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Sinopse
Prólogo
Afrontando
Razões
Outros Ares
Interceptando
Deusa Loira
Escapando
A Desconfiança
Meta de Vida
Desafios Diários
Afastando Todos
Terapia
Argumentando
Encarando a Verdade
Driblando
Amiga Sincera
O Encontro
Resgatando
Chacoalhando
A Ordem
A Ilha
Pressionada
Ameaçando
O Momento Certo
Desejando
Ele Sabe
Controlando-se
Descuido
Sem Saída
Mentindo
Distração
Ponto Fraco
A Ligação
A Viagem
Coagida
A Pessoa Certa
O Passeio
Resistindo
A Aquisição
De Novo, Não!
Ponto Fraco
Te Achei
O Embate
Censurando
Família
Encontro Inusitado
A Apresentação
Coincidência?
Surpreendida
E o Jogo Começa
Melhor Notícia
Amada
A Revelação
Acontecendo
Fascinada
Epílogo
Agradecimento
About The Author
Bem-vindo ao Jogo
Books By This Author
O AVENTUREIRO
Série Bem-Vindo ao Jogo
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998.
Nenhuma parte desse livro, sem autorização prévia da autora por escrito,
poderá ser reproduzida ou transmitida, seja em quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer
outros.
Esta é uma obra fictícia, qualquer semelhança com pessoas reais vivas ou
mortas é mera coincidência.
Revisão: NEIDE MENDES
Capa: FABIANE MENDES BUENO
Sinopse
Você tem sonhos e metas claras, sabe onde quer chegar e como chegar lá,
mas uma promessa vazia, um charme irresistível e momentos de desejos
atrapalham tudo.
“— Satisfeita? Acabar com a minha vida uma vez não foi suficiente?
— vociferou. Não fosse o Gustavo entre nós e nossos corpos estariam à
milímetros.
— Eu continuo solteira, quem estava de casamento marcado era
você. Mentindo o tempo todo. Só teve coragem de me contar quando
engravidei. Eu, toda feliz, achando que nos casaríamos e você praticamente
me obriga a tirar a criança. Por sua causa, tive que mudar toda minha
vida.”
Analu, vinda de uma família menos favorecida, lutou, junto com seus
pais, para se formar em medicina. Era uma pessoa alegre e cheia de vida.
Embora Theo, seu filho, seja sua razão de viver, a maneira que ele foi
concebido e o que veio a seguir, a fez criar uma muralha – afastando todos
de sua vida.
Uma série composta por cinco livros que contam a vida de cada um
dos filhos da família Bennett. Mesmo sendo livros independentes, as
histórias estão interligadas pela presença da investigadora Gabrielle
Mantovani, uma mulher que tem como objetivo de vida desmascarar e
acabar com o império do poderoso Senhor Isaac Bennett.
Não podia ser, por mais que as evidências apontassem para aquele
caminho, ele não queria acreditar.
— O tempo vai mostrar o contrário. — Ele pensou.
Por via das dúvidas, para garantir que sua fé não era vã, decidiu
averiguar. Assim teria provas concretas de que estava certo – sempre está.
Saiu sorrateiramente de seu escritório e dispensou o motorista.
Escolheu sua melhor “máquina” e fez o que julgou ser necessário.
Antes de assumir a direção do carro, tirou o paletó e a gravata, abriu
os dois primeiros botões da camisa e arregaçou as mangas.
O caminho parecia mais extenso do que da última vez. Mesmo que
sua confiança sempre fora marca registrada, naquele momento, estava
abalada. Ele sentia os nervos do corpo trepidarem. As veias de seus
antebraços saltavam – ao apertar o volante. O maxilar começava a doer – tal
era a violência que o pressionava.
A ponta do prédio, onde ficava o depósito, surgiu em seu campo de
visão – provocando uma pontada aguda na boca de seu estômago. A maldita
gastrite o estava matando aos poucos. Ele sabia que precisava se controlar,
no entanto, apesar de ter os melhores especialistas cuidando da sua saúde,
não conseguia.
O lugar era afastado da cidade, os únicos vizinhos eram outros
depósitos – cercados de muros altos.
Depois de escrutinar em volta, embicou o carro na entrada e abaixou
o vidro. Não precisou de palavras, o segurança, que estava na guarita, logo o
reconheceu e abriu os grandes portões de ferro. Um aceno com a cabeça foi
a forma de agradecimento.
A vaga privativa quase não comportou sua “máquina” potente.
Descendo do carro, empertigou-se e encheu o peito de ar – preparando-se
para a situação. Só não esperava que fosse uma das piores de sua vida.
Os passos largos logo estavam na área que era seu alvo. Avistando os
caminhões, com as portas dos baús abertas, aproximou-se. Não se deu ao
trabalho de cumprimentar os transportadores da carga. Abordou um
carregador e enfiou o dedo em um saco que estava no carrinho. Levou o
dedo à boca e provou o conteúdo. Seus olhos se arregalaram e a dor que
sentiu no estômago foi avassalante.
Afrontando
Gabrielle
Sou filho único. Minha mãe, antes de conhecer meu pai, era linda.
Modelo famosa. Quando recebeu uma proposta para modelar no exterior,
caiu no conto do vigário. Passou alguns meses com o senhor Isaac Bennett,
até descobrir o quanto ele não vale nada. Só que era tarde demais, eu já
estava em seu ventre.
Não posso dizer que meu pai não deu assistência, seria injustiça.
Sempre tivemos o melhor – financeiramente falando. Entretanto, ele
conseguiu destruir a parte emocional da minha mãe.
De origem alemã, seus pais, os únicos que vieram para o Brasil, já
haviam falecido, grávida e sozinha, minha mãe entrou em desespero.
Algo que até então ela desconhecia, apareceu se intensificou em seu
organismo. Desanimada, ela trancou-se em casa. Somente após dias, minha
mãe criou forças e procurou um médico. Foi quando diagnosticaram
síndrome do pânico e depressão. Desde então, faz acompanhamento
acirrado. Não a deixo sozinha – nunca.
Odeio o meu pai. Sei que é forte dizer isso, mas não consigo
esconder meus sentimentos. Autenticidade é uma das minhas principais
características.
Desde que comecei a entender o que tinha acontecido com a minha
mãe, algo muito perverso cresceu dentro de mim, com relação ao senhor
Isaac Bennett. Evito, o quanto posso, ter contato com ele. Aproveito ao
máximo do nome Bennett, é o mínimo que posso fazer para compensar o que
ele fez com a vida da minha mãe.
Uma mulher, que no auge de seus cinquenta anos, poderia estar
curtindo a vida, namorando e viajando, mal consegue sair de seu quarto. São
anos nessa situação.
Muitos acham que ela foi fraca e se entregou, pode ser que sim, mas
quem tem o poder de medir a força de alguém? O que é muito obvio e fácil
para alguns, se torna completamente complexo para outros. A vida é assim,
inexplicável. Fraco é aquele que julga.
— Você está fedendo! — Minha mãe brincou, por fim – fazendo uma
careta.
— Tem muitas garotas que diriam o contrário — provoquei e recebi
um tapa no ombro.
— Deixa de ser tarado, moleque. Sou sua mãe, ainda posso pegar a
cinta — garantiu e eu gargalhei – jogando a cabeça para trás.
— Te seguro com uma mão só, dona Miriam.
Inclinei o corpo e beijei sua testa.
— Vai ficar quanto tempo? — expressou, finalmente, o seu medo.
Ergui o canto dos lábios e balancei a cabeça.
— Bingo — diverti-me.
— Yan... — advertiu-me e eu ergui as mãos em rendição.
— Dois dias, mãezinha. Em um piscar de olhos, estarei de volta.
Fiquei em pé e me virei em direção à porta.
— Filho.
— Sim.
— Promete que vai se cuidar.
— Sempre me cuido.
— Mentira, você fica se colocando em perigo, o tempo todo. Por
isso, todas as vezes que vai sair, fico nessa agonia.
Sorri e coloquei a mão na fechadura – na intenção de ignorar sua
última frase.
— Fico me perguntando como vai reagir quando eu encontrar uma
pessoa. — No momento que as palavras saíram da minha boca, me
arrependi.
Acho que o principal motivo de eu não me envolver com ninguém é
minha mãe. Sou a única pessoa que ela tem. Claro que não é o único motivo,
mas... não vale a pena me lembrar.
Já estava saindo, quando ela me surpreendeu:
— Serei a pessoa mais feliz do mundo, quando isso acontecer.
Franzi o cenho e voltei a olhar para ela – sem entender nada.
§§§§
Depois de entregar minha mala de mão a um rapaz da tripulação, me
acomodei na poltrona do copiloto do jatinho da empresa.
— E aí, cara, tudo bem contigo? — cumprimentei o piloto e demos
um soquinho com as mãos.
— Tudo em cima, rapaz, e você, qual vai ser a aventura dessa vez?
Daniel é piloto antigo da empresa. Depois que tirei o Brevê[1], ele
sente-se seguro em me ter ao seu lado – dispensando o parceiro de voo.
— Vou ficar dois dias em um Resort no meio do mato. É um lugar
cheio de emoções. — Esfreguei as mãos – ansioso por minha aventura.
— Conheço o local?
— Deve conhecer, fica perto, aqui no estado do Rio mesmo –
trezentos quilômetros.
Como das outras vezes, o voo foi tranquilo. Nem deu tempo de
aproveitar. Em pouco tempo, estava descendo na pista do Resort.
Minha intenção ali não era só diversão, soube, através de um amigo,
que o lugar seria vendido. Eu procurava, há um tempo, algo para investir.
Diversificar um pouco. Um Resort recheado de atividades, no meio do mato,
era tudo que eu precisava.
— Seja bem-vindo, senhor Bennett — desejou a recepcionista e eu
sorri em resposta.
Cada detalhe do lugar me chamou à atenção. Uma combinação do
rústico com o luxo – deixando o ambiente incrível.
— Aqui está, senhor, reservamos a suíte presidencial — avisou-me
um rapaz e me entregou o cartão para entrar.
— Valeu, brother — agradeci e fui entrando.
Mesmo que estivesse acostumado com luxo, fiquei deslumbrado com
a decoração. Me asseguraria de saber quem tinha sido o designer, o bom
gosto era evidente.
Antes de qualquer coisa, coloquei a banheira – que ficava fora da
suíte – onde eu poderia admirar o céu estrelado, para encher. Um bom banho
me revigoraria. Estaria pronto para qualquer ocasião.
§§§§
As cinco da manhã, estava correndo na pista que contornava todo o
Resort. Após garantir meus quilômetros diários, fui me deliciar com o café
da manhã.
Mesmo que estivesse tentadora, a variedade de iguarias, me contentei
com o mínimo, porque a primeira coisa que faria, era a escalada na
montanha de dois mil e quinhentos metros de altura. Não seria a montanha
mais alta que já tinha escalado, mas não deixava de ser um bom desafio.
Vivo me desafiando. Foi a maneira que encontrei de combater a
indignação que me corroí. Cresci vendo minha mãe ter medo de tudo. Até
mesmo uma escada rolante faz com que ela entre pânico. A escolha em
morar em casa térrea foi pelo simples motivo de que ela não entra em um
elevador. Nem ao menos consegue ficar com uma porta fechada, tal o grau
do medo que desenvolveu. Isso, porque faz terapia e nunca fica sozinha.
Desde que comecei a entender as coisas, prometi a mim mesmo que não teria
medo de nada, que seria o porto seguro dela.
Mesmo que já soubesse muito bem o que deveria fazer, escutei com
atenção às instruções do instrutor. Havia uma boa quantidade de pessoas ali,
algumas assistindo e outras que se aventurariam como eu. Não seria educado
da minha parte, não dar a devida atenção ao profissional responsável. Até,
porque eu precisava entender a dinâmica do Resort, para ter certeza se estava
disposto a embarcar naquele navio.
— Prontos? — O instrutor indagou e foi a minha deixa.
Eu estava mais do que pronto. Só aguardava o sinal de autorização.
Antes mesmo de começar, sentia meu coração acelerado e a respiração
alterada. O suor escorria pelas minhas costas e podia jurar que meu sangue
estava brincando de pega-pega em minhas veias.
— Vamos lá, pessoal. Não se esqueçam de todas as instruções,
qualquer sinal de problema, por favor, não hesite em nos comunicar.
Foi dada a largada e, mais uma vez, cumpria com a promessa de não
ter medo. Alimentava meu vício com a sensação de perigo.
Outros Ares
Analu
Eu sei que precisava sair um pouco, arejar a cabeça, mas ainda fico me
perguntando, como fui tola em deixar que meus pais levassem o Theo? Não
que eu não confie neles, mas quase não tenho tempo de ficar com meu filho
– sem contar a má influência do Gustavo.
Depois de meses sem folga, consegui, cobrindo um aqui e outro
acolá, pegar três dias só para mim. O melhor é que consegui que fosse no
feriado prolongado, possibilitando que meu filho saísse um pouco também,
mesmo que o meu coração esteja do tamanho de uma ervilha.
— Isso aqui é o paraíso — comemorou Marina – abrindo os braços
no meio da suíte do Resort – enquanto eu tirava os poucos itens da minha
mala e organizava no armário.
Sorri e balancei a cabeça, feliz em saber que pelo menos alguém
aproveitaria do lugar.
— Ô, mulher, que cara é essa? Tamo no paraíso, muda essa cara
fechada aí, mermã. — Marina veio até mim e pegou em meus ombros,
fazendo-me olhar para ela. Forcei um sorriso, só para ela parar de me
infernizar. — Bora lá, quero ver essa bunda exposta, faz um “século” que
não coloca um short e... — Parou um pouco e bateu com o dedo na têmpora.
— Perdi a conta do tempo que não dá essa piriquita. Sério, mano, o cara vai
ter que desbravar. Tem que ser um especialista em escavar.
O empurrão que lhe dei a fez cair de costas no colchão –
gargalhando.
Abri os olhos e os fechei novamente, para ter certeza de que não estava
sonhando.
— Doutora, não sei como isso aconteceu, todos são obrigados a
usarem os equipamentos de segurança — justificou-se o responsável.
De fato, eu usava todos os equipamentos, meu erro foi me
desconectar das cordas, assim que percebi que faltava pouco para descer.
Depois de tantas vezes que pratiquei escalada, não contava que meus olhos
ficariam turvos e uma tontura me dominaria.
A boca dela se desconectou da minha e quase a puxei de volta, para
mostrar que estava são. Tenho certeza de que ela não ficaria na dúvida,
assim que sentisse minha língua percorrer cada espaço de sua boca.
— A ambulância chegou, traga-os para cá, por favor — ordenou a
deusa loira – sem me tirar de seu cativo.
Ela estava tão próxima que com pouco esforço eu alcançaria seu
pescoço para lamber. Sim, era exatamente o que eu queria fazer. Suas mãos
em minha pele eram macias e seu cheiro estava me inebriando. Um cheiro
refrescante, como se tivesse acabado se sair do banho.
Eu mantinha os olhos fechados, porque temia que ela descobrisse que
eu estava bem. Queria aproveitar ao máximo de sua atenção.
— Abram espaço, pessoal — imperou um paramédico e eu soube que
meu tempo com ela estava chegando ao fim.
Quando ela começou a se levantar, segurei seu braço – fazendo com
que me olhasse nos olhos. Não achei que um simples olhar provocaria uma
corrente elétrica por todo o meu corpo, principalmente nas partes baixas.
— Acho que morri e cheguei no paraíso — balbuciei e sua expressão
ficou austera imediatamente.
A deusa loira tirou minha mão de seu braço e foi se afastando. Ergui
o tronco e a puxei pelo pescoço – fazendo com que nossos narizes se
roçassem.
— Enlouqueceu? — esbravejou e eu sorri.
— Que tal sentir minha boca de verdade? — provoquei e ela
empurrou meu peito com força – ficando em pé.
— Ele está bem, podem assumir — garantiu aos paramédicos e saiu
marchando. Foi inevitável meu sorriso.
Incrível como a adrenalina tinha mascarado minha dor. No momento
em que os paramédicos tocaram em mim, senti a merda que tinha feito.
§§§§
Logo pela manhã, Henry me ligou para falar dessa negociação. Suas
palavras foram:
— Consegue fazer o seu trabalho ou terei que ir até aí mostrar como
que é se faz? Esse cliente é muito importante para a empresa, se ele for para
o concorrente, vou tirar da sua conta a perda que teremos.
— Senhor, tem uma moça aqui dizendo que é sua filha — avisou o
segurança pelo interfone da mansão. Enquanto ele ouvia o que o velho dizia,
meneava a cabeça – me olhando com uma expressão intrigada. — Às ordens,
senhor. — Encerrou a ligação e voltou sua atenção a mim – sisudo. — O
senhor Bennett vai te atender.
— Eu sei que sim — afirmei, demonstrando uma segurança que
estava muito longe de existir.
Os enormes portões de ferro foram abertos e, antes que eu entrasse, o
segurança me interrompeu:
— Calma aí, garota, o segurança do senhor Bennett vai te
acompanhar — alertou-me, saindo da cabine e evitando minha passagem.
— O velho está com medo? — provoquei e sua expressão deixou
claro que não estava entendendo nada do que estava acontecendo. — Ah,
deixa pra lá! — desdenhei, fazendo um gesto com a mão.
A espera foi curta. Logo o “brutamontes” estava diante de mim,
munido de seu revólver – encaixado no coldre da cintura.
— Detetive, o senhor Bennett a aguarda — comunicou e apontou
para que eu fosse à frente.
Marchamos pelo caminho de pedregulhos que levava à entrada da
mansão. A última vez que tinha estado ali, não fora uma boa experiência.
Controlava-me para poder conseguir cumprir com o meu objetivo.
Uma senhora uniformizada mantinha a exuberante porta da sala
aberta – incrivelmente, com um sorriso singelo no rosto.
— Olá, querida, como está se sentindo hoje? — perguntou-me, vindo
ao meu encontro.
Por impulso, dei um passo atrás, no momento em que ela levou sua
mão para me tocar. Franzi o cenho e ela sorriu mais ainda – deixando-me
confusa.
