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***
Organizo minha mala com tudo o que acho que posso precisar,
olhei na internet, mas as imagens de satélite da cidade mostram
pouca coisa, ou tem pouca coisa lá. É um local com menos de 9 mil
habitantes e predominantemente agrícola.
Estou quase pronto para sair quando recebo uma mensagem
do meu pai.
Pai: Boa tarde, filho, como está a faculdade?
Léo: Boa tarde, pai, tranquilo :).
Pai: Que bom, sua mãe me pediu para te convidar para
almoçar com a gente no domingo na casa dos Willians.
Léo: Não vai rolar, vou sair com uma amiga neste final de
semana, volto só na segunda.
Pai: Para onde vocês vão?
Droga, como vou me livrar dessa, agora? Não posso contar
para meu pai que esta “amiga” é a Marina, mas também não quero
mentir para ele.
Léo: Vou acompanhá-la em um casamento. Ela não queria ir
sozinha, e como estou de férias, resolvi aproveitar.
Pai: Certo, vai de carro?
Léo: Sim, volto na segunda-feira.
Pai: Tudo bem, filho, só nos avise quando chegar lá, sabe que
sua mãe fica preocupada. Se precisar de alguma coisa é só falar.
Léo: Valeu, pai, manda um abraço para a mãe.
Sinto-me um mentiroso quando escondo coisas dos meus pais.
Mesmo que não tenhamos uma relação de melhores amigos,
sempre aviso se vou sair da cidade ou algo assim. Não quero sumir
e deixá-los preocupados, só que dessa vez não posso dar mais
detalhes e não quero que meu pai desconfie de nada. Se eu disser
para qual cidade estou indo, ele vai ligar os pontos.
— Vai viajar? — Levo um susto com a voz da Gabi logo atrás
de mim, achei que ela não estava em casa.
— Sim, já estava te mandando mensagem. — Mentira, esqueci
de avisá-la também.
— E posso saber para onde? Parece que tá saindo fugido. —
Olho para minha amiga e tenho certeza que ela está lendo a culpa
misturada com a felicidade na minha cara — Desembucha,
Leonardo.
— Promete não contar nada para ninguém? — Ela concorda
com a cabeça. — Marina tem um casamento para ir na cidade natal
dela, e me ofereci para ser seu acompanhante. Vamos dirigir até
Santa Catarina e passar o final de semana lá, volto na segunda-
feira.
Ela assimila minhas palavras por um momento, respira fundo e
me abraça.
— Eu já falei o que acho disso antes, então se você está feliz,
é o que importa, mas conta pra ela logo.
— Sim, na volta vou falar com ela. Acho que Marina já está
desconfiada de alguma coisa, temos falado mais sobre nossas
vidas, e é difícil não mencionar meu pai ou minha mãe, quero tanto
que eles conheçam minha namorada.
— Sua o quê? — Levo um tapa no braço. — Você começou a
namorar e não me falou nada?
— Ai, não, ainda não! Mas é o que mais quero nessa vida,
Gabi.
Minha amiga se afasta e me avalia com o olhar, ela está com
as roupas da academia, provavelmente indo treinar, e parece
desconfiada.
— Você está apaixonado, não está?
— Completamente entregue.
— E ela?
— Marina tem medo, e não a culpo, vou usar esse tempo
longe daqui para fazê-la enxergar o quanto a amo.
— AMA? LEONARDO, VOCÊ AMA ELA? — Gabi joga a toalha
que tinha em mãos para longe e arregala os olhos, em surpresa.
— Sim, te falei que estou apaixonado.
— Você se apaixona muitas vezes, mas essa é a primeira que
usa a palavra amor. — Não tenho como responder, realmente,
pensando agora, acho que nunca disse “eu te amo” para alguém
antes, fora os meus pais. — Estou feliz por você, de verdade, mas
abre o jogo logo, Léo. Quanto mais tempo demorar, pior vai ser.
Confirmo e ela me abraça antes de sair. Minha amiga
consegue me fazer abrir os olhos, nos conhecemos há tanto tempo
que ela tem um mapa das minhas emoções.
Marina veio equipada para a viagem, e eu digo isso de forma
literal: ela trouxe uma térmica de café, obviamente, o notebook, seu
kindle, uma mala com roupas, travesseiro e uma coberta.
Deixei que ela escolhesse a playlist para a viagem, quero
conhecer mais sobre seus gostos musicais, e não me decepcionei.
Ouvimos um misto de MPB com rock internacional e até alguns
funks, a surpresa foi minha morena cantando junto com Anitta, a voz
desafinada quase conseguiu fazer meu coração explodir no peito
com a cena.
Até descobri que a Marina tem algumas piadas quando ela me
perguntou:
— E se acontecer um crime na Lua, qual país será incumbido
do julgamento?
— Acho que não será crime, porque na Lua não tem lei —
respondi e ela sorriu, travessa.
— Na verdade, não vai ter julgamento.
— Por quê?
— Obviamente será um crime sem gravidade.
Precisei parar o carro no acostamento de tanto que rimos da
piada.
