Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida, em qualquer forma
ou por qualquer meio, sem o consentimento expresso da autora.
A violação aos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei nº 9.610/98 e previsto pelo artigo
184 do Código Penal Brasileiro.
Esta é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e acontecimentos que permeiam a
narrativa são produtos da imaginação da autora. Quaisquer semelhanças com nomes, datas e
acontecimentos reais é mera coincidência.
— Cara, aconteceu uma tragédia! — Miro alardeou ao entrar na minha sala no final do
expediente.
— Que tragédia? Engravidou alguém? — brinquei, mantendo os olhos no relatório que estava
lendo.
— Pode ser que sim. — A entonação preocupada me fez abandonar a leitura. — Uma mulher
me ligou agora há pouco e disse que eu posso ser o pai do filho dela!
— E você acreditou? — Não contive a risada.
— É sério, Braz. — Puxou uma cadeira e se sentou de frente para mim. — Ela citou alguns
nomes, inclusive o seu.
— O meu? — indaguei, sem entender.
— O seu, o meu e o de outros caras que também participaram da suruba na casa de Ferrão.
— Qual delas?
— Aquela, que uns primos dele também participaram. Até levaram umas gostosas. Tinha uma
ruiva peituda com uma tatuagem na bunda, lembra?
— Uma que tinha um piercing na...
— Não — ele cortou. — A do piercing tinha o cabelo azul.
— Cara, como você lembra essas coisas? — perguntei, achando graça.
— É difícil esquecer os fios presos no meu pulso. — Ele usou um tom sacana.
— Será que ela é a mãe do seu filho, Mirão? — provoquei.
— Vira essa boca pra lá! Não sei qual delas ligou, mas não sou o único ferrado nessa
história, não! O pai da criança pode ser qualquer um dos que enfiaram o pau nessa mulher! Seu nome
também está na lista. E se for você?
— Impossível. Não transo sem camisinha. Estava devidamente encapado naquela noite.
— Eu também, porra! Mas a gente sabe que essa merda pode falhar, cara. E se tiver falhado?
— O desespero estava nítido em suas feições.
— Comigo funciona há quase quinze anos, não vai ser agora que vai dar errado — respondi
calmamente.
— Você não está nem um pouco preocupado? — Miro me encarou, incrédulo.
— Ramiro, está na cara que isso é um golpe. — Balancei a cabeça, rindo da inocência de
meu amigo. — O pai da criança deve ser um pé-rapado. A garota descobriu que os caras que
participaram têm grana e está tentando dar o famoso golpe da barriga.
— Sei não, Braz. Ela quer que eu faça o teste, perguntou se eu topo.
— E você vai fazer?
— Vou, né. Se for meu, vou ter que assumir. Fazer o quê? — Soltou um suspiro. — Que
merda, cara... Que merda... — Os dedos voaram para a testa, complementando o semblante agoniado.
— Fica tranquilo. Você vai ficar uma graça de papai! — Gargalhei.
— Eu queria ter essa sua coragem de rir na cara do perigo, Simba. Quero ver o que você vai
fazer se meu exame der negativo, e ela te ligar em seguida!
— Simples. Vou dizer que não sou o pai e, logo depois, vou mandá-la à merda.
— Aí, ela ajuizaria uma ação de investigação de paternidade, otário!
— Isso poderia me obrigar a fazer o teste? — sondei.
— Obrigar, não. O cara faz se quiser. Mas a recusa induz presunção juris tantum de
paternidade.
— Fala direito.
— Mas é Direito! — Riu do próprio trocadilho.
— Explica logo essa merda, Ramiro — pedi, com a paciência no limite.
Ele deu uma risada, mas logo adotou uma fisionomia séria.
— Significa que o melhor é fazer o exame por livre e espontânea vontade. Porque, se a mãe
ajuizar a ação, o suposto pai acabará fazendo o teste de qualquer maneira. É possível negar. Mas isso
pode levar a uma interpretação judicial desfavorável. Se existirem indícios suficientes de
paternidade, o juiz pode reconhecê-la, mesmo que o teste não tenha sido realizado. Ou seja, se o cara
optar por não fazer o exame, pode tomar no cu sem ser o pai da criança. Portanto, se a mulher te
ligar, aceita e faz.
— De jeito nenhum! Não vou facilitar a vida da oportunista — declarei, resoluto. — Se ela
quiser testar o meu DNA, que acione a justiça. Apenas nesse caso eu faço o exame.
— Você vai dar todo esse trabalho para a mãe do seu filho? — Miro zoou, tentando mascarar
a apreensão.
— Ela não é a mãe do meu filho, é só uma filha da mãe que acha que nascemos ontem. Mas eu
sou vacinado. Nesse golpe eu não caio. — Guardei o relatório e fiquei de pé. — E aí, quer sair pra
tomar uma?
— Tô precisando mesmo beber. — Ele também se levantou, apalpando os bolsos do terno. —
Porra. Deixei a carteira na minha sala.
— Deixa que eu pago. — Comecei a sair.
— Você pagou na semana passada. A gente passa lá, e eu pego. — Miro me acompanhou.
— Tem certeza de que não quer que eu pague? Você precisa economizar para as fraldas do
seu filho — zombei.
— Você é desgraçado demais, cara. — Ele estava tão tenso que nem riu.
Já eu, dei risada até chegarmos ao elevador.
Em poucos minutos, estávamos no Departamento Jurídico.
— Doutor, a mulher que ligou anteriormente acabou de retornar a ligação, com a data e o
horário do compromisso — a secretária informou, assim que nos aproximamos da sala de meu amigo.
— Já inseri o evento e sincronizei a sua agenda.
— Obrigado, Briana. — Ele forçou um sorriso educado e seguiu adiante.
Assim que virou as costas, o semblante carregado de profissionalismo dela foi substituído
por um olhar cheio de malícia, que o acompanhou até o instante em que entrou na própria sala.
Mordendo o lábio e enrolando uma mecha do farto cabelo loiro, ela girou a cabeça e se
deparou comigo.
— Ai, que susto! — Levou a mão ao discreto decote do uniforme. — Esqueci que você
estava aqui, traste. — Mirando a tela do iMac, deu alguns cliques e começou a bater as unhas
compridas no teclado.
— Cuidado, Briana... — Abri um sorriso cretino. — Se continuar de olho no seu patrão, pode
acabar no olho da rua...
— Você bem que podia convencê-lo a dar uma chance para a sua prima favorita. — Ela me
fitou e sorriu de forma pretensamente pura.
— Isso nunca vai acontecer, priminha — debochei.
— Por favor... — Lançou-me um olhar comovente.
— Esquece. Ramiro não transa com as próprias secretárias. Ele não fodeu nem a anterior. E
olha que ela era muito mais bonita que você — provoquei.
— Idiota. — Briana fez uma careta. — Então, o mínimo que você pode fazer é me apresentar
ao irmão dele!
— Como você sabe que ele tem irmãos, se começou a trabalhar aqui esta semana? —
investiguei.
— Tem mais de um? — Ela se animou.
— Dois.
— Um deles ligou pra cá ontem. Tem uma voz tão... máscula. — Suspirou. — Aposto que é
gato. É, não é?
— Feio pra caralho.
Ela riu.
— Já vi que é lindo! Qual dos três é o mais bonito?
— Que pergunta fodida é essa, Briana? — resmunguei. — E eu lá acho macho bonito?
Íris castanhas se reviraram em resposta.
— Pelo menos me conta uma coisa... — Ela chegou mais perto, mas foi interrompida pela
súbita presença de Ramiro, que se aproximou do balcão.
— Briana, já estou indo — comunicou. — Bom fim de semana.
— Para o senhor também — retribuiu, séria.
Miro começou a se afastar, e ela fisgou o lábio novamente, atenta aos movimentos dele.
Balancei a cabeça em recriminação, e recebi um delgado dedo médio em resposta. Devolvi o
gesto e acompanhei meu amigo.
— Você já percebeu que Briana está louca para passar um tempo na sua cama, né? —
questionei, quando alcançamos o elevador.
— Ela se contentaria com a mesa da minha sala. — Ele esticou o braço e apertou um dos
botões do painel.
Dei uma risada.
— Deixa de ser sacana, Mirão. Dá um trato na coitada.
— Você sabe que eu não misturo sexo com trabalho. Além disso, agora há pouco, quando
descobri que dia vou fazer o exame, fiz uma promessa. Se eu não for o pai da criança, vou ficar sem
transar por um ano.
Tive uma crise de riso tão violenta que, quando a caixa metálica se abriu, eu ainda estava
gargalhando.
Controlei o riso e ajeitei a postura às pressas ao ver a esposa do diretor executivo diante das
portas abertas.
A mulher era um espetáculo. Devia ter uns quarenta e poucos anos. Ostentava belos traços e
um corpo escultural, moldado pelo vestido justo e elegante. O magnata que se casara com aquela
beldade era um filho da puta sortudo. E, também, meu chefe.
— Boa tarde. — Ramiro e eu cumprimentamos ao nos juntarmos a ela.
— Boa tarde. — A voz suave ressoou nas paredes frias enquanto o elevador se fechava.
Miro ocupou um dos lados, e eu me posicionei do outro.
No ambiente silencioso, o perfume feminino logo açoitou minhas narinas. Ela exalava uma
fragrância delicada, mas marcante.
De repente, seu celular começou a tocar dentro da bolsa, que — eu tinha certeza — valia uma
fortuna.
— Com licença, rapazes — pediu, ao checar o visor. — Preciso atender. — Quando
assentimos, por mera formalidade, levou o aparelho à orelha e começou a falar em um inglês
impecável.
A conversa mal começou e chegamos ao térreo. Com um aceno educado, ela saiu andando
pelo saguão, os saltos altos repicando no piso lustroso e o rabo empinado balançando em um
movimento hipnótico.
— Quer ser demitido, porra? — Levei um soco no braço. — É uma senhora bunda, mas uma
boa manjada não vale o emprego que te paga um salário de seis dígitos.
Achando graça, eu o encarei, me lembrando da promessa.
— Cara, como é que você promete o que não consegue cumprir? Quando o resultado der
negativo, vai acabar molhando a rola, e o santo vai te castigar! Se afogar o ganso, ele envia a
cegonha! — Gargalhei.
— Deixa de ser filho da puta, Braz — resmungou, visivelmente tenso.
— Relaxa, Mirão. — Bati em suas costas. — Logo você estará contando essa história em um
boteco, rindo da época em achou que seria pai.
— Tomara, porque não estou pronto para essa merda, cara. Se um troço desses acontece
comigo, acho que perco a cabeça.
Por mais que estivesse me divertindo às custas dele, eu o entendia perfeitamente. Era um
sujeito com quase trinta anos nas costas, mas não queria ter filhos. Nunca quis, porque sabia que não
seria um bom pai.
Deixamos o prédio e fomos direto para o bar que ficava na mesma avenida, onde a maioria
dos funcionários da empresa se reunia todos os sábados. O lugar estava lotado e, como de costume,
muitas mulheres bonitas perambulavam pelo lounge, com seus drinques e coquetéis coloridos. Dentre
elas, algumas participavam do happy hour de outras firmas. Várias trabalhavam nas lojas de alto
padrão das redondezas. E havia as que estavam ali com amigas, apenas pela diversão noturna, que
logo se iniciaria.
Naquele sábado, fui para casa com duas loiras. Nos seguintes, também voltei acompanhado.
E foi em um deles que um garoto ensopado apareceu na minha porta.
Tentei telefonar
Ao ver a garota se afastando, não perdi tempo. Girei o corpo, corri sob a chuva, atravessei
as portas e me deparei com as quatro mulheres ajuntando seus pertences.
— Cadê a menina? — A do cabelo trançado quis saber.
— Foi embora. Podemos continuar de onde paramos. — Abri meu melhor sorriso sacana,
enlaçando sua cintura.
— Embora? — Ela se afastou bruscamente. — Pra onde, se a coitada foi expulsa da própria
casa?
Abri a boca para explicar toda aquela merda, desde o princípio, mas fui interrompido. Uma
enxurrada de falsas acusações e xingamentos imerecidos despejou-se sobre mim.
Sem que eu tivesse a chance de esclarecer as coisas, as quatro saíram aos berros,
aparentemente dispostas a procurar a grávida de Taubaté que Hollywood estava perdendo.
Meu conforto era saber que as desgraçadas rodariam o bairro inteiro em vão, enquanto eu
voltava para o bar.
Enfurecido, mas me sentindo vingado, galguei os degraus até o quarto, me troquei e desci.
Fui direto para a garagem e, minutos depois, estava com os dedos presos a cachos escuros e a língua
enfiada em uma boca deliciosa.
De tão excitado, fiquei com a primeira gostosa que encontrei e não me dei o trabalho de
levá-la para casa. Comi a safada no estacionamento, contra o carro de alguém. Sequer deu tempo de
chegar ao meu.
A foda, rápida e ruidosa, tinha sido boa, mas eu não estava acostumado a transar com apenas
uma mulher. Antes daquilo, nem me lembrava quanto tempo fazia desde a última vez que fodi uma só.
Fiquei com a nítida e penosa sensação de que faltava algo.
Esse algo era boceta. Uma era pouco. Não deixava de ser bom, mas podia ser muito melhor.
Passava das três da madrugada quando fui embora, irritado pela insuficiência de sexo, mas
puto demais para voltar para o bar.
Tentei dormir, a fim de apagar aquele dia, mas a raiva e a insatisfação que corriam em
minhas veias não permitiram.
Aquela garota tinha estragado a minha noite. Àquela altura, eu deveria estar trepando como
se não houvesse amanhã. Mas estava ali, deitado, com o pau na testa e o pensamento nas bocetas
perdidas.
Revoltado, abandonei a cama, fui até o bar da sala e servi uma dose de uísque. Puro.
Bebi de uma vez. Então, coloquei algumas pedras de gelo no copo, enchi e me sentei em uma
das poltronas.
Em poucos segundos, evoquei a imagem dos cabelos curtos, escuros e ensopados.
Ela estava mentindo. Era impossível não estar. Algo em seu rosto me lembrava alguém, mas,
definitivamente, eu nunca tinha visto e muito menos transado com aquela garota.
Não fazia meu tipo. Não fazia sentido.
Possuía feições bonitas, mas era pequena, magra e angelical demais para o meu gosto.
Preferia mulheres altas, curvilíneas, maduras e sedutoras. Todas eram assim naquela orgia. Fodi
várias. Da maioria eu nem me lembro. Mas sei que não comi aquela garota.
Ou comi?
Fechei os olhos e tentei rememorar a noite da suruba.
Fui de terno, direto do trabalho, devido a uma reunião extemporânea, que me manteve na
empresa por um tempo superior ao previsto. Fui informado de que o gerente financeiro, meu
subordinado e braço direito no departamento, seria transferido no próximo mês, para uma das filiais
estrangeiras, e as implicações disso me deixaram baqueado. Não por uma questão puramente
profissional, mas também pessoal. Além de ser um competente colega de trabalho, Ferrão era meu
amigo. E sua transferência significava que a orgia marcada para aquela noite seria uma das últimas
em sua casa.
Fui para lá disposto a desfrutar de cada segundo.
Assim que cheguei, subi para tomar banho com a mulher de cabelo azul.
Descobri o piercing quando posicionei a cabeça entre suas pernas torneadas. Lambi e
chupei a boceta inteira. Depois que ela gozou, coloquei a camisinha e a fodi vigorosamente debaixo
do chuveiro, os gemidos altos se misturando ao som das estocadas e ao intenso jato de água.
Algum tempo depois, desci. Alguém me ofereceu absinto. Esvaziei o copo. Fui puxado até o
sofá, e mechas azuis cobriram minhas coxas.
Uma morena tatuada se aproximou e puxou meu pescoço. Sua língua tinha gosto de vodca.
Os destilados se misturavam em nossas bocas enquanto lábios quentes lustravam meu pau.
Em poucos instantes, eu estava puxando os fios escuros. Meus dedos livres escavavam os
desenhos feitos à tinta enquanto minha pélvis se chocava contra o rabo onde minha pica sumia e
reaparecia.
Murmúrios indistintos derramavam-se sobre a joia de metal ao mesmo tempo em que sua
dona mamava um sujeito qualquer.
Continuei reunindo os fragmentos daquela noite, mas é claro que não encontrei a garota em
minhas memórias. Não fiquei surpreso.
Satisfeito por estar livre da pilantra, finalizei o uísque e voltei para o quarto.
Em algum momento, o cansaço venceu a insônia.
O domingo amanheceu ensolarado. Aproveitei o céu limpo e o tempo bom para desanuviar a
mente e aliviar o mau humor. Logo de manhã, fui para o clube do qual sou sócio.
Poderia tomar sol e nadar na minha própria casa, mas não resolveria o problema. Mulheres
seminuas, sim. Gostosas de fio-dental mudam o estado de espírito de qualquer cara.
Ao chegar, dei algumas braçadas na água e, logo depois, várias estocadas dentro de uma das
saunas.
Duas morenas que eu já tinha comido uma vez no vestiário feminino quiseram um repeteco e,
para aqueles peitos enormes escapando dos biquínis minúsculos meu pau também pediu bis.
Cerca de uma hora depois, voltei para a área das piscinas e ocupei uma das
espreguiçadeiras, com uma cerveja na mão e os óculos escuros em seu devido lugar.
O local era frequentado pela nata da cidade. O que não faltava eram jovens bonitas
desfilando seus corpos esculturais; em sua maioria, filhas de empresários bem-sucedidos ou esposas
de velhos ricos.
Estava flertando com as safadas que passavam por ali, admirando meu six-pack e o pacote
logo abaixo, quando alguém soltou um berro:
— Ô vidão!
— Filho da puta! — bradei, ao virar o pescoço e me deparar com o arrombado do Ramiro
sentado uma espreguiçadeira depois da minha.
— Assustou, patrão? — ele zoou. — Achou que fosse o corno que pagou pelas tetas da
morena?
— Que morena?
— Uma das que você comeu na sauna.
— Como você...
— Vi você saindo de lá quando cheguei. — Balançou a cabeça em aprovação. — Gostosas
pra caralho, hein...
— E escandalosas que só — completei, e ele riu.
Tomei um gole da loira gelada, manjando a bunda de uma loira quente que passou rebolando
por nós, exibindo a fina tira vermelha que dividia duas bandas perfeitas.
— Cara, tô há dois dias sem transar e acho que não aguento mais — Miro comentou, e eu
quase cuspi o gole de cerveja que acabei engolindo em meio às risadas. — É sério, Braz. Tá foda.
— Prometeu, vai ter que cumprir! Senão, já sabe, né? Na próxima metida, o moleque vem!
— Gargalhei.
— Ria enquanto pode, Belmonte. Eu já disse que fui o penúltimo a fazer o exame. Só falta
você. Já, já a mamãe te procura, papai. O moleque é seu, otário! — Foi a vez dele de rir.
— Já procurou. — Levei o gargalo à boca.
— Ela ligou? E você atendeu?
— Claro que não. Assim que seu resultado saiu, peguei o número com Briana e bloqueei.
— Briana te passou o número? — Arregalou os olhos.
— Em troca, prometi te convencer a comer o cu dela. — Dei uma risada.
— O cu? — Ele pareceu interessado.
Soltei uma gargalhada.
— Um cu que você não vai nem sentir o cheiro, porque virou padre!
— Zoa mais, desgraçado! Quando a mãe do seu filho der um jeito de te achar, vai chegar a
minha vez. E, acredite, ela vai atrás de você até no inferno. Aquela mulher é fogo.
— Já me achou. Graças a você, né, filho da puta? — Finalmente a minha ficha caiu. — Você
deu meu endereço para aquela pilantra!
— Ela foi a sua casa? — Ele se espantou.
— O que você achou que a garota faria com o endereço, Ramiro? Pensou que fosse enfiar no
rabo?
— Eu não dei seu endereço, porra! Ela até me ligou ontem, mas não atendi. Fui dormir cedo,
para aplacar minha tristeza. Só vi a ligação hoje de manhã. E não retornei. Depois do que eu passei,
não quero falar ou ver aquela mulher nem pintada de ouro. Que o diabo a carregue!
— Então... como ela conseguiu? — perguntei, intrigado.
— Como é que eu vou saber? — Ele bebeu um gole da própria garrafa. — Mas e aí, vai
fazer o exame?
— Pra quê, se eu nunca transei com ela? — Achei graça.
— Tem certeza? Porque eu não tinha, e...
— Nenhum de nós transou. Você se lembra de ter visto ela lá?
— Não, mas...
— Claro que não! Porque ela não estava lá. Ferrão não aceita menores de idade nas surubas,
e você sabe disso.
— Sim, mas...
— Oi. — Uma voz suave chamou nossa atenção. — Será que vocês podem ajudar a gente
com o filtro solar?
Direcionei as vistas e me deparei com um par de pernas longas. Percorri as coxas grossas e
encontrei um pequeno triângulo branco. Depois, veio o abdome chapado. E, então, duas opulências
mal sustentadas por um frágil pedaço de pano estampado.
— Claro. — Abri um sorriso, mirando as belas feições da gostosa de compridos fios
castanhos.
Fiquei de pé rapidamente, presenteando meus olhos com a visão magnífica da loira que
estava ao lado.
— Passa em mim? — Seus lábios carnudos se esticaram.
Retribuí curvando os meus. Então, peguei o frasco estendido e comecei a besuntar suas
costas mornas e macias, de olho no rabo atochado pelo fio-dental — o inventor dessa irresistível
peça feminina merecia um Nobel.
Estava massageando os ombros estreitos quando toda aquela abundância roçou minha sunga.
O encontro sutil se tornou mais intenso. Escutei um gemido baixo. E, quando as duas metades
pressionaram o volume crescente, uma leve rebolada apertou a cabeça da minha rola.
Alcancei sua orelha, sem parar de espalhar o produto.
— Quer que eu termine isso em outro lugar? — Meu hálito em contato com a pele sensível
fez com que ela gemesse de novo.
Virou-se e, sem qualquer aviso, me beijou. Sua boca tinha um leve sabor alcoólico,
misturado ao doce gosto de frutas.
A língua quente apropriou-se da minha, movendo-se no mesmo ritmo desvairado.
Quando seu rosto se afastou do meu, ela começou a me puxar.
Notei que Ramiro estava ocupado passando o protetor na outra e, ao me ver sendo tragado
para a não tão satisfatória experiência de foder uma boceta só, analisei minhas prioridades.
O que era melhor? Transar com uma mulher e tê-la apenas para mim ou transar com duas,
dividindo-as com meu amigo?
Definitivamente, a segunda opção. Mais de uma boceta era melhor que apenas uma. Sempre.
— Vocês querem vir com a gente? — convidei, como quem não queria nada.
— Por que você está chamando os dois? — A loira me encarou.
Não era óbvio?
— Para a gente fazer um swing, gata — expliquei, e ela esbugalhou os olhos.
— Ficou louco? Aquela é minha irmã! — A dupla expressão enojada comprovou que as
duas não eram como as gêmeas que eu havia levado para casa uns meses atrás.
Uma pena. Realmente, uma pena.
— E eu tenho namorada — Ramiro declarou, e tive que prender o riso.
— Sério? — A morena não escondeu a decepção.
— Vai arregar mesmo, Mirão? — provoquei, e ele me mostrou um semblante sofrido.
Caí na risada.
Instantes depois, saía dali acompanhado, porque, apesar de preferir duas, três, quatro, cinco
ou seis, uma boceta é melhor que nenhuma. Sempre.
Eu posso estar em qualquer lugar
— Ainda bem que eu não gosto de macho! Deus me livre passar por uma coisa dessas! —
Sentada na cama, minha irmã me encarava, horrorizada.
— Pois é. Mas o que é dele está guardado. — De frente para o espelho, terminei de lidar
com os botões da minha camisa.
— Estou vivendo por esse momento! — O reflexo me mostrou o largo sorriso de Laís. —
Também estou louca para o dia em que você vai contar para o restante da família que está grávida!
Ainda nem acredito que vou ser tia!
— Fala baixo! — pedi, me voltando para ela. — Eu já disse que não vou contar por agora.
Não estou preparada. — Fui até a penteadeira e comecei a revirar minhas maquiagens.
— Mas você sabe que não precisa se preocupar, né? Eles vão amar a novidade! Papai vai
levar um susto, mas, depois, vai soltar fogos! Mamãe provavelmente terá uma pequena crise, mas
logo estará pulando de alegria! E nosso irmão adora crianças. Vai ficar contente logo de cara quando
souber que terá um sobrinho!
Parei o que estava fazendo e me virei.
Usando seu kigurumi de unicórnio — um resquício da nossa noite do pijama —, com alguns
fios loiros escapando pela abertura do capuz e sentada na posição de lótus — sua favorita, mesmo
longe das aulas de yoga —, minha irmã exibia uma expressão superanimada.
Testemunhar todo o seu entusiasmo e antever a comemoração dos demais me deixava ainda
pior por dentro. Não estava empolgada ou minimamente feliz com a ideia de ser mãe. Não repudiava
a maternidade, mas ter um filho aos vinte e cinco anos, sozinha, não estava exatamente na minha lista
de coisas para fazer antes de morrer.
Não que me importasse com a irresponsabilidade daquele babaca. Não precisava dele. Para
nada. Podia muito bem ter e criar uma criança por conta própria. Porém, sempre que me imaginava
com um bebê no colo, eu visualizava um marido amoroso ao meu lado. Quando pensava nisso,
enxergava Joaquim acariciando o rostinho do nosso filho.
Ver meus sonhos e planos ruindo, em razão de uma noite em que tudo deu errado, era triste e
doloroso demais. Contudo, eu não culpava o bebê. Culpava a mim mesma, principalmente por lhe dar
um pai tão ruim e por colocá-lo no mundo em circunstâncias tão sórdidas.
— Eles podem amar, Laís. Mas eu não amo essa nova realidade. Não estou pronta para me
transformar na filha que engravidou por causa de uma suruba. — Um nó se formou na minha garganta.
— Você tem noção do quanto isso é... vergonhoso?
— É claro que não é vergonhoso, Leona! Pelo amor de Deus! Até eu já participei de uma
suruba, há alguns anos, com o pessoal da faculdade.
— Sério? — Não escondi a surpresa. — E tinha... homens participando?
— Deus me livre! — Ela riu. — Só tinha mulheres maravilhosas. Foi uma experiência
incrível, mas... sei lá. Acho que prefiro algo mais íntimo, sabe? Com algum tipo de conexão
envolvida, sentimentos e tudo. Sou esse tipo cafona de pessoa. Queria ser mais ousada, que nem Lisa.
— Lisa é muito porra-louca — comentei, rindo.
— Ela deveria ser filha dos nossos pais. Faria muito mais sentido. É por isso que eu acho
que você deveria contar sobre a gravidez. Eles são tão...
— Não quero que saibam — cortei. — Não quero, Laís. E ponto final. — Abri uma das
gavetas da penteadeira, voltando a revolver as maquiagens.
— Tudo bem, a decisão é sua. — Pela visão periférica, percebi que ela estava tirando a
almofada do colo para se levantar. — Deixa que eu te maquio.
— Não precisa. — Peguei a primeira base que vi.
— Precisa, sim. Quero que você fique bem linda. — Laís se aproximou, tomando o tubo da
minha mão.
— Essa é a sua maneira nada sutil de dizer que sou feia e que me maquio mal? — Encarei o
rosto perfeitamente harmônico de minha irmã mais nova.
— Você é linda, mas não sabe usar os produtos certos. — Pescou um vidro de alguma coisa.
— Vamos começar com essa aguinha micelar que eu te dei. — Embebeu um disco de algodão com o
líquido do frasco. — Ai... Acho que vou colar uns cílios bafônicos da Huda em você! Tem um
modelo perfeito que testei ontem e...
— Nem pensar! Só passa uma base e pronto.
— Tá, eu colo um ciliozinho bem discreto, então... — Fez uma carinha triste. — Mas vou
usar outra coisa maravilhosa em você! — Com a mão livre, agarrou um dos puxadores, revirou os
objetos da gaveta e pegou um vidrinho rosado, de conteúdo meio cintilante, que eu nunca tinha visto
na vida. Decerto, era mais um dos muitos mimos que ela vivia ganhando e deixando nas minhas
coisas. — Algumas gotinhas do novo Farsáli vão deixar sua pele incrível! E, na boca, vou passar um
lip tint que é lançamento da minha nova linha de batons líquidos e vai combinar demais com a sua
carinha de boneca! Vai ficar linda!
A paixão de Laís por maquiagem havia feito dela uma das maiores youtubers de beleza do
mundo. Sua própria e caríssima marca de maquiagens a transformava na Kylie Jenner do Brasil. E
minha incapacidade de dizer “não” fazia de mim sua maior cobaia.
— Tá, então faz logo essa merda — cedi, e ela riu.
— Ansiosa para o seu grande dia? — perguntou, passando algo frio na minha pele.
— Na verdade, não. — Fui sincera.
— No seu lugar, eu estaria. Você acha que...
— Leona? — Uma familiar voz masculina ressoou, junto a uma batida à porta. — Já está
pronta?
— Não, ela não está! — Laís respondeu.
— Posso entrar? — Ele quis saber.
— Pode — consenti.
— Já são quase sete horas, e você ainda está passando essas porras na cara? — Meu irmão
se indignou, alcançando a penteadeira. — Por que vocês vivem perdendo tempo com isso, se quando
terminam continuam mais feias que cão chupando manga?
— Ai, que engraçado... — Laís ironizou.
— Sai daqui, palhaço! — Dei um soco em seu braço.
Ele soltou uma risada.
— Anda logo com essa merda, Leona. Tá quase na hora de sair. — Jogou-se na cama,
cruzando os braços sob a cabeça e as pernas na altura dos tornozelos.
— Você acabou de acordar! Ainda nem começou a se arrumar! — resmunguei. — E tira
esses pés chulezentos da minha cama!
— Já tomei banho. Fico pronto em dois minutos. E esta cama está na minha casa, que só vai
ser sua quando eu sair daqui. Por enquanto, posso fazer o que quiser nela. — Raspou as solas
descalças no edredom e, em seguida, peidou.
Isso mesmo. Peidou nas cobertas!
O som alto antecedeu o cheiro horroroso que levou meus dedos às narinas.
— Porco desgraçado! — Minha voz anasalada escapou, e ouvi duas gargalhadas.
O unicórnio largou o produto e caiu no tapete, rindo descontroladamente.
O porco ria no colchão, guinchando como se estivesse morrendo.
— Você tá podre, Luan! Podre! — berrei, me levantando. — Meu Deus! Que nojo! — Fiz
ânsia de vômito.
Precisei correr de repente, porque uma onda nauseante ameaçou explodir com a força de um
tsunami.
No banheiro da suíte, coloquei para fora tudo o que havia dentro de mim.
— Lê, você está bem? — Laís entrou instantes depois.
— Péssima — murmurei, limpando a boca.
Não era a primeira vez que aquilo acontecia. Ultimamente, qualquer odor forte, malcheiroso
ou não, me fazia disparar até o sanitário mais próximo. Pela manhã, era ainda pior. Às vezes,
acabava liberando o jato no chão.
— Acho que o tempo que você passou no exterior te deixou desacostumada aos peidos de
Luan. — Laís riu.
— Não é isso. — Fiquei de pé e fui até a pia. — É a gravidez — cochichei.
— Ah... — Seu semblante se iluminou com a compreensão. — Nossa, então os enjoos são
reais? Achei que fosse coisa de novela.
— Infelizmente, não é. — Coloquei creme dental nas cerdas e comecei a escovar os dentes,
pela segunda vez naquele dia.
Quando voltamos para o quarto, Luan estava de pé, casualmente escorado em uma das
colunas do dossel e já devidamente vestido. O terno perfeitamente ajustado ao corpo alto e atlético
combinava com a gravata cinza e com o tom pálido de suas íris.
Como se não bastasse, seu cabelo já estava formalmente penteado. As mechas douradas,
lisas e densas formavam um topete lateral.
— Agiliza, que eu tô com pressa! — berrou.
Fiquei possessa.
— Cala a boca, filho de porra rala! — Peguei um travesseiro e atirei na direção da cabeça
dele.
Queria bagunçar aquele cabelo horrível, mas o idiota aparou a arma flutuante e, rindo,
começou a se aproximar da porta.
— Vou ligar agora para o nosso digníssimo pai e contar que você falou que a porra dele é
rala! — E, então, jogou o travesseiro na minha cara, que me atingiu com a força de um balaço
enfeitiçado.
Perdi o equilíbrio e caí de bunda no tapete, enquanto ele corria, às gargalhadas.
— A gente devia ter assassinado Luan quando éramos crianças — Laís comentou. — A essa
altura, estaríamos livres dele e nem teríamos ido para a cadeia.
Mesmo caída e humilhada, não contive o riso.
— Tem razão. Por que perdi a chance de enforcá-lo no berço? — Imaginei minhas
mãozinhas infantis estrangulando um pescocinho fino.
Rindo, minha irmã estendeu a palma, ajudando-me a levantar.
— Depois de matar o do meio, enforcaria a caçula também — brinquei, já de pé.
— Idiota. — Ela deu um puxão no meu rabinho-de-cavalo.
— Ai! — Levei a mão à nuca.
— Anda logo, ainda precisamos dar um jeito nesse cabelo. Onde você colocou o triondas?
— Triondas? — Achei graça. — Não sei nem o que é isso.
— Aquele modelador de cachos que eu usei no meu último vídeo. Deixei aqui. Eu... Ah!
Lembrei! Tá no seu closet! — E começou a andar rumo às portas abertas que dividiam o cômodo
espaçoso.
— Laís, eu não estou indo para uma festa! Vou assim mesmo, com o cabelo liso. Lavei
ontem, tá ótimo. — Tirei a presilha, ajeitei os fios e me sentei na cadeira. — Vai, faz a maquiagem
mais rápida da sua vida.
— Ai, é bom que eu testo a make naturalzinha pro dia-a-dia que vou gravar daqui a pouco!
— Ela se animou. — Vou aproveitar que dormi aqui e usar seu quarto como cenário, tá? Assim que
terminar, vou embora.
— Tá — concordei, impaciente. — Agora, anda logo.
Pouco depois, estava pronta, saindo com Luan.
Teria ido sozinha, preferencialmente de moto, mas estava de saia e, além disso, meu irmão e
eu estávamos indo para o mesmo lugar. Não fazia sentido recusar a carona.
Ainda faltava aproximadamente meia hora para o horário marcado. E não tínhamos tomado
café em casa, o que nos levou à melhor cafeteria do país, conhecida em todo o território nacional e
em franca ascensão em terras estrangeiras. Por sorte, havia uma franquia na mesma avenida do nosso
destino.
O ambiente aconchegante e uma deliciosa mistura aromática nos acolheram assim que
adentramos o recinto. O local estava lotado, como sempre. Mas um casal desocupou uma das mesas
logo que chegamos, e Luan e eu nos sentamos.
Uma funcionária se materializou de repente, para registrar nossos pedidos. Seus olhos
caíram em meu irmão e ali ficaram. Automaticamente, me tornei invisível. Mas não me incomodei.
Estava acostumada a esse tipo ridículo de situação.
— Um mocha, por favor — ele pediu. — E, para ela... Um expresso, né, Lê?
— Não! — bradei, e recebi um olhar surpreso.
Eu sempre pedia um expresso. Sempre. Café puro era a minha bebida favorita. Vivia à base
de cafeína, mas, desde que iniciara minhas pesquisas sobre gestação, estava evitando. Tinha lido em
algum site que podia fazer mal para o bebê. Inclusive, precisava confirmar isso quando fosse ao
médico.
— Você não quer café? Em plena segunda-feira de manhã? Quem é você e o que fez com
Leona? — Os olhos dele estavam arregalados.
— Expresso, não. Foi isso que eu quis dizer. Hoje estou a fim de tomar um latte — sucumbi,
para não levantar suspeitas desnecessárias. Além disso, um latte não faria mal. Tinha muito mais
leite que café. E eu daria apenas um ou dois goles, no máximo. — E, como acompanhamento, uma
fatia de cheesecake de oreo — acrescentei.
Luan continuou ressabiado, mas virou-se para a moça.
— Um mocha, um latte e o cheesecake, por favor. — Sorriu polidamente, o que a fez
suspirar.
— Já volto. — Juro que ouvi outro suspiro antes que ela se afastasse, rebolando à toa.
Era bonita e dona de uma bunda enorme, mas Luan estava distraído.
Fiquei calada por alguns segundos ao notar que ele tinha ficado meio aéreo, com o olhar
perdido.
— Já falou com ela? — sondei.
— Ela quem? — Abandonou os próprios pensamentos.
— Não se faça de besta — recriminei.
— Como vão as coisas com Joaquim? — desconversou.
— Ótimas! — respondi no ato, para não parecer que precisava mudar de assunto, como ele
estava fazendo.
— Espero que vocês se casem logo e que me deem um sobrinho ainda no primeiro mês. É o
mínimo que podem fazer pelo meu sacrifício.
— Que grande sacrifício... — brinquei, embora estivesse me sentindo terrivelmente
culpada.
— Falando nisso, você não vai acreditar em quem acabou de entrar! — Sentado de frente
para mim, meu irmão olhava para a porta.
De costas para a entrada, senti um gélido arrepio na espinha. Eu não tinha como ter certeza,
mas era tão azarada que só podia ser ele.
— Fala, Ferrão! — A voz odiosa ecoou ao mesmo tempo em que Luan se levantava.
— Bom dia, patrão! — Outro homem saudou, e o identifiquei de imediato. Ramiro.
— Fala, Bel! E aí, Bia? — Enquanto meu irmão os cumprimentava em algum ponto atrás de
mim, eu escorregava no banco de couro, desejando me fundir ao estofado vermelho.
Praticamente deitada, implorei em pensamento para que a dupla se afastasse o mais rápido
possível, em busca de outra mesa. Tudo o que eu não queria era ser apresentada àqueles dois naquele
instante.
Não, isso não estava nos meus planos. Ainda não estava na hora! Eu precisava do meu
grande momento. O que eu havia arquitetado não podia acontecer ali.
Após alguns segundos na posição desconfortável que escondia meu cocuruto, Luan se
aproximou do assento, e eu agradeci mentalmente, certa de que minhas preces haviam sido atendidas.
— Por que você está sentada assim? — Suas sobrancelhas claras se uniram.
— Estava só... — Endireitei o corpo e, ao girar o pescoço, dei de cara com os dois sujeitos
engravatados.
Três pares de olhos estatelaram-se ao mesmo tempo; os deles, ainda mais que o meu.
— Preciso te apresentar a Braz Belmonte, diretor financeiro; e Ramiro Biazate, um dos
melhores advogados da empresa. Meus caros, esta é...
— Oi! — Saltei do banco, com o coração aos pulos, em uma súbita atitude improvisada. —
Muito prazer, Ramiro e Bráulio!
— Bráulio! — Meu irmão teve uma crise de riso.
Ramiro pareceu achar graça do meu erro proposital, mas acho que estava tenso demais para
rir. Ao olhar para ele, percebi que me fitava como se eu fosse um fantasma que voltara para
assombrá-lo por toda a eternidade.
Mas os olhos ligeiramente arregalados não furtavam a beleza de seu rosto másculo,
valorizado pelo maxilar forte, coberto pela barba curta.
O cabelo crespo e quase raspado lhe dava ares de oficial militar e era mais um adendo à
aparência extremamente viril. Espessas sobrancelhas negras encimavam fileiras de cílios pretos. As
íris marrons, praticamente do mesmo tom de sua pele, estavam atentas às minhas.
Eu estava prestes a romper nosso contato visual, movendo as vistas na direção de seu amigo
babaca, quando a funcionária se aproximou.
— Com licença. — Colocou duas xícaras e um prato sobre a mesa. — Um mocha, um
cheesecake e um latte, correto?
— Isso. Obrigado. — Luan agradeceu, contendo suas gargalhadas. — Bráulio, você e Bia
vão fazer o pedido? As mesas estão todas ocupadas e tem espaço na nossa.
— Se continuar me chamando de Bráulio, vou enfiar o meu na sua boca na próxima suruba,
Ferrão. — Braz provocou mais risadas.
Para adiar o momento de enfrentá-lo, dei um passo, peguei meu café com leite vaporizado e
bebi um gole.
Como se fosse álcool, a bebida fumegante me abasteceu com coragem.
Ousei encará-lo, caprichando na expressão de pura indiferença.
Mantive a pose de rainha do gelo, mas confesso que, ao encontrar o intenso olhar de Braz
Belmonte, fiquei momentaneamente aturdida.
Era a primeira vez que o observava em plena luz do dia. Constatei, meio atônita, que seus
olhos eram muito verdes. E absolutamente lindos. Um tom vívido circundava as pupilas fixas em
mim.
Escuras sobrancelhas franzidas e pálpebras estreitadas escancaravam sua raiva.
Por um momento, achei que fosse abrir a boca e cuspir de imediato tudo o que havia
acontecido no sábado anterior. Porém, em vez de bater com a língua nos dentes, desviou os olhos
para a garçonete boquiaberta.
— Um expresso, querida. E você, Ramiro?
— Um macchiato — ele murmurou.
— Um expresso... e um... macchiato — ela repetiu, de um jeito abobalhado.
E quem poderia julgá-la? Não era todo dia que três caras altos, musculosos e ridiculamente
bonitos — tirando meu irmão — apareciam exibindo seus ternos de alta costura no mesmo lugar.
— Sim, por favor. — Braz curvou os lábios largos e delineados.
A mulher quase caiu dura, e até eu fiquei impactada.
Era um homem detestável, mas tinha uma boca surreal e um sorriso devastador.
Quando a funcionária bunduda se afastou, rebolando lentamente, o safado acompanhou o
caminhar sedutor com um olhar malicioso.
Então, se virou para mim. A raiva evaporara de suas feições simétricas, sendo substituída
por deboche disfarçado de confusão.
— Eu te conheço de algum lugar? Tenho a impressão de que já te vi, mas seu rosto é tão
comum que não tenho certeza.
— Ficou louco, Belmonte? Ela é linda! E o rosto dela é singular. — Luan me defendeu.
Tive vontade de beijar sua bochecha e abraçá-lo bem apertado, pedindo perdão por ter me
imaginado enforcando seu pescocinho infantil mais cedo.
— Esta é... — continuou.
— Leona. — Forcei um semblante amigável e, distraída, movi os dedos pela porcelana
quente. De modo instintivo, baixei as vistas, vislumbrando meu café e os lindos desenhos brancos
que flutuavam na superfície. — Leona Leite. — Ergui os olhos, encarando os três.
A expressão de meu irmão se transformou em um misto de espanto e incredulidade. Movi o
olhar para Braz.
— Ferrão, essa garota... — o otário começou, mas o repentino toque de um celular o
interrompeu.
Luan enfiou a mão no bolso, resgatou o aparelho, olhou o visor e pediu licença para atender,
distanciando-se um pouco.
Em seguida, Braz se concentrou em mim.
— Quanto?
— Quê? — indaguei, confusa.
— Quanto você quer para parar de nos seguir e desaparecer das nossas vidas? Diga seu
preço. — Ele pegou a carteira.
Fiquei simplesmente pasma. Até seu amigo ficou chocado.
— Que isso, cara? Você quer comprar a mulher?
— Não. Quero comprar a minha paz, já que essa pilantra está tentando roubá-la e posso
pagar para mantê-la. — Seu olhar frio recaía sobre mim.
— Braz, eu acho que você está pegando pesado — Ramiro alertou.
— Quem está pegando pesado é essa menina! Você não está vendo que agora a golpista está
tentando empurrar a cria para cima de Ferrão? E o trouxa está caindo no feitiço dela! Vamos, diga
seu preço, Medusa de uma figa! — Abriu o compartimento de couro.
Fúria e indignação se revolveram em meu interior.
Sequer pensei antes de agir. Completamente fora de mim, movi a mão e atirei em seu tórax o
líquido escaldante da xícara. O café molhou o terno e escorreu até cair sobre os sapatos reluzentes.
Um grito de dor escapou de sua garganta e, rapidamente, ele desabotoou o paletó, puxando o
tecido da camisa outrora imaculada na região da mancha.
— Estou esperando. — A voz dele me tirou do transe. — Quanto você quer?
Pisquei, percebendo que a cena se desenrolara apenas na minha cabeça, como se eu fosse
uma das espiãs de “Três Espiãs Demais”.
— Faz um favor para mim, Braz? — Pousei a xícara cheia na mesa, apanhei minha bolsa no
banco, pesquei a carteira e peguei quinhentos reais, juntamente com outras cédulas que estavam ali
desde a minha última viagem. — Pague o nosso café. E pode ficar com o troco, babaca. — Com
força, empurrei as notas nacionais junto com quinhentos euros e mais trezentas libras em seu peito,
esbarrando em seu braço com certa violência.
Ao passar por meu irmão, agarrei sua manga.
— Que foi? — resmungou, com o telefone na orelha.
— Vem comigo. Agora. — Saí arrastando Luan.
— Depois te ligo. — Guardou o celular e acompanhou meus passos apressados. — O que
houve, Leona? — Olhou para trás. — E aquele dinheiro no chão?
— Só vem, Luan. — Continuei andando.
— Agora você pode me explicar o que aconteceu lá dentro? — perguntou, quando entramos
no automóvel estacionado.
— Não aconteceu nada. Vamos logo, estamos atrasados. — Puxei o cinto de segurança.
— E o nosso café? — Ele afivelou do outro lado.
— Braz vai pagar o que pedimos. Liga o carro. — Apontei a ignição.
— Você está estranha. Ele te disse alguma merda? É só me falar que eu dou uma surra
naquele filho da mãe!
— Liga o carro, Luan.
— Leona, eu te fiz uma pergunta!
— E eu estou mandando você ligar o carro! — gritei. — Sou sua irmã mais velha, você tem
que me obedecer!
— Você não manda em porra nenhuma! Vou ligar porque quero! — Girou a chave.
Dei uma risada, e ele riu também.
— Que bicho te mordeu?
— Desculpa, tô de TPM — justifiquei, lamentando por ser uma mentira.
Naquelas circunstâncias, daria tudo por uma TPM. E não ousaria reclamar das cólicas
futuras. Muito menos do fluxo intenso. Mas não haveria dor nem sangue pelos próximos meses. Eu
sofreria e sangraria apenas por dentro, até o dia em que sofreria e sangraria no parto.
A desculpa que dei serviu para deixar Luan calado. Dirigiu o restante do curto percurso em
silêncio, e logo chegamos à empresa.
Depois que meu irmão estacionou o esportivo em sua vaga privativa, pegamos o elevador
até a sala do diretor executivo, que ficava no último andar.
Assim que entramos, o vasto ambiente iluminado, principalmente em decorrência de suas
paredes de vidro, brindou nossos olhos com uma vista espetacular. Dali, era possível ver a cidade,
suas montanhas e seus arranha-céus cobertos por um infindável manto azul.
Mas vista nenhuma era tão bonita quanto a visão do homem loiro cercado pela mesa imensa
e sentado na imponente cadeira de couro.
Assim que me viu, ele se levantou.
— Lovezinha!
— Papai! — Sorrindo, corri e me atirei em seus braços, meu lugar favorito no mundo
inteiro.
Após alguns minutos de conversa, fomos informados por uma das secretárias executivas de
que Braz Belmonte já estava à espera na sala de reuniões.
Havia chegado o meu grande momento. Finalmente!
Enquanto caminhávamos, fiquei para trás de propósito. Queria saborear cada segundo do
abate. E, para isso, tudo tinha que acontecer em seu próprio tempo.
Os dois homens da minha vida atravessaram as portas largas e, ao vê-los, Braz se colocou
de pé.
— Bom dia, senhor Guerratto. — Ouvi a voz polida escapando em um tom profissional.
— Bom dia, Belmonte. — Meu pai cumprimentou formalmente. — Creio que ainda não
conhece minha filha. — Deu um passo para o lado, e Luan fez o mesmo do outro, revelando meu
corpo baixo e pequeno. — Esta é Leona Guerratto, a gerente que vai substituir meu filho no seu
departamento.
Ao ficar frente a frente com aquele escroto, mostrei um olhar maligno, imaginando óculos de
sol voadores se encaixando em meus olhos ao som de “turn down for what”.
Eu não era a Medusa, mas, naquele instante, juro que pensei que tivesse transformado o
homem em pedra. Feito uma estátua, branca como mármore, ele me fitava com uma expressão
horrorizada, como se estivesse diante de uma cabeça repleta de serpentes.
Nunca vou esquecer o misto de choque e pânico que se alastrou por aquele rosto.
E Braz Belmonte tinha toda razão em temer. Porque, dali em diante, eu transformaria sua
vida em um inferno.
Nada do que você diz
— De onde ela tirou todo esse dinheiro? — Alarmado, olhei para as notas que haviam
escorregado do meu peito e, naquele momento, forravam o chão.
— Acredito que foi da carteira dela. — Ramiro não poupou sarcasmo. — Euros... Libras...
É... Parece que não era um golpe da barriga, afinal.
— Ela arrancou isso de Ferrão! — concluí rapidamente. — Deve ter chantageado o cara.
Com certeza, ameaçou contar a algum jornalista que engravidou em uma suruba e que o pai é um dos
maiores herdeiros do país!
— Faz sentido, mas... você reparou nela? A mulher estava bem vestida, Braz. E aquela bolsa
é cara.
— Estou te estranhando, Mirão... Conhece bolsa agora, porra? Eu só conheço a de valores!
Ele deu uma risada.
— Conheço só aquela estampa, cuzão. É uma marca de grife que é a favorita da minha velha.
— Talvez a garota seja uma prostituta de luxo. — Pensei em voz alta. — Mas não faria
muito sentido, porque ela é menor de idade. Que cara realmente rico cometeria o vacilo de foder uma
mulher com menos de dezoito anos?
— Você só pode estar louco. — Ramiro riu. — Primeiro, porque tem muito imbecil que não
liga para idade. Segundo, por achar que Leona tem menos de dezoito. Ela tem vinte e poucos. Vinte e
cinco, se não me engano.
— Isso foi o que ela disse! Mas você viu a cara da menina? Parece ter uns quinze.
Dezesseis, no máximo!
— Só parece. Ela tem mesmo vinte e cinco.
— Como você sabe? — indaguei, curioso e simultaneamente revoltado.
— Descobri no dia do exame. Cheguei ao laboratório um pouco atrasado, quando ela já
estava lidando com a parte burocrática. Ouvi quando confirmou a data de aniversário e fiz as contas.
— Então estou certo! Ela é mesmo uma acompanhante de luxo! — Pensei um pouco. — Ou
uma sugar baby.
— Pode ser. Mas acho que não. — Miro baixou os olhos para as cédulas espalhadas pelo
piso.
A mulher que havia nos atendido escolheu aquele momento para colocar nossos cafés sobre
a mesa, seguindo o olhar de Ramiro.
— Vocês deixaram cair? Querem que eu pegue? — Detectei um traço de malícia em sua voz.
Não era muito bonita, mas tinha uma bunda boa.
— Faria essa gentileza? — Enviesei os lábios.
— Meu trabalho é servir, senhor. — A safada virou a rabeta em nossa direção e desceu o
braço, catando nota por nota.
O vestido do uniforme não era excessivamente curto, mas, naquela posição, subiu o bastante
para que víssemos um pedaço do rabo e o montículo carnudo forrado por uma tira de tecido preto.
Fiquei instantaneamente duro, motivo pelo qual, depois de tomar o café, saí dali com um
número a mais na minha interminável lista de contatos pessoais.
Ao chegar à empresa, segui direto para o último andar. Tinha uma reunião informal marcada
com o diretor executivo. Serviria apenas para que eu conhecesse o cara que substituiria Ferrão como
gerente financeiro.
Eu não fazia ideia do motivo pelo qual ele tinha decidido abandonar a própria vida para
morar e trabalhar em outro país. Havia sido discreto sobre suas razões e, também, sobre o novo
destino. Dissera somente que estava ansioso para voltar a respirar ares estrangeiros.
Estava há pouco tempo no Brasil. Sua graduação se dera nos Estados Unidos e suas
especializações e início de carreira, na Europa.
Quando começou a trabalhar na sede brasileira do Grupo Guerratto, pensei que, por ser
filho do CEO, era um zero à esquerda; um playboy de vinte e quatro anos que não entendia porra
nenhuma da vida e muito menos de finanças. Achei que Luís Guerratto estava colocando nas mãos do
próprio filho uma responsabilidade grande demais. Por algum tempo, cheguei a cogitar que o dono de
todo aquele império estava com senilidade precoce. Era um bilionário de cinquenta e poucos anos
que havia perdido um ou dois parafusos. Em breve, a família perceberia e interditaria o homem.
Ledo engano. Em pouco tempo, o novo gerente provou o quanto eu estivera errado. Era tão
inteligente que fiquei perplexo com sua competência. Logo descobri que, em razão do QI elevado,
entrara mais cedo na escola e, por isso, finalizara sua formação antecipadamente.
Como se não bastasse, o cara era humilde. Quem não soubesse, jamais diria que se tratava
de um sujeito nascido em berço de ouro.
Para completar, Ferrão era surubeiro. Essa qualidade em comum nos aproximou ainda mais
que nossas afinidades profissionais.
Depois da primeira suruba, abandonamos o formalismo e passamos a nos referir um ao outro
por meio de apelidos, o que só mudava quando nos reuníamos com o departamento. Nessas ocasiões,
eu era Braz Belmonte, seu superior hierárquico. Ele, Luan Guerratto, meu subordinado e braço
direito.
As coisas mudariam muito com a chegada do novo gerente financeiro.
Aparentemente, o cara viria da mesma filial estrangeira na qual Ferrão passaria a trabalhar.
A decisão da transferência vinha de cima e pouco havia sido comentado a respeito.
Naquela manhã, quando adentrei a sala de reuniões, não fazia ideia do que esperar. Na
verdade, esperava tudo, menos o que de fato aconteceu.
Ali, diante daquela garota, eu vi meu mundo ruir.
Ela não era uma golpista. Muito menos uma prostituta de luxo. Ela era... rica. Bilionária. E,
ainda por cima, filha do homem que pagava a porra do meu salário!
Fiquei perplexo, absolutamente perplexo.
— Já nos conhecemos, papai. — O tom suave era um disfarce, um engodo revelado pelo
olhar maquiavélico lançado em minha direção.
Seus olhos castanhos, com uma sutil nuance esverdeada, pareciam ameaçadores.
Ela era mesmo uma Medusa. Tinha me transformado em pedra, e não de um jeito bom.
Inerte e embasbacado, eu fitava o rosto angelical que, naquele instante, parecia muito mais
assustador que o da Górgona decapitada.
— Já? — Meu chefe olhou para a filha, que tratou de ocultar a fisionomia diabólica com
uma expressão encantadora.
— Eu o conheci agora há pouco, no Malena. — Ela sorriu docemente. — Tudo bem, Braz?
Tomou seu café?
— Sim — balbuciei, ainda atônito.
— Lovezinha, por que cê não trouxe café pra mim, maluca? — o senhor Guerratto perguntou
e, então, clareou a garganta. — Quero dizer... Filha, por que você não trouxe um café para o seu
querido pai?
Ela riu, de um modo aparentemente franco e espontâneo.
— Saí de lá apressada, papai. Mas prometo que amanhã, antes do meu primeiro dia de
trabalho, eu passo lá e trago. — Virou-se para mim. — Ansioso para começar a trabalhar com uma
nova gerente?
Meu Deus. Ela seria a minha nova gerente. Ela.
Eu já sabia disso, mas foi apenas naquele momento que a minha ficha caiu. E foi um tombo e
tanto.
Não podia ser. O CEO de uma das maiores multinacionais do planeta não estava entregando
àquela menina um cargo de gerência na sede nacional. Não era possível. Onde estavam as câmeras
escondidas?
Isso! Era um teste! Tinha que ser.
Acabei dando uma risada.
— Qual é a graça, Belmonte? — O magnata estreitou os olhos claros e intimidantes.
— Nenhuma, senhor! — respondi depressa, e vi que a garota estava sorrindo, deleitando-se
com a minha reação.
Maldita Medusa!
— As apresentações estão feitas. Luan, encarregue-se de colocar sua irmã a par das suas
pendências. Belmonte, faça o mesmo em relação à atual conjuntura do departamento. Preciso estar na
pista de voo em cinco minutos. — Deu uma olhada no vistoso relógio que cobria o pulso. — Leona,
amanhã estarei em Dubai, mas espero o café na quarta. — Beijou a testa da filha, despediu-se do
filho, dirigiu-me um aceno e deixou a sala.
— Sentem-se. — Ferrão ocupou uma das cadeiras assim que o pai saiu.
Fiz o mesmo, e minhas pernas enfraquecidas agradeceram. Não estava em meu estado
natural. Meu corpo inteiro parecia fora de controle, abalado com aquela reviravolta terrível.
Enquanto eu me sentava de frente para ele, sua irmã apoderava-se do assento da
extremidade, lugar que apenas o CEO ocupava.
Alojada na imponente cadeira, a filha da mãe me lançou um olhar altaneiro, encarando-me
como se fosse a porra de uma rainha e eu, um mero súdito.
— Agora, eu quero saber o que aconteceu lá no Malena. Desembucha, Belmonte — Ferrão
exigiu.
— Luan, eu já disse, não foi nada — a garota respondeu em meu lugar. — Você já conversou
comigo sobre o cargo. Pode ir. Aproveite seu último dia de trabalho no Brasil. À noite, a gente se vê
na pista de voo.
O olhar que ele me lançou antes de se levantar e sair continha o aviso velado de que minhas
explicações seriam exigidas em particular, na primeira oportunidade.
— Você participou de uma suruba organizada pelo seu próprio irmão? — despejei, no
instante em que ficamos sozinhos. — Que espécie de pessoa doente é você?
Ela impeliu o corpo, cruzando as mãos sobre a mesa e me olhando fixamente.
— De acordo com você, eu não participei, lembra?
— Participou ou não participou? — perguntei, tentando manter a calma.
Estava nervoso. Parte das minhas convicções estavam indo para o brejo!
Ela não precisava do meu dinheiro para porra nenhuma! Era tão rica quanto a rainha de
Sabá. E, comparado a ela, eu, que pensava ser uma espécie de rei Salomão, era mais pobre que Jó
em seus dias de miséria!
Que merda.
Merda. Merda. Merda!
— O que você acha? — Um sorriso enfeitou os lábios rosados.
Eu não tinha mais certeza alguma. Achava que ela não tinha participado daquela suruba e
achava que nunca tínhamos transado, mas por que ela inventaria que transou comigo? Por que
inventaria uma gravidez? E por que me pediria para fazer um exame?
Confuso. Eu estava confuso. E com medo. Medo porque não queria um bebê. Nunca.
— Leandra... — comecei, bastante apreensivo, e ela riu.
— Não decorou meu nome? Ah, que previsível, Bráulio... Você faz isso com todas, não faz?
São tantas que sequer se esforça para decorar. Qual vocativo genérico você usa para facilitar a sua
vida? Linda? — Sorriu com deboche. — Amor? — Deu uma risada. — Anjo? — desdenhou.
— Safada. Gostosa. Delícia. Prefiro esses. — Subi um dos cantos da boca. — Combinam
mais com as mulheres que me interessam.
— Imagino. — Ela continuou sorrindo. — Sobre o que aconteceu no sábado, pode ficar
tranquilo. Eu estava apenas... me divertindo às suas custas. Nós nunca transamos, obviamente.
Portanto, se eu estivesse grávida, é claro que você não seria o pai.
— Então você não está grávida? — sondei, para ter certeza de que podia comemorar.
— Claro que não, bobinho! — Ela riu, e meus músculos relaxaram por completo.
Até aquele momento, estava tenso e ligeiramente preocupado. Porém, quando a garota
assumiu ser uma mentirosa patológica, além de uma completa filha da puta, eu finalmente me vi livre
de qualquer receio.
— E a suruba? Você participou? — Lancei a dúvida que estava me martirizando. — Ou
obrigou todos os caras a fazerem o exame só porque estava entediada e cansada da sua vidinha
difícil? — Não economizei no escárnio.
— Primeiramente — suas costas tocaram o encosto altivo da cadeira —, não participei. Em
segundo lugar, não obriguei ninguém; os que fizeram, fizeram porque têm caráter.
— Fizeram porque são trouxas! — retruquei.
— Por último — ignorou meu comentário —, não foram todos. Foram três.
— Isso não faz sentido algum! Se você está dizendo que não participou daquela suruba, de
onde tirou esses três supostos pais de um bebê que nem existe? — Expus minha indignação.
— Da minha cabecinha oca, seu tolo. — Abriu um sorriso amalucado, brincando de girar a
cadeira.
Era louca. Definitivamente, aquela garota tinha sérios problemas.
— Então, na sua imaginação, você “transou” — sinalizei as aspas — com três caras.
Comigo, com Ramiro e... posso saber quem foi o outro sortudo?
— Você tem algo relacionado a trabalho para me dizer? — Parou de se mover, mas manteve
a expressão divertida. — A minha vida sexual imaginária não é da sua conta.
— Garota, você não tem a menor condição de trabalhar comigo. — Achei graça.
Aquela patricinha desmiolada precisava, urgentemente, de internação, não de um trabalho.
— Garota, não. — Repentinamente séria, ela se levantou, pousando as palmas sobre o
tampo da mesa. — Meu nome é Leona. Mas, para você, é senhorita Guerratto.
— Se você acha que eu vou... — comecei, rindo.
— No trabalho — ela me interrompeu, mas sustentei o sorriso cínico —, vou respeitá-lo
como meu superior, porém não pense, nem por um segundo, que é você quem manda. A empresa na
qual você trabalha pertence à minha família há gerações. Antes do meu pai, meu avô e meu bisavô se
sentaram nesta cadeira. O seu salário sai dos nossos cofres. E o que ganha atualmente pode ser muito
para você, mas, para mim, é troco.
O riso morreu em meus lábios e me peguei odiando aquela garota mimada com todas as
minhas forças.
— Agora, tenho que ir. — Pegou a bolsa e pendurou no ombro. — Vou desfrutar do meu
último dia de férias no shopping, torrando uns sete dígitos em roupas e sapatos. Você tem toda razão.
Que vidinha difícil... — Balançou a cabeça, soltando um falso suspiro entristecido. — Até amanhã,
Bráulio. — Acenou e saiu andando.
Fiquei algum tempo ali, puto demais para simplesmente me levantar, como se nada tivesse
acontecido.
Após colocar os pensamentos em ordem, cheguei à sábia conclusão de que eu podia ficar
tranquilo. Aquela maluca não duraria um dia no meu departamento. Faria uma merda atrás da outra e,
então, eu conseguiria me livrar dela.
Despreocupado, fui para a minha sala e, pouco depois, a secretária anunciou a presença de
Luan Guerratto. Autorizei sua entrada, interrompendo o que estava fazendo.
— Por que você nunca me falou nada sobre ela? Por que eu nunca soube que ela existia? —
disparei, assim que ele atravessou as portas.
— Você diria a um surubeiro que tem uma irmã? — Ele riu, e a dor atingiu meu peito com a
velocidade de uma bala abandonando o cano de uma arma recém-engatilhada.
No mesmo instante, a imagem que eu vivia soterrando eclodiu em meu cérebro, como lava
emergindo de um vulcão. Em um átimo, vi o rosto que me enchia dos piores sentimentos.
— O que aconteceu com ela? — O timbre masculino ressoou, e ouvi um eco da minha
própria voz.
“O que aconteceu com ela?”, eu havia perguntado. E a reposta que me deram, tão simples,
mas tão brutal, dilacerou meu peito, que ainda ardia como uma ferida em chaga viva.
— O que aconteceu com Leona? Por que ela estava tão estranha quando saiu do Malena? —
Ferrão repetiu, e eu pisquei, voltando a enterrar tudo aquilo nos recônditos mais sombrios da minha
mente.
De certa forma, era tarde demais. Eu já me sentia irremediavelmente afetado e
completamente incapaz de prosseguir com aquela conversa.
— Terminou de analisar os últimos demonstrativos? — Baixei as vistas para a tela, onde,
segundos antes, estudava a possibilidade de realocar alguns ativos.
— Ainda não. Eu...
— Termine. — Indiquei a porta.
— Primeiro, quero saber...
— Luan — ergui a cabeça —, vá trabalhar. Agora. — Enderecei-lhe um olhar severo, que
pôs fim ao diálogo.
A contragosto, ele se levantou e deixou a sala.
Sozinho, recostei-me à cadeira e liberei o ar que massacrava os pulmões. Precisava de uma
dose de uísque. Ou duas. Ou três. Mas isso teria que esperar.
Naquele momento, o mercado seria a minha única distração.
Voltei os olhos para os números, tentando me concentrar.
Não foi a minha manhã mais produtiva. Mas estava tudo sob controle, porque, de qualquer
modo, eu só poderia agir depois de receber a análise das demonstrações financeiras.
No intervalo, saí dali direto para o elevador.
No andar do Departamento Jurídico, Briana entrou.
— Que cara é essa? — Franziu o cenho, esquadrinhando minha fisionomia.
— Que cara? — Descruzei os braços, conjurando um semblante menos nebuloso.
— Essa cara feia. — Aproximou-se de mim, enquanto as portas se fechavam. — Sei que
você já nasceu feio, mas não tanto. Que foi? A grávida te ligou?
Soltei uma risada sarcástica.
— Se ela tivesse apenas me ligado, Briana, eu estaria feliz. Ela foi a minha casa no sábado
à noite. Eu a coloquei para correr e, hoje de manhã, descobri que a garota é filha...
As portas se abriram repentinamente, e dois homens entraram. Briana e eu respondemos os
cumprimentos no modo automático e, então, eu me calei.
— Filha de quem? — Ainda virada para mim, ela moveu a boca em uma pergunta
silenciosa.
Percebi que um dos caras estava de olho na bunda dela. O outro direcionava seus quatro
olhos para as portas metálicas, imerso em seus próprios pensamentos.
— Vocês trabalham em qual departamento? — A pergunta repentina foi feita pelo admirador
dos atributos de Briana.
Ela endireitou o corpo, encarando o sujeito.
— Financeiro — respondi, de forma pouco amigável.
Não o conhecia e não era obrigado a tratar bem os interessados em minha prima. Uma coisa
era empurrá-la para Ramiro. Outra, bem diferente, era ser conivente com o interesse de um sujeito
qualquer. Que fosse à merda.
— Jurídico, e vocês? — Briana sorriu, dando uma ajeitada no cabelo.
Estranhei, porque o cara era mais feio que briga de foice no escuro. Então, me dei conta de
que a atenção dela estava no outro, que tinha tirado o celular do bolso e estava distraído, digitando
algo.
— Somos dois nerds do TI. — O mais feio riu para ela, e eu balancei a cabeça, achando a
tentativa de descontração simplesmente lamentável.
— Ah, que legal. — Briana retribuiu o sorriso.
— Você é linda... Gostaria de almoçar comigo? — convidou.
Certamente, merecia parabéns pela coragem, porque noção não tinha.
— Seu amigo também vai? — Briana foi tão sutil quanto um elefante pulando corda.
— Não, ele... vai almoçar com a namorada. — O cara não escondeu a tristeza ao perceber o
real interesse dela.
Puta merda, fiquei com pena daquele coitado.
— Ah, é que eu também vou almoçar com meu namorado. — O braço se encaixou nas
minhas costas.
— Ah, sim. — O cara ficou lívido.
Abri a boca para negar aquela merda, mas as portas do elevador se escancararam de
repente, e ele saiu praticamente correndo, sem se despedir. O outro foi atrás, ainda digitando.
Briana largou minha cintura e, ao pisar no térreo, eu olhei para ela.
— Você não tem coração.
— Tenho. Mas é de pedra.
— Você vai para o inferno.
— Vamos juntos — respondeu calmamente.
— Porra, Briana, você acabou com o cara!
— O que você queria que eu fizesse?
— Um almoço com o sujeito não ia te matar! O coitado tinha esperanças!
Ela soltou uma risada.
— Que estranho... Já vi muitas mulheres esperançosas te fazendo propostas, mas nunca te vi
almoçando com nenhuma delas!
Ela tinha um ponto. Mas, hipócrita que sou, ignorei.
— Espero que, depois desse ato de extrema crueldade, você consiga dormir à noite.
— Eu dormiria melhor com aquele amigo dele. — Ela suspirou. — Nossa, lindo demais.
— Aquele cara é tão feio quanto o outro!
— Não mesmo! Ele é um gato. E os óculos dão um ar de nerd safado que eu,
particularmente, adoro. Ramiro podia usar óculos... — Fechou os olhos, como se estivesse
imaginando. — Mas chega desse assunto! — Suas íris encontraram as minhas. — Vamos retomar o
anterior. Vai, fala logo, tô curiosa! De quem a grávida é filha? Ai, meu Deus! — exclamou, após uma
pausa breve. — É sua? E você descobriu só agora? E ela tá grávida? Você vai ser avô, é isso? — A
seriedade em suas feições me fez rir.
— Ficou louca, Briana? Eu tenho vinte e nove anos! Como é que...
— Você transa desde os treze! — acusou.
— Quinze — corrigi. — E nunca sem camisinha.
— Camisinha pode falhar. Ou seja, você pode ter uma filha de quatorze anos. E ela pode ter
um bebê, o que significa que você já pode ser avô. Já pensou que legal? — Soltou uma risada.
— Se a sua intenção era me fazer ter pesadelos pelo resto da semana, parabéns, você
conseguiu. Obrigado, Bri, era tudo o que eu queria — ironizei, e ela riu.
Então, começamos a percorrer o amplo saguão que levava às portas do edifício.
— Vai, conta logo! — insistiu. — Senão, só vou saber quando voltar do almoço. Ou no final
do dia, se você demorar muito lá naquele restaurante chique. Vê se não fica batendo papo com
Ramiro!
— Contrariando o que você disse, sobre eu nunca almoçar com mulheres, vou te convidar
para almoçar com a gente.
— Almoçar com vocês? — Arregalou os olhos, nitidamente feliz.
— Sim. Por minha conta, é claro.
— Mas Ramiro disse que...
— Foda-se o que Ramiro disse.
Deixamos o prédio e começamos a caminhar na direção do restaurante, que ficava na mesma
avenida da empresa.
— Como a grávida conseguiu seu endereço? — Briana perguntou, abrigando os dedos na
curva do meu braço.
Era um costume que vinha da infância, de uma época em que ela era pequena demais para
atravessar a rua por conta própria e eu precisava guiá-la no caminho para a escola.
— Pegou com o arrombado do... — Parei para pensar. — Ferrão. Ela pegou com Ferrão, é
claro — concluí, dando-me conta do óbvio.
— Ferrão? Esse não é aquele que organiza as surubas?
— Isso.
— Ferrão... Soa bastante másculo. É nome ou sobrenome?
— Nem um nem outro. É um apelido. Quando comecei a participar das surubas na casa dele,
notei que seus primos só o chamavam de “Ferrão”. Perguntei o motivo, e ele contou que foi picado
por abelhas quando era criança. Ficou com uns calombos, inclusive na bunda, e com o beiço inchado.
— Não contive o riso ao imaginar a cena. — Depois que ele revelou isso, Ramiro e eu passamos a
nos referir a ele como “Ferrão”. Virou hábito. E ele abreviou nossos sobrenomes, começando a nos
chamar de “Bel” e “Bia”. Deixei passar, achando que chamá-lo de “Ferrão” o irritava. O que o filho
da puta não contou, e só descobri tempos depois, quando já tinha me acostumado a chamá-lo pelo
apelido, é que ele ressignificou essa merda. Quando uma mulher pergunta “por que Ferrão?”, o puto
fala que tem um ferrão entre as pernas, que dá ferroada na bunda e picada na boca.
Briana gargalhou enquanto atravessávamos a avenida.
— Que gênio! Ele é bonito? Se for, quero levar umas ferroadas e umas picadas! Quando é a
próxima suruba?
Fechei a cara.
— Ficou louca? Você não vai participar das minhas surubas!
— Relaxa, eu tô brincando! Deus me livre de te ver pelado! Teria que furar meus próprios
olhos!
— Eu sei que seu maior sonho é me ver pelado, Bri — provoquei.
Ela enfiou o indicador na boca, fingindo vomitar no passeio, onde tínhamos acabado de
pisar.
— Pelado e em ação — completei.
— Pelo amor de Deus, não me faça perder o apetite justo hoje, que vou comer de graça!
— Damas primeiro. — Rindo, abri a porta ao alcançarmos o restaurante.
Assim que adentramos o ambiente, avistamos Ramiro em uma das mesas, examinando o
cardápio.
— Você conversou com ele? — Briana cochichou.
— Sobre comer seu cu?
— Comer meu cu? — Ela estatelou os olhos.
