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LIVROS ÚNICOS
Lembre-se de mim, Thomas
A coragem das estrelas
Minhas estrelas têm olhos castanhos
Série Legacy
Dark Past
Dark Emotions (em breve)
Série Paradise
Rendido
Destinado (em breve)
Capa:
GB Editorial Design (@gbdesigneditorial)
Ilustração:
Gabriela Gois (@olhosdtinta)
Betagem
Beatriz Garcia
Camila Moura
Laura Vitelli
Nota da autora
Oi, pessoal.
Minhas estrelas têm olhos castanhos é um romance adulto que tem
como tema central o luto, a culpa e o TEPT — Transtorno de Estresse Pós-
Traumático. Este livro também tratará superficialmente sobre
relacionamento abusivo. Nenhum dos assuntos será romantizado.
Este livro também traz linguagem imprópria, consumo de bebidas
alcoólicas, cenas de sexo explícito, agressão física e um protagonista
extremamente abalado psicologicamente. Vocês vão acompanhar a jornada
do Jake e a forma como ele lida com a culpa, o luto, a morte e as lembranças
de guerra, visto que ele é um ex-integrante do Corpo de Fuzileiros Navais
dos Estados Unidos.
A leitura não é recomendada para menores de 16 anos ou para
pessoas sensíveis a qualquer um dos temas mencionados anteriormente.
Durante toda a leitura desse livro, tenham em mente que, segundo
o site do Doutor Drauzio Varella, o TEPT “é um distúrbio da ansiedade
caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e
emocionais em decorrência de o portador ter sido vítima ou testemunha de
atos violentos ou situações traumáticas que, em geral, representam ameaça à
sua vida ou à vida de terceiros. Quando se recorda do fato, ele revive o
episódio, como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma
sensação de dor e sofrimento que o agente estressor provocou. Essa
recordação, conhecida como revivência, desencadeia alterações
neurofisiológicas e mentais.”
O TEPT é uma questão séria que deve ser acompanhada com a
ajuda de profissionais qualificados. Lembre-se que buscar ajuda é de
extrema importância para a cura.
Esclarecidos esses pontos, eu espero que vocês se apaixonem por
esses personagens tanto quanto eu me apaixonei. Tenham uma boa leitura.
Com todo o meu carinho, Fers.
Playlist
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Epígrafe
Eu tinha três anos quando minha mãe morreu. Ela nasceu com um
problema no pulmão, o qual tratou a vida inteira, mas quando foi acometida
por uma pneumonia que parecia nunca sarar, ela não resistiu. Um pouco
mais de um ano depois, meu pai morreu. Ele era Sargento do Corpo de
Fuzileiros Navais dos Estados Unidos e estava lutando no Iraque, dois anos
após o ataque ao World Trade Center. Na época, eu morava com os meus
avós, pais da minha mãe, em uma casa bonita e com cerca branca no
subúrbio de Bayshore, Georgia.
Mesmo que muitas memórias daquela época tenham sido
esquecidas por mim, eu nunca poderia apagar o dia em que minha avó foi
me buscar mais cedo na escola. Mesmo tão pequeno, eu sabia que alguma
coisa estava errada quando olhei para ela. Vovó estava esquisita, e ela nunca
me tirava mais cedo da escola. Ela olhava para mim e seus olhos
automaticamente se enchiam de lágrimas. Vovó me levou em uma sorveteria
e deixou que eu pedisse o que quisesse antes de finalmente irmos para casa.
Eu não entendi naquela época, mas ela estava reunindo coragem para me dar
a segunda notícia mais triste que um garotinho com tão pouca idade poderia
receber.
Meu pai havia morrido também.
Meus pais.
Os dois.
Ambos mortos.
Quando eu completei cinco anos, meu tio Jake ficou incumbido da
minha criação. Vovó já não estava tão lúcida quanto um dia fora,
principalmente depois que o Vovô morreu. Eu me lembro de ter a sensação
de que a morte me perseguia de perto.
Eu me sentia tão sozinho.
Quando tio Jake deixou a marinha, onde lutou lado a lado com o
meu pai, e voltou para Bayshore para cuidar de mim, pensei que talvez
pudesse ser diferente. A Vovó já estava velha para ter disposição para brincar
comigo, mas tudo bem, eu entendia, ela fazia o melhor que podia. Mas o tio
Jake estava “na flor da idade”, como Vovó dizia. Ele era o irmão mais novo
do papai, mas tudo o que importava para mim era que ele era novo e talvez
gostasse de brincar. Talvez ele pudesse me contar histórias sobre o papai,
talvez ele fosse parecido com o papai e então eu não sentiria mais tanta
saudade dele.
Mas o tio Jake não era nada do que eu estava esperando.
— Ei, você — a voz suave de Melissa encheu o pequeno cômodo
do meu quarto. — O que está fazendo aí tão concentrado?
Eu sorri para a minha namorada.
— Só estava pensando. Vem cá.
Melissa caminhou até mim, com ambas as mãos para trás, como se
estivesse escondendo algo. Ela tinha um sorriso suave nos lábios macios que
eu amava tanto beijar, e eu a conhecia a tempo suficiente para saber que ou
ela estava aprontando ou estava pretendendo aprontar alguma coisa.
— O que você tem escondido aí atrás, ein? — perguntei, curioso.
Eu sempre fui extremamente curioso.
Minha namorada sentou-se na beirada da minha cama e finalmente
revelou o que carregava nas mãos. Uma quantidade absurda de folhas de
papel, presas por duas argolas grossas de metal.
— O que é isso?
Melissa deu de ombros.
— Não tenho certeza. Eu estava procurando suas fotos de infância
no porão para executar a minha ideia de presente de aniversário perfeito pra
você, mas aí eu encontrei isso — ela elaborou, empolgada. — Pelo pouco
que pude ver quando dei uma folheada, parece ser um livro.
— Um livro?
— Um livro escrito pelo seu tio — contou Melissa, e a animação
brilhava nos olhos azuis dela. — Seria muita invasão de privacidade se nós
lêssemos?
Tio Jake sempre foi um homem reservado. Ele falava pouco, sorria
menos ainda. Por muitos anos ele foi como um zumbi. Ele estava vivo ao
mesmo tempo em que estava morto. Eu nunca soube que ele escrevia, quanto
mais um livro inteiro.
— Provavelmente — respondi para a minha namorada curiosa e
bisbilhoteira.
Melissa prendeu o lábio inferior entre os dentes e estava claro que
ela iria se corroer de curiosidade. Minha namorada era tão curiosa quanto eu,
mas ela tinha o agravante de ser completamente viciada em livros. Nós
iríamos nos mudar em breve para ir para a faculdade e eu podia dizer com
propriedade que havia mais caixas com os livros dela do que com os seus
pertences, quando fui ajudá-la a empacotar suas coisas. Melissa queria se
tornar uma escritora de romances. Ela com certeza tinha talento para isso. Eu
já tinha lido tudo o que ela havia escrito. Então, se deparar com um livro
inédito, aparentemente nunca lido por outro ser humano na Terra, era como
encontrar um pote de ouro no final do arco-íris para ela.
— Não é possível que você não esteja nem um pouquinho curioso,
Max — ela acusou, fazendo um beicinho que sabia que me fazia ceder a
qualquer coisa que ela me pedisse. — Além do mais, se fosse algo muito
secreto, seu tio não teria deixado no porão ao nosso alcance. Talvez esse
livro seja destinado a ser lido por nós dois, amor. Talvez ele mude as nossas
vidas para sempre.
Eu dei uma risadinha.
— Você está muito animada com isso, não é?
— Muuuuuuuuuuuuuito!
Os olhos azuis da minha namorada brilhavam, e eu a amava.
Amava vê-la tão empolgada com alguma coisa. Amava a forma como ela
sorria quando algo a inspirava. Eu a amava com todo o meu coração e era
sempre muito difícil dizer não para ela, principalmente quando Melissa me
olhava como estava me olhando naquele momento.
— Está bem — eu cedi, porque eu também estava louco para saber
o conteúdo daquele livro. — Nós vamos ler, mas só um pouquinho. Só para
matar a nossa curiosidade.
Melissa assentiu com veemência; o sorriso em seu rosto refletia
em seus lindos olhos.
— Só as primeiras páginas — ela disse.
Eu sabia que nós estávamos nos enganando, para tentar não acabar
com a consciência pesada pela invasão de privacidade que estávamos prestes
a cometer.
Melissa se deitou ao meu lado na cama, puxou um lençol sobre
nossos corpos e nós nos aconchegamos, colados um no outro. Eu dei um
beijo em sua têmpora e ela beijou o mesmo pescoço, fazendo meu corpo
todo fervilhar. Ela tinha esse poder sobre mim.
— Pronto? — ela quis saber.
— Vamos nessa.
Parte 1
Capítulo 1
Depois que Julia morreu, a casa onde ela morava com Maxon ficou
vazia. Devin optou por não vender porque era lá que ele iria morar com o
filho quando o seu tempo de serviço acabasse. E quando passei pela porta,
não consegui me sentir nada além de um impostor que iria viver uma vida
que nunca me pertenceu.
Joguei a minha mala no chão e olhei ao redor. Tudo estava
exatamente do jeito que Julia havia deixado. Havia fotografias espalhadas
pela sala de estar e de jantar. Fotos de Maxon quando era recém-nascido;
fotos dele no seu primeiro dia de aula na escola; fotos de Devin e Julia na
época da escola, no baile de formatura, com Julia barriguda, grávida do
Maxon. A casa inteira parecia um mausoléu, contendo memórias de uma
família que se desfez cedo demais, de uma forma trágica demais.
Meu peito doeu. Comprimiu e comprimiu até que fosse difícil
respirar e o ar carregado de pó não ajudava em nada também.
Quem eu estava querendo enganar? Não podia fazer aquilo,
caralho. Não podia.
Tentei me acalmar, tentei respirar fundo e manter os cacos de
quem eu era no lugar. Eu seria responsável por uma criança agora, não
poderia simplesmente surtar. Devin estava morto, era meu papel cuidar do
filho dele. Eu não iria perder a porra da cabeça agora.
Desliguei a mente e adentrei a casa, fechando a porta atrás de mim.
Passei as próximas horas limpando tudo, tirando o pó dos móveis, passando
pano no chão, lavando a louça que estava guardada a mais de dois anos.
Troquei as roupas de cama e coloquei as antigas para lavar. Pelo menos isso
eu poderia fazer. Devin me ensinou a cuidar da casa também, para garantir
que eu sobreviveria se algo acontecesse com ele. Ele só não me ensinou o
que fazer com o sentimento esmagador que ameaçava me partir ao meio
todos os segundos de cada dia desde que ele se foi.
Quando o dia estava prestes a dar lugar à noite, tomei um banho
rápido, tirei a farda e vesti roupas normais, das quais eu nem me lembrava de
ter. E então fui ao mercado para abastecer a casa. Comprei algumas frutas,
alguns legumes, algumas sobremesas para poder subornar o meu sobrinho ou
negociar com ele, se fosse necessário. Eu não o conhecia, então isso
dificultava bastante as coisas. Eu não sabia do que ele gostava, se era
alérgico a algum tipo de comida, se tinha medo de algo, se sabia quem eu
era... Mais cedo, quando falei com Lucy, a avó de Maxon, por telefone, ela
me disse que ele já sabia sobre a morte do pai, então pelo menos isso eu
sabia sobre ele.
Eu nasci e cresci em Bayshore, mas não encontrei sequer um rosto
conhecido no mercado, o que era uma benção, mesmo que uma benção que
eu sabia que não duraria para sempre. Mais cedo ou mais tarde, eu
encontraria algum fantasma do passado para me fazer a tão temida pergunta:
o que aconteceu com o Devin? E em questão de horas, toda a cidade estaria
comentando sobre a morte precoce do meu irmão mais velho. Eu queria
evitar aquilo a qualquer custo. Aquelas pessoas nunca nos estenderam a mão
quando mais precisávamos. Aquelas pessoas nos deixaram morrer de fome e
chamaram meu irmão de vagabundo quando ele passava nas casas pedindo
um pouco de comida.
Hipócritas filhos da puta.
Só porque Devin morreu servindo o seu país, agora ele era um
herói para eles. Meu irmão sempre foi um herói para mim, mesmo quando
ninguém olhava para ele com algo que não fosse nojo.
Afastei meus pensamentos desse assunto, porque já conseguia
sentir meu sangue quente. Eu não era um homem com muita paciência e
pensar naquelas coisas não estava ajudando o meu temperamento explosivo.
Em casa, tentei fazer o jantar. Maxon chegaria a qualquer
momento e eu não sabia se ele já teria jantado. Fiz uma macarronada com
almôndegas, que eu também não sabia se ele gostava, mas fiz mesmo assim.
E então esperei. Sentado no sofá, no escuro, eu esperei que meu sobrinho
chegasse e terminasse de virar a minha vida de cabeça para baixo. Ele não
tinha culpa de nada, eu sabia, mas isso não tornava as coisas mais fáceis. Na
verdade, só era ainda mais injusto com ele.
Uma batida na porta me colocou de pé no mesmo segundo e
caminhei até lá para abri-la. Para a minha surpresa, não era Lucy do outro
lado da porta. Me deparei com um senhor de sorriso fácil e olhos solícitos,
que olhava para mim como quem queria dar as boas-vindas à vizinhança. Ele
segurava uma travessa de... alguma coisa. Era um costume de cidades
pequenas, principalmente, assar um bolo ou uma torta ou sei lá o que fosse e
levar para os novos vizinhos. Quanta consideração... Contive a vontade de
revirar os olhos para essa hospitalidade fingida. Eu conhecia bem os
moradores de Bayshore e nenhum deles havia sido legal comigo ou com
Devin antes.
— Boa noite, meu jovem — cumprimentou o velho. — Vi hoje
cedo que você chegou e pensei que poderia vir dar as boas-vindas. Meu
nome é Harry, e eu sou seu vizinho do lado. — Ele apontou para a sua casa,
que ficava do lado esquerdo da minha. — Eu fiz uma caçarola para você.
Harry estendeu a travessa de caçarola para mim. Eu poderia
guardar rancor das pessoas daquela cidade, mas Devin havia me ensinado o
mínimo de educação, então peguei a caçarola.
— Obrigado, senhor.
— Ah, por favor, me chame de Harry. Não preciso me sentir mais
velho do que já sou. — Ele riu. Então, seus olhos caíram até a minha Dog
Tag[2] e seu rosto perdeu um pouco do brilho. — Qual divisão?
— Marinha. Fuzileiros Navais.
Se Harry fosse me parabenizar por lutar pelo meu país, eu perderia
o pouco da educação que estava tentando manter. Meu sentimento perante
toda a minha carreira militar era conflituoso. Ao mesmo tempo em que eu
me orgulhava por lutar pelo meu país, às vezes eu me perguntava contra
quem exatamente eu estava lutando. Sim, havia os terroristas, mas será que
todas as pessoas que matei lá eram de fato um perigo para os Estados
Unidos? Será que todos eram terroristas? Eu não sabia dizer, eu apenas
seguia ordens. E no fundo, ser agradecido por estar lá e matar pessoas não
era uma coisa que me deixava feliz.
— Sargento das Forças Especiais — ele retrucou com um sorriso
sem dentes que não alcançou os seus olhos. A revelação me surpreendeu. —
Seja bem-vindo de volta, filho.
— Obrigado, senhor — eu repeti.
Harry soltou o ar dos pulmões e se apoio na sua bengala. Ele
deveria estar perto dos setenta anos, mais ou menos, o que, se eu estivesse
certo, me dizia que ele devia ter servido ao exército bem próximo do fim da
Segunda Guerra Mundial.
— Você não me disse o seu nome.
— Jake.
— Jake — Harry repetiu com um sorriso cúmplice. — Se você
precisar de alguma coisa, filho, é só bater na porta. Às vezes eu acabo
demorando um pouco para chegar até ela, sabe como é... — Ele apontou
para a bengala com a cabeça.
— Vou me lembrar disso, senhor.
Eu não tinha a menor intenção de procurar Harry para qualquer
coisa que fosse, mas não podia negar que era bom saber que havia alguém
por perto que poderia entender minimamente o que se passava na minha
cabeça — mesmo que eu nunca conversasse sobre isso com ninguém. O
máximo que eu fazia era escrever em um caderno os pensamentos que
atravessavam a minha cabeça. Eu era bom com as palavras se elas fossem
escritas, mas quando precisava delas para interagir com outras pessoas... Eu
não era tão bom assim.
— Harry, garoto — ele me corrigiu. — Só Harry.
— Harry, certo. Obrigado pela caçarola.
Harry dispensou meu agradecimento com um gesto de mão.
— Por nada. Cozinhar me ajuda a manter a cabeça no lugar, então
não estranhe se eu aparecer de novo com uns bolos... Hm, uma torta seria
interessante — ele comentou, falando consigo mesmo. — Talvez banana?
Pensarei sobre isso.
Não consegui conter um pequeno sorriso.
— Aposto que vai. Tenha uma boa noite, Harry.
— Você também, filho. Você também.
Quando ele se foi, mancando com sua bengala, eu voltei para
dentro de casa e coloquei a tal caçarola em cima da ilha da cozinha. Eu não
era um grande fã de sobremesas, mas talvez Maxon gostasse.
Voltei a me sentar no sofá para esperar pela chegada inevitável do
meu sobrinho. Fiquei longos minutos encarando a tela preta da televisão,
deixando meus pensamentos correrem soltos, o que normalmente nunca era
uma coisa boa. Se eu pensasse demais, sempre acabava sendo transportado
de volta para aquele cenário de guerra, com escombros, sangue e corpos
destroçados e sem vida no chão. Eu praticamente conseguia ouvir os gritos.
As memórias eram vívidas demais para a minha sanidade mental ser capaz
de se manter intacta.
— Senhor, há muitos civis na área — eu disse no rádio que
usávamos para nos comunicar uns com os outros.
As bombas explodiam ao nosso redor como se fossem meteoros
caindo do céu, prontos para causar a nossa extinção, assim como aconteceu
com os dinossauros.
Eu tentei buscar abrigo dentro de um edifício abandonado, mas a
estrutura parecia frágil demais para que fosse seguro. Com mais algumas
bombas, eu não duvidava que aquela construção viesse abaixo, seguindo o
exemplo de muitas outras que já haviam se tornado escombros.
— Os civis vão buscar abrigo, Hyder. Não podemos dar espaço
para que esses filhos da puta avancem. Siga a sua ordem, Cabo.
Porra.
Segurei a minha arma com mais força e avancei, mantendo meu
olho junto à mira e sendo seguido pelos meus companheiros. Devin entre
eles. Era só para ser uma missão de reconhecimento, caralho.
Outra bomba fez o chão tremer sob os meus pés ao mesmo tempo
que vi Antonio sendo alvejado na cabeça, alguns metros à minha frente.
— Tony! — Gerald gritou.
Mas já era tarde. Um tiro na cabeça é fatal em quase 99% das
vezes. Tony estava morto antes que pudéssemos piscar os olhos de novo.
Uma nova batida da porta me trouxe de volta à realidade com um
susto. Eu me movimentei rápido ao me levantar do sofá. Meu corpo
automaticamente se colocou em posição ofensiva, segurando uma arma
imaginária nas minhas mãos, que tremiam ligeiramente.
— Porra — eu soprei para mim mesmo.
Passei as mãos rapidamente pelo rosto, forçando o meu corpo a
relaxar e fui abrir a porta pela segunda vez naquela noite. Lucy abriu um
enorme sorriso quando me viu, mas não consegui retribuir porque meus
olhos estavam focados no garotinho que se agarrava à perna de Lucy e se
escondia atrás dela enquanto olhava timidamente para mim. Seus olhos eram
castanhos, como os de Devin, embora o cabelo fosse um tom mais claro que
o do meu irmão.
— Olá, Jake — Lucy me cumprimentou, gentilmente. — É um
prazer vê-lo novamente.
— Lucy — eu disse apenas. Ela poderia ter amolecido com os
anos, mas eu só conseguia pensar nela como a mulher que marginalizou o
meu irmão e disse que a sua filha era boa demais para ele.
Lucy visivelmente engoliu em seco, provavelmente pensando o
mesmo que eu.
— Este é o Maxon — Lucy o apresentou para mim. — Ele gosta
de ser chamado de Max, não é, querido? — Lucy olhou para o meu sobrinho
e sorriu ao fazer carinho nos cabelos dele. — Por que você não vai dizer olá
ao seu tio Jake?
Maxon olhou para a avó e depois olhou para mim. Timidamente,
ele se aproximou.
— Oi — ele murmurou, envergonhado. — Você é irmão do meu
papai?
— Sim.
— Você se parece com ele — averiguou Maxon.
Desviei os olhos de Maxon porque não aguentava aquilo. Se ele
fosse começar a me comparar com Devin, eu perderia a cabeça. Então, ao
invés de olhar para o meu sobrinho, olhei para Lucy.
— Tem algo que eu precise saber sobre ele? Ele é alérgico a algum
alimento ou medicamento? Alguma questão de saúde que eu deva saber? —
perguntei à Lucy.
— Ele é alérgico a nozes, isso é tudo o que sei. Nenhuma questão
de saúde. Max é um garotinho muito saudável. Ah, dentro da mochila dele
tem um caderno com todas as informações que você precisa saber sobre a
rotina dele. Escola, karatê e comidas favoritas. Também tem o telefone da
pediatra dele.
— Ótimo — disse, secamente. — Eu fiz a janta. Quer se juntar a
nós para o jantar, Lucy?
Ela negou com a cabeça.
— Estou cansada e os paramédicos do asilo irão me buscar
amanhã bem cedo, então eu devo ir e terminar de organizar as minhas coisas
— ela disse, depois olhou para Maxon com um sorriso gentil no rosto. —
Seja bonzinho com o seu tio, está bem? E você pode ir me visitar quando
quiser.
Maxon confirmou com a cabeça, não parecendo nada feliz em se
despedir da avó.
— Cuide-se, meu pequeno. Eu te amo.
— Eu também te amo, vovó.
Lucy abraçou Maxon e lhe deu um beijo na testa. Depois, ela me
entregou as malas dele e foi embora após se despedir rapidamente de mim.
Não nos abraçamos ou demos as mãos. Nada. Apenas um adeus e boa sorte,
porque era claro que ela sabia que eu precisaria de sorte.
— Está com fome? — perguntei, deixando as malas de Maxon em
cima do sofá e indo para a cozinha. — Eu fiz uma macarronada.
— Eu já jantei na casa da vovó — ele respondeu.
Maxon parou na entrada da cozinha, olhando ao redor enquanto
apertava seus dedinhos uns nos outros, visivelmente desconfortável de estar
perto de mim, um completo estranho.
— Certo. Você pode ir para o seu quarto então, se quiser. Tem
televisão lá, para que você assista desenhos ou... ou algo de que goste.
Meu sobrinho assentiu.
— Você me ajuda a levar as malas? Elas são pesadas e eu não
consigo levar sozinho.
— Claro.
Maxon foi até onde estavam as suas coisas e colocou uma mochila
nas costas enquanto eu pegava as outras duas malas enormes. Nós subimos
as escadas e eu mostrei a ele onde ficava o seu quarto. Maxon colocou a
mochila em cima da cama e olhou ao redor, estranhando o ambiente.
— Você pode colar desenhos nas paredes, se quiser — eu disse,
querendo que ele se sentisse à vontade, mas claramente não sabendo como
fazer isso eu mesmo.
— Podemos pintar as paredes? — ele quis saber.
— Podemos.
— De azul?
Fiz que sim com a cabeça.
— Legal.
Nós ficamos em silêncio porque não tínhamos mais nada para falar
um com o outro. Ele era um garotinho de cinco anos que tinha os olhos do
meu irmão morto. Olhar para ele era difícil pra caralho.
— Bom, tem um banheiro no final do corredor. É seu. Escove os
dentes antes de dormir, entendido?
Maxon assentiu mais uma vez.
— Ótimo. Se você precisar de alguma coisa, meu quarto fica logo
do outro lado do corredor, mas precisamos estipular algumas regras — eu
comecei, e Maxon olhou para mim atentamente. — Você não deve entrar no
meu quarto sem bater e nunca, nunca, deve chegar perto de mim quando eu
estiver dormindo.
Meu sobrinho franziu o cenho.
— Por quê?
— Porque sim. Isso é sério, Maxon. Você nunca deve chegar perto
de mim quando eu estiver dormindo, mesmo que você precise me acordar.
Ele piscou, confuso.
— E como eu devo te acordar se precisar de você?
Você não precisa de mim, garoto. Ninguém precisa.
— Me chame de longe — orientei. — Você entendeu?
— Entendi.
— Então repita o que eu disse.
Ele engoliu em seco.
— Não devo entrar no seu quarto sem bater e nem chegar perto se
você estiver dormindo. E se eu precisar te acordar, devo te chamar de longe
— ele repetiu tudo direitinho.
— Excelente. Boa noite, Maxon.
Ele abriu a boca para falar algo, mas desistiu logo em seguida. Ao
invés disso, ele disse:
— Boa noite, tio Jake.
Fechei a porta do quarto dele ao sair e o ouvi fungar lá dentro.
Fiquei parado do lado de fora, escutando meu sobrinho chorar sem saber o
que deveria fazer. Eu nunca tinha cuidado de ninguém na vida, tinha zero
experiência com crianças e era péssimo em lidar com emoções, sejam as
minhas ou as das outras pessoas. Era só uma questão de tempo até Maxon e
eu atingirmos o fundo do poço.
Isso é se já não estivéssemos nele.
Quando entrei no quarto onde Maxon estava, olhei para o meu sobrinho
e tive a confirmação de que ele estava mesmo bem, senti como se um peso
houvesse deixado os meus ombros. Ele estava vivo, respirando e seus olhos
castanhos olhavam para mim com atenção.
O médico começou a explicar o que eles haviam feito para frear a
reação alérgica e ele me afirmou que Maxon ficaria bem, antes de nos deixar
sozinhos no quarto. Quando meus olhos encontram o meu sobrinho
novamente, Maxon murchou, escolhendo-se na cama como se estivesse
envergonhado do que aconteceu ou com medo de como eu iria reagir.
— Maxon...
— Me desculpa — ele murmurou, choramingando.
Suspirei. Eu poderia ficar bravo com ele por não ter prestado mais
atenção, mas a verdade é que eu só estava aliviado que ele estava bem. Mas
como o próprio Maxon — e Elena também — já havia pontuado, eu tinha
um jeito merda de demonstrar que me importava.
— Você me deu um baita susto — eu confessei, puxando a cadeira
que estava no canto do quarto e me sentando próximo à cama dele.
— Eu dei?
A surpresa em sua voz só me confirmou o quanto eu estava
fazendo um péssimo trabalho com ele. E eu odiava fracassar. Odiava saber
que estava fracassando e não sabia como mudar isso. Odiava olhar para ele e
saber que Maxon não fazia a menor ideia do impostor filho da puta que eu
era. Talvez parte de mim se esforçasse dia e noite para me manter longe dele
porque era eu quem tinha medo da reação dele quando descobrisse o que
aconteceu. Maxon me odiaria e eu também perderia a última parte de Devin
que ficou comigo; perderia a única família que ainda restava no mundo para
mim.
Com um suspiro pesado, eu apoiei meus cotovelos na cama de
Maxon e olhei fixamente para o meu sobrinho.
