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Copyright © 2023

Cláudia Castro
Capa: Dennis Romoaldo
Revisão: Angélica Pedrolli

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes, personagens, lugares
eacontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de


qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios – tangível ou
intangível – sem o consentimento por escrito da autora. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°. 9.610/98 e
punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Este livro está sendo relançado como edição de


aniversário. Foi lançado antes com o nome de Miguel: do
pensamento ao ato. Foi feita nova revisão e acrescentado diálogos
com objetivo de melhorar a obra.

1ª Edição
Criado no Brasil.
Dedico essa história
a todas às minhas leitoras
que me acompanham
e torcem por mim.
Sumário
Sumário
Sinopse
NOTA DA AUTORA
PRÓLOGO
A promessa – Caio Martins
Capítulo 1
Noite perfeita – Luana Dantas
Capítulo 2
Refém dela – Caio Martins
Capítulo 3
Eu te amo, Caio – Luana Dantas
Capítulo 4
O imprevisível – Luana Dantas
Capítulo 5
Impotente – Caio Martins
Capítulo 6
Dias difíceis – Caio Martins
Capítulo 7
Esperança renovada – Caio Martins
Capítulo 8
Encontrei você – Caio Martins
Capítulo 9
Descobertas imprevisíveis – Caio Martins
Capítulo 10
Quem sou eu – Luana Dantas
Capítulo 11
Coração sangrando – Caio Martins
Capítulo 12
Retomando a vida – Luana Dantas
Capítulo 13
Dias atribulados – Caio Martins
Capítulo 14
Oscilação – Luana Dantas
Capítulo 15
Decepção imprevisível – Caio Martins
Capítulo 16
Vazio assombroso – Luana Dantas
Capítulo 17
Notícia Devastadora – Caio Martins
Capítulo 18
Noite tenebrosa – Luana Dantas
Capítulo 19
Espera sinistra – Caio Martins
Capítulo 20
Venha me buscar – Luana Dantas
Capítulo 21
Dois meses depois – Caio Martins
Capítulo 22
Quem é essa piranha? — Luana Dantas
Epílogo
Promessa cumprida – Caio Martins
O primeiro Natal dos Gêmeos
Antes disso: ossos do ofício – Caio Martins
Então é Natal
Luana Dantas Martins – Depois do susto, só amor
Sobre a Autora
Sinopse
O policial Federal Caio Martins vivia um grande dilema: ele amava
a irmã caçula do melhor amigo. Mais velho do que ela onze anos, o moço
bonito sofria, se sentindo errado por amar a garota proibida, que ainda era
adolescente.

A estudante Luana Dantas não se importava com a diferença de


idade e vivia suspirando pelo Federal bonitão. A adolescente não media
esforços para se colocar no caminho do melhor amigo do seu irmão.

O encontro apaixonado dos dois acontecerá no dia do aniversário


de dezoito anos da estudante. Um amor arrebatador tomará conta desse
casal, porém, Caio teme perder a amizade do Delegado Marcelo e mantém
segredo da relação.

Tudo mudará após uma tragédia se abater sobre eles. Uma gravidez
inesperada, um filho desconhecido e o imprevisível.
NOTA DA AUTORA
Chegamos ao fim dessa série especial na minha vida com
sentimento de realização. Não tenho palavras para agradecer a cada pessoa
que esteve comigo nessa jornada. Fecho com chave de ouro com a história
do Caio e da Luana com a certeza de missão cumprida.

Despeço-me desses personagens com aquele sentimento saudoso


vivenciado após me despedir de todos eles. Cada um com seu jeitinho
peculiar levam um pouco de mim. Eu, como escritora, levo no meu coração
o que aprendi com cada um deles.

Capitão Miguel e a Tenente Amanda foram os primeiros dessa


Série e tem lugar cativo na minha história. Quem convive comigo sabe o
quanto esses dois foram importantes na minha trajetória de escritora.

Com o Capitão Otávio e a Tenente Alice consegui fechar alguns


ciclos dolorosos em minha jornada. Falar sobre o luto não é fácil, mas
necessário. Todos nós já passamos em algum momento da vida por uma
perda irreparável e saber lidar com isso faz toda a diferença.

Adriano e a maluca da Paty trouxeram a leveza necessária para


reerguer o irmão do nosso querido bombeiro que nos deixou no livro
anterior. Esse médico altruísta e de coração gigante me desafiou de várias
maneiras diferentes. Na primeira versão, enfrentei um baita bloqueio e o
livro não saía. Até que coloquei como prioridade escrever a história desse
casal imprevisível.

A história do turco Senador e da Mari me fizeram ultrapassar


muitas barreiras. Fazer um personagem intenso como o Rico Vilar e
precisar dosar entre a revolta, o coração bom e o ciúme incontrolável
causado por um erro do passado, não foi fácil. As gêmeas foram a cereja do
bolo. Isadora e Valentina me fizeram relembrar dos momentos vividos com
meus filhos.

Nosso Delegado Marcelo e sua doce Gisele trouxeram em sua


história a força de uma garota apaixonada. Ela enfrentou o mundo Sombrio
do seu amado e o resgatou das ruínas da dor.

Encerramos a série com a história de amor do policial federal Caio


Martins e da Luana Dantas. Essa talvez tenha sido a história mais difícil
dessa série. Fazer uma personagem com amnésia demandou muita pesquisa
sobre a doença. O nosso querido mocinho não desistiu em nenhum minuto
da mulher amada. Enfrentou momentos dolorosos durante dois anos, mas
em nenhuma ocasião duvidou de reencontrar sua Pequena.

Por fim, e não menos importante, agradeço todas as minhas


leitoras, parceiras, blogueiras, amigas, a editora Portal e as minhas duas
assessoras por todo apoio.

Entrego a você essa história e já te adianto: ainda teremos


novidade esse ano. Fique ligada.

Ah, e te peço que deixe aquela avaliação final e seu comentário da


história. Indique para seus amigos os livros e espalhe amor pelo mundo.

Gratidão a Deus, minha família e a todas as pessoas do meu mundo


literário. Amo vocês.

Segue link da playlist do livro:


https://open.spotify.com/playlist/4t2IYR9uoF2ag0gyXKREI9?
si=Mh38y2POQhe8dAY7HvMlcQ

Visite minha página de autora nesse link: https://amz.run/7Kjs

Com amor, Cláudia Castro.


PRÓLOGO

A promessa – Caio Martins

Dezoito anos! Havia chegado o grande dia.

Enquanto as pessoas cantavam parabéns para ela, eu me recordava


de todo o meu calvário durante os últimos dois anos. A aniversariante era a
irmã do meu melhor amigo e, desde os seus dezesseis anos, vivia me
provocando. Tentei de tudo para não me apaixonar por ela, mas foi
impossível. Seu nariz empinado, sua coragem e altivez acabaram por me
conquistar.

Meu Deus! Como foi difícil esperar por aquele dia. Luana Dantas
sempre habitou meus pesadelos mais assustadores. Eu, Caio Martins, era
um homem de vinte e sete anos, policial federal, e ela apenas uma
adolescente cursando ensino médio.

Lutei com todas as minhas forças para não me sujeitar aos seus
argumentos e provocações. A garota insistia em me dizer sobre ter ciência
da nossa diferença de idade e ainda me chamava de careta.

— Caio, a idade não interfere no amor que sinto por você. Já te


disse várias vezes, minha alma é velha. — Lembrar dela de mãos na cintura
e carinha brava se justificando me fez sorrir.

Levei um susto ao ouvir a voz do meu amigo ao meu lado.

— Deu para rir sozinho agora? Acho que seus casos estão te
enlouquecendo, meu irmão — falou o irmão da aniversariante.

— Relaxa, não estou ficando doido. Estou rindo da algazarra das


amigas da Luana. — Ele deu uma risada.

— Aborrecentes, amigo. São todas maluquinhas e estão na melhor


fase da vida: a adolescência. — Senti uma facada em meu coração. Se ele
sonhasse que eu e a irmã dele andamos trocando alguns beijos nos últimos
meses, e que, depois da festa, sairíamos juntos, ele com certeza me mataria.

Luana era incansável quando queria algo. Ela me provocou de


todas as maneiras possíveis. Inclusive, chegamos a brigar uma vez quando a
peste me levou ao estresse máximo.

— Se você não é homem para tirar minha virgindade, tem quem


queira, Caio Dantas.

— Pelo amor de Deus, vê se entende de uma vez por todas. É


crime, você é menor de idade. — Ela arrebitou aquele nariz com algumas
sardas, colocou a mão na cintura e deu um sorrisinho vitorioso.

— Fique sabendo, meu Federal Bonitão, que eu tenho dezessete


anos e, com essa idade, a justiça me dá o direito de decidir. Não sou
incapaz perante a lei. Você deveria estudar melhor as leis, Federal. —
Respirei fundo, tentei contar de dez até um, mas meu desejo foi maior.

Agarrei a garota, a empurrei até a parede da biblioteca da casa


dela e a beijei de forma voraz. A razão venceu o desejo e minhas mãos
tomaram vida própria. Meus dedos tocaram a lateral do corpo dela,
chegando aos seios e apertando seus mamilos entumecidos.

Luana arfou em meus braços, puxando o ar pela boca e aquele


pequeno lapso temporal fez meu raciocínio me frear. Segurei o ombro dela,
a afastando de mim. Nós dois estávamos ofegantes e precisávamos nos
acalmar. Encostei minha testa na dela, enquanto puxávamos o ar juntos.
Depois de alguns minutos, enchi o peito de ar e olhei para ela.

— Luana... eu sou louco por você, mas me sinto mal por trair seu
irmão. Ele confia em mim. — Ainda respirando com dificuldade, reclamou.

— Traindo meu irmão? Por que, Caio? Somos nós dois e não tem
nada a ver com ele. Eu te amo desde sempre e não vou desistir de você,
entendeu?

Passei a mão na testa, limpando algumas gotículas de suor,


enquanto ganhava tempo procurando uma solução. Luana me olhava cheia
de expectativas e foi naquele momento que resolvi fazer uma promessa a
ela.

— Daqui a dois meses será seu aniversário de dezoito anos. Neste


dia, eu te farei a minha mulher... — A maluquinha não me esperou terminar
de falar, pulou em mim, passando suas pernas pelo meu quadril e me
beijou. Naquele momento, senti como seria difícil esperar os sessenta dias,
mas era necessário.

Voltei à órbita terrestre quando Marcelo me deu um soco no braço.

— Porra, Caio, não ouviu nada do que eu disse? — falou, com uma
expressão desconfiada. Precisei pensar em uma resposta rápida.
— Desculpe-me, irmão, estou com a cabeça quente, investigando
um caso de uma organização criminal de tráfico de pessoas para a indústria
farmacêutica.

— Porra, a cada dia, eu acredito menos na humanidade. Esse é um


crime cruel, usar cobaias para testes de medicamentos.

— Pois é. A sociedade está doente, Marcelo.

— Verdade. — Fomos interrompido por uma aniversariante com


sorriso radiante que chegou abraçando o irmão.

— Ahhhhhh... Obrigada por me permitir ter sua companhia, meu


irmão. Eu sei como as coisas estão difíceis para você.

— Eu jamais deixaria de participar do seu aniversário, Masha. —


Ela colocou a mão na cintura, característica principal de quando ficava
nervosa.

— Paraaaaa... que mico esse apelido e ainda mais na frente do


Caio. — Marcelo deu uma risada e a provocou mais ainda.

— Qual o problema de ele saber que você é igual à garotinha do


desenho animado? Vive se dando mal com suas próprias trapalhadas e eu
sou obrigado a te salvar. — Eu assistia os dois sem me meter.

— Caio, não acredite nele. Marcelo é um velho em pele de jovem.


— Sorri para ela e levantei as mãos, me rendendo.

— Não me coloque na briga de vocês... — Dei uma risada e a


maluca encerrou o assunto, me colocando em uma situação complicada.

— Venha dançar comigo, Federal, amo essa música da Celine Dion,


All by myself. — Não tive tempo de negar, ela segurou minha mão e saiu me
arrastando.

“Quando eu era jovem


Eu não precisava de ninguém
E fazia amor apenas por divertimento
Estes dias se foram
Vivo solitária
Eu penso em todos os amigos que conheci
Quando disco o telefone
Ninguém está em casa”

A música romântica, o perfume dela, sua pele sedosa, tudo me


deixou insano. Cheguei a boca perto de seu ouvido e sussurrei.

— Hoje você será minha, Luana. — Senti o padrão respiratório


dela mudando, mas não deu o braço a torcer, fingiu desinteresse.

— Ah, você se lembrou? Achei que era só papo furado para fugir
do que não dá conta. — Afastei-me um pouco dela e a olhei fixo.

— Eu costumo cumprir minhas promessas, Luana. Fugir de você


nunca esteve em meus planos. — Seu rosto enrubesceu, sua respiração
acelerou e seu sorriso meigo me deixou rendido.

—A festa está quase acabando. Vou dormir na casa das minhas


amigas, mamãe já sabe e autorizou... — Não esperei que ela terminasse.

— Pensei que essa noite fosse esperada por você como era por
mim, mas vejo que errei. — Luana deu um tapinha no meu ombro e sorriu.

— Deixe de ser bobo, Caio. Lógico que não vou para a casa das
meninas, essa foi só uma estratégia para poder passar a noite com você. —
Meu coração acelerou na mesma velocidade que meu pau endureceu.
Capítulo 1
Noite perfeita – Luana Dantas

Desde a tenra idade sempre fui avançada perante minhas amigas.


Não tinha paciência para futilidades e adorava acompanhar as investigações
policiais do meu irmão. Marcelo e eu éramos muito unidos. Ele era mais
velho do que eu quase onze anos e nunca deixou de exercer seu papel de
protetor.

Conheci o Caio quando tinha quatorze anos. Ele não me viu, mas
eu observei cada movimento dele. A beleza dele era algo diferenciada. Seus
olhos pretos intensos, com sobrancelha grossa, pele alva, cabelos pretos e
boca desenhada a mão eram um elixir potente para enlouquecer qualquer
adolescente. Eu e minhas amigas ficávamos babando ao ver aquele homem
alto, forte e caladão.

O tempo foi passando, meu corpo mudando e, de repente, Caio


Martins, amigo do meu irmão, olhou para mim. Foram poucos segundos de
conexão, mas suficientes para ter convicção de que eu seria dele.

Conforme combinado com minhas amigas, saímos da festa por


volta das quatro da manhã. Meus pais levaram meus presentes para nossa
casa e meu irmão foi para a Delegacia atender uma ocorrência. Ele não
precisava trabalhar tanto, mas era o jeito dele sobreviver após a morte da
Paula.

Quando chegamos no condomínio da Layla, Caio já me esperava


em frente ao prédio. A visão daquele homem todo vestido de preto em cima
daquela moto enorme me deu um frio na barriga. Minha amiga colocou a
mão no meu ombro, me fazendo olhar para ela.

— Lu, tem certeza de que é ele?

— Com toda minha alma, Layla. Caio é o meu amor.

— Então seja feliz, irmã. Depois me conta tudo. — Ela me abraçou


e ainda me provocou. — Segura esse homem, porque se deixar ele solto, eu
pego.

Dei uma risada e depois corri em direção ao meu destino. Ao me


aproximar dele, recebi um sorriso de molhar a calcinha. Ele era um total
cavalheiro, retirou a mochila das minhas costas e a guardou junto com a
dele. Para tentar acalmar meu nervosismo, comecei a falar sem parar.

— Essa moto monstruosa é segura? Não quero morrer no dia do


meu aniversário, Federal. — Ele riu, me puxou para seu corpo e me deu um
beijo arrebatador. Quando me soltou, meu corpo parecia uma gelatina mole.
—Não mude de assunto. Essa coisa que você chama de segura parece
perigosa demais.

— Você está comigo, sempre estará segura ao meu lado. — Deu


uma piscadinha sensual, me ajudou a colocar o capacete e me sentar na
traseira da moto. — Agora, basta segurar firme em mim, Pequena.

Enchi meu peito de ar e soprei devagar pela boca. Segurei em sua


cintura como se minha vida dependesse daquilo. Caio acelerou pelas ruas
da capital até sairmos em direção à rodovia. Cheguei a boca perto do
ouvido dele e falei alto.
— Para onde está me levando, Federal? Isso é um sequestro? —
Ouvi a risada dele e, antes de me responder, entrou em uma estrada de terra.

Aquilo sim foi a maior aventura, estar em cima de uma moto em


um caminho escuro, iluminado apenas pelo farol da moto e a lua cheia.
Parecia que até mesmo o satélite natural da Terra resolveu nos brindar.

— Vou te levar para o paraíso, minha Pequena.

Adorava aquele apelido carinhoso. Caio era diferente dos meninões


babacas da minha idade. Seu jeito centrado, ético e protetor era perfeito. Ele
se entregava a tudo que fazia de forma profunda, investindo sua energia
máxima na execução de seu trabalho. Executava suas tarefas com
intensidade, comprometimento e responsabilidade. Meu Federal foi
condecorado várias vezes por honra ao mérito.

A moto começou a perder a velocidade e, logo depois de uma


curva, não acreditei na paisagem a minha frente. Parecia conto de fadas,
mas era real. Havia uma casa grande, com um lago de águas cristalinas na
frente e vários chalés espalhados pelo terreno. Todas as arvores tinham
luzinhas brancas e brilhantes acessas, em algumas a cor dourada
predominava. A cor do céu combinava com a beleza do lugar.

Eu ouvia um barulho semelhante a uma cachoeira. Um som gostoso


e aconchegante. Caio levou a moto em direção a onde havia outros carros
estacionados. Quando paramos, ele tirou o capacete e fiz o mesmo. Sua
expressão de expectativa era muito visível.

— Meu Deus, que lugar lindo é esse? Nunca ouvi falar desse
paraíso.

— Estância Canto da Serra. Essa propriedade está na família do


meu amigo há mais de duzentos anos e somente agora resolveram
compartilhar tudo isso com os hóspedes. — Ele pegou sua mochila e a
minha no compartimento de bagagem da moto.
— Você é surpreendente, Caio. Nunca imaginei que me traria para
um lugar desse.

— Sua primeira vez merecia algo especial, Luana. Sempre vou te


mimar, minha Pequena — falou, de um jeito tão amoroso, me deixando
emocionada.

— Vamos buscar a chave do chalé que reservei. — Balancei a


cabeça animada e caminhamos de mãos dadas pela primeira vez.

Controlar a emoção não estava sendo fácil. Sonhei tanto com


aquele dia. Vivia fantasiando minha primeira vez com o Caio. Chegamos a
uma recepção bonita, decorada de forma rústica, mas muito luxuosa. Ao
nos aproximarmos da senhora bonita, que estava sentada atrás de uma
bancada de madeira de demolição, recebemos uma acolhida calorosa.

— Boa noite, sejam bem-vindos à Estância Canto da Serra.

— Boa noite, senhora. Obrigado.

— A reserva de vocês está em nome de quem?

— Caio Martins e Luana Dantas.

— Só um minuto. Preciso dos documentos de vocês.

Depois de fazer todos os trâmites necessários, ela nos entregou a


chave e uma pasta, mostrando a localização do chalé. Caminhamos por uma
trilha de pedras, com florzinhas coloridas por todo o caminho. O dia
começava a amanhecer, deixando tudo ainda mais parecendo um mundo
mágico.

Quando Caio abriu a porta, meu coração disparou. O chalé era


paradisíaco. Paredes de vidro, a banheira era instalada sobre um deque
dando vista para a cachoeira. A cama era enorme e tinha uma decoração
linda em cima. Na mesinha ao lado da banheira, havia um balde de gelo e
uma champagne. Ao lado, uma cesta com frutas e diversas guloseimas.
Enchi o peito de ar, o prendi por alguns segundos e depois soprei
pela boca. Meu Federal deu uma risadinha do meu espanto e, antes de
entrar, me pegou no colo, me fazendo dar um gritinho de susto.

— Luana, esse é nosso começo, prometo nunca te decepcionar,


minha Pequena.

— Caio, eu sou sua, sempre fui. — Ele me beijou e entramos para


nosso cantinho do amor.

Ele me colocou no chão com cuidado, guardou os capacetes e


colocou nossas mochilas no armário. Depois, passou o braço pelo meu
ombro e caminhamos até a parede de vidro. A imagem era surreal. Uma
queda d’água esplendorosa nos brindava. Era como alcançar um pedacinho
do céu.

Meu Federal me puxou para me encostar em seu peito e


permanecemos por alguns minutos em silêncio. Depois, senti o peito dele
inflar e, logo após, ele beijou meu pescoço e me deu a opção de decidir.

— Eu estou aqui, Luana, mas não quero antecipar nada. Será tudo
no seu tempo. — Respirei fundo e tomei minha decisão.
Capítulo 2

Refém dela – Caio Martins

Escolhi aquela Estância porque queria mostrar a Luana o quanto


significava para mim sua confiança. Não dava para levá-la a um motel
qualquer. Para mim, era novidade querer ser tão romântico. As minhas ex-
namoradas sempre reclamavam dizendo que eu era frio e calado. Elas não
entendiam o meu trabalho. Ser servidor público federal era uma missão e
nem sempre conseguia cumprir as agendas propostas por elas.

Iniciei minha vida sexual aos dezessete anos, com uma mulher de
vinte e quatro, e sabia o quanto eu era inexperiente, mas não se importou.
Passei quase um ano com a Daiana e decidimos juntos por terminar. Depois,
ela se mudou para o exterior e nunca mais tivemos contato.
Nunca fui mulherengo, como a maioria dos meus amigos policiais.
Na maioria das vezes, acabava namorando com a garota. No entanto,
nenhuma delas era virgem. Luana seria a minha primeira e esperava muito
não a perder. Por ser um momento tão importante em nossas vidas, achei
prudente dar a ela o poder de escolha.

— Eu estou aqui, Luana, mas não quero antecipar nada. Será tudo
no seu tempo. — Minha Pequena era cheia de surpresas.

Fui surpreendido por um beijo apaixonado. Meu coração quase saiu


pela boca, porque não esperava a investida dela como resposta. Sua língua
adentrou minha boca, como se implorasse pelos meus lábios. Enquanto nos
beijávamos, ela passava suas unhas sobre a pele das minhas costas. Aquele
toque leve, delicado me deixou excitado a ponto de arrancar alguns
pequenos gemidos do meu âmago.

Intensifiquei o beijo ainda mais, contornando sua boca por dentro


com minha língua. O desejo latente agia com antecipação a tudo que estava
por vir. Fomos obrigados a nos afastar um pouco para respirarmos, mas não
perdi o contato, continuei beijando o canto de sua boca, seu rosto, a ponta
do nariz e, por fim, segurei seu rosto com as mãos, formando uma moldura
para sua beleza.

Fixei meu olhar em seus lábios, com a intenção de mostrar a ela o


quanto a queria. Luana inclinou levemente a cabeça para trás, me dando
acesso à pele alva do seu pescoço. Dei pequenas mordidas até chegar ao seu
ombro, a fazendo gemer baixinho.

Voltei a beijar sua boca, com fome dela. Não foi algo lento, sensual,
mas erótico. Eu a queria nua para poder explorar cada canto daquela pele
virginal. Depois de nos beijarmos de forma arrebatadora, me afastei um
pouco, coloquei as mãos em sua jaqueta e, com o olhar, a pedi permissão
para a tirar.

Ela fez um gesto imperceptível com as pálpebras, me dando livre


acesso a ela. Enchi o peito com ar, peguei meu celular no bolso e acionei a
playlist que ela havia compartilhado comigo. A música Thank you for
loving me, de Bon Jovi, dizia muito de mim.

“Obrigado Por Me Amar


É difícil para mim dizer as coisas
Que quero dizer, às vezes
Não há ninguém aqui, a não ser você e eu
E aquele velho poste de luz queimado

Tranque as portas
Vamos deixar o mundo lá fora
Tudo que tenho para te dar
São estas cinco palavras, e eu
Te agradeço por me amar
Por ser meus olhos
Quando eu não podia enxergar
Por abrir os meus lábios
Quando eu não conseguia respirar”

Luana me olhou emocionada, com olhos lacrimejantes. Dei um


sorriso para ela, pois sabia o quanto Bon Jovi significava para nós dois.
Apesar da diferença de idade, minha Pequena acabou apreciando meu gosto
musical.

Tirei sua jaqueta, camiseta, calça, tudo sem perder a conexão


visual. Nossos olhares falavam por nós. Era como se existisse somente nós
dois em todo o mundo. Luana ficou com um conjunto de lingerie preto com
alguns detalhes dourados.

— Deus, como você é linda. Tem noção de como mexe comigo?


Sabe o quanto sofri te desejando? Eu sou louco por ti, minha Pequena —
falei, entre respirações ofegantes.
— Eu sei exatamente como, Caio. Acontece a mesma coisa
comigo. Se eu pudesse, teria mudado minha data de nascimento. Só você
existe em meu mundo.

Puxei-a para os meus braços e a beijei com todo o meu amor.


Queria eternizar cada sensação, som, beijo, tudo. Eu tinha urgência dela.
Meu peito doía com uma sensação estranha, era como ter medo de perder a
pessoa que eu sempre quis.

Meus lábios sobre os dela, nossas línguas em uma dança sensual e


sua pele arrepiada a cada toque causavam uma verdadeira tempestade no
meu sistema cardiovascular. Era como se eu pudesse tatuar minha alma na
dela.

— Luana, eu quero você como nunca quis ninguém antes...

— Estou aqui, Caio, e não pretendo ir a nenhum outro lugar. —


Afastei-me apenas para tirar minha roupa. Permaneci somente de cueca.

Ela me olhava, fascinada, e a recíproca era a mesma. Seus olhos


lindos, marejados por suas lágrimas, me ferraram totalmente. Perdendo o
resto do controle, a levei para a cama e comecei a beijá-la feito um louco
desesperado.

Havia esperado demais por ela. Luana laçou meu pescoço com seus
braços e retribuiu o beijo na mesma paixão, intensidade e, então, só
confirmei o que já sabia: não tinha mais volta.

Desci a boca, mordendo seu pescoço, ombro, seios, abdômen, até


cair de joelhos e segurar suas coxas abertas. Luana se contorcia e me olhava
com pupilas dilatadas.

— Preciso do seu gosto na minha boca, Pequena — A resposta veio


por meio de um sibilar de ar.

Ter aquela mulher linda, entregue ao prazer, me deu permissão para


continuar. Lambi a parte interna de suas coxas, até chegar à calcinha úmida.
Dei beijos em sua boceta, tendo somente o tecido entre nós. Passei o dedo
sem pressa pela costura e tirei a lingerie devagar.

