Você está na página 1de 459

The Art Of Falling For You (#1)

The Sin Of Kissing You (#2)

The Hate Of Loving You (#3)


— Você está me perseguindo?
— Nós moramos bem ao lado um do outro, Garota Nova.
Bay Bishop, também conhecida como A Garota Nova, é minha
nova vizinha. Óculos, roupas pretas da equipe de palco e um
talento especial para ficar em segundo plano.
Ela é, provavelmente, a única que revira os olhos quando eu
passo em vez de torcer pela minha última jogada de
touchdown. Mas antes que eu possa empurrá-la para as
cavidades da minha mente arquivadas em "Não é problema
meu", ela aterrissa bem no meio dos meus sonhos.
Eu a pego cantando com uma voz diferente de qualquer outra
que eu já ouvi antes, que explora sentimentos que eu não
deveria ter pela garota que me evita a todo custo. Preciso saber
porquê ela me odeia.
Faltando três meses para a formatura, a jogada final começou.
Só que não é para mais pontos. É para Bay.
Ao contrário do meu sucesso em campo, esta vitória é tudo
menos garantida. Mas não consigo me impedir de correr o
risco.
Não há placar piscando.
Não há multidão torcendo.
Só há eu e ela.
A contagem regressiva está passando. A única coisa mais
assustadora do que encontrar o meu primeiro amor é perdê-lo.
The Art of Falling for You é o primeiro livro do novo romance
esportivo do universo de Fulton U, a trilogia Falling.
Para Sarah, pelas incontáveis horas passadas caminhando e
conversando comigo enquanto eu lutava com a história de Bay e
Dare.
Falling
Sinopse
Tabela de Conteúdos
Aviso — bwc
1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
32
33
34
35
36
37
38
Essa presente tradução é de autoria pelo grupo Bookworm’s
Cafe. Nosso grupo não possui fins lucrativos, sendo este um
trabalho voluntário e não remunerado. Traduzimos livros com
o objetivo de acessibilizar a leitura para aqueles que não sabem
ler em inglês.
Para preservar a nossa identidade e manter o funcionamento
dos grupos de tradução, pedimos que:
• Não publique abertamente sobre essa tradução em
quaisquer redes sociais (por exemplo: não responda a
um tweet dizendo que tem esse livro traduzido);
• Não comente com o autor que leu este livro
traduzido;
• Não distribua este livro como se fosse autoria sua;
• Não faça montagens do livro com trechos em
português;
• Se necessário, finja que leu em inglês;
• Não poste – em nenhuma rede social – capturas de
tela ou trechos dessa tradução.
Em caso de descumprimento dessas regras, você será banido
desse grupo.
Caso esse livro tenha seus direitos adquiridos por uma
editora brasileira, iremos exclui-lo do nosso acervo.
Em caso de denúncias, fecharemos o canal
permanentemente.
Aceitamos críticas e sugestões, contanto que estas sejam
feitas de forma construtiva e sem desrespeitar o trabalho da
nossa equipe.
— Se você parir esse bebê no meu quarto, eu nunca vou te
perdoar.
Eu trouxe outra caixa do corredor. O hall de entrada do
novo conjunto residencial foi repintado de branco com uma
faixa azul marinho no meio da parede em preparação para a
chegada do campo de treinamento de verão dos Lions de Los
Angeles.
Felicia aninhou sua barriga arredondada, que parecia ter
estufado durante a noite, e abriu uma caixa com meu nome
escrito ao lado. O apartamento estúdio para o Diretor
Residente era meu agora, já que Felicia morava no apartamento
que dividia com seu marido estudante de doutorado.
— Cada criança Franklin voltando três gerações chegou
com pelo menos duas semanas de atraso; acho que você está
segura.
Eu coloco a caixa na cadeira da minha escrivaninha.
— Você ainda está com trinta e cinco semanas de gravidez.
Pode acontecer a qualquer minuto.
— Então você pode assumir o cargo de diretora do conjunto
residencial.
— Está tentando me fazer desistir no primeiro dia?
— Você é meu braço direito. Não pode me deixar na mão.
Ela pode, Becca? — Ela esfregou a barriga e olhou para mim
com olhos de cachorrinho.
— Ensinando-a desde o ventre, hein? — Coloco as caixas no
chão ao lado da minha cama. — Você imaginaria que eles nos
dariam, pelo menos, camas de verdade.
Ela riu.
— Estamos todos juntos na cama estreita. Até os jogadores
de futebol americano. Você deve se preparar para responder
MUITAS reclamações sobre como eles precisam de camas
“boas”, como se tivéssemos as de tamanho California king
escondidas em algum lugar.
— Por que eles estão aqui afinal? Eu pensava que atletas
profissionais ficariam em hotéis cinco estrelas ou algo do tipo
para o campo de treinamento.
— Não. Os treinadores gostam deles aqui. Menos distrações
com o campus praticamente vazio. É mais fácil ficar de olho
neles, e não há motivo para eles saírem. Academia, campos de
jogos e comida estão todos em um só lugar. — Ela se inclinou e
forçou um sussurro. — Além disso, é barato. — Deu de
ombros. — Comparativamente de qualquer maneira.
— Eu tenho mais três caixas.
— Pegue o carrinho. Por que você está carregando uma de
cada vez? — Ela abriu o zíper da minha mala e tirou um par de
minhas roupas íntimas. — Lembro de quando eu cabia em
calcinhas como estas.
Eu as arranquei de suas mãos e os enfiei na gaveta vazia.
— Fique longe disso aí e apenas fique com as caixas, se insiste
em me ajudar a desfazer as malas.
— Mas não sou eu a chefe?
— A chefe intrometida.
Desço correndo as escadas de pedra na parte de trás do
prédio. Pelo menos eu estava no térreo e não tive que arrastar
as coisas por vários andares, mas tinha a desvantagem de
enfrentar o pátio onde os foliões de fim de semana se reuniam.
Eu teria que montar um sistema elaborado de polias e baldes
para afastá-los, embora no verão espero que seja melhor.
Estar no campus era estranho agora. Eu não era mais uma
estudante. Eu era uma funcionária. Funcionária temporária.
Meu último verão no campus. A formatura havia sido há
menos de uma semana. Eu era uma graduada da faculdade. Era
uma adulta genuína sem mais desculpas para evitar entrar no
mundo real. E não me sentia diferente. Bem, exceto talvez o
medo esmagador de ser uma adulta e não saber o que diabos
fazer da minha vida.
Peguei a última caixa no meu carro e fechei o porta-malas.
Minha etiqueta de mudança temporária estava pendurada no
espelho retrovisor. Eu teria que estacioná-lo assim que deixasse
a caixa.
Um homem mais velho em um corta-vento e calça cáqui
com um brilho saudável que eu não acho que venha do
bronzeamento, mas de muito tempo do lado de fora, me parou
nos degraus até o dormitório.
— Com licença, eu sou do LA Lions, eles disseram que eu
deveria procurar alguém com uma camisa verde-limão.
Olhei para a minha camiseta verde-limão de funcionários do
Conjunto Residencial.
— Sou eu. Você precisava de ajuda com o quê?
— Você quer que eu pegue isso para você? — Ele gesticulou
para a caixa.
— Não é tão pesado, e eu só vou levar até ali. — Eu balancei
a cabeça em direção à porta, apoiada para ficar aberta.
— Alguns dos nossos jogadores chegam cedo hoje e só
temos as chaves da comissão técnica. Podemos pegar as chaves
dos quartos deles?
— Claro. A Diretora Residente e eu podemos ajudá-lo com
isso. Se você passar pelo Escritório da Diretora Residente bem
na entrada principal com os números dos quartos, podemos
pegar essas chaves. Eles terminaram de arrumar todos os
apartamentos e os inspecionaram ontem, então está tudo
pronto para ir.
Ele acenou com a cabeça e foi embora.
Entrei no meu quarto.
— O que é desafio? — Ela balançou o caderno com páginas
marrons enroladas na frente de seu rosto.
A caixa escorregou de minhas mãos, caindo no chão. Livros
didáticos e outras bugigangas aleatórias tombaram.
— Você fez crônicas de jogos de Verdade ou Desafio
enquanto crescia? Uma lista de desejos? — Ela provocou.
Minhas costelas se contraíram quando Felicia folheou meu
velho caderno verde e branco. Se ao menos fosse algo tão bobo
e constrangedor, algo frívolo e esquecido. Em vez disso, foi um
corte transversal do meu coração partido comprometido com
a página. As bordas do papel enroladas e manchadas com
lágrimas que eu prometi que nunca iria derramar novamente.
Eu pulei sobre a caixa e conteúdos derramados e o arranquei
de sua mão.
— Não olhe isso.
Ela recuou.
Meu batimento cardíaco em pânico se acalmou agora que
eu tinha o caderno em segurança nas minhas mãos. Minha
respiração saiu entrecortada. Meus dedos tremiam nas páginas
esfarrapadas.
A preocupação irradiava de sua voz.
— Bay, sinto muito. — Ela me encarou, perplexa, e tentei
me acalmar.
Abaixei o caderno, enfiando-o sob uma pilha de livros
didáticos. Inspirando fundo com uma respiração trêmula, me
virei e a encarei com um sorriso estampado em meu rosto.
— Não, me desculpe. Não é grande coisa.
Ela agarrou sua barriga e eu me senti uma babaca ainda
maior.
Uma batida rompeu o constrangimento no quarto.
— Com licença, senhorita. Eu tenho os números dos
quartos e um de nossos jogadores já chegou. Ele logo estará
aqui. — O homem mais velho com o rosto grisalho, mas olhos
gentis, estava na porta.
Eu limpei minhas mãos.
— Sim, claro. Esta é Felicia, a Diretora Residente.
Ela sorriu em seu perfeito modo profissional.
— Prazer em conhecê-lo. — Ela apertou sua mão.
— Eu sou Hank. Sou o treinador assistente de tight ends1. E
não peguei seu nome.
— Bay. — O profundo estrondo de uma voz disparou
através de mim como se eu tivesse sido atingida por uma flecha.
Na porta, um homem deu um passo à frente, parecendo, ao
mesmo tempo, tão diferente daquele que eu conhecia em meu
último ano do ensino médio e tão igual que doeu. Uma
pontada aguda de dor em meu peito.
— Dare.

1
O Tight End (TE) é uma posição ofensiva do futebol americano. São
jogadores mais fortes e versáteis e, às vezes, são os últimos homens na linha
ofensiva. Possuem duas funções no campo: bloquear e receber passes.
Ela estava exatamente como eu me lembrava dela. Tão parecida
com a primeira vez que a vi, que quase trouxe lágrimas aos meus
olhos.
Já fazia muito tempo. Tanto tempo que, se não fossem pelos
meus cadernos de esboços, eu teria jurado que a inventei, que
ela era um fruto da minha imaginação, construída para me
ajudar a atravessar os dias mais sombrios da minha vida.
Mas aqui estava ela, em carne e osso. Respirando e me
encarando com o mesmo ódio e raiva que ela demonstrou da
última vez que a vi. Mas antes daquele dia fatídico, quando eu
parti seu coração e o meu, ela era a garota de quem eu não
conseguia desviar meus olhos.

Quatro anos antes.

Meu antebraço doía. A reverberação do golpe que eu bloqueei


provavelmente contundiu o osso. Ele me pegou desprevenido.
Eu tinha ficado desleixado, preguiçoso. Minha própria casa não
era um refúgio, não quando ele estava lá.
Dentro da garagem, a lâmpada oscilante suspensa e a
respiração sufocada e ofegante eram os únicos sons.
O brilho lustroso do meu capacete de futebol americano
refletiu em meus olhos, fazendo o lugar piscar como uma boate
fodida. Eu me curvei, meus dedos apertando ao redor das
barras da máscara facial. Olhei para o meu carro com o motor
ainda quente, ofegante, o peito tão apertado que senti como se
tivesse corrido de ponta a ponta, arrancadas de noventa metros.
A caixa de segurança em que eu escondia meu dinheiro
estava no chão de concreto manchado de graxa, arrombada, o
metal retorcido e estilhaçado. Em vez de escondê-lo no meu
quarto como sempre fazia, fiquei desleixado e o deixei exposto.
Minha visão ficou turva e nebulosa. Aquele merda do caralho.
O dinheiro que eu economizei nos últimos seis meses para
pagar minha passagem para a Liga dos Titãs em Chicago daqui
um mês, que seria convenientemente a próxima vez que ele
estaria em casa, tinha desaparecido.
Eu tinha juntado tudo fazendo bicos, consertando os carros
das pessoas e vendendo algumas das minhas porcarias velhas
das quais eu precisaria me livrar de qualquer maneira quando
fosse para a faculdade. Se Aaron Smith não tivesse me fodido,
e então eu precisasse extrair minha taxa por meio da destruição,
eu estaria em casa para esconder isso antes que meu pai tivesse
visto.
À medida que ele percorria rotas mais longas dirigindo seu
equipamento, nossos caminhos se cruzavam cada vez menos.
Quase como se a cada cinco quilos de músculos que acumulava
na sala de musculação fosse mais uma semana em que ele se
inscreveria para uma viagem de caminhão mais longa pelo país
e ficaria fora de casa. Ótimo. Eu queria que ele finalmente fosse
o que se assustava para variar.
Peguei a caixa e a virei. Uma moeda de 25 centavos deslizou
para a palma da minha mão aberta. Fechando meu punho ao
redor do metal, lancei a caixa pelo ar. A parede de ferramentas
do outro lado estremeceu e balançou. Ambas as minhas mãos
cerraram ao meu lado.
Os freios a ar do equipamento de caminhoneiro
guincharam do lado de fora da porta da garagem. A tensão
tomou conta de cada parte de mim. Ele estava voltando?
A porta da frente da casa se abriu com um estrondo. Meus
dedos se apertaram ao redor do metal frio da chave inglesa ao
meu lado na bancada de trabalho. Era menor do que o que ele
tinha usado em mim, mas talvez desta vez eu não congelasse,
voltando a ser um garoto de oito anos quando seus passos com
botas atingiram o chão do lado de fora da minha porta.
Passos fortes vibraram a parede atrás de mim. Minha
frequência cardíaca disparou, a pulsação viajando pelo meu
peito e ameaçando me sufocar. A bile se alastrou em meu
estômago, correndo para minha garganta. Cada célula do meu
corpo gritava por vingança, mas eu ainda estava sentado ali
congelado, incapaz de me mover. Os passos recuaram
novamente e a porta bateu. Lá fora, pneus aterraram no
cascalho da rua sem saída do lado de fora da minha casa.
A vergonha tomou conta de mim. Eu deveria ter corrido até
lá e acabado com ele. Ele sempre foi maior do que eu, mas eu
era mais forte. E mais rápido. E não fico bêbado noventa por
cento do tempo. Eu poderia nocauteá-lo e ele nunca mais me
tocaria. Em vez disso, me acovardei na garagem, nem mesmo
capaz de girar a maçaneta da porta.
Em campo, nunca pensei duas vezes antes de bater nos caras
para conseguir a abertura que Bennet, nosso quarterback2,
precisa, mas meu coroa ainda me paralisava.
O ódio nublou minha visão e eu soltei um grito primitivo,
desejando que ele pudesse rasgar o teto da garagem.
A fúria trituradora, esmagadora e destruidora se
desencadeou em tudo ao meu redor. Um som rompeu a
necessidade de destruição. Continuou, cutucando as bordas da
névoa ofuscante em que entrei, onde o instinto me levou.
O martelar do sangue em meus ouvidos diminuiu. Dei um
passo à frente, meus sapatos deslizando em cacos de vidro. Isso
me tirou da névoa e me puxou das profundezas da minha fúria.

2
Quarterback (QB) é a posição mais famosa do futebol americano. É o
armador das jogadas, o cérebro do time e responsável pela tática de cada avanço
da equipe. Sua função é dar início às jogadas, fazendo passes e comandando a
distribuição da bola.
Olhando para mim estava um par de olhos que eu não via
há mais de dez anos. O triste olhar da minha mãe encontrou o
meu através do vidro estilhaçado no porta-retrato lascado.
Deixei cair o capacete e deslizei da bancada de trabalho para
o chão. Minhas laterais estavam gritando, doendo, queimando.
Virei o porta-retrato mutilado e resgatei a foto. A vergonha
rasgou meu peito. O latejar maçante do hematoma em minhas
costelas não se comparava ao nó em minha garganta.
Sacudindo a névoa e me levantando, como se tivesse
rompido as raízes que brotaram dos meus pés, examinei o resto
dos danos. O vidro cintilou na luz oscilante e suspensa da
garagem e tilintou no chão de concreto.
Mesmo em uma fúria cega, meu carro havia sido poupado
do peso da minha raiva. Alguns arranhões, mas nenhum dano
real que eu não pudesse consertar sozinho. Peguei a vassoura e
limpei o vidro, pedaços de madeira lascada e metal dobrado e
retorcido. Ao contrário do meu coroa, eu limpava minha
própria bagunça. O raspado e a chuva de vidro na lata de lixo
eram os únicos sons na garagem. O que eu tinha ouvido antes?
Ninguém ficou ferido. Repeti o mantra em minha cabeça.
Meu pai não se importava com a descarga de suas frustrações
por sua vida fodida – ou seja, eu. É o que acontece quando você
é a razão pela qual a esposa de alguém foi tirada dele.
Pelo menos eu só desconto minhas merdas em objetos
inanimados. Eles não se machucavam ou sangravam, não que
ele se importasse.
Eu conseguia decifrar agora. Música.
O som recomeçou, mais alto desta vez. Não era o rádio de
alguém. A melodia começou e parou, como um carro que não
tinha uma chave na ignição há muito tempo. Atraído por um
tranco no meio do meu peito, puxando-me com um cordão
que eu não sabia que tinha, caminhei até os fundos da garagem.
Abri a porta que dava para o quintal. Protegendo meus
olhos dos últimos suspiros do sol poente, procurei a origem.
Estava vindo do meu quintal. Correção – do quintal dela.
Bay Bishop sentou-se em seus degraus dos fundos com os
olhos fechados, balançando enquanto seus dedos levantavam e
dedilhavam as cordas como se nada pudesse apressá-la através
da melodia. Mas não foi seu jeito de tocar violão que me tirou
da névoa de raiva.
Com o queixo inclinado em direção ao céu, sua voz ecoou
por nossos dois quintais. Seu cabelo estava solto, diferente do
rabo de cavalo que ela sempre usava. Ondas de cabelo pintadas
espalharam-se por suas costas. Um moletom enorme engoliu
metade de seu corpo. O violão estava em seu colo coberto por
um jeans.
Seu pé esquerdo batia com o ritmo e ela balançava junto
com a melodia.
As letras estavam perdidas ao vento, mas o poder de sua voz,
doce e forte, poderosa e vulnerável, me atingiu com força.
Embora ela tivesse vindo para a cidade alguns anos atrás, sua
mudança para a casa vazia atrás da minha era nova, pouco antes
do início do nosso último ano.
Eu não havia dito mais do que algumas palavras para ela
desde que se mudou para a cidade, embora tivéssemos
compartilhado duas aulas todos os anos desde o nosso segundo
ano. Tivemos alguns projetos em grupo, mas como sempre
acontecia, alguém entrava para assumir o controle, acumulava
todas as informações e depois reclamava que ninguém mais
contribuiu. Não que alguém esperava que eu o contribuisse,
então me sentava e os deixava enlouquecer enquanto eu
repassava o livro de jogadas do meu próximo jogo na minha
cabeça.
Bay nunca me tratou como um idiota sem cérebro. Ela
nunca me tratou como nada. Nunca tinha falado diretamente
comigo.
O que diabos significava isso? Seis aulas em três anos e
nenhuma frase? A maioria das pessoas disputavam minha
atenção.
Ela acenava ou balançava a cabeça, mas eu nem sabia se ela
já havia dito uma palavra para mim.
Eu inclinei a vassoura contra a porta e limpei os nós
ensanguentados dos meus dedos em minha calça jeans. O
latejamento aumentava a cada batimento cardíaco. Eu
precisava colocá-los no gelo, mas não conseguia sair do meu
lugar.
A inclinação e a queda entre nossos quintais significavam
que a cerca era mais uma linha divisória do que uma barreira de
privacidade. Seus degraus dos fundos eram claramente visíveis,
quase elevados, como se a Mãe Natureza estivesse lhe dando
uma plataforma para se apresentar.
Ela nunca esteve aqui antes. Eu não teria ignorado sua voz.
Era quente e cheia, e envolveu-se em mim me atingindo no
meio do peito. Uma abordagem pós-bandeira.
De pé na entrada, eu precisava fechar a porta. Meus dedos
agarraram a borda da madeira lascada e castigada pelo tempo,
mas eu não conseguia tirar os olhos dela. A música estava cheia
de esperança e anseio por um tempo melhor. Um tempo mais
feliz. Embora parecesse que eu nunca tive aqueles dias
ensolarados sem preocupações, a música dela me fez acreditar
que tive. Criou memórias de um passado que eu nunca vivi, e
me deixou esperançoso de que talvez houvesse um lugar onde
eu encontraria paz.
Ela sorriu, quase rindo enquanto a letra jorrava dela.
Repetiu o refrão novamente, voltando a ele, tentando
encontrar o próximo verso. Eu poderia ouvir as palavras em
repetição pelos próximos cem anos. Ela parou, olhou para
baixo para o caderno ao lado dela e depois para cima.
Fechando os olhos, ela reiniciou com o refrão. Seus dedos
dedilhavam as cordas, começando e recomeçando.
A pausa na música enviou uma onda de desejo através de
mim. Meus dedos latejavam junto com meus braços e minha
lateral.
Eu ansiava pela próxima nota. Precisava disso como eu
precisava de minha próxima respiração.
Seus olhos se abriram e ela congelou, olhando para mim.
Eu havia sido pego. De alguma forma, isso era pior do que
se eu acidentalmente a pegasse se trocando em seu quarto.
Uma forte buzina rompeu a chamada hipnótica da melodia
enrolando profundamente em meu peito. Cortou a conexão
como alguém cortando uma linha de energia com um conjunto
de alicates.
Retirei meus dedos da moldura da porta e me afastei dos
sons que estavam agitando algo que eu não conseguia nomear.
Batendo a porta, eu afastei os sentimentos que percorriam
meu corpo. Peguei minha jaqueta do chão e corri para fora.
— Por que diabos você demorou tanto? — Knox bateu no
capô de seu carro.
— Você buzinou há menos de vinte segundos.
— São vinte segundos do horário nobre para beber. — Ele
deslizou de volta para o carro pela janela do lado do motorista
e acelerou o motor. Knox – sempre pronto para a porra de uma
festa – Kane não era conhecido por sua sutileza.
— Tenho certeza que você vai compensar isso. — Eu subi
para o banco do passageiro.
O carro se afastou do meio-fio uma fração de segundo
depois que meu pé saiu do asfalto.
— Eu tenho a merda da certeza que vou. — Ele bateu o
punho contra o teto e gritou pela janela, balançando a cabeça.
Eu agarrei o volante, nos endireitando na estrada.
— Ô bundão, você poderia não nos matar antes de
chegarmos lá?
Ele caiu de volta em seu assento.
— Uma temporada invicta. Quatro vezes campeões
estaduais. Somos deuses! — Ele gritou pela janela aberta.
— Deuses que podem se machucar e sangrar. — Eu bati
meu punho em seu ombro. O hematoma no meu lado
esquerdo irá evoluir durante a noite, e a cor escurecerá sob a
minha camisa minuto a minuto, como todas as outras. A
adrenalina ainda estava correndo pelo meu corpo,
desacelerando a dor que se aproxima da superfície, mas em uma
hora, ficar de pé será uma droga. E o treino amanhã será brutal.
— Jesus. — Ele olhou e esfregou o ombro. — Não estamos
mais em campo. A temporada acabou.
Meu estômago deu um nó, se torcendo em um laço irritado.
Tinha acabado. Minhas chances de ser convocado estavam
diminuindo e diminuindo a cada dia. Que melhor maneira de
me preparar para o meu desamparado desaparecer no
esquecimento do que com uma festa explosiva onde todos
acordarão na manhã seguinte orando pela morte?
Pelo menos com o fim da temporada, o time não teve que se
arrastar para o campo para praticar e vomitar duas vezes
durante os aquecimentos, onde o treinador nos fez correr de
costas enquanto bebíamos suco de picles. Não, seria apenas eu.
O futebol americano da primavera era para os futuros
alunos do último ano, mas eu estarei bem ao lado deles,
agarrando a última luz no fim do túnel que escurece
lentamente.
Ele inclinou a cabeça e sorriu para mim.
— Você é louco pra caralho. Apenas nos leve para a festa
inteiros.

Uma garota dançava na minha frente, tentando me seduzir a


ponto de me tirar do sofá. Seu rosto era vagamente familiar,
mas era difícil dizer quando a maioria das meninas aqui tinha
ido para a escola com lábios de pato e luzes no cabelo.
No segundo em que ela descobrisse que eu não estava
mandando bem com minhas perspectivas de recrutamento e,
em vez disso, não tinha nenhuma, ela encontraria um novo cara
para danças particulares. Ainda bem que eu não estava
interessado. Ignorá-la não foi difícil. Ela era basicamente um
contorno vago com membros agitados, mas estava chegando
um pouco perto demais. Esvaziei o resto da minha cerveja,
sacudindo a garrafa na minha frente.
— Pegue outra cerveja para mim. — Sem por favor. As dicas
habituais – evitar contato visual e manter uma conversa com
todo mundo menos ela – não funcionaram.
Ela sorriu largamente, agarrou a garrafa e correu para a
piscina infantil cheia de gelo para pegar outra. O calor no
cômodo tinha aumentado na última hora. Suor desceu pela
minha nuca. Por que diabos eu estava aqui mesmo? Todo
mundo sabendo que eu ficarei preso aqui enquanto todos eles
ocupam as vagas nas faculdades seria o prego final no caixão da
humilhação. Prefiro vomitar depois de cada jogo-treino do que
deixar alguém me ver suar.
— Ela está a dez segundos de tirar seu pau pra fora e te pagar
um boquete na frente de todo mundo.
— Meu pau e eu estamos em total acordo. Isso não vai
acontecer.
— É de Bethany que estamos falando. Ela é gostosa pra
caralho.
Ela se inclinou até a cintura, passando as mãos pela banheira
de gelo à procura de um abridor de garrafas, embora houvesse
um na parede à sua frente. Sua saia subiu, mostrando as curvas
de sua bunda.
A mandíbula de Knox estava quase em seu colo e ele e seu
pau pareciam em total acordo sobre o que fazer com a situação
de Bethany.
— Então você dorme com ela.
— Se isso fosse uma opção, eu faria, mas ela está totalmente
decidida em você.
— Ela vai ter uma noite de merda, então.
— Você não está nem um pouco interessado em pegar uma
das mais gostosas da escola?
Levantei-me do sofá, estremecendo e mordendo o interior
da minha bochecha. Porra, isso doeu.
— Nem um pouco.
Bethany saltou até mim com a garrafa de cerveja aberta na
frente dela como uma oferenda.
— Olha se não é meu tight end favorito com a defesa mais
apertada.3 — Ela mordeu o lábio e piscou um olhar do tipo “me
coma”.
— Eu preciso mijar. Você pode entregar isso para Knox?
Toda a situação com olheiros de faculdade o deixa nervoso. Ele
tem tantas equipes atrás dele que, mesmo depois de assinar sua
carta de recrutamento, ele não sabe o que fazer.
Seus olhos brilharam.
— Claro.
Eu olhei para trás no meu caminho para a cozinha. Knox
tinha suas escolhas de faculdades. Ele teve uma temporada
excelente e elas estavam sempre procurando por um wide

3
Na versão original se torna um jogo de palavras com tight end, entre a
posição de futebol americano (de mesmo nome) e tightest end (que se traduziria
para alguém com uma defesa ou “final” mais apertado.
receiver4 incrível para melhorar seu jogo de arremesso. Ele
assinou as cartas, mas as ofertas de outras universidades
continuaram ficando cada vez melhores.
Knox murmurou um agradecimento para mim, com
Bethany empoleirada em seu colo. É melhor ele nunca dizer
que eu não faço nada por ele.
Como um tight end, proteger meu quarterback e abrir um
buraco na linha defensiva para que o tailback5 faça suas funções
fez a maioria das pessoas pensar que as faculdades estavam
derrubando portas para me pegar. Eles não estavam – não mais.
O fogo em meu estômago queimou. Meus ossos latejavam. Em
toda a minha carreira no futebol, perdi um jogo. Um jogo há
um ano. O único jogo que parecia importar e eu o passei
cuspindo sangue no chão do banheiro.
Eu ficarei preso nesta cidade de merda para sempre. Todo
meu papo sobre partir em alguns meses fez a ansiedade disparar.
Eu não poderia ficar em minha casa por muito mais tempo. O
impulso de ir embora me dominou. Quem se importava com
um diploma do ensino médio? Mas esses foram meus últimos

4
Wide Receiver (WR) é uma posição ofensiva do futebol americano. São os
recebedores e os jogadores chave na maioria das jogadas para pontuações. Sua
função é correr rotas (longas ou curtas) e receber o passe que o QB lança. Precisam
ser velozes, normalmente sendo os mais rápidos da equipe.
5
Tailback (TB), ou como é mais conhecido Halfback (HB) é uma das duas
posições em que o Running Back (RB) se divide. O RB é o corredor. Recebe a
bola do quarterback nas jogadas terrestres e tenta percorrer o maior número de
jardas possíveis. O TB é o mais rápido e mais ágil. Consegue ganhar mais jardas
na corrida.
dois meses para ficar frente a frente com qualquer recrutador.
Ser um jogador não-recrutado tentando entrar em times não
funcionaria, já que fui rejeitado na maioria das faculdades nas
quais me candidatei como aluno regular. Esta era a minha única
saída. Minha única chance de não acabar sendo um cara que
costumava ser alguém no ensino médio.
A prova de que eu não me tornaria apenas alguém que
acabaria bebendo até a morte prematura, se as pessoas ao seu
redor tivessem sorte, descarregando sua raiva por uma vida
fracassada em qualquer um que estivesse perto. Eu não seria
aquele filho da puta amargo para o qual ninguém dá a mínima.
Eu vou encontrar uma maneira de ir embora e provar que não
sou nada como ele e nunca serei.
Pegando um engradado com seis cervejas da geladeira, saí
para o quintal.
A onda de frio estava de volta. A primavera tentou fazer um
avanço, mas o inverno não queria saber de nada disso. Minha
respiração parou na frente do meu rosto, cortando através da
minha camisa térmica.
— A festa é lá dentro, Dare. — Bennet deu a volta pela
lateral da casa com o braço em volta de um dos destaques do fã-
clube de futebol americano. O cabelo dela estava grudado na
lateral de sua cabeça e a braguilha dele estava abaixada. Lá se vai
meu momento de silêncio.
— Eu sei, só estou pegando um pouco de ar. — Eu bati a
borda da garrafa na escada atrás de mim. A tampinha dela voou
e desapareceu entre a abertura do deck de madeira.
— Quando vamos festejar na sua casa? Você está
escondendo-se de nós nesta temporada. Logo é a sua vez.
— Tenho estado ocupado. — Eu também precisava
consertar os buracos na sala de estar, no corredor e nas paredes
do banheiro antes de deixar alguém ir lá.
Mas minha participação no festival de bebidas para menores
não foi um pedido. Era esperado que eu interpretasse o
coordenador de festas antes de nossa graduação em 3 de junho.
A data estava gravada em minha mente. A data em que perdi
tudo.
Quando o quarterback também era filho do treinador, o
treinador que era minha única chance de escapar, ele se safou
falando muito mais merda do que qualquer outra pessoa. Seu
braço era um canhão, mas sua boca também. Ele foi agarrado
no segundo ano, assim como eu. Só que sua rota de fuga não
havia sido bloqueada por um caminhoneiro alcoólatra com um
gancho de direita perverso.
O rodízio de festa passou por todos cujos pais nunca
estiveram em casa ou não davam a mínima, o que significava
que eu já havia sido anfitrião e feito minha parte este ano.
Eu voltei para dentro. Uma cabeça limpa era uma coisa
perigosa. Eu visualizava jogadas em minha cabeça, penetrando-
as até que os movimentos estivessem enraizados em meus
músculos e eu pudesse executá-los até dormindo. Em algumas
semanas, eu não teria futebol. Eu estaria acabado. Esquecido
aos dezoito anos.
Quatro horas, três cervejas e duas parceiras de dança depois,
após passado o tempo de presença determinado, procurei por
Knox. E eu o encontrei, dormindo em um dos quartos com
Bethany. Pelo menos um de nós estava tendo uma boa noite.
Na frente da casa, fechei o zíper da minha jaqueta e olhei
para a rua. A caminhada não seria tão ruim. A dor em minha
lateral e braço seria mortal no treino de amanhã.
— Dare, você precisa de uma carona? — Um dos caras do
time gritou.
Os cinco quilômetros pareciam muito mais longos quando
havia uma carona quente e rápida ao meu alcance.
— Sim, obrigado.
Dez minutos depois, subimos a colina até minha casa.
— Essa é a nova garota? — O jogador da linha defensiva
olhou pela sua janela.
Bay? Disparei o olhar para a janela.
Ela descia a rua se afastando de sua casa.
Eu verifiquei a hora. Onde diabos ela estava indo de bicicleta
à uma da manhã? Não era para a festa que eu havia acabado de
sair.
Ela nunca tinha nem passado por uma festa em que estive
desde que ela se mudou para Greenwood.
Seu casaco balançou atrás dela. As luvas rosa se destacaram
contra a noite escura como breu.
A pergunta rodopiou mesmo depois que cheguei em casa.
A quietude da casa me confortou. Sem Sports Central
berrando na televisão. Sem garrafas de licor barulhentas ou
roncos estrondosos. Até mesmo o cheiro de álcool de cereais
estava se dissipando da poltrona reclinável quebrada. Abri as
janelas para arejar o lugar. Apenas um silêncio feliz.
A melodia de mais cedo voltou para mim. Aquele que tinha
sido fácil de abafar com graves fortes e idosos bêbados fazendo
o seu melhor para recriar todos os filmes adolescentes que já
tinham visto em uma noite.
Olhei pela minha janela para a casa escura atrás da minha.
Ela havia escapado pela janela dela?
Uma garota como Bay deveria ter fechado seus livros
escolares e ido dormir sem pensar no caos induzido pelo álcool
que estava acontecendo do outro lado da cidade.
Uma garota como Bay tinha uma voz que podia explorar
emoções que eu nem sabia que era capaz de sentir e me fazia
ansiar por elas como um viciado em busca de sua próxima dose.
Uma garota como Bay não gostaria de ter nada a ver com
alguém como eu. E eu precisava manter distância de uma garota
assim.
Então, o que diabos uma garota como ela estava fazendo
andando de bicicleta para longe de casa tão tarde da noite?
Deitei na minha cama, olhando para o teto.
Ela desaparecia em segundo plano, nunca querendo que
ninguém prestasse atenção, mas havia uma voz dentro dela.
Não apenas aquela com a qual ela cantou, mas a melodia que
bateu no meu peito como o passe perfeito de 45 metros. Ela
poderia tentar se misturar, mas se alguém mais a ouvisse cantar
uma única nota, nunca a esqueceria. Em menos de três minutos
ela me fez sentir coisas assustadoras das quais eu deveria fugir.
Por que a necessidade de saber quais outros segredos ela
escondia me deixou todo confuso depois de uma única música?
Fechando a porta dos fundos atrás de mim, deixando o calor do
nosso aquecedor sobrecarregado para trás, sentei-me e repousei
a guitarra Martin do meu pai em meu colo. Não era para ser
abril?
O primeiro indício de um clima não-absolutamente-merda
e eu precisava sair. Tempestades de neve bizarras, chuvas
geladas, granizo, ventos fortes e chuvas intensas haviam se
estendido pelo inverno profundo muito além de quando eu
esperava por um raio de sol quente.
Os mendigos não podiam escolher. Pelo menos o chão não
estava encharcado.
Eu pulei com Mamma Mia tocando estridentemente no
meu celular.
— Ei mãe.
— Ei querida. Meu turno está prestes a começar, mas eu
queria que você soubesse que há um prato...
— Para mim na geladeira. Eu sei, mãe. Estamos fazendo isso
há meses. Mesmo que você não tivesse deixado jantar para mim,
eu mesma poderia fazer. A faculdade começará em menos de
seis meses. — Seis longos meses.
— Por que você está me lembrando disso? Está tentando me
matar?
— Pense na liberdade quando eu não estiver por perto para
mantê-la presa a este lugar.
— Só vai deixar a casa mais vazia. Quais são seus planos para
hoje à noite?
— Dever de casa. Talvez assistir um pouco de televisão. —
A culpa bateu em meu peito, mas mantive minha voz firme.
— Parece que você está do lado de fora.
Droga, fui pega.
— Eu tive que tirar o lixo.
— Tudo bem. — Ela prolongou as palavras como se eu fosse
quebrar se tivesse mais de três sílabas. — Fique segura e
certifique-se de que você...
— Tranque a porta antes de eu ir para a cama. Sim, mãe. Eu
sei. Estarei sozinha no próximo ano. Você não precisa se
preocupar. Tenha um bom turno e te vejo de manhã. Te amo.
— Te amo.
Havia uma pontinha de suspeita em sua voz. Ser pega
voltando para casa às 3 da manhã, seis meses atrás, pode ter tido
algo a ver com isso. A culpa foi minha; nunca mais saí antes das
onze da noite. Se havia um problema com o turno dela, sempre
acontecia antes disso. Então, esperar significava menos chance
de ser pega. Também significava que às vezes eu aparecia na
escola parecendo chapada e pouco coerente. Tive sorte de
nenhum dos meus professores ter me enviado a sala do
orientador para uma conversa.
Nós duas tivemos que nos adaptar à nova vida em que nos
encontramos, vivendo em um novo estado sem meu pai. E
ainda estamos nos adaptando. O desafio interminável de
descobrir o que diabos era essa vida não diminuiu nem um
pouco. Quatro mudanças em quatro anos. Pelo menos eu
fiquei na mesma escola pelas últimas três mudanças cruzando a
cidade. Eu ainda não tinha certeza se era uma bênção ou uma
maldição. Pelo menos a casa nova reduziu a viagem para
quarenta minutos quando eu saio escondida. Eu fiquei de
castigo duas vezes, mas isso não me impedia. Especialmente
desde que me senti à beira de um avanço. Eu estava tão perto
de finalmente superar os sons paralisados que ficavam presos
em minha garganta antes de engoli-los novamente.
— Eu também te amo, querida.
A culpa corroeu meu peito como um texugo selvagem.
Meus dedos deslizaram pelas cordas, trazendo à tona aquele
som chiado.
Eu puxei minhas mangas ainda mais para baixo, cobrindo a
maior parte das minhas mãos. Com o sol desaparecendo atrás
da minha casa, o frio da noite tornou-se ainda mais gelado.
Os porta-retratos estavam pendurados na parede perto da
porta. Nesta casa havia espaço suficiente para exibir todos eles
e o proprietário estava de boa com furos de pregos nas paredes.
Na primeira moldura de madeira de cerejeira estávamos eu e
meus pais. Eles me fizeram usar um chapéu de cone de festa
rosa, mesmo que eu estivesse fazendo treze anos. Desde então,
recriamos a foto todos os anos. O que está abaixo é só eu e
mamãe com dois bolos gigantes nos formatos dos números um
e oito. Nosso diretor de teatro zombou de mim por aparecer
com um bolo gigante do número oito. Mas todos na equipe de
palco e no clube de teatro o devoraram em minutos.
Eu encarei a última foto na fileira inferior. Foi uma das
últimas fotos de nós três juntos. Ele teria quarenta e um hoje.
Normalmente, no aniversário dele, mamãe e eu escolhíamos
um bolo juntas e encontrávamos o pior presente, geralmente
personalizado com “Melhor Pai do Mundo”. Ele o abria e o
bajularia como se fosse o melhor presente que já tivesse
recebido.
Antes de hoje, mamãe havia trabalhado em turnos
consecutivos de 12 horas. Ainda mais do que o normal. Ela
sempre ficava assim quando o clima de inverno ficava preso no
limbo da mudança sazonal e o dia se aproximava como o degelo
de uma geada.
Ela cairia em um sono imediato após o banho. Se ao menos
todos nós pudéssemos ter tanta sorte. Era mais difícil dormir
agora. Havia um zumbido constante na parte de trás da minha
cabeça, como se eu tivesse deixado o forno ligado ou a porta da
garagem aberta. Abrindo meu armário, pesquei a única coisa
para acalmar a estática em meu cérebro. A familiar sensação
ranhurada da alça desgastada do estojo acalmou o ruído, mas
não o parou completamente.
Incapaz de questionar a mim mesma, peguei o violão e o
trouxe aqui. O grão escuro da madeira contrastava com o corpo
suave e claro. As laterais de mogno tinham alguns arranhões e
saliências da época do meu pai arrastando essa coisa de show em
show e de estúdio em estúdio. Às vezes eu começava a
acompanhá-lo, sempre passando minhas mãos pelas cordas e
sorrindo para o minúsculo som antes que ele me sentasse em
seu colo e me ensinasse a tocar.
Descansei minha testa contra o lado liso do corpo. Meus
dedos instintivamente foram para suas posições nas cordas. O
metal atingiu minha pele. Os calos duramente conquistados ao
longo de anos de prática haviam suavizado nos quase 36 meses
desde que eu peguei o violão dele – meu violão agora.
Enchendo meus pulmões de ar, deixo tudo de lado. Meus
batimentos cardíacos, os grilos cantando e o dedilhado lento
das cordas, meu único foco. Eu caí no ritmo da música,
deixando as notas me trazerem de volta a um tempo anterior,
quando eu não sabia como era perder alguém. Depois de três
anos, eu finalmente consegui segurar o violão. Agora eu
precisava tocar.
Cantando na escuridão, minha voz era carregada pela brisa
suave. Eu estava enferrujada, mas a letra saiu de mim como uma
cachoeira imparável. Pega-pega no quintal. Café da manhã de
domingo com panquecas Marky Mouse – o primo
ligeiramente desfigurado do Mickey. Os Mickeys sempre saíam
um pouco instáveis, e você não sabia dizer se estava olhando
para um rato de duas cabeças compartilhando uma orelha ou
duas orelhas incrivelmente desproporcionais em uma pobre
cabeça torta de rato. As horas em que ele se sentou comigo,
nunca ficando com raiva ou desistindo, me ensinando a tocar.
Eu te amo, pai.
As palavras fluíram por mim. Através do meu olhar
semicerrado, uma figura se moveu. Eu podia sentir o calor do
olhar em mim. Normalmente, era quando minhas cordas
vocais fechavam, mas eu continuei, focando nessas palavras e
na figura sombria me observando. A última nota ecoou e eu
abri meus olhos completamente para ver quem havia se
intrometido em um momento que ninguém mais tinha visto
durante anos.
Pisquei de volta as lágrimas acumulando nas bordas das
minhas pálpebras. A represa não havia estourado, mas uma
válvula de escape havia sido aberta, deixando a tempestade
turbulenta de emoções em minha cabeça se acalmar para que
eu pudesse respirar e pensar.
Por cima da cerca, seu movimento desfez a sombra
projetada ao seu redor como se ele tivesse se tornado uma parte
da garagem, parado e focado.
Minhas costas se retesaram e eu encarei a figura me
observando no escuro.
Dare.
Sua forma realçada por sua camisa de manga curta foi
iluminada na porta escura retroiluminada por uma única
lâmpada pendurada na garagem. Bíceps suavemente
bronzeados pressionados contra o batente da porta. Ele se
encaixaria perfeitamente em qualquer time universitário que o
recrutasse. Coloque-o ao lado de um veterano da faculdade e
poucas pessoas poderão perceber a diferença. Da sombra das
cinco horas ao olhar penetrante, Dare nunca havia conhecido
um oponente que não pudesse enfrentar.
Ele foi esculpido, de uma maneira tipo “vou falar manso
com você com os nós dos meus dedos ensaguentados”. Ele era
o epítome de garoto do outro lado dos trilhos, só que em vez de
uma motocicleta, ele dirigia um carro esporte antigo.
Tínhamos vivido um ao lado do outro por mais de seis
meses e esta foi a primeira vez que ele olhou para mim. Bem,
não é a primeira vez. A primeira vez foi com um nível diferente
de intensidade, cortante e duro. Desta vez era outra coisa...
Meu estômago embrulhou. As asas batendo aqui dentro
não eram borboletas. Talvez beija-flores ou pardais – muito
maiores do que o bater suave das delicadas asas de uma
borboleta.
Seu olhar cravou no meu cruzando ambos os quintais, e
então ele se foi. A batida da porta da garagem ecoou em nosso
bairro quase silencioso.
Olá para você também, vizinho. Nada mudou desde a
primeira vez que coloquei os olhos nele.
Pegando meu violão, olhei para o céu noturno. A
combinação nublada e escura ameaçava chover a qualquer
segundo. Um final adequado para um dia já emocionante.
De volta para dentro, peguei meu jantar e fui para o meu
quarto.
Eu rabisquei mais algumas linhas em meu caderno.
Repassando novamente por alguns versos, esperei que esses
sentimentos viessem até mim.
Eu cantei para Dare. Bem, não tecnicamente para ele, mas
eu cantei enquanto ele estava lá. No fundo eu sabia que era ele,
mesmo antes de assumir toda a sua forma. Por que consegui
cantar na frente dele?
Eu sonhava com música, mas os sonhos eram tudo o que eu
podia ter quando não conseguia nem cantar na frente de mais
ninguém. Todas as vezes que tentei, não conseguia nada, até
esta noite. Eu esperava deixar meu pai orgulhoso por viver seu
sonho; em vez disso, fui relegada a viver seu caminho seguro.
Eu olhei para as fotos na minha mesa. Nossa pequena
família feliz agora enfraquecida. E, em alguns meses, eu
também terei ido embora.

O guincho estridente do meu alarme irrompeu durante meu


sono. Eu pulei da minha cama, tateando à procura do meu
celular. Rápido ou eficiente não era como eu descreveria meu
método para desligá-lo.
Eu me arremessei para frente muito rápido e bati no chão
com um baque. Meu celular disparou debaixo da minha cama
como se alguém o tivesse prendido a um cabo pelo puro prazer
da comédia. Eu o peguei e desliguei. O silêncio reverberou no
meu quarto sem o barulho de unhas no quadro-negro
irrompendo do meu celular. Esfregando o sono dos meus
olhos, bocejei e fiz minha rotina.
Me vesti. Deixei um bilhete dizendo que eu estava
dormindo na casa de Piper, caso mamãe voltasse mais cedo para
casa. Me agasalhei.
Cada clique e barulho da minha bicicleta soava como um
trovão. Eu nem estava escapando sorrateiramente. Não era
como se minha mãe estivesse lá em cima.
Prendi meu capacete e subi na minha bicicleta. Com minha
bolsa enfiada contra minhas costas, eu parti pela minha rua.
Um carro me encontrou no topo da colina e meu coração deu
um pulo. Mas não era o sedan cinza da minha mãe; fez as curvas
com eficiência e navegou pelos cruzamentos.
Nos dezoito meses ou mais em que estive escapando, só fui
pega duas vezes. O vento soprou em meu rosto, entorpecendo
minhas bochechas, mas a excitação martelou em meu peito.
Com apenas um fone de ouvido inserido, pedalei pela rua
quase silenciosa. Os blocos ficaram mais compactos e menos
extensos. Estradas sinuosas mudaram para as retas que haviam
sido partidas por um urbanista. Eu passei pelas fachadas
escurecidas das lojas. Lojas de bebidas e farmácias eram as
únicas coisas iluminadas.
Cheguei ao meu destino: uma escada indescritível com uma
porta verde na parte inferior.
Eu pulei da minha bicicleta e agarrei a moldura e o guidão,
carregando-os escada abaixo.
A porta se abriu quando cheguei ao último degrau. Uma
sombra caiu sobre mim.
— Eu estava me perguntando se você iria aparecer hoje à
noite. — Freddy cruzou os braços. Sua barba grisalha caía quase
até a parte superior do peito.
— Como se você pudesse se livrar de mim tão facilmente.
— Se eu apenas fosse sortudo. — Ele segurou a porta para
mim, agarrando minha bicicleta com uma mão e pendurando-
a no suporte de parede, que ele montou para mim, como se eu
tivesse lhe entregado um panfleto.
— Você estará cantando hoje à noite ou trabalhando?
Um nó se alojou em meu peito como um carvão em brasa.
Ele já tinha me ouvido cantar antes, quando meu pai estava
vivo. Toda vez ele fazia a pergunta, e toda vez eu gostaria que a
resposta fosse cantar, cantar com a porra do meu coração como
eu costumava fazer, mas eu não conseguia. As notas se alojavam
em minha garganta, a menos que eu estivesse cantando sozinha,
e de que adiantava isso para mim se tudo o que eu queria fazer
era subir ao palco e cantar? Eu não cantava na frente de
ninguém desde que meu pai morreu. Exceto por Dare. Eu não
havia engasgado como se dedos invisíveis estivessem em volta
da minha garganta espremendo o ar dos meus pulmões quando
ele me observara. Eu continuei, quase como se não fosse capaz
de parar. Mas aquilo foi lá, e isso era aqui.
— Trabalhando. — Aquele buraco em meu estômago
voltou com força com a ideia de tocar na frente de outra pessoa.
Bem, mais uma outra pessoa. Eu já tinha tocado na frente de
Dare e não queria repetir essa sensação. Eu engoli o nó na
minha garganta.
Ele balançou a cabeça, indo embora. Eu segui atrás dele,
acenando para os outros técnicos e produtores à medida que
passávamos por eles.
Álbuns de ouro e platina de décadas atrás pendurados nas
paredes.
— Você não deveria estar feliz?
Ele zombou.
— Não, porque então eu tenho que te pagar.
Eu dei um tapinha em seu ombro.
— Também significa menos trabalho para você.
— Mais. Eu tenho que ir atrás de você e verificar todo o seu
trabalho. — Ele empurrou a porta para a menor cabine do
estúdio.
Agora foi minha vez de zombar.
— E quantas vezes eu cometi um erro?
O resmungo dele foi minha única resposta.
Do outro lado do vidro duplo, um cara estava sentado atrás
do piano espremido no espaço, rabiscando na partitura à sua
frente.
— É a primeira vez dele. Seja gentil.
— Eu sempre sou.
Ele cruzou os braços sobre o peito e abriu a porta.
— Sua mãe sabe que você está aqui esta noite?
Eu mantive meus olhos nos controles deslizantes e botões à
minha frente.
— Claro.
— Jesus, você é a pior mentirosa do mundo. Se ela chamar a
polícia, direi a eles que você invadiu aqui.
— Invadi e comecei a mixar demos de artistas que pagaram
pelo tempo de cabine?
Ele deu de ombros.
— Os jovens hoje em dia são loucos. — A porta fechou
silenciosamente.
Tirei meu casaco e o coloquei no sofá alojado atrás de mim.
Cinzeiros cheios de baseados abandonados e garrafas de cerveja
cobriam todas as superfícies planas que não fossem a mesa de
mixagem. Lar Doce Lar.
Liguei o interfone na sala à prova de som.
— Está pronto?
O cara de gorro e jaqueta jeans deu um salto. Ele protegeu
os olhos tentando espiar a escuridão do meu lado do vidro.
Acendi a luz e acenei.
Sua cabeça se jogou para trás.
— Você tem doze anos?
— Dezoito, eu te garanto. Você pagou por duas horas e o
relógio está correndo. Devemos começar?
Seu olhar se estreitou e ele assentiu com ceticismo.
Apaguei as luzes do meu lado do vidro, verifiquei meus
níveis na placa de som e apertei o botão de gravar.
— Pronta quando você estiver.
O fim de semana acabou muito rápido – não porque eu odiava
a escola, embora não fosse a minha favorita, mas porque evitar
Dare seria impossível, já que dividíamos três aulas. Eu também
estava privada de sono devido às minhas idas noturnas ao
estúdio, e fiquei por um triz quando minha mãe ligou para o
telefone da casa no minuto em que eu estava fechando a porta
da frente. Ela quase nunca ligava tão tarde, e não havia ligado
nos quase dezoito meses que eu estava escapando. Mas de vez
em quando ela o fazia, sempre dizendo que a ligação não tinha
passado pelo meu celular. Por vinte minutos, de tirar o fôlego,
depois de desligar, esperei ao lado do telefone para ver se ela
ligaria de volta.
Por mais cansada que eu estivesse, meus pensamentos
continuavam voltando para Dare.
Ele me ouviu tocar? Ele estava rindo do quão terrível eu
tinha sido? Meu estômago se contraiu, dando nós e se agitando.
Colocando meu capacete, enfiei o resto da minha torta na
boca. Açúcar mascavo, canela e eu tínhamos um encontro
diário no café da manhã.
Comida era combustível, certo?
A mudança pelo menos facilitou para que eu fosse de
bicicleta para a escola. Em nossa antiga casa, eu era obrigada a
ir de ônibus, o que nenhum dos outros alunos do último ano
parecia fazer. Piper, minha melhor amiga – praticamente
minha única amiga – e eu às vezes parecíamos as únicas que não
tinham ganhado um carro novo legal no momento em que
tiramos nossas carteiras de motorista e tivemos que encontrar
meios alternativos para ir para a escola. Ela e eu nos
aproximamos por causa de nossa desconfiança compartilhada
sobre a hierarquia do ensino médio. Provavelmente teve algo a
ver com o fato de não estarmos registradas de forma alguma
nela.
O vento soprou meus óculos contra meu rosto durante a
minha reta final em descida. Greenwood Senior High esperava
no final, um farol não tão brilhante com uma fila de carros
cruzando até a entrada.
Abri caminho entre os carros alinhados para entrar no
estacionamento da escola. Descendo da minha bicicleta, entrei
na faixa de pedestres e um carro buzinou, acelerando o motor.
— Anda logo, AGN6. — Um cara gritou da janela do
motorista antes de rir com seus amigos no carro. — Ou você vai
engasgar de novo bem aqui no estacionamento? — Ele colocou
as mãos em volta da garganta, fazendo sons sufocados.

6
A Garota Nova.
Apertei minhas mãos em volta do guidão. Mais três meses.
Eu só tinha que aturar essa merda por mais três meses. Por
alguma razão estúpida, pensei que poderia tentar participar do
show de talentos no meu primeiro ano aqui. Cantar uma
música para meu pai. Para mostrar a ele que ele não estava
errado a meu respeito e eu poderia fazer isso.
O plano era me jogar no palco e forçar a música a sair de
mim. Aquilo foi um fracasso, e o calor das chamas da
humilhação continua lambendo minha nuca três anos depois.
Eu fugi do palco. E eles nunca me deixaram esquecer,
cimentando meu novo não-nome quando alguém rabiscou
AGN em meu cartão de introdução. E então isso pegou.
Os grupinhos se posicionavam e se enfeitavam ao lado de
seus carros até que o último sino tocasse. Eu dormi além da
hora na esperança de pegar uma infecção estomacal, ou
possivelmente Ebola, e não precisar ir para a escola hoje.
Eu teria que passar no meu armário antes da aula, o que
significava que ficaria presa na multidão do corredor enquanto
todos se lembravam porquê estávamos realmente aqui neste
prédio de blocos de concreto dos anos 70 com aquecedor que
mal funcionava em uma manhã de segunda-feira.
Carros novos e velhos entraram em fila no estacionamento.
Parecia que eu não era a única atrasada hoje. A última fileira era
reservada para o time de futebol americano. A mais distante do
prédio e a mais próxima do campo de futebol.
Eles riam, se cumprimentavam e jogavam bolas de futebol
americano como se não tivessem tempo de bola suficiente
durante os treinos e jogos. Meu olhar passou por eles, o medo
correndo pela minha espinha de que eu travasse os olhos com
Dare. Mas por que ele iria querer ser pego olhando para a
AGN?
Estacionei, prendi minha bicicleta com um cadeado e fui em
direção a escola, deixando a equipe dos Greenwood Grizzlies
para trás. O corredor foi decorado com faixas e panfletos para
todas as atividades de fim de escola. A viagem do último ano,
musical de primavera, baile de formatura, show de talentos de
fim de ano. Mas as maiores faixas eram para o jogo de futebol
americano pós-temporada dos Bedlam Bowl, de jogadores do
terceiro ano contra os do último7, que ocupava mais espaço do
que qualquer outra atividade escolar, embora fossem jogos
amistosos entre nosso próprio time. Isso é o quanto eles
dominavam esta escola. Suas práticas obtiveram faturamento
superior a todos os outros.
Girei a trava de combinação da fechadura do meu armário.
De repente, alguém se chocou contra minhas costas, batendo
minha testa contra o metal pintado.
Empurrei meu corpo para trás, esfregando minha testa. Eu
me virei, mas quem quer que tenha sido se misturou com o

7
O Ensino Médio nos Estados Unidos tem a duração de 4 anos,
diferentemente do Ensino Médio do Brasil, que tem a duração de 3 anos.
resto da escola que se espalhava pelos corredores. Não sei o que
era pior, que alguém tenha feito isso de propósito ou que eu
nem mesmo importava o suficiente para ser registrada em seu
radar de objetos a evitar.
Eu abri meu armário. No final do corredor as pessoas se
separavam. Sem se curvar ou abanar com folhas de palmeira?
Que surpresa. As cidades pequenas amavam seus esportes e um
time esportivo vencedor? Era chocante que não houvesse uma
exigência de pétala de rosa e glitter. Mesmo depois de três anos
nesta cidade, a idolatria aos heróis nunca deixava de me
confundir completamente.
Na frente da matilha, Dare caminhava com uma confiança
que alguns dos professores nem mesmo possuíam. Ele não era
o quarterback – Bennet nunca deixava ninguém esquecer sua
posição no time –, mas isso não impedia as pessoas de
bajularem Dare.
Eu me virei, vasculhando meu armário. O dever de
matemática de hoje que terminei na semana passada e guardei
aqui não estava na minha pasta de matemática. Uma ponta do
papel ficou para fora da lacuna quase imperceptível ao longo
da lateral do meu armário. Usando os dedos de pinça, mordi
minha língua, concentrada em retirar o papel sem rasgá-lo.
Refazê-lo antes da aula não era uma opção. Não tinha tempo.
Por que estávamos sendo designados para trabalhos reais nesta
altura do campeonato? Todo mundo já não havia enviado suas
inscrições?
— Jaquetas esportivas para o desfile de hoje, hein? — Os
armários balançaram enquanto Piper deslizava para seu lugar
ao meu lado. O desfile do corredor de jogadores de futebol
americano era uma tradição não-oficial da Greenwood Senior
High. Cada jogador recebia uma jaqueta esportiva azul-
marinho e amarela no início da temporada. Uma dessas elevava
qualquer um na estratosfera social da escola em pelo menos dez
degraus. Os jogadores nem mesmo deixavam suas namoradas
usarem.
Eu cometi o erro de andar pelo show de pavão da hierarquia
social no meu primeiro dia aqui e quase fui atacada pelas capitãs
das líderes de torcida. Não foi o pior momento do meu
primeiro dia, quando eu apareci ainda com os olhos inchados,
três dias depois do funeral, e determinada a me distrair da nova
realidade que parecia estranha demais para ser absorvida.
As líderes de torcida de Greenwood ficavam orgulhosas,
ocupando as posições laterais um pouco atrás dos caras,
fazendo poses enquanto eles desfilavam pelo corredor.
Exatamente como faziam em eventos da escola, com os sorrisos
plastificados que escondiam suas forças mais sinistras de
pessoas-lagarto.
— Novas em folha. — Ela empurrou seus óculos mais para
cima, cerrando os olhos através das lentes que ampliavam eles
para parecerem gigantescos. Ela brincava dizendo que ficando
ao meu lado, o dela fazia o meu parecer chique.
— Como você sabe? — Coloquei meu dever de casa em
segurança na pasta da minha classe.
— São as jaquetas de campeonato compradas a tempo da
cerimônia de troféu em algumas semanas. Eles conseguiram um
segundo lote de novas jaquetas depois do campeonato do ano
passado também. Onde você esteve?
— Desculpe, não estou atualizada sobre todas as minhas
fofocas do Greenwood Athletics. — Peguei o resto dos meus
livros do meu armário e o fechei, girando a combinação da
fechadura. — Você deixa a equipe de palco com trinta farpas
por dia por reaproveitar madeira compensada dos anos 80 para
cenas e corro o risco de uma leve eletrocução toda vez que corro
a placa de som para as peças, mas os trinta caras do time de
futebol americano merecem jaquetas esportivas novas duas
vezes por ano.
Seus dedos apertam meu braço.
— Dare está olhando para cá.
— Não, ele não está. — Por favor, não deixe que ele esteja
olhando na minha direção. Enviei minha oração silenciosa ao
deus da sobrevivência do ensino médio.
— Puta merda, sim, ele está. — Seu aperto aumentou.
Ela estava tentando beliscar meus ossos?
— Piper, puta que pariu. — Eu gritei e arranquei meu braço
de seu alcance.
— Ele definitivamente estava olhando para cá. — Seu olhar
estava concentrado na multidão de pessoas por cima do meu
ombro.
“Para cá” sendo para mim? Por que ele olharia para mim?
Por causa da minha música? Isso já deveria ser conversa de
vestiário há muito esquecida. A Garota Nova que mora atrás de
mim toca música. Foi uma merda e foi hilário vê-la quase
chorar na varanda dos fundos. Foi tão terrível que bati a porta
tentando bloqueá-la. O que era pior? Rindo às minhas custas
ou não sabendo que eu sequer estava viva?
Eu me virei lentamente, como se um serial killer estivesse
parado ao meu lado com a faca levantada sobre a minha cabeça.
O baque baixo de sapatos contra o piso liso de linóleo sinalizava
sua chegada à minha fileira de armários.
O pescoço e o ombro dele passaram por mim sem um olhar
ou aceno de reconhecimento.
Piper ajustou as alças de sua mochila.
— Eu juro, ele olhou para você.
— Provavelmente tentando descobrir onde ele já me viu
antes.
— Você nunca falou com ele?
Depois do meu primeiro dia no corredor? Ficarei feliz em
evitá-lo a todo custo.
— Por que eu deveria? Estou surpresa que você faça isso. As
pessoas ainda me chamam de A Garota Nova.
Sua testa enrugou.
— Você é, no entanto.
— Estou aqui há mais de três anos! Como isso me torna
nova?
— Você é uma das mais recentes. — Ela deu de ombros. —
Cidades pequenas são estranhas assim.
— Não me diga. Além disso, meu nome verdadeiro são
quatro sílabas inteiras a menos do que me chamar de A Garota
Nova. É de se pensar que as pessoas gostariam de se esforçar
menos, não mais, para zombar de alguém.
Ela olhou de volta para mim por cima do ombro, acenando
seu lápis de unicórnio.
— Estranho ou não, Dare estava totalmente olhando para
você.
— E daí? Talvez ele tenha gostado da minha camisa. —
Puxei a bainha da camiseta de Hamilton que Piper havia
comprado para mim no meu aniversário e dei um giro.
— Você tem razão. Tenho certeza que ele está procurando
conselhos sobre moda.
Eu ri de sua resposta inexpressiva.
— Ele deu uma puta surra no carro de Aaron Smith no fim
de semana.
Uma imagem nebulosa de um cara indescritível com cabelos
e olhos passou pela minha cabeça.
— Ele deu?
— Sim, o cara devia dinheiro a ele ou algo assim e não quis
pagar. — Ela fechou seu armário.
— Que babaca.
Eu ri de seu olhar incrédulo enquanto ela fechava sua bolsa.
— Não é? Quem não paga a alguém o dinheiro que deve?
— Eu estava falando sobre Dare.
— Não posso dizer que ele não avisa as pessoas sobre suas
condições.
— Condições para quê?
— Acho que ele conserta carros às vezes.
Todo o seu tempo em sua garagem fazia mais sentido.
— O cara não pagou, então Dare destruiu seu carro. — Ela
deu de ombros como se fizesse todo o sentido do mundo
destruir as coisas de alguém porque eles não podiam pagar.
Conversar e arrumar um acordo parecia um plano melhor.
— Removeu os espelhos retrovisores, adicionou mais alguns
amassados e talvez furou um pneu. Não peguei todos os
detalhes.
— Essa era a versão do Cliffs Notes?
— Eu só juntei pedaços da informação. Tenho certeza de
que ouviremos mais até a hora do almoço.
Meu estômago começou a revelar o caminho da destruição
da guerra, mas eu tinha meus suprimentos preparados e
abastecidos para evitar uma troca de roupa de emergência.
O resto do dia passou como qualquer outro. Aulas. Sinos de
aula. Almoço. Educação Física convenientemente logo após os
vinte minutos quando todos nós enfiamos comida em nossos
corpos antes de sermos expulsos do refeitório. E mais aulas.
Eu compartilhei três dessas aulas com Dare, incluindo a de
Educação Física. Eu nunca fui alguém que desfalecia por causa
dos caras gostosos. Geralmente, eles eram todos idiotas classe A
e eu não achava que ele seria diferente. Mas desta vez não
consegui me impedir de olhar para ele. Ele foi a única pessoa
que já me ouviu cantar além dos meus pais e Freddy. O que ele
achou? Ele odiou? Correu gritando para a casa dele porque seus
ouvidos sangraram com o som da minha voz?
Eu queria mesmo saber o que ele pensava? Por que isso
importava para mim?
— Travis Maze 81! — Bennet gritou por cima do barulho da
banda e o estalo abafado das ombreiras batendo umas nas
outras. Estávamos embalados na linha de scrimmage8.
Restavam trinta e sete segundos na metade final e perdíamos
por um. Os jogadores que estavam indo para o último ano e
para o terceiro ano e eu éramos os únicos a jogar pela glória, em
vez de apenas jogar para não se machucar e manter os reflexos.
Foi um jogo de pós-temporada. Uma espécie de partida de
exibição, mas eu não ia parar e desistir. A maioria desses caras já
tinha seu ingresso escrito, mas o meu ainda estava balançando
com o vento.
As pontas dos meus dedos cravaram na grama molhada e
congelada. Nuvens do horizonte negro como tinta sopraram
contra meu rosto. Abaixei minha cabeça, me preparando para
a colisão.
Canalizando minha raiva e fúria, eu tinha um objetivo.
Derrubar todas as pessoas em meu caminho que não estivessem
usando uma camisa vermelha. Enfiei as travas da minha

8
A linha de scrimmage é uma linha imaginária transversal que corta o campo
e se posiciona entre a linha defensiva e a linha ofensiva, e os times não podem
ultrapassar essa linha antes do começo da jogada.
chuteira mais profundamente no solo, me preparando para
alavancar meu peso e proteger meu QB idiota da dizimação.
Colocamos nossos corpos em risco pela glória de uma
cidade pequena e pelos sonhos da faculdade. Alguns faziam isso
por dinheiro e fama. Quer dizer, eu não recusaria,
principalmente o dinheiro, mas eu com certeza gostaria de
saber que tudo na minha vida não foi um erro. Que eu tinha
uma coisa que conseguia fazer bem o suficiente para me tornar
grande.
A adrenalina correu em minhas veias. Eu mostrei meus
dentes para meus oponentes. Demolir. Desmantelar. Destruir.
O sangue latejava em meus ouvidos como um show de metal.
Uma respiração profunda e eu parti, correndo e colidindo
com os corpos à minha frente. Eu destruiria qualquer coisa em
meu caminho para ganhar quantos metros fosse necessário para
completar nossa jogada e limpar o caminho para o arremesso de
Bennet.
A bola caiu nas mãos de Knox, já na end zone9. Acima, o
relógio do placar bateu. Os segundos finais desapareceram do
cronômetro de jogo. Nós tínhamos conseguido.
Eu encarei os corpos inclinados dos idiotas que pensaram
por um segundo que poderiam passar por mim. Só por esse

9
A end zone é um termo usado no futebol americano que se refere à área onde
se marca o touchdown e outras formas de pontuação, ou seja, é o objetivo principal
de cada time, e é normalmente pintada de uma cor diferente. Existem duas end
zones, que ficam em lados opostos do campo.
motivo, eu queria arrancar suas cabeças malditas. Eu avancei
sobre eles, com o peito ofegante.
Trompetes retumbaram. Um corpo bateu no meu. Eu
arremessei meu cotovelo rachando-o na almofada grossa.
— Porra Dare. Sou eu. Seu companheiro de equipe. —
Bennet empurrou meu ombro.
Parado no centro do campo, fechei meus olhos e estabilizei
minha respiração, deixando o martelar acelerado me trazer de
volta à minha própria cabeça, onde eu não tinha todos os
instintos à beira do limite brutal do controle.
— O que eu te disse sobre me enfrentar depois de uma
jogada?
— Você é mal-humorado pra caralho. — Bennet olhou,
caminhando para as laterais.
Eu apoiei minhas mãos em meus quadris, deixando todos se
amontoarem uns aos outros nas laterais. O esmagamento de
corpos e golpes fora das jogadas pensadas enviou uma onda de
desconforto na minha espinha. Eu precisava de espaço,
especialmente depois de um jogo como o de hoje, brutal e
duramente conquistado. Levei tempo para diminuir o impulso
de destruir.
Knox correu até mim. Havia uma inquietação em sua
postura, posicionado e pronto para sair do caminho.
Eu respirei fundo. Até ele pensou que eu iria atrás dele – isso
revirou meu estômago.
— Boa pegada, cara.
Seus ombros relaxaram e ele arrancou o capacete.
— Você acha que alguém está observando tão tarde na
temporada? — Ele olhou para as arquibancadas.
— A essa altura, isso importa? — Se estivessem, eu não tinha
ouvido uma palavra deles. Os farejadores haviam ficado
obsoletos há muito tempo para mim. Foi estúpido até ter
aumentado minhas esperanças.
— Sempre pode existir uma oferta melhor. — Ele sorriu e
colocou as luvas no capacete.
Saímos do campo e nos dirigimos ao vestiário. Não era tanto
um vestiário, mas uma sala de espera para guardar nosso
equipamento e mochilas. Não havia lugar para tomar banho e
quase não havia espaço para se trocar. Os vestiários da
faculdade que visitei eram palacianos em comparação a este.
Academias próprias, saunas, equipes de apoio, refeitórios.
Liberdade.
Pena que eu não teria essa experiência.
Embarcamos no ônibus para voltar para Greenwood, ainda
suados e esgotados.
Uma mão pousou no meu ombro.
— Você vai sair depois disso? — Knox se inclinou sobre o
encosto do meu assento.
— Você realmente tem energia depois do jogo que jogamos?
Ele saltou para cima e para baixo como um cachorrinho
hiperativo.
— Bethany está indo para o pós-festa com as outras líderes
de torcida. Desde quando você não está a fim de um pouco de
gratidão oral?
— Estou cansado. Vou para casa. Não faça nada estúpido.
— Meu estômago roncou.
— Você me conhece. — Ele se jogou de volta em seu
assento.
— Exatamente. — Enfiei meus fones de ouvido de volta em
meus ouvidos e descansei minha cabeça contra a janela gelada,
deixando a cadência rítmica das luzes da rua e o balanço do
chassi do ônibus me arrastar para um sono profundo. Mais
como me deixar desmaiar após a exaustão. Manter-me sob
controle em campo foi tão punitivo quanto me jogar nos
corpos dos meus oponentes, mas eu não estava fazendo nada
que comprometesse minha última chance de assinar a carta de
recrutamento para uma bolsa de estudos universitária.
Depois de descer do ônibus, fui para o meu carro. Acendi a
luz do teto e verifiquei minha carteira. As mariposas podem
muito bem ter voado para fora. Abri o porta-luvas e o console
central. Nada.
Meu estômago roncou com raiva, irritado com meu corpo
sendo empurrado com tanta força sem injeção de combustível.
Talvez houvesse alguma comida em casa.
Mas meu estômago ficou em segundo plano quando
cheguei ao cruzamento à frente da minha casa. Em vez de virar
na minha rua, dei a volta pelo caminho mais longo. Passei pela
rua de Bay. Todas as luzes estavam apagadas em sua casa e o
carro não estava na garagem. A mãe dela não estava em casa?
Ou Bay estava festejando? Talvez A Garota Nova tivesse um
lado selvagem que ninguém tinha visto nos últimos três anos.
Talvez ela tenha pedalado por três cidades para deixar sua
excentricidade se soltar.
Eu balancei minha cabeça. O que diabos a música dela fez
comigo? E por que eu estava passando pela casa de Bay depois
da meia-noite, em primeiro lugar?
Quando cheguei em casa, ela estava silenciosa. Abrindo a
geladeira, encarei o imenso vazio. Merda. Eu deveria ter
aceitado a oferta de Knox. Os armários também estavam quase
vazios. Uma única caixa de Cap'n Crunch, que poderia muito
bem ter teias de aranha, me encarou de volta. Era um punhado
de cereais envelhecidos.
Uma batida me arrancou para fora do meu litro de água para
acalmar meu estômago.
Eu abri a porta.
Um garoto que não me parecia familiar deu um passo para
trás e olhou para mim com medo em seus olhos.
— O que? — Eu disse através do último punhado de frutas
crocantes.
Ele olhou para a minha rua.
— Alguém disse que você poderia me ajudar.
— Eu não tenho drogas. — Eu me movi para fechar a porta.
Claro que o pobre garoto comendo a porra de um cereal à meia-
noite era um traficante.
— Não, é sobre meu carro. O carro da minha mãe, na
verdade, e ela vai me matar se vir o amassado. — Ele olhou por
cima do ombro para o carro na garagem com uma garota no
banco do passageiro.
Limpei minhas mãos e estreitei meu olhar.
— Deixe-me ver.
Olhando para a lateral de seu carro, soltei um assobio baixo
e apertei minha nuca. Eu me agachei e balancei minha cabeça.
— Uau, você realmente fez um estrago nisto.
— Porra, estou morto. Ela vai me matar. — Ele esfregou as
mãos no rosto e a garota o abraçou.
— Eu posso consertar para você. Mas vai te custar.
— Quanto? Qualquer coisa.
— Cinco pizzas extragrandes do Gitano.
— Cinco! — Sua voz ecoou pela rua tranquila.
— Esse é o meu preço se você quiser que isso seja resolvido
antes que sua mãe acorde.
— Tudo bem, vou pegá-las depois que você consertar.
— Pagamento adiantado. Aí então eu conserto. — Eu cruzei
meus braços sobre meu peito e o encarei.
— Tudo bem — ele gaguejou antes de voltar para o carro.
E foi assim que eu organizei para mim uma semana de
refeições através de um trabalho de três minutos com a ventosa
na lateral de um sedã bronze.
Subi os degraus e peguei a chave do meu quarto. A minha
era a primeira porta no topo da escada, voltada para os fundos
da casa. Eu destranquei o cadeado e abri a tira de metal com
dobradiças antes de girar a maçaneta. Eu instalei isso na
primeira vez que vim para casa e encontrei meu quarto
saqueado. Mesmo quando eu tinha certeza que ele estava na
estrada, a paz de espírito para acalmar minhas preocupações de
que ele pudesse estar destruindo minha tralha sempre que eu
saísse de casa.
No chuveiro, descansei minha testa contra o azulejo,
deixando a água fluir sobre meus músculos doloridos. A sujeira
e o suor do jogo escorreram pelo ralo. Pelo menos essas dores e
sofrimentos iam embora muito mais facilmente do que os
outros hematomas que eu ganhei em casa – aqueles que não
vinham com acolchoamento e apitos estridentes de árbitros
quando as coisas saiam do controle. Para isso eu estava
preparado. Eles não vinham na calada da noite ou quando eu
não estava preparado para a ira do meu pai.
Com uma toalha enrolada na cintura, abri a janela do meu
quarto. O ar gelado entrou depressa e eu mordi um palavrão.
Por que diabos eu fiz isso? A resposta se enfiou na parte de trás
da minha cabeça, tentando se esconder até de mim.
Eu caí na minha cama, flexionando minha mão. A água
escorria do meu cabelo para a minha colcha. A cada poucos
segundos, meu olhar se voltava para a casa do outro lado do
caminho. Uma luz estava acesa agora.
Eu disparei da cama, me obrigando a não me esforçar para
ouvir algo, qualquer coisa, além de um carro passando a cada
poucos minutos.
Agarrando minha boxer, eu a coloquei e olhei para o teto
tentando descobrir se meu contato capacete-com-capacete
tinha sido muito forte. Essa era a única coisa que explicava por
que eu não estava festejando outra vitória agora. Ao invés, eu
estava...
Estava um puta frio e eu era um idiota maldito. Pulei da
cama e enfiei meus dedos no topo da minha janela para fechar
a maldita coisa.
Uma nota flutuou no ar frio como gelo. Eu congelei. Minha
frequência cardíaca disparou como se eu estivesse de volta ao
campo e uma jogada tivesse acabado de ser anunciada. O refrão
tocou novamente e parou sem a fluidez dos degraus dos
fundos, mas era ela. Ela estava cantando também? Mesmo me
inclinando até a metade da janela, me esforcei para distinguir
sua voz. Meus pés ainda molhados escorregaram no chão de
madeira e eu fui arremessado para fora da janela. A sensação de
estar no fundo de uma montanha-russa mergulhou
profundamente em meu estômago e minha visão do chão não
estava mais abaixo de mim, mas sim bem na frente dos meus
olhos.
Minhas mãos dispararam. Apoiando-me na lateral da casa,
coloquei meus pés contra o vidro. O que os jornais escreveriam
sobre isso quando alguém encontrasse meu cadáver amassado
em alguns dias, ainda de boxer? Ritual de sexo adolescente dá
errado: você sabe o que seus filhos estão fazendo? Estremeci e
coloquei minhas mãos de volta para o parapeito da janela. Eu
estive a centímetros de me matar. Me joguei de volta para
dentro de casa depois da minha tentativa de quase quebrar o
pescoço para ouvir cada nota.
O que diabos havia de errado comigo? Eu balancei minha
cabeça. Cair em direção a minha morte para ouvir a voz dela era
um novo nível de insanidade. Mas eu não conseguia parar de
desejar que ela estivesse tocando nos degraus dos fundos esta
noite.