Em cada momento que passamos juntos descubro algo novo
sobre ela e me apaixono ainda mais, é incrível a complexidade
dessa mulher. Quem olha a advogada inteligente e focada em seu
trabalho nem imagina que ela canta funk e adora seriados fofinhos.
Nós paramos em alguns postos para fazer lanches e esticar as
pernas, depois encontramos um hotel em uma cidade do Paraná
para passar a noite. Por mim continuaria a viagem, mas Marina não
quer chegar lá de madrugada.
O quarto é simples, tem uma TV antiga, um frigobar pequeno,
um banheiro e uma cama pequena. Deixei-a tomando um banho e
fui em busca do nosso jantar. O hotel não tem restaurante, mas
encontrei vários barzinhos e comprei dois hambúrgueres, porque sei
que Marina gosta, uma porção de batata frita, refrigerantes e dois
sorvetes.
Quando retorno para o hotel encontro-a sentada na cama, os
óculos pendidos na ponta do nariz enquanto olha concentrada para
a tela do kindle. Tem alguma coisa estranha, seu rosto está
vermelho, ela está mordendo o lábio inferior e suas pernas estão
cruzadas, outro ponto bem importante de ressaltar é que Marina
está sem sutiã e com os mamilos duros marcados na camiseta
branca de tecido fino.
— Ai, que susto, Léo. — Ela pula quando vê que estou na
porta e joga o kindle para longe. Por sorte o aparelho está na
capinha de proteção quando cai no chão, próximo aos meus pés,
me abaixo para pegar e ela salta da cama. — Não olha!
— Por quê? — questiono com o aparelho em mãos, então
começo a ler a parte que ela marcou no texto, achei que era algum
artigo ou lei, mas não, Marina está lendo putaria!
— É só um livro — defende-se e tenta tirar o kindle das minhas
mãos, mas não deixo. Fujo dela e coloco a sacola com comida em
cima da mesinha da TV. — Devolve, Leonardo!
— Você está lendo putaria — digo mais surpreso do que
julgando. — E uma das boas mesmo. Que livro é esse?
— Não te interessa, me devolve.
— Um guarda costas para a CEO — leio o nome do livro ao
tocar na parte superior da tela. — Preciso ler depois, é bom?
— Como assim, você vai ler? — Levanta uma sobrancelha e
me olha desconfiada.
— Aguento os surtos da Gabi desde que ela entrou para o
mundo dos livros hot aos 15 anos — explico e Marina relaxa. — Ela
falava tanto sobre esses livros que fiquei curioso e comecei a ler
também. É um caminho sem volta, ainda mais quando descobri que
essas cenas escritas por mulheres são praticamente um guia para
nós, homens, aprendermos como transar bem.
Marina não se aguenta e solta uma risada gostosa com as
minhas palavras.
— Eu sabia que você não precisava de tanta instrução assim
por algum motivo — comenta e fica vermelha. — Quero dizer, você
é novo, tenho certeza que já namorou bastante, mas, assim...
— Marina Lucca, você está elogiando minhas habilidades
sexuais? — Aproximo-me dela, que tenta negar e fica ainda mais
vermelha quando beijo seu rosto. — Fico feliz que goste, e agora
preciso ler todo esse livro para saber o que te deixou cheia de tesão
quando entrei.
— Pois leia, talvez possamos usar algumas das cenas dos
livros como inspiração. — Passa os braços pelos meus ombros e
beija minha boca, mordendo meu lábio inferior para depois chupá-lo
com carinho. — Mas depois, agora estou com fome e essa sacola aí
cheira a coisa boa.
— Pode ir comendo, vou só tomar um banho rápido e logo te
acompanho. — Pego a roupa que deixei separada antes de sair e
vou para o banheiro, quando volto Marina está com os lanches na
cama, mas não começou a comer o seu ainda, ela me esperou.
Jantamos e assistimos um episódio de “I am a killer”,
começamos juntos este documentário de crimes reais da Netflix. É o
que escolhemos quando queremos realmente ver um episódio só e
depois parar.
No outro dia acordamos cedo, tomamos café no posto de
gasolina ao lado do hotel e seguimos viagem. A estrada começou a
mudar ao chegarmos próximos do nosso destino: o asfalto não é tão
bom, não tem pedágio, mas o trânsito é bem pesado. Marina disse
que é normal e me avisou para tomar cuidado com os buracos.
Ela começou a ficar nervosa ao passarmos pelo lugar que ela
chamou de trevo principal da cidade, e precisei me aguentar para
não rir ao perceber que no mesmo lugar estava escrito BEM
VINDOS A DESCANSO e a poucos metros, BOA VIAGEM.
A cidade é realmente pequena, não tem prédios, acho que a
maior construção que passamos deveria ter uns 5 ou 6 andares, e
muitos terrenos vazios. Pelo que Marina tentou me mostrar, é
basicamente uma rua principal, alguns bairros menores e o restante
são comunidades agrícolas.
E é para uma delas que seguimos, a estrada agora não é mais
asfaltada, é de chão batido mesmo, cheia de pedras soltas, preciso
tomar cuidado ao dirigir. Ela até perguntou se eu não queria que ela
assumisse o volante, mas sei que seu pé não está completamente
curado.