— Estou bem — adiantei-me, querendo que ela se afastasse.
— Fico feliz. Seu pai está ansioso pela sua visita. O aguarda na área
da piscina, me acompanhe.
Concordei com um meneio de cabeça e engoli em seco – sentindo o
coração martelar nos meus ouvidos. Durante o trajeto, o mesmo que tinha
feito da última vez – inspirei e expirei várias vezes –, principalmente, porque
meus ouvidos captaram o mesmo estilo de música – clássica. Aquilo devia
ser um gosto do velho, bem sinistro, por sinal. Se eu já não era muito fã de
música clássica, certamente, passaria a odiar.
Pelos vidros, pude vê-lo em sua cadeira de rodas, de olhos fechados –
como se estivesse sendo consumido pelo som.
Mesmo me controlando, preparando-me psicologicamente, cada vez
que chegávamos mais perto, meus pés ficavam mais pesados. As pernas
pareciam gelatinas e o tremor no corpo me tomava.
Respirei bem fundo e travei o maxilar – parando à frente dele.
— Senhor, sua filha está aqui — avisou a senhora e ele abriu
lentamente os olhos – junto com um sorriso maléfico.
Malditas ataduras! Tudo o que eu mais queria era afundar as unhas
nas palmas das minhas mãos, para garantir que o foco não fosse ele, e, sim, a
dor. Embora eu duvidasse que seria capaz de sentir alguma coisa, naquele
momento, a não ser ódio.
Juro que minha vontade era de matá-lo com as minhas próprias mãos.
Infligir toda a dor que ele foi capaz de provocar na minha mãe e em muitas
outras mulheres. Estar na cadeira de rodas era pouco para ele. Eu queria vê-
lo no inferno. Sendo estuprado, todos os dias, na cadeia.
— Finalmente — comemorou – abrindo os braços.
Uma risada me escapou. Não tive certeza, nervoso ou ironia?
— Você é... — Parei e segurei os lábios nos dentes – balançando a
cabeça – indignada.
— Seu pai, sim, minha única filha mulher. Eu sabia que se tivesse
uma seria uma guerreira. O sangue Bennett não é fraco. Olha pra você, uma
valente. O orgulho do papai.
Foi inevitável, o nojo que senti. Meu estômago virou ao contrário.
Como de costume, não pensei antes de me aproximar e cuspir na cara dele.
— Meu pai o caralho, seu velho escroto!
Resgatando
Yan
Dou risada e deixo que pensem o que quiserem. Afinal de contas, não
devo satisfação da minha vida a ninguém.
Bia sentou-se com uma postura estranha. Não olhava nos meus olhos.
— Ei, gata, o que aconteceu? — indaguei de cara, porque, se tinha
alguém que pudesse ajudá-la, era eu.
— Yan, precisamos conversar. — Respirou fundo e me olhou.
Abri os braços e ergui as sobrancelhas.
— Sou todo ouvido, espero que não esteja aqui pra dizer que vai me
abandonar, sabe que não sou nada sem você, não é mesmo?
Um sorriso de canto surgiu em seus lábios – confortando-me.
— Depende da perspectiva.
— Não estou gostando disso.
— Me ouça, ok!? — Assenti. — Abriu uma vaga no departamento
jurídico, apesar de gostar de trabalhar com você, quero exercer minha
profissão. Me esforcei tanto para ser advogada.
Foi minha vez de respirar fundo. Cocei a barba que já estava grande
– precisando de um barbeiro –, ponderando o que responder.
— É justo — disse, por fim. — É que estou fodido sem você, gata.
Ela aproximou o corpo e alcançou minha mão – apertando-as.
— Pleiteie esse cargo pra mim. Prometo que treino uma assistente
“ninja” — garantiu – alisando o dorso da minha mão com o polegar.
— Ninja? — Rimos juntos. — Só se me prometer que nunca vai me
abandonar. — Cruzando os dedos na frente dos lábios, ela respondeu – com
um sorriso vitorioso:
— Promessa de escoteiro.
Neguei com a cabeça e franzi o cenho.
— Nunca nem foi escoteira.
A morena alta, vestida elegantemente, ficou em pé e veio até mim.
Beijou o topo da minha cabeça e colou o rosto nela – ficando ali por um
tempo.
— Nem se eu quisesse, Yan Bennett, te abandonaria. — Içou o
tronco e ergueu meu rosto em sua direção. Pegou minha mão e a colocou no
lado esquerdo de seu peito. — Você ocupa boa parte desse órgão aqui.
Me levantei e a abracei forte – afundando o rosto entre seus cabelos
cacheados.
§§§§
A turma de alunos já estava quase completa – exceto o que eu mais
esperava.
— E aí, galerinha do bem, animados?
A garotada, que já estava agitada, se ouriçou mais ainda. Pulavam e
falavam todos ao mesmo tempo.
— Tio Yan, a gente vai formar quantos times?
— Tio, todas as aulas teremos partida?
— Tio, quando vamos começar a treinar para as competições?
— Ei, ei, calma aí, carinhas, tudo ao seu tempo. Vamos nos sentar,
primeiro. Eu sei que não gostam muito, mas temos que entender uma
porrada de regrinhas e técnicas. Não é só colocar a bola no pé e sair
jogando. Se fosse assim, vocês nem iam precisar de mim.
Os meninos se acalmaram um pouco e foram se sentando. Já tinha
me conformado que o Theo não viria. Provavelmente, a mãe dele o
convencera a desistir. A doutora toda certinha, na certa, estava com medo de
mim. Eu sentia cheiro de excitação nela. Tenho certeza de que aquilo a
deixava vulnerável.
— Tio... tio... olha lá quem está vindo, aquele garoto que estava aqui
na aula passada.
Olhei na direção que apontaram e não contive o sorriso que estampou
no meu rosto. Lá estava ela, gloriosamente linda.
— Minuto, galerinha — pedi e fui em direção ao trio que se
aproximava. — Mama mia, a “Afrodite” veio arrancar meu coração do
peito? — diverti-me – fazendo uma cena em frente a eles – levando a mão
ao peito e fechando um pouco os olhos.
Se me contassem, eu duvidaria. Em plena tarde de segunda-feira, a
doutora vestida a caráter de praia. Até chapéu tinha na composição. Eu
realmente achei que meu coração seria destroçado, no momento que a vi.
Apenas uma bata transparente – azul celeste – escondia suas curvas
dentro de um biquini que, mesmo que não fosse minúsculo, me surpreendeu
com a quantidade de carne que ficou exposta.
A mulher que os acompanhava arregalou os olhos e levou a mão à
frente da boca.
— Puta merda, mermã, agora tô entendendo toda sua resistência,
esse é o gostosão do restaurante do hotel.
— Marina... — repreendeu a amiga – ficando vermelha como um
tomate. Fui obrigado a abrir o meu maior sorriso. Sem querer, a amiga tinha
me feito andar várias casas do tabuleiro.
— Quer dizer então, que já me conhecia, antes do meu descuido na
montanha — deduzi de imediato. — Por isso, saiu correndo de lá.
— Oi, tio Yan, cheguei um pouco atrasado por causa da minha mãe
— justificou-se Theo, completamente alheio a tensão sexual que se instaurou
ali.
— Filho, mamãe vai ficar por perto, tudo bem?
— E aí, carinha, fico feliz que veio, junte-se aos outros – demos um
soquinho com as mãos e ele correu em direção aos demais.
— Já que não me apresentou — ironizei e peguei na mão da mulher
que merecia uma bebida pela informação valiosa. — Eu sou Yan e você,
pelo que entendi, a Marina. — Beijei o dorso da mão dela e recebi um lindo
sorriso de agradecimento.
— Prazer em conhecê-lo, pessoalmente, Yan. Na verdade, suas
pernas e braços ficaram bem íntimos da minha imaginação.
Joguei a cabeça para trás e gargalhei.
— Gostei de você, é das minhas. Precisa dar umas aulas para sua
amiga, ela é muito tensa.
— Pode acreditar, eu tento — brincou – revirando os olhos.
— Já falou demais, Marina. Viemos aqui pra relaxar ou não? — A
doutora pegou no braço da amiga e começou a puxá-la.
Quando passou por mim, segurei seu braço e a trouxe para perto do
meu corpo.
— Achei que médicos fossem mais educados, oi pra você, também
— sussurrei – com a boca colada em sua orelha.
Os pelos arrepiados de seu pescoço foram o suficiente para um
gemido rouco escapar do meu peito. Porque, era fato: aquela mulher estava
apertando todos os botões do meu cérebro.
O bom das crianças é que elas esquecem rápido das coisas. A maioria
é como meu filho: o foco está em seus jogos. Juro que controlo, o máximo
que posso, para ele não ficar aqueles meninos chatos, que só sabem falar de
jogos. Só que, com meus horários malucos, está cada vez mais difícil de
conseguir passar um tempo com ele. Sou obrigada a confiar que a babá está
fazendo tudo que eu deixo por escrito.
— Theo, vamos comer primeiro — alertei, antes que ele se enfiasse
em seu quarto.
— Não estou com fome, mamãe — avisou, já entrando no quarto.
Não esperei a opinião da Marina, que certamente viria, coloquei minhas
coisas no aparador, próximo à porta da sala, e caminhei em direção ao meu
filho.
Ele me olhou assustado e esperou que eu me agachasse à sua frente.
— Filho — iniciei e suspirei – ajeitando seus cabelos idênticos aos
meus. Antes de continuar, olhei bem dentro de seus olhos verdes – que me
fazem lembrar de seu pai –, e sorri de canto. — Depois que você comer,
pode vir para o seu quarto, tudo bem? — Concordando com um menear de
cabeça, ele foi em direção à cozinha e sentou-se no banco alto em frente ao
balcão de mármore.
Marina já tinha assumido a função de preparar lanches para nós.
Enquanto isso, fui levando os itens que usaríamos para o balcão. Theo estava
pensativo e Marina me olhava de esguelha – receosa. Odeio fazer o papel da
vilã, mas temo que meu filho se perca.
— Mamãe. — Segurando a porta da geladeira, respondi um “oi” sem
olhar para ele. Alcancei a caixinha de suco de laranja – o preferido do Theo
–, e quase a derrubei com a pergunta. — Quem é o seu namorado?
Em fração de segundos, a bílis subiu e desceu. Engoli em seco e
cerrei um pouco os olhos, antes de fechar a porta e o olhar – como se fosse a
pergunta mais natural que ele pudesse ter me feito.
— Como assim, Theo? — inquiri e coloquei o suco com os copos em
cima do balcão.
— Você sabe. Já que não tenho pai, ia gostar de ter um padrasto.
Uma tremedeira indesejada tomou minha panturrilha e um sorriso
nervoso instaurou-se no meu rosto.
— De onde tirou isso, menino? — interpelou Marina – trazendo
nossos lanches para o balcão. Soltei um pouco os ombros – aliviada.
— Meus amigos, tia Marina, todos têm pai ou padrasto. Eles jogam
vídeo game juntos, vão à praia, jogam bola, é muito maneiro, tia. E eu fico
aqui, com a Lia. — Deu de ombros e fez uma careta.
— Você não gosta da Lia, Theo?
— Gosto, mamãe. Mas ela é moça, fica só rindo pelos cantos,
olhando pra tela do celular.
Revirei os olhos e bufei. Claro que eu não sou boba. A garota é
jovem, deve ter seus namoradinhos. Apesar de gostar muito do meu filho, sei
que está aqui porque precisa.
Alcancei a mão do meu filho e fiz um carinho de leve.
— Come, querido, assim vai poder ir para o seu quarto logo —
desviei o assunto e ele só concordou – sem dar continuidade.
Por alguns minutos, que poderiam terem sido bem mais longos,
mastigamos e bebemos. Achei que Theo esqueceria do assunto.
Infelizmente, não.
— Mamãe.
— Fala, meu amor.
— Você me disse que os bebês vêm de dentro da barriga da mãe, não
é mesmo?
— Ah, isso vai dar merda — cochichou Marina ao meu lado e lhe dei
uma cotovelada.
— Sim, Theo.
— Meus amigos disseram que pra eles entrarem na barriga precisa
ter um pai ou um padrasto. Eu fiquei um pouco confuso, sabe. Como assim?
É a sementinha que você me disse? O pai que coloca dentro da barriga da
mãe?
Meu cuspe foi longe, quase o acertei do outro lado do balcão.
Imediatamente, comecei a tossir. Claro que o suco, que eu tinha acabado de
tomar, entrou pelo canal errado e eu quase morri engasgada.
Eu sabia que o momento chegaria, afinal meu filho completou oito
anos. Mas confesso que pretendia protelar ao máximo. Eu sei que é ridículo
admitir um fato desse, sendo médica e pior, cuidando de adolescentes.
Diariamente, abro o jogo com as garotas sobre sexo, deixando claro as
consequências de não se prevenirem, embora, a maioria das minhas
pacientes, me procuram porque foram violentadas.
— Se acalme, mulher. O mundo não está acabando, só o seu filho
que está crescendo — provocou Marina, passando as mãos pelas minhas
costas.
Enxugando as lágrimas dos olhos, ergui o corpo e olhei para o meu
filho, que aguardava pacientemente minha resposta.
— Mamãe vai te mostrar uns vídeos e te explicar certinho como
funciona, tudo bem, filho?
Ele, mais uma vez, balançou a cabeça em concordância, mas seu
olhar deixou claro que não tinha acabado.
— Sabe, meus amigos têm irmão e pai ou padrasto, eu não tenho
nenhum dos dois. Queria ter.
— Chupa essa, mermã.
— Não está na hora de você ir embora, não, Marina? — A fuzilei
com um olhar – consciente de que nada mudaria.
— Filho, não é tão é simples. Você terminou seu lanche? — Ele fez
que sim. — Então, dá um beijo na tia Marina e vai jogar, vai.
Theo é uma criança obediente, raramente questiona minhas ordens.
Não precisei falar duas vezes. Fiquei em pé e comecei a tirar os itens de
cima do balcão. Marina se acomodou no banco e cruzou os braços – me
encarando. Estiquei o pescoço e verifiquei se o Theo tinha entrado no quarto.
— Você está passando dos limites — fui logo falando.
— Sabe que não, Analu. Se alguém não te chacoalhar, a coisa vai
ficar complicar pro teu lado. Quantas vezes te disse que seu filho ia crescer e
querer respostas? Você disse ao garoto que ele não tem pai?
— Claro que não — defendi-me de imediato – terminando de colocar
a louça na máquina.
— O que disse a ele?
Dei de ombros e desviei um pouco o olhar – envergonhada.
— Que o pai dele morreu.
Marina arregalou os olhos e levou a mão à frente dos lábios.
— Diz que tá brincando.
— O que queria que eu dissesse? Que o pai dele nem sabe da
existência dele?
— Mermã, isso nunca dá certo. Você é tão inteligente. Seus pais
concordaram com uma merda dessa?
— A ideia foi deles. — Ergui o queixo e uma sobrancelha.
— E seu irmão?
Fiquei de costas para ela e fui andando para a lavanderia – torcendo
para ela captar a mensagem. Mas Marina não desiste. Eu sei que ela só quer
ajudar, mas a presença dela começava a me irritar.
— Você conhece o Gustavo, gosta de ser do contra — respondi – já
que ela me seguiu e ficou às minhas costas.
Comecei a separar as roupas por cor, sem olhar para a Marina. Eu
podia ouvir as engrenagens do seu cérebro trabalhando.
— Começo a entender a rixa de vocês, o garoto não deve ter
concordado com isso, com razão, vamos combinar.
— Ele não tem que concordar com nada, é um desocupado.
— Analu, olha pra mim, agora. — Fiz o que ela mandou, segurando
o lábio inferior nos dentes. — Odeio ser a pessoa a te falar isso, mas você
tem que acordar pra vida. Só porque seu irmão não faz as coisas do seu jeito,
você o trata assim. — Fui falar e ela negou.
Mesmo que irritada, no íntimo, sabia que ela tinha razão.
A Ordem
Gabrielle
Os dias estão ficando cada vez mais corridos. Por mais que eu tente,
nunca consigo chegar em casa cedo. Já virou rotina, mesmo sem
combinarmos, é só dar o horário da Lia ir embora e a Marina assumir à casa.
Me sinto como uma visita dentro da minha própria casa.
Conferi as horas no relógio de pulso e suspirei – sentindo-me muito
cansada. Já passava das oito da noite, eu tinha acabado de atender minha
última paciente, fechei um poucos os olhos e inclinei a cabeça para trás –
apoiando-a no encosto da cadeira.
Depois de alguns minutos, encontrei forças e me levantei. Comecei a
juntar meus pertences e colocar na bolsa. De costas para a porta do
consultório, ouvi alguém bater e entrar, antes que eu autorizasse. Virei de
uma vez e engoli a bronca que estava na ponta da língua.
— Boa noite, Analu — cumprimentou meu superior.
— Boa noite, doutor Ernesto. Em que posso ajudá-lo?
— Amanhã, seu turno será na Ilha — comunicou, sem titubear.
Pensei um pouco, antes de responder. Conhecendo-o bem, qualquer
resposta mal elaborada, me colocaria numa situação complicada.
— Achei que fosse daqui a duas semanas — disse com cuidado.
Eu precisava entender o que tinha acontecido. Uma vez ao mês ou
até menos, visito à Ilha. Apesar do lugar ser relativamente pequeno, tem
pacientes adolescentes que acompanho e as meninas confiam em mim para
se abrirem.
A maioria das minhas pacientes não tem mãe ou a mãe está
debilitada. São meninas de baixa renda e geralmente agredidas pelos pais.
Alguns, assim que veem que as filhas estão mocinhas, começam a vendê-las
por drogas. Na Ilha, não temos casos extremos, a maioria me procura pela
falta da mãe.
— Me ligaram pedindo que antecipasse seu turno na Ilha.
Franzi o cenho e senti um frio percorrer minha espinha, como se
fosse um aviso.
— Será que aconteceu alguma coisa? — pensei alto e foi a vez do
doutor franzir o cenho.