O concurso do estacionamento era uma tradição da


Greenwood Senior High. Pessoas com muito dinheiro e muito
tempo se exibindo para os mesmos jovens com os quais
frequentaram a escola desde que tínhamos cinco anos. Todos
nós sabíamos que Andy Phillips tinha se urinado na terceira
série, o que significava que ele tinha que atualizar seu Lexus
todos os anos. Gary DiNotti foi o primeiro a ser pego com uma
ereção na aula de história da oitava série. A Sra. Greene estava
gostosa pra caralho, mas isso significava que ele se dedicava na
academia a tal ponto que mal conseguia virar a cabeça.
Todos entraram no estacionamento e ficaram perto de seus
carros. Capôs foram abertos, bolas foram lançadas, e a desfilada
da líder de torcida faria qualquer um olhar duas vezes.
Estávamos na Pensilvânia ou na Paris Fashion Week?
— Ótimo jogo, Dare. — Uma das garotas do último ano se
inclinou no capô do meu carro. Isso era um pirulito em sua
boca? Seu pai dentista ficaria chateado com isso.
— Ei. — Um aceno de cabeça desinteressado foi tudo que
pude criar.
Meu carro balançou. Knox bateu o porta-malas,
recuperando uma das bolas escondidas lá. Ele atirou na minha
direção e eu a peguei, segurando-a na minha frente como um
escudo de pele de porco entre mim e uma víbora.
— Senti sua falta na festa do Bennet.
— Você teria que estar procurando por mim para sentir
minha falta. — Enfiei minha mão no bolso, olhando por cima
da cabeça dela. Meu desinteresse não pareceu ser registrado
nem um pouco.
Ela sorriu largamente e se aproximou ainda mais.
— Eu estava procurando por você.
— Isso foi antes ou depois de você chupar Bennet no deque?
— Eu inclinei minha cabeça. — Você pode fazer o que quiser,
não estou julgando, mas não finja que seu interesse tem algo a
ver comigo. — Isso é o que recebo por ter sido sugado para
dentro de toda a besteira de “jogadores de futebol americanos
dominam a escola” nos meus primeiros dois anos no time. É
difícil sair quando você está tentando se encaixar.
Os caras do último ano eram deuses e eu fiz o que diabos eu
precisava para permanecer sendo um membro da equipe. Ossos
machucados, possivelmente quebrados, não me impediram de
aparecer todas as vezes – exceto uma vez, e eu aprendi minha
lição depois disso.
Eles eram a coisa mais próxima que eu tinha de uma família,
e não criar confusão era a diferença entre ficar no banco e ser
cortado. Fingir que todas as merdas sobre as quais eles falavam
eram coisas que eu tinha que lidar também. Não é que eu
consertasse amassados nos carros das pessoas para que seus pais
não descobrissem, para que então eu pudesse comer e manter o
aquecedor ligado, não por dinheiro para conseguir cervejas do
irmão mais velho de alguém.
Desde cedo aprendi a não falar sobre o que eu lidava em
casa. Isso só levava a mais perguntas, pessoas bisbilhotando e a
ameaça de ser mandado embora para onde eu nem mesmo teria
minha família do futebol. Mas, faltando apenas um pouco mais
de dois meses para a formatura, fingir estava ficando cada vez
mais difícil. As rachaduras entre eu e eles só aumentavam.
Bay passou por todos os carros em sua bicicleta. O capacete
amarelo brilhante era inconfundível. Ela não dava a mínima
para toda a falsidade. Não houve uma passagem lenta para ver
quem estava aqui e quem não estava. Pelo contrário, ela passou
de bicicleta como se fosse o último lugar que ela queria estar.
Eu não podia evitar invejar isso às vezes. Uma fuga para o
anonimato parecia certo, mas eu tinha que ou ser alguém ou
me tornar alguém para me destacar. Caso contrário, eu perderia
o que viria a seguir e a etapa final para me tornar profissional.
Joguei a bola em minhas mãos para Knox.
— Pegue minha bolsa do carro. Eu te encontro lá dentro.
— Onde você está indo? — Sua voz retumbou através das
filas de carros.
— Tranque meu carro. — Eu gritei por cima do ombro,
tecendo meu caminho passando pelas vagas designadas para o
terceiro ano no estacionamento.
Eu estive passando mais tempo na minha garagem do que
deveria, esperando ouvi-la cantar novamente, mas o rouxinol
havia parado.
Ela encadeava a bicicleta no bicicletário ao lado da porta
lateral.
— Bay, espere.
Ela se virou, tropeçando e quase caindo no bicicletário da
altura da coxa.
Minhas mãos dispararam, firmando-a pelos ombros.
Ela soprou o cabelo do rosto e olhou para mim com os olhos
arregalados, antes de olhar por cima do ombro.
— Estou bem. Você pode ir falar com quem estava tentando
falar. — Ela deu de ombros e eu deixei minhas mãos caírem de
volta para as minhas laterais.
— Era você.
— O que era eu? — Seu olhar baixou e ela mexeu nas alças
da mochila e prendeu o capacete no mosquetão pendurado em
um lado.
— Com quem eu estava tentando falar.
Ela apertou os olhos, me espiando através de um olho. Seu
nariz franziu, destacando as leves sardas na ponte.
— Por quê?
— Eu preciso de um motivo?
Sua bufada me disse que sim.
— Eu não faço dever de casa por pagamento. É desse jeito
que eu fico sem isto. — Ela tirou os óculos, piscando os olhos
para mim. Eles eram marrons, mas não qualquer marrom. Eles
me lembravam brownies ou bolo de chocolate. Ela os
empurrou de volta para a ponte de seu nariz.
— Sim, ainda sou virgem. Não, não pretendo perder a
virgindade no baile. Não, eu não sou lésbica. Isso deve bastar.
— Eu estava bloqueando sua fuga. Demorou três meio-passos
em três direções diferentes para ela perceber isso.
Eu sorri com os braços cruzados sobre o peito.
— Você terminou?
Seus olhos eram aguçados como laser. Legal e brilhante não
significava que ela não tinha o olhar confuso e cortante.
— Você não? Por que você está falando comigo?
— Eu não posso falar com você?
— Você nunca fez isso antes. — Havia rugas no meio de suas
sobrancelhas por causa de seu olhar cético.
Eu não tinha feito isso antes, mas, depois de ouvi-la cantar,
não conseguia parar de olhar para ela e esperar para ouvir ainda
mais.
— Talvez eu quisesse tentar algo novo.
Ela espremeu a ponte do nariz.
— Quem te fez fazer isso? — Seu pé bateu como se ela
estivesse lidando com uma criança gigante. Quer dizer, às vezes
eu era, então eu realmente não podia culpá-la. E qualquer
atenção era melhor do que apenas um aceno de cabeça ou pior,
seu olhar passando direto por mim.
— Por que tem que haver um motivo oculto para eu falar
com você?
— Porque ninguém fala comigo.
— Isso não pode ser verdade.
Ela deu um longo suspiro de sofrimento que deve ter
testado os limites de sua capacidade pulmonar.
— Tudo bem, há um pequeno subconjunto de pessoas
nesta escola que falam comigo regularmente e você não é uma
delas. — Sua voz estava mais alta do que quando ela cantava.
Não tão rouca e ousada, mas não menos poderosa. Minhas
bochechas doíam por tentar manter meu sorriso escondido.
Talvez eu gostaria de ter.
— Você já pensou que isso pode ser um efeito colateral de
sua personalidade brilhante? Pela maneira como você responde
a um simples olá, fico surpreso que ninguém mais esteja
subindo pelas paredes para conhecê-la.
Seu queixo caiu.
— E a febre do futebol americano subiu à sua cabeça se você
presume que todos estejam se atropelando para falar com você.
— Você literalmente tropeçou. Três minutos atrás, lembra?
Eu te peguei e te impedi de cair de cara.
Ela cerrou os punhos na frente dela e apertou os olhos como
se pudesse me desejar longe. Um olho se abriu.
— Droga, eu esperava que isso fosse uma alucinação. — Ela
recuou, batendo no bicicletário. — Escuta. — Seus dedos
bagunçaram seu cabelo, não de uma forma arrogante, mas
sugando pura frustração. — Eu tenho algumas coisas para fazer
e o que quer que seja isto — ela gesticulou entre eu e ela com os
dedos —, está fora da minha banda larga, então estou indo. —
Pistolas com os dedos por cima do ombro a acompanharam
escalar o bicicletário para se afastar de mim.
— Continue essa conversa como se eu ainda estivesse aqui.
E então ela se foi. Desapareceu pelas portas amarelas
brilhantes da escola, me deixando atordoado com a mudança
em nossa conversa.
— Você está roubando uma bicicleta ou algo assim? —
Knox apareceu ao meu lado e bateu minha mochila em meu
peito.
— Não. — Olhei da bicicleta de Bay para a porta que todos
do estacionamento passavam. Torcendo a trava em torno da
estrutura de sua bicicleta, fechei-a com força, balançando a
cabeça e acompanhando o resto da equipe. — Só estava
tentando conversar com alguém. — Eu pendurei minha
mochila em um ombro. Toda a equipe tinha seus armários em
um corredor. Passamos pelo resto da escola. Panfletos cobriam
as paredes e alguns dos armários – toda a merda de fim de escola
que sempre custava muito mais dinheiro do que eu tinha,
especialmente quando eu precisava pagar todas as contas de
casa, se eu quisesse água e eletricidade. Quem tinha centenas de
dólares para gastar no baile?
Os armários se fecharam. Os papéis estavam espalhados pelo
chão, incluindo um panfleto do musical de primavera. Não era
um filme de Kevin Bacon?
Os colegas de classe riam e gastavam energia extra antes de
ficarmos presos em nossas carteiras muito pequenas pelas
próximas sete horas, mas todos se afastavam quando
caminhávamos pelo corredor. Eu tinha que admitir, não era
terrível ter as pessoas realmente dando a mínima para mim. Eles
olhavam para mim como se eu fosse alguém para se admirar e
reverenciar, e não um aborrecimento com o qual eles ficavam
presos e estavam ansiosos para se livrar.
Eu me virei para Knox.
— Você trancou minha porta?
Ele parou como uma pedra no meio de um rio com pessoas
fluindo ao seu redor.
— Merda. — Ele correu de volta pela porta lutando contra
a maré.
Eu ri e relaxei contra o conjunto de armários que revestiam
o corredor.
Knox chamou por cima da cabeça de todas as outras pessoas.
— Você vem, Dare?
— Eu te alcanço. — O desfile continuaria sem mim.
No final do corredor, Bay e sua amiga conversavam em seu
armário. Elas se pressionavam contra os armários azuis-
marinhos e amarelos enquanto todo mundo passava por elas.
Quantas vezes eu passei por ela no corredor e nunca notei?
Por que eu queria tanto que ela falasse comigo?
Eu consegui passar a semana com o mínimo de encontros com
Dare. Não que ele estivesse querendo me encontrar, mas por
precaução. Eu cheguei cedo e fiquei no auditório durante todo
o ensaio, organizando os cabos de áudio e as embalagens de
microfones. Na sexta-feira, voltei para casa logo depois da
escola e fiz biscoitos com minha mãe. Bem, até quando ela teve
que sair para o trabalho – então eu comi o suficiente para ir
para a cama agarrando meu estômago. Mas esta manhã, antes
de ela chegar em casa, eu poderia comer mais alguns. Ela não
precisava saber quantas dezenas estavam na fornada quádrupla
inicial.
A porta da frente se abriu. A voz de mamãe subiu as escadas.
Ela estava no telefone?
Eu teria que ser furtiva para pegar meus biscoitos antes do
café da manhã, sem ouvir uma bronca sobre como eles não
eram comida adequada para o café da manhã.
Eu desci as escadas cobertas com o papel de parede dos anos
80. Havíamos tentado tirar ele, mas depois de dois dias cobertas
por fragmentos dos pedaços de papel de parede, vapor e cola de
papel de parede antigo, dissemos dane-se e deixamos o resto no
lugar. Saber que estaríamos alugando por menos de um ano
não fez com que o investimento de tempo valesse a pena.
Meus pés deslizaram nos dois últimos degraus. A gostosura
do açúcar com canela dos meus biscoitos chamava meu nome
pela cozinha. Eu caí de bunda até o final com uma mão
segurando o corrimão. Lancei um olhar para meus dedos ainda
enrolados na madeira lisa. Bela maneira de deixar a bola cair!
Você sabe que se você for, eu vou.
— Tão graciosa. É como se eu estivesse assistindo a um balé.
— Uma voz ressonante retumbou pelo ar, causando arrepios
por todos os meus braços.
Desci dos degraus rapidamente, esfregando os olhos e
olhando boquiaberta para o intruso em minha casa. Um ladrão
teria sido um achado mais bem-vindo.
Em vez disso, Dare estava na minha sala de estar, encostado
na parede com os braços cruzados sobre o peito, as pernas
cruzadas nos tornozelos como se não fosse estranho que ele
estivesse ali. Tive a sensação de que eu mesma poderia ser a
intrusa – como se talvez este fosse o ponto de encontro atrás da
escola onde todos os caras fumavam.
— O que… o que diabos você está fazendo na minha casa?
— Eu me impedi de esfregar meus olhos com os punhos. Isso
era uma alucinação induzida pelo açúcar?
Com os olhos turvos e uma camiseta térmica cinza justa, ele
era parte pesadelo, parte sonho. Seu jeans abraçava sua cintura
bem acabada. Vê-lo fora de seu habitat natural e no meu me
desorientou. Com dois metros de distância entre nós ou um
mar de colegas na escola, eu poderia fingir que sua presença não
me afetava. Mas, aqui, minhas paredes não estavam levantadas
e armadas para uma repulsa contra Dare.
— Muito obrigada por sua ajuda, Dare. — Mamãe saiu
voando da cozinha segurando uma Tupperware
transbordando com meus biscoitos de chocolate com canela. —
Vou levar o carro para a garagem assim que a empresa de
guincho abrir.
Mamãe se virou para mim com um sorriso com olhos
brilhantes, como se ela não tivesse acabado de sair de um turno
de 12 horas.
— Eu pensei que era você. Acordou cedo.
— Eu pensei que tinha... ouvido o carro. — Meus dedos
voaram para a bainha do meu short, puxando-o para baixo, mas
essa era uma causa perdida com a flanela gasta mal cobrindo
minha bunda. Não era culpa minha que meu quarto era um
inferno.
— Dare estava dirigindo atrás de mim quando meu carro
quebrou. Ele o empurrou o resto do caminho para casa, então
estou recompensando-o com alguns destes. — Ela acrescentou
outro punhado ao topo da pilha.
— Alguns? Isso está parecendo a maioria deles. — De jeito
nenhum ele iria invadir e roubar meus biscoitos.
O canto da boca de Dare se curvou. Ele pescou um do
enorme recipiente, cheio até o topo, e deu uma mordida.
— Molly, eles são excelentes. — Ele usou o primeiro nome
dela. Como é frustrante e irritantemente arrogante. — Você
não precisa chamar um guincho. Pelo menos ainda não. Posso
dar uma olhada no final da tarde e ver se consigo consertar.
Meu olhar se estreitou e minhas mãos se fecharam em
punhos ao meu lado. Por que ele estava sendo legal com minha
mãe? Que jogo bizarro ele estava jogando? E por que seu cabelo
despenteado me fazia querer passar meus dedos por ele? Era
sedoso e suave? Sua mandíbula era tão afiada quanto parecia?
E o que diabos eu estava pensando? Balancei minha cabeça para
afastar quaisquer feromônios que ele estivesse bombeando no
ar.
— Me avise quanto isso será e eu posso pagar a você.
— Nenhum pagamento necessário para mão de obra. Se eu
tiver que encomendar uma peça, te avisarei. — Ele pegou outro
biscoito, zumbindo de prazer induzido pela comida. Açúcar de
canela acumulado em seus dedos. Ele lambeu, limpando-o,
enquanto outra das minhas deliciosas guloseimas desaparecia
em seu rosto.
— Tão gentil. — Minha mãe deu um tapinha em seu bíceps.
— Ele não é um cavalheiro? — Ela sorriu e fez uma cara para
mim como se dissesse “ele não é adorável?”. Não, essa não era
exatamente a palavra que eu usaria para descrevê-lo. — Talvez
Bay possa fazer mais alguns para você, para agradecer.
— Isso seria excelente. — Ele sorriu largamente. Um sorriso
presunçoso enquanto comia meus biscoitos, algo que me
encorajou no segundo em que minha mãe saiu do cômodo.
— Que diabos, Dare? Me dê meus malditos biscoitos. — Eu
estendi minha mão.
— Sua mãe me deu de presente. Que tipo de babaca eu seria
se recusasse? Seus biscoitos são tão bons quanto estes?
— Você nunca saberá. — Ele não precisava saber que eu
planejava terminar aquela fornada quando minha mãe saísse
para o trabalho. Isso não era da conta dele.
— Oh, tenho certeza que vou. — Seu sorriso levou “comer
merda” a um nível totalmente diferente. Eu nunca quis bater
em alguém antes, mas ele testou meus limites de civilidade e não
ser uma idiota.
— Volto mais tarde, Molly.
— Muito obrigada, Dare — ela gritou da cozinha.
— Dê eles para mim. — Eu estendi minha mão, colocando
meu dedo indicador na palma de minha mão.
Ele riu, dando dois passos para trás com seu sorriso
presunçoso.
— Belo pijama.
— Eu vou… — Eu olhei para mim mesma. Pernas nuas,
braços nus e um espaço entre meu top e o cós do meu short.
Meu instinto era gemer e sair correndo gritando do cômodo.
Em vez disso, mantive minha posição e olhei de volta para ele
enquanto ele empurrava a tela da porta. — Me morda!
— Isso pode ser providenciado, Bay. Quando você quiser.
— Ele deu um sorriso, rindo quando a porta se fechou atrás
dele.
Ficando na minha sala de estar. Roubando meus malditos
biscoitos. Chamando minha mãe pelo primeiro nome. Dare
poderia não saber ainda, mas ele estava no topo da minha lista
proibida. Não que ele já não estivesse lá, mas as marcações
contra seu nome aumentavam a cada minuto.
Isso incluía perigos como resmungos baixinhos, olhares
furiosos, possíveis manchas em seus trabalhos que ele passava
para a frente da classe e... a quem estou tentando enganar? Não
havia nada que eu pudesse fazer contra Dare, mas eu precisava
me agarrar à raiva irritadiça. Risque isso, na verdade é uma raiva
justificada.
Se eu não o fizesse, a gentileza do que ele fez e planejava fazer
poderia tecer um feitiço mágico apagando nosso primeiro
encontro, algo que só me colocaria em apuros. Ele queria fingir
que era um cara legal agora? Repassei todo o meu primeiro dia
na Greenwood Senior High pela minha cabeça. Os detalhes
vívidos ansiavam por uma memória dolorosamente clara do
tipo de cara que ele era. Mesmo que ele não se lembrasse, eu
certamente lembrava.
Se ao menos isso tivesse sido o fim de tudo. Mas não era. Ele
voltou naquela tarde e minha mãe insistiu que eu levasse um
copo de limonada para ele.
Eu chutei sua perna e ele deslizou para fora com marcas de
graxa em suas bochechas e mãos que só o deixavam mais
gostoso.
A injustiça do universo nunca havia sido mais clara do que
Dare parecendo um modelo de capa de revista, saindo por
baixo da lata velha que é o carro da minha mãe. Se eu tivesse
uma equipe de estilistas e profissionais de beleza me vestindo e
fazendo minha maquiagem, eu nunca seria mais do que uma
fofa de catálogo. Ele era um supermodelo gostoso, sem nem
tentar.
— Da minha mãe. — Eu empurrei o copo em direção a ele.
— Não é de você? Você mesma fez isso? — Ele colocou a
chave inglesa no concreto e puxou os joelhos para cima,
apoiando as costas contra o painel lateral do carro. Seu olhar
travou no meu, segurando-o e não me deixando desviar o olhar.
Meu pulso bateu forte e meu estômago deu um mortal para
trás em direção à próxima semana.
— Apenas pegue.
— Você o envenenou? — Ele ergueu uma sobrancelha.
— Sim, coloquei uma das minhas cápsulas de cianeto que
mantenho próximo para vizinhos irritantes.
Ele não disse uma palavra, apenas me deixou ficar ali com o
braço estendido, sem fazer nenhum movimento para pegar o
copo.
Minha mão tremia. Eu puxei de volta e tomei um gole.
— Viu? Não está envenenado. — Eu dei um passo mais
perto e estendi o braço novamente.
Seus olhos cinzas brilharam com diversão. Ele disparou,
então seu corpo roçou no meu no caminho para cima, não
tentando abrir nenhum espaço para o meu espaço pessoal. Seus
dedos se curvaram sobre os meus antes que ele puxasse o copo
da minha mão.
Ao invés de beber do lado do copo mais próximo a ele, ele o
girou e tomou um gole do lado que eu havia tomado. As marcas
dos meus lábios foram derretidas pelas dele. Ele não baixou ou
desviou o olhar.
Ele me congelou em meu lugar como um cervo travado por
faróis depois de uma longa noite na floresta.
— Delicioso.
Isso quebrou o fio da hipnose e eu cambaleei para trás, quase
tropeçando no ar vazio.
Ele estendeu as mãos para me pegar, mas eu as afastei,
mantendo um olho nele enquanto corria escada acima para
dentro de casa.
— Obrigado, Bay.
A maneira como ele disse meu nome. Sua voz traçou seu
caminho pela minha espinha. As poucas sílabas me fizeram
estremecer.
Fiquei no meu quarto até ele se arrumar e ir embora. Por que
ele estava me ferrando assim? Que diabos?
Vamos deixar Bay insanamente desconfortável, com calor e
incomodada, e depois? Tirar sarro de mim pelas costas de
quando me joguei em cima dele? Adivinha o que a AGN fez?
E então todos eles podiam rir até chorar.
Com a barra limpa, pulei na minha bicicleta e fui para a
escola. Os ensaios de fim de semana sempre começavam no mês
anterior à noite de estreia, dando à Sra. Tripp chances extras de
enlouquecer e sair correndo da produção.
O musical da primavera seria em duas semanas, e estávamos
indo para um clima mais quente, o que garantia que teríamos
oito pessoas presentes, no máximo. Não que alguém tivesse
vindo ver a equipe de palco de qualquer maneira.
Estacionei e prendi minha bicicleta com um cadeado.
No caminho, um grupo de pessoas saiu do prédio e bateu
direto em mim, como se eu estivesse estrelando meu próprio
filme Garota Fantasma do Ensino Médio.
— Não vi você aí, AGN. — Um dos caras caminhou de
costas em direção ao estacionamento.
Eu me encolhi. Se ao menos fosse algo diferente do normal.
Talvez fosse melhor se eu fosse invisível.
Entrei no auditório. O lugar tinha um cheiro reconfortante.
Pintura, fantasias mofadas, fita isolante, madeira compensada
e o sangue, suor e lágrimas de um esquadrão de alunos
dedicados do ensino médio. Só que agora as lágrimas eram um
pouco mais proeminentes.
No palco, sob nada menos que os holofotes, alguém estava
sentado no convés do navio de cruzeiro de madeira
compensada, soluçando de tanto chorar. Encontrei Piper
passando cabos da cabine de som até a mesa de mixagem no
centro do auditório.
— O que há com Faye? — Pressionei o último pedaço de
fita.
A pequena multidão ao seu redor a abraçava e esfregava suas
costas. Ela projetava seus soluços como só uma estudante de
teatro faria.
Piper me entregou o rolo de fita isolante preta e empurrou
os óculos pelo nariz. O peso deles sempre parecia mantê-la
constantemente ajustando-os e reajustando-os.
— Os pais dela disseram a ela que estão indo para Chicago
com o irmão para alguma coisa de treino de futebol americano,
ao invés da apresentação dela.
— O irmão dela é jogador de futebol americano?
— Sim.
— Ele é do quarto ano também?
— Não, ele está no segundo ano e tem ficado no banco
durante toda a temporada, mas eles vão vê-lo em vez de assistir
a única apresentação dela. — Nossa professora de teatro
permitiu que alunos do último ano se apresentassem em um
show, já que era sua última oportunidade.
— Você disse um treino? Nem mesmo é um jogo?
Piper acenou com a cabeça, os braços cruzados sobre o
peito.
Bem, isso que chamo de um tapa na cara. Não só ele não
estava entrando nos jogos, a essa altura nem mesmo importava.
Mas, é claro, o time de futebol americano encontrou uma
maneira de continuar sujeitando todos à sua loucura e
arrancando até a última gota de adoração antes do final do ano
letivo.
— Coitada da Faye.
— Nem me fale. Este lugar é louco por futebol americano.
Trabalhamos na configuração de toda a fiação e
equipamentos com o resto da equipe. Eu tomei meu lugar na
frente do enorme console de mixagem.
— Você é a única que sabe o que está fazendo com tudo isso,
certo? — Jon, um colega da equipe de palco do último ano,
sentou-se ao meu lado olhando para os niveladores e botões
como se ele pudesse lançar uma bomba nuclear acidentalmente
se apertasse o errado. Ele se juntou à equipe de palco na mesma
época de Piper, no início do meu primeiro ano aqui. Quieto,
despretensioso, mas simpático. Não fazíamos muitas aulas
juntos, mas ele sempre se oferecia para carregar caixas pesadas.
— Posso citar outras cinco pessoas que podem fazer
exatamente o que eu faço.
— Mas elas não ficam tão bem quando fazem isso. — A
frase foi entregue tão suavemente, que quase passou direto por
mim. — Entre você e Piper, provavelmente temos a equipe de
palco mais bonita do estado.
Eu parei, minhas sobrancelhas franzindo. Uma risada
nervosa e alta demais saiu da minha boca, assustando a nós dois.
Isso era um flerte? Um dia atrás, isso teria me afetado de uma
maneira muito diferente. Antes de ser atingida pelo Efeito
Dare. Agora, isso era apenas fofo e agradável, e não um
avassalador vulcão em erupção.
Me virando muito rápido, bati meu quadril contra o
console e me atrapalhei para o outro lado, arrancando uma tira
extra de fita adesiva e alisando os cabos por dois centímetros de
suas vidas.
Alguém tinha colocado panfletos ou estava acontecendo
uma aposta para ver quem conseguiria me levar a um encontro?
Olhei por cima do ombro para o auditório de pessoas. A equipe
de palco perambulava com cenários, eletrônicos e
equipamentos de microfone. Os atores percorriam pelas linhas
e bloqueios. Ninguém estava olhando na minha direção. Sem
olhares furtivos. Verifiquei o teto em busca de um balde de
sangue de porco.
Agarrei Piper e entrei na cabine com ela, fechando a porta.
— Algo estranho está acontecendo.
— Eu disse a eles para ficarem com os microfones de cabelo
no lugar dos microfones de bochecha, mas você sabe como Ted
pode ser. — Ela balançou a cabeça e olhou pela grande janela à
nossa frente.
— Não era isso, mas sim, teremos mais microfones de cabelo
para quando algo der errado e não precisarmos de uma troca
completa se houver um fracasso. — Eu balancei minha cabeça.
— Não foi isso que eu quis dizer. — Puxando o braço dela,
inclinei-me. — Acho que Jon estava flertando comigo.
— O quê? — Seu grito agudo virou cabeças em nossa
direção, mesmo na cabine à prova de som em que eu tinha nos
trancado.
— Não é grande coisa.
— Você está falando sério? — Ela esticou o pescoço
procurando nas fileiras de assentos por um Jon desavisado. —
Ele te convidou para um encontro? Por que você não me
contou? O que exatamente ele disse? — Suas mãos envolveram
meus braços e ela me sacudiu.
A outra metade da minha manhã estranha estava na ponta
da minha língua, mas a cabeça dela provavelmente explodiria.
Eu estaria coberta de massa cerebral se dissesse a ela que Dare
tinha flertado comigo. Se isso fosse mesmo o que ele estava
tentando fazer, e não desempenhando seu papel na conspiração
de toda a escola para fazer uma pegadinha com A Garota Nova.
— Ele disse que eu ficava linda na mesa de mixagem.
Ela engasgou e apertou as mãos contra o peito.
— O quê mais?
— Foi isso.
Com as costas pressionadas contra a parede em sua melhor
imitação de Scarlett O'Hara, ela apoiou a mão na testa.
— Por que eu não poderia ser uma gênia da placa de som
como você? — Ela continuou a olhar para ele através da grande
janela que nos separava da correria do show.
— Você gosta do Jon? — Eu pisei na frente dela,
bloqueando sua visão.
— Não. — Ela fez um som com desdém. — Claro que não.
Eu não vou roubar seu cara.
— Em primeiro lugar, não há o que roubar. Em segundo
lugar, eu nunca pensaria que você faria isso. E terceiro, se você
gosta dele, deveria convidá-lo para sair.
— Não quando ele está obviamente a fim de você.
— Ele disse uma coisa legal. Isso dificilmente se qualifica
como estando a fim de mim.
Ela passou a mão no ombro, apertando-o.
— Vou pensar sobre isso.
— Na próxima vez que eu falar com ele, conduzirei a
conversa para sua direção e verei como ele responde.
Ela olhou para mim.
— Você faria isso por mim? Você jura que não gosta dele?
Eu levantei minha mão como um juramento.
— Juro. Vamos te arrumar um par para o baile.
Passei o resto do ensaio agradecendo às minhas estrelas da
sorte por não ter contado a ela sobre meu encontro de limonada
com Dare. Piper me interrogou sobre cada sílaba que Jon havia
pronunciado, bem como em suas microexpressões, padrões
respiratórios e frequência cardíaca.
Minha volta para casa foi felizmente livre de um
interrogatório de flerte. Sem o sol, o ar frio tornou a última
colina menos horrível do que seria quando a primavera
finalmente chegasse.
— Sua corrente está solta.
Meu guidão balançou. Endireitando-o, olhei para o carro
dirigindo ao meu lado. O cabelo castanho despenteado
formava uma silhueta icônica. Eu juro, algumas garotas da
escola estavam prontas para tatuá-lo em suas bundas.
Simplesmente ótimo.
— Você está me perseguindo?
— Não é como se eu morasse no mesmo bairro ou algo
assim. — Ele sorriu, ainda dirigindo ao meu lado.
— Cinco ruas acima e vire à direita, se estiver perdido.
O lento e áspero ruído de seus pneus e dos meus eram os
únicos sons na rua iluminada por lâmpadas.
Ele não parecia nem de longe tão intimidado quanto eu com
a estranheza desta situação.
— Obrigada por ajudar minha mãe.
— Por nada.
— Há algo mais que você queira?
Ele apoiou o braço na janela do carro e descansou a cabeça
contra a mão como se não estivesse dirigindo uma máquina de
duas toneladas na rua ao meu lado.
— Não. — Ele riu para si mesmo. — Te vejo mais tarde, Bay.
— Espero que nunca, Dare. — Eu disse para seu carro
esporte antigo, inteiro com tinta vermelha brilhante.
Uma vez em casa, peguei o bilhete do balcão.
Espero que você tenha se divertido no ensaio. Comprei
suprimentos extras para você. Eles já estão debaixo da pia do
banheiro. Tem bolo de carne e purê de batata no forno. Vá com
calma com os biscoitos e guarde alguns para mim. Fique segura
e não se esqueça de trancar a porta!
Com amor, mamãe
Peguei meu prato, refrigerante, ibuprofeno e provisões
noturnas, incluindo uma dúzia de biscoitos e leite. Amanhã,
minha menstruação terminaria, mas isso não significava que eu
não ordenharia o trem das guloseimas por tudo o que valia a
pena, e eu não faria viagens subindo e descendo as escadas
diversas vezes. Por que fingir que eu não comeria uma dúzia de
biscoitos esta noite? Descer as escadas, uma vez que a casa estava
silenciosa, sempre me assustava, não que eu pudesse dizer isso à
mamãe. Era outro motivo pelo qual eu adorava ir ao estúdio.
As coisas sempre eram barulhentas e animadas quando as
pessoas estavam criando. Eu sabia que era hora de parar de ter
medo de monstros espreitando nas sombras. Meus passos altos
subindo as escadas assim que acendi as luzes, no entanto,
diziam outra coisa.
Sem as distrações do meu dia louco, eu podia sentir os
analgésicos perdendo o efeito. Peguei a bolsa de água quente e
me enrolei em minha cama como em um casulo e liguei a
televisão, pronta para entrar em um coma induzido por açúcar.
O dever de casa de história esperava por mim assim que eu
terminasse o jantar, mas meu olhar continuava indo para o
violão do meu pai. O estojo permaneceu fechado desde a noite
em que Dare me flagrou tocando. Mas notas e uma melodia se
formaram em minha mente. Peguei meu caderno e rabisquei os
versos antes de esquecê-los.
Hoje à noite, Freddy me colocaria para trabalhar gravando
mais demos, limpando um estúdio ou preparando as sessões de
amanhã. Ele sempre tinha espaço para a filha de Miles. Era
como todos eles me conheciam. E na escola eu era A Garota
Nova. Algum dia eu seria eu mesma?
Olhei pela janela em direção à casa do cara que lentamente
enchia minha mente com emoções borbulhantes. Como me
livro desses sentimentos?
O treinador assistente enfiou a cabeça pela porta da sala de
musculação e bateu com os nós dos dedos na madeira.
— Dare, o treinador quer ver você.
Meu peso escorregou da minha mão e caiu no chão.
— Ohhhhhhh. — Knox acrescentou sua adição inútil à sala
estranhamente silenciosa, onde o ar tinha gosto de metal e suor.
Ele se juntou a mim nos meus treinos de penitência, dizendo
que queria se manter em forma para que a pré-temporada não
fosse tão brutal. Mas ele não precisava estar aqui, e nós dois
sabíamos disso.
Mais da metade dos futuros alunos do último ano estava na
academia quando saí. Todos os olhos deles estavam em mim.
Eu rangi meus dentes e cerrei minhas mãos ao meu lado.
A caminhada até o escritório do treinador foi mais longa do
que qualquer caminhada até o escritório do diretor. Isso era
sério. Isso importava. Jogar em campo ao lado de caras com
quem cresci e vencer com eles foi um dos poucos momentos
positivos da minha vida. E isso acabou. O medo se apoderou de
mim, reverberando pela minha espinha, o que aumentou o
monstro da raiva que atacava sempre que algo era ameaçado de
ser tirado de mim.
Arrastei a toalha pelo meu rosto suado e apareci na porta,
limpando minha garganta.
— Ei, treinador Greer.
Sua cabeça apareceu e ele colocou os papéis em suas mãos.
— Dare, entre e sente-se.
Ele acenou para o assento cheio de pilhas de livros de jogadas
antigas.
Eu os movi para o parapeito interno da janela cheio de ainda
mais cadernos e pilhas de papéis. Todo o lugar parecia uma
ponta de cigarro, descuidadamente arremessada, da distância
de transformar toda a escola em lenha.
— Você queria me ver? — Minhas narinas dilataram e eu
afundei meus dedos em minhas coxas.
O treinador se recostou em sua cadeira com as mãos atrás da
cabeça, nivelando seu olhar avaliador sobre mim.
O relógio sobre seu ombro bateu mais alto do que o apito
de qualquer árbitro por segundos a fio.
— Recebi uma ligação de um olheiro.
— Você quer que eu faça mais exercícios no treino para
Knox ou Bennet? Ou para o Bedlam Bowl sete-contra-sete em
dois meses? — Tinha sido "solicitado” que eu fizesse isso para
algumas gravações de treinamento para os caras, quando as
faculdades expressassem interesse nos últimos anos.
— Claro.
Eu assenti, me empurrando para fora da minha cadeira,
reprimindo a raiva crescendo em meu peito.
— Eles querem te ver.
Eu caí de volta no assento, empurrando-o alguns
centímetros para trás e soltando um grito agudo pelo escritório
abarrotado.
— Eu?
— Você. Achou que eu ainda não estava tentando conseguir
um lugar para você?
— Isso... eu não sabia. — A esperança na qual eu estava me
agarrando era algo que pensei ser apenas um sonho ilusório
para me manter são, pelo menos até a formatura. A maioria dos
caras que já haviam assinado cartas envolvia pais que iam aos
jogos e ficavam em cima do treinador para garantir que seu
filho tivesse um lugar nos holofotes. Os pais de Knox pareciam
ter reuniões mensais, que se transformaram em reuniões
semanais, sobre o que seria melhor para ele assim que nossa
temporada começasse. Até mesmo alguns caras foram
escolhidos logo após a vitória do campeonato, mas nada para
mim.
— Estou sendo sincero com você. Ninguém está
derrubando minha porta para agarrar você, depois da última
temporada. Mesmo depois que o Ohio State rescindiu a oferta,
houve outros interessados, mas então a briga do ano passado foi
para o jornal. Qualquer um que procurasse por você acharia
essa informação.
As brasas que eu pensava há muito tempo que estavam
mortas foram alimentadas ainda mais pelo treinador trazendo
à tona a briga onde eu, por pouco, evitei ser preso na última
temporada. Eu queria acabar com o cara mais uma vez.
— Um golpe baixo contra um dos meus companheiros de
equipe não é algo que eu possa deixar passar. — Eu me movi
para a frente em meu assento.
— E você derrotou ele durante o jogo. Aquele garoto
provavelmente estava cagando grama por uma semana com a
forma como você o jogou no chão na jogada seguinte. E isso
deveria ter sido o fim de tudo. Encerrar o assunto no campo,
mas você foi atrás dele mais tarde naquela noite.
— Archer quebrou o rádio em três lugares depois do golpe
ilegal e eles só receberam uma penalidade de 14 metros. Nós o
perdemos durante toda a temporada. Aquele cara poderia ter
acabado com toda a carreira do ensino médio de Archer e ele
riu.
Eu apaguei o sorriso de merda de seu rosto com meus
punhos na celebração de derrota deles na noite do jogo. Knox
me deu cobertura. Bem, foi mais para garantir que eu não me
metesse em muitos problemas. Se ele não estivesse lá, não tenho
certeza se teria parado apenas em um nariz arrebentado e um
dente perdido.
O treinador suspirou, balançando a cabeça.
— Eu sei. Não estava certo, mas você não pode estragar sua
vida se preocupando com algo como aquele cabeça oca. Archer
se curou e estava pronto para jogar nesta temporada.
— Ele poderia não ter estado.
— Mas ele estava. É por isso que você só tem mais uma
chance. — Ele ergueu um dedo solitário. — Você tem que
dominar esse temperamento.
Minha expressão endureceu. Eu não estava me desculpando
por derrubar alguém que merecia.
— Temos uma equipe que manifestou interesse. Tudo se
resumirá ao que eles verão no sete-contra-sete em seis semanas.
— Ele ergueu seis dedos. — Você tem sido um dos meus
jogadores mais confiáveis desde que começou. Tight ends como
você não aparecem com muita frequência. Com suas
habilidades e talento especializados... — Ele estalou a boca e
balançou a cabeça. — Mantenha os treinos e as práticas. Não é
nada com contato, mas você pode mostrar tudo o que pode
fazer. Farei tudo o que puder para conseguir seu ingresso com
bolsa integral. Certifique-se de estar fazendo o mesmo. — Ele
nivelou seu olhar firme para mim.
— Qual faculdade está interessada? — Inclinei-me para a
frente na cadeira com as mãos nos apoios de braço. Jogar
futebol americano universitário era um sonho com o qual
pensei estar me enganando, mas agora era uma possibilidade.
— Ainda não vamos comprar nenhuma passagem de avião.
Eu te aviso assim que isso se solidificar um pouco mais. — Ele
folheou alguns papéis em sua mesa. — Todo time precisa de
um sexto homem na linha de scrimmage e você pode ser esse
cara para qualquer time que queira vencer. Você quer
conversar sobre isso com seu pai?
— Eu tenho dezoito anos. — Havia uma mordida na minha
voz que não consegui conter.
— Claro que tem, mas essas coisas podem ser decisões
familiares importantes.
Eu pulei da minha cadeira.
— É minha decisão. Diga-me o que preciso fazer e o farei.
— Mantenha seu nariz limpo e fique longe de problemas.
Até que você assine os formulários, não quero ouvir nenhum
pio de ninguém sobre você, a não ser na prática e em seu
scrimmage.
Eu assenti e saí de seu escritório.
Minhas notas eram boas. Medíocres e o suficiente para
passar em todas as minhas aulas, mas nada espetacular. As
bolsas de estudo nas faculdades da Divisão II eram apenas
parciais. As faculdades da Divisão III não podiam me dar
nenhum dinheiro. A maioria das faculdades da Divisão I que
oferecem bolsas de estudo integrais tinha sua escolha de caras
por todo o país, cada um com suas próprias temporadas de
vitórias, metragem e recordes de passes, então ser rotulado de
difícil havia me dado uma rasteira.
Ainda havia uma chance.
Esperança não era algo em que eu já tivesse acreditado
muito, mas caramba, eu estava com um pouco quando cheguei
ao vestiário. A música de Bay tocou novamente em minha
cabeça. Eu só tinha ouvido uma vez, mas era quase como se
tivesse conjurado a possibilidade do nada, dando vida a um
sonho que eu pensava estar morto.
Saí do prédio de atletismo e fui direto para o meu armário.
O estrondo do metal no corredor vazio ecoou nas paredes de
blocos de concreto pintados.
As vozes ficaram mais altas no final do corredor. O espaço
vazio funcionava como um megafone, amplificando cada som
dez vezes.
— Ela vai trabalhar hoje à noite, o que significa que estarei
fora de casa à meia-noite.
Essa voz foi uma em que prestei atenção.
— Eu nunca conseguiria manter a calma na frente dos meus
pais. Você não tem medo de ser pega?
— Já se passaram quase dois anos. Eu estou segura. Não é
como se eu estivesse traficando drogas. — Era Bay.
Ela dobrou a esquina com a amiga. As duas de óculos,
carregando livros nos braços. Coloque algumas saias de poodle
e elas seriam adolescentes saudáveis em qualquer época, exceto
pelas adagas mortais que Bay atirava em mim. E sua tendência
para fugir e suas atividades noturnas sem tráfico de drogas, que
aparentemente sua amiga não estava participando.
O fator intriga subiu mais alguns degraus. Como a expressão
no rosto dela quando eu bebi a limonada ou o cheiro frutado
que se espalhava pelo ar lá fora, dominando até mesmo a graxa
e a sujeira de trabalhar embaixo de um carro.
Os biscoitos tinham atingido bem o meu estômago vazio,
assim como a limonada. Por mais que me sentisse um idiota por
levá-los, eu não recusaria comida de graça – nunca.
A dupla foi para seus armários pelo menos seis metros longe
do meu com suas vozes ficando mais baixas.
Peguei palavras sussurradas, mas não toda a conversa como
antes. A curva de seu perfil destacou-se em um forte contraste
com as linhas nítidas e limpas dos armários. Eu não conseguia
parar de assistir enquanto seus lábios se moviam, cheios e
rosados, brilhando ligeiramente enquanto as luzes do teto
refletiam neles. Seus cílios quase roçaram nas lentes de seus
óculos enquanto ela os empurrava mais para cima.
— Me ligue se precisar revisar biologia. — Sua amiga gritou
e correu pelo corredor com sua mochila batendo nas costas.
A cadência de seus passos recuando era o único som além do
estrondo abafado do metal flexionando enquanto Bay lutava
com as mãos enfiadas no armário.
Fechei o meu armário que eu não precisava ter deixado
aberto nesses últimos minutos e caminhei em direção a ela.
Seus ombros se contraíram, mas ela não parou sua luta com
o armário. Havia um objeto de metal preso dentro de ambos os
lados do metal fino. Seus lábios estavam comprimidos e seus
antebraços flexionados enquanto ela o balançava para frente e
para trás tentando deslocá-lo.
— Você precisa de alguma ajuda?
Ela congelou por uma fração de segundo antes de voltar
para sua tarefa.
Encostei-me no armário ao lado dela.
Seu olhar piscou para mim antes de retomar sua luta
ineficaz.
— Me ignorar não vai me fazer ir embora. Você precisa de
alguma ajuda?
O suor brilhava em sua testa. As batidas se intensificaram.
Com um grunhido e um puxão forte, ela voou para trás com o
metal nas mãos. Ela forçou brutalmente o que quer que
estivesse livre, mas a mandou cambaleando para uma queda.
Eu atirei para frente e agarrei sua mão, impedindo-a de
escorregar de bunda pelo corredor.
Ela puxou a mão do meu aperto e completou a queda. Um
palavrão foi murmurado baixinho e ela se levantou do chão.
— Eu estava tentando te salvar disso. — Fiz um gesto para o
local de onde ela se levantou.
Ela esfregou a mão na bunda, estremecendo.
— Eu não pedi sua ajuda.
— Só porque alguém não pede ajuda, não significa que você
não possa oferecê-la.
Ela bateu a porta do armário com sua arma improvisada de
metal na mão.
— Você está começando a me assustar.
— Como estou te assustando?
— Você está tramando alguma coisa.
— Não estou tramando nada.
Ela olhou para o corredor atrás de mim e depois por cima do
próprio ombro. Seu corpo relaxou uma quantidade quase
imperceptível.
— Você está tramando alguma coisa. — Espiando de lado
para mim, ela fechou o armário.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre você. Para onde você
estava indo às 2 da manhã?
— Como você... — Seus olhos se fecharam e ela endireitou
os ombros. — Eu não sei do que você está falando.
— A Huffy10 verde e branca. Você estava nela com esse
casaco. — Corri meus dedos sobre a lapela do casaco azul-
marinho.
Seu olhar se estreitou antes de suavizar e ela deu um passo
para trás.
— Deve ter sido outra pessoa.
Envolvi meus dedos ao redor da alça da minha mochila no
meu ombro direito.
— Talvez tenha sido, mas ela se parecia muito com você.
Talvez você tenha uma gêmea perdida há muito tempo.
— Talvez você deva cuidar da sua própria vida. — Sua
resposta foi rápida como um chicote.
Meus lábios se contraíram.

10
Marca de bicicleta.
— Quero dizer, se houver uma gêmea sua por aí. Precisarei
chegar ao fundo disso. Isso pode ser uma grande notícia. Você
não gostaria de conhecê-la?
Um rosnado baixo e fumegante retumbou em sua garganta.
— Seja qual for o seu lance — ela acenou com as mãos na
frente dela para cima e para baixo em meu corpo —, eu não
quero fazer parte disso. Deixe eu e minha irmã gêmea em paz.
— Ela girou nos calcanhares e foi embora.
— Ela tem um nome?
— Sim. — Ela ergueu a mão acima do ombro recuado e
ergueu o dedo médio.
Eu ri e chamei por ela.
— Que agradável, Bay.
— Tchau, Dare. — Seus níveis de não dar a mínima eram
revigorantes.
Ela desapareceu pelas portas de saída no final do corredor.
— Vejo você mais tarde, Bay. — Eu poderia alcançá-la.
Levaria pelo menos alguns minutos para ela destravar a
bicicleta. Em vez disso, voltei para a academia.
Suado e sorrindo pelo que parecia ser a primeira vez, voltei
para minha casa. O silêncio interior desfez a tensão que surgia
sempre que eu enfiava a chave na porta da frente. Eu corri
escada acima e destranquei a porta do meu quarto.
Fui direto para a última gaveta da minha mesa, abri a
fechadura e puxei meu bloco mais novo. Com dedos doloridos,
terminei meu trabalho preservando as costas de Bay com um
dedo levantado sobre seu ombro. O movimento de seu rabo de
cavalo. A camiseta dos anos 80. O jeans moldado em suas
pernas.
As coisas estavam melhorando nesse último ano, eu pensei
que seria o início de outra história de um fracassado esquecido
que se apegava aos bons e velhos tempos da época do ensino
médio. Agora eu tinha a chance de uma bolsa de estudos e
talvez alguma coisa com Bay. O que era ou o que eu queria que
fosse eu nem sabia, mas sabia que era bom. Parecia certo, e eu
precisava de mais disso na minha vida.
— Existem três faixas de iluminação nesta cena. — A Sra. Tripp
entregou seu roteiro a Jon para copiar os pontos onde ele
precisaria mudar as luzes. — Os microfones de Res e Ariel
precisam estar ligados antes que eles entrem no palco, Bay.
Ela os apontou e eu escrevi nas minhas anotações.
— É sempre tão emocionante compartilhar o teatro com
todos que não puderam ver esses shows na Broadway como eu.
— Segurando o roteiro contra o peito, ela suspirou, olhando
melancolicamente para o palco.
Ajudar a equipe de palco com as produções me deu uma
explicação plausível para as madrugadas, se a minha mãe
perguntasse. Além disso, ninguém pensava na equipe de palco
como um grupo selvagem e louco. Nerds tecnológicos, como
eu, sempre foram deixados por conta própria, e eu gostava da
mixagem de som. Pegava o que eu estava aprendendo para fora
de um ambiente controlado e me jogava na selva.
— Talvez eu deva entrar no show de talentos. Isso pode
chamar a atenção dele. — Piper girou na cadeira. Ela parou
quando viu meu rosto e se encolheu. — Desculpe, eu não
queria trazer isso à tona.
— Qual seria o seu talento? E a atenção de quem? — Escrevi
notas de sugestão em uma fita adesiva e a arranquei,
prendendo-a na lateral do quadro, não querendo fazer aquela
viagem ao túnel do tempo.
Ela olhou para mim.
E eu concordei.
— Ah, entendi. Então, o que você vai usar para deslumbrar
ele?
— O show de talentos não é para deslumbrar. Eu preciso de
um encontro para o baile e ele é o meu cara.
— Por que não convida ele?
Outra olhada óbvia.
— Isso não é divertido. Preciso continuar sutilmente
deixando dicas, das quais ele está alheio, para dar um pouco de
emoção à minha vida.
Piper fez uma pausa.
— Você devia entrar no show de talentos, já que não quer ir
ao baile. Você é como uma garota legal, insatisfeita, que odeia
diversão. Você é totalmente Julia Styles em 10 Coisas Que Eu
Odeio Em Você.
Joguei uma pequena bola de fita adesiva nela. Agarrou em
sua camisa.
— Eu não tenho metade do vocabulário dela.
Ela sacudiu para tirá-la.
— Mas você tem um gostoso da escola de olho em você. —
Ela sorriu e se virou novamente.
— E esse é todo o meu trabalho por hoje. — Peguei minha
mochila e saí antes que houvesse mais perguntas sobre os ritos
de passagem do último ano e qualquer coisa a ver com Dare.
Prefiro ficar de pé nua na frente de toda a escola do que entrar
no show de talentos. A menos que mixagem de som possa ser
um talento.
Trabalhar na mesa do estúdio tinha sido assustador no
começo. Havia tantos botões, controles deslizantes, alavancas e
muito mais. Mas com o tempo e através de tentativa e erro, o
que ainda não havia causado sangramento nos tímpanos, eu
compreendi. Então, vindo aqui, eu parecia uma mágica
moderna com a facilidade que eu tinha com isso.
Durante todo o dia na escola eu me esquivei de Dare. Por
que ele estava aparecendo o tempo todo agora? Era como a
coisa que acontece depois que você compra um casaco, uma
bicicleta ou um carro novo e agora os vê em todos os lugares?
Eu não tinha prestado atenção ao quanto nossos caminhos se
cruzavam antes? Ou ele os estava cruzando agora?
Por que ele iria querer fazer isso? Por que ele se importaria?
Mas ele me viu indo para o estúdio. Ele estava tentando me
extorquir ou, de alguma forma, usar essa informação contra
mim?
À medida que minha raiva crescia, também crescia uma
melodia. Era uma que precisava de um acompanhamento de
uma batida de bateria e um pouco de guitarra de metal. Ele
pensou que eu iria desistir e deixá-lo estragar o bico paralelo que
eu estava fazendo? Nem um pouco. Eu atiraria pregos líricos
nele, se essa fosse uma batalha que ele quisesse travar.

Fui atraída para os degraus dos fundos, incapaz de me impedir


de levar o violão para fora.
— Aonde você vai? — Uma voz cortou minha pressa
determinada.
Eu pulei, meus dedos apertando ao redor do violão. Enfiei o
corpo robusto atrás das minhas costas.
Minha mãe estava parada ao lado da porta da frente em seu
uniforme, com sua lancheira em uma mão e as chaves na outra.
— Você ainda está aqui.
Seus olhos se estreitaram. O medidor de suspeita saiu
voando da escala.
— Sim, esqueci minha bolsa.
Eu ergui o violão na minha frente.
— Eu estava indo tocar lá fora. — Dare não ia me assustar
para não tocar. De alguma forma, estar ao ar livre me ajudava a
pensar, respirar e tocar. Os degraus da frente estavam do lado
de fora, o que deixava a varanda dos fundos.
Seu olhar cintilou e suavizou.
— Você está tocando de novo. — Sua garganta se apertou.
— Esse é do seu pai?
Um nó se alojou na minha garganta e eu assenti.
Ela passou o dedo sobre a aliança de casamento que ainda
usava. Seu anel de noivado estava guardado em segurança em
sua caixa de joias.
— Ele amava tanto. Às vezes... eu acho que talvez até demais.
Ela atravessou até mim e me beijou na testa, envolvendo seus
braços carregados de bolsa em volta de mim.
— Amo você, Bay Leaf.
— Também te amo, mãe.
Ela saiu e a música começou novamente. Aquela que
começou em meu estômago e agora estava firmemente alojada
em meu peito.
Saí pela porta dos fundos. O vento forte havia diminuído,
mas o inverno agarrava-se profundamente. Minha respiração
saía em sopros brancos, desaparecendo no céu noturno. Com
meu suéter mais apertado em volta de mim, sentei-me na
escada. O frio se infiltrou pelo meu jeans, entorpecendo minha
bunda em questão de segundos.
Do outro lado dos nossos quintais, a porta da garagem dele
estava aberta. Parte de mim esperava que meu grande show de
não ficar assustada por causa dele fosse mais cerimonial e não
real. Não havia uma festa, corrida de carros ou jogo de futebol
americano em que ele deveria estar? Eu me chutei por saber a
resposta para a última.
O sete-contra-sete do último ano contra o terceiro ano seria
na próxima semana. Haviam faixas por todos os corredores. Era
um jogo estúpido que nem importava. Sem apostas. Sem
verdadeiros perdedores, exceto para todos na escola que não
davam a mínima para futebol americano.
Quase não tínhamos lugares para colar nossos panfletos de
teatro com as decorações da temporada de futebol cobrindo
cada centímetro disponível da parede da escola.
Flexionando meus dedos lentamente entorpecidos, abri
meu caderno e examinei a página. Palavras rabiscadas nas
páginas se espalhavam pelas margens. Eu não escrevia tanto
assim há muito tempo. E eu nunca tinha cantado nada disso em
voz alta, até agora.
Mas a música se agarrou em meu peito, forte e inevitável. Se
eu não cantasse as palavras em voz alta meu cérebro poderia
explodir. Estava muito cheio, muito caótico, e eu precisava que
a válvula de escape fosse puxada.
Eu apertei o pescoço do violão e testei a letra na minha
língua. Meus dedos se moveram pelas cordas sem hesitação,
mas minha música começou suave e esganiçada. Eu inspirei
fundo e forcei a expiração. Sem me conter.
Nos primeiros compassos da minha música, ele apareceu na
porta. Seus braços estavam apoiados no alto da cabeça, bíceps
flexionando sob sua camiseta preta.
Eu não iria fugir. Eu não me importava com o que ele
pensava. Eu cantei desafiadoramente, olhando de volta para ele.
Ele achou que eu estava com medo? Ou que eu fugiria
porque ele estava olhando? Nem desta vez, nem nunca. Nos
corredores, talvez, mas aqui eu poderia canalizar e afunilar o
poder da minha voz em algo inevitável, até mesmo para mim.
Com o violão no colo e os dedos nas cordas, me senti destemida
e ousada, algo que nunca tinha sido antes.
A primeira vez que nos encontramos. As palavras odiosas
que ele vomitou para mim. O jeito que ele olhou para mim.
Meu estômago queimou com um fogo recapturando aquele
momento e controlando todas as emoções despertadas por
Dare para colocar tudo para fora.
Não sei quanto tempo ele assistiu. Mas eu podia sentir seu
olhar em mim. Ele podia ouvir minhas palavras? Ele sabia o que
elas significavam?
Sem olhar para cima, agarrei meu violão e voltei para dentro
quando meus dedos pareciam prestes a cair. Por mais que
quisesse fingir que não me importava, olhei para trás. Dare
deixou a porta aberta. Seu corpo se moveu pelo espaço,
trabalhando no carro que ele restaurou de um balde
enferrujado durante o terceiro ano. Eu tinha um respeito
relutante pelo Camaro vermelho brilhante. Ele não tinha sido
presenteado pelos seus pais. Ele trabalhou ao longo do tempo
para torná-lo um lindo carro.
Isso não significava que ele ainda não era um babaca.
Dentro da casa, massageei meus dedos para acalmar a
queimação cortante de calor retornando às minhas mãos.
Espiei pela janela traseira, certificando-me de não mover as
persianas.
Meu celular zumbiu no meu bolso, me assustando e me
tirando do modo perseguidora.
— Ei, Bay.
— Freddy, e aí?
— Você pode vir mais cedo esta noite? Nosso violonista do
estúdio não pode vir. Você quer tentar?
Eu olhei para o instrumento encostado na parede. Uma
adrenalina correu por mim.
Minha mãe já estaria fazendo a transferência para seu turno
a essa altura.
— Você precisa que eu leve meu Martin? — Eu subi os
degraus de dois em dois de volta para o meu quarto com meus
dedos em volta do braço do violão.
— Se você quiser, mas nós temos um conjunto completo de
acústicos elétricos que você pode tocar, se precisar.
Eu mordi meu lábio. Andar de bicicleta com o violão do
meu pai seria arriscado.
— Quando você pode estar aqui, garota?
— Meia hora? — Coloquei o violão na segurança do estojo
e o travei. — Vou usar um dos seus violões.
— Está bem. Tenho que ir. Te vejo daqui a pouco.
Eu troquei de roupa e coloquei camadas. Flexionei meus
dedos em minhas luvas e coloquei meu capacete. Abrindo a
porta, uma rajada de ar frio me empurrou para trás. Será que
algum dia iria esquentar?
As luzes estavam acesas na casa e eu verifiquei três vezes as
fechaduras. Eu provavelmente parecia que estava prestes a
invadir, de tantas vezes que verifiquei por cima do ombro.
Descendo a minha rua, pedalei rápido, esperando que
ninguém questionasse me ver fora. Era muito menos estranho
ver alguém andando de bicicleta às nove da noite do que à uma
da manhã, no entanto. Não era como se alguém tivesse me visto
de qualquer maneira.
Cheguei ao estúdio e Freddy pegou minha bicicleta,
guardando-a no bicicletário.
— Você estará cantando hoje ou trabalhando?
— Você não me chamou aqui para trabalhar? — Não para
cantar. Nunca para cantar. Eu assistia músico após músico
entrar como se não fosse grande coisa cantar a plenos pulmões,
semana após semana, mas nunca eu.
— Sim, mas não custa nada perguntar. — Seus ombros
pularam. — Estamos aqui. Há três acústicos diferentes que
você pode escolher. Eles só precisam de algum
acompanhamento de trilha de fundo. Você consegue lidar com
isso?
Eu concordei. Meu coração bateu forte e eu limpei minhas
mãos no meu jeans. Desabotoando meu casaco, segui Freddy
pelos corredores estreitos.
— Não fique nervosa. Você vai acabar com eles, garota. —
Ele abriu o segundo conjunto de portas duplas, as que levavam
para o lado da cabine do estúdio.
— Aqui está ela.
Eu congelei na porta, meu queixo caído. O gorro
inconfundível de Logan, a jaqueta jeans usada de Vale, as calças
de couro de Elias e os olhos azuis claros de Camden que quase
o tornavam de outro mundo.
— Puta merda!
Todos eles comemoraram. Grandes sorrisos e risadas.
Dinheiro trocado de mãos. Recebendo um tapa nas mãos de
uma mulher com cabelos pretos em cascata.
— Vocês simplesmente não conhecem mulheres. — A
mulher que não parecia muito mais velha do que eu riu e
embolsou o dinheiro. — Eu sou Maddy. Estou supondo, pelo
palavrão, que você sabe quem são esses caras. — Ela estendeu o
braço na direção deles.
— W-without Grey.
Ela inclinou o queixo em minha direção.
— Exatamente. Precisamos definir uma música esta noite.
Nós poderíamos usar um pouco de ajuda no violão base.
— Eu? — Apontei para o meu peito e olhei ao redor do
cômodo. O estilo da camiseta rasgada de Lockwood estava
faltando.
— Apenas para a faixa de teste.
— Onde está Lockwood?
Eu nunca tinha entendido a frase “sugou o ar do ambiente”
como agora no segundo em que mencionei seu nome.
— Ele não pôde vir hoje. Freddy disse que você tinha
história aqui. Seu pai fez um ótimo trabalho e você também
poderia. Você está pronta para isso e pode nos fazer o favor de
manter tudo em sigilo? — Maddy olhou para mim com uma
expressão dura para enfatizar a seriedade da chance que estava
me dando. Não só eles estavam confiando em mim com isso,
como Freddy também.
— Eu… — Saiu como um guincho. Limpei minha garganta
e bati no peito. — Eu posso fazer isso. Obrigada por confiarem
em mim.
— Merda, quase esqueci. — Ela remexeu uma pilha de
papéis em uma mochila preta esfarrapada antes de puxar uma
pilha de papéis. Folheando-os, ela murmurou baixinho. — Eu
confio, mas isso não significa que ainda não precisarei que você
assine isto. — Ela deslizou algumas folhas de papéis no console
de mixagem com as grandes palavras em negrito “Acordo de
Não Divulgação” no topo. Ela destampou uma caneta com os
dentes e a estendeu. — Ser uma babaca representando esses
caras vem com o território.
— Eu entendo. Você protege as pessoas com quem se
importa.
Os cantos de sua boca se curvaram.
Camden a cutucou de lado.
— O tempo de estúdio não sai barato. Vamos nessa. Maddy,
pare de importunar nossa nova amiga. — Seus olhos azuis-gelo
brilharam e ele acenou com a cabeça em direção à porta. —
Venha comigo, filha do Miles. Vou passar a música com você.
Você sabe ler música?
Camden me guiou para fora do lado do estúdio da placa de
som e para a porta dupla ao lado daquela que tínhamos acabado
de sair. Freddy nos seguiu até a sala ao lado.
— Claro. — Meu estômago estava fazendo uma rotina
perfeita de ginástica a cada passo. Puta merda, eu estava prestes
a tocar na frente, e talvez com, Without Grey – se eu não foder
completamente tudo. Meus dedos formigavam, dormência
rastejando em minhas mãos. Limpei-as na minha calça jeans.
— Desculpe, não tive a intenção de ofender.
Freddy apontou para a linha de seis violões ao longo da
parede.
— Bay, aqui estão os que você pode escolher. Avise-me se
houver algum problema. — Ele desapareceu pela porta e voltou
para o outro lado do vidro, deixando-me na sala à prova de som,
onde meu coração batia tão forte que eu não teria ficado
surpresa se os microfones o tivessem captado.
Camden apertou o polegar contra os dentes. Isso me
lembrou da produção de Romeu e Julieta do clube de teatro.
Ele estava mordendo o polegar para mim?
— E cantar? Você sabe cantar?
Eu estremeci como se ele tivesse me feito tropeçar.
O interfone fez um clique e a voz de Freddy retumbou nos
alto-falantes.
— Ela sabe can…
Eu cortei Freddy.
— Não. — Era mais como não consigo cantar, e eu não iria
dar de cara no chão na frente de Without Grey. Por cima do
ombro, lancei um olhar para Freddy e andei pela linha de
violões.
Ele recuou.
Eu engoli o nervosismo e peguei um violão, o mesmo
modelo de Martin que eu tinha tocado mais cedo naquele dia,
com os dedos trêmulos. Quantas vezes meu pai fez a mesma
coisa? Em quantas sessões ele tocou, mas nunca chegou a tocar
suas próprias canções? Eu empurrei para dentro aqueles
sentimentos de nó no estômago e respirei fundo novamente.
— Um Martin. Estou impressionado. — Camden pegou
seu próprio violão e sentou-se no banquinho ao lado do piano.
— Está pronta?
Repassamos a música duas vezes. Na primeira vez, ele tocou
para mim com a partitura rabiscada à mão nas teclas do teclado.
Na segunda vez, toquei junto com ele, fazendo o
acompanhamento.
Meus dedos voaram pelas cordas, energizados por tocar com
alguém. Para alguém. Eu estava morrendo de medo mas,
engolindo isso, segui em frente, entrando na música, fazendo o
meu melhor para combinar com o estilo de Lockwood.
A nota caiu e meus dedos pararam nas cordas. Camden
arrancou as últimas notas, balançando o dedo na corda para
prolongar o grito da nota. Ele tamborilou com os dedos na
lateral do violão e inclinou a cabeça para o lado, olhando para
mim com um sorriso largo.
— Porra, Bay. Freddy não estava brincando. Você tem um
talento de matar.
O interfone ligou.
— Vocês estão prontos?
— Pode crer. Ela conseguiu. Vamos lá. — Ele balançou a
mão acima da cabeça como se estivesse sinalizando para uma
captura de gado.
— Você deveria ouvi-la cantar. — Freddy riu.
Meu olhar disparou para ele.
— Você também canta? — Camden largou seu violão,
apoiando-o contra seu banquinho.
— Na verdade, não — eu murmurei.
Seus olhos se fixaram em mim com um olhar avaliador.
— De alguma forma eu duvido disso, mas isso não é um
interrogatório, então vou deixar passar.
— Você realiza interrogatórios regularmente?
Ele deu uma risadinha.
— Eu sou conhecido por isso.
A porta se abriu e o resto da banda entrou na sala. Eles
tomaram seus lugares e eu estava a segundos de me beliscar. Eu
estava sentada em uma sala com Without Grey, prestes a tocar
com eles. Meus dedos começaram a coçar e formigar.
Eu respirei fundo. Uma parte irracional do meu cérebro
ameaçou me fazer sair correndo da sala. Eles estavam prestes a
me ouvir tocar, embora eu soubesse que eles estavam do outro
lado do vidro nas duas últimas vezes que toquei.
Uma mão caiu no meu joelho. Camden abaixou a cabeça
para chamar minha atenção. Bondade e calma irradiaram
através deles.
— Respirações profundas. Finja que está sentada em seu
quarto, tocando a música junto com o álbum. Você consegue.
Ele se endireitou e começou a contagem.
Fechei os olhos e me imaginei sentada nos degraus dos
fundos. Totalmente sozinha, exceto pelos olhos dele. Por que
era tão fácil tocar para ele? Meus dedos voaram pelas cordas,
cada nota memorizada e fluindo por mim. Minha mão
acalmou as cordas enquanto Camden segurava a nota final.
— Puta que pariu! — Teve um amontoado. Without Grey
estava me abordando em um abraço.
O interfone do lado da mixagem foi ativado.
— Que trabalho incrível, Bay. — Maddy estava com os
braços cruzados sobre o peito e um largo sorriso no rosto. — Se
você pode cantar como Freddy diz que pode e quer um
contrato, eu conheço algumas pessoas.
Abaixei minha cabeça, balançando-a. Tocar era uma coisa,
mas cantar? Eu provavelmente hiperventilaria e desmaiaria se
tentasse.
— Vou me ater a tocar.
— Como quiser.
Freddy invadiu o microfone.
— Precisamos de outra tomada e então você pode gravar os
vocais, Camden.
— Parece uma boa. — Ele se balançou para trás no
banquinho. — Do início.
Voltei para casa sentindo que poderia ficar acordada por
dias. A energia tamborilou em minhas veias como a batida da
bateria de Elias. A escola era em três horas, mas eu nem me
importei. Eu não conseguia dormir. Subi as escadas de três em
três e abri meu caderno. As palavras saíram de mim como uma
pia transbordando. Cada uma sobre ele. Talvez eu pudesse
limpar os pensamentos sobre Dare por meio das palavras
escritas. O inferno se eu sabia se funcionaria, mas eu com
certeza tentaria. Qualquer outra coisa era um incêndio muito
perigoso para se chegar perto.
As carteiras das salas de aula encolhem a cada ano. Pelo menos
o clima mais frio significava que não estávamos todos suando
para um cacete, com as longas e estreitas janelas rachadas e
gigantescos ventiladores giratórios soprando sobre nós a cada
quarenta e cinco segundos, enquanto sufocávamos no calor
abafado do final da primavera. Houve um adiamento, com
todos ainda de casacos, exceto por um grupo de garotos que
nunca deixou de usar shorts e chinelos, mesmo no auge do
inverno.
Me espremer em uma carteira e manter meus olhos abertos
ao longo do dia foi o máximo que consegui juntar neste
momento. Minha média geral escolar estava boa. Eu não
esperava uma carta de aceitação de Harvard – as expectativas
eram fracas para os atletas. Não era que eu tivesse relaxado. Eu
tinha visto o que acontecia com os caras na bolha, com notas e
suas pontuações no vestibular, mas entre os treinos, jogos e
viagens de recrutamento, eu já estava cansado de ser do último
ano. A senioridade havia atingido forte e cedo, o que significava
que os espaços em minha mente, anteriormente ocupados com
a entrega de trabalhos escolares medíocres, foram ocupados por
outros pensamentos.
Aquele short de dormir não deveria estar passando pela
minha cabeça. Eu tinha visto mulheres em muito menos.
Muito, muito menos. Mas, de alguma forma, Bay de pé em sua
sala de estar, olhando para mim com sua cara de quem acabou
de acordar foi uma das coisas mais quentes que eu já vi. Os
biscoitos também atingiram o ponto certo. Eles foram meu
café da manhã e almoço naquele dia.
Junte isso à música que eu não conseguia tirar da minha
cabeça, e Bay estava se tornando uma distração que eu não
havia previsto. Este ano deveria ser sobre três coisas: me formar,
encontrar meu caminho para sair da cidade e nunca mais ver
meu pai.
Eu balancei para trás na minha carteira, as duas pernas
dianteiras fora do chão. Bay estava sentada na frente da sala de
aula. Seu lugar era sempre nas três primeiras fileiras das três
aulas que compartilhávamos. Ela se sentava nas primeiras
fileiras nas outras cinco aulas que não compartilhávamos? Para
onde ela estava indo depois da formatura? As pessoas da nossa
turma irão se espalhar por todo o país. Houve algumas
aceitações na Ivy League11, algumas espalhadas por faculdades
estaduais de prestígio e, também, todas as bolsas de estudo
esportivas da Divisão I. Quando ela iria embora? Ou ela estava
ficando para trás? Tantas perguntas e nenhuma resposta. Eu