Andamos aproximadamente vinte minutos e eu só vi lavoura,
gado e algumas casas muito espaçadas umas das outras. A
paisagem é bonita e tranquila, o céu bem azul no horizonte ao
longe, e está um dia quente e ensolarado.
— Então, eu preciso te avisar de algumas coisas — Marina
fala ao meu lado, ela parece ainda mais nervosa, estralando os
dedos. — Minha família é simples, minha mãe é aposentada e cuida
das poucas terras que temos, mas não há luxo.
— Não me importo com isso — afirmo e pego sua mão,
tentando confortá-la.
— Só quis te avisar, não tenho vergonha alguma das minhas
origens, minha família é maravilhosa.
— Eu entendo, não precisa se explicar — concordo e ela
relaxa um pouco. — Estou tão feliz de conhecer sua mãe e o lugar
em que você cresceu… é muito diferente de São Paulo, aqui o céu é
azul e parece tão calmo.
— É lindo, né? Sempre que volto para visitar minha mãe, tenho
a sensação de estar em uma realidade paralela, sem o tumulto, o
barulho e a poluição da cidade grande.
Chegamos em uma casa branca de madeira, cercada por um
muro pequeno com grades em cima que nada ajudariam na
proteção. Paro o carro embaixo de uma árvore em frente à casa,
onde Marina indica, para ficar na sombra, e já consigo ver que tem
alguém nos esperando.
— Está pronta? — pergunto e ela me olha apreensiva.
— Quem deveria perguntar isso sou eu.
— Sou o primeiro namorado que você traz para casa, sei que
está nervosa, mas te garanto que tua família vai me adorar — pisco
para ela confiante —, afinal, quem não quer um cara todo tatuado,
vindo da cidade grande, cheio de marra, namorando sua filha?
Ela solta uma gargalhada do meu lado com a brincadeira.
— Você está ferrado.
CAPÍTULO 33
Marina
Por um instante minha vida
Se fez mais bonita
Quando você chegou
Lá onde as estrelas dormem
A gente tem sorte
De encontrar amor
A vida é boa com você — Bryan Behr
— Não acredito que vivi para ver o dia em que Marina Lucca
começou a namorar — admite Carina, sentando-se do meu lado no
sofá e me entregando o copo com refrigerante.
Ela até convidou o Léo para ficar, mas coitado, acho que ainda
não está preparado para aguentar os surtos da minha amiga. É
quarta-feira, minhas férias estão terminando e eu realmente prometi
que nos encontraríamos.
— Aparentemente sim — respondo e abaixo o volume da TV.
— Quem diria que o novinho seria persistente o suficiente, hein
amiga? Agora conta tudo.
É o que faço, relato toda a viagem e os dias que passamos
juntos depois de voltar. Confesso que entrei em desespero depois
de aceitar o pedido, teve o sexo, que foi muito mais do que só uma
transa, mas que ainda não estou preparada para admitir o que
realmente significou.
Quando ele foi para a faculdade, me dediquei a organizar uma
planilha no Excel com os nossos horários, para quando voltarmos a
trabalhar conseguir manter este relacionamento. Também fiz uma
lista de objetivos em comum e com o que posso ajudá-lo.
— Bem coisa de capricorniana mesmo — Carina debochou.
Léo ainda precisa terminar a faculdade e passar na prova da
Ordem, nisso posso ajudá-lo a se organizar e estudar. Podemos
passar um tempo juntos assim, e também não será nada perdido
para mim, já que é sempre bom rever os conceitos principais.
Como vamos nos encontrar no trabalho todos os dias, o fiz
prometer que teríamos uma relação profissional na empresa, nada
de gracinhas ou brincadeiras. Estou até pensando em redigir um
contrato e fazê-lo assinar, para garantir que saiba o quanto isso é
importante para mim.
No mais, estou tentando confiar que o pouco tempo que
teremos juntos será o suficiente, que eu serei o suficiente para ele.
— Sua mãe amou o Léo — anuncia depois que conto sobre a
viagem. — Ela me ligou quando vocês saíram de lá e falou que
finalmente está tranquila, porque agora você tem alguém que te
ama.
— Minha mãe só faz drama, não preciso de homem nenhum
para viver.
— Ela só não quer te ver sozinha e infeliz.
— Quem disse que eu estava infeliz?
— Tá, não teremos essa discussão novamente — corta a
conversa, já sabendo que não consegue me ganhar nessa. — Mas
que você está bem mais alegre agora, isso não tem como contestar.
— Para com isso.
— É verdade, assume de uma vez que está toda apaixonada.
Por sorte, bem nessa hora o interfone toca avisando que a
pizza chegou e levanto correndo para ir buscar. Não me sinto pronta
para falar em voz alta o que estou sentindo, nem sei ainda se
realmente vai dar certo.
***
Esse fim de semana foi surpreendente, acredito que nenhuma
outra palavra consiga traduzir tão bem o que senti nesses dias. Nós
passamos muito tempo juntos, porém não foi sufocante. Estudamos,
trabalhamos, assistimos filmes e transamos, muito, em todos os
locais do meu apartamento, em várias posições. Pude até pôr em
prática algumas coisas que li nos livros e nunca fiz antes, porque
precisava de mais confiança e intimidade.
