que precisa.
— Eu acho muito injusto que meu filho não tenha um pai
presente por conta de coisas que ele não tem culpa, mas é melhor
que você não faça parte da vida dele do que ser frio e desprezá-lo…
isso é algo que eu não seria capaz de suportar — ela diz com muita
calma e bem firme. — Vou aceitar sua ajuda durante a gravidez, mas
depois você terá que se fazer realmente ausente, André. Da vida
dele e da minha!
Minha respiração fica mais pesada ao ouvi-la.
— E isso significa…?
— No momento em que meu filho nascer, não quero te ver
nunca mais.
— Nós moramos perto e a minha família mora do lado da sua
casa.
Ela apoia os antebraços na mesa e me encara muito séria.
— Sinto muito, mas você terá que resolver isso. Não tem
como tudo ser do seu jeito. Você está optando por não fazer parte da
vida do seu filho, então não fará de jeito nenhum. Nem mesmo como
um estranho que ele esbarrou sem querer pela rua.
Eu… eu não esperava por isso.
Não esperava que Alana fosse tão protetora a ponto de
pensar na frente e já querer proteger o filho de qualquer coisa que
possa magoá-lo.
E por mais que isso me chateie de uma forma que ainda não
consigo compreender, me sinto também aliviado por saber que essa
criança terá uma mãe que provavelmente fará por ela o que a minha
não conseguiu fazer.
Protegê-lo.
A nossa comida chega na hora que eu iria falar e eu espero o
garçom ir embora para poder dar continuidade na nossa conversa.
— Eu aceito a sua decisão, Alana.
— Eu imaginei que aceitaria. — Não entendo o tom de voz
dela, parece estar irritada ou decepcionada, não sei muito bem. —
Para quem você contou? — ela me pergunta enquanto enrola uma
boa quantidade de macarrão em seu garfo.
— Apenas para o Rennan! — digo enquanto espeto um
nhoque e como sem nenhuma vontade. Em algum momento, eu
perdi o apetite. — Contou para mais alguém além da Gabriela? —
Ela faz que não com a cabeça. — E como faremos com a Priscila?
A feição dela muda na mesma hora e eu entendo o que ela
está sentindo.
Traímos uma pessoa que amamos e sabemos que será
terrível contar para ela sobre isso.
— Eu quero esperar um pouco. Minha barriga está quase
imperceptível e tirando quase todas as minhas calças que não
fecham e os vestidos justos, as outras roupas não marcam nada. —
Ela mastiga uma das fatias do frango que veio junto do seu macarrão
e solta um gemido baixinho, aprovando a comida. — Quero focar
primeiro em todos os exames que eu preciso fazer e o
acompanhamento com a obstetra que está muito atrasado. E ainda
preciso ter certeza que nada do que fiz durante esse tempo que não
sabia, não o afetou de alguma forma.
Alana realmente parece disposta a fazer tudo da maneira
certa, como manda o roteiro.
— Você parece estar bem com tudo isso.
Ela ergue o olhar até os meus olhos e eu tenho a sensação de
que falei a coisa errada.
— É o meu filho, André! Você consegue entender que ele só
terá a mãe? Eu preciso ser forte por ele, então a melhor coisa que eu
pude fazer foi aceitar logo que isso está acontecendo. Que eu estou
gerando uma vida e que nada mais será como antes. Eu vou amar
essa criança mais do que eu amo a mim mesma e serei uma mãe
tão incrível como a minha é para mim.
Largo os talheres ao lado do meu prato, sem conseguir mais
forçar a comida.
Ela percebe, mas não fala nada e termina o seu prato, o
raspando no fim.
— Quer sobremesa?
— Não… eu já tenho o meu docinho na bolsa.
Ela coloca a bolsa no colo e tira um pirulito de dentro dela.
— Pirulito?
— Uhum! Eu estou viciada nisso e não sei se tem algo a ver
com a gravidez, mas é a única coisa que tem matado a minha
vontade de comer doce.
Peço a conta e pago para que possamos ir embora.
Não lembro a última vez que me senti tão mal por conta de um
acontecimento na minha vida.
Eu planejo cada passo que dou, calculando o que isso me
resultará na frente.
E a primeira vez que eu deixo que as coisas aconteçam sem
tomar a rédea da situação, tudo isso acontece.
Acho que a minha ficha ainda nem caiu, na verdade. Ainda me
sinto preso em um pesadelo, como vários que eu tenho quase toda
noite. Só que diferente desses, que são lembranças de coisas que já
aconteceram, esse é um novo com um dos meus maiores medos.
Nenhuma das opções são boas. Ou eu seria um pai
fisicamente presente, mas incapaz de amar o próprio filho, com
medo de ficar sozinho e acabar sendo violento com ele como o
Renato era comigo ou então deixar essa criança sem pai, como eu
que também não tive a oportunidade de conhecer e conviver com o
meu.
E eu não suportaria ser igual ao Renato.
08

Tive que mentir para a Camila e falei que o teste de gravidez


deu negativo.
Para que eu consiga esconder por algum tempo, ninguém
mais pode saber.
Tenho certeza que depois que a barriga estiver grande e não
tiver mais para onde correr, ela vai entender tudo, inclusive ao
descobrir quem é o pai.
Estou tentando não pensar em como as pessoas vão ficar
chocadas com isso e em como elas provavelmente não saberão
disfarçar a cara ao descobrir.
E eu nem posso ficar chateada, porque sei que reagiria da
mesma forma se isso estivesse acontecendo com uma outra pessoa.
Sei o quanto é inesperado e estranho, mesmo que muitas
dessas pessoas saibam que André e eu não tivemos uma relação
próxima, como se ele fosse um tio querido. Ainda assim é estranho e
fará com que os outros pensem muitas coisas.
Só que isso não importa.
Tomei esses dias para pensar sobre tudo isso que está
acontecendo. E foi enquanto eu chorava no banho que senti um
conforto estranho, que não vinha de ninguém, porque eu estava
sozinha.
Porém, algo foi se preenchendo dentro do meu peito, um
sentimento inigualável.
E aí eu entendi…
Eu aceitei que sou mãe, que estou gerando uma vida e que
nada será mais importante do que ela.
Eu me conectei com o meu filho e essa foi a sensação mais
incrível que senti em toda a minha vida… não tem como explicar, é
algo que só quem já viveu sabe.
Soa clichê, mas é verdade.
Me olho no espelho do consultório e sinto que nunca estive
tão bonita.
O jaleco está apertado nos quadris e começando a ficar justo,
terei que providenciar um maior muito em breve.
Camila aparece na porta e avisa que meu último paciente de
hoje já chegou.
— Oi, tia Lana! — Eu me abaixo assim que escuto a voz do
Jorginho, meu paciente desde que comecei a trabalhar aqui na
clínica. Ele tem 9 anos e é um garotinho muito carinhoso e gentil. —
Trouxe para você.
Ele me entrega uma cartinha e quando abro é um desenho
dele aqui no consultório, comigo ao lado.
Sorrio e o abraço de novo, sentindo meu rosto molhar por
conta das lágrimas que escorrem sem que eu perceba.
— Obrigada, Jorginho. Vou colocar em um quadro e pendurar
na parede atrás da minha mesa, o que você acha?
— Preciso fazer mais dois então, que aí o desenho não fica
sozinho.
— Eu adorei essa ideia.
Me levanto e cumprimento o pai dele, que é sempre quem o
acompanha.
Jorginho senta na cadeira, eu me preparo para atendê-lo e
vou conversando com ele e o Ricardo, seu pai, para distraí-lo
enquanto faço o procedimento.
Não demora nem 10 minutos e eu lhe dou um pirulito depois
de ele prometer que iria escovar bem os dentinhos ao chegar em
casa.
— Tudo certo, doutora?
— Sim! Nada de cáries dessa vez.
— Isso é bom! — Ricardo olha para o filho que está distraído
mexendo em um brinquedo que trouxe e sorri. — É difícil cuidar dele
sozinho e às vezes acho que acabo dando mole com algumas
coisas, mas estou tentando ser mais atento, inclusive com as
escovações dele.
— Eu entendo, Ricardo. Mas você está fazendo um ótimo
trabalho. Seu filho é uma criança maravilhosa.
Os olhos dele ficam marejados e eu sinto que os meus ficam
também.
Então é isso que falam sobre os hormônios da gravidez… eu
quero chorar o tempo todo. E agora faz muito sentido o porquê de eu
ter chorado nos últimos tempos com várias coisas que eu jamais
choraria… já era a gravidez dando seus sinais.
— Obrigado! Acho que eu estava precisando ouvir isso de
alguém.
Ricardo chama o filho e depois de ganhar mais um abraço do
Jorginho, eles vão embora.
Sempre achei muito bonita a relação dos dois e como o
Jorginho olha para o pai como se ele fosse a pessoa mais
interessante do mundo.
E talvez seja mesmo.
E eu tento muito não pensar que o meu filho não terá isso com
o pai, mas é inevitável.
— Eu vou precisar me hidratar mais que o normal se for ficar
chorando o tempo todo — falo sozinha, irritada com todo esse choro.
Arrumo a sala, troco de roupa e pego a minha bolsa para
poder sair.
Falei para o Danilo que teria que fazer uns exames nesta
semana e na próxima, e que teria que sair mais cedo alguns dias.
Como sempre, ele não se importou, mas eu já fiz o encaixe de
alguns pacientes à noite para compensar as horas que ficarei fora.
Consegui marcar com a obstetra que o Rennan indicou, que
só me encaixou porque sou amiga dele. Mas ao pesquisar no Google
sobre médicos com essa especialidade aqui na Zona Sul do Rio, ela
aparece em quase todas as indicações.
Pego o elevador para poder sair do prédio e aproveito para
procurar um pirulito na minha bolsa. E eu quase dou um gritinho de
felicidade quando o encontro no fundo dela.
Tiro o plástico e já o coloco na boca, sentindo o gosto do
docinho alegrar o meu dia em 100%.
Pego meu celular também para já ir chamando o Uber.
Cinco minutos de distância, melhor eu ir logo lá para a frente.
Coloco os meus óculos escuros e tiro o elástico do cabelo,
deixando que fique solto e o arrumo com as mãos mesmo.
Meu celular vibra e eu vejo o nome do André na tela.
— Oi!
— Cancela o seu Uber, vou te levar na obstetra.
— Não precisa, ele já está chegando.
Uma buzina chama a minha atenção e eu vejo que é o André,
a poucos passos de onde estou.
Desligo a ligação, entro no carro dele e cancelo logo a corrida,
torcendo para que o motorista consiga uma outra nesse mesmo
caminho.
— Por que não me avisou que iria me levar? — pergunto.
— Pensei que você tinha entendido que eu te ajudaria em
tudo que eu puder enquanto estiver grávida.
Enquanto estiver grávida.
É bom que eu fique com isso em mente o tempo todo.
— Ok.
Seguro o pirulito pelo cabinho dele e tento me distrair com a
rua enquanto ele dirige em silêncio.
A clínica não é muito longe daqui, fica em Botafogo, mas o
trânsito está um pouco mais lento do que o normal para essa hora.
André liga o rádio do carro, mas deixa bem baixinho.
Vejo que é uma playlist dele e fico curiosa para saber que
música irá tocar.
Legião Urbana, claro.
Lembro de já tê-lo visto com camisas da banda várias vezes,
não me surpreende que escute direto.
— Essa música é deles? — pergunto quando não reconheço a
letra.
— Sim! Não conhece? — Faço que não com a cabeça. —
Mas eu apostaria que você sabe Eduardo e Mônica todinha, né? —
Concordo e ele revira os olhos. — Então conheça agora uma das
músicas mais bonitas deles. — André aumenta um pouco a música e
eu presto atenção em cada palavrinha.
“Hoje a noite não tem luar, e eu estou sem ela. Já não sei
onde procurar, não sei onde ela está.”
A música tem uma melodia gostosa e qualquer coisa na voz
do Renato Russo fica incrível, não tem como não gostar. Mas eu
realmente não conhecia essa.
— Boa, né? — ele pergunta enquanto entramos no
estacionamento do prédio onde fica o consultório da Dr. Bárbara, a
obstetra.
— Eu adorei.
Ficamos em silêncio depois, sem ter muito o que falar.
Saímos do carro e vamos até o andar do consultório.
Começo a me sentir nervosa quando saímos do elevador e
minhas mãos ficam geladas e suadas.
— Está tudo bem? — André pergunta quando eu travo na
frente da porta.
— Si-sim… só estou nervosa. E se o bebê não estiver bem?
Eu tenho me alimentado mal, bebido muito e dormindo pouco. Nada
disso é bom para uma criança que ainda está se formando dentro de
mim… Era para eu ter chamado a Gabi, não quero fazer isso sozinha
— choramingo.
André parece ponderar algo, como se tivesse lutando com ele
mesmo em silêncio.
— Eu entro com você.
— Não precisa fazer isso, André.
Ele suspira e coça a nuca.
— Você precisa de alguém para te tranquilizar e sei que sou a
pior opção, mas eu estou aqui.
Olho para ele enquanto fala, esperando que esboce alguma
emoção, mas parece que ele só não quer mesmo que eu fique
sozinha, nada além disso.
— Tá bom.
Seguro a maçaneta e abro a porta. André pede para que eu
me sente e vai até a recepção. Escuto quando a mulher pergunta se
ele é o pai, e o maxilar dele trinca com tanta força que fico apenas
esperando o barulho dos ossos quebrando.
Mas ele diz que sim.
Não quero o nome dele na ficha do meu bebê, preciso explicar
isso depois para a médica.
— Srta. Ruas, a Dra. Bárbara já está à sua espera. — A
recepcionista levanta para poder me ver e dar o recado. — Podem ir,
é a segunda sala à direita.
Me levanto e vou até onde ela indica.
A porta está aberta e a Dra. pede para que entremos.
Nos cumprimentamos e ela demonstra ser uma pessoa
agradável, até faz um carinho na minha barriga depois de perguntar
se poderia fazer tal gesto, me deixando confortável e à vontade
desde o ínicio da nossa conversa.
A primeira coisa que eu faço é entregar para ela o exame de
sangue e também falo a data exata da concepção. Ela puxa um
calendário que tem em cima da mesa e me explica como funciona a
contagem de semanas.
— Sendo assim, você está com 16 semanas e 3 dias.
4 meses de gestação.
4 meses que eu estou gerando uma vida.
— Eu descobri há poucos dias e estava consumindo tudo que
não faz bem para um bebê, será que is…
— Pode ficar tranquila que faremos todos os exames que
estão atrasados e também para nos atualizar sobre como está o
bebê — ela me interrompe quando percebe o meu nervosismo e
consegue me acalmar um pouco. — Primeiro, por que não ouvimos o
coraçãozinho?
Sinto o meu coração parar por um segundo ao ouvi-la falar.
Não imaginei que já ouviria e concordo na mesma hora.
Ela pede para que eu deite na maca, abaixe a minha calça e
levante a blusa na altura do sutiã.
Meu corpo todo treme, mas ela vai me atualizando de coisas
que preciso saber e eu tento focar nisso para não começar a chorar
antes mesmo de ouvir os batimentos.
André permanece sentado na cadeira, com as mãos apoiadas
em cima dos joelhos e em total silêncio.
A doutora me avisa que iremos fazer um ultrassom
morfológico, que deveria ter sido feito com 11 semanas, mais ou
menos, e que depois da vigésima semana teremos que fazer
novamente.
Eu nunca nem tinha ouvido falar desse tipo de ultrassom, mas
entendi que é possível detectar algumas anomalias no bebê, caso
ele tenha, além de ter uma visão melhor do rostinho dele e ouvir os
batimentos.
— Papai, quer se juntar a nós?
Merda.
André olha para a doutora e eu vejo que seus lábios estão
pálidos, como se estivesse prestes a desmaiar. Mas ele se levanta,
olha para mim e fecha os olhos antes de pedir licença e se retirar da
sala.
— É complicado, doutora — falo para ela assim que me olha
sem entender o que aconteceu.
— Você se surpreenderia em como a maioria das vezes é
complicado. — Ela alisa a minha barriga com carinho. — Mas eu
estou aqui com vocês, tudo bem? — Faço que sim com a cabeça,
querendo chorar. — Quer ligar para alguém? Podemos deixar no
viva-voz.
— Podemos fazer isso? — Ela concorda. — Eu quero, sim,
por favor.
Ela pega o meu celular que havia ficado em cima da mesa e
na mesma hora ligo para a Gabi.
— Oi, amiga, está tudo bem?
— Quer ouvir os batimentos do seu afilhado comigo? —
pergunto, já com a voz chorosa.
— Ai, meu Deus! Jura? Claro que sim. Vou fechar a porta do
escritório. — Eu espero e escuto quando ela bate à porta. — Pronto,
a minha atenção é toda de vocês.
A médica coloca o celular perto de onde fica a tela em que
verei o meu filho pela primeira vez.
Ela despeja um gel no meu ventre e encosta a parte do
aparelho do ultrassom em minha barriga com um pouco de pressão,
indo devagar por aquela parte e começando a subir aos poucos.
Demora um pouco até que o som dos batimentos do meu
bebê ecoe pela sala toda, nas caixas de som que eu não havia
reparado até agora.
Um soluço alto escapa da minha garganta quando eu escuto,
sem conseguir conter toda a emoção de ouvir os batimentos.
— Amiga… — Ouço a Gabi falando com a voz embargada
pelo choro. — Que coração forte!
Fico na dúvida se choro ou rio e acabo fazendo os dois.
— Veja, mamãe. Aqui está o seu bebê. — Viro o rosto para
olhar a tela, com um pouco de dificuldade por conta da vista
embaçada. — Aqui são as perninhas, os braços e o rostinho.
— Eu quero ver também — Gabi diz e a médica deixa pegar o
celular para mudar a ligação comum para videochamada. — Cadê?
— diz quando me vê e eu viro o celular. — Ai, meu Deus! A dinda já
está apaixonada por esse neném.
A médica vai explicando várias coisas para nós duas e a Gabi
faz várias perguntas, me ajudando porque a única coisa que eu
consigo fazer é chorar.
— Está tudo certo no ultrassom, não vi nada com que
devemos nos preocupar.
A médica tira o excesso do gel da minha barriga e me dá um
tempinho sozinha.
— Parabéns, amiga! Seu bebê vai ser a nossa maior alegria,
de todos nós. E eu te amo ainda mais por me dar o maior presente
de todos, que é ser madrinha dele.
— Obrigada por estar aqui comigo, mesmo distante… E
ninguém seria uma madrinha melhor do que você.
— Da próxima vez me avisa, eu vou com você.
Me despeço dela, termino de me limpar e me arrumo para
poder continuar conversando com a médica.
Ela me passa vários pedidos de exames que tenho que fazer
e também as vitaminas que ela viu que preciso repor ao reler o
exame de sangue.
— Vou deixar meu número pessoal com você, tá bom? — Ela
pega o cartão de visita e anota outro número atrás dele. — Rennan
disse que é o tio da criança, e ele é uma pessoa querida, então você
e esse bebê também já são.
Ela me abraça e de novo faz um carinho na minha barriga.
— Obrigada, Doutora.
— E sobre o “complicado” que você falou mais cedo, tenho
certeza que deixará de ser em algum momento.
— Infelizmente eu acho que não, mas vou torcer para que
esteja certa.
Ela sorri e me despeço antes de sair da sala.
André não está na recepção, deve ter ido embora. Mas eu vou
até a recepcionista para marcar outra consulta e pagar essa.
— O homem que veio com a senhora já deixou pago e fez um
cadastro comigo para que todas as consultas seguintes sejam pagas
por ele.
— Ah, obrigada então.
Olho no celular para ver se tem alguma mensagem dele, mas
não há nada.
Quando eu saio, o encontro sentado no chão do corredor, com
a cabeça entre as pernas que estão erguidas.
— André?
Ele vira o rosto rápido e eu vejo como eles estão
avermelhados.
— Desculpa, Ala…
— Não precisa se desculpar, tudo bem.
Não está tudo bem.
Não está tudo bem com ele.
Não está tudo bem comigo.
E nessa situação toda, vendo-o desse jeito, eu só consigo
imaginar que deve doer nele de um jeito que só ele sabe.
Não queria que um filho nosso fosse algo que causasse dor.
Eu ando até ele e me abaixo, olhando dentro dos seus olhos
cheios de sofrimento.
Na minha frente não vejo o André de 43 anos, que parece
uma rocha inabalável… eu vejo o André de 11 anos que só conhece
a dor.
— Vamos embora? — pergunto e ele concorda. — Não sei
fazer bife igual ao da minha mãe, mas se quiser jantar, faço um purê
mais gostoso que o dela.
Nós dois nos levantamos e ele tenta esboçar um sorriso que
não dá certo.
Eu estou magoada de uma forma que não terá perdão para o
André do futuro, que vai virar as costas para o filho, mas agora,
nesse momento, eu só quero confortá-lo de alguma forma.
09

Fico sentado no banco da pracinha, sozinho.


Priscila está de castigo, não pôde vir brincar comigo hoje.
Mas a Luciana disse para que eu viesse e tentasse fazer
novos amigos.
A praça é na esquina da nossa rua e ela confia em mim, por
isso disse que viria daqui a uma hora para lancharmos na
barraquinha de cachorro-quente do Marcones.
É muito gostoso e ele deixa eu mesmo me servir, posso
colocar quanto milho e batata palha eu quiser, e ele nem briga
comigo.
— Você quer jogar bola com a gente?
Um menino um pouco mais baixo do que eu aparece na minha
frente, com a bola debaixo do braço e o rosto sujo porque já estava
brincando antes.
Olho para o campinho e vejo que quase todos eles parecem
ter a mesma idade que eu, acho que seria legal jogar com eles,
porque a Pri não sabe jogar futebol e fica reclamando quando eu
peço para brincarmos.
— Quero, sim!
— Meu nome é Pedro! E o seu? — ele pergunta enquanto
vamos até o campinho.
— André.
— Legal. — O menino corre na minha frente e já me
apresenta aos outros.
Eu me sinto um pouco sem jeito no início, mas logo depois
vou ficando mais à vontade com eles enquanto brincamos.
Todo mundo será goleiro alguma vez porque ninguém gosta e
eu serei o próximo.
Aproveito para tentar fazer um gol enquanto não estou como
goleiro, mas o outro menino, Carlos, sempre me atrapalha para que
eu não faça, defendendo o time dele.
Isso me deixa irritado, muito irritado.
— Trocou — Pedro grita do outro lado do campo e eu fico
encarando o Carlos.
Eu estou com tanta raiva que até a minha respiração parece
machucar meu peito.
— André, você tem que ir para o gol agora — Carlos fala
enquanto tira o chinelo que arrebentou. — Caraca, minha mãe vai
brigar comigo! É o terceiro chinelo que eu arrebento esse mês.
Tudo que ele está falando me irrita.
Por quê?
Ele não fez nada de errado, estava só jogando e proteger o
time dele era a parte do jogo, eu sei disso.
Mas não consigo evitar a raiva que cresce em meu peito e a
vontade de empurrá-lo para bem longe de mim.
— André? — Pedro chega perto e pergunta. — Não me
ouviu? Tem que ir para o gol.
— Tá.
Corro até o travessão e fico no meio dele, pronto para agarrar
todas as bolas que vierem na minha direção.
“Você é um perdedor, não sabe fazer nada direito.”
“Só vai aprender a ser homem se sentir muita dor toda vez
que fizer algo errado.”
“Seu merdinha, imprestável.”
A voz do Renato toma conta da minha cabeça, de novo.
Já tem muitos meses desde que fui embora da casa da minha
mãe, mas tenho pesadelos quase todos os dias e às vezes sinto que
o vejo pelos cantos da casa ou na rua, mas a Luciana falou que é a
minha cabeça tentando me deixar com medo.
O jogo começa novamente, porém não consigo me concentrar
direito, a risada do Renato enquanto me batia e a sua cara feliz
quando me via chorando de dor não sai da minha mente.
Não sei o que fazer.
— Você é muito ruim, André! — Só percebo que a bola
passou pelo meio das minhas pernas quando o Carlos grita, depois
de fazer um gol. — Não sabe jogar direito.
Fecho as minhas mãos, tentando não sentir mais raiva.
Mas ele ri de mim quando percebe que continuo parado, sem
fazer nada.
— Cala a boca! — grito com toda força que eu tenho, fazendo
a minha garganta doer. — Cala a boca! Cala a boca! Cala a boca! —
Corro na direção dele e o empurro com força. Carlos cai no chão e
bate a cabeça no ferro da trave, mas ele está tão assustado que nem
se importa com isso. — Seu merdinha, imprestável! — grito de novo,
sem entender o porquê estou chorando enquanto desconto a minha
raiva.
Sinto duas mãos segurarem meus braços na hora que eu ia
dar um soco nele.
— André, se acalma… — Luciana me leva para longe, para na
minha frente e segura meu rosto com cuidado, me fazendo olhar
para ela. — Ei, se acalma! Sou eu, a Luciana. Está me vendo?
Escuto a voz dela, contudo, só consigo chorar e ver a imagem
do Renato na minha frente.
Tento me soltar, mas ela segura meu rosto de um jeito que eu
só consigo balançá-lo enquanto choro.
— Vai ficar tudo bem, tá bom? Eu estou aqui. — Ela me
abraça com força e eu agarro a sua blusa, chorando, querendo que a
voz do Renato saia da minha cabeça, porém, a risada vai ficando
mais alta cada vez que eu tento pensar em outra coisa. — O que
fizeram com você, meu amor? — Luciana alisa as minhas costas,
tentando me acalmar.
E, depois de muito tempo, consigo parar de chorar e ela me
solta.
— Desculpa! — falo com vergonha e arrependido de verdade.
— Eu não queria ter empurrado ele, nem brigado, mas eu não
consegui me controlar.
— Eu sei disso, Dré. Lembra do que a doutora Angela falou?
Nós vamos passar por situações difíceis, mas vai tudo melhorar mais
rápido do que a gente pensa. — Ela limpa o meu rosto com cuidado
e depois beija a minha testa. — Você quer pedir desculpas para o
Carlinhos?
Olho na direção onde os meninos estão, todos sentados
olhando para mim, assustados.
— Pode ser outro dia? Eu estou com vergonha!
— Claro que sim! Mas eu vou lá falar com eles, para que não
fiquem preocupados, tá bom? — Eu concordo e a assisto indo até os
meninos.
Eu só consigo sentir vergonha, vontade de chorar e medo,
muito medo.
Eu não quero ser igual ao Renato.

— André? — Alana toca em meu ombro e me chama, levando


embora essa lembrança terrível. — Você está bem? Acho que ter ido
à consulta comigo não foi bom para você. Na próxima, eu vou com a
Gabriela ou vejo se o Rennan pode ir comigo.
Realmente não me fez bem.
Enquanto eu ouvia a médica falando sobre todas as fases que
ela já passou da gestação e o que ainda está por vir, a minha
ansiedade ia crescendo dentro do meu peito e eu não tinha noção de
que ouvir os batimentos pioraria tudo.
A clínica tem uma caixa de som que também fica na recepção,
então enquanto eu esperava sentado em uma das cadeiras, ouvi o
coração do bebê dela e isso… não sei, isso me deixou estático,
assustado e com medo.
Eu não deveria ter ouvido, não tenho esse direito.
Não merecia participar desse momento, mesmo que do lado
de fora.
E eu acabei surtando.
Surtei de um jeito que não acontecia há anos.
Viro minhas mãos e olho as palmas, vendo o estrago que fiz
enquanto tentava controlar a vontade de me machucar. Porém, não
deu certo, me machuquei da mesma forma.
— André, meu Deus! — Alana olha assustada para as minhas
mãos que ainda têm sangue. — O que acon… você tem um kit de
primeiros socorros aqui? — me pergunta depois de desistir da
primeira pergunta.
— Na última gaveta da pia da cozinha.
Ela corre até lá e volta segundos depois, abrindo a maletinha
e vendo o que tem ali que pode me ajudar.
Alana embebeda um algodão com bastante álcool e segura
uma das minhas mãos.
— Isso vai doer.
— Eu sei.
Ela me olha por algum tempo antes de começar a tocar o
algodão em todos os pequenos cortes que eu consegui fazer com
minhas próprias unhas enquanto apertava minhas mãos com força.
Depois repete a mesma coisa na outra.
— Não foram cortes fundos e já pararam de sangrar, deve
secar e fechar bem rápido. Só é bom evitar fazer força com as mãos
para não acabar abrindo esses cortes, tá bom?
— Obrigado, Alana.
Ela guarda as demais coisas que havia tirado, separa os
algodões sujos e me olha, tentando não demonstrar como está
assustada e preocupada com tudo o que aconteceu hoje.
Alana deve saber o que aconteceu comigo no passado, sobre
as agressões, sobre ter sido resgatado e a minha amizade com a
sua mãe. Mas eu sei que a Priscila ou qualquer outra pessoa não
contaria sobre as coisas que fiz a mim.
— Não precisa agradecer, só limpei a sua mão — ela sorri
discretamente. — Você quer que… que eu chame a minha mãe? Ou
o Rennan?
Faço que não e levanto do sofá, na intenção de ajudá-la na
janta que ela começou a fazer, para manter a minha mente ocupada.
— Não quero preocupá-los.
Alana só concorda, sem tentar aprofundar no assunto e eu
não poderia ser mais grato.
Foi só uma pequena recaída, está tudo bem.
Tem que estar tudo bem.
— O que você pretende fazer? — me pergunta quando a sigo
de volta para a cozinha. — Você ouviu o que falei dos seus cortes?
— Coloca uma mão na cintura, pronta para me pôr de castigo se for
necessário e eu acabo rindo da cena toda. — Senta essa bunda aí,
André! Não é todo dia que eu estou disposta a fazer janta pra
homem.
Solto uma outra risada.
O jeito emburrado dela de falar é engraçado.
— Quando casar você vai deixar o seu marido morrer de
fome? — Sento na banqueta da ilha, assistindo-a voltar a cozinhar.
— Depende… meu marido não terá as próprias mãos para
fazer a comida?
— Acredito que sim! Mas não seria algo para os dois
fazerem?
Ele vira para mim com um sorrisinho malicioso no rosto.
— Vou negociar, André. Ele fará a janta e eu serei a
sobremesa, pronto.
Rio novamente, sem conseguir acreditar que ela está sendo
capaz de me tirar risadas sinceras depois do que aconteceu.
Não é qualquer um que consegue isso.
— Você é uma figura, Alana.
— Uma figura muito gostosa, diga-se de passagem. — Ela é
muito confiante, isso não é novidade para ninguém. E eu considero
uma característica positiva.
— Eu concordo! — Merda, era para eu ter apenas pensado,
não falado. — Desculpe, falei sem que…
Ela ri do meu constrangimento e abre a geladeira para pegar a
manteiga.
— Não se desculpe por me chamar de gostosa, assim eu sinto
que não é verdade.
— Você sabe que é verdade, independente do que eu fale.
Alana pega um pedaço da manteiga e joga na panela que
estão as batatas assadas e um pouco de leite.
— É, você está certo. — Ela mistura tudo com a colher de
pau, concentrada no que está fazendo. — E bem, eu lembro que
você me chamou de “Gostosa do caralho” muitas vezes.
Não vai por esse caminho, Alana…
Essa língua afiada me deixa fora de mim, já tivemos a prova
disso e eu não quero estar de novo naquela situação.
Eu acho.
Meus olhos vão direto para a sua bunda enquanto seu quadril
se mexe de acordo com os movimentos que ela faz com a colher
para misturar tudo.
Isso me remete a lembranças quentes.
Quentes em muito sentido.
Porra, ela é muito quente.
Me levanto rápido e vou até a geladeira atrás da água mais
gelada que tiver dentro dela.
— Você deveria parar de falar essas coisas para mim — digo
enquanto encho um copo com água.
Ela desliga o fogo e vira para mim, cruzando os braços.
— Homem é muito frágil, né? Inacreditável! Não pode ouvir
uma sacanagem de leve que já fica desesperado.
Bebo a água toda e depois coloco mais, bebendo até a última
gota.
— É diferente quando é qualquer pessoa falando.
— E eu não sou qualquer pessoa?
— Porra, claro que não — falo entredentes, tentando manter
meu olhar fixo ao dela. — Nós nos beijamos, transamos e repetimos
essas coisas durante uma madrugada inteira!
Ela ergue uma sobrancelha, tentando manter a pose de
indiferente, mas eu vejo o movimento do seu peito mais lento e forte
que o normal.
— E você nunca esteve em um mesmo lugar com alguém que
já transou? — pergunta e depois bufa. — Parece um adolescente
virgem.
Dou um passo para a frente, que é o suficiente para o meu
corpo quase encostar no dela.
— A diferença é que você é uma gostosa do caralho, Alana!
— O que eu estou falando? Perdi totalmente a noção do que estou
fazendo. — E eu não consigo tirar da mente a cena de você
sentando em mim! — Abaixo um pouco a cabeça, sentindo a
respiração dela bater em meu rosto. — Era isso que você queria
ouvir? Está satisfeita agora?
Os olhos dela brilham de um jeito diferente, cheios de luxúria.
— Foi uma bela sentada — me provoca e olha para a minha
boca. — Meus hormônios estão me deixando louca, André. Eu me
afastaria se fosse você, posso acabar te beijando se continuar tão
perto.
E isso é algo ruim?
Eu deveria me afastar, porque é a coisa certa. Mas eu
simplesmente não consigo ter forças para qualquer coisa que não
seja acabar com o pequeno espaço entre nós.
— Vou pagar pra ver — sussurro com a boca quase colada na
dela.
Alana não demora nem meio segundo e gruda os lábios nos
meus, procurando espaço entre eles para invadir a minha boca com
a sua língua.
Ignoro todos os alertas que berram dentro da minha cabeça,
mandando que eu a afaste e faço exatamente o oposto, puxo-a pela
cintura e a mantenho colada em mim.
Alana é consideravelmente mais baixa do que eu e por isso
decidi colocá-la sentada no balcão da pia.
Me encaixo entre as suas pernas e sinto suas mãos delicadas
e curiosas entrando pela minha camisa para arranhar as minhas
costas.
Seguro em sua nuca com força, entrelaçando meus dedos em
seu cabelo e puxando-os um pouco.
A boca dela é deliciosa e o nosso beijo é faminto. Um beijo
que provavelmente não se repetirá e por isso queremos aproveitar
cada segundo.
Eu estou duro feito uma pedra, a ponto de doer.
Aperto sua cintura e a puxo mais para a beira da bancada,
querendo que sinta como o meu pau está implorando por ela.
Alana solta um gemidinho baixinho entre o beijo, que faz com
que eu me desconcentre e afaste os nossos lábios.
Abro meus olhos e a encontro me encarando cheia de tesão,
assim como eu.
— O que nós estamos fazendo? — ela pergunta, quase sem
voz.
— Algo que iremos nos arrepender depois — respondo. —
Seu jeito atrevido acaba comigo, Alana. — Pego a mão dela e coloco
em cima do meu pau. — Olha como estou…
Ela aperta o meu pau por cima da roupa e geme novamente.
Eu a beijo com vontade, sem esperar que ela fale mais
alguma coisa. Já que vou me arrepender disso, que me arrependa
depois de ter feito tudo.
Alana puxa o tecido da minha camisa para o alto e eu paro de
beijá-la por alguns segundos para tirar a peça de roupa.
Vou abrindo os botões da blusa dela, ansioso para vê-la nua
novamente.
Minha mão esbarra na barriga dela enquanto abro os últimos
botões e algo dentro da minha cabeça me lembra que ela está
grávida.
Esperando um filho meu.
E que tudo isso aconteceu porque nós permitimos algo que
não deveríamos meses atrás.
É um banho de água fria e ela percebe isso quando me afasto
aos poucos.
— Desculpa! — É a única coisa que eu falo e ela só meneia a
cabeça, saindo da bancada enquanto fecha a blusa.
— Melhor jantarmos antes que esfrie.
Impossível a comida não esfriar, parece que a casa está
fazendo 10 graus negativos depois desse clima péssimo que se
instaurou.
Será que eu estou me tornando o tipo de homem que se
envolve com mulheres mais novas para me sentir mais jovem? Ou
será que por algum maldito motivo eu estou à procura de adrenalina?
Não consigo entender qual é a porra do meu problema.
10

“É só fingirmos que nada aconteceu.”


Não sei qual de nós dois foi o mais inocente em acreditar que
poderíamos fingir que não transamos. E a vida ainda riu da nossa
cara, sabendo que teríamos algo para nos lembrar disso todos os
dias.
De fato, pensei que nunca mais iríamos ficar ou sequer nos
tocar, só que aconteceu de novo.
Só um beijo, infelizmente.
Eu deveria querer ficar com ele de novo? Claro que não, de
jeito nenhum.
Mas eu também queria que ele tivesse ido além? Com
certeza.
Vou culpar os meus hormônios por isso.
Nós jantamos depois que o clima foi totalmente arruinado,
conversamos sobre coisas aleatórias só para não ficar um silêncio
desconcertante e agora ele foi na cozinha colocar toda a louça na
lavadora de pratos.
— Acho melhor eu ir embora, André. — Me levanto e vou até
a minha bolsa. Reparo que ao lado dela tem uma fotografia de um
casal jovem e feliz, mas que parece ser antiga. — São os seus pais?
Ele chega ao meu lado para ver de qual foto estou falando.
— Sim! Foi o dia que ele a pediu em casamento.
Pego o porta-retrato para ver de perto e percebo como ele é
muito parecido com o pai.
— Eles pareciam felizes!
— Eu acho que eles eram…
Viro um pouco o corpo, o suficiente para olhá-lo.
— Não sei se alguma vez já falei isso, acredito que não, mas
eu sinto muito por tudo que aconteceu a eles e a você também. —
André olha em meus olhos e pega a foto da minha mão, com
delicadeza.
Ele alisa o rosto dos pais com o polegar e é um gesto tão
simples, mas que diz tantas coisas.
— Obrigado, Alana. Eu queria que as coisas fossem
diferentes para mim, queria poder ser capaz de ser o que
provavelmente meu pai seria para mim se não o tivessem matado. —
Ele volta a me olhar. — Não pense que é fácil simplesmente eu
decidir não fazer parte da vida do seu filho, ter que me afastar de
todos que eu amo porque não serei capaz de vê-lo me olhar com
decepção… é uma merda, mas eu não consigo nem me imaginar
tentando.
Dessa vez sou eu quem tiro o porta-retrato da mão dele,
coloco onde estava e seguro as suas mãos machucadas com
cuidado.
— Não posso dizer que eu sei o que você está passando,
porque mesmo não tendo memórias do meu pai, todos só me contam
coisas incríveis sobre ele. E também é muito estranho saber que a
sua presença tem um prazo de validade, mas eu acredito que você
faria diferente se fosse capaz.
— Não seja gentil, eu não mereço.
Sorrio ao ouvi-lo.
— Ao mesmo tempo que você não merece, também é o que
você precisa. Eu prefiro me arrepender em estar te deixando ser
presente agora e depois ficar com raiva da sua ausência do que
depois ficar pensando como poderia ter sido.
Eu não quero ficar pensando nisso, mas e se as coisas
mudarem?
Não devia me iludir, de jeito nenhum… mas tudo pode
acontecer.
Preciso tentar de alguma forma que não o faça mal, mas eu
preciso tentar. Nem que seja um pouquinho todos os dias, nem que
seja ao mostrar uma roupinha, falar sobre o quartinho, contar o sexo
quando descobrir… Não quero me iludir, porém, sinto dentro de mim
que tem como essa situação mudar e que isso fará um bem a vida
do André que ele não faz ideia.
Eu só preciso tentar e fazer tudo da forma mais natural
possível.
De qualquer maneira, se não der certo, não tem como o
resultado final ser pior do que já será.
— A Priscila realmente fez um ótimo trabalho como mãe. —
Sinto o polegar dele fazer um carinho muito sutil na minha mão antes
de soltá-la. E me sinto estranhamente feliz ao ser elogiada por ele.
— Vou te levar para casa, tá bom?
— Tá bom! Eu só vou ao banheiro rapidinho.
Ele aponta para onde é.
Nunca havia vindo na casa dele antes, porque André não
gosta de visitas. Tudo sempre é feito ou na casa da Luciana ou na
minha casa, então nunca teve um porquê de eu vir aqui.
E a casa é linda.
Do mesmo jeito que eu pensei que fosse.
Ela é bem escura, a maioria dos móveis são pretos e as
paredes cinzas.
Tudo é de ótima qualidade! Eu fiquei apaixonada pela cozinha
superequipada, inclusive com coisas que eu nem sabia para que
serviam e como usar.
Eu já sabia que o André é rico, não é novidade para ninguém.
Mas tirando o seu carro que eu já entrei várias vezes, ele não parece
gastar com muitas coisas. Não é de ficar ostentando.
E pior que eu conheço uns caras bem ferrados de grana que
provavelmente devem fazer empréstimo no Nubank para conseguir
pagar camarote e combos nas baladas para fingir que têm uma vida
diferente da realidade deles.
Meu ex-namorado era um desses, inclusive.
Graças a Deus aquele traste se mudou para São Paulo, ele
era insuportável. Por isso o namoro durou tão pouco.
Meu primeiro e último namorado me traumatizou.
Entro no banheiro e antes mesmo de fechar a porta, o cheiro
do aromatizador me enjoa.
Meu estômago revira todo, sinto a garganta arder e começo a
salivar.
Merda, vou vomitar.
Tento chegar a tempo no vaso, mas o banheiro é grande e eu
acabo vomitando no chão, a poucos centímetros do vaso.
Merda, merda, merda!
O cheiro do vômito se mistura com o perfume, piorando o meu
enjoo e me fazendo vomitar de novo.
— Está tud… peraí, deixa eu te ajudar! — André entra no
banheiro e vem até mim, com cuidado para não pisar onde eu
vomitei. Seu olhar desce rapidamente até a minha blusa e eu olho
para baixo, vendo que também me sujei. — Vamos até o meu quarto,
lá tem outro banheiro.
Eu só concordo, me sentindo um pouco fraca e enjoada.
Ele vai me segurando o tempo todo, abre a porta do quarto e
depois a do banheiro para que eu entre.
— Todo rico tem banheira mesmo? Pensei que isso fosse
coisa que todos os pobres fantasiavam — comento ao ver a
hidromassagem lindíssima perto da janela.
— Eu não conheço muitas pessoas ricas, Alana. Vou ficar te
devendo essa resposta — ele diz enquanto pega um roupão limpo no
armário. — Acho melhor você tomar um banho.
Eu concordo.
— Na banheira, estou muito fraca. — Faço um leve drama e
ele segura uma risada, mas vai até a banheira e a coloca para
encher.
— Ela para de encher sozinha quando chega na quantidade
máxima — me explica e entrega o roupão para mim. — Você está
bem para ficar sozinha alguns minutos? Preciso limpar o outro
banheiro.
Merda.
Já tinha esquecido da imundice que deixei lá.
— Melhor eu ir limpar enquanto a banheira enche.
Ele revira os olhos e faz que não com a cabeça.
— Você vai ficar em um looping, tentando limpar toda hora e
vomitando — diz e vai saindo do banheiro. — Vou ficar no quarto te
esperando quando acabar, tá bom? Qualquer coisa você me grita. E
fica à vontade para olhar as coisas aí e ver se tem algo que queira.
Espero-o sair e fechar a porta para começar a fuxicar as
coisas.
Continuo me sentindo tonta e fraca, mas tiro o resto da
energia que tenho para olhar o armário e as gavetas.
Tudo está impecavelmente limpo e cheiroso, porém, o cheiro é
mais suave do que o do outro banheiro, que me fez vomitar.
Tiro a minha roupa devagar depois de ter cansado de ver
como ele tem bom gosto até para produtos de higiene pessoal e
coloco-as dobradas em cima da pia, sem saber como farei para ir
embora se sujei a única roupa que eu tinha.
A banheira já terminou de encher e eu entro com cuidado, me
segurando em uma barra de ferro que tem na parede da janela, ao
lado dela.
A água está quente e na mesma hora já sinto meu corpo
começar a relaxar.
Prendo meu cabelo em um coque e fecho os olhos,
aproveitando esse momento.
E fazendo uma anotação mental para quando tiver minha
casa, colocar uma banheira. Muita gente diz que acaba não usando
pelo trabalho que dá, mas seria incrível poder relaxar assim depois
de tantas horas inclinada em cima das bocas dos meus clientes,
sentindo pontadas na minha coluna.
Lavo o meu corpo e ao terminar fico alisando a minha barriga.
A parte inferior está começando a tomar forma, parece até
que é prisão de ventre, mas é o neném que está crescendo.
Baixei um aplicativo no celular e vi que ele tem mais ou menos
o tamanho de um abacate.
E agora eu não consigo mais tomar vitamina de abacate,
porque só fico pensando no meu filho que tem o mesmo tamanho
que a fruta.
Deixo meu corpo escorregar mais um pouco para dentro da
água e fecho os olhos, certa de que ficarei uns 10 minutos aqui e
depois saio, para resolver como vou embora.
Mas acho que fiquei mais do que 10 minutos.
— Alana? — Escuto a voz baixinha do André e abro os olhos
devagar. — A água já está gelada, não quer sair? Ou então te
explico como faz para mudá-la.
Me ajeito e acabo levantando demais da banheira, ficando
com os seios expostos. André olha por meio segundo e engole em
seco, focando em meu rosto.
— Esfria rápido, né? — comento.
— Você está há uns 50 minutos aí.
Arregalo os olhos ao ouvi-lo.
— Isso tudo? Meu Deus! Que horas são? Minha mãe deve
estar preocupada. — André levanta e pega o roupão para mim,
depois fica de costas para que eu saia da banheira e o vista.
— Gabriela ligou para mim. Pelo visto ela te mandou várias
mensagens e você não respondeu. Ela foi na casa da Luciana,
pegou meu número e foi… bem, sua amiga me ameaçou e eu dei o
endereço aqui de casa, mas expliquei o que havia acontecido.
Visto o roupão e seguro a risada.
Claro que ela faria isso, é a cara dela.
— Não a leve a mal, ela só está sendo superprotetora. —
Amarro o cadarço do roupão, ficando totalmente vestida. — Pronto.
Ele se vira, me olha de cima a baixo e depois passa por mim
para esvaziar a banheira.
Nós saímos do banheiro e eu aproveito para olhar o seu
quarto, que também é em tons escuros e muito bonito. A cama é
enorme e caberia quatro pessoas confortáveis nela, além de ter um
lençol lindo, todo preto, porém levemente cintilante.
— Fico feliz que você tenha uma amiga como ela.
Ele para de falar para pegar o celular que está em seu bolso e
a sua feição fica um pouco mais séria. André vira o celular na minha
direção e eu vejo a foto da minha mãe na ligação.
— Atende, só não fala que eu estou aqui.
— Claro, né. — Eu sei que é óbvio, mas não custa garantir.
— Oi, Pri! — Ele coloca no viva-voz.
— Dré, você não vai acreditar com quem eu acabei de falar.
— Quem?
— Victoria.
Acho que é o nome da ex dele.
— Onde você a viu?
— Aqui na calçada, na frente do portão da Luciana. Mas a Bia
falou com ela, espantou a mulher. — Minha mãe ri depois de falar
isso. — Pelo que entendi, com meu inglês muito mais ou menos, ela
queria saber seu endereço e estava com três malas bem grandes.
André começa a andar de um lado para o outro, visivelmente
irritado.
— Eu não sei qual é o problema dessa mulher, mas ela
precisa voltar para os Estados Unidos.
Minha mãe ri novamente.
— É, meu amigo… eu lembro que na adolescência você fazia
sucesso entre as meninas. Como é que falavam de você? — Faz
uma pausa, tentando lembrar e solta uma risada alta. — Lembrei! Te
chamavam de pica de mel.
Coloco as duas mãos em cima da boca para não soltar uma
gargalhada alta e vejo o André ficando roxo de vergonha.
— Não falavam isso…
— Claro que falavam, não se faça de esquecido. — Minha
mãe ri com gosto. — A gata deve estar querendo um remember,
igual a Cintia! Você ficou com ela mês passado, né? Ela me mand…
André tira do viva-voz e a minha risada silenciosa morre.
Não que isso tenha me incomodado, não temos
absolutamente nada além de um filho que é só meu, contudo, é meio
estranho ouvir sobre a vida íntima do homem que eu estava quase
transando uma hora atrás.
E ele também ficou constrangido.
Eu disfarço e ando para perto da janela que dá para uma
varandinha, porém, não vou lá para fora porque os vizinhos dele são
tão fofoqueiros quanto os meus e sei que amanhã cedo já teria até
foto minha com o roupão dele.
Por que será que a Victoria está no Brasil? Será que ela quer
voltar mesmo com ele? Não sei como seria se ela soubesse da
minha gravidez. Ela nunca gostou de mim, só por eu ser a filha da
melhor amiga dele, o que era totalmente indiferente para mim, mas
se ela está aqui com esse propósito, vai ser mais um caos ao
descobrir.
— Desculpe, não deveria ter colocado no viva-voz sabendo
como a sua mãe é! — Me viro ao ouvi-lo.
— Tudo bem, pica de mel.
A vontade de zoá-lo é mais forte do que eu e a cara que ele
faz me arranca uma risada.
— Ela adora relembrar de coisas que eu gostaria de fingir que
não aconteceram. — Ele até tenta se manter sério, mas também
solta uma risada. — Esse apelido foi infernal!
— Ah, tadinho do cara gato que ficou ainda mais cobiçado
quando descobriram que era ótimo fodendo — digo e coloco as
minhas mãos nos bolsos do roupão.
Os olhos dele ficam mais escuros que o comum e um sorriso
de lado, que eu nunca havia visto, brota em seu rosto, deixando-o
ainda mais sexy.
— Acredite, Alana… naquela época eu não sabia da metade
das coisas que eu fiz com você.
Involuntariamente eu pressiono uma perna na outra e ele
percebe.
— Imagine então como seria seu apelido agora se essas
mulheres ficassem com você de novo.
Eu tenho um defeito terrível que é provocar.
Eu amo provocar as pessoas, em todos os sentidos, inclusive
de forma maliciosa.
É quase que algo incontrolável.
— Fique à vontade para me dar um.
— Eu precisaria de mais do que tivemos para ter uma
conclusão clara se realmente você foi ótimo ou se era o álcool
falando por mim.
Ele ri, confiante sobre si.
Maldito seja o homem que fica ainda mais atraente quando
sabe que é bom em algo.
— Acho que teremos que ficar com aquele dia como
parâmetro e confiar que o álcool deu apenas um empurrãozinho para
a merda acontecer.
— Era só uma merda dessa de novo na minha vida — suspiro
e ele ri de novo.
A risada dele é gostosa, dessas que ninguém se importaria de
ouvir várias e várias vezes.
— Você é uma figura! — repete o que já havia falado. —
Tentadora, gostosa e atrevida, mas uma figura…
Essa versão dele, que parece estar mais à vontade comigo,
me atrai demais.
Inferno.
Tudo seria mais fácil se ele fosse feio e sem graça.
— Vou ligar para a Bia e pedir para que ela traga umas roupas
dela. A sua mãe disse que já que você dormirá na Gabi, que pelo
visto foi o que a sua amiga falou, ela vai sair com uma colega.
— Sabe que isso é mentira, né? Ela vai sair com o cara que
conheceu no Tinder.
— Você sabe?
— Claro que sei! Não precisa entrar no teatro dela.
— Acho que seria legal se ela encontrasse alguém à altura. Já
tem muitos anos desde que seu pai faleceu e ela entrou no mood
100% mãe e esqueceu dela mesma.
E isso é a mais pura verdade.
Claro que ela se envolveu com umas pessoas nesse tempo,
mas nunca deixou que nada fosse além por causa de mim. Tinha
medo de colocar próximo da filha alguém perigoso ou que não fosse
ficar por perto muito tempo.
Porém, eu já tenho 23 anos e ela precisa mesmo viver a vida
dela, sem pensar o tempo todo em mim.
Espero que eu não pague com a própria língua e faça o
mesmo ou até pior do que ela.
11

