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Obras publicadas da autora

Obras publicadas da autora

LIVROS ÚNICOS
Lembre-se de mim, Thomas
A coragem das estrelas
Minhas estrelas têm olhos castanhos

Série Sobre Nós


Antes que ela diga não
Antes que ela desista
Antes que ela decida

Duologia BAD BLOOD


BAD BLOOD: O reencontro de Skye e Mason
BAD BLOOD: A vingança de Skye

Contos BAD BLOOD


EVER
SURRENDER

Série Legacy
Dark Past
Dark Emotions (em breve)

Série Paradise
Rendido
Destinado (em breve)

Série Segredos Revelados


Razões para lutar
Razões para acreditar
Razões para superar (em breve)
Copyright © 2022 Fernanda Freitas
Todos os direitos reservados.

É proibida a reprodução, transmissão ou distribuição não autorizada


desta obra, seja total ou parcial, de qualquer forma ou quaisquer meios
eletrônicos, mecânicos, sistema de banco de dados ou processo similar, sem
a devida autorização prévia e expressa do autor. (Lei 9.610/98)

Capa:
GB Editorial Design (@gbdesigneditorial)

Ilustração:
Gabriela Gois (@olhosdtinta)

Betagem
Beatriz Garcia
Camila Moura
Laura Vitelli
Nota da autora

Oi, pessoal.
Minhas estrelas têm olhos castanhos é um romance adulto que tem
como tema central o luto, a culpa e o TEPT — Transtorno de Estresse Pós-
Traumático. Este livro também tratará superficialmente sobre
relacionamento abusivo. Nenhum dos assuntos será romantizado.
Este livro também traz linguagem imprópria, consumo de bebidas
alcoólicas, cenas de sexo explícito, agressão física e um protagonista
extremamente abalado psicologicamente. Vocês vão acompanhar a jornada
do Jake e a forma como ele lida com a culpa, o luto, a morte e as lembranças
de guerra, visto que ele é um ex-integrante do Corpo de Fuzileiros Navais
dos Estados Unidos.
A leitura não é recomendada para menores de 16 anos ou para
pessoas sensíveis a qualquer um dos temas mencionados anteriormente.
Durante toda a leitura desse livro, tenham em mente que, segundo
o site do Doutor Drauzio Varella, o TEPT “é um distúrbio da ansiedade
caracterizado por um conjunto de sinais e sintomas físicos, psíquicos e
emocionais em decorrência de o portador ter sido vítima ou testemunha de
atos violentos ou situações traumáticas que, em geral, representam ameaça à
sua vida ou à vida de terceiros. Quando se recorda do fato, ele revive o
episódio, como se estivesse ocorrendo naquele momento e com a mesma
sensação de dor e sofrimento que o agente estressor provocou. Essa
recordação, conhecida como revivência, desencadeia alterações
neurofisiológicas e mentais.”
O TEPT é uma questão séria que deve ser acompanhada com a
ajuda de profissionais qualificados. Lembre-se que buscar ajuda é de
extrema importância para a cura.
Esclarecidos esses pontos, eu espero que vocês se apaixonem por
esses personagens tanto quanto eu me apaixonei. Tenham uma boa leitura.
Com todo o meu carinho, Fers.
Playlist

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Epígrafe

“A felicidade não se resume na ausência de problemas, mas sim na


sua capacidade de lidar com eles.”
— Albert Einstein
Dedicatória

Para a minha família.


Vocês são as minhas estrelas de olhos castanhos.
 
Prólogo

Eu tinha três anos quando minha mãe morreu. Ela nasceu com um
problema no pulmão, o qual tratou a vida inteira, mas quando foi acometida
por uma pneumonia que parecia nunca sarar, ela não resistiu. Um pouco
mais de um ano depois, meu pai morreu. Ele era Sargento do Corpo de
Fuzileiros Navais dos Estados Unidos e estava lutando no Iraque, dois anos
após o ataque ao World Trade Center. Na época, eu morava com os meus
avós, pais da minha mãe, em uma casa bonita e com cerca branca no
subúrbio de Bayshore, Georgia.
Mesmo que muitas memórias daquela época tenham sido
esquecidas por mim, eu nunca poderia apagar o dia em que minha avó foi
me buscar mais cedo na escola. Mesmo tão pequeno, eu sabia que alguma
coisa estava errada quando olhei para ela. Vovó estava esquisita, e ela nunca
me tirava mais cedo da escola. Ela olhava para mim e seus olhos
automaticamente se enchiam de lágrimas. Vovó me levou em uma sorveteria
e deixou que eu pedisse o que quisesse antes de finalmente irmos para casa.
Eu não entendi naquela época, mas ela estava reunindo coragem para me dar
a segunda notícia mais triste que um garotinho com tão pouca idade poderia
receber.
Meu pai havia morrido também.
Meus pais.
Os dois.
Ambos mortos.
Quando eu completei cinco anos, meu tio Jake ficou incumbido da
minha criação. Vovó já não estava tão lúcida quanto um dia fora,
principalmente depois que o Vovô morreu. Eu me lembro de ter a sensação
de que a morte me perseguia de perto.
Eu me sentia tão sozinho.
Quando tio Jake deixou a marinha, onde lutou lado a lado com o
meu pai, e voltou para Bayshore para cuidar de mim, pensei que talvez
pudesse ser diferente. A Vovó já estava velha para ter disposição para brincar
comigo, mas tudo bem, eu entendia, ela fazia o melhor que podia. Mas o tio
Jake estava “na flor da idade”, como Vovó dizia. Ele era o irmão mais novo
do papai, mas tudo o que importava para mim era que ele era novo e talvez
gostasse de brincar. Talvez ele pudesse me contar histórias sobre o papai,
talvez ele fosse parecido com o papai e então eu não sentiria mais tanta
saudade dele.
Mas o tio Jake não era nada do que eu estava esperando.
— Ei, você — a voz suave de Melissa encheu o pequeno cômodo
do meu quarto. — O que está fazendo aí tão concentrado?
Eu sorri para a minha namorada.
— Só estava pensando. Vem cá.
Melissa caminhou até mim, com ambas as mãos para trás, como se
estivesse escondendo algo. Ela tinha um sorriso suave nos lábios macios que
eu amava tanto beijar, e eu a conhecia a tempo suficiente para saber que ou
ela estava aprontando ou estava pretendendo aprontar alguma coisa.
— O que você tem escondido aí atrás, ein? — perguntei, curioso.
Eu sempre fui extremamente curioso.
Minha namorada sentou-se na beirada da minha cama e finalmente
revelou o que carregava nas mãos. Uma quantidade absurda de folhas de
papel, presas por duas argolas grossas de metal.
— O que é isso?
Melissa deu de ombros.
— Não tenho certeza. Eu estava procurando suas fotos de infância
no porão para executar a minha ideia de presente de aniversário perfeito pra
você, mas aí eu encontrei isso — ela elaborou, empolgada. — Pelo pouco
que pude ver quando dei uma folheada, parece ser um livro.
— Um livro?
— Um livro escrito pelo seu tio — contou Melissa, e a animação
brilhava nos olhos azuis dela. — Seria muita invasão de privacidade se nós
lêssemos?
Tio Jake sempre foi um homem reservado. Ele falava pouco, sorria
menos ainda. Por muitos anos ele foi como um zumbi. Ele estava vivo ao
mesmo tempo em que estava morto. Eu nunca soube que ele escrevia, quanto
mais um livro inteiro.
— Provavelmente — respondi para a minha namorada curiosa e
bisbilhoteira.
Melissa prendeu o lábio inferior entre os dentes e estava claro que
ela iria se corroer de curiosidade. Minha namorada era tão curiosa quanto eu,
mas ela tinha o agravante de ser completamente viciada em livros. Nós
iríamos nos mudar em breve para ir para a faculdade e eu podia dizer com
propriedade que havia mais caixas com os livros dela do que com os seus
pertences, quando fui ajudá-la a empacotar suas coisas. Melissa queria se
tornar uma escritora de romances. Ela com certeza tinha talento para isso. Eu
já tinha lido tudo o que ela havia escrito. Então, se deparar com um livro
inédito, aparentemente nunca lido por outro ser humano na Terra, era como
encontrar um pote de ouro no final do arco-íris para ela.
— Não é possível que você não esteja nem um pouquinho curioso,
Max — ela acusou, fazendo um beicinho que sabia que me fazia ceder a
qualquer coisa que ela me pedisse. — Além do mais, se fosse algo muito
secreto, seu tio não teria deixado no porão ao nosso alcance. Talvez esse
livro seja destinado a ser lido por nós dois, amor. Talvez ele mude as nossas
vidas para sempre.
Eu dei uma risadinha.
— Você está muito animada com isso, não é?
— Muuuuuuuuuuuuuito!
Os olhos azuis da minha namorada brilhavam, e eu a amava.
Amava vê-la tão empolgada com alguma coisa. Amava a forma como ela
sorria quando algo a inspirava. Eu a amava com todo o meu coração e era
sempre muito difícil dizer não para ela, principalmente quando Melissa me
olhava como estava me olhando naquele momento.
— Está bem — eu cedi, porque eu também estava louco para saber
o conteúdo daquele livro. — Nós vamos ler, mas só um pouquinho. Só para
matar a nossa curiosidade.
Melissa assentiu com veemência; o sorriso em seu rosto refletia
em seus lindos olhos.
— Só as primeiras páginas — ela disse.
Eu sabia que nós estávamos nos enganando, para tentar não acabar
com a consciência pesada pela invasão de privacidade que estávamos prestes
a cometer.
Melissa se deitou ao meu lado na cama, puxou um lençol sobre
nossos corpos e nós nos aconchegamos, colados um no outro. Eu dei um
beijo em sua têmpora e ela beijou o mesmo pescoço, fazendo meu corpo
todo fervilhar. Ela tinha esse poder sobre mim.
— Pronto? — ela quis saber.
— Vamos nessa.
Parte 1
Capítulo 1

Eu estava morto estando vivo.


Entorpecido pra caralho para sentir qualquer mínima maldita
coisa. Tudo bem. Foda-se. Não importava. Quanto mais longe eu ficasse do
que um dia foram minhas emoções, melhor. Na maior parte do tempo, eu
sentia como se estivesse em uma sala de cinema, sentado e imóvel enquanto
o filme da minha vida rodava na minha frente. Eu não era o protagonista
dessa história, eu não era sequer um personagem secundário ou um
figurante. Eu era o telespectador. Eu apenas assistia e assistia, sem nunca
interferir. Eu fazia o que me mandavam fazer como soldado; invadia zonas
de guerra, me posicionava nos lugares mais altos para ter visão para um tiro
limpo. Então, eu posicionava a minha arma e esperava a ordem para que
então pudesse puxar o gatilho.
Centenas. Eu havia tirado centenas de vidas e não conseguia sentir
nada. Eu nem sequer enxergava aquelas pessoas como seres humanos.
Depois de anos vivendo na guerra, você aprende a desligar a sua
humanidade para ser capaz de matar quem for necessário. Como peças em
um jogo de xadrez que você precisa eliminar para vencer. A guerra tira
muito mais de você do que só o seu tempo com a sua família e amigos e o
seu país, ela tira a sua humanidade, a sua capacidade de sentir, de fechar os
olhos e dormir sem ter pesadelos que te fazem acordar no meio de noite no
mais puro e cru estado de pânico, onde você é capaz de matar alguém que
esteja dormindo ao seu lado por acreditar ser um inimigo.
Às vezes, quando eu estava cansado demais, mas me recusava a
dormir, eu pensava no garoto que eu costumava ser antes de decidir seguir os
passos de Devin e me alistar. Ele era toda a família que eu tinha e eu não
conhecia outra vida além de segui-lo para onde quer que ele fosse.
Depois que nosso pai foi preso e nossa mãe internada em uma
clínica de reabilitação, Devin tomou conta de mim. Por anos, fomos nós dois
contra o mundo e meu irmão era como meu super-herói particular. Ele dizia
A e eu falava amém. Ele me ensinou a andar de bicicleta, a me vestir direito,
a pentear o cabelo de um jeito que não me fizesse parecer um otário, além da
inestimável importância de uma camisinha.
Devin engravidou a namorada do colegial exatamente um ano
antes de se formar e servir o seu primeiro ano na marinha como fuzileiro
naval. Julia ficou desesperada com a ideia de cuidar de um bebê sozinha
enquanto Devin estivesse fora, já que os pais dela decidiram dar as costas
quando descobriram que a filhinha de ouro deles havia engravidado de um
fodido como o Devin. Palavras deles, não minhas. Os pais de Julia acabaram
voltando atrás quando meu sobrinho nasceu, mas isso não significava que
eles aprovaram o relacionamento de Julia com Devin. E talvez Devin fosse
um fodido para quem olhasse para ele sem o conhecer de verdade, mas o
meu irmão dava um duro danado para conseguir sustentar nós dois. Ele
estudava e trabalhava como manobrista em uma boate à noite. Devin
costumava dormir de duas a quatro horas por noite, dependendo de que
horas saía do trabalho. Eu não estaria vivo se não fosse por ele.
Então, como um homem como Devin, que foi capaz de sobreviver
a fome, o frio, a falta de dinheiro e o desespero de manter uma criança
pequena viva, que dependia completamente dele para quase tudo, poderia
estar morto? Como ele poderia estar morto e eu ainda estar vivo? Isso não
estava certo, caralho. Não deveria ser assim. Eu deveria ter morrido no lugar
dele, para que ele pudesse ir para casa, para o filho que ainda esperava por
ele. Aquele seria o seu último ano e depois ele não iria se realistar, ele
voltaria para Bayshore, Georgia, e cuidaria do seu filho. Devin importava; eu
não. Eu nem sequer teria chegado na adolescência sem ele.
— Hyder — chamou o Tenente-Coronel Michaels, aproximando-
se de onde eu estava sentado, em frente à minha tenda.
Eu me levantei rapidamente e fiquei em posição de sentido,
batendo continência para o meu superior.
— Descansar, Cabo[1].
Relaxei. Com as mãos atrás do corpo e as pernas um pouco
afastadas, olhei para o meu Tenente-Coronel e esperei que ele me dissesse o
que precisava dizer.
— Em nome de todo o Batalhão, eu gostaria de dizer que
lamentamos pela sua perda. Seu irmão era um excelente soldado.
Mantive meu rosto impassível, mesmo que por dentro eu quisesse
pedir que Michaels não dissesse nada. A hierarquia, no entanto, manteve a
minha boca fechada.
— Obrigado, senhor.
— Não se martirize por isso, filho. Nós sempre torcemos para
voltar para casa com todos os homens, mas a guerra é brutal para todos os
lados. Estávamos todos cumprindo ordens e você fez o que lhe foi ordenado.
Engoli em seco e meu maxilar tencionou involuntariamente.
— Sim, senhor.
Meu Tenente-Coronel suspirou, derrotado. Ele entendeu muito
bem que não conseguiria mais nada além de respostas de duas palavras. Não
naquele momento, pelo menos. Devin estava morto há apenas quarenta e
oito horas, porra. Eu nem sequer estava conseguindo pensar direito ou
processar o acontecimento. Passei os últimos dois dias desejando mais do
que tudo no mundo ser capaz de voltar no tempo, voltar naqueles minutos
que definiram tudo, que destruíram tudo.
— Me foi dito que você voltará para casa na semana que vem.
Pensei que você havia dito que iria se realistar.
— Devin tem um filho de cinco anos, senhor. O garoto está sendo
cuidado pela avó nesse momento, mas a mulher não tem mais condições de
cuidar de uma criança pequena. Eu sou tudo o que ele tem agora.
Michaels assentiu.
— Entendo.
— Devin iria querer isso, senhor. Eu devo isso a ele.
— É uma pena perdermos um fuzileiro da sua excelência, mas
você serviu bem o seu país, Hyder.
Dei um curto aceno de cabeça.
— Obrigado, senhor. Foi uma honra.
Naquele dia, quando a noite caiu sobre nós e eu me deitei para
descansar, mesmo sabendo que lutaria contra o sono com todas as minhas
forças, pensei sobre a responsabilidade assustadora que eu estava prestes a
assumir. Eu não conhecia o filho de Devin... Quer dizer, eu o vi nascer e
ajudei Julia a cuidar dele nos seus primeiros meses de vida, mas desde que
me alistei para os Fuzileiros Navais, eu nunca mais voltei para casa, nunca
mais vi o garoto. Soube que Julia havia morrido de uma pneumonia que foi
fatal para os seus pulmões já fragilizados e era por isso que Devin estava
decidido a voltar para casa, para cuidar do filho que também mal conhecia.
Eu não sabia a primeira maldita coisa sobre cuidar de um
garotinho de cinco anos e isso me assustava quase tanto quanto a própria
guerra. Que tipo de exemplo eu seria para ele quando eu estava
completamente fodido da cabeça? Como olharia para o meu sobrinho
sabendo que era para o pai dele estar lá e não eu? Que tipo de adulto este
garoto se tornaria tendo a mim como figura de referência? Eu não era o
Devin, não era bom como ele, não saberia fazer o que ele fez quando eu era
pequeno. Na melhor das hipóteses, meu sobrinho viveria bem e se tornaria
um bom homem; na pior e mais provável das hipóteses, eu o destruiria como
destruí tudo o que era bom na porra da minha vida e ele se tornaria eu.
Destruído.
Amargurado.
Vazio.
Me desculpa, Dev. Eu sinto muito pra caralho.
Eu sinto muito.
Capítulo 2

Depois que Julia morreu, a casa onde ela morava com Maxon ficou
vazia. Devin optou por não vender porque era lá que ele iria morar com o
filho quando o seu tempo de serviço acabasse. E quando passei pela porta,
não consegui me sentir nada além de um impostor que iria viver uma vida
que nunca me pertenceu.
Joguei a minha mala no chão e olhei ao redor. Tudo estava
exatamente do jeito que Julia havia deixado. Havia fotografias espalhadas
pela sala de estar e de jantar. Fotos de Maxon quando era recém-nascido;
fotos dele no seu primeiro dia de aula na escola; fotos de Devin e Julia na
época da escola, no baile de formatura, com Julia barriguda, grávida do
Maxon. A casa inteira parecia um mausoléu, contendo memórias de uma
família que se desfez cedo demais, de uma forma trágica demais.
Meu peito doeu. Comprimiu e comprimiu até que fosse difícil
respirar e o ar carregado de pó não ajudava em nada também.
Quem eu estava querendo enganar? Não podia fazer aquilo,
caralho. Não podia.
Tentei me acalmar, tentei respirar fundo e manter os cacos de
quem eu era no lugar. Eu seria responsável por uma criança agora, não
poderia simplesmente surtar. Devin estava morto, era meu papel cuidar do
filho dele. Eu não iria perder a porra da cabeça agora.
Desliguei a mente e adentrei a casa, fechando a porta atrás de mim.
Passei as próximas horas limpando tudo, tirando o pó dos móveis, passando
pano no chão, lavando a louça que estava guardada a mais de dois anos.
Troquei as roupas de cama e coloquei as antigas para lavar. Pelo menos isso
eu poderia fazer. Devin me ensinou a cuidar da casa também, para garantir
que eu sobreviveria se algo acontecesse com ele. Ele só não me ensinou o
que fazer com o sentimento esmagador que ameaçava me partir ao meio
todos os segundos de cada dia desde que ele se foi.
Quando o dia estava prestes a dar lugar à noite, tomei um banho
rápido, tirei a farda e vesti roupas normais, das quais eu nem me lembrava de
ter. E então fui ao mercado para abastecer a casa. Comprei algumas frutas,
alguns legumes, algumas sobremesas para poder subornar o meu sobrinho ou
negociar com ele, se fosse necessário. Eu não o conhecia, então isso
dificultava bastante as coisas. Eu não sabia do que ele gostava, se era
alérgico a algum tipo de comida, se tinha medo de algo, se sabia quem eu
era... Mais cedo, quando falei com Lucy, a avó de Maxon, por telefone, ela
me disse que ele já sabia sobre a morte do pai, então pelo menos isso eu
sabia sobre ele.
Eu nasci e cresci em Bayshore, mas não encontrei sequer um rosto
conhecido no mercado, o que era uma benção, mesmo que uma benção que
eu sabia que não duraria para sempre. Mais cedo ou mais tarde, eu
encontraria algum fantasma do passado para me fazer a tão temida pergunta:
o que aconteceu com o Devin? E em questão de horas, toda a cidade estaria
comentando sobre a morte precoce do meu irmão mais velho. Eu queria
evitar aquilo a qualquer custo. Aquelas pessoas nunca nos estenderam a mão
quando mais precisávamos. Aquelas pessoas nos deixaram morrer de fome e
chamaram meu irmão de vagabundo quando ele passava nas casas pedindo
um pouco de comida.
Hipócritas filhos da puta.
Só porque Devin morreu servindo o seu país, agora ele era um
herói para eles. Meu irmão sempre foi um herói para mim, mesmo quando
ninguém olhava para ele com algo que não fosse nojo.
Afastei meus pensamentos desse assunto, porque já conseguia
sentir meu sangue quente. Eu não era um homem com muita paciência e
pensar naquelas coisas não estava ajudando o meu temperamento explosivo.
Em casa, tentei fazer o jantar. Maxon chegaria a qualquer
momento e eu não sabia se ele já teria jantado. Fiz uma macarronada com
almôndegas, que eu também não sabia se ele gostava, mas fiz mesmo assim.
E então esperei. Sentado no sofá, no escuro, eu esperei que meu sobrinho
chegasse e terminasse de virar a minha vida de cabeça para baixo. Ele não
tinha culpa de nada, eu sabia, mas isso não tornava as coisas mais fáceis. Na
verdade, só era ainda mais injusto com ele.
Uma batida na porta me colocou de pé no mesmo segundo e
caminhei até lá para abri-la. Para a minha surpresa, não era Lucy do outro
lado da porta. Me deparei com um senhor de sorriso fácil e olhos solícitos,
que olhava para mim como quem queria dar as boas-vindas à vizinhança. Ele
segurava uma travessa de... alguma coisa. Era um costume de cidades
pequenas, principalmente, assar um bolo ou uma torta ou sei lá o que fosse e
levar para os novos vizinhos. Quanta consideração... Contive a vontade de
revirar os olhos para essa hospitalidade fingida. Eu conhecia bem os
moradores de Bayshore e nenhum deles havia sido legal comigo ou com
Devin antes.
— Boa noite, meu jovem — cumprimentou o velho. — Vi hoje
cedo que você chegou e pensei que poderia vir dar as boas-vindas. Meu
nome é Harry, e eu sou seu vizinho do lado. — Ele apontou para a sua casa,
que ficava do lado esquerdo da minha. — Eu fiz uma caçarola para você.
Harry estendeu a travessa de caçarola para mim. Eu poderia
guardar rancor das pessoas daquela cidade, mas Devin havia me ensinado o
mínimo de educação, então peguei a caçarola.
— Obrigado, senhor.
— Ah, por favor, me chame de Harry. Não preciso me sentir mais
velho do que já sou. — Ele riu. Então, seus olhos caíram até a minha Dog
Tag[2] e seu rosto perdeu um pouco do brilho. — Qual divisão?
— Marinha. Fuzileiros Navais.
Se Harry fosse me parabenizar por lutar pelo meu país, eu perderia
o pouco da educação que estava tentando manter. Meu sentimento perante
toda a minha carreira militar era conflituoso. Ao mesmo tempo em que eu
me orgulhava por lutar pelo meu país, às vezes eu me perguntava contra
quem exatamente eu estava lutando. Sim, havia os terroristas, mas será que
todas as pessoas que matei lá eram de fato um perigo para os Estados
Unidos? Será que todos eram terroristas? Eu não sabia dizer, eu apenas
seguia ordens. E no fundo, ser agradecido por estar lá e matar pessoas não
era uma coisa que me deixava feliz.
— Sargento das Forças Especiais — ele retrucou com um sorriso
sem dentes que não alcançou os seus olhos. A revelação me surpreendeu. —
Seja bem-vindo de volta, filho.
— Obrigado, senhor — eu repeti.
Harry soltou o ar dos pulmões e se apoio na sua bengala. Ele
deveria estar perto dos setenta anos, mais ou menos, o que, se eu estivesse
certo, me dizia que ele devia ter servido ao exército bem próximo do fim da
Segunda Guerra Mundial.
— Você não me disse o seu nome.
— Jake.
— Jake — Harry repetiu com um sorriso cúmplice. — Se você
precisar de alguma coisa, filho, é só bater na porta. Às vezes eu acabo
demorando um pouco para chegar até ela, sabe como é... — Ele apontou
para a bengala com a cabeça.
— Vou me lembrar disso, senhor.
Eu não tinha a menor intenção de procurar Harry para qualquer
coisa que fosse, mas não podia negar que era bom saber que havia alguém
por perto que poderia entender minimamente o que se passava na minha
cabeça — mesmo que eu nunca conversasse sobre isso com ninguém. O
máximo que eu fazia era escrever em um caderno os pensamentos que
atravessavam a minha cabeça. Eu era bom com as palavras se elas fossem
escritas, mas quando precisava delas para interagir com outras pessoas... Eu
não era tão bom assim.
— Harry, garoto — ele me corrigiu. — Só Harry.
— Harry, certo. Obrigado pela caçarola.
Harry dispensou meu agradecimento com um gesto de mão.
— Por nada. Cozinhar me ajuda a manter a cabeça no lugar, então
não estranhe se eu aparecer de novo com uns bolos... Hm, uma torta seria
interessante — ele comentou, falando consigo mesmo. — Talvez banana?
Pensarei sobre isso.
Não consegui conter um pequeno sorriso.
— Aposto que vai. Tenha uma boa noite, Harry.
— Você também, filho. Você também.
Quando ele se foi, mancando com sua bengala, eu voltei para
dentro de casa e coloquei a tal caçarola em cima da ilha da cozinha. Eu não
era um grande fã de sobremesas, mas talvez Maxon gostasse.
Voltei a me sentar no sofá para esperar pela chegada inevitável do
meu sobrinho. Fiquei longos minutos encarando a tela preta da televisão,
deixando meus pensamentos correrem soltos, o que normalmente nunca era
uma coisa boa. Se eu pensasse demais, sempre acabava sendo transportado
de volta para aquele cenário de guerra, com escombros, sangue e corpos
destroçados e sem vida no chão. Eu praticamente conseguia ouvir os gritos.
As memórias eram vívidas demais para a minha sanidade mental ser capaz
de se manter intacta.
— Senhor, há muitos civis na área — eu disse no rádio que
usávamos para nos comunicar uns com os outros.
As bombas explodiam ao nosso redor como se fossem meteoros
caindo do céu, prontos para causar a nossa extinção, assim como aconteceu
com os dinossauros.
Eu tentei buscar abrigo dentro de um edifício abandonado, mas a
estrutura parecia frágil demais para que fosse seguro. Com mais algumas
bombas, eu não duvidava que aquela construção viesse abaixo, seguindo o
exemplo de muitas outras que já haviam se tornado escombros.
— Os civis vão buscar abrigo, Hyder. Não podemos dar espaço
para que esses filhos da puta avancem. Siga a sua ordem, Cabo.
Porra.
Segurei a minha arma com mais força e avancei, mantendo meu
olho junto à mira e sendo seguido pelos meus companheiros. Devin entre
eles. Era só para ser uma missão de reconhecimento, caralho.
Outra bomba fez o chão tremer sob os meus pés ao mesmo tempo
que vi Antonio sendo alvejado na cabeça, alguns metros à minha frente.
— Tony! — Gerald gritou.
Mas já era tarde. Um tiro na cabeça é fatal em quase 99% das
vezes. Tony estava morto antes que pudéssemos piscar os olhos de novo.
Uma nova batida da porta me trouxe de volta à realidade com um
susto. Eu me movimentei rápido ao me levantar do sofá. Meu corpo
automaticamente se colocou em posição ofensiva, segurando uma arma
imaginária nas minhas mãos, que tremiam ligeiramente.
— Porra — eu soprei para mim mesmo.
Passei as mãos rapidamente pelo rosto, forçando o meu corpo a
relaxar e fui abrir a porta pela segunda vez naquela noite. Lucy abriu um
enorme sorriso quando me viu, mas não consegui retribuir porque meus
olhos estavam focados no garotinho que se agarrava à perna de Lucy e se
escondia atrás dela enquanto olhava timidamente para mim. Seus olhos eram
castanhos, como os de Devin, embora o cabelo fosse um tom mais claro que
o do meu irmão.
— Olá, Jake — Lucy me cumprimentou, gentilmente. — É um
prazer vê-lo novamente.
— Lucy — eu disse apenas. Ela poderia ter amolecido com os
anos, mas eu só conseguia pensar nela como a mulher que marginalizou o
meu irmão e disse que a sua filha era boa demais para ele.
Lucy visivelmente engoliu em seco, provavelmente pensando o
mesmo que eu.
— Este é o Maxon — Lucy o apresentou para mim. — Ele gosta
de ser chamado de Max, não é, querido? — Lucy olhou para o meu sobrinho
e sorriu ao fazer carinho nos cabelos dele. — Por que você não vai dizer olá
ao seu tio Jake?
Maxon olhou para a avó e depois olhou para mim. Timidamente,
ele se aproximou.
— Oi — ele murmurou, envergonhado. — Você é irmão do meu
papai?
— Sim.
— Você se parece com ele — averiguou Maxon.
Desviei os olhos de Maxon porque não aguentava aquilo. Se ele
fosse começar a me comparar com Devin, eu perderia a cabeça. Então, ao
invés de olhar para o meu sobrinho, olhei para Lucy.
— Tem algo que eu precise saber sobre ele? Ele é alérgico a algum
alimento ou medicamento? Alguma questão de saúde que eu deva saber? —
perguntei à Lucy.
— Ele é alérgico a nozes, isso é tudo o que sei. Nenhuma questão
de saúde. Max é um garotinho muito saudável. Ah, dentro da mochila dele
tem um caderno com todas as informações que você precisa saber sobre a
rotina dele. Escola, karatê e comidas favoritas. Também tem o telefone da
pediatra dele.
— Ótimo — disse, secamente. — Eu fiz a janta. Quer se juntar a
nós para o jantar, Lucy?
Ela negou com a cabeça.
— Estou cansada e os paramédicos do asilo irão me buscar
amanhã bem cedo, então eu devo ir e terminar de organizar as minhas coisas
— ela disse, depois olhou para Maxon com um sorriso gentil no rosto. —
Seja bonzinho com o seu tio, está bem? E você pode ir me visitar quando
quiser.
Maxon confirmou com a cabeça, não parecendo nada feliz em se
despedir da avó.
— Cuide-se, meu pequeno. Eu te amo.
— Eu também te amo, vovó.
Lucy abraçou Maxon e lhe deu um beijo na testa. Depois, ela me
entregou as malas dele e foi embora após se despedir rapidamente de mim.
Não nos abraçamos ou demos as mãos. Nada. Apenas um adeus e boa sorte,
porque era claro que ela sabia que eu precisaria de sorte.
— Está com fome? — perguntei, deixando as malas de Maxon em
cima do sofá e indo para a cozinha. — Eu fiz uma macarronada.
— Eu já jantei na casa da vovó — ele respondeu.
Maxon parou na entrada da cozinha, olhando ao redor enquanto
apertava seus dedinhos uns nos outros, visivelmente desconfortável de estar
perto de mim, um completo estranho.
— Certo. Você pode ir para o seu quarto então, se quiser. Tem
televisão lá, para que você assista desenhos ou... ou algo de que goste.
Meu sobrinho assentiu.
— Você me ajuda a levar as malas? Elas são pesadas e eu não
consigo levar sozinho.
— Claro.
Maxon foi até onde estavam as suas coisas e colocou uma mochila
nas costas enquanto eu pegava as outras duas malas enormes. Nós subimos
as escadas e eu mostrei a ele onde ficava o seu quarto. Maxon colocou a
mochila em cima da cama e olhou ao redor, estranhando o ambiente.
— Você pode colar desenhos nas paredes, se quiser — eu disse,
querendo que ele se sentisse à vontade, mas claramente não sabendo como
fazer isso eu mesmo.
— Podemos pintar as paredes? — ele quis saber.
— Podemos.
— De azul?
Fiz que sim com a cabeça.
— Legal.
Nós ficamos em silêncio porque não tínhamos mais nada para falar
um com o outro. Ele era um garotinho de cinco anos que tinha os olhos do
meu irmão morto. Olhar para ele era difícil pra caralho.
— Bom, tem um banheiro no final do corredor. É seu. Escove os
dentes antes de dormir, entendido?
Maxon assentiu mais uma vez.
— Ótimo. Se você precisar de alguma coisa, meu quarto fica logo
do outro lado do corredor, mas precisamos estipular algumas regras — eu
comecei, e Maxon olhou para mim atentamente. — Você não deve entrar no
meu quarto sem bater e nunca, nunca, deve chegar perto de mim quando eu
estiver dormindo.
Meu sobrinho franziu o cenho.
— Por quê?
— Porque sim. Isso é sério, Maxon. Você nunca deve chegar perto
de mim quando eu estiver dormindo, mesmo que você precise me acordar.
Ele piscou, confuso.
— E como eu devo te acordar se precisar de você?
Você não precisa de mim, garoto. Ninguém precisa.
— Me chame de longe — orientei. — Você entendeu?
— Entendi.
— Então repita o que eu disse.
Ele engoliu em seco.
— Não devo entrar no seu quarto sem bater e nem chegar perto se
você estiver dormindo. E se eu precisar te acordar, devo te chamar de longe
— ele repetiu tudo direitinho.
— Excelente. Boa noite, Maxon.
Ele abriu a boca para falar algo, mas desistiu logo em seguida. Ao
invés disso, ele disse:
— Boa noite, tio Jake.
Fechei a porta do quarto dele ao sair e o ouvi fungar lá dentro.
Fiquei parado do lado de fora, escutando meu sobrinho chorar sem saber o
que deveria fazer. Eu nunca tinha cuidado de ninguém na vida, tinha zero
experiência com crianças e era péssimo em lidar com emoções, sejam as
minhas ou as das outras pessoas. Era só uma questão de tempo até Maxon e
eu atingirmos o fundo do poço.
Isso é se já não estivéssemos nele.
 

Lutei contra o sono bebendo canecas e canecas de café enquanto


lia as anotações de Lucy sobre a rotina de Maxon. Tentei, por meio daquelas
páginas, conhecer o garotinho que dormia no andar de cima, mas tudo o que
consegui descobrir foi que Maxon tinha aulas de karatê de segunda, quarta e
sexta e que sua comida favorita era bolo de carne com legumes. Uma criança
que comia legumes de boa vontade? Maxon era mesmo filho de Julia e
Devin. Meu irmão sempre foi adepto a uma alimentação saudável, mesmo
quando não tínhamos dinheiro para isso. Perdi as contas de quantas vezes
comemos frutas ao invés de salgadinhos ou chocolates, para enganar a fome.
Devin sempre dizia que precisávamos ser saudáveis, porque se tivéssemos
problemas de saúde, as coisas se tornariam ainda mais difíceis. Julia, por
outro lado, mantinha uma alimentação saudável por conta da sua condição
pulmonar. Eu não sabia exatamente qual era o problema com o seu pulmão,
só sabia que era de nascença.
Quando o relógio marcou seis horas da manhã, fui ao quarto de
Maxon para acordá-lo para a escola. Lentamente abri a porta do quarto e
praguejei mentalmente quando a dobradiça rangeu. Queria poder ter alguns
minutos para ver o meu sobrinho dormindo, assim eu poderia olhar de
verdade para ele sem precisar disfarçar o quanto meu coração se partia
quando eu encontrava os olhos de Devin olhando de volta para mim. E
Maxon estava dormindo tranquilamente, o corpinho encolhido bem no meio
do colchão enquanto ele abraçava desesperadamente um porta-retrato com a
foto dos pais. Ver aquilo destruiu os pedaços remanescentes do que um dia
foi um coração inteiro.
Dei alguns passos para trás como se tivesse levado um soco no
estômago.
Não consigo fazer isso. Devin, não consigo fazer isso.
Sem querer, meu corpo bateu contra a cômoda do quarto de
Maxon e alguns de seus brinquedos acabaram caindo no chão, fazendo
barulho suficiente para que ele acordasse. Na penumbra do quarto, Maxon se
remexeu na cama e abriu seus olhinhos castanhos, fixando-os em mim
quando encontrou o que o havia acordado.
— Tio Jake? — ele perguntou, baixinho, com a voz sonolenta e
triste. Ele deve ter chorado até finalmente dormir.
Pigarreei para limpar a garganta.
— Bom dia, Maxon — disse, me recompondo rapidamente. —
Hora de levantar. Você tem escola em quarenta minutos.
Maxon se sentou na cama e esfregou os olhinhos para se livrar dos
resquícios de sono. Cuidadosamente, ele colocou o porta-retrato na mesa de
cabeceira ao lado da sua cama e olhou para a foto dos pais com tanto
sofrimento que fez minhas pernas bambearem. Eu estava perdendo o
controle. Eu iria perder a cabeça.
— Te vejo lá embaixo. Não se atrase — eu disse, desesperado para
sair dali.
Virei as costas para o meu sobrinho e disparei para fora do quarto
antes que ele precisasse testemunhar o meu surto. Me segurei na borda da
ilha da cozinha e respirei fundo. Joguei um pouco de água gelada no meu
rosto e tentei manter a porra das minhas emoções sob controle. Minhas mãos
tremiam e meus olhos queimavam. Eu não iria chorar, cacete. Não perderia a
cabeça. Não poderia me dar a esse luxo.
Para ocupar a minha mente perturbada, comecei a fazer o café da
manhã para Maxon e o lanche que ele deveria levar para comer na escola.
Desliguei tanto os pensamentos que só percebi a presença do meu sobrinho
no cômodo quando ele arrastou a banqueta da ilha para conseguir se sentar.
Ele era pequeno demais para conseguir subir, no entanto.
— Eu ajudo você — eu disse, hesitando por um instante antes de
tocar nele. Mas então o segurei por baixo dos braços, pelas axilas, e o ergui
até a cadeira, colocando-o sentado ali. — Pronto.
— Obrigado — ele disse, baixinho.
Tomamos o café da manhã em um silêncio desconfortável antes de
eu pedir que Maxon fosse escovar os dentes. Eu o ajudei a descer do banco e
ele foi correndo para a escada, parecendo tão desesperado para fugir de mim
quanto eu estava para acabar com aquele desconforto entre nós, mas eu não
era bom com crianças. Nunca havia sido.
Coloquei o lanche de Maxon dentro da sua mochila e em poucos
minutos nós já estávamos a caminho da sua escola. Ele no banco de trás, na
sua cadeirinha, olhando pela janela como se o mundo não tivesse nada de
bom para lhe oferecer. Para uma criança tão pequena, ele já havia
experimentado mais perdas do que deveria ser permitido em tão pouco
tempo de vida. O mundo era cruel, eu mais do que ninguém sabia disso, mas
uma criança não deveria olhar para ele da forma como Maxon estava
olhando. Uma criança deveria só ver o lado bom e bonito das coisas, mas
como meu sobrinho poderia ser capaz disso quando tudo o que ele vivenciou
foram perdas e mais perdas?
Quando estacionei em frente à escola, Maxon tirou o cinto de
segurança e abriu a porta do carro antes mesmo que eu estivesse do lado de
fora do veículo para ajudá-lo.
— Venho te buscar mais tarde — eu disse a ele, entregando-lhe a
sua mochila.
Maxon assentiu com a cabeça e sem mais uma palavra, ele correu
em direção a escola. Não, na verdade, ele correu em direção a uma mulher
que estava parada na frente da entrada da escola. Sem hesitar, Maxon
abraçou as pernas da mulher e ela abriu um enorme sorriso quando o viu.
Abaixando-se no chão para ficar na linha de visão de Maxon, ela fez um
carinho nos cabelos do meu sobrinho e falou alguma coisa que eu nunca
seria capaz de ouvir àquela distância. Maxon confirmou com a cabeça e
olhou para trás, para mim. Automaticamente, empertiguei a postura, pois
sabia que ele estava falando de mim para aquela mulher e tudo o que eu
menos queria agora era ter que lidar com outra desconhecida.
A mulher abriu um sorriso contido para mim e disse alguma coisa
para o Maxon. Meu sobrinho assentiu de novo e seguiu o seu caminho para
dentro da escola enquanto a mulher levantava-se e vinha na minha direção.
Seu cabelo loiro e levemente cacheado estava metade preso e metade solto e
ela usava um daqueles vestidos floridos que é o maior clichê de professoras
de ensino fundamental, passando uma imagem ao mesmo tempo de
inocência, para se assemelhar as crianças, parecer meiga e acessível para
elas, e profissionalismo.
Para desencorajá-la, eu contornei o carro rapidamente para fugir
dali antes que ela tivesse a chance de chegar até mim.
— Espere! — ela pediu, levantando a mão para que eu a visse.
Com a mão na porta, eu soltei um rosnado baixo. Inferno. O que
essa mulher queria? Quem era ela, para começar?
— Olá — ela me cumprimentou com um sorriso educado enquanto
recuperava o fôlego pela corridinha que deu para me alcançar antes que eu
pudesse fugir. — Obrigada por esperar. Eu só gostaria de me apresentar
formalmente. Meu nome é Elena Blake, sou a professora do Max.
Elena estendeu a mão para mim e precisei me forçar a erguer a
minha para o cumprimento. Eu odiava tocar nas pessoas, odiava qualquer
coisa que estreitasse um contato. Preferia manter distância de tudo e
qualquer coisa. Mas Elena não hesitou nem mesmo diante do meu olhar
pétreo, e quando minha mão envolveu a dela, mesmo sendo
consideravelmente menor, ela a segurou com força, não se deixando
intimidar por mim.
— Jake Hyder, tio do Maxon — eu respondi, secamente.
— É um prazer conhecê-lo, senhor.
Eu dei um aceno curto de cabeça e soltei a mão de Elena, pronto
para abrir a porta do carro e ir embora, mas a mulher continuou falando:
— Eu só queria que o senhor me conhecesse para, sabe, você saber
quem é a responsável pela educação do Max. Além do senhor, é claro. Eu
tenho certeza de que o senhor irá educá-lo muito bem de agora em diante.
Ele é um garotinho muito inteligente.
— Sim, ele é.
— E... eu sinto muito pela sua perda.
A solidariedade na voz dela me desarmou ao mesmo tempo que
me irritou. Embora ela soasse genuína, ela não poderia nem começar a
entender o que a morte de Devin significava para mim ou para o Maxon.
— Obrigado — respondi, começando a ficar impaciente.
O sinal tocou dentro da escola e eu precisei conter um suspiro de
alívio. Ela finalmente iria embora.
— Bom, não vou tomar mais do seu tempo e preciso ir, de
qualquer forma. — Ela sorriu, ignorando a minha cara feia e a minha
hostilidade. — Se o senhor precisar de alguma coisa, pode me procurar. Sei
que essa adaptação deve ser complicada para o Max, principalmente, e
talvez ele fique um pouco confuso no início.
Me forcei a não revirar os olhos. Se eu conhecia bem os moradores
de Bayshore, ela só estava atrás de algo que pudesse comentar com as
amigas durante o brunch de domingo. Eu poderia até imaginar do que ela e
as amigas conversariam: o pobre garotinho que estava preso com o tio
monstruoso que não fazia a menor ideia do que estava fazendo.
Não, obrigado.
— Max está bem. Tenha um bom dia, Srta. Blake — eu disse,
deixando claro que aquilo era o final da nossa conversa.
O sorriso dela vacilou, mas ela foi capaz de mantê-lo no rosto,
mesmo que não tão largo e brilhante quanto antes.
— Tenha um bom dia, senhor.
Sem hesitar, abri a porta do carro e entrei. Elena se afastou,
voltando para a calçada e eu disparei com o veículo. Pelo retrovisor eu a vi
respirar fundo e alisar o vestido que sequer estava amassado. Então, ela se
virou e foi rapidamente para dentro da escola.
Capítulo 3

Na hora do intervalo, fiquei observando meus alunos brincarem no


parquinho enquanto eu tomava uma caneca de café. O dia estava bonito e as
crianças aproveitavam o sol depois de quase uma semana inteira de chuva.
Eles odiavam quando chovia, porque isso significava que eles tinham que
ficar presos dentro da sala de aula ao invés de brincar no parquinho. Era
engraçado ver o tipo de preocupação que circundava em suas cabecinhas.
Enquanto nós, adultos, nos preocupávamos com dinheiro, contas, aluguel,
relacionamentos, família e filhos — quando os tínhamos —, as crianças se
preocupavam, por exemplo, se iria ou não chover. Que saudade de ser
criança, de ter essa leveza e inocência.
Mas havia uma das minhas crianças que não possuía esse tipo de
leveza. O pequeno Maxon estava sentado em um canto mais afastado do
parquinho, comendo seu lanche e tomando o seu suquinho de caixinha sem
interagir com nenhuma outra criança. Ele normalmente se mantinha afastado
ou as outras crianças se mantinham afastadas dele, porque Max não falava
muito. Crianças dessa idade não costumam entender tragédias tão grandes
como as que recaíram sobre a vida de Max, então elas não compreendiam o
porquê de ele ser tão quieto, de nunca querer brincar, de sempre parecer
terrivelmente imerso em pensamentos. Max já havia sofrido o que muitas
pessoas não sofrem em uma vida inteira e isso partia o meu coração.
Max era um garotinho com muito carinho e amor para dar, mas
não havia ninguém em sua vida para quem ele poderia oferecer aqueles
sentimentos. Sua mãe havia morrido, seu pai havia morrido e sua avó havia
ido embora. O menino foi deixado com um tio que claramente não entendia
a primeira coisa sobre afeto com uma criança. Jake Hyder, pelo que Lucy
havia dito antes de ir embora, era um fuzileiro naval que havia acabado de
sair da marinha para assumir o lugar do pai de Maxon e cuidar do menino.
Eu mal podia imaginar os horrores que esse homem viveu na guerra. E
talvez eu estivesse bancando a juíza sem o direito para isso, mas eu não
achava que um ex-fuzileiro naval saberia como ser gentil e amável com uma
criança, principalmente uma que precisava desesperadamente de amor e
carinho.
Atenta às outras crianças, eu me aproximei de onde Max estava
sentado e abri um sorriso brilhante para ele quando seus olhinhos castanhos
encontraram os meus. Max sorriu de volta.
— Olá, querido. Posso me sentar com você?
Max balançou a cabeça em uma afirmativa.
Me sentei na grama ao lado dele e cruzei as pernas. Meu vestido
azul marinho e florido era comprido o bastante para que nada revelador
ficasse à mostra para os meus pequenos alunos.
— Como você está, meu bem? — perguntei a ele.
Max deu de ombros e essa foi toda a resposta que consegui
arrancar dele, o que me dizia que o menino estava qualquer coisa, menos
bem.
— Está gostando de ficar com o seu tio?
Eu não deveria me meter, meu Deus, eu não deveria mesmo, esse
não era o meu papel ali, mas eu não podia evitar. Quando me tornei
professora, prometi que cuidaria dessas crianças como se fossem minhas
enquanto estivessem sob os meus cuidados. E naquele momento, Max estava
sob os meus cuidados e eu precisava saber se ele estava bem ou não
conseguiria dormir à noite.
— Eu não conheço ele — Max disse, dando de ombros de novo.
— Você não o conhece? — perguntei, confusa.
— A vovó me disse que o tio Jake ajudou a mamãe a cuidar de
mim quando eu era um bebê, mas eu não me lembro e nunca vi ele depois
disso. A vovó disse que ele nunca voltou para casa depois que foi para a
guerra.
Ah, minha nossa senhora.
Aquilo era muito pior do que eu pensava, os dois eram completos
estranhos um para o outro.
— Ah, mas eu tenho certeza de que ele é super legal, não é? — Eu
sorri, esperançosa.
— Acho que ele não queria estar preso comigo — Max disse
baixinho, como se falasse mais para si mesmo do que para mim.
Engoli em seco e passei um braço ao redor do corpinho de Max,
puxando-o para mais perto de mim. O garotinho se aconchegou nos meus
braços e escondeu o rosto na lateral do meu corpo, como se não quisesse que
eu o visse chorando, mesmo que conseguisse sentir o tecido molhado do
meu vestido grudando na minha pele.
— Meu amor, não chore — eu implorei, desesperada com o
tamanho da tristeza que alguém tão pequeno podia carregar. — Eu tenho
certeza de que o seu tio ama muito você, ele só não é muito bom em
demonstrar. Seu tio deve ter visto coisas muito difíceis enquanto estava lá
fora, na guerra. Acredite em mim, querido, você não é o problema. Você
nunca seria um problema, está me ouvindo? Apenas dê um tempinho para
ele e eu tenho certeza de que as coisas vão melhorar.
Max fungou e se afastou de mim, secando os olhos com as costas
das mãos. O sinal do final do intervalo tocou e eu rapidamente me levantei
do chão, estendendo a minha mão para que Max a segurasse.
— Venha, querido, vamos voltar para a sala.
Max fechou a sua lancheira do super-homem e segurou a minha
mão.
— Crianças, façam uma fila para voltarmos para a sala — eu falei
alto para que meus alunos me ouvissem.
De mãos dadas com Max, nós voltamos para a sala de aula. A
próxima atividade consistia em fazer um desenho sobre o que mais te
deixava feliz na vida, já que as crianças estavam aprendendo sobre
sentimentos e a importância de expressá-los para que as outras pessoas
soubessem como você está se sentindo. E eu os observei trabalhando,
pintando com seus gizes de cera e sorrindo enquanto desenhavam suas
famílias, seus bichinhos de estimação, seus amigos...
Meus olhos, no entanto, não conseguiam ficar muito tempo longe
de Max. Ele estava debruçado sobre a sua folha de papel sulfite enquanto
pintava e desenhava. Havia um franzidinho entre as suas sobrancelhas que
me deixava saber o quanto ele estava concentrado no que estava fazendo.
Isso me trouxe um pouco de paz. Pelo menos ele estava se distraindo com a
atividade.
No final da aula, as crianças reuniram os seus materiais,
guardando-os dentro de suas mochilas. Foi um alvoroço, como sempre. Os
pequenos nunca conseguiam fazer as coisas organizadamente. Qualquer
atividade, até mesmo guardar o material para ir embora, era uma grande
bagunça.
— Muito bem, crianças, coloquem os desenhos em cima da minha
mesa antes de saírem — orientei, falando alto para que eles pudessem me
ouvir. — E não esqueçam o dever de casa! O desafio das estrelinhas ainda
está valendo!
Havia um quadro pendurado na sala de aula com o nome de todos
os alunos, onde eu colocava estrelinhas para cada dever de casa e atividade
feita. No final do mês, se o quadro estivesse todo preenchido com estrelas,
haveria o dia da pizza. As crianças adoravam um bom incentivo.
— Tchau, Srta. Blake — disse Amanda, se despedindo. — Até
amanhã.
Dei um sorriso para a minha aluna.
— Até amanhã, querida.
Pouco a pouco, os alunos foram indo embora até que sobrasse
apenas Max. Ele jogou a mochilinha, também do super-homem, nas costas e
trouxe o seu desenho nas mãos. Quando ele colocou o desenho em cima da
pilha dos outros, meus olhos correram até o papel para ver o que Max havia
desenhado. Tudo o que vi foi um enorme coração vermelho que cobria quase
todo o papel e um homenzinho de palito dentro do coração.
— Que bonito, Max. Quem é o homem dentro do seu coração? —
perguntei suavemente.
— Sou eu.
Depois de alguns anos de experiência com crianças — e se você
aprimora o seu conhecimento com cursos, para entender melhor o que se
passa na cabeça dos pequenos —, você passa a entender o que alguns
desenhos significam. Max desenhou a si próprio dentro de um enorme
coração. Eu podia estar errada, mas só conseguia interpretar aquele desenho
de uma forma: Max queria estar cercado por amor, envolvido por esse
sentimento do qual tanto falamos nas nossas aulas, mas que ele claramente
não sentia.
Eu era uma verdadeira manteiga derretida, então precisei me
esforçar muito para não deixar que as lágrimas tomassem conta dos meus
olhos. Max não precisava disso.
— Eu adorei, Max. Está muito bonito.
Ele deu um sorriso triste.
— Obrigado, senhorita Blake. Até amanhã.
Com os ombrinhos arriados, Max caminhou até a porta, pronto
para ir embora, mas meu coração estava doendo tanto que eu não poderia
deixá-lo ir daquela forma. Então, peguei o desenho e dobrei, escondendo-o
embaixo da manga do meu cardigan.
— Max!
Ele olhou para mim.
— Eu te acompanho até o carro.
Max sorriu e assentiu com a cabeça, parecendo aliviado por ter
companhia, mesmo que pelo curto caminho até o carro.
Do lado de fora, o tio de Max já esperava por ele, encostado em
seu carro e com os braços cruzados, parecendo tão impaciente quanto
naquela manhã. Jake Hyder tinha feições duras, sérias e nem um pouco
acolhedoras, embora fossem traços bonitos. Ele era um homem bonito, mas
sério demais; frio demais. O corpo alto e musculoso também não ajudava
para que ele parecesse mais acessível, principalmente visto que o homem
estava todo vestido de cores escuras. Cores escuras com certeza não
representam acessibilidade quando combinadas com uma personalidade fria
como a dele. Jake Hyder parecia uma fortaleza impossível de transpor. Não
era de se admirar que Max estivesse tão cabisbaixo. O homem não sabia
como lidar com um garotinho cheio de sentimentos confusos.
— Oi, tio Jake — cumprimentou Max com um sorriso contido.
Jake acenou com a cabeça, uma dura menção de reconhecimento
da presença do sobrinho. Max murchou e abaixou os olhos, entristecido, e
aquilo me atingiu como um raio, diretamente no meu coração.
— Tchau, Srta. Blake.
Eu me abaixei no chão e fiz um carinho no rostinho de Max.
— Até amanhã, meu amor.
Sem sequer olhar na minha direção, o tio abriu a porta do carro
para o Max entrar e a fechou após colocá-lo na cadeirinha e passar o cinto de
segurança pelo sobrinho.
— Sr. Hyder — eu o chamei antes que ele pudesse tentar fugir de
mim novamente. — O senhor tem um minuto? Prometo não me estender.
O homem soltou um suspiro, visivelmente impaciente com a
minha presença e a minha insistência em querer conversar com ele.
— Como posso ajudá-la, senhorita? — ele perguntou, secamente.
Não me deixei abalar pelo seu tom duro e puxei o desenho que
Max havia feito, de dentro da manga do meu cardigan, entregando-o para
ele. Como Jake estava parado em frente a janela do carro e nenhuma delas
estava aberta, Max não podia ver ou ouvir com clareza o que eu estava
mostrando ao seu tio.
Jake ergueu uma sobrancelha, desconfiado, ao olhar para o papel
dobrado que eu estendia para ele.
— O que é isso? — ele demandou saber.
— Um desenho que Max fez na aula hoje. Achei que o senhor
deveria ver.
Jake puxou a folha da minha mão e desdobrou o papel. Seus olhos
verdes avaliaram o desenho, mas era óbvio pela sua fisionomia que ele não
conseguia interpretá-lo.
— O bonequinho dentro do coração é o Max — expliquei. — Nós
estamos aprendendo sobre os sentimentos e a importância de expressá-los.
Ele desenhou a si mesmo dentro de um coração que representa o amor. Ele
precisa de amor, Sr. Hyder.
O homem olhou para mim com raiva.
— O que você quer dizer com isso? Que eu não dou amor a ele?
— Jake acusou.
— Não! — respondi rapidamente. — Não é nem um pouco o que
eu quero dizer, eu só...
— Você só... O quê? — Ele tencionou a mandíbula, visivelmente
irritado comigo, o que me deixou nervosa e inquieta.
— Eu só pensei que... talvez... o senhor seja... sério demais — eu
disse, tentando soar gentil.
Eu não conhecia Jake Hyder ou a forma como ele expressava seus
sentimentos e emoções, e talvez estivesse sendo estupidamente precipitada,
visto que havia acabado de conhecê-lo, mas eu não estava mesmo dizendo
que ele não amava Max, eu só queria fazê-lo entender que talvez esse seu
jeito duro e seco fizesse o menino acreditar que não era amado, mesmo que
fosse.
— Vamos deixar uma coisa bem clara aqui, senhorita Blake — ele
disse, sério, e com um tom de desprezo muito presente quando falou o meu
nome. — O seu trabalho é educar o meu sobrinho e sua responsabilidade
começa e termina dentro da sala de aula. Como eu dou carinho, educo ou
cuido do meu sobrinho não é da sua conta, entendido?
Eu engoli seco, mas não recuei. Aquele garotinho precisava de
alguém que lutasse por ele, e mesmo que Jake Hyder não entendesse o meu
papel, eu o desempenharia como achava que seria melhor para aquele
menino, pois a felicidade de uma criança era muito mais importante do que a
arrogância de um adulto.
— Me desculpe, Sr. Hyder, mas o meu papel vai muito além da
sala de aula, porque a partir do momento que Max não está bem, isso
influencia a sua rotina na escola, o que impacta diretamente no meu trabalho
— eu argumentei, irritada com aquele homem rude. — Portanto, se o
desempenho de um aluno está sendo prejudicado, faz parte do meu trabalho,
como professora, entender como posso ajudá-lo a melhorar.
O homem olhou para mim com tanta condescendência que ao
invés de me fazer sentir diminuída, eu apenas me senti mais furiosa. E
quando ele deu um passo na minha direção, meu corpo enrijeceu, preparado
para colocar meus movimentos de autodefesa em ação, mesmo que eu
soubesse que não teria a menor chance contra um homem treinado na
marinha.
— Não me importa nem um pouco o que você acha que é ou não o
seu papel — ele rosnou para mim. — Atenha-se ao seu trabalho dentro da
sala de aula e eu faço o meu trabalho fora dela, você entendeu? A menos que
queira que Max seja obrigado a iniciar em uma nova escola no meio do
semestre, porque acredite em mim, senhorita, eu irei tirá-lo dessa escola se
você continuar se metendo no que não lhe diz respeito.
Sem mais uma palavra, Jake Hyder deu as costas para mim e
entrou no carro, batendo a porta como se pudesse me trancar para fora do
seu mundo e do mundo de Max. Olhei para o garotinho do lado de dentro do
carro, mas Max não olhou de volta para mim. E então o veículo arrancou,
seguindo pela rua como se Jake quisesse se livrar de mim o mais rápido
possível.
Babaca.
 

Cheguei em casa com uma dor de cabeça horrível e encontrei


Taylor, minha melhor amiga e colega de quarto, assistindo Friends na
televisão. Seu cabelo ruivo estava preso em um coque bagunçado bem no
topo da sua cabeça e ela parecia extremamente confortável no nosso sofá.
Sem mim! Meu queixo foi ao chão na hora diante da traição.
— Não acredito que você está assistindo ao nosso programa
favorito sem mim!
Taylor olhou para mim exatamente como os meus alunos me
olhavam quando eu os pegava no flagra fazendo algo errado. Com a boca
lotada de pipoca, minha melhor amiga traidora me olhou com seus enormes
olhos azuis arregalados. Taylor mastigou rapidamente e engoliu a pipoca.
— Você demorou uma eternidade para chegar, Ellie — ela disse,
defendendo-se. — Eu não poderia perder o começo, mas, em minha defesa,
eu coloquei para gravar, então você não perdeu nadinha. Viu? Eu sou uma
excelente amiga.
Eu bufei, atirei a minha bolsa e a chave do carro em cima da mesa
e me joguei no sofá, roubando o balde de pipoca das mãos de Taylor para
enfiar uma grande porção na boca.
— Dia difícil? — ela perguntou, perspicaz.
Taylor e eu éramos melhores amigas desde o colegial. Fomos
morar juntas quando entramos na faculdade e permanecemos juntas mesmo
depois de sair dela. Ela me conhecia melhor do que os meus pais.
— O pior de todos — eu resmunguei com a boca cheia de pipoca.
— O que aconteceu? Os monstros aprontaram alguma coisa?
Eu olhei para a minha melhor amiga com um olhar que dizia “não
os chame assim”.
— Eles não são monstros — defendi meus alunos. — E não, o
problema hoje foi o tio de um dos meus alunos. Você não acreditaria no
tamanho da arrogância daquele cara!
Taylor esqueceu completamente o programa e virou-se na minha
direção como quem me incentivava a contar tudinho. E como eu estava
emputecida com o que havia acontecido, eu contei tudo a ela. Cada palavra
do que Jake Hyder havia me dito e como Max estava extremamente infeliz
durante a aula. Só de pensar naquele pobre menino, meu coração doía.
— Não acredito que ele ameaçou tirar o garotinho da escola só
porque você está preocupada com o bem-estar da criança — indignou-se a
minha melhor amiga.
— Pois é.
— Que grande babaca!
— Nem me fala. — Bufei, afundando-me ainda mais no sofá. —
Agora não sei como ajudar o Max porque estou com medo de que aquele
idiota o afaste de mim e o garoto se sinta ainda mais sozinho do que já está
se sentindo. Aquele homem não tem um pingo de sensibilidade, Taylor. Você
tinha que ver a frieza com a qual ele trata o Max.
Minha melhor amiga ficou em silêncio, como se estivesse
pensando em como ajudar o menino sem que eu precisasse interagir com o
idiota do tio dele.
— Eu acho que tudo o que você pode fazer por enquanto é ficar o
mais perto possível do garoto, para que, pelo menos durante algumas horas
do dia, ele não se sinta tão sozinho. Faça atividades em grupo com os alunos,
para que ele possa interagir com os colegas de sala também — ela sugeriu,
ainda pensativa. — Mostre que você está lá para o que ele precisar e o
garotinho vai te ver como um porto seguro.
Ponderei.
— Ao mesmo tempo que isso é uma boa ideia, não é. Quer dizer,
se ele se apegar muito a mim e o tio dele o tirar da escola, Max vai sofrer
mais ainda — rebati. — Odeio sentir toda essa impotência.
Taylor me deu um sorriso complacente.
— Você sempre achou que seria capaz de salvar o mundo, querida,
mas a verdade é que há coisas que nem mesmo você e seu coração enorme
são capazes de solucionar.
Suspirei, derrotada.
— Eu sei, mas o Max já perdeu tanto, Tay. Tanto. Não consigo
nem começar a imaginar como deve estar a cabecinha dele.
— Não pense mais nisso por hoje. Vamos pedir uma pizza e
assistir todos os episódios atrasados de Friends.
Eu dei risada.
— Além do mais, devemos considerar um progresso que Jimmy
não apareceu para tornar o seu dia ainda mais difícil.
Meu corpo involuntariamente estremeceu com a menção do nome
de Jimmy.
— Tem razão. É um motivo para comemorar.
— Exatamente! — concordou Taylor, animada. — Esqueça tudo
por hoje. Amanhã você pode voltar para a missão salvar-o-garotinho-do-tio-
babaca.
— Acho que posso fazer isso.
Mas não podia. Mesmo com uma garrafa de cerveja geladinha,
minha pizza favorita, meu programa de TV favorito e a minha melhor amiga,
eu não conseguia parar de pensar em Max. Eu precisava ajudar aquele
garotinho, nem que fosse a última coisa que eu fizesse na vida.
Capítulo 4

Na hora do jantar, Maxon manteve os olhos na comida, evitando contato


visual comigo como se sua vida dependesse de não me olhar. E eu mantive a
minha boca fechada porque ainda estava irritado com a professora enxerida.
Passei o dia inteiro pensando no que a mulher havia dito, e eu poderia dar o
braço a torcer e admitir para mim mesmo que talvez ela estivesse certa —
mesmo que eu não fosse dizer isso a ela. Talvez Maxon precisasse de mais
atenção e carinho, mas eu duvidava que ele quisesse isso de mim, um
completo desconhecido. Sem contar que eu me sentia um impostor; sentia
como se tivesse roubado a vida que era para ser do meu irmão. Maxon era
um lembrete constante de como eu havia falhado com Devin.
— Tio Jake? — Maxon me chamou baixinho, quase como se
estivesse com medo de falar comigo.
Levantei meus olhos e encontrei o meu sobrinho olhando para
mim. Seus olhos castanhos estavam assustados e ele apertava os dedinhos
uns nos outros. Ele estava com medo de mim.
— Sim?
Maxon mordeu o interior das bochechas, reunindo coragem para
falar comigo.
— Por favor, não me tira da escola.
Eu estava mastigando a minha comida, mas parei abruptamente
quando escutei o seu pedido.
— Eu... desculpe... eu não queria ser enxerido, mas eu escutei
quando você falou com a senhorita Blake hoje na escola e... eu gosto muito
dela, ela é muito legal e conversa comigo. — Maxon suspirou, parecendo
cansado. — Você ficou bravo com ela, mas eu juro que a senhorita Blake é
muito legal e gentil.
Terminei de mastigar a minha comida e engoli, sem saber
exatamente o que eu deveria dizer a ele. Eu não queria que Maxon tivesse
me ouvido brigar com a sua professora. E mesmo que eu não quisesse ter de
lidar com a mulher outra vez, dava para perceber o quanto Maxon parecia
miserável e extremamente amedrontado com a ideia de que eu iria tirá-lo da
escola e afastá-lo da sua professora favorita.
— Ela é uma boa professora?
Maxon assentiu com veemência.
— É sim. Ela nos ensina de tudo e se preocupa de verdade com a
gente — ele contou. — Eu não... não tenho amigos na escola, então a
senhorita Blake me faz companhia.
Franzi o cenho.
— Você não tem amigos? Por quê?
Maxon deu de ombros.
— As crianças me acham... estranho.
— Estranho — repeti, sem entender. — Por que as crianças te
acham estranho?
Meu sobrinho deu de ombros de novo e não continuou com a
conversa, o que me deixou aflito. Não era normal que uma criança não
tivesse nenhum amigo. Tudo bem, eu sabia que havia crianças mais
sociáveis do que outras, mas ele deveria ter pelo menos um amigo, certo?
Todo mundo tinha pelo menos um amigo, não tinha?
— Talvez você... — Maxon se interrompeu quando meus olhos
encontraram os dele novamente. Vi meu sobrinho engolir em seco. — Talvez
você pudesse pedir desculpas para a senhorita Blake.
— Por que eu pediria desculpas se não fiz nada de errado? —
perguntei, irritado.
Maxon abaixou os olhinhos, voltando a encarar a sua comida.
— A senhorita Blake é a única amiga que eu tenho. Se ela ficar
aborrecida, não vou ter mais ninguém.
Não vou ter mais ninguém.
— Você tem a mim. Nós somos família — falei, e minha voz não
saiu tão suave quanto eu pretendia.
Maxon fungou.
— Tudo bem, tio Jake. Você não precisa fingir que gosta de mim.
— Ele deu um minúsculo sorriso autodepreciativo ao olhar rapidamente para
mim. — Não estou mais com fome. Posso ir para o meu quarto agora?
Fiz que sim com a cabeça, sentindo um embargo gigantesco na
minha garganta que me impossibilitava de falar. Maxon empurrou o seu
prato para longe e desceu da cadeira.
— Maxon — eu o chamei quando ele já estava no pé da escada.
Meu sobrinho olhou para mim. — Eu gosto de você.
Meu sobrinho suspirou, mas não sei se foi de alívio ou de tristeza.
— Você tem um jeito estranho de demonstrar isso, tio Jake.
E sem dizer mais nada, ele começou a subir as escadas segurando
no corrimão. Meu estômago despencou e eu precisei fechar minhas mãos em
punhos. Menos de trinta horas e eu já estava falhando miseravelmente.
Afundei meu rosto nas mãos e contive o impulso de jogar tudo o
que estava em cima da mesa no chão. Eu precisava extravasar aquela raiva
reprimida de mim mesmo em alguma coisa, senão enlouqueceria, mas não
podia sair quebrando tudo sem assustar Maxon ainda mais do que já estava
assustado. Eu sabia que meu sobrinho me via como um desconhecido, sabia
que ele possivelmente não tinha nenhum afeto por mim, mas tomar o
conhecimento de que ele tinha medo de mim... Porra, foi pior do que levar
um tiro. E eu sabia muito bem a dor de ser alvejado, pois já a havia sentido
duas vezes.
Duas vezes. Eu já havia sido baleado e encarado a morte de frente
duas vezes enquanto Devin morreu ao encarar a morte uma única vez. Foi o
suficiente. Não era justo. Porra, aquilo não era justo!
Balancei a cabeça. Não poderia ser arrastado de volta para aquele
dia, para aquele maldito momento. Eu precisava manter a minha cabeça no
lugar. Me sentia como se estivesse tentando andar em uma corda-bamba e
qualquer deslize me faria surtar e perder o controle completamente. Eu sabia
que constantemente sofria de TEPT[3] e o certo seria que eu buscasse ajuda
psicológica ou psiquiátrica, mas eu não estava pronto para falar sobre as
coisas que vi e fiz na guerra. Eu não estava pronto para encarar o monstro
que eu sabia que eu era. Os tratamentos podiam reduzir os episódios, eu
sabia, mas só quando o paciente estava disposto a se comprometer com o
tratamento, e eu sabia que ainda não estava nesse ponto. Talvez nunca
chegasse a esse ponto; talvez nunca conseguisse encarar de frente as coisas
que eu fiz, as vidas que tirei, as famílias que destruí.
Não é nada pessoal, Hyder. É guerra.
Uma morte é sempre pessoal, mas você se esquece disso quando
está lá. Você segue ordens e se esquece de quem costumava ser e no que
costumava acreditar. Não há ética na guerra, há apenas destruição e quem
sobra é deixado para recolher os cacos.
Ocupei a minha cabeça com a louça suja e limpei toda a cozinha,
tentando evitar ir para a cama. E mesmo que a minha mente tentasse resistir
ao sono, meu corpo estava clamando por descanso, implorando para que eu
fechasse os olhos por apenas algumas horas, mesmo que soubesse muito
bem os tipos de pesadelos que se escondiam sob as minhas pálpebras.
Ignorei os protestos do meu corpo e liguei a televisão na sala, procurando
algo para assistir para manter meus pensamentos longe dos demônios que
carregava.
Eventualmente, mesmo contra a minha vontade, meus olhos se
fecharam e os pesadelos começaram.
 

Uma bomba explodiu perto de onde estávamos, criando uma onda


de poeira e fragmentos de concreto. Nós nos protegemos, agachando no
chão e nos escondendo atrás de uma parede de um prédio que fora
evacuado apenas algumas horas antes. Mas mesmo com a evacuação, eu
ainda conseguia ouvir crianças chorando e gritando. Havia fogo para todos
os lados e o cenário de destruição era devastador. Meu corpo inteiro estava
tomado pela adrenalina e eu o sentia tremer, embora minhas mãos
estivessem firmes enquanto eu segurava minha arma.
Pior do que ver a destruição e ouvir os gritos dos civis, pessoas
quase sempre inocentes que estavam no lugar errado e na hora errada, era
ver os corpos de outros soldados mortos ou dos nossos inimigos. A visão era
perturbadora. Os corpos mutilados, com membros decepados, sangue e mais
sangue e mais sangue.
— Olhe para mim! — Devin ordenou, me puxando pela farda para
que eu olhasse para ele. — Foco, Jake! Não perca o foco!
Eu assenti com um aceno firme de cabeça. Outra bomba explodiu
perto de nós e vi corpos voando pelos ares.
— Nós estamos na porra de um campo minado — disse alguém
perto de mim, mas meus ouvidos zumbiam pelo barulho da explosão da
última bomba.
Fechei os olhos com força para tentar organizar os meus
pensamentos e soltei violentas lufadas de ar pela boca.
Foco, Jake. Você precisa manter a porra do foco.
Foi ordenado que corrêssemos para o prédio ao lado. Como
atirador de elite, eu subi rapidamente os degraus que me levaram até o
telhado. Eu precisava de um lugar alto para ter uma boa visão do terreno e
facilitar tiros limpos. Posicionei meu fuzil de precisão, deitei meu corpo no
chão e aproximei o meu olho da mira, esperando que meu superior me desse
a localização, um alvo e a ordem para atirar.
— Hyder, segue coordenadas — meu superior anunciou no rádio
por onde nos comunicávamos.
Naquela época, Devin ainda não era Sargento, assim como eu
ainda não era Cabo. Então, eu recebia ordens de outro superior, não do meu
irmão.
Ajustei o meu fuzil para as coordenadas que me foram passadas e
encontrei o meu alvo. Era um garoto. Um adolescente. Não devia ter mais
de dezesseis anos. Ele estava com uma AK-47 pendurada no corpo e uma
bomba nas mãos. Estava caminhando na direção dos nossos homens; na
direção onde Devin estava.
— Atire — a ordem veio.
Meu coração disparou.
— Senhor, ele é uma criança — falei.
— Uma criança carregando uma bomba! Siga as suas ordens,
soldado!

Controlei a minha respiração, concentrando-me nela enquanto


afastava o barulho ao meu redor. Meu dedo encontrou o gatilho e mesmo
que meu corpo estivesse tremendo pelo pavor, minhas mãos eram firmes.
Por um instante, desejei que elas não fossem.
 

Acordei em um sobressalto. Minhas mãos tremiam, eu estava


suando e minha respiração estava ofegante, como se eu tivesse corrido uma
maratona; como se eu estivesse de volta lá, em ação. Fechei as mãos em
punho com tanta força que senti a dor das minhas unhas perfurando a minha
pele. Dobrei o corpo, apoiando os cotovelos nas coxas e puxei os fios do
meu cabelo como se pudesse arrancar cada um deles, como se a dor servisse
para me lembrar de que eu estava vivo. Eu escapei, eu saí, eu estava vivo.
Mas Devin estava morto.
Chutei a mesa de centro com força e ela tombou, estilhaçando o
vidro da parte superior em dezenas de pedaços. Não era suficiente. Meu
corpo transbordava pânico e adrenalina pelas memórias que meu pesadelo
desenterrou. Eu precisava quebrar alguma coisa, eu precisava tirar aquilo de
dentro de mim. Eu precisava respirar.
Completamente cego pelo desespero, eu peguei um abajur
qualquer em cima da uma mesinha de apoio perto do sofá e quando eu estava
prestes a lançá-lo contra a parede, avistei Maxon agachado no pé da escada,
escolhido, abraçando o próprio corpo enquanto olhava para mim com olhos
apavorados. Meu braço ficou erguido no ar com o abajur entre os meus
dedos e eu paralisei enquanto olhava para o meu sobrinho me vendo ter um
ataque de pânico. Minha respiração estava acelerada e era a única coisa que
preenchia o silêncio esmagador da casa, já que Maxon chorava quieto, como
se estivesse com medo de soltar um único ruído e me fazer perder
completamente as estribeiras.
Devagar, comecei a me sentir um pouco mais calmo, como se
estivesse voltando para o meu corpo. Sem tirar os olhos de Maxon, eu
lentamente abaixei o braço e coloquei o abajur de volta em cima da mesinha,
mas não fiz menção de me aproximar do meu sobrinho, apenas fiquei parado
no meio da sala, próximo da destruição que causei na mesinha de centro. Eu
sempre destruía tudo que estava ao meu alcance quando esses episódios
aconteciam.
— Maxon, você deveria estar na cama — falei, ainda um pouco
ofegante.
Ele não me respondeu de imediato, estava assustado demais para
falar.
— Você estava gritando — ele disse, baixinho. Sua voz de criança
me pareceu ainda mais infantil naquele momento. — Eu só... eu só queria
saber se estava tudo bem.
Eu estava gritando?
— Desculpe por te acordar. Volte para cama, você tem escola bem
cedo.
Meu sobrinho não se moveu, no entanto.
— É por isso que eu nunca devo chegar perto de você se estiver
dormindo? — ele indagou, olhando para mim como se estivesse tentando me
entender, como se estivesse tentando me conhecer. — Você tem medo do
escuro?
Eu suspirei. Como poderia explicar a ele do que eu tinha medo?
Como poderia fazê-lo entender os horrores que vivenciei na guerra e como
eles me assombravam? Como poderia olhar para Maxon nos olhos — os
olhos de Devin — e dizer a ele que o fato de o pai dele não estar aqui era
culpa minha?
— Mais ou menos — foi o que respondi.
Maxon se levantou devagar, como se estivesse com medo de fazer
qualquer movimento brusco e eu surtar novamente.
— Eu tenho medo do escuro também, às vezes — ele confessou,
envergonhado. — Posso te mostrar uma coisa? Está lá no meu quarto.
Assenti, e ele lentamente começou a subir as escadas. Era fofo a
forma como suas perninhas se moviam para subir os degraus e isso quase me
fez sorrir, mas sorrir era uma coisa que eu não fazia há muito tempo. Acho
que meus lábios nem sequer se lembravam como deveriam se movimentar
para dar um sorriso.
Maxon entrou em seu quarto e foi até a sua mesa de cabeceira,
onde ele pegou um objetivo em formato de bola e o estendeu para mim.
Franzi o cenho, confuso.
— O que é isso?
Maxon recolheu o objeto, abraçando-o contra o peito.
— Ah, é um abajur projetor de estrelas — ele explica. E acho que
meu sobrinho deve ter percebido que eu não fazia ideia do que é que ele
estava falando, pois ele voltou a colocar o abajur em cima da mesa de
cabeceira e o ligou na tomada. O quarto todo foi tomado por várias estrelas
douradas. As paredes e o teto de repente foram preenchidos com dezenas de
estrelas. — No ano passado, quando o papai veio me ver, ele me deu isso.
Ele disse que quando eu ficasse com medo, era só eu acender esse abajur e
olhar para as estrelas, então eu não estaria mais no escuro. Ele disse que a
mamãe estava entre essas estrelas, cuidando de mim, e que se eu deixasse o
abajur ligado, nada de ruim iria acontecer comigo, porque a mamãe estaria
me protegendo.
Meu corpo inteiro estremeceu e senti um arrepio atravessar toda a
minha coluna.
— Acho que o papai se tornou uma estrelinha no céu ao lado da
mamãe. É... eu acho que sim, espero que sim — disse Maxon, e sua voz
falhou no final da frase. Ele fungou, limpando o nariz com as costas da mão.
— Eu acho que ele está cuidando de mim junto com a mamãe.
Eu não sabia o que dizer, nem sequer conseguia encontrar a minha
voz dentro de mim para dizer alguma coisa a ele. Meu peito doía como se
meu coração e meus pulmões estivessem sendo esmagados. Eu não
conseguia respirar. De repente, o quarto ficou escuro de novo. Maxon puxou
o abajur da tomada e hesitantemente se aproximou com o objeto nas mãos,
antes de estendê-lo para mim.
— Acho que você precisa das estrelinhas mais do que eu essa
noite, tio Jake. Talvez você precise saber que o papai está cuidando de você
também.
Percebi que aquela era uma tentativa de Maxon de se aproximar de
mim e embora eu não tivesse absolutamente nada para oferecer àquele
garotinho, eu não podia afastá-lo. Não naquele momento; não quando ele
estava me oferecendo algo que claramente significava muito para ele. Eu
poderia ser frio e insensível por não saber mais como lidar com as minhas
próprias emoções, mas até mesmo eu era capaz de saber que não poderia
partir o coraçãozinho já estilhaçado do meu sobrinho.
Talvez Elena Blake estivesse certa e eu não estivesse dando amor
para Maxon do jeito que deveria, mas eu não sabia como me aproximar. E
mesmo que ele claramente estivesse se esforçando para se aproximar de
mim, eu tinha verdadeiro pavor de deixar que ele visse o que havia dentro, o
que eu carregava na minha alma.
Caos.
Morte.
Destruição.
Culpa.
Arrependimento.
Remorso.
Não havia nada de bonito em mim para que eu pudesse oferecer a
ele. Maxon não precisava de mais sofrimento em sua vida, então me manter
longe era um favor que eu estava fazendo a ele, mesmo que meu sobrinho
fosse pequeno demais para entender.
No entanto...
Eu me abaixei na frente dele e seus enormes olhos castanhos —
que estavam ligeiramente vermelhos por conta do choro de antes — olharam
para mim carregados de esperança e acessibilidade. Devagar, eu peguei o
abajur das suas mãozinhas e vi o exato momento em que meu sobrinho
sorriu. Não foi um sorriso largo e feliz, mas foi um sorriso bom o suficiente
para alcançar os seus olhos e fazê-los brilhar de leve.
— Obrigado, Maxon — eu disse, e mesmo que minha voz tenha
saído um pouco áspera, foi o tom mais gentil que usei com ele até aquele
momento.
Meu sobrinho deu um leve aceno de cabeça com os olhinhos
carregados de lágrimas, mas não consegui decidir se eram de tristeza ou de
felicidade por eu ter aceitado o seu presente.
— É melhor você ir para a cama agora. Vai estar exausto amanhã
se não dormir direito.
Sem dizer nada, Maxon subiu na sua cama e se ajeitou embaixo
das cobertas enquanto eu me levantava do chão.
— Durma bem, tio Jake — ele disse, baixinho.
— Você também.
Saí do quarto de Maxon carregando o abajur e fechei a porta. Só
então senti que havia ar entrando nos meus pulmões de novo. Atravessei a
pequena distância entre o quarto do meu sobrinho e o meu e entrei no
cômodo, fechando a porta atrás de mim. O quarto estava gelado, parecia
hostil. Aquela era uma casa, mas não era um lar. Aquela sensação calorosa
que só um lar proporciona não existia ali. Como poderia? Os donos da casa
estavam mortos e o novo dono parecia a anos luz de distância do único
membro remanescente daquela família.
Soltei o ar e respirei fundo.
Um dia de cada vez.
Coloquei o abajur em cima da minha mesa de cabeceira e o liguei
na tomada, deixando que meu quarto fosse invadido pelas mesmas estrelas
que a pouco ocupavam o quarto de Maxon. E mesmo que eu soubesse que
Devin não estava olhando por mim, eu me deixei convencer de que talvez —
só talvez — ele estivesse. Me deixei convencer de que talvez ele não me
odiasse por não o ter salvado e por estar visivelmente fracassando com o seu
filho. Pelo menos por aquela noite, com aquelas várias estrelas brilhando nas
paredes e no teto do meu quarto, eu me fiz acreditar que eram estrelas guias
e que elas me ajudariam a enfrentar o remorso que eu sentia para que eu
pudesse cuidar de Maxon do jeito que ele merecia.
Talvez Julia estivesse olhando por mim. Não porque ela se
importava comigo, mas porque amava o seu filho tanto quanto amava Devin.
Naquela noite, com as estrelas de Maxon brilhando no meu quarto,
eu não tive um pesadelo sequer.
Capítulo 5

No dia seguinte, eu estava decidida a engolir o meu orgulho e conversar


com Jake Hyder novamente. Embora eu acreditasse que não estava errada
por me intrometer, eu não queria que ele tirasse o Max da escola, pois eu
sabia que isso não faria bem nenhum para o menino. Já era difícil para o
Max interagir com crianças que ele conhecia há meses, imagina se tivesse
que começar do zero em outra escola, com novos amiguinhos, uma nova
professora... Não, eu não poderia permitir que isso acontecesse por minha
causa. Se eu tivesse que passar por cima do meu orgulho e me desculpar
com o insensível do tio dele, era isso o que eu faria. Pelo Max.
Fazia quase quatro anos que dava aula e durante esse período eu
me apeguei mais a alguns alunos do que a outros. Não sabia explicar
exatamente o porquê, mas sempre havia aqueles alunos que nos marcavam,
aqueles alunos que você olhava e pensava “Se eu tivesse um filho, eu queria
que ele fosse como fulano”. E eu sentia isso com o Max. Talvez por ele ser
um garotinho que perdeu os pais cedo demais e meu coração fosse muito
mole para aguentar uma história carregada de tanta tristeza. Ou talvez fosse
pelo fato de Max ser uma criança adorável. Ele era extremamente educado,
carinhoso e meigo. Ele era especial e eu o adorava. Portanto, quando vi o
carro do tio de Max estacionar em frente à escola, eu aprumei a minha
postura e respirei fundo. Eu não era uma pessoa naturalmente orgulhosa,
mas quando eu estava certa e sabia disso, eu não me desculpava pelas
minhas ações. No entanto, novamente, havia uma criança com o emocional
destruído no meio disso tudo. Não estava na hora de ser orgulhosa.
Para a minha surpresa, Jake Hyder saiu do carro junto com Max e
caminhou até mim. Fiquei receosa no mesmo segundo. Será que ele iria
dizer mais uma porção de coisas horríveis para mim? Será que ele viria me
dizer que aquele era o último dia de Max na escola? Eu estava pronta para
prometer nunca mais me meter na vida do menino, mas quando Jake parou
na minha frente, percebi que era desconforto o que ele carregava nos olhos,
não cólera como no dia anterior.
— Bom dia — eu os cumprimentei com um sorriso um tanto
quanto hesitante.
— Bom dia, senhorita Blake. — Max sorriu. — Eu trouxe isso
para você.
Ele me estendeu uma pequena florzinha de dente de leão, o que
automaticamente me desarmou e me fez abaixar a guarda.
— Que linda, Max! — Eu sorri e peguei a florzinha, colocando-a
atrás da minha orelha para enfeitar. — O que acha?
Max sorriu. Um sorriso lindo que deveria sempre estar no seu
rosto.
— A senhorita ficou bonita. Combina com a cor do seu cabelo.
— Obrigada, meu bem. — Eu fiz carinho no seu cabelo castanho.
Jake limpou a garganta.
— Srta. Blake, será que posso falar com você por um instante? —
ele perguntou, sério como de costume.
Max olhou para ele com os olhos arregalados e uma preocupação
desesperada. Percebendo o olhar do sobrinho, Jake olhou para ele e suavizou
um pouco a fisionomia. Só um pouco.
— Vá para a sala, Max. Está tudo bem — prometeu o tio.
O garotinho engoliu em seco, mas concordou com a cabeça. E sem
mais nenhuma outra palavra, Max caminhou para dentro da escola.
Olhei para o homem diante de mim sem saber o que esperar. A
suavidade que se apresentou segundos atrás já não existia mais em seus
traços bonitos. Ele havia voltado a ser impassível e intransponível.
Me preparei para o pior.
— Sei que a senhorita não tem muito tempo, então vou direto ao
ponto. — Ele respirou fundo, descontente. — Eu gostaria de me desculpar
pelo ocorrido de ontem.
Meu queixo caiu, mas eu tratei de me recompor rapidamente. Eu
não queria ofendê-lo dando a entender que eu achei que ele seria babaca
demais para se importar de pedir desculpas.
— Eu não concordo com a sua intromissão repentina e acho que a
senhorita não me conhece para fazer suposições sobre a minha vida e a de
Maxon. No entanto, meu sobrinho e eu conversamos ontem e eu percebi o
quanto a senhorita é importante para ele. Então, por ele, eu estou me
desculpando e espero que Maxon não seja punido pelo meu comportamento.
— Desculpa, o quê? Punido? — eu perguntei, chocada. — Por que
eu iria puni-lo?
Ele deu de ombros.
— Eu fui treinado a sempre esperar o pior das pessoas, senhorita.
— Bom, então claramente não é apenas o Max que precisa de
ajuda — eu disse, e imediatamente me arrependi. Não era da minha conta,
caramba. Por que eu não conseguia manter a minha boca fechada?
Jake tencionou a mandíbula e percebi quando os seus bíceps se
contraíram. Eu havia atingido um nervo. Merda.
— De novo, isso não é da sua conta.
— Tem razão, me desculpe, eu não deveria ter dito nada. Eu
agradeço o seu pedido desculpas. E, pelo Max, eu também peço desculpas se
ultrapassei algum limite ontem. Eu só quero que o senhor saiba que eu me
importo muito com o seu sobrinho e acho que ele é uma criança muito
especial. Eu não teria me metido se não me importasse.
Jake assentiu com a cabeça e seus olhos verdes encontraram os
meus. Era impressionante como eu não conseguia ver nada quando o olhava
nos olhos. Sua alma estava tão trancada que era impossível alcançá-lo. E isso
me fez sentir pena daquele homem, porque para um ser humano chegar
naquele ponto de frieza e inacessibilidade, algo terrível deveria ter
acontecido. Jake não era o primeiro e nem seria o último homem a voltar da
guerra sendo apenas uma sombra do ser humano que um dia foi.
— Bom, se isso é tudo...
— Na verdade, tem mais uma coisa — Jake me interrompeu. Ele
parecia ainda mais sério do que antes. Como isso era possível? — Maxon me
disse que não tem nenhum amigo na escola...
Ele deixou a frase pairando no ar, como se esperasse que eu
explicasse o porquê de seu sobrinho não ter amigos. E pelo pouco que eu
sabia sobre Jake Hyder — o que era perto de nada —, ele esperava que eu
tivesse uma explicação que o convencesse. Eu não tinha.
— Max é um menino tímido e as crianças não conseguem entender
por que ele nunca quer brincar ou por que nunca os responde quando eles
perguntam sobre sua família ou suas férias de verão, por exemplo — eu
expliquei com calma. — Então eu acho que, eventualmente, as outras
crianças apenas desistiram de tentar conversar com ele.
Como eu imaginava, Jake não parecia feliz.
— Isso não é saudável. Toda criança precisa de pelo menos um
amigo.
— Eu concordo.
Jake passou a mão pelos cabelos castanhos e eu acompanhei o
movimento, o que me fez notar que ele possuía uma pequena cicatriz onde
sua testa terminava e seu couro cabeludo começava. A cicatriz ficava
escondida pelo cabelo. Então Jake expulsou o ar dos pulmões e umedeceu os
lábios. Três reações que poderiam ser vistas como insignificantes, mas que
para mim mostravam que ele se importava com o Max. Isso acalmou o meu
coração um pouquinho.
— Não se preocupe, Sr. Hyder, eu vou tentar mudar isso — eu
disse, tocando suavemente no seu braço. O movimento foi tão automático
que eu só me dei conta do que havia feito quando senti a pele dele na minha.
Jake se afastou como se eu tivesse lhe dado um choque. O
movimento brusco me sobressaltou e eu me afastei também.
— Por favor, não toque em mim — ele disse, áspero e desesperado
ao mesmo tempo. — Nunca.
— Desculpe. Foi involuntário. Eu... — Limpei a garganta,
constrangida. — Sinto muito, senhor, não vai se repetir. Eu...
— Tenha um bom dia, senhorita Blake — ele me cortou, dando as
costas para mim sem esperar pela minha resposta.
Senti minhas mãos levemente trêmulas quando entrei na escola e
precisei secá-las na minha calça jeans quando notei que além de tremendo,
elas estavam suando. Era inevitável negar que aquele homem me causava
palpitações, mas não necessariamente no bom sentido. Ele me deixava
nervosa e eu sempre parecia fazer papel de idiota na frente dele.
Ignorando meus pensamentos, eu entrei na minha sala de aula, que
estava uma verdadeira balbúrdia, e pedi que as crianças ficassem em silêncio
para que nós começássemos a trabalhar.
Seria um longo dia.
Capítulo 6

Eu precisava esfriar a cabeça.