Quando o Léo foi para casa ontem à noite, tive novamente
aquela sensação estranha de vazio ao ficar sozinha no
apartamento.
Senti falta dele.
A segunda-feira sempre foi sinônimo de um bom dia para mim,
porém hoje estou ansiosa. Tive uma conversa longa com o Léo, ele
me prometeu que na empresa será discreto, teremos uma relação
profissional e só isso.
Só que como esconder um olhar?
Aqueles malditos orbes azuis brilham toda vez que encontram
os meus, e só de pensar que o verei em breve, fico ainda mais
nervosa.
Acordei cedo, fiz minha rotina matinal e os alongamentos que
o médico pediu enquanto escutava as notícias e me preparava para
ir trabalhar. Agora, na garagem do prédio, respiro fundo e rezo para
que dê tudo certo.
Seu Nelson abre o maior sorriso ao me ver com seu café,
foram só algumas semanas, mas senti falta desse ritual.
— Bom dia menina, bem vinda de volta — comenta e lhe
entrego o copo descartável.
— Obrigada, sentiu mais a minha falta ou a do café? — brinco
e ele libera minha passagem
— A sua, é claro. Perguntei para o chefe quando não te vi mais
chegando cedo, ele disse que estava de férias. — Isso chama
minha atenção.
— Para quem você perguntou?
— Doutor Rausing, ele é o único tão viciado em trabalho
quanto você — responde, dando de ombros.
— Bom dia, seu Nelson. — Como se fosse invocado, meu
chefe aparece neste exato momento, ainda nem amanheceu lá fora
e ele já está aqui. — Marina, seja bem vinda de volta.
— Obrigada — agradeço ao encontrar minha voz. O homem é
alto, tem cabelos claros misturados com alguns fios brancos, a
barba bem feita e os olhos azuis me lembram de alguém.
— Gostaria de ter uma conversa com você, se puder me
acompanhar até minha sala — indica o elevador com a mão.
— Claro — caminho até a caixa metálica com meu chefe logo
atrás de mim, e tenho uma sensação ruim sobre isso.
O elevador para no último andar, Henry sai na frente em
direção à sua sala, não tem ninguém aqui ainda. As luzes estão
acesas no corredor e na recepção, mas o restante está escuro.
Ele abre a grande porta de madeira com placa dourada, onde
está escrito Dr. Henry Rausing, sócio proprietário. Este é um dos
poucos advogados da empresa que pode realmente ser chamado
de doutor, já que os outros não fizeram nem mestrado, muito menos
passaram pelos anos de doutorado, só assumem o título por ego.
— Como está seu pé? Soube que acabou se machucando no
dia do incêndio — indaga enquanto deixa suas coisas em cima da
mesa e senta-se na cadeira de couro. Coloco minha pasta na
cadeira ao lado e sento-me na outra.
— Muito melhor, obrigada.
— Que bom, peço desculpas por não ter checado antes.
— Foi só uma torção.
— Espero que tenha aproveitado as férias.
— Foram produtivas, obrigada.
— Estava analisando seu histórico na empresa. — Pega uma
pasta da primeira gaveta e abre em cima da mesa, provavelmente é
minha ficha de funcionária. — E achei que já estava na hora de
conversarmos, está conosco há quase seis anos, certo?
— Sim, entrei no programa de estágio quando estava no último
ano da faculdade — respondo orgulhosa.
— Vejo que se formou no ensino médio dois anos antes do
normal, entrou na PUC com bolsa de 100%, suas notas foram as
mais altas da turma, o que te garantiu também uma bolsa na
primeira pós que cursou, em direito de família e sucessão.
Ele me olha em busca de confirmação, e só concordo com a
cabeça.
— Seu mentor aqui na empresa foi Lázaro Romani, um grande
advogado, e pelo relatório que fez sobre você não deixou dúvidas
da sua capacidade profissional.
Henry fala tranquilamente e tudo parece um elogio, porém
estou no aguardo do “mas”, sei que não me chamou aqui para falar
sobre a grande profissional que sou.
— Lázaro foi um ótimo mentor e amigo.
— Sim, foi por isso que, quando chegou até mim a informação
de que você estava trabalhando enquanto todos estavam de férias,
tive uma longa conversa com meu antigo colaborador — Henry fala
seriamente e descansa os cotovelos na mesa. — Ouvi muitos
elogios sobre você, Lázaro até mencionou que vem tentando roubá-
la para trabalhar com ele, mas você prefere ficar em uma empresa
maior e se especializar em casos de família.
— Sim, a R&W abrange uma maior cartela de clientes e, com
isso, consigo trabalhar nos casos em que estou me especializando
— explico calmamente.
— Também é mais fácil de burlar o sistema, já que a empresa
é grande e ninguém parece notar quando um funcionário trabalha
mais do que deveria. — Seu comentário não sai como um
julgamento, apenas aponta. — Pelo que vejo na sua ficha, você
toma o cuidado de bater o ponto às 8h da manhã, como todos os
outros funcionários, mas aqui estamos, 6h45 da manhã.