Luana me olhava deslumbrada, com o peito subindo e descendo


depressa em busca de ar. Logo depois, passei a língua por toda a extensão
de pele, degustando aquele sabor viciante dela. Fiz movimentos circulares
em sua fenda e comecei a introduzir a língua devagar até chegar ao seu
clitóris.

— Caioooo... Caio... — Levantei a cabeça e olhei para ela.

— Fala, Pequena...

— Ahhhhh, eu não vou aguentar...

— O seu prazer é o que mais quero, Luana. — Voltei a boca para o


melhor lugar do mundo. Era como se eu dependesse daquilo para viver.

Precisava dela gozando em minha boca somente para ter a certeza


de que ela era minha, que só eu era dono de seu corpo e de seu gozo.
Enlouquecido! Este era meu estado naquele momento. Aprofundei os
movimentos e Luana agarrou meus cabelos, gemendo desesperada.

— Caiooooo...

Ela me puxou para cima, me beijando como se precisasse da minha


boca para não morrer. Seu gosto se misturou em nossas línguas. Luxúria,
paixão, desejo, prazer eram os sentimentos presentes entre nós dois.

A música When I Love Someone, de Bryan Adams, começou


naquele exato momento.

“Quando você amar alguém você fará qualquer coisa


Você fará todas as coisas loucas
Que você não pode explicar
Você atirará à lua e apagará o sol
Quando você amar alguém
Você negará a verdade e acreditará numa mentira
Haverá tempos que você acreditará que realmente pode voar
Mas suas noites solitárias, apenas começaram
Quando você amar alguém

Você sentirá isso bem fundo


E nada mais poderá mudar o seu pensamento
Quando você quer alguém
Quando você precisar de alguém
Quando você amar alguém”

Eu me sentia como um lobo selvagem. Era carnal, irracional,


precisava me conter e não perder o controle, mas ela foi cruel ao falar com
voz de desejo.

— Caio, preciso de você dentro de mim para consumir o fogo que


me queima por dentro. — Porra, ela queria foder minha mente.
Capítulo 3
Eu te amo, Caio – Luana Dantas

Nunca vi nada tão rápido em toda minha vida. Caio tirou a cueca
em segundos e veio para cima de mim como um lobo feroz. Não senti
receio, nada parecido. A minha única preocupação que causou medo foi a
de perdê-lo um dia.

O homem estava mais louco que um animal no cio e eu no mesmo


nível de insanidade que ele. Caio se afastou um pouco, olhando para o meu
corpo com fascinação. Pude sentir tudo em seu olhar. Depois de me venerar,
desceu sua mão e seus dedos acharam minha feminilidade molhada de tanto
tesão.

Ele gemeu em minha boca, desceu sua língua pelo meu pescoço até
chegar aos meus seios. Senti seus dentes mordendo meus mamilos e
chupando ao mesmo tempo.

Nossa respiração estava ofegante, eu não aguentaria por muito


tempo. Era desejo demais, loucura e uma vontade desesperadora de ter Caio
dentro de mim. Seus dedos continuavam entrando e saindo da minha
boceta, sua boca maltratava meu corpo com mordidas que tinham o mesmo
efeito de uma poderosa droga estimulante.

Em meio aos gemidos, palavras desconexas, minhas unhas em suas


costas e muito fogo, eu senti que não dava mais para esperar. Meu ventre
oscilava por antecipar o que estava por vir, eu mal conseguia respirar.

— Luana, não tem outro jeito de fazer isso. Vou devagar, se doer eu
paro. — Ela balançou a cabeça, concordando, e mordeu os lábios.

Ele começou a me penetrar devagar. Senti meu corpo sendo


preenchido, provocando uma sensação arrebatadora. Quando seu membro
chegou a minha barreira, Caio me olhou e fiz um pequeno gesto com os
olhos.

Ele entrou com tudo, me fazendo gritar seu nome e, logo após,
ficou imóvel, enquanto beijava meu ombro e pescoço. Era como ser rasgada
ao meio, mas seu cuidado foi amenizando a sensação e comecei a mexer o
quadril de forma lenta.

— Está tudo bem, Pequena?

— Simmmm, só continua se movendo, por favor. — Ele beijou


meus lábios com fervor e se movimentou devagar.

Foi o momento mais alucinante de minha vida. O homem era muito


bom, eu me surpreendi com o poder daquele orgasmo. Acho que fui a Marte
e voltei umas quatro vezes. Caio me fez sentir múltiplos momentos de
prazer.

Quando nossos corpos se acalmaram, ele cuidou de mim com tanto


carinho, como se eu fosse uma peça rara de cristal. Tentei segurar a emoção,
mas as lágrimas desceram por minha face.

— Ei, o que aconteceu, Pequena? Eu te machuquei? Preciso saber,


Luana. — Puxei o ar pela boca para me acalmar um pouco e tentar explicar
meus sentimentos.
— Meu amor, você não me feriu, pelo contrário, foi lindo. Não sei
explicar o que houve, mas, de repente senti medo, muito medo... — falei
com a voz embargada e voltei a chorar.

Braços fortes me envolveram, beijos foram depositados em minha


cabeça e, logo depois, Caio levantou meu queixo e me fez olhar para ele.

— Luana, não precisa ter medo de nada, sempre protegerei você...


— Ele fez uma pausa, me encarando. — Se for preciso, te protejo com
minha vida. — O desespero aumentou e chorei mais ainda.

Enfiei a cabeça em seu peito e me permiti derramar todas as


lágrimas suficientes para me acalmar. Caio permaneceu calado, cantando
em meu ouvido.

“Entra, me encontra no peito


Venha ser meu desejo
Meu amor por você

Me encanta, me chama pra vida


Quero ter teu desejo
Na simplicidade

O perfume da manhã
O sabor que tem eu e você
Como o Sol vem a beijar
Minha pele que aquece”

A música Todas as Flores, de Tiago Iorc, fazia parte da trilha


sonora do nosso amor. Minha respiração foi trepidando até o choro cessar.
Afastei minha cabeça do seu peito e ele passou os dedos no meu rosto,
limpando as lágrimas. Depois, beijou meus olhos, a ponta do meu nariz,
meu queixo e, por último, beijou minha boca com paixão.

Eu me senti tão amada, cuidada e protegida, mas o aperto seguia


em meu coração, como um aviso de alerta. Imagens de um corvo pousado
em um telhado, me olhando como uma prévia de mal agouro, não me
abandonavam.

A força e magnetismo do meu Federal me fizeram relaxar em seus


braços. Enquanto ele me beijava de forma sensual, seus dedos começaram a
se aprofundar nos locais devassos do meu corpo. Tentei não gemer em sua
boca, mas fracassei.

Caio se afastou um pouco, olhou para meu corpo com seus olhos
vidrados e desceu sua boca para meus seios, me chupando e mordiscando
meu mamilo. Enquanto eu me retorcia, desesperada por alívio, seus dedos
se movimentavam dentro de mim, me levando a outro orgasmo arrebatador.

Permanecemos abraçados por um tempo e, logo após, ele me pegou


no colo e me levou para a banheira maravilhosa do chalé. A vista por si só
era afrodisíaca. Meu Federal cuidou de cada centímetro da minha pele com
zelo e carinho.

Saímos da banheira, vestimos roupas confortáveis e pedimos café


da manhã no quarto. Estávamos muito cansados, pois não dormíamos desde
a festa do meu aniversário. Depois de comermos de tudo um pouco, nos
deitamos e adormecemos nos braços um do outro.

Aquele fim de semana seria o último com o amor da minha vida.


Capítulo 4
O imprevisível – Luana Dantas

As tardes e noites com Caio eram as melhores da minha vida. Ele


queria de todas as maneiras conversar com meu irmão sobre nós dois, mas
eu o impedi. Marcelo não era mais o mesmo após a morte da minha
cunhada. Ele se entregou a um vazio existencial terrível. Ver o olhar triste
dele me deixava arrasada, mas algo tinha mudado nos últimos dias. O
delegado parecia diferente, cheguei a vê-lo sorrindo como antes.

Não foi fácil convencer meu namorado a esperar. Ele era muito
correto e não se sentia bem enganando o amigo. Vivenciamos nossa
primeira DRpor causa da bendita vontade dele fazer tudo certo.

— Luana, não sou um moleque. Sou um homem, sei o que quero e


não abro mão de tê-la de forma integral na minha vida. — Meu coração
disparou com aquela declaração implícita, mas precisava explicar meu
ponto de vista.

— Caio, eu tenho certeza de que você é o melhor homem, mas só


estou te pedindo alguns dias para preparar o delegado. Marcelo ainda me vê
como sua irmãzinha virgem que precisa ser protegida.
— Você não consegue entender? Ele vai me odiar quando souber.
Seu irmão é meu melhor amigo, não posso perdê-lo, entende?

— Lógico que entendo, meu Federal, e é por isso mesmo que estou
pedindo para você só alguns poucos dias... — Ele passou as mãos pelos
cabelos. Caio tinha aquele hábito quando não conseguia ser o dono da
situação.

— Três dias e nada mais. Entendeu?

— Sim, senhor, Federal. — E assim terminou nosso pequeno duelo.

Naquele mesmo dia, eu saí para ver algumas roupas. Queria


comprar um vestido para uma festa e algumas lingeries. A ideia inicial era a
de sairmos juntos, mas ele precisou resolver uma ocorrência e acabei indo
sozinha.

Eu caminhava pela rua, distraída, quando dois homens me pegaram.


Comecei a espernear, mas senti um golpe na cabeça. Tentei reagir, mas um
deles colocou um lenço molhado em meu rosto e tudo se apagou a minha
frente.

Acordei sentindo minha cabeça pesada, como se tivesse levado uma


paulada. A dificuldade de abrir os olhos e a boca seca me deixaram um
pouco desorientada. Tentei mexer meu corpo, mas algo me impossibilitou.
Respirei fundo três vezes para conseguir despertar e descobrir onde estava.
Depois de muito esforço e piscar algumas vezes, comecei a enxergar o local
à minha frente.

A princípio parecia um cômodo vazio, com um cheiro terrível de


urina. O odor era tão forte que me fez tossir. Meu nariz e meus olhos
começaram a coçar, mas minhas mãos estavam amarradas em um cano fixo
na parede. O pânico quase tomou conta de mim, mas me lembrei de alguém
ter me dito: nunca deixe o medo dominar você, Luana, se isso acontecer,
será seu fim.
Quem era Luana? Será que era meu nome? Fechei meus olhos e
mentalizei uma prece, pedindo a Deus para me dar sabedoria naquela
situação. Só me lembrava de ter saído para comprar um vestido, tinha uma
festa..., mas não conseguia lembrar onde.

Parecia ter sido sequestrada. Mal tive tempo de organizar meu


pensamento, porque ouvi vozes. Pareciam ser de três homens. Permaneci
quietinha e resolver fingir que ainda estava inconsciente.

Eles tentavam falar baixo, mas o tom de voz deles era de quem
discordava de algo.

— Porra, seu otário. Pegar a irmã do delegado e namoradinha do


Federal, o tal Caio? Comeu merda? — Uma outra voz, com um sotaque que
não identifiquei na hora, o repreendeu.

Irmã de quem? Eu tinha um irmão? Por que não conseguia me


lembrar de nada? As vozes ficaram mais altas e voltei a prestar atenção.

— Vá se foder, Pablo. Eu disse que me vingaria daqueles filhos da


puta. Eles acabaram com a vida da minha mãe quando prenderam meu pai e
o fizeram entregar os parça[1].

— Não fala a porra do meu nome, e quem acabou com a vida da


sua mãe foi seu pai. Ele deu mole e contou todo o esquema para os bota[2].
— Ouvi um barulho parecendo briga e uma terceira voz apaziguando.

— Qual é a de vocês dois? O plano segue como o combinado. Não


tem como trocar a garota.

— Caralho. Essa guria vai ser chave de cadeia. Depois não digam
que não avisei.

— Cala a boca. O chefe queria a encomenda com aproximadamente


dezoito anos. Essa guria fez aniversário há pouco tempo, vi nas redes
sociais. Não me recordo da idade, mas tenho certeza de que é de maior.
Meu coração batia depressa, dificultando a entrada de ar no meu
pulmão. Eles falaram de meu irmão e de um tal de Caio. Na minha cabeça,
aquele nome me lembrava alguém, mas não sabia identificar quem. No
caso, eu era a encomenda, mas para quê?

Ouvi o barulho da porta sendo aberta e fiz o maior esforço para, ao


respirar, manter meu peito se movendo de forma lenta e cadenciada. Eu não
os queria suspeitando que havia acordado.

— Ela é bem gostosinha, hein? Se o dono da encomenda não fosse


tão exigente, eu a testaria primeiro, mas ele foi categórico ao dizer que a
queria virgem. — Um deles falou em tom de deboche.

— E quem disse que essa gostosa é virgem? O Federal comeu.


Pode ter certeza, meu irmão.

Eu era virgem. Não namorava ninguém. Ou namorava? Meu Deus,


minha cabeça dava voltas e não conseguia me recordar de nada. Senti algo
como um pé me cutucando na costela e quase me entreguei. No entanto,
consegui me controlar a tempo e só me movi.

— Caralho, o que colocaram naquele pano? A guria parece morta.

— Nada demais. Relaxe, daqui a pouco ela acorda.

Aquela era a voz do tal Pablo. Consegui gravar por ser parecida
com a de um jovem. Os outros pareciam ser mais velhos, pelo menos era o
que a voz deles demonstrava.

— Quer saber? Melhor deixá-la quieta. Não estou com paciência


pra choradeira de mulher — um dos homens falou como se estivesse
bocejando.

— Vamos comer aqueles sanduíches horríveis e tentar dormir um


pouco na caminhonete.

— Será que não tem perigo deixar a garota sozinha?


— Ela não acorda hoje. Está desmaiada. E, se despertar, o máximo
que fará será gritar. Amanhã cedo vamos para o porto, colocá-la no
container e despachá-la para a Turquia. Depois, é só receber a grana e ser
feliz. — Os outros dois deram uma risada e, logo depois, ouvi passos se
afastando.

Container? Meu Deus, ele havia dito Turquia? Eu precisava agir


rápido. Não tinha tempo para tentar descobrir quem eu era. Abri meus olhos
depressa e comecei a observar cada detalhe do ambiente. Era como se eu
ouvisse a voz de alguém dentro da minha cabeça.

— Luana, não existe crime perfeito. Sempre haverá uma falha,


basta agir com calma e não deixar a emoção te cegar.

Luana devia ser o meu nome. No entanto, de quem era aquela voz?

Fechei os olhos e fiz um exercício para esvaziar a minha mente.


Depois de alguns minutos, comecei a visualizar cada canto daquele lugar.
Eu não sabia quanto tempo tinha permanecido desacordada. Nenhuma
claridade iluminava o ambiente. Estava envolto em uma penumbra
sinistra... balancei a cabeça para os lados como se pudesse espantar o medo.

Após muito esforço, não consegui ver nada que pudesse me dar
qualquer ideia. Algumas lágrimas começaram a descer pelo meu rosto e
precisei me esforçar para me manter raciocinando com calma.

Olhei para minha mão amarrada e mexi meus dedos para os dois
lados. Quase dei um grito de alegria quando percebi que um dos nós não
estava muito apertado. Arrastei a bunda pelo chão até aproximar minha
boca da corda. Tinha que dar certo.

Usei toda a força dos meus dentes para abrir o maldito nó. O suor
descia pelo meu pescoço e percorria todo o caminho até minhas costas. Eu
me movimentava de forma frenética, porque precisava agir antes dos
homens voltarem. Sem conseguir mensurar o tempo, estava quase
desistindo quando a corda se abriu.
Meu coração disparou de tanta ansiedade. Com uma das mãos
livres, foi mais fácil me libertar. Fiquei de pé devagar, porque me sentia um
pouco tonta. Esperei alguns segundos até ter certeza de que não cairia e
caminhei até a porta. Tentei verificar se havia algum barulho, mas não ouvi
nenhum som.

Girei a maçaneta quase sem fazer movimento, e, por sorte, estava


aberta. Saí em um lugar parecendo uma sala. No canto, havia um sofá
velho, cheio de buracos, ao lado uma mesinha redonda com duas cadeiras.
Vi um cinzeiro cheio de cinzas e uma garrafa parecendo ser de cachaça,
com dois copos ao lado.

Andei como se pisasse nas nuvens e fui em direção oposta à entrada


para um cômodo no fundo. Avistei uma cozinha, que mais parecia um
cubículo, e fui depressa para lá.

Vi uma porta velha de madeira, cheguei perto dela devagar e a


empurrei. Para meu espanto, estava aberta. Saí olhando para os lados e vi
uma área extensa, coberta de um capim alto, parecendo um milharal. Eu não
tinha alternativa. Por sorte, estava vestida com calça jeans e tênis.

Sem pensar em nada, saí correndo em meio à vegetação. Eu só


queria sumir dali.
Capítulo 5
Impotente – Caio Martins

Cheguei em casa tarde da noite. Os meus planos precisaram ser


mudados em função de uma ocorrência no aeroporto internacional de Porto
Alegre. Recebemos de fontes seguras a chegada de um carregamento de
cocaína com uma jovem de dezoito anos. Eu me sentia muito
desconfortável ao fazer operações como aquelas. A maioria das pessoas
presas eram vítimas seduzidas por bandidos filhos da puta.

Na minha carreira policial, vi tanta situação drástica. Tráfico por


fome, para conseguir comprar medicação, pagar dívida de agiota dos pais e
muitas outras histórias tristes.

Cheguei em casa por volta de vinte e três horas. Peguei meu celular
e estranhei não ter mensagens da minha namorada. Luana era daquelas
aficionadas em aplicativo de mensagens e sempre me falava dos seus passos
durante o dia.
Peguei uma latinha de cerveja na geladeira, fui para a varanda do
meu apartamento e liguei para ela. A ligação tocou até cair em caixa de
mensagem. Sem me conformar com aquilo, tentei mais algumas vezes e
sempre a mesma coisa. Meu faro policial foi acionado na mesma hora.
Liguei para a casa da mãe dela e me apresentei como professor dela.

— Boa noite. É da casa dos Dantas?

— Boa noite. Quem está falando?

— Sou professor da universidade e precisava falar com a Luana


sobre um livro que ela me pediu.

— Ela não está. Saiu cedo com o Caio e ainda não voltou. — Senti
meu coração acelerar.

— Caio? Não conheço. Ele estuda com ela? — Dei uma de bobo
para descobrir se ela havia falado algo.

— Não. Caio é um policial Federal amigo da família. Eles se


conhecem desde quando ela era criança. — Respirei fundo para acalmar
meu coração.

— Está bem. Obrigado. Falo com ela amanhã — falei e encerrei a


ligação.

Comecei a andar de um lado para o outro, sem saber qual


providência tomar. Eu podia estar exagerando com tanta preocupação, mas
meu coração estava apertado.

— Porra, onde você está Luana? — falei comigo mesmo.

No mesmo instante, meu celular tocou e, por alguns segundos, senti


alívio pensando ser ela, mas peguei o telefone e vi o nome do Marcelo no
visor.

— Boa noite, cara. Está tudo bem? Fiquei sabendo da operação no


aeroporto.
— Boa noite, Marcelo. Estou bem, sim. Como sempre, mais uma
mula inocente. Tem notícia da sua irmã? — Não dava para enrolar. A
ligação ficou em silêncio alguns segundos e esperei por sua fala.

— Minha irmã? Como assim? Deve estar na casa dos meus pais.
Por que o interesse na Luana? — O tom de voz dele mostrou o
descontentamento.

— Nada demais. Tinha uma ligação não atendida dela no meu


celular e não consegui falar com ela. Só cai na caixa postal.

— Aquela maluca deve ter esquecido de carregar o celular. Vai


dormir cara, amanhã você conversa com ela.

— Porra, Marcelo, parece que não me conhece. Só vou dormir em


paz se souber que sua irmã está bem, na casa dos pais.

— Caralho, meu. Desliga um pouco... — O interrompi angustiado.

— Por favor, ligue para sua mãe. Estou te pedindo, meu amigo.

— Está bem. Vou ligar e já te retorno.

— Ok. Vou esperar. — Sabia do risco da governanta dizer que ela


estava comigo, mas não tinha como fazer outra coisa.

A espera foi desesperadora. Depois de poucos minutos, meu celular


tocou.

— Caio, falei com mamãe e ela me disse que minha irmã saiu com
as amigas para comprar roupa e ainda não voltou. Liguei para o celular dela
e não atende. Não estou gostando disso.

— Cara, vocês têm o mesmo modelo de celular, não é?

— Sim. Nós temos. Já entendi, vou ver no GPS onde o aparelho


dela está. — Esperei enquanto ele olhava e, ao voltar a falar, recebi a pior
notícia. — Caralho, não gostei do que vi, tem algo errado com a localização
dela.

— Marcelo, vamos atrás dela. Algo me diz que precisamos ir agora.

— Daqui a dez minutos. Pode me esperar na recepção do edifício.

— Ok, não demore. — Ele encerrou a ligação e ali começava meu


inferno em vida.

Peguei minha arma, coloquei o colete a prova de balas e desci para


aguardar meu amigo. Aqueles foram os dez minutos mais longos de todos.
Não consegui esperar o elevador e desci doze andares de escada.

O tempo todo, a recordação dela me dizendo sobre medo não saía


da minha cabeça. Porra, eu devia ter levado a sério o pressentimento dela.
Caralho, mulheres sempre tiveram sexto sentido apurado.

Cheguei à frente do meu prédio na mesma hora que meu amigo


estacionou a viatura da polícia civil. Entrei depressa no banco do carona e
saímos cantando o pneu.

— Caio, pegue meu celular e veja a localização. É um lugar


deserto, a trinta quilômetros da capital. Cara, eu não posso perder mais
ninguém.

— Calma, cara. Não vamos pensar o pior — falei, mesmo sem


acreditar na minha afirmação.

Meu amigo acionou o giroflex e a sirene. Cortamos caminho,


passamos por sinais vermelhos, tudo para chegar o mais rápido possível até
o local. Quando o sinal do GPS ficou mais forte, paramos o carro no
acostamento.

— Marcelo, Luana não está aqui. Quem a pegou jogou seu celular
aqui para desviar nossa atenção. — Ele me olhou, apavorado.
— Vamos descer, só saio daqui com esse aparelho telefônico. —
Balancei a cabeça, concordando, e o segui em meio à vegetação alta.

Estávamos com uma lanterna de alto alcance. Seguimos o sinal


crescente da localização e, meia hora depois, encontramos o aparelho
quebrado. Meu peito chegou a doer ao ver a capinha rosa com os dizeres: se
sua namorada não faz Direito, eu faço.

A sensação de aperto, sufocamento, opressão tomavam conta do


meu corpo. O ar não satisfazia meu sistema respiratório e minhas mãos
tremiam sem parar.

Precisei me concentrar no meu amigo, pois ele agachou com as


mãos apoiando a cabeça e começou a gritar desesperado pela irmã. Foi uma
cena triste de se ver.

— Meu irmão, precisamos nos concentrar e descobrir o que


aconteceu. Ela está viva. Em breve vamos saber qual a intenção dos
sequestradores.

— Caio, eu não vou suportar. Se acontecer algo com ela, eu serei o


culpado. Isso com certeza é retaliação por causa da nossa atuação
contundente contra o tráfico. — Eu conseguia entender sua agonia, mas não
podia alimentar o desespero dele.

— Marcelo, olhe para mim. — Esperei ele mover a cabeça em


minha direção e só depois completei meu pensamento. — Sua irmã não vai
morrer. Estou na polícia Federal há nove anos e sei muito bem como
funciona a cabeça desses malditos.

— Tomara que você esteja certo. Cara, não sei por onde começar.
Não podemos noticiar o sequestro, não vou dar palco para vagabundo.

— Está certo, vamos montar uma operação de resgate sem fazer


alarde, mas, primeiro, vamos aguardar vinte e quatro horas para ver se eles
fazem contato.
— Enquanto isso, vou pedir todas as imagens das câmeras de vídeo
monitoramento da cidade. Caio, vamos revirar cada canto desse estado até
achar minha irmã.

— Isso, é assim que se fala. — Voltamos para o meu apartamento


em um silêncio inquietante. Nós dois estávamos imersos em nossas dores.

Ali começavam os piores dias, semanas, meses, anos da minha


vida.
Capítulo 6
Dias difíceis – Caio Martins

Os dias passaram rápido, sem conseguirmos nenhum avanço. Era


como se a Luana tivesse desaparecido no ar. Não houve contato pedindo
resgate, pistas, imagens das câmeras, nada para nos dar um rumo na
investigação.

Marcelo precisou falar com seus pais sobre o sequestro da irmã.


Foram momentos tensos para eles. A mãe do meu amigo precisou ser
internada por causa de uma crise de hipertensão. O pai não mediu esforços
para nos ajudar, mas foi em vão.

Por recomendação médica, eles foram para a fazenda. Não foi fácil
convencê-los a seguir a orientação da equipe de saúde. O senhor Dantas só
aceitou depois de muitas promessas nossas de os manter informados de
tudo.
Eu estava em um estado de dormência afetiva assustador. Era como
se alguém tivesse me desligado das emoções. Quando a Luana desapareceu,
o desespero tomou conta de mim. Não conseguia comer, dormir, pensar,
trabalhava no modo automático e a procurava diversas vezes nas periferias.

Pedi ajuda a todas as nossas fontes e ninguém tinha ouvido nada.


Depois de um tempo, desliguei e me afastei dos meus sentimentos. Era a
única forma de pensar racionalmente e achar uma saída.

Marcelo foi procurado por um delegado do Espírito Santo. Fabrizio


Flauzi[3] era uma referência no Brasil para casos de tráfico de pessoas.
Quando meu amigo me contou o teor da conversa, quase enlouqueci. Ainda
tinha o agravante dele não saber da minha relação com a irmã dele.

Assim que voltei para o meu apartamento, entrei em contato com


meu chefe e pedi a ele vinte dias de saldo das minhas férias. Não pensei
duas vezes e embarquei para a Turquia. Eu tinha alguns amigos no país que
poderiam me auxiliar.

Foram dias intensos. Revirei cada canto das cidades com o maior
índice de denúncias de tráfico de pessoas. Infiltrei-me no submundo do
crime e paguei alguns bandidos em busca de informações. Nada. Nenhuma
pista da minha Pequena.

Apesar do desespero e da falta de subsídios para encontrá-la, no


fundo, eu sentia uma chama viva me dando segurança de que minha
Pequena estava bem. Eu me apeguei a esse sentimento como se fosse a
minha única salvação.