— Olha, eu sei que eu não sou o que você esperava e você é
inteligente o suficiente para saber que eu não levo o menor jeito com
crianças. Não sei que merda eu estou fazendo, Maxon.
Meu sobrinho abriu um pequeno sorriso.
— Você deveria começar não falando “merda” na minha frente.
Merda.
— Bem pensado. — Eu limpei a garganta. — Enfim, eu não sei ser
carinhoso, Max. Não é da minha natureza. Mas... mas eu quero que você
saiba que eu me importo com você. Você é a minha família, meu sangue, e
eu morreria antes de deixar que algo ruim acontecesse a você, você está me
entendendo?
Seus olhos castanhos encheram-se de lágrimas quando ele
confirmou com a cabeça.
Ele só precisa saber que você se importa. Apenas o deixe saber
que você está lá por ele.
As palavras de Elena voltaram à minha mente. Maxon só precisava
ouvir de mim e eu provavelmente não diria nada a ele se esse incidente com
as nozes não tivesse acontecido. Pensei que ele entendesse que só o fato de
eu deixar a marinha para cuidar dele era sinal o suficiente de que eu me
importava. Caralho, eu estava tão errado. O tempo todo. Eu estava errado
sobre tudo.
— Maxon, eu sou duro com você porque esse é o único jeito que
eu sei ser, não é nada com você. Entendido?
— Sim, tio Jake. — Ele fungou, secando os olhinhos com as
costas das mãos pequenas. — Eu entendi.
— Ótimo. De agora em diante, você sempre deve perguntar se
uma comida tem nozes antes de comer, principalmente se for doce — eu o
instruí. — Não me dê outro susto desses, Maxon.
Ele sorriu diante da minha aspereza.
— Não vou, prometo.
— Bom.
Maxon ficou em observação mais algumas horas para ter certeza
de que estava tudo bem. Quando finalmente recebeu alta, depois das onze
horas da noite, o clima estava consideravelmente mais frio. Bayshore era
uma cidade litorânea, então as noites tendiam a ser um pouco mais frias que
o dia, por conta da brisa que soprava do mar. Eu estava prestes a pedir que
Maxon me esperasse no saguão do hospital, enquanto eu buscava a sua blusa
de frio no carro, quando vi Elena. Ela estava encolhida em uma poltrona no
saguão e parecia estar cochilando.
O que ela ainda estava fazendo aqui?
— Senhorita Blake — Maxon gritou e tentou girar as rodas de sua
cadeira de rodas para chegar até a sua professora.
Elena se sobressaltou, abrindo os olhos, claramente confusa pela
sonolência, mas no instante em que seus olhos encontraram o Maxon, ela
abriu um sorriso radiante para o meu sobrinho.
— Ah, graças a Deus! — Ela suspirou aliviada, colocando a mão
sobre o peito e sorrindo. — Você está bem, querido? Como está se sentindo?
— Estou bem — Maxon respondeu com um sorriso. Ele sempre
sorria assim quando ela estava por perto. — O que a senhorita está fazendo
aqui?
Essa era uma excelente pergunta, para a qual eu estava ansioso
para saber a resposta.
Elena olhou rapidamente para mim antes de voltar a sua atenção
para o Maxon.
— Ora, eu queria saber se você estava bem. Eu estava preocupada
com você, pequeno. — Ela fez um carinho no cabelo de Maxon como
sempre fazia quando conversava com ele. Então ela olhou de novo para
mim. — Ele está bem? Desculpe se estou sendo enxerida de novo, eu só... eu
só estava preocupada com ele. Não conseguiria dormir se não visse com
meus próprios olhos que ele está bem.
— Eu agradeço a sua preocupação. Ele está bem, tudo sob
controle.
Elena assentiu.
— Que ótimo. Isso é um alívio. — Ela sorriu. Talvez eu estivesse
começando a entender por que as pessoas sorriam tanto quando estavam
perto dela. Ela tinha um sorriso bonito. — Eu acho melhor eu ir agora,
porque... — Ela se interrompeu e seus olhos se arregalaram em puro terror.
— Ah meu Deus!
— O quê? — perguntei, confuso.
— A escola já fechou.
— Há algumas horas, sim.
— Eu deixei a minha bolsa lá. — Ela bateu a mão na testa como se
não pudesse acreditar na própria estupidez. — A chave do meu carro, da
minha casa, meus documentos, meu celular... Está tudo lá dentro.
Cace...ramba! Caramba! — Ela engoliu o palavrão quando olhou para o
Maxon. Não sei por que, mas saber que ela também xingava me deu vontade
de sorrir. — Você pode me emprestar o seu telefone?
Puxei meu celular de dentro do bolso frontal da minha calça jeans
e entreguei para ela. Elena discou um número rapidamente e levou o celular
à orelha enquanto roía uma unha, claramente nervosa se a pessoa para quem
ela estava ligando a atenderia. Talvez fosse o namorado dela.
— Alô? Taylor? — ela disse, aliviada. — Eu sei, me desculpa, eu
deixei o meu celular na escola. Tive uma emergência com um aluno, estou
no hospital. — Pausa. — Sim, ele está bem sim. — Elena sorriu e piscou
para o Maxon. — Eu só queria saber se você estava em casa porque eu estou
sem chave. — Outra pausa. — Certo. Chego em alguns minutos. Beijos.
Taylor era um nome unissex, o que significava que sim, poderia
ser um namorado, mas também poderia ser uma amiga com quem Elena
dividia uma casa... Por que diabos isso importava?
— Quer uma carona? — me peguei perguntando.
O problema com a palavra é que uma vez dita, não tem como você
engoli-las de volta e fingir que elas nunca existiram, embora essa fosse a
minha vontade naquele momento. No entanto, Elena estava sem sua bolsa
porque escolheu ficar até tarde no hospital para ter notícias de Maxon. O
mínimo que eu poderia fazer era dar uma carona a ela até a sua casa.
— Não, não, eu não quero incomodar. Eu posso pegar um táxi.
— Você não tem dinheiro com você, tem? — desafiei, erguendo
uma sobrancelha enquanto a encarava.
Os ombros dela despencaram em derrota quando a verdade a
atingiu.
— Não — ela choramingou.
— Eu poderia até te dar algum dinheiro, mas está tarde. Não é
seguro uma mulher andar sozinha à noite.
Ela sorriu.
— Estamos em Bayshore. A taxa de criminalidade aqui é baixa.
— Mas não é nula — rebati. — Apenas aceite a carona, Elena.
Como agradecimento por ter pensado rápido para ajudar o Maxon.
— Aceita, senhorita Blake — pediu Maxon, e isso bastou para que
ela cedesse.
— Como se eu conseguisse dizer não para você, mocinho. — Ela
sorriu para ele. — Tudo bem, eu aceito a carona. Obrigada.
Dei um curto aceno de cabeça e pedi que Elena ficasse com
Maxon no saguão enquanto eu pegava a blusa de frio dele dentro do carro. E
foi só quando já estávamos dentro do veículo que me dei conta de que Elena
estava vestindo uma blusa de alcinhas. Ela se esforçava bastante para não
tremer de frio. Mesmo com as janelas fechadas, ainda estava frio para
alguém que estava vestindo o que ela estava vestindo. Estiquei meu corpo
para alcançar o banco traseiro, enquanto segurava o volante com uma mão
só, e peguei uma blusa minha que eu sempre deixava de emergência dentro
do carro.
— Aqui — eu disse, oferecendo a blusa para Elena. — Vista isso.
— Ah, não, não precisa, Jake. Eu estou bem.
Precisei lutar contra o desejo de revirar os olhos.
Ah tá.
— Eu tenho certeza de que o seu namorado não vai se importar de
você vestir a blusa de frio de outro homem se isso significar que você não
ficará doente — argumentei.
Elena olhou para mim como se não fizesse ideia do que eu estava
falando.
— Namorado? Que namorado?
De repente, me senti idiota. Eu estava sendo idiota, eu sabia. Por
que eu tinha que tocar no assunto?
— Taylor — esclareci.
— Aaaaaaaaah! — Ela deu uma risadinha. — Taylor é uma
garota. Ela é minha melhor amiga desde a época da escola.
Entenderam o que eu quis dizer? Idiota. Eu sabia que deixar de ser
lacônico era uma péssima ideia.
— E eu não tenho namorado — Elena acrescentou alguns
segundos depois.
Eu olhei rapidamente para ela e seu corpo estremeceu de frio mais
uma vez. É isso. Eu iria eu mesmo vestir a droga da blusa nela, se Elena não
a aceitasse de boa vontade.
— Você pode apenas vestir a blusa, por favor? — eu pedi,
impaciente.
Elena finalmente aceitou a blusa e a vestiu. Ela era uma mulher
razoavelmente alta, mas ainda foi capaz de sumir dentro do tecido.
— Obrigado — eu disse. Não queria ter que dirigir o caminho todo
com aquela mulher tremendo de frio do meu lado.
Depois de alguns minutos de silêncio, consegui ouvir a respiração
pesada de Maxon e, olhando pelo retrovisor, constatei que ele havia pegado
no sono. Havia sido um longo dia. Normalmente, nesse horário, ele já estava
na cama há muito tempo.
Elena foi me orientando sobre que caminho tomar até a sua casa e
depois de vinte minutos, estacionei o meu carro na frente de uma pequena
casa cinza. Desliguei o carro e o silêncio nos envolveu, mas não era
desagradável, era quase como se nenhum de nós quisesse se despedir, o que
era estranho porque eu não via a hora daquele dia acabar. Eu estava exausto.
Emocionalmente exausto.
— Obrigada pela carona — Elena finalmente agradeceu,
quebrando o silêncio.
— Não por isso.
Ela mordeu o lábio inferior e meus olhos acompanharam o
movimento involuntariamente. Ela até que era bonita quando não estava se
intrometendo na minha vida.
— Você é bom com ele, Jake — ela disse, suavemente. — Não
seja tão duro consigo mesmo. Cuidar de uma criança é difícil,
principalmente se você nunca teve contato com uma. Mas... eu acho que
vocês dois vão ficar bem.
— Você também é boa com ele. Ele te adora.
Elena sorriu ao olhar para o banco de trás para dar uma olhadinha
em Maxon.
— Eu também o adoro.
Quando ela olhou novamente para mim, senti como se seus olhos
estivessem me prendendo. O silêncio caiu sobre nós novamente e enquanto o
seu olhar me esquadrinhava, eu me perdia nos detalhes do rosto dela. Na
forma como seus lábios tinham o formato de um coração, como as maçãs do
rosto eram levemente rosadas, como os cachos do seu cabelo dourado
comprido pareciam selvagens de uma maneira que não combinava muito
com a personalidade que eu conhecia dela, mas que ao mesmo tempo
combinava tanto com o rosto dela.
— Eu deveria ir — ela sussurrou, me libertando do feitiço.
Pigarreei e ajeitei a minha postura no banco.
— É — concordei. Eu precisava dela fora do meu carro antes de
ser arrancado de mim mesmo pelos seus olhos. — Boa noite, Elena.
— Boa noite, Jake.
Antes de sair, Elena tirou a minha blusa, devolvendo-a para mim
com um sorriso de agradecimento. Então, ela abriu a porta e a fechou com
cuidado para não acordar o Maxon, e eu fiquei com o carro parado ali até vê-
la entrando em casa. Depois fiquei mais alguns minutos para colocar a
minha cabeça no lugar antes de começar a dirigir de novo.
Mas que porra?
Quem era aquela mulher? E como eu pude deixar de achá-la
enxerida para começar a achá-la atraente tão rápido?
Jesus.
Passei as mãos pelo meu rosto e baguncei os fios do meu cabelo,
completamente perdido sobre o que fazer com as emoções que esse dia me
despertou. Talvez eu só estivesse cansado demais, imaginando coisas onde
não havia nada. Eu só precisava me deitar um pouco, mesmo que não fosse
de fato dormir.
— Você deveria chamá-la para sair. — A voz de Maxon cortou o
silêncio de repente.
— Puta que pariu! — eu exclamei, levando um puta susto. —
Maxon! Jesus Cristo! Eu pensei que você estava dormindo!
Meu sobrinho deu uma leve risadinha.
— Não. Estou bem acordado.
Balancei a cabeça, indignado, e liguei o carro, pegando o caminho
para casa.
Criança maluca.
— Não faça isso de novo — eu o alertei, preocupado com as
reações que um susto poderia despertar em mim. — Não me assuste desse
jeito!
— Desculpe — ele murmurou.
Suspirei, exausto. Quando eu achava que podíamos estar
evoluindo, eu conseguia estragar tudo sendo ríspido com ele de novo.
— A senhorita Blake é muito legal — ele começou. E eu não sei o
que esse garoto estava achando que era para querer bancar o cupido comigo
a essa altura do campeonato. — E ela é muito bonita também.
Eu arqueei uma sobrancelha.
— O que é que você entende sobre isso, garoto?
Maxon deu de ombros.
— Eu sou criança, mas não sou bobo, tio Jake.
O que foi que o Devin ensinou para ele nas vezes em que voltou
para casa para vê-lo? Dai-me paciência.
— Volte a dormir, Maxon.
Ele resmungou alguma coisa ininteligível e eu decidi ignorá-lo.
Era só o que me faltava, meu sobrinho de cinco anos me dando conselhos
amorosos. Eu tinha mesmo chegado na porra do fundo do poço.
Quando chegamos em casa, praticamente precisei escovar os
dentes de Maxon por ele, pois o cansaço e o estresse do dia começaram a
cobrar o seu preço. Ele mal estava sendo capaz de manter os olhos abertos.
Também o ajudei a trocar de roupa e o coloquei na cama. Maxon adormeceu
no segundo em que seu corpo foi abraçado pelo colchão. E naquele instante,
eu o invejei, pois eu nunca poderia dormir com aquela facilidade ou com
aquela tranquilidade enquanto estivesse vivo. Meus demônios estavam lá,
olhando de volta para mim quando minhas pálpebras se fechavam.
Dois dias depois do incidente com as nozes, Maxon e eu
começamos a nos entender um pouco melhor. Ele não parecia mais tão
absurdamente triste, embora eu ainda conseguisse ver a tristeza espreitando
seus olhos castanhos vez ou outra.
Não estar triste o tempo todo não significa estar feliz também.
No sábado de manhã, o primeiro final de semana que Maxon e eu
tivemos juntos, sem escola, sem nada para ocupar o nosso tempo, meu
sobrinho sugeriu que nós fôssemos até um parque de diversões que ficava à
beira-mar. Tentei inutilmente disfarçar a minha careta com a sugestão, pois
eu odiava lugares muito cheios, mas Maxon precisava de motivos para dar
risada, então eu engoli a minha insatisfação e levei o meu sobrinho até o
maldito parque.
Juro por Deus que os olhos castanhos de Maxon brilharam mais
que as estrelas quando eu parei o carro no estacionamento.
— Podemos andar na montanha-russa? — Maxon perguntou,
animado, enquanto olhava os brinquedos de longe com fascínio.
— Eu acho que você não tem idade e nem tamanho o suficiente
para isso.
Maxon murchou.
— Mas eu sou corajoso — ele respondeu, estufando o peito, o que
quase me fez rir.
— Eu não duvido disso, mas são regras, Maxon. E nós precisamos
obedecer às regras — expliquei. — E por falar nisso, você tem que ficar
perto de mim o tempo todo, entendeu? Esse lugar é cheio e não quero perder
você de vista.
Ele confirmou com a cabeça e segurou a minha mão como quem
diz que estava pronto para se divertir, mas também para obedecer. Eu
congelei com a sua mãozinha pequena na minha. Nós ainda não havíamos
tido nenhum tipo de interação física, então levei alguns longos segundos
para absorver aquele pequeno contato. Nos últimos dias, eu senti que Maxon
estava mais próximo e o medo que enxerguei em seus olhos em alguns
momentos — medo direcionado a mim — já não existia mais.
— Tudo bem, tio Jake? — ele perguntou, levantando os olhos para
analisar o meu rosto.
Assenti.
— Tudo bem.
Ele assentiu também e nos aproximamos da entrada do parque.
Comprei os ingressos na bilheteria e Maxon pediu um algodão-doce no
instante em que colocou seus pés no parque. Sua segunda solicitação foi um
urso de pelúcia do Coragem, O Cão Covarde. Maxon era louco por aquele
desenho esquisito. Por que diabos o nome do cachorro era Coragem se ele
era covarde?
— Eu quero, tio Jake! — ele disse, pulando e apontando para a
pelúcia do Coragem. — Eu quero o Coragem!
Dei uma nota para o rapaz da barraca de tiro ao alvo e me sentei na
cadeirinha em frente à arma de brinquedo. Eu estava cem por cento certo de
que aquilo seria mamão com açúcar para mim, afinal de contas minha mira
era excelente, mas no instante em que meu dedo encostou no gatilho da
arma, minha mente foi transportada para um lugar bem diferente daquele,
onde os gritos que eu escutava não eram de animação e felicidade, mas de
dor e desespero.
— Alvo na mira — informei.
Eu ouvi as coordenadas e movimentei o meu fuzil enquanto
bloqueava os sons ao meu redor. E então era somente eu, a arma e meu
alvo. O que era o acréscimo de mais uma vida na pilha daquelas que eu já
havia tirado? E naquele momento eu me lembrei de algo que a minha mãe
costumava dizer antes de ela se perder completamente na bebida.
“Quem somos nós para decidir se alguém vive ou morre? Não
somos Deus. Esse não é o nosso trabalho. Não temos o direito de tirar a vida
de outra pessoa.”
Era o que ela dizia quando via os noticiários falarem sobre a
guerra ou algum caso de homicídio. Ela era uma mulher religiosa, temente
a Deus, mas talvez ela tenha amado o meu pai mais do que amava a Deus,
pois quando ela descobriu que ele a estava traindo, isso a destruiu. E de
repente a bebida havia se tornado a sua melhor amiga de todas.
— Atire — a ordem me foi dada.
Eu mirei, verifiquei. Eu tinha que ter certeza. E eu tive.
Puxei o gatilho.
Pisquei e rapidamente me afastei da arma de brinquedo, quase
como se ela tivesse me queimado. Desorientado, dei alguns passos para trás,
querendo ganhar espaço do objeto que eu costumava conhecer como uma
extensão do meu próprio corpo, mas que naquele momento parecia ser o
próprio diabo. O parque de diversão se transformou bem diante dos meus
olhos. Eu estava perdendo a cabeça. Eu conseguia sentir. Eu sabia que estava
me perdendo dentro dos horrores que habitavam a minha cabeça. Eu estava
sendo sugado para a espiral de pânico que tantas vezes antes havia me
agarrado, sem que eu tivesse forças o suficiente para impedir.
— Tio Jake! — Escutei a voz de Maxon, mas ela parecia
completamente distante, abafada, como se fosse um sonho ou algo assim.
Senti meu corpo colidir com alguma coisa, mas eu não conseguia
enxergar direito. Minha visão entrava e saía de foco. Tudo rodava. De
repente, eu nem sequer sabia onde caralhos eu estava, pois tudo o que eu via
eram escombros, corpos e sangue.
Não.
Eu saí. Estava tudo bem. Eu estava bem.
Porra, quem eu estava enganando? Eu nunca iria sair. Não de
verdade. Eu nunca ficaria bem.
— Jake! — Ouvi alguém gritando por mim segundos antes de duas
mãos envolverem o meu rosto.
Me afastei bruscamente, tirando as mãos de mim com violência.
Um choramingo atingiu meus ouvidos no mesmo instante em que um tapa
foi estalado no meu rosto. Minha pele ardeu pra caralho com a força do tapa,
mas foi o suficiente para me arrancar daquele estupor. Pisquei os olhos
várias vezes, voltando ao meu próprio corpo, voltando ao presente, e a cena
que encontrei diante dos meus olhos me fez engolir em seco. Não sei como,
mas Elena estava parada diante de mim, com Maxon abraçado às pernas dela
enquanto ela o amparava com um braço e abraçava o próprio corpo com o
outro. Do lado de Elena, uma garota de cabelos ruivos, curtos e de olhos
azuis olhava para mim como se estivesse prestes a arrancar a minha cabeça.
— Qual é a porra do seu problema, seu idiota? — gritou a
desconhecida.
— Taylor, não — Elena interveio. — Tudo bem, eu estou bem.
Taylor?
— Não está tudo bem nada, Elena. Esse babaca empurrou você —
Taylor esbravejou, apontando para mim.
— Eu... — Minha voz falhou e eu precisei pigarrear para
conseguir ultrapassar o recente embargo. — Me desculpe, eu não... Elena, eu
não estava... Eu não era...
Elena abriu um pequeno sorriso para mim e eu soube naquele
instante que ela entendia exatamente o que eu não estava conseguindo tirar
de dentro do meu peito, o que eu não conseguia explicar.
— Está tudo bem. Mesmo. Eu não me machuquei — ela garantiu.
— Mas Elena... — Taylor esbravejou de novo.
— Tay, por que você não vai comprar um sorvete para o Max? —
sugeriu Elena, olhando para a amiga como se implorasse que Taylor apenas
fizesse o que ela estava pedindo. — Você quer um sorvete, Max?
Maxon fez que sim com a cabeça, mas era para mim que ele
olhava, com aqueles mesmos olhos assustados da outra noite, quando eu
surtei e acabei acordando-o.
Taylor bufou, claramente contrariada em deixar a amiga sozinha
comigo, mas então ela olhou para o Maxon e sorriu.
— Vem, Max. Vamos ali comprar um sorvete. — Taylor estendeu
a mão para Maxon e ele segurou a mão dela.
Eu não estava muito confortável em deixar o meu sobrinho com
aquela mulher. Eu não a conhecia, talvez nem mesmo Maxon a conhecesse,
mas eu confiava em Elena. Ela já havia provado o quanto se importava com
o meu sobrinho e sei que ela não o deixaria com a amiga se não confiasse
nela.
Quando Maxon e Taylor se afastaram — com Taylor olhando
fixamente para mim como se estivesse prometendo arrancar as minhas bolas
se eu machucasse a sua melhor amiga —, Elena se aproximou de mim.
— Você está bem? — ela quis saber, seu tom de voz tangivelmente
preocupado.
Passei as mãos pelo rosto e senti um aperto no estômago, uma
vergonha terrível por ter empurrado Elena.
— Eu? — Quase ri com a sua pergunta. — Não importa. Você está
bem? Eu machuquei você?
Meus olhos inspecionaram Elena dos pés à cabeça, mas ela não
parecia ferida e não havia nenhuma parte da sua pele que estava vermelha ou
prestes a ficar roxa.
— Jake, eu estou bem, eu juro — ela prometeu. — Você não me
machucou, só me pegou desprevenida.
Esvaziei os pulmões, soltando o ar pela boca.
— Elena, me desculpa. Eu... Acho que acabei de ter um ataque de
pânico.
Ela assentiu com a cabeça.
— Eu imaginei que fosse isso. Não deveria ter me aproximado
daquele jeito. Não foi culpa sua. Seus olhos... eles não estavam aqui. Você
parecia tão, tão longe — ela disse, suavemente enquanto esquadrinhava o
meu rosto com os olhos. — O que desencadeou isso?
Eu olhei para a barraca dos brinquedos, para a arma, mais
especificamente, e Elena seguiu os meus olhos. Engoli em seco.
— Maxon... ele... — tentei explicar, mas estava me sentindo
envergonhado demais por perder a cabeça em público, por tê-la empurrado.
— Ele queria uma pelúcia.
— Ah, Jake — Elena lamentou. E algo na forma como ela disse o
meu nome tornou ainda mais difícil respirar. — Eu sinto muito.
— Eu estou bem — menti. — Está tudo bem.
Elena me encarou e eu sabia que ela não estava acreditando em
mim, mas também não insistiu. Então, de repente, ela abriu um daqueles
sorrisos brilhantes, que eu já havia visto ela dar para os seus alunos. Para
Maxon. Eu não conseguia entender por que ela estava sorrindo daquele jeito
depois do que tinha acabado de acontecer.
— Vem — ela pediu, estendendo a mão para que eu pegasse. Eu
olhei para a sua mão estendida e senti a minha própria mão formigar para
segurar a dela, mas resisti à urgência. Eu não tocaria nela de novo, não
depois do que tinha acabado de acontecer e acho que Elena percebeu isso,
pois ela recolheu a mão, mas manteve o sorriso. — Está bem, sem mãos
então, mas venha comigo mesmo assim. Eu vou ganhar a pelúcia que o Max
queria, mas preciso da sua ajuda porque, honestamente, a minha mira é uma
vergonha. Na verdade, acho que é um perigo para a humanidade. Uma vez,
quando eu estava na escola, eu tinha que acertar uma pilha de latas com uma
bola de beisebol. Bom, vamos apenas dizer que eu não derrubei as latas, mas
consegui deixar uma pessoa com um belo galo na cabeça.
Dei uma risadinha contida, imaginando Elena mais nova e
completamente desastrada. A imagem combinava com a mulher que ela era
agora.
O sorriso de Elena se abriu mais ainda quando ela me ouviu rir.
— Eu gostei disso.
— Do quê?
— Da sua risada. Você não deveria escondê-la do mundo, sabe.
Comprimi os lábios para evitar um sorriso. Eu já havia deixado
aquela mulher ver demais de mim.
— Vamos ganhar aquela pelúcia — eu disse, querendo mudar o
foco da conversa.
Elena sentou-se no banco em frente à arma e a forma como ela
segurou o objeto estava errada de tantas maneiras que eu nem sabia por onde
começar a corrigi-la.
— Estou pronta — ela disse, empolgada.
— Acredite em mim, você está qualquer coisa, menos pronta.
Elena olhou para mim com o cenho franzido.
— Do que está falando? Eu estou segurando a arma como todo
mundo segura. O que eu estou fazendo de errado?
— Muita coisa — eu alfinetei. — Primeiramente, encoste a
extremidade da arma no seu ombro, para que você tenha sustentação.
Elena apoiou a arma em cima do ombro e eu não consegui segurar
uma risadinha. Deus, ela não fazia a menor ideia do que estava fazendo. Se a
humanidade dependesse de Elena Blake para segurar uma arma, estaríamos
todos condenados.
— Não, não desse jeito. — Eu parei atrás dela e segurei a arma,
trazendo-a para a posição correta. Elena segurou a respiração com a minha
aproximação repentina. — Assim. Agora, leve a sua mão para o meio da
arma, onde o corpo dela termina, antes do cano propriamente dito.
Elena obedeceu.
— Bom. Coloque o seu dedo no gatilho agora — orientei. —
Mantenha o indicador no gatilho, mas segure a arma com o restante da sua
mão.
— Assim? — ela perguntou, mostrando para mim o movimento.
— Isso. Agora, coloque o seu olho próximo da mira. — Ela fez o
que eu disse. — Relaxe os ombros — pedi, tocando suavemente nos seus
ombros nus. Ela estremeceu e eu a soltei, confuso com a reação do corpo
dela. — Puxe o ar para os pulmões e quando você for soltá-lo pela boca,
aperte o gatilho.
Elena respirou fundo algumas vezes, mirando, e então apertou o
gatilho. A bolinha foi certeira no alvo e Elena soltou um grito de
comemoração.
— Ah meu Deus! Eu consegui! — ela vibrou, levantando-se da
cadeira e olhando para mim. — Isso foi incrível! — Ela cobriu a boca com
as mãos, chocada e rindo ao mesmo tempo.