— Doutora, sabe do compromisso que temos com os pacientes, se
acha que não consegue...
— Não, me desculpe, só fiquei preocupada. Amanhã, no primeiro
horário da balsa, estarei lá, não se preocupe, doutor Ernesto.
O médico só meneou a cabeça e saiu da sala – sem se despedir.
Impulsivamente, mostrei a língua para ele.
§§§§
— Filho, não posso te levar e você não pode perder aula.
Ele fez um bico e baixou a cabeça – escondendo os olhos que já
estavam cheios de lágrimas. Meu coração ficou do tamanho de uma ervilha.
Mas eu não tinha opção. Sempre que faço atendimento na Ilha termino muito
tarde, perdendo o último horário da balsa. Acabo dormindo por lá.
Marina está acostumada a ficar com o Theo, ele é que está cada vez
mais me cobrando a companhia. Não tenho a mínima ideia de como resolver
a situação. Não posso nem pensar em perder o emprego, o custo de vida que
temos é alto. Teria que voltar para a casa dos meus pais no mesmo dia. Só
em pensar na possibilidade, meu estômago se contorce.
— Theo, tive uma ideia — animou-se Marina e Theo olhou para ela,
limpando o canto dos olhos. — Que tal a gente ir pra praia, assim que você
sair da escola.
Estreitei os lábios e gemi – institivamente. Pensar no meu filho na
praia, sem mim, foi a pior ideia de todas.
— Legal, tia. Quem sabe o tio Yan tá lá, hoje ele não deu aula, foi o
outro professor.
Aquela conversa estava conseguindo provocar todos os tipos de
reações no meu corpo. Trazer o Yan para o assunto só deixou tudo mais
difícil para eu controlar.
— Por que não foi ele, filho? — Minha curiosidade foi maior do que
qualquer outra coisa.
Marina me olhou e riu de canto – erguendo uma sobrancelha. Theo
de ombros e virou as palmas das mãos para cima.
— Ele precisou resolver algumas coisas pessoais.
Coisas pessoais? Será que ele é casado? Não pode ser, não tem
aliança na mão dele. Bom, mas isso não quer dizer nada.
Chacoalhei a cabeça e sorri, voltando a me concentrar nos dois à
minha frente. Marina me olhava de um jeito, como se ela soubesse
exatamente o que estava passando pela minha cabeça.
— Filho, venha aqui. — Me sentei no sofá e o coloquei no colo.
— Pare, mãe, não sou mais bebê — esquivou-se.
— Pra mim, meu amor, você sempre vai ser meu bebê — brinquei e
o forcei sentar-se. — Olha só, porque não vão ao cinema, me disse que
queria assistir aquele lançamento, lembra?
Marina sentou-se na poltrona de frente com a gente e negou com a
cabeça – entendendo claramente o que eu estava fazendo.
— Podemos, tia? — perguntou-lhe Theo.
— Claro que sim, gatinho.
Ele pulou do meu colo e me abraçou forte.
— Desculpa, mamãe, só queria ficar com você.
— Eu sei, querido, mamãe promete que vai dar um jeito nessa
situação, tá bom! — Beijei seu rosto e ajeitei seus cabelos loiros.
Ele já estava indo para o quarto e decidiu voltar.
— Se eu tivesse um padrasto, podia ficar jogando com ele, enquanto
você trabalha, mamãe. E aí, também, eu podia ter um irmão.
Bufei e balancei a cabeça negando.
— Filho, de novo essa história. Já disse que não é simples assim.
— Por que não, mãe?
— Theo, vai lá, gatinho, a tia Marina vai conversar com sua mãe.
Amanhã a gente cai na farra e sua mãe nem vai ficar sabendo — descontraiu
minha amiga e sorrimos.
Aguardamos meu filho entrar no quarto.
— Nem sei como te agradecer, Marina.
— Eu faria muito mais, se soubesse que você está buscando viver.
Pena que só pensa em trabalho, até seu filho almeja por alguma ação nessa
sua vidinha medíocre. — Recuei um pouco o tronco.
— Uau! Pegou pesado. Faço o que posso e mais um pouco, pra
proporcionar o melhor ao meu filho e você me chama de medíocre!?
— Sim, mais do que isso, covarde.
Fiquei em pé e fui para a cozinha – rindo sem vontade e balançando a
cabeça. Procurei algo para fazer e tentei não me ofender com a sinceridade
da minha amiga. Ela, dentre todas as pessoas, é a que mais me ajuda.
Não contente com sua sinceridade em excesso, Marina me seguiu e
continuou:
— Enquanto não deixar o passado pra trás e ser permitir... — Abri a
boca para retrucar e ela ergueu o dedo – impedindo-me. — Parar de achar
que todos os homens não valem nada.
— E não valem.
— Esse pensamento é tão pequeno, Analu. Além de muito
preconceituoso. É decepcionante constatar que, em pleno século XXI, uma
pessoa instruída como você, ainda pensa assim, mermã. Acho que nem
minha mãe pensa desse jeito, e olha que ela já passou dos oitenta.
— Não estou pronta, amiga. Devia respeitar isso.
— Para de mentir pra si mesma, Analu, apenas se permita, doutora.
Qualquer um pôde ver a tensão sexual entre você e o professor gostosão.
— Tss... tss... Acha mesmo que vou querer outro Gustavo na minha
vida? Não tenho vocação pra sustentar marmanjo.
Marina chegou mais perto e pegou nos meus ombros –
chacoalhando-os.
— Mermã, A.C.O.R.D.A! Só porque o indivíduo tem tatuagens e
gosta de curtir a vida, você já acha que o conhece? Quem você pensa que é?
Eu gosto muito de você, Analu, mas odeio esse seu lado arrogante. Um
diploma não te faz melhor do que ninguém.
— Obrigada, por ficar com o Theo — desviei o assunto e respirei
fundo. — Preciso descansar, amanhã saio cedo.
Marina veio até mim e me abraçou.
— Sou sua amiga, por isso, falo a verdade — frisou e se afastou. —
Deus te acompanhe, amanhã.
— Amém.
§§§§
Andava pelas ruas da Ilha arrastando minha pequena mala de
rodinhas e as rodas enroscavam nos paralelepípedos. O lugar não é muito
grande, no entanto, tem algumas opções de hospedagem. Tem até um famoso
Resort que, obviamente, não seria o caso, afinal, seria apenas uma noite e eu
estava a trabalho.
— Bom dia.
— Bom dia, doutora. Que bom que veio à Ilha hoje. Vou pedir que
levem sua bagagem ao quarto.
A senhora, dona e recepcionista da pousada, já me conhece, a
maioria das vezes, me hospedo lá.
Fiz o check-in e deixei que levassem minha bagagem ao quarto,
enquanto aproveitei para tomar um belo café da manhã – minha refeição
favorita. Meu dia seria longo, tinha que garantir a energia suficiente.
Os anos que trabalhei como policial não me prepararam para lidar com
uma situação como aquela. A prepotência do tão temido Isaac Bennett
beirava à psicopatia.
Meu nervosismo me prega peças, às vezes. Não achei que cairia na
gargalhada diante de algo tão esdruxulo. Ele só podia estar bêbado ou
dopado com algum medicamento. Nada nesse mundo me faria assumir um
posto naquela empresa.
Dei alguns passos para trás, segurando a barriga e enxugando as
lágrimas – de tanto que eu ria. Queria ter agido de outra maneira, mas
malmente me mantinha em pé. Assim que senti a cadeira encostar-se na
minha perna, caí sentada.
Respirei longamente, por várias vezes, até reencontrar o equilíbrio. O
velho não se moveu, nem mudou a expressão. Ergui o tronco e o encarei –
montando minha melhor expressão de sarcasmo.
— O que o faz pensar que vou te obedecer, nessas alturas do
campeonato? — desafiei-o, sem titubear.
Mais uma vez, sua cadeira foi conduzida para perto de mim. Nossos
olhos não se desviaram em nenhum instante. Negar seu poder sobre mim,
seria burrice. Mas aceitá-lo, era outra conversa. Durante toda minha vida
lutei, não seria tão fácil como ele estava achando.
— É inteligente, achei que não precisasse verbalizar o motivo.
Fiz uma expressão de quem não tinha captado a mensagem, porque
eu realmente não tinha a menor ideia do que ele falava.
— Acho que não sou tão inteligente assim.
O sorriso sarcástico, que me amedronta por anos em meus pesadelos,
estava de volta.
— Presta atenção, filhinha, você tem duas opções: ou assume seu
posto ou vai mofar na cadeia. Nem aquele seu sargento bosta vai conseguir
te ajudar. Ele não conseguiu ajudar sua mãe, não será diferente com você.
O Momento Certo
Yan
Meu Deus! O que foi isso? Fechei a porta do banheiro onde me escorei
ofegante como se tivesse corrido uma maratona. Sentia as batidas
descompassadas do meu coração martelarem nos meus ouvidos.
Qualquer adjetivo que eu pensasse para definir minha manhã seria o
eufemismo do ano. Meu corpo implorava por um momento tranquilo. Já nem
sabia mais discernir o motivo de estar naquela condição tão vulnerável:
quase morrer ou o fato de estar completamente atraída pelo professor de
futebol do meu filho. Ai, Deus! O que estou fazendo?
Sentei-me no chão e enfiei o rosto entre os joelhos – deixando as
lágrimas virem novamente. Tudo o que segurei, por tantos anos, decidiu
desabar de uma vez. Se tem uma coisa que temo nessa vida é demonstrar
fraqueza. Você ter sido ingênua e burra, porque é a única coisa que me
define ao lembrar o que permiti que o pai do Theo fizesse comigo, basta.
Quando enfrentamos processos como o que eu tinha acabado de
enfrentar, nosso cérebro, acho que tentando fazer com que aceitemos a
realidade, nos mostra o que estamos perdendo.
Em questão de minutos, um filme passou à minha mente e pensei se
tudo o que estava fazendo realmente valia a pena. Pensei em quanto tempo
passo só no trabalho. O quanto meu filho me cobra por não estar com ele.
Quantos anos não cuido de mim, não saio para me divertir. Tudo porque, na
minha cabeça, preciso garantir o melhor ao Theo e, não me arriscando, é
uma forma de proteção a nós dois.
— Toc... toc... Analu, está tudo bem, aí?
Meu corpo estremeceu ao ouvir a voz grossa dele.
— Ah, merda, não pode ser, ele não pode ter esse poder sobre mim
— resmunguei – abafado.
— Ei, estou ficando preocupado — insistiu e eu balancei a cabeça –
decidida a pegar minhas coisas e ir embora.
Nos últimos anos, aquele era o momento mais vulnerável que estava
passando. Não podia aceitar seus carinhos, seguramente, o desejo venceria a
razão. Pudera, a última pessoa que tocou em mim foi o defunto. Claro que só
eu sei desse fato. Se contasse a alguém, me acharia louca.
Mas é a verdade, além de ter todo meu foco no meu filho, meu
trabalho consome, não só meu tempo, como todas minhas energias. Só que
as consequências de ceder ao desejo, fatalmente seriam ruins. Como seria
depois? Não podia nem pensar em tirar o Theo do futebol, o garoto estava
encantado com Yan.
— Estou bem — assegurei, depois de limpar a garganta.
Fiquei em pé e fui até a pia de mármore – apoiando as palmas das
mãos e me olhando no espelho. A figura que refletiu ali não era nada do que
eu sempre imaginei que seria. Não fosse o fato de ter o meu filho, não teria
tido forças de continuar. Depois de tudo o que aconteceu.
— Olha só, abra a porta que preparo um banho relaxante pra você,
não foi nada fácil o que passou — ofereceu e foi aí que me dei conta da
grandiosidade do lugar em que estava.
Sem sombra de dúvidas, Yan tinha bons amigos. O luxo imperava. O
banheiro era maior do que meu quarto. Olhei para a banheira gigante e
respirei fundo – ponderando a possibilidade de aceitar a oferta.
— Está sugerindo que eu tome banho com você? — argumentei, com
a voz um pouco mais alta.
Embora achasse um absurdo, só em pensar, meu corpo ferveu –
especialmente no meio das minhas pernas. Vê-lo seminu é uma coisa, sem
nada, a coisa fica muito mais difícil de controlar. Mesmo que, em todas as
ocasiões que nos encontramos, nossos corpos se uniram bem mais do que o
convencional. Ele tinha razão, era melhor marcarmos um encontro de
verdade, cada acaso estava mais perigoso que o outro.
Eu, que sempre critiquei as tatuagens do meu irmão, estava atraída
por um cara que tinha os bíceps forrados delas. Yan, obviamente, ficava
muito tempo na praia, bastava olhar para ele. A pele bronzeada e os cabelos
aloirados, com as pontas clareadas pelo sol. Como era possível uma atração
desmedida por um estereótipo que sempre recriminei?
— Não tinha pensado nisso, pra falar a verdade, mas não seria uma
má ideia. — Pelo tom de sua voz, eu soube que estava sorrindo. Aproveitei
que ele não estava vendo e sorri, também. — Podemos nos ver, enquanto
conversamos?
Arrumei meus cabelos e me odiei por não ter levado a bolsa comigo.
A maquiagem básica tinha sido carregada pelas lágrimas. Meus olhos
estavam pretos em volta e a pele cheia de manchas vermelhas. Lavei o rosto,
tentando, ao menos, deixá-lo sem restos de maquiagem.
Recomposta, destravei a porta e apoiei o corpo na beirada da pia.
Uma coisa muito maluca estava acontecendo comigo. Só o fato de ver a
fechadura sendo aberta, meu coração disparou perigosamente. Engoli em
seco e controlei a respiração.
Ele entrou devagar, parou à minha frente e ficou me olhando. Yan
não precisou tocar em mim para saber o quanto me queria. Eu podia sentir o
cheiro do seu desejo, como um predador que observa sua presa, ficou ali por
uma eternidade – surrupiando minha razão. Apertei as mãos no mármore e
segurei o lábio inferior nos dentes.
— Pare de me olhar assim — pedi, com a voz muito baixa. Nem sei
como ele ouviu.
Um passo em minha direção...
Um gemido escapado do meu peito...
Uma mão colocada na minha nuca...
Respirações alteradas...
— Não consigo, me desculpe — sussurrou e aproximou seus lábios
do meu pescoço.
O que foi mesmo que pensei, antes de ele entrar?
É, eu sei, eu disse que pegaria minhas coisas e iria embora. Sabe o
que eu fiz? Inclinei a cabeça para trás – facilitando o deslizar de seus lábios
por toda minha pele.
Pequenas mordicadas; assopros leves; lambidas longas; a essa altura
eu já nem sabia quem eu era, muito menos, o propósito de não me entregar.
Seu corpo se esfregava ao meu, tirando minha capacidade de pensar com a
razão. A única coisa que passava pela minha cabeça era quanto tempo mais
demoraria para ele estar dentro de mim. O que mais ele faria com aquela
língua?
Ele voltou seus olhos para os meus e encostou a testa na minha. Senti
como se o ar à nossa volta tivesse parado. Como se os nossos corpos
tivessem sido transportados para outro lugar. Era palpável o desejo dos
nossos corpos – literalmente. O esfregar de seu membro duro em mim e o
líquido quente que sentia no meio das pernas, provavam.
— Você me enlouquece — ciciou e juntou meus cabelos na nuca –
inclinando minha cabeça para trás. — Doutora, preciso saber o que está
passando pela sua cabeça.
Continuar dando uma de durona estava fora de questão.
— Pare de falar e me beija — pedi, orgulhosa da minha coragem.
Com um sorriso maroto, ele encostou os lábios nos meus e, antes de
invadir minha boca com sua língua, me olhou sério.
— Se eu começar, não vou conseguir parar — avisou e eu engoli em
seco.
— Não quero que pare — confessei e foi o estopim.
O ataque de sua boca na minha provocou um gemido simultâneo.
Sem cerimônia, Yan mergulhou a língua e explorou cada pedacinho da
minha boca. No momento em que nossas línguas se encontram, o choque
elétrico que tomou nossos corpos fez-nos estremecer.
Ele segurou meu lábio nos dentes e me olhou – espalmando meu
queixo e o erguendo. Suas pupilas estavam dilatadas e um rugido estrondou
em seu peito.
— Porra, preciso entrar em você. — Soltou meu queixo e lambeu
atrás da minha orelha.
Suas mãos seguraram firme em meus quadris, incentivando-me a
passar as pernas pela sua cintura. Meu cérebro estava ali só de enfeite,
porque quem me comandava era o desejo do meu corpo. Joguei todos meus
receios; preconceitos; paradigmas; para um canto perdido da minha mente e
decidi me entregar. Depois, lidaria com as consequências.
— Yan, trouxe as coisas da doutora — gritou o rapaz lá fora.
Fechamos os olhos e suspiramos juntos. Encostei a testa no ombro
dele, enquanto ele acariciava minhas costas.
— Vai ser rápido — avisou e se afastou.
Me olhei no espelho e a “ficha” caiu.
— Merda, o que estou fazendo?
Inspirei e expirei algumas vezes – buscando o controle das minhas
ações. Claro que o Yan só queria transar. Era só olhar para ele. Sem
perspectiva de nada. Sem grandes sonhos. Uma pessoa que se contenta com
pouco. Para ele, com toda certeza, era normal, mas e eu? Correria um sério
risco de me apegar. Pior, de me apaixonar.
— Não, Analu. Sabe que não vai conseguir lidar com isso depois —
repreendi meu reflexo no espelho – vendo, depois de anos, meus lábios
inchados e o rosto corado de desejo.
Seria muito mais fácil conter o desejo do que ficar lambendo as
feridas depois. Eu sei que é normal, que tanto mulheres, quanto homens,
fazem sexo casual. Só que isso não funciona para mim.
Chacoalhei a cabeça e os ombros e saí do banheiro – trombando num
muro de músculo, que me olhava intrigado.
— Pra onde tá indo? — indagou – com a testa franzida.
— Não posso, Yan — confessei e baixei os olhos.
Ele colocou o indicador em meu queixo e o ergueu – obrigando-me a
encará-lo.
— É por causa do Theo? — Neguei e mordi o canto dos lábios. —
Qual o problema, então?
