Você está na página 1de 286

Contents

Sinopse
Prólogo
Afrontando
Razões
Outros Ares
Interceptando
Deusa Loira
Escapando
A Desconfiança
Meta de Vida
Desafios Diários
Afastando Todos
Terapia
Argumentando
Encarando a Verdade
Driblando
Amiga Sincera
O Encontro
Resgatando
Chacoalhando
A Ordem
A Ilha
Pressionada
Ameaçando
O Momento Certo
Desejando
Ele Sabe
Controlando-se
Descuido
Sem Saída
Mentindo
Distração
Ponto Fraco
A Ligação
A Viagem
Coagida
A Pessoa Certa
O Passeio
Resistindo
A Aquisição
De Novo, Não!
Ponto Fraco
Te Achei
O Embate
Censurando
Família
Encontro Inusitado
A Apresentação
Coincidência?
Surpreendida
E o Jogo Começa
Melhor Notícia
Amada
A Revelação
Acontecendo
Fascinada
Epílogo
Agradecimento
About The Author
Bem-vindo ao Jogo
Books By This Author
O AVENTUREIRO
Série Bem-Vindo ao Jogo
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998.
Nenhuma parte desse livro, sem autorização prévia da autora por escrito,
poderá ser reproduzida ou transmitida, seja em quais forem os meios
empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer
outros.
Esta é uma obra fictícia, qualquer semelhança com pessoas reais vivas ou
mortas é mera coincidência.
Revisão: NEIDE MENDES
Capa: FABIANE MENDES BUENO
Sinopse

Você tem sonhos e metas claras, sabe onde quer chegar e como chegar lá,
mas uma promessa vazia, um charme irresistível e momentos de desejos
atrapalham tudo.

“— Satisfeita? Acabar com a minha vida uma vez não foi suficiente?
— vociferou. Não fosse o Gustavo entre nós e nossos corpos estariam à
milímetros.
— Eu continuo solteira, quem estava de casamento marcado era
você. Mentindo o tempo todo. Só teve coragem de me contar quando
engravidei. Eu, toda feliz, achando que nos casaríamos e você praticamente
me obriga a tirar a criança. Por sua causa, tive que mudar toda minha
vida.”

Analu, vinda de uma família menos favorecida, lutou, junto com seus
pais, para se formar em medicina. Era uma pessoa alegre e cheia de vida.
Embora Theo, seu filho, seja sua razão de viver, a maneira que ele foi
concebido e o que veio a seguir, a fez criar uma muralha – afastando todos
de sua vida.

Yan Bennett é aquela pessoa de bem com a vida. Como um bom


carioca, adora estar na praia. Apesar de ser diretor de comércio exterior nas
empresas Bennett, consegue conciliar o trabalho com outros negócios, que
realmente lhe dão prazer.

“Abri os olhos e os fechei novamente, para ter certeza de que não


estava sonhando.
A boca dela se desconectou da minha e quase a puxei de volta, para
mostrar que estava são. Tenho certeza de que ela não ficaria na dúvida,
assim que sentisse minha língua percorrer cada espaço de sua boca.
— Acho que morri e cheguei no paraíso — balbuciei e sua expressão
ficou austera imediatamente.”

O encontro inusitado do casal é o início de um jogo. Para Yan, a


arrogância e rejeição da doutora não passam de um mero desafio – deixando
tudo mais divertido.

Uma série composta por cinco livros que contam a vida de cada um
dos filhos da família Bennett. Mesmo sendo livros independentes, as
histórias estão interligadas pela presença da investigadora Gabrielle
Mantovani, uma mulher que tem como objetivo de vida desmascarar e
acabar com o império do poderoso Senhor Isaac Bennett.

A vida é um jogo? Será que seu pensamento continuará o mesmo


ao final das histórias? Bem-vindo ao jogo!
Prólogo

Não podia ser, por mais que as evidências apontassem para aquele
caminho, ele não queria acreditar.
— O tempo vai mostrar o contrário. — Ele pensou.
Por via das dúvidas, para garantir que sua fé não era vã, decidiu
averiguar. Assim teria provas concretas de que estava certo – sempre está.
Saiu sorrateiramente de seu escritório e dispensou o motorista.
Escolheu sua melhor “máquina” e fez o que julgou ser necessário.
Antes de assumir a direção do carro, tirou o paletó e a gravata, abriu
os dois primeiros botões da camisa e arregaçou as mangas.
O caminho parecia mais extenso do que da última vez. Mesmo que
sua confiança sempre fora marca registrada, naquele momento, estava
abalada. Ele sentia os nervos do corpo trepidarem. As veias de seus
antebraços saltavam – ao apertar o volante. O maxilar começava a doer – tal
era a violência que o pressionava.
A ponta do prédio, onde ficava o depósito, surgiu em seu campo de
visão – provocando uma pontada aguda na boca de seu estômago. A maldita
gastrite o estava matando aos poucos. Ele sabia que precisava se controlar,
no entanto, apesar de ter os melhores especialistas cuidando da sua saúde,
não conseguia.
O lugar era afastado da cidade, os únicos vizinhos eram outros
depósitos – cercados de muros altos.
Depois de escrutinar em volta, embicou o carro na entrada e abaixou
o vidro. Não precisou de palavras, o segurança, que estava na guarita, logo o
reconheceu e abriu os grandes portões de ferro. Um aceno com a cabeça foi
a forma de agradecimento.
A vaga privativa quase não comportou sua “máquina” potente.
Descendo do carro, empertigou-se e encheu o peito de ar – preparando-se
para a situação. Só não esperava que fosse uma das piores de sua vida.
Os passos largos logo estavam na área que era seu alvo. Avistando os
caminhões, com as portas dos baús abertas, aproximou-se. Não se deu ao
trabalho de cumprimentar os transportadores da carga. Abordou um
carregador e enfiou o dedo em um saco que estava no carrinho. Levou o
dedo à boca e provou o conteúdo. Seus olhos se arregalaram e a dor que
sentiu no estômago foi avassalante.
Afrontando
Gabrielle

Abri os olhos vasculhando o local – não reconhecendo. Minhas costas


doíam. Sentia um frio anormal. Estava escuro e o cheiro era ruim.
— Achou que seu padrinho nunca deixaria que isso acontecesse, não
é mesmo, senhorita Bennett?
Bennett?
Esfreguei os olhos e me sentei – percebendo que estava em uma cela.
Provavelmente, na delegacia, já que não tinha nenhuma cama e eu tinha
cochilado no banco de concreto.
Ergui a cabeça e procurei pela pessoa que tinha falado comigo.
Apenas uma luz fraca no corredor me ajudou a ver o rosto da mulher –
batendo o cassetete na palma da mão e sorrindo vitoriosa.
— Meu nome é Gabrielle Mantovani — corrigi-a de imediato.
— Esse foi o seu maior erro — prosseguiu – sem tirar o ar vencedor
do rosto.
— Morro, mas não desisto — garanti.
Eu sabia a que erro ela se referia. Nunca assumiria o sangue que
corria nas minhas veias. Não podemos escolher nosso DNA, mas podemos
ignorá-lo.
Fiquei me perguntando: como tinha conseguido cochilar? E me
lembrei de como tudo aconteceu.

— Gabrielle Mantovani, está presa por tentativa de assassinato. —


Minhas mãos foram puxadas para trás e as algemas foram colocadas em
meus punhos. Perdi a condição de reagir. As vistas embaçaram e o estômago
virou ao contrário.
— Eu avisei, detetive. Se quer jogar, que seja como uma Bennett,
senão, só vai perder — sussurrou Henry – jogando o hálito quente no meu
pescoço.
— O que pensam que estão fazendo!? — vociferou Bento,
empurrando o brutamontes que enfiava as algemas em meus punhos.
— Sargento, se afaste, caso contrário, o levaremos com ela —
advertiu o que parecia ser o sargento de outro distrito.
— Cesário, não pode deixar que a levem, não tem provas — insistiu
Bento, apelando para o capitão.
Bento foi puxado pelos braços e Cesário sussurrou algo ao seu
ouvido. Vi quando o peito do meu chefe-padrinho se ampliou e sua cabeça
mexeu para cima e para baixo – concordando.
Meu corpo levou um solavanco ao ser encaminhado à viatura. João
Pedro se aproximou rapidamente.
— Abra a boca e engole o que vou te dar, sem questionar — pediu
brevemente e eu atendi – completamente atordoada.

— Ele me dopou — murmurei e sorri – reconhecendo o quanto meu


parceiro se preocupava comigo.
— O que disse? — questionou a mulher que me encarava.
— Que você é uma marionete — provoquei e, mesmo à pouca luz, vi
seus olhos queimarem e seus lábios se espremerem – um ao outro.
— Bem que me disseram, você não tem amor à vida — rosnou e
pegou as chaves da cela.
Eu sabia o que ela estava fazendo, e não me acovardei. Se o
propósito do velho asqueroso era acabar comigo, ali era o lugar ideal para
ele atingir seu objetivo.
Que Isaac Bennett tinha muitos nas mãos, eu já sabia, só não achei
que um distrito tão próximo faria o serviço para ele.
Dentro da cela, em posição de ataque, a mulher deu alguns passos
vacilantes em minha direção. Embora fosse ela quem estava em poder de
armas, eu é quem detinha a confiança. Não me movi, a única coisa que fiz
foi erguer o queixo e a afrontar.
A poucos passos de mim, pude enxergar o suor escorrendo de sua
testa e o tremor de suas mãos.
— Qual o problema? — instiguei-a. — Está com medo de mim?
O expandir de suas narinas demonstrou o quanto ela estava fora de si.
Definitivamente, queria me fazer mal. Só não entendia o porquê, afinal,
nunca tinha a visto.
A mão que retinha o cassetete ergueu-se e me preparei para a
pancada. Ser espancada na cela da delegacia me traria vários benefícios, isso
era fato. Principalmente, porque eu não era culpada pelo que estava sendo
acusada, mais dias, menos dias, descobririam.
Razões
Yan

Parei, inclinei o corpo e coloquei as mãos nos joelhos – recuperando o


fôlego. Depois de alguns minutos, verifiquei em meu Smartwatch o quanto
já tinha corrido: dez quilômetros.
Ao meu lado, conferi algumas barras de ferro. Não hesitei, caminhei
até elas e iniciei mais uma sequência de alongamentos – já tinha feito
algumas antes da corrida.
Com uma das pernas estirada e o corpo inclinado em direção aos pés,
avistei meu vizinho passeando com seu cachorro.
— Ei, Carlão, vai rolar aquele chopinho ou não?
— Vai ter rodada grátis?
— Deixa de ser “pão duro”, mermão.
Carlão soltou uma gargalhada e continuou seu caminho. ...
Não gosto de seguir regras, muito menos ter rotina. Rotina é
maçante. Ser surpreendido é muito melhor. Preciso ter minha adrenalina
sempre em alta – para manter o meu padrão. Se é que tenho um padrão.
Padrão é uma palavra ultrapassada. Quando penso que algo precisa
seguir uma regra, já “brocho”.
No entanto, correr na praia acabou virando rotina, é como se o meu
corpo não acordasse, caso não o faça. Aliás, estar na praia é o meu
combustível. Não me imagino morando longe dela.
Nasci no Rio de Janeiro e, apesar de viajar bastante, procuro alinhar
os meus compromissos com a minha necessidade de estar em casa.
Independentemente de para onde eu vá, passo no mínimo dez dias do mês
em casa, no condomínio fechado em frente à praia da Barra da Tijuca, é o
melhor lugar do mundo para mim. Mesmo que meu hobby favorito seja
viajar.
Aos trinta anos, conheço boa parte do mundo, principalmente, os
lugares que elevam minha adrenalina. Já me disseram que sou viciado em
adrenalina. Inclusive, um médico, amigo meu, queria que eu fizesse
tratamento. Segundo ele, sou dependente psicológico da sensação de perigo.
Claro que não dei a menor atenção.
No mundo de hoje, arranjam nome para tudo. Como diz a minha
mãe: “Filho, no meu tempo, isso se curava com uma boa cinta.”
— Bom dia, Antônio — cumprimentei o porteiro e entrei
rapidamente no condomínio.
— Dia abençoado pra você, Yan — gritou o porteiro, eu juntei as
mãos em frente à boca e inclinei um pouco a cabeça para frente –
agradecendo.
Proibi que as pessoas me chamem de senhor, me sinto um velho.
Entendo que o meu nome assuste um pouco, mas tento ignorar esse fato e
vivo minha vida, mesmo que precise cumprir com meus compromissos nas
empresas Bennett.
— Mãezinha — chamei, assim que adentrei a sala de estar.
Caminhei até a cozinha e abri a geladeira – pegando uma garrafa de
Gatorade. Tomei todo o líquido em praticamente uma golada.
Peguei a camiseta, que tinha pendurado nos ombros, e limpei o suor
do rosto – vendo Isa se aproximar.
— Bom dia, Isa. Onde está minha mãe?
— Bom dia, senh... — Ergui as sobrancelhas. — Desculpe-me, Yan.
— Isa suspirou e baixou o olhar.
— Ei, gata, tudo bem, você se acostuma — confortei-a e ergui seu
queixo com o indicador.
O rosto da garota ficou um pimentão e seus olhos foram diretamente
para o meu peito desnudo. Sorri de canto e balancei a cabeça. Não fosse o
fato de ela ser a enfermeira da minha mãe, eu poderia dar cordas. Mas não
misturo as coisas, certamente, quando a garota descobrisse que meu negócio
é só foder e sair fora, sumiria. Isso não seria legal para a minha mãezinha.
— Hoje ela não está muito bem, Yan.
— Certo. — Imediatamente, meu sorriso desapareceu. Respirei
fundo. — Valeu, gata, por cuidar tão bem dela — agradeci e bati de leve em
seu ombro.
Antes de tomar um bom banho, subi a escada que dá acesso ao andar
de cima, de dois em dois degraus, e fui até o quarto da minha mãe. Eu
precisava ter certeza de que ela ficaria bem. Eu sabia o que estava
acontecendo.
— Bom dia, preciosa — cumprimentei e fui abrindo as cortinas.
— Não, filho, feche — reclamou e desconsiderei.
Sentei na beirada da cama e tirei seu antebraço dos olhos – alisando
seu rosto.
— Sabe que eu tenho que ir, não é mesmo, mãezinha?
Ela desviou o olhar para a janela e fez um bico.
— Não sei do que está falando.
— Sabe sim, doninha. Entendo que não está bem, por isso, tem a Isa
de dia e a Mel à noite. Mas não posso ficar aqui, dona Miriam.
Ela cerrou os dentes e apertou o maxilar – sem me olhar. Coloquei
suas mãos entre as minhas e fiquei fazendo movimentos circulares com o
polegar – no dorso de uma delas.

Sou filho único. Minha mãe, antes de conhecer meu pai, era linda.
Modelo famosa. Quando recebeu uma proposta para modelar no exterior,
caiu no conto do vigário. Passou alguns meses com o senhor Isaac Bennett,
até descobrir o quanto ele não vale nada. Só que era tarde demais, eu já
estava em seu ventre.
Não posso dizer que meu pai não deu assistência, seria injustiça.
Sempre tivemos o melhor – financeiramente falando. Entretanto, ele
conseguiu destruir a parte emocional da minha mãe.
De origem alemã, seus pais, os únicos que vieram para o Brasil, já
haviam falecido, grávida e sozinha, minha mãe entrou em desespero.
Algo que até então ela desconhecia, apareceu se intensificou em seu
organismo. Desanimada, ela trancou-se em casa. Somente após dias, minha
mãe criou forças e procurou um médico. Foi quando diagnosticaram
síndrome do pânico e depressão. Desde então, faz acompanhamento
acirrado. Não a deixo sozinha – nunca.
Odeio o meu pai. Sei que é forte dizer isso, mas não consigo
esconder meus sentimentos. Autenticidade é uma das minhas principais
características.
Desde que comecei a entender o que tinha acontecido com a minha
mãe, algo muito perverso cresceu dentro de mim, com relação ao senhor
Isaac Bennett. Evito, o quanto posso, ter contato com ele. Aproveito ao
máximo do nome Bennett, é o mínimo que posso fazer para compensar o que
ele fez com a vida da minha mãe.
Uma mulher, que no auge de seus cinquenta anos, poderia estar
curtindo a vida, namorando e viajando, mal consegue sair de seu quarto. São
anos nessa situação.

Muitos acham que ela foi fraca e se entregou, pode ser que sim, mas
quem tem o poder de medir a força de alguém? O que é muito obvio e fácil
para alguns, se torna completamente complexo para outros. A vida é assim,
inexplicável. Fraco é aquele que julga.

— Você está fedendo! — Minha mãe brincou, por fim – fazendo uma
careta.
— Tem muitas garotas que diriam o contrário — provoquei e recebi
um tapa no ombro.
— Deixa de ser tarado, moleque. Sou sua mãe, ainda posso pegar a
cinta — garantiu e eu gargalhei – jogando a cabeça para trás.
— Te seguro com uma mão só, dona Miriam.
Inclinei o corpo e beijei sua testa.
— Vai ficar quanto tempo? — expressou, finalmente, o seu medo.
Ergui o canto dos lábios e balancei a cabeça.
— Bingo — diverti-me.
— Yan... — advertiu-me e eu ergui as mãos em rendição.
— Dois dias, mãezinha. Em um piscar de olhos, estarei de volta.
Fiquei em pé e me virei em direção à porta.
— Filho.
— Sim.
— Promete que vai se cuidar.
— Sempre me cuido.
— Mentira, você fica se colocando em perigo, o tempo todo. Por
isso, todas as vezes que vai sair, fico nessa agonia.
Sorri e coloquei a mão na fechadura – na intenção de ignorar sua
última frase.
— Fico me perguntando como vai reagir quando eu encontrar uma
pessoa. — No momento que as palavras saíram da minha boca, me
arrependi.
Acho que o principal motivo de eu não me envolver com ninguém é
minha mãe. Sou a única pessoa que ela tem. Claro que não é o único motivo,
mas... não vale a pena me lembrar.
Já estava saindo, quando ela me surpreendeu:
— Serei a pessoa mais feliz do mundo, quando isso acontecer.
Franzi o cenho e voltei a olhar para ela – sem entender nada.
§§§§
Depois de entregar minha mala de mão a um rapaz da tripulação, me
acomodei na poltrona do copiloto do jatinho da empresa.
— E aí, cara, tudo bem contigo? — cumprimentei o piloto e demos
um soquinho com as mãos.
— Tudo em cima, rapaz, e você, qual vai ser a aventura dessa vez?
Daniel é piloto antigo da empresa. Depois que tirei o Brevê[1], ele
sente-se seguro em me ter ao seu lado – dispensando o parceiro de voo.
— Vou ficar dois dias em um Resort no meio do mato. É um lugar
cheio de emoções. — Esfreguei as mãos – ansioso por minha aventura.
— Conheço o local?
— Deve conhecer, fica perto, aqui no estado do Rio mesmo –
trezentos quilômetros.

Como das outras vezes, o voo foi tranquilo. Nem deu tempo de
aproveitar. Em pouco tempo, estava descendo na pista do Resort.
Minha intenção ali não era só diversão, soube, através de um amigo,
que o lugar seria vendido. Eu procurava, há um tempo, algo para investir.
Diversificar um pouco. Um Resort recheado de atividades, no meio do mato,
era tudo que eu precisava.
— Seja bem-vindo, senhor Bennett — desejou a recepcionista e eu
sorri em resposta.
Cada detalhe do lugar me chamou à atenção. Uma combinação do
rústico com o luxo – deixando o ambiente incrível.
— Aqui está, senhor, reservamos a suíte presidencial — avisou-me
um rapaz e me entregou o cartão para entrar.
— Valeu, brother — agradeci e fui entrando.
Mesmo que estivesse acostumado com luxo, fiquei deslumbrado com
a decoração. Me asseguraria de saber quem tinha sido o designer, o bom
gosto era evidente.
Antes de qualquer coisa, coloquei a banheira – que ficava fora da
suíte – onde eu poderia admirar o céu estrelado, para encher. Um bom banho
me revigoraria. Estaria pronto para qualquer ocasião.
§§§§
As cinco da manhã, estava correndo na pista que contornava todo o
Resort. Após garantir meus quilômetros diários, fui me deliciar com o café
da manhã.
Mesmo que estivesse tentadora, a variedade de iguarias, me contentei
com o mínimo, porque a primeira coisa que faria, era a escalada na
montanha de dois mil e quinhentos metros de altura. Não seria a montanha
mais alta que já tinha escalado, mas não deixava de ser um bom desafio.
Vivo me desafiando. Foi a maneira que encontrei de combater a
indignação que me corroí. Cresci vendo minha mãe ter medo de tudo. Até
mesmo uma escada rolante faz com que ela entre pânico. A escolha em
morar em casa térrea foi pelo simples motivo de que ela não entra em um
elevador. Nem ao menos consegue ficar com uma porta fechada, tal o grau
do medo que desenvolveu. Isso, porque faz terapia e nunca fica sozinha.
Desde que comecei a entender as coisas, prometi a mim mesmo que não teria
medo de nada, que seria o porto seguro dela.

Mesmo que já soubesse muito bem o que deveria fazer, escutei com
atenção às instruções do instrutor. Havia uma boa quantidade de pessoas ali,
algumas assistindo e outras que se aventurariam como eu. Não seria educado
da minha parte, não dar a devida atenção ao profissional responsável. Até,
porque eu precisava entender a dinâmica do Resort, para ter certeza se estava
disposto a embarcar naquele navio.
— Prontos? — O instrutor indagou e foi a minha deixa.
Eu estava mais do que pronto. Só aguardava o sinal de autorização.
Antes mesmo de começar, sentia meu coração acelerado e a respiração
alterada. O suor escorria pelas minhas costas e podia jurar que meu sangue
estava brincando de pega-pega em minhas veias.
— Vamos lá, pessoal. Não se esqueçam de todas as instruções,
qualquer sinal de problema, por favor, não hesite em nos comunicar.
Foi dada a largada e, mais uma vez, cumpria com a promessa de não
ter medo. Alimentava meu vício com a sensação de perigo.
Outros Ares
Analu

Eu sei que precisava sair um pouco, arejar a cabeça, mas ainda fico me
perguntando, como fui tola em deixar que meus pais levassem o Theo? Não
que eu não confie neles, mas quase não tenho tempo de ficar com meu filho
– sem contar a má influência do Gustavo.
Depois de meses sem folga, consegui, cobrindo um aqui e outro
acolá, pegar três dias só para mim. O melhor é que consegui que fosse no
feriado prolongado, possibilitando que meu filho saísse um pouco também,
mesmo que o meu coração esteja do tamanho de uma ervilha.
— Isso aqui é o paraíso — comemorou Marina – abrindo os braços
no meio da suíte do Resort – enquanto eu tirava os poucos itens da minha
mala e organizava no armário.
Sorri e balancei a cabeça, feliz em saber que pelo menos alguém
aproveitaria do lugar.
— Ô, mulher, que cara é essa? Tamo no paraíso, muda essa cara
fechada aí, mermã. — Marina veio até mim e pegou em meus ombros,
fazendo-me olhar para ela. Forcei um sorriso, só para ela parar de me
infernizar. — Bora lá, quero ver essa bunda exposta, faz um “século” que
não coloca um short e... — Parou um pouco e bateu com o dedo na têmpora.
— Perdi a conta do tempo que não dá essa piriquita. Sério, mano, o cara vai
ter que desbravar. Tem que ser um especialista em escavar.
O empurrão que lhe dei a fez cair de costas no colchão –
gargalhando.

Marina é minha vizinha de porta. Moramos em um prédio de quatro


andares, no Rio de Janeiro. Me mudei de São Paulo assim que passei no
concurso do estado. Na época, Theo ainda tinha três anos, foi a melhor coisa
que me aconteceu. Mesmo que fosse ficar sozinha, pois meus pais são de lá,
era a fuga perfeita da péssima escolha que tinha feito.
No primeiro dia que estava no apartamento alugado, Marina bateu à
porta – com um prato coberto por um pano de prato e um sorriso carismático
–, me ganhou. Ela trazia pedaços de bolos de chocolate que fez o meu filho
se apaixonar por ela no ato.
Como síndica e proprietária do prédio, Marina é durona, mas também
é mãezona, sente-se responsável por cada indivíduo que mora ali. São
dezesseis apartamentos, o que facilita a convivência e a administração.
Quem olha para ela, jamais diz que tem cinquenta e um anos. Mesmo
eu tendo trinta e três, sinto-me muito inexperiente perto dela. Já que sua
história de vida não foi nada fácil.

Tomamos um bom banho e decidimos conhecer o Resort. O lugar foi


indicação de um colega de trabalho, segundo ele, é muito bom para se
desligar. Nem precisou andar muito para saber que meu amigo tinha razão. A
natureza impera. Podemos respirar ar puro e ouvir o som dos passarinhos.
— E aí, qual a programação? — indaguei minha amiga, já que ela
quem ficou responsável por essa parte.
Se dependesse de mim, cansada do jeito que estou, ficaria só no
quarto. Tenho certeza de que desfrutaria muito mais do Resort.
— Amanhã, logo cedo, tem uma escalada e...
— Enlouqueceu? Nem amarrada que vou fazer as atividades
propostas...
— Ei, será que posso terminar? — interrompeu-me, balançando as
mãos à minha frente. Engoli em seco e assenti. — Não disse que você vai
fazer, eu vou fazer. Mas... você pode ir junto e aproveitar das coisas que tem
por lá, quem sabe... — Olhou para as unhas e mordeu o canto dos lábios. —
Você encontra um desbravador e...
— Ah, pode parar com essa palhaçada. Sabe muito bem que não
estou procurando sarna pra me coçar. Só vou pensar nisso quando meu filho
tiver grande o suficiente para ter as namoradas dele e não se importar com a
minha vida amorosa.
Marina me lançou um olhar de desgosto e balançou a cabeça em
reprovação.
§§§§
Parei na porta do restaurante e fiquei na dúvida se o que via era real
ou uma miragem. Seu andar descontraído e, ao mesmo tempo, imponente,
não passava desapercebido por ninguém. A postura era como se fosse o dono
do local.
Era difícil distinguir o que mais chamava à atenção nele: as pernas
grossas, os bíceps com algumas tatuagens, os cabelos bagunçados ou o
sorriso encantador. Sim, os poucos minutos que estava ali – feito uma estátua
–, foram o bastante para saber que o indivíduo era carismático. Não tinha
uma mulher no salão do restaurante que não estivesse olhando para ele. Até
mesmo alguns homens, sendo sincera.
— Devo lembrar que o Theo ainda tem oito anos, ou mudou de ideia,
de repente? — provocou Marina – com um prato nas mãos, repleto de
guloseimas para o café da manhã.
— Hã? — Olhei repentinamente para ela e encontrei um sorriso
satisfeito.
— Enxuga o canto da boca que a baba está escorrendo — divertiu-se
e foi para a mesa, não me dando a chance de réplica. Para falar a verdade, eu
não conseguiria elaborar nenhuma frase coerente, se ela tivesse esperado.
Chacoalhei a cabeça e fechei um pouco os olhos – recuperando a
razão. Marina tinha razão, meu filho ainda era muito novo para lidar com
uma pessoa em sua vida. Que só Deus sabe se daria certo. Não, jamais
exporia meu filho dessa maneira. Minhas decisões passadas já foram bem
ruins. Não cometeria os mesmos erros, deixando os desejos dominarem meu
corpo.
Fui até o buffet e me servi. Em minha visão periférica, vi quando ele
saiu do restaurante. Inconscientemente, soltei os ombros – aliviada. Me
certificaria de não cruzar mais com a tentação em pessoa.
— Aff, Analu, isso foi patético — ciciei e respirei fundo.

Um carrinho próprio do Resort nos levou até a montanha que seria


escalada. No trajeto, o rapaz que nos acompanhava foi nos mostrando todas
as atrações disponíveis. Incrível a quantidade de atividades que o lugar tem.
Pena que eu não farei nenhuma delas, já que todas são perigosas.
Não me considero uma pessoa medrosa, só precavida. Se fosse algo
que eu precisasse, sem sombra de dúvida, me arriscaria. No entanto, por que
me colocar em risco à toa? Não faz o meu estilo. Prefiro uma ioga,
caminhadas, meditação, coisas desse tipo. Que vão fazer bem, tanto para o
meu corpo como para a o meu espírito.
— Tem certeza de que vai me deixar subir sozinha? — perguntou
Marina e fez um bico com o lábio inferior.
— Quem não te conhece que te compre, cara pálida — brinquei e
empurrei seu ombro com o meu. — Assim que voltarmos, vamos para o
SPA, tenho certeza de que aproveitaremos muito mais.
— Você é muito careta, mano — reclamou e entortou o nariz. Sorri e
ignorei.

Assim que chegamos, Marina correu para onde um rapaz dava


instruções, bem próximo à montanha. Pelo jeito, fomos as últimas a
chegarem.
Não me dei ao trabalho de me aproximar. Reparei que tinham vários
comércios em volta e até alguns restaurantes. Certamente, faziam parte do
Resort. Já que eu não tinha muitas opções, decidi ir conferir. A montanha era
alta, mas a escalada tinha vários estágios, nem todos iriam até o topo. Graças
aos céus, Marina só subiria um pouco e voltaria, caso contrário, ficaria ali
por uma “eternidade”.
Visitei alguns lugares, comprei algumas coisas para levar para os
meus pais e o Theo, tomei um suco, um sorvete e acabou o que fazer.
Verifiquei as horas, fazia mais de uma hora que tinha começado a escalada,
esperava que minha amiga já estivesse retornando.
Voltei ao ponto de partida e me sentei em um banco, observando a
euforia das pessoas em fazer algo tão estupido
Distraída, levei um susto, quando um monte de músculos despencou
bem na minha frente. Não sei de qual altura ele caiu, mas o estrondo foi
grande. Por instinto, honrando minha profissão, dei um salto e, em questão
de segundos, estava ao lado do homem.
Fiquei de joelhos e gritei de imediato:
— Se afastem, todos. Sou médica! Chamem o socorro enquanto
cuido dele. Ninguém põe a mão no paciente.
Eu teria reconhecido, se suas pernas ou bíceps não estivessem todos
coberto por uma roupa especial. Peguei no rosto do homem e virei em minha
direção. Meu coração disparou perigosamente. Precisei expirar uma boa
quantidade de ar, para pode continuar o meu trabalho.
Levei dois dedos ao seu pescoço e conferi os batimentos cardíacos –
quase nulo. Depois de algumas compressões em seu peito, a única coisa que
eu podia fazer, era uma respiração boca a boca.
Interceptando
Gabrielle

— O que pensa que está fazendo? — vociferou Bento, invadindo a cela.


Uma confusão de sentimentos passou por mim. Ao mesmo tempo
que me senti aliviada, perdi a oportunidade de ferrar com a vida do velho
asqueroso.
Assim como é certo o nascer do Sol, ele tinha colocado aquela
mulher ali para me coibir. Se me batesse, como estava prestes a fazer,
descobriria, de uma forma ou de outra, a ligação dela com o velho.
Com uma certa brutalidade, Bento arrancou o cacetete das mãos dela
e a encarou – com seu olhar assassino. A mulher deu um passo para trás,
assim que Bento ficou próximo – apertando o maxilar.
— Só fazendo o meu trabalho — defendeu-se e o canto do lábio de
Bento ergueu-se – com um sorriso sarcástico.
— Seu trabalho é espancar policiais?
— Aqui dentro, ela é só uma detenta, bem atrevida, por sinal —
prosseguiu a carcereira – de peito estufado.
Bento voltou seu olhar ao sargento que o acompanhava, cerrou os
dentes e meneou a cabeça – indignado. Quem o conhece, sabia que ele
estava a um passo de explodir. Me encolhi e segurei a respiração por uns
instantes – acuada, no banco de cimento.
— É assim que vocês atuam nesse distrito, sargento? — inquiriu ao
seu colega.
O homem embranqueceu, ganhando alguns pontos comigo, afinal,
diferente de sua subordinada, demonstrava temer a lei.
— Fora daqui — ordenou à mulher – apontando para o corredor. Ela
baixou a cabeça e obedeceu. — Vou me certificar de consertar isso —
afirmou e Bento estreitou os olhos – aproximando-se dele.
— Escuta bem o que vou te falar — alertou Bento – enfiando o
indicador no peito do homem. — A partir de agora, essa briga é minha,
ouviu bem? — O cara umedeceu os lábios com a língua e concordou com a
cabeça.
Finalmente, soltei os ombros – aliviada.
Deusa Loira
Yan

Abri os olhos e os fechei novamente, para ter certeza de que não estava
sonhando.
— Doutora, não sei como isso aconteceu, todos são obrigados a
usarem os equipamentos de segurança — justificou-se o responsável.
De fato, eu usava todos os equipamentos, meu erro foi me
desconectar das cordas, assim que percebi que faltava pouco para descer.
Depois de tantas vezes que pratiquei escalada, não contava que meus olhos
ficariam turvos e uma tontura me dominaria.
A boca dela se desconectou da minha e quase a puxei de volta, para
mostrar que estava são. Tenho certeza de que ela não ficaria na dúvida,
assim que sentisse minha língua percorrer cada espaço de sua boca.
— A ambulância chegou, traga-os para cá, por favor — ordenou a
deusa loira – sem me tirar de seu cativo.
Ela estava tão próxima que com pouco esforço eu alcançaria seu
pescoço para lamber. Sim, era exatamente o que eu queria fazer. Suas mãos
em minha pele eram macias e seu cheiro estava me inebriando. Um cheiro
refrescante, como se tivesse acabado se sair do banho.
Eu mantinha os olhos fechados, porque temia que ela descobrisse que
eu estava bem. Queria aproveitar ao máximo de sua atenção.
— Abram espaço, pessoal — imperou um paramédico e eu soube que
meu tempo com ela estava chegando ao fim.
Quando ela começou a se levantar, segurei seu braço – fazendo com
que me olhasse nos olhos. Não achei que um simples olhar provocaria uma
corrente elétrica por todo o meu corpo, principalmente nas partes baixas.
— Acho que morri e cheguei no paraíso — balbuciei e sua expressão
ficou austera imediatamente.
A deusa loira tirou minha mão de seu braço e foi se afastando. Ergui
o tronco e a puxei pelo pescoço – fazendo com que nossos narizes se
roçassem.
— Enlouqueceu? — esbravejou e eu sorri.
— Que tal sentir minha boca de verdade? — provoquei e ela
empurrou meu peito com força – ficando em pé.
— Ele está bem, podem assumir — garantiu aos paramédicos e saiu
marchando. Foi inevitável meu sorriso.
Incrível como a adrenalina tinha mascarado minha dor. No momento
em que os paramédicos tocaram em mim, senti a merda que tinha feito.
§§§§

— Ei, brow — chamei um enfermeiro que passava pela porta do


quarto que tinham me “prendido”. O rapaz chegou perto da maca e eu o
lancei o melhor dos meus sorrisos, na esperança de cativá-lo. Afinal de
contas, é minha marca registrada.
— Pois não, senhor.
Peguei em seu ombro e dei um leve aperto.
— Pode me chamar de Yan. — Lancei-lhe uma piscada e o rapaz só
meneou a cabeça. — Sabe que horas vou ser liberado?
Ele pegou a prancheta na ponta da maca e leu as informações.
— Vai ficar em observação até amanhã, Yan.
Sorri sem vontade e neguei com a cabeça.
— Não posso passar à noite aqui, brother. Tenho mais o que fazer.
— Aqui diz que teve uma queda feia, têm vários hematomas pelo
corpo.
— Cara, não quebrei nada, os exames estão todos ok, por que tenho
que ficar aqui?
— Temos que ter certeza de que está tudo bem.
Abri os braços e sorri – demonstrando que estava pronto para outra.
— Já disse ao médico e vou repetir, deveria ter comido direito antes
de subir a montanha. Vacilei, me esqueci que tenho hipoglicemia. Foi só isso
que aconteceu. Esses hematomas — apontei para o meu corpo —, nada que
um bom analgésico não resolva.
§§§§

De volta ao Resort, a primeira coisa que fiz, foi procurar a deusa


loira. Eu precisava ao menos saber seu nome. Praticamente, todas as pessoas
que estavam ao pé da montanha eram hóspedes dali. Até porque, poucas
pessoas frequentam o lugar, por ser bem afastado da cidade.
— Olá — cumprimentei a recepcionista que, assim que me viu, abriu
um enorme sorriso.
— Boa noite, senhor Bennett, como está se sentindo?
— Olha só, gata, apenas Yan, combinado?
— Claro, como quiser. Veio pegar o cartão de acesso à suíte?
— Também, mas preciso que me ajude com algo. — Ela franziu o
cenho. Inclinei o corpo por cima do balcão – ficando bem próximo do rosto
da garota. — Consegue me dizer em qual quarto está hospedada a médica
que me socorreu?
A moça deu um passo atrás e limpou a garganta. Seu rosto virou um
tomate. Ela baixou o olhar.
— Senhor Bennett, não posso passar informações sobre hóspedes,
posso ser mandada embora.
— Ah, então ela está aqui? — Ergui uma sobrancelha e fiquei
esperando a reação da moça.
Após uma longa respiração, apertou um lábio no outro e se
aproximou novamente.
— Não posso dizer quem é, só que já foi embora, assim que voltou
da escalada — cochichou e olhou para os lados – como se estivesse
cometendo um crime.
Fiquei ereto e dei dois soquinhos no balcão – acompanhado de uma
piscada à moça. Não a colocaria em mais problemas.
Gosto de deixar a vida seguir seu curso. Se a deusa loira já tinha ido
embora, era um sinal claro para abandonar o barco. Na certa, era
comprometida.
Nem sabia o porquê de ficar tão interessado, coloquei na cabeça que
só queria agradecer, mas a verdade é que a mulher tinha mexido comigo.
§§§§
Assim que coloquei os pés dentro de casa, soube que tinha algo
errado. O silêncio era perturbador.
— Oi, pessoal, cheguei — anunciei e joguei a mala no sofá.
Subi as escadas que levam aos quartos e estanquei no lugar, ao ver o
rosto de desespero da Mel.
— O que aconteceu, Mel.
— Desculpe, Yan, mas ela está tendo uma crise. Ainda bem que você
chegou, ela não quer me deixar nem se aproximar dela.
Quase não deixei a Mel terminar de falar, entrei correndo no quarto
da minha mãe e a encontrei hiperventilando, sentada no chão.
Antes de qualquer coisa, a peguei no colo, coloquei-a sentada na
cama e ajoelhei à sua frente.
— Ei, mãezinha, olha pra mim, ei, ei, ei. — Tentava fazer com que
me enxergasse, porque seus olhos estavam vazios. Ela passava as mãos pelo
pescoço – buscando ar. — Respira, vamos, respira — insisti e ergui seu
rosto. Eu tinha que manter o equilíbrio, caso contrário, só pioraria a situação.
Assim que consegui fazer com que me “visse”, sua respiração foi
ficando mais suave e os olhos foram fechando lentamente. A deitei na cama
e me sentei ao seu lado. Por longos minutos, alisei seu rosto – sentindo sua
mão apertar a minha. Palavras eram desnecessárias.
Seu aperto em minha mão foi enfraquecendo e a respiração foi
ficando num ritmo regular. Respirei fundo e bufei – exausto. Beijei sua testa
e me levantei. Acendi o abajur, apaguei a luz e saí do quarto – mantendo a
porta aberta.
Mel permaneceu no batente da porta, por todo o tempo. Eu podia ver
o desespero em seus olhos.
— Vamos conversar lá embaixo, Mel.
Com meneio de cabeça, ela me acompanhou até a cozinha. Enquanto
eu pegava uma garrafa de água na geladeira, Mel espremia as mãos e mordia
os lábios.
— Yan, eu juro que tentei — defendeu-se e eu dei uma golada na
água, antes de bombardeá-la.
— Mel — suspirei e apoiei a garrafa de água sobre o balcão da ilha
de mármore na cozinha. — Não precisa ficar se justificando, sabe que tem
câmeras por toda a casa. Você não mentiria pra mim, só fico preocupado,
sabe. E se eu não tivesse chegado bem na hora? Ela poderia ter morrido.
— Nem pensar, eu estava pegando o celular pra chamar socorro.
Analisei um pouco a garota e assenti.
— O que aconteceu? Faz tanto tempo que ela não tem um ataque de
pânico como esse.
Seu olhar se desviou do meu e os dentes assassinaram os lábios.
Estreitei os olhos e aguardei paciente seu relato. Encostei no balcão e cruzei
os braços, não querendo pressioná-la.
— A culpa foi minha, Yan, eu deveria imaginar — confessou e eu
estremeci, pensando o quanto não queria ter que demiti-la. Trocar de
acompanhante não era uma boa estratégia. Minha mãe demora para confiar
nas pessoas.
— Seja mais especifica, Mel.
Não gostei da reação de seu corpo, antes de prosseguir com a
narrativa. Eu podia ouvir as batidas aceleradas de seu coração.
— Atendi o telefone e... — Respirou fundo. — Passei a ligação para
ela. Só quando ela jogou o aparelho longe que me toquei da besteira que
tinha feito.
Apertei os punhos e a encarei – sério. Não queria ouvir a verdade,
mas tinha quase certeza de quem era do outro lado da linha.
— Quem era, Mel?
— Seu pai.
Fechei os olhos e baixei um pouco a cabeça – respirando com
dificuldade. Busquei um controle gigantesco, para não descontar na garota,
minha indignação.
— Mel, olha só, não vou te culpar por isso, desde que me prometa
que nunca mais vai passar nenhuma ligação pra ela.
— Sim, Yan, pode confiar, nunca mais, é que ele foi tão gentil
comigo, não achei que faria algum mal a ela.
— Eu sei que sim, pode acreditar, ele tem o dom de atuar. Amanhã
cedo, antes da troca de turno, vamos fazer uma reunião, eu, você e a Isa,
combinado? Assim evitamos mais crises.
— Obrigada, Yan, por me perdoar, nunca mais vai acontecer —
garantiu e eu não tive forças de responder.
Meus nervos pulavam e eu não conseguia saber a que atribuir: o
tombo, o susto que minha mãe tinha me dado ou a indignação com a ligação
do velho. Ele sabe da condição da minha mãe, por que quis falar com ela?
Antes de pensar no que estava fazendo, saquei o celular e liguei –
descontaria minha raiva na pessoa certa.
Escapando
Analu

— O que está fazendo? Ainda temos dois dias — berrou Marina, no


momento que abriu a porta do quarto e me viu arrumando as malas.
Assim que os paramédicos assumiram os cuidados com o imbecil,
voltei ao Resort caminhando, nem me dei ao trabalho de procurar o rapaz
que tinha nos levado com o carrinho próprio do local, tal era minha raiva.
— Já deu pra mim — resmunguei, sem olhar para ela. Detesto ter
que dar explicações às pessoas.
Marina não se conformou, sentou-se à beirada da cama e ficou me
encarando, até eu ceder e olhar para ela.
— Então era você.
— O quê?
— Não vai me dizer que... — Colocou a mão na boca e ficou em pé –
rindo como uma hiena.
Parei o que estava fazendo e cruzei os braços – fechando a cara.
— O que é tão engraçado? — protestei e cerrei os dentes.
Depois de enxugar o canto dos olhos e sentar-se novamente, Marina
decidiu expor suas deduções – que me deixaram extremamente
desconfortáveis.
— Quando eu voltei e não encontrei você, achei que tinha se cansado
e vindo embora, mas tinha um reboliço por lá. Me contaram que um rapaz
caiu e precisou chamar o socorro, só que uma médica que estava próxima fez
os primeiros socorros — relatou e bateu na testa – revirando os olhos. —
Sou muito burra mesmo, só agora me dei conta de que a médica era você e
que, certamente, o rapaz que caiu foi o bonitão do restaurante, afinal eu o vi,
pronto para escalar. Por isso, está querendo ir embora, não quer admitir que
gostou do cara.
Desviei o olhar e voltei a arrumar minhas roupas dentro da mala, que
estava aberta em cima da cama.
— Agora você foi longe demais com suas fantasias — censurei-a,
mesmo que eu soubesse que era exatamente o que estava acontecendo. De
maneira alguma admitiria, muito menos me deixaria levar, só para me
machucar e desviar minha atenção dos meus objetivos.
Marina ficou em pé e tirou algumas peças de roupas da minha mão –
jogando-as de qualquer maneira dentro da mala. Pegou meu queixo e virou
na direção de seu rosto.
— Pare de se sabotar. Seu filho já tem oito anos, mermã. Sem contar
que ele não está aqui e dar uma trepadinha, de vez em quando, não faz mal a
ninguém. Depois, nunca mais vai ver o cara. Se solta, mulher.
Respirei fundo e neguei com a cabeça – me desvencilhando de seus
dedos. Me sentei na cama e fiquei tirando os fios inexistentes da colcha, sem
saber o que pensar.
— Queria ser como você, Marina, mas não sou. — Ergui o rosto e a
encarei – séria. — Me desculpa, pode ficar com meu carro, volto de ônibus,
não quero estragar seu feriado. Vou aproveitar que o Theo está com meus
pais e dar uma boa organizada no meu apartamento.
— Se prefere se acovardar, o que eu posso fazer — resmungou e foi
para o banheiro. Colocando a cabeça para fora da porta, concluiu: — Não se
preocupe comigo, vou arrumar um gostosão pra pegar carona, na verdade —
sorriu como uma criança travessa —, já arrumei.
Essa é a Marina, o oposto de mim. A única que consegue me fazer
sair um pouco da caixa. Embora eu desconfie que, depois do que me permiti
fazer no começo da minha carreira, duvido que algum dia consiga realmente
sair da caixa.
§§§§
A estrada estava vazia, afinal, era o primeiro dia de um feriado
prolongado. Só mesmo uma pessoa neurótica como eu não conseguiria
usufruir dessa liberdade.
Conectei o celular no bluetooth e o encaixei no suporte do painel.
Aproveitaria para ligar para os meus pais, era mais tempo do que eu
conseguia ficar sem falar com o meu filho.
— Oi, filha, como está o seu passeio, finalmente se divertindo? Me
lembre de agradecer a Marina por te forçar a ir com ela, essa mulher...
— Mãe! — berrei, pois ela não pararia de falar. A empolgação dos
meus pais chega a me irritar. Eu sei que não fazem por mal, mas precisam
aprender a respeitar minhas escolhas.
— Analu... — falou desanimada —, não vai me dizer que não saiu do
quarto, filha, você precisa...
— Para mãe, pelo o amor de Deus, me escuta! — gritei novamente,
perdendo a paciência. Esse foi um dos motivos pelo qual aceitei trabalhar em
outro estado. Eles querem me controlar.
— Não precisa ser grosseira, filha — repreendeu-me e meu peito
ficou apertado imediatamente – arrependida.
— Desculpe... — Respirei fundo. — Só liguei pra saber se está tudo
bem, não posso falar muito, estou dirigindo.
— Dirigindo? Como assim? Não era um Resort no meio do mato,
que vocês não precisariam sair?
Se eu não estivesse no volante, tenho certeza de que fecharia os olhos
– buscando me controlar, para não descontar minhas frustrações na minha
mãe.
— Estou voltando, mãe — confessei, mesmo que tenha passado pela
minha cabeça mentir.
— Aconteceu alguma coisa, filha? Sua amiga está bem? Do que
precisa?
Abri um sorriso, apesar de não ter um pingo de humor nele. Talvez, a
preocupação desmedida dos meus pais tenha me transformado em uma
pessoa cheia de neuras. Não estou buscando justificativas e nem tentando
culpá-los, mas sei que sufoco meu filho. Nem tenho o direito de ficar brava
com eles, pois sei que o Theo sente o mesmo quanto a mim.
— Não aconteceu nada, mãe. Fica tranquila. Só não me senti bem no
local, não é pra mim, sabe? — Uma mentirinha boba não me levaria para o
inferno, não é mesmo? Ou levaria?
— Que pena, filha. Ficamos tão felizes de ter aceitado espairecer um
pouco. Você trabalha tanto, mas ainda pode descansar em casa, é isso que vai
fazer, né, filha!?
— Sim, mãe, não vou trabalhar, não se preocupe — garanti e pude
ouvir sua respiração de alívio. — Como está o Theo?
— Está se divertindo à beça com seu irmão.
Era tudo o que eu mais temia. Enchi o pulmão de ar e segurei os
lábios nos dentes – controlando a vontade de mudar o trajeto e levar meu
filho de volta para casa.
— Mãe... — suspirei —, ele não é uma boa influência para o meu
filho, já conversamos sobre isso.
— Analu, presta atenção, isso é muita maldade da sua parte. Acha
mesmo que o Gustavo faria qualquer coisa pra prejudicar o sobrinho? Ele
tem adoração pelo garoto.
— Esse é o problema. O Theo volta daí cheio de ideias malucas, que
o Gustavo coloca na cabeça dele.
— Ok, filha, não quero discutir com você dirigindo. Quer falar um
pouco com ele?
— Sim.
Ouvi ela chamar meu filho e sua reclamação por estar no meio do
jogo. Era o que o Gustavo sabia fazer, claro que estariam no videogame.
— Oi, mãe, pode falar rapidinho, estou ganhando do tio, não posso
demorar.
A voz inocente do meu filho acalmou meu coração na hora.
Novamente sorri, só que dessa vez, foi cheio de amor. Nada no mundo é
mais importante do que meu filho. Ele é a razão de cada passo que dou.
Cada decisão que tomo. Tudo gira em torno de proporcionar o melhor para
ele.
— E aí, garotão da mamãe, sentindo minha falta?
— Sim, mamãe, mas também estou gostando muito de ficar aqui,
podemos fazer isso mais vezes? O tio Gustavo é muito maneiro. Todos os
meus amigos gostam dele, sabia, mãe? Eu disse que ele vai me ensinar a ser
Youtuber como ele, meus amigos acharam irado. Posso ir agora, mãe?
Senti cada parte do meu corpo endurecer, mas não demonstraria ao
meu filho. O garoto passa mais tempo na escola e com a babá e, no pouco
tempo que tenho com ele, não posso só ficar vomitando regras.
— Sim, meu amor, mamãe te ama, você sabe disso?
— Eu também te amo, mamãe. Agora posso ir?
Meu sorriso foi inevitável.
— Pode, querido, volta logo, estou com muita saudade.
Ele quase não me deixou terminar a frase. Pude ouvi-lo entregando o
aparelho à minha mãe e gritando alguma coisa para o tio.
— Ele está bem, filha. Vê se descansa um pouco. Confia nos seus
pais. Não vamos deixar que nada aconteça com ele.
— Eu sei, mãe, me perdoe.
— Não se desculpe, eu te entendo. Olha só, depois de amanhã, a
gente leva o garoto. Enquanto isso, abra uma garrafa de vinho e aproveite
sua liberdade. Quem sabe, não arruma um homem lindo pra te deixar mais
feliz.
— Mãe...
— O que é, filha? Você só tem trinta e três anos. Precisa transar.
— Misericórdia, é sério que vou ter que falar disso até com a minha
mãe?
— Se tivesse feito isso antes...
— Não faça isso.
— Tudo bem, filha, vou deixar você dirigir em paz. Manda
mensagem quando chegar, a gente fica preocupado.
— Obrigada, mãe.
— Pelo quê?
— Por cuidar do meu filho, por me aguentar.
— Faço com prazer, filha.
§§§§
Quase não saio de casa e, quando saio, é a trabalho. Trabalho na rede
pública de saúde. Algumas vezes, preciso ir para os arredores da capital.
Sempre que chego em casa, tenho a mesma sensação: paz.
Eu sei que preciso me divertir, conhecer pessoas – que não sejam
pacientes –, mas está complicado conciliar com meus horários. Sem contar
que os homens, na minha faixa etária, não agem tão diferente do que meu
filho de oito anos. É só ver a experiência que tive na beira daquela
montanha. Um homenzarrão daqueles, fazendo graça.
No momento em que pensei nele, meu corpo ficou quente. Só em
lembrar daquelas pernas grossas, os bíceps tatuados, a pele bronzeada e o
sorriso de um milhão de dólares, precisei chacoalhar a cabeça e agradecer
aos céus por saber que nunca mais o veria. Certamente, cometeria o grave
erro de ir contra todos os meus princípios.
Desfazia as malas quando meu celular tocou. Verifiquei o visor, era
do hospital. Fiquei tentada em não atender, mas sabia que, se estavam
ligando, mesmo sabendo o quanto foi difícil me ausentar, era grave.
— Analu, precisa vir para cá, urgente, sua paciente foi agredida.
A Desconfiança
Gabrielle

— Do lado de fora, inclinei a cabeça para trás, fechei os olhos e respirei


ar puro, se é que se pode dizer que aspirou ar puro na capital de São Paulo.
Amo minha cidade, mas de puro não tem nada nela – muito parecida
comigo.
Ao abrir os olhos, dei de cara com meu parceiro, me aguardando do
outro lado da rua – encostado em seu carro, com os braços e tornozelos
cruzados. Sua expressão não era das melhores.
Caminhei até ele e ignorei seu olhar repreensivo.
— Posso pegar um “Uber” — me adiantei, porque não estava com a
menor vontade de discutir.
Assim como ignorei sua expressão, ele fez com a minha fala –
entrando no carro e apontando com o indicador para eu me acomodar no
banco do passageiro.
Acomodados, ele deu partida no carro – sem me olhar.
— Como você está Gabi, já que passou várias horas no xilindró? Ah,
estou bem, João, se é que isso importa pra você — comecei a falar alto e
gesticular – ironizando a situação.
Meu amigo não estava para brincadeira, ligou a sirene do carro e saiu
cantando os pneus – sem me dar a menor atenção. Travei o cinto de
segurança e me segurei, meu corpo era jogado de um lado para o outro nas
curvas. Para não pegar muito trânsito, João foi entrando em ruas adjacentes
às avenidas, todas sinuosas e estreitas.
— Por que não me disse que tinha sido você? — finalmente falou e
eu o olhei com os olhos arregalados.
— O quê? Está achando que fui eu quem atirou no velho?
— Ele não seria tão burro em acusá-la sem provas, Gabi.
— Você só pode estar brincando comigo.
O semáforo ficou vermelho e ele me olhou sério – apertando a
mandíbula.
— Explica, então, como ele conseguiu te colocar atrás das grades.
Não fosse a influência do sargento, estaria lá, sabe Deus por quando tempo
— despejou e estreitou os olhos.
Nos encaramos pelo tempo que o semáforo permaneceu fechado.
Assim que liberou, João Pedro voltou a dirigir como um louco e eu respirei
fundo, para não abrir a porta e saltar do carro. De todas as pessoas, como ele
podia estar desconfiando de mim?
— Não fui eu — sussurrei e cravei as unhas nas palmas das mãos –
provocando um gemido dolorido no meu peito.
— Vou te levar para o seu médico, talvez ele te faça acordar para a
vida, já que são tão íntimos.
Fechei os olhos e bati algumas vezes com a cabeça no encosto do
banco. Aquilo não podia estar acontecendo. Quando, por fim, consegui um
mandado, no qual eu encontraria alguma prova que incriminasse o velho
asqueroso, ele me coloca na cadeia. Com acusações infundadas.
— Achei que confiasse em mim — resmunguei – de olhos fechados.
— Aliás, de onde vem esse ciúme do Kauê?
— Tss... tss — bufou – negando com a cabeça. — Quem está com
ciúme, aqui, madame? O mundo não gira ao seu redor, sabia? Embora você
faça de tudo para que isso aconteça.
— Qual é o seu problema, cara? — vociferei – virando o corpo para
ele. — Se não queria me buscar, era só não ter ido.
— Só seguindo ordens.
— Idiota! — murmurei.
Quando percebi que estávamos parando no estacionamento do
hospital, quase pulei no pescoço dele.
— O que pensa que está fazendo?
— Seguindo ordens, já te disse. Bento quer que seja examinada, seu
médico querido já te espera — avisou e apontou com o queixo para a porta –
onde tinha um Kauê carrancudo me esperando.
O carro mal parou, fui abrindo a porta, meu braço foi segurado e eu
olhei para o meu parceiro – sentindo um nó gigante na garganta. Eu o estava
perdendo e não sabia como reverter o quadro. Confiança, quando se perde,
dificilmente é recuperada.
— Desculpe — disse baixinho. Meneei a cabeça e engoli em seco. —
Só fiquei preocupado com você.
Ri sem vontade e balancei a cabeça.
— Jeito estranho de demonstrar — censurei-o e desci.
Meta de Vida
Yan

— Henry falando — atendeu o idiota prepotente.