Ela era adorável quando ficava animada.
— Você conseguiu.
— Puxa! — Ela suspirou. — Eu nunca acertei nenhum alvo na
vida, Jake.
Umedeci os lábios, sentindo-os secos de repente.
— Eu nem imagino o porquê — disse, sarcástico.
Ela fez uma careta, mas depois riu.
— Qual era a pelúcia que o Max queria? — ela perguntou quando
o rapaz da barraca pediu que ela escolhesse.
— O cão. Coragem.
— Ah, eu amo o Coragem — ela disse, sorridente. — Ele é tão
valente de uma forma tão covarde.
Eu franzi o cenho.
— Tem tantas coisas erradas nessa frase, Elena. Não faz sentido
nenhum.
Ela apenas deu de ombros e abraçou a pelúcia do Coragem contra
o peito.
— Obrigado — me senti na obrigação de agradecer. — Por isso e
por entender. A maioria das pessoas não entende.
— Meu avô serviu no exército, durante a Segunda Guerra — ela
contou. — Eu me lembro pouco dele, mas lembro o suficiente para entender
o que acontece com você. E meu pai me contava histórias, de como ele se
tornou outro homem quando voltou para casa. Acredite em mim, Jake, eu
entendo, mas... Talvez seja prudente que você busque ajuda.
Eu assenti, mas não prolonguei o assunto. Eu não estava pronto
para buscar ajuda. Ainda não.
Maxon apareceu de repente ao nosso lado. Sua boca estava toda
suja de sorvete e o brilho de felicidade já havia voltado aos seus olhos.
— O Coragem! — ele exclamou quando viu a pelúcia nas mãos de
Elena.
— O seu tio Jake ganhou ele para você — mentiu Elena, dando
uma piscadinha rápida para mim como quem compactua com um segredo. E
naquele exato instante, eu a adorei.
— Puxa! Obrigado, tio Jake!
— De nada, Max. Termine o seu sorvete e lave as mãos para não
sujar o Coragem.
Meu sobrinho assentiu e voltou sua atenção para o sorvete.
Taylor, que parou ao lado de Elena como se a amiga precisasse de
reforço, ainda olhava para mim com olhos assassinos. E eu a entendia. Ela
não me conhecia e dei uma primeira impressão de merda, mas eu odiava que
ela pensasse que eu era um desses homens covardes que levantava a mão
para uma mulher. Mas, provavelmente, qualquer coisa que eu dissesse agora
não surtiria efeito algum, então deixei que ela pensasse o pior de mim e me
odiasse. No final das contas, a opinião dela importava pouco para mim. Se
Elena sabia que eu não queria machucá-la, então isso bastava para mim.
Capítulo 9
— Eu não acredito que você deu um tapa na cara dele — foi a primeira
coisa que eu disse quando Taylor e eu chegamos em casa.
— Eu não acredito que ele empurrou você — ela rebateu, irritada.
Joguei minha bolsa em cima do sofá e olhei para a minha melhor
amiga.
— Jake estava tendo um ataque de pânico, Taylor. Você sequer viu
a cara dele? Estava óbvio que ele não fazia ideia de onde estava ou do que
estava fazendo — defendi Jake. — Não estou dizendo que o que ele fez foi
certo, só estou dizendo que não foi proposital.
— Nunca é proposital — ela resmungou, sarcástica.
Eu sabia que aquele tema era difícil para a minha melhor amiga, já
que ela cresceu com um pai que abusava fisicamente dela e da mãe também.
O pai de Taylor era um cretino que batia na esposa e na filha para descontar
as suas frustrações com o mundo, mas fora das quatro paredes da casa deles,
bancava o cidadão modelo. Um exemplo de pai e marido. Pff. Se as pessoas
soubessem por que Taylor e sua mãe só usavam blusas de manga comprida e
viviam comprando maquiagem para cobrir os hematomas... E depois teve o
meu casamento com o Jimmy, que só a fez odiar ainda mais homens desse
tipo. E eu não tiro a razão dela de forma alguma, eu me sinto da mesma
maneira, mas Jake realmente não teve a intenção.
— Tay, eu sei o que você está pensando, ok? E eu entendo a sua
revolta e a sua preocupação, mas o seu pai era um cretino covarde que batia
em você e na sua mãe simplesmente porque queria, porque sabia que era
mais forte e vocês não poderiam revidar, porque sabia que sua mãe não o
deixaria porque era ele quem sustentava você duas. E sei que você também
está pensando em tudo o que eu passei com Jimmy, mas o lance com o Jake
é diferente. Ele sofre de Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Você
consegue imaginar as coisas que esse homem viu? As coisas que ele
precisou fazer com outros seres humanos? Isso perturbaria a cabeça de
qualquer pessoa! De novo, não estou dizendo que o que Jake fez foi legal, só
estou dizendo que nesse caso especificamente, ele de fato não sabia o que
estava fazendo, foi totalmente sem a intenção de me machucar.
Minha amiga suspirou e jogou o corpo em cima do sofá.
— Está bem — ela cedeu. — Eu sei que não é a mesma coisa, mas
não quer dizer que seja certo, Ellie.
— Eu sei, não estou discordando de você quanto a isso.
— Ele precisa de ajuda — ela continuou. — Ele pode acabar
machucando o próprio sobrinho sem querer.
Isso era o que realmente me deixava preocupada. Se Jake perdesse
o controle desse jeito e o Max estivesse perto demais... Eu preferia não
pensar nisso.
— Eu sei. Mas eu não o conheço bem o suficiente para entrar
nesse assunto. Jake fala algumas coisas vez ou outra, mas eu sei que é só a
ponta do iceberg. Se eu tentar encurralá-lo com isso, ele vai se fechar e eu
não vou conseguir ajudar. Ele não confia nas pessoas facilmente, Tay, como
poderia? — argumentei. — Mas se eu conseguir me aproximar, se conseguir
que ele confie em mim, talvez tenha a chance de abordar o tema, então
talvez consiga ajudar de uma maneira efetiva.
Taylor suspirou, resignada.
— Essa sua mania incorrigível de querer salvar todas as almas
torturadas já te colocou em encrenca — ela me lembrou, amargurada. —
Mas ok, eu vou ficar de boca fechada, mas se eu vir qualquer machucado em
você, vou partir ele no meio, Ellie. Não estou brincando.
Taylor não seria capaz de tal coisa nem que ela colocasse toda a
sua força e determinação nisso, mas eu a amava por pensar que poderia, por
estar disposta a enfrentar um homem daquele tamanho só para me proteger.
E eu faria o mesmo por ela. Partiria Boyce no meio se ele a machucasse. Eu
me lembrava vividamente da última vez que Jimmy me bateu e Taylor partiu
para cima dele. Foi um Deus nos acuda. Então quando ela dizia que iria para
cima de Jake se ele me ferisse, eu sabia que ela estava falando sério.
Sempre vi Taylor como a minha família, já que nunca fui muito
ligada aos meus pais. Eles eram muito ausentes quando eu era criança. Eu
não guardava rancor por conta disso, mas também não fazia esforço para
manter uma relação com eles agora que eu era adulta. Então sempre foi
Taylor e eu contra o mundo.
— Combinado — eu tranquilizei a minha melhor amiga e me
sentei ao lado dela no sofá. — Podemos mudar de assunto agora? Talvez
assistir mais alguns episódios de Friends? Eu quero muito saber o que vai
acontecer entre o Ross e a Rachel.
Toda a tensão deixou o corpo de Taylor quando ela pegou o
controle remoto em cima da mesinha de centro e ligou a televisão.
— Você não precisa pedir duas vezes.
— Jake!
A voz de Elena atingiu os meus ouvidos no instante em que saí do
carro para ajudar Maxon a descer. Meu sobrinho estava todo sorridente
desde o dia anterior, e eu estava achando aquilo suspeito na mesma
proporção em que estava achando bom. Ele sorrir era algo bom,
considerando tudo.
Maxon e eu estávamos evoluindo no quesito convivência. Era
tangível que não nos sentíamos mais tão desconfortáveis na presença um do
outro, mas ainda estávamos bem distantes de sermos realmente próximos.
Amigos. Talvez nunca chegássemos lá, mas só o fato de não enxergar pavor
nos olhos dele sempre que olhava para mim, eu considerava um baita
progresso.
— Bom dia, Elena — eu a cumprimentei enquanto caminhava até
a porta traseira do meu carro, para poder tirar Maxon de lá de dentro.
— Bom dia. — Ela sorriu daquela maneira fácil de sempre.
Aquela maneira que me fazia entender o porquê todos sempre sorriam perto
dela. — Eu gostaria de te agradecer.
Abri a porta do carro, tirei o cinto de Maxon e o peguei no colo,
tirando-o da cadeirinha e colocando-o no chão.
— Me agradecer? Pelo que? — perguntei, confuso.
Debrucei o meu corpo sobre o banco de trás do carro para pegar a
mochila de Maxon.
— Você sabe... pela flor que você pediu que Max me entregasse
ontem.
Eu me levantei tão depressa que bati a cabeça no teto do carro. Ai,
caralho! Porra. Flor? Mas o Maxon havia me dito que ele queria dar uma
flor para a sua professora favorita.
Voltei a ficar de pé, com o corpo totalmente fora do carro, e olhei
para o meu sobrinho. Maxon sorria inocentemente, como se não tivesse
acabado de me colocar em uma tremenda encrenca.
— Eu tinha a intenção de agradecer ontem mesmo, mas o pai de
uma aluna queria conversar comigo, então não pude — ela continuou. —
Mas foi muito doce da sua parte. Eu adorei.
Engoli em seco. O que eu deveria dizer? Eu não havia comprado
uma flor para ela. Por que eu faria tal coisa? Quer dizer... Sim, eu gostava de
quando ela estava por perto, gostava até de conversar com ela. Elena era boa
com o Maxon, o que era ótimo. Mas daí a comprar uma flor para ela? Isso
poderia ser interpretado de tantas maneiras erradas... Maxon ficaria de
castigo por isso, estava decidido.
— Eu... Bom, na verdade eu...
— Você deveria chamar a senhorita Blake para sair, tio Jake —
disse Maxon, me interrompendo, provavelmente porque se deu conta de que
o seu plano sairia pela culatra, pois eu estava prestes a explicar o mal-
entendido que ele havia causado.
Elena arregalou os olhos castanhos.
Eu olhei para o meu sobrinho, semicerrando os olhos para ele
como quem ordenava que ele ficasse de bico calado. E a seriedade no meu
rosto deve ter sido bem assustadora, pois Maxon abaixou os olhinhos antes
esperançosos e começou a encarar os próprios tênis como se sua vida
dependesse disso. Nós dois teríamos uma conversa séria sobre esse
comportamento inapropriado assim que ele voltasse para casa, depois da
escola. Eu sabia que ele era uma criança e não entendia o tamanho da
besteira que estava fazendo e provavelmente tinha todas as melhores
intenções do mundo, mas ele precisava aprender que não deveria se meter
em assuntos de adulto.
Limpei a garganta, tentando pensar no que dizer para sair dessa
situação. Não queria ofender Elena, mas também não queria me sujeitar a
um encontro com ela. Eu com certeza seria tragicamente horrível naquilo.
— Eu tenho certeza de que a senhorita Blake tem coisas muito
mais interessantes para fazer, Maxon, e...
— Eu topo — cortou Elena antes que eu pudesse terminar a frase.
— Quer dizer, se você estiver me convidando, então a minha resposta é sim.
Eu sabia que meu queixo estava caído pela surpresa, sabia que
deveria dizer alguma coisa, provavelmente perguntar se ela ficou doida.
Quer dizer... Sair? Comigo? Por que ela iria querer uma coisa dessas? Eu a
tratei super mal quando nos conhecemos, nunca dei a entender que queria
algo com ela e ainda por cima teve o episódio vergonhoso no parque. Com
exceção da travessura de Maxon com a flor, eu nunca demonstrei qualquer
interesse romântico nela. Por que Elena iria querer sair com alguém tão
fodido quanto eu?
Maxon voltou a olhar para mim, agora com um sorriso largo no
rosto e os olhos contendo todas as estrelas do céu pela forma como
brilhavam. Merda. O pirralho tinha conseguido exatamente o que queria,
percebi. E eu tive a ligeira impressão de que Maxon continuaria aprontando
comigo até conseguir que eu saísse com sua professora preferida.
— Eu não tenho uma babá com quem deixar o Maxon — eu
argumentei, esperando que aquilo fosse suficiente para que os dois
esquecessem aquela ideia maluca.
— A moça do sorvete pode cuidar de mim — disse Maxon,
prestativo.
— Que moça do sorvete? — eu quis saber.
— A amiga da senhorita Blake. Aquela do parque.
Taylor. Puta que pariu, o pirralho havia pensado em tudo. Como
era possível uma coisa dessas? Ele só tinha cinco anos!
— Eu posso falar com a Taylor. Tenho certeza de que ela não se
importaria de olhá-lo por algumas horas.
Elena sorriu para mim e eu soube que não poderia dar para trás
agora. Talvez se saíssemos uma vez, Maxon desistisse da ideia de bancar o
cupido e Elena perceberia que nós não tínhamos nada a ver um com o outro.
Ela era boa demais para mim; eu era fodido demais para ela. Mas um
encontro só não nos mataria. No máximo, acabaria com a curiosidade dela e
as expectativas de Maxon. E pronto. Todo mundo iria esquecer aquela
história.
Suspirei, conformado.
— Sábado à noite? — sugeri.
— Sábado à noite está perfeito — ela concordou. — Podemos ver
os detalhes na sexta, quando você vier para a apresentação do Dia das Mães.
Confirmei com a cabeça. E o sinal tocou na escola.
— Max, dê tchau para o seu tio. Precisamos ir para a sala.
Maxon olhou para mim e sorriu, todo orgulhoso de si mesmo.
— Tchau, tio Jake. Até depois.
Meu sobrinho saiu correndo em direção à escola, me deixando
sozinho com Elena, que também sorriu para mim.
— Tenha um bom dia, Jake.
— Você também, Elena.
Não esperei que ela se afastasse para entrar no carro e ir embora.
Eu precisava sair dali e colocar minha cabeça no lugar. Aquilo poderia não
parecer nada demais para a maioria das pessoas, mas era algo grandioso para
mim. Estreitar laços. Eu mantive as pessoas afastadas a vida inteira, eu era
bom nisso; era fácil para mim. Devin costumava dizer que eu não poderia
viver sozinho para sempre, que em algum momento eu deveria sossegar,
encontrar uma mulher por quem eu me apaixonasse e viver uma espécie de
conto de fadas com felizes para sempre e toda essa merda. Mas eu não me
via vivendo esse tipo de vida. Mulher, filhos, casa com cerca branca... Esse
era o sonho de Devin, não o meu. E tudo bem, um encontro não queria dizer
que Elena e eu nos casaríamos, mas na minha cabeça era um passo em
direção a isso e eu não sabia se estava pronto, eu não sabia se queria aquilo.
É verdade que uma presença feminina seria boa para o Maxon, mas eu já
havia mudado a minha vida o suficiente por ele, não sabia se seria capaz de
mudar ainda mais. Eu estava bem do jeito que estava. Não era porque a
grande maioria das pessoas sonhava em eventualmente construir uma família
e ter alguém para envelhecer ao seu lado, que aqueles eram os passos que
todo mundo deveria seguir. Algumas pessoas ficavam bem sozinhas e tudo
bem.
Parei o carro alguns quarteirões para frente da escola e peguei o
meu celular. Eu detestava que aquela ideia estivesse passando pela minha
cabeça, mas eu precisava conversar com alguém, pelo menos para ter uma
ideia do que esperar. Qual era a estrutura de um encontro? O que realmente
acontecia neles? Eu não sabia, porque nunca havia chamado uma mulher
para sair. Então, contra todas as probabilidades e bom-senso, eu liguei para o
Edwin. Ele era o mais próximo que eu tinha de um amigo agora, mesmo que
nós não tivéssemos mais intimidade alguma. Eu literalmente não tinha mais
ninguém a quem recorrer.
— Um meteoro deve estar prestes a atingir a atmosfera terrestre se
você está de fato me ligando de livre e espontânea vontade — disse Edwin
assim que atendeu ao telefone. — Nós vamos ser extintos como os
dinossauros?
Revirei os olhos com tanta força que doeu. Aquilo era uma
péssima ideia e eu já estava me arrependendo.
— Deixa para lá. Não é nada — eu resmunguei, pronto para
desligar o telefone. Eu não sabia onde estava com a cabeça para ter ligado
para ele.
— Não, não, não! — protestou Edwin, apressadamente. — Eu não
vou fazer piadinhas, prometo. Fico feliz que tenha ligado, Jake. Fala aí, o
que posso fazer por você?
Suspirei. Eu iria me arrepender daquilo, eu sabia.
— Preciso da sua ajuda.
— Ok... Com o quê?
— Com uma garota.
Houve um momento de silêncio do outro lado da linha.
— Que tipo de garota?
Eu franzi o cenho.
— Que tipo de pergunta é essa? Como assim: que tipo de garota?
Existe mais de um tipo?
— Ora, meu amigo, mas é claro — ele disse como se fosse um
especialista no assunto. — Quer dizer, na verdade não. Na verdade, tudo
depende do que você quer com a garota e do que a garota quer com você.
Mas do que diabos ele estava falando agora?
— Você está me confundindo.
— É o seguinte... Essa garota de quem você está falando, é uma
garota por quem você está interessado ou é uma garota que está interessada
em você?
Aquela era uma boa pergunta. Uma excelente pergunta, na
verdade. Eu não estava interessado em Elena. Bom, eu a achava bonita, é
claro, não era possível não a achar linda quando ela estava parada bem na
sua frente com aquele sorriso no rosto. E ela também era compreensiva e
delicada, era boa com crianças e havia uma leveza ao redor dela que eu
adorava sentir, pois não havia nada leve em mim. Mas pensar em sair com
Elena me apavorava e eu não sabia dizer se era porque eu não queria fazer
nada errado e afastá-la ou se era porque eu simplesmente não a queria perto
de mim.
E sobre Elena estar interessada em mim... Bom, ela aceitou sair
comigo. A iniciativa foi dela, inclusive, porque eu não havia feito pergunta
alguma. Max foi quem trouxe o assunto à tona, não eu. Então ela ter aceitado
significava que ela estava interessada?
— Não sei — respondi honestamente. — Isso faz diferença?
— Santo Deus! É claro que faz diferença, cara! Como você não
sabe se está interessado nela? — Edwin perguntou como se eu fosse louco
por não ter uma resposta certeira.
— É cedo demais para saber, tá legal? Eu não a conheço muito
bem. Nós temos um encontro marcado para sábado à noite.
— Então é um encontro para que vocês possam se conhecer? —
ele especulou.
— É, acho que sim.
— A leve para jantar — ele sugeriu. — Não tem erro. Posso te
indicar alguns restaurantes legais que costumo frequentar com a Kate. A
comida é boa, o serviço também. E vocês vão poder conversar e se conhecer.
Eu podia não saber muito sobre encontros, mas eu sabia que levar
uma garota para jantar era a opção mais segura. Não era nisso que eu estava
com dúvida. Era no depois disso. As pessoas costumavam transar no
primeiro encontro nos dias de hoje? Eu deveria me preparar para isso? Quer
dizer, Elena parecia ser reservada, mas o que eu sabia? Eu a conhecia como
a professora Elena Blake, não como a mulher Elena Blake. Talvez houvesse
uma diferença. Talvez não.
Jesus Cristo, eu era péssimo naquilo.
— E depois?
— E depois o quê? — Edwin questionou. — Aaaaaaaaah, esse
depois. — Ele riu.
— Qual é a graça?
— Você tem alguma ideia do que está fazendo?
— Nenhuma — admiti.
Edwin gargalhou.
— Percebe-se. Cara, o depois é relativo. Se ela vai terminar na sua
cama ou não, é uma questão de sentir a vibe do momento.
Sentir a vibe do momento?
— Você vai saber exatamente onde a noite vai acabar antes mesmo
de ela acabar — ele me garantiu. — Confie em mim.
Revirei os olhos.
— Certo, obrigado.
— De nada. — Eu conseguia senti-lo sorrindo. — Depois me ligue
para contar como foi. Ah! Melhor ainda! Leve-a à minha festa de aniversário
de casamento.
Elena e eu não chegaríamos tão longe.
— Tchau, Edwin.
— Alguém ainda vai penetrar esse seu coração de gelo — ele
cantarolou, esperançoso. — Tchauzinho, Jake.
Desliguei o telefone me sentindo um pouco mais calmo. Só um
pouco. Eu a levaria para jantar, nós provavelmente passaríamos a maior
parte do tempo falando sobre o Max, como sempre acontecia, e eu a deixaria
em casa no final da noite. Fácil. Tranquilo. Eu não precisava transformar
aquele encontro em um bicho de sete cabeças. Eu ficaria bem.
Eu tinha certeza de que aquele encontro seria uma coisa de uma noite só.
Não porque eu não estava interessada no homem misterioso que era Jake
Hyder, mas porque eu tinha certeza de que ele não permitiria que algo assim
acontecesse novamente. Ficou óbvio que ele nunca me chamaria para sair se
Maxon não o tivesse colocado naquela situação. Foi notório que ele não
queria magoar o sobrinho ou me ofender de alguma forma, então... É como
dizem, se você não pode com eles, junte-se a eles.
Havia algo em Jake que despertava um lado meu que eu mesma
não conhecia. Um lado aventureiro. Eu queria descobrir o que havia por
baixo da armadura que ele vestia com tanto afinco, porque embora as
pessoas o vissem como um homem grosseiro e de mal com a vida, eu via
além. Jake havia, de um dia para o outro, renunciado à própria vida por uma
criança que não conhecia, que era seu sangue, mas não necessariamente sua
família. Ele se esforçava diariamente, do jeito dele, para cuidar do sobrinho
da melhor forma que conseguia. Jake Hyder era um homem honrado e jovem
demais para carregar toda aquela tristeza nos olhos. Mas lá estava eu,
ansiosa para mergulhar de cabeça na imensidão caótica de seus olhos verdes,
mesmo sabendo que muito provavelmente eu não sairia ilesa daquela
experiência.
Eu havia acabado de sair do banho quando Taylor bateu na porta
do meu quarto. Eu sabia exatamente o que ela iria dizer antes mesmo que
minha amiga abrisse a boca.
— Você tem certeza de que isso é uma boa ideia? Ainda dá tempo
de cancelar, Ellie.
— Eu sei que você não gosta dele, mas eu gosto de acreditar que
você confia no meu julgamento.
— E eu confio, mas...
— Taylor, por favor — eu pedi. Na verdade, eu estava quase
implorando. — Apenas confie que eu sei o que estou fazendo, porque eu de
fato sei.
Minha melhor amiga suspirou pesadamente, mas confirmou com a
cabeça.
— Eu te amo, sabe. Só não quero que você se decepcione — ela
disse, deprimida. — Eu já entendi o lance do ataque de pânico dele e o
empurrão, entendi mesmo, mas me preocupa que ele seja um problema
enorme que nem mesmo a sua boa vontade em ajudar será suficiente para
resolver. Tenho medo de que você se envolva demais e se machuque.
Eu sorri para a minha melhor amiga, que às vezes se comportava
mais como uma irmã mais velha.
— Eu sei, e eu também te amo. E eu sou uma mulher adulta agora,
sabe, embora você às vezes parece se esquecer. — Dei uma risadinha. —
Vou ficar bem, Tay. E mesmo que eu me machuque, bom... Ninguém nunca
morreu de coração partido, não é? Vou ficar bem, relaxe.
Taylor concordou com a cabeça, mas eu sabia que precisaria mais
do que só algumas palavras para que ela realmente relaxasse.
— Agora, me ajude a escolher algo para vestir — pedi, abrindo o
meu armário. — Jake e Maxon estarão aqui em quarenta minutos.
E eu passei os próximos vinte e cinco minutos só para escolher a
roupa. Não queria que Jake enxergasse a professora de seu sobrinho; queria
que ele enxergasse apenas a Elena. Então, depois de Taylor e eu debatermos,
acabamos concordando que uma calça jeans rasgada nos joelhos e uma blusa
preta,, com decote em V e de manga comprida seria bom o bastante. Eu
tinha a sensação de que Jake me levaria para jantar, mas eu tinha outros
planos. Sentar-nos um de cada lado de uma mesa parecia formal demais e se
eu tinha apenas uma chance ali, então eu queria que ele conhecesse o meu
lado divertido. Queria que ele tivesse uma lembrança boa comigo, não só
mais um jantar comum e previsível.
Sequei meu cabelo rapidamente e passei só um pouquinho de
maquiagem. Um toque de rímel, blush e um batom suave para dar uma cor
rosada e saudável aos meus lábios.
E a campainha tocou no mesmo instante em que terminei de fechar
o zíper da minha bota.
— Vou atender — disse Taylor, saindo do quarto e me deixando
sozinha para dar os retoques finais.
Enfiei o meu celular e meus documentos dentro de uma bolsinha
preta antes de dar uma última olhada no espelho. Casual e simples. Perfeito.
Ouvi a voz entusiasmada de Max assim que deixei o meu quarto,
no andar de cima da casa. O garotinho já falava sem parar sobre como seria
divertido passar algumas horas brincando com Taylor, e a minha amiga, em
contrapartida, revelava os seus planos para aquela noite, o que, percebi pelo
tom de voz de Max, só o deixou ainda mais animado.
Quando terminei de descer as escadas, encontrei Maxon já no sofá,
abrindo a sua mochila e tirando alguns brinquedos de lá de dentro. Ele abriu
um sorriso mais brilhante que o sol quando me viu.
— Oi, senhorita Blake.
— Oi, querido. — Eu me aproximei dele e fiz um carinho em suas
bochechinhas. — Animado?
Max assentiu com veemência, e eu dei uma risadinha.
— Divirta-se, meu bem.
Quando me virei na direção da porta, eu o vi. Jake estava parado,
as pernas um pouco afastadas, as mãos unidas em frente ao corpo, os ombros
aprumados e a postura impecável, quase como se ele estivesse se
apresentando a um superior na marinha. Ele vestia um suéter cinza chumbo e
uma calça jeans escura. Sua Dog Tag da marinha estava pendurada no seu
pescoço, dando um toque final. Eu não havia reparado na corrente antes, mas
tinha a sensação de que Jake nunca a tirava. E então seus olhos encontraram
os meus, me fazendo prender a respiração com a intensidade que encontrei
neles. Meu corpo ficou quente e minhas mãos começaram a suar, me
fazendo lutar contra a urgência de secá-las no tecido da minha calça. Jake
Hyder era um homem muito bonito. Incorrigivelmente sério e
assustadoramente grande, mas muito, muito bonito.
Se olhar para mim provocou algo nele, Jake escondeu muito bem.
Seu rosto permanecia impassível; os olhos, intransponíveis. Mas ele não os
desviou de mim. Jake manteve o contato visual quando me aproximei e senti
minhas bochechas ficarem quentes por estar sob seu escrutínio.
— Oi — eu disse, tímida. Me obriguei a sorrir, mesmo que o
nervosismo estivesse tomado conta de mim. Caramba, ele me deixava muito
nervosa.
— Oi.