Na verdade, eu precisava ocupar o meu tempo com alguma coisa.
Arrumar um emprego talvez fosse uma boa ideia, mas quem iria tomar conta
de Maxon quando eu estivesse trabalhando? Eu tinha bastante dinheiro
guardado, tanto do seguro de vida de Devin quanto do de Julia, deixados
para Maxon e dos quais eu era responsável por administrar. Boa parte desse
dinheiro estava reservado para a faculdade do meu sobrinho e ele
permaneceria intocado. A outra parte do dinheiro era para cobrir os gastos
diários. Comida, roupa, brinquedos, passeios e o que mais for. Também tinha
o meu próprio dinheiro com a carreira que fiz dentro da marinha.
Era estranho pensar como Devin e eu lutamos tanto para ter
dinheiro no passado e agora eu tinha mais disso do que tinha com o que
gastar.
Dei um gole na minha cerveja e tentei pensar em alternativas para
ocupar o meu dia enquanto Maxon estava estudando. Eu definitivamente não
queria ficar em casa sendo engolido pelo silêncio enquanto aguardava a hora
de buscar meu sobrinho na escola.
A maldita escola.
Com a mulher que não saia da minha cabeça por todos os motivos
errados.
Primeiro, Elena Blake apareceu querendo me ensinar como cuidar
do meu sobrinho; depois, ela afirmou que Maxon não era o único que
precisava de ajuda — o que diabos ela sabe sobre qualquer coisa? — e, por
último, ela tocou em mim. Ninguém nunca tocava em mim sem a minha
expressa autorização. E o último contato que eu tive com uma mulher foi a
meses atrás, durante uma pequena folga que alguns soldados do Batalhão
conseguiram. Sexo não era tão difícil de encontrar, já que há prostíbulos em
qualquer lugar do mundo. E quando se estava na guerra, conhecer uma
mulher com quem você desejasse manter um relacionamento era
extremamente difícil. A menos que você tivesse alguém esperando por você
em casa, a maneira mais comum de se conseguir sexo era com prostitutas.
Eu nunca me relacionei com mulheres que não fossem prostitutas.
Nunca tive tempo para isso. Eu jurava que morreria como um fuzileiro, que
não teria uma vida normal de novo. Nunca pensei em filhos ou casamento ou
em ter uma casa onde envelhecer. Essa não era para ser a minha vida. Meu
objetivo era fazer carreira nos fuzileiros até que uma bala fosse certeira o
suficiente para me matar. As últimas duas que levei não completaram essa
missão. Portanto, apenas o fato de conversar com uma mulher, mesmo que
ela fosse a professora do meu sobrinho, era um desafio para mim. Como já
havia ficado óbvio a essa altura, eu não era bom com pessoas.
Dei mais um gole na minha cerveja enquanto expulsava os olhos
castanhos cheios de vida de Elena Blake da minha cabeça; enquanto tentava
esquecer o quanto a mão dela foi suave ao me tocar.
Porra.
Passei as mãos pelo rosto. Se eu expulsasse Elena da minha mente,
o que me sobraria para pensar? Minha cabeça era um lugar fodido e horrível
para se habitar e as opções de pensamento que eu tinha além dela não eram
muito melhores. Então permiti que seu toque suave e seus olhos
esperançosos ficassem comigo por mais alguns minutos. Só mais alguns
minutos.
— Jake? — Alguém disse ao meu lado. — Jake Hyder?
Virei minha cabeça na direção do meu nome e encontrei um
homem olhando para mim com um sorriso acolhedor. Ele tinha mais ou
menos a minha idade, rosto familiar, como se eu já tivesse o visto antes,
embora eu não conseguisse dizer exatamente onde; cabelos pretos, traços
leste-asiáticos. Eu semicerrei os olhos para o cara, tentando puxar da
memória de onde eu o conhecia.
— Sou eu, cara, Edwin Yamazaki. Nós éramos amigos na época da
escola — ele disse, animado.
Ah, Edwin.
Pensar na minha época de escola era quase como se fosse uma
outra vida. Me formei no colégio há pouco menos de uma década, e com os
anos como fuzileiro, era quase como se minha vida pudesse ser dividida em
duas partes. Antes e depois da marinha. Edwin com certeza foi o mais perto
de um melhor amigo que eu tive. Ele era o único garoto da escola que não se
importava de ser visto com a “escória”, como costumavam me chamar.
— Eu me lembro — eu disse, não sabendo exatamente como eu
deveria reagir com esse reencontro. Eu não era mais o garoto que ele
conheceu e Edwin provavelmente não levaria nem dois minutos em uma
conversa comigo para perceber isso.
— Caramba, que legal te ver — ele continuou com a empolgação.
— Não tive mais notícias suas depois que você se alistou. Pensei que
estivesse morto.
— Desculpe te desapontar — respondi, amargo.
— Não, não! Eu estou feliz que você esteja bem. — Ele
continuava com aquele sorriso fácil no rosto, o sorriso de um homem que
nunca veria os horrores do mundo como eu vi.
Eu terminei de beber a minha cerveja, puxei a minha carteira do
bolso e deixei uma nota no balcão do bar.
— Você está diferente — Edwin observou, finalmente se dando
conta de que eu não estava retribuindo a sua recepção calorosa. — O que
aconteceu?
Eu o olhei como se não pudesse acreditar que ele estava mesmo
me fazendo aquela pergunta. O que aconteceu? Que tal a porra da maldita
guerra? Será que isso seria resposta suficiente? Mas eu engoli a minha
acidez e apenas o encarei. Edwin não tinha culpa da minha vida de merda.
Eu me alistei porque eu quis, porque seguir Devin para todos os lugares era a
única vida que eu conhecia. Ninguém tem culpa de nada do que aconteceu
além de mim mesmo.
— O que você acha que aconteceu, Edwin? — eu perguntei,
esperando que ele soubesse a resposta para que eu não precisasse prolongar
o assunto.
Ele suspirou.
— É brutal lá, não é?
— Você não faz ideia.
Eu me levantei da banqueta do bar, pronto para ir embora, mas
Edwin claramente tinha outros planos.
— Deixa eu pagar mais uma cerveja para você e nós podemos
colocar a conversa em dia — ele sugeriu, voltando à empolgação de antes.
— Eu estou realmente feliz em te ver, Jake.
Analisei mentalmente as minhas opções. Ainda faltavam duas
horas até ser a hora de buscar Maxon na escola, o que significava que eu
tinha tempo para matar. E já que eu não queria voltar para casa e nem
continuar pensando na professora do meu sobrinho, talvez mais uma cerveja
não fosse uma má ideia. Se eu não tinha assustado Edwin com os meus cinco
primeiros minutos de hostilidade, talvez eu não o assustasse mais. Eu ainda
estava decidindo se isso era algo bom ou ruim.
— Ok — eu respondi, por fim.
Edwin sorriu, satisfeito.
— Legal. — Ele se sentou na banqueta ao lado da minha quando
eu também voltei a me sentar. — Uma cerveja para o meu amigo aqui e uma
dose de uísque para mim, por favor. Puro.
Era uma terça-feira à tarde e o bar estava vazio, então o barman
agiu rapidamente para trazer as nossas bebidas. E eu apreciei a última
cerveja que eu tomaria naquele dia, pois não poderia estar bêbado quando
fosse buscar Maxon na escola. Duas cervejas era o limite.
— Então, o seu irmão voltou também? — Edwin perguntou,
puxando conversa. E ele não poderia ter escolhido uma primeira pergunta
pior do que aquela. — A cidade inteira ficou de luto com a morte da Julia.
Imagino que deve ter sido difícil para o Devin, mas principalmente para o
pequeno Max.
— Devin está morto — eu revelei de uma vez. — Próxima
pergunta?
O queixo de Edwin despencou.
— Meu Deus do céu! Eu sinto muito, Jake! Eu não sabia — ele
lamentou e pareceu genuíno. — Eu sinto muito mesmo.
— Obrigado.
— Então você voltou por causa do Max?
Assenti, dando outro gole na minha cerveja.
Edwin soltou o ar pela boca como quem dizia que eu estava
enfrentando uma barra e tanto. Ele não fazia ideia.
— Caramba, Jake. E como ele está?
— Mal, mas tem aguentado firme na maior parte do tempo.
— Porra. Eu sinto muito pela sua perda, Jake. Eu sei o quanto você
amava o Devin.
— É.
Pelos próximos dez minutos, Edwin e eu bebemos em silêncio e,
para ser sincero, eu gostei da companhia dele mais do que esperava. Era bom
simplesmente saber que alguém estava ali, sabe?
— Eu me casei — Edwin disse de repente, quebrando o silêncio
confortável em que estávamos envolvidos.
— Deixe-me adivinhar... Com a Katelyn?
Edwin abriu um sorriso me dando a confirmação que eu não
precisava. Katelyn era a namorada de Edwin na época da escola e eu me
lembrava muito bem do quanto ele era completamente maluco por aquela
garota. Katelyn e eu nunca fomos muito próximos, mas ela era legal, eu é
que nunca havia sido bom em deixar as pessoas se aproximarem de mim.
— Fazem quase cinco maravilhosos anos — ele contou e juro por
Deus que ele estava suspirando.
— Que bom. Fico feliz por vocês. Vocês combinam.
— A gente combina mesmo, não é? — Ele suspirou de novo e eu
estava prestes a bater nele. — Enfim... Daqui duas semanas nós
completaremos mais um aniversário de casamento e vamos dar uma festa lá
em casa, talvez você e Max devessem aparecer. Sei que a Kate ficaria feliz
em te ver e vai ter pula-pula para as crianças, então o Max também poderá se
divertir.
A ideia de ir a uma festa não me parecia muito agradável, mas
talvez fosse bom para o Max. Talvez acabasse sendo bom para mim também,
embora eu duvidasse fortemente disso.
— É, talvez eu apareça por lá com o Maxon.
Edwin assentiu, animado.
— E você pode levar uma acompanhante, se quiser. Uma
namorada. Talvez uma esposa?
Tive vontade de rir.
— Seremos só eu e o Maxon, Edwin. Nem todos são românticos
incuráveis como você — provoquei e levei a garrafa de cerveja até os meus
lábios mais uma vez.
Edwin deu de ombros.
— Você não sabe o que está perdendo, cara. É fantástico estar
casado.
— Aposto que sim — ironizei.
— Coloca o número do seu celular aqui — ele pediu, colocando o
seu celular em cima do balcão e ignorando completamente a minha ironia.
— Assim eu posso te passar o endereço.
Uma parte de mim achava que não era uma boa ideia estreitar esse
laço, mas Edwin era um bom amigo na época da escola e talvez eu estivesse
precisando de um amigo e só fosse teimoso pra caralho para admitir para o
mundo. Então, cedi e coloquei meu número no celular dele.
— Legal.
Terminei minha cerveja e me levantei da cadeira.
— Eu preciso ir. Preciso buscar o Maxon na escola daqui a pouco.
— Claro, claro. — Edwin sorriu. — A gente se fala, eu te mando
mensagem. Foi realmente muito bom te ver, Jake. Fico feliz que esteja bem.
“Bem” não era um estado que me definia, mas fiquei quieto.
— Foi bom te ver também, Edwin. A gente se fala.
Edwin me deu mais um dos seus sorrisos brilhantes antes que eu
fosse embora.
Fiquei rodando pela cidade enquanto esperava a hora de buscar
Maxon. Bayshore não havia mudado em nada desde a última vez que eu
estive ali. Ainda parecia a mesma cidadezinha acolhedora com moradores
que não correspondiam com a vibe de acolhimento. Pelo menos não quando
eu e Devin éramos o assunto. Meu ressentimento era tangível e até cheguei a
pensar em pegar Maxon e sumir daquela cidade, mas ao mesmo tempo que
aquele lugar me trazia memórias difíceis, também era o lugar onde eu e
Devin construímos todas as nossas, e eu estava me agarrando a qualquer
coisa que pudesse me lembrar do meu irmão. Eu tinha medo de que um dia
me esquecesse dele, de como a sua voz soava quando estava irritado ou feliz
ou quando estava apenas pegando no meu pé; tinha medo de esquecer a sua
risada ou como ele era, embora Maxon parecesse uma cópia fiel do pai. Eu
tinha medo de não conseguir honrar o meu irmão como ele merecia.
Eu queria que Devin pudesse aparecer só por alguns minutos, só
para me dizer o que eu estava fazendo de errado e me direcionar para o
caminho certo, como fez a vida toda. Eu me sentia perdido sem ele para me
orientar. Mas aí estava a coisa sobre a morte: todos os conselhos que a sua
pessoa amada pode ter lhe dado sobre a vida são insuficientes quando eles
não estão mais lá para continuar te aconselhando, quando você é privado não
só de vê-los, mas também de ouvi-los, e tudo o que resta é um vazio no seu
coração, onde aquela pessoa costumava estar. E você passa boa parte do seu
tempo pensando se o que está fazendo com a sua vida está orgulhando-os de
alguma forma. Eu tinha medo de que Devin não estivesse orgulhoso de mim.
Quando chegou a hora de buscar Maxon, eu tomei o caminho até a
escola e estacionei no meio-fio da calçada, esperando vê-lo sair. Tamborilei
meus dedos no volante e fiquei tão concentrado em meus próprios
pensamentos que levei um susto quando ouvi a porta do carro se abrindo.
Maxon jogou sua mochila do super-homem no banco de trás e subiu no
carro, sentando-se na sua cadeirinha.
— Oi, tio Jake.
— Oi. Como foi a escola? — eu quis saber.
— A senhorita Blake nos colocou em duplas hoje. Foi legal. Acho
que posso ter feito um amigo.
Tive vontade de sorrir com isso.
— É mesmo?
Maxon confirmou com a cabeça.
— Talvez amanhã ele não se lembre que foi meu amigo hoje, mas
foi legal ter um amigo por um dia.
A vontade de sorrir que senti segundos atrás? Sumiu.
Saí do carro para ajudar Maxon com o cinto de segurança e no
instante em que voltei a me virar para frente, encontrei Elena Blake olhando
para nós com o seu sorriso de sempre no rosto. Aquela mulher nunca se
cansava de sorrir o tempo todo?
— Eu já volto, Maxon.
Meu sobrinho assentiu e eu fechei a porta do carro.
Caminhei até a mulher sorridente e os olhos castanhos dela
permaneceram fixos no meu rosto enquanto eu me aproximava. Elena não
tinha medo de mim, mas eu podia perceber que era cautelosa na maior parte
do tempo. E eu sabia que a deixava nervosa porque ela não sabia o que
esperar de mim. Era melhor que fosse assim.
— Sr. Hyder — ela me cumprimentou educadamente.
— Senhorita — eu devolvi. — Maxon me contou que fez um
amigo hoje, que você os colocou para trabalhar em duplas...
Ela confirmou com a cabeça.
— As crianças adoram.
— Como você sabe, eu e Maxon estamos nos conhecendo ainda,
tentando nos entender e pelo que pude perceber, e como a senhorita mesma
pontuou hoje mais cedo, Maxon é um garoto tímido. Eu acho que lidar com
muitas crianças ao mesmo tempo é o que o deixa hesitante de se aproximar.
Então... Bom, eu não quero me meter no seu trabalho, mas eu poderia sugerir
que a senhorita o colocasse para trabalhar em duplas mais vezes? Acho que
se ele lidar com uma criança de cada vez, talvez tenha uma chance de fazer
amigos.
O sorriso que Elena abriu para mim naquele momento me deixou
paralisado. Seus olhos começaram a brilhar de uma forma que era
impossível ignorar e ela parecia exalar felicidade. Eu já havia tido a minha
cota de empolgação diária com Edwin, mas de repente me peguei querendo
sentir um pouco mais da luz que aquela mulher irradiava.
— Claro — ela disse, animada. — Claro que posso fazer isso.
Acho que o senhor tem razão. Faz sentido.
Eu engoli em seco, não sabendo como lidar com a animação dela e
não querendo ser áspero mais uma vez.
— Certo. Obrigado.
Quando eu me virei para ir embora, a voz dela me impediu.
— Senhor Hyder!
Olhei para ela.
— A escola fará uma celebração para o dia das mães na semana
que vem. O Maxon fez um cartão e as crianças farão uma apresentação. Eu
sei que... a mãe do Max não está mais entre nós, mas eu acho que seria bom
que ele participasse e que o senhor viesse, afinal o papel é meio que seu
agora. — Ela sorriu docemente. — Há outras crianças que serão
acompanhadas pelos pais ou pelos avós, então o senhor não será o único a
desempenhar o papel de mãe nesse dia.
— Quando vai ser? — perguntei sem titubear. Se fosse bom para o
Maxon que eu comparecesse nessa apresentação, eu compareceria.
Elena sorriu, esperançosa.
— Na sexta-feira que vem, às três da tarde.
Assenti.
— Estarei aqui.
— Ah que bom. Que ótimo, na verdade. — Ela juntou as mãos em
frente ao corpo, entrelaçando os dedos, e eu podia jurar que ela estava
prestes a dar pulinhos de alegria. — Bom, se isso for tudo...
— Isso é tudo.
Ela deu um aceno rápido com a cabeça, mas o sorriso nunca
deixava os seus lábios rosados.
— Bem, então tenha um bom dia, Sr. Hyder.
— A senhorita também.
Dei as costas para ela e voltei para o carro. Do lado de fora, Elena
acenou para o Maxon, e meu sobrinho retribuiu com a mesma empolgação.
E não deixei de notar que Maxon só sorria quando Elena estava por perto.
Capítulo 7

Eu estava deitada na minha cama relaxando depois de algumas horas


fazendo a programação para as próximas aulas. Incluí todas as atividades em
dupla das quais eu pude pensar e que pudessem ajudar o Max a socializar
melhor com as outras crianças. Ele se saiu muito bem trabalhando junto com
Ron hoje e vê-lo sorrindo e conversando com outro garotinho fez o meu
coração transbordar de alegria. E ainda teve a conversa altamente civilizada
que tive com o tio dele. Eu realmente não estava esperando que Jake Hyder
me pedisse desculpas, mas fiquei feliz que ele o fez e que eu pude fazer o
mesmo. Pelo Max.
Era incrível o poder que as crianças tinham sobre os adultos sem
nem se darem conta.
Além disso, eu nunca estive tão feliz em aparentemente estar
errada sobre alguém. Pelo comportamento de Jake hoje, finalmente foi
possível perceber que ele se importava sim com o sobrinho, e muito, ele só
tinha um jeito muito ruim de demonstrar. Mas eu o entendia. Jake Hyder era
um oficial da marinha dos Estados Unidos, não dava para esperar que ele
vomitasse arco-íris ou algo assim. No entanto, se Max soubesse o quanto seu
tio se importava com ele, eu estava tranquila em ter de lidar com o jeito rude
de Jake.
— Se você está assim sonhando acordada quer dizer que o dia de
hoje não foi tão brutal quanto o de ontem — analisou Taylor, aparecendo na
porta do meu quarto e encostando o seu corpo no batente.
— Parece que o tio-babaca não é tão babaca assim.
— Não brinca! O que te fez chegar nessa conclusão? — minha
melhor amiga perguntou, entrando no meu quarto e deitando-se ao meu lado
na cama.
— Ele me pediu desculpas pelo seu comportamento ontem e se
mostrou realmente preocupado com o sobrinho — contei, feliz da vida. — E
o Max também parecia mais feliz na escola hoje, então... progressos.
— Isso é ótimo, porque eu estava prestes a encontrar esse cara e
falar umas verdades na cara dele.
Eu dei risada.
— Está aí uma coisa que eu gostaria de ver.
Taylor mostrou a língua para mim.
— Eu só passei aqui para ver como você estava. Estou de saída.
Boyce vai me levar para jantar. — Taylor abriu um enorme sorriso. Ela e
Boyce namoravam desde a faculdade e não havia casal mais meigo do que
eles. — Quer que eu traga alguma coisa do restaurante para você?
— Não, não. Eu já estou indo dormir, estou exausta. Divirta-se.
— Eu irei — ela respondeu, maliciosamente.
Taylor lançou um beijo para mim e disparou para fora da nossa
casa em uma euforia que era típica da minha melhor amiga. Eu só esperava
não ser acordada no meio da noite pelos gemidos deles.
Nem dez minutos depois que Taylor saiu, escutei o som da
campainha reverberar pela casa. Meu sono ainda estava longe de dar as
caras, então não foi um sacrifício tão grande largar o livro que estava lendo e
arrastar meu corpo para fora da cama. Quando eu estava prestes a tocar a
chave para destrancar a porta, uma batida violenta me fez dar um pulo,
assustada. Meu coração disparou dentro do peito, porque eu reconhecia a
força e a cadência daquela batida como ninguém. Aproximei meu rosto do
olho-mágico apenas para confirmar, embora eu tivesse certeza de quem
estava do outro lado da porta.
— Elena, abra a porta, eu sei que você está em casa!
Tampei minha boca com as duas mãos para silenciar a minha
respiração ofegante.
Outra batida forte na porta me fez dar alguns passos para trás,
como se a porta pudesse ser arremessada contra mim pela força com a qual
Jimmy batia.
— Elena, eu não vou embora enquanto você não abrir a porta —
ele disse, e eu sabia que meu ex-marido não estava blefando. — Abre essa
porta, porra!
Continuei dando passos para trás, tomando todo o cuidado do
mundo para não esbarrar em alguma coisa que fizesse barulho e denunciasse
a minha presença em casa. Talvez se ele realmente acreditasse que eu não
estava, ele iria embora. Voltei para o meu quarto, fechei a porta com toda a
sutileza e a tranquei. Subi em cima da minha cama e abracei minhas próprias
pernas enquanto ouvia Jimmy esmurrar a porta da frente e chamar por mim.
Depois de quase sete meses de divórcio, ele ainda não havia
conseguido seguir em frente. Na maior parte do tempo, quando nos
encontrávamos, até era possível ter uma conversa civilizada com ele, embora
sempre que estivesse por perto, meu corpo ficasse tenso a ponto de eu sentir
os músculos doerem. Mas quando ele estava alterado desse jeito... Jimmy era
alcóolatra. Nós nos conhecemos na faculdade, nos apaixonamos e nos
casamos. Foi um conto de fadas, mas durou pouco. Depois que Jimmy
perdeu a mãe em um trágico acidente de carro e o emprego com menos de
um mês de diferença entre um acontecimento e outro, ele se perdeu. Jimmy
já era difícil de lidar, então tudo piorou muito. Eu tentei ajudá-lo, mas ele
não permitia que eu me aproximasse demais — emocionalmente falando.
Meu ex-marido se fechou em um casulo e recorreu à bebida como seu bote
salva-vidas. Fomos casados por três anos, mas o último foi um verdadeiro
inferno.
Não há formas de ajudar uma pessoa que não quer ser ajudada.
Quando ele me bateu a primeira vez, depois de chegar em casa
completamente fora de si de tanto que havia bebido, eu perdoei porque eu
acreditava que Jimmy não era uma pessoa ruim. Eu acreditava nisso com
todo o meu coração. Mas quando aconteceu de novo, eu sabia que estava a
um passo de cair em uma armadilha, onde ele pediria perdão e eu tentaria me
convencer de que ele ainda era o homem por quem me apaixonei, mas ele já
não era mais aquele cara. Então, eu pedi o divórcio e sei que Jimmy só
concordou porque, quando ficou sóbrio, olhar o olho roxo, meu ombro
deslocado e os outros hematomas que ele havia me dado o fizeram se sentir
péssimo. Você merece alguém melhor do que eu, Ellie, ele me dissera no dia
em que assinamos os papéis.
É, eu merecia mesmo.
Mesmo que a maioria dos dias eu conseguisse passar sem que
Jimmy me aborrecesse, havia dias como aquele, quando ele bebia até perder
a noção do mundo a sua volta, que eu sentia medo de não conseguir tirá-lo
da minha vida de uma vez por todas. Eu tinha medo de viver para sempre
sendo perseguida e emboscada pelo meu ex-marido.
Permaneci em silêncio, ouvindo os gritos de Jimmy por quarenta e
seis minutos, precisamente. Ele acabou desistindo. Ou talvez tenha
desmaiado na frente da minha porta, como já havia acontecido outras vezes.
Muitas vezes, era Boyce, o namorado de Taylor, que lidava com Jimmy para
que eu não precisasse. Principalmente quando meu ex-marido estava naquele
estado. Mas Boyce não estava sempre por perto. Nem Taylor. E isso era o
que mais me aterrorizava.
Demorei mais três horas para conseguir relaxar o suficiente para
tentar pegar no sono. Eu sabia que estaria destruída no dia seguinte, mas
forcei meu corpo a relaxar e fechei meus olhos, rezando para que Jimmy
tivesse ido embora, para que eu não corresse o risco de dar de cara com ele
de manhã.
 

No dia seguinte, conforme um comunicado que eu havia anexado


na agenda dos meus alunos, nós fizemos um piquenique na sala de aula —
porque adivinhem, estava chovendo de novo, para a infelicidade dos
pequenos. Mas eu fiz funcionar, mesmo estando exausta por ter dormido só
três horas. Peguei uma enorme toalha quadriculada vermelha e branca e
coloquei no chão, no centro da sala, depois que meus alunos me ajudaram a
afastar todas as mesas para os cantos. Havia tanta comida que as crianças
não sabiam por onde começar a experimentar tudo. Eu mesma estava com
água na boca com alguns doces, porque eu era fissurada em sobremesas.
Qualquer tipo de sobremesa. Qualquer tipo de doce, ponto final. Me deixar
feliz era colocar doce na minha frente e me deixar comer até que eu não
aguentasse mais. No entanto, como uma mulher de vinte e seis anos, eu me
contive e deixei que meus alunos experimentassem tudo primeiro.
— Comam em cima da toalha, crianças — eu orientei. — Não
queremos sujar a sala inteira de comida, certo?
— Certo, senhorita Blake — elas responderam em uníssono.
Eu sorri. Eu amava demais o meu trabalho.
É verdade que às vezes era difícil lidar com tantas crianças
pequenas ao mesmo tempo, e mesmo que boa parte das pessoas acreditasse
que é preciso gritar para que as crianças te escutem, eu aprendi bem
rapidinho que essa teoria é inválida. Os pequenos tendem a não te ouvir se
você grita. Tudo o que eles escutam são gritos, mas não o que os gritos
dizem. Então eu adotei uma técnica. Sempre que eles estavam falando
demais, alto demais e eu sabia que a minha voz não seria alta o suficiente a
menos que eu gritasse, eu começava a bater palmas e ficava batendo palmas
até que eles começassem a bater palmas também e ficassem quietinhos. Essa
era a minha forma de chamar a atenção deles. Mas tirando toda essa parte
difícil de controlá-los e impedir que eles se machucassem, era extremamente
gratificante vê-los crescendo, aprendendo e saber que eu estava fazendo
parte da construção dos adultos que eles se tornariam um dia.
— Senhorita Blake! Senhorita Blake! — Ron começou a gritar,
chamando a minha atenção. — O Max está ficando roxo!
Automaticamente me levantei do lugar onde eu estava sentada no
chão e me aproximei de Ron e Max. Eles estavam sentados um do lado do
outro com um pratinho cheio de doces na frente de cada um deles. E Max
estava mesmo começando a ficar roxo.
— Max! — eu o chamei, preocupada. — Max, o que você comeu?
Meu desespero atingiu o limite quando eu percebi que Max não
estava conseguindo respirar.
— Amanda, vá até a sala do lado e chame a Sra. McCain! — eu
pedi para a minha aluna mais próxima. — Rápido, querida!
De canto de olho, vi quando Amanda saiu correndo para atender
ao meu pedido. Meus olhos voltaram sua atenção totalmente para o Max. Os
olhos dele começaram a ficar inchados e várias manchas vermelhas estavam
despontando em sua pele.
— Ron, o que ele comeu? O que ele estava comendo? — eu exigi
uma resposta do meu aluno.
— Ele estava comendo esse bolo — respondeu Ron,
choramingando por estar assustado e não entender o que estava acontecendo.
Peguei o pedaço de bolo do prato de Max e dei uma mordida. No
momento em que senti o gosto de nozes, meu coração disparou. Merda,
merda, merda.
— Tem nozes — eu disse para mim mesma. — Ele é alérgico a
nozes.
Sem pensar duas vezes, peguei o Max no colo. Ele estava mole e
os olhos não tinham foco nenhum. Quando me virei para a porta, vi a Sra.
McCain entrando correndo junto com Amanda.
— Ele comeu um bolo com nozes — eu expliquei rapidamente. —
Ele precisa de um médico, você pode ficar de olho nas minhas crianças, por
favor?
— Claro, querida — respondeu a Sra. McCain. — Vai!
Eu saí correndo da sala com Max no meu colo e o celular preso na
orelha enquanto ligava para a emergência. A diretora da escola, a Sra. Perri,
apareceu logo em seguida e ficou esperando pela ambulância comigo
enquanto ligava para o tio de Max para avisar que o menino estava a
caminho do hospital. A Sra. Perri autorizou que eu acompanhasse Max até
que Jake pudesse chegar até lá, e eu não pensei duas vezes antes de subir na
ambulância. Segurei a mãozinha de Max para que ele soubesse que eu estava
ali, mas tomei o cuidado de dar espaço para que o enfermeiro trabalhasse
para estabilizá-lo. Max parecia tão pequeno deitado naquela maca gigantesca
e meu coração apertou pela preocupação.
Graças a Deus não havia trânsito em Bayshore naquele horário e
nós fomos capazes de chegar no hospital muito depressa. Max foi levado
pelos médicos enquanto eu preenchia um documento com os dados que sabia
sobre ele e avisava a enfermeira que o responsável legal do paciente já devia
estar a caminho. Deus, eu não queria nem pensar no estado de nervos que
Jake Hyder chegaria naquele hospital. Era capaz que ele pusesse o edifício
abaixo se algo acontecesse com o Max.
Balancei a cabeça. Não. Eu não iria levar meus pensamentos para
esse lado. Tudo ficaria bem. Max foi atendido rapidamente e eu sabia que
isso contava para alguma coisa. Tudo ficaria bem.
Poucos minutos depois que o médico veio me avisar que Max
estava estável, vi Jake entrando na sala de espera como uma tempestade. Seu
corpo tremia ligeiramente e no momento que seus olhos verdes me
encontraram, ele disparou na minha direção. Seus olhos estavam
transtornados. Eu me levantei da cadeira imediatamente e fui até ele,
encontrando-o no meio do caminho.
— Sr. Hyder, oi, o...
— Cadê ele? — Jake exigiu saber, nervoso. Eu abri a boca para
responder, mas ele me interrompeu. — Que porra aconteceu? Ele está bem?
Os médicos disseram alguma coisa? — ele continuou disparando perguntas
sobre o bem-estar do Max sem deixar que eu sequer abrisse a boca para
falar. Ele estava completamente fora de si.
— Jake! — eu chamei, falando alto para que ele parasse, e segurei
os seus ombros.
Ele finalmente parou e olhou para mim.
— O quê?
— Respire.
Ele olhou para mim como se eu tivesse três cabeças, mas fez o que
eu disse. Puxou o ar com força e depois soltou pela boca.
— É isso aí. Mais uma vez.
E ele repetiu o processo.
— Muito bem. — Eu sorri. — Max está bem. Ele está dormindo e
o médico acabou de me dizer que ele está fora de perigo.
Jake simplesmente despencou em um dos bancos da sala de espera
e apoiou a cabeça nas mãos. Devagar, eu me sentei ao lado dele.
— O que aconteceu? — ele perguntou de novo, mais calmo.
— Como você sabe, nós tivemos um piquenique na sala de aula
hoje e Max acabou comendo um pedaço de bolo com nozes. Ele teve uma
reação alérgica — contei.
— Por que diabos ele faria isso? — ele indagou, confuso. — Ele
sabe que é alérgico.
— Eu acho que ele não sabia que aquele bolo tinha nozes até
comer. Foi um acidente — eu expliquei, tentando manter a calma. Alguém
precisava ter calma naquele momento, e eu sabia que não seria Jake. — Me
desculpe por não te ligar diretamente, mas eu só estava pensando em chegar
ao hospital com ele o mais rápido possível.
— Você agiu corretamente, não precisa se desculpar. E obrigado
— ele respondeu, parecendo exausto, depois passou as mãos pelos cabelos,
bagunçando todos os fios castanhos. — Eu não faço ideia de que porra eu
estou fazendo.
Como eu deveria consolar um homem como Jake? Ele havia me
pedido que não tocasse nele — o que eu meio que acabei de fazer quando o
segurei pelos ombros — e eu não acho que um contato, mesmo que fosse de
consolo, seria bem-vindo. Mas ele parecia tão... perdido. Meu coração mole
não aguentava olhar para ele, ver o desespero de que algo poderia ter
acontecido com o Max e não querer consolá-lo. Ser indiferente não fazia
parte da minha natureza.
— É uma situação muito nova ainda. Vocês dois estão se
adaptando, é normal que as coisas pareçam confusas agora. Mas... O Max é
uma criança muito inteligente, Sr. Hyder, apenas converse com ele. Faça
perguntas quando você não souber como agir, tente conhecê-lo. Max é um
garotinho que perdeu ambos os pais. Se para nós, adultos, isso é difícil de
aguentar, imagina como deve estar a cabecinha e o coraçãozinho dele. Ele só
precisa saber que você se importa. Apenas o deixe saber que você está lá por
ele.
Jake passou as mãos pelo rosto e olhou para mim. Seus olhos
procuraram pelos meus e meu coração pulou uma batida sem a minha
permissão.
— Você é muito gentil, muito doce — ele disse suavemente, e
percebi que eu estava segurando minha respiração. — Eu não sei como ser
assim, Elena. Meu irmão era o simpático de nós dois, era quem sabia tratar
as pessoas bem. Eu nunca fui bom em deixar que se aproximassem de mim.
Eu não sei como fazer isso.
Ouvir meu nome pela primeira vez na voz dele fez algo com o
meu coração. Ou talvez fosse o momento tenso que nos encontrávamos,
ambos preocupados com um garotinho que era muito especial para nós dois.
— A vida é muito curta para ser vivida sozinho, sr. Hyder.
Ele balançou a cabeça em uma negação.
— Você não entende. Quem eu sou... As coisas que eu fiz... — Ele
balançou a cabeça de novo, como se tentasse organizar os pensamentos. —
Max não precisa do que eu tenho para oferecer. Acredite em mim.
— Você é a única família que ele tem. Se não for você, quem será?
Ele não tem mais ninguém — eu disse, esperando que refletisse sobre aquilo.
Ele era a única pessoa que Max tinha na vida e aquele garotinho precisava
do tio dele mais do que Jake poderia começar a imaginar. — Eu consigo ver
o quanto ele é importante para você. Se você foi capaz de me fazer ver isso,
então você é capaz de fazer com que o Max saiba também. Ele não precisa
de muito, Jake. Ele só quer ser amado. Ele teve muito pouco disso porque a
vida está constantemente tirando as pessoas que ele mais ama. Não seja mais
uma pessoa a ir embora.
Jake abriu a boca para responder, mas o médico apareceu
novamente para nos contar que Max estava acordado. Eu quis correr até lá
para ver com meus próprios olhos que Max estava bem, mas me mantive no
lugar. Não era o meu papel. Jake é quem deveria ir, era dele que o Max
precisava.
— Obrigado — Jake disse para mim, ligeiramente mais calmo
agora.
— Não por isso, Sr. Hyder. — Sorri.
— Jake — ele corrigiu. — Por favor, me chame de Jake.
— Desde que você me chame de Elena.
A sombra de um sorriso despontou em seus lábios, mas foi tão
rápido que eu posso ter imaginado a coisa toda.
— Elena — ele repetiu.
E sem mais uma palavra, Jake seguiu o médico e não olhou para
trás.
Capítulo 8

Quando entrei no quarto onde Maxon estava, olhei para o meu sobrinho
e tive a confirmação de que ele estava mesmo bem, senti como se um peso
houvesse deixado os meus ombros. Ele estava vivo, respirando e seus olhos
castanhos olhavam para mim com atenção.
O médico começou a explicar o que eles haviam feito para frear a
reação alérgica e ele me afirmou que Maxon ficaria bem, antes de nos deixar
sozinhos no quarto. Quando meus olhos encontram o meu sobrinho
novamente, Maxon murchou, escolhendo-se na cama como se estivesse
envergonhado do que aconteceu ou com medo de como eu iria reagir.
— Maxon...
— Me desculpa — ele murmurou, choramingando.
Suspirei. Eu poderia ficar bravo com ele por não ter prestado mais
atenção, mas a verdade é que eu só estava aliviado que ele estava bem. Mas
como o próprio Maxon — e Elena também — já havia pontuado, eu tinha
um jeito merda de demonstrar que me importava.
— Você me deu um baita susto — eu confessei, puxando a cadeira
que estava no canto do quarto e me sentando próximo à cama dele.
— Eu dei?
A surpresa em sua voz só me confirmou o quanto eu estava
fazendo um péssimo trabalho com ele. E eu odiava fracassar. Odiava saber
que estava fracassando e não sabia como mudar isso. Odiava olhar para ele e
saber que Maxon não fazia a menor ideia do impostor filho da puta que eu
era. Talvez parte de mim se esforçasse dia e noite para me manter longe dele
porque era eu quem tinha medo da reação dele quando descobrisse o que
aconteceu. Maxon me odiaria e eu também perderia a última parte de Devin
que ficou comigo; perderia a única família que ainda restava no mundo para
mim.
Com um suspiro pesado, eu apoiei meus cotovelos na cama de
Maxon e olhei fixamente para o meu sobrinho.
— Olha, eu sei que eu não sou o que você esperava e você é
inteligente o suficiente para saber que eu não levo o menor jeito com
crianças. Não sei que merda eu estou fazendo, Maxon.
Meu sobrinho abriu um pequeno sorriso.
— Você deveria começar não falando “merda” na minha frente.
Merda.
— Bem pensado. — Eu limpei a garganta. — Enfim, eu não sei ser
carinhoso, Max. Não é da minha natureza. Mas... mas eu quero que você
saiba que eu me importo com você. Você é a minha família, meu sangue, e
eu morreria antes de deixar que algo ruim acontecesse a você, você está me
entendendo?
Seus olhos castanhos encheram-se de lágrimas quando ele
confirmou com a cabeça.
Ele só precisa saber que você se importa. Apenas o deixe saber
que você está lá por ele.
As palavras de Elena voltaram à minha mente. Maxon só precisava
ouvir de mim e eu provavelmente não diria nada a ele se esse incidente com
as nozes não tivesse acontecido. Pensei que ele entendesse que só o fato de
eu deixar a marinha para cuidar dele era sinal o suficiente de que eu me
importava. Caralho, eu estava tão errado. O tempo todo. Eu estava errado
sobre tudo.
— Maxon, eu sou duro com você porque esse é o único jeito que
eu sei ser, não é nada com você. Entendido?
— Sim, tio Jake. — Ele fungou, secando os olhinhos com as
costas das mãos pequenas. — Eu entendi.
— Ótimo. De agora em diante, você sempre deve perguntar se
uma comida tem nozes antes de comer, principalmente se for doce — eu o
instruí. — Não me dê outro susto desses, Maxon.
Ele sorriu diante da minha aspereza.
— Não vou, prometo.
— Bom.
Maxon ficou em observação mais algumas horas para ter certeza
de que estava tudo bem. Quando finalmente recebeu alta, depois das onze
horas da noite, o clima estava consideravelmente mais frio. Bayshore era
uma cidade litorânea, então as noites tendiam a ser um pouco mais frias que
o dia, por conta da brisa que soprava do mar. Eu estava prestes a pedir que
Maxon me esperasse no saguão do hospital, enquanto eu buscava a sua blusa
de frio no carro, quando vi Elena. Ela estava encolhida em uma poltrona no
saguão e parecia estar cochilando.
O que ela ainda estava fazendo aqui?
— Senhorita Blake — Maxon gritou e tentou girar as rodas de sua
cadeira de rodas para chegar até a sua professora.
Elena se sobressaltou, abrindo os olhos, claramente confusa pela
sonolência, mas no instante em que seus olhos encontraram o Maxon, ela
abriu um sorriso radiante para o meu sobrinho.
— Ah, graças a Deus! — Ela suspirou aliviada, colocando a mão
sobre o peito e sorrindo. — Você está bem, querido? Como está se sentindo?
— Estou bem — Maxon respondeu com um sorriso. Ele sempre
sorria assim quando ela estava por perto. — O que a senhorita está fazendo
aqui?
Essa era uma excelente pergunta, para a qual eu estava ansioso
para saber a resposta.
Elena olhou rapidamente para mim antes de voltar a sua atenção
para o Maxon.
— Ora, eu queria saber se você estava bem. Eu estava preocupada
com você, pequeno. — Ela fez um carinho no cabelo de Maxon como
sempre fazia quando conversava com ele. Então ela olhou de novo para
mim. — Ele está bem? Desculpe se estou sendo enxerida de novo, eu só... eu
só estava preocupada com ele. Não conseguiria dormir se não visse com
meus próprios olhos que ele está bem.
— Eu agradeço a sua preocupação. Ele está bem, tudo sob
controle.
Elena assentiu.
— Que ótimo. Isso é um alívio. — Ela sorriu. Talvez eu estivesse
começando a entender por que as pessoas sorriam tanto quando estavam
perto dela. Ela tinha um sorriso bonito. — Eu acho melhor eu ir agora,
porque... — Ela se interrompeu e seus olhos se arregalaram em puro terror.
— Ah meu Deus!
— O quê? — perguntei, confuso.
— A escola já fechou.
— Há algumas horas, sim.
— Eu deixei a minha bolsa lá. — Ela bateu a mão na testa como se
não pudesse acreditar na própria estupidez. — A chave do meu carro, da
minha casa, meus documentos, meu celular... Está tudo lá dentro.
Cace...ramba! Caramba! — Ela engoliu o palavrão quando olhou para o
Maxon. Não sei por que, mas saber que ela também xingava me deu vontade
de sorrir. — Você pode me emprestar o seu telefone?
Puxei meu celular de dentro do bolso frontal da minha calça jeans
e entreguei para ela. Elena discou um número rapidamente e levou o celular
à orelha enquanto roía uma unha, claramente nervosa se a pessoa para quem
ela estava ligando a atenderia. Talvez fosse o namorado dela.
— Alô? Taylor? — ela disse, aliviada. — Eu sei, me desculpa, eu
deixei o meu celular na escola. Tive uma emergência com um aluno, estou
no hospital. — Pausa. — Sim, ele está bem sim. — Elena sorriu e piscou
para o Maxon. — Eu só queria saber se você estava em casa porque eu estou
sem chave. — Outra pausa. — Certo. Chego em alguns minutos. Beijos.
Taylor era um nome unissex, o que significava que sim, poderia
ser um namorado, mas também poderia ser uma amiga com quem Elena
dividia uma casa... Por que diabos isso importava?
— Quer uma carona? — me peguei perguntando.
O problema com a palavra é que uma vez dita, não tem como você
engoli-las de volta e fingir que elas nunca existiram, embora essa fosse a
minha vontade naquele momento. No entanto, Elena estava sem sua bolsa
porque escolheu ficar até tarde no hospital para ter notícias de Maxon. O
mínimo que eu poderia fazer era dar uma carona a ela até a sua casa.
— Não, não, eu não quero incomodar. Eu posso pegar um táxi.
— Você não tem dinheiro com você, tem? — desafiei, erguendo
uma sobrancelha enquanto a encarava.
Os ombros dela despencaram em derrota quando a verdade a
atingiu.
— Não — ela choramingou.
— Eu poderia até te dar algum dinheiro, mas está tarde. Não é
seguro uma mulher andar sozinha à noite.
Ela sorriu.
— Estamos em Bayshore. A taxa de criminalidade aqui é baixa.
— Mas não é nula — rebati. — Apenas aceite a carona, Elena.
Como agradecimento por ter pensado rápido para ajudar o Maxon.
— Aceita, senhorita Blake — pediu Maxon, e isso bastou para que
ela cedesse.
— Como se eu conseguisse dizer não para você, mocinho. — Ela
sorriu para ele. — Tudo bem, eu aceito a carona. Obrigada.
Dei um curto aceno de cabeça e pedi que Elena ficasse com
Maxon no saguão enquanto eu pegava a blusa de frio dele dentro do carro. E
foi só quando já estávamos dentro do veículo que me dei conta de que Elena
estava vestindo uma blusa de alcinhas. Ela se esforçava bastante para não
tremer de frio. Mesmo com as janelas fechadas, ainda estava frio para
alguém que estava vestindo o que ela estava vestindo. Estiquei meu corpo
para alcançar o banco traseiro, enquanto segurava o volante com uma mão
só, e peguei uma blusa minha que eu sempre deixava de emergência dentro
do carro.
— Aqui — eu disse, oferecendo a blusa para Elena. — Vista isso.
— Ah, não, não precisa, Jake. Eu estou bem.
Precisei lutar contra o desejo de revirar os olhos.
Ah tá.
— Eu tenho certeza de que o seu namorado não vai se importar de
você vestir a blusa de frio de outro homem se isso significar que você não
ficará doente — argumentei.
Elena olhou para mim como se não fizesse ideia do que eu estava
falando.
— Namorado? Que namorado?
De repente, me senti idiota. Eu estava sendo idiota, eu sabia. Por
que eu tinha que tocar no assunto?
— Taylor — esclareci.
— Aaaaaaaaah! — Ela deu uma risadinha. — Taylor é uma
garota. Ela é minha melhor amiga desde a época da escola.
Entenderam o que eu quis dizer? Idiota. Eu sabia que deixar de ser
lacônico era uma péssima ideia.
— E eu não tenho namorado — Elena acrescentou alguns
segundos depois.
Eu olhei rapidamente para ela e seu corpo estremeceu de frio mais
uma vez. É isso. Eu iria eu mesmo vestir a droga da blusa nela, se Elena não
a aceitasse de boa vontade.
— Você pode apenas vestir a blusa, por favor? — eu pedi,
impaciente.
Elena finalmente aceitou a blusa e a vestiu. Ela era uma mulher
razoavelmente alta, mas ainda foi capaz de sumir dentro do tecido.
— Obrigado — eu disse. Não queria ter que dirigir o caminho todo
com aquela mulher tremendo de frio do meu lado.
Depois de alguns minutos de silêncio, consegui ouvir a respiração
pesada de Maxon e, olhando pelo retrovisor, constatei que ele havia pegado
no sono. Havia sido um longo dia. Normalmente, nesse horário, ele já estava
na cama há muito tempo.
Elena foi me orientando sobre que caminho tomar até a sua casa e
depois de vinte minutos, estacionei o meu carro na frente de uma pequena
casa cinza. Desliguei o carro e o silêncio nos envolveu, mas não era
desagradável, era quase como se nenhum de nós quisesse se despedir, o que
era estranho porque eu não via a hora daquele dia acabar. Eu estava exausto.
Emocionalmente exausto.
— Obrigada pela carona — Elena finalmente agradeceu,
quebrando o silêncio.
— Não por isso.
Ela mordeu o lábio inferior e meus olhos acompanharam o
movimento involuntariamente. Ela até que era bonita quando não estava se
intrometendo na minha vida.
— Você é bom com ele, Jake — ela disse, suavemente. — Não
seja tão duro consigo mesmo. Cuidar de uma criança é difícil,
principalmente se você nunca teve contato com uma. Mas... eu acho que
vocês dois vão ficar bem.
— Você também é boa com ele. Ele te adora.
Elena sorriu ao olhar para o banco de trás para dar uma olhadinha
em Maxon.
— Eu também o adoro.
Quando ela olhou novamente para mim, senti como se seus olhos
estivessem me prendendo. O silêncio caiu sobre nós novamente e enquanto o
seu olhar me esquadrinhava, eu me perdia nos detalhes do rosto dela. Na
forma como seus lábios tinham o formato de um coração, como as maçãs do
rosto eram levemente rosadas, como os cachos do seu cabelo dourado
comprido pareciam selvagens de uma maneira que não combinava muito
com a personalidade que eu conhecia dela, mas que ao mesmo tempo
combinava tanto com o rosto dela.
— Eu deveria ir — ela sussurrou, me libertando do feitiço.
Pigarreei e ajeitei a minha postura no banco.
— É — concordei. Eu precisava dela fora do meu carro antes de
ser arrancado de mim mesmo pelos seus olhos. — Boa noite, Elena.
— Boa noite, Jake.
Antes de sair, Elena tirou a minha blusa, devolvendo-a para mim
com um sorriso de agradecimento. Então, ela abriu a porta e a fechou com
cuidado para não acordar o Maxon, e eu fiquei com o carro parado ali até vê-
la entrando em casa. Depois fiquei mais alguns minutos para colocar a
minha cabeça no lugar antes de começar a dirigir de novo.
Mas que porra?
Quem era aquela mulher? E como eu pude deixar de achá-la
enxerida para começar a achá-la atraente tão rápido?
Jesus.
Passei as mãos pelo meu rosto e baguncei os fios do meu cabelo,
completamente perdido sobre o que fazer com as emoções que esse dia me
despertou. Talvez eu só estivesse cansado demais, imaginando coisas onde
não havia nada. Eu só precisava me deitar um pouco, mesmo que não fosse
de fato dormir.
— Você deveria chamá-la para sair. — A voz de Maxon cortou o
silêncio de repente.
— Puta que pariu! — eu exclamei, levando um puta susto. —
Maxon! Jesus Cristo! Eu pensei que você estava dormindo!
Meu sobrinho deu uma leve risadinha.
— Não. Estou bem acordado.
Balancei a cabeça, indignado, e liguei o carro, pegando o caminho
para casa.
Criança maluca.
— Não faça isso de novo — eu o alertei, preocupado com as
reações que um susto poderia despertar em mim. — Não me assuste desse
jeito!
— Desculpe — ele murmurou.
Suspirei, exausto. Quando eu achava que podíamos estar
evoluindo, eu conseguia estragar tudo sendo ríspido com ele de novo.
— A senhorita Blake é muito legal — ele começou. E eu não sei o
que esse garoto estava achando que era para querer bancar o cupido comigo
a essa altura do campeonato. — E ela é muito bonita também.
Eu arqueei uma sobrancelha.
— O que é que você entende sobre isso, garoto?
Maxon deu de ombros.
— Eu sou criança, mas não sou bobo, tio Jake.
O que foi que o Devin ensinou para ele nas vezes em que voltou
para casa para vê-lo? Dai-me paciência.
— Volte a dormir, Maxon.
Ele resmungou alguma coisa ininteligível e eu decidi ignorá-lo.
Era só o que me faltava, meu sobrinho de cinco anos me dando conselhos
amorosos. Eu tinha mesmo chegado na porra do fundo do poço.
Quando chegamos em casa, praticamente precisei escovar os
dentes de Maxon por ele, pois o cansaço e o estresse do dia começaram a
cobrar o seu preço. Ele mal estava sendo capaz de manter os olhos abertos.
Também o ajudei a trocar de roupa e o coloquei na cama. Maxon adormeceu
no segundo em que seu corpo foi abraçado pelo colchão. E naquele instante,
eu o invejei, pois eu nunca poderia dormir com aquela facilidade ou com
aquela tranquilidade enquanto estivesse vivo. Meus demônios estavam lá,
olhando de volta para mim quando minhas pálpebras se fechavam.
 
Dois dias depois do incidente com as nozes, Maxon e eu
começamos a nos entender um pouco melhor. Ele não parecia mais tão
absurdamente triste, embora eu ainda conseguisse ver a tristeza espreitando
seus olhos castanhos vez ou outra.
Não estar triste o tempo todo não significa estar feliz também.
No sábado de manhã, o primeiro final de semana que Maxon e eu
tivemos juntos, sem escola, sem nada para ocupar o nosso tempo, meu
sobrinho sugeriu que nós fôssemos até um parque de diversões que ficava à
beira-mar. Tentei inutilmente disfarçar a minha careta com a sugestão, pois
eu odiava lugares muito cheios, mas Maxon precisava de motivos para dar
risada, então eu engoli a minha insatisfação e levei o meu sobrinho até o
maldito parque.
Juro por Deus que os olhos castanhos de Maxon brilharam mais
que as estrelas quando eu parei o carro no estacionamento.
— Podemos andar na montanha-russa? — Maxon perguntou,
animado, enquanto olhava os brinquedos de longe com fascínio.
— Eu acho que você não tem idade e nem tamanho o suficiente
para isso.
Maxon murchou.
— Mas eu sou corajoso — ele respondeu, estufando o peito, o que
quase me fez rir.
— Eu não duvido disso, mas são regras, Maxon. E nós precisamos
obedecer às regras — expliquei. — E por falar nisso, você tem que ficar
perto de mim o tempo todo, entendeu? Esse lugar é cheio e não quero perder
você de vista.
Ele confirmou com a cabeça e segurou a minha mão como quem
diz que estava pronto para se divertir, mas também para obedecer. Eu
congelei com a sua mãozinha pequena na minha. Nós ainda não havíamos
tido nenhum tipo de interação física, então levei alguns longos segundos
para absorver aquele pequeno contato. Nos últimos dias, eu senti que Maxon
estava mais próximo e o medo que enxerguei em seus olhos em alguns
momentos — medo direcionado a mim — já não existia mais.
— Tudo bem, tio Jake? — ele perguntou, levantando os olhos para
analisar o meu rosto.
Assenti.
— Tudo bem.
Ele assentiu também e nos aproximamos da entrada do parque.
Comprei os ingressos na bilheteria e Maxon pediu um algodão-doce no
instante em que colocou seus pés no parque. Sua segunda solicitação foi um
urso de pelúcia do Coragem, O Cão Covarde. Maxon era louco por aquele
desenho esquisito. Por que diabos o nome do cachorro era Coragem se ele
era covarde?
— Eu quero, tio Jake! — ele disse, pulando e apontando para a
pelúcia do Coragem. — Eu quero o Coragem!
Dei uma nota para o rapaz da barraca de tiro ao alvo e me sentei na
cadeirinha em frente à arma de brinquedo. Eu estava cem por cento certo de
que aquilo seria mamão com açúcar para mim, afinal de contas minha mira
era excelente, mas no instante em que meu dedo encostou no gatilho da
arma, minha mente foi transportada para um lugar bem diferente daquele,
onde os gritos que eu escutava não eram de animação e felicidade, mas de
dor e desespero.
— Alvo na mira — informei.
Eu ouvi as coordenadas e movimentei o meu fuzil enquanto
bloqueava os sons ao meu redor. E então era somente eu, a arma e meu
alvo. O que era o acréscimo de mais uma vida na pilha daquelas que eu já
havia tirado? E naquele momento eu me lembrei de algo que a minha mãe
costumava dizer antes de ela se perder completamente na bebida.
“Quem somos nós para decidir se alguém vive ou morre? Não
somos Deus. Esse não é o nosso trabalho. Não temos o direito de tirar a vida
de outra pessoa.”
Era o que ela dizia quando via os noticiários falarem sobre a
guerra ou algum caso de homicídio. Ela era uma mulher religiosa, temente
a Deus, mas talvez ela tenha amado o meu pai mais do que amava a Deus,
pois quando ela descobriu que ele a estava traindo, isso a destruiu. E de
repente a bebida havia se tornado a sua melhor amiga de todas.
— Atire — a ordem me foi dada.
Eu mirei, verifiquei. Eu tinha que ter certeza. E eu tive.
Puxei o gatilho.
Pisquei e rapidamente me afastei da arma de brinquedo, quase
como se ela tivesse me queimado. Desorientado, dei alguns passos para trás,
querendo ganhar espaço do objeto que eu costumava conhecer como uma
extensão do meu próprio corpo, mas que naquele momento parecia ser o
próprio diabo. O parque de diversão se transformou bem diante dos meus
olhos. Eu estava perdendo a cabeça. Eu conseguia sentir. Eu sabia que estava
me perdendo dentro dos horrores que habitavam a minha cabeça. Eu estava
sendo sugado para a espiral de pânico que tantas vezes antes havia me
agarrado, sem que eu tivesse forças o suficiente para impedir.
— Tio Jake! — Escutei a voz de Maxon, mas ela parecia
completamente distante, abafada, como se fosse um sonho ou algo assim.
Senti meu corpo colidir com alguma coisa, mas eu não conseguia
enxergar direito. Minha visão entrava e saía de foco. Tudo rodava. De
repente, eu nem sequer sabia onde caralhos eu estava, pois tudo o que eu via
eram escombros, corpos e sangue.
Não.
Eu saí. Estava tudo bem. Eu estava bem.
Porra, quem eu estava enganando? Eu nunca iria sair. Não de
verdade. Eu nunca ficaria bem.
— Jake! — Ouvi alguém gritando por mim segundos antes de duas
mãos envolverem o meu rosto.
Me afastei bruscamente, tirando as mãos de mim com violência.
Um choramingo atingiu meus ouvidos no mesmo instante em que um tapa
foi estalado no meu rosto. Minha pele ardeu pra caralho com a força do tapa,
mas foi o suficiente para me arrancar daquele estupor. Pisquei os olhos
várias vezes, voltando ao meu próprio corpo, voltando ao presente, e a cena
que encontrei diante dos meus olhos me fez engolir em seco. Não sei como,
mas Elena estava parada diante de mim, com Maxon abraçado às pernas dela
enquanto ela o amparava com um braço e abraçava o próprio corpo com o
outro. Do lado de Elena, uma garota de cabelos ruivos, curtos e de olhos
azuis olhava para mim como se estivesse prestes a arrancar a minha cabeça.
— Qual é a porra do seu problema, seu idiota? — gritou a
desconhecida.
— Taylor, não — Elena interveio. — Tudo bem, eu estou bem.
Taylor?
— Não está tudo bem nada, Elena. Esse babaca empurrou você —
Taylor esbravejou, apontando para mim.
— Eu... — Minha voz falhou e eu precisei pigarrear para
conseguir ultrapassar o recente embargo. — Me desculpe, eu não... Elena, eu
não estava... Eu não era...
Elena abriu um pequeno sorriso para mim e eu soube naquele
instante que ela entendia exatamente o que eu não estava conseguindo tirar
de dentro do meu peito, o que eu não conseguia explicar.
— Está tudo bem. Mesmo. Eu não me machuquei — ela garantiu.
— Mas Elena... — Taylor esbravejou de novo.
— Tay, por que você não vai comprar um sorvete para o Max? —
sugeriu Elena, olhando para a amiga como se implorasse que Taylor apenas
fizesse o que ela estava pedindo. — Você quer um sorvete, Max?
Maxon fez que sim com a cabeça, mas era para mim que ele
olhava, com aqueles mesmos olhos assustados da outra noite, quando eu
surtei e acabei acordando-o.
Taylor bufou, claramente contrariada em deixar a amiga sozinha
comigo, mas então ela olhou para o Maxon e sorriu.
— Vem, Max. Vamos ali comprar um sorvete. — Taylor estendeu
a mão para Maxon e ele segurou a mão dela.
Eu não estava muito confortável em deixar o meu sobrinho com
aquela mulher. Eu não a conhecia, talvez nem mesmo Maxon a conhecesse,
mas eu confiava em Elena. Ela já havia provado o quanto se importava com
o meu sobrinho e sei que ela não o deixaria com a amiga se não confiasse
nela.
Quando Maxon e Taylor se afastaram — com Taylor olhando
fixamente para mim como se estivesse prometendo arrancar as minhas bolas
se eu machucasse a sua melhor amiga —, Elena se aproximou de mim.
— Você está bem? — ela quis saber, seu tom de voz tangivelmente
preocupado.
Passei as mãos pelo rosto e senti um aperto no estômago, uma
vergonha terrível por ter empurrado Elena.
— Eu? — Quase ri com a sua pergunta. — Não importa. Você está
bem? Eu machuquei você?
Meus olhos inspecionaram Elena dos pés à cabeça, mas ela não
parecia ferida e não havia nenhuma parte da sua pele que estava vermelha ou
prestes a ficar roxa.
— Jake, eu estou bem, eu juro — ela prometeu. — Você não me
machucou, só me pegou desprevenida.
Esvaziei os pulmões, soltando o ar pela boca.
— Elena, me desculpa. Eu... Acho que acabei de ter um ataque de
pânico.
Ela assentiu com a cabeça.
— Eu imaginei que fosse isso. Não deveria ter me aproximado
daquele jeito. Não foi culpa sua. Seus olhos... eles não estavam aqui. Você
parecia tão, tão longe — ela disse, suavemente enquanto esquadrinhava o
meu rosto com os olhos. — O que desencadeou isso?
Eu olhei para a barraca dos brinquedos, para a arma, mais
especificamente, e Elena seguiu os meus olhos. Engoli em seco.
— Maxon... ele... — tentei explicar, mas estava me sentindo
envergonhado demais por perder a cabeça em público, por tê-la empurrado.
— Ele queria uma pelúcia.
— Ah, Jake — Elena lamentou. E algo na forma como ela disse o
meu nome tornou ainda mais difícil respirar. — Eu sinto muito.
— Eu estou bem — menti. — Está tudo bem.
Elena me encarou e eu sabia que ela não estava acreditando em
mim, mas também não insistiu. Então, de repente, ela abriu um daqueles
sorrisos brilhantes, que eu já havia visto ela dar para os seus alunos. Para
Maxon. Eu não conseguia entender por que ela estava sorrindo daquele jeito
depois do que tinha acabado de acontecer.
— Vem — ela pediu, estendendo a mão para que eu pegasse. Eu
olhei para a sua mão estendida e senti a minha própria mão formigar para
segurar a dela, mas resisti à urgência. Eu não tocaria nela de novo, não
depois do que tinha acabado de acontecer e acho que Elena percebeu isso,
pois ela recolheu a mão, mas manteve o sorriso. — Está bem, sem mãos
então, mas venha comigo mesmo assim. Eu vou ganhar a pelúcia que o Max
queria, mas preciso da sua ajuda porque, honestamente, a minha mira é uma
vergonha. Na verdade, acho que é um perigo para a humanidade. Uma vez,
quando eu estava na escola, eu tinha que acertar uma pilha de latas com uma
bola de beisebol. Bom, vamos apenas dizer que eu não derrubei as latas, mas
consegui deixar uma pessoa com um belo galo na cabeça.
Dei uma risadinha contida, imaginando Elena mais nova e
completamente desastrada. A imagem combinava com a mulher que ela era
agora.
O sorriso de Elena se abriu mais ainda quando ela me ouviu rir.
— Eu gostei disso.
— Do quê?
— Da sua risada. Você não deveria escondê-la do mundo, sabe.
Comprimi os lábios para evitar um sorriso. Eu já havia deixado
aquela mulher ver demais de mim.
— Vamos ganhar aquela pelúcia — eu disse, querendo mudar o
foco da conversa.
Elena sentou-se no banco em frente à arma e a forma como ela
segurou o objeto estava errada de tantas maneiras que eu nem sabia por onde
começar a corrigi-la.
— Estou pronta — ela disse, empolgada.
— Acredite em mim, você está qualquer coisa, menos pronta.
Elena olhou para mim com o cenho franzido.
— Do que está falando? Eu estou segurando a arma como todo
mundo segura. O que eu estou fazendo de errado?
— Muita coisa — eu alfinetei. — Primeiramente, encoste a
extremidade da arma no seu ombro, para que você tenha sustentação.
Elena apoiou a arma em cima do ombro e eu não consegui segurar
uma risadinha. Deus, ela não fazia a menor ideia do que estava fazendo. Se a
humanidade dependesse de Elena Blake para segurar uma arma, estaríamos
todos condenados.
— Não, não desse jeito. — Eu parei atrás dela e segurei a arma,
trazendo-a para a posição correta. Elena segurou a respiração com a minha
aproximação repentina. — Assim. Agora, leve a sua mão para o meio da
arma, onde o corpo dela termina, antes do cano propriamente dito.
Elena obedeceu.
— Bom. Coloque o seu dedo no gatilho agora — orientei. —
Mantenha o indicador no gatilho, mas segure a arma com o restante da sua
mão.
— Assim? — ela perguntou, mostrando para mim o movimento.
— Isso. Agora, coloque o seu olho próximo da mira. — Ela fez o
que eu disse. — Relaxe os ombros — pedi, tocando suavemente nos seus
ombros nus. Ela estremeceu e eu a soltei, confuso com a reação do corpo
dela. — Puxe o ar para os pulmões e quando você for soltá-lo pela boca,
aperte o gatilho.
Elena respirou fundo algumas vezes, mirando, e então apertou o
gatilho. A bolinha foi certeira no alvo e Elena soltou um grito de
comemoração.
— Ah meu Deus! Eu consegui! — ela vibrou, levantando-se da
cadeira e olhando para mim. — Isso foi incrível! — Ela cobriu a boca com
as mãos, chocada e rindo ao mesmo tempo.
Ela era adorável quando ficava animada.
— Você conseguiu.
— Puxa! — Ela suspirou. — Eu nunca acertei nenhum alvo na
vida, Jake.
Umedeci os lábios, sentindo-os secos de repente.
— Eu nem imagino o porquê — disse, sarcástico.
Ela fez uma careta, mas depois riu.
— Qual era a pelúcia que o Max queria? — ela perguntou quando
o rapaz da barraca pediu que ela escolhesse.
— O cão. Coragem.
— Ah, eu amo o Coragem — ela disse, sorridente. — Ele é tão
valente de uma forma tão covarde.
Eu franzi o cenho.
— Tem tantas coisas erradas nessa frase, Elena. Não faz sentido
nenhum.
Ela apenas deu de ombros e abraçou a pelúcia do Coragem contra
o peito.
— Obrigado — me senti na obrigação de agradecer. — Por isso e
por entender. A maioria das pessoas não entende.
— Meu avô serviu no exército, durante a Segunda Guerra — ela
contou. — Eu me lembro pouco dele, mas lembro o suficiente para entender
o que acontece com você. E meu pai me contava histórias, de como ele se
tornou outro homem quando voltou para casa. Acredite em mim, Jake, eu
entendo, mas... Talvez seja prudente que você busque ajuda.
Eu assenti, mas não prolonguei o assunto. Eu não estava pronto
para buscar ajuda. Ainda não.
Maxon apareceu de repente ao nosso lado. Sua boca estava toda
suja de sorvete e o brilho de felicidade já havia voltado aos seus olhos.
— O Coragem! — ele exclamou quando viu a pelúcia nas mãos de
Elena.
— O seu tio Jake ganhou ele para você — mentiu Elena, dando
uma piscadinha rápida para mim como quem compactua com um segredo. E
naquele exato instante, eu a adorei.
— Puxa! Obrigado, tio Jake!
— De nada, Max. Termine o seu sorvete e lave as mãos para não
sujar o Coragem.
Meu sobrinho assentiu e voltou sua atenção para o sorvete.
Taylor, que parou ao lado de Elena como se a amiga precisasse de
reforço, ainda olhava para mim com olhos assassinos. E eu a entendia. Ela
não me conhecia e dei uma primeira impressão de merda, mas eu odiava que
ela pensasse que eu era um desses homens covardes que levantava a mão
para uma mulher. Mas, provavelmente, qualquer coisa que eu dissesse agora
não surtiria efeito algum, então deixei que ela pensasse o pior de mim e me
odiasse. No final das contas, a opinião dela importava pouco para mim. Se
Elena sabia que eu não queria machucá-la, então isso bastava para mim.
Capítulo 9

— Eu não acredito que você deu um tapa na cara dele — foi a primeira
coisa que eu disse quando Taylor e eu chegamos em casa.
— Eu não acredito que ele empurrou você — ela rebateu, irritada.
Joguei minha bolsa em cima do sofá e olhei para a minha melhor
amiga.
— Jake estava tendo um ataque de pânico, Taylor. Você sequer viu
a cara dele? Estava óbvio que ele não fazia ideia de onde estava ou do que
estava fazendo — defendi Jake. — Não estou dizendo que o que ele fez foi
certo, só estou dizendo que não foi proposital.
— Nunca é proposital — ela resmungou, sarcástica.
Eu sabia que aquele tema era difícil para a minha melhor amiga, já
que ela cresceu com um pai que abusava fisicamente dela e da mãe também.
O pai de Taylor era um cretino que batia na esposa e na filha para descontar
as suas frustrações com o mundo, mas fora das quatro paredes da casa deles,
bancava o cidadão modelo. Um exemplo de pai e marido. Pff. Se as pessoas
soubessem por que Taylor e sua mãe só usavam blusas de manga comprida e
viviam comprando maquiagem para cobrir os hematomas... E depois teve o
meu casamento com o Jimmy, que só a fez odiar ainda mais homens desse
tipo. E eu não tiro a razão dela de forma alguma, eu me sinto da mesma
maneira, mas Jake realmente não teve a intenção.
— Tay, eu sei o que você está pensando, ok? E eu entendo a sua
revolta e a sua preocupação, mas o seu pai era um cretino covarde que batia
em você e na sua mãe simplesmente porque queria, porque sabia que era
mais forte e vocês não poderiam revidar, porque sabia que sua mãe não o
deixaria porque era ele quem sustentava você duas. E sei que você também
está pensando em tudo o que eu passei com Jimmy, mas o lance com o Jake
é diferente. Ele sofre de Transtorno de Estresse Pós-Traumático. Você
consegue imaginar as coisas que esse homem viu? As coisas que ele
precisou fazer com outros seres humanos? Isso perturbaria a cabeça de
qualquer pessoa! De novo, não estou dizendo que o que Jake fez foi legal, só
estou dizendo que nesse caso especificamente, ele de fato não sabia o que
estava fazendo, foi totalmente sem a intenção de me machucar.
Minha amiga suspirou e jogou o corpo em cima do sofá.
— Está bem — ela cedeu. — Eu sei que não é a mesma coisa, mas
não quer dizer que seja certo, Ellie.
— Eu sei, não estou discordando de você quanto a isso.
— Ele precisa de ajuda — ela continuou. — Ele pode acabar
machucando o próprio sobrinho sem querer.
Isso era o que realmente me deixava preocupada. Se Jake perdesse
o controle desse jeito e o Max estivesse perto demais... Eu preferia não
pensar nisso.
— Eu sei. Mas eu não o conheço bem o suficiente para entrar
nesse assunto. Jake fala algumas coisas vez ou outra, mas eu sei que é só a
ponta do iceberg. Se eu tentar encurralá-lo com isso, ele vai se fechar e eu
não vou conseguir ajudar. Ele não confia nas pessoas facilmente, Tay, como
poderia? — argumentei. — Mas se eu conseguir me aproximar, se conseguir
que ele confie em mim, talvez tenha a chance de abordar o tema, então
talvez consiga ajudar de uma maneira efetiva.
Taylor suspirou, resignada.
— Essa sua mania incorrigível de querer salvar todas as almas
torturadas já te colocou em encrenca — ela me lembrou, amargurada. —
Mas ok, eu vou ficar de boca fechada, mas se eu vir qualquer machucado em
você, vou partir ele no meio, Ellie. Não estou brincando.
Taylor não seria capaz de tal coisa nem que ela colocasse toda a
sua força e determinação nisso, mas eu a amava por pensar que poderia, por
estar disposta a enfrentar um homem daquele tamanho só para me proteger.
E eu faria o mesmo por ela. Partiria Boyce no meio se ele a machucasse. Eu
me lembrava vividamente da última vez que Jimmy me bateu e Taylor partiu
para cima dele. Foi um Deus nos acuda. Então quando ela dizia que iria para
cima de Jake se ele me ferisse, eu sabia que ela estava falando sério.
Sempre vi Taylor como a minha família, já que nunca fui muito
ligada aos meus pais. Eles eram muito ausentes quando eu era criança. Eu
não guardava rancor por conta disso, mas também não fazia esforço para
manter uma relação com eles agora que eu era adulta. Então sempre foi
Taylor e eu contra o mundo.
— Combinado — eu tranquilizei a minha melhor amiga e me
sentei ao lado dela no sofá. — Podemos mudar de assunto agora? Talvez
assistir mais alguns episódios de Friends? Eu quero muito saber o que vai
acontecer entre o Ross e a Rachel.
Toda a tensão deixou o corpo de Taylor quando ela pegou o
controle remoto em cima da mesinha de centro e ligou a televisão.
— Você não precisa pedir duas vezes.
 

Naquela noite, depois de passar horas ao lado de Taylor no sofá,


assistindo ao nosso seriado favorito, eu fui para a minha cama. Minhas
pálpebras pesavam pelo cansaço, mas assim que senti o colchão embaixo do
meu corpo, ao invés de ser totalmente abraçada pelo sono, meus
pensamentos flutuaram até Jake. Ele estava na minha cabeça desde o dia do
incidente com as nozes. Foi quando consegui enxergar além da casca grossa
com a qual ele tão determinadamente se protegia; se escondia, talvez fosse a
forma correta de colocar. Talvez eu estivesse muito equivocada, mas eu
sentia que Jake tinha um coração maior do que acreditava ter. Quer dizer, ele
poderia simplesmente ter virado as costas para o sobrinho, colocado o garoto
em um abrigo e seguido a sua vida. Ele não é o pai do Max, a
responsabilidade não é dele, ele não pediu por ela, mas ainda assim assumiu
tudo. Quantas pessoas no lugar dele teriam feito o mesmo? Abandonado a
própria vida e carreira de um dia para o outro em prol de uma criança que
não era sua, uma criança que mal conhecia?
Era verdade que Jake Hyder tinha problemas sérios que não
podiam ser ignorados. Taylor estava certa, ele precisava de ajuda, mas um
tratamento só é eficaz se a pessoa quiser ser ajudada, para início de
conversa. E eu não sabia o que Jake pensava a respeito disso, embora fosse
claro que ele sabia que tinha um problema. Aquilo já era um primeiro passo,
eu supunha. Havia programas especiais para pessoas como o Jake; ex-
militares que tiveram o seu emocional estilhaçado pelos horrores da guerra.
Mas eu também sabia que esses programas eram escassos e as taxas de
adesão, baixas. Não havia de fato um incentivo do governo para que aquelas
pessoas buscassem tratamento. 
Por ter um avô que serviu na guerra, eu entendia bem o que era o
TEPT. Meu pai me contou histórias, quando acreditou que eu tinha idade
suficiente para entendê-las. Houve amigos do meu avô, companheiros de
batalha, que perderam completamente a cabeça e acabaram tirando a própria
vida. Houve um caso também em que um homem matou a própria esposa e
os filhos durante um episódio de pânico, onde ele acreditava piamente que
estava de volta lá e que sua família na verdade eram os inimigos que ele
deveria matar. 
O homem nunca se recuperou depois disso. 
Eu não sabia a extensão da rachadura no emocional de Jake, não
sabia o quão profunda ela era e o quão quebrado ele realmente estava. Na
maior parte do tempo, ele parecia bem. Era um homem sério e frio, traços
compreensíveis, mas só porque ele não surtava frequentemente não
significava que ele estava bem, que estava seguro; que Max estava seguro. 
Talvez Taylor estivesse certa e a minha mania incorrigível de
querer ajudar as pessoas me colocasse em problemas de novo, mas eu sentia
no meu coração que precisava ajudá-los. Ambos. Não só o Jake ou só o
Max. E mesmo que eu não fizesse a menor ideia de como fazer isso, eu
estava determinada a encontrar um meio. Jake já havia falado um pouco
comigo, então talvez tudo o que eu precisava fazer era estar lá por ele
quando ele precisasse de alguém, e talvez, eventualmente, eu conseguisse me
aproximar o suficiente para alcançá-lo. 
 

