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A Série
SINOPSE

Dois anos atrás, ele era um caso de uma noite.


Agora ele é meu professor e me odeia.
Quando arrastei Gideon Warwick para a chapelaria de
um bar, nunca pensei que o veria novamente. Achei que íamos
nos divertir. Liberar um pouco de tensão. Em seguida, seguir
em frente com nossas vidas, com nada além de memórias.
Sim. Acontece que sou uma idiota de primeira.
Porque vejo Gideon novamente, na frente de uma sala de
aula.
Desta vez, ele não está sorrindo.
Desta vez, ele encara.
Desta vez, ele me quer fora de sua vista.
Bem, uma pena para ele, porque preciso desses créditos.
Meu futuro está em jogo.
O professor vai ter que jogar bem.

Extra Credit é um romance entre professor e aluna e o


primeiro livro da trilogia Office Hours.
Contém linguagem e conteúdo adulto.
PRÓLOGO

Dois anos antes

Deixo-o na chapelaria. O ar quente e abafado do bar me


envolve quando saio, piscando na luz fraca. Meus olhos se
acostumaram com as sombras nos últimos vinte minutos,
fechados lá no escuro. Aliso meu vestido sobre meus quadris,
coloco meu cabelo atrás da orelha e limpo o canto da minha
boca com a ponta do meu dedo enquanto caminho de volta
para o bar. Minhas botas de salto alto ecoam nas tábuas do
assoalho e balanço os quadris a cada passo, escondendo um
sorriso.
Ainda posso sentir o gosto dele.
Normalmente, em uma noite como esta, não pararia onde
acabei de parar. Em outra chapelaria, com um homem
estranho diferente, poderia me levantar de meus joelhos e
deixar ele me tocar de volta. Deixar ele colocar suas mãos e
boca em mim, deixar ele tentar me fazer gritar seu nome.
O nome dele. Gideon. Forte e clássico, como um cavaleiro
medieval. Combina com ele.
Por alguma razão, porém, recusei. Esta noite, quando
este homem em particular estendeu a mão para retribuir o
favor, saí do alcance do seu braço. Não porque não o queria,
Deus eu queria muito, mas por causa da tristeza em seus olhos
no bar. Ele olhou para o fundo do copo como se fosse melhor
haver algumas malditas respostas lá, porque senão, a vida era
muito cruel.
Então me afastei. E não queria fazer isso ser sobre
mim. Me chame de louca, mas queria dar algo a ele. Um
homem assim, um homem com uma tristeza sem fundo em
seus olhos castanhos... ele merece se sentir bem.
E o fiz se sentir bem, claro.
Meu telefone vibra na pequena bolsa pendurada no meu
quadril. O pego, passando pela tela, examinando todos os
textos e mensagens de voz perdidos. Todos os suspeitos
habituais de sempre estão lá: minhas colegas de quarto, minha
mãe e meu padrasto, meu irmão mais velho e primo. Todo
mundo está pirando porque a pequena Lucy não atendeu o
telefone por cinco malditos minutos.
Eles não entendem. Sou crescida. Sou há muito tempo.
Saí de casa para ir à faculdade há dois anos e não olhei para
trás desde então. Amo a cidade grande, o anonimato, a chance
de me refazer todos os dias, se quiser.
Sou uma maldita adulta, e se quero uma noite sozinha
pelo menos uma vez, ser uma estranha em um bar... posso ter
isso. Não é da conta de ninguém.
Gideon. O nome flutua em meu cérebro novamente,
espontaneamente. Que tipo de nome é esse? É inglês?
Francês? Deveria ter perguntado de onde ele era. O que ele faz
para viver. Chegar a conhecê-lo, só um pouquinho.
Não. Uma porta se fecha em meu cérebro, o eco
reverberando pelo meu corpo. Não estou aqui para conhecer
alguém. Não estou aqui para arriscar nada, ou me tornar
vulnerável. Estou aqui para me divertir.
Gideon.
Havia um leve sotaque em sua voz. Um grunhido que
começou no fundo de seu peito. E ouvi de novo quando ele
gozou, sua cabeça inclinada para o teto e seus dedos enrolados
em meu cabelo.
Gideon.
Ele é o mais divertido que já tive.
CAPÍTULO UM

Minha mão treme quando a levanto, fechando meus


dedos em um punho. Hesito do lado de fora da porta, outros
alunos me lançando olhares estranhos enquanto passam atrás
de mim no corredor. Os pôsteres e panfletos pregados nos
quadros de avisos esvoaçam quando eles passam, e o tapete
cinza surrado abafa seus passos. O aquecedor estala e range
contra a parede, sacudindo os canos e a condensação goteja
na janela.
Respiro fundo. Conto até três. Fico congelada, meu
punho flutuando no ar. Lá fora, um pombo voa e pousa
desajeitadamente no peitoril da janela, estufando as penas e
me olhando com aqueles olhos laranja redondos.
Limpo minha garganta, enxugando minha testa úmida
com as costas da minha mão levantada. O pombo inclina a
cabeça.
—Oh, cale a boca, — murmuro, batendo na porta antes
que possa pensar duas vezes. Compensei meus nervos,
batendo com tanta força que a porta range nas dobradiças e o
calor inunda minhas bochechas.
Não é tão tarde. O corredor não é tão longo. Poderia virar
a esquina se correr agora...
A maçaneta gira, a porta se abre e ele fica parado.
Gideon.
Não, não Gideon. Professor Warwick. O homem que tem
meu futuro nas mãos.
O homem que me odeia.
—Oi. — Saiu com um guincho. Limpo minha garganta. —
Uh. Oi. Você tem um minuto, professor?
Ele inclina a cabeça, tirando o olhar das minhas botas de
salto alto, da minha meia-calça de lã para o meu vestido de
suéter. A bainha é curta, e puxo ainda mais para baixo em
minhas coxas, bochechas em chamas sob sua leitura. Perto
dele, sempre me sinto perturbada e errada. Como uma criança
brincando de fingir que é adulta. E por que não faria isso, com
suas camisas sob medida, seus coletes e sua barba por fazer?
Com sua fama e sua carreira nas alturas?
Essa nem é a verdadeira razão pela qual ele me faz sentir
com dez centímetros de altura.
É porque ele conhece meu segredo. O que realmente
gosto.
—Você tem um horário marcado?
Sua voz é rica, mas não calorosa. Que fique sabendo: este
homem não está feliz em me ver. Ele é tão claro sobre isso, que
observo uma garota levantando a sobrancelha enquanto ela
passa atrás de mim.
Ela provavelmente pensa que perdi o prazo de entrega, fui
reprovada em um teste ou perdi um livro da biblioteca.
A verdade é muito mais humilhante.
—Não. — Torço a bainha do meu vestido em meus dedos,
mas seus olhos caem e me forço a soltar.
Sou uma adulta. Sou uma legítima estudante
universitária. Preciso desses créditos e posso fazer isso.
Limpo minha garganta e molho meus lábios. —Não vai
demorar muito, no entanto. E sei que você tem um período
livre, então...
Sua sobrancelha sobe. Muita informação. Me apresso
para continuar falando, para cobrir meu deslize.
—Então, esperava que você pudesse me atender?
Desdém puro e não adulterado pisca em seu rosto antes
que ele torne suas feições cuidadosamente inexpressivas. Mas
é tarde demais. Eu vi. Ele confirmou o que pensa de mim. Um
estremecimento de corpo inteiro ameaça me dobrar ao meio,
me derreter em uma pequena poça no chão.
—Tudo bem. — Sua resposta me choca tanto que não a
processo no início. Fico paralisada no corredor, meus olhos
fixos nele, paralisada por minha própria miséria. Só quando
seus olhos se estreitam é que percebo o que ele disse, a frase
flutuando em meus pensamentos confusos.
—Excelente! — Falo passando por ele e entrando no
escritório antes que ele mude de ideia. Meu ombro roça em seu
peito enquanto vou, e mordo meu lábio com força.
Este é um grande erro.

—Preciso de créditos em inglês.


Espero até que ele esteja sentado atrás de sua mesa, as
mãos descansando levemente nos braços de sua cadeira, antes
de falar. Algo passa por trás de seus olhos, uma escuridão se
movendo em sua expressão, mas se vai antes de realmente
estar lá. Cruzo minhas pernas, empurrando minhas mãos sob
minhas coxas para não mexer.
Deus. Ele me deixa tão nervosa. Aposto que ele não
consegue acreditar que já fui aquela garota confiante e sensual
no bar.
—A sua aula é a única que se encaixa na minha
programação.
Ele bufa uma risada, recostando na cadeira. Ele pode
estar rindo, mas não há alegria real em seu rosto. Aproveito
para olhar para ele, para realmente estudar ele, pela primeira
vez em dois anos. Seu cabelo castanho escuro está mais longo,
uma onda perdida caindo sobre sua testa, e suas maçãs do
rosto são tão afiadas quanto me lembro. Sob sua camisa e
colete cinza sob medida, seus ombros e peito são largos,
estreitando para uma cintura tonificada. Os botões de sua
camisa se abrem ligeiramente enquanto seu peito sobe e desce.
Aqui, em seu escritório, posso sentir o cheiro dele.
—Que lisonjeiro. Você demorou muito para chegar a esse
ponto?
Seu cheiro está concentrado na pequena sala. Ou talvez
seja porque ele cheira a suas coisas, da planta verde
exuberante em seu peitoril da janela, e as pilhas de livros
gastos e a chuva escorrendo pelo vidro.
Me dou uma sacudida interior, me forçando a respirar
pela boca em vez do nariz. Sua paciência já está se
esgotando. Posso ver na maneira como seus olhos continuam
indo para o relógio na parede. Suas mãos apertam os apoios
de braço como se ele estivesse prestes a ficar de pé e me
escoltar para fora.
—Por favor. — Deixo escapar a palavra no silêncio
vibrante do escritório. Através da porta de madeira, o
aquecedor estala e ressoa no corredor. —Preciso desses
créditos para me formar. Então você nunca terá que me ver
novamente.
Isso o faz sorrir. Um sorriso verdadeiro, ainda que
marcado pela amargura. Seus olhos encontram os meus,
pequenas linhas enrugando os seus nos cantos. Elas o fazem
parecer gentil. Um homem com tendência a sorrir.
Acho que nunca saberei.
—Essa é uma perspectiva intrigante. — Ele passa a mão
no queixo, me observando. —Isso é uma promessa, Lucy?
Lucy. Mal nos falamos em dois anos, e certamente não o
suficiente para repetir nomes. Sabia que ele me odiava, que me
reconhecia, mas nem uma vez sonhei que ele se lembrasse do
meu nome.
Doce Lucy. Ele me chamou assim uma vez, no bar. A noite
em que o beijei na chapelaria. Beijei e muito mais.
Tossi. Agora não é hora para uma viagem pela estrada da
memória.
—Sim. Prometo... — Quase o chamo de Gideon, mas
engulo o nome a tempo. —Só uma aula, depois vou embora.
— Forço um sorriso amigável, para mostrar que estou falando
sério.
O sorriso do professor desaparece. Ele se inclina para
frente, apoiando os antebraços na mesa.
—Você percebe, é claro, que até mesmo falar com você é
um risco para minha carreira.
Franzo a testa. Demoro um momento para entender o que
ele quis dizer. Não porque seja uma idiota, embora meus
pensamentos estejam definitivamente confusos em torno dele,
mas porque nunca me ocorreu causar qualquer problema a
ele.
Ele me odeia. Tudo bem. Posso viver com isso, mesmo
que arda como ácido no meu estômago quando penso nisso.
Não quero nenhum problema. Só quero meus créditos
para poder me formar. Digo isso a ele também, minha voz um
pouco mais confiante do que antes, e ele acena com a cabeça
uma vez antes de se virar para remexer na gaveta da mesa.
O papel esvoaça quando ele o coloca na mesa,
empurrando a única folha para mim. Olho ao redor impotente,
amaldiçoando minha falta de preparação. Sempre levo uma
caneta pelo campus, mas sinceramente nunca pensei que
fosse chegar tão longe. Quando bati na porta do professor
Warwick, esperava que ela se fechasse na minha cara.
O professor suspira. Ele pega uma caneta e a coloca na
minha frente também. É boa, pesada na minha mão e
lindamente trabalhada. O tipo de caneta dada como um
presente caro.
Quero muito perguntar isso a ele. Quero perguntar
muitas coisas.
Mordo minha língua.
Demora menos de um minuto para preencher o
formulário, mesmo com minha mente ficando em branco sob
seu olhar constante e ardente. O topo da minha cabeça formiga
quando me curvo sobre o papel, meu aperto ficando úmido na
caneta. Quando finalmente assino meu nome com um floreio,
me recosto e suspiro como se tivesse acabado de terminar um
exame de uma hora.
Ele me lança um olhar engraçado, mas não diz
nada. Apenas estende a mão para pegar a caneta. Coloco em
sua palma esperando, rezando para qualquer divindade que
possa estar ouvindo para que ele não sinta o quão úmida
minha mão acabou de ficar com os nervos. Gideon gira meu
papel para ler, escrevendo seu próprio nome e assinatura e
empurrando de volta para mim como se ele não aguentasse
mais olhar para ele.
—Deixe no escritório. — Ele se dirige à janela, olhando
carrancudo para o pátio. Formas borradas correm pela chuva
lá embaixo, capuzes puxados para cima e pastas penduradas
acima das cabeças.
A dispensa é clara. Ele parou de falar comigo,
provavelmente para sempre. Não há necessidade de batermos
um papo na aula, não há necessidade de eu levantar a mão ou
passar em seu escritório.
Só preciso desses créditos. Abraço o papel contra o peito,
murmurando meus agradecimentos e me levantando. A
cadeira raspa nas tábuas do assoalho e me encolho,
contornando os móveis e correndo para a porta.
—Obrigada, — digo novamente, jogando a palavra por
cima do meu ombro, então estou a salvo no corredor. Com uma
camada de madeira e tijolo entre nós, me inclino contra a
parede e fecho os olhos. Minhas palmas úmidas pressionam a
superfície fria, meu coração trovejando no meu peito.
Fiz isso. Fiz o que vim fazer aqui. Gideon autorizou minha
inscrição em sua aula. Vou ter esses créditos em inglês.
Esta é uma vitória simples. Deveria estar socando o
ar, dando voltas de vitória ao redor do edifício.
Então, por que estou com vontade de chorar?
CAPÍTULO DOIS

—Você conseguiu?
Keeley arranca o formulário fotocopiado da minha mão
antes mesmo que tire o casaco. Ela examina o papel, seu rabo
de cavalo tingido de lilás balançando sobre um ombro. Ela
empurra os óculos grossos para cima enquanto lê, seu nariz
sardento enrugando, então ela sorri para mim tão
calorosamente que estou surpresa por ela não embaçar as
lentes.
—Você conseguiu, garota! — Keeley pula em mim, seus
abraços sempre uma força da natureza. Por cima do ombro,
Raine me observa, encostada no encosto do sofá, seus longos
cabelos escuros trançados sobre um ombro. De nós três, Raine
é a mais quieta. A mais reservada. Quando fomos designadas
como colegas de quarto no primeiro ano, ela mal falou até o
feriado de Ação de Graças.
—Oi. — Aceno para ela sobre as costas de Keeley. Raine
oferece um pequeno sorriso, o movimento mudando seu
piercing no nariz. Ela também está satisfeita por mim.
—Você sabe o que isso significa, certo? — Keeley se
afasta, agarrando meus ombros. Tento não estremecer. Não é
que Keeley seja rude, é que ela é entusiasta e não conhece sua
força. Como uma das melhores alunas de ciências do esporte
no Llewellyn College, Keeley é mais forte do que metade dos
rapazes do campus.
—Estou tendo uma aula com um professor que me odeia?
Ela me sacode até meus dentes baterem. —Não, Luce!
Graduação! — Keeley grita a última palavra alto o suficiente
para acordar a vizinhança, gritando para o teto do nosso
apartamento. Ela bate em mim de novo, me abraçando até não
conseguir respirar, mas não a empurro.
Amo que Keeley não tenha cuidado comigo.
—Vamos nos formar juntas no próximo verão, depois
conseguir empregos na cidade e morar juntas como se
estivéssemos em um programa de tv. — Keeley me guia para a
cozinha enquanto ela fala, nos parando perto da geladeira para
que ela possa pegar duas garrafas de cerveja. Ela retira as
tampas e joga fora antes de me entregar uma e beber a
outra. Em seguida, ela limpa a boca com as costas da mão,
agarra meu ombro e me leva de volta para fora da cozinha em
direção ao sofá.
—Já estamos morando juntas, — Raine aponta, sua voz
calma. Ela coça a bochecha lisa e bronzeada. —Nada vai
mudar.
Keeley grita, a expressão escandalizada. Estremeço,
sorrindo enquanto bebo minha própria cerveja. A garota
precisa seriamente de controle de volume.
—Claro que as coisas vão mudar! — Keeley aponta o
braço em volta do nosso apartamento, quase derrubando uma
estante de livros. —Teremos dinheiro! Independência!
Podemos comprar qualquer merda que quisermos!
—Não é assim que os empregos funcionam, — ouço Raine
murmurar enquanto Keeley me empurra para o sofá.
Particularmente, estou com Raine nisso, não estou prestes a
explodir cada centavo do meu salário quando finalmente tiver
um. Mas não tenho coragem de estourar a bolha de Keeley, e
ela está pensando sobre o futuro com os olhos arregalados.
—Vou comprar um pufe, — declara ela. —Um daqueles
enormes de chão. E uma cafeteira chique. E uma mesa de
pôquer.
—O que há de errado com uma mesa comum? — Raine
puxa um fio solto de sua calça jeans, sentando no braço do
sofá. Keeley revira os olhos e a puxa para baixo, de modo que
nós três ficamos amontoadas nas almofadas.
—Mesas comuns não têm feltro verde.
—Então?
—Então, eu quero o feltro. Duh.
Deixei suas brigas tomarem conta de mim, procurando
entre as almofadas em busca do controle remoto da TV. Ligo a
TV, abaixo o som e passo os canais, em busca de um filme
ruim para assistir. Existem toneladas de filmes sentimentais
de amor, e geralmente iria para um deles, mas algo sobre ver
Gideon hoje me faz ficar bem longe.
Decidi por um filme de terror. Algo cheio de sustos e
sangue falso vermelho brilhante. Raine se desculpa, indo ler
em seu quarto, mas Keeley fica e joga os pés no meu colo.
—Por que aquele professor te odeia tanto, afinal? — Ela
segura um saco de pipoca caramelo comido pela metade, os
olhos grudados na tela. Mordo meu lábio inferior, forçando
meu rosto a ficar calmo.
—Não sei. — Keeley me lança um olhar incrédulo, então
encolho os ombros. —Ele me pegou conversando na aula dele
há dois anos. Deve ser por isso.
—Caramba. — Keeley se joga contra as almofadas do
sofá, se contorcendo para ficar confortável. Ela pega um
punhado enorme de pipoca, deixando cair os pedaços em si
mesma e me oferecendo o saco. Balancei minha cabeça. —Fale
sobre tenso. — Ela sorri com a boca cheia de pipoca. —Ele
precisa transar.
Tremo, dando um longo gole na minha cerveja para
esconder o rubor que mancha minhas bochechas. Keeley me
observa com o canto do olho, expressão sagaz.
—Ele é fofo, não é?
Encolho os ombros, o movimento espasmódico. Se mentir
e disser que Gideon é nojento, então Keeley certamente vai
conhecer ele e descobrir que sou uma grande mentirosa. Mas
se contar a ela como ele é lindo, como meu coração bate forte
só de pensar nele.
Bem. Algumas coisas são melhores não ditas.
—Ele é fofo, — afirmo. —Todos os professores não são
fofos? Os jovens, de qualquer maneira.
Keeley acena sabiamente. —Sim você está certa. É como
bombeiros. O trabalho os torna sexy.
—Exatamente. — Rio, aliviada. Não há necessidade de
revelar todos os meus segredos esta noite. —Além disso, ele me
desaprova.
Keeley cantarola. —Oh, inferno sim. Essa é uma
combinação incrível. — Ela se vira para mim, sorrindo com a
bochecha pressionada contra a almofada. —Você deveria
transar com ele, Luce.
Meu rosto está mais quente do que o sol. Keeley ri quando
vê, cutucando meu ombro.
—O que? Muito puritana?
Certo. Porque para Keeley e Raine e quase todos os outros
que conheço, sou a boa menina Lucy. Lucy que sai em
encontros doces e talvez beije na porta da frente. Lucy, que
nunca arrastaria um homem estranho para uma chapelaria e
cairia de joelhos.
Cutuco o rótulo da minha garrafa de cerveja.
Se elas soubessem.