Engoli em seco ao esquadrinhar de perto aquele rosto lindamente
rígido e fechado. Jake estreitou os olhos para mim, como se silenciosamente
me perguntasse o que estava procurando. Eu não sabia. Embora tivesse a
ligeira impressão de que havia algo ali para que eu encontrasse.
Taylor pigarreou e eu pisquei, saindo do estupor. Eu havia me
esquecido de que ela estava parada bem ali durante todo aquele tempo.
— Vamos? — perguntei ao Jake.
— Sim. — Ele se virou para Taylor. — Aqui está o meu telefone.
— Ele entregou um pedaço de papel para a minha amiga. — Me ligue se o
Maxon precisar de algo ou... ou se algo acontecer enquanto estamos fora.
Taylor pegou o papel e assentiu com a cabeça.
— Maxon, comporte-se — ordenou Jake ao sobrinho. Mas Maxon
já estava muito entretido com seus brinquedos para prestar atenção na ordem
do tio.
— Vejo você mais tarde — eu me despedi de Taylor, dando-lhe um
beijo rápido na bochecha antes de seguir Jake para fora de casa.
Surpreendentemente, Jake abriu a porta do seu carro para mim. Eu
agradeci, não sendo capaz de conter o sorriso, e entrei. Sem pressa, ele
fechou a porta e contornou o para-choque do carro. No instante em que seu
corpo se acomodou no banco do motorista, seu perfume almiscarado
inundou minhas narinas e todo o interior do veículo. Fiquei perigosamente
inebriada com aquele cheiro.
— Pensei em te levar para jantar — começou Jake, já dirigindo
pelas ruas tranquilas de Bayshore. — Um velho amigo me deu algumas
recomendações, então acho que...
— Na verdade, eu gostaria de levá-lo a um lugar — eu o cortei
com gentileza. — Não quero um encontro formal, quero algo divertido.
— Divertido — ele repetiu, quase como se a palavra lhe fosse
desconhecida por completo.
— Isso. Divertido. — Eu sorri ao ver o pavor no rosto dele.
Quando foi a última vez que Jake se divertiu? Provavelmente nem ele
mesmo sabia.
Jake se ajeitou no banco, visivelmente inquieto.
— Eu acho que você não me observou direito. Eu não sou o tipo
de cara divertido.
— Ah, eu sei disso — provoquei, e Jake arqueou uma sobrancelha
para mim. — Mas espero que você possa abrir uma exceção essa noite
porque eu estava realmente ansiosa para ganhar de você no boliche.
Os olhos de Jake desviaram da rua por um momento para olhar
para mim e a expressão que vi em seu rosto... Ele estava quase sorrindo.
— Boliche?
— Esse é o plano — confirmei.
— E você acha que pode ganhar de mim?
— Eu não acho, eu tenho certeza.
Jake umedeceu os lábios e notei que ele realmente se esforçava
para não sorrir. Eu não sabia por que ele lutava contra qualquer traço de
felicidade, mas aquilo era só uma das muitas coisas que eu não entendia
sobre Jake Hyder.
— Ok — ele concordou. — Boliche, então. Mas preciso te dizer,
Elena, eu não pego leve.
Foi a minha vez de lutar contra um sorriso.
— Que o melhor jogador vença, então.
Quando chegamos ao boliche, pegamos uma pista, trocamos
nossos sapatos e demos início ao jogo.
E eu menti descaradamente. Eu era horrível no boliche. Péssima
mesmo. Se existisse uma palavra pior do que vergonhoso, era o que eu era
quando estava tentando jogar boliche. As bolas deveriam estar enfeitiçadas,
pois nenhuma das últimas cinco que lancei na pista chegaram minimamente
perto de derrubar sequer um dos dez malditos pinos. Todas as minhas bolas
caíram em uma das duas valas nas laterais da pista. Quando a minha sexta
bola seguiu o mesmo caminho das cinco anteriores, eu suspirei, derrotada. E
ouvi uma risadinha soar atrás de mim.
— Pensei que você tinha dito que tinha certeza de que ganharia de
mim — zombou Jake. Os olhos estavam ligeiramente mais suaves agora do
que quando ele estava parado na sala de estar da minha casa.
Suspirei mais uma vez de forma dramática.
— Eu pensei que se você se sentisse desafiado, então havia uma
chance de concordar em mudar os planos — expliquei, frustrada. — Eu só
não imaginava que eu era tão ruim nisso. Qual é o problema com as bolas
que eu escolho?
— Acho que o problema delas está em quem as lança.
Fiz uma careta para Jake.
— Se formos parar para pensar a respeito, é bem injusto, na
verdade. Você é muito bom de mira e é mais forte do que eu.
— Foi você quem escolheu o jogo, eu não posso ser culpado por
isso.
Suspirei pela terceira vez. Ele estava certo. E eu estava começando
a me arrepender de ter escolhido ir até lá.
— Aqui. — Jake pegou mais uma bola e a entregou para mim. —
Tente de novo.
— Mas é a sua vez.
Ele deu de ombros.
— Quem se importa? Nós dois sabemos que eu vou ganhar de
qualquer jeito.
Eu o empurrei com meu corpo e Jake deu uma risadinha contida.
Sempre contido. Eu estava louca para ouvi-lo rindo pra valer.
Peguei a bola das mãos de Jake e caminhei até o limite da pista.
Senti a sua presença atrás de mim e meu corpo automaticamente reconheceu
a aproximação de Jake. Minha respiração acelerou e precisei prendê-la por
um instante para que ele não notasse o que estava fazendo comigo naquele
momento.
— Mantenha os olhos nos pinos — orientou, falando baixo perto
do meu ouvido. — Use toda a força que conseguir para jogar a bola para
frente, não para cima.
Olhei por cima do meu ombro e encontrei o olhar penetrante de
Jake. Ele ainda se esforçava para manter uma expressão que significasse que
nossas interações tinham certo limite — que ele só me deixaria chegar até
certo ponto —, mas não deixei de notar que suas pupilas estavam um pouco
dilatadas.
— Jogue, Elena.
Meu corpo inteiro se arrepiou com o timbre rouco da voz dele,
mas eu voltei a olhar para frente e encarei os pinos como Jake orientou. Dei
mais um passo para frente e joguei a bola com toda a força que consegui.
Então a vi rolar e rolar e rolar até acertar a lateral esquerda da formação
perfeita dos pinos, derrubando cinco deles.
— Ah meu Deus! — exclamei. — Você viu aquilo?
Jake deu um meio sorriso.
— Eu vi.
— Eu sou implacável!
— Completamente invencível — ironizou Jake, revirando os
olhos.
Dei uma risadinha e fiz uma dancinha para comemorar, mas
quando dei uma rodopiada para terminar meu passinho em grande estilo, me
desequilibrei. Jake foi rápido em me segurar, envolvendo o meu corpo com
os braços para que evitasse que eu fosse de encontro ao chão, no que seria o
tombo mais vergonhoso de toda a minha existência. A pegada de Jake nos
colocou a poucos centímetros de distância do rosto um do outro e nossos
corpos se tocaram na região da barriga. Estremeci quando a mão de Jake
tocou uma região da minha lombar onde a blusa não cobria. O toque foi
efêmero, mas suficiente para que eu notasse a mudança na respiração dele.
Jake engoliu em seco e deu um passo para trás quando estabilizou
meus pés no chão.
— Obrigada — eu disse, baixinho. Foi um milagre que eu sequer
tivesse encontrado a minha voz.
Ele pigarreou, limpando a garganta.
— Você é provavelmente a pessoa mais atrapalhada que já
conheci.
— Você me deixa nervosa — confessei.
Jake arqueou uma sobrancelha.
— Nervosa — ele repetiu como quem estava absorvendo a
revelação. — Você tem medo de mim?
Neguei com a cabeça. Eu não tinha nem um pouco de medo dele.
— Não. Você não me assusta, Jake. Não saber o que você está
pensando é o que me assusta.
Percebi nitidamente o momento em que seus lábios se curvaram
para baixo, trazendo para a superfície a tristeza que eu enxergava tão forte
nos olhos dele na maior parte do tempo.
— Acredite em mim quando eu digo que não saber o que eu estou
pensando é a melhor coisa que poderia acontecer com você. Eu me
ausentaria dos meus próprios pensamentos se tivesse a chance. Você é a
sortuda aqui.
— Não vejo como não conhecer tudo sobre você pode ser
considerado sorte.
Os olhos de Jake se acenderam em surpresa misturada com
fascínio e estranheza. Parecia que eu era uma incógnita para ele tanto quanto
ele era uma para mim.
— Seja lá o que você está procurando, você não vai encontrar
aqui, Elena. Acredite, eu não valho a pena.
— Por que você não deixa que eu decida isso? — sugeri com um
sorriso. — Me conte algo que se passa na sua cabeça.
Caminhei até a nossa mesa e me sentei, esperando que Jake se
juntasse a mim. E ele o fez. Eu dei um gole no meu refrigerante, tentando
agir casualmente depois de ter flertado com Jake na maior cara de pau. Eu
não costumava ser tão direta quando o assunto era flerte, mas eu sabia que
esse primeiro passo não partiria de Jake. Não quando ele se esforçava tanto
para manter as pessoas distantes dele. E eu estava curiosa e interessada, não
havia motivos para fingir o contrário. Nós éramos adultos de quase trinta
anos, a época dos joguinhos já havia ficado para trás há muito tempo.
— O que quer saber? — Jake perguntou, receoso.
— Qualquer coisa. Vou aceitar o que você estiver confortável para
compartilhar comigo.
Jake pensou por longos minutos. Eu não sabia se ele só estava
ganhando tempo para tentar me fazer esquecer o assunto ou se estava de fato
pensando em algo que se sentisse confortável de compartilhar. Pelo tempo
que ele estava levando para responder, eu soube que Jake possuía mais
memórias ruins e difíceis de encarar do que memórias boas e felizes para
compartilhar.
— Quero ser um bom tio para o Maxon — ele disse, finalmente.
— Na maior parte do tempo, não sei o que estou fazendo. Não sou... sensível
o suficiente para lidar com uma criança. Quando ele chora antes de dormir,
não faço nada a respeito, porque não sei como consolá-lo. Não sei como
estar lá por ele, emocionalmente falando. Mas eu quero fazer esse trabalho o
melhor que eu puder e quero que ele seja feliz.
— Posso afirmar que ele já está mais feliz do que duas semanas
atrás. E ele sabe que você se importa, Jake. Acho até que ele entende que a
sua rigidez não é falta de afeto, é só quem você é. Ou... ou pelo menos quem
você foi ensinado a ser quando estava na guerra.
Jake apertou seus dedos uns nos outros, me deixando saber que
estava incomodado.
— É. Talvez.
— Mas eu não quero falar sobre o Max essa noite. Me conte algo
sobre você. Quem é Jake Hyder? O que ele come? Onde habita?
Ele balançou a cabeça, achando graça do meu jeito.
— Bom... Tenho vinte e sete anos e... Eu não tenho nada bonito
para te contar, na verdade, mas... ahn... Acho que o que posso dizer é que
essa vida... Uma criança, uma casa, um encontro com uma mulher bonita...
Essa não era a vida que eu imaginei que teria. Eu pensei que morreria como
um fuzileiro, então tudo acabaria. Era para ter sido assim e agora tudo
mudou e... eu sinto que não sei mais quem eu sou.
Era triste pensar que Jake não possuía qualquer perspectiva de uma
vida longe da violência que testemunhou na guerra, que aquela realidade era
a única que ele conhecia e que havia aceitado o possível destino de morrer
lá, como tantos outros haviam morrido, sem nunca ter sentido felicidade,
amor e pertencimento. Meu coração se enchia de tristeza por ele ao mesmo
tempo em que queria poder ser capaz de proporcionar, pelo menos, algumas
risadas verdadeiras e sorrisos amplos àquele homem que havia sentido tão
pouco disso na vida.
— O lado positivo é que agora você tem tempo para descobrir
quem você é. Não o fuzileiro naval Jake Hyder, mas o homem por trás dele.
Você não deveria morrer sem saber quem ele é.
Jake pareceu refletir sobre as minhas palavras por um instante.
— Mas e você? — ele perguntou, mudando de assunto, claramente
não querendo mais falar de si mesmo. — Quem é Elena Blake? O que ela
come? Onde habita?
Eu dei risada.
— Bem... Elena Blake é uma mulher de vinte e seis anos
completamente apaixonada por pequenos seres humanos. Ela sabia que seria
professora desde os quatorze anos de idade e é louca por sobremesas.
Qualquer sobremesa. Eu amo doces. Elena Blake é filha única. Nasceu e
cresceu no lado sul de Bayshore, mas mudou-se para o lado norte depois de
terminar a faculdade.
— Você esqueceu de acrescentar que Elena Blake é péssima em
tiro ao alvo e no boliche também — Jake completou, brincalhão. — Ah e ela
sorri para todas as pessoas com quem conversa, mesmo que elas sejam ex-
fuzileiros navais babacas e arrogantes.
Eu gargalhei, jogando a cabeça para trás. Jake riu também. Uma
risada gostosa que eu ainda não tinha escutado antes. Fiquei
momentaneamente abestalhada.
— Tem razão, eu sou mesmo muito simpática e maravilhosa, o que
compensa totalmente a minha falta de habilidade em alguns setores.
— Totalmente — ele concordou, sarcástico. — Acho que estou
começando a entender por que o Maxon sempre sorri mais quando você está
por perto.
— Ah, é? E por quê?
Jake deu de ombros, como se o que fosse dizer em seguida não
fosse nada demais.
— É fácil gostar de você.
Mesmo que eu tentasse com tudo o que havia em mim, eu não teria
sido capaz de conter o sorriso que tomou conta dos meus lábios.
— E do seu sorriso — Jake acrescentou.
Senti minhas bochechas esquentando e eu sabia que estava
corando. Eu quase me sentia como uma adolescente que estava sendo
paquerada por um garoto pela primeira vez na vida.
— Você tem um sorriso bonito também, sabe... quando não está
tentando escondê-lo do mundo.
— Não sou o tipo de cara divertido, lembra?
Foi a minha vez de dar de ombros.
— Bom, eu não sei você, mas eu estou me divertindo, então talvez
a forma como você se enxerga esteja um pouquinho equivocada.
— Não acho que seja esse o caso, mas... — ele hesitou por um
instante e considerou se continuar faria mais bem do que mal. — Eu estou
me divertindo também.
— Estou feliz de saber disso.
Jake e eu pedimos uma pizza e mais alguns refrigerantes e
conversamos mais um pouco. Bom, eu falei a maior parte do tempo, mas ele
murmurava e balançava a cabeça para que eu soubesse que ele estava
prestando atenção. Ele falou um pouco também, mais do que eu considerei
possível para aquela noite. Durante todo o tempo, meu coração não se
manteve quieto. A cada meio sorriso de Jake, a cada risadinha contida, a
cada pequena coisa que ele decidia compartilhar comigo, meu coração
palpitava. Eu não era idiota, eu sabia que se continuasse vendo aquele cara
aquelas palpitações só aumentariam e em pouco tempo eu estaria
perigosamente apegada. Jake tinha esse magnetismo que parecia me atrair
mesmo contra todo o bom-senso. Nós éramos muito diferentes em muitos
aspectos da vida e havia uma dor que dominava a sua alma que me fazia
querer estar lá por ele, mesmo que Jake não quisesse a minha ajuda.
Mas querer e precisar eram coisas bem diferentes.
No final das contas, eu sabia muito pouco sobre aquele homem,
mas o pouco que eu sabia, eu gostava. Sim, ele era seco e rude em muitos
momentos; não confiava facilmente nas pessoas; falava pouco e sorria
menos ainda, mas havia algo nele... Algo nos olhos dele que pedia por
socorro. Era fugaz os momentos em que aquela necessidade se apresentava
no seu olhar, mas eu a vi. Clara como a luz do sol.
Minha mãe costumava dizer que um grito de socorro nem sempre
é um grito, nem sempre é verbalizado. Às vezes o silêncio e a reclusão são
gritos tão potentes quanto aqueles que são possíveis ouvir.
E Jake estava gritando.
Max estava gritando.
A maioria das pessoas só não prestava atenção o suficiente para
ouvir.
Quando Jake parou o carro em frente à minha casa, eu não queria
me despedir. Queria que a nossa noite tivesse durado por mais algum tempo,
mas estava ficando tarde e Jake precisava levar o Max para casa. E eu
comecei a me perguntar se precisaria eu mesma chamá-lo para sair mais uma
vez. Se ele não estivesse interessado, era melhor que eu sufocasse aquele
crescente sentimento o mais depressa possível.
— Obrigada por essa noite — eu agradeci. Meu coração estava
leve e eu me sentia quase nas nuvens.
Jake olhou para mim por longos minutos sem dizer uma só
palavra. Eu não sabia o que ele estava procurando ou o que estava
esperando, mas não o apressei, apenas fiquei ali e deixei que ele olhasse para
mim pelo tempo que quisesse, pois eu também queria olhar para ele. A visão
era muito agradável.
— Saia comigo mais uma vez, Elena — ele pediu de repente,
quebrando o silêncio.
Meu coração disparou e precisei lutar contra a urgência de
arregalar os olhos em surpresa. Eu não estava esperando que ele me
convidasse. Mesmo que tivéssemos tido uma noite agradável e que ele
tivesse dito que estava se divertindo, um segundo encontro só estreitaria os
laços entre nós e eu não achei que Jake iria querer uma coisa dessas.
— Sim — eu respondi, contida, embora meu coração pulasse no
meu peito como se estivesse em um pula-pula. — Eu gostaria disso.
Jake conteve um sorriso.
— No próximo final de semana, há uma... uma festa de um velho
amigo meu. Ele e a esposa estão fazendo anos de casados e... bom... se você
quiser ir, posso passar para te buscar umas duas horas da tarde?
— Parece ótimo para mim.
— Ok, então. É um encontro.
— É um encontro.
Nós saímos do carro e caminhamos até a porta da minha casa. Eu
avisei Taylor que nós estávamos voltando, então Max já devia estar pronto
para ser levado para casa e descansar.
Quando paramos em frente à porta, sem pensar muito, inclinei meu
corpo para frente e fiquei na ponta dos pés para dar um beijo na bochecha de
Jake. O corpo dele ficou tenso por um momento, mas o senti relaxar quando
meus lábios tocaram suavemente a pele da sua bochecha. Em seguida, me
afastei.
— Boa noite, Jake — me despedi, pois sabia que quando Maxon
entrasse em cena não conseguiríamos nos despedir direito.
— Boa noite, Elena.
Sorri e abri a porta de casa. Max estava dormindo no sofá, então
rapidamente Jake pediu licença e entrou na minha casa, pegando o sobrinho
no colo e jogando a mochilinha do super-homem dele nas costas. Jake se
despediu rapidamente de Taylor e abriu um meio sorriso para mim antes de
ir embora carregando consigo muito mais do que apenas o Max.
Capítulo 12
Havia muitos anos que eu não sentia aquela sensação gostosa de frio na
barriga. Era como se houvesse milhares de borboletas alçando voo dentro do
meu estômago e fazendo com que meu coração batesse muito rápido.
A primeira vez que senti aquilo, eu tinha dezesseis anos, estava no
colegial e completamente encantada por um cara chamado Drew. Nós
tínhamos várias aulas juntos, mas ele estava um ano na minha frente. Ele não
era o cara mais atraente do mundo, mas ele era tão meigo e inteligente e
esperançoso diante da possibilidade de transformar vidas pela educação —
ele também queria ser professor — que eu não tive como impedir quando
meu coração se apaixonou por ele. Eu nunca havia sentido aquilo por
ninguém, e eu estava encantada pela perspectiva de me apaixonar pela
primeira vez. No final das contas, o jeito meigo de Drew escondia o babaca
do século. Fui idiota em acreditar que apenas os homens visivelmente
estereotipados como encrenca são aqueles que temos que ter cuidado. Um
cara aparentemente legal também pode ser um tremendo cretino. Foi uma
desilusão e tanto me dar conta que a única coisa que Drew queria era me
levar para cama. E quando conseguiu, ele simplesmente começou a agir
como se nunca tivesse me visto na vida.
Chorei por semanas depois daquilo.
Na faculdade, conheci Jimmy. Mais uma vez senti as borboletas
invadindo o meu estômago. Por muito tempo, nós dois fomos felizes, mas eu
acho que você só conhece verdadeiramente uma pessoa quando passa por
situações difíceis ao lado dela, pois enquanto tudo está bem, é fácil ser feliz.
Mas Jake não era o Drew ou o Jimmy. Para começar, Jake atendia
àquele estereótipo de homem quebrado, de passado sombrio e que está
visivelmente brigado com o restante do planeta. No entanto, ele também
tinha uma sensibilidade peculiar. Ela não era muito visível, mas estava lá,
mesmo que ele se esforçasse para escondê-la. E se eu estivesse sendo
honesta comigo mesma, Jake me assustava. Não por causa do seu passado ou
do seu óbvio Transtorno de Estresse Pós-Traumático, mas porque ele havia
conseguido cessar a minha resistência muito rapidamente. Em menos de um
mês, com apenas dois encontros, Jake Hyder me fez sentir nas nuvens. E me
apavorava um pouco estar tão encantada por ele, tão sedenta por saber mais
sobre quem ele era, do que gostava, o que o fazia rir até chorar e o que o
apavorava mais do que qualquer coisa no mundo. Eu queria saber tudo sobre
ele.
Eu sabia que estava encrencada quando me deitei na cama naquela
noite e tudo o que eu conseguia pensar era naquele beijo de tirar o fôlego.
Jake era firme de uma maneira que me excitava. E eu sentia que
aquilo era apenas o começo de tudo que ele ainda tinha para me mostrar,
para me ensinar. Mesmo que tivéssemos quase a mesma idade, ele parecia
muito mais experiente, muito mais seguro, o que me levou a acreditar que a
falta de atitude inicial vinda dele era apenas uma tentativa de se fechar para
o mundo; de me manter afastada. Mas nós já havíamos cruzado aquela linha
e eu estava sonhando acordada com o que viria agora que ele não estava
mais me mantendo distante dele.
— Terra chamando Elena... — A voz de Taylor me tirou do transe.
Pisquei.
— O quê?
Taylor deu uma risadinha.
— Você estava pensando no Jake, não estava? — ela acusou.
— Não — menti. Eu não sabia ainda o quanto Taylor era a favor
dos meus encontros com o Jake e não queria provocar um desentendimento
logo de manhã.
Minha amiga ergueu uma sobrancelha como quem dizia que sabia
que eu estava mentindo.
— Enfim, eu estava dizendo que Erika vai fazer aniversário no
final desta semana, lembra? Ela mandou mensagem ontem dizendo que
decidiu fazer um luau na casa de praia.
Involuntariamente, fiz uma careta. Eu adorava a Erika. Ela, Taylor
e eu nos tornamos muito amigas nos últimos anos. O problema é que Brad, o
irmão gêmeo de Erika, era um dos melhores amigos de Jimmy. E onde Erika
estava, Brad estava; e onde o Brad estava, o Jimmy estava. Às vezes, morar
em cidade pequena era um verdadeiro inferno.
— Eu sei, eu sei — disse Taylor, entendendo o meu desgosto. —
Mas o Brad está fora da cidade, então eu duvido que o Jimmy vá aparecer
sem o seu fiel escudeiro. Acho que você está a salvo. Mas, de qualquer
forma, eu estarei lá com você o tempo todo. Jimmy não vai chegar a dez
metros de você, Ellie.
— Deus, eu espero que você esteja certa.
Não contei à Taylor sobre o meu último encontro com Jimmy. Usei
blusas de manga comprida ou cardigans durante toda a semana, até que o
hematoma no meu braço tivesse desaparecido. Ela perderia a cabeça se
soubesse que Jimmy continuava me cercando. Eu sabia que deveria contar a
ela, para que nós duas ficássemos alertas, mas Taylor ficava inconsequente
quando o assunto era o meu ex-marido, e eu tinha medo de que minha amiga
fizesse alguma loucura.
— Então nós vamos? — Taylor perguntou.
— Erika vai ficar chateadíssima se não formos, então acho que não
temos muita escolha.
Taylor confirmou com a cabeça.
— Ah, talvez você goste de saber que eu disse à Erika que você
possivelmente levaria um acompanhante.
Cruzei os braços e encarei a minha melhor amiga.
— Devo deduzir que você está tranquila por Jake e eu estarmos
saindo?
Taylor deu de ombros.
— Se você confia nele, então acho que posso dar ao cara uma
segunda chance de me conquistar.
Aquilo me fez rir e pular da banqueta para abraçar a minha amiga.
— Obrigada, Tay-Tay.
— Qualquer coisa por você, sua maluca apaixonada.
— Mas eu não sei se é uma boa ideia convidar o Jake. Se o Jimmy
decidir aparecer por lá... Isso pode acabar mal. Sem contar que eu ainda não
contei ao Jake que já fui casada.
Aquilo chamou a atenção de Taylor.
— E por que não?
— Fiquei com medo de que ele me fizesse perguntas sobre o
assunto. Não queria ter que explicar o motivo que fez com que Jimmy e eu
nos separássemos.
— Você sabe que não deve sentir vergonha pelo que ele fez com
você, não sabe? A culpa é inteiramente dele, Elena.
— Eu sei. Não tenho vergonha, é só que... eu só queria conhecê-lo
melhor antes de contar esse lado da minha vida. Não vai ser algo fácil de
contar e Jake não é a pessoa mais sensível do mundo.
Minha amiga concordou com a cabeça.
— Bom, você que sabe. Eu realmente não acho que Jimmy vá
aparecer, mas é você quem tem que se sentir confortável com a situação.
— Mas eu gostaria muito de convidá-lo. — Sorri como uma idiota.
— É tão bom estar perto dele e... a forma como ele me beijou... Taylor, eu
nunca senti nada como aquilo na vida.
Minha amiga deu uma risadinha e olhou para mim como se eu
fosse um caso perdido. Mas eu não conseguia evitar, eu era uma romântica
incurável. E passei o dia me sentindo nas nuvens enquanto aguardava a noite
cair para que pudesse ir para a casa de Jake para o nosso jantar. Tentando me
distrair, decidi limpar o meu quarto e cuidar de toda a roupa suja acumulada
da semana enquanto cantarolava para cada canto da casa que eu ia. As
constantes borboletas no meu estômago não me deixavam esquecer do beijo
que Jake e eu compartilhamos na noite anterior. Bastava que eu fechasse os
olhos para reviver a sensação dos braços dele ao redor do meu corpo, os
lábios rudes, mas incrivelmente macios e atenciosos enquanto tomavam os
meus... Deus, eu poderia viver naquele momento para sempre.
As horas pareciam trabalhar contra mim, no entanto. A cada vez
que eu olhava no relógio, jurando que horas haviam se passado, me deparava
com a dura realidade de que apenas alguns minutos haviam me aproximado
do momento de encontrar Jake de novo.
Por ser domingo, aproveitei para preparar o restante das aulas da
semana que eu ainda não havia preparado. E quando o relógio finalmente
decidiu ajudar meu coração ansioso, eu tomei um longo banho, lavei meu
cabelo e enluvei a minha pele com um creme de corpo com cheiro de
ameixa. Depois, sequei meu cabelo e tentei domar as ondas rebeldes e
selvagens. Por fim, coloquei um pouquinho de maquiagem e parti para a
batalha de encontrar algo que me agradasse no meu guarda-roupa.