11
A Ivy League é um grupo formado por oito das universidades mais
prestigiadas dos Estados Unidos: Brown, Columbia, Cornell, Dartmouth,
Harvard, Universidade da Pensilvânia, Princeton e Yale.
não havia tido a chance de perguntar a ela, mas precisava mudar
isso. O desejo de falar com ela novamente me atingiu com força
e estava se tornando quase insuportável.
Ela não tocava violão há algum tempo e eu estava ansioso
para ouvir sua voz novamente. Pedir uma serenata não se
encaixava exatamente com a minha imagem. No entanto,
observá-la crepitar e surtar quando me entregou o copo de
limonada valeu a pena a chave inglesa escorregando e cortando
minha mão.
— Dare?
— Sra. Franklin? — Deixei minha carteira cair, e o baque
tremeu as janelas.
— Você pode, por favor, nos informar o delegado de
Massachusetts no Congresso Continental?
— Sam Adams. — Tudo graças ao Quiz de Cerveja.
Sua carranca se aprofundou. Perguntas revolucionárias de
guerra sempre eram sua escolha toda vez que pensava que
alguém não estava prestando atenção – não que eu estivesse.
Não, minha mente estava em outras coisas. Repassando o livro
de jogadas na minha cabeça. Traçando a viagem de sete estados
que meu pai faria para antecipar quando ele estaria de volta. A
melodia ancorada na base do meu tronco cerebral, se repetindo
na minha cabeça até que a última nota terminasse.
Bay olhou para trás, nem mesmo totalmente por cima do
ombro. Mais como passando por seu ombro, talvez pensando
que ela poderia disfarçar pegando algo de sua mochila no chão
ao lado dela. Exceto que ela nunca colocou sua mochila tão
longe, e foi a quarta vez que ela fez isso em vinte minutos.
Minha visão ficou mais nítida, sem a necessidade de quaisquer
pretextos.
Ela fazia a mesma coisa toda vez que olhava para trás: rolava
o lápis três vezes para cima e para baixo na mesa, pegava e
encostava nos lábios como se estivesse pensando em algo, talvez
tentando se lembrar de algo. Em seguida, a hesitação, a busca
falsa pela mochila e uma olhada em minha direção. Eu estava
pronto desta vez, sem fingir que não a tinha visto.
Nossos olhares se encontraram.
A cabeça de Bay saltou para a frente.
Revirei minha memória para descobrir o que havia sobre
mim que a deixava tão nervosa.
Ela começou na nossa escola quando se mudou para a
cidade alguns anos atrás e se manteve reservada. A garota que
ficava ao lado dela em seu armário era a única pessoa com quem
a tinha visto conversando fora das aulas.
Por que ela se mudou para o meu fim de mundo no ano
passado?
— Haverá um projeto em grupo antes da prova de vocês.
Reclamações retumbaram pela sala. Ninguém queria ficar
preso a um projeto em grupo porque a Sra. Franklin não estava
com vontade de avaliar vinte e cinco tarefas. Em todos os
grupos, sempre havia alguém que não dava a mínima e outro
alguém que tratava cada palavra como se fosse a diferença entre
a vida e a morte.
Como alunos do último ano que haviam recebido nossas
aceitações universitárias – ou pelo menos já as haviam enviado
e estavam esperando pacotes de ajuda financeira de última hora
– esse era mais um aborrecimento antes que nosso verão de
liberdade começasse. Faltavam dois meses.
O sino tocou e Bay saltou de seu assento como se ela tivesse
sido conectada a um conjunto de cabos elétricos. Eu não deixei
de ver seu rápido olhar para mim antes que ela desaparecesse
pela porta.
Juntei minhas tralhas e parei no meu armário para trocar
meus livros.
— Um mês até Bedlam. — Knox jogou todo o seu peso nas
minhas costas, colocando as mãos nos meus ombros.
Eu grunhi e o afastei.
— O que te faz pensar que qualquer um de nós precisa de
um lembrete? — Uma faixa enorme se estendia pelo corredor
com números destacáveis. Um grande número seis havia sido
meticulosamente pintado em azul marinho com um contorno
dourado. As pessoas aqui tratavam os jogos amistosos fora de
temporada como a maioria das pessoas tratava os jogos do
campeonato.
— Isso esteve aqui o tempo todo? — Knox pendurou a
mochila no ombro e coçou a cabeça.
— Só desde que a pós-temporada começou. — Puxei a pasta
e o livro da última aula da minha mochila.
— Porra, sério?
Minha risada retumbou no fundo do meu peito. Knox
tinha muitos talentos, mas suas aguçadas habilidades de
observação não estavam nessa lista.
— Qual é o lance do próximo ano?
O frágil metal do meu armário gemeu e rangeu enquanto eu
enfiava de lado alguns livros amontoados lá e pegava o que eu
precisava. Todo mundo tinha a impressão de que eu tinha
assinado contrato com alguém.
— Mais um recrutador está chegando. Tentando ver se eles
vão melhorar o acordo. — Meu intestino deu um nó.
— Porra, eles estão demorando para um caralho, não estão?
— Tenho que manter todos atentos. — Fechei meu
armário.
— Não acredito que você não virá para o Alabama comigo.
— Havia o mais próximo possível de um biquinho em sua voz.
— Você encontrará um cara novo para pegar todas as sobras
dele, não se preocupe. — Chegamos à próxima sala de aula e
fomos para a última fileira, para nossos lugares sem donos.
— Mais como um cara novo para ser meu braço direito. —
Ele estufou o peito, firmando-se na mesa, deslocando a coisa
toda um pouco para trás antes de empurrá-la para frente com
um guincho ensurdecedor.
Os corredores foram preenchidos com um punhado de
pessoas depois que o último sino tocou. Na reta final do ano
letivo, comitês do baile, do anuário e de outros clubes
planejavam seus projetos de fim de ano. Para todos os outros,
isso significava liberdade. Para mim, significava a perda de um
refúgio que eu tinha para fugir. E se eu não fosse escolhido, eu
seria mais um cara no bar, enterrado no fundo de uma garrafa,
despejando tudo sobre os dias de glória do ensino médio, onde
cheguei ao auge.
A contagem regressiva de horas gastas dentro dessas paredes
se resumiria a nada. Jogar meu capelo para o alto não iria apenas
acabar com meu tempo na Greenwood Senior High, mas
também com meu tempo em Greenwood. Ou acabaria com
minha sanidade, se eu não conseguisse ir embora.

As portas do auditório se abriram. Duas pessoas saíram para o


corredor.
Bay estava vestida toda de preto, do lado de fora da bilheteria
usada apenas nas noites da peça de outono e musical de
primavera. Seu cabelo caiu em ondas, descendo em cascata por
suas costas. Ela estava com um cara. Suas expressões intensas e
conversa próxima puxaram algo profundo e sombrio de mim,
como um corpo sendo arrastado pelas escadas do porão.
Ela abriu a porta da cabine e desapareceu. Seu braço
disparou com comprimentos dos cabos enrolados. O cara com
ela os agarrou, segurando-os contra o peito. Rolo após rolo
surgiu, até que ele os equilibrou em seus braços como um
garçom sobrecarregado prestes a perder tudo.
Eu bati no peito de Knox.
— Quem é o cara com quem Bay está falando? — Meu
queixo se projetou na direção deles.
— Bay? — Knox examinou as poucas pessoas no corredor
passando rapidamente por ela. Eu sabia que eles não tinham
aulas juntos, mas ele realmente não sabia o nome dela? Ela
estava aqui há três anos.
Minha mandíbula cerrou.
— A Garota Nova. — O nome nunca pareceu certo para
mim. Se alguém a mencionava, além dos professores, ela era A
Garota Nova, mesmo que houvesse novos alunos desde que ela
começou. Não havia? A menos que fosse alguém novo no time,
eu não dava a mínima. Mas aquele apelido formigava algo que
eu não conseguia identificar. Como um pulsar maçante no
fundo da minha mente, nublado pelo tempo e pela névoa.
— Ah. — Knox olhou para cima como se não tivesse notado
duas pessoas a menos de três metros de distância de nós. Ele deu
de ombros. — Jon. — Ele estalou os dedos como se fosse um
esforço manual para que as sinapses em seu cérebro
disparassem. — Esse é Jon... Jon Morgan. Nerd do teatro.
Estávamos na liga infantil de futebol americano juntos,
lembra? Você o derrubou durante uma partida amistosa na
quarta série e ele pendurou as chuteiras.
Esta notícia não estava ajudando. Ele ainda estava falando
com Bay e eu não.
Ela jogou as mãos para cima frustrada com o que quer que
ele tenha dito e invadiu o auditório. Ele agarrou a porta antes
que ela fechasse e entrou balançando a cabeça.
Baboseira de namorado e namorada? Ou outra coisa? De
qualquer forma, a visão dela chateada com ele me deixou feliz.
Uma mochila pesada bateu nas minhas costas.
— Dare, você vem? Só estou treinando por você e estou
cansado demais para fazer voltas extras.
— Sim, estou indo.
A porta se abriu novamente e desta vez Bay voltou sozinha.
Acho que é melhor Knox cavar fundo e encontrar um pouco
de energia extra para essas voltas extras.
Ela abriu a trava da porta da bilheteria e voltou para dentro.
Eu fiquei na porta, inclinando-me para um lado.
— O que você está fazendo?
Ela gritou e bateu a cabeça no balcão. Uma avalanche de
poeira a cobriu. Esfregando a nuca, ela saiu do lugar e se
levantou. Seu olhar ficou tão áspero quanto quando eu a
provoquei comendo aqueles biscoitos fenomenais.
Ela bateu um rolo de velcro na palma da mão e levantou.
Seus lábios estavam virados para baixo em uma carranca
perfeitamente simétrica. Nenhum indício de sorriso foi
encontrado.
— Hackeando o Pentágono, o que você acha que estou
fazendo? — Caixas entreabertas cobriam a maior parte do chão
da cabine, exceto por uma fenda estreita em que ela deslizou.
Havia cabos, fitas adesivas e outras coisas empilhadas em caixas
precariamente empoleiradas. Ela cheirava a xampu de
framboesa, ou talvez gel de banho... Do tipo que a mãe de Knox
usava para convidados, mas eu não era exigente.
— Você precisa de ajuda?
— Qual é o seu lance, Dare? — Seus braços se agitaram ao
lado do corpo em um encolher de ombros abandonado.
— Eu não posso ajudar?
— Primeiro o carro, depois meu armário e agora você quer
me ajudar a colocar as porcarias em prática? — Ela tirou os
óculos, inspecionando-os. Eles estavam cobertos de poeira,
assim como seus cabelos e os ombros de sua camisa. Parecia que
ela tinha o pior caso de caspa do mundo. — Desculpe-me se,
depois de três anos aqui, estou um pouco confusa por você
aparecer a torto e a direito conversando comigo. — Quando ela
sussurrou gritando comigo, percebi um indício de sua voz
cantando. Isso me fez querer mantê-la falando assim e deixar
isso rolar sobre mim.
— Não tenho permissão para falar com você?
— Você tem permissão para fazer o que quiser, mas não
perto de mim. — Ela andou como se fosse passar direto por
mim, mas parou alguns centímetros antes de bater em mim.
Meu corpo cobriu a porta.
— Você não se importou de estar perto de mim com a
limonada, ou ontem. — Minha respiração bagunçou os fios de
cabelo emoldurando seu rosto.
— Mas eu me importo agora. — Seus lábios se apertaram e
ela engoliu em seco. — Com licença, Dare.
Eu recuei da porta, dando a ela apenas espaço suficiente para
se espremer.
— Vejo você mais tarde, Bay.
— Sorte a minha — ela resmungou e desapareceu de volta
ao auditório.
Knox apareceu na esquina.
— Que porra é essa cara? Vamos lá!
Peguei minha mochila do chão e segui Knox para o campo.
As três voltas passaram mais rápido do que o normal. Meus
pensamentos estavam em Bay, em capturar aquela carranca no
papel e ouvir sua música novamente.
Havia buracos no teto rebaixado acima. Esta sala de aula
também funcionava como sala de detenção e, na maioria das
manhãs, começávamos o dia com um lápis deixado por um
detento descontente recorrente se movendo sobre a carteira de
alguém.
A Sra. Franklin ficou na frente da turma, chamando por dez
minutos para começarmos nosso projeto em grupo.
Eu nunca odiei a escola. Não era meu lugar favorito, mas eu
não odiava aprender, participar da equipe de palco e passar o
tempo com Piper. Algumas coisas eram desagradáveis, como a
onda de frio que atingiu a cidade, deixando-me quase
congelada na minha bicicleta esta manhã. A primavera não
deveria estar logo ali na esquina?
A coisa toda de ser invisível me afetou inicialmente, mas
depois me acostumei com isso. Eu desaparecia em segundo
plano. A maioria das pessoas não se importavam o suficiente
para aprender meu nome verdadeiro – eu era A Garota Nova
mesmo que outras pessoas tenham entrado na escola depois de
mim.
Então, era decididamente desconcertante ser o centro das
atenções de alguém. Dare, em particular. Ele continuava
olhando.
História no terceiro período se tornou a aula mais temida da
minha vida. Ele estava passando dinheiro por baixo da mesa
para a Sra. Turner?
Depois de revisar nosso projeto final para a aula antes da
nossa prova, ela se levantou e leu os nomes dos nossos grupos.
Teríamos dez minutos no final da aula para reorganizar nossas
carteiras e revisar o trabalho escrito e a apresentação que estava
previsto daqui duas semanas. E foi assim que acabei na infeliz
posição de estar sentada, não a três metros de Dare, mas sim a
menos de trinta centímetros dele.
Em sua carteira, tão perto, ele era maior do que a vida. Sua
calça jeans abraçou suas pernas poderosas. Ele mal parecia
contido na sala de aula e, pela primeira vez, senti uma faísca que
provavelmente todas as outras garotas sentiam ao vê-lo no
campo e nos corredores. Meu corpo mudou, inclinando-se
imperceptivelmente mais para perto.
Apertei minhas mãos sob minha mesa e abaixei minha
cabeça, balançando-a. Não, eu não me tornaria uma daquelas
garotas. Eu não ia começar a bajular e ficar com a língua presa
perto dele, corando e dando risadinhas.
Dare, Michelle, Brian e eu estávamos presos juntos para o
trabalho e, pelos rostos em nosso quadrado de silêncio,
ninguém estava feliz com isso.
Michelle assumiu o comando como sempre fazia. É o que os
oradores da turma fazem.
— Podemos nos encontrar na biblioteca para trabalharmos
juntos.
— Eu tenho ensaio da peça.
— Se esquivando de suas responsabilidades educacionais. —
Dare fez um som de deboche e se recostou na cadeira,
equilibrando-se nas duas pernas traseiras da carteira. Seu olhar
travou em mim como se fôssemos as únicas duas pessoas na
sala. Desta vez, porém, meu estômago não estava fazendo a
agitação de uma borboleta. Estava atado e apertado, como um
vulcão agitado antes da erupção.
— Estamos a menos de duas semanas da noite de estreia e eu
cuido da placa de som. E tenho quase certeza de que todos nós
já fomos aceitos na faculdade. — Olhei para Brian, nosso outro
membro do grupo, que observava toda a interação parecendo
chateado por não ter estourado um saco de pipoca antes de vir
para a aula. Mas não oferecendo nenhuma ajuda.
— Eu tenho treino, então depois da escola não vai funcionar
para mim — Dare retrucou. Ele se virou para Michelle. Então,
parecia que ele se lembrava sim de que havia outras pessoas na
sala.
— O trabalho escrito deve ser entregue na próxima terça-
feira e a apresentação na terça seguinte. E eu não vou ficar presa
fazendo tudo isso sozinha. — Sua voz rangeu e ela agarrou as
pontas do papel com força.
— Você tem aquele pau no seu c...
Eu atropelei o que quer que estivesse por vir.
— Ei, Michelle, tenho certeza de que podemos descobrir
como dividir o trabalho para que ninguém faça mais do que sua
parte justa.
— Este trabalho escrito e a apresentação equivalem a cinco
por cento da nossa nota.
Dare olhou para seu papel, fazendo um esboço no canto da
página.
— Um total de cinco por cento? Uau, é melhor dedicarmos
o próximo mês do nosso último ano do ensino médio a esta
tarefa.
Os dedos de Michelle se apertaram ao redor do lápis.
— Alguns de nós nos preocupamos com nossos estudos.
Alguns de nós cumprem nossos compromissos. Alguns de nós
não somos idiotas egocêntricos. — Ela saía de sua cadeira a cada
frase, apoiando as mãos na frente da carteira.
Dare desviou o olhar para ela e depois para mim. Ele seguiu
meu olhar e, se eu não estava ficando louca, um toque de rosa
coloriu suas bochechas. Virando o papel, ele voltou a se
concentrar em Michelle e apoiou as mãos na nuca. Seus
cotovelos largos e bíceps apertados sob sua camiseta preta justa.
— O volume dos chiados pode diminuir pelo menos pela
metade, Chelle? — Sua mão girou no ar como se estivesse
girando um botão.
Ela agarrou a frente de sua carteira como se estivesse a um
segundo de pular sobre ela e ir direto para a jugular dele.
— Obrigado. — Ele piscou e riu.
Chelle? Eles tinham um histórico? Eu me mantive
firmemente longe do moinho de fofocas do ensino médio, não
que alguém estivesse querendo me adicionar à mistura.
Ela engasgou e olhou para ele, rabiscando algo em seu
caderno.
Imaginar Dare e Michelle juntos era tão estranho quanto,
bom, imaginá-lo comigo.
Meus ombros caíram ligeiramente. E era por isso que eu era
uma idiota iludida.
Dare pegou o papel – com nossos nomes escritos no topo –
da minha carteira e o leu.
Eu o agarrei, mas ele escapou do meu alcance.
— Eu estava lendo isso.
— Isso é o que ele faz. — Michelle sibilou, inclinando-se
para perto da minha carteira.
— Rouba os papéis das pessoas de suas carteiras?
— Não, a merda que ele quiser. — Ela cruzou os braços
sobre o peito.
Ele virou o papel de lado e o rasgou ao meio.
Michelle gritou e foi tentar agarrar, levantando e quase
derrubando a carteira.
Brian permaneceu em silêncio.
Ele rasgou as metades ao meio novamente e as jogou em
nossas carteiras. O de Michelle caiu da beirada e escorregou a
menos de um metro de distância no chão.
— Agora todos nós sabemos o que precisamos fazer.
Podemos juntar todas em um documento ou enviar nossas
partes por e-mail para você, Michelle. Tenho certeza de que seu
cérebro não aguentaria não revisar as partes de todos antes de
entregá-las. Para a apresentação, precisamos que uma pessoa
fique lá na frente e diga todas as palavras.
— Eu posso fazer isso. — Ela se levantou e quase derrubou
a carteira de novo.
— Todos nós vamos colocar nossa parte no trabalho escrito
até sábado. Isso nos dá alguns dias para resolvermos tudo.
Então podemos passar para a apresentação.
— Você não vai participar da Liga dos Titãs em duas
semanas? — Brian falou pela primeira vez desde que enfiamos
nossas carteiras juntas no fundo da sala.
— Talvez. — Dare deu de ombros. — Eu dou um jeito.
Michelle reajustou seus papéis, batendo-os contra a carteira.
— Perfeito. Posso configurar o documento e convidar todos
para editar.
O sino tocou, nos libertando.
Tirei tudo da minha carteira e coloquei na mochila,
abandonando o lápis perdido na grande fuga. Jogando a
mochila por cima do ombro, empurrei minha carteira de volta
no lugar, bloqueando o caminho de Dare até mim.
Eu estava virando a esquina quando ele me alcançou.
— Eu nunca tive que trabalhar tanto para falar com alguém
antes.
— Há uma maneira fácil de resolver isso. Pare de tentar falar
comigo. — Parei para encará-lo, já que o que quer que estivesse
acontecendo com ele não parecia estar passando.
— Por que você não fala comigo? — Com suas pernas
longas, não importava o quão rápido eu andava – era um
passeio para ele.
— Por que você quer falar comigo? — Eu encarei ele,
tentando afastá-lo com meu olhar feroz, mas isso só fez seu
sorriso se alargar.
— Por que você está tão defensiva?
— Por que você é tão evasivo?
Seu lábio se curvou de uma forma que provavelmente
deixaria a maioria das garotas de joelhos. Elas seriam uma
confusão de hormônios e olhos agitados. Eu desviei para aquele
território por alguns minutos aqui e ali, mas ele não estava
conseguindo o melhor de mim.
— Você não se lembra, não é? — Pela maneira como suas
pupilas dilataram, minha tentativa de uma voz sensual
funcionou.
Minha respiração ficou presa com a intensa lambida de seu
olhar. Seus olhos cinzas nunca deixaram os meus.
Ele apoiou o braço na parede ao meu lado como se estivesse
pronto para eu me atirar nele assim que eu parasse de bancar a
difícil. Ele estava todo fumegante, envolto em um sorriso
malicioso.
— Nem um pouco.
Me inclinei para mais perto, querendo que ele ouvisse cada
pedacinho do que estava por vir.
— Talvez seja porque eu me lembro bem o suficiente por
nós dois.
Sua testa franziu antes que ele se recuperasse e imitasse
minha inclinação. Para quantas outras garotas ele tinha se
inclinado e dado um sorrisinho?
— Foi entre o terceiro e o quarto período do meu primeiro
dia. Eu estava me virando e não tinha ideia para onde estava
indo.
O fato de eu ter me mantido firme por tanto tempo foi um
marco para mim. As lágrimas espontâneas só aconteceram uma
vez, e eu consegui correr para o banheiro, então ninguém viu.
Naquela época, as ondas de luto estavam altas e colidiam na
margem tão rápido que era difícil recuperar o fôlego. Mas,
cercada por outras pessoas, as ondas eram maiores, tanto que
quebravam ao invés de bater em mim como um maremoto. A
escolha de vir para a escola parecia boa – até que não era.
— Você entrou disparado por aquelas portas. — Eu apontei
por cima do ombro dele. A pretensão da minha voz sexy caiu.
— Você não deve ter fechado sua mochila até o fim. Ela se
prendeu na maçaneta da porta e se rasgou. Livros, lápis, papéis
voaram por toda parte. O buquê colorido de suas palavras
chamou a atenção de algumas pessoas, mas ninguém se moveu
para te ajudar. — Eles sabiam o que eu não sabia. Todos os
outros mantiveram distância e, como uma idiota, eu não
achava que precisaria me preocupar com a autopreservação. —
Corri para ajudar e me agachei ao seu lado. Peguei um livro
contra os armários que deslizou pelo corredor e o estendi para
você.
Minha ingenuidade saltitante do tipo “vamos ser amigos”
fez meu estômago embrulhar.
— Você olhou para mim como se tivesse sido eu quem te
empurrou pela porta. As cabeças se viraram quando você
gritou para eu “tirar a porra das minhas mãos das suas coisas”.
— Eu fiz minha melhor personificação do rosnado de Dare. As
palavras e o tom ficaram gravados em meu cérebro.
Seu sorriso diabólico vacilou e deslizou de seu rosto.
— Seu lábio estava sangrando e eu me lembro de ter pensado
que você devia ter tido uma manhã de merda. Você arrancou o
livro da minha mão e olhou feio. Eu sorri pensando que você
poderia ter percebido que estava sendo um babaca. O sino
tocou. As portas das salas de aula abriram e as pessoas
inundaram o corredor. — Minha garganta se apertou. — E
você disse: "Quem diabos é você, A Garota Nova? A regra
número 1 do Greenwood Senior High é não toque na porra das
minhas merdas. É a dica do dia para A Garota Nova”.
A cabeça dele foi jogada para trás. A miséria inundou seus
olhos, mas não houve nenhum indício de estar conectando os
pontos. Derrubando o braço da parede, seu pomo de adão
balançou para cima e para baixo e ele recuou, abaixando o
olhar.
— Você não se lembra?
Ele passou os dedos pelos cabelos.
— Não, eu não me lembro. — Uma linha vermelha correu
pelo seu pescoço e ele se mexeu como se não estivesse mais
confortável em sua própria pele.
— Eu sou lembrada daquele dia toda vez que alguém me
chama de AGN. Seja qual for o seu lance — eu acenei com a
mão na minha frente, gesticulando para ele —, eu não quero
fazer parte disso. — Eu fechei o zíper da minha mochila e a
coloquei nas minhas costas.
— Não há nenhum lance. — Ele soltou um suspiro
profundo como se estivesse o segurando há dias. — Eu ouvi
você tocando seu violão nos degraus dos fundos. Gostei da
música, só isso. Você tocando... — Seus dedos agarraram a alça
da mochila com ainda mais força. — Foi lindo.
As palavras foram ditas de forma nua, honesta e sincera, e
rasgaram a armadura que pensei ter construído quando se
tratava de Dare. Parece que aqueles calos eram na verdade papel
machê.
Engoli em seco, minha garganta estava tão apertada que era
como respirar por uma cana. Qualquer noção de que eu não
tinha tocado muito alto foi por água abaixo.
— Você me ouviu?
— Sua voz. — Ele não sorriu ou riu. Não houve
provocações ou flertes. — É… as palavras não conseguem fazer
justiça.
Meu coração disparou, levantando voo antes de cair de volta
ao meu peito. Agora era a minha vez de personificar a lagosta.
— Não é grande coisa. — Dei de ombros. — Você me ouviu
tocar e agora está, o quê? Você está em toda parte sempre que
eu me viro.
— Desculpe por tentar fazer uma nova amiga. — Ele
encostou as costas na parede, olhando para os armários à nossa
frente como se acreditasse em cada palavra que acabara de dizer.
— São os últimos dois meses do último ano. Estou aqui há
três anos, Dare. Por que agora? — Eu abri meus braços
largamente ao meu lado.
— Talvez eu não tenha te visto antes.
Um som agudo veio do fundo do meu peito.
— Você não seria o primeiro.
Ele virou a cabeça, seu olhar colidindo com o meu. O cinza
de seus olhos irradiavam arrependimento.
Eu não conseguia desviar o olhar.
— Eu sinto muito pelo que eu fiz, Bay. Me desculpe por ter
gritado com você assim. Não foi justo. Eu fodi tudo e vou
garantir que as pessoas parem de chamá-la de AGN.
E simples assim, evaporou. O peso que eu carregava em meu
peito. O conflito quando se tratava dele foi eliminado com uma
declaração de duas frases.
— Você está perdoado.
— Você não precisa fazer isso.
O rancor que eu guardava parecia bobo à luz do dia; era a
raiva que eu nutria por algo que ele nem mesmo lembrava.
— Estamos tão perto da formatura e vou sair daqui e nunca
mais olhar para trás, então não importa.
— Importa para mim. — Um lampejo de intensidade
passou em seus olhos.
Minha respiração saiu trêmula.
— A absolvição foi concedida e eu ficarei bem. Não se
preocupe.
Seus lábios se apertaram e ele me deu um aceno sombrio.
Com as mãos enfiadas nos bolsos, ele olhou para o chão.
— E a música?
— Eu nem sei se consigo terminar a música, então você pode
ficar esperando por ela por um longo tempo.
— Por que não? Por que você não consegue terminar? —
Ele disse isso como se estivesse realmente preocupado que eu
não terminasse uma música que toquei nos meus degraus dos
fundos.
— Por que você está tão interessado?
— Por que você é evasiva?
Sob os holofotes de Dare, eu me contorci. Por que tinha que
ser ele quem me viu? Não poderia ter sido alguém um pouco
menos perigoso para minha sanidade?
— O tédio está afetando você? Todas as trepadas fáceis já
foram conquistadas e agora você está procurando um desafio?
Seu sorriso estava de volta agora, um conjunto arrogante em
sua mandíbula.
— É a segunda vez que você menciona sexo perto de mim.
Por que continua voltando a isso com você? Algo me diz que
você está pensando em sexo muito mais do que eu.
— Você não estava se desculpando agora por ser um merda
comigo?
— Apontar suas peculiaridades conversacionais
dificilmente parece ser uma merda. — Ele se encostou na
parede, não mais tenso.
— Eu não tenho tempo para isso. Você não tem treino?
— Pode esperar.
— Bem, o meu não pode. Obrigada pelo desfecho. Eu te
aviso se eu terminar a música. — Qualquer coisa para tirá-lo do
meu pé e me dar um pouco de espaço para respirar. O Efeito
Dare estava de volta a todo vapor e minha dose temporária de
reforço estava perdendo o efeito.
— Vejo você mais tarde, Bay. — Ele recuou.
A maneira como ele disse não foi um adeus casual. Foi uma
promessa. Porra.
Eu balancei para trás na cadeira com meu caderno de esboços
equilibrado no meu colo. O arranhar rítmico do meu lápis
contra o papel texturizado acalmava meus nervos. Acordei
cedo, me tirando da cama.
Destrancando minha porta, eu verifiquei a casa para ter
certeza de que estava sozinho. Ser acordado de manhã cedo
nunca foi agradável para mim. Mas era só eu.
Me trancando em meu quarto, encarei o teto por muito
tempo antes de ceder à minha necessidade de alcançar a última
gaveta trancada da escrivaninha, que eu encontrei ao lado da
estrada e arrastei degraus acima há alguns anos atrás.
Meus dedos roçaram contra a capa lisa e brilhante do
caderno de esboços que eu dirigi até a cidade ao lado para
comprar. Uma pilha de outros cadernos desgastados com
bordas velhas e gastas estava embaixo dele, dobrados e curvados
com o tempo.
Minha mente ficou em branco e o papel se encheu de linhas
e curvas se juntando, formando uma forma. Abstrato a
princípio, ganhava vida com cada passagem, detalhes e
sombreamento, fazendo com que a imagem saísse da página.
A música de Bay tocava em repetição durante esses
momentos de silêncio; eu não conseguia deixá-la para trás até
que estivesse terminada.
Risadas romperam o forte baixo da música em minha
cabeça.
Deixei o bloco de notas e o lápis caírem na minha cama e fui
até a janela do meu quarto.
A neve cobriu a vizinhança, fazendo tudo parecer um cartão
de Natal. Estava tudo imaculado e intocado, exceto o quintal
de Bay. Havia pegadas, trilhas raspadas na neve expondo a
grama incipiente por baixo.
Molly deve ter voltado para casa de seu turno. Bay saltava
para frente e para trás, as bochechas em chamas vermelhas,
pequenos sopros de respiração pairando no ar na frente de seu
rosto. Ela estava com luvas de arco-íris que usava para embalar
bolas de neve.
As calças de uniforme da mãe de Bay estavam mais escuras
na parte inferior, úmidas pela neve solta. Ela própria rolou
algumas bolas de neve, jogando-as em Bay. As bolas se
dispersaram no ar, cobrindo as duas com mais flocos. Elas
jogavam bolas de neve deformadas uma na outra.
As duas desabaram na neve, deslizando os braços e as pernas
ao longo do chão para fazer anjos de neve. Bay estava coberta
de neve. Seu nariz estava tão vermelho que eu conseguia ver
daqui. A neve grudou em seu casaco e cabelo, pontilhando-os
como se tivesse sido colocada neles em um set de filmagem.
Sem parar para pensar no que eu estava fazendo, tirei
minhas botas do armário e peguei meu casaco. Eu pulei para
cima e para baixo nos degraus, batendo meu pé em uma bota
quente antes de pular com o outro pé para fazer o mesmo.
Minhas luvas ainda estavam nos bolsos. Eu as puxei com meus
dentes. Entrei na garagem para pegar a pá. Na metade do
quarteirão, repeti a história que inventei ao longo do caminho.
Por que eu estava fazendo isso? Era melhor ou pior do que
sentar no meu quarto sozinho como um perseguidor assistindo
ela correr e brincar no quintal? Neve geralmente significava
treinos gelados com almofadas encharcadas de água, ou ficar
cego no campo durante um jogo, temendo entrar no calor – a
única coisa pior do que perder a sensação nos dedos das mãos e
dos pés era quando ela voltava.
Mas não houve treino hoje. Nenhum jogo. Apenas Bay
rindo e correndo por aí, ofegante, sorrindo e brincando.
Eu escorreguei e deslizei nas calçadas, correndo para dar a
volta no quarteirão. Ninguém estava do lado de fora ainda para
cavar ou salgar a calçada.
As gargalhadas delas ficavam mais altas quanto mais perto
eu chegava da casa. Elas não tinham entrado ainda. Eu diminuí
meus passos. Eu não as tinha perdido.
O carro de Molly estava estacionado na rua. A neve havia se
acumulado na pista da garagem, tão alto que ela não conseguia
estacionar.
Deixei minha pá cair no chão, raspando no concreto e
jogando-a de lado. As duas correram da parte de trás da casa,
com as bochechas rosadas e ofegantes.
Elas me viram com a pá e pararam.
— Dare, que bom te ver. — Molly tirou as luvas e as enfiou
nos bolsos.
— Ei, Dare. — O jeito não-mais-cauteloso de Bay dizer meu
nome enviou um arrepio na minha espinha. Ela disse isso como
se fôssemos amigos, não recém-conhecidos, nem vizinhos
pouco civilizados.
— Eu tenho uma pá. — Eu me encolhi e apoiei minhas mãos
em torno do cabo da pá para evitar uma mão totalmente
voltada para o rosto. — Eu posso cavar sua garagem. — Fiz um
gesto para a pilha de neve e o progresso que fiz.
— Isso é tão gentil. Deixe-me só pegar minha bolsa no carro.
— Deixe-me pegar. — Eu acenei para ela e atravessei o
caminho raspado e congelado. Meus pés escorregaram e eu bati
na lateral do carro, me apoiando no teto.
— Dare — Bay gritou, preocupação irradiando pela única
sílaba.
Eu sorri, meu rosto pressionado contra o metal frio.
Apoiando minhas mãos no teto do carro, abri a porta e peguei
a bolsa de Molly.
Navegando pelo caminho traiçoeiro até a casa, Bay olhou
para mim com olhos arregalados, como se eu estivesse
atravessando um rio de lava. O orgulho cresceu em meu peito e
me impedi de levantar a bolsa quando cheguei aos degraus onde
elas estavam.
— Você tem sal?
— Na garagem. Obrigada, Dare. Eu não tinha percebido o
quão escorregadio tinha ficado.
— O sol está derretendo, mas o chão ainda está tão frio que
está congelando um pouco novamente. Vou pegar o sal e
cuidar disso para você.
— Você é um salva-vidas, Dare. — Molly entrou.
Bay permaneceu nos degraus da frente. Um rápido aceno
dela e então ela se foi.
Eu assenti e voltei a cavar.
A porta se fechou suavemente, não uma batida como eu
estava acostumado antes.
Não demorou muito, mas o volume da música subiu um
nível, estando tão perto da casa dela. Na metade da última linha
da garagem, a porta de tela se abriu com um rangido.
Bay ficou parada na porta com os braços cruzados,
esfregando as mãos para cima e para baixo neles, fazendo uma
dança contra as temperaturas congelantes.
— Se você quiser, minha mãe fez um pouco de chocolate
quente. É caseiro. Você não tem…
— Eu adoraria. — Meu estômago roncou. Eu não tinha
vindo para implorar por comida, mas isso não significava que
eu recusaria.
Ela acenou com a cabeça.
— Entre quando terminar.
— Vocês têm mais sal?
— Talvez? Provavelmente não.
— Eu tenho um pouco na minha casa. Posso trazer um
pouco mais tarde, mas as coisas já estão esquentando, não deve
ficar tão ruim. Só não quero que isso congele novamente esta
noite, quando sua mãe chegar em casa do trabalho.
— Ela iria gostar disso.
Bay desapareceu de volta para dentro, deixando-me na
garagem com os sopros de ar pairando na frente do meu rosto
e o silêncio do início da manhã. Terminando a última fileira de
neve, apoiei a pá contra a garagem.
Com dedos dormentes, abri a porta da frente. Pisando
minhas botas e chutando-as contra o degrau de concreto
superior, respirei em minhas mãos. A maçaneta estava quente
depois do frio da pá.
O calor aconchegante de dentro fazia com que parecesse
muito mais um lar nos três minutos em que estive aqui do que
a casa em que vivi desde antes que eu pudesse me lembrar.
Poças se formaram ao redor dos meus pés. Soltei um palavrão
baixo.
Molly saiu da cozinha, bocejando e cobrindo a boca com
uma mão e segurando uma caneca de chocolate quente com a
outra.
Pressionei minhas costas contra a porta. Merda.
— Devo deixar isso lá fora? — A umidade se espalhou pelas
minhas botas.
— Não se preocupe com isso, querido. Tire suas botas, nós
prometemos que não vamos roubá-las.
Eu tirei minhas botas e as coloquei ao lado de seus sapatos
descartados.
— Venha para a cozinha. Isso vai te ajudar a se aquecer. —
Ela acenou para que eu avançasse.
A cozinha delas era pequena como a minha, mas tinha sido
cuidada ao longo dos anos. Os armários e bancadas estavam
gastos, mas bem conservados. Escondida no canto estava uma
mesa de quatro lugares que só podia acomodar três, com o
espaço limitado. E uma das cadeiras estava ocupada.
Bay estava sentada à mesa com as mãos em torno de uma
caneca que dizia “Sim, você está sendo cobrado por isso”. Ela se
trocou para uma camisa de manga comprida do Queen e shorts
de pijama de flanela. Desta vez não havia personagens de
desenhos animados. Seu cabelo úmido estava preso no topo de
sua cabeça.
Eu arrastei a cadeira em frente a ela. Minha boca encheu de
água, como minhas botas descongelando, com o cheiro
profundo e rico que enchia o cômodo.
Ela empurrou a caneca do centro da mesa em minha direção.
— Tem pãezinhos de canela também. — Sua voz foi abafada
por um gole de seu chocolate quente.
Eu apoiei minhas mãos nas minhas coxas para não pular
para pegar a comida. Eu tinha resistido por muito mais tempo
antes.
Descongelando lentamente, fiquei sentado observando a
maneira fácil como as duas interagiam. Eu tinha visto antes,
mas não tão de perto.
Molly tirou os pãezinhos do forno e Bay tirou três pratos do
armário. Ela ficou na ponta dos pés e o short subiu na parte de
trás de suas coxas, mostrando o mínimo indício de uma curva
em sua bunda.
Bem naquela hora, eu estava muito feliz por ainda estar
parcialmente congelado. Ereções inadequadas deixaram de ser
perdoáveis provavelmente há dez anos.
— Você não gosta de chocolate quente? — Molly colocou
o prato farto de café da manhã coberto com canela, açúcar e
cobertura na minha frente.
Minha boca era uma torneira enquanto o cheiro quente e
delicioso enchia meus pulmões.
— Eu amo. Estava esperando o pãozinho de canela. — Eu
ainda não tinha tomado o primeiro gole. Estava distraído
assistindo Bay e tentando não virar um Neandertal completo
com a comida. A caneca ainda estava quente e o sabor rico
revestiu minha língua. As especiarias nele me fizeram pensar em
um Natal típico da televisão, em que a família usava pijama
combinando e ria enquanto rasgava papel de embrulho no
cenário iluminado de uma árvore perfeitamente imperfeita.
— Isso está delicioso. — Esvaziei o copo mais rápido do que
deveria, com uma língua dormente como minha penitência. O
sabor e meu estômago vazio venceram a queimadura.
— Aqui, tem mais. — Molly encheu novamente minha
caneca antes de bocejar novamente. — Eu estou indo dormir
um pouco. Obrigada de novo, Dare, e tem mais chocolate
quente, se quiser levar um pouco com você. Tenho certeza de
que Bay não se importaria de abrir mão de alguns de seus
pãezinhos de canela. — Ela beijou Bay no topo da cabeça e nós
dois ficamos sozinhos na cozinha.
— Você quem fez isto. — Eu dei outra mordida no pão doce
e açucarado.
Suas bochechas ficaram vermelhas e ela encolheu os
ombros.
— Eu fiz um monte alguns meses atrás e congelei mais deles.
Eles são um pé no saco para fazer. — Ela desenrolou uma tira
do redemoinho e o rasgou com os dedos antes de colocá-lo na
boca. — Mas eu gosto de fazê-los para a minha mãe quando ela
chega do trabalho.
Acho que nunca alguém fez algo tão bom por mim.
— Eles são deliciosos.
— Eles estão um pouco ressecados do congelador. Preciso
terminar esta fornada antes que eles não estejam mais
comestíveis.
— Eu duvido que eles não possam ser.
— Você pode levar quantos quiser. Deixe-me pegar um
recipiente para você. — Ela se levantou e vasculhou as gavetas.
Em um segundo estávamos tendo uma boa conversa e no
outro ela estava tentando me empurrar porta afora.
— Posso tomar outra caneca de chocolate quente? — Eu a
balancei na minha frente.
Ela parou, de pé em frente ao fogão com uma espátula na
mão, colocando três pãezinhos em um recipiente de plástico.
— Claro. — Ela estendeu sua mão.
Minha cadeira raspou no chão de linóleo e eu me levantei.
Levei menos de dois passos para atravessar a cozinha e ficar ao
lado dela. A umidade em seu cabelo havia sumido. O que ficou
foi um coque bagunçado com mechas de cabelo caindo pelas
orelhas e pescoço.
Ela se virou e gritou, quase batendo no meu peito.
Talvez eu estivesse um pouco perto demais, mas não me
movi nem um centímetro.
Agora ela cheirava a framboesas com cobertura de
chocolate. Isso existia? Se não, deveria.
— Você entregou sua parte do trabalho escrito? — Ela
pegou a caneca da minha mão e a encheu novamente, usando-
a como uma barreira entre nós. Ela a enfiou no meu peito e se
sentou na outra extremidade da mesa.
— Já sim. Michelle gritando comigo não é minha ideia de
diversão.
— Nem a minha.
Eu bebi lentamente um gole do meu chocolate quente,
determinado a saber mais sobre Bay.
— Qual é o seu plano para a faculdade?
Sua cabeça disparou para cima e ela enfiou outro pedaço do
pãozinho na boca.
— O plano é a faculdade.
— Eu imaginei, mas onde?
Ela olhou para mim, seu olhar avaliando, antes de arrastar
outra tira da massa por uma poça de cobertura em seu prato.
Seja qual for o teste, parecia que eu tinha passado.
— Estou esperando a carta da bolsa de estudos da minha
primeira escolha. É uma faculdade na Califórnia.
Soltei um assobio baixo.
— Bem longe.
— Tem tudo que eu quero fazer, mas se o preço não estiver
bom, ficarei no estado. E você?
Ela nivelou o olhar como um desafio, como se eu esperasse
que ela me mostrasse o dela, mas eu não mostraria a ela o meu.
Eu definitivamente mostraria a ela o meu. Balancei minha
cabeça porque não havia mais nada para mostrar a ela. Bolsos
vazios, futuro vazio. Faltavam doze dias para a Liga dos Titãs.
— Faltam mais algumas semanas para o prazo final de
decisão. Vou ter que decidir qual faculdade vai me dar a melhor
chance de me tornar profissional.
— Essa é uma grande decisão. Eu nem tenho certeza se meu
diploma vai me ajudar a conseguir um emprego depois.
— O que você vai estudar?
— Contabilidade e produção de áudio – produção musical.
— Ela pigarrou.
— Você quer ser cantora.
— Não… não, eu quero produzir música. Cantar é um jogo
totalmente diferente e não faria sentido para mim ir para a
faculdade por isso. Eu precisaria de uma van quebrada para
atravessar o país, tocando em barzinhos duvidosos até a minha
grande oportunidade, onde eu estaria acorrentada a uma
gravadora por cinco álbuns e quase não ganhando dinheiro
antes de processá-los e, finalmente, sair por conta própria. —
Havia uma pitada de desejo em sua voz antes de ela balançar a
cabeça e rir.
— Você pinta um quadro tão bonito da indústria musical.
— Desculpe, muitos documentários musicais para mim. —
Seu telefone vibrou na bancada. — Piper está vindo. — Ela
disse isso de uma forma pontiaguda, de um jeito para que eu
pegasse a dica.
— Eu preciso ir. — Eu verifiquei no meu relógio
imaginário. — Já são dez horas.
Outra risada bem merecida.
— Onze, na verdade. Obrigada por ter cavado.
— Vou trazer o sal mais tarde, para que não congele tudo da
noite para o dia. — Calçando minhas botas, me equilibrei
contra a parede. Pelo menos eu teria outra desculpa para passar
por aqui.
— Você não precisa trazer. Dizem que depois da onda de
frio de hoje à noite, amanhã as coisas estarão nos 15ºC, então
tudo vai derreter. Você provavelmente nem precisava ter
cavado hoje. Nós poderíamos ter apenas esperado.
Aqui estava eu tentando encontrar motivos para vê-la, e ela
procurava motivos para me empurrar porta afora. O que eu
estava fazendo e por que eu estava me torturando?
Os instrumentos de sopro retumbavam no ginásio fechado.
Um ruído ensurdecedor tremeu o assento de madeira debaixo
da minha bunda, me empurrando para a direita. Se eles
tocassem por muito mais tempo eu poderia escorregar da
beirada para o chão desgastado do ginásio. A quadra de
basquete não recebeu o tipo de amor que o campo de futebol
americano recebeu, mas a chuva havia desviado nosso Comício
de Torcida que abrangia toda a escola.
— Não há nenhum jogo por mais seis meses.
Piper estava sentada ao meu lado, balançando seu pompom
de líder de torcida com a energia de uma tartaruga sedada.
— Você está se esquecendo do Bedlam Bowl. Quatro alunos
do terceiro ano assinaram suas cartas de compromisso depois
daquele jogo no ano passado.
Eu apertei os olhos olhando para ela.
Ela deu de ombros.
— O quê? Eu ouço coisas. E você já deveria saber a essa
altura que a introdução do time titular para a próxima
temporada ganhava tanto estardalhaço quanto o Baile de Boas-
Vindas ou qualquer outra atividade baseada em futebol
americano. — A energia em sua voz era tão falsa quanto metade
do bronzeado no ginásio excessivamente barulhento e cheio de
ecos.
— A tecnologia da equipe de palco foi remendada
literalmente com fita isolante. — Ela colocou o pompom
debaixo do braço.
— Não brinca, fui eletrocutada pelo menos cinco vezes
ajudando vocês a configurar, mas nunca parece haver uma
queda no financiamento de eventos como esses. — Eu mal
conseguia manter meus olhos abertos. Dormi menos de três
horas na noite passada.
— Pelo menos não precisamos nos trocar para a Educação
Física hoje?
— Sempre olhando pelo lado positivo. — Eu ri e rabisquei
uma das respostas na última linha do meu dever de casa. Ontem
pode ter sobrado um pouco menos de tempo para terminá-lo
do que o normal, com a luta de bolas de neve e as duas xícaras
de chocolate quente com Dare.
— Eu preciso que você aja naturalmente. — Seus dedos
apertaram meu antebraço.
— Aperto mortal, Piper? — Eu a encarei.
— Fique de boa! Dare está olhando para você.
Meus dedos apertaram o marca-texto, enviando meu gráfico
de linha para fora da borda do meu caderno. Virei a página, sem
olhar para cima. A última coisa que eu precisava era que Piper
farejasse que algo estava acontecendo, ainda mais do que ela já
tinha. Ela era um cão de caça por quaisquer mudanças na
hierarquia do ensino médio, e houve uma séria alteração na
atividade.
— Ele não está. — Por favor, não deixe que ele esteja
olhando para mim. Talvez houvesse outra pessoa atrás de mim.
— Ele definitivamente está. — Ela continuou olhando para
o chão do ginásio. — Está rolando alguma coisa? Ele não olhou
para mais ninguém desde que olhou para você.
— Piper. — Coloquei o marca-texto no centro do meu
caderno, deixando as páginas fecharem. — Ele não está...
Nosso lugar na arquibancada era o local perfeito para
chegadas tardias e fugas antecipadas dos Comícios de Torcida
obrigatórios. No centro da quadra, toda a equipe estava
alinhada, e atrás deles estava o treinador, que parecia estar a três
segundos de um aneurisma. Seu rosto estava vermelho como
uma beterraba, com veias salientes no pescoço e na testa como
um mapa topográfico das Montanhas Rochosas.
Ele introduziu o time titular e explicou a tradição do jogo
do terceiro ano contra o último ano, o Bedlam Bowl, e como
pelo menos oito de seus jogadores que estavam indo para o
último ano assinavam cartas de compromisso dentro de uma
semana do jogo todos os anos.
Com as mãos cruzadas atrás das costas e o olhar “cansei
disso” em seu rosto, Dare olhava diretamente para mim.
Meu estômago embrulhou, dando piruetas dentro do meu
corpo. O último ano acaba de ficar muito mais longo com o
curso intensivo obrigatório em Distração Dare.
O desastre de um Comício de Torcida continuava com
piruetas e uma versão ensurdecedora de “Hey Look Ma, I Made
It”, do Panic! At The Disco, retumbou pela banda marcial.
Ninguém nunca ouviu as letras dos versos em vez do refrão? O
treinador de futebol americano mencionou como esse time
entraria para a história da Greenwood Senior High pelo menos
dez vezes em seu discurso de dez minutos.
Ele mencionou que, em pouco mais de uma semana, mais
da metade da equipe iria a uma liga de habilidades para exibir
seu porte atlético aos recrutadores. O olhar de Dare se voltou
para o treinador. Ele iria nisso? Onde ele iria para a faculdade
no próximo ano? Ele foi evasivo quando eu perguntei a ele no
sábado.
— De quantas mais sessões de auto-parabenização eles
precisam antes que todos nós acabemos com nosso sofrimento?
— O troféu oficial ainda nem chegou. Temos pelo menos
mais dois destes para participar — Piper respondeu
inutilmente.
Ficamos de pé, não porque fomos levadas pela emoção da
atmosfera, mas porque precisávamos sair daqui antes que
ficássemos engarrafadas nos corredores.
Saltando – bem, mais parecido com desabando – do nosso
lugar na arquibancada, Piper e eu evitamos a aglomeração de
pessoas agitando pompons de plástico e bandeirinhas e
corremos para fora do ginásio. Folhetos do show de talentos
esvoaçavam no quadro de avisos ao lado das portas enquanto
as pessoas corriam para a liberdade.
Nos abaixando e esquivando, percorremos o mar de pessoas
que passariam o tempo na escola até que a caravana da fogueira
do troféu do campeonato saísse para a clareira na floresta em
três horas.
Eu precisava configurar a placa de som para o ensaio geral e
chegar ao estúdio às nove. Sair cada vez mais perto de quando
minha mãe ia trabalhar aumentava o fator de risco, mas tocar
ao lado de músicos, não apenas observá-los através do vidro,
havia mexido algo em mim que eu não tinha sentido antes. As
músicas estavam chegando velozes e furiosas. Eu não tive
coragem de cantá-las na frente de ninguém, mas a cada dia
parecia mais uma possibilidade.
Cantar na frente de Dare ficava cada vez mais fácil. Não
precisava fingir que ele não estava lá ou que eu não me
importava com o que ele queria ouvir. Eu precisava que ele
ouvisse. Ele era a única pessoa para quem eu conseguia cantar
desde que meu pai morreu. Em meus degraus dos fundos, eu
deveria estar sozinha. Todas as casas estavam às escuras, mas ele
esteve lá, me ouviu e eu continuei. Minha garganta não tinha
fechado. Minhas cordas vocais não haviam congelado. Eu
continuei por mais algumas notas, e continuaria por ainda mais
agora.
Ele queria conversar comigo e jogar qualquer que fosse o
jogo que estivesse jogando, mas eu não estava mordendo a isca.
Eu o deixei sabendo que ele não estava me assustando, mas
parte de mim sabia que havia algo que ele tinha desbloqueado.
Eu não gostei nem um pouco disso.
Eu precisava dele perto de mim para romper o bloqueio em
meus dedos nas cordas e arrancar as palavras do meu peito.
Atravessamos as portas do auditório e outras pessoas do
elenco e da equipe voaram pelas outras portas para o nosso
refúgio à prova de som.
— Pessoal. — Nossa diretora, Sra. Tripp, bateu palmas para
chamar a atenção de todos. — Há muita coisa acontecendo lá
fora, mas precisamos nos concentrar no que está acontecendo
aqui. — Ela respirou fundo, apertando a prancheta contra o
peito. — Faltam menos de dez dias para nossa primeira
apresentação. Nosso primeiro ensaio geral completo será em
uma semana e, então, a orquestra estará aqui. Pessoal,
precisamos de vocês em suas posições. Andrea, percebi que
você não está usando meia-calça. Por favor, precisamos dela ou
vai parecer que você está andando com pernas de frango cruas
lá em cima. Equipe de palco. Precisamos que aquelas transições
definidas das apresentações sejam reforçadas.
Ela pressionou os punhos e o corpo todo, mantendo seu
sorriso com batom vermelho brilhante. A Sra. Tripp raramente
gritava, mas isso não significava que não estávamos todos
esperando pela inevitável explosão em que ela sairia de um
ensaio anunciando que a coisa toda havia sido cancelada antes
de ser persuadida a retornar pelo diretor assistente, Sr. Rourke,
e o organizador da equipe de palco.