Meu quarto está escuro quando vou para a cama. Já


passa da meia-noite, o brilho laranja do poste de luz do lado
de fora se acumulando na minha mesa e na cama. Tenho o
menor quarto do apartamento, mas não me importo. Mal tenho
um metro e cinquenta e oito. Parece justo.
Acendo a lâmpada de cabeceira, colocando o formulário
de inscrição na minha mesa. Meus pés latejam quando caio na
cama, finalmente tirando minhas botas, e esfrego círculos no
arco do meu pé.
Uma vozinha sussurra em meu cérebro, me perguntando
se Gideon daria massagens nos pés de sua namorada, mas
acabei com esse pensamento.
Ele assinou o formulário. Entrei em sua classe. A última
coisa que preciso é estragar tudo agora. E para que servem
pensamentos assim? Mesmo que ele não fosse meu professor,
mesmo que isso não arriscasse toda a sua carreira, quebrei
qualquer chance de algo entre nós anos atrás.
—Vamos. — Murmuro baixinho enquanto fico de pé,
puxando meu vestido pela cabeça. Minhas cortinas estão
abertas, mas não há nenhum prédio em frente, ninguém para
espiar dentro. E, honestamente, o pensamento faz minha pele
formigar.
Levo meu tempo para colocar meu pijama, tirando
minhas roupas lentamente e jogando meu cabelo por cima do
ombro. Primeiro, imagino que um par de olhos me observa
através do vidro escuro, depois substituo o estranho
imaginário por Gideon.
Seus olhos profundos e conhecedores. A maneira como
eles escureciam, me observando. A maneira como ele poderia
se inclinar mais perto, coçando o queixo, a língua saindo para
molhar o lábio inferior.
O gemido que recebi dele há dois anos ecoa em meu
cérebro como se o tivesse ouvido há cinco minutos. Aperto
minhas coxas juntas, vestindo meu pijama, caindo na cama e
lutando para me sentar contra meus travesseiros.
Está tarde. Tenho que acordar em cinco
horas. Amaldiçoo e pego o formulário.
Sua letra é firme. Confiante. Traço o mergulho e a curva
de suas letras com a ponta do meu dedo, reescrevendo seu
nome e assinatura. Trago o papel até o rosto, cheirando
profundamente, mas talvez esteja imaginando o leve cheiro de
seu escritório.
Tem cheiro de madeira. Como papel e tinta.
Não como Gideon.
Estendo o braço e coloco o formulário na minha mesa,
desapontada e me sentindo uma boba. Se alguém me visse
agora, pensaria que sou louca. Ou patética.
Talvez seja os dois. Deito mais fundo sob os cobertores,
desligando a lâmpada de cabeceira. Os números do meu
despertador brilham no quarto escuro, e a luz da rua pinta o
teto de laranja.
Meus dedos se arrastam sob o cós do meu pijama. Estou
dolorida, inquieta e, se não aliviar o efeito, nunca dormirei. É
assim que ele me deixou: nervosa e carente, minhas
terminações nervosas ainda zumbindo com a lembrança
fantasma de seu toque. Passo a palma da mão na minha
barriga, e é a palma dele, ou pelo menos como imagino que
seria.
Mesmo na chapelaria, anos atrás, nunca consegui sentir
ele em minha pele nua.
Seu toque seria quente e seco, decido. Movendo com
firmeza e segurança sobre meu corpo, como sua caneta
girando sobre o papel. Uma mão segura meu seio e suspiro.
Decido que ele iria apertar. Beliscar e puxar meu mamilo.
Lá fora, no apartamento, a TV ainda está ligada. O som
está abafado, mas vaza pela minha porta. Keeley está
assistindo a um filme antigo em preto e branco, com os
sotaques antiquados, e fecho os olhos com mais força para
bloquear. Me concentro no som da minha respiração em vez
disso, puxando para dentro e para fora do meu nariz, enquanto
minha mão mergulha mais para baixo e encontra meu núcleo.
Estou molhada. Dolorida. Pronta para ele.
Mas já sabia disso. Estou assim desde que ele abriu a
porta e fiquei parada lá piscando no corredor esta manhã. Já
que meu ombro roçou seu peito musculoso e respirei seu
cheiro.
Enfio um dedo dentro.
Não é justo, realmente, que ele possa me dispensar sem
pensar duas vezes, que ele possa sentir tanto desprezo por
mim quando tudo que quero é sua atenção.
Seu olhar em mim. O som dele falando meu nome. O
roçar quente de sua palma sobre minha pele nua.
Tremo, mordendo meu lábio com força enquanto tiro meu
dedo e circulo meu clitóris. Brinco com meu mamilo com a
outra mão, ainda imaginando ele, é assim que ele faria? O
ritmo que ele estabeleceria? Quando ele me alcançou naquele
dia na chapelaria, o que ele estava planejando fazer comigo?
Me permiti sonhar e preencher os espaços. Em minha
mente, estamos de volta a chapelaria, envoltos em sombras e
respirando o ar compartilhado. É a vez dele cair de joelhos. Ele
joga uma das minhas pernas por cima do ombro, suas mãos
percorrendo a parte interna das minhas coxas, então ele se
inclina para frente e usa a boca
Gozo com um gemido, meus músculos contraem
enquanto meus quadris resistem contra o nada. Desabo contra
o colchão, respirando com dificuldade, e normalmente é
quando me sinto melhor. Sonolenta e saciada, presunçosa
como um gato doméstico. Em vez disso, a necessidade é pior
do que nunca. É afiada no meu abdômen, uma coisa real e
pulsante, e choramingo enquanto coloco o braço sobre o rosto.
Ele falou comigo por dez minutos. Me olhou nos
olhos. Assinou um formulário. Quase não é pornografia. No
entanto, estou tão afetada que meu coração ainda está
disparado no peito, um suor frio escorrendo pela minha pele.
Bufo, rolando e enterrando meu rosto no travesseiro.
Este semestre vai ser uma tortura.
CAPÍTULO TRÊS

—Você parece acabada.


Meu colega de trabalho Dan passa os olhos por mim, seu
olhar demorando no cabelo úmido trançado sobre meu ombro
e meu rosto sem maquiagem. Não posso culpá-lo por me
encarar, esse não é o meu normal. Quase todas as manhãs
pinto meu rosto como uma obra de arte, demorando na curva
exata de meus lábios com uma mão firme. Raine e Keeley me
provocam por isso, me chamando de sua bonequinha de
porcelana, mas simplesmente gosto do processo. Isso me
acalma.
Nada poderia me acalmar hoje. Quando tentei passar
rímel nos cílios esta manhã, acertei o globo ocular duas vezes
antes de desistir. O nervosismo da noite anterior não diminuiu
enquanto dormia, ele aumentou e se intensificou durante a
noite, se alimentando de meus sonhos desesperados.
Me afastei da minha bolsa de cosméticos, acenando uma
metafórica bandeira branca. Se insistisse em pintar meu rosto
esta manhã, teria vindo trabalhar como uma palhaça.
—Obrigada, Daniel. Você é tão doce como sempre.
— Coloco minha língua para fora para ele, pegando uma
braçada de blocos de desenho do balcão da loja. Abro caminho
entre pilhas de cavaletes e mesas de potes de tinta. A loja está
desordenada, uma mistura agitada de suprimentos de arte,
mais parecida com um bazar do que com uma loja de arte da
Nova Inglaterra. Existem potes com pedaços de carvão,
enormes exibições de tintas em tons de joias, bandejas de lápis
pastéis dispostas como macarons.
Eu respiro fundo enquanto vou, os blocos de desenho
balançando em meus braços, sentindo o cheiro de papel grosso
e aguarrás no ar. Meu coração disparado começa a se acalmar.
Esta loja é meu lugar feliz.
—Eu fiz de novo, não é? — Dan segue atrás de mim,
coçando a nuca. Sua camisa de botão azul é impecável e limpa,
o colarinho engomado em pontas violentas e suas bochechas
barbeadas estão tingidas de rosa. Jogo para ele um sorriso
suave por cima do ombro.
—Não, está tudo bem. Sei o que você quis dizer.
Dan não é o primeiro cara que você escolheria para o
atendimento ao cliente. Ele acha difícil às vezes perceber dicas
sociais e fica sobrecarregado pelo menos uma vez na maioria
dos dias e tem que se trancar no escritório enquanto eu lido
com os clientes.
Ele também é o artista mais talentoso que já conheci.
—Seu rosto está diferente. Meio cansado e inchado. E
seus olhos parecem menores. Isso é tudo.
Sufoco uma risada, colocando os blocos de desenho no
topo da pilha correta. Ainda é cedo, muito cedo para a
multidão de estudantes, e a loja está silenciosa, exceto pelo
zumbido suave do rádio e o tamborilar da chuva na calçada.
—Não dormi bem.
Isso é engraçado. Posso contar a Dan coisas que não
posso contar a Keeley e Raine. Coisas pessoais. Coisas
secretas.
Dan sabe sobre minhas saídas sozinha à noite. Disse a
ele há alguns meses, sussurrando para ele no estoque
enquanto contávamos as caixas de lápis pastéis. Suas
sobrancelhas subiram tão alto em sua testa, que quase
desapareceram em seu cabelo preto.
Ele não me julgou, no entanto. Dan é legal assim.
—Você saiu com algum cara?
—Não. — Não posso ficar ofendida. É uma pergunta
justa. Mas por alguma razão, o pensamento me irrita. Não
consigo imaginar outro homem me tocando tão cedo depois
que vi Gideon.
—Você teve pesadelos?
Mordo meu lábio, considerando. Meus sonhos me
mantiveram acordada, me jogando e virando. Mas eles eram
ruins?
—Não. — Me viro e dou de ombros, agarrando o pulso de
Dan e puxando ele de volta para a caixa registradora. Levamos
muito tempo para chegar a este ponto, um onde possa tocá-lo
casualmente sem que ele recue, e ele possa invadir minha vida
pessoal. Mas nós dois começamos a trabalhar aqui no primeiro
ano e tivemos muito tempo para nos aproximarmos.
Dan e eu trabalhamos juntos em um turno na manhã
seguinte à minha noite com Gideon. Pela primeira vez naquele
dia, eu tive que me trancar no escritório dos fundos e acalmar
os pensamentos, enquanto Dan segurou o forte. Isso o
assustou tanto, assustou nós dois tanto, que mal namorei por
oito meses depois disso.
Não contei a Dan quem Gideon realmente é. Que ele não
é um homem anônimo com quem me relacionei e recusei, ele é
um professor. Que ele controla minhas chances de graduação
e que odeia minhas entranhas enquanto suspiro por ele a noite
toda.
—Aqui. — Passo a Dan um novo rolo de papel de recibo,
mexendo na caixa registradora para substituir o
antigo. Ficamos em silêncio, trabalhando com a tranquilidade
de duas pessoas que conhecem o ritmo uma da outra.
—Algo está definitivamente errado. — Olho para Dan e o
encontro franzindo a testa para um clipe de papel dobrado. Ele
o joga do balcão para a lixeira abaixo. —Eu sei, Lucy. Só não
adivinhei ainda.
Eu poderia contar a ele. Sei que posso. Dan nunca me
julgaria e nunca quebraria minha confiança. É uma coisa
gentil a se fazer. Posso ver como a pergunta sem resposta o
incomoda, uma linha vincando sua testa lisa. Ele esfrega um
olho com a palma da mão, sua garganta balançando enquanto
ele engole.
Abro a boca para dizer a ele, para contar tudo, mas
nenhum som sai. Sem palavras.
Talvez porque eu não sei o que está acontecendo
comigo. Porque meu corpo de repente não é meu.
—Não se preocupe comigo, — digo a Dan em vez disso, a
voz rouca. —Estou completamente bem.
Três dias depois, na noite antes do início das aulas, me
enrolo em dois suéteres grossos e caminho para a escada de
incêndio. Espiando por entre as barras de metal, posso ver
andares e andares de janelas iluminadas e poças de chuva nos
degraus. Há uma ponta de cigarro amassada perto do meu
joelho, claramente caída de um nível superior. Empurro da
borda e vejo cair em espiral na escuridão.
Minha respiração está instável, e quando inclino minha
cabeça para trás e expiro, ela fica embaçada na frente do meu
rosto como a fumaça de um dragão. Me aninho mais fundo em
minhas camadas, minha bunda já congelando na minha calça
fina do pijama, e olho para as estrelas.
Lá está o cinturão de Orion. Essa é a única constelação
que conheço e de alguma forma se encaixa. Que de todas as
estrelas, de todas as imagens brilhando acima dos telhados,
eu escolho o cinto do homem.
Sorrio, arrastando meu dedo do pé no metal congelando.
Ainda está enrolado na minha barriga. A fome. O mesmo
sentimento de necessidade e corrosão que me meteu nesta
confusão. Aquele que me fazia caminhar para a cidade à noite,
um balanço nos meus quadris e um batom vermelho cereja
pintado na minha boca. Normalmente, estaria relaxado agora,
escolhido um bar aleatório ao acaso e encontrado um parceiro
disposto a coçar minha coceira. Minha mãe morreria se
soubesse o que fiz aqui na faculdade.
Mas hoje não fiz isso. Deixei isso se estabelecer dentro de
mim, colocar suas garras. Deixei isso criar raízes. Porque é
diferente desta vez, não é um desejo indistinto de sensação,
qualquer sensação.
É por um homem e apenas um homem.
Coloco meu nariz congelado na gola do meu suéter,
envolvendo meus braços em volta dos meus joelhos. Atrás de
mim, dentro do meu quarto, meu horário de aula está pregado
na parede acima da minha mesa. E uma classe em particular
é circulada, três vezes por semana.
Inglês. Com Gideon.
Saber que o verei em menos de doze horas eleva meu
desejo a novos níveis. Me contorço onde estou sentada,
apertando minhas coxas, meu olhar turvo enquanto meus
olhos perdem o foco e imagino o que ele pode estar vestindo.
Como ele poderia parecer, com as mangas da camisa dobradas
e um colete sob medida moldando sua cintura magra...
—Que porra você está fazendo aqui? — Keeley rasteja
para a escada de incêndio ao meu lado, vestida apenas com
calça de moletom e um agasalho de moletom com zíper. Ela me
lança um olhar preocupado enquanto arruma seus longos
membros, empurrando seus óculos de armação preta até o
nariz empinado.
—Observado as estrelas. — Eu encolho os ombros. — Não
sei o nome de nenhuma delas, no entanto.
Keeley bufa. —Parece que você está fazendo um ótimo
trabalho.
Ela chega mais perto até que nossos lados estejam
pressionados, mas ainda posso sentir seus arrepios
percorrendo seu corpo. Esta noite está congelando, bem
abaixo de zero, e ela está vestida para nossa sala de estar, não
para o ar livre fora do vigésimo andar.
—Vá para dentro, — repreendo, cutucando ela com meu
cotovelo. —Você vai congelar até a morte.
—Não até que você me diga por que está sendo tão
trágica.
—Não estou sendo trágica... — Paro, me vendo com novos
olhos. Aqui estou, sentada enrolada em nossa escada de
incêndio, ansiando por um homem que me odeia. Ansiosa por
ele enquanto olho para as estrelas.
Sim. Não parece bom quando digo assim.
—Que se dane. — Empurro o ombro de Keeley,
empurrando ela de volta para a janela. —Você tem razão. Se
vou ser patética, é melhor envolver vodca.
Keeley grita, girando as pernas e entrando de volta para
o nosso apartamento. Sigo e a onda repentina de calor fazendo
minhas bochechas e garganta enrubescerem.
Tiro meus suéteres e os deixo amontoados no chão do
meu quarto.
É hora de algumas decisões erradas.
CAPÍTULO QUATRO

Ela está de ressaca.


Lucy Denton. A garota que me implorou para matricular
ela em minha classe, que zombou de mim há dois anos e tem
seguido meus passos neste campus desde então.
Para onde quer que olhe, ela está lá. Como meu próprio
presságio pessoal de destruição. Na cafeteria do campus, ela
está três lugares à frente na fila. Na biblioteca, vislumbro suas
ondas escuras e lábios vermelhos entre as pilhas. Ela está nos
corredores. Nas salas de aula.
Ela assombra todos os meus momentos de vigília.
E agora, depois de tudo isso, ela vem para a minha turma
de ressaca? Bato minha pilha de apostilas com tanta força na
primeira fileira de carteiras que um estudante sonolento grita
e se levanta. Ele pega uma apostila com as mãos trêmulas,
passando a pilha para a próxima pessoa, me dando um olhar
cauteloso.
Ele está certo em estar nervoso. Estou de péssimo humor.
Não olho para ela imediatamente. Não vou dar a ela a
satisfação de saber que esse pequeno truque me atingiu. Em
vez disso, a observo com o canto do olho, rastreando seus
movimentos em sua cadeira no fundo da sala.
Claro que ela se senta atrás. Por que ela se
aproximaria? Mostraria algum respeito? Mas ela é apenas
Lucy.
Limpo minha garganta, preparando minha apresentação
enquanto as apostilas são passadas pelas fileiras. Quando elas
alcançam Lucy, ela dá ao cara que as passa para ela um
pequeno sorriso. Seus lábios vermelhos se curvam, sua mão
delicada alcança a pilha, e ele os entrega com olhos vidrados.
Sim. Sem brincadeiras. Não consigo nem encontrar um
motivo para gritar com ele, Lucy tem esse efeito em todos.
Até em mim, depois de todo esse tempo. Deus, odeio isso.
—Bem-vindos à aula. — Começo minha palestra,
passando meus slides de abertura. Tenho dado esta aula há
dois anos consecutivos, poderia fazer cada palestra
dormindo. Deixo minha boca assumir o controle, trabalhando
no piloto automático, enquanto arrasto meu olhar ao redor da
sala.
É a seleção usual de desajustados e maconheiros. Nerds
tipo A e caras corpulentos com roupas esportivas. Uma vez que
todos precisam de créditos de inglês para se formar, esta aula
tem todo o espectro de alunos do que a faculdade Llewellyn
tem a oferecer. E na última fila: Lucy Denton, mastigando a
ponta do lápis e desenhando claramente em sua apostila.
Meu aperto fica mais forte no púlpito, meus dedos
empalidecem e a madeira range, mas continuo falando com a
mesma voz calma como se nada tivesse acontecido. Qualquer
um nesta sala que se preocupasse em tirar os olhos de suas
anotações e laptops veria um professor um pouco entediado
passando sua aula de abertura. Dando datas de teste,
detalhando atribuições. É exatamente igual à outra aula de
Lucy comigo há dois anos.
Antes ela fingia não me conhecer. Abandonou minha aula
sem dizer uma palavra e desapareceu na multidão no campus
para me assombrar à distância.
Dez semanas. O semestre dura dez semanas. São trinta
horas na mesma sala que ela. Respirando o mesmo ar,
sentindo seu olhar pousar em mim.
Paro, agarrando minha garrafa de água e engolindo um
gole de água. Alguns pares de olhos se voltam para mim,
depois se afastam. Não ela. Saberia se ela estivesse assistindo.
Limpo minha garganta. Reúno meus pensamentos. Isso
deveria ser fácil, automático agora, mas ela me tirou do jogo. O
colarinho da minha camisa parece muito apertado e o suor
permeia minhas costas. Giro meu pescoço enquanto falo,
fechando meus olhos, e quando os abro, algumas alunas na
primeira fila estão me olhando com os olhos arregalados.
Não. Inferno, não. Não tive a intenção de cometer esse
erro da primeira vez e tenho certeza que não vou cometer
novamente. Olho para elas cada uma por sua vez, os olhos
duros, e elas ficam vermelhas e olham para suas
anotações. Um sussurro percorre a terceira fila, mas o ignoro.
A campainha está prestes a tocar de qualquer maneira.
Com certeza, o barulho de metal corta o silêncio, fazendo
os alunos mais próximos pularem. Desligo a minha tela, dando
lembretes para a leitura da próxima aula. Em seguida, arrumo
minhas coisas, lenta e metodicamente, até que as batidas dos
passos e a tagarelice desapareçam.
Não estou sozinho. Sei sem olhar para cima. Sei disso
com tanta certeza quanto sei meu próprio nome.
—O que posso fazer por você, Lucy?
Minha voz parece agradável. Calma e despreocupada.
Todas as coisas que não estou agora. Arrumo o resto das
minhas coisas e coloco minha bolsa no ombro antes de me
preparar e levantar o olhar.
Lucy me observa, olhos arregalados e bochechas rosadas,
a meio metro da plataforma elevada. Seus dedos se enlaçaram
na frente de seu vestido verde salva, outro maldito vestido de
suéter, um feixe de lã disforme que de alguma forma é a coisa
mais erótica que já vi. É como se ela tivesse vestido um suéter
e esquecido de colocar as calças, a bainha roçando em suas
pernas no meio da coxa. Suas pernas estão nuas hoje, ela nem
está usando as calças justas da semana passada e suas botas
de salto vão até os joelhos.
Engulo com a boca seca e olho nos olhos dela. Seu peito
arfa sob a lã verde.
—Eu, uh. — Ela está gaguejando. Nervosa. O som me
enche de prazer vicioso. —Queria te agradecer. Novamente.
— Ela puxa o vestido distraidamente. —Por me deixar fazer o
curso.
—Oh? — Sorrio, a expressão afiada. —Você está grata? É
por isso que você veio para a primeira aula de ressaca?
Ela pisca para mim, chocada.
—Eu não estou...— Ela para. É um alívio, pelo menos,
que ela não se dê ao trabalho de mentir.
Como se ela pudesse esconder algo assim de mim. Como
se não soubesse como ela fica quando está cansada, zangada,
jubilosa, o conhecimento vergonhosamente acumulado em
vislumbres nos últimos dois anos.
—Espero que você mostre mais respeito na próxima aula.
— Ela acena com a cabeça, sem dizer nada. Sua boca
pressiona em uma linha firme, seus olhos se voltam para a
porta como se ela desejasse poder escapar.
Muito ruim. Ela é quem me procurou.
—Não espere nenhum tratamento especial, — advirto. —
Nossa pequena... indiscrição de dois anos atrás não fará nada
para aumentar sua nota.
Ela bufa, irritação escorrendo por todos os poros, mas
não a deixo falar. Atravesso a plataforma, descendo os degraus
e saio da sala de aula.
Deixe ela sentir o desrespeito. Deixe que ele se enterre sob
sua pele.
Deixe Lucy Denton ver se ela gosta disso.