Depois de testar alguns vestidos e saias, optei por um preto básico
de mangas compridas e um decote em V só um pouquinho mais cavado do
que eu usaria no dia a dia. Nada vulgar, mas também nada tão modesto como
Jake estava acostumado a me ver. Calcei meus sapatos de salto e dei uma
última conferida no espelho. Eu estava bonita e devidamente arrumada para
um jantar romântico — mesmo que Max fosse participar também. Peguei
minha bolsa e as chaves do meu carro e saí pela porta de casa sentindo as
borboletas ainda mais entusiasmadas do que nunca dentro da minha barriga.
O sol já havia se despedido quando estacionei o meu carro na
frente da casa de Jake. Olhei pelo espelho retrovisor central do carro e
conferi minha maquiagem por um momento antes de sair do veículo. E a
porta da frente da casa se abriu no instante em que meu pé alcançou o
primeiro degrau da varanda da frente. Encontrei Max em seu melhor visual,
vestindo um pequeno suéter verde musgo e uma calça jeans escura. Ele
estava parecendo um pequeno homenzinho.
— Boa noite, senhorita Blake. — Ele sorriu para mim,
entusiasmado.
— Boa noite, Max — respondi, sorridente, e me agachei no chão
para ficar na sua linha de visão. — Puxa, você está muito chique.
Ele deu uma risadinha empolgada.
— Obrigado. A senhorita também está muito bonita. O tio Jake
está na cozinha, ele pediu que eu ficasse de olho para quando a senhorita
chegasse. Entre, por favor.
Eu sorri ao me levantar, sentindo na minha pulsação a ansiedade
de vê-lo. Max abriu mais a porta para que eu pudesse entrar e depois a
fechou.
Imediatamente fui atingida por um cheiro delicioso que parecia ser
de alguma massa. Spaghetti, talvez? Lasanha? Eu não conseguia distinguir
apenas pelo cheiro, mas estava cheiroso o suficiente para que eu sentisse
água na boca.
— A senhorita Blake chegou! — Max gritou, me anunciando.
Jake saiu da cozinha e percebi o momento em que prendi a
respiração. Ele estava vestindo um suéter azul escuro que abraçava os seus
braços musculosos e os seus ombros largos, as mangas arregaçadas até um
pouco antes dos cotovelos deixavam as veias dos seus antebraços à mostra.
Descobri que isso me atraía. Os olhos verdes pareciam mais vivos do que
qualquer outro momento que eu os vi. Ele usava a sua dog tag e eu não sabia
o porquê de achá-lo ainda mais lindo pelo simples toque da correntinha que
indicava que ele havia servido à marinha. Ele também vestia uma calça
cáqui e um sapato, dando um ar social e despojado ao mesmo tempo. Ele era
lindo.
— Oi — eu o cumprimentei, tímida.
Jake não respondeu, ele apenas caminhou lentamente na minha
direção. Senti meu coração disparar e errar o ritmo de algumas batidas à
medida que ele se aproximava e a nossa diferença de altura ficava evidente.
Jake ocupou todo o meu campo visual com a sua forma larga e grande. Sob o
seu escrutínio, senti minhas bochechas esquentarem e me senti uma
adolescente por corar com tamanha facilidade.
Ainda sem dizer nada, Jake inclinou na minha direção e meus
olhos automaticamente procuraram por Max. Ele iria me beijar agora? Na
frente do seu sobrinho? Mas ao invés disso, Jake aproximou os lábios do
meu ouvido e sussurrou:
— Você está linda, Elena. — E então ele deu um beijo suave na
parte de trás da minha orelha, fazendo com que cada pelo no meu corpo se
arrepiasse.
Não pude conter um estremecimento. E não encontrei a minha voz
para agradecer quando ele se afastou e meus olhos encontraram o dele.
— Eu estou com fome — resmungou Max de algum canto da sala.
Com a característica fisionomia impassível, Jake olhou para o
sobrinho e deu um leve aceno de cabeça.
— Por aqui, senhorita Blake — Max me chamou, indicando a sala
de jantar.
Sorri timidamente para Jake e segui na direção que Max
sinalizava. A mesa já estava posta e o cheiro da comida era ainda mais
delicioso naquele cômodo. Descobri que Jake havia feito spaghetti com
almôndegas e minha boca voltou a salivar com o aroma.
Jake puxou uma cadeira para mim enquanto Max já se acomodava
do outro lado, subindo na sua cadeira.
— Obrigada.
Eu me sentei e Jake empurrou delicadamente a cadeira para que eu
me acomodasse mais perto da mesa. Em seguida, ele se sentou. Max juntou
as mãozinhas em frente ao corpo para uma oração e eu o acompanhei, mas
notei que Jake permaneceu parado. Ele esperou até que Max e eu
agradecêssemos pela refeição.
— Amém! Tio Jake, você me ajuda? — perguntou Max, referindo-
se a colocar a comida no prato.
E assim Jake o fez. Em seguida, ele esperou até que eu me servisse
para finalmente poder colocar a comida no seu próprio prato.
— Vinho? — ele ofereceu, pegando a garrafa já aberta em cima da
mesa.
— Sim, por favor.
Jake serviu a minha taça e depois a sua própria. Mesmo que eu
estivesse dirigindo, uma única taça de vinho não seria um problema.
— O cheiro está delicioso, Jake — elogiei.
Ele levantou os olhos verdes para mim.
— Eu estava inspirado — ele disse, a voz dura como de costume,
mas o brilho presente no seu olhar foi o suficiente para me fazer sorrir diante
daquilo.
— Eu ajudei também — acrescentou Max, todo orgulhoso de si
mesmo.
— Ah, é mesmo? — perguntei, encantada. — O que o senhor fez
para ajudar o seu tio, Max?
— Eu peguei os sacos de macarrão na despensa — ele contou,
feliz da vida.
Percebi que Jake conteve um sorriso ao levar a taça de vinho aos
lábios.
— Uma tarefa muito importante, Max — comentei.
O garotinho assentiu e voltou a sua atenção para a comida. Percebi
que ele tentava não se sujar inteiro de molho de tomate.
Todo o jantar seguiu perfeitamente bem — e a comida estava tão
maravilhosa quanto o cheiro me fez acreditar. Jake perguntou sobre o meu
trabalho, sobre meu tempo de faculdade, sobre a minha família... E Max
fazia participações na conversa de tempos em tempos, mas o seu maior
interesse era na sobremesa que viria a seguir, pelo que percebi. Tentei saber
mais sobre o tempo de Jake na marinha, mas ele foi lacônico nas respostas,
então não insisti. Se aquele era um assunto difícil para ele, eu não queria que
se sentisse desconfortável. Não naquela noite, pelo menos. Mas eu estava
esperando que nós tivéssemos tempo para falar sobre as coisas difíceis
também.
Na hora da sobremesa, descobri que não fora Jake quem a fez.
Segundo ele, a sua vocação na cozinha começava e terminava em pratos
salgados. De qualquer forma, a torta de morango que Jake comprou estava
deliciosa e Max ficou radiante quando seu tio permitiu que ele repetisse a
sobremesa.
Após o jantar, Max saiu correndo para o seu quarto porque o
desenho do Coragem estava prestes a começar e ele não queria perder o
episódio. Eu, por outro lado, ajudei Jake a tirar a mesa e me ofereci para
ajudá-lo com a louça, mas ele não aceitou.
— Mas Jake, eu não me importo de ajudar — rebati. — Você
preparou esse jantar maravilhoso, me deixe ajudá-lo com a louça.
— Não — ele respondeu, resoluto, ao colocar os últimos itens da
louça suja na pia.
Lutei contra o desejo de cruzar os braços como uma criança que
não conseguia o que queria. Jake virou o corpo completamente na minha
direção e seus olhos prenderam os meus como em um feitiço. As borboletas
voltaram e, de repente, eu não sabia o que fazer comigo mesma ou com as
minhas mãos.
— O que foi? — eu perguntei, desesperada para que ele falasse
alguma coisa. Ele me deixava nervosa quando olhava para mim com aquela
intensidade.
Mais uma vez sem me dar uma resposta, Jake se aproximou de
mim devagar. Ele pegou uma mecha do meu cabelo entre os dedos e brincou
com ela, sentindo a textura. Depois ele colocou essa mesma mecha atrás da
minha orelha, prendendo-a ali e seu polegar deslizou pelo local que ele havia
beijado mais cedo, atrás da minha orelha.
— Jake... — eu me peguei sussurrando, fraca. Ele me deixava
fraca. Sentia como se minhas pernas não conseguissem me sustentar em pé
quando ele estava perto daquele jeito, tocando em mim daquele jeito.
— Você está linda — ele repetiu o elogio.
Corri a língua pelos meus lábios, sentindo-os ressecados de
repente. Os olhos de Jake acompanharam o movimento e sua mão calejada
quase que automaticamente encontrou a minha mandíbula. Seu polegar
desenhou o meu lábio inferior e eu não sabia mais como respirar.
— Eu só penso nesses lábios — ele disse, a voz áspera, mas
surpreendentemente carinhosa ao mesmo tempo.
Eu dei um passo involuntário na direção dele, como se meu desejo
de ter os braços dele ao meu redor de novo fizesse meu corpo agir sem que
meu cérebro desse o comando.
— Me beije, Jake — eu pedi, e seus olhos verdes se acenderam,
mesmo que seu rosto ainda estivesse fechado. — Eu quero que você me
beije agora.
E ele beijou, mas não os meus lábios. Ah, não. Jake estava
disposto a trilhar o seu caminho até os meus lábios. Com beijos. Ele afastou
o meu cabelo, e eu senti sua respiração no meu pescoço quando ele deu mais
um beijo atrás da minha orelha. Eu estremeci. Então ele beijou a linha do
meu maxilar enquanto eu inclinava a cabeça na direção da sua mão, que
segurava o meu rosto, para dar mais acesso a ele. E então ele chegou aos
meus lábios, mas ao invés de devorá-los como eu pensei que ele faria, Jake
me beijou apenas para morder meu lábio inferior e prendê-lo entre os seus
dentes, puxando-o. Talvez ele quisesse me ver perder o controle. Com
certeza ele estava no caminho certo para isso.
— Você é cheirosa — ele murmurou nos meus lábios.
— O que você está tentando fazer? — eu quis saber, e me assustei
com o quão necessitada minha voz soou.
— O que quer dizer?
— Você está tentando me seduzir, Jake Hyder? — provoquei.
Ele umedeceu os lábios e se inclinou para sussurrar no meu
ouvido:
— Depende. Está funcionando?
Eu tive vontade de rir, mas a tensão no ar era grande demais para
isso. Ele estava inebriando os meus sentidos e bagunçando tudo, mas eu não
estava realmente achando ruim. E não dava para dizer que eu esperava que
fosse diferente com Jake. Ele não era um homem meigo. Todo o seu corpo e
tamanho gritavam brutalidade e selvageria. E apenas por duas trocas de
beijos, eu já havia percebido que ele era selvagem e sensual. E eu não estava
acostumada com homens assim, mas fiquei surpresa ao perceber que
gostava.
— Não muito — menti, sabendo que provavelmente eu estava
brincando com fogo e, pelo visto, eu não estava muito preocupada em me
queimar. — Você vai precisar se esforçar um pouco mais que isso.
O canto direito dos lábios de Jake se ergueu em um meio sorriso.
Sem dúvida foi a tentativa de sorriso mais sexy que eu já vi nele.
— Cuidado, Elena — ele alertou, enfiando seus dedos entre os fios
do meu cabelo. — Não comece algo do qual não tem certeza.
— Eu não estaria aqui se não tivesse certeza, estaria, Jake? —
perguntei, desafiando-o, porque por algum motivo, eu estava me sentindo
corajosa naquele momento.
Minha resposta pareceu bastar para Jake, pois ele fez o que eu
estava desejando desde o começo: tomou meus lábios como se estivesse
faminto. Meus dedos encontraram o seu cabelo e enterrei-os entre os fios
curtos à medida que Jake fechava seus braços ao redor da minha cintura e
me puxava para mais perto do seu corpo. Ele deslizou a língua para dentro
da minha boca e não pude segurar um gemido baixo ao sentir minha língua
dançar com a dele.
Jake deu alguns passos para a frente, ainda me segurando em seus
braços e me obrigando a dar a mesma quantidade de passos para trás até que
eu sentisse a parede nas minhas costas. Seus lábios deixaram os meus e Jake
beijou meu pescoço e meu maxilar enquanto eu tentava recuperar o fôlego.
Eu conseguia sentir o meu âmago em chamas; meu corpo inteiro estava em
pura combustão. Normalmente eu conseguia dar conta de me satisfazer
sozinha, mas sentir um tesão como aquele? Eu acho que eu nunca havia
sentido, nem mesmo quando estava casada com Jimmy.
Eu me agarrei aos ombros largos de Jake, buscando uma âncora
enquanto seus lábios me levavam para cada vez mais longe do autocontrole.
Tudo com Jake era intenso e eu sabia que se não tomasse cuidado, meu
coração estaria em apuros muito em breve.
Segurei a cabeça de Jake e a puxei para baixo, batendo meus
lábios contra os dele. Sua barba por fazer fez cócegas nas palmas das minhas
mãos. Eu chupei sua língua e senti suas mãos agarrarem os meus quadris
com mais força. Ele grunhiu.
— Elena… — Jake disse meu nome como um aviso contra os
meus lábios. — Eu não sou bom nisso.
— Eu discordo.
Ele me recompensou com um pequeno sorriso, entendendo que eu
estava fazendo piada, porque eu sabia que ele não estava falando sobre não
ser bom em beijar. Não tinha como ele ser ruim naquilo.
— Eu não estou falando sobre beijar, estou falando sobre… me
relacionar de verdade com uma mulher. Eu sou péssimo com pessoas. Não
quero que você seja mais uma pessoa que vou decepcionar.
Mesmo com as palavras doces, o rosto de Jake estava sério, como
eu já estava acostumada. Os olhos verdes esquadrinharam o meu rosto e a
curta distância entre os nossos lábios não me ajudava a pensar direito. Eu
ainda conseguia sentir o gosto dele na minha boca; e, mais do que isso, ainda
queria poder sentir mais. Queria que Jake me beijasse até que eu precisasse
realmente buscar ar para respirar ou morreria, pois o beijo dele era bom
assim.
— Eu agradeço que você esteja preocupado com os meus
sentimentos, mas eu já sou uma mulher crescida, Jake. Acredite, eu sei
quando entrar e quando sair de uma situação, caso ela não seja boa para
mim. — Eu dei um sorriso. — Além disso, não precisamos apressar coisa
alguma. Eu estou feliz com os beijos, por enquanto.
Um sorriso voltou a emoldurar os lábios de Jake.
— Que bom, porque eu estou gostando demais de beijar você.
E com aquilo dito, Jake reivindicou meus lábios para mais um
beijo.
Capítulo 16
No dia seguinte, arrumei a mochila de Maxon para que ele fosse dormir
na casa de Edwin. Se fosse qualquer outra pessoa, eu jamais permitiria que
meu sobrinho passasse a noite fora, mas se tratando de Edwin... Por mais
que nós não fôssemos mais os garotos que fomos um dia, com a amizade que
tivemos um dia, eu confiava nele. E Maxon precisava ter amigos, então
quando Edwin me ligou três dias atrás e disse que Shawn queria convidar
Maxon para uma festa do pijama, eu concordei sem ressalvas.
Eu estava do lado de fora de casa, esperando que Maxon
terminasse de escovar os dentes e me encontrasse lá para que eu pudesse o
levar para a casa de Edwin, quando vi Harry, o vizinho, sentado em uma
cadeira na varanda de sua casa. Ele estava lendo o jornal e tinha uma caneca
do que eu imaginava ser café em cima de uma mesinha ao lado da sua
cadeira. Ele não percebeu que eu o estava observando. Harry parecia ser um
homem sereno e levar uma vida tranquila. Eu não sabia se ele era casado,
viúvo ou se morava sozinho naquela casa enorme, mas ele parecia tranquilo
com seja lá qual fosse a realidade que vivia. E mesmo que eu soubesse que
as aparências enganam, me peguei curioso para saber se os horrores da
guerra o haviam afetado como afetavam a mim. Mas para saber disso, eu
precisaria me sentar com o velho e me abrir, na esperança de que ele tivesse
algum conselho valioso para me dar e, bom... era de mim que estávamos
falando. A chance de eu fazer tal coisa era bem perto de ser nula.
— Olá, Jake — Harry me cumprimentou, me puxando para a
realidade. Ele tinha o mesmo sorriso fácil da noite em que o conheci. —
Como você está, filho?
O fato de ele me chamar de filho me causava uma estranheza
absurda, porque eu não me lembrava da última vez que alguém houvesse se
dirigido a mim utilizando aquele termo.
— Bem. E você, como está?
— Velho.
Não consegui conter um sorriso diante da piadinha.
— Mas bem — ele acrescentou em seguida, sorrindo também. —
Você parece mais feliz do que na noite em que o conheci. Parece que o
garotinho de quem você está cuidando tem feito milagres, huh?
Olhei para dentro de casa como se pudesse ver o Maxon parado
bem ali, mas ele ainda não havia terminado de escovar os dentes, pelo jeito.
Sorri involuntariamente.
Acho que Harry estava certo. Maxon estava mesmo fazendo
alguns milagres, mas ele não era o único responsável pela mudança que
parecia perceptível para Harry.
— Parece que sim — respondi para Harry.
— Tio Jake, estou pronto! — Maxon exclamou, animado, vindo
correndo para o lado de fora de casa. — Ah. Oi, senhor Cameron.
— Olá, Max. — Harry sorri. — Olha só como você cresceu!
Franzi o cenho em confusão.
— Vocês dois se conhecem?
Maxon afirmou com a cabeça, empolgado.
— O senhor Cameron já era nosso vizinho quando eu e a mamãe
morávamos aqui — contou o meu sobrinho. — Ele fazia bolos e levava pra
gente toda a sexta-feira.
Harry sorriu, feliz que Maxon se lembrava.
— O senhor nunca mais trouxe bolo — meu sobrinho comentou,
aborrecido.
— Maxon — eu o repreendi pela falta de educação.
— Desculpe.
Harry riu.
— Deixe o garoto, Jake. As crianças precisam ser capazes de
expressarem o que pensam. Não se preocupe, Max, vou providenciar um
delicioso bolo de chocolate pra você. O que acha?
Maxon sorriu como se tivesse encontrado o pote de ouro no final
do arco-íris.
— O senhor não precisa fazer isso — eu disse, não querendo ser
um incômodo.
Harry dispensou o meu comentário com um gesto de mão.
— Eu não me importo nem um pouco. É como uma terapia para
mim, lembra?
— Bom... eu agradeço a sua generosidade. — Sorri educadamente.
— Vamos, Max? Não queremos chegar atrasados, não é?
Meu sobrinho sorriu e acenou em despedida para o nosso vizinho.
— Tchau, senhor Cameron.
— Tchau, Max.
Me despedi de Harry com um aceno de cabeça e levei o Maxon
para o carro, colocando-o na cadeirinha e passando o cinto de segurança pelo
seu corpo pequeno. Assumi meu lugar atrás do volante logo em seguida e
peguei o caminho até a casa de Edwin, no lado leste de Bayshore.
— Tio Jake — Maxon me chamou depois de alguns minutos de
silêncio. Eu olhei para ele pelo retrovisor central do carro. Quando seus
olhos encontraram os meus, ele entendeu que eu estava prestando atenção e
que podia continuar. — Você conheceu a minha mamãe?
Quase afundei o pé no freio do carro por puro reflexo, como se a
pergunta de Maxon fosse um obstáculo que eu não havia visto no caminho e
precisava parar para evitar uma colisão dolorosa.
Engoli em seco.
— Sim. Conheci, sim.
— Vocês eram amigos?
Ponderei por um instante. A minha relação com Julia era boa, nós
nos dávamos bem. Ela era uma das poucas pessoas que não nos fazia sentir
inferiores. Até porque, era namorada de Devin, e eu sabia que ela o amava
muito. No entanto, não sei se podia dizer que nós éramos amigos. Eu me
esforçava muito para deixar todo mundo longe de mim. Até mesmo Edwin
não havia conseguido atravessar todas as barreiras que impus ao meu redor.
Acho que eu tinha medo de me decepcionar com as pessoas como havia me
decepcionado com os meus pais. A forma como os moradores de Bayshore
tratavam meu irmão e eu também não ajudava que eu me sentisse seguro a
deixar que se aproximassem.
— Nós éramos... quase amigos.
— Como é ser quase amigo de alguém? — ele quis saber.
Nem eu sabia como responder àquela pergunta.
— Sua mãe era uma garota muito legal, Max. Ela era divertida e...
e simpática. Nós nos dávamos bem. Mas acho que você já me conhece o
suficiente para saber que eu não sou muito bom em ser amigo das pessoas.
Meu sobrinho ficou um tempo em silêncio, pensando sobre o que
eu havia dito.
— Você é amigo da senhorita Blake. Acho que ela gosta de sair
com a gente.
Amigo não era bem a palavra que definia o que Elena e eu éramos,
mas acho que era um bom começo. Qualquer outro rótulo seria incorreto de
qualquer maneira.
— É, acho que você está certo.
Max ficou em silêncio de novo, mas pela sua expressão eu sabia
que ele queria me fazer outra pergunta. Não o pressionei, no entanto. Esperei
pacientemente que meu sobrinho se sentisse pronto para perguntar seja lá o
que fosse que o estava perturbando.
— Tio Jake, nós dois somos amigos?
Meu peito apertou.
Aquela era só mais uma das muitas perguntas que eu não sabia
como responder. Quer dizer, é claro que eu queria que Maxon me visse como
um amigo, mas eu não tinha certeza se depois do início difícil que tivemos,
ele queria ser meu amigo.
— Você quer que sejamos amigos?
— Quero.
Eu sorri para ele.
— Então nós somos amigos, Max.
Ele assentiu com a cabeça.
— Eu gosto quando você me chama de Max. Você não faz isso
com muita frequência.
Ele tinha razão, eu não o chamava pelo apelido com frequência
porque eu ainda tentava manter uma certa distância de Maxon. Embora eu
quisesse me aproximar do meu sobrinho e ser seu amigo, uma grande parte
de mim ainda relutava, porque eu não me achava digno do afeto de Maxon.
Ele merecia mais do que um mentiroso desgraçado como eu, e eu acreditava
que se me mantivesse distante, então o estaria poupando, protegendo-o da
grande decepção que eu era.
— Eu faço muita coisa errada, huh?
Max deu uma risadinha.
— Não muita, não.
Ele era um péssimo mentiroso.
— Você pode me dizer quando eu estiver fazendo algo que você
não goste, sabe — eu avisei a ele, porque não sabia se Maxon acreditava que
deveria apenas obedecer e nunca falar o que queria ou sentia. Eu queria que
ele pudesse conversar comigo sem ter medo da minha reação. — Eu
provavelmente ainda vou fazer um monte de besteira. Seria... legal se você
me ajudasse a entender tudo isso. Acha que pode fazer isso?
Maxon confirmou com a cabeça. O sorriso que ele me deu... talvez
o mundo estivesse brilhando um pouco mais por conta daquele sorriso.
— Legal — eu disse, sorrindo também.
Nós fizemos o restante do caminho em um silêncio confortável. Eu
sabia que o momento em que Maxon começaria a me fazer perguntas sobre o
Devin estava chegando, mas eu deixaria essa questão para o Jake do futuro.
Naquele momento, eu queria apenas curtir o bom relacionamento com o meu
sobrinho, pelo tempo que durasse.
Capítulo 18
Embora Bayshore não fosse o meu lugar preferido no mundo, não tinha
como negar que o clima era muito agradável. O verão e o inverno eram
estações bem definidas, então os moradores podiam aproveitar o melhor dos
dois mundos. E Max tinha acabado de entrar de férias da escola, então
mantê-lo ocupado estava se provando ser um desafio e tanto. Mas Elena
também estava de férias, então nós passávamos boa parte do tempo juntos.
Ela sempre tinha as melhores ideias para manter Max entretido, o que era
ótimo porque quando meu sobrinho ficava entediado... era insuportável.
Naquela manhã de domingo, uma semana depois do episódio
envolvendo a festa da praia e a surra que dei em Jimmy, Elena sugeriu que
nós fôssemos ao Bayshore Park — o parque da cidade. Segundo ela, o lugar
era bonito no verão por conta da visão do lago, nós poderíamos fazer um
piquenique na grama e Max se distrairia alimentando os patos. E como eu
havia recém-descoberto que não conseguia dizer não para os dois, quando se
uniam em um complô contra mim, concordei com a ida ao parque.
Elena estendeu a famigerada toalha quadriculada vermelha e
branca em cima da grama, em um ponto estratégico do parque, que ficava
próximo ao lago, para que pudéssemos olhar o Max alimentando os patos,
mas que também fosse possível que aproveitássemos um pouco do sol
quente — mas não escaldante — que brilhava naquela manhã. Eu era um
ranzinza de merda, mas podia admitir que o dia estava bonito.
— Tio Jake, olha! Olha! — Max apontou para o lago, empolgado.
— Olha quantos patos! Posso alimentar todos eles?
— Pode, mas não quero você perto demais da água — respondi,
sério. — Entendeu?
Meu sobrinho fez que sim com a cabeça, e eu entreguei para ele o
pão que ele usaria para alimentar os bichos. Então, me sentei sobre a toalha.
— Puxe pedaços pequenos do pão e jogue para eles, Max —
instruiu Elena, puxando um pedaço do pão para que Maxon visse o tamanho.
— Não dê pedaços muito grandes porque eles podem engasgar e nós não
queremos isso, certo?
— Certo. Pedaços pequenos.
— Isso mesmo, querido. — Elena sorriu para ele e deu um beijo
no alto da sua cabeça. — Vá brincar.
Max saiu correndo em direção ao lago.
— Se você chegar correndo, vai assustar os patos — Elena gritou
para ele, o que automaticamente fez meu sobrinho parar de correr e começar
a andar.
Eu dei uma risadinha contida.
— Do que está rindo? — ela quis saber.
— Eu estava esperando os patos saírem em disparada quando o
Max chegasse perto, correndo daquele jeito.
Elena balançou a cabeça em uma negação.
— Que maldade, Jake.
— Não, não é maldade, é aprendizado. Ele teria que entender o
que aconteceu e pensar em como mudar a situação — expliquei. — Sei que
meus métodos de ensino não são tão gentis quanto os seus, mas é a forma
com a qual eu aprendi: errando.
— É uma forma de aprender, não posso negar isso, mas o Max
ainda é muito pequeno, Jake. Instruí-lo antes pode ser mais sábio. Imagina se
um pato decide atacá-lo — ela disse com suavidade.
— Touché.
Elena sorriu, satisfeita por ter me ensinado alguma coisa. Seu lado
professora não desaparecia nem quando ela estava de férias.
— Vem cá — pedi, estendendo minha mão para ela, que a segurou
sem hesitar, me deixando conduzi-la até o meio das minhas pernas e colocá-
la sentada ali para que eu pudesse manter meus braços ao redor do seu
corpo.
Elena manteve o sorriso no rosto quando se sentou e encostou as
costas no meu peito e a cabeça no meu ombro. Ela soltou um longo suspiro e
fechou os olhos por um instante, me deixando saber o quanto estava relaxada
naquele momento. Depositei um beijo atrás da sua orelha e outro na linha do
seu maxilar em seguida. Ela suspirou de novo.