Saí pela porta dos fundos mas não parei, mesmo que eu pudesse
sentir seus olhos em mim desde o momento em que a abri. Ele
nem estava fingindo que não estava esperando para me ouvir
tanto quanto eu estava esperando para tocar. Um show privado
era muito mais fácil quando eu não precisava olhá-lo nos olhos.
Ele desapareceu de vista assim que me aproximei da cerca
que separava nossos quintais. A cada passo eu estava, ao mesmo
tempo, querendo sair para uma corrida ou voltar atrás. Não
havia como voltar atrás ou fingir que não estava mais tocando
para ele. Ele saberia.
Eu me inclinei contra a cerca. Ela balançou e estremeceu,
estabilizada pelo peso das minhas costas contra ela. O chão
ainda estava frio e úmido, mas eu toquei. Meus dedos se
movendo impediram que a dormência se infiltrasse muito
profundamente.
Eles voaram pelas cordas. Uma nova melodia se desdobrou.
Eu estava com meu caderno ao meu lado e rabisquei palavras e
frases, apagando e reorganizando-as até que eu pudesse cantar
todo o refrão.
A cerca estremeceu e eu sabia que ele também estava lá.
Estando tudo na minha cabeça ou não, eu podia sentir suas
costas contra as minhas, o calor de seu corpo e as batidas de seu
coração. Um novo ritmo tomou conta e as palavras
derramaram por mim, fluindo sobre o caderno e pela ponta dos
meus dedos.
Parei para rabiscar um verso inteiro, prendendo o violão
contra o meu lado e a cerca e usando minha coxa como uma
mesa improvisada. Cantar as palavras de outras pessoas
estimulava meus próprios pensamentos e abria caminhos que
antes eram escuros e bloqueados.
— Não pare agora, Bay.
Pela maneira como ele disse meu nome, eu não conseguia
me mover deste lugar. Meu corpo balançou com a cerca
quando um peso foi adicionado do outro lado.
— Algum pedido? — Minha voz era um sussurro baixo.
— Toque aquela que você tocou na primeira noite em que
se sentou.
Um pedido bastante simples. Mas não consegui sufocar as
palavras.
— Eu esqueci.
— Você esqueceu? Foi assim. — Ele cantarolou a melodia
de volta para mim.
Seja porque ele se lembrava ou pela cadência suave de sua
voz, meu coração e estômago estavam em um cabo de guerra
para ver qual estava prestes a ser ejetado do meu corpo
primeiro.
Eu engoli, minha garganta apertada como um canudo de
café.
— Vou tentar me lembrar. A fogueira está acontecendo
agora. — Deixei cair minha cabeça contra a cerca. Ela
estremeceu suavemente.
— Eu sei.
Lutando contra a palma da minha mão no rosto, procurei
algo mais para dizer. Claro que ele sabia.
— Você não deveria estar festejando na floresta com todo
mundo ou algo assim?
— Mais como “ou algo assim”. Prefiro não dirigir até a
floresta onde pessoas bêbadas fodem com meu carro.
Normalmente só vou porque Knox precisa que eu o mantenha
longe de problemas.
— Ele vai raspar metade da cabeça e tingir a outra metade de
azul de novo? — Knox era difícil de não reparar. Ele era o braço
direito de Dare, nunca muito longe. Ele tinha um nariz que
parecia ter sido uma casualidade de um golpe ruim, mas ele
preferiu deixar assim em vez de consertá-lo. Seu aspecto áspero
tinha bordas lisas e polidas, ao contrário das de Dare, que eram
irregulares e cortantes.
— Você se lembra disso?
— Ele não passa exatamente despercebido.
— Com o cabelo azul, ele teria. Metade da escola fez isso.
— Você não fez.
— Azul não é a minha cor.
Eu ri. O humor seco de Dare me surpreendeu.
— Tenho certeza que você pode usar o que quiser.
A cerca se moveu como se o elogio o deixasse
desconfortável.
— Por que você não está na fogueira?
— Não é minha praia. — Passei meus dedos sobre as cordas.
O metal estava frio depois de apenas alguns minutos. Isso estava
danificando o violão do meu pai? O frio pode estar dando um
choque na madeira, talvez a deformando. Olhei para os degraus
dos fundos e mordi meu lábio.
— O mesmo vale para jogos de futebol americano. — Sua
voz me puxou de volta das minhas preocupações.
— Especialmente jogos de futebol americano. — Eu ri.
Tinha orgulho de não ter ido a nenhum.
— O que você tem contra eles? — A cerca balançou.
Eu dei de ombros, embora ele não pudesse me ver.
— Eles não são para mim.
— Por que não?
Eu espiei por cima do ombro. A flanela de sua camisa e um
pouco de seu pescoço e cabelo apareceram pela abertura.
— Por que você se importa? Não há fãs apaixonados o
suficiente gritando seu nome?
— Nem todos os gritos são criados da mesma forma. — Ele
soprou uma risada.
— Você nem notaria o meu junto com eles.
— Eu notaria. — Através da abertura, ele chamou minha
atenção. Seu olhar, intenso e direto travou no meu.
— Dare, nós estudamos juntos há anos. De repente, você
está interessado. Eu vou direto ao assunto. Parece que estou me
preparando para alguma coisa. — Eu desviei meu olhar e voltei
para o instrumento no meu colo.
— O que isso quer dizer?
— Não faz sentido por que você continua fazendo isso. Por
que agora eu sou, de repente, a pessoa viva mais interessante, a
ponto de você perder as tradições da Greenwood Senior High
para vir passar o tempo comigo?
— Talvez elas nunca tenham me interessado, para começo
de conversa.
Corri meus dedos sobre as cordas.
Uma voz rompeu o silêncio entre nós.
— Dare, que porra é essa? Eu estava prestes a deixar sua
bunda para trás.
A cerca retumbou, seu peso se deslocando para fora dela.
— Por que você não me ligou?
— Eu liguei. A fogueira não espera por ninguém. O que
diabos você estava fazendo aqui fora?
Minhas costas dispararam da cerca, sacudindo as tábuas
soltas de madeira.
Houve uma batida e prendi a respiração.
— Nada, cara. Vamos dar o fora daqui.
Por que isso doeu? O que eu esperava que ele dissesse?
Apenas aqui fora passando o tempo com minha vizinha
esquisita enquanto eu esperava você para ir a fogueira, mesmo
eu tendo dito que não iria.
Fiquei perto da cerca até que o barulho do motor de Knox
desaparecesse à distância, então carreguei meu violão para o
meu quarto e me joguei na cama, olhando para o teto. A coceira
fez cócegas em meus dedos, subindo pelos meus braços até o
peito. A pulsação ficou mais rápida e alta até que não consegui
mais bloqueá-la. Peguei meu caderno da minha mesa e abri na
primeira página em branco, imortalizando este momento –
pelo menos até que eu decida destruir a página.
Talvez amanhã.
Talvez eu aparecesse na escola e cantasse essa música na
frente de todos.
Talvez eu pudesse forçá-lo a sentir do jeito que ele me fez
sentir.
Depois que o ensaio técnico terminou, subi na minha bicicleta
para a viagem lamacenta e com uma pitada de sal para casa. A
maior parte da neve já havia derretido, mas as monstruosidades
cinza e marrom nas laterais da rua pareciam o pior cone de neve
do mundo. Eu me sentia como uma coruja que tomou café
demais para sobreviver o dia.
Na metade da colina, meus pés se moveram nos pedais, mas
a bicicleta não foi a lugar nenhum. Eu caí antes que pudesse
colocar meus pés no chão. O concreto chegou rápido. Minhas
mãos dispararam, levando o impacto da minha queda e a
maioria dos arranhões de cascalho.
A corrente soltou. Eu chutei minha bicicleta, segurando
minhas mãos contra meu peito. Merda! Uma queimadura
afiada cravou em minhas palmas. A adrenalina bombeou por
mim, transformando a dor em uma pulsação. Mas era apenas
uma questão de tempo antes que a ardência voltasse.
Os papéis da minha mochila estavam grudados na grama
molhada, após uma aterrissagem segura e suave, enquanto eu
acabei no lado sujo da rua. Isso parecia bem adequado em
relação a minha vida.
Pegando os papéis, estremeci. A dor desceu pela minha
perna. Minha calça jeans estava rasgada na altura do joelho e
um tom de vermelho manchava o jeans. Droga, eu amava essa
calça. Respirei fundo, não querendo olhar para o que estava
por baixo. A dor não tinha me atingido ainda, mas levar minha
bicicleta para casa ia ser uma merda.
A porta de um carro se abriu.
— Você está bem?
— Sim, eu estou… — Eu enfiei os papéis em minha mochila,
sugando pelos meus dentes uma respiração aguda com o pingo
de dor que irradiava de minhas palmas.
— Merda, você está machucada. — A voz dele enviou
arrepios pelos meus braços.
Eu protegi meus olhos do sol da tarde.
Dare correu pela frente de seu carro e se agachou na minha
frente.
— Eles parecem desagradáveis.
— Não estão tão ruins. Estou bem. — Eu puxei minhas
mãos de seu alcance e me levantei com a ponta dos dedos,
tomando cuidado com meus cortes.
Suas mãos envolveram minha cintura, me levantando do
chão como um saco leve de batatas.
Minhas cutucadas e cotoveladas não tão sutis em suas
laterais foram ignoradas ou despercebidas. Eu olhei para todos
os lados, menos para ele.
— Obrigada. — Saiu afiado e cortante.
Ele inclinou a cabeça para o lado e olhou para mim.
Meu corpo latejou na hora pelos cortes e arranhões na
minha pele. Mas a raiva fervilhou em meu peito.
Ele pegou minha bicicleta e jogou em seu porta-malas, que
eu nem o tinha visto abrir.
— O que você está fazendo?
— Você estava planejando levar sua bicicleta para casa?
Você está machucada. Eu vou te levar. — Ele fechou o porta-
malas pela metade e contornou o lado do passageiro.
— Você vem ou o quê?
— Não, eu não vou. Me dê minha bicicleta.
— Eu não vou te dar sua bicicleta. Está estragada. Entre no
carro.
— Vai se ferrar.
— Olha a boca, Bay. Qual é o seu problema? Achei que
tivéssemos chegado a uma trégua ontem.
— Você quer dizer logo antes de ir para a fogueira depois de
me dizer que você não estava a fim? Logo antes de você dizer a
Knox que estava lá fora sem fazer nada? — As palavras saíram
da minha boca como se estivessem cheias de moedas velhas.
Amargas e mesquinhas. O que ele me deve? Nada. O mesmo
que eu devia a ele.
Ele olhou para o céu com os lábios se movendo como se
estivesse pedindo a algum poder supremo para lhe dar forças
para lidar comigo. Bem-vindo ao clube.
Seu olhar se nivelou com o meu.
— Eu nunca disse que não iria para a fogueira, apenas que
eu não estava lá. E achei que você não gostaria que eu
transmitisse para Knox que você estava cantando para mim.
Não parece algo que muitas pessoas saibam sobre você.
O asfalto estava interessante naquele momento.
— Você achou certo.
— Eu sei. — Com um movimento do pulso, ele abriu a
porta do passageiro e a manteve aberta. — E eu preferia muito
mais ter ficado ouvindo você tocar do que ter ido com ele, mas
ele tende a se meter em problemas.
Meus pés se moveram antes que meu cérebro pudesse
raciocinar uma maneira de escapar disso. Deixá-lo se safar não
deveria ser tão rápido e fácil.
Seu braço caiu pela porta aberta como uma barreira de
ponte de pedágio. E eu tinha acabado de ficar sem moedas.
Soltei meu capacete e o segurei em minhas mãos,
cutucando-o com elas para me dar um pouco mais de espaço.
— Não se preocupe, Bay. Eu vou cuidar de você. — O
sussurro em meu ouvido iniciou aquela reação química que só
acontecia na presença dele.
Ele fechou a porta quando eu estava no banco e correu para
o lado do motorista.
Alguns minutos silenciosos depois, estávamos parados na
garagem da minha casa.
— Você pode deixar minha bicicleta na frente da garagem.
Vou consertar amanhã.
— Não. — Ele desligou a ignição.
— Tudo bem, vou tirá-la do porta-malas sozinha. — Eu
escancarei sua porta. Este jogo que estávamos jogando estava
me deixando louca.
Sua porta se abriu e ele segurou o porta-malas parcialmente
aberto.
— Que diabos, Dare? Me deixe pegar minha bicicleta. —
Minhas tentativas de levantá-lo foram frustradas por sua mão
despreocupada no topo do capô e os quarenta quilos extras de
músculos que ele tinha contra mim.
— Não.
— Estamos jogando o jogo de uma palavra?
Ele riu.
— Não.
— Você poderia dizer mais alguma coisa então?
Seu sorriso se alargou.
— Não.
Essas asas de borboleta eram perigosas. Elas ameaçaram me
levantar do chão direto para um penhasco com o jeito que ele
sorriu para mim. Como se fôssemos amigos há muito tempo e
tivéssemos nossas próprias piadas internas.
— Alguém já disse que te odiava?
Uma risadinha.
— Não.
— Duvido muito disso. Me dê minha bicicleta e então você
poderá ir pelo seu caminho feliz. Sua boa ação do dia está
concluída.
Ele contornou o porta-malas e colocou minhas mãos nas
dele, virando-as com a palma para cima.
Meu coração disparou em um frenesim.
Seu rosto ficou sério e seu olhar caiu para minhas mãos.
— Não.
Seus dedos traçaram o lado machucado da minha palma.
Eu estremeci. O corte em minha mão havia secado
parcialmente, me fornecendo uma bela mancha úmida de
cascalho e sangue.
— Vamos entrar. — Ele disse como se estivéssemos na casa
dele, não na minha, mas eu o segui mesmo assim, entregando
minha chave e deixando-o abrir a porta.
— Onde está seu kit de primeiros socorros?
Apontei para o armário ao lado da pia.
Ele abriu o armário e tirou a caixa. Vasculhando o conteúdo,
ele encontrou o que precisava.
— Filhodaputa. — Eu sibilei. A queimação do algodão de
preparação com álcool em chamas trouxe lágrimas aos meus
olhos.
— Aí está ela. — Ele passou o encharcado de ácido maldito
sobre minha pele.
— Aí está quem? — Eu cerrei meus dentes, forçando meus
dedos a se curvarem.
Ele pegou as costas das minhas mãos, segurando-as com
firmeza.
— Sua fodona interior. — Dare soprou nas palmas de
minhas mãos. Isso evaporou a ardência do antisséptico e me
distraiu com o quão perto seus lábios estavam das minhas
mãos.
Minha resposta espertinha congelou na minha garganta.
Ele olhou para mim e meu coração parou.
— Assim está melhor? — Seus olhos estavam cheios de
preocupação e diversão, como se ele não pudesse relaxar
completamente até ter minha resposta.
Seriam necessários cabos de bateria para reiniciar meu
cérebro. Eu assenti e tentei puxar minhas mãos de seu aperto
antes que ele sentisse minha frequência cardíaca disparando.
— Sim, está tudo bem agora. — Os cortes latejavam, mas a
ardência havia sumido. Eu puxei minhas mãos de seu alcance e
as coloquei no meu colo.
— Vou pegar alguns curativos para você. — Ele vasculhou
nosso kit de metal branco de primeiros socorros. — Perfeito.
— Ele acenou duas ataduras enormes, ainda embrulhadas, para
mim.
— Estes estão em lugares de merda, então eles vão sair
facilmente, mas se eu usar isso, eles vão ficar um pouco mais. —
Ele ergueu o esparadrapo que minha mãe sempre tinha nos
bolsos do uniforme quando chegava em casa do trabalho.
Noventa por cento da fita em nossa casa vinha desses rolos.
Eu abri e fechei minhas mãos. As palmas ardiam, mas pelo
menos eu não precisava me preocupar com uma boa infecção
de neve derretida.
— Você é muito bom em curativos.
Seu sorriso vacilou.
— Futebol americano não é exatamente dança de salão. —
Ele abaixou a cabeça e limpou as embalagens e produtos de
limpeza manchados de sangue.
— Você costuma usar Band-Aids do Bob Esponja para se
remendar?
Ele riu.
— Não, meu kit de primeiros socorros não é nem de longe
tão colorido. Eu poderia ter usado os das princesas da Disney,
então considere-se com sorte.
— Meu pai tinha a eterna impressão de que eu ainda tinha
oito anos e comprava Band-Aids como se ele estivesse se
preparando para o apocalipse. Você sabia que os Band-Aids
expiram? Eles expiram.
A garganta de Dare subiu e desceu.
— Quando ele morreu?
— Um pouco antes de eu começar na Greenwood Senior
High. Nós nos mudamos para a cidade duas semanas depois.
— O que aconteceu? — Seu joelho roçou no meu. —
Desculpe, você não precisa responder isso.
Ele se afastou e descarregou o desconfortável “desculpe por
trazer à tona seu pai falecido, por favor, não comece a chorar”.
Deixei cair minha mão em seu joelho.
Seus músculos se contraíram e eu a puxei de volta.
Respirando fundo, passei meus dedos sobre os curativos
bem arrumados.
— Foi um aneurisma. — Eu soltei. — Um segundo ele
estava em seu escritório no trabalho e, no outro, eles estavam
chamando uma ambulância. Os médicos disseram que foi
rápido, como apertar um interruptor de luz. Ele estava aqui e
então ele se foi. Mas foi sem dor. — Eu dei de ombros, tentando
manter as emoções fluindo sob controle. Minha garganta
estava apertada e minhas narinas dilataram. Este era meu novo
normal. Uma vida sem ele. Mesmo três anos depois, às vezes
ainda parecia brusco.
— Isso foi bom para ele, e vocês duas não tiveram que lidar
com vê-lo partir. Aparentemente, minha mãe sentiu muita dor
por alguns dias depois que ela me teve. Então ela se foi.
Minha cabeça se ergueu.
— Eu não sabia que sua mãe havia morrido. — Por que eu
não tinha juntado as peças? Eu não pensava em Dare como algo
mais do que nascido do solo totalmente crescido, mas é claro
que ele tinha uma família. Uma mãe e um pai.
— Não é grande coisa. — Ele encolheu os ombros. — Não
me lembro de nada diferente, então não é como se eu pudesse
sentir falta dela.
Meu coração doeu. O que era pior? Perder um genitor que
você amava ou nem mesmo conseguir conhecê-lo?
— Que dupla. — Fui pegar sua mão e hesitei, mas a tristeza
reverberando dele não me deixou não segurar sua mão.
Eu deslizei a minha sob a dele, nossos polegares
enganchando.
— Sinto muito que você não a tenha conhecido.
— Sinto muito que seu pai se foi. — Ele apertou minha mão
com mais força, mantendo-se longe da minha palma ralada. —
Ele te ensinou a tocar violão?
— Ele costumava tocar para eu dormir todas as noites, até
eu fazer doze anos e me achar legal demais para isso. — A
expressão nos olhos do meu pai quando balancei a cabeça
enquanto ele se sentava atrás da minha cama – na época, eu não
tinha prestado atenção, mas agora eu daria qualquer coisa por
mais uma canção de ninar para dormir. — Então ele me
ensinou a tocar.
Ele ergueu o queixo.
— Você deveria tirar a calça jeans.
Eu pulei, balbuciando.
— Bem para a frente, não?
Ele riu.
— Tirar a calça jeans do seu corte assim que o sangue secar
será uma droga. Confie em mim. — Uma tristeza cintilou em
seus olhos.
Eu olhei para minha perna. A área ao redor do rasgo estava
vermelha. Parecia pegajosa e irritada. Minhas bochechas e
pescoço estavam quentes de vergonha.
— Certo, eu já volto.
Dando os passos um de cada vez, tirei minha calça jeans
rasgada. Talvez eu possa remendá-la mais tarde. Em vez dos
meus shorts do pijama, agarrei uma calça comprida e larga, que
eu poderia enrolar pela perna. De volta ao andar de baixo, Dare
me remendou novamente.
— Então você toca violão desde os 12 anos? — Ele olhou
para mim com olhos gentis, os tons de cinza brilhantes e
profundos, fundidos em uma tapeçaria de mistério.
— Você pensa que eu seria melhor nisso.
Seus dedos roçaram as laterais do meu joelho.
Minha pulsação disparou em meu peito como um estouro.
Eu vi minha chance de escapar e a usei.
— Você quer ver?
— Claro.
Corri de volta para o meu quarto, tentando manter minha
cabeça limpa. Sempre que eu estava perto de Dare, ainda mais
o tocando, meus neurônios não disparavam corretamente e eu
não conseguia parar de me inclinar mais perto, olhar por mais
tempo, querendo mais. Peguei o estojo do armário do meu
quarto e desci correndo as escadas.
Dare guardou o kit de primeiros socorros no armário e
fechou a porta. Seu olhar caiu para o estojo em minha mão.
— Venha para a sala de estar. — A cozinha era muito
apertada, não havia espaço suficiente para eu colocar distância
entre nós.
Na sala de estar, sentei-me no sofá de dois lugares com o
estojo no assento vazio ao meu lado. Eu destravei o estojo e
puxei o corpo brilhante e liso do forro de veludo.
Em vez de se sentar no outro sofá, Dare deslizou suavemente
o estojo para fora do sofá e o depositou no chão.
Meu assento saltou debaixo de mim quando ele colocou seu
grande corpo ao meu lado.
Eu me virei, angulando meu corpo para que minhas costas
apoiassem contra o apoio de braço e meu joelho dobrado
apoiasse o corpo do violão.
— Ele adorava tocar. Ele tocou de pé sob a janela da minha
mãe quando eles estavam na faculdade para fazê-la concordar
em sair com ele.
— Parece que ele amava sua mãe também.
— Ele amava. Eles sempre foram tão felizes juntos. Rindo,
sem medo de ser bobo, especialmente quando viam o quanto
isso me envergonhava.
— Cante algo para mim. — Ele se recostou com o braço
apoiado nas costas do sofá. As pontas dos dedos dele estavam a
centímetros do meu braço.
Por que eu não tinha previsto isso? Não toque algo para
mim, mas cante algo para mim. Ninguém pega um violão só
para olhar para ele. Claro que ele quer que eu cante alguma
coisa. Meu estômago de animal de balão teve dois nós extras
adicionados à cauda do poodle.
— Não, você não quer me ouvir tocar. — Minha fuga para
o estojo no outro sofá foi frustrada por sua mão em meu
ombro. Não era restritiva ou dura, apenas uma pressão suave.
— Por favor, Bay. — Seus olhos brilharam de
encorajamento – e algo mais.
Meus dedos tremeram contra a madeira lisa em meu colo.
Eu limpei minha garganta.
— Certo.
Meu sorriso era fraco e trêmulo.
— O que você gostaria de ouvir?
— Qualquer coisa que você queira tocar para mim.
Lambi meus lábios. Neste ponto, eu estaria mais confortável
fazendo um strip-tease para ele. Meus seios seriam uma
distração bem-vinda da caverna agitada de morcegos
enlouquecendo no meu peito. Limpando minha garganta, eu
afastei meu olhar de Dare e me concentrei no metal frio
pressionando as pontas dos meus dedos.
Minha pulsação bateu forte, aquecendo as cordas.
Fechei os olhos, juntando as pontas desfiadas do cobertor da
minha mente e me envolvendo na beleza musical, bloqueando
tudo, exceto a música e Dare.
Ela cantou para mim. Eu pensei que ela iria fugir da sala de
estar, possivelmente se trancando em seu quarto ao invés de
tocar no sofá ao meu lado, mas ela fechou os olhos, respirou
fundo e tocou.
Não fiz movimentos bruscos e uma respiração mal escapou
dos meus lábios enquanto eu a observava.
Com os olhos fechados, ela balançou e sacudiu o pé,
pendurado na beirada do sofá, ao som da batida percussiva,
tecida na melodia. Ela cantou uma versão acústica de “Use
Somebody” de Kings of Leon, o que fez o original parecer o
cover. O dela era mais lento, mais triste, mais poderoso. Eu ouvi
as palavras pela primeira vez, e elas não precisavam do
acompanhamento completo tocando atrás delas. Elas
mereciam a voz da Bay e nada menos.
Seus dedos se moveram pelas cordas com notas largadas e
guincharam do metal sobre metal.
Minhas mãos coçavam procurando meu bloco de esboços.
Nunca saiu do meu quarto, sempre trancado na minha gaveta.
Mas agora, eu queria uma tela em tamanho real para capturar
este momento. Enquanto eu me deliciava com o brilho dela
segurando a última nota e lançando um pequeno vibrato na
última corda dedilhada, a necessidade de ouvir sua música
original queimou ainda mais fundo em mim.
Eu queria ouvir suas palavras. Conhecer seus sentimentos.
Conhecer o coração dela.
De repente, a coisa que eu estava procurando estava sentada
ao meu lado, a garota da porta ao lado. Isso me assustou para
caralho. Tanta coisa a perder. Tanta coisa para estragar.
Eu pulei do sofá.
O sorriso de Bay vacilou e sua expressão enfraqueceu antes
de ficar vazia.
— Eu preciso ir. Devo encontrar Knox daqui a pouco e
acabei esquecendo disso.
Ela se levantou e assentiu antes de virar o rosto e enfiar o
violão de volta no estojo.
— Certo. Bem, obrigada por me ajudar com minha
bicicleta. Você não tem que consertá-la. Eu posso consertar.
Recuei, apoiando a parte de trás da panturrilha na mesa de
centro e quase caindo.
Sua mão disparou para me firmar. O menor arranhão contra
a minha pele enviou um choque ricocheteando pelo meu
braço.
Eu saltei sobre a mesa para evitar seu toque.
— Não, eu posso consertar. Eu te devolvo até às sete da
manhã. Talvez a entregue mais tarde ou amanhã de manhã
cedo.
Ela curvou os dedos de volta e colocou as mãos sob os
braços.
Eu estava estragando tudo, mas ela era muito. Nesta casa
tranquila, ela estava me rasgando com uma música pop
maldita. Eu precisava sair para conseguir respirar. Saindo pela
porta da frente, corri no caminho até a garagem.
— Tudo bem. Vejo você mais tarde. — A pergunta em sua
voz era uma lança em minha lateral. Ela olhou pela porta de
tela.
Corri para o meu carro, me jogando para dentro como se
tivesse roubado algo. Sem olhar para cima, saí da garagem, meu
coração apertou contra minhas costelas e fiz o caminho mais
longo até minha casa.
Sentado na garagem, bati minha mão contra o volante antes
de deixar minha cabeça cair na superfície lisa e dura.
Todo esse tempo eu estava tentando fazer ela se abrir
comigo. Eu estive empurrando e cutucando, entrando em seu
espaço para ouvir a música novamente e conhecê-la. No
segundo em que ela compartilhou um pedaço de si mesma
comigo, mostrando-me o violão de seu pai e cantando,
realmente cantando para mim, saí correndo de lá, deixando-a
confusa e magoada.
Por que eu era tão fracassado? Por que Bay tornava
impossível para mim agir como qualquer outra coisa além de
um idiota?
— Porra! — Gritei a plenos pulmões, esperando que minha
voz não viajasse longe o suficiente para ela ouvir, amordaçada
pelo interior do meu carro.

— O que há com você, cara? — Knox corria ao meu lado


durante nosso aquecimento. A Liga era em oito dias. Juntei
dinheiro suficiente para pagar minha passagem no ônibus da
equipe.
— Nada. — O desastre do meu show solo com Bay estava se
repetindo na minha cabeça com detalhes excruciantes. Eu corri
de sua casa como se ela tivesse ameaçado enfiar brotos de
bambu sob minhas unhas e devolvi sua bicicleta às duas da
manhã, sob o manto da escuridão, quatro horas depois que a
luz do quarto dela se apagou.
Ela manteve as cortinas fechadas. Sua sombra se movendo
para frente e para trás em uma provocação silenciosa.
Não ajudou que, depois de pagar pela viagem para Chicago,
eu estivesse juntando alguns centavos para comer. O almoço
escolar não era suficiente com todos esses exercícios. Eu engoli
ainda mais água tentando encher meu estômago.
— Você está sendo estranho para cacete.
— Somos todos estranhos para cacete.
— Verdade. — Ele assentiu como se meu conselho tivesse
sido sábio, e não eu encobrindo a tempestade de merda que
assolava minha cabeça, que não tinha nada a ver com todos os
medos que se forçaram sobre meu futuro.
O jogo no qual eu tinha pendurado todas as esperanças
estava a dias de distância. A margem de erro era tênue como
uma lâmina e eu não seria o cara que ferraria com o time inteiro
e jogaria suas chances de jogar na faculdade pelo ralo. O
pensamento da alegria desleixada e arrastada do meu coroa ao
me ver me dar mal me impulsionava.
Mas Bay... ela tinha procurado por mim durante a correria
matinal do corredor. Como as coisas mudaram. Agora era eu
quem me abaixava pelos corredores para fazer o longo caminho
para a aula e mantendo meu olhar fixo no quadro em todas as
aulas. O que eu estava fazendo? Por que decidi arriscar uma
caminhada na corda bamba como essa quando precisava me
concentrar em dar o fora da cidade por qualquer meio
necessário?
Porque eu não tive escolha. Desde a primeira nota, ela se
enroscou em uma parte da minha alma. Ela me tirou da névoa
e me trouxe para a luz.
O que aconteceria em menos de dois meses quando nos
formarmos e ela arrancar meu coração ao se mudar para o outro
lado do país? Claro que ela conseguiria a bolsa de estudos.
Quem não a iria querer em sua universidade?
— Dare. Você precisa de um convite especial? — O
treinador gritou da equipe ajoelhada em um círculo ao redor
dele.
— Desculpe, treinador. — Corri até o lugar vago entre
Knox e Bennet.
Capacetes se chocaram contra capacetes e executamos as
jogadas desta temporada que foram gravadas em nossos
cérebros, colocando os jogadores indo para o terceiro ano à
prova antes de nós acabarmos com eles em poucos dias no sete-
contra-sete. Cada passe, cada fake12, cada arremesso foi
coreografado até que todos pudéssemos executá-los até
dormindo.
Com as almofadas de treino cobertas de grama, sujeira e
suor, saímos do campo. Peguei meu equipamento e o enfiei no
meu armário. Minha pressa habitual para tomar banho e chegar
em casa foi bloqueada sabendo que Bay estaria em casa. Ou ela
estava no ensaio da peça? Com Jon?
Eu agarrei a borda do meu armário. Ele guinchou,
dobrando-se em minhas mãos. Eu puxei minha mão de volta,
verificando por cima do meu ombro. Fechando-o, agitei meu
ombro contra ele para achatá-lo de volta.
— Bennet está procurando por você. — Knox abaixou a
cabeça e arrancou as chuteiras.
Eu puxei minha camisa pela minha cabeça. Minhas roupas
estavam nojentas. Elas provavelmente poderiam jogar uma
posição defensiva por conta própria. Treinos extenuantes
faziam parte do acordo, mas droga, se eu não aproveitasse o

12
Jogadas do futebol americano desenhadas para enganar a defesa adversária.
máximo possível da baixa temporada, relaxando antes que o
verdadeiro trabalho começasse.
— Agora não é hora de eu bancar o anfitrião da festa. —
Peguei minha toalha e sabonete e caminhei até o chuveiro. Meu
estômago estava além de roncar; estava surtando para caralho
por alguma maldita comida.
— Quem vai dar a festa final? — Bennet gritou, esfregando
uma toalha na cabeça.
Passando por ele, liguei o chuveiro e pisei embaixo da água.
O local da festa não seria a minha casa desta vez, mas eu não
tinha dúvidas de que seria forçado a dar uma festa de
comemoração ou uma festa onde todo mundo ficaria muito
bêbado para afogar nossas tristezas antes da formatura.

Minha passagem pela casa da Bay foi tanto uma perseguição


quanto parecia. Não havia carro na garagem, o que significava
que sua mãe estava no trabalho e ela estava em casa. Ou não
estava? Talvez ela estivesse em um encontro ou com uma
amiga.
Eu parei no final da minha rua, e a caminhonete estacionada
na minha garagem fez meu estômago despencar direto pelo
chão do carro.
Ele voltou cedo. Por que diabos ele voltou mais cedo? Há
quanto tempo ele está de volta? A caixa de cerveja
provavelmente estava na metade agora. Eu poderia entrar lá
agora e torcer para que ele estivesse desmaiado ou esperar até
mais tarde e torcer que ele estivesse então desmaiado para que
eu pudesse entrar e sair antes dos treinos de amanhã. Porra, eu
não estava com vontade de lidar com isso agora e a possibilidade
de aparecer para uma sessão de academia de duas horas
machucado não era minha ideia de diversão. Eu não conseguia
nem entrar na merda da minha própria casa.
Meus dedos agarraram o volante com tanta força que
doeram. Cada batimento cardíaco reverberava nas palmas das
minhas mãos. Eu queria entrar lá e nocauteá-lo. Mas eu tinha
que malhar e treinar. Eu não iria deixá-lo estragar tudo para
mim novamente. Eu não iria deixá-lo tirar mais nada de mim.
Ser preso, quebrar ou machucar algo antes de jogarmos seria
apenas uma vitória para ele. Outra coisa na minha vida para ele
arruinar. Eu dei meia-volta e me dirigi para o único outro lugar
silencioso que eu tinha.
Eu dirigi pela estrada sinuosa passando pelos equipamentos
de escavação e construção abandonados. No meio da semana
não havia ninguém aqui, mas no final de semana enchia-se de
carros, caixas de cerveja contrabandeadas e decisões ainda
piores. Meus faróis brilharam sobre os montes de terra até que
eles se perderam na extensão escura do nada além da queda
brusca.
Os policiais pararam de tentar colocar cercas antes que eu
pudesse dirigir.
Desliguei o motor e os faróis, banhando tudo na escuridão,
exceto o luar acima.
A lua cheia pairava no céu como uma luz de busca que se
perdeu.
O cascalho rangia sob meus pés enquanto eu caminhava até
a borda.
Guindastes pairavam sobre a borda do poço da pedreira,
sobre a água lá embaixo. Ninguém sabia exatamente o quão
profundo era. Seis metros? Quinze metros? Trinta metros? Ou
talvez fosse sem fundo.
Toda a esperança e os planos que eu tinha para o futuro
foram empurrados direto para fora da minha cabeça por um
carro acabado e mal estacionado no final da minha rua. Mesmo
que eu estivesse partindo em alguns meses, às vezes parecia que
ele me assombraria para sempre, parado sobre mim com um
sorriso bêbado, me dizendo para parar de reclamar.
Pelo menos eu ainda estava respirando. A quietude da noite
rugiu em meus ouvidos.
Eu caminhei até a borda do guindaste enferrujado e
antigamente amarelo de onde a maioria das pessoas saltavam. A
tinta foi reduzida a manchas que desapareceriam em um ano.
Com meus braços estendidos ao lado do corpo, pisei no metal.
A vibração de metal contra metal friccionando me lembrou de
Bay sentada em seu sofá, tocando para mim.
Congelei um passo antes de atravessar do terreno seguro até
o precipício da escuridão.
Faróis me inundaram. Olhei por cima do ombro.
Um carro maltratado parou ao lado do meu carro.
Knox apareceu em sua janela, apoiando-se na porta pela
abertura da janela. Ele batucava em seu teto.
— Eu sabia que te encontraria aqui. Você perdeu a cabeça?
Faça essa merda depois da semana que vem. Coloque sua
bunda na porra do seu carro.
Uma risada escapou do meu peito. Deixe isso para Knox,
não me deixar escapar perdendo a cabeça.
Eu entrei no meu carro e o segui até sua casa.
Os carros de seus pais estavam estacionados na frente. Eles
eram Mercedes Classe-S impecáveis, que pareciam ainda mais
intocáveis ao lado do carro de Knox. Eles o fizeram trabalhar
para ter seu carro, e era isso o que ele podia pagar.
Os pais de Knox eram provavelmente algumas das pessoas
mais legais que existiam, mas eu não estava disposto a estar no
meu melhor comportamento hoje à noite.
— Não está com vontade de jogar, Sr. Educado?
Enfiei minhas mãos nos bolsos e levantei meu queixo.
— É, tudo bem. Vamos lá. — Contornamos a casa e
descemos as escadas até o porão. Ele correu pelos degraus do
porão e seus pés bateram em cima como se ele estivesse
tentando pular pelo chão.
Os cheiros de queijo, tomate, orégano e carne picante
flutuou escada abaixo antes mesmo que ele abrisse a porta do
porão.
Ele deslizou a pizza enorme sobre a mesa.
— É do Antonio 's. Eles pediram uma pizza extra. — Esse
idiota ligou para eles no caminho? Ele era o melhor tipo de pé-
no-saco.
Poderia ter sido arrancado de uma lixeira e eu não teria me
importado. Eu engoli duas fatias. Meus dedos estavam
gordurosos e meu estômago finalmente não estava mais tão
irritado comigo.
Uma lata fria bateu no meu ombro. Ele deu de ombros.
— Parecia que você precisava.
Eu olhei para o teto como se eles pudessem me ver através
do chão e rolei a lata entre minhas mãos.
O assobio e o barulho da abertura da lata foram seguidos por
seu primeiro gole.
— Não me faça beber sozinho.
Havia uma regra da família Knight. Se você bebesse dentro
de casa, não poderia dirigir para lugar nenhum até a manhã
seguinte. O que me esperava em casa? Eu queria mesmo saber?
Jogando com costelas machucadas ou uma mão fodida ou pior.
Meu estômago ameaçou revolta.
Eu bati no topo da cerveja. O metal frio contra a minha
palma diminuiu a aceleração da minha pulsação.
Mesmo que ele não estivesse olhando na minha direção,
Knox estava me observando. Ele não sabia dos detalhes sujos,
mas sabia que eu não tinha com meu pai o relacionamento
caloroso e confuso que ele tinha com os pais dele. E eu não
queria que ele soubesse mais sobre isso. Eu tinha chegado quase
até aqui sem ser aquele garoto da nossa escola, e eu não ia
começar agora.
Puxei a tampinha da minha cerveja e a engoli de uma só vez.
Jogamos videogame até meia-noite. A televisão lançou um
brilho de nostalgia sobre nós enquanto jogávamos, e eu me
senti como se tivéssemos doze anos novamente durante o verão,
tentando ficar acordados o mais tarde possível.
A mãe de Knox trouxe o Pacote Dare, cheio de travesseiros
grandes e cobertores extra longos. O sofá do porão deles era dez
vezes mais agradável do que a minha própria cama.
Limpamos tudo e ele se dirigiu para as escadas.
— Obrigado, cara.
— Sempre. — Ele apagou a luz e subiu as escadas do porão.
Sozinho no escuro, sem me preocupar em manter minha
guarda levantada, meus pensamentos voltaram para Bay.
Talvez não arrastá-la para a minha vida fodida fosse o melhor.
Não ter que lidar com minhas merdas com menos de dois meses
até a formatura era um presente que eu poderia dar a ela.
Era o único presente que eu tinha para dar a alguém – ficar
longe.
As páginas do meu caderno estavam se enchendo.
Ele saiu da minha casa como se eu fosse uma zumbi recém-
transformada. Depois de todas as cutucadas e espetadas para
me fazer cantar para ele, ele desistiu na primeira vez que o fiz.
Que diabos? Dare daria a qualquer garota um complexo, e eu
não era uma daquelas garotas que construiu uma casca forte
com o tempo, sabendo exatamente quais jogos devem jogar
para fazer com que um cara preste atenção nelas.
Quase toda a atenção que já recebi foi acidental. Como
alguém tropeçando em mim ou colidindo comigo. Isso se deve
principalmente ao fato de as pessoas não estarem cientes do
ambiente ao seu redor e eu não estar registrada no medidor de
“preste atenção” de ninguém.
Mas Dare me fez pensar que talvez isso estivesse mudando,
e então ele saiu correndo gritando da minha casa. Ok, talvez não
gritando completamente, mas poderia muito bem ter sido. Eu
não vou deixar ele se safar disso.
Eu virei a esquina e saí pelas portas da escola, a fúria
derramando de mim em ondas. Ele tinha faltado a aula de
história, onde o nosso projeto em grupo era para ser entregue
até o final da próxima semana. Isso deixou Michelle em um
estado quase convulsivo e eu tive de ser a pessoa a acalmá-la.
Pelo menos ele acrescentou sua parte na tarefa, mas não teve a
cortesia de avisar a ninguém.
A umidade arrepiou minha pele. Tínhamos passado do
inverno para uma bagunça pantanosa e nebulosa em questão
de dias. Nublado e sombrio, o dia estava indo de mal a pior.
Uma gota de chuva atingiu minha bochecha. É melhor eu fazer
isso rápido antes que eu seja pega por uma chuva torrencial. Sair
irritada não tem a mesma elegância quando você acaba
parecendo um rato afogado no caminho de volta para casa, mas
as nuvens revoltadas serviam como o pano de fundo perfeito
para a mastigação que eu estava preparada para dar a ele. Era
como se eu estivesse usando meus poderes de super-heroína
para influenciar a Mãe Natureza.
Esta manhã eu acenei e ele passou direto por mim como se
eu fosse invisível novamente. Que se foda. Eu havia repassado
a coisa toda várias vezes, interpretando os dois papéis, e não
havia uma boa explicação.
Uma enorme caminhonete estava parada no final do beco
sem saída. Ele sempre esteve aqui? Eu nunca tinha vindo à rua
de Dare, muito menos ido à casa dele.
O gramado estava excessivamente grande e a porta de tela
estava pendurada em um ângulo. Nossa casa não era palaciana,
mas o proprietário tinha oferecido para minha mãe um ótimo
acordo no aluguel. Minha mãe ajudou a orientar sua esposa
durante o trabalho de parto depois que a cabeça dele bateu no
chão da sala de parto e ele teve que ser acordado com sais
aromáticos.
Me preparando, bati na porta. Silêncio. Eu mudei de um pé
para o outro. Levantei minha mão novamente e a porta se
abriu.
A expressão de Dare mudou de raiva para confusão e
choque antes de deslizar de volta para a raiva.
— O que você está fazendo aqui? — Ele encostou a porta
atrás de si e saiu para o degrau superior, me cercando.
— Isso é tudo o que você tem a me dizer?
— O que mais diabos eu deveria dizer a você?
— Você saiu correndo da minha casa, deixou minha
bicicleta quando sabia que eu não estava acordada e depois me
ignorou na escola.
— Agora não é uma boa hora. — Seu corpo estava tenso
com as mãos cerradas ao lado.
Eu espiei ao redor dele e pela fresta da porta antes que ele
bloqueasse minha visão.
Ele usava jeans e uma camiseta, então não era como se eu o
tivesse pego no meio de uma intimidade com outra pessoa. Ele
não tinha nada em seus pés, no entanto.
Sem sapatos, o que não teria sido possível há uma semana
atrás com a onda de frio, quando ele limpou nossa garagem e
nós compartilhamos um momento na minha cozinha. E agora
ele estava me encarando com os braços cruzados sobre o peito
como se eu estivesse tentando lhe vender carne do meu porta-
malas.
— Que pena. Você não pode entrar na minha vida em um
segundo e depois sair correndo da minha casa na velocidade da
luz no próximo.
— O que você quer que eu diga? — Ele olhou para baixo,
com os olhos fixos nos meus.
— Eu quero a verdade.
— Não há verdade. Eu queria falar com você e falei. — Seu
olhar mudou de ardente para entediado como se um
interruptor interno tivesse sido acionado.
E isso me irritou. Uma raiva ardente como fogo e enxofre
borbulhou dentro de mim. Eu cutuquei meu dedo no centro
de seu peito.
— Você não pode decidir se isso acabou. Você passa todo
esse tempo tentando falar comigo e tentando fazer eu me abrir
e, então quando eu finalmente o faço, para você chega? Simples
assim? — Eu estalo na frente de seu rosto. — Bem, vá se ferrar.
A cabeça dele disparou e virou para o lado.
— Você precisa ir, Bay. — Ele se afastou ainda mais da
porta, fechando-a atrás de si.
— Não, eu não vou me mover até que você fale comigo. —
Plantei minhas mãos em meus quadris. — Você vai ter que me
enfrentar para me mover.
Ele soltou um chiado longo e baixo.
— Porra. — Seu ombro caiu e minhas sobrancelhas
baixaram.
Meu grito foi alto, provavelmente reverberando por toda a
vizinhança, quando colocou seu ombro no meu estômago.
Não foi forte e pesado – exceto pela surpresa, não doeu nada –
, mas eu estava de cabeça para baixo. Seus pés descalços se
moviam silenciosamente ao descer rapidamente pela calçada
pavimentada irregular de sua casa.
O efeito do atordoamento passou e eu empurrei suas costas,
tirando meu cabelo do rosto.
— Me põe no chão.
Um conjunto de chaves tilintou e ele me mudou de posição.
Fui jogada no banco do passageiro de seu carro.
Ele olhou para trás, para a casa, e se jogou no lado do
motorista antes de jogar o braço por cima do meu assento e
cambalear para fora da garagem, chegando ao fundo do
declínio da rua e entrando na curva antes de disparar pela rua
como se fosse um motorista de F1.
— Onde estamos indo?
— Vou te levar para casa. — Ele desviou o olhar em minha
direção, inclinando-se para a frente em seu assento, as mãos
apertadas ao redor do volante.
— Não, não vai acontecer. — Coloquei meu cinto de
segurança e cruzei os braços sobre o peito. — Eu não vou sair
deste carro até que você fale comigo.
— Você poderia parar…
— De ser tão frustrante e difícil? Bem-vindo ao clube. Você
vai ter que me arrastar para fora deste carro e tirar meus dedos
da moldura da porta para me fazer sair.
Ele soltou um rosnado baixo e passou direto pela minha
casa.
— Você não está usando sapatos.
Ele ergueu o pé esquerdo e olhou para ele. As bordas de sua
boca curvaram para baixo.
— Você não percebeu antes?
— Eu tinha coisas mais importantes com que me preocupar.
— Como o quê?
— Afastar você da minha casa.
Eu me encolhi no assento. Não era assim que os cenários
aconteciam na minha cabeça. Todos eles terminavam com ele
se desculpando e me beijando horrores. Agora, eu teria sorte se
ele não me deixasse na beira da estrada e me obrigasse a voltar
para minha casa.
— Se você precisar de um tempo de silêncio ou algo assim,
posso deixá-lo em paz.
Ele balançou a cabeça.
— Agora você está pronta para me deixar em paz? O que
aconteceu comigo tendo que arrancar seus dedos da moldura
da porta?
— Talvez você dirigindo como um maníaco pela cidade
tenha me mostrado o meu erro.
Sua perna deu um solavanco do acelerador e o hodômetro
caiu pelo menos trinta quilômetros por hora.
— Dare... — Eu descansei minha mão em seu bíceps. Ele se
apertou sob meu domínio. — Você pode falar comigo. Me
deixa ajudar.
Seu olhar não me falou “se afaste de mim, inferno” como fez
quando ele saiu de casa pela primeira vez. Agora estava mais
perdido, como se a situação comigo na sua frente fosse sem
esperanças.
— Ou não. — Afundei de volta em meu assento e olhei para
a janela. As árvores passaram chicoteando e ele não deu sinais
que iria diminuir a velocidade. Pingos de chuva respingavam
no pára-brisa, mas não o suficiente para precisar dos
limpadores.
— Quando você tocou...
Ele lambeu os lábios e os apertou.
— Quando você tocou, me abalou, Bay. — Seu olhar cortou
para o meu.
Eu puxei uma respiração aguda. Minha boca abriu e fechou,
mas nenhum som saiu. Reuni coragem para perguntar.
— Abalou você? Abalou você como?
— Eu não deixo muitas pessoas se aproximarem de mim. Eu
simplesmente não deixo. Mas você entrou direto na minha vida
como se não fosse grande coisa.
— Você teve uma parte nisso, eu acho.
Ele soltou uma risada bufante.
— Verdade. Quando você cantou naquela primeira noite,
eu estava lidando com algumas coisas.
— Que tipo…
— Não importa, mas sua voz me puxou de volta de um lugar
ruim e eu precisava ouvi-la novamente.
Eu me virei em meu assento, me inclinando em direção a ele.
— E quando eu toquei, eu te levei de volta para aquele lugar
ruim? — Meu estômago deu um nó e ficou apertado, porque o
meu jeito de tocar o fez se sentir mal, então ele saiu correndo da
minha casa.
— Não. — Ele balançou a cabeça e parou no acostamento.
Embora ele não estivesse mais dirigindo, ele não estava olhando
para mim. — Não me levou. — Ele escancarou a porta e ficou
na beira da estrada com os dedos entrelaçados atrás da cabeça,
olhando para o céu.
Nuvens se reuniram, querendo assentos na primeira fila
para minha confusão. A chuva torrencial havia se
transformado em uma garoa, tamborilando no teto do carro.
Eu abri minha porta, cansada dessa dança de falta de
comunicação que estávamos fazendo.
— Te levou a um bom lugar. Não queremos todos ser
felizes? Por que isso é ruim?
— Porque você é como um oponente imprevisível em
campo e não tenho ideia de como te cobrir.
Como se ele, dizendo as palavras, abrisse os portões de
inundação literais, os céus se abriram e a garoa se transformou
em uma chuva torrencial. Eu protegi meus olhos e avancei.
— Eu sou alguém de quem você precisa se proteger?
Ele tirou os braços de trás da cabeça e se virou para me
encarar.
— Provavelmente a única.
— Pare de falar em círculos. Pare de falar em volta de mim.
— A água bateu em mim. Gotas grossas e pesadas encharcavam
minha camisa.
— Vamos voltar para o carro.
Eu plantei meus pés.
— Não, não antes de colocarmos tudo para fora. Num
segundo você está me seguindo por toda parte, aparecendo em
lugares que eu não quero ver você, e no próximo você está me
evitando como se eu fosse uma ex-namorada psicopata. Não
vou entrar no carro até que você me conte tudo. — Ele era uma
figura nebulosa na minha frente. Meus óculos estavam
manchados e molhados.
— O que há para dizer? Quer saber como me fez sentir? —
Ele se aproximou, contornando a frente de seu carro. A rua
estava vazia, deserta, exceto por mim e por ele, finalmente
prontos para revelar tudo um ao outro. A água escorria por seu
nariz forte e reto, gotejando da extremidade em um fluxo
constante. — Que foi como se você alcançasse o fundo da
minha alma e começasse a plantar sua marca sem que eu mesmo
soubesse?
Seu cabelo estava grudado na testa.
Meu peito apertou com força. Eu não respirava. Eu não
conseguia fazer um único movimento que pudesse impedir
Dare de me dizer o que eu precisava ouvir. Dane-se as
consequências.
— Como me deixa louco saber que você vai para a
Califórnia em alguns meses e eu nem sei onde vou parar? É isso
que você quer ouvir? — Ele ficou na minha frente, olhando
para mim, ofegante. Como se este esforço fosse compatível
com o que ele fazia nos treinos ou durante cada jogo.
Eu assenti. A água escorria pelo meu rosto, deixando um
rastro na parte inferior do meu queixo, continuando a ensopar
minha camisa.
— Sim. Você acha que eu não pensei nessas mesmas coisas?
Eu encarei meu teto, olhei pela minha janela, tentando
descobrir como minha empolgação em ir embora para a
faculdade em alguns meses agora tinha um tom agridoce
porque você não estará lá.
Ele se moveu tão rápido que não tive dúvidas de que não
havia um oponente contra o qual ele tivesse enfrentado em
campo que pudesse detê-lo, só que eu não queria.
Seus lábios estavam nos meus, ferozes, famintos e inflexíveis.
Meu peito pressionado contra o dele, minha suavidade
esmagada contra o conjunto rígido de seu corpo e sua boca
determinada.
Sua mão estava na lateral do meu rosto, seus dedos
segurando minha nuca e seu polegar ao longo da minha
mandíbula, me mantendo onde ele me queria. Me mantendo
onde eu queria estar.
A tempestade se alastrava ao nosso redor, nos inundando
enquanto nossa sede insaciável um pelo outro dominava todos
os outros sentidos.
Uma buzina e um carro disparando na estrada nos separou.
Eu encarei ele, ofegante, tentando me lembrar se eu já havia
me sentido mais viva antes. Cada célula do meu corpo ansiava
por seu toque novamente.
Ele protegeu meu corpo da estrada e me conduziu de volta
para seu carro.
— Estou encharcada.
— Vai secar. Vamos te levar para casa. — Ele abriu minha
porta e segurou minha mão quando me sentei dentro. Eu me
encolhi, a umidade escorrendo pelo assento.
Ele fechou a porta e deu a volta pelos fundos.
Eu o verifiquei no espelho.
Ele passou os dedos pelos cabelos e fez uma pausa antes de
ir para o seu lado do carro e entrar.
Voltamos para minha casa em silêncio, mas nossos dedos
estavam entrelaçados durante todo o trajeto.
Eu era A Garota Nova. Ninguém me via. Eu nem sabia se eu
queria que eles vissem. Exceto que, às vezes, quando ele olhava
para mim, ele via através dos escudos que eu usava desde que
cheguei a esta cidade. E eu fiz o mesmo com ele.
Mas esses sentimentos se agitando dentro de mim me
preocuparam. Quando eu o deixar, não tenho certeza se
sobreviverei.
Meu coração ficava tentando pular do meu peito direto para a
minha janela, pronto para ser atropelado.
Beijá-la foi um erro. Era para ser o ponto final da frase,
fechando o livro sobre essa atração entre nós. Eu pensei que
talvez ela me daria um tapa ou me empurraria para longe.
Em vez disso, ela encontrou meus lábios com seu próprio
desejo incontrolável. Eu pressionei minha mão contra suas
costas e segurei seu rosto contra o meu. Olhando em seus olhos,
eu sabia que não era o fim de nada.
Deixei cair um fósforo aceso em um depósito de fogos de
artifício, e tudo o que eu tinha era uma mangueira de jardim
para combater o incêndio.
Estacionei na frente da casa dela. Em vez de soltar minha
mão, ela escalou o console central como se soltar fosse tão difícil
para ela quanto teria sido para mim.
Caminhamos pelo caminho reto e limpo até a casa dela. O
tempo mudou novamente. A chuva tinha parado, mas a garoa
aumentou nossas roupas encharcadas.
Sua camiseta branca se agarrou ao peito, delineando
perfeitamente sua silhueta. Suas calças grudaram em suas
pernas e seus sapatos enrugaram na caminhada até a porta da
frente.
Meus pés descalços eram um lembrete de como ir para casa
não era uma opção, do porquê isso tinha acontecido em
primeiro lugar. Quando ela apareceu na minha porta, meu
primeiro e único objetivo foi fazê-la ir embora.
Claro, meu pai estava desmaiado bêbado, mas eu baixei
minha guarda vezes demais, e eu sabia que isso não significava
que ele não iria acordar de seu estupor enfurecido e pronto para
derrubar qualquer coisa em seu caminho.
Colocar Bay em segurança havia bloqueado todo o resto até
que ela estivesse além da linha de propriedade da minha casa.
Jogá-la no meu carro não fazia parte do plano, mas quando eu
tinha sido bom em fazer planos?
Ela não tinha surtado, exigido que eu a levasse para casa ou
tentado pular do carro. No lugar, ela não me deixou escapar
com a esquiva que eu havia tentado.
As chaves dela balançaram na fechadura. Ela abriu a porta
da frente e olhou para mim por cima do ombro. Seu cabelo
estava grudado no rosto e nas costas.
As calças encharcadas grudaram nela, mostrando o
contorno de sua calcinha cortando sua bunda. Foi a isso que fui
reduzido? Ficar cobiçando a bunda totalmente vestida de Bay?
Ninguém tinha chegado perto de manter meu interesse por
mais do que um olhar desde sua noite nos degraus dos fundos.
Ela instalou uma emboscada emocional e sexual contra mim
sem uma única arma levantada – apenas sua voz, suas palavras
e seu corpo.
O peso do meu moletom e da minha boxer encharcados
fornecia a única proteção que eu tinha da ereção crescente,
pronta para a ação, pelo olhar em seus olhos. Eu estava a
segundos de socar meu pau para não sair da linha.
— Venha comigo. — Ela balançou a cabeça em direção às
escadas como se agora fosse a hora de eu finalmente soltar sua
mão.
Eu parecia pisar em solo sagrado. Subindo os degraus,
minha pulsação latejava nas minhas veias.
Ela abriu a primeira porta à esquerda. O quarto dela. Não
havia posters na parede, apenas fotos. Cadernos e livros
didáticos estavam espalhados pela mesa e pela cama.
— Você pode esperar aqui. Vou pegar uma toalha e algo
para você vestir.
Nós olhamos para nossas mãos. Teríamos que nos soltar em
algum momento. Mas aqui, cercado pelas coisas de Bay, não
parecia tão errado quanto no meu carro. Eu soltei meu aperto
e ela soltou o dela.
— Dois segundos. — E ela se foi. Portas abriram e fecharam
no corredor e olhei ao redor do quarto. Com um sorriso
tímido, ela voltou com uma pilha de toalhas.
Eu arrastei meu dedo ao longo da borda de sua mesa,
tomando cuidado para não molhar nada mais do que o
necessário. Havia uma poça ao redor dos meus pés.
Ela cruzou na minha frente até sua cômoda e abriu as
gavetas. Deslizando a mão para dentro, ela pegou uma camisa e
shorts.
Meu pomo de Adão balançava enquanto eu pegava um
flash de Bay removendo suas roupas ensopadas de seu corpo,
revelando largas extensões de pele, suaves e perfeitas, para o
meu olhar faminto.
Ela se virou para mim com as roupas apertadas contra o
peito.
— Você quer tomar banho? Estou me sentindo meio
nojenta. — Ela puxou a camisa para longe do peito. —
Obviamente você não tem que fazer isso aqui. Você pode ir
para casa. — A voz dela foi sumindo, abaixando com cada
palavra.
Uma pontada atingiu meu peito. O calor se espalhou. Ela
queria que eu ficasse e eu não queria ir embora.
— Vou tomar um banho.
— Vou pegar uma muda de roupa enquanto você estiver lá.
— Ela colocou as toalhas suaves e macias – mais macias do que
qualquer outra que eu tenha usado antes – em meus braços.
— Obrigado.
— É a primeira porta do outro lado do corredor.
Eu parti na minha aventura para usar o banheiro de outra
pessoa. E não qualquer pessoa. Bay. A expedição para a qual eu
não estava preparado estava em andamento.
A casa era um espelho da minha casa. Configuração lateral,
nada parecia o mesmo. Os azulejos eram brilhantes e brancos.
Sem rachaduras, argamassa descolorida ou armário de remédios
ausentes. Tudo dentro gritava “uma bela casa de família cheia
de pessoas que se importavam umas com as outras”.
Uma batida suave na porta interrompeu minha exploração.
— Está tudo bem?
— Sim, estou bem. — Larguei as toalhas e liguei o chuveiro.
— Vou sair em alguns minutos. — Tirei minhas roupas e pulei
no chuveiro, me limpando com a mesma eficiência que me
limpava depois dos treinos. A adição do meu pênis meio ereto
não me escapou, mas eu esperava que escapasse de Bay. Seu
sabonete líquido de framboesa estava em uma prateleira no
chuveiro.
Seu cheiro me envolveu e meu sangue correu direto da
minha cabeça para o meu pau. Agora não era a hora. Eu alterei
a temperatura para fria e cerrei os dentes até que a ereção
inoportuna fosse embora.
De pé na porta de seu quarto com uma toalha enrolada em
minha cintura, eu estava ciente de quão nu eu estava. Vestiários
tinham me dessensibilizado para a nudez em geral, mas ela
nunca tinha estado em um vestiário comigo antes.
Ela me viu e se levantou, sua própria toalha enrolada em seu
peito e cuidadosamente dobrada sobre seu seio esquerdo. A
ondulação e curva de seus seios mantiveram o tecido apertado
ao seu redor, e eu nunca tinha ficado tão chateado com um par
de peitos na minha vida.
— Peguei algumas roupas para você. — Ela deu um tapinha
na pequena pilha na beira da cama. — Elas eram do meu pai,
mas devem servir em você. — Seu lábio inferior desapareceu em
sua boca enquanto ela o mordiscava.
— Eu... eu já volto. — Ela juntou as roupas em cima de sua
cômoda, apontou o polegar por cima do ombro e saiu correndo
do quarto. A porta do banheiro se fechou.
Eu olhei para a camisa e o short que ela deixou para mim. As
roupas de seu pai. Pela maneira como ela falava sobre ele,
significava muito que ela confiasse isso a mim, mesmo que fosse
apenas por algumas horas.
Vestindo-as, dobrei a toalha e sentei-me na beirada da cama
dela com meus antebraços apoiados nas coxas. A camiseta
estava apertada, mas o short servia.
Tudo aqui – até eu – cheirava a ela. Devo ter pego o
sabonete dela.
De pé, vaguei pelo quarto dela novamente. A expedição de
Bay continuou.
O estojo do violão estava apoiado na parede ao lado do
armário. As roupas foram enfiadas no cesto de roupas sujas ao
lado da porta. É vivido, mas não bagunçado. Ela arrumou a
cama. Sua mochila estava pendurada nas costas da cadeira da
escrivaninha. Uma cesta de roupas limpas estava ao lado de sua
porta.
Havia cadernos e livros didáticos em sua mesa. Em quais
aulas ela estava que não estávamos juntos? Eu levantei um
caderno sem um assunto escrito ordenadamente na frente.
Uma mão bateu nele, jogando-o de volta na mesa.
— Não olhe para isso.
Bay recolheu o caderno e o enfiou na primeira gaveta da
escrivaninha.
— Desculpe. — Ela se abaixou para pegar a toalha
abandonada e passou nos cabelos.
— Não, é o que eu ganho por bisbilhotar. Eu não estava
pensando. Sinto muito. — Qual era o meu problema?
Ela olhou para mim.
— Foi uma reação exagerada. Nunca mostrei isso a ninguém
antes.
— Você não precisa me mostrar se não quiser. — Me afastei
da mesa, dando espaço a ela. Me sentei na beirada da cama mais
distante da mesa, tentando pensar em algo espirituoso ou pelo
menos não completamente estúpido para dizer, mas o banco de
dados estava cheio de teias de aranha. Agora mesmo seria um
ótimo momento para eu levar minha bunda e ir para casa.
A toalha molhada bateu suavemente no cesto. Ela abriu a
gaveta e tirou o caderno. Com as páginas apertadas nas mãos,
ela se sentou na cama ao meu lado. O colchão afundou.
Meus músculos ficaram tensos em uma antecipação nervosa
e inquieta por ela me deixar ver algo que ninguém mais viu.
— Tente não rir muito. — Ela o empurrou na minha
direção, sem olhar para mim.
— Bay... — Eu a peguei virando a cabeça com um toque
suave das costas da minha mão em sua bochecha. Segurando
seu olhar, não a deixei escapar para a toca do coelho da dúvida.
Ela olhou nos meus olhos. Seu olhar envolto em incerteza.
— Nada do que eu ver aqui vai mudar o que penso de você.
Um aceno de cabeça.
Eu abri a capa. Um arco-íris de rabiscos preencheu a
primeira página. Bay fez uma página designada para será-que-a-
porra-dessa-caneta-funciona.
Ela se levantou, arrumando o quarto enquanto eu virava
para a próxima página.
Algumas das páginas tinham um título no topo e outras
não.
Algumas apenas algumas linhas foram preenchidas e outras
foram ocupadas por várias páginas.
Cada uma me contou um pouco mais sobre ela, revelando
aqueles segredos que eu estava morrendo de vontade de
aprender.
Músicas preenchidas página após página do caderno. As
mais antigas, onde a caligrafia era mais volumosa e desleixada e
em cores vivas e ousadas. Foi aí que descobri que ela amava My
Little Pony e odiava um garoto chamado Anthony O'Connell
na quinta série.
A tinta havia desbotado em algumas, mas havia outras que
eram mais novas, até recentes, pelo brilho dos traços da caneta
e a mudança na carga emocional. Não se tratavam mais de
recreio e lutas de balões de água. Elas eram sobre as dificuldades
para encontrar a si mesma e o que sua família era sem seu pai.
Lutando para encontrar seu lugar em uma cidade onde
ninguém sabia seu nome. Meu coração afundou. Isso foi obra
minha. Eu tornei aquele momento da vida dela ainda mais
difícil do que precisava ser, e eu nem conseguia me lembrar
disso.
A próxima música era sobre confusão e busca por um
motivo pelo qual um quase-inimigo estava tentando ser
simpático. A última página detalhou o caos em sua cabeça
tentando ordenar os sentimentos que surgiram. Os
sentimentos que eu despertei nela. Cada uma pintou uma
imagem tão brilhante e clara que era como estar dentro de sua
cabeça.
Ver a mim mesmo como ela me via, como um vilão de uma
única vez que se transformou, embora ela tenha lutado muito,
fortaleceu minha determinação. Eu não a machucaria
novamente. Fechei o caderno e o coloquei na cama ao meu
lado.
— O que você achou? — Ela olhou para mim da cesta de
roupas limpas que dobrou.
— Você tem um dom.
Uma risada bufante explodiu de seus lábios.
— Eu não estou tão no limite, você pode me dizer o que
pensa. — Ela sacudiu uma camiseta cinco vezes antes de dobrá-
la contra o peito.
— Você acha que eu mentiria? — Virei a página das letras
preparadas para cortar um pedaço do meu coração se ela as
cantasse para mim.
— Você faria o seu melhor para não ferir meus sentimentos.
Especialmente depois de ler “Errado”. — A gaveta sacudiu
quando ela a abriu e enfiou uma pilha de camisas.
— Se eu rasgasse em pedaços tudo o que você escreve, você
acreditaria em mim?
Outra risada.
— Provavelmente. É sempre mais fácil acreditar no pior. —
Ela tirou um fiapo, real ou imaginário, da camisa em suas mãos.
— Talvez você precise parar de julgar o que escreveu. Você
pode cantar uma para mim?
— Qual delas? — Ela empurrou sua camiseta na gaveta
aberta.
— “Encontrado”.
— De todas as músicas aí, você quer que eu toque
“Encontrado”. — A sobrancelha dela se ergueu.
— O que há de errado com “Encontrado”? Não julgue
minha escolha de música.
Ela balançou a cabeça e pegou seu violão. Sentada em sua
mesa, ela verificou a afinação e abriu e fechou a mão.
— Você não sabe de cor.
— A música que escrevi na sexta série sobre perder meu
aparelho móvel e ter que procurá-lo por três períodos no
refeitório? Não, desculpe, não guardei essa na memória.
— Eu pensei que isso teria deixado uma marca permanente
em sua mente. — Eu entreguei o caderno.
Ela estremeceu.
— Tanto ketchup. Não consigo comer até hoje.
Eu me empurrei de volta em sua cama até que minhas costas
se pressionaram contra a parede.
No final da música, lágrimas de riso rolaram pelo meu rosto.
Eu nunca mais olharia para batatas fritas e feijão verde da
mesma forma.
Eu me levantei, curvando minhas mãos ao redor da boca,
bombeando meu rugido de plateia solo enquanto ela cantava a
última sílaba de “salsichão” antes de fazer uma reverência
sentada.
Ela jogou uma meia enrolada em mim, me acertando no
peito.
— Alguém mais sabe que você é um pateta?
— Ninguém além de você, Bay.
Meu pescoço doía. Lascas de borracha cobriam minha colcha.
As palavras nas fichas ficaram borradas. Mas eu finalmente
consegui. Eu tinha cruzado a linha de chegada final da prática
de biologia.
— Como você consegue aguentar isso?
— Aguentar o quê? — Eu chutei meus pés e rabisquei no
meu caderno. As palavras fluíram, preenchendo linha após
linha, página após página. Meu livro e meu caderno de biologia
foram abandonados. A primeira parte do teste prático com um
92 gigante na caligrafia borbulhante e fluida de Piper cobrindo
toda a primeira página significava que era hora de uma
recompensa. Eu desci as escadas e peguei o pote de guloseimas
e dois copos de leite. Biscoitos de chocolate e manteiga de
amendoim.
— Estar tão perto de Dare. — Ela suspirou, um legítimo
suspiro com a mão no peito e olhando pela janela.
Meus pelos arrepiaram, levantando antes que eu os
esmagasse. Claro que ela estava interessada em Dare. Quem não
estava interessada em Dare?
— Ele está a pelo menos trinta metros de distância. Você já
sentou mais perto dele na aula.
— Ele não fica sem camisa na aula.
Larguei meu lápis e atravessei em minha cama até sua
estação de vigia em frente à minha janela. Depois do nosso
banho e do meu show improvisado, ele veio assistir a um filme
na noite seguinte. Ele praticamente morou na minha casa
durante o fim de semana do acerto de contas do nosso
relacionamento, saindo apenas quando fui para os ensaios
técnicos finais antes das apresentações musicais desta semana.
Se isso iria além de encarar ele, sem camisa e brilhando, depois
de um banho pós-chuva, ainda precisava ser visto.
Nós compartilhamos nosso beijo explosivo durante uma
chuva torrencial, mas ele não fez nenhum avanço desde então.
Sentada na minha cama em uma toalha, eu esperava que ele a
tirasse antes de me beijar novamente, em vez disso, ele desviou
o olhar e me deixou sair. Quando voltei pensei que, tudo bem,
agora não estou coberta de sujeira de beira de estrada, talvez
seria quando isso aconteceria, mas no lugar ele pediu um show
solo.
— Você vai ao baile?
Eu zombei.
— É muito dinheiro para enroladinhos de salsicha, suco
gasoso de maçã e usar sapatos desconfortáveis.
— Tenho certeza de que se Dare te convidasse, você iria —
ela cantarolou.
— Nem mesmo se ele convidasse. Ele teria que me
sequestrar e me jogar no porta-malas de seu carro para que isso
acontecesse.
— Agora você está falando obscenidades.
Eu joguei um travesseiro na cabeça dela.
— Caramba, você jogou forte. — Ela soprou o cabelo do
rosto. — Eu também não vou. A menos que um certo cara da
equipe de palco me convide.
— Por que você não convida ele?
Ela engasgou e pressionou a palma da mão no peito,
abanando o rosto com a outra mão.
— E que tipo de dama faria uma coisa dessas?
— Uma que quer ir ao baile.
— É um rito de passagem.
— Tenho certeza de que vou superar.
— Você não é nada divertida.
Imaginei Dare aparecendo em minha casa em um smoking
com uma pulseira de flor para mim e uma flor na lapela
combinando. Eu balancei minha cabeça. Talvez tenha sido
uma alucinação convincente para caramba e ele nunca tenha
me beijado. O meu primeiro beijo. Bem, meu primeiro beijo
fora-do-parquinho-atrás-do-trepa-trepa. Um beijo enquanto
eu estava encharcada na beira da estrada, tão explosivo que teria
ficado feliz em nunca mais sair daquele lugar. Mas quantos
outros lábios ele provou? Quantas outras línguas dançaram
contra a dele, sabendo todos os passos certos e não se
atrapalhando no escuro tentando descobrir em que cômodo
eles estavam. Tinha sido, com certeza, um território de palma
da mão no rosto.
Ele não precisava saber que era meu primeiro beijo de
verdade. Mas eu me lembraria disso para sempre.
Pela maneira como ele puxou a mão para trás quando nossos
dedos se tocaram, eu esperava receber a conversa de “vou te
decepcionar facilmente” qualquer dia agora. Pelo menos ele
não estava me evitando. Não minhas ligações, minhas
mensagens de texto ou mesmo nos corredores. Não que fazer
contato visual gritasse que estávamos em um relacionamento
não-relacionamento, mas pelo menos eu não tinha voltado a ser
invisível.
Então, um Dare sem camisa pode não ser algo que eu verei
novamente.
Espiando pela borda da minha cortina, olhei para ele em
toda a sua glória musculosa e ondulante. Brilhando de suor e
rindo, jogando uma bola para Knox. Ele parecia tão
despreocupado. Não como ele ficava em Comícios de Torcida
ou praticamente qualquer outra vez que eu o tivesse visto com
outras pessoas. Sempre havia uma intensidade em seu olhar,
como se ele fosse esfolar qualquer um que ficasse no caminho.
Estava em desacordo com nossa luta de pipoca durante os
créditos finais de Goonies, e eu estava tendo problemas para
conciliar os dois lados dele.
Mas jogando com Knox, ele se parecia com ele. O mesmo
cara que me fez tropeçar nos próprios pés com um gole de
limonada. Era assim que seu charme funcionava? Ele poderia
simplesmente ligá-lo para fazer com que as mulheres caíssem de
joelhos na frente dele?
Uma vibração estranha percorreu meu estômago. Eu deixei
cair minhas mãos sobre ele e não consegui tirar meus olhos dele.
Eu entendia agora. A Destruição Dare. Não era apenas no
campo. Ele abriu um caminho através da cidade com aquela
maldita chama. Quantas outras meninas experimentaram
aqueles lábios?
— Você nunca pensou em deixar as luzes acesas quando
você troca de roupa à noite? — Piper segurou as cortinas,
fazendo poses de modelo e falando de uma forma que me fez
perceber que perdi alguns minutos de seu monólogo sobre
como eu poderia seduzi-lo através da janela do meu quarto.
— Eu não vou fazer um strip-tease para ele. — Ele já tinha
me visto de toalha.
Ela olhou para mim com uma descrença estampada em seu
rosto.
— Por que diabos não?
— Meu upgrade corporal de líder de torcida se perdeu no
correio. — Um pescoço e peito manchados de vermelho para
combinar com a minha camiseta tinham sido outra razão pela
qual eu não tinha certeza se, ele deixando minha toalha cair, não
teria terminado comigo gritando e correndo para me cobrir.
Todas aquelas outras mulheres que ele beijou – quantas se
pareciam comigo?
— Os caras não ligam.
— Eu ligo. Podemos voltar ao trabalho?
Ela abriu mais as cortinas.
— Ah meu Deus, ele está olhando aqui em cima.
Protegendo os olhos para ver.
— O quê? Não! — Eu a agarrei pela cintura, lutando com
ela para longe da janela. — Ele vai pensar que sou eu que sou
uma pervertida.
Seu aperto nas cortinas era forte.
— Piper, pare com isso!
— Ele quer um show, eu vou dar um show para ele.
Eu apoiei meus pés contra a cama e a puxei, envolvendo
meus braços firmemente em torno dela. O tecido e a barra
transversal saíram dos suportes e caíram em cima de nós. Ela
caiu em cima de mim, nossas testas colidindo.
Pontos de luz nadaram diante de meus olhos.
— Bay!
— Piper! Que diabos?
— Você não é divertida. — Ela fez beicinho, esfregando a
testa.
— Eu poderia matar você. — Eu a empurrei de cima de mim
e olhei para a luz que entrava pela minha janela e as cortinas
desmontadas na minha cama. Eu tinha que consertar antes que
minha mãe voltasse para casa, mas de jeito nenhum eu lutaria
com elas na frente da janela com ele lá embaixo.
— E então você não teria ninguém para ajudá-la com a
biologia. — Ela sorriu.
— É a única razão pela qual você ainda está viva. — Eu
apontei meu lápis para ela como uma arma.

Havia um baque na porta da frente.


