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Índice

Uma Nova Chance para Amar


Sinopse:
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 13
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capitulo 24
Epílogo
Uma Nova Chance para Amar
1ª Edição
2022
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra
pode ser reproduzida ou transmitida por quaisquer meios
(eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou
arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem
autorização escrita da autora.

Esta é uma obra de ficção. Os fatos aqui narrados são


produto da imaginação. Qualquer semelhança com nomes,
pessoas, fatos ou situações da vida real deve ser considerado
mera coincidência.

Título:
UMA NOVA CHANCE PARA AMAR
Romance
ISBN – 9798799891800
Texto Copyright © 2022 por Josiane Biancon da Veiga
Vem do infinito da estrela cadente, do espelho da alma, dos
filhos da gente, de algum lugar só para iluminar a força vem de
onde eu venho...

A Luz que Acende o Olhar – Deborah Blando


Sinopse:
Duas almas quebradas poderiam encontrar a cura um no
outro?
Daniel era um homem marcado. Sua ex-esposa o traiu e foi
embora, deixando-o com a pequena Valentina nos braços. Ele deu
tudo de si para cuidar da filha, mas sentia que faltava uma presença
feminina em sua vida. Assim, Daniel não buscava o amor, apenas
uma babá para ajudá-lo a cuidar da criança. Foi quando uma jovem
humilde, precisando de ajuda, surgiu na sua vida.
Ele estava tão sozinho. Seria fácil cair na armadilha do amor...
Porém, Maria Francisca estava grávida, sem-teto, sem um
marido, e sem o desejo de ser novamente uma peça no maldito
mundo dos homens.
Haveria para eles uma segunda chance para o amor?
Capítulo 1
Fran
Eu podia sentir o cheiro do café forte enquanto a chuva batucada
levemente o telhado de barro da casa que eu morava, um ritmo
semelhante a música de Vanderlei Cardoso tocando no velho rádio a
pilha de meu pai.
Era assim... Ban, ban, ban...
Não estava chovendo como choveu na semana passada.
Aquela chuva destruiu o telhado, levou para longe as telhas, molhou
toda a pequena casa que eu morava com meu pai, fez com que eu
perdesse a noite de sono limpando tudo, porque tudo parecia sujo
apesar da chuva ser água límpida que cai do céu. A chuva de agora
era calma, quase uma canção fúnebre ao momento que se seguia.
— É como eu te disse — ouvi meu pai, sua voz parecia longe
mesmo ele estando ao meu lado. Talvez fosse porque o barulho da
chuva parecia mais agradável de escutar que a voz dele. — É uma
moça bonita, é pura, nunca teve sequer um namorado. Trabalhadora,
faz tudo dentro de casa.
— Estou vendo — a voz pastosa do outro lado da sala me fez
erguer os olhos para Bernardo Andrade.
Ele tinha trinta anos. Aparentava a idade que tinha, até mais.
Era filho dos donos das terras onde morávamos. Diziam que bebia
demais, que era violento demais, que era arruaceiro demais, e por
isso nenhuma mulher o quis.
Das mulheres que tinham escolha, é claro...
Isso, sem falar o fato de que era feio. Feio de doer os olhos.
Não que eu fosse uma beldade, mas Bernardo deixava sempre uma
porção de baba no canto da boca toda vez que falava. Ele também
tinha olhos geniosos que davam arrepios. Seus cabelos eram
estranhamente desarrumados, em ondas mal cortadas, e sua pele
era carregada de espinhas sangrentas e com manchas vermelhas.
— Então, o que você acha? — meu pai insistiu.
— Eu quero sim.
Meu coração ardeu em blocos de carne queimada. Era uma dor
descomunal que eu mal acreditava estar sentindo.
Eu tinha quinze anos, era órfã de mãe – ela morreu no parto –
não tinha ninguém por mim, não tinha muito estudo – fiz apenas
poucos anos do primeiro grau – nunca tive um amor, nunca me
apaixonei, e agora era dada em casamento para Bernardo Andrade,
um monstro horrível que muitas amigas minhas acusavam de tentar
submetê-las nas festas dos domingos à tarde da igreja.
— Que maravilha — meu pai volveu para mim. — Francisca,
você conseguiu um marido! Achei que com essa cara horrível nunca
fosse conseguir um macho! Ainda bem que o Sr. Bernardo tem boas
intenções.
Olhei para meu agora noivo. Seus olhos refletiam tudo, menos
boas intenções.

∞∞∞
Eu sabia que meu casamento seria marcado pela violência. Eu
conhecia a fama de Bernardo, mas foi mais que isso que me fez
entender que estava indo direto para um mundo de abuso e
maldade.
Veja bem: eu cresci numa pequena vila de uma pequena
cidade do interior de um estado pobre. Meu pai era viúvo e, um mês
após a morte da minha mãe, arrumou outra mulher para colocar em
casa. Tenho certeza de que essa mulher só ficou após o primeiro
tapa porque não tinha coragem de me deixar sozinha, bebê, com um
homem tão terrível.
Eu cresci vendo minha madrasta apanhar como um animal.
Pior até que um animal. Havia noites que meu pai a curvava sobre a
mesa da cozinha e lhe desferia socos tão fortes que o som era
audível mesmo diante dos meus gritos chocados.
Quando eu tinha dez anos, ela me disse que iria fugir. Eu
queria implorar que não me deixasse sozinha, mas, ao mesmo
tempo, eu sabia que ela iria morrer se não fosse embora.
Desde então, a raiva de meu pai se destinou a mim. Ele me
tirou do colégio, passou a me cobrar que limpasse a casa,
trabalhasse na horta, que “pagasse pela comida que eu comia”, e
quando eu menstruei pela primeira vez, passou a me procurar por
um marido.
Eu esperava que fosse um qualquer da cidade, mas o destino
quis que Bernardo Andrade me visse numa das quermesses e
resolvesse que me desejava.
Eu me casei com ele às vésperas de completar dezesseis
anos. Lembro-me de o dia estar muito quente e do suor escorrer
embaixo do meu vestido. Lembro do padre dizendo que devíamos
amar um ao outro não importava o que acontecesse, e lembro-me de
pedir a Deus para lançar um raio do céu e me matar naquele
instante, me poupar de uma vida horrível.
Nossa noite de núpcias não foi tão horrível quanto eu imaginei
que seria. Ele me deitou na cama, pulou por cima, se enfiou
rapidamente, suspirou forte e depois caiu ao meu lado, dormindo
quase imediatamente.
A dor no meio das minhas pernas era real, mas não se
comparava a dor das surras de meu pai. Eu pensei que o casamento
talvez não fosse de todo mal, ah quão tola eu fui...
Na primeira semana, levei meu primeiro tapa. Alguma coisa
sobre perguntar aonde ele iria. Descobri que Bernardo não achava
que homem devia satisfação para mulher, apesar de as mulheres
deverem satisfação ao homens.
Aos dezessete, engravidei pela primeira vez. Perdi o bebê com
cinco meses, após uma surra de Bernardo. Quando ele soube que
tive um aborto porque me chutou na barriga, chorou muito, não pelo
seu ato, mas porque eu era uma mulher fraca que não aguentava
sequer um leve chute.
No ano seguinte, engravidei duas vezes, e nas duas perdi o
bebê, não pelas agressões, mas porque meu corpo estava fraco
devido à má alimentação. Não sei dizer como, mas eu estava
afundada num estado deprimente, onde a dor parecia dominar tudo.
Não conseguia comer, nem sorrir, nem existir.
Eu só queria ficar num quarto escuro, esperando pela morte.
Bernardo chamou o médico e ele me deu vitaminas. Ele exigiu
que eu tomasse sol. Ele me forçou a voltar a viver.
Aos dezenove, engravidei pela quarta vez. Bernardo ainda não
sabia, mas eu tinha certeza. Eu sentia. E fiquei naquele estado dubio
se desejava que essa criança viesse ao mundo, entendendo que, se
fosse um menino, seria mais um homem cruel a machucar, e se
fosse menina, só viria para apanhar e dar prazer aos homens.
— Você está gorda — Bernardo disse, numa noite, após eu
servir o jantar. — Está uma leitoa — ele riu, desgostoso. — Meus
amigos estão tirando sarro de mim por ter me casado com uma
feiosa...
Basicamente, não me importava.
— Entende, Maria Francisca? Você me faz parecer um idiota
por ter me casado com esse monte de banha! Você tinha um corpo
tão bonito aos quinze anos, mas está cada vez pior. Você é imunda e
fede.
Fiquei em silêncio. Eu não iria discutir porque não o queria
irritado. Eu sabia o que acontecia quando o irritava.
— E pensar que eu dei terras ao seu pai para me casar com
você! Você não vale sequer um hectare! Porca, gorda... Esse vestido
mal cabe em você.
Pousei a mão brevemente na curva arredondada da minha
barriga. Estava saliente, mas Bernardo achava que era por causa da
comida.
— A partir de amanhã você vai comer só no almoço. Não quero
que jante, entendeu?
Enquanto Bernardo prosseguia, impaciente, suas ordens a fim
de que eu voltasse a ter meu corpo de quinze anos, eu lembrei-me
de minha madrasta. Ela teve uma coragem tremenda, a coragem de
ser livre.
Eu podia fazer a mesma coisa? Arrumar minhas malas e ir
embora? Escapar numa das saídas de Bernardo? Ele sempre
passava os finais de semana na cidade, e eu tinha tempo de ir até a
estrada e pegar um ônibus sem destino certo.
Todavia...
Eu não tinha amigos. Meu pai jamais me apoiaria. Eu não tinha
para onde ir. Eu não tinha dinheiro. E eu tinha um bebê na barriga.
Um bebê que estava crescendo e que eu não queria que tivesse o
mesmo destino dos outros. A minha decisão foi se apagando
lentamente enquanto eu buscava soluções para minha fuga e não as
encontrava.

∞∞∞
Eu soube que Bernardo forçou uma menina de quinze anos
numa das manhãs de domingo na Igreja. Foi a Sra. Dolores que me
contou. A culpa, é claro, ela salientou, era minha. Homem não
procura mulher na rua quando tem uma em casa.
Lembro-me de naquele domingo passar o dia inteiro sofrendo
pela garota. Que destino cruel, ter perdido sua virgindade nas mãos
de um homem tão horrível quanto Bernardo. Eu sabia, havia
acontecido comigo...
Mas, nada me preparou para a noite que se seguiu. Bernardo
estava comendo frango frito com os dedos lambuzados de azeite e
um sorriso de satisfação na cara, quando a porta abriu, num
estrondo. Um homem grande surgiu com uma arma na mão.
Não deu tempo de reagir. Enquanto eu soltava um grito
assustado, e encarava o Sr. Álvaro, pai da menina abusada, ele
disparava um tiro na cabeça do meu marido, que caia violentamente
para trás.
Então meu olhar volveu para o assassino. Trocamos um olhar
cúmplice, cada qual entendendo o propósito do outro. Depois, ele se
afastou e foi embora.
Eu estava livre.

∞∞∞
— A senhora não viu quem o matou? — o delegado insistiu.
— Não, senhor.
— Mas, a senhora conhece a todos na cidade. Tem certeza de
que não era ninguém da cidade?
O delegado era amigo de Bernardo. E com certeza queria
arrancar de mim o nome de Álvaro.
— Garanto que não era ninguém da cidade. Eu vi o rosto, mas
era de um desconhecido.
O delegado resvalou para trás em sua cadeira. Ele parecia
quase não acreditar que a única testemunha não lhe facilitaria o
trabalho.
— Tudo bem, senhora Maria Francisca — ele disse, me
dispensando. — Meus sentimentos pela sua perda.
As palavras alegraram meu coração. Eu me levantei e me
afastei, deixando a delegacia pequena daquela cidade minúscula.
Enquanto caminhava pela rua, pousei a mão no meu ventre. A
sensação de euforia me tomou. A criança poderia ser feliz. Eu
poderia ser feliz. Eu só precisava ficar fora da vista dos homens –
seres cruéis e desumanos – e cuidar do meu bebê.
Eu seria a dona do meu destino.
Capítulo 2
Fran
A casa não mais me pertencia. Nem as terras. Tudo o qual meu
marido possuía, fruto de presente dos seus pais ricos, agora era de
propriedade do banco.
Foi assim que eu descobri: o ofício me pedindo para deixar a
casa chegou dois meses após o falecimento de Bernardo.
Ah, e foi dois meses tão maravilhosos. Pela primeira vez, tive
apenas minha própria companhia como alento. O silêncio da casa
me permitia pensar, e eu comecei a planejar ter meu filho de forma
independente. Até então eu escondi a gravidez de todos, mas a
barriga estava crescendo e logo todos saberiam.
Com a propriedade, eu podia sustentar a criança. E permitir
uma educação diferente da que tive. Se fosse menina, poderia
estudar, ser livre, poderia escolher seu próprio destino. Se fosse
menino, eu poderia ensinar-lhe a ser um homem digno e honrado.
Tudo que o pai não foi.
Encarei a folha pálida com letras miúdas.
Bernardo pegou milhões do banco. Torrou tudo, pelo que me
disseram, com mulheres e festas na cidade. Ele não pagou o
empréstimo, e as terras ficaram de garantia.
No dia seguinte, procurei o único advogado da cidade para
tentar auxílio.
— Eu sinto muito, senhora Maria Francisca, mas realmente seu
marido perdeu tudo.
Foi meio que um soco no estômago. Eu estava grávida e,
agora, desamparada.
— E não há nada que eu possa fazer?
— Pagar os milhões do empréstimo com juros, seria a única
forma.
Bernardo, espero que esteja ardendo no inferno por isso.

∞∞∞
— Você está grávida?
Encarei minha sogra Thereza, percebendo nela uma emoção
incomum. Ela parecia uma boneca de porcelana, eu sabia que fazia
cirurgias para não ter rugas, e sua pele era bem puxada, esticada até
demais, o que lhe dava um aspecto estranho.
Meus sogros eram as pessoas mais ricas daquela região.
Talvez até do estado. Eles costumavam desfilar na cidade no seu
impecável Opala preto recém-saído da fábrica.
— Sim, senhora.
— Oh, Deus, Jorge... Você ouviu isso?
Meu sogro estava quieto, me encarando como se não
acreditasse em mim.
— Quanto tempo?
— Quatro meses.
— Então você estava com cerca de dois meses, quando
Bernardo faleceu?
— Isso.
— Não temos como ter certeza de que é nosso neto. Talvez
fazendo um exame de sangue. Bernardo tinha O positivo — objetou,
o que me fez arquear as sobrancelhas.
O que eu podia dizer diante disso?
— Bernardo perdeu tudo que o senhor lhe deu, e agora não
tenho para onde ir.
Senhor Jorge coçou a barba, e depois encarou a esposa. Eles
trocaram um olhar estranho, como se conversassem sem palavras.
— Vou querer o exame de sangue — insistiu.
— Sim, senhor — respondi.
Apesar de ser insultante, eu não tinha nada a esconder.
— Vou falar com o banco. Você poderá ficar na casa até o
nascimento do bebê. Depois, você nos entrega a criança.
Ergui minha face sem acreditar no que estavam dizendo. Meu
coração acelerou, meus pensamentos não conseguiam ficar
coordenados. Aquele homem estava me pedindo a única coisa que
eu não podia lhe dar.
— Você não tem uma casa, Maria Francisca. Não tem nada,
não tem estudo, não tem emprego, não tem amigos, seu pai não vai
querer uma filha barriguda em casa. Você é uma ninguém e não
pode dar uma vida ao bebê. Mas, nós somos ricos e poderemos lhe
dar tudo.
Meus olhos encheram-se de lágrimas. Eu realmente não tinha
um plano. Eu tinha dezenove anos, nunca trabalhei, mal estudei, não
sabia fazer nada que não incluísse limpar e lavar. Como eu poderia
cuidar de uma criança, meu Deus?
E como eu poderia entregar meu bebê para Jorge e Thereza?
Eles educaram Bernardo, e mais que ninguém eu sabia o resultado
disso.
— Você pode pensar, Maria Francisca. Até porque, ainda tem
alguns meses até o bebê nascer. Mas, pense bem, pois se insistir em
ficar com a criança, estará sozinha.

∞∞∞
Era isso?
O único neto do único filho...
E eles o queriam. Se não pudessem tê-lo, iriam ignorá-lo,
deixá-los à mercê da miséria e da fome? Por que isso não me
surpreendia? Bernardo era igual aos pais.
Será que havia leis que podiam me ajudar?
Eu havia gastado minhas economias para ver o advogado na
cidade. Eu não tinha condições de procurar outro. Precisava de uma
saída. E precisava logo.
Eu soube que o presidente Figueiredo havia feito algumas leis
para mães pobres e desamparadas, oferecendo alimento e leite...
Mas, mesmo com a ajuda do governo com alimentos, eu não tinha
para onde ir.
Sentei-me no banco que ficava à entrada da porteira dos meus
sogros. Diante dos meus olhos, alguns homens cruzaram, guiando o
gado para o enorme curral. Meus olhos, contudo, não tinham foco e
eu mal conseguia vê-los, perdida em minha dor.
Eu não podia entregar meu bebê. Mas, como eu o sustentaria?
Quem daria um trabalho para uma mulher grávida?
— Moça? — um homem bonito se aproximou de mim. Ele tinha
chapéu de abas largas e um sorriso bonito. — Está bem? — havia
preocupação no seu tom.
Eu não sei qual era meu aspecto. Talvez eu estivesse pálida ou
parecia prestes a desmaiar.
— Com licença? — ele disse, segurando minhas mãos. — Eu
me chamo Vitor, e vou ajudá-la a chegar até a casa, para que tome
uma água, ok?
Ele parecia tão calmo. Eu quase ri.
— Eu estou bem.
Mas, ele não largou minha mão.
— Como se chama?
— Maria Francisca.
— Ok, Maria Francisca... Tente respirar pausadamente.
Eu fiz o que ele disse, mais para acalmá-lo do que para mim
mesma. Estranhamente, adquiri forças. Talvez realmente eu não
estivesse bem.
Contudo, como eu estaria?
Eu estava prestes a dar meu bebê. A única coisa nessa vida
pela qual valia a pena e eu estava pensando em dar-lhe antes
mesmo de lutar.
Engoli nervosamente. A saliva parecia difícil de descer.
— O que está acontecendo?
A voz de trovão de outro homem às costas de Vitor me fez
erguer a face ao desconhecido.
Uma parte de mim o reconheceu de algum lugar, em algum
tempo. Mas, eu não era capaz de lembrar-me. Apenas, ele me
deixou confortável pela simples presença. Talvez porque era
estranhamente protetor. Grande, forte e bonito. Cabelos escuros e
olhos negros.
— A moça parece prestes a desmaiar, Daniel.
Ele aproximou-se mais, tirando o chapéu. Vi um punhado de
suor nos seus cabelos, e o líquido brilhou quando o sol o tocou.
Depois, ele se curvou até mim e ergueu sua mão enorme em minha
direção. Mãos grandes e masculinas me traziam novamente os tapas
de Bernardo e, instintivamente, eu me encolhi. Ele parou a mão no
caminho por alguns segundos, mas depois tocou meu rosto,
estudando minha expressão.
— Está tudo bem, moça. Eu estudei enfermagem por alguns
meses — me contou.
— Ele iria ser enfermeira — Vitor brincou, e eu pensei no que
havia de engraçado em se ter uma profissão digna como essa. Mas,
logo ele esclareceu. — Profissão de mulher.
— Foi por pessoas como você que eu acabei deixando o curso
— ele disse, baixo, e acho que só eu fui capaz de entender. —
Precisa ir para a sombra, moça. E tomar uma água. Está muito
pálida, não parece bem... Deve ser o sol forte.
Eu concordei.
— Eu me chamo Daniel Sartori. Vim entregar gado para o Sr.
Andrade. Me deixe ajudá-la a chegar até aquela árvore — ele
apontou outro banco embaixo de arbustos frutíferos. — Então vou
buscar água para você, ok?