Droga, droga, droga.
— Ainda sobre o ponto, 18h é o final do seu turno, ou deveria
ser, mas tomei a liberdade de conversar com o senhor Nelson e os
outros vigias, são pessoas incríveis e adoram um café. — Ele pisca
e dá um meio sorriso, deixando-me nervosa. — Eles confirmaram
que você dificilmente sai antes das 20h, quando não fica muito mais
que isso.
Cerro os dentes e engulo em seco, não tem nada de errado
em trabalhar a mais, ele deve saber, já que se estamos os dois aqui,
neste horário, é porque ele também chega mais cedo.
— Acho que o que preciso saber, é, por quê?
— Como assim? — Sua pergunta me pega de surpresa.
— Por que trabalhar mais que os outros e não computar essas
horas. No sistema, você faz a mesma coisa que qualquer outro
funcionário, com a diferença de que fecha muito mais casos e tem
uma maior taxa de aprovação entre os clientes.
— É por isso — respondo simplesmente. — Acomodar-me e
fazer o mínimo não garante a excelência, muito menos um lugar
como sócia.
— Este é seu objetivo?
— Sim — respondo com a voz firme e sem hesitação.
— Só isso? — o questionamento é basicamente um desafio.
— É meu propósito. — Mantenho minha postura, mas o que
queria realmente é jogar na cara do meu chefe o quanto é difícil
para uma mulher crescer dentro desta empresa, toda a
desigualdade entre seus funcionários e, claro, se eu fosse um
homem, poderia sim trabalhar das 8h às 18h, como Carlos faz, e
ainda assim chegaria ao meu objetivo.
Henry mantém o silêncio por um tempo, olhando diretamente
para o meu rosto. Mantenho seu olhar sem vacilar e novamente
tenho aquela sensação de que o conheço, nunca fiquei cara a cara
assim com meu chefe, muito menos por tanto tempo, também não
havia analisado suas feições assim tão de perto.
— Certo. — Ele é o primeiro a quebrar o silêncio e se escora
na cadeira. — Como deve imaginar, não tenho nada contra meus
funcionários trabalharem horas extras. Seria muita hipocrisia da
minha parte, mas a partir de agora peço para que anote essas
horas, não é justo que não receba por elas.
— Não posso, o sistema só permite duas horas extras por dia.
— E não é aconselhável que faça mais — Henry pontua, mas
sei que é só porque ele não pode obrigar os funcionários a fazerem
mais horas, poderia ser processado por isso. — Contudo, caso haja
a necessidade, repasse verbalmente para Melinda e ela saberá
como computar isso em sua bonificação anual.
— Tudo bem. — Quem sou eu para recusar um aumento em
minha bonificação?
— Outra coisa, férias são obrigatórias.
— Mas...
— Neste ponto não tem discussão, estas duas semanas foram
as primeiras férias que tirou em seis anos, fora a pausa obrigatória
de final de ano que todos os funcionários fazem. Mesmo querendo
lhe parabenizar por conseguir burlar nosso sistema, como seu chefe
não posso admitir algo assim, não é saudável e não deveria ser
normalizado trabalhar a esse ponto.
— Não preciso de mais de uma semana — rebato.
— Todos precisam descansar — afirma e respira fundo. —
Agora gostaria de conversar com você sobre o Leonardo.
Paro de respirar com a menção do nome. Droga, será que ele
sabe de alguma coisa?
Alguém cortou o fornecimento de ar nesta sala?
Por que, do nada, parece estar trinta graus mais quente?
— O que gostaria de saber sobre meu estagiário? — consigo
falar sem gaguejar.
— Como está o desempenho dele?
— Acima do esperado, devo dizer, porém é minha primeira
experiência como mentora. — Vejo a necessidade em
complementar e tento manter minha postura o mais firme e
impessoal possível. — Leonardo é esforçado e vai além do
esperado.
— Isso é bom, ele já falou alguma coisa sobre seus planos
para o futuro?
— Não — respondo, achando curiosa sua pergunta. Não sabia
que os proprietários se interessavam pelos estagiários, achei que só
começavam a realmente enxergar os empregados quando se
tornavam importantes.
— Ainda é cedo, se possível gostaria de saber caso ele
declare uma área de interesse, estamos sempre de olho nos nossos
funcionários.
— Claro, manterei o relatório mensal atualizado.
Henry parece querer falar mais alguma coisa, mas se mantém
calado por um tempo.
— Não vou tomar mais do seu tempo, tenho certeza que está
ansiosa para retornar ao trabalho. — Ele se levanta e estende a
mão, faço o mesmo e aperto firme. — É sempre bom saber que
contamos com funcionários dedicados assim. Você está fazendo um
ótimo trabalho, Marina, só se lembre de viver um pouco.
Ao me virar para sair, vejo um porta-retratos em cima de sua
mesa com a foto de uma mulher segurando um bebê. Não tenho
tempo para olhar com atenção, mas lembro do que Melinda falou,
que às vezes a mulher vem almoçar na empresa para fazer
companhia a ele.