—Ei, cara. O que há com o mau humor?


Coloquei o copo na minha mesa com um baque, olhando
para o homem encostado na moldura da porta do meu
escritório. Esqueci completamente, em minha névoa confusa
de Lucy, que tinha concordado em encontrar Fraser para
beber.
Bem. Acho que tenho uma vantagem.
—Cale-se. — Giro na cadeira da minha escrivaninha,
pegando outro copo limpo da estante. Coloco ao lado do meu
copo e da garrafa de uísque pela metade que mantenho
escondida na minha gaveta. —Estamos bebendo ou não?
—Você sabe que é segunda-feira, certo? — Fraser fala
arrastado, empurrando a moldura da porta e entrando na
sala. Beckett aparece atrás dele, seus ombros tão largos que
ele quase bloqueia a luz do corredor.
Acendo a lâmpada da minha mesa antes de pegar um
terceiro copo. Não há necessidade de fazer cerimônia
aqui. Esses homens são a coisa mais próxima que tenho de
família atualmente. Desde Harry...
Não. Parei esse pensamento. Não porque quero esquecer
ele, nunca, mas porque estou suficientemente cru hoje como
está. Os pensamentos sobre meu irmão terão que esperar até
que esteja mais estável. Preparado para lidar com eles.
—Por que o colapso? — Becket inclina a cabeça, cruzando
os braços. Seu paletó estica nas costuras com o
movimento. Ele se sente mais à vontade em suéteres e
camisetas de mangas compridas, o departamento de ciências
do esporte deve ter empurrado ele hoje. Primeiro dia de aula e
tudo mais. Ignoro sua pergunta e levanto meu copo.
—Para o terno de Beckett.
Fraser bufa e serve mais duas bebidas antes de bater seu
copo contra o meu.
—Que ele triunfe na batalha.
—Que entre nos livros de história. — Nós brincamos de
um lado para outro, brindando ao terno sofrido de Beckett, e
ele revira os olhos, mas brinda corajosamente. Eles arrastam
cadeiras para mais perto, Fraser chutando a porta do meu
escritório antes que eles sentem na frente da minha mesa.
—Deus. — Fraser geme, passando as mãos pelos cabelos
ruivos antes de esfregá-las no rosto. Seus penetrantes olhos
azuis espreitam por entre os dedos. —Fica pior a cada ano.
—Novos casos de malas? — Beckett pergunta, sacudindo
meu grampeador com um dedo largo. Fraser dá um tapinha no
ombro dele.
—Não os chame assim. Mas sim.
Como orientador da faculdade, Fraser tem um assento na
primeira fila para todos os traumas que se escondem nos
bastidores. Quando olho para o pátio, vejo alunos correndo na
chuva ou tomando banho de sol em bancos de
madeira. Jovens no início de suas vidas, cheios de petulância
e potencial.
Fraser vê um longo desfile de almas quebradas. Eles vêm
a ele como último recurso.
Gosto mais da minha visão.
—Então, por que a festa da pena? — Beckett me pergunta
novamente. Fraser também olha para mim, seus olhos
penetrantes e rápidos.
Tomo outro gole, vergonhosamente tentando ganhar
tempo. Quando eles me esperam, os olhos se estreitam, limpo
minha garganta e balanço minha cabeça.
—É ela. Ela está na minha classe. A garota do bar.
Fraser empalidece e Beckett chora de tanto rir.
—Seriamente? Oh cara. Você está ferrado. Você até
mesmo olha para essa garota da maneira errada, e a
administração vai cair duro na sua bunda.
—Não vou olhar para ela, — estalo. —Não quero ver ela
de jeito nenhum.
—Então por que ela está na sua classe? — Fraser
pergunta baixinho. Beckett ouve o tom sério de sua voz e fica
sério também, seu largo sorriso desaparecendo. Eles trocam
olhares rápidos: os olhos castanhos de Beckett para os azuis
de Fraser.
Me inclino para trás na minha cadeira, carrancudo para
o teto. Há uma rachadura estilhaçando a tinta branca.
—Ela precisa dos créditos para se formar. — Abaixo
minha cabeça, olhando para os dois. —Não posso impedir ela
de se formar só porque... por causa daquilo.
Nem consigo dizer. Se disser em voz alta aqui, onde
Fraser trabalha como orientador...
Ela não era minha aluna na época. Essa é minha única
graça salvadora. E não tinha ideia de que ela era uma
estudante. É a única razão pela qual os dois me olham agora
com simpatia, em vez de nojo.
—Mantenha distância. — Beckett levanta as palmas das
mãos quando me viro para ele, pronto para amaldiçoá-lo por
dizer algo tão óbvio. —Apenas... passe o semestre. Corrija os
testes às cegas. E pelo amor de Deus, nunca fique sozinho com
ela.
É estranho ouvir Beckett ser a voz da razão, ele
geralmente é um homem de gargalhadas estrondosas e falas
astutas. Mas Fraser acena com a cabeça também, seus dedos
traçando sua mandíbula mal barbeada, e me pego
murmurando meu acordo.
Fique longe dela. Corrija os testes às cegas. E nunca fique
sozinho com Lucy Denton.
Posso fazer isso.
CAPÍTULO CINCO

Uma coisa é ficar longe de uma garota quando ela é


apenas mais um corpo na multidão. Antes de entrar na minha
classe, Lucy era uma gota no oceano do corpo discente da
Faculdade Llewellyn. Mesmo que sempre soubesse quando ela
estava por perto, minha pele esquentando e os pelos dos meus
braços se arrepiando, podia pelo menos fingir que nada estava
acontecendo. Que ela não era ninguém, e aquelas sensações
estavam todas na minha cabeça.
É uma coisa totalmente diferente suportar três horas de
sua presença por semana.
A primeira semana é um borrão. Assumo as palestras
atordoado, mal me ouvindo falar, e belisco minha perna atrás
do púlpito para me força a me concentrar para as perguntas e
respostas.
Ela não faz perguntas. Ela não ousará.
Na segunda semana, estou preparado para o impacto
cada vez que ela entra pela porta. Sem falhar, há o soco no
estômago inicial de sua beleza. Suas ondas escuras e enormes
e seus grandes olhos cinzentos. Sempre acho que a imagem
dela em minha mente é impossivelmente perfeita, que
nenhuma mulher humana poderia ser tão linda.
Então ela entra na minha sala de aula e a figura em
minha mente empalidece em comparação.
Não sou o único cuja frequência cardíaca acelera quando
ela entra pela porta. Os caras se endireitam em suas fileiras
enquanto ela passa, suas conversas murmuradas esquecidas.
Eles oferecem canetas sobressalentes e brigam para entregar
as apostilas.
É patético. Eu os julgaria por isso, se não fosse tão ruim.
Parte de mim, uma parte amarga e perversa de mim
mesmo, se pergunta se ela já esbarrou em algum desses caras
na chapelaria de um bar. Se ela os arrastou para alcovas
escuras ou os levou para casa.
Cortei esses pensamentos. Não tenho direito a eles.
Nunca tive.
Três semanas no semestre e tenho minha rotina
aperfeiçoada. Ela empurra a porta da sala de aula com
cuidado, sempre tão cautelosa, e na ponta dos pés com suas
botas de salto alto, sobe os degraus da última fileira. As
cabeças viram quando ela passa, mas ou ela não percebe ou
não se importa.
Lucy não olha para nada nas minhas aulas, a não ser os
sapatos. Os sapatos dela e, assim que começo a falar, os
slides. Sua cabeça nunca se move na minha direção. Nunca
sinto o peso de seu olhar.
Esta é a dança em que estamos. Somos dois corpos em
órbita, fingindo cuidadosamente que o outro não existe.
Quase funciona também.
Ela está diferente hoje. Seu vestido de suéter usual não
está em lugar nenhum, e em vez disso Lucy usa uma saia
vermelha pregueada que roça o topo de seus joelhos. Seu
cabelo está enrolado no topo da cabeça, amarrado em um nó
bagunçado com um lápis espetado nele. Uma mecha de cabelo
escapou, pendurada atrás da orelha em um cacho brilhante, e
um suéter preto abraça suas curvas.
Ela faz sua caminhada habitual para o fundo da sala de
aula, meus olhos a seguindo da segurança do púlpito. Esta é
minha única chance de olhar para ela, quando ela estiver de
costas. E ninguém mais percebe o olhar faminto em meus
olhos, porque eles estão muito ocupados vasculhando suas
bolsas, tomando café ou olhando para ela também.
Lucy se joga em um assento sobressalente, bem no centro
da última fila. Não há assentos na frente dela, apenas espaço,
e posso ver suas botas cruzarem nos tornozelos. Ela enfia a
mão na bolsa, seus movimentos são robóticos no início, depois
ficam mais agitados. Ela procura mais fundo, seus lábios se
movendo enquanto ela pragueja baixinho, e leva tudo de mim
para não gritar por ela.
Seu cabelo. Seu lápis está em seu cabelo.
Não é da minha conta. E com certeza, um estudante do
sexo masculino se inclina com uma caneta estendida, e ela a
pega com um sorriso agradecido. Ele se acende, pegando seu
laptop e sentando alguns assentos para mais perto.
Minha pulsação lateja em meus ouvidos. Fico olhando
para o púlpito, raspando a unha do polegar sobre as linhas na
madeira. Minhas anotações estão preparadas e prontas,
espalhadas diante de mim, e o relógio na parede mostra que é
hora de começar.
Protelo, bebendo café da minha garrafa
térmica. Espontaneamente, meus olhos vão para a última
fileira.
Ele está sentado ao lado dela agora, girando seu laptop
para mostrar a tela. Ela ri de algo que ele diz, balançando a
cabeça, e cerro minha mandíbula com tanta força que meus
dentes doem.
—Tudo bem. — Falo baixinho, mas a sala se
acomoda. Eles sabem que não devem falar fora de hora. —Se
todos estiverem prontos. — Eu olho para a última fileira. —
Vamos começar.
Ia atribuir um projeto em grupo hoje, mas mudo meus
planos na hora. Eles podem escrever um ensaio para sua
avaliação. Um relatório de livro. Qualquer coisa, desde que
trabalhem sozinhos.
Enquanto trabalho nos slides, a sala fica em silêncio,
exceto pelo arranhar das canetas no papel e o toque rítmico
das teclas do laptop. Lucy é uma garota de papel e caneta. Ela
carrega um bloco de notas A4 para todos os lugares, cheio de
anotações e esboços na mesma medida. Com certeza, quando
arrisco outro olhar para a última fileira, sua cabeça está
inclinada sobre a mesa e sua caneta emprestada esboça longas
linhas.
Ela ergue os olhos. Nossos olhos se encontram.
Abaixo minha cabeça, carrancudo para as notas em meu
púlpito, as palavras nadando pelo papel.
Ela me viu olhando. Ela sabe que a observo agora.
Ela sabe que ainda me importo.
Desta vez sou quem quebra nossa regra. Que pede que
ela fique um pouco mais de tempo. Ela vagueia até a base da
plataforma elevada, uma mão segurando a alça da bolsa com
força. Os outros alunos passam por ela, correndo para a
próxima aula ou para o encontro na biblioteca ou de volta para
seus dormitórios apertados.
Lucy mora em dormitórios?
Não. Não quero saber. Não é da minha conta.
—Sim, professor?
Ela está me provocando? Não sei dizer. Ela deve saber
como essas palavras, ditas em sua voz rouca, como elas me
afetam.
—Seu cabelo, — solto. Ela levanta a mão, confusa, dando
tapinhas em um lado da cabeça.
—O que tem isso?
—Seu lápis está no seu cabelo. — Deus, isso é um
desastre. Certamente não foi por isso que a fiz ficar para
trás. Certamente havia uma razão adequada, algo que
realmente tinha a dizer...
—Oh. Hum, obrigada. — Ela puxa o lápis para fora do
coque, liberando outra mecha de cabelo escuro. Estou
imaginando o cheiro de seu shampoo? O cabelo dela realmente
cheira a jasmim?
—Da próxima vez...— Sim. Era isso. Aceno para sua
roupa, gesticulando para cima e para baixo em seu corpo. —
Vista-se mais apropriadamente, por favor.
Lucy franze a testa para sua roupa, puxando a bainha do
suéter.
—O que há de errado com isso? Outras meninas usam
saias mais curtas.
Outras garotas não estão me deixando louco.
—Você está distraindo os outros alunos.
Lucy zomba. —Se isso for verdade, o problema é deles.
Ela está certa, e sei que ela está. Em minha amargura e
ciúme, assumi uma posição estúpida. A roupa dela é
irrelevante para a educação dos outros alunos, e se eles não
conseguem se concentrar, é culpa deles.
Por essa lógica, é minha própria culpa também. Suspiro,
beliscando a ponte do meu nariz e aceno para ela se afastar.
—Você tem razão. Esqueça que disse isso.
Lucy paira por um momento, mordendo o lábio, então dá
um passo para frente.
—Por que você disse isso?
Dou a ela um sorriso duro. —Porque sou um idiota.
—Um idiota ciumento? — Sua boca se torce em um
sorriso brincalhão. Por um momento, somos aquelas pessoas
da chapelaria novamente. Quando ela soprou palavras sujas
em meu ouvido, quando minhas mãos percorriam avidamente
suas curvas.
Enfio minhas anotações na minha bolsa. —Um
facilmente distraído.
É uma confissão. Uma que detesto dar a ela, mas acho
que devo isso depois de tentar estabelecer a lei. Quando olho
para cima, seu rosto está surpreso e meu sorriso é duro
quando coloco minha bolsa no ombro.
—Como disse. Esqueça o que eu disse.
Ela fica paralisada enquanto atravesso a plataforma. Pela
segunda vez em três semanas, a deixo lá sozinha, mergulhando
de volta nos corredores lotados, minha mente girando.

A próxima palestra é completamente normal, exceto por


uma coisa.
Lucy usa jeans.
Em todos os dois anos que vivemos no mesmo campus,
só a vi de saias e vestidos. Pelo menos noventa por cento de
seu armário parecem ser vestidos de suéter, o resto saias
lindas e vestidos floridos.
Os jeans são novos. Eles ainda não foram usados e a tinta
azul não desbotou com a lavagem.
Pedi que ela fosse menos... perturbadora e,
aparentemente, ela teve pena de mim. A percepção disso envia
um fio de calor pelo meu peito, e me permito lançar um breve
aceno de cabeça em direção à última fileira.
É doce da parte dela. Ela está tentando. Ela não
precisava fazer isso. Deus sabe que não foi um pedido razoável
e ela teria o direito de me denunciar.
Em vez disso, Lucy comprou jeans, a peça de roupa que
suspeito que ela mais odeia. Ela se contorce agora em seu
assento, seu nariz enrugando, seus dedos puxando
distraidamente em sua cintura.
Não vou dizer a ela que é um gesto inútil. Que o jeito que
aqueles jeans abraçam suas pernas parece tão pecaminoso
quanto aqueles vestidos de suéter folgados. Eu soaria insano,
totalmente assustador e, além disso, ela está tentando.
Ela está tentando.
CAPÍTULO SEIS

As lombadas dos livros da biblioteca deslizam sob meus


dedos. Estendo minha mão enquanto sigo Raine pelas pilhas,
seus braços empilhados com livros de psicologia enquanto os
meus estão vergonhosamente vazios.
Não é que não me importe com as aulas. Trabalho
duro. Faço a leitura. Mas nunca senti o fervor que Raine sente.
A paixão consumidora pelos meus estudos.
Talvez seja porque sou formada em artes. Os livros são
úteis, interessantes, mas para mim nada se compara à
sensação de carvão preso entre meus dedos. Enquanto Raine
se debruça sobre seus livros, seus olhos grudados em cada
palavra, sonho acordada sobre correr minhas mãos sobre
argila lisa e giratória.
Minha mão se levanta sozinha, acariciando o lápis no
meu cabelo.
Gideon, Professor Warwick, notou. Não só porque
coloquei o lápis no coque, mas também porque não consegui
encontrar na bolsa e tive que pegar uma caneta
emprestada. Ele me observa mais de perto do que deixa
transparecer.
—Qual era o número de referência? — Raine pergunta,
sem virar a cabeça enquanto caminha. Li para ela novamente
do pedaço de papel em minhas mãos. Gideon atribuiu nosso
primeiro ensaio esta semana e, embora saiba como é patético,
quero impressionar ele. Estou sempre tão enlouquecida perto
dele que ele provavelmente pensa que sou lenta. A primeira
coisa que fiz quando saí da sala de aula foi caçar Raine e
convencer ela a me ajudar a encontrar materiais de estudo. —
O que há com o repentino zelo acadêmico? — Raine faz uma
pausa, examinando uma prateleira, então se agacha para ler
os títulos abaixo. Encolho os ombros, embora ela não esteja
olhando para mim.
—Só quero fazer um bom trabalho.
O sorriso que ela me dá é pura Raine. Cheia de humor
surpreendente e astuta.
— Só no seu último ano.
—O que posso dizer? Antes tarde do que nunca.
Ao longe, ouço Raine me pedir para repetir o número de
referência, mas franzo a testa por cima do ombro. Por um
momento, então, pensei ter visto...
Raine bufa e arranca o papel dos meus dedos.
Meus passos são abafados pelo tapete verde duro
enquanto vagueio pelo corredor, deixando Raine atrás de
mim. Meu coração dispara no meu peito, arrepios explodindo
em meus antebraços, mas quando viro a esquina, ele não está
em lugar nenhum.
Ele não está aqui. Gideon. Fiquei totalmente louca,
alucinando com meu professor.
—Lucy?
Sua voz está baixa atrás de mim. Firme e íntima. Pulo e
giro, minha respiração fica presa na garganta. Minhas costas
pressionam contra as pilhas de livros na prateleira cavando em
minha espinha.
Gideon me observa, seus olhos escuros. Um botão extra
é aberto em seu colarinho, e os planos musculosos de seu peito
são visíveis através da fenda em sua camisa. Uma pilha de
livros está segura em uma mão, os nós dos dedos firmes de
uma forma que faz minha boca ficar seca.
—Hum. Oi. — Deus, esse homem me deixa estúpida. Ele
provavelmente está chocado por eu estar na faculdade. —
Estava apenas... — Aceno com a mão. —Procurando por um
livro, — termino desajeitadamente.
Sua boca se curva. —Bem, você veio ao lugar certo.
Certo. Resisto à vontade de me virar e bater minha testa
nas prateleiras.
—É para sua tarefa.
—Fico feliz em ouvir isso.
—Estou realmente tentando.
—Eu sei.
Fico em silêncio. O que mais há a dizer? Já fiz o papel de
boba perfeitamente. Lanço um olhar desesperado para fora das
enormes janelas da biblioteca, os enormes painéis de vidro
envolvendo todo o chão. O céu está escurecendo, embora não
sejam nem cinco da tarde, nuvens pesadas cobrindo os
telhados do campus e rajadas de chuva brilhando prateadas à
luz da lâmpada.
—Lucy? — Gideon chama. Sua testa está franzida de
preocupação. Esta não é a primeira vez que ele disse meu
nome. Respiro estremecendo, enxugando minhas mãos
úmidas contra o meu jeans. Raine vai me ver aqui com ele, ela
vai me ver aqui e ela vai saber. A fome urgente em meus olhos
será inegável. Não vou conseguir me esconder mais.
Não posso continuar sendo a boa Lucy quando Gideon
estiver por perto.
As pessoas saberão sobre mim. Sobre o que faço. Onde
vou. Sobre os impulsos insaciáveis que recebo, tão pouco
femininos, tão impróprios, tão totalmente contrários a tudo o
que me ensinaram quando criança.
De repente, as prateleiras da biblioteca estão muito
próximas, se aglomerando ao meu redor. O ar está viciado e
rarefeito, as sombras deslizam nos cantos da sala e, quando
meus dedos arranham a prateleira atrás de mim, não consigo
segurar.
O que diabos está acontecendo comigo?
Gideon diz outra coisa, sua voz abafada e distante, mas
empurro seu braço estendido e tropeço pelo corredor. Raine
olha para cima quando passo, sua boca caindo aberta, mas
não paro. Continuo até minhas palmas baterem contra a
porta, o som ecoando pela biblioteca silenciosa enquanto entro
na escada.
Está legal aqui fora. Simples. As paredes são todas do
mesmo branco e linóleo preto cobre o chão. Uma janela dá para
o estacionamento dos funcionários, as fileiras bem organizadas
de carros com as mesmas cores.
Azul escuro. Prata. Preto. Vermelho. Branco. Conto todos,
concentrando toda a minha atenção nesses carros até que meu
coração desacelera e a escada para de girar. Depois de um
tempo, o som da chuva batendo no telhado volta aos meus
ouvidos, e abro meus punhos para olhar para as marcas de
meia-lua cavadas em minhas palmas.
—Lucy?
Gideon está parado na porta da escada, a borda da
pesada porta fechada com força em uma das mãos. Ele franze
a testa enquanto me observa, absorvendo cada detalhe. Meus
dedos trêmulos, meus olhos arregalados, meu cabelo
desgrenhado.
Pela primeira vez neste semestre, não quero seus olhos
em mim.
—Com licença, — sussurro, descendo as escadas. Ele
chama atrás de mim, mas continuo, não importa o quão louca
isso me faça parecer.
Ele vai pensar que estou louca. Ele vai pensar que estou
danificada.
Ele vai estar certo.