∞∞∞
— Maria Francisca?
— Isso.
— Nome muito grande. Vou chamá-la de Fran — ele sorriu.
A forma como rugas formaram-se no canto dos seus olhos era
simplesmente adorável.
— Fran? Eu gostei — disse.
Tomei mais um gole de água. Havia uma torneira do poço perto
de nós. Daniel havia ido até lá, pegado uma caneca de lata que
mantinha no coldre da sua cintura, e me trazido. A água era tão pura
e cristalina que me acalmou imediatamente.
— Muito obrigada por ter me ajudado, Sr. Daniel. Agradeça ao
senhor Vitor também — disse, já que o outro homem havia ido com o
gado até o curral momentos antes.
— Eu levarei seus agradecimentos a ele — garantiu. — Mas, o
que houve para que estivesse tão nervosa assim? Foi somente o
sol?
Hesitei alguns segundos. Esse homem era um completo
desconhecido. Ele sequer era da nossa cidade. Eu poderia me abrir
com ele?
— Estou passando por alguns problemas...
— Problemas? — ele repetiu. — E posso ajudá-la de alguma
forma?
— Não sei — eu ri. — Talvez se tivesse um emprego para mim.
Ele oscilou diante de mim. Meu coração disparou.
— Bom... Na verdade eu tenho um emprego.
Minha boca abriu num O.
— Como?
— Oh, é que... Bom... Eu tenho uma vaga de emprego. É algo
meio recente, mas... Minha filha precisa de uma babá.
— Está falando sério?
Ele confirmou.
— Aconteceram algumas coisas na minha vida, recentemente.
Então eu fiquei sem uma pessoa para cuidar de Valentina. Ela é uma
boa criança, mas tem muita energia. Marta, minha empregada, já é
uma senhora de sessenta anos e não tem disposição para ficar
correndo atrás dela — ele riu.
O silêncio reinou entre nós por alguns segundos.
— Seguinte, vou te passar meu endereço. Se você decidir que
pode ir... Enfim, você pode pegar o ônibus na rodoviária e pedir ao
motorista que lhe deixe na estrada que leva para minha fazenda. Ele
me conhece.
Eu mal acreditei quando ele pegou uma pequena caderneta e
uma caneta na cintura. Observei que havia várias contas feitas no
papel, números de lucros referente ao gado. Parecia que Daniel era
bem esperto e cuidava de tudo, incluindo os valores do gado.
Eu peguei o papel. O estudei por alguns segundos, um medo
descomunal me tomando. Era a resposta as minhas preces, não
era? Eu queria ir embora, queria trabalhar, queria manter meu bebê.
Mas, na mesma medida, eu tinha muito medo de sair da minha
cidade, nunca coloquei os pés fora da divisa dos municípios.
— Ela tem cinco anos — ele disse. — Minha Valentina — havia
um orgulho em sua voz que me fez sorrir.
Era minha chance. Talvez a única que eu teria.
— Vou arrumar minha mala e estarei lá amanhã, Sr. Daniel.
Ele estendeu a mão e apertou a minha, com firmeza.
— Será muito bem-vinda.
Capítulo 3
Daniel
Valentina me encarou, na sua face despontava um sorriso
desdentado, o dentinho de leite da frente havia caído havia dois dias.
— Papai, brinca comigo?
Eu assenti, enquanto pegava uma xícara minúscula de
brinquedo, e fingi beber chá.
Atrás de mim, podia ouvir os passos rápidos de Marta, minha
empregada, que fazia pão. O dia estava ameno. Desde que voltei da
minha última entrega de gado no município vizinho, nada de
importante havia acontecido.
Ou nada se destacava desde que vi Maria Francisca...
— Coma, papai — Valentina me entregou um pratinho com
grama, e eu fingi engolir.
Maria Francisca...
Incrível como ela parecia uma estrela cadente, despontando
em um céu noturno e vazio...
Afastei os pensamentos, porque não eram certos. Não quando
ofereci um trabalho àquela jovem que parecia desesperada embaixo
do sol quente do meio-dia. Seus olhos eram profundos e traziam
tanta dor.
De dor eu entendia...
Observei Valentina. Ela tinha cachos dourados como a mãe.
Joice também tinha dificuldade de domar a juba adorável, tão
cacheada que parecia uma cascata em dia de temporal.
— Então — a voz de Marta surgiu. — Como a moça é?
— Bem jovem. E parecia realmente precisar de um trabalho.
— Isso é bom. Juventude será bom porque Valentina anda
numa idade que não para.
Assenti. Minha filha de cinco anos precisava de companhia
feminina. Marta não tinha paciência e eu precisava trabalhar. Pensei
em Joice e no quão complicado as coisas se tornaram desde que
minha ex-mulher foi embora.
Suspirei profundamente.
Eu me casei jovem. Tinha vinte e quatro e Joice tinha vinte e
dois. Parecíamos perfeitos um para o outro, e eu realmente era
apaixonado por ela. Quando ela me disse que estava grávida, eu não
hesitei em lhe dar uma aliança. Contudo, logo no início do
casamento, percebi que a vida do campo não era o ideal para uma
mulher que amava a cidade.
O primeiro boato de traição aconteceu um ano e meio depois
do casamento. Eu não acreditei nele, porque dei um voto de
confiança para Joice. Minha atitude tornou-me uma piada na cidade.
As pessoas riam às minhas costas, e quando eu inquiria Joice sobre
a história que se espalhava, ela negava e me iludia com juras de
amor.
Apesar disso, quando ela arrumou as malas para ir morar com
outro homem na cidade vizinha, eu não fiquei surpreso. Uma parte
de mim sempre soube que ela mentia sobre fidelidade. Porém,
quando ela me disse que na sua nova vida não havia espaço para
nossa filha de dois anos, eu fiquei pasmo.
Que mãe deixaria um bebê?
Eu criei Valentina. Com muita dificuldade e muito erro. Com a
marca de ser traído nas minhas costas. Nenhuma mulher da cidade
me dava crédito ou pensava em sair comigo porque eu era o “corno”
e, aparentemente, o traído sempre tem culpa.
Eu queria uma mãe para Valentina, mas desisti disso conforme
ela foi crescendo e eu fui percebendo que era capaz de cuidar dela
sem uma mulher.
Mesmo assim, era difícil. Alguns meses antes, uma criança
disse a Valentina que a mãe dela foi embora porque a odiava, e eu
levei horas para tentar explicar para minha filha porque a mãe dela
não morava conosco e porque não a visitava.
Eu não queria que Valentina se tornasse mais uma vítima de
Joice, então a levei a um psicólogo. As pessoas ficaram assustadas
com o que fiz, muitos achavam que terapia era apenas para doentes
mentais, mas eu tinha alguma educação, até estudei saúde, e não
era levado por esses preconceitos.
E o tratamento parecia estar surdindo algum efeito, já que
Valentina não indagou mais nada. Conformou-se ou entendeu a
situação, eu não era capaz de saber. Ainda assim, em algumas
noites, ela tinha pesadelos com a mãe. Era a saudade que gritava
em seu peito.

∞∞∞
Eu a vi vindo da estrada de chão batido carregando uma mala
grande. Meu coração disparou, e quase corri em sua direção, mas vi
Vitor surgindo de algum canto e indo auxiliá-la.
Era linda, Maria Francisca. Quase uma boneca de olhos
amendoados e pele clara. Ela me percebeu ao longe, e a vi
respirando fundo, ajeitando o casaco.
Sai da janela e fui até a porta, aguardando-a. Logo ela estava
na minha frente. Vitor deixou sua mala aos meus pés e depois foi-se.
Não trocamos nenhuma palavra, ele parecia ler o momento, apesar
das linhas estarem indecifráveis para mim.
— Você veio mesmo — eu disse, e ela sorriu.
— Eu vim — ela confirmou, um traço orgulhoso em seu tom.
Senti um movimento nas minhas pernas, e logo as mãos
pequenas de minha filha agarraram minha calça, seus olhos
arregalados para Fran.
— Olá — ela disse, agachando-se até Valentina. — Como você
se chama?
Valentina escondeu o rosto entre minhas pernas e não
respondeu. Maria Francisca corou ao se levantar.
— Ela não é acostumada a pessoas estranhas na casa —
expliquei.
Nunca nenhuma mulher vinha até nós. Eu tive algumas babás,
mas eram garotas de doze anos que moravam nas casas
arrendatárias das minhas terras, e ficavam apenas algumas horas
em troca de algumas notas para comprarem algum vestido bonito.
— Por favor, entre — convidei.
A casa estava limpa. Incrivelmente limpa. Marta era muito
competente. O chão brilhava, a madeira do assoalho quase um
espelho. Fran olhou para o local, e depois tirou o calçado, ficando
apenas de meias. Eu pensei em lhe oferecer um chinelo, mas não
tinha nenhum que coubesse nela.
Valentina correu num dos cantos, onde tinha lápis de cor e
cadernos para pintar. Ela se entretinha horas pintando, e eu não
tentei impedi-la, apesar de querer apresentá-la devidamente para
Fran. De qualquer maneira, elas teriam tempo para se conhecerem.
— Bom, essa é a casa — eu abri os braços.
— É grande — ela destacou e eu concordei.
Era a maior casa da região. Meus avôs tiveram muitos filhos,
por isso eu vivia num verdadeiro palacete. Mas, meus tios foram para
outros estados, e apenas meu pai permaneceu nas terras para
cuidá-las, ofício que passou para mim. Com o tempo, passei a ser o
único herdeiro, comprei a parte dos meus tios, e comecei a criar
gado, ovelhas e qualquer animal que desse lucro.
— Quero que se sinta em casa — eu disse. — A casa é
grande, mas é aconchegante. E, apesar de velha, não tem
fantasmas.
Ela sorriu novamente. Deus, ela tinha um sorriso lindo. Não
parecia mostrá-lo muito, mas eu considerei uma honra recebê-lo de
lábios tão delicados.
— Como foi a viagem?
— A estrada estava vazia, e não demorou muito — Fran
contou.
Apontei o sofá, e ela sentou-se.
— Então... Não vou negar que, de certa forma, é uma surpresa
que tenha vindo. Sua família não ficou preocupada de você se
mudar?
— Sou viúva — disse, e isso parecia explicar tudo.
— E morava nas terras dos Andrade?
— Sr. Jorge era meu sogro.
O sogro dela era um dos homens mais ricos da região?
— Certo. E você já trabalhou com crianças?
Ela pareceu estudar a resposta alguns segundos, como se
temesse dá-la. Por fim, negou.
— Eu nunca convivi com crianças.
Eu gostei da honestidade.
— Mas, ainda assim, eu preciso trabalhar. Preciso de um
emprego e posso aprender... Acho que nós, mulheres, já temos um
certo instinto materno, não? — ela disse, e eu achei adorável a
maneira como tentou me convencer que era a pessoa ideal. — Sei
que eu e...
— Valentina — completei, quando ela ficou em silêncio.
— Então... Valentina e eu podemos nos dar muito bem.
Eu também acreditava nisso.
— Eu viajo bastante. Eu investi em gado nos últimos anos e
agora estou entregando os animais em fazendas do estado. Isso
significa que você terá que dormir no emprego e cuidar dela em
horários diversos.
— Não é um problema.
— Eu tenho uma empregada, que é tipo uma governanta. Marta
já trabalhava para meu pai, então, ela meio que é a dona da casa.
Ela controla os afazeres domésticos, tem empregadas para a faxina,
essas coisas, mas gostaria que cuidasse das coisas de Valentina.
— Certo.
— E esse é o salário — rabisquei num papel o valor, e depois
entreguei a ela.
Ela piscou um pouco.
— Tudo isso?
Quase ri.
— É um valor justo, você será responsável pela coisa mais
preciosa da minha vida.
— Mas, terá descontos, não é? Da moradia e da comida...
— Não. Sei que parece muito, mas não é. Valentina tem... seus
problemas — murmurei. — Às vezes terá que ter paciência com ela.
Ela acenou com a cabeça.
— Não se preocupe. Eu entendo bem de problemas.
Havia um mistério em suas palavras. Uma parte de mim ficou
curiosa, mas outra lembrou-me de que a vida íntima de Maria
Francisca não era problema meu.
Eu já tinha minhas próprias atribulações.
Então me curvei para frente e cochichei para ela:
— A mãe dela foi embora e nunca mais a procurou. Mora na
cidade vizinha e... bom, sequer manda um telegrama para a filha,
mesmo no aniversário.
Maria Francisca olhou para Valentina como se não conseguisse
acreditar.
— Isso é... tão triste.
— Uma criança falou sobre isso para Valentina e, desde então,
ela é uma criança... uma criança um pouco...
Eu não encontrava as palavras para explicar que minha filha
passou a ter crises histéricas de choro, de medo, passou a fazer xixi
na cama algumas noites, enquanto chamava pela mãe.
— Eu entendo — Fran destacou. — Eu entendo muito isso.
Ela me deu um sorriso triste. Aparentemente tinha as mesmas
dores, talvez de forma diferente, mas ela sabia o que era o abandono
e a indiferença.
— Você quer tentar? — indiquei, tentando ver como seria a
reação de minha filha diante da nova babá.
Fran assentiu, e então foi em direção à Valentina. Ela sentou-se
ao seu lado, sorrindo.
— Oi, Valentina. Eu me chamo Fran, muito prazer.
Valentina não costumava ser fácil com estranhos, mas Maria
Francisca tinha um sorriso tão doce que era impossível ficar
indiferente.
— Você quer colorir? — minha filha questionou, dando um giz
de cera para Fran, que o pegou rapidamente.
Eu queria observar a interação delas, e fiquei espantado como
foi automático, elas ficaram amigas em segundos, o que era quase
inacreditável.
— Tem certeza de que nunca cuidou de crianças?