Se Henry trabalha tanto quanto parece, deve ser realmente
complicado manter uma família. É o que mais vejo nos casos de
divórcio, pessoas que não conseguem fazer um relacionamento dar
certo por conta das responsabilidades e demandas da profissão.
Também é meu maior medo, pensando no Léo e no fato de
que aceitei esse namoro. Será complicado, mas lá no fundo tenho
uma pontinha de esperança de que vá dar certo.
Talvez, se eu conseguir me organizar e planejar bem, podemos
ter um bom relacionamento.
CAPÍTULO 36
Leonardo
O afeto aparece nas coisas mais simples
Um café da manhã e uma flor pra você
Seu sorriso dizendo que me admira
Um segredo que é nosso e agora vão saber
Nosso Segredo — Cassiano Andrade
A prova estava bem difícil, mas acredito que fui bem, depois de
tanto estudar e fazer os simulados consegui terminar às 17h.
Confiro o gabarito mais uma vez, mas após marcado não tem volta,
estou até tonto de tão concentrado que fiquei, nem vi o tempo
passar.
Entrego para o avaliador e saio sem nem olhar quantas
pessoas ainda estão na sala. Está chovendo bastante, por isso só
ligo meu celular ao chegar no carro e finalmente respirar tranquilo,
espero muito ter ido bem.
Assim que a tela do aparelho liga, percebo que tem alguma
coisa errada. As notificações começam a chegar aos montes, mas o
pior são as incontáveis chamadas perdidas da minha mãe.
Meu coração dispara no peito ao imaginar o pior, ela
geralmente só me liga uma ou duas vezes, e sabia que eu estava
em prova, então é estranho receber essa quantidade de
notificações.
Ignoro o restante das mensagens e ligo para ela, que atende já
no segundo toque.
— Oi, mãe, está tudo bem? Terminei a prova agora e liguei o
celular, aconteceu alguma coisa? O pai está bem? — falo em uma
enxurrada de palavras nervosas, pego a chave do carro, mas
percebo que estou tremendo demais.
“Oi, meu amor, está tudo bem, pode ficar tranquilo, você está
em casa, já?”
— Não, estou no estacionamento do local da prova —
respondo um pouco mais calmo.
“Então venha direto para a nossa casa, seu pai e eu estaremos
te aguardando.”
Droga, será que ela planejou alguma festa? É bem a cara da
minha mãe fazer isso.
— Só tenho que passar em um lugar antes, mãe, pode ser
mais à noite?
“Não, filho, venha direto, é urgente.” O tom de voz sério
novamente me deixa preocupado, mas se ela planejou alguma
comemoração e quer fazer surpresa, pode estar fingindo para me
fazer ir o mais rápido possível. “Dirige com cuidado, meu bem.”
Ela não deixa que eu conteste e encerra a chamada na minha
cara. Droga, eu queria passar no escritório antes e ver a Marina,
pelo menos para receber um abraço.
Vejo que ela não me mandou mensagens durante o dia, eu
prometi que iria me concentrar na prova e nos falaríamos à noite,
então envio mensagem para ela avisando que posso demorar um
pouco.
Léo: Amor, acabei a prova agora, acho que fui bem. Sei que
tínhamos planos, mas acho que vou chegar um pouco tarde, preciso
passar na casa dos meus pais. Assim que souber a hora que sairei
de lá eu te aviso. Beijos, te amo muito, morena, já estou com
saudades.
Coloco uma figurinha fofinha que a Gabi fez do Rogers: com
as orelhas meio erguidas e a língua de fora, olhando diretamente
para a câmera com a cabeça pendida para o lado e um coração em
cima da cabeça.
Ela recebe a mensagem, mas não lê, deve estar ocupada.
Decido ignorar o restante das notificações, caso contrário ficarei
aqui por muito tempo até ver tudo, deve ter rolado algum babado na
internet.
Levo quase uma hora para chegar ao condomínio em que
meus pais moram, o porteiro libera minha entrada e logo estaciono
em frente à casa onde cresci. Não vejo nenhum carro diferente na
rua nem nada e a chuva deu uma acalmada.
Assim que abro a porta de casa, sei que não será uma festa,
meu pai está sentado no sofá, ainda com seu terno de trabalho e
minha mãe me abraça apertado.
— O que está acontecendo? Alguém morreu?
— Não, mas precisamos conversar com você. — Henry indica
o outro sofá, de frente para ele, minha mãe senta ao seu lado. —
Acredito que ainda não tenha visto seu celular depois da prova?
— Não, o trânsito estava um caos, quase bateram em mim
várias vezes, sempre fica assim quando chove.
— Melhor assim, meu filho — minha mãe diz, nervosa. —
Precisamos falar sobre a Marina.
Meu coração parou de bater?
— Como… o quê… — eu me enrolo com as palavras.
— Calma, filho, nós sabemos sobre vocês. — Meu pai tenta
me tranquilizar, mas não consigo computar suas palavras. —
Recebemos uma denúncia anônima no escritório e infelizmente a
informação não ficou em segredo.