— Você não disse que estava disposta a dar o cu pra ele? — Fingi espanto.
— Não!
— Será que entendi errado? — Simulei inocência.
— Eu vou te matar, traste! — Recebi um olhar mortífero. — Então é por isso que ele está
estranho hoje!
— Estranho como?
— Mais esquivo que o normal. Mal olhou na minha cara. Deve achar que eu sou uma tarada
sem a mínima noção de profissionalismo! Você estragou tudo, seu idiota! — Meu braço sofreu um
golpe.
Dei uma risada, e Briana me fulminou, sem entender que, na verdade, eu estava achando
graça do comportamento de Ramiro, por saber o motivo.
Virei as costas para ela, caminhando até a mesa dele. Ao me ver, meu amigo mostrou uma
expressão tristonha.
— Braz, eu tô na merda. É o terceiro dia, e eu não agu... — Parou de falar ao ver a loira se
aproximando.
Olhou para mim, simultaneamente surpreso e irritado.
— Boa tarde, Doutor Ramiro. — Com um sorriso contido, minha prima nos alcançou.
— A partir de hoje, Briana almoçará conosco todos os dias — comuniquei, puxando uma
cadeira para ela.
— Todos os dias? — Ela não conteve o êxtase ao se sentar.
— Não é adequado que eu almoce com a minha secretária, Belmonte. — Um olhar
exasperado encontrou o meu.
— E não é adequado que a minha prima almoce em um restaurante qualquer podendo
almoçar em um dos melhores da cidade. — Acomodei-me ao lado dela.
— Tudo bem, Braz. Eu posso... ir embora. — Briana fez menção de se levantar.
— Não! — Miro tocou o braço dela e, ao perceber, tirou os dedos como se a pele tivesse
algo extremamente contagioso. — Pode ficar.
No instante seguinte, um garçom se aproximou, oferecendo cardápios.
Fizemos os pedidos e, enquanto esperávamos, em um silêncio relativamente constrangedor,
resolvi entabular alguma conversa.
— Como vai o dia de vocês? O meu está uma merda.
— E, ainda assim, melhor que o meu. — Miro soltou o ar com força.
— Doutor Ramiro, se o problema é a minha presença, eu realmente pos...
— Não, Briana — ele cortou. — Não tem nada a ver com você.
— Tem a ver com a grávida de Taubaté — contei.
— A da suruba? — Briana questionou.
— Você contou pra ela? — Meu amigo me lançou um olhar repreensivo.
— Ele me conta tudo. Coisas que, às vezes, eu nem queria saber — minha prima comentou.
Era verdade. Eu realmente lhe contava muitas coisas. Mas não tudo. Certas coisas, eu não
contava nem a ela. Não contava a ninguém.
— Miro, eu te disse que peguei o número com Briana — lembrei.
— É que achei que você não tivesse contado a história toda — justificou.
— A história toda nem você sabe.
— É claro que sei! Você é o pai da criança. Fim da história. — Ele soltou uma risada.
— Você se fodeu, otário! Ela admitiu que não transou comigo!
— É mesmo? Engraçado, porque eu estava lá e não ouvi.
— Eu a vi de novo.
— Onde?
— Na empresa.
— Ela te seguiu até lá? — Estatelou os olhos.
— Ela é minha nova gerente. — Revelei a tragédia com premeditada naturalidade, como se
nem me importasse. Assim, evitaria a zoeira.
— Sua nova gerente? Na Guerratto? — O traço de riso que detectei na voz dele me irritou.
— Não. Na puta que pariu.
Ramiro soltou uma gargalhada.
— E isso não é tudo — declarei, porque, já que estava no inferno, não custava abraçar o
capeta. — Ela é filha de Luís Guerratto.
— Filha de... — Ele teve uma crise de riso tão violenta que quase caiu da cadeira.
Uma pena que não tenha caído. Realmente, uma pena.
Muitos olhos se viraram em nossa direção e, ao notar que era o alvo deles, Miro se conteve.
— Ela é filha do CEO e irmã de Ferrão? Cara, se isso for sério, você tomou no cu demais!
— E gargalhou outra vez. — Como você me conta isso em público, Braz? Não dá nem pra rir
direito!
— Se continuar rindo, vou dar um soco na sua boca, e aí é que não vai rir mesmo —
ameacei, e os ombros dele tremeram com as risadas.
— E você oferecendo uns trocados para a mulher te deixar em paz, sendo que ela deve
limpar a bunda com notas de euros! Por isso tem um tanto na bolsa! — O desgraçado simplesmente
não conseguia parar de rir. — Ah, mas é um golpe da barriga! Deixa de ser trouxa, Ramiro! É uma
prostituta de luxo! E Ferrão tá caindo no feitiço dela! — arremedou, em meio ao riso.
Foi uma imitação ridícula, a propósito.
Briana contemplava a cena sorrindo que nem uma idiota. Olhei em sua direção, e ela retraiu
os lábios.
— E essa história do dinheiro? Não acredito que você fez o que estou pensando! — Olhos
cheios de censura encontraram os meus.
— Fez! — Ramiro soltou a língua e aproveitou para contar a porra toda, achando a maior
graça, enquanto eu o encarava, certo de que não precisava de inimigos. O filho da puta cumpria muito
bem a função.
No final do relato, nossos pratos chegaram.
— Se você é o único que ainda não fez o exame, o filho é mesmo seu! — Minha prima
concluiu, assim que o garçom se afastou.
— Que filho? Ela nem está grávida! Inventou a história inteira! Tudo o que a filha da mãe
queria era dar um susto nos amigos do irmão!
— Ela te disse isso? — Ramiro ficou subitamente sério.
— Com outras palavras, mas disse — confirmei.
— Puta merda, faz todo o sentido! É claro que ela não participaria de uma suruba junto com
o próprio irmão! Seria bizarro!
— Exatamente! E os exames devem ter sido forjados! Ela com certeza subornou alguém do
laboratório. Você fez o teste à toa, otário! E a promessa, também! — Foi a minha vez de gargalhar.
— Que promessa? — Briana quis saber.
— Nenhuma! — Ramiro praticamente berrou.
— Fica tranquilo, Mirão! Seu segredo morrerá comigo! — tranquilizei.
Briana não insistiu. Começou a comer suas vieiras, mas percebi que ficou extremamente
curiosa. Também notei que Miro cortou um pedaço do magret como se estivesse descontando a raiva
no pato. Devia estar se amaldiçoando por ter feito uma promessa tão rígida a troco de nada. Eu me
compadecia, de verdade. Mas que espécie de amigo seria se demonstrasse essa compaixão?
O perene sorriso em meus lábios mostrou que eu estava me divertindo às custas de sua
estúpida atitude impulsiva.
Enquanto comíamos, ele me fuzilava. Já eu, mantinha uma expressão irritantemente
agradável ao mesmo tempo em que apreciava minhas ostras.
No final da tarde, quando voltei para casa, meus fantasmas vieram me assombrar outra vez.
Trabalharia na manhã seguinte, então não podia abusar do álcool, como gostaria de fazer.
Tomei apenas uma dose de uísque, assim que cheguei.
Estava guardando a garrafa no instante em que meu celular tocou.
Era Ferrão. Tinha deixado a empresa sem conversar novamente com ele. Pensei em não
atender, porque não estava no clima para falar das insensatezes e filhadaputagens de sua irmã,
porém acabei atendendo. O cara iria embora e, talvez, quisesse se despedir.
— Fala, Ferrão.
— Bel, decidi fazer uma última farra aqui antes de viajar. Pouca gente, coisa rápida. Topa?
Eu estava cansado, essa era a verdade. Mas sexo era minha morfina. Aplacava minhas
dores, nublava meus sentidos.
— Chego em dez minutos. — Desliguei e voltei para o carro.
Pouco depois, chegava à mansão de Luan Guerratto.
Achei que aquela seria uma noite qualquer. Mas aquela foi a noite em que tudo começou a
dar errado.
Ei, diz pra mim
Você é tão boa atriz... Tenho certeza de que consegue fingir que estamos bem.
Não precisava ouvir sua voz para detectar a amargura que saltava de suas palavras.
Era uma pergunta estúpida, mas eu tinha que usar aquela oportunidade, pois não nos víamos
nem nos falávamos desde o dia em que o perdi para sempre.
Enquanto aguardava a resposta que não vinha, um nódulo dolorido confrangeu minha
garganta.
Com os olhos marejados, acrescentei:
Ele estava on-line, mas não respondia. Movi os dedos sobre o teclado do celular, enquanto
uma lágrima cortava minha bochecha.
Joaquim...
Eu te amo.
Começou a digitar, e cada segundo de espera fez meu coração falhar uma batida.
Subitamente, algumas linhas surgiram na tela:
Não, não ama. Por um bom tempo, achei que sim. E, quando você me disse que estava no
Brasil, eu pensei que ficaríamos juntos, que nos casaríamos e construiríamos a nossa família
aqui. Mal sabia eu que você chegaria e, na primeira noite, engravidaria de outro cara.
Em seguida, emendou:
Se você tivesse dito que me traiu de caso pensado, doeria menos. E sabe o que é pior que
descobrir que a mulher que eu amo transou com outro? Sabe o que é pior que a minha namorada
ficar grávida e precisar de testes para descobrir quem é o pai do bebê? É saber que eu nunca
transei com ela. É não ter precisado fazer a porra do exame. É ter precisado ver o meu próprio
irmão se submetendo ao teste.
Quando li o que ele escreveu, desabei. Lágrimas turvavam minhas vistas no momento em
que enviei uma resposta totalmente insuficiente:
Quimmmmmmm!
Adivinha quem está no Brasil?
Volteeeeeeeeeeeeei!
Vou trabalhar aqui e morar provisoriamente com Luan!
Quando sair da empresa, vem pra cá!
Tô louca pra te ver pelado!
Nem acredito que finalmente vou conhecer o Quinzão! ;)
Segundo você, Vinte e Doisão! Hahahahaha!
VEM LOGO, PELO AMOR DE DEUS!
Para entrar, é só falar seu nome e mostrar a identidade para os seguranças.
Te amo, lindo.
Beij...
Isso é sério?
VOCÊ ESTÁ FALANDO SÉRIO???
Você está no Brasil?
Na casa de Luan?
SÉRIO?
Leona, não brinca comigo!
É sério.
Estou perfumada e pelada, esperando você.
MEU DEUS.
Meu pau acabou de acionar os airbags.
Enquanto ele não respondia, digitei uma mensagem para meu irmão:
A segunda parte eu escrevi, mas apaguei, porque me lembrei de que todos os quartos tinham
isolamento acústico. Ele não ouviria nada. Porém, a ideia de transar enquanto meu irmão transitava
pelos corredores não era algo que me deixava à vontade. Então, enviei o pedido.
Mal sabia eu que Luan já estava em casa e só leria aquilo no dia seguinte, por causa da
“farra” dele.
Provavelmente, havia chegado enquanto eu tomava banho, porque não ouvi o portão. E, no
instante em que recebeu a mensagem, estava ocupado demais no próprio banho, depilando o saco.
O idiota não me poupou desse detalhe asqueroso quando, horas depois, eu quis saber por
que ele não tinha lido aquela droga assim que enviei.
Pensei que leria logo e ficaria puto por não poder voltar para casa após um dia de trabalho.
Mas, naquele momento, não me importei. Estava feliz e ansiosa demais. Um pouco nervosa, também.
Joaquim e eu não fazíamos sexo por telefone, não nos exibíamos diante da webcam e não
enviávamos nudes um ao outro. Não por puritanismo. Éramos bem safados por mensagem de texto.
No entanto, queríamos vivenciar todas as nossas primeiras vezes pessoalmente.
Achei que seria uma coisa fofa e romântica para contar aos nossos netos no futuro. Mas, a
minutos de tudo finalmente acontecer, eu me dei conta de que aquela tinha sido uma péssima ideia.
Estava com um frio absurdo na barriga e sentia as pernas meio bambas.
Sentei-me na cama, enchi uma taça de vinho e bebi alguns goles, na tentativa de amenizar o
nervosismo.
Então, peguei o controle em cima do criado e acionei o botão que controlava as luzes do
quarto. Testei várias e acabei optando pela iluminação mais fraca, que transformava o ambiente em
uma espécie de boate escura.
A iminência do momento tinha me deixado meio apavorada com a ideia de ficar pelada pela
primeira vez na frente de Joaquim. Era muito mais fácil tirar a roupa para um cara estranho, porque
não havia sentimentos envolvidos. Tirar a roupa para o próprio namorado era algo que ressuscitava
inseguranças antigas. E se ele não gostasse do formato dos meus peitos? Ou do tamanho da minha
bunda?
A quase escuridão total me deixou menos insegura e um pouco mais relaxada.
Na verdade, o responsável pelo relaxamento foi o vinho. Depois de uma tacinha, eu já me
sentia mais calma.
Achei que uma trilha sonora deixaria tudo ainda mais íntimo. Pressionei alguns botões e,
logo, uma batida sexy preencheu o quarto. Coloquei o volume no máximo, totalmente despreocupada,
porque o barulho não atravessaria as paredes e, por isso, não incomodaria os funcionários que eu
pensava que estavam na casa.
As notas altas reverberaram em meu peito. Fiquei de pé e dancei um pouco, entrando no
clima.
Então, diminuí o som e decidi, de última hora, trocar os lençóis da cama. Quando tudo
estava limpinho e cheiroso, tirei o roupão e me deitei novamente, provando na pele a sensação dos
milhares de fios egípcios.
Esse foi o grande erro. Se eu pudesse mudar apenas um momento, mudaria esse. Não teria
me deitado e, assim, não teria cochilado por aqueles pouquíssimos minutos que transformaram a
minha vida para sempre.
Braz estava certo. Tinha acontecido, e continuar negando não mudaria os fatos.
O problema era que eu não tinha certeza se queria aquele homem na vida do meu filho. Dois
dias antes, havia tomado a decisão de procurá-lo, por achar que ter um pai seria o melhor para o
bebê, mas, convenhamos, não pensei direito. Um surubeiro seria uma péssima influência,
principalmente se a criança fosse um menino! Eu não queria um filho promíscuo, mesquinho e
obsceno, como Braz Belmonte. Queria um filho fofo, divertido e romântico, como Joaquim Varella.
Mas ele estava chateado demais. Não queria me ver nem pintada de ouro e não estava
interessado em criar o filho de outro.
E, mesmo se quisesse, eu não seria capaz de manter um segredo que afastaria meu filho de
mim quando descobrisse a verdade. Isso sempre acontece nos livros e nas novelas. A criança acaba
descobrindo que o homem que a criou não é o pai biológico e se vira contra a mãe. Deve acontecer
na vida real também.
No caso, o pai biológico não era grande coisa, mas... fazer o quê? Era o pai, e tinha o
direito de saber disso. O que ele faria com a informação estava fora do meu alcance. Se não quisesse
ser um pai presente, amém. Pelo menos, minha consciência ficaria limpa.
Era melhor confessar logo. E eu confessaria. A qualquer momento...
Soltando um suspiro derrotado, sentei-me na cama, ao lado dele.
Por alguns instantes, não falei nada.
Braz continuou abrindo os botões da camisa.
Quando tentou se livrar da peça e os espinhos em suas costas não permitiram, ajeitei-me no
colchão e comecei a tirá-los.
Fiquei em silêncio durante todo o processo, e ele permaneceu quieto, os músculos dos
ombros subindo e descendo levemente, por causa da respiração compassada.
A centímetros de distância, eu podia sentir seu perfume. O aroma que vinha do pescoço era
apenas um vestígio da fragrância aplicada horas atrás. Ainda assim, o cheiro masculino se infiltrava
em minhas narinas, me fazendo pensar em coisas que não deveria.
— Pronto — avisei, ao terminar de arrancar todos os espinhos visíveis.
Ele se levantou e começou a tirar a camisa, de costas para mim.
Meu olhar capturou toda a extensão bronzeada até encontrar o traseiro redondo e musculoso,
coberto pela calça social meio suja.
Eu já tinha cravado as unhas em sua pele, e a sensação de apertar aquela bunda ainda estava
vívida demais em minha memória.
Braz se virou, e o peitoral largo e definido entrou em meu campo de visão. Imediatamente,
ergui os olhos. Não daria a ele o gosto de me flagrar observando seu corpo.
— Você está certo — admiti de uma vez. — Realmente aconteceu.
O ar escapou de seus pulmões, e uma expressão desgostosa invadiu seu rosto.
— Como? — Sentou-se novamente. — Como isso aconteceu? Você se lembra? Foi do jeito
que eu acho que foi? — Seus olhos buscaram os meus, e eu assenti. — Então você realmente achou
que eu fosse a porra do seu namorado? Mas como confundiu uma coisa dessas?
— Eu nunca tinha transado com o meu namorado — contei.
— Como assim? Você era... virgem? — Os olhos arregalados me fizeram rir.
— Claro que não! Era um relacionamento à distância. Decidi voltar para cá pouco depois de
ser pedida em namoro. Havia chegado naquela noite, e estava à espera dele. Mas acabei pegando no
sono. Em algum momento, você entrou e se deitou na cama. O movimento me acordou. Tateei os
lençóis, tentando encontrar o controle para acender a luz do quarto. Meus dedos encontraram seu
peito no escuro. Ao mesmo tempo, você se deu conta de que estava deitado ao lado de uma mulher
e... me beijou. Nunca tinha beijado Joaquim, então pensei que fosse ele. — Baixei os olhos, triste.
Encontrei um homem na minha cama e sequer cogitei que poderia não ser meu namorado.
Afinal, eu estava esperando por ele e já tinha autorizado sua entrada.
Quando aquela boca deliciosamente quente encontrou a minha, meus pensamentos
evaporaram, meu cérebro derreteu, meu corpo pegou fogo e esqueci meu próprio nome.
— Puta que pariu... — Braz praguejou, e um mutismo constrangedor pairou sobre o quarto
por vários segundos. — Sinto muito, Leona. — Sua voz ressoou de repente, me pegando
desprevenida.
Olhei para ele e vi arrependimento genuíno em suas íris claras.
— Eu não queria te atropelar de verdade, só quis te dar um susto. Está... doendo muito? —
Apontei os braços arranhados.
— Não. Está só... ardendo um pouco.
— Desculpa — pedi com sinceridade.
— Tudo bem. Irritei você. Então acho que mereci.
— Não, Braz, nada justifica o que eu fiz. — Alcancei o kit de primeiros-socorros e peguei
um frasco de soro fisiológico. — Vou te ajudar a limpar.
Embebi o líquido em um uma gaze e comecei a passar sobre as linhas avermelhadas.
No mesmo instante, o ar perpassou os dentes dele, junto com um gemido de dor.
— Você é um homem ou um garoto? — brinquei, mirando o cenho franzido.
— Um garoto — ele respondeu, fazendo careta.
Dei uma risada e prossegui, limpando também o outro antebraço. Então, chegou a vez dos
bíceps.
Nossos olhares se cruzaram e permaneceram unidos por alguns instantes, em um silêncio
perturbador.
Fazer aquilo tinha sido uma péssima ideia. Braz era tão bonito que mirá-lo era algo
perigoso. Mexia comigo, da mesma maneira que mexia com outras mulheres.
Como se não bastasse, estava com o tórax desnudo, e todos aqueles músculos expostos
irradiavam testosterona, o que atiçava meus hormônios e transformava o quarto em uma quase
irresistível bolha de feromônios.
— Leona... — O timbre profundo pôs fim à quietude. — Posso te perguntar uma coisa?
— Pode. — Peguei outra gaze e molhei, para me distrair.
— Por que você mentiu hoje cedo? — A pergunta fez com que meu olhar retornasse para o
rosto próximo ao meu.
— Posso ser sincera? — sondei, e ele aquiesceu. — Porque acho que você não seria um
bom pai.
— Então você está realmente grávida? — indagou, com nítido pesar.
E quem poderia culpá-lo? Certamente, eu não poderia, já que toda aquela situação me
deixava tão pesarosa quanto ele.
— Estou — respondi, e esperei que absorvesse a informação.
— E eu sou o pai? — Aborrecimento alastrava-se por suas feições.
Tentei não levar para o lado pessoal dessa vez. Afinal de contas, ele tinha todo o direito de
considerar aquela a pior notícia do ano. Ou da própria vida.
— Sim. — Ofereci apenas um monossílabo.
— Como você sabe? Como chegou à conclusão de que três caras poderiam ser o pai do
bebê? — Era uma pergunta totalmente válida, que merecia uma resposta fundamentada.
— Para que compreenda isso, preciso contar o que aconteceu depois que você me beijou.
Não se lembra de nada? — investiguei.
— Não, eu... — Jogou as íris para o lado esquerdo. — Não me lembro, mas, depois que
escutei o nome do cara, fiquei com a impressão de ter ouvido antes, recentemente...
— É que te chamei pelo nome dele quando... — Não consegui continuar. — Você sabe.
— Entendi. — O safado não conteve o sorriso malicioso. — Então você transou comigo até
o fim sem perceber? Não achou nada estranho?
— Infelizmente, eu não tinha nada para comparar — respondi, cabisbaixa.
Conhecia Joaquim desde que éramos crianças, mas nunca tínhamos visto um ao outro
pessoalmente depois de adultos. Aquela seria a primeira vez.
Eu visitava o Brasil de vez em quando e, às vezes, via seus pais e irmãos. Mas ele morava
em outra cidade desde que passara no vestibular, e só os via em algumas datas comemorativas,
celebradas no seio de sua própria família.
Não sabia qual era o cheiro dele ou como era beijá-lo. Porém, sabia que não tinha o hábito
de beber.
Quando fui beijada naquela noite, estranhei o gosto de álcool, mas achei que ele tivesse
bebido uma dose de alguma coisa, para aplacar o nervosismo, que nem eu bebi uma tacinha de vinho.
Ledo engano.
— Nesse seu namoro, você não conversava por áudio ou vídeo com o cara? — Braz quis
saber.
— Conversava, é claro.
— Então você conhecia a voz dele. — Não foi uma pergunta, mas assenti. — Sei como
transo, e não é calado...
Não, não era. Braz Belmonte era do tipo que fodia sem qualquer delicadeza e fazendo muito,
muito barulho. Murmúrios enrouquecidos acompanharam cada estocada. E o som que escapou de sua
garganta quando chegou ao orgasmo desencadeou o meu.
— É, você gemeu bastante. — De um jeito delicioso, completei mentalmente.
— Só isso? Eu não disse... indecências? Não falei nenhum palavrão?
— Não, você não disse nada. Mas seus gemidos... — Fiz uma pausa, me lembrando daquela
boca em meu ouvido. — Digamos que, nesse aspecto, você foi muito escandaloso.
— Escandaloso? — Fechou a cara. — Não gosto dessa palavra. É pouco máscula.
Dei uma risada e passei a gaze umedecida em seu bíceps.
— Ai! — resmungou. — Puta merda, ardeu demais!
— Pouco máscula é a sua reação toda vez que encosto nos seus machucadinhos —
provoquei.
— Não é minha culpa se essa porra dói. — Seu rosto se contorceu novamente quando o soro
fisiológico encontrou outro ferimento.
Por um tempo, continuei me dedicando aos arranhões, passando a solução nos músculos dos
braços fortes e dando várias espiadas, todas muito discretas, nos gomos do abdome trincado e,
talvez, no zíper da calça.
A curiosidade para ver o que estufava o tecido estava me corroendo. Tinha sentido toda
aquela potência e a...
— Camisinha? — indagou de repente. — Eu não usei?
— Não — respondi, o coração acelerado pelo susto.
— Não é possível que eu não tenha usado... — comentou, cético. — Sempre uso!
— Você não estava usando — informei, e ele continuou expressando incredulidade.
— Como você sabe?
Foi gostoso e escorregadio demais.
Foi diferente de tudo o que já experimentei, porque, antes daquilo, eu nunca tinha transado
sem nada.
— Sabendo.
— Mas você tem certeza?
— Esse é o tipo de coisa que uma mulher tem certeza, Braz. Quando fui ao banheiro...
surpresa! Porra escorrendo pelas minhas pernas!
— Ah... — Ele enfim compreendeu.
— Porra rala, a propósito — pirracei.
— Tão rala que você deve ter passado a madrugada inteira tentando tirar toda aquela
profusa viscosidade que descia copiosamente pelas suas pernas nuas, feito grossas meias brancas. —
Sorriu descaradamente, e eu gargalhei.
— Quanta criatividade! E que destreza no emprego de substantivos, adjetivos e advérbios!
Já pensou em ser escritor? — brinquei.
— Talento não me falta. — Recebi um sorriso de canto.
— Presunção também te sobra. — Caprichei no desdém.
— Beleza eu tenho em abundância — acrescentou.
— E paciência eu tenho no limite. — Fiz uma carranca.
— Gostei do nosso poema — declarou, rindo.
— Prefiro outro. “O cravo brigou com a rosa, debaixo de uma sacada. O cravo saiu ferido; e
a rosa, muito feliz”. — Recitei.
— Engraçado... Não me lembro dessa versão. — Sarcasmo chegou aos meus ouvidos.
— Sério? — dissimulei. — É a versão oficial.
Braz riu, minhas bochechas se ergueram, e nossos olhares permaneceram conectados por um
tempo superior ao ideal.
Quebrei o contato, concentrando-me em suas escoriações.
— Bem... Voltando ao assunto, eu tomei uma chuveirada, vesti o roupão e voltei para o
quarto. — Dei prosseguimento ao relato, enquanto eliminava os rastros de sangue. — Precisava
conversar com Joaquim sobre o anticoncepcional que eu não estava tomando, já que estávamos
separados por um oceano. Mas, quando acendi a luz, a cama estava vazia. Achei que ele tivesse
descido até a cozinha. Tentei abrir a porta e notei que estava trancada e que a chave tinha sumido do
lado de dentro. Estranho demais, porque eu tinha deixado aberta. Por que Joaquim sairia e me
trancaria? Pensei que pudesse estar fazendo alguma gracinha ou preparando alguma surpresa. Decidi
espiar pela fechadura e...
— Viu que a casa estava cheia de pessoas peladas — completou.
— Inclusive, tive o azar de ver um primo meu de costas no corredor. Duas mulheres estavam
ajoelhadas aos pés dele, dividindo... aquilo. Acredite, ainda tenho pesadelos com essa visão
medonha — contei, e meu interlocutor não refreou o riso. — Logo percebi que era uma das surubas
de meu irmão e tirei os olhos imediatamente, com medo de dar de cara com ele e ver coisas que me
fariam arrancar os olhos com as próprias unhas.
Braz riu de novo, mais alto dessa vez.
— Enfim... — Troquei de gaze, embebendo outra e dando continuidade à limpeza. — Minha
primeira providência foi ligar para Joaquim e perguntar onde ele estava e que porra estava
acontecendo. Ele disse que ainda estava preso no trânsito, e eu me dei conta de que algo muito, muito
errado tinha acabado de acontecer.
Meu ouvinte deixou uma risada escapulir, e eu o encarei, bastante séria.
— Desculpa, é que imaginei sua cara na hora e achei engraçado.
— Não tem graça nenhuma!
— Você deve ter ficado desesperada quando percebeu que tinha sido fodida por um dos
caras da suruba. — Ele riu. — E se tivesse sido o seu irmão? Ou um dos seus primos? Aliás, como
você sabe que um deles não é o pai?
— Credo! Que horror! — Expressei meu asco.
— É uma dúvida pertinente. — Ele se defendeu.
— Não, não é. E vou explicar o porquê. Quando liguei para Joaquim, achei que ele
estivesse zoando e pedi que parasse de palhaçada e confirmasse que tínhamos, sim, acabado de
transar.
Braz soltou um assovio baixo, divertindo-se com o malfeito.
— Desculpa — pediu, rindo, ao receber meu olhar mortífero.
— Preciso limpar o outro braço. — Dei a volta, sentando-me do outro lado.
Preparei uma nova gaze. Ele fechou os olhos e cerrou os dentes, aguardando o momento.
Fiquei observando seus traços. Meu olhar vagueou pelo rosto perfeito, admirando o farto
cabelo cor-de-chocolate, as sobrancelhas espessas, os cílios comprimidos, o nariz reto e os pelos
curtos que cobriam o maxilar, circundando os lábios cheios.
Meu pescoço conhecia aquela boca e aquela barba. Enquanto contemplava aquele combo
maravilhoso, a deliciosa sensação gravada em minha memória fez minha pele formigar.
— O que você está fazendo? — As pálpebras se ergueram de repente.
— Eu... hã... — Elevei as vistas, encontrando vibrantes íris verdes. — Vendo se tem algum
machucado na sua cara.
— E tem?
Tem. Na sua boca. Posso limpar com a minha?
— Não. — Passei a solução aquosa em uma das linhas avermelhadas, examinando sua
reação.
Mesmo fazendo careta, o desgraçado continuava lindo.
— Terminei os braços, vira as costas — pedi, de forma meio ríspida.
Não estava a fim de ficar apreciando a beleza do canalha.
— Você ainda não explicou — observou, mudando de posição.
Fiz o mesmo, acomodando-me atrás dele ao cruzar as pernas sobre a colcha.
— Acabei revelando tudo e discuti com Joaquim por telefone — recomecei, limpando as
primeiras manchinhas de sangue. — Fiquei presa aqui a madrugada inteira, porque o isolamento
acústico me impediu de pedir socorro. Não achei isso ruim, porque estava triste e envergonhada
demais, tanto que nem tentei ligar para ninguém em busca de ajuda. Tudo o que eu queria era morrer.
Chorei por horas e vi o sol nascendo antes de adormecer. — Soltei um suspiro, me lembrando
daquela noite terrível. — Por volta do meio-dia, meu irmão abriu a porta e me encontrou deitada.
Briguei feio com ele. Mas não contei o que havia acontecido. Só quis saber por que o idiota não tinha
visto minha mensagem e por que não checou se tinha alguém dentro do banheiro quando trancou o
quarto.
— Ah, os quartos que ele sempre tranca durante as surubas... — Braz se deu conta.
— Exato. Luan sempre passa a chave em alguns, e o meu é um deles. Esqueceu de trancar no
início, mas fez isso ao ver você saindo daqui. Na verdade, disse que viu um cara saindo do meu
quarto. Perguntei que cara, e ele falou que achava que tinha sido Bia. Depois, falou que foi Bel.
Então, confessou que não tinha certeza, porque estava bêbado na hora. Achei que ainda estivesse,
porque primeiro disse que viu um homem, depois mencionou duas mulheres.
Braz achou graça.
— Acabei descobrindo que ele estava em dúvida entre você e Ramiro, dois colegas de
trabalho — continuei. — Mas achei melhor não confiar na palavra de um bêbado e fiz minha própria
pesquisa. Interroguei todos os meus primos surubeiros, perguntando se tinham entrado no meu quarto
em algum momento daquela noite. Todos juraram pela mãe que não, e eu acreditei, porque sempre
ameaço cortar o pinto deles se descobrir que transaram no meu quarto. Com eles, consegui os nomes
dos outros que haviam participado da suruba. Você, Ramiro e o irmão de Joaquim.
— O irmão do seu namorado? — Não estava vendo, mas pude imaginar seus olhos saltados.
— Então foi ele o terceiro cara que fez o teste?
Aquiesci, lembrando-me da angústia que foi abrir aquele primeiro exame, do quanto
Joaquim sofreu com a possibilidade e do quão aliviada eu fiquei ao ver o resultado negativo
impresso naquele pedaço de papel.
— Sua vida é a porra de uma novela — Braz comentou, alarmado.
— Mexicana, ainda por cima — completei, e ele riu. — Você é o vilão, obviamente.
— O vilão? — Virou-se, ficando de frente para mim. — Com essa cara de protagonista
latino?
Foi a minha vez de dar uma boa risada.
Ficamos calados de repente, nos fitando com sorrisos estampados no rosto.
O dele era absolutamente lindo.
Retraí o meu, clareando a garganta.
— Bem... Extraí a informação dos meus primos porque a ideia era encontrar e assassinar o
pivô do término do meu relacionamento. Mas, durante a investigação, me lembrei de uma
consequência muito maior que o fim do meu namoro. Tomei a pílula do dia seguinte com algumas
horas de atraso. Quando a menstruação não veio, achei que fosse um efeito colateral. Mas fiz um
exame de sangue mesmo assim. Deu positivo, olha que coisa boa — ironizei.
— Não tem como ser um resultado falso? — perguntou, esperançoso.
— Sou uma pessoa neurótica. Fiz em três laboratórios diferentes. Todos positivos.
— Certo. — Ele coçou a nuca, meio pensativo. — Não me leve a mal, mas... só vou
acreditar que sou mesmo o pai se fizer o teste.
Tentei, com todas as minhas forças, não me ofender. Afinal, estava mesmo grávida de um
estranho e, de um jeito ou de outro, engravidei em uma suruba. Ele tinha toda razão em questionar a
paternidade.
— Foi para isso que te procurei, lembra? E me arrependi, para ser sincera. Não precisava
ter feito isso, porque meu filho e eu não precisamos de você. Se não quiser fazer o exame, não faça.
Não conto à minha família que você é o pai. Ninguém precisa saber disso. Podemos fazer um acordo
e fingir que aquela noite nunca aconteceu, o que acha? — Ofereci a oportunidade.
— Não — respondeu de imediato. — Quando fiquei sabendo da sua existência, achei que
estivesse tentando enganar Ramiro, porque sempre espero o pior das pessoas. E, quando você me
procurou e eu me recusei a fazer o exame, minha recusa tinha fundamento. Você apareceu na minha
porta no meio da noite, eu não te conhecia, nunca tinha visto você e não achei, naquele momento, que
havia alguma possibilidade de eu ser o pai da criança. Tive minhas razões para pensar que pudesse
ser um golpe, e não vou me desculpar por isso.
Infelizmente, ele estava certo. Mas saber disso não anulou meu ressentimento.
— Vou ser honesto com você, Leona. — Um olhar solene encontrou o meu. — Quero essa
criança tanto quanto quero um chute no saco. Mas agora sei que posso ser o pai dela. Abandoná-la
como se fosse um objeto qualquer não é algo que está em meus planos.
Por incrível que pareça, o que ele disse me deixou aliviada. Braz não era uma pessoa tão
ruim quanto pensei, o que era bom, porque meu filho não teria um caráter duvidoso e, também, não
sofreria no futuro, por ter sido abandonado pelo próprio pai.
Eu, que tinha o melhor pai do mundo, queria que o meu bebê tivesse a mesma sorte.
Lamentavelmente, ele não teria. Mas um pai meia-boca era melhor que nada, não é? Eu achava que
sim. Esperava não estar errada.
— Tudo bem. Se é o que você quer, vou agendar o exame — comuniquei.
— Eu mesmo farei isso, em um laboratório de minha confiança. — Ele sequer tentou ocultar
o receio de eu falsificar o teste.
Tive vontade de me rebelar, gritando que enfiasse o próprio DNA no cu, mas me contive.
— Que laboratório sortudo esse que tem a sua preciosa confiança... — Esbanjei escárnio.
— Não é para menos. — Mostrou um sorriso. — Nossa relação existe há um bom tempo.
Faço exames regulares lá há anos, para confirmar que estou livre de doenças sexualmente
transmissíveis.
Eu também havia feito exames recentemente e, graças a Deus, ele não tinha me passado
nada.
— Fiz no mês passado, mas precisarei fazer de novo, agora que descobri que posso ter
transado acidentalmente com uma mulher que transa sem camisinha com estranhos. — A entonação
irônica me deu vontade de estrangulá-lo.
— Acidentalmente... — Soltei uma risada ácida. — O que aconteceu, Bráulio? Estava
andando e seu pau caiu sem querer na minha boceta?
Sobrancelhas escuras subiram, denotando certo assombro.
— Que foi? Nunca ouviu uma mulher usando termos sacanas? — Sorri com malícia.
— Mulher, sim. Uma garota com carinha de anjo? Nunca. — Curvou os lábios com deboche.
— Não sou uma garota. — Impulsionei o torso. — E muito menos um anjo — sussurrei, a
centímetros de sua boca.
Um inebriante hálito morno misturou-se ao meu, e o coração retumbou quando sua cabeça se
aproximou um pouco mais.
Ele ia me beijar?
Meu Deus. Ele ia me beijar!
Pupilas dilatadas fixaram-se nas minhas, a distância encurtou e pálpebras semicerradas
prenunciaram o beijo.
Antes de sucumbir, segurei sua nuca e, em vez de incentivá-lo, puxei seu cabelo, aumentando
bruscamente o espaço entre os nossos narizes.
— Achou que fosse me beijar? Essa boquinha você provou uma vez só, e não vai provar de
novo, querido.
Ele me encarou, completamente aturdido e nitidamente irritado.
— Leona... — Luan abriu a porta sem aviso, e eu dei um pulo no colchão, largando as
mechas macias e afastando-me de modo súbito. — O que. Significa. Isso? — questionou,
pausadamente.
— Sua irmã está grávida! — Braz despejou, e eu o encarei perplexa.
Encontrei um sorriso vingativo em suas feições.
Filho da mãe!
— Grávida? Como assim? Eu vou ser tio? É sério? — A alegria no rosto de meu irmão me
comoveu.
— Sim, é sério. — Não tive coragem de negar. — Mas não conta pra ninguém!
— Você já contou para Joaquim? — Foi entrando depressa no quarto, deixando a porta
aberta.
— Por que ela contaria, se ele não é o pai? — Braz comentou, maldosamente.
— Cala a boca! — Voei nele, empurrando seu peito e caindo sobre o corpo que tombou no
colchão.
Minha mão pressionou os lábios quentes, e murmúrios fizeram cócegas em minha palma.
Subitamente, ele parou de falar e de se mexer.
Ficamos nos fitando raivosamente, em silêncio.
— Como assim não é o pai? — A preocupação de Luan chegou aos meus ouvidos. — E por
que Braz sabe disso? — Ele se aproximou e me tirou de cima daquele linguarudo com um movimento
único.
— Me solta! — Comecei a me sacudir feito uma lagartixa sem rabo.
— Desembucha, Belmonte! — vociferou, colocando-me no chão enquanto Braz se
levantava.
— O pai é ele! — Apontei, exibindo meu próprio sorriso venenoso.
Era guerra que ele queria? Era guerra que Braz Belmonte ia ter.
— O quê? — A cara que meu irmão fez para o amigo me encheu de satisfação. — Filho da
puta! — O berro estrondeou pela casa.
— O que está acontecendo aqui? — Ramiro surgiu no batente, usando apenas uma boxer
preta. Ao lado dele, estava uma mulher de cabelo azul, com os peitos de fora.
Mas não foi nela que me concentrei. Meus olhos caíram no volume sob o tecido da cueca e,
por alguns segundos, esqueci que estava envolvida em uma discussão familiar.
Só me lembrei disso quando ouvi o som de um soco.
Gosto de ser imaturo
Michael Corleone estava conversando com o pai, e aquelas palavras selariam meu destino
como próxima vítima do Poderoso Chefão, que ordenaria uma execução imediata.
A qualquer momento, o futuro Don puxaria uma arma e estouraria meus miolos, como havia
feito com Sollozzo e McCluskey.
Não.
Eu não teria tanta sorte.
O próprio Don Corleone ia apertar o gatilho. Depois de uma longa sessão de tortura.
Eu seria comparado aos agressores da filha de Bonasera, e o chefe da máfia seria muito
mais inclemente com o “agressor” da própria filha.
Vito Corleone não me daria tempo para explicar. Eu era um homem morto.
Foi o que pensei ao ver o Al Pacino loiro no hall.
Mirando o celular em sua orelha, não temi pela minha vida. Comecei a temer pelo meu bem
mais precioso, que era o real culpado e seria o primeiro a sofrer as consequências.
Percebi que podia relaxar quando passei a prestar atenção à conversa.
— É claro que chamei a coroa! É óbvio que já. Pois pode acreditar! Porque ela precisa
participar! Vai ser uma noite memorável! — Deu uma risada. — Gosto. Gosto muito. Tá, vem logo.
Estou esperando vocês. Tchau, Laís. — Baixou o aparelho.
Ferrão não estava conversando com o pai! Mas continuava me apunhalando pelas costas!
— Foi por isso que você cancelou a suruba! — bradei, e ele se virou. — Vai fazer sua
própria orgia! Chamou até uma MILF e não me convidou? Que espécie de amigo você é?
— Ficou louco? Laís é minha irmã! E a coroa em questão é minha mãe! — berrou,
notoriamente irritado.
— Ah, sim. — Tive que rir. — Mas outra irmã? Quantas você tem?
— Felizmente, só essas duas. E sofro que nem um diabo na mão delas. Até hoje a gente sai
nos tapas. Elas me batem, na verdade... — Guardou o celular no bolso. — Acho que nunca falou da
sua família, Bel. Também tem irmãs?
Um aperto comprimiu minha traqueia.
— Não.
— Sorte a sua. — Achou graça.
Não fazia ideia da besteira que estava falando. E, por mais que eu quisesse dizer que a sorte
era dele, mantive os dentes cerrados.
— Vou adiar minha viagem — falou de repente.
— Sim, você já disse que vai amanhã.
Balançou a cabeça, em negativa.
— Não mais. Pretendo ficar pelos próximos meses.
— Isso quer dizer que vai voltar para a gerência? — Não contive o entusiasmo.
— Acha mesmo que vai ficar livre dela? — Um sorriso se formou e se ampliou lentamente.
— Não, Bel. Acredite, não vai. Leona veio para ficar.
— Ferrão... — comecei, em um tom baixo. — Não vai dar certo essa merda, cara. Você
podia... conversar com o seu pai e...
Uma risada me interrompeu.
— Quem vai conversar com meu pai é você, assim que ele retornar dos Emirados.
— Ele já está sabendo? Você contou? — Fiquei subitamente preocupado.
Uma coisa era peitar e provocar Ferrão. Outra, bem diferente, era lidar com o gélido olhar
de Luís Guerratto. Lagartixa sabe onde bate a cabeça!
— Não. Mas contarei, assim que o velho chegar. — Sorriu, sabendo que eu estava com o cu
na mão.
— Isso não é assunto seu. É assunto da sua irmã. Não cabe a você contar o que não te diz
respeito! — retruquei, elevando a voz.
— É assunto meu, porque aconteceu na minha casa, debaixo do meu nariz! E, no momento,
estou me contendo para não quebrar o seu por ter tido a audácia de triscar na minha irmã. Agradeça
por não ter uma. Ou eu daria o troco, filho da puta!
Fiquei calado, absorvendo o impacto daquelas palavras. Não seria justo esmurrá-lo por
dizer que eu devia agradecer por não ter uma irmã. Não sabia o que acontecera com ela nem que seu
único erro foi nascer na minha família.
— Se você vai ficar aqui e não pretende voltar para a sede, fará o quê? Vai para uma das
filiais da cidade? — desconversei.
— Provavelmente. Mas não agora. Tem quase um ano que não tiro férias. Acho que uma
pausa me fará bem. Vou ficar coçando o saco por um tempo.
Eu não via a hora de as minhas próprias férias chegarem. Principalmente por saber que, a
partir do dia seguinte, o trabalho se tornaria um inferno.
E eu estava certo em temer, porque, na terça-feira, quando cheguei à empresa, ela já estava
lá.
— Está atrasado. — A voz ecoou assim que acendi a luz da minha sala.
Devagar, a cadeira se virou, revelando a pequena mulher imersa no estofado de couro.
Mirei o relógio em meu pulso.
— Um minuto de atraso — desdenhei.
— Sabe quanto meu pai ganha em um minuto? — Levantou-se. — Tempo é dinheiro,
Belmonte.
Não sei o que me surpreendeu mais; o fato de ela ter me chamado pelo sobrenome, em um
tom extremamente formal, ou o vestido justo e elegante.
Quando abandonou a mesa, caminhando em minha direção, percebi que a barra repousava
acima dos joelhos.
Meio atônito, acompanhei o deslocamento das panturrilhas torneadas, resvalando o olhar
para os pés, que se equilibravam sobre um par de saltos muito altos.
— Presumo que precise dos demonstrativos que o gerente anterior ainda não finalizou. —
Parou a uma curta distância, fixando as pupilas em meu rosto.
— Sim, eu...
Subitamente, ela levou os dedos aos lábios, fazendo uma careta.
— Que foi?
— Seu cheiro — murmurou, saindo às pressas.
— Meu cheiro? — perguntei, e só então me dei conta de que já estava sozinho.
Minha primeira providência foi fungar os dois sovacos.
Não senti nada atípico, obviamente. A roupa estava limpa, eu tinha tomado banho há menos
de meia hora, passara desodorante e perfume, não estava fazendo calor e havia feito o percurso da
minha casa ao trabalho no ar-condicionado.
Por que ela dissera que eu estava fedendo?
Fiquei encucado com isso a manhã inteira. Até pensei em ir tirar satisfações em sua sala,
que ficava ao lado da minha, mas meu orgulho não deixou.
No horário do almoço, passei no Departamento Jurídico.
— Priminho lindo! Já estava indo te procurar! Vamos almoçar juntos de novo? — Briana
quis saber, assim que me viu.
— Vamos. — Aproximei-me do balcão. — Bri, preciso de um favor.
— Faço qualquer coisa pelo meu priminho. — A puxa-saco sorriu.
— Dá um cheiro no meu cangote — pedi.
— O quê? — Ela ficou pasma, mas logo deu uma risada. — Ficou doido? Deus me livre!
— É sério, Briana. Preciso saber se estou fedendo.
— Fedendo? — Esticou o pescoço, reduzindo o espaço entre nós e aspirando profundamente
o ar. — Meu Deus... Como eu odeio esse seu perfume.
— Odeia? — Puta merda! Meu perfume era ruim?
Eu achava o cheiro agradável.
Será que meu nariz estava estragado?
— Não suporto. Inclusive, seria ótimo se você parasse de usar isso — completou,
aproximando as narinas. — Esse cheiro é tão... — Mais algumas fungadas. — Nossa... É tão... —
Fungou de novo. — Ai... É horrível, Braz.
— Sério?
— Sério. — Sacudiu a cabeça enfaticamente. — Joga o frasco fora, eu imploro.
— Leona concordaria com você — comentei, frustrado.
Aquela ingrata tinha detestado meu perfume, e eu bati uma punheta por causa do cheiro
dela...
Podia exigir minha porra de volta!
Assim como um ressarcimento pela pequena fortuna gasta em um perfume importado que,
pelo visto, cheirava à merda. Usaria o dinheiro para pagar uma consulta com o melhor otorrino da
cidade, porque, definitivamente, estava com algum problema no olfato.
— Quem é Leona? — Um vinco se formou entre as sobrancelhas claras.
— A grávida-não-mais-de-Taubaté — resmunguei.
— Hã? Como assim? — Ela se empertigou na cadeira.
— Será que preciso passar em casa e tomar outro banho? — investiguei, repentinamente
preocupado.
— Não! — respondeu depressa. — Amanhã você dá um jeito nisso. Hoje pode ficar assim
mesmo. — Ficou de pé. — Vamos almoçar! Quero saber as novidades no caminho!
— E Miro? — Olhei para a porta fechada.
— Está em reunião com outros advogados, mas daqui a pouco termina. — Pegou a bolsa e
começou a contornar o balcão.
Em poucos minutos, estávamos na rua, enfrentando o vento e caminhando de braços dados
sob um céu nublado.
Durante o trajeto, fiz uma síntese dos últimos acontecimentos da minha vida.
— Não acredito que vou ser parente do próximo herdeiro daquele império! — Foi o que ela
disse quando finalizei.
— É sério, Briana? — Fiquei puto. — Eu te conto toda essa merda e é isso que você tem a
dizer? Não ouviu a parte que eu falei que ainda não fiz a porra do teste?
— Ai, já estou louca pelo chá de bebê na mansão dos Guerratto! — Fui totalmente ignorado.
— Meu Deus, nem tenho roupa para um evento desses! Gente rica faz chá de bebê, né? Ai, tomara! E
os aniversários do Júnior? Mal posso esperar pelas festinhas do nosso Riquinho Rico! E já aviso que
não levarei presente para o meu afilhado, porque não tenho condições.
Tive que rir dessa palhaçada, por mais que todo o cenário pintado por ela fosse aterrador.
— Mamãe ficaria tão feliz se estivesse viva... — suspirou, entristecida.
Tia Brígida vivia dizendo que o sonho dela era me ver casado, feliz e cheio de filhos. Nutria
o mesmo desejo em relação a Briana. Fora uma mulher infeliz no casamento e queria que sua filha e
eu tivéssemos outra sorte.
Separou-se do marido após alguns anos de matrimônio e não se casou de novo. Dedicou a
vida a mim e a Briana.
Quando éramos crianças, fez das tripas coração para nos sustentar. Exercia o ofício de
costureira do raiar do sol ao fim do dia, mas adorava tricotar e passava as noites tecendo vestidos
que minha prima adorava e casacos que eu não gostava de usar, mas usava para que não ficasse
chateada.
Na época em que comecei a trabalhar, a primeira grande coisa que comprei foi uma casa.
Preferia ter investido todo aquele dinheiro, mas o sonho de tia Brígida sempre foi morar em um lugar
maior, com um espaço próprio para os artesanatos dela. Nunca vou esquecer os olhos marejados, o
beijo carinhoso na bochecha e os braços apertados ao meu redor em seu primeiro dia naquele ateliê
cheio de linhas e lãs.
Foi difícil convencê-la a sossegar, mas, quando a artrite começou a entortar seus dedos,
aposentou de vez a máquina de costura e permitiu que eu sustentasse a casa sozinho.
Morreu há quatro anos e foi a única mãe que eu tive. Assim que a doença que a levou
começou a avançar, obrigou as agulhas e as articulações a tricotarem dois pares de sapatinhos de
bebê. Um para o meu primogênito, e outro para o de Bri.
Por algum tempo, tive certeza de que o meu par nunca seria usado. Sempre que pensava
nisso, no trabalho vão de tia Brígida em seu leito de morte, eu me sentia extremamente mal.
Não queria ser pai, mas ali, enquanto caminhávamos, imaginei pequenos pés dentro
daqueles sapatos minúsculos.
— Ficaria. Ela ficaria muito feliz. — Acariciei os dedos de Briana, pousados em meu
braço. — Falando nisso, como vai a faculdade?
Ver a filha e eu formados era outro desejo de minha tia. Sempre fez de tudo para que
frequentássemos boas escolas e nos encorajava muito a estudar. Não tinha como pagar colégios
particulares, mas nunca faltou incentivo para que nos dedicássemos o bastante para conseguir bolsas.
Foi assim que tivemos acesso a um ensino de qualidade. Cheguei onde cheguei graças a tia Brígida e,
depois que ela morreu, continuei motivando Briana.
Minha prima tinha dezesseis anos quando perdeu a mãe. Aos dezoito, estava iniciando o
curso de Direito em uma universidade estadual. Acabara de completar vinte e, enquanto não
alcançava o período necessário para ocupar a vaga de estágio que eu havia conseguido para ela,
estava trabalhando na empresa. Tinha saído de outra há pouco tempo. Trabalhava desde o início da
faculdade, porque fazia questão de morar sozinha e ter seu próprio dinheiro. E eu fazia questão de
ajudá-la com as despesas do apartamento, com o plano de saúde e outros gastos.
— O período está muito difícil. Quero que o próximo chegue logo, porque estou louca para
começar o estágio com Ramiro. Mas, enquanto isso não acontece, tenho uma prova fodida na semana
que vem e acho que vou aproveitar para pedir uma ajudinha ao meu querido chefinho. — Sorriu com
malícia.
— Não vai atiçar o cara, Briana. Mirão tá na seca. — Deixei escapar, e só então me lembrei
de que ele já tinha quebrado a promessa.
— Na seca? — Ela se interessou.
— Por causa da suruba de ontem, que foi cancelada — improvisei. — Eu mencionei isso,
não?
— Mencionou, e achei foi pouco! — Ela riu.
Logo atingimos a fachada do restaurante, e eu abri a porta.
Ao encontrarmos uma mesa vazia, puxei uma das quatro cadeiras para Briana, nós nos
acomodamos e fizemos nossos pedidos.
— Tem uma coisa que eu sempre quis dizer. — De frente para mim, ela abriu um sorriso. —
“Com licença, vou ao toalete”. — E se levantou.
Dei uma risada, vendo-a se afastar.
Ainda estava rindo sozinho quando meu olhar cruzou com o de Leona Guerratto, sentada do
outro lado do salão.
Ao me ver, baixou os olhos para o cardápio que segurava.
É claro que ela também almoçaria ali. Era um local requintado e próximo à empresa. Não
sei por que me surpreendi tanto ao vê-la.
Fiquei tão absorto, com o olhar fixo naquela mesa, que só percebi a chegada de Ramiro
quando ele se sentou no lugar de minha prima.
— Por que você e a mãe do seu filho estão comendo em mesas separadas? —A pergunta,
feita em um tom jocoso, me irritou.
— Espero que você se ferre por ter quebrado a promessa. — Expressei meu desejo mirando
seus olhos.
— Não quebrei — alegou, achando que nasci ontem.
— É mesmo? — Elevei uma sobrancelha. — E estava fazendo o que com uma mulher
praticamente pelada?
— Eu ia quebrar. Achei que podia, já que nunca nem transei com Leona e, portanto, nunca
tive um motivo real para fazer a promessa. Fui para a casa de Ferrão disposto a ligar o foda-se.
Estava tirando a cueca quando o universo me enviou um sinal.
— Sinal? — indaguei, cético.
— O cancelamento da suruba. Foi uma segunda chance, cara. Se eu tivesse transado, acho
que ia dar uma merda federal, mas alguém teve misericórdia de mim. Agora tô firme na promessa.
O riso abandonou minha garganta.
— Não ri, porra. É sério. Quarto dia já.
— Faltam só trezentos e sessenta e um. Ou dois, se o ano for bissexto. — Soltei uma risada,
e ele estalou a língua, frustrado.
Então, chamou um dos garçons e fez seu pedido.
— Mas e aí, você é mesmo o pai? — Lançou a dúvida assim que o homem uniformizado se
distanciou.
— Talvez — admiti, a contragosto. — Vou fazer o teste.
— Que merda, cara. — O desgraçado riu. — Mas você transou mesmo com... — Parou de
falar de repente. — É sério, Braz? Você trouxe Briana de novo?
— Já falei que ela vai almoçar conosco todos os dias. — Não virei o pescoço, mas sabia
que minha prima estava caminhando até nós.
— Beleza. — Miro se levantou e saiu andando.
Fiquei completamente sem reação.
— Ele está indo embora? — Briana me alcançou segundos depois.
— Acho que sim — respondi, pasmo com aquela atitude.
Então, meu amigo parou em uma mesa específica e começou a puxar assunto com a única
ocupante.
— O que é aquilo? — Minha prima se sentou, ocupando seu lugar inicial. — Ele está dando
em cima daquela mulher?
Permaneci calado, atento à conversa.
Leona disse alguma coisa. Ramiro riu e falou algo. Ela riu e os dois continuaram batendo
papo. Um garçom apareceu e algumas palavras foram trocadas. O sujeito se afastou. Em seguida, os
dois se levantaram e começaram a andar em nossa direção.
Briana olhou para mim, indignada.
— Não acredito que ele vai trazer uma mulher para a nossa mesa!
E eu não podia acreditar que seria obrigado a almoçar com ela!
Continuei mudo, puto demais para falar qualquer coisa.
— Boa tarde — minha nova colega de trabalho cumprimentou, ao se aproximar.
— Boa tarde — Briana respondeu, secamente.
Limitei-me a encarar Ramiro, que tinha um sorriso estampado na cara feia. Estreitei os
olhos, matutando minha vingança futura.
— Ué, Bel... Não vai cumprimentar nossa convidada de honra?
Bel... O desgraçado nem me chamava de Bel!
— Sua convidada. Eu não a convidei, Bia — ressaltei o apelido.
— Peço perdão pela grosseria de meu amigo. — Balançou a cabeça, fingindo me recriminar.
— Não se preocupe, Miro. O que vem de baixo não me atinge. — Ela sorriu para ele.
Eu era seu superior hierárquico! Ela estava abaixo de mim no organograma! Eu estava por
cima. Eu.
Poderia muito bem jogar isso na cara dela, mas sabia que, na verdade, era a filha da mãe
que estava no topo.
— O que vem de baixo não te atinge? Então senta em um formigueiro pra você ver. — Era
melhor uma réplica infantil que resposta nenhuma.
— Não, obrigada. Existem lugares mais interessantes para sentar — rebateu.
— Falando nisso, você poderia se sentar ao lado de Braz? — Ramiro se dirigiu a Briana. —
Gostaria de me sentar ao lado da minha convidada, e vocês dois, em cadeiras opostas, são um
obstáculo para esse desejo.
Mágoa e desilusão despontaram rapidamente nas feições dela.
— Não se levante, Briana. — Fixei os olhos em Ramiro, apontando a cadeira ao meu lado.
— Ou você se senta aqui ou senta no colo do capeta!
Se ele achava que ia chatear minha prima se sentando junto com Leona estava muito
enganado! Nem por cima do meu cadáver!
— Que gentileza oferecer o próprio colo para o amigo — ela provocou.
Achando graça, Ramiro ocupou o assento vizinho ao de Briana.
— Não me leve a mal, Bel, mas eu dispenso seu colo, parceiro. Prefiro me sentar com
Briana mesmo.
— Engraçado... Ontem não era adequado almoçar com a sua secretária. Hoje é adequado
almoçar ao lado dela? — alfinetei.
— Eu não queria me sentar com ela, mas é por uma boa causa.
— Se a minha presença é tão desagradável assim, levante-se e vá procurar outra mesa! —
Briana se exaltou. — Aproveita e leva sua convidada!
— Ficaremos aqui. Se estiver incomodada, retire-se você. E, para o seu governo, minha
convidada é a filha do seu, do meu, do nosso patrão. É, também, a mãe do filho de Braz. Sugiro que a
trate com mais cortesia — despejou.
— Vou voltar para a minha mesa — Leona declarou e começou a andar.
— Pronto. Agora seremos todos demitidos. Está satisfeita, Briana? — Ramiro endereçou-
lhe um olhar severo.
— Vocês não precisam lamber a minha bunda só porque eu sou filha do meu pai! —
Retrocedeu os passos, nos encarando.
— Mas, se precisar de umas lambidas, saiba que tem um voluntário. — Miro sorriu, e eu
arregalei os olhos, incapaz de acreditar que aquele infeliz estava dando em cima dela.
Como dizia aquilo à filha do chefe depois de todo aquele discurso de merda? O que ele
queria? Que realmente fôssemos todos para o olho da rua? Aquilo era assédio! Que lixo de advogado
ele era para não saber disso?
— Ficou louco, Ramiro? — Manifestei minha incredulidade.
— Calma, Bel. Eu não estava falando de mim. Sei que vocês dois estão juntos, o voluntário
é você.
— Não estamos juntos! — Leona e eu bradamos ao mesmo tempo.
Ramiro abriu um sorriso, e tive vontade de quebrar todos os dentes dele no murro.
— Então você é a famosa Leona... — minha prima comentou, aparentemente satisfeita. —
Sou Briana Belmonte.
— Belmonte? — Recebi um esverdeado olhar perplexo. — Ai, meu Deus! Você é casado?
— Sou. Veja a minha aliança. — Mostrei a mão esquerda, desprovida de qualquer algema
desde sempre e para todo o sempre.
— Esse traste é meu primo. — Briana se levantou, esticando o braço. — É um prazer te
conhecer.
— Traste? Acho que já gostei de você. — Os lábios rosados da Medusa Maldita se
curvaram quando ela apertou a palma estendida.
— Peço desculpas pelo meu comportamento anterior — minha prima pediu, meio
constrangida. — Por favor, almoce conosco, Leona.
— Não dá! — interferi. — Onde ela vai sentar?
Ao meu lado é que não ia ser! Primeiro, porque eu não suportava aquela insuportável.
Segundo, porque ela não suportava o meu cheiro. E, terceiro, porque eu tinha passado a não suportar
o dela.
— No seu colo? — Ramiro sugeriu, rindo.
Estava mesmo testando a minha paciência.
— Deus me livre! Vou me sentar no único lugar disponível, é óbvio. — Leona aproximou-se
da cadeira vaga.
Por instinto, fiquei de pé.
— Que foi? — Ela estranhou.
— Nada. — Voltei a me sentar.
Não ia puxar a cadeira para ela.
— Ele ia puxar a cadeira para você. — A língua-de-tamanduá que chamo de prima contou.
— Ainda bem que não puxou, pois não preciso dele para nada. — Acomodou-se ao meu
lado. — Muito menos para puxar a minha cadeira. — Firmou as mãos no assento e moveu as pernas
de metal, produzindo um ruído agudo.
Ainda bem que não desperdicei os bons modos que tia Brígida me ensinou com aquele
monstro mitológico.
— Você é chata e mal-educada assim todos os dias ou só às terças-feiras? — Olhei para ela.
— Só às terças-feiras. Nos outros dias da semana, eu sou mal-educada e insuportável —
respondeu com tranquilidade.
— Principalmente aos sábados — devolvi, me lembrando do dia em que ela foi a minha
casa em plena madrugada.
— Isso é porque você ainda não me viu aos domingos, meu querido!
— Não vi e nem verei!
Briana estava rindo, e Miro também parecia estar se divertindo.
— Não tem palhaço aqui, não — resmunguei.
— Sério? Porque eu estou vendo um circo, e ele está pegando fogo. — Ele deu uma risada,
e minha prima o acompanhou.
Olhando para os dois patetas, balancei a cabeça em repreensão.
Foi esse o momento que Leona escolheu para levar os dedos às narinas, fazendo uma careta
súbita, o que me deixou extremamente desconfortável.
Não estava acostumado a causar esse tipo de repulsa em uma mulher.
Acabei descobrindo que, ao ter a sensação de que estou incomodando, eu me sinto acuado.
E, quando me sinto acuado, eu ataco, como um gambá.
Péssima analogia.
Eu ataco como... qualquer animal acuado, exceto um gambá.
— Vocês estão sentindo esse cheiro ruim? — Dei algumas aspiradas. — Meu Deus... Acho
que está vindo de... Leona? — Fingi espanto. — Espero que não seja o que estou pensando, porque
seria deselegante demais, até mesmo para você. Se precisa usar o banheiro... — Deixei a insinuação
no ar.
— Preciso. Agora, antes que... — Começou a se levantar e, do nada, um jato atingiu meu
ombro.
Embasbacado, mirei o tecido do paletó. Uma mistura desagradável, de cor indefinida,
escorria pelo peito e pela manga esquerda.
Tirei os olhos daquilo e fiquei imóvel, assimilando o fato de que havia vômito na minha
roupa.
Sem dizer palavra alguma, ela saiu praticamente correndo.
Minha prima se levantou depressa e foi atrás.
— Cara... — Miro começou e, então, teve uma crise de riso.
Fiquei de pé e deixei a mesa ao som das risadas daquele filho da puta.
Não devia ter escutado Briana. Devia ter tomado outro banho! Se tivesse ido para casa me
livrar daquele cheiro, aquilo não teria acontecido.
Mais tarde, atiraria aquele vidro de perfume na puta que pariu!
Ignorando alguns olhares e meu próprio embaraço, caminhei até o banheiro masculino mais
próximo.
Assim que entrei, tirei o paletó, com cuidado para não sujar a camisa, e o joguei no lixo. Era
uma peça cara, mas lavanderia nenhuma seria capaz de tirar do tecido fino aquele odor de comida
digerida.
Fui até o espelho e constatei que o colarinho estava sujo. Duas manchas maculavam sua
alvura. E essa não era a pior parte. Minha bochecha continha vários respingos. Quase vomitei ao me
dar conta disso.
Definitivamente, aquele episódio bizarro tinha acabado de vez com qualquer chance de eu
transar de novo com aquela mulher.
Lavei o rosto e, amaldiçoando todas as gerações dos Guerratto, fui até o cesto onde tinha
jogado o paletó e tirei o lenço do bolso.
Então, voltei para a pia, umedeci o pano com sabonete líquido e limpei a gola da melhor
maneira que pude. Quando terminei, havia apenas uma marca molhada. Ajeitei a gravata e voltei para
o salão.
Miro estava sozinho na mesa. Ocupei minha cadeira, disposto a agir como se nada tivesse
acontecido.
— Qual é a sensação de levar uma gorfada na cara? — É claro que ele não deixou o assunto
morrer.
— Deve ser a mesma de levar uma gozada. Quer que eu goze na sua para saber como é? —
perguntei, totalmente puto, e o babaca riu.
Leona retornou e se sentou junto com ele, deixando para Briana o assento perto do meu.
Estava... me evitando? Por causa do meu cheiro?
Meu Deus.
Isso era... rejeição?
Ela fez menção de falar, mas, antes que dissesse qualquer coisa, um garçom apareceu.
Enquanto o cara nos servia, um casal se levantou, vagando uma mesa a uma curta distância
da nossa.
Depois de deixar nossos pratos, o homem se afastou, indo até lá para pegar os vazios.
— Peço desculpas por vomitar em você, Braz. — Deu início à conversa. — É que o seu
perfume...
— Cale-se. — Não me dei o trabalho de olhar para ela. — Em nome do meu perfume
terrível, agradeço por incrementá-lo com o seu vômito. Agora, aproveite o cheiro agradabilíssimo de
Ramiro e me deixe comer em paz! — Estressado, peguei o garfo e, ao me deparar com os frutos do
mar, percebi que havia perdido a fome.
— Mas o seu perfume... — a desgraçada insistiu.
— Meu Deus, Leona! — explodi, fitando-a. — Eu já sei que o perfume é uma merda! Já sei
que estou fedendo! Não precisa me dizer, caralho! Sinto muito se o meu cheiro ruim te incomodou
tanto, a ponto de você vomitar!
Briana começou a rir. Ramiro não conseguiu controlar as gargalhadas.
— Você é burro demais, Bel — falou, rindo.
— Põe burro nisso! — minha prima concordou, em meio ao riso.
— Eu disse que você é o Burro Falante, não disse? — A sabichona me encarou.
— Posso saber por que estou sendo triplamente ofendido? — Cruzei os braços, revoltado.
— Até eu, que sou tolo, entendi que ela vomitou porque está grávida, otário! — Miro
esclareceu.
— Não foi por causa do meu perfume? — indaguei, esperançoso.
Afinal, talvez não precisasse jogar fora um frasco que custava algumas centenas de reais.
— Na verdade, foi. — Leona minou minhas esperanças. — Fico enjoada com alguns
cheiros, bons ou ruins. É muito relativo, nem eu entendo.
— O meu é bom ou ruim? — perguntei, apenas pela curiosidade.
— Você não tem um nariz? — ela devolveu. — Chega desse assunto. Vamos comer. — Deu
uma garfada em seu espaguete com cogumelos.
— Briana disse que é ruim — continuei.
— É ruim em você, anta! — Minha prima estourou. — Por que você acha que odeio seu
perfume, Braz? Porque é maravilhoso, idiota! Eu queria que qualquer outro homem tivesse esse
cheiro deliciosamente másculo, menos você!
Tive vontade de matá-la pelas coisas que me fez pensar e, ao mesmo tempo, abraçá-la, por
me retirar daquele limbo de rejeição e inferioridade.
— Eu acho uma merda. — Miro começou a cortar seu filet mignon. — Uma verdadeira
bosta. O meu é muito melhor.
— Concordo plenamente. — Leona sorriu para ele.
— O seu também é muito bom. — Retribuiu o sorriso.
Como estava cagando para os dois, provei meus mariscos.
— Mastiga com menos força, Bel. Os bichos já estão mortos. — O filho da mãe sorriu de
um jeito sacana.
Tive vontade de matá-lo. Apenas isso. Matá-lo.
Estava imaginando meu braço em volta do pescoço de Ramiro quando Briana me cutucou.
— Olha, Braz, não é aquele cara que trabalha na empresa? Aquele, do TI? — Com um
movimento sutil, indicou a mesa que havia sido desocupada instantes atrás.
Olhei adiante e vi um sujeito vagamente familiar sentando-se em uma das cadeiras. Depois
de se acomodar, pegou o cardápio e empurrou os óculos, iniciando a leitura.
— É ele! É aquele gato do elevador! — Briana se empolgou. — E está sozinho! Acho que
vou lá, oferecer minha companhia àquele deus grego! — Levantou-se, e tive certeza de que estava
fazendo aquilo na tentativa de irritar Ramiro.
Funcionou, porque, de repente, o simples ato de cortar o filé pareceu o assassinato do
próprio boi.
— Corta com menos força, Mirão. O bicho já está morto. — Saboreei o doce sabor da
vingança.
Então, busquei os olhos de Leona. Achei que ela fosse achar graça do meu revide, mas
estava lívida, olhando para a mesa que os passos de Briana tinham como alvo.
— Que foi? — Minha voz chamou sua atenção.
Uma palavra. Apenas uma palavra escapou de sua boca e me fez entender tudo.
— Joaquim.
É zona sem hora
Sentada naquela cadeira, vendo Joaquim a passos de distância, eu ouvia as palavras de meu
irmão ecoando em meu cérebro.
Na noite anterior, o fofoqueiro havia convocado uma espécie de reunião familiar.
Quando eles apareceram, eu estava no meu quarto, deitada na cama, pensando em... coisas.
Coisas imaginárias, que se repetiam na minha cabeça desde que certa pessoa entrou no meu banheiro.
Homem é bicho primitivo e previsível. Eu tinha certeza de que o safado ia bater uma só
porque eu tinha mencionado a palavra “banheta”.
Quando ligou o chuveiro, corri para a porta.
Mas não espiei.
Teria espiado?
Talvez.
Porém, o box ficava em um ângulo inacessível. Não daria para ver nada, mesmo se eu
enfiasse o olho inteiro na merda da fechadura.
Então, fiquei ali parada, lamentando não ter visão de raio-x e me amaldiçoando por nunca
ter feito um buraco em uma das paredes que me permitiriam ver tudo.
“Fazer um furo e cobrir com um quadro”. Precisava anotar isso no meu planner, para
situações futuras. E, de preferência, colar um adesivo com um “urgente” em letras garrafais.
“Perguntar Luan se ele tem uma furadeira e ver um vídeo-tutorial sobre como usar uma
furadeira sem demolir uma casa”. Outro lembrete que seria transcrito. E outro adesivo que eu
arrancaria de uma das minhas cartelas.
Cogitei iniciar o serviço de qualquer jeito mesmo, no melhor estilo “do it yourself”, também
chamado de “quem quer faz; quem não quer, inventa uma desculpa” ou “quem não tem cão, caça como
gato” ou “na dúvida, improvise!”, como diria a namorada do Pica-pau.
Pica...
Pau...
Motivações maravilhosas para tentar furar a parede com qualquer coisa metálica e ir
girando e girando até fazer o tão sonhado buraco.
Só não fiz isso porque... tenho vergonha na minha cara. E eu nem estava tão interessada em
vê-lo pelado. Era só uma pequena curiosidade.
Além disso, Braz perceberia, né?
Provavelmente.
Naquele momento, a única coisa que pude fazer sem ser flagrada foi deixar a imaginação
correr solta, enquanto o som do chuveiro ligado embalava o filme pornô em altíssima resolução que
começou a ser filmado na minha cabeça.
O fluxo intenso não me permitiu escutar nada além do chiado da água, mas os gemidos
daquele homem já estavam registrados na minha memória.
Usei um truquezinho de sonoplastia. Acessei o arquivo dos deliciosos sons enrouquecidos e
os adicionei como efeitos sonoros. Logo comecei a ouvi-lo gemendo e fui caprichando na fotografia
do longa-metragem, visualizando aquele monumento pelado e molhado, segurando o...
— Leona Vetter Guerratto! — A porta escancarou-se no instante em que eu estava
repassando e editando as melhores imagens mentalmente, prestes a descer meus dedinhos para dar
um jeito no meu fogo.
Mais cedo, eu também havia sido interrompida, mas pelo chuveiro subitamente desligado,
que me fez correr até o closet para não ser pega no pulo.
Da segunda vez, não foi o cessar abruto do fluxo que me atrapalhou. Foi o berro de minha
progenitora.
— Mamãe! — Levantei-me de modo brusco, com o coração disparado, e encarei as três
figuras paradas no batente. — Meu Deus! Como vocês entram assim, sem bater? E se eu estivesse...
pelada?
Ou... tocando siririca?
— Seus irmãos já me contaram o que você faz quando está pelada dentro deste quarto! —
Ela entrou, acompanhada pelos dois traidores.
— Eu poderia dizer que fui traída com um beijo, mas você se esqueceu de agraciar minha
delicada bochecha com seus lábios nefastos, Judas. — Mirando Luan, usei uma entonação fria,
apesar da vontade de encher aquele linguarudo do caralho de tapas. — Até tu, Brutus? — Levando a
mão ao peito, olhei para Laís, demonstrando toda a minha decepção.