∞∞∞
O emprego era dela, é claro. Ela tinha o dom, parecia a pessoa
mais preparada do mundo para lidar com minha filha. No final
daquela manhã, antes de convidá-la para almoçar conosco, eu já
indicava o quarto onde ela devia guardar sua mala.
— Antes, preciso alertá-lo de algo.
Fiquei curioso.
— Me alertar?
— Talvez não queira me dar o emprego depois de saber —
destacou.
Fiquei curioso. O que podia ser?
— Estou grávida.
Minha boca abriu. Só então notei o ventre levemente
avantajado. Oh, Deus... Sim, ela estava grávida. Esse foi o motivo de
estar passando mal no sol, aquele dia?
— Sei que ninguém quer empregar uma grávida, mas eu juro,
Senhor Sartori, eu juro que serei a melhor babá se me der uma
chance. Sei que não tenho experiência, e estou grávida, mas eu
preciso muito desse trabalho.
Precisava?
— Mas, você é a viúva do filho de Jorge Andrade!
— Meus sogros não irão me ajudar.
— Você espera o neto deles, não? Quero dizer, presumo que
seja o neto deles...
— Sim, senhor. É o neto deles — ela pareceu brevemente
ofendida, mas logo seu rosto voltou a ficar ameno. — Meu marido
não me deixou recursos, ele colocou todo o dinheiro fora em jogos,
bebidas e mulheres. Meu sogro não quer me ajudar financeiramente,
e não tenho sequer onde morar.
Eu estava chocado. Sabia dos rumores de o filho de Jorge ser
um fanfarrão, mas não tive o desprazer de conhecê-lo.
— Você parece tão jovem. Com quantos anos se casou?
— Quinze. Foi um casamento arranjado.
Sabia que essas coisas ainda aconteciam em cidades como de
nossa região.
— Você sabe que o bebê terá direitos, não sabe?
— Eu não quero nada dos Andrade — ela destacou. — Eu só
quero recomeçar. Quero uma nova vida, para mim e para meu filho.
Trabalhar, ter meu próprio dinheiro. Juro que não vai se arrepender,
não vou sumir e deixar o senhor sem uma babá. Eu sou jovem, com
muita disposição e, acredite em mim, eu sou capaz de trabalhar,
mesmo com dor.
Havia lágrimas nos seus olhos. Eu não sabia direito o que
responder, ela foi sincera comigo, me falando sobre a gravidez, mas
sua súplica estava me colocando contra a parede. Eu não queria
deixar uma mulher grávida desamparada, e também precisava de
uma babá para Valentina, mas não sabia se Maria Francisca seria
capaz dessa tarefa em alguns meses.
— Se eu disser não, para onde você vai?
Ela arregalou os olhos.
— Não sei...
Senti uma pequena mão tocando a minha. Volvi meu olhar para
baixo e vi Valentina, com seus lindos olhos brilhantes a me encarar.
O vento minuano soprou ao longe, e eu pensei que talvez fosse
chover. Nunca se sabe como será o tempo nessa região. Eu teria
que mandar recolher as ovelhas mais cedo, não podia arriscar que
molhassem a lã.
— Certo. Pode guardar as suas coisas no quarto ao lado do de
Valentina. E pode começar imediatamente.
Ela se arqueou brevemente, e pegou minha outra mão,
segurando-a firmemente. Certa faísca cruzou por nós.
— Muito obrigada, Senhor Sartori.
— Só Daniel, por favor.
— Certo. De coração, obrigada.
É... eu era o cara que jamais conseguiria deixar uma mulher
grávida desamparada. Antiquado me descreveria bem.
Capítulo 4
Fran
A cama tinha lençóis de estampa florais. Eu sorri diante dela, mal
acreditando no quanto parecia convidativa e aconchegante. O quarto
onde Daniel me pôs era espaçoso, bem ventilado e adorável.
— Você gostou?
Girei meu corpo e observei meu patrão. Seus ombros largos
pareciam um tanto encolhidos, como se estivesse nervoso.
— Se não gostou, podemos preparar outro quarto. Temos
muitos, apesar de não usarmos.
— Eu adorei o quarto. Sua casa é imensa.
— Meu avô construiu. Ele teve muitos filhos.
Pus a mala em cima da cama. Depois, fiquei em dúvida se
devia abri-la ou não. Havia roupas íntimas demais ali para os olhos
masculinos.
Uma figura pequena surgiu ao meu lado.
— Oi Valentina. Quer me ajudar a arrumar as roupas?
Valentina acenou com a cabeça. Eu reparei que ela não falava
muito, era acanhada com visitas ou era naturalmente triste. Não tinha
como saber.
Mas, de certa forma, eu sabia.
Também cresci sem mãe. A vida não é fácil para as mulheres.
Para as meninas sem mãe é pior.
— Tem um banheiro no final do corredor. Eu tenho um banheiro
no meu quarto, então, o banheiro do corredor você só vai dividir com
Valentina.
Daniel estava parado na porta do meu quarto.
Respeitosamente, ele não entrou. Eu gostei dessa atitude.
— O quarto ao lado é o de Valentina — ele apontou para a
direita. Esse da frente é um quarto que uso como guarda-livros e
coisas relacionadas a venda do gado. Mas, vou montar um escritório
no andar térreo — então murmurou: — digo isso há pelo menos três
anos.
Não pude deixar de sorrir.
— Meu quarto é o primeiro no corredor.
Ele não disse isso com nenhuma intenção. Era apenas uma
explicação do local. Assenti.
— Sobre o seu quarto, se precisar de alguma coisa... uma
penteadeira, um armário... é só me falar.
— É perfeito — eu disse.
O olhar de Daniel brilhou, algo pareceu ficar realmente feliz por
eu ter gostado do local.
— Quero que saiba que, apesar de morar aqui, não terá que
trabalhar vinte e quatro horas por dia. Eu costumo cuidar dela
sempre que estou em casa. E quando isso acontecer, você poderá
sair, ou vir para o quarto ler, não sei... qualquer coisa que goste. Ah,
e eu posso colocar um televisor aqui. Está passando uma novela...
Coração Alado...ou algo assim. Não sei, não assisto novelas. Mas
Marta diz que é boa.
Eu não recusei, apesar de não saber como dizer que adoraria
assistir televisão. Bernardo achava que televisão deixava as
mulheres masculinizadas, e por isso não tínhamos em casa.
— Nós jantamos às 8. Sou meio chato com horários... Se puder
estar na sala de jantar às 8...
— Estarei lá.
— Certo. Valentina? Vamos deixar sua babá se ajeitar. — A
menina foi até o pai e lhe deu a mão. — Por favor, repito, se precisar
de alguma coisa...
— Eu o chamo...
Ele balançou a cabeça novamente. Depois disso, saiu.
Só então eu soube que estava respirando com dificuldade. Só
quando a figura grande saiu, fechando a porta atrás dele, foi que
minha respiração pareceu normalizar, meu exalar, pesado.
Um sorriso surgiu em minha boca. Eu mal podia acreditar em
tanta sorte. Eu arrumei um trabalho, eu teria um teto, e meu patrão
parecia ser um homem bom. Se Deus me ajudasse, talvez eu
pudesse criar meu bebê junto com Valentina. Pus a mão no ventre.
Eu não seria forçada a entregar meu bebê aos meus sogros. Eu não
poderia estar mais feliz.
Capítulo 5
Fran
Observei como Daniel cortava o frango no prato de Valentina. Era
uma atitude tão gentil e acolhedora que me surpreendeu. Meu pai ou
meu marido jamais fariam isso a uma menina. Filhas, eles sempre
deixavam claro, eram um estorvo. Mas, Daniel parecia encantado por
sua garotinha, e não parecia se importar em lhe ajudar a comer.
Eu fiquei naquela posição dúbia, sem saber se devia comer, ou
se devia tomar a dianteira e fazer o que ele estava fazendo. Não
devia ser eu a ajudar Valentina a se alimentar?
Volvi meu olhar para meu prato. A carne parecia saborosa e eu
salivei. Contudo, ao mesmo tempo, a água era salgada e eu precisei
desviar o olhar para não ter ânsia de vômito.
Olhei para a janela, então. Lá fora a escuridão reinava. Os
grilos chiavam. Uma coruja piou ao longe.
— Não gostou do frango assado? — Daniel cortou meu
pensamento.
O encarei. Ele tinha as sobrancelhas arqueadas, curiosas em
minha direção.
— Está maravilhoso. Marta cozinha muito bem. Apenas...
Quando se está grávida, às vezes comer é desconfortável.
Daniel assentiu.
— Oh sim, faz um bom tempo que passei por isso, mas ainda
lembro como Joice odiava o cheiro de queijo quente. Sabe, eu adoro
sanduíches de queijo, prensados. Mas, precisei parar de comer
quando ela estava grávida..., mas, sabe o que ela adorava comer?
Sardinha com pão, bebendo cerveja preta — ele parecia perdido em
seus pensamentos. — Bons tempos...
Havia saudade em sua voz?
Ele me comentou que a esposa foi embora. O deixou, junto
com Valentina. Eu não conhecia Joice, e não sabia como havia sido
a vida dos dois intimamente, mas imaginei que Bernardo jamais
falaria meu nome com tanto saudosismo. Talvez Daniel ainda
amasse a esposa.
Amor...
Homens eram capazes de amar?
Quando eu ouvia as novelas no rádio, eu sonhava com o amor
daqueles romances. Mas, com Bernardo, eu passei a duvidar que
fossem reais. Agora, ouvindo o tom de Daniel... era quase como se
eu pudesse estender minha mão e tocar no sentimento.
— Marta vai diminuir a vinda dela aqui em casa, ela está
ficando velha e quer descansar — me contou. — Mas, vou
entrevistar umas duas meninas novas para o trabalho. Para a
limpeza e para cozinhar. Não precisa se preocupar.
— Eu posso cozinhar — objetei. — Eu cozinhei a vida toda.
— Não é seu trabalho.
— Eu não me importo. Ao menos o jantar, me deixe fazer.
Sempre gostei de cozinhar.
A única vez que Bernardo me elogiou na vida foi quando eu lhe
servi um prato de lasanha.
— Você pode ensinar Valentina? — ele parecia envergonhado
pelo pedido. — É que... minha filha... Eu não sei cozinhar, e eu
queria que ela fosse uma moça prendada... Não que eu queira que
ela trabalhe numa cozinha, eu quero que ela seja doutora — me
contou, parecendo sonhador.
— Doutora?
— É... Advogada... ou juíza...
— Mas, e a fazenda? Quem iria cuidar?
— Eu pretendo me casar, e ter mais filhos.
Eu não sei porque fiquei surpresa. Claro que ele pretendia se
casar. Era um homem muito jovem, e tinha o direito de ter uma nova
família. Apenas... Será que já havia uma futura esposa à espreita? E
quando essa mulher chegasse, eu perderia meu emprego?
Não sei porque fui burra o suficiente para pensar que esse
serviço podia ser vitalício. Ser babá nunca é.
Capítulo 6
Daniel
O silêncio da noite foi quebrado pelo grito desesperado de minha
filha. As crises de terror noturno eram frequentes, mas sempre me
deixavam em estado de alerta, como se o mal espreitasse nas
sombras da casa.
Corri até o quarto de Valentina. Ela estava sentada na cama,
lágrimas rolavam pelo seu lindo rosto juvenil. Eu me aproximei dela,
sentei-me na cama e a puxei para meus braços. Era uma situação
corriqueira e não pensei muito no que fazia até ver a nova babá
parada na porta, os olhos arregalados em minha direção.
Uma parte de mim dizia que ela estava assustada pelo grito
pavoroso que Valentina emitiu. Outra, me lembrava que eu estava
apenas usando uma velha calça de pijama, meu peito desnudo não
era adequado a uma jovem mulher viúva.
— Foi um pesadelo — disse para Fran.
— Oh, Deus... que susto.
— Ela sempre o tem — adverti, porque não queria que ela
pensasse que era um fato isolado.
Valentina queria a mãe. Sentia falta da mãe. Seus pesadelos
sempre mostravam isso porque era possível ouvir, entre o grito
agoniado, o chamar baixinho.
Mamãe...
Joice, como você foi capaz disso?
— Pode ir descansar, Fran. Eu fico com ela.
Maria Francisca parecia em dúvida sobre o que fazer. Cumprir
o que eu lhe disse, ou permanecer no quarto. Por fim, ela assentiu e
voltou ao dormitório. Era um bom ato, pois fui incapaz de desviar os
olhos das curvas suaves de seu corpo embaixo da camisola de linho.

∞∞∞
Eu não criava apenas gado, também investia nas ovelhas. A
tosa da lã seria feita dentro de poucas horas e eu passaria o dia fora,
no campo, organizando a tosa e auxiliando os peões no
carregamento para distribuição.
Então, coloquei minha caderneta, minha caneta, minha faca e
mais alguns mantimentos com água dentro de uma sacola grande.
Minha ação foi feita devagar e sem muita confiança.
Era a primeira vez que eu deixaria Valentina sozinha com Maria
Francisca. Desde que ela chegou em minha casa há três dias, ela se
mostrou uma excelente moça, cuidava de Valentina com paciência,
fazia lanches para minha filha, e as duas costumavam assistir novela
sentadas no sofá sem nenhum problema.
Mas, eu estava sempre ali, alerta para ver se ela cuidaria bem.
Agora, estava deixando Valentina sozinha com essa mulher.
Uma parte de mim pensava que era um certo trauma. Certa vez
cheguei em casa e flagrei Joice batendo na minha filha. A mãe não
tinha paciência para o mimo. E Valentina sabia ser mimada quando
queria. Mesmo assim, eu era contra ensinar com agressão. Talvez
porque meu pai nunca me bateu e eu me considerava um bom
homem.
— Marta mora há dois hectares daqui, só pegar aquela
estrada... — mostrei. — Na casa dela tem um telefone público, se
precisar, para alguma emergência.
— Nós ficaremos bem. Não se preocupe.
— E eu tenho a caminhoneta... Você sabe dirigir?
Ela negou. Anotei mentalmente que devia ensiná-la.
— Rubens, o rapaz que cuida das galinhas, sabe... Se precisar
de alguma coisa, ele pode dirigir pra vocês, não precisa se acanhar
em pedir, ele está aqui pra isso mesmo. Marta sempre pede para ele
levá-la a cidade.
Maria Francisca acenou novamente, em concordância.
— O senhor não precisa se preocupar com nada. Eu vou cuidar
bem da sua filha.
— Não precisa me chamar de senhor. Por favor, só Daniel.
Valentina surgiu na cozinha. Trazia nas mãos sua mais velha
boneca de pano. Eu me ajoelhei diante dela, para me despedir. Beije
sua têmpora, acariciando seus cabelos loiros.
Depois, volvi novamente para Fran:
— Às vezes a tosa atrasa, nós somos vagarosos para não
deixarmos as ovelhas nervosas. Não gosto de maltratar os bichos
que pagam minhas contas — brinquei. Ela entendeu porque também
sorriu. — Então, temos que acampar...
— Não se preocupe. Se isso acontecer, eu ficarei atenta aos
pesadelos.
Ela realmente conseguia entender cada nuance das minhas
dúvidas e anseios. Subitamente, ela pareceu perfeita demais... para
mim.

∞∞∞
Descemos as escadas, lá embaixo alguns dos homens
esperavam por nós. Vitor estava colocando a sela no meu cavalo,
quando percebeu Valentina e largou o trabalho.
— Ei, Valentina, você está quase uma adulta. Olhe só seu
tamanho! Logo arrumará namorados para deixar seu pai de cabelo
em pé.
Eu lhe fuzilei com o olhar, enquanto as palavras iam se
acomodando em minha consciência. Meu Deus, logo ela seria uma
moça e eu teria que encarar possíveis namoradinhos. Não estava
preparado para isso.
— Ela tem cinco anos! — a voz de Maria Francisca soou as
minhas costas e eu fiquei surpreso.
Era uma defesa?
— Mais dez, e Daniel estará planejando a festa de debutante —
Vitor apontou, o pensamento caindo como uma bomba sobre mim.
Olhei para aquela miniatura de gente que eu amei desde o
segundo que soube da existência.
— Ainda tem muito tempo. Muita coisa pode acontecer em dez
anos — Fran insistiu.
Encarei Maria Francisca com olhar de gratidão. Depois, sorri
para Vitor.
Então nos preparamos para ir. Enquanto eu subia no cavalo,
meus olhos cravaram na minha pequena dama aproximando-se de
Maria Francisca, que lhe deu a mão. O vento cruzou por elas, e o
vestido de Fran contrastou sua barriga.
Ela era adorável.
Uma figura majestosa diante de minha casa.
O som de um dos homens para o cavalo me desviou
novamente a atenção. Volvi para a estrada, meu cavalo trotando
vagarosamente.
— Vão com Deus. E voltem com Ele — ouvi o som alto de Fran
e pus a mão na aba do chapéu, em cumprimento.
— Daniel? — a voz de Vitor me fez encará-lo.
— Sim?
— A dona Francisca... Está grávida?
— Sim — concordei —, ela precisava muito trabalhar. O marido
morreu.
— Bah — ele murmurou. — E quando o bebê nascer, vai viver
na sua casa?
Eu não tinha pensado nisso.
— Pode ser — disse. — Eu gosto de bebês. Eu adoro crianças.
Cruzamos pela porteira em direção aos montes elevados.
Havia um vasto campo em meu caminho, e o dia estava quente o
suficiente. Seria um ótimo dia para a tosa.
— Você se casou com Joice porque ela estava grávida...
— De um filho meu — completei. — Estava grávida de
Valentina!
— Uma barriga sempre amolece seu coração — Vitor avisou.
— E se Maria Francisca também...
— Ela é muito diferente de Joice. Joice era uma mulher da
cidade, de vida livre. Fran foi criada no campo, com a mesma
educação que nós tivemos. E ela está grávida de um bebê do seu
falecido marido. É completamente diferente.
Ele suspirou profundamente, como se minhas palavras não
tivessem o menor peso.
— Apenas, chefe... proteja o coração. Sou seu amigo desde
moleque, não quero vê-lo destroçado, com outra criança nos braços,
abandonado.
— Não vai acontecer.
Vitor me encarou seriamente, mas não insistiu no assunto,
deixando-me em paz. A nossa frente, o primeiro rebanho surgiu,
flocos marrons em meio a relva verde. Vitor trotou com seu cavalo
para a dianteira da fila de homens.
Seria um dia exaustivo e precisamos focar no nosso trabalho.
Capítulo 7
Fran
As noites eram quentes, e era sempre possível ouvir o som dos
grilos cortando o ar. Havia também corujas e uma cantoria de insetos
na área externa que tornava tudo ainda mais interiorano.
Era bom... era vazio... era protegido.
Eu fechei meus olhos, o leve vento que vinha da janela
semiaberta acalmava meu sono. Pus a mão no ventre, o bebê podia
sentir o quanto eu estava tranquila.
Esse lugar era tão maravilhoso. Se Daniel me permitisse ficar,
meu bebê poderia crescer em um ambiente de homens bons, que
poderiam lhe ensinar uma profissão... Se fosse menina, poderia
trabalhar na casa e...
Homens bons...
Meu cérebro gritou o alerta. Eu realmente estava acreditando
que havia homens bons? Daniel parecia um homem bom, mas...
Como realmente saber? A mulher dele não foi embora, deixando
uma menina pequena? Qual o nível de desespero de sua esposa,
para tal atitude?
Dois dias se passaram desde que Daniel se foi. Dois dias
calmos, adoráveis, onde Valentina e eu fizemos bolo, arrumamos a
casa, e conversamos com Marta, a empregada mais velha de Daniel.
Eu podia viver para sempre ali.
O grito desesperado cortou meus pensamentos. Pus-me de pé
tão rapidamente, que mal percebi como calcei os chinelos, e corri até
o quarto ao lado. Meus olhos cravaram em Valentina sentada na
cama, chorando. Ela estava toda suada, e a primeira coisa que fiz foi
tirar as cobertas de cima de seu corpo miúdo.
— Eu quero minha mãe — Valentina disse, cortando meu
coração.
Entendia como ninguém aquele pedido.
— Oh, minha querida. Eu sei...
Sentei-me ao lado de Valentina na cama e a trouxe para meus
braços. Ela suspirava entre soluços e isso cortou meu coração. Levei
um certo tempo embalando-a enquanto ela sussurrava “mamãe”.
— Meu papai vai voltar? — ela me indagou, talvez uma parte
de si imaginando que o pai a deixaria assim como a mãe o fez.
— Claro, meu amor... Ele só foi tosar as ovelhas, mas logo
estará de volta. Você quer dormir no quarto dele? — indaguei, de
repente, pensando que o cheiro de Daniel podia acalmar a criança.
Ela acenou, enquanto eu a erguia no colo. Era pesada, mas
encaixou direitinho nos meus braços. Sorri, uma das minhas mãos
tocando os cachos adoráveis dos seus cabelos. Cruzei o corredor e
entrei no quarto de Daniel.
Era tão masculino...
Eu não sei dizer bem o porquê.
Talvez pela falta de qualquer adorno. Era apenas uma cama de
casal com lençóis brancos, uma colcha marrom, um roupeiro grande
da mesma cor, e dois criados-mudos ao lado da cama, sem
basicamente nada sobre eles.
Deitei Valentina sobre a cama. Ela acomodou-se rapidamente,
puxando o travesseiro contra o rosto, fechando os olhos.
Sentei-me ao lado dela. A cama gemeu, o colchão era de
molas. Eu o achei muito confortável. Então apenas repousei ao lado
da criança, na intenção de ficar alguns minutos, até que ela se
acalmasse e dormisse.
Incrivelmente o lugar era muito confortável. O cheiro de Daniel
estava em tudo, e não parecia ameaçador. Ao contrário, eu entendia
por que Valentina se sentiu bem ali. Daniel exalava proteção.
Era como se o cheiro dele pudesse nos envolver, e nos deixar
segura.
Era um pensamento arriscado, mas não pude evitá-lo enquanto
fechava os olhos.
Capítulo 8
Daniel
Passava um pouco das seis da manhã quando entrei em casa.
Minhas botas estavam sujas de lama, então as tirei do lado de fora, e
meus pés descalços tocaram a madeira do assoalho, subitamente
me fazendo perceber que a mesma estava absurdamente limpa e
com um adorável cheiro de cera vermelha.
Tirei o casaco e o pus sobre uma cadeira na cozinha. Meus
olhos começaram a verificar a casa, percebendo que a limpeza não
foi apenas no chão. As panelas estavam absurdamente arriadas, era
quase como um espelho onde eu podia me ver, cansado, barbudo,
de olheiras profundas e exausto.
Caminhei pelo corredor e dei uma olhada rápida na sala de
estar. Tudo limpo.
Minha casa sempre foi limpa, mas havia um toque feminino
agora que não existia antes.
Havia flores nos vasos. O cheiro de desinfetante estava em
todo canto. Caminhei até as escadas e percebi que até mesmo o
assoalho das escadas havia sido encerrado. Era incrível como uma
mulher podia mudar uma casa em tão pouco tempo.
Eu estava muito sujo, mas caminhei até o quarto da minha filha.
Queria apenas olhar para ela, ver se estava tudo bem, mas meu
coração parou alguns segundos quando vi a cama vazia.
Então volvi para o quarto da babá.
Uma parte de mim quase bateu na porta, mas considerei que
não era adequado. Com certeza Valentina teve um dos seus surtos,
e Fran a levou para dormir consigo. Iria tomar um banho, fazer um
café e então aguardá-las de forma apropriada.
Rumei até meu próprio quarto, enquanto franzia o nariz pelo
contraste do meu cheiro com o cheiro da casa. Era tão mais
perceptível agora...
Abri a porta, e então travei. O ar faltou aos meus pulmões
quando percebi duas figuras adoráveis na cama.
Na minha cama.
Uma delas era minha filhinha. Ela dormia profundamente,
aninhada no meu travesseiro. A outra... a outra...
Fechei os olhos por alguns segundos, tentando verificar se não
era uma miragem, fruto do meu cansaço. Mas, quando abri
novamente meus olhos, verifiquei que Maria Francisca estava ali sim,
com minha coberta puxada sobre seu ventre, seu cabelo escuro
contrastando com meu travesseiro branco, tão pequena e frágil que
quase precisei me segurar para não ir até a cama e lhe acariciar a
face bonita.
Balancei a cabeça. O que diabos...?
Era ela minha empregada. E era uma garota. Dezenove anos,
não é? Uma menina, ainda! Não era certo, e eu jamais devia me
atrever a...
Caminhei em direção ao meu banheiro. Eu estava tão imundo,
tão sujo, cheirando as ovelhas, precisava urgentemente de um
banho. Tirei a camisa, o cheiro de suor inundou minhas narinas
novamente e eu fiquei em dúvida se devia jogar a camisa no cesto
de roupas sujas – que estava vazio – ou se devia queimá-la.
De repente, percebi que deixei a porta do banheiro aberta. Era
costume meu tomar banho com a porta aberta, porque meu quarto
era lugar proibido na casa, até mesmo para minha filha. Mas, dessa
vez eu tinha companhia, então precisava fechar a porta.
Rumei até ela, e quando estava parado na porta, percebi Maria
Francisca de olhos arregalados, sentada na minha cama. Meus olhos
inconsequentes perceberam que ela vestia uma camisa longa, mas
tão fina que era quase transparente e eu podia ver o formato dos
seus seios e a escuridão de suas aréolas.
Meu pênis vibrou e eu fiquei tão atônito que não consegui me
mover.
— O quê...? — ela começou, mas então se deu conta de que
estava deitada, de camisola, na minha cama.
— Tudo bem, eu cheguei agora a pouco — disse, nem sei por
que, nem sei como isso justificaria meu pênis ficando duro.
— Valentina teve um pesadelo. Eu percebi que ela sentia sua
falta, então a trouxe para seu quarto. Eu realmente... não queria...
adormecer na sua cama. Apenas, queria ficar com ela até que
dormisse...
O diálogo era feito aos sussurros, para não acordar Valentina.
— Está tudo bem...
— Me perdoe, por favor. Não me demita por isso...
— Não... não vou... Essas coisas acontecessem.
Era a conversa mais absurda que eu já tive com uma mulher.
— Eu vou tomar banho — disse para ela, já fechando a porta
do banheiro.
— E eu vou voltar para meu quarto.
— Certo.
Ela saiu. Por algum momento eu fiquei observando a porta do
meu quarto, numa vaga esperança de que ela retornasse.
Graças a Deus, ela não voltou.
Capítulo 9
Fran
Eu estava com tanta vergonha por ele ter me encontrado em sua
cama. O que provavelmente ele pensou de mim? Que eu era uma
desfrutável?
Que tipo de mulher invade o quarto de um homem e se deita
em sua cama? Mesmo em sua ausência?
O cheiro da cidreira não parecia me acalmar. Tomei outro gole
do chá, sentindo o gosto doce descer pela minha garganta com
dificuldade.
A imagem da madrugada se repetia milhares de vezes na
minha cabeça. Imaginava o que eu podia ter feito de diferente para
que Daniel não me considerasse uma... sei lá como se chama o tipo
de mulher disponível.
Eu tinha tantos problemas para resolver. E eu estava grávida.
De meu marido morto. Sem um tostão no bolso, sem uma casa, e
meu empregador me pegou deitada em sua cama, aninhada em
suas cobertas.
Ele percebeu como meus olhos se demoraram no seu peito nu?
Suspirei, tomando outro gole de chá.
Não era possível! Eu nunca senti isso olhando para um homem.
Eu tinha tanto nojo de Bernardo que a visão de sua nudez me
causava ânsia de vômito, mas quando vi Daniel sem camisa... A
forma como seus pelos preenchiam seu peito musculoso... A
maneira como ele era grande, enorme, e a forma como era diferente
de Bernardo...
Meu marido era flácido. Daniel parecia uma rocha. Eu quase
quis tocar seu peito para sentir a rigidez.
Corei, enquanto afastava os tórridos pensamentos. Esse tipo
de coisas jamais aconteceu comigo antes, e talvez tudo se
resumisse no fato de que Daniel me estendeu a mão quando
ninguém mais o fizera.
Isso... era apenas reflexo de minha gratidão.
O som de passos no corredor me fez erguer-me. Enquanto eu
buscava o bule de café na mesa, Daniel entrou na cozinha com
Valentina. Ela estava de banho tomado, com tranças no cabelo e
vestido cor-de-rosa. Era definitivamente uma bonequinha.
Eu sorri na direção da menina, enquanto a via sentando-se na
mesa, a mão indo reto para um pedaço de bolo de chocolate que
havíamos feito no dia anterior.
— Bom dia — Daniel disse em minha direção.
Meus olhos cravaram nele, na mística que ele emanava. Barba
feita, cabelos molhados, roupa limpa. Estava diferente do homem
que chegou de madrugada na casa.
— Bom dia, senhor.
— Daniel — ele corrigiu. — É tão estranho me chamar de
senhor.
Assenti, enquanto lhe entregava o café recém passado. O
cheiro na cozinha estava bom, mas o ar parecia pesado demais.
— Quero ir à cidade comprar umas roupas para Valentina. Ela
está sem nenhuma roupa nova para ir à missa no domingo, e eu
também estou precisando de umas camisas... Enfim, gostaria de vir
junto?
O convite foi dito num tom um tanto temeroso. Eu não sabia
direito o que responder, porque não sabia se era apenas uma
gentileza – já que Daniel era por si só um homem muito gentil – ou
tinha outras raízes.
— Ver roupas para o bebê — ele apontou minha barriga, e eu
fiquei sem palavras por alguns segundos, como se só me desse
conta de que minha barriga já estava saliente e eu não tinha sequer
uma fralda para o bebê.
— Eu... Eu... não tenho... no momento...
— Eu compro para você — ele disse, rápido. — Um presente
meu para o bebê. Por favor, aceite.
Houve um breve silêncio. Quando por fim Daniel disse algo,
senti como se ele fosse capaz de ler cada palavra não dita.
— Você não precisa se preocupar tanto. Com certeza, mais
perto do parto, Marta fará um chá de fralda para você, e ganhará
muitos presentes, roupas e essas coisas. Além disso, Valentina tem
todo o enxoval guardado, coisas que ela usou uma ou duas vezes, e
foi parar no roupeiro. Você poderá pegar para seu bebê.
Eu sorri, grata. Era muita generosidade. Eu não era
acostumada a bondade assim, e senti vontade de segurar as mãos
de Daniel e beijá-las. Obviamente, eu me segurei.
— Então... Eu aceito ir na cidade comprar um presente para o
bebê — disse.
Ele sorriu. Ele tinha um sorriso lindo.