Estou assistindo a minha vida sair do controle e não sei o que


fazer para contornar isso.
Ontem foi desastroso, complicado e constrangedor.
E ainda estou sem entender como fui capaz de baixar os
meus muros a ponto de Alana ver um pouco do que eu escondo
dentro deles.
A forma como me senti confortável com ela ontem, mesmo ela
tendo me visto daquele jeito juntamente com os machucados, me
assusta.
Não faz nenhum sentido.
Essa é a frase que eu mais tenho pensado e falado nesses
últimos dias, porque de fato nada do que está acontecendo faz
sentido.
Alana acabou dormindo aqui, junto com a minha irmã, ambas
no meu quarto.
Sei que é comum mulheres grávidas ficarem enjoadas, mas
ela não precisa passar por isso sozinha.
Minha irmã ainda não sabe dessa parte, contudo, eu acho que
vou contar, só preciso primeiro falar com a Alana e ver se ela está de
acordo com isso.
Tentei preparar um café para as duas, que devem acordar a
qualquer momento, mas as minhas mãos ainda ardem quando
entram em contato com a água e demorei mais do que o normal para
fazer as coisas.
— O que uma mulher em sua cama não é capaz de fazer com
você, né? — Escuto o veneno da Beatriz escorrendo pela sua boca
em forma de palavras. — Me avise quando trouxer outra, quero café
da manhã assim todos os dias.
Pego o pano de prato na minha frente e jogo na direção dela.
— Não está muito cedo para você falar um monte de merda?
— pergunto e ela dá de ombros, pegando duas fatias de pão de
forma para fazer um misto-quente. — A Alana está bem?
— Ela está ótima! — Conheço esse maldito tom de voz.
Beatriz vai montando o pão antes de colocar na sanduicheira
com aquela cara de quem quer falar algo, mas me fará sofrer de
ansiedade antes.
— Fala logo, Beatriz! Está muito cedo para você me
atormentar.
Ela ri, coloca o pão na sanduicheira e vira para mim.
— Não sabia que você tinha fetiche com grávidas… é até
meio estranho, porque você tem aversão a criança e paternidade!
— Você terá que ser mais clara que isso. — Cruzo os braços
e me encosto na bancada.
— Ah, merda! Você não sabia que a Alana está grávida? —
Ela me olha receosa, achando que está me contando sem querer um
segredo da amiga. — Por favor, não diz que eu contei.
Alana aparece na cozinha neste exato momento e eu perco
alguns segundos observando como ela é bonita até mesmo
acordando.
Estou acostumado em vê-la maquiada, é uma surpresa ver
como também é linda sem nada em seu rosto.
— Seu irmão sabe que eu estou grávida, Bia — Alana
comenta e rouba uma fatia de presunto, enrolando-o e comendo logo
em seguida. — Mas não se preocupe, nós não estamos transando.
Minha irmã olha para nós dois, sem entender nada.
— Ok, vocês estão me deixando confusa! Por que você
estava aqui e precisava de uma roupa? E por que a sua mãe não
podia saber, se não era nada demais?
Alana ri e pergunta se pode pegar um pouco de suco antes de
começar a se servir.
— Eu conto ou você, André? — a loira na minha frente me
pergunta, com uma sobrancelha erguida.
Os olhos dela são tão claros, mas eu nunca sei se são verdes
ou azuis.
Ontem mesmo eu tinha certeza de eles estarem bem
esverdeados, porém hoje estão tão azuis quanto o céu.
— Alana está esperando um filho meu.
Primeiro a minha irmã ri, achando que é piada, da mesma
forma que o Rennan fez. Quando ela percebe que nós dois
continuamos sérios, seu rosto se transforma em uma carranca.
— Puta que pariu! — Ela coloca uma mão na testa e outra na
cintura. — Isso é verdade mesmo? — Nós dois confirmamos na
mesma hora. — Vocês são malucos! Meu Deus do céu… isso vai dar
uma merda quando a Priscila descobrir.
E ela acha que não sabemos disso?
— Como você soube que eu estava grávida? — Alana
pergunta a ela, com uma certa preocupação em seu tom de voz.
— Você dormiu com a mão na barriga e o roupão abriu, deu
para ver o formato direitinho da parte de baixo começando a ficar
redondinha.
Alana me olha meio sem reação e depois toma um gole do
suco, engolindo com dificuldade.
Beatriz olha para nós dois ainda sem acreditar, balançando a
cabeça toda hora.
— Tá… o que mais eu preciso saber sobre isso? — ela
pergunta ao tirar o misto da sanduicheira, colocando-o rápido no
prato e soprando a beira dos dedos depois de queimá-los de leve.
— Eu acho que é uma conversa só para vocês dois — Alana
diz depois de pegar um cacho de uva e sair da sala. — Vou me
arrumar para ir embora — fala alto de outro cômodo.
Beatriz fica me olhando, esperando que eu conte e assim eu
faço, explico a ela tudo o que acontecerá daqui para a frente.
Minha irmã chora, briga comigo, pede desculpas e depois fica
revoltada com os acontecimentos do meu passado.
Ela entende o meu ponto de vista, mas também se magoa
pela minha decisão, acho que é o que acontecerá com todos ao meu
redor e eu preciso me preparar para isso.
Nada mais será a mesma coisa depois que essa criança
nascer e eu sinto que vou acabar perdendo as pessoas que mais
amo. Eu sei que isso irá acontecer, mesmo que nenhum de nós
queira isso.
— Nós vamos conseguir dar um jeito — minha irmã diz e me
abraça.
— Não se preocupe comigo, vai dar tudo certo. — Com
certeza não dará. — Essa criança irá precisar de todo o amor que
vocês possam oferecer.
A gente para de falar quando escutamos a Alana voltando,
mas eu sei que a minha irmã está preocupada com tudo o que
contei.
— Vou só pegar as minhas coisas e nós vamos embora — Bia
diz e vai na direção de onde a Alana veio.
— Eu levo vocês.
— Eu preciso caminhar um pouco, André. Melhor ir andando
mesmo.
Ouço um toque de celular bem baixo e reconheço que é o
telefone que fica dentro do meu escritório.
Peço licença a ela e vou até lá, destravando a porta com a
minha digital e indo direto até o celular.
É o Eduardo.
Por que ele estaria ligando para esse número se tem o meu
pessoal?
— Alô?
— André, está me ouvindo?
— Sim! O que houve?
— Passei algumas coisas importantes para o seu e-mail, tem
alguém me vigiando, aqui dentro não é mais um lugar seguro.
Merda.
O que eu faço?
— Me passa o endereço da sua casa, vou levar umas coisas
para lá! Você tem um escritório? Consigo deixá-lo irrastreável.
— Vou te passar tudo! — Ele fica em silêncio um tempo. — E
outra coisa, eu fui convidado para um evento que o Renato todo ano
faz e sempre chama vários agentes da polícia.
Isso não é boa coisa.
— Eu acho que ele não tem noção de que estamos juntos,
mas provavelmente já deve ter ouvido falar que você é muito correto.
Acredito que ele tentará te corromper, Eduardo.
— Ele não conseguirá.
— Você não pode tê-lo como inimigo, o Renato é muito
perigoso.
— Eu sei! Porra, o que eu faço? Estou sem saber o que
pensar com essas coisas acontecendo ao mesmo tempo.
— Apenas tire tudo daí que você não quer que outras pessoas
tenham acesso. Coloque na máquina de picotar e leve o saco para a
sua casa, taque fogo em tudo depois. Quando eu for até você, vou te
ensinar algumas coisas que vão te deixar ainda mais invisível
virtualmente.
— Obrigado, irmão.
Desligo o telefone e o guardo.
Ao me virar, vejo a Alana e a Bia me olhando assustadas.
— De que Renato você estava falando? — Beatriz pergunta,
mas eu não respondo. Ela entra na sala e me segura pelo braço. —
André, o que você está planejando? O Renato é perigoso!
— Eu sei disso. — Solto o meu braço da mão dela.
— Você está tentando… se vingar?
Não respondo novamente porque ela já tem uma resposta
para isso.
— Porra, não é possível. Você está querendo se matar? — ela
fala mais alto, provavelmente sem perceber que alterou o tom de
voz. — Você tem que deixá-lo para lá, André. Esse homem já te feriu
demais!
— E eu vou tirar tudo o que esse filho da puta tem —
respondo, também alterado. — Não é justo que ele tenha feito aquilo
tudo e todo ano ganhe prêmios como se fosse uma boa pessoa,
porra.
Ela me olha incrédula.
— E se ele te machucar de novo? — minha irmã indaga quase
sem voz, chorosa.
— Ele vai descobrir que eu não sou mais um menino frágil da
pior forma.
Ela continua me encarando, com os olhos úmidos e a
respiração acelerada.
— Vamos embora, Alana. — Ela se vira e puxa a amiga, sem
se despedir ou falar mais nada comigo.
É por saber que ninguém nunca entenderia os meus motivos
que eu nunca contei para nenhum deles.
Eu nunca vou conseguir ter paz se ele continuar livre, fazendo
mal a mais pessoas do que eu posso imaginar, cometendo mais
crimes do que eu sou capaz de contar.
Nem que seja a última coisa que eu faça na vida, eu irei
acabar com tudo que ele mais ama, assim como ele fez comigo.
12

Fico me olhando no espelho só de calcinha e sutiã, viro várias


vezes de um lado e depois de outro, na dúvida se a criança está
crescendo mesmo na barriga ou na bunda, que está ficando enorme.

— Filha! — minha mãe me chama enquanto vem para o meu


quarto e eu pego rápido o vestido que comprei mais cedo, desses
bem soltinhos e coloco antes que ela entre. — Me ajuda a guardar as
compras? Comprei lasanha pronta, estou com preguiça de fazer a
janta.

— Claro, mãe. — Pego meu celular e saio em direção à


cozinha com ela.

Nós tiramos tudo da sacola e as deixamos em cima da mesa


porque a minha mãe tem todo um ritual de dobrá-las uma por uma,
nunca vou entender o porquê disso.

— Você não está usando os absorventes que comprei? Posso


comprar de outra marca. Não uso mais, então não sei se ainda são
de qualidade.

Esqueci desse pequeno detalhe.

— De tanto ficar comprando na rua por esquecer de levar para


o trabalho, fiquei com vários no meu guarda-roupa. — Isso não é
mentira, mas todos estão intactos há alguns meses.
Minha mãe começa a falar o preço das coisas, reclamando de
alguns itens e feliz porque muitos outros ficaram mais em conta de
um tempo para cá.

— Mãe, posso te fazer uma pergunta sobre o André?

— Claro! O que quer saber sobre ele?

— Ele realmente é diretor de TI?

Ela termina de guardar o último pacote de frango na geladeira


e me olha sem entender a pergunta.

— Sim, filha. Por quê?

— Eu ouvi a Bia falando umas coisas estranhas, pareceu meio


suspeito…

Minha mãe pondera antes de falar.

— O André era hacker, meu amor. Ele conseguiu muito


dinheiro e contatos nos Estados Unidos assim — diz. — Mas você
vai fingir que eu nunca te contei isso, não é algo que as pessoas
possam ficar sabendo.

Hacker… eu nunca imaginaria.

— Eu acho que ele está tentando se vingar do ex-padrasto! —


conto, tirando das minhas costas a sensação ruim desde o dia que
dormi na casa dele.

Beatriz saiu de lá apavorada, chorando e com muito medo.

Eu não tinha noção de quem era o padrasto dele, e descobrir


que é alguém querido e famoso aqui no Rio de Janeiro por várias
ações na polícia que marcaram a história do estado foi um choque.

De fato, agressores e criminosos não têm cara, pode ser


qualquer pessoa e normalmente é quem a gente menos espera.
— Você tem certeza disso, filha? — Faço que sim com a
cabeça. — Merda! Eu suspeitava disso, porque já tinha visto umas
coisas estranhas na casa dele, mas o maldito escritório deve ter
senha cripitografada e nunca fica aberto, não consegui ter certeza.

Ela apoia as duas mãos na bancada, olhando para o nada.

Sei que ela vai falar com ele e André ficará irritado comigo,
mas eu prefiro isso a me arrepender depois de não ter contado a
alguém.

Minha mãe sai da cozinha e diz que já volta, provavelmente


irá ligar para ele.

Aproveito para continuar guardando todas as coisas e encho


os potinhos de tempero que já estavam ficando vazios.

O cheiro do lemon pepper me deixa enjoada e eu fecho o pote


rápido, sem condição nenhuma de passar mal novamente. Ainda não
superei o estrago que eu fiz no banheiro da casa do André.

Inclusive, ele foi bem legal comigo, fiquei surpresa em como


agiu rápido e não se importou em ter que limpar o meu vômito.

Escuto a minha mãe falando alto no telefone e acho que a


conversa não deve estar sendo muito tranquila, porque os dois são
teimosos e não baixam a guarda quando estão ou acham que estão
certos.

— André é muito cabeça-dura, inacreditável.

Ela pega as sacolas com raiva e vai tentando arrumá-las, mas


está tão frustrada que não consegue dobrar nem uma sequer.

Me sento na frente dela e seguro as suas mãos, fazendo com


que pare e me olhe.

Seu olhar é de pânico e isso me assusta ainda mais, porque a


minha mãe não fica assim por qualquer coisa.
— Não sei se algo ou alguém será capaz de tirar da cabeça
dele essa vingança — fala e depois olha para as minhas mãos em
cima da dela. — Esse homem ainda tem poder sobre o André e isso
me preocupa, filha. Você não tem noção de como a adolescência
dele foi difícil, carregando todos os traumas que pareciam ainda doer
fisicamente na pele dele.

Começo a sentir vontade de chorar, mas tento me conter.

— E se a gente falasse com a Luciana?

— Não, não podemos falar para ela de jeito nenhum.

— Por quê?

Minha mãe se levanta, cruza os braços e fica me olhando sem


saber se continua me contando ou não.

Eu vou entender se ela não quiser falar, é o amigo dela.

— A Luciana já se envolveu em um problema com o Renato,


mas o André não sabe — enfatiza essa parte, deixando claro que
isso não pode sair daqui de jeito nenhum. — Ela tentou denunciá-lo
depois de ter levado o André no hospital ao resgatá-lo, mas é óbvio
que não deu em nada porque na época o Renato já estava em um
esquema grande.

Meu Deus, isso é pior do que eu esperava.

— A Luciana te contou isso?

— Sim, muitos anos depois. Parece que ele a agrediu para


garantir que ela ficaria de boca calada, também ameaçou fazer algo
pior com o Dré e aí ela entendeu o quão perigoso ele é e desistiu,
porque não iria adiantar correr o risco, ele já tinha muitos amigos
importantes e dispostos a ajudá-lo.
Minha cabeça começa a doer enquanto eu vou ouvindo e
entendendo o quão grave é tudo isso e que ele está se arriscando de
uma forma que pode não ter volta.
— Isso tudo é terrível, mãe.

— Muito, filha — diz e volta a sua atenção para mim. —


Quando nós dois viramos amigos, depois de eu insistir muito, tinha
dias que a Luciana falava para mim que ele não poderia brincar. Eu
só fui entender anos depois que era os dias que ele tinha as suas
crises.

— Crises?

Ela concorda com a cabeça.

— Ele ficava agressivo, não conseguia controlar.

A história dele nunca para de ficar pior. O que mais deve ter
acontecido?

E cada dia vai fazendo mais sentido na minha cabeça o


porque dele não querer ser presente… eu acho que a questão não é
nem ele não querer, é não conseguir.

Será que a minha mãe sabe dos machucados auto-infligidos?


Porque eu tenho quase certeza que ele ter se machucado do lado de
fora do consultório não foi um caso isolado.

Pode ser a forma de ele aliviar a raiva, frustração ou tristeza,


mas eu não tenho certeza.

— Ele fez algum acompanhamento psicológico?

— Sim, ele faz até hoje.

Isso é algo bom, pelo menos.

— Eu nem sei o que pensar sobre tudo isso, mãe. Nunca


imaginei que essa história fosse tão além do que já haviam me
contado superficialmente.
— E por que esse interesse na vida dele do nada? Vocês dois
parecem desconhecidos, mesmo que se conheçam a vida toda.

Eu me levanto e vou até a geladeira pegar a lasanha para


colocar no microondas e tomar tempo para dar uma resposta que
soe sincera.

— Só curiosidade, porque vi como a Bia estava enquanto


falava sobre o Renato — digo e minha mãe concorda. — E eu só
tenho algumas lembranças do André da época que ele vinha para o
Brasil. Sempre soube que ele não gostava de criança porque a Bia
ficava choramingando que ele mal conseguia falar com ela.

— É, faz sentido. — Ela pega os pratos e talheres para


colocar na mesa. — O que me conforta é que eu sei que o André
nunca dará mole de engravidar alguém sem querer. Não me
surpreenderia se ele já tivesse feito uma vasectomia.

Eu congelo no meio do caminho ao ouvi-la.

Um desconforto cresce dentro do meu peito e a fome que eu


estava sentindo até agora acaba de morrer.

— É, ele não seria burro de fazer tal coisa — respondo.

Ela não faz ideia do quão burro ele foi, não faz ideia mesmo.
13

Alana contou para a Priscila sobre o que ouviu da minha


conversa com o Eduardo.

Eu queria ficar irritado com ela, mas eu sei que ela não fez por
mal, que se assustou com o que falei e deve ter ficado ainda mais
assustada com a reação da minha irmã.

E infelizmente eu tive que falar para a minha amiga que nada


do que ela fizesse seria capaz de me tirar do meu propósito.

Já são mais de 20 anos me preparando para conseguir dar o


bote perfeito, de uma maneira que nada que ele faça será capaz de
tirá-lo de dentro da cadeia.

Quero que ele apodreça, que veja seu nome nas notícias só
que diferente de como ele vê agora.

Quero que todos saibam quem é Renato Pivar de verdade.

E é isso que eu irei fazer.

— Eu indico que você não cadastre a digital de mais ninguém


no seu escritório, Eduardo — falo depois de ter explicado como todo
o sistema de segurança funciona. — Nenhuma namorada, nenhum
familiar… essa é a única maneira de você ter certeza que ninguém
além de você entrará aqui.
Ele concorda e eu peço para que faça um teste, para saber se
entendeu tudo que expliquei mesmo.

Eduardo até tinha um outro sistema de segurança, mas é


desses bem simples que normalmente as pessoas compram. Eles
são fáceis de serem invadidos e ainda mais fáceis de serem
desativados.

Eu mesmo fiz isso na frente dele em menos de cinco minutos


apenas com um programa no celular.

As pessoas não têm noção do que a tecnologia é capaz e


como a cada dia vai se criando mais e mais recursos para que outras
pessoas consigam burlá-las para o seu próprio benefício, que muitas
vezes pode ser impróprio e criminoso.

Não que eu possa falar de quem faça isso, sendo que por
muitos anos trabalhei como hacker para pessoas importantes e
instituições que ninguém nunca pode nem imaginar.

Em minha defesa, tudo que eu fiz foi para que fosse usado de
forma que ajudasse as pessoas. Se eles realmente usaram só para
isso eu já não sei e acho improvável, mas eles precisavam de mim
para fazer a maioria das coisas e sempre me recusei quando achava
que era algo errado.

— Eu vou querer saber por que você sabe tanto dessas


coisas?

— Sou diretor de TI — relembro-o.

— E eu sou delegado, sei que tem mais aí do que você está


falando.

— Você quer que eu instale o sistema de câmera no seu


celular ou não? — pergunto sem muita paciência e me sentindo
esgotado depois de ter brigado com a Priscila por ligação.
Ele me entrega o celular e eu coloco ali o aplicativo para
conseguir ter acesso às câmeras.

— Obrigado, André. Estou te devendo mais uma.

Entrego o telefone para ele e vamos caminhando até a porta


de entrada da sua casa.

— Não tem problema, estamos juntos nessa.

— Tem uma pessoa que eu tenho quase certeza que também


está tentando expor o Renato, mas eu preciso conferir mais algumas
coisas antes de te afirmar que ele realmente está nessa.

— E quem seria?

— Conhece o juiz Matheus Salgado?

Quem não conhece? O cara é uma lenda, e tem a minha


idade, o que é algo raro de acontecer, sendo que ele está há poucos
anos na carreira.

— Já ouvi falar dele, e pelas notícias, parece que é alguém


que realmente quer fazer justiça — digo ao chegar no portão dele. —
Mas é bom você ter certeza, porque essa imagem que temos do juiz
é a mesma que muitas pessoas têm do Renato. E se contarmos o
que pretendemos para a pessoa errada, sabe que irão nos matar,
né?

— Eu sei disso! — Ele olha ao redor quando chegamos na


calçada. — Melhor não ficar muito tempo aqui fora, melhor que não
sejamos vistos juntos.

Eu concordo.

Me despeço e entro logo em meu carro, saindo devagar da


rua dele para ver se acho alguém suspeito, mas não tem ninguém
além de alguns vizinhos na rua, distraídos com as próprias vidas ou
então olhando para o meu carro enquanto passo.
Eu só quero chegar em casa, tomar um banho, comer
qualquer merda que tiver na geladeira e dormir o sábado todo.

◆◆◆

Já estou assistindo o segundo filme de O Senhor dos Anéis


quando o meu celular começa a vibrar do meu lado, tirando a minha
atenção das cenas que eu já conheço detalhadamente.

— Alô?

— Oi, André, é a Gabriela. Você está em casa? Estou


tentando falar com a Lana, mas ela não atende e a mãe dela teve
que sair às pressas para ajudar no buffet.

Pauso o filme e já fico em alerta.

— Tentou falar com a minha irmã?

— Tentei, mas ela disse que chamou lá no portão e ninguém


atendeu. — Já me levanto procurando por qualquer camisa e me
visto rápido, pronto para ir até a casa dela. — Ela está tendo picos
de pressão baixa a semana toda, estou preocupada, mas estou
longe.

Praticamente corro até o meu carro e com o celular preso


entre minha orelha e o ombro, eu a respondo:

— Estou indo pra lá!

— Me dê notícias, por favor.


— Tá bom, pode deixar.

Chego em poucos minutos na frente da casa da Alana e pego


a chave que eu tenho do portão e o abro, correndo até dentro da
casa dela e a encontrando no sofá.

Primeiro, eu me assusto, achando que ela está desmaiada,


mas ao chegar perto, vejo que ela está dormindo tranquilamente,
abraçando uma almofada e com a outra mão por baixo dela, bem em
cima da barriga.

Tiro uma foto e mando para a amiga dela, avisando que pelo
visto foi só um sono profundo.

Aproveito para ir até a cozinha e apagar a luz que está acesa.


Deixo apenas o abajur do lado do sofá, criando um clima mais
confortável para ela dor…

— André… isso! Que delícia!

Sinto minha cara esquentar na hora que percebo que ela está
tendo um sonho erótico comigo.

E além da minha cara, tem outra parte do meu corpo que


esquenta junto.

Esquenta demais, inclusive.

Decido que é melhor fechar a casa e ir embora, antes que


precise usar o banheiro daqui para bater uma punheta.

Tenho feito isso mais vezes do que era comum na minha


rotina de um homem divorciado, de 43 anos. E a culpa é totalmente
da loira deitada no sofá.

Eu a quero e não posso tê-la.

Me conheço e sei que outra mulher não seria o suficiente


porque não é ela.
Que maldição, deve ser o tal do carma.

Fecho a porta dos fundos e todas as janelas, mas a da


cozinha está um pouco emperrada e acaba fazendo muito barulho.

— Mãe? — Alana fala alto ao ser acordada pelo barulho que


fiz.

— Sou eu, André — digo antes de aparecer na frente dela. —


Parece que você pegou no sono e a sua amiga ficou preocupada.
Usei a chave que sua mãe deixou comigo de emergência, espero
que não se importe.

Ela arruma o babydoll que está usando ao se sentar e depois


prende o cabelo em um coque.

— Não tem problema — boceja. — Tenho sentido muito sono


e olha que eu já costumava dormir bastante sem estar grávida.

— Você quer alguma coisa? Só vim ver se está bem.

Alana olha ao redor e depois me encara.

— Não queria ficar sozinha…

— Sua mãe pode chegar a qualquer hora.

— Ah, é verdade. Tudo bem, então, obrigada por ter vindo.

Eu concordo com a cabeça e pego o caminho para ir embora.


Mas antes mesmo de chegar na porta, eu me sinto mal e volto à
sala.

— Quer ir para a minha casa? Pode dormir novamente lá, tem


a banheira que eu sei qu…

Ela dá um pulo do sofá e corre até o seu quarto, voltando


menos de cinco minutos com uma bolsa e vestindo outra roupa.
É engraçado o jeito que ela me olha, como se ir para a minha
casa fosse a coisa mais interessante do mundo.

— O que foi? Não vou recusar um banho quente de banheira!


Tive um sonho… diferente, preciso de algo para relaxar.

Diferente, sei.

Mal sabe ela que a ouvi gemer o meu nome.

Nós entramos em meu carro e vamos para a minha casa. E eu


fico durante todo o caminho repetindo na minha mente que o beijo
que aconteceu da última vez não pode se repetir, que não posso
permitir que isso aconteça de novo.

Mesmo que ela me provoque com a língua afiada, eu vou me


pôr no lugar do mais velho na equação e ser responsável.

Não é difícil, eu sempre sou responsável com tudo.

— Eu espero não ter atrapalhado o seu sábado, pica de mel…


— Alana diz assim que entramos na minha casa e eu solto uma
risada sem humor, sabendo que não será nada fácil.

— Não atrapalhou. Eu estava assistindo um filme.

— Qual?

— O Senhor dos Anéis.

Ela faz uma careta.

— Credo, que filme chato.

Eu não acredito que ela teve coragem de falar isso na minha


cara.

Acho que meu rosto demonstra o meu choque e ela ri de mim.


— O que você não gostou no filme?

— Sei lá, nunca assisti — fala e dá de ombros.

Não é possível.

— Então troque de roupa, fique confortável, pegue o que


quiser na cozinha e venha assistir comigo — digo, sério. — É
inadmissível que você fale desse jeito sem ao menos ter dado uma
chance.

Ela faz um biquinho, mas concorda.

Vou para o meu quarto e ao me tocar que teremos que dividir


a mesma cama, vejo que foi uma ideia péssima. Estou sensível
demais por estar muito tempo sem transar, o último beijo que demos
não sai da minha cabeça e eu estou ficando à vontade demais com
ela.

Eu nem gosto que as pessoas venham aqui, mas não me


importei de convidá-la.

Arrumo a cama, coloco os travesseiros bem distantes um do


outro e me sento, colocando no primeiro filme novamente enquanto a
espero chegar.

— Espero que não seja a coisa mais entediante do Universo.


— Entra no quarto reclamando.

Será que esse babydoll é de quando ela era criança?

Porque não faz sentido o short ser tão pequeno, mal cobre a
bunda dela.

Eu devo ter sido um torturador em outra vida, não é possível.

Alana vem para a cama e se arruma ao meu lado, sem


nenhuma cerimônia ou timidez, o que é a cara dela.
Apago a luz, me enfio debaixo das cobertas e dou play no
filme, sabendo que não irei prestar atenção em absolutamente nada
além do perfume bom dela que provavelmente ficará nos meus
lençóis quando ela for embora.

— Prepare-se para ver a melhor trilogia já feita até hoje!

Ela bufa, sem me dar muita confiança.

O filme começa e ela parece realmente disposta a prestar


atenção, mas quanto mais a gente se movimenta, mais vamos
ficando próximos e em algum momento eu sinto o pé dela encostar
no meu.

Alana não parece se importar e começa a alisar os dedos nos


meus.

Olhei para ela várias vezes enquanto fazia isso, acho que nem
está percebendo.

Bom para ela, porque acho que um toque inocente como esse
nunca me deixou tão em alerta como agora.

Vai ser uma noite muito longa!


14

— Orlando Bloom sempre foi uma gracinha, né? — ela


comenta ao meu lado.

— Eu não acho ele bonito.

Alana pega o controle que estava entre nós dois, pausa o


filme e me olha como se eu tivesse falado a maior barbaridade do
mundo.

— Por favor, não diga que é esse tipo de homem que não
reconhece a beleza em outro.

— Eu reconheço quando ele de fato é bonito.

Alana arrasta o corpo para cima, ficando sentada com as


costas apoiadas na cabeceira da cama.

— E você não acha o Orlando bonito? — pergunta de novo,


querendo ter certeza da minha resposta e eu faço que não com a
cabeça. — E Tom Cruise? Brad Pitt? Keanu Reeves?

— Tom Cruise é bonito, o cara tem 61 anos e parece ter a


minha idade, Brad Pitt acho muito superestimado e Keanu, sei lá…
não acho feio e nem bonito. — Ela fica me olhando incrédula e eu rio
da sua cara. — Mas então agora você está realmente se sentindo
atraída por homens mais velhos?
— Quem não se sente atraída por esses homens, André? —
bufa e revira os olhos. — E talvez você nem conheça atores novos,
achei mais fácil falar deles.

Eu rio novamente, quase engasgando.

— Garota, eu tenho 43 anos e não 100. E eu assisto muitos


filmes, só para deixar claro.

— Então você sabe quem é Zac Efron, Chris Evans e…


deixa eu pensar em um difícil. — Ela faz uma pausa e eu fico
esperando. — Ah! Você sabe quem é Di Ferrero?

Humm, esse último eu não tenho a mínima noção.

— Zac Efron é aquele bombadinho que fez aquele musical


insuportável, né? E Chris Evans é óbvio que eu sei e ele deve ter a
idade mais próxima da minha do que da sua, Alana.

— E o último?

— Nunca ouvi falar.

Ela emite um som estranho, satisfeita por ter falado de alguém


que eu não conheço.

— É o vocalista do NX Zero!

— Ah, aquela banda de emo?

Ela ri da minha resposta, mas concorda com a cabeça.

— Não… peraí! Você está falando que o acha bonito? — Eu


peguei meu celular para pesquisar porque não lembrava da cara dele
de jeito nenhum e ela só pode estar de sacanagem. — Isso é sério,
Alana? — Ela continua rindo, sem conseguir se controlar e faz um
sim com a cabeça. — Isso é muito preocupante.

Guardo o celular novamente.


— Para de julgar os meus crushes! — ela diz quando
consegue se acalmar, passando o dedo mindinho embaixo do olho,
limpando a lágrima que estava prestes a escorrer. — Me diga então
três mulheres que você ache muito atraente.

Penso um pouco.

— Jennifer Aniston, Anna de Armas e Cobie Smulders.

— Você tem bom gosto, André — comenta e arruma a coberta


em suas pernas. — Mas isso eu já sabia, você ficou comigo.

— Graças a Deus sua autoestima está em dia.

— Se eu não me achar uma grande gostosa, quem irá?

— Eu e provavelmente qualquer outro homem que enxergue.

Alana fica levemente corada e sorri de um jeito charmoso,


ficando ainda mais bonita.

— Vou aproveitar que nós estamos nessa vibe de sermos


amigos porque estou prenha e vou perguntar algumas coisas. Você é
capaz de ser sincero?

— Serei sincero, porém não garanto que vou responder tudo.

Me levanto um pouco mais, ficando sentado igual a ela.

— Já teve interesse na minha mãe?

— Nunca.

— Já ficou com alguém do mesmo sexo?

— Quê? Não, Alana.

Ela solta uma risadinha e depois volta a ficar séria, me


olhando com seus olhos afiados e curiosos.
— Você já tinha me olhado de forma diferente antes do
Carnaval?

— Não, nunca. Você já me olhou diferente antes do Carnaval?

Ela morde o canto da boca antes de responder.

— Já, você é um gato, André. No meu aniversário, assim que


voltou de vez para o Brasil, eu nem consegui ficar com o menino que
eu estava interessada, porque você roubou toda a atenção. — Ela
mexe no cabelo enquanto fala. — Mas depois passou, me
acostumei.

Bem feito para o babaca.

— Você estava tendo um sonho erótico comigo quando fui na


sua casa mais cedo? — Entro no jogo dela.

— Sim! Como você sabe?

— Você gemeu meu nome na hora que entrei.

— Certo… Você se sente atraído por mim atualmente?

— Sim!

— Se eu te beijasse agora, o que você faria?

Porra, sabia que isso não ia dar certo.

É só responder: “Recusaria, porque temos que ser


responsáveis antes que tudo isso vire uma bola de neve.”

É fácil, eu consigo.

— Eu te beijaria de volta!

Eu enlouqueci, definitivamente.
Alana não pensa nem duas vezes antes de tirar a coberta de
cima dela, chegar perto de mim e montar em meu colo.

Minhas mãos vão direto para o seu quadril, onde eu aperto


meus dedos e a puxo mais para cima.

— Não deveríamos estar fazendo isso, Alana.

— Eu sei que não, mas o que de pior pode acontecer? Já


estou grávida, já sei de toda merda que acontecerá lá na frente, mas
ainda assim eu te desejo.

Aliso a cintura dela, passando a mão perto dos seus seios e


depois desço-a até a sua bunda gostosa, apertando sem nenhuma
delicadeza.

— Podem ser só os hormônios falando mais alto.

— E se for? Você disse que me ajudaria no que fosse preciso


enquanto eu estiver grávida! E eu estou precisando transar…

Tenho que me controlar, mas como eu faço isso sentindo a


boceta dela tão perto do meu pau? Sentindo a pele da sua bunda na
minha mão por causa desse microshort que mais parece uma
calcinha.

— Alana, não me provoca!

— Por quê? — pergunta enquanto monta de vez em cima do


meu pau, pressionando a boceta nele e eu fico sem saber se
agradeço pela roupa estar atrapalhando ou se choro. — O que você
vai fazer se eu te provocar?

Respiro fundo mais uma vez, só que todo o meu autocontrole


vai para a casa do caralho quando ela simplesmente tira a blusa na
minha frente, ficando com seus seios que estão bem maiores do que
da última vez que eu os vi, descobertos.
Coloco a minha mão neles, juntando-os um no outro e os
aperto.

Alana solta um gemido que faz o meu pau latejar e eu


abocanho um dos seus mamilos, encarando-a enquanto circulo a
minha língua por ele, bem devagar, para deixá-la nervosa.

Eu perdi a cabeça de vez, mas não consigo mais me controlar.

— Você quer saber o que eu vou fazer, né? — repito a sua


pergunta e ela faz que sim com a cabeça. Antes de responder, vou
até seu outro seio e faço a mesma coisa com o mamilo, garantindo
que estou dando a devida atenção aos dois. — Eu não vou te deixar
sair desse quarto tão cedo!

Ela morde o lábio inferior e movimenta o quadril, rebolando


devagar em cima do meu pau.

Alana não está para brincadeira mesmo.

E eu vou mostrar que também não estou.

Eu a coloco deitada na cama em um movimento rápido e vou


para cima dela, mas sem jogar todo o meu peso no seu corpo por
causa da barriga.

Ela me olha com ansiedade e eu a beijo, matando a vontade


de sentir a sua boca gostosa novamente.

Porra, é assustador o quanto eu gosto do beijo dela e como


eu não me importaria de ficar beijando a Alana o dia todo e todos os
dias.

Mas ela está com pressa, e as suas mãos rápidas tentam


puxar a minha calça e a cueca para baixo, isso atrapalha o nosso
beijo e ela deixa escapar uma risadinha.

— O que você está procurando aqui embaixo? — pergunto.


— Você sabe!

Passo a língua pelo lábio dela e começo a beijar todo o seu


queixo, vou até a orelha e mordisco a pontinha dela, em seguida faço
um longo caminho de beijos pelo seu pescoço, ombro e só paro ao
chegar no vale entre os seus seios.

— Eu quero que você me peça!

Os olhos dela brilham em luxúria ao me ouvir e ela abre as


pernas, fazendo com que eu me encaixe entre elas.

— Eu quero você dentro de mim… quero sentir o seu pau me


esfolar toda!

Puta merda.

Meu pau pulsa tanto dentro da cueca que parece que meu
coração está batendo dentro dele.

Fico de pé em um pulo e tendo a total atenção dela, tiro a


minha roupa, ficando totalmente nu, com o meu pau ereto, batendo
no meu umbigo.

Eu o seguro e começo a alisá-lo de baixo para cima, devagar,


só para deixá-la com ainda mais vontade de tê-lo.

Mas como sempre, Alana consegue me surpreender e levanta


da cama apenas para poder se ajoelhar na minha frente, prender o
cabelo em um coque, sei que significa que ela vai acabar comigo, e
com muita delicadeza tira a minha mão, colocando a dela no lugar.

Esse primeiro toque já faz com que todo o meu maldito corpo
se arrepie.

Ela olha para o meu pau da mesma maneira que tem olhado
para os pirulitos, cheia de fome e vontade.
Sua boca macia encosta na cabeça e ela roça seus lábios por
todo o comprimento antes de passar a língua pelo mesmo caminho,
fazendo com que se torne mais gostoso gradualmente.

Mas quando a sua boca se encaixa nele e ela vai o engolindo


lentamente, sinto a minha pressão subir e despencar ao mesmo
tempo.

Não é possível que um movimento tão simples como esse já


me deixe tão excitado.

O vai e vem se inicia lento, delicado e até um pouco tímido,


mas Alana vai se sentindo mais confiante e transforma o boquete em
um momento histórico em minha vida de tão gostoso.

— Caralho! — Seguro no cabelo dela que soltou um pouco do


coque, mas não dito os seus movimentos, apenas procuro por algo
que eu possa segurar. — Que delícia!

O elogio faz com que ela se empolgue ainda mais e uma das
suas mãos delicadas segura as minhas bolas e ela começa a apalpá-
las devagar, descobrindo se é alguma coisa que eu gosto, e porra, é
delicioso.

Alana começa a forçar o meu pau em sua garganta, querendo


que ele vá fundo e o aperto que isso faz na minha cabeça quase me
descontrola a ponto de gozar, então eu o tiro de sua boca gostosa,
levantando-a.

Alana passa o polegar na boca, como se estivesse limpando


algo e até isso é sensual pra caralho.

Eu a pego em meu colo e ando com ela até o beiral da minha


janela, fazendo com que se sente bem ali, na beirinha e agora sou
eu quem tira o resto da roupa que ela ainda estava vestindo.

E simplesmente não existia uma calcinha por baixo do short.


Alana quer testar a minha saúde cardíaca, e eu tenho medo
do que pode acontecer.

Meu pau já está todo babado só de vê-la nua e Alana ainda


abre as pernas, passa a língua em dois dos seus dedos e enfia os
mesmos dentro da sua boceta, gemendo baixinho enquanto ela fode
a bocetinha gostosa com os próprios dedos.

Eu começo a tocar uma para mim, assistindo-a, e com inveja


dos seus dedos entrando e saindo.

Quando ela tira os dedos de dentro de si, os chupa com


vontade.

— Caralho, garota! — digo quando vou de encontro a ela,


cruzando as suas pernas ao redor da minha cintura e pressionando o
meu pau entre os lábios da sua boceta. — Eu poderia gozar só em te
assistir.

Ela passa as unhas em meu peito com uma certa força e eu


gosto.

— Eu prefiro que você goze sentindo a minha boceta apertar o


seu pau!

— Safada!

Ela ri, confirmando que realmente é.

Seguro o meu pau e devagar vou penetrando nela, sentindo


realmente a sua boceta me apertar mais e mais a cada centímetro
que vou entrando.

Preciso respirar alguns segundos depois de estar todo dentro


dela.

Mas ela não facilita de jeito nenhum e aperta a boceta ao


redor dele, me fazendo gemer.
— Me diz se eu tiver indo além do que posso, tá bom?

Ela murmura um “uhum” e eu começo a estocá-la com uma


certa força, vendo como ela reage, tentando ter o máximo de cuidado
possível.

Os seus seios se movimentam suavemente a cada estocada


que eu dou, e eu chupo seus dois mamilos novamente, sem fazer
força ou sucção, apenas estimulando-a ainda mais.

Alana encosta as costas na janela e eu também apoio as


minhas mãos no vidro, tendo um maior apoio para continuar os
movimentos.

— Vai, assim… — ela geme alto quando eu coloco um pouco


mais de força e se contorce levemente.

Ela não para de me apertar a cada estocada que eu dou e vou


ao inferno e volto todas as vezes.

Como vou me controlar assim?

Alana começa a estimular o clitóris e eu sinto a sua perna


tremer ao redor do meu corpo, e aproveito para aumentar um pouco
a velocidade, dando a ela o que ela quer.

Seguro o seu rosto com um pouco de força e a beijo de forma


bruta.

Ela morde o meu lábio infeiror depois que afasto a minha boca
e eu aliso o seu rosto, querendo muito saber se ela gosta de levar
uns tapas… porra, só de imaginar eu fico ainda mais louco.

Alana implora para que eu a estoque com mais força e faço


exatamente o que ela me pede, me controlando muito para não
gozar.

A loira aperta o meu braço com força quando começa a gozar


e aos poucos seu corpo vai ficando mole e relaxado.
Saio rápido de dentro dela e acabo gozando na sua coxa.

Ela olha e solta uma risadinha.

— Se eu já não estivesse grávida, iríamos descobrir se


realmente tem como fazer um filho pelas coxas — fala com
dificuldade, com a respiração descontrolada.

Eu nem consigo falar, mas pego a minha bermuda para limpar


a coxa dela e ainda ganho um beijo gostoso e calmo antes de ajudá-
la a descer da janela.

— Você está… bem?

Ela olha para a barriga e depois para mim.

— Estou, não precisa se preocupar. Eu perguntei à médica se


estava tudo bem manter a minha vida sexual ativa e ela disse que
sim, desde que não sentisse nenhum incômodo, poderia continuar
tranquilamente.

Isso é bom.

Muito bom.

— Ótimo saber disso.

Ela pisca para mim e olha para a sua roupa espalhada pelo
chão.

— Posso ficar nua?

Pelo amor de Deus.

Essa mulher quer me castigar, eu tenho certeza.

— Claro que pode! Na verdade, sempre que vier aqui, já pode


entrar tirando toda a sua roupa e ficando peladinha para mim.
Ela deita na cama de bruços, com a maldita bunda gostosa
para o alto.

— Não me dê tanta liberdade, André. Eu levo as coisas ao pé


da letra — me provoca e fica ali deitada, como se não estivesse
nessa posição para me enlouquecer.

Hoje será uma longa noite.


15

Decidi que vou culpar meus hormônios por qualquer coisa que
eu não deveria fazer enquanto grávida, mas ainda assim fiz.

Ter transado novamente com o André vai para o Top 1 dessas


coisas.

Mas eu também poderia culpar o receio de transar com


qualquer outro homem que eu já não conheça, agora que estou
grávida. Primeiro que não sinto mais nenhuma vontade de ir a
encontros, tenho receio de ir para lugares cheios e alguém acabar
machucando a minha barriga e ainda tem a questão de ter que
informar que estou grávida e o cara em si ter noção que terei
limitações.

Ou seja, muita burocracia.

Pelo menos é assim na minha cabeça.

Com o André não tem nada disso. Ele sabe que estou grávida,
tem cuidado e, caramba, ele é gostoso demais.

Um gostoso que daqui a alguns meses me fará passar raiva,


contudo, outra coisa que eu decidi é que isso ficará para a Alana do
futuro resolver, não quero sofrer lá na frente e também agora, por
antecedência.
Quando eu cheguei em casa ontem, antes do almoço, minha
mãe já havia acordado e estava animada preparando o almoço,
ouvindo Alexandre Pires e tomando a sua cervejinha.

Ela convidou o André para almoçar, como sempre, mas foi tão
tenso.

Eu sentia que qualquer olhar que eu desse na direção dele


fosse nos denunciar e acho que ele ficou do mesmo jeito. Minha mãe
até chegou a comentar que eu estava estranha e perguntou se
estava tudo bem.

Já tem algumas semanas que estou escondendo a gravidez


dela e cada dia que passa eu me sinto pior com isso.

Mas depois do almoço eu fiquei no meu quarto, resolvendo as


coisas da especialização e consegui fazer a matrícula. As aulas
começam na quarta-feira e eu preciso comprar algumas coisas.

Fiquei na dúvida se adiava por causa da gravidez, porém, é


melhor começar e depois eu vejo como será, se vou conseguir
continuar ou terei que dar uma pausa.