— Foi rebaixado a assistente do todo-poderoso? — provoquei,
sabendo que cutucava a onça com vara curta. Naquelas alturas do
campeonato, meu sangue fervia a ponto de não pensar nas consequências dos
meus atos.
— O que quer com o papai, Yan?
— Você é tão ridículo, Henry. Devia ter vergonha em se prestar a um
papel desses — continuei atiçando-o, eu precisava brigar com alguém e, já
que ele estava no meu caminho, seria ele o alvo.
— Fala logo o que quer, porra! Diferente de você, tenho mais o que
fazer — grunhiu à linha.
— Ao que parece, lamber o saco do velho.
— Vou ser obrigado a ser grosseiro e desligar na sua cara —
ameaçou e minha gargalhada foi estrondosa.
Depois de alguns segundos, no qual achei que ele tivesse desligado,
prossegui:
— Essa foi a piada do ano: Henry sendo grosseiro, jamais! — Eu não
podia ver, mas tinha certeza de que o idiota cerrava os punhos e os dentes.
Principalmente, por saber que não podia fazer nada comigo. — Se eu
quisesse falar com você, teria ligado no seu número.
— Papai está indisposto, não pode atender.
— Tudo bem, já que você é o garoto de recados dele, avisa que vou
pedir uma ordem de restrição contra ele. A próxima vez que ele ligar para a
minha mãe ou chegar perto, vou colocá-lo atrás das grades.
— Acha mesmo que...
— Passar bem, Henry — conclui e desliguei, antes de ele tentar
justificar o injustificável.
§§§§
Estacionei o carro na vaga privativa do prédio, sede das empresas
Bennett – no centro financeiro do Rio –, e logo vi o carro do segurança
estacionar ao lado. Mesmo contra minha vontade, depois do atentado que
meu pai sofreu, fomos obrigados a aceitar andar escoltados. Embora eu
tenha certeza de que foi alguma merda que o velho se meteu – nada que
envolva a empresa ou os filhos.
— Bom dia, Carlos — cumprimentei o segurança – um armário de
quase dois metros de altura. Não que eu seja baixo, mas perto dele, fico uns
dez centímetros abaixo.
— Bom dia, senhor, vou estar no meu posto, se precisar.
Bati continência e ajeitei o blazer no corpo. Mesmo que eu faça parte
da diretoria, me enfiar em um conjunto de três peças de terno seria o mesmo
que me mandar para a forca. Claro que sigo algumas formalidades, mas nada
que me torne um certinho como o Enrico. Não dispenso minhas calças jeans,
sapatênis e blazer.
No trajeto até minha sala, fui cumprimentando as pecinhas
tarimbadas de todos os dias. Porteiros, faxineiros, recepcionistas, secretárias,
enfim, toda a equipe que realmente faz a coisa acontecer e que não estão em
evidência.
Eu mal entrei na sala e Bia já me abordou com o tablet nas mãos.
— Bom dia, Yan, está atrasado para a reunião, melhor nem sentar.
Verifiquei as horas no meu smartwatch e bati a mão na testa – quinze
minutos de atraso. Aguentar o Henry às segundas já é um martírio, estar
atrasado e, ainda por cima, ter desligado o telefone na cara dele, certamente
não é muito racional.
— Obrigada, Bia, estou indo.
Nossas reuniões semanais são vídeos-conferências intermináveis. Por
mais que eu entenda a importância de alinharmos os departamentos, em
geral, só recebemos ordens do Henry, sem que ele nos deixe expor nossas
ideias. Por isso que, na maioria das vezes, faço o que acho que é o melhor,
sem comunicá-lo. Depois de pronto que apresento, assumindo o risco de não
dar certo.
— Bom dia, pessoal — cumprimentei a equipe que precisa participar
da reunião, sentados ao redor da grande mesa, com suas atenções voltadas à
tela instalada em um painel de madeira – estrategicamente.
Menearam as cabeças e Henry parou o que dizia imediatamente.
— Vamos aguardar o “marajá” se acomodar, já que interrompeu o
meu raciocínio — ironizou o CEO e eu o lancei o meu melhor sorriso.
— Obrigado, mermão, é uma grande honra — satirizei, deixando-o
com o rosto transfigurado. — O que eu perdi?
— Nada que possamos resolver — desdenhou Lucca e o olhar
sanguinário do Henry se voltou a ele.
— Acha que estamos perdendo tempo, tentando fazer justiça ao
nosso pai? Ele é o fundador dessa empresa e não podemos deixar que os
problemas dele afetem o andamento da mesma — questionou Henry ao
Lucca e ele deu de ombros, antes de seguir.
— A questão aqui, Yan, para te atualizar, é que Isaac Bennett...
— Pode chamá-lo de pai, pelo menos uma vez? — interrompeu
Henry e Lucca o ignorou.
— Continuando, o velho acusa nossa irmã de atirar nele, só que não
tem provas e a balística comprovou que a bala não é compatível com o
revolver da Gabi.
— Gabi... tss... tss... é muita intimidade — rateou Henry e Lucca
virou completamente sua cadeira em direção ao CEO – encarando-o com a
expressão mais sarcástica que alguém poderia ter.
— Essa atitude dele, Yan — prosseguiu Lucca, olhando diretamente
ao Henry —, é porque se apaixonou pela própria irmã e não sabe o que fazer.
Para acabar com essa frustração, quer se vingar dela.
Foi a gota d’água para o Henry. Ele ficou em pé e deu um tapa na
mesa. Caminhou até o Lucca, que se levantou também, e enfiou o dedo no
peito dele.
— Cuidado com as merdas que sai da sua boca, inútil. Eu acredito no
papai e vou fazer justiça, custe o que custar — ameaçou e empurrou o peito
do Lucca – que manteve a expressão irônica. — Reunião encerrada —
vociferou, abotoou o paletó e se retirou da sala.
Alguns minutos se passaram sem que ninguém dissesse uma palavra.
Aos poucos, cada um foi desligando suas câmeras e Lucca se despediu,
pedindo desculpas.
— Ufa! Pelo menos não respingou aqui — comentei, a equipe foi se
levantando e saindo da sala – aliviada.

Sou formado em direito, embora as pessoas questionem minha


escolha. Escolhi a profissão para garantir que ninguém se aproveite da minha
mãe, principalmente, meu pai. Na empresa, cuido do comércio exterior.
Todos os dias, tenho toneladas de burocracias para desenrolar, mas dou conta
do recado. Para as empresas Bennett, os únicos que têm valor são o Henry e,
às vezes, o Enrico. Eles são formais e isso, na cabeça do patriarca, que
importa. Apesar de que Enrico se queimou com o velho, casando-se com
uma negra e deixando sua escolhida para escanteio.
Depois de lidar com as responsabilidades do dia, voltei para casa e
vesti o que mais gosto: bermudão, regata e tênis. Agora sim, faria o que o
meu coração se aquece. Minha real vocação.
§§§§
— E aí, brow, como estão as coisas por aqui? — questionei meu
funcionário – nos cumprimentando com soquinhos.
— Melhor estraga.
Como um bom carioca, não passo um dia sem ir à praia. Mesmo que
eu não queira admitir, o sangue Bennett me transformou em um jogador
capitalista. Sendo assim, faço tudo para unir o útil ao agradável, nesse caso:
ao rentável. Além de cumprir com o meu papel nas empresas Bennett, tenho
uma escola de futebol de areia, na praia da Barra. Estamos montando novas
turmas de várias idades – começando com oito anos.
Amo jogar futebol de areia e descobri que amo mais ainda ensinar,
principalmente os garotos. Evito tocar no assunto e tento desvencilhar dos
meus pensamentos, mas o meu sonho é ter garotos meus. Só que sei o quanto
será difícil encontrar uma pessoa que compreenda o quanto minha mãe
depende de mim. Não quero correr o risco de me apaixonar e ser largado.
Prefiro ter os meus casinhos, sem compromisso.
— Como estão as matrículas? — indaguei Rodolfo que abriu um
sorriso largo – demonstrando que estávamos bem.
— Quase não tem mais vaga.
— Se isso acontecer, abra mais turma, Rodolfo.
— Vai precisar contratar profissionais, com seus horários, não vai dar
conta de atender a todos.
— Não se preocupe, brother, gente pra trabalhar é o que não falta. —
Bati em suas costas e fui conversar com o restante da equipe.
Ser um Bennett não é uma tarefa fácil, no entanto, para aqueles que
sabem usufruir do nome, como eu, é um grande benefício. Minha meta de
vida é “viver”. Aproveitar ao máximo o que a natureza me proporciona.
Valorizar as pessoas e fazer tudo o que me faz sentir bem.
Desafios Diários
Analu

Me aproximei da jovem de treze anos e me contive. A vida não é justa


para algumas pessoas. Quando vejo uma cena como essa, chego a questionar
a existência de um Ser superior.
— Como ela chegou aqui? — indaguei a enfermeira que cuidava de
sua medicação.
— Uma vizinha ouviu os gritos e interviu.
Respirei fundo e comecei a examinar a garota sedada. Eram tantas
escoriações que não seria possível contar.
— Fizeram o exame de corpo de delito?
— Ela não aceitou, só chorava e chamava por você — esclareceu a
moça – compadecida.
— Obrigada, querida, pode deixar que assumo daqui.
Anotei cada hematoma, arranhão, mordida, cada centímetro
deteriorado da minha paciente em sua ficha e a deixei novamente aos
cuidados da enfermeira. Entrei na minha sala e me acomodei atrás da mesa –
completamente indignada.
Minha especialidade é hebiatra[2]. Cresci na periferia de São Paulo e
vi muitos amigos meus sofrerem violência doméstica. Com o passar dos
anos, fui me interessando pela causa. Apesar de pobres, meus pais
garantiram meus estudos e isso me incentivou mais ainda.
Não foi uma tarefa fácil me formar em medicina, já que sempre
estudei em escolas públicas. Infelizmente, no Brasil, o ensino público é
inferior ao privado, dando poucas chances para entrar nas universidades
públicas. No entanto, sempre fui considerada a “nerd” da sala e, com o apoio
dos meus pais, consegui me dedicar cem por cento aos estudos.
Durante o período que estive cursando medicina, meus pais se
sacrificaram ao máximo. Meu pai, metalúrgico, nunca fez tantas horas extras
em sua vida. Minha mãe, dona de casa, começou a fazer faxinas e lavar
roupas para fora.
Eu precisava recompensar eles de alguma forma, esse era o plano, até
que... Nem gosto de lembrar do erro que cometi. Meu filho é a melhor parte
de mim, mas a maneira como ele foi concebido e o momento da minha vida,
não foram os melhores.

— Lurdes, tudo bem? Aqui é a Analu, preciso da sua ajuda —


cumprimentei a assistente social e me preparei para a batalha.
— Olá, doutora, qual a ocorrência?
— Lembra a jovem que estamos tentando tirar de casa? Chegou aqui
hoje em estado crítico.
Ouvi a respiração profunda da profissional na linha e fiz o mesmo.
Há um tempo que tentamos ajudar a garota e não conseguimos. O pai é
esperto, sempre consegue se safar – deixando-a mais apavorada.
— Doutora, ela precisa colaborar, precisamos provar que é o pai
quem está a agredindo. Mas a garota se recusa a fazer exame de corpo de
delito e sempre arruma uma desculpa para suas escoriações. Sem contar que
o pai alega que ela tem um namorado e ele quem está a machucando, se não
pudermos provar, ficamos de mãos atadas.
— Dessa vez, foi a vizinha que a trouxe, podemos usá-la como
testemunha — argumentei – esperançosa.
— Ela está disposta a isso?
— Não sei, não conversei com ela.
— Se conseguir, o que eu acho difícil, farei o possível para tirar a
garota da casa. Só que sabe que temos um problema bem maior, não é
mesmo? Ela é a mais velha de cinco irmãos e a mãe morreu de overdose. A
garota já sinalizou que não vai deixar os irmãos.
— Precisa tirar todos de lá — insisti.
— Doutora, já tentamos, o pai é o responsável e tem carteira
assinada. Trabalha como construtor e alega ter condições de criá-los. Da
última vez, ele fez um melodrama na frente do juiz que acabou cedendo.
Sem provas, doutora, fica muito difícil. Tente convencer sua paciente a dizer
a verdade, já é um começo.

Meu consultório fica em um hospital público, só atendo adolescentes,


muitos deles só tem a mim para se abrirem. Por mais que tenhamos
psicólogos, assistentes sociais, casas de apoio, é uma idade complicada para
confiar nas pessoas. Principalmente, o perfil de adolescentes que atendo.
Além dos hormônios em ebulição, característicos da idade, tem o
fator social. A grande maioria, vive em lugares precários, sem o mínimo de
estrutura familiar, saneamento básico, educação, segurança e saúde. São
crianças assustadas, acostumadas à violência. As que chegam até mim veem
uma ponta de esperança. Dificilmente, confiam em mais alguém.
Amo o que faço, foi o que estudei e busquei, entretanto, todos os
dias, enfrento desafios, alguns chegam a ser intransponíveis. Por mais
otimista que eu seja, nossas leis são muito contraditórias e os adolescentes
são prejudicados. Sem contar as drogas e a milícia que os cercam, além, é
claro, do ponto principal: a violência.
§§§§
Abri a porta do meu apartamento e quase tive um enfarto.
— Surpresa! — gritaram, meus pais, meu irmão e meu filho.
Coloquei a mão no peito – contendo o grito que quase escapou.
— Meu Deus! Querem me matar do coração — censurei-os.

No dia anterior, voltei do hospital e passei o restante do dia limpando


a casa. Mesmo que eu tenha uma pessoa que limpe, uma vez por semana,
quando consigo, deixo as coisas do meu jeito.
Hoje, consegui dormir até um pouco mais tarde. Vesti uma bermuda
de alfaiataria, camiseta, calcei tênis e fui ao mercado. Mantenho meus
cabelos loiros e lisos, curtos – para ter menos trabalho. Raramente me
permito sair do estereotipo que criei para mim. Admito que tenho me
sabotando e, pior, ficando pouquíssimo tempo com o meu filho.

— Voltaram antes — comentei e caminhei até a cozinha – colocando


as sacolas do mercado em cima da pia.
— Não gostou, filha? — questionou minha mãe – com uma voz de
decepção.
Sorri e fui até ela – puxando-a para um abraço apertado.
— Eu amei, só fiquei surpresa.
— Esse era o objetivo — comentou meu pai e se juntou ao abraço.
Procurei pelo meu filho, morrendo de vontade de enchê-lo de beijos e
não o encontrei na sala.
O apartamento é pequeno, mas tem os cômodos bem distribuídos. O
fato de a cozinha ser conjugada com a sala, deixa o espaço melhor
aproveitado. Desde que cheguei ao Rio, alugo o espaço. Não tenho a menor
intenção de sair, principalmente, pelo fato de a dona ter virado minha melhor
amiga.
— Ele tem adoração pelo tio — esclareceu minha mãe, percebendo
minha busca.
Os afastei do corpo e comecei a guardar os itens comprados nos
armários e na geladeira – me segurando para não começar a mesma
discussão de sempre.
— Deixa que eu faço isso, filha. Vai matar as saudades de seu filho,
sabe como é criança, não se importa como a gente — sugeriu minha mãe e
foi tirando as coisas da minha mão.
Meneei a cabeça e sorri sem vontade. Cada vez que entramos no
assunto, meu irmão, acabo discutindo com os meus pais. Se tem uma coisa
que não tenho intenção é de magoá-los, mas, quando se trata do Gustavo,
fica difícil de não discordarmos.
Me encostei ao batente da porta do quarto do meu filho e fiquei
observando a interação do meu irmão com ele, sentados no chão, com os
joysticks nas mãos e os fones nos ouvidos – vidrados na tela grande.

Minha condição financeira melhorou consideravelmente – em


comparação a dos meus pais. Faço o que posso para proporcionar o melhor
ao Theo. O garoto decorou seu quarto à sua maneira. Tem mesa e cadeira
própria para jogos. Melhores joysticks. Videogame de última geração.
Internet de alta velocidade e tudo que um garoto da idade dele sonha. Claro
que ele tem que seguir algumas regras para mantê-los. Em especial, os
estudos. Não aceito notas baixas. Ele tem consciência disso. Não me canso
de lembrá-lo o quanto é privilegiado. O quanto foi difícil para mim e para os
meus pais para eu chegar onde cheguei.
Me aproximei e fiquei em frente à tela – colocando as mãos nos
quadris.
Contra a vontade, Theo tirou os fones do ouvido e ficou em pé –
vindo até mim e abraçando minha cintura.
— Senti sua falta, mamãe — me agradou, descaradamente.
Baguncei seus cabelos e beijei o topo de sua cabeça – sorrindo.
Quem pode culpá-lo? O tio faz tudo o que a mãe diz que é proibido. O
proibido sempre atrai.
— Preciso falar um minuto com seu tio — avisei o garoto e vi o
revirar dos olhos do Gustavo.
Gustavo me acompanhou até a sala, pedi que Theo fosse tomar banho
e desfizesse sua mala. Por mais que eu não goste da influência que meu
irmão exerce sob meu filho, não deixo que isso interfira no relacionamento
dos dois.
— Vamos, doutora, comece o blá... blá... blá de sempre — atiçou
meu irmão e eu precisei me controlar, para não o colocar porta fora.
— Não se esqueça de que está na minha casa — rosnei – entredentes.
Meus pais, que estavam na cozinha, só se entreolharam e menearam
a cabeça. Conheciam o rumo da conversa. Apesar de saber que o final seria o
mesmo, eu precisava alertá-lo, pela milésima vez.
— Não vou me estender, Gustavo. Já tivemos essa conversa mil
vezes — iniciei e me sentei no sofá de dois lugares da sala – apontando para
que ele fizesse o mesmo – na poltrona de frente. Bufando, ele se sentou.
Gustavo é dez anos mais novo do que eu. Tudo o que meus pais me
cobraram como conduta, ele faz o oposto. E, nem por isso, deixa de ser o
garotão deles.
— Então, eu mesmo vou repetir o discurso de sempre:
“Gustavo, não fique colocando ideias na cabeça do meu filho”.
“Gustavo, cada vez que te vejo está com uma tatuagem nova”.
“Gustavo, quando vai voltar a estudar? Acha que ser Youtuber é
profissão? E aquele estúdio de tatuagens, quando vai acabar com aquilo?” —
repetiu minhas frases, afinando a voz – me imitando.
Afastando Todos
Gabrielle

Acompanhei Kauê até o seu consultório, sentindo-o arisco.


A verdade é que estou afastando todos de mim, consciente ou
inconscientemente. Eu queria que as coisas fossem diferentes, porém, não
posso desistir.
Perdi a pessoa mais importante da minha vida por causa do velho
asqueroso. Desde que comecei a entender o que aconteceu à minha mãe, eu
soube que não descansaria, até que ele pague pelo que fez. Com ela e com
muitas outras.
Estou chegando perto e o velho sabe disse. Prova disso é sua última
atitude. Me acusar de um crime que não cometi para ganhar tempo – tirar o
foco dele. O mandado que tínhamos perdeu o prazo, sem contar que fui
desacreditada. Para todos os efeitos, até que se prove o contrário, só quero
vingança.
Em seu depoimento, alegou que minha mãe me envenenou contra ele
me contando várias mentiras. Quando questionado sobre as outras mulheres
que depuseram contra ele, disse que são acusações infundadas. Que ficará à
disposição da polícia, mas que não existe nada do que elas estão alegando. É
claro que seus informantes o alertaram, o velho tratou de limpar seus rastros.
Isaac Bennett tem muito dinheiro e poder. Muitos políticos têm rabo
preso com ele. Além, é claro, do departamento de polícia que me prendeu.
Provavelmente, não é só um.
— Sente-se na maca — ordenou Kauê – sério.
— Você está bem? Faz um tempo que não nos vemos — puxei
assunto, tentando soar natural – enquanto me acomodava na maca.
— Melhor do que você, com certeza — ironizou e pegou em minhas
mãos – virando as palmas para cima.
Engoli em seco, quando ele começou a passar o algodão embebedado
em algum medicamento ou anticéptico, sobre elas. Aquilo ardia e eu não
queria demonstrar fraqueza.
— Vou ficar bem — garanti, como se nada estivesse me atingindo.
— Seu riso irônico me afetou mais do que eu gostaria.
Terapia
Yan

— Olá, pessoal, meu nome é Yan, sou o professor de vocês. Vamos


começar conhecendo as regras do futebol de areia e algumas regrinhas de
boa convivência, todos comigo?
Os garotos, na faixa de oito anos, me olhavam desconfiados, alguns,
até um pouco assustados. Comportamento natural para um primeiro dia.
Embora eu tenha a postura bem descolada, procuro manter-me no modo
“tiozão” no primeiro dia, senão a molecada “descarrilha” e não consigo mais
controlá-los.
— Não precisam ter medo de mim, eu sei que meu tamanho, essas
tatuagens e meus cabelos, um pouco crescidos, são um pouco assustadores,
mas eu sou um brother maneiro, é só não abusar, tá ligado?
Os garotos riram, soltando-se devagarinho.
— Tio — chamou-me um deles e eu sorri – bagunçando seus
cabelos.
— Fala aí, garoto.
— Suas tatuagens são iradas, quando eu for grande, vou fazer um
monte delas.
Me agachei – ficando na altura de seus olhos.
— Como é o seu nome?
— Pedro.
— Olha só, Pedro. Eu também gosto delas, mas, cada uma, tem um
significado pra mim, quando você tiver idade pra tomar essa decisão, não
faça só porque seus amigos fizeram, ou seu professor, ou quem quer que
seja, entendeu, brow?
Ele fez que sim com a cabeça e se juntou aos colegas.
— Bom, vamos começar, então?
Antes que eu iniciasse as instruções, um rapaz se aproximou, com
um garoto da idade dos demais. Aguardei até que ele me abordasse.
— Olá, você que é o Yan?
— Sim.
— Passei na escola e me disseram pra vir direto aqui, meu sobrinho
gostaria de participar hoje, tudo bem?
— Claro. — Voltei a agachar, para falar com o garoto. — Como é o
seu nome?
— Theo.
— Nome maneiro o seu — brinquei —, me chamo Yan e sou o
professor.
— O seu nome, também é legal.
— Valeu, carinha!
Fiquei em pé e voltei minha atenção ao tio.
— Você é o responsável por ele? Como é o seu nome, mesmo?
— Gustavo. — Respirou fundo e coçou o queixo – desconfortável.
— Na verdade, não. Nem sei se minha irmã vai concordar, mas ele me
implorou. Primeiro, preciso saber se vale a pena a briga, entendeu?
Pensei um pouco, analisando se autorizava ou não a participação do
garoto. Pela expressão do tio, a mãe não era nada fácil. Olhei para o Theo e
não tive coragem de impedir, já estava junto com os outros garotos,
completamente entrosado. O garoto era carismático, eu não conseguiria
impedir.
— Boa sorte, brother! — apertei o ombro do tio e fui para perto dos
garotos, enquanto Gustavo sentou-se próximo. — Carinhas, o futebol de
areia funciona um pouco diferente do futebol tradicional. Pra começar, só
tem cinco atletas em cada lado do campo, sendo um goleiro. As posições são
parecidas.
Pedi que se sentassem em círculo e fiquei em pé, no centro,
explanando como funciona o esporte que tinham escolhido. Faz uns anos que
tenho a escola e estou acostumado que na primeira semana tem uma
quantidade grande de garotos. Aos poucos, vai ficando quem realmente se
identifica. Muitos deles, entram por empolgação, achando que é só diversão.
Quando descobrem que têm regras, que precisa de muita disciplina, não
voltam mais.
— Tio. — Theo ergueu a mão e me aproximei dele. — A gente
participa de campeonatos?
— Ótima pergunta, assim que eu gosto, carinha competitivo. Sim,
por isso, temos que ser disciplinados, caso contrário, levamos um “banho”
do time adversário.
Outros garotos fizeram perguntas, após deixá-los ciente dos prós e
contras e senti-los mais relaxados, segui para a próxima etapa.
— Bom, agora, fiquem em pé, vamos reconhecer o campo e ter
contato com a bola.
— Podemos jogar uma partida? — indagou Theo – ansioso.
Sei o quanto os garotos querem jogar, mesmo que não conheçam
bem como funciona. Sempre, no primeiro dia, monto times e jogamos, mais
por diversão, pois ainda não treinaram.
— Agora mesmo. — Como de costume, o sol queimava nossas peles,
embora cuido para levar os garotos à praia depois das quatro da tarde. —
Vocês devem ter recebido, junto com o material, um manual de instrução.
Tenho certeza de que a mamãe de vocês colocou um protetor solar na sacola.
Assim que fazem a matrícula, recebem uma sacola com regata e short
da escola, junto com um manual de instruções.
Vi quando Theo me olhou desesperado e soube que ele não tinha,
pelos motivos óbvios.
— Eu tenho protetor nas minhas coisas, Theo. Vem aqui, carinha.
Betumei o garoto com protetor solar e dei início à diversão. Minha
terapia, quando estou na praia, ensinando os garotos a jogarem, sinto-me
completo. É o que gosto de fazer.
— Isso aí, Pedro, joga para o lateral direito.
Enquanto orientava os meninos, percebi quando uma mulher se
aproximou de Gustavo e os dois começaram a discutir. A mulher estava de
costas para mim, mas deduzi ser a mãe do Theo, pelo tanto que gesticulava.
Temi que viesse para cima de mim, afinal, não tinha nada que me envolvesse
no assunto, só estava fazendo o meu trabalho.
— Boa, Theo, chuta pro gol, vamos lá — incentivei o garoto que,
percebendo a presença da mãe, deu o seu melhor.
O chute foi certeiro, o primeiro gol da partida. Vibramos, pulando no
meio do campo, até os garotos que estavam no time adversário.
— Tio, é muito irado jogar aqui, quero ficar — comemorou Theo –
pulando como uma bolinha de pingue-pongue.
Baguncei seus cabelos e olhei na direção de sua provável mãe,
querendo que ela visse a empolgação do filho. Meu coração teve um
pequeno pane, assim que enxerguei de quem se tratava.
A deusa loira vinha como uma “vaca brava” em nossa direção. Seu
rosto estava transfigurado.
Durante o trajeto dela, aproveitei para admirar partes de seu corpo
que não tinha reparado no dia do acidente. Até porque, minha condição não
ajudava muito.
A calça branca grudava em suas coxas largas e a camisa de seda, da
mesma cor, tinha dificuldade em esconder os “garotões avantajados”. Seu
rosto era como de uma deusa, como eu me lembrava, ou melhor, como
minha mente fez o favor de não esquecer, por nenhum momento. Os cabelos
loiros curtos, a boca carnuda, os olhos de um castanho claro, quase
transparente – bem próximo da cor de seus cabelos. E a pele, nossa...
precisei me controlar, principalmente, meu “amigão lá embaixo”, pois me
lembrei da leveza de seu toque, de como sua pele era sedosa.
A deusa estacou no lugar, no momento que me reconheceu. Meus
lábios abriram-se em um sorriso maroto. Era mais como um desafio. Adoro
um desafio e, claramente, aquela mulher era um deles – dos bem grandes. Se
estava ali, diante de mim, é porque o destino nos queria juntos. Não acredito
em coincidências.
— Eu não acredito nisso — exclamou, por fim. — Venha aqui, Theo,
agora! — ordenou, o garoto baixou a cabeça e foi, sem retrucar – ganhando
muitos pontos comigo.
Nos dias de hoje, ver um garoto, da idade dele, obedecer à mãe, sem
questionar, é uma raridade.
— Olha só, que mundo pequeno, como vai, doutora “Afrodite”? —
provoquei – me aproximando.
Seu irmão olhou de mim para ela, com o cenho franzido. A deusa
travou o maxilar e estreitou os olhos – cruzando os braços.
— Tinha que ser você, o cara que não tem responsabilidade.
Apontei para o meu peito e fiquei sério na hora.
— Eu não tenho responsabilidade? Nem me conhece, doutora.
— Ah, o pouco que conheci, foi o suficiente.
— Acha que porque me socorreu tem o direito de me julgar?
— É, cara, bem-vindo ao meu mundo. Ela faz isso comigo o tempo
todo — comentou Gustavo às suas costas.
— Vamos, filho. Não sei onde estava com a cabeça em deixar você
com seu tio irresponsável.
— Mamãe, quero estudar com o Tio Yan, ele é muito legal —
implorou Theo, puxando o braço da mãe.
— Não vamos discutir isso aqui, Theo. Depois, conversamos.
— Qual o problema de o garoto estudar comigo, doutora?
— Acho que está bem óbvio, não!?
Com poucos passos, estava a milímetros de seu corpo. Aproximei
meu rosto do seu e falei pausadamente:
— Não está óbvio, esclareça.
Os pelos de seu ombro nu se arrepiaram e a respiração deu uma
vacilada. Depois de engolir em seco, ela recuperou a postura – erguendo o
queixo.
— É só olhar pra você — desdenhou e mediu meu corpo – dos pés à
cabeça. Quando voltou a olhar nos meus olhos, suas pupilas estavam
dilatadas. Meu sorriso foi involuntário.
Não fosse o fato de estarmos no meio de várias crianças, teria
atacado sua boca novamente. Só que, dessa vez, mostraria a ela como
funciona jogar com um Bennett. O sangue que corre em nossas veias é
competitivo demais para aceitar derrotas. Quando entramos em um jogo, é
para ganhar.
— Gosta do que vê? — sussurrei, sem me afastar de seu rosto.
Nossos narizes quase se tocavam.
Estava claro que a doutora era uma ótima competidora, afinal, assim
como eu, não recuou.
— Não faz o meu estilo — murmurou e ergueu o canto do lábio – em
desafio.
Inclinei o rosto e soprei ao seu ouvido – fazendo questão de deixar
rastro de meu hálito em seu pescoço:
— Seu corpo está dizendo outra coisa, doutora.
A respiração entrecortada; os pelos arrepiados; as pupilas dilatadas;
eram sinais claros de que eu estava dominando a partida.
O salto que ela deu para trás me fez sorrir, mais ainda. Cruzei os
braços e aguardei.
— Vamos embora, Theo. Esquece isso, filho, não quero mais uma má
influência na sua vida, já basta seu tio que não tenho como evitar.
Gustavo deu de ombros e se desculpou com um olhar, acompanhando
a irmã e o sobrinho.
Argumentando
Analu

Só podia ser uma brincadeira de mal gosto do destino. Tantos anos


estudando e trabalhando para me tornar uma doutora de respeito e me
aparece um encostado, achando que pode me seduzir. Até parece que vou me
envolver com um “Zé ninguém”. Se tem uma coisa nessa vida que sempre
abominei, é mulher sustentando o homem por causa de sexo. Isso é o fim.
Nunca vou deixar que isso aconteça comigo.
— Só podia ser um professorzinho de praia, mesmo. Devia ter
imaginado — resmunguei, enquanto dirigia e apertava o volante. — Cheio
de tatuagens, eu queria o quê?
— O que está retrucando, aí, doutora, ou devo chamá-la de juíza? —
provocou Gustavo – sentando no banco do passageiro.
Theo se mantinha emburrado – no banco de trás.
— Satisfeito? — perguntei e apontei com o cabeça para trás.
— Eu que tenho que te fazer essa pergunta, doutora. O garoto estava
todo feliz, fez até um gol, achando que a mãe ia comemorar junto e o que
você faz? Vem com suas moralidades do caralho.
— GUSTAVO! — gritei e ele cerrou os dentes.
— Ei, amigão, não pode falar palavrão, ok. O tio está nervoso. — Ele
se retratou com o meu filho – colocando o rosto entre os bancos da frente do
carro. Vi meu filho concordar com a cabeça.
Ficamos um tempo em silêncio, até Gustavo quase me fazer
engasgar.
— Sabe o que eu acho? — disse e chegou com a boca perto do meu
ouvido. — Você precisa de uma rola pra te acalmar — sussurrou.
Olhei para ele e estreitei os olhos, assim que o semáforo ficou
vermelho.
— Não me lembro de ter pedido sua opinião. E, desde quando, é
especialista no assunto?
Gustavo gargalhou e deu de ombros, antes de prosseguir.
— Eu garanto que minhas parceiras fiquem bem felizes. Assim não
tenho que aguentar o mal humor delas.
— Cala a boca, seu nojento.

Assim que entramos no apartamento, Theo se enfiou em seu quarto e


bateu a porta. Respirei fundo e balancei a cabeça, querendo “matar” meu
irmão. Meu filho nunca tinha batido a porta. Conversamos de tudo, não
preciso lhe impor nada, sempre apresento argumentos que o fazem entender
o que melhor para ele.
— O que aconteceu? — indagou minha mãe.
— A doutora se irritou, pra variar — respondeu Gustavo e se jogou
no sofá – ligando a TV.
— Avisei pra não deixar meu filho sozinho com ele, mas vocês
nunca me ouvem, quando se trata desse moleque sem juízo, vocês ficam
muito moles.
— Filha, se acalme e conte o que aconteceu.
— Ela ficou toda excitada com o professor e não deixou o Theo
continuar na aula de futebol de areia — berrou Gustavo do sofá e eu cerrei
os punhos ao lado do corpo.
— Mãe, eu juro, se esse idiota não calar essa merda de boca, vou
socar a cara dele.
— Ui, que “meda”. A doutora vai sair do salto, e ela disse merda,
gente! — Gustavo estava determinado a me tirar do sério.
Me sentei e fechei os olhos – travando os dentes nos lábios. Não
fosse meu autocontrole, tenho certeza de que jogaria meu irmão pela janela
do quarto andar.
— Filho, para com isso — repreendeu meu pai. — Nós vamos
embora hoje, Analu, não se preocupe.
Eu sei que não é legal, mas respirei aliviada, em saber que retomaria
o controle na minha vida. Amo meus pais, mas detesto que eles deixem meu
irmão fazer o que bem entende. Se não afetasse a minha vida, não me
importaria. A questão é que Gustavo é o ídolo do meu filho.
§§§§
Verifiquei as horas no relógio de pulso, percebi que não tinha parado
para almoçar e já era quase cinco da tarde. Meu dia a dia tem sido bem
agitado. Quase não tenho tempo de ir para casa. No entanto, depois que
meus pais foram embora, ainda não consegui me reconectar com o meu
filho. Conferi minha agenda e avisei a recepcionista que encerraria o
expediente.
Guardando meus pertences na bolsa, Lurdes adentrou a sala – com
uma expressão preocupada.
— Boa tarde, doutora. — Assenti e aguardei a bomba. — A garota
foi embora pra casa, ficou sabendo?
— Infelizmente, sim.
— Conversou com a vizinha?
— Ela disse que não tinha ninguém quando chegou e que a garota
não falou quem a atacou. Tenho certeza de que a vizinha sabe, mas não vai
entregar, conhece as regras do lugar. — Bufei e encostei os quadris na
beirada da mesa. — Estamos de mãos atadas.
— Vamos acompanhar de perto, uma hora ele vai escorregar e o
pegamos — garantiu e eu só meneei a cabeça concordando. Mesmo que eu
quisesse acreditar que sim, seria muito difícil, pelo histórico de outras
pacientes.
§§§§
— Oiê, mamãe chegou — alertei, ao colocar os pés para dentro do
meu apartamento.
— Chegou cedo, Analu — comentou Lia, vindo ao meu encontro.
— Vim passar um tempinho com o Theo, onde ele está?
A garota deu de ombros e apontou com a cabeça para o quarto.
— Chegou da escola e se enfiou no quarto. Não quis fazer a lição de
casa, Analu. Ele está muito triste, aconteceu alguma coisa? Ele não quis me
falar o que tem.
Lia está conosco desde que Theo tinha três anos. Ela o trata como
filho. Lia foi uma das minhas pacientes e, assim que conheci melhor seu
problema familiar, a trouxe para trabalhar comigo. Ela tinha dezoito anos, na
época.
— Pode ir, Lia. Vou conversar com ele. É sempre assim, quando fica
muito tempo com o meu irmão, fica cheio de ideias.
Testei a maçaneta do quarto e descobri que estava trancada. Inclinei a
cabeça para trás e respirei fundo – buscando uma estratégia. Era a primeira
vez que meu filho se comportava daquela maneira. Nas outras vezes, apenas
uma conversa o convenci do melhor.
Bati de leve à porta – tentando não ser a mãe controladora – por mais
que isso seja quase impossível para mim.
— Filho, abra a porta pra mamãe. Cheguei mais cedo pra gente
tomar um sorvete, o que acha?
— Não quero sorvete — berrou de dentro do quarto, sem abrir a
porta.
Umedeci os lábios e aguardei mais uns instantes – pensativa. Não
tinha ideia de como quebrar a barreira que ele tinha erguido.
— Querido, abra a porta e conversamos, você diz o que quer fazer,
então. Mamãe saiu mais cedo pra ficar com você.
Depois de uns segundos, ouvi a chave sendo virada na fechadura.
Abri devagar e o encontrei sentado em sua cadeira especial para jogos –
concentrado na tela do computador, em algum jogo on-line.
Me sentei à beira da cama, às suas costas, e o observei por um tempo
– sem dizer nada.
— A Lia disse que não fez a lição de casa — iniciei a conversa chata
que as mães não têm opção de fugir. Ele não respondeu. — Filho, não faça
isso, sempre conversamos e entramos em um acordo.
— Você me fez passar vergonha — declarou, por fim.
Mordi os lábios e analisei a situação. Se eu pegasse pesado com ele,
começaria uma guerra – coisa que não estava em meus planos. No entanto,
se amolecesse demais, perderia o controle. Eu sempre soube que lidar com
adolescentes não é fácil, afinal, é o que faço todos os dias. Só que o Theo
tem oito anos.
— Desculpa, filho, não foi minha intenção. Só fiquei preocupada —
falei baixinho – tirando pelos inexistentes da colcha com estampa de
personagens de jogos.
— Eu estava com o Tio, não precisava sair do trabalho pra ir atrás.
Meu riso chegou a ser dolorido. Como explicar a uma criança de oito
anos o quanto o tio pode fazer mal a ela? Sei que vocês devem estar me
achando retrógada e preconceituosa, só que lido com coisas bizarras no dia a
dia e me apavoro em pensar que meu filho pode se perder.
Meu objetivo é proporcionar o melhor estudo a ele, para que ele
possa ter uma carreira. Gustavo mal terminou o ensino médio. Sem contar
que sua profissão é ser Youtuber de jogos. Que futuro tem isso, meu Deus!?
E as tatuagens?
Meu irmão tem um estúdio de tatuagens, seu corpo quase não tem
espaço para tanta tinta. Só em pensar em Theo seguindo por esse caminho,
sinto falta de ar.
— Theo, pode dar pause no seu jogo e olhar pra mamãe?
Acatando meu pedido, Theo virou a cadeira – de cabeça baixa.
Peguei em suas mãos e ergui seu queixo. Meu coração ficou do tamanho de
uma ervilha, ao ver seus olhos cheios de lágrimas.
— Não gosto de brigar com você, mamãe — confessou e eu precisei
me conter para não chorar com ele.
— Eu sei, meu amor, a mamãe também não gosta. Sempre foi só nós
dois, não é mesmo? Não podemos deixar que seu tio interfira, não acha?
— Eu que insisti, mamãe. Ele nem queria me levar lá.
— E por que você quis?
— Meus amigos da escola disseram que é maneiro.
Abri um sorriso e alisei seu cabelo.
— Se quer mesmo praticar esse esporte, podemos sair para procurar
escolas, agora, o que me diz?
Ele negou com a cabeça e me lançou um olhar pidonho.
— Eu quero com o tio Yan, ele é irado, não quero outra escola.
Yan... pensei no nome e me lembrei de seu dono. Sem que eu
pudesse impedir, um calafrio cortou minha espinha dorsal. Não tive a
oportunidade de perguntar o nome dele e, mesmo que uma luta medonha
começasse a se formar na minha cabeça, gostei de saber seu nome. Cogitei a
possibilidade de autorizar meu filho a estudar com ele, só para ter a chance
de vê-lo novamente.
Chacoalhei a cabeça – recuperando a razão.
— Não sei se é uma boa ideia, filho — admiti, mais para mim do que
para ele. Me colocar à prova seria muito arriscado. Eu poderia cair em
tentação e perder todo o respeito do meu filho.
— Por que, mamãe? Por que ele tem tatuagens? Eu sei que só posso
pensar nisso quando eu for maior de idade, é o nosso combinado, mamãe.
Você não confia em mim? — Porque a mamãe está ferrada, filho!
Encarando a Verdade
Gabrielle

Vasculhei o corredor do hospital e não avistei o João Pedro. Ótima


oportunidade para despistá-lo. O que tinha em mente, seguramente, ele não
me apoiaria.
A passos largos, logo estava do lado de fora. Olhei em direção ao
carro do meu parceiro e não o encontrei – soltei os ombros aliviada. Eu não
poderia deixar passar em branco o fato de ter passado horas atrás das grades
por algo que não cometi.
Saquei o celular no bolso, o mesmo que tinha sido me entregue há
pouco, e chamei um carro pelo aplicativo. Enquanto aguardava o carro
chegar, balançava as pernas e olhava de um lado para o outro – receando que
João Pedro me visse – apesar de eu ter tido o cuidado em me distanciar do
hospital.
O carro mal parou, entrei e pedi que o motorista se apressasse.
Olhando pela janela, sentia os nervos pulando. Mordia os lábios e cutucava o
curativo que Kauê tinha feito em minhas mãos. Odiava ter que ficar com
aquilo, mas tinha que me controlar. As palmas das minhas mãos estavam em
carne viva.
Assim que estramos na rua da mansão de Isaac Bennett, meu coração
só faltou sair pela boca. Fugi, o quanto pude, para não o enfrentar cara a
cara, porque ele tem o poder de me desestabilizar. O fato de ele me acusar de
tentar matá-lo foi o que eu precisava para encarar de frente a minha atual
condição: ser uma Bennett.
— Obrigada! — agradeci e desci do carro – parando de frente com o
portão gigantesco de ferro.
Meu corpo estava em alerta. O pequeno som da janela da guarita
sendo aberta me fez dar um salto no lugar. Aspirei uma grande quantidade de
ar pelo nariz e o soltei pela boca – concentrando-me no meu objetivo.
— Em que posso ajudar, moça? — indagou o segurança – olhando-
me desconfiado.
— Vim falar com o meu pai — avisei-o – estufando o peito.
O senhor enrugou a testa – me olhando como se eu fosse louca.
Driblando
Yan

Me olhei no espelho e entortei os lábios.

— Você fica mais lindo quando está de terno e gravata — elogiou


minha mãe – entrando no meu quarto.
— Perspectiva de mãe não conta — brinquei.
Ela se aproximou mais e me virou para ela.
— Filho, a gravata está completamente torta. Quem fez esse nó?
Dei de ombros.
— Sei lá, mãe, faz tanto tempo que não uso isso.
— Tss... tss... tira isso que vou arrumar. Não pode atender um cliente
tão importante dessa maneira. Não entendo como está nesse cargo e não usa
gravatas.
— A maioria dos clientes não se importa com isso, mãe. Sem contar
que, durante a pandemia, minhas reuniões foram por vídeo. Bia me enfiava
uma gravata que tem lá e assim que terminava eu arrancava e guardava. —
Dona Miriam abriu um largo sorriso – ao ouvir o nome da minha assistente.
Coisas de mãe.
O sorriso genuíno da minha mãe aquece meu coração. A maior parte
do tempo, ela está bem. Só não posso insistir que saia de casa. As meninas
que cuidam dela mal conseguem fazer com que ela dê uma volta dentro do
condomínio. Mesmo assim, ninguém pode se aproximar que ela começa a
hiperventilar.
— Pronto. Venha aqui. — Com todo amor e cuidado de mãe, dona
Miriam colocou novamente a gravata em mim e a alinhou ao centro. Me
virou para o espelho e beliscou minha bochecha. — Meu gatão, vá lá e acaba
com eles.
Sorri e a abracei – beijando o topo de sua cabeça.
— Com tantos elogios, alguém vai ter que me furar, estou inflado.
Embora não precise de muito para ficar gatão dentro do conjunto caríssimo
que estou vestindo — provoquei e minha mãe bateu de leve no meu ombro.
— Modéstia não combina com você, filho.
§§§§
Entreguei a chave do meu Lamborghini[3]ao manobrista do
restaurante e subi as escadas de mármore do local.
— Olá, gata, como você está hoje? — cumprimentei a Hostess, que
me retribuiu com um lindo sorriso.
— Muito melhor agora, Yan. Seu convidado já o aguarda, vamos que
te acompanho até a mesa.
A linda garota foi à frente, me proporcionando uma visão
privilegiada de sua bunda durinha. Me contive, afinal, não era um local
apropriado.
Não sou santo no quesito mulher. Gosto de sexo e não nego. Só evito
me comprometer por conta da minha mãe. Ela nem sabe a quantidade de
mulheres que levo para cama em um mês. Faço o possível para estar sempre
em casa, mesmo que eu ame viajar e meu trabalho exija que eu tenha que
ficar fora muitas vezes.
— Boa tarde, senhor Smith — cumprimentei o senhor com os
cabelos brancos – que ficou em pé imediatamente.
— Boa tarde, senhor Bennett — respondeu, enrolando um pouco a
língua.
— Podemos falar em inglês, se o senhor preferir, não sei se está
familiarizado com a nossa língua.
Minha posição na empresa exige que eu fale mais de um idioma, sem
contar minha paixão por conhecer o mundo.
— Oh, muito melhor. — Sua resposta já foi no idioma dele.
Nos acomodamos e escolhemos os pratos. Pedimos um vinho para
acompanhar. Enquanto o garçom não trazia nossas refeições, iniciei a
negociação. Não sou muito fã de formalidades e gosto de objetividade.
Apesar de o cargo que ocupo exigir formalidades, dou o meu melhor. Não
encaro como um sacrifício e sim um investimento no futuro.
— Como conversamos em nossa videoconferência, senhor Smith,
para a nossa empresa, a venda não termina quando o produto é entregue. Vai
muito além disso. Queremos garantir que o nosso cliente fique satisfeito,
para isso, temos um critério altíssimo com a qualidade dos nossos produtos,
sem contar a quantidade de pessoas envolvidas no relacionamento com o
cliente. Não é simplesmente uma compra e venda.
— Entendo seus argumentos, senhor Bennett, no entanto, o preço
está muito acima do seu concorrente.
Ergui o canto dos lábios e balancei a cabeça. Saquei o celular do
bolso interno do paletó e abri a página no navegador – que já tinha deixado
previamente separada.
— Com todo respeito aos meus concorrentes, senhor Smith, mas
temos que ser justos. Permita-me apresentar a última reportagem que saiu
sobre o maior deles.
Entreguei o aparelho para ele, na página em questão, na qual
apresentava várias fraudes internas – alterando a qualidade dos produtos. Ele
analisou com atenção e me entregou o aparelho – inexpressivo.

Logo pela manhã, Henry me ligou para falar dessa negociação. Suas
palavras foram:
— Consegue fazer o seu trabalho ou terei que ir até aí mostrar como
que é se faz? Esse cliente é muito importante para a empresa, se ele for para
o concorrente, vou tirar da sua conta a perda que teremos.

A dúvida ainda pairava pela cabeça do americano. Sempre fui um


ótimo negociador, dificilmente perco uma negociação. Não deixaria o cliente
escapar por entre meus dedos, teria que usar todas as cartas da manga.
— Entendo que sua decisão precisa ser assertiva. Só que, operações
internacionais não é um negócio para ser realizado por amadores e empresas
sem algum preparo. A empresa diversifica seu mercado, não depende
somente do seu mercado local, melhora a qualidade do seu produto, ganha
projeção e não se limita apenas a produção para o mercado local, sendo
capaz de atender a mercados exigentes e ainda qualificar seus colaboradores
para desenvolver as atividades do comércio exterior. Compreende, senhor
Smith, que somos a melhor escolha? Temos todos os quesitos.
— Preciso levar para o conselho.
Pensei em responder, mas achei melhor aproveitar a oportunidade
que os nossos pratos haviam chegado e elaborar melhor minha próxima
cartada.
— Vem sempre ao Rio, senhor Smith? — descontraí, na tentativa de
desarmá-lo.
— Não, é a primeira vez, ouço muito falar sobre.
— Então precisa fazer um tour, posso te acompanhar.
— Oh, não, fico muito agradecido, mas vim com as horas contadas.
Volto hoje mesmo.
Durante o tempo que comemos, falamos coisas aleatórias – nada
relacionado ao negócio. Eu precisava dele mais descontraído. A garrafa de
vinho acabou e me apressei em pedir outra, vi que o senhor começava a ficar
mais aberto.
Depois de um tempo...
— Então seu neto quer conhecer o Neymar? Precisamos cuidar disso
— comentei e os olhos do senhor brilharam.
— Consegue isso?
— Tenho meus contatos — garanti e o sorriso dele me avisou que eu
tinha ganhado a parada.
— Senhor Bennett, acho que posso me responsabilizar pelo negócio,
tenho certeza de que o conselho vai concordar com seus argumentos.
— Claro, podemos combinar de eu apresentar para eles, também, se
for necessário.
— Não, eu posso fazer isso. Qual o próximo passo?
§§§§
A reunião se estendeu – tomando boa parte da tarde. Assim que me
despedi do americano, enviei uma mensagem curta e objetiva ao Henry:
“Aqui tem bala na agulha – negócio fechado.”
Não esperei a resposta, porque, certamente, não viria.

Estacionei o carro na vaga exclusiva da escola de futebol de areia e


alcancei a mochila no banco de trás – louco para arrancar toda aquela
“parafernália” do meu corpo.
— E aí, brother, di boa? — cumprimentei o segurança da escola.
— Tudo em cima, chefe. — Bati continência e entrei apressado.
Meu objetivo era ir direto ao vestiário trocar de roupa, até que...
Esfreguei os olhos para ter certeza de que era real o que estava
vendo.
— É o tio Yan quem vai me dar aula, né? — indagou Theo ao
Rodolfo – que me viu às costas do garoto e da mãe.
Fiz um gesto para ele não dizer que eu estava ali e corri ao vestiário,
antes que a deusa loira me visse naqueles trajes.
Troquei de roupa na “velocidade da luz”. Temia que meu funcionário
dissesse que eu era o dono ou meu sobrenome. Detestaria pensar que a deusa
mudou de atitude por eu ser um Bennett. Nunca sou desafiado pelas
mulheres e também perde a graça, precisava garantir que o jogo continuaria.
— Filho, tem certeza de que quer aquele rapaz como seu professor?
— insistiu a mãe – no momento que fiquei de frente a eles.
Ignorando a mulher linda diante de mim, mesmo que meu corpo
estivesse reagindo vergonhosamente, me agachei e fiquei na altura do meu
alvo – por enquanto.
— E aí, garotão, então conseguiu amansar a fera? — provoquei e ele
pulou no meu pescoço – quase me derrubando para trás.
— Não coloque meu filho contra mim — rateou a mãe – tentando
tirar o filho do meu pescoço.
— Olá, pra você, também. Ela é sempre assim, esquentadinha? —
perguntei ao Theo e o garoto fez que sim com a cabeça – olhando de
esguelha para a mãe.
— Diferente de você, tenho um trabalho que depende da minha
dedicação, senão, perco vidas... Está me fazendo perder tempo.
— Uau, “Afrodite", precisa ser menos preconceituosa. Hoje em dia,
pode até render um processo.
— Está me ameaçando, professorzinho?
Acho que nunca sorri tão largo como naquele momento. Era tudo o
que eu queria – um jogo dos bons.
— Rodolfo, pode me fazer um favor?
— Claro, che... — Ergui as sobrancelhas — Yan.
— Leve o Theo pra conhecer as dependências da escola e entregue
os itens dele. Já concluiu a matrícula, não é mesmo?
— Sim, está tudo certo.
Aguardei que eles pegassem uma distância, voltei minha atenção à
mãe do garoto e passei alguns segundos admirando sua beleza.
Ela queria manter a postura de durona, mas seus olhos rastreando
meus braços e pernas nus, os delataram. Ergui o canto dos lábios e coloquei
as mãos nos quadris. Quando cruzamos nossos olhares, a expressão da deusa
enrijeceu imediatamente. Balancei a cabeça e fui para trás do balcão – onde
os dados dela estavam na tela.
— Hum, bonito nome, doutora Analu. Sabe, ando sentindo umas
dores, você poderia cuidar de mim — provoquei.
Gostei do que vi. Mesmo ela achando que estava me afastando, cada
olhar venenoso que me enviava aguçava minha vontade de avançar. Mostrar
que não se joga com um Bennett. A diferença é que ela estava entrando em
um jogo sem saber o potencial do jogador. E, no que dependesse de mim,
ficaria sem saber.
— Olha só, eu... — iniciou a doutora – cerrando os dentes.
— Mamãe, mamãe, olha o que eu ganhei — interrompeu Theo,
erguendo a mochila com o logo da escola.
Ela me deu uma última olhada e eu sorri – demonstrando que o jogo
só estava começando. Ter o filho dela aos meus cuidados, três vezes por
semana, me colocava alguns pontos à sua frente. Sem contar que o garoto
demonstrou claramente que tinha se afeiçoado a mim.
— Que legal, filho. Podemos ir, meu amor?
— Ah, mamãe, já? Queria ficar mais um pouquinho. Nem conversei
com o tio Yan.
A deusa ergueu os olhos para mim e os estreitou – reconhecendo que
não seria nada fácil se livrar de mim.
— Quer ir à praia, amigão? — sugeri, verificando que ainda faltava
um tempo para iniciar a próxima turma.
— Filho, lembra o que conversamos? Mamãe ainda tem que voltar
para o hospital.
O garoto fez um bico e concordou.
— Obrigada, Rodolfo, você foi muito atencioso. Tenho certeza de
que o seu chefe deve ser uma pessoa adorável. Equipe é reflexo do líder —
elogiou e me lançou um olhar de reprimenda – como se eu não fizesse parte
do mesmo time.
Rodolfo olhou para mim e sorriu.
— Sim, todos gostamos muito dele, não é mesmo, Yan?
Amiga Sincera
Analu

Minha semana, como a maioria, foi muito conturbada. Em algumas delas,


as adolescentes que atendo têm menos problemas. Quando me refiro ao sexo
feminino é porque raramente atendo garotos. A maioria das minhas
pacientes, me procura porque tem vergonha de falar com a mãe. Muitas
delas, nem tem a figura materna.
É lamentável ter que receitar métodos contraceptivos às garotas de
quinze ou dezesseis anos, às vezes, até menos. Mas, infelizmente, ou faço
isso, ou a situação fica pior, pois as meninas engravidam. Obviamente, não
têm a menor condição de criar um filho.
O pior é quando pego casos no qual elas são estupradas e ficam
grávidas. Têm medo de denunciar e me procuram. As leis do nosso país são
muito complicadas quanto ao aborto. Não que eu seja a favor, no entanto, o
que fazer nesses casos? Por isso, prefiro manter as meninas com pílulas
anticoncepcionais. Em alguns casos, consigo fazer com que tomem injetável
– é mais garantido.
— Boa noite — cumprimentei o porteiro do prédio e subi os poucos
degraus até a recepção.
— Boa noite, doutora, tem correspondência pra senhora — avisou-
me o senhor na faixa dos sessenta anos.
Fui até ele que me entregou o pacote. A maioria era conta, entretanto,
enquanto subia os degraus até o andar do meu apartamento, percebi que
tinha uma carta. Algo que eu não recebia há muito tempo. Ignorei as demais
e me foquei nela. Antes mesmo de abrir a porta do apartamento, já tinha
rasgado o envelope – no qual tinha apenas uma frase em letras garrafais:

“Fique longe da minha filha.”

Estremeci e virei o envelope, em busca do remetente: em branco.


Fechei um pouco os olhos e chacoalhei a cabeça – respirando fundo.
— Ossos do ofício — resmunguei e me recompus antes de entrar.
Não deixo que os problemas do meu trabalho interfiram na relação
com o meu filho, já passo pouquíssimo tempo com ele.
— Oiê, cheguei — avisei, assim que coloquei os pés para dentro.
Na última discussão que tive com o meu irmão, ele me disse uma
frase que, mesmo não deixando que ele visse o quanto me afetou, fez-me
pensar bastante:

“Você fica pagando de certinha e se esquece da merda que fez anos


atrás. Sem contar que o Theo está sendo criado pela babá. Se liga, mana,
precisa parar de cuidar da minha vida e se preocupar mais com a sua.”