∞∞∞
Havia um macacão rosa e outro azul. Eu não fazia ideia se o
bebê em meu ventre era menino ou menina, então não sabia qual
escolher.
— O que você sente? — a voz de Daniel às minhas costas me
causou um arrepio na espinha.
— O quê?
— Sobre o bebê? O que você sente? Acha que é menino ou é
menina? Mães costumam saber.
Mas, eu não sabia. Talvez eu não fosse uma mãe muito boa, já
que as vezes sentia como se meu ventre estivesse vazio.
— Eu... eu não sei.
Lágrimas ameaçavam meu olhar, então eu pisquei
rapidamente, enquanto largava o macacão minúsculo e continuava
caminhando entre prateleiras.
Quando eu pensava sobre isso, imaginava se não seria melhor
dá-lo aos avós. Ele teria uma chance de crescer num ambiente
familiar com dinheiro. Na mesma medida eu me lembrava que
Bernardo cresceu na mesma casa e não se tornou uma boa pessoa.
Eu temia colocar no mundo um novo Bernardo.
Eu tinha tantas dúvidas sobre tantas coisas. E eu não tinha
ninguém para perguntar.
Quanta falta fazia uma mãe...
Esse último pensamento me fez lembrar-me do motivo pelo
qual eu devia lutar pelo bebê. Por mais difícil que fosse a vida ao
meu lado, eu ainda seria sua mãe. E uma mãe vale mais que
qualquer dinheiro nesse mundo.
Lágrimas confusas novamente voltaram aos meus olhos
quando percebi Valentina vindo do provador usando um vestido
adorável de rendas brancas e rosadas. Ela estava adorável, o loiro
do seu cabelo contrastando com pequenas flores azuis na parte
superior do vestido.
— Você está linda — eu disse para ela, que sorriu, satisfeita.
Oh Deus... ela não tinha mãe...
Ela tinha um pai maravilhoso, uma boa casa, e um ótimo futuro,
mas não tinha mãe. E eu via em seus olhos um leve ar magoado e
tristonho por isso. Evidenciou-se quando ela chamou pela mãe
durante à noite.
— Eu acho que será menina — a voz de Daniel as minhas
costas me fizeram girar em direção à ele.
— Como?
— Menina. Você espera uma menina.
Eu devia dizer que não. Devia dizer que era insanidade. Dizer
que ele estava louco por saber algo que eu mesma não fazia ideia. E
ainda assim me vi concordando e aceitando.

∞∞∞
Eu amava o cheiro que Valentina tinha. Aquela fragrância de
campo, refrescante como suco de limão. Amava a maneira como ela
deitava a cabeça no meu colo, enquanto eu afundava o nariz em
suas madeixas, e ela balbuciava histórias infantis dos livros que
trazia para o quarto.
A melhor parte do meu dia era nos deitarmos na cama, com ela
lendo sobre alguma princesa encantada, enquanto eu fantasiava que
essa menina era minha.
Ah, seria tão fácil ser mãe dela. Valentina era tão doce, gentil...
Tão adorável com seus lindos olhos azuis e sua voz infantil. Meu
bebê costumava chutar nesses momentos, como se também
quisesse participar do momento, então eu repousava a mão no
ventre e lhe confortava.
— Oi?
A voz à entrada do quarto me fez encarar Daniel. Era uma noite
chuvosa daquele fim de verão, e os dias estavam mais amenos.
— Tudo bem? — ele questionou.
— Tudo sim.
— Valentina não está incomodando?
Eu quase ri. Ele realmente considerava que ela incomodava por
vir ao meu quarto no final do dia? Meus momentos com ela eram os
melhores de minha vida.
— Eu a adoro — disse ao pai dela, porque era verdade.
Ele talvez quisesse me dizer alguma coisa, mas suas palavras
se perderam no grito de exclamação que Valentina deu, após volver
para mim.
— O bebê me chutou — ela contou, rindo e eu concordei.
— Sim, ele quer que você saiba que ele está aqui, conosco.
Puxei a mão dela e a pressionei na minha barriga. Outro chute.
Valentina riu, tão feliz, que eu senti que ela realmente compartilhava
a felicidade do momento, comigo.
Então volvi para o pai. Daniel parecia desejoso em se
aproximar, mas não o fez. Ele era muito respeitoso, mas eu via em
seus olhos um misto de desejo em experimentar a sensação.
— Vem — o chamei, estendendo a mão.
Ele arregalou os olhos, e eu ri. Mesmo que fosse estranho eu
colocar a mão do meu patrão na barriga, ele era um homem tão
respeitador que eu me atrevi.
— Não tenha medo — disse a ele. — É só um bebê. Não viveu
isso com Valentina?
Alguma coisa mudou nos olhos dele. Algo se tornou sombrio e
triste. Talvez ele quisesse me dizer algo, mas não disse.
Simplesmente se aproximou e estendeu a mão.
O bebê chutou forte assim que ele tocou meu ventre. Ele riu
baixinho, completamente maravilhado.
Foi então que nossos olhares se cruzaram. Um breve momento
que parecia significar tudo. Havia calor, gentileza e docilidade. E
também havia algo que eu era incapaz de decifrar. Um sentimento
suave que balançava entre nós.
O mundo parou de girar por alguns segundos. Estava até
mesmo difícil respirar. Eu não conseguia tirar meus olhos dos dele, e
havia uma vontade, uma necessidade, que crescia em meu peito,
mas que eu desconhecia qualquer significado.
Então, de repente, Daniel cortou o olhar. Ele olhou para baixo,
parecia assustado, talvez mais que eu.
— Bom, está tarde — disse, retirando as mãos. — Amanhã
será um longo dia. Vou levar Valentina até o quarto dela para dormir.
Ele quase saiu correndo do quarto. Era como se me temesse,
como se eu fosse um demônio que poderia arrasar com ele.
Todavia, quem estava em maior risco ali era eu.
O maior risco de todos.
O de ter meu coração seriamente destruído.
Capítulo 10
Daniel
Senti a leveza da massa com molho de tomates frescos descendo
pela minha garganta. Era uma delícia, e eu não pude evitar um
gemido enquanto desfrutava do alimento. À minha frente, Fran
escondeu um sorriso. Eu devia elogiar a comida dela, mas o som
que exalou dos meus lábios foi um elogio mais sincero que qualquer
palavra.
— Se continuar assim, vou pedir para fazer o jantar todos os
dias — brinquei. — Às vezes faz falta comida caseira. Normalmente
eu peço para Marta congelar os pratos e vou requentando durante a
semana..., mas, nada se compara a isso.
— Eu cozinharia com prazer — ela disse, animada. — Eu gosto
de cuidar da casa.
A frase dela me tocou de alguma forma. Já tinha um tempo que
eu procurava uma esposa que fosse boa para Valentina e para o lar.
Todavia, depois de Joice, tudo ficou complicado, eu fiquei cheio de
traumas, qualquer ação que podia remeter a minha ex, me fazia
recuar nos relacionamentos.
Relacionamentos...
Relacionamentos?
Eu realmente pensei isso dessa garota? Ela tem o quê?
Dezenove? Vinte? Eu não lembro mais. Mas, ela é muito miúda,
parece ter uns dezesseis. Não é o tipo de mulher que eu busco. Uma
garota assim não teria as responsabilidades...
Meu pensamento trava ao notar seu ventre avantajado. Ela tem
responsabilidade o suficiente de lutar pelo bebê na sua barriga.
Fran se levantou e começou a recolher os pratos. Valentina
estava com a boca lambujada de molho, e Fran limpou-a com um
pano de prato. Eu vi o sorriso adorável de minha filha para ela.
A noite estava silenciosa.
O tempo parecia tão confortável.
Nós três parecíamos uma família...
E isso que eu nem estava colocando na balança o fato de que
essa garota me atraía fisicamente, mesmo que eu tentasse negar.
Eu devia investir?
— Marta comentou que chegou um circo na cidade — ela me
disse.
Eu arqueei as sobrancelhas. Desde a história do Gran Circus
Norte-Americano em Niterói, eu tinha pavor de circo. Eu era um pré-
adolescente quando aconteceu, mas lembro do meu pai trazer um
jornal da capital, e as imagens do incêndio me assustarem tanto que
nunca mais coloquei um pé no circo.
— Posso ir com vocês? — indaguei.
Eu não queria recusar o pedido dela, mas me sentiria mais
confortável em estar presente, para mantê-las seguras.
— Sim! — ela exclamou.
E estava tão feliz... Ela realmente se agradava da minha
presença?

∞∞∞
Um mês depois, a casa estava tão cheia de vida que mal
parecia ser o mesmo lugar quieto de sempre. Valentina ria enquanto
brincava com a pequena filha de Vitor, e Maria Francisca servia chá
para meu empregado e a esposa dele, Ruth. Era um dia tão calmo e
feliz que quase pude experimentar a sensação saudosa de ter uma
família.
Minha mãe era assim... calma, gentil, doce... Era como Fran.
Joice, infelizmente, era o oposto, talvez por isso tenha dado tão
errado. Eu esperei ver facetas que me agradavam de minha falecida
mãe na mulher com quem esperava dividir a vida. Foi injusto de
minha parte, talvez esperei mais de Joice do que ela podia dar. E
mais injusto ainda era eu vislumbrar isso em Fran.
Mas... era inevitável.
— Vitor fala muito de você — Ruth disse, sorrindo.
Ruth era baixa, bem baixa. Contrastava muito com Vitor, que
tinha quase dois metros. No caso deles, opostos se atraiam.
— Espero que fale bem — Fran respondeu.
— Ele disse que você cozinha tão bem que Daniel até
engordou um pouco.
Arqueei as sobrancelhas, pensando se isso havia acontecido. A
verdade é que desde que Fran tomou conta da minha cozinha, eu
passei a me agradar mais dos pratos.
— Eu gosto de cozinhar — Fran murmurou. — Me acalma.
Ela fez menção com o corpo de voltar para a cozinha, mas eu a
chamei rápido.
— Sente-se conosco, Fran — disse.
— Mas...
Eu sabia o que estava pensando. Eles eram meus convidados
naquela noite, e ela era apenas a babá.
— Eu também sou empregado dele — Vitor disse, rápido. —
Nosso patrão não é tão mal assim.
Ela sorriu antes de sentar-se no sofá. Parecia embevecida pelo
simples convite e eu imaginei se não havia tido muitos nos anos que
se passaram.
— Então, Fran... Logo será mãe. Como se sente? — Ruth
começou um assunto bastante feminino, mas que logo me chamou a
atenção.
Maria Francisca corou.
— Não pensei direito sobre isso...
— Ela será uma ótima mãe. É muito boa com Valentina —
completei.
E então notei o olhar de Ruth. Ela parecia me ler de uma forma
que ninguém mais fez. Então eu soube que havia percebido os
sentimentos que eu mesmo ainda tinha dificuldades de aceitar.
— Sabe, ser mãe não é fácil. Ainda mais ser mãe sem um
marido.
— Ela é viúva, não mãe solteira — defendi Fran, mesmo
sabendo que não havia necessidade, pois Ruth não falava por mal.
— Por que não ficam juntos? Ambos não têm ninguém, e
haverá duas crianças pequenas. Uma menininha que precisa de uma
mãe, e um bebê que vai precisar de um pai.
— Ruth! — Vitor ralhou pela ideia descabida.
Sem saber, claro, que a ideia não era tão descabida assim.
— Oh, sinto muito, não quis falar bobagens... foi apenas... um
comentário sem importância.
Mas, não era. Eu sabia. Fran saberia também?

∞∞∞
A noite passou agradavelmente. Mesmo as indiretas de Ruth
não interferiram no clima agradável. Quando eles foram embora, já
perto da meia noite, eu me voltei para a garota de barriga roliça
parada perto da porta.
— Ruth é uma pessoa divertida, não é Fran?
— Sim, gostei muito dela.
Ela corou levemente. A mão pousada na sua barriga. Eu senti
vontade de colocar minhas mãos em volta do seu ventre, mas reprimi
a vontade. Ruth, e suas sugestões, haviam despertado algo em mim.
— Valentina? — chamei minha filha deitada no sofá.
O som da voz de Odacyr José tocava no fundo. A rádio estava
ligada em uma música que dizia que a felicidade não existe, o que
existe são momentos felizes. Eu soube que esse era um momento
feliz.
Valentina já estava dormindo. Eu devia pegá-la e levá-la ao
quarto, mas não me mexi.
— Fran?
— Sim?
— Eu nunca perguntei... De quantos meses você está?
— Seis. Quase a beira dos sete. Não tenho certeza.
— E quando tiver o bebê... Você...
— Eu pretendo ficar.
Ficar comigo? Ou por Valentina?
Eu dei dois passos em sua direção. Ela não recusou.
— Papai... — a voz de Valentina me fez parar.
— Sim, amor?
— Sono...
Então volvi para minha filha. Peguei-a nos braços e fui para o
quarto, colocá-la para dormir.
Capítulo 13
Fran

O que era isso?