O tempo foi passando sem notícias. Eu havia emagrecido quase dez


quilos. Meus pais não sabiam mais o que fazer para me ajudar. Mamãe
passou um fim de semana comigo e suas palavras acalentaram um pouco
meu coração.

Estávamos sentados na varanda depois do jantar. Do décimo


segundo andar, a vista da cidade era muito bonita. O céu repleto de estrelas,
iluminado por uma lua cheia perfeita, não combinava em nada com meu
astral. Saí do buraco sem fundo onde minha mente se encontrava quando
minha mãe colocou sua mão direita em meu braço.

— Filho, você acredita em Deus? — Enchi o peito de ar pelo nariz


e expeli devagar pela boca.

Aquela pergunta vinha me incomodando desde o desaparecimento


da Luana. Cheguei a questionar minha fé por várias vezes. Olhei para dona
Amélia e fui o mais honesto possível.

— Mãe, sinceramente? Não sei te responder. Venho duvidando do


amor desse Deus...— falei, com a garganta apertada.

— Por que, filho? — Limpei uma lágrima solitária que insistia em


descer por minha face, respirei fundo e encarei a dona Amélia.

— O que a Luana fez para ser sequestrada? E eu? Sempre fui um


cara honesto, trabalhador, nunca fiz mal a ninguém... Por que conosco? —
Minha mãe me olhou com amor e tentou me explicar o inexplicável.

— Filho, você percebe como somos egoístas em nossos


pensamentos?

— Egoístas? Lógico que não, mãe. A palavra certa deveria ser


vítima. — Ela sorriu e fez um gesto negativo com o rosto.

— Meu amor, quando questionamos o porquê de ter acontecido


conosco, estamos afirmando implicitamente que deveria ser com outra
pessoa. E aí te pergunto: por qual motivo vocês merecem menos que outras
pessoas? — Enchi o peito de ar, tentei revidar, mas fui vencido pelas
lágrimas.

Fui abraçado pela mulher que mais me amava no mundo. Eu


coloquei minha cabeça em seu ombro e chorei toda dor presa em meu
coração. O questionamento dela me desarmou. Não sabia como justificar o
meu pensamento.
— Mãe, não posso perder a Luana. Eu a amo demais — falei, com
voz de choro, sem sair do seu abraço.

— Meu filho, não perca sua fé. Enquanto acreditar, seu coração
envolve o dela com boas energias. Ore, meu amor. Peça a Deus sabedoria e
força para esse momento difícil. Lembre-se: tudo passa, isso também vai
passar[4]. — Saí de seus braços e olhei fixamente para ela.

— Alguns dias consigo acordar disposto a revirar o mundo e a


encontrar. Outros não tenho vontade de sair da cama. O Marcelo tem receio
de divulgar o desaparecimento dela e piorar as coisas. Plantamos uma
notícia falsa que a Luana está morando e estudando em Londres. Não sei se
é a melhor alternativa.

— Caio, o que o seu coração está pedindo para você fazer? —


Respirei fundo e contei a ela minha ideia.

— Pensei em viajar por todas as cidades do estado, espalhando


fotos dela em jornais locais, rádios, posts, outdoor e oferecer recompensa
para quem me der uma pista verdadeira.

— É isso que seu coração quer? — Balancei a cabeça, afirmando.


— Então faça, meu filho. Siga sua intuição. É só não relacionar a imagem
dela à do irmão.

— Está certa, mamãe. Obrigada por ser tão generosa e paciente


comigo. — Ela deu um sorriso terno e passou a mão no meu rosto, secando
as lágrimas.

— Caio, não tenho palavras para agradecer a Deus por ter um filho
maravilhoso como você. Vai dar certo, filho. Sua Luana vai aparecer.
Acredite. — Peguei a mão dela e beijei.

Naquela noite, conversei com Deus, abrindo meu coração.

“Pai, sei que por muitas vezes duvidei do Seu amor por nós, mas
entenda seu filho. Estou apavorado sem ter notícias da mulher que amo. O
Senhor sabe há quanto tempo a amei em silêncio, esperando o tempo dela.
Foram momentos angustiantes por amar a irmã caçula do meu melhor
amigo. No entanto, nosso amor floresceu e nos amamos muito. O
desaparecimento dela só me fez ter ainda mais certeza dos meus
sentimentos por ela. Não deixe o pior acontecer. Proteja a integridade dela
e coloque pessoas boas em seu caminho. Esse é Seu filho implorando por
sua misericórdia. Desculpe-me pelos pensamentos egoístas, eu entendi
como fui errado. Meu coração clama por Ti, meu Pai. Assim seja.”

Entreguei-me aos braços do Pai e consegui ter minha primeira noite


de sono desde o desaparecimento da minha mulher. As coisas estavam
prestes a mudar e eu precisaria ser forte por mim e por ela.
Capítulo 7
Esperança renovada – Caio Martins

Procurei um amigo especialista em material digital e impresso de


boa qualidade para fazer as imagens da Luana. Escolhemos fotos nítidas,
em diversas posições, e ainda fizemos algumas simulações alterando peso e
a deixando mais emagrecida.

Estava no trabalho, analisando o resultado dos cartazes com a foto


da Luana e me espantei com a qualidade da reprodução. Respirei fundo e
me levantei para pegar meu telefone, que estava carregando, precisava ligar
para o meu amigo delegado. Levei um susto ao ouvir meu celular tocar e o
nome do Marcelo surgir na tela. Atendi no segundo toque.

— Porra, meu irmão, estava te ligando agora. Não morre cedo.

— Caio, é ela, Caio. A Luana... — Eu o interrompi, assustado.


— O quê? Calma, me explica isso direito.

— Não tenho condições de falar por telefone. Preciso conversar


com você. Tenho uma reunião às treze horas, mas, se vier agora, dá tempo.

— Cinco minutos chego aí. — Desci feito um louco pelas escadas.


Não dava para esperar o elevador chegar no nono andar.

Peguei minha moto no estacionamento do prédio da Polícia Federal


e saí feito um louco para a delegacia. Cheguei na sede e entrei correndo,
sem pedir permissão a ninguém. Dei dois toques na porta do Marcelo e ela
se abriu.

— Boa tarde, Marcelo. Porra, cara, quer me matar do coração? Saí


do trabalho igual a um louco e ainda quase bati minha moto em um
caminhão.

— Cara, eu tenho motivo para ter ligado daquele jeito, venha ver
com seus próprios olhos. — Passei por trás da sua mesa, parei ao seu lado
para ver o que ele queria me mostrar no computador. Marcelo mexeu o
mouse e aproximou a imagem.

De repente, olhei espantado para ele e voltei o rosto para o


computador. Senti meu sangue desaparecendo do meu sistema, minha
respiração ficou ofegante e precisei de me concentrar para conseguir
pronunciar algumas palavras.

— Meu Deus, Marcelo, é ela, a minha Luana. — Ele me olhou


como se estivesse constatando suas desconfianças.

— Caio, não posso deixar toda a operação para desmantelar a


quadrilha daqueles filhos da puta agora. Preciso de você, meu irmão.

— Lógico, cara. Vou pedir ajuda ao Lucas, meu amigo da Federal,


ele conhece bem essa área... — Marcelo estava ansioso demais e me
interrompeu.
— Já solicitei a presença do pessoal da Antissequestro. Quero
mostrar essa imagem para eles me ajudarem a identificar o local.

— Certo. Tenho quase certeza de que o sítio do Lucas fica nessas


proximidades. Ele vai nos ajudar. — Parei de falar e puxei o ar pela boca.
Meu peito subia e descia acelerado.

— Vou imprimir algumas fotos da Luana para você levar. Pode


ajudar na busca. — Ouvimos dois toques na porta e, logo depois, um dos
seus homens colocou a cabeça na fresta.

— Chefe, os capitães, Miguel e Otávio, chegaram.

— Tudo bem. Leve-os para a sala de reunião, ofereça água ou café.


Só vou encerrar com o Caio. Não demoro.

— Tudo bem. Aviso a eles. — Quando ele fechou a porta, olhei


para meu amigo, esperançoso, e o deixei assustado com meu desabafo.

— Marcelo, nós iríamos te contar tudo, mas infelizmente aconteceu


antes. Eu amo sua irmã, cara. Desde o desaparecimento dela tenho usado
todos os meus recursos por alguma pista. Vê-la correndo em meio a esse
milharal me deixou cheio de esperanças. Eu vou encontrá-la, confie em
mim — falei, com olhos cheios d’água. Tentei a todo custo não deixar as
lágrimas descerem pelo meu rosto.

— Eu desconfiava disso. Se fosse em outras circunstâncias, talvez


essa descoberta me deixasse bastante incomodado, mas minha irmã
escolheu o melhor homem para amar ... — falou e se calou, como se sua
garganta o impedisse de continuar pela emoção do momento. Eu me
levantei e ele fez o mesmo.

— Não vamos perder mais tempo. Você tem sua reunião, eu preciso
buscar minha garota.

— Caralho, como vou me concentrar na operação? Eu queria sair


agora em busca dela. — Caminhei até o seu lado e dei um abraço apertado
no meu amigo.

— Vá em paz, meu irmão. Eu prometo não voltar sem a Luana. —


Minha convicção o deixou mais confiante. Saímos juntos da sala e ele me
acompanhou até a saída da delegacia.

O tempo foi passando e as coisas só pioravam, mas eu mantinha a


fé, com ajuda das conversas com minha mãe. Ela foi imprescindível para
sustentar minha saúde mental.

Não conseguimos avançar em nada no caso da Luana. Eu me


esforçava muito para trabalhar e continuar minha missão, viajando por todo
o estado.

A vida do meu amigo havia se tornado uma grande confusão após


um incêndio criminoso. O capitão Otávio e o capitão Miguel do Batalhão de
Operações Especiais o ajudaram a elucidar algumas pontas soltas e o
Marcelo acabou descobrindo um traidor na sua equipe.

O auxiliar administrativo de uma empresa terceirizada pelo Estado


era o informante da facção criminosa. Um mês depois do incêndio, eles
conseguiram colocar um dos líderes da facção na cadeia, junto com o
traidor.

Na operação, morreram quase todos os bandidos na troca de tiros


contra a equipe da polícia. Graças a Deus, meu amigo não perdeu nenhum
homem de sua equipe. Infelizmente, não conseguiram colocar as mãos nos
outros três Irmãos Gaúchos. Havia boatos de que eles saíram do Brasil.

Eu não me conformava em perder a Luana e tracei, junto com os


homens da equipe antissequestro, várias linhas de ação. Meu amigo não
conseguia manter a mesma fé que eu, mas o meu coração não me deixava
desistir.

Nada me faria parar. Eu iria além dos meus limites para achar a
minha mulher.
Capítulo 8
Encontrei você – Caio Martins

Luana estava linda, correndo em um campo verde cheio de


florzinhas brancas. Seus cabelos longos balançavam com o vento e, quando
se aproximou de mim, pulou em meu colo, rindo.

— Meu amor, como senti sua falta. Por que demorou tanto? — Eu
não conseguia pronunciar uma palavra sequer. — Você não desistiu de mim.
Cumpriu sua promessa quando te pedi para me procurar. Eu te amo, Caio
Martins.

Dei um pulo da cadeira e quase caí no chão. Nunca havia cochilado


em pleno trabalho, mas um sono estranho tomou conta de mim e sonhei
com a Luana. Parecia verdade.

Resolvi viajar para os lados do milharal e descobri uma cidadezinha


que mal existia no mapa. Deixei várias fotos espalhadas por lá. Voltei a
trabalhar dois dias depois do sonho. Estava ouvindo algumas gravações
autorizadas pela justiça, quando meu celular tocou.

— Boa tarde, esse telefone é do senhor Caio Martins?

— Boa tarde, quem está falando?

— Eu sou a Madre Superiora do Convento das Irmãs Franciscanas


e vi seu cartaz sobre uma moça... — Mal acabei de ouvir, interrompi a
mulher, com meu coração acelerado.

— Sim, sou eu, Caio Martins.

— Ah, que bom, graças a Deus. Então, meu filho, vi o cartaz em


uma padaria a cinquenta quilômetros do convento. Estou com uma moça
hospedada aqui há quase dois anos. Ela não se lembra de nada, mas se
parece demais com a garota da foto. — Minha respiração se tornou difícil
ao ouvir aquela informação. Não conseguia pronunciar nenhuma palavra.
— Filho, está aí ainda?

Respirei fundo umas duas vezes, cheguei a apertar meu peito com a
mão direita para tentar falar.

— Estou... só precisando fazer... o ar... — Ela deu um sorriso terno


e voltou a falar.

— Calma, meu filho. Vou te passar nosso endereço e você venha


para cá. Sua chegada mais tarde será melhor para podermos conversar com
ela dormindo.

— Está bem. Faço isso sim. — Eu estava sem condições de pensar


ou formular uma frase com sentido. A madre superiora me passou o
endereço e nos despedimos.

Saí do trabalho sem me despedir de ninguém. Fui até o meu


apartamento para deixar a moto e pegar meu carro. Eu estava vestido com o
uniforme preto da Federal, por ter feito uma operação durante a manhã e
parte da tarde. Tomei um banho rápido e coloquei uma roupa confortável
para dirigir.

Durante a viagem, acionei o telefone por voz e liguei para o


Marcelo. Tocou até cair a ligação e, logo depois, ele me retornou.

— Boa noite, Caio, me desculpe, deixei o celular na sala.

— Boa noite, Marcelo, sem problemas.

— O que está pegando? — Tentei acalmar minha respiração, que


ainda estava descompensada. — Aconteceu algo grave? Estou te achando
tenso.

— Achei a Luana, Marcelo — falei, emocionado, e me calei.

— Achou como? Está com ela? Fala, homem, pelo amor de Deus.

— Cara, estou a caminho de um convento que fica a quase cem


quilômetros daquele maldito casebre. — Fiquei em silêncio por alguns
segundos para puxar o ar pela boca. — Uma freira me ligou, dizendo ter
visto a foto dela que espalhei em alguns comércios no raio de quinhentos
metros daquele local e disse que tem uma moça com os mesmos traços com
elas há mais de um ano e meio.

— Fotos? Comércios? Quando foi isso, Caio? Fala devagar, pelo


amor de Deus.

— Marcelo, há uma semana tive um sonho com sua irmã. Ela dizia
para não desistir dela e me pediu para espalhar mais fotos. Acordei
assustado como se tivesse sido real.

— Eu vou encontrar com você, me dê o endereço.

— Estou quase chegando. Assim que estiver no convento, te ligo.


Deixe-me confirmar primeiro se é nossa Luana.

— Meu irmão, não vou conseguir esperar... — Eu o interrompi.


— Marcelo, estou a menos de cinco quilômetros do local, daqui a
cinco minutos te ligo de novo. — Encerrei a ligação, não dando a ele tempo
de reclamar.

Por sorte, a estrada estava bem vazia, o que me permitiu dirigir em


alta velocidade. Para garantir um pouco a segurança, viajei com o giroflex
adaptável acionado no teto do carro.

Cheguei ao convento e toquei o interfone, aguardando ser atendido.


Não demorou para uma senhora alta, bonita, aparentando uns cinquenta
anos me atender.

— Senhor Caio Martins?

— Boa noite, sou eu mesmo.

— Boa noite, meu filho. Seja bem-vindo a nossa casa.

Ela entrou na frente e eu a segui até uma sala, parecendo ser a


administração do lugar. Meu coração batia tão forte que parecia ser ouvido
por todos. Antes de entrar, eu coloquei a mão no ombro dela e fiz um
pedido.

— Irmã, inicialmente, me deixe ver a moça. Estou há quase dois


anos à procura dela. Ela é minha noiva. — Resolvi aumentar nosso grau de
envolvimento para ver se causava mais efeito.

Ela me olhou como se avaliasse meu pedido e acabou cedendo.

— Está bem, mas não podemos fazer barulho. Só te peço uma


coisa.

— Pode pedir, irmã.

— Mantenha a calma e não fale nada. Só preciso da sua


confirmação, porque, vendo você de perto, sei que é ela. — Franzi a testa,
sem entender, mas ela não me deu tempo de perguntar. — Vou te contar
tudo depois.
Balancei a cabeça, concordando, e a segui com a respiração curta e
acelerada. Ao chegar no pequeno quarto, senti meu corpo falsear. Precisei
segurar no batente da porta. Ali estava a mulher da minha vida e, ao seu
lado, em um berço de madeira, um bebê lindo, dormindo como um anjo.
Capítulo 9
Descobertas imprevisíveis – Caio Martins

Aproximei-me do berço devagar e permaneci alguns minutos


hipnotizados olhando para o bebê. Ele se parecia demais comigo. Olhei para
a freira, assustado, e ela sorriu.

— Esse é seu filho, senhor — falou, baixinho.

A emoção tomou conta de mim de forma arrebatadora. Aquela


descoberta mexeu demais comigo, não me permitindo pensar em mais nada.
Era inenarrável o sentimento que tomava conta do meu peito. Passei a mão
no rosto várias vezes e sorri sozinho.

Ao lado daquela criança perfeita, minha Pequena dormia serena.


Ela estava mais linda do que nunca. A irmã colocou a mão no meu braço e
me chamou para sair do quarto, com um pequeno gesto de cabeça. Meu
desejo era encher a Luana de beijos e a levar comigo para nunca mais se
afastar, mas não podia ser tão irresponsável.

Virei as costas e segui a freira até a administração. Ela se sentou em


uma cadeira bonita e eu fiz o mesmo, ficando de frente para ela. Ouvi toda
sua explicação, sentindo um aperto na garganta. Minha mulher passou por
situações inimagináveis. Depois do susto inicial, lembrei-me que precisava
falar com o irmão dela.

— A senhora pode me dar um minuto, preciso dar a notícia para o


Marcelo, irmão dela. — A freira se espantou ao ouvir o nome do meu
amigo. — Algum problema, irmã?

— Não. O nome do bebê é Marcelo. Ela o escolheu. — Enchi o


peito de ar e sorri para ela. Naquele momento, senti esperança da Luana me
reconhecer ao acordar.

Saí da sala e fui em direção a um jardim florido. Sentei-me em um


banco e liguei para o meu amigo. Ao primeiro toque, atenderam a ligação.

— Caio, boa noite, sou eu, a Gisele.

— Boa noite, Gisele. Está tudo bem com o Marcelo?

— Tá, sim. Eu preferi atender porque ele está muito nervoso.

— Gisele... É ela... A Luana. Ela está viva, Gisele. Estou muito


emocionado.

— Meu Deus, Caio. Então minha cunhada está mesmo neste


convento? Conta tudo, pelo amor de Deus.

— Ela ainda não me viu, está dormindo com... nossa... está difícil
segurar as lágrimas. Eu tenho um filho de dez meses, Gisele... — falei, sem
condições de continuar.Precisei de um tempo para respirar.

— Luana tem um bebê de dez meses. — Logo depois, ouvi a voz


do Marcelo.
— Caio, pelo amor de Deus, me fala, cara. Como minha irmã está?
E que história é essa de filho? — Minha respiração ficou pesada e, ao ouvir
a voz do meu amigo, as lágrimas desceram sem nenhum controle.

— A Madre me disse que a Luana foi encontrada muito machucada


nos arredores do convento. Um jardineiro a encontrou e a levou para as
freiras. Ela não se lembra de quem é, Marcelo.

— Caio, me passa sua localização. Eu e a Gisele vamos para aí


agora.

— Está bem. Preciso mesmo de vocês aqui para quando ela


acordar. — Passei a localização para ele em tempo real.

— Não vamos demorar, Caio. Nossa, obrigado, meu irmão.

A Madre me levou até o refeitório do convento. Eu tentei negar,


mas ela tinha um jeito todo peculiar de nos convencer. Acabei gostando de
tê-la obedecido. Comi um pedaço de broa de milho e tomei chá de erva
doce.

Ela me contou como foi o parto, os primeiros meses do bebê e, para


minha surpresa, quando voltamos para seu gabinete, fiquei emocionado
com o presente que recebi.

— Dentro dessa caixinha, há um pendrive com fotos dela durante


toda a gravidez, e de todo o desenvolvimento do Marcelinho. — Meus
olhos se encheram d’água quando abri e me deparei com o objeto.

— Meu Deus, esse é o melhor de todos os presentes da minha vida.


Gratidão, irmã. — Ela sorriu, demonstrando emoção.

— Meu filho, nós sabíamos que, em algum lugar desse país, tinha
uma família apreensiva procurando por ela. Além disso, não seria justo
vocês perderem esses momentos importantes da vida da nossa Luana. —
Um pouco envergonhado, baixei a cabeça e comecei a chorar.
Aquele ambiente de paz, a voz serena dela, ver minha Pequena,
descobrir que era pai, foi tudo muito emocionante. Sem conseguir me
controlar, chorei como uma criança.

Depois de algum tempo, fui me acalmando aos poucos e olhei para


a freira.

— Desculpe-me, foram quase dois anos de sofrimento. Eu amo essa


mulher com todo o meu coração. Nunca desisti dela. — Ela deu um sorriso
aberto e me contou algo impressionante.

— Caio, ela sempre me disse que sentia o amor de alguém dentro


do seu peito, mas não sabia quem era. Eu dizia que, em algum lugar, tinha
um coração conectado ao dela. — Enchi o peito de ar e soprei devagar.

— Tinha mesmo. Era o meu. — Ouvimos o som do interfone. —


Deve ser o meu amigo, irmão dela.

A freira pegou o telefone que estava sobre a mesa e falou com


alguém.

— Estou esperando o senhor Marcelo e sua namorada. Assim que


chegarem, traga-os ao meu gabinete.

Naquele momento, ouvimos um chorinho vindo do quarto. A freira


me olhou e disse.

— Aguarde só um minuto, já volto. — Fiquei sentado, como se


meu corpo pesasse duzentas toneladas. Não demorou para ela voltar com
meu filho no colo. — Oi papai, alguém acordou. Quer carregar seu menino?

Olhei para ela, sorrindo feito uma criança que acabara de ganhar o
presente dos sonhos.

— Lógico. Será que ele não vai me estranhar?

— Ele vai reconhecer o pai, acredite. — Balancei a cabeça,


concordando, e me aproximei devagar.
— Oi, campeão. Como você é bonitão. Eu sou o seu pai, meu filho,
e prometo de proteger para sempre. — Ele sorriu, mostrando dois dentinhos
em cima e embaixo na gengiva vermelhinha.

Abri os braços para aquele pequenino e, para meu espanto, ele se


jogou em meu colo. Sentir aquele pedaço de gente junto ao meu corpo
causou em mim um turbilhão de sentimentos. Era como amar além do amor,
quase como uma dor. Aquele bebê era o símbolo de toda a esperança que
tive até a encontrar.

— Vamos para a biblioteca? Aí você pode esperar seus amigos


enquanto conversa com seu pequeno. — Sorri para ela, parecendo um bobo
assustado.

— Eu posso? — Ela deu uma risada.

— Lógico que pode. Ele é seu filho, Caio. — Ouvir aquilo parecia
música para meus ouvidos.

Seguimos a freira por três corredores, subimos uma rampa e


chegamos a uma porta de madeira enorme, onde havia a plaquinha
sinalizando a biblioteca.

— Fique à vontade, assim que der, eu volto.

— Obrigado, irmã. Por tudo. — Ela fez um gesto singelo com os


olhos e saiu.

Passei alguns minutos contando para ele como eu e a mãe dele nos
conhecemos. Era incrível como os olhinhos dele não abandonavam meu
rosto por nenhum minuto.

Estava distraído até ouvir dois toques na porta e, logo depois, vi a


freira entrando com meu amigo e sua namorada. Dei um sorriso enorme
para o meu irmão.

— Marcelo, venha conhecer seu sobrinho, cara. Você e ele têm o


mesmo nome!
Ele se aproximou e o meu bebê abriu um sorrisão para o tio.

— Oi, Marcelinho. Eu sou seu tio, meu amor. Como você é lindo.
— Como se entendesse a complexidade do momento, ele abriu os bracinhos
e se jogou nos braços do meu amigo.

Depois de conseguir se acalmar, ainda com o sobrinho no colo,


Marcelo pediu à freira para contar como a irmã havia chegado no convento.

— Temos um jardineiro que vem toda semana. Ele cuida da parte


interna e externa do convento. No dia da chegada da Luana, ele a encontrou
caída bem perto do muro e a trouxe para nós. Sua irmã estava desacordada,
com vários arranhões pelo corpo e desidratada. Os machucados dela
pareciam de uma pessoa que correu em meio à vegetação fechada. —
Respirou fundo, passou a mão na sua roupa, como se tirasse algo e voltou a
falar. — Nossa enfermeira cuidou dela por seis dias. Aos poucos, ela foi
melhorando e não sabia dizer nada, apenas de ter fugido de uma
encomenda. Nós não entendíamos as poucas informações dadas por ela.
Procuramos pelas delegacias da cidade e não havia registro de
desaparecimento. Nossa garota misteriosa foi ficando e, quando havia
quatro meses de sua estadia, descobrimos a gravidez. Luana não sabia dizer
de quem era, mas afirmou não ter sido estuprada. Sua irmã foi se
identificando com a nossa vida regrada e fomos cuidando dela, até o dia em
que precisei visitar uma irmã no hospital e vi os cartazes com as fotos.
Nesse mesmo dia, liguei para o telefone que estava no papel. E essa é toda
história.

Ouvi aquela narrativa de novo quase sem respirar. Marcelo


permanecia calado, com uma expressão desconfortável. A freira parecia
muito calma e aguardando a fala do meu amigo. Eu podia desconfiar qual
era o motivo do seu olhar, mas esperei o tempo dele.

— Irmã, com todo o respeito, a senhora não pensou em se


comunicar com a polícia local? Não pensou que poderia haver uma família
desesperada atrás dela? — A freira deu um pequeno sorriso. Seu olhar
sereno nos desarmava.
— Não sei qual sua crença, meu filho, mas aqui fazemos tudo com
orientação de Deus. Pensamos em procurar ajuda, mas fomos informados
por uma assistente social que, se não aparecesse ninguém da família, o bebê
iria para um abrigo, e a mãe, em função da amnésia, iria para uma
internação psiquiátrica. Oramos e jejuamos muito antes de decidir manter
segredo sobre a garota e o bebê. Não achamos justo separar os dois.
Delegado, se tivéssemos avisado à polícia, provavelmente seu sobrinho
teria sido adotado e sua irmã ficaria perdida para sempre — falou com
convicção.

Aquela fala mexeu demais conosco. Minha pele arrepiou e, logo


depois, Marcelo puxou o ar com força, como se quisesse tomar coragem
para falar.