— Pode parar com o teatro, Leona Maria do Bracho! — Minha mãe não riu, como
costumava fazer ao pronunciar o nome de protagonista mexicana que sempre usava quando eu fazia
minhas encenações.
Estava séria, e parecia bastante irritada.
Temi pela minha vida.
— Juro que eu não contei! Foi Luan! Confessa, cachorro! — Laís socou o braço dele.
— Contei mesmo! Contei e contaria de novo! — o idiota assumiu.
— Você me paga! Vou contar para aquela pessoa o que eu descobri hoje, seu merda! —
berrei, furiosa.
— Que pessoa? — mamãe e Laís perguntaram ao mesmo tempo.
Meu irmão arregalou os olhos, e vi em suas íris claras um pavor genuíno. Não era medo de
eu contar a Lisa que ele tinha convidado uma das amigas dela para uma suruba. Isso seria o de
menos. O que ele realmente receava era que eu contasse seu grande segredo, que apenas eu sabia.
Poderia dar com a língua nos dentes? Poderia. Mas não ia, porque tinha consciência do
quanto aquela revelação o afetaria.
— É lá da empresa, vocês não conhecem — improvisei, ainda olhando em sua direção. Em
seu semblante, vi culpa por ter contado o meu segredo e gratidão por eu ter mantido o dele.
— Da empresa? Por acaso seria o seu chefe, também conhecido como o cafajeste com o
qual você traiu seu namorado perfeito? — Minha mãe cruzou os braços, me encarando.
Minha família inteira venerava Joaquim. Ele era o genro que toda mãe pediu a Deus. E o
marido dos sonhos de toda mulher interessada em homens e casamento.
Parecia um mocinho de romance, daqueles fofos, lindos e divertidos, pelos quais a gente se
apaixona na primeira página.
Aparentemente, eu era uma daquelas mocinhas estúpidas que estragam tudo na primeira
oportunidade.
— Sei que fiz merda, mas nunca tive a intenção de trair Joaquim, mamãe. — Ela precisava
saber disso.
— Eu sei! Os culpados são aquele safado que entrou no seu quarto e o seu próprio irmão! —
Fulminou o filho. — Quantas vezes eu falei para você largar essa vida de surubeiro, moleque?
Quantas vezes, porra? — Deu dois tapas no braço dele.
— Ai, mãe! — Massageou a área atingida. — Qual o problema em ser surubeiro? Meu pai
era surubeiro! E até a senhora participava de suruba!
— Se seu pai e eu pularmos em um buraco, você também pula, Luan? — argumentou, na
caradura.
— Pulo, para salvar meus dois velhos! — Ele riu.
— Velha é a senhora sua avó! E quebro todos os dentes da sua boca se contar para mamãe
que eu a chamei de velha! — ameaçou, e nós gargalhamos. — Ah! Falando nisso, seus avós vão
almoçar aqui no próximo domingo!
— O quê? Mas por quê? — perguntei, espantada, apesar de ter uma ligeira ideia do motivo.
— Aqui? Não pode ser lá no condomínio, como sempre? — Luan questionou.
— Não, tem que ser aqui, porque papai quer dar uma olhada nas rosas dele. Aí, unimos o
útil ao agradável. Ele cuida das rosas e, ao mesmo tempo, fica sabendo que será bisavô! — Ela bateu
palminhas.
Olhei para Luan, em pânico, e recebi de volta um olhar arregalado.
Notei que ele não tinha contado para mamãe o que havia acontecido com as rosas de vô
Max. E, pelo visto, ela não tinha reparado nas flores danificadas quando entrou.
Vovô ia ter um ataque quando visse tudo destruído! E meu irmão sabia disso tanto quanto eu.
Enquanto nos fitávamos, fazíamos caras e bocas, trocando algumas palavras por telepatia.
“E agora, o que a gente vai fazer?”, ele perguntou.
“Fica calmo, eu tenho um plano”, tranquilizei. “Você só precisa ficar de bico fechado,
entendeu?”. Pousei o indicador nos lábios discretamente.
Tudo o que ele não podia era contar o que realmente havia acontecido.
Não que eu quisesse proteger o verdadeiro culpado pelo massacre das rosas. Muito pelo
contrário. Eu estava me protegendo! E o silêncio da testemunha ocular era crucial para que eu saísse
impune, realizando o sonho de ver Braz Belmonte cavando a própria cova naquele canteiro!
— Que caras são essas? — Os olhos de mamãe se transformaram em duas fendas
desconfiadíssimas.
— Caras? Que caras? — Disfarcei com um sorriso.
— Mãe do céu, eu vou ser tio! — Luan usou o único neurônio que possui para mudar de
assunto.
— E eu vou ser avó! Nem acredito que vou ter meu primeiro neto! Ou neta! — Abriu um
largo sorriso e, então, ficou séria. — Ai, meu Deus! Sou quase uma idosa!
— Quase? — ele provocou.
— É assim que você trata a mulher que te carregou no ventre por nove meses, Lovezinho?
— Invocou uma expressão triste.
— Que porra, mãe... Quando a senhora vai parar de usar esse apelido? — meu irmão
reclamou, como sempre.
— Você está careca de saber que a resposta é nunca! E está de castigo! A partir de hoje, está
proibido de fazer suruba! E ai de você se eu sonhar que me desobedeceu, ouviu bem? — O indicador
se moveu no ar.
— Sim, senhora. Mas quando vou poder sair do castigo? — perguntou, em tom de
brincadeira.
— Nunca mais! E estou falando sério! Seu pai vai reforçar a nova regra quando souber o
que aconteceu nesta casa! E ele vai saber agora! Vamos fazer uma chamada de vídeo! — Abriu a
bolsa e puxou o iPad.
— Não! — interferi. — É melhor contar pessoalmente, quando papai chegar!
— Seu pai e eu não temos segredos, Lovezinha! Não consigo esconder nada dele! Conto
tudo para o meu Lovezão! — Deu alguns toques na tela.
— Mas papai chega na quarta-feira. Será só um dia de segredo! — insisti. — É uma grande
novidade, não quero que ele saiba que vai ser avô do outro lado do planeta!
— Ah, mas eu tô sonhando com a reação dele! Vai ser engraçado pra caralho! — Ela riu.
— Vai que o velho passa mal, mãe? — Luan pareceu realmente preocupado.
— Que nem seu avô? — perguntou, rindo.
Vô Max é a pessoa mais dramática que eu conheço. Qualquer coisa que o afeta faz com que
ele olhe assustado para esposa, com a mão no peito, dizendo que está passando mal, principalmente
se for algo relacionado às filhas ou às netas dele. Minha avó e a família inteira estão acostumadas,
porque ele faz isso desde os vinte e sete anos. Tudo o que fazemos nessas ocasiões é rir. Como vovô
tem uma saúde de ferro, nosso cu nem pinica.
— Quando souber que Leona está grávida, papai vai surtar! Do jeito que é doido, vai querer
voltar imediatamente para o Brasil. — Laís achou graça.
— Odeio quando Lovezinha Segunda tem razão. É melhor contar quando ele voltar mesmo.
— Frustrada, mamãe guardou o iPad.
Então, se aproximou e segurou minhas mãos.
— Ainda não acredito que meu bebê vai ter um bebê...
— Nem eu acredito. — Olhei para a minha barriga ainda plana. — Tem uma pessoa aqui
dentro, e isso é tão... estranho.
— Mas maravilhoso! — Seu corpo agasalhou o meu, abrigando-o em um abraço
reconfortante. — Eu sei que parece assustador, mas logo você vai amar essa pessoinha tanto quanto
eu te amo. E será o amor maior do mundo.
Eu realmente esperava que isso acontecesse, porque ainda não sentia nada, além de culpa
por não estar entusiasmada ou ansiosíssima para conhecer meu filho ou filha. Na verdade, eu tinha
medo, muito medo, desse momento.
E se eu fosse uma mãe incapaz de amar o bebê acima de todas as coisas? E se, quando
olhasse para ele, eu não sentisse todo esse amor? E se eu não tivesse nascido para ser mãe? E se eu
não gostasse muito da maternidade?
Essas eram minhas maiores apreensões. Mas, por enquanto, eu estava varrendo todos os
meus receios para debaixo do meu tapetinho imaginário.
— O dia que eu soube que você estava a caminho foi uma loucura... — Mamãe se afastou, e
a nostalgia se tornou visível em seu sorriso.
Eu conhecia aquela história. A família toda estava no Hospital São Cipriano, porque tia
Sofia, prima de minha mãe, tinha sofrido um pequeno acidente na festa de reencontro de turma que
participou com tio Matheus e os pais de Joaquim: Igor e Maria Eduarda.
Os quatro eram colegas de sala no pré-escolar. Ficaram sem se ver por vinte e tantos anos, e
foi nessa festa que os pais de Quim se reencontraram.
A história de todos eles, inclusive a dos meus próprios pais, é tão linda e engraçada que vó
Olívia transformou tudo em um romance. Sempre que quero rir um pouquinho, releio “O Descarado
Dorme Ao Lado”.
— Estávamos todos no hospital de tio Plínio e tio Tito, porque a louca da Sofia foi fingir um
desmaio na festa, bateu a cabeça na quina de uma cadeira e precisou levar uns pontos — mamãe
contou, pela milésima vez. — Enfim... Quando a bomba explodiu, seu pai desmaiou de verdade, mas,
antes disso, eu vomitei no peito dele...
— E ele ficou puto com o vômito — completei, rindo.
— A primeira coisa que fez foi perguntar “cê tá bem, Lovezona?”. E, quando eu dei a
entender que sim, falou: “que bom, porque eu vou fazer cê lamber isso aqui, maluca!”. — Imitou a
voz dele, e nós caímos na risada.
— Leona também está tendo muitos enjoos, mamãe — Laís comentou, quando o riso cessou.
— Por que você não me disse nada? E por que não me contou sobre a gravidez assim que
soube? — Notei uma pontinha de decepção no rosto direcionado ao meu.
— Porque... não aconteceu nas melhores circunstâncias... E toda a minha história com
Joaquim... — Parei de falar, me sentindo terrivelmente culpada.
Eu o amava, de verdade. Ele era lindo, por dentro e por fora. Tê-lo feito sofrer, mesmo que
não intencionalmente, me dilacerava.
E a culpa se tornava ainda mais corrosiva quando eu pensava no homem que me fez gemer
loucamente naquele quarto escuro.
O fato de já ter transado com ele e de saber o quanto era bom estava acabando com a minha
sanidade.
Desejá-lo era inevitável. E, toda vez que eu cobiçava Braz, me sentia traindo Joaquim ainda
mais.
— Confesso que estou desolada pelo fim do seu namoro — mamãe admitiu, entristecida. —
Quim é perfeito para você. Seria um excelente marido, um pai extraordinário e o melhor genro do
mundo. Além de bonito, inteligente e gentil, é uma pessoa que vimos crescer e se tornar um homem
admirável, digno da educação que recebeu de Duda e Igor. Seu pai e eu queríamos muito ver você
com alguém como Joaquim, e os pais dele também estavam bastante satisfeitos com a ideia de ter
você como nora.
Meus ex-sogros eram maravilhosos. Maria Eduarda era simplesmente hilária. Igor não
ficava atrás, e era tão carinhoso com a esposa que eu tinha certeza de que meu relacionamento com
Joaquim seria daquele jeito, cheio de amor e cumplicidade.
Mas tinha colocado tudo a perder. O universo tinha me concedido a graça de nascer bem
pertinho da minha alma-gêmea, assim como havia feito com os meus pais. Porém, não ajudei o
coitado a me ajudar, e agora ele estava pouco se fodendo para a minha vida amorosa. Eu
provavelmente seria a primeira pessoa infeliz para sempre da minha família.
— As coisas aconteceram de uma maneira totalmente imprevista — mamãe continuou. — É
uma pena que Quim tenha se machucado no processo e, por mais que eu lamente o fato de que ele não
será mais meu genro, estou muito feliz pela existência do meu netinho ou netinha. — Deu um passo e
me abraçou, beijando o topo da minha cabeça. — Parabéns, minha filha. Vai dar tudo certo, não se
preocupe com nada. Seu bebê terá a melhor mãe, os melhores avós, bisavós e tios!
— E um pai, porque Leona vai se casar com Braz — Luan comunicou, e mamãe me soltou,
encarando o filho.
— Pirou, porra? — Olhos acinzentados estatelaram-se.
— É sério. — Ele riu.
— Ai, Lovezinho... — Suspirou, expressando um profundo desapontamento. — Não sei por
que sua cabeça tem uns parafusos a menos... Juro que Lovezão e eu nunca deixamos você cair do
berço.
Laís e eu gargalhamos.
— Tadinho... Agora perdeu de vez o juízo. — Ela acariciou o cabelo dele.
— Perdeu como, se nunca teve? — completei, rindo.
— Os dois vão se casar, e vocês vão me dar razão em breve, assim que perceberem...
— Leona não vai se casar com aquele homem! — Laís o interrompeu, em uma entonação
irritada. — Pelo amor de Deus, nossa irmã merece muito mais que aquilo! E outra! Ela não precisa
de um marido! Inclusive, antes só que mal acompanhada!
— Exatamente! Minha filha não vai se casar com um surubeiro nem por cima do meu
belíssimo cadáver! — Mamãe girou o dedo no ar.
— Mas a senhora se casou com um surubeiro! — Luan acusou, indignado.
— Seu pai é uma exceção! Sempre foi o amor da minha vida! Eu o conheço desde que
éramos bebês! E você acha que todo surubeiro é maravilhoso que nem meu Lovezão? A maioria não
presta e nunca vai prestar! Sua irmã não vai se casar com um cafajeste só porque é o pai do filho
dela! Leona merece um marido do nível de Joaquim! E você e Laís merecem esposas... do meu nível,
obviamente!
Meus irmãos caíram na risada.
— Concordo. E é por isso que acho que nunca vou me casar. Ninguém está à altura da
mulher mais perfeita do mundo. Nenhuma chega aos pés da minha linda mãe. — Ele sorriu,
envolvendo-a em um abraço.
— Não vou tirar você do castigo, Lovezinho. Esquece. — Ela tentou se afastar, embora
estivesse nítido em suas feições que ele tinha conseguido amolecê-la.
— Te amo, minha velha. — Rindo, beijou-a na têmpora.
— Esse moleque safado herdou a lábia do seu pai — mamãe confidenciou, dirigindo-se a
mim e a Laís.
— Todo Guerratto é bom de lábia, mãe. Mas a safadeza não é exclusividade de surubeiro. É
da natureza masculina. — Abriu um sorriso ridículo.
— É o que eu vivo dizendo. Homem é tudo igual! Vocês são todos farinha do mesmo saco...
de lixo! — Laís bradou, olhando para o representante do gênero.
— Nossa... — Luan acomodou a palma no tórax, simulando tristeza. — Agora eu me senti
ofendido.
— Ai, gente, ele ficou magoadinho... Que dó. — Ela carregou na ironia.
Meu irmão fez uma carinha ainda mais triste, e minha irmã riu.
— Tô brincando, bebê. Você é um lixinho reciclável que eu amo muito! — Ela o beijou na
bochecha. — E é claro que há exceções. Alguns homens têm zero defeitos, como papai. E nossos
avôs. E tios. E só.
— E nossos primos? — brinquei.
— Lixo radioativo. — Ela fez uma careta, e eu não segurei a risada.
— Jamais! — Mamãe saiu em defesa dos sobrinhos. — São todos meninos adoráveis e
muito bem-criados! O único probleminha é que são solteiros e um pouco... safados.
— Um pouco! — A piada me fez gargalhar.
— Ah, mamãe! Me poupe! Os idiotas ficam até com mulheres casadas! Eu amo aqueles
imbecis, mas não dá para defender! Lixo radioativo e ponto final. — Laís se manteve irredutível.
— Já que é assim, saiba que seu pai, seus avós e tios já foram “lixo radioativo”. — Ela
gesticulou, enfatizando as aspas. — Então, foram reciclados e se tornaram perfeitos para uso.
— E como se deu o processo de reciclagem? Por meio de um milagre? — Laís usou um tom
divertido.
— Exatamente. — Mamãe sorriu. — Um milagre chamado amor.
Meus irmãos e eu tivemos uma crise de riso.
— Parece título de filme cafona — comentei, rindo.
— A trilha sonora fica por minha conta. — Laís limpou a garganta e começou a cantarolar,
fazendo uma dancinha: — Mandacaru quando fulora na seca é um sinal que a chuva chega no sertão...
Todo menino que enjoa da suruba é sinal que o amor já chegou no coração... Muda sua vida, não quer
mais rabo-de-saia, fica todo apaixonado, não quer mais o surubão...
Aplaudi, morrendo de rir, e ela fez uma breve reverência em agradecimento.
— Achei uma bosta — Luan provocou.
— Meu querido, eu sou cantora! — Laís indicou o próprio peito. — Eu era cantora antes de
vir pra cá, não é, mãe?
— Isso. Isso mesmo. — Ela riu. — Uma atriz e uma cantora. Só você não tem talentos nesta
família, Lovezinho.
— Como não? E esse corpo? — Fez uma pose, ressaltando os músculos dos bíceps. — Eu
poderia ser fisiculturista.
— Ai, que tosco. — Dei uma risada.
— Voltando a falar de coisa séria, eu gostaria de ressaltar que, embora tenha o poder de
transformar alguns homens e mulheres em criaturas monogâmicas, o amor não muda o caráter de
ninguém. Esse tipo de milagre não existe. As pessoas são e sempre serão o que são. — Nossa irmã
fez seu adendo. — Por exemplo, Joaquim continuará sendo um homem íntegro, apaixonado ou não. E
aquele tal de Braz sempre será um escroto.
— Escroto por quê? Só porque o maluco gosta de boceta? — Luan riu. — Vou contar um
segredo para vocês: Joaquim também gosta. Ele é um cara bacana, mas não é esse santo que vocês
pintam. Braz é um cara sacana, mas não é o diabo que imaginam. Os dois são mais parecidos do que
vocês pensam.
Ali, no restaurante, vendo Briana ir de encontro ao meu ex-namorado, as palavras que meu
irmão dissera na noite anterior ecoavam em minha mente.
O que Joaquim faria? Daria em cima dela?
— Que foi? — Braz me tirou do transe.
Girei a cabeça, encontrando seu olhar intrigado.
— Joaquim. — Minha voz escapou com a leveza de um sopro e, quando o nome abandonou
minha boca, Braz Belmonte virou o pescoço, fixando a atenção no homem sentado algumas mesas
após a nossa.
Permaneceu sério, com uma expressão indecifrável estampada no rosto simétrico.
Voltei a olhar na mesma direção, concentrando-me nos passos de Briana.
Ao alcançar a mesa, ela começou a conversar, e ele pareceu bastante interessado no papo.
Minutos atrás, enquanto caminhava até o restaurante, eu tinha visto a loira alta com o braço
entrelaçado ao de Braz, conversando animadamente com ele.
Os Louboutins em meus pés agradeceram quando diminuí a velocidade, mantendo uma
distância segura dos alvos durante a espionagem.
Avistei os dois entrando e, ao fazer o mesmo, vi quando ele puxou a cadeira para ela.
Sentei-me o mais longe possível, assistindo ao diálogo descontraído e notando os sorrisos que
trocavam. Deduzi que estivessem juntos. As pernas compridas e o cabelo claro, longo e brilhoso
deviam fazer o tipo daquele cafajeste.
Obviamente, não me importei. Não era da minha conta. Só fiquei aliviada quando soube que
não eram um casal porque isso significava que, felizmente, eu não tinha transado com um homem
comprometido.
Agora, ela partia para cima de Joaquim. Estava se sentando, toda sorridente, e recebendo
um suave curvar de lábios em troca. Isso eu não ia tolerar!
— Quem é aquele cara? — Ramiro também mantinha seu interesse na mesa próxima a que
ocupávamos.
— Ninguém importante — Braz respondeu.
— Meu namorado — falei ao mesmo tempo.
— Ex-namorado — ele corrigiu.
— Graças a você! — acusei, sentindo a raiva esquentar o sangue.
— Eu te fiz um favor, minha querida. — Um sorriso debochado aflorou naqueles lábios...
ridículos.
— Ah, que ingrata que eu sou! — ironizei. — Muito obrigada por ter destruído o meu
namoro!
— Namoro? — Ele riu. — Você nunca nem beijou aquele sujeito! Chama isso de namoro?
Fiquei possessa. Peguei minha taça e atirei a água na cara dele.
— Caralho... — Ramiro soltou uma risada.
Com os olhos fechados e uma expressão que pulou do espanto para a fúria em pouquíssimos
segundos, Braz passou os dedos no rosto e ergueu as pálpebras, me encarando.
— Filha da puta — rosnou.
Então, pegou sua taça e jogou o conteúdo na minha cara.
Soltei um gritinho surpreso, incapaz de acreditar que ele tinha feito aquilo comigo.
Ouvindo as gargalhadas descontroladas que vinham do meu lado, passei as mãos na testa,
deslizando-as até o queixo.
Livre do excesso de líquido, abri os olhos, fuzilando o cretino diante de mim.
— Nossa, você está linda... — O canto de sua boca subiu.
Isso bastou para que eu suspeitasse de que o rímel que tinha usado naquela manhã não era à
prova d’água. E o pior é que eu havia passado várias e várias camadas, na vã tentativa de imitar o
efeito de cílios postiços, que eu não fazia ideia de como aplicar.
Será que borrões pretos estavam escorrendo pelas minhas bochechas?
— Fui enganado! Achei que você fosse um dragão, não um panda! — o idiota confirmou, no
mesmo instante em que eu mirava minhas palmas manchadas.
— Desgraçado! — Espumando de raiva, fiquei de pé abruptamente, o ruído repentino da
cadeira reverberando pelo salão.
Por sorte, tinha alguns produtos de maquiagem na minha bolsa. Tudo o que eu precisava
fazer era correr até o banheiro e dar um jeito na minha cara, antes que Joaquim...
— Leona? — Meu nome foi pronunciado em um tom baixo, mas perfeitamente audível.
Olhei em sua direção por instinto e, quando viu meu rosto, a fisionomia surpresa de Joaquim
ganhou feições preocupadas.
— Com licença, Briana — murmurou, levantando-se e deixando-a sentada. — O que
aconteceu? Você está chorando? — Logo me alcançou, lançando um olhar pouco amistoso para o
homem sentado na cadeira ao meu lado. — O que esse cara fez com você? É ele? Ele é o pai do seu
filho?
Miro abriu a boca para responder, mas Braz foi mais rápido.
— O próprio. E o safado não quer a assumir a criança! — Balançou a cabeça para o amigo,
forjando indignação.
Ramiro soltou uma risada incrédula.
— Ela não precisa que você assuma a criança, seu otário de merda! — Joaquim fulminou o
homem errado.
— Cara, eu não... — Miro foi se levantando, mas, antes que ficasse totalmente de pé, levou
um soco inesperado, que o desequilibrou.
E essa não foi a pior parte. No afã de impedir a queda, tentou se agarrar à mesa. Porém,
aqueles segundos de desespero se mostraram vãos quando os dedos lutaram no ar, incapazes de
alcançar o apoio, mas puxando a toalha e levando os pratos, talheres e taças ao chão.
O estrondo da cadeira, do corpo robusto e das louças atingindo o piso retumbou, seguido
por uma série de ruídos de pura perplexidade.
Então, pesado e inevitável, o silêncio imperou.
Mortificada, ousei lançar as vistas para as outras mesas e encontrei muitos olhos
esbugalhados se dirigindo àquele ponto do salão.
— Mas que desgraça... — Ramiro queixou, tentando se erguer dos escombros formados por
cacos e comidas.
Em outras circunstâncias, eu teria rido da peruca de espaguete que pendia nas laterais de sua
cabeça.
— Eu vou quebrar sua cara, seu porra! — vociferou, quando Braz gargalhou.
— É mesmo? — Joaquim presumiu que fosse o alvo da ameaça. — Quero ver você tentar.
— E começou a andar.
— Quim, não! — Dei um passo, refreando seu peito. — Ele não fez nada! Ele não...
— Nada? — Um riso ácido chegou aos meus ouvidos. — Ele não fez nada? Desde quando
foder a namorada dos outros é nada? Esse filho da puta te engravidou em uma suruba! Isso é nada?
O restaurante emudecido recebeu a informação com demasiado interesse. Ninguém piscava.
Estavam todos atentos à cena constrangedora, inclusive alguns garçons.
— A criança não é minha, cara! — Miro se defendeu, ao ficar de pé.
— Engravida a namorada alheia e não quer assumir o boneco! — Braz colocou lenha na
fogueira, divertindo-se com o mal-entendido que ele mesmo havia causado.
Fiquei abismada com o descaramento!
Abri a boca para colocar um fim àquela farsa, porém fui interrompida.
— Senhores, sugiro que levem esse assunto para fora destas paredes. A discussão está
afetando negativamente a experiência gastronômica dos clientes. — Um homem elegantemente
vestido se aproximou, acompanhado por outros caras uniformizados, que começaram a recolher os
fragmentos que sujavam o assoalho.
Os clientes em questão não demonstravam nenhum incômodo. Pareciam estar adorando o
show ao vivo, tanto que se viram no direito de participar.
— Na hora de fazer foi gostoso, né, seu sem-vergonha? — Uma mulher idosa lançou um
olhar reprovador para Ramiro.
Meu espaguete de pupunha ao molho funghi ainda decorava sua cabeça. Alguns fios
remanescentes pendiam do lado esquerdo, formando um cabelinho. Eu estaria rindo daquilo, se não
estivesse desejando que o chão se abrisse e me engolisse de uma vez só.
— Minha senhora... — Miro começou.
— Homem que não assume o próprio filho não é homem, é moleque! — Um sujeito de meia-
idade opinou.
— Tira essa roupa preta! Você não é caveira, você é moleque, Ramiro! Ouviu? Você é
moleque! — Braz caiu na risada.
— O pai é aquele arrombado! — Miro apontou o amigo. — Foi ele que entrou no quarto da
sua namorada e passou o peru nela!
Braz ficou sério. Então, olhou para Joaquim.
— Passei mesmo. E ela adorou. — Um sorriso maquiavélico enviesou a boca perfeita
daquele filho da mãe.
Os músculos do maxilar de Joaquim tremularam. Suas íris castanhas, fixas naquelas íris
verdes, destilavam o mais puro ódio.
— Filho da puta. — E avançou.
Não sei mais te chamar de amor
— Dispensado desta reunião. Quero ficar a sós com a minha filha. — Papai indicou a porta.
— Alegria de pobre dura pouco. — Soltei um suspiro.
— Você é rica. — Braz se levantou, caminhando até a saída. — Leandra... Quero dizer,
Leona... Espero que tenha finalizado os demonstrativos — acrescentou, ao estacar no batente. —
Preciso deles na minha mesa em cinco minutos.
— Já estão lá, Bráulio. Quero dizer, Braz. Se não entender alguma coisa, pergunte que eu
tento explicar de um jeito que seu cérebro jurássico entenda. — Curvei os lábios com o máximo de
desdém.
— “Jurássico” me lembra “dinossauro”, e “dinossauro” me lembra “dragão”. Falando nisso,
que belo sorriso draconiano você tem! — Ele não se conteve.
— Vindo de um burro que fala, é um grande elogio! — devolvi. — E você está lindo com
esse rostinho deformado, Chucky!
Ele tentou fechar a cara, mas acabou gemendo de dor, o que me fez rir, ao mesmo tempo em
que a porta se fechava com um baque.
— Já vai tarde, boneco assassino! — bradei para a madeira.
Então, busquei os olhos de papai. Estavam ligeiramente estreitados, observando-me de
forma suspeita.
— Que foi? — indaguei.
— Lovezinha, preciso que cê me prometa uma coisa.
— Que coisa? — Foi a minha vez de desconfiar.
— Surubeiro é bicho safado. A maioria não vale o que caga. E surubeiro nenhum te merece.
Quero que cê fique longe desse maluco.
— Vai ser muito difícil, papai, já que a minha sala fica ao lado da dele. — Decidi me fazer
de besta.
— Cê entendeu muito bem o que eu quis dizer. — Fez uma pausa, ficando pensativo por
alguns instantes. — Queria transferi-lo, mas Belmonte é o melhor diretor financeiro da cidade. Não
quero tirá-lo da sede e enviá-lo para uma das filiais. E não vou transferir você, justo agora que posso
te ver todos os dias aqui na empresa. Por isso, preciso que cê me prometa que sua relação com ele
será estritamente profissional.
— E que outro tipo de relação eu teria? — Cruzei os braços. — Não suporto aquele idiota!
— Já vi esse filme não sei quantas vezes. — Papai coçou a nuca. — E o final é sempre o
mesmo. Mas cê sabe que não precisa de um protagonista masculino na sua história, não sabe?
— É claro que sei!
Mas queria. Um protagonista lindo, de preferência. E pauzudo, do tipo deus do sexo. Que
nem os caras gostosos dos romances eróticos que eu lia de vez em quando.
— Inclusive, esse seria um momento da hora pra sair do armário. Eu ficaria mó feliz se cê
curtisse minas. Fala que cê é lésbica, Lovezinha — pediu, fazendo uma carinha fofa.
— O senhor só teve essa sorte com Laís. — Dei uma risada.
— É por isso que Lovezinha Segunda é a filha que eu mais amo — brincou.
— Todo mundo sabe que seu preferido é Luan! — retruquei.
— É você. — Ele se ergueu, deu a volta na mesa e se sentou ao meu lado. — Cê é minha
favorita, mas não conta pros seus irmãos, beleza? — Deu um puxão suave no meu cabelo.
— Eu sei que o senhor fala isso para todos, mas te amo, papai. — Dei um abraço nele.
— E eu te amo mais. — Ele me apertou e ficou me esmagando por alguns segundos.
De repente, ouvi uma fungada.
— O senhor está... chorando?
— Que mané chorando, maluca! — Afastou-se, limpando os olhos. — Foi um cisco que caiu
no meu olho! Não tem nada a ver com o fato de que eu vou ser avô!
— Como o senhor reagiu quando soube? — perguntei, rindo.
— Levei um susto de leve, né? Mas fiquei mó feliz! Vou ter um neto! Ou uma netinha! Podia
ser uma netinha! Bem linda, que nem cê era quando era bebê.
— Não sou mais? — Fingi estar brava.
— Cê sempre vai estar no pódio de mina mais linda de todas, junto com Lovezona e sua
irmã. Mas, se eu tiver uma netinha, ela vai pro primeiro lugar!
Era muito, muito difícil mesmo, ter um pai maravilhoso como o meu, porque isso elevava
demais a minha expectativa em relação aos homens. E todos eram esboços de rascunhos deploráveis,
se comparados à obra-prima responsável pelo meu último sobrenome. Meu pai era perfeito.
— Cê vai ser uma mãe mó da hora. — Acariciou meus fios.
Do nada, comecei a chorar.
— E se eu não for, papai? — Todos os meus medos vieram à tona, vertendo pelo meu rosto
em forma de lágrimas profusas.
— Fica sussa, cê vai tirar de letra! — Ele me puxou para seu peito. — E o vovô mais jovem
do pedaço vai estar aqui pra te ajudar. Sempre. — O beijo carinhoso no topo da minha cabeça
serenou meu coração.
Eu estava protegida. Estava em meu porto-seguro.
Conversamos mais um pouco e, então, eu me levantei para ir trabalhar.
— Papai... — Parei, ao abrir a porta. — Sobre Joaquim... O senhor pode conversar com ele
e pedir que reconsidere o pedido de demissão? Não quero que se prejudique por causa do que
aconteceu.
— Já fiz isso. Mas não achei justo pedir que ficasse aqui. Ofereci a ele a oportunidade de ir
para uma das filiais.
— E ele aceitou? — indaguei, meio triste.
Se fosse embora, eu dificilmente o veria de novo. Depois de tudo, ele com certeza me
evitaria para todo o sempre, o que significava que jamais pisaria no condomínio quando sua família
fosse convidada para algum evento da minha.
— Disse que vai pensar — papai respondeu, e comecei a sair, pensando na possibilidade de
nunca mais ver o homem que achei que seria meu marido. — Lovezinha... — O apelido me fez parar.
— Bom trabalho. — Ele sorriu, e eu me obriguei a fazer o mesmo.
— Para o senhor também, papai. — E rumei para a minha sala.
No final da manhã, fui almoçar em um restaurante aleatório. Jamais pisaria naquele de novo.
Tinha ido com o carro de papai, porque o que eu havia usado para dirigir até a empresa era
um dos automóveis de meu irmão e, pelo cheiro enjoativo dos bancos, aquele tinha sido comprado há
pouco tempo. Na ida, consegui, com muito custo, conter a vontade de vomitar. Mas não havia a menor
possibilidade de entrar nele outra vez, sentindo o aroma característico de couro novo, sem colocar os
bofes para fora.
Troquei com meu pai, mas não adiantou. O dele não era recém-comprado, mas também
cheirava a couro. Um couro menos intenso, mas, ainda assim, couro.
Precisei me controlar para não me sujar toda quando estava a caminho do restaurante.
Porém, na volta, depois de praticamente comer à força por causa da náusea, não aguentei. Assim que
pisei no estacionamento da empresa, tive que correr até a lata de lixo mais próxima.
— De novo? Mas acabei de chegar! E hoje nem passei perfume! — Uma porta bateu, e a voz
de Braz ressoou, indicando que ele era o cara que tinha estacionado na vaga ao lado da minha.
Avistei os sapatos caros a uma curta distância e liberei mais um jato dentro da lixeira.
Então, me empertiguei, limpando a boca e liberando o pedal para que a tampa descesse.
— Você está bem? — Ele chegou mais perto.
— Ótima! — Abri um sorriso sarcástico. — Só vomito o tempo inteiro porque estou
carregando o filho de Chucky.
— Isso faria de você a noiva de Chucky — observou.
— Prefiro morrer a ser sua noiva, Chucky. Morreria feliz como uma das vítimas de Freddy.
Ou Jason. Ou qualquer outro amigo seu.
Ele riu, mas pareceu se arrepender ao fazer uma careta de dor.
— Queria dizer que sinto muito, mas acho é pouco. — Comecei a andar.
— Adoro seu senso de humor, Tiffany. — Ele me seguiu.
Achei graça, mas disfarcei revirando os olhos.
— Por que está vindo atrás de mim? Não vai almoçar?
— Estou voltando do restaurante. — Continuou me acompanhando. — Almocei em outro,
para não dar aos filhos da puta de ontem o gosto de verem minha cara assim. Você foi comer lá?
— Claro que não!
— Onde almoçou?
— Se eu dissesse, teria que te matar. A propósito, espero que nunca mais precise comer no
mesmo restaurante que você. E, falando nisso, cadê seus companheiros? — perguntei, referindo-me à
prima e ao amigo.
— Hoje decidimos não almoçar juntos. — Apertou o botão, chamando o elevador ao
alcançar a caixa metálica.
— Examinou as demonstrações financeiras que deixei na sua mesa? — Mudei de assunto,
entrando assim que as portas se abriram.
— Sim. — O monossílabo desprovido de qualquer adendo me incomodou.
— E? — sondei, vendo-o apertar o número do nosso andar.
— Parabéns, você fez um excelente trabalho, Leona. — As palavras escaparam de um jeito
franco, como se estivesse mesmo sendo sincero.
— Quando a esmola é demais, o santo desconfia. — Comprimi os olhos, ressabiada.
Ele riu de novo, gemendo e cerrando as pálpebras quando os músculos da face reclamaram.
Aproveitei que não estava vendo e aproximei a cabeça, dando uma fungada discreta.
— Você realmente não passou perfume — comentei, me afastando.
— Não passei. E usei desodorante sem cheiro — completou, me fitando.
— Muito obrigada pelo gesto. — Resolvi ser gentil.
— Não fiz isso pensando em você, Dragão. Foi pelo bem do meu terno. — Passou os dedos
na manga do paletó, acariciando o tecido nobre.
— Fica tranquilo. Da próxima vez, vou poupar seu precioso terno e vomitar na sua cara. —
Fiz uma careta.
O idiota deu uma risada. Então, um palavrão escapuliu da boca dolorida.
— Coisa boa. — Deleitei-me com seu sofrimento.
O elevador parou. Abandonamos o interior e começamos a andar rumo às salas do
departamento.
— Marquei o exame para amanhã, ao meio-dia, no laboratório São Cipriano — avisou,
enquanto caminhávamos.
— Marca em outro.
— Por quê?
— Esse é da minha família.
— Da sua família? Não, eu saberia se o seu pai...
— Não estou falando de papai, mas dos meus parentes que são proprietários do Hospital
São Cipriano, do Hospital da Plástica, dos laboratórios e de várias clínicas da cidade. Aliás, tenho
tios que são cirurgiões plásticos. Acho que sua cara não tem mais conserto, mas posso ver se tentam
dar um jeito nela. — Olhei para seu rosto com pena, expressando falsa compaixão.
— Por que nunca deram um jeito na sua? Ou deram e isso foi o máximo que conseguiram
fazer? — ele devolveu.
— Ordinário — resmunguei, e um sorriso triunfante aflorou nos lábios dilatados, mais
cheios que o normal.
— Quem fala o que quer, ouve o que não quer, meu anjo. — Chegando à sala dele, abriu a
porta e entrou, fechando-a em seguida.
— Bicudo! Bicuço! — berrei, para ninguém além dos puxadores, e fui para o meu escritório
espumando de raiva.
Estava dando uma olhada em algumas aplicações e saldos bancários quando ele me ligou, no
meio da tarde, solicitando a minha presença. Mostrei a língua para o telefone, desliguei, respirei
fundo, vesti minha capa de profissionalismo e fui.
— Boa tarde, Belmonte. — Adentrei o recinto.
— Boa tarde. Sente-se, senhorita Guerratto. — Apontou a cadeira.
Estranhei o uso do tratamento formal, já que papai não estava presente. Mas fiquei satisfeita.
Quanto mais solenes soássemos, melhor. Era bom não misturar as coisas. Nossa hostilidade
precisava ser limitada à seara pessoal.
Fechei a porta e alojei-me no assento.
— Estou analisando a viabilidade econômica de algumas realocações e gostaria de
conversar com você sobre alguns ativos de longo prazo, além de discutir algumas diretrizes e
políticas de ação — comunicou.
Pelas próximas horas, ofereci importantes informações gerenciais, levantando certas
questões contábeis e orçamentárias enquanto discorríamos sobre assuntos imperativos para a saúde
financeira da empresa.
No final do expediente, após algumas tomadas de decisões, nos despedimos e fomos
embora.
Naquela noite, antes de dormir, fiquei um bom tempo repassando nossos diálogos, na
intenção de melhorar as metas que havíamos estabelecido.
Na manhã seguinte, também nos reunimos. Apresentei algumas ideias para alocar outros
recursos, debatemos a respeito e definimos as melhores estratégias.
Era custoso admitir, mas, se fosse honesta comigo mesma, eu precisava reconhecer que Braz
era realmente um bom diretor financeiro.
Estava na minha sala, pensando em como era agradável conversar com ele sobre finanças,
quando o homem apareceu.
— Vamos? — chamou, surgindo no batente.
Franzi a testa, sem entender.
— O exame.
— Você não desmarcou? — Não escondi a surpresa.
— Não.
— Não tem medo de eu pedir a algum funcionário do laboratório para adulterar o resultado,
de negativo para positivo? — perguntei, com certo escárnio.
— Leona... — Ele fechou a porta e entrou. — Posso? — Mirou uma das cadeiras, eu
aquiesci, e meu chefe se sentou de frente para mim. — Preciso me desculpar por algumas coisas. Fui
meio babaca com você...
— Meio? — Usei um tom descrente.
— Muito, eu quis dizer muito. — Ele se corrigiu.
— Muito bem. Prossiga. — Entrelacei os dedos sobre o tampo da minha mesa.
Um sorriso sutil arqueou os lábios dele. Então, uma expressão sombria apoderou-se de suas
feições.
— Aconteceram... coisas na minha vida que contribuíram para alguns comportamentos
recorrentes que tenho. Não consigo confiar nas pessoas. Sempre acho que estão tentando me foder de
alguma maneira. Fico com o pé atrás e nunca dou aos outros o benefício da dúvida. Toda vez que
conheço alguém, presumo que seja uma pessoa ruim, em todos os sentidos. Mantenho as expectativas
baixas e crio inúmeras imperfeições baseadas no que imagino. É uma forma de não me decepcionar e
é, também, um defeito. Um dos muitos que possuo. Também tenho um apego muito grande ao meu
patrimônio. Sei que não é nada comparado ao seu, mas tudo o que tenho conquistei com o meu suor e
graças ao esforço de uma pessoa que já se foi, mas que vou amar até o meu último dia de vida. —
Seus olhos marejaram, e concluí que estava se referindo à mulher que o gerou.
Sabia que ela estava morta, porque ele mesmo tinha dito, depois de eu mandá-lo tocar
siririca para a própria mãe.
Naquele dia, não me preocupei muito com a gafe. Mas ali, dando-me conta do quanto ele era
grato à falecida, eu me senti mal pelo que falei no interfone.
Provavelmente, o pai dele também havia morrido. Quando o chamei de “filho de porra
rala”, Braz disse que a porra do pai “devia mesmo ser rala”. Se o coitado estivesse vivo, teria dito
“deve”.
Essa conclusão me deixou ainda mais arrependida. Ele era órfão, e tive a capacidade de
xingá-lo das piores maneiras possíveis.
— Não estou diminuindo você por ter nascido rica — continuou. — É só que... quando uma
pessoa nasce pobre e chega onde cheguei, valoriza cada centavo e vê o dinheiro de uma maneira que
alguém abastado desde a infância nunca verá. Trabalho com gestão financeira e estou acostumado a
lidar com o risco de perda de capital. Mas esses riscos são esperados, calculados. Planejo tudo, e
tudo o que não planejo me desestabiliza. Desestabilizado, eu ajo impulsivamente e faço merda. Mas
também possuo qualidades, e uma delas é saber reconhecer meus erros e tentar corrigi-los. Julguei
você, agi de maneira escrota e peço desculpas. Sei que minhas atitudes não podem ser apagadas,
mas...
— Você estaria me pedindo desculpas se eu não fosse a filha do seu chefe? — interrompi.
— Se eu fosse pobre e, mesmo assim, estivesse esperando um filho seu, você assumiria a criança?
Ou me ignoraria para sempre depois de me expulsar da sua casa?
Ele se mostrou extremamente ofendido, mas minhas perguntas tinham fundamento. Mantive a
expressão neutra, à espera da resposta.
— Eu não te ignoraria para sempre. — Pareceu triste ao pronunciar as palavras. — Sei que
agi de uma forma que me faz parecer ser um sujeito sem caráter, mas, acredite, Leona, eu te
procuraria, mesmo sem me lembrar de você. Só precisava de um tempo para sair da negação e cair
na real. Eventualmente, constataria que a bebida podia ter fodido a minha memória naquela noite. E
chegaria à conclusão de que existia a possibilidade de eu ser o pai da criança. É claro que, me dando
conta disso, eu ligaria para o número que bloqueei na tentativa de me proteger de algo que me assusta
mais do que você imagina.
— Não sei se acredito nisso. — Balancei a cabeça, meio cética. — Mas, diferentemente de
você, eu costumo dar o benefício da dúvida às pessoas. Prefiro acreditar que são boas, em vez de
presumir que estão interessadas no meu dinheiro. Considero seus motivos antes de apedrejá-las por
oportunismo. Tento conhecê-las antes de julgá-las.
— Invejo você. De verdade. — Seus olhos externaram melancolia. — E espero que nosso
filho herde a sua capacidade de enxergar a vida e as pessoas com esperança.
— Se ele for mesmo seu — cutuquei.
— Vamos descobrir? — Ele se levantou, estendendo o braço.
Aceitei o convite, abrigando a palma na dele e me colocando de pé.
Por alguns instantes, contemplamos um ao outro enquanto nossas peles se tocavam,
emanando um calor que começou a se alastrar pelo meu corpo.
Subitamente, soltei seus dedos e peguei a bolsa.
— Vamos. — Comecei a deixar a sala.
Tínhamos acabado de pisar no estacionamento quando um carro entrou, invadindo a nossa
rota, mas em sentido oposto ao que caminhávamos.
— Cuidado! — Por instinto, o homem ao meu lado segurou minha mão, impedindo que eu
continuasse avançando.
Avistei o motorista detrás do para-brisa ao mesmo tempo em que ele me fitou.
— Por aqui. — Braz me puxou para o meio das vagas, aparentemente alheio à presença de
Joaquim.
Não adiantaria correr até a janela para tentar explicar por que eu estava com o cara que meu
ex-namorado provavelmente odiava. Não existia mais um nós. Por mais que eu gostasse dele, não
forçaria a barra nem imporia a minha presença. Ou o som da minha voz. Deixaria Joaquim livre, para
ser feliz como merecia.
Por isso, continuei andando, sumindo no meio dos automóveis com meu chefe.
— Já que vamos para o mesmo lugar, acho melhor irmos juntos, no mesmo carro — ele
ponderou, ao alcançarmos os veículos.
— Vim em um carro diferente hoje, mas estou começando a achar que todos os bancos de
couro me deixam enjoada. Então, tanto faz. Podemos ir no seu.
— Cheiro de couro te deixa enjoada? — indagou, enfiando a mão no bolso e pescando as
chaves.
— Não se preocupe, não vou vomitar nos seus preciosos bancos. Se me der vontade, vomito
no seu colo. — Abri um sorriso inocente.
Rindo, ele destravou as portas e, para a minha surpresa, abriu a do passageiro para mim.
Mas notei o arrependimento em seu semblante no segundo seguinte.
— Fica tranquilo, Bráulio, sei que não fez isso por mim. É só a sua mania de abrir portas,
puxar cadeiras e outras coisas ridículas. — Forcei uma risada, entrando e afivelando meu cinto.
Ele não disse nada. Alcançou o assento do condutor, acomodou-se e deu partida.
— Está enjoada? — perguntou, minutos depois, enquanto fazia uma conversão. — Se
estiver, podemos parar e...
— Não. — Neguei com um movimento rápido. — Por incrível que pareça, não estou. Pelo
visto, o couro do seu carro não me faz querer colocar as tripas para fora.
— Acho que é porque o bebê sabe que está no carro do pai dele. — Olhou para mim.
Merda. Achei fofo.
Mas, em vez de demonstrar, escolhi encobrir.
— O que importa é que seus bancos ficarão a salvo — alfinetei.
— Não estou preocupado com a porra dos bancos — resmungou, e uns dois minutos se
passaram sem que voltássemos a falar.
Eu estava calada, observando o trânsito, as lojas e os pedestres pelos vidros, quando sua
voz ecoou novamente:
— Você já foi ao médico, para ver se está tudo certo com a gestação?
— Ainda não.
— Precisamos marcar uma consulta.
— Eu preciso, você não precisa fazer nada.
Braz soltou um suspiro e se calou pelo resto do percurso. Também não puxei assunto.
Logo, chegamos ao laboratório, fizemos o exame e, na volta, almoçamos juntos. Por pura
comodidade. Preferia não dividir o mesmo estabelecimento com ele de novo, mas não faria muito
sentido me deixar em um restaurante, ir para outro e, depois, voltar para me buscar.
Quase não conversamos. Comemos praticamente em silêncio, saboreando a comida e a paz
daquele momento.
Retornamos, trabalhamos juntos por mais algumas horas e, no fim do dia, ele me fez uma
proposta inesperada:
— Quer carona para voltar para casa?
— Carona? — O atípico surto de gentileza me surpreendeu.
— Você disse que veio em um carro que te deixa enjoada. O meu não te deixa enjoada.
Moramos perto. Posso te dar uma carona — ofereceu.
— Não, obrigada.
Ele se espantou com a recusa, mas permaneceu quieto.
— Tenho uma contraproposta — anunciei. — Dirijo o seu carro. Você dirige o meu. E a
gente troca quando chegarmos onde moro. Lá, você entra no seu e vai embora.
— Tudo bem — concordou, ficando de pé.
Confesso que fiquei um pouco surpresa, mas optei por não expressar. Peguei a chave que ele
estendeu e entreguei a minha.
Deu tudo certo. Parei seu carro na rua, diante da casa que estava dividindo com meu irmão.
Braz chegou instantes depois e estacionou o outro na garagem, cruzando o portão que abri. Fizemos a
troca, eu agradeci, nos despedimos verbalmente, ele se apropriou de seu carro e se foi.
Assim que entrei e pisei no hall, avistei Luan descendo as escadas.
— Boa tarde... — Sorriu de um jeito que eu conhecia muito bem. Era o mesmo sorriso que
assomava em seus lábios desde que éramos crianças, quando descobria um podre meu e ficava me
ameaçando.
Provavelmente, tinha visto Braz por uma janela ou sacada e pensou alguma merda.
— Pode tirar esse sorriso escroto da cara! Não aconteceu nada. Ele apenas trouxe o carro
para mim — contei, antes que começasse a encher aquela cabeça oca de caraminholas. — Não dei
conta de dirigir com aquele cheiro enjoativo. A partir de amanhã, vou para a empresa de moto.
Desisto dos carros!
— Ele quem? Não sei do que você está falando. — Preferiu se fazer de besta.
— Dá licença. Tenho mais o que fazer. — Irritada, passei por aquele idiota, subindo os
degraus.
Estava um pouco estressada e decidi fazer algo que me relaxaria.
Coloquei um biquíni e fui para a área externa.
Lá fora, inspirei profundamente, permitindo que o ar do fim de tarde fluísse pelos pulmões.
Com os olhos no alto, admirei o céu e os tons pastéis que coloriam as nuvens.
Um vento suave farfalhava as folhas das palmeiras e, atrás delas, o sol ia desmaiando,
despejando sua luz dourada na linha do horizonte.
Apreciando o belíssimo entardecer, caminhei até uma das espreguiçadeiras, abandonei o
celular ali e segui na direção das duchas.
Tinha tempo que não usava a piscina aquecida e, se tinha uma coisa que eu amava fazer para
aliviar a tensão era dar algumas braçadas. Gostava particularmente do nado borboleta, porque foi o
primeiro que aprendi, ainda na infância, com vô Max.
Depois de deixar o fluxo lavar meu corpo, dei um mergulho, cruzando a extensão olímpica o
mais rápido que pude.
Ao emergir do outro lado, deparei-me com Luan sentado na borda. Tinha dobrado a barra da
calça jeans e estava com os pés na água morna.
— Já sabe que nome você vai escolher se for menina? Se não souber, eu tenho uma sugestão
— declarou, e percebi que ainda nem tinha pensado nisso. — Pode ser “Luana”, em homenagem ao
melhor tio que ela poderia ter.
— Esquece. — Rindo, subi e me sentei junto com ele.
— O que você prefere? Menino ou menina? — perguntou, enquanto eu torcia os fios do meu
cabelo.
— Gêmeos — brinquei.
— Puta merda! Seria foda! — Ele levou a sério. — E pode acontecer!
— Vira essa boca pra lá! — Empurrei seu maxilar, porque era realmente possível.
Minha mãe tinha uma irmã gêmea. Ela e tia Isa eram idênticas.
Desde pequena, meu sonho era ter uma irmã igualzinha a mim. Antes de entender que eu já
havia nascido e que isso nunca ia acontecer, vivia pedindo aos meus pais uma irmã gêmea, que nem a
de minha mãe. Amava Laís, mas ela era loira. E eu queria uma irmãzinha de cabelinho escuro e curto,
como o meu sempre foi, para a gente brincar de Paola e Paulina. Tinha até feito uma franja, toda
torta, que rendeu boas risadas a papai e muitos berros vindos de minha furiosa progenitora.
Agora que tinha me dado conta de que poderia ter dois filhos de uma só vez, estava em
pânico, com medo de o universo distorcer as coisas e responder do jeito dele o pedido infantil que
eu colocava até nas cartinhas ao Papai Noel.
Uma criança era demais. Duas, então... Que Deus me livrasse de uma coisa dessas!
— Eu ia ficar feliz pra caralho com dois sobrinhos! Ia ser da hora demais! — Luan se
empolgou.
— Para de falar merda! — Dei um soco no braço dele.
Meu irmão riu.
— Quando você vai fazer aquele raio-x do sexo do bebê?
— Até eu sei que é um ultrassom, não raio-x, bocó. — Achei graça.
— Dá na mesma. — Ele moveu os ombros. — Hein, quando? Quando já dá para saber se
são gêmeos?
— Não faço a menor ideia — respondi, meio incomodada.
— Leona, você tem que marcar logo uma consulta!
Por que todo mundo me dizia isso? Eu ia marcar. No dia seguinte.
— Ah! Falando nisso, o velho contou pra vô Piolho que ele e vô Max vão ser bisavôs. Foi
ao condomínio agora há pouco. Pediu pra vovô guardar segredo por enquanto, mas você sabe o que
isso significa, né?
— E você me conta só agora? — Arregalei os olhos, entrando em desespero.
De repente, meu celular começou a tocar sobre a espreguiçadeira.
Só podia ser uma das minhas primas, que já deviam estar sabendo da gravidez!
Disposta a confirmar minhas suspeitas, fui até lá, peguei o aparelho e, para a minha
surpresa, um “Braz Belmonte” apareceu no visor.
Definitivamente, eu ia alterar o contato para algo mais propício no momento, como
“Chucky”.
Aquela não era a melhor hora para atender uma ligação do boneco assassino.
Conhecia bem meu avô. Ele não guardaria segredo nenhum. Contaria a novidade para a
família inteira, principalmente para vô Max. Meus parentes eram incapazes de conter as línguas
enormes dentro das bocas! O Latrell perdia para eles.
Apesar de estar disposta a reverter a situação, eu podia apostar que, àquela altura, já
estavam formando uma caravana com destino àquela casa. A qualquer instante, tocariam o interfone!
Não estava com tempo para falar com Braz. Cada segundo era crucial. Tinha uma bomba no
meu colo, e eu precisava desarmá-la antes de explodir!
Mas... e se fosse algo urgente, relacionado à empresa?
Na dúvida, acabei deslizando o dedo na tela e levando o celular à orelha.
— O que deseja, Belmonte? — Atendi e não obtive resposta. — Belmonte?
— Eu... esqueci a carteira e as chaves da minha casa no seu carro — falou, após a pausa
estranha.
— Você só não esquece as orelhas de Burro Falante porque estão grudadas na cabeça! —
xinguei, extremamente nervosa.
Então, me dei conta de um detalhe. Eu poderia aproveitar aquilo para fugir! Era a
oportunidade perfeita! Tudo o que precisava fazer era pegar aquelas merdas e sair para devolver.
Quando o povo chegasse, não me encontraria!
— Mas, como sou uma pessoa muito bondosa, vou fazer o grande favor de levar na sua casa
para você — anunciei, sentindo um orgulho imenso da minha própria genialidade.
— Não precisa. Estou diante do seu castelo, Dragão. Acabei de voltar. Pega minhas coisas e
vem voando até a porta. — E desligou na minha cara.
— Burro do caralho! — berrei para o aparelho.
Então, saí correndo.
Teria que improvisar. Era um caso de vida ou morte!
Não dava para lidar com a descoberta da gravidez pela minha família enquanto eles
conheciam o pai da criança. Seria constrangedor demais. Todo mundo olhando e imaginando o
homem entre as minhas pernas e as coisas que fizemos no escuro...
Ainda não era domingo! Achei que o encontro ia acontecer no fim de semana, quando eu
colocasse meu plano em prática, que culminaria com Braz se ferrando no canteiro!
Mas era quinta-feira à noite! Eu ainda não estava psicologicamente preparada! Precisava
despachá-lo!
Às pressas, abandonei a área da piscina e, adentrando a casa, fui até a cozinha, tirei o
interfone do gancho e coloquei no ouvido.
— Já vou! — avisei e apertei o botão, abrindo um dos portões automáticos.
Seria mais rápido se eu fizesse tudo sozinha, em vez de solicitar que um dos empregados
devolvesse as chaves e a carteira.
Para que perder tempo explicando a urgência da situação se eu podia tentar evitar a tragédia
o quanto antes?
Disparei até a garagem, abri a porta do carro e peguei tudo.
Então, acelerei na direção da entrada, correndo como se minha vida dependesse disso.
Ao fazer a curva para chegar ao jardim, esbarrei com força em algo sólido.
A princípio, pensei que tivesse atropelado uma das estátuas gregas que orlavam as plantas,
mas a coisa maciça que absorveu meu impacto, se chocando contra uma cerca-viva, era quente
demais para ser feita de mármore.
Elevei a cabeça, percebendo que tinha mesmo atropelado uma estátua grega. Mas aquela
estava momentaneamente estragada no rosto, e seus olhos eram tão vívidos e tão verdes quanto as
folhas que nos cercavam.
Meu peito estava grudado naquele tórax largo, e o resto do meu corpo imprensava os
músculos rijos feito pedra.
O calor absurdo que começou a circular pelas minhas veias me deixou em chamas quando
notei que uma parte bastante específica estava comprimindo minha barriga.
— Você está bem? Machucou? E o bebê? — Segurou meus braços, ligeiramente alarmado.
O bebê não devia estar gostando muito da vara que cutucava sua moradia.
Mas eu estava ótima, tirando o fato de que meus seios meio doloridos tinham sofrido com a
pancada. Porém, depois do choque, ficaram bem aconchegados ali, naquele torso maravilhoso.
— Estamos bem — respondi, aspirando o hálito inebriante que se misturava ao meu.
Era impressão minha ou o volume que pressionava meu ventre estava crescendo?
— Ótimo. — Ele continuou me fitando. — Já estava com saudade de mim? — Usou um tom
provocativo.
Nem um pouco. Mas estou sentindo o tamanho da sua.
Foi o que pensei em responder antes de ser interrompida.
— Que porra é essa? — Uma voz que eu conhecia muito bem enregelou minha espinha,
dissipando toda a quentura.
Afastei-me imediatamente e me arrependi no ato, porque o jeito que Braz me olhou, da
cabeça aos pés, me lembrou de que eu estava de biquíni.
Eu já me proibi
Só percebi que tinha esquecido a carteira e as chaves quando já estava diante da minha casa.
Contrariado, refiz todo o caminho e, ao estacionar em frente à mansão, peguei o celular e
acessei o número que tinha salvado nos meus contatos como “Golpista”.
Com o remorso me corroendo por dentro, apaguei as letras e digitei “Leona Guerratto”.
Então, pensei um pouco e acabei alterando para “Tiffany”.
Achando graça, fiz a ligação.
— O que deseja, Belmonte? — Ela atendeu, e eu não disse nada por alguns instantes.
A solenidade da sentença me pegou desprevenido. Estava esperando algo como um “Oi,
Bráulio!”, em um tom descontraído.
Meu sobrenome ressoando como vocativo em sua entonação formal me deixava atordoado e,
por alguma razão bizarra, toda vez que ela me chamava assim, típicas cenas daqueles clássicos
pornôs filmados dentro de um escritório começavam a se desenrolar em minha mente.
“O que deseja, Belmonte?”, a safada perguntaria, inclinando os braços sobre a minha mesa e
lançando um olhar fatal, com os peitos em evidência.
“Você”, eu responderia, concentrado no decote exagerado do vestido, muito mais justo e
revelador que os que ela realmente usava para trabalhar.
“Seu pedido é uma ordem, meu senhor”. Fisgaria o lábio, contornando a mesa.
E, então, subiria na minha cadeira, montando nas minhas pernas, colando os lábios nos
meus, abrindo meu zíper e...
— Belmonte? — repetiu, me fazendo acordar para a realidade.
— Eu... esqueci a carteira e as chaves da minha casa no seu carro — contei, baixando os
olhos para o volume em minha calça.
— Você só não esquece as orelhas de Burro Falante porque estão grudadas na cabeça! —
Leona esbravejou ao telefone.
Eu era o burro e quem dava o coice era o dragão!
Mas que porra! Por que liguei para ela?
Tinha sido uma ideia estúpida. Poderia perfeitamente ter interfonado e pedido que um dos
seguranças pegasse as chaves.
Porém, decidi ligar e pedir que ela me devolvesse, porque sou mesmo um asno!
— Mas, como sou uma pessoa muito bondosa — continuou —, vou fazer o grande favor de
levar na sua casa para você.
Pois que fosse para a casa do caralho!
— Não precisa. Estou diante do seu castelo, Dragão. Acabei de voltar. Pega minhas coisas e
vem voando até a porta. — E desliguei na cara daquela filha da puta.
Irritado, saí do veículo e andei até o portão. Ali esperei, amaldiçoando o momento em que a
força do hábito me fez tirar as chaves e a carteira do bolso, colocando-as no compartimento como se
o carro alheio fosse o meu.
Leona havia deixado claro que estava estressada com a minha distração, o que me deixou
extremamente puto comigo mesmo. Não gostava de incomodar as pessoas. E gostava menos ainda
quando elas manifestavam sua chateação pelo incômodo ou jogavam na minha cara que estavam me
fazendo um favor.
— Já vou! — comunicou pouco depois, abrindo o portão automático.
Decidi entrar, em vez de continuar esperando. Pegaria os objetos por minha própria conta e
iria embora em pouquíssimos segundos, antes de o Dragão aparecer, cuspindo fogo pelas ventas.
Deixei o portão aberto, sob a vigilância do segurança que estava na guarita, e comecei a
percorrer o caminho repleto de plantas que me levaria até a garagem.
Estava prestes a fazer uma curva quando algo pequeno e impetuoso me atingiu.
A força do impacto não foi suficiente para me derrubar, mas a colisão abrupta impulsionou
meu corpo, e minhas costas comprimiram umas das paredes de folhas que ladeavam a extensa entrada
do jardim.
A princípio, pensei que tivesse sido atingido por um anão. Ou sete. Provavelmente, tinham
confundido a exuberância da vegetação ao redor com uma floresta.
Então, a criatura que empurrava meu peito ergueu o rosto, e eu me dei conta de que não era
um anão. Era a porra da Branca de Neve.
Fios curtos, molhados e negros como ébano emolduravam a face pálida e delicada. Olhos
assustados, cerceados por cílios úmidos, me encaravam. Mas os meus estavam mais interessados
naqueles lábios avermelhados.
Eu era, obviamente, o caçador, enviado para arrancar o coração da princesa indefesa.
Combinava mais comigo.
Mas ali, com o rosto tão perto do dela, invejei o príncipe sortudo que beijava a mais bela
moça do reino.
Só que Leona não era a mulher mais bonita de todas. E é claro que eu não ia beijá-la.
— Você está bem? Machucou? — perguntei e, então, me lembrei de um detalhe preocupante.
— E o bebê? — Meus dedos capturaram seus braços.
— Estamos bem — ela respondeu, e o hálito que escapou daquela boca me atiçou para
saber como seria colar a minha ali.
Se estivesse em condições de beijar alguém, talvez tivesse me arriscado em uma descoberta,
só para acabar com a curiosidade.
Como estava machucado, apenas admirei o contorno da região volumosa e aparentemente
macia enquanto a proximidade entre nossos corpos causava reações indesejadas no meu.
— Ótimo. — Deveria afastá-la. Mas não queria. — Já estava com saudade de mim? —
provoquei e aguardei a resposta, que certamente seria afiada e me deixaria ainda mais excitado.
Mas, antes que Leona pudesse dizer alguma coisa, alguém falou primeiro.
— Que porra é essa? — um sujeito vociferou, e ela rompeu o contato, distanciando-se no
mesmo instante.
Assim que se afastou, entrou por completo em meu campo de visão, transformando o recém-
chegado em um homem invisível.
Ela estava de biquíni! Três triângulos cor-de-rosa ocultavam as únicas partes cobertas,
justamente as que eu mais queria ver.
Meus olhos passearam por cada uma delas, tentando enxergar além do tecido enquanto
minha cueca ficava cada vez mais apertada.
— Desgraçado! — Alguma coisa atingiu minhas pernas.
Baixei as vistas e me deparei com uma bengala!
Ergui a cabeça e vi um homem alto e grisalho, que parecia ter uns sessenta e poucos anos.
Seus olhos claros, meio acinzentados, me fulminavam.
Era a mesma cor dos de Ferrão. Até os traços lembravam os do meu amigo. Logo concluí
que aquele era o avô dele, pai do meu chefe. Imaginei que havia sido loiro na juventude, assim como
o neto e o filho.
Eu estava puto pela bengalada imerecida, mas me forcei a agir com cortesia.
— Boa tarde, senhor Guerratto. — Estendi a mão.
— Senhor Guerratto é o caralho! — O homem acertou meus dedos com a bengala.
— Porra! — Puxei o braço, apertando a área atingida com a outra palma.
Leona teve uma crise de riso. Olhei para ela, chocado.
— Esse velho doido me bateu! — berrei, sem acreditar naquele absurdo.
— Velho de cu é rola! — Outro golpe nas pernas.
— Mas que merda! — Dei um pulo quando o idoso atacou novamente e, por sorte, escapei
da próxima bengalada.
— Já chega, vovô! — Leona intercedeu, entrando na frente.
Primeiro, minha visão captou os laços amarrados em suas costas. Então, fui descendo,
deslizando os olhos junto com as gotículas que serpenteavam sua pele até alcançar o quarto triângulo.
Preferia uma linha, mas gostei do que vi. Não era tão pequeno quanto eu gostaria, mas o
pedaço de pano deixava à mostra duas metades redondas que enlouqueceram meu pau.
— Para de secar minha neta, seu safado! — O velho brandiu a bengala.
— Mas ela está molhada, senhor. — O sorriso que abri revelou o duplo sentido almejado.
— Eu vou te matar, filho da puta! — Tentou me golpear novamente, só que segurei nos
ombros de Leona, baixando a cabeça e usando-a como escudo. — Larga Lovezinha! — Moveu a
arma improvisada e fui obrigado a soltá-la imediatamente, antes que perdesse um olho.
— Sossega o facho, cretino! — Olhei adiante e vi uma mulher caminhando até o sujeito.
Tinha feições bonitas, apesar das rugas ao redor dos olhos castanhos, meio esverdeados. Só
podia ser a avó de Leona. Mas não parecia uma avó convencional, daquelas que assam bolos e
prendem as madeixas prateadas em um coque no alto da cabeça. Era vaidosa, percebi pelas joias,
pelo vestido, pela maquiagem e pelas escuras mechas tingidas, sem qualquer vestígio de fios
brancos, que formavam ondas caídas nos ombros magros.
— Mano do céu! Para de fazer estripulia com a bengala, Putão! — Um cara vinha logo atrás,
quase correndo.
Era grisalho e mais ou menos da idade do velho doido. A diferença estava no comprimento
do cabelo, que, ironicamente, estava preso em um coque.
Eu nunca tinha visto um velho de coque em toda a minha vida!
— Lucas, você vai cair! — outra mulher alertou, e a preocupação em seu rosto indicou que
o cabeludo era seu marido.
Era loira e parecia ser um pouco mais nova que a primeira, embora fosse uma senhora
igualmente bonita e elegante.
— Não fala nada, não, Malu! Deixa torcer o pé, que nem Max! É bom que aprende! — a
morena resmungou.
— Os dois acham que são moleques, Liv! — Dona Malu desabafou.
— Os dois acham que são moleques, Liv! — O velho doido imitou, de um jeito que me fez
rir. — Eu sou praticamente um menino, Maria Luísa! Um garoto! Essa merda jamais teria acontecido
se Olívia tivesse feito a parte dela! — Apontou a perna.
Só então notei a bota imobilizadora. Estava explicada a maldita bengala.
— Eu fiz minha parte! Você que fez a sua que nem seu nariz, cretino! — Dona Olívia acusou.
— O que aconteceu, vô? Tentou dar um trato na patroa e caiu da cama? — Dei uma risada,
mas precisei levar a mão aos lábios doloridos.
— O que aconteceu, filho? Caiu no braço e levou uma surra? — ele zombou, rindo.
Fiquei puto. Não tinha apanhado por falta de competência.
Não sou nenhum santo. Sou o diabo quando quero, mas tinha ciência de que sacaneei
Joaquim. Fodi a namorada do cara. Não satisfeito, gozei dentro e meti um boneco nela. Depois,
fiquei pirraçando o sujeito, porque foi mais forte que eu. Isso foi proposital. Todo o resto fiz sem
querer. Mas fiz. E estava feito. Infelizmente, não dava para desfazer. Deixei que me desse uns murros.
Entretanto, não fiz isso pelo filho da puta. Mereci os socos, mas não apanhei de propósito
por achar que lhe devia algo. O que fiz a ele era nada, comparado ao que fiz a Leona. Ela era a
grande vítima das minhas atitudes. Era ela quem realmente sofreria com as consequências. Nem
Joaquim e muito menos eu.
Ele ficou sem namorada. Deve ser foda. Porém, é o de menos.
Eu me tornaria pai, que é algo que nunca quis. Mas enchi o cu de álcool e a boceta dela de
porra. Então, que assumisse a responsabilidade.
Graças à minha estupidez, Leona ficou sem escolha. Estava carregando outro ser humano
dentro da barriga e não podia fazer nada para mudar esse fato. Eventualmente, teria que parir uma
pessoa. Sua vida inteira seria transformada por minha causa. Isso era o que estava me matando.
Estava tentando ser um pouco mais gentil com ela, mas, no fundo, sabia que eram tentativas
vãs. Nada que eu fizesse seria capaz de compensá-la pelo estrago que fiz naquela noite. Eu precisava
parar de tentar me redimir. Não havia redenção. Não para mim.
Achei que apanhar amenizaria a sensação de que sou um merda. Mas é claro que não
adiantou. Eu continuava me sentindo um merda e, para piorar, era um merda sentindo dor.
Meu rosto estava pulsando. Só que isso eu podia aguentar calado. A chacota alheia pela
surra, não.
— Se continuar rindo, sua dentadura vai cair, vô — provoquei.
— Mano de Deus! Outro Matheusola! Putão, cê é o novo Plinião, tá ligado? — O velho de
coque nos alcançou, morrendo de rir.
Não entendi nada, mas achei graça, porque ele ria de um jeito hilário.
— Mas deixa eu te contar uma parada, Brazola! — Pendurou o braço no meu ombro. — Isso
é discriminação, tá ligado? Preconceito contra o idoso! Putão vai te processar, meu! — Gargalhou.
— Piolho, cala a porra da boca e segura minha bengala! — o outro pediu.
— É pra já, mano! — Fez menção de pegar no pau do velho doido.
— Sai, caralho! — Ele se afastou a tempo.
— Mas foi você que pediu, Quenga! — O velho de coque caiu na risada.
Era ainda mais doido que o velho doido. E, pelo visto, só podia ser o verdadeiro senhor
Guerratto, pai de Luís Guerratto e antigo diretor executivo da empresa.
Meu Deus. Eu trabalhava em um hospício sem saber!
— Toma suas coisas. — Leona empurrou a carteira e as chaves no meu peito, me obrigando
a apará-las antes que caíssem. — Pronto, já pode ir embora.
— Lovezinha, que falta de educação é essa? — Dona Olívia levou a mão à gola do vestido
vermelho. — Não vai nos apresentar ao rapaz? — Fui examinado da cabeça aos pés.
— Não, vovó. Ele já estava indo quando vocês chegaram. — Permaneceu inerte, sem me
fitar.
Olhei para ela, mas minha atenção não ficou em seu rosto. Foi resvalando pelas curvas de
seu corpo e se prendendo por um tempo em cada relevo e reentrância.
Não era alta nem escultural, mas todas as partes eram proporcionais à estrutura pequena e
pareciam perfeitas para os meus dedos.
Eu precisava tocá-la. Precisava beijar sua pele e sua boca e meter dentro dela.
— Não estava, Braz? — Lançou um olhar significativo para mim.
— Na verdade, eu tinha acabado de chegar. — Desviei os olhos, mirando os demais. —
Leona me chamou para... — Fiz uma pausa estratégica, sorrindo com malícia. — Vocês sabem.
— Mentira! — ela bradou, indignada. — Seu mentiroso de uma figa! — Empurrou meu
braço.
De repente, algo atingiu o chão, produzindo um ruído agudo. Olhei para baixo e vi a bengala
caída.
— O que o senhor está fazendo, vovô? — Ela se sobressaltou ao vê-lo desabotoando a
camisa.
— Arranjando alguma coisa para você vestir, porque esse desgraçado...
— Deixa que eu resolvo, vô. — Surgindo de algum lugar, Ferrão apareceu, tirando a
camiseta. — Toma. — Jogou para a irmã.
— Não vou vestir essa coisa asquerosa! — Ela aparou, embolou o tecido e atirou longe, na
direção do corredor margeado por plantas.
Duas pessoas estavam entrando, e a peça aterrissou no rosto da mulher que acompanhava
meu chefe.