O que era esse coração disparado, esse grito travado na
garganta, esse calor insuportável que parecia me corroer e me tornar
pedaços desesperados de desejo?
Eu nunca senti isso antes. Sempre que eu via esse brilho nos
olhos de Bernardo, enojava-me e sentia repulsa. Agora, tudo que eu
queria, era que meu patrão me tomasse nos braços e me fizesse
sentir aquilo que a personagem Vivian da novela das oito, sentia.
Eu sempre pensei que essas sensações eram coisas de
televisão...
Mas, agora...
Balancei a fronte, recusando os pensamentos. O que eu estava
pensando? Eu estava grávida de outro homem. E Daniel jamais iria
querer uma mulher como eu, para compromisso. E me tornar a
amante dele...? Isso era totalmente errado.
Caminhei até a cozinha. As louças estavam na pia, e eu me
aproximei para lavá-las. Enquanto pegava o sabão, ouvi passos às
minhas costas.
— Eu lavo, Maria Francisca. Você deve estar cansada...
Ele era tão gentil... Tão diferente dos homens normais. Ele não
se importava de cuidar da filha, não se importava de limpar as coisas
quando estava em casa... Ele sempre estava disposto a ajudar.
Daniel era bom...
A única pessoa que me estendeu a mão no meu pior
momento...
Como eu poderia não... amá-lo?
— Está tudo bem, eu posso lavar.
— Já é quase meia noite... Você está grávida e precisa
descansar.
Ele ficou ao meu lado, pegando a esponja e esfregando-a na
barra de sabão azul. Fui me afastando um pouco, apenas para lhe
dar espaço para lavar a louça.
— A barriga é pesada, não é?
— Um pouco.
— Grávidas são sempre bonitas, mas imagino como deve ser
complicado, carregar um peso extra no corpo.
Ficamos em silêncio alguns segundos. Eu absorvia sua
presença confortadora. Subitamente, porém, Daniel me surpreendeu
mais uma vez.
— Comprei algumas roupas novas para o bebê. Fraldas e
essas coisas — disse. — Marta foi à capital, e eu pedi que ela
escolhesse. Eu queria fazer uma surpresa, mas não aguento manter
segredo.
Lágrimas se formaram nos meus olhos. Era gratidão.
— Eu nem sei o que dizer...
— Não precisa dizer nada. É com prazer que faço isso. Uma
criança... Ah, uma criança é uma benção...
Era a primeira vez que eu ouvia isso. Era a primeira vez que
alguém dava importância ao fato dessa vida estar vindo ao mundo.
Eu queria cortar a distância entre nós e abraçá-lo, beijá-lo, mas
minhas pernas estavam travadas, eu não conseguia me permitir
avançar qualquer caminho.
Porque... porque eu podia estar sentindo errado esses sinais.
Eu podia estar captando a mensagem de forma equivocada. Talvez
ele só quisesse ser meu amigo.
— E... tipo... eu estava pensando... O bebê logo vai nascer, nós
temos que providenciar um berço.
— Marta me deu uma cesta larga de vime que ela tinha...
— Uma cesta não é um berço...
— Mas servirá até eu poder comprar um... Quem sabe alguém
que tenha tido um bebê na cidade queira me vender o berço usado...
Ficaria mais barato, não é?
Vi piedade nos olhos dele, e isso me deixou com muita
vergonha.
— Desculpe — disse, rapidamente. — Estou muito cansada. Se
o senhor vai lavar a louça, vou tomar um banho e ir dormir.
Ele acenou. Então dei-lhe as costas e me afastei.
Capítulo 13
Daniel
Na distância de meus sonhos eu ouvi os gritos apavorados de
minha pequena filha. Era um som desesperado que sacudiu meu
corpo, no instinto protetor de defender minha cria. Foi isso que me
fez abrir os olhos para perceber que os gritos não eram um
devaneio, e Valentina novamente estava vivenciando a dor dos
pesadelos que lhe lembravam que ela não tinha mãe.
Eu empurrei as cobertas, enquanto saltava da cama, sem vestir
a camiseta do pijama. Foi assim, desnudo da parte de cima que
entrei no quarto de minha criança. Corri até a cama, e a peguei nos
braços.
— Valentina — a chamei, acalmando-a. — Papai está aqui...
Ela pulou no meu colo. Eu achei que chamaria por Joice,
normalmente ela gritava pela mãe, mas me surpreendeu quando
balbuciou o nome de Maria Francisca.
— Ela está dormindo, filha. Estava muito cansada...
Mas, logo eu vi Fran usando um penhoar, entrando no quarto e
avançando em nossa direção. Eu me levantei da cama, com
Valentina no colo, e logo Fran acariciava o rosto de minha filha,
trazendo-lhe o conforto que lhe fazia tão bem.
— Eu estou aqui, meu amor — ela disse, e foi muito natural.
— Você não vai embora? — Valentina indagou.
— Não... — ela balbuciou, mas eu sabia que não tinha certeza.
— Dorme comigo?
Maria Francisca hesitou. Ela me encarou, sem saber se eu
daria sua aprovação.
Mas, enfim, eu a deitei na cama, e me afastei o suficiente para
que Fran se esgueirasse ao lado dela.
Meu coração doeu quando vi a forma como Valentina a
abraçou, aninhando-se no seu peito avantajado. Eu entendia qual
era a sua dor. Entendia exatamente a falta que ela sentia de uma
mãe. E nunca seria capaz de alçar o porquê de Joice não se importar
com ela.
Capítulo 14
Fran
Adormeci com Valentina nos braços. A sensação de tê-la ali me
trazia conforto. Eu já fui Valentina, a menina sem mãe. E havia uma
parte de mim que ainda o era. Mas, essa criança que nem era minha,
parecia capaz de curar essa falta. O calor que ela emanava me
confortava tanto quanto um abraço.
Me mexi lentamente, quando me dei conta de que outra pessoa
estava na cama. Do outro lado, mais perto da parede, Daniel
também se achegou.
Só havia um problema. Onde estava Valentina?
Era estranho, porque Daniel e eu estávamos deitados na
mesma cama, cada qual em um lado, ele roncando levemente, com
os olhos cerrados e a face expressando paz.
Isso era totalmente errado. Tinha que ser!
Mas, não havia maldade. Daniel nem tentou me tocar. Ele
provavelmente só estava ali, na cama, para dar amparo a filha. O
fato de Valentina ter se levantado em algum momento, não era culpa
dele.
Mas, era culpa minha. A culpa é sempre da mulher, meu pai me
ensinou. Se uma mulher se deita em uma cama que não é de seu
marido, a culpa é dela.
Envergonhada, eu me levantei lentamente do leito. Estava
coberta dos pés à cabeça com minha camisola de algodão e meu
penhoar de linho. Sai do quarto sem observar a figura enorme e
tentadora na cama. Caminhei pelo corredor, procurando Valentina,
quando ouvi o som da televisão na sala de estar. Logo a encontrei
sentada diante da TV assistindo desenho animado.
— Bom dia, meu amor.
Valentina me olhou com animação. Sorri.
— O que está assistindo?
— Tom e Jerry.
— O que é?
— Um gatinho que tenta pegar um ratinho — ela expôs. — É
um desenho novo. Começou ontem!
Ela parecia tão animada e empolgada pela imagem colorida
que aparecia na TV. Eu parei alguns segundos para olhar também.
Era tão incrível ver uma televisão com cores. Não tinha televisão na
casa de Bernardo, e na dos meus sogros só havia uma preto e
branco.
De repente, som de passos às minhas costas. Girei e me
deparei com Daniel ainda sem camisa. Uma parte de mim aqueceu
imediatamente, era incomum vê-lo desnudo e eu não conseguia
evitar de encarar seus músculos adoráveis.
— Bom dia — ele disse.
E parecia tão empolgado, tão feliz. Eu não sabia direito como
me sentir. Apertei mais o cinto do meu penhoar, subitamente
sentindo meus seios doerem.
Lá estava eu, vermelha, quente, meu mamilo doendo, meus
olhos não conseguindo desviar do seu peito maravilhoso. Isso era
tão errado, especialmente porque eu parecia uma leitoa prestes a
dar à luz.
Com certeza eu era uma mulher que não prestava, por não me
importar com a decência dessa relação. Nós estávamos cruzando
todas as linhas de patrão e empregada, e eu... eu só conseguia
sentir estremecimentos na minha parte de baixo.
Uma parte que só servia para fazer xixi e para doer quando
Bernardo vinha por cima por dois ou três minutos em noites
aterrorizantes.
— Vou fazer café — disse, tentando ignorar a necessidade que
latejava desesperadamente em mim.
Eu caminhei reto até a cozinha, mas quando me virei para
fechar a porta e ficar longe dele, notei que ele estava ali, me
seguindo, quase grudado em mim.
Recuei e Daniel entrou. Ele fechou a porta atras de si, seus
olhos presos em mim.
Aconteceria. Eu sabia.
Sozinhos, eu quase senti necessidade de fugir, mas não
conseguia. Quando ele deu dois passos em minha direção ao e
pressionou sua boca em mim, eu não fiz qualquer menção de recuar.
Porque eu queria tanto seu beijo, como nas novelas... como eu
sempre sonhei.
A parte inferior de meu corpo estava em chamas com a
necessidade e excitação que ele despertou quando pressionou seus
lábios nos meus. Sua língua invadiu minha boca e eu gemi, incapaz
de conter a vontade que me tomava.
Então suas mãos seguraram meus peitos enormes, cada vez
maiores conforme a hora do parto se aproximava. Ele pareceu pesá-
los e então os apertou. Eu choraminguei em sua boca, deixando que
ele me rumasse para mesa e me pressionasse contra a madeira fria.
Daniel chupou meu lábio inferior e então desviou de minha
boca, descendo em beijos quentes até meu pescoço. Seu corpo
inteiro pressionava o meu, e eu não era capaz de resistir ao ponto
duro que despontava em minhas coxas.
— Daniel... Isso... é errado...
Minha chamada para o mundo real não o trouxe novamente a
razão. Ele traçou um caminho gentil entre meu pescoço e então
volveu para minha boca. Não resisti e esfreguei minhas pélvis contra
ele. Sua mão se moveu para minha barriga e ele a esfregou tão
gentilmente que parecia que ele me dizia que queria meu bebê da
mesma forma que eu queria sua filha.
Então ele voltou a descer. Dessa vez, sua boca resvalando nos
meus seios. Ele abriu meu penhoar e eu fui capaz de sentir meu
corpo inteiro arrepiar pelo calor que Daniel era capaz de despertar.
— Daniel...
— Te quero tanto, Maria Francisca — murmurou contra meu
seio. Subitamente sua mão apertou minha coxa, e então esfregou no
meio delas.
Eu me engasguei com o que aconteceu. Eu não sabia direito
como reagir, o que sentir, mas mal podia acreditar no prazer que me
fez tremer.
— Você está molhada, Maria Francisca — Daniel me contou.
Isso significava o quê? O hálito quente que soprou em meu
ouvido parecia estar maravilhado pelo fato de eu estar molhada.
Então sua mão esfregou na minha calcinha e eu não pude deixar de
soltar um gemido alto.
Logo, corri minhas mãos para a boca, tentando conter os
gemidos que pareciam me corroer. Daniel chupou o lóbulo da minha
orelha enquanto me permitia ouvir o que ele também sentia.
De repente o som de passos no assoalho me fez empurrá-lo
com toda força. Daniel também ouviu a filha, e foi para o outro lado
da cozinha, abrindo a geladeira, tentando esconder como estava
duro.
— Papai?
— Sim? — disse assim que ela abriu a porta e entrou na
cozinha.
Eu sabia que estava vermelha e com os mamilos duros, então
escondi meu corpo com o penhoar.
— O que foi querida?
— Fome...
— Vou preparar seu café, está bem?
Logo seus passos soaram novamente pela casa. Ela voltava
para a televisão e para o programa infantil.
Por alguns segundos, nós permanecemos em silêncio, sei que
cada qual estava tentando absorver o que havia acontecido. Eu
estava entorpecida pelo desejo e pela vergonha.
— Fran? — Daniel murmurou.
— Eu sinto muito, Daniel... Eu jamais imaginei que algo assim
aconteceria. Por favor, não me demita, eu não sou desfrutável e não
serei uma péssima influência para sua filha.
— Fran, eu não acho isso de você — ele disse, me fazendo
encará-lo.
Eu estava com tanta vergonha que lágrimas começaram a rolar
pelo meu rosto, sem que eu conseguisse contê-las.
— Eu nunca fiz isso, eu juro.
— Fran...
— A culpa é toda minha.
— Fran, pare! Eu não vou despedir você. E eu não acho que
você tenha culpa de qualquer coisa. Não vejo o que aconteceu como
errado.
— Não vê?
Era inacreditável.
— Você acha que é normal? — de repente me dei conta de que
ele talvez tivesse me dado o emprego pensando exatamente nisso.
Contudo ele pareceu ler minhas ideias.
— Eu agi de forma inadequada e não, não pensei que isso —
moveu a mão entre nós — fosse acontecer. Eu contratei você para
ser babá de Valentina e jamais pensei em tomá-la para minha cama,
não estava esperando que isso...
Ele não continuou. Coçou a barba nervosamente. Parecia estar
pensando melhor, sua face indecifrável.
— Eu te tenho respeito — disse, por fim, me fazendo
transbordar em algo que parecia... não sei dizer. — E, por favor, peço
que me perdoe. Isso não vai mais acontecer, eu juro que não a
tocarei nunca mais. Valentina é muito apegada a você e jamais
colocaria a felicidade de minha filha em risco. Além disso, você e
eu... nós nos damos muito bem, acredito que possamos ser bons
amigos.
Sacudi a cabeça concordando.
Uma mulher grávida de outro homem não devia esperar
encontrar o amor, e sim apenas um resto de dignidade para
sobreviver a esse mundo tão difícil.
— Obrigada, Daniel.
Ele concordou. Então saiu da cozinha, passos largos, pressa
em me deixar sozinha.
Capítulo 15
Fran
Pus a mão na testa infantil, e a percebi quente. Eu sabia que
crianças ficavam doentes em tempos como esse, um tanto seco e
quente demais, e sabia que ela havia passado o dia anterior
brincando no rio com os filhos dos arrendatários, mas não esperava
que tivesse febre. Por isso, fiquei um pouco em pânico. Eu nunca
lidei com uma criança com febre, mas tentei me tranquilizar de que
era coisa comum.
Meu filho também teria, quando nascesse. Toda criança
passava por isso.
Servi um chá de eucalipto para ela, e lhe dei um AAS infantil.
Ela gostou do sabor cor-de-rosa, e queria mais, mas neguei. Mais
tarde, lhe prometi.
Quando Valentina pegou no sono, eu resolvi arrumar um pouco
a casa. Daniel estava trabalhando na lida com o gado, e tudo estava
silencioso durante aquela semana. Na verdade, estava silencioso
desde nosso momento na cozinha, situação completamente
constrangedora.
Peguei um balde na lavanderia e comecei a limpar tudo.
Comecei pela cozinha, fui para a sala, quando subi para o segundo
piso. Um dos quartos estava cheio de papeis, Daniel havia dito algo
sobre começar um escritório ali, mas ele teria que aprender a se
organizar melhor.
Eu não queria mexer nos papeis, a risco de tirar as coisas do
lugar. Não sabia como ele as organizava, então prometi a mim
mesma que pediria que ele colocasse os papeis em ordem, para que
fosse mais fácil eu passar um pano e ajeitar.
Me aproximei de uma mesa. Passei meu dedo sobre a madeira
de lei, constatando a poeira. De repente, percebi traços coloridos
embaixo de uma folha de venda de gado.
Minhas mãos tremiam enquanto pegava a fotografia. Não sei
por que, uma parte de mim doeu quando notei o quanto Valentina era
o espelho daquela loira adorável, de olhos claros, nariz arrebitado,
loira e delicada, parecida com a Vera Fischer.
Minha respiração ficou presa na garganta quando notei mais
fotos embaixo daquela. Fotografias de uma família feliz. Daniel
estava numa delas, abraçado à loira, com ares apaixonado, tão feliz
que fiquei surpresa do quanto ele parecia tão mais jovem.
Em outra foto, a loira abraçava uma criança. Era Valentina com
menos de um ano. Fotos tiradas a tão pouco tempo, mas que
demonstravam o quanto uma família podia ser como dos comerciais
de margarina que eu assistia na televisão.
Ou nem tanto...
A loira se foi...
Tão linda, tão perfeita, parecia uma modelo.
Talvez tenha sido isso que aconteceu. Talvez ela não tenha se
encaixado aqui, na simplicidade.
Observei outra foto. O nome “Joice” estava escrito abaixo da
mulher, grávida. Ela sorria, numa expressão que jamais tive em
todos os meus meses de gravidez. Era a tranquilidade de saber que
tinha um lar.
Uma parte de mim ficou ressentida. Pelo jovem Daniel das
fotos, completamente e descaradamente apaixonado. Pela
menininha adorável que parecia admirar a mãe como se ela fosse
uma deusa inalcançável. Por todas as mulheres que não tinham o
que ela tinha: a segurança e o amor de um homem.
Lágrimas se formaram nos meus olhos. Meu bebê mexeu na
barriga como se quisesse me consolar. Eu não tinha nenhuma foto
grávida, mas decidi que tiraria uma, antes de dar à luz, para que eu
me lembrasse desse momento, o momento que tudo mudou para
mim, o momento em que descobri que não mais estaria sozinha.
Subitamente, percebi que meu olhar não seria tranquilo e feliz,
e o pensamento da fotografia se desfez. Senti minha garganta
apertar, enquanto permitia que meu rosto se molhasse em lágrimas
Fiquei assim. Permitindo-me ter um momento.
Então, logo depois, voltei a minha rotina de limpar tudo.
Eu tinha muito o que fazer, e sonhar ou me encher de
autopiedade não fazia parte disso.