Dei de ombros e fechei os olhos – respirando fundo. Era muito mais
difícil olhando nos olhos dele. Sentindo seu toque, o calor do seu corpo. Seu
cheiro.
— Me arrependeria — sussurrei – sem ter coragem de olhá-lo.
Ele me soltou e meu coração doeu – deixando-me extremamente
assustada. Yan não se afastou, o calor do seu corpo e seu cheiro continuavam
me inebriando.
— Olhe pra mim — ordenou e atendi.
— Acha que vou te machucar?
— Não fisicamente.
— Do que tem medo?
Desviei o olhar e fiquei com medo de dizer a verdade. Ou, talvez,
fosse melhor, assim ele partiria para outra pessoa.
Depois de um longo suspiro, olhei novamente em seus olhos.
— Nunca fiz isso, Yan. Estou com medo. Prefiro conter meu desejo
agora, do que sofrer depois.
Ele enrugou a testa e sorriu sem vontade.
— Sofrer? Acha que em uma transa pode se apaixonar? É disso que
tem medo?
Baixei o olhar e mordi forte meus lábios. Ele nunca entenderia. Mas
sim, era exatamente isso que eu temia.
Ele Sabe
Gabrielle
— Lava a porra da sua boca pra falar da minha mãe, seu velho
asqueroso, estuprador — gritei e fiquei em pé – com o dedo em riste para o
seu rosto.
Em questão de segundos, o “brutamontes” me afastava do velho –
segurando meus braços para trás.
— A escolha é sua, Gabrielle. Como prova da minha bondade, vou
dar quinze dias pra você organizar sua vida.
— Só nos seus sonhos — desdenhei, rindo ironicamente.
— Achei que já tivesse entendido o poder que tenho, garota. Não
acha que já perdeu muito tempo?
Eu não respirava, bufava. Meu peito subia e descia fortemente. Não
fosse o “brutamontes” me manter em cativo, certamente, eu já teria voado no
pescoço de Isaac Bennett.
— Sabe que não foi eu quem atirou em você — prossegui, buscando
me controlar. — Me solta, caralho! — berrei, olhando para trás. O cara não
olhou para mim, esperou que o chefe dele autorizasse. Depois de solta, me
empertiguei e respirei fundo. — Você não tem nada contra mim —
prossegui, já que ele só me olhava com ar prepotente.
— Quem disse que foi em mim que você atirou?
Congelei. Ele sabe! Umedeci os lábios e soltei um pouco de ar pela
boca. Sentia que a qualquer momento teria uma crise de pânico, como da
última vez. No entanto, deixá-lo me controlar, seria o meu fim.
— Cla... ro que já atirei — justifiquei-me, gaguejando ridiculamente.
— Sou policial, porra! — A última frase saiu um pouco mais firme –
provocando-lhe uma reação inversa a que eu gostaria.
Seu sorriso ficou mais largo – mostrando o dente de ouro
amedrontador. Foi como se eu voltasse em todos os meus pesadelos. Como
se eu presenciasse cada pedaço da história contada pela minha mãe.
— Onde foi que o seu sargento escondeu o corpo? — acusou, sem
titubear.
Controlando-se
Yan
Sua resposta foi com um beijo. Um beijo que não imaginei que existisse,
que demonstrava exatamente o que ele tentava me dizer.
Ele começou devagar, roçou o nariz no meu e encostou a boca na
minha. Confiante de que fazia a coisa certa, de que me daria prazer,
mergulhou sua língua fundo. Fechei os olhos e retribuí, aceitando e
absorvendo seus lábios impetuosos se movendo sem parar.
O encontro de nossas línguas causou uma descarga elétrica em
nossos corpos. Ambos gemeram. Ele não podia colocar as mãos em meu
corpo, nos mantinha na superfície. Não deixei que nada me impedisse.
Agarrei seus cabelos crescidos na nuca e apertei minhas pernas em seu corpo
– sentindo seu membro duro roçar meu sexo.
Um beijo bastou para me deixar à beira do abismo. Nem a água foi
capaz de me impedir de sentir o calor que vinha do meio das minhas pernas.
Uma pulsação insana me fez agarrá-lo com mais força, desejando que ele
não me ouvisse. Que avançasse o sinal.
Yan separou sua boca da minha, somente para percorrer a extensão
do meu pescoço.
— Preciso te tocar, porra! — praguejou e começou a nos carregar
para mais perto do iate. Chegando à escada, ele me sentou alguns degraus
para cima e se apoiou no último – mantendo-nos dentro da água.
Yan garantiu que, mesmo nos degraus da escada, eu continuasse com
as pernas passadas pela sua cintura.
— Isso é loucura — externei o que passava pela minha cabeça.
Ele me lançou um olhar tão intenso, deixando claro o que me
aguardava. Promessa de muito prazer. Foi como se ele pudesse enxergar o
quanto eu também o queria. Seu sorriso malandro, quase de um garoto
sapeca, no canto de seus lábios, não deixou dúvidas de que ele não pararia.
As pontas de seus dedos roçaram levemente a pele molhada do meio
dos meus seios. O toque singelo fez meu coração disparar. Mesmo que eu
quisesse, controlar minha respiração ficou impossível.
— Você tem razão — sussurrou ao meu ouvido. — É loucura ignorar
esse tesão do caralho, que estamos sentindo.
Joguei a cabeça para trás e soltei um gemido vergonhoso quando sua
mão invadiu o sutiã e apertou meu mamilo. Yan não perguntou, e eu preferi,
porque, naquele momento, eu era minha pior inimiga. Eu precisava – ah,
como precisava! – me deixar levar. Curtir o momento.
Passando as mãos pelas minhas costas, ele soltou meu sutiã e o tirou
– jogando-o dentro do barco. A água encobria metade deles, mesmo assim,
Yan salivava os olhando. Nunca me senti tão desejada, adorada. Nem queria
pensar na possibilidade de ser apenas uma vez.
Suas mãos abraçaram os dois seios pesados e sua boca voltou a
assaltar a minha – em um rompante descontrolado.
— Preciso estar dentro de você — choramingou, entre meus lábios.
Não raciocinei, confesso. Levei minhas mãos até a bermuda que ele
vestia e fui abaixando-a. Ele me olhou com os olhos arregalados e sorrindo –
ajudando-me a retirar a única peça que me impedia de senti-lo de verdade.
Fiz o mesmo que ele fez com o meu sutiã e, antes de eu cair em si, o ajudei a
retirar minha calcinha. Acho que o fato de estarmos com parte do corpo
dentro da água me encorajou.
Completamente nus, tomei a iniciativa de voltar a abraçá-lo com
minhas pernas e braços. Dessa vez, minha boca que assaltou a dele. Invadi
sua boca com minha língua e ele foi mais do que receptivo.
As mãos do Yan percorreram meu corpo, enquanto nossos corpos se
esfregavam um no outro. Ousadamente, desci minha mão até o seu membro
e, mais uma vez, um gemido vergonhoso escapou de mim. Eu podia senti-lo
latejando. Sua espessura tirou meu fôlego. Corri minha mão por toda a
extensão e passei o polegar pela ponta – comprovando que ele estava por um
fio, assim como eu.
— Analu... porra! — Afastou sua boca da minha e me olhou.
— Eu quero você — admiti e vi suas pupilas se dilatarem de
imediato.
Achei que me tomaria em um rompante, mas não, decidiu continuar
com a tortura. Numa trilha excruciante, do meio dos meus seios até o meu
clitóris, desceu com o indicador e espalhou meu líquido quente nas minhas
dobras.
— Você está... — Suspirou. — Caralho, doutora, ensopada! —
Entreabri os lábios – respirando com dificuldade. — Abre pra mim — pediu
e foi afastando minhas pernas com o joelho.
Minha cabeça foi jogada para trás e praticamente gritei, quando seu
dedo mágico me invadiu. Nunca achei que ser torturada seria maravilhoso.
Seu toque ativou minha leoa interna. Não passava nada na minha cabeça,
além de querer que ele me tomasse.
— Ai, Deus! — berrei e me empertiguei para trás, assim que ele
colocou mais um dedo na jogada.
— Vou te levar ao limite, deusa loira. Fazer você esquecer qualquer
coisa que te deixou tão durona. Vai me implorar por mais — garantiu e
colocou a mão em minha nuca – fazendo-me olhar para ele. — Pede, doutora
— ordenou e eu arregalei os olhos – com a boca entreaberta. Como não
obedeci, ele foi tirando os dedos. Segurei seu antebraço e gemi – cerrando
olhos e lábios. — Só vou continuar se implorar — provocou – com a boca
colada à minha orelha. Eu podia sentir que ele sorria.
— Por favor — gemi, sem ter coragem de abrir os olhos.
— Preciso saber o que quer — continuou com a provocação. — Abra
os olhos e me peça.
O desejo me consumia, nada no mundo me faria voltar atrás. Abri os
olhos e conferi que Yan se continha. Constatar o poder que eu tinha sobre
ele, mesmo que estivesse me fazendo verbalizar o contrário, me incentivou a
continuar com aquela deliciosa loucura.
— Me faça esquecer... — implorei —, me leve ao limite, por favor
— concluí e minha boca escancarou – com a nova invasão de seus dedos.
O polegar se certificava de manter meu clitóris pronto para entrar em
combustão. Os dois dedos tocavam na parte interna do meu centro, em
questão de segundos, gritei seu nome. Sua boca atacou a minha, enquanto os
espasmos do meu corpo continuavam. Seus dedos não deram trégua, até que
ele teve certeza de que tirou tudo de mim. Sem que eu percebesse, minhas
unhas se cravaram em seus ombros.
Yan descolou sua boca da minha e foi tirando os dedos, eu não podia
deixar que a razão me tomasse novamente. Eu sabia que ele se afastaria e só
continuaríamos se eu tomasse a iniciativa. Não por vontade dele, ficou claro,
mas porque me garantiu que não avançaria, caso eu não implorasse.
Ele me olhava com ar de vitória, esperando que eu massageasse seu
“Ego”, no entanto, fiz melhor. Levei a mão entre os nossos corpos e abracei
o membro pulsante.
— Porra, Analu! O que vai fazer? Estamos sem...
Não o deixei continuar, abocanhei seus lábios e conduzi seu pau para
dentro de mim. Foi o estopim. Com uma estocada forte, me transportei para
outra galáxia.
Encostei a testa em seu ombro e me entreguei completamente.
Estava à mercê do professor gostosão...
Do corpanzão musculoso...
Do cara com tatuagens cobrindo seus bíceps...
Do galanteador bronzeado, com cabelos dourados do sol...
À mercê de alguém que prometi que nunca me envolveria!
Suas mãos abraçaram meus seios e os polegares roçaram os bicos.
Sua boca devorava cada pedaço de pele exposto em meu pescoço e colo. O
corpo ia e vinha, numa velocidade assustadora. A água agitada entre nós
deixava tudo mais intenso. Nada ao redor nos atrapalhava. Só o que se ouvia
eram nossos gemidos e o chacoalhar da água.
— Caralho... caralho... caralho... não vou conse... Ahhhhhh!
Num rompante, Yan se afastou de mim e afundou na água. Deixando-
me ofegante. Fechei os olhos e apoiei a cabeça no degrau acima. Sentindo-
me como uma gelatina. Apertei as laterais da escada e esperei que minha
respiração voltasse ao normal.
A razão voltou..., mas rápido do que eu gostaria. Abri os olhos de
supetão e levei à mão ao meio das minhas pernas – sentindo resquícios do
gozo dele. Segurei fortemente meus lábios nos dentes e cerrei os olhos –
negando com a cabeça. Ele tentou me avisar!
Ouvi seu corpo voltando à superfície e temi encará-lo. Por longos
minutos, ficamos calados. Mesmo que eu continuasse de olhos fechados,
sabia que ele estava me encarando. Sentia o calor de seu hálito no rosto.
— Eu tirei antes — avisou e eu abri lentamente os olhos –
encontrando um rosto sério. — Imagino que você se previna — continuou.
Concordei com a cabeça – sem coragem de admitir que não. — Então, está
tranquilo, sabemos que não é seguro, pode ter escapado um pouco lá dentro.
— Prossegui meneando a cabeça em pânico.
Sem Saída
Gabrielle
Foi a primeira vez que entrei em uma mulher sem proteção, a sensação foi
indescritível, como se eu a tivesse de corpo e alma, sem nada nos separando.
Se antes, o sentimento de posse me perturbou, após o contato tão íntimo que
tivemos, me consumia.
Me preocupei muito mais com ela do que comigo, porque,
sinceramente, torcia para ela me dizer que não se prevenia. Meu desejo de
ter filhos nunca foi segredo. Adoro crianças. Só nunca encontrei ninguém
que pudesse enxergar como mãe dos meus filhos.
As mulheres que se aproximam de mim são interesseiras. Nenhuma
conheceu minha mãe, a não ser a Bia, e depois que se tornou minha
assistente, nunca mais tivemos relação sexual.
Tenho certeza de que todas as mulheres que visitaram minha cama
sairiam correndo quando descobrissem que minha mãe vem no pacote. Não
a Analu.
Eu vi como ela trata seu filho. Vi a preocupação que tem com seu
trabalho. Quem enfrentaria um louco por conta do trabalho? Certamente, ela
ama o que faz. Está explícito nela o cuidado que tem com as pessoas.
Assim que percebi que ela não sabia quem eu era, soube que deixaria
a coisa acontecer. Foi como um instinto, me avisando que ela era a mulher
certa. Que ficaria comigo por mim, não pelo meu sobrenome. Longe de mim
ser demagogo em dizer que as mulheres não querem, também, o meu corpo,
afinal, tenho espelho e confio no meu “taco”. Mas o dinheiro e o poder que
meu nome tem elevam o interesse delas.
Parei à porta da suíte e segurei a respiração por um tempo, arrojado.
Vê-la esparramada em minha cama, num lugar que sempre considerei só
meu – me ativou um sentimento intimidante. Meu coração disparou de modo
bizarro.
Depois da nossa “aventura”, o clima ficou um pouco esquisito entre
nós. Analu quase não olhou para mim. Decidi respeitar seu espaço. Sugeri
que fosse para a suíte e tomasse um banho relaxante e descansasse. Ao que
parecia, ela tinha acatado. Só não esperava vê-la tão à vontade em minha
cama.
Me aproximei e sentei-me com cuidado à beirada da cama. Ela estava
deitada de bruços e sua boca estava entreaberta – demonstrando o quanto
estava desmaiada. Não sei se foi o cansaço, ou se ela confia em mim, porque
Analu não teve o trabalho de se vestir. Se jogou na cama com um roupão
atoalhado, que só eu o tinha usado. Fiz uma nota mental de o carregar para
casa, assim teria o cheiro dela comigo.
Levei cuidadosamente à mão até seus cabelos curtos e iniciei um
cafuné. Me continha ao máximo que podia, porque, embora tivesse tido
Analu ao meu dispor, não tinha tomado o tanto que eu queria de seu corpo.
Necessitava lamber cada pedacinho dela. Enfiar a língua nas dobras lisas de
seu sexo quente. Chupar seu clitóris...
— Porra! — praguejei baixinho e respirei fundo, fechando um pouco
os olhos.
Ela se mexeu e gemeu. Sorri e continuei admirando sua pele leitosa.
Na posição em que ela estava, era possível contar cada sarda de seu rosto.
Medir fio a fio de seus cílios compridos. Arriscando-me, desci meus dedos
pelo seu rosto e contornei os lábios carnudos.
Dormindo, Analu parecia uma menina. Toda aquela armadura que
vestia, não escondia a singeleza de seu rosto. Sem uma gota de maquiagem,
constatava o quanto era mais linda.
— Chegamos? — murmurou – abrindo os olhos com dificuldade.
Abri um sorriso largo.
— Depende, pra onde estamos indo? — diverti-me, porque não tinha
a menor intenção de sair dali antes de o sol se pôr.
Com o cenho franzido, ela virou-se e sentou-se. Espreguiçou e
bocejou – enquanto eu praticamente babava, com cada gesto tão simples que
ela fazia.
— Que horas são? — perguntou, totalmente perdida.
— Ainda é muito cedo, não vamos a lugar algum — afirmei e fiquei
em pé – esticando a mão para ela pegar. — Preparei uma comida gostosa pra
gente. Espero que coma frutos do mar.
Um sorriso tímido enfeitou seu rosto.
— Adoro, mas... — Olhou para o corpo e fez uma careta. — Estou
abusando das coisas do seu amigo. Não vou te trazer problemas?
Engoli em seco e disfarcei o quanto me incomodava quando ela se
referia ao iate como sendo do meu amigo.
— Está tudo bem, vamos.
Caminhamos para o convés, onde eu já tinha deixado a mesa posta.
Puxei a cadeira para que ela se sentasse e, mal tinha me acomodado, ela fez
algo que me preocupou.
— Como é nome do seu amigo?
Pensei um pouco, antes de fazer uma besteira.
— Por que a pergunta?
Ela apontou para as iniciais bordadas no roupão “YB” – gelei.
Alcancei a caixinha de suco de laranja e enchi meu copo – tentando agir
naturalmente.
— Yuri Bittencourt — menti, descaradamente.
Ela ergueu as sobrancelhas e balançou a cabeça.
— Achei que ele fosse da família Bennett, alguns itens estão
gravados esse sobrenome.
Fiquei em pé, rapidamente, pensado numa forma de escapar.
— Não se preocupe com o Yuri, vamos aproveitar o dia. Acho que
não tem tantas oportunidades, assim, não é mesmo? — Ela concordou com a
cabeça, visivelmente desconfiada. — Vou na cozinha, buscar o assado.
Saí praticamente correndo em direção à cozinha. Mentir nunca é uma
boa saída. Só que a merda já estava feita, agora, teria que encontrar uma
maneira de desmentir, sem que ela me odiasse.
Arrastei meu corpo até o chão e respirei com dificuldade. Meu corpo
nunca teve tantos orgasmos em um espaço tão pequeno de tempo.