— Prontinho, dona Aurélia. Veja como ficaram seus dentes


novos. — Entrego o espelho para a minha paciente que não tinha
quase nenhum dos seus dentes. Ela fumava desde os 11 anos e só
depois dos 56, que completou ano passado, conseguiu se livrar
desse vício terrível.

Ela começa a chorar de emoção, com um sorriso enorme para


conseguir ver bem os dentes implantados.

— Oh, querida, terei eterna gratidão a você! Ficaram perfeitos.


— Ela levanta da cadeira e me abraça forte. — Irei colocar o seu
nome nas minhas orações! — Sua mão toca na minha barriga com
delicadeza. — Qual é o nome desse bebê iluminado que está a
caminho?

Pisco algumas vezes e olho para baixo.


Será que já está ficando visível assim?

— Está dando para ver?

— Eu sempre sei quando tem uma mulher grávida perto de


mim. — Sorri. — Essa criança trará tanta luz para você e o pai, que
suas vidas irão mudar de maneiras que vocês ainda não são
capazes de entender.

Para variar, eu fico com vontade de chorar ao ouvi-la e dessa


vez sou eu quem a abraço.

— Obrigada, dona Aurélia.

— Não precisa agradecer, acho que eu precisava estar aqui,


exatamente hoje, para te dar esse recado.

Ela se olha mais uma vez no espelho, pega a sua bolsa que
havia pendurado no suporte e vai embora ao se despedir.

Tiro a máscara e começo a arrumar as coisas para ir embora,


mas as palavras dela ficam em minha mente.

Não sou uma pessoa religiosa, não frequento nenhum tipo de


ambiente espiritual, mas acredito em tudo que possa trazer bem para
a minha vida.

E ela falou com tanta certeza…

— Seu carro ficou pronto? — Danilo pergunta ao entrar na


minha sala.

— Sim! Não aguentava mais usar o Uber.

O meu carrinho, um HB20 branco 2020, que é o meu xodó e


que ainda tira boa parte do meu salário, tinha dado um problema que
eu não fazia ideia do que era.
Sou dessas que só sabe dirigir mesmo e não consegue nem
trocar um pneu sozinha. E nunca nem tentei, tenho certeza que
acabaria quebrando todas as unhas, me machucando e no final teria
que chamar alguém de qualquer jeito.

Por sorte, o Marcus me indicou seu mecânico e ele não


cobrou nadinha quando fui buscar hoje cedo.

Já estava com o cartão de crédito ultrapassando o valor que


me permito gastar todo mês.

Inclusive, preciso lembrar de agradecê-lo por isso, porque sei


que sairá do bolso dele. Mas como ele é podre de rico, acho que
nem fará diferença.

Por falar nele, vou ver se a Gabi deu notícias do pai.

De manhã, ela havia falado que estava o levando na


emergência, mas só falou isso. Não sei se é grave ou algo
relacionado a diabetes, que sempre o faz parar lá quando a glicose
fica muito alta.

— Eu ia oferecer carona, porque também vou sair agora cedo.


Mas acho que não precisa — Danilo comenta.

— Obrigada, Danilo! Ah, te mandei no e-mail tudo sobre a


especialização, horários e os dias. Aí, como já havia falado, nos
demais dias eu fico até mais tarde para cobrir as duas horas que vou
sair mais cedo nos dias do curso.

Ele sorri, cruzando os braços.

— Está tudo certo, Alana. E qualquer coisa já sabe, né? Só


me avisar que a gente dá um jeitinho. A obra do consultório ao lado
já está acabando, finalmente, e eu vou começar a procurar outros
três dentistas para trabalhar conosco.

Danilo comprou a sala ao lado, que era um escritório de


advocacia.
A obra já está acontecendo há quase 6 meses, mas como ele
é muito exigente, até que foi rápido. Pensei que demoraria muito
mais.

E além de ter feito uma sala nova e maior para ele, também
fez mais outras três.

Está ficando lindo e achei inteligente da parte dele.

O consultório é famoso e agora que também estamos fazendo


a parte estética, está ficando ainda mais.

— Posso te ajudar, se quiser.

— Eu vou adorar — ele diz, se despede e depois sai.

Ligo o meu celular para ver se tem mensagem da minha


amiga e na mesma hora aparece que ela está me ligando.

— Oi, Gab…

— Amiga, você pode vir para cá? — A voz de choro dela me


apavora e eu pego as minhas coisas no desespero, sem nem
perceber que acabei esquecendo de tirar o protetor que usamos no
tênis. — O meu pai está morrendo, Lana… eu não sei o que faço.

— Chego em 5 minutos, tá bom? Tem alguém aí com você?

— Não! Você é a primeira pessoa para quem estou ligando —


diz entre soluços. — Tentei falar com o Marcus, mas ele deve estar
em reunião ainda.

— Estou chegando — reafirmo o que falei.

Aperto o botão do elevador com raiva, querendo que ele


chegue mais rápido e faço o mesmo com o botão do
estacionamento. Para a minha sorte ninguém entra nele e eu corro
até o meu carro.
Gabi já desligou a ligação, mas eu deixo o celular apoiado na
minha coxa enquanto ligo o carro e dirijo até o hospital que o pai dela
costuma ir.

Buzino o tempo todo atrás de alguns carros que parecem


estar passeando, como se não houvesse mais ninguém na rua com
eles e 9 minutos depois chego ao hospital.

— Merda! — Tiro os protetores dos tênis, jogo na primeira


lixeira que aparece e vou pegando meu documento dentro da bolsa
para adiantar.

A recepcionista é bem rápida e me explica onde eu tenho que


ir.

Encontro a minha amiga sentada no chão, ao lado de uma


porta e vejo que o pai dela está dentro desse quarto, conversando
com dois médicos.

Me abaixo e assim que ela me vê, se joga em meus braços e


começa a chorar.

Ela fala várias coisas emboladas, confusas e sem sentido,


mas eu deixo que desabafe, tentando não chorar e piorar a situação.

Ninguém nunca está preparado para perder alguém, e o tio


Paulo é tudo para a Gabi. A vida dela gira em torno de cuidar dele,
de conseguir um bom emprego, e de fato ela conseguiu, e dar mais
conforto e todos os recursos que ele precisa.

E ela estava fazendo isso, toda orgulhosa por poder


proporcionar essas coisas ao pai.

Eu tenho certeza que ele irá descansar sabendo que fez um


belo trabalho, porque a minha amiga é uma mulher incrível, um ser
humano lindo por dentro e por fora.

— Eu não quero que ele vá, amiga… ainda não!


Tento secar o rosto dela, mas é difícil com tantas outras
lágrimas escorrendo.

— Todos nós queremos isso e eu tenho certeza que ele


também ficaria, se pudesse escolher.

Ela balança a cabeça negativamente, sem acreditar no que


está acontecendo.

— Por que você não entra e aproveita o máximo de tempo


com o seu pai? — pergunto, olhando nos olhos dela. — Vai lá e
repete várias vezes que o ama, que você tentará ser forte como ele
sempre ensinou, que não vai ficar sozinha porque minha mãe e eu
também somos a sua família.

Eu me levanto e a puxo comigo.

— Você está certa — ela respira fundo algumas vezes,


tentando se acalmar. — Posso contar ao meu pai que você está
grávida?

— Claro! Vamos fazer isso juntas?

Ela sorri, segura na minha mão e nós entramos.

Os médicos saem para nos deixar a sós com ele e Gabriela


anuncia a notícia sem conseguir se conter. Paulo me olha com seus
olhos brilhando e pede para encostar na minha barriga.

— Que dádiva, minha filha — ele fala, todo fraquinho e com a


aparência cansada. — Vou adorar conhecê-lo mesmo que lá de
cima, sei que essa criança só trará felicidade na vida de vocês.

Gabi senta na beira da cama, segurando a outra mão do pai.

— Eu espero que sim, você será um vovôzinho incrível para o


meu bebê, independente de onde estiver.

Já estou chorando, não tem como controlar.


Nós conversamos por quase 30 minutos e quando Gabi sai
para pegar água, ele me pede para que fique por perto nesses
primeiros dias porque tem medo de como será para a filha dele.
Aproveito que a minha amiga saiu para deixar o choro sair com força
e o abraço antes de sair do quarto.

É a coisa mais triste que eu já vivi, não sei como minha amiga
vai lidar com isso.

Vou para uma das cadeiras que fica do lado de fora da sala e
aproveito para tentar ligar para o Marcus várias vezes. Não sei
quantas horas passam até que ele me retorna.
— Oi, Marcus.
— O que aconteceu, Alana? Fiquei com o celular desligado,
porque estava em reunião praticamente o dia todo.
Como dar uma notícia como essa?
Como avisar que uma pessoa incrível como o Paulo está
partindo?
A vontade de chorar cresce novamente em meu peito.
— É o tio Paulo — minha voz quase some e eu soluço antes
de continuar falando: — Você está longe? A Gabriela vai precisar de
você aqui.
— Estou em São Paulo, acho que chego aí em 3 horas.
— Impossível chegar tão rápido, mas eu vou estar aqui com a
Gabriela. — Pauso novamente, tentando controlar a respiração para
terminar de falar. — Merda, isso não deveria estar acontecendo com
ele.
— Nós vamos dar um jeito. Minha irmã está aí?
— Sim, está nesse momento conversando com a Gabriela.
Ela chegou aqui bem cedo e não foi embora até agora.
— Certo! Me liga caso qualquer coisa… mude.
Ele desliga a ligação logo depois e eu seguro a mão do Guto,
que chegou há alguns minutos e está sentado ao meu lado.
Ficamos em silêncio por tanto tempo que parecia que o tempo
nem estava passando. Algumas outras pessoas chegam no hospital
e em algum momento eu escuto a voz da minha mãe e vejo o André
atrás dela.
Abraço-a e depois a atualizo sobre o que aconteceu.
André senta em uma cadeira mais distante, cruza as duas
mãos entre as pernas e fica daquele jeito por horas, olhando para os
próprios pés.
Marcus também chega e vai direto para o quarto onde tio
Paulo está. As pessoas saem de lá para deixá-los conversar e todo o
resto acontece tão rápido que eu só entendo que o Paulo se foi ao
ouvir o grito mais sofrido que a minha amiga já deu em toda a sua
vida.
Não tem uma pessoa aqui que não se emocione, é impossível
não sentir a dor dela tocar em todos nós.
Marcus tira a minha amiga do quarto em seu colo e ninguém o
impede quando eles vão embora. Ela precisa disso, precisa de um
tempo sozinha para entender o que está acontecendo e ficarmos em
cima dela não vai ajudar em nada.
A irmã do Marcus vem conversar conosco e depois todos
vamos embora.
Guto fica me abraçando de lado o tempo todo e andamos
assim até o meu carro.
— Vocês precisam de carona? — André pergunta quando
chegamos perto do carro dele, que está estacionado antes do meu.
— Eu vim com o meu, mas obrigada — digo e vejo que ele
continua me olhando, provavelmente querendo falar mais alguma
coisa, mas sem saber como fazer isso na frente da minha mãe e do
Guto. — Te atualizo sobre o enterro, tá bom?
Ele concorda apenas com um leve movimento de cabeça, dá
um beijo na bochecha da minha mãe e entra no carro, bem sério.
— Acho que ver a Gabriela daquele jeito o abalou — Guto fala
assim que entramos em meu carro.
André passa na minha frente devagar e me dá uma encarada
que não dura nem meio segundo antes de acelerar e sumir na rua,
indo em uma direção que não é o nosso bairro.
Será que ele está bem?
Ligo o carro, deixo o Guto na casa dele e depois vou para a
minha.
Minha mãe e eu ficamos juntas na cozinha enquanto ela faz
um lanche e lembramos de vários momentos incríveis que tivemos
com o tio Paulo, em como ele era um homem alegre e
apaixonadíssimo pela falecida esposa.
— No dia que eu encontrar alguém, quero que me ame como
o Paulo amou a Andréa.
Minha mãe sorri e alisa o meu rosto.
— Estarei torcendo para que você tenha essa sorte, minha
filha! Eu já tive o meu grande amor e sinto que sempre o levarei no
coração comigo. — Ela olha na direção da foto grande que tem na
sala, com nós três. — Queria tanto que tivesse convivido por mais
tempo com o seu pai.
Eu também queria.
Nós duas fechamos a casa depois de encerrarmos nossa
conversa, nos despedimos e cada uma vai para o seu quarto.
Na mesma hora, pego o meu celular e mando uma mensagem
para o André.
Eu: Você está bem? Fiquei preocupada.
Fico olhando, esperando que ele me responda.
André: Já chegou em casa, né? Está sozinha?
Eu: Sim para ambas as perguntas.
André: Posso te ligar?
Eu: Claro.
Segundos depois, aparece a chamada e eu atendo.
— Como você está? — me pergunta.
— Muito triste e sentindo que vou chorar o resto da noite. E
você?
— Fiquei triste pela Gabriela e pelo Paulo, ele sempre foi
incrível com todo mundo… Nunca vou entender por que a vida é tão
cruel para algumas pessoas e para outras não.
Começo a me despir enquanto falo com ele, querendo tomar
um banho para tirar o clima péssimo do hospital do meu corpo.
— Penso a mesma coisa, mas como a minha mãe sempre diz,
a vida é fodidamente escrota e injusta.
— Sua mãe está certa.
— Ela sempre está.
Ficamos um tempo em silêncio até que ele volta a falar:
— Você e o Gustavo… têm alguma coisa?
Que pergunta estranha.
— Hã? Como assim?
— Vocês já ficaram ou namoraram?
— Não, credo!
— Humm.
De onde ele tirou essa ideia? Que coisa de doido.
— Sabia que a cortina do seu quarto é muito transparente?
— Sabia, por quê?
— Daqui de fora consigo ver perfeitamente que você está só
com um sutiã branco de renda.
O quê?
Esse homem só pode ser maluco.
Viro na direção da janela e vejo que ele está lá fora, dentro do
carro, com o vidro abaixado.
— O que você está fazendo aqui?
— Pensei que talvez não fosse querer ficar sozinha…
E eu realmente não quero, pensei em talvez invadir o quarto
da minha mãe e dormir com ela, como fazia quando era mais nova.
Não estava em meus planos que o André fosse aparecer.
Não mesmo.
— Estou indo aí.
Me enfio no primeiro short que eu acho e pego uma regatinha
branca que vou vestindo pelo caminho.
Dou uma olhada na janela dos vizinhos para ter certeza que
não tem ninguém bisbilhotando e entro rápido no carro dele.
— Você é doido, né? Se minha mãe me ver aqui dentro, com
certeza vai perceber que tem algo muito estranho acontecendo!
Ele fica me olhando quieto, seu olhar desce pelo meu corpo e
depois volta a olhar nos meus olhos.
— Qual foi a última hora que se alimentou?
Paro para pensar e percebo que só tomei café da manhã e
depois almocei.
— Meio dia, por aí.
— Porra, Alana! Você precisa se alimentar direito. — Ele liga o
carro e eu fico meio desesperada porque estou horrível. — Vamos
aqui perto, não se preocupe — diz quando nota que fiquei receosa.
— Eu estou horrorosa, André.
Ele solta uma risada abafada, sem humor nenhum.
— Nem se você tentasse muito conseguiria.
Mas não vou reclamar, porque estou morrendo de fome e a
companhia dele não é tão ruim como antes eu achava que poderia
ser.
16

Paro em uma lanchonete que tem a algumas quadras da casa


dela, deixo que fique no carro esperando e tento pedir a coisa menos
gordurosa que tem no cardápio deles para a Alana e para mim peço
só um milkshake.
Enquanto eu espero, vejo que eles têm um pote cheio de
pirulitos.
Imagino que ficar se entupindo disso não seja muito saudável
para o bebê, mas diante do acontecimento de hoje, acho que isso
pode confortá-la de alguma forma, mesmo que bem pouquinho.
Pego um punhado deles, coloco no bolso e pago a menina do
caixa, que fica tentando puxar assunto o tempo todo enquanto
espero.
Não costumo ser mal-educado, mas hoje não é um bom dia.
Pego a sacola de papel com o lanche dela e as bebidas e
volto para o carro.
Alana estava chorando de novo, mas tenta limpar o rosto
antes que eu entre, mas vejo os seus olhos vermelhos e o rosto um
pouco molhado.
— Espero que goste. — Entrego a ela e também tiro um
pirulito do bolso.
— Esse é o que eu mais gosto! — Ela pega o pirulito da minha
mão, tira a embalagem e já o coloca na boca. — Era exatamente
disso que eu estava precisando.
— Você está precisando de comida também.
Ela abre o saco, pega o sanduíche e se divide entre comê-lo e
chupar o pirulito.
Fecho os vidros das janelas e ligo o ar.
É melhor que ninguém nos veja juntos.
Acredito que as pessoas que nos conhecem não irão ter a
malícia de pensar que está rolando algo, mas é sempre bom evitar a
fadiga.
Pego o meu milkshake e tomo um pouco dele, mas deixo no
suporte que fica entre mim e a Alana, pois assim ela pode tomar
também se quiser.
O painel do carro mostra que tem alguém me ligando e eu
vejo que é o número da Victoria, mas não vou atender. Ela está
querendo saber onde é a minha casa e sei que vai entrar como se
fosse a casa dela, querer deixar as coisas lá e me infernizar.
É um péssimo momento para ela fazer isso.
— Não vai atender a sua queridíssima ex?
— Não!
— E se ela estiver precisando de ajuda? — me pergunta e
depois suga o canudo do milkshake com força.
— Ela é uma mulher adulta de 37 anos, vai saber se virar —
respondo. — Não estou com paciência nenhuma para as intenções
dela, Alana.
— E ignorá-la vai resolver algo?
Infelizmente não, ela é a pessoa mais insistente que eu
conheço no mundo.
— Não!
— Então eu vou te ajudar.
Alana coloca a mão no bolso da minha bermuda, pega o meu
celular e atende a chamada.
— Desculpe, o André não pode atender agora — responde à
Victoria em um inglês muito limpo e claro. — O que ele está
fazendo? Acho que é indelicado demais expor o que um homem está
fazendo entre as nossas pernas, né?
Sinto minha boca abrir em choque ao ouvi-la.
Alana pressiona um lábio no outro, prendendo a risada para
conseguir continuar falando.
— Eu aviso que você ligou, tchau. — Desliga na cara da
minha ex e começa a rir. — Ela está furiosa, André! — ela ri tanto
que começa a tossir, se engasgando com a própria saliva.
— Não acredito que você fez isso! — digo em meio à uma
risada.
Ela pisca para mim e volta a comer as batatinhas.
— Acho que você deveria encontrá-la logo e dar um jeito de
fazê-la entender que você não a quer. Porque se ela veio dos
Estados Unidos para cá, com certeza acha que tem uma chance.
— Nem se ela fosse a última mulher do mundo.
— Nossa… o que ela fez para você, hein?
Por onde eu começo? Ela fez tantas coisas que é até difícil
enumerar.
— Victoria é uma mulher que precisa ser o centro das
atenções, como se ela fosse o sol e tudo girasse ao redor dela,
sabe? — Ela balança a cabeça, fazendo que sim. — No início, eu era
tão apaixonado que nem me importava com isso. Mas quando
casamos e fomos morar juntos, foi um banho de água fria.
Alana me oferece suas batatas, mas eu recuso.
— Aí, você descobriu que ela era uma cobra peçonhenta?
— Basicamente isso! Só que relacionamento tóxico é
complicado porque ao mesmo tempo que eu via quem ela era,
também ficava dividido porque ela percebia que eu estava me
afastando e voltava a ser incrível comigo, mas durava pouquíssimo
tempo e a gente ficava nesse círculo vicioso.
— E em que momento você conseguiu sair disso?
Involuntariamente, olho para a barriga da Alana, que com a
blusa justa e o short de tecido molinho, evidencia um pouco o
pequeno volume que tem ali.
— Ela estava tentando me convencer, ou melhor, me forçar a
engravidá-la.
— Imagina o quão feliz ela ficaria se soubesse que a mulher
que a atendeu está começando a não caber em nenhuma roupa
porque você a engravidou — fala na maior tranquilidade, como se
esse não fosse o motivo da minha ansiedade todos os dias desde
que me contou. — Que ironia do destino, André! A única pessoa que
essa benção não poderia acontecer era comigo! Um monte de
mulher para você engravidar e logo com a filha da sua amiga
aconteceu. Quais as chances?
Eu já cansei de me perguntar isso.
Conheço casais que tentam engravidar há anos e não
conseguem, conosco bastou apenas uma noite.
É quase como se o destino estivesse rindo da minha cara e
falando: foda-se o que você planejou, eu que decido o que vai
acontecer.
— E como você está se sentindo? Teve mais enjoos?
Ela limpa a mão e depois a boca no guardanapo, colocando
tudo na sacola e a deixando entre seus pés.
— Eu estava lendo que os enjoos são mais comuns no início
da gravidez e isso fez com que eu notasse que de fato nos dois
últimos meses eu deixei de comer várias comidas porque só o cheiro
já me embrulhava o estômago — ela me conta e se vira no banco,
ficando de frente para mim. — Agora é só com coisas muito
específicas. Mas a médica me passou um remédio que ajuda, então
quase nem tenho ficado enjoada.
— Você foi na médica novamente?
— Não, falei com ela pelo celular — explica. — Mas você não
precisa ir novamente, André. Não quero que faça algo que te gatilhe,
não vai fazer muita diferença mesmo.
“Não vai fazer muita diferença mesmo”.
Essas palavras machucam e eu não entendo o porque disso.
Alana coloca a mão na barriga e fica alisando.
— O seu quarto é grande o suficiente para colocar um berço?
Nunca entrei lá.
— Terei que tirar a mesa onde costumo estudar para caber
uma cômoda para ele. E estou pensando em um bercinho que fica
acoplado à cama, que aí quando ele acordar querendo peito, ou com
cólica, ou com algo que eu ainda não faço ideia, já estarei ao seu
lado.
Eu tenho percebido que ela sempre se refere ao bebê como
se fosse menino. Não sei se está falando de modo geral ou se é
porque acha que de fato será um menino.
— Teremos que colocar tela de segurança em todas as
janelas e talvez trocar o portão da sua casa, que é de grade e
alguém pode passar e vê-lo lá dentro. As pessoas são cruéis, podem
tentar fazer algo quando ele estiver maiorzinho.
Ela me olha com um sorriso de lado, me julgando
descaradamente.
— E você está se preocupando com essas coisas por causa
de quê?
Boa pergunta.
— Porque o máximo que eu puder ajudar financeiramente
agora, será melhor. Não acha?
O sorriso dela morre, mas ela concorda.
— Nem terminei de pagar a dívida gigantesca do FIES, tem o
financiamento do carro, vou começar a especialização na quarta…
talvez seja melhor eu vender o meu carro.
— Acho que vender o carro não é uma opção inteligente,
Alana. Nunca se sabe quando precisará sair às pressas com uma
criança para o hospital, depois terá que levá-lo à escola e andar de
transporte público com bebê é horrível.
— Transporte público é horrível para qualquer pessoa, só para
deixar claro. — Ela olha para o celular quando a tela dele acende,
anunciando uma notificação. — Ah, por que você perguntou aquilo
do Gustavo?
Ainda nem sei se a resposta dela foi realmente sincera.
Os dois estavam muito próximos e eu sei que ele já namorou
a Gabi, talvez pudessem já ter ficado e ele ainda nutrir sentimentos
por ela.
— Curiosidade!
— E essa curiosidade surgiu do nada?
— Achei vocês bem próximos… e fiquei preocupado, só isso.
Ela ri.
— Ciúmes, André? Não sabia que você é esse tipo de homem
que transa uma ou duas vezes e já se apega. — Estava demorando
para ela começar a me provocar. — O que está acontecendo com
você, pica de mel? Será que é a idade?
— Você gosta de falar da minha idade, mas parece que isso
não é um problema quando estou dentro de você.
Ela desvia o olhar dos meus olhos para a minha boca, e passa
a ponta da língua entre os lábios dela.
— Nada é um problema quando você está dentro de mim,
André.
— Não fala assim, Alana…
— Você é muito fraco em aguentar as minhas provocações —
ela ri e me manda um beijo. — Serão meses difíceis para você,
porque eu adoro te ver com essa cara de quem quer me devorar
todinha.
— Você é muito atrevida! E essa merda me deixa muito
excitado.
Ela desce o olhar até a minha bermuda e vê o volume que
está em evidência ali. E é óbvio que ela continua me provocando
depois que vê como estou.
Alana vem para perto de mim e apoia a mão na minha coxa,
bem perto da minha virilha.
— Eu sou uma mulher que gosta muito de putaria, de transar,
de beijar na boca… você é gostoso, transa bem e já sabe que estou
grávida. Na minha cabeça essa é a combinação perfeita.
— Combinação perfeita para o caos. — Eu aperto a mão dela
que está apoiada em minha coxa. — Mas você não facilita nada para
mim… e isso é um problema.
— Por que seria? — Ela roça os lábios nos meus e depois
morde o inferior, puxando-o um pouco antes de soltá-lo.
Caralho.
Tudo que ela faz, até a mínima coisa, me incendeia.
Ela me desestabiliza, me enlouquece e me deixa à vontade de
um jeito único.
E é assustador que isso tudo venha de uma mulher 20 anos
mais nova que eu, que acabou de sair da adolescência há pouco
tempo.
— Eu não sei ser pouco intenso. — Olho em seus olhos. —
Não tenho paciência para joguinhos, não gosto de dividir e eu sou
intenso em tudo mesmo, Alana. — Ela arrasta a mão até o meu pau
enquanto eu falo e preciso respirar fundo. — E é por isso que eu não
me envolvo muitas vezes com uma mesma pessoa, não sei medir a
minha intensidade.
— Isso é sexy.
Ela vem para o meu colo e eu a ajudo.
— Você não está entendendo a problemática disso tudo, né?
Isso está fadado ao fracasso e só vai piorar todas as coisas quando
chegar a hora…
— Não é muita burocracia só para transar e dar uns
amassos? — É difícil me concentrar quando ela passa as unhas em
meus braços, arrepiando todo o meu corpo. — Só eu que vou sair
prejudicada disso, então apenas relaxa.
O bom de ser uma pessoa mais jovem é que a visão das
coisas são sempre mais tranquilas, sempre acreditam que vão dar
um jeito no final e que tudo dará certo.
Não tem como nada que envolva nós dois dar certo, e ela
sabe disso, mas está ignorando.
E talvez eu deva ignorar também e aproveitar.
— Você está avisada, Alana… não reclama depois.
Encaixo a minha mão na nuca dela e puxo o seu rosto na
direção do meu para beijá-la.
Alana tem um certo vício em sentar no meu colo, e eu não
posso dizer que não gosto porque é delicioso senti-la em cima de
mim.
Com ou sem roupa.
Prefiro sem, obviamente, mas só de senti-la de qualquer jeito
já é gostoso demais.
A boca dela está desesperada pela minha, e eu a beijo na
mesma intensidade, porém, deixo que dite o ritmo.
Eu sei que ela está muito triste hoje, também estou e
provavelmente quer se distrair um pouco.
Contudo, sinto uma lágrima quente escorrer dos seus olhos
até a nossa boca, e me afasto um pouco, ainda mantendo minha
testa colada a dela.

— Desculpa… — sussurra.

— Você não tem que se desculpar por estar triste. — Ela


concorda e funga o nariz.

Eu a puxo um pouco para deitar a cabeça em meu peito e


abaixo o meu banco, deixando-o mais deitado.

Deixo que ela se conforte em meus braços e me sinto bem em


poder acolhê-la nem que seja por alguns minutos.
Fico alisando as suas costas e passamos mais um bom tempo
assim, juntos e quietos, apenas ouvindo as nossas respirações.

Tenho muito medo do que momentos como esse podem fazer


com o meu coração, que é confuso e se apaixona fácil.
17

— Como assim, Alana? — Gabriela me pergunta sem


acreditar que é verdade o que acabei de contar.
— Eu fiquei com o André mais duas vezes… aliás, três! Ele
me levou e buscou na UFF ontem.
Minha especialização em bucomaxilofacial começou essa
semana e o André está insistindo em me levar e buscar todos os
dias, porque está com receio de me deixar pegar a ponte Rio-Niterói
sozinha e tarde.
Ele é meio paranoico com algumas coisas, mas eu confesso
que não ter que dirigir ao sair de lá, quase 23 horas da noite, não é
uma ideia tão ruim.
Gabriela levanta da cama, fica de pé na minha frente e coloca
a mão na cintura.
— Você endoidou?
Sim?
— Amiga…
— Não, Alana! Você está prestando atenção no contexto
todo? — Ela passa a mão no cabelo, nervosa. — Amiga, isso é
loucura. Primeiro que não faz sentido vocês estarem próximos por
conta de um filho que ele não quer e segundo que se envolver com
ele é a pior decisão que você poderia tomar!
Eu sei, ela está certa.
E é confuso para mim também.
— Eu acho que ele pode acabar criando algum vínculo com o
meu filho — confesso o que venho guardando só para mim, com
medo de externar essa ideia que na verdade é um desejo e no final
quebrar a cara. — O que de pior pode acontecer nesta tentativa?
— Você se magoar ainda mais. — Ela senta novamente e
segura as minhas mãos. — Você está em um momento totalmente
diferente na sua vida, amiga. Suas emoções, perspectivas,
planejamentos… tudo está mudando. E eu tenho medo de que
mantê-lo perto acabe te fazendo mal lá na frente.
Eu suspiro ao ouvi-la e deixo meu corpo tombar para trás, me
deitando na cama macia do Marcus, onde ela está morando
temporariamente.
— Eu vou me arrepender disso, né? — pergunto para ela.
Gabi também se joga ao meu lado e continua segurando uma
das minhas mãos.
— Sinceramente? Acho que vai, amiga… mas, eu estou aqui
para te apoiar em tudo. E se essa loucura de alguma maneira tem
lhe feito bem, se faz sentido para você, tudo bem. — Ela vira de lado,
apoiando a cabeça na outra mão. — Você não tem que passar pela
gestação sozinha e se ele está disposto a ser presente pelo menos
agora, então aproveita! A gente nunca sabe o caminho que a vida
pode seguir, talvez essa sua decisão possa ser um divisor de águas
para ele.
Eu quero que seja, quero muito.
Minha mãe sempre foi incrível comigo, sempre. Mas eu sentia
falta de ter meu pai ali, sentia falta de ter alguém como o Paulo, por
exemplo, e quando estava na casa de Gabi e ele brincava com a
gente, eu via como era diferente.
Não sei se meu pai seria de fato incrível, mas a ideia de que
ele poderia ter sido, faz com que eu imagine minha infância e
adolescência totalmente diferente.
São vários “e se” que eu nunca vou saber com certeza,
apenas imaginar.
E talvez, só talvez… o André possa ser esse pai para o nosso
filho.
Não quero forçar nada, nem muito menos obrigá-lo a estar em
uma posição que não quer, mesmo sendo responsabilidade dele
também, já que não fiz esse filho sozinha, mas da mesma forma que
eu a cada dia me sinto mais conectada com esse bebê crescendo
dentro de mim, talvez ele também possa.
São muitos “talvez” e isso tem me deixado esgotada.
Mas não é isso que uma mãe faz? Lutar pelo filho e por tudo
que ele merece?
Eu sinto que tenho que fazer isso!
Não me importo se tiver que parar de ficar com ele, não me
importo se ele vá viver a vida e conhecer outras mulheres. A questão
não sou eu e meu desejo de transar que só cresce, esse não é o
meu foco.
Meu foco é o meu filho e ponto final.
— Eu te amo! Por que você não larga o Marcus, a gente se
casa e criamos o bebê juntas? — falo para a minha amiga e arranco
uma risada dela.
É bom ouvi-la rindo.
Ela ainda está de luto e acho que terá um pouquinho disso em
sua vida todos os dias, mas saber que ela está tentando se manter
firme e seguindo sua rotina, como o tio Paulo desejava, me deixa
aliviada.
— É uma proposta tentadora.
— Morena? — Marcus bate na porta do próprio quarto e eu
levanto da cama num pulo, me sentindo uma abusada por estar na
cama dele. — Posso entrar?
Marcus abre a porta e atrás dele está o André.
O que ele está fazendo aqui?
Gabi olha para mim e morde as bochechas, segurando uma
risada.
— Ér… Oi, André — digo um pouco confusa, sem entender o
porquê ele está aqui.
— Não sabia que você estava aqui, foi só uma coincidência —
se explica, com as duas mãos nos bolsos da calça, olhando apenas
para mim, como se não tivesse mais ninguém no quarto. — Está
tudo bem?
Marcus olha para Gabi e eu vejo que os dois se comunicam
pelo olhar, e depois o corretor não consegue esconder a surpresa em
seu rosto.
Acho que ele acabou de descobrir quem é o pai do meu bebê.
— Sim, só vim ficar com a minha amiga.
— Que tal jantarmos? Tem comida para umas vinte pessoas
porque o Marcus está tentando me deixar feliz com comida. E está
dando certo, só para deixar claro — ela fala para ele, que sorri todo
apaixonado e sem nenhuma vergonha de que as pessoas ao redor
saibam.
Nós quatro vamos até a cozinha e começamos a trabalhar
juntos para esquentar tudo que ele trouxe do restaurante, arrumar a
mesa e depois nos sentamos para jantar. Marcus explica que
encontrou com o André no mercado e enquanto conversavam, ele
convidou o André para vir até aqui tomar um vinho e jantar, já que eu
também estava e podiamos fazer companhia um ao outro na hora de
ir embora.
Ele não tinha noção das coisas, até então.
Gabriela e eu nos olhamos o tempo todo, as duas com
vontade de rir.
É tudo muito desconfortável e engraçado, e os dois, que são
mais velhos e querem a todo custo manter a pose, ficam sérios.
Marcus levanta, some pelo corredor e depois volta com uma
taça de vinho.
— Certo, serei eu a quebrar o clima terrível que está aqui em
casa. — Marcus volta e começa a servir a bebida na taça dos três,
poupando a minha que já tem refrigerante. — Vocês dois estão
juntos? — Ele vai direto ao ponto.
— Sim — André diz.
— Não! — eu falo na mesma hora e depois o encaro. —
Como assim “Sim”? Nós só transamos.
Marcus quase enfia toda a cara dentro da taça e Gabriela ri
alto, tampando a boca com a mão logo em seguida e pedindo
desculpas.
André me encara como se fosse capaz de me arrastar para o
quarto e me dar umas boas palmadas… e eu com certeza não me
oporia a isso.
— Pensei que a nossa última conversa tivesse deixado isso
claro — diz entredentes e toma um gole do vinho, me encarando
pela taça.
— Não deixou!
— E a sua mãe está bem com isso? — Marcus está com o
modo fofoqueiro ativado. Bem que a Gabi havia falado que ele adora
uma fofoca. — Me desculpa se estou sendo intrometido, é que eu
realmente estou muito surpreso.
— Claro que ela não sabe, se não nenhum de nós dois estaria
aqui para contar a história.
— Mas iremos contar, em breve! — André diz.
— Então vocês não estão juntos, mas estão transando
escondidos e vão ter um filho? — Marcus está o próprio meme da
Nazaré Tedesco. — Que confusão! — Ele enche mais a taça dele.
André continua me encarando, mas eu já não fico mais
desconfortável. Na verdade, eu gosto dessa atenção, faz sentir que
nada mais o interessa além de mim.
— É algo mais ou menos por aí, Marcus — respondo.
Depois a gente muda de assunto, graças a Deus, e eles
continuam bebendo.
Gabi aproveita para contar como está sendo toda a
preparação para o primeiro anúncio oficial dela na corretora do
Marcus.
E não é qualquer casa que ela vai vender, é a antiga casa
dele que o marcou de uma forma que ele nunca esquecerá. E é por
conta do que aconteceu que a casa estava abandonada há algum
tempo.
Não sei em que momento aconteceu, mas André colocou a
mão em minha coxa e não a tirou mais dali.
Sua mão é grande, quente e me deixa nervosa.
Marcus e ele parecem ter se dado bem e conversam sobre
vários assuntos que ambos conhecem.
— Posso depois dar uma olhada no seu sistema, ver se
realmente é seguro — André comenta.
Fico pensando que tipo de coisas ele já deve ter feito sendo
hacker. Eu sei que isso vai muito além do que a gente normalmente
conhece, que são os hackers das redes sociais.
— Diga o dia que você puder e eu estarei à sua disposição.
Vejo como a minha amiga olha para o Marcus também e eu
fico feliz por ela, porque sei que encontrou a sua pessoa. E saber
que quando eu não estiver por perto, terá alguém para cuidar dela
tão bem como eu cuidaria, me conforta.
Antes do Marcus ir pegar a terceira garrafa de vinho, chamo o
André para irmos embora.
— Me avise quando chegar — Gabi diz ao se despedir de mim
e depois se abaixa, ficando cara a cara com a minha barriga. — A
dinda te ama, tá bom? Se comporta aí dentro e não faz a sua mamãe
passar mal. — Ela beija a minha barriga por cima da blusa e depois
me dá um beijo no rosto.
André fica assistindo a cena o tempo todo e depois nós
pegamos o elevador para sair do prédio.
Ele está um pouco alterado por causa do vinho, seu rosto está
com um leve tom rosado e seus olhos em um castanho ainda mais
escuro do que o normal.
Tão lindo essa desgraça de homem.
— Você fica linda sem maquiagem — fala do nada, antes de
sairmos do elevador. — E um tesão quando está de batom vermelho.
— Vou lembrar dessa dica sobre o batom vermelho. — Pisco
para ele e André sorri.
Ele segura na minha mão ao sairmos, e eu olho para baixo,
estranhando a naturalidade que ele faz isso.
Nós andamos até o seu carro e André estica a chave na
minha direção.
— Você terá que dirigir. — Abre a porta do carona e entra,
fechando logo em seguida. — Pode ser? — Abre o vidro e me
pergunta depois de ver que eu demorei para reagir.
— Óbvio que sim!
O carro dele é incrível, deve ser ótimo de dirigir.
Eu entro e já vou ajustando o banco e os retrovisores, depois
ligo o carro e pego um caminho mais longo, beirando a praia e
deixando os vidros abertos para sentir a maresia.
— Preciso vir à praia, a última vez que eu fui, foi no Carnaval.
— Eu venho todo final de semana — ele comenta. — Mas
costumo ir nas de Niterói, elas são ótimas. Podemos ir qualquer dia,
se quiser.
— O que você acha de irmos à praia no domingo e à noite
passarmos em uma festa junina que tem lá? Estou doida para comer
maçã do amor e milho!
Ele vira o rosto para me olhar.
— Podemos ir à praia e comprar essas coisas em uma
barraquinha qualquer.
— E qual a graça? Eu gosto de curtir a festa, entrar na
quadrilha, me vestir de acordo com o arraiá…
André resmunga, mas depois concorda.
Tento não pensar sobre isso, mas é impossível não ficar
assustada com essa versão dele que eu estou conhecendo.
E eu estou gostando demais desse André!
Sempre tive uma imagem dele como um cara chato, sério e
rabugento, porque ele reclama de tudo. Mas ele tem se mostrado
muito mais do que apenas isso.
André é muito educado, cuidadoso e carinhoso.
Não que ele já tenha me feito altos carinhos, mas só a forma
que ele me olha, já é possível notar isso.
Seria ótimo ter uma boa relação com o pai do meu filho, ainda
mais sendo uma pessoa que se importa demais com a família e os
amigos mais próximos. É tão difícil ver pais separados que se dão
bem, eu acho que nós dois conseguiríamos isso.
Será que é pedir muito ao Universo que faça com que as
coisas mudem na decisão dele?
Entro na vila onde ele mora depois de ter aberto o portão
automático e paro na frente da casa dele, sem saber se é para
colocar o carro na garagem ou não.
— Está entregue, Sr. Nolasco! — digo e tiro meu cinto, pronta
para sair, mas ele segura a minha mão, me impedindo.
— Estava doido para te beijar! — ele fala e em seguida gruda
a boca na minha.
Sua língua tem um gosto bom de vinho e seus lábios parecem
engolir os meus, cheios de fome.
O beijo com André é sempre ardente e afobado, mas de um
jeito bom, muito bom.
Uma das suas mãos se encaixam em meu pescoço e ele
segura firme o meu rosto pelo maxilar, me mantendo com a cabeça
na mesma posição.
O que ele seria capaz de fazer comigo quando transamos se
eu não estivesse grávida?
No Carnaval tivemos que ser silenciosos para ninguém nos
ouvir e agora eu sei que ele se limita um pouco porque estou
grávida.
Ele suga a minha língua com vontade e depois vira as nossas
cabeças para o lado oposto de onde elas estão.
André é bruto, gosta de tomar as rédeas no sexo até quando
nos beijamos, e eu acho isso fodidamente sexy.
— Queria te convidar para entrar — ele sussurra ainda com o
rosto perto do meu e me dá um selinho antes de voltar a se recostar
no banco. — Mas eu já bebi, então é melhor deixar para outro dia.
— E como você tem certeza que eu aceitaria o seu convite?
— pergunto na maior cara de pau, mesmo sendo óbvio para nós dois
que eu entraria sem nem pensar.
— Seu corpo fala muito por você, Lana. — Ele desce o olhar
até os meus seios e depois para as minhas pernas que estão
ridiculamente pressionadas uma na outra. — Tenho certeza que a
sua calcinha está molhada.
E ela está.
Antes mesmo de nos beijarmos, só com aquela maldita mão
que ficou na minha coxa a noite toda, eu já estava excitada.
— Se você diz…
— Você sabe que estou certo!
— Talvez eu saiba, mas você não saberá de fato se eu estou
ou não excitada por você! Mas tenho certeza que a sua imaginação
fará um trabalho incrível quando for tomar banho e bater uma
punheta gostosa pensando em mim… se quiser fazer uma
videochamada, eu posso pensar em atender e me tocar para você!
André esfrega o rosto várias e várias vezes, tentando se
controlar depois de me ouvir.
Me sinto a mulher mais gostosa do mundo em saber que
deixo alguém como André nesse estado.
Meu ego fica em dia!
— Não faça com que eu me vicie ainda mais em você, garota!
Dessa vez, eu consigo sair do carro, vou até o lado dele e
abro a porta só para propositalmente apoiar minha mão em sua
coxa, bem perto do seu pau e lhe dar um selinho.
— Não consigo entender isso como algo ruim. — Pisco e vejo
que o Uber que havia chamado rapidinho antes de tentar sair do
carro dele pela primeira vez chegou e está do lado de fora da vila
esperando. — Espero que tenha uma boa noite! — falo alto e corro
até o carro, antes que acabe desistindo de ir embora.
André desce do carro para ver como eu estou indo embora e
eu vejo que ele pega o celular para digitar algo.
André: Me avisa quando chegar!
André: Já estou indo para o banho… espero podermos fazer isso
juntos, mesmo que cada um esteja em sua casa.
E eu fico ansiosa para chegar e mostrar a ele como eu sei
usar muito bem os meus vibradores.
18