Na segunda-feira de manhã, eu estava terminando de arrumar os


materiais de pintura no chão da sala de aula quando Max entrou. Ele tinha
um sorriso no rosto — um sorriso amplo que eu havia visto poucas vezes nas
últimas semanas — e carregava uma linda rosa vermelha nas mãozinhas.
Max caminhou diretamente até mim e por um instante, ficou tímido. Suas
bochechinhas ficaram vermelhas e ele desviou o olhar de mim, o que me fez
sorrir. Max era uma criança tão doce. Eu o adorava mais do que deveria ser o
ideal.
— Bom dia, senhorita Blake — ele me cumprimentou, tímido.
— Bom dia, querido. — Eu sorri mais um pouco.
— É para a senhorita — ele disse, me estendendo a rosa. — O tio
Jake queria que eu te entregasse.
O quê?
Arregalei os olhos, verdadeiramente surpresa.
— O seu tio? Sério?
Max confirmou com a cabeça.
— Ele disse que queria agradecer você por ter ficado com a gente
no parque.
Eu peguei a rosa das mãos de Max e levei a flor até o meu nariz,
sentindo o perfume. Fui incapaz de conter um sorriso. Que atencioso da
parte de Jake. Quer dizer, eu sabia que ele se sentia culpado pelo empurrão
que me deu e talvez a rosa significasse mais um pedido de desculpas oficial
do que qualquer outra coisa, mas eu adorei. E eu não o culpava. Meu
coração estava tranquilo quanto a isso.
— Muito obrigada, meu bem — eu agradeci ao Max, embora
devesse agradecer ao Jake, mas isso teria de esperar, pois as crianças já
estavam entrando na sala de aula. — Coloque a sua mochila no lugar e
sente-se no chão, querido. Vamos esperar todos os seus colegas chegarem
para darmos início à atividade.
Max assentiu e correu até os fundos da sala para deixar a sua
mochila. As outras crianças fizeram o mesmo, conforme foram chegando, e
em poucos minutos estavam todos sentados no chão, em uma roda e com as
pernas cruzadas.
Naquele dia, eles aprenderam sobre a importância de conservar o
meio ambiente. Falamos sobre reciclagem e o porquê de sempre jogar lixo
no lixo. E no final, eles coloriram com tinta um desenho que eu havia levado
para eles. As crianças adoravam pintar com tinta. Os pincéis eram
descartáveis, no entanto. Eles gostavam mesmo é de enfiar os dedos nos
potes coloridos e sair pintando tudo o que viam pela frente, inclusive o
amiguinho. Era sempre um desafio os fazer se aterem apenas à folha de
papel, mas ouvir as risadas e ver os sorrisos em seus rostos fazia todo o caos
valer a pena.
No final da aula, as crianças penduraram os seus desenhos no varal
que ficava em uma das paredes da sala e correram para lavar suas mãozinhas
cheias dos mais diversos tons de tinta. Depois, os pequenos recolheram as
suas coisas e se despediram apressadamente de mim, loucos para irem
embora para continuar espalhando aquela energia infindável por aí.
Eu tinha a intenção de falar com Jake e agradecer pelo gesto doce,
mas quando pisei fora da escola, fui interceptada pelo pai de um dos meus
outros alunos.
— Olá, senhorita Blake. Charles Lester, pai da Gabriela — ele se
apresentou, estendendo a mão para mim.
Eu olhei rapidamente para o homem, mas meus olhos seguiram
mais adiante, onde Jake estava colocando Max dentro do carro e passando o
cinto de segurança pelo sobrinho. Quando ele fechou a porta do banco
traseiro e virou-se, seus olhos encontraram os meus. Juro que pensei em
pedir que o Sr. Lester esperasse um momento, mas isso seria rude da minha
parte. Jake olhou para mim, olhou para o homem parado ao meu lado e
depois de volta para mim. Um aceno curto de cabeça foi tudo o que eu recebi
dele antes de Jake entrar no carro e sumir do meu campo visual.
Voltei a minha atenção para o pai de Gabriela.
— Sr. Lester, oi. — Eu abri um sorriso educado. — Como posso
ajudá-lo?
Depois de quase vinte minutos de conversa com o Sr. Lester, onde
ele aparentemente só queria verificar o desempenho da filha na sala de aula,
o homem finalmente decidiu ir embora e me deixar fazer o mesmo. Mas
antes de alcançar a terra prometida e chegar em casa, eu precisava dar um
jeito em toda a bagunça remanescente de uma tarde inteira de pintura. Foi só
no caminho de volta para casa que eu desejei ter o número de telefone de
Jake para agradecer pela flor. Mas tudo bem, eu o encontraria no dia
seguinte de qualquer forma. E então, eu o agradeceria pessoalmente.
Capítulo 10

— Jake!
A voz de Elena atingiu os meus ouvidos no instante em que saí do
carro para ajudar Maxon a descer. Meu sobrinho estava todo sorridente
desde o dia anterior, e eu estava achando aquilo suspeito na mesma
proporção em que estava achando bom. Ele sorrir era algo bom,
considerando tudo.
Maxon e eu estávamos evoluindo no quesito convivência. Era
tangível que não nos sentíamos mais tão desconfortáveis na presença um do
outro, mas ainda estávamos bem distantes de sermos realmente próximos.
Amigos. Talvez nunca chegássemos lá, mas só o fato de não enxergar pavor
nos olhos dele sempre que olhava para mim, eu considerava um baita
progresso.
— Bom dia, Elena — eu a cumprimentei enquanto caminhava até
a porta traseira do meu carro, para poder tirar Maxon de lá de dentro.
— Bom dia. — Ela sorriu daquela maneira fácil de sempre.
Aquela maneira que me fazia entender o porquê todos sempre sorriam perto
dela. — Eu gostaria de te agradecer.
Abri a porta do carro, tirei o cinto de Maxon e o peguei no colo,
tirando-o da cadeirinha e colocando-o no chão.
— Me agradecer? Pelo que? — perguntei, confuso.
Debrucei o meu corpo sobre o banco de trás do carro para pegar a
mochila de Maxon.
— Você sabe... pela flor que você pediu que Max me entregasse
ontem.
Eu me levantei tão depressa que bati a cabeça no teto do carro. Ai,
caralho! Porra. Flor? Mas o Maxon havia me dito que ele queria dar uma
flor para a sua professora favorita.
Voltei a ficar de pé, com o corpo totalmente fora do carro, e olhei
para o meu sobrinho. Maxon sorria inocentemente, como se não tivesse
acabado de me colocar em uma tremenda encrenca.
— Eu tinha a intenção de agradecer ontem mesmo, mas o pai de
uma aluna queria conversar comigo, então não pude — ela continuou. —
Mas foi muito doce da sua parte. Eu adorei.
Engoli em seco. O que eu deveria dizer? Eu não havia comprado
uma flor para ela. Por que eu faria tal coisa? Quer dizer... Sim, eu gostava de
quando ela estava por perto, gostava até de conversar com ela. Elena era boa
com o Maxon, o que era ótimo. Mas daí a comprar uma flor para ela? Isso
poderia ser interpretado de tantas maneiras erradas... Maxon ficaria de
castigo por isso, estava decidido.
— Eu... Bom, na verdade eu...
— Você deveria chamar a senhorita Blake para sair, tio Jake —
disse Maxon, me interrompendo, provavelmente porque se deu conta de que
o seu plano sairia pela culatra, pois eu estava prestes a explicar o mal-
entendido que ele havia causado.
Elena arregalou os olhos castanhos.
Eu olhei para o meu sobrinho, semicerrando os olhos para ele
como quem ordenava que ele ficasse de bico calado. E a seriedade no meu
rosto deve ter sido bem assustadora, pois Maxon abaixou os olhinhos antes
esperançosos e começou a encarar os próprios tênis como se sua vida
dependesse disso. Nós dois teríamos uma conversa séria sobre esse
comportamento inapropriado assim que ele voltasse para casa, depois da
escola. Eu sabia que ele era uma criança e não entendia o tamanho da
besteira que estava fazendo e provavelmente tinha todas as melhores
intenções do mundo, mas ele precisava aprender que não deveria se meter
em assuntos de adulto.
Limpei a garganta, tentando pensar no que dizer para sair dessa
situação. Não queria ofender Elena, mas também não queria me sujeitar a
um encontro com ela. Eu com certeza seria tragicamente horrível naquilo.
— Eu tenho certeza de que a senhorita Blake tem coisas muito
mais interessantes para fazer, Maxon, e...
— Eu topo — cortou Elena antes que eu pudesse terminar a frase.
— Quer dizer, se você estiver me convidando, então a minha resposta é sim.
Eu sabia que meu queixo estava caído pela surpresa, sabia que
deveria dizer alguma coisa, provavelmente perguntar se ela ficou doida.
Quer dizer... Sair? Comigo? Por que ela iria querer uma coisa dessas? Eu a
tratei super mal quando nos conhecemos, nunca dei a entender que queria
algo com ela e ainda por cima teve o episódio vergonhoso no parque. Com
exceção da travessura de Maxon com a flor, eu nunca demonstrei qualquer
interesse romântico nela. Por que Elena iria querer sair com alguém tão
fodido quanto eu?
Maxon voltou a olhar para mim, agora com um sorriso largo no
rosto e os olhos contendo todas as estrelas do céu pela forma como
brilhavam. Merda. O pirralho tinha conseguido exatamente o que queria,
percebi. E eu tive a ligeira impressão de que Maxon continuaria aprontando
comigo até conseguir que eu saísse com sua professora preferida.
— Eu não tenho uma babá com quem deixar o Maxon — eu
argumentei, esperando que aquilo fosse suficiente para que os dois
esquecessem aquela ideia maluca.
— A moça do sorvete pode cuidar de mim — disse Maxon,
prestativo.
— Que moça do sorvete? — eu quis saber.
— A amiga da senhorita Blake. Aquela do parque.
Taylor. Puta que pariu, o pirralho havia pensado em tudo. Como
era possível uma coisa dessas? Ele só tinha cinco anos!
— Eu posso falar com a Taylor. Tenho certeza de que ela não se
importaria de olhá-lo por algumas horas.
Elena sorriu para mim e eu soube que não poderia dar para trás
agora. Talvez se saíssemos uma vez, Maxon desistisse da ideia de bancar o
cupido e Elena perceberia que nós não tínhamos nada a ver um com o outro.
Ela era boa demais para mim; eu era fodido demais para ela. Mas um
encontro só não nos mataria. No máximo, acabaria com a curiosidade dela e
as expectativas de Maxon. E pronto. Todo mundo iria esquecer aquela
história.
Suspirei, conformado.
— Sábado à noite? — sugeri.
— Sábado à noite está perfeito — ela concordou. — Podemos ver
os detalhes na sexta, quando você vier para a apresentação do Dia das Mães.
Confirmei com a cabeça. E o sinal tocou na escola.
— Max, dê tchau para o seu tio. Precisamos ir para a sala.
Maxon olhou para mim e sorriu, todo orgulhoso de si mesmo.
— Tchau, tio Jake. Até depois.
Meu sobrinho saiu correndo em direção à escola, me deixando
sozinho com Elena, que também sorriu para mim.
— Tenha um bom dia, Jake.
— Você também, Elena.
Não esperei que ela se afastasse para entrar no carro e ir embora.
Eu precisava sair dali e colocar minha cabeça no lugar. Aquilo poderia não
parecer nada demais para a maioria das pessoas, mas era algo grandioso para
mim. Estreitar laços. Eu mantive as pessoas afastadas a vida inteira, eu era
bom nisso; era fácil para mim. Devin costumava dizer que eu não poderia
viver sozinho para sempre, que em algum momento eu deveria sossegar,
encontrar uma mulher por quem eu me apaixonasse e viver uma espécie de
conto de fadas com felizes para sempre e toda essa merda. Mas eu não me
via vivendo esse tipo de vida. Mulher, filhos, casa com cerca branca... Esse
era o sonho de Devin, não o meu. E tudo bem, um encontro não queria dizer
que Elena e eu nos casaríamos, mas na minha cabeça era um passo em
direção a isso e eu não sabia se estava pronto, eu não sabia se queria aquilo.
É verdade que uma presença feminina seria boa para o Maxon, mas eu já
havia mudado a minha vida o suficiente por ele, não sabia se seria capaz de
mudar ainda mais. Eu estava bem do jeito que estava. Não era porque a
grande maioria das pessoas sonhava em eventualmente construir uma família
e ter alguém para envelhecer ao seu lado, que aqueles eram os passos que
todo mundo deveria seguir. Algumas pessoas ficavam bem sozinhas e tudo
bem.
Parei o carro alguns quarteirões para frente da escola e peguei o
meu celular. Eu detestava que aquela ideia estivesse passando pela minha
cabeça, mas eu precisava conversar com alguém, pelo menos para ter uma
ideia do que esperar. Qual era a estrutura de um encontro? O que realmente
acontecia neles? Eu não sabia, porque nunca havia chamado uma mulher
para sair. Então, contra todas as probabilidades e bom-senso, eu liguei para o
Edwin. Ele era o mais próximo que eu tinha de um amigo agora, mesmo que
nós não tivéssemos mais intimidade alguma. Eu literalmente não tinha mais
ninguém a quem recorrer.
— Um meteoro deve estar prestes a atingir a atmosfera terrestre se
você está de fato me ligando de livre e espontânea vontade — disse Edwin
assim que atendeu ao telefone. — Nós vamos ser extintos como os
dinossauros?
Revirei os olhos com tanta força que doeu. Aquilo era uma
péssima ideia e eu já estava me arrependendo.
— Deixa para lá. Não é nada — eu resmunguei, pronto para
desligar o telefone. Eu não sabia onde estava com a cabeça para ter ligado
para ele.
— Não, não, não! — protestou Edwin, apressadamente. — Eu não
vou fazer piadinhas, prometo. Fico feliz que tenha ligado, Jake. Fala aí, o
que posso fazer por você?
Suspirei. Eu iria me arrepender daquilo, eu sabia.
— Preciso da sua ajuda.
— Ok... Com o quê?
— Com uma garota.
Houve um momento de silêncio do outro lado da linha.
— Que tipo de garota?
Eu franzi o cenho.
— Que tipo de pergunta é essa? Como assim: que tipo de garota?
Existe mais de um tipo?
— Ora, meu amigo, mas é claro — ele disse como se fosse um
especialista no assunto. — Quer dizer, na verdade não. Na verdade, tudo
depende do que você quer com a garota e do que a garota quer com você.
Mas do que diabos ele estava falando agora?
— Você está me confundindo.
— É o seguinte... Essa garota de quem você está falando, é uma
garota por quem você está interessado ou é uma garota que está interessada
em você?
Aquela era uma boa pergunta. Uma excelente pergunta, na
verdade. Eu não estava interessado em Elena. Bom, eu a achava bonita, é
claro, não era possível não a achar linda quando ela estava parada bem na
sua frente com aquele sorriso no rosto. E ela também era compreensiva e
delicada, era boa com crianças e havia uma leveza ao redor dela que eu
adorava sentir, pois não havia nada leve em mim. Mas pensar em sair com
Elena me apavorava e eu não sabia dizer se era porque eu não queria fazer
nada errado e afastá-la ou se era porque eu simplesmente não a queria perto
de mim.
E sobre Elena estar interessada em mim... Bom, ela aceitou sair
comigo. A iniciativa foi dela, inclusive, porque eu não havia feito pergunta
alguma. Max foi quem trouxe o assunto à tona, não eu. Então ela ter aceitado
significava que ela estava interessada?
— Não sei — respondi honestamente. — Isso faz diferença?
— Santo Deus! É claro que faz diferença, cara! Como você não
sabe se está interessado nela? — Edwin perguntou como se eu fosse louco
por não ter uma resposta certeira.
— É cedo demais para saber, tá legal? Eu não a conheço muito
bem. Nós temos um encontro marcado para sábado à noite.
— Então é um encontro para que vocês possam se conhecer? —
ele especulou.
— É, acho que sim.
— A leve para jantar — ele sugeriu. — Não tem erro. Posso te
indicar alguns restaurantes legais que costumo frequentar com a Kate. A
comida é boa, o serviço também. E vocês vão poder conversar e se conhecer.
Eu podia não saber muito sobre encontros, mas eu sabia que levar
uma garota para jantar era a opção mais segura. Não era nisso que eu estava
com dúvida. Era no depois disso. As pessoas costumavam transar no
primeiro encontro nos dias de hoje? Eu deveria me preparar para isso? Quer
dizer, Elena parecia ser reservada, mas o que eu sabia? Eu a conhecia como
a professora Elena Blake, não como a mulher Elena Blake. Talvez houvesse
uma diferença. Talvez não.
Jesus Cristo, eu era péssimo naquilo.
— E depois?
— E depois o quê? — Edwin questionou. — Aaaaaaaaah, esse
depois. — Ele riu.
— Qual é a graça?
— Você tem alguma ideia do que está fazendo?
— Nenhuma — admiti.
Edwin gargalhou.
— Percebe-se. Cara, o depois é relativo. Se ela vai terminar na sua
cama ou não, é uma questão de sentir a vibe do momento.
Sentir a vibe do momento?
— Você vai saber exatamente onde a noite vai acabar antes mesmo
de ela acabar — ele me garantiu. — Confie em mim.
Revirei os olhos.
— Certo, obrigado.
— De nada. — Eu conseguia senti-lo sorrindo. — Depois me ligue
para contar como foi. Ah! Melhor ainda! Leve-a à minha festa de aniversário
de casamento.
Elena e eu não chegaríamos tão longe.
— Tchau, Edwin.
— Alguém ainda vai penetrar esse seu coração de gelo — ele
cantarolou, esperançoso. — Tchauzinho, Jake.
Desliguei o telefone me sentindo um pouco mais calmo. Só um
pouco. Eu a levaria para jantar, nós provavelmente passaríamos a maior
parte do tempo falando sobre o Max, como sempre acontecia, e eu a deixaria
em casa no final da noite. Fácil. Tranquilo. Eu não precisava transformar
aquele encontro em um bicho de sete cabeças. Eu ficaria bem.
 

Na sexta-feira, fui para a escola do Maxon no horário combinado


para a apresentação do Dia das Mães. Eu era um dos poucos homens
presentes em um mar de mulheres, algumas mães e outras avós. Contando
comigo, havia mais cinco homens. Eu me acomodei no fundo da multidão,
mas em um lugar que Maxon poderia me ver, para que soubesse que eu
estava lá. Eu sabia que aquilo era importante para ele e que aquela data era
difícil na mesma proporção. Eu era a família que ele tinha, quer eu gostasse
daquilo ou não. E talvez eu fosse ruim naquele papel, mas eu precisava
desempenhá-lo o melhor que eu pudesse. Pelo Max, mas também pelo
Devin.
Organizadamente, as crianças subiram no palco do auditório da
escola e se posicionaram. Avistei Maxon imediatamente e vi o exato
momento em que seus olhos começaram a procurar por mim na plateia.
Também vi o alívio que tomou conta de todo o seu rosto quando ele me viu e
abriu um sorriso. E naquele momento, senti o gelo ao redor do meu coração
trincar, ameaçando se partir por completo para me libertar. Uma sensação
esquisita serpenteou pela minha corrente sanguínea e senti meu peito ficar
quente.
Afeto.
Eu não sentia muito disso pelas pessoas, mas soube que amava o
meu sobrinho naquele instante. Não porque ele era filho de Devin, que era
quem eu mais amava no mundo, mas porque ele era o Max, meu sangue,
minha família, minha criança. Eu sabia que nunca poderia tomar o lugar de
Devin — ou de Julia —, mas naquele momento eu realmente entendi que eu
era sim o pai e a mãe do garotinho naquele palco. De uma forma ou de outra,
ele era meu filho, porque pai, no final das contas, é quem cria, não quem
coloca no mundo. Ao mesmo tempo em que eu me senti tranquilo com
aquele pensamento, me senti também desesperado. O que aconteceria com a
relação que Maxon e eu estávamos construindo quando ele descobrisse o que
aconteceu?
De repente, ficou difícil respirar.
Uma música começou a tocar, vindo ao meu resgate no momento
certo e desviando a minha atenção dos pensamentos que ameaçavam
assentar na minha cabeça e me enlouquecer. As crianças começaram a
dançar e cantar uma música que falava do amor incondicional das mães,
como elas eram especiais, como sempre estavam ao lado de seus filhos em
todos os momentos, como elas eram colocadas na Terra por Deus para cuidar
dos filhos dEle.
Maxon era desengonçado nos passos de dança, mas se esforçou
para fazer a coreografia direitinho. E não pude deixar de notar que ele não
tirou os olhos de mim enquanto fazia a sua performance.
No final, as crianças foram ovacionadas de pé pelas mães, avós e
pais. Eu os acompanhei e bati palmas para o meu sobrinho, que tinha um
sorriso tranquilo no rosto. Depois disso, as crianças foram autorizadas a irem
de encontro às suas mães — e avós ou pais — para entregarem o cartão que
haviam feito. Max desceu do palco calmamente e veio até mim com um
papel vermelho em forma de coração nas mãos. E sem dizer uma só palavra,
ele o estendeu para mim. Por um momento, franzi o cenho, porque tinha
certeza de que o conteúdo daquele cartão seria para Julia, independente de
ela estar presente ou não, então realmente fui pego de surpresa quando ele o
estendeu para mim.
Peguei.
Com um garrancho que quase não fui capaz de entender, Maxon
havia escrito: Tio Jake, eu sei que você não é a mamãe, mas tenho certeza de
que ela ficaria feliz de eu ter você. Feliz Dia das Mães para você mamãe,
que está no céu, e para o Tio Jake que cuida de mim.
O embargo foi tão grande que precisei engolir algumas vezes até
ter certeza de que a minha voz sairia se eu tentasse falar.
— Você gostou, tio Jake? — Max perguntou, inseguro.
Engoli em seco mais uma vez.
— Eu adorei. Obrigado.
Maxon sorriu, triunfante.
— Podemos ficar mais um pouquinho antes de voltar para casa?
— meu sobrinho perguntou, esperançoso. — Ron me chamou para brincar
no parquinho.
Deduzi que Ron fosse o mais novo amigo de Maxon,
provavelmente aquele com quem fez a atividade em dupla na semana
passada. E fiquei aliviado ao ter certeza de que o garoto havia se mantido
perto de Maxon nos dias que se seguiram.
— Claro. Vá brincar, mas não saia de dentro da escola, entendeu?
A seriedade em minha voz foi o suficiente para Maxon entender
que deveria obedecer sem questionar.
— Tá bom.
No segundo seguinte, Maxon e Ron passaram correndo por mim,
entusiasmados com a chance de ter mais alguns minutos para poderem
brincar juntos. Era incrivelmente tranquilizador saber que meu sobrinho
estava finalmente começando a agir como uma criança de cinco anos,
contente e sorridente. Era daquela forma que deveria ser. E no que
dependesse de mim, eu iria garantir que veria mais do sorriso de Maxon.
— Eles têm ficado bem próximos nos últimos dias — comentou
Elena, aproximando-se de mim depois de ficar alguns minutos dando
atenção à algumas mães emocionadas.
— Eu notei. Isso é muito bom.
Elena começou uma caminhada, saindo do auditório da escola e
seguindo para os corredores agora vazios. Eu a acompanhei, embora não
soubesse para onde ela estava indo. Um silêncio confortável recaiu sobre
nós. Elena normalmente era a falante, então não era difícil para mim
sustentar o silêncio. E, para ser franco, eu estava esperando para saber se ela
comentaria sobre o nosso encontro, porque uma parte imensa de mim estava
torcendo para que ela tivesse esquecido. No entanto, havia uma outra parte
bastante teimosa que queria tocar no assunto. E... Maldição, a parte teimosa
estava vencendo o debate interno que travei.
— Então — eu comecei, me sentindo estranhamente sem jeito ao
tocar no assunto. — Amanhã... O nosso... encontro...
— Você pode passar na minha casa às sete e meia. Taylor já
preparou o roteiro de tudo que ela pretende fazer para se divertir com Maxon
enquanto estivermos fora — disse Elena, com uma determinação que me fez
admirá-la. — Esse horário é bom para você?
— É sim.
Elena sorriu para mim.
— Ótimo. Então nos vemos amanhã, Jake.
Pigarrei, esperando que ela não tivesse notado que passei os
últimos dez segundos encarando as nuances castanhas que compunham os
seus olhos. Perto das pupilas, os olhos de Elena eram de um tom mel, quase
um amarelo, e nas extremidades eram de um tom mais escuro de marrom.
Lindos.
Lindos olhos castanhos.
— Sim, claro. Nos vemos amanhã — respondi, secamente,
tentando esconder o meu mau jeito.
Quando Elena se afastou para dar atenção a um novo punhado de
mães emocionadas com a apresentação dos filhos, não pude deixar de
imaginar como seria o nosso encontro. Não pude deixar de me perguntar
quanto tempo levaria para ela descobrir a escuridão que eu carregava e
decidir que eu não valia a pena a dor de cabeça.
Capítulo 11

Eu tinha certeza de que aquele encontro seria uma coisa de uma noite só.
Não porque eu não estava interessada no homem misterioso que era Jake
Hyder, mas porque eu tinha certeza de que ele não permitiria que algo assim
acontecesse novamente. Ficou óbvio que ele nunca me chamaria para sair se
Maxon não o tivesse colocado naquela situação. Foi notório que ele não
queria magoar o sobrinho ou me ofender de alguma forma, então... É como
dizem, se você não pode com eles, junte-se a eles.
Havia algo em Jake que despertava um lado meu que eu mesma
não conhecia. Um lado aventureiro. Eu queria descobrir o que havia por
baixo da armadura que ele vestia com tanto afinco, porque embora as
pessoas o vissem como um homem grosseiro e de mal com a vida, eu via
além. Jake havia, de um dia para o outro, renunciado à própria vida por uma
criança que não conhecia, que era seu sangue, mas não necessariamente sua
família. Ele se esforçava diariamente, do jeito dele, para cuidar do sobrinho
da melhor forma que conseguia. Jake Hyder era um homem honrado e jovem
demais para carregar toda aquela tristeza nos olhos. Mas lá estava eu,
ansiosa para mergulhar de cabeça na imensidão caótica de seus olhos verdes,
mesmo sabendo que muito provavelmente eu não sairia ilesa daquela
experiência.
Eu havia acabado de sair do banho quando Taylor bateu na porta
do meu quarto. Eu sabia exatamente o que ela iria dizer antes mesmo que
minha amiga abrisse a boca.
— Você tem certeza de que isso é uma boa ideia? Ainda dá tempo
de cancelar, Ellie.
— Eu sei que você não gosta dele, mas eu gosto de acreditar que
você confia no meu julgamento.
— E eu confio, mas...
— Taylor, por favor — eu pedi. Na verdade, eu estava quase
implorando. — Apenas confie que eu sei o que estou fazendo, porque eu de
fato sei.
Minha melhor amiga suspirou pesadamente, mas confirmou com a
cabeça.
— Eu te amo, sabe. Só não quero que você se decepcione — ela
disse, deprimida. — Eu já entendi o lance do ataque de pânico dele e o
empurrão, entendi mesmo, mas me preocupa que ele seja um problema
enorme que nem mesmo a sua boa vontade em ajudar será suficiente para
resolver. Tenho medo de que você se envolva demais e se machuque.
Eu sorri para a minha melhor amiga, que às vezes se comportava
mais como uma irmã mais velha.
— Eu sei, e eu também te amo. E eu sou uma mulher adulta agora,
sabe, embora você às vezes parece se esquecer. — Dei uma risadinha. —
Vou ficar bem, Tay. E mesmo que eu me machuque, bom... Ninguém nunca
morreu de coração partido, não é? Vou ficar bem, relaxe.
Taylor concordou com a cabeça, mas eu sabia que precisaria mais
do que só algumas palavras para que ela realmente relaxasse.
— Agora, me ajude a escolher algo para vestir — pedi, abrindo o
meu armário. — Jake e Maxon estarão aqui em quarenta minutos.
E eu passei os próximos vinte e cinco minutos só para escolher a
roupa. Não queria que Jake enxergasse a professora de seu sobrinho; queria
que ele enxergasse apenas a Elena. Então, depois de Taylor e eu debatermos,
acabamos concordando que uma calça jeans rasgada nos joelhos e uma blusa
preta,, com decote em V e de manga comprida seria bom o bastante. Eu
tinha a sensação de que Jake me levaria para jantar, mas eu tinha outros
planos. Sentar-nos um de cada lado de uma mesa parecia formal demais e se
eu tinha apenas uma chance ali, então eu queria que ele conhecesse o meu
lado divertido. Queria que ele tivesse uma lembrança boa comigo, não só
mais um jantar comum e previsível.
Sequei meu cabelo rapidamente e passei só um pouquinho de
maquiagem. Um toque de rímel, blush e um batom suave para dar uma cor
rosada e saudável aos meus lábios.
E a campainha tocou no mesmo instante em que terminei de fechar
o zíper da minha bota.
— Vou atender — disse Taylor, saindo do quarto e me deixando
sozinha para dar os retoques finais.
Enfiei o meu celular e meus documentos dentro de uma bolsinha
preta antes de dar uma última olhada no espelho. Casual e simples. Perfeito.
Ouvi a voz entusiasmada de Max assim que deixei o meu quarto,
no andar de cima da casa. O garotinho já falava sem parar sobre como seria
divertido passar algumas horas brincando com Taylor, e a minha amiga, em
contrapartida, revelava os seus planos para aquela noite, o que, percebi pelo
tom de voz de Max, só o deixou ainda mais animado.
Quando terminei de descer as escadas, encontrei Maxon já no sofá,
abrindo a sua mochila e tirando alguns brinquedos de lá de dentro. Ele abriu
um sorriso mais brilhante que o sol quando me viu.
— Oi, senhorita Blake.
— Oi, querido. — Eu me aproximei dele e fiz um carinho em suas
bochechinhas. — Animado?
Max assentiu com veemência, e eu dei uma risadinha.
— Divirta-se, meu bem.
Quando me virei na direção da porta, eu o vi. Jake estava parado,
as pernas um pouco afastadas, as mãos unidas em frente ao corpo, os ombros
aprumados e a postura impecável, quase como se ele estivesse se
apresentando a um superior na marinha. Ele vestia um suéter cinza chumbo e
uma calça jeans escura. Sua Dog Tag da marinha estava pendurada no seu
pescoço, dando um toque final. Eu não havia reparado na corrente antes, mas
tinha a sensação de que Jake nunca a tirava. E então seus olhos encontraram
os meus, me fazendo prender a respiração com a intensidade que encontrei
neles. Meu corpo ficou quente e minhas mãos começaram a suar, me
fazendo lutar contra a urgência de secá-las no tecido da minha calça. Jake
Hyder era um homem muito bonito. Incorrigivelmente sério e
assustadoramente grande, mas muito, muito bonito.
Se olhar para mim provocou algo nele, Jake escondeu muito bem.
Seu rosto permanecia impassível; os olhos, intransponíveis. Mas ele não os
desviou de mim. Jake manteve o contato visual quando me aproximei e senti
minhas bochechas ficarem quentes por estar sob seu escrutínio.
— Oi — eu disse, tímida. Me obriguei a sorrir, mesmo que o
nervosismo estivesse tomado conta de mim. Caramba, ele me deixava muito
nervosa.
— Oi.
Engoli em seco ao esquadrinhar de perto aquele rosto lindamente
rígido e fechado. Jake estreitou os olhos para mim, como se silenciosamente
me perguntasse o que estava procurando. Eu não sabia. Embora tivesse a
ligeira impressão de que havia algo ali para que eu encontrasse.
Taylor pigarreou e eu pisquei, saindo do estupor. Eu havia me
esquecido de que ela estava parada bem ali durante todo aquele tempo.
— Vamos? — perguntei ao Jake.
— Sim. — Ele se virou para Taylor. — Aqui está o meu telefone.
— Ele entregou um pedaço de papel para a minha amiga. — Me ligue se o
Maxon precisar de algo ou... ou se algo acontecer enquanto estamos fora.
Taylor pegou o papel e assentiu com a cabeça.
— Maxon, comporte-se — ordenou Jake ao sobrinho. Mas Maxon
já estava muito entretido com seus brinquedos para prestar atenção na ordem
do tio.
— Vejo você mais tarde — eu me despedi de Taylor, dando-lhe um
beijo rápido na bochecha antes de seguir Jake para fora de casa.
Surpreendentemente, Jake abriu a porta do seu carro para mim. Eu
agradeci, não sendo capaz de conter o sorriso, e entrei. Sem pressa, ele
fechou a porta e contornou o para-choque do carro. No instante em que seu
corpo se acomodou no banco do motorista, seu perfume almiscarado
inundou minhas narinas e todo o interior do veículo. Fiquei perigosamente
inebriada com aquele cheiro.
— Pensei em te levar para jantar — começou Jake, já dirigindo
pelas ruas tranquilas de Bayshore. — Um velho amigo me deu algumas
recomendações, então acho que...
— Na verdade, eu gostaria de levá-lo a um lugar — eu o cortei
com gentileza. — Não quero um encontro formal, quero algo divertido.
— Divertido — ele repetiu, quase como se a palavra lhe fosse
desconhecida por completo.
— Isso. Divertido. — Eu sorri ao ver o pavor no rosto dele.
Quando foi a última vez que Jake se divertiu? Provavelmente nem ele
mesmo sabia.
Jake se ajeitou no banco, visivelmente inquieto.
— Eu acho que você não me observou direito. Eu não sou o tipo
de cara divertido.
— Ah, eu sei disso — provoquei, e Jake arqueou uma sobrancelha
para mim. — Mas espero que você possa abrir uma exceção essa noite
porque eu estava realmente ansiosa para ganhar de você no boliche.
Os olhos de Jake desviaram da rua por um momento para olhar
para mim e a expressão que vi em seu rosto... Ele estava quase sorrindo.
— Boliche?
— Esse é o plano — confirmei.
— E você acha que pode ganhar de mim?
— Eu não acho, eu tenho certeza.
Jake umedeceu os lábios e notei que ele realmente se esforçava
para não sorrir. Eu não sabia por que ele lutava contra qualquer traço de
felicidade, mas aquilo era só uma das muitas coisas que eu não entendia
sobre Jake Hyder.
— Ok — ele concordou. — Boliche, então. Mas preciso te dizer,
Elena, eu não pego leve.
Foi a minha vez de lutar contra um sorriso.
— Que o melhor jogador vença, então.
Quando chegamos ao boliche, pegamos uma pista, trocamos
nossos sapatos e demos início ao jogo.
E eu menti descaradamente. Eu era horrível no boliche. Péssima
mesmo. Se existisse uma palavra pior do que vergonhoso, era o que eu era
quando estava tentando jogar boliche. As bolas deveriam estar enfeitiçadas,
pois nenhuma das últimas cinco que lancei na pista chegaram minimamente
perto de derrubar sequer um dos dez malditos pinos. Todas as minhas bolas
caíram em uma das duas valas nas laterais da pista. Quando a minha sexta
bola seguiu o mesmo caminho das cinco anteriores, eu suspirei, derrotada. E
ouvi uma risadinha soar atrás de mim.
— Pensei que você tinha dito que tinha certeza de que ganharia de
mim — zombou Jake. Os olhos estavam ligeiramente mais suaves agora do
que quando ele estava parado na sala de estar da minha casa.
Suspirei mais uma vez de forma dramática.
— Eu pensei que se você se sentisse desafiado, então havia uma
chance de concordar em mudar os planos — expliquei, frustrada. — Eu só
não imaginava que eu era tão ruim nisso. Qual é o problema com as bolas
que eu escolho?
— Acho que o problema delas está em quem as lança.
Fiz uma careta para Jake.
— Se formos parar para pensar a respeito, é bem injusto, na
verdade. Você é muito bom de mira e é mais forte do que eu.
— Foi você quem escolheu o jogo, eu não posso ser culpado por
isso.
Suspirei pela terceira vez. Ele estava certo. E eu estava começando
a me arrepender de ter escolhido ir até lá.
— Aqui. — Jake pegou mais uma bola e a entregou para mim. —
Tente de novo.
— Mas é a sua vez.
Ele deu de ombros.
— Quem se importa? Nós dois sabemos que eu vou ganhar de
qualquer jeito.
Eu o empurrei com meu corpo e Jake deu uma risadinha contida.
Sempre contido. Eu estava louca para ouvi-lo rindo pra valer.
Peguei a bola das mãos de Jake e caminhei até o limite da pista.
Senti a sua presença atrás de mim e meu corpo automaticamente reconheceu
a aproximação de Jake. Minha respiração acelerou e precisei prendê-la por
um instante para que ele não notasse o que estava fazendo comigo naquele
momento.
— Mantenha os olhos nos pinos — orientou, falando baixo perto
do meu ouvido. — Use toda a força que conseguir para jogar a bola para
frente, não para cima.
Olhei por cima do meu ombro e encontrei o olhar penetrante de
Jake. Ele ainda se esforçava para manter uma expressão que significasse que
nossas interações tinham certo limite — que ele só me deixaria chegar até
certo ponto —, mas não deixei de notar que suas pupilas estavam um pouco
dilatadas.
— Jogue, Elena.
Meu corpo inteiro se arrepiou com o timbre rouco da voz dele,
mas eu voltei a olhar para frente e encarei os pinos como Jake orientou. Dei
mais um passo para frente e joguei a bola com toda a força que consegui.
Então a vi rolar e rolar e rolar até acertar a lateral esquerda da formação
perfeita dos pinos, derrubando cinco deles.
— Ah meu Deus! — exclamei. — Você viu aquilo?
Jake deu um meio sorriso.
— Eu vi.
— Eu sou implacável!
— Completamente invencível — ironizou Jake, revirando os
olhos.
Dei uma risadinha e fiz uma dancinha para comemorar, mas
quando dei uma rodopiada para terminar meu passinho em grande estilo, me
desequilibrei. Jake foi rápido em me segurar, envolvendo o meu corpo com
os braços para que evitasse que eu fosse de encontro ao chão, no que seria o
tombo mais vergonhoso de toda a minha existência. A pegada de Jake nos
colocou a poucos centímetros de distância do rosto um do outro e nossos
corpos se tocaram na região da barriga. Estremeci quando a mão de Jake
tocou uma região da minha lombar onde a blusa não cobria. O toque foi
efêmero, mas suficiente para que eu notasse a mudança na respiração dele.
Jake engoliu em seco e deu um passo para trás quando estabilizou
meus pés no chão.
— Obrigada — eu disse, baixinho. Foi um milagre que eu sequer
tivesse encontrado a minha voz.
Ele pigarreou, limpando a garganta.
— Você é provavelmente a pessoa mais atrapalhada que já
conheci.
— Você me deixa nervosa — confessei.
Jake arqueou uma sobrancelha.
— Nervosa — ele repetiu como quem estava absorvendo a
revelação. — Você tem medo de mim?
Neguei com a cabeça. Eu não tinha nem um pouco de medo dele.
— Não. Você não me assusta, Jake. Não saber o que você está
pensando é o que me assusta.
Percebi nitidamente o momento em que seus lábios se curvaram
para baixo, trazendo para a superfície a tristeza que eu enxergava tão forte
nos olhos dele na maior parte do tempo.
— Acredite em mim quando eu digo que não saber o que eu estou
pensando é a melhor coisa que poderia acontecer com você. Eu me
ausentaria dos meus próprios pensamentos se tivesse a chance. Você é a
sortuda aqui.
— Não vejo como não conhecer tudo sobre você pode ser
considerado sorte.
Os olhos de Jake se acenderam em surpresa misturada com
fascínio e estranheza. Parecia que eu era uma incógnita para ele tanto quanto
ele era uma para mim.
— Seja lá o que você está procurando, você não vai encontrar
aqui, Elena. Acredite, eu não valho a pena.
— Por que você não deixa que eu decida isso? — sugeri com um
sorriso. — Me conte algo que se passa na sua cabeça.
Caminhei até a nossa mesa e me sentei, esperando que Jake se
juntasse a mim. E ele o fez. Eu dei um gole no meu refrigerante, tentando
agir casualmente depois de ter flertado com Jake na maior cara de pau. Eu
não costumava ser tão direta quando o assunto era flerte, mas eu sabia que
esse primeiro passo não partiria de Jake. Não quando ele se esforçava tanto
para manter as pessoas distantes dele. E eu estava curiosa e interessada, não
havia motivos para fingir o contrário. Nós éramos adultos de quase trinta
anos, a época dos joguinhos já havia ficado para trás há muito tempo.
— O que quer saber? — Jake perguntou, receoso.
— Qualquer coisa. Vou aceitar o que você estiver confortável para
compartilhar comigo.
Jake pensou por longos minutos. Eu não sabia se ele só estava
ganhando tempo para tentar me fazer esquecer o assunto ou se estava de fato
pensando em algo que se sentisse confortável de compartilhar. Pelo tempo
que ele estava levando para responder, eu soube que Jake possuía mais
memórias ruins e difíceis de encarar do que memórias boas e felizes para
compartilhar.
— Quero ser um bom tio para o Maxon — ele disse, finalmente.
— Na maior parte do tempo, não sei o que estou fazendo. Não sou... sensível
o suficiente para lidar com uma criança. Quando ele chora antes de dormir,
não faço nada a respeito, porque não sei como consolá-lo. Não sei como
estar lá por ele, emocionalmente falando. Mas eu quero fazer esse trabalho o
melhor que eu puder e quero que ele seja feliz.
— Posso afirmar que ele já está mais feliz do que duas semanas
atrás. E ele sabe que você se importa, Jake. Acho até que ele entende que a
sua rigidez não é falta de afeto, é só quem você é. Ou... ou pelo menos quem
você foi ensinado a ser quando estava na guerra.
Jake apertou seus dedos uns nos outros, me deixando saber que
estava incomodado.
— É. Talvez.
— Mas eu não quero falar sobre o Max essa noite. Me conte algo
sobre você. Quem é Jake Hyder? O que ele come? Onde habita?
Ele balançou a cabeça, achando graça do meu jeito.
— Bom... Tenho vinte e sete anos e... Eu não tenho nada bonito
para te contar, na verdade, mas... ahn... Acho que o que posso dizer é que
essa vida... Uma criança, uma casa, um encontro com uma mulher bonita...
Essa não era a vida que eu imaginei que teria. Eu pensei que morreria como
um fuzileiro, então tudo acabaria. Era para ter sido assim e agora tudo
mudou e... eu sinto que não sei mais quem eu sou.
Era triste pensar que Jake não possuía qualquer perspectiva de uma
vida longe da violência que testemunhou na guerra, que aquela realidade era
a única que ele conhecia e que havia aceitado o possível destino de morrer
lá, como tantos outros haviam morrido, sem nunca ter sentido felicidade,
amor e pertencimento. Meu coração se enchia de tristeza por ele ao mesmo
tempo em que queria poder ser capaz de proporcionar, pelo menos, algumas
risadas verdadeiras e sorrisos amplos àquele homem que havia sentido tão
pouco disso na vida.
— O lado positivo é que agora você tem tempo para descobrir
quem você é. Não o fuzileiro naval Jake Hyder, mas o homem por trás dele.
Você não deveria morrer sem saber quem ele é.
Jake pareceu refletir sobre as minhas palavras por um instante.
— Mas e você? — ele perguntou, mudando de assunto, claramente
não querendo mais falar de si mesmo. — Quem é Elena Blake? O que ela
come? Onde habita?
Eu dei risada.
— Bem... Elena Blake é uma mulher de vinte e seis anos
completamente apaixonada por pequenos seres humanos. Ela sabia que seria
professora desde os quatorze anos de idade e é louca por sobremesas.
Qualquer sobremesa. Eu amo doces. Elena Blake é filha única. Nasceu e
cresceu no lado sul de Bayshore, mas mudou-se para o lado norte depois de
terminar a faculdade.
— Você esqueceu de acrescentar que Elena Blake é péssima em
tiro ao alvo e no boliche também — Jake completou, brincalhão. — Ah e ela
sorri para todas as pessoas com quem conversa, mesmo que elas sejam ex-
fuzileiros navais babacas e arrogantes.
Eu gargalhei, jogando a cabeça para trás. Jake riu também. Uma
risada gostosa que eu ainda não tinha escutado antes. Fiquei
momentaneamente abestalhada.
— Tem razão, eu sou mesmo muito simpática e maravilhosa, o que
compensa totalmente a minha falta de habilidade em alguns setores.
— Totalmente — ele concordou, sarcástico. — Acho que estou
começando a entender por que o Maxon sempre sorri mais quando você está
por perto.
— Ah, é? E por quê?
Jake deu de ombros, como se o que fosse dizer em seguida não
fosse nada demais.
— É fácil gostar de você.
Mesmo que eu tentasse com tudo o que havia em mim, eu não teria
sido capaz de conter o sorriso que tomou conta dos meus lábios.
— E do seu sorriso — Jake acrescentou.
Senti minhas bochechas esquentando e eu sabia que estava
corando. Eu quase me sentia como uma adolescente que estava sendo
paquerada por um garoto pela primeira vez na vida.
— Você tem um sorriso bonito também, sabe... quando não está
tentando escondê-lo do mundo.
— Não sou o tipo de cara divertido, lembra?
Foi a minha vez de dar de ombros.
— Bom, eu não sei você, mas eu estou me divertindo, então talvez
a forma como você se enxerga esteja um pouquinho equivocada.
— Não acho que seja esse o caso, mas... — ele hesitou por um
instante e considerou se continuar faria mais bem do que mal. — Eu estou
me divertindo também.
— Estou feliz de saber disso.
Jake e eu pedimos uma pizza e mais alguns refrigerantes e
conversamos mais um pouco. Bom, eu falei a maior parte do tempo, mas ele
murmurava e balançava a cabeça para que eu soubesse que ele estava
prestando atenção. Ele falou um pouco também, mais do que eu considerei
possível para aquela noite. Durante todo o tempo, meu coração não se
manteve quieto. A cada meio sorriso de Jake, a cada risadinha contida, a
cada pequena coisa que ele decidia compartilhar comigo, meu coração
palpitava. Eu não era idiota, eu sabia que se continuasse vendo aquele cara
aquelas palpitações só aumentariam e em pouco tempo eu estaria
perigosamente apegada. Jake tinha esse magnetismo que parecia me atrair
mesmo contra todo o bom-senso. Nós éramos muito diferentes em muitos
aspectos da vida e havia uma dor que dominava a sua alma que me fazia
querer estar lá por ele, mesmo que Jake não quisesse a minha ajuda.
Mas querer e precisar eram coisas bem diferentes.
No final das contas, eu sabia muito pouco sobre aquele homem,
mas o pouco que eu sabia, eu gostava. Sim, ele era seco e rude em muitos
momentos; não confiava facilmente nas pessoas; falava pouco e sorria
menos ainda, mas havia algo nele... Algo nos olhos dele que pedia por
socorro. Era fugaz os momentos em que aquela necessidade se apresentava
no seu olhar, mas eu a vi. Clara como a luz do sol.
Minha mãe costumava dizer que um grito de socorro nem sempre
é um grito, nem sempre é verbalizado. Às vezes o silêncio e a reclusão são
gritos tão potentes quanto aqueles que são possíveis ouvir.
E Jake estava gritando.
Max estava gritando.
A maioria das pessoas só não prestava atenção o suficiente para
ouvir.
Quando Jake parou o carro em frente à minha casa, eu não queria
me despedir. Queria que a nossa noite tivesse durado por mais algum tempo,
mas estava ficando tarde e Jake precisava levar o Max para casa. E eu
comecei a me perguntar se precisaria eu mesma chamá-lo para sair mais uma
vez. Se ele não estivesse interessado, era melhor que eu sufocasse aquele
crescente sentimento o mais depressa possível.
— Obrigada por essa noite — eu agradeci. Meu coração estava
leve e eu me sentia quase nas nuvens.
Jake olhou para mim por longos minutos sem dizer uma só
palavra. Eu não sabia o que ele estava procurando ou o que estava
esperando, mas não o apressei, apenas fiquei ali e deixei que ele olhasse para
mim pelo tempo que quisesse, pois eu também queria olhar para ele. A visão
era muito agradável.
— Saia comigo mais uma vez, Elena — ele pediu de repente,
quebrando o silêncio.
Meu coração disparou e precisei lutar contra a urgência de
arregalar os olhos em surpresa. Eu não estava esperando que ele me
convidasse. Mesmo que tivéssemos tido uma noite agradável e que ele
tivesse dito que estava se divertindo, um segundo encontro só estreitaria os
laços entre nós e eu não achei que Jake iria querer uma coisa dessas.
— Sim — eu respondi, contida, embora meu coração pulasse no
meu peito como se estivesse em um pula-pula. — Eu gostaria disso.
Jake conteve um sorriso.
— No próximo final de semana, há uma... uma festa de um velho
amigo meu. Ele e a esposa estão fazendo anos de casados e... bom... se você
quiser ir, posso passar para te buscar umas duas horas da tarde?
— Parece ótimo para mim.
— Ok, então. É um encontro.
— É um encontro.
Nós saímos do carro e caminhamos até a porta da minha casa. Eu
avisei Taylor que nós estávamos voltando, então Max já devia estar pronto
para ser levado para casa e descansar.
Quando paramos em frente à porta, sem pensar muito, inclinei meu
corpo para frente e fiquei na ponta dos pés para dar um beijo na bochecha de
Jake. O corpo dele ficou tenso por um momento, mas o senti relaxar quando
meus lábios tocaram suavemente a pele da sua bochecha. Em seguida, me
afastei.
— Boa noite, Jake — me despedi, pois sabia que quando Maxon
entrasse em cena não conseguiríamos nos despedir direito.
— Boa noite, Elena.
Sorri e abri a porta de casa. Max estava dormindo no sofá, então
rapidamente Jake pediu licença e entrou na minha casa, pegando o sobrinho
no colo e jogando a mochilinha do super-homem dele nas costas. Jake se
despediu rapidamente de Taylor e abriu um meio sorriso para mim antes de
ir embora carregando consigo muito mais do que apenas o Max.
Capítulo 12

Quando me deitei na cama naquela noite, meus pensamentos estavam em


Elena. Aquele encontro horas antes não fora nada como eu havia antecipado.
Eu estava certo de que seria pelo menos agradável, mas que no final da noite
eu não teria disposição ou vontade de marcar o próximo. Não por Elena, mas
por mim. No entanto, quando estacionei o carro na frente da casa dela e a
encarei; olhei profundamente nas nuances de castanho dos seus olhos, eu
soube que queria vê-la de novo. Não a ver do lado de fora da escola todos os
dias, quando ia deixar o Maxon, mas vê-la e tê-la só para mim por algumas
horas. Era fácil conversar com Elena. Era leve. Ela tinha o dom de lidar com
as pessoas e envolvê-las em seu véu invisível, onde nós, meros mortais, nos
sentíamos extremamente confortáveis em compartilhar com ela nossas dores
mais profundas. E Elena não as julgava, não as menosprezava. Ela entendia
e se compadecia genuinamente. Ela me lembrava um pouco do meu irmão
nesse aspecto.
Senti que minhas pálpebras começaram a pesar lá pelas duas da
manhã, mas eu ainda estava lutando contra o sono. Eu não me lembrava da
última vez em que não tive medo de adormecer. Quando dormia, eu não
tinha controle de mim mesmo; quando dormia, era fácil confundir o que era
pesadelo do que era realidade. E as lembranças me engoliam, com a
promessa solene de nunca me deixarem esquecer.
 

Devin estava sentado na extremidade leste do acampamento


militar. Suas costas estavam encostadas na cerca enquanto ele apoiava um
punhado de papéis na coxa e escrevia uma carta. Eu sabia exatamente quem
era o destinatário. Seu filho Maxon.
Eu não via o meu sobrinho desde que tinha me alistado na
marinha. O vi nascer, mas foi isso. Tudo o que eu sabia sobre ele era o que
Devin me contava. Eu conhecia a aparência do garoto pela foto do filho que
meu irmão carregava consigo para todos os cantos, como se para nunca
esquecer que ele tinha alguém esperando que ele voltasse para casa, alguém
por quem ele deveria lutar para sobreviver. E depois que Julia morreu,
Devin parecia ansiar cada dia mais pelo famigerado dia em que ele
terminaria de cumprir os dois anos desde o seu último realistamento.
Por outro lado, eu não tinha nada com o que me preocupar ou
com quem me preocupar além de Devin.
Sem namorada.
Sem filhos.
Sem família.
Eu não tinha nem sequer um cachorro.
Minha vida era ser um fuzileiro naval. “Semper Fi!” é o nosso
lema, que significa Sempre Fiel em latim. E esse era eu. Afinal de contas, eu
não tinha nada a perder.
— Eu estava procurando você — eu disse como cumprimento.
Meu irmão levantou a cabeça, semicerrando os olhos para
conseguir me ver, por conta dos fortes raios de sol. Ali era muito quente.
Quase o tempo todo.
— Bom, você me encontrou. O que foi?
Eu me sentei ao lado dele. Poderíamos demorar alguns minutos a
mais para nos reportar ao Tenente-Coronel. Não tempo demais, mas o
suficiente para que Devin pudesse terminar a sua carta.
— Michaels está nos convocando para outra missão de
reconhecimento. Parece que um vilarejo foi evacuado não muito longe
daqui. Michaels acha que nossos inimigos podem estar cogitando formar
uma base de resistência lá.
Devin assentiu com a cabeça sem tirar os olhos do papel na sua
frente.
— Eu acho que você deveria sair — ele disse de repente, mudando
completamente de assunto.
Franzi o cenho no momento em que seus olhos castanhos
encontraram os meus.
— Sair?
— Da marinha. Você e eu deveríamos sair juntos. O seu serviço
termina um ano antes do meu, Jake. Vá para casa. Em um ano, eu vou me
juntar a você e então eu, você e Max poderemos ter uma vida diferente. Uma
vida melhor — ele elaborou, esperançoso. — Você sabe que eu nunca quis
que você seguisse os meus passos.
— Você é meu irmão, a única família que eu sempre tive. É claro
que eu iria seguir os seus passos, Dev.
Ele deu um sorriso triste.
— Eu queria poder ter dado uma vida melhor a você, irmãozinho.
Balancei a cabeça, irritado com a culpa que a sua voz carregava.
Devin não deveria se sentir culpado por nada. Eu estava vivo graças a ele.
— Para com isso. Você me deu a melhor vida que podia. Eu
estaria preso ou morto há muito tempo se não fosse por você. Eu espero que
saiba o quanto sou grato.
Devin deu uma risada carregada de escárnio.
— Grato? Olhe ao redor, Jake! Nós estamos no meio da porra de
uma guerra. A vida que eu te dei nos trouxe para cá. Como você pode ser
grato por isso?
Dei de ombros.
— A marinha salvou a nossa vida, cara. O que teria sido de nós
dois em Bayshore? Iríamos continuar passando fome? Contando cada
maldito centavo? Aquilo não era vida.
— Isso aqui também não é, Jake — ele replicou, amargurado. —
Nós servimos o nosso país bem e seremos vistos como heróis quando
voltarmos para casa. Podemos recomeçar. Eu quero mais para você do que
uma vida na guerra. Eu quero ter sobrinhos, Jake, porra.
Eu dei risada. Aquilo não iria acontecer. Ser pai era algo que não
passava pela minha cabeça nem naquele momento nem em momento
nenhum. Eu era péssimo com crianças. Eu era péssimo com pessoas, ponto
final.
— Vai sonhando.
— Uma cunhada, pelo menos — continuou Devin, agora todo
sorridente. — Qual é, uma garota bonita para colocar um sorriso nessa sua
cara emburrada, seria muito bom.
Revirei os olhos.
— Eu estou muito bem no quesito mulheres, obrigado —
desconversei. — Essa é a minha vida agora, Dev. É o que sei fazer, é no que
sou bom.
A fisionomia do meu irmão mudou novamente, voltando a
apresentar a seriedade e amargura de minutos antes.
— Ninguém deveria ser bom em matar pessoas, Jake.
Um nó se formou na minha garganta. Se eu não era bom em nada
além daquilo, então o que eu era? Um assassino sem alma.
— Eu te amo, Jake — meu irmão disse. — E a oferta sempre
estará de pé. Não importa o que você escolha, eu sempre vou amar você.
Sempre e para sempre.
— Eu também te amo, Dev. Sempre e para sempre.
Devin sorriu para mim antes de dobrar o papel com a carta para
Maxon, enfiando-o no bolso da sua farda junto com a caneta que usava.
— Vamos — ele disse, levantando-se e estendendo a mão para me
puxar do chão. — Não queremos deixar Michaels esperando.
E aquela foi a última conversa que tive com o meu irmão antes de
ele literalmente explodir.
 
Acordei em um sobressalto, suando e com a respiração acelerada.
A lembrança ainda se revirando no fundo dos meus olhos, de novo, e de
novo, e de novo. Enfiei as unhas na palma da mão até senti-las adentrar a
minha pele e trazer a dor. A dor me impedia de ser transportado para além da
realidade e a ela eu me agarrava com unhas e dentes, quase literalmente.
Devin acreditava que poderíamos ter uma vida melhor. Eu, ele e
Maxon. E naquele momento, na penumbra do meu quarto — no quarto que
deveria ser dele —, eu me perguntava como essa vida teria sido se ele
tivesse saído e eu tivesse seguido o seu conselho e saído também. Tudo seria
tão diferente. Devin estaria aqui para ser uma ponte entre mim e Maxon, e
meu sobrinho não se sentiria tão sozinho. Mas se Devin estivesse aqui, eu
provavelmente não estaria. Sair da marinha não era algo que eu considerava.
Por mais que fosse aterrorizante, por mais que me destruísse e me causasse
as piores e mais profundas cicatrizes, eu não me imaginava fazendo algo
diferente com a minha vida. Eu não sabia quem eu era se não fosse um
fuzileiro.
O lado positivo é que agora você tem tempo para descobrir quem
você é. Não o fuzileiro naval Jake Hyder, mas o homem por trás dele. Você
não deveria morrer sem saber quem ele é.
As palavras de Elena voltaram à minha mente e percebi o quanto
eu estava completamente perdido. Às vezes parecia que fazia anos que
Devin havia partido e eu havia deixado a marinha, mas fazia pouco menos
de um mês. E tudo estava tão assustadoramente diferente agora que era
difícil acompanhar.
Como eu havia chegado ali? Eu me perguntava de vez em quando.
Como a vida havia mudado tanto e tão rápido que todas as perspectivas de
futuro que eu possuía a menos de um mês atrás, agora eram completamente
inalcançáveis?
Passei as mãos pelo rosto para me livrar dos resquícios do sono.
Eu conseguia sentir meu corpo ainda exausto; minha mente, mais exaurida
ainda, mas eu não voltaria a dormir. Um pesadelo por noite já era mais do
que o suficiente. Mais do que isso e eu perderia completamente a sanidade
que me restava.
— Tio Jake? — A voz de Maxon soou junto com uma batida na
porta do meu quarto.
— Entre.
A porta se abriu lentamente e meu sobrinho entrou no meu quarto,
mas não se aproximou da cama.
— O que foi, Maxon?
— Eu tive um pesadelo — ele disse. Somos dois, garoto. — Eu...
estava pensando se poderia dormir aqui... com você.
Meu corpo inteiro ficou rígido.
Nem fodendo! Eu quis gritar, mas engoli as palavras. Eu jamais
dormiria perto do Maxon. Jamais o colocaria nesse tipo de perigo. Se eu
pegasse no sono por acidente... Se tivesse um episódio de ataque de pânico e
ele estivesse lá... Não. Eu nem sequer permitiria que meus pensamentos
caminhassem por aquela estrada.
— Não — respondi ao meu sobrinho, soando um pouco mais
áspero do que pretendia. — Volte para o seu quarto, Maxon.
— Mas eu estou com medo de ficar sozinho — ele choramingou.
Ele deveria ter muito mais medo de ficar comigo do que ficar
sozinho. Eu era o monstro que ele não sabia que espreitava a sua casa.
— Pegue o seu abajur de estrelas e o deixe ligado até que durma
— ordenei, sinalizando com a cabeça o abajur que estava em cima do meu
móvel de cabeceira. Eu ainda não tinha devolvido o objeto para ele.
Maxon respirou fundo e percebi que estava tentando segurar o
choro. Eu não sabia se era orgulho que o impedia de chorar na minha frente
ou se era medo que eu o achasse fraco e patético. Provavelmente, pelo meu
comportamento rígido, Maxon acreditasse que fosse a segunda opção. Eu
sabia que era doloroso para ele e não queria de forma alguma machucá-lo
ainda mais, mas eu não sabia como explicar para o meu sobrinho o quanto
eu era perigoso para ele sem deixá-lo apavorado. Eu não era bom com as
palavras e não queria que Maxon tivesse medo de mim.
Meu sobrinho pegou o abajur de cima do meu móvel de cabeceira
e voltou para o seu quarto sem dizer mais nenhuma palavra.
— Porra — eu praguejei baixinho.
Peguei meu celular para ver que horas eram e por quanto tempo eu
tinha dormido e me deparei com uma mensagem de texto de um número que
eu não conhecia.
Abri a mensagem.

Oi, Jake. É a Elena. Peguei o seu número com a Taylor, já que


você havia deixado com ela para caso de emergências envolvendo o Max.
Espero que não se importe. Achei que seria mais fácil que tivéssemos o
número um do outro :)

Quase como se ela soubesse que eu precisaria de um pouquinho


mais da sua luz, Elena decidiu mandar uma mensagem. E ela nunca saberia o
quanto aquelas poucas palavras foram importantes para acalmar a minha
alma perturbada naquela noite.
Capítulo 13

Na segunda-feira, dois dias depois do meu encontro com Jake, eu estava


prestes a entrar no meu carro para ir para o trabalho, mas a porta do veículo
foi fechada em um rompante antes que eu tivesse a chance de entrar. Quando
olhei para o lado, tentando entender o que estava acontecendo, dei de cara
com Jimmy. Meu ex-marido estava arrumado e cheirava a sabonete de erva-
doce, o que eu considerava um bom presságio, pois significava que não
estava bêbado. Seus olhos estavam sérios demais, no entanto. Senti um frio
na barriga que nada tinha a ver com a sensação gostosa de borboletas no
estômago.
— Jimmy! Você me assustou — disse, colocando a mão no peito e
tentando estabilizar a minha respiração. As vezes que ele decidia me abordar
daquela forma sorrateira, eram as piores. Eu sentia como se houvesse um
fantasma me perseguindo.
— Quem é ele, Elena? — ele demandou, sério.
— Ele? Ele quem? — perguntei, momentaneamente confusa.
— O cara com quem você saiu no sábado. Quem é ele?
Pisquei. Meu cérebro demorou alguns instantes para processar que
meu ex-marido estava me questionando sobre com quem eu saía ou deixava
de sair. Que direito ele pensava que ainda tinha para fazer tal coisa?
— Como você sabe sobre isso?
— Você acha que as pessoas nessa cidade não falam? Você achou
mesmo que conseguiria esconder de mim que está namorando? — ele me
acusou, se aproximando de mim com rapidez. Eu dei alguns passos para trás,
tentando impedir que ele chegasse perto demais. — Quem é ele, porra?
Eu engoli em seco quando senti que minhas mãos começaram a
tremer. O temperamento de Jimmy havia mudado drasticamente nos últimos
anos. Ele ficou amargurado, achando que o mundo estava contra ele por ter
tirado a sua mãe e o seu emprego dos sonhos em sequência. Uma garrafa de
uísque se tornou a sua melhor amiga e o menino simpático que conheci na
faculdade se transformou em um homem violento, irritadiço e imprevisível.
Eu não sabia como lidar com esse Jimmy, já que todas as vezes que tentei,
ganhei hematomas por isso.
— Jimmy, você e eu não somos mais casados há sete meses — eu
o lembrei, falando o mais tranquilamente que conseguia, embora meu
coração estivesse acelerado pelo medo. — Eu não tenho mais que te dar
satisfação do que faço ou deixo de fazer. Nós concordamos que seguiríamos
a nossa vida sem interferir na vida do outro, lembra?
Meu ex-marido passou a mão pelo rosto, irritado. Seus olhos
escuros me encaravam com revolta, mas também com sofrimento. Eu não
conseguia interpretar o que estava se passando na cabeça dele.
— Eu nunca deveria ter concordado com esse divórcio. Você é
minha, Elena. Sempre foi.
Meu corpo quis estremecer, mas consegui reprimir o impulso.
Demonstrar que eu estava com medo dele não era bom. Primeiro porque ele
saber que tinha esse poder sobre mim podia ser verdadeiramente perigoso;
segundo porque a única vez que demonstrei estar com medo, ele perdeu a
cabeça, dizendo que eu achava que ele era um monstro. Aquela noite não
acabou bem para mim.
— Você sabe muito bem o motivo pelo qual nós nos divorciamos,
Jimmy. Foi o certo a fazer.
— Eu estou tão arrependido, Elena — ele disse, chegando perto
muito rápido para que eu conseguisse impedi-lo. Seu corpo pressionou o
meu contra o meu carro e Jimmy segurou o meu rosto entre as suas mãos. —
Estou tão arrependido, amor. Você não tem ideia. Eu te amo tanto. Te amo
pra caralho, Elena, e queria que você soubesse que eu estou me tratando
agora. Podemos ficar juntos de novo. Eu vou me cuidar, vou cuidar de você.
— Jimmy, por favor. — Eu tentei empurrar o seu peito com as
duas mãos, mas ele me segurou pelos braços e era forte demais para que eu
conseguisse afastá-lo. — Pare com isso.
— Você já me amou uma vez, pode me amar de novo. Vamos fazer
dar certo, Elena.
Comecei a sentir dor onde Jimmy me segurava com firmeza e
sabia que se eu não saísse daquela situação logo, teria que explicar dois
novos hematomas para a Taylor.
— Você está me machucando — eu disse, séria. — Me solte agora,
Jimmy!
Meu ex-marido encostou a sua testa na minha e finalmente me
soltou, mas só para poder esmurrar o capô do meu carro. Eu me sobressaltei,
assustada, mas garanti que essa fosse a minha única demonstração de medo.
Quando ele se afastou, eu o encarei com firmeza, não deixando que ele visse
no meu rosto o quanto eu estava aterrorizada.
— Você está apaixonada por aquele cara?
Eu não estava apaixonada por Jake ainda, mas estava interessada
nele. No entanto, não queria responder à pergunta de Jimmy, porque não
queria que ele pensasse que tinha o direito de me exigir respostas. Quando
você começa a responder a esse tipo de pergunta, é um caminho sem volta.
— Jimmy, eu preciso ir para o trabalho. Você também precisa
trabalhar.
— Você não respondeu à minha pergunta!
— Não respondi porque não é da sua conta — eu o enfrentei com
toda a coragem que consegui reunir. — Eu não sou mais da sua conta. Me
deixe viver a minha vida, por favor. Vá viver a sua.
Jimmy balançou a cabeça em uma negativa.
— Eu ainda vou te reconquistar, Elena — ele garantiu com uma
determinação que me assustava. — Você vai ver.
Sem dizer mais nada, Jimmy virou as costas e foi embora. Eu só
me permiti respirar quando o vi virando a esquina e sumindo do meu campo
visual. Minhas pernas perderam a força momentaneamente e precisei me
agarrar no meu carro para não cair no chão, quando finalmente soltei a
respiração que estava presa nos meus pulmões.
Droga.
Eu sabia que mais cedo ou mais tarde, Jimmy iria ficar sabendo do
meu encontro do Jake, porque esse é o problema com cidades pequenas. As
notícias correm na velocidade da luz. Mas eu tinha esperança de que fosse
demorar um pouco mais.
Abaixei os olhos para os meus braços, para o local por onde
Jimmy me segurou, e praguejei mentalmente quando me dei conta de que
meu braço direito estava bastante vermelho. Merda. Olhei o meu relógio de
pulso. Eu estava atrasada e se não saísse naquele segundo, chegaria depois
que o sinal tocasse. Eu não podia deixar os meus alunos sozinhos, então
respirei fundo algumas vezes e me convenci de que estava tudo bem. Tudo
estava sob controle. Eu poderia lidar com Jimmy depois.
Entrei no meu carro, liguei o rádio e peguei o caminho para a
escola enquanto tentava — inutilmente — ignorar meus batimentos
cardíacos acelerados e o medo que parecia impregnado até nos meus ossos.
Eu precisava encontrar uma forma de manter Jimmy longe de mim de uma
vez por todas.
 

Consegui chegar na escola a tempo, então assumi o meu posto do


lado de fora para recepcionar os meus alunos como fazia todos os dias. Mas
diferente dos dias normais, naquele em específico, eu estava dispersa e sorria
automaticamente, sem pensar no que eu estava fazendo. Só saí do estupor
quando senti alguém me abraçando pelas pernas. Só havia uma criança que
fazia isso. Meus olhos encontram o pequeno Max olhando para mim. Ele não
estava sorrindo, o que imediatamente me chamou a atenção.
— Oi, pequeno — eu o cumprimentei, me abaixando para ficar na
sua linha de visão. Fiz carinho no seu cabelo castanho. — Tudo bem?
Max deu de ombros.
— O que aconteceu, querido?
Olhei por cima da cabeça de Max e encontrei Jake parado perto do
seu carro, olhando para mim e para o sobrinho. Sua fisionomia estava séria
novamente. A muralha havia sido reerguida.
Max não respondeu à minha pergunta, apenas contornou o meu
corpo e seguiu para dentro da escola, me deixando completamente perdida.
O que foi que aconteceu? Eu me levantei e caminhei até Jake, já que ele
ainda estava parado junto ao carro, claramente esperando que eu fosse
conversar com ele, caso contrário já teria entrado no seu carro e fugido,
como fez das primeiras vezes que conversamos.
— Oi — eu o cumprimentei, preocupada. — O que aconteceu com
o Max?
— O que aconteceu com o seu braço? — Jake devolveu
imediatamente.
Olhei para o meu braço novamente, me dando conta de que a
vermelhidão deu lugar a um arroxeado claro. Merda. Automaticamente
coloquei minha mão para cobrir o hematoma.
— Ah... eu saí apressada de casa e acabei batendo o braço na quina
da parede. Você sabe como sou atrapalhada. Não é nada demais.
Jake me encarou duramente e seu rosto estava tão sério que eu não
conseguia adivinhar no que ele poderia estar pensando; se acreditou ou não
no que eu estava dizendo. Eu rezava para que sim.
— O que aconteceu com o Max? — eu perguntei de novo,
desesperada para mudar o foco da conversa. — Ele parece bastante
aborrecido.
— Ele teve pesadelos, pediu para dormir comigo e eu disse que
não — Jake me explicou, sucinto. Seus olhos, por outro lado, ainda
encaravam o lugar onde minha mão escondia o hematoma que Jimmy
causou.
— Ah, Jake...
Jake não parecia ter explicado para Max o motivo da sua recusa a
dormir com ele, o que era bastante compreensível. Era um assunto delicado
para se tratar com uma criança tão pequena, mas me angustiava ver a forma
como Max se transformava em outra criança sempre que Jake o afastava.
O sinal tocou dentro da escola, me trazendo de volta à realidade.
— Sinto muito, Jake. Vou ver o que posso fazer para animá-lo. —
Eu sorri para ele, querendo poder ver aquele sorrisinho contido que Jake se
esforçou tanto para esconder durante o nosso encontro, mas ele não revelou
nada. — Preciso ir.
— Tenha um bom dia, Elena.
Suspirei. Parecia que havíamos voltado à estaca zero.
— Você também, Jake.
Capítulo 14

Uma semana depois do meu encontro com Elena, lá estava eu me


arrumando para mais um encontro com ela.
Nós tivemos curtas interações durante a última semana, mas ela
sempre fazia questão de vir me cumprimentar quando eu estacionava o carro
e ajudava Maxon a descer. Ela abria um enorme sorriso para o meu sobrinho
e, embora segunda-feira tenha sido um dia ruim, Maxon retribuiu todos os
sorrisos de Elena de terça-feira em diante. Seja lá o que ela tivesse feito
durante a aula, o fazia voltar para casa mais feliz do que quando saía. E não
deixei de notar que Elena dedicava alguns minutos a mais para sorrir para
mim também. Maxon e eu, por outro lado, quase não nos falamos depois
daquela noite em que ele pediu para dormir comigo. Eu sabia que o tinha
magoado, mas eu sendo quem eu era, não sabia como consertar aquilo. Parei
do lado de fora do quarto dele mais vezes do que podia contar, mas nunca
consegui abrir a porcaria da porta.
Converse com ele, Jake. Não é tão difícil assim. Eu repetia aquilo
para mim mesmo o tempo todo, como um mantra, mas nunca conseguia ir
adiante. Era como se correntes invisíveis me puxassem e me afastassem dele
sempre que eu tentava abrir a boca para me desculpar.
Correntes carregadas da culpa imensa que eu sentia.
Bati na porta do quarto de Maxon quando deu a hora de irmos e o
encontrei se olhando no espelho enquanto tentava fazer o nó da gravata. Ele
estava fofo demais com aquele mini terno, mas eu não estava esperando que
ele quisesse usar a gravata.
— Oi — eu disse, entrando no quarto. Maxon não respondeu. Ele
nem sequer olhou na minha direção. — Venha cá, eu faço isso para você.
— Não! — ele gritou quando eu me aproximei e tentei virá-lo de
frente para mim. — Eu vou fazer sozinho.
A sua ênfase na última palavra não passou despercebida. Eu o
tinha mandado de volta para o próprio quarto, para ficar sozinho e agora ele
estava com raiva de mim. Não podia dizer que o culpava por aquilo.
Eu me afastei, mas permaneci dentro do quarto enquanto assistia
meu sobrinho sofrer para fazer um nó de gravata que ele claramente não
sabia como. Ninguém nunca o ensinou, como ele poderia saber?
— Maxon...
— Vai embora — ele choramingou, e vi pelo reflexo do espelho
que seus olhos castanhos estavam tomados pelas lágrimas. Ele rapidamente
as secou. — Eu vou fazer sozinho.
A culpa ameaçava me comer vivo àquela altura. Eu não suportava
aquilo. Odiava que ele tivesse passado uma semana inteira sem falar mais do
que uma dúzia de palavras comigo, odiava que eu o tivesse magoado, odiava
que ele estivesse sofrendo e eu fosse um babaca que não sabia como
consolá-lo. Eu me odiava pelo que estava fazendo com ele.
Engoli em seco e reuni a coragem que havia me faltado na última
semana.
— Me desculpa — eu disse, baixo.
Maxon fungou e abaixou a cabeça, tentando conter o choro. Ele
não olhou para mim e não soltou as duas pontas ainda soltas da gravata.
— Maxon, olhe para mim — pedi com a voz mais gentil que já fui
capaz de produzir.
Meu sobrinho negou com a cabeça.
— Vai embora — ele balbuciou. — Você não tem que ser legal
comigo agora. Eu sei me virar sozinho.
— Mas eu não sei — admiti, porque acreditava que só se ele
também me visse vulnerável, ele iria entender o quanto eu sentia muito. —
Eu não sei me virar sozinho. Preciso... preciso de você, Maxon. Odeio que
esteja chateado comigo.
Meu sobrinho finalmente se virou de frente para mim e eu me
agachei no chão para ficar na sua linha de visão. Eu respirei fundo e tentei
pensar em uma forma tranquila de explicar para ele um pouco de quem eu
era; do que estava errado comigo.
— Você se lembra daquela noite em que você disse que eu estava
gritando enquanto dormia?
Ele confirmou com a cabeça, os olhos vermelhos pelo choro.
— Você lembra que eu quebrei a mesinha de centro? — Ele
confirmou de novo. — Isso é o que acontece quando eu durmo. Eu... eu não
sou eu mesmo, eu... perco o controle. É por isso que você não pode dormir
comigo, entendeu? Eu não suportaria se machucasse você.
As lágrimas rapidamente despencaram dos olhos castanhos de
Maxon e imitando a rapidez delas, ele as secou com as mãos pequenas.
Deus, ele era tão pequeno. Às vezes eu me esquecia do quão pequeno ele
era.
— Eu não quero que você me odeie — ele choramingou.
— Mas eu não te odeio, Max.
— Mas odeia ter que cuidar de mim — ele replicou, contundente.
O aperto no meu peito foi tamanho que por alguns instantes eu
senti que não havia ar entrando nos meus pulmões. Caralho, eu não
conseguia respirar.
Tentei me lembrar o que Devin fazia comigo quando éramos
pequenos e era eu quem estava chorando, ou porque estava com fome, ou
porque estava com frio, com medo, com sono... Tentei me lembrar como ele
me acalmava, o que dizia para mim, como se comportava. Talvez se eu
conseguisse replicar o que meu irmão mais velho fazia comigo, então talvez
conseguisse ser melhor para o Max. Talvez conseguisse ser para ele o que
meu irmão foi para mim.
Eu precisava me esforçar mais. Os meus sentimentos não
importavam se Maxon estivesse se despedaçando bem na minha frente. Eu
precisava ser melhor, mesmo que eu tivesse que me desconstruir por
completo para isso.
— Vem aqui.
Maxon deu pequenos passos na minha direção e quando ele estava
perto o suficiente, eu o abracei. Não pensei. Não deixei que minha mente
tentasse me convencer de que manter distância era o melhor. Eu apenas o
segurei nos meus braços como Devin fazia comigo. E Maxon se desfez em
lágrimas quando envolveu meu pescoço com os braços pequenininhos, me
abraçando de volta.
Eu o peguei no colo e fiquei ali, parado no meio do quarto dele,
com Maxon chorando com o rosto enterrado na curva do meu pescoço.
— Me desculpa, Max — eu pedi novamente. — Sinto muito por
ter magoado você.
Ele soluçou.
— Eu sinto... muito... que eu não sou... o que você queria — ele
chorou, tentando falar enquanto soluços violentos o sacolejavam.
— Shhhh — eu soprei. — Não diga isso. Você é exatamente o que
preciso para sobreviver. Eu só não sabia disso antes.
Maxon não respondeu, ele apenas me abraçou mais forte e
continuou chorando. Não sei quanto tempo ficamos daquele jeito, mas eu
não o soltei e eu não o soltaria até que ele quisesse.
— Eu vou ser melhor, está bem? Eu vou ser melhor para você.
Ele fungou, mas eu senti sua cabeça balançando em um
movimento afirmativo.
— Você pode me ajudar com a gravata? — ele perguntou,
baixinho.
Eu dei uma risadinha.
— Ajudo.
Coloquei Max no chão e abaixei novamente. Fiz o nó da gravata
enquanto explicava para ele o passo a passo. Max prestou atenção nas
minhas instruções e quando desfiz o nó e pedi que ele repetisse, ele quase
acertou de primeira. Quando acertou, na segunda tentativa, o sorriso voltou a
fazer morada em seu rosto e senti meu coração leve pela primeira vez na
última semana.
Depois de terminarmos de nos arrumar, coloquei Maxon em sua
cadeirinha no carro e passei o cinto, seguindo para a casa de Elena.
Como estávamos um pouquinho atrasados, Elena já estava
esperando do lado de fora. E ela estava linda. Deslumbrante talvez fosse a
palavra correta para descrevê-la. Elena usava um vestido rosa claro que
deixava seus ombros à mostra, acentuava suas curvas de uma forma discreta
e terminava na altura dos seus joelhos. Seu cabelo loiro e levemente
cacheado estava solto e caía pelas laterais do seu corpo. Ela sorriu quando eu
parei o carro junto ao meio-fio. Fiquei tão abestalhado ao olhar para Elena
que até me esqueci de sair para abrir a porta para ela. Elena não pareceu se
importar com a minha falta de cavalheirismo, no entanto. Ela entrou no carro
e se ajeitou no banco do passageiro.
— Boa tarde, meninos — ela nos cumprimentou, sorridente como
de costume. E então olhou para trás para ver meu sobrinho. — Max! Ah meu
Deus! Olhe só para você nesse terno. Está muito elegante.
— Obrigado! — Meu sobrinho abriu o maior de todos os sorrisos.
— O Tio Jake me ensinou a fazer o nó da gravata hoje.
— É mesmo? — Elena olhou para mim. — Ora, você também está
muito elegante, Jake.
— Obrigado.
Elogie ela também, seu idiota.
— Você, ahn... Está linda, Elena.
As bochechas dela foram tingidas de um suave tom rubro e o
sorriso foi bem mais tímido. Ela era ainda mais linda quando corava.
— Obrigada.
Música foi o que preencheu o silêncio do carro enquanto eu dirigia
até o endereço que Edwin enviara para mim por mensagem. Ele morava no
lado leste de Bayshore, a parte mais rica da cidade. Isso não me surpreendeu.
Edwin sempre foi inteligente. Mesmo na época da escola, quando insistia em
andar comigo e as pessoas diziam que eu o carregaria para o fundo do poço,
Edwin estava prometido à grandeza. Talvez a extrema humildade dele e seu
sorriso fácil e radiante — como o de Elena — tenha contribuído para isso. E
eu estava feliz por ele. Grato, até. Minha adolescência teria sido muito pior
se ele não estivesse lá para tentar dissipar meu mau humor com a sua típica
leveza.
A rua de Edwin estava abarrotada de carros, o que me fez
questionar quantas pessoas exatamente ele havia convidado. A maldita
cidade inteira? Suspirei. Seria um longo dia se eu iria precisar aguentar os
olhos curiosos daquelas pessoas.
Estacionei o carro. Fui ágil dessa vez, abrindo a porta para Elena e
estendendo a mão para ajudá-la a sair do veículo. Em seguida, abri a porta de
trás e tirei Max da cadeirinha. Por um instante, nós três ficamos parados na
calçada, olhando para a impressionante fachada da casa de Edwin enquanto
pessoas e mais pessoas entravam.
Eu já estava me sentindo claustrofóbico sem nem me aproximar.
— O que nós estamos esperando? — Max perguntou, o cenho
franzido em confusão.
Elena riu.
— Nada, querido — ela respondeu ao meu sobrinho. — Vamos?
— perguntou para mim.
— Vamos.
Edwin estava no hall de entrada de sua casa, recepcionando os
convidados que chegavam aos montes. No momento em que ele me viu, seu
sorriso pareceu ainda maior do que segundos antes. Eu apostava que Edwin
não estava acreditando que eu realmente fosse aparecer.
— Isso só pode ser uma miragem — brincou.
— Eu disse a você que viria — retruquei.
— Ora, Jake, você sabe tão bem quanto eu que você falar que vai
aparecer e realmente aparecer são duas coisas extremamente diferentes —
ele implicou, sorridente. — Mas estou feliz que veio. E trouxe uma linda
donzela.
Donzela.
Ah, pelo amor de Deus.
Elena deu uma risadinha.
— É um prazer conhecê-lo...
— Edwin — ele completou por ela. — Você nem sequer disse meu
nome a ela? Que indelicadeza, Hyder.
Revirei os olhos.
— Sou Elena. — Ela estendeu a mão para ele, que segurou em um
cumprimento formal. — Obrigada por me receber na sua casa.
— É um prazer — ele garantiu. — E aí, Max.
Meu sobrinho sorriu, feliz por ter sido reconhecido.
— Puxa vida, como você cresceu!
— Tenho cinco anos — informou Max, levantando os cinco dedos
da mão para demonstrar.
— O tempo voa — disse Edwin.
Meu amigo chamou sua esposa para nos cumprimentar. Katelyn
arregalou os olhos quando me viu. Ela parecia tão feliz quanto Edwin por eu
estar ali. Elena e Katelyn se deram bem instantaneamente e começaram a
falar sobre a decoração da casa, a qual Elena elogiava avidamente. Era uma
casa muito bonita, de fato. Max se apressou para ir para os fundos, onde um
pula-pula havia sido instalado para as crianças — como Edwin havia
prometido. Pedi que ele não saísse de lá sem me avisar e que de maneira
nenhuma deixasse a propriedade. A empolgação de Max era tamanha que ele
mal confirmou com a cabeça antes de sair correndo e sumir entre os
convidados.
Edwin e Kate foram dar atenção aos outros presentes enquanto eu
e Elena buscávamos algo para beber no bar improvisado na sala de jantar da
casa. Ela pediu uma taça de vinho tinto, mas eu fiquei só na água. Estava
dirigindo, afinal.
— Max parece feliz hoje — observou Elena por cima da borda da
sua taça de vinho. Ela deu um pequeno gole na bebida.
— Nós dois finalmente nos entendemos. Está tudo bem agora.
Elena sorriu para mim.
Algo no meu coração aqueceu.
Pare.
Ela tinha aquele tipo de sorriso que fazia as pessoas acreditarem
que ela não possuía um único problema na vida. Eu gostava daquele sorriso.
Gostava um pouco demais.
Um silêncio confortável recaiu sobre nós enquanto os olhos
castanhos dela esquadrinhavam o meu rosto, me possibilitando fazer o
mesmo. Elena carregava uma esperança nos olhos, mas eu não sabia se era
algo direcionado a mim ou se ela era apenas uma pessoa que possuía
esperança na vida de modo geral. Mas eu gostava de ver aquilo brilhando em
seu olhar, me fazia sentir mais normal, menos quebrado. Saber que ela tinha
esperança — em mim ou na vida —, mesmo tendo conhecimento das coisas
que precisei fazer enquanto era um fuzileiro, me fazia querer corresponder
àquela esperança. Me fazia não querer decepcioná-la.
Em suma, eu gostava da forma como ela olhava para mim.
Gostava um pouco demais.
— O que foi? — indaguei.
— O quê?
— Por que está me olhando assim?
— Eu estou curiosa sobre você — ela confessou.
Senti quando meus lábios se repuxaram em um pequeno sorriso.
— Não consigo imaginar o que mais você possa querer saber sobre
mim que ainda não sabe.
Elena deu uma risadinha.
— Eu quero saber de tudo.
Ela era adorável.
— Tudo — repeti, refletindo sobre seu pedido. — Isso é bastante
abrangente. Me faça uma pergunta e talvez eu te dê a resposta que deseja.
Seus olhos esquadrinharam meu rosto mais uma vez.
— Você tem uma cicatriz — ela afirmou.
— Eu tenho várias. Muitas não são visíveis.
Ela pareceu entender o que eu estava dizendo nas entrelinhas.
Minhas cicatrizes iam muito além do físico. As que marcavam a minha pele
eram as que menos me machucaram, na verdade.
— Eu estou falando dessa aqui. — Elena tocou rapidamente um
lugar no alto da minha testa, perto de onde meu couro cabeludo começava.
— Como a conseguiu?
Eu me lembrava bem do dia em que adquiri aquela cicatriz. Bom,
na verdade, eu me lembrava de uma parte dele.
— Houve uma explosão durante uma missão. Nós estávamos
buscando cobertura entre alguns prédios. Alguns pedaços de concreto se
desprenderam dos edifícios e um deles acertou a minha cabeça. Não era
grande, ou eu teria morrido, mas foi o suficiente para me apagar e me deixar
com essa cicatriz — contei, me esforçando ao máximo para não reviver os
detalhes.
Os olhos de Elena se arregalaram pelo horror.
— Ah meu Deus! Isso é horrível, Jake.
Dei de ombros de forma autodepreciativa.
— Faz parte.
— Esse foi o máximo que você já se machucou lá? — ela
perguntou, e percebi que ela estava curiosa e receosa com a minha resposta.
— Não. Fui baleado duas vezes.
Seus olhos ficaram ainda mais arregalados, se é que aquilo era
possível.
— Você levou dois tiros?! — ela exclamou, horrorizada. — Onde?
— Um no ombro. O outro na coxa.
— Eu não sei como vocês conseguem. Deve ser aterrorizante.
Mesmo com todo o treinamento, eu aposto que tudo é bem imprevisível.
Ela não estava errada sobre isso.
— Tem certeza de que quer continuar falando sobre minhas
experiências de guerra? — perguntei, torcendo para que ela quisesse mudar
de assunto. — Não é o assunto mais empolgante para uma festa.
— Me desculpe, você tem toda a razão. — Elena deu um longo
gole em seu vinho, praticamente bebendo tudo o que restava na taça. — Nós
devíamos dançar.
Merda.
De repente, falar sobre a guerra não parecia tão ruim.
— Eu não sei dançar — admiti. — Se quer manter seus pés
intactos, sugiro que repense isso.
Sem dizer nada, Elena segurou a minha mão e me guiou até uma
pista de dança que havia sido montada sobre o gramado do quintal de Edwin.
Alguns outros casais também dançavam, o que diminuiu um pouco a minha
ansiedade. Se fôssemos os únicos ali, acho que não aguentaria toda a atenção
que seria direcionada para nós.
— Elena... — comecei a falar, esperando conseguir fazê-la mudar
de ideia.
— Apenas dance comigo, Jake — ela pediu suavemente, com
aquele sorriso que me encantava. E, puta merda, eu me dei conta de que não
conseguiria dizer não para ela. — Por favor.
— Você vai se arrepender disso, preciso te avisar — eu sussurrei
para ela, preocupado com o dano que eu causaria em seus pés.
Elena deu uma risadinha, achando graça.
— Você se preocupa demais. Apenas relaxe um pouco.
Então eu tentei fazer o que ela estava me pedindo. Delicadamente,
coloquei a mão na lombar de Elena e a puxei lentamente para mais perto de
mim. Sua mão direita foi para o meu ombro e ela uniu sua mão esquerda à
minha. E então começamos a dançar ou pelo menos fingir que estávamos
dançando. Eu não queria arriscar muitos movimentos e acabar pisando no pé
dela.
Senti meu corpo formigando nos lugares onde o dela me tocava. E
nós estávamos tão perto... Seus olhos puxavam os meus com um
magnetismo que eu não conseguia resistir mesmo que tentasse. Mas eu não
queria tentar. Eu queria mergulhar naqueles esperançosos olhos castanhos e
enxergar a vida como ela enxergava. Com leveza; coisa que não existia
quando eu olhava o mundo com os meus olhos.
Percebi tudo virando de cabeça para baixo mais uma vez quando
me dei conta de que eu queria beijá-la. Bem ali, enquanto dançávamos e nos
olhávamos como se tudo ao nosso redor não fosse mais tão importante. O
desejo era tão avassalador que me assustava. E se fosse para ser sincero, eu
tinha medo de trazer Elena para dentro da minha vida. Não porque eu não
queria estreitar laços com ela, mas porque eu era uma bagunça ambulante e
Elena era boa demais para mim. Ela merecia alguém melhor, mais confiável;
menos perturbado. A vida dela deveria ser descomplicada, leve e bonita,
assim como ela. E eu sabia que no momento que cruzássemos aquela linha
— se a cruzássemos —, eu mancharia a sua vida tranquila com o meu caos
irrefreável.
Não parecia justo.
No entanto...
Os olhos de Elena brilharam, como se ela soubesse que eu estava
pensando em beijá-la, como se conseguisse sentir que cada centímetro de
mim a queria mais do que ar para respirar. E então ela fechou os olhos. Um
convite. Uma permissão para que eu me aproximasse, para que acabasse
com aquela crescente expectativa. Um incentivo, mas também uma espera,
pois ela sabia quem eu era e àquela altura já havia entendido que aquele tipo
de contato ultrapassava um limite que eu tão cuidadosamente havia colocado
muitos anos atrás.
Não me lembrava da última vez que havia beijado uma mulher. Eu
me lembrava da última vez que havia transado, mas o tipo de sexo que
preenchia a minha vida não vinha combinado com beijos. Não era carinhoso.
Era apenas sexo. Pura necessidade primitiva, não emocional, então beijos
não faziam parte do pacote. Mas lá estava eu, louco para grudar meus lábios
nos daquela linda mulher, que olhava para mim como se eu fosse algo belo,
não danificado; não que valesse menos. Não uma escória, como eu
costumava ser chamado pelas pessoas que agora nos rodeavam.
E pacientemente, Elena esperou.
E ansiosamente, eu avancei.
Senti sua respiração ofegante nos meus lábios, senti nossos narizes
se tocarem devagar, mas no instante em que fechei os olhos, uma voz infantil
gritou:
— Tio Jake!
Elena soltou o ar que prendia nos pulmões e encostou a testa na
minha por um segundo, deixando que eu sentisse o seu lamento por termos
sido interrompidos. E eu inspirei o seu perfume suave enquanto ela se
afastava de mim.
Porra.
Maxon não estava fazendo bem o seu trabalho de cupido se havia
escolhido aquele exato momento para nos interromper.
Suspirei, derrotado e com o coração ainda saltando dentro do
peito, e olhei para o meu sobrinho, que vinha correndo na minha direção
com um prato de plástico nas mãos.
— Eu quero comer essa torta — ele me informou —, mas não sei
se tem nozes. Você pode experimentar primeiro? Ninguém soube me dizer se
tinha e você me fez prometer que eu sempre tinha que perguntar antes de
comer.
Eu dei um meio sorriso e peguei o prato de sobremesa que Maxon
estendia para mim. Dei uma pequena mordida na sobremesa e minhas
papilas gustativas procuraram por nozes. Outro susto como aquele de
semanas atrás e eu perderia a cabeça.
— Não tem nozes — eu informei, devolvendo o prato para ele. —
Estou orgulhoso da sua responsabilidade, Max. Parabéns.
Meu sobrinho abriu o mais radiante de todos os sorrisos.
— Obrigado.
E tão rápido quanto havia surgido, ele desapareceu, mas não antes
de abocanhar um enorme pedaço de torta.
— Não fique correndo por aí — eu falei alto para que ele pudesse
me ouvir de onde já estava, sumindo por entre as pessoas.
Elena riu.
— O quê? — perguntei. — O que é engraçado?
— Você está começando a agir como um pai. Isso é bom, Jake —
ela afirmou, sorridente. — Você viu a felicidade no rosto dele quando você o
elogiou?
— Acho que nós estamos começando a nos entender. E a sua
presença também ajuda.
Ela ficou feliz em ouvir aquilo, deu para notar.
— Bem, estarei aqui para o que vocês dois precisarem — ela
prometeu, e eu acreditava nela.
 