Coloquei minha bolsa no aparador da sala e fui direto para a cozinha


– de onde vinha um cheiro maravilhoso.
— Ei, o que está fazendo aqui? — indaguei à Marina – tomando
conta do meu fogão.
— De nada — satirizou.
Abri a geladeira e peguei uma garrafa de água – tomando quase tudo
de uma vez. Arrastei um dos bancos altos, que ficam em frente ao balcão de
mármore – que separa a cozinha da sala –, e me sentei.
— O que aconteceu? — perguntei, por fim. Não era normal a Marina
estar ali.
— Lia precisou sair mais cedo, ela não te disse?
Enruguei o nariz e bufei.
— Me esqueci, desculpa.
Marina revirou os olhos e voltou a mexer o conteúdo da panela –
imaginei que fosse sua famosa macarronada – que o Theo ama.
— Sabe que não me importo, né. Só me preocupo com o Theo. Cada
vez menos você fica com o garoto. Ele já não tem pai, Analu.
Coloquei a garrafa vazia sobre o balcão e enfiei o rosto entre as
mãos.
— Eu sei — murmurei abafado — vou ter que conversar com o
doutor Ernesto, para diminuir minha carga horária. Ele não vai gostar muito
— relatei e ergui o rosto – voltando a olhar para a minha amiga.
Marina desligou o fogo e alcançou um banco – sentando-se à minha
frente.
— Problema dele, querida. Não pode continuar assim, por isso que
seu filho é fissurado pelo seu irmão. É a pessoa que mais dá atenção ao
garoto.
— Aí você pegou pesado — rateei.
— Sou sua amiga, mermã. Amigos de verdade são sinceros. Não fala
o que o outro quer ouvir e sim o que precisa.
Baixei a cabeça e fiquei pensativa. Tinha outra pessoa que o Theo se
afeiçoava e essa era muito perigosa. Poderia fazer com que eu perdesse a
cabeça – em vários aspectos. Só não tinha certeza se queria compartilhar
com a Marina aquele novo fato. Desde que meus pais tinham ido embora, eu
não tive tempo que conversar com ela. Seguramente, ela insistiria para eu
sair da minha zona de conforto – coisa que eu não queria.
— Ei, terra chamando Analu, o que aconteceu? — Estalou os dedos à
minha frente eu a olhei assustada. Umedeci os lábios e sorri – desconsertada.
Marina estreitou os olhos e me olhou desconfiada. — Tem homem na
parada.
Bati de leve em seu ombro.
— Tss... tss... Não é porque você gosta de ficar com homens, que
tudo gira em torno disso.
— Ué, mulher, você gosta de colar o velcro e nunca me contou!? —
brincou e eu me engasguei com a saliva, pois meu filho decidiu chegar ali
naquele momento.
— O que é velcro, mamãe?
Olhei feio para a Marina que ficou em pé e foi para o fogão –
erguendo as mãos em rendição.
— Oi, meu amor, como foi o seu dia? Sentiu muito minha falta? —
desconversei, porque não tinha a menor ideia de como explicar aquela
expressão chula ao meu filho. O puxei pelo braço – trazendo-o para mais
perto e beijei o topo de sua cabeça.
— O Arthur me convidou para o aniversário dele, vai ser no
Shopping. Maneiro, não é mãe? Queria fazer uma festa, também, podemos?
Sorri e baguncei um poucos os cabelos louros e lisos do meu filho.
— Claro que sim, querido. Só que ainda faltam alguns meses para o
seu aniversário.
— Eu sei, mamãe, mas você precisa se programar bem antes, por
causa do seu trabalho — salientou, como se fosse um adulto.
Olhei para a Marina que ergueu as sobrancelhas para mim, querendo
dizer: “Eu te falei”.
— Sim, você tem razão, filho. Mamãe vai dar um jeito nisso, tá bom?
— Sério? Pode me levar no futebol amanhã, então? É o primeiro dia.
Queria que você visse como o tio Yan é legal.
Puxei uma enorme quantidade de ar e fiquei segurando por um tempo
arriscado – controlando as reações impróprias que a menção do nome dele
provocam em mim.
A conversa interessou à Marina, claro que interessaria.
Principalmente, porque ela notou a minha reação.
— Que legal, Theo, vai fazer futebol? Onde? — questionou meu
filho – voltando a se sentar.
— Ah, tia Marina, esqueci de te contar. Vou aprender a jogar futebol
de areia. O tio Yan é muito irado, você podia ir com a gente, não é mesmo,
mamãe.
— Tio Yan, é? — A expressão dela demonstrou que já tinha
entendido tudo. Eu estava mais do que ferrada.
Sorri sem graça e desviei o olhar da minha amiga. Precisava dar um
jeito de me desvencilhar daquele compromisso. Minha sanidade estava por
um fio, mais um pouco e eu não sei do que seria capaz, ao lado daquele...
gostoso. Engoli em seco e chacoalhei novamente a cabeça. Sem chance que
eu deixaria um professorzinho qualquer mexer comigo.
— A mamãe não consegue, meu amor, mas a tia Marina...
— A tia Marina vai e sua mãe também, garotão. Quem quer
macarronada da tia Marina? — gritou – ficando em pé.
Meu filho não esperou a segunda chamada, correu até ela e os dois
começaram a pular como pipoca na pequena cozinha do apartamento.

Nos acomodamos à mesa redonda do canto da sala. Apesar de não


muito grande, consegui fazer uma divisão entre sala de estar e de jantar,
embora à mesa só caiba quatro pessoas.
Theo estava com o rosto tomado de molho de tomate. Tentei limpar e
Marina me repreendeu com um olhar.
— Deixa o garoto ser garoto, doutora.
— Só quero...
— E aí, Theo, conta pra tia essa história de futebol.
— Meus amigos me contaram, na escola, que tinha um professor
irado, aproveitei que meu tio estava aqui e pedi pra ele me levar. A mamãe
ficou brava com ele, tia Marina, mas depois deixou.
— Ficou é? Como foi, me conta.
— Ei, estou bem aqui, na frente de vocês. — Balancei as mãos entre
nós e a mesa.
— Ela apareceu lá, nem sei como ficou sabendo — confessou meu
filho e deu de ombros – olhando de esguelha para mim.
— Não confio no seu tio, sabe disso.
— E depois, Theo — atiçou Marina. Eu sabia onde ela queria chegar,
mas Theo não daria a ela o que buscava – nem eu.
— Mamãe brigou com o tio Gustavo e com o tio Yan e me levou
embora.
— Brigou com o tio Yan? Como foi isso, Theo?
Theo me olhou desconfiado e eu só ergui as sobrancelhas em aviso.
Mesmo achando que ele não diria nada fora do normal, afinal, estava um
pouco longe quando nos enfrentamos.
— Eles ficaram bem juntinhos e falaram baixo, depois, a mamãe me
arrastou pro carro. Ouvi o tio Gustavo falar um negócio, mas não sei o que
quer dizer.
Respirei fundo e arregalei os olhos – desesperada com a próxima fala
do meu filho. Não achei que ele tivesse ouvido meu irmão me atacar com o
vocabulário “baixo” dele.
— Chega disso, filho. Esqueça o que seu tio disse, porque nada que
sai da boca dele tem proveito — desdenhei e fui me levantando – retirando
os pratos vazios.
Fui até a cozinha para lavar os pratos e ouvi quando a Marina
cochichou:
— O que o tio Gustavo falou? Conta pra mim que não falo pra ela.
— Alguma coisa de excitada, o que isso quer dizer, tia? — perguntou
baixinho e estremeci.
— Theo, vai pegar seus cadernos para fazer a lição de casa, agora —
ordenei, apontando para o seu quarto e ele me olhou assustado.
— Já fiz com a Lia, mamãe.
— Então vai jogar. Preciso ter uma conversa séria com a sua tia
Marina.
Sem retrucar, ele deu um beijo na face da Marina, agradeceu pelo
jantar e foi para o quarto.
Esperei que ele não pudesse mais escutar, para “rasgar o verbo”.
— Espero que isso não se repita, Marina. Está instigando meu filho.
Ele é um garoto inocente, não fique despertando malícias nele antes da hora.
Marina ficou em pé e veio até mim, séria. Colocou as mãos na
cintura e me encarou.
— Preste atenção no que vou te dizer, porque é a última vez que vou
falar. Se quer que eu não me meta na sua vida, entendo. Só que vou me
afastar. Não consigo ficar vendo você destruir a vida de vocês, de camarote,
e não fazer nada.
— Enlouqueceu? Do que está falando? Eu e meu filho temos uma
vida ótima, não é perfeita, como a de ninguém é, mas é perfeita para nós.
— Assim que ele perceber o quanto está privando-o de coisas
normais da vida, vai te culpar, pode ter certeza do que estou dizendo.
— Do que privo ele, Marina?
— Tem certeza de que quer saber? A lista é enorme.
Fechei os olhos e mordi os lábios – sentindo a respiração começando
a alterar.
— Tudo bem, confesso que acabo protegendo o Theo de algumas
coisas, mas eu sou a mãe dele, se eu não proteger, quem mais vai fazer?
Marina balançou a cabeça e sorriu sem humor. Encheu o peito de ar e
bufou – indo para a pia. Começou a lavar louça – praticamente quebrando os
itens – tal era a força.
— Deixa isso aí, eu lavo.
— Fale com o seu chefe e vamos levar o garoto ao futebol, amanhã
— determinou e eu inclinei a cabeça para trás – respirando fundo.
— O hospital está com poucos funcionários, não posso...
— Foda-se esse caralho de hospital, Analu.
— Marina...
Ela virou bruscamente e ficamos a milímetros de distância. Colocou
o dedo em riste no meu nariz.
— Desde que chegou no Rio, só te vejo trabalhar. Mermã, seu filho
está com oito anos, tem ideia de que não vai demorar pra ele estar na
adolescência? Se você não conseguir mudar seus horários agora, você está
fodida. Você não tem tempo de ir em uma reunião escolar. Nem sabe quem
são os amigos dele.
Dei uns passos para trás e ri sem vontade – balançando a cabeça.
— Quem é a paranoica aqui, agora? Não estou te entendendo, acabou
de dizer que privo o menino de tudo. Seja coerente, Marina. Sem contar que
ele estuda em um dos melhores colégio da cidade.
— E isso quer dizer o quê? Sabe quem compra droga nas bocas? Os
riquinhos que estudam no mesmo colégio que o seu filho. Acorda, mermã!
Você está transferindo a responsabilidade de educar esse garoto para a escola
e a babá.
— Isso não é verdade — defendi-me, sentindo um nó gigante se
formar na minha garganta.
— Ah, não. Tudo bem. Quem é que compra todos os jogos que ele
pede? Quem é que montou um quarto de playboy para o garoto? Quem é que
o compra para que ele não fique pedindo pra sair, assim, sabendo que está
em casa, fica sossegada?
Coloquei a mão em frente à boca e as lágrimas se acumularam na
base dos meus olhos.
Marina sempre foi muito sincera, mas nunca pegou tão pesado. E o
pior que, mesmo que inconscientemente, era exatamente o que eu estava
fazendo. Além de me sabotar, eu estava sabotando meu filho. Precisava
mudar, “sair da caixa”. Mas como? Só em pensar, sentia um calafrio cortar
minha espinha dorsal.
Soltei os ombros e funguei – segurando as lágrimas teimosas que
queriam despencar.
— Sou uma péssima mãe — admiti e me sentei – deixando que meu
choro me dominasse.
Marina sentou-se à minha frente e pegou minhas mãos – colocando-
as entre as dela.
— Não é não. Só é meio controladora — disse, com um ar
descontraído. Ergueu meu queixo com o indicador. — Eu sei que não sou a
pessoa mais indicada a te dar conselhos de mãe, mas deixa-me te ajudar.
Comece a mudar sua rotina aos poucos. Deixe seu filho ir mais vezes para
casa dos seus pais. Fale com o seu chefe para reduzir suas horas de trabalho.
Vai ver que as coisas vão ficar melhores. Confia em mim. — Concordei com
a cabeça, mesmo achando muito difícil.
O Encontro
Gabrielle

— Senhor, tem uma moça aqui dizendo que é sua filha — avisou o
segurança pelo interfone da mansão. Enquanto ele ouvia o que o velho dizia,
meneava a cabeça – me olhando com uma expressão intrigada. — Às ordens,
senhor. — Encerrou a ligação e voltou sua atenção a mim – sisudo. — O
senhor Bennett vai te atender.
— Eu sei que sim — afirmei, demonstrando uma segurança que
estava muito longe de existir.
Os enormes portões de ferro foram abertos e, antes que eu entrasse, o
segurança me interrompeu:
— Calma aí, garota, o segurança do senhor Bennett vai te
acompanhar — alertou-me, saindo da cabine e evitando minha passagem.
— O velho está com medo? — provoquei e sua expressão deixou
claro que não estava entendendo nada do que estava acontecendo. — Ah,
deixa pra lá! — desdenhei, fazendo um gesto com a mão.
A espera foi curta. Logo o “brutamontes” estava diante de mim,
munido de seu revólver – encaixado no coldre da cintura.
— Detetive, o senhor Bennett a aguarda — comunicou e apontou
para que eu fosse à frente.
Marchamos pelo caminho de pedregulhos que levava à entrada da
mansão. A última vez que tinha estado ali, não fora uma boa experiência.
Controlava-me para poder conseguir cumprir com o meu objetivo.
Uma senhora uniformizada mantinha a exuberante porta da sala
aberta – incrivelmente, com um sorriso singelo no rosto.
— Olá, querida, como está se sentindo hoje? — perguntou-me, vindo
ao meu encontro.
Por impulso, dei um passo atrás, no momento em que ela levou sua
mão para me tocar. Franzi o cenho e ela sorriu mais ainda – deixando-me
confusa.
— Estou bem — adiantei-me, querendo que ela se afastasse.
— Fico feliz. Seu pai está ansioso pela sua visita. O aguarda na área
da piscina, me acompanhe.
Concordei com um meneio de cabeça e engoli em seco – sentindo o
coração martelar nos meus ouvidos. Durante o trajeto, o mesmo que tinha
feito da última vez – inspirei e expirei várias vezes –, principalmente, porque
meus ouvidos captaram o mesmo estilo de música – clássica. Aquilo devia
ser um gosto do velho, bem sinistro, por sinal. Se eu já não era muito fã de
música clássica, certamente, passaria a odiar.
Pelos vidros, pude vê-lo em sua cadeira de rodas, de olhos fechados –
como se estivesse sendo consumido pelo som.
Mesmo me controlando, preparando-me psicologicamente, cada vez
que chegávamos mais perto, meus pés ficavam mais pesados. As pernas
pareciam gelatinas e o tremor no corpo me tomava.
Respirei bem fundo e travei o maxilar – parando à frente dele.
— Senhor, sua filha está aqui — avisou a senhora e ele abriu
lentamente os olhos – junto com um sorriso maléfico.
Malditas ataduras! Tudo o que eu mais queria era afundar as unhas
nas palmas das minhas mãos, para garantir que o foco não fosse ele, e, sim, a
dor. Embora eu duvidasse que seria capaz de sentir alguma coisa, naquele
momento, a não ser ódio.
Juro que minha vontade era de matá-lo com as minhas próprias mãos.
Infligir toda a dor que ele foi capaz de provocar na minha mãe e em muitas
outras mulheres. Estar na cadeira de rodas era pouco para ele. Eu queria vê-
lo no inferno. Sendo estuprado, todos os dias, na cadeia.
— Finalmente — comemorou – abrindo os braços.
Uma risada me escapou. Não tive certeza, nervoso ou ironia?
— Você é... — Parei e segurei os lábios nos dentes – balançando a
cabeça – indignada.
— Seu pai, sim, minha única filha mulher. Eu sabia que se tivesse
uma seria uma guerreira. O sangue Bennett não é fraco. Olha pra você, uma
valente. O orgulho do papai.
Foi inevitável, o nojo que senti. Meu estômago virou ao contrário.
Como de costume, não pensei antes de me aproximar e cuspir na cara dele.
— Meu pai o caralho, seu velho escroto!
Resgatando
Yan

Minhas sextas-feiras não seriam mais as mesmas a partir daquela data.


Nem as segundas e nem as quartas. Eu parecia um adolescente na
expectativa do primeiro beijo ou, pior, a primeira transa.
Eu sabia que a possibilidade da deusa loira aparecer na aula do filho
era quase nula. As poucas vezes que interagimos, ficou evidente sua
dedicação ao trabalho. Sem contar sua caretice. Embora somente sua boca
soltasse palavras preconceituosas, porque seus olhos e corpo deixavam claro
que gostava do que via – quando me devoravam.

Fazia um tempo que tinha chegado ao escritório e verificava as


pendências do dia. Bia, minha assistente, sempre foi muito eficiente e sua
triagem deixa pouca coisa para que eu tenha que me estressar.
Falando nela...
— Bom dia, Yan, posso entrar? — perguntou – colocando a cabeça
no vão da porta.
— Chega aí, garota. — Gesticulei para que entrasse.
Beatriz entrou com seu porte de modelo e se acomodou à minha
frente. Qualquer um que olhar para o seu corpo vai perceber que a garota se
cuida. Nos conhecemos na faculdade, então, posso dizer que tenho bastante
intimidade para saber o que ela faz, o que come e onde frequenta.
Embora tivéssemos um “rolinho” na época, desde que ela veio
trabalhar comigo, somos só amigos. Apesar de nos metermos bastante na
vida do outro. A verdade é que somos bons amigos, daqueles que
confidenciam tudo. Quando conto, às pessoas chegam a dar risada, as frases
são sempre as mesmas:

“Duvido que você, todo malandrão, não “come” a assistente.”


“Isso é conversa pra “boi dormir”, é impossível um cara como você,
que não pode ver um “rabo de saia”, ser só amigo daquela gostosa.”
“Quem não conhece que te compre, Yan.”

Dou risada e deixo que pensem o que quiserem. Afinal de contas, não
devo satisfação da minha vida a ninguém.
Bia sentou-se com uma postura estranha. Não olhava nos meus olhos.
— Ei, gata, o que aconteceu? — indaguei de cara, porque, se tinha
alguém que pudesse ajudá-la, era eu.
— Yan, precisamos conversar. — Respirou fundo e me olhou.
Abri os braços e ergui as sobrancelhas.
— Sou todo ouvido, espero que não esteja aqui pra dizer que vai me
abandonar, sabe que não sou nada sem você, não é mesmo?
Um sorriso de canto surgiu em seus lábios – confortando-me.
— Depende da perspectiva.
— Não estou gostando disso.
— Me ouça, ok!? — Assenti. — Abriu uma vaga no departamento
jurídico, apesar de gostar de trabalhar com você, quero exercer minha
profissão. Me esforcei tanto para ser advogada.
Foi minha vez de respirar fundo. Cocei a barba que já estava grande
– precisando de um barbeiro –, ponderando o que responder.
— É justo — disse, por fim. — É que estou fodido sem você, gata.
Ela aproximou o corpo e alcançou minha mão – apertando-as.
— Pleiteie esse cargo pra mim. Prometo que treino uma assistente
“ninja” — garantiu – alisando o dorso da minha mão com o polegar.
— Ninja? — Rimos juntos. — Só se me prometer que nunca vai me
abandonar. — Cruzando os dedos na frente dos lábios, ela respondeu – com
um sorriso vitorioso:
— Promessa de escoteiro.
Neguei com a cabeça e franzi o cenho.
— Nunca nem foi escoteira.
A morena alta, vestida elegantemente, ficou em pé e veio até mim.
Beijou o topo da minha cabeça e colou o rosto nela – ficando ali por um
tempo.
— Nem se eu quisesse, Yan Bennett, te abandonaria. — Içou o
tronco e ergueu meu rosto em sua direção. Pegou minha mão e a colocou no
lado esquerdo de seu peito. — Você ocupa boa parte desse órgão aqui.
Me levantei e a abracei forte – afundando o rosto entre seus cabelos
cacheados.
§§§§
A turma de alunos já estava quase completa – exceto o que eu mais
esperava.
— E aí, galerinha do bem, animados?
A garotada, que já estava agitada, se ouriçou mais ainda. Pulavam e
falavam todos ao mesmo tempo.
— Tio Yan, a gente vai formar quantos times?
— Tio, todas as aulas teremos partida?
— Tio, quando vamos começar a treinar para as competições?
— Ei, ei, calma aí, carinhas, tudo ao seu tempo. Vamos nos sentar,
primeiro. Eu sei que não gostam muito, mas temos que entender uma
porrada de regrinhas e técnicas. Não é só colocar a bola no pé e sair
jogando. Se fosse assim, vocês nem iam precisar de mim.
Os meninos se acalmaram um pouco e foram se sentando. Já tinha
me conformado que o Theo não viria. Provavelmente, a mãe dele o
convencera a desistir. A doutora toda certinha, na certa, estava com medo de
mim. Eu sentia cheiro de excitação nela. Tenho certeza de que aquilo a
deixava vulnerável.
— Tio... tio... olha lá quem está vindo, aquele garoto que estava aqui
na aula passada.
Olhei na direção que apontaram e não contive o sorriso que estampou
no meu rosto. Lá estava ela, gloriosamente linda.
— Minuto, galerinha — pedi e fui em direção ao trio que se
aproximava. — Mama mia, a “Afrodite” veio arrancar meu coração do
peito? — diverti-me – fazendo uma cena em frente a eles – levando a mão
ao peito e fechando um pouco os olhos.
Se me contassem, eu duvidaria. Em plena tarde de segunda-feira, a
doutora vestida a caráter de praia. Até chapéu tinha na composição. Eu
realmente achei que meu coração seria destroçado, no momento que a vi.
Apenas uma bata transparente – azul celeste – escondia suas curvas
dentro de um biquini que, mesmo que não fosse minúsculo, me surpreendeu
com a quantidade de carne que ficou exposta.
A mulher que os acompanhava arregalou os olhos e levou a mão à
frente da boca.
— Puta merda, mermã, agora tô entendendo toda sua resistência,
esse é o gostosão do restaurante do hotel.
— Marina... — repreendeu a amiga – ficando vermelha como um
tomate. Fui obrigado a abrir o meu maior sorriso. Sem querer, a amiga tinha
me feito andar várias casas do tabuleiro.
— Quer dizer então, que já me conhecia, antes do meu descuido na
montanha — deduzi de imediato. — Por isso, saiu correndo de lá.
— Oi, tio Yan, cheguei um pouco atrasado por causa da minha mãe
— justificou-se Theo, completamente alheio a tensão sexual que se instaurou
ali.
— Filho, mamãe vai ficar por perto, tudo bem?
— E aí, carinha, fico feliz que veio, junte-se aos outros – demos um
soquinho com as mãos e ele correu em direção aos demais.
— Já que não me apresentou — ironizei e peguei na mão da mulher
que merecia uma bebida pela informação valiosa. — Eu sou Yan e você,
pelo que entendi, a Marina. — Beijei o dorso da mão dela e recebi um lindo
sorriso de agradecimento.
— Prazer em conhecê-lo, pessoalmente, Yan. Na verdade, suas
pernas e braços ficaram bem íntimos da minha imaginação.
Joguei a cabeça para trás e gargalhei.
— Gostei de você, é das minhas. Precisa dar umas aulas para sua
amiga, ela é muito tensa.
— Pode acreditar, eu tento — brincou – revirando os olhos.
— Já falou demais, Marina. Viemos aqui pra relaxar ou não? — A
doutora pegou no braço da amiga e começou a puxá-la.
Quando passou por mim, segurei seu braço e a trouxe para perto do
meu corpo.
— Achei que médicos fossem mais educados, oi pra você, também
— sussurrei – com a boca colada em sua orelha.
Os pelos arrepiados de seu pescoço foram o suficiente para um
gemido rouco escapar do meu peito. Porque, era fato: aquela mulher estava
apertando todos os botões do meu cérebro.

— É isso aí, galerinha, vamos ver se vocês prestaram atenção no tio


Yan. Quantos períodos têm o futebol de areia?
— Eu...
— Aqui...
— Três períodos — gritou o Theo na frente dos outros.
— Ah, isso não vale, o tio Yan disse que tinha que levantar a mão.
Theo me olhou e deu de ombros. Contive a risada, porque o garoto
era ousado – coisa que certamente sua mãe não era.
— Seus amigos têm razão, Theo. Em um time, temos que respeitar as
regras. É como uma engrenagem, quando um dente quebra, ela para de girar,
certo?
Ele concordou com a cabeça – sem retrucar.
Continuei fazendo perguntas aos garotos e, mesmo que eu tentasse
me segurar, meus olhos se desviavam constantemente na direção dela. Até
que...
— Ah, merda! — praguejei baixinho. — Douglas, fique com os
meninos — pedi ao meu assistente e saí em disparada.
Por todo o tempo que fiquei orientando os garotos, a doutora ficou
embaixo de um guarda sol, sem tirar uma peça de roupa. A amiga já tinha
dado vários mergulhos e, cada vez que voltava, via que tentava levar a deusa
para a água. Eu esperava tudo dela, menos que, provavelmente, não soubesse
nadar.
Arranquei a camiseta por cima da cabeça e a joguei longe. Antes que
acontecesse o pior, mergulhei de cabeça no mar. As ondas a derrubavam e,
quando ela tentava ficar em pé, outra rasteira. Até que não a vi mais. Meu
coração batia tão rápido que tive dificuldade em tomar fôlego para nadar.
— Peguei você — comemorei – no momento em que a coloquei nos
braços – tossindo e cuspindo água. Chegando à praia, a deitei na areia e a
coloquei de lado – ajudando-a a eliminar toda a água que tinha ingerido. —
Calma, “Afrodite”, te salvei. Respira devagar, vamos.
Depois de um tempo se recuperando. Ficamos nos olhando
fixamente. Algo estranho se formava dentro de mim. Por mais que eu ame
adrenalina, ter o controle dos meus sentimentos é bem menos arriscado do
que abrir a guarda e me machucar.
Chacoalhando
Analu

— Se quiser, posso fazer respiração boca a boca — divertiu-se – com


um sorriso que, segundo a Marina, molhava qualquer calcinha. Eu tinha que
admitir, ela estava coberta de razão. Apesar de estar ensopada, o que sentia
no meio das minhas pernas não era água salgada do mar. — Embora, essa
seja uma especialidade sua — provocou e me ergui de supetão – apoiando-
me nos cotovelos.
— O que está insinuando?
Ele deu de ombro.
— Talvez, não sei, posso estar enganado, mas eu estava bem, não
precisava de uma intervenção como aquela.
Revirei os olhos e tentei me levantar – quase caí de volta – não fosse
ele me segurar.
— Estou bem — avisei e puxei o braço de suas mãos. — Não sabia
que era formado em medicina para se autodiagnosticar. Era só o que me
faltava, achar que me aproveitei da situação, pra quê?
— Me beijar, oras! — respondeu sem titubear e eu engoli em seco,
porque, mesmo que inconsciente, talvez, eu fosse culpada da acusação. —
Sabe, precisamos marcar um encontro de verdade, esses nossos estão ficando
cada vez mais perigosos, podemos nos ferir gravemente — ironizou e eu
respirei fundo – querendo matar a Marina.
Se minha amiga não tivesse insistido, não teria entrado no mar
agitado. Olha a vergonha que passei. E onde ela estava? Só Deus sabe.
— Acabou sua aula, professorzinho? — aticei e ele cruzou os braços
no peito – gargalhando feito uma hiena. — O que é tão engraçado?
— Acha que me ofende, “Afrodite"? Essa sua armadura só está
deixando o jogo mais interessante.
— Que jogo?
Ele balançou o indicador entre nós dois.
— Esse, que você não quer admitir, mas que está ficando cada vez
mais quente.
Foi o que eu precisava para me levantar de uma vez. Antes de sair
andando, achei melhor conferir o biquini. Quase tive um colapso, ao
verificar que a tanga estava metade enfiada na minha bunda e um dos bicos
dos meus seios metade para fora.
— Quer ajuda, doutora? — Ele sussurrou ao pé do meu ouvido e eu
tive certeza de que meu coração escaparia do peito.
Tenho que admitir: ele literalmente me tira o fôlego. Deixa-me
completamente atordoada. O tempo de resposta do meu cérebro, ao lado
dele, é retardado. Sentir o calor do seu corpanzão; de seu hálito no meu
pescoço; deixa tudo muito difícil de controlar.
Quando ergui o rosto para responder, Marina parou à nossa frente –
com uma expressão divertida.
— O que eu perdi?
— Onde se meteu, Marina? — adiantei-me e ela franziu o cenho.
— Não achei que precisava de babá, mermã.
— Acho que a doutora não sabe nadar — acusou-me o gostosão –
como diz a Marina.
— Claro que sei, só estou... sem... prática — defendi-me e os dois se
entreolharam – com sorrisos idiotas nos rostos.
— Não seja por isso, “Afrodite”, podemos praticar, assim não vai
morrer afogada à beira da praia.
— Não sou desocupada como você — retruquei e comecei a me
afastar dos dois – sentindo as pernas tremerem. Ouvi os dois conversarem,
mas fiz questão de não tentar entender.
Eu precisava, urgentemente, parar com aquilo. Estava claro que o tal
Yan era um garanhão. Me via como um troféu. Imagina contar para os
amigos que levou uma médica para cama. Devia ser a pessoa mais
importante que ele conhecia.
§§§§
— Gostou da aula, Theo? — indagou Marina ao meu filho, dentro do
carro. Até aquele momento, tinha um silêncio horrível.
— Gostei, tia Marina, só no finalzinho que ficou chato.
— Por quê?
— Ah, o tio Yan deixou aquele outro cara lá com a gente e correu
pro mar.
Senti o olhar da Marina em meu perfil. Fingi que não era comigo.
— Ele foi salvar sua mãe, devia agradecê-lo.
— Marina, para com isso, eu só... — Pensei um pouco, sem saber
qual argumento usar. — Só...
— Quase se afogou — completou minha frase.
Theo se enfiou entre os bancos.
— É sério, mamãe? Que maneiro, vou contar pros meus amigos, eles
vão pirar, tá ligado!?
Virei o rosto em direção ao meu filho – enrugando a testa.
— Filho, menos, ok? Nem precisava do seu professor ir lá, eu já
estava conseguindo driblar as ondas.
— Claro que sim — ironizou Marina – virando o rosto para a janela
– rindo.
— Tudo bem, mamãe, mas ele foi, certo?
Concordei, bufando.
— Diminui essa quantidade de gírias, Theo, não gosto disso.
— Desculpa, mamãe.
Senti a cotovelada que Marina me deu e a olhei feio.

O bom das crianças é que elas esquecem rápido das coisas. A maioria
é como meu filho: o foco está em seus jogos. Juro que controlo, o máximo
que posso, para ele não ficar aqueles meninos chatos, que só sabem falar de
jogos. Só que, com meus horários malucos, está cada vez mais difícil de
conseguir passar um tempo com ele. Sou obrigada a confiar que a babá está
fazendo tudo que eu deixo por escrito.
— Theo, vamos comer primeiro — alertei, antes que ele se enfiasse
em seu quarto.
— Não estou com fome, mamãe — avisou, já entrando no quarto.
Não esperei a opinião da Marina, que certamente viria, coloquei minhas
coisas no aparador, próximo à porta da sala, e caminhei em direção ao meu
filho.
Ele me olhou assustado e esperou que eu me agachasse à sua frente.
— Filho — iniciei e suspirei – ajeitando seus cabelos idênticos aos
meus. Antes de continuar, olhei bem dentro de seus olhos verdes – que me
fazem lembrar de seu pai –, e sorri de canto. — Depois que você comer,
pode vir para o seu quarto, tudo bem? — Concordando com um menear de
cabeça, ele foi em direção à cozinha e sentou-se no banco alto em frente ao
balcão de mármore.
Marina já tinha assumido a função de preparar lanches para nós.
Enquanto isso, fui levando os itens que usaríamos para o balcão. Theo estava
pensativo e Marina me olhava de esguelha – receosa. Odeio fazer o papel da
vilã, mas temo que meu filho se perca.
— Mamãe. — Segurando a porta da geladeira, respondi um “oi” sem
olhar para ele. Alcancei a caixinha de suco de laranja – o preferido do Theo
–, e quase a derrubei com a pergunta. — Quem é o seu namorado?
Em fração de segundos, a bílis subiu e desceu. Engoli em seco e
cerrei um pouco os olhos, antes de fechar a porta e o olhar – como se fosse a
pergunta mais natural que ele pudesse ter me feito.
— Como assim, Theo? — inquiri e coloquei o suco com os copos em
cima do balcão.
— Você sabe. Já que não tenho pai, ia gostar de ter um padrasto.
Uma tremedeira indesejada tomou minha panturrilha e um sorriso
nervoso instaurou-se no meu rosto.
— De onde tirou isso, menino? — interpelou Marina – trazendo
nossos lanches para o balcão. Soltei um pouco os ombros – aliviada.
— Meus amigos, tia Marina, todos têm pai ou padrasto. Eles jogam
vídeo game juntos, vão à praia, jogam bola, é muito maneiro, tia. E eu fico
aqui, com a Lia. — Deu de ombros e fez uma careta.
— Você não gosta da Lia, Theo?
— Gosto, mamãe. Mas ela é moça, fica só rindo pelos cantos,
olhando pra tela do celular.
Revirei os olhos e bufei. Claro que eu não sou boba. A garota é
jovem, deve ter seus namoradinhos. Apesar de gostar muito do meu filho, sei
que está aqui porque precisa.
Alcancei a mão do meu filho e fiz um carinho de leve.
— Come, querido, assim vai poder ir para o seu quarto logo —
desviei o assunto e ele só concordou – sem dar continuidade.
Por alguns minutos, que poderiam terem sido bem mais longos,
mastigamos e bebemos. Achei que Theo esqueceria do assunto.
Infelizmente, não.
— Mamãe.
— Fala, meu amor.
— Você me disse que os bebês vêm de dentro da barriga da mãe, não
é mesmo?
— Ah, isso vai dar merda — cochichou Marina ao meu lado e lhe dei
uma cotovelada.
— Sim, Theo.
— Meus amigos disseram que pra eles entrarem na barriga precisa
ter um pai ou um padrasto. Eu fiquei um pouco confuso, sabe. Como assim?
É a sementinha que você me disse? O pai que coloca dentro da barriga da
mãe?
Meu cuspe foi longe, quase o acertei do outro lado do balcão.
Imediatamente, comecei a tossir. Claro que o suco, que eu tinha acabado de
tomar, entrou pelo canal errado e eu quase morri engasgada.
Eu sabia que o momento chegaria, afinal meu filho completou oito
anos. Mas confesso que pretendia protelar ao máximo. Eu sei que é ridículo
admitir um fato desse, sendo médica e pior, cuidando de adolescentes.
Diariamente, abro o jogo com as garotas sobre sexo, deixando claro as
consequências de não se prevenirem, embora, a maioria das minhas
pacientes, me procuram porque foram violentadas.
— Se acalme, mulher. O mundo não está acabando, só o seu filho
que está crescendo — provocou Marina, passando as mãos pelas minhas
costas.
Enxugando as lágrimas dos olhos, ergui o corpo e olhei para o meu
filho, que aguardava pacientemente minha resposta.
— Mamãe vai te mostrar uns vídeos e te explicar certinho como
funciona, tudo bem, filho?
Ele, mais uma vez, balançou a cabeça em concordância, mas seu
olhar deixou claro que não tinha acabado.
— Sabe, meus amigos têm irmão e pai ou padrasto, eu não tenho
nenhum dos dois. Queria ter.
— Chupa essa, mermã.
— Não está na hora de você ir embora, não, Marina? — A fuzilei
com um olhar – consciente de que nada mudaria.
— Filho, não é tão é simples. Você terminou seu lanche? — Ele fez
que sim. — Então, dá um beijo na tia Marina e vai jogar, vai.
Theo é uma criança obediente, raramente questiona minhas ordens.
Não precisei falar duas vezes. Fiquei em pé e comecei a tirar os itens de
cima do balcão. Marina se acomodou no banco e cruzou os braços – me
encarando. Estiquei o pescoço e verifiquei se o Theo tinha entrado no quarto.
— Você está passando dos limites — fui logo falando.
— Sabe que não, Analu. Se alguém não te chacoalhar, a coisa vai
ficar complicar pro teu lado. Quantas vezes te disse que seu filho ia crescer e
querer respostas? Você disse ao garoto que ele não tem pai?
— Claro que não — defendi-me de imediato – terminando de colocar
a louça na máquina.
— O que disse a ele?
Dei de ombros e desviei um pouco o olhar – envergonhada.
— Que o pai dele morreu.
Marina arregalou os olhos e levou a mão à frente dos lábios.
— Diz que tá brincando.
— O que queria que eu dissesse? Que o pai dele nem sabe da
existência dele?
— Mermã, isso nunca dá certo. Você é tão inteligente. Seus pais
concordaram com uma merda dessa?
— A ideia foi deles. — Ergui o queixo e uma sobrancelha.
— E seu irmão?
Fiquei de costas para ela e fui andando para a lavanderia – torcendo
para ela captar a mensagem. Mas Marina não desiste. Eu sei que ela só quer
ajudar, mas a presença dela começava a me irritar.
— Você conhece o Gustavo, gosta de ser do contra — respondi – já
que ela me seguiu e ficou às minhas costas.
Comecei a separar as roupas por cor, sem olhar para a Marina. Eu
podia ouvir as engrenagens do seu cérebro trabalhando.
— Começo a entender a rixa de vocês, o garoto não deve ter
concordado com isso, com razão, vamos combinar.
— Ele não tem que concordar com nada, é um desocupado.
— Analu, olha pra mim, agora. — Fiz o que ela mandou, segurando
o lábio inferior nos dentes. — Odeio ser a pessoa a te falar isso, mas você
tem que acordar pra vida. Só porque seu irmão não faz as coisas do seu jeito,
você o trata assim. — Fui falar e ela negou.
Mesmo que irritada, no íntimo, sabia que ela tinha razão.
A Ordem
Gabrielle

A mão dele se ergueu e olhei para trás – conferindo o “brutamontes” de


prontidão para me segurar. Vontade não me faltava de atacá-lo, no entanto,
só o fato de ter cuspido em seu rosto, já era muito ruim para o propósito que
eu tinha, indo até ali.
Fiquei ereta, chacoalhei a cabeça e os ombros e respirei fundo –
recompondo-me.
— Joana, ajude minha filha a se acomodar — ordenou à senhora –
enquanto limpava meu cuspe com um lenço de papel.
— Não vou demorar — rateei e lancei um olhar de ameaça à senhora,
para que não me tocasse.
O velho fez sinal para que todos saíssem. Segurei a respiração,
durante os poucos minutos da saída do pessoal. Ao invadir o espaço pessoal
de Isaac Bennett, não bolei um plano. Apenas segui meu instinto, ou melhor,
minha raiva. Tinha dúvidas se era a melhor opção ficarmos sozinhos, embora
ele estivesse em uma cadeira de rodas, o poder que ele exerce sobre mim é
muito maior do que qualquer força física.
— Acho melhor se sentar. — A tonalidade da sua voz deixou
evidente que não era uma sugestão.
Antes mesmo que o pessoal estivesse longe, seu rosto já tinha
mudado de sarcástico para austero.
— Mandou seu pessoal sair pra mostrar quem você realmente é? —
instiguei – sem desviar o olhar dele.
Admito que sentia os nervos do meu corpo dançando embaixo da
pele, mas jamais demonstraria.
— Vou dizer como vai ser — prosseguiu – ignorando minha
provocação.
— Ah, vai!? — Bufei e neguei com a cabeça – rindo de nervoso.
Ele apertou o botão da cadeira elétrica e veio até mim – quase
encostando nas minhas pernas. Cruzei os braços e ergui uma sobrancelha.
— Você vai assumir seu lugar nas empresas Bennett, agora.
A Ilha
Yan

Através dos fones de ouvidos bluetooth, falando ao celular, na minha sala,


eu andava de lado para o outro.
— Ainda não entendi qual o problema — argumentei, pela milésima
vez, com o responsável do departamento jurídico.
— Yan, me desculpe, tenho ordens expressas de não mudar ela pra
cá — avisou, por fim, o real motivo de estar negando meu pedido.
— Ordens expressas? Como assim, no Rio, sou eu quem dá as
ordens. — Engrossei a voz para falar, pois, por mais que eu leve a vida numa
boa, tudo tem limites.
Ouvi o cara limpar a garganta e suspirar, antes de abrir o jogo.
— Henry... — Suspirou e eu cerrei os punhos – mordendo-os.
Entendo que alguém precisa tomar a frente da empresa e, verdade
seja dita, Henry é o mais qualificado para essa função. Entretanto, sua
fissura por controle; seu perfil dominador; sua arrogância desmedida; todos
esses fatores conseguem deixá-lo intragável. Sem contar que ele não respeita
hierarquia.
— Olha só, mermão, vamos deixar uma coisa bem clara, por mais
que o Henry seja o CEO, temos uma cadeia de comando. Aqui no Rio, quem
diz o que deve ser feito sou eu. Sendo assim, a partir de agora, Bia trabalha
no seu departamento.
— Mas...
— Sem mais, nem menos, mano. Tem outra, ela vai treinar uma
pessoa pra ficar no lugar dela. Segura a onda aí, até que a outra pessoa esteja
apta.
— Seu irmão vai ficar sabendo.
— Foda-se, cara. Faça o que estou mandando, valeu!
Não costumo desligar o telefone na cara das pessoas, mas fazia um
bom tempo que estava discutindo com ele. Se continuasse, corria o risco de
demiti-lo.
Mal tinha começado o dia e já me sentia exausto. Minha agenda
estava lotada e, só esse fato, já me fazia perder as estribeiras. Teria que pedir
para outro professor me cobrir na escola de futebol.
O último cliente para eu atender estava numa ilha, próxima da
capital. Acionei o ramal da mesa da Bia.
— O que manda, chefe? — perguntou, divertida. Isso porque eu não
tinha dado a notícia, ainda.
— Por que mesmo tenho que ir até uma ilha atender um cliente?
Clareia minha mente.
Ouvi a risada gostosa dela na linha e acabei sorrindo.
— Yan, ele é um executivo de Dubai, está hospedado na ilha. Já te
mandei os dados da empresa dele e o quanto vai agregar para as empresas
Bennett. Acho que vale a pena o sacrifício, não acha?
— E por que ele não vem até mim? — brinquei – a resposta era
óbvia. Sem contar que ir até a ilha não era sacrifício algum, muito pelo
contrário, um dos melhores lugares para relaxar.
— Seria por que o interesse maior é seu?
— Engraçadinha, não precisava responder.
— Gosto de te provocar.
— Olha o respeito, garota, sou seu chefe.
— Oh, desculpe-me, me esqueci que estava numa tribo — terminou
de falar e caiu na risada.
Eu continuaria com a brincadeira, não fosse meu celular vibrar em
cima da mesa, com o nome do Henry no visor.
— Depois do almoço, passa aqui, tenho que atender outra ligação —
avisei e encerrei a conversa.
Me acomodei na minha cadeira e me preparei para o embate.
— Yan falando — atendi sério. Com meu irmão mais velho não têm
momentos de descontração.
— Que porra pensa que está fazendo? — gritou – fui obrigado a tirar
os fones e colocar o aparelho no viva-voz, para não ficar surdo.
— Cara, sério, eu sei que você se acha “o cara”; a última “Coca-
Cola” do deserto. Mas, mano, você vai morrer sozinho. Não tem um ser vivo
nesse mundo que te tolera.
— Não desvia do assunto, Yan. Você desacatou uma ordem minha!
— Vai se foder, Henry. Acha que manda sozinho nessa porra de
empresa?
— Se a empresa dependesse de um de vocês, já teríamos falido há
muito tempo — desdenhou.
— Ligou só pra me aporrinhar? Tenho um quinhão de coisas pra
fazer, está à toa? Pode vir pra cá, tenho certeza de que não vai ter tempo de
perturbar as pessoas.
— Não quero sua amiguinha no departamento jurídico.
— Foda-se o que você quer. Já avisei seu “cachorrinho” da minha
decisão.
— Preste atenção, Yan. Essa empresa não é aquela bosta que você
administra na areia, não. O departamento jurídico é muito sério pra colocar
alguém inexperiente.
— Terminou o discurso?
— Se desacatar...
— Henry, vai se foder.
Pela segunda vez, no dia, desliguei o telefone na cara de uma pessoa.
Definitivamente, não estava num bom dia.
§§§§
Parei no deque de frente para o meu iate e soltei um pouco os
ombros. Depois de um dia exaustivo, finalmente, poderia relaxar um pouco.
Mesmo que estivesse indo para atender um cliente.
Assim que eu concluísse o negócio, que seguramente fecharia.
Afinal, não sou responsável pelo comercio exterior à toa. Curtiria a natureza
que cerca a ilha. Aproveitaria a ocasião para dormir no iate, coisa que
deveria fazer mais vezes. O mar é minha segunda casa.
Pedi à Bia que limpasse minha agenda do dia seguinte, assim teria
tempo para dar uns mergulhos e fazer uma trilha. A Ilha é um refúgio para
quem mora na capital. Podemos ter contato direto com a natureza e respirar
ar puro.
— E aí, cara, vai curtir de terno e gravata? — tirou barato da minha
cara, meu amigo e responsável pelo iate.
— Achei que já me conhecesse bem, mano, odeio essa farda.
— Então, sobe aí e tira esse monte de pano. Tá esperando o quê?
Subi os poucos degraus da embarcação e já fui tirando o paletó. Em
seguida, tirei a gravata e dobrei as mangas da camisa.
— Infelizmente, é só até chegarmos à Ilha. Primeiro, trabalho,
depois, diversão. — Bati continência ao meu amigo e fui adentrando um dos
lugares que mais amo.
Meu iate tem tudo que preciso e mais um pouco. É um dos poucos
lugares que não preciso me preocupar com outra pessoa. Apesar de convidar
minha mãe, todas as vezes que decido sair com ele, torço para que ela não
aceite. Eu sei que é um pensamento egoísta, mas gosto de saber que é um
espaço só meu.
Entrei na suíte luxuosa do barco e fui até o banheiro me refrescar. A
tentação de encher a banheira foi grande, mas o trajeto até a ilha é curto, não
daria tempo.
Depois de recomposto, vestido novamente com todo o ornamento de
um empresário, subi e fui até a cabine de comando. Me sentei ao lado do
Paolo e fiquei admirando o pôr do Sol.
— Hoje está caprichado — comentou Paolo, apontando para o
alaranjado que cobria o céu e parte da água.
— A natureza é maravilhosa. Se dependesse de mim, nunca mais
ficaria preso em um escritório.
— Achei que ser um Bennett te dava essa opção.
— Esse é o problema, sou um Bennett.

No restante do trajeto, falamos sobre ele. Perguntei sobre sua esposa


e filhos. Me contou que a mais velha passou no vestibular para medicina
veterinária – sentindo muito orgulho. Quando desci avisei:
— Volto pra dormir, valeu! — Paolo bateu continência e entrou.
Adentrei ao Resort e logo fui reconhecido.
— Olá, senhor Bennett, o que o traz à nossa ilha, hoje?
— Olá, tudo bem? Por favor, só Yan, gata — corrigi a recepcionista
que ruborizou.
— A suíte presidencial está ocupada, mas...
— Não vou me hospedar, estou com meu iate. Vou atender um
cliente no bar. Acho que ele já deve estar me esperando.
— Que pena, senh... Yan. Seria uma honra tê-lo novamente conosco.
— Não vai faltar oportunidades.
— Tenho certeza. Me diz o nome do seu cliente que eu já confirmo
se ele está à sua espera.
O atendimento do Resort é muito bom. Sempre que preciso fugir um
pouco da rotina, me hospedo no lugar. Cheguei a fazer uma proposta para
comprá-lo, mas o dono não tem interesse. É um negócio da família que vem
de muitas gerações – respeito.
Caminhei até o bar e logo avistei o rapaz, mais ou menos da minha
idade. Até estranhei, pois achei que fosse mais velho.
— Good Night — cumprimentei-o – em pé à sua frente.
— Buoa noite — tentou responder em português e se embolou nas
palavras.
— Podemos falar em inglês, Jamil. Posso te chamar pelo primeiro
nome?
— Oh, sim, claro. Perciso prarticar meu português.
Sorri e concordei com a cabeça.
— Posso? — Apontei para o banco ao seu lado.
— Senhores, temos uma mesa separada pra vocês, me acompanhem
— sugeriu um colaborador.
Seguimos o rapaz e nos acomodamos. Como sempre costumo fazer,
inicio com conversas aleatórias, sem ligação com o negócio. São nesses
momentos que consigo entender a cabeça do cliente. É quando mentalizo
quais são os seus valores e os seus interesses pessoais. As informações são
minhas cartas na manga. São elas que, geralmente, me salvam.
§§§§
Há muito que eu não conseguia dormir tão bem. Ultimamente, tenho
percebido minha mãe muito mais agitada, mesmo que ela tente disfarçar.
Conversei com o médico que pediu para eu ficar de olho, se for o caso, vai
tentar mudar a medicação.
Quando estou em casa, mesmo que tenha uma pessoa com ela,
acordo assustado, cada vez que ouço um barulho na casa. Ela tem
dificuldades para dormir e costuma acordar várias vezes durante a noite.
Subi até o convés e me espreguicei – bocejando algumas vezes.
— Bom dia, bela adormecida — brincou Paolo, chegando de algum
lugar e entrando no iate.
— Madrugou, cara?
Ele olhou no relógio e riu com vontade.
— Viu que horas são?
Ao verificar, desacreditei: era quase nove da manhã.
— Caraca, perdi a noção do tempo. — Paolo parou de pé ao meu
lado e respirou fundo. — Algum problema, mano?
Ele me olhou e sua expressão o denunciou, claramente algo estava
acontecendo.
— Meu filho precisou ser internado, está com febre e falta de ar.
Sabe como é, né, cara, depois desse vírus maluco, a gente fica com o cú na
mão.
Coloquei a mão em seu ombro e apertei.
— Amigo, some daqui, vai cuidar da sua família.
— Não, Yan, não posso te deixar na mão.
— Ei, qual é, mano? Tá achando que preciso de babá? Sei me virar.
— Eu sei que sim, só que depois você pode não me chamar mais.
— Me ofendeu, por que eu faria isso? Tá me estranhando? Você
quem cuida desse “bebezinho” aqui, acha que tenho tempo pra isso?
— Tá certo, então vou aproveitar a balsa que sai em meia hora. Pode
ser?
— Perfeito. — Ele já se virado quando o chamei novamente: — Ei,
fica tranquilo, vai dar tudo certo.
— Vai sim, só não quero deixar minha esposa sozinha nessa.
— Vai lá, antes que perca a balsa.

O lugar é pitoresco. As ruas são arborizadas e o clima é agradável.


Tomava café da manhã, em uma mesa de ferro na calçada – curtindo a paz
do ambiente. Embora o clima não seja tão diferente da capital, o fato de ter
muito verde, deixa bem mais fresco.
Saí do iate completamente à vontade: bermuda, chinelos de dedo e
camiseta. Meus cabelos ainda estavam molhados do banho, fazendo com que
me sentisse confortável.
Passei a mão pela barba por fazer e ajeitei os cabelos da nuca,
pensando na possibilidade de procurar um barbeiro, pois começava a ficar
feio, quando ouvi umas pessoas correndo e gritando – saindo de um posto de
saúde.
Meu coração deu uma pontada e algo, que eu não soube explicar, me
fez levantar e ir até o local. Não acreditei no que vi. Só podia ser coisa do
destino.
Pressionada
Analu

Os dias estão ficando cada vez mais corridos. Por mais que eu tente,
nunca consigo chegar em casa cedo. Já virou rotina, mesmo sem
combinarmos, é só dar o horário da Lia ir embora e a Marina assumir à casa.
Me sinto como uma visita dentro da minha própria casa.
Conferi as horas no relógio de pulso e suspirei – sentindo-me muito
cansada. Já passava das oito da noite, eu tinha acabado de atender minha
última paciente, fechei um poucos os olhos e inclinei a cabeça para trás –
apoiando-a no encosto da cadeira.
Depois de alguns minutos, encontrei forças e me levantei. Comecei a
juntar meus pertences e colocar na bolsa. De costas para a porta do
consultório, ouvi alguém bater e entrar, antes que eu autorizasse. Virei de
uma vez e engoli a bronca que estava na ponta da língua.
— Boa noite, Analu — cumprimentou meu superior.
— Boa noite, doutor Ernesto. Em que posso ajudá-lo?
— Amanhã, seu turno será na Ilha — comunicou, sem titubear.
Pensei um pouco, antes de responder. Conhecendo-o bem, qualquer
resposta mal elaborada, me colocaria numa situação complicada.
— Achei que fosse daqui a duas semanas — disse com cuidado.
Eu precisava entender o que tinha acontecido. Uma vez ao mês ou
até menos, visito à Ilha. Apesar do lugar ser relativamente pequeno, tem
pacientes adolescentes que acompanho e as meninas confiam em mim para
se abrirem.
A maioria das minhas pacientes não tem mãe ou a mãe está
debilitada. São meninas de baixa renda e geralmente agredidas pelos pais.
Alguns, assim que veem que as filhas estão mocinhas, começam a vendê-las
por drogas. Na Ilha, não temos casos extremos, a maioria me procura pela
falta da mãe.
— Me ligaram pedindo que antecipasse seu turno na Ilha.
Franzi o cenho e senti um frio percorrer minha espinha, como se
fosse um aviso.
— Será que aconteceu alguma coisa? — pensei alto e foi a vez do
doutor franzir o cenho.
— Doutora, sabe do compromisso que temos com os pacientes, se
acha que não consegue...
— Não, me desculpe, só fiquei preocupada. Amanhã, no primeiro
horário da balsa, estarei lá, não se preocupe, doutor Ernesto.
O médico só meneou a cabeça e saiu da sala – sem se despedir.
Impulsivamente, mostrei a língua para ele.
§§§§
— Filho, não posso te levar e você não pode perder aula.
Ele fez um bico e baixou a cabeça – escondendo os olhos que já
estavam cheios de lágrimas. Meu coração ficou do tamanho de uma ervilha.
Mas eu não tinha opção. Sempre que faço atendimento na Ilha termino muito
tarde, perdendo o último horário da balsa. Acabo dormindo por lá.
Marina está acostumada a ficar com o Theo, ele é que está cada vez
mais me cobrando a companhia. Não tenho a mínima ideia de como resolver
a situação. Não posso nem pensar em perder o emprego, o custo de vida que
temos é alto. Teria que voltar para a casa dos meus pais no mesmo dia. Só
em pensar na possibilidade, meu estômago se contorce.
— Theo, tive uma ideia — animou-se Marina e Theo olhou para ela,
limpando o canto dos olhos. — Que tal a gente ir pra praia, assim que você
sair da escola.
Estreitei os lábios e gemi – institivamente. Pensar no meu filho na
praia, sem mim, foi a pior ideia de todas.
— Legal, tia. Quem sabe o tio Yan tá lá, hoje ele não deu aula, foi o
outro professor.
Aquela conversa estava conseguindo provocar todos os tipos de
reações no meu corpo. Trazer o Yan para o assunto só deixou tudo mais
difícil para eu controlar.
— Por que não foi ele, filho? — Minha curiosidade foi maior do que
qualquer outra coisa.
Marina me olhou e riu de canto – erguendo uma sobrancelha. Theo
de ombros e virou as palmas das mãos para cima.
— Ele precisou resolver algumas coisas pessoais.
Coisas pessoais? Será que ele é casado? Não pode ser, não tem
aliança na mão dele. Bom, mas isso não quer dizer nada.
Chacoalhei a cabeça e sorri, voltando a me concentrar nos dois à
minha frente. Marina me olhava de um jeito, como se ela soubesse
exatamente o que estava passando pela minha cabeça.
— Filho, venha aqui. — Me sentei no sofá e o coloquei no colo.
— Pare, mãe, não sou mais bebê — esquivou-se.
— Pra mim, meu amor, você sempre vai ser meu bebê — brinquei e
o forcei sentar-se. — Olha só, porque não vão ao cinema, me disse que
queria assistir aquele lançamento, lembra?
Marina sentou-se na poltrona de frente com a gente e negou com a
cabeça – entendendo claramente o que eu estava fazendo.
— Podemos, tia? — perguntou-lhe Theo.
— Claro que sim, gatinho.
Ele pulou do meu colo e me abraçou forte.
— Desculpa, mamãe, só queria ficar com você.
— Eu sei, querido, mamãe promete que vai dar um jeito nessa
situação, tá bom! — Beijei seu rosto e ajeitei seus cabelos loiros.
Ele já estava indo para o quarto e decidiu voltar.
— Se eu tivesse um padrasto, podia ficar jogando com ele, enquanto
você trabalha, mamãe. E aí, também, eu podia ter um irmão.
Bufei e balancei a cabeça negando.
— Filho, de novo essa história. Já disse que não é simples assim.
— Por que não, mãe?
— Theo, vai lá, gatinho, a tia Marina vai conversar com sua mãe.
Amanhã a gente cai na farra e sua mãe nem vai ficar sabendo — descontraiu
minha amiga e sorrimos.
Aguardamos meu filho entrar no quarto.
— Nem sei como te agradecer, Marina.
— Eu faria muito mais, se soubesse que você está buscando viver.
Pena que só pensa em trabalho, até seu filho almeja por alguma ação nessa
sua vidinha medíocre. — Recuei um pouco o tronco.
— Uau! Pegou pesado. Faço o que posso e mais um pouco, pra
proporcionar o melhor ao meu filho e você me chama de medíocre!?
— Sim, mais do que isso, covarde.
Fiquei em pé e fui para a cozinha – rindo sem vontade e balançando a
cabeça. Procurei algo para fazer e tentei não me ofender com a sinceridade
da minha amiga. Ela, dentre todas as pessoas, é a que mais me ajuda.
Não contente com sua sinceridade em excesso, Marina me seguiu e
continuou:
— Enquanto não deixar o passado pra trás e ser permitir... — Abri a
boca para retrucar e ela ergueu o dedo – impedindo-me. — Parar de achar
que todos os homens não valem nada.
— E não valem.
— Esse pensamento é tão pequeno, Analu. Além de muito
preconceituoso. É decepcionante constatar que, em pleno século XXI, uma
pessoa instruída como você, ainda pensa assim, mermã. Acho que nem
minha mãe pensa desse jeito, e olha que ela já passou dos oitenta.
— Não estou pronta, amiga. Devia respeitar isso.
— Para de mentir pra si mesma, Analu, apenas se permita, doutora.
Qualquer um pôde ver a tensão sexual entre você e o professor gostosão.
— Tss... tss... Acha mesmo que vou querer outro Gustavo na minha
vida? Não tenho vocação pra sustentar marmanjo.
Marina chegou mais perto e pegou nos meus ombros –
chacoalhando-os.
— Mermã, A.C.O.R.D.A! Só porque o indivíduo tem tatuagens e
gosta de curtir a vida, você já acha que o conhece? Quem você pensa que é?
Eu gosto muito de você, Analu, mas odeio esse seu lado arrogante. Um
diploma não te faz melhor do que ninguém.
— Obrigada, por ficar com o Theo — desviei o assunto e respirei
fundo. — Preciso descansar, amanhã saio cedo.
Marina veio até mim e me abraçou.
— Sou sua amiga, por isso, falo a verdade — frisou e se afastou. —
Deus te acompanhe, amanhã.
— Amém.
§§§§
Andava pelas ruas da Ilha arrastando minha pequena mala de
rodinhas e as rodas enroscavam nos paralelepípedos. O lugar não é muito
grande, no entanto, tem algumas opções de hospedagem. Tem até um famoso
Resort que, obviamente, não seria o caso, afinal, seria apenas uma noite e eu
estava a trabalho.
— Bom dia.
— Bom dia, doutora. Que bom que veio à Ilha hoje. Vou pedir que
levem sua bagagem ao quarto.
A senhora, dona e recepcionista da pousada, já me conhece, a
maioria das vezes, me hospedo lá.
Fiz o check-in e deixei que levassem minha bagagem ao quarto,
enquanto aproveitei para tomar um belo café da manhã – minha refeição
favorita. Meu dia seria longo, tinha que garantir a energia suficiente.