— E você vai me contar o que está acontecendo ou vai


continuar escondendo algo de mim? — Priscila pergunta com a
maior tranquilidade, enquanto ajudo a carregar as caixas com as
comidas do evento de hoje para o carro do buffet.
Eu quase tropeço em uma pedra que nem existe ao ouvi-la.
E eu já sabia que em algum momento ela perceberia que tem
alguma coisa acontecendo, ela é a minha melhor amiga.
— Não é nada demais — digo e coloco a outra caixa de
farinha na mala do Fiorino.
— Se não é nada demais, por que está escondendo logo de
mim? — Ela coloca uma pilha grande de ovos com cuidado na caixa
acolchoada, que ela deu um jeito de prender na lataria do carro por
dentro, para que não acabasse deslizando pela mala. — Envolve
mulher, né? Você sempre fica esquisito quando tem mulher no meio
e a coisa está seguindo para algo mais sério.
Sinto o suor ficar gelado e escorrer bem no meio das minhas
costas.
— Não tem nada ficando sério, mas envolve uma mulher.
— E eu conheço?
Merda.
O que eu respondo?
Quanto mais eu mentir, pior será depois para conseguir o
perdão dela.
— Pri, eu prometo que quando for a hora, vou te contar tudo.
— Paro na frente dela para falar. — A coisa é muito mais complicada
do que você pode imaginar.
— Olha que eu sou muito criativa.
— Acredite, você não imaginaria de jeito nenhum.
Ela seca o suor da testa com as costas da mão e depois me
encara.
— Você não está velho demais para ficar aprontando?
Estou, com certeza estou.
— Pelo visto, nunca é tarde para fazer uma bela burrada.
— Que inferno, vou ficar curiosa! — resmunga e nós vamos
pegar as últimas caixas que faltam. — Obrigada por me ajudar, tive
que mandar embora o ajudante, ele estava roubando alguns
condimentos.
Priscila é dona de um buffet há vários anos, mas antes ela
tinha uma sócia que só fazia merda, então era normal ela ficar vários
meses sem dinheiro suficiente para pagar as suas contas.
Emprestei dinheiro para ela algumas vezes, o que não era
nenhum problema para mim. Eu até preferia dar, mas minha amiga
quase me ameaçava quando vinha me pagar e eu recusava.
Porém, ela sempre soube se virar muito bem, nunca faltou
nada para a Alana e a casa sempre teve a geladeira bem abastecida.
E agora que ela é a única dona do buffet, está indo muito
bem.
Ainda tem muitas dívidas para pagar, mas acredito que em
breve começará a render bons lucros e a Pri poderá se dar alguns
luxos.
E a minha amiga merece, é uma guerreira.
— Como foi o segundo encontro com o cara do Tinder?
Ela abre um sorrisinho vitorioso e eu sei o que isso significa.
— Foi ótimo! — fala com ênfase. — Ele tem 50 anos, é dono
de um colégio em Botafogo e também é viúvo.
— Que interessante esse assunto em comum!
Ela ri.
— Fizemos um combinado de não falar dos nossos falecidos
até termos intimidade o suficiente para que isso não se torne algo
estranho ou deixe nossos encontros tristes.
Fecho as portas da mala, bato uma mão na outra para tirar um
pouco da sujeira que ficou nelas e me encosto no carro para ouvi-la.
— Então vocês terão outros encontros? — Ela concorda. —
Isso é bom, Pri. E o cara é bonitão, eu dei uma olhada no Instagram
dele. Tem dois filhos, né?
— Isso! Um tem 26 e o outro 30. Se as coisas derem certo e
esse envolvimento for para a frente, talvez a Lana até se dê bem
com os dois, criem uma amizade…
Mas qual a necessidade dela ter que fazer amizade com dois
marmanjos?
Não vejo o porquê disso.
— Com certeza é amizade que eles vão querer com a Alana
— respondo meio ríspido, mas a Priscila não parece perceber e só ri.
Eu não deveria ter falado assim e nem muito menos dar esse
tipo de mole.
— A Alana está ficando com alguém, eu acho — comenta
enquanto procura a chave do carro nos bolsos. — Ela tem dormido
fora de casa em dia de semana, e ela não costuma fazer isso. E eu
sei que a Gabi agora está com o Marcus, então cheguei a conclusão
que Alana deve estar nesse lance de contatinho fixo.
— Contatinho fixo? Por Deus, que coisa patética.
— Você deveria se atualizar dos termos, querido.
Reviro os olhos e abro a porta do motorista para que ela entre.
— Eu tenho 43 anos, Priscila. Não preciso me atualizar
desses termos de adolescente.
Ela liga o carro e fecha a porta dele.
— Um velho desatualizado!
— Temos a mesma idade.
Ela dá partida e sai rindo, me mandando um beijo pelo
retrovisor.
Fico olhando até que o carro dela some pela rua e depois olho
na direção da sua casa, vendo que Alana continua distraída,
andando de um lado para o outro, lendo alguma coisa do livro que
está em sua mão.
Deve estar estudando, melhor não atrapalhar.
— Que gato é esse perdido aqui na rua? — Escuto a voz do
Rennan antes mesmo de vê-lo dentro do próprio carro. Ele estaciona
na frente da casa da Luciana e vem me cumprimentar. — Admirando
a sua amada? — Olha na direção da janela da Alana.
— Ela não é a minha amada.
Rennan ri.
— Você sempre cai nas minhas pilhas, obrigado por isso,
garante as minhas mais sinceras risadas.
Nem sei por que perco o meu tempo com ele.
— Como estão as coisas no trabalho? — pergunto, com real
interesse de saber como estão indo as coisas na clínica veterinária.
Meu irmão é médico veterinário e juntos, em uma sociedade,
abrimos uma clínica.
A minha intenção foi apenas ajudá-lo financeiramente, que era
a parte que faltava, já que a prática seria toda feita por ele. E o
dinheiro que venho recebendo da clínica, eu deixo rendendo para
caso ele tenha algum problema futuramente.
— Está indo muito bem! Estou começando a me organizar
para ver se consigo transformá-la em uma clínica 24 horas — me
explica e tira o óculos de grau, limpando na barra da camisa. — Aqui
na Zona Sul é uma área onde as pessoas têm muitos animais
domésticos, e perto de onde abrimos a clínica não tem outra em um
raio de 6 quilômetros.
Quando comprei a casa que estava sendo vendida na Rua
das Laranjeiras, que é a área de maior movimento comercial do
bairro, eu já havia feito uma pesquisa.
— Fico feliz por isso, irmão. É lindo ver como você deixou de
ser um adolescente irritante e que só fazia merda, para se tornar um
adulto responsável… na maioria das vezes, ao menos.
Ele bate o ombro dele no meu e ri.
— Falou o meu irmão mais velho que engravidou uma menina
de 23 anos!
Irmão mais novo é uma coisa irritante mesmo, que caralho.
Rennan diz que tem que ir rapidinho lá na casa da Luciana
para pegar um documento e eu escuto um assobio vindo de muito
perto.
Alana está debruçada na janela, sorrindo para mim e me
chama para entrar.
Dou uma olhada ao redor e vejo que tem apenas uma vizinha
do lado de fora, mas ela está distraída fazendo as suas palavras
cruzadas.
Não é tão estranho que eu esteja na casa da minha amiga
sem ela.
Já fiz isso antes? Raras vezes, só quando a Priscila me pedia
para consertar algo ou formatar o computador pela milésima vez. E
em todas essas situações a Alana não estava, mas não é estranho.
Claro que não é, está tudo certo.
Entro rápido no quintal e dou a volta para entrar na casa pela
porta dos fundos.
Vou até o quarto dela e encontro uma bagunça descomunal,
parece que um furacão passou por aqui.
— O que está acontecendo?
— Quero me livrar da escrivaninha e pensei em mudar os
móveis de posição — me explica. — Mas fiquei cansada e para
otimizar o meu tempo comecei a estudar sobre as matérias que tive
nas aulas dessa semana.
Eu nem consigo prestar muita atenção nela porque está tudo
muito bagunçado mesmo.
Como ela está andando pelo quarto se nem espaço para isso
tem?
— Vou te ajudar!
— Não! Não te chamei para isso… na verdade, eu ia te pedir
uma ajuda, mas não com a bagunça. — Me olha como o Gato de
Botas do Shrek.
— O que você quer?
— Pode comprar cinco pirulitos para mim? Os meus
acabaram.
— Não é doce demais para um dia só?
— Mas eu chupo um por dia. — Um sorriso involuntário brota
no meu rosto ao ouvi-la. — Nossa, homem é infantil sempre, né?
É mais forte do que eu, não tive como não maldar a sua fala.
— Vou pegar lá no carro os que eu tenho. — Ela ergue uma
sobrancelha sem entender o que eu disse. — No dia do lanche, eu
comprei uma porção, mas acabei te dando apenas um e o resto está
guardado no porta-luvas.
Ela abre um sorriso largo, desses que chegam até os olhos e
iluminam tudo ao redor.
— Você está fazendo uma grávida feliz.
Alana se aproxima, pisando em algumas coisas no chão e fica
na ponta dos pés ao parar na minha frente e me dar um beijo rápido
e casto, como um cumprimento comum entre duas pessoas que
estão juntas.
Vou até o meu carro bem rápido, pego apenas um pirulito e
volto até ela.
— Só tinha um? — pergunta enquanto tira a embalagem.
— Não! Tem mais, mas eu acho melhor te dar um por dia.
— E nós por acaso vamos nos ver todo dia?
Touché.
Era exatamente essa a minha ideia.
— Aí vai depender da sua vontade de chupar um por dia —
imito a frase que ela falou mais cedo e agora é ela quem ri.
— Ok, essa frase ficou péssima mesmo.
Lana coloca o pirulito na boca e solta um suspiro baixinho de
satisfação.
Eu não deveria ter inveja de um doce, é bizarro.
Mas ela tem uma boca tão gostosa, impossível não ter inveja.
Respiro fundo para não perder o meu foco e volto a olhar para
a bagunça, vendo como vou conseguir ajudá-la.
Depois de ela ficar por mais alguns minutos arrumando as
coisas, a loira aceita a minha ajuda e começamos a separar todas as
roupas que ela tirou do guarda-roupa, achando que sozinha ia
conseguir mudá-lo de lugar.
— Você está doida se acha que deixarei você pegar peso ou
ficar arrastando esses móveis, Alana — repreendo-a assim que ela
se posiciona do outro lado do guarda-roupa, pronta para empurrá-lo.
— Apenas continue separando as suas roupas.
Ela cruza os braços e fica rodando o maldito pirulito na boca
ao me encarar.
— E por que eu te obedeceria?
Esfrego o meu rosto com uma mão e depois me escoro na
parede.
— Porque você está grávida!
— E?
— Não é possível que você está teimando em aceitar uma
ajuda e só assistir enquanto eu me fodo para colocar tudo onde a
madame quer.
Ela pensa um pouco e depois sorri.
— Não tinha pensado por esse lado. — Ela se senta na beira
da cama, colocando as pernas para cima e se estica para pegar o
celular. — Vou colocar umas músicas para te ajudar a ficar mais
animado enquanto usa os seus músculos para ajudar a sua
querida… querida o quê? Peguete? Ficante? B.A?
O que essa mulher está falando, meu Deus?
— O que diabos seria uma B.A?
Ela se distrai um pouco enquanto procura por alguma música
no Spotify e só depois que começa a tocar na caixinha de som que
Alana volta a me dar atenção.
— Boceta amiga! Tipo pau amigo… nunca ouviu falar?
Eu estou ficando velho mesmo, essa é a única explicação.
— Você não é a minha boceta amiga, Alana! Para de falar
bobagem — falo baixo.
— Tá, que seja! Mas eu vou te chamar de P.A agora, acho
que é o que melhor se encaixa.
Reviro meus olhos e a ignoro, porque eu tenho certeza que a
intenção dela é me deixar louco.
Tiro a minha camisa que já está ficando suada, deixo-a em
cima da cadeira e começo a empurrar o móvel, tentando não
demonstrar que ele é pesado pra caralho.
— Ah, e agora como eu fico nessa casa? Com um sorriso ou
choro no rosto? Cê vem aqui, me acostuma errado, cola meus
pedaços pra quebrar de novo. Eu preciso aprender a falar não um
pouco, pra esse erro gostoso! — Alana começa a cantar junto com a
música e eu preciso parar e encará-la.
Ela nem percebe e continua cantando muito empolgada, como
se estivesse sentindo a letra na própria alma.
— Você colocou sertanejo para tentar me animar? Sério? —
pergunto quando ela para de cantar e começa a tocar outra música
desse mesmo ritmo. — Você só pode estar de sacanagem.
— E você quer ouvir o que para animar? Tom Jobim?
Volto a empurrar o guarda-roupa até ter finalmente colocado
do outro lado, onde a Alana queria.
Ela levanta depois de ficar passando várias músicas e deixa
uma que não parece ser sertanejo.
— Luz que banha a noite, e faz o sol amanhecer, o sol
amanheceeeer. — Ela para no meio do caminho, segura o celular
como se fosse um microfone e canta a música de Sandy e Júnior.
Depois ri dela mesma e se aproxima de mim. — Essa música te
agrada?
— Não, e você sabe disso!
Ela ri e fica na ponta dos pés para beijar o meu rosto.
— Lamento! Aqui você vai ouvir as músicas que eu gosto.
— Não reclame quando eu fizer o mesmo na minha casa.
Alana se abaixa para pegar uma caixa que eu não tinha
reparado até agora e se apressa para guardá-la, mas com tanta
coisa no chão, acaba quase caindo e derruba a caixa.
Ela fica com o rosto muito vermelho antes mesmo de eu ver o
que é.
Consolos e vibradores.
Muitos deles, de formatos e modelos diferentes.
Eu queria fingir que não vi para não constrangê-la, mas tem
um pau de borracha em cima do meu pé.
Lana se abaixa para catar e colocar na caixa, porém, eu vejo
as suas costas mexendo e depois ela tomba a cabeça para trás,
sentando no chão e soltando uma gargalhada altíssima, sem nem
conseguir respirar direito.
E eu começo a rir também, rodeado de pau e vibradores.
— Isso tudo é seu? — Ela faz que sim, ainda rindo. —
Caramba…
— Algum problema? — pergunta, já na defensiva.
— Nenhum! Inclusive… — me abaixo para pegar um vibrador
que eu sei que é um sugador de clitóris e coloco no meu bolso — …
esse vai lá para casa! — Pisco para ela, que já morde o lábio inferior.
— E posso saber pra que você quer ele? — Ela fica de joelhos
e depois se levanta com a minha ajuda, pois estendi a mão para ela
e a puxei com um pouco de força, fazendo com que o seu corpo se
chocasse contra o meu.
— Para usar em você — falo baixo, desesperado para beijá-
la.
Beijar é bom demais, gostoso e íntimo, mas com ela o beijo se
tornou algo em um nível muito mais elevado para mim. Algo que eu
poderia fazer o tempo todo em que estivesse com ela.
— E quando isso irá…
— Filha? Você está aí? — Priscila chama, assim que entra na
sala e eu sinto o meu coração quase sair pela boca e meu corpo
trava. — Esqueci de levar as bandejas, acredita nisso?
— Entra no guarda-roupa — Alana sussurra, nervosa e
agitada.
— Sério?
— É isso ou ela te verá aqui no meio dos meus consolos,
André. — Ela começa a me empurrar para a parte maior do armário
e eu tento me encaixar ali, curvando um pouco as minhas costas e
depois ficando abafado quando ela fecha as portas com força. — Ah!
Oi, mãe!
— Meu bem, que bagunça é essa?
— Estou mudando o meu quarto, cansei de como estava
antes.
Escuto a Priscila andando pelo local e reclamando que quase
não tem onde pisar.
— Por que não faz isso amanhã? Eu te ajudo.
— Fiquei entediada, mãe.
Cruzo os braços e só agora percebo que estou sem camisa.
Merda.
Será que ela vai ver?
Puta que pariu!
— O que você não conseguir terminar agora, te ajudo
amanhã, então. — Escuto quando ela dá um beijo no rosto da filha e
depois se despede, falando que está atrasada para os preparativos
do evento da noite.
Fico mais uns três minutos aqui dentro até que Alana abra as
portas, com um semblante de quem não está nada feliz e eu a
entendo.
— Nós precisamos contar a ela — digo ao sair e já visto a
minha camisa que permaneceu no mesmo lugar.
— Eu sei — ela suspira e coloca as mãos na barriga. — É,
meu amor, sua avó vai saber da sua existência em breve.
Fico olhando para a barriga dela por tanto tempo que nem
escuto o que ela terminou de falar.
— O quê? — peço para que ela repita.
— Vou contar para ela essa semana!
É a coisa certa a se fazer, mas isso me apavora.
Me apavora demais, porque eu sei que no momento em que
ela souber, nada na nossa amizade será como antes.
Minha respiração fica profunda e pesada, doendo a cada vez
que eu a puxo de dentro dos meus pulmões.
— Me diga o dia e eu estarei aqui, vamos fazer isso juntos.
Os olhos dela ficam marejados e eu a puxo para abraçá-la,
imaginando como a cabecinha linda dela deve estar um caos por
conta disso tudo.
19

O clima não ajudou para que fôssemos à praia, mas isso me


garantiu mais um tempo para me arrumar.
Chamei a Gabi para ir, porém hoje não está sendo um bom
dia. Me ofereci para ficar, não me importaria de desmarcar com o
André para ficar com ela, mas a minha amiga quer ficar sozinha.
Marcus está fazendo algumas reformas na casa dela e ela vai
vender.
Fiquei com o coração apertadinho, porque a vida toda ela
sempre esteve pertinho de mim e aquela casa também faz parte da
minha história, contudo, eu a entendi.
Tudo naquele lugar remete aos pais dela, que já não estão
mais conosco. E por mais que ela também tenha vivido muitos dos
seus melhores dias lá, também viveu muita dor e sofrimento.
Ela agora precisa focar apenas nas lembranças boas deles.
— Queria ir com você — minha mãe diz, me olhando sentada
em minha cama enquanto eu me arrumo. — Mas preciso mesmo
resolver a contabilidade do buffet.
Eu a chamei quando peguei o vestido que havia comprado no
ano passado, mas que não consegui usar porque não fui em
absolutamente nenhuma festa junina. E é óbvio que eu falaria com o
André e o dispensaria dessa missão de ir comigo, pois sei que ele
não está nem um pouco a fim.
Na verdade, nem sei por que topou ir, já que agora tenho
outras duas companhias: Rennan e Bia.
Beatriz sempre foi uma ótima amiga, mesmo que tenhamos
ficado afastadas um tempo por conta do seu antigo relacionamento,
agora que ela sabe que será titia, está ainda mais próxima de mim.
E o Rennan é incrível, superpreocupado e atencioso.
Eles realmente querem fazer parte da vida do sobrinho e eu
não consigo ficar menos que imensamente feliz com isso.
— Mãe, você precisa de ajuda com o buffet! Você está
trabalhando muito e sozinha. — falo para ela, encarando-a pelo
reflexo do espelho enquanto termino de passar o meu batom. — Já
contratou outro auxiliar?
— Já, ele começa amanhã! Vou até levá-lo para buscar as
coisas nos fornecedores comigo.
Guardo as minhas maquiagens que deixei espalhadas pela
cama enquanto me arrumava, passo mais um pouco de perfume e
aperto bem o laço que coloquei na cabeça, para que fique bem firme
no cabelo.
— E o aluguel daquele imóvel que você iria fazer de cozinha e
dispensa para o buffet?
Ela suspira e passa a mão no ombro, tensa e sobrecarregada
com tanto trabalho que está tendo ultimamente.
Depois que a ex-sócia dela a sacaneou, minha mãe não
consegue mais confiar em ninguém para fazer coisas importantes e
eu entendo o seu receio, mas tudo está tomando proporções
grandes demais e tenho medo que ela acabe adoecendo por causa
disso.
— Eles aumentaram o aluguel em quinhentos reais só porque
viram que é um buffet que tem um perfil no Instagram com mais de
10 mil seguidores — solta uma risada sem humor e levanta. — Na
cabeça deles, eu devo fazer 10 mil eventos por mês.
Minha mãe se aproxima e pede para que eu me vire de costas
para ela.
Ela segura as fitas soltas na parte de trás do vestido e amarra
para mim.
Quando peguei esse vestido ontem, para ver se cabia, foi uma
grata surpresa ver que a parte dele que é justa vai só um pouco
abaixo dos seios, então coube muito bem e como é de babado,
disfarça muito a barriga.
— Mãe… por que a gente não faz no nosso quintal?
— Como assim, querida?
Me viro de frente para ela novamente.
— O nosso quintal é enorme, daria para construirmos lá nos
fundos uma cozinha bem equipada, com espaço para armazenar
tudo. Desde as comidas até os demais materiais que vocês precisam
usar.
Ela pensa um pouco e eu percebo que nunca nem havia
cogitado essa ideia.
— A ideia não é ruim. Posso dar uma pesquisada sobre isso,
ver com alguns pedreiros.
— Eu te ajudo com isso, que tal?
Ela sorri e alisa o meu braço com carinho.
— Você é uma filha incrível, sabia disso? — Minha mãe me
olha como se eu fosse a coisa mais importante da vida dela e a
vontade de chorar abafa o meu peito. — Não sei o que seria de mim
se eu não tivesse você.
— Mãe, não me faça chorar. — Olho para cima, evitando que
as lágrimas escorram e ela ri.
— Você está muito sensível ultimamente! TPM?
— Sim, provavelmente.
Ao mesmo tempo que estou morrendo de medo de contar
sobre a gravidez, vai ser um alívio não esconder mais nada dela e ter
que ficar pisando em ovos sempre que conversamos, com medo de
acabar falando algo sem querer.
Escuto a Bia me chamando no portão e nós duas vamos até
lá.
— Vocês estão lindíssimas! — minha mãe fala quando nós
duas ficamos lado a lado. — Saudades da época em que eu podia
tirar fotos de vocês sem ser brega.
Beatriz entrega o celular para a minha mãe, que fica toda
boba em poder registrar esse momento.
— Ah, mas eu quero aparecer na foto também — Rennan diz
atrás de nós e já se encaixa no meio da gente. Minha mãe tira mais
algumas fotos e depois entrega o celular para ela. — Nossa, eu
fiquei incrível em todas as fotos.
— Você se acha a última Coca-cola do deserto, né? — Beatriz
pergunta e revira os olhos. — Se toca, macho!
Eu rio dos dois.
A relação deles é incrível demais, e com o André junto, eles
ficam ainda mais fofos e implicantes.
— Divirtam-se por mim e juízo!
— Eu tomarei conta delas, pode deixar — Rennan diz para a
minha mãe.
— Me esqueço que você já passou dos 30, Rennan. Eu
trocava as suas fraldas e agora você está aí, cheio de barba na
cara… eu estou ficando velha, meu senhor. — Minha mãe entra e a
gente só ri da reação dela.
Nós duas entramos no carro dele e sentamos no banco de
trás.
— Marquei de ver um boyzinho lá na festa junina!
— Como assim? — pergunto. — Desde quando você conhece
alguém de Niterói?
— Desde que a tecnologia me ajuda a conhecer pessoas que
moram até na China — diz, irônica. — Pelo Tinder, Alana. Você não
usa?
— Não. Sempre fiquei de baixar, mas acabava ficando com
preguiça.
Ela pega o meu celular que coloquei em meu colo, coloca na
frente do meu rosto para desbloquear e já vai direito na Apple Store
para baixar o aplicativo.
Em menos de 3 minutos ela baixa, cria o meu perfil e
seleciona cinco fotos que ela achou bonita.
Nem consigo raciocinar direito e Bia começa a me ensinar,
mostrando onde dá match e onde eu ignoro quem não gostar.
— Nossa, que gato! — ela diz na hora que paramos na frente
da casa do André, que já nos espera no portão. — Alana, você
precisa dar match com ele. Ruivo, olhos claros, corpo atlético… o
que mais alguém poderia querer?
André estava abrindo a porta do carro, quando escuta o que a
irmã fala e já entra de cara fechada.
— Boa noite — diz apenas isso e puxa o cinto com força
demais.
— Olha, Dré! Não é um gato?
Ele vira um pouco a cabeça para ver e não olha mais de 2
segundos para a foto.
— Não.
— Invejoso!
Rennan me olha pelo retrovisor e nós dois seguramos uma
risada.
— Obrigada por tentar me ajudar a desencalhar, querida
amiga — brinco. — Por ora, vou deixar o aplicativo em segundo
plano.
Ela dá de ombros.
— Vocês estão se pegando com exclusividade? — pergunta
para mim e depois vai para o espaço que tem entre os dois bancos
da frente e encara o André de pertinho. — Está com essa cara feia
por causa disso, lindinho? — Ela ri na cara dele, literalmente. —
Você é velho, Alana é cheia de energia, pode precisar de mais
alguém para saciá-la.
— Você já foi para a casa do caralho hoje, Beatriz? — ele
pergunta, muito irritado. — Que chata! Senta direito e coloca o cinto
aí atrás também… as duas!
— Ui, que mandão! — ela resmunga, mas senta e faz o que
ele pediu. — Homem das cavernas é o seu tipo? Que coisa mais
ultrapassada.
Escuto André respirando fundo e dessa vez o Rennan não
consegue se controlar e solta uma gargalhada.
— Desculpa, Dré! Mas é incrível quando ela está perturbando
alguém que não sou eu.
Ele apenas se dá o trabalho de mostrar o dedo do meio para o
irmão e eu sigo prendendo o riso.
O resto do caminho continua bem caótico, porque parece que
a Bia realmente tirou o dia para infernizar o irmão mais velho e não
tem como não achar maravilhoso, mas eu acho que ele vai explodir a
qualquer momento.
— Graças a Deus! — André diz assim que o irmão estaciona e
nem o espera desligar o carro para sair, querendo respirar ar puro.
— Nunca vi o Dré ficar tão pilhado! — Rennan diz. — Amei!
— Vocês dois gostam de perturbar o homem, tadinho — digo.
— Tadinho nada! — Bia rebate. — É a única vez que eu tenho
a chance de vê-lo se envolvendo com alguém, é o meu momento de
encher o saco dele.
Eu apenas rio e depois saio do carro, indo até ele, que espera
do outro lado, de braços cruzados.
— Mais calmo?
— Você vai usar esse aplicativo mesmo? — me pergunta, no
seu modo supersério e irritadiço. — Pensei que não queria ficar com
outras pessoas porque está grá…
Eu acabo não conseguindo segurar uma risada.
— Não se preocupe, não tenho interesse em conhecer
pessoas novas… por ora.
— Como assim “por ora”?
— Você acha que vou ficar solteira para sempre, André? Em
algum momento, vou encontrar um homem maneiro, de confiança,
que aceite o meu filho e o trate bem. Nós iremos namorar, casar e ter
uma linda história de amor.
O maxilar dele vai trincando mais e mais enquanto me ouve.
— Ótimo plano — diz.
— Eu também acho.
Homem é um bicho doido mesmo.
A gente sabe que esse rolo, que nem deveria estar
acontecendo, tem data marcada para acabar. Ele queria que eu
nunca mais ficasse com ninguém?
Doido!
Seguro na mão dele e o puxo para entrarmos na área onde
está tendo a festa junina e ele vem comigo, mesmo de cara feia.
Em algum momento, ele acaba entrelaçando os seus dedos
aos meus e nós quatro vamos olhando todas as barraquinhas de
comida, procurando algo para comer antes de irmos conhecer o
restante do evento, que pela quantidade de pessoas presentes, é
uma festa famosa aqui em Niterói.
— Eu quero um salsichão — comento ao ver uma mulher
passar por mim com um cheio de farofa que parece estar delicioso.
— Talvez dois.
— Salsicha faz muito mal, Lana — André fala ao meu lado. —
Não teria outra coisa menos perigosa para você e o bebê?
Ele está certo, mas eu adoro salsicha e salsichão.
— Que tal um milho com manteiguinha?
— Pode ser.
— Nós vamos ali pegar algo para beber — Rennan diz e sai
puxando a irmã, que só percebe no meio do caminho que ele quer
nos deixar a sós. Ou melhor, que quer deixar nós dois sozinhos no
meio desse mar de gente que está aqui.
Nós vamos até a barraquinha onde vende o milho e o André
compra um para mim.
Minha boca enche de água quando ele me entrega e já dou
uma mordida, mas tentando ter cuidado por causa do batom.
Eu amo milho também, é uma das minhas comidas favoritas.
Enlatado ou na espiga, tanto faz, ambos são perfeitos e eu
comeria todo dia se pudesse.
— A camisa ficou ótima em você! — comento quando
voltamos a andar. — Pensei que não ia usar.
Ontem eu passei na frente de uma loja e vi essa camisa
quadriculada que ele está usando, idêntica ao meu vestido que
também é quadriculado nas cores vermelha e preta.
— Não ia fazer essa desfeita com você.
Sorrio ao ouvi-lo.
— Que bom que não fez, porque você está gostoso demais.
Ele abre aquele sorriso malicioso que me deixa encharcada,
mas eu tento não pensar em como eu quero terminar a noite e o
puxo para perto da quadrilha que vai começar daqui a pouco.
Seguro o milho com as duas mãos para conseguir sugar o
caldinho que fica na espiga, mas acabo me desconcentrando ao
sentir a mão dele na minha lombar.
Mesmo em cima da roupa, esse contato manda arrepios para
partes específicas do meu corpo.
— Você está muito linda, inclusive — ele fala perto do meu
ouvido, me arrepiando ainda mais. — Esse vestido curto está me
deixando louco e eu quero que você fique com essa bota mais
tarde… apenas ela.
E automaticamente pressiono uma perna na outra.
— Você que irá me despir, esse trabalho será seu — falo ao
me virar e encará-lo, vendo suas pupilas dilatarem ao me ouvir. —
Minha calcinha é tão pequena, talvez você nem a note lá.
Sinto a respiração dele bater em meu rosto e me sinto
vitoriosa.
Jogo a espiga no lixo depois de ter tirado cado milhozinho
dela e volto para a frente dele, que segura a minha cintura com as
duas mãos e cola as minhas costas nele.
Ele está excitado.
Muito excitado.
— Vamos dançar? — Beatriz chega na nossa frente, toda
animada.
— Hummm, eu topo.
— Alana… — André sussurra e movimenta o quadril
ligeiramente na minha bunda, deixando claro que não tem como sair
daqui agora. — Tem certeza?
— Ih… você tá insuportável — Beatriz reclama. — Se quiser
ficar agarrado no cangote dela, que venha junto — diz e me puxa.
Olho para trás a tempo de ver o Rennan rir e vir na nossa
direção junto do André de cara feia e as duas mãos cruzadas na
frente da calça, tentando disfarçar que o queridíssimo que fica entre
as suas pernas está acordado.
E com certeza chamaria muita atenção… André é bem-dotado
demais.
Demais mesmo!
Como a quadrilha já havia começado, as demais pessoas que
vão entrando tentam pegar o ritmo da dança.
Cruzo o meu braço no do André, que pela cara nunca nem
deve ter chegado perto de uma quadrilha e tento guiá-lo, de acordo
com a coreografia que vejo as pessoas fazendo na minha frente.
Em algum instante, ele começa a se divertir, mesmo que não
queira dar o braço a torcer, mas o pego rindo em vários momentos
quando alguém vai gritando algumas coisas.
— Olha a cobra! — o homem com o microfone fala e a gente
pula. — É mentira!
— AAAAAH — respondemos em um coro.
Olho para o André algumas vezes, vendo-o à vontade comigo
e me sentindo bem com a sua companhia.
E por mais que eu evite pensar nisso, tentando ser positiva,
minha cabeça sempre me lembra o quanto eu estou me arriscando e
como eu posso sair machucada disso.
Mas cheguei em uma fase com ele que me sinto tão bem com
a sua presença, que me parece errado não aproveitar esses
momentos.
Só preciso lembrar ao meu coração que isso é passageiro.
Preciso tentar conter os danos, mas, por ora, vou aproveitar o
homem ao meu lado.
Parece que ele percebe que fiquei pensativa demais e me
rouba um selinho antes de ter que ficar de joelhos, igual a todos os
outros homens, com o indicador apontado para o alto à minha
disposição, para que eu rode através dele.
Por favor, coração, não se apaixone por esses pequenos
gestos que só vão crescendo e me ganhando mais a cada dia.
20

Não aguentava mais ficar naquela festa junina.


E nem era pelo fato de estar chata, porque eu até me diverti,
mas eu estava sofrendo cada vez que parecia que a bunda da Alana
iria aparecer e as demais pessoas veriam.
Só eu posso ver essa bunda gostosa!
Meus irmãos queriam continuar, então enquanto eles
conversavam, eu vi que tinha um bom hotel aqui por perto e
perguntei a Alana se ela queria vir, com a desculpa ridícula de que
talvez ela estivesse cansada, ou com os pés doloridos de estar tanto
tempo dentro da bota.
E é claro que ela achou a ideia ótima.
O H Niterói Hotel tem 4 estrelas e é muito bem recomendado
e eu consegui pegar um quarto com vista para a praia.
Alana ficou toda animada quando entramos e eu vi que acertei
em cheio em trazê-la para cá.
Nesse momento, ela está tomando um banho e eu estou
deitado na cama, apenas de cueca, passando os canais só para
poder me distrair até ela voltar.
Depois de alguns minutos, ela sai do banheiro e já apaga a luz
do quarto, mas como as janelas estão abertas e a televisão ainda
está acesa, eu consigo ver com perfeição a mulher incrivelmente
gostosa, só de bota, calcinha e sutiã, vindo na minha direção.
Eu não sei mais o que esperar dela, porque sempre é uma
explosão de sensualidade que me deixa maluco e me dá muito
material para quando eu não estou com ela, mas ainda assim, a
minha cabeça só pensa nessa mulher.
As duas cabeças, aliás.
— O quanto de adrenalina você gosta?
Levando em conta que a primeira vez que transamos só tinha
uma parede que dividia o meu quarto e o quarto onde a mãe dela
estava, eu digo que muito.
— O que você está pensando, Alana?
— Vamos transar na varanda do hotel.
Meu Deus, nós seremos expulsos.
Mas ainda assim eu estou levantando e indo até as portas que
dão para a varanda e as abrindo.
Alana apaga qualquer luz que possa vir a nos iluminar e eu
fico grato por ter pego um quarto bem alto, assim acho que fica mais
difícil de alguém lá embaixo, na rua, reparar na gente aqui.
E caso reparem, só vão ver que tem um homem de cabelo
preto e uma loira gostosa fazendo algo, é longe demais para
enxergarem bem os nossos rostos.
Alana já chega me empurrando na cadeira e coloco o seu pé
no pequeno espaço que fica entre o estofado e o meu pau.
O bico da bota passa bem devagar pela minha cueca, e isso
faz com que eu me arrepie todinho, e o volume fica evidente na
minha única peça de roupa.
— Hummm, gosta disso?
— Porra, eu gosto de tudo que você faz!
— E o que você acha de me foder contra o vidro da sacada?
— Ela olha para a sacada e depois para mim. — Me foder bem forte
enquanto me enforca…
Meu pau fica ainda mais duro e eu o aliso por cima da cueca,
querendo aliviar um pouco da tensão nele.
— Eu faço o que você quiser!
Ela sorri, satisfeita com a minha resposta, e vira de costas
para mim, ficando bem pertinho para rebolar lentamente, alisando a
própria bunda e ficando de quatro ao encostar no chão e virar a
cabeça para trás apenas para piscar para mim.
Sinto o suor escorrer pelas minhas costas, mas eu deixo que
ela fique à vontade.
Alana volta a ficar de frente para mim, segura nas alças da
sua calcinha e vai descendo o tecido pelas suas pernas, bem
devagar e no final joga para mim, que pego na mesma hora.
Ela não verá mais essa calcinha.
Em seguida, tira o sutiã e seus seios pesados e redondos
ficam totalmente descobertos, denunciando que ela está excitada
pela sua rigidez.
Eu me levanto, tiro a minha cueca e ela morde o lábio ao ver o
meu pau todo babado, louco para estar dentro dela.
Me aproximo dela, fazendo com que ela vá andando para trás,
até que suas costas se chocam de leve com o vidro de segurança da
sacada.
Ela me olha ansiosa, esperando pelo que eu vou fazer.
E eu a viro, fazendo com que olhe para a rua e empine a
bunda para mim.
— É adrenalina que você quer, amor? — pergunto e ela
murmura que sim. — Espero então que isso seja o suficiente!
Minha mão se encaixa com perfeição no pescoço dela e meu
pau escorre fácil para dentro da sua boceta molhada e macia.
Alana geme alto e eu tenho a sensação de que a qualquer
momento alguém vai acabar nos vendo aqui, mas isso deixa tudo
ainda mais interessante.
Movimento meu quadril para a frente e para trás, em um ritmo
um pouco mais lento, só que colocando mais impulso nas estocadas.
A bunda dela se choca contra mim, e eu tenho uma visão tão
privilegiada do seu cu, que eu tenho certeza que é delicioso.
Preciso olhar para outro lugar, porque é muita tortura.
E ela aperta o meu pau, deixando claro o quão boa é no
pompoarismo.
Alana começa a jogar o próprio quadril para trás, e eu paro os
movimentos, deixando que ela engula o meu pau com a sua boceta
gostosinha.
Ela apoia as mãos nas pernas e começa a rebolar como se
estivesse dançando, e a potência que essa mulher tem enquanto
rebola é uma coisa de outro mundo.
Eu só queria poder gravar isso e assistir todos os dias ao
acordar, para ter um bom dia já lembrando como isso aqui é uma
delícia.
— Porra, isso… — digo e ela se empolga, rebolando ainda
mais.
Viro-a de frente para mim, querendo olhar na sua cara
enquanto a estoco e ver seus seios deliciosos.
A doida coloca a cabeça na parte de fora da sacada e volta a
colocar a minha mão em seu pescoço.
Isso com certeza é uma cena que eu não vou esquecer.
Alana começa a esfregar o clitóris, gemendo o meu nome e
falando o quanto ela está perto de gozar.
Meu pau não aguenta mais o tanto que ela o aperta, mas eu
me mantenho firme.
Abaixo a minha cabeça para chupar um dos seus seios e
massageio o outro, fazendo com que ela chegue ainda mais perto do
ápice do tesão.
— Isso… não para…
Eu continuo firme e só paro quando ela segura em meus
braços para não cair por conta das suas pernas que ficam fracas
depois que ela goza e dessa vez eu não consigo sair rápido o
suficiente e gozo tudo dentro dela.
Alana tenta se recompor e depois começa a rir.
— O que foi? — pergunto ao me encostar na parede, tentando
acalmar a minha respiração.
— Você realmente vai topar todas as loucuras que eu propor?
— Por que não toparia?
Ela ri de novo.
— Eu gosto disso em você, André! Espero que eu não faça
com que a gente vá preso um dia.
Nós dois entramos e eu a puxo para a cama junto comigo.
— Se eles nos colocarem na mesma cela, não será tão ruim
assim.
21

A segunda-feira chegou e com ela o desespero, a vontade de


fugir, o medo do que acontecerá e a certeza que será um caos puro.
— Hoje vai ser difícil, meu amor — falo com a minha barriga.
— Mas depois a vovó vai ficar cheia de amor por você, eu tenho
certeza. Qualquer coisa que seja falada hoje, não leve para o seu
coraçãozinho.
E tomara que eu consiga fazer o mesmo.
Minha mãe não é uma mulher que costuma perder a cabeça e
nem muito menos gosta de brigar, mas é uma situação muito
incomum, então ela provavelmente terá uma reação à altura.
André queria me trazer e me buscar no trabalho, mas eu não
posso ficar tão mal-acostumada assim e vim dirigindo.
O que foi ótimo, porque agora voltando para casa, eu consigo
refletir um pouco e pensar como vou começar a dar a notícia para a
minha mãe.
— Oi, mãe! Estou grávida e o pai é o André! Parabéns, vovó
do ano — falo alto e sinto vontade de bater a cabeça no volante até
os meus miolos saírem. — Uma merda!
Falo alto várias outras frases das quais pensei, mas nenhuma
é boa o suficiente.
E isso é óbvio, porque nenhuma frase, texto, ou reza forte
seriam bons o suficiente para que minha mãe ficasse tranquila ao
descobrir que eu dei para o André e agora estou grávida dele.
E o pior: estou ficando com ele pelas costas dela.
Já nem sei mais contar quantas traições foram no total.
— Vai dar tudo certo — repito na intenção de acreditar nisso,
mas não dá. — Vai dar certo, porra nenhuma, isso sim.
Paro o carro na frente da garagem da minha casa, respiro
fundo o máximo de vezes possível até ver o carro do André
estacionar logo depois do meu.
Combinamos de fazer isso juntos, o que eu ainda não sei se
foi a melhor opção ou não.
André sai do carro, muito bem arrumado, todo social e de
óculos escuros.
Ô, maldição!
Praga de homem gostoso da porra!
Não costumo vê-lo com roupas tão sociais assim, mas ele
com certeza deveria usar mais vezes.
Muito mais vezes.
Foco, Alana Ruas, foco!
Ele vem até o meu carro e abre a porta para que eu saia, com
o seu sorriso galanteador igual aqueles atores que estão em uma
cena que precisam seduzir a mocinha a qualquer custo.
— Como você está? — me pergunta depois que saio.
— Nervosa, desesperada, à beira da morte?! Estou muitas
coisas, André!
Ele coloca as mãos nos bolsos da calça de alfaiataria e
suspira, provavelmente se sentindo da mesma forma que eu.
— Vamos resolver isso logo — ele diz e nós vamos até a
calçada, onde eu paro para pegar a chave e abrir o portão.
Mas eu não a encontro na minha bolsa.
Apoio-a em minha coxa e procuro no fundo dela. Às vezes, ou
quase sempre, ela cai bem no cantinho dessa bolsa enorme e eu
perco um bom tempo dentro do carro procurando.
— Achei! — Tiro o meu chaveiro, fazendo barulho com ele.
Destranco o portão, começando a sentir o meu corpo ficar
gelado, mas nós dois viramos para trás ao ouvir uma voz feminina
chamando o nome do homem ao meu lado com um sotaque
carregado.
— André! — Uma morena sai do táxi e vem na nossa direção
com uma outra mulher a tiracolo. — Finalmente consegui te
encontrar, meu bem. — É a ex dele.
Ela tem que aparecer logo agora? Sério?
— Victoria, o que você está fazendo aqui? — ele pergunta em
um tom tão sério que eu até estranho.
— Vim buscar o que é meu. — Ela chega perto dele e apoia
as duas mãos em seu peito.
Que humilhação, amiga!
Ele segura as mãos dela e tira do seu corpo, se afastando
dela e chegando mais perto de mim e do portão.
— Não sei o que é essa coisa que você veio buscar, mas eu
gostaria que não me procurasse novamente.
Preciso agradecer a minha mãe por ter insistido que eu
fizesse o curso de inglês. Seria péssimo não estar entendendo o que
eles estão falando.
— Não se faça de bobo, André. Eu vim por você, por nós.
Ele respira com toda força que eu consigo ouvir.
— Victoria, hoje não é um bom dia para isso.
— Nunca é, você nunca me dá atenção, nunca me ouve. Eu
fico mandando mensagem, tentando te ligar… sou a única disposta a
fazer isso acontecer.
Ele vira para ela e anda até perto de onde as duas estão.
— Me explica de onde você tirou a ideia que eu quero voltar
com você? Isso não faz sentido nenhum. O nosso casamento estava
péssimo, você estava me traindo, eu fingia que não via porque não
me importava mais o que você fazia pelas minhas costas, não existia
mais amor e eu só queria que me transferissem de volta para o
Brasil, Victoria. Não fale como se o nosso casamento tenha chegado
ao fim por causa de qualquer bobeira — diz da forma mais fria
possível. — Por que isso agora? O que você realmente quer?
A amiga dela fica me encarando o tempo todo e isso me
incomoda, mas eu a encaro de volta.
— Eu não quero mais ter filhos! Depois que eu perdi o nosso
bebê…
O quê?
Bebê?
— Para de falar desse filho como se ele fosse meu! — André
se altera um pouco, falando mais alto. — Nós dois sabemos que
você engravidou do seu primo e tentou fingir que era meu. Tentou me
transformar em algo que eu não queria ser contra a minha vontade.
Meu Deus!
Isso é real?
Que enredo de novela mexicana!
Quem são Rubi e Maria do Bairro comparadas a essa história
doida?
— Mas poderia ter sido seu se você não tivesse parado de me
tocar! — ela também fala mais alto.
Eu odeio brigas, odeio com todas as forças.
É melhor eu sair daqui e deixá-los discutirem sozinhos. Ou
melhor, discutir enquanto estão sendo assistidos pelos vizinhos nas
janelas e portões.
— André, vou te esperar lá dentro — aviso.
— Não, me espera, eu vou entrar com você. A Victoria já está
de saída.
Acho que só agora ela nota a minha presença e o seu olhar
cai sobre mim cheio de julgamentos. Me olha de cima a baixo,
procurando cada imperfeição em mim.
— Você… foi você quem falou comigo no telefone — afirma,
mas eu não respondo nada, porque não estou com nem um pingo de
paciência. — Aquilo foi uma piada, pelo visto. Você não faz o tipo do
André, além de ainda ser uma criança.
Quem ela pensa que é para falar assim comigo?
— Pelo menos não estou tão desesperada a ponto de viajar o
mundo atrás de um homem que claramente não me quer nem
pintada de ouro, totalmente nua na frente dele.
Ela pisca várias vezes, sem acreditar que a respondi.
— Bem que dizem que o Brasil está cheio de vadias!
— Lava a sua boca vinte vezes antes de falar da minha filha,
Victoria. — Minha mãe aparece atrás de mim e eu quase morro do
coração com o susto que levo. — Coloque-se em seu lugar, uma
mulher de quase 40 anos!
O inglês da minha mãe não é tão limpo como o meu ou
impecável como o do André e dessa doida, mas tenho certeza que
ela entendeu cada palavra.
— Priscila, que infeliz coincidência te ver novamente.
— Coincidência? Você está na frente da minha casa! E eu vim
para tirar todos vocês daqui. Se querem brigar, vão para longe e
deixem a mim e a minha filha em paz.
— Ela é sua filha? — Victoria me olha novamente, surpresa.
— André! Você enlouqueceu mesmo, né?
Minha mãe olha confusa.
— Do que ela está falando?
— Não sei, mãe. Mas é melhor entrarmos. — Tento puxar a
minha mãe, mas Victoria continua falando.
— Não está sabendo, Priscila? O André e a sua filha estão
tendo um caso.
Merda!
Merda demais!
Merda pra caralho.
— André, tira essa mulher daqui antes que eu a tire no tapa!
— minha mãe avisa a ele, mas um rápido desvio do olhar dele para
mim é o suficiente para a minha mãe pegar no ar que tem algo
errado.
Ela se vira para mim, com um olhar questionador, querendo
que eu fale alguma coisa.
— Vamos entrar, por favor — digo apenas isso.
Minha mãe parece ficar em choque, mas vejo a confusão rolar
entre os seus orbes.
Ela provavelmente está achando que é outra coisa, mas sabe
que tem algo muito errado.
— Você tem dois minutos para tirar essa insuportável daqui e
entrar para me explicar que merda está acontecendo.
— O que vocês estão falando? Eu não entendo português. —
Victoria diz, mas ninguém está dando atenção a ela.
Minha mãe e eu entramos, e não consigo mais sentir as
minhas pernas.
Nós vamos direto para a sala e eu me sento de frente para
ela, que está nervosa.
— Filha, o que está acontecendo? — Ignoramos os murmúrios
lá de fora para tentarmos conversar.
Agora não é hora de chorar, Alana! É hora de ser adulta.
Respiro fundo e decido começar pela parte que eu sei que ela
ficará feliz.
— Mãe… eu estou grávida!
— Grávida? — Faço que sim com a cabeça.
Ela fica séria, olha para a minha barriga, depois para os meus
seios e então para os meus olhos.
O sorriso que ela dá, já faz com que eu tire uma tonelada das
minhas costas.
Minha mãe vem na minha direção e me abraça, fazendo com
que eu fique de pé e em seguida se abaixa, ficando de frente para a
minha barriga.
— Quantos meses, filha?
— Dezenove semanas.
Levanto a minha blusa e abro a calça, deixando que ela veja a
minha barriga.
Suas mãos tocam em mim com cuidado e ela sorri tão feliz, o
que me deixa péssima porque terei que continuar a contar o que
ainda falta.
— E você já sabe disso há muito tempo?
— Três semanas.
— Por que não me contou, meu amor? — Ela continua
alisando a barriga. — Oi, amor da vovó, como está aí dentro?
Seria tão mais fácil se ela já brigasse comigo, mas minha mãe
é incrível sempre, sem exceção.
— Mãe, é muito mais complicado do que você pensa.
Ela se levanta ao me ouvir e vejo a preocupação rondar os
seus olhos.
— Como assim, filha?
— O pai do bebê…
— Eu sou o pai do bebê! — André fala atrás de mim.
22