— Isso é bom — ela disse.
— Meus beijos?
— Seus beijos e isso, nós dois, aqui com o Max, aproveitando um
dia de sol e uma paisagem bonita.
Sorri com os lábios ainda sobre a pele dela.
— Você é bonita, a paisagem é aceitável.
Elena riu.
— Jake Hyder é um galanteador — ela provocou. — Que grande
surpresa.
— Não conte para ninguém — eu sussurrei em seu ouvido,
sentindo Elena estremecer. — Eu tenho uma reputação a zelar.
Ela revirou os olhos, mas o sorriso fazia morada nos seus lábios.
Um silêncio confortável caiu sobre nós enquanto observávamos
Max jogando as migalhas de pão para os patos, que se aglomeravam ao seu
redor, esperando para serem alimentados. Meu sobrinho tinha um sorriso
largo no rosto e ria de tempos em tempos quando os patos corriam para o
lugar onde ele lançava as migalhas. A cena me fez sorrir sem que eu nem me
desse conta. Se considerarmos o lugar de onde começamos, ver Maxon
sorrindo e rindo de coisas tão simples era uma grande vitória para mim. Mas
eu sabia que não podia levar todo o crédito. A presença de Elena era
fundamental e foi um fator determinante para a mudança no comportamento
e no humor de Maxon.
Naquele momento, me peguei pensando no homem que eu
costumava ser antes de ser obrigado a largar a marinha e voltar para
Bayshore. Eu me lembrava de pensar que aquela vida — uma criança e uma
mulher — não era para mim. Eu me lembrava de, inclusive, ter dito aquilo à
Elena no nosso primeiro encontro. E era a mais pura verdade. Eu não
acreditava que alguém pudesse gostar de mim o suficiente para querer se
manter por perto, e isso não era vitimismo, eu apenas tinha muita
consciência de que não era uma pessoa fácil de lidar, por vários motivos
diferentes. Mas de repente, lá estava eu, vendo meu sobrinho brincar com
patos e com uma mulher maravilhosa escorada em mim, pensando que talvez
aquela vida que tanto evitei fosse exatamente a vida que eu precisava para
me curar.
É claro que eu nunca substituiria Devin, assim como Elena nunca
substituiria Julia, mas talvez — só talvez — nós dois pudéssemos ser o que
Maxon precisava para ser feliz também. Se Elena quisesse mesmo ficar
conosco era possível que tivéssemos uma vida boa, nós três.
Ou talvez eu estivesse delirando.
Você acha mesmo que Max e Elena vão te aceitar depois que
descobrirem o que você fez?
O pensamento inundou a minha cabeça sem permissão e sem
aviso, imediatamente destruindo a visão de futuro que eu havia construído
segundos atrás.
— Ei — Elena virou o rosto na minha direção e olhou para mim
com o cenho franzido. — Tudo bem? Seu corpo ficou tenso de repente.
Forcei um sorriso para ela, me esforçando ao máximo para ser um
sorriso convincente. Eu não queria que Elena se preocupasse ou que me
fizesse perguntas. Eu tinha pedido que ela fosse paciente comigo, mas eu
sabia que tentaria evitar qualquer conversa que envolvesse a guerra o
máximo que conseguisse.
— Estou bem — respondi, e quando percebi que ela não estava
convencida, acrescentei: — Foi uma memória ruim. Só isso. Já passou.
Elena se esticou para alcançar os meus lábios e me deu um beijo
casto. Seus olhos continham uma promessa de mais. No entanto, mais tarde.
— Eu tenho medo de trovões e relâmpagos — Elena disse de
repente, me deixando completamente confuso.
— O quê? — Dei uma risadinha. — De onde surgiu esse assunto?
— Lembra quando eu te disse que queria te conhecer? — ela
perguntou, e eu confirmei com a cabeça. — Para isso, você tem que me
conhecer também. Então, vou soltar vários fatos sobre mim no próximo
minuto. Preparado?
Achei graça, mas entrei na brincadeira.
— Preparado.
— Sou filha única e não tenho primos, porque meus pais também
são filhos únicos. Sou péssima de fazer contas de cabeça. Meu seriado
favorito da vida inteira é Friends e Taylor e eu sempre assistimos juntas. A
primeira vez que fiquei bêbada, foi com dezoito anos, na primeira festa
universitária que participei. Foi deprimente o estado que fiquei. Não jogo
beer pong desde então, porque esse jogo é diabólico.
Isso me fez dar risada.
— Adoro ler romances de época. Ah, e eu sempre quis ter um
animal de estimação. Um gato, de preferência, embora eu também ame
cachorros. Sua vez.
Fiz uma careta.
— Eu estava temendo que esse momento fosse chegar — disse,
dramático.
— Ah, vamos! É divertido.
Olhei na direção de Max para garantir que ele estava no mesmo
lugar e não tinha decidido se aventurar para mais perto do lago. Quando
constatei que tudo estava sob controle, voltei a olhar para Elena, que
esperava com expectativa o que eu iria dizer.
Suspirei.
— Aprendi a tocar violão na época da escola, embora não saiba
cantar. Conheço grande parte das constelações no céu e, em uma noite de
céu limpo, consigo te mostrar todas elas. Odeio andar de avião. Comecei a
escrever uma espécie de diário quando estava no Iraque. Não tenho escrito
muito desde que cheguei aqui, mas definitivamente é uma coisa que me
ajuda a clarear os pensamentos. Sou péssimo com as pessoas, como você já
sabe, mas sou muito bom com as palavras, mas só quando elas são escritas.
Não sou de falar muito também.
Elena foi arregalando mais os olhos conforme eu ia falando.
— Você toca violão?
— Toco.
— E conhece todas as constelações?
— Todas, não. Boa parte delas, sim.
— E você escreve?
Eu dei uma risadinha com o choque presente na voz dela.
— Escrevo.
Os olhos dela brilharam mais do que as estrelas que eu tanto
conhecia no céu.
— E o que exatamente você escreve?
— Minha cabeça fica muito cheia às vezes, então eu escrevo o que
estou pensando; o que estou sentindo; algo de relevante que possa ter
acontecido comigo e momentos bons também, para não me esquecer deles.
— Dei de ombros. — Qualquer coisa sobre a qual eu queira falar, mas como
não sou bom de conversa, eu escrevo.
— Eu também escrevo — ela me contou com um sorriso. — Gosto
da ideia de ter meus pensamentos e sentimentos em um pedaço de papel. Faz
parecer que eles são eternos porque estão em algo físico.
Concordei com a cabeça, porque eu me sentia da mesma forma.
— E tem algo sobre mim no seu diário? — perguntei com um
sorriso cafajeste.
— Talvez. — Ela sorriu mais ainda. — Tem algo sobre mim no
seu?
— Talvez.
Elena mordeu o lábio inferior para tentar impedir que seu sorriso
crescesse ainda mais. E eu quis beijá-la naquele momento.
— Será que um dia você vai me mostrar? — ela quis saber,
esperançosa.
— Um dia, sim.
— Tio Jake! — Max gritou, tirando a minha atenção de Elena.
Olhei para o meu sobrinho e o vi correndo na nossa direção. O pão parecia
ter acabado, o que me dizia que ele já estava ficando entediado de novo. —
Posso tomar um sorvete? Está calor.
— Pode.
Elena desencostou o corpo do meu para que eu pudesse levantar e
acompanhar Max até o carrinho de sorvete, que eu havia visto não muito
longe de onde nós estávamos.
— Você também quer um sorvete? — perguntei à Elena.
— Quero.
— De qual sabor?
Elena sorriu para mim.
— Me surpreenda, Jake Hyder.
Sorri de volta para ela, aceitando o desafio.
Max saiu correndo na frente, mas eu o mandei me esperar. Então,
segurei a mão do meu sobrinho e nós fomos andando juntos até o carrinho
do sorvete. O parque estava cheio naquele dia e eu não queria correr o risco
de perder Maxon de vista. Eu definitivamente não queria o estresse de
procurar uma criança perdida pelo parque, não quando eu finalmente estava
conseguindo relaxar um pouco.
Meu sobrinho escolheu um sorvete de chocolate, o que
surpreendeu um total de zero pessoas. Embora fosse uma criança que se
alimentava de forma saudável, tendo frutas, verduras e legumes na sua dieta,
Max amava tudo que tinha chocolate. Para Elena, eu escolhi um sorvete de
abacaxi com hortelã, imaginando que seria refrescante para o calor que
estava fazendo.
No caminho de volta para onde havíamos deixado Elena, Max se
esforçava para lamber o seu sorvete antes que ele derretesse. Ele não estava
vencendo aquela batalha, mas eu não disse nada. Era engraçado vê-lo
lambendo a sobremesa desesperadamente para evitar que chegasse até os
seus dedos e melasse tudo. Ele estava muito empenhado naquela missão.
Quando voltamos, Elena permanecia sentada sobre a toalha
quadriculada, mas havia algo diferente na sua fisionomia. Ela não estava
mais relaxada e seus olhos pareciam um pouco alarmados. Ela forçou um
sorriso quando Max se aproximou, feliz da vida com o seu sorvete de
chocolate semiderretido nas mãos. Eu olhei para ela com atenção, mas Elena
não encontrou o meu olhar. Nem mesmo quando entreguei o sorvete para
ela.
— Está tudo bem? — perguntei, cismado.
— Está sim. — Ela olhou para mim rapidamente. O sorriso que me
deu era tenso. — Obrigada pelo sorvete.
Voltei a me sentar sobre a toalha, mas me sentei ao lado de Elena,
ao invés de atrás dela, porque queria olhar para o seu rosto. Alguma coisa
estava errada, mas eu não conseguia entender o que era. Ela estava bem
quando Max e eu saímos, o que me diz que algo aconteceu enquanto nós
dois estávamos longe.
Parei o carro na frente da casa de Elena, horas mais tarde. Max
dormia na sua cadeirinha, no banco de trás do carro, exausto pelo dia no
parque. Elena continuava estranha, mas notei que se esforçava para manter o
sorriso. Ela podia achar que estava me enganando, mas eu não caí naquele
teatro nem por um instante.
— Vai me dizer o que está acontecendo ou espera que eu adivinhe?
— perguntei, soando um pouco mais seco do que eu pretendia.
Não saber o que estava acontecendo me deixava inquieto e
preocupado. Eu tendia a pensar demais nas coisas e não demoraria muito
para a minha cabeça começar a criar as teorias mais mirabolantes sobre o
que pode ter dado errado em um passeio que tinha tudo para dar certo; que,
inclusive, começou sendo muito bom.
— Não aconteceu nada, Jake. É sério.
Tensionei a mandíbula.
— Você me disse que eu não deveria mentir para você. Então por
que está mentindo para mim?
Os lábios dela tremeram ligeiramente e ela evitava olhar para mim
a todo custo. Aquilo já estava me deixando maluco.
— Elena.
— Obrigada pela carona — ela disse rapidamente e abriu a porta
do carro antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa.
Pensei em sair e ir atrás dela, exigir uma explicação para tentar
entender o que estava acontecendo, mas não o fiz. Continuei parado ali, atrás
do volante do meu carro, completamente confuso e irritado com o que
aquele dia havia se tornado.
Capítulo 22
Pensei se deveria levar Jake até o meu quarto, para que tivéssemos a
cama ao nosso dispor, mas, de repente, a ideia de transar bem ali, no sofá,
parecia muito convidativa — mesmo que eu soubesse que Taylor me mataria
se soubesse. Eu também estava muito consciente que o sofá de dois lugares
era pequeno demais para o tamanho de Jake, caso ele fosse se deitar ali. Mas
não posso dizer que eu estava preocupada com nenhuma das duas coisas. Eu
tinha certeza de que a própria Taylor já havia profanado aquele sofá com
Boyce.
Qual sacanagem imoral você fará comigo, baby?
A pergunta de Jake reverberava na minha cabeça enquanto os
lábios dele consumiam os meus. Eu não era uma mulher muito ousada na
cama, do tipo que criava fantasias ou realizava fetiches. No entanto, com
Jake eu tinha vontade de tentar coisas que eu nunca havia sequer pensado em
fazer antes. Eu queria explorar cada parte do corpo dele e queria que ele
fizesse o mesmo com o meu. Queria que delirássemos juntos no mais puro
prazer.
Eu sentia a minha pele queimar nos lugares onde ele tocava, como
se uma descarga elétrica percorresse todo o meu corpo, passando inclusive
por lugares que eu nem sabia que era possível sentir alguma coisa. E quanto
mais Jake me tocava mais eu queria que ele continuasse me tocando. Era
enlouquecedor e sem precedentes o quanto eu o queria mais e mais a cada
dia. Ficar longe dele durante aquela semana havia sido uma tortura. E eu
ainda estava assustada. O medo não havia ido embora só porque Jake disse
que me protegeria, porque eu sabia que nada era assim tão simples. Talvez
ele não conseguisse proteger a mim e ao Max, mas eu poderia me virar
sozinha, caso fosse preciso. Era com o Max que eu estava preocupada.
Jamais conseguiria viver comigo mesma se soubesse que fui responsável por
mais uma coisa ruim na vida daquela criança.
Os lábios de Jake deixaram os meus e mergulharam no meu
pescoço, lambendo e chupando a minha pele, me fazendo gemer
desesperadamente. Meu corpo começou a se mover antes que eu pudesse
enviar o comando para o meu cérebro. Foi uma resposta instintiva. Meu
quadril realizava movimentos de vai e vem, lentos e provocativos, porque eu
queria que ele se sentisse fora do eixo da mesma forma como eu me sentia
quando estava com ele. Jake segurou a minha bunda com força, me puxando
rapidamente para mais perto. Meus seios ficaram espremidos no peito dele
enquanto eu sentia a sua ereção crescer e crescer, cutucando o meio das
minhas pernas, me deixando muito consciente da sua presença.
Apoiei minhas mãos nos ombros de Jake e peguei impulso para me
levantar do seu colo. Ele me olhou confuso, sem entender por que eu tinha
interrompido o momento de maneira tão brusca. Eu tinha a intenção de tirar
a minha própria roupa para ele, deixar que ele assistisse enquanto eu fazia
aquilo, mas, por um instante, me perdi no quanto ele estava bonito naquele
momento. Jake era lindo sempre, mas naquele instante, com os fios do
cabelo fora do lugar e os lábios inchados pelos beijos que trocávamos...
Deus, ele estava maravilhoso.
Antes que Jake tivesse a chance de perguntar o que estava errado,
eu segurei o cós do meu short e deslizei o tecido lentamente pelas minhas
pernas, deixando-o largado no chão da sala. Jake abriu um leve sorriso,
finalmente entendendo o que eu estava fazendo. Ele umedeceu os lábios
quando puxei minha blusa para cima, me livrando dela também. Eu estava
sem sutiã, então somente a calcinha branca ornamentava o meu corpo
praticamente nu. Os olhos de Jake me percorreram dos pés à cabeça,
famintos. Eu entrava em combustão quando tinha o seu olhar sobre mim
com aquela intensidade, com aquela sede de desejo.
Devagar, Jake estendeu o braço para frente, tentando me alcançar.
Dei alguns passos para ficar no seu alcance, sentindo meu corpo estremecer
quando suas mãos calejadas encostaram na minha pele nua. Jake se sentou
na beirada do sofá e me deixou de pé no meio das suas pernas. Ele ainda
estava completamente vestido, e eu queria mudar isso o mais rápido
possível. No entanto, meu cérebro parou de raciocinar quando Jake beijou a
minha barriga, um pouco acima do tecido da calcinha. Suas mãos foram
parar na parte de trás das minhas coxas, mas rapidamente encontraram o
caminho até a minha bunda. Um gemido escapou de mim quando Jake
apertou a carne com força, quase me deixando na ponta dos pés.
— Você é cheirosa pra cacete, sabia disso, baby? — Jake
murmurou contra a minha pele, arrastando os dentes pela minha barriga.
Eu arfei, incapaz de falar. As sensações que ele me proporcionava
me faziam sair de órbita.
Quando transamos a primeira vez, eu não tive a oportunidade de
provar Jake como ele havia me provado. Então, com uma ousadia que eu
nem sabia que tinha, eu me ajoelhei na frente de Jake e empurrei o seu
tronco para trás, de forma que suas costas estivessem encostadas no sofá.
Então, desabotoei a sua calça e abri o zíper. Jake ergueu o quadril para que
eu conseguisse passar a peça de roupa pela sua bunda, e eu arrastei a calça,
já trazendo a cueca junto, ansiosa para me livrar das duas camadas de roupa
que atrapalhavam os meus planos. O pau de Jake saltou para fora da cueca
no instante em que a peça o libertou. Não pensei em como os olhos dele
nunca me abandonavam, acompanhando cada movimento meu de forma
predatória, quando segurei o seu pau pela base e aproximei a minha boca.
Jake rapidamente se moveu para tirar a camiseta. A Dog Tag era a única
coisa que ele ainda usava, o que só me fez achá-lo ainda mais gostoso com
aquela corrente no pescoço.
Lentamente, mantendo meus olhos nos dele, eu arrastei a minha
língua pela cabeça do seu pau, lambendo o pré-gozo que brilhava bem na
pontinha. Jake gemeu e sua mão imediatamente encontrou a parte de trás da
minha cabeça, se misturando com os fios do meu cabelo. Ele não assumiu o
controle, no entanto. Jake deixou que eu aproveitasse a sensação de chupá-lo
e ouvi-lo gemer. Eu estava fazendo aquilo com ele, criando aquele desejo
que beirava o irrefreável, pela forma como ele olhava para mim. Aquilo me
fez sentir poderosa; no controle. Descobri que gostava de me sentir assim.
Quando eu o tomei na minha boca, Jake segurou meus cabelos
com força e me ajudou a adquirir um ritmo. Ele era grande — não imenso,
mas grande — e eu não conseguia colocá-lo inteiro na boca, mas era
delicioso tentar. Eu o chupei e lambi, descobrindo que eu gostava daquilo,
embora tenha acreditado o contrário minha vida inteira. Tudo com Jake era
diferente; era melhor.
— Vem aqui, baby — Jake pediu com a voz carregada de tesão. —
Não quero gozar na sua boca. Quero fazer isso na sua boceta.
Senti minhas bochechas ficarem quentes com a forma explícita
com a qual ele falava, mas descobri que gostava daquilo também. Gostava
da brutalidade que Jake emanava quando estávamos daquela forma. Logo eu.
Mesmo com vinte e seis anos, percebi que ainda havia muito sobre mim
mesma que eu não conhecia.
Jake me deitou no sofá e se apressou para arrancar a calcinha que
permanecia no meu corpo. Ele manteve os olhos nos meus quando abaixou a
cabeça até o meio das minhas pernas e continuou sustentando o meu contato
visual quando sua língua deslizou por mim, capturando cada gota do prazer
absurdo que eu sentia por ele. Jake dedicou um tempo para me fazer delirar
com o que a sua língua fazia.
— Jake — gemi. — Eu quero sentir outra parte de você.
Ele depositou um beijo suave bem ali e ergueu a cabeça. Seus
lábios estavam úmidos com a minha excitação. Eu achei que ele não
conseguiria ficar ainda mais sexy, mas então ele passou a língua sobre os
lábios, recuperando as gotas que haviam lhe escapado antes; aproveitando o
meu sabor no seu máximo.
Jake ajoelhou no sofá, ficando entre as minhas pernas, e segurou o
pau pela base, se masturbando devagar na minha frente. Minha boca ficou
seca e o meio das minhas pernas latejou de antecipação. Eu estava ansiando
pelo momento em que o sentiria dentro de mim de novo.
— É essa parte de mim que você quer sentir, baby? — perguntou,
rouco. Jake roçou o pau na minha entrada, de leve, provocativo.
— Sim, sim.
Ele sorriu com tanta malícia que eu não contive o gemido.
Senti quando Jake se posicionou e o seu pau começou a entrar em
mim lentamente. O seu corpo logo estava deitado sob o meu e nós nos
tocávamos em praticamente todos os pontos. Jake segurou o peso do próprio
corpo nos cotovelos que estavam apoiados no sofá, de forma que eu não
recebesse todo o seu peso. Então ele tomou meus lábios nos seus à medida
que os movimentos de vai e vem começaram. Sua língua invadiu a minha
boca, e eu pude sentir o meu gosto presente ali, o que tornou tudo ainda mais
quente. Jake transou comigo devagar, como quem apreciava cada centímetro
de mim ao entrar e ao sair, fazendo com que meu coração batesse acelerado
dentro do meu peito. Nós éramos um do outro. Não só naquele momento
especificamente, mas para a vida. Eu sentia isso com muita certeza no meu
coração.
Jake começou a se mover mais depressa no exato momento em
que abri a boca para pedir que ele fizesse justamente isso. Sua boca ainda
devorava a minha sem misericórdia; chupando minha língua, mordendo meu
lábio e reivindicando tudo o que eu queria dar a ele. Jake pegava tudo.
— Você é tão gostosa, baby — ele sussurrou nos meus lábios. —
Tão gostosa.
Gemi.
Aproveitei que minha boca estava livre e avancei na direção do
seu pescoço, chupando a região e beijando logo em seguida. Jake me fodeu
ainda mais depressa e comecei a sentir os indícios de um orgasmo se
formando no meu âmago. Abracei o quadril de Jake com as pernas para que
ele tivesse um ângulo favorável para conseguir ir ainda mais fundo. E sem
que eu precisasse falar, ele entendeu o recado, se enterrando inteiro dentro
de mim, o que rendeu um gemido prolongado vindo de mim.
— Isso — gemi. — Faz de novo.
— Assim, amor? — Jake sussurrou no meu ouvido, mordendo o
lóbulo da minha orelha. — Você quer que eu te foda assim?
Ele repetiu o movimento várias vezes, indo o mais fundo que era
possível e fazendo eu me contorcer de prazer.
— Isso, isso!
— Sua bocetinha é tão gulosa — ele gemeu no meu ouvido,
fazendo o meu corpo inteiro ficar arrepiado.
Completamente sem controle do meu próprio corpo, eu gozei.
Tremi incontrolavelmente enquanto o orgasmo explodia dentro de mim
como fogos de artifício. Em movimentos firmes, Jake entrou e saiu de mim
mais três vezes antes de gozar também, gemendo no meu ouvido, me
causando novos motivos para estremecer de prazer, pois sua voz rouca de
tesão no pé do meu ouvido era o paraíso na Terra.
Jake saiu de mim em um movimento deliciosamente lento. Eu abri
espaço no sofá para que ele se deitasse ao meu lado e nós nos aconchegamos
nos braços um do outro. Ele deu um beijo na minha têmpora enquanto ainda
tentava normalizar os batimentos cardíacos e a respiração. Eu retribuí o
beijo, colando meus lábios no pescoço de Jake. Ele tinha um gosto um pouco
salgado agora, por conta do suor provindo do esforço, mas não me importei.
Eu estava feliz naquele momento de uma maneira que não havia conseguido
me sentir na última semana. E mesmo que aquela história com Jimmy
estivesse longe de ter um fim, eu não deixaria que ele continuasse
controlando a minha vida. Jake manteria o Max seguro, eu sabia, e aquilo era
o mais importante de tudo. O resto... bom, só vivendo iríamos descobrir, mas
eu estava feliz mesmo estando com medo.
Capítulo 27
Muito a contragosto, deixei Elena para poder voltar para casa e liberar
Taylor da função de babá. No entanto, eu precisava fazer uma coisinha antes.
Era quinta-feira à noite, o que significava que os bares de Bayshore já
começavam a ficar cheios, como um aquecimento para o final de semana.
Era triste pensar assim, mas, como um alcoólatra, Jimmy provavelmente
estaria em um daqueles bares. Eu prometi à Elena que não iria machucá-lo,
mas não falei nada sobre ter uma conversinha. Eu poderia deixar pra lá?
Poderia. Mas Jimmy ultrapassou um limite quando envolveu Max.
Adentrei o Bayshore Rock Bar, popularmente conhecido como
BRB, decidindo que começaria a minha busca por ali, porque havia grandes
chances de eu não precisar procurar em outro lugar. O BRB era o bar mais
conhecido da cidade, considerado o melhor, e seus clientes eram fiéis. E meu
raciocínio se provou verdadeiro quando vi Jimmy nos fundos do
estabelecimento, perto da mesa de bilhar. Reconheci o amigo dele, que
também estava na festa da praia, mas não me lembro o nome do cara. Os
dois estavam rodeados de outros três caras. Se eu fosse até lá naquele
momento, daria confusão. Portanto, esperei. Esperei até que Jimmy olhasse
para a direção onde eu estava sentado no balcão e me visse. Eu conheci
muitos homens como ele no decorrer da vida, o que me dizia que o seu
orgulho ferido não o faria olhar para mim e deixar quieto. Ele mesmo viria
falar comigo.
Pedi uma cerveja no bar e a bebi com calma. Eu estava
acostumado a ficar muito tempo esperando antes de agir. Fazia parte do que
vivenciei na guerra. Muitas vezes, tínhamos longos períodos de tédio e
ocasionais momentos de puro pavor. Esperar não era um problema para
mim.
Quando notei uma movimentação pela minha visão periférica, eu
sabia que havia chegado a hora. Nem precisei olhar para o lado para
confirmar que era Jimmy quando ouvi:
— O que porra você está fazendo no meu bar?
Devagar, apoiei a garrafa de cerveja em cima do balcão e virei a
cabeça na direção dele. Também não precisei me esforçar para que a minha
fisionomia fosse séria e mortal, eu já tinha a cara fechada naturalmente.
— Você é o dono? — perguntei, audacioso. Eu sabia que aquele
bar não era dele.
— Dê o fora, porra!
O amigo de Jimmy, o mesmo da festa, tentou segurá-lo pelo braço
para contê-lo, mas estava na cara que o ex-marido de Elena não queria ser
contido.
— Eu vou sair, não se preocupe. — Eu me levantei e fiquei parado
cara a cara com Jimmy. Eu era mais alto e inquestionavelmente mais forte,
mas Jimmy estava determinado a me enfrentar. — Mas se ameaçar o meu
sobrinho de novo, se ousar sequer chegar perto dele ou de Elena, eu vou
quebrar todos os ossos do seu corpo até eles virarem pó. Fui claro?
O rosto de Jimmy foi ficando mais vermelho a cada palavra que
saia da minha boca. Quando terminei de falar, ele tentou me dar um soco na
cara, mas eu segurei o seu punho fechado sem qualquer dificuldade e torci o
seu braço para baixo, colocando muito mais força do que seria necessário.
— Me solta, seu filho da puta! — Jimmy vociferou.
— Ei, cara, calma aí — o amigo dele pediu, assustado.
Olhei rapidamente para ele, deixando claro no meu olhar que era
melhor que ele não se metesse. O amigo de Jimmy deu um passo para trás.
— Eu não ouvi a sua resposta. Eu fui claro?
— Vá se foder!
Eu torci seu braço mais um pouquinho.
— Sabe, se eu forçar o seu braço só mais um pouco, eu vou
quebrá-lo usando uma única mão — analisei, friamente. — Imagina só o que
eu posso fazer com você usando as duas, caso eu não consiga a resposta que
eu quero. Só vou perguntar mais uma vez, Jimmy. Eu fui claro?