Fui muito bem recebida pelo pessoal do posto de saúde, como


sempre acontece. Mesmo que Marina insista que sou arrogante, tenho um
ótimo relacionamento com as pessoas. Exceto, homens que só querem tirar
proveito das mulheres.
De frente à mesa da médica responsável pelo posto, aguardava que
me explicasse a urgência.
— Doutora, obrigada por nos atender. — Meneei a cabeça, com um
sorriso de canto. Mal sabia ela o quanto foi complicado estar ali. — Sua
especialidade é muito particular, é um presente para nós da rede pública tê-la
em nossa equipe.
— Só consigo porque somos uma equipe.
— Não seja modesta. — Riu de seu comentário. — A assistente
social recebeu uma denúncia e nos procurou, pedindo auxílio. Acontece que
a adolescente em questão é enteada do traficante da Ilha. Ele é quem dá as
ordens por aqui, entende? — Concordei com a cabeça. — A mãe faleceu a
pouco e ela ficou na responsabilidade dele. Pelo que parece, ele está
abusando da menina.
— Típico, doutora. Conseguem trazer a menina pra falar comigo?
Estou acostumada a lidar com essas situações.
Nossa conversa não terminou, um alvoroço e uma gritaria, nos
fizeram correr para a porta do consultório. Quase tive um enfarto com a
cena.
Ameaçando
Gabrielle

Os anos que trabalhei como policial não me prepararam para lidar com
uma situação como aquela. A prepotência do tão temido Isaac Bennett
beirava à psicopatia.
Meu nervosismo me prega peças, às vezes. Não achei que cairia na
gargalhada diante de algo tão esdruxulo. Ele só podia estar bêbado ou
dopado com algum medicamento. Nada nesse mundo me faria assumir um
posto naquela empresa.
Dei alguns passos para trás, segurando a barriga e enxugando as
lágrimas – de tanto que eu ria. Queria ter agido de outra maneira, mas
malmente me mantinha em pé. Assim que senti a cadeira encostar-se na
minha perna, caí sentada.
Respirei longamente, por várias vezes, até reencontrar o equilíbrio. O
velho não se moveu, nem mudou a expressão. Ergui o tronco e o encarei –
montando minha melhor expressão de sarcasmo.
— O que o faz pensar que vou te obedecer, nessas alturas do
campeonato? — desafiei-o, sem titubear.
Mais uma vez, sua cadeira foi conduzida para perto de mim. Nossos
olhos não se desviaram em nenhum instante. Negar seu poder sobre mim,
seria burrice. Mas aceitá-lo, era outra conversa. Durante toda minha vida
lutei, não seria tão fácil como ele estava achando.
— É inteligente, achei que não precisasse verbalizar o motivo.
Fiz uma expressão de quem não tinha captado a mensagem, porque
eu realmente não tinha a menor ideia do que ele falava.
— Acho que não sou tão inteligente assim.
O sorriso sarcástico, que me amedronta por anos em meus pesadelos,
estava de volta.
— Presta atenção, filhinha, você tem duas opções: ou assume seu
posto ou vai mofar na cadeia. Nem aquele seu sargento bosta vai conseguir
te ajudar. Ele não conseguiu ajudar sua mãe, não será diferente com você.
O Momento Certo
Yan

Estanquei na entrada e engoli em seco. Um passo em falso e tudo se


perderia.

— Então, é você que se atreve a vir na minha Ilha se meter com a


minha filha!? — vociferou o homem e foi em direção à Analu.
Eu não sabia, até aquele momento, que era tão corajoso. Tudo o que
me lembrava era de defender minha mãe, o restante, sempre paguei para não
se meter em brigas. Sou um cara da paz.
Com poucos passos, estava ao lado do “valentão” – que apontava
uma arma para o lado dela.
— Ei, amigão, vamos acalmar os ânimos — interpelei – ficando de
frente a ele – com as mãos erguidas. Olhei para o lado e vi a expressão de
desespero da Analu e a outra médica.
— Olha só, mermão, melhor não se envolver nisso aqui, não.
Dei mais um passo em direção a ele e tentei entrar na mira no cano
de aço. Só estávamos nós quatro ali, o restante tinha corrido.
— Tenho certeza de que, seja qual for o problema, podemos resolver
conversando — insisti e seus olhos viraram duas bolas de fogo.
Evidentemente estava drogado. A constatação do fato fez meu corpo
vacilar.
— Mano, vou repetir: não se mete. Não quero te machucar.
— Sei que não, amigo, tenho certeza que não quer machucá-las,
também, não é?
— Se cada um cuidar da sua vida, ninguém sai machucado. Não é
porque seu pai é meu parceiro, que vou aliviar pro seu lado, mermão. Então,
se quer sair daqui ileso a hora é agora.
Recuei um pouco, intrigado com o fato de ele me conhecer e, mais
ainda, de saber que meu pai tinha parceria com um estilo daqueles.
Ele mal terminou sua ameaça e já partiu para cima da Analu.
Colocou o cano de aço em sua têmpora e passou o braço pelo pescoço dela.
O olhar de desespero dela fez meu sangue congelar nas veias.
— Vai com calma, brother, vai machucar a moça — pedi e me
aproximei devagar. — Não precisa disso, mano, vamos sentar e conversar.
— Com essa aqui, não tem conversa. Ela é atrevida, venho recebendo
reclamação há tempos. Agora é comigo que ela quer se meter.
Olhei dentro os olhos da Analu e fiz um sinal com as mãos –
balbuciando para que ela ficasse quieta. Qualquer movimento ele atiraria –
sem sombra de dúvidas, a arma estava engatilhada.
— Senhor, diz o que precisa, a doutora só está fazendo o trabalho
dela. A gente pode resolver, seja o que for — implorou a outra médica, com
a voz embargada.
— CALA A PORRA DA SUA BOCA! Isso é culpa sua — berrou e
comecei a temer pela vida da Analu. Ele apertou mais ainda o pescoço dela e
começou a arrastá-la para dentro da sala.
Um soluço escapou-lhe e imediatamente uma pontada atingiu a boca
do meu estômago. Minha “Afrodite” estava com o rosto lavado de lágrimas.
Nunca imaginei vê-la tão fragilizada. Sempre tão forte e desafiadora. Eu
precisava fazer alguma coisa, mas não podia dar uma de herói e colocar a
vida dela em risco.
Respirei fundo e apertei os punhos ao lado do corpo, pensando numa
saída.
— Amigo, olha pra mim — chamei-o e ele atendeu. — Solte a moça
e fique comigo. Vamos conversar de homem pra homem. Pode até me bater,
se quiser, mas solta ela. Mano, ela tá assustada.
— É pra ficar mesmo, assim vai enfiar o rabo entre as pernas e sumir
daqui. Aprender a cuidar da vida dela e não se meter na dos outros.
Um alvoroço na porta roubou a atenção dele. Olhamos e vimos
alguns carros de polícia estacionando.
— Escuta aqui, doutora, hoje, foi só um aviso, da próxima vez, não
vou ficar de conversinha. — O homem ameaçou e soltou Analu. Olhou para
mim calmamente. — Aprenda com seu pai, rapaz, fica do lado certo, dos
fortes. — Como se nada estivesse acontecendo, encaixou a arma no coldre
da cintura e saiu andando.
Inesperadamente, Analu pulou no meu pescoço e enterrou o rosto no
meu peito – desabando a chorar. Apertei o braço em volta dela e beijei o
topo de sua cabeça – observando o indivíduo parar para cumprimentar
alguns policiais.
Descobri que tenho um controle emocional grande, pois sentia cada
pedaço do meu corpo tremer e só o que me preocupava, era em tirar Analu
dali – o mais rápido possível.
— Pegue a bolsa dela pra mim, por favor — pedi à medica que me
atendeu prontamente.
— Desculpe, doutora, não achei que ele... — iniciou a médica que
acompanhava Analu – tentando se justificar.
— Olha só, acho que ela não está em condições de falar —
interrompi a senhora que só meneou a cabeça.
Sem pedir permissão, fui andando e carregando Analu comigo –
abrindo caminho pela multidão parada à porta.
— Senhor, precisamos que deem um depoimento — avisou um
policial – o mesmo que há pouco tinha batido no ombro e sorrido ao
indivíduo causador de tudo aquilo.
Parei à sua frente e estreitei os olhos – encarando-o.
— Acho que seu amigo, que acabou de sair daqui, pode te ajudar
com isso — ironizei e continuei andando – sem esperar uma réplica.
Ele que viesse atrás de mim, bastava uma ligação para ele não fazer
mais parte daquela equipe. Principalmente, pelo fato de estar acobertando o
bandido.
Estávamos a poucos metros do meu iate. Caminhei devagar –
praticamente, arrastando-a. Em momento algum, Analu levantou o rosto.
Seu choro parecia não ter fim – como algo acumulado, a gota que faltava
para o copo transbordar.
As pessoas nas ruas continuavam cochichando assombradas. Seja
quem for o cara, era importante na Ilha. Assim que Analu se acalmasse,
procuraria saber dos detalhes.
— Ei, preciso que suba os degraus, caso contrário, vou ter que te
pegar no colo de novo — descontraí – na tentativa de fazer com ela voltasse
ao normal.
Me arrisquei a erguer seu queijo e fazê-la olhar para mim. No
momento em que nossos olhos se cruzaram, precisei segurar os lábios nos
dentes para não atacar os dela. O sentimento de posse que senti foi algo
inesperado e incomum. Embora nunca tivesse vivenciado a fragilidade das
mulheres com quem me relacionei – pois não houve tempo –, o que sentia
era algo que eu duvidava que sentiria.
Ela engoliu em seco e desviou o olhar – respirando fundo. Olhou
para o barco e franziu o cenho – voltando sua atenção ao meu rosto.
— Quer que eu suba aí? De quem é esse iate? — indagou, já
querendo se desvencilhar de mim.
Sorri e a abracei pela cintura. Limpei o restante de lágrimas de seu
rosto com o polegar e fiquei admirando os detalhes. O nariz era arrebitado e
com algumas sardas. Sem que eu percebesse, comecei a salivar –
concentrado no desenho de seus lábios carnudos.
— Você vai invadir um iate? E quer que vá junto? — acusou-me,
tirando-me do estado patético de adolescente. Porque era exatamente como
eu me sentia.
Me empertiguei e ajeitei à frente da bermuda – aliviando a pressão do
“meu amigo” – querendo escapar da box. Antes de responder, me lembrei de
que ela não sabia quem eu era e queria manter daquela maneira. Assim teria
certeza de que, se houvesse qualquer coisa entre nós – e eu me certificava de
que sim – seria por desejo sexual, não financeiro.
— Posso ser só um professor, mas não um invasor — diverti-me e
estendi a mão para ela pegar. — Vem, vou te ajudar a subir. Não se
preocupe, é de um amigo meu.
Receosa, Analu aceitou meu convite e subiu. Assim que estávamos a
bordo, ela se afastou do meu corpo – deixando-me com um vazio gigantesco.
Foi como se tivesse tirado uma parte de mim. Chacoalhei a cabeça e ri de
nervoso – enquanto ela estava de costas para mim. Por mais que estivesse
gostando da sua companhia, não podia esquecer que era só um jogo, algo
para me divertir. Acreditava que ela pensava igual.
— Você tem roupas pra trocar? — perguntei – parando ao seu lado –
olhando o horizonte.
Ela virou o rosto de supetão para mim.
— Como assim? Por que eu trocaria de roupas?
Ergui o canto dos lábios e uma sobrancelha.
— Eu te daria muitos motivos pra você tirar as roupas...
— Olha só, eu agradeço...
— Não terminei, “Afrodite”. — Achei que revidaria ao apelido, mas
não. Nitidamente, ainda estava abalada com o que tinha acontecido.
Virei seu corpo em minha direção e alisei seu rosto com as costas da
mão. Eu precisava tocá-la, era uma necessidade insana. — Você realmente
representa beleza e desejo — sussurrei – afetando-a – os seus olhos
deixaram bem claro. — Só quero que relaxe, doutora. Se não tiver uma troca
de roupa, pode pegar algo meu, vai ficar grande, mas não pretendo te levar a
lugar algum — esclareci, com a boca colada à sua orelha.
Seus ombros se encolheram e vi os pelos de seu pescoço ouriçarem.
Meu sorriso de satisfação veio involuntariamente. Levei a mão até sua nuca
e encostei a testa na dela. Nos entreolhamos por longos minutos – sem
palavras em nossa interação. Só o barulho do mar e das nossas respirações
alteradas.
— Es... tá na pou... sa... da — gaguejou e ofegou. — Enruguei a testa
e estreitei os olhos – confuso. — Minha bagagem — explicou e abriu um
sorriso tímido.
Quase soltei um rojão. Levei à mão ao peito e fechei os olhos –
gemendo.
— Fui fisgado — diverti-me e voltei a olhar para ela. O olhar
confuso que me lançou demonstrou que não tinha entendido a brincadeira.
— Você fica mais irresistível sorrindo. — Analu baixou a cabeça e sorriu
discretamente. Aos poucos, estava ganhando aquele jogo.
Antes de continuar nossa deliciosa conversa, vi um garoto
carregando uns caixotes no cais e logo o reconheci. Me afastei um pouco
dela, sem soltá-la, levei os dedos até os lábios e assoviei alto. O garoto olhou
em nossa direção. Fiz um sinal – chamando-o.
— Qual pousada? — perguntei e ela ficou me olhando intrigada.
— Você conhece o garoto?
— Com o tempo, vai descobrir que conheço, praticamente, todo
mundo. Tirando os vilões, como aquele de hoje.
— Mas ele te conhece — constatou e suspirei.
— E aí, Yan, do que precisa? — perguntou o garoto, me salvando.
Como contaria a ela quem era o meu pai? Ainda mais, que o
indivíduo que a manteve sob a mira de um revólver se mostrou íntimo ao
velho. Ela correria léguas de mim.
Passei, rapidamente, os detalhes ao garoto. Não podia deixar que ela
pensasse muito. Era o momento certo de entrar em ação.
Desejando
Analu

Meu Deus! O que foi isso? Fechei a porta do banheiro onde me escorei
ofegante como se tivesse corrido uma maratona. Sentia as batidas
descompassadas do meu coração martelarem nos meus ouvidos.
Qualquer adjetivo que eu pensasse para definir minha manhã seria o
eufemismo do ano. Meu corpo implorava por um momento tranquilo. Já nem
sabia mais discernir o motivo de estar naquela condição tão vulnerável:
quase morrer ou o fato de estar completamente atraída pelo professor de
futebol do meu filho. Ai, Deus! O que estou fazendo?
Sentei-me no chão e enfiei o rosto entre os joelhos – deixando as
lágrimas virem novamente. Tudo o que segurei, por tantos anos, decidiu
desabar de uma vez. Se tem uma coisa que temo nessa vida é demonstrar
fraqueza. Você ter sido ingênua e burra, porque é a única coisa que me
define ao lembrar o que permiti que o pai do Theo fizesse comigo, basta.
Quando enfrentamos processos como o que eu tinha acabado de
enfrentar, nosso cérebro, acho que tentando fazer com que aceitemos a
realidade, nos mostra o que estamos perdendo.
Em questão de minutos, um filme passou à minha mente e pensei se
tudo o que estava fazendo realmente valia a pena. Pensei em quanto tempo
passo só no trabalho. O quanto meu filho me cobra por não estar com ele.
Quantos anos não cuido de mim, não saio para me divertir. Tudo porque, na
minha cabeça, preciso garantir o melhor ao Theo e, não me arriscando, é
uma forma de proteção a nós dois.
— Toc... toc... Analu, está tudo bem, aí?
Meu corpo estremeceu ao ouvir a voz grossa dele.
— Ah, merda, não pode ser, ele não pode ter esse poder sobre mim
— resmunguei – abafado.
— Ei, estou ficando preocupado — insistiu e eu balancei a cabeça –
decidida a pegar minhas coisas e ir embora.
Nos últimos anos, aquele era o momento mais vulnerável que estava
passando. Não podia aceitar seus carinhos, seguramente, o desejo venceria a
razão. Pudera, a última pessoa que tocou em mim foi o defunto. Claro que só
eu sei desse fato. Se contasse a alguém, me acharia louca.
Mas é a verdade, além de ter todo meu foco no meu filho, meu
trabalho consome, não só meu tempo, como todas minhas energias. Só que
as consequências de ceder ao desejo, fatalmente seriam ruins. Como seria
depois? Não podia nem pensar em tirar o Theo do futebol, o garoto estava
encantado com Yan.
— Estou bem — assegurei, depois de limpar a garganta.
Fiquei em pé e fui até a pia de mármore – apoiando as palmas das
mãos e me olhando no espelho. A figura que refletiu ali não era nada do que
eu sempre imaginei que seria. Não fosse o fato de ter o meu filho, não teria
tido forças de continuar. Depois de tudo o que aconteceu.
— Olha só, abra a porta que preparo um banho relaxante pra você,
não foi nada fácil o que passou — ofereceu e foi aí que me dei conta da
grandiosidade do lugar em que estava.
Sem sombra de dúvidas, Yan tinha bons amigos. O luxo imperava. O
banheiro era maior do que meu quarto. Olhei para a banheira gigante e
respirei fundo – ponderando a possibilidade de aceitar a oferta.
— Está sugerindo que eu tome banho com você? — argumentei, com
a voz um pouco mais alta.
Embora achasse um absurdo, só em pensar, meu corpo ferveu –
especialmente no meio das minhas pernas. Vê-lo seminu é uma coisa, sem
nada, a coisa fica muito mais difícil de controlar. Mesmo que, em todas as
ocasiões que nos encontramos, nossos corpos se uniram bem mais do que o
convencional. Ele tinha razão, era melhor marcarmos um encontro de
verdade, cada acaso estava mais perigoso que o outro.
Eu, que sempre critiquei as tatuagens do meu irmão, estava atraída
por um cara que tinha os bíceps forrados delas. Yan, obviamente, ficava
muito tempo na praia, bastava olhar para ele. A pele bronzeada e os cabelos
aloirados, com as pontas clareadas pelo sol. Como era possível uma atração
desmedida por um estereótipo que sempre recriminei?
— Não tinha pensado nisso, pra falar a verdade, mas não seria uma
má ideia. — Pelo tom de sua voz, eu soube que estava sorrindo. Aproveitei
que ele não estava vendo e sorri, também. — Podemos nos ver, enquanto
conversamos?
Arrumei meus cabelos e me odiei por não ter levado a bolsa comigo.
A maquiagem básica tinha sido carregada pelas lágrimas. Meus olhos
estavam pretos em volta e a pele cheia de manchas vermelhas. Lavei o rosto,
tentando, ao menos, deixá-lo sem restos de maquiagem.
Recomposta, destravei a porta e apoiei o corpo na beirada da pia.
Uma coisa muito maluca estava acontecendo comigo. Só o fato de ver a
fechadura sendo aberta, meu coração disparou perigosamente. Engoli em
seco e controlei a respiração.
Ele entrou devagar, parou à minha frente e ficou me olhando. Yan
não precisou tocar em mim para saber o quanto me queria. Eu podia sentir o
cheiro do seu desejo, como um predador que observa sua presa, ficou ali por
uma eternidade – surrupiando minha razão. Apertei as mãos no mármore e
segurei o lábio inferior nos dentes.
— Pare de me olhar assim — pedi, com a voz muito baixa. Nem sei
como ele ouviu.
Um passo em minha direção...
Um gemido escapado do meu peito...
Uma mão colocada na minha nuca...
Respirações alteradas...
— Não consigo, me desculpe — sussurrou e aproximou seus lábios
do meu pescoço.
O que foi mesmo que pensei, antes de ele entrar?
É, eu sei, eu disse que pegaria minhas coisas e iria embora. Sabe o
que eu fiz? Inclinei a cabeça para trás – facilitando o deslizar de seus lábios
por toda minha pele.
Pequenas mordicadas; assopros leves; lambidas longas; a essa altura
eu já nem sabia quem eu era, muito menos, o propósito de não me entregar.
Seu corpo se esfregava ao meu, tirando minha capacidade de pensar com a
razão. A única coisa que passava pela minha cabeça era quanto tempo mais
demoraria para ele estar dentro de mim. O que mais ele faria com aquela
língua?
Ele voltou seus olhos para os meus e encostou a testa na minha. Senti
como se o ar à nossa volta tivesse parado. Como se os nossos corpos
tivessem sido transportados para outro lugar. Era palpável o desejo dos
nossos corpos – literalmente. O esfregar de seu membro duro em mim e o
líquido quente que sentia no meio das pernas, provavam.
— Você me enlouquece — ciciou e juntou meus cabelos na nuca –
inclinando minha cabeça para trás. — Doutora, preciso saber o que está
passando pela sua cabeça.
Continuar dando uma de durona estava fora de questão.
— Pare de falar e me beija — pedi, orgulhosa da minha coragem.
Com um sorriso maroto, ele encostou os lábios nos meus e, antes de
invadir minha boca com sua língua, me olhou sério.
— Se eu começar, não vou conseguir parar — avisou e eu engoli em
seco.
— Não quero que pare — confessei e foi o estopim.
O ataque de sua boca na minha provocou um gemido simultâneo.
Sem cerimônia, Yan mergulhou a língua e explorou cada pedacinho da
minha boca. No momento em que nossas línguas se encontram, o choque
elétrico que tomou nossos corpos fez-nos estremecer.
Ele segurou meu lábio nos dentes e me olhou – espalmando meu
queixo e o erguendo. Suas pupilas estavam dilatadas e um rugido estrondou
em seu peito.
— Porra, preciso entrar em você. — Soltou meu queixo e lambeu
atrás da minha orelha.
Suas mãos seguraram firme em meus quadris, incentivando-me a
passar as pernas pela sua cintura. Meu cérebro estava ali só de enfeite,
porque quem me comandava era o desejo do meu corpo. Joguei todos meus
receios; preconceitos; paradigmas; para um canto perdido da minha mente e
decidi me entregar. Depois, lidaria com as consequências.
— Yan, trouxe as coisas da doutora — gritou o rapaz lá fora.
Fechamos os olhos e suspiramos juntos. Encostei a testa no ombro
dele, enquanto ele acariciava minhas costas.
— Vai ser rápido — avisou e se afastou.
Me olhei no espelho e a “ficha” caiu.
— Merda, o que estou fazendo?
Inspirei e expirei algumas vezes – buscando o controle das minhas
ações. Claro que o Yan só queria transar. Era só olhar para ele. Sem
perspectiva de nada. Sem grandes sonhos. Uma pessoa que se contenta com
pouco. Para ele, com toda certeza, era normal, mas e eu? Correria um sério
risco de me apegar. Pior, de me apaixonar.
— Não, Analu. Sabe que não vai conseguir lidar com isso depois —
repreendi meu reflexo no espelho – vendo, depois de anos, meus lábios
inchados e o rosto corado de desejo.
Seria muito mais fácil conter o desejo do que ficar lambendo as
feridas depois. Eu sei que é normal, que tanto mulheres, quanto homens,
fazem sexo casual. Só que isso não funciona para mim.
Chacoalhei a cabeça e os ombros e saí do banheiro – trombando num
muro de músculo, que me olhava intrigado.
— Pra onde tá indo? — indagou – com a testa franzida.
— Não posso, Yan — confessei e baixei os olhos.
Ele colocou o indicador em meu queixo e o ergueu – obrigando-me a
encará-lo.
— É por causa do Theo? — Neguei e mordi o canto dos lábios. —
Qual o problema, então?
Dei de ombros e fechei os olhos – respirando fundo. Era muito mais
difícil olhando nos olhos dele. Sentindo seu toque, o calor do seu corpo. Seu
cheiro.
— Me arrependeria — sussurrei – sem ter coragem de olhá-lo.
Ele me soltou e meu coração doeu – deixando-me extremamente
assustada. Yan não se afastou, o calor do seu corpo e seu cheiro continuavam
me inebriando.
— Olhe pra mim — ordenou e atendi.
— Acha que vou te machucar?
— Não fisicamente.
— Do que tem medo?
Desviei o olhar e fiquei com medo de dizer a verdade. Ou, talvez,
fosse melhor, assim ele partiria para outra pessoa.
Depois de um longo suspiro, olhei novamente em seus olhos.
— Nunca fiz isso, Yan. Estou com medo. Prefiro conter meu desejo
agora, do que sofrer depois.
Ele enrugou a testa e sorriu sem vontade.
— Sofrer? Acha que em uma transa pode se apaixonar? É disso que
tem medo?
Baixei o olhar e mordi forte meus lábios. Ele nunca entenderia. Mas
sim, era exatamente isso que eu temia.
Ele Sabe
Gabrielle

— Lava a porra da sua boca pra falar da minha mãe, seu velho
asqueroso, estuprador — gritei e fiquei em pé – com o dedo em riste para o
seu rosto.
Em questão de segundos, o “brutamontes” me afastava do velho –
segurando meus braços para trás.
— A escolha é sua, Gabrielle. Como prova da minha bondade, vou
dar quinze dias pra você organizar sua vida.
— Só nos seus sonhos — desdenhei, rindo ironicamente.
— Achei que já tivesse entendido o poder que tenho, garota. Não
acha que já perdeu muito tempo?
Eu não respirava, bufava. Meu peito subia e descia fortemente. Não
fosse o “brutamontes” me manter em cativo, certamente, eu já teria voado no
pescoço de Isaac Bennett.
— Sabe que não foi eu quem atirou em você — prossegui, buscando
me controlar. — Me solta, caralho! — berrei, olhando para trás. O cara não
olhou para mim, esperou que o chefe dele autorizasse. Depois de solta, me
empertiguei e respirei fundo. — Você não tem nada contra mim —
prossegui, já que ele só me olhava com ar prepotente.
— Quem disse que foi em mim que você atirou?
Congelei. Ele sabe! Umedeci os lábios e soltei um pouco de ar pela
boca. Sentia que a qualquer momento teria uma crise de pânico, como da
última vez. No entanto, deixá-lo me controlar, seria o meu fim.
— Cla... ro que já atirei — justifiquei-me, gaguejando ridiculamente.
— Sou policial, porra! — A última frase saiu um pouco mais firme –
provocando-lhe uma reação inversa a que eu gostaria.
Seu sorriso ficou mais largo – mostrando o dente de ouro
amedrontador. Foi como se eu voltasse em todos os meus pesadelos. Como
se eu presenciasse cada pedaço da história contada pela minha mãe.
— Onde foi que o seu sargento escondeu o corpo? — acusou, sem
titubear.
Controlando-se
Yan

As palavras sumiram do meu vocabulário. Era o momento certo para que


eu descontraísse e deixasse o clima mais leve. Provar para Analu que
podíamos apenas nos divertir. O problema é que percebi que corria o mesmo
risco que ela: me apaixonar.
Uma avalanche de emoções me atropelou ao tê-la sob meu domínio.
Sentimentos conflitantes que nunca tinha provado. Eu queria e, ao mesmo
tempo, temia. Desejos desenfreados, misturados com uma conduta cautelosa,
coisa que nunca me preocupou. Normalmente, apenas tiraria a roupa dela e a
jogaria na cama. Treparia até cansar e pronto. Cada um seguiria seu
caminho. Com ela, não.
Não conseguia pensar na possibilidade de estar dentro dela uma vez
só. Imaginar que, depois de uma transa, cada um seguiria seu caminho, meu
coração diminuía as batidas. Como eu conviveria com o fato de saber que
Analu estava na cama de outro? E, por que, cargas d’água, eu estava
racionalizando tanto uma trepada, caralho!?
Me aproximei mais dela e ergui seu queixo com cuidado. Alisei a
pele sedosa de seu rosto – admirando o quanto ela é linda.
— Gosto das suas sardas — externei meu pensamento, quase que
involuntariamente. Ela sorriu de canto sem dizer nada. Seus braços
envolviam seu corpo – em sinal de proteção. — Não quero te assustar, nem
forçar nada — assegurei, ficando sério. — Tome um banho e relaxe. Tire o
dia de folga. Pelo que vi, você está precisando. — Sorri e ela fez o mesmo –
concordando com a cabeça. — Ao entardecer, voltamos. Não se preocupe
com nada, só curte um pouco. Enquanto você se refresca e troca de roupa,
vou levar o iate para o meio do oceano. Assim teremos mais da natureza e
menos da civilização.
— Você pilota? — Ela questionou, com uma expressão duvidosa.
— Sim, é tão difícil assim pensar que sou capaz? — brinquei.
— Não... desculpa... — Baixou novamente o olhar e eu voltei a
erguer seu queixo. — Você tem um bom amigo, confiar a você um iate
luxuoso como esse. Estou impressionada, não achei que houvesse esse tipo
de amizade, ainda.
Sorri e foi a minha vez de desviar o olhar. Por mais que quisesse
continuar com aquele joguinho, mentir para ela não era uma boa opção.
— Pra você ver como posso ser confiável — desdenhei e fui saindo.
Bati de leve na porta do banheiro e apontei para cima. — Se precisar de
mim.
Subi os degraus até a cabine de comando com o coração disparado.
Nunca me arrependi tanto de alguma coisa, como deixar que ela acreditasse
que eu era apenas um professor. Por outro lado, a única mentira que tinha
contado, até aquele momento, era que o barco não era meu. As outras coisas,
ela deduziu sozinha.
Eu sabia que a cozinha do iate estava abastecida, sendo assim, levá-la
para o meio do oceano seria uma ótima alternativa. Não menti, quando disse
que não a assustaria. Porque, mesmo que não demonstrasse, eu estava
assustado pra caralho, com as coisas que estava sentindo. Eu realmente
queria que ela relaxasse, pelo pouco que a conhecia, ficou evidente que não
tinha tempo para descansar.
Assumi o controle do iate e não demorou muito para estarmos em um
lugar distante. Só tinha água em volta. Uma água cristalina, podíamos ver os
peixes nadando. Desliguei o motor do barco e fui até a área coberta do
convés, com confortáveis sofás e uma mesa com seis cadeiras em volta. Ao
canto, um bar e bancos altos almofadados.
Me virei, com a intensão de ir à cozinha e precisei segurar um pouco
o ar. Engoli em seco e umedeci os lábios. Não esperava encontrá-la vestida
tão confortável.
— Espero que não se importe — disse, apontando para o vestido
florido de alças – deixando suas pernas grossas de fora.
Eu já tinha visto a Analu de biquini, inclusive a tive nos meus braços.
Só que a situação era outra. Ali, diante de mim, com os cabelos molhados,
sem maquiagem, descalça e com aquele vestido minúsculo, seria meu fim.
Não foi como da outra vez que estávamos na praia com várias pessoas à
nossa volta.
— Vai ser difícil de cumprir com a minha promessa — admiti e sorri
de nervoso. Porque meu pau reagiu imediatamente.
A danada deu de ombros e sorriu – deixando-me confuso. Os sinais
que ela dava eram contraditórios.
— Estou com sede, onde posso pegar água?
— Nossa, que descuido o meu. Não prefere outra coisa? Uma
cerveja, um vinho, um suco.
— Não... — Sorriu. — Só água mesmo.
— Fique à vontade, vou trazer algo pra gente comer e beber.
Fui até a cozinha, composta com armários pretos e eletrodomésticos
de aço inox. A ilha de mármore ao meio facilita o preparo das refeições.
Embora não passe o tempo que gostaria em meu iate, me certifico de que ele
tenha tudo de melhor e que eu não vá sentir falta de nada quando estiver
longe da praia.
— Prontinho, deusa — brinquei e fui colocando os itens em cima da
mesa – com os pés de madeira e tampo de vidro. Puxei a cadeira e apontei
para que se sentasse.
— Obrigada — agradeceu, enrubescendo um pouco.
Me sentei também, alcancei a caixa de suco natural de laranja e enchi
meu copo. Parei com meu copo no ar – a caminho dos meus lábios. Sentindo
um turbilhão de emoções – principalmente – tesão, só em ver Analu se
deliciar com a água. Chacoalhei a cabeça e suspirei. O jogo, infelizmente,
estava contra mim. Claramente, eu não estava conseguindo controlar meu
desejo.
— A água daqui é bem calma, podemos dar uns mergulhos. Pelo
menos não terá ondas pra te derrubar. — Pisquei e ri de canto.
— Engraçadinho, só não estou acostumada a frequentar a praia, não
sou como... — Parou e ficou me olhando.
— Como eu, desocupado — terminei a frase por ela. Algo que ela já
tinha me dito várias vezes.
Analu baixou o olhar e balançou a cabeça – negando.
— Desculpe... — sussurrou e mordeu o canto do lábio.
— Tudo bem, só está sendo sincera.
— Não... eu nem te conheço, não posso te julgar — corrigiu-se e eu
estreitei os olhos – encarando-a.
— Podemos resolver isso e começar por hoje — sugeri e coloquei
minha mão sobre a dela, que estava em cima da mesa. Fiquei passando o
polegar pelo dorso.
Não entendia o porquê de um simples toque na mão dela mexer tanto
comigo. Uma onda de eletricidade passava em cada pedaço do meu corpo.
Só piorava o fato de olhar para ela e saber que acontecia o mesmo. Os pelos
de seu antebraço ficaram todos ouriçados, assim que a toquei.
— Estou aqui — murmurou, com a voz falhando.
— Entra comigo no mar.
— Não tenho muita habilidade com água. Prefiro me manter segura
— confessou o real motivo.
— Nunca se arrisca? Busca novas experiências?
— Sabe quantos acidentes, não fatais, mas que deixam a pessoa com
alguma deficiência, acontecem nessas ocasiões?
— Meu Deus, doutora, se solta. A vida é curta, fazer sempre as
mesmas coisas, por segurança. É muito chato. Um tédio!
Analu aspirou uma boa quantidade de ar e soltou aos poucos. Fiquei
em pé e fui até as costas dela.
— Vamos desmanchar essa tensão, “Afrodite”. Minha missão hoje é
deixar você relaxada. — Peguei nos dois ombros dela e iniciei uma
massagem relaxante – pegando mais firmes nos pontos enrijecidos.
Ela fechou os olhos e inclinou a cabeça para frente – soltando um
gemido gostoso – enviando uma chama diretamente para o coitado do meu
membro.
Ao longo dos minutos que fiquei com as mãos em seus ombros, seu
corpo foi ficando entregue. Respirei fundo e sorri – com uma sensação de
estar no lugar certo, com a pessoa certa.
— Pronta pra um mergulho? — sussurrei – com a boca colada à sua
orelha.
Ela soltou um resmungo em forma de gemido sem abrir os olhos.
— Não trouxe roupa de banho — esclareceu.
— Só estamos nós aqui. Prometo que me comporto — garanti algo
que eu tinha quase certeza de que não cumpriria.
Seu rosto virou em minha direção – com uma expressão de que não
acreditava em mim. Abri um largo sorriso e dei de ombros.
— Tudo bem, estou com uma lingerie bem comportada, na verdade...
— Fez uma careta. — É grande até demais. Não achei que alguém, além de
mim, me veria só com as roupas de baixo.
Joguei a cabeça para trás e soltei uma gargalhada. Preferi não emitir
nenhum comentário – correndo o risco de ela desistir.
Estiquei a mão e ofereci que pegasse, para se levantar. Assim que ela
aceitou, não resisti e a puxei para o meu corpo. Passei uma mão pela cintura
dela e com a outra afastei os cabelos de seus olhos.
— Se vestir um saco de estopa, ainda assim, continuará linda —
elogiei – com a boca a milímetros da dela.
Me continha a ponto de sentir dores nos músculos. Apertei sua
cintura e afundei o rosto em seu pescoço – absorvendo seu cheiro sedutor.
Controle-se, porra!
— Você investe pra valer quando quer levar alguém pra cama —
comentou e eu ergui o rosto – encarando-a.
Soltei-a e me virei – me afastando um pouco. Coloquei as mãos nos
quadris e o queixo no peito – respirando com dificuldade. Eu não estava
lidando com uma garota e nem com uma interesseira. Recomposto, olhei
novamente para ela.
— Vamos lá?
— E se eu me afogar?
Franzi o cenho e ri de canto.
— Acha que eu deixaria, doutora?
§§§§
Se o comportado a que ela se referia continha renda, era preto e
deixava seus peitos mais empinados do que o normal, então – caralho! –, o
que seria uma lingerie ousada?
Normalmente, entro de cabeça no mar e dou um mergulho fundo
antes de voltar à superfície, mas Analu tinha medo de água e certamente de
qualquer aventura ou algo que saísse da sua zona de conforto.
Desci as escadas primeiro e a esperei na ponta dela – com a mão
estendida. Ela veio cautelosa até mim e antes de entrar respirou bem fundo e
segurou os lábios nos dentes.
— Não tenha medo — balbuciei – na esperança de que ela
entendesse que a frase servia para tudo o que eu pretendia fazer com ela.
Não só ao fato de eu protegê-la dentro da água.
No último degrau da escada, ela parou e me olhou com medo.
— Nunca fiz isso. — Mais uma vez, a frase temerosa. Assim como
eu, ela não se referia somente ao fato de estar em alto mar.
Não precisava ser muito inteligente para saber que ela não saía com
homens só por diversão. Até porque, aparentemente, não saía com homem
algum. Só em pensar nisso, meu pau pulsava. Rudimentar, por sinal – muito
parecido com posse.
— Vem, eu te pego. — Não esperei resposta. Levei as mãos à sua
deliciosa bunda e a encaixei na minha cintura.
A deusa loira suspirou longamente e passou os braços pelo meu
pescoço. Meu sorriso foi involuntário. Seria difícil dizer qual dos dois estava
se controlando mais.
Mantive os braços e as pernas se movendo – nos afastando do iate. A
respiração dela estava tão alterada que seu peito subia e descia irregular.
— Muito lindo — murmurou e eu sorri – olhando dentro dos olhos
dela.
— Obrigado — diverti-me – pois eu sabia que ela se referia ao lugar.
Seu sorriso foi tímido, mas saiu. Franzi o cenho e fiz um bico com o lábio
inferior. — Oh, não foi pra mim.
— Você não é de se jogar fora.
Gargalhei e balancei a cabeça.
— Vindo de você, foi um baita de um elogio, “Afrodite”.
— Por que me chama de “Afrodite”?
— Achei que conhecesse a mitologia grega — satirizei.
Seus olhos se reviraram e sorri mais ainda, adorando saber que estava
conseguindo fazer com que se soltasse.
— Deixa pra lá — encerrou o assunto e desviou o olhar.
— Olhe pra mim, Analu — pedi e aguardei que o fizesse. — Venho
tentando entender o que acontece quando estou com você, porque... —
suspirei —, com você... seria muito mais do que sexo.
— Como sabe disso? — indagou, baixinho.
Nossas vozes quase não saíam. Só podíamos ouvir, porque
estávamos, literalmente, grudados. Meu coração batia forte, não sei se pelo
fato de estar nos mantendo na superfície ou pelo reboliço que Analu causa
em meu âmago.
Descuido
Analu

Sua resposta foi com um beijo. Um beijo que não imaginei que existisse,
que demonstrava exatamente o que ele tentava me dizer.
Ele começou devagar, roçou o nariz no meu e encostou a boca na
minha. Confiante de que fazia a coisa certa, de que me daria prazer,
mergulhou sua língua fundo. Fechei os olhos e retribuí, aceitando e
absorvendo seus lábios impetuosos se movendo sem parar.
O encontro de nossas línguas causou uma descarga elétrica em
nossos corpos. Ambos gemeram. Ele não podia colocar as mãos em meu
corpo, nos mantinha na superfície. Não deixei que nada me impedisse.
Agarrei seus cabelos crescidos na nuca e apertei minhas pernas em seu corpo
– sentindo seu membro duro roçar meu sexo.
Um beijo bastou para me deixar à beira do abismo. Nem a água foi
capaz de me impedir de sentir o calor que vinha do meio das minhas pernas.
Uma pulsação insana me fez agarrá-lo com mais força, desejando que ele
não me ouvisse. Que avançasse o sinal.
Yan separou sua boca da minha, somente para percorrer a extensão
do meu pescoço.
— Preciso te tocar, porra! — praguejou e começou a nos carregar
para mais perto do iate. Chegando à escada, ele me sentou alguns degraus
para cima e se apoiou no último – mantendo-nos dentro da água.
Yan garantiu que, mesmo nos degraus da escada, eu continuasse com
as pernas passadas pela sua cintura.
— Isso é loucura — externei o que passava pela minha cabeça.
Ele me lançou um olhar tão intenso, deixando claro o que me
aguardava. Promessa de muito prazer. Foi como se ele pudesse enxergar o
quanto eu também o queria. Seu sorriso malandro, quase de um garoto
sapeca, no canto de seus lábios, não deixou dúvidas de que ele não pararia.
As pontas de seus dedos roçaram levemente a pele molhada do meio
dos meus seios. O toque singelo fez meu coração disparar. Mesmo que eu
quisesse, controlar minha respiração ficou impossível.
— Você tem razão — sussurrou ao meu ouvido. — É loucura ignorar
esse tesão do caralho, que estamos sentindo.
Joguei a cabeça para trás e soltei um gemido vergonhoso quando sua
mão invadiu o sutiã e apertou meu mamilo. Yan não perguntou, e eu preferi,
porque, naquele momento, eu era minha pior inimiga. Eu precisava – ah,
como precisava! – me deixar levar. Curtir o momento.
Passando as mãos pelas minhas costas, ele soltou meu sutiã e o tirou
– jogando-o dentro do barco. A água encobria metade deles, mesmo assim,
Yan salivava os olhando. Nunca me senti tão desejada, adorada. Nem queria
pensar na possibilidade de ser apenas uma vez.
Suas mãos abraçaram os dois seios pesados e sua boca voltou a
assaltar a minha – em um rompante descontrolado.
— Preciso estar dentro de você — choramingou, entre meus lábios.
Não raciocinei, confesso. Levei minhas mãos até a bermuda que ele
vestia e fui abaixando-a. Ele me olhou com os olhos arregalados e sorrindo –
ajudando-me a retirar a única peça que me impedia de senti-lo de verdade.
Fiz o mesmo que ele fez com o meu sutiã e, antes de eu cair em si, o ajudei a
retirar minha calcinha. Acho que o fato de estarmos com parte do corpo
dentro da água me encorajou.
Completamente nus, tomei a iniciativa de voltar a abraçá-lo com
minhas pernas e braços. Dessa vez, minha boca que assaltou a dele. Invadi
sua boca com minha língua e ele foi mais do que receptivo.
As mãos do Yan percorreram meu corpo, enquanto nossos corpos se
esfregavam um no outro. Ousadamente, desci minha mão até o seu membro
e, mais uma vez, um gemido vergonhoso escapou de mim. Eu podia senti-lo
latejando. Sua espessura tirou meu fôlego. Corri minha mão por toda a
extensão e passei o polegar pela ponta – comprovando que ele estava por um
fio, assim como eu.
— Analu... porra! — Afastou sua boca da minha e me olhou.
— Eu quero você — admiti e vi suas pupilas se dilatarem de
imediato.
Achei que me tomaria em um rompante, mas não, decidiu continuar
com a tortura. Numa trilha excruciante, do meio dos meus seios até o meu
clitóris, desceu com o indicador e espalhou meu líquido quente nas minhas
dobras.
— Você está... — Suspirou. — Caralho, doutora, ensopada! —
Entreabri os lábios – respirando com dificuldade. — Abre pra mim — pediu
e foi afastando minhas pernas com o joelho.
Minha cabeça foi jogada para trás e praticamente gritei, quando seu
dedo mágico me invadiu. Nunca achei que ser torturada seria maravilhoso.
Seu toque ativou minha leoa interna. Não passava nada na minha cabeça,
além de querer que ele me tomasse.
— Ai, Deus! — berrei e me empertiguei para trás, assim que ele
colocou mais um dedo na jogada.
— Vou te levar ao limite, deusa loira. Fazer você esquecer qualquer
coisa que te deixou tão durona. Vai me implorar por mais — garantiu e
colocou a mão em minha nuca – fazendo-me olhar para ele. — Pede, doutora
— ordenou e eu arregalei os olhos – com a boca entreaberta. Como não
obedeci, ele foi tirando os dedos. Segurei seu antebraço e gemi – cerrando
olhos e lábios. — Só vou continuar se implorar — provocou – com a boca
colada à minha orelha. Eu podia sentir que ele sorria.
— Por favor — gemi, sem ter coragem de abrir os olhos.
— Preciso saber o que quer — continuou com a provocação. — Abra
os olhos e me peça.
O desejo me consumia, nada no mundo me faria voltar atrás. Abri os
olhos e conferi que Yan se continha. Constatar o poder que eu tinha sobre
ele, mesmo que estivesse me fazendo verbalizar o contrário, me incentivou a
continuar com aquela deliciosa loucura.
— Me faça esquecer... — implorei —, me leve ao limite, por favor
— concluí e minha boca escancarou – com a nova invasão de seus dedos.
O polegar se certificava de manter meu clitóris pronto para entrar em
combustão. Os dois dedos tocavam na parte interna do meu centro, em
questão de segundos, gritei seu nome. Sua boca atacou a minha, enquanto os
espasmos do meu corpo continuavam. Seus dedos não deram trégua, até que
ele teve certeza de que tirou tudo de mim. Sem que eu percebesse, minhas
unhas se cravaram em seus ombros.
Yan descolou sua boca da minha e foi tirando os dedos, eu não podia
deixar que a razão me tomasse novamente. Eu sabia que ele se afastaria e só
continuaríamos se eu tomasse a iniciativa. Não por vontade dele, ficou claro,
mas porque me garantiu que não avançaria, caso eu não implorasse.
Ele me olhava com ar de vitória, esperando que eu massageasse seu
“Ego”, no entanto, fiz melhor. Levei a mão entre os nossos corpos e abracei
o membro pulsante.
— Porra, Analu! O que vai fazer? Estamos sem...
Não o deixei continuar, abocanhei seus lábios e conduzi seu pau para
dentro de mim. Foi o estopim. Com uma estocada forte, me transportei para
outra galáxia.
Encostei a testa em seu ombro e me entreguei completamente.
Estava à mercê do professor gostosão...
Do corpanzão musculoso...
Do cara com tatuagens cobrindo seus bíceps...
Do galanteador bronzeado, com cabelos dourados do sol...
À mercê de alguém que prometi que nunca me envolveria!
Suas mãos abraçaram meus seios e os polegares roçaram os bicos.
Sua boca devorava cada pedaço de pele exposto em meu pescoço e colo. O
corpo ia e vinha, numa velocidade assustadora. A água agitada entre nós
deixava tudo mais intenso. Nada ao redor nos atrapalhava. Só o que se ouvia
eram nossos gemidos e o chacoalhar da água.
— Caralho... caralho... caralho... não vou conse... Ahhhhhh!
Num rompante, Yan se afastou de mim e afundou na água. Deixando-
me ofegante. Fechei os olhos e apoiei a cabeça no degrau acima. Sentindo-
me como uma gelatina. Apertei as laterais da escada e esperei que minha
respiração voltasse ao normal.
A razão voltou..., mas rápido do que eu gostaria. Abri os olhos de
supetão e levei à mão ao meio das minhas pernas – sentindo resquícios do
gozo dele. Segurei fortemente meus lábios nos dentes e cerrei os olhos –
negando com a cabeça. Ele tentou me avisar!
Ouvi seu corpo voltando à superfície e temi encará-lo. Por longos
minutos, ficamos calados. Mesmo que eu continuasse de olhos fechados,
sabia que ele estava me encarando. Sentia o calor de seu hálito no rosto.
— Eu tirei antes — avisou e eu abri lentamente os olhos –
encontrando um rosto sério. — Imagino que você se previna — continuou.
Concordei com a cabeça – sem coragem de admitir que não. — Então, está
tranquilo, sabemos que não é seguro, pode ter escapado um pouco lá dentro.
— Prossegui meneando a cabeça em pânico.
Sem Saída
Gabrielle

Entrei sorrateiramente em casa, para não acordar o Bento. Me certifiquei


de chegar bem tarde, assim não correria o risco de enfrentá-lo. Respondi
todas as mensagens que ele e o João me mandaram. Não contei que estava
na casa do velho, apenas disse que precisava espairecer um pouco e que
estava tudo bem.
— Oi, meu amor, sentiu falta da mamãe? — Me agachei e peguei
Oliver no colo. O bichano se esfregou em mim e ficou ronronando. —
Nossa, quanto amor. Está sem comida? — brinquei e fui em direção ao pote
de ração que estava cheio. — Ei, é só carência, mesmo? Desculpa, meu
amor, mamãe está aqui, agora.
Passei mais um tempinho dando atenção ao meu gato e, no momento
que ele enjoou – sim, ele, porque Oliver é bastante independente, não gosta
de muita “melação” – o coloquei no chão e caminhei, na ponta dos pés, para
o meu quarto.
Ao passar pela sala, ouvi um clique e dei um pequeno salto –
colocando a mão no peito.
— Me assustou — reclamei, olhando em direção ao meu padrinho-
chefe – sentado na poltrona de canto, com o interruptor do abajur na mão.
Seus olhos estavam estreitados e os lábios contorcidos. Evidentemente,
estava furioso.
— Estou cansada preciso...
— Cala a porra da sua boca — interrompeu-me sem hesitar. Engoli
em seco. — Sente-se — ordenou e eu obedeci – baixando a cabeça. — Onde
você estava?
— Eu te disse...
— Pare de mentir pra mim, Gabrielle! — berrou e meu corpo deu um
salto no lugar. Bento ficou em pé e abriu os braços – indignado.
— Vou embora — balbuciei, sentindo meu peito estraçalhado.
— É isso que você quer? — vociferou.
— É isso que preciso fazer.
Mentindo
Yan

Foi a primeira vez que entrei em uma mulher sem proteção, a sensação foi
indescritível, como se eu a tivesse de corpo e alma, sem nada nos separando.
Se antes, o sentimento de posse me perturbou, após o contato tão íntimo que
tivemos, me consumia.
Me preocupei muito mais com ela do que comigo, porque,
sinceramente, torcia para ela me dizer que não se prevenia. Meu desejo de
ter filhos nunca foi segredo. Adoro crianças. Só nunca encontrei ninguém
que pudesse enxergar como mãe dos meus filhos.
As mulheres que se aproximam de mim são interesseiras. Nenhuma
conheceu minha mãe, a não ser a Bia, e depois que se tornou minha
assistente, nunca mais tivemos relação sexual.
Tenho certeza de que todas as mulheres que visitaram minha cama
sairiam correndo quando descobrissem que minha mãe vem no pacote. Não
a Analu.
Eu vi como ela trata seu filho. Vi a preocupação que tem com seu
trabalho. Quem enfrentaria um louco por conta do trabalho? Certamente, ela
ama o que faz. Está explícito nela o cuidado que tem com as pessoas.
Assim que percebi que ela não sabia quem eu era, soube que deixaria
a coisa acontecer. Foi como um instinto, me avisando que ela era a mulher
certa. Que ficaria comigo por mim, não pelo meu sobrenome. Longe de mim
ser demagogo em dizer que as mulheres não querem, também, o meu corpo,
afinal, tenho espelho e confio no meu “taco”. Mas o dinheiro e o poder que
meu nome tem elevam o interesse delas.
Parei à porta da suíte e segurei a respiração por um tempo, arrojado.
Vê-la esparramada em minha cama, num lugar que sempre considerei só
meu – me ativou um sentimento intimidante. Meu coração disparou de modo
bizarro.
Depois da nossa “aventura”, o clima ficou um pouco esquisito entre
nós. Analu quase não olhou para mim. Decidi respeitar seu espaço. Sugeri
que fosse para a suíte e tomasse um banho relaxante e descansasse. Ao que
parecia, ela tinha acatado. Só não esperava vê-la tão à vontade em minha
cama.
Me aproximei e sentei-me com cuidado à beirada da cama. Ela estava
deitada de bruços e sua boca estava entreaberta – demonstrando o quanto
estava desmaiada. Não sei se foi o cansaço, ou se ela confia em mim, porque
Analu não teve o trabalho de se vestir. Se jogou na cama com um roupão
atoalhado, que só eu o tinha usado. Fiz uma nota mental de o carregar para
casa, assim teria o cheiro dela comigo.
Levei cuidadosamente à mão até seus cabelos curtos e iniciei um
cafuné. Me continha ao máximo que podia, porque, embora tivesse tido
Analu ao meu dispor, não tinha tomado o tanto que eu queria de seu corpo.
Necessitava lamber cada pedacinho dela. Enfiar a língua nas dobras lisas de
seu sexo quente. Chupar seu clitóris...
— Porra! — praguejei baixinho e respirei fundo, fechando um pouco
os olhos.
Ela se mexeu e gemeu. Sorri e continuei admirando sua pele leitosa.
Na posição em que ela estava, era possível contar cada sarda de seu rosto.
Medir fio a fio de seus cílios compridos. Arriscando-me, desci meus dedos
pelo seu rosto e contornei os lábios carnudos.
Dormindo, Analu parecia uma menina. Toda aquela armadura que
vestia, não escondia a singeleza de seu rosto. Sem uma gota de maquiagem,
constatava o quanto era mais linda.
— Chegamos? — murmurou – abrindo os olhos com dificuldade.
Abri um sorriso largo.
— Depende, pra onde estamos indo? — diverti-me, porque não tinha
a menor intenção de sair dali antes de o sol se pôr.
Com o cenho franzido, ela virou-se e sentou-se. Espreguiçou e
bocejou – enquanto eu praticamente babava, com cada gesto tão simples que
ela fazia.
— Que horas são? — perguntou, totalmente perdida.
— Ainda é muito cedo, não vamos a lugar algum — afirmei e fiquei
em pé – esticando a mão para ela pegar. — Preparei uma comida gostosa pra
gente. Espero que coma frutos do mar.
Um sorriso tímido enfeitou seu rosto.
— Adoro, mas... — Olhou para o corpo e fez uma careta. — Estou
abusando das coisas do seu amigo. Não vou te trazer problemas?
Engoli em seco e disfarcei o quanto me incomodava quando ela se
referia ao iate como sendo do meu amigo.
— Está tudo bem, vamos.
Caminhamos para o convés, onde eu já tinha deixado a mesa posta.
Puxei a cadeira para que ela se sentasse e, mal tinha me acomodado, ela fez
algo que me preocupou.
— Como é nome do seu amigo?
Pensei um pouco, antes de fazer uma besteira.
— Por que a pergunta?
Ela apontou para as iniciais bordadas no roupão “YB” – gelei.
Alcancei a caixinha de suco de laranja e enchi meu copo – tentando agir
naturalmente.
— Yuri Bittencourt — menti, descaradamente.
Ela ergueu as sobrancelhas e balançou a cabeça.
— Achei que ele fosse da família Bennett, alguns itens estão
gravados esse sobrenome.
Fiquei em pé, rapidamente, pensado numa forma de escapar.
— Não se preocupe com o Yuri, vamos aproveitar o dia. Acho que
não tem tantas oportunidades, assim, não é mesmo? — Ela concordou com a
cabeça, visivelmente desconfiada. — Vou na cozinha, buscar o assado.
Saí praticamente correndo em direção à cozinha. Mentir nunca é uma
boa saída. Só que a merda já estava feita, agora, teria que encontrar uma
maneira de desmentir, sem que ela me odiasse.