— Por que não nos contou, Léo? — minha mãe pergunta. —
Ela é uma linda mulher.
— Você falou com a Marina? — Levanto-me ao entender a
situação. — O que você fez, pai? Não me diz que mandou ela
embora — acuso e ele faz o mesmo, me enfrentando.
— Claro que não, agora se acalma e vamos conversar.
Mesmo querendo sair correndo daqui, preciso saber o que
realmente aconteceu, depois posso ir atrás da minha morena.
— Nós conversamos com ela, sem acusações, só
precisávamos entender como isso aconteceu — meu pai explica
com calma. — Pode nos contar como se envolveu com ela?
Gostaria de saber a sua versão.
— Por quê? — Enfrento, ainda desconfiado, mas só recebo um
olhar preocupado deles. — Ela me atropelou de skate, ou eu
atropelei o carro dela, no sábado que fui falar contigo sobre o
estágio. Lembra que estava com o joelho ralado? — Meu pai
confirma com a cabeça. — Depois nos encontramos na balada à
noite e, bem, isso vocês não precisam saber.
— Mas isso foi logo antes de você entrar na empresa, o que
indica que vocês tiveram algo lá dentro.
— Não, você não conhece a Marina. Ela deixou bem claro,
assim que viu que eu seria seu estagiário, de que não aceitaria
minhas investidas e provocações.
— Suas provocações? — eu pai questiona desconfiado.
— Claro, eu já estava aos pés daquela mulher desde o
momento em que coloquei os olhos nela, quanto mais tempo
passava ao seu lado, mais passei a admirá-la e, bem, me apaixonei.
— Dou de ombros, foi inevitável. — Só que Marina tem sua carreira
como prioridade. Depois do incêndio, fiquei com ela, porque ela não
tem ninguém na cidade e sua melhor amiga estava viajando.
— Quando te perguntei se tinha algo a mais acontecendo na
festa de aniversário da sua mãe, porque não me contou?
— Acorda, pai, você me proibiu de falar que sou seu filho, e eu
não sou burro. Sei que iria prejudicar a carreira dela caso alguém
soubesse que estávamos envolvidos — explico e ele parece
culpado, mas acena concordando. — Eu ia esperar o estágio
terminar, então poderíamos abrir nosso relacionamento sem sermos
julgados.
— Como seu pai, jamais julgaria você, meu filho.
— Nós só não gostamos que você tenha escondido algo assim
da gente. — Minha mãe parece magoada.
— Desculpa, mãe, quis tanto apresentá-la a vocês, não sabe o
quanto isso tem me atormentado, mas não podia. — Ela parece
entender, então volto a meu pai. — O que aconteceu no escritório?
— O RH sugeriu que ela tirasse um mês de férias, para abafar
o caso e as fofocas, assim também teríamos mais tempo para lidar
com o fato de que agora todos sabem que você é meu filho.
— Quem vazou essa informação?
— Não sabemos ainda, o RH recebeu uma pasta com fotos de
vocês em um casamento, e depois alguns funcionários receberam
fotos destas fotos, sabe como a fofoca se espalha rápido, alguém
falou que você é meu filho e agora todo mundo sabe.
— Marina deve estar pirando, preciso ir até ela. — Levanto-
me, mas sou parado pela mão do meu pai. — Me larga, pai, eu
preciso ir até lá.
— Tem mais uma coisa que precisa saber.
— O quê?
— Ela pediu demissão.
***
Não consigo encontrar um lugar para estacionar próximo do
prédio dela, então paro a duas quadras e corro na chuva, meu
coração está quase saindo do peito. Marina deve estar surtando,
não quero nem pensar que ela passou o dia todo assim.
O elevador parece demorar uma eternidade para chegar até o
10º andar.
— Vamos, vamos, vamos. — Tento apressar a caixa de metal,
inutilmente.
Estou todo molhado, mas não me importo, corro pelo corredor
até a porta do seu apartamento, tenho certeza que deixo o piso
ensopado no caminho, mas foda-se.
Não espero que ela abra a porta, simplesmente entro com
minha chave e encontro a morena, sentada no sofá. O pijama rosa
de unicórnios e as pantufas do frajola quase me fazem sorrir, mas
seu semblante triste e os olhos vermelhos me contêm.
— Amor — digo ao encontrar minha voz.
— Nós precisamos conversar — Marina responde, me olhando
no olho.
Aproximo-me calmamente, mas ela se encolhe no sofá, os
braços em frente ao peito demonstram proteção, ela está se
esquivando de mim.
— Preciso explicar.
— Você está ensopado — fala assim que chego mais próximo.
— Vai tomar um banho, deve ter uma muda de roupa sua no meu
roupeiro, vou fazer um café e a gente conversa.
— Não me importo com isso, preciso que me escute, amor.
— Não vou correr, só não quero que pegue um resfriado. —
Marina levanta e vai até a cozinha.
— Tudo bem — respondo e vou até seu quarto.