— Obrigada pela recepção, Lovezinha. Tudo o que eu queria era o cheiro do sovaco de
Luan na minha cara. — Os dedos pinçaram a camiseta, revelando feições que eu já conhecia.
Puta merda! A esposa do CEO! A coroa gostosa do elevador!
— Tá limpa, mãe! Eu tomei banho agora há pouco! — Ferrão se defendeu, enquanto eu
tentava esquecer que já tinha manjado a bunda da avó do meu filho.
— Eu sei. Tá com seu cheirinho de bebê! Olha! — E lançou de volta, acertando em cheio as
fuças dele.
Por isso Leona me pareceu meio familiar da primeira vez que a vi. Na verdade, ela tinha
mais semelhanças com a avó materna do que com a mãe. Mas alguns traços similares estavam ali,
visíveis para um bom observador.
— Falando em bebê... Parabéns, Lovezinha! — Os braços de dona Olívia envolveram a neta
por vários segundos. — Esses dias, você era um bebezinho, porra! — Afastou-se, limpando as
lágrimas dos olhos. — E, agora, vai ser mãe! E eu, bisavó! Tão jovem e bisavó!
— Jovem sou eu, Liv! — Dona Malu riu, aproximando-se de Leona. — Parabéns, meu amor!
Conte comigo para tudo!
— Obrigada, vovó. — Elas se abraçaram.
— Lovezinha, eu te amo, tá ligada? Cê pode contar com seu avô favorito pra tudo também,
menos pra fazer o moleque dormir de madrugada! — O senhor Guerratto riu. — Parabéns, minha
princesa! — Circundou e apertou as duas.
— Obrigada, vovô! Também te amo, tá ligado? — A voz dela escapou, em um tom divertido.
— Mano do céu! — Ele deu um passo para trás. — Olha o shape do cara que vai ser
bisavô! — Passou as mãos no tórax. — Cê também nem parece que vai ter um bisneto, Putão!
De fato, não parecia. Eu nunca tinha visto idosos tão em forma. Os dois deviam cuidar para
caralho da saúde. Era bom saber que dava para chegar à terceira idade naquele pique.
— Olívia... eu tô passando mal. — Do nada, o velho doido abrigou a mão no peito,
respirando de forma ruidosa.
As aparências realmente enganavam! O homem estava tendo um infarto!
— Suze vai ficar louca quando souber que vamos ter um bisneto! — Dona Olívia comentou.
— Agora é que ela não deixa os netos dela em paz, pedindo bisnetos! — Dona Malu riu.
Estavam conversando como se o velho não estivesse pedindo socorro, à beira da morte!
Será que não estavam ouvindo as respirações descompassadas?
— Uma ambulância! Ninguém vai chamar uma ambulância? — perguntei, alarmado. —
Leona, seu avô está passando mal! — Balancei o ombro dela, enquanto todo mundo gargalhava.
Que espécie de humor era aquele?
— Sim! Por favor, Braz, chama o SAMU! — Ela virou o pescoço, fitando-me com olhos
preocupados.
Até que enfim alguma reação! Mais que depressa, enfiei as chaves e a carteira no bolso,
peguei o celular e disquei 192.
— Alô? Eu preciso de uma ambulância para um idoso na rua... — Fui bruscamente
interrompido.
— Idoso de cu é rola! — Um puxão arrancou o aparelho da minha orelha. — Eu tenho
quarenta e nove anos, desgraçado!
Muitas risadas ecoaram pelo jardim.
— Espera... O senhor não estava passando mal? — investiguei, porque ele parecia cem por
cento recuperado.
Gargalhadas ainda mais altas explodiram ao meu redor, indicando que eu tinha sido tapeado!
— Passando mal? — Ele riu. — Você não escutou? Eu tenho quarenta e nove anos, caralho!
Toma essa merda! — E me devolveu o celular, que guardei, meio puto com o teatro do velhote.
— Putão, se com trinta e nove a pipa do vovô já não subia, imagina com quarenta e nove!
Tem que falar vinte e nove, mano! — O cabeludo caiu na risada.
— Vem cá, que eu empino a pipa no seu rabo, sua arrombada! — Ele tentou andar, mas se
deu conta de que a bota era um empecilho. — Luan, pega minha bengala!
— Ah, vô... Eu vou ter que segurar pro senhor atolar no cu de vô Piolho? — Ferrão
brincou.
— Luanão, aproveita e arranja uma azulzinha pro seu avô. A Quenga não dá mais no couro, e
eu não quero saber de pica murcha na minha bunda! Já bastam as bolas dele! — O velho de coque
teve uma crise de riso.
De repente, engasgou-se e começou a tossir.
— Eu ainda nem enfiei a rola na sua boca e você já tá engasgado, Quenga? — O velho
doido riu, mas, quando as tossidas incessantes foram ficando cada vez mais violentas, ele se
alarmou. — Piolho, para de palhaçada! Piolho? Piolho, volta ao normal! Quenga, não morre! —
Desesperado, saiu mancando e começou a bater nas costas do engasgado.
Após alguns tapas, Piolho — que espécie de apelido era esse? Tinha piolho no coque? —
deu duas tossidas derradeiras e endireitou o corpo.
— Cê quer deslocar minha coluna, carai? — resmungou.
— Vai assustar a puta que te pariu, bocetudo! — o outro berrou.
— Putão, eu já falei que nós vamos morrer juntos. Relaxa, tá ligado?
— Para de falar merda, Lucas! — Dona Malu encrespou.
— Fica sussa, mano. — Colocou o braço sobre os ombros dela, puxando-a para seu peito.
— Eu vou morrer daqui a novecentos e quinhentos e trezentos e duzentos e oitenta e nove milhões de
anos.
— Bilhões — ela corrigiu.
— Bilhões — repetiu, sorrindo e pousando os lábios na têmpora da esposa.
— Pois eu vou morrer daqui a trilhões de anos! — Dona Olívia se gabou.
— Você é imortal, linda — o marido dela afirmou.
— Ai, cretino... — Suspirou, com uma expressão apaixonada.
— Bruxas são imortais, principalmente as indianas — ele completou, rindo.
— Demônios, também. Principalmente o enviado das trevas! — ela devolveu.
— Viveremos felizes e para sempre, senhorita Olívia, nas profundezas do inferno. — Ele
sorriu.
— Ai, Max, eu te amo, porra. — Foi até ele e o beijou. Na boca. E de um jeito que jamais
pensei que dois velhos fossem capazes.
Era estranho, mas, ainda assim, algo bonito de se ver. O dois formavam o tipo de casal que
me fazia pensar em como seria ter avós ou pais que se amavam de verdade. Ou como seria amar
verdadeiramente uma mulher.
Uma merda, com certeza. Viver o tempo todo preocupado com o bem-estar de outra pessoa
não estava nos meus planos. Preferia me preocupar comigo mesmo. E com Briana. E, agora, com...
meu filho. E só.
— Pelo amor de Deus, vovó! Chega! — Leona reclamou.
Era uma ingrata. Insuportável. Chata pra caralho. E ligeiramente gostosa.
Se eu pudesse desfazer os laços daquele biquíni, começaria pelas costas, puxando a fita e
deslizando os lábios naquele pescoço enquanto minhas mãos apalpavam os peitos recém-libertos...
Depois, eu desceria os dedos e...
— O que você está fazendo aqui, Belmonte? — A voz de Luís Guerratto foi como um balde
de gelo caindo sobre a minha cabeça.
— Sua filha me convidou, senhor — respondi, e ele direcionou os olhos para ela.
— Não é nada disso que o senhor está pensando, papai! — alegou.
— Que bom. Porque parece que você chamou seu chefe para brincar de afogar o ganso na
piscina! — ele berrou, provocando várias risadas.
Refreei a minha, sabendo a dor que aquilo causaria.
— Lovezinha... Esse é o surubeiro que te fez mal, minha lindinha? — Max, o velho doido,
perguntou, como se já não soubesse. Tinha até me agredido!
— Mas ela gostou tanto, vô — pirracei. — Ficava pedindo o tempo todo para eu não parar...
— inventei, torcendo para que fosse verdade.
— Olívia... eu tô passando mal. — Ele levou a mão ao peito, arfando.
Estava explicado o talento de Leona para as artes cênicas.
— Que mentira! — Furiosa, me encarou.
Estava atuando, com certeza. Eu podia apostar que, apesar de tudo, ela tinha gostado e
estava louca para repetir a dose.
— Eu tenho uma coisa para te mostrar, vovô! No canteiro de rosas! — Abriu um sorriso
vingativo.
— Minhas rosas? O que aconteceu com as minhas rosas? — Ele ficou visivelmente
apreensivo.
— Vem que eu te mostro! — Leona se abaixou para pegar a bengala caída no chão, e foi a
minha vez de passar mal.
— Puta que pariu... — Deixei escapar, ao ver o pedaço carnudo de boceta, coberto pela
calcinha rosa, junto com aquele rabo empinado.
Girando o corpo, ela me mostrou uma expressão presunçosa.
— Gostou? Pena que não é pro seu bico, meu querido! — Riu. — Toma, vovô. — Com uma
voz meiga, entregou a bengala.
— Pois não estou interessado, minha querida! — Puto, comecei a desabotoar minha camisa.
— O que você está fazendo? — Ela ergueu uma das sobrancelhas escuras.
— Poupando meus olhos dessa visão... — Eu ia dizer “patética”, mas me distraí invejando
a gota que escorreu do cabelo, passou pela junção dos seios e resvalou pela barriga, desaparecendo
dentro da...
— Bel, Bel... — Ferrão pronunciou, como uma espécie de aviso.
— Toma. Vista-se. — Terminei de tirar a camisa e estendi para ela.
— Olha o que eu faço com isso! — Puxou o pedaço de pano, jogou no chão e começou a
sambar em cima.
Sambar.
O quadril se movendo... As coxas se chocando... Os peitos pulando...
Quase fiquei louco.
— Mais alguém está notando essas faíscas? — Dona Malu quis saber.
— Faíscas? Isso é um incêndio! Tem até uma mangueira! E que mangueira! — Dona Olívia
usou um tom sacana, olhando na direção do meu... pau?
Puta merda! Eu estava duro!
— Que porra é essa, Olívia? — Max vociferou. — Fecha o olho!
— Tá bom, lindo! — Rindo, ela cobriu um deles.
— Os dois! — Ele corrigiu.
— Ah, me poupe, cretino! — ela resmungou. — Lovezinha, eu adorei meu novo neto! Está
aprovadíssimo! Agora, agarra essa mangueirona e dá uma de bombeira! Só um jato potente para
apagar seu fogo! — Gargalhou.
— Meu Deus, Olívia! — Dona Malu exclamou, mortificada.
— Mas que desgraça! Cobre essa merda, Belmonte! — Ferrão jogou para mim a camiseta
que estava pendurada em seu ombro.
Mais que depressa, disfarcei o volume, que já começava a diminuir depois daquele flagra
constrangedor.
Mas que caralho. Eu queria morrer.
— Mano do céu! Brazola nasceu pra fazer parte da família! — Piolho riu.
— Esse tarado engravidou nossa neta! Ele se aproveitou da inocência de Lovezinha! — Max
berrou, erguendo a bengala. — Eu vou matar esse filho da puta!
Ele ia mesmo me fazer esse favor?
— Chega, padrinho. Chega. — A voz de Luís Guerratto instaurou um silêncio inesperado.
— Não me dirija a palavra, Luísa! — Max pôs fim à súbita quietude. — Se Ana não tivesse
me contado minutos antes de você contar para Piolho, eu teria sido o segundo a saber que minha neta
não é mais virgem! Graças a esse desgraçado! — O velho me fulminou.
Gargalhadas estrondosas irromperam no ar.
— Vovô, o senhor sabe que eu tenho vinte e cinco anos, né? — Leona perguntou, achando
graça. — Não sou mais virgem desde...
— Não fala nada! Não quero ouvir porra nenhuma! — Ele abrigou a bengala debaixo do
braço e tapou os ouvidos, suscitando mais risadas.
— Leona deixou de ser criança há um bom tempo, padrinho. É uma mulher adulta e, como
tal, transa. Queria transar com Joaquim e, por um equívoco, acabou transando com Braz. Agora, os
dois terão um filho. E nada além disso. Fui claro? — Recebi um olhar severo do meu chefe.
Nada além disso uma ova! Quem ele pensava que era para me dizer o que eu podia ou não
fazer?
E se eu quisesse transar com a filha dele de novo? E se eu quisesse fodê-la na porra do meu
escritório, no caralho da empresa dele? Várias e várias e várias vezes, fazendo a safada gritar meu
nome até todos os funcionários ouvirem?
É claro que eu não queria nada disso. Mas também não queria que aquele puto me dissesse o
que fazer! Que fosse à merda!
— Perfeitamente, senhor — respondi, em meu melhor tom respeitoso.
— Gosto de acreditar que as coisas acontecem porque têm que acontecer. No entanto, não
preciso ficar cem por cento feliz com elas. Ter um neto me agrada. Muito. O pai dele... — Fez uma
careta, me fitando. — Nem um pouco.
Por que não? Porque eu vim de baixo? Por não ter nascido em um berço de ouro? Eu era um
dos melhores funcionários daquele filho da puta! E só porque nasci em uma família pobre e fodida
não servia para a filha dele?
Eu não ia apenas transar de novo com Leona. Ia comê-la em todas as posições possíveis, até
a filhinha de papai ficar de quatro, rastejando aos meus pés.
Era uma questão de honra. Leona Guerratto ia se apaixonar por mim ou eu não me chamava
Braz Belmonte!
— E você não seria o pai do meu neto se Luan não tivesse organizado aquela suruba —
continuou, movendo os olhos para o filho. — Por causa disso, você está proibido de fazer ou
participar de surubas nesta ou em qualquer outra casa.
— O quê? — Ferrão se apavorou.
— Estamos entendidos? — Uma sobrancelha se elevou.
Meu amigo assentiu, a contragosto.
— Eu não ouvi. — O pai dele se manteve sério.
— Sim, senhor. — Ferrão se rendeu.
— Ótimo. — Meu chefe sorriu. — Agora, bora comemorar a chegada do meu neto ou
netinha! Cê fez o que eu mandei?
— Manda quem pode, obedece quem tem juízo, né, meu patrão? Já temperei as carnes,
coloquei as cervas no congelador e chamei os primos todos. Os churrasqueiros já estão a caminho —
ele anunciou.
— Cheguei! Atrasada, mas cheguei! — Uma loira surgiu de repente na entrada do jardim.
Nunca pensei que a versão feminina de um cara feio como Ferrão pudesse ser tão bonita.
— Laís, a netinha linda que nunca vai decepcionar o vovô! — Max abriu os braços.
— Meu vozinho mais lindo! — Ela correu e o abraçou.
— Tá massa, Laisona! — Piolho resmungou.
— Meu vozinho mais lindo que meu vozinho mais lindo! — Largando um, abraçou o outro.
— Que porra é essa, Laís? — Max encrespou.
— Isso mesmo! Dá atenção só pros seus avôs, sua mal-agradecida! — Dona Olívia
reclamou.
— Eu te amo, vovó! — Rindo, apressou-se e sapecou um beijo na bochecha da senhora.
Em meio aos protestos e risadas, notei que Leona estava se movendo rumo a um arbusto.
Aproveitei a distração de seus familiares e fui atrás dela.
— O que você está fazendo aqui? — cochichou, quando me abaixei ao seu lado.
— Você está tentando fugir? — sussurrei.
— O que você acha, gênio?
— Para onde?
— Shhhhhhhh. — Pousou o indicador nos próprios lábios.
Fiquei quieto, escutando as conversas ali perto e sentindo o cheiro dela. Era uma mistura de
protetor solar e perfume, que sua pele úmida emanava como se fosse o mais afrodisíaco dos aromas.
E eu estava louco para afundar o nariz naquele pescoço. Simplesmente porque era um
pescocinho proibido.
— Lovezinho, bora acender a churrasqueira enquanto o povo não chega, maluco! — Luís
recrutou Ferrão.
— Lovezinho... — Achei graça, mas Leona tapou minha boca.
Gemi, com a dor causada pela pressão que seus dedos fizeram no ferimento.
— Desculpa — pediu baixinho, retirando a palma.
Estava tão perto que seu hálito roçava meus lábios, convidando-me para provar o gosto dos
dela...
De repente, afastou a cabeça, espiando o que estava acontecendo pelas folhas. Frustrado,
obriguei-me a fazer o mesmo.
— Vou ligar para Teo e Luminha! — Sorridente, dona Malu seguiu o filho e o neto.
— Vovô, postei nosso vídeo hoje à tarde e já temos um recorde de curtidas! As minas estão
piradas! Já querem outro vídeo com o senhor! — Laís estava com o braço entrelaçado ao de Piolho,
caminhando junto com ele.
— Você gravou um vídeo com Piolho? — Max berrou. — Olívia, eu tô passando mal!
— Eu sou o avô favorito dela, né, Laisona? — Piolho beijou a bochecha da neta.
— Eu sou o avô favorito dela, desgraçado! Fala pra ele, Laís! Fala que sou eu, minha
lindinha! — Max foi atrás, batendo a bengala no piso.
— Nenhum é meu favorito! Amo os dois um tantão igual! Podemos gravar juntos também,
vovô! O vídeo de vô Piolho foi um tutorial de coque masculino, com diquinhas capilares! O nosso
pode ser o senhor cantando e tocando violão! — Enfiou o braço no dele, andando com os dois ao
mesmo tempo.
— Mas nem por um senhor caralho! Você está proibido de gravar esse vídeo, Max Vetter!
Proibido, ouviu bem? — Dona Olívia gritou, seguindo o trio.
— Espera, mamãe! Cuidado com os degraus lá na frente! — A mãe de Leona foi a última a
deixar o jardim.
— E agora, o que a gente faz? — perguntei, mirando a mulher agachada ao meu lado assim
que ficamos sozinhos.
— A gente corre. — Agarrou minha mão e saiu me puxando.
E aqui dentro
“(...) esquenta”.
A Gente Junto — Anavitória
— Todas dizem que eu sou bom demais. — O motorista corrigiu a letra, ligando o ar-
condicionado.
— Infelizmente, faço parte da sua cota, mas nunca te disse isso, querido — esnobei.
— Disse. Eu só estava bêbado demais para ouvir — declarou, com plena convicção.
O pior é que estava certo. Eu havia dito, em alto e bom som. Em gemidos, gritos e
palavrões. O filho da mãe era tão bom que me deixou louca, mesmo bêbado; tão bom que eu queria
de novo, de novo e de novo. Mas não ia sucumbir à beleza e à perícia sexual daquele cretino. Ia
mostrar a ele que podia até ser bom demais, mas não era irresistível.
A música continuou ecoando no interior do veículo:
Era exatamente o que eu ia fazer. Ia deixar o safado de quatro aos meus pés, feito o cachorro
sem-vergonha que ele era. E, quando estivesse apaixonado por mim, declarando todo o seu amor, eu
mandaria o canalha à merda. Para ele aprender a deixar de ser otário.
— Podemos ir para a sua casa? — perguntei, disposta a colocar meu plano em prática.
— Será um prazer imenso recebê-la. — A entonação lasciva evidenciou o duplo sentido.
— O prazer será todo meu. — Abri um sorriso, certa de que aquela noite seria memorável.
Em alguns minutos, estávamos atravessando o portão que eu já conhecia, com destino à
garagem.
Braz saiu do carro assim que desligou o motor, sem dizer nada. Achei estranho, mas me
obriguei a desafivelar o cinto. Tinha acabado de fazer isso quando ele se materializou diante da
porta, abrindo-a e estendendo a mão.
Como cresci lendo os romances de época de vó Olívia, fiquei me sentindo uma lady, por
mais que estivesse usando uma vestimenta que deixaria qualquer dama do século XIX escandalizada.
E olha que aquele biquíni era até comportado. Eu nem estava usando um fio-dental!
— Obrigada. — Aceitei a palma, sem vontade de dizer nada ácido dessa vez.
Braz fechou a porta e não soltou meus dedos. Em vez disso, manteve os dele unidos aos
meus.
Caminhamos de mãos dadas e, a cada passo, meu estômago ficava mais frio, e minha pele,
mais quente. Era uma mistura paradoxal, que causava sensações estranhamente boas.
Mesmo sabendo que não ia transar com ele, eu estava ansiosa e, ao mesmo tempo, excitada.
Na entrada da sala, minha mão ficou só.
— Minha casa é sua casa. — Estendeu o braço, me incentivando a ir adiante.
Entrei primeiro e, ao pisar no assoalho preto, olhei ao redor.
Não parecia haver vida ali dentro. Era tudo muito escuro e sóbrio, das paredes aos móveis e
objetos refinados.
— Gostou? — Lábios cálidos se aninharam em meu ouvido, e um arrepio eletrizou minha
espinha. — Quer que eu faça um tour?
Pelo meu corpo? Com a língua? Quero.
— Não é necessário. — Eu me virei, mirando seus olhos.
Braz me fitou de volta e, por alguns instantes, ficamos calados.
Então, ele deu um passo e acariciou meu rosto.
— É uma pena que eu não me lembre dos seus gemidos. — O polegar arrastou-se pela
bochecha, enquanto os outros dedos se recolhiam em minha nuca. — Quer refrescar minha memória?
— A digital estacionou na esquina da minha boca.
O toque quente e delicado me desestabilizou. Por um momento, tive vontade de me render
sem nem mesmo lutar. Quis me atirar nele, grudar nossas peles, bagunçar seu cabelo, morder seu
lábio ferido. Cada poro meu implorava pelo fogo que encontraria nos braços daquele homem. E cada
célula gritou em protesto quando segurei o pulso, no intuito de afastá-lo.
— Primeiro, eu gostaria de continuar me refrescando. Tem piscina na sua casa? —
Caprichei na pretensa expressão inocente.
— Claro. — Entrelaçou nossas mãos e me guiou até a área externa. — Fique à vontade. Vou
pegar algumas coisas.
Quando fui deixada ali, admirei o cenário que se estendia à minha frente.
Espreguiçadeiras acolchoadas velavam as águas plácidas que descansavam sob uma
cobertura transparente.
Ao fundo, uma extensa parede envidraçada separava a ampla superfície azul das exuberantes
folhagens do jardim.
Caminhei até a piscina coberta e olhei para o teto translúcido.
Acima da minha cabeça, o céu começava a receber as primeiras pinceladas noturnas. Mas
um restinho de sol ainda escoava no limiar do horizonte.
A estreita faixa de luz solar me deu uma ideia genial. Deitei-me de bruços em uma das
espaçosas espreguiçadeiras e desamarrei as fitas da parte de cima do meu biquíni.
O topless era parte do plano. Na verdade, era o passo inicial. Aquela noite terminaria
comigo na piscina com meu chefe, onde eu cozinharia o safado em fogo brando. A coisa começaria a
ferver, e eu interromperia o cozimento, indo embora e deixando Braz Belmonte na água, a ver navios!
— Eu trouxe... — começou, mas parou de repente.
— Estou aproveitando o sol antes que vá embora de vez. — Ergui os olhos, notando que ele
estava descalço. — Espero que não se importe. — Sorri com ingenuidade.
Braz clareou a garganta, colocando duas toalhas sobre a mesa lateral.
— Presumi que fosse precisar disto. — Enfiou a mão no bolso da calça social e capturou
um frasco. — Posso? — Lançou um olhar para o meu corpo.
— Por favor. — Acomodei-me, cerrando as pálpebras e suspirando em expectativa.
Em vez de se sentar ao meu lado, ele montou em mim, alojando-se sobre as minhas coxas.
Ouvi o barulhinho da tampa sendo aberta e captei o atrito do produto sendo espalhado nas
palmas grandes e ligeiramente ásperas.
Minha derme se eriçou, ansiosa pelo contato.
Logo os dedos tangenciaram minhas costas, fazendo prazerosos movimentos circulares, que
iam me amolecendo cada vez mais à medida que avizinhavam a base da lombar.
Derreti por completo quando a massagem ultrapassou minha coluna, alcançando minha
bunda.
Contendo os gemidos, eu escutava os sons que ele produzia enquanto apalpava as duas
metades, demorando-se um pouco mais nas popas.
Murmúrios roucos e os ruídos de sua respiração pesada acompanhavam as carícias
escorregadias.
— Você é tão... gostosa. — Começou a arrastar minha calcinha para o lado.
— Achei que eu parecesse um menino. — Mudei rapidamente de posição, deitando-me de
frente para ele. — Diga, Braz... — Puxei a parte solta, descobrindo os seios. — Pareço um garoto?
Seus lábios se entreabriram, e os olhos baixaram, entretidos com a visão.
Era fácil ser ousada com ele. Queria atiçá-lo, deixá-lo doido. Estava jogando, e nada
importava além da vitória.
— Definitivamente... — Acomodando-se melhor, deslizou as mãos pelas laterais do meu
torso, até os polegares se encaixarem na base dos meus peitos. — Não. — Envolveu os dois de um
jeito suave, como se estivesse experimentando a textura.
O calor e a sutileza do toque me fizeram arfar.
— Você é linda... — Aumentou a pressão, apertando minha carne.
— Engraçado... — Fiz uma pausa, tentando não gemer. — Na primeira vez que nos vimos...
— Mordi o lábio, reprimindo um gemido.
— Na primeira vez que nos vimos... — incentivou, besuntando meus mamilos.
— Fiquei com a impressão... de que não faço o seu... huuuuuummm... — Falhei
miseravelmente quando o desgraçado pinçou os dois, roçando os picos sensíveis.
— Tipo? — Ele me fitou. — Não faz. E, talvez por isso, faça tanto... Talvez por isso eu
esteja tão... louco para transar com você.
— Nós já transamos. E olha que você disse que jamais trans...
O indicador interceptou as palavras, selando minha boca.
— Desculpa. Desculpa por tudo o que eu disse naquela noite. Não fui sincero. Todas
aquelas palavras foram ditas a mim mesmo. Eu queria acreditar que não tínhamos transado, e a
maneira mais fácil foi me convencer de que eu jamais transaria com você.
Mirando seu rosto, cataloguei como genuíno o arrependimento que vi em seus olhos.
— Mas que homem não transaria com você, Leona? — Afastou o dedo. — Que homem não
gostaria de tocá-la assim... — Tateou minha clavícula, perpassando meus peitos. — Ou de beijá-la
assim... — A boca pousou no vão entre eles e foi descendo, esparramando beijos ardentes e macios
pela minha barriga.
Para a minha tristeza, parou de repente e se endireitou.
Sua fisionomia atordoada indicou que havia se lembrado do bebê.
As pontas dos dedos varreram meu ventre com extrema delicadeza, como se estivessem
travadas pelo medo.
— Pode pegar — encorajei. — Ele não morde... ainda.
Braz sorriu e descansou a palma sobre o meu umbigo.
— Será que ele mexe?
Soltei uma risada.
— Claro que não! Acho que nem é um feto ainda. É só um... caroço, sei lá. Nunca fui muito
boa em Biologia — admiti.
— Nem eu. Mas será que seria estranho transar com você sabendo que ele está aí dentro?
Quero dizer, será que... cutuca ele? — perguntou, aparentando real preocupação.
Tive uma crise de riso.
— Leona, é sério... Você acha que existe a possibilidade de meu pau cutucar meu próprio
filho? Ou... filha? — Suas órbitas oculares quase caíram em cima de mim.
— Depende do tamanho. Ou seja, pode ficar tranquilo. O bebê não vai nem sentir cócegas!
— Gargalhei de novo.
— Sua sacana. — Braz riu e ficou de pé. — Vou te mostrar o tamanho da minha vara de
cutucar filhote de dragão!
— Que horror! — Continuei rindo, mas engoli a risada quando ele puxou o zíper, descendo
a calça sem cerimônias.
— Pronto. — Largou a peça no chão e posicionou uma perna em cada lateral da
espreguiçadeira.
De repente, o sol sumiu de vez.
Diante da boxer preta, eu me senti a própria Tiffany. Dessa vez, Tiffany Wilson.
Precisei me sentar para admirar melhor o poderoso volume encoberto e as coxas musculosas
que ladeavam aquela maravilha.
— “Olá, Leona. Sou eu, o Verdadeiro Bráulio. Mal posso esperar para conhecê-la
pessoalmente. Não suporto mais esses encontros às escuras. Vamos, Bráulio Postiço, tire a minha
cueca e revele a nossa alegria em vê-la”. — Impostei uma voz grossa.
Braz deu uma gargalhada.
— Você é louca.
— Cale-se e faça o que o Verdadeiro Bráulio pediu — ordenei, contemplando as duas linhas
marcadas que desapareciam em direção à virilha, junto com algumas veias.
— Completamente louca... — Rindo, ele subiu na espreguiçadeira e baixou o elástico.
Meu coração quase parou com a imagem dos braços esticados, descendo o tecido e
deixando a base à mostra.
Só aquele pedaço já me deixou doida para montar num burro.
De repente, me dei conta de que, se ele ficasse pelado, talvez eu não fosse capaz de
controlar o desejo insano de sentar com vontade naquele homem.
Abri a boca para implorar que parasse, mas, no mesmo segundo, ele finalizou a tarefa,
fazendo o pau pular para fora.
O movimento me hipnotizou. Fiquei inerte, admirando tudo boquiaberta.
— Eu sei o que você está pensando. — A voz dele ecoou, mas continuei atenta ao que
realmente me interessava. — Que, apesar de ser um burro, pareço um jumento.
A palhaçada me fez rir.
Elevei as vistas, mostrando um sorriso debochado.
— Já vi maiores e melhores.
— Duvido. — O canto da boca subiu. — Mas estou disposto a colocá-lo à prova. E você,
está disposta a medi-lo com a sua língua de dragão?
Não contive a risada.
Achando graça, me levantei e encurtei a distância.
Ficando nas pontas dos pés, enlacei seu pescoço, resvalando os mamilos no tórax
deliciosamente rijo.
Sentindo uma apalpada firme na bunda, busquei seu ouvido.
— Sabe onde eu vou te lamber? — sussurrei, espalmando o peito e dedilhando os músculos
do abdome até encontrar e segurar aquela maravilha. — Nos seus sonhos, querido. — Movi a mão,
envolvendo o topo quente e aveludado.
Ele gemeu, e eu comprimi os lábios na aspereza do maxilar, gemendo na barba curta.
Então, dei um passo para trás e, com um sorriso perverso, me afastei e pulei na piscina.
Precisava de um banho gelado, para apagar o fogaréu que me consumia.
Para o meu azar, a água estava aquecida.
Submersa, ouvi o barulho de outro corpo atingindo a superfície.
Continuei nadando, mas ele logo passou por mim, em um mergulho veloz.
Meu espírito competitivo me obrigou a nadar cada vez mais depressa. Coloquei todo o meu
esforço na mobilidade dos membros, mas foi em vão.
Quando emergi, ele estava me esperando na borda.
— Ganhei. — Vangloriou-se.
— Ganhou o quê, meu anjo? Eu não estava competindo nada! — aleguei, quase sem fôlego.
Lutando por ar, colei as costas nos azulejos e olhei para cima.
A noite havia chegado, enrolada em um manto cor de chumbo e sozinha. Não convidara a lua
nem trouxera nenhuma estrela.
No instante em que baixei as vistas, luzes se acenderam automaticamente, iluminando a área
coberta e o jardim exposto pelos vidros.
Lá fora, as folhas das plantas tremulavam. Algumas rodopiavam no vento.
— Não fica chateada, Dragão. — Braz ficou de frente para mim, ostentando um cabelo
molhado e perfeito. — Não sabe nadar muito bem, mas, pelo menos, você voa.
— Idiota. — Rindo, soquei o peito dele.
— Sabe por que eu ganhei? — perguntou retoricamente. — Porque, na verdade, sou um
tubarão.
— Um tubarão? — Manifestei meu ceticismo.
— Olha. — Impulsionou o corpo, começando a nadar de costas ao mesmo tempo em que
fazia os sons da temida música do filme “Tubarão”.
Em seguida, mergulhou a cabeça, flutuando e deixando apenas o pau ereto para fora.
Gargalhei.
— Isso foi a coisa mais ridícula que eu já vi! — Ainda estava morrendo de rir quando ele
voltou.
— Quero ver se vai achar ridículo quando estiver sendo atacada pelo grande tubarão-
branco! — brincou, balançando o bicho.
— Meu Deus! — Meus ombros chacoalharam com o riso.
— Você fica ainda mais linda quando está rindo, sabia? — Afastou uma mecha grudada em
meu rosto, fixando os olhos na minha boca.
Fiquei séria, admirando o formato da dele. O lábio inferior estava cortado e levemente
inchado. Mas todo o resto era pura perfeição.
— Quero beijar você, mas quero fazer isso quando puder fazer direito. — Suas falanges
acarinharam minha face.
— Isso não vai acontecer. — Mirei o verde esperançoso em suas íris. — Não podemos,
Braz. Não devíamos nem estar aqui, pelados em uma piscina.
— Eu estou pelado, você não. — Os dedos derraparam, peregrinando meu pescoço,
perpassando a clavícula e se fechando em meu peito. — Mas podemos corrigir isso agora. — A
palma continuou descendo, até parar na calcinha do biquíni.
— Não faz isso. — Afundei o pulso, segurando o dele no instante em que tocou a fita. —
Trabalhamos juntos. Não é uma boa ideia misturar as coisas.
Ele riu, sem de fato achar graça.
— As coisas já estão misturadas. — Pousou as duas mãos na borda, me cercando. — Já
transamos uma vez, podemos transar de novo. — A testa encontrou a minha.
— Não, não podemos. — Toquei o peitoral úmido. — O ideal é que mantenhamos uma
relação amigável, pelo bem do nosso filho. Não podemos nos envolver e correr o risco de estragar
tudo.
Eu estava sendo imatura quando decidi seduzi-lo. Não era uma boa ideia. Na verdade, era
uma ideia péssima.
— É só sexo, Leona. Fica tranquila, não vou me apaixonar por você, minha querida. — A
provocação pôs fim ao meu surto de sensatez.
Se era guerra que ele queria, era guerra que ia ter.
— Tem certeza? — murmurei, alisando seus músculos.
— Sim. — Um sopro morno beijou meus lábios.
Os dele estavam tão perto dos meus que parecia que um mísero centímetro separava nossas
bocas.
O sistema de aquecimento da piscina devia estar com defeito, porque a sensação era a de
que a água estava fervendo.
Deixando o braço escorregar e imergir, alcancei e agarrei a rigidez entre suas pernas. Movi
o punho, e ele liberou um som enrouquecido. Um hálito quente e inebriante escapou, me fazendo
arder de vontade de beijá-lo.
— Não posso confiar na sua palavra — sussurrei. — Você disse que eu não era capaz de te
transformar em pedra e... eu transformei. Disse que não vai se apaixonar por mim, mas... se eu te
beijar, você se apaixona.
— Experimenta. — Um sorriso desafiador se esticou.
— Não. — Como em um passe de mágica, precipitei-me para baixo e desapareci.
Então, aflorei do outro lado e me virei para ele, passando os dedos nos fios ensopados
enquanto encarava sua expressão atônita.
— Já que estou solteira, pretendo continuar solteira. Não quero macho apaixonado no meu
pé. Inclusive, aceito convite para surubas, tá? — blefei. — Agora que meu irmão está de castigo e
não pode mais participar nem programar nenhuma, bem que você podia organizar umas orgias aqui na
sua casa e me chamar no lugar dele. O que acha?
Braz riu, visivelmente chocado.
— Você só pode estar brincando.
Nadei até ele.
— Nunca falei tão sério, querido. — Trancei os dedos em seu ombro, pendurando-me em
seu corpo. — Deve ser maravilhoso ser fodida por uns quatro caras ao mesmo tempo! Você tem
amigos que estão desocupados agora à noite? Tem, não tem? Diz que sim, vai, anda, diz que sim, vai,
anda, siiiiiiiiiiim? — pedi em seu ouvido.
— Não. — Cruzou os braços.
— Você não vai com a minha cara? — berrei, e ele riu.
— Você não vai transar com outros homens, Tesouro — falou, tranquilo.
— Ah, não! Eu quero muitos churros! Churros, churros! Churros douradinhos! — Soltei uma
risada, achando hilário, mas Braz ficou carrancudo.
— Você pode transar com quem quiser, mas só depois que o meu filho nascer. Enquanto ele
estiver aí dentro, pinto nenhum vai incomodar a criança! — bradou, revoltado.
Caí na água, morrendo de rir.
— Estou falando sério, Leona.
Com a barriga doendo, aprumei o corpo, firmando os pés nos azulejos.
— Ah, mas o seu pode incomodar o bebê, né? — perguntei, achando graça.
— O meu fez ele. É o único que ele conhece e está acostumado. Ou seja, se quiser transar
durante a gravidez, vai ter que ser comigo — argumentou, me fazendo gargalhar.
— Que piada! Conta outra! — Rindo, saí da piscina.
Fui até a mesa, peguei uma das toalhas e me envolvi no tecido felpudo.
— Vou transar com quem eu quiser, menos com você, Belmonte. Lide com isso — declarei,
me virando ao sentir a presença atrás de mim.
Braz era bonito, bom de cama e tinha um pau divino. Mas eu era esperta demais para brincar
com fogo. Sabia que podia me queimar.
Não que tivesse medo de me apaixonar por aquele idiota. As chances de isso acontecer
eram nulas.
A questão é que transar com ele era gostoso demais. Eu não ia me contentar com apenas
mais uma foda. Ia querer outras. Trabalhava com aquele homem e, com certeza, ia cavalgá-lo na
cadeira do escritório. E seria fodida contra a porta e sobre a mesa e nos elevadores e em todos os
lugares possíveis da empresa.
Isso não seria um problema se eu não sonhasse em me casar de véu e grinalda com a minha
verdadeira alma-gêmea. Manter uma relação à base de sexo casual com meu chefe e pai biológico do
meu filho poderia deixar as coisas estranhas no futuro.
É claro que, se eu começasse a transar com ele, isso ficaria no passado quando eu
encontrasse o amor da minha vida. E é óbvio que meu marido seria maduro o bastante para
compreender esse fato. Mas para que complicar as coisas, se tudo podia ser simples?
— Leona, sei que nós começamos mal, mas... — Braz iniciou.
— Pode ficar pior se não pararmos por aqui — atalhei, em um tom mais amargo do que eu
gostaria.
O estresse latejava em cada poro. Não transava há meses e estava com um tesão do caralho,
que não podia ser satisfeito com o pedaço delicioso de homem que estava na minha frente.
— É... — Apanhou a toalha, enrolando-a na cintura.
Quase chorei ao me despedir mentalmente do Tubarão.
Mas era o certo a fazer. Um dia, a Leona do futuro me agradeceria por isso.
— Acho que você tem razão — ele completou, e isso me deixou ainda mais irritada.
Por que aquele idiota tinha que concordar? Por que não calava a minha maldita boca com
um beijo? Por que não me colocava de quatro e metia com força, puxando a porra do meu cabelo?
— Mas... Podemos ser amigos, não podemos? — indagou, coçando a nuca.
— Devemos. Pelo bem do... bebê. — Tentei não admirar o bíceps, mas acabei hipnotizada
pelo contorno e pelo vigor do músculo.
— Quer entrar? A gente podia... ver um filme — sugeriu.
Pornô? Quero.
— Tá — aceitei, convencendo a mim mesma de que era perfeitamente capaz de ver um filme
com um homem gostoso sem atacar o homem gostoso em questão.
Demos o primeiro passo rumo à saída e escutamos um som ritmado vindo do teto.
Direcionamos as cabeças para cima e nos deparamos com uma sucessão de pingos ruidosos.
Linhas aquosas caíam e se desfaziam sobre as placas transparentes.
Sob o escudo que nos protegia do aguaceiro, nós nos entreolhamos.
— É melhor irmos logo, antes que isso vire uma tempestade. — Braz começou a andar com
certo desespero, e eu o segui, caminhando em direção à parte descoberta, que nos levaria ao jardim
dos fundos e, consequentemente, às portas francesas que davam acesso à casa.
Já estávamos molhados, mas andávamos depressa, porque, além de fortes, as gotas
abundantes não tinham a temperatura amena da piscina. Eram tão geladas e densas que atingiam a
pele como se fossem estalactites.
De repente, um trovão ecoou no alto. Instantes depois, o céu desabou, despencando em
forma de cascatas furiosas.
— Corre! — Braz puxou minha mão.
Enquanto disparávamos pelo gramado, planejei tudo.
Assistiríamos ao filme e eu pediria para dormir em algum quarto de hóspedes.
Não queria voltar para casa. O churrasco da minha família provavelmente cortaria a
madrugada. E eu não tinha como ir para um hotel. Estava sem carteira, sem celular e sem roupa. O
jeito era passar a noite na casa de Braz.
Mas tudo bem. Daria tudo certo.
Afinal, o que poderia dar errado em uma noite chuvosa?
Os monstros
— Vamos buscar aquela merda! — Balancei as pernas, incentivando que ele me descesse.
Assim que os braços cederam, abandonando minhas coxas, mudei de ideia.
Não ia sair debaixo daquele toró para pegar uma coisa que só atrapalharia.
Eu já estava grávida mesmo!
O máximo que podia acontecer era... pegar uma doença.
Mas eu tinha me certificado de que estava saudável, e Braz mencionara que fazia exames
regularmente.
Era verdade. Quando fomos ao laboratório, as moças da recepção o cumprimentaram pelo
nome e tudo. Daquele jeito que as mulheres interessadas em homens costumam fazer quando veem um
macho bonito e gostoso. Mas quem poderia julgá-las?
Eu já tinha transado sem camisinha com aquele safado e tinha sido maravilhoso. Ia repetir a
dose e que se fodesse o mundo!
Firmei os pés no chão já pronta para dizer que não íamos buscar nada, mas, assim que mexi
os lábios, um som vigoroso pareceu rasgar o céu ao meio.
Com a mesma intensidade, o pânico se espalhou pelo rosto de Braz.
Envolvi seu corpo, achando fofo e meio engraçado o fato de ele ter tanto medo de trovão.
— Não precisa ter medo, eu te protejo. — A frase abandonou minha boca e, sem qualquer
aviso, ele se rebelou, desertando meus braços.
— Braz? — chamei, vendo-o se afastar às pressas.
Calado e atônito, refugiou-se na cama.
Recostado à cabeceira, externava um semblante aterrorizado e um olhar perdido.
Sua reação me fez perceber que o pavor de tempestades era apenas a ponta do iceberg.
Havia mais, muito mais, submerso em seu interior.
Por alguma razão, o abraço e as palavras abalaram sua estrutura.
Eu era o transatlântico que tinha colidido contra o grande bloco de gelo. E, agora, ele estava
se fragmentando, revelando suas vulnerabilidades.
Mas minha proa continuava intacta. Eu não estava afundando. Ele estava.
Vê-lo daquela maneira, tão exposto e desprotegido, me angustiou demais. O coração virou
miniatura no peito.
Dei alguns passos, hesitante.
Alcancei a borda do colchão e me sentei bem perto.
Braz continuou imerso em si mesmo, mirando o nada.
Devagar, ergui os dedos. Toquei seu rosto, e um olhar assustado se fixou em mim.
— Sou eu — tranquilizei, passando o polegar em sua face. — O Dragão, lembra? —
Mostrei um sorriso.
Ele me abraçou com força e, de repente, estava soluçando em meu ombro.
A cada lágrima quente que atravessava o tecido da camisa, molhando minha pele, uma nova
rachadura se formava em meu peito. A cada soluço alto e descontrolado, eu me desmontava um pouco
mais.
Chorava junto com ele, de tristeza, por remorso e por me sentir tão impotente.
— Eu não posso, não posso... Não vou conseguir... Por favor, me perdoa, me perdoa... —
repetia, chorando sem parar.
— Pelo quê? — perguntei e, ao perceber que eu também estava em prantos, afastou-se,
fungando e limpando os olhos.
— Desculpa. Eu...não sei o que me deu. — Baixou a cabeça, visivelmente envergonhado.
— TPM? — brinquei, tentando aliviar o clima.
Ele não disse nada. Permaneceu cabisbaixo e começou a alisar as dobras do cobertor, em
busca de qualquer distração.
— Pelo que você pediu perdão? — Sequei as bochechas molhadas, voltando a falar depois
de um tempo em silêncio.
— Nada — respondeu de imediato, rápido demais.
Estiquei o braço, alcançando e apertando sua mão.
— Conversa comigo.
Ele ergueu as vistas, fazendo um gesto negativo.
Contemplei a fisionomia triste, concentrando-me nos cílios úmidos e nos olhos
avermelhados.
A dor evidenciada em suas feições também doeu em mim.
Eu não fazia ideia do que ele guardava dentro de si, mas parecia dilacerar sua alma.
Não sabia como remendá-la. E, talvez, isso nem fosse possível. Mas podia fazê-lo esquecer
tudo aquilo, ao menos por alguns minutos. E queria, queria muito, mergulhar no esquecimento junto
com ele.
Aproximando-me, pousei a mão em seu pescoço, grudando nossas testas.
— Então transa comigo — sussurrei, a voz preenchendo o curto espaço que nos separava.
No mesmo segundo, a boca deliciosa apoderou-se da minha, e nossas línguas se enroscaram,
desencadeando gemidos e alterando nossas respirações.
— Não posso... — murmurou, quase sem fôlego.
Aprisionei seus lábios, consumida pelo desejo insano que ardia em cada poro.
Morrendo de vontade de cavalgá-lo, fiz menção de montar nele, mas mãos firmes refrearam
minha cintura.
— Não — balbuciou, lutando por ar.
— Não? — Expressei minha perplexidade.
— Só... dorme comigo — pediu, em visível agonia.
— Dormir? Literalmente? — sondei, incrédula.
Braz assentiu.
— Você está falando sério?
— Estou. — E se deitou, embrulhando-se da cabeça aos pés.
Foi como um balde de água fria caindo sobre mim, mas sem de fato apagar meu fogo.
Inconformada, engatinhei pela cama. Precisava de rola. Ele tinha uma perfeita, e eu não ia
desistir dela assim tão fácil.
Enfiando-me debaixo do cobertor, acomodei-me, puxando o tecido macio até cobrir o
cocuruto.
— Eu quero você, Chucky. — Soprei em sua orelha, passando o braço por cima do tórax.
Ele ficou quieto. O peito subia e descia sob os meus dedos.
— E sei que você quer sua Tiffany... — Beijei o maxilar.
Braz virou a cabeça, exibindo um meio-sorriso entristecido.
— Não é uma boa ideia. Você tinha razão. É melhor assim, Tiff. — Os lábios acariciaram
minha testa.
Ele me atiçava e depois me rechaçava? Eu ia dormir morrendo de tesão? Era isso mesmo
que aquele puto ia fazer comigo?
Fiquei tão frustrada e senti tanta raiva que decidi ir embora.
— Vou voltar para casa — avisei.
— Não! — Sua palma foi de encontro ao meu braço. — Você não pode sair nessa chuva!
A claridade de um relâmpago banhou os vidros da janela, e uma nova trovoada ribombou lá
fora, produzindo um som feroz.
— Não me deixa sozinho, por favor. — O olhar suplicante me amoleceu.
— Tá. Tá, eu fico. — Soltei um suspiro e me virei, deitando-me de lado e ansiando pela
proximidade que viria a seguir.
Mal podia esperar para ter o grande tubarão branco colado à minha bunda... Ele podia até
me atacar, mergulhando a cabeçorra bem no meio...
Esperei...
Esperei...
E nada.
Braz permaneceu inerte.
Mas que merda! A gente não ia dormir de conchinha?
Ele não ia se aconchegar, oferecendo pelo menos o calor do próprio corpo como prêmio de
consolação?
— Levanta e apaga a porra da luz! — berrei, extremamente irritada.
— Apagar a luz? — perguntou, como se tivesse acabado de escutar a maior absurdidade do
mundo.
— É, apagar a droga da... — De repente, o quarto imergiu em um breu absoluto.
— O que você fez com a luz? — ele gritou, desesperado, como se a falta de energia elétrica
fosse obra de magia, e não da tempestade.
— Você tem medo do escuro. — A constatação óbvia escapou antes que eu pudesse contê-la.
— Cadê você? — Tateou até me achar e me apertar, como se eu fosse fugir a qualquer
momento.
— Se você tem medo do escuro, por que entrou no meu quarto e transou comigo no dia da
suruba? — questionei, intrigada.
— Não tenho... medo. Só não gosto muito. — A voz se aninhou em meu ouvido, me fazendo
arrepiar. — E... choveu naquela noite. Bebi mais do que devia e perdi a noção do que estava
fazendo.
— Por que você tem pavor de chuva, Braz? — Tentei mais uma vez, deleitando-me com a
quentura em minhas costas.
— Eu apenas... não gosto de ficar sozinho em noites chuvosas. E... não suporto raios e
trovões. — Afundou o rosto em meu pescoço.
— Por quê? — pressionei, certa de que existia um motivo.
Silêncio.
Por alguns instantes, escutei apenas sua respiração e o estardalhaço da água.
Sem dizer palavra alguma, ele moveu o antebraço, e a mão subiu a camisa, cobrindo meu
ventre e aquecendo minha pele.
— Boa noite, Leona. — Beijou meu rosto.
Fiquei decepcionada, mas resolvi respeitar sua decisão de não dividir suas aflições comigo.
Não éramos amigos, não éramos nada.
— Boa noite, bebê — falou baixinho, roçando os dedos em minha barriga.
— Boa noite, Braz. — Descansei a palma na dele. — Boa noite, papai. Boa noite, mamãe.
— Fiz uma vozinha fofa, e senti um sorriso em minha bochecha.
Como se quisessem presenteá-lo com um sono tranquilo, as nuvens foram se calando aos
poucos, engolindo o temporal e os ruídos que ecoavam no céu.
Adormeci sem perceber. E, quando acordei, encontrei os lençóis vazios.
Olhei para o outro lado, e os vidros da janela alta mostraram uma nuance pálida de azul,
com partes douradas e acinzentadas, que se aglomeravam acima do horizonte.
Assim que me sentei, uma onda nauseante me fez levantar correndo até o banheiro da suíte.
Coloquei tudo o que havia dentro de mim para fora.
Ainda meio enjoada, apertei a descarga, notando que o ambiente cheirava a sabonete.
Passei pela banheira de hidromassagem e investiguei o box. Estava molhado.
Foi apenas neste momento que me lembrei de que era sexta-feira e que eu devia estar
atrasada para o trabalho!
Mesmo sem fazer ideia de que roupa usaria, segui o exemplo de Braz, tomando meu banho.
Quando pisei no quarto, enrolada na toalha, levei um susto. Ele estava entrando,
elegantemente vestido, com uma bandeja nas mãos.
— Bom dia. — Curvou os lábios cheios, revelando um sorriso devastador. — Trouxe seu
café. — E colocou as coisas sobre a cama. — Na verdade, não tem café propriamente dito. Pesquisei
o que grávidas não podem comer e parece que cafeína poder fazer mal. Fiz suco e torradas e trouxe
geleias e frutas.
— Quem é você e o que fez com o cara que me ofereceu uísque ontem? — provoquei, para
não perder o costume.
Ele arregalou os olhos, dando-se conta do lapso.
— Desculpa, Leona — pediu, transtornado. — E... muito obrigado por não ter aceitado.
Ontem eu não estava no meu melhor juízo. Sinto muito... por... tudo. — Mirou os sapatos pretos, que
ornavam com a calça social, com a camisa, com a gravata e com o blazer.
Estava todo monocromático e impecavelmente lindo.
Fui até ele e fiquei nas pontas dos pés.
— Não precisa se desculpar. — Apoiei a mão em seu pescoço e beijei a barba curta.
Porque queria confortá-lo e porque queria aproveitar toda e qualquer chance de tirar uma
casquinha daquele pedaço delicioso de homem.
Percebi que não tinha passado perfume e, ainda assim, estava cheiroso. Quis afundar a cara
naquele pescoço e lambê-lo todinho, mas me afastei, em nome da sensatez.
Mais do que nunca, eu queria me atirar nos braços de um macho gostoso. Precisava transar
urgentemente e, já que não ia ser com ele, teria que ser com outro. Ou... outros.
Guardando essa ideia para depois, busquei seus olhos e quase me perdi dentro da floresta
vibrante que vi em suas íris.
— Eu... — Desviei a atenção para a bandeja. — Muito obrigada pelo café. — Agradeci,
verdadeiramente grata pelo esforço.
Sentei-me na cama, peguei um morango e mordi.
— Mas... não estamos atrasados? — Voltei a fitá-lo.
Braz não pareceu escutar. Ficou só... me observando.
— Huuuumm... Que delícia... — Dei outra mordida, bem lenta, ao me dar conta de que era
por isso que ele estava me olhando daquele jeito, como uma fera indômita prestes a atacar a presa
indefesa. — Está tão docinho... Quer experimentar? — Sorri com malícia.
— Não faz isso, caralho... — pediu, com uma expressão sofrida.
— Isso o quê? — Levantei-me e encurtei a distância. — Isso? — Ergui os pés, lacei sua
nuca e casei nossas bocas.
Ele puxou minha cintura, unindo meu corpo ao dele e retribuindo o beijo com a mesma ânsia
que ditava os movimentos da minha língua.
— Leona... — Arfou, esquivando-se por um segundo. — Eu não posso... Não posso transar
com você.
— Por que não? — questionei, esfregando-me contra o tubarão, que estava mais do que
pronto para atacar.
— Porque... — E agarrou meu rosto, levando meus lábios aos dele.
Devorávamos um ao outro. Os gemidos se fundiam, e as respirações se confundiam,
mesclando-se em um frenesi deliciosamente insano.
— Não posso. — Braz se afastou de repente, arquejante.
— Por que não, porra? — Minha indignação escapou em alto e bom som.
Ele exalou, soltando o ar com força.
— Só... — Passou a mão no cabelo, visivelmente frustrado. — Me deixa em paz. — E saiu
do quarto.
Se ele queria que eu o deixasse em paz, eu deixaria! Que fosse à merda, então!
Fui até a bandeja. Peguei um pedaço de ódio, passei um pouco de raiva e abocanhei. Em
seguida, enchi um copo e engoli o choro, empurrando o bolo de humilhação que apertava minha
garganta.
Comi quase tudo em questão de segundos. No final, não consegui conter as lágrimas. Chorei
de boca cheia, sem qualquer dignidade.
Estava soluçando quando divisei um iPad em cima de uma das mesas de cabeceira.
Corri até o aparelho e respirei aliviada ao constatar que não tinha senha.
Sem perder tempo, acessei o aplicativo de mensagens. Fui direto na conversa com meu
irmão e enviei algumas palavrinhas:
“Bel, por que você está falando de si mesmo na terceira pessoa? Tá mamado, porra?”.
Acabei rindo.
“NÃO SOU SEU EMPREGADO. USA SUAS PERNAS DE GNOMA E VEM ANDANDO”.
“Meu querido, se você não estiver aqui em cinco minutos, com um vestido, uma bolsa com
as minhas coisas dentro e um par de sapatos que combine com a bolsa e com o vestido, vou contar
seu segredinho para todo mundo”.
Ele enviou vários emojis de mãozinhas com o dedo do meio erguido e ficou off-line.
Para passar o tempo, deslizei o indicador na tela, lendo as conversas anteriores. Os dois
idiotas falavam basicamente de:
a) Mulheres
b) Farra
c) Sexo
d) Mulheres
e) Peitos
f) Suruba
g) Suruba
h) Sexo
i) Bundas
j) Suruba
k) Mulheres
l) Suruba
m) Esportes
n) Finanças
Parei de ler aquele monte de besteira, disposta a largar o tablet.
Mas, ao sair daquela conversa, a curiosidade me obrigou a fuçar outras.
Sem qualquer autocontrole, cliquei no nome de Briana.
Com ela, Braz falava de coisas diversas. Enviava links, vídeos, gifs e muitos memes. Li um
pouco e dei risada de várias tolices antes de futricar outros contatos.
Os papos com caras tinham um assunto principal: mulheres. E os diálogos com mulheres
tinham um único tema: sexo.
Elas enviavam nudes de todos os ângulos! Algumas até mostravam os rostos. E ele retribuía,
enviando fotos do meu tubar...
— O que você está fazendo? — A voz grave me fez erguer a cabeça.
— Lendo suas conversinhas de merda! — despejei, mais furiosa do que gostaria.
— Lendo minhas... — Ele balançou a cabeça, soltando uma risada cética. — Posso saber
com que autorização?
— Com a autorização que você deu a qualquer um, ao não colocar senha nesta porcaria! —
Fiquei de pé, atirando o iPad na cama.
— Desculpa se eu achei que não precisava colocar senha em um tablet meu, que só uso na
casa em que moro sozinho! — ele berrou.
— Mora sozinho, mas recebe mulheres aqui todas as noites, né, meu querido? — acusei.
— Não na porra do meu quarto! Ninguém mexe nas minhas coisas! — Foi até o colchão,
pegou o aparelho e tocou na tela algumas vezes. — Pronto. Senha.
— Posso imaginar o tipo de senha que você colocou — comentei, certa de que tinha a ver
com alguma obscenidade.
Era só nisso que ele pensava! Aquele puto!
— Não. Na verdade, você não faz ideia. — Caminhou até a mesa ao lado da cama,
depositando o objeto sobre o tampo. Então, se virou, me encarando com severidade. — Estou
esperando o seu pedido de desculpas.
— Pelo quê? — debochei, embora estivesse arrependida de ter fuçado aquela bosta.
Tinha sido uma atitude muito escrota da minha parte. Além disso, depois de ver e ler certas
coisas, eu estava com vontade de enfiar as unhas nos meus próprios olhos.
— Por violar a minha privacidade e, também, a privacidade das minhas... amigas. — Ele
teve a cara-de-pau de dizer.
— São tão gentis essas suas amigas, né? — comentei, possessa.
Hormônios. Com certeza, eram os hormônios da gravidez que estavam me deixando tão
estressada.
— Sim. Cultivar boas amizades é muito importante. E minhas amigas são muito boas... —
Um sorriso safado enviesou seus lábios.
Desgraçado!
Com aquelas ordinárias, o sem-vergonha transava! E não me fodia de jeito nenhum!
Mas tudo bem. Ele não era o único homem bonito, gostoso e roludo do mundo.
Eu tomaria minhas providências. Naquela sexta-feira, organizaria a minha primeira suruba!
Assim que cheguei a essa decisão, o interfone tocou.
Braz foi atender e retornou pouco depois.
— Ferrão trouxe essas coisas. — Atravessou a porta e colocou tudo sobre a cama. — Vou te
esperar lá embaixo. — E saiu em seguida, sem demonstrar qualquer interesse em me ver pelada.
Devia estar enjoado, de tanto ver fotos de mulheres nuas!
Cachorro safado!
— Vou te esperar lá embaixo — arremedei, quando fiquei sozinha.
Então, puxei o zíper do porta-vestido e fiquei pasma com o que vi dentro dele. Era uma peça
vermelha, justa e um pouco mais decotada que os tubinhos discretos que eu usava para ir para a
empresa. E... não tinha calcinha.
Por um lado, fiquei feliz em saber que Luan não tinha fuçado minhas gavetas cheias de
tangas e fios-dentais. Por outro, quis matá-lo.
Olhei as horas no celular que ele havia colocado dentro da bolsa — amarela! — e fiquei
ainda mais irada. Estávamos atrasados! Não daria tempo de passar em casa!
Um pouco desesperada, corri até o banheiro da suíte e dei uma olhada na calcinha do meu
biquíni, que eu tinha deixado secando no box na noite anterior. Ainda estava meio úmida. E, de todo
jeito, marcaria demais. Não dava para usar.
Depois de colocar o vestido, sem nada por baixo, calcei os saltos — rosa neon! — e abri a
nécessaire.
Nada ornava com nada. Luan tinha pegado produtos aleatórios e tacado lá dentro. Contei
três pincéis do tipo língua-de-gato, um batom roxo, muitas sombras coloridas e nenhuma base. Nem
corretivo. E muito menos rímel.
Guardei tudo, enfiei dentro da bolsa e saí do jeito que estava. De cabelo meio molhado, cara
lavada e toda descombinada.
Em uma das salas do primeiro andar, encontrei o dono da casa e a anta que chamo de irmão.
— Eu não trouxe calcinha porque não quis mexer nos seus panos de bunda. — Foi a
primeira coisa que ele disse quando me viu. — Mas trouxe aquelas coisas que você passa na cara.
— Ah, muito obrigada! Olha como fiquei bonita! — ironizei, batendo no rosto.
— Esse foi o resultado? Meu Deus, Leona... Você devia processar essas marcas. — Ele riu.
— Sua irmã é linda e fica linda de qualquer jeito. — Braz me olhava da cabeça aos pés.
Pois agora podia olhar até babar e podia implorar que nem assim eu transaria com ele.
— Porra, Bel! Já? — Luan gargalhou. — Não acredito que ganhei a aposta! Meu lance foi
uma semana e já ganhei no primeiro dia!
— Não sei de que merda você está falando e não me interessa. — Ele ficou subitamente
irritado. — Vamos, Leona, estamos atrasados.
— Não vou com você. — Cruzei os braços. — Vou com meu irmão.
— Não sou seu chofer! — Luan resmungou. — E, para o seu governo, tenho mais o que
fazer!
— Você está de férias, não tem nada para fazer, além de coçar o saco! — acusei.
— Anteontem cocei o ovo direito. Ontem, cocei o esquerdo. Hoje vou coçar os dois, na
boca da gostosa que está me esperando na casa dela. O marido acabou de sair para o trabalho. —
Abriu um sorriso sacana.
Braz deu uma risada, e eu fiz uma careta.
— Nojo. É só o que eu tenho a dizer.
— Decepção. É só o que eu tenho a dizer. — Braz me imitou, balançando a cabeça em um
gesto reprovador. — Só uma, cara? Sério?
— Tô de castigo, caralho! — meu irmão rosnou, e meu chefe gargalhou. — Graças a vocês,
seus merdas!
— Eu sou inocente! — Fiz minha defesa.
— Culpado. — Braz ergueu as mãos, rindo. — Mas você vai mesmo obedecer? Vai ficar
sem suruba?
— Se eu fizer minhas orgias, o velho descobre, e eu tomo no toba! — Luan bateu a palma
aberta na mão fechada.
Seu amigo teve uma crise de riso.
— Lisa foi ontem ao churrasco? — perguntei de repente.
— Quem é Lisa? — Braz quis saber.
— Nossa prima — respondi, mirando Luan. — Ela estava lá?
— Não reparei — respondeu, olhando o relógio. — Tenho que ir!
— Nós, também. — Braz me fitou.
Precisava ter uma conversa séria com meu irmão, mas isso teria que esperar. Não poderia ir
com ele nem se quisesse, por causa do carro enjoativo. Acabei indo com Braz.
Assim que cheguei à minha sala, levei o maior susto da minha vida.
Papai estava sentado na minha cadeira.
— Bom dia, Lovezinha! E aí, como foi? — Inclinou o torso, apoiando os antebraços sobre a
mesa ao mesmo tempo em que entrelaçava os dedos.
— Foi o quê? — Decidi me fazer de sonsa.
— A noite, maluca! — Ele riu. — Bel deu conta do recado?
— Não rolou nada. — Soltei um suspiro, sem conseguir esconder minha frustração.
— Nada? — Papai se levantou. — Como assim nada? Cê dormiu lá, e o maluco não fez
nada?
— Ele me beijou — contei, para ser totalmente justa.
— Só isso? — Seus olhos dobraram de tamanho.
Assenti, e meu pai meneou a cabeça, visivelmente cético.
— Um surubeiro negando fogo? E depois de uma proibição paterna? Cê tá de caô comigo!
— Deu uma risada.
— É sério!
Papai ficou pensativo.
— Fica sussa, vou resolver essa parada. — Beijou minha testa e saiu da sala.
Pouco depois, Braz solicitou minha presença.
— Eu poderia te comer de quatro na porra dessa mesa e te fazer gritar feito uma puta, até o
babaca do seu pai escutar no caralho da sala dele! — Despejou, assim que eu entrei. — Só não vou
fazer isso porque... — Fez uma pausa, fisgando o lábio ao espiar meu decote. — Não quero. Só
porque não quero! Caralho! Porra! — Passou as mãos no cabelo, cruzando as duas na nuca e
mirando o teto.
— Tá nervosinho, querido? — Debochei. — Pois saiba que eu não quero! Não transo com
você nem se implorar, lambendo meus pés! E agora chega desse assunto, merda! — Elevei a voz. —
Se você me chamou para trabalhar, vamos trabalhar! Se não, me poupe! Tenho mais o que fazer! —
Girei o corpo e comecei a sair.
— Espera. — Dedos quentes me detiveram.
Virei a cabeça, encontrando os olhos dele.
Lânguidos, despencaram em minha boca.
Por um instante, achei que ele fosse me beijar, e precisei lidar com a decepção quando me
soltou, dando um passo para trás.
— Sente-se. Preciso conversar com você sobre a reunião com o resto do departamento.
O expediente inteiro foi uma verdadeira prova de resistência. Enquanto Braz e eu
discutíamos algumas pautas, ele me comia com os olhos.
Saber da ausência da calcinha não facilitou muito as coisas. Seu olhar escorregava pelos
meus peitos e caía no encontro entre as pernas o tempo inteiro.
Eu fingia não perceber, mas estava toda melada por baixo do vestido.
No final do dia, ele me levou para casa.
Estacionou diante do portão e permanecemos calados, como havíamos ficado durante todo o
percurso.
Os feromônios que nos torturavam dentro do carro me faziam pensar em altas sacanagens.
A tensão sexual era tão palpável quanto o volume que eu estava espiando.
Sem aviso, ele soltou um suspiro e olhou para mim.
— Por favor, não vá trabalhar de novo sem calcinha — pediu, de um jeito angustiado, como
se estivesse suportando uma dor física. — Minhas bolas estão doendo para um senhor caralho.
Não contive o riso.
— É sério, porra. Você está cheirando a boceta, e eu estou ficando louco. — Chegou mais
perto, e a mão quente se escondeu em minha nuca. — Eu não aguento mais. — E me beijou.
Sua língua sempre se atava à minha com um desejo visceral. Nossos beijos eram intensos,
ávidos, caóticos.
Meus pensamentos se tornavam incoerentes tão rápido quanto os ossos pareciam amolecer.
A pele se eriçava, o coração pulsava com violência e meus gemidos escapavam com a mesma
facilidade com que eu ficava molhada, louca para que certo tubarão mergulhasse entre as minhas
coxas.
Quando eu estava achando que transaríamos ali mesmo, em plena luz do dia, Braz se afastou
bruscamente.
Não esperei que me rejeitasse de novo. Desci, batendo a porta com força.
Aquela tinha sido a última vez que permiti que aquele filho da puta me beijasse.
Entrei na casa furiosa. Fui direto para o meu quarto e, antes do banho, precisei recorrer aos
meus vibradores. Mas não adiantou. O que eu queria mesmo era um bando de macho gostoso me
pegando de jeito e metendo sem dó.
Por sorte, sabia exatamente onde encontrá-los.
Eu tenho andado louco
Por que eu não transava logo com ela e acabava de vez com aquele martírio?
Por vários motivos.
E nenhum deles tinha algo a ver com as proibições de seu pai. Elas não me desestimulavam.
Pelo contrário.
— Fiquei sabendo que Leona dormiu na sua casa e que nada aconteceu entre vocês. — Foi o
que ele disse, ao entrar na minha sala. — Muito bom, Belmonte. Gosto de funcionários que obedecem
a todas as minhas ordens. Continue mantendo as mãos longe. Você está proibido de tocar nela de
novo. Proibido. Entendeu?
Será que aquele desgraçado não sabia que isso me deixava com mais vontade ainda de foder
a filha dele? Será que não compreendia que a palavra “proibido” era afrodisíaca?
Minha primeira vez só aconteceu porque o pai de Sthefany proibiu nosso namoro. Veio com
o papo de que ela não podia namorar um pé-rapado que nem eu, porque se casaria virgem, com um
“homem de posses”.
Sthefany tinha quinze anos e não era virgem desde os treze. Queria transar comigo, mas eu
achava que, primeiro, precisava me casar com ela. E, antes disso, pedi-la em namoro. Oficialmente.
Por isso, decidi colocar a minha melhor roupa, penteei o cabelo, peguei umas flores do
jardim de tia Brígida e fui à casa da minha futura namorada.
A família dela havia se mudado há pouco tempo, da roça para a cidade. O casebre ficava no
mesmo subúrbio em que eu morava com minha tia e minha prima.
Após o pedido, fui enxotado pelo velho. Saí de lá humilhado, me sentindo o pobre-coitado
que de fato era. Mas, apesar de toda a autocomiseração, o sentimento que sobressaía era outro: raiva.
Da pobreza e daquele filho da puta.
No caminho para casa, passei no posto de saúde do bairro e peguei alguns preservativos.
Tinha sido ali, naquele mesmo lugar, que eu havia reencontrado Sthefany, depois de dez anos
sem vê-la.
Ela estava com a mãe, e eu, com tia Brígida. Fazia uma década que não pisávamos na antiga
casa do meu pai, mas as duas se reconheceram e começaram a colocar as novidades em dia na fila da
vacinação.
— Oi, Braz! — A garota que acompanhava a conhecida de minha tia sorriu para mim.
— Sthefany! — Precisei de apenas um segundo para reconhecer suas feições e seus
inconfundíveis cachos loiros.
— Meu Deus! Você continua igualzinho, mas está tão... adulto! Já tem até barba! — ela
comentou, aparentemente fascinada.
— E você tem... peitos. — Meus olhos caíram nos seios dela, que eram os maiores que eu já
tinha visto.
— Deu para perceber? — brincou, aproximando-se e me dando um abraço apertado. — É
um prazer rever você!
Prazer foi o que eu senti ao ser abraçado daquele jeito.
Assim que ela se afastou, usei meu cartão de vacina para ocultar o efeito que seu corpo
voluptuoso causou no meu.
Se percebeu, Sthefany não disse nada. Logo deu início a uma conversa animada, perguntando
coisas sobre a minha vida e compartilhando informações sobre a dela. Porém, à medida que nos
aproximávamos da porta em que as pessoas entravam para se vacinar, foi ficando nitidamente tensa.
— Você tem medo de agulhas? — questionei, e ela assentiu.
Àquela altura, sua mãe e minha tia já tinham saído da fila, abandonando seus papéis de
acompanhantes. Estavam sentadas em um banco, do outro lado do pátio, enquanto esperavam que
fôssemos vacinados.
— É normal ter medo de algumas coisas — comentei, tentando tranquilizá-la.
E, antes que aquilo rendesse, puxei um assunto qualquer.
Ficamos conversando sobre temas aleatórios até a menina que estava na minha frente entrar
e sair segurando um algodão contra o bíceps.
— Próximo! — alguém gritou, e Sthefany arregalou os olhos.
— Vem comigo, pra você ver que não dói nada. — Puxei sua mão e entramos no cubículo
onde uma dona vestida de branco aguardava. — Não falei? Não doeu — assegurei, logo depois de
cair na agulha. Tinha doído pra caralho, mas disfarcei curvando os lábios.
Então, chegou a vez dela.
— Não quero. — Fez cara de choro.
— É só uma picadinha, querida. — A senhora que estava aplicando começou a preparar a
dose.
— É, não dói nem um pouco — concordei, olhando para a mentirosa que tinha mutilado meu
braço com a injeção.
Sthefany pareceu se acalmar, permitindo que o procedimento fosse iniciado.
— Vai doer! — Entrou em desespero quando a mulher a tocou.
— Segura minha mão — ofereci, e ela agarrou. — Pirilimpimpim. Toda a dor que você ia
sentir vai passar pra mim. — Movi os dedos livres sobre as nossas palmas entrelaçadas, como se
estivesse fazendo um feitiço.
Sthefany estava rindo, e mal percebeu quando a ponta da seringa foi enfiada em sua pele.
— Você deve ser um mago muito poderoso, porque funcionou! Não senti nadinha! Estou
ótima! — ela comemorou, enquanto saíamos da sala apertada.
— Sorte a sua! Eu quase morri de dor! E está doendo até agora. — Olhei por cima do
ombro, observando a marca do furo. — Está doendo muito mesmo. Tô com a sensação de que meu
braço vai cair a qualquer momento. Não sei, não, Sthefany... Acho que vou desfazer o feitiço.
Ela gargalhou. Então, beijou minha bochecha.
— Você continua fofo. E divertido! E tão legal...
Cocei a nuca, meio encabulado.
— E lindo, muito lindo, principalmente assim, todo envergonhadinho — completou.
— Não estou com vergonha — neguei, embora sentisse as faces quentes.
Sthefany se concentrou na minha boca, e me perguntei se estaria tão vermelha quanto o
restante do meu rosto.