— Não tenho como agradecê-la, as senhoras salvaram nossas vidas.


— Limpei uma lágrima solitária e peguei meu filho do colo do tio.

Depois, coloquei uma mão sobre o ombro do meu melhor amigo e


falei com todo o meu coração.

— Antes da sua irmã desaparecer, nós estávamos nos preparando


para contar a sua família que iríamos nos casar. Acredite, mas nenhum de
nós dois sabia da gravidez.

— Cara, eu só posso te dizer uma coisa: obrigado. Não tenho


palavras para agradecer a Deus por esse presente em nossas vidas. — A
freira olhou para nós dois e complementou.

— Não precisa de muito para conversar com Deus, meu filho.


Basta agradecer como fazemos com nosso Pai. Simples assim. — Marcelo
balançou a cabeça concordando.

Eu me afastei, ninando meu filho e, enquanto ele dormia, sereno em


meu colo, deixei mais lágrimas caírem por tudo que passou. Precisava
chorar toda a angústia do meu coração, porque a vida tinha que seguir seu
curso.
E necessitávamos nos preparar para os desafios que ainda estavam
por vir.
Capítulo 10
Quem sou eu – Luana Dantas

As irmãs eram muito boas para mim. Cheguei naquele convento


muito machucada, debilitada, desnutrida e desidratada. Passei dez dias na
enfermaria tomando soro e medicamentos por acesso venoso. Tudo isso
sem saber da minha gravidez. Eu mesma não fazia ideia de que carregava
um bebê em meu ventre.

Na verdade, em minha memória, não existia ninguém, nenhum


relacionamento para aquilo ter acontecido comigo. Tinha convicção de que
ninguém havia encostado em mim durante o sequestro, mas não fazia ideia
de quem era o pai. Então, decidi que o filho seria somente meu.

Quando o bebê nasceu, olhei para seu rostinho rechonchudo e um


único nome veio a minha cabeça.

— Ei, meu, amor. Sua mamãe está um pouco esquecida, mas seu
nome será Marcelo. O meu Marcelinho.
Daquele dia em diante, me dediquei em tempo integral ao meu
filho. Ele era a única ligação a um passado que eu desconhecia. O olhar
dele, sua boca pequena, cabelinhos loiros, pele branquinha, olhos azuis e
bochechas vermelhas me lembravam alguém, mas não conseguia descobrir
quem.

Com o passar do tempo, comecei a dividir as tarefas do convento


com a criação do meu pequeno. A madre superiora era muito carinhosa e
sempre me acalmava nos momentos difíceis.

Um dia, estava sentada no jardim com meu filho dormindo em meu


colo. Marcelinho estava com quase um ano, mas ainda não queria saber de
andar. Só engatinhava e adorava um colo. Ele era o reizinho daquele
convento e sempre havia braços dispostos a carregá-lo.

Olhei para seu rostinho lindo, tão inocente, e comecei a chorar. A


Madre se aproximou de mim e se sentou ao meu lado, aguardando meu
pranto cessar. Quando consegui me acalmar, senti sua mão sobre a minha e
sua voz serena chegou aos meus ouvidos.

— Querida, não se desespere. Deus sabe de todas as coisas e nada


acontece por acaso. Esses momentos conflituosos e desafiantes vão passar e
a dor será apenas uma lembrança vaga... — A interrompi com lágrimas nos
olhos.

— Eu não consigo me lembrar de nada, Madre. Ouço a voz de um


homem na minha cabeça, com conselhos, mas não sei quem é. Além disso,
toda vez que chamo o Marcelinho de meu pequeno, é como se meu coração
se enchesse de amor.

— Mães amam seus filhos, querida. É normal. — Balancei a cabeça


para os lados convicta de que não era nada maternal.

— Não. Essa lembrança me deixa com o peito apertado, como se


em algum lugar existisse um homem me procurando. E sinto que é bom e
eu pertenço a ele. — Ela passou a mão direita em meus cabelos e sorriu.
— Filha, eu tenho certeza disso. Esse homem deve ser o pai desse
bebê lindo. O coração dele está conectado com o seu, por isso, esse termo
mexe contigo. — Precisei fungar, porque meu nariz ficou congestionado
pelo choro, depois passei a língua nos lábios e olhei para a Madre.

— A senhora acha que ainda estão me procurando? Será que um


dia vou saber quem eu sou? Nem sei se meu nome é mesmo Luana. Só ouvi
os capangas falando. — Ela deu aquele sorriso que tanto me acalmava.

— Tenho confiança que sim, meu amor. Deus não desampara seus
filhos. Confie, e verá que logo saberá quem são seus familiares. Agora
vamos entrar, porque está esfriando e não queremos nosso anjinho gripado.
— Dois dias depois daquela conversa, meu destino mudaria para sempre.

Acordei cedo, gritando em desespero. Meu filho se assustou e


começou a chorar alto. Não demorou para a irmã Berenice aparecer
correndo em meu quarto.

— O que aconteceu, meu anjo? — Eu mal conseguia respirar e o


Marcelinho continuava aos prantos.

A irmã tirou meu filho do berço, se sentou ao meu lado na cama e o


acalmou. Olhou para mim de forma carinhosa e tirou uma mexa do meu
cabelo que tampava meus olhos. Respirei fundo e expliquei o que tinha
acontecido.

— Desculpe-me, Berê, tive um pesadelo horrível...

— Quer falar sobre ele, meu anjo? — Enchi o peito de ar e soltei


pela boca devagar.

— Foi um sonho atribulado, esquisito. Várias imagens misturadas


com situações desconexas. Um homem armado que protegia as pessoas, ele
corria em minha direção, mas não me alcançava ou não me via. Era como
se eu estivesse dentro de uma bolha cheia de flores e o convento ao fundo...
— falei, ofegante.
— Calma. Se não te fizer bem, não precisa continuar.

— Eu quero continuar, irmã.

— Então estou te ouvindo.

— Apareceu um segundo homem vestido de preto, como se fosse


uma farda. Ele era muito bonito e sua expressão era de puro sofrimento. De
repente, o ambiente todo mudou e me vi em um canto, jogada no chão.
Ratos andavam ao meu redor e... e... eu me lembrei. — Ela me olhou,
espantada, e resolvi explicar.

— Era o lugar onde me deixaram. Um casebre, tinha um milharal,


eu fugi, Berê. — Voltei a ofegar.

— Meu anjo, já passou. Você se lembra da fala do médico? —


Balancei a cabeça afirmando, mas permanecei respirando forte. — Esses
sonhos são seu cérebro trabalhando e buscando as experiências do passado.
É um bom sinal, Luana.

— Tomara... — Depois de me acalmar um pouco, a irmã me


entregou meu bebê e saiu. Aproveitei para dar o peito para ele, que mamou,
ofegante pelo esforço feito ao chorar. — Desculpe-me, amor de mamãe.
Tenha paciência comigo. Vou melhorar, prometo.

Ele me olhou como se entendesse tudo. Aquela criança era o maior


motivo para acordar todos os dias e tentar me lembrar.

Passamos o dia entre as atividades do convento. Marcelinho ficava


parte do dia com a irmã Berenice, enquanto eu ajudava as freiras com a
horta e a cozinha. Aquele era um momento terapêutico.

O fato de ter dormido mal na noite passada me fez adormecer mais


cedo que de costume. O meu filho resistiu um pouco, mas acabou se
entregando ao sono.

Algumas sensações estranhas tomaram conta de mim durante o


sono. Senti um perfume conhecido, depois um toque carinhoso em meu
rosto me fez estremecer, mas não consegui abrir os olhos. Era como estar
sob o efeito de remédios.

Despertei pela manhã e estranhei o fato do Marcelinho não estar no


berço. Antes mesmo de trocar de roupa, saí do quarto à procura do meu
bebê. As irmãs sabiam como me fazia mal não o encontrar ao acordar.

Olhei nos aposentos da Berê e eles não estavam lá. Passei correndo
pela biblioteca e vi, pela fresta da porta, um homem dormindo, encostado
na cadeira, com meu filho no colo.

Meu coração disparou, com medo dele sumir com meu bebê. Entrei
desesperada no cômodo e tirei meu filho dos braços do homem. Ele abriu os
olhos, sonolento e, ao me ver, se levantou, caminhando em minha direção
como se fosse me abraçar. Eu me afastei depressa, com Marcelino no colo,
e gritei.

— Não se aproxime de mim. Quem é você? Madreeeeeee... — Ele


tentou me acalmar, me deixando mais assustada. — Socorrooooo.
Berêeeeeeee, alguém me ajude...

Ouvi passos se aproximando da biblioteca e, quando olhei para a


porta, vi uma moça bonita, a Madre e, logo atrás delas, era ele. Eu o
conhecia.

— Calma, Luana, vamos te explicar tudo... — Antes da irmã


Amélia se aproximar, eu gritei para o homem ao lado dela.

— Marcelooooo!!! Você é o meu irmão? O que falava dentro da


minha cabeça o tempo todo. Eu te ouvia, fiz tudo como me ensinou. — Ele
começou a chorar e veio até mim, muito emocionado.

A moça estendeu os braços para eu entregar meu filho e gostei do


jeito dela. Confiei nela para carregar meu bebê.

— Sou eu, Luana. Sim, seu irmão... — falou, chorando muito.


Permanecemos abraçados em um pranto sofrido, mas de muito
afeto. Como me senti protegida dentro dos braços dele. Quando
conseguimos nos afastar, olhei desconfiada para o homem bonito e
estranho. Ele parecia alguém em estado de choque, então, tomei a frente.

— Por que estava com meu filho? Eu não sei quem é você. — O
moço abriu e fechou a boca.

Percebi meu irmão fazendo um pequeno gesto com os olhos para


ele, o impedindo de continuar.

— Luana, nós somos amigos. Não se preocupe, não tem perigo.


Caio é policial federal e nos ajudou muito... — Interrompi meu irmão,
desconfiada e falei com o tal Federal.

— Posso não me lembrar de algumas coisas, moço, mas não se


engane, eu não sou bobinha. Quero uma explicação e vou perguntar só mais
uma vez: por qual motivo estava dormindo com meu filho no colo? — Ele
me encarou, se aproximou um pouco mais e quase me matou de susto.

— Porque eu te amo, Luana. Porque eu sou o pai do seu filho e, por


último, estou há exatos um ano e dez meses procurando por você — falou,
com lágrimas descendo pelo seu rosto bonito.

O jeito sofrido dele ao se expressar me chocou demais. Quase não


permaneci respirando. Sem saber como agir, virei as costas para ele, peguei
o Marcelinho do colo da moça e saí correndo da biblioteca. Era informação
demais para mim.
Capítulo 11
Coração sangrando – Caio Martins

A reação da minha Pequena foi semelhante a sentir uma faca


cortando meu peito e arrancando meu órgão vital. Quando ela saiu correndo
da biblioteca, ainda tentei segui-la, mas Marcelo segurou meu braço.

— Calma, meu amigo. É tudo muito novo para ela. — Olhei para
ele, desapontado, e sua namorada falou consternada.

— Caio, eu vou atrás dela. Só tenha calma, nós vamos precisar. —


Balancei a cabeça, concordando e me dirigi ao Marcelo.

— Ela se lembrou de você, mas em nenhum momento vi qualquer


faísca de reconhecimento em seus olhos se referindo a mim. Eu não vou
suportar perdê-la de novo, cara. — Meu amigo delegado veio ao meu
encontro e me abraçou.
Depois de alguns minutos, senti o toque de uma mão leve em meu
ombro, me afastei do abraço e virei meu corpo para trás. A madre me
olhava com ternura e, mesmo estando desesperado, ela me transmitiu um
sentimento de paz.

— Meu querido, você aguentou até aqui. Deus não nos dá uma
carga que não possamos carregar. Tenha calma e muita fé. Preciso te fazer
uma pergunta. Posso? — Passei a mão no rosto, limpando as lágrimas que
não paravam de descer.

— Lógico que pode, senhora.

— Só me diz: você tinha algum apelido carinhoso pelo qual a


tratava? — Não entendi o teor da questão, mas a respondi.

— Sempre me dirigi a ela como Minha Pequena. — A Madre deu


um sorriso iluminado e me deixou ainda mais confuso.

— Há três dias, tivemos uma conversa no jardim do convento.


Luana sempre tratou o filho de vocês como meu Pequeno. Desde o
nascimento foi assim... — Acabei interrompendo-a tamanha minha
ansiedade.

— Não entendi. O que isso pode ter a ver comigo? É um jeito bem
comum de tratar um bebê... — Ela sorriu, colocando as mãos no meu
ombro, e explicou.

— Como vocês jovens são imediatistas. Meu filho, Luana me disse


que toda vez que chamava o filho por esse tratamento, sentia um aperto no
coração, como se fosse algo importante na vida dela. — Ao ouvir aquilo,
sorri um pouco mais confiante.

— Obrigada, Madre. A senhora acalentou meu coração.

— Vamos para o refeitório tomar o café da manhã com calma e ver


como ela vai reagir.

— Está bem. Preciso mesmo comer alguma coisa.


— Vocês vão gostar das guloseimas que a irmã Gertrudes prepara
com muito carinho. — Seguimos a senhora até um grande salão com muitas
mesas e cadeiras.

Estranhei aquela quantidade de lugares, porque ainda não tinha


visto tantas pessoas desde que chegamos. Acho que o meu olhar foi tão
óbvio que a irmã falou baixo comigo.

— Temos cinquenta irmãs que vivem enclausuradas em oração.

— Como é a vida delas, Madre? Sempre quis saber sobre isso.

— Vivem sob os votos da castidade, da pobreza e da obediência a


Deus, à Santa Igreja e às suas superioras dentro do convento. Escondem as
mãos sob o Santo Hábito, vestem marrom, que usam como uniforme.
Levantam-se às quatro e meia da manhã, rezam pelo menos seis vezes ao
dia e nunca durante menos de nove horas. Ao contrário do que muitos
pensam, elas não saem de dentro do convento, mas podem circular aqui,
inclusive ajudam na cozinha.

— Entendi. E quando tem visitas?

— Aí elas não circulam entre os visitantes. Agora vamos tomar


nosso café em paz.

Ouvi um barulho vindo da entrada do refeitório e vi a Luana vindo


junto com a Gisele. Elas não estavam com meu filho, e a namorada do
Marcelo provavelmente compreendeu meu olhar preocupado.

— Marcelinho dormiu, meu amor. Ele é muito bonzinho — falou,


olhando para o meu amigo.

Eu preferi permanecer em silêncio durante todo o tempo. No


entanto, não a perdi de vista por nenhum segundo. Cada palavra, sorriso
tímido e as poucas vezes que disfarçou ao me olhar mexeram demais
comigo. Meu corpo parecia doente de vontade de abraçá-la, de tocar em sua
pele, beijar sua boca. Meu Deus, como estava difícil.
Luana contou tudo o que recordava do sequestro, inclusive das
conversas dos bandidos. Fiquei orgulhoso da coragem da minha mulher.
Aquela era a garota corajosa, ousada e destemida que sempre fez meu
coração bater acelerado.

Ela continuava linda. A maternidade a havia deixado com um corpo


estonteante. Seu jeito de falar, com segurança, e a maneira como às vezes
me encarava, quando contava algo sobre nosso filho, causava uma
verdadeira confusão em minha mente.

Passamos o restante do dia no convento. Consegui carregar meu


filho somente enquanto ela tomava banho, e Gisele me ajudou a ter um
curto tempo com o Pequeno. Eu vivi naquele momento uma das maiores
emoções da minha vida.

— Oi, Marcelinho. Sua mamãe vai ficar boa, você vai ver... — Ele
colocou a mãozinha no meu rosto e balbuciou.

— Mama... mama... mama...

— Sim, sua mamãe. O papai ama vocês demais... — Ouvi a


vozinha dele me interrompendo e foi emocionante.

— Papa? Papa? — Com lágrimas descendo pelo meu rosto,


balancei a cabeça, confirmando, e ele me imitou. Eu dei uma risada e
afirmei.

— Sim, Marcelinho, eu sou seu papai. — Ele levantou os bracinhos


para cima e falou rindo.

— Mama... Papa... — Acabei me distraindo e não vi Luana se


aproximando.

Daquela vez, ela foi um pouco mais serena, mas mantinha o olhar
desconfiado, como se, a qualquer momento, eu fosse desaparecer com
nosso filho.
— Ei, Pequeno, venha com a mamãe. — Ela abriu os braços e ele
se jogou no colo dela.

— Mama... Papa... — Olhei para Luana, apreensivo. Seu olhar de


reprovação não passou despercebido, mas ignorei e brinquei com nosso
filho.

— Sim, Pequeno, você tem a mamãe mais linda. E o papai te ama


— falei e a encarei, tentando demonstrar todo o meu amor.

Minha Pequena Guerreira tentou sustentar o meu olhar, mas não


conseguiu. Sua face corada denunciou o quanto ela ficou tocada por mim.
Aquela situação reavivou a chama da esperança em meu peito.
Capítulo 12
Retomando a vida – Luana Dantas

Voltar para a minha realidade foi algo bem complicado. Deixar o


convento foi como renascer sozinha. Aquelas freiras e a Madre se tornaram
minha família e tinha me acostumado com cada canto daquele lugar.
Conhecia cada flor, pássaro e todas as pessoas que viviam comigo.
Choramos muito ao nos despedirmos, mas recomeçar era preciso.

O moço bonito, que me fazia viver uma dualidade, prometeu às


freiras que voltaríamos para visitá-las. Não me senti confortável com o tal
Federal me incluindo em todas as suas falas, como se fôssemos um casal.
Ele não conseguia entender que, para mim, era um total desconhecido.

Às vezes, observava o seu sorriso e alguns gestos eram muito


parecidos com os do meu filho, mesmo assim, era uma situação bizarra. Ele
era muito bonito, tinha um corpo maravilhoso, mas não parecíamos
pertencer ao mesmo mundo.

Chegar na cobertura enorme do meu irmão foi estranho, porque não


me lembrava dela. Marcelo fez de tudo para me sentir bem. Descobri que,
após meu desaparecimento, meus pais sofreram muito e foram para uma
fazenda.

Quando eles chegaram no apartamento do Marcelo, foi uma


experiência inimaginável. Bastou colocar os olhos na minha mãe para dar
um grito e correr até eles aos prantos.

— Mamãe! Ai, meu Deus, como eu senti falta do seu rosto. Eu


sonhava com a senhora... — falei, em lágrimas, e recebi o melhor abraço
dos últimos anos.

Choramos agarradas uma à outra por quase meia hora. No entanto,


nem tudo foi alegria, porque não reconheci o senhor que era o meu pai.
Como aquela situação me deixava nervosa. Eu forçava a mente, mas ele e o
moço bonito não frequentavam minha memória esquecida.

Três dias após meu retorno, consultei uma médica neurologista.


Gostei muito da doutora Neila, ela era calma e tinha a maior paciência para
me explicar tudo, me deixando confiante.

O Federal insistiu muito para ir à segunda consulta comigo e só


aceitei por causa do meu irmão. Porém, antes de entrarmos no consultório,
eu o alertei.

— Olha, eu só estou indo com você em respeito ao Marcelo, mas


que fique claro: não gosto da ideia.

— Por que, Luana? Nós temos um filho, eu te amo demais, e você


precisa permitir minha aproximação, caso contrário, como vai se lembrar de
mim?

— Meu Deus, você força a barra. Alguém já te disse o quanto é


teimoso? — Ele sorriu e fiz uma expressão brava. — Posso saber qual a
graça?

— Sim. Você já me disse várias vezes que eu era teimoso, Luana.


— Olhei para ele, espantada, mas, por sorte, fomos chamados pela
recepcionista da médica.

Entramos no consultório dela e fomos recebidos pelo seu sorriso


acolhedor. Ela olhou para o Federal, curiosa e, por algum motivo, me
incomodou.

— Bom dia, doutora.

— Bom dia, Luana. Vejo que veio acompanhada. É seu amigo? —


Abri a boca para falar, mas o idiota se apressou na minha frente.

— Bom dia, doutora Neila. Eu sou Caio Martins, noivo da Luana e


o pai do filho dela. — A médica arregalou os olhos, mas se recuperou logo.

— Bom dia, Caio. É um prazer recebê-lo. — Revirei os olhos para


cima e soprei o ar, desanimada. — Você não me falou sobre seu noivo,
querida.

— Lógico que não. Ele insiste em dizer que sou noiva dele, mas
não faço a menor ideia de quem é. Nem sei se não é um vigarista. — Olhei
para o moço bonito com um sorrisinho cínico, mas o infeliz não se
intimidou.

— Doutora, a Luana sabe muito bem que não sou nenhum


vigarista. O próprio irmão dela, por sinal meu melhor amigo desde sempre,
já conversou com ela sobre nós dois... — O interrompi, nervosa.

— A senhora pode dizer a ele que não quero uma sombra atrás de
mim? Desde que me encontraram, esse homem força sua presença na minha
vida. Vive carregando meu filho...

— Nosso filho, Luana — falou, me interrompendo. Aquele


atrevimento me fez perder a paciência e o expulsar da sala quase em surto.

— Chegaaaaa... Vai embora. Não te quero aqui. Não te conheço.


Não gosto de você. Saia daquiiii — gritei, enlouquecida.
A médica ficou de pé depressa e fez um sinal para ele sair. Virei as
costas para o homem e não quis olhar para a cara dele. Quando ouvi a porta
se fechando e a doutora voltando para sua cadeira, respirei aliviada.

— Vamos falar mais sobre seu sentimento em relação ao pai do seu


filho. Eu entendo como está sendo difícil para você, mas tenho certeza de
que está muito confuso para ele — falou, olhando para mim de forma
intensa.

Passei a língua pelos lábios e mordi o canto interior da bochecha.


Comecei a me sentir mal por ter tratado o moço bonito daquela maneira. Eu
não precisava de DNA para saber que ele era o pai do Marcelinho, pois meu
filho era a cara dele. Respirei fundo e abri meu coração.

— A senhora pode imaginar como é estranho saber que tenho um


filho com um homem lindo, que parece boa pessoa, mas não me lembro de
nada? Doutora, eu não sabia da gravidez. Foi um choque quando descobri.

— Imagino, sim, Luana. Já tratei de muitos pacientes com o mesmo


problema... — A interrompi, com lágrima nos olhos.

— Eu não vou recuperar minha vida?

— Calma, querida. A amnésia dissociativa costuma persistir


durante algum tempo, depois de um evento traumático, no seu caso, o
sequestro. Com terapia, medicação e uma rede de apoio, as coisas irão se
acertando.

— Eu me sinto cansada. No convento, minha vida era simples e


sem cobranças. Aqui, parece que o tempo todo as pessoas tentam descobrir
os meus pensamentos e isso me deixa tonta. Estou convivendo com uma dor
de cabeça infernal.

— Fique tranquila, conversarei com seus familiares. Além disso,


vamos fazer uma tomografia, alguns exames de sangue e começar a terapia.
Tenho uma psicóloga experiente nessa área, posso indicar para você. —
Balancei a cabeça, concordando. — Vou imprimir a guia do pedido dos
exames e você já deixa marcado com a recepcionista.

— Tudo bem. Obrigada, doutora Neila e me desculpe pelo meu


ataque de nervos. — Ela sorriu para mim, se levantou e me acompanhou até
a porta.

Não acreditei quando olhei para o sofá na sala de espera e lá estava


o moço Federal, sentadinho como um cachorrinho abandonado. Assim que
nos viu, abriu um sorriso sincero e se levantou.

— Achei melhor te esperar, Luana. Desculpe-me, eu não deveria ter


te forçado tanto. Vamos, vou te deixar no apartamento do seu irmão. —
Respirei fundo e acabei aceitando a carona dele.

— Obrigada, me deixe na casa dos meus pais. Eles voltaram para


nossa casa. — Ele franziu a sobrancelha, estranhando a minha informação.
— Ontem à noite eles decidiram voltar comigo.

— Está bem, eu sei onde seus pais moram. Levo você. — Tentei
parecer um pouco mais simpática, mas não sei se consegui.

Quando ele deu partida no carro, uma música começou a tocar.

“Quando eu era jovem


Eu não precisava de ninguém
E fazia amor apenas por divertimento
Estes dias se foram
Vivo solitária
Eu penso em todos os amigos que conheci
Quando disco o telefone
Ninguém está em casa”

Na mesma hora, meu coração disparou, e senti uma emoção


arrebatadora. Olhei para o moço bonito e ele deu um sorriso de lado.
— Eu me lembro dessa música, mas não sei quando ou com quem
ouvi. Quem está cantando? — O padrão de respiração dele mudou um
pouco, mas preferi aguardar.

— Celine Dion. E sim, você ama as músicas dela... — Ele parecia


que falaria mais alguma coisa, mas se calou.

Respirei fundo, fechei meus olhos e fiquei cantando baixinho.


Permaneci daquele jeito até sentir a velocidade do carro diminuir. Olhei
para fora pelo vidro da janela e me espantei com o edifício suntuoso a
minha frente. Virei meu rosto em direção ao dele e o questionei.

— Por que paramos? Não reconheço esse lugar.

— Luana, você mora aqui. Seus pais são donos da cobertura. —


Abri e fechei a boca, espantada. Tirei o cabelo do pescoço e o cocei com
força. — Você está bem?

— Minha urticária nervosa está me atacando de novo. — O Federal


me olhou como se tivesse visto um fantasma. — O que aconteceu? Por que
essa cara de espanto?

— Luana, você se lembra que tem urticária nervosa? — Apertei


meus olhos e os abri depressa.

— Sim, me lembrei. Eu tenho?

— Tem, minha Pequena, você tem... — falou, muito emocionado.

Aquele foi um momento bem bizarro, mas ainda aconteceriam


momentos piores. Entrar na cobertura enorme dos meus pais foi uma
experiência surreal. Eu nunca tinha visto aquele lugar. Ou melhor: não me
recordava.

Quando mamãe fez questão de me levar ao meu quarto, foi uma


sensação desconfortável ver tantas fotos minhas espalhadas em porta-
retratos. Na mesinha ao lado da cama havia uma fotografia grande comigo
abraçada com o Federal.
Aquela experiência foi muito esquisita, porque a única lembrança
que eu tinha dele era dos meus aposentos no convento.
Capítulo 13
Dias atribulados – Caio Martins

Não poder ter a Luana como eu gostaria me deixava frustrado.


Passei dois anos sem tocar em nenhuma mulher, pois meu corpo e coração
eram dela, da Pequena loira. A neurologista e a psicóloga me orientaram
sobre como lidar com ela, mas não estava sendo fácil para mim.