O escritório de bem-estar estudantil é um prédio


atarracado de tijolos com hera subindo pelas paredes. Ele fica
na periferia do campus, com canteiros de flores e arbustos
alinhados no curto caminho até a porta. Caminho passando
por faixas de solo e arbustos verdes eriçados, a maioria das
plantas mortas ou adormecidas durante o inverno. A chuva
encharca meu suéter e pinga das pontas do meu cabelo.
Uma placa na entrada diz Apoio ao Aluno.
Bem... espero que sim.
A porta automática vira para o lado, deixando escapar
uma rajada de ar quente. Entro em um saguão acarpetado com
poltronas fofas e uma mesa de centro repleta de revistas
velhas. Há um bebedouro em um lado da sala, com menos de
um centímetro de água nele, e as paredes são pontilhadas com
pôsteres extravagantes.
Nós somos melhores juntos! Um anuncia, com uma foto
de pinguins-imperador se aconchegando em um bloco de gelo
para se aquecer. Outro declara, Paciência é uma virtude! E
mostra uma borboleta emergindo de um casulo.
Caramba. Eu me viro, pronta para mergulhar de volta na
chuva e arriscar. Mas uma voz calorosa chama da mesa da
recepção, e eu me encontro grudada no local.
—Você está entrando, querida? Aceitamos visitas, você
sabe.
A mulher de meia-idade sentada atrás da mesa sorri
gentilmente para mim quando me aproximo, minhas botas
ensopadas fazendo barulho. Ela pega um lenço de papel de
uma caixa ao lado do teclado e me entrega. Não tenho certeza
o que devo limpar, então enxugo vagamente em tudo.
—Hum. Obrigada. Meu nome é Lucy Denton. Não tenho
hora marcada.
—Lucy... — Ela faz uma anotação em uma letra
cuidadosa e circular. Quando ela sorri para mim, seus óculos
de tartaruga sobem em suas bochechas rosadas. —Bem-vinda,
Lucy. Você gostaria de falar com um conselheiro de
orientação?
—Sim. — Concordo antes que eu possa pensar sobre
isso. Quer dizer, por que mais corri até aqui? Pessoas
saudáveis e felizes não correm pelo campus em pânico porque
querem dar uma olhada em pôsteres motivacionais feios.
Pessoas normais não desejam seus professores, ou surtam
pensando que serão descobertas, e entram em espirais
esmagadoras de vergonha. —Sim por favor. Agora, se isso for
possível.
—Claro querida. — A mulher afirma, fazendo uma ligação
e me colocando para preencher um formulário. Preencho tudo,
seu lenço de papel úmido agarrado em minha palma, e tento
não olhar para o meu reflexo no espelho atrás da mesa. Meu
cabelo está desgrenhado e molhado, meu rímel borrou sob
meus olhos. Estou encharcada e com os olhos vermelhos. Não
é uma visão bonita.
O homem que vem me atender é alto e de peito largo. Ele
é bonito, o tipo de bonito que me faria derreter se não fosse tão
fixada em Gideon. Seu cabelo ruivo cai em sua testa e seus
olhos azuis se enrugam quando ele sorri.
—Entre Lucy. — Ele aponta para um corredor. —Vamos
conversar.
Nunca fiz terapia antes. Acho que sempre pensei nisso
como... bem, um pouco estranho. Algo para vítimas de
traumas e loucos. Acho que me qualifico.
Enquanto o orientador empurra a porta, estou me
preparando para um escritório cheio de pufes e bolas
saltitantes, ou um daqueles sofás de couro gasto. Em vez
disso, há duas cadeiras regulares de encosto reto, uma mesa
baixa com lenços de papel, uma jarra de água e dois copos e
um aquário em uma prateleira no canto. Plantas em vasos
revestem o parapeito da janela e há uma pintura de uma
montanha varrida pelo vento em uma parede.
Vou direto para a pintura. À primeira vista, não parece
mais do que arte de motel, mas, olhando mais de perto,
encontro camadas e mais camadas. Algumas das cores que
você esperaria em uma montanha, cinzas de aço e marrons
lamacentas, foram trocadas por bordô, azul-petróleo, roxo. E
também há sombras que não pertencem à paisagem. Isso não
pode ter sido lançado pelas rochas.
—Você gosta disso? — O conselheiro de orientação
inclina sobre a mesa. Drummond, dizia a placa em sua
porta. Sr. Drummond.
—Sim. — Aceno com força, meu cabelo fazendo cócegas
em meus ombros. —Eu amo arte. Sou formada em arte.
—Qual é o seu método preferido?
—Carvão, — digo de uma vez. Isso é fácil. Se isso for
terapia, estarei consertada em um momento. —É tão
tátil. Você não está apenas desenhando linhas, você está
borrando, pintando e modelando no papel. As marcas podem
ser claras e definidas, ou nebulosas e sonhadoras, e...
Paro. Não estou aqui para falar de arte.
O Sr. Drummond percebe minha mudança de humor. Ele
balança a cabeça rapidamente e senta em uma cadeira,
gesticulando para que eu use a outra. Vim aqui por escolha
própria, quero estar aqui, mas os poucos passos através da
sala dão a sensação de caminhar para a forca.
—Tudo bem, Lucy, — diz ele quando estou acomodada. —
Me diga por que você está aqui.
Meu queixo cai e brinco com a bainha do meu suéter.
—Isto é confidencial, certo? — Deixo escapar. —Não vou
ter problemas?
—Contanto que nem você nem ninguém mais esteja em
perigo, e você não tenha quebrado nenhuma lei, então sim.
— Ele sorri. —Isto é confidencial.
—Certo. — Lambo meus lábios. —E ninguém mais terá
problemas também?
O sorriso do Sr. Drummond desaparece. Ele inclina a
cabeça, seu olhar penetrante.
—Com quem especificamente você está preocupada?
Meu suéter torce em meus dedos.
—Um professor, — sussurro. Não estou aqui para fazer
uma declaração, para revelar todos os segredos de Gideon, mas
não sei como explicar os desejos que tenho sentido sem falar
sobre ele. Desde que ele voltou para minha vida, não há mais
ninguém. Gideon está no centro de todos os meus desejos
inquietos.
—Lucy. — O Sr. Drummond franze a testa, murmurando
para si mesmo. —Lucy. Lucy. — Sua cabeça vira para mim,
seu rosto está alarmado, um novo reconhecimento em seus
olhos. —Lucy, — diz ele com urgência, erguendo as palmas das
mãos. —Sinto muito, mas não posso atender a essa
consulta. Receio ter algum... conhecimento prévio da sua
situação.
Ele continua falando, divagando sobre me encaminhar a
outro conselheiro enquanto fico olhando para o aquário. Um
peixe anjo flutua na água, suas barbatanas brancas peroladas
arrastando na pequena corrente, bolhas flutuando cada vez
que abre a boca.
Gideon contou a alguém. Ele falou sobre mim. Ele disse
a este homem o que fizemos.
Eles riram disso? Eu era apenas uma conquista para
contar a seus amigos durante as cervejas?
—Tenho que ir. — Me levanto, minha cadeira raspando
no carpete. —Mudei de ideia. E não preciso de nenhuma ajuda.
—Há muitos outros conselheiros, me deixe fazer algumas
ligações...
—Não, obrigada. — Tropeço para a saída.
Tanto para a posição moral elevada de Gideon.
Acontece que meu professor é um idiota.
CAPÍTULO SETE

Não é minha primeira vez matando aula, e não será a


última. Todos podem pensar que sou uma garota doce e
inocente que nunca quebra as regras, mas o fato é que isso me
ajuda a voar além do radar. Sou baixinha e miúda, com uma
linda maquiagem e adesivos na minha agenda. Carrego um
bloco de desenho comigo e desenho para me divertir.
Se alguém olhar um pouco mais de perto, verá o meu
verdadeiro eu. A que costumava furtar protetores labiais
quando era adolescente, aquela que faz aulas de kickboxing
apenas para socar algo, aquela que deseja tanto um homem às
vezes que pode arrancar a própria pele.
Apenas uma pessoa chegou perto de ver esse meu lado.
Gideon.
E o que ele fez com esse conhecimento? Ele compartilhou
com seus amigos. Ele provavelmente se gabou da garota que
caiu tão facilmente de joelhos. Bem, acho que isso significa que
ele não ficará chocado quando faltar às aulas dele por três dias
seguidos.
Não quero vê-lo. Se fizer isso, posso estrangulá-lo com a
alça da minha bolsa.
Ainda faço minhas tarefas. Estou chateada com ele, claro,
mas o objetivo desse exercício de humilhação era para receber
esses créditos. Então, escrevo meu ensaio, estudando a
bibliografia e verificando minhas citações para ter certeza de
que está tudo perfeito. Até suborno Raine para revisá-lo para
mim, trocando suas loucas habilidades de gramática por um
donut quente e açucarado.
Em seguida, anexo em um e-mail, envio para ele e desligo
meu laptop para o fim de semana.
—Você chegou cedo. — Dan verifica o relógio quando
entro na loja de arte na sexta-feira. —Seu turno não começa
antes das três.
—O que posso dizer? Estava me sentindo generosa. Além
disso, —pulo no balcão, me contorcendo para ficar
confortável. Caixas de lápis macios e um frasco de borrachas
se afasta de minhas coxas. —Senti sua falta, Danny.
—É Dan. — Ele alinha a pilha de caixas de lápis,
verificando se suas bordas estão alinhadas. —Você não tem
aula às sextas-feiras?
Droga.
—Oficialmente eu faltei.
Me preparo para o discurso. Dan não é nada senão um
defensor das regras. Mas ele me surpreende, soltando uma
risada suave enquanto gira o frasco de borracha para frente.
—Isso significa que você vai sair hoje à noite.
Normalmente ele estaria certo. Normalmente, quando
meus nervos estão à flor da pele, vou em busca de alguém para
me ajudar a desabafar. Meus saltos chutam contra o balcão, e
pondero esse pensamento.
O rosto de Gideon surge em minha mente. Lanças de dor
machucam meu peito.
—Não. — Cruzo meus tornozelos. —Não dessa vez.
Dan resmunga, agachando para pegar uma caixa de
papelão cheia de blocos de desenho. Ele começa a alinhá-los
na mesa mais próxima, em pilhas perfeitas de números pares.
—Não há nada de errado com isso, você sabe. — Dan
alinha as pilhas de blocos de desenho. —O que você faz
quando sai. Quero dizer, gostaria que você levasse um amigo
ou algo assim. Tem gente maluca por aí. Mas você está se
protegendo, usando...
—Dan.
—...preservativos. Você não mente para ninguém. Você
não está machucando ninguém.
Por alguma razão, penso em Gideon novamente. Mastigo
minha unha do polegar, inquieta.
—Mais pessoas deveriam entrar em contato com elas
mesmas, — declara Dan, endireitando com a caixa vazia em
frente ao peito. —Não há nada de ruim sobre sexo. Você não
tem nada para se envergonhar.
—Por favor pare de falar.
Dan sorri para mim, contornando o balcão para adicionar
a caixa à nossa pilha de reciclagem. Reprimo um sorriso,
balançando a cabeça, mas enquanto me sento perto do caixa,
deixo suas palavras fluírem pelo meu cérebro.
Ele tem razão. Dan está certo. O homem que, em suas
próprias palavras, não poderia estar menos interessado em
relacionamentos, vê a verdade.
Não preciso de terapia porque às vezes quero sexo. Não
estou fora de controle. E nenhuma pessoa boa, ninguém que
realmente se preocupa comigo, me julgaria por ficar
namorando de vez em quando. Minha respiração sai de mim,
o aperto diminuindo em meu peito, e inclino minha cabeça
para trás para olhar para o teto.
Meu amigo desajeitado e antissocial ajudou mais do que
o orientador.
—Dan? — Me inclino para trás e chamo pela porta do
almoxarifado. Dan põe a cabeça para fora, uma mancha de
grafite na bochecha. —Obrigada.
Ele sorri.
—Espere até receber minha conta.

Meu telefone vibra quando estou esticada no sofá com os


pés no colo de Keeley. Estamos assistindo a filmes da Disney e
comendo grandes tigelas de sorvete de baunilha com licor de
cereja. Na cozinha atrás de nós, o micro-ondas zumbe
enquanto Raine faz pipoca.
Pego o telefone entre as almofadas, clicando em minha
tela enquanto como uma colher grande de sorvete.
—Puta mer... — Engasgo com a boca cheia, fechando um
olho com força enquanto o congelamento do cérebro prende
meu crânio. Através do meu olho aberto, li novamente. A
mensagem de um número desconhecido.
Desconhecido: Você teve três ausências inexplicáveis
esta semana. Por favor, registre seu atestado de doença ou
outra desculpa viável no centro de bem-estar estudantil.
Fico olhando para o meu telefone, minha língua dormente
de frio. Perdi muitas aulas ao longo dos anos. Nunca recebi
essas mensagens.
Lucy: ...Professor Warwick?
Desconhecido: Por outro lado, você está bem o suficiente
para concluir sua tarefa.
Lucy: Uau. Como você conseguiu meu número?
Desconhecido: Sim, você certamente relutou em me
dar. Está em seu registro de aluno.
Há uma longa pausa. Pego a garrafa de licor de cereja do
chão e tomo um gole. Quando coloco de volta no lugar,
estremecendo e limpando a boca, há outra mensagem.
Desconhecido: Isso foi inapropriado da minha parte. Peço
desculpas.
Reviro meus olhos e salvo seu nome no meu telefone.
Lucy: Achei que você ia preferir esse arranjo. Faço minhas
tarefas, recebo os créditos de que preciso e você nunca mais
precisará me ver em sua classe.
Gideon: Não prefiro.
Lucy: Bem, eu prefiro.
Espero que ele mencione o que aconteceu na
biblioteca. Ou mencionar minha pequena visita ao
orientador. Se ele era próximo o suficiente desse cara para
contar a ele sobre ficar com uma aluna, acho que minha
consulta não deixará de ser mencionada.
Em vez disso, meu telefone fica em branco. Incrivelmente
quieto. Aparentemente, terminamos aqui. Pego a garrafa de
licor de novo, mas deixo no chão antes de levá-la à
boca. Apertei o botão de discagem e coloquei o telefone no
ouvido antes mesmo de sair do sofá. Keeley grita enquanto tiro
minhas pernas de seu colo e vou para o meu quarto, batendo
a porta atrás de mim.
Gideon atende no primeiro toque, sua voz dura.
—Oh, então você está viva.
—Não, estou enviando mensagens de texto do além-
túmulo, seu idiota.
Risos estrangulados ecoam na linha. Minha própria boca
puxa para cima no canto, mas esfrego meu rosto e me forço a
não sorrir.
Esta não é uma chamada social. Não somos amigos. Ele
é meu professor e está agindo como um idiota.
—Onde você esteve?
Isso é preocupação em seu tom? Mesmo que seja, não
quero ouvir. Não quando ainda posso ouvir as palavras de seu
amigo ecoando em minha mente. Tenho algum conhecimento
prévio de sua situação.
—Ocupada.
—Muito ocupada para a aula? Achei que você fosse uma
estudante séria.
Aperto a palma da minha mão no meu olho.
—Sabe de uma coisa, Gideon? Você não sabe nada sobre
mim.
—Sei algumas coisas. — Sua voz está sombria. —E não
esqueço, Lucy. Tenho uma memória muito boa. — Calafrios
percorrem minha pele, arrepios sob as minhas roupas, mas
cerrei minha mandíbula.
—Sim, ouvi tudo sobre isso.
—Do que você está falando?
Atravesso meu quarto e me jogo na cama. —Fui ver um
orientador outro dia.
—Depois da biblioteca? — Ele parece alarmado. —Você
está bem? — Odeio esses momentos. Pequenos flashes que me
fazem pensar que ele se importa.
—Tudo bem. Não, graças a você. — Um suspiro sai de
mim. —Para quantas pessoas você contou?
—Não tenho ideia do que você está falando.
Ele vai me fazer dizer isso.
—Sobre nós, Gideon. Sobre a noite no bar. — Estamos na
chapelaria escura, os sons do bar abafados pela porta, e ele
respira fundo enquanto arrasto minha mão para baixo em seu
estômago...
Desta vez, quando ele fala, não há carícia sensual em seu
tom. Ele está chateado, assim como eu.
—Por que diabos eu contaria às pessoas sobre isso?
—Oh, não sei. — Jogo um travesseiro na parede, onde
quica no chão. —Então, quando vou buscar ajuda, o maldito
orientador já conhece a minha história. Isso é tão baixo,
Gideon.
Seu murmúrio é tão baixo que quase perco. —Fraser.
— Então ele está falando mais alto novamente, sua voz
urgente. —Lucy, não é o que você pensa, prometo. Eu… confiei
em alguns amigos. Cerca de um ano atrás. Mas não disse a
eles seu nome completo ou sua aparência ou quaisquer
detalhes de identificação, juro...
Minha garganta está presa com força. Quando falo, meu
lábio treme. Graças a Deus ele não pode ver.
—Então por que você contou a eles sobre isso? Foi... —
Paro e engulo em seco. —Vocês estavam rindo de mim?
—Não! — Ele parece horrorizado, quase gritando a
palavra. Estremeço e seguro o telefone longe do meu ouvido. —
Não, juro. Nada como isso. Estava chateado. — Seu suspiro
estala pelo alto-falante. —Gostei muito de você, Lucy. Muito. E
você me rejeitou não uma, mas duas vezes. Primeiro no bar,
saindo sem nem mesmo dizer adeus, e então quando as aulas
começaram, algumas semanas depois, você agiu como se não
me conhecesse.
Tremo. —Porque não queria te causar problemas!
—Oh.
Sim. Oh. Filtro minhas memórias daqueles dias em
minha mente, tentando vê-las através dessas novas
lentes. Nós nos juntamos naquela chapelaria, e Gideon queria
me ver de novo, mas disse a ele que não. E então na aula,
quando nós dois fomos confrontados com essa nova realidade
dura, evitei propositalmente seu olhar. Em vez disso, me
concentrei no cara sentado ao meu lado. Na época, fiquei tão
envergonhada de ver o homem com quem me relacionei aqui,
na frente de uma sala de aula.
Só queria ir embora. Então, ignorei o professor e, após o
término da aula, fui direto para a reitoria mudar meus cursos.
Acho que posso ver por que Gideon me odiou tanto todos
esses anos.
—Lucy...— Ele parece tão cansado. Entendo. Meus olhos
estão tão pesados que poderia dormir por cem anos. Deitando
de lado, puxo meus cobertores por cima do ombro.
—O que você está fazendo? — Murmuro.
—Oh, hum. Estou andando. Caminho quando estou
tenso. Você?
—Dormindo. — Minha boca torce com sua risada
suave. —Você encontrou meu botão de Desligar.
—Gritando com você?
—Não. Sendo legal.
Uma risada desdenhosa ecoa pelo telefone.
—Isso não é ser legal, Lucy. Poderia ser muito mais legal.
Ele não está flertando, seu tom é normal, mas ainda me
contorço um pouco nos lençóis da cama.
—Gostaria que você fosse.
Não deveria dizer essas coisas. Sei disso, mas não consigo
evitar. O silêncio me cumprimenta, as palavras não ditas
pairando pesadamente no ar, e mordo meu lábio. Sou uma
idiota de merda.
Mas, finalmente, ele responde, e sua voz é tão sombria
com a promessa que meus dedos do pé enrolam em minhas
meias.
—Talvez eu vá, se você voltar para a aula.
Eu rio, tonta. —Tudo bem, professor.
— Boa menina. — Essas duas palavras são tão
carregadas, tão carregadas de tensão e autoridade, e inclino
minha cabeça para trás no meu travesseiro, sorrindo
alegremente para o teto. —Boa noite, Lucy.
—Boa noite, — sussurro. Fico na linha até ele
desligar. Então jogo meu telefone na cama ao meu lado, bato
um travesseiro no rosto e grito.
CAPÍTULO OITO