Antes que ficasse ainda mais paranoico com isso, ela questionou se eu estudava na escola
municipal que ficava ali perto. Passaria a frequentar as aulas na segunda-feira e adoraria ser minha
colega de novo.
Triste por saber que isso não seria possível, comentei que era bolsista em um colégio
particular, que ficava no centro. Ia todos os dias de bicicleta.
Foi assim que as coisas começaram. Todas as manhãs, quando saía da escola, eu passava na
dela. Sthefany ficava me esperando. Conversávamos um pouco e voltávamos juntos. Sentada no cano,
seus cachos compridos voavam, reluzindo ao sol e perfumando o ar que entrava em minhas narinas.
Aquela logo se tornou a minha parte favorita de todos os dias. Pela primeira vez na vida, eu
sentia coisas que não sabia explicar. Não conseguia tirá-la da cabeça nem por um segundo. E, sempre
que nos víamos, meu coração dançava como se nunca mais fosse parar de bailar.
Não demorou muito para que eu percebesse que estava apaixonado por ela e decidisse pedi-
la em namoro.
— Mas nós nem nos beijamos ainda! — Ela riu.
— Posso... beijar você? — perguntei, com o peito agitado.
— Claro! — Ela fechou os olhos, e eu me aproximei, fazendo algo muito parecido com o
que via de vez em quando, nas novelas que minha tia gostava de assistir.
Tia Brígida vivia suspirando por um tal de Fernando Colunga. Eu não sabia muito bem qual
deles era esse Fernando, mas já tinha visto vários atores protagonizando cenas românticas e achava
que conseguia copiar o jeito que eles beijavam as atrizes. Às vezes, fazia no dorso da minha mão e
dava certo.
— Você já tinha feito isso antes? — Sthefany afastou a cabeça de repente.
— Por quê? Foi... ruim? — indaguei, preocupado.
— Não, mas... pode ser maravilhoso. — E grudou nossos lábios, enfiando a língua entre os
meus.
A princípio, fiquei assustado. Mas fui imitando as coisas que ela fazia, e ficou tão bom que
eu poderia morrer fazendo aquilo.
— Eu te amo, Sthefany... — Mirei seus olhos verdes e acariciei seu rosto após o milésimo
beijo.
Ela sorriu e capturou minha boca outra vez.
Depois daquele dia, a gente passou a se beijar o tempo inteiro. E tudo ficava ainda melhor a
cada encontro.
Quando nos despedíamos e eu voltava para casa, precisava bater uma, duas, três.
Sempre que fazia isso, me sentia um pouco culpado, porque, aos onze anos, ouvi uma
professora de religião dizer que era pecado e que quem se masturbava ia para o inferno.
Porém, o temor e o sentimento de culpa desapareciam assim que eu via Sthefany de novo.
Ainda me lembro da primeira vez que peguei nos peitos dela. E do dia em que meus dedos
conheceram sua bunda. E do boquete que antecedeu todos os outros da minha vida. E da sensação
inédita e indescritível de chupar uma boceta.
Com Sthefany, vivenciei todas as minhas primeiras experiências. E, um dia depois de ser
expulso de sua casa, perdi a virgindade na cama dela.
Nunca íamos adiante porque, naquela época, eu era um idiota. Tinha o sonho de me casar
com ela e achava que não deveríamos transar antes do casamento.
E isso não tinha muito a ver com os resquícios da religiosidade que fez parte da minha
infância. Na verdade, eu receava fazer algo errado. Ela já tinha transado várias vezes, e eu tinha
medo de não conseguir entregar um desempenho à altura dos outros caras. E se ela detestasse e
terminasse comigo?
Adiei o máximo que pude. E, quando decidi ir adiante, fui impulsionado pela raiva.
Cheguei bem cedo à rua dela, me escondi detrás de uma árvore e esperei o velho
desgraçado sair para o trabalho. Aguardei alguns minutos, abandonei meu esconderijo e bati palmas
diante do portão.
Sthefany logo apareceu, usando o uniforme da escola.
— Você não está atrasado? — perguntou, observando o meu.
— Estou. Mas hoje vim tirar o atraso. — Enfiei a mão no bolso da calça do colégio e
pesquei uma camisinha, mostrando a ela.
Sthefany sorriu.
— Já era hora! — E puxou minha mão, guiando-me para dentro da casa.
Naquela manhã, ela disse que eu tinha nascido para aquilo e que um dia se casaria comigo.
Nunca me senti tão feliz. Imaginei todo o nosso futuro.
Sempre que podíamos, matávamos aula para ficarmos juntos.
Quando estava com ela, o tempo parava. E tudo era tão perfeito que nem parecia a minha
vida.
Cedo demais, nossa bolha de felicidade estourou.
Um mês depois, em uma quarta-feira à noite, Sthefany chegou à minha casa chorando. O
velho tinha achado uma embalagem de preservativo na sala, onde tínhamos transado naquela manhã.
Apareceu junto com a filha, soltou os cachorros em cima da minha tia, deu uns tapas na minha orelha,
me xingando de um monte de coisas, e saiu arrastando minha namorada.
No dia seguinte, fui buscá-la no colégio, como fazia diariamente.
Comecei pedindo desculpas por ter esquecido a embalagem, mas ela nem me deixou
continuar.
— Acabou, Braz. Você é lindo, fofo e... tudo o mais... — Mordeu o lábio, olhando para a
calça do meu uniforme. — Mas papai tem razão. — Balançou a cabeça, ficando subitamente séria. —
É burrice da minha parte namorar um garoto como você, que não tem um couro para cair morto,
quando posso conseguir um bom casamento. Vou voltar pra roça. Papai ficou sabendo que um
fazendeiro cheio da grana acabou de chegar à região. Você e todos os meninos dizem que sou bonita.
Acho que tenho grandes chances de laçar esse cara.
— Você vai embora? — O medo de perdê-la inundou meus olhos. — Por favor, não vai... —
Segurei suas mãos. — Não sei viver sem você. Eu te amo, Sthefany...
— Amor não enche barriga. — Largou minhas palmas. — Guto, me dá uma carona? —
Montou na garupa de outro garoto e me deixou ali, vendo seus cachos balançando ao sabor do vento
pela última vez.
Acho que foi naquele momento que eu decidi que seria rico. E que mulher nenhuma veria a
cor do meu dinheiro.
Nunca amei Sthefany. Descobri isso quando transei com outra garota e achei a transa ainda
mais gostosa. Na mesma festa, comi outra e achei ainda melhor. Daquele dia em diante, comecei a
foder todas as mulheres que me interessavam e prometi a mim mesmo que nenhuma delas jamais
ouviria um “eu te amo” saindo da minha boca.
Eu poderia simplesmente transar com Leona de novo. Seria apenas outra das muitas fodas
da minha vida.
Mas as coisas estavam misturadas demais. Ela tinha me visto em um momento deplorável.
Pelo amor de Deus! Eu havia chorado no ombro dela. Chorei feito a porra de uma criança!
E o pior foi ter encontrado tanto conforto em seu corpo e ter sentido tanta vontade de
compartilhar minhas merdas com ela.
Felizmente, mantive tudo dentro de mim, onde deveria ficar.
Eu não conversava sobre isso. Com ninguém. Nem com Briana. Minha prima sequer sabia
que eu tinha certo... receio em relação a trovões. Sempre fui muito bom em esconder minhas
fraquezas. E continuaria mantendo todas elas debaixo de sete chaves.
Não podia me aproximar tanto de Leona. Não era como as outras, que iam embora antes do
raiar do dia. Ela ficaria.
Era a mãe do meu filho, a filha do meu chefe, a irmã de um dos meus melhores amigos e meu
braço direito na empresa. Já estava em áreas demais da minha vida. Eu precisava mantê-la longe da
minha cama.
Estava fora de mim quando achei que transar com ela seria uma boa ideia. Não era. E eu não
ia cometer esse erro.
Na verdade, eu nem queria. Estava só... com um pouco de tesão, coisa que podia ser
resolvida com qualquer uma. Ou várias.
Era exatamente o que eu ia fazer, assim que terminasse o que estava fazendo naquele
momento.
Havia chegado do trabalho de pau duro. Não baixava nem por um caralho. E minhas bolas
doíam tanto que, quando entrei no banheiro e tirei a cueca, não senti alívio algum.
Manejando a ereção rígida feito pedra, abri o box.
Ao entrar, eu me deparei com uma calcinha cor-de-rosa, pendurada no registro.
Ela tinha esquecido a parte de baixo do biquíni.
Quase fiquei doido.
Sem pensar duas vezes, peguei a peça, envolvi no cacete e comecei a bater pensando nela,
imaginando a boceta que havia sido coberta por aquele pedaço de tecido. Gozei em tempo recorde,
lambuzando tudo. Quando terminei, urrando feito um filho da puta, não estava satisfeito.
Precisava dela, do cheiro dela, daquele corpo, daquela boca.
Porém, estava decidido a não batizar a cabeça do meu próprio filho com um jato de porra.
Precisava, desesperadamente, transar. Transar muito. E não seria com Leona.
Só uma suruba resolveria o meu problema.
Naquela sexta-feira, organizaria uma na minha casa.
— Mirão, e aí, já quebrou a promessa? — perguntei, assim que ele atendeu.
— Por que você acha que eu quebrei a promessa? Por favor, né, Bel! Eu consigo manter a
porra de uma promessa! É assim que você trata um amigo? Que tipo de homem você pensa que eu
sou, cara? — Ele usou um estranho tom defensivo.
— O tipo de homem que transa com quem não deve. — Joguei um verde.
— Briana te contou? — Colhi maduro.
— Filho da puta — praguejei, pausadamente.
— Cara, não foi minha culpa! Ela me seduziu! Eu juro que fui seduzido!
— Quando essa merda aconteceu? — questionei, ignorando o argumento.
— Ontem à noite. Eu estava de boa na minha casa quando ela me ligou, pedindo que eu fosse
buscá-la na faculdade, porque a tempestade tinha derrubado uma árvore em cima do carro dela.
— Uma árvore? — Arregalei os olhos.
E se tivesse caído enquanto minha prima dirigia?
Só de pensar nisso, o desespero me dominou.
Ela era a única pessoa que eu tinha. A única mulher que fazia parte da minha vida. Todas as
outras morriam ou iam embora. Se eu a perdesse, perderia tudo.
Só então me dei conta de que não tinha visto Briana naquele dia. Não almocei com ela. Nem
com Ramiro. Fiquei com Leona na minha sala. Sugeri que pedíssemos comida e comemos juntos,
tudo porque ela estava sem calcinha, e eu queria ser o único homem a desfrutar daquela informação
deliciosa.
Por causa disso, não fazia ideia do que tinha acontecido com a minha prima!
— Relaxa, ela está bem. — Ramiro pareceu ler meus pensamentos. — Mas o carro não
sobreviveu. A árvore fez um estrago, inclusive na fiação. A região inteira ficou sem luz. Briana disse
que te ligou várias vezes, mas você não atendia a porra do celular!
Claro que não, porque ficou na área da piscina. E, em razão desse lapso, ela ficou sozinha.
Na chuva! Debaixo de raio, correndo o risco de...
— Ramiro, eu não tenho palavras para te agradecer por ter ido buscá-la. Muito obrigado,
cara, de verdade.
— Você não está puto? — sondou, nitidamente desconfiado.
— Por você ter transado com Briana? Não. Se pisar na bola com ela, aí você vai me ver
puto.
— Como assim pisar na bola, cara? Foi coisa de uma noite só, já falei pra ela. Inclusive,
orei, pedi perdão pela carne fraca e voltei a cumprir minha promessa.
— Ah, então não vai querer participar do surubão que vai rolar hoje aqui em casa? —
aticei.
— Ué, você não vai participar da suruba na casa de Ferrão? — Ele estranhou.
— Ferrão vai fazer uma suruba? Hoje?
Eu sabia que aquele puto não ia obedecer às ordens do pai! Devia estar planejando tudo por
baixo dos panos, na maciota!
— É, ele criou um novo grupo agora há pouco, convidando algumas pessoas — Miro
contou.
— Outro grupo? E por que eu não fui colocado nessa merda? — resmunguei.
— Não sei, cara. Só sei que o diabo está usando meus próprios amigos para me fazer cair
em tentação outra vez. Mas eu tô firme no meu propósito. Vade retro, satanás! — E desligou na minha
cara.
Aproveitei e liguei para Briana. Depois de me certificar de que estava tudo certo, não perdi
tempo. Enviei logo uma mensagem para Ferrão:
“Você é um pau no cu mesmo, hein? Não me convidou por quê? Por causa da sua irmã?
Eu não transei com ela e nem pretendo transar. NÃO QUERO SABER DE LEONA. Vamos ter um
filho juntos e pronto. É só isso. Cada um segue sua vida.”
Ele visualizou, mas não digitou nada. Bati os dedos na tela, produzindo um novo texto:
“Não quero nem saber. Estou indo para a sua casa. Vou de penetra, penetrar umas
safadas. ;)”
A resposta apareceu na tela um minuto depois, e não foi dada por meu amigo.
No aplicativo de mensagens, surgiu a imagem de um rosto perfeito.
Quando vi a foto, meu coração acelerou.
O que ela queria comigo?
Ansioso, pressionei o contato salvo como “Tiffany” e li a nova conversa:
“Antes que você pense em ligar para avisá-lo, fique sabendo que estou com o celular de
Luan. Neste momento, ele está longe e muito ocupado. A suruba é minha. Criei um grupo e
convidei vários dos seus amigos. MAS VOCÊ NÃO ESTÁ CONVIDADO PARA A SURUBONA DA
LEONA”.
Fiquei uns bons segundos com o celular na mão, completamente estupefato, enquanto ela
ficava off-line.
Estava blefando. Com certeza.
Decidi ir até lá, só para desmascarar aquela farsa.
Assim que os seguranças autorizaram a minha entrada, percebi que estava mesmo havendo
uma suruba naquela casa! Tinha gente pelada para todo canto!
Ignorando as mulheres que tentavam me parar, subi correndo até o quarto dela.
Girei a maçaneta, sem sucesso. Estava trancado!
— Leona! — Bati. — Leona! — Esmurrei a madeira.
Como não obtive resposta, fui adiante, abrindo todas as portas e chamando por ela.
Pessoas trepavam nas camas, fazendo barulho. Algumas transavam de pé, no chão, nos
móveis.
— Leona! — gritei, ao entrar em um dos cômodos do corredor e encontrá-la com três caras.
Três!
Dois nas mãos e o terceiro comendo a minha boceta!
— Saiam de perto dela! — berrei, e os filhos da puta me encararam.
Não eram meus amigos. Eu os conhecia de vista, de outras surubas.
— Se quiser participar, é só pedir, cara — um deles falou.
— É, Bráulio. Por enquanto, minha boca está livre. — Leona abriu um sorriso sacana.
Eu poderia pedir que ela parasse com aquilo, porque a ideia de outro homem entrando nela
e ficando tão perto do meu filho me deixava louco.
Mas, no fundo, sabia que era besteira. E podia suportar, como qualquer sujeito racional.
Era perfeitamente capaz de participar de uma suruba com ela. Podia muito bem dividi-la
com outros homens, como costumava fazer em relação a outras mulheres.
Por que não?
Tirei a camisa, me livrei da calça e libertei o cacete. Aproximei-me dos lábios dela,
segurando a rola.
Leona colocou a língua para fora, deslizando a superfície macia e molhada no topo sensível.
Soltei um gemido, e outros sucederam o primeiro quando ela me abocanhou, engolindo
metade da extensão e gemendo com a minha pica enfiada na boca.
O cara recomeçou a fodê-la, e os sons ficaram mais intensos.
A cada nova estocada, um ruído abandonava sua garganta e esmagava uma parte do meu
coração.
Jamais pensei que pudesse sentir tanta dor.
— Chega! — Dei um passo para trás.
— Não... — choramingou. — Volta...
O miserável meteu com força, e ela gemeu alto.
— Você não sabe chupar, querida. — Forcei um sorriso. — Vou procurar as mulheres que eu
sei que sabem.
Saí do quarto, torcendo para que ela saísse em seguida, ainda que furiosa.
Como não saiu, fui obrigado a seguir. Comecei a transar com o primeiro trio que encontrei,
mas não conseguia parar de ver aquele desgraçado metendo onde eu deveria meter.
Era ela que eu queria, e que se fodesse a sensatez!
Eu já estava louco. E não teria paz enquanto não exorcizasse o desejo diabólico que
devorava meu corpo. Se precisava fodê-la para ter um pouco de sossego e recuperar a razão, era
exatamente o que eu faria.
Dispensei todas e saí às pressas, disposto a voltar para o quarto e colocar um fim naquela
merda.
No caminho, trombei com alguém.
Retrocedi, encarando a figura feminina e completamente nua que tinha diante dos olhos. A
única parte coberta era uma pequena faixa de pele, onde uma chave pendurada em uma corrente
pendia entre os seios.
Contemplei suas curvas e cada pedaço de perfeição que estava me deixando alucinado por
aquela mulher.
— Sai da minha frente! — ela rosnou, indo para o lado.
— Onde estão aqueles filhos da puta? — Fiz o mesmo, obstruindo a passagem.
— Meus amigos? — Sorriu. — Já dispensei. Estou à procura de outros.
— Acabou de encontrar um que vale por todos. — Malícia entortou meus lábios, e deboche
esticou os dela. — É sério, Leona. Eu... quero você.
— Ah, agora você quer? Não achou as mulheres que estava procurando? — Cruzou os
braços, atraindo meus olhos para os peitos redondos e aveludados. Eu não podia morrer sem chupar
aqueles mamilos...
— Acabei de encontrar a que eu realmente quero. — Eliminei a distância, ocultando os
dedos em sua nuca.
— Gostoso, tem espaço para mais uma? — alguém perguntou ao meu lado.
— Não — respondi, sem desviar o olhar do rosto que meu polegar acariciava.
A mulher se afastou, nos deixando sozinhos naquele canto.
— Transa comigo, só comigo — pedi, fundindo nossas testas.
— Não. — Seu hálito torturou meus sentidos.
— Por favor — despejei em sua boca, beijando-a no mesmo segundo.
Suas mãos subiram para o meu cabelo, e as minhas suspenderam suas coxas, deslizando seu
corpo no meu. As pernas me cercaram, e os braços se embaraçaram em meu pescoço.
Resvalei as palmas, firmando minhas digitais em sua bunda, apertando a carne macia e
sorvendo seu gemido.
Elevei o toque, trilhando as costas quentes até alcançar as mechas curtas e escuras. Puxei
pela raiz, interrompendo o beijo.
— Quero te comer no seu quarto. — Mirei seus olhos.
— Primeiro me fode aqui. Agora. — Ela agarrou meus fios, sem piedade.
Segurei a base do cacete, direcionando a ponta.
Leona agasalhou apenas o topo. Um som rouco escalou minha traqueia e ganhou o ar.
Ela mordeu meu lábio, fazendo movimentos circulares que massageavam a cabeça da minha
rola.
— Você gosta? — provocou, entredentes.
Assenti, gemendo em sua boca.
— E assim? — Desceu devagar, molhando alguns centímetros e rebolando lentamente.
— Sua safada... — Abracei seu corpo, deliciando-me com o calor de sua pele. — Quero
que essa boceta gostosa engula minha pica inteira. Vai, me fode você.
Ela escorregou de uma vez e voltou a me beijar, daquele jeito faminto que devorava toda a
minha sanidade.
Soltei os braços, permitindo que surrasse meu pau com aquelas investidas rápidas e
desesperadas, que faziam seu corpo pular.
Puxando meu cabelo com força, ela subia até o fim e deixava a boceta beijar meu saco,
montando e galopando sem parar.
Os barulhos da foda intensa se misturavam aos nossos arquejos e ruídos, abafados pelas
línguas afoitas.
Nossas manifestações sonoras começaram a nos sufocar, e ela abandonou minha boca,
agarrando meu maxilar e me fitando enquanto me fodia.
— Você é tão gostoso, seu puto... — Fincou as unhas em minha nuca.
— E você é uma delícia. — Travei as mãos em sua cintura e inverti os papéis, metendo e
arrancando gritos de sua garganta.
— Deliciosa mesmo, hein? — Um cara se aproximou. — E esse cuzinho livre? — Cuspiu na
mão e passou no pinto.
Foi apenas nesse momento que eu me lembrei de que estávamos em uma suruba!
— Ela é minha, desgraçado! — Cobri e afastei a bunda perfeita, tirando-a das vistas
daquele tarado de merda.
Então, saí praticamente correndo.
— Ah, Bráulio... Que sacanagem, eu estava louca para dar o cu... — a sacana provocou.
— E eu estou louco para comer um cu, olha que coincidência. — Mostrei um sorriso
enviesado, e ela riu.
Quando cheguei ao quarto que já conhecia muito bem, tirei a corrente de seu pescoço e
enfiei a chave na fechadura.
Assim que entramos, tranquei a porta e a joguei no colchão, sem desunir nossos corpos e
metendo antes mesmo de nos acomodarmos direito, desenraizando dois gemidos de uma vez só.
— Diga que você é minha, apenas minha — pedi, arfando ao me afundar de novo.
Ela cruzou as pernas em minhas costas, agarrando minha mandíbula.
— Esta noite. Esta noite, eu sou sua. — E me beijou.
Uma noite. Era tudo o que eu precisava.
Algumas horas bastavam para me perder dentro dela até reencontrar minha lucidez.
A gente junto
Tomamos banho juntos, transamos de novo debaixo do chuveiro e voltamos para o quarto.
Enquanto descansávamos, adormeci sem perceber.
Em algum momento, um carinho na cabeça me fez suspirar.
Entorpecida, remexi-me no colchão, deleitando-me com o toque prazeroso.
Aos poucos, minha consciência foi se assentando, me fazendo lembrar a quem pertenciam os
dedos que afagavam meu cabelo.
Ergui as vistas e o encontrei sentado na cama, me observando.
Contemplei a bela desordem dos fios sedosos, passeei pela testa, alcancei as sobrancelhas
espessas e os cílios escuros que cerceavam os olhos claros. Suas pupilas acariciavam minhas
feições, deslizando sem pressa, como se estivessem coletando minúcias.
Braz sorriu, e a curva perfeita de sua boca fez meus lábios cederem, esticando-se sem
qualquer controle.
Naquela quietude cheia de sorrisos, meu coração começou a falar alto demais.
— Dormi muito? — perguntei, tentando amortecer o falatório do órgão palpitante.
— Só um pouco. — Deitou-se ao meu lado, abraçando meu corpo e afundando o rosto em
meu pescoço.
Um arrepio eletrizou meus poros, e a tagarelice em meu peito aumentou quando ele inspirou,
sorvendo o cheiro do meu xampu.
— Se você tiver ouvido algum ronco, foi o espírito que mora nesta casa — brinquei,
tentando abafar aquela algazarra ridícula.
Braz riu e se apoiou no cotovelo.
— Ouvi vários, mas achei que fosse o dragão que mora em você — provocou, e eu dei uma
risada.
Seu olhar caiu no meu e, por alguns segundos, nós nos fitamos.
Ele dedilhou minha bochecha, deixando um rastro incandescente em minha pele.
Lânguidas, suas pálpebras baixaram. Débeis, as minhas despencaram no instante em que fui
tocada pela maciez cálida e inebriante que logo dominou minha língua.
O contato delicado me entorpeceu. Extasiada, larguei os dedos em seu cabelo, enterrando as
pontas nas mechas densas.
Músculos maciços se estenderam sobre o meu corpo. Pausas curtas antecediam beijos
longos e vagarosos. Os volteios lentos produziam sons cadenciados, que foram enchendo o quarto da
nossa própria melodia.
Uma dor gostosa alastrava-se em meu interior, doendo um pouco mais a cada movimento
suave.
Era doce e brando, mas intenso e profundo.
Quando o fôlego se tornou escasso demais, a necessidade de respirar nos fez parar por um
momento.
Lentamente, abri os olhos e, mais rápido que nunca, me perdi nos dele.
Desejei morar ali, naquela selva perigosa que me convidava para uma aventura sem volta.
Quis me embrenhar mata adentro, abrir os braços e pular naquele precipício verdejante.
Catalogando todos os tons folhosos de suas íris, toquei sua barba.
Minhas digitais experimentaram a aspereza do maxilar até o polegar estacionar no queixo
quadrado.
— Você é tão lindo... — Contornei o lábio inferior.
— Estou com um medo do caralho de me apaixonar por você — confessou de repente.
— Quê? — Soltei uma risada nervosa.
Braz se sentou, recostando-se à cabeceira.
— Tem meia hora que estou tentando ir embora, mas não consigo. Tento me convencer de
que não quero transar a madrugada inteira com você, mas é tudo o que eu quero e, ao mesmo tempo,
sinto que não devo? — Olhou para mim, com uma expressão confusa. — Tenho medo de transar
demais com você e ficar mais louco do que já estou. Mas não quero que você transe com outras
pessoas, então continuo aqui. Entende? — Crispou a testa, parecendo realmente perturbado.
Pasma com toda aquela franqueza, mudei de posição, acomodando-me em seu colo.
— Você não vai se apaixonar por mim. — Com os joelhos nas laterais de suas coxas,
segurei seu rosto. — Já transou com muitas mulheres... E aposto que todas dizem que você é lindo.
Não sou diferente de nenhuma delas.
— Você é. — Seus braços me envolveram.
A cabeça pendeu para trás, prensando o encosto.
— Bráulio... Deixa de ser doido... — O hálito quente me atraiu até sua boca.
Suas mãos deslizaram pelas minhas costas enquanto nossas línguas se enroscavam,
desmanchando-se em voltas prolongadas.
Logo, a velocidade aumentou, alimentando o desejo que pulsava entre as minhas pernas.
Então, seus lábios ausentaram-se dos meus, e uma cadeia de carícias molhadas eriçou minha
pele.
Mergulhei o braço entre nós, puxando o lençol e agarrando a ereção poderosa.
Braz soltou um gemido, lambendo meu pescoço até a mandíbula.
Erguendo o corpo, pressionei a cabeça volumosa no ponto onde eu latejava e senti seu
sorriso em minha garganta.
Esfreguei-me, roçando nossas partes sensíveis.
Suas palmas cobriram meus seios, e nossos olhares se encontraram.
— Senta — pediu, franzindo as sobrancelhas.
— Assim? — Fisguei o lábio e empurrei a ponta, lambuzando-a na minha entrada.
Braz puxou o ar, apertando minha carne.
Escorreguei um pouco, e meu mamilo abafou um som enrouquecido.
Fiquei rebolando no topo enquanto ele sorvia os dois, fazendo aqueles barulhos
enlouquecedores.
Desci de uma vez, apoiando as palmas nos ombros largos. As dele desceram para a minha
bunda.
Deliciando-me com a firmeza do aperto em uma das bandas, friccionei a boceta na base,
remexendo o quadril com tudo dentro.
— Gostosa! — Ganhei um tapa e gemi em sua boca.
Ele me beijou com violência, castigando meu lábio e afundando os dedos em minha pele.
Comecei a cavalgar, ouvindo os ruídos da foda escorregadia.
Braz se afastou da cabeceira, agarrando minha cintura e movimentando-se junto comigo.
Suas mãos subiram, inflamando meus poros até se encherem com os meus peitos
balançantes. Torturou os bicos doloridos e esticou os braços para trás, permitindo que eu
comandasse.
Espalmei seu tórax, abri mais as coxas e galopei livremente, encharcando aquela pica
deliciosa.
Montava mais rápido e gemia mais alto à medida que o êxtase se avizinhava.
— Tá achando que já vai gozar? — Agarrou meu cabelo pela raiz e, no segundo seguinte,
me atirou no colchão.
— Por favor, por favor... — roguei, quando seu corpo pairou sobre o meu.
— Primeiro, vou te lamber toda. — A voz rouca morreu em meu queixo, a língua incendiou
minha clavícula e capturou um mamilo.
Sugou delicadamente e, do outro lado, o mesmo suplício prazeroso me fez implorar por
mais.
Mas ele abandonou a região, perpassando o vão entre eles e trilhando minha barriga.
O calor úmido em partes aleatórias abalou minha sanidade e varreu todo o meu juízo quando
alcançou minha virilha.
Beijos demorados em toda a área externa me faziam dançar nos lençóis, apertando o tecido.
— Pelo amor de Deus... — clamei, e ele chupou uma das metades. Depois, a outra, sem
encostar onde eu mais queria. — Braz... — choraminguei, e o puto sorriu, subindo e me beijando. —
Desgraçado... — Puxei seu cabelo com força.
— Deliciosa... — Entrou sem aviso, gemendo junto comigo.
Retesou os braços e meteu sem piedade. Meus gritos se misturaram ao rumor das estocadas
até ele tragar todos, devorando minha boca.
Corri as mãos pelas costas suadas, alcançando as duas bandas redondas que se contraíam a
cada arremetida. Cravei as unhas, incentivando-o a ir mais e mais fundo.
Aquela espessura maravilhosa estava quase me fazendo perder todos os sentidos quando ele
libertou nossos sons.
— Não para, não para... — supliquei, à beira do abismo.
Ele parou, e um sorriso cretino aflorou em seus lábios.
Empurrei aquele filho da puta, invertendo a posição ao escalar seu torso.
— Agora você me paga! — Meu polegar e o indicador comprimiram sua expressão sacana.
Depois de um beijo rápido e furioso, comecei a percorrer seu abdome.
— Não vou aguentar — avisou, meio desesperado, ao se dar conta do que eu pretendia
fazer.
— O tubarão é mais forte do que você pensa. — Agarrei o comprimento, lambendo as veias.
Deixei a extremidade mergulhar, e Braz fechou os olhos, entregando-se à sensação.
Chupei mais, acariciando as bolas pesadas. O ar perpassou seus dentes.
Engoli o máximo que consegui, puxando tudo até a ponta e repetindo o processo algumas
vezes.
Gemendo, ele se sustentou nos cotovelos, movendo a pélvis e metendo levemente.
Seus dedos se infiltraram em meu cabelo, prendendo os fios.
Mamei com vontade, sugando com força.
— Para! Eu vou gozar, porra. — Tirou minha cabeça.
— Sério? Achei que eu não soubesse chupar... — Abri um pretenso sorrisinho inocente.
— Você chupa gostoso demais. — Sua palma aqueceu minha face. — Tudo o que você faz
comigo é gostoso demais... E... eu só disse aquela merda porque não aguentei ver outro cara te
fodendo... Aquele filho da...
— Cala a boca e me beija. — Misturei nossos gostos e, então, me afastei bruscamente. —
Agora beija minha boceta até eu gozar nessa sua língua divina. Entendeu?
O safado assentiu, umedecendo e mordendo o lábio.
Subi na cama e, de pé, espichei os braços contra a parede da cabeceira, empinando o rabo.
— Vai, ajoelha — ordenei, olhando sobre o ombro.
Mais que depressa, ele se acomodou, agarrando as popas e alojando a cabeça entre as
minhas pernas.
Quase me desfiz quando abocanhou a região inchada, me fazendo gemer alto.
Fui surrando aquela cara perfeita, melando tudo enquanto enlouquecia com as lambidas e
chupadas, acompanhadas por apertões nas metades da minha bunda.
Quando veio, potente e delirante, o orgasmo estremeceu meus ossos.
Braz se levantou e me amparou, pousando as mãos sobre as minhas e beijando meus ombros.
Minhas células ainda estavam se desmanchando com a intensidade das ondas que
reverberavam por toda parte, mas eu ainda precisava dele, ainda queria cada centímetro dentro de
mim.
— Agora enche essa boceta de porra. — Flexionei um dos joelhos.
Gemendo antes mesmo de meter, Braz segurou a coxa e entrou devagar, encostando a boca
na lateral da minha cabeça.
Minha orelha absorveu o gemido profundo, que se transformou em sons cada vez mais
graves, de acordo com a urgência das metidas.
— Leona... — murmurou no meu ouvido, um segundo antes de gozar.
A rouquidão do timbre ecoou pelo quarto, acompanhada por uma chuva de palavrões.
Depois de se derramar por completo, firmou as mãos na minha bunda e se retirou.
— Você está acabando comigo. — Suspirou.
Sorrindo, virei-me em sua direção. Ele capturou minha nuca e me beijou, daquele jeito
novo, lento e intenso, que fazia meu peito doer.
O ritmo que regia meu coração disputava com as notas altas que pulsavam sob o tórax
colado ao meu.
Embevecidos pela harmonia, deixamos a orquestra tocar por mais de um minuto.
Quando liberou meus lábios, escutei nossas respirações descompassadas.
— Puta merda — Braz praguejou e se deitou.
Fiz o mesmo, deixando o corpo pender sobre seu peitoral.
Por alguns segundos, nossos corpos vibraram na mesma frequência insana, tocando os
mesmos acordes até o silêncio engolir a sinfonia.
Permanecemos inertes, deitados naquela eternidade muda.
Então, a voz dele retumbou:
— Você precisa parar com isso.
Movi a cabeça, conectando nossos olhares.
— Parar com o quê?
— De me beijar assim — resmungou.
— Assim como?
— Sei lá! Desse jeito diferente! — Braz se estressou.
— É você que está fazendo isso! — acusei, me sentando.
— Eu não estou fazendo nada! — Ele também se sentou. — É você que está complicando a
porra toda!
— Eu? — Tive que rir. — Quem inventou de transar foi você! Eu estava quieta na minha!
— Quieta? — Uma risada irônica cortou o ar. — Você estava em uma suruba! Eu te vi com
três caras, Leona! Três! — Mostrou os dedos.
— Contando com você, quatro — provoquei. — Onde eu já vi esse número mesmo? —
Levei o indicador à têmpora, fazendo uma expressão pensativa. — Ah, é! Na sua casa, seu safado! —
Acertei o bíceps dele.
Em vez de achar graça, Braz ficou sério.
— Sabe o que é assustador? — Mirou meus olhos ao fazer a pergunta retórica. — É que eu
não senti com todas elas o que sinto quando estou só com você.
As palavras inesperadas provocaram um baque em meu peito.
Mas é claro que ele não estava sendo sincero. Com certeza, dizia aquilo a qualquer uma.
Felizmente, eu era esperta o bastante para saber disso.
— Se é cu que você está querendo, é só pedir, Bráulio. — Alisei seu cabelo. — Comigo
não precisa gastar lábia fazendo todo esse teatro.
— Você dá mesmo o cu? — Ele pareceu um pouco espantado.
Engatinhei pelo colchão, abri a gaveta do criado e peguei um tubo de lubrificante.
— Tcharam! — Fiz uma pose, mostrando a ele.
Achei que fosse ver um sorriso sacana assomando naquela boca linda, mas acabei vendo
uma carranca.
— Você transa com homens aqui?
— Com mulheres é que não — brinquei.
Ele fechou ainda mais a cara.
— Não precisa ficar com ciuminho, Chucky. — Enlacei seu pescoço, sapecando um beijo
em sua bochecha. — Aqui neste quarto eu só transei com você. O lubrificante está na gaveta desde
que cheguei de viagem. Pretendia usar com Joaquim.
— Hum. — Braz ficou ainda mais aborrecido, evidenciando o desagrado com um muxoxo.
— Você fica tão lindo com esse beicinho enciumado. Bilu, bilu! — Passei o indicador,
rindo.
— Por que eu ficaria com ciúme de você? Não tô nem aí! — Deitou-se na cama, virando as
costas para mim. — Vou dormir um pouco, não me acorda. — Puxou o lençol e se cobriu.
— Tá bom. — Joguei-me ao lado dele, deixando o nariz bem próximo do cangote.
— Leona... — Virou a cabeça de repente. — Assim, só por curiosidade mesmo... Quantas
vezes você já deu o cu?
— Mais ou menos o mesmo número de vezes que você já comeu um cu — devolvi.
— Isso tudo? — Os olhos dele dobraram de tamanho, em uma fisionomia genuinamente
surpresa.
Fiquei possessa com a safadeza daquele ordinário, mas disfarcei com um sorriso.
— Sim, isso tudo. — Um pouquinho de exagero não faria mal.
Ele retomou a posição, voltando a me brindar com as desalinhadas madeixas castanhas.
Tentei não me aproximar, mas era difícil demais ter um homem daqueles na minha cama e
ficar longe.
Como teria aquela chance apenas por uma noite, passei o braço por cima de seu tronco e,
por alguns minutos, fiquei alisando os músculos quentes e firmes.
— Leona... — ele chamou de novo, dessa vez sem me fitar.
— Hum. — Beijei a parte de trás de seu pescoço.
— Você me promete uma coisa? — Segurou minha mão, prendendo-a contra seu peito.
— Que coisa? — Migrei os lábios para o ombro.
Ele deixou as costas pressionarem os lençóis.
— Que não vai me enfeitiçar. — Buscou meus olhos. — Não usa magia negra comigo,
Tiffany. — Abriu um sorriso, desencadeando minha risada. — É sério, Tiff. — Acarinhou minha
testa, afastando uma mecha de cabelo. — Preciso que prometa que não vai me deixar apaixonado por
você. E que não vai se apaixonar por mim.
— Fica tranquilo. Nenhum de nós vai se apaixonar, Chucky. — Meus dedos emolduraram
seu rosto.
— Você promete? De verdade? — Uma expressão preocupada apoderou-se de suas feições.
É claro que eu podia prometer. Tudo o que havia entre nós era tesão reprimido. Todo o
desejo que nos consumia seria esgotado naquela noite.
Assim que extravasássemos por completo, todas aquelas sensações esquisitas
desapareceriam. Ele era um surubeiro assumido. E eu, uma safada incubada que tinha acabado de
entrar para o fantástico mundo das surubas. Éramos dois adultos interessados em orgias. Jamais nos
apaixonaríamos um pelo outro.
— Prometo. — Pincelei a boca na dele.
Braz aprisionou minha nuca e me beijou.
Minutos depois, estava me comendo de quatro, todo enterrado na minha bunda.
Quando gozou, puxando meu cabelo e colando o saco na minha boceta, inundou o quarto com
os meus sons favoritos.
Passamos a madrugada em claro e, enquanto o sol nascia, derramando sua luz dourada sobre
o homem ao meu lado, eu admirava suas feições cansadas e quase adormecidas. A última coisa que
passou pela minha cabeça antes de a exaustão decretar vitória foi: “seria tão bom se você realmente
se apaixonasse por mim”.
É óbvio que não foi um pensamento lúcido. Foi um delírio, causado pelo esgotamento físico.
Horas mais tarde, a luxúria cobrou seu preço. Acordei toda dolorida, um pouco assada e,
para completar, muito enjoada.
Acho que foi a maneira que o bebê encontrou para mandar seu recado: “ah, então a senhora
deixou aquele filho da puta me dar mamadeira de leite de saco a noite toda? Agora vou fazer você
cuspir tudo, madame!”.
Corri direto para o banheiro e, ao entrar, fui recebida por uma nuvem de vapor.
Ignorando o fato de que Braz estava debaixo do chuveiro, atirei-me no chão e coloquei um
jato para fora.
Rapidamente, ele abandonou o box, indo até mim. Ajoelhou-se ao meu lado, afastou meu
cabelo e ficou vendo meu vômito asqueroso atingir o vaso.
Depois de testemunhar aquilo, nunca mais ia me beijar.
Não que isso importasse. Já era outro dia. Não íamos mais ficar de safadeza.
Assim que meu estômago ficou vazio, eu me levantei, extremamente mal-humorada.
— Dá licença. — Empurrei o peito dele, caminhando depressa até a pia.
Ouvi o som da descarga e amaldiçoei o esquecimento.
— Você está bem, Tiff? — Braz me seguiu.
— Ótima. — Apanhei e apertei o tubo de creme dental.
Em seguida, calibrei as cerdas e iniciei minha escovação.
— Bom dia. — Beijou o topo da minha cabeça, e eu o vi no espelho.
Todo sorridente, tinha xampu espalhado nos fios. Uma bola de espuma aterrissou no ombro
direito e deslizou pelo torso, cobrindo a região proeminente entre as pernas musculosas.
Parei de escovar, hipnotizada. Então, o monte esbranquiçado escorregou e caiu no piso,
deixando toda a área semirrígida exposta. Continuei concentrada, completamente absorta.
— Você está babando. — O aviso me fez desviar os olhos na velocidade da luz.
Pelo reflexo, vi o filho da mãe indicando a lamentável enxurrada de pasta de dente
escorrendo pelo meu queixo.
— E você está molhando o chão inteiro! — berrei, revoltada e provavelmente babando
ainda mais. — E deixou o chuveiro ligado! O planeta agradece! — Não poupei escárnio.
— Um dragão raivoso! — Braz caiu na risada.
Balançando a cabeça, mostrei a língua cheia de gosma branca e tive a plena certeza de que
nunca mais mesmo aquele homem me beijaria.
Ele gargalhou.
— Ainda bem que não usei sua escova contaminada com o vírus da raiva draconiana. Peguei
uma no seu armário, espero que não se importe. — Rindo, voltou para o banho.
Só então notei a intrusa no potinho. Era igualzinha a minha. Rosa com glitter, mas nova.
Terminando de escovar, cuspi e enxaguei tudo, adorando a imagem mental daquela criatura
máscula usando uma escova tão fofa.
Logo em seguida, me juntei àquele idiota.
A água morna foi como um bálsamo para o meu corpo doído.
Debaixo do fluxo intenso, senti o toque de mãos milagrosas massageando meus ombros.
Baixei a cabeça e relaxei, aproveitando todas as sensações maravilhosas que se espraiavam
pelas minhas costas, irradiando para os membros exauridos.
Após um tempo, ele perguntou se podia passar xampu no meu cabelo. Aceitei e quase morri
com os movimentos afáveis que perduraram por vários minutos.
Depois do condicionador, começamos a ensaboar nossos corpos. Grudando a testa na minha,
ele apalpava meus peitos, espalhando o sabonete líquido e me fazendo gemer.
— Sei que combinamos que seria só ontem, mas... preciso beijar você, só mais essa vez. —
Seu hálito mentolado desmantelou minha razão.
Assenti, e trocamos uma sucessão de beijos intermináveis.
O último teve o sabor amargo da despedida.
— Queria que a nossa noite nunca tivesse acabado — ele falou, ao desertar meus lábios.
— É, até que essa noite não foi tãããããããããão ruim. — Ocultei a tristeza com zombaria.
— Foi perfeita. — Suas falanges tocaram minha bochecha. — A melhor da minha vida.
Era mentira dele, mas meu coração, bobo demais, acreditou e falhou uma batida,
atropelando várias outras e instaurando o caos dentro de mim.
Ignorando a balbúrdia, eu me virei e girei o registro, cessando a vazão.
De repente, o banheiro ficou silencioso, e o estardalhaço em minha caixa torácica pareceu
se tornar notório.
— Vamos logo, ainda preciso procurar alguma coisa para você vestir! — Praticamente
berrei, saindo do box.
Puxei uma toalha e me enrolei, oferecendo outra a ele.
Em instantes, estávamos no quarto de meu irmão, fuçando as roupas dele.
Luan estava viajando. Tinha ido para Príncipe Serrano, a fim de passar uns dias na cidade
em que alguns dos nossos parentes moravam.
Eu havia plantado a ideia em sua cabeça na tarde anterior, assim que decidi fazer mesmo a
suruba. Obviamente, com interesses próprios, mas, também, tentando ajudá-lo. Se tudo desse certo,
ele demoraria bastante para voltar.
Assim que pegamos algumas peças, ganhamos o extenso corredor, que estava totalmente
vazio. Braz e eu tínhamos notado, minutos atrás, que todo mundo que havia participado da suruba já
tinha ido embora.
A casa descansava em uma calmaria merecida, após tantas horas de esbórnia.
Fiquei feliz pelo bom senso das pessoas e pela existência dos empregados, que tinham
possibilitado que todos se fossem sem que eu mesma tivesse que solicitar.
Assim que nos vestimos, eu me preparei para me despedir da única pessoa que precisaria
dispensar.
— Você não vai nem me oferecer um café? — ele brincou, enquanto saíamos do quarto. —
Quando dormiu na minha casa, eu levei café da manhã na cama!
— Problema seu, querido. Na minha casa você não come. Só me come. — Dei uma
piscadinha.
— Estou me sentindo tão usado! — Braz cravou a mão no peito, simulando ultraje. — Você
usou e abusou de mim, Tiffany, como se eu fosse um boneco!
Soltei uma gargalhada e, quando ela foi morrendo, levou nossas vozes e piadas consigo.
Começamos a descer a escada calados, em um súbito silêncio fúnebre.
A cada degrau, eu ficava mais triste. Estava me sentindo estranha, como se nunca mais fosse
vê-lo, o que, convenhamos, era absurdo, considerando o fato de que éramos colegas de trabalho e
pais da mesma futura criança.
Sem dizer nada, ele segurou minha palma e continuamos a descida de mãos dadas.
Ao atingirmos o lance final, olhei em sua direção e vi em seu semblante a mesma melancolia
tola que estampava o meu.
— Ainda nem fui embora e já estou com saudade de você. — Acariciou os nós dos meus
dedos. — Quero te beijar de novo. Prometo que agora vai ser a última vez de verdade.
— Tá. — Sorrindo, fiquei nas pontas dos pés, laçando seu pescoço e unindo nossos lábios.
Desespero ditou nossos movimentos, ânsia liderou nossas línguas e fez com que ele
apertasse minha bunda. Gemi em sua boca e, do nada, ouvimos aplausos pausados.
Afastei-me no mesmo átimo, lançando as vistas para o saguão.
Alguns degraus nos separavam da figura masculina que tinha acabado de cruzar os braços.
— Que bonito, hein? — Sentado em uma poltrona deliberadamente colocada no meio do
hall, papai nos encarava.
Quanto mais eu bebo
Eu estava fodido.
F-o-d-i-d-o.
Fo-di-do.
Meu chefe, que havia me proibido, com todas as letras, de tocar na filha dele, tinha acabado
de me ver com a língua dentro da boca e a mão na bunda dela!
A primeira coisa que pensei ao vê-lo cruzando os braços, me encarando como se eu fosse
um homem morto, foi no fato de que eu seria demitido.
Gostava muito do meu emprego, mas ser dispensado não me assustava tanto. Era um
profissional qualificado, com vasta experiência e um currículo invejável. Estagiara e trabalhara
durante anos em um dos maiores conglomerados do mundo. Não seria difícil ser contratado por outra
multinacional. Qualquer uma das concorrentes adoraria acrescentar ao próprio organograma o nome
de um dos ex-diretores financeiros da Guerratto.
Na pior e menos provável das hipóteses, eu fecharia contrato com uma empresa
consideravelmente menor, o que me garantiria um salário inferior. Mesmo assim, ficaria bem.
Poderia, tranquilamente, trabalhar em outro lugar.
Isso era o que me assustava.
Não queria ir para outro lugar. Queria continuar exatamente onde estava.
— Que bonito, hein? — A voz reprovadora do meu chefe ecoou no hall silencioso.
— Sim, papai! Ele é mesmo muito bonito, não é? — Leona enfiou o braço no meu, olhando
para mim.
Se não tivesse ficado tão envergonhado, eu teria rido da cara-de-pau daquela maluca.
— O papai vai marcar um exame de vista para você, minha querida. — A entonação
apiedada veio da poltrona. — Belmonte, o que eu te disse sobre tocar na minha filha? — O tom se
tornou impassível.
— Disse que eu estava proibido, senhor — respondi, sem conseguir desviar os olhos dos
dela.
— E por que você tocou? — Ele quis saber.
— Porque ela é perfeita demais para não ser tocada. — Meus olhos deslizaram pelas
feições delicadas.
Luís Guerratto ficou quieto por vários segundos, e eu me virei, para verificar se ainda
estava ali.
— Leona, deixe-nos a sós. — Levantou-se, ostentando uma postura austera e uma fisionomia
inflexível.
Puta merda, ele ia mesmo me demitir!
Ou me assassinar!
Mas, obviamente, não sujaria as próprias mãos.
Será que tinha levado seus capangas?
— Ó Chucky! Papai vai te desafiar para um duelo! Espero que tenha trazido a sua faca! —
Ela simulou preocupação.
— Você sabe que eu vim armado, Tiffany. — Pisquei um olho, ocultando meus receios.
— Para o seu próprio bem, espero que isso não signifique o que eu acho que significa,
Belmonte. — O pai dela não poupou rispidez.
— Ó papai! Infelizmente significa! — Leona avançou, descendo os últimos degraus. — Mas
eu sou inocente! Este homem bonito, porém muito mau, entrou no meu quarto de novo e... — Soluçou.
— Eu estava quietinha, vendo um filminho da Disney, quando ele entrou e... — Caiu no choro.
Se eu não soubesse, por experiência própria, que aquela malandra era capaz de fazer aquele
tipo de encenação, teria acreditado piamente. Duvidaria da própria realidade!
Por sorte, já conhecia aquele truque.
— É mesmo? Que filme? Branca de Neve e os Sete Surubeiros? — Deixei escapar uma nota
de irritação.
— Infelizmente, foram só quatro. — Leona me mostrou um sorriso sacana.
— Só quatro? — Luís Guerratto pareceu... desapontado? Não, não podia ser, eu devia ter
ouvido errado. — Quero dizer... Como assim só quatro? Quatro... homens? — Sua exasperação
comprovou o meu óbvio equívoco. — O que aconteceu, Belmonte? Você organizou uma suruba aqui,
na ausência de Luan? Com a minha filha dentro da casa? — Esbugalhou os olhos.
— Eu... — comecei, sem saber muito bem o que dizer.
— Você está demitido! Demitido! — ele berrou.
Não podia me demitir! Eu era o pai do neto dele! Precisava ter contato com a mãe da
criança! Como iria acompanhar a gravidez, se não passasse o dia todo com ela? Era um direito meu,
caralho!
O que eu ia fazer? Contar que Leona havia organizado a suruba, deixando-a à mercê da ira
paterna? Ou levar a culpa e aceitar a demissão calado?
Não queria ser demitido, por causa do bebê. Queria passar o máximo de tempo possível
com ele. Por outro lado, embora ainda estivesse puto em razão da suruba, fiquei com dó de entregar
Leona.
— Foi horrível, papai! — Antes que eu me decidisse, ela limpou uma lágrima inexistente.
— Eu estava no meu quarto, vendo meu filminho, e, do nada, tinha um monte de homem pelado na
casa... Fiquei tão assustada! Nunca tinha visto um homem pelado antes... — A falsa expressão
virginal me fez gargalhar, e não fui o único a ter uma crise de riso.
— Lovezinha do céu! Quando a gente tá atuando, cê não pode falar essas paradas que vão
me fazer rachar o bico, maluca! Cê estragou meu disfarce, misera! — ele resmungou, embora
estivesse rindo.
— Desculpa! Eu me empolguei! — Ela riu. — Mas o senhor estava indo muito bem!
Merecia um Oscar!
— Espera. Isso tudo foi um... teatro? — Manifestei minha perplexidade.
— Por que você acha que papai está aqui, Bráulio? Ele já veio sabendo que eu organizei a
suruba! — Leona balançou a cabeça, parecendo achar graça da minha expressão embasbacada.
— Lovezinha, quando meu informante ligou ontem à noite, batendo que Luan tinha viajado à
tarde e que uma suruba tava acontecendo naquele momento, eu quase morri de orgulho de você,
filhotinha! Até que enfim cê entrou pra família, maluca! Eu já tava começando a achar que cê tinha
sido trocada na maternidade! — Ele deu uma risada, abraçando a filha.
Fiquei inerte, completamente estupefato.
— Agora, eu quero saber os detalhes. — Deu um passo para trás, segurando-a nos ombros.
— Os sórdidos? — ela questionou, e eu torci para que estivesse brincando.
— Os técnicos. — Meu chefe olhou para mim. — Bel, cê foi convidado ou veio de gaiato,
pra tentar impedir a suruba?
— Sua filha me convidou — respondi prontamente.
— Mentira! Ele veio porque quis! — Leona me desmentiu.
— É claro que vim! Você queria que eu permitisse que um monte de macho gozasse na
cabeça do meu filho? — Expus minha indignação. — Vim impedir mesmo! E impediria de novo!
— Ah, cê chegou na hora H e impediu a parada de acontecer? — o pai dela indagou.
— Não exatamente — confessei.
— Então cê chegou a ver Lovezinha em pleno ato com aqueles quatro malucos que ela
mencionou? — Os olhos dele se estatelaram. — Ver sua mina com quatro marmanjos... Mermão de
Deus, um bagulho desses deve fazer o sujeito ter pesadelo pelo resto da vida! Ainda bem que eu
nunca vi Lovezona fazendo nada com outro. Na época, ela participava das surubas dela pra lá, e eu
pra cá. Cada um na sua. O que os olhos não viam o coração não sentia.
Pela primeira vez, eu compreendia aquele ditado. Leona não era minha “mina”, mas o que
meus olhos tinham visto fizera meu coração sentir. Muito.
Só que ele não precisava saber disso. Ninguém precisava saber. Nunca.
— Papai, por mais que o senhor seja um pai liberal, esse assunto é um pouco constrangedor.
Certos detalhes não precisam ser compartilhados. — Ela interferiu.
— Aconteceu! Bel te viu com quatro caras! — Ele levou a mão à cabeça.
— Três! Foram três! — Leona corrigiu.
— Mas cê disse que foram qua... — Parou de falar, me encarando de repente. — Bel, cê foi
o quarto? Não, não é possível... — Balançou a cabeça, com evidente ceticismo. — Um sujeito
apaixonado do jeito que cê tá jamais faria uma merda dessas, mermão!
Sujeito apaixonado? Eu não estava apaixonado!
Estava só... com medo de me apaixonar. Era completamente diferente!
— Não foi a primeira vez que passei a madrugada inteira dividindo uma mulher com outros
caras. — Forcei um sorriso malicioso.
— A madrugada? — repetiu, incrédulo. — Cê tá tentando me convencer de que passou a
madruga toda na safadeza com Lovezinha e outros três malucos? Eu tenho cara de otário, mané? —
Gargalhou.
Por que o desgraçado não estava acreditando na minha mentira? Eu era a porra de um
surubeiro! Isso merecia algum crédito!
— Tenho certeza de que cê até tentou, achando que daria conta de dividir, mas não aguentou
um minuto, mermão! — Deu uma risada.
— Menos de trinta segundos — admiti, e ele quase se engasgou, de tanto rir.
— Por mais que isso tudo seja engraçado pra boné, precisamos falar sobre uma coisa séria,
crianças. — Adotando um semblante sóbrio, ele nos endereçou um olhar solene. — Vou fazer uma
pergunta, e espero que a resposta seja afirmativa, beleza?
— Sim, papai, foi só essa vez. Braz e eu não vamos transar de novo, foi coisa de uma noite
só. — Leona se adiantou, e o pai dela soltou outra gargalhada.
— Pera. Quero ver se eu entendi. — Ergueu a mão, controlando o riso. — Depois que
desistiram da suruba, cês dois se trancaram no quarto, passaram a noite inteira no crime, desceram
desse jeito e tão achando que...
— Desse jeito como? — perguntamos ao mesmo tempo.
Ele achou tão hilário que dobrou o corpo, apoiando-se nos joelhos enquanto ria.
— Seu pai é doido — comentei.
— Sou obrigada a concordar. — Leona achou graça.
— Chega. — Luís Guerratto endireitou a coluna, engolindo as risadas. — Vamos voltar ao
papo sério. — Limpou a garganta. — Camisinha. — Jogou a palavra no ar, em uma pergunta
implícita.
— Papai, eu não tenho quinze anos! — Leona reclamou.
— Os caras estavam usando? — Ele ignorou o argumento.
— É claro! — Ela fez uma careta ofendida. — Todas as pessoas que participaram da suruba
estavam. Não sou besta. Liguei para uma farmácia, pedi um monte de pacotes e espalhei pela casa
antes de o povo chegar. Depois, percebi que nem precisava ter feito isso. Todo mundo trouxe. Tinha
camisinha para todo lado, de todo tipo!
Leona usara a lista de contatos de Ferrão, e ele não convidava qualquer um para participar
das farras em sua casa. Eram todas pessoas bem instruídas e com um grande senso de
responsabilidade, a maioria do nosso círculo social.
Eu não era o único cara que se submetia a exames regularmente. Todos faziam isso, mesmo
usando preservativo sempre. As mulheres se cuidavam da mesma maneira, além de fazerem uso de
outros métodos contraceptivos.
Não dava para viver sob a égide do nosso estilo de vida sem tomar certas precauções.
Eu transava de camisinha desde que perdera a virgindade. Só transei sem proteção duas
vezes: quando fiz um bebê e quando implorei para transar com a mãe do bebê.
Tinha acabado de desencapar o pau quando esbarrei em Leona no corredor. Mal tinha usado
a camisinha, mas, quando decidi ir atrás dela, tirei aquela merda e subi as escadas correndo.
Aconteceu rápido demais. Em um estalar de dedos, estávamos transando sem nada, pela
segunda vez.
No quarto, enquanto descansávamos após toda a intensidade da primeira foda, conversamos
sobre isso e decidimos não chorar pelo leite literalmente derramado. Ela me mostrou os exames que
havia feito assim que soube que estava grávida, e estava tudo certo. Nenhuma doença sexualmente
transmissível. Eu também estava limpo. Então, só aproveitei a sensação deliciosa de foder sem
qualquer barreira.
Era viciante. Talvez, transar com ela fosse tão bom por causa disso.
— Tá, mas você chupou algum pinto sem camisinha? — Luís perguntou, e eu fiquei pasmo
com a facilidade com que falava de sexo com a filha.
— Só chupei Braz. Ele chegou antes de eu chupar os outros, e eu já disse que os caras
estavam encapados, papai — contou, com a maior naturalidade.
Como ela conseguia falar aquele tipo de coisa ao próprio pai sem ficar mortalmente
constrangida? Eu estava constrangido!
— Seu pinto também estava encapado, Belmonte? — A pergunta me fez desejar que o chão
se abrisse e me engolisse de uma só vez.
— Podemos parar de falar disso? — pedi, tão encabulado que podia sentir a cara quente. —
Não tem nada a ver esse assunto!
— Ai, que bonitinho! Você está vermelho, Chucky! — Braços delgados me envolveram.
— É claro que tem! — o pai dela retrucou. — Preciso saber se a saúde da minha filha e do
meu neto não estão em risco. Você transou com outras mulheres nessa suruba?
Abandonando meu corpo, Leona me fitou. A recente fisionomia divertida desaparecera.
Inexpressiva, apenas aguardava a resposta.
Obviamente, eu não havia contado essa parte. Inclusive, tirei a borracha do pau ao ir atrás
dela para facilitar minha vida. Achei que seria mais fácil convencê-la a transar só comigo se não
soubesse que eu tinha tentado transar com outras.
— Aconteceu, mas, obviamente, eu usei camisinha — revelei.
Lábios entreabertos evidenciaram sua descrença.
— Quando foi isso? — perguntou, indignada.
— Foi depois de te deixar no quarto com aqueles filhos da puta! — berrei, estressado. —
Até agora não acredito que você organizou uma suruba, Leona!
— Eu não teria organizado se você tivesse transado comigo antes, seu idiota! — ela
devolveu, com os olhos chispando. — Comigo é assim, Bráulio. A fila anda! Não quer? Tem quem
queira! Você não quis? Três quiseram!
— Você acha que eu não queria? Eu queria, porra! Mas não podia! — explodi.
— Não podia por quê? Posso saber? — Cruzou os braços, expressando o ápice da fúria.
O pai dela estava rindo, parecendo achar tudo muito divertido.
— Seu pai me proibiu! — Estiquei o dedo na direção dele.
— Ah, conta outra, Bel! — contestou, em meio ao riso. — Lovezinha dormiu na sua casa e
cê negou fogo, mermão! Precisou de duas proibições antes de partir pro ataque! Cara nenhum
respeita proibição paterna, maluco! É só proibir que o sujeito fica ainda mais doido pra dar uma
sapecada! Não sei por que cê resistiu, só sei que não teve nada a ver comigo. Se eu precisasse
arriscar um palpite, diria que ficou com medo de gamar!
Caralho... Ele meio que tinha acertado um dos motivos...
Mas não foi isso o que mais me abismou.
— O senhor proibiu de propósito? — Manifestei meu assombro.
— Que mané senhor! — Ele riu. — Sou novo demais pra ser chamado de “senhor” fora da
empresa. E é claro que foi de propósito, maluco! Cê acha que eu sou tapado? Vivi dez anos de
proibidão com minha Lovezona. Posso garantir que proibido é mais gostoso. Tentei melhorar as
coisas pra Lovezinha. Mas cê não tava querendo colaborar, misera! Fiquei mó decepcionado. Mas
agora tô feliz, porque minha filha tá satisfeita. Cê tá aprovado, Bel. Mas vê se não vacila com ela!
Senão, aquela cena que vai te atormentar pelo resto dos seus dias vai se transformar em duas, três,
quatro. Fica ativo! Bota a minhoca pra trabalhar!
Soltei uma risada, achando tudo aquilo surreal demais. Ao mesmo tempo, senti um alívio do
caralho. Ele não me odiava. Não me achava inadequado para a filha dele.
Quero dizer, para ser o pai do neto dele.
— Não é uma minhoca, é um tubarão — Leona corrigiu, em um tom raivoso.
— Tubarão... — Luís balançou a cabeça, achando graça. — Deve ser uma piaba! —
Gargalhou, e eu também.
O barulho brusco de algo sendo largado no piso chamou a nossa atenção para o zumbi
parado no hall, ao lado da mala.
— Luan? — Leona olhou para o irmão como se fosse a última pessoa que esperava ver ali.
Sem dizer nada, ele se aproximou do pai.
— Oi, pai. — Deu-lhe um abraço. — E aí, Braz? — Bateu no meu ombro e se virou para
irmã, visivelmente puto. — Nunca mais se meta no caralho da minha vida. Da próxima vez que tiver
uma das suas ideias geniais, enfia no cu. — E saiu andando rumo às escadas.
— Ficou doido, porra? Isso não é jeito de falar com ela! — vociferei.
— Vá se foder! Eu falo do jeito que eu quiser! — Ele se virou, transtornado.
— Não. Não fala. Volta e peça desculpas a sua irmã — o pai dele ordenou.
— Mas...
— Agora.
Ferrão bufou, irritado.
— Desculpa — pediu, ao estacar diante dela.
— O que aconteceu? — Leona quis saber.
— Onde você estava, Luan? — Luís questionou. — Disseram que viajou, mas ninguém
soube informar para onde. Liguei agora de manhã, e você não atendeu.
— Perdi o celular. Coloquei no bolso da jaqueta e, no caminho, percebi que não estava mais
lá. — Ele suspirou, parecendo exausto.
Olhei para a ladra, e ela desviou os olhos, se fazendo de inocente.
— Não perdeu, ficou aqui. Deve ter... sei lá... caído do seu bolso? Achei no chão. E ele
estava... na casa de praia de um amigo, papai. A festa foi cancelada, Luan? É por isso que você está
tão puto? — perguntou, mirando o irmão.
— É. Vou dormir. — E começou a subir os degraus.
— Mais tarde vou ter uma conversa séria com esse moleque — Luís comentou, como se
estivesse falando consigo mesmo. — Agora, preciso ir. — Deu uma olhada no relógio. — Lovezona
já deve tá pronta pro nosso passeio! Tchau, Lovezinha! — Beijou a testa da filha. — A gente se vê na
empresa, Bel.
— Então não estou demitido? — Achava que não, mas não custava perguntar.
— Como é que vou demitir meu futuro genro, maluco? — Rindo, deu duas batidas nas
minhas costas e saiu andando.
O cara era o melhor pai do mundo. E seria o sogro mais foda, para quem se casasse com a
filha dele.
Não seria eu.
E isso me entristecia.
Se tivesse nascido para ter uma família, ia querer fazer parte daquela. Mas a minha sina era
ser sozinho. E levemente infeliz.
Estava tudo certo. Eu não queria e nem precisava viver em um comercial de margarina.
Podia muito bem continuar vivendo do meu jeito, tendo meus momentos de felicidade em minhas
diversões noturnas.
— Não vou te acompanhar até o portão. — Leona indicou a porta, assim que ficamos a sós.
O olhar caloroso de quando descíamos as escadas minutos antes tinha desaparecido. Em seu
lugar, havia frieza. Uma indiferença premeditada recobria suas íris.
Suspeitei de que estivesse chateada por eu ter transado depois que a deixei no quarto.
— Leona... — iniciei, disposto a esclarecer as coisas, revelando que dei duas metidas e
desisti, porque era ela que eu realmente queria naquele instante.
— Tenho muita coisa para fazer hoje. Se puder ir logo, eu ficaria grata. — Seu braço
continuou estendido, apontando a saída.
Suspirei. Era melhor assim. A noite já tinha mesmo ido embora. E no novo dia não existia
um futuro para nós.
— Tudo bem. — Ajoelhei-me diante dela e ergui o rosto. — Posso me despedir do meu
filho?
Aquiesceu, parecendo um pouco decepcionada. Decerto achava que eu ia lamber seus pés,
implorando que me levasse até a porta, como eu se fosse a porra de um cachorro!
— Tchau, filho. Ou... filha. Hum... Bebê? Você prefere “bebê”, né? Tchau, bebê. — Beijei
sua barriga e me levantei. — Até segunda, Dragão. — Dei-lhe as costas, indo embora sem olhar para
trás.
No carro, eu me senti estranhamente vazio. Oco. Triste. Não seria incomum e muito menos
inesperado, se eu não tivesse me sentido tão feliz quando acordei naquela manhã.
O que era bom durava mesmo pouco, muito pouco.
Assim que cheguei, liguei para uma clínica especializada em obstetrícia e agendei uma
consulta, para iniciarmos o pré-natal. Precisava avisá-la na segunda-feira.
O resto do dia foi uma verdadeira bosta. Não fiz nada útil, além de malhar nos equipamentos
da minha casa. Não tive ânimo para sair, e não estava a fim de ver ninguém. Dormi quase o dia todo.
À noite, preparei meu jantar e comi sozinho, na minha cozinha monocromática, reluzente e
grande demais.
Por que eu morava em um lugar daquele tamanho? E por que tudo parecia tão sem cor?
Pensando nisso, peguei a garrafa que tinha buscado na adega e virei o gargalo na taça que
tinha acabado de esvaziar. O líquido rubro não deslizou no bojo. Não havia sobrado uma gota sequer.
Não achava que tinha o direito de reclamar, com todos os meus privilégios e regalias, mas
odiava a minha vida. Odiava de verdade.
E odiava beber, principalmente porque não queria ser parecido em nada com o meu pai.
Porém, em certos momentos, o álcool era a minha única companhia.
Às vezes, me perguntava por que não tinha sido eu a pessoa esquecida naquele carro. Tudo
teria sido tão mais fácil...
Não me lembro de ter me deitado, mas, no dia seguinte, acordei na minha cama, com uma
leve dor de cabeça, que piorava a cada vibração do meu celular.
A princípio, ignorei. Ninguém deveria incomodar os outros em pleno domingo de manhã.
Que o folgado fosse se foder.
Então, me dei conta de que Briana podia estar precisando de mim e, mais que depressa,
estendi a mão e capturei o aparelho, que provocava um pequeno terremoto sobre a mesa de
cabeceira.
Mirei o visor e me sentei no mesmo segundo.
— Bri? — Atendi, preocupado.
— Bom dia, priminho! — Sua voz animada me tranquilizou. — O que você acha de levar
sua priminha linda para dar um rolê naquele clube grã-fino que você frequenta?
— Mas você nem gosta de clube... — Não contive um bocejo.
— É que me deu uma vontade muito grande de nadar — ela justificou.
— Tem piscinas no seu prédio — informei o óbvio. — E, se quiser nadar aqui na minha
casa, sabe que nem precisa pedir.
— Quero ver gente, Braz! Conhecer pessoas novas! Espairecer! — Pelo entusiasmo,
imaginei seus gestos expansivos.
— Achei que já tivesse conhecido o amor da sua vida — provoquei. — Inclusive, fiquei
sabendo que vocês dois...
— Se está falando de Ramiro, é página virada! Não quero ver aquele imbecil nem pintado
de ouro!
— O que ele fez com você? — perguntei, já imaginando os socos que eu daria naquele filho
da puta.
— Nada. E o problema é justamente esse! Ontem eu apareci na casa dele. Queria fazer uma
surpresa, usando uma lingerie perfeita que eu comprei, e sabe o que aquele idiota fez? Falou que não
ia abrir a porta! Fiquei plantada, até perceber que ele realmente não ia abrir. Pois agora não quero
mais nada com ele! Que vá fazer cu doce no inferno, no tacho do capeta!
Acabei rindo, sabendo exatamente por que o trouxa tinha arregado.
— Enfim... — ela continuou. — Tô querendo me distrair. Você bem que podia me levar para
tomar um solzinho. Vitamina D é muito importante para a saúde!
— Tudo bem, a gente se encontra lá — avisei, já matutando umas coisas.
Assim que desliguei, busquei o contato de Ramiro e fiz a ligação.
Depois de várias tentativas, ele finalmente atendeu.
— Alô? — Pela voz, estivera dormindo segundos antes.
— Fala, Mirão! — Dei um berro.
— Caralho, Braz! Eu estava dormindo, porra! — rosnou.
— Percebi. — Dei uma risada.
— O que você quer, desgraça? — O mau humor me divertiu.
— Quero ir agora de manhã pro clube. Topa?
— Não, eu só quero dormir, cara, só isso. Tenho planos de apagar o dia todo, para fugir das
ciladas do inimigo. O cão me tentou ferozmente ontem, eu resisti, e o maldito não desistiu! Olha só
ele te usando pra me levar para um lugar cheio de mulheres seminuas! Resisti ao diabo, e ele fugirá
de vós. Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. Resisti ao diabo, e ele fugirá de vós. — Começou a
repetir, como um mantra.
Reprimi o riso, em prol do sucesso do meu plano.
— Miro, eu não ia te contar, mas foi Briana que me chamou para ir ao clube. Ela me contou
que você não abriu a porta ontem e tá furiosa. Disse que comprou um fio-dental e me pediu para
apresentá-la a uns amigos nossos. É minha prima, né? Não posso negar um pedido dela. Enfim... Se
você não quer ir, beleza. A gente se vê na segunda. — E desliguei, me sentindo um gênio.
Agora, tudo o que eu precisava fazer era permanecer no conforto da minha residência
enquanto os dois iam para o clube. Lá, eles se entenderiam e logo me agradeceriam por ser o cupido
mais inteligente de todos os tempos.
Estava largando o celular, disposto a voltar para o meu travesseiro, quando uma mensagem
piscou na tela:
Esqueci que a droga da árvore destruiu meu carro. Você pode passar aqui para me
buscar?
Eu também tinha me esquecido disso quando sugeri que nos encontrássemos no clube.
Como queria me recuperar da pequena ressaca, pensei em simplesmente pedir para Ramiro
ir buscá-la, mas conhecia a teimosia de Briana. Ela era perfeitamente capaz de não abrir a porta para
ele. Seria a vingança perfeita, uma que Miro realmente merecia. Contudo, se os dois fossem para o
clube, as pirraças e provocações de minha prima resultariam no ciúme de meu amigo, e isso seria
divertido demais de assistir. Que se fodesse a minha dor de cabeça!
Cerca de trinta minutos depois, de banho e café tomados, eu estacionava diante do prédio
dela.
Quando atravessou as portas, parecia um raio de sol. O cabelo loiro, preso em um comprido
rabo-de-cavalo, reluzia, assim como o sorriso que abriu ao me ver parado na entrada.
— Bom dia! — Beijou minhas bochechas e se afastou. — Nossa, você está tão cheiroso! E
um pecado com esses óculos escuros! Benza Deus! Odeio que todos os genes bons da família ficaram
com você, cachorro! — Ganhei um tapa no braço.
— Bom dia, Bri! Eu sou o cachorro, e você é a gata — brinquei, observando a minissaia
branca e a parte de cima amarela, presa ao pescoço por duas tiras finas.
Estava linda, como sempre.
— Idiota. — Rindo, começou a andar, e eu a segui.
Abri a porta, esperei que se acomodasse, fechei e caminhei até o assento do motorista.
— Já entrei em contato com a seguradora, informando a ocorrência do sinistro. Logo seu
carro novo chega — avisei, assim que comecei a dirigir.
— Ah, que bom — ela comemorou, mas não pareceu muito animada. — Quero dizer, é
realmente uma notícia excelente, agora que não vou mais pedir carona para Ramiro.
— Briana, você gosta mesmo dele? — sondei.
— Claro que não! — ela negou de imediato. — O que eu queria com Ramiro já consegui.