Ver seus olhos, ora iluminados, ora opacos, me matava por dentro.
Alguns dias era como se ela se trancasse em um aquário. Passava horas
muda e depois oscilava momentos de euforia e reclusão.

Segundo a equipe médica, tudo acontecia dentro do previsto, mas


toda a situação era muito imprevisível. Seguimos todas as orientações da
neurologista, fizemos acompanhamento psicológico para saber lidar com a
situação. Ela fazia terapia duas vezes por semana e, às vezes, chegava bem,
animada, em outras se trancava no quarto.
Seguindo o protocolo terapêutico, eu aparecia todos os dias à noite
na casa dela. Eu agia conforme seu humor. Não forçava mais a barra, mas,
como dizia minha mãe, “meu olhar denunciava o quanto eu estava
sofrendo.”

Marcelinho era a alegria das minhas noites atribuladas. Meu filho


adorava meu colo e sua palavra favorita era: Papa. Às vezes, Luana se
trancava no quarto com o bebê e só saía depois da minha partida.

Para piorar a situação, a polícia Federal, junto à civil de vários


estados, realizava a operação Anjos Protegidos. O departamento de crimes
organizados para tráfico de meninas, adolescentes e jovens atuava em
conjunto com as regiões Sul e Sudeste.

O delegado Fabrizio Flauzi[5] havia voltado à capital gaúcha para


participar da busca e apreensão de pedófilos com mandado de prisão. Eles
eram de Vitória, no Espírito Santo e tinham fugido para nossa cidade. Em
função da aproximação da data da operação, acabei precisando passar três
dias longe da minha mulher.

Eu e o delegado turco nos tornamos parceiros, pois foram muitas


reuniões para traçar as melhores estratégias. A última delas, antes de
deflagrar a operação, foi longa. Contamos com a presença dos dois capitães
do Batalhão de Operações Especiais, os delegados Dantas e Flauzi, além de
dez agentes federais.

— Dessa vez, vamos acabar com a regalia e ostentação desses


filhos da puta — falei, com ódio. Nada me irritava mais do que pedofilia.

— O melhor horário para os surpreender é no início da manhã.


Costumamos sair às quatro e quarenta e cinco — explicou o capitão Miguel
Germano. — Temos capacidade de cobertura de quinze viaturas e dois cães
da raça Pastor Alemão.

— Ótimo. Quantas viaturas da Federal teremos a nossa disposição,


Caio?
— Dez viaturas, quatorze policiais federais, cinco cães da raça
Pastor Alemão e cinco Labradores.

— Vamos executar vinte mandados. A civil vai colocar cinco


viaturas à disposição, com dez policiais. — O delegado Flauzi me olhou
com uma expressão preocupada.

— E a imprensa, Caio? Eles não podem vazar nenhuma informação


antes da última casa.

— Eu me reuni com alguns repórteres mais próximos de nós e


prometi uma coletiva logo após a última apreensão. Tudo bem para vocês?
— Eles se entreolharam e concordaram.

O capitão Miguel e o capitão Otávio se despediram um pouco antes


dos outros.

— Precisamos nos retirar. Temos uma reunião como o governador


para tratarmos da campanha de segurança para o fim de ano — falou o
capitão Miguel.

— Obrigado. Vocês já nos ajudaram muito. Qualquer mudança de


planos, avisamos pelo grupo.

Otávio se despediu com um aceno de cabeça. Era interessante ver a


sintonia dos dois. Um mais falante, o outro observador e centrado.
Permanecemos na sala de reunião. Os dois delegados começaram a verificar
alguns documentos no notebook e pedi licença para me retirar por alguns
minutos.

— Fiquem à vontade. Preciso fazer uma ligação e já volto. — Eles


estavam tão imersos, que só balançaram a cabeça, concordando.

No caminho para minha sala, respirei fundo, tentando afastar da


alma a sensação de vazio. A cada dia me sentia mais desesperado. Como
era difícil não poder terminar o dia e voltar para casa para encontrar com a
mulher amada e meu filho.
Os dias atribulados me ajudavam a sobreviver, mas as noites
sempre eram tenebrosas. Socar um saco de areia por horas havia se tornado
a única forma de aliviar o leão preso dentro de mim. Eu me sentia como
uma fera indomável, presa em um cubículo.

Sentei-me na cadeira em frente ao computador e olhei para o meu


celular. A vontade louca de falar com a Luana me fazia sentir dor. Passei a
mão pelo rosto algumas vezes, cocei a testa e estalei todos os dedos. Eu
precisava arrumar alguma desculpa para ligar e conseguir conversar com a
Luana sem que ela desligasse ou permanecesse muda. Sem nada na mente,
resolvi arriscar.

Peguei meu telefone e liguei para o número dela. Ouvi cinco sinais
sonoros até alguém atender. Ela não disse nenhuma palavra, então apelei
para a verdade.

— Boa tarde, Luana, desculpe-me por incomodar. Estou muito


cansado, preocupado com a operação de amanhã e precisava conversar com
alguém. Só você veio a minha cabeça. — Parei de falar e aguardei.

Depois de uma espera infernal, ouvi sua voz e meu coração


retumbou em meu peito.

— Boa noite, Caio. Fiquei feliz por poder te ajudar. Você fez tanto
por mim. — Aquela frase simples me deixou muito ofegante e fui obrigado
a fazer uma força fenomenal para não estragar tudo. Momentos como
aqueles eram raros. Acho que demorei mais que o normal a voltar a falar.
— Oi, você ainda está aí?

— Estou sim, Luana. Obrigado por entender. Você não imagina a


loucura que está isso aqui. Amanhã vamos sair de madrugada para executar
vinte mandados de prisão... — Ela me interrompeu, assustada.

— Nossa, Caio. Isso é perigoso. Meu Deus, detesto violência. —


Adorei sua preocupação.
— Pode ficar tranquila. Essas pessoas são figurões da alta
sociedade e não vão resistir. Pelo contrário, vão nos acompanhar como se
fossem inocentes. O que eles não sabem é que temos prova de tudo.

— Acho interessante como você e o meu irmão não acham nada


perigoso — falou e ficou calada, mas consegui ouvir sua dificuldade para
respirar.

— É nossa profissão, Pequena. Ai, me desculpe. Luana.

— Caio, não precisa pedir desculpas por me chamar de forma


carinhosa. Parece que tem até medo de mim.

— Luana, medo eu só tinha um: perder você. Estou esperando seu


tempo, seu tratamento e não quero mais ser tão invasivo... — Novamente,
fui interrompido.

— Você não invade nada, Caio. Eu sou o problema e não vocês.

— Meu amor, você não é e nunca será um problema. Passou por


um trauma terrível e ainda foi agredida na cabeça. Foi valente, conseguiu
fugir e correu mais de cem quilômetros para se salvar.

— Caio, eu tenho medo de nunca mais me lembrar. — Respirei


fundo e pedi sabedoria a Deus.

— Quero combinar algo contigo. Posso?

— Tente, Federal. Era assim que eu te chamava, não é? — Deu um


sorrisinho lindo, que eu amava. — Marcelo me contou.

— Sim, era assim. Luana, não se cobre tanto, tentando se lembrar.


Meu amor é grande demais e é suficiente para nós dois... — Ela me
interrompeu, toda afoita.

— Eu passo o dia inteiro forçando a mente e no fim do dia estou


com dor de cabeça, mas nada acontece.
— Que tal fingirmos que não nos conhecemos? Depois da
operação, vamos jantar juntos pela primeira vez. Como dois desconhecidos.
Quer tentar?

— Será que vai dar certo?

— Luana, um dia de cada vez. É assim que vai ser.

— Está bem, vamos tentar. Ah, e meu... nosso filho está com
saudades. Ele fala Papa o dia inteiro. O sapequinha nem fala mais Mama —
falou e deu uma risadinha.

Aquela ligação foi uma verdadeira injeção de ânimo para mim. Não
esperava tanta receptividade. A psicóloga havia me pedido cautela, porque
era normal ter altos e baixos, com muita oscilação de humor, mas preferi
ignorar e viver o momento.

— Ahhhh, eu também estou sentindo muita falta do nosso filho.


Obrigado por me dar notícias dele.

— Imagine, Caio. Não sou essa bruxa. — Dei uma risada do jeito
dela falar.

— Eu sei que não é. Luana, preciso voltar para a reunião. Amanhã


posso buscar você às vinte horas?

— Pode sim. Vou adorar te conhecer, Caio. — Meu peito se encheu


de esperança com aquela fala. Só me despedi porque precisava terminar a
reunião.

— Luana, muito obrigado por ter me ouvido. Estou bem melhor.

— Caio... — parou de falar e ouvi um barulho semelhante a choro.


Mordi meus lábios e esperei um pouco, mas depois precisei intervir.

— Estou aqui, minha Pequena. — A ouvi respirando ofegante.


— Eu só fiquei emocionada, porque, pela primeira vez desde que
me encontraram, me senti útil para alguém. E que bom essa pessoa ter sido
você.
Capítulo 14
Oscilação – Luana Dantas

Encerrei a ligação com o moço bonito na hora em que meu filho


acordou. Ele abriu seus lindos olhos azuis e me deu um sorriso de derreter
coração.

— Boa tarde, meu amor. Acabou seu soninho da tarde?

— Nenê qué dedê, mama...

— Está com fome, meu pequenininho. Venha no colo da mamãe. —


Ele abriu os bracinhos e se jogou em mim.

Saí do quarto carregando meu maior tesouro e me encontrei com


meu pai descendo a escada.

— Boa tarde, minha filha. Oi, bebê do vovô? — Marcelinho se


jogou para o lado dele e o entreguei para o avô. Terminamos de descer os
degraus e, no fim, falei com ele.
— Boa tarde, pai. Esse menino não pode te ver. — Os olhos dele
ficaram marejados e não entendi o motivo. Arqueei a sobrancelha, sem
compreender.

— Ahhhh, Luana... Como foi difícil ficar tanto tempo sem você. E
ontem, quando se lembrou de mim, agradeci muito a Deus. — Ele respirou
fundo e me fez uma pergunta difícil de responder. — O que te fez se
lembrar?

— Pai... queria saber te dizer, mas não sei. Desci para tomar café e
dei bom dia para o senhor. Simples assim. Acordei sabendo quem o senhor
era e só. Por que está me perguntando isso?

— Tentando entender como te ajudar no seu processo de cura.


Estou muito penalizado com o Caio. Sabe, Luana, esse homem parou a vida
por dois anos. Ele não desistiu de você por nenhum minuto.

— Eu sei, pai. A Gisele me contou tudo. O senhor pensa que gosto


disso? Sempre pergunto a minha terapeuta porque apaguei logo ele.

— E o que ela disse?

— A mesma coisa de sempre: calma, Luana, o cérebro humano é


cheio de novidades. Não se culpe tanto. O amor do Caio é resistente.

— Ela tem razão, filha. Tudo vai se resolver. Tenha fé em Deus. —


Marcelinho começou a resmungar.

— Vou arrumar a mamadeira dele. — Deixei meu pai com meu


filho e fui para a cozinha. Enquanto preparava o leite, uma tela mental
apareceu em minha mente.

Era meu aniversário de quinze anos. Eu me vi em um vestido lindo,


cheio de pequenos brilhos na parte de baixo e meu cabelo loiro estava cheio
de cachos, com uma tiara delicada na cabeça.

Meus amigos do primeiro ano do ensino médio vestiam smoking


com gravata lilás da cor da minha roupa. Uma valsa linda começou a tocar,
meu pai veio sorridente e me conduziu pelo salão. Os quinze garotos e as
quinze meninas esperavam sua vez de atuar na coreografia montada pela
especialista em festas de debutantes.

Minha imagem era de pura felicidade. Sorria para todos. Ainda


como se estivesse vendo um filme, percebi que eu procurava alguém.
Continuei dançando com papai e olhando para os lados. De repente, meu
irmão apareceu andando depressa para dançar a valsa comigo e, ao seu
lado, tinha um homem lindo de olhar triste.

Quando o vi, meu peito começou a subir e descer, como se minha


respiração estivesse ofegante. Ao me aproximar do Marcelo, consegui
reconhecer o rapaz, era ele: o Federal. Sorri com um jeito apaixonado e o
moço bonito tentou disfarçar.

Depois de dançar com todos os garotos, terminamos a valsa e saí


com mamãe para tirar o vestido do baile. Depois da meia-noite começaria o
nosso som. Coloquei um vestido marsala, com saia curta e busto rendado.
Ele era ousado, mas não vulgar. Calcei uma sandália de salto e tirei a tiara
do cabelo. Minha mãe acertou minha maquiagem e o resultado ficou ótimo.

Ela me disse para ir dançar com minhas amigas, porque meu pai
precisava dela para tirar o terno e gravata. Passei pelo corredor que dava
acesso ao salão de festa e, no meio do caminho, encontrei com o Federal.
Ele me deu um sorriso lindo e veio me cumprimentar. Sem pedir
autorização, beijei sua boca. A princípio, o Caio se assustou, mas logo
depois correspondeu com paixão. Aquele foi o primeiro e melhor beijo da
minha vida.

Quando me afastei, falei em seu ouvido.

— Obrigada pelo presente.

De repente, meu coração disparou, soltei o copo de leite que estava


na minha mão e gritei, muito assustada. Logo depois, tudo escureceu.
Senti uma água gelada caindo sobre meu rosto e despertei como se
alguém me retirasse do fundo do mar. Abri os olhos, me sentindo um pouco
tonta, e vi meu pai me segurando. Uma dor do lado direito da testa me fez
levar a mão ao rosto e acabei me desesperando ao vê-la cheia de sangue.

— Calma, minha filha. Foi só um corte muito pequeno. Não se


assuste com o sangue. O que aconteceu, meu amor?

— Eu vi, pai, eu vi... — falei, quase sem conseguir respirar. —


Cadê o Marcelinho?

— Calma, Luana. Ele está com sua mãe. Ela ligou para sua médica
e por sorte, a doutora Neila estava aqui por perto. Daqui a pouco estará
aqui. Consegue se levantar?

— Acho que sim. Só estou um pouco tonta.

— Não precisa fazer esforço, eu te ajudo. — Ele me levantou do


chão e me sentei na cadeira. — Espere um pouco, já volto para limpar esse
corte.

Papai me entregou um guardanapo de papel e me pediu para


pressionar a sobrancelha até ele voltar. Enquanto aguardava, pensei na
imagem que vi na tela mental. O rapaz de olhar triste era o Caio. O Federal
bonito e pai do meu filho. Passei a mão pelos lábios e me lembrei do beijo
da minha festa. Mesmo tendo aquela lembrança, não conseguia me recordar
do presente.

Depois de passar por uma consulta de urgência e descobrir que tudo


continuava normal comigo, fui para o meu quarto descansar. Marcelinho
brincava dentro de seu berço com o dinossauro de borracha que ganhou do
pai. Ele mordia o brinquedo como se fosse a melhor coisa do mundo.
Comecei a observá-lo e a semelhança dele com o Federal eram imensas.

— É, Pequeno, saiu da minha barriga, mas só se parece comigo no


branco dos olhos. — Ele deu um sorriso lindo e falou sua palavrinha
preferida.
— Papa... Papa... Papa...

— Você gosta do papai, não é?

— Papa... Papa... Mama... — Acabei rindo, porque ele quase não


falava mamãe.

— Ah, meu amor, eu não consigo me lembrar do seu pai. Chego a


me esforçar, mas nada surge. — Respirei fundo e passei a mão na
barriguinha dele. — Ontem me lembrei do seu avô e foi natural.

Marcelinho deixou o brinquedo de lado e me olhava, concentrado,


como se entendesse tudo. Ele faria um ano dentro de vinte dias e meus pais
estavam preparando uma festa linda. O tema seria floresta e toda a
decoração era focada nos animais. Meu Pequeno amava dinossauro e, por
isso, eles estariam junto com os da bichos da selva.

— Nenê... boooooo... Papa... Mama...

— Sim, meu filho. Somos sua família. — Brinquei com ele até
começar a coçar os olhinhos.

Ele dormiu por volta de vinte e uma horas. Tomei um banho


demorado, lavei os cabelos e depois os sequei. As lembranças me deixaram
com uma pulga atrás da orelha, e se a imagem do meu aniversário fosse
apenas fantasia da minha cabeça? Acabei não resistindo e liguei para o
moço bonito.
Capítulo 15
Decepção imprevisível – Caio Martins

A conversa com Luana me deu um novo ânimo. O fato dela aceitar


jantar comigo me deixou empolgado e com a certeza de ser o início de uma
nova caminhada.

Voltei para a reunião e, ao entrar na sala onde Marcelo e o delegado


Flauzi me esperavam, os dois me olharam como se eu fosse de outro
planeta.

— O quê? Aconteceu alguma coisa? Por que estão me olhando


assim? — Meu cunhado deu uma risada e me provocou.

— Você não parece o mesmo que saiu daqui há alguns minutos.


Esse brilho no seu olhar por acaso tem nome de Luana? — Pensei em não
responder, mas ele me olhava cheio de esperanças.
— Conversei com sua irmã e ela aceitou jantar comigo amanhã.
Cara, estou sim, muito feliz. — Ele se levantou e me deu um grande abraço.

— Ohhh, amigo, eu te falei para ter calma. O tempo é o melhor


remédio para as coisas se ajeitarem. — Balancei a cabeça, concordando,
respirei fundo e, para disfarçar minha emoção, os chamei para o trabalho.

— Ahhhh, agora chega e vamos terminar nossos planos porque


precisamos descansar que amanhã teremos muito trabalho. — O delegado
Flauzi encerrou o assunto.

— Está certo, Martins. Fico feliz por sua mulher. Não dá para
mensurar sua dor. Só de imaginar minha esposa doidinha esquecendo de
mim dá taquicardia. Vamos só rever as estratégias e depois buscar o
descanso.

Repassamos o roteiro das viaturas para verificar se as abordagens


simultâneas dariam certo. Despedimo-nos depois de quase quarenta
minutos. Caminhamos juntos até o estacionamento, falando sobre os
mandados. Logo após, cada um seguiu seu rumo.

Peguei minha moto e acelerei pela rodovia. O vento no rosto, a


velocidade, o silêncio da noite me davam uma sensação de vida. Eu
esvaziava a mente de todos os problemas, desafios e conflitos. Aquele era o
meu momento.

Depois do banho, vesti uma calça de moletom cinza e permaneci


sem camisa. Apesar da temperatura amena, meu corpo parecia queimar. As
emoções do dia me deixaram ligado no duzentos e vinte. Abri um vidro de
azeitonas, piquei queijo, salaminho e levei para a varanda. Deixei tudo
organizado sobre a mesinha e abri a cervejeira, localizada do lado direito
das cadeiras, e tirei uma latinha gelada.

Sentei-me e comi devagar, observando a beleza da noite. O céu


estava estrelado e uma lua quase cheia iluminava a imensidão do universo.
Estava distraído quando ouvi meu celular tocar sobre a mesa de centro.
Quando peguei o aparelho e vi o nome da Luana na tela, senti meu coração
disparar.

— Boa noite, Luana — falei e contive o impulso de enchê-la de


perguntas.

— Boa noite, Caio. Estava dormindo?

— Não, Pequena. Nesse exato momento, estou sentado na varanda,


tomando cerveja e pensando em você. — Ouvi o sorrisinho tímido dela e,
logo após, sua voz encheu meu coração.

— O Marcelinho dormiu e eu não consegui fazer o mesmo.


Aproveitei para te ligar porque preciso te contar um episódio que aconteceu
hoje à tarde — disse, com um tom de voz acanhado.

— Conte, estou aqui para te ouvir.

— Aconteceu algo muito estranho quando fui à cozinha preparar a


mamadeira do Marcelinho. Foi muito louco, Caio.

— Imagino, Pequena. Você conseguiu identificar algo que te


assustou? — Luana permaneceu em silêncio por alguns minutos e contive a
ansiedade, esperando-a continuar.

— Uma tela surgiu na minha mente e consegui assistir o meu


aniversário de quinze anos. — Prendi a respiração ao me recordar do nosso
primeiro beijo. — Caio, eu vi você, nos beijamos em um corredor. E, depois
disso, desmaiei.

— Meu Deus. Como você está? Precisa de algo?

— Calma, estou bem. A médica me examinou e disse não ter sido


nada grave.

— Tem certeza? Não está me escondendo nada?

— Não, Federal, estou bem mesmo.


— Graças a Deus, Pequena. Você me assustou — falei, apavorado.

— Caio, não me lembrei de mais nada, mas o beijo está gravado em


minha alma, porém, tenho uma dúvida: isso aconteceu ou é fantasia da
minha cabeça? — A emoção que senti quase me impossibilitou de falar.

Depois de tudo que passei, aquele era o momento mais esperado


por mim.

— Luana, beijar você naquele dia só me deu certeza do quanto eu


te amava. Foi difícil te esperar crescer para ser minha. Sempre fui louco por
ti, Pequena. — Prendi minha respiração, com medo dela se fechar em seu
casulo.

— Caio, obrigada por me falar a verdade. Estava com muito medo


de ter começado a ver coisas que não aconteceram.

— Ohhhh, meu amor, eu te amo e, se precisar, vou te reconquistar


de novo todos os dias. — Ouvi-a fungando e meu coração se partiu. —
Luana, não chore, por favor. Calma, Pequena, vamos conseguir.

— Está bem, Caio. Acredito em você. Agora vou dormir, estou com
um pouco de dor de cabeça.

— Precisa de algo? Tome um remédio.

— Pode deixar, vou tomar o que a médica passou. Caio...

— Oi, Luana, estou aqui...

— Amanhã te espero para o jantar. Boa noite.

— Boa noite, meu amor. — Encerramos a ligação juntos.

Meu peito subia e descia depressa. Com a respiração ofegante e


bastante agitado, me levantei para pegar outra latinha e coloquei The end de
The Doors som tentar me acalmar.
“O Fim
Este é o fim
Belo amigo
Este é o fim
Meu único amigo, o fim
Dos nossos planos elaborados, o fim
De tudo o que resta, o fim
Sem salvação ou surpresa, o fim
Eu nunca olharei em seus olhos de novo
Você pode imaginar o que será?
Tão sem limites e livre
Desesperadamente precisando de alguma mão estranha
Numa terra desesperada?”

Acordei por volta de três e meia da madrugada. Havia dormido


pouco mais de quatro horas e, assim que me levantei, tomei um banho frio e
vesti meu uniforme preto para as operações especiais.

Tomei café preto e saí no horário marcado. Todos os mandados de


prisão seriam executados naquele dia. Desci para o estacionamento e saí
com minha moto para o pátio da sede da Polícia Federal. A operação estava
marcada para sair às quatro e meia da manhã.

Quase tudo ocorreu conforme o combinado. Na última mansão,


enfrentamos uma troca de tiros que resultou na morte do pedófilo e uma
bala me feriu de raspão em meu ombro.

Por insistência dos meus amigos, procurei por ajuda médica.


Depois de ser atendido pela doutora, fui enviado para a enfermeira, depois
encaminhado para assepsia e medicação. A enfermeira parecia incomodada
com minha falta de reação.

— Se sentir dor me fala. Eu aplico anestesia local. — Balancei a


cabeça para os lados e dei um sorriso agradecido para ela.
— Está tudo bem, senhora. Ferimentos fazem parte do meu
cotidiano. — Ela me olhou, séria e depois fez um gesto de reprovação com
os olhos.

— Vocês desrespeitam a morte, isso não é bom. — Olhei para ela,


espantado com sua fala.

— Eu nunca desrespeitei o perigo, mas às vezes é impossível não


se envolver.

— Verdade, está certo. — Ela terminou o curativo e me liberou.

Liguei para o Marcelo, para saber o saldo da operação.


Conseguimos tirar do mercado uma grande quantidade de armas, cocaína,
maconha e vários revólveres. Era sempre muito bom desmantelar
quadrilhas de traficantes.

Voltei para casa para descansar um pouco. Meu corpo doía em


todas as partes. Tomei um remédio para aliviar os sintomas da adrenalina
dos últimos dias e apaguei.

Acordei por volta de dezoito e quarenta. Tomei um banho


revigorante e me arrumei para o compromisso da noite. Estava ansioso
como um adolescente para nosso jantar.

Comprei um buquê delicado, com flores pequenas de várias cores.


Estava me sentindo vivo como há muito tempo não percebia. Estava certo
de que aquele era o primeiro passo para ela se lembrar de mim.

Quando cheguei ao apartamento, fui recebido pelo pai dela. O olhar


triste dele era perceptível.

— Boa noite, senhor Dantas. Tudo bem?

— Boa noite, meu filho. Queria ter notícias melhores para você,
mas não tenho. — Meu coração palpitou no meu peito.
— O que houve? Aconteceu algo com meu filho ou com a Luana?
— Ele respirou fundo e soprou o ar pela boca.

— Luana não acordou bem. Parece ter regredido no processo de


cura. Voltei a ser um estranho para ela. — Passei uma mão na outra para
aliviar a tensão.

— Ela falou sobre um compromisso comigo essa noite? — Ele


balançou a cabeça para os lados, me deixando decepcionado.

— Posso tentar falar com ela?

— Se conseguir tirá-la do quarto. O Marcelinho está com minha


esposa, porque a Luana acordou com dor de cabeça.

— Vocês falaram com a médica dela? — Ele confirmou com um


gesto de olhos.

— Ela veio até aqui mais cedo e, segundo a doutora, está tudo
dentro do previsto. — Enchi o peito de ar e o prendi no pulmão por alguns
segundos.

— Não aguento mais ouvir isso, senhor.

— Eu sei, meu filho. Vamos, entre. Quem sabe com você ela se
comporte diferente?

— Obrigado. — Passei por ele e caminhei até o quarto dela como


se carregasse o mundo nas costas.

Quando me aproximei do quarto, dei dois toques na porta e ouvi a


voz dela me pedindo para entrar. Girei a maçaneta e depois apareci com o
rosto na pequena abertura.

— Boa noite, Pequena. Posso entrar? — Ela virou o pescoço em


minha direção e me olhou apavorada.
— Quem é você? Por que está aqui e ainda me chamando por
apelido?

— Sou eu, Luana, o pai do seu filho. — Ela agarrou o travesseiro e


o colocou sobre o rosto. Depois me deu uma facada com sua afirmativa.

— Você deve ter me confundido com alguém. Não sei quem é essa
Luana e nunca tive filho. — Abri e fechei a boca, sem saber o que dizer.

Ali acabavam minhas esperanças de voltar a ser amado por ela um


dia.
Capítulo 16
Vazio assombroso – Luana Dantas

Acordei decidida a sair de casa sozinha. Precisava respirar, ver


gente, andar com as próprias pernas. Não aguentava mais ser vigiada o
tempo todo, como se eu fosse um perigo para a humanidade.