Eu precisava terminar de me lavar, mas não encontrava forças nas
pernas para ficar em pé. A água quente batia em minhas pernas e eu buscava
o controle das minhas ações.
— Analu. — Ouvi a voz da Marina à porta e soltei uma quantidade
considerável de ar pela boca.
Ela, sem sombra de dúvida, assim que me visse naquela condição,
deduziria o que tinha acontecido. Eu não queria... não podia contar aquilo
para ninguém – nem mesmo para ela. Se meu filho soubesse, poderia criar
uma falsa expectativa. Yan, claramente, não é um homem de uma mulher só.
Pensei e cerrei os olhos – entortando os lábios.
— Terminando — avisei, sabendo que a Marina não desistiria.
Achei que quando ele se referiu a que eu organizasse a minha vida, era
somente com relação ao meu trabalho no distrito. Só que não. Isaac Bennett
conseguiu o que queria: me ter em suas mãos.
Não me importaria se ele me ameaçasse. Se me colocasse atrás das
grades. Entretanto, ele sabia disso, por isso, se certificou de tocar no meu
ponto fraco: Bento.
De maneira alguma, eu deixaria que ele prejudicasse a pessoa que
mais ajudou meus pais e a mim. A única pessoa que nunca desistiu de mim,
que sempre me protegeu, inclusive, a ameaça era justamente por ele ter
assumido uma culpa por mim. Sujou as mãos por algo que cometi.
Até o afrontei, tentando me livrar do fardo que estava jogando em
minhas costas, mas seu argumento deixou-me apavorada:
“— Está blefando — vociferei, sentindo cada partícula do meu corpo
tremer.
— Filha, aprenda algo sobre seu pai: eu nunca blefo. Você teve uma
pequena demonstração da minha influência dentro daquela cela. Se eu fosse
você, não pagaria pra ver. Uma ligação e o imbecil do seu chefe nunca mais
vai usar um distintivo.
Meu estômago deu cambalhotas. Sentia o amargo da bílis na língua.
— Ok, vou pensar — disse e me levantei.
— Já designei uma pessoa pra te acompanhar.
— Como?
— Você vai se mudar para um dos nossos apartamentos. Não precisa
levar nenhuma dessas coisas que você chama de roupa. Filha minha não
anda como um marmanjo. A partir de agora, você faz parte da diretoria das
empresas Bennett. Você é inteligente, vai saber como se adequar.
— Não vou me mudar, tenho casa.
— Entenda, filha, de uma vez por todas, Isaac Bennett não sugere,
manda.”
“Oi, Afrodite, como está o seu dia? Seu gosto não sai da minha
boca.”
“Olá, doutora. Como está o seu dia? O meu está péssimo, não
consigo fazer nada, você não sai da minha cabeça. Queria voltar no tempo e
congelar o dia de ontem, só para ficar mais naquele mar – só nós dois.”
— É isso mesmo que estou falando, Marina. Quando decido seguir seu
conselho, me ferro! — berrei, enquanto arrumava as malas para passar uns
dias na casa dos meus pais.
— Amiga, para um pouquinho e senta aqui — ordenou Marina,
pegando em meu braço e puxando para me sentar na beirada da cama – de
frente com ela. — Deixa-me entender. O cara te salvou de um maluco.
Depois, te levou para um iate luxuoso. Vocês treparam igual dois coelhos.
— Aff, do jeito que você fala, me sinto uma prostituta.
Marina bufou e entortou o nariz.
— Posso continuar? — Fiz que sim com a cabeça. — Ele te manda
uma mensagem para o seu telefone, que você não passou o número. Vocês se
encontram e ele diz que quer te contar a verdade, porque não foi só uma
transa que tiveram. O telefone dele toca, você vê o nome de uma mulher e
surta, porque ele saiu correndo e te deixou lá. O que você quer do cara?
Casamento? Tô meio perdida aqui, mermã.
— Não percebe os sinais?
— Que sinais?
— Meu Deus, não sou paranoica. Ele é um golpista. Na certa é
casado e fica com mulheres que tenham alguma posição.
— Em troca de quê, mermã?
— Dinheiro.
— E você tem dinheiro por acaso?
— Não, mas ele não sabe. Sou médica, isso dá um certo status pra
ele, o cara é só um professorzinho.
— Lá vem você com arrogância por causa da bosta dum diploma.
Como pode ser tão preconceituosa? Ele nem teve chance de dizer quem é. Só
fizeram trepar. Ainda não entendi o motivo da sua indignação. Que
diferença faz se ele for um golpista? O que ele te tomou?
— E se ele for casado?
— Problema dele, mermã. É só não sair mais com ele.
Baixei os olhos e espremi as mãos no colo, sem coragem de contar
que tinha transado sem camisinha.
Que, mesmo ele tendo tirando antes, senti resquícios de sêmen na
entrada da minha vagina.
Sem contar que eu não queria admitir, mas Yan não tinha saído um
minuto sequer dos meus pensamentos.
— Você tem razão. — Fiquei em pé e voltei a arrumar as roupas
dentro da mala.
— Analu, o que não está me contando?
Parei com uma peça de roupa no ar e a olhei assustada. Como ela
conseguia me ler tão bem?
— Nada, te contei tudo — assegurei engolindo em seco.
Ficamos um tempo caladas. Terminei de organizar minha mala,
fechei e coloquei de pé no chão. Fui caminhando em direção ao quarto do
Theo para fazer o mesmo com a bagagem dele e Marina me seguiu.
— Quanto tempo pretende ficar com seus pais? — indagou, depois
de longos minutos me analisando.
— Uns vinte dias.
— Sério? E a escola do Theo?
— Ele vai assistir às aulas online — respondi, sem olhar para ela.
Sentia-me aliviada pela mudança de assunto. Embora minha cabeça
continuasse um turbilhão.
Marina sentou-se na beirada da cama do meu filho, assim que abri a
mala dele e comecei a separar as roupas para guardar.
— E tem isso, ainda? Achei que seria só na pandemia. Que série o
garoto está? Quarto ano?
— Terceiro e, sim, a escola decidiu manter as aulas online, quando
necessário, caso alguma criança adoeça. Falei com a direção e expliquei que
é difícil pra eu pegar férias. Abriram uma exceção para o Theo.
— É, estudar em colégio de bacana é outro nível. Se fosse o público,
o garoto perderia as aulas e pronto.
— É o mínimo que posso fazer, Marina, pagar um ótimo colégio ao
meu filho. Só tenho ele e pretendo manter assim — falei de uma vez e
respirei fundo, apavorada com a possibilidade de engravidar.
Conheço meu corpo, minha fertilidade é bizarra. Com o Theo foi um
descuido besta. A diferença é que eu era ingênua e torcia para que
acontecesse. Achava que o pai dele ficaria radiante e me assumiria de uma
vez por todas – doce ilusão.
O restante do tempo que organizei nossa bagagem, acertamos os
detalhes da minha ausência. Combinamos de ela abrir as janelas todos os
dias para a casa não ficar com cheiro forte. Meu filho tem uma forte alergia a
pó, procuro manter tudo sempre limpo e arejado.
Quando chegamos ao Rio, aluguei outro apartamento, antes do atual,
no qual os quartos eram carpetados, precisei correr com ele para o pronto
socorro. Suas vias respiratórias se fecharam e seu rosto ficou completamente
deformado. Sorte que encontrei o que estamos, pois tenho uma amiga para
todas as ocasiões, mesmo que, em alguns momentos, sua sinceridade me
incomode.
— Mais uma vez, não sei como te agradecer. — Abracei Marina e ela
me apertou em seus braços.
— Você é mais que uma irmã, pra mim. Faço de coração —
confessou e se afastou um pouco – tirando alguns fios de cabelos dos meus
olhos. — Promete que vai abrir essa sua mente retrógada enquanto estiver de
férias? — Revirei os olhos e bufei.
— Ok, acho que tá na hora de buscar meu filho e pegar a estrada.
Não quero ouvir seu lado “sincerão”, nesse momento. — Sorri de canto e me
virei – pegando as malas e as colocando no porta-malas do carro.
Fechando o porta-malas, uma notificação de mensagem apitou no
meu celular – roubando, não só a minha, mas a atenção da minha amiga.
Virei o aparelho e vi o nome do Yan na tela. As batidas do meu coração
aceleraram, olhei para a Marina – que ergueu uma sobrancelha.
— Lembra do que eu disse: abra sua mente retrógada — advertiu,
batendo com o indicador na têmpora.
Meneei a cabeça e soltei o ar que segurava – decidindo ver o que ele
tinha a me dizer.
“Bom dia, Analu, tudo bem? Me desculpe por ontem. Surgiu uma
emergência e precisei correr. Podemos nos encontrar? Te explico melhor.”
Achei a mensagem formal demais. Estava claro que o que ele queria
já tinha conseguido.
— Viu só, agora está tentando encontrar uma maneira de me
dispensar — expus minha indignação – enfiando o aparelho na cara da
Marina.
Ela leu a mensagem e franziu o cenho.
— Mermã, o que te levou a chegar a essa conclusão?
— Não vê a formalidade da mensagem!?
— Estou tentando entender sua lógica, mana. Por que, cargas d’água,
ele te mandaria mensagem, querendo se encontrar com você, se fosse pra te
dispensar? — Dei de ombros e desisti de falar com ela. Ela fazia parecer que
eu era paranoica.
Assumi o volante do carro e liguei o motor. Abri o vidro e Marina se
debruçou na minha porta.
— Cuide de tudo, por mim — pedi e sorri sem graça.
— Se preocupe com você e seu filho, mermã, o resto, deixa por
minha conta. — Marina beijou minha testa e bateu de leve no teto.
§§§§
Parei em frente ao colégio do Theo e fiquei olhando para a tela do
celular, ponderando se contava ou não a verdade para o Yan. Não fosse o
fato de o meu filho gostar muito dele, certamente, eu ignoraria a mensagem
– ou não.
A verdade é que eu estava usando o Theo para justificar o fato de
querer estar próximo dele. De tê-lo em nossas vidas. De... Meu Deus! Eu
não podia, algo me dizia que ele era casado. Ou, talvez, fosse trauma.
— Você não pode arriscar, Analu, não dessa vez — ralhei comigo
mesma. — Vamos lá, demonstre que é autossuficiente.
Devo confessar que há muito eu não dormia tão bem. Por mais que eu me
estresse ao ver como meu irmão é inconsequente, estar na casa dos meus
pais, no meu antigo quarto, é revigorante.
No momento que pensei no Gustavo, ouvi a voz dele – com o meu
filho – no quarto ao lado. Claro que o Theo quis ficar com o tio, eu não
impediria, mesmo que eu desejasse mais que tudo.
Olhei para o teto e fiquei observando os detalhes do lustre antigo. O
mesmo que foi colocando quando fiz quinze anos. Naquela época, eu achava
que meu irmão era meu bebê. Fechei os olhos e cobri a cabeça com o
edredom estampado com flores silvestres – as minhas preferidas.
Me perguntei quando foi que eu e o Gustavo perdemos a conexão e a
lembrança enviou uma pontada à boca do meu estômago. Todas as rupturas
da minha vida aconteceram quando soube que estava grávida do Theo. Eu
tinha vinte e cinco anos, residente de um dos maiores hospitais de São Paulo.
Fiz a burrada de me envolver com a pessoa errada.
— Mamãe... mamãe... o tio Gustavo quer me levar no Shopping,
posso ir? — disparou meu filho, entrando em um rompante no quarto. Não
contente com a forma que adentrou ao cômodo, puxou o edredom do meu
rosto e insistiu: — Você está doente, mamãe? Por que ainda está na cama?
Sorri e baguncei seus cabelos.
— Ei, garotão da mamãe, que sangria desatada é essa? — brinquei e
vi Gustavo na porta do quarto – me olhando ressabiado. Umedeci os lábios e
balancei a cabeça. Aquela situação não podia continuar. Theo está crescendo
e, sem sombra de dúvida, entraria numa guerra. — Bom dia, Gustavo —
cumprimentei meu irmão, que franziu o cenho e meneou a cabeça em
resposta.
— Eu disse ao Theo que era melhor a gente ficar aqui, mas caí na
besteira de contar que tem um game novo no Shopping aqui de perto. Vem,
Theo, melhor...
— Tudo bem — respondi e meu irmão me olhou com uma expressão
intrigada. — Posso ir, também?
Gustavo revirou os olhos e bufou.
— Era muito, para ser verdade — censurou e fez um gesto de “que
seja”.
“Bom dia, Analu, tudo bem? Me desculpe por ontem. Surgiu uma
emergência e precisei correr. Podemos nos encontrar? Te explico melhor.”
— Vamos, mãe, não quero que esse indivíduo fique perto do meu
filho, o que ele rejeitou — falei firme e saí marchando em direção a eles.
No momento que cheguei, achei que o “nobre doutor” teria um
ataque do coração. Ele não poderia se salvar, agir como “Deus” em si
próprio, como costuma dizer que fazia com os pacientes. Algo que eu
idolatrava de início.
— Mãe, olha que hilário tenho um novo amigo — contou-me Theo
sorridente. — O pai dele é maneiro, me convidou para brincar na...
— Filho, quantas vezes tenho que falar pra não conversar com
estranhos — repreendi-o com a voz alterada. Theo arregalou os olhos e
afastou um pouco o tronco – assustado. Peguei no braço dele e o trouxe para
o meu lado. — Vamos embora — determinei e fui me virando.
— Mas, mãe, ainda não acabamos o jogo, estou ganhando —
reclamou meu filho – tentando se soltar do meu cativo. Theo falava, mas
minha atenção continuava nele – que olhava de mim para o Theo e, em
seguida, para o seu filho. Qualquer um conseguia ver a semelhança dos
garotos. — Mãe... — chamou-me Theo, com a voz oscilante. Olhei para
baixo e vi seus olhos cheios d’água. — Está doendo — completou e eu o
soltei rapidamente – agachando-me à sua frente.
O puxei para um abraço forte e alisei seu braço – onde eu tinha
apertado.
— Perdão, meu amor. Mamãe não queria te machucar. — Coloquei
seu rosto entre minhas mãos e beijei todas as partes do seu rosto.
— Mãe, está me fazendo passar vergonha de novo — falou baixinho,
com a voz embargada.
O soltei e olhei dentro dos seus olhos.
— Promete que nunca mais vai fazer isso?
Sua expressão era de confusão. Theo não compreendia a gravidade
da situação e eu nunca poderia explicar.
— Tia, mãe do Theo — chamou-me o garoto – cutucando minhas
costas. Segurei os lábios nos dentes, cerrei um pouco os olhos e suspirei –
antes de voltar a ficar em pé. — A gente só estava jogando, o Theo não fez
nada de errado — defendeu meu filho e meu sorriso foi de desespero.
Dizer que eu estava mais perdida do que cego em tiroteio seria puro
eufemismo.
Meu corpo parecia que ia entrar em ebulição...
Minha cabeça latejava...
Meus braços e pernas pareciam de uma boneca de pano.
— Então, você seguiu com isso — constatou o doutor, por fim.
— Quando você diz isso, está se referindo ao meu filho? — berrei e
avancei para cima dele.
Em fração de segundos, Gustavo entrou no meio e me segurou pelos
ombros – me olhando firme.
— Você não quer que seu filho veja isso — disse entredentes. —
Controle-se, porra! Aja como adulta, caralho!!!
Por cima dos ombros do meu irmão, vi o olhar assassino de Evandro.
Não pensei que a situação pudesse piorar, até a “Barbie” chegar.
— Oi, meu amor, o que... — Ela engoliu as palavras, no momento
que bateu os olhos em mim. — O que essa prostituta faz perto do meu filho?
— esbravejou e foi pegando o filho pelo braço, assim como eu tinha feito
com o Theo.
— Do que ela acabou de me chamar, Gustavo? — gritei e vi quando
um segurança começou a se aproximar de nós.
— Porra, Analu, vamos embora. — Gustavo continuava me
segurando e falando entredentes. — Mãe, pegue o Theo. — Minha mãe
pegou meu filho pela mão e saiu arrastando-o pelo corredor.
— Você disse que ela tirou, Evandro — continuou a “Barbie”. — Ele
é a sua cara, mentiu pra mim!? — concluiu e pegou o filho – fazendo o
mesmo que minha mãe havia feito com o meu.
Gustavo tentava me levar para longe, mas quando Evandro veio ao
meu encontro, não me movi. Ergui o queixo e esperei.
— Satisfeita? Acabar com a minha vida uma vez não foi suficiente?
— vociferou. Não fosse o Gustavo entre nós, nossos corpos estariam à
milímetros.
— Eu continuo solteira, quem estava de casamento marcado era
você. Mentindo o tempo todo. Só teve coragem de me contar quando
engravidei. Eu, toda feliz, achando que nos casaríamos, e você praticamente
me obriga a tirar a criança. Por sua causa, tive que mudar toda minha vida.
— Foi essa a história que contou pra sua família? Mentirosa. Sabia,
desde o início, que eu era comprometido. Engravidou pra tentar me segurar.
Você não passa de uma interesseira — falou baixo e contido.
Fechei o punho e ergui o braço para bater nele. Gustavo me segurou.
Comecei a me debater.
— Senhora, preciso que saia, está incomodando os clientes — avisou
o segurança.
— Caralho, Analu, olha o papelão a que está se prestando. Você não
é assim, cadê sua racionalidade, porra!
Respirei fundo e fechei os olhos. Meu irmão, pela primeira vez,
estava coberto de razão. O ódio que senti conseguiu dominar todas as
minhas atitudes.
— Tem razão — sussurrei. — Me desculpe, já estou saindo —
justifiquei-me com o segurança – que meneou a cabeça.
— O que disse a ele? — insistiu Evandro.
— O pai do Theo está morto — comuniquei e me virei – arrumando
a bolsa no ombro.
— Isso não vai ficar assim, ele tem o direito de saber a verdade.
Travei no lugar e olhei para o meu irmão – desesperada. Só podia ser
um pesadelo.
— Cara, se liga, meu. Você nem queria o garoto, não força a barra —
censurou Gustavo.
— Não queria, enquanto ele ainda era um grão dentro dela. Agora,
ele é meu filho, tenho meus direitos.