∞∞∞
A igreja estava fazendo um bazar, e eu descobri que poderia
comprar coisas para o bebê a preço simbólico. Então solicitei que
Daniel me permitisse ir com Valentina para à cidade. Ele permitiu
imediatamente, e completou que seguiria conosco.
— É muita gentileza sua nos acompanhar — eu disse a ele,
enquanto caminhávamos pela multidão.
Ele sorriu, raios de sol iluminando seus olhos. Eu realmente
gostava do sorriso dele.
— Você viu que estão vendendo um carrinho de bebê?
Eu vi, mas não podia pagar.
— Se você gostou dele...
Eu entendi um pouco porque as vacas ficavam animadas com
os touros, naquele momento. Daniel era grande e protetor, e quando
falava assim, parecia um macho querendo desempenhar a função de
mantenedor. Eu quase queria aceitar, não porque realmente
precisava do carrinho, mas porque algo nisso me fazia suspirar de
prazer.
Era excitante. Nunca vivi isso, e jamais pensei que o viveria
com uma barriga enorme de outro homem, com os tornozelos
inchados, as costas doloridas e com a certeza de que tudo ali era
completamente errado.
Mas, ele me fazia doer. Daniel machucava sem nem mesmo
me tocar. Uma dor prazerosa que começava com a imagem dele no
meio das minhas pernas, diferentemente de quando Bernardo lá
estava. Eu palpitava e vibrava, pulsava em algo que não sabia
identificar, mas que sabia que ele seria capaz de prover.
— Fran?
Fiquei assustada porque percebi que ele estava falando
comigo, mas eu não estava prestando atenção.
— Desculpe eu... eu não estou me sentindo muito bem —
menti.
Meu corpo estava aquecido em algo prazeroso.
— Eu perguntei se... esqueça. Você quer voltar para casa?
Acenei. Era a melhor coisa.
Capítulo 16
Daniel
Duas semanas depois do bazar, eu precisei levar uma manada de
vacas leiteiras para um comprador perto da serra catarinense. Foi
uma viagem cansativa, os militares estavam construindo algumas
estradas de asfalto e precisamos cortar caminho entre fazendas e
rios para não atrapalharmos o serviço deles e não machucarmos as
patas dos animais no pinche.
Quando voltei, dias depois, estava imundo, suado, cansado e
louco para tomar um banho e cair na cama. Contudo, me deparei
com a imagem assustadoramente mais linda que vi. Minha filha
estava sentada ao lado de Fran no sofá, a sala cheirava a flores, e a
luz do entardecer entrava por uma janela e as tornava quase como
uma pintura a óleo.
— Olá — eu disse, mas nenhuma se aproximou, provavelmente
pelo meu cheiro.
— Papai!
O olhar de Maria Francisca cruzou pelo meu, e eu vi uma réstia
de sentimento que fui incapaz de entender cruzando por ela.
— Vou tomar um banho...
Fui direto ao banheiro, meu coração batendo tão forte que eu
mal conseguia raciocinar.
Quando voltei, elas estavam no mesmo lugar. Fran sentada
com algo no colo que percebi serem fotografias.
— Eu fui à cidade — ela me contou. — Pedi para o fotógrafo
tirar algumas, eu queria uma lembrança.
Eu fiquei surpreso por só então me dar conta de que Fran não
devia ter nenhuma fotografia sua, grávida. Joice tirava várias fotos
por mês porque queria ter lembranças de cada pedacinho da
gestação.
— Sente-se, papai — Valentina disse. — Veja as fotos, são tão
lindas.
Eu percebi que Fran ficou com o rosto enrubescido quando eu
escolhi seu lado. Tentei manter uma distância respeitosa, mas queria
estar perto dela. A cada momento da minha viagem, estar perto dela
era tudo o que eu pensava.
Fran começou a me entregar as fotos. Eram bem-feitas, num
estúdio com flores artificiais, e com boa iluminação. Fran estava em
pé segurando sua barriga. Todavia, seu olhar triste se destacava de
tudo.
— Você está realmente linda — eu disse, não porque queria
animá-la, mas porque era verdade.
— Eu estou feliz porque realmente acho que ficaram boas. Sei
que o bebê, quando crescer, vai gostar de vê-las.
De repente, vi uma foto de Valentina ao lado de Fran. Minha
filha segurava sua barriga e lhe dava um beijo no ventre, como se
fosse uma irmã mais velha animada para ver o bebê...
Era como se fosse uma família. Uma mãe com sua filhinha, e
um novo ser sendo gerado.
— Desculpe, eu não pedi sua autorização, mas queria ter uma
foto minha com Valentina.
Neguei com a face. Não era algo que eu ficaria preocupado ou
nervoso. Era um carinho descomunal da babá pela minha pequena,
não fosse a necessidade latejante que eu estava sentindo por tudo
aquilo ser real.
Eu era sozinho, e ela não tinha ninguém. Nós dois tínhamos
crianças para criar. Por que não ficarmos juntos? A ideia de Ruth
gritava em minha cabeça.
Eu queria perguntar a ela, mas temia avançar demais e
afugentá-la. Seus demônios estavam ali, resplandecendo em seus
olhos.
— Eu gostaria de ter uma cópia dessa foto. O fotógrafo pode
fazer?
— Acho que não tem problema — ela disse.
Se estranhou meu pedido, não demonstrou.
— Valentina está linda — murmurei.
— Ela é linda — Maria Francisca sorriu, girando o rosto para
minha filha e a tocando no rosto.
Toda a saliva em minha boca secou. Deus, eram mãe e filha!
Elas podiam ser diferentes fisicamente, mas o que vi ali, nunca
jamais vi, mesmo com Joice.
— Você também é linda, Fran. Não é papai?
Maria Francisca volveu para mim com um olhar envergonhado.
Houve um silêncio constrangedor.
— Sim. Linda — disse.
Oh Deus, eu estava tão perdido.
De repente ela arregalou os olhos, colocando a mão no ventre.
— O bebê chutou forte — disse, num sorriso tão gentil que mal
percebi quando levei minha mão ao seu ventre, para sentir.
Valentina tomou a mesma decisão, e ficamos ambos
experimentando a sensação de tocar essa nova vida.
— Eu posso ser o pai... — não era uma pergunta, era um aviso.
Mal acreditei quando as palavras saíram da minha boca. Esse
bebê não tinha pai, e conforme ele se movimentava no ventre de
Fran, eu sentia um carinho descomunal me tomando.
— Me dê uma chance — murmurei, fazendo com que Fran
arregalasse os olhos, como se não acreditasse em meu pedido.
Ela se levantou abruptamente.
— Desculpem, eu... eu... — e foi se afastando, correndo em
direção ao próprio quarto.
Capítulo 17
Fran
Eu havia ido até o supermercado da região com Vitor. Marta ficou
em casa com Valentina, enquanto eu ia pegar os poucos
mantimentos que precisavam ser repostos na casa.
O dinheiro que Daniel deixava era sempre suficiente. Nunca
precisei completar nenhum valor, e dessa vez ainda consegui
comprar um pequeno pedaço de chocolate Nestlé. Nunca tive a
possibilidade de desfrutar do doce, e agora que ia ao mercado, não
perdi a oportunidade de sentir o gosto delicioso e inexplicável que o
chocolate provocava.
Meu bebê também gostava. Enquanto eu retornava na
caminhonete de Vitor pela estrada de chão pedregoso, eu punha a
mão no ventre, sentindo a delicada sensação do prazer de meu filho.
Quando chegamos, fiquei surpresa ao perceber que a F1000
1980 preta, novinha de Daniel, estava estacionada bem em frente a
garagem. Eu imaginei que ele havia ido a capital comprar
mantimentos para o gado, mas aparentemente voltou mais cedo.
Vitor me ajudou a descer da caminhoneta. Eu segurei minha
barriga enquanto saltava, sentindo as costas arderem pelo balanço
provocado.
— Tenha uma boa noite, Maria Francisca — ele disse, num
cumprimento gentil e eu acenei.
Entrei na casa, larguei as sacolas na mesa e chamei por Marta,
mas não havia retorno. Então, rumei até meu quarto, ansiosa para
tirar os calçados e aliviar um pouco as pernas. Tudo que eu queria
era um banho quente e deitar por alguns minutos, antes de ir fazer o
jantar de Valentina. Porém, quando entrei no quarto, me deparei com
o homem grande e forte que Daniel era.
Ele estava em pé ao lado da cama, e segurava uma bolsa
térmica com um sorriso acolhedor. Iria perguntar o que estava
acontecendo quando me dei conta de que Valentina estava atrás
dele, sorrindo.
— Papai disse que água quente vai ajudar — ela gritou. — Não
sei no que vai ajudar, mas vai! — completou, me fazendo sorrir com
tanta simplicidade.
Só então reparei no rosto surpreso de Daniel. Talvez ele só
quisesse colocar a bolsa embaixo das cobertas e sair, não imaginava
que iria ser pego em flagrante.
— Achei que fosse demorar mais alguns minutos — disse,
dando-me a certeza de que eu pensara corretamente. — Eu comprei
essa bolsa hoje, na cidade...
Não foi a única coisa que ele comprou. Aos pés da cama, eu vi
um berço de vime muito bonito, com suporte em balanço e um
pequeno colchão coberto com lençol branco. Havia também uma
coberta de lã amarela, e um bichinho de pelúcia sentado na parte
final do berço.
Eu mal conseguia acreditar.
Minha boca estava lutando entre indagar de onde viera aquilo,
qual a intenção de Daniel em me dar tal coisa, ou agradecer o gesto.
Simplesmente, eu não sabia o que fazer.
Senti Valentina correndo até mim, abraçando minhas pernas
enquanto o rosto resvalava em meu ventre. Ela adquiriu o hábito de
cumprimentar o bebê nos últimos dias. Todavia, eu não conseguia
prestar atenção em nada, porque minha experiência com os homens
me davam a certeza de que nada era de graça.
Bernardo nunca foi capaz de um gesto gentil sem exigir algo
em troca.
— Você comprou tudo isso?
— Não — ele tentou negar.
— Como não comprou? Você não pode gastar todo esse
dinheiro com uma babá. É errado e...
— Era de Valentina — ele me cortou. — O berço, as cobertas...
até o boneco... Desculpe, eu... Eu não queria te ofender.
Fiquei pasma, envergonhada, pela minha reação.
— Oh — foi tudo que minha boca foi capaz de expressar.
— Tudo foi escolhido por Joice. Quando ela foi embora, era
muito difícil olhar para essas coisas, porque pareciam que tinham a
marca dela, entende? Então eu guardei tudo no porão... Mas,
quando estávamos na cidade, eu percebi que... desculpe... eu não
devia ter trazido sem perguntar antes.
Valentina se moveu um pouco, e sentou-se na cama, como se
quisesse assistir ao embate dos adultos.
— Daniel...
— Fran, eu realmente não queria te ofender. Apenas... Eu
nunca soube como lidar direito com as mulheres.
Não consegui sentir meus passos. Simplesmente rumei em sua
direção, e o trouxe para um abraço. Minhas lágrimas caíram em seus
ombros enquanto ele deslizava as mãos em volta da minha cintura.
— Daniel, eu sou muito grata. Muito obrigada — sussurrei.
Estar entre seus braços era quase mágico. Quase podia sentir
a força e a certeza do mundo inteiro correndo pelo meu sangue. Eu
relaxei contra ele, de repente me dando conta de que eu o queria
tanto. Queria tanto que ele me mantivesse para sempre ali, segura
com ele.
Mas, contos de fadas era coisa de novela. Então tentei recuar.
Mas, suas mãos não me soltaram. Ao contrário, seus dedos
másculos traçaram a linha da minha coluna, fazendo com que um
breve e baixo gemido escapasse dos meus lábios.
— Eu acho que estou apaixonado por você — ele disse.
Eu já sonhei com amor. Sonhei com as novelas que ouvia na
rádio. Lembro-me de chorar com a Escrava Isaura e querer, como
ela, que um jovem príncipe viesse me libertar do meu opressor. Mas,
ninguém veio.
Não naquela época.
Foi a vida desgarrada de Bernardo que me trouxe paz.
Eu não devia confiar nos homens. Eram seres traiçoeiros, mas
tudo que Daniel me mostrava era a gentileza e a bondade de seu
coração.
Arqueei contra ele. Senti meus seios pressionando seu peito,
minha barriga apertada contra seu tórax firme.
Subitamente, me lembrei de Valentina e me afastei
bruscamente dele. Meus olhos giraram para ela, e a menina nos
encarava, curiosa.
— Obrigada, Daniel — eu disse, rapidamente.
Ele balançou a fronte. Então se afastou e saiu do quarto. Meu
coração ficou pequeno por não ter dado uma resposta a ele.
Mas, eu a daria. Ainda essa noite.
Capítulo 18
Fran
A noite estava tão silenciosa. Talvez fosse chover ainda de
madrugada. Pelo barulho que o vento provocava, era possível
imaginar que a tempestade viria a qualquer momento. Os grilos
emudeceram, e não havia o som costumeiro dos sapos no lago
próximo. O ar era quase impetuoso, como se antecipasse um grande
vendaval.
Ou talvez a sensação fosse apenas provocada pelo
formigamento em meu corpo.
Eu estava deitada na cama. A barriga para o lado, os olhos
presos na parede clara. O lençol de linho pareceu estranhamente
quente, e eu me libertei dele.
Sentei-me. Encarei o vazio. E então me levantei.
Era isso. Eu tinha que me decidir. Tinha que falar tudo que eu
pensava e sentia. Meu rosto queimava de vergonha pelas sensações
provocadas por meu patrão, mas ao mesmo tempo...
“Eu acho que estou apaixonado por você”.
Meu coração bateu tão forte no peito. Sai pelo corredor em
direção ao quarto de Daniel, pensando na loucura que era minha
ação, e no quanto eu a desejava.
Tanto... tanto.
Parei em frente à sua porta. No instante que levantei a mão
para bater, ouvi o som no andar de baixo. Fiquei dividida no que
fazer, mas pensei que – caso fosse Valentina – era meu dever
atender primeiro a criança.
Então desci. Logo notei que a figura não era nada infantil.
Daniel estava sentado na poltrona da sala, um copo com um líquido
desconhecido na mão, os olhos fixos na janela, como se ele pudesse
ver algo na escuridão de fora como eu via na televisão.
— Daniel?
Ele girou o rosto na minha direção.
— Oi? Algum problema?
As luzes estavam apagadas. Nós apenas conseguíamos ver a
silhueta no escuro. E os olhos brilhantes um para o outro.
— Daniel... Eu...
— Joice ligou. Não faz muito tempo — ele contou. — Queria
falar com Valentina e eu não deixei. Eu tenho a guarda, dada pelo
juiz. Não que Joice a tenha querido, ela disse na cara do magistrado
que a menina atrapalhava a sua vida. — Ele deu um riso triste. —
Agora eu só consigo pensar que quando Valentina crescer e souber
que a mãe dela ligou e tentou falar com ela, vai me culpar... Me dizer
que a impedi de ter uma relação com a mãe.
Eu me aproximei e sentei-me no sofá ao lado da poltrona.
Segurei sua mão, porque sabia que o momento era para
companheirismo.
— Você a amava?
— Joice? Sim, provavelmente. Ou não. Não sei dizer, na
verdade. Eu era jovem, e idiota. Eu achava que ter uma família era o
máximo para um homem. Mulher, filhos... Eu nunca pensei que seria
a chacota da cidade quando todos souberam que ela gostava de
peões mais que de cuidar do bebê que deu à luz.
— Eu sinto muito, Daniel.
Ele deu os ombros.
— Mas, e você? Como foi com Bernardo? Eu conheci pouco os
Andrade, mas lembro-me da fama.
Hesitei. Ele ficaria enojado quando soubesse pelo que passei?
— Ele era difícil — disse. Quando vi compreensão no seu olhar,
prossegui. — Bernardo me escolheu não sei porque... Ele apareceu
na casa do meu pai, e eles decidiram que eu iria me casar com ele.
Eu não tive escolha, nenhuma... simplesmente fui forçada a ir
embora com ele. Mas, pensei que se fosse uma boa mulher, ele
poderia ser gentil, contudo, nada do que eu fazia parecia o suficiente.
Bernardo era muito agressivo.
— Ele batia em você?
Um soluço escapou dos meus lábios. A dor da lembrança
parecia me corroer.
— Ele era terrível. Eu costumava ir à igreja com o olho roxo e
as pessoas ficavam murmurando sobre mim...
— E quando ficou grávida? Ele não parou?
Pus a mão na barriga.
— Ele nunca soube. Ele morreu tão logo eu descobri que
estava grávida. Talvez se ele soubesse... talvez eu não conseguisse
manter o bebê. Porque... eu tive muitos abortos antes, por causa das
surras...
— Fran...
A mão de Daniel apertou a minha. Era tão confortador. Era tão
gentil. Me sentia tão especial para ele. Ali, sentada ao seu lado, no
escuro, confessando minhas dores como se ele fosse um padre,
estava pronta para o que der e vier.
— Você é tão linda, Fran. E tão jovem. Eu sinto muito por tudo
que passou.
— Você disse bem. Passou. Eu me casei forçada, nunca amei
meu marido, e comi o pão que o diabo amassou nas mãos dele.
Mas, passou. Ele está morto, e eu estou livre. Você entende isso?
Daniel assentiu.
— É por isso que não quer ficar presa a outro homem?
— Eu tenho medo. De tudo acontecer de novo.
— Eu também tenho medo, de tudo acontecer de novo, Fran —
suas palavras me surpreenderam. — Quando eu soube que era
traído, eu quis matar Joice. Mas, igualmente, eu pensei que
Valentina precisava da mãe. Então eu tentei chegar a um acordo
com ela. Mas o acordo perfeito para Joice era continuar tendo uma
vida com tudo pago por mim, enquanto transava com meus peões no
celeiro. Para um homem, ser corno, diante da nossa cidade
pequena, com todos sabendo... Eu tive tanta vergonha. Quando
decidi me divorciar, Joice disse que iria se vingar, e eu pensei que
ela fosse levar Valentina para outra cidade, mas ela conheceu um
homem que não queria a filha de outro cara, e então Joice a deixou
sem pensar duas vezes. - Suspirou fundo antes de prosseguir. -
Então a piedade das pessoas voltou para Valentina. Ela era vista
como uma coitada, filha sem mãe... Foi tão difícil. Ganhar o respeito
das pessoas, novamente... E hoje que eu o tenho, o medo de perder
tudo... o medo de ser novamente uma piada...
Deslizei os braços em volta do seu ombro. Eu entendia o medo
e a dor. Mas, diferente de mim, Daniel parecia disposto a enfrentar.
— Por que você está tentando arriscar? O que existe em mim
que o faz ter coragem para tentar? — quis saber.
Estávamos sendo tão francos um com o outro. Isso era tão
verdadeiro que eu mal conseguia acreditar que realmente podia
conversar assim com outra pessoa.
— Eu já me sentia assim antes, mas os pensamentos tomaram
forma quando Ruth disse. Então, analisei como era sua relação com
Valentina, e você não a trata como uma babá. Você a trata como se
ela fosse sua filha. Talvez um filho que você perdeu.
Lágrimas embargaram minha voz quando respondi.
— É como eu me sinto. Eu a amo.
O brilho do seu olhar caiu sobre meus lábios.
— E então, eu reparei como você é bonita. E como eu... céus...
como eu a quero. Como eu me sinto quando você me toca. Eu tenho
sonhos conosco, nus... eu nunca me senti assim por uma mulher. Eu
te quero tanto que meu corpo inteiro dói...
— Mas, estou grávida...
— Você é capaz de amar minha filha. Eu sou capaz de amar
seu filho, também.
Assenti. Eu acreditava nele.
— Você pode me dar um tempo para pensar?
Imaginei se ele ficaria decepcionado. Bernardo ficaria muito
irritado com minha proposta. Mas, Daniel simplesmente assentiu.
— É claro, Fran... O tempo que precisar.
Capítulo 19
Fran

— Você sente muitos desejos? — Ruth perguntou.