Naquela manhã, meus pais foram para o clube e levaram o


Marcelinho. Eles insistiram comigo para acompanhá-los, mas inventei uma
cólica para permanecer em casa. Depois do café da manhã, tomei um banho
demorado. Aproveitei para lavar os cabelos e curti alguns minutos de
sossego. Estava cansada de viver cercada de pessoas me perguntando se
havia me lembrado de algo.

Vesti calça jeans, calcei tênis All Star vermelho e peguei uma
camisa branca de malha, com a estampa do Rock in Rio, que achei na
minha gaveta. Tentei me recordar se já tinha participado de alguma edição
do evento, mas não consegui me lembrar.

Sentei-me em frente ao espelho da minha penteadeira e olhei para


minha imagem. Era estranho ver um rosto e não se reconhecer.
— Luana, quem é você? Como não se lembra de ter ido para a
cama com o moço bonito da Federal? — Meu filho era a cara dele, mesmo
assim, minha mente continuava habitando em um espaço com um enorme
vazio existencial.

Respirei fundo, fechei os olhos e permaneci alguns minutos na


minha caixa do nada. Depois voltei a me ver no espelho.

— Você vai mesmo sair sozinha? Não tem medo de se perder, sua
maluca? — Dei um sorriso ao perceber a maluquice de conversar comigo
mesma, como se fosse outra pessoa.

Parei de pensar e comecei a me maquiar. Não exagerei nas cores,


apenas realcei meus olhos e boca. Penteei os cabelos pela segunda vez e
gostei do resultado.

— Até que você é bem bonita, senhorita Luana — falei e dei uma
risada ao perceber a bizarrice da situação.

Precisava aproveitar a oportunidade e sair de casa sem ser vista.


Dinah, nossa secretária do lar, estava concentrada nos preparativos do
almoço. Aquela era a hora perfeita para minha fuga. Peguei minha carteira e
vi uma nota de cem reais, aquilo era o suficiente para um pequeno passeio.

Desci os degraus, sem fazer barulho, e caminhei até a porta da sala,


sem respirar, me sentia vivenciando uma aventura radical típica da
adolescência. Na ânsia de sair, acabei decidindo abandonar o celular. Eu
queria liberdade e não me perderia, como meus pais tanto temiam. A
amnésia não tinha afetado minha noção de localização espacial.

Sentir o sol na pele, ver as pessoas caminhando e poder falar bom


dia, sem ver aquele olhar de ansiedade para saber como acordei, não tinha
preço. Durante os primeiros minutos não pensei em nada, só apreciei o
clima, o vento e a natureza.

Depois de caminhar por bastante tempo, comecei a me recordar da


noite passada. Foi horrível presenciar o olhar de frustração e decepção do
moço bonito. Queria ter me lembrado do compromisso feito com ele, mas
nenhuma recordação do convite veio a minha cabeça. A situação entre mim
e Caio me causava emoções controversas. Ao mesmo tempo em que
apreciava a companhia dele, eu o repudiava.

Quando me vi beijando-o na tela mental, meu coração acelerou, me


deixando quase sem ar. Foi possível perceber o quanto aquele momento
mexeu conosco. Ouvir Caio falando sobre nós dois me fazia sentir
veracidade em seu discurso, mas bastava ele se afastar para a estranheza
tomar conta de mim.

Caminhar pensando em tantas ocasiões diferentes não foi a melhor


estratégia usada por mim. Entrei em ruas, avenidas e praças, parei em uma
lanchonete para tomar um suco gelado. O calor começou a me deixar
exausta. Logo após pagar a conta, pensei em voltar, mas me senti confusa
ao chegar na calçada e não saber qual rumo tomar.

— Calma, Luana. Não precisa se apavorar. Respire com calma e


volte pelo mesmo percurso — falei baixinho comigo mesma, tentando não
me apavorar.

Virei na direção sudoeste e comecei a caminhar depressa. A


amnésia não me deixou perceber que o percurso escolhido era muito
diferente do certo. Olhei no meu relógio de pulso e fiquei assustada ao
constatar que já eram quinze horas.

— Meu Deus! Eu andei tanto assim? Tem algo errado, Luana, você
não está nem cansada. — Continuei meu monólogo. — Garota, não pare de
andar. Está quase chegando em casa.

Depois da afirmação feita para mim mesma, voltei a caminhar mais


depressa, determinada a chegar em casa rápido. Eu só não sabia que a
direção tomada por mim era totalmente oposta ao Jardim Europa, meu
bairro. Comecei a ver pessoas nas ruas pedindo, parecia ser um lugar
perigoso. Uns garotos passaram por mim e mexeram comigo.
— Aehhhh, riquinha, tá perdida na comunidade? — Levei um susto
ao sentir a mão de um deles no meu ombro e revidei, o empurrando. — Ei,
guria, pega leve, a rapaziada aqui é de boa, tamo junto na quebrada. Tá a
fim de um bagulho ou só curti “a boa”[6]?

— Quero nada não, só me deixem em paz. — Acelerei o passo e


eles ficaram rindo de mim. Graças a Deus, não me seguiram.

Quanto mais eu caminhava, mais tinha a certeza de estar na direção


errada. Então, decidi mudar o trajeto para o lado leste. Depois de andar
muito, comecei a temer pela minha integridade. A noite se aproximava e
aquele era um lugar que parecia perigoso. Avistei um ônibus com a placa de
destino escrito rodoviária e resolvi dar sinal para ele. O ônibus freou, parou
de repente e abriu a porta, me chamando a atenção.

— O que está fazendo sozinha nessas bandas a essa hora, garota?


Quer ser estuprada? — Arregalei os olhos para ele e movi o rosto para os
lados, sem dizer nada. — Só parei fora do local para proteger você, mas
nem sempre tem motoristas como eu.

— Obrigada, senhor. — Ele balançou a cabeça, reprovando minha


conduta, e eu me dirigi a uma cadeira vazia do ônibus.

Meu coração palpitava em uma velocidade inacreditável. Não


adiantava mais negar: eu estava perdida.
Capítulo 17
Notícia Devastadora – Caio Martins

Passei o dia inteiro trancado em uma sala de monitoramento entre


escutas de celulares e rastreamento nas redes sociais. Fui escalado pela
divisão antiterrorismo da Polícia Federal em Brasília para participar do
grupo de investigação de brasileiros envolvidos com o terrorismo[7]. Alguns
deles com longa ficha criminal, estavam sendo aliciados e contratados por
comandantes do Hezbollah no Líbano para promover ataques no Brasil.

As primeiras investigações descobriram que alguns deles fizeram


viagens recentes a Beirute para encontros com o Hezbollah, onde foram
definidos valores pela colaboração em atos terroristas, lista de endereços a
serem atacados e, ainda, o recrutamento de executores.

O Governo Federal sempre atuou de forma cirúrgica em coibir a


entrada de terroristas no Brasil, bem como de aliciadores. Sempre tive
orgulho de fazer parte do seleto grupo responsável por exterminar esse tipo
de crime no nosso país.

Quando meu chefe me ligou, às seis da manhã, me convocando


para o serviço, não pensei duas vezes antes de aceitar. Eu estava exausto
com a situação da Luana. Mal dormi depois de ter sido expulso por ela do
seu quarto. Cheguei a me questionar se não era hora de deixá-la partir do
meu coração. Só de fazer aquela divagação, parece que sentia uma dor em
meu peito. Amava demais aquela mulher para desistir depois de tantas lutas.

Entendi que aquela convocação poderia ser uma forma de me


afastar um pouco de tudo e fazê-la notar a falta da minha presença. A
psicóloga havia me orientado a importância de dar um tempo a Luana, mas
eu não quis concordar. No entanto, após ela quase surtar por não se lembrar
do nosso compromisso, vi que era o melhor a fazer.

Por questões técnicas de segurança, nós éramos orientados a não


entrar com celulares naquela sala. Passei quase dez horas sem sair.
Recebemos almoço, café, lanche, tudo no refeitório daquele andar. Só
saíamos para fazer as refeições, ir ao banheiro e voltar para o
monitoramento.

Precisávamos ouvir as ligações entre os aparelhos rastreados em


tempo real. Nossa equipe era formada por nove homens e seis mulheres. As
agentes federais eram especialistas naquela área e não deixavam nada
passar. Brincávamos que elas eram as ninjas de elite da Federal.

Às dezenove horas, a equipe que cobriria a nossa se apresentou e


nós saímos para descansar até o outro dia em que voltaríamos pela manhã.
Fui até a sala onde havia nossos armários, peguei minha mochila, capacete
e celular. Meu coração acelerou quando vi mais de vinte ligações dos pais
da Luana.

Caminhei depressa para a saída enquanto retornava a ligação.


Bastou um toque para ouvir a voz da minha sogra.
— Caio, pelo amor de Deus, onde você estava? A Luana sumiu.
Ninguém sabe dela. Não levou o celular... — parou de falar e começou a
chorar.

Meu cérebro parecia ter entrado em estado de letargia com tantas


informações ao mesmo tempo. Respirei fundo e tentei utilizar do meu
treinamento para ocasiões de estresse.

— Calma, me fala como aconteceu? Ela não deve ter ido longe... —
Ela me interrompeu, apavorada.

— Caio, segundo a Dinah, quando foi ao quarto da Luana, por volta


de dez e meia da manhã, não encontrou ninguém. — Olhei no relógio e já
eram dezenove e trinta.

Foi impossível manter a mente organizada depois daquela


informação. O pânico tomou conta de mim com medo de perdê-la de novo.

— A senhora avisou o Marcelo?

— Sim. Ele e o pai estão revirando a cidade atrás dela. O Falcon


está na central de vídeo monitoramento da polícia militar, vendo as imagens
das câmeras localizadas em alguns pontos da cidade.

— Está bem. Tente manter a calma. Vou pedir ajuda a uns amigos
meus e volto a dar notícias. — Antes de conseguir desligar, ela me fez um
pedido que deixou meu coração quebrado.

— Caio, ache a minha filha, por favor. Não vou suportar passar por
tudo outra vez. — Respirei fundo e fiz uma promessa.

— Sogra, eu te dou minha palavra: só volto para casa com sua filha
junto. Eu prometo.

—Obrigada, meu filho. Deus te abençoe e te ilumine. — Encerrei


aquela ligação, ofegante.
Quando cheguei perto da minha moto, fechei os olhos e falei com
Deus.

— Senhor, me dê serenidade. Estou te suplicando: não deixe nada


acontecer com a Luana. Fale comigo, Deus, eu imploro por ajuda. — Passei
a língua nos lábios, enchi o peito de ar e saí em direção ao apartamento do
meu amigo, detetive particular.

Maurício Vasquez era um homem viúvo, de quarenta anos que,


após perder toda a família em uma pousada na cidade mineira de
Brumadinho, se enterrou no trabalho. Eu o admirava por sua resiliência em
continuar vivendo depois daquela tragédia. A esposa e os três filhos
viajaram antes dele e combinaram de se encontrarem dentro de quatro dias,
mas o acidente aconteceu no dia em que ele viajou.

Ele tinha vinte e dois anos de experiência. Aprendeu o ofício da


profissão com seu pai e avô. O negócio deles era grandioso. Além de cursos
de aperfeiçoamento, davam cursos profissionalizante na área de
investigação e tinham mais de cinquenta filiais pelo Brasil e algumas nos
Estados Unidos.

Nós tínhamos o hábito de sair algumas vezes para tomar cerveja e


ele sempre me dizia que trocaria toda sua fortuna para ter sua família de
volta. Era triste ver um homem milionário, dizendo que trabalhou a vida
inteira com o objetivo de dar o melhor para sua família, mas só conseguiu
entender que era melhor ter dedicado mais tempo a eles após perdê-los.

Parei na entrada da mansão dele e o segurança da guarita me


cumprimentou.

— Boa noite, senhor Caio.

— Boa noite, senhor Mário. O Maurício está? Preciso falar com ele
com urgência.

— Está sim. Pode entrar, vou avisar a ele de que o senhor está aqui.
— Obrigado. — O segurança me conhecia há anos. Ele estava com
meu amigo há quase vinte anos.

Estacionei a moto ao lado do SUV preto blindado dele, tirei o


capacete e caminhei até a entrada. Ele me esperava na porta, sorrindo e, ao
ver minha fisionomia, mudou o semblante.

— Boa noite, amigo. O que aconteceu? Conheço você há tempo


demais...

— Boa noite, Vasquez. Luana. Ela sumiu.

— Porra, como assim? Sumiu?

— Cara, não sei. A mãe dela me disse que sentiram falta dela por
volta de dez e meia da manhã. Pelo jeito, saiu sem celular e ninguém sabe
de nada.

— Caralho! Como deixaram uma garota com amnésia sair sozinha?


— Balancei a cabeça para os lados e inocentei a família dela.

— Meu amigo, os pais dela são os melhores do mundo. A questão é


a Luana. Ela passa por várias oscilações de humor durante o dia e está
cansada de tentar se lembrar da vida dela antes do sequestro, mas não
consegue.

Meu amigo me olhou, consternado, colocou a mão em meu ombro


e me convidou para entrar.

— Depois de ouvir isso, preciso de um uísque. Você me


acompanha?

— Sim. Acho que preciso também.

Fomos para a sua biblioteca luxuosa, onde ele nos serviu e depois
nos sentamos um de frente para o outro. Bebemos em um silêncio que não
combinava com meus pensamentos conflituosos. Depois de um tempo, ele
olhou para mim e disse com toda convicção.
— Caio, em vinte e quatro horas encontro sua mulher. Te dou
minha palavra. — Estendeu a mão para mim e selamos mais um
compromisso juntos.
Capítulo 18
Noite tenebrosa – Luana Dantas

Permaneci dentro do ônibus até sua parada final na rodoviária. O


motorista parou o veículo e olhou para mim pelo retrovisor.

— Moça, a senhorita precisa de alguma coisa? Posso te ajudar em


algo? — Ele tinha um jeito de ser boa pessoa, mas eu estava com medo de
todo mundo, então resolvi mentir.

— Não, muito obrigado. Eu só precisava chegar à rodoviária. —


Levantei-me e saí.

Caminhei por entre as pessoas por um bom tempo. Observava o


rosto de todo mundo para ver se alguém me fazia recordar de algo, mas
nada. Meu cérebro permanecia uma grande massa do nada.

O local era enorme. Lojas de todos os ramos davam ao lugar um ar


de shopping. Passei um bom tempo distraída com vitrines de roupas de
bebê. A única pessoinha que nunca saía da minha mente era meu filho.
Marcelinho ocupava todos os espaços vazios do meu ser.
Depois de ver todas as lojas infantis, resolvi comer alguma coisa.
Meu estômago começava a doer de fome. Olhei para aquela infinidade de
opções e acabei optando pelo meu lugar favorito no mundo: o restaurante
de comida mexicana. Parei de repente e coloquei a mão no meu coração,
como se pudesse acalmá-lo só com aquele ato.

— Luana, você se lembrou? Meu Deus! Como sabe que comida


mexicana é sua favorita no mundo garota? — Falei sozinha, sem me
importar com algumas pessoas que me olhavam curiosas.

Para confirmar minha recordação, entrei no restaurante e, antes de


pegar o cardápio, me testei fazendo o pedido. Sentei-me em uma mesa e o
garçom se aproximou.

— Boa noite, moça. Sou Leandro e hoje vou te atender.

— Boa noite, Leandro. Obrigada. Eu sou a Luana e quero Nachos


com Guacamole suave, mas antes preciso saber qual o valor. — Ele sorriu
de forma gentil.

— Luana, vai querer algo para beber?

— Coca-Cola com gelo. Lógico — falei e sorri, feliz por também


perceber que havia me lembrado da bebida.

— Temos um combo com esses três pedidos por trinta e nove e


noventa. — Fiz uma pequena conta mental e vi que meu dinheiro dava para
aquele luxo.

— Ótimo! Então está decidido, Leandro. Quero esse combo. — O


rapaz sorriu, mostrando uma fileira de dentes brancos bonitos, e a imagem
do moço bonito surgiu em minha mente.

— Dentro de vinte minutos trago seu pedido. Algo mais?

— Não. Obrigada. — Ele se retirou e respirei fundo, satisfeita por


me sentir livre.
Minha mente estava muito louca. Naquele momento, eu deveria
estar apavorada por não saber onde morava, no entanto, a felicidade por ter
me lembrado do meu prato favorito me deixou empolgada.

As oscilações de humor eram frequentes em um paciente com


amnésia. Alegria, euforia, frustração, raiva, melancolia, tudo se misturava
durante o dia. A minha neurologista havia me passado uma medicação para
me estabilizar um pouco. Aos poucos, comecei a me sentir melhor. A
doutora Neila vivia me pedindo paciência e dizendo que a amnésia
dissociativa podia persistir por algum tempo depois de um evento
traumático. Eu sempre fazia a mesma pergunta.

— Doutora, mas fui sequestrada há quase dois anos, como não me


lembrei ainda? — Ela sorria, paciente e me explicava de novo.

— Luana, às vezes, a pessoa recupera as lembranças


espontaneamente. No seu caso, não são dois anos. Comece a contar esse
tempo depois de ter sido encontrada por sua família. Aliás, não fique se
martirizando tanto. Só viva um dia de cada vez. — Naquele restaurante, as
palavras dela começaram a fazer sentido. Talvez eu precisasse me
pressionar menos.

Comi devagar, saboreando cada pedaço da comida mexicana. Era


como comer um manjar dos deuses. Aquele pequeno avanço me deixou
muito feliz e confiante. O êxtase tomou conta de mim e, quando olhei para
o restaurante, não vi ninguém mais além de mim. Olhei para o local perto
do caixa e vi o Leandro. Fiz um sinal com a mão e ele veio até mim.

— Cadê todo mundo? — Ele sorriu de um jeito engraçado que não


consegui decifrar se estava rindo de mim ou para mim.

— Estamos fechados há meia hora... — Olhei para os lados,


apavorada.

— Por que não me avisou? Eu tinha liberado vocês mais rápido.


— Não, imagine. Nós não expulsamos os clientes. Só termina o
expediente quando o último saí.

— Entendi. Obrigada, mas acabei. Pode me trazer a conta?

— Sim, só um minuto. — Ele saiu e senti minha bochecha


queimando de vergonha.

Saí do restaurante satisfeita, mas bastou olhar para a imensidão da


rodoviária e me lembrar que eu estava perdida. Olhei para o relógio enorme
que ficava centralizado no local onde vários passageiros aguardavam.
Respirei fundo ao descobrir que já era meia-noite. Meu coração disparou e
o desespero começou a tomar conta de mim. Caminhei um pouco,
conversando comigo mesma.

— Luana, não adianta apavorar. Basta se sentar e fingir que está


esperando seu horário de embarcar. — Depois de me ouvir, consegui me
acalmar um pouco.

Escolhi uma cadeira próxima de uma senhora que cochilava com


um menino dormindo em seu colo. Ela tinha muita bagagem, o que podia
me favorecer, porque assim ninguém me questionaria. Poderiam pensar que
algumas eram minhas.

Sentei-me ao lado dela, encostei a cabeça no encosto da cadeira e


fechei meus olhos. O cansaço queria me dominar, mas eu não podia dormir.
E se me sequestrassem de novo? Eu não consegui ver a cara dos bandidos.
De repente, comecei a ver em todo mundo uma ameaça iminente.

Fechei de novo os olhos e fiz um exercício de respiração que a


neurologista me ensinou. Três intervalos de seis segundos sem pensar em
nada, só no ar entrando nos pulmões. Consegui me estabilizar um pouco e,
naquele momento, uma música começou a tocar no sistema de som da
rodoviária.

“Você é minha n. 1
Eu beijei a Lua um milhão de vezes
Dancei com anjos no céu
Eu vi a neve cair durante o verão
Senti a cura de poderes superiores
Eu vi o mundo da montanha mais alta
Provei o amor da fonte mais pura
Eu vi lábios que faiscavam desejo
Senti borboletas centenas de vezes
Eu vi milagres
Eu senti a dor desaparecer
Mas ainda não vi nada
Que me impressionasse como você
Você me anima, quando estou me sentindo mau
Você me toca fundo, você me toca certo
Você faz coisas que eu nunca fiz
Você me faz mal, você me faz selvagem
Porque, querida, você é minha #1”

Senti uma emoção arrebatadora tomando conta do meu peito. Como


se me oprimisse, mas de maneira boa. Com saudades. Fechei meus olhos e
me deixei levar pela música. Eu me vi em um lugar bonito, parecendo um
chalé, com uma banheira maravilhosa em um deque que dava vista para
uma lagoa. A música tocava baixinho e, naquele momento, vi o moço
bonito andando em direção a mim com duas taças na mão.

Meu Deus! Ele estava sem roupa e seu corpo era a coisa mais linda
que já tinha visto na vida. Seu sorriso para mim era de puro amor e eu podia
sentir toda a emoção daquele dia. Ele entrou na banheira, me entregou a
bebida e sorriu.

— Não consigo acreditar que está aqui comigo. Eu te amei por anos
sem poder viver esse amor, Luana. Você é meu início, meu meio e fim. —
Abri os olhos com o coração disparado.

Era o moço bonito, o Caio, o que dizia ser o pai do meu filho. Meu
peito começou a subir e descer depressa, chamando a atenção de uma moça
sentada do outro lado. Ela se levantou e se aproximou de mim.
— Você está se sentindo bem? Parece que viu um fantasma. —
Enchi o peito de ar e soprei devagar para me acalmar. Eu não podia falar
com ela o que estava acontecendo.

— Estou bem sim, obrigada. Acho que cochilei e tive um pesadelo,


só isso. — Ela me olhou, desconfiada, mas não insistiu.

— Se precisar de qualquer coisa, me fale. Faço universidade de


enfermagem na Federal e estou indo para a casa dos meus pais. Meu nome é
Brenda, e o seu? — Sorri e não vi problema em ser simpática com ela.

— Eu me chamo Luana. — Olhei para a placa à frente da entrada


onde estava e vi o nome da cidade. — Estou esperando meu noivo chegar
de São Paulo.

— Ah, sim. Ele mora aqui ou em Sampa?

— Aqui. O ônibus dele atrasou um pouco. Parece que teve um


acidente na estrada. — Nossa, eu me espantei com meu poder de inventar
tão rápido uma história.

— Porra, meu, que merda. Espero que ele chegue logo. — Um


ônibus estacionou na entrada ao lado de onde estávamos e ela ficou de pé.

— Foi um prazer, Luana. Meu ônibus está chegando. Fique bem.

— Obrigada, Brenda. Boa viagem para você.

— Obrigada, Luana. — Ela sorriu e se afastou, puxando sua mala.

Aquela simples conversa me deixou animada e cheia de confiança.


Voltei a pensar na recordação com o Caio e, como uma mágica, o nome da
música veio a minha cabeça. Era You're My #1, de Enrique Iglesias.

Senti vontade de fazer xixi e saí à procura de um banheiro. A


rodoviária era bem-sinalizada facilitando muito minha vida. Depois de
pagar para usar o sanitário, resolvi tomar café para afastar o sono, que
começava a me deixar lerda.
Bastou virar em direção à cafeteria para me deparar com um posto
da Polícia Federal. Arregalei os olhos e tive a melhor ideia de todas nos
últimos dois anos.
Capítulo 19
Espera sinistra – Caio Martins

Eu, Marcelo, o senhor Dantas, Falcon e o Maurício nos


encontramos no apartamento do meu sogro. A angústia tomava conta de
todos nós, mas não nos deixamos abater. Conseguimos encontrar imagens
da Luana em alguns pontos da cidade.

Infelizmente, vândalos estragavam as câmeras, dificultando o


trabalho de vídeo monitoramento. Mesmo com a troca frequente pela
polícia, era impossível manter o sistema funcionando cem por cento.

Quando cheguei no apartamento do meu sogro, meu filho chorava


sofrido no colo da vovó, chamando pela mãe. Bastou me ver para abrir os
bracinhos em minha direção falando em sua linguagem pueril.

— Papa... Nenê qué Mama...


— Ei, meu Pequeno. Calma, o papai sabe que você quer a mamãe.
Venha no colo do papai. — Ele se jogou em meus braços e deitou a
cabecinha em meu colo, caindo em um sono instantâneo.

— Graças a Deus, você chegou, Caio. O Marcelinho não dormiu


depois do clube, recusou a sopinha, a mamadeira e só chorou, chamando a
mãe e você.

— Sogra, vou tentar dar a mamadeira com ele dormindo. Traga


para mim, por favor. — Enquanto eu cuidava do meu filho, o Marcelo e os
outros traçavam uma possível rota da minha mulher.

Quando a mãe da Luana voltou, me sentei no sofá, ajeitei aquele


bebê lindo no meu colo e coloquei o bico da mamadeira em sua boca. Ele
chupou com avidez, quase sem respirar. Permaneci hipnotizado, olhando
para aquela criança inocente e meu coração quase explodiu ao sentir tanto
amor.

Foi um momento assustador, porque, junto do sentimento mais


sublime do mundo, vinha o medo de que algo acontecesse com aquele
serzinho. A paternidade me mudou muito, mesmo descobrindo a pouco
tempo que tinha um filho. Marcelo falou meu nome, me fazendo olhar para
a sua direção.

— Caio, a Luana foi vista andando na direção sudoeste, mas, de


repente, ela não apareceu mais. — Minha sogra começou a chorar e meu
amigo chamou atenção dela. — Mãe, pelo amor de Deus, calma. Ela só
mudou o trajeto. Chorar e desesperar não vai ajudar em nada.

Ela olhou para o filho, magoada e falou, muito sentida.

— Você nunca vai saber o que uma mãe sente ao perder seu filho.
Não se esqueça que, por quase dois anos, eu pedi a Deus para ela não estar
morta. — Virou as costas e foi em direção ao quarto, chorando. O silêncio
ficou pesado no ambiente e meu sogro tomou conta da situação.
— Continuem nessa lógica. Eu vou ficar um pouco com ela. Não se
preocupem.

— Obrigado, pai, e peça desculpas a mamãe. Eu não quis ser rude


com ela. — Meu sogro colocou a mão no ombro do filho e o acalmou.

— Eu sei, meu filho. Sua mãe está nervosa. Você não foi rude com
ela. — Deu um beijo na testa do meu amigo e me emocionei por estar
vivenciando aquele amor paterno há tão pouco tempo.

Assim que o Marcelinho terminou de mamar, o coloquei para


arrotar e depois permaneci com ele no colo. Senti-lo junto a mim me dava a
sensação de estar perto da mãe dele.