Entro na sala da casa da Priscila e solto a bomba,


aproveitando um pico de coragem que eu não tenho noção de onde
veio.
Ela fica paralisada por algum tempo, acho que tentando
entender se ouviu direito o que eu falei.
Alana parece ter prendido a respiração, esperando por alguma
reação da mãe que não vem.
Começo a me preocupar, achando que ela vai passar mal ou
algo do tipo, mas ela se vira para mim, me olhando com uma mistura
do que parece choque e decepção.
— Eu estou esperando você falar que é uma brincadeira
ridícula e de muito mau gosto, André.
Esse tom de voz dela nunca tinha sido destinado a mim antes.
É a confirmação que as coisas ficarão feias.
E eu já sabia, só não queria acreditar que de fato seria assim.
— Não é.
— Alana? — Ela olha para a filha, querendo que a própria
confirme isso.
— Desculpa, mãe.
Fico arrasado em ver a Alana segurando o choro, tentando ser
forte em uma situação em que todos sairão magoados de um jeito ou
de outro.
— Vocês só podem estar de sacanagem comigo! — Ela anda
pelo pequeno espaço entre os dois sofás, com as duas mãos na
cabeça. — Isso aconteceu… — ela faz uma pausa, tentando calcular
— … no Carnaval? — Eu confirmo. — Puta que pariu! Bem debaixo
do meu nariz, né?
— Mãe, por f…
— Alana, eu acho melhor você ir para o seu quarto! — ela diz
para a filha, mas me encarando. — A minha conversa agora é com o
André.
Alana olha para mim, querendo saber se fica ou vai para o
quarto como a mãe mandou, mas eu faço um movimento suave com
a cabeça para que ela entenda que é melhor nos deixar sozinhos.
A nossa conversa não será sobre a gravidez em si, será sobre
a nossa amizade.
Assim que ficamos sozinhos, minha amiga me olha como se
não me reconhecesse, como se eu fosse uma pessoa estranha.
— Priscila, eu sinto muito.
— Você sente muito pelo quê? — me pergunta. — Por ter
traído a minha confiança? Por ter engravidado a minha filha? — Ela
tenta manter a voz baixa, mas a cada palavra vai falando mais alto.
— Ela é minha filha, André, porra! O que deu na sua cabeça? Qual é
a porra do seu problema? — Priscila não consegue conter as
lágrimas de raiva. — Meu Deus, André. Me explica como você vai
conseguir ser o pai que essa criança precisa?
Fico sem saber como responder isso tudo, porque a minha
cabeça só consegue pensar que qualquer coisa que eu fale não será
o que ela quer ouvir.
— Não me orgulho do que fiz.
— Ah, jura? — ri em deboche e alisa o rosto várias vezes. —
Isso não pode estar acontecendo!
Tento me manter calmo, mas sinto toda a carne do meu corpo
tremendo e não consigo sair do lugar que estou.
Priscila senta na beira do sofá, fica mexendo as duas pernas
sem parar e com o olhar preso no nada.
Respiro fundo algumas vezes, querendo que aquele pico de
coragem volte. Mas ando para perto dela mesmo sem ele e me sento
ao seu lado, porém, não tão perto porque não duvidaria da
capacidade dela de arrancar a minha cabeça com as próprias mãos.
— Eu nunca havia olhado para a sua filha com maldade,
Priscila — começo a falar deixando isso claro, porque é totalmente
verdade. — Sempre reconheci que ela estava se tornando uma
mulher bonita, mas nada além disso. O Carnaval foi algo…
inesperado. Não era para acontecer e eu deveria ter controlado a
situação, mas…
— Mas não foi isso que você fez — responde por mim.
— É, não foi isso que eu fiz.
Ela vira a cabeça para me olhar.
— Não consigo nem te olhar direito — diz ao desviar e volta a
encarar qualquer outra coisa que não seja eu. — E nem tenho forças
para deixar claro o quanto eu estou decepcionada com vocês! — ela
suspira e se levanta novamente. — E sabe qual é o pior de tudo?
Também estou preocupada em como a sua cabeça deve estar com
tudo isso acontecendo… você vai ter um filho, André!
Não sei se é o melhor momento para contar toda a situação
para ela, é muita coisa para digerir na mesma hora.
— Eu jurava que você havia feito vasectomia!
— Eu fiquei de fazer várias vezes, mas sempre alguma coisa
acontecia e eu não conseguia ir.
Ela cruza os braços e ri sem humor, novamente.
— Que ironia do destino, né? O que provavelmente era pra ter
sido algo que vocês nunca me contariam, se tornou o que você
menos deseja em toda a sua vida.
— Priscila, eu me arrependo muito por ter feito algo que
afetasse a nossa amizade desse jeito. Você é a minha melhor amiga,
a primeira pessoa que eu me abri e consegui confiar depois de tudo
que passei e sei o quanto é injusto retribuir dessa forma. — Eu me
levanto também, e ela me olha com os olhos marejados. — Eu sinto
muito.
Ela anda até a porta da sala e a abre novamente.
— Eu quero que você saia da minha casa, André — diz. —
Em algum momento nós iremos conversar de novo, até porque agora
você é o pai do meu neto, e esse é outro problema que eu ainda nem
quero pensar em como será. Mas, no momento, quero ficar com a
minha filha e tentar curtir a notícia de que sou avó.
Vou até onde ela está, me sentindo a pior pessoa do mundo
por toda essa situação, mas vou embora sem falar mais nada.
Conheço a Priscila e sei o quanto ela está se controlando para
não tornar isso uma briga feia, então o melhor que eu posso fazer é
ir embora e dar um tempo para ela.
Olho para o meu carro e fico na dúvida se vou embora ou vou
para a casa da Luciana.
— Meu amor, está tudo bem? — Luciana aparece no portão,
como se fosse um anjo sabendo que eu preciso de alguém nesse
momento. — Entra, vou fazer uma vitamina para você.
Eu entro e agradeço por não ter mais ninguém em casa para
poder conversar com ela a sós.
Enquanto ela prepara a vitamina, conto absolutamente tudo,
até mesmo que estou me envolvendo com a Alana.
Luciana se divide entre chorar, ficar assustada e me abraçar.
— Que loucura tudo isso, meu filho — ela diz e coloca o copo
grande com a bebida na minha frente. — Como você está se
sentindo com toda essa situação?
Perdido.
Confuso.
Magoado.
— Muitas coisas, mãe — digo antes de tomar um pouco do
líquido. — Mas entre todas essas coisas, o que eu mais sinto é medo
— desabafo, sendo o mais sincero possível. — As minhas duas
opções do que fazer me assustam na mesma intensidade.
Contei para ela também sobre como Alana e eu estamos
lidando com isso.
Claro que ela não acha legal, não tem como ninguém achar e
eu sei perfeitamente disso, mas ela não falou nada que contrariasse
a minha decisão.
— Você sempre foi tão corajoso, André. — Luciana coloca a
mão no meu rosto enquanto fala. — Eu conheço o seu coração e ele
é lindo, puro e cheio de amor. Olha como você ama os seus irmãos,
como sempre cuidou de mim, mesmo quando estava morando longe
e tudo que faz por nós.
— Mas o que eu fiz com o Ren…
— Aquilo não foi intencional! — me corta.
De todas as coisas que eu já fiz e que já me aconteceram, a
cena daquela noite é o que mais tento, a todo custo, bloquear da
minha memória.
Luciana se aproxima um pouco mais e aproveita que estou
sentado, ficando na mesma altura que ela, para puxar a minha
cabeça para o seu peito e me abraçar, me acolhendo da mesma
forma que fazia quando eu era mais novo.
Me acalmando e dizendo que tudo ficará bem, igual fez na
noite em que tudo aconteceu.
— Você é muito mais do que essas coisas que te
aconteceram, André — diz baixinho, fazendo carinho nas minhas
costas. — O seu amor pelo Rennan sempre foi incondicional, mesmo
quando ele ainda estava na minha barriga. E a sua decisão de se
manter distante dele enquanto criança, porque na sua cabecinha era
a coisa mais segura para ele, foi só mais uma demonstração desse
amor.
E foi tão difícil.
Era horrível ouvi-lo chorar e não poder ajudar, ou me trancar
no meu quarto quando ele queria brincar e ter que falar não para
tudo que ele pedia, até que ele se acostumou que a minha presença
e nada era a mesma coisa, que eu nunca estava disponível para ele.
Mas essa era a única maneira que eu tinha de garantir que ele
ficaria seguro, de que eu não o machucaria.
— Eu não sei o que fazer, mãe.
Ela se afasta um pouco para poder me olhar nos olhos e sorri
para mim, carinhosamente.
— Escute o seu coração, meu amor. A sua cabeça domina
muito as suas decisões. Só por uma vez, escute o seu coração… ele
é tão lindo e só você não percebe isso.
Nunca vou entender como ela foi capaz de me perdoar e
ainda continuar comigo, me ajudando com os meus problemas,
fazendo com que eu me tornasse uma boa pessoa e afastasse ao
máximo o passado da minha realidade.
23

A conversa com a minha mãe foi uma das coisas mais difíceis
que eu já fiz em toda a minha vida, até hoje.
Ela não brigou comigo, como eu pensei que aconteceria,
apenas deixou claro o quanto está magoada pelo que fizemos nas
costas dela e preocupada comigo e o bebê.
— Então você aceitou essa condição dele? — minha mãe
pergunta, querendo confirmar que ouviu direito.
Contei tudo para ela.
Ou quase, estou ainda pensando em como falar que estamos
meio que ficando.
— É, mãe. Mas eu realmente acredito que ele pode mudar de
ideia.
— Querida, eu não teria tanta certeza.
É, eu também não deveria.
Porém, não consigo ir contra essa voz dentro da minha
cabeça que repete incansavelmente que vai dar certo.
— Eu preciso pelo menos tentar — falo a mesma coisa que
falei para a Gabi, Beatriz e Rennan.
Todos acham que eu enlouqueci, que é uma ideia idiota e que
vou me magoar.
Mas estou decidida.
Minha mãe está sentada de frente para mim, na minha cama.
Ela pega as minhas mãos, segurando-as com firmeza.
— Eu irei te apoiar na sua decisão, meu amor. — Hã? Não
esperava por isso. — Sei como é sentir a necessidade de fazer tudo
que estiver ao nosso alcance pelo nosso filho. Você já tem 23 anos e
eu ainda calculo cada passo da minha vida, pensando em como isso
pode te afetar.
— Se eu conseguir ser a metade da mãe que você é para
mim, meu bebê já terá muita sorte.
Ela me olha com seus olhos cheios de lágrimas, enquanto eu
já nem controlo mais e deixo que as minhas escorram pelo meu
rosto.
— Tenho certeza que será… não sei como não percebi antes.
Você está com um brilho diferente, seus seios estão ficando enormes
e os absorventes estão prestes a fazer aniversário dentro do armário
do banheiro — solta uma risada abafada. — Vai se preparando,
porque as coisas podem acontecer bem debaixo do seu nariz e você
nem perceber.
Minha mãe me dá uma leve alfinetada, mas eu apenas rio.
— Eu te amo, mãe! Sinto muito por ter te decepcionado.
— Vai ficar tudo bem, amor. Eu só preciso conseguir digerir
que o meu melhor amigo é pai do meu neto — diz e balança a
cabeça, desacreditada. — Nunca, em toda a minha vida, eu pensei
que estaria falando uma frase como essa.
E eu menos ainda.
— Talvez isso vire uma piada futuramente? — arrisco e ela me
olha séria, mas depois ri.
— Isso ainda parece uma piada, para ser sincera. — Ela se
levanta e olha o meu quarto com os móveis em lugares diferentes. —
Por isso você fez essa mudança? Para caber um berço? — Faço que
sim. — Acho melhor trocarmos de quarto. O meu é suíte e é quase o
dobro do tamanho do seu.
Me levanto também e já começo a dizer que não.
— Não, mãe. Eu sei que você ama o seu quarto, do jeitinho
que ele é, e eu tenho que dar o meu jeito aqui.
— Oh, meu amor… você ainda não entendeu que isso é o de
menos? É só um quarto! E eu prefiro mil vezes você e o meu neto
com um maior conforto do que eu. E o outro banheiro é coladinho
nesse cômodo, não será problema nenhum.
— Mas, mãe…
— Não teima, Alana! Acredite, você ficará muito grata em ter
um quarto maior, onde poderá colocar a caminha dele quando ele for
crescendo… depois poderíamos até fazer uma parede de Drywall
para dividir em dois quartos.
Fico prestando atenção nela enquanto vai falando todas as
ideias que já teve para o neto que acabou de descobrir. E eu não
tenho como ser mais grata por tê-la como mãe.
Eu realmente sou muito sortuda.
Seremos um time incrível.
Aproveito que o clima voltou a ficar tranquilo e mostro todas
as fotos que salvei no Pinterest da decoração que quero fazer.
O quarto na verdade será dele, e eu colocarei a minha cama
em um cantinho e dormirei lá.
Quero que ele fique confortável, é só isso que importa.
E acabo de entender o que a minha mãe quis fazer ao me
oferecer o quarto dela.
Nós duas vamos até lá e começamos a idealizar várias coisas,
que eu sinceramente não sei de onde iremos tirar dinheiro para tudo
isso, mas imaginar é de graça e muito divertido.
— Talvez eu coloque o projeto da cozinha do buffet para a
frente — ela comenta.
— Claro que não! — digo. — Você não vai adiar
absolutamente nada por causa do bebê, mãe. Eu sei que quer e vai
me ajudar em muitas coisas, mas as responsabilidades são minhas,
não faça isso.
Ela fica me olhando e depois me puxa para um abraço.
— Estou tão orgulhosa da filha que eu criei, meu Deus! — Ela
beija o meu rosto com força. — Além da Gabriela, quem sabe da sua
gravidez?
— Só o Rennan e a Beatriz. Agora que você já sabe, não vou
esconder mais.
Minha mãe pede para eu esperar um pouco, sai do quarto e
minutos depois volta com o celular na mão.
— Precisamos registrar esse momento.
Ela fica toda empenhada em procurar uma foto bonita na
internet para eu poder imitar, arruma toda a cama e faz com que eu
fique na mesma pose e tiramos algumas fotos com a minha barriga
de fora.
Algumas ficaram ótimas e eu amei.
— É a primeira foto da minha barriga.
— Que bom que fiz parte disso — comenta toda chorosa. —
Quando é a sua próxima consulta? Eu gostaria de te acompanhar, se
não tiver problema.
— Eu vou amar, mãe… ele tem o coraçãozinho tão forte.
— Certeza que eu vou chorar.
Rio ao ouvi-la.
— Com certeza!
Voltamos até o meu quarto e eu mostro a ultra.
— Você acha que é menina ou menino?
— Menino — respondo.
Desde que descobri que estou grávida, em todas as situações
que me imagino com o bebê aqui fora, sempre o vejo como um
menininho lindo, com a cara do André.
— Se for, não estarei preparada para vê-lo cheio de
namoradinhas.
Eu rio alto ao ouvi-la.
— Mãe, mas a criança ainda nem nasceu.
— Elas crescem rápido, meu amor. Veja você! Sinto como se
tivesse te parido ontem, desesperada, achando que não ia dar conta,
com o seu pai falando que iríamos dar um jeito e que tudo daria certo
no final — ela faz uma pausa, sorrindo ao lembrar dele. — E ele
estava certo! Mas, com certeza, o seu pai teria matado o André. Não
seria tão tranquilo quanto eu, de jeito nenhum.
Queria tanto que ele estivesse aqui conosco, vivendo esse
momento juntos.
Acredito que além de um ótimo pai, ele seria um vovô babão,
da mesma forma que a minha mãe será.
Nós voltamos a planejar o quarto, eu aproveito para mandar
uma mensagem para o Guto, contando da gravidez em um convite
para ele ser padrinho. Ele manda um áudio comemorando e
chorando.
Depois de ter contado para ele, posto a foto no Instagram.
Na mesma hora, várias pessoas começam a comentar, me
desejando felicidades e que o bebê nasça com saúde.
E agora todos vão saber que estou grávida.
Deus proteja a língua das minhas vizinhas quando elas
descobrirem. Elas sempre falavam que eu iria aparecer buchuda
desde os meus 15 anos… demorou quase 10 anos, mas agora
aconteceu.
Elas terão mais um motivo para se juntar nas cadeiras de
plástico, em frente aos seus portões, para falar de mim.
Vou aproveitar para matá-las de curiosidade, porque sei que
irão perguntar quem é o pai e eu já deixei claro para a minha mãe
que não quero que as pessoas saibam por enquanto.
Se no final, minha mãe e as demais pessoas que sabem
quem é o pai estiverem certos e o André não mudar de ideia, não
quero que os outros saibam que é ele, para evitar qualquer tipo de
desconforto no futuro.
24

Ontem foi um dia muito turbulento.


Mas não posso dizer que foi menos pior do que eu pensei que
seria, só que ainda assim, mal consegui pregar os olhos. E, hoje, me
sinto um zumbi por completo. Mas agora, mais do que antes, preciso
trabalhar o máximo de tempo possível, tentar pegar algumas horas
extras nos dias que não tenho pós e disponibilizar minha agenda no
sábado também.
— Plano de saúde é tão caro — comento com Gabi, que veio
de surpresa no meu trabalho e me buscou para almoçarmos juntas
no restaurante de massas que eu amo. — Remédios são
absurdamente caros.
Minha amiga sorri enquanto me escuta.
Por que ela está sorrindo? Eu estou desesperada.
— Para a sua sorte, a dindinha desse bebê está mandando
muito bem no trabalho e vai te ajudar em tudo, inclusive no plano!
Lembra da Paola, aquela cliente e amiga do Marcus? — Faço que
sim. Aquela mulher é um evento, não tem como esquecê-la tão fácil.
— Vendi uma casa para ela, lindíssima e com mais zeros do que
consigo contar e a comissão foi tão incrível quanto a casa.
— Amiga, eu estou tão feliz por você! — Seguro as mãos dela
por cima da mesa. — Não estou preparada para que a minha melhor
amiga seja famosa, porém sigo ansiosa para aproveitar da sua
riqueza.
Ela ri e me sopra um beijo.
— Nunca te faltará nada enquanto eu puder ajudar — diz.
E eu sei que ela está disposta mesmo a ajudar com tudo.
— Quando for levar o seu afilhado para a Disney, me leva
também.
Gabi pega a bolsa dela e tira de dentro dele o seu Ipad. Ela
não costuma trabalhar em horário de almoço, mas imagino que seja
alguma emergência e pego o meu celular para esperar o nosso
almoço.
— Tenho uma coisa para te mostrar! — Coloco o celular na
mesa novamente e volto a dar minha atenção para ela. — O que
você acha desse estilo de quartinho de bebê?
Ela me entrega o Ipad e eu pego.
Na hora que eu vejo o projeto, sinto o meu coração disparar.
É a coisa mais linda e bizarramente parecida com o que
minha mãe e eu havíamos falado ontem.
— É perfeito, amiga. — Amplio a tela, olhando cada detalhe
que deixa tudo ainda mais lindo. — É de alguma casa que você vai
vender?
— É para o quarto do seu bebê, se você aceitar o presente —
ela fala e eu a encaro, sem acreditar que realmente está fazendo
isso. — Você pode mudar o que quiser, é só uma base. Pode colocar
mais cor se não quiser tão neutro assim, algum tema, outros
móveis… só pensei em trazer uma ideia já concretizada.
Fico sem conseguir responder porque isso é muito incrível.
Me levanto e quase sento no colo dela para abraçá-la e ela
me aperta.
— Eu te amo e seu afilhado vai te amar tanto! E nem falo isso
por causa do quarto, mas esse presente é tão significativo, sei que
você pensou em tudo com muito carinho e isso torna o presente
ainda mais especial.
Ela limpa uma lágrima que escorre pelo canto dos olhos e eu
me levanto depois de dar um beijo forte em sua bochecha, deixando
uma marquinha do meu batom ali.
— Falei com a sua mãe ontem, porque precisei das medidas
do seu quarto e ela me disse que vocês trocaram, achei tão fofo ela
ter feito isso. — Eu também, minha mãe é maravilhosa. — Aí, ela me
contou sobre algumas ideias que vocês tiveram e eu incorporei tudo
no projeto. Aliás, eu não, a arquiteta.
— Isso tudo é tão chique! Eu já estava pronta para ver vários
vídeos no YouTube para aprender a fazer as coisas sozinha,
aproveitar móveis antigos…
— Guarde sua energia para cuidar dessa criança.
Nossos pratos chegam e a gente continua conversando sobre
a decoração, meus planejamentos para começar as compras das
coisas, e a possibilidade de irmos nessas feiras de gestante.
— Encomendei essas calças para grávidas, sabe? Até que
tinha umas bonitas. De resto, só os meus vestidos que cabem em
mim. Nenhum short ou calça jeans entra mais.
— E dizem que do terceiro mês em diante começa a disparar
o crescimento da barriga, né?
— É, eu li que sim.
E também tenho sentido diferenças significativas. Ainda mais
agora que estou fazendo aquelas fotos semanais, bem bregas, com
a mesma lingerie e na frente do espelho, para conseguir ir vendo a
evolução ao comparar as antigas.
— E como estão as coisas entre você e o André? — pergunta
antes de enrolar um pouco do seu macarrão no garfo e comê-lo.
Bom, eu não tenho uma resposta certa para isso.
— Amiga, eu não sei. Nos falamos muito pouco depois de
ontem, mas vamos nos ver mais tarde, depois do trabalho — explico.
— Ele saiu lá de casa como um cachorro que acabou de ser
abandonado pelos donos, sei que a minha mãe é uma pessoa muito
importante para ele, então imagino que não deva estar nada bem.
Eu me preocupo com o André, isso é um fato.
Ele não é uma pessoa ruim, muito pelo contrário.
E a companhia dele tem me feito bem.
— Tenho certeza que as coisas entre vocês vão ficar bem! É
uma nova dinâmica agora, sua mãe foi pega de surpresa e tem que
digerir tudo o que aconteceu.
Eu sei, e foi exatamente o que minha mãe falou para mim.
O resto do almoço é maravilhoso, porque estar com a minha
amiga, independente do que seja, são sempre bons momentos.
Ela é a minha metade e eu não poderia ter escolhido alguém
melhor para ser a madrinha do meu bebê.
◆◆◆

Termino de me arrumar, um pouco nervosa para encontrar


com o André.
Não é como se fosse a primeira vez que vamos ficar a sós,
mas dessa vez, depois de tudo o que rolou, estou me sentindo tensa.
— Que linda! Vai sair? — minha mãe pergunta ao passar pelo
corredor e me ver arrumada.
— Vou, sim — digo e saio do quarto. Seguro na mão dela e a
puxo para a varanda comigo. — Mãe, tem mais uma coisa que eu
preciso te contar, mas que eu esperei para acabar não causando o
seu infarto.
Ela me olha receosa, esperando a bomba.
— O que foi agora, Alana do céu?
— André e eu estamos… ficando às vezes.
— Maldita pica de mel! — resmunga e eu preciso me conter
para não rir. — Olha, minha filha, eu já nem sei mais o que pensar
desse rolo todo e sinceramente não é fácil de assimilar que o imbecil
do meu amigo está com a minha filha. Isso parece um filme caótico
de adolescente e eu ainda estou muito chateada com ele.
Parece mesmo, não dá para negar.
— Eu só não quero fazer nada escondido de você novamente.
— Fico feliz que tenha me avisado antes que eu acabasse
descobrindo de outro jeito. Mas isso não me surpreende tanto.
— Não? Por quê?
Ela olha na rua quando vê o carro do André estacionando na
frente da casa da Luciana e depois volta a me olhar.
— O André é um homem intenso. — Ele me falou isso, mas
não o levei muito a sério. — As pessoas podem achar que ele não
costuma continuar se envolvendo com alguém que já ficou por
querer dar uma de machão, gostosão e tudo mais, mas a verdade é
que ele não sabe ser raso, entende? Ele se joga de cabeça, se
apaixona, se envolve… vocês estão criando um laço com essa
proximidade, é a cara dele que esteja interessado em você.
Ouvindo a minha mãe falar, sinto um impacto diferente.
Porém, não consigo imaginar o André se apaixonando por
mim.
E nem muito menos eu por ele!
— Acho que não é para tanto, mãe!
— Bem, vamos ver. — Ela beija o meu rosto e me abraça. —
Só tenha cuidado, filha! Não é só porque ele é meu amigo que não
ficarei de olho. Sou capaz de invadir a casa dele e quebrar todos os
CDs do Legião Urbana que tem lá, se ele te magoar.
Eu a beijo de volta e digo para não se preocupar.
Minha mãe é sempre muito calma, o que muitas vezes, em
situações absurdas como essa, me assusta um pouco.
Sei que ela está chateada com a parte que envolve André e
eu, mas a gravidez a deixou tão feliz, que isso é mais um motivo
para ela ficar ainda mais calma, porque tem outra coisa mais
importante para focar.
André não sai do carro, mas abre a porta por dentro para que
eu entre e vejo que ele olha na direção que minha mãe está, antes
de começar a dirigir.
— Como você está?
— Como você está? — perguntamos ao mesmo tempo e ele
sorri de lado. — Eu estou bem e você?
O homem suspira e coça a barba antes de responder.
— Estou angustiado com tudo isso.
Coloco a mão na coxa dele e faço carinho, tentando passar
algum conforto.
André coloca a sua mão em cima da minha e dirige usando
apenas a outra.
— Ela vai te desculpar, só precisa de tempo.
— É, eu sei. É que nunca ficamos brigados, não lembro nem
se ficamos pelo menos um dia sem nos falar desde que nos
tornamos amigos.
— Sinto muito!
Ele aperta um pouco a minha mão, depois a leva até próximo
ao seu rosto e beija as costas dela.
— Não tem que se desculpar por nada. — Ele entrelaça os
dedos nos meus e mantém a minha mão ali, perto do seu rosto. —
Qual opção você prefere: ir lá para casa ou um restaurante?
— Sua casa, quero ficar à vontade. Senti umas cólicas hoje,
estou meio enjoada.
Ele concorda.
— Que bom, porque seria péssimo ter que comer sozinho nos
outros dias a janta que fiz para nós dois.
Eu rio ao ouvi-lo.
— Você fez sem nem saber se eu escolheria ir para lá?
— Claro, eu gosto de estar sempre preparado.
A risada dele, quando espontânea desse jeito, é deliciosa e
me faz sorrir.
Ele beija minha mão novamente antes de estacionar o carro
dentro da garagem.
Não seja tão carinhoso, André! Isso é uma das coisas que
mais me atraem em um homem e eu não posso ficar ainda mais
atraída por você.
Nós dois entramos na sua casa e, ao chegar na cozinha, vejo
todo o cuidado que ele teve em preparar a comida, deixar a mesa
pronta e tem até um pirulito em cima dela.
Merda.
Eu não estou pronta e nem protegida o suficiente para a
intensidade que ele me alertou.
25

Fico olhando enquanto Alana entra na faculdade e só depois


que a vejo sumir lá dentro que dirijo até o estacionamento ao lado,
onde tenho ficado para esperá-la.
Normalmente as aulas duram 3 horas e meia, mais ou menos.
Aproveito esse tempo para trabalhar um pouco aqui dentro do
carro ou até mesmo assisto alguma coisa.
Acho que é melhor ficar aqui esperando-a do que voltar para
casa e ter que vir aqui novamente, ou deixá-la dirigir sozinha tarde
da noite e grávida.
Nunca se sabe quando pode passar mal e quando as coisas
acontecem à noite é sempre pior para serem resolvidas.
Ela dormiu na minha casa na noite passada e cada vez que
dormimos juntos. Eu gosto de tê-la ao meu lado quando acordo.
Estou me jogando em uma relação na qual a Alana não
parece estar muito interessada e ela tem motivos para isso, eu a
entendo. Mas, ainda assim, fico incomodado em saber que em algum
momento terá outro homem acordando com ela.
O que eu estou fazendo da minha vida?
Pego o meu celular para dar uma olhada nas redes sociais,
que não é algo que eu tinha o costume de fazer, mas ver a rotina da
Alana pelo perfil dela se tornou meu mais novo hobbie.
Agora que ela assumiu para todos ao seu redor que está
grávida, começou a postar fotos mostrando a barriga que a cada dia
está ficando maior. E tenho a sensação que cresceu muito rápido
nesses últimos dias.
Curto a foto que ela postou hoje e vejo o comentário da
Priscila.
“E eu que achava que não poderia ser mais feliz! Amo vocês!”
Ela ainda não voltou a falar comigo e eu já imaginava que
seria assim. Mas eu conheço a minha amiga muito bem, sei que a
qualquer momento ela virá ter uma conversa séria comigo, ainda
mais sabendo de tudo que já me aconteceu.
Não sei como ficará a nossa amizade, porém me arrisco a
dizer que ela não existirá mais.
Que avó seria capaz de manter amizade com o pai ausente do
neto?
E cada dia que eu me aproximo mais da Alana, mais eu fico
me sentindo mal por conta disso.
A criança não tem culpa do que me aconteceu. Não é justo…
mas como eu conseguiria ser um bom pai? E se o melhor para o
bebê seja de fato que eu não esteja presente?
Como eu daria amor a ele se eu nunca recebi isso?
Sei que a minha mãe me amava, entendi isso depois que
amadureci o suficiente para compreender a gravidade de tudo que
ela suportou para que o Renato ficasse o mais distante de mim
dentro daquela casa, mas foram tão poucas as vezes que eu senti o
seu amor fisicamente, que não sei se sou capaz de reproduzir algo
que não tive.
Aproveito que estou com o celular na mão e procuro pelo
contato da minha psicóloga.
Já tem muito tempo que não vou a uma consulta, achava que
estava bem e que não precisava mais ir de 15 em 15 dias, como
fazia desde novo. Mudei para uma vez ao mês e depois fui deixando
de marcar até que me acostumei a não ir mais.
Porém, diante de tudo que tem acontecido, acho que até
demorei para tomar essa decisão.
Mando uma mensagem para a secretária dela, que é quem
marca os seus horários, e agora é só esperar. Provavelmente,
amanhã cedo, ela irá mandar uma mensagem me dizendo os
horários disponíveis.
O primeiro que tiver, eu vou.
Me sinto sufocado desde que soube da gravidez da Alana e
eu não tenho ninguém com quem possa me abrir sem acabar
pesando os meus problemas nessa pessoa.
Também não quero colocá-los em uma situação entre ter que
ficar ao meu lado ou da Alana. Sei que eles me amam a ponto de
querer me entender, mas eu prefiro que toda essa atenção vá para
ela e o bebê.
Eles vão precisar.
Volto para o Instagram e o algoritmo dele parece querer me
sacanear.
Vários anúncios sobre itens para bebês aparecem para mim
enquanto eu vou assistindo os stories das pessoas que eu sigo.
Acabo clicando em um sem querer, que mostra várias
decorações de quartos infantis.
Eu deveria sair da página, mas acabo rolando quase o feed
inteiro, vendo como os decoradores dessa página são criativos.
Será que eu salvo alguns para mostrar para a Alana ou ela vai
enfiar o cabo do pirulito nos meus olhos?
Não sei, mas na dúvida, irei salvar.
Um movimento atrás do meu carro, que vejo pelo retrovisor,
me chama a atenção.
Olho para trás na esperança de ver um dos rapazes que
trabalham aqui no estacionamento, mas não tem ninguém, o que é
estranho, porque tenho certeza que vi alguém andando ali.
Uma sensação esquisita toma conta do meu corpo, como se
algo estivesse tentando me alertar de um possível perigo e eu já
coloco a mão embaixo do meu banco, onde eu deixo a minha arma
presa ao suporte que instalei ali.
Eu a retiro dali, coloco em minha cintura e saio do carro.
Deve ser só coisa da minha cabeça, que costumo ser
naturalmente paranoico, mas nunca custa te…
— André… quanto tempo! — Sinto o gelado do cano de uma
arma bem na minha nuca, mas não é por causa disso que todo o
meu corpo estremece.
A voz do Renato, que nunca saiu da minha cabeça, faz com
que cada centímetro da minha pele se arrepie da pior forma possível.
— Se for atirar, faça logo isso! — digo sem nem conseguir
acreditar que tive forças para respondê-lo.
A sua risada alta e debochada ainda continua a mesma.
O cano se afasta da minha pele e eu me viro em um só
movimento, vendo-o encostado em meu carro, rodando o tambor da
arma e me olhando como se fosse alguém superior, a quem devo
respeito.
Queria poder dizer que não vejo essa cara nojenta dele há
muitos anos, mas é comum vê-lo nos jornais, como se fosse o herói
da cidade.
— Que graça teria, garoto? Você não aprendeu nada em
todos aqueles anos que tentei te ensinar a ser um homem?
Meu corpo está tão gelado que começo a sentir frio quando o
vento bate em mim.
— Me ensinar a ser homem? — Não é possível que ele
realmente acredite nisso. — Você só me ensinou o que era dor,
Renato.
Ele tira um pano do bolso e limpa a arma que já está
impecavelmente limpa e refletindo quase como um espelho.
— Uma pena você ter fugido, ainda tinha tanto para te ensinar.
Um sentimento ruim começa a crescer dentro do meu peito
de uma forma que não sentia há anos.
Uma raiva na sua forma mais crua e bruta vai dominando
cada uma das minhas células.
— Você teria me matado, assim como fez com a minha mãe.
— Sua mãe foi uma fatalidade, garoto! Eu a amava, mas ela
pouco estava me servindo de tão fraca que estava — fala tão
friamente, como se estivesse se referindo a um saco de lixo. —
Outras mulheres estavam me dando o que ela não conseguia, e
bem, sua mãe acabou se tornando um peso. — Vou na direção dele
ao ouvi-lo, mas ele me para ao continuar falando: — Pense bem no
que vai fazer, trouxe quatro homens comigo que estão muito bem
posicionados para acabar com você, antes mesmo que chegue mais
perto de mim.
Ele aponta para quatro lugares diferentes e eu vou olhando,
vendo que ele não está blefando.
— O que quer comigo, Renato? Sei que você sabe onde eu
moro, que tem acesso a qualquer coisa da minha vida a hora que
quiser. Por que veio até aqui para fazer todo esse teatro de merda?
Renato abre um sorriso nojento, como se estivesse orgulhoso.
— Respondendo à altura, gosto assim! — Ele me olha da
cabeça aos pés. — Se tornou um homem forte, pelo que eu posso
ver. Mas continua burro! Só sendo muito burro para achar que eu
não saberia que você está envolvido com aquele merdinha do
Eduardo para tentar me derrubar. — Ele fecha a cara e seu olhar
raivoso, que eu tanto tinha medo, parece deixar todo o clima ao redor
pesado. — Você quer morrer, caralho? — grita. — Porque se é isso
que quer, será um prazer fazer a coisa que eu deveria ter feito há
mais de 30 anos.
Porra.
Esse filho da puta sabe!
Quem deve ter contado para ele? Quem mais sabia o
suficiente sobre o caso para que passasse para ele?
Será que foi o Eduardo?
Não, não pode ser.
Ele não seria capaz.
Minha mão coça para que eu pegue a arma e dê um tiro bem
no meio da testa dele. Acabaria tudo se eu fizesse isso, finalmente
teria minha vingança.
Morrer para isso não parece um preço tão caro.
— Não sei do que você está falando, Renato.
Ele ri novamente e chega mais perto de mim. Perto o
suficiente para eu sentir o cheiro do álcool saindo da sua boca e um
fedor horrível do que parece ser fumaça de charuto.
— Garoto, vou te falar uma coisa para que você entenda de
uma vez por todas: você só está vivo porque a sua mãe implorou
para que eu esquecesse você, que eu nunca mais o veria e que
deixá-lo vivo não alteraria nada em minha vida. Mas agora você está
sendo o mesmo garotinho irritante de antes, fuçando onde não deve.
O sangue em meu corpo parece ferver, e ao mesmo tempo
que sinto minha pele fria, por dentro meu sangue parece me
queimar.
— Eu quero te ver apodrecer dentro de uma cadeia, seu filho
da puta.
Vejo o rosto dele tremer levemente antes de sentir a arma
atingir o meu rosto com tudo, me fazendo cambalear para o lado ao
sentir a pancada.
A dor irradia do meu maxilar e toma conta de todo o meu
rosto, latejando com força e gerando uma dor de cabeça na mesma
hora.
Volto a encará-lo, sentindo o sangue começar a encher a
minha boca.
— Já que estamos tendo uma conversa franca e pacífica,
como velhos amigos, posso perguntar se o que a Alana e você têm é
sério? — Ele sorri de forma maliciosa e passa a língua nojenta pelo
lábio superior. — Também adoro carne fresca, mulheres mais novas
com a bocetinha gulosa! Fico animado só de pensar, e a mamãe do
seu filho tem cara de quem faz loucuras na cama.
Minha respiração fica acelerada e o medo que eu estava
tentando controlar, toma conta do meu corpo.
Como ele sabe disso tudo?
Ele começa a rir ao notar que isso mexeu comigo, mas eu não
consigo controlar o medo que só vai crescendo a cada segundo que
continuo olhando para a cara dele.
— Como você sa…
— Eu sei de tudo, porra! — grita com o rosto perto do meu. —
Você ainda não entendeu que nunca poderá lutar contra mim, seu
merdinha? E se eu fosse você, nem tentaria manter esse plano
idiota. — Ele segura o meu rosto com força e eu aperto as minhas
mãos, deixando que minhas unhas, mesmo que curtas, me
machuquem, tentando canalizar a minha raiva e meu medo. — Se
você tem algum amor pelo bebê que cresce na barriga daquela
vagabunda, esquece qualquer merda de plano! Você está me
entendendo, André?
Puxo o meu rosto da mão dele, sem querer sentir nenhum
contato seu.
— Nem que seja a última coisa que eu faça, Renato, mas eu
te mato se você encostar um dedo na Alana ou no meu filho!
— Não diga que eu não te dei uma chance, garoto — ele diz e
guarda a arma que ainda estava segurando.
Renato faz um sinal com a cabeça, chamando os outros filhos
da puta que vieram com ele e vira as costas, nem um pouco
preocupado com o que eu posso fazer porque sabe que não irei
reagir.
Mais de 30 anos se passaram e ele ainda consegue ser mais
forte do que eu, mesmo que de um jeito diferente de antes.
Eu o vejo sumir entre os carros e abro a porta do meu, para
entrar e tentar achar algum lugar que me ajude com o machucado,
porém, antes mesmo de conseguir abrir a porta, sinto mãos me
puxando para trás. Vejo três dos quatro homens, porque o outro me
mantém imóvel para darem início a covardia que irão fazer.
Sei exatamente o que vai acontecer, então tento gravar bem o
rosto deles antes de desmaiar depois de levar mais socos e
pontapés do que sou capaz de contar.
26

Abro os olhos muito devagar, sentindo um incômodo por conta


da claridade exagerada do lugar onde estou.
Aliás, onde estou?
A última coisa que me lembro foi de… apanhar dos caras que
estavam com o Renato.
E não é difícil lembrar disso, cada centímetro do meu corpo
dói.
Fazia tempo que eu não sentia uma dor tão aguda, está difícil
até para respirar.
— Olá, André! Que bom que acordou. — Viro apenas os meus
olhos na direção da voz, vendo uma médica segurando a sua
prancheta e sorrindo para mim. — Eu sou a doutora Pamela, estou
cuidando de você. Consegue falar?
— Sim — respondo com dificuldade porque minha garganta
está muito seca.
— Está com sede? — Faço que sim com a cabeça, em um
movimento muito sutil.
Uma outra mulher, que eu deduzo ser enfermeira, pega um
copo que estava ao meu lado e encaixa o canudo na minha boca.
Ela pede para que eu beba bem devagar e assim eu faço, sentindo o
alívio ao molhar a garganta.
— Você lembra o que aconteceu?
— Lembro.
— Ótimo! Os policiais estão aqui desde ontem para saber
sobre o ocorrido.
— Ontem?
— Sim! A sua esposa te trouxe ontem.
Esposa?
Ah, a Alana deve ter falado isso para facilitar as coisas na
hora de me trazer.
— Onde ela está?
— Ela está desde ontem na observação. — A médica se
aproxima, colocando a prancheta na cama onde eu estou e enfiando
suas mãos nos bolsos do jaleco. — Ela te colocou sozinha dentro do
carro, teve um pequeno sangramento, mas está tudo bem com ela e
o bebê.
Merda.
Tento levantar, querendo ir até ela, mas não consigo nada
além de uma pontada de dor muito forte nas minhas costelas.
— Não faça isso, André. Você teve três costelas fraturadas e
levou doze pontos no braço direito. — Tento abaixar o lençol que
cobre o meu corpo e vejo o machucado no braço e alguns
hematomas pelo peito, braços e barriga. — A Alana terá alta em
breve, acredito que virá até aqui te ver.
— E… e o bebê?
Ela sorri ao ouvir a pergunta.
— Ele é muito forte, está ótimo! O sangramento foi apenas
devido ao esforço exagerado que ela não deveria ter feito.
A Dra. Pamela me explica melhor a minha situação, fala dos
remédios que terei que tomar e as restrições por alguns dias.
— Tem um delegado chamado Eduardo que está aqui desde
às 6 horas da manhã, mas ele disse que também é seu amigo
pessoal. Quer que eu o chame?
— Sim, por favor.
Ela se retira, falando que voltará em uma hora e ele entra logo
em seguida.
Seus olhos vão direto para os meus machucados, contudo,
ele deve estar acostumado com cenas como essa, então não se
comove.
— Eu sinto muito, André.
— Você já sabe? — Ele faz que sim. — Como?
Ele vai até a porta, fecha com o trinco e volta para perto de
mim, sentando na poltrona que fica ao lado da minha cama.
— Eu te liguei ontem, um pouco depois do que aconteceu.
Descobri quem estava me vigiando e consegui confrontá-lo para me
contar quem o mandou fazer isso — explica. — Renato já estava de
olho em mim, depois de me observar naquele churrasco que te falei,
ele provavelmente teve certeza de que eu não gostava nem um
pouco dele e da maioria das pessoas que estavam lá, e eu só fiquei
uns 20 minutos. No dia seguinte desse evento, vi que as minhas
coisas foram reviradas no trabalho, mas como você havia falado para
tirar tudo de lá, não acharam nada além do seu número anotado em
um post-it.
— Então o Renato blefou — respondo-o. — Antes de quase
me deixar para morrer no estacionamento, ele me fez uma ameaça,
mas pensando agora, foi muito vaga. O infeliz disse que era para eu
desistir de fazer algo contra ele, porém, não falou especificamente o
quê.
Eduardo concorda.
— Ele deve estar desesperado, ainda mais porque sabe que
eu tenho um bom relacionamento com pessoas importantes também.
E de forma correta, sem ter que me envolver nas merdas que ele
está metido.
Deve ter algo a mais acontecendo para o Renato cismar com
a cara do Eduardo.
E, pelo que conheço do meu amigo, ele deve estar
investigando outras coisas e pessoas, contudo, como não é algo que
me interesse e que provavelmente não teria como eu ajudá-lo, não
faz sentido ele me contar.
Porém, o Renato está envolvido em tantos crimes, que é certo
que esteja na mira do Eduardo em diversos pontos diferentes.
— Eu… eu preciso me afastar disso por ora, Eduardo — digo
e ele concorda, já devia imaginar que eu falaria isso. — A Alana está
grávida e eu não posso colocá-la em risco.
— Alana? — ele pergunta, tentando lembrar quem é. — Filha
da Priscila? — Concordo. — Entendi. Como você é próximo da
Priscila, é possível que eles usem a sua amiga e a filha dela para te
afe…
— Não, você não entendeu. — Ele me olha confuso. — A
Alana está esperando um filho meu.
Parece que o cérebro dele demora alguns segundos até
entender, e suas sobrancelhas quase tocam o fim da sua testa em
surpresa.
— Isso é… inesperado. — Ele se levanta. — Mas não vou te
julgar, sou apaixonado pela irmã do meu melhor amigo desde que
me entendo por gente.
Eu sorrio.
— Não sou apaixonado pela Alana, mas posso garantir que é
bem complicada toda a história.
— Vou esperar que você melhore para ouvir essa história
enquanto tomamos uma cerveja e queimamos uma carne. —
Eduardo se despede e depois sai do quarto, me deixando sozinho.
Minha cabeça começa a trazer todas as imagens do que
aconteceu e mais uma vez ele fez comigo o que bem quis.
Nunca pensei que ficaria nessa situação novamente.
A minha vontade era de ir para cima dele, largar o foda-se
para aqueles babacas que estavam pelos cantos esperando o
momento em que seriam covardes comigo.
Mas, se eles não estivessem lá e eu fizesse o que queria, iria
me igualar a ele.
E eu não sou esse tipo de pessoa, mesmo que ele mereça.
Na adolescência, foi difícil me controlar e muitas vezes perdi a
razão, querendo resolver tudo na agressão. Luciana e a minha antiga
psicóloga tiveram muito trabalho comigo para agora eu jogar todo
esse sacrifício no lixo.
Mas ele merece!
Renato merece tudo de ruim, tudo.
A médica abre a porta, conferindo se estou sozinho, e
empurra a cadeira de rodas que a Lana está.
Ela parece bem, mas os seus olhos se enchem de lágrimas ao
me ver e ela esconde o rosto ao começar a chorar.
— Se precisarem de algo é só apertar o botão que uma
enfermeira vem na hora — Dra. Pamela avisa, apontando para o
botão próximo da minha mão e depois sai novamente.
Pego o controle para levantar um pouco a cama e ficar
sentado, e a Lana vem até mim após a enfermeira ajudá-la e se
sentar bem na beirinha para não encostar em mim e acabar me
machucando.
Os olhos dela estão bem inchados, denunciando que chorou
por muitas horas.
— Está tudo bem, foi só um susto. — Coloco a mão na coxa
dela e aliso, fazendo um carinho na pele descoberta, onde o vestido
não alcança. — Como vocês estão?
— Só um susto, André? — me pergunta, ainda apavorada. —
Eu pensei que você estava morto! Pensei que alguém tivesse
tentado te assaltar, mas você estava com todos os seus pertences e
seu carro parecia intacto — diz, com a voz pesada pelo choro que
está carregando. — Foi a cena mais horrível que vi em toda a minha
vida! — ela respira fundo, tentando manter o controle. — E nós dois
estamos bem. — Alana pega a minha mão e coloca em cima da sua
barriga, mas não leva nem meio segundo para perceber o que fez e
soltar a mão. — Desculpa, foi no automático.
Eu deveria tirá-la dali, agora que ela não a segura mais.
Mas é uma sensação diferente… e boa!
Fico apenas com a minha mão enorme ali, tentando entender
como que um toque em sua barriga é capaz de passar esse
sentimento intenso, que eu não conseguiria explicar nem mesmos e
tentasse.
Será que ela também sente?
— Não precisa se desculpar por isso. Eu estou feliz que vocês
estejam bem… não deveria ter me carregado sozinha, Lana.
— Você queria que eu fizesse o quê? Te deixasse lá para
morrer, continuasse gritando até perder a voz? — Ela alisa o rosto e
puxa o cabelo para trás ao passar as mãos na cabeça. —
Provavelmente você já estava há horas daquele jeito! O
estacionamento é enorme e aquela parte dele já estava lotada. Eu
saí 1 hora mais cedo porque o professor teve um mal-estar, o que
poderia ter acontecido se você continuasse mais tempo lá?
A preocupação dela me comove e algo dentro de mim se
alegra por conta disso.
Mas eu acredito que ela se preocuparia dessa mesma forma
com qualquer outra pessoa.
— O que importa é que estamos bem! — Alana tenta sorrir,
porém, ela parece exausta demais para conseguir isso.
O seu olhar desce até a sua barriga e eu percebo que a minha
mão ainda está lá e retiro na mesma hora, voltando a repousá-la
sobre a sua coxa.
Ela aproveita para me contar que a Luciana, meus irmãos e a
Priscila vieram aqui.
— Eles devem voltar hoje, no horário de visita. — Lana olha
para o relógio atrás dela. — Começa daqui a 2 horas. Até lá, acho
que é melhor você descansar.
Alana começa a se movimentar para levantar, mas eu peso
um pouco a minha mão em sua coxa para que ela continue ali.
— Não quer ficar aqui comigo? — pergunto. — Se eu chegar
um pouco para o lado, você cabe aqui na cama. É só deitar no meu
lado bom.
Ela olha para o meu corpo e solta uma risada.
— Tem algum lado bom?
É uma boa pergunta.
Tudo está doendo porque estou cheio de hematomas, mas eu
não me importaria em ter mais um leve desconforto para tê-la ao
meu lado.
Em todas as vezes que o Renato me machucou, sempre tive
que ficar sozinho porque ele ia atrás da minha mãe para transar,
agredi-la ou ambas as coisas ao mesmo tempo. Seria reconfortante,
pela primeira vez, ter alguém do meu lado.
Só para que eu saiba que não estou sozinho.
— Eu fico, claro! — Acho que ela sente que meu pedido é um
apelo diferente.
Tento me ajeitar e me controlo para não soltar um gemido de
dor por causa das costelas fraturadas.
Alana deita do outro lado e com muito cuidado apoia a cabeça
em meu peito quando eu digo que não está doendo. Passo o meu
braço ao redor do corpo dela e deixo que escolha um filme para a
gente ver na TV que até agora estava em um canal de agropecuária.
— Seria muito pesado assistirmos um filme de terror? — Me
pergunta.
— Terror, sério?
Ela vira a cabeça para me olhar e faz que sim.
— Eu adoro! Mas se você achar bizarro demais, podemos ver
O Senhor dos Anéis.
Sorrio ao ouvir a outra sugestão dela.
Se eu estivesse sozinho, essa seria a minha primeira opção,
mas eu não quero repetir o mesmo ciclo de antes, não quero sentir a
mesma coisa que o André criança sentia.
— Coloca o seu filme de terror favorito, então. — Digo.
Alana se anima, acha o filme no catálogo e nós começamos a
assistir.
Eu a puxo para ficar mais coladinha em mim e acabo
descansando a minha mão na barriga dela, sentindo novamente
aquela sensação boa.
Prefiro não ficar pensando sobre o porquê disso, pelo menos
não agora.
27