Mais tarde naquele mesmo dia, Max dormia profundamente no
banco de trás do carro depois de gastar todas as energias no pula-pula e
correndo de um lado para o outro com Shawn — o filho de Edwin e Kate.
Eu só descobri a existência do garoto naquele dia. Edwin Yamazaki tinha um
filho. Às vezes eu me esquecia que tantos anos haviam se passado desde a
escola. Pouco menos de uma década, para ser mais exato. Mas não havia
como negar. Shawn era idêntico ao pai. Não havia absolutamente nada de
Kate no garoto. E como se a história se repetisse, Shawn e Max se deram
bem instantaneamente. Embora fosse dois anos mais velho que o meu
sobrinho, Shawn tratou Max de igual para igual — como Edwin fez comigo
quando estávamos na escola. Se incentivássemos, os dois com certeza se
tornariam bons amigos. E Max precisava de amigos.
Parei o carro em frente à casa de Elena, perto das oito da noite.
Mesmo que estivesse cansado, eu não queria me despedir. E quando Elena
não fez menção de sair do carro imediatamente, eu soube que ela também
não. Havia uma pendência entre nós desde que Max nos interrompeu mais
cedo. Nós não tocamos no assunto pelo restante do dia, mas estava lá. Dava
para sentir. Mas o momento havia passado e toda aquela sensação, aquele
envolvimento, não se repetiu nas horas seguintes. Eu me questionava se não
era o universo tentando me alertar de que eu não deveria me envolver mais
do que sabia que já estava envolvido.
Eu pensava em Elena boa parte do tempo, principalmente porque
eu não tinha nada com o que ocupar a minha cabeça. Eu precisava muito
encontrar algo que ocupasse as horas do meu dia. Mas mesmo durante a
noite, quando os fantasmas do meu passado ameaçavam me engolir, era em
Elena que eu pensava, pois ela parecia acalmar a minha mente caótica de um
jeito que eu, sozinho, não conseguia.
— Foi divertido — Elena quebrou o silêncio, falando baixinho
para não acordar Max. — Obrigada por me convidar.
— Obrigado por ter aceitado ir.
Elena virou o rosto para mim com uma pergunta silenciosa no
olhar. Não sei exatamente o que ela viu no meu rosto, mas foi o suficiente
para que seus ombros sutilmente caíssem em decepção. Ela provavelmente
acreditava que eu nunca tomaria uma iniciativa e que estava perdendo o seu
tempo esperando que eu o fizesse, mas eu não sabia se ela entendia de fato
onde estava se metendo.
— Boa noite, Jake — ela murmurou, inclinando-se para frente e
me dando um beijo na bochecha. — Dirija com cuidado.
Sem esperar pela minha resposta, Elena abriu a porta do carro e
saiu, tomando o cuidado de não bater a porta com força e acordar o Max.
Uma sensação intragável de vazio me invadiu e o silêncio pelo
qual o interior do carro foi dominado parecia diferente do silêncio no qual
viemos embalados da casa de Edwin até ali. Agora, tudo parecia... sem
brilho; mais cruel. E eu odiava aquilo. Odiava que ela levasse consigo
qualquer traço de alegria quando ia embora. Odiava como eu me sentia
perdido sem a luz que ela irradiava sem nem tentar. Elena era como um farol
que apontava para a direção certa. E eu precisava daquela luz.
Mandei o bom-senso para o inferno junto com todas as minhas
dúvidas e anseios e saí do carro. Elena estava prestes a chegar à sua porta
quando ouviu minha movimentação. Ela se virou para mim, o cenho
franzido e os olhos confusos ao verem eu me aproximando depressa.
— Jake? O que...
Eu a calei com um beijo, segurando seu rosto entre as minhas
mãos. O encontro dos nossos lábios foi um pouco bruto de início, mas então
suavizou. Elena tinha os lábios mais macios que eu já havia beijado na vida
e a sua pele era quente, mesmo com a brisa gélida da noite.
Levou alguns segundos para que Elena de fato entendesse o que
estava acontecendo. Mas então o seu corpo relaxou contra o meu e ela
envolveu meu pescoço com os braços, deitando a cabeça para o lado em
busca de um beijo mais profundo. E eu concedi isso a ela. A puxei para mais
perto de mim, soltando o seu rosto e envolvendo a sua cintura. Ela abriu os
lábios quando sentiu a ponta da minha língua solicitando passagem. Meu
corpo inteiro estremeceu quando nossas línguas tiveram aquele primeiro
toque. Elena gemeu baixinho, e aquele som adentrou meus ouvidos e
percorreu todo o meu corpo, me deixando maluco para ouvi-lo de novo.
Eu apertei sua cintura com um pouquinho mais de força, buscando
desesperadamente um lugar para ancorar meu autocontrole. Elena suspirou
quando prendi seu lábio inferior entre os meus dentes e o puxei suavemente
só para soltá-lo segundos depois e interromper nosso beijo. Eu precisava
parar naquele momento ou não conseguiria parar de beijá-la nunca mais. Eu
estava condenado, percebi. Porque agora que eu a havia provado, sentido o
gosto e a maciez daqueles lábios, eu sabia que não iria querer passar um dia
sequer sem senti-los de novo.
— Uau — Elena soprou, ofegante.
Dei uma risadinha.
— Eu deveria ir — eu sussurrei contra os lábios dela.
Max estava dormindo no carro e se eu continuasse ali, sentindo o
corpo quente e macio dela contra o meu, eu tomaria uma decisão precipitada.
Um beijo era fácil de reverter, se ela chegasse à conclusão de que eu era uma
decisão errada, mas se eu a tivesse na minha cama, eu sabia que ela
reivindicaria partes minhas que eu não sabia se estava pronto para entregar a
ela. Mas, principalmente, partes que eu não conseguiria ter de volta.
— É — ela concordou, mas não fez menção de se afastar de mim.
Levei minha mão até o seu rosto delicado e corri meu polegar pela
sua bochecha, deixando que seus olhos explorassem os meus.
— O que você está fazendo comigo? — eu sussurrei, mais para
mim mesmo do que para ela.
— Eu não sei. Mas seja o que for, eu estou sentindo também.
Àquela altura, eu já havia perdido o controle das minhas palavras e
dos pensamentos que inundavam a minha cabeça. Perigosamente, ela havia
ultrapassado uma das muitas barreiras que implantei entre mim e o restante
das pessoas. Eu não sabia o quanto aquilo seria prejudicial para ela; o quanto
impactaria em mim... mas naquele instante, naqueles pequenos instantes com
ela ainda nos meus braços, eu não me importei.
— Venha jantar comigo amanhã à noite — convidei. — Talvez
esteja na hora de termos aquele jantar típico de primeiro encontro.
— Eu adoraria, mas sei que a Taylor não vai estar disponível
amanhã para cuidar do Max.
— Eu pensei que ele poderia se juntar a nós dessa vez. Ele te
adora, então eu acho que tudo bem.
Elena abriu um daqueles seus sorrisos radiantes. E a lua e as
estrelas sobre nossas cabeças não eram páreo para aquele sorriso.
— Eu adoraria.
Com mais calma, eu tomei seus lábios nos meus de novo e a beijei
demoradamente. Elena chegou a suspirar quando me afastei.
— Vejo você amanhã, então.
Ela assentiu.
— Vejo você amanhã.
Capítulo 15

Havia muitos anos que eu não sentia aquela sensação gostosa de frio na
barriga. Era como se houvesse milhares de borboletas alçando voo dentro do
meu estômago e fazendo com que meu coração batesse muito rápido.
A primeira vez que senti aquilo, eu tinha dezesseis anos, estava no
colegial e completamente encantada por um cara chamado Drew. Nós
tínhamos várias aulas juntos, mas ele estava um ano na minha frente. Ele não
era o cara mais atraente do mundo, mas ele era tão meigo e inteligente e
esperançoso diante da possibilidade de transformar vidas pela educação —
ele também queria ser professor — que eu não tive como impedir quando
meu coração se apaixonou por ele. Eu nunca havia sentido aquilo por
ninguém, e eu estava encantada pela perspectiva de me apaixonar pela
primeira vez. No final das contas, o jeito meigo de Drew escondia o babaca
do século. Fui idiota em acreditar que apenas os homens visivelmente
estereotipados como encrenca são aqueles que temos que ter cuidado. Um
cara aparentemente legal também pode ser um tremendo cretino. Foi uma
desilusão e tanto me dar conta que a única coisa que Drew queria era me
levar para cama. E quando conseguiu, ele simplesmente começou a agir
como se nunca tivesse me visto na vida.
Chorei por semanas depois daquilo.
Na faculdade, conheci Jimmy. Mais uma vez senti as borboletas
invadindo o meu estômago. Por muito tempo, nós dois fomos felizes, mas eu
acho que você só conhece verdadeiramente uma pessoa quando passa por
situações difíceis ao lado dela, pois enquanto tudo está bem, é fácil ser feliz.
Mas Jake não era o Drew ou o Jimmy. Para começar, Jake atendia
àquele estereótipo de homem quebrado, de passado sombrio e que está
visivelmente brigado com o restante do planeta. No entanto, ele também
tinha uma sensibilidade peculiar. Ela não era muito visível, mas estava lá,
mesmo que ele se esforçasse para escondê-la. E se eu estivesse sendo
honesta comigo mesma, Jake me assustava. Não por causa do seu passado ou
do seu óbvio Transtorno de Estresse Pós-Traumático, mas porque ele havia
conseguido cessar a minha resistência muito rapidamente. Em menos de um
mês, com apenas dois encontros, Jake Hyder me fez sentir nas nuvens. E me
apavorava um pouco estar tão encantada por ele, tão sedenta por saber mais
sobre quem ele era, do que gostava, o que o fazia rir até chorar e o que o
apavorava mais do que qualquer coisa no mundo. Eu queria saber tudo sobre
ele.
Eu sabia que estava encrencada quando me deitei na cama naquela
noite e tudo o que eu conseguia pensar era naquele beijo de tirar o fôlego.
Jake era firme de uma maneira que me excitava. E eu sentia que
aquilo era apenas o começo de tudo que ele ainda tinha para me mostrar,
para me ensinar. Mesmo que tivéssemos quase a mesma idade, ele parecia
muito mais experiente, muito mais seguro, o que me levou a acreditar que a
falta de atitude inicial vinda dele era apenas uma tentativa de se fechar para
o mundo; de me manter afastada. Mas nós já havíamos cruzado aquela linha
e eu estava sonhando acordada com o que viria agora que ele não estava
mais me mantendo distante dele.
— Terra chamando Elena... — A voz de Taylor me tirou do transe.
Pisquei.
— O quê?
Taylor deu uma risadinha.
— Você estava pensando no Jake, não estava? — ela acusou.
— Não — menti. Eu não sabia ainda o quanto Taylor era a favor
dos meus encontros com o Jake e não queria provocar um desentendimento
logo de manhã.
Minha amiga ergueu uma sobrancelha como quem dizia que sabia
que eu estava mentindo.
— Enfim, eu estava dizendo que Erika vai fazer aniversário no
final desta semana, lembra? Ela mandou mensagem ontem dizendo que
decidiu fazer um luau na casa de praia.
Involuntariamente, fiz uma careta. Eu adorava a Erika. Ela, Taylor
e eu nos tornamos muito amigas nos últimos anos. O problema é que Brad, o
irmão gêmeo de Erika, era um dos melhores amigos de Jimmy. E onde Erika
estava, Brad estava; e onde o Brad estava, o Jimmy estava. Às vezes, morar
em cidade pequena era um verdadeiro inferno.
— Eu sei, eu sei — disse Taylor, entendendo o meu desgosto. —
Mas o Brad está fora da cidade, então eu duvido que o Jimmy vá aparecer
sem o seu fiel escudeiro. Acho que você está a salvo. Mas, de qualquer
forma, eu estarei lá com você o tempo todo. Jimmy não vai chegar a dez
metros de você, Ellie.
— Deus, eu espero que você esteja certa.
Não contei à Taylor sobre o meu último encontro com Jimmy. Usei
blusas de manga comprida ou cardigans durante toda a semana, até que o
hematoma no meu braço tivesse desaparecido. Ela perderia a cabeça se
soubesse que Jimmy continuava me cercando. Eu sabia que deveria contar a
ela, para que nós duas ficássemos alertas, mas Taylor ficava inconsequente
quando o assunto era o meu ex-marido, e eu tinha medo de que minha amiga
fizesse alguma loucura.
— Então nós vamos? — Taylor perguntou.
— Erika vai ficar chateadíssima se não formos, então acho que não
temos muita escolha.
Taylor confirmou com a cabeça.
— Ah, talvez você goste de saber que eu disse à Erika que você
possivelmente levaria um acompanhante.
Cruzei os braços e encarei a minha melhor amiga.
— Devo deduzir que você está tranquila por Jake e eu estarmos
saindo?
Taylor deu de ombros.
— Se você confia nele, então acho que posso dar ao cara uma
segunda chance de me conquistar.
Aquilo me fez rir e pular da banqueta para abraçar a minha amiga.
— Obrigada, Tay-Tay.
— Qualquer coisa por você, sua maluca apaixonada.
— Mas eu não sei se é uma boa ideia convidar o Jake. Se o Jimmy
decidir aparecer por lá... Isso pode acabar mal. Sem contar que eu ainda não
contei ao Jake que já fui casada.
Aquilo chamou a atenção de Taylor.
— E por que não?
— Fiquei com medo de que ele me fizesse perguntas sobre o
assunto. Não queria ter que explicar o motivo que fez com que Jimmy e eu
nos separássemos.
— Você sabe que não deve sentir vergonha pelo que ele fez com
você, não sabe? A culpa é inteiramente dele, Elena.
— Eu sei. Não tenho vergonha, é só que... eu só queria conhecê-lo
melhor antes de contar esse lado da minha vida. Não vai ser algo fácil de
contar e Jake não é a pessoa mais sensível do mundo.
Minha amiga concordou com a cabeça.
— Bom, você que sabe. Eu realmente não acho que Jimmy vá
aparecer, mas é você quem tem que se sentir confortável com a situação.
— Mas eu gostaria muito de convidá-lo. — Sorri como uma idiota.
— É tão bom estar perto dele e... a forma como ele me beijou... Taylor, eu
nunca senti nada como aquilo na vida.
Minha amiga deu uma risadinha e olhou para mim como se eu
fosse um caso perdido. Mas eu não conseguia evitar, eu era uma romântica
incurável. E passei o dia me sentindo nas nuvens enquanto aguardava a noite
cair para que pudesse ir para a casa de Jake para o nosso jantar. Tentando me
distrair, decidi limpar o meu quarto e cuidar de toda a roupa suja acumulada
da semana enquanto cantarolava para cada canto da casa que eu ia. As
constantes borboletas no meu estômago não me deixavam esquecer do beijo
que Jake e eu compartilhamos na noite anterior. Bastava que eu fechasse os
olhos para reviver a sensação dos braços dele ao redor do meu corpo, os
lábios rudes, mas incrivelmente macios e atenciosos enquanto tomavam os
meus... Deus, eu poderia viver naquele momento para sempre.
As horas pareciam trabalhar contra mim, no entanto. A cada vez
que eu olhava no relógio, jurando que horas haviam se passado, me deparava
com a dura realidade de que apenas alguns minutos haviam me aproximado
do momento de encontrar Jake de novo.
Por ser domingo, aproveitei para preparar o restante das aulas da
semana que eu ainda não havia preparado. E quando o relógio finalmente
decidiu ajudar meu coração ansioso, eu tomei um longo banho, lavei meu
cabelo e enluvei a minha pele com um creme de corpo com cheiro de
ameixa. Depois, sequei meu cabelo e tentei domar as ondas rebeldes e
selvagens. Por fim, coloquei um pouquinho de maquiagem e parti para a
batalha de encontrar algo que me agradasse no meu guarda-roupa.
Depois de testar alguns vestidos e saias, optei por um preto básico
de mangas compridas e um decote em V só um pouquinho mais cavado do
que eu usaria no dia a dia. Nada vulgar, mas também nada tão modesto como
Jake estava acostumado a me ver. Calcei meus sapatos de salto e dei uma
última conferida no espelho. Eu estava bonita e devidamente arrumada para
um jantar romântico — mesmo que Max fosse participar também. Peguei
minha bolsa e as chaves do meu carro e saí pela porta de casa sentindo as
borboletas ainda mais entusiasmadas do que nunca dentro da minha barriga.
O sol já havia se despedido quando estacionei o meu carro na
frente da casa de Jake. Olhei pelo espelho retrovisor central do carro e
conferi minha maquiagem por um momento antes de sair do veículo. E a
porta da frente da casa se abriu no instante em que meu pé alcançou o
primeiro degrau da varanda da frente. Encontrei Max em seu melhor visual,
vestindo um pequeno suéter verde musgo e uma calça jeans escura. Ele
estava parecendo um pequeno homenzinho.
— Boa noite, senhorita Blake. — Ele sorriu para mim,
entusiasmado.
— Boa noite, Max — respondi, sorridente, e me agachei no chão
para ficar na sua linha de visão. — Puxa, você está muito chique.
Ele deu uma risadinha empolgada.
— Obrigado. A senhorita também está muito bonita. O tio Jake
está na cozinha, ele pediu que eu ficasse de olho para quando a senhorita
chegasse. Entre, por favor.
Eu sorri ao me levantar, sentindo na minha pulsação a ansiedade
de vê-lo. Max abriu mais a porta para que eu pudesse entrar e depois a
fechou.
Imediatamente fui atingida por um cheiro delicioso que parecia ser
de alguma massa. Spaghetti, talvez? Lasanha? Eu não conseguia distinguir
apenas pelo cheiro, mas estava cheiroso o suficiente para que eu sentisse
água na boca.
— A senhorita Blake chegou! — Max gritou, me anunciando.
Jake saiu da cozinha e percebi o momento em que prendi a
respiração. Ele estava vestindo um suéter azul escuro que abraçava os seus
braços musculosos e os seus ombros largos, as mangas arregaçadas até um
pouco antes dos cotovelos deixavam as veias dos seus antebraços à mostra.
Descobri que isso me atraía. Os olhos verdes pareciam mais vivos do que
qualquer outro momento que eu os vi. Ele usava a sua dog tag e eu não sabia
o porquê de achá-lo ainda mais lindo pelo simples toque da correntinha que
indicava que ele havia servido à marinha. Ele também vestia uma calça
cáqui e um sapato, dando um ar social e despojado ao mesmo tempo. Ele era
lindo.
— Oi — eu o cumprimentei, tímida.
Jake não respondeu, ele apenas caminhou lentamente na minha
direção. Senti meu coração disparar e errar o ritmo de algumas batidas à
medida que ele se aproximava e a nossa diferença de altura ficava evidente.
Jake ocupou todo o meu campo visual com a sua forma larga e grande. Sob o
seu escrutínio, senti minhas bochechas esquentarem e me senti uma
adolescente por corar com tamanha facilidade.
Ainda sem dizer nada, Jake inclinou na minha direção e meus
olhos automaticamente procuraram por Max. Ele iria me beijar agora? Na
frente do seu sobrinho? Mas ao invés disso, Jake aproximou os lábios do
meu ouvido e sussurrou:
— Você está linda, Elena. — E então ele deu um beijo suave na
parte de trás da minha orelha, fazendo com que cada pelo no meu corpo se
arrepiasse.
Não pude conter um estremecimento. E não encontrei a minha voz
para agradecer quando ele se afastou e meus olhos encontraram o dele.
— Eu estou com fome — resmungou Max de algum canto da sala.
Com a característica fisionomia impassível, Jake olhou para o
sobrinho e deu um leve aceno de cabeça.
— Por aqui, senhorita Blake — Max me chamou, indicando a sala
de jantar.
Sorri timidamente para Jake e segui na direção que Max
sinalizava. A mesa já estava posta e o cheiro da comida era ainda mais
delicioso naquele cômodo. Descobri que Jake havia feito spaghetti com
almôndegas e minha boca voltou a salivar com o aroma.
Jake puxou uma cadeira para mim enquanto Max já se acomodava
do outro lado, subindo na sua cadeira.
— Obrigada.
Eu me sentei e Jake empurrou delicadamente a cadeira para que eu
me acomodasse mais perto da mesa. Em seguida, ele se sentou. Max juntou
as mãozinhas em frente ao corpo para uma oração e eu o acompanhei, mas
notei que Jake permaneceu parado. Ele esperou até que Max e eu
agradecêssemos pela refeição.
— Amém! Tio Jake, você me ajuda? — perguntou Max, referindo-
se a colocar a comida no prato.
E assim Jake o fez. Em seguida, ele esperou até que eu me servisse
para finalmente poder colocar a comida no seu próprio prato.
— Vinho? — ele ofereceu, pegando a garrafa já aberta em cima da
mesa.
— Sim, por favor.
Jake serviu a minha taça e depois a sua própria. Mesmo que eu
estivesse dirigindo, uma única taça de vinho não seria um problema.
— O cheiro está delicioso, Jake — elogiei.
Ele levantou os olhos verdes para mim.
— Eu estava inspirado — ele disse, a voz dura como de costume,
mas o brilho presente no seu olhar foi o suficiente para me fazer sorrir diante
daquilo.
— Eu ajudei também — acrescentou Max, todo orgulhoso de si
mesmo.
— Ah, é mesmo? — perguntei, encantada. — O que o senhor fez
para ajudar o seu tio, Max?
— Eu peguei os sacos de macarrão na despensa — ele contou,
feliz da vida.
Percebi que Jake conteve um sorriso ao levar a taça de vinho aos
lábios.
— Uma tarefa muito importante, Max — comentei.
O garotinho assentiu e voltou a sua atenção para a comida. Percebi
que ele tentava não se sujar inteiro de molho de tomate.
Todo o jantar seguiu perfeitamente bem — e a comida estava tão
maravilhosa quanto o cheiro me fez acreditar. Jake perguntou sobre o meu
trabalho, sobre meu tempo de faculdade, sobre a minha família... E Max
fazia participações na conversa de tempos em tempos, mas o seu maior
interesse era na sobremesa que viria a seguir, pelo que percebi. Tentei saber
mais sobre o tempo de Jake na marinha, mas ele foi lacônico nas respostas,
então não insisti. Se aquele era um assunto difícil para ele, eu não queria que
se sentisse desconfortável. Não naquela noite, pelo menos. Mas eu estava
esperando que nós tivéssemos tempo para falar sobre as coisas difíceis
também.
Na hora da sobremesa, descobri que não fora Jake quem a fez.
Segundo ele, a sua vocação na cozinha começava e terminava em pratos
salgados. De qualquer forma, a torta de morango que Jake comprou estava
deliciosa e Max ficou radiante quando seu tio permitiu que ele repetisse a
sobremesa.
Após o jantar, Max saiu correndo para o seu quarto porque o
desenho do Coragem estava prestes a começar e ele não queria perder o
episódio. Eu, por outro lado, ajudei Jake a tirar a mesa e me ofereci para
ajudá-lo com a louça, mas ele não aceitou.
— Mas Jake, eu não me importo de ajudar — rebati. — Você
preparou esse jantar maravilhoso, me deixe ajudá-lo com a louça.
— Não — ele respondeu, resoluto, ao colocar os últimos itens da
louça suja na pia.
Lutei contra o desejo de cruzar os braços como uma criança que
não conseguia o que queria. Jake virou o corpo completamente na minha
direção e seus olhos prenderam os meus como em um feitiço. As borboletas
voltaram e, de repente, eu não sabia o que fazer comigo mesma ou com as
minhas mãos.
— O que foi? — eu perguntei, desesperada para que ele falasse
alguma coisa. Ele me deixava nervosa quando olhava para mim com aquela
intensidade.
Mais uma vez sem me dar uma resposta, Jake se aproximou de
mim devagar. Ele pegou uma mecha do meu cabelo entre os dedos e brincou
com ela, sentindo a textura. Depois ele colocou essa mesma mecha atrás da
minha orelha, prendendo-a ali e seu polegar deslizou pelo local que ele havia
beijado mais cedo, atrás da minha orelha.
— Jake... — eu me peguei sussurrando, fraca. Ele me deixava
fraca. Sentia como se minhas pernas não conseguissem me sustentar em pé
quando ele estava perto daquele jeito, tocando em mim daquele jeito.
— Você está linda — ele repetiu o elogio.
Corri a língua pelos meus lábios, sentindo-os ressecados de
repente. Os olhos de Jake acompanharam o movimento e sua mão calejada
quase que automaticamente encontrou a minha mandíbula. Seu polegar
desenhou o meu lábio inferior e eu não sabia mais como respirar.
— Eu só penso nesses lábios — ele disse, a voz áspera, mas
surpreendentemente carinhosa ao mesmo tempo.
Eu dei um passo involuntário na direção dele, como se meu desejo
de ter os braços dele ao meu redor de novo fizesse meu corpo agir sem que
meu cérebro desse o comando.
— Me beije, Jake — eu pedi, e seus olhos verdes se acenderam,
mesmo que seu rosto ainda estivesse fechado. — Eu quero que você me
beije agora.
E ele beijou, mas não os meus lábios. Ah, não. Jake estava
disposto a trilhar o seu caminho até os meus lábios. Com beijos. Ele afastou
o meu cabelo, e eu senti sua respiração no meu pescoço quando ele deu mais
um beijo atrás da minha orelha. Eu estremeci. Então ele beijou a linha do
meu maxilar enquanto eu inclinava a cabeça na direção da sua mão, que
segurava o meu rosto, para dar mais acesso a ele. E então ele chegou aos
meus lábios, mas ao invés de devorá-los como eu pensei que ele faria, Jake
me beijou apenas para morder meu lábio inferior e prendê-lo entre os seus
dentes, puxando-o. Talvez ele quisesse me ver perder o controle. Com
certeza ele estava no caminho certo para isso.
— Você é cheirosa — ele murmurou nos meus lábios.
— O que você está tentando fazer? — eu quis saber, e me assustei
com o quão necessitada minha voz soou.
— O que quer dizer?
— Você está tentando me seduzir, Jake Hyder? — provoquei.
Ele umedeceu os lábios e se inclinou para sussurrar no meu
ouvido:
— Depende. Está funcionando?
Eu tive vontade de rir, mas a tensão no ar era grande demais para
isso. Ele estava inebriando os meus sentidos e bagunçando tudo, mas eu não
estava realmente achando ruim. E não dava para dizer que eu esperava que
fosse diferente com Jake. Ele não era um homem meigo. Todo o seu corpo e
tamanho gritavam brutalidade e selvageria. E apenas por duas trocas de
beijos, eu já havia percebido que ele era selvagem e sensual. E eu não estava
acostumada com homens assim, mas fiquei surpresa ao perceber que
gostava.
— Não muito — menti, sabendo que provavelmente eu estava
brincando com fogo e, pelo visto, eu não estava muito preocupada em me
queimar. — Você vai precisar se esforçar um pouco mais que isso.
O canto direito dos lábios de Jake se ergueu em um meio sorriso.
Sem dúvida foi a tentativa de sorriso mais sexy que eu já vi nele.
— Cuidado, Elena — ele alertou, enfiando seus dedos entre os fios
do meu cabelo. — Não comece algo do qual não tem certeza.
— Eu não estaria aqui se não tivesse certeza, estaria, Jake? —
perguntei, desafiando-o, porque por algum motivo, eu estava me sentindo
corajosa naquele momento.
Minha resposta pareceu bastar para Jake, pois ele fez o que eu
estava desejando desde o começo: tomou meus lábios como se estivesse
faminto. Meus dedos encontraram o seu cabelo e enterrei-os entre os fios
curtos à medida que Jake fechava seus braços ao redor da minha cintura e
me puxava para mais perto do seu corpo. Ele deslizou a língua para dentro
da minha boca e não pude segurar um gemido baixo ao sentir minha língua
dançar com a dele.
Jake deu alguns passos para a frente, ainda me segurando em seus
braços e me obrigando a dar a mesma quantidade de passos para trás até que
eu sentisse a parede nas minhas costas. Seus lábios deixaram os meus e Jake
beijou meu pescoço e meu maxilar enquanto eu tentava recuperar o fôlego.
Eu conseguia sentir o meu âmago em chamas; meu corpo inteiro estava em
pura combustão. Normalmente eu conseguia dar conta de me satisfazer
sozinha, mas sentir um tesão como aquele? Eu acho que eu nunca havia
sentido, nem mesmo quando estava casada com Jimmy.
Eu me agarrei aos ombros largos de Jake, buscando uma âncora
enquanto seus lábios me levavam para cada vez mais longe do autocontrole.
Tudo com Jake era intenso e eu sabia que se não tomasse cuidado, meu
coração estaria em apuros muito em breve.
Segurei a cabeça de Jake e a puxei para baixo, batendo meus
lábios contra os dele. Sua barba por fazer fez cócegas nas palmas das minhas
mãos. Eu chupei sua língua e senti suas mãos agarrarem os meus quadris
com mais força. Ele grunhiu.
— Elena… — Jake disse meu nome como um aviso contra os
meus lábios. — Eu não sou bom nisso.
— Eu discordo.
Ele me recompensou com um pequeno sorriso, entendendo que eu
estava fazendo piada, porque eu sabia que ele não estava falando sobre não
ser bom em beijar. Não tinha como ele ser ruim naquilo.
— Eu não estou falando sobre beijar, estou falando sobre… me
relacionar de verdade com uma mulher. Eu sou péssimo com pessoas. Não
quero que você seja mais uma pessoa que vou decepcionar.
Mesmo com as palavras doces, o rosto de Jake estava sério, como
eu já estava acostumada. Os olhos verdes esquadrinharam o meu rosto e a
curta distância entre os nossos lábios não me ajudava a pensar direito. Eu
ainda conseguia sentir o gosto dele na minha boca; e, mais do que isso, ainda
queria poder sentir mais. Queria que Jake me beijasse até que eu precisasse
realmente buscar ar para respirar ou morreria, pois o beijo dele era bom
assim.
— Eu agradeço que você esteja preocupado com os meus
sentimentos, mas eu já sou uma mulher crescida, Jake. Acredite, eu sei
quando entrar e quando sair de uma situação, caso ela não seja boa para
mim. — Eu dei um sorriso. — Além disso, não precisamos apressar coisa
alguma. Eu estou feliz com os beijos, por enquanto.
Um sorriso voltou a emoldurar os lábios de Jake.
— Que bom, porque eu estou gostando demais de beijar você.
E com aquilo dito, Jake reivindicou meus lábios para mais um
beijo.
Capítulo 16

Pela primeira vez em muito tempo, soltei um pouco as rédeas e deixei de


lado o meu desejo por ter tudo sob o meu controle. E tudo por conta de uma
mulher que a princípio eu não queria que fizesse parte da minha vida — ou
da de Maxon —, mas que com um jeitinho cativante e paciente, conseguiu
abrir caminho pela minha resistência. Eu não podia negar, no entanto, que
era bom tê-la por perto. Max estava visivelmente mais feliz, o que diminuía
um pouco o peso que eu carregava no peito. Era mais fácil para mim lidar
com ele quando Elena estava por perto. Ela tinha mais leveza em um fio de
cabelo do que eu tinha no meu corpo inteiro. E se eu levasse em conta os
tipos de demônios que carregava, aquela leveza era muito mais do que bem-
vinda.
Na sexta-feira, o sol brilhava sem a companhia de uma única
nuvem no céu. Foi o dia mais quente do mês, segundo os noticiários, e Max
não parava de falar sobre querer ir à praia. Não sei de onde surgiu o desejo
repentino, mas Max às vezes fazia isso: de repente ele simplesmente não
conseguia parar de falar sobre querer fazer algo ou comer algo. Elena disse
que é normal, que crianças fazem isso mesmo. Então, naquele dia, depois da
escola, Maxon faltou à aula de karatê e nós três fomos até a praia.
E não fomos os únicos a ter aquela ideia. Metade de Bayshore
pensou o mesmo para aproveitar o dia incomumente quente.
O meu bom humor acabou no momento que comecei a encontrar
alguns rostos conhecidos de muitos anos atrás.
De repente, parecia que eu estava de novo no ensino médio e os
outros alunos cochichavam algo sobre mim conforme eu atravessava os
corredores. Eram os mesmos olhares de esguelha, mas ao contrário do nojo
que eu costumava receber naquela época, agora era pena que eu enxergava
nos rostos deles.
Pobre homem. Perdeu o irmão na guerra e agora está responsável
pelo sobrinho órfão.
Cacete, eu odiava aqueles olhares ainda mais do que os de nojo e
repulsa. Eu não precisava da pena deles. Eu não precisava de porra nenhuma
deles, na verdade.
— Você está bem? — Elena perguntou, me tirando dos meus
pensamentos.
Só então me dei conta de que eu tinha estagnado na areia, não
avançando em direção ao mar, mas também não voltando para o carro.
Senti minha mandíbula tencionar segundos antes de relaxar,
quando a mão de Elena tocou o meu rosto e gentilmente me pediu que
olhasse para ela.
— Jake, o que foi? — ela quis saber, preocupada.
Empurrei os fantasmas do meu passado para o fundo e forcei um
sorriso para Elena. Eu não queria falar sobre a minha relação carregada de
hipocrisia e mágoa com aquela cidade. Eu nem ao menos sabia se Elena
entenderia, e arruinar aquele passeio deixaria o Max aborrecido.
— Nada. — Forcei o sorriso um pouco mais. — Está tudo bem. Eu
só estava com a cabeça longe, desculpe.
Eu não sabia se Elena tinha acreditado em mim, mas agradeci
mentalmente quando ela não insistiu no assunto.
Segurando a minha mão, ela avançou; atravessando as pessoas sem
perceber — ou sem se importar — com os olhares curiosos e até um pouco
preocupados que recebíamos.
Malditas cidades pequenas.
Max estava sentado na areia, com o seu baldinho e suas pás,
pronto para fazer um castelo de areia. Elena se sentou ao lado do meu
sobrinho e esticou as longas pernas nuas. Ela estava vestindo uma saída-de-
banho verde clara e sei que o seu biquíni era vermelho, pelo que eu
conseguia ver das alças que abraçavam o seu pescoço. Seu cabelo loiro
estava preso em um coque bagunçado no alto da cabeça e ela tinha aquele
sorriso fácil no rosto enquanto ajudava o Max com o castelo de areia.
— Eu vou fazer o maior castelo de areia que essa cidade já viu —
disse Max, entusiasmado e completamente concentrado em virar o balde
cheio de areia no chão. E a primeira torre estava formada. — Isso!
Elena deu uma risadinha com a empolgação do meu sobrinho.
— Eu detesto estragar a diversão, mas você precisa passar
protetor-solar, Max — avisei. — Dê uma pausa no castelo por um instante e
venha aqui.
— Mas você não passou protetor-solar, tio Jake. Nem a senhorita
Blake.
Essa criança sempre tem uma resposta para tudo?
— Os mais novos se protegem primeiro, querido — disse Elena
com um sorriso amável. — Faça o que o seu tio está pedindo e depois você
pode voltar para o seu castelo sem ninguém mais para te atrapalhar.
Derrotado e muito a contragosto, meu sobrinho deixou o seu
projeto arquitetônico e veio para perto de mim. Como o dia estava realmente
quente demais, talvez eu tenha exagerado um pouco na quantidade e deixado
Max branco de creme protetor, mas contanto que ele não se queimasse, por
mim tudo bem que ele estivesse parecendo um boneco de neve.
Elena levantou-se do chão e veio para o meu lado. Ela tinha um
olhar divertido e um sorriso preso nos lábios.
— Talvez você tenha usado o tubo inteiro de protetor-solar no Max
— ela comentou, divertida.
— É... talvez eu tenha exagerado um pouco.
— Só um pouquinho — ela zombou de mim, aproximando o
polegar e o indicador para representar a quantidade de forma irônica.
— Você está zombando de mim por cuidar do meu sobrinho?
— Jamais — ela falou com seriedade, e então abriu um enorme
sorriso para mim. — Se eu te pedir para passar protetor solar nas minhas
costas, você vai me deixar igual ao Max?
Contive um sorriso.
— Talvez. Com certeza não posso prometer que não deixarei.
Elena suspirou, resignada.
— Vou correr o risco.
Após hesitar por um instante, Elena puxou a saída-de-banho por
cima da cabeça, revelando o biquíni vermelho por baixo. O movimento para
retirar a peça de roupa acabou soltando os fios loiros do coque bagunçado e
as ondas caíram em cascata sobre os seus ombros. Sem olhar para mim,
Elena virou-se de costas e tirou o cabelo do caminho, esperando que eu
começasse a aplicar o protetor-solar em suas costas e ombros.
Foi a minha vez de hesitar. Mesmo já tendo tocado Elena enquanto
nos beijávamos, eu sabia que meus toques não eram necessariamente suaves.
Nada em mim ou comigo era suave, pois eu não era um homem provido de
tal característica. E Elena era tão doce, tão macia... Eu queria ser capaz de
tocá-la de forma gentil e vagarosa, para apreciar cada centímetro de pele que
ela me permitisse tocar.
— Sabe, se você tem o intuito de que eu não fique queimada pelo
sol, você precisa aplicar esse protetor-solar ainda hoje — Elena brincou,
tirando sarro.
— Sempre zombando de mim.
Ela deu uma risadinha que fez os seus ombros sacolejarem.
Cuidadosamente e tentando maneirar na quantidade, comecei a
aplicar o protetor-solar nos ombros de Elena. Ela estremeceu levemente
quando desci as mãos até as suas costas. Sua pele era como seda e me vi
contando cada uma das pintinhas que ela possuía.
— Isso é gostoso — ela comentou, baixinho.
Aproximei meu corpo um pouco mais do dela e abaixei os meus
lábios até que estivessem a poucos centímetros da orelha dela. Então, eu
disse:
— Gosto de tocar em você.
Ela arquejou. E senti, na ponta dos meus dedos, a sua pele ficando
arrepiada.
— Gosto quando você toca em mim.
Elena virou-se de frente para mim em um movimento rápido e me
beijou. Um beijo rápido, tênue, mas suficiente para me fazer resmungar
quando ela se afastou.
— Então — ela começou a falar —, amanhã vai ter uma festa de
aniversário de uma amiga minha. Erika. Nós nos conhecemos há muitos
anos e eu preciso ir. Eu estava pensando se seria um sacrifício muito grande
para você ir comigo.
— Não sou bom com pessoas, Elena. Pior ainda em multidões.
— Eu sei, mas vai ser um luau na praia. Então você não vai
precisar ficar trancado em algum lugar fechado com várias pessoas que não
conhece. Podemos ficar na praia, nós dois. — Ela sorriu de forma a me
encorajar. — Eu só preciso que Erika saiba que eu estarei lá.
— Não quero acabar com a sua diversão e te manter longe das
suas amigas — repliquei a minha negação, mas passei os braços ao redor da
cintura dela. — De qualquer forma, eu preciso cuidar do Max. Não posso
deixá-lo sozinho em casa e com certeza não posso levá-lo a uma festa assim.
— Max me disse que vai dormir na casa do filho daquele seu
amigo. Edwin, não é?
Não consegui disfarçar a minha surpresa, pois eu mesmo havia
esquecido que tinha combinado aquilo com Edwin havia dois dias.
— Eu esqueci disso.
Ela sorriu.
— Apenas pense a respeito, está bem? Eu ficaria feliz se decidisse
ir. E talvez, se você aparecer lá, eu lhe conceda mais disso aqui... — Elena
ficou na ponta dos pés e me beijou novamente.
Aquele beijo durou mais que o anterior, pois ela estava tentando
me ganhar com aquilo. Espertinha. O pior é que eu não podia dizer que não
estava funcionando. Com uma criança quase sempre por perto, eu não tinha
muitos momentos a sós com Elena. Talvez aguentar uma maldita festa por
algumas poucas horas não fosse a pior coisa do mundo.
— Você é tão pestinha quanto as crianças que ensina, sabia disso?
— murmurei nos lábios dela, com um braço ao redor da sua cintura,
segurando-a com um pouco mais de determinação que antes.
Ela deu de ombros, despreocupadamente.
— Suponho que cada um lute com as armas que tem, não é
mesmo? — ela respondeu com um sorrisinho que prometia encrenca.
Balancei a cabeça, resignado.
— Vou pensar a respeito da tal festa, mas não prometo nada.
— Isso basta para mim. — Elena sorriu, me parecendo bastante
satisfeita com a minha resposta.
— Tio Jake, você ainda não passou protetor solar — acusou
Maxon, olhando para mim com a cara fechada e os bracinhos cruzados, na
pose mais intimidadora que já o vi fazer até aquele momento.
Eu dei uma risadinha diante do meu sobrinho tentando me
intimidar, na forma mais fofa de demonstrar preocupação com o meu bem-
estar.
— Está certo — concordei. — Vou resolver isso agora mesmo.
— Você quer tirar a camiseta para que eu passe nas suas costas? —
Elena perguntou, hesitante.
Meu corpo retesou no mesmo instante. A regata que eu estava
usando escondia a cicatriz de tiro que decorava o meu ombro. Eu não queria
que Maxon visse a cicatriz e ficasse intrigado o suficiente para fazer
perguntas a respeito. Não queria explicar para ele nada que tivesse a ver com
a guerra, pois tinha medo de que suas perguntas me levassem a ser obrigado
a falar sobre Devin. Maxon ainda não havia feito nenhuma pergunta sobre o
pai, mas eu sabia que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria. O quanto eu
pudesse evitar o assunto, no entanto, eu evitaria.
— Eu não acho que seja uma boa ideia que eu fique sem camiseta
— eu disse a ela, olhando para Maxon de esguelha e esperando que Elena
entendesse o porquê.
Ela olhou para mim e depois olhou para o meu sobrinho, que já
não estava mais prestando atenção em nós. Maxon já estava concentrado no
seu castelo de areia novamente.
— Está tudo bem, Jake, ele não está prestando atenção em nós —
Elena falou baixinho, me encorajando. — Acredite em mim, você não vai
querer ficar com a marca de bronzeado de uma camiseta.
Ergui uma sobrancelha como o cafajeste safado que eu tentava não
ser perto dela.
— Devo interpretar a sua insistência como um desejo
descontrolado de me ver sem camiseta? — brinquei, tentando acalmar os
meus batimentos cardíacos e as preocupações que ameaçavam invadir a
minha mente.
Eu tinha prometido para mim mesmo que tentaria relaxar, que
soltaria um pouco as rédeas. Mas era extremamente difícil fazer isso quando
eu guardava tantos segredos.
As bochechas de Elena foram atingidas por um tom rubro que a
deixava ainda mais bonita. Eu gostava quando ela corava.
— Não seja tão convencido — ela me repreendeu, sem graça. —
E-eu nem pensei por esse lado.
— Aham.
— Estou falando sério, Jake.
— Eu também.
Elena revirou os olhos, demonstrando impaciência pela primeira
vez. Descobri que eu gostava de irritá-la só para vê-la nervosinha. Ela era
adorável quando ficava brava.
— Não tire a camiseta então — ela replicou, irritada. Não sei por
que, mas isso me fez sorrir. Talvez perceber que ela não era tão fofa e feliz o
tempo todo a colocava em uma posição mais humana para mim. E se ela era
humana como todo o resto, então talvez eu fosse minimamente digno dela.
— Fique com a marca da camiseta. Vai ficar muito bonito. A nova tendência
de Bayshore.
Dei um sorriso de lado que eu tinha certeza de que a deixaria ainda
mais afetada, mas antes que Elena pudesse retrucar, eu levei meus braços até
as minhas costas e puxei o tecido da camiseta pela minha cabeça, tirando-a.
Ouvi quando ela prendeu a respiração. Seus olhos se fixaram nos meus por
um instante antes de ela os descer até o meu ombro, encontrando a cicatriz
do lado esquerdo. Isso fez com que ela se aproximasse de mim. Havia
assombro e curiosidade em seus olhos quando ela ergueu calmamente a mão
e tocou a cicatriz, como se, de alguma forma mágica, ela pudesse curar o que
aquele tiro havia feito comigo. Não só fisicamente, mas emocionalmente
também.
Seu toque suave e gentil me fez engolir em seco. Ninguém nunca
havia tocado em mim daquela forma, com aquele cuidado; com aquele
respeito.
Meus olhos encontraram os de Elena e havia tanto naqueles lindos
olhos castanhos que desejei poder me perder ali. Diferente dos olhos de
Maxon — os olhos de Devin —, os de Elena eram de um tom mais claro e
havia um sutil tom de amarelo bem próximo das pupilas. Era singelo, mas
estava ali, quase sendo engolido pelo castanho predominante.
— É uma benção que você esteja vivo, Jake — ela comentou
baixinho, para que só eu ouvisse.
Não consegui conter a negação que fez minha cabeça balançar de
um lado para o outro. Como era possível ser uma benção quando eu
carregava tanto caos e destruição dentro de mim?
— Não, não é.
— Não fala assim — ela pediu, magoada. — Não consigo aceitar
que você iria preferir estar morto a ter a chance de viver uma vida diferente.
— Não é uma vida diferente se tudo ainda está na minha cabeça,
Elena. Se eu ainda consigo, literalmente, sentir na pele como se ainda
estivesse lá.
— Então procure ajuda — ela me incentivou, esperançosa. —
Talvez tudo o que você viveu e viu lá nunca te abandonem completamente,
mas isso pode ser amenizado com o tratamento certo, Jake. Você não precisa
viver às sombras dessas experiências.
Suspirei e fechei os olhos por um instante. Eu ainda não estava
pronto para ter essa conversa com ela.
— Podemos só... Não vamos falar sobre isso agora, ok? — pedi,
de repente me sentindo cansado. — Por favor.
Elena também suspirou, derrotada, mas concordou com a cabeça.
— É melhor que eu passe esse protetor solar antes que o Maxon
me acuse de hipocrisia — eu disse, desesperado para mudar de assunto e
retomar o clima leve que estava nos envolvendo antes. — Eu mesmo posso
fazer isso se você...
— Eu faço — ela me interrompeu com um sorriso sem dentes que
não atingiu os seus olhos. Eu não gostava desse sorriso nela. Não combinava
nem um pouco com a personalidade radiante que me encantava tanto.
— Elena... me desculpa. — Me senti na obrigação de dizer.
— Não, está tudo bem. Eu não deveria ter tocado no assunto. Você
vai falar comigo quando se sentir pronto para isso. Até lá, eu vou esperar
pacientemente, porque eu entendo, ok? Mas quero que saiba que estou aqui
quando você quiser falar. Eu não vou julgar, Jake.
Balancei a cabeça em anuência, agradecido pela sua compreensão
e paciência. A maioria das pessoas não entendia que, mesmo quando você
vai atrás de tratamento psicológico, há o momento certo para isso. Não
adianta você querer ajuda quando não está pronto e aberto para recebê-la.
— Obrigado. — Fiz um carinho em seu rosto. Eu sentia uma
necessidade inexplicável de tocá-la.
Elena finalmente abriu outro daqueles sorrisos que eu gostava
tanto.
— Agora vire-se antes que você acabe virando um pimentão sob
esse sol quente — ela exigiu, brincalhona.
Eu dei uma risadinha e me virei de costas para ela. Suas mãos
eram suaves ao espalharem o protetor solar pelas minhas costas. Meu corpo
parecia consciente demais do seu toque, porque meus músculos tensionavam
sempre que as mãos de Elena deslizavam sobre eles e um arrepio percorria
toda a minha coluna sem que eu conseguisse conter.
Precisei engolir a seco algumas vezes em uma tentativa
ridiculamente falha de manter as finas barreiras que ainda me separavam
emocionalmente de Elena. Paredes essas que antes eram fortificadas por
diamantina, espinhos e escuridão, mas que agora pareciam folhas de papel.
Bastava um sopro para que Elena as derrubasse por completo. A percepção
disso me apavorava mais do que eu era capaz de deixar transparecer.
— Pronto — ela anunciou, inconsciente de todas as sensações que
me inundavam naquele momento. — Agora estamos os três protegidos do
sol.
Demorei mais alguns segundos para me virar de frente para Elena.
Minha boca estava seca e minhas pernas um pouco instáveis.
— Tio Jake, olha o meu castelo! — Max gritou, exigindo atenção
ao apontar para o seu castelo de areia.
A distração foi bem-vinda e eu pude respirar de novo. Não havia
me dado conta de que estava prendendo a respiração.
Talvez o castelo de Max estivesse prestes a desmoronar, mas ainda
assim eu dei um sorriso para o meu sobrinho e o elogiei pelo bom trabalho.
E notei que os olhos de Elena brilharam ao ver minha interação com ele. As
coisas ficaram mais fáceis para nós desde que deixei ela se aproximar. E
talvez eu fosse extremamente pessimista, ou talvez eu tenha levado pancadas
demais da vida para conseguir ser otimista, pois eu estava me perguntando,
enquanto via Elena sorrir para Max, que parecia absurdamente feliz naquele
momento, quando exatamente as coisas começariam a dar errado.
Capítulo 17

No dia seguinte, arrumei a mochila de Maxon para que ele fosse dormir
na casa de Edwin. Se fosse qualquer outra pessoa, eu jamais permitiria que
meu sobrinho passasse a noite fora, mas se tratando de Edwin... Por mais
que nós não fôssemos mais os garotos que fomos um dia, com a amizade que
tivemos um dia, eu confiava nele. E Maxon precisava ter amigos, então
quando Edwin me ligou três dias atrás e disse que Shawn queria convidar
Maxon para uma festa do pijama, eu concordei sem ressalvas.
Eu estava do lado de fora de casa, esperando que Maxon
terminasse de escovar os dentes e me encontrasse lá para que eu pudesse o
levar para a casa de Edwin, quando vi Harry, o vizinho, sentado em uma
cadeira na varanda de sua casa. Ele estava lendo o jornal e tinha uma caneca
do que eu imaginava ser café em cima de uma mesinha ao lado da sua
cadeira. Ele não percebeu que eu o estava observando. Harry parecia ser um
homem sereno e levar uma vida tranquila. Eu não sabia se ele era casado,
viúvo ou se morava sozinho naquela casa enorme, mas ele parecia tranquilo
com seja lá qual fosse a realidade que vivia. E mesmo que eu soubesse que
as aparências enganam, me peguei curioso para saber se os horrores da
guerra o haviam afetado como afetavam a mim. Mas para saber disso, eu
precisaria me sentar com o velho e me abrir, na esperança de que ele tivesse
algum conselho valioso para me dar e, bom... era de mim que estávamos
falando. A chance de eu fazer tal coisa era bem perto de ser nula.
— Olá, Jake — Harry me cumprimentou, me puxando para a
realidade. Ele tinha o mesmo sorriso fácil da noite em que o conheci. —
Como você está, filho?
O fato de ele me chamar de filho me causava uma estranheza
absurda, porque eu não me lembrava da última vez que alguém houvesse se
dirigido a mim utilizando aquele termo.
— Bem. E você, como está?
— Velho.
Não consegui conter um sorriso diante da piadinha.
— Mas bem — ele acrescentou em seguida, sorrindo também. —
Você parece mais feliz do que na noite em que o conheci. Parece que o
garotinho de quem você está cuidando tem feito milagres, huh?
Olhei para dentro de casa como se pudesse ver o Maxon parado
bem ali, mas ele ainda não havia terminado de escovar os dentes, pelo jeito.
Sorri involuntariamente.
Acho que Harry estava certo. Maxon estava mesmo fazendo
alguns milagres, mas ele não era o único responsável pela mudança que
parecia perceptível para Harry.
— Parece que sim — respondi para Harry.
— Tio Jake, estou pronto! — Maxon exclamou, animado, vindo
correndo para o lado de fora de casa. — Ah. Oi, senhor Cameron.
— Olá, Max. — Harry sorri. — Olha só como você cresceu!
Franzi o cenho em confusão.
— Vocês dois se conhecem?
Maxon afirmou com a cabeça, empolgado.
— O senhor Cameron já era nosso vizinho quando eu e a mamãe
morávamos aqui — contou o meu sobrinho. — Ele fazia bolos e levava pra
gente toda a sexta-feira.
Harry sorriu, feliz que Maxon se lembrava.
— O senhor nunca mais trouxe bolo — meu sobrinho comentou,
aborrecido.
— Maxon — eu o repreendi pela falta de educação.
— Desculpe.
Harry riu.
— Deixe o garoto, Jake. As crianças precisam ser capazes de
expressarem o que pensam. Não se preocupe, Max, vou providenciar um
delicioso bolo de chocolate pra você. O que acha?
Maxon sorriu como se tivesse encontrado o pote de ouro no final
do arco-íris.
— O senhor não precisa fazer isso — eu disse, não querendo ser
um incômodo.
Harry dispensou o meu comentário com um gesto de mão.
— Eu não me importo nem um pouco. É como uma terapia para
mim, lembra?
— Bom... eu agradeço a sua generosidade. — Sorri educadamente.
— Vamos, Max? Não queremos chegar atrasados, não é?
Meu sobrinho sorriu e acenou em despedida para o nosso vizinho.
— Tchau, senhor Cameron.
— Tchau, Max.
Me despedi de Harry com um aceno de cabeça e levei o Maxon
para o carro, colocando-o na cadeirinha e passando o cinto de segurança pelo
seu corpo pequeno. Assumi meu lugar atrás do volante logo em seguida e
peguei o caminho até a casa de Edwin, no lado leste de Bayshore.
— Tio Jake — Maxon me chamou depois de alguns minutos de
silêncio. Eu olhei para ele pelo retrovisor central do carro. Quando seus
olhos encontraram os meus, ele entendeu que eu estava prestando atenção e
que podia continuar. — Você conheceu a minha mamãe?
Quase afundei o pé no freio do carro por puro reflexo, como se a
pergunta de Maxon fosse um obstáculo que eu não havia visto no caminho e
precisava parar para evitar uma colisão dolorosa.
Engoli em seco.
— Sim. Conheci, sim.
— Vocês eram amigos?
Ponderei por um instante. A minha relação com Julia era boa, nós
nos dávamos bem. Ela era uma das poucas pessoas que não nos fazia sentir
inferiores. Até porque, era namorada de Devin, e eu sabia que ela o amava
muito. No entanto, não sei se podia dizer que nós éramos amigos. Eu me
esforçava muito para deixar todo mundo longe de mim. Até mesmo Edwin
não havia conseguido atravessar todas as barreiras que impus ao meu redor.
Acho que eu tinha medo de me decepcionar com as pessoas como havia me
decepcionado com os meus pais. A forma como os moradores de Bayshore
tratavam meu irmão e eu também não ajudava que eu me sentisse seguro a
deixar que se aproximassem.
— Nós éramos... quase amigos.
— Como é ser quase amigo de alguém? — ele quis saber.
Nem eu sabia como responder àquela pergunta.
— Sua mãe era uma garota muito legal, Max. Ela era divertida e...
e simpática. Nós nos dávamos bem. Mas acho que você já me conhece o
suficiente para saber que eu não sou muito bom em ser amigo das pessoas.
Meu sobrinho ficou um tempo em silêncio, pensando sobre o que
eu havia dito.
— Você é amigo da senhorita Blake. Acho que ela gosta de sair
com a gente.
Amigo não era bem a palavra que definia o que Elena e eu éramos,
mas acho que era um bom começo. Qualquer outro rótulo seria incorreto de
qualquer maneira.
— É, acho que você está certo.
Max ficou em silêncio de novo, mas pela sua expressão eu sabia
que ele queria me fazer outra pergunta. Não o pressionei, no entanto. Esperei
pacientemente que meu sobrinho se sentisse pronto para perguntar seja lá o
que fosse que o estava perturbando.
— Tio Jake, nós dois somos amigos?
Meu peito apertou.
Aquela era só mais uma das muitas perguntas que eu não sabia
como responder. Quer dizer, é claro que eu queria que Maxon me visse como
um amigo, mas eu não tinha certeza se depois do início difícil que tivemos,
ele queria ser meu amigo.
— Você quer que sejamos amigos?
— Quero.
Eu sorri para ele.
— Então nós somos amigos, Max.
Ele assentiu com a cabeça.
— Eu gosto quando você me chama de Max. Você não faz isso
com muita frequência.
Ele tinha razão, eu não o chamava pelo apelido com frequência
porque eu ainda tentava manter uma certa distância de Maxon. Embora eu
quisesse me aproximar do meu sobrinho e ser seu amigo, uma grande parte
de mim ainda relutava, porque eu não me achava digno do afeto de Maxon.
Ele merecia mais do que um mentiroso desgraçado como eu, e eu acreditava
que se me mantivesse distante, então o estaria poupando, protegendo-o da
grande decepção que eu era.
— Eu faço muita coisa errada, huh?
Max deu uma risadinha.
— Não muita, não.
Ele era um péssimo mentiroso.
— Você pode me dizer quando eu estiver fazendo algo que você
não goste, sabe — eu avisei a ele, porque não sabia se Maxon acreditava que
deveria apenas obedecer e nunca falar o que queria ou sentia. Eu queria que
ele pudesse conversar comigo sem ter medo da minha reação. — Eu
provavelmente ainda vou fazer um monte de besteira. Seria... legal se você
me ajudasse a entender tudo isso. Acha que pode fazer isso?
Maxon confirmou com a cabeça. O sorriso que ele me deu... talvez
o mundo estivesse brilhando um pouco mais por conta daquele sorriso.
— Legal — eu disse, sorrindo também.
Nós fizemos o restante do caminho em um silêncio confortável. Eu
sabia que o momento em que Maxon começaria a me fazer perguntas sobre o
Devin estava chegando, mas eu deixaria essa questão para o Jake do futuro.
Naquele momento, eu queria apenas curtir o bom relacionamento com o meu
sobrinho, pelo tempo que durasse.
Capítulo 18

O luau que Erika organizou na Rainbow Point, a principal praia de


Bayshore, estava impressionante. Uma fogueira foi montada na areia e
alguns troncos de árvores foram colocados próximos ao fogo. Algumas
pessoas estavam sentadas ao redor da fogueira, ouvindo Benjamin Cast tocar
violão. Era a cena mais clichê do universo, mas não era um luau se não
houvesse alguém tocando um violão ao redor de uma fogueira. Alguns
coolers estavam espalhados pela areia, à disposição dos convidados. Todos
os tipos de bebida estavam sendo ofertados naqueles coolers, mas eu preferi
ficar só na cerveja. Eu era fraca para bebida e, depois de ter um marido
alcoólatra, eu tendia a ficar longe de bebidas mais fortes.
Por falar em marido... Jimmy não estava em nenhum lugar para ser
visto, o que me fez relaxar. Eu sabia que Jake tinha decidido vir, porque ele
tinha me mandado uma mensagem há uns vinte minutos dizendo que estava
vindo. E eu precisava confessar que meu coração estava acelerado desde
então, como se eu tivesse adquirido arritmia cardíaca de um segundo para o
outro. Depois de não ter notícias dele o dia todo, eu imaginava que não fosse
vir e estava conformada com a situação, mas agora eu sentia tanta
empolgação que não cabia em mim. Jake me fazia sentir como uma
adolescente apaixonada pela primeira vez, onde tudo parecia uma imensa
novidade.
Eu não sabia de qual direção Jake viria, então imaginei que meus
amigos estavam pensando que eu estava louca, porque não conseguia ficar
quieta. Estava constantemente olhando para todos os lados e semicerrando
os olhos para conseguir enxergar se uma das pessoas que se aproximavam
era Jake. E a decepção que me atingia quando eu não o reconhecia entre
nenhuma delas era preocupante. Suponho que depois de viver o que eu havia
vivido com Jimmy, eu deveria ser mais cuidadosa com o meu coração e em
quem eu depositava a minha confiança também, mas... eu não saberia
explicar mesmo que tentasse. Quando eu estava com Jake parecia... certo. Eu
me sentia nas nuvens quando estava com ele.
— Notícias do seu militar? — perguntou Taylor, parando ao meu
lado com uma garrafa de cerveja na mão.
A noite estava abafada, perfeita para um luau. Eu estava usando
um vestido vermelho florido, um dos meus favoritos, mas minha melhor
amiga sempre iria optar pelo bom e velho shorts jeans e uma blusa de
alcinha. Nada era mais Taylor do que esse visual despojado e urbano.
— Ele me mandou uma mensagem dizendo que estava vindo, mas
até agora nada. — Chequei o meu celular atrás de outra mensagem de Jake,
mas não havia nada. — Talvez ele tenha mudado de ideia.
— Ele vai chegar, Ellie — garantiu a minha amiga. — Dê um
tempo a ele. Você mesma me disse hoje que Jake não é bom em lidar com as
pessoas. Talvez ele só precise de um momento antes de encarar uma festa
repleta de... bom, pessoas.
Eu dei uma risadinha. Taylor estava certa. Só o fato de Jake ter
concordado em vir já era grande coisa, eu não podia exigir que as coisas
acontecessem no meu tempo quando eu sabia o esforço que era para ele
simplesmente cogitar aparecer. Eu poderia ser um pouco mais paciente.
— Enquanto o seu príncipe não aparece, vamos nos divertir. —
Taylor passou o braço direito pelos meus ombros e me guiou para mais perto
dos outros convidados.
Eu me sentei com Taylor ao lado de Erika, próximo à fogueira.
— Eu estou tão feliz que vocês duas vieram — Erika disse. Um
largo sorriso emoldurava os seus lábios grossos. A pele negra estava coberta
por um brilho dourado, porque Erika estava meio que fantasiada de sereia ou
algo do tipo. Ela adorava qualquer desculpa para usar uma roupa
extravagante. — Pensei que não viriam por causa do Jimmy.
— Mas ele não vai vir, certo? — perguntou Taylor, apreensiva. —
Você disse que o seu irmão estava viajando e como os dois são grudados,
nós deduzimos que Jimmy não apareceria aqui sem o Brad.
Erika nos olhou com preocupação dominando todo o seu rosto
bonito. Os grandes olhos castanhos escuros se arregalaram não tão
sutilmente como eu gostaria. Aquilo não parecia bom.
— Brad chegou mais cedo. Ele não me avisou. Quis fazer uma
surpresa para o meu aniversário — ela gemeu, angustiada porque ela sabia
muito bem o que aquilo significava para mim. — Elena, me desculpa. Eu
pensei que você soubesse.
Minha respiração falhou.
— Como ela iria saber disso, Erika? Você deveria ter nos avisado,
droga!
— Me desculpa. Foi tão corrido para organizar tudo que eu acabei
esquecendo. De qualquer forma, Brad só me avisou que estava na cidade
quatro horas atrás. Eu não sabia antes disso.
Olhei para Taylor, sentindo meu corpo entrar em pânico.
— Jake está vindo para cá — foi tudo o que eu disse.
— Porra — Taylor praguejou. — Eu vou manter o Jimmy
distraído. Você pega o Jake e cai fora no instante em que ele pisar aqui.
Movimentei a cabeça rapidamente, concordando com o plano. Eu
não sabia se daria certo, mas não poderia simplesmente ir embora e
abandonar Jake aqui. Ele não entenderia coisa alguma.
— Não é mais fácil simplesmente mandar uma mensagem para
esse tal de Jake e inventar uma desculpa? — sugeriu Erika, tentando ajudar.
— Diga que você passou mal e está indo para casa.
Aquela ideia parecia melhor que a de Taylor.
— Boa ideia — concordei.
Me levantei do tronco de madeira, afobada. Puxei meu celular do
bolso do vestido para digitar a mensagem, mas no instante que olhei para
frente, vi Jake vindo na minha direção. Ah, Deus. Instintivamente percorri os
arredores com os meus olhos, procurando por Jimmy. Talvez ele ainda não
tivesse chegado. Eu precisava sair dali com Jake antes que meu ex-marido
nos visse e causasse uma cena. Não era dessa forma que eu queria que Jake
descobrisse que eu já fui casada com um homem que me machucava.
Andei apressadamente ao encontro de Jake. Ele parou de caminhar
quando percebeu o meu estado de humor. Acho que, àquela altura, eu não
estava sendo capaz de esconder o meu nervosismo.
— Elena — ele disse, preocupado. — O que foi? Parece que você
viu um fantasma.
Ainda não, mas veria muito em breve se não fosse embora
depressa.
— Eu sei que vai parecer uma doideira, mas podemos ir embora?
— perguntei, angustiada. Eu não conseguia parar de olhar para os lados,
procurando por Jimmy enquanto meu coração batia como louco dentro do
meu peito.
— O que aconteceu?
— N-nada. E-eu só não estou me sentindo bem — gaguejei,
tamanho o meu nervosismo.
— Elena — Jake segurou meu rosto entre as suas mãos, me
forçando a olhar para ele ao invés de olhar para os lados como uma maluca.
— Não minta para mim. Me diga o que aconteceu.
Não era certo que eu continuasse escondendo aquilo de Jake
quando havia dito, no dia anterior, que ele poderia conversar comigo que eu
não o julgaria. Como eu poderia pedir honestidade quando eu mesma não
estava sendo honesta com ele?
— Tudo bem. Eu juro que vou te explicar tudo, mas podemos ir
embora? Eu te conto no caminho.
Para o meu alívio, Jake concordou.
Nós não havíamos nem dado cinco passos para longe quando eu
ouvi:
— Como você tem coragem de trazer um homem para uma festa
dos nossos amigos, Elena?
A forma como meu coração gelou pelo pavor... Nem o calor
escaldante do deserto poderia descongelá-lo. Eu estagnei no lugar, sendo
incapaz de me mover para qualquer direção que fosse. Jake parou um passo
à minha frente e olhou para trás. Para Jimmy, que, pela forma como as
minhas costas queimavam, eu tinha certeza de que nos encarava com cólera
banhando os seus olhos.
Jake olhou para mim com o cenho franzido, claramente confuso.
Seus ombros estavam rígidos, no entanto, em um claro sinal de alerta.
— Jimmy, qual é — ouvi a voz de Brad. — Para com isso, cara.
Quando fui capaz de me mover e olhar na direção de Jimmy, vi
que Brad tentava segurá-lo para evitar uma confusão que era inevitável.
— Você não tem vergonha na porra da sua cara, huh? — Jimmy
bradou, vindo com rapidez na minha direção.
Jake entrou na minha frente, bloqueando completamente a minha
visão do meu ex-marido.
— Cuidado — Jake alertou com aquela voz fria que eu ouvi nas
primeiras vezes que conversamos. — Eu me afastaria agora, se fosse você.
Jimmy deu uma risada carregada de deboche.
— Jake, está tudo bem — eu disse, saindo de trás dele e colocando
a mão em seu peito, empurrando-o gentilmente para trás, querendo afastá-lo
de Jimmy.
— Me afastar? Por que eu deveria me afastar se ela é minha
mulher?
— Ex-mulher — eu corrigi depressa e evitei olhar na direção de
Jake naquele momento, porque tinha medo da expressão que encontraria em
seu rosto. — Nós dois não somos casados há sete meses, Jimmy.
— Sete meses, Elena! Faz só sete meses e você já traz um cara
para uma festa com os nossos amigos? O que você quer? Esfregar ele na
minha cara? Me deixar com ciúme?
Eu neguei com a cabeça, atordoada.
— Não! É claro que não. Eu não sabia que você viria, ok? Jake e
eu já estamos indo embora.
— Você está trepando com ele? — Jimmy demandou. O choque e
a vergonha de ter todos ouvindo aquilo me fizeram travar. — Me responde,
caralho! Você está trepando com ele?!
Eu abri a boca para responder, mas Jake foi mais rápido:
— Abaixe o seu tom.
Jimmy olhou para Jake como se pudesse matá-lo com as próprias
mãos.
— Ou o quê? Acha que só porque está fodendo a minha ex-mulher
pode...
Jimmy não conseguiu terminar a frase, pois Jake deu um soco em
seu rosto com força o suficiente para que meu ex-marido caísse na areia.
Tudo aconteceu tão rápido que meu cérebro mal conseguiu registrar. Só
entendi o que tinha acontecido quando vi Jimmy no chão, segurando a
mandíbula e gemendo de dor.
— Seu filho da puta! — Jimmy gritou com sangue saindo do seu
nariz.
Ah Deus.
— Jake! — eu chamei antes que ele decidisse bater em Jimmy de
novo. — Jake, olhe para mim! — eu implorei, me colocando na frente dele.
O que vi quando olhei em seus olhos... Uma fúria que fez meu
sangue deixar de correr nas veias por alguns segundos.
— Vamos embora, por favor. — Eu tentei empurrá-lo para trás,
mas Jake parecia ancorado à areia. Ele era como uma força da natureza;
impossível lutar contra. — Por favor! Jake, por favor!
Ele finalmente abaixou os olhos para mim.
— Por favor — eu balbuciei.
Jake olhou para Jimmy mais uma vez. Meu ex-marido estava
sendo amparado por Brad, que o puxava do chão para o colocar de pé outra
vez. Se ele viesse para cima de Jake para revidar... Meu Deus, aquilo
acabaria em desgraça. Mas para a minha surpresa, Jake apenas virou as
costas e começou a se afastar. Eu rapidamente fui atrás dele. Nós seguimos
para o estacionamento que ficava em frente à praia enquanto ouvíamos
Jimmy gritar provocações. Eu sabia que Jake era um homem de pouca
paciência, então fiquei atenta a qualquer sinal de que ele daria meia volta e
faria Jimmy calar a boca com o seu punho enfiado na cara do meu ex-
marido. Mas graças a Deus, Jake apenas continuou andando até alcançar o
seu carro.
— Jake — eu o chamei quando o vi abrindo a porta do veículo.
Ele iria embora sem me dizer nada?
Meu corpo se sobressaltou quando Jake fechou a porta com força e
virou-se para mim contendo uma tempestade nos olhos.
— Você é casada? — ele acusou.
— Eu era casada — enfatizei.
— Por que você não me disse? Por que me convidou para uma
festa se existia a possibilidade do seu ex-marido aparecer? — ele indagou,
furioso. — Você está me usando para algum tipo de joguinho doentio onde o
deixa louco de ciúmes para tê-lo de volta?
Eu entendia a revolta de Jake, mas suas palavras doíam mesmo
assim.
— Eu não o quero de volta — eu disse, mas minha voz falhou no
final da frase.
— Tem certeza disso? Porque, eu posso não entender muito de
relacionamentos, mas esse é o tipo de coisa que alguém desesperado faria
para conseguir atenção!
Abaixei a cabeça, não conseguindo encarar o desprezo que o seu
rosto demonstrava.
— Eu sinto muito. Eu deveria ter contado antes.
— E por que não contou?!
Respirei fundo e levantei a cabeça, olhando Jake nos olhos. Eu
sabia que precisava me explicar para que ele entendesse que eu não tinha a
intenção de mentir ou de magoá-lo de alguma forma, mas... Deus, como era
difícil contar aquilo.
— Ele costumava me bater — confessei.
Jake ficou tão imóvel que poderia ter se tornado uma estátua. Eu vi
o exato momento em que a sua fisionomia mudou. Vi o exato momento em
que seus olhos queimaram com uma fúria ainda maior do que antes, mas
agora não mais direcionada para mim.
— O quê? — ele perguntou, mais calmo. No entanto, era uma
calmaria traiçoeira, porque eu conseguia ver o seu corpo tremer enquanto ele
tentava miseravelmente conter a raiva.
— Aconteceu duas vezes antes de eu decidir pedir o divórcio.
Jimmy é alcoólatra, então às vezes ele chegava em casa muito bêbado e
qualquer coisa que eu fizesse parecia o irritar. Ele perdia o controle.
— Aquele roxo no seu braço dias atrás... Você disse que tinha
batido... Foi ele quem fez aquilo com você?
Meu corpo tremeu com a cólera que banhava a sua voz.
— Jake...
— Foi ele quem fez aquilo com você? — ele repetiu, exigindo
uma resposta. — Me responda, Elena, ou eu juro por Deus que vou perder a
cabeça.
— Sim. Foi ele, sim.
Jake começou a andar de um lado para o outro na minha frente.
Suas mãos passearam pelo seu cabelo com violência, bagunçando todos os
fios.
— Eu lidei com ele, Jake — eu continuei falando. — Eu sei lidar
com ele. Jimmy não vai me machucar de novo.
Jake olhou bem para a minha cara antes de olhar para a praia atrás
de mim. Eu consegui ver o pensamento passando pelos seus olhos quando
ele começou a caminhar em direção à festa.
— Ah, mas ele não vai mesmo.
— Jake! — Eu corri atrás dele e tentei segurar o seu braço, mas a
sua força não era páreo para mim. — Jake!
Eu não conseguia respirar, mas isso não tinha nada a ver com o
fato de eu estar correndo para tentar parar Jake; e sim com o fato de que eu
achava bem possível que ele matasse o meu ex-marido por conta de um
acesso de raiva.
— Jake! — eu chamei mais uma vez, desesperada.
Mas ele não estava me ouvindo.
Ele não estava parando.
Meu coração, por outro lado, parecia estar parando.
A cena começou a passar em câmera lenta na minha frente
enquanto eu tentava pensar em como conter um vulcão em erupção.
— Brad — eu gritei para o melhor amigo de Jimmy.
Vi quando o irmão de Erika olhou para mim, depois olhou para
Jake, que já estava perigosamente perto de onde ele e Jimmy estavam
parados. Mas era tarde demais. Eu continuei correndo, a areia dificultando o
processo. Jake pegou Jimmy pelo pescoço, e eu vi meu ex-marido ficar roxo
como uma beterraba por ter a passagem de ar obstruída.
— Jake! — eu berrei.
— Se encostar nela de novo, eu juro por Deus que mato você —
Jake prometeu. E me dei conta de que, naquele momento, ele não era o
homem por quem eu estava desenvolvendo sentimentos fortes. Ele era o
Fuzileiro Naval Jake Hyder. O homem que havia tirado vidas o suficiente
para não fazer uma ameaça vazia.
— Jake, solte ele — eu implorei, sentindo meus olhos se encherem
de lágrimas pelo caos da situação. — Solte-o!
Jake soltou Jimmy, empurrando-o para trás. Meu ex-marido caiu
no chão novamente, tossindo desesperadamente em busca de ar.
— Meu recado está dado — Jake alertou e, sem olhar novamente
para mim, foi embora.
 

Eu não sabia o que fazer.