— Foi! — ele gritou para mim. O rosto vermelho e os olhos
consumidos pelas lágrimas por conta da dor que, àquela altura, já devia estar
irradiando pelo seu corpo.
— Bom. — Eu soltei o braço dele ao mesmo tempo em que o
empurrava para trás, afastando-o de mim. — Espero que você seja
inteligente e fique longe. Minha próxima abordagem pode ser a última. —
Fingi um sorriso. — Tenham uma boa noite, pessoal.
Não me preocupei em terminar a cerveja que estava bebendo,
apenas virei as costas para Jimmy e seu amigo e saí do bar, porque se eu
continuasse lá... minha paciência só iria até certo ponto, e eu havia
prometido à Elena que não machucaria o seu ex-marido. Eu pretendia
cumprir essa promessa, até porque eu não era esse tipo de assassino.
Entrei no meu carro e voltei para casa me sentindo um pouco mais
calmo. Eu não sabia se Jimmy acataria a minha ameaça e se manteria na sua
— eu tinha a impressão de que não, porque caras como ele dificilmente
recuavam —, mas eu esperava que aquele amigo dele conseguisse enfiar um
pouco de bom senso na cabeça de Jimmy. Caso contrário, eu sabia que
aquilo não acabaria bem.
Capítulo 28
Para não ter que ver Elena de novo, contei para a Taylor que estava
partindo e que sua amiga havia concordado em cuidar do Max enquanto eu
estivesse fora. Taylor e eu concordamos que era mais fácil que Elena se
mudasse para a minha casa, para que o meu sobrinho que não precisasse
sofrer com mais uma mudança de ambiente.
Quase três dias haviam se passado desde o incidente e Max ainda
não estava falando comigo.
Como Bayshore era uma cidade pequena e com baixa
criminalidade, não demorou para que uma audiência fosse marcada para que
pudéssemos oficializar o pedido de Elena pela guarda provisória de Max.
Isso aconteceria na manhã do dia seguinte, então eu iria para Nashville
iniciar o tratamento do qual tanto tinha medo. Enfrentar seus próprios
demônios era uma das coisas mais difíceis de se fazer. E mesmo que eu não
me sentisse pronto, eu sabia que não poderia mais adiar aquilo. Não depois
daquela noite.
Na manhã do dia da audiência, eu bati na porta do quarto de Max
e, quando a abri, encontrei meu sobrinho sentado em sua cama com o porta-
retratos com a fotografia de Devin e Julia nas mãos.
— Max, podemos conversar?
Meu sobrinho deu de ombros, sem se dar ao trabalho de olhar para
mim. Eu adentrei o seu quarto devagar e me sentei na sua cama.
— Eu sinto muito por tudo o que aconteceu.
Esperei que ele dissesse alguma coisa, mas Max continuou em
silêncio, encarando a fotografia como se eu nem estivesse lá, sentado na
frente dele.
— Max, lembra daquela noite, logo que você veio morar comigo,
que você disse que eu estava gritando enquanto dormia? — perguntei
retoricamente. Max não esboçou nenhuma reação, mas eu sabia que estava
me ouvindo, então continuei: — Você me perguntou se eu tinha medo do
escuro, e eu respondi “Mais ou menos”, lembra? — Suspirei quando o meu
sobrinho continuou sem me olhar. — Não é do escuro que eu tenho medo,
são dos pesadelos que eu tenho quando eu durmo. Você sabe o que significa
uma guerra?
Esperei que ele me desse uma resposta, qualquer coisa, mas Max
continuou apenas olhando para a fotografia dos pais.
— Uma guerra é uma batalha com armas onde você tem que matar
os inimigos para sobreviver e vencer. Eu fiquei muito tempo na guerra, Max,
e isso mexeu com a minha cabeça. Na maioria das vezes, quando eu durmo,
eu sinto como se estivesse lá de novo. A sensação é tão real que eu
praticamente consigo sentir o cheiro, consigo sentir o pânico que eu sentia
quando estava lá. É como ser teletransportado para vários momentos de
combate de novo e de novo e de novo — eu expliquei, tentando ser o mais
delicado possível. — O que eu fiz com a Elena naquela noite... Max, eu não
queria machucá-la. Eu nunca a machucaria, mas eu não era eu mesmo
naquele momento. Eu pensei que Elena fosse um inimigo, porque eu senti
que estava lá de novo, que eu tinha que me proteger, tinha que ficar vivo. Eu
não sabia que era ela quem estava ali comigo. Eu não sabia, Max, e eu sinto
muito se você ficou assustado e com medo de mim. É por isso que eu te
disse, na primeira noite sua aqui, que você jamais deveria se aproximar de
mim se eu estivesse dormindo. Por isso eu não deixei que você dormisse
comigo, naquela noite em que teve pesadelos. Eu não controlo nada disso,
Max, mas está na hora de eu procurar ajuda para poder melhorar, para nunca
mais machucar alguém que eu amo de novo. — Respirei fundo. — Eu sei
que é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas tudo vai ficar bem,
ok? Você vai ficar com a senhorita Blake e...
— Você vai embora, assim como todo mundo — ele me cortou,
magoado.
— Max, eu preciso ir. Eu estava com medo de encarar as coisas
que eu fiz na guerra, as coisas pelas quais sou culpado. Eu estou apavorado,
mas não posso continuar colocando você e a Elena em perigo por conta da
minha covardia. Eu tenho que ir, mas eu vou voltar.
— A mamãe foi para o hospital e disse que voltaria. O papai disse
que voltaria — ele chorou. — Eles mentiram! Você está mentindo também!
— Max, me escuta.
— Não! Eu não quero mais conversar com você — ele
choramingou.
Por que eu sempre acabava magoando-o? Não importava o quanto
eu tentasse fazer as coisas direito com o Max, eu sempre acabava magoando
o meu sobrinho.
— Max, olhe para mim — pedi com firmeza. E minha voz
provavelmente o assustou, porque ele olhou para mim com medo. — Eu vou
voltar. Eu juro pela minha vida que eu vou voltar por você.
Max chorou mais ainda.
— Eu não quero que você vá embora.
— Eu preciso ir — falei de novo, com suavidade. — Eu não estou
bem, Max. Muita coisa está errada comigo. Talvez eu te conte tudo um dia,
quando você for mais velho. Mas agora, eu preciso que você seja forte, ok?
Eu sei que todo mundo pede isso para você e sei que você deve estar
cansado de ser forte o tempo todo, mas aguente só mais um pouquinho, meu
pequeno. Eu vou voltar por você e então nós não vamos nos separar nunca
mais. Eu prometo. Eu prometo, Max. Vem aqui.
Eu puxei meu sobrinho para o meu colo e o embalei como um
bebê enquanto ele chorava agarrado ao meu pescoço.
— Eu não quero ficar sozinho de novo — ele balbuciou com o
rosto enterrado na curva do meu pescoço.
— E você não vai. Nunca mais. — Eu o apertei mais contra mim.
— Somos eu e você contra o mundo, lembra?
Ele assentiu.
— Esse é o meu garoto. — Sorri, mesmo que ele não pudesse ver.
— Eu te amo, Max, sempre e para sempre. Você é minha criança. Minha
melhor escolha. Você salvou a minha vida, sabia disso?
Meu sobrinho se afastou apenas o suficiente para olhar para mim.
Seus olhinhos castanhos estavam repletos de lágrimas e seus lábios tremiam
de leve enquanto ele chorava.
— Eu salvei?
— Salvou, sim.
Ele franziu o cenho e secou os olhinhos com as mãos pequenas.
— Como?
— Simplesmente por existir, mas também por ser uma razão para
que eu continuasse existindo, uma razão para que eu quisesse viver.
Obrigado por não desistir de mim, Max.
Ele fungou.
— Eu também te amo, tio Jake.
Eu sorri.
Dei um beijo na testa do meu sobrinho e o abracei mais uma vez.
— A senhorita Blake vai ficar bem? Ela sabe que não foi de
propósito e que você não quis machucar ela? — ele perguntou entre soluços.
— Ela vai ficar bem, sim. E ela sabe, mas Elena e eu não vamos
mais ser um casal, Max — falei com suavidade. — Você entende isso? Não
posso ficar com ela enquanto ainda sou capaz de machucá-la, de machucar
você. Por isso preciso ir embora por um tempo.
— Quanto tempo?
— Eu ainda não sei direito, mas eu vou ligar e mandar cartas para
você. Não vou desaparecer.
Ele assentiu.
— Você não gosta mais da senhorita Blake?
— Eu gosto, sim. Gosto muito dela e é por gostar tanto que preciso
ficar longe. — Suspirei. — Às vezes, a melhor forma de você demonstrar
que ama uma pessoa, é ficando longe dela.
Max olhou para mim e franziu o cenho, confuso.
— Por quê?
— Porque você sabe que não é o melhor para ela e quando você
ama alguém, você quer que essa pessoa esteja feliz, que esteja segura, que
esteja bem. E quando você não consegue dar isso, mas continua desejando
que a pessoa tenha tudo isso, então você se afasta para que ela possa ser
feliz, estar segura e estar bem.
Max ficou um momento em silêncio, pensativo.
— Eu fiquei com medo, tio Jake.
Fiz carinho nos seus cabelos castanhos.
— Eu sei. Me desculpa por tudo, Max. Eu fiz o melhor que eu
pude, mas ainda não foi bom o suficiente. Você merece mais. E eu vou ser
melhor quando eu voltar, porque eu vou estar melhor comigo mesmo. — Eu
abracei o meu sobrinho de novo. — Tudo vai ficar bem, Max. Eu vou voltar
antes que você perceba e então enfrentaremos o mundo juntos.
— Nós contra o mundo — ele balbuciou. — Né?
— Isso. Nós contra o mundo.
Capítulo 31
UM MÊS DE TRATAMENTO
Querido Jake,
Hoje faz um mês que você foi embora. Para ser sincera, está sendo
um pouco mais difícil do que eu achei que seria. Max sente a sua falta. Acho
que o dia mais difícil até o momento foi o dia do aniversário dele, na
semana passada. Ele queria que você estivesse aqui. Taylor e eu fizemos um
bolo para ele e Edwin cedeu a sua casa com piscina para que Max e Shawn
pudessem brincar. Ron também foi convidado. Lembra dele? O amigo que
Max fez na escola durante as últimas semanas de aula do semestre passado.
Max se divertiu.
Nós estamos aproveitando o restante das férias, indo à praia
sempre que podemos. Ele passa bastante tempo com Shawn e Ron. Isso tem
ajudado o Max a se distrair e não pensar tanto na sua ausência.
Eu sinto a sua falta também, sabe.
Depois de tudo o que aconteceu, confesso que uma parte de mim
sentiu raiva. Não só de você, mas de mim também, por me arriscar quando
eu sabia que você tinha um problema. Acho que subestimei um pouco o seu
trauma. Achei que só a minha presença ou o sentimento que estávamos
desenvolvendo um pelo outro seriam o bastante para fazer você melhorar.
Fui ingênua, eu sei. Mas depois que a raiva passou, veio a mágoa. E quando
a mágoa passou, veio a saudade. Estou nessa fase agora.
Talvez você fique feliz em saber que consegui uma medida
protetiva contra o Jimmy. Ele não pode chegar a menos de 30 metros de
mim ou do Max. Não sei se vai ser o suficiente para mantê-lo distante para
sempre, mas por enquanto tem funcionado.
Tirando a saudade que sentimos de você, Max e eu estamos bem.
Eu espero que você também esteja. Espero que o tratamento esteja te
ajudando e que você possa voltar para nós melhor do que antes. Não sei se
um dia você vai ser curado por completo, não sei se isso realmente existe
para o tipo de trauma que você sofreu, mas eu espero que sim.
Volte logo para casa.
Com amor,
Elena
Capítulo 32
Querido Jake,
Com amor,
Elena
Capítulo 33
Querida Elena,
Com amor,
Jake
Capítulo 34
Querido Jake,
Com saudades,
Elena
Capítulo 35
Querida Elena,
Com amor,
Jake
Capítulo 36
Querido Jake,
Com amor,
Elena
Capítulo 37
Querida Elena,
Ainda fiquei olhando para o meu celular por bons minutos depois que
encerrei a chamada com Max. Eu mal conseguia acreditar que realmente
havia falado com ele depois de todos aqueles anos. E ao mesmo tempo que
parecia surreal, foi tão absurdamente natural conversar com ele... Como se
nunca tivéssemos deixado de ter contato um com o outro. Max sempre foi
especial para mim, mesmo quando não era nada mais além de um dos meus
alunos. E depois, quando fiquei responsável por ele por quase dois anos, nós
criamos uma ligação ainda mais forte. Ele era como o filho que eu nunca
havia tido.
Eu sabia que não deveria ter me afastado como fiz, quase dez anos
atrás, quando ele e Jake se mudaram para Silvershore. Eu tentei manter
contato e fui visitá-los algumas vezes, mas era muito complicado ter contato
com Jake com a nossa história ainda tão recente. Cada vez que eu o via, e
depois quando precisava me despedir de novo, era um tormento para o meu
coração. Então, aos poucos, fui espaçando as visitas: ao invés de ir uma vez
por mês, eu comecei a ir uma vez a cada dois meses, depois três, depois seis
meses. Depois uma vez por ano. No entanto, ainda continuava sendo difícil
ter qualquer interação com Jake. Ele claramente também se sentia
desconfortável na minha presença, então, na minha última visita, quando vi
por mim mesma que Max estava feliz, que havia feito amigos na escola
nova, que estava adaptado ao novo lugar, eu me afastei. Foi insuportável no
começo. Eu morria de saudade do Max — do Jake também —, mas ainda
nos falávamos por telefone com bastante frequência. Até o momento que
isso também parou.
E depois de quase dez anos, Jake havia sugerido que Max me
convidasse para a sua festa de dezoito anos. O que eu deveria pensar sobre
aquilo? Nós não éramos mais as mesmas pessoas, com certeza. Dez anos é
muito tempo. Talvez, por ser uma data importante para o Max, ele tenha
sugerido isso porque eu também fui uma parte importante da vida do
menino. Eu definitivamente não deveria elevar as minhas expectativas em
relação àquilo. Até porque eu nunca permitia que meu coração ou minha
mente ficassem por tempo demais em Jake Hyder. Nossa história havia
acabado tão rápido quanto havia começado e... Droga, eu detestava admitir,
mas jamais havia sentido aquelas borboletas no estômago depois dele.
Talvez ir àquela festa fosse uma péssima ideia.
Aproveitei que o celular ainda estava na minha mão e liguei para
Taylor. Ela era a única pessoa que entenderia aquela situação toda. A única
que conseguiria me aconselhar propriamente.
Minha amiga atendeu no quarto toque.
— Ellie?
— Oi, Tay-Tay.
Ela bocejou.
— Você está muito cansada? Posso ligar amanhã.
— Não, não, está tudo bem. Eu acabei de colocar a Miley para
dormir, mas tenho uns minutinhos para conversar com você. — Eu sentia
que ela estava sorrindo. — Está tudo bem?
— Você não vai acreditar quem acabou de me ligar. — Fiz uma
pausa dramática. — O Max. Lembra dele? Sobrinho do Jake.
— Puta merda! — Taylor exclamou. — E aí? O que ele queria?
— Me convidar para a sua festa de aniversário de dezoito anos —
contei. — Dezoito anos, Taylor. Max vai fazer dezoito anos! Deus, como o
tempo passa!
Minha amiga deu uma risadinha.
— Ele insistiu para que eu fosse à festa e disse que foi Jake quem
falou que ele deveria me convidar — continuei. — Eu disse ao Max que iria,
mas agora estou achando que pode ser uma péssima ideia. Não vejo o Jake
há quase dez anos e você sabe que ele sempre mexeu comigo. — Respirei
fundo. — A última coisa que eu preciso agora é ter a minha vida bagunçada
por Jake Hyder.
— Ellie, muitos anos se passaram. Talvez ele nem seja mais o cara
de quem você se lembra. Talvez você olhe para ele e toda essa magia que
você sempre viu nele tenha sumido. Talvez você se dê conta de que não
sente mais nada por ele.
Aquilo era uma possibilidade, principalmente depois de tanto
tempo.
— Tá, mas e se não for isso o que acontecer? E se eu olhar para
ele e continuar a sentir borboletas no estômago. E se ele me der um daqueles
raros sorrisos e eu sentir as minhas pernas bambas, como costumava
acontecer? O que diabos eu deveria fazer, então?
Se o meu coração acelerado fosse algum prelúdio, então ver Jake
Hyder de novo não acabaria bem para mim. Merda. Talvez eu devesse ligar
para o Max e dizer que apareceu um imprevisto.
— Se isso acontecer, então deixe rolar.
Precisei segurar o meu queixo para ele não ir ao chão.
— Você está me dizendo para deixar rolar com Jake Hyder? Você?
Eu pensei que você o detestasse!
Taylor suspirou do outro lado da linha.
— Ele não era a minha pessoa favorita naquela época, mas eu
nunca o detestei de verdade. Jake estava perdido, tinha um problema e não
queria encará-lo. Mas ele fez o tratamento e aposto que, depois de dez anos,
ele deve estar muito melhor. Então, por que não? Ele não é uma pessoa ruim
ou violenta. Eu sabia disso mesmo naquela época, e sei que você também
sabe. Jake só precisava fazer o certo, e ele fez. Você sempre foi apaixonada
por ele, Elena. Talvez essa seja a vida te dando uma segunda chance de
realmente viver esse amor.
Aquilo também poderia ser uma possibilidade, e era uma que me
assustava inquestionavelmente.
— Acho que estou com medo de ter meu coração partido de novo
— admiti.
— E isso é totalmente compreensível, Ellie — concordou Taylor.
— Mas se você mantiver esses muros firmemente erguidos em volta do seu
coração, eles irão afastar a dor, mas também podem acabar afastando o amor.
Escute, amar alguém é difícil e pode doer às vezes, mas se é de verdade,
então vale a pena. Dê uma chance.
Encostei as minhas costas no sofá onde estava sentada e soltei um
suspiro longo. Talvez eu devesse mesmo dar uma chance e ver o que o
destino reservou para nós dois. Eu sempre senti que a minha história com
Jake não havia tido um final, mas sim um continua...
Capítulo 43
Eu estava parada em frente à casa de Jake e Max havia dez minutos, mas
ainda não tinha encontrado coragem para sair de dentro do carro. Minhas
mãos estavam suando e meu coração batia completamente fora de compasso,
tamanho o meu nervosismo. E não conseguia deixar de me perguntar se Jake
estava tão nervoso quanto eu com aquele reencontro, depois de tantos anos.
Se é que ele ainda pensava em mim...
Respirei fundo algumas vezes em uma tentativa ridícula de me
acalmar. Não funcionou. É claro que não funcionaria, mas eu continuei
tentando. Tirei a chave da ignição e finalmente juntei coragem o suficiente
para sair do carro. Enquanto caminhava até a porta da frente, me esforcei
para manter meu corpo firme sobre o salto baixo que usava e sequei as mãos
suadas no tecido cor vinho do meu vestido. Eu havia abandonado os vestidos
floridos há alguns anos e apostado em vestidos de cores únicas, sem
estampa. Também deixei as sandalinhas e aderi o uso de sapatos de salto
baixo, prezando pelo conforto, mas também pela beleza.
Quando parei em frente à porta, toquei a campainha sem dar tempo
para o meu cérebro me fazer mudar de ideia. Se eu ficasse parada ali como
um dois de paus, com certeza acabaria voltando para o meu carro e fingindo
que aquela loucura toda nunca tinha acontecido.
Ah, Deus, meu coração estava tão acelerado.
Não ouvi os passos se aproximando da porta, por conta da música
e do barulho das conversas do lado de dentro da casa, então, quando a porta
foi aberta, me pegou de surpresa. Levei um instante para processar quem
estava parado diante de mim. E se eu achei que meu coração estava
acelerado antes, naquele momento ele poderia montar em cima de um carro
da Fórmula 1 e sair em disparada pela minha boca.
Lá estava ele.
Depois de todos aqueles anos.
Jake.
Capítulo 45
Jake e eu não ficamos grudados durante a festa. Ele foi dar atenção aos
convidados e passou bastante tempo com Edwin, matando a saudade do
amigo. Mais tarde, outro homem chegou e se juntou a eles. Pela forma
descontraída com a qual Jake conversava com ele, deduzi que fosse um
amigo, alguém de quem ele se aproximou em Silvershore. Aquilo me deixou
feliz, pois o Jake Hyder que eu conheci, anos atrás, era fechado o bastante
para pensar duas vezes em conversar até mesmo com Edwin, que o conhecia
desde que eram crianças.
Passei a maior parte do tempo junto com Kate e Caroline, a sua
filha caçula. A garotinha era tímida e não saía do lado da mãe, de quem
havia puxado boa parte das suas características físicas. Ela tinha o mesmo
cabelo castanho claro de Kate, os mesmos olhos amendoados, o mesmo
formato dos lábios, mas o nariz era de Edwin, com certeza.
Kate e eu construímos uma amizade ao longo dos anos. Nem de
longe era parecido com o que eu tinha com Taylor, mas eu a considerava
uma boa amiga. Edwin também. Depois que Jake foi embora de Bayshore,
nós acabamos nos aproximando ainda mais, talvez porque, se ficássemos
próximos, ainda sentiríamos a presença de Jake e Max ali. Eu sabia que
Edwin e Shawn sentiam falta dos amigos, mas os quatro encontraram uma
forma de manter a amizade. Percebi isso pela familiaridade com a qual
conversavam. Shawn, Max e Ron ainda eram melhores amigos e, pela
quantidade de pessoas naquela festa, eu sabia que o tempo de solidão tanto
de Max quanto de Jake havia ficado para trás.
No final das contas, sair de Bayshore realmente fez bem para os
dois.
— Como você está se sentindo? — Kate me perguntou em
determinado momento, algumas horas depois. — Sobre estar no mesmo
lugar que Jake depois de tanto tempo, quero dizer.
Suspirei.
Como eu me sentia? Eu não tinha certeza, era uma mistura muito
doida de vários sentimentos diferentes. Eu me sentia eufórica, confusa, com
medo do que significava o jantar com o qual concordei, feliz de vê-lo feliz,
mas também triste pelos anos que perdemos, por ele nunca ter ido atrás de
mim. Por que ele nunca foi atrás de mim?
A pior parte de tudo aquilo era que eu senti as malditas borboletas
no estômago no instante em que Jake abriu a porta e me recebeu. Eu estava
ferrada. Todos os sentimentos haviam retornado com força total, como se
nunca tivessem ido embora. E mesmo que Jake tivesse me convidado para
jantar, eu não queria elevar as minhas expectativas. Ele claramente não era
mais o mesmo homem por quem me apaixonei doze anos atrás, então eu não
sabia se o sentimento que aquele homem sentiu por mim ainda estava lá. Se
não estivesse, eu não queria ter meu coração partido por Jake Hyder uma
segunda vez, independentemente de os motivos terem sido plausíveis da
primeira vez.
— Confusa — admiti. — Feliz também, mas principalmente
confusa.
Kate anuiu.
— Eu imagino que sim, mas se serve de alguma coisa, Jake parece
não conseguir tirar os olhos de você. — Kate apontou com a cabeça para
algum lugar atrás de mim.
Eu me virei e segui o seu olhar, encontrando Jake parado entre
Edwin e o homem que eu não conhecia. Ele estava olhando para mim,
completamente concentrado em mim e não na conversa que acontecia na
rodinha. Senti minhas bochechas ficando quentes pela atenção que seus
olhos depositavam em mim. Rapidamente, Jake me lançou uma piscadinha
com um dos olhos e finalmente voltou a prestar atenção na conversa dos
amigos. Um frio se instalou na minha barriga. As borboletas estavam de
volta. Jesus Cristo! Jake Hyder já era maravilhoso aos vinte e sete anos, mas
o que era aquele homem com trinta e nove anos, uma barba por fazer
cobrindo o seu queixo e os músculos um pouco maiores do que eu me
lembrava? Eu estava tão despreparada para o furacão que ele representava,
mas ao mesmo tempo estava tão ridiculamente ansiosa para ter a minha vida
bagunçada por ele.
Meu coração parecia ter desaprendido a desacelerar os batimentos.
Talvez eu estivesse à beira de um ataque. Era uma possibilidade bem
tangível àquela altura.
Virei de frente para Kate de novo.
— Esse sorrisinho no seu rosto diz bastante coisa.
Eu nem me dei conta de que estava sorrindo.
— Eu estou encrencada.
Kate riu.
— É, minha amiga, você está sim, mas isso não quer dizer que seja
algo ruim.
Talvez não.
Algumas horas depois, a hora do “Parabéns” chegou. Max foi para
trás da mesa com o bolo e os docinhos de festa. Nós cantamos “parabéns
para você” e batemos palmas enquanto Max fazia uma dancinha, celebrando
toda a atenção que estava recebendo. Logo depois disso, Melissa começou a
gritar que Max deveria dar um discurso, pois só se fazia dezoito anos uma
vez.
— Tá bom, tá bom — Max acalmou os convidados que também
clamavam por um discurso. — Peguem suas bebidas, porque eu vou
discursar e fazer um brinde ao mesmo tempo.
As pessoas presentes que já não tinham uma bebida nas mãos, se
apressaram para buscar uma.
De canto de olho, vi Jake parado no canto direito dos convidados,
enquanto eu permanecia do lado esquerdo, perto de Kate e Caroline. Ele não
estava olhando para mim naquele momento, então pude apreciar aqueles
minutos apenas olhando para ele e notando as sutis diferenças em sua
aparência. Ele estava inquestionavelmente mais velho, óbvio, e havia
algumas ruguinhas sutis ao lado dos seus olhos. Deus, como ele era atraente.
— Primeiramente, eu gostaria de agradecer a presença de cada um
de vocês aqui hoje — Max começou a discursar, e eu tirei a minha atenção
do seu tio e olhei para o aniversariante. — Vocês são demais! Em segundo
lugar, queria agradecer o meu tio e a minha namorada por prepararem essa
festa incrível para mim. Eu amo vocês mais do que tudo no mundo. — Olhei
rapidamente para Melissa, que mandava um beijo para Max; e depois para o
Jake, que sorria para o sobrinho. — Em terceiro lugar, queria agradecer aos
meus amigos por estarem sempre do meu lado e topar qualquer loucura. —
Shawn, Ron e mais alguns convidados da mesma idade de Max vibraram. —
Em quarto lugar, gostaria de dizer apenas que queria muito que meus pais
estivessem aqui hoje, mas eu sei que, de onde quer que eles estejam entre as
estrelas no céu, eles estão felizes por mim e estão comigo todos os dias. —
A voz de Max falhou na última parte, entregando o quanto ele estava
emocionado. Vi quando ele respirou fundo para se recompor. — E por
último, mas não menos importante, queria agradecer ao universo por trazer
de volta para a minha vida uma pessoa que foi muito importante durante a
minha infância. Elena, obrigado por tudo o que você fez por mim. — Max
olhou para mim com um sorriso radiante. Meus olhos se encheram de
lágrimas pela emoção, e eu mandei um beijo para ele. — É isso aí, galera!
Um brinde ao amor, à amizade e às segundas chances!
Todo mundo ergueu suas bebidas entre gritos de comemoração.
Meus olhos estavam embaçados pelas lágrimas, mas eu comemorei também.