— Theo é um bom garoto — elogiei, enquanto tentávamos conversar


sem ser algo de cunho sexual, apesar de que não estava sendo uma tarefa
fácil.
— Ele é, pena que... — Analu respirou fundo e não continuou.
Estávamos deitados nas espreguiçadeiras da parte descoberta do
convés. Ela voltou a vestir o vestido florido que, deitada, só tampava o
essencial. As pernas brancas ficaram completamente expostas. Eu mantive
somente a bermuda. O sol ainda estava alto – deixando nossas peles quentes.
Virei o rosto para ela e fiquei analisando suas reações, o porquê não
tinha concluído a frase. Aparentemente, ela não o faria.
— Ele vê o pai com frequência? — arrisquei entrar mais a fundo na
vida dela.
Eu precisava saber, mesmo que nunca tivesse tido um
comportamento como aquele, senti como uma necessidade.
Seu rosto virou-se para o outro lado e o peito oscilou. Vi quando
Analu juntou as mãos e as espremeu. Enruguei a testa – me preocupando. Eu
sabia que estava pisando em um terreno com areia movediça, mas não
conseguia agir de outra maneira. Levantei e me sentei ao seu lado – pegando
em seu queixo para que ela me olhasse novamente.
— Ele te machucou? — cuspi a inquisição, sem pensar nas
consequências.
Ela engoliu em seco e mordeu os lábios. Seus olhos se encheram de
lágrimas. Nunca pensei que algo mexeria tanto comigo. A única pessoa, até
então, que conseguia fazer com que meu coração se despedaçasse, caso algo
a afligisse, era minha mãe. Mas ali, vendo o quanto a mulher segura, forte e
dona de si, ficou abalada, eu só pensava como a protegeria. Como faria com
que ela não estivesse mais sozinha.
— Não, fisicamente — respondeu, por fim. Fazendo com que eu
segurasse um pouco a respiração.
— Então machucou — conclui, cerrando os dentes.
— Faz tempo — esclareceu e voltou a desviar os olhos.
— O que o Theo acha disso? — O que deu em você, mano?
Sabia que precisava parar, mas era mais forte do que eu.
— Ele não tem pai — iniciou e parou, me olhou e fez uma expressão
de dor. — Ele acha que o pai morreu — acrescentou baixinho.
Um gemido involuntário escapou de mim, pensando em quanto
aquilo era ruim.
O quanto mexeria com a cabeça do garoto se descobrisse a verdade...
O quanto era difícil para ela criar um garoto sozinha...
O quanto era difícil para o Theo não ter uma figura masculina em sua
vida...
O quanto tudo aquilo estava mexendo comigo!
— Caralho, isso é foda! — explanei, tão baixo quanto ela.
Ficamos nos olhando por um tempo, sem saber o que dizer. Não
achei que tocar no assunto do pai do garoto estaria tocando no ponto fraco
dela.
— Tá ficando tarde — comentou e jogou as pernas para fora da
espreguiçadeira – com a intenção de se levantar.
Segurei seu braço – impedindo-a.
— Me desculpe — sussurrei e ela só meneou a cabeça.
— Melhor voltarmos — sugeriu – procurando as horas.
Combinamos de deixar nossos celulares no quarto, no modo
silencioso. Assim ninguém nos incomodaria. Analu só concordou porque
confia que sua amiga vai cuidar do filho, como se fosse ela.
— Por que reservou um quarto na pousada? — inquiri e ela franziu
um pouco o cenho – entendendo onde eu queria chegar.
Depois de um longo suspiro, decidiu revelar a verdade.
— Porque não volto pra casa no mesmo dia.
— Então, tá decidido, só voltaremos amanhã cedo — afirmei, sem
soltar seu braço. Ela fez que não com a cabeça e me aproximei. — Não tive
nem metade do que preciso de você, “Afrodite” — sussurrei ao seu ouvido e
seus ombros se encolheram.
Sorri e virei o rosto dela em minha direção – deixando nossos narizes
colados. Esfreguei-os e salpiquei um beijo em sua boca.
— Yan... — suspirou —, isso vai acabar mal. Meu filho está
encantado por você, não quero estragar isso.
— Somos adultos, doutora — constatei, sorrindo de canto.
Contornei seu rosto com o polegar e o segui com os olhos. Ela
permaneceu olhando em meus olhos. Podia ouvir as batidas aceleradas de
seu coração, não diferente das minhas.
Empurrei de leve seu tronco e a fiz deitar-se na espreguiçadeira larga,
com um estofado de couro. Ergui-me e coloquei um joelho de cada lado do
corpo dela – respirando com dificuldade.
— Você é linda, pra caralho!
Vi uma sombra de sorriso dançar em seus lábios e foi o sinal de que
eu podia continuar.
Deslisei lentamente as alças de seu vestido pelos braços – até deixa-
lo embolado na cintura. Inclinei o corpo e afundei o rosto em seu pescoço –
aspirando o cheiro que certamente nunca mais sairia da minha memória
olfativa. Ela apertou meus bíceps, enquanto fiz um rastro com a língua,
iniciando atrás da orelha, até o umbigo.
— Isso é tão... bom — gemeu e eu sorri, com a boca colada à pele
dela.
Cada contorcida de seu corpo era o incentivo que eu precisava de
continuar a investir. Puxei o vestido pelas suas pernas e me contive –
podendo ver cada parte do corpo dela, sem nada e sem ninguém para
atrapalhar. Sua pele é tão branca que é possível ver algumas veias.
— Vou te lamber inteirinha — assegurei e passei a língua entre os
seios – levando as mãos até as suas costas e soltando o sutiã, que joguei
longe, e fiquei um bom tempo admirando os dois mamilos rosados
apontados para mim.
Abracei os dois seios pesados, na medida certa das minhas mãos
grandes. Levei o rosto até eles e chupei, um por um, dos bicos enrijecidos.
— Ai, Deus... assim... — Gemeu e arqueou o corpo.
— Só estou começando, deusa — avisei e enfiei os dedos nas laterais
de sua calcinha – arrastando-a para baixo.
Foi a primeira vez que a vi completamente nua. Dentro da água, só
consegui senti-la. A visão foi muito melhor do que qualquer imaginação.
Ergui sua perna e comecei a beijar os dedos de seu pé. Fui subindo devagar –
sem tirar os olhos dela. Suas mãos apertavam as laterais da espreguiçadeira e
os dentes assassinavam os lábios.
— Quer... me... tor... turar? — gaguejou e contorceu a face e o corpo,
assim que cheguei à sua virilha.
— Gostei disso — frisei e passei a língua nas dobras sem pelo. —
Hum... porra! — gemi e passei a língua pela minha boca – resgatando cada
gota do gosto dela. — Seu gosto, caralho, estou fodido.
Ela estava ensopada. No momento que senti o sabor agridoce, soube
que já estava viciado. Meu pau chegou a doer. Qualquer transa que eu
tivesse dali para frente – exceto com ela – estaria arruinada.
— Preciso de você — gemeu e eu sorri – adorando aquela repentina
dependência,
Me acomodei em cima dela – apoiando-me pelos cotovelos. Tirei uns
fios de cabelo de seus olhos e olhei dentro deles.
— O quanto você precisa? — aticei.
— Muito.
— Seja mais específica — insisti e sorri de canto. Seu olhar de
confusão me fez esclarecer. — Vou reformular — brinquei e rocei nossos
narizes. — Onde você precisa de mim? — Seu rosto ferveu e meu sorriso
alargou-se. — Não me pareceu tímida dentro da água — diverti-me e ela
beliscou minhas costelas. — Ai, assim posso me acostumar.
— Você é um moleque travesso — acusou-me e levei à mão ao peito,
fazendo uma careta.
— Que facada no peito.
— Eu gosto — sussurrou.
— O quê? A doutora toda durona?
— Termina logo o que começou, antes que eu desista — ameaçou e
eu ergui as mãos em rendição.
— Às ordens, doutora. É só me dizer o que quer, ou melhor, onde me
quer. — Ergui uma sobrancelha e voltei a ficar de joelhos. Eu continuava de
bermuda e esperava que ela tomasse uma atitude.
Meu queixo caiu, assim que Analu sentou-se e arrastou minha
bermuda pelas pernas – salivando, enquanto não tirava os olhos do meu pau.
Facilitei a retirada da peça e voltei para o mesmo lugar, ansioso para saber
até onde ia a ousadia dela.
— Caralho! — vociferei e segurei em seus cabelos – no momento
em que ela – sem aviso prévio – abocanhou meu pau. — Ah, porra! Pode
parar, deusa. — Puxei levemente sua cabeça para trás e ela me olhou
ofegante – com a boca entreaberta. — Puta que pariu! — praguejei a e
joguei de volta na espreguiçadeira.
Assaltei seus lábios em um ímpeto. Afundei minha língua e percorri
cada espaço de sua boca. Analu abraçou meu corpo com as pernas e cruzou
os braços no meu pescoço – puxando os cabelos da nuca. Nossas línguas se
tocaram e aquela corrente elétrica, que tinha nos tomado das outras vezes,
estava ali, fazendo-nos estremecer e gemer em uníssono.
— Quero você dentro de mim — suplicou e apertou mais ainda suas
pernas em volta do meu corpo.
Afastei o rosto dela e ergui o tronco – olhando-a sério.
— Dessa vez, vamos fazer certo — comentei e não esperei sua
réplica. Levantei-me. — Vou buscar um preservativo, não se mova.
Corri até a suíte e, rapidamente, estava de volta.
— Dentro de você só depois que eu te fazer gozar com a minha
língua — garanti e abri as pernas dela – me encaixando entre elas.
Analu arregalou os olhos e gritou, assim que espremi seu clitóris nos
meus lábios.
Distração
Analu

— Isso não pode mais acontecer — esbravejou o doutor Ernesto, com o


sargento, sentado ao meu lado em frente à mesa dele.
— Doutor, está coberto de razão, mas não está dentro da minha
jurisdição. Preciso consultar o responsável de lá. — Eles discutiam,
discutiam e discutiam, e só o que eu ouvia era: blá... blá... blá.
Assumir que, nem o fato de ter estado com um cano de aço apontado
para a minha cabeça, conseguiu superar o dia que tive com Yan, deixou-me
confusa. Era para eu estar traumatizada, ou não?
A verdade é que, enquanto eles debatiam quem era o responsável
pelo triste episódio do dia anterior, minha mente só me levava a ele...
À sua boca...
À sua língua...
Às suas mãos...
Ao seu sorriso...
Ao seu corpo sobre o meu. E...
— Analu — bramiu o doutor. Dei um pequeno salto e me
empertiguei limpando a garganta. Ele franziu o cenho. — Vai pra casa, não
está bem.
— Desculpa, só me distraí, está tudo bem.
— Não foi uma sugestão, doutora. — Meneei a cabeça e me levantei.
Já estava colocando a mão na maçaneta quando ele me chamou novamente:
— Vou falar com o doutor Saulo, os dias que ficar em casa, vai passar por
algumas sessões com ele. Só volta quando ele liberar.
Arregalei os olhos e neguei com a cabeça.
— Uns dias? Estou bem, não preciso falar com um psiquiatra.
Preciso trabalhar...
— Está dispensada, doutora. Ainda hoje, a recepcionista te ligará,
passando os horários das sessões.
Concordei, porque era a minha única opção. No final das contas,
mesmo que forçosamente, teria os tão esperados dias de folga. Seguramente,
Theo adoraria a notícia.
§§§§
— Cheguei — avisei, assim que abri a porta do apartamento. Lia saiu
da cozinha e me olhou com uma expressão engraçada.
— O que aconteceu? — indagou de cara.
A garota quase não me vê, sempre que chega, não estou mais e
quando vai embora ainda não cheguei. Sorri e arrastei minha pequena mala
para o lado do sofá – colocando a bolsa de mão em cima dele.
— Aconteceu, mas estou bem — adiantei-me, para não a deixar
preocupada. — Correu tudo bem, por aqui? — Ela concordou com a cabeça
e continuou com a mesma expressão de quando entrei. — Pode ir pra casa,
Lia, vou buscar o Theo na escola.
— Eu fiz alguma coisa errada? Me fala, posso concertar, não posso
perder esse emprego, Analu. Gosto muito do Theo e acho...
— Ei — interrompi-a e me aproximei. Peguei em sua mão e a
coloquei entre as minhas. — Está tudo bem, só quero te dar uns dias folga,
meu amor. Faz quanto tempo que não pega férias? Fica uns dias aqui e
outros ali. Dessa vez, quero que fique trinta dias em casa.
Não foi uma decisão por impulso, enquanto dirigia para casa, pensei
em quanto precisava de um tempo para mim e para o meu filho. Era a
oportunidade perfeita. Assim que chegasse, ligaria para o doutor Ernesto e o
comunicaria. Lia soltou os ombros e sorriu – aliviada.
— Me assustou — murmurou. — Você conseguiu pegar férias? —
Fiz uma careta.
— Vamos encarar dessa forma, fica mais fácil.
— Olha só, estou terminando o almoço do Theo, depois eu vou, pode
ser?
— Tudo bem, não vou recusar, preciso guardar minhas coisas e de
um bom banho.
— Posso buscá-lo hoje, assim descansa um pouco. A partir de
amanhã, fico em casa, o que acha?
Pensei um pouco e ela tinha razão, embora Yan tivesse me distraído –
e que distração –, não mudava o fato de eu ter sofrido um atentado. Meu
corpo estava um trapo – muitas emoções. Sem contar que fui virada do
avesso... por ele.

“— Gosta assim? — Ele perguntou e meu grito constrangedor foi a


resposta.
Sua língua mergulhou no meu centro, entrando e saindo. Em
conjunto, seu polegar massageava meu clitóris.
— Estou por um fiooooo...
Ele retirou a língua e parou o movimento do dedo – subindo o corpo
e ficando com o rosto rente ao meu.
— Apesar de querer sentir seu gozo na minha boca, preciso estar
dentro de você, no momento que perder a razão.
Se esticou sobre mim e alcançou o pacote do preservativo. Engoli em
seco e desvencilhei o pensamento do descuido anterior. Tanto tempo sem ter
que me preocupar, me esqueci do essencial. Se eu contasse para alguém, me
chamaria de burra. Afinal de contas, sou uma médica, especialista em
adolescentes – distribuo preservativos e receito pílulas anticoncepcionais
diariamente. E eu? ... Bom, casa de ferreiro, espeto de pau. Nem ao menos
sabia se estava em um dia fértil.”

— ... eu entendo, se preferir... — Chacoalhei a cabeça e voltei a me


concentrar na babá do Theo. — Tem certeza de que está tudo bem, Analu?
Seus olhos estão tão vagos.
Baixei a cabeça e meu riso foi de vergonha. Como podia estar
pensando nele daquela maneira? Só podia ser o fato de ter ficado tanto
tempo sem ter relação sexual.
— Sim, Lia, você tem razão, preciso descansar um pouco.

Deixei a água praticamente fervendo. Espalmei os azulejos e baixei a


cabeça – permitindo que os jatos me relaxassem. Depois de alguns minutos,
alcancei o sabonete líquido – enchendo a palma da minha mão. Gemi, no
momento que toquei meu sexo. Não queria admitir, mas o fato de não
conseguir tirar o Yan dos meus pensamentos, me manteve excitada. Respirei
fundo e, sem que eu pudesse controlar meus impulsos, comecei a esfregar o
ponto pulsante. Encostei a testa no azulejo frio e deixei que minha mente
voltasse ao dia anterior...

“— Eu faço isso — me ofereci – com uma ousadia que eu


desconhecia.
Peguei o preservativo de suas mãos e deslisei em seu membro rijo.
Olhei para ele e, ver o quanto estava se controlando, fez com que eu
mordesse o canto dos lábios. Nunca imaginei que sentiria tanto desejo. Que,
finalmente, seguiria o conselho da Marina e me permitiria... me soltaria.
— Você está me levando à loucura, deusa loira — exclamou e me
jogou de volta ao estofado de couro.
Com o joelho, separou mais minhas pernas e lambeu os beiços –
olhando diretamente para o meio das minhas pernas. Eu podia sentir o
líquido escorrendo e não me constrangia. Muito pelo contrário, ver o quanto
aquilo estava fazendo com que ele me desejasse, ativou um lado safado meu.
— Vem... — pedi ofegante. Eu precisava senti-lo novamente dentro
de mim. Sem água para impedir que seu calor me dominasse.
Um sorriso maroto surgiu em seu rosto e eu já esperei o que viria a
seguir.
— O que você quer, “Afrodite”?
Sorri e balancei a cabeça.
— Vai me fazer falar, não é mesmo? — Ele deu de ombros e alargou
o sorriso. — Me come — pedi baixinho.
Yan queria me provocar, estava claro. Colocou a mão em concha na
orelha e estreitou os olhos.
— Não consegui ouvir.
Umedeci os lábios e enchi o peito de ar – tomando coragem.
— Preciso de você — continuei —, dentro de mim. — Ele fez uma
expressão de que não era o suficiente. Fechei os olhos e balancei a cabeça –
sorrindo. — Vem... me... foder — implorei, mais alto – gaguejando.
Foi o gatilho que ele esperava. Seu corpo quente e musculoso
sobrepôs o meu e seu membro me invadiu. Ele não foi bruto, mas não teve
nada de delicadeza. Subiu meus braços acima da minha cabeça e iniciou
movimentos de entra e sai – constantes. Seu quadril se remexia, junto com o
movimento de vai e vem.
— Ai... ai... está vindo... — gemi e fechei os olhos – jogando a
cabeça para trás.
— Isso aí, deusa, assim mesmo, vamos... goza... quero sentir a
intensidade no meu pau... vamos...
Seus movimentos eram certeiros. Yan sabia exatamente o ponto que
me faria perder a razão.
— Deus... uau!!! — berrei – sentindo cada terminação do meu corpo
estremecer.
— Ahhhhh... caralhoooooo!!! — Estamos perdidos, seguramente.”

Arrastei meu corpo até o chão e respirei com dificuldade. Meu corpo
nunca teve tantos orgasmos em um espaço tão pequeno de tempo.
Eu precisava terminar de me lavar, mas não encontrava forças nas
pernas para ficar em pé. A água quente batia em minhas pernas e eu buscava
o controle das minhas ações.
— Analu. — Ouvi a voz da Marina à porta e soltei uma quantidade
considerável de ar pela boca.
Ela, sem sombra de dúvida, assim que me visse naquela condição,
deduziria o que tinha acontecido. Eu não queria... não podia contar aquilo
para ninguém – nem mesmo para ela. Se meu filho soubesse, poderia criar
uma falsa expectativa. Yan, claramente, não é um homem de uma mulher só.
Pensei e cerrei os olhos – entortando os lábios.
— Terminando — avisei, sabendo que a Marina não desistiria.

Entrei na sala ressabiada. Sou uma péssima mentirosa. Teria que


desvencilhar minha amiga, sem dar detalhes do dia anterior. Certamente, em
algum momento, eu mesma me entregaria – me contradizendo.
— Oi, amiga, está tudo bem? Encontrei com a Lia indo buscar o
Theo e ela me disse que você estava em casa, aconteceu alguma coisa? —
indagou preocupada – vindo até mim.
Aconteceu, ô se aconteceu!
Chegando bem perto do meu rosto, estreitou os olhos e me olhou
com curiosidade.
— Oi, sim, mas, agora está tudo bem — respondi e fui me sentando
no sofá – vestida somente com um roupão.
Ela sentou-se ao meu lado e colocou uma perna embaixo do corpo –
me encarando.
— Está diferente, seu rosto está corado — ressaltou.
— Deixei a água bem quente, precisava relaxar — justifiquei-me.
Marina franziu o cenho e inclinou a cabeça para o lado.
— Você trepou com quem?
— Marina! — repreendi-a, arregalando os olhos. — Já falei pra não
usar esse vocabulário aqui. — Ela só abriu um sorriso vitorioso.
— Pare de frescura, o Theo não está aqui, mermã. Vamos,
desembucha, quem foi o desbravador?
Bufei e decidi distraí-la com o verdadeiro motivo de eu estar em
casa. Relatei minha manhã mais do que conturbada – ocultando o fato de o
Yan ter me salvado e acalmado o traficante.
— Amiga, que coisa horrível. Ainda bem que a polícia chegou. —
Balancei a cabeça em concordância. — Como teve condições de continuar
trabalhando?
Baixei o olhar e fiquei tirando linhas imaginárias do meu roupão.
Odeio mentir. Mas seria como jogar gasolina no fogo, se eu dissesse a
verdade para ela.
— Não tive — respondi, por fim. — Fiquei na pousada o restante do
dia e aproveitei para descansar.
Marina enrugou a testa e me olhou desconfiada.
— Preferiu ficar em um lugar estranho do que com seu filho, depois
de sofrer um atentado? — Inclinou a cabeça para o lado e ficou me
encarando. — Está mentindo. Você nunca descansaria dessa maneira.
Voltaria correndo pra cá e ficaria com Theo, garantindo que estaria tudo
bem. — Desviei o olhar e engoli em seco.
— Confio em você, Marina. Sabia que o Theo estava em boas mãos
— murmurei – sem ter coragem de olhar para ela.
— Mermã, desde quando? Confia nada, a prova disso é que está,
descaradamente, mentindo pra mim.
Levantei-me e fui para a cozinha. Abri a geladeira e peguei uma
garrafa de água. Enquanto tomei a água, ela ficou me olhando.
— Estou pensando em passar uns dias com meus pais em “Sampa”.
Vamos?
— Mudando de assunto. — Marina fez uma careta e levantou-se,
vindo até mim. — Se eu pudesse.
A porta da sala foi aberta e um Theo eufórico veio ao nosso encontro
– pulando de alegria.
— Mamãe, a Lia me disse que está de férias — comemorou e eu me
abaixei para abraçá-lo.
— Oi, meu amor, que bom que você ficou feliz.
— Sim, você vai poder assistir minhas aulas de futebol. Hoje o tio
Yan vai voltar. Você vai né, mãe? — Meu coração bateu diretamente nos
meus ouvidos, assim que Theo pronunciou o nome dele.
Ponto Fraco
Gabrielle

Achei que quando ele se referiu a que eu organizasse a minha vida, era
somente com relação ao meu trabalho no distrito. Só que não. Isaac Bennett
conseguiu o que queria: me ter em suas mãos.
Não me importaria se ele me ameaçasse. Se me colocasse atrás das
grades. Entretanto, ele sabia disso, por isso, se certificou de tocar no meu
ponto fraco: Bento.
De maneira alguma, eu deixaria que ele prejudicasse a pessoa que
mais ajudou meus pais e a mim. A única pessoa que nunca desistiu de mim,
que sempre me protegeu, inclusive, a ameaça era justamente por ele ter
assumido uma culpa por mim. Sujou as mãos por algo que cometi.
Até o afrontei, tentando me livrar do fardo que estava jogando em
minhas costas, mas seu argumento deixou-me apavorada:
“— Está blefando — vociferei, sentindo cada partícula do meu corpo
tremer.
— Filha, aprenda algo sobre seu pai: eu nunca blefo. Você teve uma
pequena demonstração da minha influência dentro daquela cela. Se eu fosse
você, não pagaria pra ver. Uma ligação e o imbecil do seu chefe nunca mais
vai usar um distintivo.
Meu estômago deu cambalhotas. Sentia o amargo da bílis na língua.
— Ok, vou pensar — disse e me levantei.
— Já designei uma pessoa pra te acompanhar.
— Como?
— Você vai se mudar para um dos nossos apartamentos. Não precisa
levar nenhuma dessas coisas que você chama de roupa. Filha minha não
anda como um marmanjo. A partir de agora, você faz parte da diretoria das
empresas Bennett. Você é inteligente, vai saber como se adequar.
— Não vou me mudar, tenho casa.
— Entenda, filha, de uma vez por todas, Isaac Bennett não sugere,
manda.”

Me joguei na cama, que eu dormia na casa do Bento, e abracei o


travesseiro. Fiz algo que raramente faço: chorei. Aproveitei que o rosto
estava enterrado no travesseiro e gritei – até sentir os pulmões doerem. Parei,
quando Oliver pulou nas minhas costas e começou a “amassá-la”.
A Ligação
Yan

— Temos que comemorar — animou-se Bia, entrando na minha sala.


Ergui os olhos da tela do notebook e sorri.
Se ela soubesse o quanto tive que brigar para ela conseguir aquela
vaga, não sei se estaria tão animada. Desconfiava que ela sofreria algumas
retaliações. Mas como a conheço bem, certamente não deixaria barato.
— Então, conseguiu? — exprimi, como se fosse uma novidade.
Bia veio até mim e me fez ficar em pé. Cruzou as mãos pelo meu
corpo e afundou o rosto no meu peito.
— Eu te amo, sabia?
Beijei o topo de sua cabeça e reforcei nosso abraço.
— Eu também, não sei como vou viver sem você — falei com uma
voz de melodrama – divertindo-me.
Bia levantou o rosto e mordeu meu queixo.
— Interesseiro, vou sentir falta de você e você dos meus serviços.
— Você nunca foi dramática. Estaremos a um andar de distância.
Ela me olhou de um jeito que nunca tinha feito antes, ou nunca
reparei. Encolhi meu abdômen, com medo de pensar que minha amiga
pudesse estar confundindo as coisas.
— Estava pensando — continuou e eu segurei um pouco a
respiração. — Agora que não sou mais sua assistente...
— Pare... — interrompi e tirei os braços dela do meu corpo – me
afastando. — Por favor, não estraga o que temos com expectativas que sabe
que não vou corresponder.
— Por quê?
Fechei um pouco os olhos e inclinei a cabeça para trás – respirando
fundo.
— Bia... — Comecei e parei – suspirando. — Achei que tinha ficado
claro, da última vez.
— Mas só quero me divertir, assim como você.
— Não vai rolar, Bia. Agora, é melhor você assumir seu posto, antes
que o perca, antes mesmo de começar.
Ela meneou a cabeça e foi saindo.
A porta da sala foi fechada e me joguei na cadeira – fechando os
olhos e apoiando a cabeça no encosto. Cada vez que eu fechava os olhos, a
única imagem que vinha à minha mente era a dela – nua e toda molhada para
mim. Me empertiguei e alcancei meu celular – clicando no contato que me
levaria até Analu.
— Bom dia, chefe — cumprimentou Rodolfo, com sua energia
contagiante.
— Bom dia, mano. Preciso de um favor.
— Manda bala.
— Abra a ficha da mãe do Theo e me passa o número do celular dela
— ordenei, tentando soar natural. Não queria envolver ninguém em meus
sentimentos contraditórios.
Pela primeira vez, depois de uma transa, não conseguia tirar a
mulher dos meus pensamentos. A chamaria pelo aplicativo de mensagem,
com qualquer desculpa, quem sabe, conseguia descobrir se ela estava se
sentindo como eu.
— Aconteceu alguma coisa com o Theo? — indagou preocupado.
— Não... — Pensei um pouco, elaborando uma resposta plausível. —
Ela é médica, queria ver se pode me ajudar com a minha mãe. — Veio tão
automático que até eu me assustei.
Não seria uma má ideia.
Rodolfo me passou o número e, mais do que depressa, salvei o
contato em meu celular. Abri o aplicativo de mensagem e fiquei abrindo e
fechando as mãos, ponderando o que escreveria. Normalmente, enviaria algo
sexual de cara, mas correria o risco de espantá-la. Tudo o que menos queria
é que ela sumisse da minha vida.

“Oi, Afrodite, como está o seu dia? Seu gosto não sai da minha
boca.”

— Não, muito ousado, Yan. Vai com calma, cara!


Apaguei a mensagem e comecei a escrever novamente. Perdi a conta
de quantas vezes fiz o mesmo processo. Joguei o celular na mesa e encostei
na cadeira – encarando o teto. Depois de um tempo, decidi ser sincero.

“Olá, doutora. Como está o seu dia? O meu está péssimo, não
consigo fazer nada, você não sai da minha cabeça. Queria voltar no tempo e
congelar o dia de ontem, só para ficar mais naquele mar – só nós dois.”

Cliquei em enviar e fiquei olhando para o aplicativo, ansioso como


nunca. Nem a negociação de um contrato milionário conseguiu me deixar
tão apreensivo. Porque negociar pela empresa é o que sei fazer de melhor.
Lidar com um sentimento que me consumia, me assustava pra caralho.
Dois tracinhos azuis apareceram na mensagem e meu coração ficou
acelerado imediatamente.
— Que porra, Yan. Tá pior do que um adolescente, caralho!
Voltei minha atenção à tela do meu computador, buscando me
concentrar no e-mail que lia, antes de a Bia entrar na minha sala e
intensificar a certeza de que eu precisava estar com a Analu. Mal comecei a
ler, o celular notificou a chegada de uma mensagem. Destravei rapidamente
a tela.

“Só pode ter conseguido meu telefone na escola de futebol, não


lembro de te passar. O dono da escola deve ser muito seu amigo, também.
Estou com medo, seu poder de persuasão deve ser muito bom.”
— Ah, porra! Me esqueci de mais essa mentira — praguejei
indignado. — Que merda que fui fazer, o jogo se virou contra mim.
Eu tinha duas opções: pegar o gancho da brincadeira e continuar
mentindo, ou abrir o jogo, antes que fosse tarde demais.

“Analu, precisamos conversar. Podemos nos encontrar?”

Dessa vez, a resposta veio rápido.

“Vou levar o Theo na aula de futebol, nos vemos lá.”

Sorri e soltei os ombros – aliviado.


— Vamos acabar logo com essa farsa. Quero você, doutora! —
comemorei e voltei ao trabalho, duvidando de conseguir me concentrar.
§§§§
Os garotos já estavam a postos, felizes com o fato de ser eu a dar
aula. Eles me faziam “milhares” de perguntas sobre não ter estado com eles
na última aula e eu respondia no automático – olhando acima deles,
esperando a deusa aparecer.
— Vamos lá, garotada, já que estão tão animados, coloquem essa
energia na bola — animei os meninos, e comecei a separá-los por times.
Faria uma escala de jogos, assim todos poderiam participar.
Nas aulas, tenho um assistente, caso precise sair. Orientei o rapaz do
dia sobre apitar os jogos, eu acompanharia de longe. Precisava de um tempo
com a Analu, como ela estaria depois do que tivemos?
— Tio Yan, quero ficar com o Theo, cadê ele?
— Boa pergunta... — Mal terminei de falar o garoto veio correndo
em nossa direção.
Se me perguntassem o que ele estava vestindo, certamente eu não
saberia, porque a única pessoa que enxerguei foi sua mãe, que vinha logo
atrás – mais linda do que nunca.
— Tio Yan, você veio. Eu disse pra minha mãe que seria você hoje
— comemorou o garoto – pulando como pipoca à minha frente.
Desviei o olhar da “Afrodite” e olhei para baixo. Baguncei um
poucos os cabelos do Theo e sorri. O garoto, sem sombra de dúvida, me
admirava – ponto pra mim. Voltei minha atenção a ela, com um vestido
florido, do mesmo estilo do outro. Não achei que a veria tão descontraída em
dias seguidos. A mulher é sempre séria, cheia de julgamentos – me
chamando de desocupado.
Analu sentou-se em uma espreguiçadeira – embaixo de um guarda-
sol – sem me olhar. Claro que não daria o braço a torcer. Qualquer um, via
que era uma pessoa difícil.
— Bom, garotos, me acompanhem, vamos iniciar as partidas —
anunciou meu assistente – percebendo que meu foco estava em outro lugar.
Limpei a garganta e chacoalhei a cabeça – controlando meus
impulsos. Pela resposta do meu corpo à presença dela, em um segundo,
estaria com ela nos braços, levando-a para onde eu pudesse fodê-la, até os
dois não aguentarem mais.
— Tio Yan, não é você que vai ficar com a gente? — inquiriu Theo –
tristonho.
Me abaixei, para ficar na altura dele.
— Olha só, preciso de um favor seu, você consegue me ajudar? —
Ele concordou rapidamente com a cabeça. — Preciso conversar uma
coisinha com a sua mãe, você ajuda o Douglas? Vou acompanhar, de
qualquer maneira, estarei logo ali. — Apontei para onde estava Analu.
O garoto enrugou a testa e olhou em direção à sua mãe. Voltou a me
olhar, com uma expressão intrigada.
— O que você vai falar com a minha mãe?
— Coisas de adulto, consegue me ajudar?
— Você vai querer ser meu padrasto?
Me engasguei imediatamente com a saliva. Tossi umas três vezes.
Depois de uma respiração profunda, prossegui:
— Como assim, Theo?
— Eu falei pra mamãe que preciso de um padrasto, já que não tenho
pai. E também quero um irmãozinho, não aguento mais ficar sozinho, tio
Yan. Eu ia gostar que você fosse meu padrasto. — O garoto disparou a falar
e eu fui me encolhendo. Eu não tinha a menor ideia do que responder,
porque, para dizer bem a verdade, aquilo, para mim, era muito bizarro. —
Tio Yan? — Theo chamou-me um pouco mais alto.
— Vai lá, garoto, conto você! — Dei um tapinha nas costas dele,
fiquei ereto e me virei, fugindo de uma resposta.
A cada passo em direção a ela, era uma batida mais forte no meu
peito. Abria e fechava os punhos ao lado do corpo, buscando me controlar.
Precisava agir naturalmente. Não como um babaca, muito menos, como um
adolescente que só pensa em trepar.
Parei ao seu lado e fiquei admirando sua beleza ímpar. Não me
lembro de ter ficado com alguém tão completa como ela. Até mesmo sua
armadura de ferro me atrai. Deixa tudo mais desafiador.
— Uau! A doutora resolveu tirar folga? — brinquei e arrastei uma
espreguiçadeira para sentar-me ao lado dela. Ela baixou o livro que estava
lendo, escorou os óculos de sol na cabeça e me olhou de cima a baixo.
Praticamente salivando. Coloquei as mãos nos quadris e alarguei o sorriso.
— Quer que eu desfile, assim vai poder admirar melhor, ou... — Me sentei e
cheguei um pouco mais perto. — Podemos dar uma escapada e você terá
uma experiência sensitiva — provoquei e ela revirou os olhos.
— Já vi que seu “Ego” é maior que sua conta bancária — jogou seu
veneno e eu fiquei sério. Porque era exatamente sobre o assunto que eu
precisava falar com ela. — Não vai trabalhar hoje? — Apontou para os
garotos jogando bola na areia.
Virei meu corpo para ela e coloquei os cotovelos nos joelhos.
— Douglas dá conta disso — afirmei e me calei – olhando para os
meninos.
Eu tentava uma forma de começar o assunto, sem que ela saísse de lá
me odiando. Voltei meu olhar para ela – que tinha o cenho franzido, me
encarando.
— Eu já sei o que quer falar comigo — iniciou e foi minha vez de
franzir o cenho.
— Já sabe?
— Sempre soube. Não precisa se preocupar. Como você disse, somos
adultos, não vou ficar correndo atrás de você. Foi só uma transa — falou
rapidamente e engoliu em seco – desviando o olhar do meu.
Fechei os olhos e baixei a cabeça – meneando-a. Claro que ela não
era dessas. Me disse que tinha medo de se apaixonar. Pelo que entendi, não
tinha ficado com ninguém, há muito tempo. Aquilo tudo era uma forma de
se proteger.
— Analu... — Respirei fundo. — Olha pra mim. — Esperei que
estivéssemos com os olhares cruzados, para iniciar o assunto. — Não precisa
mentir pra mim. — Ela abriu a boca para se defender, coloquei o dedo em
seus lábios. — O que tivemos não foi só uma transa, nós dois sabemos disso
— continuei. — E é por esse motivo que preciso te contar a verdade. — Meu
telefone vibrou no bolso da bermuda e eu o peguei rapidamente. Ao ver o
nome da Isa, estremeci. — Desculpe-me, preciso atender. — Fiquei em pé e
fui me afastando.
Atendi a ligação e meu coração só faltou sair pela boca.
— Yan, precisa correr aqui, sua mãe desmaiou e eu não consigo fazer
ela voltar. Tive que chamar uma ambulância, me desculpa — avisou-me –
com a voz embargada.
Fiz um gesto com a mão – me desculpando – e saí em disparada.
A Viagem
Analu

— É isso mesmo que estou falando, Marina. Quando decido seguir seu
conselho, me ferro! — berrei, enquanto arrumava as malas para passar uns
dias na casa dos meus pais.
— Amiga, para um pouquinho e senta aqui — ordenou Marina,
pegando em meu braço e puxando para me sentar na beirada da cama – de
frente com ela. — Deixa-me entender. O cara te salvou de um maluco.
Depois, te levou para um iate luxuoso. Vocês treparam igual dois coelhos.
— Aff, do jeito que você fala, me sinto uma prostituta.
Marina bufou e entortou o nariz.
— Posso continuar? — Fiz que sim com a cabeça. — Ele te manda
uma mensagem para o seu telefone, que você não passou o número. Vocês se
encontram e ele diz que quer te contar a verdade, porque não foi só uma
transa que tiveram. O telefone dele toca, você vê o nome de uma mulher e
surta, porque ele saiu correndo e te deixou lá. O que você quer do cara?
Casamento? Tô meio perdida aqui, mermã.
— Não percebe os sinais?
— Que sinais?
— Meu Deus, não sou paranoica. Ele é um golpista. Na certa é
casado e fica com mulheres que tenham alguma posição.
— Em troca de quê, mermã?
— Dinheiro.
— E você tem dinheiro por acaso?
— Não, mas ele não sabe. Sou médica, isso dá um certo status pra
ele, o cara é só um professorzinho.
— Lá vem você com arrogância por causa da bosta dum diploma.
Como pode ser tão preconceituosa? Ele nem teve chance de dizer quem é. Só
fizeram trepar. Ainda não entendi o motivo da sua indignação. Que
diferença faz se ele for um golpista? O que ele te tomou?
— E se ele for casado?
— Problema dele, mermã. É só não sair mais com ele.
Baixei os olhos e espremi as mãos no colo, sem coragem de contar
que tinha transado sem camisinha.
Que, mesmo ele tendo tirando antes, senti resquícios de sêmen na
entrada da minha vagina.
Sem contar que eu não queria admitir, mas Yan não tinha saído um
minuto sequer dos meus pensamentos.
— Você tem razão. — Fiquei em pé e voltei a arrumar as roupas
dentro da mala.
— Analu, o que não está me contando?
Parei com uma peça de roupa no ar e a olhei assustada. Como ela
conseguia me ler tão bem?
— Nada, te contei tudo — assegurei engolindo em seco.
Ficamos um tempo caladas. Terminei de organizar minha mala,
fechei e coloquei de pé no chão. Fui caminhando em direção ao quarto do
Theo para fazer o mesmo com a bagagem dele e Marina me seguiu.
— Quanto tempo pretende ficar com seus pais? — indagou, depois
de longos minutos me analisando.
— Uns vinte dias.
— Sério? E a escola do Theo?
— Ele vai assistir às aulas online — respondi, sem olhar para ela.
Sentia-me aliviada pela mudança de assunto. Embora minha cabeça
continuasse um turbilhão.
Marina sentou-se na beirada da cama do meu filho, assim que abri a
mala dele e comecei a separar as roupas para guardar.
— E tem isso, ainda? Achei que seria só na pandemia. Que série o
garoto está? Quarto ano?
— Terceiro e, sim, a escola decidiu manter as aulas online, quando
necessário, caso alguma criança adoeça. Falei com a direção e expliquei que
é difícil pra eu pegar férias. Abriram uma exceção para o Theo.
— É, estudar em colégio de bacana é outro nível. Se fosse o público,
o garoto perderia as aulas e pronto.
— É o mínimo que posso fazer, Marina, pagar um ótimo colégio ao
meu filho. Só tenho ele e pretendo manter assim — falei de uma vez e
respirei fundo, apavorada com a possibilidade de engravidar.
Conheço meu corpo, minha fertilidade é bizarra. Com o Theo foi um
descuido besta. A diferença é que eu era ingênua e torcia para que
acontecesse. Achava que o pai dele ficaria radiante e me assumiria de uma
vez por todas – doce ilusão.
O restante do tempo que organizei nossa bagagem, acertamos os
detalhes da minha ausência. Combinamos de ela abrir as janelas todos os
dias para a casa não ficar com cheiro forte. Meu filho tem uma forte alergia a
pó, procuro manter tudo sempre limpo e arejado.
Quando chegamos ao Rio, aluguei outro apartamento, antes do atual,
no qual os quartos eram carpetados, precisei correr com ele para o pronto
socorro. Suas vias respiratórias se fecharam e seu rosto ficou completamente
deformado. Sorte que encontrei o que estamos, pois tenho uma amiga para
todas as ocasiões, mesmo que, em alguns momentos, sua sinceridade me
incomode.

— Mais uma vez, não sei como te agradecer. — Abracei Marina e ela
me apertou em seus braços.
— Você é mais que uma irmã, pra mim. Faço de coração —
confessou e se afastou um pouco – tirando alguns fios de cabelos dos meus
olhos. — Promete que vai abrir essa sua mente retrógada enquanto estiver de
férias? — Revirei os olhos e bufei.
— Ok, acho que tá na hora de buscar meu filho e pegar a estrada.
Não quero ouvir seu lado “sincerão”, nesse momento. — Sorri de canto e me
virei – pegando as malas e as colocando no porta-malas do carro.
Fechando o porta-malas, uma notificação de mensagem apitou no
meu celular – roubando, não só a minha, mas a atenção da minha amiga.
Virei o aparelho e vi o nome do Yan na tela. As batidas do meu coração
aceleraram, olhei para a Marina – que ergueu uma sobrancelha.
— Lembra do que eu disse: abra sua mente retrógada — advertiu,
batendo com o indicador na têmpora.
Meneei a cabeça e soltei o ar que segurava – decidindo ver o que ele
tinha a me dizer.

“Bom dia, Analu, tudo bem? Me desculpe por ontem. Surgiu uma
emergência e precisei correr. Podemos nos encontrar? Te explico melhor.”

Achei a mensagem formal demais. Estava claro que o que ele queria
já tinha conseguido.
— Viu só, agora está tentando encontrar uma maneira de me
dispensar — expus minha indignação – enfiando o aparelho na cara da
Marina.
Ela leu a mensagem e franziu o cenho.
— Mermã, o que te levou a chegar a essa conclusão?
— Não vê a formalidade da mensagem!?
— Estou tentando entender sua lógica, mana. Por que, cargas d’água,
ele te mandaria mensagem, querendo se encontrar com você, se fosse pra te
dispensar? — Dei de ombros e desisti de falar com ela. Ela fazia parecer que
eu era paranoica.
Assumi o volante do carro e liguei o motor. Abri o vidro e Marina se
debruçou na minha porta.
— Cuide de tudo, por mim — pedi e sorri sem graça.
— Se preocupe com você e seu filho, mermã, o resto, deixa por
minha conta. — Marina beijou minha testa e bateu de leve no teto.
§§§§
Parei em frente ao colégio do Theo e fiquei olhando para a tela do
celular, ponderando se contava ou não a verdade para o Yan. Não fosse o
fato de o meu filho gostar muito dele, certamente, eu ignoraria a mensagem
– ou não.
A verdade é que eu estava usando o Theo para justificar o fato de
querer estar próximo dele. De tê-lo em nossas vidas. De... Meu Deus! Eu
não podia, algo me dizia que ele era casado. Ou, talvez, fosse trauma.
— Você não pode arriscar, Analu, não dessa vez — ralhei comigo
mesma. — Vamos lá, demonstre que é autossuficiente.

“Bom dia! Estou viajando, avisei à escola que o Theo ficará um


tempo fora.”

Formalidade é o meu nome do meio. Não foi nada difícil seguir o


padrão da mensagem dele.
Faltavam alguns minutos para o meu filho sair. Enviei a mensagem e
fiquei olhando para o visor do celular – na expectativa de qual seria sua
réplica.
Digitando...
Online
Digitando...
Gravando áudio
Online
Digitando...
Ficar olhando para aquilo era torturante. Quanto tempo mais ele
demoraria para, finalmente, me enviar uma resposta.
O portão da escola abriu e, por fim, a mensagem chegou.
“Boa viagem”
— Que merda é essa? Todo esse tempo, só pra me desejar uma boa
viagem? Eu disse, esse interesseiro só queria me “comer”, ficou fazendo
ceninha pra não deixar muito na cara.
Uma batida no vidro do carro me assustou. Coloquei a mão no peito
e chacoalhei a cabeça – voltando à realidade. Também o que eu queria? Eu
soube, no momento que bati os olhos no Yan, que não podia me envolver.
Sendo sincera comigo, nem poderia estar ofendida.
Abri a porta do carro e agradeci ao porteiro da escola, que levou meu
filho até mim.
— Mamãe, olha só o que fizemos para o dia dos pais — comemorou
e ergueu um cartão em forma de camisa – com uma gravata.
— Que lindo, meu filho, fez para o vovô? — Ele fez que sim com a
cabeça e baixou os olhos. — O que foi, meu amor?
— Meus amigos todos têm pais ou padrastos. Eu só tenho vô e tio e
ainda moram longe.
— Filho... — Esfreguei as mãos no rosto e soltei uma lufada de ar
pela boca. — Está animado? Hoje mesmo chegaremos na casa do vovô e da
vovó? — Theo fez que sim com a cabeça, abriu a porta detrás do carro e se
acomodou, colocando o cinto de segurança.
Antes que eu pudesse tentar amenizar a situação, meu filho pegou o
tablet que estava dentro do carro, colocou os fones e ouvidos e começou a
jogar.
— Longa viagem, Analu, longa viagem — constatei e entrei.
Coagida
Gabrielle

— Tem certeza do que está fazendo? — questionou Bento, pela


milésima vez.

— É o melhor — respondi, sem dar detalhes.


Bento é muito esperto para não perceber quando algo está errado.
Assim que eu disse que mudaria para um dos apartamentos das empresas
Bennett, que assumiria minha posição na diretoria, começaram os
interrogatórios. Foi preciso que meu lado racional entrasse em ação. Eu não
podia deixar transparecer que estava sendo coagida. Conhecendo meu
padrinho, ele não deixaria barato. Só que Isaac Bennett não brinca em
serviço. Como viveria sabendo que fui a responsável por destruir Bento,
caso algo lhe acontecesse?
— Ainda não entendo por que está sendo condescendente sem
questionar. Tem um cara atrás de você o tempo todo — indignou-se Bento –
olhando feio para o segurança que me acompanhava.
— Ele só quer garantir que vou ficar bem — repeti e Bento me pegou
pelos ombros – fazendo-me olhar dentro dos seus olhos. Engoli em seco e
umedeci os lábios.
— O que foi que você fez que o magnata te tem nas mãos?
Dei de ombros e desviei o olhar. Eu tinha que ser convincente e,
olhando diretamente nos olhos dele, jamais conseguiria. O poder de
intimidação do meu chefe-padrinho é indiscutível.
— Vou seguir o conselho de manter os inimigos por perto —
respondi baixinho.
Não era de tudo mentira. Quando percebi que não tinha saída.
Comecei a pensar em como tirar alguma vantagem daquilo. Estar dentro da
empresa, na diretoria, teria acesso a tudo.
— Gabi... — suspirou —, prometi aos seus pais cuidar de você. Está
se enfiando no meio do caldeirão, não vou conseguir cumprir a promessa.
— Obrigada, sei me cuidar sozinha — garanti e espremi um lábio no
outro. Bento estreitou os olhos e meneou a cabeça – virando-se.
A Pessoa Certa
Yan

Estacionei o carro de qualquer jeito e adentrei minha casa – num


rompante. Os paramédicos estavam colocando minha mãe na maca. Me
aproximei e alisei seu rosto, com a máscara de oxigênio.
— Como ela está? — questionei aflito o paramédico.
— Estabilizamos a paciente. Não temos como diagnosticar, senhor,
só no hospital — alertou e eu concordei com a cabeça.
Isa estava em um canto, com o rosto lavado de lágrimas.
— Pode levar para o hospital que o médico dela está?
— Não é o procedimento, senhor.
— Por favor — supliquei e o rapaz, vendo minha angústia,
concordou.
Passei as informações ao motorista e avisei que seguiria a
ambulância em meu carro. Antes de sair, fui até a Isa.
— O que provocou essa crise?
A garota balançou a cabeça sem quase respirar.
— Não sei, de repente, ela caiu. — Soluçou. — Eu juro que estava
atenta, Yan, chamei...
— Ei, tudo bem, fique calma, ok! — A garota concordou –
respirando com dificuldade. — Pode ir com ela na ambulância, estarei logo
atrás?
— Claro.
§§§§
O pessoal do hospital já nos conhece, levo minha mãe regularmente
lá para o acompanhamento com o seu médico. Todos se mobilizaram
rapidamente ao ver que a paciente era ela.
— Pra onde levaram ela? — questionei angustiado.
— O doutor Nicola está cuidando dela, senhor Bennett, não se
preocupe, vai dar tudo certo — confortou-me a recepcionista.
— Posso vê-la?
— Aguarde na sala de espera do quinto andar, logo o doutor terá uma
posição.
Esperei impaciente o elevador e, assim que caixa de aço abriu as
portas, entrei exasperado.
Não eram muitos andares, no entanto, parecia que nunca chegaria. As
pessoas conversavam distraídas, junto comigo, enquanto eu abria e fechava
os punhos – buscando controle.
Não me pareceu uma crise de pânico. As reações dela estavam
diferentes. Temia que fosse algo mais sério.
— Porra! — praguejei baixinho, sentindo-me impotente. A única
pessoa que dependia de mim e não conseguia manter sã.
Fechei os olhos e encostei a cabeça no espelho às minhas costas. Se
eu não era suficiente à minha mãe, como faria com mais duas pessoas na
minha vida? Não, teria que encontrar uma desculpa e me desvencilhar da
Analu. Ela tem um filho, que não tem pai. Me aproximar dela só causaria
danos à vida deles.
As portas se abriram e saí em disparada. Isa andava de um lado para
o outro na sala de espera – praticamente comendo as mãos.
— Senta aqui, Isa — ordenei e me sentei também.
— Preciso entender o que aconteceu.
— Yan, eu juro...
— Isa, se atenha aos fatos. Não estou aqui procurando culpados. —
Ela meneou a cabeça e fungou. — Cheguei cedo em casa e logo saí, quase
não conversei com ela — comecei a traçar uma linha do tempo, para tentar
encontrar a raiz do problema. — Confesso que estava com pressa, então não
reparei muito se ela estava bem.
— Sua mãe estava um pouco inquieta hoje. Ela não gosta quando
você não dorme em casa, fica apreensiva. — Cerrei os olhos e baixei a
cabeça – me punindo mentalmente.
— Ela chegou a reclamar de alguma coisa? — indaguei, erguendo
um pouco o rosto, para olhar bem para a acompanhante da minha mãe.
— Disse que estava com dor na nuca, sugeri que tomasse um
remédio, mas ela disse que não tinha dormido bem, que tinha sido o
travesseio alto.
— Certo... — Respirei fundo. — Só isso?
— Achei a respiração dela um pouco alterada, Yan. Argumentei e
dona Miriam sorriu, dizendo que estava tudo bem. Só precisava dormir um
pouco. A levei para o quarto e, quando ela foi se deitar, soltou um gemido
alto e caiu.
Estreitei os olhos.
— Como assim? Gemido de dor?
— Acho que sim.
A porta da sala de espera foi aberta – interrompendo nossa conversa.
O doutor Nicola veio até mim e fiquei em pé imediatamente.
— Como ela está, doutor?
— Estabilizada.
Comecei a detestar a palavra “estabilizada”. Isso é tão subjetivo.
Praticamente, não diz nada. Mas não perderia a compostura com o médico
que só cumpria com o seu trabalho.
— Foi uma crise muito forte, dessa vez — constatei e o doutor negou
com a cabeça.
— Sua mãe teve um infarto, senhor Bennett.
Arregalei os olhos e senti que meu coração estouraria a caixa
toráxica.
— Infarto!?
— Sim, graças a rapidez do socorro, não foi fatal.
— Porra! Como isso foi acontecer?
— Muitas coisas podem causar um infarto, no entanto, no caso da
sua mãe, acreditamos que tenha sido pressão arterial alta.
Olhei para a Isa – buscando respostas.
— Ela tomou o remédio da pressão? — inquiri a garota que
umedeceu o lábio e arregalou os olhos.
— Me garantiu que sim.
Franzi o cenho e segurei o lábio inferior nos dentes. Depois de uma
longa respiração – continuei:
— Me ajuda a entender, minha mãe toma os remédios sozinha?
— Ai, Yan, me desculpe, ela é muito teimosa, não deixa a gente
cuidar disso. Fica dizendo que não é invalida.
— Quando você diz “a gente”, se refere às duas? Nenhuma tem
controle sobre as ações dela? Então quer dizer que ela pode fazer o que
quiser?
O desespero foi tomando conta do rosto da garota e, mesmo que eu
sempre tenha paciência e pegue leve, aquilo era muito perigoso. Se contratei
duas pessoas para garantir que minha mãe ficasse bem, elas tinham que
cumprir às regras à risca.
— Senhor Bennett, acho que agora não adianta ficarmos buscando
culpados. Temos que pensar em como resolver o problema — ponderou o
médico, vendo que eu começava a me exaltar.
Desviei o olhar da garota para ele e assenti.
— Qual o próximo passo? — indaguei, colocando as mãos nos
quadris.
— Vamos implantar um marcapasso — disse de uma vez e quase eu
tive um enfarto.
— Isso é mesmo necessário? O cuidado terá que ser redobrado, com
um marcapasso — argumentei, pensando se o médico não estava sendo
exagerado. Afinal, era a primeira vez que algo do tipo acontecia.
— Senhor Bennett, desculpa minha sinceridade, mas acho que eu sei
o que estou fazendo — ralhou o médico, com expressão austera.
Suspirei e meneei a cabeça.
— Ok, o senhor tem razão. Posso vê-la?
— Sim, ela já está no quarto, como eu disse: estabilizada.