Assim que entro na água quente do chuveiro, percebo que
estou tremendo de frio, mas não demoro. Pego a roupa que tinha
aqui e encontro ela sentada à mesa, o café pronto, sua xícara do
escritório com a estampa do Darth Vader em mãos e outra xícara,
preta, em frente à cadeira vazia.
Olho em volta e sinto falta do gatinho amarelo.
— Cadê o Tony? — questiono ao sentar.
— Está internado, passou mal de manhã e o levei para a
veterinária. Ele ficará lá até receber a transfusão e melhorar a
imunidade.
— Ele está bem?
— Estável, Joana disse que é complicado, mas faremos o que
for possível — explica e concordo com a cabeça. — Foi ela quem
me contou sobre você.
— Joana é amiga da minha mãe — digo mais para mim do que
para ela. — Me desculpa, amor.
— Conheci sua mãe hoje, ela é linda — fala com carinho e dor
na voz. — Doutor Henry... seu pai, me disse que te proibiu de falar
que é filho dele.
Então ela já sabe de tudo.
— Eu não queria usar o sobrenome dele para ser reconhecido.
— Entendo. Na verdade, pensei muito sobre isso durante o
dia, sei porque não me contou no começo, mas depois que nos
envolvemos, você tinha que ter me falado, Léo. Todas as conversas
que tivemos sobre sua família, você disse tudo menos quem eles
realmente eram.
— Fiquei com medo que fosse mais um motivo para você fugir
de nós — confesso olhando fundo em seus olhos, consigo sentir a
mágoa ali, sua dor. — Deveria ter falado, só que... não sei, fui
deixando para depois.
— O depois chegou. — Marina leva a caneca aos lábios e
toma um grande gole de café. — Eu pedi demissão.
— Meu pai me falou, por que fez isso? Se tem alguém que
deve se afastar da empresa sou eu, que ainda sou um simples
estagiário e nem quero estar lá.
— Acha que fiz isso por você? Que larguei minha carreira por
causa de um homem? — responde firme, mas com um tom de
desafio na voz. — Melhor acordar, finalmente percebi que todo o
meu esforço não era recompensado como deveria e aceitei a oferta
do Lázaro.
— Seu antigo mentor? — questiono confuso.
— Sim, ele sempre me ofereceu um lugar em seu escritório, é
pequeno, mas trabalharei com pessoas que gosto, e eles precisam
de alguém para a área de família. — Marina respira fundo e sei que
tem mais. — Já conversei com Lázaro e ele vai me ajudar a
encontrar um lugar lá, assim que o Tony melhorar vamos nos mudar.
— Como assim, mudar? — Não consigo assimilar.
— O escritório é no Rio de Janeiro, e antes que você fale algo,
eu estou tranquila com essa decisão, acredito que será o melhor
para a minha carreira.
Realmente não sei o que falar, ela parece calma, e tenho
certeza que pensou muito sobre isso, mas Marina vai mudar para
outro estado, e não tenho como trocar de faculdade no último ano,
nem largar tudo aqui.
— Sei o que está pensando, Léo, mas não estou incluindo
você nesta nova fase. — Suas palavras são como um tapa. — Acho
que, de alguma forma, sempre soube que não daria certo e tudo o
que descobri hoje veio para confirmar.
— Está terminando comigo? — Meus olhos se enchem de
lágrimas ao perguntar, mas me mantenho firme e encaro seu rosto.
— Nunca deveria ter aceito esse namoro, mesmo que... bem,
não importa, essa situação só confirmou que estamos em fases
diferentes da vida, não é o momento certo. Você precisa terminar os
estudos e decidir o que quer da vida, e eu vou começar um emprego
novo, em uma cidade diferente, não é o momento certo.
— Isso não existe — contesto com a voz baixa. — A única
coisa que importa é o que sentimos, o resto podemos trabalhar. Eu
sei o quanto te amo, mas e você? O que sente por mim?
Marina me olha assustada, sua boca abre e fecha várias
vezes, mas nada.
Nenhum som.
Nada.
— Acho que tenho minha resposta. — Levanto e deixo a xícara
em cima da mesa. — Espero que encontre felicidade nessa nova
fase, de verdade mesmo, você é uma pessoa incrível, Marina.
E assim, com o coração quebrado em uma mão, e o orgulho
ferido na outra, deixo a chave do seu apartamento em cima da mesa
e saio.
Sem coragem de olhar para trás, reúno os pedaços que
sobraram e me afasto dela. Lembro agora o que a Gabi falou, sobre
eu não ter realmente me apaixonado antes.
Ela tinha razão, o fim nunca foi tão doloroso assim, por isso
que sei que a amo, e que esse sentimento tão puro e verdadeiro
jamais será esquecido.
CAPÍTULO 39
Marina
Acordo um pouco tonta, sentindo a liberdade
Faz tempo que eu decidi viver a minha idade
Saio atrasada sentindo um vazio
E a sensação é que eu nem moro mais aqui
Falta de casa, mas medo de ficar
E perder o mundo acontecendo sem parar
Mente cheia de sonhos e o meu corpo a mil
Coração fechado, quem se aproximou sentiu
Música Secreta — Manu Gavassi
FIM.
GOSTOU DE SEM TEMPO PARA O AMOR?