Olhei pela janela e o carro de Dare estava estacionado na
entrada. Ele passou pela janela e eu abri a porta.
— Espera.
Ele derrapou até parar e deu uma meia virada.
— Sua mãe me emprestou isso há um tempo atrás. A minha
quebrou e eu não tive a chance de substituí-la. — Ele gesticulou
para a chave inglesa colocada no degrau superior com um
bilhete.
Mamãe não tinha se livrado das ferramentas de papai
mesmo depois das três mudanças desde que ele morreu. E ela
também iria surtar um pouco se descobrisse que toda a haste da
minha cortina estava encostada na parede, provavelmente nos
fazendo perder uma parte do depósito de segurança.
— Obrigada por devolvê-la. — Eu a peguei e coloquei ao
lado da porta. — Por que não… você acha que poderia me
ajudar em algo? — Eu meio que apertei os olhos e estremeci,
me preparando para ele fugir novamente, mas não havia muitas
opções neste momento.
Ele olhou para trás, para seu carro, como se pudesse
mergulhar pela janela aberta e sair pela minha rua para escapar.
— Claro, o que você precisa? — Ele se virou e voltou para a
porta da frente.
Eu o levei para o andar de cima. A colônia de borboletas
estava enlouquecendo por ele estar agora no meu quarto. Fui
buscar as ferramentas de que ele precisava para colocá-la de
volta.
— Então, isso simplesmente caiu por conta própria? —
Dare subiu na escada e sorriu para mim por cima do ombro.
Suas palavras foram abafadas pelos parafusos presos entre seus
lábios.
— Piper estava aqui. Ficou emaranhada quando ela pegou
seus livros.
— Então não era você que estava assistindo? — Mesmo
através dos parafusos, havia uma intensidade em suas palavras.
Ele queria que eu estivesse assistindo?
— Ela estava tentando determinar a velocidade do seu
arremesso. — De todas as desculpas... mas mantive minhas
mãos cruzadas sobre o peito, em vez de me bater na testa.
— Parece legítimo. — Ele martelou os plugues de plástico
para preencher os buracos onde os parafusos haviam sido
arrancados. — Só para você saber, você é uma péssima
mentirosa.
— Ela estava espionando você. Te secando quando estava
jogando com Knox. — Eu soltei como se ele tivesse ameaçado
arrancar minhas unhas dos pés.
— E eu aqui pensando que era você. — Ele correu um dedo
sob meu queixo, do oco da minha garganta até a ponta do meu
queixo. — Ou talvez eu apenas esperava que fosse.
Uma resposta balbuciada foi tudo que consegui formular.
— Eu não tinha certeza se você gostaria ou não. Você tem
ficado quieto ultimamente.
Ele se virou para a parede e estendeu a mão.
— Você pode me passar a furadeira?
Eu a peguei da cama e estendi para ele.
Nossos dedos se roçaram e ele a pegou, voltando ao
trabalho.
— Eu não queria sufocar você. Meu pai foi embora, então
eu não queria ficar no seu caminho o tempo todo.
— O que o seu pai indo embora tem a ver com a gente
passando o tempo juntos?
Ele balançou sua cabeça.
— Não tem. Eu só... imaginei que você estaria cansada de
me ter por perto.
— Você tem grandes planos esta semana? — Arrastei meu
dedo sobre a colcha.
— Além da Liga dos Titãs em Chicago na quinta-feira?
Não.
— Ah, eu esqueci disso. Deixa para lá.
— Me fala. O que está acontecendo? — Ele olhou por cima
do ombro.
— É a última noite do show. Às vezes as pessoas saem para
comemorar depois.
— Você está me convidando para uma festa da equipe de
palco?
Ele provavelmente preferiria arrancar seus próprios olhos.
— Não, definitivamente não. Mas talvez pudéssemos comer
alguns hambúrgueres ou algo assim.
Sua mandíbula cerrou e ele virou para a parede.
— Isto está reto? — Ele inclinou a vara.
Ele não queria sair comigo? Por que eu senti que estava
levando uma chicotada? Nós nos beijamos. Ele ficou comigo
por quase 48 horas seguidas, depois desapareceu e agora estava
chateado por eu não o ter convidado para uma festa entediante
com a equipe de palco?
— Um pouco mais alto à esquerda.
— Você pode me passar o nivelador? — Ele estendeu a mão.
— Depois da coisa da Liga, você para de treinar?
— Há o Bedlam Bowl em 3 semanas.
— Ah, aquelas faixas. — Todos andaram juntos em um
determinado ponto. Uma bola de futebol americano, letras de
bolhas e um encontro. Como alguém conseguia mantê-los
todos organizados? — Eu esqueci disso.
— Só você, Bay.
Minhas bochechas derreteram.
— Com toda a loucura do último ano, quem tem tempo
para notar alguma coisa?
Seu olhar correu para o meu.
— Eu noto.
Meu coração deu um salto.
Ele equilibrou a haste da cortina em uma mão e a furadeira
zumbiu enquanto ele apertava os últimos três parafusos.
As molduras das minhas cômodas tremeram quando ele
desceu da escada.
— E está feito. — Ele apontou com a furadeira para o trilho
da cortina perfeitamente reto e para o tecido estampado com
padrão de mosaico verde e azul pendurado.
— Minha mãe não entrou no meu quarto ontem, mas era
apenas uma questão de tempo antes que ela o fizesse. — Os
nervos borbulharam no meu estômago e puxei a bainha da
minha camisa. Por que parecia que estava encolhendo a cada
segundo e a meio centímetro de me sufocar? — Desculpe se eu
te atrasei para alguma coisa, ou se você tinha outras coisas
melhores para fazer.
— Bay... — Sua voz sumiu e ele se aproximou. Quase como
se ele estivesse sendo puxado contra sua vontade. Passos
afetados e hesitantes.
A faísca pegou a lenha e as chamas estavam lentamente
subindo mais alto no meu corpo.
Sua cabeça baixou e eu me preparei para a mesma posse
feroz de meus lábios que ele teve na chuva.
Um estrondo, a porta do andar de baixo se abriu, batendo
na parede.
— Bay, você pode me ajudar com isso?
Eu o encarei, perplexa. Caindo de volta sobre meus
calcanhares, eu abaixei minha cabeça. Eu nem tinha percebido
que tinha ficado na ponta dos pés para encontrá-lo no meio do
caminho.
— Bay?
— Estou indo, mãe. — Eu contornei por ele.
— Deixe-me ajudar. — Dare me seguiu escada abaixo. Sua
sombra caindo sobre meu corpo.
Eu espiei por cima do meu ombro.
— Aí está você. — Mamãe entrou pela porta da frente com
uma caixa enorme nas mãos. — Oh, Dare. Eu não sabia que
você estava aqui. — Seu olhar varreu por nós dois. Sem roupas
desgrenhadas, saída rápida do meu quarto, apenas ligeiramente
ofegante. — Tivemos um pai que deixou vinte buquês de frutas
e dezenas de caixas de donuts. Acho que ele pensou que estava
trazendo os donuts para todo o hospital. Precisávamos tirá-los
de lá antes que tudo estragasse.
— Posso tirar um pouco de suas mãos, se você quiser. O
resto está no carro? Eu posso ir buscar. — Dare largou a
furadeira e saiu pela porta da frente antes que qualquer uma de
nós pudesse responder.
Entrei na cozinha atrás da minha mãe.
— Há quanto tempo Dare está na casa? — Ela não estava
olhando para mim, mas eu podia perceber que o seu radar de
mãe estava zumbindo como louco.
— Não muito. Ele deixou a chave inglesa que pegou
emprestada. — Desdobrei a tampa da caixa na altura do queixo
que ela deslizou para o balcão.
— E devolveu ao seu quarto. — Ela riu.
— Mãe, fala sério. Estávamos falando sobre uma
apresentação em grupo que faremos na terça-feira. Ele é um dos
caras mais populares da escola. — Eu olhei por cima do ombro.
— Não é assim. Dare está sendo legal.
Ela fez um som descrente e se virou para mim. Suas mãos
caíram no topo dos meus ombros.
— Você tem dezoito anos. Em alguns meses, você estará na
faculdade. Eu sei o que os jovens adultos da sua idade fazem.
Eu quero que você esteja segura e feliz. Eu amo você.
Eu a abracei com força em sua cintura. Partir seria difícil por
muitos motivos.
Ela beijou o topo da minha cabeça e me apertou.
— Achei que você poderia levar muitos desses para o clube
do teatro esta noite. Você tem passado muitas horas lá. Parece
tão sonolenta o tempo todo. — Ela afastou meu cabelo da testa.
Eu mantive o sorriso equilibrado no meu rosto.
— Você está sempre a fim de lanches e combustível de
desempenho.
Espiando dentro da caixa, um buquê de abacaxi, maçãs
verdes, morangos, morangos cobertos com chocolate, frutas
vermelhas de todos os tipos e marshmallows em espetos em
uma base de isopor verde, quase invisível através da avalanche
de frutas.
— Peguei um turno extra para hoje à noite. Talvez eu possa
te deixar lá mais cedo. Você não pode carregar isso em sua
bicicleta.
Uma garganta pigarreou atrás de nós.
— Posso levar Bay de volta à escola.
Eu congelei de costas para ele. Oh Deus, há quanto tempo
ele estava parado ali. Ele tinha ouvido o bate-papo “ele gosta de
mim”?
— Você é sempre um cavalheiro, Dare.
Cobri minha risada com uma tosse com seu tom não tão
sutil de “não brinque com a minha filha”.
Ele deslizou as caixas de donuts e ainda mais morangos
cobertos de chocolate no balcão.
— Posso pegar um desses agora, mãe?
— Por favor, eles estão ficando mais velhos a cada minuto.
Estou subindo para o meu banho. Vocês, crianças, se
comportem. — Ela deu tapinhas na porta antes de seus passos
subirem as escadas e cruzarem o andar acima da minha cabeça.
— Você quer um donut? — Abri a tampa da caixa, meu
ombro cutucando o peito de Dare.
Ele não recuou e eu também não.
Eu estava brincando com fogo e o balde gigante de água com
gelo, balançando na borda, estava no andar de cima.
A caixa continha uma dúzia de donuts com muitos sabores
e cores. Peguei o de arco-íris com granulados e com cobertura
de chocolate e o mordi. Foi uma explosão de açúcar na minha
boca.
— Ei, era esse que eu queria.
Cobri minha boca cheia, com pelo menos um quarto do
donut enfiado dentro, com minha mão.
— Desculpa.
— Que tal dividirmos?
Eu segurei o donut. Em vez de pegá-lo da minha mão, ele
colocou os dedos em volta do meu pulso e o levou à boca.
Ele me observava enquanto dava uma mordida.
Eu tinha esquecido como mastigar, quase engasgando com
meu donut. Meu coração deu um salto duplo no meu peito.
Minha pulsação latejava.
Provavelmente parecia um feijão saltitante retumbando sob
seus dedos.
Ele moveu o donut de volta para minha boca e eu dei outra
mordida.
Suas narinas dilataram e o olhar faminto não tinha nada a
ver com os deliciosos doces que enchiam a bancada.
E eu deveria andar de carro com ele mais tarde hoje? Eu era
uma mulher morta. Morte por sobremesa alimentada à mão.
— Onde caralhos você está indo? — Knox disparou para fora
do ônibus junto com todos os outros, coberto de suor seco e
sujeira, mas sorrindo de orelha a orelha.
No entanto, meu sorriso não tinha nada a ver com a Liga
dos Titãs. Nunca corri tão rápido, ataquei com tanta força ou
tive as mãos tão pegajosas quanto tive em Chicago. Mas eu
tinha um único pensamento: voltar aqui para pegar Bay.
Donuts nunca foram tão doces quanto vindo de seus lábios.
Podemos ter embaçado as janelas no estacionamento quando a
deixei. Claro, ela correu com as sacolas em vez de me deixar
ajudar, mas o desempenho de hoje juntamente com vê-la
novamente pela primeira vez em 36 horas significava que
nenhuma quantidade de suor seco e ardente por todo o meu
corpo importava.
— Dare. — O treinador Greer me chamou.
Eu derrapei até parar depois de pegar minha bolsa e corri de
volta para ele. A peça já deve ter acabado. Ela já tinha ido
embora para curtir com as outras pessoas da equipe de palco?
Com aquele cara, Jon?
— Treinador.
— Você teve uma performance e tanto hoje.
Eu mudei de um pé para o outro.
— Sim, me senti bem.
— E aquele encontro com o garoto da Pensilvânia.
Minhas mãos cerraram em torno da minha bolsa. A névoa
turva do golpe baixo quase me arrastou de volta para a névoa
da fúria. Eu fechei meus olhos.
— Eu não bati nele.
— Só porque alguém ficou entre vocês dois.
Eu cerrei meus dentes.
— Ele poderia ter quebrado minha perna com a merda que
fez.
O treinador deu um suspiro, longo e perturbado.
Os pelos da minha nuca se arrepiaram.
— Podemos conversar sobre isso mais tarde. — Ele
balançou a cabeça. — Tome um banho e durma um pouco.
Eu assenti e fui em direção ao meu carro. Os outros caras
estavam pegando suas bolsas. Eles eram meus futuros ex-
companheiros de equipe, mas agora estavam no meu caminho
até o meu objetivo.
Se alguém pensou que minhas habilidades em abrir
caminho pelos oponentes terminaram em campo, estava
completamente enganado. Neste momento, esses eram os
oponentes no caminho para chegar à minha verdadeira
celebração esta noite.
Corri para casa e de volta para a escola. O suor escorria pelas
minhas costas. Mesmo tomando banho e trocando de roupa
não tinham impedido as batidas no meu peito ou o suor
pulando dos meus poros como se estivesse abandonando o
navio após uma colisão de iceberg.
Cheirei minha axila, entrei no carro e dirigi até as portas do
auditório do outro lado da escola.

Knox: Mirante

Eu: Hoje não

Knox: Onde você tem ido?

Eu: Não é da sua conta

Knox: Eu te conto tudo o que está acontecendo


comigo

Eu: Contra a minha vontade

Knox: Você é um babaca

Eu: Eu sei

Haveriam pessoas aos montes no mirante, animadas para


ficar na borda vazia da pedreira cantando músicas de torcida do
time, falando merda sobre o Bedlam Bowl e bebendo até meia-
noite.
Eu estacionei uma fileira atrás, onde havia apenas um outro
carro estacionado. Os nervos latejavam dentro do meu peito.
Ganhar um campeonato estadual foi muito menos assustador
do que ficar aqui fora.
A bicicleta dela era a única presa ao suporte. Eu não tinha
chegado tarde.
Me inclinei contra o meu carro com as mãos enfiadas nos
bolsos, esperando. Uma música sem palavras zumbiu em meu
peito, levando embora alguns dos sentimentos nervosos.
A porta lateral se abriu e ela saiu com algumas outras
pessoas. Ela acenou para eles e se dirigiu para a bicicleta solitária
trancada no bicicletário. Vestida toda de preto com o cabelo em
duas tranças, ela parecia uma assaltante de gatos fodona.
Eu não teria me importado de acordar com ela subindo na
minha janela.
Ela destrancou a bicicleta e prendeu o capacete. Com a
buzina de alguém, sua cabeça apareceu e ela acenou. Seu olhar
patinou pelo estacionamento vazio, varrendo sobre mim e de
volta para sua bicicleta.
A roda dianteira bateu e retumbou enquanto ela a
empurrava para fora do suporte, e ela congelou.
Meu sorriso se alargou.
Seu giro foi tão rápido que ela se chicoteou no rosto com
uma de suas tranças.
Meu sorriso poderia ser visto de um ônibus espacial.
— O que você está fazendo aqui?
Ela largou a bicicleta e soltou o capacete, deixando-o cair no
chão, e correndo para mim.
— Esse é um belo visual. — Eu brinquei com a ponta de sua
trança, segurando-a entre dois dedos.
Sua respiração saiu com pequenos ofegos. Ela me olhou
como se eu tivesse aparecido com uma coroa de flores.
Merda, eu deveria ter comprado flores.
Seu olhar brilhava de espanto e felicidade, e eu esqueci tudo
sobre as flores murchas da mercearia que pensei em dar a ela.
Os mesmos sentimentos retumbaram em meu peito.
Ninguém estava aqui. Em um estacionamento vazio depois de
vencer a Liga que decidia meu destino, ela me fez sentir como
se eu nunca tivesse tido tanta sorte, tudo porque ela estava feliz
em me ver.
Ela engoliu em seco e colocou uma mão hesitante no meu
peito.
— Como foi sua viagem de treino de futebol americano?
— Você não verificou a pontuação?
— Dois membros da equipe de palco desistiram no último
minuto, o que significou que eu tive que cuidar da placa e
mover os cenários durante o intervalo. Tem sido uma noite
agitada, mas acho que o mesmo vale para você, hein?
— Três anos.
Suas sobrancelhas baixaram e ela inclinou a cabeça.
— É quanto tempo eu desperdicei não sendo capaz de fazer
isso. — Envolvi um braço em suas costas e outro em sua
cintura, pressionando-a contra mim. Nossos lábios se
encontraram em uma colisão acalorada e faminta. Toda vez era
explosiva com ela, avassaladora e muito pouco ao mesmo
tempo.
Ela chiou, caindo contra o meu peito, seu beijo combinando
com o meu. Seus braços se contorceram debaixo dos meus e
envolveram meu pescoço.
Um carro parou no estacionamento e ela ficou tensa.
Eu bati na sua bunda e ela gritou, pressionando as palmas
das mãos contra meu peito. Excesso de intensidade e eu a
assustei. Eu a soltei, permitindo que ela caísse na ponta dos pés
e olhei em seus olhos.
Ela tinha um sorriso torto e seu peito arfava ofegante, da
mesma forma que foi quando corri para chegar aqui. O carro
estacionou e alguém desceu.
Bay deu um passo para trás e desviou o olhar na direção
deles.
— Desculpa. — Eu deixei meus braços caírem.
Ela soltou o lábio entre os dentes, mas observou o carro em
marcha lenta no estacionamento.
— Não precisa se desculpar. Fui pega desprevenida, só isso.
— Pegando minhas mãos nas dela, ela as envolveu em suas
costas, me deixando abraçá-la novamente.
Só quando o carro saiu do estacionamento ela se virou para
me encarar completamente.
— Este sou eu aparecendo para te dar uma carona para casa
e nada mais. Não espero nada de você, Bay.
Cada parte de mim queria abrir a porta do meu carro e deitá-
la no banco de trás, mas eu reinei nesses pensamentos com um
estalo do meu chicote mental. Bay não era o tipo de garota que
ficava no banco de trás. A bigorna de informações que ela jogou
em mim sobre ser virgem não tinha sido esquecida.
— Você não deveria estar comemorando? Parece que isso é
tudo que todo mundo está fazendo até o final do ano.
— Só no próximo fim de semana, quando o troféu
finalmente chegar aqui. Eles não fazem o pedido até amanhã de
manhã.
Seu queixo caiu e ela riu.
— Eu estava brincando.
— Ah. Você nunca prestou atenção em todas as merdas que
eles fazem quando nós ganhamos?
— É mais do que eles normalmente fazem? Não posso dizer
que prestei muita atenção ao futebol americano até agora. Até
você.
Por que isso me fez sentir assim? Amarrado e livre, tudo de
uma vez. Ancorado pela maneira como ela olhava nos meus
olhos e voando quando seus lábios tocavam os meus.
— Depois de quatro é mais do mesmo. Principalmente uma
chance para o treinador e o prefeito se levantarem e
conversarem até que todos fiquem inquietos e então nosso QB
levanta o troféu sobre a cabeça e finge que fez tudo sozinho.
Você não perdeu muito.
— Se você estiver lá, eu vou assistir da multidão.
— Por que você não assiste como minha acompanhante?
Silêncio. Ela olhou para mim com uma expressão atordoada.
— Depois de tudo isso, você acha que não estou a fim de
você, Bay? — Eu passei as costas dos meus dedos ao longo de
sua bochecha.
— Tive um pressentimento, mas... — Ela recuou.
Um pouco mais de pressão dela e deixei meus braços caírem.
Ela olhou ao redor do estacionamento agora vazio.
— Eu não tinha certeza. — Me espiando, ela passou as mãos
no rosto como se isso tivesse se transformado em uma
provação. — Eu não tinha certeza do que você queria ou até
mesmo o que isso era. — Seus cílios tremeram, emoldurando
os olhos de champanhe destacados com um caramelo
profundo embutido, perfeitamente iluminados pelas luzes da
rua.
Meu olhar traçou cada linha de seu olho antes de eu sair
dessa e repetir o que ela havia dito. O que isso era.
Enfiei minhas mãos nos bolsos. Aquela sensação de voar
mudou para queda livre.
— O que você acha que eu quero?
Ela deu de ombros.
— Se você tem pensado nisso, obviamente tem uma ideia.
— São pensamentos, e eu nem sei se eles fazem sentido para
mim, então eles não farão sentido para você.
— Tente falar comigo e descubra. — Passei por ela e peguei
sua bicicleta e capacete na grama. Passando por ela, abri o
porta-malas do meu carro e coloquei sua bicicleta dentro.
— Esse é o nosso lance? Você roubando minha bicicleta? —
Ela colocou a mão no quadril.
Ela era tão frustrante quanto era bonita.
— Às vezes, é a única maneira de fazer você ouvir. — Abri a
porta do passageiro.
Seu olhar se estreitou e ela exalou longa e profundamente
antes de dar a volta para o outro lado do carro.
Eu não me movi, ocupando a maior parte da porta. Um
teste tentador.
Seus lábios franziram, mas eu peguei a contração de um
sorriso.
— Eu deveria sentar no seu colo? Pode dificultar a
condução.
— Não, mas quero que saiba que não está me afastando. —
Eu não queria dizer isso. Os sentimentos dentro de mim eram
difíceis de conter quando ela estava por perto. Chegando ao
topo de uma xícara, pronto para transbordar e afogar nós dois.
— Ah, como nossos papéis se inverteram. — Ela abaixou a
cabeça e se apertou contra mim antes de sentar no banco do
passageiro.
— Talvez esse seja o nosso lance. — Fechei a porta e corri
para o meu lado, tentando não pensar em como era bom tê-la
sentada no meu carro. Eu saí do estacionamento.
As ruas estavam desertas. Todos já estavam na cama ou em
suas designadas festas e não estariam na rua até de manhã. Os
faróis de um carro brilharam sobre nós no caminho para a casa
de Bay.
Ela apoiou o queixo na mão e olhou pela janela.
Uma pergunta estava rolando em minha cabeça.
— Por que você acha que eu não gostaria que você estivesse
no desfile? — Eu olhei para ela.
— Então todo mundo saberia que estamos fazendo seja lá o
que isso for. — Ela gesticulou entre nós.
Não tentei esconder meu sorriso.
— Você tem pensado muito quando se trata de mim e de
você, mas não está disposta a compartilhar nada comigo.
— Por que colocar um rótulo nisso? — Ela apoiou o
cotovelo contra a moldura da janela e deu seu melhor olhar de
eu-não-dou-a-mínima.
Eu nunca quis rótulos antes. Nunca quis ser de ninguém.
Nunca amarrado e nunca olhando para trás, mas com ela,
sentimentos diferentes estavam tentando invadir meu peito.
Ela me lançou um olhar.
— Além disso, ouvi dizer que você não gosta de namorar.
— Quem disse isso?
— Toda garota que já falou sobre sua bunda nas calças de
futebol americano, incluindo algumas das mães.
— Talvez ninguém tenha me convidado para um encontro
antes.
Sua sobrancelha arqueou alto. Ela balançou a cabeça e se
afundou na cadeira.
— Bem-vindo ao clube, parceiro.
— Você nunca esteve em um encontro?
— Eu sou “A Garota Nova”. — Ela fez aspas no ar. — E eu
faço parte da equipe de palco. Qual foi sua primeira pista?
— Que as pessoas são muito estúpidas.
— Incluindo você. — Sua cabeça se inclinou. — Eu estive
aqui todo esse tempo. — A provocação em sua voz não foi
suficiente para cobrir a dor. A dor que eu coloquei lá.
Um buraco no meu estômago se revirou. Três anos
desperdiçados.
— Não há um dia que passe em que eu não esteja chutando
minha própria bunda sabendo disso.
Ela esboçou um sorriso.
— Ok, isso me faz sentir um pouco melhor.
— Então, quando é o nosso encontro? — Eu parei o carro
em sua garagem, estacionei, mas deixei o motor ligado. A mãe
dela estava trabalhando. Ela estava sozinha em casa, mas depois
de sua cautela no estacionamento, eu não iria levar as coisas
mais longe até que ela estivesse pronta.
— Eu não concordei com um encontro.
— Desculpe fazer isso então, mas eu terei que estabelecer a
lei. Chega de beijos desses lábios até eu conseguir um encontro.
— Arrastei meus dedos pelos lábios e joguei a chave imaginária
por cima do ombro. Ela não estava pronta e eu não estava
pronto para ser o cara que a empurrou mais rápido e mais longe
do que ela deveria estar indo. Mas o pensamento de outra
pessoa atrapalhando todas as primeiras vezes dela me fez querer
socar alguma coisa. Isso me fez querer queimar tudo ao pensar
que ela não teria o melhor e, embora ela merecesse muito mais
do que eu, meu egoísmo venceu neste. Eu não conseguia mais
me conter. Eu faria tudo o que precisasse para ser aquele cara
para ela, mesmo se eu tivesse que encontrar meu caminho em
uma floresta com um fósforo na calada da noite.
— Você não vai dar uns amassos comigo de novo até que eu
concorde em sair com você? — Ela se ergueu, ficando ereta, sua
voz saltando duas oitavas.
— Eu disse um beijo. Ainda não demos uns amassos.
Um pequeno som escapou de sua boca aberta e eu corri meu
dedo sob seu queixo, fechando-a.
— Não demos? — Suas palavras foram um sussurro
apressado.
Eu balancei minha cabeça.
— Nem um pouco. — Meu sorriso arrogante estava de volta
com força total.
— Mas... — Ela gaguejou. Seus olhos se arregalaram. —
Como é “dar uns amassos” então?
— Vou precisar dos detalhes do primeiro encontro.
Ela lambeu os lábios.
— Isso não é um pouco antiquado? Você vai deixar crescer
um bigode de guidão e me buscar na sua Penny-Farthing13?
Eu ri.
— Fora do meu carro, Bay. Você foi banida.
— Você vai me chutar para as ruas.
— Para a garagem, na verdade. Aquela bem na sua frente. E
chutar é um pouco forte. Mais como ajudá-la a sair do meu
carro e entrar em sua casa.
— Minha mãe está trabalhando hoje à noite. — Ela tentou
parecer sexy e sedutora, mas foi desfeita pelo nervosismo
piscando em seus olhos.
Agora que eu disse que não levaria as coisas mais longe, sua
coragem estava mostrando, mas eu não estava recuando.
— Boa noite, Bay. — Eu abri minha porta e peguei sua
bicicleta do porta-malas.
Ela abriu a porta e olhou para mim enquanto eu chutava o
suporte e colocava sua bicicleta no final da garagem.
— Sério. — Suas mãos estavam nos quadris.
Voltei para o meu carro e me inclinei pela minha janela.
— Sério, Bay. Acredite em mim, eu quero entrar lá com você
agora, mas não tanto quanto eu quero um encontro com você.
Ela relaxou um pouco sua postura, a incerteza cintilou em
seu olhar.

13
Penny-Farthing é um tipo de bicicleta, popular na década de 80, que possui
a roda dianteira de grande dimensão e a traseira muito menor.
— Boa noite, Bay.
Saí da garagem, mas não fui embora até que ela estivesse em
segurança lá dentro. Fazendo um pouco de matemática mental,
eu poderia planejar um encontro com Bay. Em algum lugar
agradável – eu poderia pedir um favor ou dois. À medida que o
tempo esquentava, mais pessoas sairiam em passeios e
precisariam de seus carros consertados. Talvez eu pudesse
acelerar os negócios com alguns arremessos de bola bem
posicionados pela manhã. Eu balancei minha cabeça. Agora eu
estava tentando foder com os carros das pessoas só para levar
ela para sair? Não, eu faria isso direito e encontraria um jeito.
De volta para casa, tentei evitar olhar para a janela dela, mas
dei uma espiada. Ela puxou a camisa pela cabeça com as
cortinas bem abertas.
Meu coração disparou e espalmei meu pau, me sentindo um
babaca por observá-la, até que ela olhou e sorriu. Ela
desabotoou a calça jeans e parou na janela aberta.
Minha ereção não era mais uma dúvida. Eu apalpei a gaveta
para pegar meu bloco de esboços. Seu corpo merecia ser
imortalizado.
Ela se virou e desabotoou o sutiã antes de fechar as cortinas
e encerrar o show.
Eu sufoquei uma risada e respirei fundo para acalmar meu
pau, tentando me impedir de pular a cerca que separa nossos
quintais e fazer algo monumentalmente estúpido.
Ela era uma encrenca absoluta. Quem saberia que minha
vizinha que anda de bicicleta tarde da noite, toca violão, perita
na equipe de palco poderia ser tão perigosa para minha
sanidade mental? Mas aqui estava eu, e não mudaria nada.
Sentei na cozinha encostada no balcão em frente às persianas
ripadas, a única coisa que encobria a vista de mim. Lá fora, o
zumbido do cortador de grama se transformou em um
estrondo, fazendo coisas comigo que eu nunca pensei que o
som do cortador de grama pudesse fazer. Pode ter algo a ver
com o cara suado empurrando-o para cima e para baixo em
nosso pátio da frente, mantendo linhas meticulosamente
caprichadas.
Ele endireitou a última fileira e eu corri para a sala de estar,
segurando minha caneca de café agora frio. Eu fingi estar
bebendo mais cedo, mas desisti de todas as pretensões a essa
altura.
Sua boca se contorcia toda vez que ele cortava a grama de
frente para minha casa. Ele sabia que eu o estava observando. E
eu sabia que ele sabia que eu o estava observando, mas nós dois
fingimos que ele decidiu vir cortar a grama pela bondade de seu
coração e eu também era péssima em beber uma bebida de
forma eficiente.
Sem camisa e com uma toalha jogada por cima do ombro
direito, eu não era a única apreciando a vista da tarde de
primavera.
— Bay?
Eu dei um grito, encharcando minha camisa com café frio.
— O que está acontecendo?
Mamãe espiou pelas persianas e se virou para mim com um
olhar de compreensão.
— Eu desci para pegar um copo. — Entrei na cozinha atrás
dela e coloquei minha caneca agora vazia na pia.
— Claro. E a sua distração não tem nada a ver com o nosso
vizinho lá fora cortando a grama? — Ela pegou sua própria
xícara de café, sorrindo.
— Pode ser um pouco.
— Ele certamente parece estar aparecendo aqui muito mais.
— Ele é prestativo.
— Eu só espero que você esteja se protegendo.
— Mãe. — Um grito exasperado.
— Estou trabalhando à noite. Você acha que eu não sei o
que pode acontecer enquanto estou fora?
— Ninguém além de Piper esteve nesta casa enquanto você
estava no trabalho.
— Isso significa que você vai para a casa dele, então?
— Eu nunca estive na casa dele. Mãe, pare com isso. — Eu
coloquei minhas mãos sobre meus ouvidos.
— Seu pai e eu criamos você, mas sei que você não é mais
uma criança. A faculdade é daqui a alguns meses. Você esquece
quem eu vejo no hospital todos os dias.
— Eu não… nós não… nós não estamos… eu ainda sou... —
Eu arrastei minhas mãos pelo meu rosto. — Dare e eu somos
amigos. Isso é tudo.
— Algo me diz que ele gostaria que isso mudasse.
— O que te faz pensar isso?
— Ele olhou para cima pelo menos vinte vezes desde que
vim aqui. — Ela passou e apertou meu braço. — Se proteja.
— Você me deu A Conversa na sexta série.
— Eu quis dizer com o seu coração. — Ela pressionou a mão
contra o centro do meu peito. Tinha uma centelha de tristeza
em seus olhos antes de sair do cômodo. Seus passos soaram
acima da cabeça.
Olhando pela janela, eu não pude evitar o batimento
cardíaco gaguejante que me dominava toda vez que ele olhava
para cima e sorria para mim. Peguei ingredientes dos armários
e preparei uma massa que eu conhecia sem precisar de uma
receita. Um toque de baunilha e algumas gotas de chocolate
levaram minhas panquecas de leite coalhado de nada mal a
muito bom.
Com três panelas no fogo, distribuí a massa e as empilhei em
um prato.
O zumbido do cortador de grama parou, banhando a casa
em um silêncio absoluto.
Ele puxou o cortador atrás de si em direção à garagem.
Larguei a espátula e corri para a porta da frente. A grama
recém-cortada molhada entre meus dedos dos pés.
— Há panquecas extras, se você quiser. — Eu dei de
ombros, falhando miseravelmente em agir normalmente.
— Claro. — Ele estacionou o cortador e me seguiu para
dentro, enxugando o pescoço com a toalha. Seu corpo brilhava
ao sol da manhã. Infelizmente, ele puxou a camiseta pendurada
no bolso de trás ao invés de ficar sem camisa. Estava na ponta
da minha língua dizer a ele que eu não me importava. Meu
olhar percorreu seu corpo como um lobo faminto. Tanta
tentação em um pacote tão grande.
Eu segurei a porta aberta para ele.
Ele entrou, suas narinas dilatadas antes que o alarme
enchesse seus olhos.
Minha cabeça girou. Fumaça saía da cozinha.
— Merda. — Entrei correndo e joguei a panqueca
carbonizada e fumegante na pia, colocando na água. Ainda
mais fumaça saiu da pia de metal. Eu empurrei a janela,
abrindo-a.
Peguei uma toalha e a girei acima da cabeça para manter a
fumaça longe do detector no teto.
Dare passou correndo por mim.
— Vou cuidar das outras panquecas.
Mais fumaça saiu das panelas. Ele desligou as chamas e
despejou o resto das panquecas queimadas que sobraram na
pia. Tossindo, continuei abanando.
Ele as colocou sob a água corrente para que não se tornassem
uma bagunça carbonizada.
Meus olhos lacrimejaram, formigando com a manteiga
queimada e a massa que virou bomba de fumaça.
O ar fresco entrou no cômodo. Agora o cheiro não era
apenas fumaça carbonizada do café da manhã, mas também
grama recém-cortada. Ele abriu duas outras janelas e a porta da
frente, deixando a tela fechada.
— Obrigada.
— É o mínimo que eu poderia fazer depois que você fez isso
para mim.
— O quê? Não, eu não fiz. Eu já as tinha feito.
Ele se aproximou ainda mais. Cheirava a grama e suor. Eu
nunca pensei que isso me agradaria, mas eu queria agarrá-lo e
puxá-lo contra mim.
Nossos corpos roçaram um no outro a cada respiração.
— Quando você vai aprender que eu estou sempre te
observando, Bay? — Ele olhou nos meus olhos com um fogo
que exigia, pelo menos, os corpos de bombeiros de três cidades
para apagar.
Eu travei meus joelhos, tentando me manter em pé. Se eu
caísse no chão, não estaria mais o mais perto possível de seus
lábios. Os que estavam se aproximando em um ritmo
insuportavelmente doloroso.
Eu respirei fundo, estremecendo, e olhei em seus olhos.
— Você está?
Ele assentiu como se fosse uma admissão solene.
— Eu vi você pegar a baunilha e as gotas de chocolate. A
dancinha que você fez quando virou cada panqueca. — Seu
dedo deslizou pelo meu braço.
Arrepios acompanharam as batidas do meu coração. Eu
engoli como se nunca tivesse feito isso antes.
— Eu pensei que você pudesse estar com fome. — Minha
voz estava ofegante.
— Estou sempre com fome. — Seus lábios caíram sobre os
meus. Suas mãos envolveram meus braços, me ancorando a ele.
Tudo congelou antes de rugir a frente como um trem em
alta velocidade. Eu agarrei sua camisa úmida e suada em minhas
mãos, puxando-o mais para perto, embora estivéssemos
entrelaçados.
As partes de trás das minhas pernas bateram contra a mesa,
derrubando os copos e batendo contra a parede.
— Está tudo bem, Bay?
Nós nos separamos. Ofegantes. Meu coração pulou, dando
saltos loucos no meu peito.
Ele sorriu para mim, um tipo de sorriso de vitória em jogo
grande que me fez procurar pompons.
Os passos da minha mãe atingiram as escadas.
Ele recuou, colocando algum espaço entre nós.
— Uau, o que aconteceu aqui? Algo estava pegando fogo?
— Minha mãe entrou, balançando a mão na frente do rosto.
Abaixei minha cabeça e coloquei meu cabelo atrás da orelha.
— Bay me deixou tentar fazer uma rodada de panquecas e
eu estraguei tudo. Desculpe, Molly.
— Não se preocupe nem um pouco. Vocês dois já
comeram?
— Só uma mordidinha para mim, então estou morrendo de
fome agora. — Dare pegou o prato que minha mãe estendeu
para ele e olhou para mim.
Um dominó de ondas de desejo percorreram meu corpo. O
que teria acontecido se minha mãe não tivesse descido?
Nossos pés roçaram um no outro sob a mesa. Cada vez que
acontecia, meu olhar disparava para minha mãe.
Dare terminou pelo menos oito panquecas antes de ir para
casa.
Eu o acompanhei até o final da minha garagem. Nossas
mãos roçavam a cada passo, o que não era acidental. Eu queria
estender a mão e agarrar a dele, entrelaçando meus dedos com
os dele, mas as mantive ao meu lado, não ousando o suficiente,
mesmo depois do intenso beijo que ainda permanecia em meus
lábios.
— Aonde você vai à noite, Bay? — Ele apoiou o braço no
teto do carro.
— Você quer saber?
— Eu quero saber tudo sobre você. — Seus dedos roçaram
a frente da minha camiseta, então o tecido mal escovou minha
pele.
— Venha aqui às dez e eu vou te mostrar.
Suas narinas dilataram e seu olhar se intensificou.
Abaixei minha cabeça e coloquei meu cabelo atrás da orelha.
— Você pode me levar até lá e ver por si mesmo.
Ele assentiu, deixando sua mão cair para longe de mim. Até
mesmo a ausência dos toques mais básicos me atingia como
uma perda. Seu olhar cintilou para minha casa. Ele abaixou a
cabeça, aproximando-a da minha.
— Estarei aqui às dez.
Eu fiquei do lado de fora até que sua figura recuou ao virar
a esquina.
Minha tarde se transformou em noite. Dever de casa
finalizado, peguei o violão e dedilhei suavemente as cordas,
rabiscando as palavras que saíam de mim sempre que minha
caneta se aproximava do papel.
Mamãe parou na porta em seu uniforme.
— Correio para você. — Mamãe deslizou a carta na cama ao
meu lado.
Sob seu olhar atento – embora ela estivesse fingindo olhar
para outro lugar – rasguei o envelope com o logotipo da UCLA
no canto superior esquerdo.
Minhas mãos tremiam, dificultando o seguimento das
linhas, e meus olhos mal conseguiam rastrear cada frase. O
cifrão no intervalo entre os parágrafos fez minha cabeça girar.
Eu estendi o papel para ela.
Seus olhos percorreram o papel e um sorriso enorme
apareceu em seu rosto.
— Você conseguiu! — Ela me apertou com força, me
balançando para frente e para trás. — Você tem certeza? — Seu
olhar estava cravado no meu. Orgulho e felicidade
transbordando do canto de seus olhos.
— Sim. — Minha boca estava seca. — Claro. UCLA, aqui
vou eu.
— Você vai adorar lá. A maneira como seu pai falava sobre
o campus… gostaria que ele pudesse estar lá conosco quando
você se mudar.
Minha garganta se apertou.
— Eu também. Contabilidade assim como ele também.
Você sabe o quanto eu amo planilhas. — Eu poderia acioná-las
com facilidade, ao contrário de quando tentei espremer para
fora uma nota e minha garganta parecia um portão
enferrujado. Cantar para Dare me deu esperança, no entanto.
Talvez eu possa fazer isso. Talvez, no meu período em Los
Angeles, eu pudesse transformar minhas eletivas em outra
coisa. Estagiar em um estúdio. Talvez Freddy possa ter alguns
contatos.
Ela riu como se eu devesse levar meu show de comédia para
uma turnê e repensar a faculdade ao mesmo tempo.
— Ele sempre disse que o conquistou aos poucos. Estou
indo... — ela se levantou e congelou, vendo o violão fora do
estojo e encostado na minha mesa. — É do seu pai?
Eu concordei.
— Ele adorava tocar com você. — Sua voz estava
melancólica e triste. — Mas aquele mundo nunca foi bom para
ele. Tantos começos falsos e promessas quebradas. Cada vez
que ele voltava de uma sessão de estúdio ou apresentava sua
demo a alguém e nada acontecia, isso esmagava um pouco mais
sua alma.
— Ele amava mesmo assim.
— Talvez ele não devesse. — Ela balançou a cabeça. —
Todas aquelas noites tardias no estúdio. Se ele estivesse
descansando e dormindo, e não se esforçando tanto...
— Os médicos disseram que poderia ter acontecido a
qualquer momento. E ele amava o estúdio. Ele amava estar lá
com Freddy.
— Freddy. — Ela bufou com desdém antes de fechar os
olhos e balançar a cabeça. — Quais são seus planos para esta
noite?
— Terminar os trabalhos escolares. — Fiz um gesto para os
livros na minha mesa. — Eu também preciso revisar as notas da
equipe técnica para a cerimônia de premiação do último ano na
quarta-feira.
— Você está sempre tão ocupada. — Ela voltou para o meu
quarto e me beijou na testa. — Se comporte e tranque a porta
quando eu for embora. — Ela parou na porta e bateu a mão no
batente. Sua boca se abriu e ela a fechou novamente antes de
acenar e descer as escadas.
Depois de mais alguns minutos, a porta da frente se fechou.
Sentei na minha cama em silêncio, esperando qualquer
indício de que ela estava voltando. Ainda faltavam duas horas
até que eu precisasse encontrar Dare.
Peguei o violão e deixei aqueles sentimentos fluírem por
mim. A antecipação. A sensação de seus lábios nos meus. A
cada segundo os olhos dele estão em mim.
Faltando cinco minutos para as dez, juntei tudo o que
precisava esta noite.
Abri a porta da frente e gritei, quase caindo no braço
estendido de Dare pronto para bater na porta.
— Dare. — Eu não queria que tivesse saído tão ofegante.
— Ei, Bay. — Ele exibia aquele sorriso preguiçoso como um
par de Vans perfeitamente ajustados.
Eu saí, trancando a porta.
Dare não recuou, então minhas costas pressionaram contra
seu peito.
— Onde estamos indo?
Eu olhei para ele por cima do ombro e enfiei minhas chaves
na minha bolsa.
Ele fechou a porta do meu lado do carro e entrou. O motor
rugiu e eu abaixei a cabeça, torcendo para que ninguém na rua
estivesse prestando atenção.
Dei instruções a Dare e logo chegamos ao estúdio.
— Você deve estar brincando comigo. Você tem vindo aqui
todas as noites sozinha? Na sua bicicleta? O que diabos é tão
importante que você se arriscaria assim, Bay! — Havia uma
onda de raiva em suas palavras.
Ela me encarou de volta com descrença, uma pitada de medo
piscando em seus olhos iluminados pela luz suspensa oscilante
da rua.
Eu respirei fundo.
— Bay. Este não é um lugar onde você deveria ir tão tarde
da noite.
— Então você pode ir para casa. Tenho trabalho a fazer. —
Ela abriu a porta e a fechou, balançando o chassi do meu carro.
Eu pulei para fora e a segui. O pavimento molhado estava
escorregadio sob meus pés, e eu a alcancei e fiquei em seu
caminho.
— O que estamos fazendo aqui? — A rua estava vazia. Eu
esperava que uma bola de feno passasse rolando. Esta era uma
parte merda da cidade, e meu carro não era exatamente
discreto.
Seus lábios se contraíram e ela olhou para o céu escuro como
breu com as mãos nos quadris.
— Não é da sua conta. Se você estiver com muito medo ou
algo assim, vá para casa.
— Eu não vou deixar você aqui. Como você voltaria para
casa?
— Eu não quero você aqui agora.
— Que pena. Eu não vou embora. — Olhei por cima do
ombro dela para o meu carro parado sob a luz da rua, a pintura
imaculada é um sinalizador para alguém vir e foder com ela.
Ela me contornou.
— A postura de proteção já é velha. Volte para o carro,
então.
— No que você se meteu, Bay?
Ela parou.
Eu quase a atropelei e coloquei minhas mãos em seus
ombros para impedir que nós dois caíssemos para frente.
— Você acha que eu sou uma stripper de fim de semana ou
algo assim?
— Esse cara está te causando problemas? — Um cara
enorme que parecia metade Papai Noel, metade Hells Angel14
estava na calçada, batendo um taco na palma da mão. Ótimo,
agora eu teria que bater no Noel do clube de motoqueiros para
tirar Bay daqui.
— Está tudo bem, Freddy. Ele estava indo embora.

14
O Hells Angels Motorcycle Club é um clube de motociclistas, qualificados
como moto clube (MC), em que os membros tipicamente são homens e pilotam
motocicletas Harley-Davidson. Várias agências policiais e de inteligência
internacional, incluindo o Departamento de Justiça dos Estados Unidos e a
Europol, consideram o clube um sindicato do crime organizado.
Prendi minha mão em volta do braço dela enquanto ela
tentava passar, sem tirar meus olhos do cara que tinha que ter
pelo menos um metro e noventa.
— Você o conhece?
— Não. — A voz dela estava cheia de sarcasmo. Ela se
desvencilhou do meu aperto e foi em direção ao prédio.
Saindo da minha postura atordoada, corri atrás dela.
Ela desceu correndo as escadas atrás de Freddy, o Noel do
clube de motoqueiros, sem olhar para trás.
Ele bloqueou meu caminho com os braços cruzados sobre o
peito.
Minhas narinas dilataram e eu cerrei meus punhos ao lado.
— Ela não me disse para onde estávamos indo, e eu estava
sendo duro com ela por vir aqui tarde da noite sozinha.
Sua postura relaxou e ele descruzou os braços.
— Eu venho dizendo a ela a mesma coisa há anos. — Ele
balançou a cabeça e estendeu a mão. — Fredrick Isaac, mas
todos me chamam de Freddy.
O nome tilintou algo no fundo da minha cabeça, mas agora
eu estava preocupado com Bay desaparecendo pela escada
escura que conduzia a sabe-se lá onde.
Me preparando para eu-nem-mesmo-sabia-o-quê, olhei, mal
me impedindo de esfregar os olhos quando passamos pela porta
na parte inferior da escada. As paredes eram vermelhas e
cobertas com fotos de músicos e álbuns de ouro e prata. Pisos
de madeira fluíam pela área, e havia luzes fracas em todo o
exterior, fazendo com que todo o lugar parecesse uma boate.
— Que lugar é este? — Eu segui Freddy.
Bay não estava em lugar nenhum à vista.
— Apenas o melhor estúdio de gravação de Chicago. — Ele
recitou os nomes das atrações musicais das últimas cinco
décadas que passaram por esses corredores.
Bay estava gravando um álbum secretamente? Parte de mim
estava dividido entre querer que aquelas músicas fossem algo
que apenas nós compartilhássemos, mas também algo de que
ninguém mais deveria ser privado.
Ele parou do lado de fora de uma porta no final de um
corredor cheio de outras portas.
— Quais são suas intenções com Bay?
Minha boca abriu e fechou.
— Nós somos… ela é… minhas intenções são não fazer nada
que possa machucá-la.
Seu olhar se estreitou e ele me olhou de cima a baixo.
— Ela tem uma voz incrível.
Suas sobrancelhas saltaram.
— Ela cantou para você?
— Algumas vezes.
— Então eu acho que não posso te expulsar, se você significa
tanto para ela. Eu não a ouço cantar uma nota desde que seu
pai morreu. — A tristeza nublou seus olhos, mas depois se foi
como uma tempestade de verão.
As palavras dele foram como um dardo atirado direto no
meu peito. Se você significa tanto para ela. A frase soou em
meus ouvidos enquanto ele empurrava a porta.
Bay estava sentada atrás de uma enorme placa com botões,
alavancas, controles deslizantes e um monitor de computador.
Suas pernas estavam dobradas sob ela em uma cadeira de
rodinhas. Seu olhar se voltou para a porta antes de estalar para
frente quando ela me viu por cima do ombro de Freddy.
— Vou deixar Bay fazer uma tour pelo estúdio com você. —
Ele me deu um tapinha no ombro. — Eles estão viajando a
caminho de Chicago, então só chegarão daqui a uma hora, Bay.
Vou verificar com a agente deles para ver se está tudo bem ele
ficar aqui.
— Ele está indo embora. — Ela rolou para a tela do
computador.
— Vou verificar apenas no caso de ele decidir ficar. — Seu
sorriso se alargou. — Boa sorte — ele murmurou baixinho na
saída da porta.
Respirei fundo e peguei a cadeira perto da porta, virando-a
e estacionando ao lado dela.
— Você tem escapado para trabalhar em um estúdio de
música.
— Puxa, como você solucionou esse mistério? — Ela não
olhou para mim, apenas continuou a ajustar os botões e os
níveis.
— Me assustou para caralho pensar em você andando de
bicicleta em uma rua escura e deserta para chegar aqui todas as
noites.
— Estou fazendo isso há um ano e meio. Eu não preciso da
sua proteção.
— Você age como se eu tivesse uma escolha. Não consigo
evitar de me preocupar com você.
Ela zombou.
— Três beijos e você já está bancando o namorado
superprotetor.
Eu respirei fundo. Namorado. Eu revirei a palavra na minha
cabeça.
— Eu não quis dizer que você é meu namorado… eu só quis
dizer… não é nada, deixa pra lá. — Mesmo na penumbra do
estúdio, o rubor de suas bochechas brilhava.
Agarrando os dois apoios de braço da cadeira dela, eu a girei
para ficar de frente para mim.
— Você não sai da minha cabeça, Bay. Desde aquele beijo e
aquelas panquecas, eu quero mais. E saber que você tem feito
isso na maioria das noites, se colocando em risco, me deixa um
pouco louco e me assusta.
— Mas Dare…
— Eu sei, você tem feito isso por conta própria. E eu sei que
em alguns meses você vai embora para a faculdade e estaremos
talvez a milhares de quilômetros de distância. — Meus joelhos
bateram na beirada da cadeira dela. — E eu sei que alguns meses
atrás eu nem teria notado, mas eu era um puta otário e eu noto
agora. Eu não posso evitar. É uma reação involuntária quando
você está por perto, e mesmo quando você não está. — Suas
pernas se acomodaram dentro das minhas, um pouco da tensão
desaparecendo de sua postura.
Inclinando-me mais para perto, segurei sua cadeira para
impedi-la de rolar para longe. O roçar de suas pernas contra a
costura interna da minha calça jeans e o baque da minha
pulsação no meu aperto no assento estreitou tudo no meu
mundo, até a conexão que nos prendia juntos como um fio
elétrico.
Desde a última vez que provei seus lábios, tudo o que pude
fazer foi manter minha mente focada no meu treino esta tarde
e no Bedlam Bowl chegando em duas semanas. Todo o resto
sumiu em comparação com a curva completa de seus lábios e a
maneira como ela piscava os cílios quando encontrava meu
olhar, como se o beijo a tivesse chocado tanto quanto a mim.
— Dare? — Havia uma pergunta em seu tom como se ela
também não entendesse o que estava acontecendo. A atração
magnética não era uma da qual eu queria me livrar.
Um estrondo atrás de nós nos separou. O lugar foi banhado
com uma relativa claridade do corredor escuro para o estúdio
ainda mais escuro.
— É aqui que eu gravo? — Um cara estava parado na porta,
na sombra, com um estojo de violão nas mãos.
— O outro… — Sua voz estava rouca. Ela limpou. — O
próximo conjunto de portas abaixo. — Ela balançou a cabeça.
— Eu vou te mostrar.
A rota de fuga que eu neguei a ela antes estava bem aberta.
Levantando, ela olhou para mim antes de sair correndo.
Arrastei minhas mãos pelo meu rosto. Pressioná-la não era o
que eu queria fazer.
Os segundos se passaram e eu encarei o outro lado da janela
de vidro que cobria a parede inteira. Um piano, violões e uma
bateria completa enchiam o espaço. Todos os botões e
alavancas na placa de som foram etiquetados e a tela do
computador preenchia o espaço com um brilho azul. Até meus
próprios pensamentos pareciam silenciados no espaço à prova
de som. O sangue correndo em minhas veias foi abafado e
silenciado, e uma calma tomou conta de mim. Eu entendi
porque ela gosta deste lugar.
Às vezes tudo dentro da minha cabeça parecia muito alto,
mas aqui tudo acalmou.
A porta se abriu. Bay entrou correndo com um pedaço de
papel nas mãos.
— A boa notícia é que você pode ficar. A má notícia é que
você precisa assinar isso. Lembrei-me de primeira desta vez. —
Ela balançou os braços se auto-parabenizando.
Ela empurrou um documento grosso e uma caneta na
minha mão.
— Um acordo de não-divulgação? Quem diabos está vindo?
— Quando você assinar, eu posso te dizer. — A curiosidade
tornava impossível ir embora. Assinei meu nome na parte
inferior do documento, onde as pequenas etiquetas me diziam
para assinar. A última vez que fiz isso foi na cerimônia de
assinatura do meu recrutamento. Uma acidez inundou um
pouco da intriga correndo em minhas veias.
A porta se abriu novamente. Desta vez, uma mulher com
longos cabelos pretos presos em um rabo de cavalo alto ficou
no caminho.
— Ele assinou?
Bay concordou.
A mulher estendeu a mão com a palma para cima e fez um
gesto para entregá-la.
Bay deu a ela os papéis e ela os folheou, olhando para mim
entre cada linha de assinatura, como se pudesse de alguma
forma dizer se eu tinha usado tinta invisível ou um nome falso.
— Legal, vou buscar os caras. — A porta se fechou com um
ruído silencioso.
— Os caras?
Bay sorriu.
E foi assim que passei o tempo até às cinco da manhã
curtindo com os caras do Without Grey.
O dinheiro trocou de mãos depois que a porta se abriu e eu
gritei como se um palhaço com uma faca de açougueiro
estivesse me perseguindo.
Freddy se moveu pela ampla placa de controles deslizantes e
botões fazendo sabe-se lá o quê. Mas eu estava fascinado por
Bay estar do outro lado do vidro, sentada com Camden para
uma das canções que Lockwood ficou de fora.
Ela saltou para fora do estúdio e agarrou meu braço, quase
o arrancando do lugar.
— Eles querem usar meu violão de apoio para preencher o
som do álbum. — A felicidade derramou por ela em ondas.
Uma felicidade contagiante que não pude deixar de absorver.
— Isso é incrível. — Corri minha mão ao longo da lateral de
sua bochecha, seu cabelo roçando nas costas da minha mão me
fazendo cócegas.
O resto dos caras entrou no estúdio.
— Eles já ouviram você cantar?
Todos os olhos se voltaram para nós.
— Você também canta? — Camden descansou seu braço
nas costas da cadeira de Freddy e a olhou de cima a baixo.
Por uma fração de segundo eu queria pular sobre as duas
pessoas entre nós e quebrar a maldita mandíbula dele. Meu
braço apertou a cintura dela.
— Ela canta.
— Dare. — Ela sussurrou para mim através dos dentes
cerrados.
— Apenas tente. — Eu beijei a lateral de sua cabeça.
Segurei sua mão e me posicionei atrás dela. Seu pulso
martelou contra o meu aperto ou talvez fosse por causa do quão
apertado eu estava segurando ela de volta.
Ela abriu a boca e cantou o primeiro verso e refrão de
“Emotional Gridlock”.
Os caras olharam para ela boquiabertos.
— Por que diabos você não nos contou? — Camden saltou
de seu encosto contra a placa.
Ela abaixou a cabeça, suas bochechas indo além do
vermelho-tomate, e deu de ombros.
— Isso foi demais, Bay. — Ele sorriu para ela e ela sorriu de
volta.
A porra do monstro no meu peito foi enfiado bem no
fundo. Ela merecia sua chance de brilhar.
— Gente, vocês conseguiram?
— Conseguimos, Maddy, e você não vai acreditar quem
sabe cantar.
A cabeça de Maddy se inclinou e ela assentiu e rabiscou em
seu tablet com sua caneta.
— Arquivando isso. Já que vocês terminaram, precisamos
sair. Estaremos de volta amanhã. Freddy, obrigada como
sempre.
— Sempre que precisar, Madison.
— E Bay, vemos você amanhã?
Bay olhou para mim com a boca aberta.
— Sem dúvida.
No caminho de volta, eu estava mais empolgado do que ela.
Ela se sentou inclinada em seu banco, me observando.
— Você não está surtando com isso? Você tocou com
Without Grey! Você se sentou ao lado de Camden Holmes e
tocou uma música nova que ninguém nunca ouviu antes. E
você cantou para eles.
— Confie em mim, o cantar está me fazendo voar alto, mas
tocar com eles? Parece mais natural agora. Eu estava
definitivamente surtando na primeira vez.
Eu quase saí da estrada.
— Você já fez isso mais de uma vez?
— Há um mês. Tivemos algumas sessões entre as datas da
turnê deles.
— Puta que pariu, Bay. — Como eu nunca a vi? Tipo,
realmente a vi. Haviam pessoas que andavam pelos corredores
como se fossem deuses porque conseguiram ingressos da
terceira fila para vê-los em sua última turnê e Bay se sentou ao
lado deles em um estúdio tocando junto como se ela
pertencesse ali. E ela pertencia. Ela era boa nesse nível.
— É bem legal. — Ela estava tentando minimizar a noite
inteira.
— Isso nem mesmo chega perto de descrever tudo.
O sol da manhã insinuou que sua chegada se aproximava.
Ela cobriu a boca com uma mão, capturando seu bocejo.
— Você vai conseguir ficar acordada na escola?
Seu ombro pulou.
— Tenho feito isso desde o primeiro ano. Não há razão para
pensar que não consigo agora.
— Vou trazer um café para você e te dar uma carona para a
escola. — Eu tinha o suficiente para passar pela loja de
conveniência e comprar um café para nós dois. Ela adoraria um
mocha.
— Não precisa. Vou na minha bicicleta.
— Bay, qual é. Me deixe levá-la. — Entrando na escola com
meu braço ao redor do ombro de Bay, todos saberiam que
estamos juntos.
Estacionamos em sua garagem. Ela abriu a porta e saltou do
meu carro como se, de repente, ele tivesse se tornado
eletrificado.
— Está tudo bem. Eu vou ficar bem. Tenho que encontrar
Piper mais cedo para revisar as anotações para a prova de
biologia. — Ela enfiou a cabeça pela porta aberta.
— Eu posso ir mais cedo.
— Realmente, Dare. Não é grande coisa. — Ela mordeu o
lábio e então percebi.
Ela não queria que ninguém soubesse que estávamos juntos.
É por isso que ela não acenou para mim quando eu estava
jogando bola com Knox no quintal ou nunca falou comigo na
escola, a menos que fosse necessário, como em nosso projeto de
grupo. Algumas vezes fiquei em seu armário e jurei que a tinha
visto, apenas para ela desaparecer.
— Talvez pudéssemos…
— Obrigada por vir esta noite. Te vejo na aula. — Ela
fechou a porta antes que eu pudesse responder.
Dirigi de volta para a casa silenciosa como se estivesse
sentado sob minha própria nuvem escura. Servindo-me de uma
tigela de cereal e não colocando o leite, que tinha estragado, eu
o mastiguei, tentando não dissecar todos os sentimentos que
corriam por mim. O auge de Bay finalmente me contando para
onde ela estava indo. O quão puto fiquei quando chegamos lá.
Como foi bom para ela se virar para mim quando era hora de
cantar e depois como me senti, como se tivesse levado um chute
nos dentes com um par de chuteiras recém-abertas por ela
quase pular do meu carro em movimento com a ideia de ser
vista comigo na escola.
A agitação nas minhas entranhas era feia e irritada. E me fez
querer colocar meu tênis e correr até desmaiar.
Minha hora tinha chegado – de novo. A grande celebração para
encerrar nossa temporada de conquistas coroadas estava aqui.
Esta era a quinta realizada na minha casa este ano.
Não tinha sido ideia minha dar a festa esta noite, mas
quando Knox e Bennet sugeriram, eu não tinha dito não. Eu
deixei o comitê de planejamento da festa assumir, dando-lhes
acesso à minha casa como sempre fiz.
Uma vantagem de ter uma casa onde as pessoas se
aglomeravam para festas era que eu nunca precisava comprar
minha própria bebida. Mas ele voltaria em breve. A nuvem
sempre pairando na distância esperando para entrar em minha
vida e rasgá-la em pedaços novamente. A cada dia que ele estava
fora facilitava a respiração, mas quanto mais tempo ele ficava
fora, mais pesado ficava, porque era apenas uma questão de
tempo até que ele voltasse.
Esta noite era a noite para esquecer tudo isso – pelo menos
por um tempo. Esta era a festa do último ano para encerrar
todas as festas. Por que eles não queriam tê-la em uma das casas
chiques com piscina, eu nunca saberia.
Eu me inclinei no balcão da cozinha com uma cerveja na
mão. O balcão de linóleo rachado e deformado era o lugar
perfeito para mais caixas de cerveja e algumas garrafas de licor
que alguém havia arrumado. Rolei a garrafa entre as mãos,
fingindo que estava prestando atenção em qualquer história de
viagem de recrutamento que Bennet estava contando. Com a
cabeça baixa, encarei a boca aberta da minha cerveja. A mesma
cerveja que eu estava bebendo desde que eles trouxeram os
barris, três horas atrás.
Festas eram fáceis de sair impune quando seu pai não dava a
mínima para você e ficava na estrada 300 dias por ano. Ainda
eram 65 dias muito curtos para mim. Outro fator era não ter
nada que valesse a pena no lugar inteiro. Era simples, o que o
tornava perfeito para menores de idade barulhentos do ensino
médio beberem e tocarem música alta a noite inteira.
Da janela da cozinha, pude ver diretamente a casa de Bay. A
luz estava apagada em seu quarto. O alívio passou por mim. Ela
mencionou ir para o estúdio esta noite depois da equipe de
palco, o que significava que ela não estaria em casa antes do
amanhecer.
Eu não a queria perto desses idiotas. Além de Knox, eu
nunca iria querer nenhum desses caras respirando o mesmo ar
que ela. Mas uma parte de mim deixou essa festa acontecer
mesmo quando eu não queria por raiva. Quando Bennet
enviou a mensagem, eu poderia ter dito não. Eu poderia ter dito
a ele que ficaria para a próxima, mas não disse.
Ela me dispensou. No dia seguinte à nossa noite no estúdio,
de alguma forma, onde quer que eu estivesse, ela não estava.
Nos corredores, seu armário permaneceu fechado. Na aula, ela
sempre mantinha o olhar fixo na frente da sala, rabiscando
anotações, embora todos os outros já tivessem se estabelecido
há muito tempo em seu padrão de espera do último ano.
Engoli minha cerveja quente, jogando a garrafa na pilha de
latas e copos plásticos transbordando da lata de lixo. Os
calouros foram encarregados de limpar a merda depois das
festas do time. Peguei outra cerveja, abri a tampa e terminei
antes que pudesse me conter. Alguém distribuiu copos
plásticos vermelhos de ponche e, em vez de acenar recusando
como sempre fazia, peguei um e virei a metade.
O licor forte zumbiu em minhas veias, indo direto para
matar.
Foi um remédio para a queimadura dela fugindo do meu
carro. Fugindo de mim. Talvez na luz do amanhecer, o que
quer que ela sentisse por mim empalideceu em comparação a
passar as madrugadas com Without Grey.
E eles a ouviram cantar. A agente deles tomou nota disso. O
que aconteceria quando ela tivesse sua grande chance? Ela já
estava tocando no estúdio com uma das maiores bandas que
explodiram no topo das paradas. Sua vida tinha uma trajetória
que a impulsionou em direção a coisas que eu nem poderia
imaginar.
Neste momento, tudo o que eu poderia esperar era uma
vaga reserva em um time universitário para preencher uma
lacuna em sua lista, na esperança de ainda me tornar
profissional. Se eu fizesse isso, seria então digno dela?
As pessoas ao meu redor riam e gritavam, jogando gelo umas
nas outras, deslizando em cerveja e água dos coolers que
encharcavam o chão. Cantos desafinados acompanhavam a
música estrondeando o balcão contra minhas costas.
Agora, cercado por todas essas pessoas, eu queria sair. Fora
da minha própria casa e fora desta vida que eu tenho vivido por
tanto tempo. Eu não conseguia nem começar a descobrir como
começar algo novo, como escapar de onde fui colocado.
Eu não sabia dizer por que enviei a mensagem – talvez eu
tenha me reduzido ao status de peso leve depois de não ter
festejado muito desde que Bay e eu começamos a sair. Ou talvez
fosse outra coisa, algo que eu não queria enfrentar.

Eu: O que você está fazendo?

Quão estúpido eu era? Eu estava tentando me ferrar esta


noite? Na espera por uma resposta, bebi a outra metade do
ponche, estremecendo com a ardência aguda e pungente. Se
alguém tivesse jogado álcool 70º na lata de lixo que servia como
uma tigela de ponche, eu não teria ficado surpreso.
Meu telefone zumbiu, vibrando meu copo. O nome dela
piscou na tela, reprimindo alguns dos pensamentos que
corriam pelo meu cérebro como um chute de retorno.

Bay: Estou prestes a sair do comitê e ir para o


estúdio. Por que a pergunta?
Eu: Você vai voltar para casa logo depois de
terminar?

Ou será que um dos rapazes, deslumbrado com o talento


dela, tentaria conseguir um pouco mais do que uma mentoria
musical durante sua última noite na cidade?

Bay: Para onde mais eu iria? Você está em casa?

Alguém passou correndo com uma pistola d'água, atirando-


a enquanto eles corriam para o quintal pela porta dos fundos.
Esfreguei minha mão no rosto.

Eu: Não, estou fora. Queria ter certeza de que


você chegaria em casa em segurança.

Bay: Sua preocupação é fofa. Você pode vir me


buscar, se ainda estiver preocupado.

Eu encarei o copo em minha mão. Porra. O arrependimento


cresceu ainda mais forte em meu peito.

Eu: Eu não posso. Eu já tomei uma cerveja.

Ou cinco.

Bay: Sem problemas. Diga ao Knox que eu disse


oi.

A bile que não tinha nada a ver com a bateria de ácido que
eu acabei de ingerir veio correndo pela minha garganta.

Eu: Eu vou. Tenha uma boa noite e fique segura.


Bay: Você também. Te vejo amanhã.

Encostei-me na janela de frente para o meu quintal e fechei


os olhos com força, batendo meu telefone na testa. Que idiota.
Se eu não tivesse concordado com isso, estaria em meu carro em
algumas horas a caminho de buscar Bay.
Alguém aumentou a música e as garotas estavam sentadas
nos ombros dos garotos, embora não houvesse piscina à vista,
para fazer seu canto induzido pela cerveja balançando no ar.
Pelo menos não havia nenhuma merda para quebrar na minha
casa. Nada que já não estivesse quebrado ou fosse facilmente
substituível. Como pessoas como Knox ou Bennet permitiam
que as pessoas entrassem em suas casas? Todas as minhas coisas
não prestavam. Nem fodendo eu deixaria alguém chegar perto
de coisas que me importam.
A porta do meu quarto estava trancada. Ninguém entraria
lá.
O medo subiu pela minha espinha, lento e baixo no início.
Pessoas inundavam minha casa, em todas as cadeiras, sofás,
balcão, em todos os lugares. O que aconteceria quando Bay
voltasse para casa?
Knox bateu nas minhas costas, passando o braço por cima
do meu ombro.
— Eu preciso de um favor.
— Você não vai usar meu quarto.
Sua lata de cerveja gelada pressionou contra meu pescoço.
— Eu disse a Rebecca que não acreditava que o sutiã dela
combinasse com a calcinha e ela quer me mostrar. — Ele
balançou meus ombros, balançando também minha cabeça
para trás.
— Você não vai fazer sexo na minha cama.
— No chão? — Ele inclinou a cabeça em negociação.
— Leve-a para o seu carro.
— As pessoas ainda estão aparecendo, e se tentarmos em
qualquer outro lugar, alguém pode ver. Por favor, cara. — Ele
apertou as palmas das mãos juntas. — Quantas vezes eu te
livrei? É uma das minhas últimas chances antes da formatura.
Você sabe que tenho uma queda por ela desde o primeiro ano.
Ele era meu melhor amigo e sua casa tem sido um refúgio
para mim. Mas todos que estavam festejando precisavam ir
embora. Essas coisas normalmente terminavam às quatro, mas
eu precisava que tudo fosse encerrado às duas, no máximo. Isso
me daria tempo para me livrar de quaisquer retardatários e
garantir que Bay voltasse para o bairro tranquilo e normal que
ela esperava.
Tentar acabar com uma festa a todo vapor era um convite
para brigas e pessoas levando as coisas para a rua. A última coisa
que eu precisava era que ela voltasse para casa para um desfile
de carros dando a volta no quarteirão.
— Vou fazer um acordo com você. Ajude-me a tirar todos
daqui às duas. Certifique-se de que todos os retardatários
estejam em táxis ou que seus pais os busquem ou o que quer
que seja. Eu não me importo. Se você me ajudar com isso, pode
usar meu quarto.
— Eu juro. Inferno, vou tirá-los um por um. — Ele olhou
para mim com determinação. Eu não tinha certeza se isso era
para me ajudar ou para transar. Provavelmente noventa por
cento para transar, mas eu aceitaria qualquer ajuda que pudesse
conseguir.
Eu assenti e coloquei minha mão no bolso.
— Não toque em nada e não faça sexo nos meus lençóis. —
Eu balancei a chave na frente de seu rosto.
Ele a arrancou da minha mão.
— Eu prometo. Vou encomendar novos lençóis para você.
— Sua cabeça balançava e serpenteava pela multidão, apenas
para reaparecer segundos depois levando Rebecca escada acima
com a mão erguida segurando a dela como se estivessem em
uma longa rodada de dança de salão.
— Dare, por que você não está dançando? — Uma menina
do terceiro ano colocou os braços em volta do meu ombro, sua
bebida espirrando no chão.
— Não é meu lance. — Eu soltei seus braços e a virei em
direção a um dos caras que estava indo para o terceiro ano.
Eu passei o resto da noite oscilando entre o fio da navalha de
chamar a polícia eu mesmo ou empurrar as pessoas para fora da
porta.
Fiel à sua palavra, Knox saiu do quarto e me ajudou a
encurralar todos para fora da casa.
Orientei os calouros a começar no quintal para limpar as
coisas, incluindo o próprio vômito deles.
Ao amanhecer, tudo parecia normal, pelo menos visto de
fora. No interior, a casa ainda era uma zona de desastre, mas
pelo menos meu quarto estava relativamente intocado. O que
quer que Knox tenha feito, ele deixou minha cama como a
encontrou.
Apagando a luz que Knox deve ter acendido, desabei na
minha cama de boxer. As cortinas estavam fechadas ou então
eu teria uma vista perfeita para a casa de Bay. As luzes ainda
estavam apagadas quando subi as escadas. Crise evitada.
Deitado na cama, jurei não deixar a merda estúpida
acontecendo na minha cabeça estragar as coisas com Bay. Mas
o relógio correndo para a formatura, a apenas algumas semanas
de distância, parecia um peso no meu peito. Encontrar o
equilíbrio entre não estragar tudo e não perder o pouco tempo
que nos restava enviou um mal-estar rastejando pelo meu
corpo.
Eu estava tentando foder tudo com ela?
Amanhã seria como se isso nunca tivesse acontecido. Bay
nunca precisava saber.
Meu guidão vacilou enquanto minhas pálpebras se fechavam.
Eu segurei as alças emborrachadas com mais força.
Uma carona de Dare teria sido ótima esta noite. Mas, se ele
tinha bebido, eu não queria ser responsável por ele se sentar ao
volante de seu carro.
Tínhamos terminado cedo, finalizando as músicas em
apenas uma ou duas tomadas. Lockwood se juntou a eles no
estúdio, e os riffs com os quais eles tinham tido dificuldades se
encaixaram como mágica.
Havia uma pequena dúvida se eu realmente tinha ajudado.
Essas noites longas e dias lotados estavam começando a me
atingir. O último ano não era para ser quando você relaxava e
não fazia nada?
Por mais energizada que eu estivesse no estúdio, tive que
cavar fundo para que cada gota de energia me ajudasse a chegar
à minha casa.
Estacionando minha bicicleta, bocejei, minha mandíbula
estalando. Meus pés se arrastaram contra a calçada e os degraus
de concreto que levavam à porta da frente. Só precisei de apenas
três tentativas para colocar a chave na fechadura.
A casa estava silenciosa. Voltar para uma casa vazia enviava
uma onda de pânico e sentimentos inquietantes passando por
mim.
Antes, eu entrava e mamãe e papai assistiam televisão, ou
papai assistia esportes e mamãe poderia estar fora. Voltar para
uma casa vazia era uma nova parte da minha realidade alterada,
e eu odiava isso. Não era como se as coisas fossem ser diferentes
quando eu fosse para a faculdade, mas eu estaria escolhendo
isso.
Ter algo arrancado de você era muito diferente do que
deixá-lo para trás.
Na parte inferior da escada, parei.
Música retumbava nas janelas traseiras.
Eu congelei com a mão no corrimão, sem querer olhar. Ele
não estava. Ele não faria.
No meu quarto, coloquei meu pijama, tentando sem
sucesso desviar minha atenção de sua casa. Provavelmente era
outro vizinho, ou sons vindos de uma rua diferente. Só que não
tinha ouvido nada quando estava chegando em minha casa.
Em vez de acender minha luz, deixei-a apagada. Um ato de
covardia. Eu deveria ter aberto a janela e gritado através de
nossos quintais para que ele abaixasse a música, olhando para
todos os convidados da festa.
Suas perguntas sobre onde eu estaria esta noite tornaram
tudo ainda pior. Ele estava verificando se eu não estaria lá e não
iria querer um convite? E se eu tivesse dito que chegaria em casa
mais cedo? Ele teria me convidado ou a festa teria mudado de
lugar? Talvez essa fosse a maneira dele de ver se eu estaria
disposta para a festa, mas não querendo que eu me sentisse mal
por não poder ir?
Abri minha janela, deixando o ar fresco da primavera encher
meu quarto, e olhei para fora. A parede de música estava ainda
mais alta, estrondeando as tábuas do piso sob meus pés. Risos e
gritos vieram de todas as direções. Faróis brilharam entre as
casas, todos indo direto para a casa de Dare.
Em seu quarto, um par de sombras se moveu através de suas
cortinas fechadas. Um cara e uma garota. A silhueta curvilínea
dela fazendo uma dança para ele sentado na beira da cama,
pronto e esperando seu show terminar. A sensação especial que
eu tive depois de todas as suas afirmações sobre nunca deixar
ninguém entrar em seu quarto e como isso era grande coisa,
coagulou no meu estômago. Parecia que eu não era a única.
Incapaz de desviar o olhar, tudo se desenrolou para mim
através dos nossos quintais. Ele estendendo a mão para ela. Ela
sentada em seu colo. O alcance do outro lado da cama até que
todo o quarto ficasse banhado pela escuridão.
Meu estômago deu um nó, como se um saco de areia tivesse
caído no meu peito. Mantendo minhas luzes apagadas, me
enrolei na cama e abracei meu travesseiro contra o peito.
Enterrei meu rosto no tecido macio com perfume floral,
lágrimas caindo dos meus olhos, não importando o quão forte
eu fechasse minhas pálpebras.
O baixo martelado da música não parou até às duas da
manhã.
Era essa a sensação de ter seu coração arrancado? Como se
alguém tivesse serrado seu peito e fugido com seu coração ainda
batendo? Eu sempre imaginei que fosse uma figura de
linguagem, mas isso não parecia nem um pouco imaginário.
Estava cru, escaldante e eu não conseguia recuperar o fôlego em
meio às lágrimas enquanto a dor percorria meu corpo.
Recuperação? Como eu deveria abrir meus olhos amanhã?