Não sabia como me mexer ou como respirar ou como encarar as
pessoas à minha volta, que olhavam para mim, horrorizadas. Ninguém além
de Taylor e Erika — e agora Jake — sabia o real motivo para Jimmy e eu
termos nos divorciado. Da última vez que ele me bateu, quando fiquei com o
olho roxo e o ombro deslocado, consegui um atestado médico para ficar em
casa me recuperando. Taylor foi quem cuidou de mim. Eu não coloquei a
minha cara para fora de casa até que os hematomas clareassem o suficiente
para que eu conseguisse escondê-los com maquiagem. Ninguém na cidade
ficou sabendo o que havia acontecido dentro das quatro paredes da casa onde
eu morava com Jimmy. Mas o aviso de Jake abria margem para
interpretações das quais eu não estava preparada para lidar.
— Ellie, vem comigo — Taylor disse baixinho ao meu lado.
Minha amiga segurou a minha mão e me afastou da multidão de
olhos curiosos e julgadores. Eu deixei que ela me levasse, embora não
soubesse para onde estávamos indo. Só me dei conta de onde estávamos
quando reconheci a fachada familiar da nossa casa.
— Você está bem? — Taylor me perguntou, parando na minha
frente para que eu tentasse prestar atenção nela.
Tudo saiu do controle tão depressa... eu ainda tentava entender a
dimensão do que tinha acabado de acontecer.
— Eu preciso falar com o Jake — foi a minha resposta para a
minha melhor amiga. — Você pode me levar até a casa dele?
O rosto de Taylor foi tomado por preocupação.
— Não acha que é melhor deixar que ele esfrie a cabeça primeiro?
— Tay, ele não vai me machucar. E eu também não vou conseguir
relaxar enquanto não conversar com ele. Por favor.
Minha amiga suspirou, ainda preocupada, mas concordou com a
cabeça, o que me trouxe um pouquinho de alívio.
— Tudo bem. Vamos, eu te levo até lá.
Capítulo 19

O silêncio que me atingiu quando cheguei em casa foi como um


bálsamo. Minha cabeça estava uma bagunça e meu corpo estava tenso, em
alerta, transbordando adrenalina. Ainda bem que Maxon passaria a noite
fora, porque seria péssimo para o avanço do nosso bom relacionamento se eu
surtasse com o meu sobrinho de novo, justo agora que nós estávamos nos
dando bem. Eu não estragaria as coisas com Maxon novamente.
Fui para o meu quarto e adentrei o banheiro. Segurei a pia com
tanta força, tentando ancorar o meu autocontrole, que senti meus dedos
doerem e ficarem um pouco dormentes. Me olhei no espelho e me assustei
com a imagem que me encarou de volta. Eu parecia um animal raivoso.
Minhas pupilas estavam dilatadas, meu rosto estava vermelho, as veias do
meu pescoço estavam sobressaltadas e eu respirava com dificuldade,
tentando conter a explosão de uma bomba nuclear. Eu não sabia o que me
deixava mais puto: se era o fato de Elena ter sido ferida ou se era o fato
daquele filho da puta de merda não estar preso por isso. Provavelmente as
duas coisas.
Eu poderia tê-lo matado bem ali. Eu já era um assassino mesmo,
que diferença faria? Mas depois que pensei melhor, no caminho de volta
para casa, cheguei à conclusão de que sim, eu era um assassino, mas nunca
havia tirado a vida de uma pessoa por vontade própria. Eu estava na guerra,
deveria seguir ordens. Não existia uma escolha. Mas naquele momento, se
eu tivesse matado Jimmy, seria uma escolha minha. Não teria uma guerra de
plano de fundo para justificar aquilo — mesmo que nada devesse justificar
uma guerra em si, para começar.
Eu não era aquele tipo de assassino, se é que eu poderia distinguir
um monstro do outro.
Joguei água no meu rosto, tentando me acalmar, mas decidi que
era melhor tomar um banho gelado logo de uma vez. Então tirei a minha
roupa rapidamente e me enfiei embaixo do chuveiro. A água gelada fazia
meu corpo tremer violentamente, mesmo com a noite abafada que envolvia
Bayshore do lado de fora. A questão sobre manter a calma, no entanto, é que
quando você se acostuma a manter seu corpo em estado de alerta por longos
períodos, alcançar a calma e o relaxamento se torna muito difícil.
Saí do banho ainda não tão relaxado quanto gostaria. Sequei o meu
cabelo, esfregando a toalha pelos fios antes de enrolá-la ao redor da minha
cintura. Eu não sabia o que fazer em seguida. Poderia procurar alguma coisa
na televisão que me distraísse ou poderia limpar a casa — que nem sequer
estava suja porque o que eu mais fazia para ocupar o meu tempo livre era
limpar a casa. Ou talvez eu poderia ir correr. Exercício físico sempre
manteve a minha cabeça no lugar e me ajudava a relaxar. Poderia ser uma
boa ideia, mas a verdade é que eu estava exausto. Nem mesmo a perspectiva
de endorfina seria capaz de me fazer colocar uma roupa, meu par de tênis e
correr pela cidade. Então, antes que me desse conta, eu estava no quarto do
meu sobrinho, olhando para os desenhos recentes que ele havia colado na
parede e para os brinquedos espalhados. Maxon ainda não tinha me cobrado
a promessa de pintar as paredes de azul, mas ele havia encontrado uma
forma de se sentir à vontade dentro do próprio quarto.
A foto de Devin e Julia em cima da mesa de cabeceira foi o que
prendeu a minha atenção. Sentei na cama do meu sobrinho e peguei o porta-
retrato. Devin estava parado atrás de Julia, abraçando-a enquanto ela
segurava o Max bebê nos braços. Os dois estavam sorrindo como o casal
feliz que eram. Eu me lembrava de como Devin estava radiante quando o
Maxon nasceu. Ele dizia constantemente que era o homem mais feliz e mais
sortudo do mundo. E mesmo que eu não sentisse nem um terço da felicidade
que meu irmão sentia, eu não conseguia invejá-lo, porque Devin merecia
aquilo mais do que qualquer pessoa. A pouca felicidade que eu conhecia era
por ver o meu irmão realizado daquela maneira com a família que tinha
construído, mesmo contra todas as possibilidades.
Senti meus olhos queimarem, então coloquei a foto
cuidadosamente de volta na mesa de cabeceira. Eu não chorava há anos.
Nem mesmo quando houve a confirmação de que Devin estava morto... eu
não derramei uma lágrima. Não porque a tristeza fosse pouca, mas porque eu
havia trancafiado meus sentimentos tão profundamente, que não sabia mais
como me permitir demonstrar. Eu estava tão acostumado a lutar contra tudo
o que eu sentia, que era familiar para mim sofrer em silêncio, sem
demonstrar nada, sem deixar que ninguém soubesse o quanto eu estava
miserável.
Estava pronto para sair do quarto de Maxon quando vi o abajur
projetor de estrelas. Max estava dormindo fora, então tinha certeza de que
ele não iria se importar se eu pegasse o objeto emprestado por algumas
horas. Então foi o que fiz. Levei o abajur para o meu quarto e o liguei na
tomada. Por longos minutos, apenas olhei o teto e as paredes se tornarem
carregadas de estrelas douradas. Eu não sabia explicar como ou por que, mas
aquilo me trazia certa paz.
Uma batida na porta, seguida da campainha tocando, me puxou de
volta para a realidade. Pensei por um momento em simplesmente ignorar,
mas poderia ser Edwin trazendo o Max de volta para casa por algum motivo
qualquer. Ou talvez fosse Harry precisando de alguma ajuda por ser um
idoso e aparentemente morar sozinho. Eu só não esperava que fosse Elena.
Quando eu abri a porta, era ela quem estava parada ali. Os olhos estavam
vermelhos, o que me dizia que ela tinha chorado e seu rosto estava um pouco
pálido. Ela estava abalada e exausta, nada parecida com a mulher radiante
que havia ocupado a minha vida nas últimas semanas.
Foi só quando os olhos de Elena despencaram dos meus, olhando
para a região da minha cintura, que me dei conta de que ainda estava usando
apenas uma toalha. Porra.
— Oi — ela me cumprimentou, voltando a manter seus olhos
presos no meu rosto. — Podemos conversar?
A minha resposta foi abrir mais a porta para ela e sair do caminho
para que pudesse passar. E assim ela o fez. Elena adentrou a minha casa com
os ombros tensos, remexendo os dedos uns nos outros em um claro sinal de
nervosismo. Eu não podia culpá-la por isso. Eu sabia que havia agido como
um monstro. E provavelmente ela estava ali para me dizer que, fosse lá o que
nós dois estávamos nos tornando um para o outro, precisaria acabar. E por
mais que eu detestasse admitir, aquilo não me surpreendia. Eu sabia que era
só uma questão de tempo até que ela se desse conta de que era boa demais
para mim.
— Me dê dois minutos — pedi.
Ela confirmou com a cabeça.
Subi as escadas rapidamente e fui até o meu quarto. Eu precisava
colocar uma roupa. Não dava para ter aquela conversa vestindo apenas uma
toalha. Então, coloquei uma cueca limpa e uma calça de moletom cinza. Não
me dei ao trabalho de colocar uma camiseta porque meu corpo parecia estar
pegando fogo, devido aos últimos acontecimentos. O efeito do banho gelado
já havia passado e eu estava morrendo de calor. Também não quis perder
tempo procurando pelo meu chinelo, então permaneci descalço.
Voltei para a sala.
Elena estava parada no centro da sala de estar. Ela não havia se
sentado ou se movido, na verdade. Eu me aproximei devagar, ficando de
frente para ela, e esperei. Eu tinha muitas coisas para dizer à Elena, mas
manteria minha boca fechada até entender qual seria o rumo daquela
conversa.
— Jake — Ela respirou fundo e eu tentei me preparar para o que
viria a seguir. — Eu sinto muito. Eu deveria ter te contado sobre o Jimmy
quando te convidei para a festa, mas não o fiz porque eu estava com medo de
que você me perguntasse sobre ele, que quisesse entender por que nós nos
divorciamos. Eu não queria te contar sobre... o que ele fez comigo. Mesmo
que eu saiba que não deveria sentir vergonha disso, porque não foi minha
culpa, eu não fiz nada de errado, uma parte de mim sente. E... eu sei que vou
parecer a pessoa mais egoísta do universo agora, mas eu queria que você me
conhecesse mais antes que eu te contasse a verdade, porque não queria
correr o risco de você pensar que eu era mais problema do que valeria a
pena.
Não sei se consegui disfarçar o quanto aquilo me deixou chocado.
Ela achava que poderia ser mais problema do que valeria a pena? O que ela
achava que eu era? Será que Elena não enxergava o quanto eu estava fodido
da cabeça? O quanto eu era um problema ambulante? A ideia de ela achar
que poderia me assustar com os seus problemas era inconcebível para mim.
— Elena, olhe para mim! Eu sou a definição de problema.
Acredite, de nós dois, eu sou aquele que não vale a pena.
Ela negou com a cabeça.
— Eu odeio quando você fala desse jeito.
— Mas é a verdade!
— Não é, não, Jake! Você pode achar que não merece ser feliz,
mas eu acho que você merece, sim. Depois de tudo o que você passou, você
talvez mereça mais do que a maioria das pessoas!
— Você não sabe o que está falando — neguei, não conseguindo
entender como ela não enxergava o óbvio. — Você pensa que me conhece,
você pensa que três encontros e alguns beijos concretizam a imagem que a
sua cabeça criou de mim, mas você não tem a menor ideia de quem eu sou
ou das coisas que eu fiz, Elena. Se você fosse esperta, sairia por aquela porta
agora mesmo e nunca mais se aproximaria de mim de novo!
— Acho que eu prefiro não ser esperta então.
Soltei o ar dos pulmões, cético, e balancei a cabeça. Nós
estávamos nos enganando, achando que poderíamos viver um romance ou...
seja lá o que aquilo fosse. Eu era uma bomba-relógio. Manter Maxon
seguramente distante já era difícil, eu não podia fazer aquilo com Elena
também. Viver constantemente magoando-a e afastando-a de mim por medo
de explodir.
— Eu acho que você deveria ir embora — falei.
— Jake — ela protestou.
— Eu nunca deveria ter permitido que alguma coisa acontecesse
entre nós dois. Deixe o emocional de lado e pense por um momento, Elena!
Olha só o que aconteceu essa noite! Você entende o que eu sou? O que
poderia ter feito lá? Eu... eu queria matar o seu ex-marido e provavelmente
teria feito isso se você não estivesse lá para me impedir! Não é possível que
você não ache isso problemático! Não é possível que eu não tenha
conseguido te assustar!
— Você quer que eu admita que você me assustou? Ok, fácil. Você
me assustou, Jake! Mas eu acho que por eu ser sorridente e alegre a maior
parte do tempo, você acredita que eu seja frágil. Eu não sou! Eu lidei com
coisas difíceis também! Não foi uma guerra ou mortes ou bombas
explodindo ao meu redor o tempo todo, mas foi difícil pra cacete morar sob
o mesmo teto que um homem que poderia estar bem em um segundo e no
outro estar em cima de mim, me dando um soco na cara! Então não me trate
como se eu fosse quebrar facilmente, porque eu não vou!
As palavras fugiram completamente do meu cérebro naquele
momento. Eu não conseguia juntá-las para formar uma resposta, porque
Elena estava certa. Eu a enxergava como uma mulher frágil por conta da sua
personalidade sorridente e meiga; como uma mulher que eu precisava
proteger a qualquer custo, de mim, principalmente. Mas Elena tinha razão.
Ela havia lidado com coisas difíceis também. Eu estava completamente
errado sobre ela durante todo aquele tempo.
— Você está certa. Eu achei sim que você fosse frágil, mas eu
também acho que você é corajosa. Não porque você enfrentou o seu ex-
marido e se divorciou, eu não sabia disso até então, embora eu ache você
ainda mais corajosa agora, mas porque você não tem medo de expressar o
que sente. Para mim, fazer isso é um grande ato de coragem. No entanto,
ainda não é um bom motivo que me convença de que isso — Eu gesticulei
entre nós dois com o dedo indicador — seja certo. De que eu seja certo para
você.
Elena umedeceu os lábios e eliminou a distância que nos separava.
Precisei abaixar os olhos para continuar sustentando o contato visual que
estabelecemos. Então ela segurou a minha mão e a colocou sobre o seu
coração, que batia freneticamente dentro do seu peito.
— Consegue sentir isso? — ela me perguntou, olhando para mim
com aqueles lindos olhos castanhos. — Meu coração bate assim sempre que
estou com você. Vai me dizer que isso é errado? Porque eu não sinto que é.
Eu sinto que é o certo. Desde o nosso primeiro encontro... tudo isso parece
certo. Não me afaste de você, por favor.
— Eu não sou o que você precisa.
— Não é você quem decide isso.
— Não posso, Elena. — Segurei o seu queixo com toda a gentileza
que consegui reunir e fiz um carinho na sua bochecha com o meu polegar. —
Eu não suportaria se machucasse você.
— Você não vai me machucar. Eu sei que não vai — ela garantiu,
mas nós dois sabíamos que ela nunca poderia ter certeza. Elena enlaçou o
meu pescoço com os braços e ficou na porta dos pés. — Não me mande
embora, Jake. Não me tire da sua vida como se isso entre nós não fosse
alguma coisa.
Fechei os olhos por um momento. Eu não conseguia pensar com
ela tão perto de mim. Era fácil esquecer o motivo pelo qual eu deveria ficar
longe quando os lábios dela estavam tão perto dos meus, quando eu
conseguia sentir o seu perfume e a sua respiração se misturando com a
minha.
— Por favor — eu implorei em um sussurro, porque eu precisava
que ela se afastasse, mas não tinha força para fazer isso eu mesmo.
— Me deixe ficar — Elena sussurrou, roçando seus lábios nos
meus. — Me deixe conhecer todas as partes de você, Jake.
Mas eu não podia. Ela me odiaria quando descobrisse que eu não
era nada do que ela imaginava. Ela me odiaria quando me visse de verdade.
— Não faça isso, Elena — eu continuei implorando, mantendo
meus olhos fechados para tentar ter algum controle. Se eu olhasse para ela,
perderia tudo. — Por favor.
Eu não conseguia respirar direito. Não conseguia pensar.
— Eu quero ficar com você — ela sussurrou. Uma das suas mãos
segurava a minha nuca com força enquanto a outra envolvia a lateral do meu
pescoço. — Eu quero ajudar você com o Max e com qualquer outra coisa
que você precisar. Você não tem mais que ficar sozinho. Eu estou aqui, e eu
quero ficar.
Elena puxou o meu rosto mais para baixo e seus lábios tocaram os
meus. Foi fugaz. Um incentivo. Ela iria me enlouquecer. Eu sentia que
estava perdendo a força de mantê-la longe, já que eu a queria tão
absurdamente perto de mim.
— Eu sei que você sente isso também. Pare de lutar contra. — Ela
roçou os lábios nos meus de novo. Eu me sentia fraco. — E me beija.
A necessidade na voz dela me arrebentou. E eu cedi. Cedi porque,
mesmo com medo, eu a queria. Não só fisicamente falando, mas eu a queria
comigo; com o Max. Ela era boa para nós dois de uma maneira que ninguém
nunca havia sido; de uma maneira que eu duvidava que outra pessoa
conseguiria ser. Então grudei meus lábios nos dela e a beijei com todo o
desejo ardente que me invadia quando Elena estava nos meus braços daquele
jeito.
Elena gemeu na minha boca e os resquícios do meu autocontrole
se desfizeram. Eu me abaixei, com seus lábios ainda nos meus, e agarrei a
parte de trás das suas coxas, puxando-a para cima. Elena entrelaçou as
pernas ao redor da minha cintura e deitou a cabeça para aprofundar o beijo,
tocando meus lábios com a sua língua, pedindo passagem. Minha língua
encontrou a dela no mesmo instante em que minhas mãos chegaram até a sua
bunda, sustentando-a no meu colo. Os dedos de Elena adentraram o meu
cabelo ainda um pouco úmido pelo banho e ela gemeu de novo.
É isso, porra. Eu perderia a minha sanidade naquela noite, com os
gemidos daquela mulher na minha boca. Eu perderia tudo; entregaria tudo
para ela.
Elena mordeu meu lábio inferior e me deu um selinho, encerrando
o beijo de uma maneira abrupta. Mas eu queria mais. Eu precisava de mais,
porra. Então tentei capturar seus lábios de novo, mas ela não deixou. Precisei
reprimir um rosnado.
— Me leva para o seu quarto — Elena pediu, ofegante, com a
respiração batendo contra a minha boca.
Sua voz carregada de tesão fez o fogo correr na minha corrente
sanguínea. E por mais que eu quisesse subir aquela escada e me trancar no
meu quarto com nada além de Elena, havia uma parte de mim que ainda
estava resistindo. Se eu a tomasse daquela maneira... Eu sabia que nada me
faria ficar longe daquela mulher e isso me apavorava tanto quanto a ideia de
deixá-la ir embora.
Mesmo sem querer encerrar o contato entre nossos corpos, eu a
coloquei no chão com suavidade e olhei para os olhos que eu tanto gostava,
que se tornaram tão familiares para mim nas últimas semanas.
— Você tem certeza? Porque, Elena, se tiver uma mínima parte de
você que tem dúvidas sobre isso, então...
— Eu quero você, Jake — ela afirmou, contundente. Sua voz não
abria espaço para qualquer questionamento meu.  — Agora mesmo.
Jesus Cristo.
Porra.
Eu peguei Elena nos meus braços novamente, envolvendo as suas
costas com um e a sustentando por baixo dos joelhos com o outro, e fui em
direção às escadas. Não as subi depressa como tinha vontade, porque ainda
queria dar uma chance à Elena para mudar de ideia, mesmo que
internamente eu torcesse para que a possibilidade nem passasse pela cabeça
dela. Eu não me lembrava da última vez que quis uma mulher como a queria
naquele momento. Acho até que nunca realmente quis uma mulher daquela
maneira. Eu havia me envolvido com algumas pessoas na época da escola,
mas foram transas sem significado com garotas que tinham vergonha de
serem vistas comigo, mas me achavam atraente o bastante para frequentar a
minha cama. Nada, nunca, havia sido parecido com o que eu sentia em
relação à Elena.
Quando entramos no meu quarto, me dei conta de que não havia
desligado o abajur de estrelas do Max. O teto e as paredes ainda estavam
preenchidos pelas várias estrelinhas douradas.
Elena sorriu ao ver aquilo.
— Puxa — ela exclamou, maravilhada. — Isso é tão bonito.
Eu a coloquei no chão de novo, pois senti que ela queria um
momento para apreciar aquilo. E foi de fato o que ela fez. Eu sempre me
surpreendia com a capacidade de Elena de aproveitar verdadeiramente até as
coisas mais simples. E me surpreendia também a facilidade com a qual ela
conseguia sorrir, mesmo depois do que havia passado com o ex-marido. Eu a
havia julgado tão mal quando a conheci. Achei que ela não conhecia o
sofrimento e me ressentia por isso, porque... como pode alguém ser tão feliz
daquele jeito? Era realmente possível? Mas agora que eu sabia que ela havia
sido ferida também, queria ser capaz de voltar no tempo e evitar que ela
passasse por aquilo. Queria que ela fosse feliz daquela forma simplesmente
por ser, sem nunca ter visto nada de ruim do mundo.
— Meu irmão deu esse abajur para o Max da última vez que o viu
— contei, e fiquei surpreso por iniciar um assunto que envolvesse Devin. Eu
sempre evitava falar sobre ele porque doía demais.
Elena olhou para mim e deu um sorriso triste.
— Eu o conheci. O vi uma única vez, na verdade. Ele havia ido
buscar o Max na escola de surpresa, provavelmente nessa mesma vez que
você mencionou. Ele parecia ser um homem gentil.
Concordei com a cabeça.
— Ele era.
Afastei uma mecha do cabelo de Elena, prendendo-a atrás de sua
orelha. Ela fechou os olhos por um instante e sorriu — aquele sorriso.
— Eu vou desligar.
— Não. Deixe aceso. — Ela continuou sorrindo, olhando ao redor.
— Eu quero estar sob o céu estrelado quando fizer amor com você.
Ela era adorável.
Grudei os lábios de Elena nos meus e senti a sua língua já pedir
passagem por entre os meus lábios. Segurando-a pela cintura, puxei seu
corpo para mim. Ela era pequena, macia e perfeita. Sua língua brincava com
a minha, assim como seus dentes mordiam meu lábio inferior em uma
provocação explícita. Adentrei seus cabelos com os meus dedos e a segurei
com firmeza, ouvindo o gemidinho baixo que ela soltou. Eu adorava aquele
som. Cacete, como eu adorava. Senti as duas mãos de Elena quando elas
tocaram o meu peito nu. Ela as movia em um toque exploratório, querendo
me descobrir só por me tocar. E eu deixei. Logo eu que odiava ser tocado.
Suas mãos desceram até o meu abdômen enquanto sua boca nunca
abandonava a minha. Meus músculos enrijeceram sob os dedos dela e um
arrepio percorreu toda a minha coluna. Era um toque suave, mas
absurdamente sensual.
Movi meus beijos para o pescoço de Elena, sentindo sua pele
quente sob os meus lábios à medida que eles iam explorando cada
centímetro de pele exposta. O seu cheiro também era delicioso e viciante.
Se a paz tivesse um cheiro, seria o dela.
Dei um beijo atrás da orelha de Elena, bem naquele ponto onde a
pele era sensível e facilmente podia causar um arrepio. E foi o que
aconteceu. Elena estremeceu nos meus braços, agarrando-me pelos bíceps
como se precisasse se fixar em algo concreto para não se perder por
completo na sensação que eu estava proporcionando a ela.
Devagar, girei o corpo de Elena, deixando-a de costas para mim.
Eu estava desesperado para me livrar daquele vestido, embora tentasse fazer
as coisas com calma para não a alarmar. Sexo para mim sempre havia sido
rápido e sem envolvimento emocional, mas com Elena eu forcei meus
instintos a desacelerarem porque eu queria apreciá-la; queria conhecer o
corpo dela, cada curva, cada detalhe, cada pintinha... Eu queria conhecer
tudo nela.
Tirei o cabelo de Elena das suas costas, colocando-o todo sobre o
seu ombro direito, então alcancei o zíper do vestido. Eu o deslizei para baixo
devagar, maravilhado com cada centímetro de pele que ele revelava ao
descer mais e mais. O tecido ficou frouxo no corpo de Elena até finalmente
cair por completo, se aglomerando em torno dos seus pés. Ela lentamente
virou-se de frente para mim de novo e minha respiração ficou presa nos
meus pulmões quando eu a vi, vestindo nada além de uma calcinha azul
clara. E o tecido parecia tão fino que eu poderia arrebentá-lo com somente
um puxão. Talvez eu fizesse isso. Meus olhos passearam pelo corpo de
Elena, admirando os seios pequenos com mamilos avermelhados que me
deixaram com água na boca para chupá-los, a barriga lisa e as coxas onde
queria enterrar meu rosto no meio. Ela era deslumbrante. E meu pau
concordava comigo, pois eu conseguia senti-lo crescer dentro da cueca e se
sentir insatisfeito por estar preso ali e não dentro de Elena.
— Você está vestindo roupas demais, Jake — ela disse com a voz
baixa. Seus olhos estavam presos nos meus, e eu conseguia ver que suas
bochechas estavam coradas.
Sorri e, sem tirar os olhos dela, me livrei da minha calça e da
cueca também. Elena prendeu a respiração ao olhar para mim. Seus olhos
percorrem a extensão do meu corpo e do meu pau, deixando suas bochechas
ainda mais coradas. Ela arrancou as sandálias dos pés, mas ainda manteve a
calcinha. Eu iria me livrar dela com os dentes.
Voltei a me aproximar de Elena. A cada passo para mais perto
dela, o ar se tornava mais denso. A tensão sexual pinicava a minha pele à
medida que Elena respirava mais pesadamente. Eu estava louco para ouvi-la
gemendo de novo. Então avancei e a segurei pelas coxas, puxando-a para
cima. Elena deu um gritinho, surpresa pelo movimento, mas logo se agarrou
a mim conforme eu caminhava em direção à cama. Me sentei no colchão,
mantendo-a no meu colo e sentindo o bico enrijecido dos seus seios roçarem
contra o meu peito. Levei minhas mãos até eles, que imploravam pela minha
atenção, e deslizei o polegar sobre os biquinhos, rodeando-os com o meu
dedo do jeito que iria fazer com a minha língua dali a alguns instantes.
Elena jogou a cabeça para trás e gemeu baixinho.
Levei meus lábios até o seu pescoço e lambi a sua pele febril.
Arrastei a minha língua até o seu seio esquerdo e dei outra lambida antes de
sugá-lo para dentro da minha boca. Isso fez Elena mover o quadril para
rebolar no meu colo, sedenta para aliviar a tensão que crescia entre nós.
— Jake — ela gemeu meu nome quando movi meus beijos e
chupadas para o seu seio direito.
Eu adorava meu nome na voz dela, mas quando ele estava envolto
por um gemido... Caralho, eu poderia ficar viciado naquele som.
Levei minhas mãos até a bunda de Elena e a trouxe para mais
perto, sentindo meu pau tocar a sua boceta ainda coberta pelo tecido
miserável da calcinha azul clara.
— Rebola para mim, Elena — pedi. Minha voz saiu tão rouca que
quase não a reconheci.
E, porra, ela rebolou.
Eu não conhecia aquela sensação inebriante de prazer apenas por
ter uma mulher no meu colo. Eu nunca quis prolongar os toques e as
preliminares antes. Mas naquele momento, mesmo que eu estivesse maluco
para ter meu pau enterrado em Elena, apenas chupar os seios dela e tê-la
rebolando no meu colo era bom pra caralho. Era perfeito.
Fui até onde meu autocontrole conseguiu chegar, mas eu precisava
sentir o gosto de Elena explodindo na minha língua, porque a cada gemido
sôfrego dela, eu sabia que estava chegando mais perto de gozar só por ela
estar roçando a boceta encharcada no meu pau. Eu conseguia sentir a
umidade da sua calcinha contra a minha pele. Me deitei na cama, trazendo o
corpo de Elena comigo, e depois a girei, deixando-a embaixo de mim. Ela
ofegou com o movimento repentino e seus cachos dourados ficaram
espalhados pelo meu travesseiro. Eu beijei seus lábios só para depois descer
os beijos para o seu queixo e para o colo dos seus seios logo em seguida.
Então deslizei meus lábios pelo meio dos peitos dela, chegando na barriga e
lambendo a pele de Elena. Eu estava viciado no seu cheiro, na textura da sua
pele e nos gemidos gostosos que ela soltava junto com a respiração ofegante.
Finalmente cheguei à sua calcinha. Agarrando o tecido com os dentes, eu o
puxei para fora do corpo de Elena, me contendo para não o rasgar de uma
vez para tirá-lo do meu caminho.
E então ela estava nua. Completa e perfeitamente nua na minha
cama, com aqueles olhos castanhos me encarando como se estivesse
maravilhada. Eu ainda não entendia como Elena conseguia olhar para mim
daquele jeito. Como ela conseguia enxergar qualquer coisa que não fosse o
monstro que espreitava sob a minha pele. Seja lá como aquilo fosse possível,
eu adorava a forma como ela olhava para mim, mesmo que uma parte do
meu ser acreditasse piamente que eu não era merecedor daquele olhar.
Afastei esses pensamentos.
— Abre as pernas para mim, baby — pedi.
Elena soltou o ar dos pulmões e lentamente abriu as pernas para
mim. Se eu pensei que havia sentido água na boca ao olhar para os seus
seios, eu não tinha ideia do que a visão da sua boceta melada de tesão faria
comigo. Tirei alguns breves instantes só para olhar para Elena, para gravar
aquela imagem na minha cabeça. E então avancei sobre ela, distribuindo
beijos pelo interior da sua coxa esquerda até chegar ao centro do seu prazer,
mas não chupei sua boceta ainda, mesmo que estivesse sedento por ela. Ah,
não. Eu pretendia levá-la à loucura antes disso, porque eu havia descoberto
que adorava deixar a tensão crescer deliberadamente. Elena arfou e gemeu
quando meus lábios passaram de relance sobre a sua boceta, então levei
meus beijos para a sua outra coxa, beijando e mordiscando a parte interna até
chegar à dobra do seu joelho. Elena arqueou as costas, gemendo em tom de
desespero.
— Jake, você está me matando aqui — ela resmungou de olhos
fechados. — Eu preciso gozar.
— Precisa, huh?
Ela abriu os olhos e encontrou os meus, movendo a cabeça para
cima e para baixo em uma afirmativa desesperada.
Concedi a ela e a mim mesmo o prazer de deslizar a minha língua
por toda a boceta de Elena, e fui recompensado com um gemido longo e
delicioso. O gosto dela era tão viciante quanto o seu cheiro — e eu estava
condenado, pois viraria um viciado. Abri mais as pernas de Elena só para
abrir os lábios da sua boceta com os dedos e rodear a sua entrada com a
língua, o que a fez segurar o lençol da cama com força, dopada de prazer.
Capturei seus clitóris com a boca e o suguei, só para soltá-lo em seguida
com um barulho molhado.
— Ah! Isso, isso — ela gemeu.
Minha língua encontrou a boceta de Elena de novo e eu a devorei.
Chupei, suguei e lambi, provocando sua entrada vez ou outra com o meu
dedo, mas sem nunca a penetrar. Eu queria que meu pau fosse a primeira
coisa que ela sentisse dentro de si. E quando Elena gozou, com seu corpo
estremecendo sob o meu e gemidos altos preenchendo todo o quarto, eu
lambi cada gota do seu prazer, bêbado dela.
— Você é deliciosa, baby — murmurei enquanto beijava a barriga
dela e ia subindo meus beijos até encontrar os seus lábios. Segurei seu
maxilar e tomei sua boca na minha, ouvindo-a gemer e ofegar, ainda se
recuperando do orgasmo.
— Jake — ela me chamou.
— Hm?
— Me fode — Elena pediu com uma voz suave, mas carregada de
desejo. E a palavra “foder” vindo dela parecia fora do lugar, baseado na
imagem que eu havia criado dela na minha cabeça. Mas eu estava
começando a entender que a Elena mulher era diferente da Elena professora.
Eu a beijei mais uma vez e então me ajoelhei entre as suas pernas.
Meus dedos deslizaram por cima da sua boceta, incentivando seu clitóris
inchado enquanto eu segurava meu pau com a outra mão, massageando-o.
Elena gemeu de novo, fechando os olhos por um instante só para me olhar
em seguida com ainda mais desejo. Levei a cabeça do meu pau até a entrada
de Elena e o esfreguei ali, o que a fez arquear as costas, novamente tomada
pelo prazer. Ela estava encharcada, e eu deslizaria para dentro com
facilidade, mas antes que eu pudesse sequer pensar em posicionar o meu pau
e me enterrar nela, Elena sentou-se na cama e olhou para mim. Suas pupilas
estavam dilatadas pelo tesão e reconheci o desejo irrefreável no seu olhar.
Com suavidade, ela colocou ambas as mãos nos meus ombros e me
empurrou para o lado, como quem silenciosamente pedia que eu me deitasse
na cama. E eu o fiz. Elena montou em cima de mim em seguida e
rapidamente segurou o meu pau com a mão pequena, me fazendo soltar um
gemido. Ela o posicionou na sua entrada e sentou para mim. Senti cada
centímetro dos seus músculos internos se alargarem para me receber. E ela
era gostosa pra cacete.
— Porra — gemi quando estava totalmente dentro dela.
Elena espalmou as mãos no meu peito e começou a rebolar.
Minhas mãos encontraram a sua bunda para ajudá-la nos movimentos.
Caralho, aquilo era bom. Talvez fosse a melhor coisa que eu já havia sentido
na porra da minha vida. Elena me cavalgou, buscando o próprio orgasmo e
puxando o meu; rebolando, quicando e se esfregando em mim em um frenesi
que nos enlouquecia e nos empurrava para cada vez mais para a beira do
precipício. Agarrei os quadris de Elena e intensifiquei as suas sentadas no
meu pau, vendo os seus seios pularem enquanto ela fechava os olhos para
absorver a sensação de prazer.
Em um movimento rápido, eu me sentei na cama, grudando o peito
dela no meu e puxando a sua cabeça para mais perto de forma que fosse
possível que eu grudasse meus lábios nos dela. Elena invadiu a minha boca
com a sua língua quando meus dedos alcançaram o seu clitóris. Eu sabia que
a maioria das mulheres tinha dificuldade de gozar só com penetração, então
eu incentivei seu clitóris enquanto Elena quicava no meu pau. Eu queria que
ela gozasse junto comigo, porque eu sentia que estava perto pra cacete. Não
conseguiria aguentar muito mais.
Elena gemeu durante o beijo e aproveitei para capturar seu lábio
inferior entre os meus dentes. Seu corpo estremeceu violentamente contra o
meu, seus gemidos ficaram longos e mais sôfregos. E ela gozou, puxando o
meu próprio orgasmo. E eu me desfiz dentro dela.
Nossos corpos foram se movendo mais devagar até finalmente
pararem. Eu não saí de dentro dela; Elena também não se moveu. Eu envolvi
seu corpo com os meus braços, e ela envolveu meu pescoço com os seus,
dando um beijo na minha têmpora direita. Por longos minutos, as nossas
respirações ofegantes foram todo o som a preencher o meu quarto.
— Nós deveríamos tomar um banho — eu murmurei.
Elena olhou nos meus olhos e me deu aquele sorriso que eu tanto
gostava. No entanto, havia uma felicidade um pouco maior ali e seus olhos
castanhos brilhavam lindamente enquanto me encaravam. Eu gostava demais
da forma como ela olhava para mim.
— Vamos — ela sussurrou.
Eu finalmente saí de dentro dela, mas não sem antes lhe dar mais
um beijo. Eu não me cansava daqueles lábios.
Nós adentramos o banheiro da minha suíte de mãos dadas e
entramos embaixo no chuveiro juntos também. Elena deu um beijo em cima
da cicatriz de bala que eu tinha no ombro, e eu a segurei nos meus braços
como se cada centímetro de distância fosse demais para suportar.
Eu não sabia para onde aquilo nos levaria, não sabia se ela iria
acordar amanhã arrependida e nem quando — não se, mas quando — ela iria
parar de olhar para mim daquela forma maravilhada, mas eu aproveitaria
cada segundo que a vida me desse com ela.
Capítulo 20

Acordei com o meio das minhas pernas dolorido. Depois de tomarmos


banho na noite passada, Jake insistiu em preparar alguma coisa para nós
comermos. Eu vesti uma das suas camisetas, que quase era um vestido para
mim, e não me incomodei de vestir uma calcinha quando fomos para a
cozinha. Eu me sentei na banqueta alta da ilha e fiquei olhando enquanto
Jake preparava um sanduíche natural e me servia um pouco de vinho. E me
dei conta naquele momento que a combinação se tornaria a minha preferida,
embora fosse inusitada. Depois, quando voltamos para a cama, Jake fez
amor comigo mais uma vez, o que nos rendeu um segundo banho logo
depois. Quando caímos na cama de novo, nus e completamente satisfeitos,
eu peguei no sono em um piscar de olhos. Estava exausta, e aquela noite
havia me trazido emoções demais.
Estiquei minha mão pelo colchão, procurando por Jake, e abri os
olhos quando encontrei o seu lado vazio. O colchão estava gelado, o que me
dizia que fazia tempo que Jake não estava deitado ali. Sonolenta, eu me
sentei na cama, passando as mãos pelos meus olhos para me livrar dos
resquícios de sono. Ele também não estava no quarto e a casa estava
silenciosa.
Me levantei, procurei pelo chão a camiseta que roubei de Jake
ontem à noite e a vesti novamente. Saí do quarto logo depois. Olhei para o
corredor, procurando por sinais dele. Nada. Desci as escadas e finalmente o
encontrei sentado no sofá da sala com uma caneca de café nas mãos. Ele
assistia à televisão, mas ela estava no mudo. Eu me aproximei, mas então
parei a poucos passos dele. Talvez fosse inteligente me anunciar primeiro,
para não o pegar de surpresa.
— Bom dia — eu disse suavemente.
Jake virou a cabeça para mim e um sorriso desenhou os seus
lábios. Eu queria sorrir de volta, mas o cansaço estampado no rosto de Jake
era impossível de ignorar. Então, ao invés de sorrir e me sentir a mulher mais
feliz do mundo pela noite que tivemos, me senti preocupada. Há quanto
tempo ele estava acordado? Na verdade, talvez a pergunta certa seria: ele
sequer dormiu?
Devagar, me aproximei para olhá-lo melhor. Jake rapidamente me
puxou para o seu colo antes que eu conseguisse fazer qualquer coisa.
— Bom dia — ele me cumprimentou de volta, ainda com o sorriso
cansado no rosto.
— Você dormiu?
Ele não respondeu de imediato e vi o pequeno sorriso se desfazer.
— Eu estou bem.
— Não foi isso o que eu perguntei, e mesmo que tivesse sido, essa
sua resposta ainda estaria errada — falei suavemente. Eu não queria que ele
ficasse zangado e me afastasse, mas eu estava preocupada, não conseguia
evitar ou fingir que não.
— Eu tenho dificuldade para dormir — ele admitiu, incomodado
por ter que tocar no assunto. — Quando eu durmo, eu tenho pesadelos muito
vívidos com a guerra. Não queria correr o risco de ter um episódio com você
aqui.
A sua preocupação comigo me tocou e aqueceu meu coração, mas
não me deixou menos preocupada com ele.
— E o que acontece quando o Max está em casa?
Jake abaixou a cabeça para não precisar me encarar, o que
automaticamente me deu a resposta para a minha pergunta. Ele não dormia.
Jake lutava constantemente contra o sono para conseguir manter o controle
sobre si mesmo, por medo de acabar machucando o sobrinho.
— Max sabe que não deve chegar perto de mim se eu estiver
dormindo. Foi a primeira coisa que ensinei a ele.
— Ah Jake... — lamentei.
Eu o abracei quando senti seus braços envolverem a minha cintura
e me puxarem para mais perto. Eu achava que entendia o quanto ele estava
despedaçado, mas naquele momento me dei conta de que suas cicatrizes
eram muito mais profundas do que eu tinha imaginado. Ele estava se
quebrando pouco a pouco enquanto se esforçava para ser o melhor que podia
ser para o Max.
— Eu não quero me meter, mas talvez você devesse considerar
conversar com alguém e buscar ajuda. Me dói ver você assim.
— Eu estou bem — ele repetiu, deixando claro que não queria
prolongar o assunto.
O problema é que eu era teimosa demais e queria ajudar todo
mundo mesmo quando deveria aprender a manter a minha boca fechada.
— Como você pode estar bem, Jake? Você não dorme, vive
constantemente com medo de alguma coisa desencadear um episódio...
Como isso pode ser classificado como estar bem?
— Eu não quero falar sobre isso, ok? — ele retrucou, ríspido. —
Você não entenderia.
Balancei a cabeça, cética, e olhei bem para o rosto de Jake, vendo
as feições se endurecem novamente, bem parecido com o homem de
algumas semanas atrás.
— Nunca me diga que eu não entendo — falei, ressentida.
Saí do colo de Jake e me levantei.
O relógio pendurado na parede da sala marcava oito e dezessete da
manhã. O sol já estava brilhando do lado de fora, pelo que eu podia ver
através das cortinas da sala de estar. Então, caminhei rapidamente em
direção à escada e subi para o andar de cima, irritada e aborrecida na mesma
intensidade. Adentrei o quarto de Jake e comecei a procurar pelas minhas
roupas. Se ele não queria que eu ajudasse, então eu não forçaria mais a barra,
mas também não iria bancar a idiota e estar por perto só quando ele quisesse
uma transa. Não era isso o que eu queria e não iria me sujeitar a algo assim
só para tê-lo por perto, porque eu sabia que meu coração acabaria partido se
ele nunca deixasse eu me aproximar de verdade. Eu nunca estaria de fato na
sua vida. Seria só uma telespectadora. E depois de tudo o que eu passei, não
podia submeter meu coração a algo assim.
— Elena.
Eu não olhei para trás quando ouvi a voz de Jake invadir o quarto,
apenas continuei de costas para ele e terminei de fechar o zíper do meu
vestido, depois de já ter colocado a calcinha. Só então me dei conta de que
não havia trazido nada comigo, além do meu coração preocupado. Eu havia
deixado minha bolsa no carro de Taylor, quando ela me deixou na casa de
Jake ontem à noite.
— Aonde você vai? — Jake perguntou.
— Para casa.
Senti a aproximação dele antes mesmo do arrepio que percorreu o
meu corpo inteiro quando Jake parou bem atrás de mim. Eu conseguia sentir
o calor e a energia que o corpo dele irradiava, e eu adorava. Queria me virar
de frente para ele e o beijar até perder o fôlego. Queria que ele me deitasse
na cama e fizesse amor comigo como havíamos feito horas atrás, mas eu
sabia que se cedesse para ele naquele momento, Jake iria pensar que bastava
pouco para me fazer esquecer nossas futuras discussões, e eu não queria que
ele tivesse esse poder sobre mim quando estava claro que ele ainda se
mantinha tão distante e inacessível.
— Fica — ele pediu. Sua voz soou baixa perto do meu ouvido e
meu coração inflou.
Respirei fundo e me virei de frente para ele, encontrando seus
olhos verdes arrependidos, olhando de volta para mim.
— Eu não quero ser só uma transa, Jake.
— Você não é — ele garantiu.
— Sério? Porque, sempre que eu tento me aproximar, você me
afasta. Quando eu tento ajudar, você se fecha. Eu sinto que só consegui ter
tudo de você quando estávamos na cama. Não é o suficiente para mim. Eu
quero te conhecer; quero entender os seus medos, saber o que te alegra e o
que te entristece; quero ser capaz de conversar com você sobre coisas
profundas, não só trivialidades. E... se não é isso o que você quer, tudo bem,
eu entendo, mas então não vou permitir que isso entre nós se prolongue.
Jake passou as mãos pelos cabelos em um sinal clássico de
desconforto. E eu precisei me esforçar muito para manter a minha posição
naquela discussão, porque vê-lo sem camiseta, parado na minha frente, com
uma calça de moletom baixa na cintura, me trazia lembranças que faziam
meu corpo todo esquentar.
— Eu sei que você quer ajudar, mas eu não estou pronto para falar
sobre isso. — Ele se aproximou mais um pouquinho e tocou o meu rosto
com suavidade. — Acredite em mim, quando eu estiver, eu irei conversar
com você. É só que... É muita coisa para processar, para organizar e aceitar
dentro da minha cabeça. Pensar sobre tudo é... excruciante. Não estou
pronto, Elena. Ainda não. Por favor, seja paciente comigo, baby.
Era descomunal o que a voz dele me chamando de baby fazia
comigo. Eu me sentia uma adolescente apaixonada e com os hormônios à
flor da pele.
Suspirei.
— Só pare de me afastar e não minta para mim. Não diga que está
bem quando não estiver.
Jake concordou com a cabeça e deu o último passo que o separava
de mim.
— Vou me esforçar — ele prometeu, e eu acreditei nele. — Agora,
por favor, fique e tome café da manhã comigo.
— Tudo bem, mas preciso ir embora depois. Taylor vai ficar
preocupada. Só me dei conta agora que não estou com a minha bolsa e nem
com o meu celular.
— Eu tenho que buscar o Max na casa do Edwin. Te deixo em
casa no caminho.
— Obrigada.
Jake umedeceu os lábios com a língua e segurou o meu rosto entre
as suas mãos antes de me beijar. Foi um beijo terno, sem a promessa de algo
mais, mas ainda um beijo que fazia eu me sentir nas nuvens. Eu poderia
manter meus lábios sobre os dele o dia todo só para tê-lo dentro de mim a
noite toda. Eu facilmente viveria assim.
— Vem — ele pediu, soltando os meus lábios, mas permanecendo
perto o bastante para que eu sentisse a sua respiração no meu rosto. —
Vamos comer alguma coisa.
Jake havia preparado um café da manhã de hotel para nós dois.
Tinha ovos, frutas, bacon, panquecas, um suco que pela cor poderia ser de
laranja ou maracujá e café. Fiquei inicialmente perdida com tantas opções,
mas fiz um prato com um pouquinho de cada coisa porque eu queria
conhecer tudo o que pudesse sobre Jake, inclusive as suas habilidades
culinárias. Eu já havia provado a sua macarronada com almôndegas na outra
noite, e estava deliciosa. Nós nos sentamos na ilha da cozinha enquanto nos
empanturrávamos. Foi só então que me dei conta do quanto estava com
fome.
— Você sempre gostou de cozinhar? — perguntei, puxando
conversa.
— Não. E ainda não gosto muito, para ser sincero, mas sinto uma
certa tranquilidade quando cozinho.
Franzi o cenho, confusa.
— Como você pode não gostar muito se traz tranquilidade?
— Odeio lavar a louça — ele admitiu com uma careta, o que me
fez dar risada. — E não tem como cozinhar e a louça ficar magicamente
limpa depois.
— Ok, eu aceito o seu argumento.
Ele sorriu.
Jake vinha sorrindo mais nos últimos dias, o que me deixava feliz.
Ele era um homem naturalmente sério e eu achava que nada tiraria aquela
característica dele, independentemente de quanto tempo se passasse. E tudo
bem, ninguém precisa sorrir e vomitar arco-íris gratuitamente. Eu só gostaria
muito que Jake Hyder fosse feliz, mesmo que eu não estivesse sempre por
perto para ver isso. Eu realmente desejava, de todo o coração, que ele
encontrasse um motivo para sorrir todos os dias.
— Eu detesto arrumar a cama — confessei, entrando no assunto de
tarefas domésticas. — Não vejo o menor sentido em arrumar só para
bagunçar de novo, horas depois. Desde criança, eu tenho problemas com
essa tarefa.
Jake riu.
— Mas eu aposto que, se o assunto surgisse, você diria aos seus
alunos o quanto é importante arrumar a cama todos os dias.
— É claro — concordei, rindo. — É aquele velho ditado: faça o
que eu digo, mas não faça o que eu faço.
— Isso não parece promissor — ele implicou.
Mostrei a língua para Jake como uma das minhas crianças, e ele
deu uma risadinha, voltando a se concentrar na sua comida.
— E os seus pais? — perguntei com cautela. Eu não sabia se esse
era outro assunto delicado para Jake.
Percebi que ele parou de mastigar a comida no instante em que a
pergunta o atingiu, e não precisei de outro sinal para saber que sim, aquele
era outro assunto do qual Jake não gostava de falar.
— Não os vejo desde que era criança. Meu pai está preso ou estava
preso, não sei mais, e minha mãe foi internada em uma clínica de
reabilitação porque era alcoólatra. Devin me manteve longe dos dois. —
Jake deu de ombros. — Não sei onde estão, se ainda estão vivos e, para ser
sincero, não me importo.
— Eu também não sou ligada aos meus pais — contei. — Eu os
vejo de vez em quando e temos uma relação civilizada, mas não somos
chegados como pais e filhos deveriam ser. Eles sempre estavam ausentes
enquanto eu crescia, trabalhando demais, preocupados com a própria vida.
— Dou de ombros. — Acho que em algum momento eu deixei de precisar
deles.
— Eles sabem por que você se divorciou do seu ex-marido?
— Não. Eu nunca contei para eles. Acho que isso diz bastante
sobre a relação que temos.
Jake assentiu lentamente.
— Que bom que você tem a Taylor.
— É. — Sorri ao pensar na minha amiga. — Ela é como uma irmã
para mim. Foi a primeira pessoa a me estender a mão depois do que
aconteceu com Jimmy. A casa onde moro agora, na verdade é dela. Tay me
levou para morar com ela até que eu pudesse me organizar financeiramente
para ter um lugar só meu.
— Ela é uma boa amiga. Soube disso pela ferocidade com a qual
ela te defendeu naquele dia do parque — ele disse, e havia uma pontinha de
vergonha na sua voz ao se lembrar do acontecido.
Sorrio.
— Ela é a melhor pessoa que já conheci.
— Queria ter conhecido vocês duas na época da escola. Talvez as
coisas tivessem sido diferentes — ele divagou com pesar na voz.
— Você nasceu em Bayshore? — perguntei, surpresa. — Eu não
me lembro de você e, considerando o tamanho dessa cidade, isso é realmente
surpreendente.
A mandíbula de Jake tencionou um pouco.
— Nunca ouviu falar sobre as escórias de Bayshore? — ele
indagou com desgosto.
Por um instante, fiquei um pouco confusa, mas então alguns
flashes de lembranças se instalaram na minha cabeça. As escórias de
Bayshore. Eu já havia ouvido aquele termo antes, há muitos anos. E para ser
sincera, essa expressão sempre me causou um aperto no peito e um
desconforto no estômago. Eu sabia que as pessoas a utilizavam para se
referir aos dois garotos órfãos que, de vez em quando, passavam pelas casas
pedindo comida ou abrigo, nas noites mais frias. Eu não fazia ideia de que
estavam falando de Jake e do seu irmão.
— Ah, Deus! Jake, eu não fazia ideia!
— Surpresa — ele disse, irônico.
Balancei a cabeça, inconformada.
— As pessoas dessa cidade sabem ser umas escrotas ridículas
quando elas querem.
Minha fala arrancou uma risada de Jake.
— É tão estranho te ver usando palavras como “escrotas” ou
“foder”, a propósito. Parece fora de lugar com a sua personalidade arco-íris.
Cruzei os braços, fingindo irritação. E tentei a todo o custo não
deixar a palavra “foder” encher a minha cabeça com ideias.
— Ora, eu posso ser uma gracinha, mas eu xingo também e sei ser
ousada quando preciso. Você me disse ontem que eu tinha criado uma ideia
de você na minha cabeça que não condizia com a realidade, mas parece que
você fez a mesma coisa, senhor hipocrisia.
Ele riu de novo e ergueu as mãos no ar em forma de rendição.
— Tá legal, tá legal, não está mais aqui quem falou. — Jake
apoiou os antebraços na ilha da cozinha e projetou o corpo para frente,
chegando mais perto de mim com um olhar carregado de malícia, o que
automaticamente me fez olhar para ele com os olhos semicerrados em
desconfiança. — Já que estou tão errado, vou adorar ouvir você falar
algumas sacanagens no meu ouvido, quando formos trepar de novo.
Meu queixo caiu em descrença, o que fez Jake jogar a cabeça para
trás, gargalhando. O som me desarmou por completo. Eu acho que nunca
tinha ouvido ele rir com essa intensidade.
— Não diga “trepar” — eu o repreendi, sentindo minhas
bochechas pegando fogo pela vergonha. — Jesus!
Jake continuou gargalhando e notei que havia algumas lágrimas se
formando nos seus olhos pela intensidade da sua risada.
— Oras, você disse que sabia ser ousada.
— M-mas... eu não... nós não estamos no momento para isso, ok?
— eu me defendo, tentando inutilmente não gaguejar. — Você me pegou
desprevenida.
Ele continuou rindo, se divertindo às minhas custas.
— Tudo bem, vou cobrar a sua ousadia quando você estiver na
minha cama de novo, baby — ele disse, todo sedutor.
Não sei por que eu estava chocada com a cara de pau de Jake, era
só olhar para ele para se dar conta de que Jake não era o cara mais sensível e
delicado do mundo. E embora eu adorasse ouvi-lo falando sacanagens, eu
não sabia como lidar com aquilo fora de hora. Uma coisa era ele me dizer
aquilo quando estávamos envolvidos pelo véu sexual; outra bem diferente
era ele me lançar uma dessas enquanto nós estávamos tomando café da
manhã. Socorro!
Balancei a cabeça, desaprovando as gracinhas dele, mas incapaz
de me manter séria porque, na verdade, eu estava muito feliz com a forma
como as coisas estavam caminhando entre nós.
— Por que decidiu ser professora? — Jake me perguntou, depois
que a sua crise de risos passou.
— A escola costumava ser o meu lugar preferido quando eu era
criança. Meus pais nunca estavam em casa, eu sempre ficava com a babá e
ela não era muito divertida. Mas eu gostava da minha professora e dos meus
amigos. Foi o meu porto seguro durante toda a minha infância, então quando
eu precisei escolher uma profissão, eu nem precisei pensar muito. Eu sabia
que queria poder prover aquele porto seguro para outras crianças também.
— Você conseguiu, sabe disso, não é?
Fiquei confusa por um instante.
— Consegui o quê?
— Fazer da escola um porto seguro para os seus alunos. Eu tenho
certeza de que é o lugar preferido do Max simplesmente pelo fato de que
você está lá. Ele te adora. Quando nós tivemos aquela discussão porque eu
fui um babaca, ele pediu que eu não o tirasse da escola. Ele queria ficar com
você, o que não me surpreende nem um pouco, agora que eu não te acho
enxerida — ele brincou com doçura.
Eu dei risada.
— É justamente por frases assim que você ainda é um babaca.
Jake me deu um sorrisinho de lado da maneira mais arrogante
possível. Quanto mais eu o conhecia, mais conseguia entender o seu humor.
— Obrigada por me dizer isso. — Eu sorri. — Significa muito
para mim saber que tenho feito um bom trabalho. E você sabe que eu adoro
o Max. Ele é uma criança adorável.
— Ele é.
Nós sorrimos um para o outro.
— Por que você escolheu ir para a marinha?
— Parecia a coisa certa a fazer. Devin se alistou para tentar nos dar
uma vida melhor. Nós não tínhamos dinheiro para faculdade ou perspectivas
de um bom emprego. A vida meio que fez a escolha para ele. E eu sempre o
segui para todos os cantos, então... — Jake deu de ombros.
— Tirando toda a parte da guerra... você gostava de estar na
marinha?
— Eu gostava de como eu sentia que tinha um propósito. Também
gostava dos caras que conheci lá. Eles eram o mais perto que eu tinha de
amigos. E eu gostava da disciplina. Me ajudava a me manter centrado.
Assenti.
— Você voltaria, se pudesse?
Jake não respondeu de imediato.
— Se eu não tivesse que criar o Max, uma parte de mim faz eu
pensar que sim, eu voltaria porque não sei ser outra coisa senão um fuzileiro,
mas... — Ele sorriu de leve antes de continuar — Recentemente uma mulher
linda me disse que eu deveria descobrir quem eu era, além de um ex-militar.
— Jake deu de ombros de novo. — Por causa disso, eu penso que não. Eu
não voltaria.
Sua resposta me fez sorrir tanto que minhas bochechas doeram. Eu
me levantei de onde estava sentada e fui para perto de Jake. Ele permaneceu
sentado, mas afastou um pouco as pernas para que eu pudesse me encaixar
ali. Sua mão rapidamente encontrou o meu rosto, onde Jake depositou um
carinho suave.
— Algum progresso em descobrir quem é o homem por trás do
fuzileiro?
— Não muitos, mas vou chegar lá.
Entrelacei meus braços ao redor do pescoço de Jake e aproximei
meus lábios dos dele.
— Vai, sim. E eu espero estar por perto para ver isso.
Os olhos verdes de Jake brilharam com algo que não consegui
identificar e foi tão efêmero que posso ter imaginado. Seus lábios tomaram
os meus em seguida em mais um beijo que fez eu me sentir nas nuvens e
entre as estrelas.
Capítulo 21

Embora Bayshore não fosse o meu lugar preferido no mundo, não tinha
como negar que o clima era muito agradável. O verão e o inverno eram
estações bem definidas, então os moradores podiam aproveitar o melhor dos
dois mundos. E Max tinha acabado de entrar de férias da escola, então
mantê-lo ocupado estava se provando ser um desafio e tanto. Mas Elena
também estava de férias, então nós passávamos boa parte do tempo juntos.
Ela sempre tinha as melhores ideias para manter Max entretido, o que era
ótimo porque quando meu sobrinho ficava entediado... era insuportável.
Naquela manhã de domingo, uma semana depois do episódio
envolvendo a festa da praia e a surra que dei em Jimmy, Elena sugeriu que
nós fôssemos ao Bayshore Park — o parque da cidade. Segundo ela, o lugar
era bonito no verão por conta da visão do lago, nós poderíamos fazer um
piquenique na grama e Max se distrairia alimentando os patos. E como eu
havia recém-descoberto que não conseguia dizer não para os dois, quando se
uniam em um complô contra mim, concordei com a ida ao parque.
Elena estendeu a famigerada toalha quadriculada vermelha e
branca em cima da grama, em um ponto estratégico do parque, que ficava
próximo ao lago, para que pudéssemos olhar o Max alimentando os patos,
mas que também fosse possível que aproveitássemos um pouco do sol
quente — mas não escaldante — que brilhava naquela manhã. Eu era um
ranzinza de merda, mas podia admitir que o dia estava bonito.
— Tio Jake, olha! Olha! — Max apontou para o lago, empolgado.
— Olha quantos patos! Posso alimentar todos eles?
— Pode, mas não quero você perto demais da água — respondi,
sério. — Entendeu?
Meu sobrinho fez que sim com a cabeça, e eu entreguei para ele o
pão que ele usaria para alimentar os bichos. Então, me sentei sobre a toalha.
— Puxe pedaços pequenos do pão e jogue para eles, Max —
instruiu Elena, puxando um pedaço do pão para que Maxon visse o tamanho.
— Não dê pedaços muito grandes porque eles podem engasgar e nós não
queremos isso, certo?
— Certo. Pedaços pequenos.
— Isso mesmo, querido. — Elena sorriu para ele e deu um beijo
no alto da sua cabeça. — Vá brincar.
Max saiu correndo em direção ao lago.
— Se você chegar correndo, vai assustar os patos — Elena gritou
para ele, o que automaticamente fez meu sobrinho parar de correr e começar
a andar.
Eu dei uma risadinha contida.
— Do que está rindo? — ela quis saber.
— Eu estava esperando os patos saírem em disparada quando o
Max chegasse perto, correndo daquele jeito.
Elena balançou a cabeça em uma negação.
— Que maldade, Jake.
— Não, não é maldade, é aprendizado. Ele teria que entender o
que aconteceu e pensar em como mudar a situação — expliquei. — Sei que
meus métodos de ensino não são tão gentis quanto os seus, mas é a forma
com a qual eu aprendi: errando.
— É uma forma de aprender, não posso negar isso, mas o Max
ainda é muito pequeno, Jake. Instruí-lo antes pode ser mais sábio. Imagina se
um pato decide atacá-lo — ela disse com suavidade.
— Touché.
Elena sorriu, satisfeita por ter me ensinado alguma coisa. Seu lado
professora não desaparecia nem quando ela estava de férias.
— Vem cá — pedi, estendendo minha mão para ela, que a segurou
sem hesitar, me deixando conduzi-la até o meio das minhas pernas e colocá-
la sentada ali para que eu pudesse manter meus braços ao redor do seu
corpo.
Elena manteve o sorriso no rosto quando se sentou e encostou as
costas no meu peito e a cabeça no meu ombro. Ela soltou um longo suspiro e
fechou os olhos por um instante, me deixando saber o quanto estava relaxada
naquele momento. Depositei um beijo atrás da sua orelha e outro na linha do
seu maxilar em seguida. Ela suspirou de novo.
— Isso é bom — ela disse.
— Meus beijos?
— Seus beijos e isso, nós dois, aqui com o Max, aproveitando um
dia de sol e uma paisagem bonita.
Sorri com os lábios ainda sobre a pele dela.
— Você é bonita, a paisagem é aceitável.
Elena riu.
— Jake Hyder é um galanteador — ela provocou. — Que grande
surpresa.
— Não conte para ninguém — eu sussurrei em seu ouvido,
sentindo Elena estremecer. — Eu tenho uma reputação a zelar.
Ela revirou os olhos, mas o sorriso fazia morada nos seus lábios.
Um silêncio confortável caiu sobre nós enquanto observávamos
Max jogando as migalhas de pão para os patos, que se aglomeravam ao seu
redor, esperando para serem alimentados. Meu sobrinho tinha um sorriso
largo no rosto e ria de tempos em tempos quando os patos corriam para o
lugar onde ele lançava as migalhas. A cena me fez sorrir sem que eu nem me
desse conta. Se considerarmos o lugar de onde começamos, ver Maxon
sorrindo e rindo de coisas tão simples era uma grande vitória para mim. Mas
eu sabia que não podia levar todo o crédito. A presença de Elena era
fundamental e foi um fator determinante para a mudança no comportamento
e no humor de Maxon.
Naquele momento, me peguei pensando no homem que eu
costumava ser antes de ser obrigado a largar a marinha e voltar para
Bayshore. Eu me lembrava de pensar que aquela vida — uma criança e uma
mulher — não era para mim. Eu me lembrava de, inclusive, ter dito aquilo à
Elena no nosso primeiro encontro. E era a mais pura verdade. Eu não
acreditava que alguém pudesse gostar de mim o suficiente para querer se
manter por perto, e isso não era vitimismo, eu apenas tinha muita
consciência de que não era uma pessoa fácil de lidar, por vários motivos
diferentes. Mas de repente, lá estava eu, vendo meu sobrinho brincar com
patos e com uma mulher maravilhosa escorada em mim, pensando que talvez
aquela vida que tanto evitei fosse exatamente a vida que eu precisava para
me curar.
É claro que eu nunca substituiria Devin, assim como Elena nunca
substituiria Julia, mas talvez — só talvez — nós dois pudéssemos ser o que
Maxon precisava para ser feliz também. Se Elena quisesse mesmo ficar
conosco era possível que tivéssemos uma vida boa, nós três.
Ou talvez eu estivesse delirando.
Você acha mesmo que Max e Elena vão te aceitar depois que
descobrirem o que você fez?
O pensamento inundou a minha cabeça sem permissão e sem
aviso, imediatamente destruindo a visão de futuro que eu havia construído
segundos atrás.
— Ei — Elena virou o rosto na minha direção e olhou para mim
com o cenho franzido. — Tudo bem? Seu corpo ficou tenso de repente.
Forcei um sorriso para ela, me esforçando ao máximo para ser um
sorriso convincente. Eu não queria que Elena se preocupasse ou que me
fizesse perguntas. Eu tinha pedido que ela fosse paciente comigo, mas eu
sabia que tentaria evitar qualquer conversa que envolvesse a guerra o
máximo que conseguisse.
— Estou bem — respondi, e quando percebi que ela não estava
convencida, acrescentei: — Foi uma memória ruim. Só isso. Já passou.
Elena se esticou para alcançar os meus lábios e me deu um beijo
casto. Seus olhos continham uma promessa de mais. No entanto, mais tarde.
— Eu tenho medo de trovões e relâmpagos — Elena disse de
repente, me deixando completamente confuso.
— O quê? — Dei uma risadinha. — De onde surgiu esse assunto?
— Lembra quando eu te disse que queria te conhecer? — ela
perguntou, e eu confirmei com a cabeça. — Para isso, você tem que me
conhecer também. Então, vou soltar vários fatos sobre mim no próximo
minuto. Preparado?
Achei graça, mas entrei na brincadeira.
— Preparado.
— Sou filha única e não tenho primos, porque meus pais também
são filhos únicos. Sou péssima de fazer contas de cabeça. Meu seriado
favorito da vida inteira é Friends e Taylor e eu sempre assistimos juntas. A
primeira vez que fiquei bêbada, foi com dezoito anos, na primeira festa
universitária que participei. Foi deprimente o estado que fiquei. Não jogo
beer pong desde então, porque esse jogo é diabólico.
Isso me fez dar risada.
— Adoro ler romances de época. Ah, e eu sempre quis ter um
animal de estimação. Um gato, de preferência, embora eu também ame
cachorros. Sua vez.
Fiz uma careta.
— Eu estava temendo que esse momento fosse chegar — disse,
dramático.
— Ah, vamos! É divertido.
Olhei na direção de Max para garantir que ele estava no mesmo
lugar e não tinha decidido se aventurar para mais perto do lago. Quando
constatei que tudo estava sob controle, voltei a olhar para Elena, que
esperava com expectativa o que eu iria dizer.
Suspirei.
— Aprendi a tocar violão na época da escola, embora não saiba
cantar. Conheço grande parte das constelações no céu e, em uma noite de
céu limpo, consigo te mostrar todas elas. Odeio andar de avião. Comecei a
escrever uma espécie de diário quando estava no Iraque. Não tenho escrito
muito desde que cheguei aqui, mas definitivamente é uma coisa que me
ajuda a clarear os pensamentos. Sou péssimo com as pessoas, como você já
sabe, mas sou muito bom com as palavras, mas só quando elas são escritas.
Não sou de falar muito também.
Elena foi arregalando mais os olhos conforme eu ia falando.
— Você toca violão?
— Toco.
— E conhece todas as constelações?
— Todas, não. Boa parte delas, sim.
— E você escreve?
Eu dei uma risadinha com o choque presente na voz dela.
— Escrevo.
Os olhos dela brilharam mais do que as estrelas que eu tanto
conhecia no céu.
— E o que exatamente você escreve?
— Minha cabeça fica muito cheia às vezes, então eu escrevo o que
estou pensando; o que estou sentindo; algo de relevante que possa ter
acontecido comigo e momentos bons também, para não me esquecer deles.
— Dei de ombros. — Qualquer coisa sobre a qual eu queira falar, mas como
não sou bom de conversa, eu escrevo.
— Eu também escrevo — ela me contou com um sorriso. — Gosto
da ideia de ter meus pensamentos e sentimentos em um pedaço de papel. Faz
parecer que eles são eternos porque estão em algo físico.
Concordei com a cabeça, porque eu me sentia da mesma forma.
— E tem algo sobre mim no seu diário? — perguntei com um
sorriso cafajeste.
— Talvez. — Ela sorriu mais ainda. — Tem algo sobre mim no
seu?
— Talvez.
Elena mordeu o lábio inferior para tentar impedir que seu sorriso
crescesse ainda mais. E eu quis beijá-la naquele momento.
— Será que um dia você vai me mostrar? — ela quis saber,
esperançosa.
— Um dia, sim.
— Tio Jake! — Max gritou, tirando a minha atenção de Elena.
Olhei para o meu sobrinho e o vi correndo na nossa direção. O pão parecia
ter acabado, o que me dizia que ele já estava ficando entediado de novo. —
Posso tomar um sorvete? Está calor.
— Pode.
Elena desencostou o corpo do meu para que eu pudesse levantar e
acompanhar Max até o carrinho de sorvete, que eu havia visto não muito
longe de onde nós estávamos.
— Você também quer um sorvete? — perguntei à Elena.
— Quero.
— De qual sabor?
Elena sorriu para mim.
— Me surpreenda, Jake Hyder.
Sorri de volta para ela, aceitando o desafio.
Max saiu correndo na frente, mas eu o mandei me esperar. Então,
segurei a mão do meu sobrinho e nós fomos andando juntos até o carrinho
do sorvete. O parque estava cheio naquele dia e eu não queria correr o risco
de perder Maxon de vista. Eu definitivamente não queria o estresse de
procurar uma criança perdida pelo parque, não quando eu finalmente estava
conseguindo relaxar um pouco.
Meu sobrinho escolheu um sorvete de chocolate, o que
surpreendeu um total de zero pessoas. Embora fosse uma criança que se
alimentava de forma saudável, tendo frutas, verduras e legumes na sua dieta,
Max amava tudo que tinha chocolate. Para Elena, eu escolhi um sorvete de
abacaxi com hortelã, imaginando que seria refrescante para o calor que
estava fazendo.
No caminho de volta para onde havíamos deixado Elena, Max se
esforçava para lamber o seu sorvete antes que ele derretesse. Ele não estava
vencendo aquela batalha, mas eu não disse nada. Era engraçado vê-lo
lambendo a sobremesa desesperadamente para evitar que chegasse até os
seus dedos e melasse tudo. Ele estava muito empenhado naquela missão.
Quando voltamos, Elena permanecia sentada sobre a toalha
quadriculada, mas havia algo diferente na sua fisionomia. Ela não estava
mais relaxada e seus olhos pareciam um pouco alarmados. Ela forçou um
sorriso quando Max se aproximou, feliz da vida com o seu sorvete de
chocolate semiderretido nas mãos. Eu olhei para ela com atenção, mas Elena
não encontrou o meu olhar. Nem mesmo quando entreguei o sorvete para
ela.
— Está tudo bem? — perguntei, cismado.
— Está sim. — Ela olhou para mim rapidamente. O sorriso que me
deu era tenso. — Obrigada pelo sorvete.
Voltei a me sentar sobre a toalha, mas me sentei ao lado de Elena,
ao invés de atrás dela, porque queria olhar para o seu rosto. Alguma coisa
estava errada, mas eu não conseguia entender o que era. Ela estava bem
quando Max e eu saímos, o que me diz que algo aconteceu enquanto nós
dois estávamos longe.
 
Parei o carro na frente da casa de Elena, horas mais tarde. Max
dormia na sua cadeirinha, no banco de trás do carro, exausto pelo dia no
parque. Elena continuava estranha, mas notei que se esforçava para manter o
sorriso. Ela podia achar que estava me enganando, mas eu não caí naquele
teatro nem por um instante.
— Vai me dizer o que está acontecendo ou espera que eu adivinhe?
— perguntei, soando um pouco mais seco do que eu pretendia.
Não saber o que estava acontecendo me deixava inquieto e
preocupado. Eu tendia a pensar demais nas coisas e não demoraria muito
para a minha cabeça começar a criar as teorias mais mirabolantes sobre o
que pode ter dado errado em um passeio que tinha tudo para dar certo; que,
inclusive, começou sendo muito bom.
— Não aconteceu nada, Jake. É sério.
Tensionei a mandíbula.
— Você me disse que eu não deveria mentir para você. Então por
que está mentindo para mim?
Os lábios dela tremeram ligeiramente e ela evitava olhar para mim
a todo custo. Aquilo já estava me deixando maluco.
— Elena.
— Obrigada pela carona — ela disse rapidamente e abriu a porta
do carro antes que eu pudesse dizer qualquer outra coisa.
Pensei em sair e ir atrás dela, exigir uma explicação para tentar
entender o que estava acontecendo, mas não o fiz. Continuei parado ali, atrás
do volante do meu carro, completamente confuso e irritado com o que
aquele dia havia se tornado.
Capítulo 22

O sol estava batendo deliciosamente no meu rosto enquanto eu esperava


que Jake e Max voltassem com um sorvete, que cairia como uma luva
naquele clima quente. E podia soar bobo, mas eu estava ansiosa para saber
qual sabor de sorvete Jake escolheria para mim, porque era assim que eu me
sentia com tudo em relação a ele. Tudo era motivo para me deixar ansiosa e
animada, como se estivesse descobrindo o mundo pela primeira vez.
Fechei os olhos para me entregar por completo àquela sensação
sem igual. Eu não me lembrava da última vez que havia me sentido tão
contente.
— Brincando de casinha, amor?
A voz familiar de Jimmy me atingiu como um balde de água fria,
me fazendo abrir os olhos depressa, assustada. Ele estava sentado ao meu
lado. Eu estava tão distraída no meu próprio mundo que nem sequer notei a
sua aproximação. Agora, ele estava perto demais para ser confortável.
Os indícios da briga com Jake já tinham quase desaparecido do seu
rosto, com exceção de um hematoma já amarelado que ainda ornamentava os
arredores do seu olho direito.
— O que está fazendo aqui? — perguntei, alarmada.
Automaticamente olhei para a direção por onde Jake e Max
haviam sumido. Se eles voltassem e Jake encontrasse meu ex-marido ali...
Deus, eu nem queria imaginar o que aconteceria.
— Você achou que eu esqueceria o que o seu namoradinho fez
comigo? Ah, não. Eu não vou esquecer — ele garantiu.
Quando seu hálito bateu contra o meu rosto, eu soube que ele
havia bebido. Eu só não sabia dizer com certeza o quanto. Jimmy ainda
estava formando frases coerentes, o que era um bom sinal, mas o fato de ter
bebido não era promissor. Eu sabia muito bem o que acontecia quando ele
começava a beber.
— Jimmy, por favor, vá embora.
— Por quê? Está preocupada que aquele otário te veja comigo? —
ele sugeriu, aproximando os lábios do meu ouvido. Eu automaticamente me
afastei e senti meu corpo estremecer. Jimmy me segurou pelo braço e me
puxou para perto de novo. — Sabe, aquele garotinho poderia ser nosso,
Elena.
Ele estava falando sobre o Max?
Não ousei perguntar.
— Podemos tirar o babaca da jogada e ficar com a criança —
planejou Jimmy. E a cada coisa que ele falava, eu me assustava mais. — Ou
talvez eu pegue o garoto e mostre para ele que posso ser um pai muito
melhor.
— Não ouse encostar nele, Jimmy — eu briguei, falando com toda
a seriedade que conseguia produzir. — Eu estou falando sério. Fique longe
dele.
Ele sorriu como quem sabia que havia vencido.
— Eu posso fazer isso, se você também fizer. Eu não quero você
com aquele cara — ele bradou, me olhando com olhos coléricos que eu
conhecia muito bem; que já havia visto vezes antes. — Se afaste dele ou
aceite as consequências das suas escolhas, Elena. É bem simples.
Lutei para conter o choro dentro de mim. Eu não daria a ele o
gostinho de saber que estava conseguindo me manipular.
— Vai embora — eu ordenei, agradecendo por minha voz não ter
soado trêmula.
— O recado está dado.
Jimmy deu um beijo na minha bochecha antes que eu conseguisse
me afastar e impedir. Então ele se levantou, cambaleando, e foi embora. Meu
corpo estava tremendo tanto que precisei me abraçar para tentar conter o
pavor que eu sentia. E quando Jake e Max retornaram, eu ainda estava
atordoada demais para conseguir agir como se nada tivesse acontecido. Sei
que Max não percebeu nada, mas Jake olhava para mim com os olhos
semicerrados, buscando entender o que havia me feito mudar de
comportamento. E quando Jake me deixou em casa, horas mais tarde, eu
pensei em contar tudo a ele, quando me perguntou novamente o que tinha
acontecido, mas mantive minha boca fechada. Eu sabia que se contasse ao
Jake que Jimmy estava me ameaçando para me manipular, que tinha
ameaçado Max, Jake perderia a cabeça. Talvez ele fosse atrás do meu ex-
marido para terminar o que havia começado naquela noite da festa ou talvez
Jake diria que eu não precisava me preocupar com nada, porque ele iria
proteger a mim e ao Max. No entanto, ele não conhecia o Jimmy como eu.
Àquela altura, eu não fazia ideia do que meu ex-marido era capaz e não
queria pagar para ver. Não quando a segurança de Max estava em jogo.
Depois de fugir de Jake e entrar às pressas na minha casa, para não
correr o risco que ele conseguisse me interceptar, encontrei Taylor sentada
no sofá, assistindo um filme que não consegui identificar. No instante em
que seus olhos pousaram em mim, minha amiga pausou o filme. Havia uma
pergunta em seu olhar antes mesmo de sua voz proferir:
— O que houve?
Deixei a cesta de piquenique em cima da mesa da cozinha e
larguei a minha bolsa no aparador, já sentindo as lágrimas tomarem conta
dos meus olhos.
— Ei — Taylor rapidamente se levantou do sofá e veio até mim.
— O que aconteceu? Por que você está chorando?
Eu a abracei sem dizer nada. Eu queria contar a ela, e eu iria, mas
naquele instante eu só queria tirar do meu peito aquele medo e aquele aperto
insuportável que eu estava sentindo. Taylor me envolveu em seus braços
com força.
— O que o Jake fez? — ela indagou, irritada. — O que ele fez,
Elena?
Balancei a cabeça em uma negação.
— Não... não foi ele.
Minha amiga segurou o meu rosto entre as suas mãos e me olhou
com os olhos azuis semicerrados, tentando entender o que eu queria dizer.
— Se não foi ele, então... — Taylor se interrompeu e sua
expressão rapidamente mudou para reconhecimento. — Foi o desgraçado do
Jimmy, não foi?
Assenti.
— Maldito — ela vociferou. — O que foi que ele fez agora?
Eu solucei, completamente perdida na sensação de impotência que
me envolvia naquele momento. O resto da minha vida seria assim? Com
Jimmy me ameaçando e me manipulando para que, na medida do possível,
eu fizesse o que ele queria? Eu não aguentava aquilo.
— Venha, sente-se comigo no sofá, Ellie.
Deixei que Taylor me guiasse até o sofá e me sentei ao lado dela,
puxando minhas pernas para cima e as abraçando, como se pudesse me
proteger de todas as coisas ruins que estava sentindo.
— Me conte o que aconteceu, querida — ela pediu,
carinhosamente, mesmo que eu conseguisse ver a raiva nos seus olhos.
E eu contei a ela. Contei sobre a ameaça de Jimmy e a sua ordem
para que eu me afastasse de Jake. Eu não sabia o que doía mais: se era ficar
longe de Jake e Max ou se era a possibilidade de nunca me livrar do meu ex-
marido.
— Aquele crápula! — Taylor xingou, possessa. — Ele não pode
fazer isso! Você não pode deixar que ele faça isso, Elena!
— O que você espera que eu faça? — choraminguei enquanto
soluçava e secava as lágrimas insistentes que não paravam de cair. — Não
posso colocar uma criança na mira de Jimmy só porque não quero me afastar
do Jake. É muito egoísmo e muita imprudência da minha parte, Taylor.
— Amiga, você já viu o tamanho daquele homem? Se Jimmy
chegar a dez passos de distância do Max, o Jake vai partir ele no meio!
— Eu sei, mas isso é parte do problema também. Taylor, você viu
o que acontece quando o Jake perde o controle de si mesmo. O que você
acha que vai acontecer se o Jimmy conseguir tirá-lo do sério? O idiota do
meu ex-marido não faz ideia de onde está pisando e mesmo que eu tente
alertá-lo quanto a isso, você conhece o Jimmy e seu ego inflado. Ele vai
achar que dá conta, mas nós duas sabemos que isso não é verdade. Essa
história vai terminar em tragédia.
— Merda — Taylor praguejou, chegando à mesma conclusão. —
Ok, você está certa, mas você não pode deixar o Jimmy controlar a sua vida,
Elena. Se não fosse o Jake, seria outro cara, e aí? Se você der esse poder a
ele, Jimmy nunca vai te deixar em paz e você merece ser feliz!
Eu sabia que ela estava certa. Sabia que não podia dar todo aquele
poder para o Jimmy, senão perderia completamente o controle da minha
própria vida e viveria só para fazer o que ele queria, mas ao mesmo tempo
eu tinha tanto medo de tomar uma decisão errada que levasse a algo
impossível de reverter. Jimmy me assustava. Não só porque eu sabia que ele
poderia me machucar, mas porque ele também poderia machucar as pessoas
que eram importantes para mim, e se isso acontecesse, eu não suportaria.
Doeria mais do que ele machucar a mim.
— Eu estou com tanto medo — choraminguei.
— Shhh — Taylor me puxou para mais um abraço, deixando que
eu chorasse nos seus braços. — Eu sei. Está tudo bem. Nós vamos dar um
jeito em tudo, eu prometo.
Naquele momento, não me importei se Taylor estava fazendo
promessas vazias, eu apenas deixei que ela me consolasse porque eu não
fazia ideia do que deveria fazer.
Capítulo 23

Elena estava há quatro dias me evitando e aquilo estava me


enlouquecendo. Tentei ir até a sua casa para falar com ela, mas Taylor me
disse que ela não estava em casa. Tentei achá-la pela cidade, mas não tive
sucesso também. Tentei escrever e colocar aquela frustração para fora, mas
também não funcionou. E as férias haviam chegado, então emboscá-la na
escola e pedir que me explicasse o que porra estava acontecendo também
não era uma opção. Me dei conta que estava me sentindo um pouco perdido
sem ela, o que era bem preocupante. A ideia de precisar de alguém além de
mim mesmo — além de Max — me deixava apreensivo. Meu sobrinho
também não entendia por que Elena havia sumido de repente e quando ele
me fazia perguntas sobre ela, eu não sabia o que responder, então inventava
desculpas para fugir dos seus questionamentos.
A senhorita Blake está muito ocupada, Max.
A senhorita Blake pegou um resfriado, Max.
A senhorita Blake viajou, Max.
Eu estava dando qualquer resposta que o satisfizesse, mesmo que
momentaneamente. Era notório que Max também sentia a falta dela, o que
também era preocupante. E se Elena decidisse sair das nossas vidas de uma
vez por todas, como Maxon ficaria? Eu precisava me lembrar que qualquer
decisão que eu tomasse com a minha vida, fosse ficar ou não com Elena;
fosse me relacionar com qualquer outra mulher, impactaria diretamente nele.
E eu não queria voltar a ser descuidado com os sentimentos do meu
sobrinho, porque eu gostava da relação que estávamos construindo.
Depois de passar duas horas olhando para a folha em branco do
caderno onde eu externalizava meus pensamentos, decidi mandar uma
mensagem para Edwin, que era a única pessoa naquela cidade que poderia
me oferecer alguma distração do turbilhão de pensamentos que habitavam a
minha cabeça. Imediatamente, Edwin me respondeu dizendo para que eu
pegasse Maxon e fosse para a sua casa, porque ele faria um churrasco, os
garotos poderiam brincar juntos e nós tomaríamos algumas cervejas
enquanto eu lhe contava sobre as dificuldades de ser Jake Hyder — palavras
dele, não minhas. E por mais que uma vontade insana de revirar os olhos e
esquecer aquela ideia tivesse me atingido, eu coloquei Max dentro do carro e
fui para a casa de Edwin, porque se continuasse sozinho com meus
pensamentos, enlouqueceria.
— Espera um momento, você está me dizendo que ela
simplesmente, sem nenhum motivo, ficou esquisita e começou a te evitar?
— Edwin perguntou depois que eu comecei a contar para ele o que
aconteceu no parque, quatro dias atrás.
Assenti.
— Hm. — Ele passou a mão pelo queixo, pensativo. — Ora, a
resposta é bem simples, na verdade.
— É?
— Claro que é, cara. Ela achou você ruim de cama e agora não
sabe como se livrar de você.
Encostei minhas costas na cadeira e massageei minhas têmporas
enquanto Edwin caía na gargalhada. Eu sabia que me arrependeria de
desabafar com ele.
— Você é um babaca — declarei, irritado.
Edwin continuou rindo.
— Pare de levar tudo a ferro e fogo, Jakezinho. Sorria! — Edwin
apontou para o próprio sorriso como se esperasse que eu o imitasse. Ao
invés disso, cruzei meus braços e mantive a fisionomia mais séria do que o
normal. — Não sorria então, cruzes!
— Eu pensei que você iria me ajudar, Edwin, não foder ainda mais
a minha cabeça.
Quando se deu conta de que eu estava realmente aflito com aquela
situação, Edwin deixou de brincadeira.
— Cara, aparentemente não tem motivo algum que justifique a
mudança de comportamento dela. Eu não sou um grande entendedor das
mulheres. Eu namoro a mesma garota desde o ensino médio! Eu entendo a
minha mulher e olhe lá, nem dá para dizer que eu sempre compreendo o que
se passa na cabeça dela. O conselho que eu posso te dar é: continue
insistindo em falar com ela, porque você tem o direito de saber o que
aconteceu. Bayshore é uma cidade pequena. Ela não vai conseguir fugir de
você para sempre.
Dei um gole na minha cerveja enquanto pensava que Elena tinha
se mostrado muito boa em se esquivar de mim, mas Edwin estava certo. Ela
não iria conseguir fugir de mim para sempre, e eu tinha o direito de saber o
que rolou. Não era justo que ela se afastasse sem me dar nenhuma satisfação.
Sem contar que Max também merecia uma resposta honesta. Eu não iria
conseguir ficar inventando desculpas para ele por muito mais tempo.
— Não se preocupe, Jake. As coisas vão se acertar mais cedo ou
mais tarde, tenho certeza.
— Espero que você esteja certo.
— Eu normalmente estou — ele se gabou, se achando o último
copo de água do deserto. Jesus!
— O almoço está pronto — Kate anunciou. — Meninos, saiam da
piscina e se sequem para poderem comer!
— Ah, mãe! Só mais cinco minutos! — Shawn reclamou.
Ele e Max estavam brincando de alguma coisa que envolvia
tubarões. Acho que um deles era o animal enquanto o outro precisava fugir
para sobreviver. Tanto Shawn quanto Max usavam boias ao redor dos braços
para poderem brincar na piscina sem se afogarem.
— Cinco minutos e nem um minuto a mais — Kate decretou.
Os dois voltaram a brincar imediatamente, doidos para aproveitar
aqueles cinco minutos da melhor maneira possível. Me dei conta de que,
naquela rodada, Max era o tubarão. Por ser dois anos mais novo que Shawn,
ele não tinha a mesma habilidade e velocidade para alcançar o filho de
Edwin. O que me surpreendeu foi perceber que, quando o garoto se deu
conta disso, ele diminuiu o ritmo para que Max tivesse uma chance de
vencer também. Naquele momento eu soube que os dois se tornariam bons
amigos.
— Você tem um bom garoto, Edwin — elogiei.
Meu amigo olhou para o próprio filho bem no instante em que
Max finalmente tinha conseguido alcançá-lo. Edwin sorriu.
— É, eu sei. — Ele voltou a olhar para mim, ainda com um sorriso
no rosto. — Você também tem, Jake. Sabe disso, não sabe?
Não pude evitar sorrir.
Independentemente se eu merecia aquele privilégio ou não, eu era
tudo o que Maxon tinha. Para todos os efeitos, ele era meu filho, mesmo que
eu nunca fosse metade do que Devin poderia ter sido para ele.
— É, eu sei.
 