Estávamos diante da mesa. Os filhos dela corriam ao longe
embaixo das árvores do pomar. Valentina estava lá também,
brincando, feliz, animada como pouco vi em todos esses dias que
passei ao seu lado. Já os homens sentavam-se na mesa embaixo do
pé de laranjeira, bebendo cerveja e conversando sobre vacas e
ovelhas.
Afundei a colher no recipiente com a salada de batata e peguei
um pouco. Enquanto levava a comida até meu prato, respondi:
— Raramente. Esses dias quis comer chocolate — disse. —
Mas, no geral, estou bem.
— Estou falando de sexo, Fran — ela riu, o que me encabulou
muito. — Sempre que eu fico grávida, fico cheia de vontade.
A naturalidade com que ela levantou a questão me deixou
completamente sem reação. Ruth parecia muito livre, nessa questão.
Eu não tinha essa aceitação.
— Eu não gosto... você sabe... de fazer... — disse, muito
encabulada.
— Não gosta? Como não gosta? É tão gostoso!
— Nunca achei — estava sendo absurdamente franca.
Doía, sujava... era repugnante.
— Nossa, eu já pensei melhores coisas de Daniel!
Só então me dei conta de que ela acreditava que Daniel e eu
estávamos mantendo uma relação carnal. Meus olhos arregalaram,
minha pele esquentou, e as palavras travaram em minha garganta.
As outras pessoas pensavam isso também? Vitor? Marta? A dona da
mercearia? O padre?
— Eu não estou... Daniel e eu não... nós... nós nunca...
De repente, Ruth explodiu numa gargalhada.
— Menina! Estou brincando! É claro que não! Porque se eu
conheço bem Daniel, se estivesse transando com ele, teria gostado.
Sexo era a única coisa que Joice amava nesse casamento. Permito-
me dizer que ela só ficou após o parto de Valentina porque Daniel lhe
dava muito tesão.
Ela falava sobre isso tão despreocupadamente. Era
completamente anormal para mim levantar essas questões.
Sexualidade era um tabu. Era vergonhoso. Era coisa que você fazia
com seu marido escondida na escuridão da noite.
— Mas, se me permite um conselho, tente com Daniel. De
verdade. Eu vejo como ele olha para você. E vejo como você olha
para ele.
— Ele é meu patrão.
— Ele é homem — retorquiu.
— Eu... eu não quero — subitamente, lágrimas surgiram nos
meus olhos, não conseguia evitar.
A mão de Ruth pegou meu prato e o colocou sobre a mesa.
Então volveu até meu braço e me confortou.
— Fran?
— Eu... eu não gosto dos homens. Eles são cruéis e
machucam...
— Seu marido a machucava?
Valentina riu ao longe. O vento balançou meus cabelos e
recordei-me que estava no meio do quintal de Vitor e Ruth, num
momento não apropriado para lágrimas.
— Sim... Muito...
— Daniel não é assim. Ele é um homem bom. E ele também foi
ferido, como você.
— Eu sei disso...
— Ele merece ser feliz. E você também merece. Mas, só
conseguirá isso se permitir-se dar uma chance.

∞∞∞
Depois de almoçarmos e eu ajudar Ruth a lavar a louça, fomos
para o quintal tomar suco de laranja enquanto conversávamos sobre
as crianças, sobre o tempo, e sobre a novela das oito. Um assunto
bem pacífico, não havia nada de muito importante para discutirmos.
Daniel e Vitor permaneceram ao longe. Eles iriam partir com
um carregamento de ovelhas na próxima semana, e pareciam
ansiosos para conversar sobre a logística da viagem. As crianças
também queriam aproveitar a companhia infantil de Valentina, e não
se aproximaram.
Era assim, um domingo em família.
Eu nunca tive domingos em família, mas logo reconheci a
docilidade do momento.
— Olá! — uma voz feminina ao longe me fez girar em direção
ao portão.
Uma mulher de cabelos longos e escuros surgiu, trazendo um
prato com um bolo. Ruth sorriu, e se levantou para cumprimentá-la.
Logo, fui apresentada a ela. Se chamava Sonia, e trabalhava
fazendo salames na fazenda vizinha.
— Você está quase ganhando — ela colocou a mão na minha
barriga, aparentemente animada. — Linda barriga.
— Obrigada.
— Quem é o pai? Daniel?
Ruth respondeu por mim.
— Fran é de outra cidade. Viúva.
— Ah! — Seu suspiro pareceu muito feliz. — Eu a vi na igreja
com Valentina, pensei que era de Daniel. Bom, vou cumprimentar os
homens, já volto.
Então ela foi em direção a Vitor e Daniel, e eu fiquei com uma
sensação estranha de que algo não estava sendo dito ali, algo
parecia errado.
— Fran?
— Sim? — volvi para Ruth.
— Se você deixar escapar, ela vai pegar!
A frase não era explícita, mas eu a entendi perfeitamente. Voltei
minha atenção a morena e a percebi tão linda, magra, bonita e cheia
de autoconfiança.
Então vi a maneira como Sonia tocou no braço de Daniel e na
forma que ele sorriu para ela. Meus olhos voltaram para Ruth
novamente.
— Eles já namoraram?
— Vou ser sincera: eles já transaram algumas vezes. Mas, foi
só isso.
Percebia-se. A intimidade era gritante. Desviei meus olhos e
voltei a cadeira. Eu estava cansada e com os pés inchados. Estava
quase parindo, não tinha tempo de sentir ciúmes.
Então o que era esse queimor no meu peito?
Capítulo 20
Daniel
Ela estava muito cansada. Eu percebia pelas olheiras negras que
circundavam seus olhos. Fran caminhou em passos lentos para a
escada, antes de dar um suspiro longo e dizer que iria dar banho em
Valentina.
— Por favor, tome um banho quente e vá se deitar — disse a
ela. — Eu cuido de Valentina.
Pensei que ela fosse recusar, mas após um olhar agradecido,
me deu as costas e foi fazer isso.
Valentina estava sonolenta. Então após ajudá-la com o banho,
a coloquei na cama e a deixei dormindo. Eu mesmo fui me banhar, e
quando voltei, não a encontrei no lugar.
Imaginei onde ela estaria. Então rumei até o quarto de Maria
Francisca. A porta estava aberta, e minha filha estava deitada ao seu
lado, a cabeça roçando seu ventre como se ela quisesse ouvir e
sentir o bebê. A mão direita de Fran fazia um cafuné em Valentina, e
a cena foi tão doce que meu coração bateu com força no peito.
Era isso... O quadro perfeito de uma família feliz. Uma família
que sempre sonhei ter.
O olhar de Fran buscou o meu. Um pequeno sorriso formou-se
em seu rosto e eu quase acreditei que ela estava apaixonada por
mim. Contudo, lembrei-me, de que o momento com Valentina era sim
o motivo do seu sorriso gentil.
— Oi? — ela disse.
— Oi — respondi. — Parece que Valentina gosta de dormir
perto do bebê.
Ela acenou.
— Eu acho que o bebê e ela serão grandes amigos.
— Por que não irmãos?
Deus, eu a estava pressionando. Eu sentia isso. Talvez ela se
sentisse sufocada comigo. Essa mulher estava a dias de dar à luz e
tudo que eu pensava era em tê-la em minha vida, era em chamar
esse bebê de filho, era em dar meu nome a ele.
— Você quer comer alguma coisa?
— Não, estou cheia.
— Certo. Vou dormir um pouco. Qualquer coisa, me chame.
Então me afastei.
∞∞∞
Era meia noite e eu ainda estava acordado. O domingo cheio
foi muito agradável e feliz, mas eu sentia um vazio no meu peito,
uma vontade... de ter algo que não era possível.
Se ela quisesse, já poderia ter me dito sim. Talvez ela não
respondia porque temia que eu a expulsasse quando se recusasse.
Neguei com a face.
Todos esses pensamentos se perdiam quando me lembrei da
forma como ela correspondeu ao meu beijo.
De repente o som de passos na escada. Olho naquela direção
e vejo Fran descendo vagarosamente.
— Tudo bem?
— Estou com dor — ela disse.
— Está dando à luz?
Um riso despontou nela.
— Não, Daniel... estou só com dor nas costas. O bebê é
pesado. — Depois deu os ombros. — Vim pegar um chá de
camomila para me acalmar.
Eu me levantei e fui em sua direção.
— Eu tenho arnica lá em cima. Preciso usar para quando fico
longos dias no cavalo.
Peguei sua mão e a guiei até meu quarto. Não havia segundas
intenções em meu gesto, e ela compreendeu isso imediatamente.
Fran me seguiu porque estava com dor e cansada, e sabia que podia
confiar em mim o suficiente para ajudá-la com isso.
Ela sentou-se na minha cama, enquanto eu ia até um armário
pegar o pote.
— É fedorento — avisei, fazendo-a rir.
— É o que chamam de doutorzinho? Meu pai tinha esse
remédio em casa — comentou.
Era a primeira vez que me falava de alguém que não fosse o
marido.
— Boas lembranças do seu pai?
— Minha madrasta usava nos machucados que ele provocava
quando batia nela.
Ali estava. Maria Francisca. Marcada pela dor de tantas formas
que só me restava desistir ou lutar mais que tudo nessa vida por sua
confiança. Algo me guiava a segunda opção.
— Levante um pouco a blusa — pedi. Ela sentou-se de costas
para mim, então o fez, pus o remédio nas mãos e comecei a esfregar
nas suas costas. Ela gemeu de satisfação, de alívio, e eu me senti o
melhor homem do mundo por receber aquele som.
Eu não sei quanto tempo esfreguei. Até o remédio sumir,
provavelmente, absorvido por sua pele. Depois, passei a acariciar,
meus pensamentos agora cientes do quão macia era sua pele, do
quão agradável era tocá-la.
De repente, ela ficou de frente para mim. Eu disse a mim
mesmo para me levantar e me afastar, mas logo minha boca
buscava seus lábios, minhas mãos tocavam sua barriga, seus seios,
minha necessidade absorvendo tudo, inclusive minha sanidade.
— Daniel... — ela murmurou.
— Eu a quero tanto, Maria Francisca — contei. Não era um
segredo, afinal.
Imaginei que ela fosse se levantar e ir. Mas, não foi. Ela me
permitiu tocá-la, acariciar seus seios, suas coxas. Logo, ela se
ajeitou contra meus travesseiros, a blusa atirada em algum canto do
quarto, a calcinha sendo a única barreira entre nós.
— Vou ser cuidadoso, prometo.
Minha mão se moveu por sua pele, tocando suas coxas,
entrando dentro do cós da calcinha. Pude sentir seus pelos eriçados
contra meus dedos, e ela exalou um longo gemido de satisfação
quando eu a toquei com intimidade.
— Abra mais suas pernas...
Sua carne estava quente e inchada. Comecei a bater o polegar
contra seu clitóris, sentindo-o latejar.
— Oh — ela gritou.
— É bom, não é? — eu sorri.
Mas, estava num dilema. Como eu iria me encaixar, com sua
barriga enorme. Joice nunca quis fazer sexo depois dos seis meses,
e Fran já estava com oito. Eu não tinha muita experiência em trepar
com obstáculos, mas meu pau estava tão duro que mal conseguia
aguentar sem gozar.
Não me culpem, mas a imagem dessa mulher gemendo sobre
meus dedos era por demais tentadora.
De repente, ela começou a pulsar contra meus dedos, levando
o quadril, sem controle. Foder com a mão não era minha intenção,
mas vê-la gozar como se fosse a primeira vez – e provavelmente era
– estava sendo absurdamente satisfatório.
Simplesmente a fiquei observando. Sua cabeça arqueada para
trás, seus seios buscando o céu, sua pélvis batendo contra mim.
Meu pau estava tão duro que precisei pressioná-lo um pouco contra
o colchão para resistir a tanta tentação.
— Daniel — implorou.
— Você está lambujando meus dedos — disse, tão feliz.
Era gostoso, quase doloroso. Seu líquido escorria entre meu
indicador e polegar, cada vez que voltava e saia do seu núcleo.
Não aguentei mais e peguei meu pau com a outra mão. Bater
punheta parecia coisa de adolescente, mas eu precisava de algum
tipo de alívio em vê-la tão entregue. Assistir uma mulher chegando
ao orgasmo era tão gostoso quanto foder.
De repente, seu ritmo aumentou. Ela começou a soltar
pequenos gemidos cadenciados, enquanto balançava com força
contra minha mão. Sua boceta me apertou, latejou forte, e enquanto
eu gozava em cima da sua xoxota, Fran chegava ao próprio
orgasmo.
Capítulo 21
Fran
Eu terminava de colocar café na xícara de Valentina, quando Daniel
desceu as escadas, os cabelos molhados, o rosto pacífico. Ele me
encarou com um sorriso animador, e logo sentou-se ao lado da filha.
Entreguei o bule a ele, e então fui buscar o pão.
— Papai, posso comer no sofá para olhar os desenhos?
Daniel não costumava deixar Valentina comer em qualquer
lugar da casa, sempre pedindo que ela respeitasse a mesa. Porém,
quando ouvi o som de seus passos, soube que ele a liberou dessa
vez.
— Fran?
Eu girei em sua direção, caminhando com o pão nas mãos,
colocando-o na mesa.
— Sobre ontem à noite... você gostou?
Ele sabia que eu havia gostado. A sensação de gozo que ele
me fez sentir era inédita, algo muito novo para mim, e eu estava
envergonhada e ansiosa para ter isso novamente.
— Sim.
— Eu também, Fran... Foi incrível...
Eu corei absurdamente. Então sentei-me à mesa, e me servi
café.
— Você já pensou sobre nós?
Não tive tempo de responder. O som do trote do cavalo de Vitor
anunciou que estava na hora de Daniel ir.
— Não ficarei fora muito tempo — disse. — Quando eu voltar...
Você quer...?
— Eu te esperarei — disse.
Se isso era errado, eu não sabia. Tudo que eu entendia era a
poderosa emoção que ecoava no meu peito, fazendo meu coração
bater tão forte como nada até então.
Capítulo 22
Daniel
Eu estava tão ansioso para vê-la. Praticamente corri com a entrega
das vacas, e deixei os homens em sua marcha mais lenta, fazendo o
percurso de retorno num tempo recorde, sendo pela primeira vez
inconsequente com meu cavalo. Por fim, quando cheguei a fazenda,
dei o animal para o primeiro empregado que encontrei e corri para a
casa.
Queria tomar um banho antes de ver minha filha e Maria
Francisca. Não desejava me apresentar tão sujo e fedorento, então
suspirei de alívio quando encontrei tudo quieto naquele início de
noite.
Já haviam ido se deitar? Era bem cedo ainda, mas Fran estava
grávida e podia estar cansada. Como ela teria conseguido aquietar
Valentina era um mistério.
Pouco depois sai do chuveiro enxugando a cabeça com uma
toalha. Busquei uma bermuda e então fui em direção ao corredor,
procurando pelas mulheres da minha vida.
Encontrei ambas deitadas na cama de Valentina, num sono
pesado, Maria Francisca com um livro de conto de fadas no colo, e
Valentina dormindo sobre seus seios.
A cena me tocou mais do que imaginei. Meu coração batia num
acelerado ritmo, uma parte do meu corpo ansioso para matar a
saudade da mulher, mas vê-la ali com minha filha me fez entender
que não era certo eu me impor sobre o momento de ambas.
Busquei uma manta no roupeiro e quando fui colocar sobre
elas, Maria Francisca acordou.
— Você voltou — ela disse.
Nunca me senti tão bem recebido na vida. Não foi a frase, dita
baixinho, que me fez sorrir. Era a forma como seus olhos brilharam
diante de mim. Então era essa a sensação de ter alguém a sua
espera?
— Cheguei agora a pouco. Você quer ir se deitar na sua cama?
Não acho que dormir sentada fará bem ao bebê — disse, num
conselho paternal.
Ela assentiu e foi afastando Valentina cuidadosamente, para
não a acordar.
— Estou tão cansada, Daniel... O bebê não para...
— Acho que vai ser um bom jogador de futebol — disse,
animado.
Eu sempre quis um filho para andar comigo de cavalo, para
assistir aos jogos comigo no domingo à tarde. Desde que Baltazar foi
contratado, estava animado para ver os jogos de futebol. Tinha
esperança de que meu time ganhasse algum campeonato nacional.
Seria incrível ter um filho para vivenciar isso comigo.
A ajudei a ficar em pé. Olhei para baixo, a barriga esticada me
passou uma emoção infinita. Eu sabia que o bebê não era meu, mas
isso não importava. Eu queria o bebê. Muito. Eu daria meu nome
para ele. Eu cuidaria dele com todo o meu coração.
Só precisava que Maria Francisca dissesse sim.
Fran saiu do quarto e eu a segui. Quando chegamos no
corredor, ela fez menção de ir ao próprio quarto, e eu a interceptei.
— Aonde vai?
— Dormir...
— Durma comigo — pedi.
Eu pensei que ela fosse recusar, mas ela segurou minha mão e
me deixou levá-la até meu quarto. Quando a porta se fechou atras de
nós, eu suspirei de alívio, porque mesmo sem uma resposta
definitiva, seu corpo estava dando a mim todas as explicações.
Maria Francisca me queria tanto quanto eu a queria. E quando
entramos no quarto, a porta se fechando atrás de nós, eu pude sentir
a poesia que havia em cada gesto que se seguia.
Eu a amava...
Era incrível como isso surgiu em tão pouco tempo.
Começou com a magia de vê-la com minha filha todos os dias.
E então passou a ser do infinito e gentil momento em que passei a
alçar a sensação de ter uma família.
Era uma força. Uma energia que transcendia nós dois. Quando
a puxei para um beijo, pude experimentar a delicadeza do ato.
Maria Francisca era minha. Totalmente minha. Ela ainda não
havia dito, mas a forma como enroscou os dedos em meus cabeços,
a forma como me puxou para ela, deixava claro o quanto me queria.
E era assim, perfeito.
Minhas mãos correram por suas costas, buscando a barra da
sua camiseta larga. Logo a tirei, expondo os seios perfeitos, sem
sutiã, cada vez maiores, firmes e prontos para receber meus lábios.
Pus um dedo no seu mamilo, observando a forma como se
rosto se contorceu em prazer. Então cai de boca, lambendo,
chupando, traçando com a ponta da língua a pele acetinada e macia
que fazia meu pau vibrar.
Maria Francisca se engasgou de prazer. Suas mãos me
apertavam puxavam meu cabelo enquanto eu trabalhava em seus
seios, minha boca movendo-se de um seio ao outro, provocando
gemidos e arrepios.
Eu adorava a maneira como ela gemia baixinho, como se fosse
proibido gemer. Provavelmente ela sentia vergonha do que eu
provocava, então jurei a mim mesmo que quando ela estivesse
pronta, eu a faria gritar.
Deslizei minhas mãos pelos quadris femininos. Toquei sua
calcinha, ajudando-a a tirá-la. Tudo que Fran vestia quando entrou
no meu quarto era a camisa larga e grande, e sua calcinha de
algodão. Agora, ela estava nua. Eu adorei a forma como tudo nela
era perfeito, e como ela se contorcia em minhas mãos.
Não pensava que era capaz de despertar uma mulher assim.
Quando Joice foi confrontada sobre as traições, ela me disse
que eu era ruim de cama. Que era um lixo de homem. Por muito
tempo acreditei nela. E por muito tempo, fugi das mulheres porque
considerava que todas iriam fazer o mesmo comigo.
Mas, aqui, com Maria Francisca, eu me sentia tão capaz. Tão
másculo. Era como se eu fosse o maior homem do mundo, o que era
inacreditável.
Nenhuma mulher me fez sentir isso antes, e eu sabia que
nenhuma faria depois. Porque ela era única. Única para mim.
— Você é tão linda...
— Enorme assim? — ela indagou, sorrindo.
Assenti. Minhas mãos passearam pela sua barriga, e então fui
até o meio das suas pernas. Seus cachos úmidos me receberam
como um convite.
— Você está tão molhada.
— Desculpe...
— Desculpe?
Ela corou.
— Certa vez, eu estava com as regras... e Bernardo me tomou.
Ele disse que mulher molhada era... coisa de puta.
Nós dois éramos tão marcados, cada qual a sua maneira. Mas,
para Maria Francisca foi pior. Ela era mulher, as mulheres sofriam
demais.
— Seu falecido marido era um merda, Fran. Eu adoro saber
que você está úmida para mim.
Ela arregalou os olhos quando meus dedos bateram no seu
clitóris, esfregando com força. Nosso olhar estava fixo um no outro, e
nenhum de nós fechou os olhos ou se escondeu enquanto meus
dedos cavavam na sua umidade e ela cavalgava sobre meu
indicador.
— Goza para mim, Fran...
— Daniel...
Meu pênis latejava. Eu queria esperar mais tempo, e vê-la
gemendo para mim, mas não resisti mais. Então me afastei um
pouco, tirando a bermuda. Meu pau surgiu, ereto, diante de nós.
Sentei-me na cama e a chamei.
— Senta-se em mim, Fran. Não quero ir por cima porque não
quero pressionar a barriga.
Ela cumpriu meu pedido sem questionar. Subiu no meu colo, as
pernas abertas, sua cavidade logo pressionando meu pau. Era tão
bom ter essa mulher montada em mim, tão disposta a mim quanto eu
estava a ela.
— Eu... eu não sei o que fazer... eu nunca fiz isso, assim. Eu só
ficava com as pernas abertas, na cama.
— Tudo bem, querida. Irei ajudá-la.
Escovei sua boceta, acariciando enquanto a acomodava. Ela
gemeu e empurrou seus quadris na ponta do meu pau. Eu estava
pegando fogo, mas tentei manter a calma. Essa mulher estava
prestes a dar à luz, e eu precisava mantê-la aquecida e segura.
— Daniel... — ela pediu, então eu a baixei o suficiente para sua
boceta pegar a cabeça do meu pênis.
Eu ouvi um “plot” quando ela se levantou um pouco antes de
descer, empurrando meu cacete inteiro dentro da sua bocetinha,
suas paredes internas e lisas me capturando, me fazendo gritar de
prazer.
— Ah, você é tão gostosa...
Nós ficamos um pouco parados, como se estivéssemos nos
acostumando um ao outro. Então, depois, ela começou a me
cavalgar. Eu sabia que meu pau era grande e gordo, mas não
esperava que ela estivesse tão ansiosa por ela, saltando com
lágrimas de alívio nos olhos.
Minhas mãos agarraram seus quadris para ajudá-la no
movimento. Ela choramingava de prazer, e eu mal conseguia conter
meu próprio gozo.
A gente estava com tanta vontade... era como se estivéssemos
esperando a vida inteira um pelo outro.
— Ah... Ah... Daniel.... Daniel! — Ela gritou, e minha promessa
de vê-la assim ecoou na minha alma.
Não pensei que seria tão rápido.
O calor cresceu. Seus seios pulavam para cima e para baixo
enquanto ela metia e metia, gemidos incontroláveis escapando dos
seus lábios, nossas bocas se buscando para abafar o som, para
tentar acalmar tanta paixão, coisa que, acredito, nenhum de nós
jamais pensou ser possível.
— Daniel...
Eu comecei a gozar. Meu pau despejando meu sêmen dentro
dela. Talvez, depois desse bebê nascer, nós podíamos ter outro. E
então mais outro. Uma família enorme, para coroar todo esse
sentimento.
— Daniel... — pela maneira como ela me chamou, sabia que
também estava vindo.
Jatos quentes afundaram dentro dela, escorrendo pelas suas
coxas, enquanto ela estremecia em mim. Então nós dois nos
abraçamos forte, esperando que as batidas frenéticas se
acalmassem enquanto o resto do gozo nos tomava.
— Fran? Tudo bem?
Eu não sabia direito sobre transar com quase nove meses de
gestação. A última coisa que queria era machucar o bebê com minha
impetuosidade.
— Eu me sinto tão bem — ela sorriu.
Eu dei risada, enquanto resvalava para trás, me acomodando
na cama, a trazendo para descansar sobre mim.
A vida podia ser tão perfeita. Eu era o homem mais sortudo do
mundo.
Capítulo 23
Daniel
Os dias que se seguiram foram incríveis. Eu nunca vivi um
momento tão especial, era como se estivesse em lua de mel.
Trabalhar, cuidar de Valentina, e a noite cair nos braços de Maria
Francisca. A vida podia ser tão gratificante.
Aos poucos, nós descobrimos nuances um do outro. Ela
adorava que eu mordesse seu lóbulo da orelha, eu amava a maneira
como ela saltava sobre meu pau com tanta vontade como se eu
fosse uma espécie de coisa erótica preciosa.
Eu quase esqueci que havia compromissos e que os dias
passaram, mas o fato de encontrar Maria Francisca curvada sobre a
mesa, uma poça de líquido aos seus pés, e gemidos de dor exalando
de seus lábios numa das noites que voltei para a casa, me trouxe
novamente a realidade.
Ela estava grávida. E parindo.
— Oh Deus... — eu murmurei.
Por algum momento fiquei parado diante dela de olhos
arregalados. Homem nunca sabe direito como agir. Eu estudei
enfermagem quando mais jovem, mas simplesmente o conhecimento
desapareceu da minha mente diante da cena.
— Preciso ir para o hospital — ela disse, e eu fui grato porque
era mais fácil cumprir ordens do que ordená-las.
— Vou pegar a bolsa e arrumar a caminhoneta.
Eu fiz tudo isso em menos de dois minutos. Quando estacionei
a caminhoneta diante da casa, saltei para fora, indo em direção a
Fran, para ajudá-la a descer as escadas.
— Daniel... precisa ligar para Vitor, pedir para Ruth ficar com
Valentina. Ela já está dormindo, mas não podemos deixá-la sozinha.
Deus me perdoe, eu esqueci completamente de minha filha.
— Certo, certo...
Ajudei Maria Francisca a sentar-se na caminhoneta. Depois,
corri até a casa do peão mais próxima e lhe pedi o favor de ligar para
Ruth. O homem acenou rapidamente, e sua esposa deixou claro que
ficaria de olho até Ruth chegar.
Eu fui grato porque as pessoas eram solidárias a um homem
em pânico.
— Não é tão difícil. Você ajuda as vacas a darem cria o tempo
todo — Maria Francisca sorriu em minha direção quando eu voltei
para o carro.
Como ela parecia madura e tranquila. E como eu conseguia
estar em total estado de pânico. Era um contraste enorme, tendo em
vista que era Fran que estava sentindo as dores.
Sentei-me no lado do motorista e liguei o veículo. Logo, o
coloquei na estrada de chão batido, tentando não correr demais, já
que solavancos podiam ser muito ruins para uma grávida.
Ao meu lado, Fran gemia baixinho, e sua expressão era de dor.
Eu me apiedei, mas precisava indagar algo que não podia mais
esperar.
— O bebê vai nascer, Fran — disse a ela. — Você já pensou?
Posso chamá-lo de meu filho?
Capitulo 24
Fran
Me dissera para caminhar pelo corredor do hospital para acelerar o
parto. Eu estava com as pernas abertas, uma dor me cortando a
carne, mas a mão quente de Daniel segurando a minha me trazia
alento e conforto.
Era bom... ter um companheiro.
Talvez fosse essa a intenção de Deus quando criou Eva. Dar a
Adão uma parceira de vida. Alguém para estar lá. Ainda assim, eu
não conseguia imaginar Bernardo fazendo a mesma coisa.
Quando Daniel me indagou sobre ser o pai, eu tive uma
contração forte, e não pude responder. Depois, logo chegamos ao
hospital, e a resposta se perdeu. Eu não pensei nela até estarmos
aqui, caminhando lentamente pelo corredor, a mão de Daniel
apoiando a minha, a preocupação em seu rosto.
— Oh, Deus... dói muito — disse e ele se apiedou.
Uma enfermeira surgiu no corredor naquele instante.
— Dona Maria? Vamos ver a dilatação? — ela indagou,
alegremente.
Era tão estranho que para ela isso fosse algo corriqueiro. Para
mim parecia o maior dos eventos.
Daniel me ajudou a entrar no quarto. A sentar na cama. Logo,
deitei-me, a barriga se contorcendo em ondas.
— Oh, está na hora — a mulher disse. — Você vai ter seu
bebê.