A crueza da minha garganta e dos meus olhos gritavam como


uma ferida latejante, e eu estava caminhando por uma mina de
sal. Eu tinha um objetivo: passar o dia sem um encontro com
Dare. Peguei livros do meu armário antes de Piper chegar lá.
Mais tempo ao ar livre significava mais chances de topar com
ele.
Ligações e mensagens de texto foram bloqueadas. O que eu
falaria a ele? Eu sei que você fodeu alguém no sábado à noite,
desapareça? O que é que éramos mesmo? Vizinhos. Amigos?
Algo mais? Obviamente não.
— Bay. — Eu fechei meu armário e corri pelo corredor com
meus cadernos e livros equilibrados em minhas mãos.
Passei por pessoas. Suas cabeças se viraram, não para me
reconhecer de forma alguma, mas para o dono da voz gritando
atrás de mim.
Sério, eles estavam pulando no meu caminho para me
atrasar? Eu os atravessei para escapar o tight end de um metro e
noventa quente em meus pés.
— Eu sei que você pode me ouvir.
— E eu obviamente não quero falar com você. — Minha
voz mal o alcançou na corrida antes do sino para a sala de aula.
O farol de porto seguro iluminou-se à frente. A silhueta
contornada e uma porta para colocar entre nós.
Eu empurrei a porta, deixando-a bater em seu rosto. Ele não
era um trunfo para o time à toa. Ele abriu caminho pela
multidão sem nenhum problema. Todos saíram do caminho
para O Grande Dare, mas eles jogaram seus corpos no meu
caminho como se eu nem estivesse lá.
Passando meus pulsos sob a água fria, fechei meus olhos. A
porta do banheiro se abriu.
— Por que você está me evitando?
Eu apertei meus olhos com mais força antes de desligar a
torneira.
— Não estou evitando você. — Três manivelas do
dispensador de papel toalha e a secagem de mãos mais
fascinante conhecida pelo homem ocuparam completamente
minha atenção – pelo menos eu esperava que parecesse assim.
— Ontem, quando você estava em casa, mandei uma
mensagem e passei na sua casa.
— Eu não estava em casa ontem. — Joguei as toalhas de
papel amassadas na lata de lixo e me virei para encará-lo. —
Voltei para casa cedo no sábado à noite.
Teria sido cômico, se não fosse tão trágico. Seu rosto mudou
de confusão para choque e para culpa em flagrante.
— Você viu a festa.
— Vi, ouvi e senti sacudir minhas janelas. Estou surpresa
que você não esteja curando sua ressaca ainda depois do quão
tarde as coisas foram.
— Eu só bebi umas duas, mas não queria beber e dirigir.
— É bom saber que você não usará a desculpa “eu estava
bêbado e não sabia o que estava fazendo”. — Meus cadernos
estavam apertados contra meu peito como se isso fosse me
proteger. Todo o redemoinho na minha cabeça e remorso por
ter sido traída – Ha! Foi mesmo traição? Estávamos
namorando? Eu estava insinuando algo mais e ele me manteve
à distância, nunca pegando nenhuma das minhas dicas. Talvez
não fosse que ele estivesse alheio, talvez fosse porque sua
fascinação por mim não tinha nada a ver com me levar para a
cama. O que significava que aqueles semeadores de aveia de
jogadores de futebol americano viris estavam sobrecarregados.
— Foi uma merda dar a festa e não convidar você. — Ele
olhou para mim como se eu devesse pular de alegria com sua
admissão.
— Não me diga. — Eu concentrei meu olhar na porta por
cima do ombro dele. Minha fuga é a única maneira de preservar
minha sanidade. Estar tão perto dele significava problemas.
— Essas festas não são um lugar que eu gostaria que você
estivesse. — Ele ergueu a mão e eu dei um passo para trás,
evitando seu toque.
— Entendi isso em alto e bom som. — Eu saudei e tentei
passar.
Ele bloqueou meu caminho.
— As pessoas ficam bêbadas. Bombardeadas para fora de
suas mentes. Vomitando. Brigando às vezes. No ano passado,
em nossa celebração pós-campeonato, duas pessoas acabaram
no hospital com os braços quebrados depois de pular do
telhado para a piscina e a errando. Depois que o primeiro cara
foi levado para o hospital, algum idiota foi e fez isso de novo. É
uma loucura.
— E pessoas fazendo sexo.
Uma exalação aguda e um aceno de cabeça.
— Sim, e sexo.
— Pessoas como você. — Foi pontiagudo, sabendo,
zangada. Eu olhei para ele, tentando manter meu olhar firme e
minhas palavras contundentes.
Por dentro, eu estava desgrudando. As bordas que eu mal
tinha enfiado juntas já estavam se desfazendo e a última coisa
que eu queria fazer era me dissolver em uma poça aos pés dele.
— Não. — Seus olhos se arregalaram e ele passou as mãos na
frente dele como se estivesse abrindo caminho para mais
mentiras. — Eu não fiz sexo.
Eu apertei meu aperto nas alças da minha mochila com
meus cotovelos travados nas minhas laterais, quase como se
estivesse me protegendo de um golpe emocional com meu
corpo.
— Por que não sair daqui com a consciência limpa?
A porta do banheiro foi aberta.
Sua voz retumbou no banheiro de três cabines.
— Fora. Estamos tendo uma discussão.
Houve um grito e quem quer que fosse pensou melhor do
que confrontar Dare sobre o fato de que ele absolutamente não
pertencia aqui.
— Não estamos. — Tentei contorná-lo novamente.
Ele apoiou os braços no espaço entre a parede de azulejos e
a primeira cabine, bloqueando minha saída.
— Eu não dormi com ninguém, Bay.
Minha risada foi vazia e irritada.
— Tenho certeza de que não houve nenhum sono
envolvido. Eu vi você. No seu quarto. Você sabe, aquele que
você mantém trancado.
— Se eu tivesse convidado você, você teria vindo? — Meu
olhar se afastou. Entrar em suas festas teria convidado todos os
tipos de perguntas e olhares, risos e zombaria descarada.
O sino tocou nos limites dos azulejos do banheiro.
— Bem, nunca saberemos, não é? — Eu cruzei meus braços
sobre meu peito. — Se não foi você, então quem foi? — Eu
olhei para ele. Toda aquela conversa sobre deixar rolar pelas
minhas costas era conversa fiada total. Eu estava chateada e,
mais do que isso, magoada. Uma dor crua, profunda e cortante
no centro do meu peito.
— Knox. Ele levou uma garota lá em cima por quem ele tem
uma queda desde o primeiro ano. — A mandíbula dele cerrou.
— E você o deixou entrar no seu quarto.
— Ele é meu melhor amigo. É o último ano. Sua última
chance e ele prometeu que não faria sexo na minha cama.
Eu cruzei meus braços sobre meu peito. Me matou o quanto
eu queria acreditar nele. Meu guia sobre namorar um bad boy
se perdeu no correio.
— Você ainda mentiu para mim sobre a festa.
Seus ombros cederam, se era de alívio ou derrota eu não
saberia dizer. Ele assentiu.
— Eu sei.
Minha cabeça caiu e eu peguei as pontas desgastadas da
minha mochila.
— Você não queria me convidar? Você não quer que as
pessoas saibam… você não quer que as pessoas saibam que
somos… o que quer que sejamos?
Ele abaixou os joelhos para segurar meu olhar, subindo
lentamente para que eu levantasse o meu.
— Vou gritar dos telhados da escola. Não disse nada porque
foi você quem me ignorou nos corredores. Você já disse a
Piper?
Mordi meu lábio e meu olhar se desviou.
— Não.
— Se alguém está com vergonha, é você. Vamos ao estúdio
e você diz a todos que sou seu amigo. Sua melhor amiga nem
sabe sobre nós.
— Eu nem sabia se você namorava. Existe um nós?
— Claro que existe um nós. E, não, eu não namorava, mas
com você, estou completamente dentro. Agora fica a questão
de se você quer que todos os outros saibam que existe um nós.
Estou cem por cento a bordo para que todos saibam. Essa
mordida labial está ficando muito intensa. — Ele segurou meu
queixo e correu o dedo ao longo da parte de baixo do meu lábio
inferior até que eu o libertasse dos meus dentes.
— Nós… o que fazemos não é da conta de mais ninguém.
Ele suspirou e inclinou a cabeça para trás.
— Só não quero que as pessoas me olhem. — E apontem e
riem.
— E daí se eles ficarem olhando? — Ele estendeu os braços
ao longo do corpo.
— Você está acostumado com isso. O único momento em
que as pessoas estão fazendo isso com você é quando estão
maravilhadas. Eu estava com todos os olhos em mim naquele
dia no corredor e no show de talentos. Sempre tem sido ruim e
eu já posso ouvir todas as coisas que passarão por suas cabeças.
— Eles que se fodam. Você vai para a UCLA em alguns
meses.
— Em um mês.
Ele prendeu a respiração como se eu o tivesse acertado no
estômago com uma bola de boliche.
— Há uma pré-sessão para a qual fui convidada com minha
bolsa de estudos.
— Um mês. — Saiu quase como um chiado. Ele se
aproximou, com a mão na lateral do meu pescoço. Eu me
inclinei em seu aperto.
— Prefiro passar o próximo mês com você sem me
preocupar com o que as outras pessoas estão dizendo ou
pensando. Isso me assustaria. — Eu gostaria de ser mais forte.
Eu gostaria de ser mais corajosa. Eu gostaria de não ter medo do
que acontecerá quando atravessarmos o palco com os diplomas
nas mãos.
E então meu rosto estava enterrado em seu peito enquanto
ele passava os braços ao meu redor, me segurando com força.
— Você me assustou, Bay. Se houver algo errado, por favor,
fale comigo. Eu só consigo consertar o que está errado, se eu
souber como estraguei tudo. — Seu rosto estava enterrado no
meu pescoço.
— Você não estragou tudo.
Ele olhou para mim.
— Ok, nós dois estragamos tudo. Mas e se você não
conseguir consertar? — Algumas coisas não podiam ser
consertadas.
Ele se afastou, olhando nos meus olhos com as mãos em
cada lado do meu rosto, seus polegares acariciando suavemente
minhas bochechas.
— Eu vou consertar qualquer coisa por você. — Um beijo
feroz e brusco foi interrompido pela porta se abrindo.
Nós nos separamos.
Uma voz ricocheteou nas paredes de ladrilhos.
— Dare. Srta. Bishop.
— Desculpe, Sra. Turner. Seguiremos nosso caminho.
A Sra. Turner ficou com os braços cruzados, mas saiu do
caminho para que saíssemos do banheiro. O corredor estava
vazio.
— Haverá perguntas quando nós dois chegarmos atrasados.
— A ideia de todos saberem sobre mim e Dare era muito mais
fácil de lidar do que a realidade de olhares maldosos e
especulações sussurradas.
— Eu vou faltar. Preciso falar com o treinador Greer de
qualquer maneira. — Ele recuou pelo corredor, me observando
até eu entrar na sala de aula.
— Srta. Bishop, você está atrasada. — O Sr. Mercanti olhou
para mim quando a porta se fechou atrás de mim.
— Emergência do clube de teatro.
Ele me deu uma bufada de desprezo.
— Sente-se em seu lugar.
Eu deslizei em minha carteira e puxei meu caderno e livro
didático. O resto do dia se arrastou, tão lentamente que jurei
que o ponteiro dos segundos no relógio de parede do sétimo
período estava atrasado pelo menos algumas vezes.
Depois da escola, procurei por Dare mas não o encontrei.
Perguntar às pessoas onde ele estava só teria atraído algumas
sérias encaradas, então fui para casa depois da equipe de palco,
sem saber o que, exatamente, essa novidade entre nós
significava.
E a surpresa na minha garagem manteve as perguntas
borbulhando.
Eu levantei dos degraus quando os freios de sua bicicleta
rangendo soaram no fim de seu quarteirão.
Ela congelou no final de sua entrada quando me viu, então
caminhou com sua bicicleta até a garagem com um sorriso
hesitante no rosto.
Apagar qualquer centelha de dúvida que ela ainda nutria era
a única coisa em minha mente desde o nosso momento no
banheiro. Eu não queria nem um pouquinho pendurado no
fundo da sua cabeça.
— O que você está fazendo aqui? — Ela pendurou a
mochila no ombro.
— Eu queria que você visse uma coisa.
— O que é? — Ela se aproximou com cautela e se inclinou
para o lado como se estivesse tentando ver nas minhas costas.
— Está na minha casa.
Suas sobrancelhas franziram.
— Você vai trazer?
— Você tem que vir à minha casa para ver.
Suas sobrancelhas arquearam, mas ela assentiu.
— Me dê um segundo.
Ela correu para sua casa, a porta de tela batendo atrás dela.
Voltou a se abrir e ela se juntou a mim na calçada.
— Eu tive que deixar um bilhete para minha mãe avisando
que eu estava saindo de novo. Vou precisar levar a bicicleta,
caso não estejamos de volta quando ela voltar do mercado e sair
para trabalhar.
— Deixe-me empurrar. — Eu agarrei o guidão.
— Eu posso fazer isso. — Ela empurrou a bicicleta.
Caminhamos em silêncio ao redor do quarteirão.
Meu corpo de repente criou dez vezes a quantidade normal
de poros, cada um fazendo horas extras para aumentar o suor
como se eu estivesse caminhando pelo Vale da Morte.
Entramos em minha casa. Eu a apressei subindo as escadas,
não querendo que o fedor de cerveja velha e cigarros, o
ultrapassado e de merda – bem, tudo – roubasse qualquer coisa
deste momento. Além disso, a pressa ajudou a evitar que eu
perdesse a coragem.
Os cadeados da porta do meu quarto clicaram, o único som
além do rangido abafado das tábuas do piso sob o carpete gasto
e rasgado.
— Você não estava brincando — ela sussurrou atrás de
mim.
Eu fiz uma careta e empurrei a porta, fechando-a atrás de
nós para bloquear todo o desleixo fora do meu refúgio. O
espaço parecia muito menor com outra pessoa nele. Abri a
janela para empurrar contra as paredes que se fechavam, e para
deixar um pouco do medo sobre o que eu estava prestes a fazer
sair.
Agachando-me na frente da minha mesa, agarrei o cadeado.
Minhas mãos estavam pegajosas e suadas. Eu podia sentir o
gosto do metal em minha pele.
Bay olhou ao redor do meu quarto, absorvendo-o. Vendo
do ponto de vista dela, estremeci. Móveis de segunda mão eram
tudo o que eu tinha, e ainda assim era apenas uma cômoda,
uma escrivaninha e minha cama. As bordas de tudo estavam
quebradas e mal se agarravam. O quarto dela correspondia a
ela... e eu acho que o meu corresponde a mim também.
Limpei uma mão na minha calça jeans e destranquei o
cadeado. O corpo da fechadura raspou contra a gaveta de
painéis de partículas lascadas.
Apertando meu peito, respirei fundo. Meu sangue parecia
lama em minhas veias, e também como se alguém tivesse
enfiado uma agulha de adrenalina diretamente nele. Meu corpo
zumbia de pavor.
Recusando deixar minhas mãos tremerem, puxei o primeiro
caderno de esboços da gaveta e me levantei.
Meus dedos se apertaram em torno dele.
— Eu queria que você visse uma coisa.
Ela soltou um suspiro longo e baixo.
— Você está me assustando um pouco, para ser honesta,
mas estou feliz em ver que é apenas um caderno que você
puxou de lá, e não uma mão decepada. Eu estava ficando
preocupada que você precisasse de mim para ajudá-lo a enterrar
o resto do corpo. — Seu sorriso murchou enquanto eu engolia,
me forçando a me aproximar dela segurando a arma da minha
morte.
Agarrei minha oferenda com tanta força que meu pulso a
balançou em meu aperto, fazendo com que as páginas se
agitassem com a brisa pela janela aberta.
— Você pode ir depois, mas quero que veja meu mundo da
maneira como eu o vejo.
Sua cabeça caiu para trás e suas sobrancelhas baixaram. Ela
descruzou os braços e estendeu a mão.
Coloquei o caderno de esboços nas mãos dela e esperei. Meu
estômago se agitou e a bile correu para minha garganta.
Entregar a ela a pilha de papéis foi como serrar meu peito e
entregar meu coração, servindo-o em uma bandeja de prata
com um conjunto de lâminas de barbear e dizendo a ela para
ficar à vontade.
Minha garganta estava apertada, me sufocando como se
quisesse me tirar do meu sofrimento antes que ela me
eviscerasse.
Com um olhar cético ela abriu a capa, sem tirar os olhos do
meu rosto. Os cantos de sua boca se curvaram e ela baixou o
olhar para a primeira imagem.
Ela arfou, seus olhos vasculhando a página como se ela não
pudesse acreditar no que estava vendo.
A porta de um carro bateu à distância e os pássaros
cantaram, mas cada virada de página retumbava em meus
ouvidos como um ninho de vespas. Todo o resto foi perdido
na rajada de sangue correndo em minhas veias.
Minhas palmas estavam úmidas e era difícil recuperar o
fôlego, como se eu estivesse correndo voltas há uma hora. O
suor na minha testa e no meu lábio superior veio junto para o
golpe de ansiedade. Eu queria quebrar alguma coisa, correr e
me esconder. Eu apoiei minhas mãos na minha nuca e respirei
no meio do surto.
Ela era a primeira pessoa a ver isso, e provavelmente a única
pessoa que veria.
Sua cabeça se ergueu e ela olhou de mim para o caderno de
esboços novamente, antes de passar para a próxima página.
Uma faísca em seu olhar e outra passada.
— Dare.
Ela se afastou de mim e sentou na minha cama. As velhas
molas rangeram.
— Você desenhou tudo isso?
Eu assenti, mantendo meu olhar concentrado na fenda do
tamanho do quarto no carpete que corria entre meus pés. Eu
nunca desejei tanto por um portal para outra dimensão em
minha vida. As batidas no meu peito eram mais fortes, como
punhos contra a porta de um armário trancado. Eu estava
tentando entrar ou sair? Eu não tinha certeza. A porta fechada
do meu quarto me deixou enjaulado, mas me impedi de andar.
Ela ainda não tinha chegado lá. Eu me preparei para o
impacto. Este era um novo caderno de esboços. Eu só tinha
levado mais ou menos um mês para preenchê-lo. A maioria
eram cenas armazenadas na minha cabeça como polaroids para
serem recriadas no silêncio do meu quarto, mas depois das
primeiras páginas, havia apenas um assunto que enchia minha
cabeça com imagens que eu ansiava por colocar no papel.
— De mim?
Eu deveria ter escolhido um caderno diferente. Esse só iria
assustá-la.
— Não são todos de você.
— Não se esquive. — Havia intensidade em suas palavras.
— Sim.
Ela o ergueu.
— Isso é na aula da Sra. Turner?
Eu não precisava olhar. Embora eu o tivesse desenhado para
preservar essas memórias, o rosto dela brilhava atrás de minhas
pálpebras sempre que eu fechava os olhos. Eu assenti,
inclinando a borda superior de volta em direção a ela e olhando
por cima do meu ombro como se alguém tivesse focado em nós
com uma lente teleobjetiva.
Com meu estômago agitado, sentei-me na cama ao lado
dela. Desta vez, o rangido foi mais um gemido.
Seu joelho roçou no meu.
— Você nunca parece estar desenhando na aula.
— Este caderno de esboços nunca saiu do meu quarto.
— Mas você está me mostrando. — Seus olhos brilharam,
um brilho os revestindo.
— Eu precisava que você soubesse. — Um leve brilho de
suor espalhou-se por todo o meu corpo.
Sua garganta se apertou e seus dedos tremeram.
— Soubesse o quê?
— Como você é tudo em que consigo pensar. — Eu apertei
minhas coxas bem acima dos joelhos, tentando canalizar esse
nervosismo, me preparando para uma sensação de golpe no
peito.
— Você tem estado muito na minha mente também. Todas
as minhas músicas são sobre você agora. — Ela abaixou a cabeça
e colocou os fios que se soltaram de seu rabo de cavalo atrás da
orelha, mostrando a curva de sua mandíbula e a concha de sua
orelha.
Meus dedos coçaram para pegar qualquer pedaço de papel e
capturar todas as suas linhas e curvas contra o pano de fundo
da luz que entrava pela minha janela.
— Parece que nós dois estamos lidando com o mesmo
problema.
O canto de sua boca se curvou e ela me lançou um olhar de
soslaio.
— E qual é?
— Precisando saber se isso é real. Eu preciso que isso seja
real. E eu sinto que se alguém além de nós não souber, eu posso
esquecer como é tocar você e me preocupar se eu inventei tudo.
E tudo o que me resta são meus esboços e o medo de que isso
nunca tenha sido real.
Ela deixou o caderno cair na cama e se virou, inclinando-se
em minha direção. Sua mão fechou em minha mandíbula.
— Não importa o que aconteça, isso sempre será real. A
Califórnia fica do outro lado do país, mas você ainda não sabe
para onde você vai na faculdade, certo? E mesmo se você acabar
na Costa Leste, não é como se estivéssemos vivendo no século
19 e eu só pudesse escrever cartas para você. — Ela colocou um
sotaque de Bela do Sul. — Meu querido Dare, sua carta mais
bem-vinda chegou pelo carteiro hoje.
— Minha querida Bay, minha jornada de trem me levou
rapidamente até a Filadélfia. Levou apenas três semanas.
— Oh, Beauregard. — Ela bateu com as costas da mão na
testa e o riso tomou conta de nós dois. — E-mail, chat de vídeo.
Tenho economizado para comprar um carro. Podemos dar um
jeito.
— Você está falando sério?
Hesitação cintilou em seus olhos.
— Se você quiser. — Ela tentou escorregar sua mão que
descansava na minha perna.
Eu a agarrei e puxei para perto, apertando-a contra meu
peito.
— Claro que eu quero. Assim que eu descobrir onde vou
parar, vamos dar um jeito. — Até mesmo ficar na cidade não
parecia mais tão assustador. Se eu tivesse Bay, o vazio da minha
vida depois do colégio Greenwood não era um poço de
desespero, mas sim um túnel do qual eu sairia do outro lado.
Pegando seu queixo com meus dedos, inclinei sua cabeça
para cima e capturei seus lábios com os meus. A eletricidade
que eu só tinha sentido segundos antes da primeira jogada no
campo ricocheteou em meu corpo.
O zumbido de seu gemido suave percorreu meu corpo,
acelerando todos os motores.
Eu interrompi o beijo primeiro, quando seus dedos
serpentearam sob minha camiseta. Olhando em seus olhos, o
medo me agarrou em um estrangulamento, batendo-me contra
a parede com tanta força que meus ouvidos zumbiram.
Isso era bom demais. Ela era muito doce. Quando tudo isso
seria arrancado de mim?
Ela correu os dedos pela lateral do meu rosto e olhou nos
meus olhos como se eu segurasse as chaves do universo, como
se eu fosse alguém que pudesse fazer qualquer coisa.
Segurando-a contra mim com seu gosto doce e açucarado
persistindo em meus lábios, eu acreditei nela.
Com ela em meus braços, o desconhecido não era um
monstro à espreita no escuro, ameaçando me deixar agredido e
machucado. Era um lugar onde eu poderia finalmente baixar a
minha guarda completamente.
Mas o que aconteceria quando nos formarmos? Quando
sua aventura na Califórnia mudar o que ela pensa de mim?
Éramos novos. Isso era novo, e por mais que eu quisesse deixar
uma marca eterna em sua alma e em seu coração,
conseguiríamos suportar o fim deste capítulo de nossas vidas?
Ir direto para a faculdade com um relacionamento recém-
criado parecia uma receita para o desastre.
Eu deixei cair minha mão na sua nuca e mergulhei de volta
em seu beijo, desesperado para aumentar a lacuna em seu
coração e me encaixar lá antes que ela estivesse longe demais.
Um trem foi arremessado em direção a um barranco, e eu
estava colocando os trilhos o mais rápido que conseguia, mas o
que aconteceria se eu não fosse rápido o suficiente?
Ele interrompeu o beijo e olhou para mim com preocupação
nublando seu olhar. A borda desesperada de seus lábios e
dentes contra os meus ainda estava lá enquanto ofegávamos,
deitando em sua cama.
Eu passei meus braços firmes em volta dele, apertando-o
com toda a força que pude. A massa sólida de músculos mal se
moveu, mas eu queria que ele sentisse meus braços mesmo
depois que eu fosse embora. Por que não tinha levado meu
violão para fora no dia em que me mudei? Inferno, por que não
tinha pegado no primeiro dia de aula e tocado na frente de
todos? Com o queixo apoiado em cima da minha cabeça e o
coração batendo forte na minha bochecha, tocar e cantar na
frente da escola inteira não me fazia querer vomitar. Não que
eu fosse fazer isso, mas o pensamento não enviou calafrios de
pânico correndo pela minha espinha.
Mas Dare parecia no limite. Todo o pânico e incerteza
fluíram dele em ondas. As páginas do caderno de esboços
farfalharam sob minha perna e eu o peguei. No fundo, eu
entendia como era assustador mostrar a alguém um pedaço de
si mesmo que você mantinha trancado. Meu jogador de futebol
americano, que conseguia dar uma surra em qualquer pessoa
em campo, estava com medo do que eu pensaria sobre algo que
obviamente significava muito para ele. Meu jogador de futebol
americano. Meu Dare.
Depois que eu o levei ao estúdio, ele finalmente sentiu que
poderia me mostrar isso. Olhei para ele e afastei o cabelo de sua
testa.
— Eles são incríveis. Obrigada por me mostrar.
Seus olhos se fecharam e ele se inclinou para trás, me
puxando com ele. Um arrepio percorreu seu peito. Seus
cobertores cheiravam exatamente como ele: uma pitada de
hortelã da pomada de alívio muscular e roupa recém-dobrada.
A maioria dos caras provavelmente não trocava os lençóis mais
de uma vez por mês, mas o dele cheirava como se tivesse saído
direto da secadora.
Nossas pernas ainda estavam penduradas na lateral da cama
dele. Eu ainda estava com meus sapatos, mas a nudez deste
momento e a vulnerabilidade trouxeram uma lágrima aos meus
olhos. Eu abaixei minha cabeça.
Descansando minha bochecha contra seu peito, ouvindo
seu coração com seus braços ao meu redor, eu queria saber se
isso era real também. Eu o apertei com mais força e me
aconcheguei profundamente ao seu lado.
Ele soltou um suspiro de contentamento, seus dedos
apertando como uma algema em volta do meu braço para me
segurar mais perto.
“Próximo” era uma palavra assustadora agora.
O próximo sempre foi uma fuga para algo maior e melhor.
Agora, o próximo significava a perda de algo que eu nem
mesmo compreendia totalmente.
A sobrecarga emocional cobrou seu preço e minhas
pálpebras se fecharam. Apenas alguns minutos. Era tudo o que
eu precisava.
Eu acordei com um solavanco.
O quarto de Dare estava escuro e cheio de sons de quintal
vindos de sua janela aberta. Só que não era o pôr do sol, era
quase o amanhecer.
Eu pulei, correndo meus dedos pelo meu cabelo e lutando
para pegar meu telefone.
— Merda! Merda! Merda.
Dare bocejou e se espreguiçou como um gato enorme,
esfregando os olhos. A rotina do cara sexy foi bloqueada por
um pavor intenso.
A tela tinha apenas uma notificação.

Mãe: Vi seu bilhete. Fique segura. Vejo você pela


manhã.

Eu agarrei a frente do meu peito e apoiei meu braço na


parede de Dare para me impedir de cair.
Com adrenalina injetada, dedos trêmulos, enviei uma
mensagem rápida para minha mãe.
Sua resposta, cheia de alívio e me avisando que ela estaria em
casa do trabalho em algumas horas, disparou uma onda de
culpa em meu peito.
Mentiras estavam se acumulando em cima de mentiras. Veio
tão naturalmente agora e isso me assustou. Quanto tempo
antes de eu acreditar nas mentiras que contei a mim mesma?
Agora que eu não estava antecipando minha própria morte
nas mãos da minha mãe enfurecida e preocupada, olhei para o
quarto e para a cama. Aquela em que dormi a noite toda com
Dare. Seus lábios nos meus estavam famintos e exigentes como
sempre, mas também gentis e doces.
Ele deslizou para fora da cama e passou os braços à minha
volta, olhando para mim.
— Está tudo bem?
Eu assenti e coloquei meu cabelo atrás da orelha.
— Minha mãe vai chegar em casa daqui a pouco. Eu tenho
que voltar.
O aceno de cabeça dele foi sombrio e espasmódico. Ele me
segurou perto e balançamos de um lado para o outro ao sol da
manhã.
Ele me acompanhou do lado de fora e eu ainda estava tão
perdida na batalha entre sonho e realidade que não tinha
certeza de para qual lado da parede eu estava inclinada.
— Deixe-me acompanhá-la até sua casa.
Eu balancei minha cabeça.
— Não se preocupe. Eu não vou me perder. Não quero
arriscar que ela nos veja, se o trânsito estiver leve no caminho
de volta.
— Eu não quero que você vá. — Ele entrelaçou seus dedos
nos meus.
Meu coração saltou em três tempos.
— Você deveria vir jantar na minha casa. Minha mãe vai
trabalhar esta noite, mas eu ia fazer risoto de camarão para ela
antes que ela fosse embora e vai sobrar muita coisa. Eu sei que
não é nada muito emocionante como Bife Wellington ou
Lagosta Thermidor ou qualquer coisa assim, mas...
Seus olhos se arregalaram.
As chamas lamberam ao longo do meu maxilar. Isso soou
como uma proposta? Eu queria que fosse?
— E-eu imaginei que sobraria muita coisa e você ficaria com
fome. — Abaixei minha cabeça, sentindo-me idiota por jogar
um jantar nele como se ele fosse meu namorado ou algo assim.
— Não como um encontro ou coisa parecida. Não é como se
estivéssemos ficando sério.
— De que lado da cidade você acha que vivi toda a minha
vida, Bay? Eu nem sei o que são essas refeições, mas tudo o que
você fizer soa como a melhor coisa que eu comerei. — Ele
ergueu meu queixo e pressionou seus lábios contra os meus,
dizendo as palavras contra eles. — Eu te levaria para um
encontro agora, mas eu não acho que você está pronta para isso.
Mas não se engane, Bay. Estamos ficando sério.
Tentei afastar meu rosto. Meu rosto borrado,
envergonhado, provavelmente ainda enrugado de sono.
Ele segurou por um segundo antes de me soltar.
— Estou falando sério. — A intensidade do seu olhar
derreteu um pouco da minha preocupação.
O nó na minha garganta me sufocou. Tudo o que consegui
fazer foi um aceno de cabeça. Um aceno de cabeça atordoado e
gaguejante.
Ele me beijou de novo, forte, profundo e rápido demais,
antes de me deixar ir embora. Nossos dedos ficaram
entrelaçados até que se soltaram, e roçamos as pontas dos dedos
antes de perder a conexão.
Olhei por cima do meu ombro pelo menos vinte vezes antes
de finalmente dobrar a esquina de seu quarteirão e correr para
casa.
Tomei banho e vesti meu pijama, baguncei minha cama
como se tivesse ficado lá a noite toda e desci para cozinhar
salsicha e preparar as enchiladas do café da manhã. Salsicha,
queijo, bacon e ovos com tortilhas – era difícil dar errado e
muito melhor do que quando costumávamos comer carne
assada ou frango alfredo no café da manhã. Eu aprendi a
cozinhar cedo e encontrei maneiras de um meio-termo entre eu
não querer um bife às oito da manhã e minha mãe não querer
uma rabanada para o jantar dela. Porém, realmente, quem teria
problemas com isso?
Minha mãe chegou em casa e nós comemos nosso jantar /
café da manhã antes que ela voltasse para o andar de cima,
como se absolutamente nada estivesse errado.
O tempo todo, eu senti como se o coração revelador de
minhas mentiras estivesse martelando sob meus pés. Ela voltou
para a nossa tarde procurando por tudo que eu precisava para
o meu dormitório. Listas de verificação e questionários de
mudança chegavam todos os dias, enchendo nossas caixas de
entrada e tornando mais nítida a realidade de minha mudança.
O aperto dos nós dos dedos brancos em meu peito afrouxou
no momento em que empurramos o carrinho em direção ao
carro. De volta a casa, terminei algumas pesquisas sobre meu
trabalho final de inglês. O tique-taque do relógio começou
novamente. Dare chegaria em menos de 2 horas.
Comecei o risoto, pronta para a tortura. Ele estaria sentado
na minha casa. Na mesa atrás de mim. Estaríamos sozinhos.
Novamente. Desta vez, nós dois completamente acordados.
Minha cabeça estava girando como minha colher de pau no
fundo da panela. Eu adicionei mais caldo, na esperança de
abafar o estrondo em minha cabeça.

A porta se fechou depois que minha mãe saiu, e eu me apressei


em lavar a louça dela e deixar tudo pronto. Quando tudo estava
seco e de volta aos armários, eu subi as escadas de três em três e
me troquei.
Eu escolhi minha saia de bolinhas verde e branca e uma
camiseta branca. Era um pouco melhor do que o normal, mas
não como se eu estivesse me esforçando demais. Não como se
eu tivesse preparado uma refeição só para ele, e feito questão de
comprar camarão extra, e passei por cinco roupas para chegar a
esse visual casual fácil.
Verificando a hora novamente, peguei dois pratos e liguei o
fogão novamente, esperando que o reaquecimento não
estragasse o risoto. Dare engolindo um prato de comida
parecida com cola não era como eu queria que esta noite fosse.
A pequena voz cantou me perguntando como exatamente eu
queria que fosse, mas eu tranquei essa voz em meu armário
mental e enfiei uma cadeira debaixo da porta para mantê-la lá.
Adicionei manteiga e alho na panela de camarão. Chiados e
estalos acompanharam o impulso extra de cheiros bons
enchendo a cozinha.
A batida sólida na porta da frente me tirou do frenesi em
minha cabeça. Limpei minhas mãos no pano de prato
pendurado na porta do forno e corri para fora da cozinha.
Respirando fundo na frente da porta fechada, alisei minhas
mãos na frente da minha saia. Expectativa e antecipação
correram em minhas veias como se alguém tivesse me inscrito
para a equipe de atletismo sem me avisar.
Outra batida.
Ah, sim, eu de fato precisava abri-la para deixá-lo entrar em
casa. Com outro olhar para trás de mim, agarrei a maçaneta da
porta e tentei parecer o mais casual possível, mas meu coração
saltou direto para a minha garganta quando o vi.
Seu cabelo estava penteado para trás nas laterais, dando a ele
um leve topete na parte superior. No entanto, não era
exagerado, não estava grudado com o produto. Ele estava com
uma camisa de botão e jeans. O tecido se estendia sobre seu
peito e braços. Seu sorriso e a margarida solitária que ele
estendeu para mim me fizeram sentir como se eu devesse estar
em uma sacada, não no topo dos meus três degraus da frente.
Uma risada vertiginosa e completamente inapropriada
explodiu de meus lábios.
Seu sorriso vacilou.
— Desculpe. Entre. Entre. — Acenei para ele entrar e saí do
caminho.
Ele deu um passo hesitante para a frente, passando pela
soleira.
— Isso… isso é para você. — Seus lábios se apertaram como
se ele estivesse me entregando uma cabeça de peixe.
Verificando para cima e para baixo na rua tranquila, fechei
a porta atrás dele.
Ele ficou a menos de meio passo atrás de mim parecendo
tenso e nervoso, completamente diferente de como ele
apareceu nos meus degraus da frente no estilo completo de
herói de filme adolescente.
— É linda. — Eu a peguei de sua mão estendida e segurei as
costas de sua mão com a minha. — Obrigada. E eu não estava
rindo de você. Eu estava rindo porque este é o mais perto que
cheguei de um primeiro encontro.
Ele me puxou para mais perto, a flor presa entre nossos dois
corpos.
— Se eu achasse que você me deixaria levá-la para sair, traria
meu carro em um piscar de olhos. — Seus dedos enrolaram em
volta do meu cabelo, enviando faíscas ao longo da minha
clavícula, onde os nós de seus dedos esfregavam contra a minha
pele nua.
— Talvez mais tarde. — Meu sussurro sem fôlego podia ser
ouvido sobre meus batimentos cardíacos.
Sua cabeça assentiu e ele roçou seus lábios contra os meus.
— A comida está com um cheiro incrível.
Limpei a garganta e dei um passo para trás antes de correr de
volta para a cozinha. Bolhas do fundo da panela aquecida
estouraram na superfície do risoto. Acrescentei mais caldo à
mistura de arroz e queijo.
— Você está pronto para comer?
— Claro.
Um arrepio percorreu minha espinha ao imaginar coisas que
não tinham nada a ver com comida.
Peguei o camarão e os adicionei à panela junto com ainda
mais manteiga.
— Ótimo, estará pronto em alguns minutos.
— Posso ajudar? — Ele ficou ao meu lado com as mangas
arregaçadas, mostrando seus antebraços musculosos e
vigorosos.
— Se você quiser colocar isso naqueles pratos. — Eu
balancei a cabeça para os dois conjuntos ao lado do fogão. —
Vou terminar esse.
Ele assentiu e serviu o risoto.
Cada camarão levou apenas alguns minutos para cozinhar.
Usando minha espátula, tirei a maior parte dos camarões e
coloquei em seu prato, colocando para mim outros cinco e
despejando a manteiga de alho por cima de ambos os montes
de arroz cremoso.
Ele pegou cada prato e os colocou lado a lado na mesa e
ficando de pé atrás de sua cadeira.
— Você quer água, refrigerante ou suco? Temos Coca-
Cola, Sprite, Coca-Cola de Cereja, Coca-Cola de Cereja com
Limão, Coca-Cola de Baunilha. Podemos ter um leve vício em
Coca nesta casa.
Ele riu.
— Pode ser água.
— Tem certeza? — Levantei uma sobrancelha e balancei
suavemente duas latas na minha mão, com cuidado para não
sacudi-las. — A Coca-Cola de Cereja é demais.
Seus lábios se contraíram.
— Você me convenceu. Coca-Cola de Cereja, então.
Eu as coloquei sobre a mesa e Dare puxou minha cadeira e a
empurrou enquanto eu me sentava.
— Obrigada.
Ele se sentou ao meu lado, seu joelho batendo contra o meu.
— Desculpe, não temos cerveja, nem vinho, nem nada
assim. Minha mãe não bebe muito.
— Não se preocupe com isso. Não preciso de bebida em
todas as refeições. Eu não bebo nem metade do que a maioria
dos caras do time bebe.
— Sério? — O ceticismo exalava por essa única palavra.
— Sério. Você acha que eu sou um cara festeiro que fica
bêbado na maioria dos fins de semana?
Eu lancei a ele um olhar astuto e sua cabeça baixou.
Sua boca abriu e fechou.
— Aquelas foram circunstâncias atenuantes. Eu não festejo
assim. O futebol americano é importante demais para mim
para eu estragar tudo por causa da bebida. Eu consegui fazer
isso além do suficiente por outros motivos. — Ele pegou o
garfo e encheu a boca antes que eu pudesse fazer outra
pergunta.
— Você fez isso? — As palavras abafadas estavam
escondidas atrás de sua mão.
— Sim, eu fiz. Tente não parecer tão surpreso.
— Estou chocado. O que você não consegue fazer?
— Cozinhar não é tão difícil quando você segue uma receita.
E com minha mãe trabalhando tanto, eu queria fazer coisas pela
casa para ajudar. Descobrir isso exigiu algumas tentativas e
erros, mas não é ciência espacial.
Assisti-lo devorar a comida encheu meu peito de orgulho e
felicidade. Não achei que ele deixasse as pessoas fazerem coisas
por ele com frequência e fiquei feliz por ter me deixado entrar.
Duas reposições de seu prato e outro refrigerante, e o jantar
estava finalizado.
— Você queria ir para casa? — Peguei nossos pratos e os
coloquei na pia.
— Você está me expulsando?
— Não, eu só não sabia se você tinha algo mais acontecendo
esta noite. — Peguei nossos copos.
Sua mão envolveu meu pulso com o polegar roçando na
lateral do meu braço.
— Não há nenhum outro lugar que eu prefira estar esta
noite.
Uma risada tonta e idiota estremeceu em meu peito, o tipo
de risada nervosa que não poderia ser interrompida, não
importa o quanto você tentasse.
— Você quer assistir um filme?
Ele assentiu, me segurando no feixe de tração de seu olhar
com um sorriso que ameaçou me vaporizar onde eu estava.
De pé na pia, eu me dei um discurso estimulante silencioso.
Você consegue, Bay. Estamos apenas assistindo a um filme. Em
minha casa. À noite. Sozinhos. Não é grande coisa.
Seu discurso estimulante silencioso não era tão silencioso
quanto ela pensava.
Saí para a sala de estar para dar a ela um pouco de
privacidade. Desde o minuto em que saí de casa, uma leveza
tomou conta de mim, e no segundo em que a toquei o resto do
mundo pegou fogo, deixando apenas nós no refúgio de sua
casa. O lugar parecia mais um lar do que minha própria casa, e
eu só estive aqui dentro algumas vezes.
A temporada de consertos de carros estava chegando e eu
estava perto de ter o suficiente para levá-la a um lugar legal. Eu
queria levá-la a algum lugar que ela se lembrasse, que me
deixaria desconfortável para caramba, e onde eles
provavelmente me expulsariam por colocar meus cotovelos na
mesa.
Qualquer lugar com Bay parecia um lugar onde eu sempre
quis estar.
Peguei o controle remoto do braço do sofá e cliquei na conta
dela. Com uma rápida olhada por cima do ombro, fui para a
fila dela. Programas de jogos, algumas comédias românticas,
séries de TV de dez anos atrás dignas de maratonas. Filmes de
ação e comédias foram selecionados para os próximos meses.
Eu adoraria me sentar ao lado dela e passar o tempo que nos
resta neste sofá assistindo tudo de sua lista.
Agora, o mesmo nervosismo que ela estava tentando se
convencer a não ter se apoderou de mim.
Adormecer na minha cama com ela foi uma das melhores
noites da minha vida – campeonato incluído. Acordando no
meio da noite, eu a olhei, observando a maneira relaxada como
ela respirava e se enterrava mais profundamente em meu peito,
como se apenas eu fornecesse o calor de que ela precisava.
Em vez de fechar a janela, enrolei o cobertor ao nosso redor.
Quente, empacotado e seguro – foi assim que me senti com ela
em meus braços. Uma paisagem surgiu em mente, uma com
um sol poente que se estabelece em seu peito com uma paz
radiante.
Deitado ao lado dela, totalmente vestido com nossos sapatos
ainda calçados, parecia o mais próximo que eu já estive do que
com qualquer outra pessoa, mas tinha sido um acidente. Não
tínhamos planejado. Eu não tinha planejado.
Esta noite, muito mais expectativa significava uma chance
para os nervos se infiltrarem. Em campo e antes de um jogo, eu
não tinha problemas para fazer a energia que zumbia por mim
sair. Mas não acho que Bay aprovaria que eu corresse sem sair
do lugar, enfiando meu capacete e batendo a cabeça na parede
algumas vezes.
— Você encontrou alguma coisa? — Ela apareceu ao meu
lado.
Eu pulei, o coração acelerado, quase derrubando os dois
copos de Coca e a tigela de pipoca de suas mãos.
Meu corpo se recuperou mais rápido do que meu cérebro e
eu peguei os dois copos de sua mão trêmula, deixando-a para
salvar a pipoca.
Ela se curvou com a tigela agarrada contra o peito e soltou
uma risada nervosa.
— Você achou que um serial killer tinha aparecido ou algo
do tipo?
Deslizei os copos na mesa de centro e peguei a tigela dela.
— Desculpe, não ouvi você entrar.
— Obviamente. — Ela bufou, rindo, e enfiou os dedos na
tigela de chocolates aninhada no centro da pilha de pipoca. —
Amendoins com chocolate, pipoca e Coca-Cola de Cereja. É o
meu nirvana. Você encontrou algo para nós assistirmos?
Eu me inclinei para trás e descansei meu braço ao longo do
encosto do sofá.
— Ainda não. Eu não sabia o que você estava com vontade
de assistir. — O cheiro da pipoca amanteigada fez meu
estômago roncar. Aumentei o volume para cobrir o som.
Ela deu de ombros e se jogou ao meu lado, caindo direto na
curva do meu braço. O cheiro de framboesa de seu xampu
preencheu meu nariz.
Ela estendeu a mão por cima de mim, seu peito roçando no
meu, e agarrou o controle remoto, se aproximando mais de
mim.
Todos os sentidos foram dominados por ela, e eu queria
ainda mais.
Passando pelas telas, ela olhou para mim.
Abaixei minha cabeça como se precisasse chegar um
centímetro mais perto dela para ouvi-la, tentando encobrir o
fato de que eu estava sonhando acordado com ela e não tinha
ouvido uma palavra do que ela disse.
— Claro, parece uma boa. — Eu olhei de volta para a tela e
meu sorriso se alargou.
— Bem-vindo à Festa, amigo. — Ela clicou para iniciar e
abaixou o controle remoto antes de pegar a tigela e colocá-la em
seu colo.
Eu me inclinei para a frente e arrastei a mesa para mais perto
do sofá, trazendo as bebidas ao alcance do braço.
O quadro de abertura de Duro de Matar preencheu a tela.
Não foi até eu perceber que ela murmurava as falas junto
comigo que eu comecei a dizê-las em voz alta. Isso começou
nossa batalha de citações, que evoluiu para risos e para estarmos
nos tocando ainda mais. Nem uma única reclamação minha.
Na metade do filme, mudamos as posições, movendo-nos
de forma que uma das minhas pernas ficasse no sofá e a outra
no chão, com Bay entre elas.
Suas costas não estavam mais contra a minha lateral, mas
totalmente alinhadas contra o meu peito, e sua bunda, naquela
saia que quase tocava seus joelhos, estava aninhada bem contra
a minha virilha coberta de jeans. Era uma prova de como o
filme era bom e o quanto eu não queria quebrar o conforto fácil
entre nós que mantive minha ereção sob controle. Mas
consegui manter a coleira apertada em meus pensamentos e
meu corpo – sufocantemente apertada, para manter o ar fácil
entre nós.
Seu nervosismo evaporou e o conforto se instalou no
momento em que McClane chegou ao Nakatomi Plaza.
— Esta é a minha parte favorita. — Ela agarrou meu rosto
com uma mão e segurou meu queixo no lugar como se eu já não
estivesse assistindo o filme junto com ela. Bem, eu também
estava observando ela.
Uma chuva de balas atingiu o carro da polícia enquanto o
policial dava ré antes de voar pela borda da bacia de concreto,
escalando para fora do carro com embalagens de Twinkie
voando por toda parte.
Ela colocou sua melhor voz de McClane, dando-lhe as boas-
vindas à festa.
Eu ri e peguei outro punhado de pipoca.
Bay suspirou e deixou cair o braço na minha perna. Eu era a
sua própria poltrona reclinável pessoal e não estava reclamando
nem um pouco.
Sua necessidade intensa de eu assistir certas cenas me fez
sorrir tanto que minhas bochechas doeram.
Ela disparou para frente.
— Como ele sabia que não era Bill Clay? Nunca entendi essa
parte. Não faz sentido. No diretório do escritório, dizia “W. M.
Clay”. Como diabos ele descobriu?
— Ele é bom nesse nível.
Ela resmungou mais sobre isso não fazer sentido.
As ondas de seu cabelo faziam cócegas em meu pescoço e
queixo. Sua cabeça se encaixou perfeitamente na parte oca do
meu ombro. Contentamento como eu nunca tinha
experimentado me inundou. Foi inesperado, como se minha
cabeça estivesse sendo mantida debaixo d’água e eu tivesse
descoberto que eu tinha brânquias.
Ela finalmente me venceu o suficiente para experimentar
sua abominação amendoim com chocolate-pipoca. Não era de
todo ruim, mas a maior parte da parte boa veio de seus dedos
roçando meus lábios enquanto ela me alimentava com a
combinação salgado-doce.
Meus dedos coçaram para acariciá-la. Eu queria tocá-la,
saboreá-la, afundar entre suas pernas e mostrar a ela como eu
faria qualquer coisa para fazê-la feliz. Desejei ter pego meu
caderno de esboços no caminho da saída para eu sair de mim
mesmo e preservar esta noite entre aquelas capas surradas.
Os créditos finais rolaram e Bay não se moveu de seu lugar
contra mim. Seu peso ficou ainda mais firme contra mim.
— Esse é um clássico. — Minha voz saiu tensa. Limpei
minha garganta.
Ela riu.
— A primeira vez que vi a versão que não é para televisão
fiquei lindamente chocada.
Eu passei meus braços em volta dela.
— Ou apenas linda.
Os cantos de sua boca se curvaram.
Tomando isso como todo o convite que eu precisava, eu a
virei, nossos lábios se encontrando como se nós dois
estivéssemos tentando ir com calma durante todo o filme. Suas
mãos estavam no meu cabelo e as minhas no dela.
Ela se segurou em mim como se nunca quisesse me soltar.
Ótimo, porque eu também não queria. Eu me aprofundei
mais em sua boca. Seus lábios eram tão macios e tinham gosto
de comida caseira e uma sobremesa decadente, tudo de uma
vez. Eu queria saborear cada gemido e suspiro. As mordidelas
de seus dentes no meu lábio enviaram faíscas enlouquecedoras
de necessidade disparando por mim.
Isso era muito.
Ela era muito.
Eu interrompi nosso beijo que poderia ter durado cinco
minutos ou a última hora. Ofegante, descansei minha testa
contra a dela antes de dar beijos ao longo de sua bochecha e
pescoço, passando meus lábios por seu ombro, puxando a gola
larga de sua camisa para me dar acesso total.
Ela estremeceu no meu colo e eu sorri contra sua pele.
— Estou esperando para fazer isso desde que cheguei.
— Por que demorou tanto? — Sua voz estava trêmula e
ofegante, o tipo que eu poderia imaginá-la usando estando
deitada contra o meu peito com cabelos bagunçados de sexo,
cobertos de suor, enquanto nós dois olhamos para o teto,
satisfeitos pelo sexo.
— Isso foi “dar uns amassos”?
Eu balancei minha cabeça.
Seus dedos faziam cócegas na minha barriga, as palmas das
mãos descansando logo abaixo das minhas costelas. Por baixo
da minha camisa. Contra a minha pele. Ela olhou para mim
com expectativa. Seus olhos estavam encobertos de desejo.
Lambi meus lábios. Meu pau estava de acordo com o plano
sexual, mas minha cabeça e meu coração pisaram no freio.
Quer fosse ou não a primeira vez dela, eu queria que a nossa
primeira vez fosse especial. Eu queria pétalas de rosa, boa
música, a atmosfera perfeita para torná-la uma noite que ela
nunca esqueceria. Não rápido e sacana no sofá com um cara do
colégio.
Tirei as mãos dela debaixo da minha camisa e as coloquei de
volta no meu peito.
Sua cabeça se inclinou para o lado como um cachorrinho
confuso.
— Mas eu pensei... você não… — Ela abaixou a cabeça.
— Claro que quero, Bay. Mais do que tudo, quero te
empurrar de volta neste sofá, empurrar a saia acima da sua
bunda, pegar a camisinha da minha carteira e fazer você gritar
meu nome.
Sua cabeça levantou com os olhos arregalados. Um indício
de medo passou por seu olhar.
E foi então que eu soube que tinha que fazer a coisa mais
difícil que já fiz. Eu tinha que ir embora antes de fazer algo que
me faria dar uma surra em mim mesmo por só pensar nisso.
Com as costas dos meus dedos correndo ao longo de sua
mandíbula, puxei-a para mais perto, beijando-a novamente.
Meu corpo zumbia, tão pronto para liberar cada pedacinho de
minha habilidade sobre ela. O tique-taque do relógio pairando
sobre nossas cabeças competia com o desejo de tornar isso
perfeito. Canalizando todas as demandas que meu corpo estava
fazendo para lamber meu caminho por seu corpo, aprofundei
o beijo, roubando seu fôlego.
Suas mãos apertaram com força a frente da minha camisa,
pressionando os botões mais fundo no meu peito.
Minha mão segurou sua bunda. Sua saia tinha levantado. O
algodão macio de sua calcinha me tirou da missão movida pelo
meu corpo.
Eu fiquei de pé. Bay veio parcialmente comigo, quase
caindo no chão antes que eu a agarrasse. Curvado, eu a ajudei a
ficar de pé.
— Eu tenho que ir.
— Dare...
— Está tudo bem. — Andar era quase impossível. De costas
para ela, ajustei minha ereção, xingando o jeans e a equipe de
tortura do zíper acontecendo lá embaixo.
— Por que eu sinto que você está sempre fugindo de mim?
Eu me endireitei com a mão na maçaneta da porta.
— Porque a última coisa que quero fazer é machucar você,
Bay.
Seus dedos roçaram meus ombros.
— Eu não estou com medo.
— Você ficaria se eu contasse o que estava passando na
minha cabeça enquanto você estava no meu colo.
— Eu sou mais corajosa do que você pensa.
— Não tenho dúvidas. — Meu pomo de adão balançou
para cima e para baixo. Liberando meu aperto na maçaneta da
porta, me virei para ela. — Mas se você soubesse o quão difícil
foi para mim evitar arrancar essa calcinha, jogar você de volta
contra o sofá e socar meu pau em você até que você estivesse
arranhando minhas costas e gritando a plenos pulmões, você
provavelmente acharia melhor eu ir embora. Você é virgem,
Bay.
O sangue latejava em minhas veias como uma manada de
cem cavalos. Meu motor estava acelerando tudo para a garota
de cabelos escuros parada na minha frente, parecendo que eu a
tinha assustado para caralho.
Ela respirou fundo, seus olhos fixos nos meus.
— Sim, eu me lembrei. Seria muito difícil esquecer. — Eu a
espremi em um abraço apertado e dei um beijo na lateral de sua
cabeça. — Vejo você mais tarde.
Corri como um imbecil assustado? Sim. Esse padrão parecia
acontecer mais do que eu gostaria com Bay.
Não estrague tudo.
Não quebre algo que não possa ser consertado.
Não a faça se arrepender do dia em que me conheceu.
A confissão de Dare me deixou atordoada muito depois de ele
ter ido embora. Eu provavelmente fiquei olhando para a porta
fechada por pelo menos dez minutos.
Ele não me assustou com sua confissão – ok, talvez um
pouco. Mas só porque eu não sabia o que diabos estava
fazendo. A agitação em meu estômago viajava mais para baixo
com cada beijo. As pontas ásperas de seus dedos contra minha
pele pareciam calejadas e poderosas.
Ele não estava me evitando, pelo menos. Minha mãe teve
quatro dias de folga, o que significava que não haveriam mais
noites de cinema, mas uma enxurrada de mensagens me
manteve acordada até tarde da noite.
Eu estava pressionando com força os botões de flerte, e toda
vez que Dare tentava me levar de volta a um território mais
neutro, eu voltava para a mesma direção ou pelo menos
tentava. Minha mala de truques de sedução não estava
exatamente transbordando.
Ele fez a irritante nova jogada de apenas aparecer quando
minha mãe estava em casa, então ele sabia que eu não poderia
me jogar nele.
Piper veio aqui em casa, me dando a distração que eu
precisava.
— Por que você não vai ao baile?
— Para que eu fique de vela? Não, obrigada. Vá com Jon.
Divirta-se muito. Estarei aqui acendendo minha vela de
solteirona sozinha. — Soltei uma gargalhada de bruxa.
— Pare de me fazer sentir mal.
— Foi uma piada. Eu vou ficar bem. Eu nem tenho um
vestido.
— Você pode pegar emprestado um dos meus. Ou
poderíamos ir comprar um novo. — Ela saltou para cima e para
baixo.
— Não, não vai rolar. Eu não sou uma garota de baile.
— É o último ano. — Ela gemeu como se eu tivesse dito que
recusaria um transplante de rim.
— Eu vou superar.
Seu olhar se estreitou.
— Você está me estressando. Preciso de lanches e
refrigerantes para lidar com isso.
— Fique à vontade. — Eu acenei para ela em direção à
cozinha.
Ela se levantou com uma bufada e foi para o outro cômodo.
Você pensaria que eu disse a ela que ela não podia ir ao baile,
pelo jeito que ela estava agindo.
Os armários e a geladeira abriram e fecharam antes que ela
voltasse.
— Esses biscoitos são realmente de matar. Talvez você possa
abrir um negócio paralelo de confeitaria na UCLA. Não
acredito que vamos nos separar. — Ela se sentou ao meu lado
no sofá com as pernas dobradas sob ela, abrindo seu caderno.
— Não acredito que ainda estamos estudando. — Eu peguei
um biscoito de seu prato.
— Esses são meus. — Ela agarrou o prato contra o peito.
— Eu fiz eles.
— O que significa que você pode fazer mais. Minha mãe está
em um lance de comer comida saudável desde que eu tinha
cinco anos. Este é um dos únicos lugares onde consigo obter
açúcar refinado. — Ela mordeu os biscoitos como um castor,
fazendo migalhas voarem por toda parte.
— Você tem pãozinho de canela com refrigerante todos os
dias no almoço. — Limpei as migalhas do sofá.
— Mas é o fim de semana. Estou morrendo de vontade, Bay.
Não faça isso comigo. — Eu mal conseguia ouvi-la por causa
do biscoito esfarelado em sua boca.
— Tudo bem, mas pare de espalhar migalhas em todos os
lugares. — Tirei mais migalhas do sofá e peguei a vassoura. A
foto do meu pai estava pendurada na parede ao lado do
armário. Eu queria mais do que tudo poder ter mais uma
conversa com ele. Eu perguntaria a ele o que ele achava que eu
deveria fazer da minha vida, o que eu deveria fazer em relação à
música e à escola, e tudo o mais que está acontecendo. Ele
acharia que eu deveria dar uma chance à música, mesmo que
nunca tenha dado certo para ele? Noites no estúdio e um salário
fixo foram suficientes para ele?
Coloquei a vassoura e a pá de lixo ao lado de Piper e olhei
para ela, voltando para o meu lugar.
A porta se abriu e ela inalou, engasgando com a sua
recompensa furtada.
Dare entrou e fechou a porta atrás de si como se tivesse feito
isso milhares de vezes. Talvez não milhares, mas com muito
mais frequência nas últimas duas semanas. Pé no saco
depravado. Ele provavelmente viu o carro de Piper lá fora.
Garoto esperto.
— Estou indo para o treino e queria ver se você gostaria de
comer alguma coisa depois.
Piper o encarou, boquiaberta, metade do biscoito caindo de
sua boca e mergulhando direto em seu copo de leite. Respingou
nela, mas ela não moveu um músculo.
— Com certeza. Desculpe não poder ir, mas prometi a Piper
que ela poderia me ajudar com minha última prova.
Os cantos de seus olhos enrugaram e ele sorriu para ela.
— Bom te ver, Piper.
Ela arfou, mão no peito e tudo. O nome dela cruzou os
lábios dele.
Ele não me deu um te vejo depois da porta ou um aceno ao
sair – nada tão não-comprometedor. Ele ficou na frente do
meu lugar no sofá, elevando-se sobre mim antes de soltar as
mãos nas almofadas de trás e me prender embaixo dele.
Ele olhou nos meus olhos com um meio sorriso ardente.
Seus dedos correram pelo meu queixo e ele abaixou a cabeça,
capturando meus lábios. As faíscas acenderam com o golpe de
sua língua contra a minha e, então, seus lábios se foram.
Meu corpo reagiu, me puxando para frente como se
estivéssemos conectados por um fio invisível.
— Vejo você mais tarde, Bay.
A porta se fechou atrás dele e eu passei meus dedos contra
meus lábios.
Virando minha cabeça, eu encarei de volta uma Piper de
queixo caído, congelada e perplexa.
— Ah. Meu. Deus. Carambolinhas. — Ela empurrou os
óculos no nariz com as costas da mão, repetindo o mantra
como se fosse a única coisa que a impedia de enlouquecer. As
almofadas saltaram quando ela se levantou, andando de um
lado para o outro na minha frente.
— Por favor, não conte a ninguém. — Eu me preparei.
— Dare entrou aqui e beijou você! — O nível de decibéis
provavelmente faria os cães correrem para o trânsito por toda a
cidade. Provavelmente Dare ouviu, mesmo que já tivesse
chegado em seu carro. O sorriso que ele só parecia usar para
mim totalmente à mostra. Aquele idiota. Ele sabia que minhas
reservas sobre os outros descobrirem não se estendiam a Piper.
Que jogada de poder ele fez em nosso cabo de guerra de
relacionamento.
Eu ri.
— Eu me lembro, mas, por favor, não conte a ninguém.
Seu queixo caiu e ela gaguejou.
— Mas por quê? Você está namorando Dare? — Ela gritou,
quase me ensurdecendo.
Minha cabeça balançou para frente e para trás enquanto ela
me sacudia, ofegando como se estivesse à beira do colapso.
— Shhh! — Pressionei meu dedo contra meus lábios como
se alguém pudesse ouvir isso, invadir e me internar em um
hospício só por ter pensado nessas palavras.
— Somos as únicas aqui. Meu Deus. — Ela passou os dedos
pelos cabelos. Sua cabeça se ergueu. — Você disse que não
tinha ninguém com quem ir ao baile. — A acusação saiu como
se eu tivesse confessado um assassinato. — É por isso que você
não estava interessada em Jon. — Como se ela finalmente
tivesse descoberto algum grande mistério que vinha
investigando há meses.
— Não, eu nunca estive interessada nele.
— Por que você estaria quando Dare está entrando em sua
sala de estar? — Ela pulou para cima e para baixo, gritando. —
Quero dizer, fala sério. — Ela mordeu a junta do dedo e olhou
para a porta da frente fechada como se ainda pudesse vê-lo. —
Estou perfeitamente feliz com Jon e ele é totalmente mais o
meu tipo, mas puta merda, Bay. As pessoas vão pirar.
— Ninguém vai pirar. — Deixei meu lápis cair e deslizei o
caderno na minha almofada ao meu lado. — Ninguém vai
pirar, porque ninguém vai saber.
Sua boca se abriu.
— Como eles não vão? Ele nunca namorou seriamente com
alguém antes. É só sobre isso que as pessoas vão conseguir falar.
— Sim, Dare namorando A Garota Nova. Isso é exatamente
o que eu não quero. Eu não vou ser a garota que namora Dare.
Prefiro que se lembrem de mim como essas iniciais, porque
pelo menos é sobre mim, não sobre ele. — Minhas inseguranças
sobre ser a garota no braço dele cutucaram as bordas da minha
mente. Também havia isso. Eu consegui passar o ensino médio
sem nenhum momento com meninas malvadas. Eu não
precisava do escrutínio e da ira de metade do corpo estudantil
chovendo sobre mim poucos minutos antes do encerramento
do meu último ano.
— Mas qual é. Eu nunca tenho fofoca. Nunca temos fofoca.
— Ela gesticulou entre nós duas.
— Para que ninguém nunca saiba. Além disso, vamos nos
formar em algumas semanas. O que isso importa? Vou para a
faculdade na Califórnia.
— Mas é Dare. — Ela choramingava de exasperação porque
eu a estava privando de alguma fofoca picante de Greenwood.
— Se você disser isso mais uma vez...
— Desculpe, deixe-me pegar meu cérebro do chão primeiro,
e então podemos voltar à entediante biologia. — Ela se
agachou, pegando um cérebro imaginário e retirando alguns
fiapos imaginários antes de colocá-lo de volta em sua cabeça e
tirar o pó de suas mãos. — Pronto, está melhor agora.
— Você é louca, só para você saber.
— Ah, eu sei.
Peguei meu caderno e lápis.
— No final deste conjunto de problemas, você vai precisar
contar tudo. — Ela se jogou no sofá ao meu lado e pegou o livro
didático.
— Não há nada para contar.
Ela nivelou seu olhar para mim e se moveu tão rapidamente
que eu nem esperava. Com dedos rápidos como um relâmpago,
ela beliscou minha lateral, dando uma torção extra.
— Ai!
— Tudo. Você está escondendo de mim desde aquele
primeiro dia em que ele estava olhando para você, não está? —
Ela bateu no meu braço com o caderno dela. — Eu sabia que
algo estava acontecendo e você agiu como se não fosse nada.
Eu bloqueei seu golpe, rindo e tentando agarrar o caderno
de suas mãos.
— Não era nada.
— Mentirosa! — Eles tinham ouvido isso em Chicago? —
Você é uma babaca! Conte todos os detalhes antes que eu
arranque seu braço!
— Se terminarmos tudo isso, eu te conto tudo, ok? Mas não
há muito o que contar.
— Eu quero cada detalhe sórdido. Cada piscada, cada olhar,
cada beijo, cada viagem para a Cidade do Sexo. — Ela apertou
as mãos contra o peito, os olhos tremulando e a boca torcida
em um sorriso do tamanho de um osso de costela.
— Desculpe desapontar, mas essa vai ser uma lista curta.
Não houve desvios para a Cidade do Sexo, como você tão bem
disse.
— Ele é uma estátua de granito de loucura sexual e você não
está se jogando nele?
— Estamos indo com calma. — Abaixei minha cabeça e
tentei não pensar em como eu meio que tenho me jogado em
cima dele e ele sempre desvia para a Cidade do Abraço. Não
que me incomodasse que ele fosse fofo e gentil, mas eu não me
importaria de fazer uma parada na Cidade do Sexo antes de
chegarmos lá.
Talvez depois do Bedlam Bowl. O plano se formou em
minha cabeça. Não era perfeito, mas estava muito perto. Se isso
não me matasse primeiro.
— Aposto que você desenha todas as garotas que traz para o seu
quarto. — Ela descansou a cabeça na mão. As ondas e cachos
de seu cabelo emolduravam seu rosto e caíam em cascata pelo
braço, espalhando-se pelos lençóis.
Ela não estava brava ou irritada com isso. Sua suposição de
que eu pegava meu bloco de esboços como algum ritual pós-
sexo não teria sido loucura, dadas as histórias rodando na escola
sobre mim – rumores que nunca me incomodaram, até agora.
Eu não queria que ela pensasse que eu era um putanheiro que
só queria me dar bem.
Sua camiseta preta dos Rolling Stones combinava com seu
short preto que, mesmo no meio da coxa, me fez apertar as
rédeas da minha libido enquanto eu traçava cada linha e curva
de seu corpo, do quadril ao joelho até os dedos dos pés cobertos
de meias.
Não tínhamos feito sexo ainda. Dormir ao lado dela e não
deixar minhas mãos vagarem, não dar a ela o que ela queria, era
uma das coisas mais difíceis que eu já fiz na minha vida.
Segurando com força as rédeas, eu tinha feito tudo o que
podia para ir devagar. Provavelmente devagar até demais. E isso
estava me matando. Mas assim que eu começasse, não seria
capaz de parar. Eu sabia, no fundo, que seria como pisar no
freio de um trem que segue adiante a cento e sessenta
quilômetros por hora, sem nunca ter a certeza de que
conseguiria controlá-lo. E o risco – o medo – de machucá-la
com toda a loucura fermentando na minha cabeça era grande
demais.
Eu queria ser aquele cara para ela. Mas eu ainda era eu,
mesmo quando empurrei esses desejos e minha necessidade por
ela bem fundo. A força da natureza faminta, beirando a
selvagem, que queria ser todos os “primeiros” dela, me manteve
segurando firme as rédeas, andando na ponta dos pés por um
lago congelado enquanto ele rachava e eu caía na água abaixo.
E o coração dela. Meu coração. Vê-la indo para a faculdade
enquanto eu definhava nesta cidade de merda, ou em algum
trabalho de merda, onde ela sentia que tinha que voltar para
visitar esse fracassado que eu era após a formatura. Se eu não
partisse o coração dela fodendo com tudo – porque é claro que
iria –, então ela iria partir o meu.
Como eu poderia mantê-la e deixá-la ir ao mesmo tempo?
O relógio estava correndo para tantas coisas na minha vida.
Meus números da Liga dos Titãs do mês passado e o Bedlam
Bowl em uma semana eram tudo o que eu tinha. Esta era minha
última chance – pelo menos minha última chance de um
futuro que não envolvesse bombear gasolina.
Restavam apenas dezesseis dias do ano letivo antes que
todos se dispersassem, alguns que nunca mais entrariam em
contato. E esses seriam meus últimos dias com ela. Quando ela
olhou para mim com seus grandes olhos castanhos e mechas de
cabelo roçando sua testa, que ela nunca conseguia tirar com a
primeira passada de mão em seu rosto, eu mal pude suportar.
Bay era... ela era Bay. Não saindo da minha cabeça e a
preenchendo com a beleza do mundo com sua aparência e suas
músicas. Parte de mim queria que fosse apenas para mim,
queria que as músicas e a aparência fossem algo que ela só
compartilhasse comigo no conforto de um quarto que
dividíamos, onde eu a faria mais feliz do que ela já foi. Sonhos
loucos que estavam destinados a nunca acontecer.
Ela sorriu para mim, sua pergunta ainda sem resposta.
Um sopro de ar disparou pelo meu nariz.
— Não. — Limpei os restos de borracha da página e borrei
o sombreado ao redor de seu rosto.
Eu não precisava desenhar nenhuma outra garota. Eu não
ficava em seus quartos durante a noite, segurando-as perto,
inspirando-as, tentando desembaraçar meu fascínio
inquietante. Até mesmo pensar nessa palavra parecia uma
traição. Eu não estava intrigado. Eu não estava fascinado. Eu
estava apaixonado.
Foi uma sensação assustadora que se aproximou e se lançou
sobre mim como um tackle15 após o apito do árbitro.