Traçamos várias rotas possíveis para começarmos a procurar. Uma


certeza nós tínhamos: ela parecia bem em todas as imagens dela. Eu me
apeguei a isso para não enlouquecer.

— Vou colocar meu filho no berço e vamos sair. Cada um segue


uma direção — falei, com voz cansada. Meu sogro se aproximou de nós
naquele momento e tentou nos dissuadir.

— São duas horas da manhã. Acho que não é uma boa hora para
andar pelos lados do centro histórico. — Meu amigo olhou para o pai com
uma expressão de espanto.

— Pai, o senhor está falando com um Delegado, um investigador


da polícia civil, um dos melhores detetives do país, quiça do mundo. E
ainda seu genro é um condecorado policial Federal. Acha mesmo perigoso?
— O senhor Dantas fez uma expressão brava e o repreendeu.

— Vocês podem ser tudo isso, mas não são de ferro. Não quero
enterrar ninguém. — Marcelo abriu a boca para reclamar, mas não deixei.

— Sogro, o senhor tem razão em se preocupar, mas, nesses casos, o


tempo é primordial e não podemos esperar. Esse hiato temporal pode afastar
ainda mais a Luana desse perímetro urbano. — Ele me ouviu, prestando
atenção, e vi em seu olhar que compreendeu.

— Está bem, Caio, mas me prometa que não vão se colocar em


risco desnecessário. — Vi meu amigo bufar, impaciente, e o repreendi com
o olhar.

— Pode deixar. Nada vai acontecer. Agora preciso colocar esse


meninão bonito no berço. — Meu sogro se aproximou de mim e deu um
beijo na testa do neto.

— Essa criança tão inocente não imagina o drama dos pais... —


falou, como se pensasse alto.

— E o senhor pode ter certeza de que isso o fará mais forte.


Marcelinho é muito amado e isso supera tudo.

— Verdade, meu filho. Desconsidere o que eu disse. — Passei o


braço pelo ombro dele e o conduzi para o quarto da Luana comigo.

Depois de ajeitar o Pequeno no berço, dei um abraço no pai da


minha mulher e fiz uma promessa.

— Eu prometo voltar com sua filha, senhor. — Ele balançou a


cabeça, emocionado e saiu para o seu quarto.

Encontrei com meus amigos na sala e saímos em direção ao


estacionamento do prédio. Eu estava com minha moto. Marcelo e Falcon,
com uma viatura cada, e Maurício, com seu blindado. Quando estávamos
saindo do elevador, meu celular tocou em meu bolso.

Era um número desconhecido e atendi logo após o segundo toque.


Meu coração disparou, com receio de receber uma notícia ruim, mas, ao
ouvir a voz dela, meu mundo parou.
Capítulo 20
Venha me buscar – Luana Dantas

Corri em direção ao posto da Polícia Federal e entrei sem bater na


porta. O agente levou um susto com meu rompante, chegou a colocar a
mão na arma, mas logo se acalmou ao ver meu desespero.

— Moço, boa noite. Meu nome é Luana. Eu preciso falar com o


Caio. Ele trabalha aqui. Aliás, não aqui, mas é como o senhor. — O homem
me olhou, confuso.

— Boa noite, Luana. Tenha calma, se sente e me explique melhor


isso. — Respirei fundo, soltei o ar pela boca e tentei organizar minhas
ideias.

— Ok. Eu sou a Luana Dantas... É... fui sequestrada há mais de


dois anos... — O policial arregalou os olhos e falei depressa para me
explicar. — Não, calma. Já me encontraram, mas não consigo me lembrar
de muita coisa...

Fechei os olhos para me conectar melhor com minha mente


embaralhada. Era difícil estabelecer as ligações entre uma palavra e outra.
O policial permaneceu em silêncio, talvez esperando meu tempo. Depois,
quando abri os olhos, ele me entregou um copo de água.

— Luana, não se apavore. Aqui está segura. Beba essa água e tente
falar com calma. — Bebi o líquido gelado e puxei o ar pelo nariz, devagar.

— É o seguinte: o Caio é policial Federal. Eu preciso do telefone


dele. Imagino que ele esteja louco me procurando porque me perdi ao sair
de casa. — O moço coçou o rosto e me pediu para esperar.

— Só um minuto, vou verificar. — O homem mexeu no


computador, abrindo várias telas, até que sorriu, pegou o celular dele e fez
uma ligação.

— Tome, fale com o policial Caio Martins. Tem mesmo um alerta


de desaparecimento em nosso sistema feito por ele. — Ao ouvir o som da
chamada, meu coração parecia que ia sair pela boca.

Não esperei ele falar. Eu precisava dele.

— Caio, vem me buscar. Eu estou perdida e estou com medo.


Agora estou aqui junto com seus amigos... — Ele me interrompeu,
emocionado.

— Ah, meu amor, calma. Onde você está? E quem são esses meus
amigos?

— Vou passar para o moço porque estou nervosa demais. —


Entreguei o celular na mão do homem que acompanhava nossa conversa.

— Boa noite, agente Caio Martins. Estou no posto da Polícia


Federal na rodoviária de Porto Alegre. Sou o agente Alonso Borges e estou
com ela aqui. — Caio deve ter falado alguma coisa, pois o moço parou de
conversar e depois voltou. — Ela está bem, só um pouco agitada, mas
vamos te esperar juntos.

Balancei a cabeça para o bom policial e me senti feliz como uma


criança que ganhava vários doces. O senhor chamado Alonso continuou
mais um tempo na ligação e depois o ouvi se despedindo.

— Pode ficar tranquilo, vamos te esperar sem sair do posto. Eu


cuido dela até o senhor chegar. — Assim que encerrou a ligação, ele olhou
para mim e sorriu.

— Obrigada, senhor. Eu estava cansada demais.

— Como chegou até aqui? Você se lembra? — Balancei a cabeça,


afirmando.

— Sim. Eu acordei cedo ontem e meus pais saíram com meu filho.
Fiquei sozinha em casa com a Dináh, nossa secretária do lar, não aguentava
mais permanecer presa dentro de casa. Então, saí escondida para dar só uma
volta, mas acabei andando demais...— Parei de falar para poder acalmar
minha respiração.

— E me diga: você gostou dessa experiência? — Olhei para cima,


mordi os lábios e pensei na pergunta. Depois de alguns segundos, abri meu
coração para ele.

— Olha, no começo me senti muito livre. Pela primeira vez depois


do sequestro, me senti normal. Quando percebi que havia me perdido, fiz de
tudo para não me desesperar. Eu não confio nas pessoas, então segui meu
coração e minha intuição. Entrei em um bairro perigoso e, ao ver o ônibus
com placa da rodoviária, entrei sem pensar duas vezes. — Ele me analisou
com a mão no queixo.

— Fiquei curioso agora. Por que a rodoviária?

— Por ser um lugar movimentado, fiscalizado pela polícia e


ninguém me abordaria. Estou aqui desde as vinte horas. Acredite se quiser,
mas foi o restaurante mexicano que me trouxe a primeira lembrança viva de
quem eu era... — Minha voz parou na garganta pela emoção.

— Isso é ótimo, Luana. Você foi corajosa, mesmo se colocando em


risco, foi em busca do seu eu. Agora, não faça mais assim. As pessoas que
te amam estão desesperadas, mas entendo você. — Abri a boca para falar,
mas o barulho da porta se abrindo chamou minha atenção.

Ao ver o moço bonito, meu Federal, o Caio, não resisti e me joguei


em seus braços em lágrimas. Ele me abraçou apertado e sussurrou no meu
ouvido.

— Acabou, minha Pequena. Estou aqui. — Senti uma vontade


arrebatadora de me conectar com ele.

Sem pensar em nada, eu olhei para ele e o beijei pela primeira vez
depois de ser encontrada. Foi o melhor primeiro beijo da minha vida.
Capítulo 21
Dois meses depois – Caio Martins

O beijo na rodoviária foi o início de uma nova fase entre mim e


Luana. Fui pego de surpresa ao sentir o toque dos seus lábios nos meus. Ela
me beijou com sofreguidão, paixão e intensidade. Senti uma emoção
arrebatadora no exato momento em que ela se jogou em meus braços.

Fui tomado por uma força estranha que se espalhou por todo o meu
corpo, me dando a certeza de que, daquele dia em diante, as coisas
começariam a tomar seu rumo. Quando ela se afastou de mim, olhou em
meus olhos e disse, com voz meiga.

— Caio, me desculpe pelo mal que causei. Eu não queria assustar


todo mundo, só quis ser normal por alguns instantes. — Ouvir aquela
afirmação só deixou explícito o quanto estávamos pressionando-a.
— Pequena, não tem nada que se desculpar. Entendo você. Agora,
vamos para casa, estão todos te esperando. — Agradeci o colega de
profissão e saí de mãos dadas com a minha mulher.

Precisei conter meu ímpeto de saber o quanto ela havia se


lembrado. Depois de ouvir o sofrimento na vozinha dela ao pedir desculpas,
não tinha o direito de pressioná-la de novo.

Deixei a moto no estacionamento e usei o carro do meu sogro para


buscá-la na rodoviária. Caminhamos até o estacionamento em um silêncio
confortável. Algumas vezes eu a vi pela visão periférica, olhando para mim
de um jeito curioso. Ao chegarmos no carro, ela sorriu para mim.

— Cadê sua moto? Pensei que íamos voar pela cidade. — Meu
coração pulou em meu peito ao ouvir aquilo.

— Não sabia que gostava tanto da minha máquina voadora. — Ela


me olhou, confusa e depois deu uma risada levada, me levando ao paraíso.

— Eu também não. Só sei que gosto da sua moto. — Fiquei de


frente para ela, segurei suas mãos e falei, emocionado.

— Minha Pequena, você amava estar na garupa dela. Era nosso


passeio favorito. — Ela me encarou e me senti apreensivo de ter falado
daquele jeito.

— Olha, pelo jeito, eu era mesmo uma garota esperta — falou e


piscou para mim.

Aquela nova versão dela me deixou animado e confuso ao mesmo


tempo. Abri a porta para ela entrar no carro e dei a volta para me sentar no
banco do motorista. Coloquei a chave na ignição, mas, antes de dar partida,
olhei para ela e me declarei.

— Luana, você sempre foi esperta e inteligente. Era uma garota


ousada e decidida. Agora se tornou a mulher mais corajosa desse mundo e
eu te amo demais. — Ela sorriu, com bochechas rosadas, me deixando
ainda mais cativo dela.

— Posso colocar uma música? — Mudou de assunto e entendi que


era hora de recuar um pouco.

— Lógico que pode.

— Será que nesse carro do senhor Dantas tem alguma música que
preste? — Olhei para ela, feliz, mas me mantive calado. Ela havia se
lembrado do pai novamente.

— Pegue meu celular e o conecte ao som do carro. Tem uma


playlist no aplicativo de músicas com o seu nome. — Luana se virou para
mim e sorriu, com olhos brilhando.

Estava sendo difícil para mim segurar a emoção. Prendi a


respiração, ansioso para descobrir sua escolha.

“Estou deitado aqui esta noite,


pensando nos dias que tivemos,
Imaginando se o mundo seria tão lindo
Se eu não tivesse olhado dentro dos seus olhos...
Como você sabia que eu estava esperando?
Nunca soube que o mundo seria tão lindo...
Estou passando todos os dias
Sonhando com as noites que tivemos.
Eu nunca percebi que o amor seria um milagre,
Quando penso em todos os [dias] anteriores.
Mas agora que encontrei você, estou voando.
Eu nunca soube que o amor seria tão lindo para mim,
Eu nunca soube que o amor seria tão lindo para mim.”

A voz de Chris de Burg em So Beautiful fez meu coração dar


muitos pulos dentro da minha caixa toráxica. Ela cantarolava baixinho junto
ao cantor e minha mente viajava no dia em que transamos em uma praia
deserta. Fui irresponsável em aceitar o convite dela, mas Luana era
imbatível quando queria algo. As lembranças tomaram conta de mim.

Era um dia ensolarado e combinamos de ir à Praia Grande, mas, no


meio do caminho, minha mulher começou a me provocar.

— Federal, quero transar em uma praia nativa, deserta. Só eu, você


e a natureza — falou no meu ouvido.

— O quê? Você está falando sério, Pequena? Como provoca um


homem em cima de uma moto? — Ela deu uma risada levada e continuou
me provocando.

— Muito sério, doutor policial. Confesso que tenho algo escondido


em mim e o senhor precisa me revistar. — Senti meu pau crescendo dentro
da bermuda.

— Mulher, mulher, não brinca com isso. Se acordar meu leão


adormecido, terá que domar a fera. — Ela deu uma mordida sensual no meu
pescoço, me deixando doido.

— Essa é minha especialidade, Federal bonitão. — Não pensei em


nada.

Entrei com a moto em uma trilha para a praia dos Ventos[8], pouco
conhecida pelas pessoas. Se eu tivesse sorte, não teria ninguém além de nós
dois. Como esperado, só havia o sol, a areia branca, algumas pedras, o
vento e o mar.

Parei a moto e antes de estacioná-la, minha Pequena pulou da


garupa e saiu correndo, jogando as peças de roupa pelo caminho. Desliguei
a máquina, a deixei segura e corri atrás da maluca, que já estava
deliciosamente nua.

— Venha, Leão, sua domadora está esperando a fera.


— Ah, mulher, vou te comer com força, do jeito que o Rei da Selva
sabe fazer. — Quando me aproximei dela, a puxei para mim e a beijei com
voracidade.

Mordi seus lábios, chupei sua língua com vontade e depois comecei
a lamber aquele corpo suave da minha mulher. No auge de seus gemidos,
dei um tapa em sua bunda e rugi em seu ouvido.

— Quem é o dono desse corpo gostoso, Luana?

— Você, Federal. Sou sua, Leão, vem me comer com força.

— Porra, mulher, quer me deixar maluco? Quero comer seu rabo,


Pequena.

— Nunca te impedi, Caio. — Sem conseguir me conter, a peguei no


colo e a joguei em meu ombro.

Enquanto ela ria e gritava, eu caminhava depressa para trás de uma


pedra, onde ninguém poderia nos ver. Não queria ninguém colocando os
olhos na minha mulher.

Virei-a de frente para uma pedra alta e falei em seu ouvido.

— Se apoie nessa pedra, Luana.

— Sim, meu Federal. — Ela colocou suas mãos sobre a rocha


marítima e comecei a lamber suas costas até chegar ao seu buraco virgem.

— Vou lamber seu cuzinho até você gritar meu nome. — A


Pequena gemeu e rebolou aquele rabão.

Chupei, beijei e lambi aquela bunda que, com certeza, era a minha
perdição. Levei a mão para a boceta dela e manipulei seu clitóris com
movimentos de vai e vem. Luana começou a se retorcer em meus braços e,
quando a senti molhada, sussurrei em seu ouvido.

— Se doer, é só falar, meu amor. Eu paro na hora.


— Gosto de sentir dor com você, Federal.

— Porra, mulher, quer me matar?

— Não, quero você muito vivo me fodendo, Federal. — Enchi o


peito de ar, cuspi na mão, manipulei seu buraquinho com os dedos e depois
levei meu pau para seu cuzinho apertado.

Comecei entrando devagar, me esforçando para não perder o


controle e machucá-la. Luana começou a gemer alto e parei de me mover.
Ela rebolou, me provocando.

— Não para, Federal. Eu quero assim.

— Caralho, Luana, você será minha perdição. — Voltei a me mover


e entramos em total frenesi.

Depois de nos recuperarmos do orgasmo arrebatador, tomamos


banho de mar, nos beijando e namorando devagar. Saí das minhas
lembranças quando ouvi a voz dela.

— Caio, pelo amor de Deus, não está me ouvindo? — Balancei a


cabeça para os lados, como se pudessem apagar as lembranças.

— Pequena, me desculpe. Essa música me trás recordações


maravilhosas. — Ela me olhou, curiosa, enrugando a sobrancelha.

— Espero que seja comigo, Federal! — Dei uma risada do jeito


dela falar.

— Está com ciúmes, moça?

— Sei lá. Só não gosto de imaginar você pensando em outra. —


Sorri para ela e acalmei seu coração.

— Estava pensando em você mesmo, Pequena. — Quando


chegamos no apartamento do pai dela, todos nos receberam conforme
havíamos combinado: sem perguntas.
Dois meses depois do sumiço dela, as coisas vinham melhorando
gradativamente. A cada dia, ela se lembrava de momentos fragmentados de
nossa vida. Combinamos de viver um dia de cada vez. Ela prometeu se
esforçar e eu fiz um juramento para minha mulher.

— Luana, eu vou te conquistar de novo, minha Pequena. Você vai


me amar ainda mais que antes. — Ela deu um sorriso meigo e me deixou
muito feliz.

— Não duvido disso, Caio. Mesmo sem me lembrar de tudo, sinto


que não existo sem você. — Aquela resposta aqueceu meu coração, mas as
coisas mudaram no dia de nossa primeira briga.
Capítulo 22
Quem é essa piranha? — Luana Dantas

Meu irmão e sua mulher me chamaram para um fim de semana com


eles em uma Estância chamada Canto da Serra. Senti meu namorado muito
empolgado com a viagem, mas não entendi o motivo. Mamãe ficou com o
Marcelinho e a mãe da Gisele com meu sobrinho.

Saímos cedinho, em uma sexta-feira em que nossos homens da


segurança conseguiram folga. Minha cunhada estava muito feliz por ter
aqueles dias sozinha com o marido. Segundo ela, desde que teve o bebê,
não tinha mais passado um dia sequer sozinha com meu irmão.

Marcelo levou as malas no carro dele. Eu pedi ao Caio para


viajarmos de moto. Amava a sensação do vento no meu rosto. Chegamos no
local por volta das dez e ainda conseguimos aproveitar o café da manhã
maravilhoso do lugar. Quando entramos no chalé reservado pelo meu
namorado, foi como ter um flash de lembranças e recordações.

Era tudo tão lindo, harmonioso e decorado. O local exalava


romantismo, proporcionando um clima muito aconchegante. Depois de ver
cada canto, olhei para o Caio, curiosa.
— Já estivemos aqui, não é? — Ele fez um pequeno gesto de
cabeça, confirmando. — Eu sabia. Esse lugar me lembra algo muito bom,
só não sei o quê. Você podia me contar...

— Sem chance, Pequena. Sem cobranças e pressão. Você se lembra


do nosso trato? — Respirei fundo, desanimada e reclamei.

— Não se preocupe com o passado, mas sim em construir um novo


futuro — falei, repetindo o que ele havia combinado comigo.

— Isso mesmo, minha Pequena. Eu tenho o maior prazer em criar


memórias com você. — Ele veio até mim e me beijou com tanto amor. Caio
era especialista em me distrair de uma forma deliciosa. — Tem certeza de
que está pronta? Eu posso esperar.

Olhei para ele com cara safada e o provoquei. Naqueles momentos,


eu me sentia como se nada tivesse acontecido. Era como ser a Luana de
antes.

— Está bem. Então vamos embora. Não estou pronta. — Caio ficou
sério e me disse de um jeito todo honrado.

— Nós podemos namorar, dormir juntos e mais nada. Não


precisamos... — eu avancei até ele e o interrompi.

— Não precisamos... — O beijei na boca, de forma demorada, e


depois voltei a falar — mas quero, Caio Martins. Eu, Luana Dantas, preciso
ter você por inteiro, dentro de mim.

Começamos a nos beijar, sedentos um pelo outro. Era tanto desejo


acumulado. Não aguentava mais querer aquele homem e não ter coragem de
ir até o fim. Porra, eu era a mãe do filho dele.

Nossas roupas foram ficando pelo caminho até chegarmos na


enorme cama do chalé. Com nossos corpos nus, nos entregamos ao amor de
forma plena. Caio me levou ao paraíso várias vezes antes de se afastar um
pouco para pegar a embalagem do preservativo que estava em uma mesinha
ao lado da cama. Segurei o ombro dele, olhei em seus olhos e fiz um
pedido.

— Não quero nada entre nós, Caio. Preciso sentir você por inteiro
dentro de mim. — O peito dele subia e descia depressa e seus olhos
expressavam todo o seu amor.

— Você que manda em mim, minha Pequena. Estou há dois anos


esperando por esse momento. Não teve ninguém depois de você. — Ouvir
aquela declaração sincera me emocionou.

Uma lágrima desceu pelo meu rosto e Caio começou a me penetrar


devagar, nós dois nos encaramos durante todo o tempo em uma entrega
sublime. Mesmo ainda não me recordando de tudo, naquele momento eu
soube que nunca haveria ninguém além dele.

Tomamos banho juntos na banheira instalada sobre o deque. Aquele


lado do chalé nos dava privacidade para tudo sem fechar a cortina. As
paredes de vidro davam ao lugar um ar de magia. Voltamos a nos amar na
banheira. Daquela vez, eu cavalguei sobre ele, mantendo o ritmo lento para
prolongar nosso prazer.

Gritei o nome dele, no auge do tesão, ao sentir sua mordida quente


em meu ombro, me deixando ainda mais louca de desejo. Depois de
saciados, saímos da banheira e terminamos nosso banho debaixo da ducha
quente. Passamos a bucha com sabonete líquido um no corpo do outro e ele
me ajudou a lavar meus cabelos.

Caio, com toda a calma do mundo, secou meus fios longos com o
secador. Sentei-me no colo dele, enquanto ele fazia todo o serviço. Logo
após, vestimos nossas roupas. Era hora de sair do chalé para o restaurante.
Marcelo já havia ligado duas vezes para o celular do meu Federal.

Os dois estavam um pouco esquisitos. Ouvi meu namorado falando


com o meu irmão sobre algo não dar certo, mas preferi não invadir a
privacidade dos dois.
Ao chegarmos no restaurante da Estância, fiquei boquiaberta com a
beleza do lugar. A decoração era de muito bom gosto. Os garçons, com seus
uniformes impecáveis, eram só gentileza. Não tinha como explicar a
perfeição do sabor de cada item. Aquela cozinha devia ser frequentada por
anjos da culinária.

Almoçamos entre risadas e brincadeiras. Caio parecia um pouco


apreensivo, ao contrário do meu irmão, que era só alegria. Estávamos
comendo a sobremesa quando uma mulher alta, loira, de olhos verdes,
corpo bonito e uma beleza selvagem se aproximou de nossa mesa, cheia de
sorrisos para o meu namorado.

— Caio Martins, não acredito! Meu Deus, como queria te


encontrar. Ah, tigrão, se soubesse que me abandonaria depois daquela noite
espetacular, tinha te guardado em um potinho. — Olhei para o lado e vi o
rosto do meu homem pálido.

— Oi, Carmela. Faz muito tempo, não é? — A piranha colocou


suas unhas vermelhas e pontiagudas sobre o ombro do Caio e senti meu
sangue ferver.

— Lógico que não, my love. Já se esqueceu de mim? Você estava


bem mais animado há três meses, quando ficamos juntos. — Senti meu
coração disparar e fiquei de pé, me colocando entre ela e ele.

— Boa tarde, moça. Eu sou a esposa do Caio. Luana Dantas


Martins. — A vagabunda deu uma risada e me provocou.

— Ops!!! Sinto muito, Darling. Seu marido anda pulando a cerca,


então. — Sem perder a classe, peguei a taça com vinho e joguei na cara
dela.

— Fique com ele para você, querida.

Antes de chorar na frente dela, virei as costas e saí andando


depressa do restaurante. Ainda ouvi meu irmão me chamando, mas não
olhei para trás. Quando estava quase chegando no chalé, Caio me alcançou.
— Espera, Luana. Vamos conversar. Foi uma brincadeira de mal
gosto. — Ao ouvir aquela justificativa bizarra dele, parei e dei um tapa em
sua cara.

— Eu sou uma burra. Como fui acreditar que um homem lindo


como você ficaria dois anos sem trepar com uma puta como aquela tal
Carmela. — Ele balançava a cabeça para os lados, apavorado, tentando
falar, mas eu não deixava. — Some, Caio. Eu te odeio. Por que tanto
esforço para me conquistar de novo?

Não consegui mais impedir as lágrimas e chorei, sofrida. Comecei a


sacolejar meu corpo em função do pranto desesperado. O idiota segurou
meu ombro e me fez olhar para ele.

— Luana, eu te amo. Não existe ninguém. Nunca existiu. Aquilo


foi uma loucura do seu irmão. Eu e a Gisele tentamos impedi-lo. — Olhei
para ele, com mais ódio ainda.

— Caio, eu estou com amnésia, não cega. Armação o caralho. O


filho da puta do meu irmão deve ter sido seu cúmplice e agora você vem
com essa justificativa absurda para o meu lado? — Ouvi barulho de pessoas
se aproximando e vi meu irmão, a esposa e a piranha chegando. — Não.
Vocês não vão me enganar.

— Luana, pelo amor de Deus, me perdoa, cunhada. Tentei impedir


essa loucura do seu irmão, mas o Marcelo colocou na cabeça que essa cena
seria um tratamento de choque. — Olhei para o idiota atrás dela e ele estava
com cara de cachorro caído do caminhão de mudança.

A loira bonita permanecia séria, sem falar nada. Sem ninguém


esperar, avancei sobre ela e comecei a bater nela. A mulher não revidou e só
parei ao ser agarrada pelo Caio.

— Solta, me deixe quebrar a cara dela — gritei, com raiva. Só


então ela se pronunciou.
— Solte ela, Caio. Não sei onde estava com a cabeça quando
aceitei entrar nessa loucura do meu chefe. Luana, me desculpe. Precisa
saber que sou policial e trabalho com o maluco do seu irmão. Nunca vi o
Caio antes. Ele é mesmo inocente. — Olhei para o rosto de cada um deles,
sem acreditar naquela barbaridade.

Meu peito subia e descia depressa. O ar mal entrava por minhas


vias respiratórias. Sem ter como me controlar, virei e saí correndo na
direção oposta ao chalé. Corri feito uma maluca, enquanto as lágrimas
desciam sem controle. Só parei quando senti braços fortes me agarrando por
trás.

— Luana, pelo amor de Deus, me perdoa. Eu não deveria ter


aceitado nada disso. Eu te amo de qualquer jeito, minha Pequena. — Eu
virei depressa, ficando de frente para ele e comecei a socar seu peito forte.

Meu namorado permaneceu parado, me deixando dar socos nele.


Quando me cansei, ele me puxou para os seus braços e me beijou
desesperado. A princípio, tentei recusar o beijo, mas não consegui resistir.