André e eu acabamos dormindo no meio do filme, acordei no


susto com alguém gritando e fiquei aliviada quando vi que era só na
televisão.
Ainda estou em choque pela forma que o encontrei ao lado do
carro, eu realmente achei que ele estava morto e um sentimento
muito ruim cresceu dentro do meu peito.
E só Deus saberia explicar como eu consegui levantá-lo e
colocá-lo no carro.
Até agora não entendo de onde tirei aquela força.
Sabia que não podia fazer tanto esforço, mas quais eram as
minhas alternativas? Ninguém me escutou e eu gritei muito, muito
mesmo.
Saio da cama com cuidado para não acordá-lo e vejo que já
começou o horário de visita.
Desligo a TV, o cubro novamente e saio do quarto.
— Filha! — Escuto a minha mãe e levo um susto. Ela se
levanta da cadeira e vem até mim, me dando um abraço forte. —
Como ele está?
— Se recuperando, mãe. O pior já foi e ele não corre nenhum
risco.
— Menos mal… eu vi vocês dois dormindo, não quis acordá-
los — ela fala um pouco sem graça.
Ela já sabe que nós dois estamos tendo alguma coisa que eu
não sei definir o que é. E entendo como deve ser confuso, tanto que
ela nem quis se aprofundar nesse assunto e nem perguntou nada.
Quando o assunto é sobre nós três, as coisas ficam um pouco
estranhas.
E não teria como não ficar, ela descobriu tudo a pouquíssimos
dias. E de uma forma bem ruim.
A médica passa por nós, entra no quarto dele e minutos
depois ela sai, avisando que a primeira visita já pode entrar.
Como a família dele ainda não chegou, minha mãe entra e
deixo que os dois fiquem sozinhos.
Ela ainda está muito abalada e chateada, mas acredito que
tenha aberto uma exceção para ver o amigo que quase morreu
ontem.
Me sento para esperá-la e minutos depois a Luciana chega
com seu namorado, Jorge, e os dois me cumprimentam.
— Meu bem, podemos conversar enquanto sua mãe está lá
dentro? — ela me pergunta após ver os dois dentro do quarto pela
janela, sempre muito educada e delicada. — Prometo que não vou
tomar muito do seu tempo.
Sorrio para ela e peço para que se sente ao meu lado.
— Meu tempo é todo seu, Dona Luciana.
— Pode ser vovó Lu, agora — diz e olha para a minha barriga.
— Vocês estão bem, né?
— Estamos, sim. Foi só um susto — respondo para ela o
mesmo que respondi para todas as outras pessoas que perguntaram
sobre isso. — O que a senhora queria falar comigo?
— Não queria ter que falar dessas coisas com você, não
quero te preocupar enquanto está grávida, mas como mãe, eu iria
gostar de saber caso estivesse correndo algum risco.
Correndo risco?
Como assim?
— O que a senhora quer dizer com isso?
Ela suspira e seus olhos ficam marejados.
— O que fizeram com o meu filho… isso é obra daquele infeliz
do Renato.
Eu não conversei com o André sobre isso ainda, mas tenho
certeza que o motivo de tê-lo encontrado naquele estado é por causa
da sua ideia doida de vingança.
— Eu imaginei que fosse.
— Os meninos não me contam as coisas, porque têm medo
de me assustar, mas o Renato não iria aparecer do nada se não
estivesse se sentindo ameaçado. — Ela olha na direção do Jorge,
para ter certeza que ele não está ouvindo. — Assim que o André foi
morar comigo, eu denunciei o ex-padrasto dele. Eu fui muito
inocente, não tinha noção de como ele já estava se tornando um
homem poderoso. — Eu sei dessa história por alto, minha mãe me
contou recentemente, mas vou deixar que continue. — Ele foi atrás
de mim, me fez várias ameaças que me fazem ter medo até hoje e
depois… depois um outro homem apareceu, me deu um soco forte
na barriga e bateu a minha cabeça na parede, fazendo com que eu
ficasse desacordada por horas, até que meu ex-marido chegou e me
encontrou.
Esse homem é um animal, sem escrúpulos e cruel em um
nível inexplicável.
— Eu sinto muito que isso tenha acontecido com a senhora!
— Eu também sinto, de verdade — diz e seu rosto demonstra
uma preocupação genuína. — A gente precisa parar o André, porque
sei que ele está fazendo algo e o Renato não terá pena de ninguém.
Engulo em seco ao ouvi-la e imediatamente coloco a mão na
minha barriga, com medo da pequena possibilidade de algo
acontecer ao meu filho.
— Como vamos fazer isso?
Ela olha para a minha barriga e depois para mim.
— Essa criancinha aí dentro que fará.
— Dona Luciana, a senhora sabe que ele não quer ser
próximo do próprio filho, né?
Ela segura a minha mão e fica fazendo um carinho com o
polegar.
— Isso é o que ele acha, Alana — diz, muito convicta das
suas palavras. — O André tem medo, um medo muito além do que
qualquer pessoa normalmente já tem quando descobre que será pai,
por causa das coisas que aconteceram no passado.
— É, o Renato ainda é uma sombra que vive ao redor dele.
Ela concorda.
— E não foi só isso, outras coisas aconteceram com o André
depois que ele foi morar comigo, mas não cabe a mim contar…
porém, eu conheço o meu filho bem demais e reconheço no olhar
dele que não quer que as coisas sejam assim, contudo, o medo o
está travando e se afastar é a única maneira que ele sabe fazer para
proteger quem ama.
O que ela quer dizer com tudo isso?
Deus, isso tudo é tão complicado.
— Obrigada por ter confiado em mim para contar essa
história… imagino que o André não saiba, né?
— Não! E eu gostaria que continuasse assim, tudo bem?
— Claro, seu segredo está guardado comigo.
Ela me dá um abraço gostoso e depois pergunta se pode
sentir a minha barriga, e é claro que eu deixo.
Eu amo que as pessoas ao redor já tenham esse carinho pelo
meu filho.
— Já estou fazendo uns sapatinhos de crochê para o bebê,
espero que não se importe.
— Claro que não, pode fazer quantos quiser que tenho
certeza que ele irá usar todos.
Nós duas nos levantamos e a minha mãe sai do quarto nesse
exato momento, com os olhos avermelhados por ter chorado.
As duas se cumprimentam e depois a Luciana entra com o
Jorge.
— Tudo bem?
— Tudo… só é difícil vê-lo nesse estado — confessa. — Eu
estou com muita raiva dele por ter traído a minha confiança, mas eu
o amo, ele é o meu melhor amigo. E saber que existe uma mínima
possibilidade de ele ser o meu genro — minha mãe começa a rir. Ela
tampa a boca com as duas mãos, mas a sua risada nervosa é alta e
incontrolável. — Tudo isso é muito doido, não consigo assimilar
ainda vocês doi… — e volta a dar risada.
Dona Priscila corre para o primeiro banheiro que acha, para
tentar se controlar.
Essa sua risada nervosa já nos colocou em situações
complicadas, porém, ela realmente não consegue segurar.
Ela volta depois de alguns minutos, agora mais calma.
— Ele não será seu genro, mãe — deixo claro.
— Não tenho tanta certeza, minha filha. — Ela olha para trás
de mim, na direção da janela que dá para o quarto dele. — Mas isso
é um assunto que não é da minha conta, preciso conseguir achar
uma maneira de separar as coisas… acho que com o tempo, se tudo
der certo, eu vou me acostumando aos poucos.
Minha mãe é o tipo de pessoa que gosta de sofrer por
antecedência, totalmente ao contrário de mim, que evita ao máximo
qualquer tipo de problema e confronto até que de fato chegue o
momento deles.
— Por que a gente não vai na lanchonete e comemos algo?
— Ótima ideia!
Nós duas pegamos o elevador no intuito de irmos no andar do
restaurante, mas olhamos ao mesmo tempo para a descrição dos
andares e vemos onde fica o berçário.
— Se agirmos com naturalidade, ninguém vai nos barrar —
ela diz baixinho no meu ouvido, e isso é o suficiente para me fazer
apertar o botão desse andar.
O elevador leva alguns segundos até nos deixar lá e nós
seguimos as placas até chegar na parte de fora da sala, que mais
parece uma vitrine de bebês fofinhos.
— Eles são tão pequenininhos! — comento.
— E frágeis… mas é tão gostoso tê-los em nosso colo!
Uma enfermeira acaba de entrar com mais uma criança e
coloca bem na frente de onde estamos.
É um menino com a roupinha toda verde-água.
A touquinha parece quase engolir todo o seu rosto, mas eu
consigo ver sua boquinha em um sorriso gostoso de quem está
dormindo, confortável e sem nenhum boleto para se preocupar.
— Mãe, e se eu não der conta? — pergunto, sentindo o medo
querer tomar conta de mim.
— Uma mãe sempre dá conta, meu amor. Mesmo sendo
difícil, exaustivo e querendo fugir em muitos momentos. É difícil
sempre, sabe? E tem hora que vai parecer se aproximar do
impossível, porém, tudo isso some quando você sente todo o seu
mundo em seu colo, te olhando como se o mundo dele também
fosse você.
Eu a abraço de lado e ela passa um dos seus braços pelo
meu corpo.
Ficamos alguns minutos ali, imaginando quem meu filho será
quando nascer.
Como posso sentir tanto amor por alguém que ainda nem
nasceu? Isso é tão inacreditável!
Parece bobo quando ouvimos mulheres grávidas falando que
é inexplicável como o amor incondicional vai crescendo junto com a
criança, a ponto de nos sentirmos completas por estar gerando uma
vida.
Eu mesma achava que não teria essas sensações enquanto
grávida, mas eu amo esse bebê, que tem o tamanho de uma toranja
e que me enche de azia, gases e uma felicidade sem igual.
28

Tudo o que aconteceu me deixou ainda mais pensativo e


paranoico com as coisas ao meu redor.
Deixei claro ao Eduardo que preciso me afastar um pouco
desse nosso plano, mas eu sei que ele dará continuidade porque
para ele é algo muito maior do que apenas se vingar de um filho da
puta.
Ele quer derrubar toda a quadrilha que o Renato está
envolvido e isso irá movimentar muito as coisas na Polícia do Rio de
Janeiro.
Não posso ter nenhuma ligação com isso agora, pelo menos
não até o meu filho nascer em segurança.
Aliás, o filho da Alana.
Tive alta hoje mais cedo, depois de ter ficando cinco dias
nesse hospital, que mais pareceram cinco meses e ainda sinto um
pouco de dor, mas creio que vá melhorar com a medicação e com
repouso.
A recuperação está sendo melhor do que os médicos
Rennan me trouxe para a casa da Luciana, porque assim ela
ficará mais tranquila em poder me ajudar, mesmo que eu acredite de
verdade que não preciso de ajuda.
— E se a gente viajasse? — Bia desce correndo as escadas,
contando a sua brilhante ideia. — Uma viagem em família! Seria
legal, tem tanto tempo que não fazemos isso.
Eu que levo várias porradas na cabeça e ela que enlouquece.
— Querida, amanhã é o aniversário do filho do Jorge —
Luciana diz. — Mas seria legal se vocês fossem… por que não
chamam a Alana também?
— Claro! Preciso levar minha cunhadinha e meu sobrinho
para passear.
Reviro os olhos ao ouvi-la.
— Ela não é sua cunhada! — respondo.
— Obrigada, era essa a resposta que eu queria. Porque
quando eu chamá-la para dar um rolé comigo, só as mulheres em
busca dos filhos dos donos da lancha, você não poderá reclamar.
Eu pego uma almofada ao meu lado e jogo na direção dela.
— Tem como você parar de querer botar homem na vida dela?
— Eu não estou entendendo porque isso te incomoda! — Ela
cruza os braços, me encarando com o seu olhar de quem quer me
tirar do sério. — O que não falta aí é homem querendo cuidar de
uma gravidinha linda igual a ela!
Procuro outra almofada, mas ela pega antes que eu consiga
jogar nela.
— Eu juro que vou arrancar os seus piercings fora, garota.
Ela ri às minhas custas e dá de ombros.
— E você queria viajar para onde? — Rennan pergunta,
sentando ao meu lado. — Começa hoje aquele evento de cerveja lá
em Petrópolis. O que acham?
Ele vai cair mesmo na pilha dela de viajar?
— Não consigo dirigir, Rennan.
— Sua sorte é que as outras três pessoas que vão, sabem
dirigir. — Ele dá um tapinha na minha perna, graças a Deus em uma
parte que não está mais dolorida. — Um grande homem de sorte.
Bia dá uns pulinhos de felicidade enquanto digita algo na
velocidade da luz em seu celular.
— Alana disse que topa e que está saindo do consultório
agora, precisa de apenas 30 minutos para arrumar a mala.
Como assim?
Essa porra vai realmente acontecer?
Não é possível.
— Será bom para você, filho! — Luciana aparece na sala
novamente, se sentando na mesinha de centro para poder ficar de
frente para mim. — Você precisa esfriar a mente, desligar a sua
cabeça do trabalho, porque até no hospital esses dias você
trabalhou, e curtir um pouco com as pessoas que são importantes
para você.
Luciana sempre está certa e é quase impossível de não me
convencer a fazer algo.
— Tudo bem, você me convenceu. — Ela levanta, segura o
meu rosto e beija a minha bochecha, antes de voltar para a cozinha.
— E a clínica? — pergunto ao Rennan.
— Temos outros dois veterinários lá e eu não havia aberto a
minha agenda de amanhã, ia ficar para pegar as emergências. Mas
eles dão conta.
Eles realmente irão tirar qualquer obstáculo que me faça
desistir de ir.
Tiro meu celular do bolso e já entro no aplicativo do AIRBNB.
Coloco o endereço de Petrópolis, encho de filtros com tudo que eu
quero e vejo as opções disponíveis.
Tem um chalé com três quartos, lareira na sala e em todos os
quartos, um deck com piscina aquecida de borda infinita e bem
localizado.
Dou mais uma olhada nas outras opções, mas acabo
gostando mais dessa.
Mostro aos dois, que se empolgam ainda mais, e depois faço
o pagamento, antes que eu me arrependa e desista dessa ideia
doida.
Espero que essa viagem seja tranquila!

◆◆◆

Pegamos um pouco de trânsito para chegar aqui em


Petrópolis, mas a viagem foi bem tranquila.
Tirando o momento em que Alana e Beatriz decidiram que
tomariam conta do som e colocaram umas músicas chatas demais.
E não só ouviram, como cantaram alto.
A voz da minha irmã é a coisa mais dolorosa de se ouvir, e ela
canta como se fosse a própria Celine Dion.
Um horror total.
Rennan dirigiu o tempo todo, elogiando a direção do meu
carro, que eu insisti que viesse com ele por ser mais seguro e
finalmente chegamos no chalé, que para a nossa felicidade é ainda
mais bonito que nas fotos.
Desço do carro com cuidado, porque ainda estou me
recuperando das costelas fraturadas e caminho devagar até a mala
do meu carro, me curvando levemente para pegar a minha mala que
a Beatriz fez.
Ainda estou com medo do que irei encontrar aqui, mas ela
com certeza foi muito mais rápida em arrumar as minhas coisas do
que eu seria com as minhas limitações temporárias.
— Eu levo — Alana diz e puxa a mala de carrinho, colocando
ao lado da sua.
— Não precisa, você está grá…
— Me poupe, André! É só uma mala de carrinho que eu terei o
enorme trabalho de puxar pela alça.
Alana faz um pequeno teatro, fingindo que precisa de muito
esforço para carregar as duas malas e depois sai rindo.
Atrevida!
E gostosa… olha como a bunda dela fica perfeita na calça que
está usando!
— Eca, disfarça, seu tarado!
— Vou te desovar no meio do mato, Beatriz! Escute o que eu
estou falando.
Ela fecha a mala do carro, travando o mesmo, e depois joga
as chaves para mim.
— Eu dou um chute bem no seu saco se tentar fazer isso —
diz enquanto entramos na casa. — Isso deve ter sido caro, Dré! É
lindo demais. — O humor dela muda rapidamente, me deixando
confuso.
Mas ela tem razão, foi caro mesmo, só que eu não me importo
porque é um prazer poder dar esse tipo de conforto a eles.
Alana olha tudo maravilhada e começa a ir em todos os
quartos.
Eu vou atrás dela e quase nos esbarramos quando ela sai do
último.
— Só tem três!
— E? — pergunto e espero pela sua resposta.
É claro que eu quero que ela passe essas duas noites comigo,
isso é óbvio, mas um dos quartos tem duas camas de solteiro e ela
poderia dividir com a minha irmã.
— Acho que é melhor eu dormir no seu quarto — ela diz. —
Você está precisando que alguém cuide muito bem dos seus
machucados e quem seria melhor do que eu para fazer isso?
Alana roda o pirulito na boca, que pegou um pouco antes de
sairmos do carro. Ela o puxa para fora, fazendo um barulho de estalo
e passa a língua nele.
Porra.
Quando o espírito da putaria encosta nela, ela fica
incontrolável.
— Tenho uma coisa melhor para você colocar na boca!
Ela olha direto para a minha calça de moletom, na direção da
minha virilha e morde o lábio inferior.
— Eu troco o meu pirulito pel…
— Seja lá o que vocês estão fazendo, parem agora que eu
vou passar! — Beatriz fala alto antes de entrar no corredor e vem
com um olho aberto e o outro fechado, garantindo que realmente não
está acontecendo nada. — Ok, ótimo! Não quero me traumatizar com
um flagrante de vocês dois se pegando, eca!
Alana solta uma gargalhada alta e pisca para mim antes de ir
até o quarto que a minha irmã ficará.
Entro no último, que é a suíte que pretendia ficar e vejo que
ela já havia deixado nossas duas malas ali.
Ela estava apenas me provocando… isso é a cara da Alana.
E falando nela, a loira com os olhos mais lindos e boca
deliciosa, entra rapidamente no quarto, pega algumas coisas dentro
da sua mala e sai, com um sorrisinho de quem vai aprontar.
Seja o que for, sei que irá me enlouquecer de muitas formas.
Faço um tour pelo quarto, vejo que tem um ofurô na varanda
que é totalmente privada, tendo vista só para o mato.
O quão prejudicial seria se eu entrasse no ofurô ainda com os
pontos no braço?
Não era para eu ter aceitado vir, a Alana fará da minha vida
um inferno delicioso pelo qual eu vou querer me torturar.
— Vamos? — Rennan bate na porta e me chama.
Nós já viemos arrumados para apenas deixar as coisas aqui e
irmos direto jantar em uma churrascaria que a Beatriz disse que é
muito bem avaliada.
— Vamos!
Mas é claro que as meninas trocaram de roupa nesse meio-
tempo, e eu tenho certeza que Alana quer mesmo me levar ao
inferno.
Ela colocou uma saia preta de couro, com uma meia-calça e a
mesma bota que usou na festa junina. Além de uma blusa sem alças,
com um decote em formato de coração e um casaco de pele bem
quente e comprido.
Porra, ela é linda.
Linda demais para a minha sanidade.
Seus olhos claros refletem com as luzes fortes do corredor e
ela me olha sabendo do efeito que tem sobre mim.
Essas botas… porra!
Só consigo lembrar de tê-la fodido completamente nua,
apenas com elas.
— Gostou? — me pergunta quando meus irmãos se afastam
para voltarem ao carro. — Montei o look todo pensando em você.
— Eu rasgaria toda a sua roupa agora, Alana! — falo
entredentes, sentindo todo o meu sangue ir para o pau. — Você quer
me enlouquecer, né?
Ela ri.
— Quero, quero muito… E depois quero que você me foda
com todo esse tesão que irá acumular enquanto estivermos
jantando.
Eu a encurralo na parede, prendendo-a entre os meus braços.
— Você está brincando com fogo, Alana!
— E estou ansiosa para me queimar. — Ela dá um impulso e
me rouba um selinho. — Agora, vamos! E quanto antes formos, mais
rápido voltaremos.
Penso se meus irmãos realmente ficariam muito chateados se
nós não fôssemos, mas não quero atrapalhar o cronograma que as
duas fizeram para a viagem.
Alana segura na minha mão quando eu a libero e nós dois
vamos para o carro também.
Dessa vez sentamos os dois atrás e eu já encaixo a minha
mão na parte interna da coxa dela, querendo senti-la, mesmo que
por cima da meia-calça.
Essa viagem será um teste para descobrir se meu coração é
forte mesmo.
29

O evento no centro histórico da cidade está incrível, mas a


temperatura está batendo em 9 graus, e eu não sei lidar com isso,
então depois de quase duas horas lá, tentando comer uns petiscos
diferentes e ficando com inveja do Rennan e da Bia que estavam
provando várias cervejas diferentes, nós voltamos para o Chalé.
Ainda não me acostumei em como ele é lindo.
Deve ser muito bom mesmo ter tanto dinheiro como o André e
simplesmente pagar por um lugar como esse sem ter que se planejar
meses antes ou comer toda a fatura do cartão ao parcelar no
máximo de vezes possíveis.
Os irmãos de André vão cada um para o seu quarto, ambos
alterados por conta do tanto que beberam e nós dois seguimos para
a nossa suíte.
André tranca a porta assim que entramos, vai até a lareira
para acendê-la e abre as cortinas, deixando que a luz da lua se junte
à claridade da lareira para iluminar o ambiente.
O clima que fica é sensacional.
— Quer ir no ofurô comigo? — ele pergunta enquanto começa
a se despir e eu o ajudo com a camisa, porque ele ainda está um
pouco limitado com os movimentos do lado onde fraturou as
costelas.
André foi muito inteligente em ter trocado a água do ofurô
antes de sairmos. Nós já estávamos dentro do carro quando ele
disse que tinha que ir no quarto rapidinho e fez a troca, que demorou
uns 5 minutinhos.
Ele só me falou quando estávamos na rua, e eu achei genial e
cuidadoso da parte dele.
— Claro que eu quero. — Me estico para dar um selinho nele.
André fica só de cueca e vai até o ofurô, que ele havia
deixado ligado ao sair para manter a água bem quente.
Eu também tiro a minha roupa, mas faço isso o encarando,
querendo ver como irá reagir quando descobrir a lingerie que estou
usando por baixo.
Os olhos dele parecem que vão saltar para fora quando fico
apenas com o conjunto que é todo preto, trançado e tem uma fivela
no pescoço, como se fosse uma coleira.
A roupa que eu estava antes foi toda planejada para que não
desse para ver nada do que estou usando.
— Porra, já tô com o pau duro — ele fala e pelo movimento do
seu braço, acho que começou a tocar uma punheta.
Eu desfilo lentamente até ele, entro com cuidado para não
escorregar e fico de pé na frente dele, querendo que veja bem de
perto o quanto eu sou gostosa.
André não perde tempo e puxa a fivela que fica no meu
pescoço, fazendo com que eu me abaixe e fique com o rosto de
frente para o dele.
— Você quer me foder, né?
— É o que eu mais quero, amor.
Eu fiquei a noite toda tendo que me controlar porque
estávamos na rua, mas o André estava me provocando o tempo
todo, dando toques sutis em lugares que ele sabe que me excita e
fingindo que nada estava acontecendo.
E nesse momento eu não estou nem um pouco a fim de curtir
o ofurô… eu quero curtir ele, e de preferência dentro de mim.
Me arrisco em sentar na borda e me seguro firme quando
invento de abrir bem as pernas na frente dele, para que veja a
abertura estratégica que tem bem na parte de baixo da calcinha.
André vem na minha direção, mas eu fecho as pernas antes
que ele consiga se colocar no meio delas.
— Se fazendo de difícil? — ele pergunta enquanto alisa as
minhas coxas.
— Senta de novo, amor… você está limitado, hoje o trabalho é
todo meu.
Ele faz o que peço e eu monto em seu colo, percebendo que
ele já tirou a cueca.
Encaixo o pau dele na entrada da minha boceta e vou
descendo bem devagar, ansiosa para senti-lo.
A água dificulta um pouco por causa da fricção mais seca,
mas eu vou bem devagar e começo a rebolar com ele todo dentro,
sentindo a minha lubrificação fazer muito bem o seu trabalho.
André segura na minha cintura e quando eu começo a subir e
descer no seu pau, ele me ajuda para que eu não me canse.
Eu o beijo, mas é difícil me concentrar nas duas coisas e
acabo gemendo na boca dele.
André aperta a minha bunda com força, e depois segura no
meu pescoço com a mão bem firme, do jeito que eu gosto e a
sensação do aperto me excita.
Ele me encara como se fosse capaz de fazer isso pelo resto
da noite e eu espero muito que isso aconteça.
Minha boceta pulsa a cada investida que ele começa a dar de
baixo para cima e eu continuo com os meus movimentos, dando
muito mais intensidade ao impacto.
— Você é tão quente… — ele sussurra. — Fica de quatro para
mim, amor.
Eu ignoro o meu plano de ter todo o trabalho por nós dois,
porque não sou capaz de recusar isso.
Fico da forma que ele pediu, de joelhos na escadinha que tem
aqui dentro, ficando em uma boa altura para ele conseguir fazer do
jeitinho que eu gosto.
A primeira coisa que sinto é a sua mão batendo forte na minha
bunda, fazendo com que a ardência se espalhe por todo o meu
corpo.
É uma delícia.
André passa a cabeça do pau entre as minhas nádegas,
dando uma leve atenção ao lugar que ele já deixou claro muitas
vezes que quer conhecer.
Nunca fiz sexo anal, mas cada dia parece mais e mais
interesse.
Ele entra todo em mim sem dar nenhum aviso e o meu corpo
automaticamente esquenta ainda mais.
Os movimentos começam um pouco mais tranquilos, porque
ele vai aumentando gradualmente e vendo até que momento fica
confortável, mas eu sempre deixo ir ao extremo porque não sinto
nenhum incômodo ou dor.
E é ótimo vê-lo desesperado cada vez que eu peço por mais.
Ele enrola o meu cabelo em seu punho e puxa a minha
cabeça para trás.
É dificil controlar os gemidos quando ele faz isso.
O som da sua virilha batendo contra a minha bunda é alto, e
eu estou tão encharcada de tesão que o seu pau dentro de mim
também faz um belo barulho cada vez que entra com força.
Porra, eu amo foder de quatro.
André já sabe como meu corpo reage quando estou perto de
gozar, então ele segura meus dois braços, me puxa para trás e
estoca com força e mais rápido do que faz normalmente, me levando
a loucura.
Nós dois gozamos e eu sinto nossa porra escorrer pelo pau
dele.
Ele me dá mais um tapa na bunda e depois beija as minhas
costas.
— Talvez seja bom eu procurar um cardiologista, porque eu
sinto que você vai me matar do coração!
Sinto um vazio dentro de mim quando ele se afasta, e depois
saio do ofurô, porque meu interesse nele era apenas transar com o
André.
Ele continua lá dentro e eu aproveito para tomar um banho
rápido, visto uma lingerie branca, um pouco mais simples, só com
umas rendinhas, para poder dormir.
Poderia simplesmente colocar uma blusa dele, mas quero
provocá-lo, é totalmente essa a minha intenção.
Volto para o quarto e ele já está seco e com uma toalha
enrolada na cintura, tentando mexer na lareira.
— Cuidado para não se queimar, André!
— Relaxa, eu sei o que faço — responde, concentrado no que
está fazendo e daqui eu consigo ver que vai fazer merda.
Mas eu rio da resposta dele.
— É, eu sei que você sabe muito bem o que faz. — Ele se vira
ao perceber que estou de deboche e eu aliso a minha barriga de
gestante, que carrega o filho dele.
André tenta esconder o riso, mas eu vejo antes que ele vire
para frente novamente.
30

Acordo e a primeira coisa que faço é procurar a Alana ao meu


lado, mas sinto apenas o lençol frio, denunciando que ela já levantou
há algum tempo.
Mas não preciso de muito esforço para encontrá-la.
Ela está de frente para as janelas que dão para a varanda,
olhando para a natureza apenas de calcinha e sutiã, alisando a sua
barriga.
A cena é incrível e eu pego a minha câmera que havia
deixado na mesa auxiliar da cabeceira e a ligo para poder registrar
esse momento.
A Alana parece tão tranquila nesse momento só dela e do
bebê.
Tiro mais de uma foto, tentando pegar ângulos diferentes sem
alertá-la do que estou fazendo, e depois coloco a câmera onde ela
estava.
Me levanto e ando devagar, torcendo para que o piso de
madeira não denuncie a minha chegada.
— Bom dia, Lana — falo ao abraçá-la por trás, coloco o seu
cabelo todo para a frente e beijo a sua nuca. — Dormiu bem?
Ela ronrona igual a um gato enquanto vai sentindo os meus
beijos.
— Uhum! Dormimos pouco, mas foi o suficiente para
descansar — diz e se vira para mim, segurando o meu rosto com as
duas mãos e me dando um selinho gostoso. — Está chovendo muito,
deve estar um gelo lá fora.
Olho para a janela enorme atrás da gente, confirmando que a
chuva está bem pesada mesmo.
— Bom que temos tudo o que precisamos aqui no chalé,
então podemos passar o dia todo aqui dentro… de preferência na
cama e pelados.
Ela ri, me dá mais um selinho e se afasta.
— A ideia é muito boa!
Eu não consigo olhar para mais nada além da bunda dela
enquanto a loira se agacha sobre a cama para arrumá-la.
Deveria ir ajudá-la, mas não consigo, a visão privilegiada me
deixa travado.
— Por que você não para de imaginar como seria comer a
minha bunda e vai providenciar um café da manhã para a gente?
Alana é extremamente direta e eu nem posso contestar,
porque era exatamente isso que estava imaginando.
Vou até onde ela está, para pegar a minha camisa que estava
caída no chão e sem conseguir resistir, estalo um tapa forte na
bunda dela.
A marca da minha mão aparece segundos depois.
— Tá fazendo igual fazem com vaca?
Hã?
— Eu não tenho a mínima noção do que isso significa, Alana.
— Tá marcando o seu gado!
Não é possível que ela tenha falado isso.
Uma risada alta explode da minha garganta e eu chego a
sentir as minhas costelas doerem, mas não tem como não rir dessas
coisas que ela fala. E a cara que Alana faz é ainda mais engraçada.
— Vou preparar o café — digo antes de sair do quarto, ainda
rindo.
Alana tem uma leveza quase inacreditável.
Ela é divertida, tenta levar a vida de um jeito suave e ainda
assim é uma mulher responsável e cuidadosa com todos ao seu
redor.
Não posso fingir que não a olhava e ainda a via como uma
adolescente imatura, que estava começando a vida adulta. Mas isso
foi uma visão totalmente errada de quem não a conhecia de verdade.
E muitas vezes enquanto conversamos, eu esqueço que ela é
20 anos mais nova do que eu.
É assustador na mesma proporção que é bom.
Me sinto mais jovem, mais alegre e com muito mais energia
quando estou com ela.
— 8 horas da manhã e você rindo? — Rennan olha na minha
direção, assustado. — Quem é você e o que fez com o meu irmão
que só consegue esboçar algo parecido com um sorriso depois do
almoço?
— Bom dia para você também, Rennan.
Vou para a cozinha, vejo que já tem café pronto, mas procuro
outras coisas na geladeira para fazer uma boa refeição para todos.
Pego vários ovos, pães e umas frutas.
Corto todas as frutas e coloco em uma vasilha, depois passo
um pouco de manteiga nos pães e vou colocando-os nas torradeiras.
Enquanto eles dão uma leve torrada, eu faço os ovos mexidos.
Beatriz aparece com o cabelo todo para cima e a maquiagem
borrada.
— Nunca mais eu vou beber — resmunga.
— Ressaca? — pergunto e ela confirma. — Tem Epocler na
minha nécessaire, pega com a Alana lá no quarto.
— Você é perfeito, te amo. — Ela vai até o quarto e eu
continuo fazendo o café.
Rennan se aproxima, com seu jeito sorrateiro, e eu fico quieto,
esperando que fale algo, porque quando chega dessa maneira,
significa que quer falar alguma coisa e está procurando a melhor
maneira de começar.
— Então… qual é a de vocês?
— Você já sabe.
— Não, eu sei essa historinha patética que vocês estão
contando e que ninguém acredita — diz, cruzando os braços. —
Quero saber o que está acontecendo de verdade! Eu te conheço,
André… você não é desse jeito.
Coloco os ovos em um prato, pego queijo e presunto e peço
para que ele me ajude a levar tudo para a mesa.
— O que você acha que está rolando? — respondo com uma
pergunta.
— Você quer que eu responda o que quer ouvir ou a verdade?
— pergunta enquanto pega a jarra grande de café e a garrafa com
leite. — Porque se for o que quer ouvir, vou dizer que não é nada
demais o que está rolando entre vocês que são adultos, e que é
impossível dar merda.
Olho para ele enquanto fala.
— E a verdade?
— E a verdade é que você está se apaixonando pela mãe do
seu filho!
Quanto exagero.
— Não estou, Rennan! Você está vendo muita comédia
romântica na Netflix.
Ele revira os olhos, mas depois olha na direção do corredor
para ter certeza que essa conversa é só entre nós dois e me puxa
para mais longe dali.
— André, isso é sério — ele me diz, com uma expressão
preocupada. — O que você acha que isso tudo vai dar? Esse lance
de “estamos nos pegando porque é mais fácil” não cola com
ninguém! Você está arriscando a sua amizade com a Priscila ao
continuar ficando com a filha dela… realmente acha que faria isso só
por causa de sexo?
Encaro o meu irmão enquanto fala, mas não respondo logo
em seguida porque não sei o que responder.
A verdade, sendo o mais sincero possível comigo, é que estou
evitando pensar nisso a qualquer custo.
Minha mente a todo momento vai para esses pensamentos,
mas eu tento ignorar.
Porém, não tem uma maldita hora do dia que eu não pense
nessa loirinha atrevida, que me tira do sério, mas que também me
deixa à vontade de um jeito que eu nunca fiquei com ninguém.
E isso é tão bizarro.
Parece clichê, mas é a verdade.
— Não quero ter que pensar nisso, Rennan.
— Você está correndo de encontro a um trem desgovernado e
a porrada vai ser forte! — Que analogia mais estranha, mas faz
sentido. — E sabe que eu nunca me meto na sua vida amorosa, mas
eu estou preocupado.
— Eu sei disso, irmão…
Ele me olha com atenção, como se tentasse decifrar o que
estou sentindo.
— Você está com medo — conclui.
— Eu estou apavorado — assumo e me sento no sofá, me
sentindo cansado de estar com medo o tempo todo. — Tem tudo isso
que aconteceu com a aparição do Renato, a Priscila sem falar
comigo, a Alana que não sai da minha cabeça e o meu filho.
Rennan me olha com surpresa ao ouvir algo que eu falei.
— Seu filho?
Ah, foi isso.
— O filho da Alana… você entendeu, Rennan.
— Que é seu filho também… essa aproximação de vocês tem
te mudado e você não está percebendo — ele diz ao se sentar do
meu lado. — Realmente acha que não existe uma mínima chance
disso tudo dar certo? Digo, na questão de você ser de fato o pai que
o bebê vai precisar.
— Você sabe que eu não posso.
Ele demora um pouco até entender o que estou falando.
— Você sabe que aquilo foi sem querer!
— Mas e se esse “sem querer” se repetir com o meu filho? —
digo, sentindo um nó na garganta me sufocar. — Eu nunca seria
capaz de me perdoar, Rennan! — Olho nos olhos do meu irmão e a
cena vem com tudo na minha cabeça, me fazendo querer chorar. —
Porra, eu me odeio por ter feito aquilo com você.
— Aquilo foi terrível, não dá para negar. Mas você lembra do
porquê eu saber dessa história? — Faço que não com a cabeça. —
Porque você não achou justo que eu não soubesse, depois que
fiquei mais velho. Você me deu a chance de escolher se eu queria
mesmo que a nossa relação fosse de irmãos — me diz, com os olhos
ficando mais úmidos que o normal. — Eu lembro de ficar triste
porque o meu irmão mais velho era distante, não me dava atenção,
mas eu também lembro que você sempre fazia de tudo para que eu
ficasse em segurança, ficava me observando da janela quando eu ia
brincar, comprava os doces e lanches que eu gostava com a sua
mesada e deixava na mesinha do meu quarto… eu lembro de você
sendo incrível comigo mais vezes do que eu posso contar!
Merda, já estou chorando.
— E sabe o que eu lembro também? De você indo embora
para os Estados Unidos porque eu cheguei em uma fase que queria
de qualquer maneira ser próximo de você… e porque a mamãe
anunciou que estava grávida novamente.
Olho para o chão, sem conseguir controlar o choro.
Rennan coloca as mãos nas minhas costas e fica em silêncio,
esperando que eu consiga falar.
— Eu não queria te machucar de novo e nem muito menos
fazer isso com a Beatriz — falo entre as lágrimas, sentido-as
escorrer por todo o meu rosto. — Não queria ter uma conversa com
ela igual eu tive com você, explicando que eu fui cruel, mas não era
a minha intenção. — Olho para ele novamente. — Eu nunca faria
aquilo de propósito, irmão… eu já te amava desde quando você
estava na barriga da Luciana.
Ele nem se importa com as lágrimas em seu próprio rosto.
— E você acha que eu não sei? Eu era seu fã mesmo você
sendo distante, tinha um amor por você que não havia explicação…
ou melhor, até tinha! Mamãe diz que você era tão carinhoso comigo
até tudo aquilo acontecer…
Me levanto, ficando agoniado com todos esses sentimentos.
— Eu não posso repetir o mesmo erro que cometi com você!
Rennan olha para as minhas mãos e depois para os meus
braços.
A sua preocupação está evidente.
Ele sabe o que eu fazia para me punir quando tive minhas
crises de fúria e que anos depois esse modo de punição se tornou
um escape para os meus momentos de desespero.
As meninas chegam na sala, totalmente alheias a nossa
conversa e eu preciso sair dali, não posso trazê-las para esse
assunto.
A Bia não sabe o que aconteceu e a Alana muito menos, e eu
não estou pronto para compartilhar isso com elas.
— O que houve? — Escuto a Alana perguntar ao Rennan
depois que eu praticamente saio correndo e venho aqui para fora,
onde está um frio do caralho.
— Ele precisa de um tempo sozinho — Rennan responde.
Quase um minuto depois, escuto a porta de correr abrindo e
olho por cima dos meus ombros.
— Não vou te atrapalhar, mas está muito frio. — Ela me
entrega um cobertor quando para na minha frente.
Alana vê meus olhos vermelhos, mas disfarça e sorri para
mim, de um jeito doce e preocupado.
Pego a coberta, e antes que ela saia, seguro em sua mão.
— Quer ficar um pouco comigo?
— Sempre quero — ela diz e nós nos sentamos na
namoradeira que tem ali, quase colados um no outro, dividindo a
mesma coberta.
Ela deita a cabeça no meu peito e entrelaça nossos dedos por
baixo da coberta.
E eu fico tão grato por ela não me perguntar nada.
A Alana entende os meus momentos e os respeita, sabendo
que preciso apenas de alguém ao meu lado.
Eu beijo o alto da sua cabeça e depois apoio o meu queixo ali.
E preciso admitir que Rennan está certo.
Por mais que isso me assuste e eu não queira aceitar, ele está
certo.
Eu estou me apaixonando pela Alana!
Estou me apaixonando pela filha da minha melhor amiga.
31

Algumas semanas depois.


23 semanas de gestação e graças a Deus meu bebê está
ótimo.
André tem ido em todas as consultas comigo, mas ele fica lá
fora me esperando e a minha mãe ou a Gabriela entram comigo.
É sempre um clima tenso, porque a minha mãe e ele ainda
não estão se falando direito.
Ela está tentando, mas é difícil.
— Vocês estão precisando de alguma coisa? — André me
pergunta depois que a minha mãe desce do carro e ficamos só nós
dois.
— Não, obrigada.
Alguma coisa aconteceu depois da viagem e eu não sei o que
foi, mas o André se afastou.
E isso tem sido uma merda.
Me acostumei a tê-lo por perto, me acostumei com os seus
carinhos e cuidados.
Ele ainda manda mensagem e tenta me ajudar em tudo,
porém, a verdade é que eu não quero essas coisas.
Eu o quero como antes, do jeito que estava sendo.
Mas alguma coisa aconteceu e eu não vou pressioná-lo, não
sou esse tipo de pessoa.
— Alana… — ele me chama assim que saio do carro e eu me
viro para encará-lo.
— O que foi?
André faz uma pausa que quase me mata e depois balança a
cabeça.
— Não é nada, deixa.
Claro que é alguma coisa, eu sei que ele quer falar algo,
contudo, parece que a sua coragem se esvaiu.
Suspiro e dou as costas para ele, entrando em casa.
Meu coração fica apertadinho e ignoro o nó na minha
garganta.
— Seu pai é um homem difícil, meu amor — falo com a minha
barriga e sinto o bebê se mexer. — É, eu sei que você sabe. — Aliso
a circunferência enorme que tem feito as minhas costas doerem toda
noite.
Vejo os pedreiros agitados do lado de fora, na obra da cozinha
para o buffet.
Fiquei tão feliz quando minha mãe me deu ouvidos e começou
com o projeto.
Nós duas idealizamos tudo, quebramos a cabeça para
calcularmos um bom tamanho para o espaço ser grande o suficiente
para ter a cozinha, um banheiro e caber todas as coisas que
precisam ficar guardadas.
E esses mesmos pedreiros estavam fazendo a reforma do
quarto dela, que agora é do bebê e meu.
Ele ficou pronto ontem e é a coisa mais linda.
Tudo está perfeito.
Assim que entro, vejo que tem uma caixa grande em cima da
minha cama.
— Ué, o que é isso?
Eu me aproximo, rasgo o papel pardo que vem por fora e
assim que vejo a caixa por dentro, reconheço que é de uma loja
infantil muito famosa.
Corro até a cozinha para pegar uma faca e passo na fita
adesiva que a mantém fechada para conseguir abri-la.
A primeira coisa que vejo é um ursinho muito fofo, depois tem
várias roupas de uso comum, fraldas de pano, kit de higiene pessoal,
e um pacote a vácuo que parece ter vários conjuntinhos neutros.
Ainda não sei o sexo do bebê, ele está se fazendo de difícil
com as perninhas fechadas, então tudo que tenho comprado é em
tons pastéis, nenhuma cor muito viva.
Eu me sento na cama e vou vendo cada uma dessas roupas e
imaginando o meu filho as usando.
Tudo de bebê é tão fofo e eu fico com a sensação de que
essa fase dele bem pequenininho vai passar muito rápido e já fico
aflita, mesmo que ele ainda nem tenha nascido.
Depois vejo a última coisa que tem embaixo.
É uma bolsa de maternidade.
E é linda demais, do jeito exato que eu queria e tinha até
colocado na minha wishlist da Amazon.
Antes de descartar a caixa para fora do quarto, vejo que tem
um bilhete no fundo dela e pego.
“Gabriela me passou a sua lista da Amazon, eu comprei tudo
que estava nela referente ao bebê. Me arrisquei em comprar também
outras coisas que eu acho que você iria gostar, mas caso queira
trocar, é só entrar no site e informar o número do pedido para ver
todo o trâmite da troca.
Espero que goste de tudo!
Com carinho e saudades, André.”
Eu nunca vou entender a cabeça de um homem, em especial
a do André.
“Com carinho e saudades”
Ele quer me deixar louca, só pode ser isso.
Pego o celular e tiro uma foto de tudo com o bilhete em cima e
mando para ele.
Eu: essa é a sua forma de falar que já está com saudades?
Eu: amei cada coisinha, é tudo perfeito.
Largo o celular e pego tudo, guardando cada coisa dentro da
parte do guarda-roupa que será do bebê.
Ganhei muitas coisas da família do André, quase todos os
dias eles batem aqui com uma sacolinha, falando que viram algo na
rua e não conseguiram resistir.
Gabriela e Gustavo também já estão mimando demais essa
criança.
Ele inclusive ficou chateado por não ter ficado sabendo da
notícia junto com a Gabi, mas entendeu o motivo depois que soube
quem é o pai, e ficou muito chocado, o que era bem óbvio de se
esperar.
André: Fico feliz que tenha gostado.
André: Essa é a minha forma de deixar claro que eu ainda estou
aqui.
Eu: É, você está e ao mesmo tempo não.
Me sento na cama quando vejo que ele já está digitando.
André: Não sei como fazer isso dar certo, Lana.
André: Eu não quero te magoar.
Eu: E se afastar assim do nada foi a melhor opção, André?
Sério?
André: Não sei como proteger vocês de outra forma.
André: É mais complicado do que você imagina.
O bebê se mexe enquanto eu leio as mensagens e aliso a
barriga, tentando acalmá-lo.
Eu: Talvez assim seja melhor, preciso começar a me acostumar
com a sua ausência de vez.
Fecho o aplicativo de mensagens e coloco uma almofada no meu
rosto, querendo gritar e chorar ao mesmo tempo.
Como eu fui burra!
Acreditei mesmo que iria conseguir mudá-lo, que faria com que a
aproximação de nós dois também fizesse com que ele se
aproximasse do filho.
Burra, burra e burra!
Como as coisas mudaram tão rápido assim? Não consigo
entender.
Me levanto e procuro por um pirulito pelo meu quarto, querendo
me confortar com o doce.
A minha obstetra achou um pirulito sem açúcar que é bem
gostoso e me indicou. Comprei logo um saco com cem, limitando-me
a dois por dia para não acabar me viciando.
Descobri que existe diabetes gestacional, nunca nem tinha ouvido
falar nisso, então ela disse que eu teria que ter um cuidado maior
com o consumo de açúcar.
— Cadê os malditos pirulitos?
Vou para a cozinha procurar, mas acabo vendo a minha mãe
pela janela e presto atenção nela.
Ela está com um sorrisinho bobo no rosto enquanto digita algo
no celular e depois fica olhando para a tela, provavelmente
esperando uma resposta que parece vir rápido, porque ela sorri
novamente.
Ainda não sei o porquê dela não ter me contado que está
conhecendo alguém, mas quem sou eu para julgá-la diante da atual
situação em que me encontro?
E eu fico me corroendo de curiosidade para saber quem está
tirando esses sorrisos da minha mãe.
Espero que seja um cara legal e gato, porque ela é bonita
demais para ficar com um feio depois de tantos anos sem ninguém.
Continuo procurando o pirulito e acho em um potinho de vidro.
Minha mãe deve tê-los guardado aqui.
— Ô de casa! — Escuto a voz da Gabi. — Está vestida? Estou
entrando com o Marcus — ela grita e eu rio.
— Podem entrar, estou na cozinha e vestida.
Jogo o plástico do doce fora e vou ao encontro deles quando
chegam na cozinha, abraçando forte a minha amiga e depois
puxando Marcus para um abraço também.
Ele sempre fica sem jeito quando faço isso, mas em algum
momento ele vai se acostumar.
— A que devo a honra da visita de vocês em plena sexta-
feira?
— Queremos te fazer um convite — Marcus diz e Gabi
concorda, animada feito uma criança. — É uma surpresa, na
verdade.
Surpresa? Como assim?
— O que vocês estão aprontando?
Gabi alisa uma mão na outra, fazendo um mistério.
— Prometo que você vai amar!
— Tá, e o que eu preciso fazer?
Eu, definitivamente, amo uma surpresa, então é claro que vou
aceitar.
— Precisa estar linda amanhã, como sempre! — Ela entrega
uma sacola que eu nem havia percebido que estava em sua mão. —
Lembra o jantar no shopping de Niterói, na quarta-feira, antes do seu
curso? — Faço que sim com a cabeça. — Foi só uma desculpa para
passar na frente de várias lojas e ver que roupa você iria falar que
gostaria de compar. — Ela balança a sacola para que eu pegue e
assim eu faço.
Na mesma hora que puxo a roupa, vejo que é um vestido
lindíssimo, mas que não comprei porque estava muito fora do meu
orçamento de futura mãe com dívida no FIES e financiamento do
carro.
— Amiga… mas é tão caro.
— É um presente nosso — Marcus diz e eu fico mais aliviada,
porque o homem é podre de rico.
Abraço os dois e a minha amiga ri.
Ela está tão animada que automaticamente fico ansiosa, mas
de um jeito bom.
— Te buscamos amanhã às 09h, tá bom? E aí dentro tem uma
máscara de dormir, você vai usar amanhã porque não queremos te
dar nenhuma pista de onde estaremos indo.
Tento roubar algumas informações deles, mas não consigo.
Eles vão embora logo depois, para fugir das minhas perguntas
e reforçam que preciso estar pronta às 9h, esperando por eles.
Isso me deixou tão animada que até esqueço das mensagens
e a breve conversa que tive com o André.
Eu preciso focar no meu filho, é ele que importa.
E vou aproveitar cada momento dessa gestação e tudo que
meus amigos e as pessoas que realmente me amam querem
proporcionar de bom para mim.
32

Dias depois da viagem a Petrópolis.