Dormi com ele e nem foi tão bom quanto pensei que seria. Foda meia-boca, sabe? Nem sei por que
fui à casa dele ontem. — Contemplou o trânsito pela janela, fazendo uma pausa breve. — Aliás, sei,
sim. Fiquei com pena, é isso. Não queria que ele se sentisse rejeitado por ter um pau do tamanho do
meu mindinho!
Minha gargalhada ressoou dentro do veículo.
— Briana, eu tô dirigindo! Não posso rir! — Tentei me concentrar na direção.
— É sério. Não fez nem cócegas! Que decepção! — Ela continuou falando sobre o pinto de
Ramiro, como se eu nunca tivesse visto aquela merda. — E ele ainda teve a coragem de me rejeitar,
como se eu fosse uma péssima fodedora! Eu sou maravilhosa! Fiz loucuras com aquela rola...
medíocre dele!
— Podemos mudar de assunto? — pedi, ligeiramente incomodado.
Tudo o que eu não queria era imaginar minha prima transando. Muito menos com meu amigo!
— Podemos. Como está o meu afilhado? E a mãe dele? — Pude sentir seus olhos em mim,
como se estivesse pronta para espreitar minha reação.
— Ótimos. — Fui sucinto.
— Você transou de novo com ela? — Briana foi direta.
— Não. — Tinha sido uma única vez e, como não ia se repetir, não havia motivo para
revelar. — Como vão as coisas na faculdade? E a semana de provas, como foi?
Ela começou a contar, e o assunto só acabou quando chegamos ao clube.
— Nossa, eu morri e tô no céu? Só tem deuses aqui! — vibrou, enquanto perambulávamos
pelo espaço. — Olha aquele... Que delícia! Pai de misericórdia, olha esse que tá vindo...
— Braz! — Por coincidência, o cara me chamou e, ao fitá-lo, percebi que era um dos
irmãos de Ramiro. — Há quanto tempo, cara! — Aproximando-se, estendeu o braço.
— Fala, Ruizão! — Ergui a palma, e trocamos um cumprimento. — Sumiu demais, porra!
Casou? — brinquei.
— Ainda à procura da minha cara-metade. — Olhou para a mulher ao meu lado, como se só
então tivesse notado sua presença.
— Esta é Briana, minha prima. — Apresentei. — Briana, este é...
— Rui — ele me interrompeu. — Muito prazer, Briana. — Deu um passo, beijando-a no
rosto.
— O prazer é meu. — Ela sorriu, escancarando o interesse.
— Já conhece o clube? — perguntou, dando uma conferida nos peitos dela.
Quanto amadorismo! Que espécie de homem não sabe manjar peitos discretamente?
— Ainda não. — Ela tinha acabado de reparar no umbigo do sujeito? Ou eu estava ficando
louco?
— Posso ser seu guia? — Rui ofereceu. — Conheço cada canto deste lugar. E seria um
prazer te mostrar todos eles.
— Eu adoraria! — minha prima concordou.
Puta merda! Antes que aquilo evoluísse e virasse uma merda gigantesca, eu precisava avisá-
la que Rui era irmão de Ramiro e contar a Rui que o irmão dele estava interessado nela!
Abri a boca para despejar tudo, mas me aquietei de repente, porque, a poucos metros de
distância, avistei a última pessoa que esperava encontrar ali.
E ela caminhava em minha direção, com os olhos fixos nos meus.
— Oi, Braz! — Quase engasguei quando a loira estonteante me alcançou.
É tão mais fácil
Ele estava em cada centímetro quadrado do meu quarto e em todos os meus pensamentos.
Naquela manhã, tinha se apropriado até do meu sono.
Apesar de todo o repertório libidinoso que havíamos construído na sexta-feira, não fantasiei
com nada do tipo.
No sonho, nós nos beijávamos na chuva, sob um céu crivado de raios.
Não tinha lógica alguma e jamais aconteceria de verdade, mas foi tão bonito e intenso que
acordei suspirando.
Ainda sentindo os efeitos em cada poro do meu corpo, abracei o travesseiro ao lado,
afundei o rosto na suavidade do tecido e inalei o aroma particular.
Desvanecido, o cheiro era um mero resquício, que minhas narinas mal sorviam, mas saber
que ele estivera deitado ali evocou minhas memórias olfativas, e foi como se estivéssemos juntos
outra vez.
De olhos fechados, permiti que minhas lembranças suscitassem as melhores sensações.
O calor de sua pele, a textura áspera do maxilar raspando na minha garganta, a maciez de
sua boca. O som de sua voz, a leveza dos beijos, o peso dos músculos sobre o meu corpo.
Seria tão bom reviver tudo de novo...
Se eu o chamasse, será que Braz toparia?
O que ele estaria fazendo naquele momento?
Era domingo de manhã, e a resposta óbvia dissipou minhas tolas ilusões.
Frustrada, movi a cabeça, mirando o teto do dossel.
É claro que ele estava na cama, com não sei quantas mulheres, enquanto eu estava ali, na
companhia de um travesseiro!
Em um arroubo, eu me sentei, agarrei a fronha e puxei com força, disposta a rasgar aquela
merda.
Não consegui.
Parecia ser fácil nos filmes, e meu fracasso lamentável só serviu para me irritar ainda mais.
Possessa, levantei-me e abri várias gavetas, revirando tudo à procura de algo afiado.
Encontrei uma tesoura pequena, que usava para aparar as sobrancelhas. Não era a arma letal
que eu estava procurando, mas serviria para assassinar o maldito travesseiro.
Pulei nele e o esfaqueei múltiplas vezes, completamente vencida pela loucura.
Longe de descontar toda a minha ira, larguei a faca improvisada, enfiei os dedos em uma das
fendas, e a raiva que me consumia estraçalhou o algodão egípcio, libertando as plumas de ganso.
Ajoelhada no meio da cama, cercada pelas esvoaçantes penas brancas, eu me senti
satisfeita.
Pronto. O quarto e eu estávamos livres dele e de sua presença irritante.
Deixei as costas penderem sobre os lençóis, observando toda aquela alvura alçando voo.
— Oh, look what you made me do, look what you made me do... — cantarolei, culpando o
desgraçado pelo meu desatino.
Insanidade corria pelas minhas veias, impulsionando meus atos alucinados.
Movida pela vontade de extravasar ainda mais, coloquei a música para tocar no volume
máximo e comecei a dançar em cima do colchão, dublando a Taylor Swift e fazendo um show para
mim mesma.
— The world moves on, another day, another drama, drama! — Precisei gritar nessa parte.
Caprichando na coreografia, com a mão fechada em um simulacro de microfone, segui a
letra, cantando cada verso.
— I'll be the actress starring in your bad dreams... — declarei, como se estivesse em um
pedestal, rodeada por várias versões do mesmo homem.
Instantes antes da minha parte favorita, a tela do meu celular se iluminou sobre o criado,
acusando uma ligação.
— I'm sorry, the old Leona can't come to the phone right now. Why? Oh, 'cause she's
dead! — Recitei e caí na risada, maravilhada com o timing perfeito.
Era como eu me sentia. A velha Leona estava morta. A nova Leona não perdia tempo
pensando em macho. E muito menos cheirando travesseiro usado por macho!
Decidida a ignorar quem quer que fosse, continuei me divertindo em minha performance de
diva do pop.
Estava pulando ao som do refrão quando Luan surgiu feito um fantasma, ocupando o vão da
porta aberta.
Levei um susto tão grande que soltei um grito, levando a palma ao peito.
Sem dizer nada, ele entrou e desligou o som.
— Você ficou louca? — O berro imperou no silêncio súbito.
— Foi mal, esqueci de fechar a porta — lamentei, porque, se tivesse fechado, o isolamento
acústico teria me permitido fazer meu espetáculo sem incomodá-lo.
— Não estou falando do barulho, mas de você pulando em cima cama! E se cai dessa
merda? Você está grávida, Leona! Não pode fazer esse tipo de coisa! — Gesticulou, irritado.
— Ah... — A irresponsabilidade da atitude me atingiu e reforçou o despreparo que residia
em mim desde que descobri que seria mãe.
Eu não estava pronta para aquilo. Quase nunca me lembrava do bebê. Ele simplesmente não
era uma prioridade na minha vida. E isso me assustava demais, porque deveria ser.
— Vem, desce. — Aproximou-se, oferecendo a mão.
Segurei seus dedos, pisando no tapete e sepultando a euforia e a efêmera felicidade de
segundos atrás.
Sentei-me no colchão e levei as mãos à barriga.
Sob a saliência quase imperceptível havia alguém frágil, que precisava de todos os
cuidados e da minha urgente proteção.
— Vou marcar uma consulta na segunda-feira — falei, mais para mim mesma que para ser
ouvida.
— Vou te lembrar disso. — Meu irmão se sentou junto a mim e, por instantes, ficamos
calados.
O novo tremor repentino do meu celular lançou minhas vistas para o móvel ao lado. Luan
também olhou e, ao ler o nome no visor, pegou o aparelho e aceitou a ligação.
Com a tela pressionada contra a orelha, não disse palavra alguma. Apenas escutou.
Do outro lado da linha, os alôs de minha prima ecoavam. Fracos para mim e perfeitamente
audíveis para ele.
Desligou de repente, emudecendo-a e ensimesmando-se.
Quieto, mirou os vidros da janela, olhando além da sacada, para as nuvens brancas que
nadavam em um mar muito azul.
Entrelacei nossos braços e apoiei a cabeça em seu ombro, admirando o céu e oferecendo-
lhe o tempo de que precisava.
Tinha passado o dia anterior trancado no quarto. Papai havia conversado com ele durante a
tarde. Não conseguiu fazer com que meu irmão se abrisse e me perguntou se eu sabia o que estava
acontecendo. Tentei ludibriá-lo, convencendo-o de que Luan estava apenas mal-humorado pelo
“cancelamento da festa”. Papai pareceu acreditar, mas eu o julgava esperto demais para cair no
pretexto que eu inventei.
— Desculpa por ter estourado com você quando cheguei da viagem. — O tom calmo se
aconchegou em meus ouvidos. — O erro foi meu, por cogitar contar pra ela e por achar que as coisas
poderiam dar certo.
— O que aconteceu, Lu? — Ergui o pescoço, buscando seus olhos. — Ontem passei o dia
todo tentando falar com ela, mas não respondeu minhas mensagens nem atendeu nenhuma das minhas
ligações.
— Devia estar ocupada demais com o namorado. — Raiva e rancor impulsionaram sua voz.
— Que namorado? — A minha subiu várias oitavas. — Lisa não tem namorado!
— Agora tem. — O músculo tremulou sob a mandíbula, ondeando os infinitos pontinhos
dourados da barba por fazer. — Mas não importa. Descobri que não gosto dela como pensei. Não sei
de onde tirei esse absurdo. — Balançou a cabeça e me fitou. — Por favor, esquece que um dia ouviu
aquela merda saindo da minha boca. Eu estava bêbado, não fazia ideia do que estava dizendo. No dia
seguinte, quando você me contou, achei que pudesse fazer algum sentido, mas não faz. É óbvio que
não estou apaixonado pela minha prima! — Soltou uma risada nervosa.
— Só que...
— Não quero mais falar disso, Leona. Nunca mais. Se você contar esse meu equívoco a ela
ou a qualquer pessoa, não vou te perdoar. Nunca. — O olhar severo atestou a seriedade da promessa.
— Não vou contar para ninguém, eu prometo — assegurei.
— Apenas esqueça essa porra. Eu já esqueci. Agora, por exemplo, vou fazer o que faço de
melhor. — Seus cento e noventa centímetros se esticaram.
— Merda? — Ergui o rosto para fitá-lo, e ele riu.
— Tô saindo e não sei quando volto. Não faça nada arriscado. E, se precisar de alguma
coisa, me liga. — Beijou o topo da minha cabeça e se foi.
Definitivamente, eu precisava investigar melhor aquela história.
Mas, primeiro, precisava de um banho.
Assim que fiquei sozinha, fui para o banheiro e fiquei pensando em tudo aquilo enquanto a
água lavava meu corpo.
Depois de me vestir, decidi ligar para Lisa.
— Você está namorando? — despejei, assim que fui atendida.
— Ah, Luan contou... Falando nisso, você sabe por que ele não está atendendo as minhas
ligações? Foi embora do nada, nem se despediu. Achei que fosse ficar pelo menos uma semana aqui
em Príncipe Serrano. Mas, quando passei lá na casa de vocês, um dos funcionários disse que ele já
tinha voltado.
— Ele perdeu o celular, não sei se achou — improvisei. — E veio embora porque... eu
passei mal.
— Você passou mal? Por causa do bebê? Está tudo bem? — Um tom preocupado permeou o
interrogatório.
— Foi só um mal-estar. Mas sabe como Luan é exagerado. Veio correndo assim que soube.
— Ah, que bom que não foi nada grave. E ainda bem que ele foi embora por isso. Achei
que tivesse ido por algum outro motivo. — Era impressão minha ou ela tinha soado um pouco
decepcionada?
— Outro motivo? Como assim? Aconteceu alguma coisa entre vocês? — Decidi me fazer de
besta.
— Alguma coisa? Que tipo de coisa poderia ter acontecido? Não aconteceu nada! — Ela
praticamente gritou.
— Eu estava me referindo a algum tipo de briga. Vocês discutiram ou algo assim? —
Continuei interpretando meu papel de idiota.
— Ah, entendi. — Ela pareceu aliviada. — Não, não discutimos nem nada. Quando supus
que ele poderia ter voltado por algum outro motivo, estava só fazendo um comentário aleatório.
— Sei.
— Ele está por aí? — Se captou minha ironia, Lisa preferiu ignorar.
— Você quer falar com ele?
— Não, não! Perguntei por perguntar.
— Ah, ainda bem. Porque ele acabou de sair, avisando que não tem hora para voltar.
— Hum — ela murmurou e ficou quieta.
— E esse seu namoro? — Rompi o silêncio. — Nem acreditei quando fiquei sabendo. Você
nunca namorou, vivia dizendo que não ia mexer com isso por agora...
— Tudo pode mudar, né? Mas e você, alguma chance de voltar com Quim?
Joaquim... Há quanto tempo eu não pensava nele?
Não o via há dias. Não sabia nem se tinha ido para uma das filiais.
Esperava que não. Esperava que voltássemos a conversar normalmente e que, um dia,
pudéssemos retomar pelo menos a amizade.
Não guardava rancor por ele ter decidido terminar o namoro.
Em circunstâncias normais, ninguém assumiria o filho de outro cara se não estivesse
apaixonado de verdade pela mulher em questão. Joaquim não me amava o bastante, e estava tudo
bem.
— Gosto muito dele, mas acho que não temos a menor chance de voltar. — Uma pitada de
tristeza temperou minha voz. — Queria que déssemos certo, mas as coisas nem sempre acontecem da
maneira que a gente quer. Provavelmente, foi melhor assim.
— É, com certeza foi — Lisa concordou. — E o pai do seu filho, hein?
— O que tem ele? — Meu peito deu um solavanco.
— Fiquei sabendo que é um deus pacotudo! A informação procede? — Ela riu.
— Não, não procede! — Minha indignação escapou em alto e bom som.
Ela estava louca se achava que eu ia fazer propaganda do meu... Quero dizer, do tubarão!
— Procede, sim, sua mentirosa! Eu estava fuçando as redes sociais dele e...
— Você estava o quê? — grasnei. — Que redes sociais? E com que direito?
— Com o direito que a internet me dá! Mas fica calma, não precisa ficar com ciúme,
prima... — A risadinha me irritou até o último fio de cabelo.
— Que ciúme, garota? Deixa de ser doida! — Forcei uma risada. — Preciso ir. Esqueci que
tenho umas coisas para fazer agora de manhã. — E desliguei na cara dela.
Instigada pela mera curiosidade, decidi dar uma olhadinha nas redes sociais de Bráulio.
Assim que entrei na minha conta, o feed carregou e um rosto que eu conhecia muito bem
surgiu diante dos meus olhos.
Na selfie, Luan aparecia todo sorridente e banhado por um facho de luz solar. O cabelo
dourado que eu tanto invejava brilhava mais que o normal. As mechas fartas e sedosas do topete
pareciam fios de ouro.
Sob sua cabeça, o céu exibia um tom vívido, contrastando com a palidez das íris
acinzentadas que pareciam olhar para mim.
A legenda era ridícula: “cheguei para pescar umas sereias!”.
No campo destinado à localização do post, identifiquei o nome do clube que vários
membros da minha família frequentavam.
Anos atrás, antes de me mudar para o exterior, eu tinha visitado o lugar algumas vezes com
meus primos e me lembrava de sua vastidão e da beleza dos espaços planejados para o
entretenimento e relaxamento dos sócios.
Tinha de tudo, menos playgrounds e piscinas infantis, porque crianças não eram bem-vindas
ali.
No fundo da imagem capturada por meu irmão, uma infinita superfície azul, orlada por
espreguiçadeiras e guarda-sóis, descansava em meio a uma exuberante área verde.
O clique havia congelado várias mulheres em trajes de banho minúsculos e um homem
seminu. Sua pele bronzeada e o corpo alto e musculoso estavam cobertos apenas por um short preto.
Eu não podia acreditar no que estava vendo!
Deslizei dois dedos na tela, e o zoom máximo confirmou minhas suspeitas.
Perto da borda da piscina, no canto da foto, o sem-vergonha que chamo de pai do meu filho
arreganhava os dentes para uma mulher loiríssima!
A filha da mãe estava de costas e, após o impacto inicial, meu cérebro tentou me convencer
de que existia a possibilidade de ser Briana. Porém, meus neurônios protestaram.
O cocuruto da desconhecida batia na altura do peito dele, o que significava que não podia
ser sua prima, porque ela não era tão baixa.
A saída de praia da mulher tinha uma estampa de bolinhas coloridas e deixava à mostra
apenas suas pernas torneadas, mas eu podia apostar que, por baixo, a safada estava usando uma
calcinha toda enfiada no rego!
De repente, me deu uma vontade muito grande de nadar!
Corri até o closet e escolhi o menor biquíni que eu tinha. Era um fio-dental vermelho, que
vó Olívia tinha me dado de presente e que eu nunca usara. Além de não ter tido a oportunidade de
usá-lo longe dos trópicos, era um pouco mais revelador e chamativo do que eu gostaria.
Mas, naquela manhã, era ideal.
Não me importava com as safadezas de Braz. Ele que seduzisse quantas loiras quisesse!
Mas eu também ia dar em cima de uns loiros, para esfregar na cara daquele desgraçado!
Assim que fiquei pronta, peguei uma bolsa, enfiei minhas coisas e desci, disposta a sair
imediatamente. Porém, o minidragão que habitava meu corpo deu um berro, usando meu estômago
como porta-voz.
— Depois a gente come! Agora tô com pressa! O burro que você chamará de “papai” está
aprontando! — resmunguei, e ele retribuiu com um ronco ainda mais alto que o primeiro.
Juro que ouvi um “me dá comida e me dá logo, sua arrombada, antes que eu comece a tocar
o terror aqui dentro!”.
— Escuta aqui, Júnior... — Firmei as mãos na barriga, olhando para baixo. — Se você está
achando que eu vou parar a minha vida para te dar comida, você acertou, bebezinho lindo, malcriado
e piscopatinha da mamãe! — E levei a gente até a cozinha.
Ao mesmo tempo em que alimentava meu faminto filhotinho de cruz-credo, eu fuçava o
perfil de Luan.
Precisava ver se ele tinha postado mais alguma coisa, apenas para saber o que meu irmão
andava fazendo.
Só que não havia nada recém-postado, além da foto que eu já tinha visto.
Estava analisando tudo novamente quando, entre as curtidas, notei a de Lisa.
E ela tinha deixado um comentário: “Boa pescaria! Mas sereia é pros fracos! Ainda bem que
eu sou piranha! ;)”.
Soltei uma risada e balancei a cabeça, desgostosa, ao ler a resposta dele: “sereia é pra
quem tem vara que dá conta de pescar rabão ;)”.
A tréplica dela me fez rir: “piranha é pra quem sabe usar a vara ;)”.
“KKKKKKKKKKKKKKK! QUE BAIXARIA É ESSA? SEJAM MENOS ÓBVIOS OU A
FAMÍLIA VAI DESCOBRIR TUDO, OTÁRIOS”, digitei, mas apaguei a última parte antes de enviar.
Então, deixei os dois passando vergonha e fui cuidar da minha vida.
Enquanto mordia uma fatia de pão integral, dei uma pesquisada nas pessoas que meu irmão
seguia e encontrei o perfil de Braz.
Chegava a ser revoltante o quanto o feed era perfeito. Ele exibia aquela cara irritantemente
linda em todos os ângulos e expressões possíveis.
Não havia nenhuma atualização desde a semana anterior, mas, em vários cliques, estava
(uma perdição) de óculos escuros e com o peitoral (delicioso) exposto, em um cenário conhecido,
que deixava claro que era um frequentador assíduo do clube favorito de meu irmão.
Era naquelas piscinas que o tubarão devia atacar todo fim de semana!
Ficando de pé, enfiei todo o resto de pão na boca e comecei a andar, mastigando com
dificuldade.
No caminho, fui movendo o dedo, dando uma fuçada rápida em tudo, menos nos
comentários, para não passar raiva.
Para a minha surpresa, não encontrei fotos dele cercado por mulheres ou acompanhado por
alguma diferente de Briana. Com ela, Braz posava sempre, ostentando seus sorrisos devastadores.
Ao alcançar a garagem, olhei para a minha moto. Chegaria muito mais rápido se fosse sobre
duas rodas, mas também correria mais riscos. Então, descartei a ideia.
Entrei em todos os carros estacionados, e o cheiro insuportável de couro não permitiu que
eu ficasse mais que dois segundos em cada um.
Tive várias ânsias de vômito e quase regurgitei carboidrato nas já judiadas rosas de vô
Max.
Quando o enjoo abrandou, subi no banco. Era domingo, o trânsito estava supertranquilo. Se
eu fosse devagarzinho, daria tudo certo.
Deu. Cheguei ao clube sã e salva.
Depois de me livrar do capacete, posicionei o rosto diante do retrovisor direito e, mirando
o espelho, dei uma ajeitada no cabelo e segui para um dos vestiários.
Saí de lá vestida para a ocasião.
Linda, plena e rebolativa, comecei a transitar pelo local, com destino à parte do clube em
que a foto havia sido tirada. Meu objetivo era procurar por... homens gostosos. Com certeza,
encontraria alguns por ali.
Assim que cheguei, fui recebida por vários corpos em movimento.
— Leona? — Uma voz masculina chamou, antes que eu iniciasse uma análise mais
minuciosa.
Identifiquei seu dono antes mesmo de mover a cabeça e me deparar com Ramiro, que
caminhou em minha direção.
— Oi, Miro! — cumprimentei, reparando nos músculos ressaltados pela regata branca.
Ele perdeu alguns segundos me observando, ligeiramente boquiaberto, antes de emitir algum
som.
— Eu... Hã... — Balançou a cabeça, erguendo as vistas. — Oi. — Beijou minha bochecha,
afastando-se em seguida. — Braz já viu você?
— Braz? Ele está aqui? Nossa, que coincidência! — dissimulei.
— Sim, veio com Briana. Você a viu por aí? — Coçou a nuca, olhando ao redor.
Por um instante, pensei que pudesse ter errado em minha suposição. Talvez não me
lembrasse direito da altura de Briana.
Sim, ela devia ser mais baixa do que supus.
Com certeza, a loira era ela!
— Não, não vi. E você, viu Braz? — indaguei, aliviada.
— Não, eu acabei de cheg... — Parou de falar de repente, mirando um ponto fixo atrás de
mim.
Segui seus olhos até o final de uma das piscinas que estavam em nosso campo de visão e o
vi, sentado na borda, junto com a mulher da saída de praia, que ria de alguma coisa que ele tinha
acabado de dizer.
Fiquei chocada ao constatar que, infelizmente, eu estava errada.
Não era Briana.
Eu gosto do caos
— Oi, Braz! — Uma expressão pouco amistosa dominava as belas feições da recém-
chegada. — Não sei se você está me reconhecendo, mas sou...
— A irmã de Leona — completei, tirando os óculos escuros para mirar seus olhos.
Tinham a cor azul-esverdeada das águas que nos cercavam, e a boca pintada com um tom
claro de rosa ostentava lábios cheios e pequenos.
O cabelo muito loiro caía pelos ombros, derramando-se em mechas compridas e
ligeiramente onduladas.
O corpo coberto por uma espécie de vestido branco, salpicado de bolas coloridas, parecia
conter curvas em todos os lugares ideais.
Era linda. Mas não mais que a irmã.
Qual era mesmo o nome dela? Eu me lembrava de ser alguma coisa com a letra “L”.
Larissa?
Sim. Provavelmente.
— Leona sabe que você está aqui, acompanhado? — Olhou para Briana, que começava a se
afastar com Rui.
Eu precisava impedir aquela merda, mas, primeiro, tinha que esclarecer as coisas, antes que
Larissa entendesse tudo errado e contasse coisas inverídicas para Leona. Tudo o que eu não queria
era deixá-la revoltada o bastante para organizar surubas desnecessárias. Tinha aprendido a minha
lição.
— Larissa...
— Laís — ela corrigiu. — Se não correr, vai perder sua orgia. — Meneando a cabeça,
indicou o casal que se distanciava.
— Ela é minha prima! — berrei, indignado. — Eu só vim trazê-la, porque... — De repente,
me dei conta de um pequeno detalhe. — Sua irmã também está aqui? — Não contive o sorriso e a
esperança de passar aquela manhã perturbando o Dragão.
Laís estreitou as pálpebras, estudando meu rosto.
— Ela veio? — Olhei para todas as direções e, ao avistar Ferrão do outro lado da piscina,
meu peito se expandiu de alegria.
Leona estava no clube com os irmãos!
Lançando as vistas para as mulheres próximas ao meu amigo, procurei seu cabelo escuro,
curto e perfumado, mas não encontrei.
— Sabe onde ela está? — Voltei a mirar sua irmã. — Eu preciso... conversar com ela,
sobre... umas coisas... relacionadas a... trabalho.
— Ela não veio. — A informação me deixou muito mais decepcionado do que eu gostaria.
— E, pelo visto, papai tem razão — comentou, parecendo satisfeita.
— Seu pai tem tudo, menos razão. Ele é doido — declarei, e ela riu.
— Papai é só um pouquinho pirado, mas também é a pessoa mais inteligente e astuta que eu
conheço. Sabe o que ele me disse ontem? Que você está apaixonado por Leona. E estou começando a
achar que é verdade.
Minha descrença escapou por meio de uma risada desprovida de graça.
— Não estou apaixonado — retruquei, convicto.
Eu não era tão idiota assim. Não tinha cometido esse erro, em tão pouco tempo, depois de
uma vida inteira fugindo desse tipo de merda.
Admitia que tinha a tendência estúpida de me deixar levar pelos meus próprios sentimentos.
Mantinha relações superficiais com as mulheres exatamente para não me apaixonar por elas. Era
perito nisso.
Gostava da minha paz. E não a trocaria pelo caos de um relacionamento.
Não estava apaixonado. Jamais estaria.
— Está, sim. — Ela sorriu, livrou-se das sandálias e se sentou na borda da piscina.
— De onde você tirou isso? — Consumido pela expectativa da resposta, larguei os chinelos
e me acomodei ao lado dela, deixando os óculos no chão e enfiando as pernas nas águas termais.
— Da sua cara de capitão do CFC. — Laís deu uma risada.
— Capitão do... — comecei, confuso.
— Camisolões Futebol Clube — ela explicou. — Todos os camisolões da minha família
fazem parte desse time. É fictício, mas muito real pra gente. Toda vez que um novo membro entra,
fica com a braçadeira invisível de capitão.
— Mas o que é um camisolão? — perguntei, embora tivesse uma ligeira suspeita.
— Basicamente, homens muito apaixonados pelas mulheres de suas vidas. E, quanto mais
apaixonado, mais comprida é a camisola. Todos vocês têm comportamentos típicos, sabe? E emitem
algo... diferente. Não sei explicar. É alguma coisa nos olhos, eu acho. — Ela escrutinou os meus.
— Não tem nada nos meus olhos! — Movi a cabeça, fugindo de sua análise despropositada.
— Sabe qual é o primeiro sinal de que uma pessoa está apaixonada? — Laís balançou os
pés, provocando ondulações na superfície plácida.
— Não sei, não quero saber e tenho raiva de quem sabe! — Não me virei para fitá-la.
— Negação. — Notei o sorriso em sua voz suave.
— Você já esteve apaixonada, por acaso? — Cruzei os braços, encarando-a com uma
sobrancelha erguida.
— De verdade, não. Ainda não tive essa sorte. — Um suspiro revelou sua desilusão. —
Mas não é porque nunca aconteceu comigo que não sei como funciona. Além de já ter lido muitos
livros e visto muitos filmes, vivo cercada por gente apaixonada. Demora um pouco até a aceitação.
Algumas pessoas fazem muita merda antes disso, sabe? E eu espero que você não seja desse tipo,
porque Leona é rancorosa e vingativa. Mas ela já provou isso quando organizou a suruba, né?
— Além de doido, seu pai é um fofoqueiro — resmunguei, e ela soltou uma gargalhada.
— Parabéns, você acabou de definir todas as pessoas da minha família!
— Imagino que o velho de bengala seja o diretor do hospício. E o velho de coque deve ser o
que bate palmas pros outros malucos dançarem na roda da fofoca.
Laís caiu na risada.
— Aquele dia que eu cheguei e você estava lá, junto com meus avôs, preferi te ignorar,
porque não fui com a sua cara. Achei que nunca fosse gostar de você, mas estou começando a mudar
de ideia. Espero não me decepcionar.
— Sempre espere se decepcionar, principalmente com as pessoas. É a melhor maneira de
evitar a decepção. — Proferi um dos meus melhores lemas.
— Quem espera se decepcionar o tempo inteiro vive decepcionado. Você não está evitando
a decepção, está convivendo com ela. Eu nunca espero me decepcionar, e às vezes me decepciono.
Mas só às vezes. Qual de nós está sendo mais esperto? — Suas palavras me deixaram pensativo.
— Nunca tinha pensado por esse lado — assumi.
— Não é culpa sua. Todo homem nasce com apenas dois neurônios. — A expressão
divertida deixou claro que ela estava brincando.
— É... Não é à toa que sua irmã me chama de Burro... — Acabei sorrindo ao me lembrar do
Dragão.
Ela ficava tão linda nervosa, gritando comigo toda irritada...
Na verdade, ficava perfeita de todos os jeitos e, porra, eu estava com saudade daquela
maluca.
— Queria tanto que ela estivesse aqui... — O desejo escapou sem que eu percebesse.
— Posso ligar e chamá-la! — Laís ofereceu, animada.
— Não! — falei depressa. — Não quero que ela pense... coisas.
— Que tipo de coisas? Que você está apaixonado? — Um sorriso enviesou seus lábios.
— Eu não estou... — Minha convicção deu uma leve estremecida. — Como será que uma
pessoa sabe que está apaixonada? — Ergui o pescoço, admirando os tufos algodoados que flutuavam
no céu.
O primeiro que vi parecia ter o formato de um... dragão?
— O que você sente quando está com ela? — Laís investigou.
— Vontade de nunca mais sair de perto dela. — Suspirei.
Então, comecei a contar quantas horas faltavam para a segunda-feira.
Puta merda...
Eu estava mesmo apaixonado!
— Até que enfim! — Ela provavelmente leu meus pensamentos em minha súbita expressão
alarmada.
— E agora? — Entrei em pânico.
— Agora você conta pra ela! — Um sorriso radiante avivou sua face inteira.
— Não! Nem por um caralho! — Rebati a ideia absurda. — E você não pode contar essa
merda para ninguém! Por favor, Laís, eu imploro! Promete que não conta? — Uni as mãos, mostrando
uma fisionomia suplicante.
— Você precisa mesmo fazer essa carinha superfofa? Tá parecendo o Gato de Botas do
Shrek!
— Foda-se o gato! — encrespei. — Eu sou o Burro Falante! E Leona é o Dragão!
Laís teve uma crise de riso.
— É mesmo! O Burro e o Dragão se casam e têm um monte de filhotinhos! Já pensou se
Leona tem vários bebês ao mesmo tempo? Tipo quíntuplos! — Esticou os lábios, maravilhada.
— Para de falar besteira e promete logo! — pedi, desesperado.
— Tá, eu prometo que não conto. Porque quem vai contar é você, quando estiver preparado.
Eu nunca estaria preparado, mas não disse isso a ela.
E, felizmente, paixão e amor eram coisas distintas. O que era efêmero jamais se tornaria
eterno. Então, eu estava bem. Podia me deixar levar um pouco. Gostava dela e gostava do que sentia
quando estávamos juntos.
Um pouco de caos não acabaria com a minha paz.
Ficamos sentados ali por algum tempo, conversando sobre Leona.
Laís me contou várias coisas a respeito da irmã, principalmente casos de sua infância.
Ela fora a primeira de sua geração e, pelas histórias que ouvi, tinha sido uma criança
travessa, cercada por conforto e muito amor.
Fiquei feliz demais imaginando sua versão infantil correndo pelas ruas do condomínio e
pelos campos da fazenda, que eu não conhecia, mas que passei a imaginar.
Laís e eu estávamos rindo da vez que as duas ficaram presas no celeiro quando uma voz, que
eu conhecia muito bem, fez meu coração saltar.
— Que bonito, hein?
Olhei para cima e, ao encontrar seu rosto, perdi o ar.
O vento brincava com seu cabelo, agitando os fios curtos.
Com as mãos na cintura, ela me fuzilava.
Porém, não foi em seus olhos faiscantes que me concentrei. O que prendeu toda a minha
atenção foi... o biquíni.
Era simplesmente a coisa mais indecente e... perfeita que eu já tinha visto.
Vermelho era a minha nova cor favorita.
Puta merda, eu não podia acreditar que ela estava ali, tão linda que parecia uma miragem.
— Sim, Tiff! Sou mesmo muito bonito, não sou? — provoquei, enquanto meu peito
suportava o furor de milhares de batidas.
Os lábios dela sucumbiram, curvando-se levemente antes de o semblante se fechar outa vez.
— Bel! — Ramiro se materializou logo atrás. — Estou há séculos te procurando pelo clube
inteiro!
Foi quando eu percebi que tinha me esquecido completamente de Briana!
— Cadê Briana? — perguntou, aproximando-se demais de quem não devia.
Mais um pouco e o pinto dele roçaria a bunda de Leona!
— Vai encoxar sua mãe, porra! — Fiquei de pé, segurando a mão dela e puxando-a para
mais perto de mim.
— Vixe, está possessivo assim antes de ver a melhor parte? — Ele riu.
— Que melhor parte? — Movi a cabeça, espiando suas costas, e fiquei louco.
Puta que pariu...
Uma fina faixa vermelha atravessava as duas metades, bem onde eu queria enfiar o meu...
— Você estava manjando a bunda dela? — Fulminei o tarado que costumava chamar de
amigo.
— Não tô com tempo para as suas crises de ciúme, cara. Quero saber cadê sua prima!
— Não sei! Vê se está no meu bolso! — rosnei.
— Eu vejo! — Leona grudou o corpo no meu, enfiando a mão na fenda do meu short até o
fundo do forro. — Hum... — Mexeu os dedos, acariciando a cabeça do tubarão, que já começava a
ficar gigantesco.
Castiguei o lábio, fazendo um esforço do caralho para não gemer.
— É, parece que não está. — Deu um passo para trás, exibindo um sorrisinho safado.
— Tem certeza? Não quer procurar no outro bolso? — Minha boca se curvou com malícia.
— É privacidade que vocês querem? — Laís se levantou.
— Não! O que eu quero é saber o que vocês dois estavam fazendo aqui, de papinho! —
Leona cruzou os braços, guiando meus olhos para os peitos cobertos pelos pequenos triângulos
vermelhos. — E por que você não me falou que platinou o cabelo, Laís? E nem me chamou para vir
pro clube! Que espécie de irmã é você?
— Foi Luan que me chamou, e ele disse que você preferiu ficar em casa. Sobre o cabelo,
pintei a convite de uma marca. Ficou bom?
— Aquele cachorro nem me avisou que estava vindo pra cá! Só falou que ia sair! E ficou
lindo assim, mais loiro que o normal. Iluminou seu rosto.
— Obrigada, também amei. Então você veio pra cá por coincidência?
— Isso mesmo. Exatamente. Por pura coincidência!
— Você e Braz no mesmo lugar, sem nenhum planejamento? Isso é que é destino!
— A propósito, o que você veio fazer aqui, Bráulio? Bráulio! — Um estalo me fez olhar
para cima.
Ao ampliar meu campo de visão, percebi que Ramiro havia desaparecido. Eu só esperava
que encontrasse Briana antes que fosse tarde demais.
A culpa por ter me distraído quando Laís apareceu ameaçou me abalar, mas eu a expulsei
depressa.
— Nadar? — Caprichei no sorriso cretino.
— Tem piscina na sua casa! — Sua expressão enfezada atiçou ainda mais o peixe entre as
minhas pernas.
— Ah, mas as piscinas daqui são melhores, Tiff. — Pisquei um olho.
— São tão boas que vou dar um mergulho! — Laís começou a caminhar.
— Eu vim só trazer Briana — confessei, quando ficamos sozinhos. — Mas e você, veio
fazer alguma coisa além de pegar um sol? — Dizimei a distância, afastando de seu rosto os fios que o
vento agitava.
Mirando suas pupilas, coloquei a mecha detrás da orelha.
— Vim pegar machos. — A resposta me baqueou.
— É sério? — Aumentei o espaço entre nós.
— Não. — Ela soltou um suspiro. — Eu vim por sua causa. Luan tirou uma foto aqui e
postou... Você aparecia nela, com uma loira de costas. Jamais pensei que pudesse ser Laís! Nem
passou pela minha cabeça!
— Então você me viu com uma loira bonita e...
— Laís é lésbica — informou, do nada.
— Fica tranquila. Não estou interessado na sua irmã, Tiff. Estou interessado em você. Não
precisa ficar com ciúme. — Alarguei o sorriso.
— Não fiquei com ciúme! Deixa de ser doido! — Riu, tentando ocultar o que estava
evidente em suas feições.
— Ficou, sim. — Um contentamento estranho se apossou do meu peito.
— Ah, cala a boca, Bráulio! — Agarrou minha nuca e me beijou.
Mas nossas bocas mal se tocaram, e se afastou, cobrindo a dela.
— Você passou perfume — balbuciou, fazendo uma careta.
— Desculpa, eu... não sabia que ia te ver. Espera! Vou resolver isso. — Corri até a ducha
mais próxima, girei o registro e fiquei debaixo do jato por um tempo que julguei suficiente para lavar
a fragrância da minha pele.
Após interromper a vazão da água, corri as palmas nos fios encharcados e senti o toque de
duas mãos em meu tórax.
— Oi, gostoso.
Porra. Não era a voz de Leona.
Abri os olhos, me virando.
Era uma das morenas que eu tinha comido na sauna da última vez que estive no clube.
— Hoje vim com duas amigas. — Sua fisionomia lasciva escancarava suas intenções.
Eu estava tão louco para transar com Leona de novo que me vi contando a maior mentira, só
para fugir do convite velado.
— E eu vim com a minha namorada. — Virei na direção dela, e sua expressão furiosa me fez
sorrir. — Aquela gostosa ali, de cabelo curto e biquíni vermelho. Começamos a namorar hoje,
acredita? — Saí andando sem me despedir e, quando me aproximei da Branca de Neve possuída,
agarrei seu rosto e continuei o que estávamos fazendo minutos antes.
Leona gemeu em minha boca, e eu finquei os dedos em sua bunda, apertando a pele macia e
deliciando-me com o gosto de sua língua.
Suas mãos subiram pelo meu torso molhado até os braços se abrigarem em meu pescoço.
O calor logo inflamou nossos corpos colados e, quando fiz menção de puxar uma das fitas
do biquíni, ela se afastou, sem fôlego.
— Ficou doido? Estamos em público!
— Eu quero você, Tiff, quero muito. — Passei o polegar em seus lábios úmidos e
avermelhados, estacionando o dedo em sua bochecha.
— Mas a gente combinou...
— Foda-se o que a gente combinou.
Seus olhos seguiram as gotas que deslizavam pelo meu abdome e estacionaram no volume
sob o tecido grudado na minha pele.
— Ah, merda... — Fisgou o lábio inferior. — Vem! — Puxou minha mão, e me deixei ser
guiado por ela.
As ruas tão vazias
— Não, não quero transar com você aqui. — Firmei nossas palmas, refreando seu avanço ao
perceber para onde ela estava me levando.
— Por que não? — Leona me fitou, estacando diante da sauna.
— Porque... — hesitei.
Qual o problema em transar com ela ali? Eu não transava com todas?
O problema era exatamente esse. Leona era diferente das outras.
Não precisei explicar nada disso porque, antes que qualquer som abandonasse meus lábios,
um casal atravessou as portas da sauna ao lado, deixando para trás o vapor com aroma de eucalipto.
Os fios loiros bagunçados e as peles empapadas de suor evidenciaram o que havia
acontecido lá dentro.
— Ah, oi, gente! — Briana cumprimentou, ao lado de Rui.
— Oi! — Leona olhou para ele e sorriu de um jeito peculiar para minha prima, como se
estivesse... aprovando a aparência daquele filho da puta?
— Parabéns, cara. Você acabou de foder a mulher pela qual o seu irmão está interessado —
contei, satisfeito.
— Meu irmão? — Ele se espantou, provavelmente querendo saber qual deles.
— Briana, Rui é um dos irmãos de Ramiro. — Minha revelação fez os olhos dela saltarem.
— Se eu fosse vocês, tomaria cuidado. Ele está no clube. Boa sorte! — Puxei a mão de Leona,
incentivando-a a caminhar comigo.
— Você estava falando sério? — ela perguntou, após alguns passos. — Eles são mesmo
irmãos? Mas um não tem nada a ver com o outro!
— Você reparou bastante, né? Gostou mais de qual? — Soei mais amargo do que pretendia.
— Hum... Acho que prefiro... Nossa, que dúvida... — Seu aspecto pensativo desencadeou
meu ultraje.
Ao ver a revolta em minha expressão, ela riu.
— Você fica muito fofo enciumado, mas pode parar com esse ciuminho bobo! — Largou
meus dedos e se colocou diante de mim, espalmando meu peito. — Não precisa disso, Bráulio. Eu
prefiro você, Chucky. É você que eu quero, Burro.
Mirei seus olhos, e a sinceridade que vi neles descompassou meu coração.
— Quero foder você na minha cama. Vamos para a minha casa? — convidei, abrigando seu
rosto entre as palmas.
— Vamos. — Leona meneou a cabeça, e eu a beijei.
Quando nos separamos, arfantes, corremos para os vestiários mais próximos e, assim que
terminei de me trocar, fiquei na porta do feminino, esperando por ela.
As mulheres que entravam e saíam me dirigiam olhares nada discretos.
Em menos de um minuto parado ali, uma delas falou comigo.
No mesmo instante, tive a perspicácia de pedir licença e me afastar um pouco, fingindo que
meu celular estava tocando. Então, comecei a conversar sozinho, com o aparelho no ouvido.
Uma atitude lamentável, porém sensata.
Naquelas circunstâncias, se Leona saísse e me visse batendo papo com outra, cuspiria fogo,
direcionando a chama para uma parte bastante específica da minha anatomia.
Além de gostar das minhas bolas intactas, em vez de incineradas, eu não podia perder a
chance de transar de novo com ela.
Estava começando a perceber que um homem interessado em uma boceta em particular era
capaz de tudo. Até de parecer um completo idiota.
Mas tudo bem. Depois, eu teria todo o tempo do mundo para transar com outras mulheres.
Por enquanto, queria uma só.
Não tinha a menor ideia de quanto tempo esse desejo atípico duraria, mas pretendia
aproveitar cada segundo.
Sustentei o falso diálogo ao telefone até não conseguir mais inventar monólogos aleatórios.
A criatura continuava parada, me olhando da cabeça aos pés, sem dar sinais de que
desistiria de esperar.
Mas que porra. Por que ela não me deixava em paz?
— Terminou, gato? — Sorriu, ao me ver enfiando o celular no bolso, frustrado por não ser
arrojado o bastante nem possuir habilidades interpretativas suficientes para alongar a farsa. — Quero
pegar um solzinho. Será que você poderia fazer a gentileza de passar o protetor em mim?
Era bonita. E gostosa. Mas não era o que eu queria naquele momento.
Tive que apelar para o truque que tinha usado com a morena da sauna.
— Estou esperando minha namorada sair do vestiário. — Olhei para a porta e me
surpreendi ao me deparar com Leona. — Ah, já saiu! Vamos, princesa? — Estiquei o braço,
oferecendo-lhe a mão.
Ela ficou inerte por alguns segundos, antes de aceitar minha palma.
— Vamos, príncipe! — Segurou meus dedos sem olhar na direção da mulher.
Começamos a caminhar e, após alguns passos, ouvi uma risada.
— De onde você tirou esse “princesa”? — Buscou meus olhos, achando graça.
— É que você parece a Branca de Neve. — Contemplei o sorriso que se alargou em seus
lábios corados. — Só que possuída. — Não resisti.
Seu semblante se fechou, e as narinas se abriram.
— Agora ficou igualzinha! — Gargalhei.
— Ai, que engraçado... — Mostrou a língua. — Pois saiba que eu estava blefando! Você
nunca será o meu príncipe!
— Hoje eu serei o príncipe que te possui, princesa. — Pisquei um olho.
— Que ridículo! — Ela riu.
— Vamos ver se você vai achar ridículo daqui a pouco. — Pendurei o braço sobre seus
ombros, puxando-a para perto de mim e beijando seu cabelo.
O aroma singular infiltrou-se em meu nariz, despertando memórias que reverberaram em
meu corpo.
Cada poro sofreu com a lembrança do toque aveludado de sua pele, do gosto inebriante de
sua boca, da textura macia dos lábios, do cheiro viciante de seu pescoço.
Andamos abraçados até chegarmos ao estacionamento, e eu estava com tanto tesão que a
ideia de sujar de porra os bancos do meu carro recém-lavado teria que se tornar realidade nos
minutos seguintes. Caso contrário, eu ficaria louco.
Estávamos nos movendo na direção do veículo quando Leona se deteve perto das vagas
destinadas às motocicletas.
— A gente se vê na sua casa? — Aproximou-se de uma delas, fazendo menção de tirar o
capacete do guidão.
— Você veio de moto? — Minha incredulidade elevou o nível de decibéis.
— Sim, mas...
— Só pode ser brincadeira! — Uma espécie de risada manifestou meu ceticismo. — Moto,
Leona? Você está grávida! Não pode pilotar essa merda!
— Estou grávida? Jura? Nossa, se você não dissesse, eu jamais perceberia! — ironizou.
— Não parece que você percebeu! — retruquei, exasperado. — Não teve coragem nem de
marcar uma consulta!
— Eu vou marcar amanhã! — ela berrou.
— Eu já marquei! — devolvi.
— Marcou? — Espanto e indignação tomaram suas feições. — Posso saber com que
direito?
— Com o meu direito de pai! E você não vai voltar de moto! Eu piloto. Leva meu carro. —
Enfiei a mão no bolso e puxei a chave. — Toma. E dirija devagar!
— Para o seu governo, grávidas podem andar de moto! — Cruzou os braços, ignorando
minha mão estendida. — Só não é a coisa mais recomendada do mundo!
— É a coisa mais arriscada do mundo, isso sim! Você vai de carro, Leona. E ponto final —
afirmei, categórico.
Fiquei diante de uma fisionomia furiosa, e pude jurar que suas ventas dilatadas estavam
prestes a liberar um jato de fogo que me carbonizaria vivo.
— Você não manda em mim! Só vou aceitar porque acho que é o melhor para o bebê! —
Fechou os dedos em minha palma aberta, capturando a chave. Em seguida, abriu a bolsa, pescou um
chaveiro e empurrou no meu peito. — Faça o favor de levar a moto para a minha casa, porque não
vou mais para a sua! — Usou o alarme para encontrar meu carro e saiu andando até ele.
Fiquei parado, incapaz de acreditar que aquilo estava acontecendo.
Um minuto atrás, eu achava que transaríamos ali mesmo, e agora não íamos foder em lugar
nenhum?
Meu pau não seria capaz de lidar com isso! O tubarão queria comer!
Como eu ia contar que o banquete estava cancelado?
Como ela tinha coragem de negar comida para um animal faminto?
Mas, se achava que o tubarão ia implorar por míseras migalhas, estava muito enganada! Ele
podia muito bem comer outras coisas!
— Isso, volta para a torre, Dragão! — Minha voz atingiu suas costas, mas ela não se virou.
O vestido branco que cobria o biquíni vermelho era curto, e o tecido leve destacava as duas
metades redondas, que se moviam a cada passo dado.
Com um rabo daqueles, fazia todo o sentido ela ser um dragão!
Enquanto eu era seduzido pelo movimento hipnótico, o volume começou a gritar sob a
bermuda:
— Rabo de dragão! Rabo de dragão! Rabo de dragão! O tubarão quer rabo de dragão!
É claro que, depois de ter comido tudo o que havia no oceano, o desgraçado ia querer o
prato mais exótico e delicioso de todos.
— Infelizmente, hoje o mar não tá pra peixe. Lamento informar, mas parece que você vai
ficar com fome, cara — sussurrei, tão triste quanto o bicho ficou. — Tá, vou ver o que eu posso
fazer. Mas não prometo nada. — Passei uma perna sobre a moto, coloquei o capacete e, em instantes,
estava fora das dependências do clube.
Pela primeira vez em muito tempo, o vento fustigou minha pele à medida que eu acelerava,
ganhando as ruas praticamente desertas.
Cheguei antes dela. Baixei o descanso, recoloquei o capacete no guidão e desmontei,
firmando os pés no asfalto. Esperei meio sentado no banco, com uma perna esticada e a outra
flexionada.
Cerca de cinco minutos depois, a placa dianteira do meu carro assomou na esquina.
Leona estacionou logo atrás, desceu e caminhou até mim.
Por alguns segundos, não disse nada. Apenas me observou.
Notei que estava gostando do que via, e isso deixou o tubarão ainda mais esfomeado.
Tive vontade de me levantar e devorar sua boca, mas, antes, precisava cuidar de um assunto
sério.
— Você precisa parar de agir como se o nosso filho não existisse, Leona. Ele está aí dentro,
e você não tem um pingo de responsabilidade com...
— É claro que tenho! — cortou. — Tentei ir de carro, mas não funcionou! Fiquei muito
enjoada. E só fui de moto porque é domingo. Não sei se você percebeu, mas, a essa hora, o trânsito
está supertranquilo!
— Mesmo assim! É muito perigoso! Não quero vocês em cima desta moto. De segunda-feira
em diante, vão comigo para a empresa. Vou passar aqui todas as manhãs para buscar vocês dois —
avisei, e seu silêncio salientou a calmaria da rua erma.
Por um momento, não se ouviu som algum, embora eu estivesse ciente de que o sorriso
afetuoso que ela abriu ampliara a intensidade das batidas em meu coração.
— Tudo bem — concordou, avançando um pouco mais. — Só que... como vou fazer para ir
para outros lugares?
— Eu te levo para onde quiser, é só me ligar — prometi, disposto a me tornar seu motorista
para garantir a segurança do nosso filho.
— Isso não vai dar certo. Acho que seria melhor eu ficar com o seu carro, e você ficar com
a minha moto. Ou... com outro carro. Posso comprar um, pra gente fazer a troca. Mas, se quiser ficar
com a moto, eu não me importo... Não me importo mesmo. — Correu os olhos pelo meu corpo,
prendendo o canto do lábio.
Não seria nada mal deixá-la excitada sempre que me visse sobre duas rodas. Porém, seria
melhor ainda ir com ela todos os dias para o trabalho, em um veículo que, a qualquer momento,
poderia se transformar em um motel ambulante.
— Prefiro a minha sugestão.
— Tem certeza?
Aquiesci.
— Já que insiste, eu aceito. Espero você amanhã, então. — Venceu o resto da distância e
beijou minha bochecha.
Os lábios pousaram tão perto dos meus que um centímetro bastou para que eu os capturasse
em um segundo.
Encontrei sua nuca, e o braço livre enlaçou a cintura, puxando-a para o vão entre as minhas
pernas.
Sem pressa, apreciei o gosto do beijo, sentindo nas pontas dos dedos a suavidade de seu
cabelo e dentro de mim um turbilhão de emoções.
O peito doía em deleite. Ardia sem queimar. Inflava e não explodia.
Reverenciei sua língua como se estivéssemos ouvindo uma música lenta e, quando a última
nota vibrou, parei e mirei seu rosto.
Raios dourados clareavam os olhos lânguidos, tocavam a boca avermelhada e derramavam-
se na pele morna sob o meu polegar.
— Estou viciado em você. — Resvalei o dedo, venerando cada poro.
— Quer uma nova dose? — Seu sorriso sacana aflorou o meu.
— Overdose. Agora. Na sua cama. — Ficando de pé, alberguei seu rosto entre as mãos.
— Tenho uma ideia melhor. — Olhou na direção do carro.
Não era sensato transar ali, em plena luz do dia, quando podíamos entrar e fazer isso dentro
da casa. Mas o risco do flagra era excitante demais para ser ignorado. E ela era gostosa demais para
não ser comida na rua.
Que se fodesse! Eu ia foder e foda-se!
Baixei a cabeça e roubei seu fôlego, permitindo que tragasse o meu.
Ofegante, puxei sua palma, nos levando até uma das portas traseiras. Abri, e ela pulou no
banco. Fiz o mesmo e, assim que o baque nos isolou do mundo, nossos hálitos se mesclaram outra
vez.
Leona se despejou em mim. Os joelhos comprimiram o couro, e as coxas ladearam as
minhas.
Apertei suas pernas, experimentando a pele cálida, beijada pelo sol.
Levantei o vestido até substituir a brancura pelo mais rubro dos vermelhos.
Meus dedos se fecharam em seu entorno, e meus olhos contemplaram pura perfeição.
Ela pinçou a fita do pescoço, e eu imitei seu gesto, alcançando e esticando a ponta do laço
em suas costas.
A peça caiu, revelando os mamilos rijos que me fizeram abandonar sua cintura.
Apalpei os dois. Chupei um e depois o outro, embalado pelos ruídos que enchiam o carro.
Subi a cabeça e engoli todos eles, vertendo os meus em sua boca.
Seu toque desordenou meu cabelo.
Resvalei as palmas, abrigando uma delas no fundo da calcinha.
Abafei seu gemido e afastei o pano para o lado, encontrando a umidade deliciosa.
Enfiei um dedo, e me deleitei com seus murmúrios. Acrescentei um segundo, liberando seus
sons enlouquecedores.
— Quero ouvir você gemendo assim na minha pica. — Comecei a esparramar carícias
úmidas em sua garganta.
— Quero fazer isto na sua pica... — Rebolou e contraiu as paredes internas. — Mas,
primeiro... — Sorrindo maliciosamente, agarrou meu pulso, retirando meus dedos. — Quero fazer
isto. — Sugou os dois, lenta e sedutoramente.
— Você é tão safada... — Contemplei o prazer alastrado em sua feição pecaminosa.
— Você gosta? — Passou a língua no lábio superior.
— Gosto muito. — Sorvi o gosto de boceta até não restar mais nada em sua boca.
Quando finalizei o beijo, um embaraço de mãos afoitas me livrou da camiseta.
Ajoelhando-se no tapete do carro, Leona abriu o botão e desceu o zíper da bermuda.
O cacete pulou para fora, rígido e desimpedido.
A palma delicada cercou a espessura quente e latejante.
Uma lustrada vagarosa no topo impulsionou minha cabeça, que atingiu o encosto do banco
ao mesmo tempo em que deixei um palavrão escapar.
Ela me abocanhou de uma vez, e um rastro molhado sucedeu o outro.
Baixei os olhos, registrando cada chupada. Vi a extensão desaparecer e ressurgir tantas
vezes que estava a uma lambida de sucumbir.
Agarrei seus fios, erguendo-a e grudando nossos lábios.
Leona montou em mim. Espalmei sua bunda, esticando o fio vermelho enquanto enrolava
nossas línguas.
Ela direcionou o pau, e a boceta encharcada afogou cada centímetro.
Afundei as digitais na carne macia, incentivando os movimentos escorregadios.
No interior do carro, nossos arquejos pesados ecoavam em sincronia.
Apoiando-se em meu tórax, jogou a cabeça para trás, arfando e cavalgando.
Livre. Desenfreada. Obscena.
— Gostosa do caralho! — Castiguei sua pele, e um grito rouco brindou meus ouvidos.
Golpeei a outra banda e apertei a área estapeada com força.
— Huuummmm... Que delícia... — Fincou as unhas em meu peito, surrando minha rola com
aquela boceta alagada.
— Puta que pariu... — murmurei, vendo meu limite ruir a cada rebolada frenética. — Eu
vou gozar — avisei, incapaz de acreditar no meu descontrole.
— Não... — Diminuiu o ritmo, remexendo-se com tudo dentro.
— Leona — balbuciei, puxando a faixa vermelha. — Para. — Usei cada grama do meu
corpo a fim de conter o orgasmo. — Não... se mexa.
Lascívia dominou seu rosto.
— Não posso... me mexer? Assim? — Deu uma sentada vagarosa.
No mesmo átimo, joguei seu corpo no assento e tirei o pau, deslocando-me com certa
dificuldade no espaço limitado.
— Sua sacana! — repreendi, e ela esboçou um sorriso diabólico. — O que você está
fazendo comigo? — Chupei seu queixo e fui descendo, deixando uma trilha incandescente em sua
clavícula.
Perpassei o vão entre os peitos e ultrapassei seu ventre.
Lambi toda a região melada, embriagando-me um pouco mais a cada beijo prolongado.
Sentindo suas pulsações na ponta da língua, continuei provocando suas manifestações
ruidosas até notar que ela estava à beira do abismo.
— Fica de quatro — pedi, ajudando-a a ficar na posição enquanto alterava a minha.
Diante da vista perfeita da tira do biquíni atravessando sua bunda, meti e estoquei várias
vezes seguidas, empurrando-a no precipício.
Seus gritos prazerosos acompanharam uma sucessão de contrações deliciosas, que me
atiraram no mesmo despenhadeiro.
Escutei o motor de um carro, aparentemente perto demais, mas a onda arrebatadora engolfou
meus sentidos.
Caí em queda livre, e não caí calado. Meus rumores roucos misturaram-se à respiração
alterada.
Ainda estava pulsando dentro dela quando ouvi uma voz que me lembrou muito a de alguém
que eu conhecia.
O ciúme corrói
— Aí, mano! Eu não falei que tinha gente trepando aqui? Lovezinha, é você?
Olhei para a janela, e os vidros embaçados revelaram duas figuras meio indistintas. Uma
delas estava mais longe. A outra, bem próxima, identifiquei de imediato.
Era mesmo o Velho de Coque!
Apesar de não conseguir vê-lo com tanta clareza, notei que o braço cobria seus olhos.
— Ai, meu Deus! — Leona quase quebrou meu pau ao se retirar, já à procura das roupas
jogadas no tapete.
No desespero para se cobrir, acabou enfiando um dedo no meu olho!
— Caralho! — Levei a palma à área atingida.
— Veste logo! — gritou, ignorando o fato de que, possivelmente, tinha danificado a minha
visão.
— Acho melhor cê obedecer e guardar a piaba, Brazola! Putão tá vindo aí, mano! E tá
trazendo a peixeira, tá ligado? — Gargalhou.
— Sai daqui, vovô! — Leona implorou, e ele começou a se afastar, morrendo de rir. — A
culpa é toda sua, Bráulio!
— Minha? A ideia de transar no carro foi sua! — retruquei, ainda tapando meu ferimento. —
E você fodeu meu olho! Virei um pirata!
Os lábios dela se esticaram, mas logo foram contidos.
— Anda, veste logo, merda! Se vô Max chegar e pegar a gente aqui, vai foder seu outro
olho! E tô falando do olho do seu cu! — Ela riu, e eu também.
Quando terminamos de nos vestir, abri a porta e descemos.
— Bom dia! — A mãe de Leona saudou, sorridente.
O cabelo liso e muito escuro desaguava nos ombros, cobrindo uma parte das mangas do
vestido cor-de-rosa.
— Bom dia, tia Isa! — Enquanto Leona andava na direção da recém-chegada, eu me
perguntava se tinha batido a cabeça no teto do carro em algum momento.
— Que loucura é essa? Por que você está chamando sua mãe de “tia Isa?” — Verbalizei o
estranhamento.
— Porque é minha tia Isa! — Riu, aproximando-se para cumprimentá-la.
Definitivamente, tinha socado a cabeça na lataria! Com certeza, quando estava galopando
daquele jeito alucinado!
— Ai, Lovezinha... Eu acho melhor não. — Achando graça, a mulher deu um passo para trás,
evitando o beijo na bochecha.
— Ah, desculpa. — Leona sorriu, tentando disfarçar o patente constrangimento.
— E aí, Brazola! — O Velho de Coque bateu no meu ombro. — Conseguiu afogar a piaba no
leite? Deu tempo de fazer uma moqueca? — Soltou uma gargalhada.
— Quase que não chega no ponto! — brinquei, impressionado com a rapidez com que as
coisas se espalhavam naquela família.
Até o apelido nada adequado do tubarão já era conhecido!
— Bel, foi mal, mermão! Eu falei pra Veizão não atrapalhar! — Meu chefe saiu do
automóvel estacionado a alguns metros de distância, desocupando o assento do motorista.
Então, fez a volta, indo até o banco de trás e estendendo a palma para a mãe.
— Obrigada, filho. Bom dia, meus queridos! — Dona Malu desceu. — Preferi ficar no
carro, para não correr o risco de ver nada!
— A piaba de Bel tem dois centímetros, mãe! Lovezinha precisa de todos eles, não fica nada
pra fora! — Luís Guerratto riu.
— O grande tubarão branco mede quilômetros! Mas de dois centímetros o senhor entende,
né? Usou um dos seus para criar uma obra de arte — indiquei a gostosa ao meu lado — e o outro
para produzir Laís. Não sobrou nada para fabricar os neurônios de Ferrão.
Ele gargalhou, abrindo a porta do passageiro e oferecendo passagem para...
O quê?
Quantas mães Leona tinha?
Puta merda! Eram duas iguais!
— Bom dia, pombinhos! Braz, faça o favor de respeitar a naja do meu Lovezão! — De
camiseta e calça jeans, ela pulou do carro.
Caralho! Leona tinha caso de gêmeas na família?
Levei a mão ao peito, assustado com a possibilidade de existirem dois bebês na barriga do
Dragão.
Duas minidraguinhas.
Eu morreria.
— Bom dia — respondi, ainda atônito.
— Isso aí, mano! Bota moral mesmo, Ana! Brazola, pra você que ainda não sabe, eu vou
explicar. A anaconda que eu tenho entre as pernas cuspiu um réptil do mesmo calibre no bucho de
Malu, tá ligado? Arria as calças e mostra a cobra que saiu do ninho que eu chamo de saco, Luisona!
— O Velho de Coque pediu, parecendo estar falando sério.
— Não vai dar, padrinho. A naja está hibernando. Esta noite, ela comeu muito, né, Lovezão?
— A esposa do meu chefe pendurou-se no ombro do marido.
— Ih, Lovezona... Acho que ela acabou de acordar, maluca! — Ele riu, enlaçando a cintura
colada em seu corpo.
— Por favor, papai, me poupe! — Leona fez uma careta.
A mãe dela riu e olhou em minha direção.
— Já conheceu minha irmã, Braz? Isa, este é o meu genro! Lindo, né?
— Maravilhoso! Oi, Braz. Imagino que não seja prudente pegar na sua mão. — Bom humor
espalhou-se por suas feições. — Mas é um prazer te conhecer, querido. Seja muito bem-vindo à
família!
— O prazer é meu. — Abri um sorriso largo, mas não ousei proferir um agradecimento.
Já era considerado um membro, mas não fazia parte da família, por mais que eles estivessem
me recebendo com tanto entusiasmo.
Aquilo era estranho e, ao mesmo tempo, reconfortante.
Talvez, pudesse se tornar realidade...
Não queria me casar. Mas me casar com a mãe do meu filho, que era perfeita, e fazer parte
de sua família, que provavelmente era a melhor do mundo, não soava como uma ideia ruim.
— Lindo ele realmente é. Mas genro? — Leona bufou. — Menos! Muito menos! Parem já
com essa palhaçada!
Péssima. Péssima ideia.
— Bom dia para você também, Lovezinha! Hoje dispenso seus beijos! Imagino por onde
essa sua boquinha andou! — Sua mãe riu.
— Lovezinha, cê não tá com bafo de porra, não, né, mano? Putão tá chegando, e de bafo de
porra ele entende! Vive com a boca fedendo! — O Velho de Coque caiu na risada.
Realmente não tinha ninguém normal naquela casa! Eram todos doidos.
E muito legais. Leona tinha uma sorte do caralho.
— Mermão do céu! Falando no diabo... Padrinho tá mesmo chegando! — Luís apontou na
direção do veículo preto que despontava no início da rua.
— Quem é o padrinho dele? — perguntei, porque meu chefe parecia animado demais para o
meu gosto. E isso não podia significar boa coisa.
— Vô Max! — Leona pareceu apreensiva. — Gente, por favor, não contem para ele o que
aconteceu no carro — pediu, encarando a tia, os pais e os avós.
— Ih, Lovezinha, agora que cê fala? Eu já joguei tudo no grupo da família enquanto
esperava Veizão confirmar que cê tava lá dentro, maluca! Enviei até uma foto do motel-móvel de
Bel! Mas fica sussa, não dá pra te ver pelada! — O pai dela riu.
— Ai, meu Deus... — Leona tapou o rosto com as mãos.
— Relaxa, Tiff. Eu te protejo das bengaladas do velho. — Abracei seu corpo.
— Você não consegue proteger nem a si mesmo, Chucky! — ela resmungou.
— Ai, que fofinhos, eles já têm até apelidinhos, Ana! — Isa olhou para a irmã.
De repente, a tia de Leona enfiou a mão na bolsa, pescou um celular e mirou o visor.
— Ah, Zach está me ligando! — Um sorriso radiante embelezou sua face.
Levou o aparelho ao ouvido, falou em um inglês impecável, riu de alguma coisa, pediu
licença e se afastou, começando a falar em português.
Foi quando a minha ficha caiu! A mulher no elevador da empresa não era a mãe de Leona!
Era a tia dela!
Mal cheguei a essa conclusão e escutei um ruído atingindo o passeio.
Olhei para trás e vi a bengala apoiada no chão, cortando o espaço proporcionado pela porta
do carro, que tinha sido aberta.
— Pai, espera, porra! — Um sujeito loiro desligou o motor e saltou para fora depressa. —
Luminha, você pode ajudar minha mãe a descer? Vou ajudar o velho, antes que ele machuque a...
— Vão ajudar as avós que pariram as mães de vocês! — A voz enfezada de dona Olívia
escapou pelas janelas. — Max e eu não precisamos de ajuda! Acabamos de completar quarenta anos!
— Trinta e cinco, linda. — O velho saiu antes de o filho alcançá-lo e estendeu a mão para a
esposa.
O cabelo preto-azulado reluziu ao sol quando ela abandonou o veículo.
— No dia que eu precisar de ajuda para algum caralho... — Max parou de falar de repente,
ao bater o olho em mim. — É verdade! Luisão não mentiu! Olívia... eu tô passando mal! — A mão
livre voou para o peito, e as arfadas constantes teriam me deixado preocupado, se eu já não soubesse
que ele era um verdadeiro ator.
— Ai, cretino, até parece que você não sabe como é gostoso transar num carro! — Dona
Olívia ignorou o marido parado na calçada, caminhando até nós. — Espero que você tenha
aproveitado bastante, Lovezinha! — Abraçou a neta. — Hum... Sua safada! Tá até com cheiro de
sardinha! O tubarão comeu e lambeu os beiços, né? E eu não disse quais! — Deu uma risada.
Gargalhei e senti uma brusca cutucada nas costelas.
A princípio, achei que tivesse sido Leona. Então, me dei conta de que o cotovelo dela não
podia ser tão agressivo quanto... a ponta de uma bengala!
— Ai! — Outro cutucão.
Girei o corpo, encarando o velho.
— Desgraçado! — praguejou, me fuzilando.
— Enfia a bengala no cu dele, pai! — O coroa loiro incentivou.
Fechei a cara para o sujeito.
— Qual foi? Eu nem te conheço, maluco! — Meu Deus. Eu já estava falando como eles!
— Este é meu tio Teo, irmão de mamãe. Esta é tia Luma, esposa dele e irmã de papai. Este,
como vocês já sabem, é... Braz Belmonte, meu chefe. — Leona fez as apresentações.
— Chefe, né? — A mulher que ostentava longas madeixas douradas sorriu para mim. — Oi,
Braz, muito prazer. — Estendeu a mão.
— Não! — Teo interceptou a palma. — Ele estava transando! Só Deus sabe onde esse puto
pegou, Luma!
Várias risadas explodiram no ar, inclusive as minhas.
Ah, se eles soubessem...
— É oficial, eu quero morrer — Leona choramingou.
— Quem vai morrer é esse filho da puta! — Max brandiu a bengala.
— Mas eu não queria fazer nada, vô! Sua neta me coagiu a entrar no meu próprio carro, tirou
minha roupa e se aproveitou da minha ingenuidade! — Caprichei na expressão inocente.
— Foi você que fez isso com ela! Lovezinha é um anjo! — ele bradou, e risadas ecoaram ao
nosso redor.
— Quenga, cê tá careca de saber que Leona é uma demônia! Isso dá perdido até no capeta!
— O Velho de Coque me fez engasgar de rir.
— Minha lindinha, me disseram coisas absurdas sobre você. Coisas mentirosas. — Max se
aproximou da neta, para o bem das minhas costelas.
— Sim, vovô, eu organizei mesmo uma suruba — ela contou, e os olhos dele quase saíram
rolando pelo meio-fio.
— Olívia... — Abrigou a mão no tórax e começou a respirar com dificuldade. — Eu tô
passando mal!
— E eu tô mó orgulhoso de você, Lovezinha! — O avô sensato a abraçou.
— Isso tudo é culpa sua, Piolho! Sua e do seu sangue surubeiro, que contaminou o sangue
angelical que ela herdou de mim! — Max se exaltou, subitamente recuperado do ataque.
— Você não quis dizer sangue devasso, meu lindo? — Dona Olívia exibiu um sorriso
condescendente.
— De que lado você está, Olívia? — Sua indignação provocou nossas risadas.
Mais um carro parou diante da casa, e uma cabeça ruiva surgiu na janela do condutor.
— Foi aqui que chamaram um bombeiro para apagar o fogo de Lovezinha? — O cara, que
parecia ter mais ou menos a idade dela, mostrou os dentes, alinhados demais para o meu gosto.
Um murro resolveria o problema.
— Não! Chamaram na puta que pariu, para apagar o fogo no rabo do seu pai! — retruquei, e
o pessoal morreu de rir, mas mantive a carranca.
Não gostei do sujeito.
Primeiro, porque, se eu era o Chucky, por que aquele merda é que era ruivo?
Segundo, porque quem apagava o fogo de Leona era eu! E somente eu!
— Mano do céu! Cuidado na hora de apagar o fogo, Barbiezinha! Seu rabo também é de
plástico, que nem o do seu pai! — Piolho gargalhou, e os demais o acompanharam.
Não entendi muito bem, mas acabei rindo, porque... sei lá. O jeito que eles riam era meio
contagiante.
— Por falar em rabo, esse é aquele biquíni que eu te dei de presente? — Dona Olívia
observava atentamente as fitas vermelhas, estendidas e amarradas no pescoço da neta.
— É, vovó! — Leona confirmou.
— Obrigado pela escolha, dona Olívia. Eu gostei muito. — Dessa vez, externei minha
gratidão.
— Sei muito bem por que motivo, seu safado! — Um sorriso conspiratório curvou os lábios
cheios da avó de Leona. — Mas nada de me chamar de “dona”! Eu sou velha por acaso, porra?
— Não, senhora! — Neguei depressa.
— Senhora é a sua avó! — ela resmungou, nos fazendo rir.
— Por que você gostou, hein, vagabundo? — A bengala golpeou meu bíceps.
— Presta atenção na mímica, vô. — Peguei uma linha invisível, enrolei nos dedos e fingi
passar entre os dentes.
O choque se espalhou pelo rosto dele no mesmo segundo em que gargalhadas sonoras
irromperam na rua silenciosa.
— Opa! O que você acha de cair na piscina comigo, prima? — O ruivo deu uma piscada.