Pedi que Isa me aguardasse na sala de espera, enquanto acompanhei


o médico até o quarto em que minha mãe estava. Ainda processava a
quantidade de informações que recebera de uma vez. Não sabia se ficava
irritado com as acompanhantes da minha mãe ou comigo mesmo, por ter
deixado tudo nas mãos delas. Claramente não estava cumprindo
corretamente o meu papel.
Abri a porta do quarto e me senti aliviado ao ver minha mãe com as
costas da maca erguida. Sua aparência ainda não era boa, mas o sorriso
estampado em seu rosto acamou-me um pouco. Me aproximei e beijei sua
testa. Peguei em sua mão fria e sorri de canto.
— Me deu um baita susto, dona Miriam — admiti e me sentei ao seu
lado – mantendo sua mão na minha.
— Desculpe-me, filho. Perdi o controle da situação.
— Que situação? Está acontecendo algo que eu não saiba?
— Não... — Parou e olhou para o teto. — Fico colocando coisas na
cabeça, só isso.
— Foi porque não dormi em casa?
— Não se culpe, filho. Eu que preciso parar de te dar trabalho.
— Pare com isso, mãe, sabe que...
— Yan, não tente amenizar. Olha pra você, nem um relacionamento
consegue ter por minha causa. Até quando isso vai durar?
— Mãe, não é por isso que não tenho um relacionamento sério. Sabe
que as mulheres se aproximam de mim por causa do meu nome.
— Você usa isso como escudo. Sabe que é mentira. Não adianta se
fazer de cego, coisa que não é. As mulheres se aproximam de você porque é
lindo, e claro, tem muito dinheiro. Mas é normal, filho.
Ri alto, sentindo-me privilegiado pela minha mãe.
— Eu sei que sou lindo — brinquei —, mas isso não é o que mais
chama à atenção delas.
— Tenho certeza de que a pessoa certa não vai se importar com seu
sobrenome. Só que você nunca vai dar a chance de a pessoa se aproximar,
porque se preocupa comigo.
Baixei a cabeça e beijei o dorso de sua mão. Pensando em como ela
estava certa. Analu nem sonhava quem eu era e estava claro o quanto estava
mexida. Mesmo que usasse uma armadura, muito maior que a minha, para
esconder o que estava se formando entre a gente.
— Filho, esses dias tenho pensado bastante — continuou.
Ergui os olhos e entortei os lábios.
— Imagino que sim, até teve um infarto.
Sua cabeça negou de leve e uma sobra de sorriso cobriu seus lábios.
— Quero que me coloque em uma clínica.
Quase engasguei.
— O quê? Nunca eu faria isso, mãe.
— Filho, presta atenção, estou empatando sua vida.
— Mãe, esquece isso, ok. Como a senhora mesmo disse, a pessoa
certa vai entender tudo isso. Vai entrar para somar, não para dividir. — Dona
Miriam respirou fundo e concordou.
A frase saiu espontaneamente. Depois que pronunciei, vi que tinha
que insistir na Analu. Se ela me perdoasse, era a pessoa certa.
O Passeio
Analu

Devo confessar que há muito eu não dormia tão bem. Por mais que eu me
estresse ao ver como meu irmão é inconsequente, estar na casa dos meus
pais, no meu antigo quarto, é revigorante.
No momento que pensei no Gustavo, ouvi a voz dele – com o meu
filho – no quarto ao lado. Claro que o Theo quis ficar com o tio, eu não
impediria, mesmo que eu desejasse mais que tudo.
Olhei para o teto e fiquei observando os detalhes do lustre antigo. O
mesmo que foi colocando quando fiz quinze anos. Naquela época, eu achava
que meu irmão era meu bebê. Fechei os olhos e cobri a cabeça com o
edredom estampado com flores silvestres – as minhas preferidas.
Me perguntei quando foi que eu e o Gustavo perdemos a conexão e a
lembrança enviou uma pontada à boca do meu estômago. Todas as rupturas
da minha vida aconteceram quando soube que estava grávida do Theo. Eu
tinha vinte e cinco anos, residente de um dos maiores hospitais de São Paulo.
Fiz a burrada de me envolver com a pessoa errada.
— Mamãe... mamãe... o tio Gustavo quer me levar no Shopping,
posso ir? — disparou meu filho, entrando em um rompante no quarto. Não
contente com a forma que adentrou ao cômodo, puxou o edredom do meu
rosto e insistiu: — Você está doente, mamãe? Por que ainda está na cama?
Sorri e baguncei seus cabelos.
— Ei, garotão da mamãe, que sangria desatada é essa? — brinquei e
vi Gustavo na porta do quarto – me olhando ressabiado. Umedeci os lábios e
balancei a cabeça. Aquela situação não podia continuar. Theo está crescendo
e, sem sombra de dúvida, entraria numa guerra. — Bom dia, Gustavo —
cumprimentei meu irmão, que franziu o cenho e meneou a cabeça em
resposta.
— Eu disse ao Theo que era melhor a gente ficar aqui, mas caí na
besteira de contar que tem um game novo no Shopping aqui de perto. Vem,
Theo, melhor...
— Tudo bem — respondi e meu irmão me olhou com uma expressão
intrigada. — Posso ir, também?
Gustavo revirou os olhos e bufou.
— Era muito, para ser verdade — censurou e fez um gesto de “que
seja”.

A quantidade de itens para o café da manhã me surpreendeu. Está


certo que, desde que tinha me mudado para o Rio, era a primeira vez que eu
ia para a casa dos meus pais passar mais do que um dia e meio.
— Uau! Isso aqui está melhor do que hotel — elogiei e fui me
sentando. Meu filho e meu irmão já estavam comendo.
— O melhor pra você, minha filha — disse minha mãe e me abraçou
por trás – beijando o topo da minha cabeça. Alisei seus braços e beijei o
dorso de sua mão. — Vai me contar o que aconteceu?
Congelei. Segurar a respiração foi automático. Se contasse a ela o
real motivo das minhas férias, certamente, não me deixaria voltar. Ou,
arrumaria suas coisas e moraria comigo – sem que eu pudesse impedir.
— Só peguei férias, mãe. Nada mais — desconversei, enquanto ela
tirou os braços de mim e sentou-se ao meu lado. Não olhei diretamente para
ela – sou uma péssima mentirosa.
Alcancei o queijo branco e cortei uma fatia – sentindo quatro olhos
me analisando. Porque Gustavo não parou de me escrutinar.
— Quer dizer que conseguiu convencer sua mãe a te deixar entrar no
futebol de areia, Theo? — comentou Gustavo sem tirar os olhos de mim.
O encarei e ergui uma sobrancelha. Não queria brigar logo no
primeiro dia, mas ele tinha que parar de me provocar.
— É, o tio Yan é maneiro, você precisa ir lá, tio Gustavo. É muito
massa.
Respirei fundo e balancei a cabeça.
— Theo, mamãe já pediu pra você diminuir essas gírias, filho.
— Deixa o garoto, Analu. Ele é criança — refutou minha mãe.
— Exatamente, uma criança que fala como um maloqueiro.
— Como o tio dele, é isso que queria dizer, não é, dona moralista —
instigou Gustavo e só estreitei os olhos.
Enfiei um pedaço de pão na boca e comecei a mastigá-lo – engolindo
a ânsia de falar poucas e boas ao meu irmão. Não tinha ideia de como acabar
com aquela rixa, afinal, nos tornamos pessoas completamente diferentes.
Terminamos o café da manhã em silêncio. Quando estava me
levantando para voltar ao quarto, tive uma ideia.
— Mãe, já que o pai está consertando algumas coisas em casa,
podíamos almoçar no Shopping, o que acha?
— Ah, filha, você gosta de comida caseira.
Fui até ela e a abracei – fungando em seu pescoço – sentindo o
cheirinho de mãe.
— Terei vários dias pra comer sua comida maravilhosa, vai lá se
arrumar, está decidido.
§§§§
Perdi a conta de quanto tempo não entrava em um Shopping só para
passear. Olhar vitrines; comer bobeiras; fazer compras. O motivo para eu ter
tirado férias foi horrível, mas, no fim, não sabia o quanto estava precisando
daqueles momentos.
Aproveitei que consegui tirar minha mãe de casa e a levei em várias
lojas para comprar roupas, sapatos e outros itens, que eu sabia que ela
precisava. Nunca me pediria.
Eles têm uma vida, relativamente, estabilizada. Meu pai recebe um
valor razoável de aposentadoria e Gustavo ajuda bastante. Mas sei que
minha mãe se sabota, fazendo de tudo para eles. Até para mim e o Theo, que
estamos em outro estado.
— Minha Nossa Senhora, filha, isso é demais. Já disse pra não se
preocupar. Vai precisar desse dinheiro e gastou tudo comigo.
— Para com isso, mãe. Se eu não tivesse condições, não compraria, a
senhora me conhece.
Carregamos as sacolas da minha mãe até o carro e voltamos para
procurar o Gustavo e o Theo. Desde que entramos no Shopping,
desapareceram atrás do tal game novo.
Conversávamos distraídas pelo corredor que nos levaria ao espaço de
games quando avistei meu filho de longe – jogando com outro garoto da sua
idade.
— Lá está ele, mãe — apontei na direção do Theo.
Fomos nos aproximando e, como se eu estivesse em um pesadelo, o
pior de todos que eu possa ter tido na vida, vejo ele chegando perto do meu
filho – com duas casquinhas de sorvetes nas mãos.
— Meu Deus, não pode ser — sussurrei e meus joelhos se dobraram.
— Filha... Minha nossa... o que aconteceu? — Minha mãe segurou
no meu braço – para eu não cair.
Coloquei a mão em frente à boca e uma náusea insuportável me
dominou. Sorte que ainda não tínhamos almoçado.
Vendo meu desespero, minha mãe olhou para onde meus olhos não se
desviaram em nenhum instante.
— Jesus Cristo, nos acuda — clamou e fez o sinal da cruz.
Uma tontura miserável deixou minha vista turva. Eu queria correr até
ele e o impedir de tocar no meu filho. Queria gritar o nome do Theo para que
saísse dali. Olhava em volta em busca do Gustavo e não o achava. Meu
irmão o conhecia, por que deixou ele se aproximar do meu filho? Minha mãe
me carregou até um banco e me fez sentar.
— Fique calma, Analu. Ele não conhece o Theo. É só coincidência,
filha.
— Cadê... o... Gustavo, mãe? — gaguejei e continue procurando pelo
meu irmão. Eu o “mataria”, sem sombra de dúvida. — Por que ele deixou o
Theo sozinho, mãe?
Mal terminei de perguntar, meu irmão apareceu – saindo de dentro do
espaço de games. Na certa, estava jogando com outra pessoa.
O tão famoso e renomado doutor Evandro agachou-se em frente aos
garotos e os entregou os sorvetes que tinha trazido. Mesmo de longe, atestei
o quanto ele continuava bonito. Com o mesmo sorriso encantador – idêntico
ao do meu filho. Temia ver os dois juntos e ter a certeza de que Theo era
cópia exata dele - tirando os cabelos
Vi quando Gustavo o reconheceu e estancou no lugar – antes de
chegar mais perto. Como instinto, olhou no corredor e me viu sentada – sem
saber o que fazer. Com um olhar e um menear da cabeça, se desculpou. Eu
nem podia dizer que tudo bem, porque sim, ele era o culpado por estarmos
ali e, principalmente, por deixar o Theo chegar tão perto da pessoa que ele
sempre achou que estivesse morta.
— Filha, não podemos ficar aqui, vai ter que encarar essa situação.
Resistindo
Gabrielle

— Você só pode estar brincando? — rosnei e cruzei os braços –


fechando a cara.

Dentro de uma loja de “bacanas”, a personal stylist, designada a me


vestir, entregava-me os tailleurs para provar, eu me recusava a vestir.
— Senhorita Bennett...
— Pare com isso, já disse pra me chamar de Gabi, porra!
A mulher respirou fundo e sorriu sem vontade. Antes de ela
continuar com suas tentativas, uma voz muito familiar ecoou pelo recinto. A
voz que vinha evitando, que sabia que teria que conviver diariamente, só que
ainda não estava preparada.
— Boa tarde, Ester, parece que minha irmãzinha está te dando
trabalho? — ressoou, preenchendo o espaço que, antes de ele chegar, não
pareceu tão pequeno.
A voz dele continuava grave e imponente. Meu corpo, por mais que
eu já tivesse mentalizado o fato de sermos irmãos, continuava entrando em
combustão – só de sentir a presença dele às minhas costas. Receava me virar
e meus olhos garantirem que meu corpo continuasse me traindo. Foi minha
vez de respirar muito fundo. Cerrei os olhos e apertei um lábio no outro –
criando coragem para o enfrentar.
— Err... boa tarde, senhor Henry..., ela... — Olhou para mim e, assim
que viu minha sobrancelha erguendo-se, hesitou no que diria ao “troglodita”
do meu irmão. — Estamos nos entendendo — corrigiu-se.
Sem opção, antes que ele decidisse quase entrar no provador, me
virei. O choque foi instantâneo. E o pior, não só em mim. Prendi o fôlego e
vi quando o pomo de Adão dele subiu e desceu com dificuldade.
— Ah, caralho! — praguejou e se virou, passando a mão pela nuca.
Não soube o que fazer. Para falar a verdade, meu corpo demorou um
tempo para se recuperar do impacto de revê-lo.
Depois do fatídico dia da minha prisão, evitei ao máximo de
reencontrá-lo. O sentimento contraditório me enlouquece.
A Aquisição
Yan

“Bom dia, Analu, tudo bem? Me desculpe por ontem. Surgiu uma
emergência e precisei correr. Podemos nos encontrar? Te explico melhor.”

Passei horas me martirizando e racionalizando meus sentimentos. A


única conclusão que cheguei foi que o meu maior impedimento é o medo.
Afinal, nunca tive um relacionamento. Todas as mulheres que passaram pela
minha vida, foi por um breve período de tempo. Com exceção da Bia, que
permaneceu como amiga.
Por mais que eu almeje uma família, principalmente filhos, nunca
pensei em como isso seria complicado de lidar.
Depois da conversa que tive com minha mãe e perceber o quanto ela
sente-se culpada por eu estar sozinho, decidi lutar pela pessoa que se
mostrou ideal para mim. E quando digo ideal, não me refiro somente ao fato
de ela não saber nada sobre mim e ainda estar interessada, mas...
Pelo simples motivo de ela não sair dos meus pensamentos...
Por eu não conseguir tirar o gosto dela da minha boca...
Por que cada vez que eu me lembro de seu cheiro eu perca a linha de
raciocínio...
Por eu não pensar em mais nada, além de tocá-la novamente!
Mulher nenhuma deixou essa marca profunda em mim. Analu me
marcou como se marca um gado. Eu sabia que, mesmo que eu tentasse ficar
com outra mulher, seria um grande desastre.

Após enviar a mensagem, fiquei olhando para o visor do celular,


aguardando uma resposta. Estava disposto a me encontrar com ela em
qualquer lugar, a qualquer hora. Contar a verdade sobre mim, abrir meu
coração e começar um relacionamento de verdade.
Assim que vi que ela digitava uma resposta, meu coração disparou.
Infelizmente, a euforia foi abafada imediatamente, assim que li a mensagem
recebida.

“Bom dia! Estou viajando, avisei à escola que o Theo ficará um


tempo fora.”

A formalidade; o fato de saber que ficaria longe; a distância em suas


palavras. Tudo contribuiu para eu ter certeza de que não estávamos na
mesma sintonia. Talvez, eu tivesse me enganado. Só eu tinha me envolvido.
Ela é médica, e os médicos são racionais. Certamente, preferiu me excluir de
sua vida.
Pensei em perguntar para onde estava indo. Quanto tempo ficaria
fora. Se poderíamos nos encontrar onde ela estava. Digitei “milhões” de
coisas e apaguei. Até decidir ser objetivo – racional. Assim como ela.
Apenas desejei boa viagem e travei a tela do celular – jogando-o em cima da
minha mesa.
Apoiei a cabeça no encosto da cadeira e fechei os olhos. Comecei a
girar a cadeira, abrir e fechar os punhos – inquieto. Não tinha a menor ideia
de como lidar com uma situação tão nova para mim. Pensei em conversar
com a minha mãe, mas jamais poderia lhe criar expectativas na situação em
que ela estava. Mas eu precisava conversar.
Debrucei na mesa e coloquei as mãos nos cabelos – puxando-os com
força. Fiquei na mesma posição por um longo tempo. Até o telefone da mesa
tocar e eu dar um pulo.
— Sim — atendi enfático.
— Senhor Bennett, uma pessoa na linha dois insiste em falar com o
senhor. Expliquei que precisava me adiantar o assunto, mas ele disse que é
do seu interesse — comunicou minha nova assistente, que eu ainda não tinha
gravado o nome.
— Disse pelo menos de onde é? — indaguei meio irritado. Se fosse a
Bia, certamente resolveria a questão.
— Só disse ser de um Resort... — Parou um pouco. — Desculpe-me,
não me lembro o nome.
Ergui as sobrancelhas, mesmo que ela não estivesse vendo. Nunca fui
grosseiro com nenhum colaborador, não seria com ela. Respirei fundo e
controlei minha irritação. A garota não era culpada por eu estar
completamente perdido e frustrado. Não tinha culpa de não ter conseguido
contar para a Analu a verdade, sabe Deus para onde tinha viajado para ficar
um tempo que, seguramente, me enlouqueceria.
— Tudo bem. — Puxei uma quantidade considerável de ar pelo nariz
e o soltei pela boca. — Pode passar...
— Sim...
— Olha só — interrompi —, da próxima vez, antes de me chamar,
anote todas as informações pertinentes — ordenei, tentando não soar
autoritário.
— Claro, senhor. Me desculpe, serei mais atenta, pode deixar.
Meneei a cabeça e aguardei a pessoa que desejava falar comigo se
manifestar na linha.
— Senhor Bennett?
— O próprio — respondi e relaxei novamente na cadeira.
— Aqui é o corretor com quem conversou quando esteve no Resort
Esplanada, lembra-se de mim?
Meu corpo reagiu na hora. Já tinha passado tempo demais para quem
queria vender o lugar. Lugar que, antes de estar lá e conhecer a mulher que
conseguiu invadir meu âmago, já estava interessado. Agora, meu interesse
triplicou. Claro que eu não demonstraria ao corretor.
Fiquei ereto e arrastei o corpo para a ponta da cadeira – em alerta.
— Me lembro sim. E aí, cara, têm boas notícias?
— Acredito que sim. Temos uma contraproposta para o senhor.
Consegue vir até aqui para fecharmos o negócio?
Fiquei em pé e me animei. Seria a melhor distração de todas. O único
problema é que não deixaria minha mãe sozinha. Não quando ela passaria
por uma cirurgia. Mesmo que o médico dela tenha me garantido ser um
procedimento simples que raramente têm complicações.
— Vamos agendar para daqui a dois dias.
— Estou agendando aqui.
— Valeu! Até mais — despedi-me e comecei a andar pela minha
sala. Pensando o quanto seria um bom negócio comprar o Resort.
Gosto de diversificar meus negócios. Por mais que eu seja um
Bennett, que tenha uma fortuna quase que infinita, sinto-me melhor fazendo
coisas que me completam.
— Preciso de uma pessoa em quem confio para conferir a parte
burocrática — verbalizei meu pensamento e enfiei o celular no bolso –
saindo da sala. — Estou no departamento jurídico, se precisar de mim, me
contate pelo celular.
A garota assentiu, um pouco receosa. Eu podia entendê-la. Estava há
poucos dias comigo e ainda não me conhecia. Me ver um pouco irritado,
devia estar passando uma impressão ruim a ela. Depois, teria que me
desculpar.
Adentrei ao departamento e fui direto à pessoa que me ajudaria. Bia
estava concentrada na tela de seu computador e abriu um enorme sorriso –
assim que parei diante de sua mesa.
— Nossa, foi rápido. Achei que demoraria mais pra sentir minha
falta — gabou-se e encostou-se na cadeira – limpando o canto da boca,
maliciosamente.
Estreitei os olhos e cogitei a ideia de desistir do que tinha ido fazer
ali. Não queria que minha amiga confundisse as coisas.
— Deixa pra lá. — Fiz um gesto com a mão e me virei para voltar.
— Ei. — Bia me segurou pelo braço – ficando em pé rapidamente.
— Que bicho te mordeu? Só estou brincando, Yan.
Soltei um pouco os ombros e inclinei a cabeça para um lado e depois
para o outro – ouvindo meu pescoço estralar. Bia franziu o cenho,
estranhando minha seriedade. Nem eu sabia o quanto estava tenso.
— Preciso que me auxilie em um negócio, mas acho melhor pedir
pra outra pessoa — falei de uma vez e ela entortou os lábios – negando com
a cabeça.
— Yan, sabe que eu sempre vou estar ao seu lado. Não se afaste de
mim, ok. Me desculpe se passei dos limites, vou me controlar. É que nunca
foi um problema... — Suspirou. — Senta aí e me diz o que precisa.
Fiz o que ela pediu e comecei a relatar sobre minha intenção de
compra do Resort.
— Marquei com ele pra daqui a dois dias, consegue me acompanhar?
— Por que não vamos logo?
Passei a mão pela testa e ponderei se contava a ela sobre minha mãe.
Conhecendo a Bia, ela me faria leva-la até o hospital. Honestamente,
naquele momento, diante das atitudes da minha amiga, não achava uma boa
ideia. No entanto, já estava mentindo à Analu e me sentindo um lixo, não
faria isso com a minha amiga.
— Minha mãe vai precisar colocar um marcapasso — contei e Bia
arregalou os olhos – colocando a mão em frente à boca.
— Yan... sinto muito. — Me escrutinou por alguns segundos. —
Você não queria me contar, não é mesmo? — Dei de ombros e desviei o
olhar. — Entendo — suspirou.
O clima ficou esquisito. Levantei-me dei uma batidinha na mesa
dela.
— Se não puder ir comigo, tudo bem. — Não poderia exigir algo
dela já que, claramente, ficou magoada com a minha atitude.
Como ela não respondeu, virei as costas e fui saindo.
— Pode contar comigo — respondeu um pouco mais alto. Olhei por
sobre os ombros e concordei com a cabeça. — Pra tudo — acrescentou e eu
ignorei a frase sugestiva.
§§§§
Desci do jatinho da empresa e estendi a mão para ajudar Bia a fazer o
mesmo. Agradeci por ser um trajeto rápido e eu ter ficado com a função de
copiloto, caso contrário, teria que voltar toda minha atenção à minha amiga.
Nunca foi um problema, no entanto, mesmo que ela negasse, estava
estampado em seu rosto que algo tinha mudado.
A intenção de me abrir com minha amiga foi por água abaixo. Se já
estava agindo estranho, imagine se soubesse que eu estava envolvido com
outra pessoa? Pior, que meu coração disparava, cada vez que eu me
lembrava dela nua em minha cama do iate.
— Senhor Bennett — cumprimentou o corretor que me esperava na
pista de aterrisagem. Inteligente, por sinal, o negócio valia milhões, sua
comissão seria muito gorda.
— Boa tarde, essa é Beatriz, minha advogada — respondi ao rapaz e
apresentei a Bia.
Ele a cumprimentou e caminhamos até o carro do Resort. No
caminho, o rapaz serviu de guia turístico para minha amiga. A expressão
dela demonstrava claramente o quanto estava encantada com o lugar. Sorri e
voltei minha atenção ao celular.
Não costumo trabalhar o tempo todo, principalmente, quando se trata
de interesses meus. Entretanto, as mensagens da minha assistente foram
muito bem vindas. Pude me safar, novamente, de conversar com a Bia.
— Yan, que lugar maravilhoso — comentou Bia.
— Não é!? — confirmei e sorri de canto.
Ela franziu o cenho e aproximou sua boca da minha orelha.
— Está tudo bem? — sussurrou.
— Sim — respondi rapidamente. — Por que não estaria? — Bia deu
e ombros. Alisei seu braço e sorri forçosamente. — Só trabalho, minha
assistente me abandonou e a nova está um pouco perdida — descontraí.
Vi quando seus ombros se soltaram – aliviados. Um sorriso enfeitou
seu rosto.
— Ela pega o jeito, você é um cara legal de se trabalhar — elogiou.
— Obrigado, eu acho.
Nossa interação foi rápida, logo o carro estava estacionando em
frente ao Resort.

Assim que chegamos, fizemos um tour pelo local – tanto


internamente, quanto nos arredores. Mesmo que eu já conhecesse, queria ter
certeza da minha escolha e que minha amiga opinasse.
Passamos algumas horas em negociação. Claro que a contraproposta
não foi aceita por mim. Sou o melhor negociador das empresas Bennett,
obviamente que eu saberia negociar algo para mim.
Depois de muitos números alterados, finalmente, chegamos a um
valor que beneficiaria ambos os lados.
— Parabéns, senhor Bennett, você é o novo proprietário do Resort
Esplanada — felicitou o corretor – pegando em minha mão e batendo de
leve nas minhas costas.
— Você está sempre me surpreendendo, Yan Bennett — comentou
Bia e me puxou para um abraço apertado.
Alisei suas costas e beijei sua têmpora.
— Obrigado, minha amiga.
Nos afastamos e ela abriu um sorriso nervoso. Meus nervos deram
uma endurecida. Ela não podia deixar que aquilo crescesse. Não queria a
machucar.
— Senhor Bennett, tomei a liberdade de chamar a imprensa, é uma
maneira de divulgar o lugar, principalmente que agora estará no comando de
um Bennett — comunicou o corretor e assenti.
Nunca tive problemas com a imprensa. Apesar de não dar muitos
motivos para eles me pegaram para “Cristo”.
De Novo, Não!
Analu

Tomei coragem e fiquei em pé subitamente – chacoalhando a cabeça e


respirando fundo.

— Vamos, mãe, não quero que esse indivíduo fique perto do meu
filho, o que ele rejeitou — falei firme e saí marchando em direção a eles.
No momento que cheguei, achei que o “nobre doutor” teria um
ataque do coração. Ele não poderia se salvar, agir como “Deus” em si
próprio, como costuma dizer que fazia com os pacientes. Algo que eu
idolatrava de início.
— Mãe, olha que hilário tenho um novo amigo — contou-me Theo
sorridente. — O pai dele é maneiro, me convidou para brincar na...
— Filho, quantas vezes tenho que falar pra não conversar com
estranhos — repreendi-o com a voz alterada. Theo arregalou os olhos e
afastou um pouco o tronco – assustado. Peguei no braço dele e o trouxe para
o meu lado. — Vamos embora — determinei e fui me virando.
— Mas, mãe, ainda não acabamos o jogo, estou ganhando —
reclamou meu filho – tentando se soltar do meu cativo. Theo falava, mas
minha atenção continuava nele – que olhava de mim para o Theo e, em
seguida, para o seu filho. Qualquer um conseguia ver a semelhança dos
garotos. — Mãe... — chamou-me Theo, com a voz oscilante. Olhei para
baixo e vi seus olhos cheios d’água. — Está doendo — completou e eu o
soltei rapidamente – agachando-me à sua frente.
O puxei para um abraço forte e alisei seu braço – onde eu tinha
apertado.
— Perdão, meu amor. Mamãe não queria te machucar. — Coloquei
seu rosto entre minhas mãos e beijei todas as partes do seu rosto.
— Mãe, está me fazendo passar vergonha de novo — falou baixinho,
com a voz embargada.
O soltei e olhei dentro dos seus olhos.
— Promete que nunca mais vai fazer isso?
Sua expressão era de confusão. Theo não compreendia a gravidade
da situação e eu nunca poderia explicar.
— Tia, mãe do Theo — chamou-me o garoto – cutucando minhas
costas. Segurei os lábios nos dentes, cerrei um pouco os olhos e suspirei –
antes de voltar a ficar em pé. — A gente só estava jogando, o Theo não fez
nada de errado — defendeu meu filho e meu sorriso foi de desespero.
Dizer que eu estava mais perdida do que cego em tiroteio seria puro
eufemismo.
Meu corpo parecia que ia entrar em ebulição...
Minha cabeça latejava...
Meus braços e pernas pareciam de uma boneca de pano.
— Então, você seguiu com isso — constatou o doutor, por fim.
— Quando você diz isso, está se referindo ao meu filho? — berrei e
avancei para cima dele.
Em fração de segundos, Gustavo entrou no meio e me segurou pelos
ombros – me olhando firme.
— Você não quer que seu filho veja isso — disse entredentes. —
Controle-se, porra! Aja como adulta, caralho!!!
Por cima dos ombros do meu irmão, vi o olhar assassino de Evandro.
Não pensei que a situação pudesse piorar, até a “Barbie” chegar.
— Oi, meu amor, o que... — Ela engoliu as palavras, no momento
que bateu os olhos em mim. — O que essa prostituta faz perto do meu filho?
— esbravejou e foi pegando o filho pelo braço, assim como eu tinha feito
com o Theo.
— Do que ela acabou de me chamar, Gustavo? — gritei e vi quando
um segurança começou a se aproximar de nós.
— Porra, Analu, vamos embora. — Gustavo continuava me
segurando e falando entredentes. — Mãe, pegue o Theo. — Minha mãe
pegou meu filho pela mão e saiu arrastando-o pelo corredor.
— Você disse que ela tirou, Evandro — continuou a “Barbie”. — Ele
é a sua cara, mentiu pra mim!? — concluiu e pegou o filho – fazendo o
mesmo que minha mãe havia feito com o meu.
Gustavo tentava me levar para longe, mas quando Evandro veio ao
meu encontro, não me movi. Ergui o queixo e esperei.
— Satisfeita? Acabar com a minha vida uma vez não foi suficiente?
— vociferou. Não fosse o Gustavo entre nós, nossos corpos estariam à
milímetros.
— Eu continuo solteira, quem estava de casamento marcado era
você. Mentindo o tempo todo. Só teve coragem de me contar quando
engravidei. Eu, toda feliz, achando que nos casaríamos, e você praticamente
me obriga a tirar a criança. Por sua causa, tive que mudar toda minha vida.
— Foi essa a história que contou pra sua família? Mentirosa. Sabia,
desde o início, que eu era comprometido. Engravidou pra tentar me segurar.
Você não passa de uma interesseira — falou baixo e contido.
Fechei o punho e ergui o braço para bater nele. Gustavo me segurou.
Comecei a me debater.
— Senhora, preciso que saia, está incomodando os clientes — avisou
o segurança.
— Caralho, Analu, olha o papelão a que está se prestando. Você não
é assim, cadê sua racionalidade, porra!
Respirei fundo e fechei os olhos. Meu irmão, pela primeira vez,
estava coberto de razão. O ódio que senti conseguiu dominar todas as
minhas atitudes.
— Tem razão — sussurrei. — Me desculpe, já estou saindo —
justifiquei-me com o segurança – que meneou a cabeça.
— O que disse a ele? — insistiu Evandro.
— O pai do Theo está morto — comuniquei e me virei – arrumando
a bolsa no ombro.
— Isso não vai ficar assim, ele tem o direito de saber a verdade.
Travei no lugar e olhei para o meu irmão – desesperada. Só podia ser
um pesadelo.
— Cara, se liga, meu. Você nem queria o garoto, não força a barra —
censurou Gustavo.
— Não queria, enquanto ele ainda era um grão dentro dela. Agora,
ele é meu filho, tenho meus direitos.
Meu corpo inteiro estremeceu. Calmamente, fiquei de frente para ele
e enfiei o indicador em seu peito.
— Se chegar perto do meu filho, não me responsabilizo pelos meus
atos — ameacei – com os olhos estreitados.
— Isso é o que veremos — garantiu e se virou – me deixando de
boca aberta.
§§§§
Sorte que meu irmão estava conosco e voltou dirigindo. Fiquei fora
de órbita por um bom tempo. Theo me olhava de esguelha sem entender
nada. Era a primeira vez que meu filho tinha medo de falar comigo. Minha
mãe tentava o distrair, para que não ficasse assustado.
Assim que chegamos na casa da minha mãe, meu filho foi para o
quarto com o tio e eu fiquei na cozinha com minha mãe.
— Filha, ele...
— Mãe, não quero falar sobre isso — cortei-a e continuei a preparar
um macarrão.
Não tenho muito tempo para cozinhar, geralmente, como no trabalho
e a Lia se encarrega da comida do Theo. No entanto, é uma das coisas que
consegue me desestressar um pouco.
— Uma hora, vai ter que enfrentar, contar a verdade ao Theo —
continuou e eu parei com a colher de pau dentro da panela.
— Nunca vou contar a ele, mãe.
— Não acho que seja tão ingênua assim, filha. Sabe que o Evandro
virá atrás do filho — lembrou-me e eu engoli em seco.
Baixei a cabeça e prossegui mexendo o molho branco. Se eu pudesse
voltar no tempo, não teria tido a triste ideia de passar uns dias em São Paulo.
Nem em sonho, achei possível os dois se encontrarem. Evandro é muito
ocupado para ficar passeando no Shopping.
— Mãe, corre aqui, o tio Yan está na TV. — Theo gritou à porta do
quarto do meu irmão.
Meu coração disparou de uma maneira tão intensa que cheguei a
perder o fôlego. TV? Só podia ter acontecido alguma coisa. Larguei a colher
dentro da panela e fui ao encontro deles.
“O bilionário, Yan Bennett, está sempre diversificando, além de ser o
diretor de comércio exterior da empresa da família e ter uma escola de
futebol de areia, ele acaba de comprar o Resort Esplanada. Ele e sua fiel
companheira Beatriz, estão comemorando a aquisição. Como se sente
senhor Bennett?”
Bilionário? Bennett? Fiel companheira? De novo, não! Caí sentada
na cama, coloquei o rosto entre as mãos e desaguei em choro.
Ponto Fraco
Gabrielle

Se tem uma coisa nessa vida que sempre tive certeza, é que eu me
vingaria, que destruiria todos da família Bennett, embora soubesse, desde o
início, que tinha o sangue deles correndo nas minhas veias.
Ali, diante do CEO da empresa, com a faca e o queijo na mão, não
deixaria uma fraqueza me derrubar. Algo que obviamente não teria
continuidade, mesmo que eu não fosse meia-irmã do idiota.
Henry não perdeu a oportunidade de me desafiar, a partir do
momento que bateu os olhos em mim. Infelizmente, a tensão sexual foi
instantânea. Ele sabe que tem poder sobre mim, só que eu não tinha ideia de
que exerço o mesmo sobre ele.
Chegara o momento de mostrar a que vim. Se eles me queriam na
empresa, me teriam. Não da maneira que esperavam, mas, sem sombra de
dúvida, os surpreenderia, porque teria acesso a toda e qualquer informação.
Estavam colocando o rato dentro da queijaria.
Depois de muitas suspiradas, Henry decidiu se virar novamente para
mim. Abriu o paletó e colocou as mãos nos quadris.
— Qual o seu problema? — esbravejou e se aproximou. Meu instinto
foi querer dar um passo atrás, mas fiquei firme.
O cheiro dele começou a entrar pelas minhas narinas. Meu corpo foi
ficando quente. Comecei a ter dificuldade de engolir, sentia como se
tivessem agulhas na minha garganta. Apertei as unhas nas palmas das mãos
e gemi. Ele olhou para elas e franziu o cenho.
— Vou levar todos — avisei à vendedora.
— Não quer provar antes?
— Tenho certeza de que você é muito boa no que faz e soube separar
o tamanho certo — afirmei e fui me virando. Peguei meus coturnos e me
sentei – calçando-os. Enquanto me arrumava, sentia o olhar do Henry em
mim.
— Sua mão está sangrando, o que aconteceu? — Respirei fundo e
mordi o lábio inferior – odiando que ele visse meu ponto fraco.
Te Achei
Yan

Quase trinta dias e nenhuma notícia dela. Enviei algumas mensagens e


todas não foram lidas. Me atrevi a ligar só para ouvir sua voz na mensagem
gravada da caixa postal. Não queria pensar nada pessimista, mas, sem
sombra de dúvida, algo ruim tinha acontecido.
A cirurgia da minha mãe, como o médico previu, foi tranquila. O
cuidado com ela está redobrado. Tenho evitado compromissos que
necessitem que eu chegue tarde em casa. As viagens foram remarcadas.
Mesmo que ela não admita, todas as vezes que saio, ela entra em crise, pois
fica preocupada que eu não volte.
Entrei pelas portas giratórias da empresa e meneei a cabeça –
cumprimentando as pessoas que cruzavam comigo. Os olhares intrigados
lançados a mim não passaram desapercebidos. Apesar de eu não estar bem,
nunca desconto nas pessoas, no entanto, só o fato de eu não estar sorrindo e
brincando, demonstra o meu estado de espírito.
A verdade é que, desde o momento que abri os olhos e vi Analu
debruçada em mim, com a boca colada na minha, minha vida não é mais a
mesma. Sem contar o dia que passamos no iate, é impossível descrever o que
sinto, cada vez que me lembro dos detalhes.
— Bom dia — cumprimentei minha assistente, que continuava
receosa. A garota não chegou em um bom momento e eu não estava com
cabeça para desfazer a impressão errada que ela tinha de mim.
— Bom dia, senhor Yan — respondeu e ficou em pé – ajeitando a
saia lápis. A garota era bonita, só naquele momento que fui me dar conta.
Mas o que importava, não é mesmo? Analu tinha me estragado para
qualquer outra mulher. — Seu irmão espera o senhor em sua sala.
Fechei os olhos e respirei fundo, pensando por qual motivo Henry
tinha se deslocado de São Paulo até o Rio.
— Obrigado — agradeci e abri a porta da minha sala bruscamente –
pronto para colocar meu irmão no lugar dele.
— E aí, garanhão, como anda as coisas por essas bandas?
— É você, cara. Que alívio. Achei que fosse o imbecil do Henry.
Fui até Lucca e o abracei forte.
— Te entendo, Henry é um pé no saco de qualquer um. O cara
precisa arrumar uma mulher que o coloque na linha. Aquilo é síndrome de
bolas inchadas, sabe-se lá quanto tempo que não pega ninguém.
Minha gargalhada foi estrondosa. Depois de dias, Lucca conseguiu
me fazer esquecer da frustração em que estava.
— Você acabou de inventar isso, não foi? — perguntei, enxugando as
lágrimas do canto dos olhos. Lucca deu de ombros e sorriu também –
sentando-se na cadeira à frente da minha mesa. Fiz o mesmo – me
acomodando na minha. — E aí, o que faz perdido por aqui?
— Mulheres, irmão... mulheres — disse – entortando o nariz. —
Valentina cismou com uma marca de roupa de bebê que está inaugurando
aqui no Rio.
— Mermão, agora que me toquei, ela deve estar com um baita
barrigão.
— Enorme, Yan, ela está de trinta e duas semanas e não teve nada
que a segurasse em casa. Me fez pegar o jatinho da empresa e a trazer pra
cá. Pior, não me deixou ficar com ela na tal inauguração, segundo ela, eu não
a deixaria respirar. E aqui estou eu, me controlando.
Novamente, sorri com vontade.
— Cara, só você pra me fazer rir hoje — cuspi de uma vez e vi o
franzir imediato do cenho do meu irmão mais novo.
— Se queria me agradar, não precisava mentir, Yan. Logo você, o
cara mais positivo que conheço, que sabe curtir a vida.
Suspirei e sorri de lábios fechados – coçando a barba por fazer.
— Antes eu estivesse mentindo — confessei. Eu precisava desabafar
com alguém e Lucca era a pessoa perfeita.
Lucca arrastou o corpo para a ponta da cadeira, apoiou os cotovelos
na mesa – cruzando os dedos à frente.
— Deixa-me adivinhar, coração partido — deduziu de cara.
— Honestamente? Nem sei o que é. Só sei que estou, há dias,
completamente perdido.
Ele deu um tapa na mesa e se jogou no encosto da cadeira – com um
largo sorriso.
— Como eu digo: mulheres... sempre elas. As danadas conseguem
acabar com a gente de forma clássica. Ficamos de quatro e nem percebemos.
E quer saber? A gente gosta e acha que está no comando. — Bufou e
balançou a cabeça. — Se formos sinceros, vamos admitir que elas é quem
mandam e pronto.
Apoiei os cotovelos na mesa, baixei a cabeça e a coloquei entre as
mãos.
— Estou fodido, cara. Entrei em um jogo, achando que estava
ganhado e perdi feio. Agora, não faço a menor ideia de como reverter o
placar.
— Yan, só tem uma coisa nessa vida que não tem como consertar: a
morte. Somos Bennett, cara, sempre ganhamos o jogo. Me diga o que
aconteceu, vamos pensar juntos e tirar você dessa fossa horrorosa.
Relatei os últimos acontecimentos a ele, sem ocultar nenhum detalhe.
Não imaginei como seria bom colocar para fora tudo o que me consumia,
por dias. Lucca esfregou as mãos no rosto e fez uma careta – me deixando
apreensivo.
— Fodi com tudo, não foi? — adiantei-me.
— Não vou mentir pra você, cara. Se fosse a Valentina, eu teria um
trabalho do cacete pra consertar. Fiz uma cagada das grandes, também, com
ela, e vou te dizer, não foi nada fácil reverter a situação. Minha maior
preocupação, de tudo isso que me contou, é que a doutora vai acabar
descobrindo quem é você, antes de conseguir falar com ela.
Cerrei os olhos e espremi um lábio no outro.
— Não achei que chegaríamos tão longe — admiti.
— Eu sei o que é isso, cara. Antes de conhecer a Valentina, achava
que todas as mulheres eram interesseiras. Essa, inclusive, foi a cagada que
fiz com ela. Acreditei nas pessoas que a tinham machucado e não nela,
achando que queria meu dinheiro.
Por alguns minutos, ficamos em silêncio, pensando por onde
começar.
— O que eu faço? — inquiri, na esperança de Lucca ter uma ideia,
porque eu já tinha pensado em tudo e nada me ocorria. Principalmente,
porque minha mãe ainda se recuperava de uma cirurgia. Tinha acabado de
fazer uma aquisição altíssima do Resort. Era muita coisa para processar.
— Sabe pelo menos pra onde ela foi? — Neguei. — Aí fodeu, cara.
— Valeu pela força, mano! — ironizei e sorrimos juntos. Um riso
claramente de nervoso.
— A amiga — continuou e eu fiz um gesto para que continuasse. —
Disse que ela tem uma amiga.
— Sim, onde quer chegar?
— Tente chegar até ela e a pressione a falar.
— Como vou fazer isso, mermão?
— Yan, está pensando só com a cabeça de baixo, cara. Não me
envergonhe, você é o melhor negociador na empresa. — Eu continuava sem
saber onde ele queria chegar, mas não me pronunciei, até que ele concluísse
o raciocínio. — Certamente, tem o endereço dela no cadastro da sua escola.
Bati com a mão na testa.
— Claro, Lucca, como sou imbecil. Fiquei tão focado em ligar pra
ela que não pensei. Mesmo assim, onde a amiga entra nisso?
Ele deu de ombros.
— Quem sabe moram perto? É uma tentativa.
Ponderei um pouco e concordei. Mesmo que fosse uma ação
arriscada. Analu poderia pensar que a estava perseguindo. O telefone do
Lucca tocou e ele atendeu imediatamente.
— Oi, Valen, posso te buscar? — ouviu o que a esposa disse e ficou
em pé de súbito. — Calma, amor. Se tivesse me ouvido, está vendo o que dá
ser teimosa, Valentina Bennett? Não saia daí, estou a caminho.
Fiquei em pé e fui pegando a chave do meu carro. Obviamente, algo
tinha acontecido com minha cunhada.
— Vamos, no caminho, você me diz o que aconteceu — falei e
caminhei para a porta – com Lucca aflito, atrás de mim.
§§§§
Lucca andava de um lado para o outro na sala de espera do hospital.
Eu tentava acalmá-lo, mas não conseguia. Pegamos Valentina na tal loja, que
não era tão longe da empresa, e a levamos para o melhor hospital da cidade.
O médico a levou para examinar e pediu que Lucca esperasse longe da
esposa. Ele estava a deixando mais tensa.
— Lucca, mano, se acalme. São só contrações, você ouviu o médico.
Ele disse que é normal, já que ela viajou e ficou muito tempo andando.
— Valentina é teimosa pra caralho, Yan. Isso me deixa puto da vida.
Entendo que ela queira sua independência e até respeito, mas tem que
entender suas limitações, porra! Precisa saber quando parar.
— Não sou a melhor pessoa pra te dar conselhos, cara. A única
mulher com quem convivo é minha mãe, que tem medo até de sair do
condomínio. Nem dormir de luz apagada ela consegue. A única coisa que sei
é que ficar nervoso dessa maneira só vai piorar a situação.
Lucca sentou-se ao meu lado, inclinou o corpo, colocou os cotovelos
nos joelhos e afundou o rosto nas mãos.
— Você tem razão — concordou comigo e respirou fundo.
Esperei Lucca se acalmar e fui dar uma volta no corredor. Estávamos
no andar da maternidade e aproveitei para admirar os recém-nascidos. Parei
em frente ao vidro e sorri, vendo os bebês mexendo as perninhas e
mãozinhas.
— Então, doutora, essa é a ala da maternidade. Eu sei que não é sua
especialidade, mas é sempre bom conhecer.
— Claro, eu adoro essa parte.
Uma corrente elétrica cortou minha espinha dorsal. Apurei a audição
e fiquei com receio de me virar e constatar que meus ouvidos estavam me
pregando uma peça.
— Estamos ansiosos pela sua vinda pra cá, quando começa?
— Logo, acho.
Era ela, sem sombra de dúvida. Não foi só a voz que chegou aos
meus ouvidos. Assim que se aproximou, seu cheiro invadiu minhas narinas e
agradeci a todos os santos por estar ali.
Me virei calmamente no momento que senti o calor de seu corpo às
minhas costas. Nossos olhos se cruzaram e o impacto foi avassalador.
— Te achei — murmurei e sorri. Um sorriso vitorioso.
Analu estancou no lugar e arregalou os olhos. Levou a mão ao peito e
segurou o lábio inferior nos dentes.
— Doutora, está tudo bem? — indagou a enfermeira que,
aparentemente, fazia um tour com ela pelo hospital.
A deusa loira fez que sim com a cabeça e sorriu sem graça.
— Pode me dar um minuto? — A moça concordou e saiu – nos
deixando cara a cara.
Não foi daquela maneira que imaginei nosso encontro, mas era
melhor do que a procurar, como um obsessivo, pela cidade.
O Embate
Analu

Jurei que nunca mais o procuraria. Que jamais me rebaixaria. Era


evidente que tinha mentido para mim, porque era casado. Mais uma vez, eu
tinha me deixado levar pela fala mansa de um homem. Mais um que me
chamaria de prostituta, se soubesse qual tinha sido o resultado do meu
descuido.
Eu sei que ninguém faz um filho sozinho. No entanto, nesse aspecto,
Yan nunca me enganou. Tenho consciência de que ele tentou me impedir e
eu ignorei. Ninguém nunca vai ouvir da minha boca, mas confesso que
estava há tanto tempo sem fazer sexo, que não agi pela razão. O desejo me
consumiu.
Depois do encontro desastroso com o pai do Theo, foi complicado
ficar em São Paulo. Voltei para o Rio e aproveitei o restante dos dias, que
ainda tinha de folga, para repensar minha vida.
Na época que passei no concurso público, agradeci pela
oportunidade, principalmente, por poder sair de São Paulo. Foram ótimos
anos de trabalho. Valorizei cada minuto. Amei proporcionar melhores
condições às adolescentes que atendi. Poder ouvi-las. Tratá-las e orientá-las.
No entanto, cada vez mais, estava arriscado continuar.
Depois do atentado que sofri, pensei em quanto estava me arriscando
e deixando meu filho de lado. Não quero parecer egoísta, mas, nos últimos
anos, tive pouquíssimo tempo para ficar com o Theo.
Eu soube que estava grávida assim que começaram as náuseas
matinais, como foi com o Theo. Fiz o exame de farmácia só para ter certeza.
Desde então, não tive coragem de contar a ninguém. Minha sorte é que
acordo cedo e ninguém me viu deixando as tripas no vaso sanitário. Só
corroborou com a decisão que tinha tomado de não me colocar mais em
situações arriscadas. Não foi uma escolha fácil, afinal, teria que pedir
exoneração do meu cargo.
Saber que carrego uma criança de outro homem comprometido
deixou-me passada. Só em pensar na vergonha que meus pais sentirão de
mim, tenho vontade de morrer. E meu filho? Não tenho a menor ideia de
como explicar isso a ele, sem revelar o nome do pai da criança.

Ainda não deixei ele voltar ao futebol, com a desculpa de ficarmos


mais tempo juntos. Não sei como lidar com isso.

Diante dele, mil coisas passaram pela minha cabeça. Todos aqueles
sentimentos conflituosos estavam de volta. Se eu seguisse minha
racionalidade, viraria as costas e o ignoraria. Já os instintos do meu corpo,
me jogavam contra o dele.
Duvidei de que o veria novamente. Na minha cabeça, mesmo que nos
encontrássemos, ele se faria de desentendido. Por que iria querer ter contato
comigo, se já tinha conseguido atingir seu objetivo?
Eu precisava reagir, não podia deixar que outra pessoa, novamente,
definisse o rumo da minha vida e dos meus filhos. Que conseguisse mudar
minha personalidade, deixar-me amarga, desconfiada.
— Nossa, que honra, senhor Bennett — ironizei e abri um sorriso
maléfico. Cruzei os braços e travei o maxilar, controlando a tremedeira. Não
tinha uma parte do meu corpo que não reagia à presença dele.
Yan fechou os olhos e fez uma careta – balançando a cabeça.
— Eu tentei...
Com dois passos, estava a milímetros de seu corpo. Perdi o controle
dentro de um Shopping e me arrependi amargamente. Ali, dentro do meu
futuro local de trabalho, se eu parecesse uma louca, certamente, teria que
voltar a morar com meus pais. Obviamente, me expulsariam.
— Não me venha com conversa fiada — censurei-o entredentes. —
Poupe o meu e o seu tempo, bilionário — prossegui e ele segurou o lábio
inferior nos dentes – balançando a cabeça sem parar.
— Vamos conversar em outro lugar — sussurrou e esticou a mão
para me tocar. Me afastei bruscamente e lhe lancei um olhar ameaçador.
— Fico me perguntando qual foi o seu propósito. Qual foi o seu
interesse. Só uma coisa me ocorre: queria brincar comigo. Me fazer de
idiota.
— Analu...
— S.O.M.E D.A M.I.N.H.A V.I.D.A — enfatizei, com um controle
descomunal. Embora a tonalidade da minha voz fosse baixa – era intensa.
Fui me virando e, mesmo que minhas ameaças tivessem sido claras,
ele me segurou firme e me fez olhá-lo novamente.
— Vai me ouvir, doutora — decretou sério. Respirei fundo e umedeci
os lábios.
— Me solte. — Ele me soltou e ficamos nos encarando, pelo que
pareceu uma eternidade.
— Me desculpe — murmurou.
Ergui as sobrancelhas.
— Pelo que, mesmo?
— Não devia ter mentido, tentei...
— Sem justificativas, senhor Bennett...
— Só Yan, por favor — corrigiu-me – franzindo o cenho.
— Vai dormir melhor em saber que se desculpou por ter se passado
por outra pessoa?
— Você quem deduziu, eu não disse nada — defendeu-se de cara.
— Sério? Perguntei a você, no iate, sobre os Bennett — lembrei-o e
ele espremeu os lábios um no outro.
— Touche, mas...
— Esqueceu-se de me dizer que era casado, também, não foi?
— O quê? — Yan recuou o tronco e enrugou a testa.
— Tudo bem, fui burra pela segunda vez. Um dia aprendo.
— Analu, você...
— Tchau, senhor Bennett. Sente-se melhor em saber que não faz
diferença, pra mim, suas mentiras? Então — Abri os braços e sorri sem
vontade. — Coloque a cabeça no travesseiro e durma.
Não esperei a réplica. Avistei a enfermeira que me apresentava o
hospital, me esperando para continuarmos, e caminhei até ela. Puxei uma
boa quantidade de ar pelas narinas e soltei pela boca – pronta para deixar
tudo para trás e seguir com a minha vida. Se é que seria possível.
— Quem é aquela, Yan? — Pude ouvir alguém perguntando.
— Me fodi legal, Lucca.
Não me virei para saber com quem ele falava. Yan Bennett estava
morto para mim. Só deixaria meu filho continuar no futebol, porque era
muito importante para ele. Mas nunca mais passaria perto daquela praia.

Meu irmão, depois da crise de choro que tive em sua cama, veio
conosco para o Rio. Até tentei relutar, mas já tinha passado da hora de
termos uma conversa. Resgatar nossa conexão.

Ainda não tínhamos sentado para conversar, entretanto, antes de


começar no novo trabalho, o faria. Gustavo, praticamente, assumiu a
responsabilidade de cuidar do Theo. Não me opus. Minha cabeça estava um
balaio de gato.

— Doutora, tem alguma dúvida? — indagou o doutor que seria meu


superior.
Suspirei e me preparei para dar a notícia. Ponderei se teria um filho
de uma transa qualquer. Mesmo que, na minha cabeça, não tinha sido apenas
isso. Só que eu não teria coragem de interromper uma gravidez. Meus
valores impediriam. Sem contar que meu filho ficaria muito feliz com uma
companhia. Comecei, então, a elaborar uma boa história. No entanto, teria
que abrir o jogo no emprego.
— Doutor... — iniciei e parei um pouco, buscando as palavras
corretas. — Preciso comunicar que estou gestante — despejei e o médico
ergueu as sobrancelhas. Antes de ele tirar qualquer conclusão. — Como
teremos um contrato de prestação de serviço, acredito que não será um
problema para o hospital. Está bem no começo, então... — Dei de ombros.
— Ainda posso fazer muita coisa, por aqui — concluí e sorri, meio sem
graça.
O médico meneou a cabeça e respirou fundo.
— Isso muda as coisas — comentou e ficou me olhando sério.
— Desculpe-me, doutor, já tenho um filho e, quando estava gestante
dele, trabalhei até o último momento. Não quero parecer pretenciosa, mas
acho que não muda nada. — Ergui um pouco o queixo – demonstrando uma
segurança inexistente.
Nos encaramos por alguns minutos, até ele ficar em pé e eu fazer o
mesmo. O médico estendeu a mão para mim e eu retribuí – temendo que ele
sentisse o quanto eu tremia. O encontro com o Yan no corredor, juntando
com a declaração feita ao doutor, meus nervos demorariam um pouco para se
recuperarem.
— Você é corajosa e honesta — elogiou, ainda segurando minha
mão. — Gosto disso. Seja bem-vinda à nossa equipe.
— Obrigada, doutor. Fez a melhor escolha, pode ter certeza —
assegurei, para que ele não hesitasse com o meu trabalho.
§§§§
Entrei no apartamento e estranhei o silêncio. Coloquei meus
pertences no aparador ao lado da porta e caminhei para a cozinha. Abri a
geladeira e peguei uma garrafa de água. Bebi quase em um gole só. Minha
garganta estava seca.
Durante todo o trajeto de volta para casa, meu cérebro só faltou
“fritar”. Criei “milhões” de histórias para contar ao meu filho e nenhuma
terminava bem. Theo é muito inteligente. Todas as questões viriam no meio
da história e eu entraria em contradição – fato.
— Meu Deus, o que eu faço? — lamentei-me – fechando os olhos e
inclinando a cabeça para trás.
— O que está acontecendo, Analu? — indagou Gustavo – me
fazendo saltar no lugar. — Coloquei a mão no coração.
— Me assustou.
Levei a garrafa ao lixo reciclável sem olhar para o meu irmão.
Desde o dia que ele chegou, fujo dele. Não nos falamos. Deixei que
ficasse focado no Theo, enquanto cuidei da minha demissão no hospital e a
parte burocrática do novo emprego. Ao que parecia, tinha chegado o
momento.
Voltei a ficar de frente para ele, que me olhava como se fosse ele o
mais velho – não eu.
— Vamos nos sentar — avisei e fui indo para o sofá. — Cadê o
Theo?
— Dormindo. — Sentou-se na poltrona de frente para mim. Baixei
os olhos e estalei os dedos das mãos.
— O que aconteceu com a gente, Gustavo? — iniciei – já sentindo a
garganta fechar. Minhas emoções estavam à flor da pele.
Foi a vez de o meu irmão baixar a cabeça e ficar pensativo. Depois
de alguns minutos, ele me olhou com os olhos marejados.
— Sabia que eu queria ser como você? — confessou e mordi meu
lábio – me segurando. — Sempre admirei sua garra, sua determinação, até
que... — Baixou novamente o olhar.
— Até que eu me perdi, me tornei outra pessoa — completei.
Gustavo ergueu os olhos e assentiu.
— Você permitiu que ele te deixasse oca — constatou e engoli em
seco. Percebendo o quanto fui responsável pela mudança drástica de
comportamento do meu irmão.
Escorreguei para a ponta do sofá e alcancei as mãos dele –
colocando-as entre as minhas.
— Me perdoe — sussurrei e Gustavo meneou a cabeça. — Me perdi,
você tem razão — admiti. — Temia que você se perdesse, também. Acabei
descontando minhas frustrações em você. Você largou a faculdade, poxa! —
constatei e ele sorriu – um sorriso forçado.
— Mana, você é muito nova pra ter esse pensamento retrógado. Não
é só diploma que garante sucesso. Nunca me perguntou quanto eu ganho
como Youtuber, quanto lucro fazendo tatuagens. Desculpe, posso garantir
que é mais do que você.
Sorri e balancei a cabeça – sentindo que nossa conexão tinha
ganhado um pouquinho de força. Há quantos anos que ele não me chamava
de mana!?
— Quer dizer que é famosinho?
— Não, famosão — divertiu-se e dei um tapa em seu ombro.
— Convencido.
Seus ombros se ergueram, o sorriso alargou-se. Um silêncio
incômodo preencheu o ambiente e me preocupei com o que viria pela frente.
— Você dormiu com o professor do Theo. — A entonação de sua voz
deixou evidente que não era uma pergunta. Arregalei os olhos.
— Caramba, você não faz rodeios.
— Analu, me diz que não engravidou na primeira trepada, depois de
tantos anos — acusou-me, sem titubear.
— Gustavo! — censurei-o e desviei o olhar.
— Não adianta se fazer de desentendida. Acha que não ouço, todos
os dias de manhã, você deixar as tripas no banheiro?
Esfreguei as mãos no rosto e fiz uma careta – sabendo que não tinha
para onde eu correr.
— Não sei o que fazer — declarei e me joguei no sofá.
— Ah, porra! Analu. Você é muito vacilona, cara! Tem certeza de
que fez faculdade de medicina?
Já tinha me martirizado tanto, que nem sabia mais o que pensar.
Censurando
Gabrielle

Nada que te interesse — redargui – ficando em pé.