Quando Max e eu voltamos para casa naquele dia, ele estava


realizado. Suas bochechas estavam levemente vermelhas depois de um dia
inteiro no sol, brincando na piscina, e meu sobrinho parecia não conseguir
parar de sorrir. Ele foi o caminho todo, da casa de Edwin até a nossa casa,
falando como seria divertido se pudéssemos ter uma piscina também, que ele
esperava que Shawn o chamasse mais vezes para brincar na piscina e que
talvez eu pudesse deixar Shawn ir para a nossa casa, porque Max queria
mostrar todos os seus brinquedos para o novo amigo, além do seu abajur de
estrelas. Não consegui dizer que não, então prometi a ele que em breve
convidaríamos Shawn para passar uma tarde na nossa casa.
Ganhei o maior de todos os sorrisos depois disso.
— Tio Jake — Maxon me chamou enquanto eu entrava na cozinha
para pegar um copo de água.
— Sim?
— Você e a senhorita Blake brigaram? — ele perguntou, inseguro
se deveria ou não tocar no assunto.
Permaneci de costas para o meu sobrinho por mais alguns
instantes, então suspirei e me virei para ele, encontrando Maxon parado na
entrada da cozinha. O sorriso que habitava o seu rosto, minutos atrás, tinha
sumido.
O que eu deveria dizer a ele quando nem eu mesmo sabia? Elena e
eu tínhamos brigado? Não pareceu uma briga para mim, mas ela estava me
evitando desde então, então talvez tenha sido?
Me aproximei de Maxon e abaixei no chão para ficar na sua linha
de visão. Seus olhos estavam tristes e sua boca curvada para baixo. Aquilo
não era justo com ele. Elena não estava sendo justa com ele. Com nenhum
de nós dois, na verdade, mas eu me importava com os sentimentos de Maxon
mais do que me importava com os meus.
— Max, acho que você já é grande o suficiente para entender
algumas coisas, então... Para ser sincero com você, eu não sei.
— Ela está brava com a gente?
— Não. Ela nunca ficaria brava com você. Isso não é culpa sua.
Eu não sabia se ele estava acreditando em mim.
— Mas e com você? Ela está brava com você?
— Não sei.
— Talvez a gente pudesse levar uma flor para ela ou convidar ela
para ir à praia de novo. Aquele dia foi divertido.
— Foi mesmo. — Dei um pequeno sorriso sem dentes para ele. —
Eu vou conversar com ela, ok?
Max confirmou com a cabeça.
— Você estava mais feliz quando ela aparecia.
Ele não estava errado.
— E você começou a gostar de mim e ser legal — ele completou.
Meu peito apertou. Porra!
— Max, me escute, eu sempre gostei de você, eu só era ruim em
demonstrar, lembra? E mesmo que Elena não volte, nada vai mudar entre
você e eu, entendeu? — perguntei, sério. Eu precisava que ele soubesse que
não era Elena quem me fazia gostar dele ou não. Ela apenas me ajudava a ser
melhor com ele. — Nós somos família. Você é meu sangue. Eu morreria por
você, está me entendendo?
Ele balançou a cabeça em anuência e seus bracinhos rapidamente
se fecharam ao redor do meu pescoço, me abraçando. Eu o puxei para mais
perto de mim e o abracei de volta, levantando-me do chão e mantendo-o no
meu colo.
— Que bom que o papai mandou você para cuidar de mim, tio
Jake.
Eu o apertei mais um pouco no abraço quando meu corpo
começou a tremer. Devin não havia me enviado. Ele nunca enviaria um
assassino para cuidar do próprio filho, mas uma parte de mim era grata por
Maxon pensar daquela forma.
Eu o soltei do abraço e o coloquei no chão, sentindo um nó imenso
se formar na minha garganta.
— Somos... — Pigarreei para limpar a garganta. — Somos nós
contra o mundo, Max.
Ele sorriu diante daquilo.
— Nós contra o mundo.
Fiz um carinho no seu cabelo castanho, como havia visto Elena
fazer algumas vezes.
— Agora, suba e vá tomar banho. Eu vou preparar o jantar.
Meu sobrinho assentiu e disparou em direção à escada.
— Não corra na escada — mandei.
Ele diminuiu o ritmo, agarrou o corrimão e foi subindo devagar até
sumir completamente do meu campo visual. Foi só então que me permiti
soltar o ar que estava preso em meus pulmões e encostei meu corpo na pia,
de repente me sentindo exausto. Eu precisava muito dormir. Meu cansaço
era tamanho que eu quase conseguia senti-lo nos meus ossos.
Naquela noite, eu tentaria dormir, mas só porque sentia que meu
cérebro iria desligar o meu corpo à força se eu não descansasse. Então, eu
trancaria a porta do meu quarto e deixaria que os demônios viessem.
Capítulo 24

Dois dias depois da ida à casa de Edwin, eu finalmente encontrei Elena.


Na verdade, Max foi quem a encontrou. Nós estávamos passando de carro
pela rua principal da cidade quando meu sobrinho gritou “Olha, tio Jake, é a
senhorita Blake!”. Imediatamente eu estacionei o carro no meio fio e pedi
que Maxon me esperasse ali. Tranquei as portas do veículo, mas deixei as
janelas abertas para que ele não sufocasse com o calor de Bayshore. Elena
estava parada em frente à vitrine de uma loja, cerca de dez metros de onde
estacionei o carro. Eu não queria fazer uma cena na frente das pessoas,
principalmente não naquela cidade, mas Elena me devia algumas respostas e
eu estava determinado em consegui-las.
— Eu estive procurando por você — eu disse, anunciando a minha
presença.
O corpo de Elena paralisou no mesmo instante em que ouviu
minha voz. E quando ela olhou para mim... não havia nada naquele rosto que
se assemelhasse com a mulher alegre que eu tinha conhecido e que tinha
dominado meus dias com seu sorriso fácil.
— Por onde você andou? — indaguei, ignorando a expressão triste
que ela carregava. Eu também estava triste, mas ela não estava dando a
mínima para o que eu estava sentindo quando evaporou da minha vida de um
dia para o outro.
— Jake, eu não posso fazer isso agora — foi o que Elena me
respondeu enquanto se preparava para fugir outra vez.
Ah, eu não iria deixar que ela fosse embora daquele jeito de novo.
Então, me coloquei na sua frente, impedindo a sua passagem.
— Me deixei ir, por favor?
— O que eu fiz de tão absurdo que você não consegue nem me
olhar nos olhos?
Era uma pergunta engraçada vindo de mim, eu sabia. Eu havia
feito coisas muito absurdas na vida. Porém, Elena tinha me visto dar uma
surra no seu ex-marido e não tinha se afastado. Ela sabia quem eu era. Então
não fazia sentido que, de uma hora para a outra, ela mudasse de
comportamento tão drasticamente, principalmente porque, naquele dia do
parque, não aconteceu nada que justificasse aquela mudança.
— Você não fez nada — ela respondeu, mas ainda não me olhava
nos olhos.
— É mesmo? Então por que você está me evitando?
— Eu não estou te evitando, Jake.
— Pare de mentir para mim! — eu bradei, perdendo a paciência.
— Eu não sou idiota, Elena! Se você não quer mais sair comigo, então olhe
na minha cara e diga, mas não aja como se não me devesse pelo menos isso!
Vi que os lábios dela começaram a tremer, como se ela estivesse
por um triz de se desfazer em lágrimas, o que só me deixou ainda mais
confuso e irritado.
— Desculpe, não posso falar com você agora — ela disse,
rapidamente contornando o meu corpo para conseguir seguir o seu caminho.
Eu me virei para a direção que ela rapidamente seguia, como se
estivesse desesperada para colocar distância entre nós dois.
— O que eu deveria dizer ao Max? — perguntei alto para que, de
onde já estava, ela pudesse me ouvir. E ela ouviu. Seu corpo estagnou no
lugar como se tivesse criado raízes. — Ele pergunta por você todos os dias!
Ele não entende por que você sumiu de repente e acha que você está brava
com ele! O que eu deveria dizer para ele, Elena, se eu mesmo não sei o que
porra está acontecendo?
Me aproximei dela de novo e, mais uma vez, parei na sua frente.
Elena finalmente me encarou. Seus olhos castanhos estavam vermelhos pela
represa de lágrimas acumuladas ali e havia tanta tristeza no seu olhar que
senti minhas pernas ligeiramente bambas, mas eu não iria ceder, mesmo que
a vontade de puxá-la para os meus braços e abraçá-la fosse avassaladora. Eu
devia ao Max uma resposta.
— Quando eu assumi a guarda do Max, você me deu um baita
sermão sobre como eu deveria me preocupar com os sentimentos dele. Cadê
o seu discurso agora? — acusei, magoado. — Se não quiser me ver nunca
mais, ok, eu sou bem grandinho para aceitar e seguir em frente, mas ele é
uma criança que adora você. Pelo menos tenha coragem o suficiente para
conversar com o Max, para que ele não fique esperando o dia que você vai
voltar ou se culpando por você ter ido embora.
Elena abriu e fechou a boca algumas vezes, mas sua voz parecia
ter sumido. Eu não conseguia entender. E se fosse para ser sincero, eu estava
tentando sentir raiva dela para que não precisasse encarar a verdade. Ela
estava partindo o meu coração, e eu não sabia como lidar com aquele
sentimento. Eu nunca havia deixado nenhuma mulher se aproximar tanto
assim, me blindei desse tipo de sentimento porque a vida já era uma merda
do jeito que era. Eu não precisava de um coração partido na somatória de
tudo o que havia dado errado para mim. Então era mais fácil sentir raiva. Era
mais fácil acusá-la de ser insensível e irresponsável com os sentimentos do
meu sobrinho — embora fosse uma acusação válida — do que me permitir
sentir que a estava perdendo.
— Você não vai dizer nada? — provoquei e esperei por uma
réplica, mas Elena apenas engoliu em seco e abaixou os olhos. — Uau. A
sua hipocrisia é surpreendente.
— Jake — ela me chamou antes que eu conseguisse virar as
costas.
Meu peito apertou ao ouvir meu nome envolto pelo tom triste da
sua voz, mas me mantive firme. Se ela não achava que eu merecia uma
explicação — que Max merecia uma explicação —, então ela não era quem
eu pensei que fosse. Ainda assim, doía pra cacete.
Olhei para ela, esperando que ela dissesse alguma coisa, esperando
que ela me desse a porra de uma explicação. Eu estava ficando louco? Havia
fantasiado tudo? Porque... caralho, eu achei que o sentimento fosse
recíproco. Quando ela disse que queria ficar comigo, quando pediu que eu
não a afastasse de mim... Eu acreditei nela. Eu acreditei nela e olha só para
onde aquilo me trouxe.
— Eu sinto muito — ela lamentou com um pesar que parecia
maior do que ela.
Dei uma risadinha sem humor, cético pela insensibilidade dela.
— Adeus, Elena.
Dei as costas para ela e caminhei de volta para o carro. Não olhei
para trás, não permiti que os pensamentos do futuro que imaginei que
poderia ter com Elena invadissem a minha cabeça.
 

Eu sentia que pedaços do meu coração estavam despencando do


meu peito conforme eu andava pelas ruas de Bayshore, tomando o caminho
de volta para casa. As palavras de Jake me feriram, mas eu não podia culpá-
lo, porque eu sabia que, na visão dele, eu estava mesmo sendo uma cretina,
hipócrita e insensível. É claro que ele merecia uma explicação — é claro que
Max merecia uma também —, mas eu não podia contar ao Jake sobre
Jimmy. Se ele quisesse me odiar, eu aceitaria isso, mas não suportaria a
possibilidade de vê-lo atrás das grades por matar o meu ex-marido. O que
seria do Max se isso acontecesse? Ele já perdeu todo mundo, e Jake foi a
única família que restou. Eu não correria o risco de ver o Max perdendo o tio
também. Então eu engoliria o meu sofrimento, remendaria meu coração
partido e aguentaria a realidade de que, agora, Jake provavelmente me
odiava.
Amor é isso, não é? Você protege o outro, mesmo que isso
signifique que você se parta no processo. E eu sabia que os amava. Os dois.
Sabia que meu coração se sentia em casa quando estava com eles. Sabia que,
mesmo com todas as dificuldades e traumas que nós dois tínhamos, Jake e eu
funcionávamos bem juntos. Nós seríamos capazes de dar ao Max o que ele
nunca teve: uma família. Mesmo sabendo que pais nunca são substituídos,
poderíamos ser uma versão diferente da família que ele poderia ter tido, mas
igualmente feliz. Eu sabia que Julia e Devin se alegrariam em saber que o
filho era feliz, mesmo que não fosse com eles por perto.
Quando cheguei em casa, Taylor não estava e dei graças a Deus
por isso. Não queria chorar na frente dela mais uma vez. Aquela semana
longe de Jake e Max havia sido difícil demais para mim, e eu sabia que
Taylor me ouvia chorar no meu quarto, mesmo que eu me esforçasse para
fazer o mínimo de barulho possível. Eu não queria preocupá-la. Eu sabia que
minha amiga percebeu que eu revirava a comida no prato sem realmente
comer e que passava grande parte dos meus dias na cama, sentindo pena de
mim mesma e escrevendo no meu diário. Minha amiga me forçava a ficar
pelo menos duas horas sentada com ela no sofá, assistindo Friends. Taylor
dispensou Boyce para ficar comigo, porque não queria me deixar sozinha. E
eu a amei ainda mais pelo seu esforço em me fazer sentir melhor, mesmo
que não estivesse surtindo efeito.
Deixei minha bolsa em cima do aparador e fui direto para o meu
quarto. Eu não tinha visto Jimmy outra vez, mas às vezes sentia que ele
estava me vigiando, mesmo que eu não conseguisse ver. Aquilo me causava
náuseas e um frio na barriga que nada tinha a ver com borboletas. Eu não me
sentia segura na rua ou dentro da minha própria casa. E antes de dormir, me
certificava de que a porta da frente estava realmente trancada. Todos os dias.
Me desesperava pensar que Jimmy poderia aparecer bêbado de repente e
episódios do meu passado com ele poderiam se repetir. Quando me casei
com ele, eu tinha tanta certeza de que aquela era a melhor decisão que eu
estava tomando na vida, mas, naquele momento, eu nem sequer conseguia
me lembrar como era sentir qualquer coisa boa direcionada a ele.
Meu corpo caiu sobre a minha cama, balançando toda a estrutura
quando recebeu o meu peso. Eu estava cansada. Minhas horas de sono eram
escassas e meu coração partido, impossível de ignorar. Então fiz a única
coisa que descarregaria aquele turbilhão de sentimentos de dentro de mim.
Eu os coloquei em palavras.
Capítulo 25

A campainha tocou enquanto eu balançava a caneta que segurava nos


dedos. Meus pensamentos estavam longe. Por incrível que pareça, eu estava
pensando nos meus pais, coisa que não fazia há... sei lá quanto tempo. Muito
tempo. Tempos demais, talvez. Tentei procurar na mente uma lembrança boa
que tivesse com os dois, mas não encontrei nada. Não me lembrava de nada
bom os envolvendo, o que me fez chegar aos seguintes questionamentos: por
que eles haviam se casado? Por que estavam juntos? Por que as pessoas se
casam sem estarem apaixonadas? Por que permanecem juntas mesmo depois
de constatar que aquilo foi um erro? Meus pais não eram felizes, disso eu
sabia. Eles brigavam o tempo todo. Meu pai traía a minha mãe com outras
mulheres, o que novamente me levou aos mesmos questionamentos que
mencionei acima. E ele foi preso depois de matar um cara em um bar, com
uma arma que ele não tinha permissão para ter. Meu pai foi preso em
flagrante, foi o que Devin havia me contado. Ele era mais velho, então se
lembrava de mais detalhes da nossa infância do que eu.
Depois disso, minha mãe ficou sozinha para criar dois filhos. Ela
trabalhava como caixa em um supermercado, o dinheiro era insuficiente e
ela preferiu recorrer a uma boa e velha garrafa de uísque do que continuar
batalhando para criar as duas crianças que havia colocado no mundo. Não
demorou para que os vizinhos constatassem que ela estava sempre bêbada e
era incapaz de cuidar de mim e Devin. Ela perdeu a nossa guarda, foi
mandada para uma clínica de reabilitação e aí começou a batalha de Devin
para fugir do conselho tutelar e evitar que nós dois fôssemos separados.
Naquela época, a relação dos meus pais não fazia nenhum sentido
para mim e percebi que mesmo naquele momento, com vinte e sete anos, ela
continuava não fazendo. Pensei em tudo aquilo apenas para chegar à
conclusão de que as pessoas eram boas em fingir amor. Elas eram muito
boas em se manter em situações que poderiam gerar amor, mesmo que
inicialmente elas não o sentissem. As pessoas eram boas em permanecer na
conveniência. Talvez fosse o que tinha acontecido com Elena.
A campainha tocou novamente, me tirando dos meus devaneios e
me forçando a deixar o caderno de lado para levantar do sofá e ir até a porta.
Max estava em seu quarto, assistindo Coragem, O Cão Covarde. Pelo menos
um de nós estava conseguindo se distrair. Quando abri a porta, tive um
momento de confusão mental ao ver Taylor parada ali. A amiga de Elena
parecia cansada e nervosa, mas também exalava uma determinação que me
deixou cismado e confuso.
— Taylor?
— Oi. — Ela deu um sorriso sem dentes. — Posso entrar?
Abri mais a porta para que ela pudesse passar e a fechei logo em
seguida. Taylor olhou ao redor, curiosa, mas rapidamente virou-se de frente
para mim, me encarando enquanto segurava a alça da sua bolsa com firmeza.
— Você quer uma água ou...
— Jimmy está ameaçando Elena — ela disparou, cortando a minha
frase no meio. Taylor soltou o ar dos pulmões com tanta força que parecia
que conter aquela informação a estava matando sufocada.
Pisquei.
— O quê?
Me aproximei de Taylor sem nem me dar conta, mas ela não se
encolheu. Seus olhos azuis permaneceram nos meus sem hesitar.
— Ele a encurralou no parque. Eu não sei exatamente o que ele
disse para ela, mas Elena me contou que ele fez uma ameaça implícita ao
Max.
— Como é que é? — perguntei, sentindo meu corpo tremer à
medida que a cólera me inundava.
— Ele deixou subentendido que se Elena não se afastasse de você,
ele faria alguma coisa com o Max.
Fechei minhas mãos em punhos, tentando conter a ira que me
dominava de segundo a segundo. O filho da puta tinha ameaçado uma
criança? Minha criança.
Como foi que eu não pensei naquela possibilidade antes? Fazia
todo o maldito sentido, caralho! Eu sabia que, seja lá o que tivesse feito
Elena se afastar, não fora por algo que eu havia feito naquele dia, porque eu
não havia feito nada. Ela estava bem e feliz quando eu e Max fomos comprar
sorvete. Elena ficou sozinha por alguns minutos e, quando voltei, ela estava
completamente diferente. Tensa, aérea, distante. Fui ingênuo de pensar que a
surra que dei em seu ex-marido tinha sido o suficiente para mantê-lo longe
dela. Achei que ele seria mais esperto do que isso. Eu estava errado.
— Aquele filho da puta do caralho! — esbravejei. — Se ele
encostar um dedo no Max, eu juro por Deus, Taylor... eu...
Ela balançou a cabeça, entendendo o que eu estava puto demais
para colocar em palavras.
— Eu sei. — Ela suspirou. — Mas Jake, esse é exatamente o
problema. Foi por isso que Elena não te disse nada. Ela está morrendo de
medo de que você faça uma loucura, tudo isso termine em tragédia e você
acabe preso.
E então tudo fez ainda mais sentido, porque a próxima pergunta
que estava na ponta da minha língua era: por que Elena não me contou o que
aconteceu? E ali estava a resposta. Ela me conhecia o suficiente para saber
que eu ficaria consumido pela ira, pelo fato de o filho da puta do seu ex-
marido ter ameaçado o Max.
— Porra! — praguejei, passando as mãos pelo cabelo.
— Você tem que falar com ela e você tem que controlar o seu
temperamento também, cara. Pode ser que eu esteja me metendo onde não
tenho o direito, mas dane-se. Elena é minha melhor amiga, minha pessoa
favorita no mundo inteiro, então realmente não me importo com o que você
vai pensar de mim. Me importo apenas com a felicidade dela. Você precisa
de ajuda, Jake. Eu não sei o motivo pelo qual você ainda não foi procurar,
mas você precisa. Por você mesmo, mas também pelo Max e pela Elena, se
vocês forem levar isso adiante — discursou Taylor, me olhando com tanta
intensidade que nem sequer consegui ficar com raiva dela por estar me
dando um sermão, porque eu sabia que ela estava fazendo aquilo pelo bem
das pessoas que haviam se tornado importantes para mim. — Porque eu juro
por Deus que se você a machucar, independentemente do contexto, eu vou
viver cada dia para me certificar de que você nunca mais chegue perto dela
de novo.
— Eu nunca a machucaria, Taylor.
— Intencionalmente, eu sei que não. Essa versão de você, parada
na minha frente agora, eu sei que não. A versão que eu vi no parque, por
outro lado... eu não tenho tanta certeza. Você não é você mesmo quando se
perde na sua cabeça, Jake. E eu entendo, tá legal, eu entendo que você tem
um problema, que é difícil pra cacete, que você viveu e viu coisas que eu
não posso nem começar a imaginar. Eu sei de tudo isso. Mas, por favor, me
prometa que você vai conversar com alguém sobre isso, que vai procurar
ajuda profissional. Nós queremos o seu bem, caramba! Todos nós, inclusive
eu, porque nunca vi Elena tão feliz como quando ela estava com você e o
Max.
Soltei um longo suspiro e assenti com a cabeça, porque tentar
convencer Taylor de que ela estava errada não me faria ganhar nenhuma
credibilidade com ela. Além disso, Taylor estava certa.
— Eu vou procurar ajuda. Eu quero procurar ajuda, eu só... preciso
de tempo para aceitar algumas coisas antes de estar pronto para falar sobre
tudo — falei. — Eu sei que preciso de ajuda. Eu sei disso. Só quero estar
forte o bastante para ser capaz de olhar para tudo o que aconteceu.
Taylor balançou a cabeça, entendendo.
— Ok, eu acredito em você.
Olhei rapidamente no meu relógio de pulso. Já passava das sete e
vinte da noite, mas eu precisava encontrar Elena antes que aquele dia
acabasse. Precisava me desculpar pelas coisas que eu havia dito para ela e
fazê-la entender que eu a protegeria dele. Eu protegeria o Max também. Eu
não permitiria que nada acontecesse com nenhum dos dois.
— O Max está no quarto dele assistindo desenho. Você acha que
pode ficar de olho nele para mim por algumas horas?
Taylor assentiu.
— Eu cuido dele. Pode ir.
— Obrigado, Taylor. — Peguei a chave do meu carro em cima do
aparador, mas parei com a mão na maçaneta da porta e me virei na direção
de Taylor de novo. — Você é uma boa amiga para ela. Fico feliz que Elena
tenha você.
— Obrigada. — Ela sorriu. — Agora vai. Vai logo!
Eu me apressei para fora de casa e entrei no meu carro com a
mesma rapidez. E no caminho até a casa de Elena, eu fiquei pensando o
quanto a mágoa e a raiva podem transformar uma pessoa no vilão de uma
história. Eu conhecia Elena, sabia o tipo de pessoa que ela era, mas no
primeiro sinal de que algo estava errado, eu deixei a raiva me consumir e
modificar a verdade de quem ela era. Durante todo aquele tempo, ela estava
sendo exatamente a mesma pessoa que sempre foi; estava colocando a vida
de uma criança à frente da sua, sendo o porto seguro que ela prometeu ser
para as crianças que ensina. E a forma merda com a qual eu lidava com
pessoas e sentimentos quase me fez deixar de ver aquilo.
Estacionei o carro na frente da casa de Elena e me apressei para
chegar até a porta. Bati na madeira, mas não disse nada. Não queria que ela
soubesse que era eu quem estava ali, porque não queria correr o risco de ela
não abrir a porta. Mas então pensei que talvez Elena não abrisse justamente
por não saber quem era, pois poderia ser o Jimmy. Ela não correria aquele
risco.
Respirei fundo e segurei os batentes da porta com as duas mãos,
me aproximando mais um pouco.
— Elena, sou eu — eu disse baixo e com calma, para que ela
percebesse que eu não estava bravo. — Seu carro está estacionado aqui na
frente, então eu sei que você está em casa. Por favor, abra a porta.
Esperei que ela abrisse, mas no fundo eu sabia que teria que dar a
cartada final para conseguir que aquela porta fosse aberta.
— Taylor me contou sobre a ameaça do Jimmy — anunciei. —
Baby, por favor, abre a porta.
Finalmente ouvi passos se aproximando. A fechadura foi
destravada e a porta foi aberta em seguida. Elena estava vestindo um pijama
verde água, que era composto por shorts e uma blusa de alcinha. Seus olhos
estavam vermelhos e com lágrimas represadas; seus lábios tremiam de leve.
Ela era a personificação da tristeza naquele momento, e eu odiava aquilo.
Odiava porque ela era como o sol: radiante e enérgica. Vê-la daquela
maneira parecia errado. Eu não suportava.
— Jake — ela choramingou o meu nome.
Não esperei que ela dissesse a próxima coisa, eu avancei na
direção dela e a puxei para os meus braços. Envolvi o corpo de Elena no
mesmo instante em que ela liberou as lágrimas que segurava. Eu invadi sua
casa e bati a porta atrás de mim usando o calcanhar, sem soltá-la. Elena
chorou com o rosto enterrado no meu peito e seu corpo sacolejava com tanta
força que eu precisei segurá-la mais forte.
— Eu sinto muito — ela chorou. — Estou tão assustada.
A raiva que me dominava era absurda. Ver o que aquele otário
estava fazendo, o terror psicológico que aplicava nela, não ajudava em nada
a missão de me manter calmo e não o procurar naquele exato momento para
ter uma conversinha. Mas Taylor estava certa, assim como Elena. Aquilo não
acabaria bem e eu precisava pensar no Max. Se eu fosse preso por matar
aquele filho da puta, meu sobrinho ficaria definitivamente sozinho. Eu não
podia deixar isso acontecer. Max não podia perder mais ninguém.
— Shhh... está tudo bem agora. Eu estou aqui.
Ela se agarrou a mim com mais determinação, o que me fez puxá-
la para cima. Caminhei até o sofá da sala e me sentei, deixando Elena no
meu colo. Afastei as mechas de cabelo que caiam sobre o seu rosto e sequei
cada uma das suas lágrimas, odiando vê-la tão abalada; odiando não saber o
que fazer para tirar Jimmy da vida dela de uma vez por todas.
— Não chore, por favor — eu sussurrei. — Sinto falta do seu
sorriso.
— Ele ameaçou o Max, eu não tive escolha — ela balbuciou entre
soluços.
Precisei me esforçar para não tensionar a mandíbula e deixar a
raiva me consumir.
— Eu não vou deixar que ele chegue perto do Max. E eu também
não vou deixar que chegue perto de você, está me ouvindo?
— Você não vai conseguir estar por perto o tempo inteiro, Jake. Eu
não sei do que ele é capaz e... eu conheço você. Não estou dizendo que você
é uma pessoa ruim, porque eu sei que você não é, mas...
Eu entendia o que ela estava querendo dizer. Se Jimmy fizesse
qualquer coisa ao Max, eu simplesmente perderia a cabeça.
— Eu não vou fazer nada com ele — prometi a ela. — Eu vou
fazer o que for preciso para manter você e o Max em segurança, mas eu não
vou machucá-lo. Eu prometo.
Elena grudou os seus lábios nos meus com urgência. Seu beijo
tinha o gosto salgado das lágrimas que ela derramava, mas eu a beijei
mesmo assim. Segurei o seu rosto e devorei os seus lábios, porque eu estava
morrendo de saudade dela. Uma semana inteira sem tocá-la e eu estava
enlouquecendo. Eu sentia falta do cheiro dela, do toque dela, do gosto dela.
Dela, porra. Eu sentia falta dela.
— Me desculpa pelas coisas que eu disse para você mais cedo —
eu murmurei nos lábios de Elena. — Eu estava magoado.
Elena se afastou apenas o suficiente para me olhar nos olhos.
— Você estava certo. Você tinha todo o direito de estar com raiva e
confuso, Jake, e de me cobrar uma explicação também. Tanto para você
quanto para o Max, eu só... Olhar para você doía e eu não tive forças para
inventar uma história para te afastar de mim.
Com o polegar, fiz carinho em sua bochecha ainda úmida pelas
lágrimas e a puxei para mais um beijo. No início, foi apenas um leve
encostar de lábios, mas então a pontinha da língua de Elena tocou os meus
lábios, pedindo passagem, e eu concedi com prazer. Enfiei meus dedos entre
os fios do seu cabelo dourado e deitei a cabeça para aprofundar mais o beijo.
Sua língua aveludada se movimentava com a minha, primeiro devagar,
saboreando cada segundo daquilo. Mas então o beijo se tornou mais cálido e
voraz. Ela gemeu nos meus lábios, e eu segurei o seu quadril para mover o
seu corpo de forma que Elena ficasse sentada em cima do meu pau, que,
àquela altura, já estava brigando com a cueca, buscando liberdade. Elena se
esfregou em mim quando enfiei minha mão por dentro do tecido da sua
blusa, sentindo sua pele macia sob os meus dedos.
— Onde está o Max? Quanto tempo nós temos?
— Ele está com a Taylor — gemi, ofegante, nos lábios dela. —
Temos tempo.
Nossos lábios se uniram mais uma vez, insaciáveis.
— Esse é o momento de você ser ousada, lembra? — sussurrei e
mordi seu lábio inferior logo em seguida. — Qual sacanagem imoral você
fará comigo, baby?
Elena deu um sorriso que iluminou todo o seu rosto em um misto
de felicidade e malícia.
Aquele definitivamente se tornaria o meu sorriso favorito.
Capítulo 26

Pensei se deveria levar Jake até o meu quarto, para que tivéssemos a
cama ao nosso dispor, mas, de repente, a ideia de transar bem ali, no sofá,
parecia muito convidativa — mesmo que eu soubesse que Taylor me mataria
se soubesse. Eu também estava muito consciente que o sofá de dois lugares
era pequeno demais para o tamanho de Jake, caso ele fosse se deitar ali. Mas
não posso dizer que eu estava preocupada com nenhuma das duas coisas. Eu
tinha certeza de que a própria Taylor já havia profanado aquele sofá com
Boyce.
Qual sacanagem imoral você fará comigo, baby?
A pergunta de Jake reverberava na minha cabeça enquanto os
lábios dele consumiam os meus. Eu não era uma mulher muito ousada na
cama, do tipo que criava fantasias ou realizava fetiches. No entanto, com
Jake eu tinha vontade de tentar coisas que eu nunca havia sequer pensado em
fazer antes. Eu queria explorar cada parte do corpo dele e queria que ele
fizesse o mesmo com o meu. Queria que delirássemos juntos no mais puro
prazer.
Eu sentia a minha pele queimar nos lugares onde ele tocava, como
se uma descarga elétrica percorresse todo o meu corpo, passando inclusive
por lugares que eu nem sabia que era possível sentir alguma coisa. E quanto
mais Jake me tocava mais eu queria que ele continuasse me tocando. Era
enlouquecedor e sem precedentes o quanto eu o queria mais e mais a cada
dia. Ficar longe dele durante aquela semana havia sido uma tortura. E eu
ainda estava assustada. O medo não havia ido embora só porque Jake disse
que me protegeria, porque eu sabia que nada era assim tão simples. Talvez
ele não conseguisse proteger a mim e ao Max, mas eu poderia me virar
sozinha, caso fosse preciso. Era com o Max que eu estava preocupada.
Jamais conseguiria viver comigo mesma se soubesse que fui responsável por
mais uma coisa ruim na vida daquela criança.
Os lábios de Jake deixaram os meus e mergulharam no meu
pescoço, lambendo e chupando a minha pele, me fazendo gemer
desesperadamente. Meu corpo começou a se mover antes que eu pudesse
enviar o comando para o meu cérebro. Foi uma resposta instintiva. Meu
quadril realizava movimentos de vai e vem, lentos e provocativos, porque eu
queria que ele se sentisse fora do eixo da mesma forma como eu me sentia
quando estava com ele. Jake segurou a minha bunda com força, me puxando
rapidamente para mais perto. Meus seios ficaram espremidos no peito dele
enquanto eu sentia a sua ereção crescer e crescer, cutucando o meio das
minhas pernas, me deixando muito consciente da sua presença.
Apoiei minhas mãos nos ombros de Jake e peguei impulso para me
levantar do seu colo. Ele me olhou confuso, sem entender por que eu tinha
interrompido o momento de maneira tão brusca. Eu tinha a intenção de tirar
a minha própria roupa para ele, deixar que ele assistisse enquanto eu fazia
aquilo, mas, por um instante, me perdi no quanto ele estava bonito naquele
momento. Jake era lindo sempre, mas naquele instante, com os fios do
cabelo fora do lugar e os lábios inchados pelos beijos que trocávamos...
Deus, ele estava maravilhoso.
Antes que Jake tivesse a chance de perguntar o que estava errado,
eu segurei o cós do meu short e deslizei o tecido lentamente pelas minhas
pernas, deixando-o largado no chão da sala. Jake abriu um leve sorriso,
finalmente entendendo o que eu estava fazendo. Ele umedeceu os lábios
quando puxei minha blusa para cima, me livrando dela também. Eu estava
sem sutiã, então somente a calcinha branca ornamentava o meu corpo
praticamente nu. Os olhos de Jake me percorreram dos pés à cabeça,
famintos. Eu entrava em combustão quando tinha o seu olhar sobre mim
com aquela intensidade, com aquela sede de desejo.
Devagar, Jake estendeu o braço para frente, tentando me alcançar.
Dei alguns passos para ficar no seu alcance, sentindo meu corpo estremecer
quando suas mãos calejadas encostaram na minha pele nua. Jake se sentou
na beirada do sofá e me deixou de pé no meio das suas pernas. Ele ainda
estava completamente vestido, e eu queria mudar isso o mais rápido
possível. No entanto, meu cérebro parou de raciocinar quando Jake beijou a
minha barriga, um pouco acima do tecido da calcinha. Suas mãos foram
parar na parte de trás das minhas coxas, mas rapidamente encontraram o
caminho até a minha bunda. Um gemido escapou de mim quando Jake
apertou a carne com força, quase me deixando na ponta dos pés.
— Você é cheirosa pra cacete, sabia disso, baby? — Jake
murmurou contra a minha pele, arrastando os dentes pela minha barriga.
Eu arfei, incapaz de falar. As sensações que ele me proporcionava
me faziam sair de órbita.
Quando transamos a primeira vez, eu não tive a oportunidade de
provar Jake como ele havia me provado. Então, com uma ousadia que eu
nem sabia que tinha, eu me ajoelhei na frente de Jake e empurrei o seu
tronco para trás, de forma que suas costas estivessem encostadas no sofá.
Então, desabotoei a sua calça e abri o zíper. Jake ergueu o quadril para que
eu conseguisse passar a peça de roupa pela sua bunda, e eu arrastei a calça,
já trazendo a cueca junto, ansiosa para me livrar das duas camadas de roupa
que atrapalhavam os meus planos. O pau de Jake saltou para fora da cueca
no instante em que a peça o libertou. Não pensei em como os olhos dele
nunca me abandonavam, acompanhando cada movimento meu de forma
predatória, quando segurei o seu pau pela base e aproximei a minha boca.
Jake rapidamente se moveu para tirar a camiseta. A Dog Tag era a única
coisa que ele ainda usava, o que só me fez achá-lo ainda mais gostoso com
aquela corrente no pescoço.
Lentamente, mantendo meus olhos nos dele, eu arrastei a minha
língua pela cabeça do seu pau, lambendo o pré-gozo que brilhava bem na
pontinha. Jake gemeu e sua mão imediatamente encontrou a parte de trás da
minha cabeça, se misturando com os fios do meu cabelo. Ele não assumiu o
controle, no entanto. Jake deixou que eu aproveitasse a sensação de chupá-lo
e ouvi-lo gemer. Eu estava fazendo aquilo com ele, criando aquele desejo
que beirava o irrefreável, pela forma como ele olhava para mim. Aquilo me
fez sentir poderosa; no controle. Descobri que gostava de me sentir assim.
Quando eu o tomei na minha boca, Jake segurou meus cabelos
com força e me ajudou a adquirir um ritmo. Ele era grande — não imenso,
mas grande — e eu não conseguia colocá-lo inteiro na boca, mas era
delicioso tentar. Eu o chupei e lambi, descobrindo que eu gostava daquilo,
embora tenha acreditado o contrário minha vida inteira. Tudo com Jake era
diferente; era melhor.
— Vem aqui, baby — Jake pediu com a voz carregada de tesão. —
Não quero gozar na sua boca. Quero fazer isso na sua boceta.
Senti minhas bochechas ficarem quentes com a forma explícita
com a qual ele falava, mas descobri que gostava daquilo também. Gostava
da brutalidade que Jake emanava quando estávamos daquela forma. Logo eu.
Mesmo com vinte e seis anos, percebi que ainda havia muito sobre mim
mesma que eu não conhecia.
Jake me deitou no sofá e se apressou para arrancar a calcinha que
permanecia no meu corpo. Ele manteve os olhos nos meus quando abaixou a
cabeça até o meio das minhas pernas e continuou sustentando o meu contato
visual quando sua língua deslizou por mim, capturando cada gota do prazer
absurdo que eu sentia por ele. Jake dedicou um tempo para me fazer delirar
com o que a sua língua fazia.
— Jake — gemi. — Eu quero sentir outra parte de você.
Ele depositou um beijo suave bem ali e ergueu a cabeça. Seus
lábios estavam úmidos com a minha excitação. Eu achei que ele não
conseguiria ficar ainda mais sexy, mas então ele passou a língua sobre os
lábios, recuperando as gotas que haviam lhe escapado antes; aproveitando o
meu sabor no seu máximo.
Jake ajoelhou no sofá, ficando entre as minhas pernas, e segurou o
pau pela base, se masturbando devagar na minha frente. Minha boca ficou
seca e o meio das minhas pernas latejou de antecipação. Eu estava ansiando
pelo momento em que o sentiria dentro de mim de novo.
— É essa parte de mim que você quer sentir, baby? — perguntou,
rouco. Jake roçou o pau na minha entrada, de leve, provocativo.
— Sim, sim.
Ele sorriu com tanta malícia que eu não contive o gemido.
Senti quando Jake se posicionou e o seu pau começou a entrar em
mim lentamente. O seu corpo logo estava deitado sob o meu e nós nos
tocávamos em praticamente todos os pontos. Jake segurou o peso do próprio
corpo nos cotovelos que estavam apoiados no sofá, de forma que eu não
recebesse todo o seu peso. Então ele tomou meus lábios nos seus à medida
que os movimentos de vai e vem começaram. Sua língua invadiu a minha
boca, e eu pude sentir o meu gosto presente ali, o que tornou tudo ainda mais
quente. Jake transou comigo devagar, como quem apreciava cada centímetro
de mim ao entrar e ao sair, fazendo com que meu coração batesse acelerado
dentro do meu peito. Nós éramos um do outro. Não só naquele momento
especificamente, mas para a vida. Eu sentia isso com muita certeza no meu
coração.
Jake começou a se mover mais depressa no exato momento em
que abri a boca para pedir que ele fizesse justamente isso. Sua boca ainda
devorava a minha sem misericórdia; chupando minha língua, mordendo meu
lábio e reivindicando tudo o que eu queria dar a ele. Jake pegava tudo.
— Você é tão gostosa, baby — ele sussurrou nos meus lábios. —
Tão gostosa.
Gemi.
Aproveitei que minha boca estava livre e avancei na direção do
seu pescoço, chupando a região e beijando logo em seguida. Jake me fodeu
ainda mais depressa e comecei a sentir os indícios de um orgasmo se
formando no meu âmago. Abracei o quadril de Jake com as pernas para que
ele tivesse um ângulo favorável para conseguir ir ainda mais fundo. E sem
que eu precisasse falar, ele entendeu o recado, se enterrando inteiro dentro
de mim, o que rendeu um gemido prolongado vindo de mim.
— Isso — gemi. — Faz de novo.
— Assim, amor? — Jake sussurrou no meu ouvido, mordendo o
lóbulo da minha orelha. — Você quer que eu te foda assim?
Ele repetiu o movimento várias vezes, indo o mais fundo que era
possível e fazendo eu me contorcer de prazer.
— Isso, isso!
— Sua bocetinha é tão gulosa — ele gemeu no meu ouvido,
fazendo o meu corpo inteiro ficar arrepiado.
Completamente sem controle do meu próprio corpo, eu gozei.
Tremi incontrolavelmente enquanto o orgasmo explodia dentro de mim
como fogos de artifício. Em movimentos firmes, Jake entrou e saiu de mim
mais três vezes antes de gozar também, gemendo no meu ouvido, me
causando novos motivos para estremecer de prazer, pois sua voz rouca de
tesão no pé do meu ouvido era o paraíso na Terra.
Jake saiu de mim em um movimento deliciosamente lento. Eu abri
espaço no sofá para que ele se deitasse ao meu lado e nós nos aconchegamos
nos braços um do outro. Ele deu um beijo na minha têmpora enquanto ainda
tentava normalizar os batimentos cardíacos e a respiração. Eu retribuí o
beijo, colando meus lábios no pescoço de Jake. Ele tinha um gosto um pouco
salgado agora, por conta do suor provindo do esforço, mas não me importei.
Eu estava feliz naquele momento de uma maneira que não havia conseguido
me sentir na última semana. E mesmo que aquela história com Jimmy
estivesse longe de ter um fim, eu não deixaria que ele continuasse
controlando a minha vida. Jake manteria o Max seguro, eu sabia, e aquilo era
o mais importante de tudo. O resto... bom, só vivendo iríamos descobrir, mas
eu estava feliz mesmo estando com medo.
Capítulo 27

Muito a contragosto, deixei Elena para poder voltar para casa e liberar
Taylor da função de babá. No entanto, eu precisava fazer uma coisinha antes.
Era quinta-feira à noite, o que significava que os bares de Bayshore já
começavam a ficar cheios, como um aquecimento para o final de semana.
Era triste pensar assim, mas, como um alcoólatra, Jimmy provavelmente
estaria em um daqueles bares. Eu prometi à Elena que não iria machucá-lo,
mas não falei nada sobre ter uma conversinha. Eu poderia deixar pra lá?
Poderia. Mas Jimmy ultrapassou um limite quando envolveu Max.
Adentrei o Bayshore Rock Bar, popularmente conhecido como
BRB, decidindo que começaria a minha busca por ali, porque havia grandes
chances de eu não precisar procurar em outro lugar. O BRB era o bar mais
conhecido da cidade, considerado o melhor, e seus clientes eram fiéis. E meu
raciocínio se provou verdadeiro quando vi Jimmy nos fundos do
estabelecimento, perto da mesa de bilhar. Reconheci o amigo dele, que
também estava na festa da praia, mas não me lembro o nome do cara. Os
dois estavam rodeados de outros três caras. Se eu fosse até lá naquele
momento, daria confusão. Portanto, esperei. Esperei até que Jimmy olhasse
para a direção onde eu estava sentado no balcão e me visse. Eu conheci
muitos homens como ele no decorrer da vida, o que me dizia que o seu
orgulho ferido não o faria olhar para mim e deixar quieto. Ele mesmo viria
falar comigo.
Pedi uma cerveja no bar e a bebi com calma. Eu estava
acostumado a ficar muito tempo esperando antes de agir. Fazia parte do que
vivenciei na guerra. Muitas vezes, tínhamos longos períodos de tédio e
ocasionais momentos de puro pavor. Esperar não era um problema para
mim.
Quando notei uma movimentação pela minha visão periférica, eu
sabia que havia chegado a hora. Nem precisei olhar para o lado para
confirmar que era Jimmy quando ouvi:
— O que porra você está fazendo no meu bar?
Devagar, apoiei a garrafa de cerveja em cima do balcão e virei a
cabeça na direção dele. Também não precisei me esforçar para que a minha
fisionomia fosse séria e mortal, eu já tinha a cara fechada naturalmente.
— Você é o dono? — perguntei, audacioso. Eu sabia que aquele
bar não era dele.
— Dê o fora, porra!
O amigo de Jimmy, o mesmo da festa, tentou segurá-lo pelo braço
para contê-lo, mas estava na cara que o ex-marido de Elena não queria ser
contido.
— Eu vou sair, não se preocupe. — Eu me levantei e fiquei parado
cara a cara com Jimmy. Eu era mais alto e inquestionavelmente mais forte,
mas Jimmy estava determinado a me enfrentar. — Mas se ameaçar o meu
sobrinho de novo, se ousar sequer chegar perto dele ou de Elena, eu vou
quebrar todos os ossos do seu corpo até eles virarem pó. Fui claro?
O rosto de Jimmy foi ficando mais vermelho a cada palavra que
saia da minha boca. Quando terminei de falar, ele tentou me dar um soco na
cara, mas eu segurei o seu punho fechado sem qualquer dificuldade e torci o
seu braço para baixo, colocando muito mais força do que seria necessário.
— Me solta, seu filho da puta! — Jimmy vociferou.
— Ei, cara, calma aí — o amigo dele pediu, assustado.
Olhei rapidamente para ele, deixando claro no meu olhar que era
melhor que ele não se metesse. O amigo de Jimmy deu um passo para trás.
— Eu não ouvi a sua resposta. Eu fui claro?
— Vá se foder!
Eu torci seu braço mais um pouquinho.
— Sabe, se eu forçar o seu braço só mais um pouco, eu vou
quebrá-lo usando uma única mão — analisei, friamente. — Imagina só o que
eu posso fazer com você usando as duas, caso eu não consiga a resposta que
eu quero. Só vou perguntar mais uma vez, Jimmy. Eu fui claro?
— Foi! — ele gritou para mim. O rosto vermelho e os olhos
consumidos pelas lágrimas por conta da dor que, àquela altura, já devia estar
irradiando pelo seu corpo.
— Bom. — Eu soltei o braço dele ao mesmo tempo em que o
empurrava para trás, afastando-o de mim. — Espero que você seja
inteligente e fique longe. Minha próxima abordagem pode ser a última. —
Fingi um sorriso. — Tenham uma boa noite, pessoal.
Não me preocupei em terminar a cerveja que estava bebendo,
apenas virei as costas para Jimmy e seu amigo e saí do bar, porque se eu
continuasse lá... minha paciência só iria até certo ponto, e eu havia
prometido à Elena que não machucaria o seu ex-marido. Eu pretendia
cumprir essa promessa, até porque eu não era esse tipo de assassino.
Entrei no meu carro e voltei para casa me sentindo um pouco mais
calmo. Eu não sabia se Jimmy acataria a minha ameaça e se manteria na sua
— eu tinha a impressão de que não, porque caras como ele dificilmente
recuavam —, mas eu esperava que aquele amigo dele conseguisse enfiar um
pouco de bom senso na cabeça de Jimmy. Caso contrário, eu sabia que
aquilo não acabaria bem.
Capítulo 28

— Vamos fazer um balde enorme de pipoca! — Max exclamou,


animado. — O maior balde de pipoca que o mundo já viu!
— E quem vai comer toda essa pipoca? — questionei enquanto
colocava o milho na pipoqueira que eu nem sabia que tínhamos.
— Eu, oras — Max respondeu como se fosse óbvio. — Mas posso
dar um pouquinho para você e para a senhorita Blake.
Elena arqueou uma sobrancelha.
— Um pouquinho? Você vai nos dar só um pouquinho do maior
balde de pipoca que o mundo já viu? — brincou, fingindo indignação.
Max estava há dias me pedindo para fazermos uma sessão cinema
com Elena, já que ele havia descoberto que ela também gostava do desenho
do Coragem. À princípio, a ideia era fazer maratona do desenho do cão
covarde, mas eu consegui convencer o meu sobrinho de que seria legal se
assistíssemos algo inusitado, que nenhum de nós três havia assistido. Ele
acatou a ideia, para o meu alívio. Nada contra o Coragem, mas fazer uma
maratona do desenho em uma sexta-feira à noite não era bem a minha ideia
de diversão. O filme “Carros” havia acabado de ser lançado e acho que foi
isso o que convenceu Max de abrir mão do Coragem. Ele estava realmente
empolgado com o novo lançamento.
— Se o filme for legal, eu posso dar mais que um pouquinho. Mas
se o filme for chato, a culpa vai ser do tio Jake que não quis assistir
Coragem, aí eu só vou dar um pouquinho — argumentou Max.
— Parece justo — comentei.
Elena deu risada.
Eu havia passado na locadora mais cedo para alugar o filme dos
Carros e tive sorte porque era o último DVD disponível. O dono do
estabelecimento disse que as crianças estavam alucinadas por esse filme e os
DVDs mal ficavam disponíveis na locadora e já eram alugados novamente.
Dei sorte.
Quando terminei de fazer a pipoca e a coloquei em um balde, Max
olhou para o recipiente e depois olhou para minha cara, com certeza
constatando que aquele não era o maior balde de pipoca que o mundo já viu.
— Eu posso fazer mais depois — disse antes que ele reclamasse.
Meu sobrinho semicerrou os olhos na minha direção, desconfiado,
mas por fim concordou com a cabeça e correu para o sofá, se acomodando
na ponta do lado esquerdo. Elena pegou o copo com o refrigerante para o
Max; e eu peguei duas cervejas para nós dois. Eu me sentei no meio do sofá
e passei o braço ao redor de Elena quando ela se sentou ao meu lado, na
ponta direita do móvel.
— Pode dar play, tio Jake. Eu estou pronto — avisou Max,
empolgado, com o balde de pipoca no colo e comendo sem tirar os olhos da
tela.
Elena soltou uma risadinha, e eu dei play no desenho.
Max ficou tão concentrado no que estava acontecendo no filme
que com certeza não se deu conta da tempestade que se formava do lado de
fora da nossa casa. Elena, por outro lado, estava muito consciente dos
trovões que ecoavam por Bayshore. Lembrei que ela havia me dito que tinha
medo de raios e trovões, então me certifiquei de que seu corpo estava
próximo ao meu. Eu não sabia se aquilo a faria se sentir mais segura, mas
era o que eu podia fazer por ela no momento. E Elena virou o rosto para
mim e sorriu quando eu a puxei para perto. Havia um agradecimento
brilhando nos seus olhos.
Quando faltava exatamente vinte minutos para o filme terminar, a
televisão apagou junto com as luzes, nos deixando mergulhados no escuro e
no silêncio, o que tornou o barulho da tempestade do lado de fora ainda mais
evidente e assustador. O mundo parecia estar desabando. Será que os
noticiários haviam emitido um alerta de tornado e eu não estava sabendo?
— Ah, não — Max lamentou. — Estava quase no final.
Elena soltou um gritinho em seguida, agarrando-se ainda mais a
mim quando um trovão soou tão alto que parecia ter feito a casa toda tremer.
Até mesmo o Max e eu nos assustamos. Eu tentei não deixar transparecer a
minha inquietação, já que aquele som ensurdecedor se assemelhava bastante
com o de uma bomba explodindo.
— Você tem velas aqui? — perguntou Elena.
— Tenho.
Me levantei do sofá e fui caçar as velas na cozinha. Estava
impossível enxergar qualquer coisa naquele breu. A casa só era iluminada
quando um relâmpago cortava o céu e a sua luminosidade adentrava a casa.
Outro trovão explodiu e meu corpo inteiro estremeceu, me fazendo segurar a
beirada da pia da cozinha com força.
Não, não, não.
Eu não podia perder o controle naquele momento. Não com Elena
e Max ali.
Alcancei a pia e joguei um pouco de água fria no rosto enquanto
tentava respirar e me manter na realidade. Se eu fosse transportado para
qualquer lembrança de guerra, eu sabia que surtaria.
— Segura a onda, Jake, qual é — falei comigo mesmo em um
sussurro.
Respirei fundo mais algumas vezes e quando meu corpo parou de
tremer, eu retomei o trabalho de buscar as velas. As encontrei nos fundos de
um dos armários. Acendi uma e a deixei para iluminar a cozinha. Depois,
acendi mais duas e levei para a sala, colocando-as na mesa de centro.
— Não sei como vou conseguir chegar em casa com essa
tempestade — comentou Elena.
— Você está doida se acha que vou deixar você sair no meio de
um temporal. Você vai ficar aqui — falei, resoluto.
— É, senhorita Blake. Você vai ficar aqui — Max repetiu, cheio de
autoridade ao cruzar os braços pequenos e olhar sério para a sua professora.
Elena riu.
— Está bem, está bem. Eu vou ficar. Como vocês dois são
mandões!
Max deu uma risadinha.
— Festa do pijama! — ele gritou, erguendo os braços. — Vai ser
super divertido! Podemos assistir mais filmes.
— Não temos energia, Max — lembrei a ele.
— Ah. Então podemos jogar videogame.
— Sem energia.
— Ouvir música? — ele tentou de novo.
Elena riu mais uma vez.
— Para fazer qualquer uma dessas coisas nós precisamos de
energia elétrica, querido.
Max suspirou, entristecido.
— Que chato. Então o que vamos fazer para passar o tempo?
Elena pensou por um instante.
— Podemos jogar um jogo de tabuleiro — sugeriu. — Você tem
algum, Max?
Meu sobrinho negou com a cabeça ao mesmo tempo que em
deixava escapar um bocejo.
— Ou nós podemos ir dormir — sugeri.
— Eu não quero dormir. Não estou cansado — Max protestou,
mas outro bocejo acabou escapando da sua boca antes que ele pudesse
conter.
— Estou vendo — ironizei.
Apesar dos protestos, eu acendi mais uma vela e levei para o andar
de cima, segurando a mão de Max para evitar que ele caísse na escada e o
trazendo comigo. Disse para Elena que ela poderia ficar no meu quarto
enquanto eu ficaria segurando a vela no banheiro para que o Max pudesse
escovar os dentes. Quando ele terminou, eu o guiei até o seu quarto e o
coloquei na cama, puxando o cobertor sobre o seu corpo pequeno.
— Essa noite não tem abajur de estrelas. Você acha que consegue
dormir totalmente no escuro?
— Eu não tenho mais medo do escuro, tio Jake — Max disse,
hesitante. — Você acha que consegue dormir no escuro?
Engoli em seco.
Eu não tinha medo do escuro, embora tenha feito Max acreditar
que esse era o motivo pelo qual eu surtava durante à noite. Era mais fácil que
ele pensasse que eu sentia medo do escuro do que precisar explicar para ele
exatamente o motivo de preferir não fechar os olhos.
— Eu vou ficar bem, Max.
Meu sobrinho assentiu, mas dava para ver que estava preocupado
comigo.
— Durma bem. Boa noite.
— Boa noite, tio Jake.
Pensei em deixar uma vela acesa no quarto do Max, mas como ele
parecia não ter problema em ficar completamente no escuro, saí do seu
quarto levando a vela comigo. Não me agradava muito a ideia de ter velas
acesas pela casa se não houvesse ninguém acordado para vigiá-las. E mesmo
que eu não tivesse nenhuma intenção de dormir naquela noite, eu preferiria
ficar no escuro do que ter velas acesas ao meu alcance.
Elena estava sentada na beirada da minha cama quando entrei no
quarto segurando a mesma vela — logo eu ficaria sem ter onde segurá-la e
precisaria buscar uma nova. Dava para notar, mesmo com a pouca
iluminação, que o corpo de Elena estava tenso, em resultado dos trovões
violentos que castigavam Bayshore. Quando os meteorologistas falaram que
uma tempestade estava prevista, eles só esqueceram de avisar que
provavelmente seria o fim dos tempos.
— Você está bem? — perguntei.
Outro trovão soou, fazendo Elena rapidamente se encolher quase
como um tatu-bola. Eu também segurei a vela com mais força, ancorando o
meu próprio pânico. Seria uma noite muito longa.
— Estou. Argh... eu detesto isso!
Soprei a vela, apagando-a e deixando-a em cima da pia do
banheiro, e depois me aproximei de Elena. Me deitei na cama, trazendo o
corpo dela junto. Ficamos emaranhados um no outro; a perna dela no meio
das minhas e meus braços ao redor dela, apertando-a contra a lateral do meu
corpo.
— Alguma razão específica para você ter medo de tempestades?
— Acho que não. Eu acho que sempre tive, na verdade, mas não
me lembro de algo específico acontecendo e o medo surgir a partir daí.
Outro trovão nos fez pular de susto.
— Porra — praguejei.
Apertei as mãos em punhos.
— Jake, você está tremendo — observou Elena, preocupada. —
Você tem medo de tempestades também?
— Não, não é a tempestade. São os trovões. O barulho é bem
parecido com o de... bombas explodindo.
Eu não conseguia ver a fisionomia de Elena por conta do breu que
nos abraçava, mas eu tinha certeza de que ela estava me olhando com
aqueles olhos solícitos e cheios de preocupação.
— Ah, Jake — ela lamentou, me abraçando mais apertado. —
Sinto muito.
— Eu estou bem.
— Lembra que eu pedi que você não me dissesse que está bem se
não fosse verdade?
Eu me lembrava.
Suspirei.
— Eu vou ficar bem — reformulei, e dei um beijo na testa de
Elena. — Não se preocupe comigo.
— Não consigo evitar. É normal que as pessoas se preocupem com
aquelas que são importantes para elas, sabe?
Parte da sensação ruim que espreitava sob a minha pele,
desapareceu. Eu nunca quis tanto ser capaz de olhar para uma pessoa como
eu queria olhar para ela naquele momento. Tudo bem que aquilo não era
uma declaração de amor, mas era uma forma de declaração do quanto ela
gostava de mim; do quanto se importava. Era estranho pensar que ao mesmo
tempo que eu gostava de sentir aquilo direcionado a mim, o sentimento
também parecia inadequado. Eu não conseguia aceitar por completo
qualquer forma de felicidade.
Mesmo assim, sorri ao escutar aquela frase sair da boca de Elena.
— Você é importante para mim também, baby, e é por isso que vou
dormir no sofá essa noite. Você fica com a cama.
— O quê? — ela exclamou. — O que isso tem a ver com qualquer
coisa?
— Muitos gatilhos, Elena. Não vou arriscar.
Quando a réplica não veio imediatamente, eu soube que ela não
discutiria porque sabia que era melhor para todos nós se eu não estivesse por
perto naquela noite.
— Fique só até que eu pegue no sono, por favor — ela pediu
baixinho. — Sei que vai ser ridículo o que eu vou dizer, considerando que
sou uma mulher adulta, mas não quero ficar aqui sozinha e com medo.
Soltei uma risadinha.
— Tá bom, eu fico até você dormir, medrosa — brinquei.
Tive a impressão de que Elena estava mostrando a língua para
mim.
Fiquei fazendo carinho na pele exposta do braço de Elena, indo de
cima para baixo sem parar, sentindo-a estremecer quando um trovão soava.
Mas a tempestade parecia estar perdendo um pouco da força, embora
parecesse longe de acabar de fato.
Fechei os olhos por um instante porque os sentia queimando um
pouco. Eu estava exausto, mas aquilo não era nenhuma novidade para mim.
Eu não me lembrava da última vez que havia dormido mais do que um breve
cochilo de duas horas.
Fique acordado, Jake.
A respiração de Elena estava começando a ficar mais tranquila e
ritmada, o que me dizia que ela estava perto de pegar no sono. Eu logo me
levantaria dali e iria para a sala, onde Elena e Max estariam seguros de mim
em noites como aquela.
Eu só precisava fechar os olhos por um segundo.
 

O silêncio era ainda mais perturbador que as bombas explodindo


e os tiros sendo disparados, porque, no silêncio, a expectativa pelo
desconhecido atingia níveis desesperadores. Era como se você conseguisse
sentir a ameaça pinicando a sua pele, mas não conseguisse realmente vê-la
ou ouvi-la, mas ela estava lá. Sempre estava. A grande pergunta era:
quando ela se mostraria?
Apertei a minha arma com mais força, mantendo meu olho sempre
perto da mira, caso eu fosse pego de surpresa e precisasse atirar
rapidamente. Devin estava do meu lado, andando cautelosamente e com o
olho também próximo à mira. Nós dois sempre éramos designados para as
mesmas missões e, naquela noite, Thomas Miller e Ronald Hill estavam
conosco. Ao todo, nós compúnhamos um esquadrão para aquela missão —
éramos em três equipes de ataque, comandadas por um Sargento. Devin, no
caso. Cada equipe de ataque era composta por quatro fuzileiros. Nosso
Tenente-Coronel havia nos enviado ali para uma missão de reconhecimento,
já que os inimigos poderiam considerar aquele lugar para montar uma base
de resistência, o que seria péssimo para nós, já que o nosso acampamento
ficava muito perto daquela cidade de escombros. Os moradores já haviam
sido evacuados durante o primeiro bombardeio. Muitos não sobreviveram e
mesmo que os corpos não estivessem mais ali, parecia que eu ainda
conseguia vê-los espalhados pelo chão.
Missões de reconhecimento quase sempre eram feitas ao anoitecer,
para que pudéssemos usar a escuridão a nosso favor. O único problema é
que, da mesma forma que dificultava que os inimigos nos vissem, nós
também tínhamos problemas em vê-los. Era uma maldita faca de dois
gumes.
— Fiquem de olhos abertos — ordenou Devin. — Isso aqui está
muito quieto.
Acenei com a cabeça, ficando perto do meu irmão.
Por ser Sargento, Devin é quem comandava as missões, o que
também significava que ele andava um pouco na frente, nos guiando e
reconhecendo o espaço e as movimentações para decidir o que era melhor
fazer: avançar, recuar ou esperar.
O silêncio era ensurdecedor e apavorante. Nós evitávamos falar
até entre nós, para não correr o risco de chamarmos atenção indesejada.
Mas cada mínimo ruído era significativo o suficiente para ficarmos em
alerta, portanto, quando alguns ruídos soaram à minha esquerda, meu
corpo rapidamente se virou na direção. A princípio não enxerguei nada, o
que não queria dizer muita coisa, considerando que era difícil enxergar. Dei
alguns passos para frente, seguindo na direção dos ruídos. Me certifiquei de
que meu dedo estivesse pousado sobre o gatilho.
— Jake, o que foi? — Devin perguntou, se aproximando.
— Eu não sei. Pensei ter ouvido alguma coisa.
Miller e Hill se aproximaram também e nós quatro ficamos em
silêncio por alguns instantes, tentando ouvir os arredores.
— Deveríamos checar? — perguntou Miller.
Quando parávamos daquela forma, no meio de uma missão, e
tínhamos a chance de olhar uns para os outros, era possível ver o medo
dominando os olhos e o corpo tremer de leve, consumido pela adrenalina e
pelo pavor de pensar que o próximo segundo podia ser o seu último; que
uma bala podia te acertar na cabeça e você morrer antes mesmo que se
desse conta disso.
— Nós dois vamos — Devin decidiu, falando com Miller. — Jake e
Ronald cobrem a retaguarda. Vamos avançar devagar. Não sabemos o que
esperar.
Dei um curto aceno de cabeça.
Hill e eu começamos a avançar, andando de costas, mantendo a
retaguarda protegida enquanto Devin e Miller seguiam. Eu conseguia sentir
o suor escorrer pelas laterais do meu rosto. Mesmo durante à noite, o calor
era quase insuportável.
— Tem alguma coisa ali — anunciou Miller, erguendo a arma e
apontando para os andares de cima de um prédio em escombros.
Rapidamente, tiros começaram a soar, cortando o silêncio da
noite. Miller e Devin começaram a atirar sem parar enquanto recuavam
alguns passos para trás, tentando sair da linha de tiro dos nossos inimigos e
buscar abrigo entre os destroços. Miller estava retornando mais rápido que
Devin, então eu avancei rapidamente para dar cobertura ao meu irmão.
— Recuar! — Devin ordenou em um grito, ainda atirando.
— Devin, sai daí! — eu gritei por cima do som dos tiros que eu
mesmo disparava.
Uma bomba explodiu e o chão estremeceu. Pedaços de concreto
foram liberados no ar e a poeira caiu sobre os nossos olhos, nos deixando
momentaneamente cegos. Gritos de guerra foram ouvidos quando os
inimigos surgiram à nossa volta.
Tossi, tentando limpar minhas vias respiratórias. Era muita
poeira.
— Devin! — gritei, tentando identificar onde meu irmão estava. —
Atenção, todas as equipes! Aqui é o Cabo Jake Hyder. Fomos emboscados
no lado oeste da cidade. Solicito reforços imediatamente! — eu falei no
rádio.
— Jake, recuar! Agora! — A voz de Devin soou em algum lugar
perto de mim, mas eu não conseguia vê-lo em meio ao caos.
Outra bomba explodiu.
Eu fui lançado no ar até meu corpo atingir o chão novamente em
um baque violento.
Meus ouvidos zuniam.
Fechei os olhos quando outra bomba explodiu.
 

Abri os olhos quando outro trovão explodiu.


— Jake?
Bombas explodindo.
BUM!
BUM!
O corpo de Devin contra o meu.
Um corpo quente colado no meu.
— Jake.
Um toque no meu rosto.
Um inimigo.
Uma ameaça.
Meu corpo reagiu.
Minha visão embaçou.
BUM!
BUM!
BUM!
Tudo estava explodindo.
Explodindo.
Explodindo...
— Jake, acorde!
Um choro.
Uma súplica.
Devin morto.
Havia poeira.
Alguém estava tossindo.
Perdendo o ar, na verdade.
— JAKE!
Algo me acertou na cabeça logo em seguida.
E então... nada.
Capítulo 29

Um trovão explodiu, me fazendo acordar em um pulo. Meu coração


começou a bater tão depressa que pensei que estivesse prestes a sair pela
minha boca. Olhei para o lado e vi que Jake estava de olhos abertos,
encarando o teto como se o segredo da paz mundial estivesse escondido ali.
Seu corpo estava tenso, imóvel como uma pedra. Ele estava respirando?
— Jake? — chamei, falando baixinho.
Ele continuou parado. Seus olhos não encontraram os meus, mas
seu braço continuava firme em volta de mim, me prendendo a ele.
— Jake.
Toquei o seu rosto com cuidado, tentando fazê-lo olhar para mim.
Percebi que ele não estava lá quando notei o vazio dos seus olhos, como se
Jake estivesse enxergando algo que não estava realmente ali; algo que só ele
conseguia ver.
Merda.
Tentei me afastar devagar para me levantar da cama e abrir
distância entre nós dois, porque eu sabia o que estava acontecendo. Ele
estava revivendo uma memória de guerra. Eu precisava ficar longe dele
naquele momento, mas Jake me segurava com força, não me deixando fugir.
Seu corpo estava duro contra o meu. Outro trovão bombardeou o céu e o
corpo de Jake rapidamente reagiu ao som. Ele girou nossos corpos na cama,
me deixando por baixo e ficando por cima de mim.
— Jake, acorde!
Suas mãos rapidamente encontraram o meu pescoço e ele apertou.
Eu comecei a chorar enquanto me debatia embaixo dele, tentando tirá-lo de
cima de mim, mas Jake era como uma força da natureza. Eu não conseguia
movê-lo. E enquanto me sufocava, ele olhava para mim sem me enxergar.
Estava completamente no automático, agindo por instinto, com sua mente
projetando imagens irreais, transportando-o de volta para uma guerra da qual
ele não fazia mais parte.
Ele não estava me enxergando. Ele não sabia quem eu era.
Comecei a tossir em busca do ar que já não estava mais entrando
nos meus pulmões.
— JAKE! — consegui gritar, reunindo todo o oxigênio que ainda
me restava.
Minha visão começou a ficar turva. Eu estava perdendo os
sentidos. Tentei bater nele, tentei arranhá-lo, tentei com todas as forças tirá-
lo daquele estupor e trazê-lo de volta à realidade. Se eu apagasse naquele
momento, Jake iria me matar sem nem se dar conta, acreditando que eu era
um inimigo. As lágrimas escorriam pelo meu rosto aos montes enquanto o
rosto de Jake ficava mais e mais desfocado.
De repente, o barulho de algo batendo contra alguma coisa soou e
o corpo de Jake caiu em cima do meu, suas mãos se afrouxaram ao redor do
meu pescoço. Por instinto, eu rapidamente o empurrei para o lado, tirando-o
de cima de mim enquanto tossia desesperadamente em busca de ar. Eu
estava zonza, sem conseguir enxergar direito e sentia que ia desmaiar.
— Senhorita Blake! Você está bem? — A voz infantil e
preocupada de Max atingiu os meus ouvidos. Max. Ele viu o que havia
acabado de acontecer? — Eu vou procurar ajuda!
Eu o vi sair correndo do quarto com um abajur na mão. Ele havia
batido no tio com o abajur? Não sei. Minha cabeça rodava.
Tudo rodava.
Então, tudo parou.
Tudo apagou.
Eu apaguei.
 

Senti uma dor forte no pescoço e na garganta antes mesmo de abrir


os olhos. E quando o fiz, a primeira coisa que vi foi quem estava parada
diante de mim. Conforme minha visão foi ganhando nitidez e colaborando
comigo, vi Taylor ao lado de onde eu parecia estar deitada, com os olhos e o
nariz vermelhos, indicando um choro recente. A próxima coisa que me dei
conta foi o barulho do BIP que soava nos meus ouvidos. Demorei alguns
segundos para me dar conta de que eu estava em um quarto de hospital.
— Tay... — tentei chamar por ela, mas a minha voz não queria sair
direito.
— Shhh, não diga nada, amiga, por favor. Suas cordas vocais estão
um pouco inflamadas — Taylor se apressou em dizer, a voz soando
embargada por conta do choro que ela tentava conter. — Ah, meu Deus! Eu
pensei que...
Minha amiga começou a chorar.
As lembranças foram voltando aos poucos. Uma tempestade caía
irrefreável; Jake e eu estávamos deitados na sua cama; ele teve um episódio
de TEPT, provavelmente por conta dos trovões — ele havia me dito que
estava nervoso quanto a isso. E então ele me atacou e me sufocou. Eu
lembrava de ouvir a voz de Max logo depois disso, mas podia ter delirado
aquela parte. Eu apaguei logo depois. Se eu havia terminado em um
hospital... Tudo tinha dado muito errado.
— M-max — tentei falar.
— Ele está bem — Taylor respondeu, fungando. — Está seguro.
Ele estava até agora esperando que você acordasse, mas um senhor chamado
Harry o levou embora. Agora, J...
Ela se interrompeu como se não suportasse dizer o nome de Jake
naquele momento. Eu também não precisava que ela me dissesse que estava
puta da vida, que provavelmente estava se segurando para não arrancar a
cabeça de Jake desde o segundo que o viu. Eu não a culpava por isso.
— Eu vou chamar um médico para dar uma olhada em você, ok?
Fiz que sim com a cabeça e Taylor saiu do quarto, me deixando
sozinha com os meus pensamentos.
Minha cabeça doía, mas nada comparado com o quanto o meu
coração doía. Jake quase me matou. E mesmo que essa conclusão fosse
difícil de aceitar, eu sabia que não podia culpá-lo inteiramente por aquilo. Eu
havia escolhido ficar com ele sabendo que aquilo poderia acontecer. Eu pedi
que ele ficasse na cama comigo, quando, no fundo, sabia que era melhor que
ele tivesse ido para o sofá, como sugeriu. Não estou eximindo-o da culpa, de
forma alguma, estou apenas dizendo que também tenho a minha parcela de
irresponsabilidade nisso. Eu sabia que ele tinha um problema, mas insisti em
ficar com ele na esperança que pudesse salvá-lo. Eu já deveria ter aprendido,
no entanto, que ninguém é capaz de salvar outra pessoa. Isso não existe.
Você pode auxiliar no processo de cura, sim, mas ninguém salva ninguém de
nada.
Respirei fundo e soltei o ar devagar, sentindo dor.
Minha cabeça estava uma bagunça. Ao mesmo tempo que eu
queria ver o Jake e o Max e saber como eles estavam, estaria mentindo se
dissesse que alguma coisa não havia mudado entre nós naqueles instantes.
Uma parte de mim não o culpava, porque eu sabia que ele tinha um
problema; sabia que Jake nunca me machucaria em sã consciência. No
entanto, uma outra parte estava com medo dele, do futuro que eu queria ter
com ele e, de novo, eu estaria mentindo se dissesse que não o culpava.
Eu estava tão confusa. Tão cansada.
Taylor voltou alguns minutos depois com uma médica, dona de um
sorriso amplo e olhos gentis. Minha amiga rapidamente se colocou ao meu
lado e segurou a minha mão, me mostrando apoio.
— Olá, Elena. Eu sou a doutora Courtney Bass. Como você está se
sentindo? Consegue falar?
Balancei a mão em um gesto que dizia “mais ou menos”.
— Tudo bem. É normal que, após uma lesão como a sua, fique
desconfortável falar, mas isso vai melhorar com o passar das horas e dos dias
— ela explicou. — Não se preocupe.
Assenti com a cabeça.
— Eu sei que esse é um momento delicado, mas eu preciso
perguntar. Você vai querer dar queixa na polícia? — a médica me perguntou.
Imediatamente fiz que não com a cabeça. Era claro que Jake e eu
precisaríamos conversar e tomar algumas decisões baseadas no que
aconteceu, mas eu não queria denunciá-lo. Eu não faria aquilo.
— Ellie... — Taylor interveio.
— Não — consegui dizer com firmeza, embora minha voz soasse
esquisita.
— Tudo bem, sem problemas. Sua amiga me explicou a situação
do seu namorado, então... eu entendo. Mas aconselho fortemente que ele
busque o tratamento que precisa.
Balancei a cabeça mais uma vez.
— Eu quero... c-conversar... com e-ele.
Eu não precisava olhar para Taylor para saber que ela não
aprovava a minha decisão, mas até ela, mesmo a contragosto, sabia que Jake
e eu precisaríamos conversar sobre o que aconteceu mais cedo ou mais tarde.
— Eu vou avisar a ele que você está acordada e que gostaria de
conversa com ele, está bem?
— Obrigada.
— Eu já volto — disse Taylor, no instante em que a médica saiu
do meu quarto. Eu tentei segurar a sua mão e impedir que ela saísse, mas não
consegui. Gritar por Taylor também não era uma opção, então apenas deixei
que ela fosse. E eu sabia que ela iria soltar os cachorros em cima de Jake
antes que ele tivesse a chance de falar comigo.
Mas, de novo, eu não podia culpá-la.
Capítulo 30

A culpa e o remorso estavam me engolindo, me comendo vivo. Eu havia


atacado Elena. Eu... Deus, eu quase a havia matado. Eu a machuquei. Eu...
Minhas mãos tremiam tanto que eu não conseguia fazê-las parar.
Meu corpo estremecia sempre que os flashes do que aconteceu me atingiam.
Eu não conseguia me lembrar direito. Eu me lembrava do sonho com Devin,
me lembrava das explosões e... o barulho era tão real. Mas estava chovendo
naquela noite; trovejando como se fosse o fim dos tempos. Minha cabeça
perdeu a noção de tempo e espaço. De repente, tudo virou uma coisa só.
Uma confusão nebulosa de acontecimentos que eu não conseguia separar o
real do imaginário. Então eu a ataquei porque achei que Elena era o inimigo,
porque meu corpo sentia que ainda estava lá. A adrenalina me possuiu.
Eu fiz uma merda descomunal.
Era imperdoável.
Imperdoável.
Max, entre todas as pessoas, foi quem me impediu. Max. Meu
sobrinho de apenas cinco anos de idade. Ele me acertou na cabeça com um
abajur. Não sei como fez aquilo, mas sei que ele estava desesperado e
assustado quando me viu em cima de Elena... sufocando-a. Meu Deus! Max
pediu ajuda para Harry, nosso vizinho, que no meio da noite veio prestar os
primeiros socorros e chamar uma ambulância. Ele entendia melhor do que
qualquer um o que havia acontecido e tentou, inutilmente, me acalmar
depois que acordei no hospital com uma dor de cabeça horrível. Harry falou,
falou e falou, mas eu não conseguia ouvir, eu não conseguia assimilar nada.
Elena estava internada e havia um hematoma no seu pescoço, onde
apertei.
Max não estava falando comigo. Ele nem olhava para mim. Se
manteve distante desde que acordei. E eu sabia que não podia culpá-lo. Ele
estava morrendo de medo de mim. Quem não estaria?
— Sr. Hyder — uma médica apareceu na sala de espera, chamando
por mim. Eu rapidamente me levantei. — A paciente...
— Doutora, sem querer ofender, mas eu assumo daqui — disse
Taylor, aparecendo ao lado da médica e me encarando como se fosse capaz
de me fazer virar pó com a determinação do seu olhar.
A médica olhou para ela e depois olhou para mim.
— Tudo bem, mas preciso dizer que Elena acordou e quer falar
com o senhor — informou a mulher.
Balancei a cabeça.
— Obrigado, doutora.
Quando a médica se foi, Taylor parou bem na minha frente. O
olhar assassino e colérico era incontestável e embora só fizesse eu me sentir
pior, eu não podia dizer que era sem motivo.
— Taylor...
— Eu avisei você sobre isso — ela me acusou. — E eu disse que
se você a machucasse, eu viveria todos os dias da minha vida para garantir
que você nunca mais chegaria perto dela de novo.
— Eu sei, e acredite, eu me sinto o pior de todos os homens.
— Eu não me importo! — ela gritou, furiosa. — Eu não me
importo com o que você sente, Jake. Você quase a matou! O seu sobrinho de
cinco anos foi quem precisou te impedir! Eu sei que você tem um problema,
que o seu comportamento agressivo não é gratuito, que existe uma
justificativa, mas se você não vai atrás de um tratamento para melhorar,
então a culpa é sua! Independentemente se foi ou não sem querer, Jake, se
você sabe que tem um problema que pode machucar outras pessoas e você
não trata isso, então você é responsável! Você é culpado!
Deixei que as palavras de Taylor me atingissem e se enraizassem
em mim, porque ela estava certa. Eu jamais poderia discordar. Mal sabia ela
que eu já tinha um plano em andamento para finalmente dar um jeito em
tudo, mas eu lamentava profundamente que algo como aquilo teve de
acontecer para fazer eu me mexer. Eu não queria aquilo. Eu nunca quis
machucar Elena. E eu sabia que jamais me perdoaria pelo que fiz com ela.
— Eu sei, e eu sinto muito, Taylor. Eu... eu sei que não muda o
que aconteceu. Deus, eu sei disso, mas eu queria que você soubesse que eu
sinto muitíssimo mesmo — falei, angustiado, desesperado.
A amiga de Elena balançou a cabeça em uma negativa e depois
respirou fundo, passando as mãos pelos curtos cabelos ruivos. Seus olhos
estavam represando lágrimas e notei que não eram só pela raiva que sentia
de mim. Ela também estava triste.
— Se você a ama, então deixe-a. Você não é o melhor para ela
nesse momento. Elena não merece um segundo Jimmy. Ela já passou pelo
suficiente.
Concordei com a cabeça.
Taylor respirou fundo de novo.
— Diga o que precisa dizer a ela e vá embora, Jake.
E eu pretendia fazer exatamente disso. Eu diria a ela o quanto eu
sentia muito, o quanto desejava poder voltar no tempo e fazer diferente, o
quanto eu a amava. Eu diria a ela, mas depois sairia da sua vida porque era o
certo a fazer. Mas quando cheguei ao quarto de Elena e olhei para ela, olhei
para o hematoma proeminente no seu pescoço... Tudo o que eu consegui
fazer foi chorar. Eu não havia chorado quando havia recebido a confirmação
da morte de Devin, então as lágrimas estavam presas desde aquele momento.
Olhar Elena machucada foi o estopim.
— Ele está morto por minha causa — eu divaguei entre as
lágrimas.
Elena olhou para mim com o cenho franzido.
— Devin — esclareci, chorando. — Nós estávamos em uma
missão de reconhecimento em uma cidade abandonada no Iraque. Nosso
Tenente-Coronel achou que os inimigos poderiam instalar uma base de
resistência ali. Nós deveríamos checar e eliminar as ameaças, depois tomar o
controle da cidade, para evitar que eles ficassem perto demais do nosso
acampamento. Eu... Eu pensei ter escutado um barulho, então eu o segui.
Meu irmão e os outros dois caras da nossa equipe de ataque vieram atrás de
mim. Devin e outro cara foram na frente, enquanto eu e mais um cobríamos
a retaguarda. Era uma emboscada. Eles nos arrastaram para um campo
minado. Bombas explodiram por toda a parte. E Devin não estava recuando
rápido o suficiente, então eu fui atrás dele para tirá-lo de lá e... — Tentei
respirar, mas não conseguia. As palavras saiam sem que eu conseguisse
controlá-las. — Tinha poeira para todo o lado. Eu não conseguia enxergar
onde os caras estavam. Eu não sabia onde Devin estava. Então eu o ouvi
gritar, pedindo que eu recuasse, mas uma bomba explodiu em seguida. Eu
apaguei logo depois. Não sei como saí de lá, mas quando acordei em um
hospital na Alemanha, me contaram que Devin estava morto. Ele havia
conseguido sair, mas eu tinha ficado para trás. Ele voltou para me buscar,
porque esse era o tipo de homem que ele era, mas... — O choro veio tão
intenso naquele momento que eu já não enxergava Elena com clareza e as
lágrimas caiam aos montes. — Ele... ele pisou em uma bomba. Ele
literalmente explodiu ao tentar me salvar.
Puxei o ar com força para os pulmões, mas não conseguia respirar.
Não conseguia.
— Eu o odiei tanto por isso, porque ele tinha o Max. Ele deveria
ter pensado no próprio filho naquele momento. Se eu morresse, ninguém
além de Devin sentiria a minha falta. Ninguém precisava de mim. Mas ele
tinha o Max. Ele havia prometido ao Max que voltaria, mas não pensou duas
vezes antes de tentar me salvar. E... quando eu cheguei aqui e olhei para o
meu sobrinho, eu só... eu não suportava a culpa de saber que aquele
garotinho nunca mais veria o pai por minha causa. Eu sou o responsável. Eu
sou o culpado pela morte de Devin. Fui eu que o matei. Eu o matei, Elena.
Eu matei o meu irmão.
Sequei os olhos e fechei as mãos em punhos, tentando recuperar o
controle do meu próprio corpo e das minhas emoções, mas não conseguia.
— Era com isso que eu estava sonhando naquela noite. Eu nunca
deveria ter ficado na cama com você. Eu nunca deveria ter me permitido
dormir ao seu lado. Também sou responsável por isso. Sou culpado por isso.
— Jake... — ela tentou falar, mas sua voz soou tão quebrada que
só serviu de combustível para o meu desespero. Seus lindos olhos castanhos
estavam tomados pelas lágrimas, após me ouvir contar sobre Devin, e eu
sabia que ela iria querer me consolar, mas eu não merecia. Eu não a merecia
de qualquer forma.
— Não, não diga nada, por favor — implorei. — Eu só preciso que
você me escute, ok? Pode fazer isso?
Elena fez que sim com a cabeça.
— Eu não quis buscar tratamento antes porque não queria encarar
a realidade de que o Devin está morto por minha causa. Eu sabia que teria
que falar sobre isso, reviver aquele momento, para então poder superá-lo,
mas eu não estava pronto. Eu ainda não estou pronto. Devin era a pessoa
mais importante do mundo para mim e carregar a culpa pela morte dele me
assombra dia e noite. Eu não queria admitir em voz alta para ninguém,
porque se fizesse isso, se encarasse essa verdade... eu não podia. Não podia
fazer isso e olhar para o Max ao mesmo tempo. Não podia admitir, porque
eu sei que Max nunca vai me perdoar por ter sido a razão pela qual o seu pai
não voltou para casa. E eu precisava cuidar dele, Elena. Eu... Eu tinha que
ser capaz de fazer isso e não conseguiria... eu não poderia... eu...
Tive que parar de falar, porque eu estava perdendo o controle do
meu raciocínio conforme o desespero me engolia como um tsunami engole
uma cidade inteira.
Respirei fundo, várias vezes, então continuei:
— Mas não posso continuar colocando você e o Max em perigo
por conta da minha covardia. Então... eu já assinei os papéis e vou me
internar em uma clínica em Nashville. Eu também falei com um advogado
sobre o Max, e eu sei que o que eu vou pedir é um absurdo e você não me
deve nada, mas... você poderia ficar com o Max para mim? Teríamos que
assinar um pedido de guarda provisória e teremos que comparecer em uma
audiência para explicar a situação, mas é possível.
— Quanto... tempo? — ela quis saber.
— Um ano. Talvez dois.
Elena fechou os olhos por um instante e lágrimas rolaram pelas
suas bochechas macias. Eu quis secar cada uma delas, mas não me
aproximei. Eu não tocaria nela de novo.
— Você... me assustou.
O que faltava para o meu coração partir — se é que faltava alguma
parte —, se partiu naquele instante.
— Eu sei, e eu sinto muito. Me perdoe, Elena. Eu nunca, nunca,
nunca quis machucar você.
Ela balançou a cabeça.
— Eu sei, mas... você machucou. — Ela engoliu em seco. — Mas
eu também sei que... não é inteiramente culpa sua. Eu não deveria ter pedido
que você ficasse.
— Não. A culpa foi minha, Elena. Minha apenas. Você deveria ser
capaz de ser consolada durante uma tempestade, sem medo de que o seu
namorado vá surtar e tentar matar você. — Abaixei a cabeça, incapaz de
conseguir encará-la naquele momento. A vergonha, a culpa e o remorso
eram demais.
Elena ficou um momento em silêncio. Quando voltei a olhar para
ela, não consegui decifrar o que estava pensando. Eu sabia que ela estava
magoada e assustada, mas não conseguia adivinhar o que mais se passava na
sua cabeça.
— Eu sei que você não é uma pessoa ruim, Jake — ela disse
lentamente. — Eu sei que você não é violento e que aquilo só aconteceu
porque você não era você ali, você tem um problema, mas... esse problema
pode ser resolvido ou... ou amenizado, pelo menos. Então, eu quero que você
vá e faça o tratamento. Quero que melhore, que encontre paz dentro da sua
própria cabeça. E então, quando você estiver bem, eu quero que volte. — Ela
respirou fundo. — Volte para casa.
Fiquei estagnado, confuso e perplexo. Como ela ainda poderia
querer qualquer coisa que fosse comigo?
— Como você ainda pode querer isso, Elena? Eu sou um monstro.
Não sou o cara certo para você. Depois de tudo o que você passou com o
Jimmy, não é justo. Não é certo.
— Você não é o Jimmy.
— Eu te coloco em perigo da mesma forma que ele colocava,
Elena. Jimmy também tem um problema. Ele é alcoólatra e perde o controle,
assim como eu. Eu o julguei, mas no final das contas não somos tão
diferentes assim.
Ela balançou a cabeça, discordando de mim.
— Eu te conheço, Jake, e conheço o Jimmy muito bem. Então
acredite em mim quando eu digo que você não é como ele — Elena garantiu,
ofegante. Acho que falar estava sendo um desafio para ela, mas eu não
pretendia levar aquela conversa muito mais longe. — Eu entendo que beber
é um vício, mas também é uma escolha. No seu caso, você realmente não
controla o seu problema. Ele controla você. A escolha que você pode fazer é
buscar tratamento e você está fazendo isso agora.
— Depois de quase ter matado você — falei com amargura. —
Não posso fazer isso, Elena. Não posso ser responsável pela morte de outra
pessoa importante para mim.
— Escuta — ela disse, mas fez uma pausa para buscar fôlego. —
Vá para Nashville, faça o que você precisa fazer e fique melhor. Quando
você voltar, nós conversaremos, ok?
Concordei com a cabeça apenas para não estender a conversa. Ela
precisava descansar, e eu precisava ir embora.
— Você cuida do Max para mim? — perguntei.
Elena assentiu.
— É claro.
— Obrigado.
Comecei a dar alguns passos para trás, pronto para sair do quarto,
mas quando dei as costas para Elena, ela me chamou.
— Jake.
Eu parei no lugar e olhei por cima do meu ombro.
— A morte do Devin não foi culpa sua. Eu espero que você
consiga perceber isso.
Engoli em seco e mantive meus olhos nos seus quando disse:
— Adeus, Elena.
E saí do quarto logo em seguida, com o choro dela me
acompanhando.
 