A porta da sala de aula pesa sob a palma da minha mão,


rangendo nas dobradiças quando a abro. É uma aula das 8h e
estou quinze minutos adiantada, apenas masoquistas estão no
campus agora. As cadeiras estão vazias, exceto por uma garota
na segunda fileira digitando em seu laptop e um cara da
fraternidade cochilando atrás. Ele puxou o capuz sobre o
rosto, descansando a testa e os braços cruzados sobre a mesa.
Gideon olha para mim do púlpito enquanto atravesso os
degraus. Ele me dá um pequeno sorriso, seus olhos aquecendo
antes de voltarem para suas anotações. A peculiaridade
secreta em seus lábios permanece. Seu cabelo castanho úmido
ondula em torno de suas orelhas, claramente recém-saído do
banho, e avidamente observo suas bochechas barbeadas e sua
camisa justa, minha boca ficando seca.
Deus. Ele é como tropeçar em um oásis no deserto.
Verifico a garota na segunda fila, preocupada que meu
desejo esteja escrito em meu rosto. Ela dificilmente poderia me
culpar, muitas alunas desejam o Professor Warwick, e alguns
dos homens também. Ela provavelmente pensaria que sou
apenas mais uma aspirante a groupie, uma estudante viciada
em hormônios com uma perversão pelo professor.
Ela provavelmente estaria certa.
O pensamento permanece desconfortável em meu
estômago, mas sua atenção está fixada na tela do laptop, a luz
azul refletida em seus óculos. Posso afastar esse pensamento
por enquanto, de volta aos recessos escuros do meu cérebro,
onde não tenho que enfrentá-lo.
Meus pés me levam automaticamente até o início da
escada, as fileiras da sala de aula se erguendo de ambos os
lados. Daqui embaixo, a sala de aula parece mais um
anfiteatro do que uma sala. Como se antigos gladiadores e
leões estão prestes a entrar pelas portas, lutando até a morte
na plataforma elevada e derrubando o púlpito na multidão que
ruge.
Me sacudo um pouco, rompendo minha rotina e virando
para a quarta fileira por impulso e caminhando até estar no
centro. Gladiadores e leões. Minhas longas noites sem dormir
estão me alcançando. Desde que bati na porta de Gideon, três
semanas atrás, passei mais horas olhando para o teto e
virando nos lençóis do que dormindo.
Ele ergue os olhos quando coloco minha caneca de
viagem na mesa. Por uma fração de segundo, a surpresa
aparece em seu rosto, suas sobrancelhas se erguem, então ele
se recupera, suavizando suas feições em branco.
Não há necessidade. A garota na segunda fileira está
digitando tão furiosamente que estou surpresa que seu laptop
não esteja soltando fumaça no teclado, e o cara atrás está
roncando a cada expiração.
Podemos muito bem, estar sozinhos.
Mordo meu lábio com o pensamento, jogando meu longo
cabelo escuro por cima do ombro. Sei que prometi diminuir o
corte de minhas roupas, para ajudar Gideon a se concentrar,
mas quando vasculhei meu armário na noite passada, não
pude resistir.
Eu quero distrair ele. Quero que ele me olhe fixamente
durante a aula, perdendo a linha de pensamento até que
alguém diga seu nome. O quero quente e incomodado,
puxando o colarinho da camisa para longe do pescoço para que
ele possa respirar melhor. Eu o quero fraco.
Minhas pernas cruzam sob a mesa e seu olhar cai para o
movimento. Assim que os outros alunos chegarem, elas serão
bloqueadas de sua visão, mas por enquanto...
Coloco uma mão sob a mesa e levanto minha saia cinco
centímetros. Quando a vesti esta manhã, era puramente para
que pudesse ver a expressão no rosto de Gideon. É xadrez cor
de vinho, pregueada até o meio da minha coxa, e há
centímetros de pele nua antes que minhas meias pretas
terminem logo acima do meu joelho.
Gideon agarra o púlpito. A partir daqui, posso ver seus
nós dos dedos pálidos, e talvez a madeira range ou talvez essa
parte esteja na minha cabeça. Definitivamente não imagino o
jeito que sua língua sai, molhando seu lábio inferior. Nem o
movimento de sua garganta enquanto ele engole, seu olhar fixo
sob a minha mesa.
Puxo a saia mais alguns centímetros. Por semanas,
agora, tenho tentado lutar contra isso. Para negar o que sinto,
a atração poderosa que me atrai para Gideon, não importa o
que eu faça.
Quando ele disse essas palavras, boa menina, naquele
tom escuro e esfumaçado... eu tinha cedido.
Cansei de lutar contra isso.
Meus dentes cortam meu lábio e meu peito arfa enquanto
o vejo me observando. Minhas pontas dos dedos seguem do
meu joelho até a minha perna, flutuando sobre a pele nua e
sedosa. Vou devagar, muito devagar, imaginando que é o toque
dele queimando uma trilha na minha coxa. Então volto
novamente no meu joelho, descruzando minhas pernas antes
de subir novamente.
Gideon observa.
Ele sempre observa.
Como diabos pensei que ele não estava ciente de
mim? Como me convenci de que ele não me notava mais, que
estava voando com segurança sob seu radar? Agora que ele me
olha tão abertamente, seu olhar aquecido passando sobre
minha pele, reconheço o peso disso. A sensação.
Esta é a sensação de formigamento que tenho sentido
intermitentemente nos últimos dois anos. O conhecimento
repentino de que alguém está me observando, me querendo, e
a dor em resposta que pulsa entre minhas coxas.
Ele me quis o tempo todo. Mesmo quando ele não olhava
na minha direção, quando ele costumava passar pela vitrine
da loja de arte e nem mesmo olhar para dentro.
O conhecimento me deixa tonta.
Sufoco uma risada, alargando minhas pernas, e Gideon
olha para mim com um sorriso malicioso. É uma piada
passada entre nós, e é louco como é leve. Que é simples e
despreocupado. Mordo meu lábio enquanto ele segura meu
olhar, inclinando minha cabeça para o lado enquanto meus
dedos passam sobre o tecido sobre minha calcinha.
A porta da sala de aula se abre e pulo, fechando minhas
pernas. Os alunos fluem para dentro, os olhos turvos, alguns
murmurando uns com os outros, mas nenhum deles me deu
uma segunda olhada. Lanço um sorriso trêmulo para Gideon,
o calor subindo pelas minhas bochechas, mas seu foco está de
volta em suas anotações.
É uma prova. Uma migalha deliciosa do que poderíamos
fazer se ninguém estivesse olhando.
Se não fôssemos professor e aluna, ex-amantes que
esfriaram.
Limpo minha garganta e abro meu caderno.

—Senhorita Denton? — Sua voz corta o murmúrio da


multidão enquanto os alunos fluem das fileiras em direção à
saída. Eles estão mais animados agora, numa hora mais tardia
da manhã, embora haja sombras escuras sob muitos
olhos. Empurro contra o fluxo, caminhando para a plataforma
elevada e olhando para ele.
—Sim, professor?
Sua boca se contrai. Ele alisa a palma da mão sobre o
peito, em seguida, puxa seu colarinho, e suprimo a vontade de
socar o ar.
—Você perdeu três aulas na semana passada sem um
bom motivo. Esta é uma conduta inaceitável. — Recuo irritada,
mas um cara que passa atrás de mim arregala os olhos em um
olhar simpático. A suspeita faz cócegas no fundo da minha
mente e cruzo os braços enquanto levanto as sobrancelhas
para Gideon.
—O que você gostaria que fizesse sobre isso, Professor?
Alguém assobia quando passa. Estou andando na linha
tênue aqui, mostrando respeito apenas o suficiente para evitar
punição, mas deixando claro que não há calor aqui. Somos
uma aluna tagarela e um professor irritado. Nada mais.
Gideon guarda suas anotações enquanto fala. —Você
pode completar uma tarefa adicional para obter crédito
extra. Venha ao meu escritório às onze para pegar os detalhes
da tarefa. E tente mostrar algum compromisso desta vez,
senhorita Denton.
Seu tom é mordaz, e quando aceno e atravesso para a
saída, o cara segurando a porta para mim se inclina e
sussurra. —Má sorte. Que idiota.
Me viro e sorrio para Gideon por cima do ombro, em sua
carranca possessiva quando ele vê o cara tão perto de mim.
—Sim, — digo, alto o suficiente para que minhas palavras
se propaguem pela sala. —Ele precisa transar.
O cara bufa uma risada, me seguindo pelo corredor, então
não tenho chance de ver a expressão de Gideon. Só posso
segurar meu caderno contra o peito, minha bolsa pendurada
no ombro, e esconder meu sorriso enquanto mergulho na
multidão. Os nervos zumbem em meu estômago enquanto
caminho para a minha próxima aula, e durante toda a hora de
História da Arte.
Eles são o tipo bom de nervoso. Do tipo que faz seu
sangue faiscar nas veias.
Às dez e quarenta e cinco, estou inquieta. Me contorcendo
na cadeira e olhando para o relógio. A professora, uma mulher
imponente de cabelo cinza na casa dos sessenta anos, deve
pensar que preciso ir ao banheiro, estou muito inquieta.
Quando a campainha toca, pulo da minha cadeira, pego
minhas coisas em meus braços e corro para a porta.
CAPÍTULO NOVE

Erguendo a mão para bater no escritório de Gideon, sinto


uma onda de déjà vu. De repente, três semanas atrás, estou
convencida de que Gideon me odeia e estou embaçando sua
placa de bronze com minha respiração nervosa e rápida. Uma
explosão de risadas no corredor me puxa de volta ao presente
e me sacudo, colocando meu cabelo atrás da orelha.
Posso fazer isso. Quero fazer isso.
Ainda há uma voz maliciosa sussurrando no fundo da
minha cabeça que sou patética e louca. Que Gideon quis dizer
isso quando me disciplinou antes, que esta realmente é apenas
uma reunião para pegar os detalhes da tarefa.
Oh Deus. Oh Deus. Oh Deus. O suor goteja na parte de
trás dos meus joelhos e bato na porta antes que possa ficar
ainda mais nervosa. Quando Gideon chama para entrar, tenho
que me forçar fisicamente a segurar a maçaneta da porta e
girar.
—Olá. — Seu sorriso é pecaminoso quando se recosta na
cadeira da escrivaninha, a camisa esticada sobre o peito largo.
Tudo bem. Não está bravo, então. Solto uma respiração
aliviada e entro, fechando a porta atrás de mim.
—Tranque.
Olho para trás por cima do ombro, a mão pairando sobre
a fechadura. Gideon não está me olhando como um professor
observa sua aluna. Ele está olhando para mim da mesma
forma que fez antes, na primeira noite em que nos
conhecemos, naquele bar anônimo. A noite em que escapamos
para as sombras juntos, sabendo apenas o nome um do outro
e nada mais. A noite em que o fiz gemer.
A fechadura estala. Uma respiração lenta estremece de
Gideon, como se ele estivesse segurando, esperando para ver o
que eu faria. Me viro, pressionando minhas costas contra a
porta e jogo minha bolsa no chão.
—Crédito extra, hein? — Estendo a mão e jogo meu
cabelo por cima do ombro, brincando com as pontas. —Como
serei avaliada?
Gideon não responde. Ele vira e abaixa as cortinas de sua
janela, bloqueando a visão do pátio. Pela primeira vez em dois
anos, estamos sozinhos.
—Lucy, isso...— Gideon se interrompe, torcendo a
boca. —Estou confiando em você, aqui. Isso pode me arruinar.
Minhas botas são abafadas pelo tapete. Atravesso a sala
em cinco passos, minha saia balançando contra minhas coxas,
até que paro em frente a ele na mesa. É uma escrivaninha
normal, uma pequena extensão de madeira, mas poderia ser
um oceano por toda a distância entre nós.
—Você pode confiar em mim. — Toco um clipe de papel
perdido. No silêncio deste escritório, posso ouvir meu coração
batendo forte no peito. —Nunca contei a ninguém sobre aquela
noite no bar. Nem uma única alma.
Ao contrário de você, penso, mas mordo esse pensamento
de volta. Este momento é tão frágil, a confiança entre nós é o
mais delicado dos fios, e palavras duras agora podem quebrá-
lo para sempre.
—Você já pensou sobre isso? — Preciso lembrá-
lo. Preciso fazer ele lembrar por que estamos aqui: a tensão
entre nós que fica cada vez mais forte a cada dia até que não
pode ser ignorada. Gideon encontra meu olhar, seu em conflito
e o meu estável. Lambo meus lábios. —Eu penso. À noite,
quando não consigo dormir e estou muito quente por dentro...
penso naquela noite.
Minha saia farfalha quando me sento na beirada da mesa,
mais um centímetro de pele à mostra. Gideon assiste,
hipnotizado, e continuo falando, encorajada.
—Penso sobre como senti suas mãos em mim. Mesmo
através das minhas roupas, elas me queimaram, e tento
imaginar como seriam na minha pele. — Meus dedos arrastam
ao longo da bainha da minha saia enquanto falo. Gideon franze
a testa para o movimento com a mesma concentração de
quando está absorto em seu trabalho. —Penso sobre como era
seu gosto. Como você parecia. Os ruídos que você fez.
Sua cabeça se levanta e respiro fundo. Os olhos de
Gideon estão tão dilatados, quase completamente pretos. Ele
empurra para fora de sua cadeira e me movo para ficar de pé
também, mas ele late uma ordem.
—Não. — Ele dá a volta na mesa para ficar na minha
frente. —Fique aí.
Não sei o que esperava quando vim aqui. Quando me
sentei durante aquela hora interminável de História da Arte,
imagens de estar curvada sobre a mesa de Gideon, sua mão
agarrada em meu cabelo, passaram pela minha mente. Ele foi
tão dominante quando me disse para ir ao seu escritório. Tão
no controle. Portanto, a última coisa que espero é ver meu
professor caindo de joelhos.
—Enquanto estamos relembrando, — diz ele
casualmente, colocando uma mão em cada um dos meus
joelhos e esfregando os polegares nas minhas meias, —me
lembre do que mais aconteceu naquela noite, Lucy.
Ridiculamente, tudo o que posso pensar é que o chão vai
deixar marcas em suas calças. Depois da chapelaria naquela
noite, eu tinha duas marcas vermelhas em meus joelhos nus.
—Hum. — A ousadia de um momento atrás passou tão
rápido quanto surgiu, e luto para encontrar as palavras. —
Eu... eu encontrei você na chapelaria.
—Sim. E então? — A ponta de um único dedo passa no
tecido das minhas meias, desenhando um círculo leve como
uma pena na minha pele.
—E então...— Meu cérebro está lento. Confuso pelo
cheiro fraco de sua colônia. —Então beijei você.
—Você fez. O que mais, Lucy?
Minhas bochechas ficam vermelhas. Nunca fui de
corar. Sou tão virginal na minha vida diária, e quando eu
finalmente desabo e fico com um homem... bem, então, é tarde
demais para ser tímida. Além disso, não parece real. Não é a
vida real.
Não posso dizer isso. Não em voz alta. Não com ele
ouvindo tão atentamente. Portanto, falo sobre isso, aludindo a
isso nos termos mais vagos e rezando para que Gideon tenha
misericórdia.
—Me ajoelhei.
Ele cantarola. —Continue.
—E... toquei em você.
—Você fez. — Ele sorri ironicamente, esfregando uma
mecha do meu cabelo entre o polegar e o indicador. —
Continue. — A última vez que ele tocou meu cabelo, ele
enterrou as mãos nas minhas ondas escuras e empurrou...
—Não posso dizer isso, — sussurro.
—Não? — Ele parece vagamente divertido. —Você foi
corajosa o suficiente para fazer isso. Para onde foi aquela
garota?
Encolho os ombros, de repente miserável. Se for essa a
garota que ele quer, ficará desapontado. Ela não é real.
—Ei. — Um dedo levanta meu queixo. Fico olhando para
a clavícula de Gideon, incapaz de encontrar seus olhos. Todas
as razões pelas quais nunca vi um homem duas vezes... elas
estão voltando para mim agora. A pressão e a repentina onda
de realidade e o conhecimento doentio de que alguém conhece
meu segredo...
—Devo dizer o que lembro? — Gideon pergunta
suavemente.
Aceno, minha garganta balançando enquanto engulo.
—Me lembro da sua boca. Sua boca linda e perfeita. A
pressão dela contra minha garganta enquanto você chupava
minha pele deixando hematomas, o movimento de sua língua
contra a minha, o calor abrasador de sua boca em volta do meu
pau.
Estremeço com a palavra. Ele disse isso. Alto. Gideon
disse o que fiz.
—Me lembro disso também, — resmungo.
—Bom. —O polegar de Gideon esfrega minha
bochecha. Ele não está mais tocando minhas pernas. —
Bom. Você se lembra do que aconteceu a seguir?
Meu aceno é espasmódico. —Saí.
Gideon cantarola novamente. —Me lembro dessa parte de
forma diferente. Me lembro de você sugando minha maldita
alma, Lucy, e lembro de ter estendido a mão para retribuir o
favor. Para fazer você se sentir tão incrível pra caralho quanto
você me fez sentir. — Ele sorri, pesaroso. — Então me lembro
de você saindo. Dançando fora de alcance como uma nuvem
de fumaça. Por que você fez isso, Lucy?
Fico congelada. Gideon me observa com expectativa,
esperando uma resposta, mas como posso responder a
isso? Como posso explicar a ele o que eu mesma não
entendo? Que de alguma forma sabia, naquela noite na
chapelaria, que se Gideon me tocasse e fosse embora depois,
iria desmoronar como uma estrela moribunda?
Forço um dar de ombros. —Talvez eu tivesse que sair.
Gideon balança a cabeça. —Não é isso. — Sua palma
pousa na minha coxa, o toque suave e quente, mas ele não a
move. —Você não gosta disso, Lucy? Você não gosta quando
um homem usa a boca em você?
Meus ouvidos estão zumbindo. Balanço minha cabeça
para limpar o som, e Gideon leva isso como minha
resposta. Ele retira a mão, sentando sobre os calcanhares, e o
agarro em pânico, colocando sua palma de volta contra a
minha perna.
—Gosto disso. Provavelmente. Eu, hum. Ainda não sei.
Um fogo acende nos olhos de Gideon. —Você nunca fez
isso?
Balancei minha cabeça.
—Mas você quer?
Concordo.
Gideon respira fundo, prendendo por um momento,
depois solta o ar de uma vez. Ele se levanta de joelhos
novamente, ambas as palmas das mãos contra minhas pernas
agora, e seus golpes são seguros para cima e para baixo em
minhas coxas.
—Vou tocar em você, — ele me diz em tom de conversa,
—e beijar você. E Lucy? Vou sentir você gozar na minha língua.
Choramingo, meu coração batendo tão rápido que pode
explodir quando Gideon afasta meus joelhos. Me arrasto para
frente para ajudar, trazendo minha bunda para a borda da
mesa, e sua boca se curva em aprovação.
—Porra, Lucy. — Seus dedos engancham na minha
calcinha, arrastando dolorosamente lentamente pelas minhas
pernas. Quando ele a puxa sobre minhas botas, ele esfrega o
tecido com o polegar antes de colocar na mesa ao meu lado. —
Sonho com isso há dois anos.
Acho que posso acreditar, já que Gideon não brinca. Ele
engancha as duas pernas sobre os ombros, me separando.
Estou totalmente aberta na frente dele, exposta, mas não
tenho tempo para me sentir autoconsciente antes de Gideon se
inclinar para frente e lamber uma faixa no meu núcleo. Respiro
fundo, minha cabeça inclinada para trás, mas não fico olhando
para o teto por muito tempo. Quero assistir ele, quero ver cada
golpe de sua língua e cavidade em suas bochechas. As
sensações são como nada que já senti antes, quente e
escorregadia e ágil, e quando Gideon se fixa em meu clitóris,
primeiro lambendo em movimentos curtos, em seguida,
selando sua boca em torno dele e chupando, minhas coxas
tremem contra a madeira fria de sua mesa.
Meus dedos encontram o caminho em seu cabelo,
arranhando seu couro cabeludo e passando por suas ondas
bagunçadas. Os olhos de Gideon se abrem, seu olhar encontra
o meu, e minha boca se abre enquanto ele coloca um dedo
dentro de mim. Ele mexe comigo, meus choramingos e gemidos
são tão baixos quanto posso fazê-los enquanto os sons dos
alunos ecoam no corredor. Uma explosão de risadas do lado de
fora da porta me faz estremecer, mas Gideon adiciona um
segundo dedo e dobra os nós dos dedos, acariciando minhas
paredes internas.
É muito. O deslizar quente de sua língua, seus dedos
mergulhando dentro de mim, o risco de meus choramingos
flutuando pela porta. Aperto a mão de Gideon, minhas coxas
ficam tensas ao redor de sua cabeça, e meus quadris resistem
quando eu gozo em onda após onda estremecendo. Gozo com
tanta força que me esqueço de respirar, que meus ouvidos se
enchem de estática e manchas pretas atrapalham minha visão
enquanto volto à realidade.
Gentilmente, Gideon retira a mão e dá um beijo na minha
rótula antes de se acomodar para trás em seus pés. Sua boca
e queixo estão molhados, seu cabelo despenteado, e ele parece
tão malditamente depravado que aperto de novo em nada.
—Boa menina. — Tremo, arrepios ondulando sobre
minha pele, e Gideon sorri enquanto limpa a boca em seu
braço. —Você goza tão lindamente quanto imaginei.
Ele ajuda a colocar minhas roupas de volta no lugar antes
de lidar com ele mesmo. Suas mãos são gentis, eficientes, e ele
enrola um dos meus cachos em torno de seu dedo antes de
deixá-lo cair e se levantar.
Só mais tarde naquela noite é que percebo que ele nunca
me beijou na boca.
CAPÍTULO DEZ