Já estava saindo e fui impedida. A mão firme dele alcançou a minha
e virou a palma para cima. Tentei puxar, mas ele garantiu que eu não
chegasse nem perto de conseguir.
— Que porra é essa? — Henry rugiu e me fuzilou com o olhar. Mais
uma tentativa de puxar minha mão, sem sucesso.
— O que é isso? Sou obrigada a te dar satisfação da minha vida?
Qual é, “troglodita”, vai caçar outra pessoa pra torrar a paciência, caralho!
Ele contorceu o rosto e meneou a cabeça de um lado para o outro.
— Vai precisar de uma consultoria de imagem, seu vocabulário; suas
roupas; sua maneira de se portar; tudo em você é esdruxulo — censurou-me,
sem hesitar. A cada palavra e ele apontava para mim, com cara de nojo. —
Ester — chamou a vendedora que me atendia.
— Sim, senhor Bennett.
— Quero que transforme essa coisa em uma Bennett, por favor. Não
posso apresentar isso à diretoria da empresa.
— Está me chamando de coisa, seu idiota? — esquivei-me.
— Entende a que me refiro? — ironizou, falando com a tal Ester,
sem me olhar. Como se eu não estivesse ali.
Henry continuava segurando minha mão – garantindo que eu não o
deixasse a ver navios. O toque dele, embora firme, era macio. Suas mãos,
sem sombra de dúvida, eram as mais bem cuidadas que eu já tinha visto. A
manga do paletó subiu e enxerguei as abotoaduras. Ele usava um terno de
três peças. Pelo caimento e tecido, certamente, custava mais do que o meu
carro. O sapato brilhava a ponto poder ser usado como espelho. E os
cabelos? Não tinha um maldito fio fora do lugar.
— Entendeu, Gabrielle? — Foi a primeira vez que meu nome saiu de
seus lábios, com a voz grave e imponente. Não tinha a menor ideia do que
ele dizia. Meu foco estava “nele” – mesmo sabendo que não podia.
Família
Yan

Analu desapareceu pelo corredor – deixando-me sem saber que caminho


tomar. Não tive chance de me explicar, ela já tinha uma imagem formada de
mim. Seria muito difícil mudar o cenário. A questão era fazer com que meu
cérebro entendesse. Porque, no momento que senti o cheiro dela; ouvi sua
voz; senti o calor do seu corpo; tive certeza de que não conseguiria ficar sem
ela.
— Alguém morreu? — inquiriu Valentina, chegando em uma cadeira
de rodas. Olhamos para ela e Lucca abriu um sorriso gigante.
— Como você tá, minha pequena caipira? — Ela enrugou a testa e
me olhou desconfiada.
— Não mude de assunto, o que foi aquilo que acabou de acontecer
aqui? Quem era aquela doutora gata? — Acabei rindo, também. Apesar de
não ter motivo algum.
— E aí, cunha, chegou a hora desse bebê enorme sair? —
desconversei e Valentina, como uma boa Bennett que se tornou, não entrou
na minha.
— Nem vem, Yan, pode abrir o “bico”. Estou ótima. Agora,
desembucha, vamos. — O marido “babão” dela, pegou sua mão e beijou o
dorso – com cara de tonto.
— Obrigado, pode deixar que assumo daqui — agradeceu o
enfermeiro que levou Valentina até nós. — Cara, melhor abrir o jogo logo,
minha esposa é insistente — avisou-me e ri – balançando a cabeça.
— No caminho, conto os detalhes, assim você me ajuda a encontrar
uma maneira de consertar a merda que fiz.
Já estava pegando o rumo do elevador, Valentina me segurou.
— Yan, espero que não tenha julgado a moça, como os Bennett
adoram fazer. — Respirei fundo e fechei um pouco os olhos. — Aff, vocês
criticam o velho Bennett, e às vezes agem como ele. Vamos lá, quem sabe
consigo pensar em algo pra te tirar dessa enrascada. Bennett sentindo-se o
invencível, conheço bem essa narrativa. Achando que nunca vão se
apaixonar. Aí, quando menos espera, é atropelado por uma carreta. Fica tão
atordoado que perde até o rumo de casa.
Rimos, eu e o Lucca. Valentina tem o sotaque do interior de São
Paulo e usa umas expressões engraçadas. Se não prestarmos atenção, não
temos a mínima ideia à que ela se refere.

No caminho, relatei os fatos à minha cunhada, que fez questão de me


criticar e dar broncas o tempo inteiro. Quando estávamos quase chegando à
empresa, o celular do Lucca tocou. Parado no semáforo, ele me mostrou o
visor com o nome do Henry na tela.
— Ele continua pegando no seu pé? — indaguei.
— Henry é um pé no saco. Só que tenho que atender, afinal, ele é o
CEO da empresa. — Puxou o ar com força. — Lucca falando.
Depois de um tempo ouvindo, decidiu colocar no viva-voz.
— Você precisam estar aqui amanhã cedo, papai quer fazer uma
apresentação formal da nova integrante da diretoria.
Franzi o cenho, sem compreender. O sorriso do meu irmão mais novo
me deixou confuso.
— O que perdi? — interpelei, olhando diretamente para o Lucca.
— Gabrielle Bennett, nossa meia irmã — esclareceu Henry – não
parecendo muito contente com a decisão do Isaac Bennett.
— Minha mãe está se recuperando de uma cirurgia e...
— Isso não é problema da empresa, Yan. Contrate alguém — rosnou
na linha, antes mesmo que eu completasse a frase.
— Não é a mesma coisa...
— Foda-se, Yan, se você não confia em alguém para cuidar da sua
mãe. A empresa tem compromissos que não podem ser programados em
cima das suas necessidades pessoais — encerrou o assunto – ignorando
completamente minha preocupação.
Lucca me olhou de esguelha e vi quando minha cunhada revirou os
olhos no banco de trás – pelo retrovisor.
— Marcou seu ponto, garoto de recado? — provocou Lucca. A
respiração do Henry foi tão forte que pudemos ouvir na linha.
— Estejam aqui — decretou e desligou – sem se despedir.
Não era novidade, ele nunca cumprimenta, muito menos se despede.
— Alguém precisa parar o Henry, Lucca. Isso tá fora de controle.
Lucca sorriu e não entendi – pela segunda vez, naquela conversa.
— Eu sei quem vai colocá-lo na linha.
Valentina bateu no meu ombro e sorriu.
— Espere cunhado e verás.
— Quem é essa pessoa milagrosa?
— Amanhã você terá oportunidade de conhecer. Vai concordar com a
gente. Se tem uma pessoa que é uma Bennett de raiz é a Gabrielle. Ela pode
não admitir, mas aquela determinação e ousadia que tem, vêm do sangue.
Ela não joga pra perder — garantiu meu irmão e eu apenas assenti.
— Preciso passar em casa, conversar com as meninas que
acompanham minha mãe e pegar alguns itens. Vou aproveitar o jatinho e ir
com vocês — avisei e mudei a rota do caminho.
§§§§
Deixei meu irmão e sua esposa na sala, na companhia da minha mãe
e subi para o andar superior. Antes, pedi que a Mel me acompanhasse. Longe
deles, sentei-me na cadeira do meu escritório e pedi que Mel fizesse o
mesmo à minha frente.
— Mel, vou me ausentar, acredito que seja só por uma noite. Preciso
que vocês fiquem muito atentas.
— Sim, Yan, nenhuma de nós está saindo de perto dela.
— Certo, o médico disse que ela precisa se exercitar. Vocês têm feito
isso? — A garota baixou um pouco o olhar e, assim que o ergueu
novamente, enxerguei aflição.
— Ela é um pouco teimosa, Yan. — Icei as sobrancelhas. — Estamos
tentando...
— Mel, não quero parecer intransigente, mas isso é muito sério,
como vou ficar tranquilo, sabendo que vocês não têm domínio sobre ela?
— Entendo, Yan. Só que se a gente ficar pegando pesado, ela empaca
e piora a situação. Sua mãe é um doce de pessoa, mas quando se trata de sair,
o pânico a domina e ela se transforma em outra pessoa. E se tentarmos em
sua academia pessoal? — sugeriu e eu neguei – fechando os olhos.
— A vitamina D dela está muito baixa, precisa tomar Sol. Mesmo
que faça reposição, o médico foi taxativo, Mel. Vou conversar com ela, antes
de sair. Mas tem que me prometer que serão mais incisivas. — A garota
concordou e engoliu em seco.
Peguei algumas peças de roupas e os itens de higiene pessoal –
colocando-os em uma pequena mala. Ficaria o mínimo possível em São
Paulo. Como seria uma reunião da diretoria, conhecendo bem a caretice do
senhor Isaac, peguei um terno e o levei no cabide. Desci as escadas –
ouvindo a voz da Valentina e a risada da minha mãe.
— Filho, tem que trazer mais vezes sua cunhada e seu irmão aqui —
comentou minha mãe e eu sorri – abraçando-a e beijando o topo de sua
cabeça.
— Quando eles quiserem, mãezinha — afirmei.
— Podemos ir? — indagou Lucca.
— Só preciso ter uma palavrinha com essa teimosinha — brinquei e
minha mãe fez uma careta – sabendo que viria sermão.
— Valentina, arrume uma esposa para o meu filho, ele se preocupa
demais comigo. — Valentina abriu um sorriso satisfeito e ergueu uma
sobrancelha.
— Dona Miriam, acho que isso está prestes a acontecer, se o lado
Bennett dele não florescer novamente. — Minha mãe olhou de súbito para
mim e franziu o cenho.
— Filho, o que está escondendo de mim? — Lancei um olhar
enviesado para minha cunhada.
— A Valentina está tirando conclusões precipitadas. E não vem
querer mudar de assunto, não, dona Miriam. Não vou demorar, mas tem que
me prometer que vai sair com as meninas, está muito teimosa.
— Eu saio, filho — afirmou e olhou para a Mel – que se encolheu.
— Não adianta ameaçar a Mel, mãezinha. Eu sei que está mentindo.
Promete que vai seguir as instruções das meninas?
Depois de bufar e fazer um gesto para os nossos convidados, que eu
estava exagerando, minha mãe me abraçou e beijou meu queixo.
— Não se preocupe, vou ficar bem.
— Espero que sim, porque, das últimas vezes que precisei sair, não a
encontrei bem, na volta.
§§§§
A viagem para São Paulo acabou sendo uma ótima distração. Ter
Valentina e Lucca como companhias é agradável. Eles são descontraídos e
têm uma sintonia admirável. Invejei estar no lugar do meu irmão. Com uma
esposa e um filho prestes a chegar.
Mesmo que não ficamos muito tempo dentro do jatinho, pude expor
meus sentimentos. Coisa que estava precisando há um tempo. Valentina me
contou como aconteceu com eles, quando Lucca a julgou erroneamente e
como foi difícil para ela o perdoar.
Fiquei um pouco animado e cheio de ideias para quando voltasse.
Mesmo que minhas atitudes fossem bregas, faria qualquer coisa para
conseguir que Analu me aceitasse. Ver o brilho nos olhos do meu irmão e o
sorriso em seu rosto, só acentuou minha decisão. Não são todos os dias que
encontramos pessoas que nos fazem querer passar o resto de nossas vidas
com elas.
Não havia dúvidas, quanto à Analu ser a pessoa que colocaria aquele
brilho nos meus olhos. Que faria com que meu sorriso fosse o maior de
todos. Só precisava ter calma e me rastejar – se necessário.

No saguão do prédio imponente das empresas Bennett, em São


Paulo, tivemos um encontro não combinado.
— Êta, ferro, quem tá aqui, o malandro da família, como cê tá,
moço? — Kaíque veio até mim e me abraçou forte – batendo em minhas
costas. Senti o coração esquentar, com a presença de todos nós ali – exceto
Henry – que não fez falta alguma.
— Eu tô di boa e você mermão?
— Tirando o fato di num podê trazê a “potranca”, tô di boa, também.
Muito engraçado meu irmão se referir a esposa como potranca. Outro
fato que me incentivou a insistir com a Analu. Não conheço bem a Laura,
mas a fama de ela ser durona corre longe. Isso queria dizer que eu tinha
chance com a “minha” durona.
— Como está, Yan? — cumprimentou Enrico, todo formal – com sua
esposa à tiracolo. Exuberante e imponente – uma verdadeira Bennett. O
êxito deles me encheu de confiança.
Encontro Inusitado
Analu

— Você enlouqueceu, Gustavo? — berrei e fiquei em pé bruscamente.


— Não precisa ser muito inteligente pra saber que ele ficou comigo só por
diversão. A burra fui eu, que deixei o... — Chacoalhei a cabeça e baixei o
olhar. Abrir demais minha intimidade nunca me foi uma coisa fácil.
— Já entendi, Analu, perdeu a cabeça e deixou o tesão falar mais alto
— deduziu meu irmão e eu arregalei os olhos.
— Cristo! — resmunguei e me virei. Caminhei até a varanda da sala.
Debrucei sobre a mureta e fiquei olhando as luzes da cidade.
Não demorou para Gustavo se juntar a mim. Debruçados, ficamos
pensativos.
— Ele tem o direito de saber — elucidou – olhando o horizonte.
— Já cometi esse erro uma vez — lembrei-o.
— Yan não me parece ser como o idiota do Evandro.
Virei o rosto para o meu irmão e o encarei – com os olhos
estreitados.
— Ele é bilionário, Gustavo. Mentiu pra mim, provavelmente, com
medo de que eu quisesse o dinheiro dele. Imagine se eu disser que estou
grávida? Sem contar que... — Suspirei e voltei a olhar para o “nada”.
Como explicaria ao meu irmão que ele tentou me impedir e, assim
que acabamos, me fez garantir que me prevenia. Na certa, meu irmão me
acharia uma prostituta – como tinha sido acusada.
— O que não me contou, Analu?
— Não me sinto à vontade, Gustavo.
— Pare de ser tão puritana, cara! Não sou seu filho, já tenho vinte e
três — repreendeu-me e eu ri.
— Ah, super adulto! — satirizei, Gustavo ergueu as sobrancelhas e
cruzou os braços.
Umedeci os lábios e continuei olhando para ele. Como eu não tinha
percebido o quanto Gustavo era maduro? Foi uma pergunta retórica, porque
era obvio o porquê. Me afastei e só soube julgar – sem ouvi-lo.
— Ok... ok... — Puxei o ar e o soltei devagar – ponderando as
palavras que usaria. — Ele... eu que insisti, pronto, falei.
Gustavo franziu o cenho.
— Está me dizendo que ele não queria trepar?
— Ai, Gustavo, pega leve com as palavras. Que forma mais vulgar
de encarar a situação.
— Porra, especifica, então — recriminou – abrindo os braços.
— A gente entrou na água e, você sabe, a coisa começou a esquentar.
E... a verdade é que eu peguei nele e coloquei lá dentro, entende? Yan tentou
me alertar, mas... Enfim, não consegui me controlar.
Meu irmão caiu na risada. Gargalhava tanto, que dobrou o corpo para
frente – segurando a barriga. Foi a minha vez de cruzar os braços. Fechei a
expressão e esperei ele se recompor.
— Desculpe, mana, mas nunca imaginei você agindo assim. Cara,
queria muito ter visto isso. A doutora certinha perdendo a cabeça por tesão
— provocou e eu comecei a sair. Ele me segurou. — Perdão, vou me
controlar. — Meneei a cabeça.
— Preciso dormir cedo, amanhã começo no novo trabalho — avisei-
o e, dessa vez, entrei na sala.
— Não me disse o que vai fazer.
— Quem me dera saber — desdenhei e fui para o banheiro. Na porta,
antes de fechar, concluí: — Amanhã, a Lia volta, se quiser, pode cuidar das
suas coisas. Não estou te mandando embora, mas não quero te segurar mais.
Agora que sei que é famosão — diverti-me e não esperei ele responder –
tirando minha roupa para tomar um banho refrescante.

Só consegui dormir depois das quatro da manhã. Às seis, estava em


pé. Fiz o mínimo de barulho possível para não acordar ninguém. Logo Lia
chegou e me atualizou de suas férias. Avisei que deixaria Theo faltar à aula,
assim poderia aproveitar um pouco mais do tio, antes de o Gustavo ir
embora. Ela me olhou intrigada, afinal, sempre me ouviu dizer que não
queria meu filho perto do meu irmão. Depois explicaria.
Trancando a porta do apartamento, encostei a testa nela e segurei a
respiração – sentindo o café da manhã na goela.
— Ei, você está bem? — Perguntou Marina – se aproximando.
Me afastei da porta e abri um sorriso forçado.
— Sim.
— Mermã, você é uma péssima mentirosa — constatou e eu só
balancei a cabeça.
— Preciso ir, depois a gente conversa — dispensei-a e caminhei para
as escadas. Senti seu olhar me acompanhando, até eu descer alguns degraus.
Era de praxe Marina tomar café da manhã em casa. Até tentei sair
antes de nos encontrarmos, mas as náuseas me venceram. Não me sentia
preparada para compartilhar meu drama com ela. O encontro com Evandro e
sua “Barbie”, me acusando de prostituta, abalou demais minha estrutura.
Fico imaginando que darei o motivo ideal para que a tese deles seja
comprovada – assim que divulgar minha gravidez.
§§§§
A distância do meu antigo emprego era menor do que o atual. As
avenidas também eram menos movimentadas. Outro ponto que me
incomodou um pouco, foi o fato de precisar passar pela praia da Barra, lugar
onde eu sabia que Yan frequentava. Onde meu filho aprendia futebol. A
possibilidade de nos cruzarmos era quase nula, por causa dos horários, no
entanto, temia ficar cara a cara com ele, novamente. Só em pensar, meu
coração falhava uma batida.
Verifiquei a hora no painel do carro e me preocupei. Nunca gostei de
chegar atrasada. Prefiro estar pelo menos meia hora adiantada. Me sinto
mais segura. A tirar pelo trânsito, se continuasse naquela avenida,
seguramente me atrasaria. Não pensei duas vezes em entrar numa rua
adjacente. Desacreditei o quanto a rua estava calma, com poucos carros.
Aproveitei para acelerar mais.
— Ai, merdaaaaa! — berrei e soquei o pé no freio – ouvindo o
barulho dos pneus cantando no asfalto. O carro foi indo meio de lado.
Uma senhora atravessou sem olhar e, por um triz, não a atropelei.
Trêmula, encostei e desliguei o carro. A senhora parecia completamente
atordoada. Rapidamente, desci do carro e fui até ela. Peguei em seu braço e a
levei para calçada.
— Senhora, está tudo bem? — indaguei e, no momento em que ela
me olhou, vi que estava hiperventilando. Esfregava a mão no pescoço,
tentando respirar melhor. — Ei, calma. Tudo bem, ok. Respira, vamos. Está
tudo bem. Olhe pra mim. Respira comigo, vamos lá.
Comecei a puxar o ar pelas narinas e o soltar pela boca, devagar.
— Isso, mais uma vez. Vamos, bem devagar. Está tudo bem.
Mantive minha voz baixa e procurei não a tocar. A levaria para o
hospital, sem sombra de dúvida, mas precisava que ela se acalmasse. Era
evidente que estava tendo uma crise de pânico.
Aos poucos, a senhora foi se acalmando e eu também. Precisava
passar-lhe segurança, mas o susto que levei, deixou meus nervos em
frangalhos.
— Obriga... da — gaguejou – respirando um pouco melhor.
— Vem comigo, vou te ajudar. — Esperei ela concordar e a ajudei
caminhar até o meu carro.
Algumas pessoas estavam em volta. Garanti que estava tudo bem e a
coloquei dentro do carro.
— Desculpa, entrei na sua frente. Minha vista ficou escura —
justificou-se, assim que nos acomodamos no carro. Peguei em sua mão e dei
um leve aperto – sorrindo.
— Não se preocupe, já passou. Estamos bem, não é mesmo? — Um
sorriso genuíno enfeitou sua face e meu coração deu uma batida mais forte.
Era como se eu já a conhecesse. Aquele sorriso estava na minha mente. Mas
eu nunca tinha visto a senhora. Chacoalhei um pouco a cabeça, imaginando
ser um déjà vu.
Liguei o carro e ela segurou meu braço. A olhei intrigada.
— Pra onde vai me levar?
— Para o hospital — avisei e o desespero começou a querer tomar
conta de seu rosto novamente. — Ei, calma. Sou médica, vou te levar
comigo, só para ter certeza de que está tudo bem, ok?
— Não, preciso voltar pra casa, meu filho vai ficar preocupado.
— Certo, não se preocupe, assim que chegarmos lá, ligamos pra ele,
combinado? Como é o nome da senhora?
— Miriam — respondeu baixinho, ponderando se aceitaria ou não
minha proposta. Depois de alguns minutos, ela concordou.

O trajeto foi silencioso. Observei o quanto ela estava incomodada.


Seu olhar era baixo e as mãos eram espremidas no colo.
Graças aos céus, o trânsito diminuiu e logo entravámos no hospital.
— Você trabalha aqui? — questionou-me e eu fiz que sim com a
cabeça. — Como nunca te vi? Faz poucos dias que passei por uma cirurgia,
meu médico é daqui.
— Isso é ótimo, dona Miriam. Hoje é o meu primeiro dia, por isso
que nunca me viu. Como é o nome do seu médico.
Ela me passou e avisei a recepcionista para que entrasse em contato
com ele. Aguardei com ela, até que o médico viesse. Mesmo que eu quisesse
sair, ela não deixaria. Sua mão apertava a minha. Mandei uma mensagem
para o departamento onde eu trabalharia, avisando que estava na recepção
com uma paciente e fiquei tranquila.
— Dona Miriam, o que aconteceu? — indagou o médico e ela me
olhou receosa. Como se precisasse de aprovação.
— Bom dia, doutor. Sou a doutora Analu, sua colega aqui no
hospital. Tivemos um encontro um pouco inusitado, não é mesmo dona
Miriam? — descontraí, na tentativa de que ela relaxasse um pouco. —
Acredito que tenha sido uma crise de pânico, mas achei melhor trazer ela ao
hospital, por segurança.
— Bom dia, doutora. Fez bem, dona Miriam acabou de colocar um
marcapasso — comunicou e eu me senti aliviada, por ter seguido meu
instinto. — Disse que é minha colega, desculpe, nunca a vi por aqui.
— Ah, sim. Hoje é o meu primeiro dia.
— Seja bem-vinda, vai gostar muito de trabalhar aqui. Somos uma
família, bem grande, por sinal. — Sorriu e eu fiz o mesmo – sentindo-me
acolhida.
— Obrigada! Bom, acho que está em boas mãos, dona Miriam —
disse e fui tentar me soltar de sua mão. Ela apertou mais ainda e me lançou
um olhar de súplica.
— Fique com ela, doutora. Me diga qual o responsável pela sua
especialidade que vou comunicar — assegurou o médico.
Passei-lhe as informações, ele imediatamente pegou o telefone fixo
da recepção e comunicou o doutor responsável pelo meu trabalho. Pela
segurança que falava, devia ser um médico conceituado e respeitado.

Acomodadas no quarto, antes de ser levada para exames, dona


Miriam me pediu para ligar ao filho. Peguei meu celular e a entreguei.
— Vou deixar a senhora à vontade, enquanto fala com ele, tudo bem?
Aproveito e dou um pulo no meu andar.
— Não vai me abandonar, vai?
Peguei em suas mãos e as coloquei entre as minhas.
— De maneira alguma. Olha só, o doutor vai examinar a senhora e
meu celular vai ficar aqui. Logo estarei de volta, certeza. — Ela concordou e
eu saí.
No corredor, inclinei a cabeça para trás – respirando firme. Acho que
o susto e toda a tensão da situação, mexeu com meu estômago. Eu precisava
com urgência colocar tudo o que tinha comido para fora. Sentia o gosto da
bílis na língua. Corri para o banheiro mais próximo. Entrei em uma das
cabines e me ajoelhei em frente ao vaso – despejando tudo.
Ainda bem que não tinha ninguém no banheiro, porque, ao sair e ver
meu reflexo no espelho, me assustei. As olheiras estavam fundas e a cor do
meu rosto tinha desaparecido. Joguei um pouco de água na nuca. Enxaguei a
boca e passei batom nos lábios. Bati um pouco na face, para que voltasse o
rubor.

— Prontinho, estou de volta — anunciei, assim que entrei no quarto.


— Como está nossa paciente? — indaguei ao doutor e me sentei ao lado da
maca – pegando na mão da dona Miriam. Ela abriu novamente aquele
sorriso e meu coração voltou a dar uma batida mais firme. Suspirei e sorri de
volta.
— O filho está viajando e achou melhor manter ela aqui, por hoje. À
noite ele chega e vem buscá-la. Tudo bem, doutora, ficar com ela? Já
conversei lá em cima — apontou para o andar onde eu trabalharia.
— Claro, será um prazer — garanti e o médico se despediu, nos
deixando a sós.
O olhar da senhora estava diferente. Não tirou o sorriso do rosto e
não apertava mais minha mão. Passou a acariciar, como seu eu fosse sua
paciente. Achei estranho, mas não quis comentar. Sinal de que ela tinha
melhorado.
— Já que vamos passar algumas horas aqui, que tal me contar um
pouco sobre você, doutora Analu — sugeriu e sentou-se na maca.
Ela pronunciou meu nome com tanta intimidade – deixando-me
intrigada. Algo tinha mudado, só não sabia o que.
Pensei um pouco sobre a sugestão dela e decidi abrir meu coração.
Afinal de contas, como ela mesma disse: passaríamos horas ali. Sem contar
que, na certa, eu nunca mais a veria. Tudo que eu dissesse, não me
prejudicaria em nada. Dona Miriam, apesar de não parecer ter muita idade,
poderia me ajudar a tomar uma decisão. Certamente, tinha mais experiência
do que eu.
— Sabe, o universo tem uma maneira estranha de nos ajudar —
comentei e ela franziu o cenho.
— Me explica isso — pediu e apertou de leve minha mão.
— Preciso tomar uma decisão e acho que o universo mandou a
senhora pra me ajudar — admiti e ela sorriu. Deu uma batidinha no dorso da
minha mão e negou com a cabeça.
— Deus, minha querida, está sempre nos surpreendendo. Agora, me
conte o que está acontecendo, vamos pensar juntas.
Resumidamente, relatei minha vida à senhora, até chegar no dilema
da gravidez. Evitei citar nomes, a não ser da minha família. Assim que
terminei, achei que encontraria a expressão dela preocupada e foi o oposto.
O sorriso que fazia meu coração bater mais forte, sem explicação plausível,
estava maior ainda. Tive a impressão de que seus olhos marejavam.
— Tudo bem? — indaguei receosa.
— Tudo ótimo, meu amor.
— Estou sem saber o que fazer, que conselho a senhora me dá?
— O que você sente pelo rapaz que mentiu pra você? — Segurei o
lábio inferior nos dentes e baixei o olhar. Não esperava aquela pergunta. —
Quando pensa nele, o que acontece com o seu coração? — insistiu.
Ergui os olhos e meu sorriso foi involuntário.
— Só falta sair pela boca — confessei e sorrimos juntas.
— Dê uma chance a ele. Me disse que ele estava te procurando, por
que não deixa ele se explicar? Se não deixar ele falar, não tem como saber se
ele quer ou não essa criança. — Respirei fundo.
— Ele vai achar que engravidei de propósito, porque ele tem muito
dinheiro. Mas eu nem sabia, concorda comigo?
— Não vai, querida, confia em mim, ele não vai pensar isso —
assegurou eu enruguei a testa. Não tinha como ela saber. Ou tinha?
A Apresentação
Gabrielle

Eu queria meu parceiro comigo...


Meu chefe-padrinho...
Até mesmo meu médico.
Nunca me senti tão acuada. Estava no reduto dos Bennett. Eu sei o
que você está pensado: também sou uma Bennett. A diferença é que, mesmo
que eu sempre soube, minha ideia de acabar com todos nunca foi por terra.
E, se eu estava me colocando na berlinda, fazia parte dos planos. Apesar de
ter que refazê-los, continuaram com o mesmo objetivo.
Tudo bem, você deve estar me achando uma tola, porque poderia
muito bem aceitar o meu nome e usufruir de todos os benefícios que ele
proporciona. A questão é que foi esse maldito nome que acabou com a vida
da minha mãe. Minha felicidade não está atrelada ao sacrifício dela.
— Pronta? — questionou Valentina, com uma barriga quase a
derrubando para frente. — Respirei fundo e neguei. — Claro que está. Se eu,
uma caipira, consegui lidar com todos eles, imagine você que, além de ser a
mulher mais corajosa que conheço, tem o sangue deles. — Fiz uma
expressão de reprovação. — Vamos lá, peito pra fora; barriga pra dentro;
bunda pra trás e queixo erguido. Mostre a esse bando de machões que você
não está pra brincadeira.
Meu riso veio natural. Pena que minha cunhada logo tiraria licença
maternidade – seria uma parceira e tanto nesse início.
— Só você pra me fazer rir de uma situação tensa como essa.
Ajeitei o blazer do tailleur e esfreguei as mãos nas pernas da calça.
Me senti uma completa fraude. Em toda minha vida, era a primeira vez que
vestia um conjunto tão conservador. Acostumada com jeans, ter um tecido
tão requintado me cobrindo, sentia-me nua.
— Ester fez um bom trabalho — elogiou Valentina – arrumando a
gola da minha camisa de seda – por cima da gola do blazer. — Não vão te
reconhecer — concluiu e abriu um sorriso meigo – característico dela.
— Eu consigo — falei para mim mesma.
— Isso aí, Gabrielle Bennett — encorajou-me e saímos da minha
atual sala – em direção à sala de reuniões.
As batidas do meu coração foram aumentando a cada batida dos
meus scarpins no piso. As unhas foram encravando nas palmas das mãos e
eu temia que começasse a pingar sangue – como da última vez.
Viramos o corredor em que fica a sala de reunião e ao longe avistei a
grande mesa repleta de pessoas – em sua maioria, homens. Não que isso seja
um problema para mim, afinal, sou policial. No entanto, não eram apenas
homens: eram Bennett.
Minhas pernas foram pesando. Senti as mãos formigarem e o coração
batendo em meus ouvidos. Eu precisava ser sociável. Tinha que, de alguma
maneira, controlar meu instinto assassino e tirar proveito da situação. Era a
oportunidade perfeita de eu vasculhar a fundo a empresa. Conhecer cada um
dos membros. Saber o quanto os filhos estavam envolvidos nos negócios
escusos do pai.
Ao nos aproximarmos, os rostos foram se virando em nossa direção.
Através do vidro do “aquário”, podíamos ver o espanto estampado em cada
um deles. Exceto dois deles: o velho e o troglodita. Que mantinham um
sorriso vitorioso.
A porta da sala estava aberta, não esperei ser convidada e nem mais
um incentivo da Valentina. Entrei de uma vez e fui diretamente para a ponta
da mesa – onde estavam as duas pessoas que mandavam ali.
De supetão, todos ficaram em pé – abotoando seus paletós. Revirei
um pouco os olhos, achando aquilo tão patético.
— Bom dia — cumprimentei-os e permaneci em pé, ao lado do
patriarca e do CEO.
Isaac Bennett abriu um sorriso gigantesco – causando-me náuseas. Se
eu pudesse, o faria engolir aquele ar vitorioso. Mas ele não perdia por
esperar. Estava colocando a raposa no galinheiro. Por menos tempo que ele
pudesse imaginar, eu estaria à frente de tudo e derrubaria aquela panca de
empresário bem sucedido. O mundo todo conheceria o verdadeiro senhor
Bennett. Passaria como um rolo compressor carregando tudo e todos que
estivessem com ele.
— É com muito orgulho que apresento a vocês minha filha, Gabrielle
Bennett, uma Bennett de raiz. Gabrielle joga pra vencer, assim como o pai
— gabou-se o velho e fiz careta. Ele tentou alcançar minha mão e a puxei –
sem olhar para ele – sorrindo forçosamente para a plateia.
Coincidência?
Yan

Quando Lucca e Valentina me descreveram Gabrielle, não me disseram


que era linda. Sua postura não negava o sangue. A garota não baixou a
guarda um minuto. Me concentrei em suas reações, em todo o discurso do
senhor-todo-poderoso e do idiota do Henry. Sua expressão era de sarcasmo.
Lucca olhava para mim e erguia as sobrancelhas, como querendo dizer: “O
que eu te disse?”
Da mesa, tirando Henry e talvez Enrico, todos se empolgaram com a
chegada da nova integrante. Pelo menos alguém os enfrentaria de igual para
igual. Só não entendia o porquê de Isaac Bennett sentir-se vitorioso.
Claramente estava sendo desafiado. Sabendo da história da garota, duvidava
que ela cederia facilmente.
Gabrielle perseguia o velho há muito, segundo Lucca, ela tinha uma
boa razão. Só não divulgaria, porque ainda estavam investigando. Com a
entrada dela na empresa, facilitaria para eles irem a fundo.
Depois de tantas baboseiras, finalmente, a reunião acabou e os comes
e bebes entraram.
— Caraca, mermão, a garota chegou, chegando, isso aqui virou uma
festa — brinquei com Lucca – que balançou a cabeça concordando.
— Vou te apresentar à nossa irmã — avisou e eu o segui.
Gabrielle parecia uma celebridade, todos em volta dela e, Henry...
Franzi um pouco o cenho. Ele a cercava como um galo de briga. Mais
parecia um segurança do que o CEO da empresa. Sua expressão nunca é
agradável, só que estava pior.
— Gabi, esse é o Yan, o garanhão da família — apresentou-me
Lucca, fui pegar em sua mão, ela não deixou – erguendo uma sobrancelha.
Ergui as mãos em rendição e dei um passo atrás.
— Ei, amada, não mordo — diverti-me e não recebi um sorriso de
resposta. Sua expressão continuou fechada.
— Esse é dos nossos, Gabi, pode confiar — garantiu Valentina,
aproximando-se.
A garota respirou fundo me estendeu a mão – com um sorriso de
canto.
— Prazer, Gabrielle Mantovani. — Acentuou o sobrenome e meu
riso foi involuntário.
— Gostei de você — expressei-me e ela abriu um pouco mais o
sorriso. Olhei para o Henry e decidi provocá-lo, não perderia a oportunidade.
— Seu cão de guarda? — indaguei Gabrielle e apontei com a cabeça ao
nosso irmão ao seu lado.
— Nem fodendo! — respondeu e ergueu o rosto – lançando-lhe um
olhar fulminante, que fez uma careta desaprovando seu vocabulário.
Não foi possível conter minha gargalhada. Realmente, tínhamos uma
nova integrante no time dos Bennett. Uma à altura dos mandantes.
Minha intenção era continuar me divertindo, porém fui interrompido
com o vibrar do meu celular no bolso da calça. Olhei o visor e vi o nome da
Isa. Meus nervos endureceram imediatamente.
— Yan falando — atendi tenso.
— Yan... nem sei como te falar isso — começou e meu humor
desapareceu completamente.
Saí da sala barulhenta e procurei uma sala vazia. Sentei-me em uma
poltrona – preparando-me para o pior.
— O que aconteceu? — indaguei baixo – me controlando.
— Ela... su... miu — gaguejou.
Fiquei em pé em um salto e passei a mão na nuca.
— Isa... — Respirei fundo. — O que está tentando me dizer?
— Só fui no banheiro, eu juro. — A garota já estava chorando. —
Procurei por todos os cômodos da casa — fungou.
— Procurou no condomínio?
Ouvi a respiração alterada dela e, depois de alguns segundos,
começou a gaguejar novamente.
— Sua mãe não... sai... sozi...
— Isa, você procurou no condomínio? — persisti.
— Não, ela não...
— Pelo amor de Deus, estou tentando ser compreensivo, cara, mas
fica difícil, se vocês não fazem nada certo. Quer me matar do coração,
caralho? Procure pelo condomínio, ela deve ter ido dar uma volta, depois me
ligue, ok?
— Ok... descul... pe. — Desligou e eu me sentei novamente –
sentindo-me impotente, a quilômetros de distância.
Infelizmente, teria que pensar em outra opção para a minha mãe. Não
poderia ficar tenso todas as vezes que precisasse viajar. Na certa, dona
Miriam, querendo provar algo, aproveitou que a garota foi ao banheiro e saiu
para andar pelo condomínio. Tentei acreditar nisso e voltei à sala de
reuniões.
Vi quando meu pai acionou o motor de sua cadeira de rodas e veio
em minha direção, com um sorriso imbecil nos lábios – deixando o dente de
outro à mostra. Aquilo era tão ameaçador – não comigo. Quando se trata de
negócios, sempre segui às regras, mesmo descordando, às vezes. Entretanto,
quando se trata da minha mãe, não quero nem saber o poder que ele tem.
— Aí está meu filho atleta.
Cruzei os braços e estreitei os olhos.
— Sem hipocrisia, senhor Bennett — desdenhei e ele não tirou o
sorriso do rosto. — Sei muito bem que odeia o fato de eu gostar de praia e
futebol — acrescentei.
— Você está certo. Eu pensava assim, mas essa cadeira me fez
refletir. Passei a valorizar as pessoas da maneira que elas são.
— Pra cima de mim? Cara, me poupe dessa demagogia barata.
— Acho que as pessoas precisam de uma chance de se redimir, eu
tive — continuou seu discurso impostor, ignorando minha recusa em ouvi-
lo.
— Olha só, não me importo com sua opinião sobre mim. A única
coisa que me importa é que fique longe da minha mãe. Da próxima vez que
tentar falar com ela, pego o jatinho e venho pessoalmente te socar a mão na
cara — ameacei e virei as costas.
A sala estava cheia de gente e, depois da interação com o velho,
parecia mais ainda. Senti-me sufocado, fui saindo e arrancando a gravata.
Abri os primeiros botões da camisa e enfiei a gravata no bolso. Verifiquei o
celular e nada da Isa me ligar de volta. Comecei a ficar preocupado e liguei
pra ela.
— E aí, encontrou? — fui falando.
— Não e... o porteiro disse que ela saiu — comunicou. Caí sentado
na poltrona da recepção do andar.
— Porra! Como assim? Ele deixou?
— Foi a pergunta que fiz, Yan. Ela disse que ia no mercado e ele
abriu o portão.
Inclinei o corpo e apoiei os cotovelos nos joelhos – baixando a
cabeça. O porteiro não tinha culpa, nunca pedimos que ele não deixasse. Até
porque, minha mãe nunca sairia sozinha. Tem medo de andar até dentro do
condomínio.
— O que deu nela, caralho? Vai atrás dela, Isa.
— Estou procurando, Yan. Nem sinal, estou desesperada. — Pela voz
dela, estava em prantos.
Enquanto falava com ela, ouvi que tinha outra pessoa ligando.
— Isa, continua procurando, vou sair daqui o mais rápido possível.
Tem outra pessoa me ligando.
Olhei o visor antes de alterar a ligação e meu coração disparou
imediatamente: Analu.
— Porra! Ela tinha que ligar bem agora? Se controla, Yan. Respira.
Era tudo o que eu queria, que Analu me ligasse para podermos
conversar. Mas estava atordoado com a minha mãe perdida. Depois de
respirar fundo, umas três vezes, atendi, tentando descontrair.
— “Afrodite” me ligando. Assim meu coração vai saltar do peito —
brinquei e ouvi uma respiração na linha.
— Quem é “Afrodite”, filho?
— Mãe? O que está fazendo com o telefone da Analu?
— Então conhece a doutora? É dela que a Valentina falava?
Soltei os ombros aliviado em ouvir a voz da minha mãe.
— Mãe, onde você está e como está com o celular da Analu?
— Yan Bennett, responde minha pergunta.
Balancei a cabeça e sorri de canto. Não tinha como me safar da dona
Miriam.
— Sim, mãe. Mas não se empolgue, fiz cagada e não tenho a menor
ideia de como consertar. Agora, doninha, pode me dizer onde está? A Isa
está desesperada atrás da senhora.
A linha ficou muda por um tempo, só soube que ela continuava ali
por causa da respiração.
— Estou cansada de ser um fardo. Preciso vencer esse medo —
começou e eu fechei um pouco os olhos – negando com a cabeça.
— Mãezinha...
— Deixa-me terminar — repreendeu-me. — Eu tentei, filho, mas...
me perdoe. Não consegui. Quase matei sua doutora do coração — confessou
e eu sorri – ouvindo ela dizer que Analu era minha.
— O que foi que a senhora aprontou? — indaguei, com um tom de
voz mais leve. Sentia meus nervos mais relaxados. Se minha mãe estava com
Analu, seguramente estava bem.
— Tive uma crise de pânico no meio da rua e entrei na frente do
carro dela, coitada. Por pouco não me atropelou.
— Porra, mãe. Isso é muito sério. Ela está do seu lado?
— Não, nem sabia que vocês se conheciam. Analu deixou o telefone
comigo e foi cuidar das coisas dela. Ela começa trabalhar hoje, aqui no
hospital. Me trouxe com ela.
Esfreguei a mão na barba por fazer e joguei o corpo no encosto da
poltrona. Não sabia mais o que pensar. O destino estava agindo novamente.
Não era coincidência.
— Vou apressar aqui, chego aí o mais rápido possível — garanti.
— Filho, ela é perfeita. Foi muito atenciosa comigo. Não precisa se
apressar, Analu largou tudo pra ficar comigo, o tempo que precisar.
Meu coração parecia o bumbo de uma escola de samba. Um sorriso
bobo instaurou-se no meu rosto.
— Eu sei, mãe — confessei. — Chego à noite, ok? Não conte pra ela
que é minha mãe, combinado? Quero fazer uma surpresa.
— Certo, filho. Vou cuidar dela pra você. Conte comigo.
— Obrigado. Só tem uma coisa, dona Miriam, não ache que vai
escapar da bronca, não. A hora que chegarmos em casa, vamos conversar.
— Tudo bem, filho. Se precisava disso pra você se acertar com essa
doutora linda e maravilhosa, eu suporto sua bronca.
— Ok, mãezinha. Se cuida. Preciso ligar pra Isa e avisar que está
tudo bem.
— Te amo, filho. Vai dar tudo certo, estou sentindo.
— Te amo, também.
Torcia para que os sentimentos dela estivessem certos. Porque Analu
se mostrou bem resistente.
Surpreendida
Analu

Joguei a cabeça para trás e gargalhei. Toda a tensão dos últimos dias,
quiçá, dos últimos anos, fora esquecida, naquelas poucas horas.
Visivelmente, a paciente era eu, não aquela senhora linda, não só de
aparência física, como de espírito. Estar com dona Miriam era agradável
demais. Se ela não me dissesse que sofre de depressão e síndrome do pânico,
eu duvidaria. Sua energia é contagiante.
— Seu filho deve ser uma figura e tanto — comentei, depois de mais
uma história inusitada que me contara.
— Ele é maravilhoso, não fosse ele, não sei o que seria de mim. —
Baixei a cabeça e respirei fundo – alisando o dorso da mão dela. — O que
foi querida?
Ergui os olhos e busquei segurança naqueles olhos claros – cheios de
brilho.
— Não posso criar mais um filho sem pai, Theo vem me cobrando.
— Baixei novamente os olhos. — É muito difícil, como pude ser tão
imprudente? Me odeio por isso.
— Querida, olhe pra mim. — Fiz o que pediu. — Você acredita em
Deus?
— Acho que sim.
— Então, não faça isso com você mesma. Se tem uma criança em seu
ventre é porque Papai do céu tem algo muito bom preparado pra você. Ele
nunca nos abandona, pode ter certeza de que foi permissão Dele.
Franzi o cenho, sem compreender a segurança que ela me passava,
com relação à criança que eu gerava. Era como se ela soubesse o futuro.
— Não foi assim com o Theo — admiti. — Não posso
responsabilizar Deus por meus atos impensados. Meu filho é a melhor parte
de mim, mas não vou negar o sofrimento que passei pra chegar até aqui.
Teria sido muito mais fácil, se eu tivesse uma pessoa ao meu lado.
Ela abriu a boca para responder e fechou novamente. Um lindo
sorriso estampou seus lábios – olhando para porta – às minhas costas.
Me virei e achei que meu coração escaparia do peito.
— Filho, você tá aí!
Arregalei os olhos e levei a mão em frente à boca. Olhei de um para
o outro, entendendo perfeitamente a razão da minha familiaridade com
aquele sorriso – eram idênticos.
Os passos dele foram firmes. Não sei se era o fato de eu estar
fragilizada, mas sentia como se o chão tremesse – cada vez que ele se
aproximava. Yan tinha um ar confiante e seus olhos não se desgrudaram dos
meus. Foi até sua mãe e beijou sua testa.
— Como você está, mãezinha? — indagou e a senhora se derreteu
toda – alisando o rosto dele.
Ele parecia tão mais bonito do que da última vez que o vi. Vestia
terno, embora estivesse amassado, com a camisa para fora – ainda assim, era
o mais formal que eu o vira. Os cabelos estavam uma bagunça completa e a
barba por fazer. Cristo! A camisa tinha os primeiros botões abertos...
Misericórdia! Senti vontade de pular nele e lamber cada pedacinho de pele
de seu peito. O seu cheiro preencheu todo o quarto e comecei a respirar com
dificuldade. Meus olhos não conseguiam se desviar dele e minha boca
permaneceu aberta.
— Filho, sua doutora é uma pessoa maravilhosa. Meu dia foi
perfeito.
Sua doutora? Ela sabia o tempo todo. Por isso, tinha tanta certeza de
que tudo daria certo. Meu Deus! Abri meu coração para a avó do meu filho.
Nunca imaginei estar em uma situação dessas. Eu não tinha saída, teria que
contar a ele.
— Olá, “Afrodite”, acho que se divertiram, de longe pude ouvir
vocês rindo alto. Tive que ficar na porta um pouco para não atrapalhar.
— O que ouviu? — inquiri – levando a mão ao peito.
Ele enrugou a testa e olhou para a mãe – que fez uma expressão de
desentendida.
— Poderia ter falado um pouco mais alto me facilitaria — divertiu-se
e eu soltei os ombros aliviada.
— Querido, pode me levar pra casa? — pediu e eu fiquei em pé –
procurando pelas minhas coisas.
— Bom, vou deixar vocês sozinhos, preciso ir também.
Dona Miriam segurou meu braço.
— Filho, Analu tem algo pra falar com você, não é, querida?
Meus olhos só faltaram saltar para fora do rosto. Engoli em seco e
umedeci os lábios – negando com a cabeça. Fui pega de surpresa, não havia
a menor possibilidade de aquilo funcionar. Eu tinha que elaborar meu
discurso.
— Pode ser outro dia, dona Miriam, a senhora precisa ir pra casa —
sugeri, com um riso completamente nervoso.
A expressão do Yan era divertida e intrigada, ao mesmo tempo. Ele
inclinou a cabeça para o lado e cruzou os braços – me escrutinando.
— Doutora, o que será que te deixou tão nervosa. Estou curioso —
atiçou e eu ergui o queixo – demonstrando segurança.
— Impressão sua, só... preocupada com sua mãe.
Dona Miriam sorriu e alcançou minha mão – apertando firme.
— Querida, vai dar tudo certo, confia em mim. Conheço meu filho.
— Ele estreitou os olhos.
— Acho que eu é que estou ficando nervoso, com esse mistério de
vocês duas. — Sorri de novo e espremi um lábio no outro.
— Leve sua mãe pra casa, vou cuidar da papelada — avisei e fui me
virando.
— Filho, vou no carro da Analu, assim vocês poderão conversar
tranquilo em casa. — Me virei novamente e olhei para a senhora –
chacoalhando a cabeça.
— Não, dona Miriam, outro...
— Você me salvou, querida, agora é a minha vez. Vá lá, enquanto
Yan me ajuda a me arrumar. Vamos te esperar aqui.

Saí do quarto completamente atordoada. No automático, fui até a


enfermeira responsável e avisei que estávamos saindo. O médico da dona
Miriam já tinha deixado a alta assinada. Antes de voltar e descobrir que tudo
aquilo não era um sonho, passei no banheiro e eliminei o pouco que tinha
ingerido no almoço.
Apoiei as mãos na pia gelada e fiquei olhando para o meu reflexo –
sem ter a menor ideia de como agir. Tinham tantos “e se” pairando na minha
cabeça – deixando-me insegura.
E o Jogo Começa
Gabrielle

Cruzei e descruzei as pernas umas “quinhentas” vezes. Mal sentia as


palmas das mãos. No final do dia, não teria escolha, se quisesse continuar
sem chamar a atenção, teria que procurar o Kauê para ele tentar amenizar a
situação das minhas mãos.
Há dias que Melanie me ligava, pois não comparecia as sessões de
terapia. A questão é que sabia o que ela diria e não estava com vontade de
ouvir, mesmo tendo consciência de que ela estava certa. Entretanto, meu
corpo gemia por socorro, teria que ceder e comparecer à sessão daquele dia.
A porta da sala do CEO se abriu e me empertiguei. Fiquei ereta e
ergui o queixo esperando que o troglodita se sentasse em sua cadeira de rei.
Já tinha estado naquela sala, só que das outras vezes não tive tanto
tempo para analisar os detalhes. A imponência reinava por ali. Uma
intimidação descarada – menos a mim. Se Henry achava que me tendo ao seu
lado poderia ditar meus passos, “cairia do cavalo”.
Ele sentou-se e me encarou. Um sorriso sombrio se estendeu em seus
lábios e uma sobrancelha içou-se. Era um jogo, qualquer um podia ver. A
questão é que Henry sentia-se vitorioso, antes mesmo de começar.
— Vejo que minha irmãzinha aprendeu a ser obediente — provocou
e eu fiquei em pé imediatamente.
— Idiota, pensa que vou lamber o chão que você pisa? Não sou sua
funcionária, troglodita do caralho!
Os olhos dele viraram fogo e, em questão de segundos, estava a
milímetros do meu corpo – bufando como um touro bravo.
— Se está acostumada a ser mimada, aqui não, garota insolente. Isso
aqui é uma empresa bilionária, comandada por mim, sendo assim, sente aí e
ouça, com essa boca suja fechada — determinou – com o dedo em riste no
meu rosto.
Se era intimidar que ele queria, conseguiu. Não sei explicar qual foi o
principal motivo: sua autoridade ou seu corpanzão tão perto do meu. As
respirações estavam tão alteradas, que os peitos quase se tocavam.
Melhor Notícia
Yan

Por mais que eu tentasse, Analu não estava à vontade. Depois de muitos
agradecimentos à doutora, consegui levar minha mãe para o quarto. A deixei
sob os cuidados da Mel e desci – encontrando Analu observando os detalhes
da casa, tensa.
— Acho melhor conversarmos depois, você está cansado —
esquivou-se e eu me aproximei – pegando em seus ombros.
Ela parecia abalada. A mesma pessoa que correu para os meus braços
no dia que sofreu um atentado. Ficamos nos olhando por alguns minutos.
Encostei a testa na dela e respirei fundo.
— Me desculpe, por favor — implorei. Apesar de não saber
exatamente o que queria me dizer, sem sombra de dúvida, estava tensa pelo
fato de eu ter me passado por outra pessoa. — Preciso que me perdoe, essa
distância está acabando comigo — confessei, porque aqueles trinta dias
longe dela foram uma tortura.
Analu desviou o olhar e mordeu os lábios – angustiada.
— Podemos conversar em outro lugar? — Franzi o cenho e tenho
certeza de que minha expressão foi de confusão. — Aqui é muito... — Olhou
em volta. — Íntimo... seu espaço. Preciso de um lugar neutro.
Por longos minutos, analisei as reações de seu corpo. Comecei a me
preocupar com o que tinha a me dizer. Ela tremia.
— Ei, não precisa ficar nervosa, seja o que for que vai me dizer, vou
compreender, ok?
— Você não entende, já passei por isso — explanou, com a voz
embargando. Segurou o lábio inferior nos dentes e negou com a cabeça. —
Por favor, pode ser em outro lugar? — Concordei e a soltei.
— Já volto, só vou avisar lá em cima — adverti e apontei para o
andar de cima.
Corri até o quarto da minha mãe e a encontrei dormindo, com Mel
lendo na poltrona. Beijei sua testa e avisei à moça que estava saindo, que não
era para ficar um minuto longe dela. Peguei a chave do meu carro e desci
correndo de volta. Eu devia estar uma bagunça só. Desde cedo com a mesma
roupa.
Analu arrumou a bolsa no ombro e foi para a porta – com a chave do
carro na mão.
— Vamos juntos, deixe o seu aqui — determinei e tirei a chave da
mão dela.
— Melhor eu...
— Sem discussão, Analu. Você não está em condições de dirigir.
Sem que eu percebesse, segurava a mão dela – que mais parecia uma
pedra de gelo. Por instinto, a puxei para o meu corpo e a abracei –
afundando o rosto em seu pescoço. O cheiro inebriante me dominou
novamente, despertando meu “amigo” – que teria que compreender que não
era o momento de ele se divertir – ainda.
— Senti sua falta — declarei e passei o nariz por toda a extensão de
seu pescoço. Ela se encolheu um pouco e suspirou. Sorri, com a boca colada
à sua pele. Mordi de leve a ponta de sua orelha e me afastei. — Vamos. —
Entrelacei nossos dedos e a carreguei para fora.
Tive o privilégio de conhecer duas Analu e, mesmo que eu gostasse
muito da doutora petulante e desafiadora, tê-la frágil, sob meu domínio,
passava-me a sensação de posse. Embora tivesse consciência de que era um
pensamento de homens das cavernas.
§§§§
Dentro do carro, durante todo o trajeto, Analu não olhou para mim.
Seu rosto permaneceu virado para a janela. A maioria das pessoas que
entram na minha “máquina” fica impressionada. Ela não demonstrou
nenhuma reação. Completamente alheia a tudo à sua volta.
Qualquer coisa que eu dissesse, tenho certeza de que ela mal ouviria.
Sendo assim, decidi levá-la para um lugar neutro, mas que eu conhecia: um
hotel. Meus almoços ou jantares de negócios costumavam ser nele. Algumas
vezes, aproveito a fico na suíte presidencial para relaxar.
Parei o carro e, pela primeira vez, ela me olhou, com uma expressão
de assombro.
— Aqui? É muito chique esse lugar.
Sorri e desci do carro – entregando a chave ao manobrista. Esperei
que o outro rapaz abrisse a porta para ela e a ajudasse a descer. Entrelacei
novamente nossos dedos e, sem esperar sua recusa, caminhei para a recepção
– levando-a comigo.
— Boa noite, senhor Bennett — cumprimentou a atendente e Analu
revirou os olhos.
— Acho que só eu que não sabia que você é um Bennett —
cochichou ao meu ouvido – bufando.
Virei o rosto para ela e beijei a ponta do seu nariz.
— A suíte presidencial está livre? — indaguei e Analu apertou minha
mão – ficando na ponta dos pés.
— Yan, que exagero — reclamou, com a boca colada à minha orelha.
Quantas sensações aquela mulher era capaz de provocar no meu
corpo? Sentir o hálito dela no meu pescoço e o toque suave de sua boca na
minha pele fez meu corpo quase entrar em combustão. Eu precisava, como
alguém que está embaixo da água precisa de ar, ficar a sós com ela.
Agradeci a atendente, me passando a senha do elevador para a suíte
presidencial e carreguei Analu comigo. Mal as portas se fecharam, não
pensei para agir. Deixei o desejo e a falta que senti dela dominarem minhas
ações.
A empurrei contra o espelho, ergui seus braços acima da cabeça e
ataquei seus lábios carnudos. De início, Analu tentou resistir. Assim que
minha língua percorreu todos os espaços de sua boca, seu corpo cedeu. A
sua língua ávida entrou na brincadeira. No momento que nossas línguas se
entrelaçaram, ambos gemerem vergonhosamente. Uma de minhas mãos
mantinha seus braços em cativo e a outra percorria seu corpo. Eu conhecia
cada pedacinho dela e sabia o quanto ela era quente e deliciosa. Só precisava
fazer com que relaxasse.
As portas da caixa de aço se abriram e me afastei ofegante. Ela
ajeitou a roupa e baixou o olhar. Peguei em sua mão e a tirei dali. Ansiava
por um lugar privado, onde eu pudesse fazê-la gritar.
Digitei novamente a senha para entrar e a puxei para dentro da suíte
– atacando seus lábios e chutando a porta para fechar.
— Yan... Yan..., espera — pediu e foi me empurrando. — Me afastei
– respirando com dificuldade. — Precisamos conversar.
— Depois. — Dei um passo e ele estendeu o braço me impedindo.
— Agora, Yan. Não imagina o quanto está sendo difícil pra mim, não
dificulte mais ainda. — Ela ofegava para falar e o peito oscilava.
— Vai me dispensar, de novo? — deduzi, porque ela voltou a ficar
tensa e séria.
Sua cabeça balançou negando. Analu olhou para trás e apontou para
um sofá. Assenti e a acompanhei. Sentei-me em uma poltrona à sua frente e
aguardei que ela se recompusesse.
Antes de começar, olhou em direção à cozinha da suíte.
— Preciso de água.
Me levantei rapidamente.
— Podemos tomar um drinque, se preferir. O que você gosta de
tomar? — Apontei à adega luxuosa.
— Só água, Yan, por favor.
Peguei duas garrafas no frigobar e voltei a me sentar. Entreguei-lhe a
garrafa e ela tomou tudo de uma vez. Colocou a garrafa vazia na mesa ao
lado e ergueu os olhos para mim.
— Primeiro, quero dizer que não foi de propósito, eu nem sabia que
você é bilionário — iniciou e parou – respirando com dificuldade. Fui falar e
ela ergueu um dedo – me impedindo. — Já fui rechaçada uma vez, Yan. Se
for casado, ou coisa parecida, por favor, a hora é agora de me contar.
Sorri e balancei a cabeça.
— Por que cismou que sou casado?
— Quem é Beatriz?
— Minha amiga e companheira de trabalho.
Uma sobrancelha dela se içou.
— Parecia muita mais que isso.
— Onde foi que você nos viu juntos?
— Na TV, quando soube quem você é.
Bati a mão na testa e me joguei na poltrona. Por isso ela ficou tão
furiosa. Caiu direitinho no que a imprensa quis passar.
— Não pode acreditar em tudo que a TV mostra — resmunguei e
voltei para ponta da poltrona. — Analu, preste atenção, não sou
comprometido, a não ser com a minha mãe, que dispensa explicação. — Ela
assentiu e mordeu os lábios. Alcancei suas mãos e entrelacei nossos dedos.
— Seja o que for que queira me contar, fique tranquila que vou entender. Se
não vai me dispensar, já fico aliviado — descontraí, mesmo começando a me
preocupar com que ela tinha a me dizer.
— Ok. — Respirou. — Estou grávida — despejou de uma vez.
Meu corpo paralisou...
Meu coração disparou...
Meus olhos se arregalaram...
Minha boca escancarou-se.
Em momento algum, passou pela minha cabeça que ela me daria uma
notícia como aquela.
Sem que eu tivesse tempo de pensar, caí de joelhos aos seus pés e a
abracei pela cintura – afundando o rosto em seu peito. Como um bebezão,
senti os olhos úmidos. Precisei de um controle acima do normal para não me
desmanchar em seus braços.
— Porra... porra... porra... — praguejei abafado, sentido a garganta
fechar.
— Yan, pelo amor de Deus, fala comigo — suplicou e eu ergui o
rosto – sorrindo como um idiota.
Levei a mão à sua nuca e trouxe seu rosto até mim – atacando sua
boca. Eu tentava controlar a intensidade dos meus atos, mas falhava
miseravelmente. Tenho certeza de que a estava machucando. A apertava
sobre meu corpo e mordia seus lábios – descontroladamente.
— Você é maravilhosa — declarei. Ela tentou falar e eu a calei com
meus lábios novamente.
Fui me levantando e a puxando comigo. Em pé, passei as mãos por
trás de suas pernas e a fiz cruzar em minha cintura – sem descolar minha
boca da sua. Caminhei para o quarto – me sentindo o homem mais sortudo
do mundo.
Ainda não tinha digerido a notícia e meu corpo já ansiava por ela,
muito mais do que antes. Queria ter certeza de que ela era minha. De que
nada a faria fugir de mim. Que seríamos a família que tanto sonhei.
A joguei na cama. Coloquei um joelho de cada lado de seu corpo e
comecei a abrir os botões de sua calça social. Analu ofegava e sorria junto.
Arrastei a calça pelas suas pernas e a joguei no canto. Ergui sua perna e fiz
uma trilha de beijos – do tornozelo até a virilha.
— Yan... eu preciso saber...
— Shiii... você precisa de mim dentro de você.
Amada
Analu

Tudo parecia surreal, de todas as reações que imaginei, nenhuma tinha


sexo envolvido. Era assim que ele reagia a coisas que aparentemente o
deixava feliz?
Estar com o pai do meu filho e não o conhecer era algo muito louco
de se pensar. Precisávamos de muitos momentos e de muita interação para
sabermos o mínimo sobre o outro. Mas, ao que parecia, Yan resolvia essas
questões na cama. Um pouco assustador para mim.
Longe de mim dizer que eu não estava gostando. O pacote Yan
Bennett parecia ser bem completo: lindo, bilionário e deliciosamente sex.
Sem contar o cuidado que tem pela mãe. Jamais, olhando para aquele
malandro na praia, chegaria a essa conclusão.
Já que ele demonstrava estar maravilhado com a notícia, decidi
começar a conhecê-lo melhor. Derrubar a muralha que construíra, após a
decepção que foi com o Evandro. Voltar a ser a Analu de antes: amiga, irmã,
filha, amante e, acima de tudo, mãe. Deixar que Yan me enxergasse de
verdade.