Meu corpo inteiro estremeceu. Calmamente, fiquei de frente para ele
e enfiei o indicador em seu peito.
— Se chegar perto do meu filho, não me responsabilizo pelos meus
atos — ameacei – com os olhos estreitados.
— Isso é o que veremos — garantiu e se virou – me deixando de
boca aberta.
§§§§
Sorte que meu irmão estava conosco e voltou dirigindo. Fiquei fora
de órbita por um bom tempo. Theo me olhava de esguelha sem entender
nada. Era a primeira vez que meu filho tinha medo de falar comigo. Minha
mãe tentava o distrair, para que não ficasse assustado.
Assim que chegamos na casa da minha mãe, meu filho foi para o
quarto com o tio e eu fiquei na cozinha com minha mãe.
— Filha, ele...
— Mãe, não quero falar sobre isso — cortei-a e continuei a preparar
um macarrão.
Não tenho muito tempo para cozinhar, geralmente, como no trabalho
e a Lia se encarrega da comida do Theo. No entanto, é uma das coisas que
consegue me desestressar um pouco.
— Uma hora, vai ter que enfrentar, contar a verdade ao Theo —
continuou e eu parei com a colher de pau dentro da panela.
— Nunca vou contar a ele, mãe.
— Não acho que seja tão ingênua assim, filha. Sabe que o Evandro
virá atrás do filho — lembrou-me e eu engoli em seco.
Baixei a cabeça e prossegui mexendo o molho branco. Se eu pudesse
voltar no tempo, não teria tido a triste ideia de passar uns dias em São Paulo.
Nem em sonho, achei possível os dois se encontrarem. Evandro é muito
ocupado para ficar passeando no Shopping.
— Mãe, corre aqui, o tio Yan está na TV. — Theo gritou à porta do
quarto do meu irmão.
Meu coração disparou de uma maneira tão intensa que cheguei a
perder o fôlego. TV? Só podia ter acontecido alguma coisa. Larguei a colher
dentro da panela e fui ao encontro deles.
“O bilionário, Yan Bennett, está sempre diversificando, além de ser o
diretor de comércio exterior da empresa da família e ter uma escola de
futebol de areia, ele acaba de comprar o Resort Esplanada. Ele e sua fiel
companheira Beatriz, estão comemorando a aquisição. Como se sente
senhor Bennett?”
Bilionário? Bennett? Fiel companheira? De novo, não! Caí sentada
na cama, coloquei o rosto entre as mãos e desaguei em choro.
Ponto Fraco
Gabrielle
Se tem uma coisa nessa vida que sempre tive certeza, é que eu me
vingaria, que destruiria todos da família Bennett, embora soubesse, desde o
início, que tinha o sangue deles correndo nas minhas veias.
Ali, diante do CEO da empresa, com a faca e o queijo na mão, não
deixaria uma fraqueza me derrubar. Algo que obviamente não teria
continuidade, mesmo que eu não fosse meia-irmã do idiota.
Henry não perdeu a oportunidade de me desafiar, a partir do
momento que bateu os olhos em mim. Infelizmente, a tensão sexual foi
instantânea. Ele sabe que tem poder sobre mim, só que eu não tinha ideia de
que exerço o mesmo sobre ele.
Chegara o momento de mostrar a que vim. Se eles me queriam na
empresa, me teriam. Não da maneira que esperavam, mas, sem sombra de
dúvida, os surpreenderia, porque teria acesso a toda e qualquer informação.
Estavam colocando o rato dentro da queijaria.
Depois de muitas suspiradas, Henry decidiu se virar novamente para
mim. Abriu o paletó e colocou as mãos nos quadris.
— Qual o seu problema? — esbravejou e se aproximou. Meu instinto
foi querer dar um passo atrás, mas fiquei firme.
O cheiro dele começou a entrar pelas minhas narinas. Meu corpo foi
ficando quente. Comecei a ter dificuldade de engolir, sentia como se
tivessem agulhas na minha garganta. Apertei as unhas nas palmas das mãos
e gemi. Ele olhou para elas e franziu o cenho.
— Vou levar todos — avisei à vendedora.
— Não quer provar antes?
— Tenho certeza de que você é muito boa no que faz e soube separar
o tamanho certo — afirmei e fui me virando. Peguei meus coturnos e me
sentei – calçando-os. Enquanto me arrumava, sentia o olhar do Henry em
mim.
— Sua mão está sangrando, o que aconteceu? — Respirei fundo e
mordi o lábio inferior – odiando que ele visse meu ponto fraco.
Te Achei
Yan
Diante dele, mil coisas passaram pela minha cabeça. Todos aqueles
sentimentos conflituosos estavam de volta. Se eu seguisse minha
racionalidade, viraria as costas e o ignoraria. Já os instintos do meu corpo,
me jogavam contra o dele.
Duvidei de que o veria novamente. Na minha cabeça, mesmo que nos
encontrássemos, ele se faria de desentendido. Por que iria querer ter contato
comigo, se já tinha conseguido atingir seu objetivo?
Eu precisava reagir, não podia deixar que outra pessoa, novamente,
definisse o rumo da minha vida e dos meus filhos. Que conseguisse mudar
minha personalidade, deixar-me amarga, desconfiada.
— Nossa, que honra, senhor Bennett — ironizei e abri um sorriso
maléfico. Cruzei os braços e travei o maxilar, controlando a tremedeira. Não
tinha uma parte do meu corpo que não reagia à presença dele.
Yan fechou os olhos e fez uma careta – balançando a cabeça.
— Eu tentei...
Com dois passos, estava a milímetros de seu corpo. Perdi o controle
dentro de um Shopping e me arrependi amargamente. Ali, dentro do meu
futuro local de trabalho, se eu parecesse uma louca, certamente, teria que
voltar a morar com meus pais. Obviamente, me expulsariam.
— Não me venha com conversa fiada — censurei-o entredentes. —
Poupe o meu e o seu tempo, bilionário — prossegui e ele segurou o lábio
inferior nos dentes – balançando a cabeça sem parar.
— Vamos conversar em outro lugar — sussurrou e esticou a mão
para me tocar. Me afastei bruscamente e lhe lancei um olhar ameaçador.
— Fico me perguntando qual foi o seu propósito. Qual foi o seu
interesse. Só uma coisa me ocorre: queria brincar comigo. Me fazer de
idiota.
— Analu...
— S.O.M.E D.A M.I.N.H.A V.I.D.A — enfatizei, com um controle
descomunal. Embora a tonalidade da minha voz fosse baixa – era intensa.
Fui me virando e, mesmo que minhas ameaças tivessem sido claras,
ele me segurou firme e me fez olhá-lo novamente.
— Vai me ouvir, doutora — decretou sério. Respirei fundo e umedeci
os lábios.
— Me solte. — Ele me soltou e ficamos nos encarando, pelo que
pareceu uma eternidade.
— Me desculpe — murmurou.
Ergui as sobrancelhas.
— Pelo que, mesmo?
— Não devia ter mentido, tentei...
— Sem justificativas, senhor Bennett...
— Só Yan, por favor — corrigiu-me – franzindo o cenho.
— Vai dormir melhor em saber que se desculpou por ter se passado
por outra pessoa?
— Você quem deduziu, eu não disse nada — defendeu-se de cara.
— Sério? Perguntei a você, no iate, sobre os Bennett — lembrei-o e
ele espremeu os lábios um no outro.
— Touche, mas...
— Esqueceu-se de me dizer que era casado, também, não foi?
— O quê? — Yan recuou o tronco e enrugou a testa.
— Tudo bem, fui burra pela segunda vez. Um dia aprendo.
— Analu, você...
— Tchau, senhor Bennett. Sente-se melhor em saber que não faz
diferença, pra mim, suas mentiras? Então — Abri os braços e sorri sem
vontade. — Coloque a cabeça no travesseiro e durma.
Não esperei a réplica. Avistei a enfermeira que me apresentava o
hospital, me esperando para continuarmos, e caminhei até ela. Puxei uma
boa quantidade de ar pelas narinas e soltei pela boca – pronta para deixar
tudo para trás e seguir com a minha vida. Se é que seria possível.
— Quem é aquela, Yan? — Pude ouvir alguém perguntando.
— Me fodi legal, Lucca.
Não me virei para saber com quem ele falava. Yan Bennett estava
morto para mim. Só deixaria meu filho continuar no futebol, porque era
muito importante para ele. Mas nunca mais passaria perto daquela praia.
Meu irmão, depois da crise de choro que tive em sua cama, veio
conosco para o Rio. Até tentei relutar, mas já tinha passado da hora de
termos uma conversa. Resgatar nossa conexão.
Joguei a cabeça para trás e gargalhei. Toda a tensão dos últimos dias,
quiçá, dos últimos anos, fora esquecida, naquelas poucas horas.
Visivelmente, a paciente era eu, não aquela senhora linda, não só de
aparência física, como de espírito. Estar com dona Miriam era agradável
demais. Se ela não me dissesse que sofre de depressão e síndrome do pânico,
eu duvidaria. Sua energia é contagiante.
— Seu filho deve ser uma figura e tanto — comentei, depois de mais
uma história inusitada que me contara.
— Ele é maravilhoso, não fosse ele, não sei o que seria de mim. —
Baixei a cabeça e respirei fundo – alisando o dorso da mão dela. — O que
foi querida?
Ergui os olhos e busquei segurança naqueles olhos claros – cheios de
brilho.
— Não posso criar mais um filho sem pai, Theo vem me cobrando.
— Baixei novamente os olhos. — É muito difícil, como pude ser tão
imprudente? Me odeio por isso.
— Querida, olhe pra mim. — Fiz o que pediu. — Você acredita em
Deus?
— Acho que sim.
— Então, não faça isso com você mesma. Se tem uma criança em seu
ventre é porque Papai do céu tem algo muito bom preparado pra você. Ele
nunca nos abandona, pode ter certeza de que foi permissão Dele.
Franzi o cenho, sem compreender a segurança que ela me passava,
com relação à criança que eu gerava. Era como se ela soubesse o futuro.
— Não foi assim com o Theo — admiti. — Não posso
responsabilizar Deus por meus atos impensados. Meu filho é a melhor parte
de mim, mas não vou negar o sofrimento que passei pra chegar até aqui.
Teria sido muito mais fácil, se eu tivesse uma pessoa ao meu lado.
Ela abriu a boca para responder e fechou novamente. Um lindo
sorriso estampou seus lábios – olhando para porta – às minhas costas.
Me virei e achei que meu coração escaparia do peito.
— Filho, você tá aí!
Arregalei os olhos e levei a mão em frente à boca. Olhei de um para
o outro, entendendo perfeitamente a razão da minha familiaridade com
aquele sorriso – eram idênticos.
Os passos dele foram firmes. Não sei se era o fato de eu estar
fragilizada, mas sentia como se o chão tremesse – cada vez que ele se
aproximava. Yan tinha um ar confiante e seus olhos não se desgrudaram dos
meus. Foi até sua mãe e beijou sua testa.
— Como você está, mãezinha? — indagou e a senhora se derreteu
toda – alisando o rosto dele.
Ele parecia tão mais bonito do que da última vez que o vi. Vestia
terno, embora estivesse amassado, com a camisa para fora – ainda assim, era
o mais formal que eu o vira. Os cabelos estavam uma bagunça completa e a
barba por fazer. Cristo! A camisa tinha os primeiros botões abertos...
Misericórdia! Senti vontade de pular nele e lamber cada pedacinho de pele
de seu peito. O seu cheiro preencheu todo o quarto e comecei a respirar com
dificuldade. Meus olhos não conseguiam se desviar dele e minha boca
permaneceu aberta.
— Filho, sua doutora é uma pessoa maravilhosa. Meu dia foi
perfeito.
Sua doutora? Ela sabia o tempo todo. Por isso, tinha tanta certeza de
que tudo daria certo. Meu Deus! Abri meu coração para a avó do meu filho.
Nunca imaginei estar em uma situação dessas. Eu não tinha saída, teria que
contar a ele.
— Olá, “Afrodite”, acho que se divertiram, de longe pude ouvir
vocês rindo alto. Tive que ficar na porta um pouco para não atrapalhar.
— O que ouviu? — inquiri – levando a mão ao peito.
Ele enrugou a testa e olhou para a mãe – que fez uma expressão de
desentendida.
— Poderia ter falado um pouco mais alto me facilitaria — divertiu-se
e eu soltei os ombros aliviada.
— Querido, pode me levar pra casa? — pediu e eu fiquei em pé –
procurando pelas minhas coisas.
— Bom, vou deixar vocês sozinhos, preciso ir também.
Dona Miriam segurou meu braço.
— Filho, Analu tem algo pra falar com você, não é, querida?
Meus olhos só faltaram saltar para fora do rosto. Engoli em seco e
umedeci os lábios – negando com a cabeça. Fui pega de surpresa, não havia
a menor possibilidade de aquilo funcionar. Eu tinha que elaborar meu
discurso.
— Pode ser outro dia, dona Miriam, a senhora precisa ir pra casa —
sugeri, com um riso completamente nervoso.
A expressão do Yan era divertida e intrigada, ao mesmo tempo. Ele
inclinou a cabeça para o lado e cruzou os braços – me escrutinando.
— Doutora, o que será que te deixou tão nervosa. Estou curioso —
atiçou e eu ergui o queixo – demonstrando segurança.
— Impressão sua, só... preocupada com sua mãe.
Dona Miriam sorriu e alcançou minha mão – apertando firme.
— Querida, vai dar tudo certo, confia em mim. Conheço meu filho.
— Ele estreitou os olhos.
— Acho que eu é que estou ficando nervoso, com esse mistério de
vocês duas. — Sorri de novo e espremi um lábio no outro.
— Leve sua mãe pra casa, vou cuidar da papelada — avisei e fui me
virando.
— Filho, vou no carro da Analu, assim vocês poderão conversar
tranquilo em casa. — Me virei novamente e olhei para a senhora –
chacoalhando a cabeça.
— Não, dona Miriam, outro...
— Você me salvou, querida, agora é a minha vez. Vá lá, enquanto
Yan me ajuda a me arrumar. Vamos te esperar aqui.
Por mais que eu tentasse, Analu não estava à vontade. Depois de muitos
agradecimentos à doutora, consegui levar minha mãe para o quarto. A deixei
sob os cuidados da Mel e desci – encontrando Analu observando os detalhes
da casa, tensa.
— Acho melhor conversarmos depois, você está cansado —
esquivou-se e eu me aproximei – pegando em seus ombros.
Ela parecia abalada. A mesma pessoa que correu para os meus braços
no dia que sofreu um atentado. Ficamos nos olhando por alguns minutos.
Encostei a testa na dela e respirei fundo.
— Me desculpe, por favor — implorei. Apesar de não saber
exatamente o que queria me dizer, sem sombra de dúvida, estava tensa pelo
fato de eu ter me passado por outra pessoa. — Preciso que me perdoe, essa
distância está acabando comigo — confessei, porque aqueles trinta dias
longe dela foram uma tortura.
Analu desviou o olhar e mordeu os lábios – angustiada.
— Podemos conversar em outro lugar? — Franzi o cenho e tenho
certeza de que minha expressão foi de confusão. — Aqui é muito... — Olhou
em volta. — Íntimo... seu espaço. Preciso de um lugar neutro.
Por longos minutos, analisei as reações de seu corpo. Comecei a me
preocupar com o que tinha a me dizer. Ela tremia.
— Ei, não precisa ficar nervosa, seja o que for que vai me dizer, vou
compreender, ok?
— Você não entende, já passei por isso — explanou, com a voz
embargando. Segurou o lábio inferior nos dentes e negou com a cabeça. —
Por favor, pode ser em outro lugar? — Concordei e a soltei.
— Já volto, só vou avisar lá em cima — adverti e apontei para o
andar de cima.
Corri até o quarto da minha mãe e a encontrei dormindo, com Mel
lendo na poltrona. Beijei sua testa e avisei à moça que estava saindo, que não
era para ficar um minuto longe dela. Peguei a chave do meu carro e desci
correndo de volta. Eu devia estar uma bagunça só. Desde cedo com a mesma
roupa.
Analu arrumou a bolsa no ombro e foi para a porta – com a chave do
carro na mão.
— Vamos juntos, deixe o seu aqui — determinei e tirei a chave da
mão dela.
— Melhor eu...
— Sem discussão, Analu. Você não está em condições de dirigir.
Sem que eu percebesse, segurava a mão dela – que mais parecia uma
pedra de gelo. Por instinto, a puxei para o meu corpo e a abracei –
afundando o rosto em seu pescoço. O cheiro inebriante me dominou
novamente, despertando meu “amigo” – que teria que compreender que não
era o momento de ele se divertir – ainda.
— Senti sua falta — declarei e passei o nariz por toda a extensão de
seu pescoço. Ela se encolheu um pouco e suspirou. Sorri, com a boca colada
à sua pele. Mordi de leve a ponta de sua orelha e me afastei. — Vamos. —
Entrelacei nossos dedos e a carreguei para fora.
Tive o privilégio de conhecer duas Analu e, mesmo que eu gostasse
muito da doutora petulante e desafiadora, tê-la frágil, sob meu domínio,
passava-me a sensação de posse. Embora tivesse consciência de que era um
pensamento de homens das cavernas.
§§§§
Dentro do carro, durante todo o trajeto, Analu não olhou para mim.
Seu rosto permaneceu virado para a janela. A maioria das pessoas que
entram na minha “máquina” fica impressionada. Ela não demonstrou
nenhuma reação. Completamente alheia a tudo à sua volta.
Qualquer coisa que eu dissesse, tenho certeza de que ela mal ouviria.
Sendo assim, decidi levá-la para um lugar neutro, mas que eu conhecia: um
hotel. Meus almoços ou jantares de negócios costumavam ser nele. Algumas
vezes, aproveito a fico na suíte presidencial para relaxar.
Parei o carro e, pela primeira vez, ela me olhou, com uma expressão
de assombro.
— Aqui? É muito chique esse lugar.