15
No futebol americano, tackle significa interceptar o avanço de um jogador
adversário, com a posse da bola, derrubando-o ao chão. É o movimento que
finaliza a maioria das jogadas e é a principal ação que um defensor deve executar.
Minha mão voou pelo papel, tentando preservar este
momento com o grafite, como se fosse ser apagado da minha
memória ou roubado de mim. Cada hora, que antes estava
correndo para minha liberdade e meu futuro, agora estava
correndo para um tempo sombrio em que Bay não estaria a
uma cerca de madeira frágil de distância de mim.
Eu a levei para o Ruby’s, mas ela não quis se sentar lá dentro.
Ela se abaixou, quase quebrando meu banco do passageiro,
tentando não ser vista por ninguém de nossa escola que pudesse
estar passando o tempo no estacionamento.
Depois de alguns apertos de mão e falando merdas
enquanto nosso pedido era preparado, voltei para o carro sem
ter certeza de que ela não tinha se escondido no porta-malas.
Voltamos para minha casa, já que sua mãe não estava
trabalhando esta noite.
— Sua mãe pensa que você está com Piper, não é?
As pontas de suas orelhas ficaram vermelhas e ela deu um
longo gole em seu milkshake de baunilha. Suas bochechas
ficaram sugadas como um peixe preso a um aspirador de pó.
— Talvez.
— Ela desaprovaria? — Não que eu a culpasse.
— Ela se preocuparia. É o que os pais fazem, certo?
Eu concordei. Bons pais. Isso é o que bons pais fazem. Os de
merda fazem muito pior. Segurei meu lápis com mais força, a
madeira rangendo em meu aperto.
Concentrando-me novamente no papel, respirei fundo e me
acomodei de volta à cena, sombreando os altos e baixos do
tecido de sua camisa ao redor de seu ombro.
— Já posso ver? — Ela se inclinou para frente, abaixando a
borda para trás com o dedo.
Peguei o bloco de esboços de volta para o lugar, segurando-
o mais perto do meu peito, virando meu pulso em um ângulo
estranho para manter as linhas onde eu as queria.
— Ainda não acabei. — Por que eu tinha tirado ele da
gaveta? Eu nunca deixei ninguém saber que eu os estava
desenhando antes. Sempre tinha sido através das janelas, do
banco do motorista do meu carro, ou de algum lugar que
ninguém me conhecesse – sentado aqui na frente dela,
traçando intimamente cada centímetro do corpo que eu tinha
me tornado tão familiarizado, era uma experiência nova.
Mas eu precisava capturar a maneira como ela olhava para
mim. Eu não fui capaz de manter meus dedos parados depois
que terminamos nossa comida.
Ela franziu o nariz para mim. As marcas do óculos, que ela
colocou na minha mesa, ainda apareciam em cada lado da
ponte de seu nariz.
Eu me inclinei para frente, empurrando-a de volta na cama.
O cinto da minha calça jeans tilintou e seu olhar disparou para
minha virilha. Por que ela simplesmente não tirou a blusa e
montou no meu colo?
Eu reprimi um gemido. Ela me provocava de maneiras que
me faziam questionar que porra eu estava fazendo. Por que eu
não fazia nada? Escalar pela janela dela ou pela porta dos
fundos, assistir a um filme e adormecer com uma garota em
meus braços não era exatamente como eu era conhecido, mas
me sinto bem.
Suas dicas não estavam sendo exatamente sutis, mas não era
a primeira vez que eu interpretava o atleta alheio.
— Vai ser eu com uma cabeça gigante em um skate
segurando um pirulito? — Ela voltou à posição na minha cama.
Esta era a primeira vez que mostro a alguém um dos meus
esboços rápidos, mas, por ela, eu faria isso. Por ela, eu faria
qualquer coisa.
Rindo, olhei para as linhas e curvas de lápis que não
conseguiam capturar um décimo de sua beleza. Essa garota fez
algo louco comigo. Ela me fez pensar coisas loucas sobre o que
eu realmente queria na vida, quem eu queria ser e com quem
eu queria estar.
No entanto, não estaria ajudando ninguém se eu acabasse
como frentista de um posto de gasolina e a impedisse de fazer o
que amava.
O treinador ainda não tinha dito nada, e eu nunca ouvi falar
de alguém assinando uma carta de compromisso assim tão
tarde em sua carreira.
Aparentemente, a notícia tinha se espalhado sobre mim,
porque as ligações pararam mesmo depois de verificarem com
o treinador para saber se eu tinha sido contratado. A equipe
que ainda estava interessada tinha que estar desesperada – bem,
eu também estava. Mas Bay ajudou a remover essas bordas
irregulares.
Sua voz era perfeita. Ela tirava algo de você, algo escondido
tão profundamente que te assustava. Quando ela tocava para
mim, os sentimentos eram tão crus e puros que era a borda da
navalha entre o prazer e a dor. Por mais que eu quisesse manter
tudo para mim, outras pessoas precisavam ouvir suas palavras,
se ela apenas permitisse.
Virando-a em meus braços, tomei um gole de seus lábios.
Como todas as outras vezes, um pouco não era suficiente.
“Faminto” era a única palavra que vinha à mente sempre que
nossos toques iam além de esbarradas.
Seus lábios eram pecaminosamente deliciosos, assim como a
refeição que ela fez para mim e as músicas que ela cantou para
mim. Bay tinha me arruinado para qualquer uma que viesse
depois dela, e eu não queria que houvesse mais ninguém. Era
como se ela tivesse sido enviada como um presente para mim
depois de tantos anos na escuridão. Uma luz, brilhante e
quente, para me guiar para fora das fossas da minha vida.
Ela montou em mim, esfregando seus quadris contra mim.
Meu pau estava com força total, rebelando-se contra os
limites do meu jeans e falhando miseravelmente. A dor
prazerosa se espalhou da minha virilha para o resto do meu
corpo. Eu reprimi um gemido.
— Você está nervoso com o seu jogo?
Eu agarrei sua cintura, tentando segurá-la no lugar para
limpar a névoa de sexo que nublava meu cérebro. Minha ereção
só estava pensando em uma coisa e não era no futebol. Eu cerrei
meus dentes e desviei meu olhar da nossa colisão coberta de
tecido e da pulsação do meu pau.
— Tudo o que preciso fazer é o que sempre faço.
— E o que é? — Ela colocou os braços em volta do meu
pescoço e brincou com o cabelo da minha nuca.
Um arrepio desceu pela minha espinha. Um animal
rastejante de felicidade sussurrando em meu ouvido que agora
era a hora. Foda-se todos os meus grandes planos, eu deveria
jogá-la na cama e mostrar a ela o quanto ela me deixava louco.
— Jogar como se fosse o último jogo da minha vida.
Seus dedos estavam me enlouquecendo. Tão macio com um
pequeno puxão a cada carícia.
— Por quanto tempo mais você vai bancar o cavalheiro?
Eu engoli, engasgando com o ar como se meus pulmões
tivessem esquecido como funcionar.
— Vamos jogar um joguinho. — Seus dedos desabotoaram
minha calça jeans.
Fechei minhas mãos sobre as dela.
— Nós…
Ela empurrou o dedo contra meus lábios. Tinha gosto de
minhocas azedas de goma que ela tinha comido antes.
— O nome do jogo é Bay Consegue Fazer o Que Ela Deseja.
— Sua mão empurrou para dentro do meu jeans sobre o cós da
minha boxer.
A antecipação se enrolou em meu peito como uma cobra
esperando para atacar.
Sua mão envolveu minha protuberância e tirou toda a
minha força para eu não conseguir afastá-la.
Libertando meu pau, ela o acariciou para cima e para baixo
com um olhar maravilhado em seu rosto. Sua inexperiência era
o centro das atenções, o que só me fez desejá-la mais. Eu queria
mostrar a ela o quão bom isso poderia ser, e não ter outra pessoa
estragando todas essas primeiras vezes apressando-a ou
forçando-a mais longe do que ela se sentia confortável.
Um movimento da sua mão e quase a derrubei. Seu aperto
era firme, mas macio. Eu cerrei meus dentes com tanta força
que minha mandíbula doía.
— Estou fazendo isso direito? — Ela olhou para mim, sua
mão continuando a me enlouquecer. O frenesi estava
crescendo. — Você pode me mostrar como você gosta?
Meu peito se apertou com força como se eu tivesse pego
uma interceptação e corrido para a end zone. Com um aceno de
cabeça, cobri sua mão com a minha e bombeei para cima e para
baixo em minha dureza.
O olhar de determinação em seu rosto teria me feito rir, se
eu não estivesse a segundos de jorrar nesta cadeira.
Bastou um toque suave de seu polegar sobre a cabeça do
meu pau e eu estava acabado. O espasmo me atingiu como se
esta fosse minha primeira vez. E foi – minha primeira vez com
Bay.
Ela continuou me bombeando até eu ficar hipersensível ao
seu toque. Nossas mãos estavam revestidas com a evidência de
como seu toque fez eu me sentir bem. Minha cabeça
mergulhou e um calor formigante ameaçou me engolir inteiro.
Mas eu não iria terminar o jogo agora.
Limpando nós dois, tentei manter minha frequência
cardíaca sob controle.
— Agora é minha vez de jogar.
Ela olhou para mim com um zumbido no seu peito.
— Como assim?
— Você realmente pensou que eu iria deixar você me
satisfazer e depois deixá-la sem nada?
— Eu não fiz isso para que você fizesse qualquer coisa
comigo. Eu só quis fazer. — O rubor de suas bochechas e a
maneira como ela abaixou a cabeça me mostraram o quão certo
eu estou em não pular direto na cama com ela. Como eu
provavelmente teria assustado ela para caralho e feito ela correr
para as colinas.
— Talvez eu só queira também. — Eu a puxei para frente
pelo cós do short.
Ela arfou, seus lábios se separando.
Meus dedos se moveram para os botões de seu short. Um
calafrio a percorreu com o estalo do plástico contra o tecido.
Eu deslizei minhas mãos por ela, mergulhando sob o cós.
Suas mãos cobriram as minhas, segurando-as no lugar.
— Eu... eu não acho.
— Só até onde você quiser. — Eu troquei da minha cadeira
para a cama.
Suas sobrancelhas arquearam.
Girando-a, eu a sentei entre minhas pernas com suas costas
pressionadas contra meu peito.
Ela olhou por cima do meu ombro, a pergunta ainda em
seus olhos.
Dei um beijo em seu pescoço e corri uma mão ao longo de
sua coxa, roçando contra a barra do short.
Minha outra mão deslizou sobre sua barriga e mergulhou no
início de seu short desabotoado, passando pelo cós de sua
calcinha e pelas suas ondas até o prêmio para fazê-la se sentir tão
bem quanto eu.
Suas costas descansaram contra as minhas. Ela afundou
contra mim enquanto eu separava seus lábios e afundava meus
dedos nela. Primeiro um e depois acrescentando um segundo.
— Dare! — Ela gritou e apertou os dedos em minhas coxas.
Eu só queria poder ver seu rosto. A visão de perfil dela era
linda. Seus olhos fechados, os lábios entreabertos, pequenos
suspiros e gemidos saindo de seus lábios.
Meu pau voltou à vida, mas eu só tinha um foco.
Seus dedos me agarraram com mais força e eu usei meus
dedos e polegar para manter os arrepios e suspiros crescendo.
Suas coxas apertaram com força em volta da minha mão e eu
continuei, dedilhando seu clitóris até que suas costas
arquearam e ela disparou para frente.
Eu a agarrei, segurando ela com um braço em volta de seu
peito. Salpicando seu pescoço com beijos, pisquei para conter
as lágrimas que brotavam em meus olhos. Ela confiou em mim
o suficiente para colocar seu prazer em minhas mãos. Com
todas as fibras do meu ser, eu a amava.
E eu nunca enfrentei nada mais assustador do que isso em
minha vida. Ela era o meu coração. Assisti-la ir embora seria
como cortá-lo fora e deixá-lo sair pelo mundo andando por aí
sem mim.
— A gravação começou há noventa segundos. — A voz de
Freddy estalou pelo interfone do estúdio. Ele não acendeu a
luz, mas eu podia sentir seu olhar impaciente em mim do outro
lado do vidro.
Alguém ligou o aquecedor aqui? Eu puxei meu colarinho.
Eu encarei o violão, não querendo olhar para a janela porque
então eu veria o reflexo de mim mesma e Freddy do outro lado.
Uma respiração instável assobiou pelos meus lábios trêmulos.
Eu os lambi, mas toda a minha boca estava seca como uma bola
de algodão.
Por que eu concordei com isso? Freddy tinha praticamente
me trancado aqui dentro até que eu prometi que daria uma
chance à gravação de uma única faixa.
— O que aconteceu, garota? Você tem tocado aí há semanas
com uma das maiores bandas do mundo e não teve medo de
palco. E você cantou na frente deles.
Um flash meu em um palco quase me fez voar para fora do
banquinho e para a lata de lixo mais próxima.
— Não era a minha música que eu estava tocando. E o que
eu fiz quase nem foi cantar.
Ele balançou a cabeça.
— Vou fazer uma pausa e te dar algum tempo para se
recompor. Só temos uma hora até o próximo cara chegar. —
Empurrando-se de volta em sua cadeira, ele me deu um joinha
antes de sair do lado da cabine.
Eu fechei meus olhos com força e voltei para o dia em meus
degraus dos fundos. Lembrei-me do calor do olhar de Dare em
mim, embora não o tivesse reconhecido na hora. Eu estava
tocando para ele. Imaginando ele, eu abri meus dedos, e eles se
encaixaram nas cordas do violão como se nunca tivessem saído.
Eu tinha me acovardado em sua casa. Não havia uma palma
da mão no rosto grande o suficiente para o que eu tinha feito.
Eu estava tão empenhada em andar no Expresso Dare, e sua
tentativa de reciprocidade oral quase me causou um ataque
cardíaco. Não significa que seus dedos não eram mágicos. Era
um compromisso que eu assumiria em qualquer dia da semana.
A porta do estúdio abriu novamente e Freddy voltou para
dentro. A luz banhou Dare, sentado, esperando, assistindo.
Talvez eu esteja sendo um pouco zelosa demais com toda
essa coisa de “perder minha virgindade”, mas ele seguiu meu
exemplo e não me pressionou, embora eu tenha sido a única
pressionando. Eu deixei minha cabeça cair para trás e imaginei
as notas na minha cabeça.
A primeira começou como um zumbido no meu peito antes
de eu abrir a boca e soltar as letras que já tinha memorizado.
Era uma música sobre a única pessoa na qual eu fui capaz de
escrever algo sobre nos últimos dois meses. As únicas letras que
não pareciam bobas e banais eram aquelas sobre ele.
As vibrações das cordas zumbiam em meus braços enquanto
eu segurava a nota final e abria os olhos.
As luzes acenderam através do vidro e eu arfei.
Dare permaneceu atrás de Freddy com seus braços cruzados
em seu peito.
Meu coração bateu forte. Lambi meus lábios e tirei a alça do
violão de meu ombro.
Empurrei a porta do estúdio, sentindo como se estivesse
andando em uma lama, ou debaixo d'água com pesos de cinco
quilos em meus tornozelos. Certificando-me de que o violão
não batesse no batente da porta, saí para o corredor.
Ele parou no corredor escuro e silencioso, a porta da cabine
de som fechando silenciosamente atrás dele. Ele segurava meu
estojo de violão em sua mão.
— Quanto daquilo você ouviu? — Meus dedos flexionaram
ao redor do pescoço do violão. Eu o segurei entre nós dois como
se pudesse me proteger do constrangimento.
— Cada nota. — Ele pegou o violão de mim e se agachou,
colocando-o na caixa forrada de veludo com reverência, como
se até mesmo um solavanco fosse ser um desastre.
As travas se fecharam e ele olhou para mim com um
pequeno sorriso triste no rosto. De pé, segurando o estojo, ele
envolveu um braço em volta de mim, pressionando a palma da
mão espalmada contra minhas costas.
— Você vai surpreender todo mundo um dia.
Ele ficou um pouco embaçado e eu pisquei de volta o brilho
em meus olhos, minhas narinas dilataram e um pequeno som
escapou da minha garganta.
— Eu gostaria que você pudesse sentir a maneira como suas
músicas me fazem sentir. É como se você tivesse aberto meu
peito e estivesse segurando meu coração em suas mãos.
— Isso não parece uma coisa boa.
— É a coisa mais louca, e me faz esquecer como respirar
quando estou ouvindo você. Nunca existiu ninguém como
você antes.
Eu zombei.
— Há muitas outras pessoas por aí como eu, tentando fazer
sucesso. E esse não é o meu negócio. Eu canto para quem eu
quero, sobre o que eu quero.
— Estou nessa lista.
— É praticamente uma lista exclusiva de uma pessoa só.
Seu sorriso era ofuscante. Mesmo no corredor escuro, era
como uma explosão alta de filme, e a força disso bateu no meu
peito. Por que ele foi o único que me fez sentir assim?
Freddy saiu do estúdio e me entregou um CD da gravação
da sessão e disse que limparia os arquivos de áudio e os enviaria
para mim digitalmente mais tarde.
— Você foi ótima, garota. Basta dizer e eu mexo todos os
pauzinhos que tenho para fazer algo acontecer para você.
Eu balancei minha cabeça.
— Esse mundo não é para mim. Mas talvez eu faça mais
trabalhos de estúdio na Califórnia.
Ele resmungou como se não estivesse nada feliz com isso.
— Faça como quiser, garota.
Dare e eu saímos para o carro dele comigo debaixo de seu
braço.
— Vamos ouvir. — Ele pegou o CD e tentou colocá-lo em
seu aparelho de som.
Eu o peguei de volta e coloquei no painel.
— De jeito nenhum. Eu mal consigo me ouvir quando estou
lá, não vou me ouvir pelo seu sistema de som.
Ele riu e entrelaçou os dedos nos meus pelo resto do
caminho de volta para minha casa.
— Porra. — A cabeça de Dare caiu e a minha disparou para
cima.
Um buraco se abriu em meu estômago, inesperado, sem
aviso prévio, infelizmente absolutamente no pior momento.
Estacionado na minha garagem estava o sedan verde-
caçador da minha mãe.
Como se não fosse ruim o suficiente, no segundo em que
chegamos na entrada, a porta da frente se abriu. Ainda em seu
uniforme, minha mãe caminhou em direção ao carro como se
cada passo pudesse quebrar a passarela de concreto.
— Bay Eleanor Bishop, você tem alguma ideia de que horas
são?
Os faróis de Dare inundaram sua postura carrancuda no
centro do pára-brisa.
Trocamos olhares e por um segundo pensei apenas em dizer
a ele para dar a ré. Eu poderia cantar na esquina por dinheiro.
Ele desligou o motor.
Lá se vai a fuga rápida.
Ela contornou a lateral do carro e abriu a porta.
— Você tem ideia do quão preocupada com você eu estava?
Estou em casa há quase duas horas. Há quanto tempo você vem
fazendo isso?
Seu olhar se desviou para o banco de trás do carro, onde
Dare tinha gentilmente apoiado meu violão, completando com
o cinto de segurança.
— Você foi para o estúdio?
Antes mesmo que eu pudesse pensar em refutá-la, o CD
demo que Freddy havia me dado caiu no meu colo, como um
presente para os deuses da punição dos pais.
Seu olhar se lançou entre mim, Dare, o violão e o CD
brilhando na luz interior do carro dele.
— Para casa, agora. — Cada palavra foi carregada com os
explosivos de eu nunca mais poder sair de casa novamente. Ela
pressionaria o detonador e eu não seria capaz de sair até o meu
segundo semestre de faculdade.
— E Dare. Achei que você fosse mais responsável do que
isso.
As mãos dele agarraram o volante com mais força. Os
músculos de sua mandíbula pulsavam e latejavam como se ele
estivesse a um segundo de explodir, mas ele manteve o olhar
concentrado à frente.
Corri para pegar meu violão e acabar com sua audiência
com o meu constrangimento.
Andando na frente do carro, seguindo atrás de minha mãe,
eu murmurei “sinto muito”. No brilho das luzes não consegui
ver seu rosto, mas seu motor ligou e acelerou antes que ele
engatasse a marcha ré e saísse da garagem, enquanto a porta da
frente se fechava atrás de mim.
— Eu não posso acreditar que você fez isso. Há quanto
tempo? — Ela ficou com os braços cruzados sobre o peito. —
Quanto tempo, Bay?
— Desde janeiro.
— Você está fazendo isso há cinco meses?
Eu abaixei minha cabeça.
— Janeiro do ano passado.
Ela arfou.
— Você está mentindo para mim há quase um ano e meio.
Você tem ido ao estúdio. Pensei que tivéssemos um acordo.
Pensei que eu pudesse confiar em você.
— Não é como se eu estivesse usando drogas ou bebendo.
Estou trabalhando no estúdio para ganhar dinheiro extra e
estou… e estou tocando.
— E Dare?
Meus ombros caíram.
— Às vezes ele me dá uma carona, para que eu não ande de
bicicleta tão tarde da noite.
— E isso é tudo o que ele está fazendo? Só te dando uma
carona?
Minha cabeça disparou para cima.
— Sim.
Seu olhar se estreitou.
— Nem sei se posso confiar em você, Bay. Quem sabe o que
você tem feito nos últimos meses, quando eu confiei que você
esteve aqui segura em casa?
— Não existe estar segura em casa, mãe. Não existe estar
segura nunca. Irei embora em alguns meses e poderia estar
fazendo exatamente a mesma coisa. Você não teria ideia. Eu
estava tomando todas as precauções que podia. Mas você acha
que existe algum lugar onde qualquer uma de nós esteja segura?
— Eu nem quero pensar sobre quando você se for.
— Está chegando, quer você queira ou não. Assim como
papai se foi. Você pode trabalhar o quanto quiser, mas isso não
muda nada.
— Agora você está cheia de atitude comigo porque estou
trabalhando para colocar comida na mesa e um teto sobre
nossas cabeças?
— Não, mãe, eu não estou. Mas eu tocando música – você
nunca foi capaz de suportar. É a minha única conexão com meu
pai e você não aguenta ouvir. Toda vez que você vê o violão,
parece que está revivendo o dia em que ele morreu novamente.
Claro que vou esconder isso de você. Claro que vou fazer isso,
porque é a única coisa que me resta dele, e às vezes minha
música é a única maneira que sinto que posso respirar. — Eu
desabei, minhas lágrimas me sufocando e meus soluços
martelando tão forte na minha cabeça que parecia que a dor ia
explodir.
Ela envolveu os braços ao meu redor e pressionou minha
cabeça contra o seu peito.
— Eu estava assustada. Eu estou assustada. Com tanto
medo de perder você como eu o perdi. Como você se sente em
relação à música? É assim que me sinto em relação a você. Você
é o que me resta dele e você vai embora.
Eu me agarrei ao braço dela.
— Sinto muita falta dele.
— Eu também, querida. — Nós nos sentamos no meio do
chão da sala de estar até que nós duas ficamos com os olhos
vermelhos e minha garganta estava seca.
Ela me acompanhou escada acima com o braço em volta da
minha cintura. Depois de eu colocar meu pijama, ela se sentou
na beira da minha cama e afastou meu cabelo do rosto.
— Nós duas tivemos uma noite agitada. Descanse um
pouco.
— Estou de castigo, não estou?
Ela sorriu.
— Ah sim. Com certeza. A maior certeza. — Sua risada
ficou presa em seu peito e ela deu um beijo na minha testa. —
Mas podemos conversar sobre isso pela manhã.
Na porta, ela apagou a luz e fechou-a atrás de si.
O mais silenciosamente que pude, peguei meu telefone da
minha bolsa.
Uma mensagem de Dare apareceu na tela no segundo em
que apertei o botão de início.

Dare: Você está bem?

Eu: Estou bem. Mas de castigo.

Dare: Por quanto tempo? Só nos resta menos de


um mês do ano letivo.

Eu: Vou descobrir com a carcereira amanhã.


Sinto muito que minha mãe tenha gritado com
você.

Dare: Não foi nada. Estou feliz que você esteja


bem.

Eu: Amanhã é um novo dia.


Dare: Você deixou seu CD no meu carro.

Eu: Provavelmente é melhor você ficar com ele


por agora.

Dare: Boa noite, Bay

Eu: Boa noite, Dare.

Eu caí em um sono repleto de dor de cabeça, onde meu


pesadelo se desenrolou na minha frente. De pé no centro do
palco, esqueci a letra da música que eu deveria cantar. As
pessoas estavam vaiando e jogando coisas no palco até que
avistei Dare no meio do mar de pessoas como se houvesse um
holofote sobre ele. Com um olhar, as palavras surgiram à
mente. Não aquelas que eu deveria cantar, mas outras
totalmente novas que sufocaram a fera da multidão furiosa até
que flores caíram aos meus pés. Se ao menos fosse assim tão
fácil. Se ao menos ele sempre fosse minha âncora em mares
agitados.
Não poder ver Bay era mais difícil do que qualquer outra coisa
que eu já tinha feito antes. Seu castigo tem durado o tempo que
sua mãe queria, e não tem nenhuma indicação de que
terminaria antes de Bay partir.
Vê-la pela minha janela, por cima da cerca do quintal, e
enviar mensagens de texto diminuiu minha impaciência. Na
escola, ela queria que as coisas continuassem como estavam. Eu
odiava não poder abraçá-la nos corredores ou encontrar um
lugar sob as arquibancadas. Fiquei apenas com esbarradas de
mão quando nos cruzávamos nos corredores ou longas olhadas
na aula, e não era o suficiente.
Eu estava tão concentrado em Bay que não tinha percebido
que a rua parecia diferente. Abri a porta da frente e o cheiro me
pegou de surpresa.
Meu pai estava sentado em sua poltrona reclinável de merda,
já com metade da garrafa tomada. Eu teria ido direto para o
meu quarto se o papel branco e brilhante em suas mãos não
tivesse contrastado com a escuridão ao seu redor.
Meu corpo ficou rígido, como uma parede de tijolos
colocada em segundos. Meu estômago era um caldeirão agitado
de rancor.
Um respingo de álcool caiu na bochecha de Bay, escorrendo
da margem do papel e caindo em sua camisa.
E, em um piscar de olhos, a parede de tijolos foi demolida.
— Tire a porra de suas mãos disso. — Eu atravessei a sala
como um furacão. Me xingando por ter deixado o bloco de
esboços de fora, fui pegá-lo. Esses eram meus pensamentos
privados. Momentos privados. Pensar nele vendo até mesmo
um pedaço de quem eu era me enojou.
— Olhe para você, rabiscando fotos de todas as garotinhas
que você está fodendo. Achei que você escolheria as mais
bonitas. — Ele bloqueou minha mão para o bloco de esboços,
seu aperto aumentando no meu antebraço.
Eu estava ficando desleixado. Uma tentativa feroz de agarrar
o bloco abriu todo o meu flanco.
— Vai se foder, não olhe para isso. Não é seu.
Mesmo agora, depois de quatro sólidos anos de
levantamento de peso, ele era mais alto do que eu. Ou talvez eu
apenas sentisse que ele era mais alto. De repente, eu era um
garoto de onze anos quando seu hálito de uísque atingiu meu
rosto, me desacelerando e me enfraquecendo.
— Tudo nesta casa é meu, garoto. — O soco foi sólido,
rápido e preciso. Como se ele tivesse estudado todos os lugares
certos para bater em alguém quando a luta poderia ser justa. O
vento saiu de mim como se eu tivesse sido atingido por um
furacão.
— Isso não.
Meus dedos agarraram a borda do bloco e eu o puxei para
fora de seu alcance, arremessando-o em direção às escadas.
Meus pulmões queimavam, gritando por ar que não viria,
como se um interruptor de vácuo tivesse sido ligado no
cômodo e não houvesse mais nenhum para mim. Um som de
asfixia escapou dos meus lábios.
Eu cambaleei para trás, com pontos nadando na frente dos
meus olhos.
— Você acha que, porque está indo para a faculdade para
jogar bola, você é melhor do que eu?
Ele se empurrou para fora da cadeira, levantando-se até sua
altura máxima. Ainda um centímetro mais alto do que eu. Um
sorriso cruel de satisfação se espalhou por seu rosto como se ele
estivesse esperando se revidar depois da última vez que
brigamos.
Ele se ferrou; eu nem sabia se iria. Minha mente voltou para
o jogo que eu deveria jogar em menos de vinte e quatro horas.
Eu não iria fugir. Eu não iria deixá-lo tirar essa chance de
mim novamente.
Ele veio rápido e com força como sempre foi, mas eu era
mais forte e mais rápido do que ele. O treinamento de tight end
tinha me ensinado a pegar minha energia explosiva e canalizá-la
em direção ao meu oponente, mas algo se quebrava dentro de
mim quando meu oponente era a porra do meu próprio pai.
No meio da sala, eu senti como se o mundo inteiro estivesse
se fechando sobre mim enquanto ele avançava, carregando na
minha direção novamente. Eu estava preparado com minhas
mãos para cima, não disposto a ser pego desprevenido – de
novo.
Colocando meus braços perto das minhas laterais, eu recebi
o impacto do golpe, minhas costas batendo na parede. A parede
de gesso cedeu sob nossos pesos combinados, rachando e
deformando.
Eu o empurrei para trás, bloqueando seu golpe.
Plantando meus pés, eu ofeguei. O sangue pingava do meu
nariz em meu lábio superior.
— Parece que você finalmente aprendeu a levar um murro
sem todas aquelas almofadas.
Minha visão se encheu de vermelho, uma queimadura de
fogo que irradiava da minha lateral, através do meu braço e para
o meu punho, enquanto se conectava com sua cara irônica.
Seus olhos se arregalaram um segundo antes de eu conectar,
como se ele não tivesse pensado que eu me recuperaria tão
rapidamente.
O chão tremeu sob meus pés quando seu corpo atingiu o
carpete rasgado e desgastado.
Ofegando e segurando minha lateral, peguei o bloco de
esboços e corri escada acima.
Eu tinha perdido o hábito de trancar a minha porta, sempre
esperançoso de que Bay entrasse. Eu estava fora de prática. Eu
não era um guarda para minha própria segurança pessoal. Ele já
tinha mexido no meu quarto, mas o cadeado da gaveta de baixo
estava intacto. Ele passava muito tempo vasculhando minha
cômoda para ver algo além das roupas que caíam das outras
gavetas acima dele.
Eu destranquei com uma pontada aguda de dor queimando
meu corpo. Ir embora era minha única escolha. Eu adiei isso o
máximo que pude, mas eu não voltaria para mais um segundo
disso.
Correndo pelo meu quarto, peguei minha bolsa, fogo
irradiando pela minha lateral a cada movimento, e a enchi com
roupas. Meus cadernos de esboços foram os próximos.
Um gemido e um som grogue vieram do andar de baixo.
Enfiei minha mão em meu esconderijo de dinheiro na
abertura de ventilação do teto acima da minha cama, soltando
um palavrão no alcance longo, que parecia como se alguém
tivesse colocado um atiçador de fogo na minha lateral. O
dinheiro, alguns papéis e algumas roupas eram tudo o que eu
estava levando comigo. Dei uma última olhada ao redor do
quarto – a única coisa que eu sentiria falta era a vista.
Meus pés atingiram as escadas, soando como se uma
manada de animais tivesse se libertado do zoológico, mas era só
eu. O local onde ele estivera estava vazio. Eu reforcei meu
aperto na bolsa. As únicas coisas que importavam para mim
estavam nela.
Garrafas e vidros tilintaram na cozinha, mas não me
importei. Ele poderia manter sua bunda lá, eu estava indo
embora.
A batida da porta atrás de mim foi como a batida de um
cofre, para nunca mais ser aberta. Do lado de fora olhei em
volta, tentando me orientar. Meu carro estava estacionado na
garagem. Enfiei minhas mãos no bolso e tirei as chaves, jogando
minhas coisas dentro e dando ré na garagem, chegando ao final
da encosta íngreme.
Minhas costas doíam. Minha lateral gritava. E minha cabeça
estava embaçada.
Eu precisava de Bay.
Eu precisava deitar minha cabeça em seu colo enquanto ela
acariciava meu cabelo e beijava meus lábios, me dizendo que
tudo ficaria melhor. Se ela dissesse essas palavras, eu acreditaria
nela. Olhando para mim mesmo no espelho retrovisor, vi meus
dentes manchados de sangue e um nariz ensanguentado.
Gotículas escorriam pela minha camisa.
Eu não iria levar isso para a porta dela. Eu não iria aparecer
machucado e espancado.
Havia apenas um outro lugar que eu conhecia. Eu enviei
uma mensagem.
— Caralho, cara. Por favor, deixe-me ligar para alguém. —
Knox correu para a frente no segundo em que saí do carro.
Eu balancei minha cabeça.
— Está feito. Eu não vou voltar. Nos formamos em duas
semanas. Vou dormir no meu carro se precisar.
— Não seja um idiota. Claro que você pode ficar aqui. Não
é como se eu já não tivesse oferecido isso antes. — Ele fervia.
Saber que meu amigo estava tão chateado em meu nome
ajudou um pouco. Pelo menos havia algumas pessoas por aí
que se importavam comigo.
Eu dei um passo, sibilando e agarrando minha lateral.
— Vamos entrar. — Knox pegou minha bolsa e me levou
até os degraus do porão. — Precisamos ir ao hospital?
— Não. Eu tenho que jogar no Bedlam Bowl amanhã.
— Você não pode jogar assim.
— Eu vou. Não vou deixar ele tirar isso de mim uma
segunda vez. — Cada passo era uma tortura. Eu segurei minha
lateral.
— Como você vai jogar?
— Vai ficar tudo bem pela manhã.
— Você está se arrastando. E se curvando.
Eu me endireitei e mordi meu sibilo, fechando meus lábios
com força.
— Eu vou ficar bem. — Saiu como um chiado.
— É tudo ou nada, não é?
Meus passos arrastados pararam. Minha cabeça disparou
para cima e encontrei seu olhar.
Knox balançou a cabeça com os braços cruzados sobre o
peito.
— Deixe-me pegar um pouco de gelo. — Ele correu escada
acima e eu me sentei em seu sofá, me abaixando apoiando
minhas mãos no braço e nas costas do assento.
Ele voltou com algumas bolsas de gelo, toalhas, uma atadura
atlética e um kit de primeiros socorros. Ele partiu as bolsas de
gelo ao meio e as entregou para mim junto com uma toalha.
— Por que você não me contou? — Ele me entregou os
suprimentos e deixou eu me limpar.
— O que havia para contar?
— Foi depois que você perdeu aquele jogo na temporada
passada, não foi?
Um aceno de cabeça sombrio.
— Foi isso que aconteceu?
Outro aceno de cabeça.
— Filho-de-uma-puta-do-caralho — Ele se levantou de
repente. — Por que você não contou a ninguém?
— O que eu teria dito? — Eu cerrei meus dentes e levantei
minha camisa.
Ele andou de um lado para o outro na minha frente.
— Meu pai está abusando de mim, você pode me ajudar? O
que isso teria feito? Estou bem.
— Você está me zoando? Isso não é estar bem, porra. — Ele
gesticulou para o hematoma espalhando em minha lateral.
Cobri a área com as bolsas de gelo e usei as ataduras elásticas
para prendê-las em mim.
— Você poderia ter ficado aqui. Você sabe que meus pais
gostam mais de você do que de mim. Ou ficar com qualquer
um dos caras.
— Não sou um caso de caridade.
— Vai se foder. Você é meu amigo e sabe que isso é besteira.
— Agora já está feito. Acabou. De que adianta falar sobre
isso agora? — Eu precisava estar com desempenho máximo
para provar a todos que eu poderia ser um trunfo para qualquer
equipe que me aceitasse. Mais uma vez, meu coroa encontrou
uma maneira de me foder.
— Como você vai jogar amanhã?
— Dor é temporária. Vai estar dolorido amanhã, mas por
umas duas horas, eu posso superar isso. — Não havia outra
escolha. Eu estava sem opções.
— Você não deveria ter que fazer. Eu não posso acreditar
que você escondeu isso de mim. — Ele bateu com a mão na
lateral da cabeça. — Não acredito que não percebi. — A última
parte foi dita mais para si mesmo do que para mim.
— Eu não dizer nada não torna sua culpa. Não é grande
coisa.
Ele parou e se sentou na cadeira em frente a mim, deslizando
para a borda dela com as palmas das mãos pressionadas juntas.
— O fato de você pensar isso... — Ele balançou a cabeça,
seus lábios em uma linha dura. — Que caralhos é o seu
problema?
A raiva borbulhou dentro de mim.
— Eu te disse que não era nada. Assim que eu me trocar,
vou sair daqui. — Peguei minha bolsa, estremecendo.
Knox a agarrou da mesa e a largou ao lado dele.
— Você não vai a lugar nenhum. — Ele cruzou os braços
sobre o peito.
Passos desceram as escadas.
Deixei minha camisa cair sobre as bolsas de gelo.
— Dare, não ouvi você chegar. Pensei ter ouvido vozes.
Vocês estão com fome, meninos?
— Mãe, Dare precisa de um lugar para ficar por um tempo.
— Sua mandíbula cerrou, funcionando como se ele tivesse
mordido um pedaço da carne seca mais seca do mundo.
Nunca fui de implorar por nada, mas implorei ali com meus
olhos.
O olhar de Knox se estreitou.
— A casa dele está sendo fumigada.
— Dare, sempre dissemos que você pode ficar o tempo que
precisar. Com seu pai na estrada o tempo todo e você sozinho,
nos preocupamos com você. — Os cantos de seus olhos
enrugaram com uma bondade que me fez desejar uma mãe só
minha. Era assim que a minha seria? Ou ela teria continuado
com meu pai? Ou seria outra pessoa que eu não conseguiria
proteger junto comigo mesmo?
— Vou pegar outro bife do freezer para o jantar.
— Obrigado, Sra. Daniels. — Eu consegui falar através do
nó na minha garganta.
— Pegue alguns destes. Vou pegar mais gelo. Nem pense em
voltar para sua casa. Eu já volto. — Knox desapareceu de volta
lá em cima.
Pelos tons abafados e vozes ligeiramente levantadas, ele
provavelmente estava contando tudo a seus pais. Sua boca era
uma peneira com vazamento, mas eu estava cansado demais
para me importar.
Eu descansei minha cabeça contra o encosto do sofá e fechei
meus olhos.
Uma mão pesada em meu ombro me acordou me
sacudindo. Eu me encolhi e segurei minha lateral.
O cheiro de um bife perfeitamente temperado e cozido
exalava do prato sobre a mesa.
— Você pode tomar dois desses depois de comer. Mas fica
avisado, se você tiver dificuldade para respirar ou qualquer
outra coisa lhe parecer estranha, vamos levá-lo ao hospital.
Eu assenti.
Comemos no porão, Knox me observando para cada careta
ou estremecimento. O que quer que ele tenha me dado ajudou
a anestesiar a dor, e o sofá-cama me chamou, pronto para me
arrastar para o abismo escuro do sono.
— Você tem um player de CD em algum lugar?
Knox olhou para mim como se eu tivesse pedido a ele um
toca-discos de 8 faixas ou vinil.
— Talvez. Deixe-me perguntar aos meus pais.
Ele voltou com um Discman e alguns fones de ouvido.
— Obrigado. — Eu dei um tapinha no player preto e prata
contra a palma da minha mão.
— Tudo o que você precisava fazer era pedir, cara. Claro
que eu estaria lá por você.
Eu assenti e deitei no colchão macio e confortável – o
melhor que eu já me deitei depois do de Bay. Mas isso pode ter
algo a ver com ser dela.
Vasculhando minha bolsa, localizei o estojo transparente. A
faixa de luz do topo da escada era refletida do disco quando o
tirei e coloquei no player de CD.
Colocando os fones de ouvido, fechei os olhos e imaginei o
rosto de Bay. Apertei o play e meu coração acelerou, pulando
uma batida. Sua voz tomou conta de mim, me relaxando e
enxugando os últimos sinais persistentes de dor. O sono era um
esquecimento feliz onde sua música era apenas para mim.
Amanhã eu lidaria com tudo o que viria com isso, mas, esta
noite, eu teria minha paz com Bay em minha cabeça, mesmo
que ela não pudesse estar em meus braços.
Knox e eu dirigimos juntos para a partida. Ele ficou de olho em
mim, como se esperasse que eu desmaiasse a qualquer
momento. Os analgésicos da noite anterior fizeram com que eu
pudesse dormir.
Minha lateral estava dolorida para a porra, mas eu me vesti,
feliz que estávamos apenas jogando touch16, já que era fora de
temporada. Era um treino. Eu tinha ido treinar machucado e
sangrando antes. Era como qualquer outra vez. Só treino. Um
treino glorificado em que toda a minha carreira dependia do
resultado.
A tela do telefone se iluminou na parte superior da minha
mochila. Cada mensagem pingava na tela, rolando uma após a
outra.

Bay: Quebre a perna lá fora.

Bay: Na verdade, não. Eu estive ao redor de


pessoas do teatro tempo demais.

Bay: Chute o traseiro de alguns garotos do


terceiro ano no Bedlam Bowl. Estou trabalhando

16
Touch football é uma definição de futebol tátil, sendo uma versão informal
do futebol americano, principalmente caracterizada por jogadores sendo tocados
ao invés de abordados.
para garantir minha liberdade. A carcereira não
disse quando será. Tenho certeza de que será
bem a tempo de tudo em nosso último ano
acabar.

Bay: Não fique nervoso.

Bay: Espero não ter simplesmente colocado isso


na sua cabeça.

Bay: Vou parar agora.

Bay: Você consegue.

Eu ri, quebrando um pouco da tensão queimando em meu


peito. Entrando no vestiário, respondi a sua mensagem antes de
guardar minha bolsa.

Eu: Eu também queria que você estivesse aqui.

Bennet puxou as ombreiras pela cabeça.


— Alguém está de bom humor.
Eu abri meu armário.
— Por que não estaria de bom humor?
Knox me lançou um olhar antes de despejar suas coisas em
seu armário e pegar suas almofadas.
Bennet esticou o braço sobre o peito, pressionando o ombro
contra a parede.
— Estou ansioso para passar um mês inteiro só precisando
ir para a sala de musculação. Isso vai me ferrar quando eu
chegar na Carolina do Norte, mas vai valer a pena. Não é como
se eu fosse ser um QB titular no meu primeiro ano de qualquer
maneira. — Ele deu de ombros como se não fosse grande coisa,
mas pelo menos ele sabia que tinha uma vaga no time.
Sua cabeça girou em minha direção quando ele mudou o
alongamento. Ele fez uma careta.
— Desculpe cara. — Ele abaixou a cabeça e se inclinou. —
Escuta, eu sei o que aconteceu na última temporada e sei que
você está mantendo isso em segredo. Se alguém não te escolher
depois disso, eles estão loucos. Conta com a gente lá fora.
Assentindo firmemente, terminei de colocar as almofadas
de verão. Não eram tão volumosas quanto as outras, então
permitiam ainda mais movimento e menos peso induzido do
suor.
O vestiário parecia vazio com apenas sete caras aqui. Esta
pode ser a minha última vez neste lugar. Olhei em volta para o
logotipo do leão pintado na parede de blocos de concreto.
Vozes e sons ecoaram no local quase vazio. Os armários
fecharam e os caras testaram seus protetores bucais, embora
não fosse haver contato.
Knox saiu e escorregou as almofadas nos ombros.
O treinador abriu a porta do vestiário.
— Vocês estavam esperando por um convite? O outro time
já está lá fora.
Bennet, Knox e eu trocamos olhares e socos antes de segui-
lo para fora.
Saindo para o campo, os cheiros de suor, grama recém-
cortada e gelol de massagem muscular me trouxeram de volta à
primeira vez que joguei pelo Greenwood. As arquibancadas
estavam lotadas – não em capacidade, mas mais do que a
maioria das pessoas esperadas para um jogo praticamente
amistoso de sete-contra-sete.
Nas arquibancadas haviam fãs com camisetas do time
agitando faixas no ar. E haviam câmeras. Um mar de caras em
roupas esportivas sem marca usava seus telefones, mas também
havia aquelas configuradas em tripés para capturar todo o
campo. Depois de vencermos o campeonato estadual por
quatro anos consecutivos, o número de câmeras cresceu.
As fitas enviadas pelo treinador eram revisadas, mas cada um
tinha sua própria fórmula especial para fazer suas escolhas
finais, incluindo vir aqui pessoalmente ou enviar seus próprios
olheiros.
O treinador nos chamou para o amontoado.
— Temos muitas pessoas aqui hoje, mas isso não significa
nada. Alguns de vocês já assinaram suas cartas, mas hoje
estamos todos aqui dando tudo de nós. Precisamos de todos
para as duas metades deste jogo. Energia explosiva. Façam seus
trabalhos e não façam nada estúpido.
Knox se inclinou e murmurou.
— Que discurso de motivação.
— Tente tê-lo como seu pai. — Bennet balançou a cabeça e
colocou o capacete. — Não posso dizer que não me importarei
de ter outro treinador na próxima temporada. — Ele puxou o
pescoço de suas ombreiras.
Knox andou ao meu lado.
— Você está pronto para isso?
— Eu não tenho escolha. É agora ou nunca. — Enfiei meu
capacete na cabeça.
O treinador me puxou de lado e agarrou minha máscara
facial.
— Eu quero ver a energia explosiva saindo de você nessa
primeira passada. Bata e pegue todos os passes lá. É hora de ser
um pouco egoísta. — Ele segurou meu olhar, mais intenso do
que eu já o tinha visto antes.
Olhei por cima do ombro para o resto dos meus
companheiros de time.
Ele puxou meu colarinho para que eu então estivesse de
frente para eles.
— Todos os outros já assinaram suas cartas ou têm pelo
menos um ou dois anos para fechar um acordo. Esta é a sua
última chance, Dare. Eu sei que você tem lidado com muito
mais do que os outros garotos deste time.
Abri a minha boca como sempre fazia para negar, negar,
negar.
Ele rosnou e balançou a cabeça.
— Esta é sua chance de receber a recompensa por todo o
trabalho duro que você dedicou. Não deixe isso escapar de suas
mãos novamente. Nem sempre temos segundas chances e agora
você tem a sua. Esta é sua vida. Você entendeu?
Ele bateu no topo do meu capacete e voltou para a área de
treinadores.
Corri até o resto dos caras em nossa linha reduzida de
scrimmage, recebendo acenos de cabeça, e tomei meu lugar no
final.
Meus dedos afundaram no solo quente e eu me concentrei
no meu único objetivo.
A adrenalina disparou em minhas veias. Esses não eram
meus companheiros de time. Eles eram os obstáculos para eu
sair dessa cidade de merda e da minha vida de merda.
O calor atingiu minha nuca, o suor escorrendo.
O centro anunciou a jogada e eu atravessei a defesa
inexistente tão explosivamente como se eu precisasse derrubar
um linebacker17 de 130 quilos. Minha lateral gritou como se eu
tivesse levado um soco de novo. Cavei fundo, minhas chuteiras
cravaram na grama e decolei, chegando não muito atrás dos
wide receivers antes de voltar e procurar o passe.
Bennet largou o arremesso e a bola rasgou o ar como uma
bala. Com os pés rápidos, apertei a defesa e espalmei a bola,

17
Linebackers (LB) são membros do time de defesa e se posicionam pelo
menos 4 metros atrás da linha de scrimmage, atrás dos homens da linha defensiva.
O objetivo do Linebacker é defender contra passes curtos, fazer tackles e atacar o
quarterback adversário.
antes de trazê-la com força contra o meu peito e correr para a
end zone.
Primeira jogada finalizada e eu pude sentir a atenção voltada
para mim. Joguei a bola de volta para o árbitro e voltei para a
minha linha. Meu campo. Finalmente, minha hora.

Eu escancarei minha porta e vacilei, curvando-me para sair do


meu carro. A adrenalina do jogo e da noite anterior havia
passado, me drenando, mas ver Bay pela janela da cozinha ainda
me fez sorrir. A costela não estava quebrada, mas isso vai ser
uma merda nas próximas duas semanas, especialmente depois
da partida de hoje.
O treinador veio até mim depois e disse que qualquer um
seria um tolo se não me escolhesse depois do que eu fiz lá no
campo. Fez com que cada respiração ofegante valesse a pena. E
agora eu pude ver Bay, o que tornava qualquer dia mil vezes
melhor.
Peguei a chave debaixo do vaso de flores no degrau dos
fundos e entrei. Fechando a porta atrás de mim com cuidado,
atravessei a varanda dos fundos com tela e entrei na sala de estar.
— Bay? — Eu não tinha verificado se a mãe dela estava em
casa. Eu não queria acordar Molly se ela ainda estivesse
dormindo.
No interior, a quietude e a tranquilidade da casa me
acalmaram. Ninguém se enfurecia aqui. Não havia garrafas de
rum abandonadas, batendo umas nas outras no chão. Agora,
mais do que nunca, eu podia apreciar este lugar – porque eu
não tinha mais um lar.
A voz dela me atraiu ainda mais para dentro da casa.
As palavras eram indistintas e perdidas na distância das
paredes entre nós. Mas os sentimentos estavam lá como
sempre. Elas me aqueciam e me acalmavam como um bálsamo
esfregado em meu coração.
Fechei os olhos e me entreguei à melodia tranquila que
ficava cada vez mais alta.
— Dare! — Bay gritou.
Meus olhos se abriram.
Uma colher voou de sua mão e eu a peguei no ar.
— Você me atacou com uma colher? — Eu a acenei na
frente dela.
Ela tentou pegá-la, mas eu a mantive fora de alcance,
passando meu dedo pela manteiga de amendoim.
— “Atacar” é uma palavra forte. Mais como “gani e me
agitei, largando minha colher”. — Seus lábios tremeram com
uma risada que ela tentou conter.
Seu lanche de manteiga de amendoim e maçã verde estava
em seus braços, junto com seu caderno.
— Você tem escrito. — Eu acenei a cabeça para a capa verde
gasta.
— Um pouco. — Ela puxou a colher da minha mão e girou,
voltando para a cozinha. — Você quer um pouco?
— Claro que sim. — Eu a observei ir embora, odiando
mesmo quando era apenas para o outro cômodo.
Nos sentamos um ao lado do outro com as costas contra a
parede, destruindo a tigela de manteiga de amendoim e fatias
de maçã. Isso me fez sentir como se eu tivesse sete anos e
estivesse no porão de Knox novamente.
— Você está aqui todo esse tempo e não me contou como
foi o jogo.
Pegando a última fatia de maçã da tigela, dei de ombros.
— Foi tudo bem.
— Tudo bem? Tudo o que você vai me falar é tudo bem?
— Você sabe. Nada especial ou extraordinário. Tudo
normal.
— Me conta. — Ela cravou os dedos na minha lateral,
puxando minha camiseta.
Eu pulei da cama, a dor irradiando pela minha barriga e
peito. O latejar martelante enviou a bile correndo para minha
garganta.
Desmoronando na cadeira ao lado de sua mesa, eu protegi
minha lateral, mordendo o interior da minha boca, até sentir o
gosto de sangue.
Meu coroa que se foda e eu que me foda por não ser rápido
o suficiente. Ele não deveria ter sido capaz de acabar comigo
daquele jeito.
O olhar de Bay estava concentrado no chão. Ela balançou as
pernas fora da cama e apoiou as mãos na beirada.
— Você conseguiu isso no jogo? — Ela olhou para mim
daquele jeito que só ela podia, do jeito que me fazia sentir como
se eu estivesse nu na frente dela, todos os hematomas e cicatrizes
expostos.
— Eu estou indo. Você tem coisas para fazer. — Era agora
que eu me levantava. Era agora que eu me levantava e saia deste
quarto, me certificando de que ela não estivesse tão perto até
que as coisas não estivessem tão cruas.
— Não faça isso. Não se feche e me exclua.
— Eu nem deveria estar aqui. Sua mãe vai pirar se me ver
aqui.
Sua boca abriu e fechou.
— Ele bateu em você… bate em você. — Ela saiu da cama
caindo de joelhos e passando a mão no meu braço.
Eu sibilei e me afastei dela.
— Não importa. Vou sair daqui em algumas semanas.
— Importa. Claro que importa, Dare. — Sua mão pairou
sobre minha perna antes de colocá-la de volta em seu colo.
— O que aconteceria? Eu seria enviado para um abrigo? Ele
está longe na maior parte do tempo de qualquer maneira.
Normalmente, eu durmo no sofá de alguém quando ele está de
volta, e agora que sou mais velho... — Eu cerrei meus punhos
contra minhas coxas. — Não é como era antes. — Eu desviei o
olhar, olhando para suas paredes pintadas com cores vivas, com
fotos emolduradas dela e de seus pais. — Não é como quando
eu era mais novo.
— E isso faz com que seja certo?
Eu pulei da cadeira dela. Dor irradiava do ponto em meu
lado esquerdo como um botão brilhante de “não toque”. A
cadeira bateu contra a mesa, tombando e caindo.
— Por que todo mundo está tentando fazer tanto alarde
sobre isso? Você acha que eu não sei disso? Mas acabou agora.
Terminou. Não há como voltar atrás para consertar nada, e a
faculdade significa que eu nunca mais terei que vê-lo
novamente. Eu vou virar profissional, e ele pode comer merda
e morrer, pouco me importa.
— Ir embora não significa que tudo isso vai sumir. Mudar
não altera as coisas acontecendo em nossas cabeças.
— Mudar daqui vai para mim. Eu não tenho que vê-lo. E se
eu ver... — Minhas mãos cerraram ao meu lado.
— Talvez você devesse falar com alguém. — Ela se levantou
da cama e cruzou o quarto até mim.
— E dizer a eles o quê? Sim, meu pai costumava me dar uma
surra, mas eu trabalhei para caralho na academia para ficar
maior, e agora ele só joga ferramentas na minha cabeça de uma
distância segura, porque ele sabe que eu foderia com ele inteiro
se ele se aproximasse.
— Obviamente não.
— Tudo bem. Que só preciso ficar em alerta nos dias em
que ele chega em casa quando não estou esperando por ele. Não
vou voltar lá enquanto ele estiver lá, Bay. Não se preocupe. Vou
sair da cidade assim que puder. — Eu dormiria no meu carro
na beira da estrada se precisasse. Mais algumas portas de carro
amassadas e consertos em pára-choques e eu teria o suficiente
para me sustentar por alguns meses em algum lugar quente.
— Você não pode simplesmente fechar o livro sobre isso e
enfiá-lo em uma prateleira em algum lugar. Isso vai afetar você.
— Eu não sabia que eles ofereciam um diploma em
psicologia na Greenwood Senior High.
— Eu não estou... — Ela passou os dedos pelos cabelos. —
Não estou tentando forçar você.
— É exatamente o que você está tentando fazer. Eu não bato
em ninguém, a menos que esteja em campo. — As poucas
brigas nocauteadoras em que estive fora do campo foram todas
justificadas, não atacando ninguém que não podia revidar, mas
Bay não precisava saber de toda a minha história suja,
machucada e sangrenta.
Ela não precisava saber que mais da metade dos meus
hematomas não tinha nada a ver com meus jogos. Ou como eu
vivo essencialmente por conta própria desde os doze anos.
Naquela época, tinha sido muito mais fácil cortar grama como
uma criança fofa para ganhar dinheiro extra.
Depois que comecei o ensino médio, tive que fazer escolhas
difíceis entre treinar e ganhar dinheiro para comprar comida, e
houveram muitas noites em que eu ia para a cama com fome,
acabava com a comida de alguém ou ia a uma festa só para
comer. Eu não hesitava em deixar uma fã pagar pela minha
refeição para que eu não tivesse que beber água para finalmente
conseguir cair no sono à noite.
— Eu não disse que você iria, mas... você não deveria sentir
que tem que esconder isso de mim. Não sinta vergonha.
— Você quer ver os detalhes sórdidos.
— Não é nada disso!
Eu puxei minha camisa para cima, minha cabeça atirando
para trás, e cerrei meus dentes.
— Que tal quando ele me bateu com tanta força que não
conseguia enxergar pelo meu olho por uma semana, quando eu
lhe pedi dinheiro para uma excursão? Ou quando ele quebrou
meu braço quando eu estava na sexta série? Ou que tal quando
ele quebrou uma das minhas costelas no segundo ano?
Suas mãos dispararam para a boca, seus olhos se arregalaram
como em um filme de terror.
O hematoma manchado havia se espalhado. Minha lateral
doía e latejava. Estava quente, e seu olhar o tornava
insuportável.
— Agora você está vendo. Agora você sabe. Posso ir atrás de
mais, se você quiser. — Minhas mãos flexionaram ao lado do
corpo e tudo que eu queria fazer era fugir.
Lágrimas brilharam em seus olhos.
Doeram. Suas lágrimas e seu horror. Doeu saber que ela
sempre veria isso quando me visse. Eu deixei minha camisa cair.
— Você está feliz agora? — As palavras eram afiadas como
uma pistola de pregos.
Ela balançou a cabeça ferozmente.
— Não! Claro que não. Eu não sei como melhorar isso.
— Você não pode. Eu estarei bem em alguns dias. Talvez
uma semana.
Ela levou a mão trêmula à minha bochecha, avaliando meu
rosto.
— Não me refiro aos hematomas. — Sua garganta subiu e
desceu. Ela passou a palma da mão no meu peito. — Quero
dizer o que ele fez para fazer você pensar que isso é algo que
desaparece quando os hematomas desaparecem.
Meu coração disparou.
Eu recuei e abaixei meu olhar, mantendo-o concentrado no
chão.
— Quantas vezes eu tenho que te dizer que estou bem?
— Você pode dizer quantas vezes quiser, mas isso não
significa que seja verdade. — Havia um tom suplicante em sua
voz que me abalou profundamente.
Abaixar a guarda era algo em que eu nunca tinha sido bom.
Cercado por jogadores de futebol americano, ninguém jamais
pensaria em trazer à tona uma merda como essa. Minha
armadura estava sempre levantada, exceto perto dela. Eu não
precisava fingir, mas também não tinha o luxo de viver uma
vida onde minha armadura não tivesse sido forjada no fogo da
fúria e do sangue. Deixar cair perto dela me abriu para isso, uma
lança ao meu lado assim que eu deixei cair o metal no chão e
abri meus braços para ela. Eu não poderia fazer isso, não com
ela. Eu não queria fazer isso. Eu não queria ir para aquele lugar
sombrio, nunca quis afetar meu tempo com ela.
Minhas costas bateram em sua cômoda.
— Pare de forçar. Você poderia simplesmente parar?
— Dare. — Ela estendeu a mão à sua frente. Lágrimas
nadaram em seus olhos. Sem aviso, ela disparou para frente e
colocou os braços ao meu redor, tomando cuidado com a
minha lateral. Seus braços me envolveram em um abraço de
urso.
Meus braços ficaram presos ao lado do corpo. Minhas
narinas dilataram e eu tremi, tentando me controlar. Eu queria
empurrá-la para longe. Eu queria voltar para o meu carro e
dirigir até ficar sem gasolina. Um barulho saiu da minha
garganta, mas ela continuou aguentando. Segurando em mim
e não me deixando ir.
Eu levei meus braços até suas costas, puxando, agarrando a
parte de trás de sua camisa e enterrando meu rosto na curva de
seu pescoço.
Ela pressionou seu peso em mim e, de repente, não era eu
quem estava sendo segurado. Eu a estava segurando como se
estivesse com medo de que uma brisa a levasse embora.
Eu segurei firme, as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e
em sua pele como Gatorade derramado por cima depois de uma
vitória.
Sua voz suave e gentil me tirou das lágrimas e da dor, e eu
me agarrei a ela como uma corda salva-vidas. Ela passou as mãos
para cima e para baixo nas minhas costas e eu a apertei até meus
dedos doerem.
Ela não disse uma palavra, apenas me abraçou até que o
cansaço me inundasse.
— Bay. — Uma batida rápida em sua porta e a voz de sua
mãe cortou o momento. — Dare?
Eu recuei, deixando meus braços caírem e virando meu
rosto para longe das duas.
— Eu volto já. — Bay saiu correndo do quarto, fechando a
porta atrás dela.
Eu esfreguei minhas mãos no meu rosto. Idiota completo.
Isso é o que eu era. Mantendo meu olhar longe do espelho dela
– eu não precisava ver como diabos eu estava agora – sentei na
beirada da cama. Meu olhar disparou para a janela entreaberta.
Eu queria sair por ela para não ter que enfrentar ninguém
nunca mais.
A porta se abriu e eu olhei para cima; meus olhos pareciam
como se alguém os tivesse esfregado com um bombril.
Bay voltou e fechou a porta atrás dela. Ela tinha uma flanela
na mão, uma toalha e um copo d'água.
Minha visão latejava junto com minha pulsação martelando
dentro do meu crânio.
— Eu trouxe um pouco de água para você.
Eu a peguei e engoli como se tivesse estado em campo por
duas semanas, não duas horas.
— Deite-se.
— Sua mãe…
Ela colocou tudo sobre a mesa ao lado de sua cama.
— Ela está bem, e ela disse que você pode ficar o tempo que
precisar.
Eu abri minha boca.
A cama afundou onde ela se sentou, ao meu lado.
— Eu não contei nada a ela. Só que você não podia ir para
casa e precisava ficar aqui por um tempo. — Ela estendeu a
flanela. — E pode durar o tempo que você precisar.
Eu a arrastei sobre meu rosto, deixando a água fria lavar
minha pele.
— Eu estou ficando no Knox. Eu não tenho que ficar aqui.
— Mas você pode? — Ela pegou o pano úmido de volta e
esfregou as costas das minhas mãos. Seus dedos suavizaram
meus tendões e nervos. — Deite-se ao meu lado.
Meu olhar disparou para a porta.
Ela envolveu os braços ao meu redor e me puxou para baixo.
Eu a segurei perto, respirando seu aroma fresco misturado
com papel e madeira. Seu violão estava ao lado da cama.
— Você pode cantar algo para mim?
Seus dedos deslizaram pela minha testa.
— Posso cantar o tempo que você quiser.
Adormeci em seus braços com a história de nós dois sendo
cantarolada em meus ouvidos. Não importa o que acontecesse
a seguir, eu não poderia deixá-la ir.
Eu fiquei acordada o tempo inteiro em que Dare dormia.
Minha voz estava áspera e arranhada quando parei de cantar.
Ele saiu antes das cinco, dizendo que os pais de Knox
estavam preparando o jantar para eles. A maneira como ele se
agarrou a mim parecia que alguém estava tentando arrancar
meu coração.
Muitas das coisas que pensei sobre Dare estavam erradas e
eu não sabia como lidar com essas novas informações. Meu
cérebro ainda estava paralisado tentando conciliar o que eu
tinha visto quando ele levantou a camisa, como o cara
arrogante que era membro da classe dominante na escola.
Assistindo ele se afastar pela calçada, eu queria correr e dizer
a ele para voltar para dentro, onde ele estaria seguro.
Mas haviam outras pessoas que se importavam com ele.
Talvez Knox pudesse colocar algum juízo nele.
Eu fiquei na porta muito tempo depois que seu carro foi
embora. Mamãe continuou me lançando olhares preocupados
durante o jantar.
Sua mão caiu sobre a minha.
— Ele precisa de ajuda? Ele te contou o que aconteceu?
Meu garfo rangeu no meu prato.
— Eu… eu não sei. Ele não disse. — Eu não a colocaria em
uma posição de precisar fazer algo se Dare não queria que nada
fosse feito, então mantive meus lábios pressionados com força.
— Parecia que ele precisava de um lugar tranquilo para ficar
por um tempo.
Seus lábios se contraíram e seu olhar disparou para a parede
como se ela pudesse usar a visão laser para ver diretamente a casa
de Dare.
Passamos o resto da noite em silêncio e me arrastei para a
cama com a sensação de ter corrido uma maratona de última
hora.