Tocar nela é demais. É um ímpeto mais forte do que


qualquer droga, melhorando meu humor e iluminando o
mundo ao meu redor em todas as cores. Depois que Lucy sai
do meu escritório, fechando a porta com um sorriso tímido,
uma energia restante brilha sob minha pele.
Poderia correr uma maratona. Poderia escalar os prédios
altos no centro.
Ela me trouxe de volta à vida.
Quando Harry morreu, tudo e todos ao meu redor ficaram
cinzentos. Esse acidente não me custou apenas meu irmão
mais velho, me custou minha esperança. Minha fé no
mundo. Por mais de dois anos, tenho andado sonâmbulo a
cada dia, apenas lutando contra o dia seguinte.
Meu peito dói sob minha camisa e o esfrego com a palma
da mão. É um bom tipo de dor. A promessa de algo novo.
Meus passos são leves enquanto atravesso os corredores,
as multidões de estudantes se separando para mim como
cardumes de peixes. Coloco minhas mãos nos bolsos e aceno
para eles, até sorrio, e eles olham para mim como se tivesse
crescido duas cabeças em mim.
Suponho que não tenha sido muito amigável desde que
comecei este trabalho. Beckett sempre me critica por isso, me
chamando de durão. No passado, revirei os olhos e imaginei
que ele estava brincando comigo, mas talvez fosse sua maneira
indireta de me dizer para iluminar.
Estou leve agora, tudo bem. Estou tão leve pra caralho
que estou praticamente raspando no teto. O cheiro do
shampoo de Lucy ainda permanece no meu nariz, a memória
de sua pele sedosa formiga contra minhas palmas.
—O que foi, idiota? —Anuncio quando chego ao escritório
de Beckett, empurrando a porta aberta. Ele levanta os olhos
da mesa, já sorrindo. —Outra camisa? Não me diga que você
amoleceu.
Beckett bufa, recostando na cadeira. Seus músculos se
projetam sob sua camisa branca, visivelmente flexionando
conforme ele se move.
—Você está de bom humor.
Encolho os ombros. —É uma semana totalmente nova.
Beckett me olha. —É uma segunda-feira. Ninguém gosta
de segundas-feiras.
Estou sendo estranho, sei que estou, mas não consigo
evitar que o sorriso estique minhas bochechas. O único Gideon
em tons de cinza conhecido de Beckett, lutando durante cada
semana chuvosa por nenhuma outra razão além da memória
de Harry. Não admira que ele esteja olhando para mim como
se fosse louco. Encontrei um transplante de personalidade
entre as pernas de Lucy Denton.
—Almoço? Eu estou pagando. — Balanço em meus
sapatos, tentando e não conseguindo controlar meu humor
incrível. Beckett me encara por um longo momento, então dá
uma pequena sacudida em sua cabeça antes de empurrar sua
cadeira para trás.
—Tudo bem. Vamos lá.
Lá fora, o campus está coberto de chuva e sombrio, o céu
escuro com nuvens, apesar de ser cedo. Os alunos caminham
juntos em grupos, seus capuzes puxados para cima, abrindo
caminho entre poças de água da chuva.
No verão, a Faculdade de Llewellyn é cheia de vans de
food trucks e estudantes espalhados pelos gramados. Mas,
durante os meses de inverno, as roupas dos alunos mal secam
antes de serem necessárias para outra chuva de gelo.
Beckett assobia enquanto pulo sobre uma poça, ombros
para trás e queixo para cima.
—Fraser vai pirar quando te ver, cara. Ele vai querer
estudar você para a ciência.
—Por que estou de bom humor?
—Porque você está no bom humor. O primeiro bom
humor já registrado.
—Cale-se. — Bato em seu ombro enquanto cruzamos a
quadra, mais de um par de olhos passando por nós com
apreciação nua. —Eu posso ser divertido.
—O grito de guerra dos deprimentes em todos os lugares.
O vidro da cafeteria do campus está embaçado e uma
parede de calor nos atinge na soleira. Lá dentro está o calor
abafado de corpos amontoados ao redor de cada mesa, e o
zumbido da conversa misturado com o chiado do vapor. Nós
entramos na fila, o cheiro de café torrado fazendo meu
estômago roncar, e olho os balcões de muffins e cupcakes, tão
açucarados e perfeitamente formados.
Literalmente, tudo vai me lembrar de Lucy de agora em
diante?
—Gid. — Beckett cutuca minhas costas e avanço na fila,
fazendo meu pedido a barista. Enquanto ela soma meu total,
olho cegamente para as placas do menu, tão perdido em
pensamentos que mal a ouço pedir meu cartão.
—O que há com você? — Ouço Beckett murmurar atrás
de mim. O ignoro, pagando e saindo do caminho.
Quase perco ela. Se não me virasse naquele exato
momento, ela poderia ter passado sem um segundo olhar.
Em vez disso, Lucy tropeça e para, um copo seguro em
uma das mãos, seus olhos arregalados quando ela me vê. O
cara ao lado dela, o cara geek com quem a vi trabalhando na
loja de arte, franze a testa e a cutuca para continuar se
movendo.
Lucy se sacode, lançando um sorriso para o cara e
caminhando para frente novamente. Enquanto ela se
aproxima de mim, ela curva a boca em um pequeno sorriso
privado que me deixa duro como uma pedra em minhas calças.
Me viro para vê-la ir, ainda tonto de antes, meu olhar
caindo para aquela maldita saia.
—Gideon.
A voz de Beckett é um balde de água fria. Porque estamos
na cafeteria do campus, não em algum sonho particular meu,
e ele simplesmente viu tudo. Lucy tropeçando até parar, a
curva íntima de sua boca, meu olhar de pálpebras pesadas
atrás dela. Sou um professor de merda, e ela é minha aluna, e
ele apenas me observou olhando para ela como um maldito
canalha.
Quando olho para ele, seus olhos estão duros. O
enrugamento normalmente jovial de seus olhos se foi, e uma
linha profunda vinca sua testa.
—Não é... — Luto para encontrar as palavras. O que
posso dizer? Ele está enojado por eu olhar para ela, mas não
sabe o que fizemos no meu escritório. Sobre como toquei uma
aluna, na propriedade da faculdade...
Porra.
—Não é o que você pensa, — falo.
Beckett se vira, sua mandíbula cerrada, e pega nossos
cafés do balcão, empurrando um na minha mão.
—É melhor que não seja, — ele grunhe, então sai da
cafeteria sem dizer outra palavra.
Demoro por um momento, sentindo as fundações abaixo
de mim estremecerem e racharem. Dois anos, Beckett e eu
somos amigos. Nós rimos juntos, confidenciamos um ao
outro. Nós nos respeitamos.
Ou nós fizemos.
Enquanto caminho para a porta de vidro embaçada, seu
olhar de nojo flutua diante dos meus olhos.

Beckett não me confronta imediatamente. Ele não disse


nada quando me juntei a ele no pátio, seus olhos se
estreitaram enquanto ele bebia de seu copo para viagem.
Seguro meu café e espero, meu estômago revirando muito para
beber, e eventualmente ele suspira.
—Vamos. — Não há calor em sua voz. —Vamos acabar
com isso.
Ele se vira e se afasta, me deixando para seguir ele, minha
mente gritando.
Como tudo pode desmoronar tão rapidamente? Tão
facilmente?
Como pude deixar isso ir tão longe em primeiro lugar?
Por uma fração de segundo, me forço a imaginar o que
Harry pensaria. Como meu nobre e bondoso irmão reagiria se
soubesse que fiz uma coisa dessas.
Empurro o pensamento para longe. É meu único consolo
amargo. Ele nunca verá isso.
Presumi que Beckett estava me levando ao escritório do
Reitor, mas em vez disso, voltamos no caminho que leva ao
Centro de Bem-Estar do Estudante.
Fraser. Faz sentido. Éramos sempre nós três, unidos por
uma compreensão mais profunda. Nunca tivemos que fingir
um com o outro, nunca tivemos que fingir interesse ou mentir.
Beckett está certo. Se estou em chamas, Fraser precisa
estar lá também.
Os ombros de Beckett estão curvados enquanto ele
caminha, os músculos de seu pescoço visivelmente tensos sob
seu cabelo curto e escuro. Ele está sempre caminhando pelo
campus em uma única camada, não importa o tempo, e hoje
não é exceção. Gotas de chuva começam a cair das nuvens,
deixando manchas transparentes em sua camisa.
—Ei, Maggie.
A recepcionista central dá um aceno para Beckett, um
telefone pressionado contra sua bochecha empoada. Ela está
acostumada conosco perambulando por seu saguão,
arrastando Fraser nos intervalos para lembrá-lo de que nem
tudo é trauma e tristeza no mundo.
Odeio que não estejamos fazendo isso hoje. Odeio que
minhas ações vão prejudicar Fraser, não ajudá-lo.
O tapete abafa nossos passos quando nos aproximamos
do escritório de Fraser, e Beckett faz uma pausa para ouvir
antes de bater.
Claro. Para ele, já machuquei um aluno. Não há
necessidade de interromper outro. Não posso me demorar
nesse pensamento, de que posso ter prejudicado Lucy de
alguma forma, porque, se for verdade, não serei capaz de
suportar.
Não importa que ela tenha vindo até mim. Que ela me
arrastou para a chapelaria daquele bar há dois anos, e que ela
me procurou novamente neste semestre. Se a machuquei...
Merecerei tudo que está vindo para mim e muito mais.
Fraser ergue os olhos quando entramos em seu escritório,
um leve sorriso se transformando em preocupação. Vejo como
seus olhos se tornam calculistas, à medida que a compreensão
surge, então o horror.
—Oh Deus. — Fraser joga a caneta na mesa. Ele esfrega
a mão no rosto. —Me diga que você não fez nada.
Beckett se vira para mim, as sobrancelhas levantadas.
Esse é o momento. Minha última chance de mentir. Poderia
afirmar que foi um olhar de flerte, nada mais. Uma ressaca de
nosso encontro anos atrás, antes de sermos professor e aluno.
—Sinto muito, — digo em vez disso, a voz rouca. —Ela
está sob minha pele. Ela esteve, todo esse tempo, e agora com
ela tão perto de novo... não pude evitar.
Os olhos de Fraser se fecham. O rosto de Beckett
empalidece. Esta é a realidade do que fiz: deixei que a
necessidade ardente e consumidora que tenho de minha aluna
acabe com tudo o mais em minha vida.
Meus amigos. Minha carreira.
Está tudo prestes a desmoronar.
E mesmo agora, por baixo da minha asfixia de auto
aversão, não posso negar uma verdade ainda pior: que valeu a
pena tocar em Lucy Denton daquele jeito. Para provar, sentir
ela estremecer e tremer sob minhas mãos.
Eu iria para o inferno cem vezes para saber como ela soa
quando ela goza.
—Tenho que relatar isso, — diz Fraser, com a voz
monótona. Ele finalmente abre os olhos, sua expressão
sombria. —Isso não é algo que possa suavizar, Gideon. Tenho
o dever de cuidar.
—Eu sei. — E não sei. Sempre soube. Os riscos eram
claros e fiz minhas escolhas mesmo assim. —Vou agora e
arrumar minha mesa. Vou sair do campus e ligar para o reitor
de casa.
Fraser acena com a cabeça, seu rosto dolorido, e Beckett
se vira para mim. Não há simpatia em seu olhar.
—Vou te acompanhar.
A dor é aguda em meu peito. A falta de confiança dói, dói
profundamente, e o que é pior é que é merecida.
Limpo minha garganta. —Tudo bem. — Todos nós
pairamos por mais um momento. Mas, realmente, o que mais
há para dizer?
Beckett tem o direito de ficar com raiva. Fraser tem o
direito de ficar enojado.
E estou certo em sair.
CAPÍTULO ONZE

Harry sempre quis que eu fosse um professor. Ele falava


disso constantemente quando fui para a faculdade, o primeiro
em nossa família a ir além do ensino médio. Ele estava tão
orgulhoso que cheguei tão longe, mas quando minhas notas
começaram a aumentar, ele enlouqueceu.
Melhor da minha classe. De novo e de novo. Harry me
pagou tantos drinks para comemorar que é uma maravilha que
não tenho barriga de cerveja. E quando um grau naturalmente
progrediu para um segundo, e as conversas sobre uma posição
de professor começaram...
Harry estava tão animado pra caralho. Ele se gabou de
mim para os caras de seu trabalho, dizendo como eu era o mais
inteligente de nossa dupla. Ele estava sempre brincando
assim, dizendo que eu tinha todo o cérebro, só porque ele
ficava mais feliz usando as mãos do que escrevendo uma
redação.
Ele era um gênio, no entanto. Carpinteiro de dia, mas o
artista mais incrível de noite. Ele esculpiu esculturas lindas, a
emoção fluindo através de suas palmas para a madeira.
E então ele as vendia por valores mínimos.
Isso me incomoda agora, mais do que jamais pensei que
faria. Que Harry se desvalorizou por tanto tempo. Que existem
peças de sua obra por aí na cidade, compradas e trocadas por
apenas alguns dólares.
Mas nem todas as peças. Levanto a escultura da minha
mesa, virando ela em minhas mãos. É abstrata, todas as
curvas fluidas e linhas emaranhadas, mas por baixo de tudo
isso, é o rosto de uma mulher sob um véu varrido pelo vento.
Não sei quem ela é. Nunca perguntei. Só mais um
arrependimento para carregar comigo.
A madeira está tão gasta que brilha, tão acostumada ao
toque dos meus dedos. Uma garganta limpa atrás de mim e
volto à realidade, dando a Beckett um sorriso de desculpas
antes de me lembrar por que estamos aqui. Meu escritório está
desarrumado, os livros tirados das prateleiras e as gavetas
esvaziadas na caixa de papelão na minha cadeira. Disse a mim
mesmo por tanto tempo que não me sinto confortável aqui, que
é uma parada, mas as evidências são contundentes.
Está na caneca de café lascada. A planta bem cuidada. A
foto emoldurada de Harry e eu.
Fiz uma espécie de casa aqui, quase por acidente, e agora
tenho que ir embora.
—A conheci na noite após o funeral de Harry. — Não sei
por que estou contando isso a Beckett, fica claro pela frieza em
seus olhos que ele não quer ouvir. Mas sentir o peso e a forma
da escultura de Harry em minhas mãos desencadeou algo
dentro de mim, fez algo se soltar.
—Isso não significa que seja certo. — Beckett se inclina
contra a parede com os braços cruzados, me observando
trabalhar com resignação sombria. Ele acha que vou perseguir
outra aluna assim que ele virar as costas? Ele não sabe que
minha queda é Lucy e só Lucy?
—Eu sei. — Realmente sei. Racionalmente, sei disso.
Então, por que algo errado me faz sentir como voltar para
casa? Talvez seja porque a conheci naquele dia, mas chegar
perto de Lucy novamente... é o mais conectado que já senti por
Harry em anos. Conectado em quem costumava ser.
Uma batida suave na porta nos deixa tensos. Minha boca
fica seca, mas não falo. Ou é ela, e ela terá que ver o
julgamento no rosto de Beckett, será forçada a contar com as
consequências de nossas ações. Ou é outro aluno aleatório
com uma pergunta sobre um teste, e toda a conversa não
significará nada.
Esperamos em silêncio. Posso ouvir a batida do meu
coração. Então, finalmente, uma tábua do assoalho range do
lado de fora da minha porta e a pessoa se afasta.
—Você não pode vê-la novamente. — A mandíbula de
Beckett está travada. —Se você fizer...
—Então o que? — Jogo um livro de capa dura na minha
mesa. —Você vai me denunciar ao reitor? Assim que sair por
aquela porta, não é da conta de mais ninguém.
Beckett esfrega a mão no rosto, empurrando minha
parede. Estamos ambos respirando com dificuldade, mas
estranhamente ele parece mais chateado do que eu. Sou eu
quem está perdendo uma carreira promissora. Sou aquele que
acabou de perder seus dois amigos mais próximos e falhei com
a memória de meu irmão.
—Ela não vai querer você, — rebate Beckett. —Você sabe
como são os alunos. Pelo amor de Deus, Gideon, é uma tara
pelo professor, não uma conexão real.
Suas palavras perfuram meu peito, minhas entranhas
doendo e em carne viva, mas não deixo transparecer. Controlo
minhas feições e coloco o último livro na caixa com as mãos
firmes.
—Vamos lá. — Não há mais nada a dizer. Não com seu
aviso girando em torno da minha cabeça.
Isso é verdade? Já fui algo assim para Lucy antes. Um
homem anônimo quando ela queria um encontro com um
estranho.
Esta é sua última fantasia? Seduzir seu professor? Sendo
minha ruína?
Beckett certamente pensa assim. Pela primeira vez desde
a cafeteria, ele parece quase com pena de mim enquanto abre
a porta. Ele a segura enquanto passo, minha mente correndo
e meus braços carregados com o cenário dos meus últimos dois
anos.
Ele não se despede quando chegamos ao meu carro. Ele
se vira e sai.
E guardo meus pertences no porta-malas, depois enterro
o rosto nas mãos.

Nunca estive desempregado antes. Mesmo quando


adolescente, sempre tive pelo menos um trabalho aos
sábados. Entregando panfletos, ou trabalhando na caixa
registradora na loja do dólar, ou até mesmo varrendo cabelos
no barbeiro.
Éramos eu e Harry contra o mundo, e fizemos de tudo
para fazer as coisas funcionarem. Agora sou apenas eu,
lutando sozinho, e pela primeira vez na minha vida, não tenho
nenhuma maldita pista.
Para onde vou daqui? Outra faculdade? Um campo de
pesquisa? Ou apenas dizer 'dane-se' e começar a viajar? Pelo
terceiro dia consecutivo, fecho os anúncios de empregos em
meu laptop, soltando um suspiro. Meu café está frio há muito
tempo quando engulo o liquido, estremecendo com o gosto
amargo.
Nunca fiz esse tipo de escolha antes. Não sem
Harry. Claro, ele sempre me chamou de inteligente, mas ele era
muito melhor. Ele era sábio.
Ele saberia o que fazer. Ele saberia a coisa certa a
dizer. Bato minha caneca vazia na mesa, olhando para a
escultura na estante da minha sala de estar.
—Então? — Pergunto a ela. Jesus, são 10 da manhã de
uma quinta-feira e estou enlouquecendo. —Alguma pérola de
sabedoria, irmão mais velho? Talvez um sinal de cima?
Nada. Obviamente.
Meu telefone toca ao lado do meu laptop, a tela
iluminando com uma mensagem. Provavelmente Fraser de
novo ou Lucy.
Lucy.
Ela merece mais do que isso. Silêncio. Inferno, deveria
pelo menos dizer a ela que deixei meu trabalho. Mas as
palavras de Beckett criaram raízes dentro de mim, seus
tentáculos torcendo e apertando meus pulmões.
O que posso oferecer a ela agora? Ela é jovem, inteligente,
linda. Só vou trazer ela para baixo.
Me afasto da mesa, caminhando pela sala para traçar
meus dedos ao longo da minha estante. É um velho hábito, um
truque que achei reconfortante quando menino. Meu telefone
toca novamente na mesa, batendo contra a superfície
enquanto começa a tocar, e caminho até a próxima prateleira.
Depois do que parece uma eternidade, o telefone fica em
silêncio. Algo bate no chão atrás de mim.
Viro e encontro um livro de bolso aberto com a face para
baixo, as páginas amassadas e desbotadas. Pigmalião. Uma
peça que estudei em meus dias de faculdade. Me agacho e pego
o livro com cuidado, alisando o dano.
—Bem, uau. — Harry tinha assobiado quando me
encontrou lendo uma vez. —É um livro de aparência chique.
Disse a ele que não era tão difícil, e ele sorriu, balançando
a cabeça.
—Um dia, você escreverá seus próprios livros sofisticados
e terá que explicá-los para mim também.
Zombei na hora. A escrita imaginada era algo que
acontecia com outras pessoas. Mas agora, mastigo o interior
da minha bochecha, considerando. Então me endireito e
aponto para a escultura de Harry.
—Tudo bem, mas sem promessas. — Ainda bem que
ninguém pode ver pelas minhas janelas. Eles chamariam a
polícia para vir e me internar. Coloco a cópia do Pigmalião
de volta no lugar e volto para a mesa.
Abro meu laptop. Inicio um documento do Word. E
começo a escrever. Quase imediatamente, vozes começam a
sussurrar na minha cabeça que isso é lixo, que é uma perda
de tempo, que preciso encontrar um emprego de verdade,
droga.
Mas escrever tem uma coisa que os fóruns de empregos
não têm. Isso me permite esquecer, apenas por um momento.
Me afasto do mundo, focalizo meu laptop e mal percebo o
zumbido do meu telefone.
CAPÍTULO DOZE