Sentei-me na cama, ficando na altura de seu membro que estourava a


calça do terno sob medida. Olhei para cima e passei a língua pelos lábios –
demonstrando que entraria na brincadeira. Alisei sua coxa e subi a mão –
demorando um pouco mais na parte que suplicava pela minha boca, por estar
dentro de mim.
Yan abriu o paletó e colocou as mãos na cintura – olhando-me com
uma expressão de moleque sapeca. Ele queria me testar, ver até onde eu era
capaz de ir.
Fiquei de joelhos e continue subindo minha mão. Comecei a
desabotoar a camisa. Cada pedaço de pele que surgia, minha língua
saboreava. Agia calmamente, mesmo que sentisse cada parte do meu corpo
suplicar por atenção. Meu sexo pulsava e minha respiração falhava. Em
momento algum desviei o olhar dele.
Minhas mãos chegaram ao peito e arranhei sua pele lentamente. Era
tão gostoso tocá-lo. Yan me analisava, curioso para saber até onde eu iria.
Desci as mãos pelo seu tórax firme deliciando-me, cheguei ao cós da
calça e contornei com o indicador – pela parte de dentro.
— Está examinando o material, doutora?
A expressão dele era uma mistura de desejo com safadeza. Sorri de
sua pergunta e desabotoei a calça – descendo o zíper lentamente. Sua cabeça
balançou de um lado para o outro. Ele segurou minha nuca e puxou-me para
um beijo. E, como minhas mãos estavam no cós da calça, o invadi,
encontrando-o encorpado na cueca.
Eu sentia meu centro molhado e os bicos dos seios duros. Yan sorriu
em meio ao beijo e um gemido rouco escapou de seu peito. Minha mão não
lhe dava trégua. Uma deliciosa dança de nossas línguas acontecia. Passei o
polegar pela glande – espalhando o líquido quente. O corpo dele estremeceu
e eu me contive para não arrancar de uma vez aquele monte de tecido que
nos cobria, para senti-lo por inteiro.
— Você me incendeia, “Afrodite” — rosnou e afastou a boca da
minha – arrastando-a pelo meu pescoço.
Devorador, Yan começou a desabotoar minha camisa de seda e foi ao
encontro do meu seio, fechando os lábios quentes e macios no mamilo que
implorava por um toque.
Me senti no poder ouvindo-o gemer com minha investida ousada em
seu membro que pulsava em minha mão. Ele se afastou dos meus seios e me
olhou – ofegante, os olhos flamejavam. Em questão de segundos, arrancou o
paletó e a camisa, jogando-os de lado. Como se não tivéssemos mais tempo,
arrastou minha camisa pelos meus braços e soltou o sutiã. Apenas duas
peças nos impediam de nos tocarmos por inteiro.
Meu corpo foi jogado para trás. Yan voltou a colocar um joelho de
cada lado e me olhar como um predador. Segurei o lábio inferior nos dentes
– ansiando pela intensidade que eu já conhecia.
— Agora, você é minha — anunciou com uma rouquidão acentuada
e eu, que deveria me ofender, senti-me:
Amada;
Ouvida;
Privilegiada;
Segura!
— Eu gosto disso — admiti, ele sorriu e abaixou-se – tomando meus
lábios nos dele. Era tão fácil se acostumar com aquilo.
Com sua língua percorrendo minha boca...
Com seus dentes mordiscando meus lábios...
Com suas mãos apertando meus seios...
Com seu membro esfregando-se em meu sexo...
Com o calor do seu corpo me dominando...
Com ele!
— Ainda bem... — Ofegou e lambeu o bico de um seio. — Senão...
— Arfou e lambeu o outro bico. — Teria que fazer você gostar — concluiu e
foi descendo o corpo – fazendo uma trilha com a língua.
Yan afastou minhas pernas e ficou com o rosto no meio delas –
ofegante. Por cima da calcinha, passou o nariz e gemeu – fechando os olhos.
— Yan... — reclamei, constrangida. Era a primeira vez que sentia
minha calcinha ensopada.
— Seu cheiro me enlouquece — rugiu e afastou a peça de lado.
Analisou por uns instantes, com uma expressão faminta – aumentando
consideravelmente o calor no meu corpo. — Caralho, você está tão
molhada.
Soltei um grito, no momento que sua língua atingiu meu sexo. De
baixo para cima, Yan lambia com voracidade. Ergui o quadril e joguei a
cabeça para trás – choramingando. Fechei os olhos e apertei o lençol com as
mãos. Os dedos dos pés se encurvavam.
Não sei dizer, como foi que ele fez para arrancar minha calcinha e
em seguida sua box. Só o que eu senti foi seu corpanzão sobre mim,
enquanto seu membro rijo buscava abrigo no meu centro.
— Preciso entrar em você, minha deusa loira — declarou, segurando
meu rosto com as duas mãos.
— Eu quero isso, agora.
— Porra... — praguejou e atacou minha boca novamente – enfiando
a língua, faminto. — Caralho, vou ser pai — acrescentou e eu sorri. Porque
ele ainda não tinha dito aquilo em palavras.
— Está feliz?
— O quê? Vou te mostrar o quanto — afirmou e me invadiu com seu
pênis teso. Gemi e fechei os olhos. — Olhe pra mim — rosnou, com a voz
rouca. Fiz o que mandou e ficamos nos olhando, enquanto ele entrava e saia
– com maestria. Sua mão adentrou meus cabelos, segurando-me com força.
Com os olhos fixos em mim, continuou se movendo para dentro e
para fora. Meu desejo por ele era imenso e foi crescendo, à medida que a
intensidade de suas investidas aumentava. Depois de alguns minutos, senti
seu corpo começar a tremer e sabia que ele estava perdendo o controle.
— Preciso gozar, deusa. Goza pra mim... pra que eu possa me soltar
— pediu. Ele me olhou nos olhos quando meus músculos se contraíram em
volta dele. Foi preciso um controle fora de mim para manter os olhos
abertos.
As contrações involuntárias começaram...
Os batimentos do coração aumentaram...
O calor, que começava nos dedos dos pés até os fios de cabelos,
avivou...
Um formigamento delicioso no meu centro suplicante...
O grito de gemido e a cabeça lançada para trás e tudo ficou mais
leve!
Naquele momento, sua boca se abriu em um grito silencioso quando
me puxou para ele com mais força durante o seu orgasmo quente.

Abri os olhos e olhei em volta, sem ter a mínima ideia de onde


estava. Esfreguei os olhos e senti algo apertando minha bexiga – que
estourava. Virei o rosto e quase dei um pulo. Não era só a perna grossa que
cobria meu corpo, como braço também. Sua boca estava entreaberta e a
respiração calma.
— Meu Deus, que horas são? Eu dormi — resmunguei e tentei sair
de seu cativo. Por instinto, ele me apertou mais ainda. — Ai, preciso ir ao
banheiro — continuei tentando me desvencilhar.
— Por que a pressa, “Afrodite”? — indagou, com a voz sonolenta –
sem abrir os olhos.
Continuávamos nus e a cama era uma bagunça completa. Sinal claro
de que os dois tinham perdido as forças, até mesmo de tomar banho.
— Yan, vou urinar aqui — avisei e empurrei a perna dele.
Depois de uma bufada, ele virou para o outro lado – abraçando um
travesseiro.
— Volte aqui, não vai escapar de mim, de novo — refutou um pouco
mais alto – enquanto eu corria para o banheiro.
Assim que me aliviei, liguei a ducha e entrei na água quente. A
tensão dos últimos dias, juntando com o sexo intenso, havia deixado meu
corpo dolorido. Enchi a bucha com sabonete líquido e comecei a me
esfregar. Não tive muito tempo. O box foi aberto e o homenzarrão a tomou
da minha mão.
— Eu faço isso.
— Acordou? — provoquei e ele passou o braço pela minha cintura –
apertando-me contra ele.
— Não vou deixar você fugir.
— E por que eu faria isso?
Ele deu de ombros e começou a me esfregar. Era a primeira vez que
alguém cuidava de mim daquela maneira. Meu coração ficou do tamanho de
uma ervilha. Senti uma “laranja” na minha garganta.
— O que foi? — inquiriu, parando com a bucha e me olhando.
Funguei e ri – balançando a cabeça.
— São os hormônios — menti para não precisar abrir meu coração.
Mas a verdade é que me apaixonara por Yan Bennett.
Eu sabia que isso aconteceria, afinal de contas, nunca fui de fazer
sexo casual. Até mesmo Evandro, que foi um escroto comigo, demorei para
tirar do meu coração. Imagine com Yan que, desde a primeira vez, me tratou
como uma deusa, como ele mesmo diz.
Ele colocou a bucha no suporte e encheu a mão com sabonete
líquido. Foi até meu abdômen e ficou alisando. Agachou-se à minha frente e
pegou nos meus quadris – beijando minha barriga. Aquilo mexeu comigo de
forma descomunal. Foi tudo que sonhei quando estava grávida do Theo.
Comi o pão que o diabo amassou na gravidez do Theo. Sozinha, em
um estado que eu não conhecia. Fugindo. Acuada. Precisando ser forte. Sem
que eu percebesse, lágrimas começaram a cair dos meus olhos.
— Ei, não chore. — Ficou em pé e me abraçou – colocando minha
cabeça em seu ombro. Como resistir a um carinho daquele, sem me
desmanchar. Foi como abrir uma torneira. Meu corpo chacoalhava, de tanto
que eu soluçava. — Analu, olhe pra mim — pediu e colocou meu rosto entre
suas mãos. — Estou aqui... pra sempre — assegurou e me beijou. — Não
vou te largar, mesmo que tente me afastar.
A Revelação
Gabrielle

Eu tinha que admitir, embora troglodita, Henry era muito bom no que
fazia. Tirando a parte de ser arrogante e todos os funcionários terem medo
dele, ninguém chegava aos seus pés.
Há dias que eu o acompanhava em cada momento de seu dia.
Confesso que era torturante tanto para mim quando para ele. Em várias
situações, quando eu não me afastava, ele o fazia.
A tensão sexual entre nós era massacrante.
Quem conseguia explicar ao nosso corpo que éramos meio irmãos?
Quando o velho me informou que Henry quem me prepararia para
assumir uma diretoria na empresa, achei que estava de brincadeira. Refutei
de início, até descobrir que não tinha outra alternativa.
A convivência com o CEO fez-me entender o porquê de Isaac
Bennett exigir que fosse o Henry. Sua competência é inegável. Duvido que
tenha alguém na empresa que entenda cada detalhe dela, como ele.
O que me leva a crer que esteja em conchavo com o velho. Durante
minhas investigações, além de descobrir que Isaac Bennett alicia moças,
recebi denúncias de que usa os caminhões da empresa para transportar
drogas. Na época, Henry me expulsou de sua sala e me processou. Cheguei a
perder o distintivo por uns dias.
Agora, dentro da empresa, minha primeira meta era investigar a
veracidade das denúncias. No entanto, se Henry conhece cada detalhe da
empresa, está ciente desse crime.
Tentei me desvencilhar dele e começar a busca pelos transportes de
mercadorias – sem sucesso.
— Gabrielle, está prestando atenção? — Henry vociferou e me
fuzilou com o olhar. Respirei fundo e concordei com a cabeça. — Sério?
Então, coloque em prática o que acabei de te explicar — exigiu e ficou em
pé – apontando para o monitor de seu computador.
Bufei e revirei os olhos.
— Ok, pode repetir?
— Acha que sou empregado? O que pensa que estamos fazendo?
Brincando de casinha? — gritou e espalmou a mesa – ficando com o rosto a
milímetros do meu.
Odiava quando ele falava comigo naquele tom. Odiava, mais ainda,
quando ele usava seu corpo para se impor.
— Consegue ser educado, só um pouquinho? — ironizei e fiquei em
pé – aproximando o indicador do polegar, bem perto do seu rosto.
Ele ficou ereto e abotoou o paletó.
— Preciso visitar um depósito e acompanhar um carregamento —
avisou. Sorri. Era minha chance de investigar. — O que é engraçado?
— Vou junto?
— Tenho opção?
Dei de ombros e alarguei o sorriso.
§§§§
Henry dispensou o motorista e os seguranças que costumavam nos
seguir. Antes de assumir a direção do carro, tirou o paletó e a gravata, abriu
os dois primeiros botões da camisa e arregaçou as mangas.
O caminho foi longo. As veias de seus antebraços saltavam ao
apertar o volante. O maxilar era pressionado com violência. Algo o
incomodava. Franzi o cenho, quieta. A ponta de um prédio apontou e deduzi
ser o nosso destino. O lugar era afastado da cidade, os únicos vizinhos eram
outros depósitos – cercados de muros altos.
Depois de escrutinar em volta, ele embicou o carro na entrada e
abaixou o vidro. Não precisou de palavras, o segurança, na guarita, o
reconheceu e abriu os grandes portões de ferro. Um aceno com a cabeça foi
a forma de agradecimento. A vaga privativa quase não comportou sua
“máquina” potente. Descendo do carro, empertigou-se e encheu o peito de
ar. Desci e ajeitei a roupa formal que era obrigada a usar.
Os passos largos logo estavam na área que era seu alvo. O segui,
calada. Avistando os caminhões, com as portas dos baús abertas, aproximou-
se. Ele não se deu ao trabalho de cumprimentar os transportadores da carga,
abordou um carregador e enfiou o dedo em um saco que estava no carrinho.
Levou o dedo à boca e provou o conteúdo. Seus olhos se arregalaram. Não
precisava que ele dissesse nada. Eu sabia o que continha no pacote.
Se era esse motivo de estarmos ali, ficou evidente que o CEO foi
pego de surpresa.
— Caralho, como deixei isso acontecer, debaixo do meu nariz? —
praguejou e começou a andar em círculos. — Cadê o responsável pela carga?
— gritou e vi um monte de homens saindo de mansinho.
Enquanto ele rugia, fui conferir o conteúdo do pacote danificado.
Assim como ele, enfiei o dedo e o levei à boca. Inquestionavelmente era
cocaína. Honestamente, meus sentimentos foram contraditórios. Eu sempre
quis destruir os Bennett e estava com a faca e o queijo nas mãos. Entretanto,
o tempo que passara dentro da empresa. A convivência com Lucca e, mesmo
com o Henry, me fez duvidar da participação dos filhos nos negócios
obscuros do pai. Vendo o desespero do Henry, naquele momento, só
acentuou minha teoria.
— Cadê a porra do responsável por isso aqui, caralho!? — berrou e
a pessoa que eu menos esperava apareceu.
Minha mão foi diretamente à boca e vi, pela primeira vez, Henry
vacilar. O pomo de Adão subiu e desceu e o riso que escapou de seu peito foi
puramente de nervoso.
— Pai? O que está fazendo aqui? — indagou incrédulo.
— Você tinha que ser enxerido? Aposto que foi a Gabrielle que te
influenciou — acusou-me e, antes que eu me defendesse, Henry o fez.
— Ela não tem nada a ver com isso. Recebi uma ligação anônima e
vim conferir. Me diz que não tem nada a ver com isso, pai — implorou,
certamente, torcendo para que o pai confirmasse.
— Sabe o motivo de eu ter aceitado ser seu pai e deixar você assumir
a frente dos negócios? Porque sempre foi muito parecido comigo, mas vejo
que foi um erro, está pior do que meus filhos.
Vi quando as pernas do Henry se dobraram um pouco. Meu coração
disparou e meu olhos se arregalaram
— O que quer dizer? — inquiriu Henry – com a voz vacilando.
— Isso mesmo que entendeu, você não é meu filho.
O velho mal terminou de falar, Henry saiu em disparada para o carro,
corri atrás dele, mas não deu tempo, ele saiu cantando os pneus.
Meu coração me ensurdecia e na minha cabeça só tinha barulho.
Acontecendo
Yan

Minha vida mudou da noite para o dia. Apenas uma notícia transformou
meu mundo. Não só o meu, como o da minha mãe. Inacreditavelmente, saber
que vai ser avó, renovou as energias da dona Miriam. As meninas que
cuidam dela estão maravilhadas.
— Filho, não se atrase, já estou quase terminando o almoço —
avisou-me e eu sorri.
Depois de muitos anos sem ânimo, minha mãe decidiu voltar a
cozinhar. Fazer coisas diferentes. Por sugestão dela, vou buscar Analu e
Theo para almoçar conosco. É sábado e Analu pegou folga no hospital.
Ainda não sentamos para falarmos sobre seu trabalho. Pela minha
vontade, ela pararia, pelo menos por um tempo. Mas sei que não é bem
assim que funciona com ela. Tenho que deixar que Analu chegue a essa
conclusão, porque se eu cogitar, tenho certeza de que vai negar, só para
mostrar que não tenho poder sobre ela. Nunca vou admitir para ela, mas essa
garra foi o que mais me atraiu nela.
Me aproximei da minha mãe e beijei sua têmpora.
— Acalme seu coração, dona Miriam, estou indo buscá-los.
— Já falou com ela, filho? — indagou, com uma voz suplicante.

No dia seguinte que soube que seria pai, minha mãe sentou-se
comigo e relatou tudo o que Analu a confessara – antes de saber que era
minha mãe. Entendi o porquê daquela muralha que a deusa ergueu. Ela foi
machucada e humilhada. Dona Miriam foi incisiva, quando me disse para
tomar cuidado como agir. A primeira coisa que sugeriu é que eles venham
morar conosco, já que Analu admitiu ter que trabalhar muito para garantir o
melhor ao filho. Não fazia ideia de como iniciar o assunto com Analu.

— Mãezinha, sabe que não é tão simples. Não posso chegar e sugerir
isso a ela, sem contextualizar. Conheceu Analu, não é uma mulher fácil —
esclareci e sorri.
Minha mãe me acompanhou com um largo sorriso.
— É a pessoa certa pra você, filho. Vai te colocar na linha. —
Beliscou minha bochecha e eu fiz cara de quem não tinha gostado muito. —
Sabe que estou certa, garoto. Agora, vai lá, quero conhecer meu neto.
Ver a empolgação da minha mãe em conhecer o Theo encheu meu
peito de felicidade. Ela realmente estava “saindo da caixa” e esse fato não
tem dinheiro que pague. Porque já tentamos de tudo e nada a fez querer
viver de verdade – até a chegada da Analu.
§§§§
Estacionei o carro e escrutinei o lugar. Não era ruim, mas não
chegava nem perto de onde eu morava. Olhei o prédio que Analu morava
com o filho e respirei fundo, porque, mesmo que fosse conservado, era
modesto.
Desci e me empertiguei, fazendo sinal ao segurança que me
acompanhava de que estava tudo bem. Atravessei a rua e procurei uma
pessoa que me anunciasse.
— Legal, sem porteiro — ironizei para mim mesmo. Fazendo uma
nota mental de convencê-la imediatamente a vir morar comigo. Assim que as
pessoas soubessem que estávamos juntos, morar ali, sem segurança alguma,
seria arriscado demais.
Procurei o número do apartamento dela e apertei o botão do
interfone. Dois toques e a vozinha do Theo soou, provocando um sorriso em
meu rosto. Meu apego com o garoto foi instantâneo, antes mesmo de eu ter
algo com sua mãe.
— Tio Yan, é você? — questionou eufórico.
— E, aí, garotão?
— Mãe, o tio Yan chegou, vamos descer — gritou.
— Theo, abre para eu subir.
Eu precisava de mais argumentos para convencê-la a ir morar
comigo. Certamente encontraria vários no apartamento dela. Ouvi o trinco
da porta abrir e a empurrei, antes que Analu aparecesse ali e me impedisse
de subir.
Mais uma vez, me surpreendi ao procurar o elevador – nada.
Balancei a cabeça e comecei a subir as escadas. Para mim, não há problema
algum subir quatro andares de escada, mas seria mais um argumento a meu
favor.
Nem precisei tocar a campainha, Theo estava na porta e, assim que
meu viu, pulou no meu pescoço – radiante.
— Tio Yan, você vai ser meu padrasto?
Abracei o garoto e o coloquei no chão – bagunçando seus cabelos.
— Isso depende da sua mãe, garoto.
Ele olhou para trás e ergui a cabeça – encontrando uma Analu
maravilhosamente linda na porta – com um sorriso tímido.
— Mãe, o tio Yan vai ser meu padrasto? — devolveu a pergunta a ela
que, antes de responder, abriu e fechou a boca algumas vezes.
— Temos visita ilustre hoje? Que honra receber um Bennett em meu
humilde prédio. — Analu foi salva pela amiga, saindo do apartamento ao
lado.
Arrumei a postura e sorri.
— Só Yan, por favor. Tudo bem com você? — Fui até ela e estendi a
mão para cumprimentá-la.
— Melhor agora, essa visão é dos deuses — brincou, medindo-me
dos pés a cabeça, e eu gargalhei – adorando a forma descontraída de lidar
com a coisas, que a amiga dela tinha.
— Estamos prontos, se você quiser... — Analu começou a falar e eu
a interrompi – indo até ela e a beijando nos lábios.
Foi somente um toque de leve, não era o momento e nem o lugar de
aprofundar, apesar de ter tido um controle enorme para não o fazer.
— Oi, como está se sentindo? — sussurrei, com a testa colada a dela
e a mão em sua nuca.
Vi quando ela desviou o olhar para a “plateia” e engoliu em seco. Me
afastei e sorri ao Theo que tinha a expressão de uma criança que tinha
acabado de ganhar o melhor presente de todos.
— Isso aí, mermão, apostei em você desde o início — descontraiu a
amiga.
— Posso conhecer sua casa? — sugeri e encontrei um pouco de
resistência em seu olhar. Ergui uma sobrancelha e ela cedeu – afastando-se
da porta e fazendo um sinal para eu entrar.
Como imaginei, era tudo muito organizado e de bom gosto, no
entanto, simples. Tirando o quarto do garoto, que tinha tudo de última
geração. Estava claro que Analu precisava de alguém que cuidasse dela.
Porque o que minha mãe tinha me contato foi comprovado: ela só se
preocupava com o filho. Só que nunca admitiria.
— Eu sei que não é muita coisa, mas vivemos bem aqui —
justificou-se, antes mesmo de eu dizer qualquer coisa.
— Parece confortável — concordei e sorri.
— Podemos ir, agora? — insistiu e assenti.
— Minha mãe está ansiosa para conhecer o Theo — comentei,
enquanto caminhávamos para a porta de saída. Theo ficou junto com a
Marina nos esperando fora do apartamento.
— Ele está eufórico, desde o momento que disse que almoçaríamos
em sua casa.
Saímos e Theo estava extremamente agitado.
— Vamos? — apressou e sorrimos.
— Bom almoço pra vocês — desejou Marina.
— Venha conosco, minha mãe vai adorar conhecer você — convidei.
— Fica pra próxima, vou deixar a família se acertar primeiro. —
Piscou e olhou para a Analu – fazendo um gesto que eu não compreendi o
que significava. Pela expressão da doutora, era alguma bobagem.
Theo pegou na minha mão e me puxou em direção às escadas. Olhei
para Analu e meu coração deu uma falhada – seus olhos estavam marejados.
Aquele momento me fez decidir que não adiaria, nem mais um dia: os
levaria para morar comigo. Eu cuidaria dos dois.
— Seu carro é maneiro, tio Yan. Você pode me levar para a escola
segunda? Meus amigos vão pirar, tá ligado!?
— Theo! O que foi que conversarmos, filho? Que coisa feia! —
repreendeu Analu e eu coloquei a mão em sua perna – apertando de leve.
— Claro que levo, carinha. Todos os dias, daqui pra frente.
Analu me olhou feio e balançou a cabeça – desistindo.
Pelo retrovisor, observava o olhar de encantamento do garoto.
Justificável, tirando Analu, todas as pessoas que entraram, pela primeira vez,
na minha máquina, se deslumbraram.
Embiquei o carro na entrada do condomínio e vi o corpo de Analu
endurecer.
— Está tudo bem? — indaguei e ela fez que sim com a cabeça –
respirando fundo.
— É tudo tão... — Suspirou. — Está acontecendo muito rápido.
Não era só ela quem estava assustada.
Fascinada
Analu

Meu Deus! É surreal! Não queria parecer uma caipira ou coisa do tipo,
mas nunca tinha estado em um lugar tão glamouroso como aquele. Fiquei
com medo do comportamento do meu filho que, apesar de estudar em um
dos melhores colégios da cidade e seus amigos, certamente, morarem em
lugares como aquele, não era o mundo real dele.
— Pronta? — indagou Yan, virando o corpo para mim, ainda dentro
do carro.
Evidentemente, eu não escondia minha insegurança. Por mais que eu
tentasse disfarçar. A todo momento, me lembrava de que tinha um bebê
daquele homem lindo e bilionário dentro de mim. Era o que me encorajava a
continuar com aquela loucura. Porque, mesmo que eu soubesse que estava
apaixonada por ele, e meu filho também, não queria dizer que Yan se
sentisse igual, embora tenha demonstrado que sim. Mas eu precisava ouvir,
com todas as letras. Só assim, talvez, me sentisse mais segura e pertencente
àquele mundo.
— Olha lá, mãe, o Pedro, meu colega da escola — Theo apontou
para um garoto que andava de bicicleta dentro do condomínio.
Sem sombra de dúvida, seria muito mais fácil para o meu filho, do
que para mim. Theo transbordava de felicidade, isso porque eu não tinha
contado a ele sobre a gravidez. Queria um momento só de nós três para dar a
notícia ao meu filho.
— Que legal, Theo. Vai lá dar um oi para o seu amigo — incentivou
Yan, sabendo que eu ficaria mais solta, com meu filho distraído.
Theo olhou para mim, esperando uma autorização. Meneei a cabeça
concordando, ele abriu a porta e saiu em disparada. Não estavam muito
longe, pudemos ouvir a conversa.
— Ei, Pedrão, você mora aqui?
— Theo, que maneiro, você por aqui.
— Sim, sabe o professor Yan, do futebol, que te contei? Ele mora
aqui. Ele tá namorando minha mãe, maneiro, não é? Acho que um dia vou
morar aqui, também.
— Cara, que massa, vamos poder jogar juntos.
Arregalei os olhos e fiquei com receio de olhar para o Yan. As coisas
estavam acontecendo rápido, mas, aparentemente, não tanto quando meu
filho gostaria.
— Crianças — comentei e baixei o olhar – balançando a cabeça.
Seus dedos longos tocaram meu queixo e me fizeram olhar para ele.
Yan tinha o sorriso de “milhões de dólares” estampado no rosto.
— Ele está certo, acho que deveriam vir morar aqui.
— O quê!? Não, Yan... — gaguejei. — Isso é... Meu Deus! Loucura.
A gente nem se conhece direito.
Suas sobrancelhas se ergueram e ele ficou sério.
— Preciso entender o que tá passando pela sua cabeça, doutora. O
que acha que pretendo, trazendo vocês aqui? Você carrega um filho meu, já
pensou nisso?
— E daí? O que isso muda? Não estamos no século dezoito. As
mulheres podem, perfeitamente, criar um filho sozinha. Eu sou a prova viva
disso — esquivei-me, rapidamente. Não queria, de forma alguma, que Yan
se sentisse na obrigação de ficar comigo por que estava grávida.
Ele sorriu largamente e eu franzi o cenho. Não tinha nada engraçado
no que eu tinha acabado de dizer.
— Amo a maneira como foge — murmurou e colocou uns fios de
cabelos atrás da minha orelha. Respirei fundo e umedeci os lábios. Ele me
desarmava, apenas com um toque. — Amo quando se impõe — continuou e
chegou mais perto – roçando nossos narizes. — Amo tudo em você —
declarou baixinho.
Colocou meu rosto entre suas mãos e assaltou meus lábios –
fechando os olhos e gemendo. Era como se ele estivesse sofrendo. Deixei
que mergulhasse a língua no interior da minha boca – sem fechar meus
olhos. Eu precisava entender o que ele sentia por mim. Cada investida que
ele dava, seus olhos se apertavam e um gemido rouco escapava de seu peito.
Levei as mãos até sua nuca e me entreguei. Finalmente, fechei os
olhos e me deliciei com uma de suas mãos invadindo minha camiseta e
tocando a minha pele. Foi minha vez de gemer. Um gemido dolorido. Pude
entender o porquê de ele parecer sofrer. O que eu sentia não era diferente.
Era profundo demais – assustador.
Sua boca se afastou da minha. Abrimos os olhos e ficamos nos
encarando – com as testas coladas.
— Eu sei que parece cedo para dizer isso, “Afrodite”, mas eu
preciso... — Suspirou e meu coração disparou, a ponto de eu senti-lo bater
dentro dos meus ouvidos. — Eu te amo — declarou e eu me surpreendi com
a minha reação: chorei.
Até aquele momento, não sabia o quanto precisava...
Ouvir as três palavrinhas mágicas...
Me sentir o centro do mundo de alguém...
Me sentir segura...
Saber que, dali para frente, não seria só eu e meus filhos...
Que teria outra pessoa caminhando comigo, me amando e sendo o
cúmplice de tudo o que eu fizesse.
Nossas respirações estavam completamente alteradas. As lágrimas
escorriam pelo meu rosto e Yan as limpava com os polegares.
— Espero que sejam de felicidade — divertiu-se e eu sorri –
soluçando.
— Você me fez quebrar todas as minhas regras — confessei.
— Se as regras são suas, você pode quebrá-las quando quiser —
continuou, sem tirar o sorriso do rosto – com a voz divertida.
É fácil amar o Yan. Nunca o vi mal humorado e nem reclamando de
nada. Sem contar o quanto é lindo e, vamos ser sinceros, não é nada mal
descobrir que, ao invés de um professor de futebol de areia, seja um
bilionário.
Ouvimos uma batida à janela do carro e olhamos de supetão – dando
de cara com a dona Miriam – de braços cruzados e olhos estreitados.
Sorrimos e nos ajeitamos – saindo do carro.
— A comida está esfriando — avisou e veio ao meu encontro – de
braços abertos. Dona Miriam me apertou ao seu corpo. — Minha querida,
como você está? Estou tão preocupada com você. — Seguramente, os
hormônios estavam me fazendo parecer uma fracote. As palavras daquela
mulher linda e gentil abriram novamente a torneira das minhas lágrimas. —
Oh, querida, não chore, estamos aqui, vamos cuidar de você — garantiu e
limpou minhas lágrimas – colocando minha cabeça em seu ombro.
Só meus pais conseguiam me passar aquele amor que estava sentindo
ali. Os anos e a distância, me fizeram esquecer o quanto era bom. Eu quem
devia estar passando segurança à dona Miriam, conhecendo seu histórico
médico. Entretanto, sentia que meu corpo expulsava tudo que me fazia mal.
Naquele momento, meu diploma não valia nada, porque dona Miriam fazia o
papel de médica – da minha alma.
— Mãe, posso ir na casa do Pedro? — Theo perguntou, assim que se
aproximou.
Dona Miriam me soltou e abriu o mesmo sorriso do filho. O que faz
meu coração se derreter. Agachou-se em frente ao Theo e alisou seu rosto –
com carinho.
— Você deve ser o Theo.
— Sim, a senhora é a mãe do tio Yan?
— Sou sim, você é exatamente como sua mãe me disse, lindo e
educado — elogiou e meu filho sorriu.
— Obrigado.
— Theo, a vovó fez um almoço delicioso, posso dizer que sou sua
avó, não posso?
Levei a mão ao coração e me segurei para não desaguar novamente.
Meu filho me olhou e dei de ombros. Olhei para o Yan e seus olhos
marejados os denunciaram – estava tão emocionado quanto eu.
— Sim, vou gostar de te chamar de vó.
Dona Miriam bagunçou os cabelos do meu filho e continuou:
— Tenho certeza de que você gosta de batatas fritas.
— Adoro, gosto de lanche também, mas a mamãe disse que não
posso comer todos os dias.
— Ela está certa, mas hoje é sábado, você está me visitando, sua mãe
não vai achar ruim. — Theo concordou com a cabeça. — Então, que tal a
gente comer primeiro, depois, sua mãe não vai se importar de ir brincar com
seu amigo, o condomínio é seguro, não é mesmo, Analu?
Ela ergueu os olhos para mim e não tive outra opção, a não ser
concordar. Quem conseguiria descordar de uma pessoa tão amável e sábia?

Meus olhos não sabiam para onde olhar. Tantas coisas me chamavam
à atenção que eu não saberia classificar o que era prioridade. Yan não
morava em uma casa, era uma mansão. Pela primeira vez, me senti acuada.
Com medo de não me encaixar naquele mundo. Diferente de mim, Theo
sentia-se em casa.
Acomodados, na enorme sala de jantar, fazíamos a nossa refeição,
rindo das histórias do meu filho. A mãe do Yan fez questão de fazer
comparações de quando seu filho tinha a idade do meu. A ligação dos dois
era invejável. Esperava que Theo fosse como Yan, no futuro.
— Theo, o que acha de vir morar aqui? — questionou dona Miriam,
eu arregalei os olhos e me virei para o Yan – pedindo socorro. Ele só ergueu
as mãos em rendição e sorriu.
— Não... é muito cedo... — censurei e a senhora negou.
— Mãe, a gente pode? Ia ser muito massa. Eu ia poder brincar com
meus amigos e o tio Yan ia jogar comigo, não é tio?
— Com certeza, a gente ia se divertir à beça — incentivou Yan e eu o
lancei um olhar de reprimenda.
— Gente... — Respirei fundo. — Acho que estamos pulando fases
aqui. Podemos ter essa conversa daqui uns meses? É muito cedo.
Dona Miriam, que estava sentada ao meu lado, pegou em minha mão
e me olhou, com um sorriso singelo.
— Querida, não se sinta pressionada. Vamos ao seu tempo. Eu só
acho que seria tão bom pra todos, que não vejo o porquê de adiar. Eu nunca
mais me sentiria sozinha e o Theo teria liberdade total dentro do
condomínio, aqui é muito seguro. Sem contar você, não precisaria trabalhar
tanto para manter as coisas que o garoto gosta. Yan assumiria a
responsabilidade e você só teria que se preocupar com você mesma.
Consegue ser um pouquinho egoísta, hum? Eu sei que não é fácil, pra você,
dividir a responsabilidade de seu filho e da sua vida com outra pessoa,
mesmo não te conhecendo tão bem. Mas, pense com carinho.
Engoli em seco e fiz que sim.
— Prometo que vou pensar — assegurei, ela beijou o dorso da minha
mão e voltou a comer.
Yan não parou de comer, como se nada estivesse acontecendo. Eu
sabia qual era a tática. Se ele me pressionasse, seguramente eu espanaria.
Saber que ele já me entendia, mesmo com tão pouco tempo de convivência,
ganhou meu coração.
Por um breve período, a mesa ficou silenciosa, até meu filho voltar a
ser o centro das atenções. Não podia negar que estava adorando a interação
dele com o Yan e sua mãe. Ele só tinha isso quando ia para São Paulo – com
meus pais e meu irmão.
— Mãe, agora o tio Yan é meu padrasto? — Theo repetiu a pergunta
que tinha feito no momento que encontrou com o Yan.
O sorriso maroto do Yan me fez erguer uma sobrancelha ameaçadora.
— Você quer isso, querido? — perguntou dona Miriam.
— Muito, vó. Eu disse pra minha mãe e pro tio Yan, também.
Rimos todos, com a sinceridade do meu filho.
— Sim, carinha, agora eu sou seu padrasto — adiantou-se Yan,
vendo que eu me acovardei em assumir.
Theo levantou-se e foi até o Yan – abraçando-o.
— Tio Yan, eu queria um irmãozinho, meus amigos disseram que o
padrasto ou pai que tem que colocar uma semente dentro da mãe. Minha mãe
não me explicou direito, você pode fazer isso?
— Theo! — berrei e coloquei a mão em frente aos lábios – sentindo
meu rosto pegar fogo.
A gargalhada que o Yan soltou – jogando a cabeça para trás –
amenizou um pouco a situação.
— Vamos ver se eu entendi, você quer que eu coloque uma semente
dentro da sua mãe, ou quer que eu te explique como é que ela entra lá? —
indagou Yan e eu enfiei o rosto entre as mãos – envergonhada.
— As duas coisas, todos os meus amigos já sabem e têm irmão pra
brincar com eles. — Fez um bico e deu de ombros.
— Olha só, carinha, eu tenho uma notícia boa pra te dar.
— Qual é?
— Eu já coloquei uma semente dentro da sua mãe, logo, logo, você
vai ter um irmãozinho ou, uma irmãzinha. Por isso que queremos que
venham morar com a gente. Assim vamos todos cuidar da sua mãe, enquanto
seu irmão, ou irmã, cresce lá dentro.
Meu filho me olhou com os olhos brilhantes.
— É verdade, mãe? — Fiz que sim com a cabeça e meus olhos se
encheram de lágrimas quando meu filho correu e me abraçou.
A cena me deu esperança de que meu “felizes para sempre” estava
prestes a se concretizar.
Epílogo
Um anos depois

Yan

— Vem logo, pai — chamou-me Theo – puxando-me pela mão.


— Ei, carinha, calma aí. — Tentei continuar a conversa com o
pessoal, mas foi impossível. A ansiedade do meu filho ganhou.
— Pai, não dá pra esperar, você é o técnico — insistiu, fiz um gesto
de desculpas para as pessoas e acompanhei meu filho até a quadra de areia
do condomínio.

Tantas coisas aconteceram em nossas vidas, em um ano, que se eu


tivesse que relatar, as pessoas diriam que é mentira.
Não foi difícil convencer Analu a vir morar comigo. Logo que fiz a
proposta, ela hesitou, no entanto, na mesma semana, recebeu a ligação do
advogado do pai do Theo querendo marcar uma reunião. Aquilo a destruiu,
ficou completamente desnorteada. Ela mesma chegou à conclusão de que
seria mais seguro estar comigo.
Peguei o telefone do advogado e entreguei na mão da assessoria
jurídica da minha empresa. Se o pai do garoto queria briga, encontraria uma
equipe pronta para o enfrentar. No meio do turbilhão de informações sobre o
Theo, surgiu a sugestão de eu adotá-lo, dessa maneira, o pai teria poucos
argumentos. Embora, pelo exame do DNA, pudesse comprovar que ele era o
pai. No entanto o rejeitou, assim que soube.
Mais do que depressa, acelerei a papelada e, antes da audiência de
guarda com o pai dele, o garoto já tinha sido adotado por mim. Consegui,
por intermédio dos meus advogados, que Analu não fosse à audiência, pois
estava perto de ganhar a nossa princesa. Eu a representei.
O juiz autorizou que o pai de sangue pudesse ver o filho uma vez por
mês, com acompanhamento, coisa que o indivíduo nunca fez. Certamente,
não esperava que o Theo fosse adotado por um Bennett. Sábia decisão, para
brigar com cachorro grande tem que ter bala na agulha.
Nos preocupamos, na época, em como ficaria a cabeça do garoto,
mediante tantas mudanças e informações. Tivemos sorte, ele se apegou, cada
vez mais, a mim – não mudando seu comportamento.
O dia que ele me perguntou se podia me chamar de pai, achei que
teria um ataque do coração. Não achei que pudesse amar tanto um serzinho
como amava-o.
Nem preciso dizer o quanto minha vida deu um giro de cento e
oitenta graus. Minha mãe nunca mais teve outra crise de pânico. Analu faz
questão de sair com ela todos os dias e o Theo virou a paixão da dona
Miriam. É até um pouco chato, porque ninguém pode falar nada com o
garoto, que ela vira uma onça na defesa dele. Precisei conversar com ela
para que se controlasse.
Assim que soubemos que era uma menina que Analu gerava, não me
contive de felicidade. Receosos, tomamos maior cuidado para contar ao
Theo que esperava por um companheiro. A reação do garoto nos
surpreendeu:
“Que maneiro, pai, assim vou ter você só pra mim. Meninas ficam
com as mães.”
Se o garoto tivesse meu sangue, não seria tão parecido comigo nas
atitudes. Dificilmente ele se irrita. Poucas vezes não consigo convencê-lo de
algo.
O dia no nascimento da nossa pequena Liz foi massacrante. Não
achei que ficaria tão desesperado, como naquele dia. A ideia de que teria um
time de futebol foi por água abaixo, na hora. Jamais faria Analu passar por
tudo aquilo novamente.
A doutora, como previsto, trabalhou até o último segundo da
gravidez. Segundo ela, não voltaria atrás com a sua palavra, cumpriu o que
prometeu ao seu superior. Sorte a minha que, assim que nossa bebê nasceu,
ela não renovou o contrato no hospital. Decidiu tirar um ano sabático. Torcia
para que se prolongasse por mais tempo. Eu sei que é um pensamento
retrógado, mas me sinto muito mais seguro. Depois do que a vi passar
naquela ilha.

— Ei, foi falta — gritei e fiquei em pé.


— Cara, não se mete, se não vou ter que te expulsar de campo —
ameaçou Gustavo e eu franzi o cenho.
O cara estava levando a sério o jogo.
— Calma aí, juiz, isso é só um amistoso — diverti-me e Gustavo me
olhou de cara feia.

Hoje, Theo está completando nove anos. Sugerimos várias opções a


ele. Mas nada fez o garoto desistir de uma festa no condomínio. Minha casa
nunca esteve tão cheia.
Assim que decidimos cumprir com o desejo do meu filho, sentamos
para conversar com a minha mãe. Dissemos a ela que poderíamos receber as
pessoas no salão do condomínio. Sabendo da fobia que ela tem. No entanto,
evidentemente, ela não faria nada que deixasse o garoto triste. Disse que não
era para nos preocupar. Mesmo assim, tanto as meninas que acompanham
ela, como Analu, estão de olho.
Nossa pequena Liz, passa de mão em mão, com apenas dois meses. É
a primeira vez que as pessoas têm a oportunidade de curtir a bebê. Foi
preciso muito controle da minha parte. Um ciúme, que nunca senti antes, me
tomou. Cheguei a cogitar que a babá ficasse com ela no andar de cima.
Analu me deu sermão de meia hora, dizendo que as crianças precisam de
contato com as pessoas, senão, ficam insuportáveis e doentes, pois não criam
anticorpos. Respirei fundo e concordei – até porque não teria chance alguma
de reverter a situação. Um cara inteligente tem que saber a hora de recuar.
Com Analu, isso tem acontecido com frequência.
— Goooooolllll — berrei e comecei a pular como pipoca no meio do
campo, junto com Theo.
Gustavo balançou a cabeça e saiu resmungando:
— Vocês não levam nada a sério.
Voltamos suados para casa e Theo foi correndo contar à mãe e a avó
que tinham ganhado o jogo. Seus amigos estavam como ele. Sem cerimônia,
atacaram a jarra de suco e os cachorros quentes. Era uma festa de criança.
Contratamos um Buffet que servisse tudo o que eles gostam. Se os adultos se
incomodassem, que fossem embora.
Me aproximei da minha deusa loira e a abracei por trás, com o suor
escorrendo pelo meu peito nu.
— Yan, vai sujar meu vestido. — Analu retrucou e tentou me afastar.
Lambi seu pescoço e ela se encolheu.
— Vamos lá em cima que te ajudo a trocar — provoquei – mordendo
a ponta da sua orelha.
Ela virou de frente para mim e abriu um sorriso safado.
— Sabe que tem um monte de gente olhando pra gente, não é
mesmo? — sussurrou e cruzou os braços no meu pescoço.
— Foda-se — murmurei e ela estreitou os olhos. — Ou melhor,
vamos foder?
Um tapa ardido no meu ombro me fez rir.
— Vá tomar banho e ficar apresentável aos seus convidados, senhor
Bennett.
— Sim, senhora Bennett. — Bati continência e fiz o que ela me
pediu.
§§§§
Me ensaboava e cantarolava embaixo da ducha, quando a porta do
box abriu e uma linda Analu surgiu – só de lingerie.
— Hum, tem festinha aqui em cima também? — aticei e ela sorriu,
negando com a cabeça.
— Termina logo que tenho uma surpresa pra você.
— Agora. — Terminei de me enxaguar de qualquer jeito e saí
rapidamente do banheiro. Deixando um rastro de água pelo caminho.
Me enxugando, cheguei perto da minha deusa – que tinha uma cara
de quem estava aprontando alguma.
— Pronto?
Abri os braços e mostrei-lhe o estado do meu pau.
— O que acha?
Analu sorriu e balançou a cabeça.
— Tudo você acha que vai terminar em sexo.
Fiz um bico com o lábio inferior.
— Não vai?
— Não agora, mais tarde.
Voei nela e a peguei no colo – jogando-a na cama. Fiquei sobre ela –
com seu rosto entre minhas mãos.
— Diz logo, minha “Afrodite”.
— Deixa-me virar de bruços.
Me ergui e ela o fez. Assim que vi seu cóccix, levei a mão ao peito e
não acreditei que ela tinha tido coragem de quebrar suas regras, daquela
maneira. Desde que conheci Analu, ficou claro o quanto ela detesta
tatuagens. Ela me declarou que me julgou por eu ter várias delas nos meus
bíceps. Não imaginei que ela seria capaz.
— Caralho, você fez isso por mim? — exclamei e ela me olhou por
cima dos ombros – assentindo.
Tinha o símbolo do infinito com nossos nomes. No meio, o meu e,
em cada um dos lados, o de nossos filhos. Não me contive, era a maior prova
de amor que ela poderia me dar. A virei e ataquei seus lábios com furor.
— Eu te amo, porra! — declarei, sentindo minha garganta fechar.
— Eu te amo... Te amo por não ter desistido de mim. Por amar meu
filho, como se fosse seu. Por me dar uma princesa. Te amo pelo carinho que
me trata. Te amo, mais que tudo, Yan Bennett.
Nossos corpos se enroscaram na cama e ficamos ali nos beijando, por
longos minutos, até alguém começar a bater na porta.
— Pai, mãe, a Liz quer mamar, não para de chorar — gritou Theo.
Nos entreolhamos e demos de ombros – sorrindo como bobos.
Esperei que cantassem os parabéns e que Theo aproveitasse bem o
momento dele para fazer o que tinha previsto há meses. Eu precisava de uma
ocasião onde estivessem as pessoas que são importantes para nós e que
Analu estivesse recuperada do parto. Sabia que se eu conversasse com ela a
respeito, haveria uma série de “e se”. Não pensei duas vezes, decidi agir
sozinho. Ninguém sabia dos meus planos.
Peguei um copo e comecei a bater no vidro, para que todos
prestassem atenção em mim.
— Pessoal, tenho algo importante a dizer, preciso da atenção de
todos. — Aguardei que estivessem atentos a mim e puxei minha deusa para
o meu lado – passando a mão pela cintura dela. Saquei a caixinha do bolso e
me ajoelhei à sua frente. Os olhos dela se encheram de lágrimas e sua mão
foi para frente da boca. — Doutora Analu, quer se casar comigo? — pedi e
abri a caixinha aveludada, com um lindo anel de diamante.
Analu se ajoelhou e atacou meus lábios, num beijo caloroso. Depois
de alguns minutos de muitos assobios e burburinhos, ela afastou a boca da
minha, segurou meu rosto com as duas mãos e respondeu:
— Sim, Yan Bennett. Eu quero me casar com você.
Fim.

[1] Brevê ou brevete é um documento que dá ao seu titular a permissão para pilotar aviões

[2] Como o médico dessa especialidade também é chamado, funciona como um clínico
geral da adolescência, sendo que ele também realiza, de certa forma, o acompanhamento psicossocial.

[3] Lamborghini é uma fabricante italiana de automóveis desportivos de luxo e de alto


desempenho criada originalmente para competir com a Ferrari
Agradecimento
“Ter talento para criar uma história não é o suficiente para que a
mesma tenha vida. Você, leitor, é o responsável pela sobrevivência de nossas
histórias.” Anny Mendes

Sabem, é muito difícil terminar uma história. Sinto como se estivessem


arrancando um pedaço de mim.
Quando se trata de uma série, é pior ainda, porque fico muito preocupada
em corresponder as expectativas das pessoas.
Esse é quarto livro da Série Bem-Vindo ao Jogo, espero ter conseguido,
não só corresponder, como superar, as expectativas de vocês.
É isso, pessoal. Fico muito agradecida a todos que confiam no meu
trabalho. Muito mais agradecida às minhas parceiras, que estão sempre do
meu lado.

Olha só, você que acabou de ler, não esquece de deixar sua avaliação. É
extremamente importante para mim.

Me sigam nas redes sociais para saberem dos próximos lançamentos:


@autorannymendes

Entre no meu site e compre livros físicos:


www.autorannymendes.com.br
About The Author
Anny Mendes

Paulista – nascida em Santo André – SP, apaixonada pela cidade de São


Paulo.
Incentivada pela mãe, assim que aprendeu a ler passou a viajar nas histórias.
Os livros tornaram-se seu vício.

Pedagoga, enquanto dedicou-se a ensinar, alimentou a esperança de um dia


poder fazer o que sempre sonhou – escrever.

Em agosto de 2016, conseguiu organizar sua vida e deu início ao seu


primeiro livro. A história fluiu livremente, soltando da gaiola o que ficou
preso por anos.

Divide seu tempo em ensinar, ler e escrever. Nas horas vagas assiste a filmes
e séries, além de namorar o esposo, que tanto ama.
Bem-vindo ao Jogo
Uma série composta por cinco livros que contarão a vida de cada um dos
filhos da família Bennett. Mesmo sendo livros independentes as histórias
estarão interligadas pela presença da investigadora Gabrielle Mantovani,
uma mulher que tem com um objetivo de vida desmascarar e acabar com o
império do poderoso Senhor Isaac Bennett.

A vida é um jogo? Será que seu pensamento continuará o mesmo ao final


das histórias? Bem-vindo ao jogo!

O Caçula
Um pequeno acidente de trânsito, é o ponto de partida para um jogo
divertido.

Como é estar em uma família que vive em uma disputa de poder? É nessa
família que nosso mocinho, o galante e belo Lucca Bennett, está. Seu pai é
um poderoso CEO da maior empresa alimentícia do país – com segredos que
nem seus próprios filhos tem conhecimento. Lucca é o caçula, embora esteja
acostumado a jogar, não se sente bem à vontade e recrimina as atitudes do
pai.

O Cowboy
Uma disputa acirrada por um pedaço de terra.

Jogar é o que os Bennett fazem de melhor. Kaíque não tem nada que o
caracterize como um Bennett, a não ser o sobrenome. O belo cowboy, de
sotaque arrastado e o vocabulário peculiar do mineiro, achou que usando seu
"talento" conseguiria as terras da Laura, que herdou uma fazenda em uma
cidade do Sul de Minas, entre as das empresas Bennett, com facilidade –
ledo engano.

O Metódico
Uma invasão em um carro e o jogo começa.

Imagina ter que se casar por ultimato do pai em seu testamento. E, quando
pensa que aceitou a ideia, se vê no meio de um furacão, foge da união
arranjada e cai num pacto penoso.
Books By This Author
Meus Livros

Você também pode gostar