Senti que estava sendo observada e quando olhei na direção de Jake, ele
ergueu sutilmente a sua garrafa de cerveja, oferecendo o mesmo brinde para
mim. Eu ergui a minha em resposta e nós sorrimos um para o outro antes de,
ao mesmo tempo, darmos um gole em nossas cervejas, aceitando o brinde.
Às segundas chances.
Max não perdia mesmo uma única oportunidade.
No início da noite, os convidados começaram a ir embora. Max e
seus amigos iniciariam a festa dos adolescentes. Jake deixou a casa sob
responsabilidade de Max para a tal festa, enquanto estaria jantando comigo.
Eu não sabia se ele tinha ideia do que uma festa só de adolescentes poderia
se tornar, mas Jake parecia confiar em Max o suficiente para saber que ele
não faria nenhuma idiotice.
Max se aproximou de mim com um sorriso enquanto eu esperava
por Jake. Ele me pediu alguns minutos para poder tomar um banho rápido e
trocar de roupa, já que, segundo ele, não queria sair comigo estando suado
por ter trabalhado o dia todo para organizar a festa de Max. Eu poderia dizer
a ele que estava cheirando tão bem quanto sempre, mas fiquei de boca
fechada e apenas concordei em esperá-lo.
— Eu quis comprar um presente para você, mas não fazia ideia do
que você gostava, então pensei em te dar um pouco de dinheiro para que
você compre o que quiser — eu disse a ele, constrangida por não ter trazido
um presente.
Max me dispensou com um gesto de mão.
— Sua presença foi o meu presente, Elena. Eu não preciso de mais
nada. Além disso, o tio Jake ficou muito feliz em te ver. É o suficiente para
mim.
Eu sorri.
— Eu estou tão orgulhosa do homem que você se tornou, Max.
— Obrigado — ele disse, emocionado. — Não só por ter vindo,
mas por tudo. — Entendi recentemente que você teve um papel muito mais
importante e significativo na minha vida do que eu imaginava.
Franzi o cenho, sem entender o que ele queria dizer com aquilo.
— Como assim?
Max apenas sorriu, como se soubesse de algo que eu não sei.
— Pergunte ao meu tio. Ele vai te explicar tudo.
— Max...
— Confie em mim. — Ele continuou com aquele sorriso largo. —
Por favor, apenas confie em mim.
Suspirei, receosa e esperançosa ao mesmo tempo. Eu confiava
nele. É claro que eu confiava, mas ainda assim não conseguia evitar ficar
apreensiva pelas coisas não ditas e os segredos que ele parecia carregar e
que, de alguma forma, pareciam me envolver. Aquilo me deixava nervosa.
— Tudo bem — concordei apenas.
Max me deu um beijo na bochecha e sorriu. Ele estava muito feliz,
dava para sentir de longe.
Jake apareceu logo em seguida, vestindo uma camiseta preta e um
jeans de lavagem escura. Ele ainda apostava nas roupas escuras, aquilo não
havia mudado. Ele também usava a sua Dog Tag no pescoço, compondo o
visual austero. Mas ele tinha um sorriso discreto nos lábios. Um sorriso fácil.
Aquilo era novidade.
— Podemos ir? — ele me perguntou.
Assenti.
— Max, juízo — Jake alertou, sério. — Não faça eu me arrepender
disso.
— Pode deixar, tio Jake. A casa ainda estará inteira quando você
voltar e ninguém vai parar na delegacia.
Jake suspirou.
— Eu realmente espero que não.
Dito aquilo, Jake e eu saímos da sua casa. Mesmo que eu tivesse
vindo com o meu carro, escolhemos ir com o dele até o restaurante para
onde Jake queria me levar. Seguimos em um silêncio confortável, enquanto
eu admirava as ruas de Silvershore. Embora tivesse ido até a cidade para
visitar Max e Jake anos atrás, eu nunca havia realmente passeado pelas ruas.
Em sua totalidade, Silvershore era muito parecida com Bayshore. Eu sentia
como se estivesse na mesma cidade.
— Você gosta de comida mexicana? — ele me perguntou,
quebrando o silêncio.
— Gosto.
— Pensei que podia te levar em um restaurante mexicano muito
bom. A menos que você tenha algum plano mirabolante, como jogar boliche,
por exemplo.
Eu dei risada, me lembrando do nosso primeiro encontro.
— Sem boliche dessa vez. Aquela é uma humilhação que não
pretendo repetir.
Jake deu uma risadinha.
— Você não foi tão ruim assim.
Mentiroso.
— Você claramente não deve se lembrar com detalhes daquela
noite, então — brinquei. — Eu fui pior que péssima.
— Eu me lembro de tudo, Elena — Jake rebateu, solenemente.
Olhei para ele, que retribuiu meu olhar de maneira rápida, pois
precisava prestar atenção enquanto dirigia. Embora eu só tenha visto o seu
rosto por alguns segundos durante aquela troca de olhares, não deixei de
notar que sua fisionomia carregava muito significado.
Eu fiquei sem saber o que responder depois daquilo.
Capítulo 47
Quando Devin conheceu Julia, ele mudou. Não que ele tenha deixado de
ser quem ele era, mas algo nele havia mudado desde que ela começou a fazer
parte de sua vida. Devin sorria mais e todo o seu rosto se iluminava quando
Julia estava por perto. Era como se ela fosse um sopro de vida ou uma brisa
refrescante em um dia de calor intenso. Meu irmão nunca havia sorrido tanto
antes de Julia. Eu sabia que ele se esforçava para parecer bem para mim,
para não deixar que eu percebesse o quanto as coisas eram ruins, mas os
sorrisos que ele me dava dificilmente alcançavam os seus olhos. Devin
estava sempre preocupado, com medo, com fome, com frio. Mas então Julia
apareceu. Os problemas continuaram independentemente dela, mas ele
parecia mais leve, mesmo que tudo ainda tivesse o mesmo peso em seus
ombros.
Eu me lembrava de pensar se um dia encontraria alguém que me
fizesse sentir daquele jeito, embora eu duvidasse muito de que aquilo fosse
possível, já que eu costumava ser péssimo com pessoas. Eu pensava que
talvez nunca fosse capaz de deixar alguém se aproximar o bastante para se
encantar por mim como Julia e Devin pareciam encantados um pelo outro. E
continuei acreditando naquilo fielmente, até Elena aparecer. Ela era para
mim o que Julia era para Devin. Um sopro de vida; uma brisa refrescante em
um dia de calor intenso.
Como eu havia dito antes, Elena apareceu para mim quando eu
mais precisava, mas também quando eu não estava pronto para ela. Eu tentei
estar, no entanto. Tentei ser o que ela precisava, mas, naquela época, eu nem
sabia quem eu era e depositei toda a minha felicidade nela, quando deveria,
primeiro, aprender a ser feliz sozinho. Eu queria somar na vida dela e não ser
um fardo. Nós éramos certos um para o outro, mas no momento mais errado
possível. Mas agora, com Elena sentada na minha frente, na mesa do
restaurante mexicano que eu havia mencionado, eu não podia deixar de
pensar se o nosso momento finalmente tinha chegado.
— O que foi? — ela perguntou logo após fazermos nossos pedidos
para o garçom. — Por que está me olhando assim?
— Como estou te olhando, Elena?
— Como se eu fosse algo novo, mas familiar também.
Aquela era uma forma de interpretar o que eu estava pensando.
— Você meio que é ambas as coisas agora, não acha?
Ela engoliu em seco.
— Para ser sincera com você, Jake, eu não sei o que achar. Na
verdade, eu não sei se quero realmente pensar alguma coisa sobre tudo isso.
Elena estava claramente assustada com o que resultaria da nossa
interação, e eu entendia muito bem aquela preocupação, porque eu também a
sentia. Eu já estava conformado que nunca teríamos uma nova chance, então
não estava nem um pouco preparado para vê-la parada na minha porta, dez
anos depois. E com certeza não estava preparado para ter meu coração
partido outra vez.
— Que tal se nós apenas jantarmos, conversarmos sobre
trivialidades por enquanto — sugeri, esperando poder tranquilizá-la um
pouco e esperar que meu próprio coração também ficasse mais calmo. — E
então, depois, antes que essa noite acabe, nós podemos conversar sobre... o
que isso significa.
Eu iria dizer sobre nós. Que no final da noite nós poderíamos
conversar sobre nós, mas eu não sabia se era isso o que ela queria: que
existisse um nós sobre o qual deveríamos conversar.
— Parece bom. — O sorriso dela hesitou um pouco. — Então,
você prometeu me contar sobre o homem por traz do fuzileiro.
Relaxei um pouco.
— Bem, eu descobri que gosto de trabalhar com as mãos.
Começou com uma sugestão do meu terapeuta, que eu fizesse alguma coisa
para me distrair, para me colocar de volta na sociedade e, de preferência, que
eu fizesse algo que envolvesse outras pessoas. Então fiz um curso de
cerâmica artística e artesanal. Hoje em dia, a argila se tornou minha melhor
amiga. Eu faço vasos, jarras, quadros, pequenas esculturas, enfim... o que
vier, e então vendo na internet. Também comecei a dar aulas para algumas
senhoras que queriam aprender sobre modelagem em argila.
Elena arregalou os olhos e deu um daqueles seus sorrisos radiantes
que aqueciam o meu coração.
— Você? Dando aulas para senhorinhas?
Dei uma risadinha.
— Pois é... elas me adoram.
— Uau — Elena exclamou, verdadeiramente surpresa. — Eu não
imaginaria isso nem em um milhão de anos.
Levei a mão ao peito de forma dramática, como se meu coração
estivesse doendo.
— Não seja dramático, Jake. — Ela riu. — É só que... você era
muito fechado antes.
— Eu sei. A terapia me ajudou com isso e, por incrível que pareça,
as senhorinhas também. Elas sempre foram muito gentis comigo, mesmo no
começo, quando eu não levava o menor jeito para ensinar qualquer coisa
para alguém. Descobri que gosto de ajudar as pessoas, o que foi
surpreendente para mim porque eu costumava sentir que estava brigado com
o restante do planeta.
Elena concordou com a cabeça.
— É, eu me lembro — ela disse, sem qualquer tom provocativo na
voz. — Você parece feliz. Max com certeza está feliz. Parece que deixar
Bayshore foi a coisa certa, no final das contas.
— É, essa cidade tem sido boa para nós — concordei.
O garçom chegou com o nosso pedido. Elena e eu havíamos
pedido várias opções diferentes de tacos para experimentar, então logo a
nossa mesa ficou cheia de comida.
— E os pesadelos e os episódios de TEPT? — Elena perguntou,
cautelosa, após dar uma mordida em um dos tacos.
— Faz anos que não tenho um episódio do transtorno. Tomei
medicamentos por um bom tempo. Eles ajudaram. A terapia também foi
essencial para que eu entendesse muita coisa e conseguisse lidar com tudo
que se passava na minha cabeça de uma maneira menos brutal. Eu ainda
tenho pesadelos às vezes, acho que os terei para sempre, mas... Acho que
pela primeira vez na minha vida, eu posso dizer que estou realmente bem.
Elena deu um sorriso, mas claramente alguma coisa a estava
incomodando. Não consegui adivinhar o que poderia ser.
— Isso é ótimo, Jake. Eu estou muito feliz por você.
— Obrigado. Mas e você? Algo novo que você queira me contar?
Finalmente peguei um dos tacos e dei uma mordida, esperando que
ela respondesse. Era um pouquinho apimentado, mas eu gostava do ardor.
— Adquiri o hábito de correr todas as manhãs, antes de ir para o
trabalho. Me ajuda a clarear os meus pensamentos.
— Você ainda escreve?
Ela assentiu enquanto mastigava.
— Nunca parei.
— Eu também não — falei.
Elena hesitou por um instante antes de perguntar:
— Você está namorando com alguém?
— Não. Me relacionei com algumas mulheres ao longo dos anos,
mas nada sério. — Nada como o que eu tive com você. — E você?
— Eu namorei um cara por alguns meses, alguns anos atrás, mas
não deu certo.
— Sinto muito que não tenha dado certo.
Elena olhou bem nos meus olhos, me analisando.
— Sente mesmo? — ela indagou com uma esperança velada.
Não consegui evitar um sorrisinho de lado.
— Não.
Devagar, Elena abaixou o rosto, tentando esconder o sorriso
discreto que desenhou os seus lábios. Deus, como ela era linda. Eu acho que
nunca me cansaria de dizer o quanto ela era linda. Para o resto do mundo,
talvez a beleza de Elena fosse comum, nada extraordinária, mas para mim
não existia mulher mais bonita. Mesmo quando a conheci e a achei
intrometida, eu não conseguia negar para mim mesmo o quanto a achava
bonita.
Nós finalizamos o jantar ainda conversando sobre trivialidades,
conforme combinamos que seria. Depois, partimos para a sobremesa. Elena
continuava verdadeiramente apaixonada por doces, e eu continuava não
sendo o maior fã deles, mas fiquei assistindo enquanto ela devorava um
sorvete frito, que parece ser uma sobremesa típica mexicana. Eu não fazia
ideia de como eles fritavam um sorvete ou se ele era de fato frito ou só tinha
esse nome por algum motivo.
— Quero te perguntar uma coisa — Elena anunciou no instante em
que entramos dentro do meu carro e fechamos a porta, trancando o mundo
do lado de fora.
Meu corpo ficou tenso, mas eu me virei na direção dela, querendo
olhá-la de frente.
— Manda.
— Max disse que recentemente descobriu que eu tive um papel
mais significativo em sua vida do que ele imaginava e quando perguntei a
ele o que aquilo significava, ele disse que eu deveria perguntar a você, que
você me explicaria.
Aquele era o momento. O momento em que nós finalmente
conversaríamos sobre o assunto que estávamos evitando desde o instante em
que ela apareceu na minha porta.
Era tudo ou nada.
— Eu escrevi um livro sobre nós, contando a nossa história. Foi
logo depois que Max e eu chegamos em Silvershore. Eu não queria esquecer
nada do que havíamos vivido juntos, então eu peguei o diário que você me
deu e escrevi um livro com ambos os nossos pontos de vista. Escrevi cada
detalhe do que vivemos juntos — contei, preocupado com qual seria a
reação de Elena. — Max encontrou esse livro. Bom, Melissa o encontrou, na
verdade. Os dois leram e acharam que nós merecíamos uma segunda chance.
Por isso Max te chamou para vir à festa.
Elena ficou muito tempo em silêncio depois disso. Era perceptível
que ela estava pensando, mas eu não conseguia adivinhar no que. Ela olhava
na minha direção, mas não estava realmente me vendo. Seus pensamentos
estavam longe.
— Por que você não me procurou? — ela questionou, baixinho,
mas não deixei de perceber a acusação em seu tom. — Quando você
melhorou, quando finalmente se deu conta de que estava bem, que os
episódios haviam parado... Por que você não foi atrás de mim, Jake?
— Eu fui.
Ela paralisou, olhando para mim com o cenho franzido.
— Dia 08 de novembro de 2014 — falei. — Foi um sábado. Eu fui
para Bayshore atrás de você, determinado a te ter de volta porque eu
finalmente estava pronto para ser o que você precisava, o que você merecia.
Eu nem precisei procurar por você pela cidade, porque logo que peguei a
avenida principal, te vi saindo de uma sorveteria com um cara. O dia nem
estava tão quente assim, mas vocês estavam tomando sorvete. Ele sujou o
seu nariz com a massa e você gargalhou e enfiou o seu sorvete todo na cara
dele, que também riu como se não tivesse uma única preocupação no mundo.
— Dei de ombros, sentindo o nó na minha garganta. — Você estava feliz,
Elena, e eu não tinha o direito de invadir a sua vida e destruir aquilo. Mas eu
fui atrás de você. Como poderia não ir?
Por estarmos envoltos pela penumbra, demorou para eu perceber
que lágrimas rolavam pelas bochechas de Elena. Eu me aproximei devagar e
coloquei minha mão em seu rosto, tocando-a pela primeira vez desde que ela
apareceu. Senti um arrepio percorrer o meu corpo à medida que meu polegar
deslizava pela sua pele sedosa e úmida pelas lágrimas.
— Você deveria ter falado comigo, me deixado saber que você
tinha ido até lá. Eu merecia saber, Jake — ela choramingou.
— Eu teria destruído o seu relacionamento, mesmo que não
intencionalmente. Eu teria te deixado confusa, porque você claramente
gostava daquele cara, e eu sabia que ainda havia uma chance de que minha
presença mexesse com você. E por mais que tenha me magoado te ver com
outro homem, você parecia feliz. Eu não podia tirar isso de você, não depois
de tudo o que eu te fiz passar.
Elena continuou chorando em silêncio, e eu sequei cada uma das
suas lágrimas enquanto tentava controlar o desejo avassalador de beijá-la; de
puxá-la para o meu colo e beijá-la até que nós dois estivéssemos tendo
dificuldade para respirar.
— Por que você acha que meu relacionamento com aquele cara
não deu certo? Você deveria saber que eu teria escolhido você, Jake. Você
deveria saber que sempre foi você. Mesmo quando foi difícil, mesmo com
todos os defeitos do mundo, mesmo quando a saudade ameaçava me
consumir, mesmo quando eu tive raiva e medo, mesmo quando quis odiar
você, porque talvez fosse mais fácil. Mesmo nesses momentos, sempre foi
você — ela chorou, olhando para mim com tanta dor naqueles lindos olhos
castanhos que, de repente, estava difícil respirar, mas não pelos motivos que
eu queria. — Mas, de novo, você tirou de mim o direito de escolher.
— Eu estava tentando fazer o que parecia ser o melhor para você.
— Você claramente não sabe nada sobre o que é melhor para mim,
Jake — respondeu, saindo do meu alcance e fazendo com que minha mão
caísse do seu rosto.
— Elena...
— Me leve de volta para o meu carro, Jake, por favor. Está tarde e
o caminho até Bayshore é longo.
— Você não precisa ir embora hoje, pode...
— Sim, eu preciso — ela respondeu, resoluta e magoada.
Embora tivesse uma parte de mim que não quisesse contrariá-la,
porque não queria dar mais motivos para Elena sentir raiva de mim, uma
parte ainda maior me fez ficar estagnado onde eu estava, sem fazer qualquer
menção de que atenderia ao seu pedido. Obviamente que isso a deixou
possessa.
— Tá, não dirija então, eu vou pegar um Uber.
Elena saiu do meu carro antes que eu pudesse impedi-la, mas eu
não a deixaria escapar de mim tão facilmente, então eu também saí do carro.
— Elena, pare! — pedi, andando atrás dela, mas Elena não parou.
— Para! — Dei uma corridinha e a alcancei, entrando na sua frente e
impedindo que continuasse fugindo de mim. — O que você quer que eu
diga? Que eu sinto muito? Porque eu sinto. Sinto muito por todos os anos
que perdemos, sinto muito porque fiz coisas que machucaram você, sinto
muito se errei mais do que acertei, mas tudo o que eu fiz desde que te
conheci, foi pensando em você. Me desculpe se tomei a decisão errada de
não deixar que você soubesse que eu fui até Bayshore, que procurei por
você. Eu estava tentando ser alguém melhor, não queria começar sendo
egoísta. Além do mais, quando duas pessoas nasceram para ficarem juntas,
elas encontram o caminho de volta uma para a outra. Não é isso o que todo
mundo diz? Então, eu esperei. Eu esperei até que a vida trouxesse você de
volta para mim, e ela trouxe. Você está aqui. Nós estamos aqui — discursei,
desesperado para conseguir convencê-la a não ir embora. — Por favor, eu
não quero perder você de novo. Eu te amo, caramba!
Os lábios de Elena tremiam enquanto seus olhos derramavam
lágrima atrás de lágrima. Quando ela não disse nada, mas também não deu
indícios de que iria fugir, eu me aproximei e toquei o seu rosto de novo.
— Eu sou completamente louco por você e tenho certeza de que
serei até o fim dos meus dias. Dez anos não apagaram o que eu sinto por
você. E eu sei que te machuquei de muitas formas. Meu Deus, eu sei disso.
Mas eu prometo que meu amor não vai machucar você agora, baby.
— Não me chame assim — ela balbuciou.
— Por que não?
— Porque fica muito difícil para mim ir embora.
— Então não vá. Fique comigo. — Segurei o seu rosto com as
mãos em forma de conchas. — Eu disse a você que quando ficássemos
juntos de novo, seria para sempre, lembra? Eu disse que queria ser digno de
você, queria ser alguém que te mereceria. Eu sei exatamente quem eu sou
agora, Elena. Jamais te pediria para ficar se não tivesse certeza de que posso
te fazer feliz, se não tivesse certeza de que o que aconteceu doze anos atrás,
nunca mais vai se repetir. Nunca. Diga que me aceita de volta, baby. Diga
que podemos tentar de novo, porque eu juro que estou pronto agora e que
nunca mais vou embora. Juro que serei seu por inteiro. Apenas diga sim, por
favor.
Elena fungou e suas mãos suaves tocaram os meus antebraços
enquanto eu ainda segurava o seu rosto. Por um instante, pensei que ela iria
me afastar, mas ela não o fez.
— Eu estou com medo, Jake — ela murmurou. — Não de você,
mas sim de entrar de cabeça nisso e de repente nós não termos sido feitos
para ficarmos juntos. E se a nossa história não existir para ter um final feliz?
Eu demorei muito tempo para conseguir não pensar em você o tempo inteiro.
Demorou muito tempo para que deixasse de doer.
— Eu sei. Eu também estou apavorado, mas nada me assusta mais
do que te ver entrando em um carro agora e indo embora de novo —
confessei. — Nossa história tem um final feliz, Elena. Não existe outro final
para nós dois que não seja esse. Não estou dizendo que sempre será fácil,
mas sei que vamos trabalhar todos os dias para que seja para sempre.
Uni minha testa com a dela, sentindo sua respiração ofegante bater
contra a minha boca. Estávamos tão perto e eu estava com tanta saudade,
mas não podia cruzar aquela linha a menos que ela me dissesse que também
queria aquilo tanto quanto eu.
— Não parta o meu coração, Jake.
— Nunca mais.
Quando Elena inclinou a cabeça para me dar melhor acesso aos
seus lábios, eu imediatamente grudei os meus nos dela. Eu a beijei com dez
anos de saudade, dez anos de ausência, dez anos de um amor que esperei até
que fosse a hora de expressar novamente. Eu a beijei como um homem
faminto, porque eu estava mesmo desesperado para sentir o gosto dos lábios
dela. Enlacei a cintura de Elena quando ela entrelaçou os braços no meu
pescoço e a puxei para mais perto de mim, como se pudesse fundir nossos
corpos em um só. A língua dela passou para dentro da minha boca no
instante em que meus lábios se entreabriram e fiquei inebriado pela sensação
da sua língua na minha. Delirei ao sentir o seu perfume e perceber que seu
corpo estava estremecendo de desejo nos meus braços.
Elena também sentiu a minha falta.
— A propósito — ela sussurrou nos meus lábios, sorrindo — eu
também te amo, Jake.
Sorri nos lábios dela e a ergui do chão. Elena soltou um gritinho,
mas começou a rir logo em seguida. Caralho, como eu sentia saudade do
som da risada dela.
— Me coloca no chão, seu maluco!
Eu obedeci, só porque queria poder beijá-la mais um pouco.
— Vamos voltar para a minha casa — sugeri. — Podemos tomar
um vinho e conversar um pouco mais. Ou talvez eu fique te beijando o
tempo todo.
Ela riu.
— Eu adoraria, mas acho que preciso te lembrar que está rolando
uma festa na sua casa nesse exato momento.
— Porra — resmunguei. Eu havia me esquecido completamente da
festa de Maxon.
— Mas eu tenho certeza de que passamos por um hotel no
caminho até aqui. — Ela deu de ombros. — Acho que pode ser uma solução.
Minha cabeça automaticamente se encheu de ideias sobre o que eu
poderia fazer com Elena em um quarto de hotel, mas segurei a onda. Nós
havíamos feito as pazes, mas aquilo não significava que ela iria transar
comigo, mesmo que eu estivesse morrendo para sentir o corpo dela sem a
interferência das roupas.
— É uma solução, com certeza. — Sorri. — Vamos!
Capítulo 48
Com amor,
Papai
Oi, gente.
Chegamos à reta final de mais um projeto. Eu acho que de todos os
livros que eu já escrevi, esse definitivamente foi o que eu mais chorei
durante o processo de escrita e de releitura também. Eu me conectei tanto
com os sentimentos desses três personagens que era difícil que meus olhos
não enchessem de lágrimas em vários momentos no decorrer desse livro. Em
contrapartida, acho que foi o livro mais bonito e sensível que escrevi até
hoje.
Também foi o livro mais difícil de trabalhar, por conta das
memórias de guerra do Jake. Eu não queria que ele fosse visto como um
vilão e muito menos que fosse considerado abusivo de alguma forma, mas
eu sabia que precisava ser fiel a tudo o que ele viveu. A cena que ele enforca
a Elena me deixou preocupada e ansiosa, porque eu entendo que é um tema
difícil e delicado. Eu espero que tenha conseguido retratar esse
acontecimento e a essência do Jake de forma que todos vocês entendam que
o TEPT é algo bem sério e que, se não tratado, pode sim causar fatalidades.
Quero agradecer a Deus, como sempre. E à minha família também
que, como coloquei na dedicatória, são as minhas próprias estrelas de olhos
castanhos. Toddy Cleiton e Koda Nilton também não podem ficar de fora
dos agradecimentos, mesmo que fiquem resmungando do meu lado porque
querem brincar e causar enquanto estou trabalhando. Mas não há melhores
companheiros. Eu amo vocês todos. Sempre e para sempre.
Mais uma vez, um agradecimento especial à Beatriz Garcia,
Camila Moura e Laura Vitelli por betarem esse livro e me darem dicas e
conselhos nos momentos em que fiquei empacada durante a escrita ou
quando estava insegura com alguma cena. É um prazer imenso ter vocês
como minhas amigas e como parte do meu trabalho também. Muito
obrigada, eu amo vocês. À Olivia Ayres e Fernanda Martins por todo o apoio
moral também. Vocês são maravilhosas, e eu amo vocês.
Agradeço ao Comando e ao Duketes Mafiosas, atual Atletas
Mafiosas, que são o meu apoio diário em cada projeto que eu decido criar.
Vocês já devem estar cansadas de me verem agradecer, mas sou realmente
muito grata por ter cada uma de vocês na minha vida diariamente. Muito
obrigada, vocês são um presente. Amo vocês.
Também agradeço à GB Editorial pela capa maravilhosa desse
livro e à Gabriela Gois por ser minha ilustradora oficial.
Agradeço os meus leitores, por embarcarem em cada uma das
minhas jornadas, por sofrerem com os personagens, mas também rirem com
eles. Vocês são o motivo de eu estar aqui e de continuar escrevendo. Muito
obrigada por todo o carinho e apoio que recebo de vocês todos os dias. Isso
faz toda a diferença do mundo para mim. Vocês me motivam cada vez mais
a tentar coisas novas. Obrigada por ficarem comigo.
É isso, pessoal. Até a próxima.
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[1] Designação de um posto militar dentro do Corpo de Fuzileiros Navais
dos Estados Unidos.
[2] Colar com duas chapas de identificação militar.
[3] Transtorno de estresse pós-traumático.