— O que você acha de cair na minha mão, seu otário de merda? — Dei um passo, disposto a
quebrar todos os dentes daquele filho da puta.
O cara começou a rir. Achei ainda melhor. A boca arreganhada facilitaria o serviço.
Comecei a atravessar, mas senti um toque delicado no braço.
— Para de show, Chucky! Os vizinhos estão acostumados com os nossos barracos, mas não
te conhecem. Vão chamar a polícia! E sua faca não é páreo para armas!
— Foda-se a polícia! Não vou deixar ninguém dar em cima de você, Tiffany! — Estava
puto, mas acabei entrando no teatro antes de sair no soco com o sujeito.
— Meu Deus! É pior do que a gente pensou! — Ele riu ainda mais. — Relaxa, Brazola! Foi
só um teste. Eu estava apenas medindo o tamanho da sua camisola, cara. A cauda tá lambendo o
asfalto, e a barra tá chegando no final da rua!
Uma crise de riso generalizada se instaurou, e eu cruzei os braços, indignado com todo
aquele circo.
Que exagero!
Tudo bem que eu estava mesmo apaixonado por ela, mas não era tanto assim!
— Brazola, a gente tem que fazer a cerimônia de transferência da braçadeira de capitão do
CFC, maluco! — Luís se animou. — Tá com Matheusola! Ele e uma parte da família não moram aqui
na cidade, mas você vai conhecer todo mundo no dia do aniversário de Luan. Falando nisso, bora
entrar e ir combinando as coisas da festa. Daqui a pouco, o resto do povo chega. E Lovezinho já deve
estar voltando do clube com Lovezinha Segunda! — E começou a andar até os portões.
Todos foram entrando, e eu fui ficando para trás. Não sabia se deveria ir ou ficar.
— Brazola, vem com a gente, tá ligado? Cê tá mais que convidado pra participar, mano! —
O Velho de Coque deu um tapa no meu ombro e seguiu junto com a esposa e os demais.
— Não, não está! Para de incentivar esse desgraçado, Piolho! — Max retrucou, lançando um
olhar assassino em minha direção.
— Vem logo, cretino! — Dona Olívia chamou.
— Vou esperar Lovezinha! — afirmou, sem arredar o pé da calçada.
— Hoje é domingo, Max Vetter! Se você continuar aí, pode ser que mais tarde eu esteja com
dor de cabeça! — Era impressão minha ou ela estava ameaçando o marido?
— Já tô indo, minha linda! — Começou a bater a bengala no chão, afastando-se depressa. —
Não demora, Lovezinha!
— Daqui a pouco eu entro, vovô! — Ela usou um tom carinhoso.
— Perdão, cara, acho que pisei num pedaço da camisola. — Ao se aproximar, o ruivo
levantou o pé, rindo. — Pode ficar sossegado, beleza? — Deu um soco no meu braço. — Leona é
como uma irmã pra mim. — Bagunçou o cabelo dela.
— Vai bagunçar os pentelhos do cu sujo de satanás, Barbiezinha! — ela berrou e recebeu
uma risada, uma língua e um dedo médio em resposta.
Relaxei um pouco, começando a acreditar que o sujeito estava mesmo só me zoando. Mas
ficaria de olho em... Barbiezinha?
Quando os apelidos daquele povo deixariam de me surpreender?
Assim que ficamos sozinhos no passeio, Leona me encarou.
— Se quiser participar de uma das reuniões do nosso manicômio, é por sua conta e risco,
Bráulio. — O semblante sorridente chacoalhou meu coração.
— Você quer que eu participe? — perguntei, percebendo apenas depois de proferir as
palavras o quanto gostaria que ela dissesse que sim.
— Você que sabe. — Moveu os ombros, em um gesto de descaso.
Não consegui evitar a pontada de decepção que feriu meu peito.
— Hum. Eu acho que vou... embora — blefei, para testar sua reação.
— Tá... — Infelizmente, ela não tentou me dissuadir.
Iniciei a caminhada até o carro, sentindo a tristeza pesar em cada passo.
O que eu ia fazer quando voltasse para a minha casa?
Porra nenhuma!
Não queria fazer nada.
Queria só... ficar com ela.
— Quero dizer... — Ao ouvir sua voz, eu me virei, esperançoso. — Eu quero que você
participe dessa merda!
O sorriso quase não coube em meu rosto.
— Tá, já que você insiste... — Eliminei a distância em um segundo e agarrei sua mão.
No final da manhã, eu já estava chamando todo mundo pelos apelidos.
Naquelas poucas horas, me diverti demais. Todos os membros da família dela eram muito
engraçados, cada um a seu modo.
Outros primos chegaram depois que entramos. Eu conhecia alguns de vista, por causa das
surubas de Ferrão, mas nunca tinha conversado com os caras. Não gostei de nenhum. Eram todos uns
filhos da puta. E feios pra caralho.
As primas eram todas bonitas e tão legais quanto Laís. Percebi que também me acharam
bonito, mas nenhuma flertou comigo. Mesmo assim, Leona ficou nitidamente enciumada, e eu gostei
disso mais do que deveria.
Só que, por mais linda que ela ficasse meio irritada e por mais que me agradasse saber que
tinha ciúme de mim, eu preferia não alimentar um sentimento tão desnecessário.
— Meus olhos de boneco só enxergam você, Tiff. — Sentado no tapete ao lado dela,
sussurrei em seu ouvido, em tom de brincadeira.
Mas, no fundo, estava com medo do quanto aquilo soava verdadeiro.
O Braz antigo teria ficado atento às mulheres daquela sala, imaginando uma orgia com todas
elas. O Braz que tinha sido possuído pelo Chucky só queria abraçar e beijar sua Tiffany, garantindo
que só tinha olhos para ela.
Patético.
Eu teria vergonha de mim mesmo, se não estivesse tão ocupado catalogando todas as
expressões da minha Branca de Neve.
Quando os parentes dela foram embora, eu também fui. Não queria ter ido, mas, no final da
reunião, Ferrão chegou bêbado, e isso deu o maior B.O.
Entrou trocando as pernas, acompanhado por Laís, e parou diante da roda. Declarou que
tinha um anúncio para fazer. Queria comer piranha e não podia pescar, porque o Nemo tinha caído na
rede e a Dory tinha esquecido o nome da piranha, mas ele ia contar qual era, porque não queria mais
nenhuma Pequena Sereia.
Assim que abriu a boca para dizer o tal do nome, Leona o esbofeteou.
— Desculpa! Mas eu tive que fazer isso! — berrou, mirando os cinco dedos estampados no
rosto do irmão. — Você não estava falando coisa com coisa!
Por um instante, achei que ele fosse esbravejar ou fazer alguma besteira, e até me preparei
para impedir, mas, do nada, caiu no chão, em prantos. Eu nunca tinha visto um homem chorar de
forma tão grotesca.
Os primos dele eram tão sacanas que tiraram os celulares dos bolsos e começaram a filmar.
Felipe, um dos tios de Leona, fez a mesma coisa, morrendo de rir.
— Não usa meu cabelão... Nasceu a cara de Putão... É fraco pra bebida e bebezão chorão
que nem Teozona! Você é uma decepção pra mim, Lovezinho! — Piolho deu uma risada.
— O moleque tá mal, Veizão! Para de zoar, maluco! E cês parem de filmar! Guarda essa
misera antes que eu enfie no seu toba, Lipeta! — Luisão fulminou o tio de Leona.
— Não chora, meu amor. Vem com a mamãe, meu bebezinho! — Ana tentou pegar o filho e
foi ajudada pelo marido.
Depois que meu amigo dormiu, o pessoal começou a ir embora. Os pais e as irmãs de
Ferrão ficaram e, como Leona parecia bastante preocupada, achei melhor dar privacidade para ela e
sua família.
O restante do dia passou devagar, mais tedioso que a maioria dos domingos.
À tarde, peguei um livro de finanças, mas, depois de um bom tempo, percebi que não tinha
lido nem duas páginas. Desisti da leitura e tirei um thriller psicológico ainda não lido da minha
estante de obras de ficção. A história parecia ser muito interessante, mas não me prendeu. Larguei o
romance e fui malhar. Puxei ferro até o sol escoar e desaparecer no horizonte.
Assim que o astro-rei se foi, decidi fazer uma corrida ao redor da lagoa do bairro. Coloquei
os fones e corri ao som de uma playlist aleatória.
Uma das faixas me lembrou de tia Brígida, e a saudade dolorida que surgia todas as vezes
que eu pensava nela me levou para casa quando um punhado de estrelas já salpicava o céu.
Após o banho, fiz uma coisa que não fazia há muito tempo. Toquei violão.
Estava um pouco enferrujado, mas a música ajudou. Escolhi a que eu mais gostava, e minha
voz acompanhou o dedilhado:
— Hello, darkness, my old friend...
The Sound of Silence combinava comigo e me tocava de tantas maneiras que eu nem sabia
explicar.
A escuridão não era minha amiga, mas me acompanhava há tanto tempo que tinha se tornado,
sem que eu quisesse, minha mais antiga companheira.
Eu sempre me sentia um pouco mais triste quando vocalizava aquelas estrofes.
Pura melancolia pressionava meu peito quando a nota derradeira ressoou.
Minha tia achava a melodia meio mórbida. Adorava ouvir canções antigas, mas preferia as
mais alegres e românticas. Sempre que me pedia, eu cantava alguma, só para vê-la de olhos
fechados, balançando a cabeça, imersa em suas recordações.
Comecei Eternal Flame me lembrando dela, mas, enquanto entoava os versos, eu me peguei
pensando em Leona e, antes que pudesse me conter, estava sorrindo.
Ela sentia o mesmo? Ou eu estava apenas sonhando? Aquilo que estava queimando era uma
chama eterna?
Não fazia ideia da resposta. Mas de uma coisa eu sabia. Estava vivendo uma vida solitária
e, talvez, ela fosse capaz de aliviar minha dor.
Larguei o violão, peguei o celular e enviei uma mensagem:
Ei, Tiff, o que você está fazendo?
Ela não estava on-line.
Enquanto esperava a resposta com o aparelho na mão, tive uma ideia e fui para a cozinha
executar.
Iniciei os preparativos cortando e temperando os medalhões de filet mignon.
Então, dei uma espiada no aplicativo, mas a notificação que eu queria ainda não tinha
aparecido.
Mantive a calma e a esperança.
Devia estar no banho.
Ou... fazendo companhia para o irmão.
Tentando não perder o foco, peguei uma frigideira, acendi a chama, coloquei manteiga, um
pouco de azeite e fiquei esperando esquentar.
No meio do processo, larguei a porra toda no fogo e decidi ligar para ela.
Fui ignorado.
Por cinco vezes.
Cinco!
Puta merda! Leona estava organizando outra suruba!
Fiz uma nova tentativa. Dessa vez, usando o número de Ferrão.
— Lisa? — Atendeu, com uma voz meio grogue.
— Ainda está com o cu cheio de cachaça? — brinquei, apesar da ligeira apreensão.
— Eu estava dormindo, porra — resmungou.
— Cadê sua irmã? — Lancei logo a pergunta.
— Qual? Leona?
— Não. Laís! — ironizei.
— Vou ver onde ela tá. Laííííííííííííííííííís! — gritou.
Bati na testa, irritado.
— É claro que eu tô falando de Leona, caralho!
— Você não tem o número dela?
— Tenho, mas ela não atende.
Ouvi um bocejo e refreei a quase irresistível vontade de bocejar também.
— Deve estar no quarto. Vou ver.
Enquanto meu amigo não retornava, desliguei o fogo, evitando queimar o conteúdo da
frigideira por pura distração.
— Ela está no banheiro, a luz tá acesa.
— Mas tem mais de meia hora que estou tentando falar com ela! Puta que pariu! Sua irmã
passou mal! Tá caída no banheiro! — Entrei em pânico ao visualizá-la deitada numa extensa poça de
sangue.
— Leona! — O esmurro na madeira atravessou a ligação. — Leona, abre!
— Arromba a porta! — bradei, já correndo para pegar as chaves do carro.
Mas o súbito grito masculino me fez estacar, e a noção de que algo muito errado tinha
acontecido enregelou meu corpo inteiro.
No fim da noite
— Leona... — Seus dedos subiram, roçando meus fios e eletrizando meu pescoço. —
Quando eu disse isso, já estava apaixonado por você.
Meu absoluto e maravilhado silêncio sucedeu o timbre grave e baixo.
Resultado: positivo
O suposto pai tem no mínimo 99.99% de chance de ser o pai biológico do filho.
— Isso significa que é uma menina! — Minhas órbitas quase pularam no asfalto enquanto eu
assimilava o fato de que seria pai de uma garotinha.
— Significa que eu errei, Bráulio. Significa que vou ser uma mãe sem qualquer instinto
materno. Ou seja, péssima. Eu tinha certeza de que era um menino... — E começou a chorar de novo.
— Leona... Pelo amor de Deus! Você é uma mãe, não a mãe Diná, caralho! — repreendi, e
ela riu em meio ao choro. — Tiff, eu já disse que você vai ser a melhor mãe do mundo para a nossa
filha. — Meu polegar afastou uma listra molhada.
— Ai, Bráulio... — choramingou. — Você é perfeito! — Fui subitamente abraçado.
— Eu sei — brinquei, e uma risada se infiltrou em meu ouvido.
Ela se afastou, e vislumbrei a pele banhada pelos raios do sol vespertino. A luz dourada
iluminava os fios que o vento agitava e clareava o tom da íris rodeada por uma coleção de cílios
úmidos.
— Você é tão linda, Tiff. — As pontas dos meus dedos se deleitaram com o toque sedoso
das mechas curtas. — E é claro que a nossa princesa-dragão vai ser mais linda ainda, porque será a
cara do pai — provoquei.
— Idiota. — Leona socou meu braço e, rindo, descansou a cabeça em meu ombro. — Mas
tomara que ela seja mesmo. Espero que herde esse seu cabelo farto e brilhoso, que é claramente um
desperdício na cabeça de um homem. E que nasça com os seus olhões verdes. Senão, já sabe, né?
Garrinhas de dragão neles!
Soltei uma risada, imaginando uma bebezinha humana com patinhas de dragão engatinhando
no meu peito na calada da noite.
— Mas o mais importante, que ela com certeza vai herdar, é o seu sangue surubeiro! —
Minha namorada gargalhou.
— A gente precisa comprar uma casa — falei de repente.
— Uma casa? — Ergueu o rosto para me fitar.
— Sim. Uma casa maior. Muito maior. Tem que ser bem grande mesmo, para caber o
castelo.
— Castelo? — Leona riu.
— Com uma torre. Bem alta. É lá que vamos colocar a princesa-dragão. O ogro que ousar se
aproximar enfrentará o grande e poderoso Burro Falante! — Estufei o peito, certo de que seria o pai
mais temido de todo o reino.
Leona teve uma crise de riso. Riu tanto que quase caiu deitada na calçada. Precisou se
sustentar em meu braço.
— A princesa-dragão vai amar essa sua mente ótima para inventar historinhas — comentou,
rindo.
E me imaginei sentado em uma poltrona, com uma menininha no colo. A mãozinha em meu
peito... O cheirinho de bebê.
E a vi crescendo e se tornando uma garotinha travessa. Os brinquedos espalhados pelo
piso... A risadinha infantil.
Então, o corpinho foi se espichando, se espichando... E ganhando curvas e volumes...
— É sério, Leona. Vamos comprar uma casa. E construir o bendito castelo.
— A princesa será um dragão livre! — decretou, achando graça. — Agora, vamos falar de
coisa séria. O nome dela! Já podemos escolher! Como não pode ser Glen, eu voto em Glenda!
— Chucky, Tiffany e Glenda... Seria foda. Tá, eu aceito! — blefei.
— Ficou doido? É claro que ela não vai se chamar Glenda! — Leona se indignou, e foi a
minha vez de rir. — Temos que pensar muito. Ela precisa ter um nome lindo, de princesa.
Belinda.
Era o nome mais bonito de todos, e nunca mais consegui dizê-lo de novo em voz alta. Tinha
uma pronúncia sagrada, que eu não me atrevia a profanar.
Eu não era a pessoa mais adequada para cuidar de um bebê. E Leona precisava saber disso.
A consciência me pedia para contar. Mas o medo... me impedia.
Medo de violar a sepultura onde enterrei minhas memórias. Medo de derrubar os muros que
construí ao redor do meu cemitério pessoal. E medo de perdê-la.
Medo de ser visto sem as minhas proteções. Medo de expor minhas fraquezas e me tornar
vulnerável demais. E medo de deixar Belinda ir.
Não era merecedor do alívio de dividir com alguém algo que sempre mantive trancado
dentro de mim, me corroendo e me fazendo pagar, uma parcela por dia, o preço alto do erro.
Ninguém sabia de tudo. Nem tia Brígida soube. Nunca contei o que aconteceu naquela noite.
Ela sempre achou que acordei e, pela manhã, encontrei meu pai e minha irmã mortos. Quando
apareceu para me buscar, tive medo de não me levar para morar com ela se soubesse que eu era um
assassino. Assassinos não iam para o céu e provavelmente não eram aceitos pelas tias. Não tive
coragem de confessar que a culpa tinha sido minha.
Ela morreu! E a culpa é toda sua!
Eu disse para ficar cuidando dela, mas você dormiu!
A culpa é sua! Sua!
Você dormiu e matou sua irmã!
A voz que me perseguia há tanto tempo ressoou mais uma vez em meu cérebro.
Por muitos anos, carreguei sozinho um fardo que nunca foi apenas meu. Então, cresci e
deixei de ser o menino assustado que acreditou nas palavras cruéis e mentirosas do pai.
Mas o trauma já havia esparramado suas raízes e me sufocava por dentro.
Por mais que tivesse compreendido que meu pai era um bêbado sofrendo a dor do luto pela
esposa, nunca o perdoei pelo que fez comigo e muito menos pela atitude negligente que selou o
destino de minha irmã.
Eu não era o grande culpado pela morte de Belinda. Só que... se não tivesse dormido... Se
não estivesse tão cansado... Tudo poderia ter sido diferente.
Mas não foi. Falhei com quem mais precisava de mim.
E tinha medo de falhar outra vez.
Naquela tarde, sentados no meio-fio e alheios às pessoas e veículos que transitavam ao
redor, Leona e eu criamos uma lista de nomes. Mas o mais bonito de todos não foi pronunciado.
Nos dias subsequentes, fizemos muitos planos. E nos matriculamos em um curso para
gestantes e pais de primeira viagem. Mas, embora eu já soubesse fazer várias coisas em relação aos
cuidados com um bebê, continuava tendo muitos pesadelos.
Na maioria deles, via o corpinho arroxeado de Belinda em meus braços e acordava
chorando.
Foi em uma dessas ocasiões que o inerte rosto manchado de roxo pareceu se mover. Então,
as pálpebras se ergueram subitamente, e os lábios finos e pequeninos se abriram. Deles, escapou uma
voz doce, de menina. Era a voz que eu escutava quando ousava imaginá-la viva, brincando comigo
quando eu era criança.
— Quem é você? — Ela quis saber.
— Braz. Seu irmãozinho, lembra? — respondi, em meu timbre infantil.
— Acho que não conheci você. — A boca miúda se mexeu outra vez. — Sabe por quê? — A
suavidade foi sendo substituída por um tom grave, profundo, masculino. — Porque você me matou.
— Um sorriso macabro acompanhou a expressão demoníaca. — Sabe que vai matá-la também, não
sabe?
Comecei a chorar e, de modo instintivo, estiquei os braços. No mesmo instante, percebi que
já não eram franzinos como os de um menino de cinco anos. Os membros adultos largaram o bebê,
que despencou no chão com um baque surdo.
— Belinda! — gritei, e só então me dei conta de que estava acordado e que tinha me sentado
bruscamente na cama.
Respirando com dificuldade, levei a mão ao peito, completamente arfante.
— Braz? — O chamado ecoou na penumbra, e dedos frágeis tocaram meu bíceps.
Não estava escuro. A meia-luz indicava que a madrugada estava se preparando para saudar
o sol.
— Você está bem? — O rosto aflito buscou o meu.
— Foi só um... pesadelo. — Fingindo coçar os olhos, sequei as lágrimas.
Estávamos dormindo juntos todos dias e, até aquele momento, Leona nunca tinha me
flagrado. Talvez porque, nas outras vezes, não acordei gritando.
Bastou esse pensamento para que eu me desse conta de que aquela tinha sido a primeira vez,
em quase vinte e cinco anos, que eu verbalizava o nome de minha irmã.
— Quem é Belinda? — A pergunta lançou uma flecha em meu coração.
— Não quero falar sobre isso. — Fui sincero. — Já está quase amanhecendo. É melhor a
gente se levantar e ir arrumando as coisas para pegar a estrada. — Puxei o cortinado cor-de-rosa, e
meus pés aterrissaram no tapete felpudo da mesma cor.
Revezávamos. Às vezes, passávamos a noite na minha casa. Outras, como naquela, em seu
quarto.
No banheiro, enquanto tomava banho, eu evitava pensar no sonho e no passado. Varri mais
aquele pesadelo para debaixo do grande tapete em que eu soterrava todos os meus sentimentos.
Era sexta-feira, feriado e véspera do aniversário de Ferrão. Íamos para a fazenda da família
de Leona, onde aconteceria a festa.
Minha família tinha sido convidada e, como Briana era a minha única parente, ia conosco.
No caminho para o apartamento dela, notei que minha namorada estava quieta, bem diferente
do usual.
— Que foi, Tiff? — sondei, preocupado. — Você não me parece muito animada, e ainda
ontem só sabia falar da viagem.
— Só estou um pouco enjoada. — Ela me mostrou um leve sorriso.
— Mas você nunca fica enjoada no meu carro. — Fiz um carinho em seu rosto.
— É que está muito cedo... — Ela enfiou a mão dentro da bolsa, pegou o celular e mirou o
visor. — Não deu nem sete horas. Mas a família inteira já deve estar a caminho da fazenda. Falando
nisso, acho que vou ligar para Lisa.
— Lisa... — Forcei a memória. — É uma das primas que ainda não conheço, né?
— Sim. Ela mora em Príncipe Serrano. Quero saber se decidiu ir para a festa. — E colocou
o aparelho no ouvido.
Quando cheguei ao prédio de minha prima, ainda estava conversando com a dela.
Deixei-a no carro e subi para ajudar Bri com a mala.
Pouco depois, nós três estávamos a caminho da casa de Miro.
Não tive coragem de contar para ele o que eu tinha visto no clube. Não tinha conversado
sobre isso nem com Briana.
O assunto morreu naquele mesmo dia, na porta da sauna.
Quando Ramiro finalmente a encontrou junto com Rui naquela manhã, eles disseram que já
tinham sido apresentados e agiram normalmente, como se não tivessem se pegado minutos antes.
Foi o que deduzi pelo relato que Miro fez, depois de eu jogar um verde para colher maduro.
Se os dois tinham decidido manter o segredo, eu é que não ia revelá-lo.
Era um amigo leal, mas, quando o assunto envolvia Briana, minha lealdade pertencia a ela.
Minha prima e Ramiro não tinham transado de novo. Ele continuava firme na promessa, mas
nem um pouco satisfeito com isso. A cada dia, ficava ainda mais mal-humorado. Eu mesmo não
aguentava mais ouvir toda a ladainha sobre a súbita frieza de sua secretária, as saias que ela usava e
as bolas azuis dele.
Aparentemente, Briana não estava mais interessada no chefe. Isso estava acabando com
Ramiro. E comigo, que estava a um passo de jogar de uma vez a merda inteira no ventilador.
Se não queria nada com ele, talvez estivesse interessada em outro. Na verdade, eu tinha
certeza de que estava, porque andava dormindo fora todas as noites e, sempre que eu a via na manhã
seguinte, parecia estar nas nuvens. Só podia estar transando com o irmão do cara!
Eu tinha até medo de perguntar e comprovar. Seguia calado, embora estivesse por um fio.
Quando comentei que ela ia comigo para a fazenda, Miro pediu carona. Veio com o papo de
que não gostava muito de dirigir na estrada.
Fingi acreditar e acabei aceitando.
— Leona, será que você se importaria em se sentar aqui comigo? — minha prima averiguou,
assim que estacionei diante da casa.
— Claro que não! — Minha namorada desafivelou o cinto. — É até bom, porque preciso
conversar com você.
— A resposta é sim! Eu aceito ser a madrinha da Riquinha Rica! — Briana se empolgou. —
Pronto! Agora a gente só precisa conversar sobre o chá de bebê!
— Que chá de bebê? — Rindo, Leona alcançou o trinco.
— Espera. Eu te busco, Tiff! — Saltei do carro e abri a porta do passageiro para ela.
— Eu sei que vocês não precisam de nada, mas tem que ter um chá, com comes e bebes de
rico! Vou até alugar um vestido pra ir! — Briana continuou, quando minha namorada se juntou a ela
no banco traseiro.
— Briana, você não conhece a minha família. — Leona riu. — A gente gosta é de encher o
bucho. Com coxinha, arroz de festa, farofa... E ninguém se arruma pra nada! É todo mundo de
camiseta e chinelo. Menos na fazenda. Lá, a gente usa camisa xadrez, bota...
— Ai, ainda bem que eu trouxe minhas botas! — Briana comemorou.
Deixei as duas conversando animadamente e fui tocar o interfone da casa de Ramiro.
Quando voltei, acompanhado por meu amigo, deduzi que estavam falando sobre ele, porque
ficaram subitamente quietas.
— Bom dia, Leona. — Sentou-se, fechando a porta.
— Bom dia, Miro — ela cumprimentou.
— Bom dia, Briana! — Do banco do passageiro, ele sorriu largamente para ela.
— Bom dia, Doutor Ramiro — respondeu, seca e sem qualquer vestígio de sorriso.
Fiquei com pena, principalmente quando vi a cara de cachorro enxotado que ele fez. Mas
soltei um assovio baixo, expressando a chacota que qualquer amigo que se preze faria.
O trajeto, que duraria cerca de cinco horas, começou a ser percorrido em um silêncio
constrangedor.
Briana pegou um livro na bolsa, oferendo outro a Leona. As duas logo mergulharam em suas
leituras.
Miro e eu também permanecemos calados. Ele estava acabrunhado, e eu, ocupado demais
tentando distrair a mente das aflições que transformavam a minha cabeça em um caos.
Obtive relativo sucesso até o céu azul começar a ganhar nuances acinzentadas, que iam
ocultando o sol enquanto o vento sacudia as copas das árvores que pontilhavam a estrada.
No instante em que uma gota tamborilou ao cair sobre o para-brisa eu soube que a fina linha
serpenteando o vidro marcava o início do meu pior pesadelo.
Teu canto chama
— Ai, ainda bem que eu trouxe minhas botas! — Briana manifestou sua animação com
palminhas eufóricas. — Falando nisso, qual vai ser sua fantasia? — perguntou, quando Braz já
começava a se afastar. — Estou tão ansiosa para usar a minha! Na verdade, eu trouxe duas opções!
Preciso da sua opinião, porque...
— Briana, a gente pode falar sobre isso depois? — cortei, concentrada no corpo alto e
atlético que atravessava a rua. — Quero te perguntar uma coisa sobre Braz, antes que ele volte. —
Migrei os olhos para a loira sentada ao meu lado.
— Pode perguntar qualquer coisa! Sei todos os podres dele e estou disposta a contar
tudinho! — declarou, em sua alegria costumeira.
Finalmente eu teria a resposta para a pergunta que estava consumindo todos os meus
neurônios.
— Quem é Belinda? — Lancei a dúvida, mirando o rosto sorridente de Briana.
No mesmo instante, uma expressão séria camuflou todo o entusiasmo dela. E sua súbita
mudança de humor me deixou ainda mais preocupada.
Mais cedo, quando ouvi a dor contida naquele grito, eu soube que, quem quer que fosse,
Belinda era muito amada por ele.
Uma parte minha — passional, desiludida e masoquista — queria acreditar que era uma ex-
namorada. Provavelmente, a mulher de sua vida. Braz tinha vivido uma bela história com ela e as
coisas não terminaram bem.
No pesadelo, deve ter revivido o momento em que ela foi embora, razão pela qual bradou
seu nome com tanto desespero.
Não conseguia imaginar um motivo para alguém abandonar um homem perfeito como ele,
mas o amor tem dessas coisas. As pessoas amam quem toca seus corações. E nem sempre
conseguimos tocar o coração de quem toca o nosso.
Braz devia amá-la de verdade. Sua partida o feriu por dentro. E ele ainda estava sangrando.
Eu também estava. Imaginá-lo apaixonado por outra mulher lacerava meu peito.
Mas outra parte minha — racional, sensata e esperançosa — se atentava a uma
possibilidade diferente.
Braz. Briana. Brígida. Belinda. Todos com a mesma inicial.
Poderia pensar que era mera coincidência, se meu nome não fosse Leona e meus irmãos não
se chamassem Luan e Laís.
Não sabia quais eram os nomes dos pais dele, mas podia apostar que pelo menos o de um
dos dois começava com “B”, assim como o de meu pai se iniciava com a letra “L”.
Belinda podia ser alguém da família. Talvez, uma prima. Ou... uma irmã.
Eu me lembrava de ter perguntado se ele possuía irmãos. Braz tinha acabado de mencionar a
perda da virgindade com a tal da Sthefany e, a fim de ignorar o ciúme repentino causado pela
informação, perguntei a primeira coisa que me veio à cabeça.
Ele agiu de forma defensiva e, na hora, isso passou despercebido. Só então eu me dava
conta de que, por alguma razão, talvez estivesse fugindo daquele questionamento específico.
— Se ele não te contou o que aconteceu com ela, não sou eu quem vai contar. Sinto muito,
Leona, mas não cabe a mim falar sobre isso. — Briana me mostrou um semblante entristecido.
Se Belinda fosse mesmo irmã de Braz, o que tinha acontecido com ela?
Esperava, de todo o coração, que não tivesse morrido, porque, se estivesse morta, aquela
seria mais uma das muitas perdas que ele havia sofrido. E, eu suspeitava, a pior de todas.
— É melhor a gente mudar de assunto. Preciso conversar com você sobre... — O súbito
estampido do porta-malas a interrompeu.
Movi o pescoço, olhando para trás de modo instintivo e, pelo vidro, vi que Ramiro
guardava a bagagem enquanto conversava com Braz.
— Merda. Já estão voltando! — Redirecionei a atenção para o interior do veículo. — Só
me conta rapidinho! Belinda... Ela morreu? — Busquei a confirmação no instante em que o bagageiro
foi fechado.
— Leona, esse é um assunto muito delicado, sabe? Braz não gosta de falar dela. Vai se abrir
com você no tempo dele. Por enquanto, eu acho melhor... — Calou-se ao ouvir as duas portas
dianteiras se abrindo ao mesmo tempo.
— Bom dia, Leona — Ramiro cumprimentou, ao entrar.
— Bom dia, Miro — saudei, tentando não deixar à mostra a minha frustração.
— Bom dia, Briana! — O rosto moldado por ângulos bem demarcados surgiu entre os
bancos frontais, e lábios grossos emolduraram duas fileiras de dentes bonitos.
— Bom dia, Doutor Ramiro. — Briana não sorriu. Manteve o tom sóbrio, e eu não soube
dizer se estava dando um gelo nele ou se toda aquela seriedade se relacionava ao nosso diálogo
interrompido.
Miro murchou. A boca grande e cheia se retraiu, e o brilho em suas íris castanhas esmaeceu.
Braz assoviou; um som baixo, de zombaria, que acompanhou um belo sorriso sacana.
Observei a expressão divertida, tão diferente da fisionomia atormentada que dominara sua
face quando acordou gritando.
O que aquele pesadelo significava? Era algo recorrente? Há quanto tempo aquilo
assombrava seu sono?
O barulho do motor refreou meus pensamentos por um instante.
— Tiff, o cinto. — Um olhar subitamente preocupado encontrou o meu.
Notando que já havia afivelado o dele, assim como os demais passageiros, puxei a larga
faixa preta presa à lateral, perpassando-a pelo torso e prendendo-a do outro lado.
Braz sorriu. Mas, ao se concentrar na barriga recém-pressionada, um vinco encrespou sua
testa.
Pude ler o pensamento bobo, porém fofo, estampado em sua feição: “será que a princesa-
dragão está se sentindo sufocada?”.
Endireitei a posição, e foi suficiente para deixar a área um pouco mais livre. Então,
acariciei o ventre, e o friso entre as sobrancelhas espessas desapareceu.
Satisfeito, começou a dirigir.
Assim que o carro ganhou a rua, Briana me ofereceu um livro. Reconheci a capa antes
mesmo de ler o título: “Amor Acidental”.
Tinha sido escrito por vó Olívia, muitos anos atrás. Era um conto, que acabou originando o
romance que eu já tinha lido um bilhão de vezes. Na história, Lorde Ignacio precisa dos cuidados de
Lady Mary por ter ferido a perna ao tentar salvá-la de uma carruagem desgovernada. No início, os
dois brigam bastante, e é lindo ver o amor florescer entre o formoso barão e a jovem de cabelos
revoltos. Os dois foram inspirados em Igor e Maria Eduarda, pais de Joaquim.
Toda a família dele tinha sido convidada para a festa na fazenda. Eu não sabia se Quim iria,
mas achava que não. E esperava que estivesse certa, porque não queria que se sentisse
desconfortável por minha causa. Tampouco queria ver Braz enciumado por besteira.
Já bastaria a presença de Gabriel. No dia anterior, Luan tinha comentado que convidara o
amigo do intercâmbio, que estava vindo da Alemanha. Era bastante provável que, depois de quase
doze anos, eu veria o garoto com quem perdi a virgindade.
Ao meu lado, com o romance aberto sobre o colo, Briana parecia concentrada na história. E
parecia estar gostando bastante do que lia, porque o sorrisinho em seu rosto se esticava o tempo
inteiro.
Como eu detestava que me chamassem durante as minhas leituras, refreei a vontade de
incomodá-la perguntando que livro era aquele.
Em vez disso, tentei reler o meu. Mas minha atenção se dispersava o tempo inteiro, e meus
olhos seguiam sempre o mesmo caminho sinuoso: as veias no antebraço de Braz.
Admirei toda a extensão bronzeada, repleta de linhas protuberantes, até alcançar os dedos
presos ao volante. Aquelas mãos grandes e quentes...
Contorci as pernas ao rememorar a tarde anterior.
As palmas apertando minhas coxas enquanto me colocavam sobre a mesa do escritório...
A boca deliciosa e afoita devorando a minha...
Subi o olhar, encontrando aqueles lábios divinos e contemplando o rosto perfilado.
Era tão lindo. E estava tão... sério. Parecia reflexivo, imerso em pensamentos preocupantes.
Havia algo nele. Um desassossego, uma guerrilha perpétua. Uma inquietude que se revelava
apenas quando não estava se esforçando para parecer perfeitamente bem. Em repouso, era como
parecia mais atribulado. Talvez por isso se mantivesse sempre ocupado, fazendo algo para distrai-lo
de si mesmo.
Eu notara que seus momentos de alegria eram o disfarce de perenes e profundas tristezas. E
todos os seus sorrisos eclipsavam angústias secretas.
Não fazia ideia de como ajudá-lo. Não sabia nem se era capaz. Mas queria muito tentar, da
maneira que pudesse. E, para isso, precisava conhecê-lo por inteiro, e não apenas a parte que
gostava de mostrar. Tinha que atravessar a vistosa vitrine e explorar o interior escuro que ela
protegia.
Era ali, dentro do porão, que eu solucionaria o enigma.
Desconhecia boa parte das peças que formavam o passado de Braz. Mas as poucas que já
tinha em mãos deixavam claro que eu não veria uma imagem bonita quando terminasse de montar o
quebra-cabeças inteiro.
Havia muitas mortes em sua vida. Desamparo, abandono, solitude.
Tinha perdido a mãe muito cedo. Tivera uma infância difícil e uma madrasta terrível, que já
tinha morrido. O pai cometera suicídio quando o filho tinha apenas cinco anos. A tia que o criara
também estava morta.
E havia Belinda...
O que, de tão grave, tinha acontecido? O que o impedia de falar sobre ela?
Meu lado dramático e imaturo se rebelava um pouco mais a cada quilômetro percorrido
naquele silêncio perturbado apenas pelo som dos pneus deslizando no asfalto.
Por que ele não se abria comigo? Por que a mantinha em segredo?
Seria porque jamais me amaria como amava a misteriosa Belinda?
Definitivamente, eu estava me iludindo com a ideia de ser uma irmã. Era mesmo uma ex-
namorada.
Braz tinha conhecido a desgraçada na adolescência! E ela o traiu por algum motivo
estúpido. Por isso ele tinha tanta dificuldade em confiar nos outros! Por isso julgava tanto as pessoas
e por isso tinha se transformado em um surubeiro!
Ah, meu Deus. Uma hipótese ainda pior me fez arregalar os olhos.
E se ele fosse... viúvo?
É claro! Estava tendo pesadelos porque a enciumada esposa morta tinha decidido assombrar
seu sono!
Era isso. Com toda certeza.
Eu, no lugar dela, estaria fazendo a mesmíssima coisa!
Seria uma fantasma insuportável!
Imagina! Seu marido namorando outra e tendo um bebê com ela?
Ah, meu Deus!
Como não pensei nisso antes?
Braz era mesmo viúvo. E tivera uma filha. Belinda!
Talvez, a criança e a esposa tivessem morrido em um... acidente de carro!
Caralho... Foi isso.
Ele estava dirigindo no momento da fatalidade e, desde então, carregava a dor do luto e o
peso da culpa.
Por isso tinha tanto medo de ser pai! Por isso foi tão resistente a princípio!
Fazia todo o sentido do mundo, principalmente se a tragédia tivesse acontecido em um dia
chuvoso!
Enquanto conjeturava a respeito, evoquei parte do diálogo que tivemos na noite do jantar.
— Você teve uma boa mãe?
— Ela morreu pouco depois que eu nasci.
— No parto?
— Não. Minha mãe foi... atingida por um raio.
— Meu Deus! Então é por isso que você tem medo de...
— É.
A resposta rápida e certeira não levantou suspeitas na ocasião.
Porém, em retrospecto, eu deveria ter me atentado ao detalhe que, agora, era tão cristalino.
O desastre natural que ceifara a vida de sua mãe fora um acontecimento infeliz, que Braz não
presenciou.
O pânico que se apoderava dele durantes as trovoadas era tão intenso que parecia ter uma
causa traumática, vivenciada e não superada.
Mas eu entendia coisa alguma sobre traumas e muito menos sobre psicologia. Era bastante
provável que estivesse totalmente equivocada em todas as minhas suposições.
Isso. Eu estava errada. Erradíssima.
Felizmente, nada do que imaginei tinha acontecido com ele.
Eu era neta de uma escritora, pelo amor de Deus! Obviamente, tinha uma imaginação muito
fértil! E talento nenhum para as comédias românticas. Minhas hipóteses pareciam mais o esboço de
um enredo dramático, daqueles cheios de dor e sofrimento.
Baixei os olhos para o romance de época que repousava em meu colo. Era divertidíssimo.
Mas acabei chegando à conclusão de que não conseguiria relê-lo nem se tentasse muito. Era estranho
ler algo inspirado na história de amor dos pais do meu ex-namorado. Nas cenas eróticas, meu
cérebro acabaria substituindo a imagem mental que eu tinha dos personagens pelos rostos de Igor e
Duda. E tudo o que eu não queria naquele momento — e em nenhum outro — era imaginar meus ex-
sogros transando!
Briana parecia estar adorando o livro dela. Ria e suspirava o tempo todo. Curiosa que sou,
tentei espiar a capa, mas não deu para ver nada.
Então, decidi admirar a paisagem, disposta a me entreter com algo além dos meus
pensamentos insanos.
Ergui os olhos, e a janela mostrou um manto enevoado.
O dia, que amanhecera meio ensolarado, tinha debandado de vez para o nublado. Nuvens
cinzentas flutuavam no alto, e o sol se escondia no meio delas, como se tivesse tido a súbita ideia de
brincar de pique-esconde.
Lá fora, o vento alvoroçava as árvores, e folhas se exibiam ao redor do carro, dançando no
ar, acima da rodovia.
Do lado de dentro, uma contrastante calmaria.
Ramiro continuava quieto, e Braz permanecia absorto.
Será que estava pensando em Belinda?
A bela Belinda...
A doce e amada Belinda...
A loira, alta e deslumbrante Belinda...
Ai, meu Deus!
E se Belinda fosse irmã de Briana?
É claro!
Como não pensei nisso antes?
Braz tinha sido apaixonado pela prima!
Meu irmão estava apaixonado por uma prima!
Era perfeitamente possível!
Assim que me dei conta disso, uma tristeza imensa se apossou de mim.
Belinda tinha sido o grande e único amor da vida dele. Eu nunca seria amada de verdade.
Uma lágrima molhou minha bochecha no mesmo instante em que uma gota salpicou o para-
brisa.
Sobre a superfície transparente, a risca aquosa escorreu e, no segundo seguinte, desapareceu
em meio aos pingos que a sucederam.
O céu desmoronou de uma vez, e as pancadas de chuva golpearam o teto acima das nossas
cabeças.
Apreensiva, conferi o estado de Braz.
Com a postura rígida e os olhos fixos no aguaceiro que encharcava o vidro, ele sufocava o
volante.
— Cara, você não vai ligar os limpadores? — Ramiro estranhou. — Não tá dando pra
enxergar nada.
Como se só então tivesse se dado conta disso, ele acionou o comando, visivelmente
atordoado.
Eu precisava agir. Rápido. De preferência, antes que começasse a trovejar!
Sequei o rosto, pensando no que fazer.
De repente, tive uma ideia:
— Bráulio... Para no acostamento. Eu preciso vomitar!
— Não! Você não vai sair do carro, Leona! — bradou de repente, alucinado.
— Para logo, porra! Ela tá bem atrás de mim! Vai vomitar na minha cabeça! — Ramiro se
desesperou.
Briana soltou uma gargalhada, aparentemente alheia à situação do primo.
— Vou só abrir um pouco a porta e vomitar rapidinho! Por favor, é urgente! — insisti,
deixando para planejar o próximo passo quando o primeiro já estivesse em execução.
— Para logo essa merda, Braz! Se ela vomitar na minha cabeça, eu vomito na sua boca! —
Miro ameaçou.
— Fica tranquilo. Se ela vomitar na sua cabeça, é só sair na chuva que você fica limpinho
— Briana provocou.
— Isso tudo é vontade de me ver de camiseta molhada? — Virou-se para ela e mostrou um
sorriso obsceno.
— Não quero ver você nem pintado de ouro, Ramiro — ela devolveu, caprichando no
desdém.
— E quem disse que eu me pintaria de ouro por você, Briana? — Ele riu, fazendo pouco
caso.
— Eu vou vomitar! — Tapei a boca e comecei a simular os barulhos característicos, como
se estivesse mesmo prestes a chamar o Hugo.
Assustado, Miro distanciou a cabeça do encosto o máximo que conseguiu.
Depressa, Braz ligou a seta e parou no acostamento.
— Não saia do carro, Tiff! — implorou, virando-se para mim. — Vomita no colo de Briana!
Foi a vez de Ramiro gargalhar.
— Ela tem que vomitar é no seu, folgado! — Briana resmungou.
— Sua prima tem toda razão! Bráulio, vem pra cá! Ramiro, você dirige! Briana, você vai
para o banco do passageiro! — Aproveitei a deixa, encontrando a solução perfeita ao delegar novas
funções.
— Tá! — Sem perder tempo, o próximo condutor livrou-se do cinto de segurança.
— Você não tem medo de dirigir na estrada, Ramiro? — Braz questionou.
— Medo? — Miro riu. — Por que eu teria medo de... — Parou de repente. — Ah, é mesmo!
Eu tenho! Claro que tenho! Mas prefiro enfrentar esse medo a correr o risco de levar uma gorfada no
cocuruto! Sai logo, Bel! — E desceu depressa.
— Eu não vou sair do carro! — declarou, resoluto. — Muito menos você, Briana! Pode
começar a... trovejar. É perigoso pra caralho e...
— Eu que não vou chegar toda vomitada! — Ela guardou o livro, soltou o cinto, abriu a
porta e saiu correndo, dando gritinhos ao ser recebida pelo temporal.
— Porra! — Braz desceu em seguida e, em questão de segundos, os lugares foram trocados
e todos se acomodaram, recolocando os cintos.
Eu estava vidrada no cabelo úmido e na camisa colada ao tórax do homem ao meu lado
quando ele pegou a bolsa de Briana, puxou o zíper e esticou os braços, colocando-a na altura
adequada.
— Pronto, Tiff, pode vomitar. — E pareceu estar falando sério.
— Nãããããããão! Laaaaarga! Larga minha bolsa! Agora! — Briana se enfiou entre os
bancos, agitando-se como um polvo.
Morrendo de rir, desviei a cabeça para não ser atingida pelos obstinados tentáculos.
— Meu Deus, Briana! Você quase furou meu olho! É só uma bolsa! — Braz resmungou,
quando a prima puxou o objeto.
— Em primeiro lugar, meu livro está aí dentro! Em segundo, foi você quem me deu essa
bolsa de presente de aniversário. E, em terceiro, não é só uma bolsa. É uma Prada! — Ela reproduziu
a entonação, e eu gargalhei.
— Eu entendi a referência. — Miro riu. — Só que você não é a Brittany. É a Tiffany, porque
eu sou, claramente, o Latrell!
— Tiffany é Leona! E eu não entendi caralho nenhum. — Braz balançou a cabeça, perdido.
— Só peguei a referência ao Capitão América!
— Meu Burrinho... — Condescendente, passei a mão em seu rosto molhado.
Rindo, Miro engatou a marcha e foi deixando o acostamento.
— Making my way downtown... — começou a cantarolar. — Walking fast, faces pass and
I’m home bound...
Tive uma crise de riso e percebi que Briana também estava rindo.
— Meu Deus, Ramiro, você canta mal demais, cara... Puta que pariu... — Braz debochou,
tão entretido que parecia indiferente ao cair da chuva.
— Staring blankly ahead just making my way, making my way through the croooooooowd!
— Miro cantou ainda mais alto.
— And I need you! And miss you! — Briana e eu berramos juntas. — And now I wonder...
— Nós três levamos o indicador à têmpora. — If I could fall into the sky... Do you think time would
pass me by? ‘Cause you know I’d walk a thousand miles if I could just see you... — Fizemos uma
pausa breve. — Tonight! — Pronunciamos a palavra ao mesmo tempo e caímos na risada.
— Eu tô te estranhando, Ramiro... — Braz continuou caçoando.
— Para você é Latrell Spencer, o maior cestinha de toda a liga! — Miro se gabou.
— Já vi você jogar... Não me impressionei. — Briana me fez soltar uma gargalhada.
— Engraçado... Você me pareceu bastante impressionada — ele cutucou, atento à
transparência do vestido rosa-claro grudado às curvas dela.
— Impressionada? — ela repetiu, de olho nos músculos revelados pelo tecido molhado da
camiseta branca, que produzia um contraste perfeito com a pele escura. — Você deve estar me
confundindo com aquela mulher.
— Mulher? Que mulher? — Ele se fez de besta.
— A que eu vi entrando na sua casa, Ramiro! Ou você acha que eu não vi? — Cruzou os
braços, erguendo uma das sobrancelhas claras e benfeitas.
— Briana, eu não sei de que mulher você está falando! Mas adianto que não transo desde
que transei com você! Já faz oitenta e quatro anos! — Fez uma expressão sofrida, e Braz achou graça.
Estava adorando a conversa, que, naquele momento, era uma distração mais que bem-vinda.
— Não venha se fazer de santo, não, porque seu pau não é oco! Eu vi muito bem aquela
garota entrando na sua casa! Pelo visto, você tem um fraco para loiras! Mas comigo faz cu doce e não
abre a porta! — Fulminou o motorista.
— Ah, lembrei! A loira que você viu é minha irmã! — Ele se defendeu.
— É mentira, Briana! — Braz ficou subitamente sério. — Esse puto não tem nenhuma irmã!
— Porra, Bel, me ajuda aí, cara! — Miro riu.
— Você é mais sem-vergonha do que eu pensei, Ramiro! Seu mentiroso desgraçado! —
Briana gritou. — Ainda bem que não perdi meu tempo com você, cachorro! Pro seu governo, a fila já
andou, querido!
— Pelo amor de Deus, Briana! Eu estava brincando! — O vestígio de sorriso desapareceu
do rosto dele. — Juro que tenho uma irmã! Braz não sabe disso porque é claro que eu não daria uma
informação dessas a um surubeiro!
— A mesma coisa que Ferrão me disse quando eu soube que Leona existia! — Meu
namorado se indignou. — Vocês são uns filhos da puta!
— Ah, então você queria conhecer a irmã de Ramiro, Bráulio? — Entrelacei os braços,
arqueando uma sobrancelha.
— Sabe, Tiff... Tem pessoas que realmente se interessam pelos irmãos dos outros... — Braz
olhou na direção de Briana. — No meu caso, a única irmã dos outros que me interessa é você. — O
safado piscou para mim.
— Sei... — Meus pensamentos enveredaram para Belinda, a irmã de Briana, mas interrompi
o fluxo, recusando-me a refletir sobre aquele assunto tão doloroso.
Se continuasse alimentando minhas paranoias, daria uma de louca. E tudo o que eu sou é
sensata.
— Briana, quando se conheceram, meus pais já tinham filhos de outros casamentos. — Miro
preencheu o silêncio. — Tenho dois irmãos e uma irmã. Éramos todos muito pequenos quando fomos
morar na mesma casa. Minha mãe é minha madrasta, mas foi ela que me criou. Amo demais aquela
velha.
— Isso é verdade. — Braz atestou. — Inclusive, você conheceu um dos irmãos de Ramiro,
né, Briana? Rui, se não me engano...
— Ah, é! — De repente, eu me lembrei do gostoso de olhos azuis. — Aquele da sau...
Finalmente, a minha ficha caiu! Ela tinha transado com o irmão de Ramiro!
Quase deixo essa merda escapar, mas, no último momento, refreei minha boquinha,
mantendo-a fechada.
— Sim, conheci — Briana admitiu. — E ele não me falou nada sobre essa irmã que vocês
supostamente têm.
— Falando nisso, se você a viu entrando, é porque estava me vigiando... — Miro abriu um
sorrisinho.
— Eu não estava te vigiando! Apenas passei pela sua rua, por mera coincidência. — Ela
deu de ombros, como se aquilo fosse algo irrelevante.
— Então quer dizer que você e Rui bateram um papo... Não achei que tivessem tido tempo
para conversar — Braz comentou, com premeditada inocência.
Olhei para ele, aprovando a adição daquela lenha à fogueira.
— Na verdade, conversamos pouco. Você disse que ele era irmão de Ramiro e, quando
ficamos sozinhos, expressei minha incredulidade. Afinal, fisicamente, os dois têm absolutamente
nada em comum. Então, Rui me contou como a família se formou.
— Hum... E você, Briana, não tem nada para contar? — Meu namorado continuou atiçando o
fogaréu.
— Eu? Não, não tenho nada para contar. — Ela estreitou os olhos para ele, parecendo
compreender as intenções do primo.
— Briana... Meu irmão deu em cima de você? — Ramiro ficou visivelmente encafifado.
Braz soltou outro assovio, adorando os rumos da conversa.
Parecia ter se esquecido completamente de que estava chovendo. Por sorte, conseguia
suportar as chuvas. Só não gostava de ficar sozinho quando chovia. O grande problema eram os raios
e os trovões. Imaginei que, enquanto estivéssemos ali com ele e não trovejasse, tudo ficaria bem.
— O que significa esse assovio? — Ramiro questionou, temeroso.
— Nada, Mirão! Eu só ia cantar uma música. — E se pôs a assoviar “Patience”.
Caí na risada, mas, quando ele começou a cantar de verdade, o que caiu foi meu queixo.
— Cara, cala a boca, meus ouvidos estão sangrando — Miro resmungou.
Porém, ao contrário dele, que cantava como uma pessoa normal, Braz cantava feito a porra
de um astro de rock!
— Ai, meu Deus! — exclamei, maravilhada com aquele timbre perfeito. — Você é lindo,
gostoso, pauzudo, romântico, inteligente, divertido, cozinha como um chef e canta pra caralho?
— Sou tudo isso e todo seu, Dragão. — Mostrou um sorriso e me puxou para um beijo que
me roubou todo o fôlego.
— Credo, que nojo — uma voz feminina recriminou.
— Eu tô dirigindo, mas, se quiser cair de boca no Mirão, juro que não me importo, Briana.
Podemos transformar isso aqui numa suruba! Depois, a gente faz uma troca! Nunca comi uma grávida!
Mas sempre tem uma primeira vez, né? — A zoeira de Ramiro fez com que Braz afastasse a cabeça
bruscamente.
— Você só pode estar querendo que eu arrebente a sua cara, Ramiro! — rosnou, furioso.
— Não conseguiu arrebentar nem a fuça daquele sujeito! O ex quatro-olhos de Leona! —
Miro gargalhou.
— Não fala assim dele! — Briana e eu dissemos ao mesmo tempo.
E, então, nos vimos cercadas por dois pares de olhos acusadores.
Porra, a gente se ama
— Por que você está defendendo aquele cara? — Ramiro se manifestou primeiro, fitando
minha prima.
— Hã? — Ela se fez de desentendida.
Eu não precisava fazer a mesma pergunta para Leona. Era bastante óbvio o motivo pelo qual
defendia o ex-namorado. Os dois costumavam ser amigos antes de tudo. Ela ainda nutria certo
carinho por ele. Era natural que agisse de forma zelosa.
Teoricamente, eu compreendia. Na prática, me faltava a maturidade necessária para lidar
com o fato.
Além disso, meu cérebro preferia se refestelar com uma explicação que julgava mais
interessante. E minha tentativa de pensar de forma racional foi rapidamente vencida por hipóteses
dolorosas, que, na minha mente atormentada, pareciam fazer muito mais sentido: “ela ainda gosta
dele, você é só o pai da filha dela”; “foi ele que ela realmente escolheu, você foi obra do acaso, um
erro que ela está tentando transformar em um acerto”; “ela está com você só por causa do bebê”;
“você é um fodido da cabeça que, em sã consciência, ninguém iria querer como marido e muito
menos como pai de uma criança”; “ela vai voltar para Joaquim, e você vai morrer sozinho”.
A solidão me assustava. Nunca gostei dela. Nunca a desejei de verdade.
Porém, com o tempo, acabei me acostumando à sua presença compulsória. Quando
vislumbrava o futuro, eu me via só. E isso me agoniava. Mas, para alguém que temia tanto a perda e a
decepção, parecia ser a única forma de viver. Sem escolha, eu me adaptei. E me tornei perito na arte
de me manter acompanhado, mas sempre sozinho.
Era uma vida boa. Mas não se comparava à vida que eu tinha iniciado ao me apaixonar por
Leona. A mera ideia de perdê-la me apavorava; tanto que refreei o fluxo de pensamentos nocivos,
recusando-me a delongar meus delírios.
É claro que ela gostava de mim. Se não gostasse, não tinha aceitado o meu pedido de
namoro. Poderia muito bem ficar sozinha. E, se quisesse estar com outro, estaria com um desgraçado
qualquer ou com o filho da puta do Joaquim!
— Não fala assim dele! — Miro imitou, impostando um timbre ridiculamente feminino. —
Não acredito que você está transando com aquele almofadinha de merda, Briana!
— Eu não te devo satisfações, Ramiro! Com quem eu transo ou deixo de transar é
exclusivamente da minha conta! — declarou, revoltada.
Enquanto os dois discutiam, Leona observava minha prima.
Meus olhos atentos sondavam sua expressão. Parecia... preocupada.
Decerto, temia a possibilidade de Joaquim estar se apaixonando por outra.
Estava com ciúme. Dele.
Um rasgo inevitável retalhou meu peito. Então, a dor se metamorfoseou em mágoa. E,
acuado por ela, ataquei.
— É... — Deixei escapar um riso afetado. — Parece que o seu precioso Joaquim tem aquela
cara de tolo, mas de tolo não tem nada...
— Pode sossegar o facho, Bráulio. — A mão dela encontrou a minha. — Você não tem
motivo nenhum para sentir ciúme de Quim.
— Quim — repeti, quase cuspindo o apelido escroto. — E quem está com ciúme desse cara
é você!
— Podem parar! Vocês estão fazendo tempestade em copo d’água! — Uma cabeça loira
surgiu entre os bancos dianteiros. — Não estou transando com Joaquim!
O alívio que assomou nas feições de Leona permaneceu em sua face por uma fração de
segundo, mas foi o bastante para golpear meu coração outra vez.
Estava nítido. Ela ainda gostava dele.
Provavelmente, o amava. De uma maneira que, talvez, nunca me amaria.
E com razão. Eu era mesmo um sujeito problemático. Carregava traumas e atraía tragédias.
Tinha uma pilha de defeitos. Um deles era ser um filho da puta egoísta.
Joaquim podia até parecer ser um cara melhor que eu. Mas não ia, nem por um caralho, ficar
com a minha família.
Eu faria tudo para merecê-la. Tentaria ser a melhor versão de mim mesmo. Lutaria com
todas as minhas forças.
Em outro momento, porque naquele eu estava triste demais.
Realmente, não era um cara perfeito. Estava muito longe disso. Na verdade, nunca seria.
Jamais seria. Mas, puta merda, ela precisava mesmo demonstrar que ainda tinha sentimentos por
outro?
— Então por que defendeu o sujeito? Está... interessada nele? — Detectei medo e
insegurança na voz de Miro.
— Ramiro, eu sou míope, caso você não saiba. Agora uso lentes de contato, mas óculos
“fundo de garrafa” me acompanharam a infância inteira e boa parte da adolescência. Uns colegas
idiotas me chamavam de “quatro-olhos”. Não gosto de ouvir ninguém usando esse apelido ridículo.
— Ele recebeu um olhar recriminador. — E, para o seu governo, eu o teria defendido mesmo se não
tivéssemos isso em comum, porque Quim e eu somos amigos.
— Amigos? — Indignação ditou meu tom.
— Sim — confirmou tranquilamente. — Um dia desses, a gente se encontrou de novo no
elevador e começamos a caminhar na mesma direção. O coitadinho parecia tão triste que acabei
pedindo desculpa por ter dado uns socos em sua cabeça no dia da briga. Então, ele disse que eu não
precisava me desculpar, porque teria feito a mesma coisa para ajudar um primo, tirando a parte de
pular nas costas do agressor, gritando feito uma garotinha. A gente riu, e a conversa foi tomando
outros rumos até chegarmos ao Malena. Lá, tomamos café juntos e acabamos descobrindo que temos
algumas afinidades. Depois disso, nos encontramos outras vezes e foi sempre muito agradável.
Enfim... Ele é um cara bacana.
— Um cara bacana... — Miro repetiu, com desdém. — Bacana é a cabeça da minha rola! O
sujeito é um otário que não tem pegada e fica tentando te enrolar no papo, pra ver se rola alguma
coisa. Tudo o que esse desgraçado quer é enfiar o pinto em você, Briana!
— Mas não vai! Nem por cima do meu cadáver! — declarei, resoluto.
Não tinha o hábito de me incomodar com a vida alheia, muito menos com a vida sexual de
Briana. Nunca havia feito isso, porque, honestamente, não era da minha conta.
Quando tia Brígida se foi, minha prima ainda era adolescente. Na época, deixei claro que,
se precisasse, ela podia compartilhar comigo todas as dúvidas e receios que tivesse em relação a
sexo. Foi uma conversa meio constrangedora, mas necessária. Fiquei com a consciência limpa e,
graças a Deus, nunca me perguntou nada. Porém, me contou, na manhã seguinte ao acontecimento, que
havia perdido a virgindade. Questionei se tinha sido com um cara. Briana riu e disse que sim. Então,
eu quis saber se o sujeito fora gentil e se tinha usado camisinha. Depois que ela confirmou, perguntei
quantos anos ele tinha. Queria ter certeza de que não era um adulto e, ao ser informado de que os dois
eram da mesma idade, sosseguei e, naquele mesmo dia, marquei uma consulta com a ginecologista
que costumava atendê-la.
Quando chegou à maioridade, minhas preocupações se foram. Briana era dona de si e podia
transar com quem bem entendesse.
Menos com Joaquim. Porque o interesse daquele filho da mãe era um revide ao que eu fiz.
Aquilo era pessoal, e ele não ia, nem fodendo, descontar em alguém que eu amava o rancor que tinha
de mim.
— Pois se eu quiser que ele enfie, ele vai enfiar, sim! — ela protestou.
— Briana, acorda! Esse puto está te usando para tentar se vingar de mim! Quer transar com
você só porque é minha prima! — Proclamei o óbvio.
— O mundo não gira ao seu redor, Braz! Você não é o sol, sabia? — Moveu o pescoço, me
encarando do banco do passageiro. — A minha amizade com ele não tem nada a ver com o que
aconteceu entre você e Leona! É uma coisa nossa.
— É uma coisa nossa — arremedei. — Pois avise ao seu querido “amigo” que, da próxima
vez que ele cruzar o meu caminho, não serei misericordioso como da última. — Sinalizei as aspas e
estalei os dedos, ansioso para devolver cada soco que o filho da puta me deu.
— Você não vai fazer nada, Bráulio. — Leona me endereçou um olhar severo.
— Você defendendo Joaquim? — Uma risada desprovida de humor evadiu minha garganta.
— Como eu me sinto em relação a isso? — Toquei o queixo, falseando uma fisionomia pensativa.
Então, busquei os olhos que me fitavam. — Decepcionado, mas não surpreso.
— Não estou defendendo Joaquim, Braz. — Seriedade permaneceu em suas feições. — Só
acho que não há necessidade para mais violência...
Soltei uma gargalhada.
— Entendi. — Meneei a cabeça, rindo sem de fato achar engraçado. — Então ele pode me
transformar no Chucky, mas eu não posso triscar no seu precioso Joaquim...
— Você fica ridículo quando está com ciúme. — Ela riu.
— Ciúme? — Fechei a cara. — Quem está com ciúme dele é você, Leona. Ou acha que eu
não vi o quanto ficou aliviada quando Briana disse que não está transando com aquele sujeito? Eu
não sou cego!
— Mas é burro! Parabéns, você interpretou tudo errado! — Aplaudiu, rindo. — Bráulio,
deixa de ser doido! Eu não tenho ciúme de Joaquim! Quero mais é que ele seja feliz e viva a própria
vida da melhor maneira possível. Mas é óbvio que fiquei aliviada quando soube que sua prima não
está transando com o meu ex-namorado. Porque eu te conheço! Se os dois estivessem juntos e, sei lá,
começassem a... namorar, por exemplo, teríamos que conviver com ele, e só Deus sabe até quando
você ficaria sentindo esse ciúme bobo!
É... Fazia sentido. E, pensando bem, era mesmo um sentimento dispensável e desarrazoado.
Inclusive, eu podia me considerar muito sortudo, porque, apesar de ter sido namorado de
Leona, o cara sequer a tinha visto pelada!
E, se tivesse visto ou se os dois tivessem transado, faria parte do passado dela. Eu era seu
presente. E era para o futuro que olharia dali em diante.
— Foi mal, Tiff. É que... quando vi que você ficou aliviada, pensei que ainda gostasse dele.
— A confissão escapou sem esforço.
— E eu gosto. Gosto de Joaquim da mesma maneira que gostava antes, de um jeito afetuoso,
totalmente diferente do que eu sinto por você. — Dedos delicados alisaram os meus. — Quando olho
nos seus olhos, sinto um carinho enorme e um desejo imenso de te proteger e de cuidar de você. Mas
também sinto uma vontade absurda de te beijar e de nunca mais sair dos seus braços. E, junto disso,
sinto algo que nunca senti e que nem sei explicar. — Sua mão direita cruzou o torso e estacionou do
lado esquerdo. — Só sei que sinto aqui, onde você está.
Pisquei, duvidando da minha própria audição.
Eu tinha escutado direito?
Aquilo significava o que eu queria tanto que significasse?
Incredulidade gritou que não. Mas permiti que esperança calasse a descrença.
— Isso significa que... você me ama? — Meu coração embaralhou todas as batidas, que
ressoaram altas, em um atropelo descomedido. — Porque... eu descobri que te amo e...
— Você me ama? — Um sorriso surpreso a deixou ainda mais linda. — Ai, meu Deus,
Bráulio! Eu também te amo! — Melódicas como um cântico, as palavras soaram límpidas, porém
etéreas demais para os meus ouvidos.
— Sério? — Felicidade estampava meu rosto, mas a pergunta exprimia o receio de
acreditar em tamanho milagre.
— Sim! — O semblante contente era um ponto luminoso em contraste com a paisagem
anuviada e opaca.
Cercada pelos vidros que exibiam o aguaceiro, presenteando-me com o rosto alegre e belo,
parecia uma criatura divina, sublime e inatingível, em meio à tormenta.
Ela era o anjo que apaziguava meus demônios; a deusa que transformava o meu inferno em
paraíso.
Com ela, eu não teria a promessa de uma vida eterna. Mas teria a vida que eu sempre quis.
Havia jurado nunca dizer “eu te amo” outra vez. E mantive o juramento por quase quinze
anos. Em todos eles, sufoquei o desejo antigo de ser feliz ao lado de alguém que eu amasse e que me
amasse também. Apaguei as tolas imagens da família perfeita que idealizei, tão diferente da que tive
na infância.
Agora, eu as via de novo, muito mais coloridas e infinitamente mais bonitas. Porque nelas
havia outro rosto, um que seria o primeiro a brindar meus olhos todas as manhãs.
Admirando-o naquele momento, vi na expressão radiante um reflexo da minha. Então, tomei
sua nuca, e meus lábios esticados capturaram os dela.
Enquanto a língua provava o gosto que me entorpecia, o som da chuva rivalizava com o
ruído ribombante que vibrava em meu peito.
Naquele caos descompassado, tentei puxá-la para mais perto.
Queria tê-la no colo, colar a pele nas curvas, curvar-me sobre seu corpo.
Mas a porra do cinto me impedia.
Que se fodesse a segurança! Eu precisava foder!
Guiado pelo pau, primeiro tateei até encontrar o botão que me libertaria.
No entanto, minhas ações inconsequentes já não se concretizavam com a facilidade de
outrora. Ao fazer menção de desafivelar, um alarme tocou em meu cérebro: “Pempemmmmmm! A
princesa-dragão corre perigo! Se houver um acidente e você morrer, ela vai crescer sem pai. Tem
certeza de que deseja continuar?”.
Descartei a ideia no ato. Preso pelo cinto, avancei o máximo que pude, desfrutando do beijo
de maneira segura, porém ávida.
Leona retribuía com a mesma voracidade deliciosa, que desenraizava nossos suspiros e
gemidos.
— Gente, vocês são lindos e isso tudo foi muito fofo, mas, pelo amor de Deus, isso aqui é
um carro, não um quarto! Deixem para terminar na fazenda! — Briana censurou, e eu me lembrei de
que tínhamos companhia.
No mesmo instante, a ciência de que estava de pau duro a centímetros de distância da minha
prima me fazer parar.
Arfante, vislumbrei a boca avermelhada da mulher que eu amava e lamentei não poder
colocar o membro pulsante entre aqueles dois contornos macios.
— A gente continua depois, Tiff. — No arco do sorriso, evidenciei promessas indecentes.
— Ah, mas eu queria tanto brincar com o tubarão... — Mostrando uma expressão travessa,
deslizou a palma pela minha coxa até encontrar e afagar a cabeçorra do monstro que habitava o meio
das minhas pernas.
Um som rouco e involuntário perpassou meus dentes e irrompeu no interior do veículo.
— Que horror! — Ao ouvir o resmungo de Briana, recobrei o juízo e tirei a mão de Leona,
antes que a situação ficasse ainda mais embaraçosa.
Meu olhar repreensivo arrancou um sorrisinho endiabrado da minha namorada.
Ela era tão... perfeita. E me amava. Eu mal conseguia acreditar.
— Poderia ser a gente, né, Briana, mas você não colabora — Miro provocou.
— Eu não colaboro? — Ela gargalhou. — Ai, ai... Que piada! Agora conta outra!
— Tá. O que a loira diz quando o motorista liga o pisca-alerta e pergunta se está
funcionando? — Fez uma pausa curta. — Tá. Não tá. Tá. Não tá. Tá. Não tá. Tá. Não tá... — E caiu
na risada.
— Nossa... Hilário. — Ironia temperou o tom sério de minha prima.
Ramiro riu ainda mais.
— Você não entendeu, Bri? Calma. Eu conto outra. — Clareou a garganta. — Uma das
secretárias da empresa vira para a colega de trabalho e comenta: “você já reparou como o nosso
chefe se veste bem?”. E a colega responde: “sim! E você, já reparou como ele se veste rápido?”.
— Ridículo. — A avaliação de Briana fez meu amigo gargalhar.
— Ainda bem que tenho uma secretária só. E apenas ela sabe o quão rápido eu consigo me
vestir. — Olhou na direção dela, fazendo uma cara de cachorro apaixonado.
— Eu até saberia, se a gente já tivesse transado no seu escritório, minutos antes de uma
reunião ou...
— Porra, Briana... — A voz sofrida a interrompeu.
— A gente poderia, por favor, não falar de sexo? — Leona pediu. — Isso atiça meus
hormônios, e uma grávida não pode passar vontade! A propósito, tem um hotel na estrada daqui a
alguns quilômetros. E se a gente...
— Sim! — concordei no ato. — Um quarto é tudo o que a gente precisa!
— Ah, então vai rolar mesmo o swing? — Miro não conseguiu disfarçar o riso.
— Leona e eu vamos nos hospedar em um quarto. Briana, em outro. E você, Ramiro, pode ir
para a puta que te pariu! — Fuzilei o filho da mãe, que, atento ao retrovisor interno, deu uma risada.
— Pode tirar o cavalinho da chuva, Braz! — Minha prima virou o pescoço em minha
direção. — Não vamos nos hospedar em um hotel! Não faz sentido nenhum! Estamos a caminho da
fazenda! Com certeza, dá para você manter o pinto dentro das calças até a gente chegar!
— Não, não dá. Briana, eu preciso transar! Entenda. Não é por mim! Eu juro que não! —
Usei minha melhor expressão inocente. — É por minha namorada, que está passando vontade e... por
minha filha! Ou você quer que a criança nasça com cara de tubarão?
— Ela entraria para o livro dos recordes, como a detentora da maior cara do mundo. —
Concentrada na parte frontal da minha calça, Leona fisgou o lábio.
— Ramiro, para no hotel! — Briana desviou os olhos, mirando o para-brisa. — Não dá para
continuar a viagem com esses dois cachorros no cio no banco de trás!
— Quem tem cio é cadela — corrigi. — E eu não sou cachorro, não. Sou um burro
apaixonado por um dragão prenho.
Enquanto Leona ria, Ramiro me zoava. Mas eu estava pouco me fodendo. Toda a minha
atenção tinha como alvo a fisionomia risonha da mulher da minha vida.
— É um burro mesmo! Tá até usando cabresto! — Miro gargalhou.
— Cabresto, não. Camisola. — Fiz uma nova correção. — Vocês dois precisam começar a
usar as terminologias adequadas.
— Ai, Bráulio... Eu te amo tanto... — Leona suspirou.
— Eu também, Tiff. Também me amo muito — brinquei.
Seu olhar faiscante e as narinas pretensamente dilatadas me fizeram curvar os lábios.
— Eu te amo demais, Dragão. — Uni nossas testas, e seu hálito inebriante convocou minha
boca e me levou ao céu por incontáveis segundos.
Quando abri os olhos, torci para não acordar de um sonho.
Parecia demais com um. Eu me sentia em meio às nuvens, flutuando em um devaneio.
Ao elevar as pálpebras, deparei-me com feições extasiadas. Ela era tão linda que eu só
podia estar mesmo sonhando.
— Amo cada linha do seu rosto, e a escultura primorosa que elas formam é a arte mais
bonita que já vi. — Passeei o polegar por sua bochecha, experimentando a textura aveludada da pele.
— Cara, você tá me deixando assustado! Tô começando a acreditar que foi substituído por
um alien! — A seriedade de Ramiro fez Briana rir.
— Ah, ele sempre foi fofinho assim... Só é um traste quando quer. — Ela fez uma espécie de
defesa.
— Muito obrigado, Briana. — Não ocultei a pontada de ironia.
— Lembra aquela cartinha que achei nas suas coisas quando eu era criança? — Minha prima
evocou um assunto que eu preferia manter enterrado. — “Doce e venerada Sthefany... — Começou a
recitar.
Foi quando o sonho virou pesadelo.