De repente, milhões de imagens vieram a minha cabeça, sem


nenhum controle. Só tive tempo de gritar e, logo depois, não vi mais nada.
Epílogo
Promessa cumprida – Caio Martins

Nas fileiras da frente, umas vinte freiras sorriam para mim. Apenas
as irmãs enclausuradas não compareceram ao meu casamento. Achei muito
bonita a atitude delas de aceitarem nosso convite.

Seis meses após o dia mais louco da minha vida, eu estava no altar
junto ao meu amigo irmão, esperando por nossas noivas. Gisele havia
cumprido a promessa de só se casar na igreja quando eu e Luana
estivéssemos prontos. Meu filho, vestido como eu, era a atração da igreja.
Marcelinho segurava a minha mão ao meu lado, esperando pela mãe.

Depois de desmaiar, Luana acordou e me olhou como se me visse


pela primeira vez. Senti um medo absurdo, achando que ela poderia ter
piorado, mas, para o meu deleite, a minha Pequena me deu a melhor notícia
de todas.
— Caio, eu me lembrei de tudo. Eu, você, aqui foi nossa primeira
vez. Eu sei... — Choramos e rimos juntos. A amnésia tinha sumido como a
neurologista previu. No fim, a ideia maluca do meu cunhado surgiu efeito.

Luana e meu filho haviam mudado para a minha cobertura. Fiquei


emocionado demais na primeira noite em que passamos só nós três, como
uma família. Depois que nosso pequeno adormeceu, nos amamos devagar
no nosso quarto.

Um filme passava por minha cabeça enquanto esperava a noiva. Eu


havia implorado para Luana não se atrasar muito, mas Gisele sempre dizia
que queria um casamento com tudo o que tinha direito. Então, não me
apavorei. Marcelo parecia não conhecer a esposa. Estava nervoso a ponto
de andar de um lado para o outro. Todos nossos amigos estavam presentes e
ansiosos para presenciar o casamento duplo.

Saí dos meus pensamentos ao ouvir a música de entrada dos


padrinhos. Naquele momento, meu coração acelerou ainda mais.
Marcelinho havia me pedido colo e se recusou a sair dos meus braços
quando meu amigo Maurício tentou carregá-lo.

Depois do cortejo de doze casais, as crianças, filhas das amigas da


Gisele, entraram jogando pétalas de rosa no chão e, quando elas chegaram à
frente, as portas da igreja se fecharam. Eu sabia que quando elas se
abrissem, a mulher mais linda do mundo seria conduzida pelo seu pai até
mim.

Bastaram os primeiros acordes da marcha nupcial tocarem para


Luana surgir de braços dados com meu sogro. Puta que pariu, a beleza dela
ofuscava as luzes da igreja. Tentei me concentrar para não chorar, mas
algumas lágrimas atrevidas me fizeram pagar mico na frente de um monte
de amigo Federal.

Aquilo com certeza viraria meme, mas nada era mais importante do
que a minha noiva. Marcelinho conseguiu quebrar um pouco a emoção do
momento ao ver a mãe e falar alto.
— Mamãeeeeeeee... chua lindja... — Todos riram ao ouvir meu
Pequeno. Ele havia aprendido a falar do jeito dele.

Luana sorriu, iluminada, para o filho. Quando o pai dela me


entregou sua filha, me emocionei mais ainda.

— Caio, não preciso dizer para você cuidar da minha filha, a Luana
escolheu o melhor homem para ser seu marido. Eu os abençoo. Obrigado,
por não desistir dela por nenhum segundo. — Ele me abraçou apertado e
meu filho mais uma vez roubou a cena.

— Aiiiiiiiiii bobooooo, tá apetando o Machelinho. — Mais risos na


igreja.

— Oh, meu Deus, desculpe o vovô, meu netinho. Venha no meu


colo que vou te dar uma balinha. — Luana olhou para o pai, o
repreendendo, mas meu filho se jogou no colo do avô.

Aproveitei para me aproximar dela e beijei sua testa. Minha


Pequena havia me dito mil vezes que não podia beijar sua boca. Logo
depois dela, foi a vez da Gisele matar o meu amigo do coração. As duas
noivas estavam muito bonitas, vestindo modelos parecidos.

O padre fez todo o seu sermão conforme o protocolo. Na hora dos


votos, respirei fundo para conseguir ouvir minha mulher sem me
desmanchar em lágrimas. Ela pegou o microfone e, com sua voz doce, me
deixou muito emocionado.

— O que falar para você que ainda não foi dito? Caio, talvez não
saiba, mas, durante os momentos mais difíceis que passei, no meu coração,
eu sentia você. Era como uma força que me sustentava e nunca me deixava
desistir. Meu eterno moço bonito. Um homem com coração de ouro, que
não mediu esforços para me trazer de volta. Você me conquistaria mil vezes
se preciso fosse e tenha certeza: eu te amaria em todas elas. Sou para
sempre sua, meu Federal.
Foi impossível não chorar ao ouvir aquela declaração. Foram tantas
situações difíceis, mas tudo valeu a pena. Nosso amor se fortificou ainda
mais. Eu tinha um papel no meu bolso com meus votos, mas, naquela hora,
decidi pegar o microfone e abrir meu coração.

— Luana, você era apenas uma garota de quatorze anos, mas já


acreditava no nosso amor. Ahhhh, Pequena, quantas vezes me senti culpado
por amar a irmãzinha caçula do meu melhor amigo. — Todos riram ao ouvir
aquilo. — Tentei te esquecer por muitas vezes, mas a menina ousada e
atrevida decidiu antes de mim não desistir de nós. Quando aconteceu o pior,
eu sentia, no fundo da minha alma, sua luz. Contra tudo e todos, por
nenhum minuto tive dúvidas de encontrar você viva, meu amor. Ver em
seus olhos a dúvida em relação a nós me deixava angustiado, mas entendi
que podia reconquistar você todas as manhãs se preciso fosse. Imagine
minha surpresa ao encontrar a mulher da minha vida com um filho meu?
Lógico, se não fosse com surpresa, não era a minha Luana. Eu te amo, mais
que ontem e menos que amanhã.

Todos ficaram de pé e nos aplaudiram por quase cinco minutos. Foi


emocionante ver tanto amor em nossos convidados. Terminamos a
cerimônia dupla depois dos votos do meu amigo e sua esposa e saímos para
o cerimonial.

Luana havia avisado aos fotógrafos que não queria ficar posando
para fotos. Eles teriam que a surpreender, registrando momentos aleatórios
e inesquecíveis.

Na hora da valsa dos casais, recebi o maior presente de todos. Eu e


Luana nos olhávamos, emocionados, enquanto dançávamos. Quando a
música estava quase acabando, ela deu um sorriso levado e se aproximou do
meu ouvido.

— Seus braços estão bem fortes, Federal? — Não entendi muito


bem a pergunta, mas respondi.

— Para você, sempre, minha Pequena. — Ouvi a risadinha dela e,


logo depois, fiquei com pernas bambas.
— Que bom, porque terá que carregar o Marcelinho e mais dois
bebês, moço bonito. — Paralisei na hora, no meio do salão, com todos os
convidados nos assistindo.

Com o peito subindo e descendo em velocidade máxima, tentei


articular algumas poucas palavras.

— Você está dizendo que está grávida? — Ela sorriu e confirmou.

— De gêmeos, meu amor. — Eu a peguei no colo e a rodopiei pelo


salão.

Flashes vindo de todos os lados registravam nossa felicidade.


Naquele momento, eu era o homem mais abençoado do mundo. Sem
conseguir segurar a emoção, coloquei minha mulher de pé ao meu lado e
pedi o microfone para a cerimonialista.

— Quero um minuto da atenção de vocês. Senti em meu coração a


necessidade de compartilhar algo muito importante. Hoje, descobri que vou
ser pai de mais dois bebês. Essa benção veio para ratificar o quanto Deus é
bom o tempo todo. Aprendi nos obstáculos, desafios e na dor, o quanto
devemos acreditar e seguir nosso coração. Somos guiados pelo amor
genuíno do Pai que habita em nós. Nunca deixem de acreditar em dias
melhores, seja qual for o problema ou a dor que estão enfrentando. Eu segui
a voz do Senhor que me guiou até a minha Luana, e hoje, tenho a honra de
comemorar com todos vocês o nosso amor. Em nome da minha família que
cresceu, agradeço a cada um por festejar conosco.

Aplausos explodiram pelo salão. Eu precisava ter feito aquilo para


dar vazão à felicidade que não cabia em meu peito. Quando terminei de
falar, vi lágrimas no rosto da minha mulher. Ela sorriu e falou somente com
a boca, sem emitir som.

— Eu amo você. Obrigada, meu amor. — A puxei para os meus


braços e a beijei.
Essa foi a minha história. Espero ter deixado algo em seu coração.
Não sei quais são suas lutas, mas tenho certeza de uma coisa: você nunca
estará só. Deus, em sua misericórdia e amor, sempre estará ao seu lado,
mesmo que não sinta a presença Dele. Em alguns momentos, quando a
caminhada estiver pesada demais, o Pai vai te levar em Seus braços.

Só confie e não desista. Eu nunca tive dúvidas que encontraria a


minha Pequena. O amor me sustentou por todo o tempo. Deixe esse
sentimento inundar seu coração. Aprenda a ser feliz consigo mesmo. Não
espere encontrar a felicidade fora da sua alma, porque tudo começa em nós.

Como diz a música, “seja qual for o seu problema, fale com Deus,
Ele vai ajudar você”.

Um abraço do Caio, da Luana, do Marcelinho e dos meus bebês


que ainda estão no forninho da mamãe. Obrigado por me acompanhar até
aqui. Fiquem com Deus.

Caio Martins.

Continue, temos um bônus


O primeiro Natal dos Gêmeos
Antes disso: ossos do ofício – Caio Martins

Marcelinho estava com três anos e os irmãos Luan e Lucas tinham


feito um ano. Nossa vida se tornou o paraíso mais cansativo do mundo. As
três crianças juntas eram pura energia.

Quando o primo, Paulo Henrique, de quase quatro anos; o filho da


Paty, com seis; as gêmeas Isadora e Valentina, de cinco anos, se juntavam
aos meninos, nós precisávamos de muita criatividade para não acabarem
brigando.

Depois do aumento da nossa prole, naquele ano deixamos o


apartamento e compramos uma casa com um quintal enorme e uma área
gourmet muito organizada.

O proprietário se ofereceu para construir uma piscina quando


fechamos o negócio, mas eu e Luana não aceitamos a proposta. Todos os
dias a imprensa noticiava afogamentos infantis. Preferimos instalar uma
ducha forte ao lado de uma simulação de queda d’água para as crianças
brincarem nos dias mais quentes.

Aquele seria o primeiro Natal dos meus meninos e o nosso na casa


nova. Gisele, Patrícia, Mari e Luana ficaram por conta dos preparativos.
Ficamos muito gratos porque elas aceitaram fazer as comemorações da ceia
da noite e passarem o dia vinte e cinco de dezembro conosco.

Eu e os caras ficamos com a parte que achávamos ser a mais fácil,


mas nos ferramos: cuidar dos seis anjos. Adriano era o mais engraçado e
experiente da turma, pois seu lado médico o ajudava a entender melhor as
mudanças de comportamento da galerinha.

Adriano e Paty estavam comemorando a gravidez de uma menina.


A amiga maluca quase deixou todo mundo doido quando descobriu sua
gestação. Segundo ela, cortaria o pau do marido médico, que transou sem
camisinha no fim da menstruação, jurando que não havia perigo. Ela
continuava sendo a mais maluca das meninas.

Todos os nossos pais se juntariam a nós na noite do Natal. O


marido da Paty estava triste porque sua mãe estava viajando com a nora,
Alice, e seu marido capitão, junto da amiga Amanda, o Miguel e a Joana
com Arturzinho. No entanto, conseguimos garantir a chegada de todos eles
um pouco antes da meia noite.

Tinha certeza de que aquele seria um momento emocionante para


todos nós. Era incrível ver como o capitão Otávio havia virado paizão dos
gêmeos. Eles já estavam quase saindo da adolescência. Os rapazes estavam
fortes e bonitos, um seguindo a área do tio e o outro, a do padrasto.

Enquanto Adriano e Rico brincavam debaixo d’água com os


meninos, Isadora e Valentina assistiam o filme da Barbie na sala de
televisão. Elas eram muito branquinhas e o sol estava muito forte. As
meninas fugiam da confusão dos primos.

Marcelo chegou com duas latinhas na mão e me entregou uma. Ele


se sentou ao meu lado e permaneceu calado por alguns segundos. Tomamos
nossa cerveja em silêncio, cada um imerso em seus pensamentos. Ouvi meu
amigo respirando alto e resolvi facilitar.

— O que está pegando, cara? Eu te conheço. Está com algum


problema. — Ele alongou as costas e depois me olhou.

— Caio, acabei de receber uma escuta dos filhos da puta que ainda
estão dominando o tráfico na comunidade. Eles planejam receber uma carga
alta em plena noite de Natal. — Virei o resto da bebida na boca, passei a
mão pelo cabelo, enquanto pensava antes de dar qualquer palpite. —
Feriados sempre são agitados para a Civil e Militar.

— Tem notícia de quando Miguel e Otávio voltam?

— Miguel me ligou ainda a pouco. Eles estão voltando hoje.


Marcamos uma reunião para amanhã cedo.

Temos apenas uma semana antes do Natal para tentar algo.

— Vou acionar minha equipe para colaborar. Vamos acabar com a


festa deles antes, pode ficar tranquilo. Tenho um cara perfeito para nos
ajudar. — Eu havia me tornado responsável pela divisão de drogas do
Estado e tinha uma equipe preparada para se infiltrar nas operações.

— Não quero que a Gisele saiba de nada. Ela está tão feliz com a
casa nova e o primeiro natal. Prefiro não comentar assuntos do trabalho
quando estou em casa.

— Está certo. Faço o mesmo com a Luana e os meninos. Nossa


vida é pesada demais, não é?

— Porra! Nem me fala. Tem hora que tenho vontade de largar tudo
e advogar junto com minha esposa e a Mari, na firma delas.

— Não é má ideia, Marcelo. Pense nisso, meu amigo.

— Acredite, vou pensar. — Fomos interrompidos pelas crianças


nos puxando para a ducha com elas.

Acabamos nos distraindo com a bagunça na água e terminamos o


dia de forma leve. A reunião aconteceria na segunda pela manhã no
Batalhão de Operações Especiais.

Conforme combinado, eu e Marcelo chegamos no Quartel às sete


horas, no horário marcado. Nós éramos disciplinados com pontualidade e
não aceitávamos atrasos. Tomamos o café da manhã com os capitães entre
conversas amenas.
Convidei o policial Federal Alexandre Barcellos, de Florianópolis,
para se juntar a nós. O cara era do grupo de Elite da Federal e o conheci em
um curso de técnicas antiterrorismo. Ele era casado com uma Promotora
famosa de Santa Catarina.

Informei tudo aos meus amigos quando estávamos sentados


tomando o café da manhã.

— Bom, amanhã o Alexandre chegará em Porto Alegre. Ele é o


cara que vai nos salvar, pois não é daqui e os bandidos não o conhecem.
Além disso, ele não costuma aparecer em nenhum veículo de imprensa.

— Como ele costuma agir, Caio?

— Capitão Miguel, ele se transforma e se infiltra no meio dos


traficantes.

— Não acha arriscado? Esses caras não são bobos.

— Pode ficar tranquilo, ele dá conta. — Otávio estava calado até


aquele momento.

— Penso que o Caio tem razão. Não temos muitas opções. Depois
do assassinato de nosso X9, o povo ficou com receio de ajudar.

— Verdade, então vamos seguir com o plano e resolver isso antes


que seja tarde demais. — Terminamos a reunião preparados para agir.

Alexandre não me decepcionou. Bastou três dias para ele descobrir


onde estava armazenado o carregamento, que seria contrabandeado no dia
do Natal. Seguindo o protocolo, após nos informar sobre todos os passos da
operação executada por ele, meu amigo Federal voltou para seu estado.

Naquela noite, acabei contando para minha Pequena sobre os


últimos acontecimentos. Minha esposa tinha a capacidade de me ouvir,
raciocinar e me ajudar com ideias bem construídas.

— Amor, vocês estão levando em conta que os traficantes estão


armados até os dentes?

— Estamos sim, Luana. Inclusive, eles estão metidos em vários


contrabandos de armas e sabemos o quanto são perigosos.

— Caio, pelo amor de Deus, não se coloque em risco


desnecessário. — Eu me levantei e a beijei cheio de paixão.

— Pode ficar tranquila, minha Pequena, voltarei sempre para você.

Ela me deu um tapa no ombro e falou séria.

— Essa é sua única opção, meu amor. Caso contrário, eu não te


deixo descansar. — Puxei-a para os meus braços e a calei da melhor forma
possível: tomando seus lábios com paixão e sofreguidão.
Então é Natal
Luana Dantas Martins – Depois do susto, só amor

A operação aconteceu conforme Caio havia me explicado, no


entanto, meu digníssimo marido quase me matou do coração.

Durante todo o tempo em que ele esteve fora, meu coração não me
deu paz. Meu Federal amava sua profissão, mas era impossível não me
preocupar sempre com o amor da minha vida.

Desde o nosso casamento, tínhamos um combinado: ele jamais


desligaria o celular. Seu aparelho tinha dois chips e um deles era somente
para a família. Quando liguei para o meu marido e não fui atendida, cheguei
a perder o ar. Repeti a ligação e nada.

As crianças estavam na casa dos meus pais. Eu havia pedido a


mamãe para cuidar dos meus filhos porque precisava estar à disposição do
Caio caso ele precisasse de algo. Aquela era uma operação perigosa onde
não podia existir erro.

Tentei falar com meu irmão, mas não obtive sucesso. Ainda estava
com o celular na mão quando ele tocou. O nome da mamãe surgiu na tela e
atendi depressa.

— Bom dia, filha.

— Bom dia, mamãe.

— Luana, sua televisão está ligada? — Estranhei aquela pergunta.

— Não. Por que, mãe? Aconteceu alguma coisa?


— Estão falando alguma coisa sobre uma troca de tiros na
comunidade e parece que tem um policial morto. — Meu coração deu um
baque. Mamãe era péssima para dar notícias. — Não disseram quem era?

— Não, minha filha. Estou com o coração apertado, Luana.

— Mamãe, fique calma. Vou ver o que descubro e já falo com a


senhora.

— Está bem, filha. Vou esperar. Fique bem. — Encerrei a ligação e


corri para sala.

Assim que a imagem apareceu na televisão, uma repórter falava da


operação na comunidade e do número de mortos. A jornalista disse ainda
que três pessoas haviam sido levadas para a emergência do maior centro de
urgência de Porto Alegre e, segundo suas fontes, uma das vítimas era um
policial.

Desliguei a TV, peguei minha bolsa, a chave do carro, tranquei a


porta e saí em direção ao hospital. Durante todo o caminho, pedi a Deus
para não deixar nada acontecer com meu marido.

Cheguei no Pronto Socorro em menos de vinte minutos.

Parei o carro no estacionamento e saí correndo para saber


informações. O ar mal entrava em meu pulmão. Na portaria, havia um
monte de repórteres, fotógrafos, câmeras filmadoras e carros com antenas
de transmissão.

Vi duas ambulâncias na entrada e, atrás dela, um carro de remoção


de corpos. Naquele momento, perdi o poder de enxergar, respirar, tudo. Na
minha mente, só vinham imagens do meu marido sem vida.

Assim que entrei no hospital, vi alguns policiais conversando e, em


lágrimas, fui em direção a eles. Quando me aproximei, a porta da urgência
se abriu e me deparei com Caio. Ele estava com um curativo no ombro e
expressão abatida. Sem pensar em nada, me joguei nos braços dele,
chorando e falando ao mesmo tempo.

— Caio... eu pensei... Caio... — Não tive mais forças para falar e


recebi um abraço apertado.

— Calma, meu amor. Estou bem, foi só um tiro de raspão. Não


aconteceu nada com nossos amigos. As três vítimas são integrantes da
quadrilha.

— Caio, tive tanto medo. — Ele me abraçou e beijou minha testa,


me acalmando dentro do seu abraço. Ser esposa de um policial Federal era
para mulheres fortes.

A casa estava decorada com muito capricho. Eu, Gisele, Paty e a


Mari nos empenhamos em transformar aquele Natal na festa dos sonhos das
crianças.

Havíamos contratado uma empresa para montar um cenário de


filme em nossa sala. A lareira deu um toque ainda mais especial.
Contratamos um Papai Noel para presentear as crianças.

Os nossos convidados começaram a chegar por volta das vinte


horas. Eu e Caio estávamos muito felizes por poder receber todos nossos
amigos em nossa casa.

O momento mais emocionante aconteceu por volta das vinte e duas


horas, quando a mãe do Adriano, Otávio, Miguel e suas famílias chegaram.
O nosso amigo médico chorou como se fosse criança. Na verdade, aquela
cena nos deixou bastante emocionados. Luan quebrou o clima de lágrimas
com seu jeitinho pueril.

— Mama, titi Di tá tiste?

— Não, meu amor. O tio está muito feliz de ver a mamãe dele e os
sobrinhos.

— Mama do titi Di?


— Sim, meu amor. Agora conta para o tio: está gostando do Natal?
— Meu menino arregalou seus olhinhos e falou, empolgado.

— Papa Noooo, tas pesenti po neném. Luan e Lucasss qué boa,


carrin, vião, a uau... — Caio olhou para mim e deu um sorriso cúmplice.

Os meninos não sabiam que o “Papai Noel” traria um Golden


filhote para eles. A pediatra nos havia sugerido dar um animalzinho para
eles.

A algazarra foi grande. Crianças corriam para todos os lados. Os


adolescentes estavam imersos em seus celulares e com cara de quem não
curtia a gritaria dos meninos.

Quando o artista, vestido de Papai Noel, entrou na sala, os


pequenos quase enfartaram de felicidade. Passamos quase duas horas
abrindo presentes, tirando fotos e brincando. Por volta de duas da manhã, eu
me sentei no sofá e meu marido veio para o meu lado.

— Está feliz, senhora Martins?

— Como nunca estive antes, marido. Esse Natal jamais será


esquecido, meu Federal. — Ele sorriu e me deu um beijo casto nos lábios.

— Posso saber por que a minha linda mulher está sozinha olhando
para o nada? — Dei um sorriso para ele e respirei fundo.

— Estou agradecendo a Deus por tudo o que temos. Passamos por


tantas provações, desafios, dores e hoje estamos todos nós aqui, com nossas
famílias e felizes. Esse sentimento me deixou emocionada, amor.

— Verdade, Luana, mas eu nunca tive dúvida de que seria assim.


— Virei meu corpo para ele e o olhei, questionando.

— É, senhor Caio? O que o fez ter tanta certeza?

— O meu amor por você. Ele é gigante e tem capacidade para


sustentar a todos nós. — Senti meus olhos enchendo de lágrimas e resolvi
antecipar meu presente de Natal. Tirei uma caixinha do meu bolso e
entreguei para o Caio.

Ele me olhou, todo sorridente e tentando descobrir o que havia


dentro da embalagem.

— Posso abrir? Não vai voar nenhum bicho em mim? — Dei uma
risada e brinquei com ele.

— Nada perigoso para um Federal. — Ele tirou o papel e, ao


descobrir o que havia dentro, perdeu a cor do rosto.

— Isso é sério?

— Muito, Caio. Descobri hoje pela manhã e acredite: fiquei tão


assustada quanto você, meu amor. — Ele começou a rir, emocionado e me
puxou para os seus braços.

— Porra, você me faz o homem mais feliz do mundo, Pequena.


Mais um filho para nossa vida. Isso é benção. — Dei uma risadinha e o
provoquei.

— Isso que dá acreditar em anticoncepcionais. Bastou tomar


antibiótico para uma amigdalite e o efeito do remédio acabou... — Caio me
interrompeu com um beijo apaixonado de me tirar o fôlego.

Depois me olhou e fez a declaração mais linda do mundo.

— Luana, esse bebê foi o melhor presente de Natal. Eu não ia te


contar agora, mas, há tempos, vinha pedindo meu chefe para ser transferido
para o setor de inteligência e logística da Federal. Nessa manhã, recebi a
notícia que meu pedido foi aceito. Essa nova função me deixará mais perto
de vocês e com horário mais definidos. Eu amo você, Pequena. —
Entregamo-nos em um beijo cheio de significados.

Depois ele se levantou e foi à cozinha buscar uma taça de vinho.


Enquanto o esperava, fechei meus olhos e agradeci.
Aproveito para te agradecer por ter chegado até aqui conosco. E
desejo a você e sua família um Natal alegre, cheio de luz e que Deus possa
espalhar o amor em seu lar. E nunca se esqueça: o melhor remédio para
curar um coração ferido é a gratidão. Exerça essa virtude e verá o quanto
sua vida ficará mais leve.

A tudo, dai graças.

Feliz Natal e um Ano Novo cheio de coisas boas.

Um abraço, da Luana Dantas Martins.


Sobre a Autora

Cláudia Castro é conhecida como a escritora dos homens fardados.


Ela costuma dizer que entre amor e conflitos sociais, escreve romances
imprevisíveis.

Os livros fizeram parte de sua vida desde criança, onde tudo se


transformava em letras, versos, rimas ou histórias. Atua como servidora
pública municipal há vinte e dois anos e se entregou a carreira literária em
2014. Escreveu mais de cinquenta livros, ficando entre as dez autoras mais
lidas no ano de 2016 segundo a Revista Veja.

A autora gosta de escrever sobre superação, relações familiares e


temas relacionados ao seu cotidiano de trabalho onde atende vítimas de
violência. Como boa mineira, ela adora caipirinha, não vive sem queijo,
gosta de chupar limão e 99% do tempo seu tempo é de bem com a vida, mas
aquele 1%...

Você encontra todas as obras da autora em: https://amzn.to/3hooYGZ


[1]
Parça se referindo a parceiro.

[2]
Bota é a gíria dos bandidos ao falarem dos policiais. Termos como cambé também são
usados.

[3]
O Delegado Fabrizio Flauzi é o protagonista do livro Nos Braços do meu Protetor. Link
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[4]
Frase dita por Chico Xavier

[5]
Nos Braços do meu Protetor está no link abaixo https://amzn.to/40w9Q0i

[6]
Bagulho conhecido como maconha de má qualidade. A boa é a fina, sem mistura.

[7]
Esse é um fato acontecido no Brasil no dia nove de novembro de dois mil e vinte e três.
Os três parágrafos tiveram como fonte o site G1 acessado no dia quinze de novembro desse mesmo
ano.

[8]
Nome fictício

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