Ele não está na aula. Não está no dia seguinte, nem no


terceiro dia seguinte. Gideon nem está no campus. Quando
desisto e corro para seu escritório entre as aulas na sexta-feira,
a porta está trancada e não há luzes brilhando através da
moldura. Sacudo a maçaneta da porta, os alunos passam por
mim no corredor, o aquecedor barulhento tilintando na parede
atrás de mim.
Ele se foi. Não acredito que Gideon se foi.
Por um momento louco e narcisista, acho que deve ser
por minha causa, por causa do que fizemos, por trás dessa
porta trancada. Que cruzei uma linha naquele dia, o empurrei
além do limite, e Gideon preferiu parar e correr, deixando toda
a sua vida para trás, do que ter que me enfrentar novamente.
Respiro fundo. Seguro e conte até cinco. Em seguida,
expulso o ar de meus pulmões.
É ridículo. Ele poderia se arrepender do que aconteceu
entre nós, com certeza. O pensamento faz meu estômago
apertar, mas não é exatamente rebuscado. Afinal, ele me
tocou, colocou a boca em mim, mas não me beijou. Não me
segurou.
Talvez para ele fosse algo vergonhoso. Um lapso de
julgamento e nada mais. Mas partir? Largar o emprego
imediatamente? Alguma coisa não está certa.
Me torturo enquanto caminho para minha próxima aula,
mordendo meu lábio inferior e olhando para minhas
botas. Deixei todas as possibilidades sombrias e terríveis
piscarem em minha mente.
Um acidente de carro. Um diagnóstico péssimo. Um
colapso mental.
Ou pode ser algo maravilhoso para ele, pelo menos. Como
uma oferta de emprego incrível ou um bilhete de loteria
premiado.
Nada se encaixa. Se algo terrível tivesse acontecido, a
faculdade não teria avisado os alunos? E se fosse uma ótima
notícia, e Gideon partisse em um incêndio de glória, ele não
teria pelo menos se despedido?
Pode ser. Talvez não. Quem sabe onde estou com ele?
Tudo o que sei com certeza é o pesado poço de pavor que se
instalou em minhas entranhas durante o resto do dia. Keeley
e Raine tentam me cutucar durante o almoço, perguntando o
que há de errado, mas o que posso dizer? Meu professor sumiu
há quatro dias e estou pirando? Elas iriam querer saber por
que, e então todas as minhas mentiras viriam à tona. Todas as
coisas que não contei a elas.
As saídas escondidas.
Gideon. Tanto no passado como agora.
Estou tão envolvida em meus próprios segredos que me
desliguei do mundo. Das duas pessoas que sempre estiveram
ao meu lado.
Desabo na borda de pedra de uma fonte do campus,
estremecendo quando a água da chuva escoa pelo meu vestido
de suéter. Ao meu redor, os alunos se apressam entre os
prédios, fichários e bolsas nos braços, tentando apressar o
tempo que passam no frio e na umidade. Um flash de cabelo
vermelho atrai minha atenção, então estou me levantando,
tropeçando em mim mesma enquanto corro pela praça.
—Professor!
O orientador desacelera, procurando a fonte da minha voz
em pânico. Seus olhos se arregalam quando ele me vê, culpa,
conflito e pena passando por suas feições.
Oh sim. Esse cara sabe o que está acontecendo. Ele até
lança um olhar desesperado por cima do ombro para o
caminho de pedra para o Centro de Bem-Estar, onde pode
escapar de minhas perguntas inevitáveis.
—Espere! — Grito, e ele estremece como se tivesse sido
pego, voltando-se para me encarar corretamente. Ele enfia as
mãos nos bolsos, endireitando os ombros e esperando por mim
com uma expressão estranhamente em branco.
—Sim? — Ele pergunta quando eu o alcanço. —Posso
ajudar em algo?
Abano a mão para ele. —Corta essa merda. — Não há
tempo para a Boa Garota Lucy. Me inclino para frente, as mãos
nos quadris, estranhamente sem fôlego, em seguida, olho para
ele. —Onde está Gideon?
A boca do orientador torce. Ele limpa a garganta,
parecendo profundamente infeliz enquanto baixa o olhar para
os sapatos. De repente, toda a sua fanfarronice se foi e ele
voltou a evitar meu olhar.
—O professor Warwick deixou a faculdade.
—Sim, sem brincadeira. — Me endireito, tirando meu
cabelo do rosto. —O que aconteceu? Onde ele está?
—Não posso divulgar...
—Certamente você pode. Se ele se foi, por que isso
importa?
—Se houver problemas com o seu novo palestrante, posso
encaminhá-la para...
—Pare com isso. — Jogo minhas mãos para cima. —
Apenas pare. — A explosão de raiva e bravata que me carregou
pelo pátio está se esvaindo. Por um momento horrível, posso
me ver em seus olhos: uma pequena estudante universitária
úmida pela chuva com uma paixão patética por um homem
adulto. Talvez pudesse contar a ele o que aconteceu, provar
que não sou completamente louca por perseguir Gideon, mas
mesmo há muito tempo, não quero colocá-lo em problemas.
Não quero que seu amigo pense mal dele.
Porque essa é a realidade. Isso é o que sou: um segredo
vergonhoso que pode arruinar a vida de Gideon. Inferno, isso
já pode ter destruído sua carreira.
—Sou eu? — A miséria faz minha voz tremer. —Ele se foi
por minha causa?
Um músculo salta na mandíbula do orientador. Ele passa
a mão pelo cabelo, olhando para as nuvens escuras e
murmurando algo baixinho.
Então: —Gid... professor Warwick fez suas próprias
escolhas, Lucy. Nada disso é por sua causa.
—Isso é um sim, — digo categoricamente. Ele pode
enfeitá-lo como quiser, Gideon se foi por minha causa. Houve
uma grande briga? Eles o deixaram ir em silêncio? Ele estava
chateado? Mil perguntas se acumulam na minha garganta.
As engulo. Este homem nunca vai me responder.
—Onde ele está? — Pergunto de novo.
O orientador balança a cabeça, expressão impotente e
meus ombros caem. Claro que ele não vai me dizer onde está
Gideon. Ele provavelmente não quer me ver de qualquer
maneira.
—Obrigada, — murmuro, virando nas botas e
caminhando de volta para a fonte, os braços em volta da minha
cintura. No momento em que giro e me sento, o conselheiro de
orientação se foi, e sou deixada lá sozinha com o mundo
inclinado em seu eixo.
É assim que Raine e Keeley me encontram, duas horas
depois, tremendo e ensopada de chuva. Raine agarra minha
mão gelada, se agachando ao meu lado, e Keeley me implora
para dizer o que há de errado.
Então eu faço.
Abro minha boca e finalmente digo a elas.

—Venha comigo.
Três semanas depois, Raine está ao lado da minha mesa
na biblioteca com os braços cruzados. Olho do livro de pintores
americanos que estou olhando para ela, mas não a vejo. Lá
fora, o céu está escuro e os ventos de inverno batem contra o
vidro, jogando uma chuva torrencial.
—Huh?
—Você já está deprimida o suficiente. — Raine se inclina
e fecha meu livro. —É hora de se recompor.
Veja, Raine é a mais quieta do nosso grupo, a que as
pessoas confundem com ser tímida. Mas Raine não é
tímida, ela é extremamente reservada e tem uma tolerância
muito baixa para besteiras. Keeley e eu não costumamos irritá-
la, mas quando o fazemos, corremos para nos proteger.
Bufo. —Que diabos, Raine? Estou acompanhando as
aulas. Turnos de trabalho. Posso ficar triste.
—Não. — Ela afirma. —Você não pode confessar uma
vida secreta fodida e depois ser trágica. Onde está a garota que
teve um caso com seu professor gostoso? Onde essa garota foi?
—Repensar suas escolhas de vida.
—Não. — Raine me puxa da cadeira, empurrando meus
livros em meus braços. —Ela só precisa de um chute na
bunda.
O que preciso é de um tempo sozinha. Pensar. Sofrer.
Parece bobo, quase não estávamos envolvidos, mas Gideon
cravou suas raízes no meu peito. De alguma forma,
instintivamente, sei que levará anos até que o supere.
Deveria estar chateada com ele por isso. Deveria ligar
para ele para reclamar e gritar.
Mas toda vez que olho seu nome no meu telefone, fico com
medo. Embora daria tudo para ouvir sua voz, sua risada
esfumaçada no meu ouvido, não posso arriscar a ligação. Ele
ignorou todas as minhas mensagens até agora. Ele
provavelmente rejeitaria e bloquearia meu número, e não
poderia aguentar, porra.
Assim, pelo menos, posso fingir que ainda há
esperança. Há uma porta aberta, apenas por uma fresta.
Obviamente, não digo nada disso a Raine. Ela já acha que
sou uma bagunça patética.
—Se você soubesse onde ele mora, você iria vê-lo? — Os
sapatos de Raine batem na escada.
—Sim, — digo imediatamente. Talvez não seja corajosa o
suficiente para um telefonema, mas a chance de ver Gideon
pessoalmente mais uma vez? Pegaria em um piscar de olhos.
—Se lembre que você disse isso, — Raine murmura,
saindo pela saída da biblioteca. Keeley está esperando no
pátio, os braços cruzados sobre o suéter rosa doce e um sorriso
de comedor de merda esticado em seu rosto.
—E aí, otárias? — Ela acena um pedaço de papel. —
Acontece que as informações pessoais são muito fáceis de
conseguir.
—Provavelmente deveríamos nos preocupar com isso, —
reflete Raine. A ignoro, marchando para frente e arrancando o
papel da mão de Keeley.
No papel amassado e manchado de chuva, nos
garranchos confusos de Keeley, está um endereço do outro
lado da cidade. Fico olhando para ele. Li duas, três vezes.
—É isto? — Pergunto finalmente. —É dele?
Keeley bufa. —Não, nós quebramos um monte de leis
para conseguir o endereço do reitor. Obviamente é de Gideon,
sua idiota.
Ambas estão sorrindo para mim quando olho para
cima. O papel treme em minha mão.
—Você vai? — Raine levanta o queixo em desafio. Me
preparo, empurrando meus ombros para trás e aceno.
—Inferno, sim, estou indo.
—Bom. — Ela cutuca Keeley. —Vamos finalmente pegar
nosso sofá de volta.

A porta bate sob meu punho. É pintada de azul claro,


uma bela combinação com as tábuas escuras do piso. O prédio
de Gideon é bom. Me recompondo, alivio minhas batidas e bato
educadamente em vez disso. Uma vizinha ainda enfia a cabeça
para fora da porta no final do corredor, olhando feio.
—Desculpe, — falo, levantando os ombros. Ela fica
carrancuda, seu permanente crespo tremendo, mas continuo
batendo. Vim tão longe.
Não parece muito visto de fora. Três semanas sozinha,
depois uma viagem de carro de vinte minutos. Mas para mim,
era uma eternidade. Quanto mais bato, mais o pânico começa
a roer meu estômago e cerro minha mandíbula.
Só mais um minuto. Então vou parar. Vou me virar e sair,
e voltarei outro dia. Mas vou bater por mais um minuto.
Quando a porta se abre, Gideon parece chateado como o
inferno. Mas seus olhos se arregalam quando ele me vê, a
irritação se transformando em algo como culpa.
—Lucy. Deus, oi. S muito. Eu, uh... — Ele para. Levanto
minha mão e aceno sem jeito. Atrás de mim, no final do
corredor, a vizinha resmunga alguma coisa e fecha a porta com
um estalo.
Gideon me observa com cautela. Isso me pega
desprevenida, antes de me lembrar que meio que invadi seu
apartamento sem avisar. Ele não me esperava, pode nem
mesmo me querer aqui. Forço um sorriso, mesmo quando meu
estômago afunda.
—Oi. Eu, hum. Tinha que ver você. Quando você saiu...
— Paro também. Deus, isso é mais difícil do que
pensava. Gideon tem pena de mim, abrindo a porta e acenando
para que entre. Passo, olhando ao meu redor como se estivesse
no país das maravilhas.
Sempre que vi Gideon antes, ele era formal. Resolvido.
Primeiro no bar, quando vestia um terno preto, depois na
faculdade, onde usava camisas e coletes. Ver ele agora,
descalço, de jeans escuro e camiseta, em um apartamento com
estantes desordenadas e uma caneca vazia na mesinha de
centro... é um lembrete. Ele é apenas um homem. Um homem
humano, igual a qualquer outra pessoa.
Não o semideus que construí em minha mente, o
professor lindo e imperturbável.
Um homem que me tocou então não ligou. Um homem
que está olhando para mim agora com culpa nos olhos.
—Escute, Lucy...
Cruzo meus braços. Algo me diz para proteger meu peito.
—Me desculpe por não ter ligado antes. Estive...
—De jeito nenhum, — interrompo. —Não é antes. Você
sente muito por não ter ligado.
Ele me lança um olhar engraçado, soltando uma risada.
—Tudo bem. Lamento não ter telefonado. Tenho estado...
ocupado, certo. Tentando descobrir algumas coisas.
—Como um novo emprego? — Levanto meu queixo.
Gideon pode querer ser vago, mas quero falar sobre isso. Afetar
a carreira dele.
—Eu... sim, suponho que sim. Entre outras coisas.
— Gideon olha ao redor de seu apartamento, com os braços
soltos ao lado do corpo. Ele parece momentaneamente perdido,
uma pequena carranca vincando sua testa.
—Por que você não ligou?
Gideon me olha de volta. Sua carranca se aprofunda.
—Acabei de te falar. Estive ocupado.
—Apenas...— Torço o tecido do meu vestido suéter. —
Tenho pensado em você constantemente. Sem parar. Era só
eu?
—Não, eu...— Gideon torce a boca. —Sinto muito,
Lucy. Acho que não sabia o que dizer.
Aí está. O que esperei três semanas e uma viagem de
carro de vinte minutos para ouvir. A confirmação do que
suspeitei todo esse tempo. Construí coisas entre nós em minha
cabeça, preocupada e obcecada por Gideon e o que ele pensava
de mim.
E durante todo esse tempo, ele mal me poupou um
pensamento. Porque para ele, sou apenas uma estudante.
Uma garota boba. Um erro.
—Tenho que ir. — Me viro e tropeço para a porta. Gideon
estende a mão para mim, as pontas dos dedos roçando minha
manga.
—Espere, não quis dizer... Lucy, estou feliz que você veio.
— Ele dá um passo em volta de mim, bloqueando a porta. Seu
peito sobe e desce sob o algodão vermelho de sua camiseta. O
tecido é macio e gasto, se moldando às depressões e curvas de
seus músculos.
Os olhos de Gideon encontram os meus: avelã salpicada
de ouro.
Desenhei esses olhos tantas vezes. Sou uma idiota.
—Você se arrepende? — Deixo escapar. —O que
aconteceu conosco?
Ele faz uma pausa, e isso é tudo que preciso
saber. Empurro passando por ele, abrindo a porta novamente.
—Tenha uma boa vida, — jogo por cima do ombro, em
seguida, bato a porta atrás de mim. Tropeço e paro no
corredor, o calor queima em minhas bochechas enquanto meu
peito se abre.
Há um som. O rangido de uma tábua do assoalho em seu
apartamento. Então silêncio.
Ele não vem atrás de mim.
Esfrego meu rosto com a manga, endireitando meus
ombros e desejando que meus olhos sequem. Isso foi um
erro. Fomos um erro.
E agora é hora de seguir em frente com minha vida.
CAPÍTULO TREZE

Suas mensagens começam na viagem de carro para casa.


Sinto muito.
Estraguei tudo.
Deus, Lucy. Por favor. Volte.
Essa última realmente me faz ranger os dentes. Por que
deveria? Por que deveria o perseguir como um cachorrinho
chutado, desesperada por sua atenção? Gideon não conseguia
nem atender o maldito telefone. Ele não conseguiu me olhar
nos olhos e dizer que não se arrependia de nós.
Não. Cansei de perseguir ele. Gideon era um sonho, uma
fantasia. Uma série de momentos roubados, afastados da
realidade com um homem que fez minha pele formigar e meu
coração disparar nas minhas costelas.
Isso acabou agora. Desligo meu telefone e o enterro no
fundo da minha bolsa.
Keeley e Raine dão uma olhada na minha expressão e me
conduzem através da porta do nosso apartamento. Elas
entram em sincronia, executando os movimentos da maneira
que apenas melhores amigas podem fazer. Keeley me puxa
para o sofá, agarrando a manta e jogando sobre minhas
pernas, em seguida, clica em uma lista de reprodução
raivosa. Raine vai direto para a cozinha, vasculhando os
armários e saindo com três copos e uma garrafa de vodca nas
mãos.
—Vamos fazer isso. — Ela bate os copos na mesa de
centro, torcendo a tampa da vodca com um estalo.
—Não preciso...
—Cale-se.
—Sim, cale a boca, — Keeley manda, ajoelhando na frente
da mesa de café. —Talvez você não precise disso,
mas eu preciso. Todas nós queríamos que você encontrasse o
seu professor gostoso, Luce.
Bufo, a amargura crescendo em meu estômago. —Sinto
muito desapontar.
—Então você deveria sentir.
Keeley pisca, seus óculos ligeiramente tortos enquanto
ela segura seu copo com um centímetro de vodca. Seu cabelo
lilás está preso em tranças francesas, mas um halo de mechas
ainda escapou das amarras, e ela está vestida com o moletom
folgado do departamento de esportes.
—Saúde. — Levanto meu copo, apertando os olhos para
o líquido claro, cintilando no brilho das luzes de Natal que
Raine pendurou ao redor de nosso apartamento.
—Para casos escandalosos. — Keeley bate no meu copo e
bebe sua bebida.
Raine faz uma pausa, encontrando meus olhos antes de
dizer. —Para ser corajosa.
Olho para longe enquanto bebo, o calor deslizando pelo
meu peito dolorido e machucado. Raine sempre sabe a coisa
certa a dizer. A vodca também não dói, queimando minha
garganta e se acomodando no meu estômago. Muitos copos
depois, quando as luzes começam a se apagar, deitamos
amontoadas no sofá.
—Talvez volte para encontros anônimos. — Levanto um
braço, desenhando padrões preguiçosos para combinar com as
rachaduras no teto. Se não mantenho um olho bem fechado, a
sala gira.
—Parece divertido para mim, — Raine murmura do fundo
das almofadas. Keeley grunhe em concordância. —Se você
começar agora, pode pegar o professor do próximo semestre.
Bato nela com a almofada, mas não posso deixar de abrir
um sorriso triste enquanto eles se transformam em risadas.
—Talvez, — suspiro. —Ou talvez seja a vez de uma de
vocês chocar o campus.
Raine bufa. —Nem sei de quem iria atrás.
Keeley está suspeitamente silenciosa.
Inclino minha cabeça para trás e fecho os dois olhos,
minha respiração desacelerando no ritmo da música. A chuva
bate contra nossas janelas, nossos membros emaranhados e
sonolentos, e a rachadura no meu peito se fecha apenas um
centímetro.
Dentro e fora. Conto minhas respirações, me forçando a
ir devagar.
Ficarei bem. Tenho minhas amigas, meu trabalho, meus
créditos estúpidos de inglês. E em breve, Gideon Warwick será
apenas mais uma memória.
Acordo com uma dor de cabeça latejante, a boca mais
seca do que areia e a tela do telefone iluminada com
mensagens.
Gideon.
Gideon.
Gideon.
Ele manda mensagens e liga quase todas as horas desde
que saí de seu apartamento, exceto por um breve período de
silêncio durante a noite. Algo me diz que ele não estava
dormindo na hora, ele só parou para me dar um sono
tranquilo.
Isso era desnecessário, é claro. Ele não sabia da vodca.
Sento na cama, estremecendo com a dor aguda dentro do
meu crânio. O quarto se inclina e meu estômago dá um salto
mortal. Coloco a mão sobre minha boca, respirando através da
crescente náusea.
Nunca mais.
A tela do meu telefone está dolorosamente clara, mesmo
na configuração mais escura. Aperto os olhos com um olho,
passando as mensagens de Gideon. Então me preparo, conto
até três e excluo todas elas. Meu telefone bate contra a mesa
de cabeceira, e me coloco de volta na posição deitada com um
gemido. Puxando as cobertas da cama em volta das orelhas,
me enterro no calor e volto a dormir com gratidão.
Na próxima vez que acordo, me sinto cerca de doze por
cento mais humana. Me levanto para sentar contra a minha
cabeceira, agarrando o copo de água que apareceu
magicamente ao lado da minha cama. Me forço a beber
lentamente em goles medidos, respirando pelo nariz e tentando
não me concentrar na reviravolta doentia do meu estômago.
Meu telefone vibra contra a mesinha novamente, e xingo
baixinho enquanto o pego com a mão trêmula.
Quando clico na tela, estou pronta para dizer a Gideon
para entender a maldita dica e me deixar em paz. Mas não é o
nome dele desta vez, e o desapontamento passa por mim antes
que o horror tome conta. Jogo meu telefone no colchão,
xingando alto, e pulo da cama apenas para agarrar meu
estômago e balançar no local, gemendo. Uma vez que tenho
certeza de que não vou vomitar no meu tapete, corro pelo meu
quarto, vestindo um vestido de malha por cima do meu corpo
úmido de ressaca.
Atrás de mim, na cama, minha tela brilha com a
mensagem.
Dan: Você está atrasada. Você está trabalhando hoje?
Merda, merda, merda.
Me encolho ao ver meu reflexo no espelho do banheiro
enquanto esfrego meu rosto e escovo os dentes em tempo
recorde. Meus olhos estão injetados, contornados com o
delineador borrado da noite anterior, e meu cabelo está
emaranhado e desgrenhado quando o coloco em um rabo de
cavalo. O apartamento está em silêncio enquanto atravesso a
sala de estar, as outras garotas deitadas para cuidar de suas
próprias ressacas.
Merda. Nunca cheguei atrasada para um turno antes.
Nosso prédio fica na periferia do campus, em uma rua
secundária repleta de cafés modernos e estúdios de
tatuagem. Não me incomodo em tentar chamar um táxi, no
momento em que eles passassem pelas ruas de mão única
tortuosa, teria chegado à loja a pé. Então meio que caminho,
meio que corro, meu estômago dando cambalhotas dentro de
mim, respirando com dificuldade pelo nariz e tentando
desesperadamente me concentrar no ar fresco do inverno
batendo em minhas bochechas.
Dan olha para mim e cai na gargalhada. Estou na porta
da loja de arte, ofegante, meu cabelo desgrenhado e meus
olhos injetados de sangue sem maquiagem. Devo parecer algo
saído de um filme de terror, e toda vez que Dan me olha de
novo, ele cai na gargalhada.
—Oh Deus, — ele ofega enquanto eu vou até a caixa
registradora. —Isso é ouro, Lucy. Você parece algo pescado no
ralo do meu chuveiro.
Levanto a palma da mão, a imagem fazendo meu
estômago vazio apertar. Juro, posso sentir o cheiro da vodca
vazando pelos meus poros.
—Não faça isso. Por favor. Tenha misericórdia de mim.
Dan bufa. —Eu vou se você fizer.
Apesar de suas provocações, apesar de sua suposta falta
de jeito social, Dan tem pena da minha forma miserável de
ressaca. Ele me coloca atrás da caixa registradora, enrolada
em uma cadeira com um cobertor em volta dos meus ombros
e uma caneca fumegante de chá de hortelã. Sempre que um
cliente vai até o balcão, Dan se aproxima, inclinando sobre
mim para trabalhar no caixa.
Recebo alguns olhares estranhos, mas sorrio para os
clientes suavemente, soprando meu chá bem quente.
O mundo não merece Dan. Ele é o santo padroeiro dos
estudantes de arte com ressaca.
No momento em que nossa pausa para o almoço chega,
estou começando a me sentir mais normal novamente.
Mordisco a ponta de um sanduíche de queijo, depois como uma
maçã verde antes de meu estômago revirar mais uma
vez. Então sento na minha cadeira e tento realmente fazer
algum trabalho, caminhando pela loja para endireitar as
prateleiras e arrumar as vitrines. Faço anotações sobre os
produtos que estão acabando e reabasteço o que posso no
estoque. Quando desabo de volta na minha cadeira, Dan se
inclina no balcão com um sorriso malicioso.
—Então, — ele diz com brusquidão característica. —O
que te levou a beber em uma noite de trabalho?
—Prefiro não discutir isso, — digo afetada, tomando um
gole da caneca de chá que ele fez para mim. Na verdade, nunca
contei a Dan sobre Gideon e, embora esteja decidida a não
guardar esse tipo de segredo de novo, a ideia de contar tudo
agora me deixa exausta.
—É aquele professor? — Engasgo com a boca cheia de
chá escaldante, lançando a Dan um olhar alarmado. Ele
encolhe os ombros, endireitando para colocar as mãos nos
bolsos. —O que? Você fica com uma expressão estranha
sempre que fala sobre ele. Você é realmente óbvia, Lucy.
Deus. Me mate agora.
—Além disso... — Dan se inclina, sussurrando no meu
ouvido, —ele acabou de entrar e está olhando para você como
o Santo Graal.
Minha cabeça levanta. Pisco, com força, mas ele está
aqui. Gideon. Ele está na entrada da loja de arte, vestido com
jeans escuros e um suéter verde musgo que adere aos seus
ombros largos e cintura estreita. Pontos de chuva grudam em
seu cabelo castanho e seus olhos castanhos estão fixos em
mim.
—Lucy. — Ele diz meu nome baixinho, quase para si
mesmo, mas para mim, ele ecoa pela loja como se ele
gritou. Gideon começa a andar, contornando as exibições e
grupos de estudantes de arte. Alguns deles o reconhecem de
nossas palestras, virando a cabeça para olhá-lo. Suas
sobrancelhas levantam em suas testas quando Gideon se
aproxima do balcão, seus olhos caindo para verificar sua
bunda perfeita naqueles jeans.
O ciúme me corta, mas cerro os dentes. O que vou fazer,
gritar com meus colegas que só eu posso verificar nosso
professor?
Bem. Ex-professor. Mordo meu lábio quando Gideon se
aproxima.
—Nós precisamos conversar. — Ele para em frente ao
balcão, as mãos enfiadas nos bolsos. Ele fala baixo, mas você
pode ouvir uma aranha andando nesta loja, está tão
silencioso. Todos estão prendendo a respiração, esperando
para ouvir o que o professor gostoso tem a me dizer, a boa Lucy
Denton. A Bagunçada e de Ressaca Lucy Denton.
Limpo minha garganta. —Não tenho nada a dizer.
—Bem, eu tenho. — Gideon dá um passo meio centímetro
mais perto, lançando um olhar irritado por cima do ombro. Os
alunos na prateleira mais próxima se mexem, murmurando
coisas sem sentido sobre tons pastéis e blocos de desenho, mas
assim que ele se vira para mim, eles estão olhando de novo. —
Você poderia ter atendido o telefone, — murmura Gideon.
Olho feio. —Muitas coisas poderiam ter acontecido.
Ele acena com a cabeça uma vez, em seguida, força a
palavra. —Por favor.
Mastigo o interior da minha bochecha, pensando. Se
falarmos aqui, todo idiota nesta maldita loja ouvirá. Não tenho
vergonha do que fizemos, ao contrário de um certo idiota lindo,
mas isso não significa que quero ser o centro das fofocas do
departamento de arte.
Poderia recusar. Dizer a Gideon para ir embora. Seguir
em frente com minha vida como prometi.
Levanto da cadeira, reviro os olhos para Dan e gesticulo
para que Gideon me siga. Nosso estoque fica no canto de trás
da loja, escondido principalmente de olhares curiosos, e
embora não queira dar a Gideon um vislumbre de como estou
destruída esta manhã, sei que se o mandar embora, vou me
arrepender.
Preciso ouvir o que ele quer. Deixar que ele diga o que
quer. Então talvez finalmente tenha algum encerramento.
CAPÍTULO QUATORZE