Sorri e desci do carro – entregando a chave ao manobrista. Esperei
que o outro rapaz abrisse a porta para ela e a ajudasse a descer. Entrelacei
novamente nossos dedos e, sem esperar sua recusa, caminhei para a recepção
– levando-a comigo.
— Boa noite, senhor Bennett — cumprimentou a atendente e Analu
revirou os olhos.
— Acho que só eu que não sabia que você é um Bennett —
cochichou ao meu ouvido – bufando.
Virei o rosto para ela e beijei a ponta do seu nariz.
— A suíte presidencial está livre? — indaguei e Analu apertou minha
mão – ficando na ponta dos pés.
— Yan, que exagero — reclamou, com a boca colada à minha orelha.
Quantas sensações aquela mulher era capaz de provocar no meu
corpo? Sentir o hálito dela no meu pescoço e o toque suave de sua boca na
minha pele fez meu corpo quase entrar em combustão. Eu precisava, como
alguém que está embaixo da água precisa de ar, ficar a sós com ela.
Agradeci a atendente, me passando a senha do elevador para a suíte
presidencial e carreguei Analu comigo. Mal as portas se fecharam, não
pensei para agir. Deixei o desejo e a falta que senti dela dominarem minhas
ações.
A empurrei contra o espelho, ergui seus braços acima da cabeça e
ataquei seus lábios carnudos. De início, Analu tentou resistir. Assim que
minha língua percorreu todos os espaços de sua boca, seu corpo cedeu. A
sua língua ávida entrou na brincadeira. No momento que nossas línguas se
entrelaçaram, ambos gemerem vergonhosamente. Uma de minhas mãos
mantinha seus braços em cativo e a outra percorria seu corpo. Eu conhecia
cada pedacinho dela e sabia o quanto ela era quente e deliciosa. Só precisava
fazer com que relaxasse.
As portas da caixa de aço se abriram e me afastei ofegante. Ela
ajeitou a roupa e baixou o olhar. Peguei em sua mão e a tirei dali. Ansiava
por um lugar privado, onde eu pudesse fazê-la gritar.
Digitei novamente a senha para entrar e a puxei para dentro da suíte
– atacando seus lábios e chutando a porta para fechar.
— Yan... Yan..., espera — pediu e foi me empurrando. — Me afastei
– respirando com dificuldade. — Precisamos conversar.
— Depois. — Dei um passo e ele estendeu o braço me impedindo.
— Agora, Yan. Não imagina o quanto está sendo difícil pra mim, não
dificulte mais ainda. — Ela ofegava para falar e o peito oscilava.
— Vai me dispensar, de novo? — deduzi, porque ela voltou a ficar
tensa e séria.
Sua cabeça balançou negando. Analu olhou para trás e apontou para
um sofá. Assenti e a acompanhei. Sentei-me em uma poltrona à sua frente e
aguardei que ela se recompusesse.
Antes de começar, olhou em direção à cozinha da suíte.
— Preciso de água.
Me levantei rapidamente.
— Podemos tomar um drinque, se preferir. O que você gosta de
tomar? — Apontei à adega luxuosa.
— Só água, Yan, por favor.
Peguei duas garrafas no frigobar e voltei a me sentar. Entreguei-lhe a
garrafa e ela tomou tudo de uma vez. Colocou a garrafa vazia na mesa ao
lado e ergueu os olhos para mim.
— Primeiro, quero dizer que não foi de propósito, eu nem sabia que
você é bilionário — iniciou e parou – respirando com dificuldade. Fui falar e
ela ergueu um dedo – me impedindo. — Já fui rechaçada uma vez, Yan. Se
for casado, ou coisa parecida, por favor, a hora é agora de me contar.
Sorri e balancei a cabeça.
— Por que cismou que sou casado?
— Quem é Beatriz?
— Minha amiga e companheira de trabalho.
Uma sobrancelha dela se içou.
— Parecia muita mais que isso.
— Onde foi que você nos viu juntos?
— Na TV, quando soube quem você é.
Bati a mão na testa e me joguei na poltrona. Por isso ela ficou tão
furiosa. Caiu direitinho no que a imprensa quis passar.
— Não pode acreditar em tudo que a TV mostra — resmunguei e
voltei para ponta da poltrona. — Analu, preste atenção, não sou
comprometido, a não ser com a minha mãe, que dispensa explicação. — Ela
assentiu e mordeu os lábios. Alcancei suas mãos e entrelacei nossos dedos.
— Seja o que for que queira me contar, fique tranquila que vou entender. Se
não vai me dispensar, já fico aliviado — descontraí, mesmo começando a me
preocupar com que ela tinha a me dizer.
— Ok. — Respirou. — Estou grávida — despejou de uma vez.
Meu corpo paralisou...
Meu coração disparou...
Meus olhos se arregalaram...
Minha boca escancarou-se.
Em momento algum, passou pela minha cabeça que ela me daria uma
notícia como aquela.
Sem que eu tivesse tempo de pensar, caí de joelhos aos seus pés e a
abracei pela cintura – afundando o rosto em seu peito. Como um bebezão,
senti os olhos úmidos. Precisei de um controle acima do normal para não me
desmanchar em seus braços.
— Porra... porra... porra... — praguejei abafado, sentido a garganta
fechar.
— Yan, pelo amor de Deus, fala comigo — suplicou e eu ergui o
rosto – sorrindo como um idiota.
Levei a mão à sua nuca e trouxe seu rosto até mim – atacando sua
boca. Eu tentava controlar a intensidade dos meus atos, mas falhava
miseravelmente. Tenho certeza de que a estava machucando. A apertava
sobre meu corpo e mordia seus lábios – descontroladamente.
— Você é maravilhosa — declarei. Ela tentou falar e eu a calei com
meus lábios novamente.
Fui me levantando e a puxando comigo. Em pé, passei as mãos por
trás de suas pernas e a fiz cruzar em minha cintura – sem descolar minha
boca da sua. Caminhei para o quarto – me sentindo o homem mais sortudo
do mundo.
Ainda não tinha digerido a notícia e meu corpo já ansiava por ela,
muito mais do que antes. Queria ter certeza de que ela era minha. De que
nada a faria fugir de mim. Que seríamos a família que tanto sonhei.
A joguei na cama. Coloquei um joelho de cada lado de seu corpo e
comecei a abrir os botões de sua calça social. Analu ofegava e sorria junto.
Arrastei a calça pelas suas pernas e a joguei no canto. Ergui sua perna e fiz
uma trilha de beijos – do tornozelo até a virilha.
— Yan... eu preciso saber...
— Shiii... você precisa de mim dentro de você.
Amada
Analu
Eu tinha que admitir, embora troglodita, Henry era muito bom no que
fazia. Tirando a parte de ser arrogante e todos os funcionários terem medo
dele, ninguém chegava aos seus pés.
Há dias que eu o acompanhava em cada momento de seu dia.
Confesso que era torturante tanto para mim quando para ele. Em várias
situações, quando eu não me afastava, ele o fazia.
A tensão sexual entre nós era massacrante.
Quem conseguia explicar ao nosso corpo que éramos meio irmãos?
Quando o velho me informou que Henry quem me prepararia para
assumir uma diretoria na empresa, achei que estava de brincadeira. Refutei
de início, até descobrir que não tinha outra alternativa.
A convivência com o CEO fez-me entender o porquê de Isaac
Bennett exigir que fosse o Henry. Sua competência é inegável. Duvido que
tenha alguém na empresa que entenda cada detalhe dela, como ele.
O que me leva a crer que esteja em conchavo com o velho. Durante
minhas investigações, além de descobrir que Isaac Bennett alicia moças,
recebi denúncias de que usa os caminhões da empresa para transportar
drogas. Na época, Henry me expulsou de sua sala e me processou. Cheguei a
perder o distintivo por uns dias.
Agora, dentro da empresa, minha primeira meta era investigar a
veracidade das denúncias. No entanto, se Henry conhece cada detalhe da
empresa, está ciente desse crime.
Tentei me desvencilhar dele e começar a busca pelos transportes de
mercadorias – sem sucesso.
— Gabrielle, está prestando atenção? — Henry vociferou e me
fuzilou com o olhar. Respirei fundo e concordei com a cabeça. — Sério?
Então, coloque em prática o que acabei de te explicar — exigiu e ficou em
pé – apontando para o monitor de seu computador.
Bufei e revirei os olhos.
— Ok, pode repetir?
— Acha que sou empregado? O que pensa que estamos fazendo?
Brincando de casinha? — gritou e espalmou a mesa – ficando com o rosto a
milímetros do meu.
Odiava quando ele falava comigo naquele tom. Odiava, mais ainda,
quando ele usava seu corpo para se impor.
— Consegue ser educado, só um pouquinho? — ironizei e fiquei em
pé – aproximando o indicador do polegar, bem perto do seu rosto.
Ele ficou ereto e abotoou o paletó.
— Preciso visitar um depósito e acompanhar um carregamento —
avisou. Sorri. Era minha chance de investigar. — O que é engraçado?
— Vou junto?
— Tenho opção?
Dei de ombros e alarguei o sorriso.
§§§§
Henry dispensou o motorista e os seguranças que costumavam nos
seguir. Antes de assumir a direção do carro, tirou o paletó e a gravata, abriu
os dois primeiros botões da camisa e arregaçou as mangas.
O caminho foi longo. As veias de seus antebraços saltavam ao
apertar o volante. O maxilar era pressionado com violência. Algo o
incomodava. Franzi o cenho, quieta. A ponta de um prédio apontou e deduzi
ser o nosso destino. O lugar era afastado da cidade, os únicos vizinhos eram
outros depósitos – cercados de muros altos.
Depois de escrutinar em volta, ele embicou o carro na entrada e
abaixou o vidro. Não precisou de palavras, o segurança, na guarita, o
reconheceu e abriu os grandes portões de ferro. Um aceno com a cabeça foi
a forma de agradecimento. A vaga privativa quase não comportou sua
“máquina” potente. Descendo do carro, empertigou-se e encheu o peito de
ar. Desci e ajeitei a roupa formal que era obrigada a usar.
Os passos largos logo estavam na área que era seu alvo. O segui,
calada. Avistando os caminhões, com as portas dos baús abertas, aproximou-
se. Ele não se deu ao trabalho de cumprimentar os transportadores da carga,
abordou um carregador e enfiou o dedo em um saco que estava no carrinho.
Levou o dedo à boca e provou o conteúdo. Seus olhos se arregalaram. Não
precisava que ele dissesse nada. Eu sabia o que continha no pacote.
Se era esse motivo de estarmos ali, ficou evidente que o CEO foi
pego de surpresa.
— Caralho, como deixei isso acontecer, debaixo do meu nariz? —
praguejou e começou a andar em círculos. — Cadê o responsável pela carga?
— gritou e vi um monte de homens saindo de mansinho.
Enquanto ele rugia, fui conferir o conteúdo do pacote danificado.
Assim como ele, enfiei o dedo e o levei à boca. Inquestionavelmente era
cocaína. Honestamente, meus sentimentos foram contraditórios. Eu sempre
quis destruir os Bennett e estava com a faca e o queijo nas mãos. Entretanto,
o tempo que passara dentro da empresa. A convivência com Lucca e, mesmo
com o Henry, me fez duvidar da participação dos filhos nos negócios
obscuros do pai. Vendo o desespero do Henry, naquele momento, só
acentuou minha teoria.
— Cadê a porra do responsável por isso aqui, caralho!? — berrou e
a pessoa que eu menos esperava apareceu.
Minha mão foi diretamente à boca e vi, pela primeira vez, Henry
vacilar. O pomo de Adão subiu e desceu e o riso que escapou de seu peito foi
puramente de nervoso.
— Pai? O que está fazendo aqui? — indagou incrédulo.
— Você tinha que ser enxerido? Aposto que foi a Gabrielle que te
influenciou — acusou-me e, antes que eu me defendesse, Henry o fez.
— Ela não tem nada a ver com isso. Recebi uma ligação anônima e
vim conferir. Me diz que não tem nada a ver com isso, pai — implorou,
certamente, torcendo para que o pai confirmasse.
— Sabe o motivo de eu ter aceitado ser seu pai e deixar você assumir
a frente dos negócios? Porque sempre foi muito parecido comigo, mas vejo
que foi um erro, está pior do que meus filhos.
Vi quando as pernas do Henry se dobraram um pouco. Meu coração
disparou e meu olhos se arregalaram
— O que quer dizer? — inquiriu Henry – com a voz vacilando.
— Isso mesmo que entendeu, você não é meu filho.
O velho mal terminou de falar, Henry saiu em disparada para o carro,
corri atrás dele, mas não deu tempo, ele saiu cantando os pneus.
Meu coração me ensurdecia e na minha cabeça só tinha barulho.
Acontecendo
Yan
Minha vida mudou da noite para o dia. Apenas uma notícia transformou
meu mundo. Não só o meu, como o da minha mãe. Inacreditavelmente, saber
que vai ser avó, renovou as energias da dona Miriam. As meninas que
cuidam dela estão maravilhadas.
— Filho, não se atrase, já estou quase terminando o almoço —
avisou-me e eu sorri.
Depois de muitos anos sem ânimo, minha mãe decidiu voltar a
cozinhar. Fazer coisas diferentes. Por sugestão dela, vou buscar Analu e
Theo para almoçar conosco. É sábado e Analu pegou folga no hospital.
Ainda não sentamos para falarmos sobre seu trabalho. Pela minha
vontade, ela pararia, pelo menos por um tempo. Mas sei que não é bem
assim que funciona com ela. Tenho que deixar que Analu chegue a essa
conclusão, porque se eu cogitar, tenho certeza de que vai negar, só para
mostrar que não tenho poder sobre ela. Nunca vou admitir para ela, mas essa
garra foi o que mais me atraiu nela.
Me aproximei da minha mãe e beijei sua têmpora.
— Acalme seu coração, dona Miriam, estou indo buscá-los.
— Já falou com ela, filho? — indagou, com uma voz suplicante.
No dia seguinte que soube que seria pai, minha mãe sentou-se
comigo e relatou tudo o que Analu a confessara – antes de saber que era
minha mãe. Entendi o porquê daquela muralha que a deusa ergueu. Ela foi
machucada e humilhada. Dona Miriam foi incisiva, quando me disse para
tomar cuidado como agir. A primeira coisa que sugeriu é que eles venham
morar conosco, já que Analu admitiu ter que trabalhar muito para garantir o
melhor ao filho. Não fazia ideia de como iniciar o assunto com Analu.
— Mãezinha, sabe que não é tão simples. Não posso chegar e sugerir
isso a ela, sem contextualizar. Conheceu Analu, não é uma mulher fácil —
esclareci e sorri.
Minha mãe me acompanhou com um largo sorriso.
— É a pessoa certa pra você, filho. Vai te colocar na linha. —
Beliscou minha bochecha e eu fiz cara de quem não tinha gostado muito. —
Sabe que estou certa, garoto. Agora, vai lá, quero conhecer meu neto.
Ver a empolgação da minha mãe em conhecer o Theo encheu meu
peito de felicidade. Ela realmente estava “saindo da caixa” e esse fato não
tem dinheiro que pague. Porque já tentamos de tudo e nada a fez querer
viver de verdade – até a chegada da Analu.
§§§§
Estacionei o carro e escrutinei o lugar. Não era ruim, mas não
chegava nem perto de onde eu morava. Olhei o prédio que Analu morava
com o filho e respirei fundo, porque, mesmo que fosse conservado, era
modesto.
Desci e me empertiguei, fazendo sinal ao segurança que me
acompanhava de que estava tudo bem. Atravessei a rua e procurei uma
pessoa que me anunciasse.
— Legal, sem porteiro — ironizei para mim mesmo. Fazendo uma
nota mental de convencê-la imediatamente a vir morar comigo. Assim que as
pessoas soubessem que estávamos juntos, morar ali, sem segurança alguma,
seria arriscado demais.
Procurei o número do apartamento dela e apertei o botão do
interfone. Dois toques e a vozinha do Theo soou, provocando um sorriso em
meu rosto. Meu apego com o garoto foi instantâneo, antes mesmo de eu ter
algo com sua mãe.
— Tio Yan, é você? — questionou eufórico.
— E, aí, garotão?
— Mãe, o tio Yan chegou, vamos descer — gritou.
— Theo, abre para eu subir.
Eu precisava de mais argumentos para convencê-la a ir morar
comigo. Certamente encontraria vários no apartamento dela. Ouvi o trinco
da porta abrir e a empurrei, antes que Analu aparecesse ali e me impedisse
de subir.
Mais uma vez, me surpreendi ao procurar o elevador – nada.
Balancei a cabeça e comecei a subir as escadas. Para mim, não há problema
algum subir quatro andares de escada, mas seria mais um argumento a meu
favor.
Nem precisei tocar a campainha, Theo estava na porta e, assim que
meu viu, pulou no meu pescoço – radiante.
— Tio Yan, você vai ser meu padrasto?
Abracei o garoto e o coloquei no chão – bagunçando seus cabelos.
— Isso depende da sua mãe, garoto.
Ele olhou para trás e ergui a cabeça – encontrando uma Analu
maravilhosamente linda na porta – com um sorriso tímido.
— Mãe, o tio Yan vai ser meu padrasto? — devolveu a pergunta a ela
que, antes de responder, abriu e fechou a boca algumas vezes.
— Temos visita ilustre hoje? Que honra receber um Bennett em meu
humilde prédio. — Analu foi salva pela amiga, saindo do apartamento ao
lado.
Arrumei a postura e sorri.
— Só Yan, por favor. Tudo bem com você? — Fui até ela e estendi a
mão para cumprimentá-la.
— Melhor agora, essa visão é dos deuses — brincou, medindo-me
dos pés a cabeça, e eu gargalhei – adorando a forma descontraída de lidar
com a coisas, que a amiga dela tinha.
— Estamos prontos, se você quiser... — Analu começou a falar e eu
a interrompi – indo até ela e a beijando nos lábios.
Foi somente um toque de leve, não era o momento e nem o lugar de
aprofundar, apesar de ter tido um controle enorme para não o fazer.