Para não ter que ver Elena de novo, contei para a Taylor que estava
partindo e que sua amiga havia concordado em cuidar do Max enquanto eu
estivesse fora. Taylor e eu concordamos que era mais fácil que Elena se
mudasse para a minha casa, para que o meu sobrinho que não precisasse
sofrer com mais uma mudança de ambiente.
Quase três dias haviam se passado desde o incidente e Max ainda
não estava falando comigo.
Como Bayshore era uma cidade pequena e com baixa
criminalidade, não demorou para que uma audiência fosse marcada para que
pudéssemos oficializar o pedido de Elena pela guarda provisória de Max.
Isso aconteceria na manhã do dia seguinte, então eu iria para Nashville
iniciar o tratamento do qual tanto tinha medo. Enfrentar seus próprios
demônios era uma das coisas mais difíceis de se fazer. E mesmo que eu não
me sentisse pronto, eu sabia que não poderia mais adiar aquilo. Não depois
daquela noite.
Na manhã do dia da audiência, eu bati na porta do quarto de Max
e, quando a abri, encontrei meu sobrinho sentado em sua cama com o porta-
retratos com a fotografia de Devin e Julia nas mãos.
— Max, podemos conversar?
Meu sobrinho deu de ombros, sem se dar ao trabalho de olhar para
mim. Eu adentrei o seu quarto devagar e me sentei na sua cama.
— Eu sinto muito por tudo o que aconteceu.
Esperei que ele dissesse alguma coisa, mas Max continuou em
silêncio, encarando a fotografia como se eu nem estivesse lá, sentado na
frente dele.
— Max, lembra daquela noite, logo que você veio morar comigo,
que você disse que eu estava gritando enquanto dormia? — perguntei
retoricamente. Max não esboçou nenhuma reação, mas eu sabia que estava
me ouvindo, então continuei: — Você me perguntou se eu tinha medo do
escuro, e eu respondi “Mais ou menos”, lembra? — Suspirei quando o meu
sobrinho continuou sem me olhar. — Não é do escuro que eu tenho medo,
são dos pesadelos que eu tenho quando eu durmo. Você sabe o que significa
uma guerra?
Esperei que ele me desse uma resposta, qualquer coisa, mas Max
continuou apenas olhando para a fotografia dos pais.
— Uma guerra é uma batalha com armas onde você tem que matar
os inimigos para sobreviver e vencer. Eu fiquei muito tempo na guerra, Max,
e isso mexeu com a minha cabeça. Na maioria das vezes, quando eu durmo,
eu sinto como se estivesse lá de novo. A sensação é tão real que eu
praticamente consigo sentir o cheiro, consigo sentir o pânico que eu sentia
quando estava lá. É como ser teletransportado para vários momentos de
combate de novo e de novo e de novo — eu expliquei, tentando ser o mais
delicado possível. — O que eu fiz com a Elena naquela noite... Max, eu não
queria machucá-la. Eu nunca a machucaria, mas eu não era eu mesmo
naquele momento. Eu pensei que Elena fosse um inimigo, porque eu senti
que estava lá de novo, que eu tinha que me proteger, tinha que ficar vivo. Eu
não sabia que era ela quem estava ali comigo. Eu não sabia, Max, e eu sinto
muito se você ficou assustado e com medo de mim. É por isso que eu te
disse, na primeira noite sua aqui, que você jamais deveria se aproximar de
mim se eu estivesse dormindo. Por isso eu não deixei que você dormisse
comigo, naquela noite em que teve pesadelos. Eu não controlo nada disso,
Max, mas está na hora de eu procurar ajuda para poder melhorar, para nunca
mais machucar alguém que eu amo de novo. — Respirei fundo. — Eu sei
que é muita coisa acontecendo ao mesmo tempo, mas tudo vai ficar bem,
ok? Você vai ficar com a senhorita Blake e...
— Você vai embora, assim como todo mundo — ele me cortou,
magoado.
— Max, eu preciso ir. Eu estava com medo de encarar as coisas
que eu fiz na guerra, as coisas pelas quais sou culpado. Eu estou apavorado,
mas não posso continuar colocando você e a Elena em perigo por conta da
minha covardia. Eu tenho que ir, mas eu vou voltar.
— A mamãe foi para o hospital e disse que voltaria. O papai disse
que voltaria — ele chorou. — Eles mentiram! Você está mentindo também!
— Max, me escuta.
— Não! Eu não quero mais conversar com você — ele
choramingou.
Por que eu sempre acabava magoando-o? Não importava o quanto
eu tentasse fazer as coisas direito com o Max, eu sempre acabava magoando
o meu sobrinho.
— Max, olhe para mim — pedi com firmeza. E minha voz
provavelmente o assustou, porque ele olhou para mim com medo. — Eu vou
voltar. Eu juro pela minha vida que eu vou voltar por você.
Max chorou mais ainda.
— Eu não quero que você vá embora.
— Eu preciso ir — falei de novo, com suavidade. — Eu não estou
bem, Max. Muita coisa está errada comigo. Talvez eu te conte tudo um dia,
quando você for mais velho. Mas agora, eu preciso que você seja forte, ok?
Eu sei que todo mundo pede isso para você e sei que você deve estar
cansado de ser forte o tempo todo, mas aguente só mais um pouquinho, meu
pequeno. Eu vou voltar por você e então nós não vamos nos separar nunca
mais. Eu prometo. Eu prometo, Max. Vem aqui.
Eu puxei meu sobrinho para o meu colo e o embalei como um
bebê enquanto ele chorava agarrado ao meu pescoço.
— Eu não quero ficar sozinho de novo — ele balbuciou com o
rosto enterrado na curva do meu pescoço.
— E você não vai. Nunca mais. — Eu o apertei mais contra mim.
— Somos eu e você contra o mundo, lembra?
Ele assentiu.
— Esse é o meu garoto. — Sorri, mesmo que ele não pudesse ver.
— Eu te amo, Max, sempre e para sempre. Você é minha criança. Minha
melhor escolha. Você salvou a minha vida, sabia disso?
Meu sobrinho se afastou apenas o suficiente para olhar para mim.
Seus olhinhos castanhos estavam repletos de lágrimas e seus lábios tremiam
de leve enquanto ele chorava.
— Eu salvei?
— Salvou, sim.
Ele franziu o cenho e secou os olhinhos com as mãos pequenas.
— Como?
— Simplesmente por existir, mas também por ser uma razão para
que eu continuasse existindo, uma razão para que eu quisesse viver.
Obrigado por não desistir de mim, Max.
Ele fungou.
— Eu também te amo, tio Jake.
Eu sorri.
Dei um beijo na testa do meu sobrinho e o abracei mais uma vez.
— A senhorita Blake vai ficar bem? Ela sabe que não foi de
propósito e que você não quis machucar ela? — ele perguntou entre soluços.
— Ela vai ficar bem, sim. E ela sabe, mas Elena e eu não vamos
mais ser um casal, Max — falei com suavidade. — Você entende isso? Não
posso ficar com ela enquanto ainda sou capaz de machucá-la, de machucar
você. Por isso preciso ir embora por um tempo.
— Quanto tempo?
— Eu ainda não sei direito, mas eu vou ligar e mandar cartas para
você. Não vou desaparecer.
Ele assentiu.
— Você não gosta mais da senhorita Blake?
— Eu gosto, sim. Gosto muito dela e é por gostar tanto que preciso
ficar longe. — Suspirei. — Às vezes, a melhor forma de você demonstrar
que ama uma pessoa, é ficando longe dela.
Max olhou para mim e franziu o cenho, confuso.
— Por quê?
— Porque você sabe que não é o melhor para ela e quando você
ama alguém, você quer que essa pessoa esteja feliz, que esteja segura, que
esteja bem. E quando você não consegue dar isso, mas continua desejando
que a pessoa tenha tudo isso, então você se afasta para que ela possa ser
feliz, estar segura e estar bem.
Max ficou um momento em silêncio, pensativo.
— Eu fiquei com medo, tio Jake.
Fiz carinho nos seus cabelos castanhos.
— Eu sei. Me desculpa por tudo, Max. Eu fiz o melhor que eu
pude, mas ainda não foi bom o suficiente. Você merece mais. E eu vou ser
melhor quando eu voltar, porque eu vou estar melhor comigo mesmo. — Eu
abracei o meu sobrinho de novo. — Tudo vai ficar bem, Max. Eu vou voltar
antes que você perceba e então enfrentaremos o mundo juntos.
— Nós contra o mundo — ele balbuciou. — Né?
— Isso. Nós contra o mundo.
Capítulo 31

UM MÊS DE TRATAMENTO

Querido Jake,

Hoje faz um mês que você foi embora. Para ser sincera, está sendo
um pouco mais difícil do que eu achei que seria. Max sente a sua falta. Acho
que o dia mais difícil até o momento foi o dia do aniversário dele, na
semana passada. Ele queria que você estivesse aqui. Taylor e eu fizemos um
bolo para ele e Edwin cedeu a sua casa com piscina para que Max e Shawn
pudessem brincar. Ron também foi convidado. Lembra dele? O amigo que
Max fez na escola durante as últimas semanas de aula do semestre passado.
Max se divertiu.
Nós estamos aproveitando o restante das férias, indo à praia
sempre que podemos. Ele passa bastante tempo com Shawn e Ron. Isso tem
ajudado o Max a se distrair e não pensar tanto na sua ausência.
Eu sinto a sua falta também, sabe.
Depois de tudo o que aconteceu, confesso que uma parte de mim
sentiu raiva. Não só de você, mas de mim também, por me arriscar quando
eu sabia que você tinha um problema. Acho que subestimei um pouco o seu
trauma. Achei que só a minha presença ou o sentimento que estávamos
desenvolvendo um pelo outro seriam o bastante para fazer você melhorar.
Fui ingênua, eu sei. Mas depois que a raiva passou, veio a mágoa. E quando
a mágoa passou, veio a saudade. Estou nessa fase agora.
Talvez você fique feliz em saber que consegui uma medida
protetiva contra o Jimmy. Ele não pode chegar a menos de 30 metros de
mim ou do Max. Não sei se vai ser o suficiente para mantê-lo distante para
sempre, mas por enquanto tem funcionado.
Tirando a saudade que sentimos de você, Max e eu estamos bem.
Eu espero que você também esteja. Espero que o tratamento esteja te
ajudando e que você possa voltar para nós melhor do que antes. Não sei se
um dia você vai ser curado por completo, não sei se isso realmente existe
para o tipo de trauma que você sofreu, mas eu espero que sim.
Volte logo para casa.

Com amor,
Elena
Capítulo 32

TRÊS MESES DE TRATAMENTO

Querido Jake,

As aulas começaram e, infelizmente, eu não sou mais a professora


do Max, mas não se preocupe, ele está em boas mãos. Amanda James é a
nova professora dele. Eu a conheço. Ela é muito boa no que faz e muito
amorosa com os alunos também. O Max gosta dela e acho que isso é o que
importa.
Hoje faz três meses que você foi embora. Liguei para a clínica
para ter notícias suas, mas eles me disseram que você estava no período em
que não podia ter contato com o mundo externo, por isso não estava nos
enviando cartas ou ligando. Nem sei se você recebeu a última carta que
escrevi ou se receberá a que estou escrevendo agora. Suponho que, quando
esse período de exclusão acabar, eles entreguem as cartas para você. Espero
que sim.
Max e eu pensamos em você e falamos sobre você todos os dias.
Às vezes ele fica um pouco confuso sobre o motivo de você ter ido embora
ou o porquê de não telefonar. Eu tento explicar para ele que você está
buscando melhorar para que possa voltar e não precisar ir embora nunca
mais. Por sorte, Max é um garotinho muito inteligente e compreensivo.
Ele fez novos amigos na escola também. Eu sempre o vejo na hora
do intervalo junto com Ron e mais dois novos amigos. Isso sempre me faz
sorrir. Eu aposto que você também iria sorrir ao ver o quanto ele está se
adaptando bem.
Bom, espero que você esteja bem e que possa voltar para casa
logo. Quem sabe na época do Natal? Seria ótimo se estivesse aqui, mas
vamos entender se você precisar de mais tempo. Foque em ficar bem, ok?
Sentimos a sua falta.

Com amor,
Elena
Capítulo 33

QUATRO MESES DE TRATAMENTO

Querida Elena,

O tempo de exclusão acabou na semana passada e os enfermeiros


me entregaram as duas cartas que você escreveu para mim. Fico feliz que
você e o Max estejam bem e que você tenha conseguido uma medida
protetiva contra o Jimmy. Espero que isso seja o suficiente para mantê-lo
longe. Também fico feliz em saber que o Max fez novos amigos na escola e
que ele gosta da nova professora. Se você está dizendo que ela é boa com
ele, eu acredito em você. Confio no seu julgamento.
Preciso dizer que talvez eu não ligue ou escreva com a frequência
que você gostaria. Acho que me manter distante do mundo talvez seja
melhor; mais eficaz para o meu tratamento. Mas já que estou escrevendo
essa carta, posso dizer que tem sido difícil. Brutal até. Precisar encarar as
coisas que eu vivi na guerra, as coisas que eu fiz, as pessoas que matei, a
morte de Devin... Tem dias que acho que vou enlouquecer. Em outros dias,
eu penso que deveria simplesmente desistir, mas, nesses dias, você e Max
sempre me vem à cabeça. Eu prometi ao meu sobrinho que voltaria e não
posso deixar de cumprir essa promessa, então me mantenho forte, mesmo
quando me sinto fraco.
Penso em vocês todos os dias e sinto a falta de vocês mais do que
consigo aguentar.
Diga ao Max que estou melhorando, que sinto falta dele e que
voltarei em breve. Diga a ele que talvez eu não dê notícias com frequência,
mas que pensarei nele todos os dias e que, antes que ele perceba, eu estarei
de volta.
Obrigado por tudo o que você tem feito por nós dois. Eu nunca
vou me esquecer, Elena.

Com amor,
Jake
Capítulo 34

SETE MESES DE TRATAMENTO

Querido Jake,

Depois da sua última carta, percebi que talvez eu também não


devesse te escrever com tanta frequência, para que você pudesse se
concentrar no seu tratamento e não ficar preocupado ou ansioso para
receber uma carta minha. Por isso que estou te escrevendo depois de quase
quatro meses desde a minha última carta.
Já estamos em 2007 agora, então feliz ano novo atrasado. Eu
espero que você tenha conseguido comemorar o Natal e a virada do ano de
alguma forma.
Max recebeu o presente e a cartinha que você mandou. Ele ficou
radiante. O carrinho de controle remoto que você deu se tornou o brinquedo
favorito dele. Eu também recebi o presente que você mandou para mim. Um
colar com um pingente de sol e estrela unificados. Confesso que sorri igual
uma idiota quando abri a caixinha. É lindo, Jake. Eu amei, obrigada.
Espero que você tenha recebido os presentes que Max e eu enviamos e que
tenha gostado. Nós queríamos que você tivesse um pedacinho de casa com
você em Nashville.
Como você está?
As coisas têm sido mais fáceis por aqui. Max e eu já estamos mais
do que acostumados um com o outro à essa altura e estabelecemos uma
rotina que funciona bem. Taylor também nos ajuda bastante.
Jimmy me procurou na virada do ano, mas não se preocupe, nada
de ruim aconteceu. Ele estava bêbado, como de costume, e disse que se
sentia sozinho. Taylor me ajudou a cuidar dele e mandá-lo de volta para
casa em segurança. Sei que você não vai ficar feliz com isso, mas eu não sei
ser uma pessoa diferente. Não sei ignorar alguém que precisa de ajuda.
Talvez esse seja o meu problema... Ou talvez seja uma qualidade. Não sei ao
certo.
Mande notícias quando puder, ok?

Com saudades,
Elena
Capítulo 35

NOVE MESES DE TRATAMENTO

Querida Elena,

Me desculpa pela demora para responder à sua carta. Dois meses


de silêncio é muito tempo, eu sei. Foi necessário, no entanto. Quanto mais
eu avanço no tratamento, parece que mais difícil fica. No começo, durante
as sessões de terapia, o Dr. Harland e eu tratávamos de questões mais
superficiais. Ele ainda estava me conhecendo e tentando entender o meu
passado para então entender o meu presente. Era mais fácil. Agora, depois
de nove meses que estou aqui, nós finalmente começamos a olhar para as
questões mais difíceis. Tive muitas crises de pânico desde que essa parte do
tratamento começou. Sonho com Devin na maioria das minhas noites e tive
alguns episódios de TEPT também. O Dr. Harland disse que é
absolutamente normal e que eu não deveria me preocupar com isso. Ele
disse que faz parte do progresso.
Fico feliz de saber que vocês gostaram dos presentes que mandei.
Eu também gostei dos meus. Max acertou em cheio com o abajur de estrelas.
Também adorei o desenho que ele fez de nós três. É impressão minha ou
estávamos na frente de uma igreja e você usava um vestido de noiva? Ah, a
fotografia que você me enviou, junto com um novo caderno para que eu
continuasse escrevendo, também foram perfeitos. Obrigado.
Gostaria de poder dizer que vou voltar para casa em breve, mas
não acho que seja esse o caso. Devo ficar mais um bom tempo aqui. Embora
eu esteja bem, estou muito longe de realmente estar bem, sabe? De modo
geral.
Enfim, não se preocupe comigo. Se cuida e cuida do Max. Isso é
tudo o que importa para mim.

Com amor,
Jake
Capítulo 36

UM ANO E CINCO MESES DE TRATAMENTO

Querido Jake,

Faz bastante tempo desde que te escrevi a última carta e peço


desculpas por isso. Sei que você entrou em contato com o Max por telefone
nos últimos tempos, o que sempre o deixa muito feliz, mas não pude deixar
de notar que você nunca pede para falar comigo. Estou sem ouvir a sua voz
há tanto tempo que às vezes não consigo me lembrar exatamente de como
ela soa. Acho que você está me afastando de você e não entendo exatamente
o porquê.
Enfim, Max está bem e está mais inteligente do que nunca.
Fizemos uma festa de aniversário para ele. É claro que o tema da festa foi o
desenho do Coragem, mas o mais surpreendente foi a quantidade de
amiguinhos que apareceram. Você tinha que ver o quanto ele estava feliz,
mas ele mencionou várias vezes o quanto queria que você estivesse lá. Ele
fala de você para todo mundo que conhece. Você é como um herói para ele,
Jake. Espero que saiba disso.
Faz tanto tempo, Jake.
Por favor, fale comigo. Me conte o que está acontecendo.
Sinto falta da sua voz tanto quanto sinto da sua presença.
Queria que estivesse aqui.

Com amor,
Elena
Capítulo 37

UM ANO E DEZ MESES DE TRATAMENTO

Querida Elena,

Finalmente vou receber alta, daqui duas semanas. Estou voltando


para Bayshore.
Sei que tenho muito o que esclarecer. Sei que a minha decisão de
me manter afastado de você de todas as formas talvez a tenha magoado, mas
prometo explicar tudo assim que nos encontrarmos pessoalmente.
Até logo.
Jake
Capítulo 38

Era a segunda vez que eu voltava para Bayshore depois de um tempo


considerável longe daquela cidade. E mesmo que Elena e Max estivessem
ali, eu ainda não conseguia ver aquela cidade como um lar. Talvez nunca
conseguisse. No entanto, surpreendentemente eu não tinha mais tanta raiva.
Depois de quase dois anos de tratamento em Nashville, eu havia aprendido a
controlar bem o meu temperamento e a encarar as situações e a vida de uma
forma diferente. Eu nunca seria tão leve quanto Elena, mas também não me
sentia mais tão carregado quanto antes. Definitivamente não estava mais tão
ranzinza e sério, mas sabia que nunca seria tão sorridente como Elena. Mas
tudo bem, aquilo já era um progresso e tanto para mim.
Mesmo recebendo alta da clínica por não ser mais considerado um
perigo para a sociedade, eu deveria continuar meu tratamento psicológico. O
Dr. Harland foi bem enfático em relação a isso. Eu não precisava mais ficar
afastado de tudo e todos, mas a terapia deveria ser mantida, sem desculpas.
Por mim, tudo bem. Embora eu tenha demorado para conseguir me abrir,
depois que o fiz, me dei conta do quanto aquilo me fazia bem. Se eu
contasse aquilo para o Jake Hyder de dois anos atrás, ele não acreditaria em
mim. Se eu contasse que fiz amigos na clínica, que dei risada, que
compartilhei histórias sobre mim, sobre Devin, Max e Elena com aquelas
pessoas, aquele Jake de antes provavelmente teria dito que enlouqueci. Ele
jamais acreditaria que conseguiria fazer tal coisa.
Me mantive afastado de Elena o máximo que pude durante aqueles
quase dois anos porque, por incrível que possa parecer, ela era a ferida que
eu não conseguia fechar. Não Devin; ela. Eu não conseguia me perdoar pelo
que tinha feito com Elena.
Durante as sessões de terapia com o Dr. Harland, eu entendi que a
morte de Devin não foi realmente minha culpa. Nós estávamos em uma zona
de guerra; um ambiente que é instável o suficiente para que qualquer coisa
acontecesse. Mesmo que uma pequena parte de mim ainda se culpasse pela
morte do meu irmão, aquela questão estava muito mais leve. Eu havia
passado por todas as cinco fases do luto, até chegar na aceitação. Eu havia
feito as pazes com aquela situação, embora soubesse que um dia precisaria
contar ao Max sobre tudo aquilo e esperar que ele também me perdoasse,
assim como eu me esforcei para me perdoar. No entanto, o que aconteceu
com Elena foi culpa minha. Taylor estava certa. Eu sabia que tinha um
problema, sabia que poderia colocá-la em perigo, mas fui covarde demais
para fazer o que precisava ser feito. E por isso, eu assumia a
responsabilidade. Eu a machuquei. Eu quase a matei, pelo amor de Deus. E
eu não conseguia me perdoar por isso.
Quando estacionei o carro alugado na frente de casa e saí do
veículo, a porta foi aberta no mesmo instante, revelando um garotinho que
com certeza não tinha mais cinco anos.
— Tio Jake — Max gritou, descendo as escadas da varanda
correndo e vindo na minha direção. Sua voz já não era tão infantil e, cacete,
ele estava enorme.
Eu o peguei no colo assim que Max chegou perto o bastante. Ele
estava com sete anos e se parecia ainda mais com Devin. O cabelo estava um
pouco maior do que antes e o rosto também havia mudado um pouco. Ele
estava enorme. Eu já falei isso?
— Meu Deus, olhe só para você! — exclamei, olhando para ele,
maravilhado. — Como você cresceu, cara.
— Eu tenho sete anos agora.
— Eu sei. — Dei uma risadinha. — Senti sua falta, Max. Senti
muito a sua falta.
Meu sobrinho me abraçou apertado e não falou nada por alguns
instantes. Só percebi que ele estava chorando quando sua voz soou
embargada ao dizer:
— Você voltou.
Eu o apertei um pouco mais no abraço.
— Claro que voltei. Eu prometi a você que voltaria, não prometi?
Senti quando ele balançou a cabeça em uma afirmação.
— Eu também senti sua falta, tio. Muito, muito mesmo — Max
balbuciou. — Você não vai embora de novo, vai?
— Não. Nunca mais.
Max continuou me abraçando.
— Legal.
Eu ri.
Foi só quando olhei para frente que vi Elena parada junto ao
batente da porta, olhando para mim e para o Max com um sorriso no rosto e
lágrimas nos olhos. Ela se aproximou ao mesmo tempo que coloquei Max no
chão, após ele me soltar do abraço. Eu também dei alguns passos na direção
dela, esquadrinhando-a com os meus olhos. Elena não tinha mudado nada.
Seu cabelo estava um pouco mais comprido do que da última vez que a vi,
mas fora aquilo, ela continuava a mesma. Linda e radiante, exatamente como
eu me lembrava.
— Oi — eu disse, hesitante.
Elena rapidamente me envolveu em um abraço, ficando na ponta
dos pés e fechando os braços ao redor do meu pescoço. Eu rapidamente a
abracei de volta, envolvendo a sua cintura. O cheiro dela também era o
mesmo e me trazia uma sensação de lar que eu só sentia quando estava com
ela.
— Oi — Elena respondeu. — Eu estou tão feliz em te ver.
Eu sorri, mesmo que ela não pudesse ver.
— Também estou feliz em te ver.
— Jakezinho está na área! — A voz de Edwin invadiu os meus
ouvidos, me forçando a soltar Elena, que rapidamente deu um passo para o
lado para abrir espaço para Edwin me abraçar.
— Eu detesto esse apelido — resmunguei, abraçando meu amigo.
— Problema seu — Edwin retrucou, me soltando do abraço e
sorrindo para mim, realmente feliz em me ver. — É bom ter você de volta,
cara.
— Obrigado.
— Bom, vamos entrar — Elena disse, alegre. — Nós preparamos
uma pequena festa de boas-vindas para você.
— É claro que prepararam.
— A ideia foi minha — Edwin anunciou.
— É claro que foi — rebati, revirando os olhos, mas estava rindo.
Meu amigo mostrou a língua para mim, como uma criança de
cinco anos.
Dentro da casa, Harry foi o próximo a me cumprimentar. Eu estava
feliz em vê-lo bem e ainda ativo, apesar da idade. Ele me deu um abraço
rápido e um sorriso cúmplice, de quem entendia exatamente o que eu tinha
enfrentado nos últimos dois anos. Kate, a mulher de Edwin, foi a próxima a
me dar as boas-vindas. Ela abriu um sorriso quando me viu e me deu um
abraço apertado, porém breve, ao qual eu retribuí. Por último, Taylor. Ela
estava séria e seu abraço não foi nem de longe tão caloroso e receptivo, mas
eu entendia. Tudo bem. Taylor provavelmente não fazia ideia, mas eu
gostava dela, mesmo que ela não fosse minha maior fã.
— Tio Jake, olha! — Maxon chamou a minha atenção. — Nós
preparamos um bolo. Eu ajudei a Elena a fazer.
Ele não a chamava mais de senhorita Blake, ao que parecia.
— Ah, é mesmo?
— É, sim. Você precisa experimentar! Eu acho que quero ser
cozinheiro quando eu crescer!
Aquilo me fez rir.
— Tenho certeza de que você seria um excelente cozinheiro, Max.
Meu sobrinho abriu um sorriso tão largo que iluminou o seu rosto
inteiro.
— Vamos jantar primeiro — Elena sugeriu. — Depois podemos
cortar o bolo.
E assim o fizemos. Taylor e Edwin ajudaram Elena com a mesa
enquanto Kate, Harry e eu conversávamos com as crianças. Max não queria
sair de perto de mim e nem eu queria que ele fizesse tal coisa. Eu havia
sentido falta daquele garoto mais do que ele podia imaginar.
Nós jantamos em meio a conversas e risadas agradáveis. Todo
mundo parecia brigar para ter a próxima vez de me contar tudo o que havia
acontecido de interessante nos últimos dois anos. Max era quem mais falava.
Ele me contou sobre a escola, sobre os amigos, sobre as professoras que teve
desde Elena, sobre as idas à praia e os passeios que havia feito com a escola.
Eles foram para o museu e para o aquário municipal. Ele não parava de
sorrir enquanto me atualizava de tudo, e eu prestei atenção em cada detalhe,
aliviado por ele ter sido feliz enquanto eu estava fora. Uma parte de mim se
preocupava que Max voltasse a ficar triste pela minha ausência.
Também fiquei sabendo, por Elena, que Jimmy havia morrido
alguns meses atrás, em um acidente de carro. Ele estava dirigindo bêbado
pela avenida principal de Bayshore. Infelizmente, ele acabou atropelando
uma pessoa, uma mulher que atravessava a rua naquele momento. Parece
que ele tentou desviar, mas não conseguiu, perdeu o controle do carro e
acabou capotando. A mulher também morreu.
Edwin restaurou o clima pesado que aquele assunto trouxe ao
anunciar que Kate estava grávida. Os dois ainda não sabiam o sexo do bebê,
mas dava para ver que estavam radiantes com a novidade. Eu fiquei feliz por
eles.
Depois do jantar, eu ajudei Elena com a louça e o restante dos
convidados ficaram com as crianças no jardim, dando privacidade para que
Elena e eu finalmente pudéssemos conversar a sós. Eu queria falar com ela
desde o momento em que cheguei, mas Max estava me requisitando o tempo
todo e eu precisava dar atenção a ele primeiro. Mas naquele momento,
sozinho com Elena na cozinha... Os assuntos não falados entre nós
ameaçavam cair sobre as nossas cabeças.
— Eu te devo desculpas — comecei a falar, lavando alguns copos
enquanto ela secava o que eu já havia lavado. — Eu deveria ter escrito mais
e ligado mais.
Ela concordou com a cabeça, mas não disse nada. Então continuei:
— Eu demorei para me abrir lá, para conseguir chegar na sessão
de terapia e realmente dizer tudo o que estava na minha cabeça e no meu
coração, mas quando eu finalmente criei coragem para contar, foi quando as
coisas ficaram difíceis. Demorou muito para que eu me sentisse bem de
verdade com tudo aquilo. Demorou muito para que eu conseguisse pensar
em Devin sem querer quebrar tudo que estivesse ao meu redor, mas eu
consegui.
— Então, você está... curado?
— Não. Eu não acho que isso seja o tipo de coisa da qual você se
cura. Eu acho que você só coexiste com isso de uma forma não tão
prejudicial para os outros ou para si mesmo. — Respirei fundo. — Eu nunca
vou ser um cara normal, Elena. Eu nunca vou esquecer o que vi ou fiz ou
senti enquanto estava na guerra, mas eu aprendi a olhar para tudo isso de um
jeito diferente.
— Isso é muito bom, Jake, mas... o que isso significa? Para nós
dois, eu digo.
E ali estava: a parte difícil.
— Não podemos ficar juntos, Elena — falei.
Aquele era o motivo pelo qual eu não escrevi ou liguei para ela
com a frequência que queria. Ouvir a voz dela teria me matado e
provavelmente me feito desistir da decisão que se formava e se concretizava
dia após dia dentro de mim. Eu a amava desesperadamente, mas não me
sentia digno dela. Como eu disse, eu não conseguia me perdoar por tê-la
machucado.
— Não diga isso.
— Me escuta...
— Não — ela me interrompeu. — Depois de todo esse tempo,
você não pode chegar aqui e me dizer isso, Jake. Não é justo. Você não está
me dando escolha nenhuma.
— Eu quase matei você, Elena. Você se lembra disso? Porque eu
nunca esqueci! Durante todo o tempo em que fiquei em tratamento, todos os
assuntos dos quais falei na terapia... tudo parecia caminhar para um
fechamento, menos isso. Menos aquela noite, quando eu... — Me interrompi,
porque não queria me lembrar com detalhes do que tinha acontecido.
— Mas você se tratou, Jake. Você fez o que precisava fazer, foi
atrás de ajuda e recebeu alta, então isso quer dizer que você está melhor, que
pode ter uma vida normal como todo mundo. Quer dizer que podemos tentar
de novo, porque agora você não vai mais me machucar, certo?
— Não.
— Não? — ela balbuciou, e notei que as lágrimas começavam a se
formar nos seus lindos olhos castanhos. — Não o quê?
— Eu acabei de sair, Elena. Eu não faço ideia de como vai ser a
minha vida daqui para frente. Eu não sei se ainda posso sofrer algum gatilho
e surtar de novo. Eu não posso ter você dormindo comigo ou perto o
bastante para que eu seja capaz de te machucar de novo. Não vou correr esse
risco uma segunda vez.
— E o Max? — ela quis saber.
Eu havia conversado com o Dr. Harland sobre isso. Ele sabia que a
guarda do Max estava provisoriamente com Elena, mas que eu recuperaria a
custódia completa do meu sobrinho quando saísse. Ele me explicou, junto
com o advogado da clínica, que aquilo era possível. Eu passaria por uma
nova audiência com um juiz, onde ele escutaria o meu depoimento e os
depoimentos dos meus médicos. Se fosse provado que eu não era mais um
perigo para a sociedade, que estava mentalmente estável e era capaz de
cuidar de uma criança, a guarda seria devolvida para mim.
— Eu vou educá-lo para que ele entenda a minha situação.
— Jake, se a sua justificativa para não ficar comigo é porque
estaria me colocando em perigo, então como você vai manter o Max por
perto? Não faz sentido.
— Talvez não, mas é o que eu sinto que tenho que fazer. Eu não
estou pronto para ter um relacionamento com alguém. Eu nem sou uma
pessoa inteira ainda, Elena. Tem muitas coisas que continuo descobrindo e
entendendo sobre mim. E mesmo depois de quase dois anos, eu ainda não
me perdoei pelo que fiz com você. Talvez você tenha me perdoado e
superado aquilo, mas eu não.
Elena desviou os olhos de mim e encarou os próprios pés. Eu sabia
que ela estava lutando contra o choro e que talvez não concordasse ou não
entendesse o que eu estava fazendo, mas era o melhor para nós dois. Pelo
menos por enquanto. Eu precisava de um tempo de volta no mundo real para
entender quem eu era depois de tudo aquilo, entender o que eu estava pronto
para assumir ou não. Não era falta de amor que me mantinha longe dela, era
justamente o contrário. Eu a amava, mas sabia que não era o certo para ela.
Talvez eu nunca fosse, mas naquele momento eu definitivamente não era o
certo para ela. Ainda não.
Devagar, me aproximei de Elena e toquei o seu queixo,
gentilmente erguendo sua cabeça para que olhasse para mim.
— Se um dia ficarmos juntos, eu quero que seja para sempre, sem
ressalvas. Quero poder dormir e acordar do seu lado sem medo de que posso
te machucar. Quero ter certeza de que boa parte dos meus demônios foram
realmente enterrados. Quero ser digno de você e te fazer a mulher mais feliz
do mundo. Quero merecer você, mas para isso eu preciso aprender a ser feliz
sozinho primeiro.
Ela chorou, mas não debateu. No fundo, por mais difícil que fosse,
Elena sabia que eu estava certo.
— A primeira vez que tive um ataque de pânico após ter assumido
a guarda do Max, ele me emprestou o seu abajur de estrelas e disse que
imaginava que Devin e Julia eram uma daquelas estrelas, que estavam ali
cuidando dele. Não pude deixar de pensar que, quando ele me deu o mesmo
abajur de Natal, no ano passado, você havia se tornado uma estrela naquele
céu fictício. Você, Devin e Max eram as estrelas que eu enxergava durante a
noite, quando ligava o abajur. Minha linda estrela de olhos castanhos —
sussurrei, fazendo carinho no rosto de Elena e aproveitando para secar as
lágrimas que rolavam por suas bochechas. — Me perdoe.
Elena chorou mais ainda, e estava realmente difícil conter as
minhas próprias lágrimas, mas alguém tinha que ser forte naquele momento.
— Eu já perdoei, Jake. Quando você vai se perdoar?
— Eu não sei.
Ela respirou fundo.
— Nós estamos sempre nos perdendo um do outro. Eu acho que...
talvez alguns amores não nasçam para serem vividos.
Segurei a mão dela e coloquei sobre o meu coração.
— Talvez não, mas tudo o que tem aqui, é seu. Está um pouco
quebrado ainda, mas é seu. Sempre vai ser, baby.
Com as lágrimas rolando pelas suas bochechas, Elena ficou na
ponta dos pés e uniu seus lábios nos meus, selando nossa despedida.
Capítulo 39

Uma semana depois do meu retorno à Bayshore, Max e eu estávamos


fazendo as malas para ir embora. Não foi uma decisão fácil, mas eu
precisava de um recomeço em outro lugar. Ficar na mesma cidade que Elena
acabaria me impedindo de ficar longe. Tive uma longa conversa com Max
sobre isso, porque, embora eu sentisse que precisava sair daquela cidade, eu
não queria que ele sofresse com mais uma mudança em sua vida,
principalmente não agora que ele havia feito amigos, mas Max encarou
aquilo como uma aventura. Um lugar novo, uma escola nova, novos amigos.
E quando tive certeza de que ele não estava concordando só para me agradar,
tomei a decisão de realmente ir embora.
Já havíamos passado pela audiência de custódia e, como esperado,
já que eu havia recebido alta do tratamento, fui considerado apto para cuidar
do meu sobrinho, então a guarda foi devolvida para mim. É claro que eu
sabia que não poderia tirar Max da vida de Elena do dia para a noite e vice-
versa, e eu nem queria fazer aquilo, então decidi que iríamos nos mudar para
Silvershore, a cidade vizinha. Era perto o bastante para que visitas fossem
fáceis, mas longe o bastante para que eu não corresse o risco de encontrar
Elena pelas ruas.
Como estávamos muito perto do Natal, concordei em ficar para a
celebração e para a ceia e só me mudar depois disso. No Ano Novo, Max e
eu já estaríamos na nossa nova casa.
Edwin e Kate prepararam a ceia de Natal em sua casa. Eu sabia
que encontraria Elena novamente naquela noite. Passei o dia inteiro tenso
por causa daquilo, pois toda vez que eu olhava para ela, meu coração doía.
Doía por deixá-la; doía pelo que tinha acontecido dois anos atrás; doía
porque eu sabia que ela também estava sofrendo. E mesmo que Elena ainda
estivesse tão perto, a saudade também doía. Tentei ignorar todos aqueles
sentimentos, mas quando ela apareceu na casa de Edwin usando um vestido
vermelho soltinho, saltos da mesma cor e os cachos soltos, caindo sobre os
ombros... Aquilo tornou a minha missão muito mais difícil. Porra, ela estava
maravilhosa. E eu estava morrendo de saudade.
Nós nos cumprimentamos educadamente, mas não ficamos perto
um do outro durante toda a noite. Ficamos distantes inclusive durante a ceia.
Ela em uma ponta da mesa; eu, na outra. Não trocamos mais do que meia
dúzia de palavras enquanto eu constantemente me lembrava de que estava
fazendo a coisa certa, mesmo que doesse.
Logo depois do jantar e da sobremesa, quando chegou a hora de
nos despedirmos, eu sabia que era a última vez que eu a veria por um tempo,
o que tornava tudo pior, mas me esforcei para sorrir quando ela se
aproximou para me dar tchau. O que eu não esperava era que Elena tivesse
me trazido um presente. Quando ela estendeu a embalagem retangular na
minha direção, gelei. Eu não havia comprado nada para ela. Não imaginei
que fôssemos trocar presentes depois do nosso último encontro.
— Eu... — Limpei a garganta. — Eu não comprei nada para você.
Ela sorriu sem mostrar os dentes.
— Tudo bem. Eu não esperava que você comprasse. E, para ser
sincera, não é grande coisa. É o meu diário.
Franzi o cenho, confuso.
— O seu diário? Por que você está me dando o seu diário?
— Porque eu escrevi nele todos os dias desde que você foi
embora. Tem tudo sobre os dois últimos anos do Max. Tudo o que nós dois
fizemos, muito sobre o que conversamos e o que falamos sobre você. —
Elena deu de ombros. — Quero que fique com ele e leia o que escrevi para
que você se sinta parte do que eu e Max vivemos enquanto você estava fora.
— Uau — exclamei, surpreso. — Obrigado. Isso é incrível.
Ela continuou com aquele sorriso contido nos lábios.
— Fico feliz que tenha gostado.
— Eu adorei.
Elena suspirou.
— Você está partindo em breve, não é?
Assenti.
Com coragem, Elena empertigou os ombros e olhou nos meus
olhos.
— Eu espero que você seja feliz e que encontre o que está
procurando. — Elena me deu um beijo na bochecha. — Adeus, Jake.
Sem me dar tempo para responder, ela se afastou rapidamente,
encontrando Taylor já na porta da casa de Edwin. As duas foram embora
antes que eu pudesse piscar os olhos novamente.
Elena não tinha se dado conta até aquele momento que eu já havia
encontrado o que estava procurando. Era o Max. Era ela. Durante toda a
minha vida, eram eles que eu estava procurando, mesmo quando eu não
sabia; mesmo quando eu acreditei que não queria aquilo, que não precisava
de ninguém além de Devin para me sentir completo. Elena e Max eram o
que eu queria, o que eu procurava. E era irônico porque Elena havia
aparecido na minha vida no momento certo, mas também no momento
errado. Quando eu mais precisava, mas também quando eu não estava
pronto.
Eu só podia rezar para que, quando eu finalmente estivesse, o
destino desse um jeito de colocá-la novamente na minha vida.
Parte 2
Capítulo 40

— Acaba assim? — Melissa perguntou, indignada. — Não acredito!


Eu pisquei, ainda meio em choque com tudo o que havia lido e
descoberto naquelas páginas. Era óbvio que Melissa e eu não conseguimos
parar de ler depois das primeiras páginas. Afinal de contas, era a história da
minha vida contada pela perspectiva de outra pessoa. Aquilo meio que me
dava o direito de saber de tudo, certo? Mas era tão estranho ver os fatos por
outra visão. Eu me lembrava do quanto o tio Jake era frio comigo no
começo, mas não fazia ideia de que tudo aquilo se passava pela cabeça dele.
Não fazia ideia do quanto ele se importava, mesmo quando era péssimo em
demonstrar. Eu entendia tão pouco de tudo naquela época. Me lembrava de
sentir que estava sozinho, que ele me detestava e que preferiria fazer
qualquer outra coisa da vida do que ter que cuidar de mim. Eu estava errado.
— Eles não ficam juntos. Que tipo de livro é esse? — Melissa
continuou a sua indignação. — Como assim o casal não fica junto no final?
Aquilo me fez rir e sair dos meus devaneios.
— As pessoas nem sempre ficam juntas no mundo real, amor.
Mesmo quando elas se amam.
— Aí, não gostei. — Ela cruzou os braços, emburrada. — Mas
você era uma gracinha quando era pequeno. — Melissa sorriu. — E você
bancando o cupido para o seu tio e a Elena foi extraordinário. A ideia de dar
a flor para ela, dizendo que tinha sido o seu tio quem havia mandado... Você
foi muito pestinha, Max.
Eu ri.
— Eu não me lembrava de ter feito isso, mas eu claramente era
muito esperto desde pequeno.
Ficamos um momento em silêncio, ainda absorvendo tudo que
tínhamos lido. Eu tinha muitas perguntas ao mesmo tempo que havia obtido
muitas respostas.
— Sua infância foi tão difícil, Max, tão dolorosa — Melissa disse
com pesar. — Você me contou boa parte quando nos conhecemos, mas ler
sobre tudo o que você passou... foi um pouco brutal. Meu coração ficou tão
apertado.
Melissa chorou em vários momentos, principalmente quando o tio
Jake e eu nos desentendíamos por falta de diálogo da parte dele. Agora eu
conseguia entender que ele não me afastava porque realmente me queria
longe, e sim porque estava tentando me proteger e porque não acreditava que
merecia o meu afeto; que merecia se sentir feliz de forma geral. A percepção
disso estava martelando dentro do meu peito. Ele se culpava tanto, por
tudo... E eu finalmente consegui entender também o porquê de ele quase
nunca falar comigo sobre o meu pai.
E eu me lembrava de Elena, me lembrava de como tudo melhorou
depois que ela e o meu tio começaram a namorar. Tudo ficou mais fácil
quando ela entrou na nossa vida. E mesmo que ambos estivessem certos
quando disseram que não substituiriam os meus pais, quando estávamos os
três juntos, eu me lembrava de sentir que tinha uma família de verdade.
— Tudo bem, amor. — Eu sorri para ela, querendo consolá-la. —
Eu estou bem agora. Foi difícil e doloroso, sim, mas tudo ficou bem.
Melissa deu um beijo na minha bochecha e sorriu de volta para
mim, aquecendo o meu coração confuso. Também era doloroso para mim
reviver aqueles momentos, mas eu estava feliz de estar junto com Melissa
durante o mergulho de volta ao meu passado. Eu não iria querer fazer aquilo
com outra pessoa.
— Não acredito que lemos sobre a vida sexual do seu tio —
Melissa comentou e, em seguida, começou a gargalhar. — Ah meu Deus,
nós ultrapassamos o limite da invasão de privacidade!
É, eu não precisava ter lido aquilo.
— Nem me lembra dessa parte. — Balancei a cabeça,
incomodado. Eu realmente preferiria nunca ter lido aquelas cenas. — Os
livros que você lê tem cenas assim também?
— Tem — Melissa continuou gargalhando. — Mas não se
preocupe, amor, você manda melhor do que todos os livros eróticos que eu
leio.
Achei graça.
Melissa e eu namorávamos desde o final dos quinze anos.
Perdemos a virgindade um com o outro no final dos dezesseis. A primeira
vez foi horrenda. Eu não durei nem dois minutos e ela só reclamava de dor.
Com o tempo, fomos aperfeiçoando até que eu ficasse completamente
viciado no corpo dela, e ela no meu. Transamos como loucos. E mesmo que
aquele assunto não fosse nenhum tabu para mim ou para ela, era muito
estranho ler sobre o meu tio e Elena transando.
— Que bom saber disso. Se você sentisse mais prazer com um
livro do que comigo, eu estaria encrencado.
Melissa riu e me deu um beijo rápido na boca.
— Nenhum livro é melhor que você, amor.
Antes que ela pudesse escapar para longe, enfiei minha mão entre
os fios dos seus cabelos castanhos e trouxe sua boca de volta para a minha.
De olhos fechados, enquanto a língua de Melissa invadia a minha boca, eu
segurei o conglomerado de folhas do livro do meu tio e coloquei na mesa de
cabeceira antes de puxar Melissa para o meu colo. Ela montou em mim, com
uma perna de cada lado do meu quadril. Ela gemeu baixinho na minha boca
quando eu agarrei a sua bunda e a induzi a movimentar o quadril em
movimentos lentos de vai e vem. Ai, cacete. Melissa tornava a missão de não
a derrubar na minha cama e fodê-la até o dia seguinte muito difícil,
principalmente quando ela estava vestindo um short tão curto que deixava a
poupa da sua bunda à mostra.
Que Deus me salvasse.
— Quanto tempo seu tio ainda vai ficar fora? — ela perguntou,
ofegante, sem realmente tirar os lábios dos meus.
— Não sei — respondi. Minha respiração estava tão erradica
quanto a dela. — Por quê? — provoquei. — Minha garota quer uma
rapidinha?
Ela gemeu, se esfregando em mim e balançando a cabeça em
anuência, mas antes que eu sequer conseguisse começar a tirar a sua roupa, a
voz do meu tio soou do andar debaixo da casa.
— Max! Cheguei!
— Porra — praguejei.
Melissa deu uma risadinha e saiu de cima de mim, voltando a se
sentar do meu lado na cama. E quando ouvi passos na escada, rapidamente
peguei as páginas do livro e enfiei embaixo da minha cama, não querendo
que meu tio soubesse que havíamos encontrado aquilo. Eu provavelmente
falaria com ele sobre isso depois, mas não queria que Melissa estivesse por
perto quando eu levasse a bronca do século por ter invadido sua privacidade,
porque essa bronca chegaria. Era só uma questão de tempo. Mas eu também
tinha perguntas que precisava que meu tio respondesse e não achava que ele
iria querer fazer isso com Melissa por perto. Era uma conversa que deveria
acontecer apenas entre nós dois.
Meu tio não era mais tão sério quanto um dia foi, mas nem de
longe era um homem fácil de lidar. Ele ainda era um pouco ranzinza e mal-
humorado, ainda tinha poucos amigos e uma dificuldade absurda de lidar
com as pessoas, mas era um homem mais feliz do que aquele da minha
infância.
Uma batida soou.
— Pode entrar.
Tio Jake abriu a porta devagar e nos deu um sorriso discreto.
— Oi, Melissa. Eu não sabia que você ainda estava aqui.
— Ah, é. Max e eu ficamos entretidos em um livro e...
Eu pigarrei, como quem pedia pelo amor de Deus que ela não
falasse nada comprometedor.
— ... e acabamos perdendo a noção do tempo.
— Um livro, huh? — Tio Jake arqueou a sobrancelha,
desconfiado.
Ele provavelmente devia estar pensando que Melissa e eu
transamos a tarde inteira. Bom, eu preferia que ele pensasse aquilo a
desconfiar de alguma coisa envolvendo o seu livro.
— Eu vou levá-la em casa daqui a pouco.
— Pegue o carro — meu tio disse.
— Ok. Obrigado, Tio Jake.
Com um curto aceno de cabeça, ele fechou a porta em seguida,
deixando Melissa e eu a sós de novo.
— Nós temos que juntar esses dois — ela comentou, baixinho. —
O seu tio está solteiro há... sei lá, séculos?
— Ele não está solteiro há séculos. Ele teve uma namorada,
lembra? Georgia. Você a conheceu.
Melissa fez uma careta.
— Ela era insuportável, Max. E não dá para dizer que seu tio
realmente namorou com ela. Nós dois sabemos o que eles estavam fazendo.
— Eu acho que já tive o suficiente sobre a vida sexual do meu tio
para um único dia — resmunguei, fazendo uma careta.
— Você ainda tem contato com a Elena? — minha namorada
indagou, ignorando completamente a minha reclamação anterior. — O que
aconteceu depois que vocês saíram de Bayshore? O seu tio disse que a
intenção era que vocês dois continuassem se vendo, mas você nunca falou
dela para mim, e eu era sua melhor amiga antes de ser sua namorada. Eu
saberia.
Melissa tinha razão. Embora ela não tenha sido a primeira amiga
que fiz quando me mudei para Silvershore, dez anos atrás, ela havia se
tornado minha melhor amiga poucos meses depois de termos nos conhecido.
Quando conheci Melissa, nós tínhamos onze anos. Eu me lembrava de ter
visto Elena algumas vezes depois que meu tio e eu saímos de Bayshore. Ela
havia nos visitado umas cinco ou seis vezes no decorrer dos anos. Nós fomos
Bayshore uma ou duas vezes também, para festas na casa de Shawn, que
continuava sendo um dos meus melhores amigos. Eu não sabia exatamente o
porquê de Elena ter se afastado de nós e ter parado de nos visitar. Talvez ela
e o meu tio tenham brigado e eu nunca tenha ficado sabendo. O fato era que
Elena não fazia parte da minha vida há muitos anos. Eu sentia falta dela, mas
com tanta coisa acontecendo na minha vida: uma namorada, o final do
colegial, as inscrições para a faculdade, formatura, meu aniversário de
dezoito anos chegando, fora tudo o que veio antes disso, acabou culminando
para que a saudade que eu sentia dela ficasse sempre em segundo, terceiro
ou quarto plano. Mas eu havia amado Elena como a mãe que não tive a
chance de crescer tendo. Naquele momento, pensando nela, percebi o quanto
sentia a sua falta.
— Tem anos que não tenho notícias dela — falei. — Nós
acabamos nos afastando. Não sei exatamente o motivo. Faz um tempo que
eu não paro para pensar nela.
Melissa se levantou da minha cama e começou a andar de um lado
para o outro no meu quarto. Havia caixas para todos os lados, já que em
breve eu estaria me mudando para o dormitório da faculdade. E enquanto ela
andava para lá e para cá, por mais que eu quisesse pensar em tudo o que
havia descoberto, meus olhos não conseguiam parar de olhar a bunda dela
naquele maldito short minúsculo.
— Acho que tenho uma ideia.
Ela estava tão gostosa naquele short.
— Max! — Uma almofada atingiu a minha cara.
— Ai! O que é isso, mulher?
— Para de olhar para a minha bunda, seu tarado! Presta atenção no
que eu estou falando!
— Eu estou prestando! — me defendi. — Você tem toda a minha
atenção, amor.
— Sei — ela disse, sarcástica. — Como eu estava dizendo: acho
que tenho uma ideia.
— Diz aí. Mas pelo amor de Deus, para de desfilar com essa
bunda na minha frente. Você está exigindo demais de mim, caramba.
Melissa resmungou alguma coisa ininteligível e se sentou na
cadeira giratória da minha escrivaninha. Ela arrastou a cadeira para mais
perto de mim.
— Tem alguma forma de você conseguir entrar em contato com a
Elena?
Pensei por um instante.
— Sim, acho que sim. O pai do Shawn ainda mora em Bayshore.
Posso falar com ele e tentar conseguir o telefone dela.
Melissa bateu palmas, animada.
— Isso, isso! E o seu aniversário está chegando, certo? E se você a
convidasse? Será que ela viria?
Aquela era uma boa pergunta. Mesmo sem tudo o que havia lido
naquelas páginas, eu sabia o quanto Elena gostava de mim, apesar de termos
nos afastado completamente nos últimos anos. Se eu pedisse, talvez ela
aparecesse.
— Talvez, mas eu não sei como está a situação dela com o meu tio
atualmente. Talvez ele prefira que eu não a convide.
Melissa deu um sorriso que prometia encrenca. Eu conhecia aquele
sorriso muito bem.
— Meu amor, quem disse que nós vamos avisá-lo que estamos
convidando a Elena?
Entenderam o que eu quis dizer? Encrenca.
— Não sei, não, Mel — falei, receoso. — Isso pode dar um
problemão. E se eles estiverem brigados ou sei lá?
— Então eles vão ser obrigados a conversar para fazerem as pazes
— ela rebateu como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. — Se nós
falarmos com o seu tio, há uma grande chance de ele dizer não e, mesmo que
você a convidasse, acabaria com a surpresa. Imagina só, seria quase uma
cena de filme, Max! Elena chegando, aí o seu tio a vê e o queixo dele cai
completamente e ele pensa: Meu Deus, o que ela está fazendo aqui? Como
ela está linda. E aí eles se olham, se aproximam devagar e há aquele breve
momento de: nossa, você por aqui, que surpresa! Será que é um sinal do
universo? Talvez destino?
Eu dou risada, jogando a cabeça para trás.
— Você é completamente doida!
— Eu sei. — Ela sorri. — Mas esse é só um dos vários motivos
pelos quais você me ama.
Ela não estava errada sobre aquilo.
— Tá, mas e se ela não quiser vir porque está brava com o meu
tio? — perguntei. — Que história eu deveria inventar para convencê-la a
vir?
Melissa pensou por um instante.
— Merda — xingou. — Calma, me dê um minuto para pensar.
Minha namorada começou a rodar na cadeira, igual as crianças
fazem quando visitam o escritório dos pais e eles possuem uma dessas
cadeiras.
— Já sei! — ela exclamou. — Se você perceber que ela está
hesitante, diga para ela que foi o seu tio quem pediu que você a convidasse.
Diz que ele gostaria de conversar com ela, se desculpar, sei lá. Se ela ainda
gostar dele, eu tenho certeza de que isso vai ser o suficiente para fazê-la vir.
— Pode funcionar, mas o meu tio vai ficar uma fera.
— Ele vai nos agradecer depois, eu tenho certeza.
Eu tinha as minhas dúvidas quanto a isso, mas não disse nada.
Talvez aquela ideia maluca funcionasse, talvez não. Mas depois do que eu
havia lido naquelas páginas, depois de sentir o quanto meu tio amava Elena e
o quanto ela também o amava naquela época, talvez valesse a pena tentar
juntar os dois. De qualquer maneira, não seria a primeira vez que eu iria
bancar o cupido e já havia funcionado antes, então não custava nada tentar
de novo.
— Espero que você esteja certa.
— Eu geralmente estou. — Ela sorri, toda convencida de si
mesma. — Então, temos um plano?
Sorri para a minha namorada.
— Sim, temos um plano.
Capítulo 41

O meu aniversário aconteceria em dois dias, então eu e Melissa não


tínhamos muito tempo para bolar o melhor de todos os planos. E se fosse
para ser sincero, eu ainda estava meio atordoado com tudo o que tinha lido,
principalmente sobre a parte que envolvia o meu pai. Eu queria conversar
com o meu tio sobre aquilo, perguntar por que ele nunca me contou o que
havia acontecido, mesmo depois de eu ter crescido, mas sabia que, primeiro,
eu precisava que a parte do plano que envolvia Elena funcionasse. Se eu
abordasse o meu tio antes do meu aniversário, ele saberia que encontrei o
seu livro, e eu era péssimo em mentir. Eu acabaria contando para ele sobre a
ideia de trazer Elena para o meu aniversário e Melissa me mataria por
revelar o nosso plano. Então, mantive minha boca fechada.
Eu não era bom em mentir, mas era muito bom em omitir.
Portanto, desde que o meu tio não me perguntasse nada, eu conseguiria ficar
calado sobre o que estava tramando.
Depois de deixar Melissa em casa, conforme havia dito que faria,
estacionei o carro do meu tio na garagem, mas permaneci dentro do veículo
para poder ligar para Shawn sem que meu tio escutasse a conversa. Ele era
muito perspicaz, então eu teria que ser mais esperto.
Shawn atendeu no quinto toque.
— Se você tivesse me ligado dez minutos mais cedo, teria me
ouvido ter um orgasmo — comentou o meu amigo, assim que atendeu o
celular.
— Quem atende o telefone enquanto está transando?
— Oras, eu. E se é uma emergência?
Balancei a cabeça, cético.
— Você é maluco. — Dei risada. — Por favor, não me atenda se
estiver trepando com alguém. Eu não quero ouvir.
— Anotado. — Shawn bocejou. — Qual foi? O que posso fazer
por você, Maximus?
Shawn era o único na face da terra que me chamava daquele jeito.
— Preciso do telefone do seu pai.
— Para quê?
— Para ele me ajudar a encontrar uma pessoa que possivelmente
ainda deve morar em Bayshore.
— Quem?  — perguntou Shawn, curioso.
— Elena Blake. Você se lembra dela?
— Claro que sim. Ela e minha mãe são amigas até hoje. Eu tenho
o telefone dela. Posso te passar.
— Isso seria ótimo, obrigado.
— Te mando por mensagem.
Balancei a cabeça, mesmo sabendo que ele não podia me ver.
— Ei, Shawn. Não conte para ninguém que eu te pedi o número
dela, ok? Não quero que meu tio fique sabendo.
— Minha boca é um túmulo, cara.
— Valeu.
Desligamos a chamada e, como prometido, Shawn me encaminhou
o número de telefone de Elena. Já estava tarde para ligar para ela naquele
momento, então decidi que ligaria no dia seguinte, logo pela manhã, que era
quando meu tio saia para correr pelo bairro e ia à academia, quase na mesma
hora que o sol aparecia no céu. O Tio Jake detestava lugares cheios de
pessoas, então ele sempre treinava nos horários mais vazios, que era
justamente quando a academia abria. Aquilo era como uma terapia para ele.
Quando entrei em casa, encontrei o meu tio na cozinha,
preparando o jantar. Aquilo me deu uma sensação engraçada de déjà vu,
principalmente depois de ler sobre momentos da minha infância dos quais eu
não me recordava mais.
Eu me aproximei.
— Precisa de ajuda? — perguntei, já arregaçando as mangas da
camiseta que eu usava.
— Você pode colocar o frango na assadeira e no fogão em seguida
— Tio Jake me instruiu. — Obrigado.
— Sem problemas.
Por alguns minutos, nós nos movemos em silêncio pela cozinha.
Quando terminei o que fui incumbido a fazer, comecei a lavar a louça.
— Posso te perguntar uma coisa? — falei.
— Manda.
Meu tio olhou para mim rapidamente, antes de voltar a se
concentrar no purê de batatas que preparava.
— Você é feliz, Tio Jake?
Por um milésimo de segundo, o corpo dele retesou. Foi muito
rápido, mas eu notei.
— Claro que sim. Por que a pergunta?
Dei de ombros.
— Eu não sei, eu só... acho que estou preocupado com você.
Aquilo chamou a atenção dele, que virou os olhos para mim,
esquecendo completamente as batatas que estava amassando em uma tigela.
Meu tio encostou o quadril na ilha da cozinha e olhou para mim, me dando
toda a sua atenção.
— Preocupado comigo? Por que você estaria preocupado comigo?
— Eu vou para a faculdade em breve e você vai ficar aqui sozinho.
— Dei de ombros de novo. — Eu não queria que você ficasse sozinho.
Meu tio sorriu sem mostrar os dentes.
— E eu que pensei que depois de todos esses anos, você já tinha
me entendido — brincou ele, o que me fez dar uma risadinha. — Eu não me
importo em ficar sozinho, Max. Caso eu precise te lembrar, estar cercado de
pessoas não é muito a minha praia.
— Eu sei, mas isso não significa que você goste de ficar
totalmente sozinho. Quer dizer... talvez você pudesse arrumar uma
namorada.
Aquilo o fez rir.
— É... Isso deu muito certo nas últimas tentativas — ironizou.
Fiz uma careta ao me lembrar das duas únicas mulheres que meu
tio chegou a apresentar para mim. Ele nunca usava o título “namorada”, mas
eles mantinham uma interação constante o suficiente para que ele me
dissesse o nome delas e as trouxesse para casa, para que eu pudesse associar
um nome a um rosto. Com 39 anos, meu tio ainda era um cara bonitão, e eu
sabia que ele chamava atenção das mulheres de Silvershore. Eu já havia
escutado a população feminina falar sobre ele. Elas caiam aos seus pés aos
montes, mas meu tio era muito reservado para deixar que elas se
aproximassem.
— Você já se apaixonou? — perguntei, sondando o território. Eu
me lembrava pouco sobre as interações dele com Elena, mas depois do que
havia lido, eu sabia que ele tinha se apaixonado por ela, embora nenhum dos
dois tenha se declarado um para o outro com todas as letras. Não existiu um
“eu te amo”, mesmo que o sentimento estivesse lá.
A pergunta fez o meu tio dar um pequeno sorriso saudoso. Eu
apostaria a minha bolsa de estudos na faculdade que ele estava pensando em
Elena naquele momento.
— Uma vez, mas faz muito tempo.
Balancei a cabeça. Era toda a confirmação que eu precisava. Eu
queria perguntar mais, mas me contive. Eu teria a oportunidade para isso no
dia do meu aniversário, depois que ele e Elena se reencontrassem.
— Eu amo a Melissa — falei, mudando rapidamente de assunto.
— Ela é uma boa garota. — Ele sorriu. — Vocês dois são fofos
juntos.
— Fofos? — brinquei, rindo.
— É, fofos. — Tio Jake bateu em mim com o pano de prato que
estava apoiado em seu ombro. Aquilo me fez rir. — Quero dizer que vocês
combinam bem quando estão juntos e Melissa é muito divertida. Eu gosto
dela.
— É, ela é a melhor.
Meu tio balançou a cabeça e voltou a se concentrar nas batatas.
— Não se preocupe comigo, Max — disse ele, retomando o
assunto anterior. — Eu vou ficar bem. Eu quero que você vá para a
faculdade e aproveite todas as experiências que puder por lá. E quando você
se formar, estarei na primeira fileira. Você será o primeiro Hyder a ter um
diploma universitário.
Meus olhos arderam pela emoção, mas consegui me controlar.
— Obrigado, tio.
Ele sorriu.
— De nada. Agora, suma da minha cozinha! Eu te chamo quando
o jantar estiver pronto — disse, batendo em mim de novo com o pano de
prato, de brincadeira.
Levantei as mãos para o alto, me rendendo.
— Tá, tá, estou caindo fora. Cruzes!
Fui para o meu quarto e, quando me deitei na cama, não consegui
relaxar. Não conseguia reprimir a ansiedade de ligar logo para Elena e falar
com ela. E eu sabia que se deixasse para fazer aquela ligação no dia
seguinte, iria passar a noite em claro, ansioso.
Que se foda.
Abri o mais novo contato salvo no meu celular e cliquei em ligar.
O máximo que poderia acontecer era ela não me atender.
Mas ela atendeu.
No segundo toque.
— Alô?
Meu coração começou a bater mais depressa ao ouvir a voz que eu
não ouvia há anos. E de repente, todo o carinho e saudade que eu sentia,
vieram à tona. Eu amava Elena desde que era um garotinho. Isso só havia se
confirmado nas páginas do livro do meu tio. E eu sentia falta dela. Naquele
instante mais do que nunca.
— Elena?
— Sim. Quem está falando?
Por um instante pensei que talvez ela pudesse não se lembrar de
mim, mas deletei esse pensamento logo em seguida. Elena havia cuidado de
mim por quase dois anos, quando meu tio foi internado. É claro que ela se
lembraria de mim.
— É o Max — falei. — Maxon Hyder.
Ouvi quando ela prendeu a respiração do outro lado da linha. Ela
se lembrou na hora. Aquilo me fez sorrir de alegria.
— Max! — ela exclamou, a voz ligeiramente embargada. — Ah
meu Deus! Não acredito que seja você! Sua voz está tão diferente!
Dei uma risadinha.
— Pois é... Faz bastante tempo desde a última vez que nos vimos
ou que conversamos, de modo geral. Eu peguei o seu telefone com o Shawn.
Espero que não se importe.
— É claro que não! Não me importo nem um pouco. Como você
está, querido?
— Estou bem. Estou muito bem. E você?
— Ah, eu estou ótima. Estou mais feliz agora, falando com você.
Acredita que eu estava pensando em você essa semana? Você vai fazer
aniversário. Dezoito anos, não é?
É claro que ela se lembrava.
— Sim. É exatamente por isso que eu estou ligando. Eu queria te
convidar para a minha festa. Vai ser no sábado, na minha casa, aqui em
Silvershore. Vou fazer uma comemoração com alguns amigos mais próximos
e a família. A festa sem supervisão de adultos é só à noite — brinquei.
Elena riu, achando graça.
— Ah, querido, eu fico imensamente feliz que você tenha pensado
em mim e queira me convidar, mas... eu...
Eu sabia que ela estava em um dilema sobre mencionar ou não o
meu tio. Ela não fazia ideia de que eu sabia de absolutamente tudo, depois de
ler aquele livro. Deus, eu sabia muito mais do que eu deveria.
Afastei os pensamentos antes que começasse a ficar
desconfortável.
— Meu tio foi quem me incentivou a te convidar — eu a
interrompi, resolvendo o dilema por ela. — Eu sei sobre a história de vocês
dois, Elena. Não precisa me poupar — brinquei, tentando soar casual.
— Jake quis que você me convidasse? — ela indagou,
desconfiada.
— Sim. É uma data importante, os dezoito anos. E eu havia
comentado sobre você, disse que sentia saudades porque nós nunca mais nos
vimos e então, ele disse que, se eu quisesse convidá-la, eu deveria. Ele
pareceu bem esperançoso de que talvez você aparecesse — menti
descaradamente, mas tudo por uma boa intenção.
— Sério?
— Sério — confirmei sem titubear. — Eu gostaria muito que você
viesse. Muito mesmo. Eu estou indo para a faculdade em breve, vou estudar
na Brown, em Nova York, então não sei quando terei a chance de vê-la de
novo — apelei, sem qualquer vergonha na cara. — Por favor, Elena, venha à
minha festa.
Ela ficou em silêncio por alguns segundos, e eu sabia que estava
pensando. Elena com certeza não queria me decepcionar, ainda mais depois
de tantos anos, mas dava para perceber que ela estava receosa sobre
encontrar o meu tio novamente.
— Eu... — Elena ficou em silêncio por mais alguns segundos. —
Ok, tudo bem, eu vou sim.
— Sério? — exclamei.
Ela deu uma risadinha.
— Sério. Vocês ainda moram na mesma casa?
— Sim, na mesma casa. A festa vai começar a partir da uma da
tarde.
— Sábado, certo?
— Isso — confirmei. — Nesse sábado.
— Combinado. — Eu conseguia sentir que ela estava sorrindo. —
Estou morrendo de saudades de você, Max.
Aquilo me fez abrir um sorriso largo.
— Eu também estou com saudades. Não vejo a hora de te ver. — E
ver a reação do meu tio também.
Elena e eu conversamos rapidamente sobre a minha ida para
Brown. Ela ficou muito orgulhosa de que eu havia passado em uma
faculdade de tanto prestígio. Eu perguntei sobre Taylor e fiquei sabendo que
ela havia se casado com Boyce, seu namorado de muitos anos, e tinha uma
filha pequena chamada Miley. Eu não estendi muito mais a conversa porque
fiquei com medo que meu tio aparecesse para me chamar para o jantar, ao
invés de apenas me gritar do andar de baixo, então encerrei a ligação com a
desculpa de que precisava terminar de arrumar as caixas que levaria para a
faculdade, com os meus pertences. Elena entendeu, se despediu e nós
desligamos.
Dois minutos depois, meu tio apareceu no meu quarto para me
avisar que o jantar estava pronto.
Respirei fundo.
Foi por muito pouco.
Capítulo 42

Ainda fiquei olhando para o meu celular por bons minutos depois que
encerrei a chamada com Max. Eu mal conseguia acreditar que realmente
havia falado com ele depois de todos aqueles anos. E ao mesmo tempo que
parecia surreal, foi tão absurdamente natural conversar com ele... Como se
nunca tivéssemos deixado de ter contato um com o outro. Max sempre foi
especial para mim, mesmo quando não era nada mais além de um dos meus
alunos. E depois, quando fiquei responsável por ele por quase dois anos, nós
criamos uma ligação ainda mais forte. Ele era como o filho que eu nunca
havia tido.
Eu sabia que não deveria ter me afastado como fiz, quase dez anos
atrás, quando ele e Jake se mudaram para Silvershore. Eu tentei manter
contato e fui visitá-los algumas vezes, mas era muito complicado ter contato
com Jake com a nossa história ainda tão recente. Cada vez que eu o via, e
depois quando precisava me despedir de novo, era um tormento para o meu
coração. Então, aos poucos, fui espaçando as visitas: ao invés de ir uma vez
por mês, eu comecei a ir uma vez a cada dois meses, depois três, depois seis
meses. Depois uma vez por ano. No entanto, ainda continuava sendo difícil
ter qualquer interação com Jake. Ele claramente também se sentia
desconfortável na minha presença, então, na minha última visita, quando vi
por mim mesma que Max estava feliz, que havia feito amigos na escola
nova, que estava adaptado ao novo lugar, eu me afastei. Foi insuportável no
começo. Eu morria de saudade do Max — do Jake também —, mas ainda
nos falávamos por telefone com bastante frequência. Até o momento que
isso também parou.
E depois de quase dez anos, Jake havia sugerido que Max me
convidasse para a sua festa de dezoito anos. O que eu deveria pensar sobre
aquilo? Nós não éramos mais as mesmas pessoas, com certeza. Dez anos é
muito tempo. Talvez, por ser uma data importante para o Max, ele tenha
sugerido isso porque eu também fui uma parte importante da vida do
menino. Eu definitivamente não deveria elevar as minhas expectativas em
relação àquilo. Até porque eu nunca permitia que meu coração ou minha
mente ficassem por tempo demais em Jake Hyder. Nossa história havia
acabado tão rápido quanto havia começado e... Droga, eu detestava admitir,
mas jamais havia sentido aquelas borboletas no estômago depois dele.
Talvez ir àquela festa fosse uma péssima ideia.
Aproveitei que o celular ainda estava na minha mão e liguei para
Taylor. Ela era a única pessoa que entenderia aquela situação toda. A única
que conseguiria me aconselhar propriamente.
Minha amiga atendeu no quarto toque.
— Ellie?
— Oi, Tay-Tay.
Ela bocejou.
— Você está muito cansada? Posso ligar amanhã.
— Não, não, está tudo bem. Eu acabei de colocar a Miley para
dormir, mas tenho uns minutinhos para conversar com você. — Eu sentia
que ela estava sorrindo. — Está tudo bem?
— Você não vai acreditar quem acabou de me ligar. — Fiz uma
pausa dramática. — O Max. Lembra dele? Sobrinho do Jake.
— Puta merda! — Taylor exclamou. — E aí? O que ele queria?
— Me convidar para a sua festa de aniversário de dezoito anos —
contei. — Dezoito anos, Taylor. Max vai fazer dezoito anos! Deus, como o
tempo passa!
Minha amiga deu uma risadinha.
— Ele insistiu para que eu fosse à festa e disse que foi Jake quem
falou que ele deveria me convidar — continuei. — Eu disse ao Max que iria,
mas agora estou achando que pode ser uma péssima ideia. Não vejo o Jake
há quase dez anos e você sabe que ele sempre mexeu comigo. — Respirei
fundo. — A última coisa que eu preciso agora é ter a minha vida bagunçada
por Jake Hyder.
— Ellie, muitos anos se passaram. Talvez ele nem seja mais o cara
de quem você se lembra. Talvez você olhe para ele e toda essa magia que
você sempre viu nele tenha sumido. Talvez você se dê conta de que não
sente mais nada por ele.
Aquilo era uma possibilidade, principalmente depois de tanto
tempo.
— Tá, mas e se não for isso o que acontecer? E se eu olhar para
ele e continuar a sentir borboletas no estômago. E se ele me der um daqueles
raros sorrisos e eu sentir as minhas pernas bambas, como costumava
acontecer? O que diabos eu deveria fazer, então?
Se o meu coração acelerado fosse algum prelúdio, então ver Jake
Hyder de novo não acabaria bem para mim. Merda. Talvez eu devesse ligar
para o Max e dizer que apareceu um imprevisto.
— Se isso acontecer, então deixe rolar.
Precisei segurar o meu queixo para ele não ir ao chão.
— Você está me dizendo para deixar rolar com Jake Hyder? Você?
Eu pensei que você o detestasse!
Taylor suspirou do outro lado da linha.
— Ele não era a minha pessoa favorita naquela época, mas eu
nunca o detestei de verdade. Jake estava perdido, tinha um problema e não
queria encará-lo. Mas ele fez o tratamento e aposto que, depois de dez anos,
ele deve estar muito melhor. Então, por que não? Ele não é uma pessoa ruim
ou violenta. Eu sabia disso mesmo naquela época, e sei que você também
sabe. Jake só precisava fazer o certo, e ele fez. Você sempre foi apaixonada
por ele, Elena. Talvez essa seja a vida te dando uma segunda chance de
realmente viver esse amor.
Aquilo também poderia ser uma possibilidade, e era uma que me
assustava inquestionavelmente.
— Acho que estou com medo de ter meu coração partido de novo
— admiti.
— E isso é totalmente compreensível, Ellie — concordou Taylor.
— Mas se você mantiver esses muros firmemente erguidos em volta do seu
coração, eles irão afastar a dor, mas também podem acabar afastando o amor.
Escute, amar alguém é difícil e pode doer às vezes, mas se é de verdade,
então vale a pena. Dê uma chance.
Encostei as minhas costas no sofá onde estava sentada e soltei um
suspiro longo. Talvez eu devesse mesmo dar uma chance e ver o que o
destino reservou para nós dois. Eu sempre senti que a minha história com
Jake não havia tido um final, mas sim um continua...
Capítulo 43

Quando o sábado finalmente chegou, Melissa e eu estávamos tão


eufóricos que o tempo parecia estar trabalhando contra nós. A maldita hora
não passava, como se tivéssemos ofendido o tempo pessoalmente e ele
estivesse ressentido. Para o meu tio, que não fazia ideia de que em poucas
horas estaria frente a frente com quem eu pensava ser o amor da vida dele,
estava calmamente preparando um café da manhã para mim e Melissa. Tio
Jake havia deixado que minha namorada dormisse comigo na noite anterior e
nós aproveitamos a chance da melhor maneira que podíamos. Transando a
madrugada toda. Caralho, como eu estava cansado. O apetite sexual de
Melissa era algo que precisava ser estudado. Ela nunca cansava.
Talvez eu fosse insuperavelmente bom de cama.
Eu iria acreditar naquilo piamente.
— O que está acontecendo com vocês dois? — tio Jake perguntou.
— Parecem que não conseguem ficar quietos.
Realmente. Melissa e eu estávamos balançando as pernas sem
parar, tamanha era a nossa ansiedade para aquele dia.
— Ah, é que... ahn... dezoito anos é uma idade muito importante,
né? Estamos ansiosos para a festa de hoje à noite — disse Melissa. — Não
que a festa que você vai dar ao Max seja ruim, Sr. Hyder. De forma alguma.
Nós adoramos as suas festas!
Meu tio ergueu uma sobrancelha para a minha namorada, e eu
abaixei a cabeça para conter a vontade de rir. Melissa era atrapalhada demais
para o próprio bem e uma péssima mentirosa, assim como eu.
— Sei... — comentou meu tio, cismado. — Sabe o que o meu
tempo na marinha me ensinou, Melissa? A identificar quando alguém está
aprontando alguma coisa e vocês dois estão aprontando alguma coisa.
Desembuchem!
Olhei para a minha namorada. Ai, caralho! E agora?
Melissa apenas suspirou.
— Nós estávamos tentando te poupar disso, sr. Hyder, mas é que...
bom, o Shawn vai levar o Max em um clube de strip-tease — Melissa falou
rapidamente. — É isso!
— Melissa! — eu a censurei, porque aquilo era mentira. O Shawn
não iria me levar a lugar algum. Ou iria e eu não estava sabendo?
Ela arregalou os olhos para mim, desesperada.
— O quê? É a verdade!
Mentirosa.
— E se o senhor quer saber, eu não estou nada feliz com essa
situação. Então, eu suponho que Max esteja ansioso pela experiência e eu
estou ansiosa para dar na cara dele!
Ah, meu Deus!
Massageei as têmporas. Essa mulher ainda iria me causar um
ataque fulminante antes dos vinte anos de idade, porra!
Meu tio jogou a cabeça para trás e gargalhou. Ele gargalhou.
Aquilo não acontecia com muita frequência, mas era sempre legal quando
acontecia.
— Qual é a graça? — Melissa indagou, confusa.
— Boa sorte, Max — foi tudo o que meu tio respondeu, o que
deixou Melissa ainda mais confusa.
Quando eu vi que ela abriu a boca para perguntar que parte da
conversa ela havia perdido, eu apenas balancei a cabeça e arregalei os olhos
para ela, como quem silenciosamente pedia pelo amor de Deus que ela
deixasse a história como estava.
Um clube de strip-tease!
O que foi que deu nessa mulher?
Meu tio não fez novas perguntas e pareceu acreditar na história
maluca que Melissa inventou para acobertar os nossos planos. Nós tomamos
o café da manhã conversando sobre como os próximos dias seriam, já que
Melissa e eu iríamos para Nova York no meio da semana que vem. Nós
queríamos nos acomodar nos nossos respectivos dormitórios na Brown com
alguns dias de antecedência, antes do início das aulas propriamente dito. Era
palpável o quanto estávamos ansiosos para aquele momento, para a
faculdade, de modo geral.
Com o passar absurdamente lento das horas, a minha ansiedade foi
crescendo sem precedentes. Até parecia que era eu quem iria reencontrar o
amor da minha vida.
O tio Jake iria me deserdar quando descobrisse o que eu havia
feito.
Mas mesmo que eu estivesse preocupado com a repercussão do
plano que Melissa e eu havíamos bolado, eu também estava empolgado para
ver Elena. Eu sentia saudades dela e seria incrível vê-la de novo. Seria mais
incrível ainda ir para a faculdade sabendo que meu tio não ficaria sozinho,
mas talvez eu estivesse colocando expectativa demais naquele reencontro.
Eu suspeitava que Elena ainda fosse o amor da vida do meu tio, mas e se ele
não fosse mais o amor da vida dela?
Afastei aqueles pensamentos.
Melissa sempre dizia que tínhamos que atrair boas energias, então
eu mentalizei coisas boas e comecei a receber os convidados. Como a festa
com toda a galera era só à noite, eu havia chamado somente os amigos mais
próximos para a minha casa. Shawn e Ron foram uns dos primeiros a chegar.
Eram os meus amigos mais antigos, e eu ordenei que eles estivessem lá
naquele dia ou acabaria com a raça deles. Shawn me deu um abraço apertado
e sussurrou no meu ouvido que tinha uma surpresinha para mim mais tarde.
Puta que pariu, será que Melissa estava falando a verdade sobre o clube de
strip-tease? Eu mataria o Shawn se me causasse problemas com a minha
namorada. Ron também me deu um abraço. O sorrisinho cúmplice no rosto
dele não me passou despercebido. O que esses malucos estavam aprontando?
Edwin e Kate foram os próximos a aparecer, junto com Caroline, a filha
mais nova. Eles me desejaram feliz aniversário, me abraçaram e Caroline me
deu um presente, o qual eu agradeci ao dar um beijo na bochecha dela. Em
seguida, Edwin já foi atrás do meu tio com a intenção de infernizá-lo. Aquilo
me fez rir.
Assim que tive uma oportunidade, puxei Melissa de canto para
falar com ela sem que os convidados pudessem ouvir.
— Você falou sério sobre o lance do clube de strip-tease?
— Mas é claro que não, Maxon! — ela esbravejou, ciumenta. —
Você está doido?
— Calma aí, tigresa. Eu só estou perguntando porque o Shawn
chegou e disse que tinha uma surpresinha para mim mais tarde.
Melissa correu os olhos e os fixou em Shawn quando o encontrou.
Ela parecia prestes a arrancar a cabeça dele. Ela ficava linda quando tinha
ciúmes, o que acontecia com pouca frequência porque eu nunca dava
motivos para ela ter ciúmes de mim.
— Eu vou arrancar cada fio de cabelo da cabeça dele!
Dei risada.
— Eu aposto que sim — brinquei, e enlacei a sua cintura com os
meus braços, puxando-a para mais perto de mim. — Eu só tenho olhos para
você, gatinha.
Ela amoleceu nos meus braços.
— Que ótimo, porque eu fui a primeira e serei a última mulher na
sua vida, Maxon Hyder. Nós somos almas gêmeas.
Capturei os lábios dela nos meus por um breve momento. Não
queria aprofundar um beijo com Melissa ali e dar um show para os meus
convidados. Sempre que eu começava a beijá-la, era difícil parar.
— Somos almas gêmeas, minha linda.
Melissa sorriu, mais calma.
— A Elena já chegou? — ela perguntou, falando mais baixo.
— Ainda não, mas eu acho que ela deve estar chegando em breve.
Mandei uma mensagem ontem para confirmar se ela vinha mesmo e ela me
garantiu que viria. Agora é só esperar.
— Então vá e fique perto da porta. É melhor que você seja quem
vai abrir a porta para ela, não o seu tio.
Concordei com a cabeça e dei mais um beijo rápido em Melissa
antes de sair da área do quintal, onde a festa estava acontecendo, e entrar em
casa para ficar de prontidão perto da porta.
Mas será que não seria muito mais emocionante se o tio Jake
abrisse a porta e desse de cara com Elena?
Capítulo 44

Eu estava parada em frente à casa de Jake e Max havia dez minutos, mas
ainda não tinha encontrado coragem para sair de dentro do carro. Minhas
mãos estavam suando e meu coração batia completamente fora de compasso,
tamanho o meu nervosismo. E não conseguia deixar de me perguntar se Jake
estava tão nervoso quanto eu com aquele reencontro, depois de tantos anos.
Se é que ele ainda pensava em mim...
Respirei fundo algumas vezes em uma tentativa ridícula de me
acalmar. Não funcionou. É claro que não funcionaria, mas eu continuei
tentando. Tirei a chave da ignição e finalmente juntei coragem o suficiente
para sair do carro. Enquanto caminhava até a porta da frente, me esforcei
para manter meu corpo firme sobre o salto baixo que usava e sequei as mãos
suadas no tecido cor vinho do meu vestido. Eu havia abandonado os vestidos
floridos há alguns anos e apostado em vestidos de cores únicas, sem
estampa. Também deixei as sandalinhas e aderi o uso de sapatos de salto
baixo, prezando pelo conforto, mas também pela beleza.
Quando parei em frente à porta, toquei a campainha sem dar tempo
para o meu cérebro me fazer mudar de ideia. Se eu ficasse parada ali como
um dois de paus, com certeza acabaria voltando para o meu carro e fingindo
que aquela loucura toda nunca tinha acontecido.
Ah, Deus, meu coração estava tão acelerado.
Não ouvi os passos se aproximando da porta, por conta da música
e do barulho das conversas do lado de dentro da casa, então, quando a porta
foi aberta, me pegou de surpresa. Levei um instante para processar quem
estava parado diante de mim. E se eu achei que meu coração estava
acelerado antes, naquele momento ele poderia montar em cima de um carro
da Fórmula 1 e sair em disparada pela minha boca.
Lá estava ele.
Depois de todos aqueles anos.
Jake.
Capítulo 45

Demorei cerca de dois segundos para reconhecer a mulher parada na


minha frente. Dois malditos segundos. Mas devia estar parado como um
idiota, olhando para ela, há pelo menos dois minutos.
Elena.
O nome não parava de se repetir dentro da minha cabeça, como
uma prece, um desejo que implorava para ser atendido.
Elena.
Elena.
Elena.
Mesmo depois de quase dez anos, ela não havia mudado muito.
Seu cabelo ainda era loiro e cacheado, embora estivesse um pouquinho mais
curto do que eu me lembrava. Seus olhos castanhos ainda eram solícitos,
bondosos e brilhantes. E mesmo que ela não estivesse me dando um sorriso
largo naquele momento — e sim um sorrisinho tímido e contido —, eu tinha
certeza de que o seu sorriso ainda era capaz de brilhar mais que o próprio
sol.
Ela estava linda.
Completamente linda.
Em um vestido cor vinho e sapatos de salto da mesma cor, ela me
lembrava muito a mulher de vinte e seis anos que conheci. Mas com trinta e
oito anos... Ela era espetacular.
Eu precisava falar alguma coisa, mas todas as palavras
desapareceram do meu cérebro. Eu não conseguia pensar, não conseguia me
mexer. Só conseguia olhar para Elena. O que ela estava fazendo ali? Depois
de todos aqueles anos, eu pensei que nunca mais fosse vê-la de novo. Pensei
em procurá-la um milhão de vezes e até fui uma vez, cerca de seis anos
atrás. As coisas não saíram como eu esperava naquela época.
Envergonhada, Elena deu uma risadinha.
— Oi.
Pisquei.
Caralho, como eu tinha sentido saudade da voz dela.
— Oi — consegui responder.
— Ahn... — Ela limpou a garganta. — Max me convidou para a
sua festa de aniversário, mas... pela sua cara, você claramente não estava
sabendo disso.
Meu sobrinho convenientemente esqueceu de me informar daquele
detalhe. Por que aquilo não me surpreendia? Max sempre teve essa mania de
ser um cupido para mim e Elena.
— Eu...
— Elena! — A voz de Max me interrompeu. Rapidamente ele se
aproximou de nós dois e envolveu a sua antiga professora em um abraço
apertado. Ele estava muito maior do que ela àquela altura. Com certeza
muito distante do garotinho que costumava abraçá-la pelas pernas. — Você
veio!
— Ah meu Deus, olhe só para você! — Elena exclamou, afastando
Max do abraço para poder olhar para ele. — Como você está lindo e tão
forte! — ela brincou, dando aquele mesmo sorriso radiante que eu tanto
gostava.
Max riu.
— Academia quatro vezes na semana faz isso com um homem.
— Você ainda não é um homem — lembrei a ele, pegando no seu
pé.
— Claro que eu sou! — ele retrucou. — Se posso dirigir, transar e
morar sozinho, definitivamente não sou mais criança.
— Ah Deus — lamentei enquanto Elena ficava vermelha de
vergonha pela falta de noção do meu sobrinho.
— Elena, vem comigo, eu quero te apresentar a minha namorada
— Max disse, segurando a mão da sua ex-professora e a puxando para
dentro de casa. — Eu já a devolvo para você, tio Jake.
Eu abri a boca para rebater, mas Max já estava longe. Não deixei
de notar, no entanto, que Elena olhou rapidamente para trás, para mim, e deu
um sorrisinho tímido.
O que mais aquele moleque estava aprontando?
 