Eu sabia que alguma coisa iria acontecer nessa viagem, eu só
não imaginava que seria uma conversa tão intensa com o meu
irmão, que iria me abrir os olhos para coisas que eu estava tentando
não ver.
Mas ele não estava errado em nada do que falou e isso foi o
que mais mexeu comigo.
A minha sorte é que eu já tinha uma consulta marcada para
hoje, terça-feira, com a minha antiga psicóloga.
Dra. Antonia foi indicada pela psicóloga que me ajudava
quando eu ainda era adolescente.
Quando estava nos Estados Unidos, me consultei com uma
psicóloga de lá mesmo, mas assim que retornei, voltei a me
consultar com a Antonia, porque eu sabia que estar de volta ao Brasil
iria remeter a muitas coisas do meu passado e sozinho eu não seria
capaz de lidar com tudo.
Não sei o porquê de eu ter inventado de não vir mais, se eu
tivesse continuado, as coisas poderiam estar totalmente diferentes.
Assim que cheguei, ela pediu para que eu a atualizasse dos
últimos acontecimentos. E é óbvio que ela foi prestando atenção em
cada coisinha, me analisando para ver o que abordaria depois.
E a Dra. foi exatamente no ponto crucial que me fez vir aqui: a
gravidez.
— Deixa eu ver se eu entendi então, André. — Ela tira o
óculos, coloca na mesa e repousa as mãos cruzadas em cima do
próprio joelho. — Você engravidou a filha da Priscila, falou para a
menina que não seria presente na vida do seu filho e agora está
apaixonado por ela? É só isso ou eu esqueci alguma coisa?
Ela falando desse jeito é extremamente bizarro.
E cruel.
— É isso.
— Como você está se sentindo com tudo isso?
Eu despejo todos os meus sentimentos em cima dela,
tentando respirar entre uma frase e outra, sentindo que estou em um
lugar seguro e que posso contar todos os detalhes de tudo.
Ela sempre mantém uma feição tranquila, evitando mostrar o
choque ao ouvir certas coisas que qualquer outra pessoa ficaria
boquiaberta.
— Olha, André… realmente é uma situação muito complicada
por conta das coisas que você passou, mas isso tudo se resume ao
medo — ela me explica. — Qual foi a última vez que você teve uma
explosão de raiva?
Tento lembrar, mas faz tanto tempo que é difícil.
— Não lembro.
— Exatamente. Você não lembra porque a última vez foi
quando você tinha 17 anos, André.
E só de ela ter falado isso, eu lembro.
Não foi uma situação em que eu agredi alguém, mas eu
queria muito ter feito isso com o homem que assediou a Luciana
enquanto ela colocava as sacolas do mercado no táxi que iríamos
pegar para voltar para casa.
Foi difícil, mas eu consegui me controlar e não fui para cima
dele.
Em compensação, cheguei em casa com as minhas mãos
cobertas de sangue depois de tanto forçar minhas unhas contra elas,
e descontei a raiva na porta do guarda-roupa, que ficou partida em
vários pedaços.
— Isso faz muito tempo.
— E hoje, como você fica quando está perto de outra criança?
— Eu fico tenso, com receio de que algo aconteça e vire a
chavinha na minha cabeça.
Ela suspira e levanta, vindo até perto de onde estou e se
recosta na mesa.
— Agora, seja sincero comigo, como você quer que eu te
ajude? Porque se a sua decisão for se distanciar não só da Alana,
mas de todas as outras pessoas que te fazem bem, que te ajudam
na sua constante evolução e cura, eu não vou saber como te guiar
nisso — me explica pausadamente, querendo me fazer entender o
que está falando. — Mas se você acha, nem que seja só um
pouquinho, que existe uma chance de estar ao lado não só de todos
eles, mas também do seu filho, o momento é agora, André. Porque
não vai ser fácil, mas eu sei que você é capaz.
As palavras que ela diz se repetem na minha cabeça diversas
vezes, não sei quanto tempo eu fico quieto apenas pensando,
pensando e pensando.
Porém, não consigo ver de forma tão clara quanto ela, não
consigo me imaginar vencendo esse medo que parece me destruir
todos os dias.
Eu só consigo me ver na mesma cena de anos atrás, mas ao
invés de ser o Rennan ali, vejo um outro garotinho, com os olhos da
Alana e o nariz igual ao meu.
Tenho tido esse pesadelo várias noites nos últimos tempos.
Na verdade, só quando a Alana dorme comigo que eu consigo
ter um sono tranquilo. Os outros dias são de puro terror, eu acordo
no meio da madrugada e não consigo mais dormir, fico horas e horas
assistindo O Senhor dos Anéis, até dar o horário de começar a
trabalhar.
— Eu… eu não sei o que fazer.
— Por que você não tira uns dias para pensar sobre isso?
Sem a influência de ninguém, apenas você. — Concordo com o que
ela fala. — Mas eu quero que saiba, André, que você não é mais
aquela pessoa de muitos anos atrás. Você se tornou um bom homem
e isso é fácil de perceber, porque todos ao seu redor te amam e
demonstram isso o tempo todo.
A consulta acaba e eu vou embora, pensando em tudo o que
ela falou.
Mas nada tira da minha cabeça que estar próximo da Alana e
do bebê é sinônimo de risco para eles.
◆◆◆

Depois de muito lutar contra isso, e contra a minha vontade,


aceitei vir jantar com a Victoria.
Ela continuou me mandando mensagem e aparecendo na
frente da casa da minha mãe depois do dia em que discutimos, e
isso já estava passando dos limites.
Preciso que ela entenda que já houve um ponto final na nossa
história e que nenhum outro capítulo será escrito.
Acabou.
Nós jantamos e eu deixo que ela fale sobre coisas aleatórias,
sobre como está odiando o Rio de Janeiro e várias outras merdas
que eu não estou nem um pouco a fim de ouvir.
A comida desce como se estivesse dura feito pedra, e eu só
quero ir embora.
— Você não está me ouvindo, né? — pergunta.
— Desculpa, Victoria… mas a minha intenção nesse encontro
não foi para fingir que somos amigos ou que algo vá rolar entre nós
dois — digo com a maior calma possível, querendo evitar uma briga.
— Preciso saber o que está acontecendo de verdade, que te fez vir
ao Brasil atrás de mim.
Ela afasta o prato e eu percebo que ela não tocou na taça de
vinho.
— Eu perdi tudo, André — diz, respirando fundo. — Me
envolvi com um homem perigoso, me apaixonei e acreditei nas
coisas que ele falou. Passei tudo para ele em um ato desesperado
de provar o meu amor e ele sumiu.
Puta que pariu.
Não é possível que ela tenha feito isso.
— E quem é esse homem?
— Você não conhece, mas eu descobri que ele faz
contrabando de armas entre vários países!
— Meu Deus, Victoria. E ele simplesmente sumiu do mapa?
— Ela concorda. — E então você precisa de ajuda financeira? Era
por isso que o dinheiro que eu te mandava não era suficiente, né?
Há quanto tempo que ele sumiu?
— A primeira vez tem mais de dois anos e eu fiquei muito
tempo achando que havia acontecido algo com ele, mas aí eu
percebi que não sabia nada da vida dele, não tinha onde procurar…
e mês passado acabei o encontrando em um evento.
— E…?
— E eu engravidei.
Porra.
E eu achando que a história não tinha como ficar pior.
— Você está grávida? — Ela faz que sim com a cabeça. — Eu
nem sei o que falar, Victoria…
— Eu preciso de ajuda, só isso! Mas eu quero fazer as coisas
certas, sabe? Sei que não agi certo com você, que tenho sido
inconveniente e pelo visto te arrumei um problema com a sua amiga,
porém, eu não quero mais ser esse tipo de pessoa. Quero ser
alguém que meu filho ou filha tenha orgulho.
— Você sempre quis ser mãe — afirmo e ela concorda. — Eu
não deveria ter me envolvido com você quando me contou do seu
sonho, mas na época eu era tão apaixonado que me forcei a
acreditar que você não se importaria… eu acho que foi isso que te
transformou em uma pessoa que eu não admiro. Você ficou frustrada
com a vida e obcecada em me fazer mudar de ideia.
Ela suspira e olha para o lado, desviando o olhar do meu.
— Não me orgulho de nada disso.
— Mas você simplesmente teve uma epifania e mudou?
Assim do nada?
— Conheci um casal na praia e a mulher estava grávida. Nós
conversamos muito, porque para a minha sorte, ela sabia falar inglês
e eu simplesmente vi, pela primeira vez, a minha vida pela ótica de
outra pessoa… não é assim que eu quero que meu filho me veja.
Já ouvi muitas histórias de pessoas falando que os filhos
mudaram os pais da água para o vinho, que se tornaram pessoas
melhores e quase irreconhecíveis depois da chegada deles.
Talvez isso possa acontecer com ela, e do fundo do meu
coração, eu espero que sim.
Victoria não foi uma pessoa ruim e desprezível sempre, então
acho que ela realmente pode voltar a ser uma boa pessoa ou até
mesmo ser melhor do que era antes, reconhecendo as coisas que
realmente importam.
— Eu posso te ajudar — digo e os olhos dela se enchem de
lágrimas. — Ainda tenho uns contatos lá fora que podem te ajudar.
Você tem a sua passagem de volta? — Ela faz que não com a
cabeça. — Vou providenciar isso.
— Não acredito que você está realmente disposto a me
amparar.
Nem eu.
— Mas entenda que é uma ajuda, ok? Você terá que correr
atrás também.
Ela concorda.
Não sei como será isso, mas vou torcer para que dê certo.
— Deus me ajude a ser mãe solo — ela comenta e pega mais
um pedaço perdido de ervilha em seu prato. — E quem diria que
você também seria pai.
Na discussão que tivemos na frente da casa da Priscila, eu
acabei falando que a Alana estava grávida.
Ela me encurralou enquanto falava várias coisas sem sentido,
querendo piorar a nossa briga e eu acabei falando sem pensar.
— Não sei se de fato serei.
Ela faz uma careta, confusa.
— Não sei o que aconteceu na sua vida, André. Você nunca
se abriu para mim por completo, mas sei que alguma coisa lhe
fizeram, você tinha muitos pesadelos e alguns deles eram terríveis
só de ouvi-lo falar enquanto dormia. — Ela faz uma pausa, antes de
continuar. — Sei que errei em forçar a barra para você me
engravidar, nada justifica isso, porém, eu sempre tive certeza que
você seria um pai incrível.
Rio sem humor.
— Eu nem consigo ficar perto de outras crianças sem querer ir
embora na mesma hora.
— E eu imagino que isso tenha a ver com algo que lhe
aconteceu, mas se eu puder pedir para que confie em mim, uma
última vez, eu pediria em relação a isso. Ninguém com um coração
como o seu seria algo menos que incrível como pai.
Não sei se é o Universo me sacaneando, contudo, parece que
ele quer me fazer entender que estou tomando a atitude errada ao
querer me afastar.
33

Dia da surpresa.
Não sei o que eles inventaram, mas tenho certeza que é
longe.
Estamos há mais de uma hora no carro e eu estou surtando
com essa venda nos olhos.
Até música alta eles colocaram, evitando que qualquer som
específico faça com que eu descubra para onde estamos indo.
Bato as minhas unhas em minhas pernas, querendo que esse
bendito destino chegue logo.
— Estamos quase, amiga — Gabi diz, provavelmente
percebendo a minha ansiedade. — Prometo que vai valer a pena
esse pequeno sufoco e desespero.
A sorte dela é que eu tenho certeza que ela não faria isso se
realmente não fosse valer a pena.
Os dois conversam mais um pouco comigo, tentando me
distrair e até que dá certo por alguns minutos, mas depois eu fico
agoniada novamente.
— Chegamos! — Marcus diz e eu sinto que o carro parou.
— Amém! Vocês estão torturando uma grávida e eu tenho
certeza que é algum tipo de crime.
Ouço os dois rirem e depois a Gabi segura a minha mão ao
abrir a porta do carro, me ajudando a sair com cuidado para eu não
me acidentar.
— Espera um pouquinho! — Ouço um portão se abrir e tenho
quase certeza que Marcus corre para longe de nós e segundos
depois volta, segurando na minha outra mão e me levando para
algum lugar que ainda não sei onde é.
O chão parece de grama, porque sinto o meu salto afundar
um pouco toda vez que eu piso e o lugar provavelmente é aberto,
porque corre bastante vento e consigo sentir um cheirinho de
maresia.
Gabriela me para, coloca a mão onde fica o fecho da venda e
solta, fazendo com que eu finalmente veja onde estou.
— Surpresa! — muitas pessoas gritam e eu coloco as mãos
no rosto, sentindo a minha boca aberta em choque com a cena linda
que vejo.
É um chá de fraldas surpresa.
Não consigo sair do lugar e começo a abanar o rosto para não
chorar e estragar a maquiagem linda que eu fiz.
— Não acredito que vocês conseguiram fazer tudo isso pelas
minhas costas! — falo para todo mundo ouvir.
Puxo a Gabi e o Marcus para um abraço apertado.
— Obrigada por terem feito parte disso.
Gabi tenta não chorar, mas fica abanando o rosto igual a mim,
poucos segundos atrás.
— Obrigada você por ter me dado a benção de ser madrinha
desse bebê.
Ela beija o meu rosto e depois dá um tapinha na minha bunda,
me incentivando a ir falar com as demais pessoas.
E só quando dou uma olhada ao redor, me situando de onde
estou, que reconheço que é a casa de praia do André, em Cabo Frio.
Por isso demoramos tanto para chegar.
A decoração é a coisa mais linda.
É toda em tons pastéis, igual ao quartinho do bebê. No meio
de onde colocaram a maior parte da decoração, tem um painel com
uma interrogação, porque não sabemos o sexo ainda, e também tem
um arco de bolas lindo, vários ursos em tamanhos diferentes para
decorar ao redor da mesa, onde tem um bolo e alguns docinhos.
Só quando vou até onde a maioria das pessoas estão, que
vejo na parede que eu estava de costas, uma foto minha, enorme.
Ela foi tirada em Petrópolis, mas eu não lembro em que
momento eu tirei…
— Eu realmente estou uma grávida linda! — me elogio e o
Gustavo ri do meu lado, se aproximando para me dar um abraço
apertado e gostoso.
— Você é linda sempre, Lana. — Ele beija o meu rosto. —
Gostou da surpresa?
— Eu amei!
— Acho que você vai amar ainda mais ao descobrir que todos
que estão aqui ajudaram de alguma forma.
— Todos? — ele confirma e eu sinto vontade de chorar.
— Sua mãe e Gabi ficaram dias para conseguir pegar o
número de todo mundo e fazer um grupo para organizar. — Ele pega
o celular e me mostra o grupo que estava arquivado. — A gente
queria que você soubesse o quanto te amamos e como essa criança
terá muitos titios doidos por ela.
Por que eu me maquiei? Era para ter vindo sem nada, assim
não corria o risco de ficar igual a um panda, porque sei que cada
pessoa que vier falar comigo vai me fazer chorar.
— Vocês são incríveis! — Abraço o meu amigo novamente e
depois vou falar com todo mundo.
Danilo, Camis e o namorado dela estão sentados em uma das
mesas, falo com eles e ainda recebo um carinho na barriga de cada
um. O namorado dela até arrisca em dizer que acha que é uma
menina.
Falo com os pais do Guto, com os meus tios que moram em
outro estado e quase nem conseguimos nos ver pessoalmente pelas
vidas corridas e a distância.
Alguns amigos da faculdade vieram, que são os poucos que
ainda mantenho contato, duas vizinhas que são as únicas que não
ficam falando da vida dos outros e mais algumas pessoas que eu fico
feliz que tenham vindo.
— Como vocês esconderam isso de mim tão bem? —
pergunto assim que eu chego na mesa onde está a família do André
e abraço todos eles. — Eu amei, obrigada por terem feito isso.
— Você merece, meu bem! E esse neném terá duas avós
babonas para estragá-lo e te deixar doida.
Eu rio ao ouvi-la e sinto o bebê mexer.
— Ele já ama a vovó! — Puxo a mão dela e coloco bem em
cima de onde ele está mexendo e Luciana fica com os olhos
marejados.
— Vovó Lu te ama, querido! — ela fala perto da barriga.
— A titia Bia, a mais bonita, também! — Ela disputa o espaço
com a mãe para poder falar e me arranca uma risada sincera.
Peço licença a eles e vou até a minha mãe, que está com um
lenço na mão, secando as lágrimas o tempo todo.
Basta apenas que eu olhe em seus olhos e nós duas
começamos a chorar.
— Eu nem sei como dizer o quanto te amo, mãe.
— Que coincidência, eu ia falar exatamente isso.
Seus braços se fecham ao redor do meu corpo e eu fico ali,
abraçando a pessoa mais incrível desse mundo todo, que é a minha
inspiração, meu alicerce e a melhor mãe do mundo.
— Tem mais uma surpresa para você! — ela diz no meu
ouvido e me puxa até o painel onde tem uma interrogação. Só
quando chego bem perto que consigo notar que é um tecido solto por
cima do painel e ela tira um envelope que estava preso na parte de
trás. — Gabi tinha combinado com a sua doutora, na última consulta,
para não te contar o sexo se já tivesse como saber e ela viu, mas te
enganou para a surpresa de hoje ser ainda mais completa.
Ela coloca o envelope em cima das minhas duas mãos.
— O sexo do meu bebê está aqui neste papel?
— Sim, meu amor. Mas ela não contou para ninguém sobre
essa parte da surpresa, porque não sabíamos se você iria querer
compartilhar com todo mundo ou não.
Deus, será que vou conseguir parar de chorar algum dia?
— É claro que eu quero que todos saibam… sei que todos
que estão aqui realmente gostam de mim e do bebê, ninguém sairia
de Laranjeiras para Cabo Frio a troco de nada. — Ela ri e concorda.
— Vamos ver juntas? — pergunto.
— Tem certeza? Esse momento é seu, meu amor.
— E eu quero passar com a pessoa que eu sei que me ama
mais do que tudo.
Ela respira fundo para não chorar mais e fica lado a lado
comigo.
Também preciso respirar fundo e abro o papel com cuidado,
sentindo minhas mãos tremerem mais do que o normal.
Vejo que antes do resultado tem um recadinho escrito à mão.
Reconheço a letra e sei que foi a Gabi que escreveu.
“Oi, mamãe, sei que você está ansiosa para saber se eu sou
menino ou menina, mas primeiro queria te falar uma coisa.
A dindinha disse que você é linda, cheia de vida e a outra
metade dela. Não sei o que isso significa, mas ela cochichou na
barriguinha que é uma coisa boa e que eu sou muito sortudo por
estar sendo gerado por você.
E eu adoro conversar com a dindinha, também falei para ela
que me sinto muito amado por você desde a primeira vez que fez um
carinho na barriga e falou que iria me amar com todo o seu coração.
E você já faz isso!
Mamãe, ainda vai demorar um pouco até eu conseguir te falar
isso, mas eu te amo muito! Quando eu fizer alguma besteira e
parecer que não, lembre-se que é só um momento passageiro.
Estou ansioso para te conhecer, mamãe!”
Minha vista está tão embaçada que demoro mais que o
normal para conseguir ler.
Olho na direção da Gabi, que está de longe vendo que estou
lendo a carta e falo sem som que a amo.
— Pronta? — minha mãe pergunta e eu faço que sim com a
cabeça, sem conseguir esboçar uma palavra sequer.
Puxo o papel com o recadinho e logo atrás dele já aparece o
resultado.
Sexo: masculino.
Meu corpo todo se arrepia e eu não sei se começo a chorar ou
rir.
Minha mãe me abraça e nós duas começamos a pular
agarradas uma na outra e provavelmente chamando a atenção das
pessoas que não entendem nada.
— Estou tão feliz por saber que terei um garotinho correndo
naquela casa e nos deixando doida — ela diz quando nos afastamos
e eu rio mais.
— Eu soube desde o início, mãe. Mas agora que tenho
certeza, posso dizer que é a realização do meu sonho.
Guardo o papel com muito cuidado, porque quero ter para
sempre tanto o resultado do exame quanto a cartinha que a Gabriela
fez.
— Gente! — falo alto para todo mundo ouvir. — Eu tenho um
recado para dar… — Gabriela vem correndo até onde estou e fica do
lado do painel, segurando o tecido que está com a interrogação. —
Eu estou esperando um menino! — digo o mais alto que consigo e
todo mundo começa a bater palmas, gritar e comemorar junto
comigo.
Olho para trás e vejo que debaixo da interrogação está escrito
“Baby Boy”.
Ela realmente pensou em tudo.
Quase todo mundo vem me abraçar e fica uma confusão de
pessoas e braços, mas eu amo e aceito as felicitações de todos eles.
Sinto o meu coração quase parar quando me viro um pouco,
encontrando André encostado em uma parede ao fundo, de braços
cruzados e com os olhos marejados.
Eu não sei o que sentir, mas o sorrisinho que ele não
consegue conter faz com que eu queira chorar novamente.
34

Há algumas semanas, minha irmã veio conversar comigo e


me contou sobre a surpresa que ela e outras pessoas queriam fazer
para a Alana.
Eu fiquei meio receoso, porque não sabia se deveria me juntar
a eles na organização ou até mesmo se viria. Eu estava confuso,
sem saber se era uma boa ideia ou não.
Ainda mais com essa distância entre mim e a Alana.
Mas mesmo assim eu ajudei, ofereci a minha casa aqui em
Cabo Frio que é espaçosa, e grande o suficiente se alguns dos
convidados quisessem ficar o resto do final de semana e também
facilitei para que todos conseguissem vir, fechando com alguns
motoristas particulares para trazê-los e levá-los, garantindo até
mesmo quem não tinha carro, para não precisarem passar perrengue
em ônibus.
Não entrei no grupo que eles fizeram por motivos óbvios e
metade das pessoas que estão aqui nem imaginam que eu sou o pai
dessa criança.
Pai de um menino.
Cheguei pouquíssimo tempo antes de ela abraçar a Priscila e
anunciar a todos que teremos um menino.
Um garotinho…
Alana acabou de me ver e eu senti o meu coração dar
cambalhotas ao ser o foco da sua atenção, mesmo sabendo que ela
está chateada comigo.
E eu mereço, sei que fui um babaca em me afastar dessa
maneira tão brusca, depois de um final de semana incrível com ela e
meus irmãos.
Mas essa é a única maneira que eu sei fazer para protegê-la,
e é isso que eu vim conversar com ela.
Lana merece ao menos uma conversa franca, e ela terá isso
de mim se quiser.
Alana vem em minha direção e seu vestido longo, com o
tecido fluido, marca a sua barriga quando o vento bate contra o corpo
dela.
Queria que a minha câmera estivesse aqui para registrar esse
momento.
— Você veio! — diz quando para na minha frente, tentando
controlar o cabelo que toda hora bate em seu rosto.
— Sim, eu vim.
Ajudo com o seu cabelo e coloco uma mecha atrás da sua
orelha, e percebo que ela suspira ao sentir o meu toque.
Que saudade de beijá-la.
— É menino! Você viu? — Aponta para o painel enorme onde
ela estava.
— Eu vi… tenho certeza que ele terá os seus olhos.
Ela abaixa um pouco a cabeça, olhando para a barriga e
sorrindo.
— Será que ele será loiro como a mãe ou moreno como você?
— Eu apostaria que ele será moreno!
Alana sorri para mim, sem tirar as mãos da própria barriga.
Impressionante como ela é controlada.
Qualquer outra pessoa teria me expulsado da minha própria
casa ou pelo menos dado uns gritos, mas Alana está se mantendo
calma, não querendo estragar esse momento importante.
E de fato eu não tenho essa intenção, quero que ela lembre
desse dia com muito carinho por todos os anos de sua vida.
— Eu não quero atrapalhar, Alana… ficarei lá dentro, mas
gostaria de saber se ao final da festa você aceitaria conversar
comigo!
— Tudo bem, acho que temos coisas a resolver — diz um
pouco mais séria, mudando a expressão do rosto. — Por enquanto,
vou dar atenção às pessoas que vieram por mim e pelo meu filho.
Ela vira as costas e volta para onde está acontecendo a festa.
Essa alfinetada dela doeu mais do que deveria.
A minha intenção era entrar, me trancar em meu quarto e
esperar até a hora que ela quisesse falar comigo, mas eu fico aqui,
escorado na parede e vendo as pessoas felizes pelo bebê, por ela e
o tempo todo fazendo carinho em sua barriga.
Um homem em específico, que eu não conheço, parece não
saber manter as mãos longe dela.
Se não está tocando em seu braço ou ombro, está tocando na
barriga.
Precisa encostar tanto em alguém assim?
Meu rosto queima a cada vez que ele encosta nela, e ela nem
parece perceber, mas já contei mais de trinta e duas vezes e nem sei
quanto tempo estou aqui prestando atenção.
— André, você está parecendo um psicopata! — Beatriz diz,
me dando um susto. — Ou fica lá, igual a todas as pessoas normais
ou então entra e procura um buraco pela janela para ficar olhando
como um homem isolado e amargurado, pronto para assassinar toda
a vizinhança.
Quê?
— O quanto você bebeu?
Ela ri.
— Nada, mas estou assistindo American Horror Story.
Ficaria surpreso com quanta coisa bizarra tem naquela série! Estou
anotando uma coisa ou outra, vai que eu precise em algum
momento.
— Pelo amor de Deus, Bia! Qual o seu problema?
— Prefiro mil vezes soar como doida do que ficar assim igual
a você, um idiota, deixando que a mulher que você gosta e o seu
filho fique à disposição de um cara que seja legal e os mereçam de
verdade — ela diz e depois sorri, tentando aliviar o peso das suas
palavras. — Mas eu te amo, se isso vale de algo nessa conversa
estranha.
Encaro a minha irmã com vontade de mandá-la à merda ou
para um hospício, mas opto por virar as costas e entrar.
Me torturar aqui embaixo não levará a nada e não quero dar
motivos para as pessoas ficarem falando sobre eu estar igual a um…
o que foi mesmo que a Bia falou?
Ah! Lembrei.
Igual um idiota, psicopata, e acho que teve algo sobre
amargurado também.
Subo até o meu quarto, sento na poltrona perto da janela,
porém, a mantenho fechada e fico olhando para as paredes do
quarto onde tudo aconteceu no Carnaval.
Consigo lembrar de cada detalhe, inclusive dos gemidos
abafados da Alana.
— Inferno! — resmungo e fecho os olhos, querendo dormir e
só acordar quando a loira que domina a minha cabeça entrar pela
porta para conversarmos.

◆◆◆

— André? — Escuto a voz da Alana bem baixinha e vou


abrindo os olhos aos poucos, recobrando os sentidos e lembrando
onde estou. — Tentei te deixar dormir mais um pouco, mas fiquei
preocupada por causa da hora.
Ela fecha a porta atrás dela e vem até onde estou, segurando
um pratinho descartável cheio de comida.
— É para mim?
— Claro! Você precisa comer algo.
Eu aceito, porque realmente estou com fome e como um
pedaço da torta salgada que na mesma hora reconheço que foi a
mãe dela que fez.
— Nossa, isso está delicioso.
Alana senta na beira da cama, ficando ao meu lado.
— Tem mais coisas na geladeira — comenta. — Minha mãe é
exagerada, fez muito mais comida do que era para fazer. Quem vê
assim nem diz que é dona de um buffet e sabe calcular com
perfeição o quanto se gasta em média em cada tipo de evento.
— Tenho certeza que a intenção dela foi de que todos
comessem bem, pudessem repetir e provavelmente muita gente
levou esses pratinhos cheios, colocando outro por cima para
proteger a pilha de comida.
Ela ri e concorda.
Isso é típico de acontecer em todas as festas que a Priscila
faz.
Como mais um pouco e depois coloco o prato na mesinha ao
meu lado, tentando me preparar para a conversa difícil que teremos.
E percebo que é um tipo de conversa que não tem como se
preparar, vai ser terrível de qualquer forma.
— Você está me assustando com esse suspense, André.
— Eu estou tentando pensar por onde começar…
— Olha, se você não tiver à vontade para falar o que acha que
precisa, tudo bem. Não quero te deixar desconfortável e muito
menos tocar em algo que te machuque. — Ela faz uma pausa e olha
em meus olhos. — Eu só não entendi o porquê da sua mudança tão
repentina! Eu fiz algo na viagem que te chateou?
— Você? Claro que não, Alana. Você não faz nada além de
ser maravilhosa comigo, e sei que na maioria das vezes eu não
mereço.
Ela suspira, confusa.
— Isso é por causa do Renato? — pergunta com cuidado,
tendo cautela para entrar nesse assunto. — Eu sei que foi ele,
mesmo que você não tenha entrado a fundo no assunto comigo, sei
que só ele seria capaz de te machucar e deixá-lo para morrer.
— Sim, foi ele quem fez aquilo… mas o pior que aconteceu
naquela noite não foram todas as porradas que levei! — Meu corpo
se arrepia só de lembrar das palavras dele. — Ele ameaçou vocês
dois, Alana! E acredite, eu sei do que ele é capaz.
Ela tenta esconder o medo, mas vejo a sua mão tremer.
— Mas a culpa não é sua que ele seja um filho da puta
desgraçado!
— Não é minha culpa ele ser um monstro, mas eu o atraí
novamente para a minha vida na tentativa de me vingar. — E isso
tem me amargurado absurdamente. — Era para eu ter parado
imediatamente quando você contou que estava grávida! Do que
adianta eu tentar me afastar para tentar protegê-los de mim, se
coloquei um alvo em suas costas?
— Como assim “me afastar para tentar protegê-los de mim”?
— me pergunta, tentando entender as coisas que eu estou falando.
— André, eu sei que você jamais machucaria a gente. Por que está
falando isso?
Eu me levanto em um rompante, me sentindo abafado dentro
da roupa.
— Porque é esse o motivo de eu não poder ser presente na
vida do meu próprio filho, Alana — assumo para ela o que tenho
tanto medo de falar em voz alta.
— Você não é o Renato! — ela diz ao se levantar da cama e
ficar de frente para mim. — Não se comp…
— Eu quase matei o Rennan uma vez… — falo sem força
nenhuma, com a voz tão baixa que nem sei se ela consegue me
ouvir.
Alana fica em choque ao me escutar, mas se aproxima ainda
mais e segura a minha mão, que eu nem havia percebido que estava
começando a apertar com as unhas.
— Tenho certeza que foi um acidente.
Quem me dera que tivesse sido.
— Não foi, Alana! — Desvio o meu olhar do dela, porque sei
que não teria coragem de contar tudo se estiver a encarando. —
Quando fui morar com a Luciana, tive alguns ataques de raiva logo
no início e ela procurou ajuda profissional, já deduzindo que era por
causa do que passei quando morava com o Renato. Não era sempre
que acontecia, na verdade, eu contei e guardei cada uma delas,
foram exatas seis vezes. — Alana fica fazendo carinho na minha
mão com o seu polegar. — Todas essas vezes eu me destruí ainda
mais, mas nenhuma se compara ao que eu fiz com o Rennan. —
Fecho os meus olhos e assisto a cena se passando na minha
cabeça. — Ele tinha pouco mais de 2 anos e a Luciana tinha ido
rapidinho no mercado comprar umas frutas para ele. Eu tinha ficado
sozinho com o Rennan muitas e muitas vezes, ele sempre ficava
tranquilo, mas, naquela tarde, ele estava chorando muito e nada do
que eu fazia conseguia acalmá-lo… — minha respiração vai ficando
mais pesada de acordo com as cenas que vou relembrando — … e a
voz do Renato começou a tomar conta da minha cabeça, eu não
ouvia nada além do choro e as frases que ele sempre falava para
mim quando era pequeno e também chorava!
Sinto a mão da Alana em meu rosto, secando a lágrima que
escorreu.
— Renato falava que homem não podia chorar, que eu tinha
que ser forte e que se não fosse capaz de parar sozinho, ele iria me
parar do jeito dele. — Escuto a voz dele com perfeição na minha
cabeça. — Em algum momento, quando eu olhei para o Rennan, eu
não o vi mais… eu me enxergava ali e sentia uma fúria muito grande
por me ver naquele estado, chorando e com medo. E quando eu
percebi, Luciana já estava me tirando de cima do Rennan… ele
estava ficando roxo, quase sem ar por eu tê-lo sufocado com a
almofada.
— André… — Eu me afasto dela, porque não quero que seja
condescendente comigo. — Você era só uma criança muito ferida
por uma infância terrível.
— O que eu fiz não tem justificativa. — Volto a olhá-la. — Eu o
teria matado se ela demorasse alguns segundos a mais, Alana! Você
entende a gravidade? — digo, me sentindo desesperado. — Você
consegue entender que eu não sou capaz de dar segurança ao meu
filho se estiver por perto? Eu tenho medo de ficar perto de qualquer
criança desconhecida pelo simples fato de não saber se esse ataque
de raiva vai acontecer de novo ou não! — Esfrego o rosto com as
duas mãos. — Eu só conheci a dor!
Alana seca o próprio rosto, abalada com tudo o que está
ouvindo.
— Você é muito mais do que essas dores, Dré… E a Luciana?
E todo amor que ela te deu? — pergunta, se aproximando de mim
novamente. — Ela te ajudou a se tornar esse homem único que você
é. Não consegue enxergar isso? — Alana segura o meu rosto com
as duas mãos, olhando fundo em meus olhos. — Não deixe que o
Renato ainda tenha as rédeas da sua vida, não deixe que ele faça
com que acredite que você não é uma pessoa especial… André,
você tem tanto amor dentro de si que decidiu abdicar de estar perto
da sua família para que seu filho esteja seguro, nessa sua ideia de
que você seria perigoso para ele.
Ela pega a minha mão e coloca por cima da sua barriga.
Não sei se é coisa da minha cabeça, mas eu tenho certeza
que senti um movimento lá dentro.
— Você não faz ideia de como o seu filho adora ouvir a sua
voz, como ele se agita sempre que você está por perto…
Ele se mexe novamente e dessa vez eu sinto perfeitamente.
As minhas pernas ficam fracas, o nó na minha garganta me
machuca e eu desabo de joelhos no chão, segurando no quadril da
Alana, ficando de cara para a barriga dela.
— Eu não consigo suportar a mínima possibilidade de fazer
algum mal a ele.
— Você não vai, confia em mim! — Levanto o olhar para vê-la.
— Se dê uma chance, André. Eu e toda a sua família estaremos
juntos com você, te dando todo o apoio e suporte para que isso dê
certo.
Volto a olhar para a barriga dela e encosto a minha testa ali,
tentando ter uma luz do que fazer, sentindo o meu coração doer de
tanto medo do que ainda está por vir.
— E se eu não conseguir? E mesmo se depois de tudo, eu
ainda assim não for capaz de ser um bom pai?
O bebê mexe novamente e eu coloco as minhas duas mãos
na barriga dela, vendo como ele está agitado, como se também
quisesse ser ouvido nesta conversa dolorosa.
— Eu também não sei se serei uma boa mãe e isso me
apavora, mas ainda assim eu vou dar tudo de mim e torcer para que
seja o suficiente… você só precisa tentar!
Alana passa a mão em meu cabelo e depois em meu rosto,
fazendo um carinho tão gostoso que chega a acalmar um pouco o
meu coração.
Me levanto depois que sinto minhas pernas novamente, mas
fico de frente para ela, sentindo a sua barriga que está volumosa
encostar na minha.
— Como eu faço isso dar certo? — pergunto com a maior
sinceridade possível, deixando que ela entenda o quão perdido e
apavorado eu estou.
Porque eu não quero me afastar dela e nem da minha família.
Não quero ter que ver o meu filho sendo criado por outra
pessoa… não quero um homem desconhecido dando o amor que eu
deveria dar a ele.
Não sei se vou conseguir, mas eu quero tentar.
Eu preciso tentar.
Quero ser o pai que eu não tive, quero protegê-lo como
ninguém foi capaz de fazer por mim e dar todo o amor que não
recebi dos meus pais, mas que conheci no momento em que a
Luciana entrou na minha vida.
Alana está certa, eu conheci o amor de uma mãe, aquele que
faz com que a mãe lute pelo filho, que faz com que ela vá contra tudo
e todos para conseguir fazer por ele o que nenhuma outra pessoa
fará.
É nisso que eu preciso focar.
— Nós daremos um jeito de fazer dar certo.
E é exatamente isso que a Alana está fazendo pelo nosso
filho.
Ela está lutando para que eu não desista, para que eu tenha a
chance de provar que não me tornei o Renato.
35

1 mês depois.
Com certeza farei uma cesariana, está decidido.
Não tem a menor chance de eu conseguir colocar essa
criança para fora de forma natural, não mesmo.
Ainda estou apavorada com todos os vídeos que eu assisti
sobre isso.
Parabéns para quem consegue, mas não vai rolar para mim.
Gabriela e Beatriz estão deitadas na minha cama, as duas se
dividindo entre ler alto os itens que outras mamães aconselham a
levar na bolsa da maternidade.
Já me perdi várias vezes e tivemos que conferir de novo se eu
peguei tudo ou não.
— Lana, está absolutamente tudo aí! — Bia fala. — Na
verdade, tem mais coisas do que você realmente precisa.
É, eu acho que ela está certa.
A mala está lotada porque eu quis colocar coisas a mais, só
para garantir e não correr o risco de não faltar nada para ele.
— E como está sendo esse início de faculdade? Está
gostando? — pergunto a ela e Gabi se anima para ouvir o que ela
tem a dizer.
— Eu estou realizada, meninas! A faculdade é incrível, o curso
é o dos meus sonhos e voltar a ter um propósito, algo em que focar é
sem igual.
Fico tão feliz por ela.
Beatriz é incrível, muito divertida e tem um coração enorme,
torço para que a vida dela seja linda igualzinha a ela.
— Ficarei aguardando ansiosa pela sua formação — Gabi
comenta. — Posso tentar conseguir um estágio para você quando
chegar nessa parte da faculdade.
Beatriz se ilumina ao ouvir isso e começa a explicar as
matérias que está tendo.
Eu, obviamente, não entendo metade do que ela fala, mas
como a Gabi é do ramo imobiliário, entende muito bem.
Deixo as duas conversando e aproveito para pegar o meu
celular e dar uma fuxicadinha nas redes sociais.
Uma das primeiras coisas que aparecem é a foto que o André
postou ainda há pouco.
É a sua mão em minha barriga.
A legenda são vários corações azuis e eu fico toda boba, com
vontade de comentar, mas as pessoas ainda não sabem que ele é o
pai.
Depois do chá de fraldas e aquela conversa muito pesada,
mas que me fez entender o real motivo de ele não querer ser
presente, ele tem se mostrado disposto a tentar.
As coisas entre nós dois não voltaram da forma que estavam.
Eu gosto dele, isso é um fato, porém, não posso me colocar
em risco de me apaixonar por ele.
Não, enquanto meu foco é ajudá-lo a superar todo esse medo
aos poucos, mostrando que ele é capaz, sim, de ser um ótimo pai,
sem o reflexo do Renato em suas atitudes.
Foi um choque absurdo saber o que aconteceu com o Rennan
e depois ele até veio falar comigo, porque o André o informou que
me contou.
Rennan disse que ele sabe disso desde novo e que em
nenhum outro momento o André foi agressivo ou qualquer coisa
próximo disso.
Agora, mais do que nunca, eu entendo o medo dele sobre a
paternidade, mas quero que isso dê certo, que ele consiga ser o pai
que não teve.
Quero que ele se inspire na garra da Luciana, que criou três
filhos sozinha. Ou até mesmo a minha mãe, que perdeu o marido
cedo demais e teve que ser meu pai e minha mãe ao mesmo tempo.
Está sendo um passo de cada vez e o que importa é que ele
está tentando mesmo com medo.
E parece que só ele não percebe o quão carinhoso já é com o
filho.
O laço já está sendo formado e eu estou achando lindo
assistir isso acontecer desde o começo.
— Alana, tem visita para você! — minha mãe fala alto e eu
saio do quarto direto para a sala, encontrando o André de pé ao lado
do sofá.
Minha mãe está tentando perdoar o amigo aos poucos, mas
não está sendo nada fácil.
— Oi, André, está tudo bem?
— Sim! — Ele se aproxima. — E vocês dois? — André se
abaixa na minha frente e sorri para a minha barriga, como se fosse
capaz de enxergá-lo dentro dela. — E aí, garotão! Se comportou
essa noite?
O bebê mexe na mesma hora e eu sorrio.
— Estamos bem, só cada dia tem ficado mais desconfortável
para dormir.
— A almofada não ajuda?
André comprou uma almofada que na internet diz que ajuda
as gestantes a ter uma posição melhor para dormir, mas a realidade
é que não está funcionando nem um pouco para mim.
— Quem me dera! — reclamo. — Mas o que veio fazer aqui?
— Quero te mostrar uma coisa lá em casa!
Na casa dele?
Que estranho!
Peço para a minha mãe avisar às meninas que eu volto em
alguns minutos e vou com o André.
Sinto que ele está um pouco nervoso e a sua mão está fria,
encostada em minha barriga enquanto dirige.
Ele segura a minha mão e me leva até onde é o quarto de
visitas, porém, ao parar de frente para a porta, eu já entendo o que
ele fez.
A porta está decorada como se fizesse parte de um cenário
com o tema de Safari.
— Entre e veja se gosta!
Abro a porta e me deparo com um quarto infantil lindo, cheio
de cores, animais pintados nas paredes e muito bem equipado.
Passo a mão pelos móveis enquanto ando pelo cômodo e me
sinto tão feliz em saber que o nosso filho também terá o próprio
espaço dele na casa do pai.
— Está lindo, André! — Vejo um porta-retrato com a mesma
foto minha que tinha no chá de fraldas, e que eu peguei para mim.
— Você gostou? Estava com medo de que achasse ruim, mas
esse quarto não significa que ele ficará sozinho comigo enquanto for
pequ…
— Não precisa se justificar! É a casa do pai dele, foi incrível
você ter feito um quartinho tão especial — o corto porque ele precisa
entender que confio nele.
E que estarei por perto enquanto ele se sentir inseguro.
— Comprei até uma poltrona para você ficar confortável.
— Eu vi… está tudo perfeito! Você pensou em cada detalhe.
Ele sorri, orgulhoso dele mesmo.
E realmente deveria estar.
Eu também estou.
Cada passo é importante e vê-lo empenhado e empolgado me
deixa feliz demais.
O que ele mais fugia, parece ser exatamente a coisa que
faltava em sua vida para trazer leveza e fazê-lo entender que ele é
muito mais do que achava que era.
André vai até o guarda-roupa, tira lá de dentro um saco e me
entrega.
Na mesma hora que eu pego, vejo que são vários pirulitos
sem açúcar e rio.
— Você é maravilhoso, obrigada!
— E você é linda! — rebate, me pegando de surpresa. —
Desculpa, mas eu não consigo resistir de pelo menos te elogiar —
confessa. — Estou sentindo sua falta, Alana. Sinto falta do seu beijo,
de dormirmos juntos, de te ver acordar… sinto falta da intensidade
do que estávamos vivendo.
Meu coração começa a bater forte ao ouvi-lo e sinto as
minhas mãos suarem.
André é o único homem que consegue me deixar assim,
nervosa. Parece que todo o meu corpo, inclusive o coração, clama
por ele.
— Eu também sinto a sua falta… — confesso.
— E por que nós não voltamos de onde paramos? — Se
aproxima e me pergunta. — Sei que te chateei, e posso pedir perdão
todos os dias pelo resto da minha vida, mas eu realmente achei que
estava fazendo a melhor escolha.
— Eu sei disso.
Ele dá mais um passo de encontro a mim e a sua mão grande
joga o meu cabelo para trás, deixando os meus ombros descobertos,
ele passa a mão em um lado, descendo até o meu braço.
— É uma tortura te ter por perto, porque eu sempre quero
mais e não posso.
Você pode!
Eu me arrepio toda e encaro a sua boca bonita, com os lábios
naturalmente rosados e a sua barba sempre tão bem feita.
Esse homem parece ter sido esculpido.
Seu corpo é lindo, forte e gostoso. Ele é inteligente,
engraçado quando quer e uma das melhores companhias que já tive.
Porém, é o pai do meu filho, e eu não quero confundir as
coisas.
— Não quero acabar arrumando problemas no futuro.
— Que problemas você acha que arrumaria?
— Quando esse fogo todo acabar? O que faremos? —
pergunto. — Não quero dar chance para que algo de errado
aconteça e nós dois tenhamos que viver em pé de guerra como
vários pais separados.
André afasta a mão do meu corpo e me olha sério.
— Acho que você não me entendeu… eu não quero você
apenas para continuarmos transando, Alana! Eu quero você para ser
minha!
Isso é tão homem das cavernas, contudo, sinto como se a
minha boceta tivesse virado um pisca-pisca de Natal.
— Você enlouqueceu! — respondo.
— Sim, enlouqueci! — rebate. — Enlouqueci quando achei
que era uma boa ideia ficar com uma mulher 20 anos mais nova que
eu, enlouqueci quando continuei ficando com ela depois de descobrir
que havia a engravidado, enlouqueci muito quando meus
pensamentos me levavam até essa loira atrevida, com a boca
gostosa e a língua afiada. — Ele se aproxima novamente. —
Enlouqueci quando permiti que essa mulher visse tudo o que eu
escondo atrás dos muros que ergui com tanto cuidado… enlouqueci
quando me dei conta que estava apaixonado pela filha da minha
melhor amiga.
Merda, eu não estava esperando por isso.
Apaixonado?
Ai, meu Deus.
Eu estou hiperventilando.
André sorri todo charmoso e coloca uma mão em meu rosto.
— Eu te falei que não sabia ser pouco intenso, amor! E eu só
quero que você me deixe fazer parte da sua vida por completo, que
me deixe fazer comida para você nas noites que estiver cansada,
que me deixe esquentar a água da banheira e te fazer uma
massagem no pé… quero poder te beijar na frente de todo mundo,
andar de mãos dadas e assumir que eu sou o pai do seu bebê.
Isso é intenso.
E meu coração parece querer rasgar o meu peito de tão
agitado que está.
Só percebo que estou sorrindo feito boba porque minhas
bochechas começam a doer.
— Você está me pedindo em namoro, André Nolasco?
Ele sorri e concorda.
— Me sinto velho para isso, mas, sim. Eu quero que você seja
a minha namorada, amor.
Por que é tão gostoso ouvi-lo me chamar de amor?
E por que parece ter várias vozes na minha cabeça gritando a
palavra sim incontáveis vezes?
Como eu saí do discurso de “vou ser só amiga para apoiá-lo
na sua jornada em ser pai” para “meu Deus, eu quero que esse
homem me chame de minha mais vezes”.
— Eu aceito se você prometer que não vai querer pular
nenhuma etapa. Vamos namorar bonitinho, cada um em sua casa,
sem ficar se afobando e nem muito menos me invente de fazer igual
a esses filmes que o cara é mais velho e quer casar logo.
Ele ri alto e me puxa pela cintura, colando nossos corpos.
— Eu prometo que vou tentar, pode ser assim?
— Isso já serve.
André sorri, me olha fundo nos olhos e depois cola a sua boca
na minha.
Que saudade que eu estava de beijá-lo, parecia que já fazia
anos desde a última vez.
André me beija com carinho, alisando a minha cintura e me
mantendo colada nele.
— Nós precisamos fazer uma coisa — ele sussurra com a
boca colada na minha e eu só murmuro um “o quê?”. — Contar para
a sua mãe.
Puta que pariu.
É hoje que eu mato ela de vez.
36

— Vocês estão namorando? — Priscila pergunta novamente,


querendo ter certeza que foi exatamente isso que falamos e eu
concordo.

Estou me sentindo um adolescente indo conhecer a primeira


sogra, sem saber se ela me expulsará, irá ficar feliz ou pegue uma
arma que tem escondida e acabará com essa história.

Priscila senta na beira do sofá, fica quieta por muito tempo e


do nada começa a rir.

Sua crise de riso por conta do nervosismo a deixa com o rosto


vermelho feito um pimentão, parecendo que vai explodir.

— Mãe, respira! — Alana senta ao lado dela, tentando


acalmá-la. — Não é algo tão ruim… pensa pelo lado positivo, é
alguém que você conhece a vida inteira, que confia e também é o pai
do seu neto.

Priscila demora um pouco, mas começa a se acalmar,


respirando fundo várias vezes para garantir que a risada não irá
voltar com força.

— E eu ainda não sei se isso é bom ou ruim — ela responde à


filha e depois olha para mim. — André, eu juro pelo meu neto que se
você magoar a minha filha ou ser menos que o homem mais incrível
do mundo para ela, eu te tranco dentro daquele seu escritório que
parece um bunker e te deixo lá para morrer… uma morte lenta,
dolorosa e que te fará repensar o porquê de tê-la magoado.

— Credo, mãe — Alana resmunga.