— Oi, como está se sentindo? — sussurrei, com a testa colada a dela
e a mão em sua nuca.
Vi quando ela desviou o olhar para a “plateia” e engoliu em seco. Me
afastei e sorri ao Theo que tinha a expressão de uma criança que tinha
acabado de ganhar o melhor presente de todos.
— Isso aí, mermão, apostei em você desde o início — descontraiu a
amiga.
— Posso conhecer sua casa? — sugeri e encontrei um pouco de
resistência em seu olhar. Ergui uma sobrancelha e ela cedeu – afastando-se
da porta e fazendo um sinal para eu entrar.
Como imaginei, era tudo muito organizado e de bom gosto, no
entanto, simples. Tirando o quarto do garoto, que tinha tudo de última
geração. Estava claro que Analu precisava de alguém que cuidasse dela.
Porque o que minha mãe tinha me contato foi comprovado: ela só se
preocupava com o filho. Só que nunca admitiria.
— Eu sei que não é muita coisa, mas vivemos bem aqui —
justificou-se, antes mesmo de eu dizer qualquer coisa.
— Parece confortável — concordei e sorri.
— Podemos ir, agora? — insistiu e assenti.
— Minha mãe está ansiosa para conhecer o Theo — comentei,
enquanto caminhávamos para a porta de saída. Theo ficou junto com a
Marina nos esperando fora do apartamento.
— Ele está eufórico, desde o momento que disse que almoçaríamos
em sua casa.
Saímos e Theo estava extremamente agitado.
— Vamos? — apressou e sorrimos.
— Bom almoço pra vocês — desejou Marina.
— Venha conosco, minha mãe vai adorar conhecer você — convidei.
— Fica pra próxima, vou deixar a família se acertar primeiro. —
Piscou e olhou para a Analu – fazendo um gesto que eu não compreendi o
que significava. Pela expressão da doutora, era alguma bobagem.
Theo pegou na minha mão e me puxou em direção às escadas. Olhei
para Analu e meu coração deu uma falhada – seus olhos estavam marejados.
Aquele momento me fez decidir que não adiaria, nem mais um dia: os
levaria para morar comigo. Eu cuidaria dos dois.
— Seu carro é maneiro, tio Yan. Você pode me levar para a escola
segunda? Meus amigos vão pirar, tá ligado!?
— Theo! O que foi que conversarmos, filho? Que coisa feia! —
repreendeu Analu e eu coloquei a mão em sua perna – apertando de leve.
— Claro que levo, carinha. Todos os dias, daqui pra frente.
Analu me olhou feio e balançou a cabeça – desistindo.
Pelo retrovisor, observava o olhar de encantamento do garoto.
Justificável, tirando Analu, todas as pessoas que entraram, pela primeira vez,
na minha máquina, se deslumbraram.
Embiquei o carro na entrada do condomínio e vi o corpo de Analu
endurecer.
— Está tudo bem? — indaguei e ela fez que sim com a cabeça –
respirando fundo.
— É tudo tão... — Suspirou. — Está acontecendo muito rápido.
Não era só ela quem estava assustada.
Fascinada
Analu
Meu Deus! É surreal! Não queria parecer uma caipira ou coisa do tipo,
mas nunca tinha estado em um lugar tão glamouroso como aquele. Fiquei
com medo do comportamento do meu filho que, apesar de estudar em um
dos melhores colégios da cidade e seus amigos, certamente, morarem em
lugares como aquele, não era o mundo real dele.
— Pronta? — indagou Yan, virando o corpo para mim, ainda dentro
do carro.
Evidentemente, eu não escondia minha insegurança. Por mais que eu
tentasse disfarçar. A todo momento, me lembrava de que tinha um bebê
daquele homem lindo e bilionário dentro de mim. Era o que me encorajava a
continuar com aquela loucura. Porque, mesmo que eu soubesse que estava
apaixonada por ele, e meu filho também, não queria dizer que Yan se
sentisse igual, embora tenha demonstrado que sim. Mas eu precisava ouvir,
com todas as letras. Só assim, talvez, me sentisse mais segura e pertencente
àquele mundo.
— Olha lá, mãe, o Pedro, meu colega da escola — Theo apontou
para um garoto que andava de bicicleta dentro do condomínio.
Sem sombra de dúvida, seria muito mais fácil para o meu filho, do
que para mim. Theo transbordava de felicidade, isso porque eu não tinha
contado a ele sobre a gravidez. Queria um momento só de nós três para dar a
notícia ao meu filho.
— Que legal, Theo. Vai lá dar um oi para o seu amigo — incentivou
Yan, sabendo que eu ficaria mais solta, com meu filho distraído.
Theo olhou para mim, esperando uma autorização. Meneei a cabeça
concordando, ele abriu a porta e saiu em disparada. Não estavam muito
longe, pudemos ouvir a conversa.
— Ei, Pedrão, você mora aqui?
— Theo, que maneiro, você por aqui.
— Sim, sabe o professor Yan, do futebol, que te contei? Ele mora
aqui. Ele tá namorando minha mãe, maneiro, não é? Acho que um dia vou
morar aqui, também.
— Cara, que massa, vamos poder jogar juntos.
Arregalei os olhos e fiquei com receio de olhar para o Yan. As coisas
estavam acontecendo rápido, mas, aparentemente, não tanto quando meu
filho gostaria.
— Crianças — comentei e baixei o olhar – balançando a cabeça.
Seus dedos longos tocaram meu queixo e me fizeram olhar para ele.
Yan tinha o sorriso de “milhões de dólares” estampado no rosto.
— Ele está certo, acho que deveriam vir morar aqui.
— O quê!? Não, Yan... — gaguejei. — Isso é... Meu Deus! Loucura.
A gente nem se conhece direito.
Suas sobrancelhas se ergueram e ele ficou sério.
— Preciso entender o que tá passando pela sua cabeça, doutora. O
que acha que pretendo, trazendo vocês aqui? Você carrega um filho meu, já
pensou nisso?
— E daí? O que isso muda? Não estamos no século dezoito. As
mulheres podem, perfeitamente, criar um filho sozinha. Eu sou a prova viva
disso — esquivei-me, rapidamente. Não queria, de forma alguma, que Yan
se sentisse na obrigação de ficar comigo por que estava grávida.
Ele sorriu largamente e eu franzi o cenho. Não tinha nada engraçado
no que eu tinha acabado de dizer.
— Amo a maneira como foge — murmurou e colocou uns fios de
cabelos atrás da minha orelha. Respirei fundo e umedeci os lábios. Ele me
desarmava, apenas com um toque. — Amo quando se impõe — continuou e
chegou mais perto – roçando nossos narizes. — Amo tudo em você —
declarou baixinho.
Colocou meu rosto entre suas mãos e assaltou meus lábios –
fechando os olhos e gemendo. Era como se ele estivesse sofrendo. Deixei
que mergulhasse a língua no interior da minha boca – sem fechar meus
olhos. Eu precisava entender o que ele sentia por mim. Cada investida que
ele dava, seus olhos se apertavam e um gemido rouco escapava de seu peito.
Levei as mãos até sua nuca e me entreguei. Finalmente, fechei os
olhos e me deliciei com uma de suas mãos invadindo minha camiseta e
tocando a minha pele. Foi minha vez de gemer. Um gemido dolorido. Pude
entender o porquê de ele parecer sofrer. O que eu sentia não era diferente.
Era profundo demais – assustador.
Sua boca se afastou da minha. Abrimos os olhos e ficamos nos
encarando – com as testas coladas.
— Eu sei que parece cedo para dizer isso, “Afrodite”, mas eu
preciso... — Suspirou e meu coração disparou, a ponto de eu senti-lo bater
dentro dos meus ouvidos. — Eu te amo — declarou e eu me surpreendi com
a minha reação: chorei.
Até aquele momento, não sabia o quanto precisava...
Ouvir as três palavrinhas mágicas...
Me sentir o centro do mundo de alguém...
Me sentir segura...
Saber que, dali para frente, não seria só eu e meus filhos...
Que teria outra pessoa caminhando comigo, me amando e sendo o
cúmplice de tudo o que eu fizesse.
Nossas respirações estavam completamente alteradas. As lágrimas
escorriam pelo meu rosto e Yan as limpava com os polegares.
— Espero que sejam de felicidade — divertiu-se e eu sorri –
soluçando.
— Você me fez quebrar todas as minhas regras — confessei.
— Se as regras são suas, você pode quebrá-las quando quiser —
continuou, sem tirar o sorriso do rosto – com a voz divertida.
É fácil amar o Yan. Nunca o vi mal humorado e nem reclamando de
nada. Sem contar o quanto é lindo e, vamos ser sinceros, não é nada mal
descobrir que, ao invés de um professor de futebol de areia, seja um
bilionário.
Ouvimos uma batida à janela do carro e olhamos de supetão – dando
de cara com a dona Miriam – de braços cruzados e olhos estreitados.
Sorrimos e nos ajeitamos – saindo do carro.
— A comida está esfriando — avisou e veio ao meu encontro – de
braços abertos. Dona Miriam me apertou ao seu corpo. — Minha querida,
como você está? Estou tão preocupada com você. — Seguramente, os
hormônios estavam me fazendo parecer uma fracote. As palavras daquela
mulher linda e gentil abriram novamente a torneira das minhas lágrimas. —
Oh, querida, não chore, estamos aqui, vamos cuidar de você — garantiu e
limpou minhas lágrimas – colocando minha cabeça em seu ombro.
Só meus pais conseguiam me passar aquele amor que estava sentindo
ali. Os anos e a distância, me fizeram esquecer o quanto era bom. Eu quem
devia estar passando segurança à dona Miriam, conhecendo seu histórico
médico. Entretanto, sentia que meu corpo expulsava tudo que me fazia mal.
Naquele momento, meu diploma não valia nada, porque dona Miriam fazia o
papel de médica – da minha alma.
— Mãe, posso ir na casa do Pedro? — Theo perguntou, assim que se
aproximou.
Dona Miriam me soltou e abriu o mesmo sorriso do filho. O que faz
meu coração se derreter. Agachou-se em frente ao Theo e alisou seu rosto –
com carinho.
— Você deve ser o Theo.
— Sim, a senhora é a mãe do tio Yan?
— Sou sim, você é exatamente como sua mãe me disse, lindo e
educado — elogiou e meu filho sorriu.
— Obrigado.
— Theo, a vovó fez um almoço delicioso, posso dizer que sou sua
avó, não posso?
Levei a mão ao coração e me segurei para não desaguar novamente.
Meu filho me olhou e dei de ombros. Olhei para o Yan e seus olhos
marejados os denunciaram – estava tão emocionado quanto eu.
— Sim, vou gostar de te chamar de vó.
Dona Miriam bagunçou os cabelos do meu filho e continuou:
— Tenho certeza de que você gosta de batatas fritas.
— Adoro, gosto de lanche também, mas a mamãe disse que não
posso comer todos os dias.
— Ela está certa, mas hoje é sábado, você está me visitando, sua mãe
não vai achar ruim. — Theo concordou com a cabeça. — Então, que tal a
gente comer primeiro, depois, sua mãe não vai se importar de ir brincar com
seu amigo, o condomínio é seguro, não é mesmo, Analu?
Ela ergueu os olhos para mim e não tive outra opção, a não ser
concordar. Quem conseguiria descordar de uma pessoa tão amável e sábia?
Meus olhos não sabiam para onde olhar. Tantas coisas me chamavam
à atenção que eu não saberia classificar o que era prioridade. Yan não
morava em uma casa, era uma mansão. Pela primeira vez, me senti acuada.
Com medo de não me encaixar naquele mundo. Diferente de mim, Theo
sentia-se em casa.
Acomodados, na enorme sala de jantar, fazíamos a nossa refeição,
rindo das histórias do meu filho. A mãe do Yan fez questão de fazer
comparações de quando seu filho tinha a idade do meu. A ligação dos dois
era invejável. Esperava que Theo fosse como Yan, no futuro.
— Theo, o que acha de vir morar aqui? — questionou dona Miriam,
eu arregalei os olhos e me virei para o Yan – pedindo socorro. Ele só ergueu
as mãos em rendição e sorriu.
— Não... é muito cedo... — censurei e a senhora negou.
— Mãe, a gente pode? Ia ser muito massa. Eu ia poder brincar com
meus amigos e o tio Yan ia jogar comigo, não é tio?
— Com certeza, a gente ia se divertir à beça — incentivou Yan e eu o
lancei um olhar de reprimenda.
— Gente... — Respirei fundo. — Acho que estamos pulando fases
aqui. Podemos ter essa conversa daqui uns meses? É muito cedo.
Dona Miriam, que estava sentada ao meu lado, pegou em minha mão
e me olhou, com um sorriso singelo.
— Querida, não se sinta pressionada. Vamos ao seu tempo. Eu só
acho que seria tão bom pra todos, que não vejo o porquê de adiar. Eu nunca
mais me sentiria sozinha e o Theo teria liberdade total dentro do
condomínio, aqui é muito seguro. Sem contar você, não precisaria trabalhar
tanto para manter as coisas que o garoto gosta. Yan assumiria a
responsabilidade e você só teria que se preocupar com você mesma.
Consegue ser um pouquinho egoísta, hum? Eu sei que não é fácil, pra você,
dividir a responsabilidade de seu filho e da sua vida com outra pessoa,
mesmo não te conhecendo tão bem. Mas, pense com carinho.
Engoli em seco e fiz que sim.
— Prometo que vou pensar — assegurei, ela beijou o dorso da minha
mão e voltou a comer.
Yan não parou de comer, como se nada estivesse acontecendo. Eu
sabia qual era a tática. Se ele me pressionasse, seguramente eu espanaria.
Saber que ele já me entendia, mesmo com tão pouco tempo de convivência,
ganhou meu coração.
Por um breve período, a mesa ficou silenciosa, até meu filho voltar a
ser o centro das atenções. Não podia negar que estava adorando a interação
dele com o Yan e sua mãe. Ele só tinha isso quando ia para São Paulo – com
meus pais e meu irmão.
— Mãe, agora o tio Yan é meu padrasto? — Theo repetiu a pergunta
que tinha feito no momento que encontrou com o Yan.
O sorriso maroto do Yan me fez erguer uma sobrancelha ameaçadora.
— Você quer isso, querido? — perguntou dona Miriam.
— Muito, vó. Eu disse pra minha mãe e pro tio Yan, também.
Rimos todos, com a sinceridade do meu filho.
— Sim, carinha, agora eu sou seu padrasto — adiantou-se Yan,
vendo que eu me acovardei em assumir.
Theo levantou-se e foi até o Yan – abraçando-o.
— Tio Yan, eu queria um irmãozinho, meus amigos disseram que o
padrasto ou pai que tem que colocar uma semente dentro da mãe. Minha mãe
não me explicou direito, você pode fazer isso?
— Theo! — berrei e coloquei a mão em frente aos lábios – sentindo
meu rosto pegar fogo.
A gargalhada que o Yan soltou – jogando a cabeça para trás –
amenizou um pouco a situação.
— Vamos ver se eu entendi, você quer que eu coloque uma semente
dentro da sua mãe, ou quer que eu te explique como é que ela entra lá? —
indagou Yan e eu enfiei o rosto entre as mãos – envergonhada.
— As duas coisas, todos os meus amigos já sabem e têm irmão pra
brincar com eles. — Fez um bico e deu de ombros.
— Olha só, carinha, eu tenho uma notícia boa pra te dar.
— Qual é?
— Eu já coloquei uma semente dentro da sua mãe, logo, logo, você
vai ter um irmãozinho ou, uma irmãzinha. Por isso que queremos que
venham morar com a gente. Assim vamos todos cuidar da sua mãe, enquanto
seu irmão, ou irmã, cresce lá dentro.
Meu filho me olhou com os olhos brilhantes.
— É verdade, mãe? — Fiz que sim com a cabeça e meus olhos se
encheram de lágrimas quando meu filho correu e me abraçou.
A cena me deu esperança de que meu “felizes para sempre” estava
prestes a se concretizar.
Epílogo
Um anos depois
Yan
[1] Brevê ou brevete é um documento que dá ao seu titular a permissão para pilotar aviões
[2] Como o médico dessa especialidade também é chamado, funciona como um clínico
geral da adolescência, sendo que ele também realiza, de certa forma, o acompanhamento psicossocial.
Olha só, você que acabou de ler, não esquece de deixar sua avaliação. É
extremamente importante para mim.
Divide seu tempo em ensinar, ler e escrever. Nas horas vagas assiste a filmes
e séries, além de namorar o esposo, que tanto ama.
Bem-vindo ao Jogo
Uma série composta por cinco livros que contarão a vida de cada um dos
filhos da família Bennett. Mesmo sendo livros independentes as histórias
estarão interligadas pela presença da investigadora Gabrielle Mantovani,
uma mulher que tem com um objetivo de vida desmascarar e acabar com o
império do poderoso Senhor Isaac Bennett.
O Caçula
Um pequeno acidente de trânsito, é o ponto de partida para um jogo
divertido.
Como é estar em uma família que vive em uma disputa de poder? É nessa
família que nosso mocinho, o galante e belo Lucca Bennett, está. Seu pai é
um poderoso CEO da maior empresa alimentícia do país – com segredos que
nem seus próprios filhos tem conhecimento. Lucca é o caçula, embora esteja
acostumado a jogar, não se sente bem à vontade e recrimina as atitudes do
pai.
O Cowboy
Uma disputa acirrada por um pedaço de terra.
Jogar é o que os Bennett fazem de melhor. Kaíque não tem nada que o
caracterize como um Bennett, a não ser o sobrenome. O belo cowboy, de
sotaque arrastado e o vocabulário peculiar do mineiro, achou que usando seu
"talento" conseguiria as terras da Laura, que herdou uma fazenda em uma
cidade do Sul de Minas, entre as das empresas Bennett, com facilidade –
ledo engano.
O Metódico
Uma invasão em um carro e o jogo começa.
Imagina ter que se casar por ultimato do pai em seu testamento. E, quando
pensa que aceitou a ideia, se vê no meio de um furacão, foge da união
arranjada e cai num pacto penoso.
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