No instante em que Max deixou Melissa e Elena conversando, eu o


embosquei na cozinha. Aparentemente ele estava buscando algo para elas
beberem. Eu não havia saído de dentro de casa para voltar ao quintal desde
que Elena aparecera. Edwin já havia infernizado a minha vida pela presença
dela ali, mas eu nem estava sabendo de nada. Max me devia algumas
respostas e eu estava determinado a consegui-las naquele instante. Eu
precisava saber exatamente o que ele tinha dito à Elena.
— Você armou para mim — acusei.
— Armei — ele admitiu, sem qualquer vergonha na cara.
— Max, como você faz uma coisa dessas? Você deveria ter me
avisado, caramba! Eu fiquei parecendo um idiota!
Eu sempre tentava não falar palavrões na frente dele — mesmo
sabendo que o próprio Max os falava. Eu tentava ser um bom exemplo,
então me esforcei para engolir os vários palavrões que rodeavam a minha
cabeça.
— Se eu tivesse te contado, você poderia ter dito não. Eu teria
feito do mesmo jeito, mas você ficaria todo na defensiva.
Pode apostar que eu falaria não.
Era óbvio que eu queria ver Elena de novo, conversar com ela e
saber sobre a sua vida durante esses últimos anos, mas não queria que tivesse
sido em uma emboscada organizada pelo meu sobrinho. E eu colocaria
minha mão no fogo pela ideia de que Melissa estava envolvida nisso
também.
— De onde você teve essa ideia genial? Faz anos que não
mencionamos Elena nessa casa.
— Melissa achou o seu livro.
— Livro? Que livro?
— O que você escreveu sobre a sua história com a Elena.
Tenho certeza de que toda a cor havia desaparecido do meu rosto.
Puta que pariu. Eu havia mesmo escrito um livro. Depois que Max e eu
chegamos em Silvershore, eu precisava colocar tudo o que estava sentindo
para fora de alguma forma, então peguei o diário que Elena havia me dado e,
baseado em tudo o que ela tinha escrito lá sobre mim, eu escrevi um livro
que contava a nossa história. Mas ele nunca teve um fim. Nunca consegui
dar um fim para aquele livro, porque sentia que a minha história com Elena
ainda não havia terminado. No entanto, eu não olhava para aquelas páginas
há anos. Tinha esquecido completamente que havia escrito um livro sobre a
nossa história.
— Vocês mexeram nas minhas coisas?
— Não. Melissa estava procurando fotos minhas, de quando eu era
criança, porque queria me fazer um presente de aniversário. Então ela
encontrou o livro e... bom, você conhece a Melissa. A curiosidade dela é
maior do que tudo no mundo.
Puta merda!
— Vocês leram tudo? — indaguei, desesperado. Tinha coisas
escritas ali... Jesus!
— Tudinho — ele me respondeu com uma careta que me dizia o
suficiente. — Estou traumatizado para o resto da minha vida!
Eu iria esganar aquele garoto.
— Por quê? — gemi, em um misto de vergonha, raiva e
desconforto.
— Não era bem a nossa intenção invadir a sua privacidade, tio
Jake, mas nós ficamos curiosos e... — Max deu de ombros. — É a minha
história também. Me ajudou a entender muita coisa sobre você e a minha
infância. Sobre o meu pai...
Congelei.
Eu estava preocupado com a cena de sexo que descrevi no livro, só
porque queria guardar para mim a riqueza de detalhes daqueles momentos
com Elena. Eu não tinha a intenção de publicar ou mostrar para alguém. Era
algo para mim. Mas então me lembrei que também escrevi sobre aquele dia
no hospital, quando contei à Elena sobre a morte do Devin.
— Max, eu...
Meu sobrinho rapidamente me abraçou, sem que eu conseguisse
terminar de dizer o pedido de perdão que estava na ponta da minha língua.
Faz meses que eu estou para contar a ele sobre a morte do seu pai, mas
sempre que eu abria a boca para começar o assunto, a coragem desaparecia.
Eu estava apavorado que meu sobrinho começasse a me odiar pelo que eu
fiz. Ele era a única família que eu tinha, e eu não podia perdê-lo. Talvez
aquilo fosse um pouco egoísta da minha parte, porque Max tinha o direito de
saber, mas eu ainda não tinha encontrado coragem para contar.
— Não foi culpa sua, tio Jake — ele disse com firmeza enquanto
me abraçava. — Não foi culpa sua.
Eu o abracei com mais força, sentindo meus olhos queimarem.
— Eu não me lembro muito do meu pai, mas se ele voltou para te
buscar, se arriscou a vida dele por você, mesmo sabendo que eu o esperava
em casa, então ele sabia que, mesmo que ele morresse, eu ainda teria você. E
você seria o suficiente para mim, como de fato foi. — Max me soltou do
abraço e olhou para mim com os olhos castanhos cheios de lágrimas. —
Você... você é o meu pai — ele disse, a voz falhando no final. — Para tudo o
que importa, você é meu pai, tio Jake.
Ah porra, eu iria chorar.
Meu peito estava apertado, meus olhos queimando e meu coração
batendo acelerado no meu peito. E eu sentia tudo isso ao mesmo tempo que
parecia que um peso estava finalmente deixando os meus ombros.
— Eu sinto muito — eu disse, a voz embargada pela emoção.
Aquelas palavras estavam entaladas na minha garganta há anos e eu
finalmente podia colocá-las para fora. Finalmente podia pedir perdão ao meu
sobrinho. — Se eu pudesse voltar no tempo, eu teria garantido que o seu pai
estivesse aqui agora. Teria garantido que fosse ele a te ver crescer e se tornar
o homem que você é hoje. Vocês dois mereciam essa alegria e eu sinto muito
que você não pode conhecê-lo, Max. O seu pai era um homem muito melhor
do que eu. Ele era o meu melhor amigo e a pessoa que eu mais amava no
mundo. Eu sinto falta dele. Todos os dias.
Meu sobrinho confirmou com a cabeça conforme as lágrimas
caiam dos seus olhos.
— Eu sei. Depois que li tudo o que você escreveu sobre ele, sobre
como meu pai cuidou de você quando vocês dois eram pequenos, eu soube
que ele era um bom homem. — Max fungou, secando as bochechas com
agilidade. — Eu perdi um pai, mas você também perdeu um irmão, tio Jake.
Ele era importante para você tanto quanto era para mim. Mas... eu gosto de
pensar que ele está feliz de ver que nós dois encontramos uma forma de ser
um para o outro o que ele teria sido para nós, se estivesse vivo — Max
chorou. — Eu também sinto falta dele. Todos os dias. Mas... ele está aqui,
assim como a minha mãe também. — Meu sobrinho colocou a mão sobre o
coração. — Eles sempre estiveram e sempre estarão.
Assenti.
— Eu não era muito próximo da sua mãe, mas sei que Julia e
Devin teriam muito orgulho de você, Max. Sei que eu tenho. E mesmo que
eu não tenha sido tão bom quanto Devin teria sido com você, fico feliz que
eu e você temos um ao outro. Você salvou a minha vida.
Meu sobrinho sorriu entre as lágrimas.
— E você salvou a minha.
Eu o puxei para mais um abraço e nós choramos juntos.
— Obrigado por me escolher — Max murmurou, soluçando.
Demorei alguns segundos, mas entendi o que ele quis dizer com
aquilo. Eu poderia ter continuado na marinha e não assumido a sua guarda,
mas escolhi ficar com ele e cuidar dele, mesmo quando não entendia porra
nenhuma do que estava fazendo, mesmo quando era péssimo naquilo. Eu o
escolhi e o escolheria de novo mais mil vezes, se fosse necessário.
— Eu sempre vou escolher você, filho.
Max fungou ao me soltar do abraço. Nós rapidamente secamos as
lágrimas antes que algum convidado pudesse aparecer.
— Me desculpa se fui intrometido ao trazer Elena para cá sem te
avisar, mas depois de ler o que você escreveu não podia não fazer nada. Você
a amou muito, não foi?
Concordei com a cabeça.
— Amei. Amei, sim.
— E você ainda a ama, não é?
Soltei o ar dos pulmões.
— Eu sempre vou amar a Elena.
— Então, por favor, tio, não perde essa chance. Elena está bem
aqui, bem ao seu alcance. Não a deixe escapar outra vez.
Eu sorri para ele.
— Você sempre foi um bom cupido.
Ele riu.
— Eu era muito bom mesmo, não era? — Ele começou a
gargalhar. — Se não fosse a minha inteligência de levar a flor para a Elena
falando que você tinha mandado, você nunca teria a convidado para sair.
Francamente, tio Jake, você era péssimo de flerte.
Revirei os olhos.
— Abaixe a sua bola, destruidor de corações.
Max achou graça.
— Promete que vai atrás da sua garota? — ele indagou,
esperançoso.
Minha garota.
Eu nem sabia se Elena ainda queria ser a minha garota, mas talvez
Max estivesse certo e aquilo fosse uma nova chance para nós dois — e de
novo com uma empurradinha do meu sobrinho. Talvez eu pudesse encontrar
uma forma de reconquistá-la. Porra, eu não fazia ideia se aquilo daria certo,
mas de jeito nenhum eu iria morrer me perguntando o que poderia ter
acontecido se eu tivesse pelo menos tentado.
— Antes tarde do que nunca, eu suponho.
 

Elena ainda estava conversando com Melissa quando Max e eu


saímos da cozinha, de volta para o quintal. No instante que nos avistou, a
namorada do meu sobrinho pediu licença à Elena e veio rapidamente na
nossa direção.
— Boa sorte, sr. Hyder — ela disse para mim, antes de pegar a
mão de Max e levá-lo para longe, provavelmente querendo, de forma nada
discreta, me dar privacidade com Elena.
Eu me aproximei devagar, não sabendo muito bem como iniciar
uma conversa com ela depois de tantos anos, mas estendi a cerveja que havia
levado para ela, na esperança de que aquilo quebrasse um pouco o gelo.
— Obrigada. — Elena sorriu ao pegar a bebida da minha mão.
Nós dois demos um gole em nossas cervejas sem tirar os olhos um
do outro. Elena foi quem desviou os olhos primeiro e notei que suas
bochechas estavam ficando coradas, o que me fez dar um sorriso efêmero.
Era tão estranho olhar para ela, tê-la parada na minha frente depois de
acreditar e me conformar que nunca a veria de novo. E por mais que eu
sentisse que minha história com Elena não havia encontrado um ponto final,
eu também estava propenso a acreditar que nossa chance, nosso tempo,
havia passado. Mas lá estava a vida novamente, me provando que tudo pode
mudar em uma fração de segundos.
— Então...
— Então...
Elena e eu falamos ao mesmo tempo, o que rendeu algumas
risadinhas.
— Pode falar primeiro — concedeu ela.
— Você estava certa quando disse que eu não sabia sobre a sua
presença aqui hoje. Max não me disse nada.
Elena suspirou, mas não parecia estar chateada.
— Ele disse para mim que a ideia de me convidar tinha vindo de
você.
— É a cara dele fazer uma coisa dessas.
Ela riu.
— Não seria a primeira vez — brincou, saudosa. — Se ser cupido
fosse um trabalho, Max seria o chefe.
Concordei com a cabeça.
— Mas eu estou feliz que você esteja aqui — confessei.
Elena virou aqueles olhos castanhos para mim, com suas
bochechas novamente se tornando rubras por estar corando. Ela era tão linda
quanto eu me lembrava.
— É... eu também estou feliz de estar aqui. — Ela sorriu. — E o
Max está lindo e a namorada dele parece ser uma garota incrível, pelo pouco
tempo que conversei com ela.
Eu sabia que Elena estava trazendo o assunto para o Max porque
era um território seguro para se conversar. Ela estava na defensiva, mesmo
que discretamente. Não dava para culpá-la por isso. Eu mesmo não deveria ir
com tanta sede ao pote, mas caralho, eu estava morrendo de sede e queria
conversar sobre nós dois, queria saber se ainda existia um nós dois ou se
havia a possibilidade de existir de novo. Mas talvez não fosse justo
emboscar Elena com aquele assunto assim, logo de cara. Eu teria que esperar
o momento certo para falar.
— Melissa é uma figura. Os dois namoram há mais de dois anos e
não os vejo se separando. São completamente apaixonados um pelo outro.
Elena parecia feliz ao saber disso.
— Max merece toda a felicidade que o mundo tiver para oferecer.
Sim, ele merecia aquilo e muito mais.
— Você fez um excelente trabalho com ele, Jake. Ele se tornou um
homem educado, meigo, inteligente e feliz.
— O crédito não é todo meu. Você ajudou também.
— Não tanto quanto eu gostaria — ela murmurou, e tenho a
impressão de que ela havia dito aquilo mais para si mesma do que para mim.
O clima pesou um pouco, mas eu rapidamente o reverti.
— Me fale sobre a sua vida — pedi. — Imagino que você ainda
trabalhe como professora, certo? E a Taylor, como ela está?
Aquilo trouxe o sorriso de volta ao rosto de Elena.
— Taylor está bem. Ela e Boyce se casaram e agora têm uma filha
de dois anos chamada Miley. E é claro que eu sou a madrinha da menina.
— É claro que sim.
— Sobre o meu trabalho... Sim, eu ainda sou professora do ensino
fundamental. Não me imagino fazendo outra coisa enquanto eu viver. Eu
amo o meu trabalho.
Eu sorri.
— Você é muito boa nele.
— Obrigada. — Ela retribuiu o sorriso. — Mas e você? Descobriu
quem é o homem por trás do fuzileiro, Jake Hyder?
Durante os dois anos que fiquei em tratamento em Nashville, essa
era a pergunta que eu tentava responder. Eu queria conhecer o homem por
trás do fuzileiro, já que eu só sabia quem eu era se fosse o Cabo Jake Hyder
do Corpo de Fuzileiros Navais dos Estados Unidos. Demorou bem mais que
dois anos para que eu conhecesse esse cara e conseguisse perdoar o fuzileiro
por todas as coisas que ele havia feito e que impactavam diretamente em
quem eu era como pessoa. Demorou, mas eu consegui.
— Descobri, sim.
— E quem é ele? — Elena perguntou, curiosa. Seus olhos
brilharam de uma forma diferente naquele instante.
— Saia comigo para jantar hoje à noite, e eu te contarei tudo sobre
ele — sugeri, esperançoso de que havia decifrado da forma correta os
poucos sinais que ela me deu.
Elena abriu a boca e fechou logo em seguida. Os olhos estavam
um pouquinho arregalados de surpresa e ela ficou alguns segundos apenas
olhando para mim, sem saber o que fazer. Acho que ela não esperava que eu
fosse ser tão direto tão rápido, mas nós já havíamos perdido dez anos; doze
anos, se contássemos o tempo que fiquei em tratamento. Eu não queria
perder nem mais um segundo.
Por fim, depois do que pareceu quase um minuto inteiro de
silêncio, Elena sorriu e disse apenas:
— Sim.
Capítulo 46

Jake e eu não ficamos grudados durante a festa. Ele foi dar atenção aos
convidados e passou bastante tempo com Edwin, matando a saudade do
amigo. Mais tarde, outro homem chegou e se juntou a eles. Pela forma
descontraída com a qual Jake conversava com ele, deduzi que fosse um
amigo, alguém de quem ele se aproximou em Silvershore. Aquilo me deixou
feliz, pois o Jake Hyder que eu conheci, anos atrás, era fechado o bastante
para pensar duas vezes em conversar até mesmo com Edwin, que o conhecia
desde que eram crianças.
Passei a maior parte do tempo junto com Kate e Caroline, a sua
filha caçula. A garotinha era tímida e não saía do lado da mãe, de quem
havia puxado boa parte das suas características físicas. Ela tinha o mesmo
cabelo castanho claro de Kate, os mesmos olhos amendoados, o mesmo
formato dos lábios, mas o nariz era de Edwin, com certeza.
Kate e eu construímos uma amizade ao longo dos anos. Nem de
longe era parecido com o que eu tinha com Taylor, mas eu a considerava
uma boa amiga. Edwin também. Depois que Jake foi embora de Bayshore,
nós acabamos nos aproximando ainda mais, talvez porque, se ficássemos
próximos, ainda sentiríamos a presença de Jake e Max ali. Eu sabia que
Edwin e Shawn sentiam falta dos amigos, mas os quatro encontraram uma
forma de manter a amizade. Percebi isso pela familiaridade com a qual
conversavam. Shawn, Max e Ron ainda eram melhores amigos e, pela
quantidade de pessoas naquela festa, eu sabia que o tempo de solidão tanto
de Max quanto de Jake havia ficado para trás.
No final das contas, sair de Bayshore realmente fez bem para os
dois.
— Como você está se sentindo? — Kate me perguntou em
determinado momento, algumas horas depois. — Sobre estar no mesmo
lugar que Jake depois de tanto tempo, quero dizer.
Suspirei.
Como eu me sentia? Eu não tinha certeza, era uma mistura muito
doida de vários sentimentos diferentes. Eu me sentia eufórica, confusa, com
medo do que significava o jantar com o qual concordei, feliz de vê-lo feliz,
mas também triste pelos anos que perdemos, por ele nunca ter ido atrás de
mim. Por que ele nunca foi atrás de mim?
A pior parte de tudo aquilo era que eu senti as malditas borboletas
no estômago no instante em que Jake abriu a porta e me recebeu. Eu estava
ferrada. Todos os sentimentos haviam retornado com força total, como se
nunca tivessem ido embora. E mesmo que Jake tivesse me convidado para
jantar, eu não queria elevar as minhas expectativas. Ele claramente não era
mais o mesmo homem por quem me apaixonei doze anos atrás, então eu não
sabia se o sentimento que aquele homem sentiu por mim ainda estava lá. Se
não estivesse, eu não queria ter meu coração partido por Jake Hyder uma
segunda vez, independentemente de os motivos terem sido plausíveis da
primeira vez.
— Confusa — admiti. — Feliz também, mas principalmente
confusa.
Kate anuiu.
— Eu imagino que sim, mas se serve de alguma coisa, Jake parece
não conseguir tirar os olhos de você. — Kate apontou com a cabeça para
algum lugar atrás de mim.
Eu me virei e segui o seu olhar, encontrando Jake parado entre
Edwin e o homem que eu não conhecia. Ele estava olhando para mim,
completamente concentrado em mim e não na conversa que acontecia na
rodinha. Senti minhas bochechas ficando quentes pela atenção que seus
olhos depositavam em mim. Rapidamente, Jake me lançou uma piscadinha
com um dos olhos e finalmente voltou a prestar atenção na conversa dos
amigos. Um frio se instalou na minha barriga. As borboletas estavam de
volta. Jesus Cristo! Jake Hyder já era maravilhoso aos vinte e sete anos, mas
o que era aquele homem com trinta e nove anos, uma barba por fazer
cobrindo o seu queixo e os músculos um pouco maiores do que eu me
lembrava? Eu estava tão despreparada para o furacão que ele representava,
mas ao mesmo tempo estava tão ridiculamente ansiosa para ter a minha vida
bagunçada por ele.
Meu coração parecia ter desaprendido a desacelerar os batimentos.
Talvez eu estivesse à beira de um ataque. Era uma possibilidade bem
tangível àquela altura.
Virei de frente para Kate de novo.
— Esse sorrisinho no seu rosto diz bastante coisa.
Eu nem me dei conta de que estava sorrindo.
— Eu estou encrencada.
Kate riu.
— É, minha amiga, você está sim, mas isso não quer dizer que seja
algo ruim.
Talvez não.
Algumas horas depois, a hora do “Parabéns” chegou. Max foi para
trás da mesa com o bolo e os docinhos de festa. Nós cantamos “parabéns
para você” e batemos palmas enquanto Max fazia uma dancinha, celebrando
toda a atenção que estava recebendo. Logo depois disso, Melissa começou a
gritar que Max deveria dar um discurso, pois só se fazia dezoito anos uma
vez.
— Tá bom, tá bom — Max acalmou os convidados que também
clamavam por um discurso. — Peguem suas bebidas, porque eu vou
discursar e fazer um brinde ao mesmo tempo.
As pessoas presentes que já não tinham uma bebida nas mãos, se
apressaram para buscar uma.
De canto de olho, vi Jake parado no canto direito dos convidados,
enquanto eu permanecia do lado esquerdo, perto de Kate e Caroline. Ele não
estava olhando para mim naquele momento, então pude apreciar aqueles
minutos apenas olhando para ele e notando as sutis diferenças em sua
aparência. Ele estava inquestionavelmente mais velho, óbvio, e havia
algumas ruguinhas sutis ao lado dos seus olhos. Deus, como ele era atraente.
— Primeiramente, eu gostaria de agradecer a presença de cada um
de vocês aqui hoje — Max começou a discursar, e eu tirei a minha atenção
do seu tio e olhei para o aniversariante. — Vocês são demais! Em segundo
lugar, queria agradecer o meu tio e a minha namorada por prepararem essa
festa incrível para mim. Eu amo vocês mais do que tudo no mundo. — Olhei
rapidamente para Melissa, que mandava um beijo para Max; e depois para o
Jake, que sorria para o sobrinho. — Em terceiro lugar, queria agradecer aos
meus amigos por estarem sempre do meu lado e topar qualquer loucura. —
Shawn, Ron e mais alguns convidados da mesma idade de Max vibraram. —
Em quarto lugar, gostaria de dizer apenas que queria muito que meus pais
estivessem aqui hoje, mas eu sei que, de onde quer que eles estejam entre as
estrelas no céu, eles estão felizes por mim e estão comigo todos os dias. —
A voz de Max falhou na última parte, entregando o quanto ele estava
emocionado. Vi quando ele respirou fundo para se recompor. — E por
último, mas não menos importante, queria agradecer ao universo por trazer
de volta para a minha vida uma pessoa que foi muito importante durante a
minha infância. Elena, obrigado por tudo o que você fez por mim. — Max
olhou para mim com um sorriso radiante. Meus olhos se encheram de
lágrimas pela emoção, e eu mandei um beijo para ele. — É isso aí, galera!
Um brinde ao amor, à amizade e às segundas chances!
Todo mundo ergueu suas bebidas entre gritos de comemoração.
Meus olhos estavam embaçados pelas lágrimas, mas eu comemorei também.
Senti que estava sendo observada e quando olhei na direção de Jake, ele
ergueu sutilmente a sua garrafa de cerveja, oferecendo o mesmo brinde para
mim. Eu ergui a minha em resposta e nós sorrimos um para o outro antes de,
ao mesmo tempo, darmos um gole em nossas cervejas, aceitando o brinde.
Às segundas chances.
Max não perdia mesmo uma única oportunidade.
 
No início da noite, os convidados começaram a ir embora. Max e
seus amigos iniciariam a festa dos adolescentes. Jake deixou a casa sob
responsabilidade de Max para a tal festa, enquanto estaria jantando comigo.
Eu não sabia se ele tinha ideia do que uma festa só de adolescentes poderia
se tornar, mas Jake parecia confiar em Max o suficiente para saber que ele
não faria nenhuma idiotice.
Max se aproximou de mim com um sorriso enquanto eu esperava
por Jake. Ele me pediu alguns minutos para poder tomar um banho rápido e
trocar de roupa, já que, segundo ele, não queria sair comigo estando suado
por ter trabalhado o dia todo para organizar a festa de Max. Eu poderia dizer
a ele que estava cheirando tão bem quanto sempre, mas fiquei de boca
fechada e apenas concordei em esperá-lo.
— Eu quis comprar um presente para você, mas não fazia ideia do
que você gostava, então pensei em te dar um pouco de dinheiro para que
você compre o que quiser — eu disse a ele, constrangida por não ter trazido
um presente.
Max me dispensou com um gesto de mão.
— Sua presença foi o meu presente, Elena. Eu não preciso de mais
nada. Além disso, o tio Jake ficou muito feliz em te ver. É o suficiente para
mim.
Eu sorri.
— Eu estou tão orgulhosa do homem que você se tornou, Max.
— Obrigado — ele disse, emocionado. — Não só por ter vindo,
mas por tudo. — Entendi recentemente que você teve um papel muito mais
importante e significativo na minha vida do que eu imaginava.
Franzi o cenho, sem entender o que ele queria dizer com aquilo.
— Como assim?
Max apenas sorriu, como se soubesse de algo que eu não sei.
— Pergunte ao meu tio. Ele vai te explicar tudo.
— Max...
— Confie em mim. — Ele continuou com aquele sorriso largo. —
Por favor, apenas confie em mim.
Suspirei, receosa e esperançosa ao mesmo tempo. Eu confiava
nele. É claro que eu confiava, mas ainda assim não conseguia evitar ficar
apreensiva pelas coisas não ditas e os segredos que ele parecia carregar e
que, de alguma forma, pareciam me envolver. Aquilo me deixava nervosa.
— Tudo bem — concordei apenas.
Max me deu um beijo na bochecha e sorriu. Ele estava muito feliz,
dava para sentir de longe.
Jake apareceu logo em seguida, vestindo uma camiseta preta e um
jeans de lavagem escura. Ele ainda apostava nas roupas escuras, aquilo não
havia mudado. Ele também usava a sua Dog Tag no pescoço, compondo o
visual austero. Mas ele tinha um sorriso discreto nos lábios. Um sorriso fácil.
Aquilo era novidade.
— Podemos ir? — ele me perguntou.
Assenti.
— Max, juízo — Jake alertou, sério. — Não faça eu me arrepender
disso.
— Pode deixar, tio Jake. A casa ainda estará inteira quando você
voltar e ninguém vai parar na delegacia.
Jake suspirou.
— Eu realmente espero que não.
Dito aquilo, Jake e eu saímos da sua casa. Mesmo que eu tivesse
vindo com o meu carro, escolhemos ir com o dele até o restaurante para
onde Jake queria me levar. Seguimos em um silêncio confortável, enquanto
eu admirava as ruas de Silvershore. Embora tivesse ido até a cidade para
visitar Max e Jake anos atrás, eu nunca havia realmente passeado pelas ruas.
Em sua totalidade, Silvershore era muito parecida com Bayshore. Eu sentia
como se estivesse na mesma cidade.
— Você gosta de comida mexicana? — ele me perguntou,
quebrando o silêncio.
— Gosto.
— Pensei que podia te levar em um restaurante mexicano muito
bom. A menos que você tenha algum plano mirabolante, como jogar boliche,
por exemplo.
Eu dei risada, me lembrando do nosso primeiro encontro.
— Sem boliche dessa vez. Aquela é uma humilhação que não
pretendo repetir.
Jake deu uma risadinha.
— Você não foi tão ruim assim.
Mentiroso.
— Você claramente não deve se lembrar com detalhes daquela
noite, então — brinquei. — Eu fui pior que péssima.
— Eu me lembro de tudo, Elena — Jake rebateu, solenemente.
Olhei para ele, que retribuiu meu olhar de maneira rápida, pois
precisava prestar atenção enquanto dirigia. Embora eu só tenha visto o seu
rosto por alguns segundos durante aquela troca de olhares, não deixei de
notar que sua fisionomia carregava muito significado.
Eu fiquei sem saber o que responder depois daquilo.
Capítulo 47

Quando Devin conheceu Julia, ele mudou. Não que ele tenha deixado de
ser quem ele era, mas algo nele havia mudado desde que ela começou a fazer
parte de sua vida. Devin sorria mais e todo o seu rosto se iluminava quando
Julia estava por perto. Era como se ela fosse um sopro de vida ou uma brisa
refrescante em um dia de calor intenso. Meu irmão nunca havia sorrido tanto
antes de Julia. Eu sabia que ele se esforçava para parecer bem para mim,
para não deixar que eu percebesse o quanto as coisas eram ruins, mas os
sorrisos que ele me dava dificilmente alcançavam os seus olhos. Devin
estava sempre preocupado, com medo, com fome, com frio. Mas então Julia
apareceu. Os problemas continuaram independentemente dela, mas ele
parecia mais leve, mesmo que tudo ainda tivesse o mesmo peso em seus
ombros.
Eu me lembrava de pensar se um dia encontraria alguém que me
fizesse sentir daquele jeito, embora eu duvidasse muito de que aquilo fosse
possível, já que eu costumava ser péssimo com pessoas. Eu pensava que
talvez nunca fosse capaz de deixar alguém se aproximar o bastante para se
encantar por mim como Julia e Devin pareciam encantados um pelo outro. E
continuei acreditando naquilo fielmente, até Elena aparecer. Ela era para
mim o que Julia era para Devin. Um sopro de vida; uma brisa refrescante em
um dia de calor intenso.
Como eu havia dito antes, Elena apareceu para mim quando eu
mais precisava, mas também quando eu não estava pronto para ela. Eu tentei
estar, no entanto. Tentei ser o que ela precisava, mas, naquela época, eu nem
sabia quem eu era e depositei toda a minha felicidade nela, quando deveria,
primeiro, aprender a ser feliz sozinho. Eu queria somar na vida dela e não ser
um fardo. Nós éramos certos um para o outro, mas no momento mais errado
possível. Mas agora, com Elena sentada na minha frente, na mesa do
restaurante mexicano que eu havia mencionado, eu não podia deixar de
pensar se o nosso momento finalmente tinha chegado.
— O que foi? — ela perguntou logo após fazermos nossos pedidos
para o garçom. — Por que está me olhando assim?
— Como estou te olhando, Elena?
— Como se eu fosse algo novo, mas familiar também.
Aquela era uma forma de interpretar o que eu estava pensando.
— Você meio que é ambas as coisas agora, não acha?
Ela engoliu em seco.
— Para ser sincera com você, Jake, eu não sei o que achar. Na
verdade, eu não sei se quero realmente pensar alguma coisa sobre tudo isso.
Elena estava claramente assustada com o que resultaria da nossa
interação, e eu entendia muito bem aquela preocupação, porque eu também a
sentia. Eu já estava conformado que nunca teríamos uma nova chance, então
não estava nem um pouco preparado para vê-la parada na minha porta, dez
anos depois. E com certeza não estava preparado para ter meu coração
partido outra vez.
— Que tal se nós apenas jantarmos, conversarmos sobre
trivialidades por enquanto — sugeri, esperando poder tranquilizá-la um
pouco e esperar que meu próprio coração também ficasse mais calmo. — E
então, depois, antes que essa noite acabe, nós podemos conversar sobre... o
que isso significa.
Eu iria dizer sobre nós. Que no final da noite nós poderíamos
conversar sobre nós, mas eu não sabia se era isso o que ela queria: que
existisse um nós sobre o qual deveríamos conversar.
— Parece bom. — O sorriso dela hesitou um pouco. — Então,
você prometeu me contar sobre o homem por traz do fuzileiro.
Relaxei um pouco.
— Bem, eu descobri que gosto de trabalhar com as mãos.
Começou com uma sugestão do meu terapeuta, que eu fizesse alguma coisa
para me distrair, para me colocar de volta na sociedade e, de preferência, que
eu fizesse algo que envolvesse outras pessoas. Então fiz um curso de
cerâmica artística e artesanal. Hoje em dia, a argila se tornou minha melhor
amiga. Eu faço vasos, jarras, quadros, pequenas esculturas, enfim... o que
vier, e então vendo na internet. Também comecei a dar aulas para algumas
senhoras que queriam aprender sobre modelagem em argila.
Elena arregalou os olhos e deu um daqueles seus sorrisos radiantes
que aqueciam o meu coração.
— Você? Dando aulas para senhorinhas?
Dei uma risadinha.
— Pois é... elas me adoram.
— Uau — Elena exclamou, verdadeiramente surpresa. — Eu não
imaginaria isso nem em um milhão de anos.
Levei a mão ao peito de forma dramática, como se meu coração
estivesse doendo.
— Não seja dramático, Jake. — Ela riu. — É só que... você era
muito fechado antes.
— Eu sei. A terapia me ajudou com isso e, por incrível que pareça,
as senhorinhas também. Elas sempre foram muito gentis comigo, mesmo no
começo, quando eu não levava o menor jeito para ensinar qualquer coisa
para alguém. Descobri que gosto de ajudar as pessoas, o que foi
surpreendente para mim porque eu costumava sentir que estava brigado com
o restante do planeta.
Elena concordou com a cabeça.
— É, eu me lembro — ela disse, sem qualquer tom provocativo na
voz. — Você parece feliz. Max com certeza está feliz. Parece que deixar
Bayshore foi a coisa certa, no final das contas.
— É, essa cidade tem sido boa para nós — concordei.
O garçom chegou com o nosso pedido. Elena e eu havíamos
pedido várias opções diferentes de tacos para experimentar, então logo a
nossa mesa ficou cheia de comida.
— E os pesadelos e os episódios de TEPT? — Elena perguntou,
cautelosa, após dar uma mordida em um dos tacos.
— Faz anos que não tenho um episódio do transtorno. Tomei
medicamentos por um bom tempo. Eles ajudaram. A terapia também foi
essencial para que eu entendesse muita coisa e conseguisse lidar com tudo
que se passava na minha cabeça de uma maneira menos brutal. Eu ainda
tenho pesadelos às vezes, acho que os terei para sempre, mas... Acho que
pela primeira vez na minha vida, eu posso dizer que estou realmente bem.
Elena deu um sorriso, mas claramente alguma coisa a estava
incomodando. Não consegui adivinhar o que poderia ser.
— Isso é ótimo, Jake. Eu estou muito feliz por você.
— Obrigado. Mas e você? Algo novo que você queira me contar?
Finalmente peguei um dos tacos e dei uma mordida, esperando que
ela respondesse. Era um pouquinho apimentado, mas eu gostava do ardor.
— Adquiri o hábito de correr todas as manhãs, antes de ir para o
trabalho. Me ajuda a clarear os meus pensamentos.
— Você ainda escreve?
Ela assentiu enquanto mastigava.
— Nunca parei.
— Eu também não — falei.
Elena hesitou por um instante antes de perguntar:
— Você está namorando com alguém?
— Não. Me relacionei com algumas mulheres ao longo dos anos,
mas nada sério. — Nada como o que eu tive com você. — E você?
— Eu namorei um cara por alguns meses, alguns anos atrás, mas
não deu certo.
— Sinto muito que não tenha dado certo.
Elena olhou bem nos meus olhos, me analisando.
— Sente mesmo? — ela indagou com uma esperança velada.
Não consegui evitar um sorrisinho de lado.
— Não.
Devagar, Elena abaixou o rosto, tentando esconder o sorriso
discreto que desenhou os seus lábios. Deus, como ela era linda. Eu acho que
nunca me cansaria de dizer o quanto ela era linda. Para o resto do mundo,
talvez a beleza de Elena fosse comum, nada extraordinária, mas para mim
não existia mulher mais bonita. Mesmo quando a conheci e a achei
intrometida, eu não conseguia negar para mim mesmo o quanto a achava
bonita.
Nós finalizamos o jantar ainda conversando sobre trivialidades,
conforme combinamos que seria. Depois, partimos para a sobremesa. Elena
continuava verdadeiramente apaixonada por doces, e eu continuava não
sendo o maior fã deles, mas fiquei assistindo enquanto ela devorava um
sorvete frito, que parece ser uma sobremesa típica mexicana. Eu não fazia
ideia de como eles fritavam um sorvete ou se ele era de fato frito ou só tinha
esse nome por algum motivo.
— Quero te perguntar uma coisa — Elena anunciou no instante em
que entramos dentro do meu carro e fechamos a porta, trancando o mundo
do lado de fora.
Meu corpo ficou tenso, mas eu me virei na direção dela, querendo
olhá-la de frente.
— Manda.
— Max disse que recentemente descobriu que eu tive um papel
mais significativo em sua vida do que ele imaginava e quando perguntei a
ele o que aquilo significava, ele disse que eu deveria perguntar a você, que
você me explicaria.
Aquele era o momento. O momento em que nós finalmente
conversaríamos sobre o assunto que estávamos evitando desde o instante em
que ela apareceu na minha porta.
Era tudo ou nada.
— Eu escrevi um livro sobre nós, contando a nossa história. Foi
logo depois que Max e eu chegamos em Silvershore. Eu não queria esquecer
nada do que havíamos vivido juntos, então eu peguei o diário que você me
deu e escrevi um livro com ambos os nossos pontos de vista. Escrevi cada
detalhe do que vivemos juntos — contei, preocupado com qual seria a
reação de Elena. — Max encontrou esse livro. Bom, Melissa o encontrou, na
verdade. Os dois leram e acharam que nós merecíamos uma segunda chance.
Por isso Max te chamou para vir à festa.
Elena ficou muito tempo em silêncio depois disso. Era perceptível
que ela estava pensando, mas eu não conseguia adivinhar no que. Ela olhava
na minha direção, mas não estava realmente me vendo. Seus pensamentos
estavam longe.
— Por que você não me procurou? — ela questionou, baixinho,
mas não deixei de perceber a acusação em seu tom. — Quando você
melhorou, quando finalmente se deu conta de que estava bem, que os
episódios haviam parado... Por que você não foi atrás de mim, Jake?
— Eu fui.
Ela paralisou, olhando para mim com o cenho franzido.
— Dia 08 de novembro de 2014 — falei. — Foi um sábado. Eu fui
para Bayshore atrás de você, determinado a te ter de volta porque eu
finalmente estava pronto para ser o que você precisava, o que você merecia.
Eu nem precisei procurar por você pela cidade, porque logo que peguei a
avenida principal, te vi saindo de uma sorveteria com um cara. O dia nem
estava tão quente assim, mas vocês estavam tomando sorvete. Ele sujou o
seu nariz com a massa e você gargalhou e enfiou o seu sorvete todo na cara
dele, que também riu como se não tivesse uma única preocupação no mundo.
— Dei de ombros, sentindo o nó na minha garganta. — Você estava feliz,
Elena, e eu não tinha o direito de invadir a sua vida e destruir aquilo. Mas eu
fui atrás de você. Como poderia não ir?
Por estarmos envoltos pela penumbra, demorou para eu perceber
que lágrimas rolavam pelas bochechas de Elena. Eu me aproximei devagar e
coloquei minha mão em seu rosto, tocando-a pela primeira vez desde que ela
apareceu. Senti um arrepio percorrer o meu corpo à medida que meu polegar
deslizava pela sua pele sedosa e úmida pelas lágrimas.
— Você deveria ter falado comigo, me deixado saber que você
tinha ido até lá. Eu merecia saber, Jake — ela choramingou.
— Eu teria destruído o seu relacionamento, mesmo que não
intencionalmente. Eu teria te deixado confusa, porque você claramente
gostava daquele cara, e eu sabia que ainda havia uma chance de que minha
presença mexesse com você. E por mais que tenha me magoado te ver com
outro homem, você parecia feliz. Eu não podia tirar isso de você, não depois
de tudo o que eu te fiz passar.
Elena continuou chorando em silêncio, e eu sequei cada uma das
suas lágrimas enquanto tentava controlar o desejo avassalador de beijá-la; de
puxá-la para o meu colo e beijá-la até que nós dois estivéssemos tendo
dificuldade para respirar.
— Por que você acha que meu relacionamento com aquele cara
não deu certo? Você deveria saber que eu teria escolhido você, Jake. Você
deveria saber que sempre foi você. Mesmo quando foi difícil, mesmo com
todos os defeitos do mundo, mesmo quando a saudade ameaçava me
consumir, mesmo quando eu tive raiva e medo, mesmo quando quis odiar
você, porque talvez fosse mais fácil. Mesmo nesses momentos, sempre foi
você — ela chorou, olhando para mim com tanta dor naqueles lindos olhos
castanhos que, de repente, estava difícil respirar, mas não pelos motivos que
eu queria. — Mas, de novo, você tirou de mim o direito de escolher.
— Eu estava tentando fazer o que parecia ser o melhor para você.
— Você claramente não sabe nada sobre o que é melhor para mim,
Jake — respondeu, saindo do meu alcance e fazendo com que minha mão
caísse do seu rosto.
— Elena...
— Me leve de volta para o meu carro, Jake, por favor. Está tarde e
o caminho até Bayshore é longo.
— Você não precisa ir embora hoje, pode...
— Sim, eu preciso — ela respondeu, resoluta e magoada.
Embora tivesse uma parte de mim que não quisesse contrariá-la,
porque não queria dar mais motivos para Elena sentir raiva de mim, uma
parte ainda maior me fez ficar estagnado onde eu estava, sem fazer qualquer
menção de que atenderia ao seu pedido. Obviamente que isso a deixou
possessa.
— Tá, não dirija então, eu vou pegar um Uber.
Elena saiu do meu carro antes que eu pudesse impedi-la, mas eu
não a deixaria escapar de mim tão facilmente, então eu também saí do carro.
— Elena, pare! — pedi, andando atrás dela, mas Elena não parou.
— Para! — Dei uma corridinha e a alcancei, entrando na sua frente e
impedindo que continuasse fugindo de mim. — O que você quer que eu
diga? Que eu sinto muito? Porque eu sinto. Sinto muito por todos os anos
que perdemos, sinto muito porque fiz coisas que machucaram você, sinto
muito se errei mais do que acertei, mas tudo o que eu fiz desde que te
conheci, foi pensando em você. Me desculpe se tomei a decisão errada de
não deixar que você soubesse que eu fui até Bayshore, que procurei por
você. Eu estava tentando ser alguém melhor, não queria começar sendo
egoísta. Além do mais, quando duas pessoas nasceram para ficarem juntas,
elas encontram o caminho de volta uma para a outra. Não é isso o que todo
mundo diz? Então, eu esperei. Eu esperei até que a vida trouxesse você de
volta para mim, e ela trouxe. Você está aqui. Nós estamos aqui — discursei,
desesperado para conseguir convencê-la a não ir embora. — Por favor, eu
não quero perder você de novo. Eu te amo, caramba!
Os lábios de Elena tremiam enquanto seus olhos derramavam
lágrima atrás de lágrima. Quando ela não disse nada, mas também não deu
indícios de que iria fugir, eu me aproximei e toquei o seu rosto de novo.
— Eu sou completamente louco por você e tenho certeza de que
serei até o fim dos meus dias. Dez anos não apagaram o que eu sinto por
você. E eu sei que te machuquei de muitas formas. Meu Deus, eu sei disso.
Mas eu prometo que meu amor não vai machucar você agora, baby.
— Não me chame assim — ela balbuciou.
— Por que não?
— Porque fica muito difícil para mim ir embora.
— Então não vá. Fique comigo. — Segurei o seu rosto com as
mãos em forma de conchas. — Eu disse a você que quando ficássemos
juntos de novo, seria para sempre, lembra? Eu disse que queria ser digno de
você, queria ser alguém que te mereceria. Eu sei exatamente quem eu sou
agora, Elena. Jamais te pediria para ficar se não tivesse certeza de que posso
te fazer feliz, se não tivesse certeza de que o que aconteceu doze anos atrás,
nunca mais vai se repetir. Nunca. Diga que me aceita de volta, baby. Diga
que podemos tentar de novo, porque eu juro que estou pronto agora e que
nunca mais vou embora. Juro que serei seu por inteiro. Apenas diga sim, por
favor.
Elena fungou e suas mãos suaves tocaram os meus antebraços
enquanto eu ainda segurava o seu rosto. Por um instante, pensei que ela iria
me afastar, mas ela não o fez.
— Eu estou com medo, Jake — ela murmurou. — Não de você,
mas sim de entrar de cabeça nisso e de repente nós não termos sido feitos
para ficarmos juntos. E se a nossa história não existir para ter um final feliz?
Eu demorei muito tempo para conseguir não pensar em você o tempo inteiro.
Demorou muito tempo para que deixasse de doer.
— Eu sei. Eu também estou apavorado, mas nada me assusta mais
do que te ver entrando em um carro agora e indo embora de novo —
confessei. — Nossa história tem um final feliz, Elena. Não existe outro final
para nós dois que não seja esse. Não estou dizendo que sempre será fácil,
mas sei que vamos trabalhar todos os dias para que seja para sempre.
Uni minha testa com a dela, sentindo sua respiração ofegante bater
contra a minha boca. Estávamos tão perto e eu estava com tanta saudade,
mas não podia cruzar aquela linha a menos que ela me dissesse que também
queria aquilo tanto quanto eu.
— Não parta o meu coração, Jake.
— Nunca mais.
Quando Elena inclinou a cabeça para me dar melhor acesso aos
seus lábios, eu imediatamente grudei os meus nos dela. Eu a beijei com dez
anos de saudade, dez anos de ausência, dez anos de um amor que esperei até
que fosse a hora de expressar novamente. Eu a beijei como um homem
faminto, porque eu estava mesmo desesperado para sentir o gosto dos lábios
dela. Enlacei a cintura de Elena quando ela entrelaçou os braços no meu
pescoço e a puxei para mais perto de mim, como se pudesse fundir nossos
corpos em um só. A língua dela passou para dentro da minha boca no
instante em que meus lábios se entreabriram e fiquei inebriado pela sensação
da sua língua na minha. Delirei ao sentir o seu perfume e perceber que seu
corpo estava estremecendo de desejo nos meus braços.
Elena também sentiu a minha falta.
— A propósito — ela sussurrou nos meus lábios, sorrindo — eu
também te amo, Jake.
Sorri nos lábios dela e a ergui do chão. Elena soltou um gritinho,
mas começou a rir logo em seguida. Caralho, como eu sentia saudade do
som da risada dela.
— Me coloca no chão, seu maluco!
Eu obedeci, só porque queria poder beijá-la mais um pouco.
— Vamos voltar para a minha casa — sugeri. — Podemos tomar
um vinho e conversar um pouco mais. Ou talvez eu fique te beijando o
tempo todo.
Ela riu.
— Eu adoraria, mas acho que preciso te lembrar que está rolando
uma festa na sua casa nesse exato momento.
— Porra — resmunguei. Eu havia me esquecido completamente da
festa de Maxon.
— Mas eu tenho certeza de que passamos por um hotel no
caminho até aqui. — Ela deu de ombros. — Acho que pode ser uma solução.
Minha cabeça automaticamente se encheu de ideias sobre o que eu
poderia fazer com Elena em um quarto de hotel, mas segurei a onda. Nós
havíamos feito as pazes, mas aquilo não significava que ela iria transar
comigo, mesmo que eu estivesse morrendo para sentir o corpo dela sem a
interferência das roupas.
— É uma solução, com certeza. — Sorri. — Vamos!
Capítulo 48

Para o meu próprio mérito, peguei um quarto de hotel já mentalizando


centenas de baldes de água fria caindo sobre a minha cabeça, pois só assim
eu conseguiria ficar trancado em um quarto com Elena e não a atacar. Mas
para a minha surpresa, no instante em que fechei a porta, foi ela quem me
atacou. Seus lábios bateram contra os meus e sua língua adentrou a minha
boca, cálida. O desejo que sentíamos um pelo outro estava dominando a
atmosfera do quarto, explodindo sem precedentes depois de tanto tempo
sendo reprimido. Eu queria ter certeza de que estava entendendo os sinais
corretamente, porque quando eu começasse a tocar o corpo dela, sabia que
não conseguia parar.
— Elena, se você não tem a intenção de levar isso adiante, temos
que parar agora — falei, sofrendo por interromper o beijo, mas precisando
daquela confirmação mais do que qualquer coisa no mundo. — Faz tempo
demais e te quero demais.
A resposta que ela me deu foi me beijar de novo. Elena estava tão
faminta quanto eu, como se não conseguisse ter o suficiente mesmo que
tivesse tudo. E ela tinha. Eu era dela como nunca havia sido de outra mulher
e sabia que ela era minha como nunca havia sido de outro homem. Aquilo
era tudo o que me importava.
Nós entramos em um frenesi de boca, língua e braços, que
arrancavam rapidamente a roupa um do outro. Meus dedos encontraram o
zíper do seu vestido, e eu tirei a peça do seu corpo no instante em que o
tecido ficou frouxo ao redor das suas curvas. Elena também tirou a minha
camiseta e abriu o botão e o zíper da minha calça em seguida. Em questão de
um minuto, eu estava só de cueca; e ela, só de calcinha e sutiã. Ambas as
peças eram pretas e combinavam. E por mais que eu quisesse devorá-la — e
eu iria —, tirei alguns instantes para apenas olhá-la. O seu corpo era familiar
para mim e por conhecê-lo bem, por ter memorizado cada detalhe dela na
minha cabeça, eu sabia que Elena havia ganhado peso desde que a última
vez que a vi, que sua barriga não era mais tão lisa quanto fora um dia. A
curva do seu quadril estava mais acentuada e as coxas e os seios estavam um
pouco maiores do que eu me lembrava. Ela estava perfeita. Naquele
momento ou doze anos atrás, ela era e sempre seria perfeita aos meus olhos.
— Você vai ficar aí só me olhando? — Elena indagou,
maliciosamente.
Não pude evitar um sorriso lascivo.
— O que você quer que eu faça com você, baby? Peça, e eu farei.
Elena fez uma cara de safada que eu nunca havia visto antes.
Parecia que a sua versão de trinta e oito anos era um pouco mais ousada que
a de vinte e seis.
— Primeiro, eu quero que você me beije aqui — ela disse,
apontando para os próprios lábios. — Depois aqui. — Ela deslizou a mão até
os seios, passando pelo meio deles. — E termine me beijando aqui. — Ela
desceu os dedos por dentro da sua calcinha, alcançando a boceta que eu tinha
certeza de que estava melada de tesão.
Ah porra.
Eu avancei sobre Elena, puxando-a contra o meu corpo com um
pouco de brutalidade, mas me certificando de que não a machucaria. Seus
seios ficaram esmagados contra o meu peito quando eu tomei seus lábios nos
meus, começando a trilha de beijos exatamente por onde ela havia pedido.
Eu devorei a sua boca, chupei a sua língua e mordi seu lábio inferior antes de
descer os meus beijos pelo seu pescoço, alcançando o colo dos seus seios.
Enquanto segurava o quadril de Elena com uma mão, levei a outra até as
suas costas e abri o fecho do seu sutiã, deixando que a peça caísse do seu
corpo e revelasse aqueles seios deliciosos para mim. A peguei no colo em
seguida, em um movimento rápido que a fez soltar um gritinho, e depois
soltei o seu corpo na cama, fazendo toda a estrutura balançar. Elena arquejou
quando fechei meus lábios ao redor do biquinho endurecido do seu seio
esquerdo. Ela arqueou as costas, se empinando mais na direção da minha
boca. Segurei ambos os seus seios com as mãos e intercalei os beijos e as
lambidas entre os dois. Elena gemeu deliciosamente devagar.
Duas etapas de três estavam concluídas.
E por mais que eu amasse brincar com os seios de Elena, tinha
uma outra parte pela qual eu estava realmente ansioso para sentir o gosto
novamente. Então, fui criando um caminho de beijos pela sua barriga,
levando meu tempo para apreciar a maciez da sua pele, cujo cheiro eu
também havia sentido muita falta nos últimos anos. Mas quando finalmente
cheguei à sua calcinha, agi rápido. Não havia necessidade de deixar a
expectativa crescer quando eu já estava perdendo completamente a cabeça,
desejando enfiar minha língua na sua boceta. Então arranquei a calcinha de
Elena e puxei o seu corpo para mais perto da borda da cama, me ajoelhando
logo em seguida e abrindo as pernas dela. Sua boceta estava brilhando,
úmida de tesão, e minha boca realmente salivou para prová-la.
A respiração de Elena ficava mais e mais ofegante à medida que
eu a chupava e lambia, bêbado do gosto dela na minha língua. Seus dedos
delicados adentraram os fios do meu cabelo quando coloquei suas pernas
apoiadas nos meus ombros e praticamente mergulhei na sua boceta. Suguei o
seu clitóris para dentro da minha boca, e ela gritou de prazer. O orgasmo a
atingindo com força conforme seu corpo estremecia em descontrole. Eu
continuei chupando-a, mesmo sabendo que suas terminações nervosas
estavam sensíveis, mas eu queria capturar cada gota do seu prazer.
Quando eu me levantei do chão e tirei minha cueca, Elena
umedeceu os lábios e se moveu na cama, ficando de quatro e vindo na minha
direção para abocanhar o meu pau. Eu a impedi.
— O que foi? — ela indagou, confusa. — Eu quero retribuir.
— E você vai, mas eu quero te foder primeiro. Empina a bunda
para mim, baby.
Os lábios dela formaram um sorriso safado antes que ela virasse a
bunda para mim e debruçasse sobre a cama, se empinando por completo.
Isso, caralho! Eu segurei seu quadril e me acomodei entre as suas pernas ao
segurar meu pau pela base e passá-lo de leve pela sua entrada. Elena gemeu.
— Porra, como eu senti a sua falta — sussurrei.
Ela arquejou.
— Eu também senti a sua. — Elena me olhou por cima de seu
ombro. — Todos os dias.
Entrei na sua boceta devagar, apreciando cada centímetro que se
dilatava para me receber. Elena agarrou os lençóis, e eu gemi baixo,
inebriado pela sensação de tê-la em volta de mim de novo. E uma vez que eu
estava todo dentro dela, comecei os movimentos de vai e vem; estipulando
um ritmo lento e torturante, aproveitando cada segundo daquilo. Elena
começou a mover o corpo de encontro ao meu, me fodendo de volta.
Gemi.
Por mais que a visão de Elena de quatro, com a sua bunda batendo
contra o meu corpo, fosse deliciosa, eu não queria gozar daquele jeito.
Parecia impessoal demais para uma primeira transa com ela depois de tanto
tempo. Portanto, sai completamente de Elena, recebendo um resmungo de
protesto. Girei o seu corpo, de forma que suas costas bateram contra o
colchão macio e seus cabelos se espalharam pelos travesseiros.
Instintivamente, Elena abriu as pernas para mim, de modo que eu
conseguisse me acomodar no meio delas. Meti na sua boceta de novo, não
conseguindo ficar longe por mais do que alguns poucos segundos.
— Pensei que nós íamos... Como foi que você disse mesmo, anos
atrás? — Ela pensou por um instante. — Trepar.
Eu dei risada. Realmente gargalhei ao ouvir a palavra trepar
envolvida na voz dela.
— Nós vamos trepar muito, baby — eu sussurrei no ouvido dela, e
então mordi o lóbulo da sua orelha enquanto investia contra a sua boceta
devagar; ainda apreciando. — Eu vou foder você em todas as posições
possíveis, em todos os cômodos da minha casa, depois que Max for embora
para a faculdade, mas agora eu só quero olhar para o seu rosto. Para os seus
olhos.
Elena deslizou as unhas pelas minhas costas. Gemi, sôfrego. As
sensações que meu corpo produzia naquele momento eram as mesmas de
doze anos atrás. Eu sentia o mesmo desejo se formando no meu âmago e se
espalhando pelas minhas veias conforme olhava para ela com as bochechas
coradas e as pupilas dilatadas pelo prazer. Eu sentia a mesma sensação de
euforia para beijá-la, como se nunca tivesse feito aquilo antes; como se fosse
a primeira vez. Tudo com Elena era como se fosse a primeira vez. Eu sentia
como se, ao mesmo tempo que meu corpo parecia ter memorizado o dela,
também parecia que nunca a havia tocado antes e precisava descobrir tudo
de novo. Eu amava aquela sensação. Eu tinha me relacionado com outras
mulheres depois dela, mas nunca era igual. Nunca era daquele jeito. Nunca
era ela.
Beijei Elena, sentindo sua língua deslizar para dentro da minha
boca e encontrar a minha. Segurei seu seio direito e estimulei o mamilo,
fazendo círculos lentos com meu polegar, só para depois beliscar de leve.
Ela gemeu nos meus lábios. Eu adorava o quanto o corpo dela era
responsivo.
Quando senti o orgasmo se formando, crescendo e crescendo,
próximo de me fazer explodir, aumentei um pouco o ritmo das estocadas e
interrompi o nosso beijo, colando a minha testa na de Elena e deixando que
nós respirássemos o mesmo ar. Ela começou a estremecer, meus músculos
ficaram tensos e nossos gemidos se misturaram quando ambos gozamos. Fui
diminuindo o ritmo aos poucos até parar por completo, mas permaneci
dentro de Elena quando ela abraçou o meu quadril com as pernas e envolveu
seus braços ao meu redor do meu corpo, me abraçando. Escondi meu rosto
na curva do seu pescoço e inalei o seu cheiro familiar. Dava para sentir o
descompasso do seu coração batendo contra o meu.
Por alguns instantes, ficamos assim, sem nos mexer, colados um
no outro como se fossemos desaparecer caso nos soltássemos. Saí de Elena
logo depois, me deitando ao seu lado e puxando seu corpo para junto do
meu. Pensei em sugerir que tomássemos banho juntos, mas eu só queria ficar
mais alguns minutos na cama com ela, sentindo o seu corpo quente no meu à
medida que nossas respirações voltavam ao ritmo normal.
— Diz para mim, Jake — ela pediu em um sussurro, com o queixo
apoiado no meu peito e os olhos presos aos meus. — Diz que agora é para
sempre.
Dei um beijo em sua testa antes de dar um em seus lábios macios.
— Sim. Agora é para sempre.
Capítulo 49

Poucos dias depois que Elena e eu fizemos as pazes, estávamos na minha


casa para ajudar o Max a carregar o carro com os seus pertences para a
faculdade. Ele estava partindo naquele dia. Meu sobrinho e a namorada
iriam para Nova York de carro. Era um longo percurso até lá, levaria vários
dias, mas eles queriam um tempo para ficarem juntos e sozinhos antes da
loucura das aulas começarem na Brown. A condição para permitir aquela
viagem foi que Max iria me ligar todos os dias para me dar notícias do seu
paradeiro até que chegasse ao seu destino.
Cada vez que eu olhava para ele, durante aquelas horas que
terminamos de empacotar as suas coisas e carregamos o seu carro, Max
parecia mais e mais radiante. Genuinamente feliz. Era maravilhoso vê-lo
realizado daquele jeito.
Naquele momento, desejei com mais força que Devin pudesse
estar presente para ver o filho se tornando um homem e seguindo os próprios
sonhos. Meu irmão ficaria orgulhoso.
Quanto a mim e Elena, ainda estávamos tentando entender como o
nosso relacionamento funcionaria, já que morávamos em cidades diferentes.
Não era o ideal, mas Silvershore e Bayshore ficavam a quarentas minutos de
distância de carro uma da outra, então não seria uma dificuldade absurda. Eu
tinha a minha vida em Silvershore, tinha as aulas com as senhorinhas e
poucos, mas bons amigos; e Elena tinha seu trabalho, Taylor e sua afilhada
em Bayshore. Por enquanto, manteríamos nossas vidas do jeito que estavam:
usando os finais de semana e ocasionais períodos livres para nos ver durante
a semana. De novo, não era o ideal, mas funcionaria bem para nós dois. Nós
faríamos qualquer coisa para ficarmos juntos, para fazer dar certo.
Eu sabia que precisávamos ir com calma e conhecer as pessoas
que havíamos nos tornado, já que muito pode mudar em alguém no período
de dez anos. Queríamos nos apaixonar ainda mais pelas nossas novas
versões, então firmamos um namoro. Era um começo, mas eu sabia que
queria fazer dela a minha esposa. Logo eu, quem diria...
Preferi não comentar aquilo com Elena para não a assustar.
Tínhamos que recuperar um pouco do tempo perdido antes de outra
mudança drástica nos atingir. Por enquanto, eu estava mais do que feliz de
poder chamá-la de minha namorada. Max, que sempre trabalhou como nosso
cupido, faltou soltar fogos de artifício quando contei a ele que Elena e eu
tínhamos nos entendido. E não deixei de notar que a preocupação que via
nos olhos dele dirigida a mim, havia sumido. Max estava preocupado em ir
para a faculdade e me deixar sozinho, já que éramos a única família um do
outro. Bom, eu não estava mais sozinho, e ele também não.
Aquilo era muito bom.
— Não esqueça de me ligar todos os dias — lembrei a ele. — Se
eu não receber uma ligação sua, vou colocar a polícia atrás de você, garoto.
Max deu risada.
— Relaxa, tio Jake. Eu prometo que vou ligar. Melissa não vai me
deixar esquecer, certo, amor?
Melissa, que estava parada ao lado de Max, assim como Elena
estava parada do meu, já do lado de fora da minha casa, confirmou com a
cabeça.
— Coloquei um despertador no meu celular que irá tocar
diariamente para que não nos esquecermos de ligar — ela me informou.
Sorri.
— Ótimo. Isso é muito bom.
Havia chegado o momento de nos despedirmos. Elena deu um
abraço em Melissa, desejando-lhe boa sorte na nova jornada. E depois,
apertou Max em um abraço tão forte que vi meu sobrinho ficar quase sem ar.
Ele a abraçou de volta com a mesma determinação. Era incrível vê-los juntos
de novo, embora também fosse um pouco esquisito, já que a última interação
dos dois havia acontecido quando Max ainda era bem mais baixo que ela e
sem todos aqueles músculos que exibia orgulhosamente.
— Ah, querido, boa sorte — Elena desejou, emocionada. — Eu
estou muito orgulhosa de você e muito feliz que nos reencontramos. Você
vai arrasar lá. Vocês dois vão.
Max sorriu para ela.
— Obrigado, senhorita Blake — ele disse, chamando-a da mesma
forma que costumava chamar quando era um garotinho. A nostalgia atingiu
todos nós de forma avassaladora.
Os olhos de Elena estavam repletos de lágrimas.
Eu me despedi de Melissa com um abraço, também desejando boa
sorte e pedindo que se cuidasse e cuidasse de Max. Que ambos cuidassem
um do outro. E disse também que estava feliz que meu sobrinho a tivesse em
sua vida. Melissa era uma boa garota.
— Obrigada, sr. Hyder — ela agradeceu com um sorriso. A
emoção em sua voz era tangível.
— De nada.
Então, chegou o momento de eu me despedir do meu sobrinho —
meu filho. Ao mesmo tempo que eu estava inquestionavelmente orgulhoso e
feliz por sua conquista de entrar na sua faculdade dos sonhos, eu estava triste
de não o ter mais por perto. Eu sentiria falta de Max mais do que ele poderia
imaginar.
— Será que posso ter um momento a sós com ele? — pedi para
Elena e Melissa. As duas rapidamente concordaram com a cabeça e se
afastaram, indo para mais perto do carro que carregava todos os pertences
dos dois; todos os seus sonhos.
— Está tudo bem, tio Jake? — Max perguntou, preocupado.
— Sim, está sim. — Sorri para tranquilizá-lo, embora soubesse
que ele perceberia que eu estava tenso. Max era muito observador. — Tem
uma coisa que quero dar a você.
De dentro do bolso interno da minha jaqueta, puxei o envelope.
— Talvez você se lembre de ter lido no livro que escrevi que,
durante a penúltima interação que tive com o seu pai, ele estava escrevendo
uma carta para você. Depois que ele morreu e me entregaram todas as suas
coisas, eu encontrei essa carta. Você era muito pequeno na época e fiquei
com medo de dar a carta para você e ela fazer mais mal do que bem. Você já
estava sofrendo tanto com tudo, que eu não quis acrescentar mais a um prato
que já estava cheio, mas você é um homem agora. Então acho que esse é o
momento certo para te dar o que foram as últimas palavras de Devin para
você.
Estendi o envelope para o Max. Meu sobrinho olhou para a carta
como se ela fosse um tesouro precioso e a segurou em suas mãos como se
fosse algo delicado também, algo que ele pudesse danificar se não tomasse
cuidado.
— Eu nunca li o que estava escrito. Não era para mim — falei. —
Eu espero que, seja lá o que seu pai tenha escrito aí, te ajude a conhecê-lo
um pouco melhor e que reafirme no seu coração que ele nunca foi embora de
verdade. Ele está sempre com você, Max. Assim como a sua mãe também.
Assim como eu também sempre estarei.
Quando os olhos castanhos de Max se ergueram para encontrar os
meus, vi que ele represava um rio de lágrimas nos olhos. A emoção foi tanta
que ele não conseguiu contê-las e elas se derramaram pelas suas bochechas.
— Obrigado — ele balbuciou, choroso. — Obrigado mesmo por
isso, tio Jake.
Eu o puxei para um abraço e meu sobrinho me segurou com força
enquanto chorava baixinho, escondendo o rosto no meu ombro. Max era
quase da minha altura, muito diferente do garotinho que eu costumava
segurar no colo com tanta facilidade. Ele era um homem agora.
— Eu te amo, meu garoto. Sempre e para sempre.
Devin e eu costumávamos declarar nosso amor um pelo outro
daquela forma, usando aquelas palavras, aquele juramento. Sempre e para
sempre. Porque não importava o que acontecesse conosco, nós sempre,
independentemente de qualquer coisa, de quanto tempo se passasse,
amaríamos um ao outro.
— Eu também te amo, pai.
Nós choramos em silêncio, abraçados um no outro por não sei
quanto tempo. Quando nos soltamos, Max abriu um sorriso radiante entre as
lágrimas. Eu sorri de volta para ele.
— Agora, vai — falei. — Vocês precisam estar na Interestadual
antes do entardecer.
Ele confirmou com a cabeça, guardou a carta na mochila que
estava pendurada em suas costas e desceu os três degraus da varanda da
frente. Elena veio para perto de mim, se colocando ao meu lado para assistir
ao meu sobrinho dando o primeiro passo em direção à vida adulta.
— Ei, tio — Max me chamou antes de entrar no carro. — Você
deveria dar um final para aquele seu livro. Eu até pensei em um nome.
Dei uma risadinha.
— Ah, é? Qual?
— Minhas estrelas têm olhos castanhos — ele sugeriu com um
sorriso. — Eu, meu pai e Elena somos as estrelas que você menciona no seu
livro. — Max deu de ombros. — Acho que combina.
O título me atingiu no peito e se alojou, criando raízes. Era
perfeito e real.
— Eu gostei disso.
Max sorriu, satisfeito, e entrou no carro. Aquele havia sido o meu
presente de dezoito anos para ele. Um carro próprio. Eu o entreguei
oficialmente para ele na manhã seguinte ao seu aniversário. Maxon quase
teve um ataque cardíaco de tanta euforia. Meu sobrinho merecia aquele
presente e fiquei mais do que feliz em dar a ele.
Quando o carro de Max saiu da entrada da garagem e pegou a rua
da nossa casa, ele enfiou a mão na buzina e acenou pela janela, se
despedindo enquanto partia. Elena e eu acenamos também.
E eu ouvi a buzina soando até que ele estivesse longe o bastante
para que meus olhos não enxergassem mais o carro. E então, ele havia
partido.
— Eu quero ler esse livro também, a propósito — disse Elena,
quando entramos na minha casa. — Mas antes, acho que você deveria seguir
o conselho do Max e terminá-lo. Quero ler quando já tiver um fim.
Eu sorri.
— Você já sabe o final dessa história.
Elena sorriu de volta.
— Eu sei, e agora talvez seja a vez do mundo saber também.
Sem dizer mais nada, ela me deu um beijo casto nos lábios e subiu
as escadas, dizendo que iria tomar um banho, já que todo o trabalho daquela
manhã havia a deixado suada.
Por longos minutos, eu permaneci em pé no centro da sala. Depois,
já sentindo saudades da voz de Max preenchendo a casa, eu subi até o seu
quarto e notei que meu sobrinho havia deixado para trás o seu abajur
projetor de estrelas. Era o único objeto que permaneceu no quarto vazio. Eu
me aproximei, sentei na cama de Max e segurei o abajur nas mãos, só então
percebendo que havia um pequeno bilhete embaixo dele. Puxei o pedaço de
papel e encontrei a caligrafia torta de Maxon.

Então, fiz o que meu sobrinho pediu e liguei o abajur na tomada,


fechando as cortinas para que a claridade do dia não adentrasse o quarto e
permitisse que eu visse as várias estrelas dominando as quatro paredes do
cômodo.
Sorri diante daquilo.
Max estava certo. Eu precisava escrever o final daquela história,
que não era apenas o romance entre um casal, mas também a relação de um
homem destruído com o luto e a culpa, que encontrou sentido e propósito de
vida em um garotinho tão quebrado quanto ele.
Nós dois contribuímos para a salvação um do outro.
Nós dois éramos estrelas no céu um do outro.
E o mundo precisava saber que eu sempre me lembraria e seria
grato pelas minhas três estrelas de olhos castanhos.
Epílogo

Fazia duas semanas que as aulas haviam começado.


Fazia bem mais tempo que isso que eu estava guardando a carta
que o meu pai escreveu para mim, apenas esperando o momento em que eu
me sentisse pronto para lê-la pela primeira vez.
As últimas palavras do meu pai para mim.
Ao mesmo tempo que me dava certo conforto saber que havia uma
parte dele que ainda estava intocada, que eu ainda poderia descobrir algo
novo sobre ele, mesmo depois de tantos anos, eu estava assustado. A morte
dos meus pais era uma ferida que nunca cicatrizaria por completo. Eu era
muito pequeno quando eles morreram, então não tinha muitas lembranças, o
que era bom e ruim na mesma proporção. Era bom porque fazia com que eu
não tivesse tantos momentos dos quais sentir falta. Eu convivi pouco com os
dois. E era ruim exatamente pelo menos motivo. Nós tivemos tão pouco
tempo na vida um do outro. Não era justo.
Por mais que no começo tenha sido difícil entre mim e o meu tio,
nós conseguimos nos entender, nós nos amávamos e nos dávamos bem. E
mesmo que eu o chamasse de tio em noventa e nove por cento das situações,
eu sabia que ele era o meu pai, porque pai é quem cria, não quem coloca no
mundo.
Mesmo que eu tenha tido uma vida feliz, depois que todo o
sofrimento e luto ficaram para trás, eu ainda pensava constantemente nos
meus pais e sentia falta da presença deles. Me entristecia que eu não
conseguisse me lembrar das suas vozes e que seus rostos estivessem para
sempre congelados em poucas fotografias. Me entristecia que eu não os
conhecia como um filho deveria conhecer os próprios pais, eu não sabia do
que eles gostavam, do que detestavam, o que sonharam para mim quando eu
nasci. Havia tantas, tantas coisas que eu nunca saberia sobre eles. Me
entristecia também que eu não conhecia a risada deles ou o tom do meu
nome na voz deles. Eu nunca saberia como soaria e aquilo me machucava
quando eu parava para pensar a respeito. Então, eu não fazia aquilo com
frequência. Pensava neles, sim, mas não mergulhava nesses pensamentos,
porque doía demais.
Mas carregar aquela carta na minha mochila também estava me
matando. Era como se eu conseguisse sentir o calor do papel passando pelo
tecido da mochila e me lembrando constantemente de que estava ali,
esperando por mim. Então, em uma terça-feira, depois de sair da minha
última aula do dia, eu me dirigi para o meu lugar preferido no campus e me
sentei embaixo de uma grande árvore. O dia estava bonito e o clima ainda
era agradável, apesar de ser quase meio de agosto. Logo as temperaturas
começariam a cair de modo a não ser mais possível sair sem um casaco.
Eu deveria encontrar Melissa em vinte minutos para tomarmos um
café na nossa cafeteria preferida. Vinte minutos era tempo suficiente para
que eu lesse o que meu pai escreveu para mim.
Puxei o envelope de dentro da minha mochila e rasguei o topo
dele, tomando cuidado para não rasgar a carta que estava dentro. Respirei
fundo algumas vezes e puxei o papel para fora do envelope, já sentindo meus
olhos ficarem carregados pelas lágrimas.
— Oi, pai — eu disse para o universo.
E então, desdobrei o papel.
Querido filho,

Quero começar esta carta perguntando: como você está? Espero


que esteja sendo um bom garoto, como combinamos, e espero que esteja
bem. Eu sei que talvez você esteja triste e um pouco confuso com as coisas
que aconteceram, com a mamãe indo embora tão de repente. Eu aposto que
você sente falta dela, não é? Eu também sinto. Demais. Muito mais do que
você pode imaginar. Assim como sinto tanto a sua falta que meu coração
dói. Todos os dias.
Quando o seu coraçãozinho também estiver doendo de saudade,
lembre-se de ligar o abajur que te dei, Max. E quando o fizer, eu quero que
pense na mamãe, que pense em mim. E então você nunca estará sozinho,
filho. Nunca mesmo. Não é porque não vemos as pessoas que amamos que
elas não estão lá. Sua mãe e eu sempre estaremos com você, no seu coração
e onde quer que você esteja, pois somos parte um do outro, Max.
Pertencemos um ao outro. Assim como as estrelas pertencem ao céu.
Às vezes, a vida é difícil e as coisas não acontecem como nós
esperamos. Às vezes, coisas ruins acontecem com pessoas que não merecem.
Às vezes, dói tanto que você acha que nunca vai passar, mas passa. Tudo
passa, Max. Sei que está doendo agora, mas não vai doer para sempre. Eu
prometo isso a você. Seremos felizes, filho. Mesmo nos dias difíceis, nós
seremos felizes.
Devo ficar mais um ano longe de você, mas depois eu prometo que
ficaremos muitos mais anos juntos. E eu nunca mais vou deixar você
sozinho. Está bem? Eu só preciso que você aguente firme um pouco mais. Só
um pouquinho mais, Max, e então estaremos juntos e tudo ficará bem.
Tem tanta coisa que quero mostrar a você, que quero te contar, te
ensinar... Sobre mim, sobre a sua mãe, sobre o amor, a dor e a vida. E estou
tentando convencer o seu tio Jake a embarcar nessa aventura com a gente.
O que você acha? Eu, você e o tio Jake contra o mundo. Acho que
formaremos um time excelente. O seu tio Jake é durão e fica de cara feia na
maior parte do tempo. É um emburrado de marca maior, mas tem um
coração enorme quando você o conhece. Teremos que ter um pouquinho de
paciência com ele, mas tenho certeza de que vocês dois vão se dar muito
bem. Ele é o melhor irmão que eu poderia ter, é meu melhor amigo, e sei que
será o melhor tio que você poderia ter. Ele vai te amar como se fosse filho
dele e seremos uma família. Mais unidos do que nunca.
Tudo vai ficar bem, filho. Você verá. E mesmo quando estiver
difícil, sorria. Aproveite cada dia ao máximo, porque depois eu quero que
você me conte tudinho. Combinado?
Seja forte, meu pequeno. E lembre-se que eu te amo mais do que a
minha própria vida, Max.
Sempre e para sempre.

Com amor,
Papai
 
Oi, gente.
Chegamos à reta final de mais um projeto. Eu acho que de todos os
livros que eu já escrevi, esse definitivamente foi o que eu mais chorei
durante o processo de escrita e de releitura também. Eu me conectei tanto
com os sentimentos desses três personagens que era difícil que meus olhos
não enchessem de lágrimas em vários momentos no decorrer desse livro. Em
contrapartida, acho que foi o livro mais bonito e sensível que escrevi até
hoje.
Também foi o livro mais difícil de trabalhar, por conta das
memórias de guerra do Jake. Eu não queria que ele fosse visto como um
vilão e muito menos que fosse considerado abusivo de alguma forma, mas
eu sabia que precisava ser fiel a tudo o que ele viveu. A cena que ele enforca
a Elena me deixou preocupada e ansiosa, porque eu entendo que é um tema
difícil e delicado. Eu espero que tenha conseguido retratar esse
acontecimento e a essência do Jake de forma que todos vocês entendam que
o TEPT é algo bem sério e que, se não tratado, pode sim causar fatalidades.
Quero agradecer a Deus, como sempre. E à minha família também
que, como coloquei na dedicatória, são as minhas próprias estrelas de olhos
castanhos. Toddy Cleiton e Koda Nilton também não podem ficar de fora
dos agradecimentos, mesmo que fiquem resmungando do meu lado porque
querem brincar e causar enquanto estou trabalhando. Mas não há melhores
companheiros. Eu amo vocês todos. Sempre e para sempre.
Mais uma vez, um agradecimento especial à Beatriz Garcia,
Camila Moura e Laura Vitelli por betarem esse livro e me darem dicas e
conselhos nos momentos em que fiquei empacada durante a escrita ou
quando estava insegura com alguma cena. É um prazer imenso ter vocês
como minhas amigas e como parte do meu trabalho também. Muito
obrigada, eu amo vocês. À Olivia Ayres e Fernanda Martins por todo o apoio
moral também. Vocês são maravilhosas, e eu amo vocês.
Agradeço ao Comando e ao Duketes Mafiosas, atual Atletas
Mafiosas, que são o meu apoio diário em cada projeto que eu decido criar.
Vocês já devem estar cansadas de me verem agradecer, mas sou realmente
muito grata por ter cada uma de vocês na minha vida diariamente. Muito
obrigada, vocês são um presente. Amo vocês.
Também agradeço à GB Editorial pela capa maravilhosa desse
livro e à Gabriela Gois por ser minha ilustradora oficial.
Agradeço os meus leitores, por embarcarem em cada uma das
minhas jornadas, por sofrerem com os personagens, mas também rirem com
eles. Vocês são o motivo de eu estar aqui e de continuar escrevendo. Muito
obrigada por todo o carinho e apoio que recebo de vocês todos os dias. Isso
faz toda a diferença do mundo para mim. Vocês me motivam cada vez mais
a tentar coisas novas. Obrigada por ficarem comigo.
É isso, pessoal. Até a próxima.
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dos próximos lançamentos.
 

 
[1] Designação de um posto militar dentro do Corpo de Fuzileiros Navais
dos Estados Unidos.
[2] Colar com duas chapas de identificação militar.
[3] Transtorno de estresse pós-traumático.

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