O estoque é apertado e sombreado, com prateleiras de


materiais de arte erguendo por todos os lados. Uma única
lâmpada balança em um cabo, e ligo o interruptor enquanto
conduzo Gideon para dentro. Mal há espaço suficiente para
ficarmos sem nos tocar, mas digo a mim mesma que não
ficaremos aqui por muito tempo. Ele pode dizer o que quer,
então podemos sair daqui e continuar com nossas vidas. Não
terei que respirar seu cheiro limpo e masculino por muito mais
tempo. Não terei que sentir meu coração quebrar e ansiar por
ele em meu peito.
Gideon entra atrás de mim, fechando a porta com um
estalo silencioso. Nós nos encaramos, nossos peitos subindo e
descendo a cada respiração abafada.
Esta é a história do meu semestre: Gideon Warwick
estava ao alcance do braço, perto o suficiente para passar
meus dedos ao longo de sua manga, mas a anos-luz de
distância de mim. Meu peito lateja, dolorido pra caralho agora
que estou de frente para ele, e fixo meu olhar em sua
sobrancelha esquerda.
É mais fácil do que encontrar seu olhar. Do que
confrontar a tristeza girando em seus olhos castanhos.
—Então, o que é? — Minha voz está quebradiça e leve.
Falsamente alegre. Na minha visão periférica, Gideon
estremece.
—Lucy. — Sua voz é uma carícia. —Sei que errei. Deveria
ter ligado para você. Inferno, nunca deveria ter desaparecido.
Deveria ter saído direto da limpeza do meu escritório para
convidá-la para jantar.
Engulo o nó na minha garganta. A testa de Gideon é lisa,
a pele dourada e a linha tênue de uma velha cicatriz corta sua
sobrancelha.
—Por que você não fez isso? — Sussurro. Deus, odeio
estar perguntando isso a ele. Mesmo agora, uma lasca de
esperança está alojada em minhas costelas, recusando a
desalojar.
Gideon bufa. Ele está irritado, mas não comigo. Sua
amargura, sua irritação, é tudo para ele.
—Este trabalho é tudo o que conheço há anos. Quando o
perdi... — Abro minha boca para dizer algo, para me desculpar,
mas ele levanta a palma da mão. —Quando o perdi, perdi a
única coisa que me ancorava aqui. Não tenho família nesta
cidade, Lucy. Meus amigos me odeiam pelo que fiz, e
deveriam. Tudo o que sei é ensinar e, de repente, tive que
descobrir o que fazer da minha vida. Qual deve ser o meu
propósito.
Meus braços se apertam em volta da minha
cintura. Como não sabia de nada disso? Deveria ter feito mais
perguntas. Devíamos ter conversado mais.
Como disse. Muitas coisas deveriam ter acontecido.
—Nas últimas semanas...— Gideon para de falar,
passando a mão pelo cabelo. Ele se projeta na parte de trás,
bagunçado e sugestivo, e aperto meus cotovelos com força. Não
vou abraçar ele. Nem mesmo quando um suspiro profundo sai
dele e sua boca desce. —Elas têm sido um inferno. Senti tanto
a sua falta, Lucy, como a porra de um membro fantasma. E
todos os dias, queria ir para você. Para implorar que você seja
minha, corretamente desta vez. Chega de ligações secretas,
queria você toda. Queria ver você tomando café da manhã
todas as manhãs. Queria ouvir seus pensamentos e sonhos
privados. Mas não consegui.
—Por que não? — Pergunto. Deus, também quero
isso. Mais do que tudo.
Gideon abre as mãos desamparadamente. —Porque o que
posso te oferecer, Lucy? Sou um ex-professor desgraçado. O
que quer que faça a seguir, vou começar do zero, e estou muito
velho para você de qualquer maneira...
—Pare. — Lambo meus lábios, dando um passo mais
perto na sala de estoque apertada. Gideon me observa, suas
pupilas dilatando, não importa o quão nojenta eu me sinta. —
E o que eu quero? Você não quer saber?
A garganta de Gideon balança enquanto ele engole.
—O que você quer, doce Lucy?
Minha resposta é fácil. —Você. Só você. Nenhuma dessas
outras coisas importa.
A esperança surge no rosto de Gideon e é como o sol
aparecendo por trás das nuvens. Ele parece tão hesitante que
faz meu peito latejar, e dou mais um passo à frente.
Meus braços deslizam ao redor de seu pescoço. Seus
ombros estão tensos, tremendo levemente, e quando fico na
ponta dos pés e arrasto minha boca ao longo de sua garganta,
um arrepio percorre todo o seu corpo.
—Lucy. — Ele diz meu nome como uma oração,
enterrando o rosto no meu cabelo. Deus, espero que ele não
sinta o cheiro da vodca. —Lucy. Minha Lucy.
Lambo a pele sob sua orelha, sorrindo enquanto seu
gemido quebra o silêncio da sala de estoque. É como se uma
represa se quebrasse: em um segundo estamos balançando
juntos, nosso controle mantido no lugar pelos melhores fios.
Então, avançamos como um só, nossos corpos se
chocando quando nossas bocas se encontram. Tivemos nossas
diferenças, mas nisso estamos totalmente de acordo:
precisamos estar cada vez mais próximos. Selados contra a pele
um do outro.
Um pacote de lápis macios cai no chão quando Gideon
me pega e me pressiona contra as prateleiras. Um pote de
borrachas cai também, e uma pilha de blocos de desenho,
suprimentos de arte chovendo ao nosso redor enquanto
balançamos juntos, um gemido saindo da minha boca.
—Você é minha, — Gideon afirma, afastando a boca para
dar chupões violentos na minha garganta. Eles vão deixar uma
marca. Todos fora desta pequena sala saberão exatamente o
que fizemos. Que meu professor me colocou contra as
prateleiras do estoque, me reivindicando com hematomas para
todo mundo ver.
Gemo, lutando contra seus ombros para me apoiar, e
Gideon se pressiona contra meu núcleo dolorido. Ele sibila
com o calor que encontra lá, estendendo a mão para passar a
palma da mão na minha coxa e puxar minha calcinha para o
lado.
—Esses malditos vestidos de suéter, — murmura Gideon,
parando para tirar uma camisinha do bolso de trás. —Eles me
envelheceram pra caralho, Lucy. Eles me deixaram maluco.
—Bom, — afirmo, inclinando minha cabeça para trás
contra as prateleiras com uma risada. Essa não era minha
intenção, eles são apenas confortáveis e aconchegantes, mas
saber que Gideon está me desejando? Obcecado da mesma
forma que eu? Sorrio para a lâmpada, tonta com esta nova
realidade. —Você merece isso.
—Sim, — concorda Gideon, se alinhando com o meu
centro. Ele corre um dedo ao longo do meu núcleo, verificando
se estou pronta para ele, e rosna quando me encontra
escorregadia e carente.
—Vamos professor. — Mordo seu lóbulo da orelha. —Me
mostre com o que você tem sonhado.
Quando ele pressiona para dentro, me dando aquele
delicioso alongamento e queimação, meus olhos reviram na
minha cabeça. Pensei sobre este momento tantas
vezes. Repassei várias vezes na minha cabeça, em todos os
locais e posições possíveis. Já imaginei como seria quando ele
está com raiva, quando ele é gentil, quando precisa tanto de
mim que nem consegue falar.
Isto é melhor. Muito melhor do que qualquer coisa que
imaginei. Posso sentir o cheiro de sua pele, posso respirar ele.
Posso passar minha mão por seu pescoço escaldante e coçar
os cabelos macios de sua nuca.
—Porra, Lucy. — Ele fala no lugar onde meu pescoço
encontra meu ombro, salpicando a pele com beijos. Faço um
ruído estrangulado de concordância. —Porra, você é tudo.
Ele afunda dentro de mim, centímetro por centímetro
tentador. E quando estamos finalmente selados, os músculos
da minha coxa tremem, ele descansa sua testa contra a minha.
—Eu não vou voltar disso, — ele me diz, a voz rouca. —
Não posso perder a última pessoa que amo. Você é minha,
Lucy. Você entende?
Estou assentindo antes mesmo que ele termine de falar,
meus ouvidos zumbindo de como ele me faz sentir bem. E
quando ele começa a se mover, empurrando contra mim,
realmente choro, pressionando meu rosto em sua clavícula.
Amor. Isso foi o que ele disse. Todas essas semanas, tive
certeza de que fiquei meio louca. Que vi algo que não estava
realmente ali, fiz com que essa coisa entre nós fosse algo mais
do que realmente era.
Não sou louca. Gideon também sente isso. A atração
imparável entre nós, nos puxando juntos, não importa o
quanto lutemos. Empurro minhas mãos sob seu suéter,
arranhando a pele nua de suas costas com minhas unhas.
—Você é meu também. — Inclino minha cabeça para
cima, falando as palavras contra seus lábios. — Meu.
Suas estocadas aceleram, seu aperto aumenta em
minhas coxas enquanto ele me mantém aberta, apoiada contra
as prateleiras. O provoco, querendo ele mais rápido, mais forte,
e Gideon rosna quando o faz. Já posso sentir onde as pontas
de seus dedos machucarão minhas pernas, posso sentir a
madeira cavando em minhas costas.
É doloroso. É perfeito. E isso me leva mais alto, enrolando
a pressão crescente entre minhas pernas cada vez mais forte
até que não consigo sentir meus dedos dos pés. Gemo,
puxando o suéter de Gideon, e ele me cala, trabalhando entre
nós.
Um movimento de seus dedos sobre o meu clitóris e estou
caindo, caindo no precipício. Me agarro a ele, tremendo
incontrolavelmente enquanto onda após onda estremece por
mim. Ela se espalha pelo meu núcleo, estalando como
eletricidade pelo meu corpo, do couro cabeludo às pontas dos
dedos dos pés. Cerro os dentes com tanta força que juro que
vão rachar e, quando finalmente desmorono nos braços de
Gideon, sinto que corri uma maratona.
Ele me segue rapidamente, bombeando duas vezes entre
as minhas pernas antes de se acalmar, seus músculos tensos
como uma rocha. Pressiono beijos atordoados em sua garganta
enquanto ele goza dentro de mim, o calor florescendo dentro
do meu núcleo.
Quando Gideon me põe de pé, mil anos depois, estou tão
vacilante quanto um cervo recém-nascido.
—Calma. — Ele segura meu cotovelo, sorrindo tão
suavemente que seus olhos se enrugam, e sorrio para ele como
se não pudesse acreditar que ele é real. Ele tira a camisinha,
olhando ao redor dos destroços do depósito antes de tirar uma
folha de papel de seda de um bloco e embrulhar. —Desculpa.
— Ele sorri, encolhendo os ombros. — Vou pagar por isso.
—Inferno, sim, você vai. — Me inclino contra as
prateleiras, tentando recuperar o fôlego. —Você pode começar
com trabalho duro.
Gideon ri e começa a trabalhar, pegando o material de
arte espalhado ao redor de nossos pés e colocando de volta nas
prateleiras. O vejo trabalhar, ainda confusa, mas com uma
sensação de paz flutuando através de mim que acho que nunca
senti antes.
Ele me conhece. Talvez ele ainda não saiba todos os meus
detalhes, mas conhece minha alma. Meus lugares sombreados
e meus medos. E ainda assim Gideon me toca como se ele não
se cansasse, ainda assim ele me lança aqueles sorrisos
secretos que fazem meus dedos do pé se curvarem.
—Pronta? — Gideon pergunta quando termina,
colocando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. Me
inclino e pego sua mão, sorrindo para ele quando ele aperta
e, finalmente, finalmente, ele me beija.
—Sim, — digo a ele quando nos separamos, minha cabeça
girando. —Estou pronta.
EPÍLOGO

É o primeiro dia em meses que o céu está claro. Fios leves


de nuvem flutuam acima dos telhados, mas acima do cemitério
da cidade, o céu está azul brilhante. Me preparo enquanto
caminhamos pelos portões de ferro forjado, apertando a mão
de Lucy na minha.
Hoje é sempre difícil. Não importa quanto tempo passe,
não importa quanto tempo espere pela dor da perda de Harry
passar, ainda me assusta. Ondas de dor me arrastam para
baixo, roubando meu fôlego, e este ano apenas as mãos gentis
de Lucy na minha pele podem aliviar a dor no meu peito.
—Onde ele está? — Sua voz está baixa. Cuidadosa.
Levanto nossas mãos unidas e aponto para o caminho de
pedra. Lápides se erguem da grama em fileiras, algumas delas
retângulos lisos com suas letras entalhadas revestidas de
musgo, enquanto outras sepulturas são marcadas com cruzes
e estátuas elaboradas, placas de bronze e coroas de flores
coloridas.
Harry tem uma cruz simples. Meu irmão era um homem
simples e discreto, e tentei refletir isso em seu túmulo. Mas as
letras são perfeitas, a pedra limpa regularmente e já há flores
colocadas na base da minha visita na semana passada.
Tenho vindo cada vez mais desde que Lucy e eu ficamos
juntos. Não posso explicar isso. É como se ela tivesse
aberto tudo em mim, me preparado para enfrentar as dores do
mundo. E estou muito feliz, porque não me sinto tão próximo
do meu irmão desde que ele morreu. Levanto nossas mãos e
beijo sua palma.
—Vou te dar um minuto. — Ela beija minha bochecha
antes de se retirar para fora do alcance da voz. Ela fez isso toda
vez que a trouxe aqui, me deu espaço para falar com Harry em
particular.
Conto a ele sobre ela. Sobre o que aconteceu com meu
trabalho. Sobre o livro que estou escrevendo.
Acho que, no geral, ele ficaria orgulhoso de mim. Ah,
talvez no começo ele se preocupasse, se preocupando com essa
pobre aluna que corrompi, mas quando conhecesse Lucy
saberia que não é assim. Se alguém é uma má influência,
é ela. Escondo um sorriso, olhando para ela com o canto do
meu olho.
Ela fica mais adiante ao longo do caminho de pedra, sua
cabeça inclinada enquanto lê as lápides, seus longos cabelos
escuros balançando com a brisa. Quando sua cabeça levanta
e ela acena, fico confuso por um segundo. Não achei que ela
iria convidar seus amigos para vir aqui, no aniversário da
morte do meu irmão...
O vislumbre de cabelo vermelho interrompe meus
pensamentos em seu caminho. Fraser. Não posso acreditar
que ele veio.
Meu velho amigo caminha lentamente até mim, com as
mãos nos bolsos do casaco, me dando bastante tempo para me
recompor. Esfrego minhas bochechas molhadas com a manga,
fungando forte, em seguida, lanço um sorriso cauteloso por
cima do ombro.
—Você não precisava vir. — Minha voz soa rouca. Fraser
dá de ombros.
—Sim eu precisava.
Ele para ao meu lado e olhamos juntos para o túmulo de
Harry, ombro a ombro. Não conversamos muito nos últimos
meses. Desde que cruzei uma linha que Fraser não podia
permitir.
Ele me cutuca, sua voz baixa. —Ele ficaria orgulhoso de
você.
É o mais próximo que chegarei de sua bênção. Do outro
lado do cemitério, Lucy nos observa, ombros tensos. Ela é tão
protetora com as pessoas que ama. Como uma pequena
pantera feroz.
Limpo minha garganta. —Eu sei. Ele gostaria dela.
Nossas palavras não ditas ficam entre nós. Tem uma
pessoa que não está aqui, que ainda está horrorizada com meu
relacionamento com um ex-aluno.
—Beckett vai mudar de ideia, — Fraser diz suavemente.
— De alguma forma, eu duvido.
Fraser encolhe os ombros, seu braço roçando no meu. —
Ele tem seus próprios motivos para julgar com tanta
severidade, — diz ele, enigmático como sempre. Espero que ele
continue, mas Fraser parou de falar. Ele enfia a mão no bolso,
então se agacha e coloca uma pequena, mas linda coroa de
flores no túmulo de Harry.
—Obrigado. — Esfrego minhas bochechas novamente.
Sinto, mais do que vejo, Lucy se juntar ao meu outro lado, seu
calor passando por mim. Ela engancha o braço no meu,
encostando a cabeça no meu ombro.
—Oi, Harry, — ela disse baixinho. Beijo o topo de seu
cabelo.
Sim. Ele realmente gostaria dela. E sei exatamente o que
ele diria depois de conhecer ela, me fixando com seu sorriso
malicioso.
Gid. Nunca deixe essa garota ir.
Respiro fundo, levantando meus olhos para o céu azul.
Eu não pretendo.

FIM
SOBRE A AUTORA

Kayla Wren é uma autora britânica que escreve romances


sensuais para novos adultos. Ela adora Harém Reverse,
inimigos para amantes e muito amor proibido.
Kayla escreve homens espinhosos com corações de ouro,
geeks secretamente sexy e, o melhor de tudo, ela SEMPRE teve
uma queda por vilões.

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