— Eu sei que você ainda está com raiva de mim e porra, eu


entendo mesmo a sua raiva… mas eu me apaixonei pela Alana! E
não pense que foi fácil aceitar esse sentimento, eu me questionei
muitas vezes, ainda mais pela diferença de idade, pelo medo de
nossas vidas estarem em momentos diferentes, com medo de ela
cansar de mim porque eu sou velho, chato, e não gosto de mais da
metade das coisas que ela gosta! — falo. — Ela chora assistindo
Floribella, cantando uma música que a mulher diz que o rio vai ser
mais claro como a esperança e isso nem faz sentido, mas eu amo
vê-la feliz assistindo essa novela muito ruim, amo ouvi-la cantar mal
aquela banda que os garotos usavam calças coloridas… e sertanejo.
Ela gosta de sertanejo, Priscila! — E minha amiga sabe o quanto eu
não suporto esse estilo musical. — Você consegue entender como
eu estou muito apaixonado? Eu simplesmente não me importo de ter
que lidar com essas coisas se isso significar que a terei ao meu lado.

— Merda, você está apaixonado mesmo — ela conclui e eu


concordo. — Você tem certeza que é isso que quer, meu amor? —
pergunta à filha, que não desviou o olhar de mim nem por um
segundo, enquanto eu falava tudo isso.

— Sim, mãe! — Ela olha para a mãe. — Me desculpa, mas eu


me apaixonei pelo seu melhor amigo.

Priscila suspira e levanta, vindo até a minha direção.

— Entenda que eu sempre estarei do lado dela, que ela é a


minha prioridade e que se eu souber que tem algo errado, vou falar
para ela. Mas eu não aguento mais ficar brigada com você! — diz e
me puxa para um abraço apertado. — Eu te odeio e te amo, seu
infeliz.
Alana ri e comemora, depois se junta a nós em um abraço
estranho, com uma barriga grande tentando se encaixar no meio de
nós.

A diferença de idade entre nós dois é algo com que a Alana


não parece se importar, e isso me deixa mais tranquilo, mas eu
mentiria se dissesse que não me preocupo quando penso nisso no
futuro.

Quando a Alana tiver 35 anos, no auge da sua vida, eu terei


55.

E se ela cansar de estar com um homem tão mais velho?

E se eu não for o suficiente?

Alana parece perceber que estou pensando em algo ruim e


entrelaça os dedos no meu, me chamando para ir até o seu quarto.

Ainda não tinha visto como ficou depois da reforma que a


Gabriela deu de presente para ela, e está lindo.

— O que essa sua cabecinha sabotadora estava pensando?


— me pergunta depois de fechar a porta.

— Nada de importante… — Me sento na beira da cama e a


puxo para ficar entre as minhas pernas. — Só que eu tenho a
namorada mais linda e gostosa do mundo!

Ela ri.

— É, você é muito sortudo mesmo.

— Adoro sua autoestima, amor.

— E eu adoro que você me venera — brinca e depois me dá


um beijo. — Preparado para ser o assunto de Laranjeiras por um
bom tempo?
— É, não vai ser a primeira vez que isso acontece.

Ela concorda, porque também já fui assunto dessas


fofoqueiras muitas vezes e na maioria delas sem nem de fato ter feito
algo.

— A piriguete que ia engravidar com 15 anos e o pica de mel!


Que casal incrível.

Eu rio alto, quase perdendo o ar.

Alana começa a me mostrar tudo que já comprou para o bebê,


a mala da maternidade que já está pronta, e eu tento entender tudo
porque é coisa demais.

— Eu nunca nem troquei uma fralda na vida! — digo.

— Você terá muitas pela frente, meu bem, vai aprender


rapidinho.

— Será que ainda dá tempo de fazer aqueles cursos para pai?

— Vamos os dois aprender tudo na prática, errando horrores e


assim criaremos memórias incríveis e desastrosas.

Eu amo como a Alana tem certeza que eu vou dar conta de


tudo, que me sairei bem.

Queria ter essa confiança dela, queria muito.

— Gente, corram aqui! — Priscila grita e segundos depois nós


estamos ao lado dela, de frente para a TV. — André…

“Renato Pivar, Delegado Federal conhecido por seus grandes


feitos no Rio de Janeiro e colaborações em diversas apreensões do
tráfico de drogas e armas em outro estado, foi morto após se
envolver em um confronto com demais policiais após o vazamento
de documentos que provam o seu envolvimento em diversos crimes.”
A repórter faz o anúncio da chamada e logo em seguida
aparecem vários vídeos que as pessoas fizeram enquanto acontecia
o tiroteio e também dos corpos no chão.

“Foram 12 mortos e 5 feridos. Fomos informados que o


Ministério Público tem acesso aos documentos e mais de 39
mandados de prisão já foram emitidos. Ainda não sabemos quais
são as outras pessoas envolvidas, mas ficaremos no aguardo para
lhes dar todas as informações em primeira mão.”

Eu nem consigo ouvir mais nada do que a mulher fala na


televisão.

O Renato está morto.

Finalmente todos os crimes que ele cometeu serão mostrados


ao mundo e as pessoas saberão quem ele realmente é.

Mesmo morto é isso que ele merece, que saibam o lixo de ser
humano que ele era.

Meu telefone toca no meu bolso e eu o pego.

É o Eduardo.

— André, nós conseguimos! — ele fala com a voz cansada e


a respiração muito pesada. — Esse filho da puta vai pagar no inferno
por tudo que fez e consegui levar mais um monte igual a ele para a
cadeia, mas a coisa está bem feia.

— Você está bem?

— Tomei um tiro de raspão, porém, estou bem.

— Porra! Precisa de alguma coisa?

— Não, estou chegando no hospital, mas precisava te ligar.

— Me passa o endereço, vou até aí depois.


Há alguns dias, eu dei tudo o que eu tinha sobre o Renato
para o Eduardo.

Decidi que não queria ter mais nenhum envolvimento com ele,
e entendi depois de ter contado para a psicóloga o que eu estava
planejando, que fazer isso só alimentaria mais ainda o peso dele na
minha vida.

Demorei a entender que o melhor a fazer, por mais que me


desagradasse, era deixar tudo isso para lá. Tanto pela minha
segurança e da minha família quanto para a minha superação.

É óbvio que eu nunca vou esquecer, que os traumas


continuarão comigo e que ainda tenho muito caminho a percorrer
para conseguir viver melhor com tudo isso que aconteceu.

Mas eu preciso começar a enxergar as coisas boas que a vida


me proporcionou, entender que eu sou muito mais do que a dor que
o Renato me causou.

Eu dei a volta por cima, consegui me tornar uma pessoa


melhor, que mesmo tendo errado e ainda com medo de repetir esses
erros, eu ainda sou uma pessoa melhor do que ele.

A foto dele aparece na tela e eu fico a encarando.

Esse homem tirou coisas demais de mim e o seu fim era o


que ele merecia.
37

Algumas semanas depois.


Essa semana as coisas no trabalho estão muito puxadas,
tenho tentado dar uma atenção maior aos funcionários que
dependem de mim para dar continuidade em muitas coisas.
Vim aqui na empresa ver de perto o que está acontecendo,
mas tento não ficar rondando pela sala onde eles trabalham para não
deixá-los nervosos ou fazer com que se sintam vigiados.
Tive uma reunião tensa com o diretor de TI da sede na China,
que está tendo problemas com o sistema geral da empresa.
Na verdade, eles querem modificar o sistema para um que
seja criado por eles, mas essa não é uma decisão que cabe a mim
ou a ele. E eles nem sabem que fui eu quem criei, apenas recorrem
a mim porque sou visto como alguém que domina muito bem todos
os mínimos detalhes do sistema.
Meu telefone vibra mais uma vez no meu bolso, e eu lembro
que enquanto estava em reunião ele não parou de tocar, mas não
tinha como eu atender.
É a Beatriz.

— Oi, Bi…

— André, vem para o hospital!

— O que houve? — Meu coração dá uma leve parada ao ouvir


a palavra hospital. — A Alana está bem?

É a primeira pessoa que eu penso.


— Ela passou mal no trabalho, o chefe a trouxe para o
hospital às pressas, e eu acho que o bebê vai nascer.

Hoje?

Não!

Ainda é cedo demais!

Alana está com 32 semanas, ainda falta muito.

— Merda, estou indo!

Desligo o telefone, vou até o primeiro funcionário que aparece


na minha frente e peço para informar que eu tive uma emergência e
não estarei mais disponível hoje.

Corro até o elevador, sem me preocupar se as pessoas vão


me olhar assustadas por conta da agitação e aperto incansáveis
vezes o botão que leva até o estacionamento, mesmo sabendo que
isso não fará com que ele chegue mais rápido ao andar.

O que será que aconteceu?

Ela estava tão bem, teve uma consulta há três dias, na


segunda-feira, e a obstetra garantiu que o nosso menino está forte
como um touro.

Entro no carro e dirijo em direção ao hospital que a minha


irmã mandou a localização por mensagem.

Fica quase a 30 minutos daqui.

— Merda! — Bato no volante, irritado.

Pego alguns desvios, acelero quando vejo alguns semáforos


amarelos, tentando evitar perder qualquer mísero segundo e consigo
chegar lá em 22 minutos.
Reconheço o carro do meu irmão em uma das vagas e tenho
quase certeza que o outro ao lado é do Marcus.

Estão todos aqui?

Puta que pariu!

Entro no hospital e me identifico, indo até onde a recepcionista


informa que é a sala de espera.

— O que aconteceu? — pergunto afobado, ao ver todos


sentados ali, com a preocupação estampada no rosto.

— A Alana teve uma pré-eclâmpsia — Gabriela diz,


abraçando o próprio corpo.

— Ela tinha acabado de atender um paciente e foi para a


copa, dizendo que estava se sentindo um pouco mal. Eu fui aferir a
pressão dela e estava 17 por 10, na mesma hora, trouxe-a para cá e
o médico informou que era uma pré-eclâmpsia e que teria que
adiantar o parto.

Passo a mão no cabelo, agoniado.

— Você é o chefe dela, né? — pergunto e ele concorda. —


Obrigado por ter trazido minha mulher e meu filho para o hospital.

— A Alana é uma pessoa especial, eu não pensaria duas


vezes antes de largar tudo e ajudá-la.

Ele é o homem que ficava tocando nela o tempo todo no chá


de fraldas, mas não tenho cabeça para me irritar com isso agora.

Priscila chega logo depois de mim, explicamos tudo para ela e


a minha amiga cai no choro, com medo do que pode acontecer.

— Vai dar tudo certo, Pri — digo.


— Tem que dar, Dré! — Ela se aproxima e eu abro os meus
braços, que na mesma hora são preenchidos por ela, escondendo o
rosto em meu peito, como costuma fazer quando não quer que as
pessoas a vejam chorar.

Não passou muito tempo, mas eu sinto como se tudo


estivesse em câmera lenta.

A sala de espera está calma, porém, o ar está carregado de


ansiedade.

Uma enfermeira passa apressada pela sala, e eu a abordo


com a voz contida.

— Como a Alana está? Você tem alguma notícia? Eu estou


enlouquecendo sem saber o que está acontecendo lá dentro —
pergunto.

— Ela está se mantendo forte, senhor. Os médicos estão


fazendo o possível para garantir que tudo corra bem. —
Provavelmente é uma resposta padrão, mas eu a aceito e confio que
tudo esteja dando certo lá dentro.

Eu assinto e a vejo sumir, contudo, a minha ansiedade ainda é


palpável. Fixo o meu olhar no corredor que leva à sala de parto,
como se pudesse atravessar as paredes e ficar lá junto com ela.
Será que ela está acordada? Ciente de tudo que está
acontecendo?
Já andei por cada centímetro dessa sala de espera, já parei
todos os enfermeiros que passaram por aqui e sinto que vou
enlouquecer se ficar um minuto a mais sem nenhuma notícia.
— Família da paciente, Alana Ruas, né? — um médico
pergunta ao se aproximar da gente e todos confirmamos. — Correu
tudo bem! — Um alívio inexplicável toma conta do meu corpo e eu
sinto que um prédio de 20 andares saiu de cima das minhas costas.
— O bebê foi para a UTI Neonatal, que é um procedimento comum
para um paciente prematuro.
— E a Alana? — pergunto ao mesmo tempo que a Pri.

— Ela já foi levada para o quarto — explica. — O pai da


criança pode ficar com ela e mais uma pessoa também pode ir vê-la.

Não pensamos nem duas vezes e eu e a Priscila vamos na


direção em que o médico nos informa que fica o quarto dela.

Entramos sem fazer muito barulho, mas ela está acordada,


olhando para o vazio do quarto, no espaço ao lado da cama onde
deveria estar o nosso filho.

Assim que ela nos vê, começa a chorar.

Eu deixo que as duas se falem primeiro, mas sinto uma dor


sufocante ao mesmo tempo que sou grato que os dois estejam bem.

Sei o quanto ela estava planejando decorar o quarto da


maternidade, receber as pessoas mais próximas para conhecer o
nosso filho e eu queria ter participado do nascimento dele.

— Como você está, meu amor? — Me aproximo da cama e


passo a mão em seu rosto, afastando de sua testa alguns fios dos
seus cabelos que grudam ali.

— Arrasada! — diz com a voz chorosa. — Não era para ele ter
nascido agora, André. Ele é tão pequeno e frágil, não tem nem 2
quilos.

Beijo a sua testa e aliso a sua bochecha, tentando dar algum


conforto.

— Vai dar tudo certo e nós estaremos aqui todos os dias que
ele também estiver!

Ela concorda e mesmo com os olhos cheios de lágrimas, tenta


sorrir.

— Ele é cabeludo e os fios são escuros como os seus!


— Então foi por causa disso que você teve tanta azia. — Ela
concorda. — Você foi incrível, meu amor! A gestação foi linda e vou
sentir falta de conversar com a sua barriga.

Ela solta uma risadinha fraca.

— Agora você pode conversar diretamente com ele, que


adora ouvir a sua voz.

Dou um selinho nela e depois deixo que descanse um pouco.

◆◆◆

2 semanas depois.

A rotina na UTI Neonatal é exaustiva.

Alana e eu temos vindo todos os dias e ficamos o máximo de


tempo que é permitido.

Ela vai ao banco de leite três vezes ao dia, faz a coleta e o


nosso bebê se alimenta por uma sonda dentro da incubadora, que
agora não tem mais os equipamentos respiratórios, porque ele já
consegue respirar sozinho.

A sua pele já parece menos sensível do que antes e a cada


dia ele vai ficando mais tempo acordado, olhando para a gente.

Alana sempre toca nele pelo espaço da incubadora que dá


para colocar nossas mãos, mas eu ainda não tive coragem.

Ele é frágil demais, não sei se conseguiria.


Porém, ela não insiste, entende o meu medo e respeita.

Agora mesmo ela está lá tirando o leite pela última vez antes
de irmos embora.

Ir embora é sempre horrível e desgastante.

Alana sempre chora, eu tento ser forte por nós dois, mas não
poder levá-lo para casa é terrível.

— Falta pouco, garotão! — digo, sentado ao lado da


incubadora. — Você é um menino muito forte, igual a sua mamãe.

— Eu diria que ele é forte como o pai — Alana diz, voltando


para onde estou e se senta no meu colo. — O médico disse que
precisamos ir, amor — ela me fala, fazendo um biquinho.

— Está bem.

Nenhum dos dois sai do lugar e Alana fica olhando para ele,
sem desviar o olhar.

— Pedro Henrique!

— Hã?

— O nome dele… Pedro Henrique! — Olha para mim, com


seus olhos marejados. — É perfeito, a combinação do nome dos
nossos pais.

Nós ainda não tínhamos escolhido um nome porque nenhum


nos agradava, então decidimos dar um tempo de ficar tentando
pensar, e deixar que viesse assim, como aconteceu agora.

E é perfeito.

— Eu amei!
— Eu também. — O sorriso dela é enorme, lindo. — E você,
meu bem? Gostou?

Nosso filho, que agora tem um nome e poderemos registrá-lo,


já está dormindo novamente, totalmente alheio a nós dois aqui fora.

Alana se levanta do meu colo, nos despedimos dele, torcendo


para que hoje seja o último dia que precisaremos fazer isso e vamos
embora.
38

4 meses depois.

Eu com certeza nasci para ser mãe.

Não tem coisa mais gratificante do que ter o Pedrinho no meu


colo, sugando as minhas tetas como se eu fosse uma vaca e ele um
bezerro morto de fome, com os seus olhinhos apaixonados pela
pessoa que o alimenta.

Ele é um amor.

Chora pouquíssimo, dorme cedo e eu preciso acordá-lo de


madrugada para dar de mamar, porque se não ele pega no embalo e
só acorda lá pelas 7 horas da manhã.

Tem sido uma experiência sem igual e eu nunca me senti tão


completa.

Assim que o Pedrinho foi liberado para ir para casa, nós


tivemos uma primeira semana difícil, tentando nos adaptar e com
muito medo, porque ele ainda era pequeno e mais sensível do que
uma criança que nasce no tempo certo.

André veio todos os dias aqui para casa, todos os dias


mesmo.
Ele me auxiliava em tudo, a única coisa que ele não
conseguia fazer era pegar o próprio filho no colo.

Foi difícil até mesmo para ele fazer um primeiro carinho no


Pedrinho, e aquela criança é apaixonada pelo pai.

O primeiro sorriso e quase todos os outros foram para o


André.

Os dois conversavam o tempo todo. André adora falar com o


filho e é a coisa mais linda de se ver. A primeira vez que ele pegou o
Pedrinho foi por um leve empurrãozinho.

Eu havia ido ao banheiro e já estava lavando as mãos para


sair, mas ouvi o meu filho chorando e na hora eu pensei: “humm, e
se eu tivesse realmente impossibilitada de pegá-lo naquele
momento?” E daí eu gritei para o André que precisava de mais dois
minutinhos, mas que ele poderia deixar o filho chorando um pouco,
que não faria mal.

E menos de um minuto depois, veio um silêncio absoluto.

Confesso que me bateu um leve medinho, porém, eu


precisava de alguma forma ajudar o André a entender que não iria
acontecer nada de ruim, muito pelo contrário, é maravilhoso carregar
o nosso filho no colo.

Pelo menos até antes do meu braço começar a doer, porque


essa criança além de ter recuperado todo o peso que precisava por
causa da prematuridade, também está crescendo muito.

André é alto, enorme, e pelo visto o nosso filho vai pelo


mesmo caminho.

Eu termino de limpar a bagunça do nosso almoço que ficou


aqui na cozinha e volto para o meu quarto.

E quando entro, encontro os dois dormindo.


André está deitado na poltrona toda reclinada, e o Pedrinho
está em seu peito, igual um pacotinho, todo embaladinho na roupa e
com as mãos do pai em cima dele, garantindo que não se movimente
a ponto de cair.

Pego o meu celular do bolso e tiro uma foto deles dois.

Hoje em dia, a minha câmera é recheada de foto do Pedrinho


sozinho, dele comigo, dele com o pai, dele com a dinda… ou seja, só
dá o meu filho na galeria do celular e eu fico babando nele tanto na
foto quanto ao vivo.

Nós fizemos uma obra de arte.

Ele tem os olhos tão claros quanto os meus, a pele bem


branquinha e o cabelo mais escuro, igual ao pai.

Fora todos os demais traços do seu rosto que também


parecem com o do André, é a xerox dele.

Eu pari o meu namorado, um mini André.

E se eu já não fosse apaixonada por ele antes, eu teria me


apaixonado agora.

Na verdade, acho que todo dia eu me apaixono mais.

André é incrível comigo e com o filho, e eu sinto que nada


mais para ele importa, que nós dois nos tornamos o centro do mundo
dele.

Ele fez de tudo para que eu não largasse a pós, então toda
terça e quarta nós três vamos para Niterói, ele vai todo equipado
com tudo que o Pedrinho possa precisar e fica pelos corredores da
faculdade com ele no colo ou no carrinho.

No primeiro mês foi muito difícil, porque não tinha como levá-
lo, mas eu tenho uma rede de apoio incrível.
Enquanto eu ia para lá sozinha, a contragosto do André,
sempre ficava mais alguém com eles, porque sabiam que ele ainda
não conseguia pegar o filho. Bia, Gabriela, Luciana e minha mãe se
dividiram para nos ajudar.

E eu acho que nunca serei grata o suficiente.

A licença maternidade está sendo uma benção, porque sei


que não conseguiria ficar afastada por tanto tempo do meu filho
enquanto ele ainda é tão pequeno. E o Danilo já falou que depois,
quando eu voltar, podemos combinar os horários e dias que ficar
melhor para mim, que não tem problema.

Eu sempre fico impressionada em como ele é um ótimo chefe.

Descobri que André morre de ciúmes dele, mas acho que não
tem necessidade.

Houve um tempo que eu até achei que ele tinha interesse por
mim, mas como ele nunca falou nada e nem jogou alguma piada ou
flertou comigo, deduzi que é só o seu jeito muito simpático mesmo.

Passo pelos dois com cuidado para não acordá-los e entro no


banheiro.

Tiro toda a minha roupa e ligo o chuveiro na água bem quente,


querendo aproveitar esse tempinho para lavar o meu cabelo.

Por mais que o Pedrinho seja um bebê muito bonzinho, ele


requer muita atenção e tem hora que fica um pouco enjoado e só o
meu colo, ou melhor, os meus peitos que resolvem.

Lavo o meu cabelo lentamente e aproveito para relaxar um


pouco dessa rotina corrida.

Uma corrente de ar frio faz com que eu me arrepie e ao me


virar para ver o motivo, encontro o André entrando no box,
completamente nu.
— A porta está entreaberta, vamos escutar se ele chorar —
explica e eu sorrio, concordando. — Mas não resisti quando dei uma
espiadinha e te vi toda gostosa aqui dentro.

André tem um fogo sem fim, e eu amo isso nele, porque sou
do mesmo jeito.

Eu adoro transar, acho uma das coisas mais gostosas que se


tem para fazer e o André é tão bom nisso.

Depois que tive o Pedro Henrique, tivemos que ficar 45 dias


sem sexo por conta do resguardo, e acabou que demoramos um
pouquinho mais além disso porque eu tive umas dores no ventre e
fiquei preocupada, mas não era nada demais.

Foi uma tortura ter esse homem do meu lado todo dia e não
poder tê-lo dentro de mim, mas claro que fizemos uma coisinha ou
outra, o que no final deixava ainda mais difícil de manter o
resguardo.

— Ainda estou lavando o meu cabelo.

— Eu te ajudo.

Ele faz com que eu me vire de costas, pega o condicionador,


depois de perguntar se já passei o shampoo e espalha na parte onde
eu digo que deve passar.

Não é a primeira vez que ele faz isso, e confesso que eu


adoro.

André sempre seca o meu cabelo quando eu lavo à noite e


fico com preguiça, faz massagem nos meus pés quando fico muito
tempo em pé com o nosso filho e está sempre procurando uma
forma de me mimar.

É quase inacreditável que ele seja tão maravilhoso.


Depois de espalhar bem, ele enxágua o meu cabelo e vai
deslizando as mãos pelas minhas costas, propositalmente devagar,
fazendo com que todo o meu corpo se arrepie.

Dou alguns passos para trás e colo a minha bunda nele,


sentindo o seu pau duro nas minhas costas.

Me esfrego em seu corpo e pego as suas mãos, colocando-as


em cima dos meus seios e na mesma hora ele começa a massageá-
los com cuidado.

Ele vai escorregando uma das suas mãos até o meio das
minhas pernas e as afasta um pouco, querendo ter espaço para
separar os meus lábios e roçar os seus dedos entre eles, me
fazendo perder o controle da minha respiração.

André pressiona o polegar bem em cima do meu clitóris e


começa a fazer movimentos circulares, lentamente.

— Você é tão gostosa! — sussurra em meu ouvido e depois


beija o meu ombro. — Eu fico o tempo todo doido de tesão,
querendo te foder em qualquer lugar, de todos os jeitos possíveis.

Meu suspiro sai quase como um gemido e ele aperta o meu


seio com um pouco mais de força.

— Eu adoraria ser fodida por você em todos esses lugares…

André me vira de frente, encostando o meu corpo na parede


gelada, mas eu pouco me importo.

Seus olhos maliciosos percorrem por todo o meu corpo e ele


se abaixa na minha frente, colocando uma das minhas pernas por
cima do seu ombro e me segurando firme pela cintura, para que eu
não acabe caindo.

A sua língua vem como um chicote na minha boceta, em um


estalo único que me faz querer gritar.
Tento procurar algo para me segurar, mas por fim acabo só
apoiando as mãos na parede.

A língua de André parece estar em toda a minha boceta ao


mesmo tempo, e a sua barba roçando por onde passa, me deixa com
muito mais tesão.

— Silêncio, amor — sussurra quando acabo soltando um


gemido mais alto.

Mordo de leve a minha mão, apenas para conseguir me


controlar.

Ele começa a lamber freneticamente o meu clitóris, que a


cada lambida vai ficando mais sensível ao toque, desesperado por
mais e fazendo com que eu morda minha mão com mais força.

André sabe exatamente a forma que eu gosto, não preciso me


preocupar em ajudá-lo com o ritmo, ele faz tudo com maestria.

Sinto dois dedos entrando em mim devagar, me preparando


para o que virá em breve e instintivamente começo a rebolar tanto
em seus dedos como em seu rosto, e a mão que está em minha
cintura me aperta, afundando na minha carne.

Porra, isso é tão bom!

A pressão no meu ventre começa a anunciar que estou


chegando muito perto de gozar e eu vou rebolando ainda mais,
querendo senti-lo mais e mais.

— Você vai gozar no meu pau, junto comigo — ele diz quando
se afasta e fica de pé, novamente me virando só que dessa vez de
costas para ele.

André bate na minha bunda, sabendo que eu gosto quando


ele faz isso, mas se controla um pouco por causa do barulho.
Eu apoio as mãos no nicho que tem aqui dentro do box, para
ter um pouco de apoio, porque sei que André é muitas coisas, menos
delicado.

E isso para mim é uma ótima qualidade no sexo.

Sinto a cabeça do seu pau passar pela minha boceta, entre os


lábios e só depois pressionar a minha entrada, se forçando para
dentro aos poucos.

Solto um gemido contínuo até ele estar todo dentro de mim.

André segura a minha cintura com as duas mãos, bem firme,


e volta com o corpo para trás, quase saindo todo de dentro de mim e
me estoca uma vez, duas, três… não consigo mais contar.

Sinto o seu pau grande ir fundo dentro de mim e a sua virilha


vai se chocando na minha bunda

Me seguro com mais força quando as estocadas vão ficando


ainda mais fortes.

Não consigo controlar um gemido ao sentir uma das suas


mãos cobrir toda a parte da frente do meu pescoço quando ele me
puxa para trás, colando minhas costas em seu peito.

Começo a forçar o meu quadril contra ele, fazendo com que o


impacto fique mais intenso e quando ele tenta tirar a mão do meu
pescoço, eu coloco a minha por cima da dele, fazendo com que
aperte um pouco mais.

— Cachorra! — fala quase sem voz, cheio de tesão.

E é só ele me xingar que parece que todo o meu corpo perde


a força e a minha boceta pulsa ainda mais.

André me vira de frente, me levanta um pouco e cruza as


minhas pernas ao redor do seu corpo.
Fixo o meu olhar no dele e fico com a minha boca literalmente
aberta, deixando alguns gemidos escaparem, propositalmente.

Ele me beija com força, mordendo o meu lábio e sussurrando


o quanto sou gostosa.

Seguro em seu ombro e ajudo com os movimentos,


aproveitando a gravidade para fazer com que a minha boceta o
engula todinho.

Seu dedo volta para o meu clitóris e eu perco a força,


deixando todo o trabalho com ele.

André xinga baixinho várias vezes e eu sinto que minhas


unhas machucam o ombro dele, mas não consigo me controlar.

Ele tira uma força de dentro de si e estoca mais forte, me


fazendo enlouquecer e gozar no seu pau, deixando-o ainda mais
melado.

E eu sinto segundos depois quando ele goza dentro de mim.

Ficamos um tempo parados assim, até que ele me coloca no


chão com cuidado e eu o puxo para debaixo da água comigo.

— Sou tão sortudo que até o meu filho me ajuda para que eu
consiga ter um tempinho com a gostosa da mamãe dele!

— Temos sorte mesmo! — Dou um beijo nele, mas não


prolongo muito, porque sei que ele recupera as energias bem
rapidinho.

Saio do box e deixo que André tome o seu banho. Me enrolo


em uma toalha e seco o meu cabelo com a outra.

— Quando você vai aceitar casar comigo? — ele pergunta e


me viro na direção dele, olhando para a parte do blindex onde ele
passou a mão e desembaçou um pouco. — Preciso me humilhar
quantas vezes para você aceitar?
Eu rio da cara de cão sem dono que ele faz.

— Nós combinamos que conversaríamos sobre isso


novamente depois do aniversário de um aninho do Pedro.

Ele resmunga e volta a tomar banho.

Acho que toda semana ele me pede em casamento e na


maioria das vezes o pedido vem em um bilhete com alguma comida
que eu gosto.

Ele está tentando me comprar com comida, e eu estou


deixando.
Eu com certeza quero casar com ele, mas não quero que
sejamos afobados, quero curtir o namoro, nem que seja por apenas
um ano.
Nós praticamente já moramos juntos, aqui ou na casa dele,
pois estamos juntos todos os dias.
Eu sei que ele é o homem da minha vida e o amo com todo o
meu coração, mas terá que esperar um pouco até colocar uma
aliança na minha mão esquerda.
Olho para a aliança de namoro que ele me deu, porque sabia
que eu iria ficar imensamente feliz, mesmo achando ser bobagem e
coisa de adolescente.
André faz de tudo para me agradar, tudo mesmo, e é por isso
que eu sei que ele nem imagina que irei pedi-lo em casamento no
final da festa de um ano do nosso filho.
— Ei, te amo! — Abro a porta do box para falar, mas ele é
mais rápido do que eu e me puxa lá para dentro novamente, fazendo
com que eu molhe a toalha enrolada em meu corpo.
— Eu te amo muito mais, minha loira atrevida!

FIM.
3 anos depois.
Hoje é um dia muito especial.
A inauguração da minha clínica odontológica.
Depois que consegui concluir a minha pós-graduação em
bucomaxilofacial, acabei me interessando muito mais por essa área
do que eu imaginei que seria. André me incentivou a ir em palestras,
seminários e eu acabei fazendo ótimos contatos, tive cursos
superexclusivos com dentistas incríveis especializados e acabei me
tornando referência na clínica do Danilo, que está junto comigo como
meu sócio.
Eu nunca poderia deixá-lo depois de tudo o que ele fez por
mim, de tanta ajuda e apoio que me deu, ainda mais depois que o
Pedrinho nasceu.
Danilo é um anjo em minha vida, e hoje também se tornou um
grande amigo do André.
Me despeço da maquiadora que veio aqui em casa me
arrumar e volto lá para dentro para conferir como os meninos estão.
Deixei a função de arrumar o Pedro com o André, mas os dois
sempre acabam brincando mais naquele banheiro do que de fato
tomando banho, é sempre um caos.
Mas graças a Deus eu entro no nosso quarto e vejo que meu
filho já está arrumado, com o cabelinho penteado e meu marido está
terminando de passar um perfume nele.
— Olha, mamãe! Estou igual ao papai. — Mostra a camisa de
botão, que é bem parecida com a que o André está vestindo.
Vou até os dois, dou um beijo gostoso, um cheiro no meu filho
e depois um selinho no André.
— Vocês dois estão lindos! — digo e o Pedrinho fica todo
bobo com o elogio, fazendo algumas gracinhas.
— Você é sempre a mulher mais linda de todos os lugares,
mas hoje você conseguiu elevar ainda mais a sua beleza… não tem
pena das meras mortais, meu amor?
Eu rio ao ouvi-lo, sempre muito galanteador.
— Eu te conheço, André… sei o que você quer quando fala
assim!
Ele ergue as duas sobrancelhas ao mesmo tempo e aperta a
minha bunda quando vê que o nosso filho está distraído com outra
coisa.
— Mas eu não falei nenhuma mentira, amor… — Ele beija o
meu pescoço e eu preciso empurrá-lo, antes que a gente invente de
dar uma rapidinha, achando que não vai demorar, que ficaremos
inteiros e no final tudo vira um caos.
André pisca para mim e chama o Pedro para colocar o tênis
nele.
Enquanto isso, vou até o outro quarto, da Ana Clara, e aliso a
minha barriga que já está enorme, chegando no oitavo mês.
Estou tão ansiosa pela chegada dela, porque não me
imaginava sendo mãe de mais um. Pedro vale por 30 crianças.
Ele é incrível, uma criança carinhosa e muito educada, mas
tem uma energia que não acaba e sempre aprende coisas que não
deveria aprender tão cedo.
E para piorar, ele é muito fofoqueiro, sempre escuta o que
estamos falando e depois fica repetindo, então temos que ter um
cuidado redobrado com tudo que falamos perto desse garotinho que
tem 3 aninhos, mas parece ter mais, de tão inteligente que é.
Eu amo muito o meu filho, porém, os meus cabelos já estão
ficando brancos e eu sei que 90% da culpa é dele.
— Por favor, filha, seja tranquila! Sua mãe não vai aguentar
dois assim, meu coração vai parar antes que vocês cheguem na
adolescência ao mesmo tempo.
Ela se agita na barriga, e eu tenho quase certeza que isso foi
ela rindo, vendo que eu estou muito ferrada e que será duas vezes
mais agitada que o irmão.
E é só pensar nisso que ele passa correndo pelo meu lado,
gritando uma palavra que eu nunca ouvi na vida e que tenho até
medo de tentar entender o que de fato ele está falando.
André sai do nosso quarto rindo e logo em seguida corre atrás
do filho, repetindo a mesma palavra esquisita.
E eu só consigo rir, porque no final das contas, sou muito
grata pela família que eu tenho.
André foi algo proibido que deu muito certo, muito mesmo.
Não me arrependo de absolutamente nada que vivi com ele,
se eu tivesse a chance de voltar no Carnaval de 2023 e fazer
diferente, eu não faria, porque não valeria a pena ter uma vida que
não seja exatamente como a minha é hoje.
Nós três conseguimos finalmente sair de casa e como a minha
barriga está muito grande e eu não consigo mais pegar o Pedro no
colo, o que em muitos momentos gera um ciúmes no meu filho,
André o coloca na cadeirinha e eu só espero para dar um beijinho
nele, que é um ritual nosso.
Depois de conferirmos se pegamos tudo, André dá partida e
nós vamos em direção a minha clínica, que provavelmente já deve
estar com todos os convidados nos esperando.
Ver onde eu cheguei me causa uma nostalgia gostosa.
Se alguém me falasse que eu iria conseguir me livrar de todas
as minhas dívidas, que na verdade quem pagou a pequena fortuna
do FIES e o financiamento do carro foi o André, como presente de
primeiro ano de namoro, e que agora eu estaria abrindo a minha
clínica, com o dinheiro suado do meu trabalho, eu não iria acreditar.
André queria investir nela, mas ele já faz muito por mim, em
todos os sentidos, inclusive financeiro, então eu me esforcei muito
para conseguir fazer isso sozinha.
— Você é merecedora disso tudo, amor — ele comenta, como
se fosse capaz de ler a minha mente. — Sou muito orgulhoso de ter
insistido em casar com você e depois de um ano de humilhação,
você ter me pedido em casamento e ter me tornado o seu marido.
Eu rio ao ouvi-lo.
— Eu também te amo, meu amor.
Ele beija a minha mão e depois a coloca em sua coxa,
mantendo a sua por cima da minha e fazendo um carinho gostoso
nela.
Alguns minutos depois, nós chegamos na frente da clínica e
estacionamos na vaga que é reservada para mim.
Sinto uma ansiedade muito grande crescer em meu peito
quando vejo todos lá dentro, mas saio com calma e vou até o banco
de trás para soltar o Pedro da cadeirinha.
— Mamãe, eu sou pilanha?
Sinto o meu coração sair do peito, rolar no chão e depois
voltar para dentro de mim como se fosse um ioiô.
— Meu filho, de onde você tirou isso?
André está do outro lado do carro, agachado e prendendo o
riso ao ouvir o que o filho acabou de me perguntar.
— Eu ouvi a titia Bibi falando que… mamãe! Ela falou que ser
pilanha é legal — me explica enquanto eu seguro nas suas
mãozinhas para pular do carro. — Eu quelo ser pilanha, mãe! Deixa?
Deus, nessas horas me dá muita sabedoria e calma para
conseguir lidar com essas furadas que o Pedro Henrique me coloca.
Me abaixo para falar com ele, sem me importar que as minhas
costas vão doer.
— Meu amor, isso é coisa de adulto e você não pode repetir,
tá bom? — Ele faz que sim com a cabeça e eu estranho porque foi
fácil demais. — Promete para mamãe que não vai mais repetir essa
palavra?
— Tá bom, mamãe! — Ele me abraça pelo pescoço e eu não
confio nem um pouquinho nessa cena.
Esse garoto é uma figura e fingido que só ele.
André vem até a gente, com o rosto vermelho de tanto ter
prendido a risada e dou um beliscão nele por ter me deixado nessa
sozinha, mas ele sussurra um “desculpa, mas eu não ia aguentar” e
eu acabo rindo.
Pedro vai acabar comigo qualquer dia, eu tenho certeza disso.
Assim que nós entramos na clínica, todo mundo começa a
bater palmas, até o Pedrinho e eu percebo que foi combinado por
eles. E não consigo segurar as lágrimas, porque são tantos rostos
carinhosos e orgulhosos olhando para mim que é impossível não me
sentir especial.
E assim que todos param, o meu filho acaba com o clima e sai
correndo até a Gabriela e berrando uma nova informação.
— Dindinha, eu sou pilanha!
Todo mundo fica dividido entre o choque e a vontade de rir.
Sinto o meu rosto esquentar tanto, que parece que minha
cabeça vai explodir.
Minha mãe se aproxima de mim, me dá um abraço e depois
sussurra:
— É, meu amor… ser mãe é isso aí, padecer no paraíso —
debocha e solta mais uma risada. — Os filhos são ótimos, fazem as
coisas debaixo do nosso nariz e a gente nem sempre consegue ter o
controle! Né, André? — Desvia o olhar para o seu amigo, e eu
entendo na hora o que ela acabou de fazer.
Quando minha mãe descobriu sobre nós dois, ela falou essa
frase para mim e disse para eu me preparar.
A verdade é que eu acho que não me preparei o suficiente.
Falo com os demais convidados, brindo com o meu suco,
comemoro com todos e depois vou até o mezanino do segundo
andar para sentar em uma das cadeiras de espera e tentar relaxar os
meus pés que estão me matando.
E aqui de cima eu vejo como sou sortuda em ter todas essas
pessoas comigo.
Rennan e Beatriz, que também são os padrinhos do Pedro,
tomaram rumos que nunca pensamos que tomariam.
Rennan casou, está apaixonado e a sua esposa é incrível, eu
a adoro demais, se tornou uma das minhas amigas mais próximas. E
a Beatriz não só casou, como divorciou e agora está noiva
novamente, mas eu tenho as minhas dúvidas sobre esse
relacionamento, eu sinto que ela ainda gosta do ex-marido, que
também está aqui, porque acabou se tornando alguém da família e
os dois mantêm um bom relacionamento, não tendo problemas em
estarem no mesmo ambiente.
Ao lado deles, vejo o Guto, que segue solteiro depois de ter se
apaixonado por uma mulher misteriosa que nós nunca conhecemos
pessoalmente, mas que fez um estrago no coração dele.
Ele é ótimo com o Pedro, parecem duas crianças quando se
juntam.
André chega onde estou e se senta ao meu lado.
— Está feliz, meu amor? — pergunta.
— Muito, amor. — Seguro a mão dele, entrelaçando os
nossos dedos. — Obrigada por me apoiar em absolutamente tudo.
Ele sorri e faz um carinho em meu rosto antes de me dar um
beijo casto nos lábios.
— Eu que deveria te dizer obrigado todo dia… você me
salvou, meu amor! Eu estava me afundando nas sombras do
passado sem nem perceber, e você trouxe a sua luz linda com direito
a uma outra pequena luz crescendo dentro da sua barriga, que agora
parece se esforçar para nos fazer passar vergonha. — Eu rio ao
ouvi-lo. — Por isso, eu quem agradeço, meu amor… eu te amo em
uma proporção inexplicável, que até me assusta.
— Nós formamos um belo time, né? — pergunto e ele
concorda. — Eu amo você e a nossa família… porém, eu ficaria
muito feliz se fizesse uma vasectomia!
Ele ri, porque ele está fugindo desse assunto desde a primeira
vez que eu pedi.
— Amor… mas só temos dois!
— André, no momento em que você se transformar em um
cavalo-marinho e conseguir carregar o bebê até nascer, eu topo ter
dez. Mas enquanto eu tiver que ficar buchuda, com dor nas costas e
não cabendo em nenhuma roupa, a fábrica ficará fechada.
Ele beija o meu rosto, o meu ombro e depois me dá um
selinho.
— E se adotarmos mais um casal?
— Você vai se aposentar para cuidar dessas crianças?
Porque se sim, podemos ir em um orfanato amanhã ver toda a
papelada.
André levanta e me puxa para ficar de pé.
— Fechou, então, meu amor.
Ele me beija e desce, falando que estará me esperando lá
embaixo com os demais convidados.
Eu nunca sei quando esse homem está falando sério ou
tirando uma com a minha cara, contudo, eu não me surpreenderia se
na segunda de manhã ele acordasse me chamando para irmos a um
orfanato.
E pior que a ideia de adotarmos é muito boa…
— Você é pilanha também? — Escuto o Pedro perguntando a
alguém e desço na mesma hora, já desistindo da ideia de outros dois
filhos.
Ele está nas costas do Marcus, que tenta distraí-lo para
esquecer essa ideia doida.
Minha amiga fica ao lado do marido, rindo dos dois brincando
e também fazendo carinho na barriga dela, que está bem menor do
que a minha.
A vida foi boa e generosa com todos nós, cada um aqui
mudou e evoluiu de algum jeito.
Até a minha mãe está noiva do misterioso cara que conheceu
no Tinder e que ela demorou quase um ano para me apresentar.
Rogério é ótimo com ela, comigo e com o meu filho.
É um avô do jeitinho que eu sonhei que o meu pai seria.
E saber que minha mãe tem alguém com ela todos os dias
desde que saí da nossa casa, me conforta.
Eu definitivamente sou uma mulher de sorte e feliz, muito feliz.
Finalizamos mais uma história juntos! E eu espero que a
experiência tenha sido ao menos divertida. Já vou pedir que não
esqueça de avaliar na Amazon e no Skoob, isso me ajuda muito e
faz com que os meus livros cheguem em mais pessoas!

Sua opinião é muito importante para mim e eu estou aberta a


ouvi-lo caso encontre algum erro gramatical ou algo que de alguma
forma tenha soado ofensivo. Todos somos passíveis de erros, mas
estou sempre em busca de corrigi-los para não se repetirem. Fique à
vontade para falar comigo no meu Instagram.
Que alegria ter você comigo até aqui, onde eu tiro um tempinho
para expressar minimamente a minha gratidão por pessoas que de
alguma maneira foram importantes para mim e também para a
conclusão desse livro.
Vou começar agradecendo a você, leitor, que deu mais uma
chance para um livro meu e eu espero de coração ter suprido a sua
expectativa. Mas caso isso não tenha acontecido, tudo bem, faz
parte. Ainda assim, sou grata a vocês por terem lido uma obra
minha.
Um agradecimento mega especial a Evelyn Fernandes, que é a
minha melhor amiga, beta, revisora e mais um monte de outras
coisas, inclusive a primeira pessoa que não me deixa desistir quando
tudo está um caos. Obrigada por ser quem é, amiga! Eu te amo!
Agradeço imensamente as minhas betas que ficaram até os 45
do segundo tempo lendo o livro e me apontando coisas que
poderiam melhorar! Rawany, Tan e Isadora, vocês foram
sensacionais, como sempre, e eu nunca conseguirei ser grata o
suficiente por tudo que fazem por mim.
Um agradecimento especial a Amanda, minha mais nova
revisora, que está corrigindo um livro meu pela segunda vez e faz um
excelente trabalho juntamente com a Evy.
Quero agradecer a mim também, acho que eu nunca tirei um
tempinho para fazer isso. Mesmo diante de dores diárias, mil coisas
para resolver no meu dia a dia e uma voz no fundo da minha cabeça
que sempre quer me fazer desistir, eu sigo aqui, tentando sempre
evoluir profissionalmente, para trazer bons livros a vocês.
Mais um livro concluído com muito trabalho, dedicação e
desespero!
Espero reencontrá-los em uma próxima obra.
Um grande beijo.
K.A PEIXOTO!
Para Sempre Minha: A Redenção do CEO - (Livro único).
Sinopse
CHEFE X FUNCIONÁRIA + FAST BURN + AGE GAP +
GRUMPY X SUNSHINE.

Marcus Castelo é fundador e CEO da Imobiliária Castelo.

Ele é um homem fechado, sério e de poucos amigos. Depois de


ter passado por coisas muito difíceis, ele não se acha mais digno e
nem merecedor do amor das pessoas ao seu redor.

Frequentador assíduo de um clube de swing, ele se vê


interessado demais em uma mulher que ficou e se foi logo depois,
sem dar chances para que ele a conhecesse.

O que ele jamais imaginaria, é que a morena que ficou rondando


os seus pensamentos, é a sua nova estagiária.

Gabriela Paranhos acabou de fazer 20 anos e conseguiu o


estágio dos sonhos na maior e melhor imobiliária do Rio de Janeiro.
Para comemorar, foi ao clube de swing com a sua amiga e se
envolveu com um homem que a fez sentir coisas jamais
experienciadas.

Sua primeira semana no trabalho novo é empolgante ao mesmo


tempo que é tensa, porque ela não entende a razão do seu chefe
não gostar dela sem motivo algum. E é quando ela volta à casa de
swing e o encontra lá, que descobre o porquê das atitudes dele.

O tesão entre os dois falará mais alto que a razão, e eles se


verão em situações difíceis sem conseguir separar o pessoal do
profissional.
Série Gorillas - Livro 01
Sinopse
Comédia Romântica + Enemies to lovers + Vizinhos +
Quarterback x Fisioterapeuta + Slow burn

Hope Donavan tem 25 anos e é fisioterapeuta. Há pouco tempo


recebeu diversas propostas dos maiores times de futebol
americano, depois da sua clínica e seu trabalho ganharem
relevância no mercado esportivo.

Christopher Galanis é o quarterback do Gorillas, um dos maiores


times da NFL. O QB é muito conhecido fora do campo por sua vida
íntima estar sempre envolvida em polêmicas e exposta em todos os
veículos de notícias.

Os dois são vizinhos há dois anos e não se gostam.

Hope reclama que ele sempre faz festas barulhentas demais,


tirando a sua paz. E ele acha que ela reclama sem necessidade,
apenas para atrapalhar a sua vida.

Mas agora ela foi contratada pelo Gorillas e os dois trabalharão


lado a lado, tendo que suportar a presença um do outro todos os
dias.

E para piorar o que já era ruim, uma foto comprometedora dos


dois é divulgada e eles precisam fingir que estão namorando para
que suas carreiras não sejam arruinadas.
Trilogia Opostos - Livro 01
Sinopse
Stranger to lovers + Found Family + Fast Burn
Noah Cooper é um advogado concorrido em Manhattan que
virou o queridinho das famosas. Por mais que ele lide com
celebridades, sempre tenta ter o mínimo possível de contato com a
mídia e é extremamente reservado.
Por conta do seu passado, ele vive para o trabalho e não
quer um relacionamento amoroso.
Kathllen Ibrahim é modelo e digital influencer muito famosa,
tem a vida dos sonhos, ama a mídia e a atenção que tem dos seus
fãs. Ficou extremamente conhecida depois de ter participado de um
Reality Show e por causa do seu noivado com um cantor
mundialmente reconhecido.
O caminho dos dois se cruzam quando uma história sobre
Kath cai na boca do povo e isso afunda a sua carreira. Ela procura
por muitos advogados até que finalmente conhece Noah, que aceita
ajudá-la.
O que era para ser totalmente profissional começa a tomar
outro rumo, mas eles estão em lados opostos nas preferências da
vida e carreira. Essas questões e outras pessoas aparecerão para
mostrar a eles que não será fácil ficarem juntos.
Instagram/twitter: @autorakapeixoto
Amazon: K.A. PEIXOTO

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