∞∞∞
A dor era tão grande que não haveria palavras para descrevê-
la. A única coisa que parecia aliviá-la um pouco era o fato de
empurrar. Eu coloquei todas as minhas energias em empurrar mais e
mais, até cair para trás, exausta e sentir a mão de Daniel em minha
testa suada, confortador.
— Você está indo tão bem... — ele disse.
— Dói muito — repeti a frase que disse desde que a bolsa
estourou. — Estou com medo.
— Estou aqui do seu lado. Vai dar tudo certo.
— Mais um empurrão forte, Maria Francisca — o médico disse.
Eu nem sabia quem era esse homem. Eu fiquei aos cuidados
das enfermeiras durante toda a noite, até que esse homem grisalho e
sorridente entrou no meu quarto, e começou a me dar ordens.
Eu queria xingá-lo. Por que me torturava tanto?
— Mais, Maria Francisca. Vamos lá.
— Daniel... – choraminguei, pedindo ajuda.
— Só mais um empurrão. — Ele sussurrou. — Você consegue.
Você é tão forte.
E então veio uma onda forte... e quando percebi, o choro de
uma criança inundou a sala. Houve sorrisos entre os presentes, mas
tudo que meus olhos buscavam era o bebê.
Era perfeito? Tinha as perninhas? Os dedinhos? Por que não
me entregavam ele?
Subitamente, o médico ergueu uma miniatura de gente até
meus olhos, mostrando o quão perfeito ele era. Eu mal conseguia
acreditar, um choro exausto brotou na minha garganta. Dizem que
você esquece a dor de parto após ver a criança, e era verdade.
O amor me inundou.
— É uma menina — o médico avisou. — Uma menina saudável
e forte!
Olhei Daniel e ele tinha lágrimas nos olhos.
Era o mais grato dos presentes.

∞∞∞
— Vitória?
— Combina com Valentina — eu disse. — Se fosse menino, eu
queria Vanderlei.
Valentina se achegou ao meu peito. Eu dei um beijo no topo da
sua fronte. Ela estava sendo tão madura em aceitar o bebê. Eu
imaginei que podia haver um pouco de ciúmes, mas Valentina me
surpreendeu.
— E Daniel, o que achou? — Ruth indagou.
— Daniel?
— Vitor me contou que ele havia pedido para ser o pai do
menino. Quero dizer, ele esperava um menino...
Eu sorri. Daniel havia sido perfeito. Ele ficou ao meu lado o
tempo inteiro, segurou minha mão enquanto me limpavam do resto
do parto. Depois, quando o bebê nos foi entregue, ele ficou o
balançando nos braços, falando amorosamente com Vitória.
— Ele amou, Ruth.
Ela sorriu.
— Duas meninas! Será que vem menino na terceira vez?
— Ruth, eu acabei de dar à luz. Estou toda dolorida.
— Não dou um ano para estar aqui de novo — ela brincou.
Não aguentei e ri. Me acostumei a esse humor estranho dela.
— Estou feliz que o bebê é saudável e que você está bem —
ela disse. — As vezes o parto não é fácil, mas nós mulheres
costumamos ser uma força da natureza.
De repente Daniel entrou no quarto. Houve um breve silêncio,
que Ruth entendeu sabiamente. Queríamos ficar a sós, tínhamos
tantas coisas para dizer.
Ruth me entregou o bebê e se afastou. Logo, eu pude me
dedicar as pessoinhas que eu amava mais que tudo.
— Valentina, você quer segurar sua irmã?
Era minha resposta para Daniel. Vi lágrimas em seus olhos.
Valentina se sentou na cama e endireitou as pernas. Então eu
transferi o bebê para ela. Minha menina segurou Vitória como se elas
fossem feitas para estarem uma ao lado da outra.
— Mamãe — ela me chamou assim pela primeira vez. — Eu
vou cuidar dela para sempre.
Sorri.
— Eu sei.
Logo Daniel sentava-se do outro lado. Sua mão deslizou pelo
meu ombro.
Ficamos assim, os quatro na cama. A família que se formou
através dos laços sagrados do respeito e do amor.
— Obrigado — ele disse.
Eu é que era grata. Encontrei o amor e a cumplicidade.
A vida era cheia de surpresas.
Epílogo
Fran

Valentina, Vitoria, Valéria e Vanessa.


Era isso. Eu quase podia ver a expressão desesperada de
Daniel enquanto as meninas se acomodavam uma ao lado da outra,
para tirarem uma fotografia. O fotógrafo verificava a luz, enquanto a
música alta da quermesse inundava meus ouvidos.
— Em quem vai votar? Collor ou Lula? — Vitor perguntou. —
Ruth disse que vai votar no Collor porque ele é bonito.
Daniel explodiu num riso incontido.
— Eu não tenho tempo de pensar em política — comentou. —
Estou preocupado porque Valentina está ficando mocinha e os
rapazes da cidade já estão de olho nela. Além disso, Fran está
grávida... Estamos tentando um menino.
— Se tiver uma menina de novo, que nome vão dar? Acho que
já esgotaram todos os nomes com V — Vitor riu.
Daniel me encarou. Ele queria muito um menino, mas era um
pai maravilhoso de meninas e estava disposto a ter quantas filhas
Deus quisesse nos dar.
— Está cansada? — questionou-me. — Vamos pegar uma
mesa no salão de festas?
— Meus pés estão inchados. Vamos comer alguma coisa e
então vamos embora? — perguntei. — Vitor vai ficar na festa, não é?
Ele pode ficar de olho nas meninas.
Daniel assentiu. Ainda nossa cidade era pequena e segura. Eu
esperava que ficasse assim pela infância e juventude de nossas
meninas. Queria que elas fossem livres para viver aqueles dias
felizes sem preocupações.
— Mamãe — ouvi Valentina me chamar ao longe.
— Oi? — gritei para ela.
— Afonso vai me pagar um cachorro-quente — ela apontou um
rapaz com o rosto cheio de espinhas ao longe.
— Oh, Deus... — Daniel murmurou.
— Tudo bem, querida — disse para ela. Então volvi para meu
esposo. — Não dê espetáculo. O rapaz é de boa família.
— Ela só tem quinze anos...
— Eu sei. E está na idade de se apaixonar.
— Oh Deus — ele repetiu, em pânico.
Eu ri. Então segurei firme sua mão.
Subitamente o bebê chutou. Apertei os dedos de Daniel, e
apontei meu ventre.
— Chutou?
— Sim.
— Ei, esse com certeza vai ser um jogador de futebol — ele
disse a frase que se repetiu durante minhas três gestações
anteriores.
— Ou vai ser uma menina como sempre — eu ri.
Daniel deu os ombros. Não importava. Seria amado de
qualquer forma.

Fim.
— Você é tão submissa... Eu gosto tanto desse seu lado.
A lembrança sobre o que ele falou sobre filhos me tomou. Gael
não os queria comigo porque eu era sua puta por 48 meses. Ele não
iria querer um bebê de uma mulher que se vendeu.
O misto de dor e calor me tomou quando sua mão percorreu
minhas costas, abrindo o zíper do meu vestido. Sua mão percorreu
minha pele nua me causando arrepios, e achegou-se na minha
cintura. Levemente, ele segurou-me ali e me puxou contra ele.
Eu não pude esconder o som de meus lábios quando senti sua
carne dura pressionando minha bunda.
— Ah, esse seu bundão, Celina... Me deixa doido, tem ideia?
De repente outra mão me empurrou para frente, para que eu me
segurasse no dossel da cama. Eu fiquei curvada, a bunda elevada
para ele, e uma parte de mim se perguntou o que diabos ele iria
fazer.
Era uma posição desconfortável, e vergonhosa. Eu, Celina,
estava abaixo, e minha bunda, acima. Era indigno.
— Pare com isso — murmurei.
— Você tem vergonha? Não teve de me falar sobre fedelhos, e
sobre aceitar a ideia ridícula de um casamento para sua mãe. Você
me provocou, Celina...
Ele desceu meu vestido. Meus seios suspensos no ar, minha pele
completamente exposta para ele. Uma mão quente se moveu contra
minhas coxas, e a sensação do seu aperto me fez gemer alto.
Vergonha, indignação... Prazer...
Meu coração batia tão forte que achei que não fosse aguentar.
Dedos se moveram pela pele. Minha calcinha foi arrancada como
se não fosse nem um pouco resistente. Subitamente, seus dedos
separaram meus lábios da boceta, e eu choraminguei.
Então ele ergueu a mão. Eu pude ver o movimento por um
espelho lateral. Mesmo assim, uma parte de mim só acreditou
quando senti o tapa forte na minha bunda, boceta, me fazendo
contorcer.
O que era isso. Minha boceta latejou sobre o toque forte e eu
gemi alto, não conseguindo resistir ao prazer que ele provocou.
Sua mão desceu novamente.
Eu gritei. Minha vagina amou a força da palmada, minha carne
estava arrepiada, eu respirava tão forte que só conseguia ansiar pelo
próximo toque.
Eu sei. Era repugnante. E forte. E latejante.
Eu não conseguia parar de me contorcer, minha vagina pingava
de antecipação. Eu podia gozar só pelos tapas.
Mais uma palmada. Outra. Eu tentei apertar as coxas para aliviar
um pouco, mas Gael pegou as duas polpas da minha bunda,
abrindo-as, me fazendo gritar alto, chamando pelo nome dele,
fazendo com que eu me sentisse a pior das criaturas.
Ele acelerou o ritmo. Eu comecei a me contorcer, enquanto meu
corpo inteiro sacudia.
— Gael — eu gritei.
— O quê? Você quer gozar?
— Gael! Eu estou... por favor...
LEIA COMPLETO AQUI

Josiane Biancon da Veiga nasceu no Rio Grande do Sul. Desde


cedo, apaixonou-se por literatura, e teve em Alexandre Dumas e
Moacyr Scliar seus primeiros amores.
Aos doze anos, lançou o primeiro livro “A caminho do céu”, e até
então já escreveu mais de vinte livros, dos quais, vários se
destacaram em vendas na Amazon Brasileira.
WWW.JOSIANEVEIGA.COM.BR
instagram
https://www.instagram.com/josianeveigaescritora/
QUER GANHAR MIMOS E CONVERSAR SOBRE OS LIVROS
DA AUTORA?
CORRE PRO GRUPO DO TELEGRAM:
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