Faziam três dias desde que Dare apareceu na minha casa e eu


descobri o segredo horrível que ele sentiu que tinha que
esconder de todos. Ele não tinha ido à escola, e minhas
mensagens perguntando onde ele estava foram recebidas com
respostas enigmáticas.
Eu despejei minha preocupação em meu caderno e me
impedi de ir até sua casa, apenas porque as luzes não estavam
acesas lá – nunca. Não acendiam desde o dia do Bedlam Bowl.
Quando minha mãe estava fora, eu pegava o violão e
calmamente percorria as letras, rabiscando a música para
acompanhá-las. Ficar longe dele não estava sendo fácil, mas eu
passei pelo menos parte desse tempo em um casulo, tendo
compulsão em biscoitos e ibuprofeno, então não era
absolutamente o pior não ter que explicar a ele por que eu
estava vestindo um moletom com capuz e usando uma bolsa de
água quente a cada minuto em que eu estava em casa.
Com ele longe, mesmo na escola, eu não tinha tido um ou
dois momentos com ele. Sem olhares furtivos e sorrisos na aula
ou nos corredores para me acalmar.
Aqueles panfletos do show de talentos balançando no
corredor pareciam menos uma provocação e mais como uma
flecha apontando para como eu poderia deixar uma impressão
duradoura neste lugar. Eu poderia limpar o AGN do mapa.
Talvez sentindo que eu precisava sair de casa, minha mãe me
deixou ir para a casa de Piper em liberdade provisória para
ajudá-la a se preparar para o baile. Saí das fotos com ela e Jon
até que ela insistiu em uma e perguntou se eu queria ser
contrabandeada por baixo de seu vestido. Considerando que
era um vestido estilo sereia, isso poderia ter sido um pouco
complicado.
— Ah merda! Meu outro vestido. Tenho que devolvê-lo
amanhã às dez da manhã ou eles só vão me dar crédito da loja.
Minha mãe vai me matar. Ela me disse para devolvê-lo semanas
atrás. — Ela olhou para a escada espiral de sua casa.
— Eu posso levá-lo de volta. Vai me dar uma pausa na
minha sentença de prisão.
— Você é a melhor. — Ela me abraçou e desceu com o
vestido em um cabide com um saco plástico por cima.
A limusine deles me deixou em minha casa no caminho para
a extravagância da dança que duraria a noite toda.
De volta a casa, senti uma pontada no peito ao vê-los ir
embora. Eu não poderia dizer que estava triste por perder um
rito de passagem caríssimo que a maioria das pessoas dizia ser
superestimado para começo de conversa, mas uma parte de
mim se perguntava como seria.
Voltei para dentro e enviei uma mensagem para Dare.
Ele tinha ficado quieto o dia todo.
Eu pensei que não tinha palavras para falar com ele sobre
nada do que ele estava passando, mas as palavras vinham até
mim junto com uma melodia. Corri escada acima e dedilhei as
cordas, mantendo-as silenciosas, e rabisquei todos os
pensamentos que não tinha coragem de dizer a ele.
Os passos da minha mãe subiram os degraus rangentes.
Deslizei o violão debaixo da minha cama com o calcanhar. Ela
bateu na porta do meu quarto e a abriu totalmente.
— Você ainda está tecnicamente de castigo. — Seus braços
estavam cruzados sobre o peito.
Eu olhei de volta para o meu caderno. Uma nova música
estava corroendo meu peito desde o momento em que minha
cabeça bateu no travesseiro ao lado de Dare.
— Eu sei.
— Mas eu sei o quão importantes são esses marcos do ensino
médio. — Ela abaixou os braços e estendeu uma das mãos.
Saindo das sombras, Dare entrou na porta do quarto ao lado
de minha mãe – em um smoking.
Eu pulei da minha cama.
— Dare! Você está aqui. Onde você esteve? Por que você
está aqui?
— Vou responder uma de cada vez. Fiz uma visita de última
hora à faculdade.
Uma visita à faculdade. Eu abri um sorriso estupidamente
largo para ele, muito animada que seus sonhos ainda poderiam
se tornar realidade.
— Você poderia ter me contado.
— Eu sei, mas eu não queria azarar nada disso. E para sua
última pergunta... Eu vim para te levar ao baile. — Ele estendeu
uma pulseira de flor.
Mamãe apertou as mãos contra o peito, parecendo à beira
das lágrimas.
O alívio por algo terrível não ter acontecido com ele
inundou minha vontade de sacudi-lo por ter sumido da face da
Terra. Eu olhei para mim mesma.
— Eles provavelmente não vão me deixar entrar lá usando
isto.
Ele olhou para o cabide na porta do meu quarto.
Meu queixo caiu.
— Você planejou isso.
— Piper ajudou. — Ele puxou o plástico do vestido e havia
um bilhete preso ao cabide.
Havia três palavras no papel em sua caligrafia grande e
circular. Sem desculpas agora!
Me enganaram.
— Vamos te arrumar. — Mamãe entrou no quarto com sua
maleta cheia de maquiagem.
Sem muito aviso prévio, não havia muito que pudesse ser
feito, mas fizemos com que desse certo. Usando seus arranjos
de cabelo de bijuterias, ela fez um penteado metade para cima e
metade para baixo e aplicou apenas uma quantidade mínima de
rímel e batom. Eu provavelmente esfregaria tirando a maior
parte quando chegássemos ao clube de campo onde o baile
estava acontecendo.
— Perfeito. — Ela deu um passo para trás e esfregou o canto
do olho. — Você está linda, querida. — Um abraço rápido foi
tudo que conseguimos fazer ou eu não tinha dúvidas de que
ambas estaríamos em poças.
Um par de saltos emprestados completou o visual.
— Estarei esperando na parte inferior da escada com minha
câmera pronta.
Eu me virei e olhei para mim mesma. O vestido verde claro
tinha um decote em V com flores espalhadas por uma das
mangas esvoaçantes que terminavam nos meus cotovelos. O
tecido de seda me fez parecer um pouco com uma fada que
surgiu de um bosque esperando um príncipe. Só que o meu
estava lá embaixo.
O vestido roçou no chão enquanto eu descia as escadas,
tomando cuidado para não tropeçar.
Dare andava na frente da sala de estar e minha mãe estava na
parte inferior da escada com seu celular pronto.
Ele parou quando cheguei ao segundo degrau do topo. Ele
parecia estar vendo uma versão totalmente nova de mim. Eu
também estava – aquela refletida em seus olhos.
Na parte inferior da escada, nos saltos, eu estava quase olho
no olho com ele.
A concha de plástico com a pulseira de flores se abriu. Ele a
tirou e deslizou no meu pulso.
Minha mãe passou os próximos dez minutos nos
capturando de todos os ângulos como se ela fosse ter que
entregar essas fotos para uma investigação policial.
— Eu te amo. Fique segura. — Ela se virou e apontou o dedo
para Dare. — E a traga de volta à meia-noite.
— Claro, Molly. Ela estará segura comigo.
Meu estômago embrulhou como se estivesse mergulhando
de uma plataforma de dez metros.
Ele fechou a porta do passageiro e deu a volta na frente do
carro.
Acenei para minha mãe pela janela enquanto ela desaparecia
na distância.
Saímos de nosso bairro em direção ao clube de campo, mas
Dare fez uma curva, seguindo na direção oposta.
Eu olhei para trás.
— Onde estamos indo?
Ele tirou os olhos da estrada e sorriu para mim.
— Você vai ver.
— Então, não vamos ao baile?
— Nós vamos.
— Você desaparece por uma semana e então aparece e
encena um sequestro leve. O que está acontecendo? — Meu
coração disparou, sentimentos agitados me fizeram sentir que
estava a segundos de levantar voo.
— Existem essas coisas chamadas surpresas. Recoste-se e
aproveite o passeio.
O carro acelerou em uma ladeira íngreme. Os faróis
iluminaram uma estrada de terra com uma parede rochosa do
meu lado me impedindo de ver qualquer coisa. Ele apagou os
faróis e levou o carro para frente.
Apoiei minhas mãos no painel.
Ele estacionou o carro.
— Isto é para você.
Calor envolveu minha mão quando ele a levou à boca e
beijou as costas dela. Abaixando-a de volta, ele abriu a sua
porta.
A batida de metal contra metal balançou o carro e me
envolveu na escuridão. Então minha porta se abriu e eu gani,
segurando minha mão no meu peito.
Ele me ajudou a sair do carro e me deu um selinho.
— Fique bem aqui. — Com um rápido toque em meus
ombros, ele desapareceu na escuridão e me deixou em pé no
completo breu. À distância, as luzes da cidade brilhavam como
uma nave espacial alienígena segundos depois de pousar. Grilos
cantarolavam e meus sapatos arrastavam-se na terra. Onde
diabos estávamos?
As borboletas no meu estômago estavam ficando
impacientes. Eu puxei o elástico da pulseira de flores em volta
do meu pulso.
Um estrondo rompeu o silêncio sinistro e um baque de
metal acompanhou o local onde eu estava sendo banhada por
uma luz quente e brilhante.
Minhas mãos dispararam para minha boca.
Cordas de luzes brancas foram amarradas ao longo da
estrutura de metal que eu não conseguia distinguir. Uma
cortina deles cintilou e piscou em um ritmo lento, como se as
estrelas tivessem sido trazidas do céu noturno para tornar esta
noite ainda mais especial.
Uma mesa estava sob um dossel das cordas de luzes com um
pequeno buquê no centro. Havia um canto aconchegante feito
de cobertores e travesseiros, e um lençol branco pendurado
como uma tela.
Dare percorreu o perímetro do espaço, acendendo as
lanternas, antes de me encontrar no carro.
— Surpresa.
— Você fez tudo isso. — Eu encarei ele, não acreditando
que ele planejou e coordenou tudo isso.
— Achei que você merecia mais do que um baile normal.
Além disso, os ingressos estavam esgotados e eu não sabia como
você se sentiria aparecendo no meu braço. — Ele cruzou as
mãos atrás das suas costas.
Meu medo do que as pessoas diriam o fez duvidar do quanto
eu me importava.
— Eu adoraria ser seu par. Mas não vou dizer que isso não é
melhor. Eu não posso acreditar que você fez isso.
— Posso conduzi-la? — Ele estendeu um braço.
Enrolei o meu no dele e caminhei ao seu lado.
Empurrando a cortina de luzes, ele e eu entramos em nosso
próprio mundinho. Foi como encontrar um guarda-roupa
mágico no sótão.
— Quanto tempo você levou? — As cadeiras dobráveis de
madeira branca tinham guirlandas de flores enroladas nas
laterais.
— Piper me ajudou. Algo sobre eu precisar sequestrar você
para que você considerasse ir ao baile comigo. — Ele sorriu com
um toque de incerteza.
Meu queixo caiu e eu gaguejei.
— Eu… não você especificamente, apenas o baile em geral.
— Eu sei que não te joguei no porta-malas do meu carro,
mas espero que isso sirva. — Ele olhou para as luzes.
Arrancando meu olhar para longe dele, eu absorvi tudo. A
noite perfeita. O encontro perfeito. O momento perfeito.
— É lindo.
— E Knox disse para garantir que também receberia crédito
por sua ajuda. Ele não faria tudo isso sem nada em troca, sem
alguns detalhes, então eu disse a ele que era para alguém que eu
realmente queria impressionar.
— Tarefa concluída.
Ele tocou na tela do telefone e colocou-o de volta no bolso.
“Arms of a Woman” de Amos Lee começou seu
desenvolvimento suave com o dedilhar lento do violão.
— Posso ter a primeira dança? — Ele gesticulou para a
pequena pista de dança composta por grandes faixas de carpete
sobrepostas para nos dar espaço suficiente.
— Olhe só para isso. Meu cartão de dança tem uma
abertura. — Peguei sua mão e coloquei a outra em seu ombro.
Ele colocou o braço na minha cintura e me guiou pela nossa
pista de dança improvisada.
Olhando em seus olhos, eu não pude conter os sentimentos
que brotavam dentro de mim. O amor, algo que eu vinha
tentando negar por tanto tempo, mas agora eu sabia que era
verdade. Não porque ele planejou esta noite incrível para mim,
mas porque ele olhava para mim como se ninguém mais
existisse para ele.
Eu estava tão pronta para partir. Minhas malas estavam
praticamente feitas desde o segundo ano, mas aqui estava eu, a
menos de uma semana da formatura, tentando descobrir uma
maneira de desacelerar o tempo. Eu queria fazer isso durar e
nunca ter que ir.
Mas eu teria, no entanto, e ele também. Mas de pé sob as
luzes cintilantes, ouvindo o som suave do violão, com sua mão
na minha, eu sabia, no fundo dos meus ossos, que poderíamos
dar certo. Dare estava tão entrelaçado com minha alma que ir
embora seria como deixar um pedaço de mim para trás.
Podemos não estar a trinta metros um do outro após a
formatura, mas deixá-lo seria como decepar um membro.
— Por que você está fazendo essa cara? — Ele passou o dedo
pela minha testa.
— Nada importante. — Meu sorriso se ampliou. — Esse
encontro excepcional também vem com algum tipo de
refeição? Talvez alguns lanches?
— Que tipo de encontro seria sem comida? — A música
terminou e ele me beijou antes de voltar para o carro.
A trava do porta-malas abriu e fechou.
Ele voltou da escuridão com uma bolsa prata térmica.
Deslizando para fora dois recipientes, ele acenou para que eu
me aproximasse da mesa.
— Achei que você gostaria de um desses.
A tampa transparente de um recipiente tinha “B. Well”
escrito nela. A outra dizia “L. Thermidor”.
— Você não fez isso. Como você pensou nisso?
— Eles ficaram na minha cabeça quando você me convidou
para jantar. Você disse que não era como se estivesse fazendo
Bife Wellington ou Lagosta Thermidor. Achei que, se você os
os mencionou, provavelmente seriam coisas que você gostaria.
Ou pelo menos coisas que você já pensou.
Ele puxou minha cadeira e abriu tudo o que tinha vindo
com as refeições.
— Meu pai e eu sempre assistíamos a programas de culinária
juntos. Quando ele chegava em casa do trabalho, ficávamos no
sofá enquanto minha mãe lia e observávamos os chefs
prepararem refeições incríveis. E havia um onde eles fizeram
esses dois pratos. Ele disse que no meu aniversário
encontraríamos um restaurante que servisse eles e comeríamos
tudo.
Baixei meu olhar para o guardanapo de linho em meu colo.
Eu brinquei com as bordas.
— Mas então ele morreu e nós nunca conseguimos ir.
Sempre jurei que os comeria um dia, quando tivesse algo
grande para comemorar.
Dare cobriu minha mão com a dele.
— Eu não sabia que você os estava guardando para uma
ocasião especial. — Ele olhou para a comida como se quisesse
jogar tudo de volta na bolsa e escondê-la.
Virei minha mão para que nossas palmas se tocassem e
enrosquei meus dedos nos dele.
— Esta é a ocasião mais especial que posso imaginar.
Seu pescoço ficou vermelho e ele ergueu o garfo.
— Nós provavelmente deveríamos mergulhar nisso. A
lagosta está no meu porta-malas há um tempo. Não quero que
nenhum de nós termine esta noite por causa da lagosta do
porta-malas.
Eu ri e peguei meu garfo, dando a primeira mordida. Fechei
meus olhos e cantarolei enquanto a delícia cremosa e
amanteigada revestia minha língua.
— Esta é a melhor coisa que já comi na minha vida.
Ele riu e colocou metade da travessa de frutos do mar no
meu prato.
— Não faça isso. Você precisa experimentar também. —
Tentei afastar sua colher.
— Eu experimentei. É ótimo, mas prefiro muito mais ficar
vendo você curtindo isso. Além disso, há bife mais do que
suficiente para mim.
Estava na ponta da minha língua discutir com ele, mas então
eu dei outra mordida e minhas papilas gustativas venceram a
batalha.
Depois de comermos nossa comida, acompanhada por
ainda mais música e uma morte por bolo de chocolate, fomos
até o recanto aconchegante em frente à tela. Dare tirou sua
jaqueta e a colocou em volta dos meus ombros.
Sentei-me entre suas pernas, recostando-me em seu peito.
O pequeno projetor ganhou vida e a tela se preencheu com
um retângulo azul em um espaço em branco.
— Qual é o nosso filme desta noite?
— Já que você é uma fã de filmes de ação clássicos, pensei
em começarmos com a melhor sequência de todos os tempos.
— Ele virou a caixa do DVD e o rosto meio cibernético, meio
humano olhou para mim.
Fazendo meu melhor sotaque austríaco, dei um soco no ar.
— Venha comigo se quiser viver.
Ele riu e apertou o mini controle remoto, dando vida à tela.
Quando a tigela de pipoca e amendoins com chocolate
surgiram junto com a Coca-Cola de Cereja, não achei que a
noite pudesse ficar mais perfeita.
Sob o mar de luzes cintilantes, enquanto Arnold se abaixava
no tanque de metal fundido, eu poderia jurar que Dare
enxugou uma lágrima do olho. Eu me aninhei mais perto dele
enquanto os créditos rolavam.
— Eu poderia assistir ao filme em repetição.
— Há muitas coisas que eu poderia assistir até o dia em que
eu morrer.
Eu sorri.
— Como você sempre sabe a coisa certa a dizer?
— Você seria a primeira pessoa a me acusar disso.
— Talvez todos os outros não conheçam você como eu. —
Passei meus braços em volta de sua cintura. O músculo talhado
como pedra mal foi suavizado pela camisa social lisa.
— E eles não te conhecem como eu. — Ele enrolou uma
mecha do meu cabelo em volta de seu dedo. — Há um mundo
inteiro de pessoas por aí que não têm ideia de como você é
incrível.
Eu encarei seus olhos, ainda sentindo como se fosse acordar
a qualquer momento e os últimos três meses teriam sido um
sonho.
— As pessoas mais importantes sabem.
Ele sorriu o tipo de sorriso que me fez esquecer de respirar.
A sugestão de covinhas que ele negaria até o dia em que
morresse marcava suas bochechas e suavizava todas aquelas
linhas duras e nítidas que ele usava na maior parte do tempo.
Então seu rosto ficou sério. Ele olhou nos meus olhos e
lambeu os lábios.
— Eu não quero que você diga nada, ok?
— Tipo, nunca mais? — Eu sorri, mas ele ainda estava com
a cara séria que fez meu estômago pular na minha garganta.
Seu dedo correu pelos meus lábios.
— Espertinha.
Eu assenti.
Ele soltou uma respiração como se estivesse segurando isso
por um tempo.
— Eu te amo, Bay.
Meu suspiro surpreso foi abafado por um beijo longo e
profundo em nosso baile privado no mirante. A palavra com
A.
As palavras ficaram presas na minha garganta. Eu já tinha
perdido muito, e em duas semanas nos formaríamos e eu
perderia ainda mais. Deixe para Dare me fazer desejar ter mais
tempo em Greenwood.
Nós dançamos novamente e, toda vez que eu abria minha
boca para dizer as palavras, ele me beijava. Não era a pior
maneira de calar a minha boca. No caminho de volta para
minha casa, demos as mãos como se ele nunca quisesse me
soltar.
Eu nunca queria ser solta.
Saindo do carro, peguei sua mão e ele me acompanhou até a
porta da frente.
Ainda vestindo seu casaco, descansei minhas mãos em cada
lado de seu pescoço, roçando meus polegares contra sua pele.
Sua pulsação saltou descontroladamente sob o meu toque.
Inclinando-me, pressionei meus lábios contra os dele, me
aprofundando no menu completo de degustação de Dare.
Eu infundi aquele beijo com as três palavras que eu não
conseguia dizer – não ainda.
Suas mãos estavam nas laterais do meu rosto e seus lábios
estavam famintos, procurando e aprofundando até que eu
estava tonta, agarrando-me a ele para manter meus pés debaixo
de mim.
Descansando sua testa contra a minha, ele me deu mais um
beijo enquanto eu entrava na minha casa e fechava a porta atrás
de mim.
O flash de seus faróis atravessou a frente da casa, e então ele
se foi. Subindo as escadas para o meu quarto, não pude deixar
de me perguntar se não havia outro “primeiro” que de alguma
forma tivéssemos pulado esta noite. Ele tinha sido o cavalheiro
perfeito e eu juro, se ele escrevesse uma carta perguntando à
minha mãe se ela poderia nos acompanhar em nosso próximo
passeio pelos terrenos de uma mansão que nenhum de nós
possuía, eu perderia minha cabeça. Todos os meus melhores
planos para transar não funcionaram, então parecia que eu
precisaria adotar uma abordagem muito mais direta para evitar
que meu namorado jogador de futebol americano deixasse a
cidade com a dúvida persistente de quem seria o meu primeiro
ainda pendurada no ar.
— Dare, você quer dormir comigo? — Apoiei minha cabeça
em meu braço. Meu quarto aumentava pelo menos um grau a
cada minuto que passávamos aqui juntos.
O lápis caiu de sua mão, rolando pelo caderno e caindo no
chão.
— Bay. — Havia um aviso provocante em sua voz.
— Dare. — Eu imitei seu tom. — Eu esperava que
fizéssemos no baile.
— Eu não fiz aquilo para dormir com você.
Eu rastejei em minha cama e para seu colo.
— Então por que você fez aquilo? Você sabe que temos
menos de uma semana restante do último ano.
Puxando sua camisa para cima, minha respiração engatou.
Já que parecia que nada mudaria sua opinião sobre desacelerar
as coisas, eu mesma teria que ir atrás disso.
— Porque você era teimosa demais para me deixar levá-la ao
baile de formatura de verdade.
Ele não lutou comigo enquanto meus dedos roçavam seu
torso, arrastando sua camisa junto com o meu toque rastejante.
— Era muito caro. — E havia muitos olhos. No braço de
Dare, todos saberiam meu nome, mas não nos meus termos.
Ele me deixou arrastar sua camisa para cima e sobre sua
cabeça.
Eu a deixei cair no chão. Meu coração batia forte na minha
garganta, uma batida de bateria em cadência com o pulsar entre
as minhas pernas. A dor continuava crescendo a cada segundo
que suas mãos não estavam em mim.
Sua cabeça se inclinou para o lado, observando cada
movimento meu como um documentarista que não quer
interferir. Só que eu queria que ele interferisse. Eu queria que
ele fizesse mais do que interferir. Eu o queria.
Avançando para frente, coloquei meus quadris sobre os
dele. A protuberância em sua calça jeans me disse que eu estava
indo na direção certa. Talvez ele só precisasse de um pequeno
empurrão.
Eu descansei meus cotovelos em seus ombros com minhas
mãos na parte de trás de sua cabeça, passando minhas unhas em
seu couro cabeludo.
Sua cabeça caiu para trás e ele gemeu.
— Você está tornando isso difícil para caramba, Bay.
Eu girei meus quadris, tirando outro gemido de seus lábios.
— Essa é a ideia. — Sorrindo, beijei a parte inferior de seu
queixo, salpicando sua mandíbula com beijos.
Seus braços envolveram minhas costas, me apertando com
força e me abraçando mais perto.
Minha boca saqueadora continuou, primeiro até sua orelha,
depois descendo na lateral de seu pescoço até a frente de seu
peito. Cada mudança de localização levava suas mãos mais para
cima nas minhas costas. Com um movimento de seu pulso,
meu sutiã foi aberto.
Abaixei a mão entre nós para desabotoar seu jeans.
Seus dedos pressionaram com força contra minha coluna,
me ancorando no lugar.
Olhando para cima, eu encarei seus olhos. Eles eram um
belo caos de emoções conflitantes e uma tempestade de desejo
se formando. Agora eu só precisava fazer chover.
Tomando as rédeas, arranquei minha camisa e a deixei cair
no chão ao lado da dele.
Suas narinas dilataram e seu olhar caiu para a curva dos meus
seios cobertos pelo sutiã agora afrouxado. Traçando um
caminho sinuoso nas minhas costas, ele alcançou meus ombros
e deslizou as alças.
Eu deixei meus braços caírem para os lados, levando o tecido
roxo liso com eles.
Ele respirou fundo e ergueu as mãos. Elas tremeram antes de
fecharem em minha pele aquecida.
Nós dois soltamos um som em algum lugar entre satisfação
e tortura. Seus dedos calejados brincaram com meus mamilos,
os enrolando, provocando, beliscando.
Prendi meus braços ao redor de seu pescoço, e sua cabeça
mergulhou para levar cada um em sua boca. Rolando meus
quadris, eu trouxe uma fatia de alívio para a dor latejante entre
minhas pernas que se recusava a tomar qualquer coisa menos
do que o pacote completo – o pacote completo dele. Lampejos
de prazer percorreram meu corpo.
Meu suspiro de felicidade foi interrompido quando suas
mãos foram para a minha cintura.

Um segundo eu estava em seu colo, no próximo minha


bunda estava na cama e eu estava olhando para suas costas.
Ele se levantou, passando as mãos pelos cabelos.
Os músculos tensos de suas costas nuas estavam voltados
para mim.
— Dare…
— Eu não estava fazendo nada disso para dormir com você.
Fiquei de joelhos, me movendo para a beirada da cama.
— Eu não pensei que você estivesse. A maneira como eu me
joguei em você não foi a primeira pista. Mas provavelmente não
sou a primeira a fazer isso. — De repente, todas as inseguranças
e dúvidas vieram à tona. Ele estava afim apenas da caça? A
garota hormonal e irracional de dezoito anos em mim estava se
revelando.
— Foder isso para você... — Seus bíceps flexionaram e ele
tirou as mãos da cabeça.
— Você não vai foder nada.
Ele se virou para mim com a fome queimando em seu olhar,
com um autocontrole que eu não tinha. Seu pomo de Adão
balançava para cima e para baixo.
— Tem certeza, Bay?
Eu o puxei para mais perto pelos botões de sua calça jeans.
Seus joelhos bateram contra a beirada da cama. Com um
empurrão suave no meu ombro, eu me deitei, minhas costas
contra os cobertores frios.
Ele rastejou pelo meu corpo, seu peito nu largo e bronzeado
acima do meu.
Recuperar o fôlego era quase impossível. Minha lápide leria
“aqui jaz Bay, morta por antecipação sexual”? Eu estava no
caminho para lá, e a cada segundo as ondas ficavam mais altas.
O cinto de sua calça jeans tilintava e roçava pelo meu
estômago nu.
— Então vamos fazer as coisas do meu jeito.
Eu estendi a mão. Minhas mãos hesitantemente cobrindo
sua bochecha.
— Eu quero que seja você.
Ele estremeceu sob meu toque e acariciou minha mão. E
houve um vácuo frio deixado para trás quando ele mudou seu
peso e deixou a cama.
Não era isso que eu deveria dizer?
Ele tirou a carteira do bolso de trás e puxou o pacote
reflexivo de papel alumínio.
Meu estômago estava um caos. Meu coração ameaçou pular
do meu corpo e meu cérebro se fixou na maneira devastadora
que ele olhou para mim.
— Primeiro, vou precisar deixar você pronta.
Inclinei minha cabeça para o lado, provavelmente
parecendo um cachorrinho confuso.
— O que você quer dizer com…
Minha resposta veio quando ele caiu no chão aos pés da
minha cama e me arrastou para mais perto dele.
Seus dedos puxaram as pontas da minha calcinha,
arrastando-as pelas minhas pernas, um torturante centímetro
de cada vez.
— Você não precisa… — As palavras se perderam em um
suspiro. Os nós dos seus dedos esfregaram o comprimento das
minhas coxas e sobre minhas panturrilhas.
— Eu quero, Bay. Eu preciso. — Seus dedos afundaram em
minhas coxas, separando-as. Ele estava aplicando pressão
suficiente para movê-las, mas com cuidado o suficiente para
que eu pudesse impedi-lo a qualquer momento. Eu não queria
que ele parasse. Eu queria que ele continuasse.
Ele jogou minhas pernas sobre seus ombros, trazendo sua
boca a centímetros do ápice das minhas coxas. A pulsação de
desejo trovejou em minhas veias, centrada em torno da parte da
minha anatomia que ele estava prestes a se apresentar
intimamente.
— Tem certeza? — Suas mãos correram para cima e para
baixo na parte externa das minhas coxas, tanto acalmando
quanto adicionando combustível ao fogo insaciável crescendo
dentro de mim.
— Sim.
Ele sorriu. Foi o sorriso da limonada, aquele que ameaçou
minha capacidade de respirar. Desta vez, porém, esses eram os
lábios que eu tinha provado. Eram lábios que estavam prestes a
me provar. Tomando seu tempo, ele separou minhas dobras e
abaixou a cabeça, mantendo os olhos em mim. Ele estava
tentando me manter em transe ou garantir que eu estava cem
por cento de acordo com isso? De qualquer maneira, eu
precisava que ele parasse a sensação dolorida me empurrando
em direção ao limite do controle apertado que eu tinha
conseguido manter.
Meus dedos apertaram ao redor do edredom embaixo de
mim e eu ofeguei.
Ele pintou minha boceta com sua língua. Lambidas rítmicas
e perfeitamente posicionadas enviaram minhas costas
arqueando para fora da cama.
Seus lábios envolveram meu clitóris e minhas mãos
dispararam para seu cabelo. As sensações eram avassaladoras –
demais, mas não o suficiente. Meu corpo estava pegando fogo
– louco, correndo pelas minhas veias, consumindo tudo e
insaciável.
Ele cantarolou. O filho da puta cantarolou com meu clitóris
entre os lábios, sugando, e eu me levantei, gritando seu nome e
me sentindo como se estivesse a segundos de morrer, o prazer
era tão delicioso. Um êxtase afiado. Eu não conseguia parar de
tremer.
Desmoronando na cama, eu estava surda para tudo, mas
podia sentir cada respiração, cada arranhão de seu corpo contra
o meu e meu coração tentando escapar do meu peito.
Ele passou os dedos ao longo do meu couro cabeludo e
olhou nos meus olhos trêmulos.
— Você está bem?
— Essa vai ser a nova pergunta da noite? — Eu ri.
A preocupação franziu sua testa.
— Eu não quero fazer nada para machucar você, Bay.
Suas palavras me afetaram um pouco da minha euforia
orgásmica.
— Você está me machucando por não confiar em mim.
Estou te dizendo, estou bem. Eu quero isso. Eu quero você. Eu
amo você.
Seu aperto em minhas bochechas ficou mais forte e seus
olhos brilharam.
— Às vezes sinto que ninguém jamais me amaria por quem
eu realmente sou.
— Eu vejo você, Dare. Eu te amo e quero que esta noite seja
especial só porque você está aqui comigo.
Abaixei a mão entre nós em sua calça jeans aberta e envolvi
meus dedos em torno do membro que me disse tudo o que eu
precisava saber sobre o quanto ele me queria também.
Ele beijou minha têmpora e deslizou para fora da cama
novamente. Desta vez, para despir sua calça jeans. Ela caiu no
chão e ele ficou aos meus pés em sua glória, musculosa e
definida, tão perfeito e lindo que era difícil acreditar que eu
estava aqui.
Rolando a camisinha, ele segurou meu olhar.
Eu abri meus braços.
— Eu preciso de você, Dare.
Isso o quebrou de seu padrão de espera. Ele cobriu meu
corpo com o dele e colocou seus quadris entre minhas coxas
abertas. Eu enganchei meus pés nas costas dele, prendendo-o
perto.
— Me diga se...
Acalmei suas preocupações com um beijo. Sua língua
saqueou minha boca e eu o incitei, balançando meus quadris.
Seu pau deslizou contra a fenda da minha boceta. O som da
minha excitação nem mesmo me envergonhou. Tudo o que eu
queria era que Dare fosse o meu primeiro.
Ele respirou profundamente, estremecendo, mantendo seus
lábios nos meus. Uma mudança de seus quadris e a ponta grossa
de cogumelo de seu pênis me abriram.
Passei meus braços em volta de suas costas, quebrando o
beijo e gritando enquanto ele me invadia. Uma dor cortante
irradiava por mim. Eu fui incapaz de conter o grito, apesar do
quão bem ele tinha me preparado.
Ele congelou. Seu avanço parou e ele começou a recuar.
Minha lamúria se transformou em um gemido. Eu apertei
meu controle sobre ele.
— Só espere. — Eu me agarrei a ele com meus braços e
pernas, esperando a dor diminuir.
Seus braços tremeram, apoiados em cada lado dos meus
ombros.
O choque inicial havia passado e agora a sensação quente e
brilhante estava de volta. A mesma que experimentei com sua
língua.
— Você pode se mover agora.
— Bay. — Sua voz era contida misturada com sofrimento.
— Nós não deveríamos…
Usando minhas mãos nas laterais de seu pescoço, eu levantei
sua cabeça para olhar em seus olhos.
— Eu estou bem. Preciso que você se mova. — Mudei meus
quadris e ele afundou de volta.
Nós dois gememos. Minhas pálpebras tremeram. Eu fiz de
novo e ele sibilou.
— Bay. — O aviso em suas palavras enviou uma onda de
determinação correndo pela minha espinha.
— Dare. — Eu o desafiei de volta. Movendo meus quadris,
eu fiz isso de novo e de novo.
Suas mãos caíram para a minha cintura, tentando me
impedir, mas não puxando para fora ou saindo correndo e
gritando do quarto.
Eu engatei meus pés em volta de sua cintura e amassei sua
bunda com meus calcanhares.
Sua cabeça se ergueu e ele olhou para mim com uma
intensidade que eu nem conseguia entender. Ele pegou minhas
mãos ao redor de seu pescoço e as prendeu acima da minha
cabeça, empurrando meus seios mais para cima, mais perto de
sua boca.
— Eu estava tentando ir devagar.
— Nós tentamos devagar. Agora estou pronta para tentar
rápido. — Minha voz estava carente, ofegante e exigente, tudo
ao mesmo tempo.
Seu aperto aumentou em meus pulsos. Ele se ergueu e
enfiou seu pau em mim. As paredes da minha boceta se
apertaram em volta dele, cada metida reverente e possessiva.
Meus gemidos se tornaram suspiros irregulares, agarrando-se às
bordas da minha realidade que se derreteu em um emblema
decadente e incontrolável.
Meu orgasmo rasgou pelo meu corpo, me transformando
em uma célula trêmula e contorcida, sobrecarregada com todos
os sentimentos que Dare empurrava para dentro de mim.
Ele me segurou com força, envolvendo os braços em volta
das minhas costas e me apertando contra o seu peito. Suas
estocadas finais e desleixadas prolongaram meu orgasmo e
selaram uma cortina branca brilhante na frente dos meus olhos.
Nós desmoronamos em um emaranhado de braços e pernas
suados, exaustos e delirantemente felizes. Eu me deleitei com o
brilho do que tínhamos acabado de fazer.
— Então é essa a sensação de fazer sexo. — Eu olhei para o
teto, sorrindo com a sensação vertiginosa queimando meu
peito. Se alguém tivesse me dito há dois meses que eu estaria
aqui, eu teria fechado sua boca com fita isolante, mas aqui
estava eu. Deitada na cama ao lado de Dare, senti o cheiro dele
em minha pele. O impacto mentolado de um massageador
muscular, um toque de óleo de motor e grama recém-cortada.
Dare passou o dedo pelo meu braço.
— Não, Bay, essa é a sensação de fazer amor.
Ele pegou meu queixo entre os dedos e inclinou minha
cabeça, capturando meus lábios nos dele.
Eu não teria mudado nada. Exceto pela parte em que Dare
me disse que precisava ir embora antes que minha mãe chegasse
em casa.
Meu coração nunca mais seria o mesmo. Uma parte sempre
pertenceria a ele e eu não tinha certeza se algum dia eu seria
capaz de deixá-lo ir.
Toda a minha convicção não resistiu a um ataque direto de Bay.
Todos os meus planos de fazer as coisas do jeito certo
evaporaram quando ela colocou as mãos em mim. Todo o meu
amor por ela foi canalizado para dar a ela cada pedacinho de
mim e fazer de sua primeira vez algo que ela nunca esqueceria.
Tínhamos menos de uma semana. Parte da minha razão
para evitar as perguntas sexuais foi porque eu sabia que, uma
vez que a tivesse, vê-la seria ainda mais difícil.
E ela estaria me deixando, deixando nós dois para trás, a
menos que eu enfiasse as malas em meu carro e estacionasse do
lado de fora de seu dormitório na Califórnia.
O treinador tinha ficado em silêncio até a noite passada. Ele
ligou tarde para me informar que não havia notícias. Três
outros alunos do terceiro ano e um aluno do segundo ano
receberam cartas depois do nosso jogo, mas a caixa de correio
permanecia vazia para mim.
Rolei no sofá-cama, estremecendo quando meu bloco de
esboços cavou na minha lateral.
Ontem à noite, depois de minha mensagem final para Bay,
saí para o bosque ao redor da casa de Knox e me soltei por um
tempo. Não me lembrava exatamente do que tinha acontecido,
mas meus dedos doíam, meus ombros latejavam e minha
cabeça gritava.
Eu precisava ver seu sorriso doce, ouvir sua risada e sentir
seu toque gentil. Eu precisava de Bay.

Eu: Pego você às 7.

Bay: Tá tudo bem. Eu te encontro na escola.

Eu: Por que você não quer ir comigo?

Bay: Claro que quero, mas eu preciso revisar algo


com Piper esta manhã, então te vejo na escola.

Isso não caiu bem no meu peito. Me deixou no limite. Ela


não querer que outras pessoas soubessem sobre nós, era algo
com o qual eu tinha lidado, mas agora eu queria agarrá-la e
segurá-la com força.
Meus hematomas eram uma bagunça manchada de verde e
amarelo agora, ainda sensíveis, mas nada que eu já não tivesse
aguentado antes. Eu não voltaria para mais. Mas minhas dores
e sofrimentos agora eram obra minha. Cutuquei o corte no
meu lábio. Seja lá o que diabos eu tenha feito na noite passada,
aparentemente as árvores contra-atacaram.
A ostentação e vaidade do estacionamento da escola haviam
perdido ainda mais o brilho com o conhecimento de que,
depois do verão, se alguém aqui me visse por aí, haveria
sussurros e boatos sobre mim. A parte de trás do meu pescoço
aqueceu e eu cerrei meus punhos ao meu lado. Eu seria outro
nome na longa lista de heróis da cidade que se tornaram
perdedores da cidade.
Saí, estacionando meu carro.
— Pelo menos podemos perder tudo após o terceiro
período. — Knox chamou por cima do teto de seu carro.
— Para quê? — Tirei minha mochila do banco do
passageiro.
— O show de aberrações de talentos é hoje. Lembra do ano
passado, quando Bobby McMillan quase incendiou o palco
inteiro?
Minha recordação do ensino médio nunca era tão afiada
quanto a de Knox. Talvez eu pudesse atribuir isso a fazer meu
sino tocar muito mais vezes do que ele fazia como receptor.
Ele ficou ao meu lado.
— O que diabos aconteceu com sua mão e seu lábio?
Eu olhei para baixo, os flexionando. Uma gota de sangue
escorreu pelas costas do meu dedo.
— Não é nada. Eu te encontro lá dentro.
Saí antes que ele pudesse responder e ignorei as pessoas
chamando meu nome enquanto passava com as mãos enfiadas
nos bolsos. Parecia que eles estavam forrados com lâminas de
barbear.
Bay não estava em seu armário. Ou no primeiro período. O
que diabos estava acontecendo? As coisas pareciam estar
girando em uma espiral, fechando-se sobre mim e sufocando a
respiração dos meus pulmões.
— Dare, você está sangrando — alguém gritou enquanto eu
passava.
Eu encarei minha mão. Entrando em um dos banheiros,
coloquei-as sob a água fria e enrolei uma toalha de papel em
volta do meu punho.
O sino do segundo período tocou e eu procurei nos
corredores por Bay antes de ir para a aula.
Deslizando meu telefone debaixo da minha carteira, enviei
uma mensagem para ela. Sem resposta.
— Dare. — O treinador parou na porta da minha sala de
aula do segundo período e acenou para que eu me aproximasse.
Peguei minha mochila do chão e corri para fora da sala, mas
parei assim que passei pela porta ao ver o olhar severo e tenso
em seu rosto.
— Vamos andar. — Ele acenou com a cabeça na direção da
academia. — Estamos chegando no limite agora e eu não queria
deixá-lo na mão.
Lambi meus lábios secos como lixa.
— Nenhuma palavra de nenhuma faculdade. — Ele teria me
contado sem rodeios se houvesse uma chance.
Ele ergueu o boné de beisebol e o acomodou como se sua
cabeça estivesse superaquecendo.
Eu conhecia a sensação.
— Recebemos respostas de quase todas as faculdades e nem
sempre recebemos respostas de todos que inicialmente
expressaram interesse. Nesta altura do campeonato não há
muito mais que possamos esperar. As vagas de jogadores não-
recrutados ainda são uma possibilidade para você.
— Eu não passei em nenhuma faculdade.
Seus lábios se contorceram com um aceno severo de cabeça.
— Você pode tentar novamente no próximo ano. Suas fitas
ainda estão boas e, se você mantiver seu condicionamento,
ainda terá uma chance. Faça novamente o vestibular. Refaça
suas inscrições. Os comitês de admissão podem ser mais
tolerantes com os treinadores de futebol americano do seu lado.
Você se manteve longe de problemas nos últimos dois anos.
Continue fazendo isso.
Quando olhei para cima, estávamos do lado de fora de seu
escritório.
O sino para encerrar o segundo período tocou.
— Você pode ficar aqui se quiser. — Ele estendeu o braço
em direção ao escritório.
Eu neguei. Eu precisava encontrar Bay.
— Não. — Lambi meus lábios sentindo como se toda a
umidade tivesse sido drenada do meu corpo. Assim como
minha esperança. — Eu vou ficar bem. — Não, eu não vou.
Caminhando de volta para as salas de aula, a maré de pessoas
estava forte. Todos fluíam em direção ao auditório, e eu era um
peixe nadando rio acima. A cabeça de Knox balançou. Ele
acenou, sinalizando para o segundo conjunto de portas. Mas
foi a cabeça de cabelos escuros, ondulados e brilhantes,
desaparecendo pela porta lateral do palco do auditório que
chamou minha atenção.
— Bay.
Ela congelou e olhou por cima do ombro para mim antes de
ser empurrada para dentro pelas outras pessoas atrás dela.
Eu avancei, empurrando os retardatários, tentando não
enrijecer o braço em ninguém e enviá-los cambaleando para o
chão.
Abrindo a porta, fui recebido com o olhar de desaprovação
da Sra. Tripp.
— Dare, aqui é apenas para a equipe de palco e artistas.
— Eu só preciso...
— Estamos começando agora. Qualquer coisa que você
precise dizer pode esperar até depois das apresentações. — Ela
fechou a porta na minha cara.
Eu bati meu punho contra a madeira e olhei ao redor.
Respirando fundo, eu cambaleei no fio da navalha de perder
minha cabeça. Eu deveria ir embora. Bastava entrar em meu
carro e dar uma volta até Bay chegar em casa, mas eu precisava
vê-la agora.
— Dare, ainda estamos emitindo detenções. — O Sr.
Rourke bateu com o bloquinho de detenção na palma da mão.
A última coisa que eu precisava era passar meus últimos dias de
escola sentado em uma sala abafada, vendo o ponteiro dos
segundos passar.
Minha mandíbula cerrou e eu escancarei a porta, entrando
no auditório. O lugar zumbia com conversas e risos. Todos
estavam felizes por outro motivo para sair da aula. Mas meus
músculos zumbiram como se eu estivesse sendo eletrocutado.
Uma pequena corrente, apenas o suficiente para arder e me
deixar desconfortável.
Eu deveria ter acampado do lado de fora da aula do segundo
período de Bay. Eu precisava vê-la, focar em seu rosto,
pressionar minhas mãos em suas bochechas e beijá-la. Eu
precisava encontrar o lugar onde eu sabia que tudo ficaria bem
com seu toque.
Knox acenou para que eu sentasse no assento vazio ao lado
dele, depois de alguns assentos na fileira. Todos se levantaram,
me deixando passar. Os assentos de madeira rígidos e pequenos
demais pareciam projetados para tortura. Eu me acomodei no
assento, que grunhiu, tão infeliz por eu estar sentado lá quanto
eu estava.
— Quem vai incendiar o lugar este ano? — Knox apoiou os
calcanhares nas costas da cadeira à sua frente, balançando-se
para trás como se estivesse tentando quebrar o assento ao meio.
Procurei na cabine de som e nas coxias do palco por Bay,
mas estava escuro demais para ver alguém.
— Quem é que você está procurando? — Knox tamborilou
nas pernas com dois lápis.
— Ninguém.
A Sra. Tripp tocou no microfone, disparando um retorno
selvagem pela sala. Se Bay estivesse cuidando disso, isso nunca
teria acontecido. Ela apresentou os primeiros atos. Canto fora
do tom, uma dança de break quase aceitável. Alguém tentou
mágica, que terminou com um coelho pulando pelo palco.
Cada vez que a tela do meu celular escurecia, eu tocava nela
para acendê-la de volta, esperando que Bay verificasse seu
celular e me respondesse. Meu joelho saltava para cima e para
baixo.
— E, a seguir, temos uma apresentação de uma música
original de Bay Bishop.
Minha cabeça se ergueu. Eu mal me impedi de pular da
cadeira.
O palco permaneceu vazio. Talvez eles tenham entendido
errado.
Mas então ela apareceu com a cabeça baixa, segurando o
violão em uma das mãos e o banquinho na outra. O cara com
quem eu a tinha visto do lado de fora do auditório correu ao
lado dela e ligou o microfone. Ele apertou seu ombro e
sussurrou algo para ela.
Minha pressão arterial disparou e houve um rugido em meu
ouvido.
— Essa música se chama “Ferido” e foi escrita para alguém
muito especial para mim. — Ela limpou a garganta e tocou uma
melodia familiar, mas as palavras eram diferentes. Não eram as
que ela havia cantado antes.
Quando você olha para mim
Estou completa
Você me deu minha voz
O fogo em seus olhos
O fogo em sua alma
Os hematomas em seu corpo
Eles nunca estiveram sob seu controle
— Ah merda.
Os versos e o refrão continuavam, mas o som não alcançava
meus ouvidos.
Tudo em mim congelou, como uma presa sendo caçada na
selva.
Um mar de pessoas ao meu redor estava sendo arrastado
para as profundezas do meu próprio inferno pessoal. Algumas
cabeças se viraram em minha direção. Sussurros atravessaram
pela multidão e eu senti como se todos os olhos estivessem em
mim. Todo mundo estava falando sobre isso. Depois de todos
esses anos, mantendo tudo bem embrulhado, nunca deixando
uma palavra sair, ela estava me dilacerando no palco,
arrancando minha alma para o entretenimento de todos.
Eu me empurrei para fora do meu assento. O choque de
baixo grau que eu estava sentindo tinha esquentado como um
cabo de bateria.
Vomitar não era uma opção. Não estando na beira do palco
com meu violão nas mãos. Mas certamente parecia uma
possibilidade. A bile subiu pela minha garganta.
Meu medo de perder a coragem tinha sido a única razão pela
qual eu não tinha contado ao Dare. Ele teria tentado me fazer
sentir melhor sobre isso, se eu acabasse escapulindo de volta
para a sala do coral atrás do palco para me esconder em vez de
realmente me arriscar lá fora.
— Você vai se sair muito bem, Bay. — Jon ficou ao meu lado
com o pedestal do microfone.
Subindo no palco, tentei não olhar para ninguém. Sentei-
me na beirada do meu banquinho e fechei os olhos, não
fingindo que eles não estavam lá, mas fingindo que era só ele.
Ninguém sabia sobre quem a música era, mas eu queria que ele
soubesse.
Depois de hoje, eu não seria mais A Garota Nova. Eu seria
Bay.
As pontas dos meus dedos doíam de quantas vezes eu
pratiquei essa música nos últimos dois dias. Desde a noite em
que tudo mudou, eu precisava colocar isso para fora e mostrar
a ele que foi ele quem me deu coragem para vir até aqui e fazer
isso.
Quanto mais eu tocava, menos eu sentia que ia vomitar.
Quanto mais forte cada nota ficava e mais claras as emoções
emanavam da minha voz. Cada nota não era perfeita, mas era a
verdade. Era real e cru e continha cada pedacinho de
sentimento compactado em uma música de três minutos.
Sustentei a última nota e segurei a melodia, prolongando-a
além do final da música. O auditório estava em um silêncio
absoluto. Abrindo os olhos, me senti mais livre e ousada do que
nunca.
— Obrigada, Bay, por aquela música original maravilhosa.
— A Sra. Tripp pegou o microfone e bateu palmas, mas
ninguém a seguiu.
Dare estava na beirada do palco. Todos os olhos estavam
voltados ou para ele ou para mim.
A felicidade explodiu por todos os poros. Eu tinha
conseguido. Eu cantei na frente de toda a escola. E ele viu. Eu
sabia que ele estava lá, foi por isso que fui capaz de fazer isso em
primeiro lugar. Eu não conseguia vê-lo, mas sabia que ele estava
lá.
Ele sentiu a eletricidade? Ele sentiu a magia na sala e a
maneira como eu cantei as letras que escrevi para ele? Ninguém
mais sabia disso, mas eu sabia e ele sabia. Uma música para dizer
a ele o quanto eu o amava e o quão forte ele era depois de passar
por tudo que ele passou.
Ofegante e saindo do meu êxtase de finalmente ter
conseguido, olhei ao redor do auditório.
A confusão passou pela minha cabeça. Por que ele estava
parado ali? Por que estavam todos tão quietos?
— A Garota Nova tem tesão por Dare?
Alguém riu.
— Ela é obcecada por ele ou algo assim?
— Droga, ele tem uma perseguidora.
Mais vozes se juntaram, aumentando de volume, suas
risadas e olhares queimando direto no meu peito.
Ele caminhou até as escadas ao lado do palco e atravessou
pela frente até ficar na minha frente.
Ele arrancou o violão das minhas mãos e envolveu a outra
mão em volta do meu braço, me levando para fora do palco.
O barulho da multidão aumentou no segundo em que
atravessamos para os bastidores. Todos os outros que
esperavam por sua vez ou que já haviam se apresentado se
separaram como o Mar Vermelho, nos deixando passar.
Ninguém disse uma palavra, eles apenas assistiram. De repente,
desejei ser invisível novamente.
— Dare, o que diabos está acontecendo?
Eu puxei meu braço de seu aperto, mas ele segurou apertado
– não ferozmente, mas apertado o suficiente para que eu não
pudesse me livrar de seu aperto.
Ele passou pela porta da sala do coral e entrou na sala verde
que normalmente zumbia em atividade durante os shows. As
poucas pessoas lá dentro nos deram uma única olhada e saíram
correndo, contornando a figura imponente de Dare.
— Feche a porta.
O cara com uma camiseta do Hamilton ganiu e a fechou
atrás dele.
Dare soltou meu braço.
Eu o esfreguei e dei alguns passos para longe.
— Que diabos, Dare? Seu lábio está sangrando. — Eu
estendi a mão para roçar ele com meu polegar. Ele tinha voltado
para casa? Seu pai tinha feito isso? A raiva cresceu em meu
peito.
Ele se afastou do meu toque e ficou parado, os olhos fixos
nos meus com os dedos em volta do pescoço do violão do meu
pai.
— “Que diabos, Dare?” Isso é tudo que você tem a dizer
depois do que fez lá fora?
Uma música abafada invadiu a sala. Alguém estava se
apresentando depois de mim.
— O que eu fiz? O que diabos eu fiz?
A porta atrás dele se abriu.
— Está tudo bem aqui? — Knox colocou a cabeça para
dentro. O solo de bateria do palco ressoou nas paredes da sala
claustrofóbica.
— Fora. — Dare rosnou. — Ninguém entra aqui. Você me
entendeu? — Seu olhar estrondoso agarrou-se ao meu. Ele nem
sabia quem estava na porta. Poderia ter sido um professor –
inferno, o diretor – e ele teria dito a mesma coisa.
Knox não disse uma palavra. O clique da porta foi o único
som além da respiração ofegante vinda de Dare. Ele andava
como um animal enjaulado, ainda sem desviar o olhar de mim.
Com minha confusão anterior não mais nublando meu
olhar, eu o vi. Eu vi os nós dos dedos machucados segurando o
violão do meu pai.
Engoli em seco, ainda tentando descobrir como as coisas
deram tão terrivelmente errado tão rapidamente. Dando um
passo à frente, eu estendi minhas mãos na minha frente.
— Dare…
— Não!
Eu pulei, seu grito me assustando na sala silenciosa.
— O que te deu o direito? — Sua mandíbula estava tensa.
Seu corpo inteiro rígido como se ele tivesse sido transformado
em pedra.
O desejo de fugir era forte, quase inegável, mas a crueza de
sua voz dissipou um pouco do medo.
— Você foi lá fora e cantou uma música sobre mim.
A bile correu para minha garganta novamente. Ele estava
chateado por eu ter cantado uma música sobre ele? Eu cantei
toneladas de músicas para ele. Ele tinha me pedido – por que
ele estava bravo agora? A maioria das minhas músicas eram
sobre ele.
— Por que isso é um problema?
— Você cantou sobre mim na frente de todo mundo. — Ele
projetou meu violão como se fosse um trapo ofensivo.
— Ninguém sabe que é sobre você, embora eles possam ter
uma ideia, já que você apareceu na beirada do palco como fez.
Ninguém sabia que tínhamos sequer conversado até que você
fez aquilo.
— Essa é a minha vida sobre a qual você está lá em cima
cantando. Eu não te dei permissão. — Ele bateu com tanta
força em seu peito que estremeci.
— Eu já cantei músicas sobre você antes.
— Quando estávamos sozinhos — ele rugiu, ofegante como
se tivesse estado em campo a tarde toda.
Eu engoli de novo, minha boca parecendo uma fábrica de
saliva.
— Você vai embora e eu vou ficar preso aqui com todos, e
agora eles conhecem a música. — Seu corpo foi sacudido por
algo entre um tremor e uma convulsão.
— Dare, por favor, me dê o violão. — Eu estendi minha mão
tentando evitar que minha voz vacilasse, mas falhei. Ela tremia
como uma folha em um furacão.
O violão do meu pai. Ele o tinha e estava furioso. Todas as
coisas que pensei que sabia sobre ele eram mentiras. Se não
fossem, eu não estaria encurralada em uma sala com um cara se
elevando sobre mim e gritando como se eu tivesse arrancado
seu coração. Não, era isso que ele estava fazendo comigo.
— O violão. — Ele olhou para ele e jogou a cabeça para trás
como se tivesse acabado de perceber que ainda o estava
segurando. — Esse violão é mais importante do que a nossa
conversa? Do que o que você acabou de fazer comigo? Todo
mundo lá fora está olhando para mim. Perguntando sobre a
porra do meu lábio e tudo o que você pode falar é sobre essa
porra de violão? O instrumento da minha tortura?
O ar saiu dos meus pulmões. Eu senti o movimento, a
mudança na sala, antes que ele fizesse isso. Como o silêncio
antes de uma onda de choque atingir, e eu cobri meus ouvidos.
— Dare, não! — Meu grito se perdeu, abafado pelo
estilhaçar da madeira contra o concreto. Eu não conseguia
respirar. Pontos nadaram na frente dos meus olhos. Eu apoiei
minhas mãos na penteadeira ao meu lado.
Sua cabeça girou em minha direção como um predador
encontrando outro pedaço de presa. Eu era a próxima. Eu me
joguei no chão em um canto, esperando que alguém me
encontrasse, e que isso não doesse tanto quanto o que ele havia
feito ao meu coração.
— Dare! — Seu grito perfurou o véu da ira que estava me
protegendo da dor e crueza arranhando meu peito.
Arrancado do lugar nebuloso onde eu não conseguia ver,
ouvir ou sentir nada, voltei para a pequena sala atrás do palco.
Meus dedos estavam em volta do pescoço quebrado e
pendurado do violão.
As cordas se projetavam em todos os ângulos. O corpo do
instrumento com o qual ela se sentou no palco, cantando,
estava demolido, as peças espalhadas em um círculo na minha
frente.
Suas mãos estavam em forma de concha sobre a boca,
tentando, e falhando, em conter os soluços que sacudiam seu
corpo. Com os olhos arregalados cheios de medo, ela se enrolou
em uma bola, o mais longe possível de mim no canto da sala.
Esse não era o lugar que você queria estar quando alguém
viesse atrás de você. Eu sei bem.
Afrouxando o meu aperto, a madeira fragmentada caiu no
chão.
Ela pulou com o som agudo quando apenas nossas
respirações quebravam o murmúrio suave vindo do auditório.
— Bay. — Eu dei um passo à frente.
Ela se encolheu, cobrindo a cabeça e o rosto com as mãos.
Protegendo-se.
Eu fiz isso. A náusea inundou por mim e foi difícil ficar de
pé, quanto mais olhar para ela. Eu me virei, me deparando com
eu mesmo no reflexo dos espelhos que revestiam a fileira em
que a recuei.
Saí correndo da sala, irrompendo pelo outro conjunto de
portas que levavam ao corredor. O ar frio não fez nada para
impedir a agitação em meu estômago e peito. Parecia que um
animal estava tentando sair de mim com as garras, me rasgando
a cada respiração.
Correndo para o final do corredor, apoiei minhas mãos
trêmulas nas laterais da lata de lixo e vomitei, forçando tanto
para fora que meus olhos doeram. Uma ferida latejante e
trovejante se abriu brilhante e sangrenta, rasgando meu
estômago, deixando um caminho irregular em meu coração.
Tênis rangeram no chão da escola. Os guinchos agudos
soaram como quando Knox e eu estávamos atrasados para o
treino.
— Aí está você, filho.
Meu sangue se transformou em cubos de gelo em minhas
veias, mas não era a voz do meu pai.
O treinador correu em minha direção com o suor
escorrendo pelo rosto e um rubor vermelho nas bochechas.
— Você está bem?
Fiquei paralisado, incapaz de sequer concordar com o
vômito escorrendo dos meus lábios. Limpei minha boca com
as costas da mão. A bile azeda e pungente enchendo meu nariz.
— Você não parece tão bem. — A preocupação franziu a
testa do treinador. Ele apoiou a mão na parede como se tivesse
corrido todo o caminho de seu escritório. Ele tinha?
Puxando um lenço do bolso interno da jaqueta, ele o
entregou para mim.
— Ouça, vá para casa e descanse um pouco. — Ele apertou
meu ombro. — A notícia é que eles estão enviando a papelada
para você hoje. — Seu sorriso se alargou. — Eu vou levá-la para
você assim que eu a tiver. Durma e supere o que quer que seja
isso. — Ele gesticulou para o meu corpo desmoronando
lentamente. — Você tem sorte que a faculdade está voltada
para o perdão e segundas chances. Amanhã, a esta hora, você
será o mais novo recruta contratado para a Notre Dame.
Meu olhar atordoado deve ter sido interpretado por ele
como choque. Era, mas não por causa do sonho, que eu temia
me agarrar, finalmente se tornando realidade. Não, era porque
a realidade de quem eu era finalmente se revelou.
Monstro. Assim como meu pai. Pior, porque acho que ele
nunca nem mesmo me amou. Eu nunca fui mais do que uma
criança com a qual ele tinha sido incumbido. Mas Bay. Eu a
amei. A amo. E eu destruí a beleza que ela trouxera ao mundo.
— O prazo da oferta para os treinadores era meio-dia de hoje
e ninguém mandou um e-mail. Mas então eu percebi que não
tinha recebido nenhum e-mail desde ontem. Desliguei e liguei
tudo e recebi um e-mail às 11:59. Desculpe pelo susto.
A vacilação e o encolhimento dela se repetiam em minha
cabeça em reprise. Aqueles olhos que me olharam como se eu
tivesse as chaves do universo estavam nublados com medo e a
necessidade de fugir.
Eu me virei e fui embora.
— Dare?
Eu não olhei para trás. Corri para fora do prédio e entrei no
meu carro. Meus pneus cantaram quando saí do
estacionamento.
A forma como o violão se estilhaçou na minha mão. Tudo
veio à tona para mim como penitência por meus crimes. Como
punição pelo que fiz. Eu podia ver cada segundo doloroso e a
expressão em seu rosto.
Eu escancarei a porta do meu carro e vomitei nada além de
bile.
Como eu poderia consertar isso? Consertar o que não podia
ser consertado?
Ele era uma força selvagem e furiosa de destruição e eu tinha
sido seu alvo. Ele estilhaçou a madeira. O violão do meu pai
ficou em pedaços depois que ele saiu correndo da sala.
Eu agarrei meu peito, as lágrimas caindo com tanta força
que eu não conseguia recuperar o fôlego. Se eu tinha
desmaiado, não me lembrava, mas descongelei do meu lugar no
canto da sala e caminhei até a cena do crime que ele havia
deixado para trás.
Agachando-me, peguei os pedaços com dedos trêmulos e
embalei os destroços como se fossem uma criatura moribunda.
Mas ele se foi e nenhuma reanimação poderia trazê-lo de volta.
O pescoço e o corpo estavam estilhaçados, quase despedaçados.
Lascas de madeira espetaram minha palma. Lágrimas correram
pelas minhas bochechas, encharcando o violão quebrado. O
instrumento da minha destruição.
Do outro lado da parede, a música diminuiu e as risadas e
aplausos abafados me arrancaram da névoa da ruína.
Juntando os pedaços, voltei andando para casa com eles em
meus braços.
Entorpecida e incapaz de processar o que aconteceu, eu
precisava da minha cama. Eu precisava da minha casa. Eu
precisava da minha mãe. E do meu pai.
Eu desabei novamente. A cada passo, as memórias de Dare
me assolavam. Passei pelo local onde caí da minha bicicleta e ele
estendeu a mão e me deu uma carona para casa. Onde ele
ajudou minha mãe empurrando o carro dela. Onde eu dei a ele
aquele copo de limonada e ele sorriu, fazendo meus joelhos
fraquejarem.
A madeira mordeu minhas palmas. Eu mudei e uma farpa
deslizou na minha pele. Estremecendo, eu encarei o
instrumento quebrado. Quase nada era reconhecível. Era
irreparável. Não havia uma única peça intacta para construir.
Ele o destruiu.
Ele me destruiu. Eu estava tão preocupada em consertá-lo,
mas deveria estar me preparando para me consertar quando ele
me despedaçasse. Cruel. Violento. Perigoso.
Eu temia que meus soluços sufocados me afogassem. Meus
dedos não se soltaram da carcaça espancada do violão. Olhar
para os pedaços quebrados fez as lágrimas descerem ainda mais
fortes. Tinha sido dele. Os pontos no braço do violão onde os
dedos do meu pai correram pelo metal com a madrepérola
incrustada ainda eram visíveis. Mas agora não era um
instrumento. Agora era outro corpo que eu tinha que colocar
para descansar. Meus dedos tremeram quando coloquei os
destroços do violão no lixo.
Minha mãe não precisava ver isso. Ela não precisava perder
outro pedaço do meu pai. Eu levaria o estojo comigo para a
faculdade como se nada tivesse acontecido e fingiria que
alguém o roubou. Melhor para ela acreditar que alguém o havia
levado e vivido uma nova vida com eles do que que ele havia
sido destruído.
Eu deslizei a tampa e arrastei as latas de lixo para a frente da
casa. O caminhão de lixo iria buscá-lo antes que ela chegasse em
casa do trabalho pela manhã.
Deslizando para dentro de casa, tirei minhas roupas e entrei
no chuveiro. A água corrente e o jato de vapor mal foram
capazes de abafar os soluços sufocados que saíram da minha
garganta.
Enquanto eu enrolava uma toalha em volta de mim, o
celular que eu nem me lembrava de trazer comigo deslizou pelo
balcão e caiu na pia. Mensagens de Piper e Knox explodiram
minha tela, mas nenhuma de Dare. Ele enviou seu melhor
amigo para tentar fazer o seu trabalho sujo.
Corri de volta para o andar de baixo e peguei a chave de
emergência debaixo do vaso de flores antes de bater a porta,
trancá-la e colocar a corrente.
Proteger a casa contra Dare esgotou as últimas reservas que
eu tinha para me manter firme.
No meu quarto, eu me enrolei em uma bola apertada na
minha cama, segurando o travesseiro contra o meu peito. Eu
enterrei meu rosto nele. Uma enxurrada de almíscar, sabonete
em barra e um toque suave de colônia inundaram minhas
narinas. Eu empurrei minha cabeça para trás. Cheirava a ele.
Tudo cheirava a ele. Os travesseiros, os cobertores, até minhas
próprias roupas.
Tirei os lençóis da cama e empurrei tudo para longe. Uma
pilha do tecido ofensivo estava no meio do meu quarto. De
volta ao colchão despido, ainda em minha toalha, trouxe meus
joelhos até o queixo e envolvi meus braços com força em torno
deles, balançando para frente e para trás.
Dare não estava lá. Eu olhei em seus olhos e não era meu
Dare. Não era aquele que me tocou como se tivesse medo de
que eu quebrasse ou olhou para mim antes de fechar os olhos à
noite, prendendo uma mecha perdida de cabelo atrás da minha
orelha. Não era com quem eu tinha estado nos bastidores.
Ou talvez eu estivesse mentindo para mim mesma. Quem
quer que ele fosse, era algo que não poderia consertar. Eu
precisaria de todas as minhas forças para aguentar, para
sobreviver a próxima semana de escola e sair do outro lado ilesa.
Eu orei por dormência. Eu desejei por alguém, algo para
tirar essa dor e me transformar em um zumbi que pudesse
passar pelos movimentos da vida sem sentir que eu estava sendo
fatiada a cada passo. Mas eu não tive tanta sorte. Adormeci
sentindo cada estalo, cada farpa, cada pausa.
Eu brinquei com fogo e fui engolida pelas chamas –
primeiro de desejo, mas agora de dor.
Todos os pequenos sinais ao longo do caminho se juntaram
para formar um mapa de onde eu estava agora.
Eu pensei que uma música estúpida poderia consertar
qualquer coisa, que poderia ajudar a curar um pouco de suas
feridas depois do que ele passou.
Eu era uma garota estúpida com um coração ainda mais
estúpido. E eu paguei o preço.
Na sexta-feira seguinte ao show de talentos, eu estava sentada
no campo de futebol americano transformado no cenário do
nosso rito de passagem. Dia da formatura. O dia nublado
significava que não estávamos assando no sol, mas meu sorriso
de plástico parecia frágil e rígido. Sentei-me ao lado de Piper,
respirando espaçadamente ao longo de todos os discursos.
Minha mãe estava sentada na arquibancada, em seus óculos
escuros, acenando a flâmula com meu nome, tentando chamar
minha atenção no mar de outros pais fazendo a mesma coisa.
Eu consegui aguentar a barra – por pouco. O vidro ainda
estava frágil e a cola não havia secado. Pode nunca secar. Foi um
trabalho rápido de me recompor apenas o suficiente para olhar
de longe. De perto, um vento forte ou a palavra errada podem
me derrubar.
Minha fileira se levantou e percorreu o caminho,
enfileirando-se atrás da última fileira, tomando seus assentos ao
deixarem o palco.
Uma mão capturou a minha.
Meu coração trovejou em minhas veias. A áspera calosidade
de seu toque roçou o interior do meu pulso.
Eu puxei, libertando-o, e continuei andando, não me
permitindo olhar para ele. Dare estava na fila à minha frente.
Do outro lado, no final. Três assentos depois e ele teria estado
na minha fileira, a poucos metros de mim depois da distância
que coloquei entre nós desde aquele dia.
No topo da escada para o palco, iluminei meu sorriso para
as fotos e cumprimentei as mãos, pegando meu diploma falso e
acenando para minha mãe na arquibancada. Pulando para cima
e para baixo, ela enxugou as lágrimas do rosto. Por mais que eu
não quisesse vir hoje, ela precisava disso. E talvez eu também.
Foi um pequeno encerramento para o lugar onde eu sempre fui
AGN. Só que agora eu seria AGP – A Garota que Partiu.
Incapaz de me conter, olhei para o assento três no final da
fileira à frente da minha quando cheguei ao outro lado do
palco.
Dare me encarava de volta como se estivesse esperando por
uma lacuna em minhas defesas para defender seu caso com os
seus olhos.
Eles não estavam cheios de raiva como antes. Havia apenas
uma tristeza que dói no peito, seus lábios se separaram para
dizer palavras que eu nunca ouviria sobre a multidão, retorno
do microfone e parabéns.
Eu não precisava ouvi-las.
Este foi o fim de um capítulo. Um fim para nós.
Voltei para o meu assento ao lado de Piper, narinas dilatadas
e reprimindo o desejo de olhar em sua direção.
Todas as razões que eu inventei antes estavam ainda mais na
minha cara agora. Eu estava indo embora e ele também. O que
desencadearia seu próximo surto? Uma chamada perdida?
Uma foto nas redes sociais? Outra música que escrevi?
Piper apertou minha mão. Por instrução de Michelle, nossa
oradora da turma, mudamos nossas borlas de um lado para o
outro de nossos capelos.
Um mar de chapéus voaram ao meu redor, mas eu não o fiz
– eu não conseguia comemorar este dia. Não havia um final
feliz aqui, apenas duas pessoas quebradas que conseguiram
quebrar um ao outro ainda mais.
Seu olhar estava em mim. Mesmo em meio a um mar de
colegas de classe comemorando, eu conseguia senti-lo
queimando minha pele.
Na última semana, minha janela e portas permaneceram
trancadas. Eu tinha ido para a casa de Piper muito mais do que
deveria, e me mantive em longos caminhos tortuosos para as
aulas.
Hoje, não havia para onde eu correr.
— Bay... — Sua voz falhou, dor irradiando dela.
Me atingiu no peito como um golpe. Eu apoiei minhas mãos
nas costas da cadeira de plástico ao meu lado, para eu não
oscilar em pé.
Meu nome estava em seus lábios como esteve tantas vezes,
mas agora eu tinha visto o verdadeiro Dare – aquele de quem
as pessoas falavam no campo, aquele que mandou outro
jogador para o hospital. Aquele que tinha olhos assassinos e não
se importava com quem ficava no caminho. Aquele que
destruiu os carros das pessoas. Aquele que quebrou coisas que
as pessoas amavam. Eu pensei que eram mentiras, ou pessoas
que não entendiam quem ele realmente era. Eu estava errada.
Eu me virei e me esquivei no meio da multidão de
cumprimentos e abraços para chegar até minha mãe. Sua
presença apenas alguns passos atrás de mim, eu derrubei uma
das fileiras agora vazias.
As pessoas enchiam a outra extremidade, tentando abrir
espaço nos corredores para fotos.
Minha fuga foi bloqueada em todas as direções, e ele estava
no final da fileira. Eu estava presa, a menos que eu levantasse
minha beca e saltasse sobre as cadeiras dobráveis,
provavelmente quebrando meus tornozelos no processo.
— Bay. — Ele se aproximou de mim com as mãos estendidas
como se eu fosse um coelho com o pé preso em uma armadilha.
Eu estendi minha mão para afastá-lo, ainda sem conseguir
olhá-lo diretamente nos olhos.
— Não, Dare. Deixe isso para trás.
— Eu não consigo. — O tom suplicante em sua voz era o
mesmo que eu tinha ouvido nas mensagens de voz e do outro
lado da minha porta e janela.
— Você consegue. Eu não estou te dando escolha.
— Deixe-me explicar. — Seus olhos estavam vermelhos,
selvagens e miseráveis.
— Não há nada para explicar. Você pegou o violão do meu
pai — minha voz falhou — depois de dizer todas aquelas coisas
horríveis, e você o quebrou. — Minhas mãos voaram para meus
ouvidos como se eu pudesse bloquear as palavras ecoando em
meu cérebro. — Você não tem o direito de fazer o que fez e
fingir que é o único ferido. — Eu engoli as palavras ardentes.
Minha palma coçava para atacar e me libertar do cercado ao ar
livre em que estava presa, enfrentando o garoto que pensei que
amava. Aquele que eu tinha que fingir que não amava mais.
A expressão em seu rosto fez com que parecesse que eu
tinha, como se eu tivesse agarrado uma dessas cadeiras e
quebrado na cabeça dele.
— Do seu pai. — Saiu como um sussurro de dor. — Eu não
mereço o seu perdão. — Sua voz falhou. Ele deu um passo mais
perto, ficando a menos de trinta centímetros de distância.
Eu podia sentir o cheiro dele. Aquele cheiro que costumava
me confortar agora estava me sufocando. Minha visão ficou
turva enquanto as lágrimas enchiam meus olhos. Meu peito
estava pegando fogo.
— Cai fora. — Eu o empurrei para trás, tentando manter
algum espaço entre nós.
Seus dedos envolveram meus pulsos, suas mãos achatando
contra meus punhos enquanto eu agarrava sua beca.
— Sinto muito, Bay. — Ele traçou seu dedo ao longo das
costas das minhas mãos enroladas, sobre os nós dos meus
dedos.
Soltando a respiração que eu estava segurando, eu
tremulamente puxei minhas mãos para trás, mantendo meu
olhar concentrado no centro de seu peito. Eu cerrei meus
dentes e encontrei seu olhar.
— Eu não me importo. Não vou dizer que está tudo bem ou
que te perdoo, porque não está e eu não perdoo. Você pode se
engasgar com essas palavras e com o que fez pelo resto da sua
vida. Quando eu disse que você estava errado, eu menti.
Ninguém poderia amar você pelo que você realmente é, porque
você é um otário que não consegue evitar destruir as pessoas ao
seu redor.
— Bay! — A voz da minha mãe rompeu a multidão de
pessoas à nossa volta.
Tirei as cadeiras do caminho, correndo em sua direção,
enterrando meu rosto em seu peito.
Seus braços me envolveram, me apertando e me
balançando.
— Seu pai teria ficado tão orgulhoso de você, querida. Ele
está aqui conosco.
Isso quebrou o resto da represa. Eu a segurei com força. Este
dia inteiro eu não tinha pensado no meu pai. Que tipo de filha
de merda isso me tornava? Em vez disso, eu estava obcecada
pelo garoto que me quebrou. Eu olhei para o mar de pessoas
vestindo azul-marinho e dourado. Havia uma figura sentada
em uma cadeira com a cabeça entre as mãos enquanto as
pessoas comemoravam ao seu redor. Eu me permiti uma última
olhada. Seria a última que eu daria a ele.
Quatro anos depois

— Dare. — Meus lábios estavam dormentes. Meu corpo


inteiro estava dormente. Ele ficou na minha frente, como se
dizer seu nome o tivesse invocado do meu passado, uma
memória trazida à vida e manifestada por pura força de
vontade. No entanto, ele não era uma miragem ou um sonho.
Ele estava aqui.
Tão rapidamente quanto todas aquelas memórias felizes
inundaram, logo atrás delas estavam a dor e a mágoa. O peito
aberto com um buraco onde meu coração já esteve, tudo por
causa dele.
— Bay. — Ele disse isso como uma oração.
Um respingo molhado me arrancou de volta de me afogar
no poço da memória.
— Ah, merda. — Felicia segurou o estômago. Suas pernas e
meu chão agora estavam encharcados de água. Não, não água,
algo muito mais aterrorizante. — Essa era a minha bolsa.
— Ah, merda. — Um coro de vozes se somaram às dela.
Houve uma enxurrada de atividades. Mandei uma
mensagem para o marido dela. Ele correu para o prédio,
chegando lá no momento em que a ambulância chegava para
levá-la ao hospital universitário.
Seu marido a ajudou a entrar na ambulância e ela se virou,
fazendo uma careta.
— Bay. Aqui estão as chaves. — Ela bateu as chaves de
Diretora da Residência na minha mão.
— Não se preocupe. Eu cuido de tudo. Não se preocupe.
Ela fez outra careta. Seu marido gritou enquanto ela
agarrava sua mão e congelava dentro da ambulância.
— Porra, isso doeu. — Ela soltou um suspiro profundo. —
Obrigada, Bay, acho que você estava certa. Ou você me azarou.
— Com um olhar brincalhão, ela desapareceu atrás das portas
que se fechavam.
Eu me virei, meu coração finalmente saindo da garganta, e
fiquei cara a cara com o homem que havia virado minha vida
de cabeça para baixo.
Ele estava ao lado de alguns membros da equipe que haviam
chegado cedo e do treinador assistente, Hank. Nossos olhos se
encontraram. Ele estaria no meu prédio pelas próximas quatro
semanas. Nas próximas quatro semanas no prédio que eu agora
tinha literalmente as chaves.
Pensei nas últimas linhas que eu havia escrito no caderno
verde antes de fechá-lo pelo que pensei ser para sempre.
Seu amor foi embrulhado para presente em arame farpado,
e eu fui estúpida o suficiente para acreditar que poderia abri-lo
sem ser cortada. Não sei se as feridas algum dia vão cicatrizar.
Você me destruiu, Darren Keyton.

A história de Bay e Dare continua no segundo livro da trilogia


Falling, The Sin Of Kissing You!

Você também pode gostar