E quem é que vamos culpar
“Briana, você foi sequestrada??????? Quero ouvir sua voz, para ter certeza de que é
você que está digitando!”.
“Ai, meu Deus! Você tem sérios probleminhas, sabia? É claro que sou eu, besta! Estou na
casa de um amigo”.
E enviou uma foto sorridente. Não consegui ver muitas coisas no fundo da imagem, mas,
definitivamente, estava em uma sala, sentada em um sofá.
Na manhã seguinte, ela me pareceu bastante satisfeita.
Não fui buscá-la em outras noites, porque a seguradora providenciou o carro novo, mas, no
horário em que ela saía da aula, eu costumava entrar em contato para saber se já tinha chegado da
faculdade e, em todas as ocasiões, a mensagem se repetiu: “estou bem, amanhã a gente se fala”.
E, no dia seguinte, lá estava ela, mais feliz que o normal.
Liguei os pontos e cheguei à conclusão de que estava dormindo com o motoqueiro todos os
dias.
Briana estava chateada com o suposto desinteresse Ramiro. Transar com o irmão dele seria
a retaliação perfeita.
Era algo bastante cruel, principalmente porque havia sentimento envolvido, mas quem
saberia dizer do que era capaz uma mulher que pensava estar sendo desprezada?
Rui pilotava motos. E, apesar de não o conhecer tão bem, eu não duvidava de que fosse
inescrupuloso o bastante para sacanear o irmão.
Não colocava a minha mão no fogo por ninguém.
— Briana, você transou com Rui? — Decepção, revolta, mágoa e tristeza disputavam
espaço no rosto de Ramiro.
— Não. — Ela fitou os olhos dele.
— Não? Tem certeza, Briana? — Dei à voz um tom significativo, oferecendo-lhe a chance
de falar a verdade.
Não era do feitio dela agir de maneira desleal, e eu não queria desmenti-la, mas aquilo
estava passando dos limites. Era desonesto, e ninguém merecia ser enganado assim. Muito menos
Ramiro, que estava tão interessado por ela.
— Tenho. — Briana se manteve firme.
— Então quem era o cara de moto que te buscou na faculdade? Aquele amigo que te levou
para a casa dele não era Rui? — Fui obrigado a perguntar.
— Não! Eu encontrei Rui uma única vez, lá no clube! E não rolou nada! Você realmente acha
que eu teria coragem de sair com ele, depois de saber que é o irmão de Ramiro? Que tipo de pessoa
você acha que eu sou? — A exasperação na voz dela me transformou em uma miniatura. — A gente
se conhece desde sempre, Braz! Acha mesmo que eu usaria alguém dessa forma? Por que você
sempre presume as coisas, por mais absurdas que elas sejam? Por que tirar conclusões precipitadas?
Custa dar um voto de confiança às pessoas? — Ganhei sucessivos tapas verbais.
— Isso, Briana! Come o cu dele! — Leona incentivou, e a expressão séria de minha prima
se desfez por um segundo.
— Desculpa, Bri — pedi, me sentindo o merda que de fato sou. — Eu sei que você não faria
algo assim, mas achei que pudesse estar muito puta com Miro e...
— Apesar de Ramiro ser um grande babaca, eu jamais me vingaria dele dessa maneira tão...
— Soltou um suspiro, como se estivesse cansada de argumentar. — Quem me buscou na faculdade foi
Joaquim. Eu disse que nós somos amigos, não disse? E não falei que temos certas afinidades?
Então... A gente joga vídeo game juntos. Depois da aula é o único tempo que tenho livre e, sei lá,
descobri que ele também gosta das versões antigas de Mortal Kombat, e a gente joga de vez em
quando. Apenas isso. Não estou interessada, não rolou e nem vai rolar nada, porque eu gosto de outro
cara.
— Hum. — Decidi não me manifestar em relação àquela amizade.
Não me agradava, mas eu não tinha o direito de interferir apenas porque não ia com a cara
do sujeito. Teria que ruminar meu desgosto calado.
Eu só achava engraçado que Briana era minha prima. Minha. O que ele queria? Participar
da vida de todas as mulheres que faziam parte da minha?
— Você gosta de outro cara? Que cara? — Ramiro perguntou, parecendo realmente
preocupado.
— Já que você não sabe, vamos por partes. — Olhou na direção dele. — Primeiro, vamos
retomar o assunto relacionado ao seu irmão. Naquela manhã, Rui me convidou para andar pelo local
e me mostrou algumas áreas, incluindo a sauna. Admito que fui para o clube morrendo de ódio de
você, Ramiro. Tinha ficado plantada por um bom tempo do lado de fora da sua casa na noite anterior.
Como você sabe, fiquei possessa e estava disposta a transar com outros caras, mas... não consegui.
— Você tentou? Meu irmão te viu pelada? — As órbitas dele saltaram.
— Não! — Briana se apressou em negar. — Estávamos vestidos. Ele só tentou me beijar.
— Ele o quê? — Uma veia se tornou saliente na testa de Ramiro.
— Ela ia me beijar, mas...
— Eu vou matar aquele desgraçado! — O motor do carro foi ligado.
— O que você está fazendo? — Eu me desesperei.
— Vamos voltar para a cidade! — Engatou a ré.
— Não! — Nós três berramos ao mesmo tempo.
— Ramiro, deixa de besteira! — Briana interceptou a mão dele. — Em primeiro lugar, você
e eu só transamos uma vez! Não temos nenhuma espécie de compromisso! E, em segundo lugar, Rui
não me conhecia. E ele apenas tentou me beijar! Não teve beijo nenhum. A gente estava conversando
na sauna, ele foi tirar uma folha do meu cabelo e acabou se aproximando um pouco. Percebi o que
aconteceria em seguida e, no mesmo instante, me dei conta de que estava ali com ele, mas era você
que eu queria. Então, me afastei e falei que estava apaixonada por outro cara. Foi só isso.
— Você está apaixonada por mim? — Miro se alegrou.
— Devo estar, né? Não paro de pensar em você e não beijei o seu irmão. Já viu como ele é
bonito? — Ela se calou, e a alegria se esvaiu do rosto dele. — Mas você é muito mais... É de você
que eu gosto, e é você que eu quero. — Atenta à boca do homem diante dela, minha prima mordiscou
o lábio.
Os olhos dele se fixaram naquele ponto rosado e, no instante seguinte, os dois estavam se
beijando. Na porra da minha frente!
— Respeito é bom, e todo mundo gosta! — resmunguei, desviando o olhar.
— Deixa de ser hipócrita, Bráulio. — Leona riu.
— Você já voltou ao normal, Tiff? — Acariciei sua face.
— Normal eu nunca fui — ela brincou. — E não estou boa com você, Chucky. — Pegou a
bolsa jogada no chão do carro e pendurou no ombro. — Mas... aceito usar seu corpo para fins
medicinais. Apenas para realizar o meu controle hormonal. Só por isso. Vem, vamos pegar logo a
droga do quarto! — O fecho do cinto fez um clique, e o ruído da porta se abrindo o sucedeu em uma
fração de segundo.
Eu estava rindo quando ela disparou rumo à marquise que protegia a entrada do hotel.
Não trovejava. O dilúvio produzia seu som sem nenhuma perturbação.
Mesmo assim, deixei o carro o mais rápido que pude e, ao alcançá-la, agarrei sua palma e
apressei os passos, implorando aos céus que nenhum raio caísse de repente, levando consigo tudo o
que eu mais amava.
Não parei de correr ao chegar ao toldo. Adentrei o hall sem demora e apenas ali, sob a
proteção do teto do hotel, deixei o ar circular pelos pulmões enquanto o coração alvoroçado tentava
se aquietar.
Leona se sustentou nas pontas dos pés e beijou minha bochecha. O toque suave foi um
bálsamo; serenou meu peito e dissolveu meus receios.
A sensação de calmaria permaneceu em mim mesmo quando ela se afastou.
Mirei seus olhos, contornados por fileiras de cílios úmidos; contemplei a pele alva
salpicada de gotas; e afastei as mechas curtas e molhadas de sua face, albergando o rosto pequeno
entre as mãos.
E, então, minha língua entreabriu seus lábios, e eu me desfiz em sua boca.
Suas palmas se abrigaram em meu tórax e escalaram meu pescoço. As minhas desceram,
cingindo sua cintura e eliminando a distância entre nossos corpos.
Antes que eu me desse conta, estava erguendo o dela, içando suas coxas e me afogando
naquele beijo.
Então, uma tossida abrupta me interrompeu.
Já armei o nosso altar
“(...) no quarto”.
Dança Pra Mim — Jão
— Saiam! Saiam daí de dentro! Fogo! O hotel está pegando fogo! — o garoto alardeou,
socando a porta.
— Socorro! — Ramiro saiu apavorado, e eu quase perdi as órbitas oculares ao constatar
seu estado... nu e... rígido.
Uma camisinha estava presa apenas na ponta, a extensão descoberta revelando a brusca
interrupção.
Miro segurava a palma de uma Briana assustada demais para se preocupar com o fato de
que deixara o quarto de calcinha e sutiã.
Os dois foram os primeiros, porém não foram os únicos que saíram em busca de ajuda. O
anúncio do suposto incêndio alertou e sobressaltou todo o segundo andar.
Atemorizados, vários hóspedes abandonaram seus quartos ao mesmo tempo, aglomerando-se
no corredor estreito. Mas apenas um deles estava pelado.
Por alguns segundos, o fato passou despercebido pelas pessoas atônitas e imbuídas da
missão de salvar as próprias vidas.
— Acalmem-se! — O rapaz ergueu os braços, chamando a atenção do grupo alvoroçado. —
Foi um alarme falso. O hotel não está pegando fogo!
O alívio geral provocou um vozerio momentâneo.
— Que susto do caralho! — Miro levou a mão ao peitoral desnudo. — Achei que meu
castigo seria morrer queimado! — Riu, alheio à própria ausência de roupas.
— Ramiro, você está pelado! — O aviso colérico de Braz sobrepujou todos os sons.
No mesmo instante, todos os murmúrios cessaram, e o homem nu e a mulher de lingerie se
tornaram o centro das atenções.
Seguindo os olhares curiosos e pasmos, Ramiro baixou as vistas e, alarmado, tentou cobrir a
nudez ostensiva com as duas mãos.
Quando não conseguiu, direcionou os olhos arregalados para Briana.
— Ai, meu Deus! — Mortificada, ela saiu correndo na direção do quarto.
Miro disparou atrás dela, oferecendo a todos as costas largas e a visão da bunda redonda e
musculosa.
Não existia homem mais gostoso e mais bonito que Braz. E tampouco mulher mais sortuda
que eu, a detentora do tubarão. Mas que a prima do meu namorado também tinha a sorte grande, isso
tinha.
— Esse quarto não está mais disponível para vocês! — O rapaz seguiu o casal e quase teve
o nariz esmagado pela porta, que foi subitamente fechada. — Abram, senhores! — Incansável,
começou a bater na madeira. — Vou precisar do quarto de um de vocês! — Virou-se para a plateia e,
mudando de tática, passou a conversar com os hóspedes, na tentativa de desocupar algum dormitório.
— Este dia está ficando cada vez pior — tio Matheus resmungou. — A gente devia ter ido
direto para a fazenda, paixão! Eu teria sido poupado dessa visão do inferno!
— E o que você achou da loira, Matheus? — Fendas faiscantes substituíram os olhos de tia
Sofia.
— Que loira? — Ele se fez de besta. — A única loira que meus olhos veem é você,
girafinha. — Acariciou o rosto da esposa, que suspirou, amolecida pela declaração. — Você e todas
as morenas — completou, rindo.
— Você é ridículo, Miyake! — Balançou a cabeça em reprovação.
— Você ama esse ridículo. — Puxou-a pela nuca e deu um beijo em seus lábios.
— Vamos logo para a fazenda, palhaço. — Enlaçou o braço do marido. — Graças a
Lovezinha, nosso quarto está inutilizado!
— Não! Gi, pelo amor de Deus! Vamos chamar uma camareira! — Ele se desesperou.
— Matheus, sossega. Não vou fazer... certas coisas no mesmo quarto que nossa a sobrinha
acabou de usar. — Ela baixou o tom, meio sem graça.
— A gente nem usou a cama direito, tia! Eu juro. Tínhamos acabado de entrar. Não deu
tempo de Braz gozar em nada! — Tentei amenizar.
— Mas você gozou, Tiff. — O boneco assassino me entregou. — O lençol está todo
molhado de saliva e...
— Cala a boca, linguarudo! — Estiquei a palma sobre seu rosto.
— Quando a minha língua estava entre as suas... — Começou a murmurar entre os meus
dedos.
— Bráulio! — Esbugalhei os olhos, reforçando o aperto para conter as palavras restantes.
— A gente se vê na fazenda, crianças. — Tia Sofia começou a andar.
— Gi... — Meu tio acompanhou os passos. — Você não pode fazer isso com a terceira
perna! Ela já está ensaiada! Sofia, é sério... Por favor, paixão, vamos ficar só um pouco? — insistiu,
ao alcançá-la.
Então, ela se aproximou e cochichou alguma coisa no ouvido dele.
— Vamos embora agora! — Com um sorriso estampado na face, tio Matheus puxou a esposa
e praticamente correu até as escadas, onde os dois logo desapareceram.
Braz achou graça. Mas, quando olhou para mim, não havia vestígio de riso em sua face.
— Não vi ninguém fechando os olhos quando deveria. O que você tem a dizer em sua
defesa? — Um cruzar de braços fortes acompanhou a escura sobrancelha erguida em minha direção.
— Do que você está falando, Chucky? — Caprichei no cinismo.
— Do meu próximo homicídio, Tiffany. Vou matar Ramiro e desovar o corpo à beira da
estrada. — O psicopata de brinquedo teria orgulho da tranquilidade impressa naquelas feições.
— Jura? Mas seria um desperdício dar fim àquele corpo! — Resolvi brincar com fogo.
Como resultado, vi choque e ultraje em sua expressão.
— Consegui! — O rapaz se afastou de um casal e caminhou até nós. — Consegui uma vaga,
senhor!
— Não vamos mais precisar do quarto. — Braz avançou até se deter diante da última porta,
que recebeu três batidas violentas. — Briana! Estou indo embora! Saia logo ou vai ficar para trás! —
E começou a se dirigir aos degraus.
— Bráulio, eu estava brincando! — Rindo, apressei o passo.
— Mas, senhor, é a nossa suíte máster! — O garoto veio em nosso encalço.
E, quando alcançou meu namorado, tentou convencê-lo de todas as maneiras, mas não teve
jeito.
Em poucos minutos, estávamos caminhando depressa até o carro.
De repente, eu me lembrei de um detalhe.
— E se o sapo estiver por aqui? — Saltitei, dando um gritinho.
— Tomara que esteja e tomara que pule em você — desejou, virando-se para mim e me
mostrando um sorriso endiabrado. — Aviso, de antemão, que não vou te salvar.
— O sapo realmente está aqui. E é você! — Mostrei a língua.
— Se eu fosse um sapo, você teria que me beijar. — Fez uma careta. — Ainda bem que sou
um burro! — comemorou, e eu dei uma risada.
Nas adjacências do veículo, o alarme ecoou.
A mão grande abriu a porta do passageiro, mas ele não se sentou.
Fiquei parada, sem entender.
— Não vai entrar, princesa? — Deboche curvou os lábios cheios. — Eu puxarei a
carruagem. — Foi quando compreendi sua intenção.
— Você não vai dirigir nessa chuva — afirmei com severidade.
— Ramiro não vai dirigir meu carro! — Ele também desistiu da brincadeira.
— Então eu dirijo! — Tomei a chave de sua mão.
— Não! — Pegou de volta. — Você está grávida, Leona! Se acontecer um... — Calou-se. —
Eu vou dirigir. E, pensando bem, é melhor você ir no banco de trás, com Briana.
— E se começar a trovejar? — Roubei a chave mais uma vez.
Seu corpo ficou inerte, e a fisionomia mudou.
Primeiro, tornou-se inexpressiva. Então, constrangimento se instalou.
— Você tem razão. — Por fim, a vergonha se transformou em tristeza.
No mesmo instante, eu me arrependi da vulnerabilidade que verbalizei.
O súbito barulho de um casal correndo no piso molhado nos alertou.
Devidamente vestidos, os dois chegaram ao carro.
— Briana, é sua vez de dirigir! — Com uma animação falsa, joguei a chave para ela e
atravessei a porta que dava acesso ao banco traseiro.
Braz se sentou ao meu lado e, quando todos estavam acomodados e protegidos pelos cintos
de segurança, a prima dele ligou o motor.
— Nunca mais vou tentar quebrar minha promessa — Miro declarou, do banco do
passageiro.
— Ramiro, para de besteira. — Briana engatou a ré e começou a manobrar, retirando o
veículo da vaga. — Você já tinha decidido quebrar essa merda!
— Ainda bem que não quebrei! — Ele uniu as palmas, em um gesto de agradecimento. — Se
tivesse dado tempo de quebrar, eu estaria fodido! Só de tirar a roupa já fui castigado!
— Castigado você foi quando nasceu com o dedo mindinho de um bebê prematuro entre as
pernas. — Braz fechou a cara.
Deixei uma risada escapar e recebi um olhar fulminante.
— Você discorda, Leona? — Arqueou uma das sobrancelhas.
— Concordo plenamente com você. — Prendendo o riso, balancei a cabeça enfaticamente.
— A primeira coisa que vou fazer quando voltarmos para a cidade é comprar um óleo de
peroba para essa sua cara de pau. — Entrelaçou os braços, emburrado.
— Não faz essa cara de cu, que a minha cara de pau fica animada. — Enrolei a língua,
coloquei para fora e comecei a meter na bochecha dele.
— É por essas e outras que eu te amo. — Riu, mas logo recuperou a seriedade. — Não
acredito que viu esse puto pelado! — Desferiu um soco no bíceps do amigo.
— Ai, porra! — Pela amplitude da voz, doeu bastante. — Eu ia dizer que, para ficarmos
quites, também preciso ver Leona pelada... — Espiou o banco de trás, massageando a região
dolorida e encontrando a carranca do meu namorado. — Mas... acho melhor ficar calado —
provocou, rindo.
Braz riu também, mas humor algum perpassou seu rosto.
— Eu também acho melhor você ficar calado. — O tom ameaçador combinou com o
semblante homicida. — Inclusive, posso fazer o favor de te calar de vez. — Um movimento certeiro
esticou o cinto e o aproximou do banco frontal. Então, o braço enlaçou o pescoço de Ramiro.
— Briana... — balbuciou, quando começou a ser sufocado.
— Eu quero mais é que você se ferre, safado! — Ela sequer olhou na direção dos dois.
— Bráulio, para já com isso! — ralhei. — Você está desconcentrando a motorista!
— Estou concentradíssima. Continue, Braz. — Briana se manteve focada na rodovia. —
Quando terminar, abra a porta e jogue o corpo na estrada.
— Como quiser, Bri. — Ele sorriu, embargando um pouco mais a respiração da vítima.
— Tá doendo, caralho! É sério! Solta! — Miro bateu no antebraço do agressor, o apelo
meio estrangulado escapando com certa rouquidão.
— Isso é para você aprender a não falar merdas que enfurecem o boneco assassino! —
Liberou a garganta do amigo.
Ramiro tossiu algumas vezes, agarrando a área recém-comprimida.
Após recuperar-se, olhou para o assento que meu namorado ocupava.
— Eu não sabia que você se sentia tão intimidado em relação ao Mirão. Foi mal, cara. É
uma pena que eu não possa fazer nada, porque, mesmo se ficasse pelado no Alasca, com a jeba mole,
faria você passar vergonha. Duro. — E caiu na risada.
Braz também riu, como só quem não precisa se preocupar com esse tipo de coisa riria.
— Ramiro... — começou a retrucar.
— Não dê palco pro palhaço, Bráulio. — Pousei a mão em sua coxa. — Você é maior que
isso, se é que me entende. — Pisquei um olho.
— Eu sei que sou, Tiff. — Um sorriso convencido elevou o canto de sua boca.
— É claro que Leona vai defender sua piaba, mas Briana está de prova que o Mirão é o
campeão! — Olhou para ela, em busca de alguma defesa.
— Ramiro, eu não vou comparar o pau que você exibe para todo mundo com o órgão sexual
de Braz, que, graças ao bom Deus, eu nunca vi! E hoje ele me viu de calcinha e sutiã por sua culpa!
— Soou furiosa, mas permaneceu atenta ao para-brisa.
— Briana, eu já te vi de biquíni um milhão de vezes. Dá na mesma. E, de um jeito ou de
outro, já apaguei da minha mente! Agora, vamos mudar de assunto. Chega. — O tom imperativo do
homem ao meu lado instaurou um mutismo repentino.
O silêncio deu vazão ao som da água.
No asfalto molhado, os pneus corriam.
Ladeando a estrada, as árvores farfalhavam, ouriçadas pelo vento.
Por alguns minutos, a natureza falou alto, discursando seu belo e poderoso monólogo para
uma audiência absorta.
Braz entrelaçou nossas mãos, e sua cabeça encontrou abrigo em meu ombro.
— Tiff... Minhas bolas estão doendo — choramingou, me fazendo rir.
— Suas bolas estão doendo? — Ramiro se indignou. — Você não faz ideia do que são bolas
doloridas! A qualquer momento, meu saco vai estourar, e isso aqui vai virar o carro do leite!
Braz e eu não contivemos o riso. Briana, por outro lado, permaneceu séria.
— Ramiro, você vai mesmo manter essa promessa idiota? — Ela quis saber.
— Tudo o que eu quero é quebrar essa merda, mas... eu não posso, Bri. — A expressão
sofrida me comoveu. — E se eu for castigado de verdade? Hoje eu achei que ia morrer queimado...
— Mas não morreu — ela observou, impaciente.
— Porque não quebrei a promessa. Houve apenas uma tentativa. E, mesmo assim, meu corpo
nu foi exposto, em uma espécie de sanção! Só porque cogitei quebrar! Tudo o que eu fiz foi colocar a
camisinha na cabeça do pau! Fui punido na fase de preparação, por causa de um ato preparatório que
sequer constitui crime autônomo! Isso é uma aberração jurídica! Obviamente, tomarei as
providências cabíveis para resguardar o meu direito de cogitar o que eu quiser — declarou,
contundente.
— A única providência que você precisa tomar é a de parar de prometer coisas tão difíceis
de cumprir, Ramiro! — Briana se exaltou.
— Eu sei... — Tristeza dominou as feições dele. — Sei que fiz merda. Mas, andei pensando
e... acho que encontrei uma solução pra gente: namoro santo.
Braz gargalhou, e minhas risadas histéricas se uniram as dele.
— Podemos fingir que estamos nos guardando para o casamento — Miro completou, e mais
gargalhadas encheram o carro.
— É impressão minha ou você acabou de me pedir em namoro? — Briana desviou o olhar
da estrada, mirando o dele por um instante.
Por mais que soubesse que o tal namoro santo estava fadado ao fracasso, eu mal podia
esperar para ver os dois como um casal!
— Não, eu não pedi. — Ramiro esmigalhou minha expectativa. — Mas vou pedir agora.
Bri... quer ser minha namorada?
Soltei um berro eufórico.
— Não se empolgue, Leona. A minha resposta é não. — A desalmada pisoteou no meu
entusiasmo.
— Poxa, Briana... — Decepção alastrava-se pelo rosto dele. — O que eu sou para você?
Um mero pedaço de carne? Não sirvo para ser seu namorado se meu pau não fizer parte do combo?
— Ramiro, só me diga uma coisa... Se, em vez de você, eu tivesse feito essa promessa
absurda e te pedisse para ter um namoro santo comigo por um ano, você aceitaria? — A dúvida foi
lançada.
Miro não a sanou de imediato. Dispendeu alguns segundos, parecendo refletir enquanto os
pingos se transformavam em listras no para-brisa.
Adorei a pausa dramática que separou a pergunta que valia um milhão de reais da resposta
mais esperada de todos os tempos.
— Eu aceitaria. — Por fim, buscou os olhos dela.
— Duvido. — Briana externou sua descrença. — Eu sinceramente seria capaz de esperar
por você. Mas não acho que você seria capaz de fazer o mesmo por mim.
— Sabe, Briana... Talvez isso fosse verdade um tempo atrás — ele ponderou. — Só que
agora não consigo parar de pensar em você. E não me refiro apenas à beleza dos seus traços ou à
perfeição das suas curvas. O que tem de mais bonito são os detalhes que percebo quando estou
catalogando tudo o que eu gosto em você. Como sua expressão concentrada, que provoca um leve
franzido entre as sobrancelhas claras; a maneira como mordisca o canto da boca quando está
digitando alguma coisa; o sorriso suave que aflora nos seus lábios quando dá bom dia a alguém; a
forma como prende o cabelo no final do expediente; sua mania de ajeitar a saia sempre que entra na
minha sala; sua voz, seu hálito, seu beijo... Você está gravada em mim, de um jeito que não posso nem
quero apagar. E, nessa abstinência, eu poderia desejar milhares de mulheres, mas meu corpo anseia
pelo seu. Já transei com muitas. Com algumas, várias vezes. Com você, apenas uma. Eu já estava
balançado, mas aquela noite me tirou do eixo. Pela primeira vez, não foi apenas sexo. O que houve
entre a gente eu nem consigo explicar. Só sei que eu não trocaria por nada no mundo. Para reviver o
que vivi com você, eu esperaria o tempo que fosse.
Briana ficou calada. Apenas olhava para ele, ligeiramente boquiaberta.
— Estou disposto a provar — Miro emendou. — Acabei de decidir que vou quebrar a
promessa. Nós transamos e, aí, você promete ficar sem transar por um ano. Eu já vou ter
descumprido o que prometi. Então, estarei livre para transar com quem quiser. Mas vou esperar por
você.
— Ué, Mirão, perdeu o medo do castigo? — meu namorado provocou.
— Foda-se o castigo! Se aceitar a proposta, sua prima e eu vamos transar o fim de semana
inteiro. E depois a gente começa o... — Suspirou tristemente. — Namoro santo.
Braz e eu tivemos uma crise de riso.
— Ai, Ramiro... Às vezes você consegue ser tão fofo... — Briana ignorou nossas risadas. —
Está mesmo disposto a ter um namorinho adolescente comigo?
— Por você, eu faria qualquer sacrifício, Bri. — Ele sorriu. — E então, quer ser minha
namorada?
— Sim, eu aceito! — Ela topou, tão sorridente quanto ele.
— Que lindos! — Aplaudi. — Pena que o namoro santo não vai durar um dia!
— Não vai durar nem uma hora! — Braz gargalhou.
— Isso é o que nós veremos. — Miro se gabou, aparentemente convencido de que seria
capaz de realizar o feito.
Cerca de duas horas mais tarde, chegávamos à fazenda.
A entrada foi autorizada por um dos seguranças, e o carro atravessou o pórtico, percorrendo
o trajeto orlado por ciprestes que levava à sede.
Ainda ao longe, avistei a fonte de mármore.
Dentro da vasta circunferência de pedra, anjos esculpidos vertiam água cristalina e velavam
a construção de quatro pavimentos que se erguia adiante.
Um pálido manto cinza pairava sobre o telhado, em contraste com o verde vívido dos
gramados úmidos e da vegetação exuberante que cercavam a residência.
Inspirei profundamente, sorvendo o cheiro de terra molhada e os familiares aromas do
campo.
De olhos fechados, desfrutei da sensação de paz e tranquilidade que sempre me acometia
quando chegava ali.
Então, ergui as pálpebras, voltando a admirar o cenário das minhas melhores lembranças de
infância.
Briana dirigiu até a ampla entrada de veículos, estacionando diante do majestoso casarão.
A presença de outros automóveis indicava que vários membros da família já tinham
chegado.
Identifiquei todos eles, obtendo, antecipadamente, a informação de quem já perambulava
pela fazenda.
Entre o carro de tio Matheus e o de tio Lipe estava o de papai.
Ansiosa para ver todo mundo, desafivelei o cinto.
Braz foi mais rápido. Antes que eu abrisse a porta, materializou-se diante dela, oferecendo
passagem e estendendo a mão.
Sorridente, aceitei.
Briana e Ramiro desceram logo em seguida.
— Este lugar é simplesmente perfeito! — Maravilhada, ela girou, contemplando os
arredores.
Foi quando um inesperado e potente ronco de motor ressoou ao ar livre.
Olhei adiante, avistando a motocicleta robusta que avançava em nossa direção.
O capacete impossibilitou o reconhecimento do piloto. Porém, o porte físico indicava que
era um homem alto e atlético.
Cogitei a possibilidade de ser um dos meus primos, mas havia uma grande chance de ser...
— Quim! — Briana acenou.
Devia mesmo ser ele. Afinal, ela conhecia a moto.
Para mim, aquilo era novidade. Na época em que namorávamos, Joaquim vivia dizendo que
aquele era um meio de transporte perigoso demais e nunca perdia a oportunidade de salientar o
quanto ficava preocupado comigo toda vez que eu transitava pelas ruas sobre duas rodas.
Mas a Ducati que tinha acabado de pilotar em plena rodovia era uma prova de que as
pessoas realmente mudavam de opinião.
Ao absorver o fato de que meu ex-namorado decidira comparecer, ergui a cabeça,
encontrando o rosto de Braz.
Seu olhar ferino fulminava o recém-chegado, e a mandíbula trincada escancarava sua
hostilidade.
— Ah, então foi para essa festa que ele me convidou, por não ter companhia... E eu disse
que já tinha um compromisso neste fim de semana, sem saber que era no mesmo lugar! — Briana
achou graça.
— Eu sabia que esse cara está interessado em você! — Irritação transfigurou as feições de
Ramiro.
— Claro que não! — Ela riu, como se tivesse acabado de ouvir a maior das absurdidades.
— Mas, de qualquer maneira, não precisa se preocupar. É em você que eu estou interessada. —
Enganchou-se no pescoço do namorado, sapecando um beijo nos lábios dele.
Como se tivesse poderes mágicos, fez com que o mau humor de Ramiro se metamorfoseasse
em um sorriso.
O barulho do motor se tornava mais alto à medida que a moto se aproximava. E, a cada
segundo, o braço que circundava minha cintura estreitava ainda mais a distância, até não sobrar um
milímetro entre os nossos corpos.
Não resisti à tentação de provocá-lo pela desnecessária e hilária tentativa de marcar
território.
— Burro, se for fazer xixi em mim, por favor, poupe meu cabelo! — Uni as mãos em
súplica.
Ele riu, relaxando o semblante por um momento.
— Leona, eu não faço xixi. — A seriedade retornou. — Eu mijo. Urino. Coloco o tubarão
pra chorar.
Dei uma risada, abraçando aquele idiota.
Éramos dois casais enlaçados quando a moto parou ao nosso lado.
A chuva havia cessado há algum tempo, mas a jaqueta de couro, a calça escura e as botas do
piloto ainda estavam molhadas.
Joaquim desligou o motor, desmontou e tirou o capacete.
— Bom dia. — Não havia alegria nas linhas de sua expressão.
— Bom dia — respondi, disposta a lidar com aquela situação da maneira mais natural
possível.
— Bom dia, Quim! — Briana cumprimentou ao mesmo tempo.
— Então esse era o seu compromisso... — Sua atenção estava nos braços finos jogados no
largo pescoço masculino.
— Isso! — ela confirmou, animada. — Que coincidência, né?
— Muita. — Decepção dominava o rosto dele.
E sua tristeza me entristeceu.
— Lembra de Ramiro? Ele é o cara que eu te falei! Estamos namorando! — Briana contou,
sem se abater. Provavelmente, estava feliz demais para notar a desilusão estampada na face do
amigo.
— Ah, que bom. Parabéns... — O tom lastimoso e o sorriso forçado partiram meu coração.
— Cara, você só se fode — Braz comentou, e as palavras soaram como uma constatação
desprovida de zombaria.
Um riso carente de humor escapou da garganta dele e, sem dizer nada, saiu andando.
— Joaquim — meu namorado chamou, e meu ex se virou. — Foi mal, cara. Sendo honesto,
eu não me arrependo. Nem um pouco. Na verdade, sou muito grato pelo que aconteceu. Mas juro que
foi sem querer.
— Eu sei. Cuida bem dela. E seja feliz, Leona. Pelo menos um de nós precisa ser. — Riu,
desacreditado.
— Vai dar tudo certo para você, Quim. Logo encontrará alguém que te ame como você
merece — consolei, torcendo para estar certa.
Ele assentiu, sem expressar qualquer esperança. Então, voltou a caminhar na direção das
escadas que levavam à varanda.
Simultaneamente, uma figura conhecida assomou na entrada do casarão.
— Lovezinha! — Batendo a bengala no piso, cruzou a imponente porta esculpida em
carvalho.
— Mano do céu! — Vô Piolho materializou-se ao lado. — Cê demorou pra carai, meu! E a
gente sabe o motivo, tá ligada?
— Sofia chegou contando uma coisa. — Vô Max levou a mão ao peito. — Meu anjo não
mente, mas é mentira dela, não é, minha lindinha?
— Claro que sim, vovô! — Rindo, comecei a andar, antes que ele inventasse de descer os
degraus com a perna imobilizada.
Braz me acompanhou, e fomos seguidos por Ramiro e Briana.
— Que cara é essa, mano? — Vô Piolho indagou, quando Joaquim chegou ao topo. — A
parada com a mina lá não deu certo? O que eu te falei, carai? Pra deixar as minas piradas não basta
aprender a andar de moto, véi! Tem que adquirir mais shape! Cê precisa puxar mais ferro e deixar o
cabelão crescer, saca? — E balançou a cabeleira solta.
— Quem chegou? — De repente, meu irmão atravessou o vão, ansioso. — Ah, são vocês.
— Bom dia para você também, Luan! — Venci o último lance e o abracei. — Seja menos
óbvio — sussurrei.
Ao se afastar, ele me encarou, simulando não fazer ideia do que eu estava falando.
Então, como se o destino tivesse decidido jogar a verdade na cara dele, a conhecida picape
dos meus tios despontou na portaria, e um sorriso espontâneo delineou-se nos lábios de meu irmão.
Não era bobo. Estava à vista de todos e não ia expor no próprio rosto os sentimentos que
tanto queria esconder.
Ao se dar conta de que os cantos de sua boca tinham se curvado, ele os retraiu tão depressa
que um observador menos atento jamais teria percebido. Mas eu tinha olhos de águia.
O carro parou, e meus tios desceram.
Do banco de trás, minha prima saltou. E não estava sozinha. Um cara que eu nunca tinha
visto ofereceu a mão, ajudando-a descer.
Minhas avós apareceram. E outros tios e primos se juntaram ao grupo ruidoso que já
ocupava a varanda.
Saudações simultâneas instauraram um burburinho entusiasmado e caloroso, que marcava o
início de todas as reuniões da minha família.
Enquanto trocávamos cumprimentos, ouvi uma apresentação que confirmou minhas
suspeitas. Lisa tinha levado o namorado para a festa de Luan.
Não precisei conjeturar se ele havia escutado o mesmo que eu. A resposta estava explícita
em seu rosto.
Descrença e desalento sobressaíam em suas feições.
— Leona! — Ela se aproximou, assim que sua mãe me liberou do abraço.
— Lisa... — Desapontada, espalmei suas costas, pressionando as livres, longas e sedosas
madeixas acobreadas.
Minha prima deu um passo para trás e encarou meu irmão.
— Oi, Luan — cumprimentou, meio sem jeito.
Qualquer um teria notado o clima estranho. Apesar disso, o tom que ela usou foi cordial,
sem qualquer nota de rancor.
O dele, por outro lado, saiu seco e cheio de ressentimento:
— Oi, Talisa.
Tanto fogo
Após o cumprimento ríspido, Luan se virou e adentrou o casarão, pondo fim à conversa que
mal se iniciara.
— Não acredito que fez isso com ele — recriminei, quando Lisa e eu ficamos sozinhas
naquele canto da varanda.
— Do que você está falando? — ela indagou, como se não soubesse.
Eu tinha certeza de que sabia! Luan tinha ido para Príncipe Serrano dias atrás, com o intuito
de contar que estava apaixonado por ela.
Tudo bem que não tinha contado, mas dá para perceber quando um homem está amarrado
pelas bolas! Minha prima teria que ser muito tapada para não ter notado os olhares dele.
Além disso, as cutucadas que um dava no outro e as farpas que trocavam nas redes sociais
deixavam claro que o interesse era mútuo!
Definitivamente, ela sabia. E não ia, de forma alguma, machucar meu irmão.
— Não se faça de sonsa, que eu sou capaz de dar uns tapas na sua cara, Talisa! — bradei, e
quando um silêncio abrupto acentuou o gorjeio dos pássaros, percebi que todos haviam escutado.
Com vários pares de olhos esbugalhados fixos em mim, fiz o que sabia fazer de melhor.
Comecei a chorar.
— Ai, meu Deus, esses hormônios estão acabando comigo... Lisa, mil perdões, minha
querida! Eu sei que você não pisou no meu pé de propósito! Só fiquei tão irritada porque... a
gravidez faz isso comigo, sabe? Às vezes eu surto, né, Bráulio? — Em um pranto simulado, lancei as
vistas para o aglomerado de pessoas e o encontrei ao lado de tio Teo.
Meu namorado me encarou de volta, deixando evidente em seu sorriso cúmplice a ciência
de que eu estava atuando.
Quando a atenção da plateia se concentrou nele, assumiu feições extenuadas.
— Sim. Meu Deus. Eu a amo, mas vocês não fazem ideia do quanto é difícil conviver com
esse dragão prenho! Qualquer coisa é suficiente para fazê-la cuspir fogo pelas ventas! Vivo
chamuscado! — Sustentou o teatro e, se não estivesse tão chateada com minha prima, eu teria rido,
assim como todo mundo.
— Este homem, senhoras e senhores, é um santo! — Suspirei, afetadamente. — Só um santo
me suportaria neste estado! — Levei o dorso da mão à testa, usando todo o meu talento para a
dramatização.
— Santo de cu é rola! Esse puto não está fazendo mais que a obrigação! — Vô Max saiu em
minha defesa.
— Isso mesmo, meu lindo! — Vó Olívia aplaudiu.
— Ai, meu Deus! — Identifiquei a voz de Briana em meio à multidão. — Olívia Vetter? Não
acredito! É ela! É ela, Ramiro! Você é a minha escritora favorita! Eu amo seus livros! — E começou
a chorar, só que de verdade.
— Ai, que linda! — Minha avó começou a andar até ela, e eu aproveitei a distração para
fugir.
Atravessei a porta, alcançando o hall. Avancei e vasculhei a primeira sala. Não havia
ninguém. Continuei caminhando, procurando pelos cômodos, mas com um destino específico em
mente.
Luan estava sentado no chão da adega, na companhia de uma garrafa de uísque.
— Sabia que te encontraria aqui. — Inclinei o corpo, agarrando o gargalo e afastando a
bebida. — Você já bebeu isso tudo? — Ergui e mirei o vidro, transparente na parte superior e âmbar
da metade até o fundo.
— O que está acontecendo? — Laís entrou de repente. — O que foi aquilo lá fora? Por que
você gritou com Lisa? — Minha irmã pareceu desconfiada.
— Os meus hormônios... — Dei início à encenação.
— Deixe para fazer seus teatrinhos fajutos para quem é trouxa o bastante para acreditar
neles — ela cortou.
— Como você nos achou, futriqueira? — indaguei, irritada por ter sido pega no pulo.
— Eu te segui, gênio. — Ela notou o conteúdo da garrafa. — Luan já bebeu tudo isso?
— Não — ele negou, cabisbaixo. — Não bebi nada. Já estava assim quando peguei.
Abaixei-me e puxei o queixo dele em minha direção.
— Fala alguma coisa, quero sentir seu bafo.
Meu irmão deu uma risada fraca e bafejou, sem qualquer pudor, na minha cara.
Cerrei as pálpebras por instinto e me preparei para o pior.
Mas não havia nenhum resquício de álcool.
Observei a garrafa outra vez e, então, percebi que estava tampada.
— Só senti seu mau hálito mesmo — brinquei.
— Nesse caso... — Luan tirou uma caixinha de pastilhas do bolso da calça jeans, pegou
uma, aprisionou entre os lábios e ofereceu a embalagem. — Você também está precisando.
— Seu ridículo — xinguei, mas abri a boca, aceitando a oferta.
Sabendo que eu nunca pegava uma só, meu irmão colocou várias na minha língua esticada e
repassou o restante para nossa irmã.
— Você realmente não bebeu — afirmei o óbvio, ficando de pé e depositando o uísque
sobre o balcão.
— Eu ia beber, mas... — Suspirou, meio triste. — Sempre acabo revelando coisas que não
devo quando fico bêbado.
— Eu que o diga — Laís e eu falamos juntas e nos entreolhamos.
Vi em seus olhos a mesma suspeita que estreitava os meus.
— Você sabe? — perguntamos ao mesmo tempo, chocadas.
Então, encaramos nosso irmão.
— É... Eu tive a capacidade de encher a cara duas vezes e acabei contando para vocês em
momentos diferentes, mas igualmente fodidos da minha vida — ele confirmou.
— Nossa, Luan, achei que fosse um segredo só nosso — resmunguei, decepcionada.
— Eu também. Achei que eu fosse sua única confidente... — Laís não escondeu sua
chateação. — Mas foi pra mim que você contou primeiro, né?
Soltei uma risada cheia de chacota.
— Eu sou a irmã mais velha, querida! É claro que foi pra mim que ele contou primeiro!
— E eu sou a caçula! E, além disso, a irmã favorita dele! — ela retrucou.
— Luanzinho lindo, eu sou sua irmã favorita, não sou? — Agachei-me ao lado dele,
afagando o cabelo sedoso do meu amado irmãozinho.
— Depende. Minha sobrinha vai se chamar “Luana”? — O cretino barganhou, enviesando os
lábios.
— Não. — Baguncei todos os fios e me levantei.
— Estragou meu topete, caralho! — resmungou, ajeitando as mechas. — Laís, você é minha
irmã favorita. — Ficou de pé e a abraçou.
— Você ia escolher Leona, seu falso! — Ela o empurrou.
— Nossa... Eu tô na merda, e é assim que vocês me tratam? — A palma pousou sobre o
tecido da camisa xadrez.
Embora soubesse que havia uma pontada de drama na reação, eu me senti meio culpada.
— O que você vai fazer a respeito? — Não precisei especificar o assunto para ser
compreendida.
— Nada. Se ela quer ficar com aquele sujeito, que fique. — Rancor envolveu cada palavra.
— Luan, aconteceu alguma coisa entre vocês durante a viagem? — Laís quis saber.
— Mais ou menos. — A parcela de confidência aguçou minha curiosidade.
— Precisamos de todos os detalhes. — Sentei-me no assoalho, disposta a dar início ao
interrogatório.
— Exatamente! — Laís se acomodou ao meu lado.
— Não vou participar dessa... roda de fofoca. — Cruzou os braços, determinado.
— Senta logo, merda! — bradei, e ele permaneceu quieto. — Se você se sentar e contar
tudo o que aconteceu pra gente, posso considerar fazer certa homenagem quando for registrar a
princesa-dragão — blefei, e isso bastou para que se sentasse imediatamente. — Vai, desembucha! —
incentivei, sedenta pela história.
— Conta desde o princípio! Queremos saber tudinho! — Laís também se empolgou.
— Bem... Cheguei a Príncipe Serrano disposto a contar para ela que... — exalou o ar,
notoriamente triste — vocês sabem. Primeiro, passei na residência da nossa família. Escolhi um dos
quartos, deixei a mala e fui para o banheiro da suíte. Lavei o cabelo, tomei banho, raspei o...
— Não precisa contar todos os mínimos detalhes! — Laís interrompeu.
— Mas vocês disseram que era para contar tudo — o idiota argumentou, rindo.
— Ninguém quer saber se você raspou o saco ou não, merda! — esbravejei.
— Mas eu não raspei o saco. Raspei só...
— Cala a boca, Luan! — Nós duas berramos.
— Tá, agora vou falar sério. — Clareou a garganta e retomou a narrativa. — Eu me arrumei
e decidi aparecer sem aviso. Sabia que, naquele horário, tio Tales estava na clínica, tia Tíci estava
no hospital e Lisa tinha acabado de chegar da faculdade... Fui para lá, toquei o interfone e, instantes
depois, ela abriu. Apareceu comendo um sanduíche... Tinha farelos de pão em sua bochecha... — Um
semblante feliz e nostálgico apoderou-se das feições dele. — Estava linda. Ainda vestida de branco,
com o cabelo preso e todo bagunçado...
— Ai, que fofo... — Laís suspirou.
— O que ela disse quando te viu? — perguntei, totalmente envolvida pelo relato.
— Ela falou meu nome e sorriu de boca cheia. — Ele também sorriu ao se lembrar.
Laís e eu trocamos um olhar, satisfeitas com o rumo dos fatos.
— O que aconteceu depois? — Nossa irmã o incentivou a continuar.
— Eu entrei e fomos para a cozinha. Lisa me ofereceu um sanduíche, mas não aceitei. Fiquei
vendo-a comer enquanto a gente conversava. Assim que engoliu o último pedaço, ela disse que ia
tomar banho, porque tinha acabado de chegar da aula, e eu estava muito cheiroso...
— Homem cheiroso é um negócio que atiça. Você deve ter deixado a coitada subindo pelas
paredes! — Dei uma risada.
— Aí, Lisa foi tomar banho e quem ficou subindo pelas paredes foi ele! — Minha irmã
também riu.
— No instante em que ela entrou no banheiro, fui para a porta e acho que nunca fiquei tão
duro em toda a minha vida. Meu pau foi parar na testa! — admitiu, e eu me perguntei por que o filtro
dele tinha ficado na placenta de mamãe.
— Você espiou? — Laís perguntou, maliciosa.
— Meu Deus, Laís. Assim você me ofende. Que tipo de homem acha que eu sou? É claro
que espiei!
Nós duas tivemos uma crise de riso.
— Mas não consegui ver nada — completou, frustrado.
— Entendo a sua dor — comentei, rindo.
Por que os arquitetos da nossa família só projetavam banheiros inúteis?
— Ao ouvir o chuveiro sendo desligado, corri para a sala e usei uma almofada para
esconder meu ferrão! — Expressou o desespero que deve ter sentido no momento. — Quando ela
entrou, percebi que devia ter pegado duas almofadas. Ou três.
— Credo! Que horror! — Fiz uma careta.
— Ninguém pode me julgar! Ela se sentou ao meu lado. O braço encostou no meu, e a pele
fresca e perfumada entrou em contato com a minha... — Fechou os olhos, como se estivesse
revisitando a memória.
— Cuidado! Não tem almofadas aqui, porra! — alertei, preocupada.
Laís achou graça.
— Relaxa! Está tudo sob controle, caralho! — Ele ficou puto.
Nossa irmã riu mais ainda.
— Enfim... — Luan prosseguiu. — Ela estava usando um vestido leve, sem sutiã. E os
mamilos...
— Realmente... Ninguém pode te julgar — Laís concordou.
— Só você me compreende, irmã. — Olhou para ela, expressando gratidão.
— Sempre, irmão. — Os dois gesticularam com as palmas, performando o toque que
fazíamos desde a infância.
— Vai, continua essa merda — pedi, ligeiramente irritada.
— A gente voltou a conversar e... eu simplesmente não conseguia parar de venerá-la com os
olhos. De repente, ela se calou, e um silêncio prolongado se estendeu, enquanto nos fitávamos. Mirei
sua boca, e tudo o que eu conseguia enxergar eram aqueles lábios rosados e absurdamente tentadores,
que foram atraindo os meus sem que eu percebesse.
— Vocês se beijaram? — Meu olhar se ampliou, tamanha a surpresa.
— Não — respondeu, esmorecido. — Ouvimos um barulho e, no mesmo instante, Lisa se
levantou, assustada, como se estivéssemos prestes a ser pegos fazendo algo errado.
— Alguém chegou? Foi tio Tales? — Laís se espantou.
— Antes fosse. — Amargor permeou o tom. — Tocaram o interfone. Ela foi abrir e... era
aquele sujeito.
— O que ela trouxe para a fazenda? — Busquei confirmação.
Luan assentiu, exprimindo despeito e tristeza.
— Ele também estava usando uma roupa toda branca — emendou. — A princípio, presumi
que fosse apenas um colega de faculdade. Então, ela me apresentou como seu primo e o apresentou
como seu namorado.
— Você acha que, se ele não tivesse chegado, ela teria beijado você? — Laís questionou.
— Parecia que estava tão propensa quanto eu, mas, obviamente, interpretei a situação de
forma equivocada. — Pesar perpassou suas feições.
Olhei para minha irmã, lendo em seu rosto o mesmo palpite que eu tinha em relação àquela
história.
— Não sei se vou aguentar ver os dois juntos o fim de semana inteiro. Em algum momento,
talvez eu decida beber e, nesse caso, preciso que vocês duas me impeçam. — Ele nos fitou, com
seriedade.
Foi quando eu tive uma ideia extraordinária!
— Pode contar conosco, Lu — garanti, tocando seu braço e contendo a gargalhada
maquiavélica que eu adoraria poder soltar.
Pouco depois, deixamos a adega e, assim que tive a oportunidade, contei o plano para Laís.
— Isso não vai prestar — ela censurou, com um brilho travesso cintilando nas íris claras.
— A ideia é essa. — Curvei os lábios, satisfeita.
— Você sabe muito bem que pode dar muita merda para todo mundo, inclusive para você —
alertou.
— Como, se eu nem vou participar? — Indiquei a barriga, e ela compreendeu.
— Ah, é mesmo! Minha afilhadinha linda! Como você está, meu amor? — Firmou as mãos
nos joelhos, conversando com o bebê.
Pelo visto, Bráulio e eu teríamos sérios problemas quando fôssemos escolher quem seria a
madrinha da princesa-dragão.
— Estou ótima, agora me deixa em paz, otária. — Impostei uma voz de demônio.
— Que horror, Leona! — Laís endireitou o corpo, levando a mão ao peito, assustada.
— Ela fica mal-humorada quando está com fome — justifiquei, rindo. — Preciso comer
alguma coisa e, enquanto isso, você vigia Luan! Ele precisa ficar sóbrio até o grande momento! —
Puxei seu braço e saímos andando.
Em certo ponto do trajeto, nós nos separamos. Ela foi executar sua missão, e eu fui alimentar
a criaturinha fofa que habitava meu ventre.
Ignorei o fato de que o almoço estava prestes a ser servido e apropriei-me de uma fatia de
bolo de fubá, duas broas de milho, um pratinho com cinco pães de queijo e uma xícara de leite
quente.
— Eu estava te procurando, Dragão! — Ao ouvir o súbito berro do meu adorável namorado,
quase deixei a xícara cair e, quando movi o pescoço para vê-lo, o que realmente caiu foi o meu
queixo.
Examinei-o de cima abaixo, admirando o corpo musculoso dentro da calça jeans, da camisa
xadrez e das botas de couro. Para arrematar o visual de caubói gostoso, um cinto com uma senhora
fivela coroava a minha parte favorita.
Larguei a atenção ali, no recheio apetitoso, e comecei a sentir fome de outra coisa.
— Vem! Vou levar você para conhecer a casa dos seus amigos! — Pulei da banqueta, agarrei
sua palma e o incentivei a correr junto comigo.
— Que amigos? — indagou, confuso, enquanto atravessávamos a porta dos fundos.
— Você vai ver! — Aumentei o passo, ansiosa para chegar.
Só paramos quando cruzamos a entrada de um dos estábulos.
Dei uma olhada ao redor, ciente de que não havia ninguém por ali.
Naquele horário, os peões que trabalhavam na fazenda já tinham se retirado para almoçar.
Em suas baias, os cavalos eram nossa única companhia.
— Pessoal, sejam educados e cumprimentem o Burro Falante, seu grande amigo! —
brinquei.
— É uma honra estar entre vocês, meus caros. — Braz aproximou-se de um dos animais. —
Bom dia, senhor! — Elevou os dedos e alisou a luzidia pelagem castanho-avermelhada do alazão.
— Não foi para dar bom dia a cavalo que eu te trouxe aqui, Bráulio — provoquei, e ele se
virou.
— Foi para quê, então? — Deu alguns passos, caminhando lentamente até mim, como um
predador prestes a devorar a presa.
Sustentei seu olhar libidinoso até a distância ser dizimada, e um arrepio eletrizou minha pele
quando sua palma aqueceu meu pescoço.
O corpo rijo colado ao meu emanava um calor delicioso, que se intensificou ainda mais no
instante em que o braço enlaçou minha cintura.
Apoiei as mãos em seu peitoral, contemplando seu rosto.
O verde em seus olhos se tornava cada vez mais escuro, encoberto pelo negror das pupilas.
Deslizei as digitais pelo tórax, experimentando a textura firme sob a flanela macia.
Ultrapassei os músculos definidos do abdome, alcançando e desafivelando o cinto sem
parar de fitá-lo.
Tirei o botão da casa, abri o zíper da calça, e um sorriso safado enviesou os lábios que eu
contemplava.
Só entendi o motivo quando encontrei a carne quente, pulsante e volumosa, livre de
quaisquer barreiras.
Puxei a extensão rígida e, ao mesmo tempo, desci o corpo, agachando-me diante dele.
Primeiro, deliciei-me com a imagem daquele homem de pé ali no corredor, bem no centro
do estábulo. A calça aberta revelava a ereção poderosa, as bolas pesadas e parte das coxas
musculosas.
Admirando toda aquela virilidade devastadora, circundei a língua no topo largo, em um
movimento vagaroso.
Braz jogou a cabeça para trás, evidenciando o pomo-de-adão e deixando um gemido saltar
da garganta.
Lambi as veias até a ponta e a envolvi devagar, adorando os sons que ele produzia a cada
carícia suave.
Então, engoli todos os centímetros que consegui e comecei a chupá-lo com vontade.
Os murmúrios enrouquecidos foram se tornando cada vez mais ruidosos e nem as portas
escancaradas me estimularam a diminuir o ritmo.
— Eu queria muito gozar na sua boca. — Ofegou, agarrando meu cabelo. — Mas o que eu
realmente quero agora é encher essa sua boceta gostosa de porra. — E afastou minha cabeça,
erguendo-me e aprisionando meus lábios com um beijo rude, esfomeado.
Em um rompante, içou meu corpo.
Sem fôlego, lacei seu pescoço ao mesmo tempo em que minhas pernas se entrelaçavam em
suas costas.
Gemi ao sentir o roçar repentino debaixo do meu vestido. Velozes e afoitos, os dedos
afastaram a calcinha e, antes que eu pudesse desfrutar do toque, fui golpeada pela intensa e prazerosa
sensação de ser preenchida por inteiro.
Não abafei a elevada manifestação sonora que o momento libertou.
Agarrei o colarinho de sua camisa, arfando e montando-o freneticamente, como se ele fosse
um dos cavalos que testemunhavam aquela selvageria.
Sua boca migrou para a minha garganta, beijando e sugando a minha pele sem qualquer
delicadeza.
Rendi-me às mordidas e chupões, cedendo espaço para os lábios necessitados.
— Você é tão... — Sua boca incendiou minha orelha, e apertões deliciosos castigaram
minha bunda.
— Safada? — Enredei as unhas em uma mecha de seu cabelo, sorrindo com malícia ao
encontrar seus olhos.
— Safada... — Lambeu meu queixo. — Gostosa... — murmurou, fisgando meu lábio
inferior. — Minha safada... — Cravou as mãos em minhas coxas, afastando-as e deixando-me
escandalosamente disponível para ele. — Minha gostosa...
— Sua... Completamente sua — sussurrei, beijando-o profundamente.
Braz retribuiu com a mesma intensidade, me fazendo gemer alto, à medida que as estocadas
brutas me deixavam ainda mais escorregadia.
De repente, tive a impressão de escutar alguma coisa lá fora.
Interrompi o beijo e vi em seu rosto a ciência de que alguém podia estar se aproximando.
— Foda-se, não vou parar. — E continuou metendo com força.
Eu tinha a ligeira noção de que devíamos interromper aquilo, mas... era bom demais... Tê-lo
dentro de mim, preenchendo-me por completo e latejando a cada metida, era... delicioso demais. Não
tinha forças para expulsá-lo, porque tudo o que eu queria era que ficasse para sempre.
Que entrassem e nos flagrassem ali, transando de pé, como dois animais.
— Mano do céu! Parece que já tem alguém fazendo cosplay de coelho aí dentro! — Eu tinha
escutado a voz de... vovô?
Estatelei os olhos, mirando a face paralisada de Braz.
— Eu tô entrando, tá ligado? Vou pegar no flagra! — O aviso instaurou um pânico crescente,
que se avolumava a cada segundo.
— Lucas! — A repreensão de vovó ressoou uma nota de riso.
— Ai, meu Deus! Esconde! — Exigi, em um sussurro rosnado.
— Leona, seu avô não vai entrar, é um blefe — falou, meio ofegante.
— Agora, Bráulio! — berrei, em alto e bom som.
Frustrado, olhou ao redor, à procura de um esconderijo.
— Ali! — Indiquei uma baia aparentemente vazia.
Cruzei as pernas em seu entorno, e ele correu até lá. Ao abrir a portinhola, o cavalo deitado
se levantou bruscamente, relinchando.
— Brazola, o que tá acontecendo aí dentro, mano? O cavalo tá comendo seu rabo? — E caiu
na risada.
— Lucas, para de palhaçada e vamos embora! — Vó Malu tentou.
— Pera, mano. Deixa só eu botar juízo na cabeça dessas crianças. Brazola, cês não tão
fazendo o tchaca-tchaca numa posição perigosa, não, né, véi? Lovezinha tá buchuda, carai!
— Piolho, eu sei o que estou fazendo, porra! — Meu namorado se exaltou.
— Tá! Tô saindo. Se Putão aparecer por aqui com a bengala, não fui eu que contei! —
Gargalhou, e o som foi se tornando mais distante, até desaparecer de vez.
— Leona, quando os membros da sua família vão parar de empatar todas as nossas fodas?
— Braz perguntou, tão puto que eu teria rido, se não estivesse tão irritada quanto ele.
— Provavelmente, quando a gente se mudar para o Japão! — bradei.
— Deixa que eu compro as passagens. Será que consigo achar para hoje? — Pareceu estar
falando sério.
Dessa vez, não contive o riso.
— Eu te amo. — Pincelei seus lábios com os meus, dando-lhe um beijo suave e afastando a
cabeça para admirar seu rosto.
— Também te amo, Tiff. — Braz sorriu, de um jeito franco e sereno, apaziguando meu peito
e, ao mesmo tempo, alavancando as batidas em meu coração.
Capturei sua boca de novo e, dessa vez, minha língua pediu passagem e, lentamente,
deleitou-se na cálida maciez da dele.
— Vamos continuar isso no nosso quarto, sem interrupções — propus, quando o ar se tornou
insuficiente para a cadência dos movimentos.
— Juro por Deus que não vou parar por nada no mundo. — Seus braços envolveram minhas
costas, em um abraço quente e protetor. — Se a fazenda pegar fogo, vamos morrer queimados, um
dentro do outro.
— Como eu amo o seu senso de romantismo! — Afaguei seu cabelo, abrindo um sorriso
irônico apenas para provocá-lo.
Enquanto estivéssemos no quarto, eu realmente esperava que não houvesse um incêndio,
além do metafórico. Mas, se acontecesse, eu não ficaria tão chateada quanto deveria. Morrer com
aquele homem dentro de mim soava como a melhor forma de partir.
Instantes depois, estávamos correndo de mãos dadas, atravessando as portas da cozinha em
completo desespero.
— O almoço já vai ser servido! — Vó Olívia nos interceptou.
— Estamos sem fome, vovó! — Passei por ela, puxando meu namorado.
— Você está faminta, Lovezinha! Mas temos porco assado e você quer peixe! Soltou uma
risada, atrás de mim.
Braz achou graça, e confesso que eu também. Estávamos rindo quando demos de cara com
meu avô, parado no hall, diante da escadaria central. Vô Piolho estava ao lado dele. Fofoqueiro do
jeito que era, já tinha contado tudo.
— Para onde a senhorita pensa que está indo? — De braços cruzados, vô Max desviou os
olhos acinzentados para Braz. — Está na hora do almoço. Minha neta precisa comer.
— Ela não quer comer, cretino. Quer ser comida! — Minha avó se juntou a nós.
— Olívia, eu tô passando mal! — Ele levou a mão ao peito.
— O que foi dessa vez, padrinho? — Papai surgiu no topo da escada, descendo junto com
mamãe.
— Seu genro está querendo fazer mal para a minha lindinha! — Apontou a bengala na
direção de Braz. — E Piolho acabou de me dizer que os dois estavam fazendo indecências no curral!
— No estábulo, vô — Braz corrigiu.
— Alguém, pelo amor de Deus, faça esse moleque parar de me plagiar! — Olhei para trás e
vi tio Matheus adentrando o hall pelas portas da varanda.
— Dê uma surra nele, lacaio! — vô Max incentivou. — Além de te imitar descaradamente,
esse safado está corrompendo minha neta com suas safadezas!
— Quem não te conhece, compra caro, devasso! — Vó Olívia riu.
— Eu sou um anjo, Olívia! — O indicador subiu, atestando a falsa afirmação.
— Um anjo que come cu todo domingo! — Ela entregou.
— Alguém disse cu? — Tio Plínio veio da sala principal, acompanhado por tia Suze, sua
esposa; tio Tito, seu irmão; e tia Lari, sua cunhada.
Eu considerava a todos meus tios, embora meus parentes consanguíneos fossem tia Suze —
que é minha tia-avó, por ser irmã de vô Max — e tia Lari, que é prima de vô Piolho, mãe de tia Tíci
e avó de Lisa e Barbiezinha.
— A gente tá falando do cu de Olívia, não do cu de Andressa, Plinião! — Vô Piolho se
referiu à própria irmã, em alusão a uma das muitas piadas internas da família.
Como sempre acontecia quando Andressa era mencionada, tia Suze fechou a cara.
— Cala a boca, Piolho! Ninguém está falando do meu... precioso orifício! — vô Max
protestou.
— O orifício em questão é meu, cretino! — vó Olívia encrespou. — Eu apenas te empresto
aos domingos!
— Até quando vocês vão fingir que ainda fazem isso? — Tio Tito deu uma risada.
— Puto, eu vou dar no couro até morrer! Não posso fazer nada se você e Plínio são broxas
desde os quarenta! — Vô Max riu.
— Percebi que não citou Piolho como broxa, Max... — Tio Plínio observou. — Deve ser
porque é ele que come seu cu todos os domingos!
— Mano do céu, assim cê me ofende, tá ligado? Eu como o cu da minha puta alemã todo dia,
carai! Putão, olha o Papa-cu com inveja do nosso relacionamento, mano! — Vô Piolho gargalhou.
— Relacionamento de cu é rola, Piolho! — Vô Max brandiu a bengala.
— A cada dez palavras que saem da boca desse povo, onze são cu! É por isso que eu
despenco da Irlanda sempre que posso, só para ver vocês! — De braços abertos, Ícaro estava de pé
na entrada do hall, ao lado de Arthur, seu marido. Pelas portas escancaradas, avistei duas malas ao
fundo, uma preta e sóbria e outra amarelo-neon. — Sentiu minha falta, meu lindo? — Piscou para vô
Max.
— Quase morro de saudade, gato — ele retribuiu, entrando na brincadeira que já era uma
tradição dos dois.
— Que porra é essa, Max? — Como sempre, vó Olívia fingiu ultraje. — Ícaro, vocês
demoraram, porra! — Pondo fim ao teatro, foi, sorridente, abraçar os recém-chegados.
Girei o pescoço na direção de Braz, comunicando, com um olhar, que a nossa idealização
romântica de morrer juntos e queimados acabaria ficando para mais tarde. Ele me fitou de volta,
mostrando-me uma feição decepcionada, mas não surpresa.
Não demorou para que mais pessoas se materializassem no hall e transformassem o
espetáculo em um caos que se tornou ainda mais anárquico quando todos nós nos sentamos às mesas
dispostas na sala de jantar.
Mesmo a maior de todas era insuficiente para acomodar todo mundo, e lugar nenhum era
grande o bastante para comportar nossas reuniões familiares.
Um escarcéu sempre se formava. Risadas altas, piadas e comentários escandalosos — em
todos os sentidos — permeavam nossas refeições, do início ao fim.
Não parecíamos pessoas civilizadas. E vô Piolho gargalhando de boca cheia não contribuía,
em absoluto, para que parecêssemos um clã minimamente educado.
Apesar de tudo isso, nossos almoços e jantares eram sempre as melhores ocasiões. Quando
terminávamos, estávamos com a barriga doendo; de tanto comer e de rir como lunáticos.
Nossa tarde naquela sexta-feira foi cheia de atividades coletivas.
No fim do dia, já tínhamos percorrido boa parte da propriedade. Demos uma volta nos
vinhedos, visitamos as plantações de morangos, passeamos pelos campos de girassóis, tomamos
banho de cachoeira — mesmo com o tempo nublado — e andamos a cavalo.
Na verdade, eu fiquei do lado de fora da arena, porque, embora tivesse feito aulas de
hipismo e fosse uma excelente amazona desde a infância, não ia praticar nenhum esporte que
oferecesse algum risco à princesa-dragão.
Ao entardecer, quando subimos para tomar banho, depois do piquenique no caramanchão,
Braz e eu finalmente ficamos sozinhos em um ambiente privado.
Tínhamos tentado transar o dia inteiro, fugindo dos demais em várias situações, mas
privacidade era algo muito difícil de se conseguir naquele lugar.
Em certo momento, desistimos das fugas frustradas e simplesmente aproveitamos o dia
juntos, interagindo com todos e trocando carícias fofas, que certamente se tornariam lascivas assim
que estivéssemos a sós.
Ramiro e Briana passaram o dia enfurnados no quarto. E, embora eu tivesse me sentido
bastante tentada a fazer o mesmo com Braz, também estava ali para passar um tempo com a minha
família. E, além disso, precisava vigiar Luan.
Laís e eu estávamos nos revezando na tarefa. Naquele momento, em que eu estava prestes a
desabotoar a camisa do meu namorado, ela estava de olho em nosso irmão.
— Estou com tanta saudade de você... — Braz acariciou meu rosto, os olhos reverenciando
os meus.
— Passamos o dia todo juntos, Bráulio — comentei, tirando um botão da casa.
— Eu sei, mas estou sempre sentindo a sua falta, sempre querendo mais e mais de você. —
O polegar percorreu minha bochecha, encontrou o queixo e experimentou a textura dos meus lábios.
— Então tome. Tome tudo de mim. — Ergui os pés, alcançando sua boca com a minha.
A doçura inicial cedeu espaço às línguas desejosas, que alteraram o compasso do beijo e do
meu coração.
Enquanto meu peito retumbava, alguém batia à porta.
Ignorei. Nada nem ninguém ia atrapalhar dessa vez.
— Leona! — Reconheci a voz de Laís. — É a sua vez de vigiar Luan!
Era só o que me faltava!
Afastei a cabeça, furiosa.
— Não, senhora! Você disse que ia ser a babá dele até as oito! É a sua vez! Agora estou
ocupada, me deixa em paz! — Berrei para a madeira.
— Infelizmente, você e Braz vão ter que deixar para fazer safadezas depois! — ela bradou
de volta. — Em cinco minutos, preciso fazer uma live no meu canal! E não posso adiar! Já combinei
com os meus seguidores!
— Por quê, Deus? Por quê? Por que eu tenho irmãos? Custava me deixar ser filha única? —
Puxei as duas laterais do cabelo, gritando para o alto.
Ao endireitar a posição do rosto, percebi que a expressão do homem que me fitava parecia
estranha.
— Você não faz ideia da merda que acabou de dizer. — Não havia irritação em seu tom;
apenas decepção e tristeza.
— Tem razão — concordei, arrependida.
Às vezes, meus irmãos eram insuportáveis, mas eu os amava demais. Se perdesse um deles,
perderia um pedaço de mim, e a falta doeria para sempre.
— Vá ajudar seus irmãos, Tiff. — Braz usou uma entonação carinhosa. — Vou tomar
banho. Mais tarde a gente se vê. — Beijou minha testa e saiu andando.
— Eu te amo — falei, quando ele chegou à porta do banheiro e eu alcancei a do quarto.
Ele se virou e sorriu.
— E eu te amo mais, Dragão.
Com um sorriso estampado no rosto, girei a maçaneta e ganhei o corredor.
— Por que você tem que fazer essa live agora? — Praticamente cochichei ao ver minha irmã
parada, de pé sobre a extensa tapeçaria que cobria o assoalho.
— Não vou fazer live nenhuma — ela sussurrou, puxando meu braço. — Só precisava tirar
você daí de dentro, para contar que aquele seu ex, amigo de Luan, acabou de chegar.
— Gabriel? — Arregalei os olhos. — Gabriel Hoffmann?
— Isso! E nossas primas estão lá embaixo, babando no gringo! Parece que nunca viram um
alemão na vida. E tudo o que ele fez até agora foi perguntar por você. — Ela riu. — Já contou para
Braz que a sua primeira vez foi com Gabriel? Porque, com certeza, vai ter pergunta relacionada a
virgindade no Eu Nunca!
Meu Deus! O plano!
Quando tive a ideia, eu me esqueci completamente de que Gabriel estava a caminho da
fazenda!
Tudo o que eu queria era forçar Lisa a responder algumas perguntinhas. Já estava tudo
combinado com Laís. Na hora do jogo, minha irmã faria o possível para desmascarar o que nós duas
tínhamos certeza de que era um namoro falso.
Estava na cara! O tal do namorado era apenas um colega de faculdade, que, por alguma
razão, apareceu justo quando ela precisava de algo para afastar Luan.
Conhecia minha prima. Era uma safada, mas, também, muito medrosa. Eu tinha certeza de
que ela gostava de meu irmão e estava tentando fugir de um sentimento inevitável.
Eu queria muito ajudá-los. Porém, a presença de Gabriel mudava tudo.
Ele tinha feito parte do meu passado, e Braz compreenderia isso, mas não antes de ficar do
mesmo jeito que eu ficava quando a tal da Sthefany era mencionada.
Meu ciúme era tolo e irracional, e eu tinha plena consciência disso. Só que não suportava
imaginá-lo com a fulana, vivenciando algo tão íntimo, pela primeira vez, com ela.
Era um motivo bobo, mas não deixava de ser doloroso. E eu não queria que ele sofresse
pela mesma besteira.
— Pensando bem, talvez seja melhor a gente não plantar na cabeça de tio Lipe essa ideia de
brincar de Eu Nunca... — Tentei reverter. — Sabe... Acho que não raciocinei direito. Luan pode ficar
muito chateado se a família acabar descobrindo que ele gosta de Lisa. E a gente nem tem certeza se
Lisa gosta mesmo dele...
— É claro que a gente tem certeza! — Laís rebateu. — Ela ia beijá-lo! E você também acha
que esse cara que ela trouxe é um namorado de mentirinha! O plano é genial, Leona. E o mais legal
de tudo é que ninguém vai saber que a ideia partiu da gente. Vão pensar que veio de tio Lipe. É tarde
demais. Eu já soltei, como quem não queria nada, que seria legal brincarmos agora à noite. E ele
adorou!
É claro que tinha adorado! Tio Lipe jamais perdia a oportunidade de criar ou de testemunhar
uma treta!
— Vamos descer. Precisamos começar a organizar tudo! — Minha irmã puxou minha mão e
eu me deixei levar.
Ainda nutria a esperança de conseguir cancelar tudo aquilo, mas, no fundo, sabia que era vã.
E foi exatamente o que constatei quando chegamos à sala principal.
— Vão pegar as biritas! — Vô Piolho ordenava a quatro dos meus primos. — Barbiezinha,
traz uísque. Maripeta, cê traz vodca. Bátima, cê vai ficar responsável pelas tequilas, tá ligado?
Minipapa, pega umas cachaças. Vão logo, carai!
Depressa, eles se movimentaram para acatar a ordem, liberando espaço na sala de estar.
Então, um cara loiro, que conversava em um alemão perfeito com Luan e vô Max, entrou em
meu campo de visão.
Fiquei ligeiramente boquiaberta ao constatar que o garoto que tinha me encantado na
adolescência havia se transformado naquele homem.
Como se tivesse pressentido a minha presença, Gabriel Hoffmann virou a cabeça e, quando
seus olhos azuis pousaram em mim, um sorriso despontou nos lábios delineados.
— Leona? — Fez uma pausa, observando-me atentamente. — Wie schön du aussiehst!
Merda. Eu tinha me esquecido do meu fraco para o sotaque alemão.
E, além do sotaque, ele era dono de um timbre perfeito e, para completar, tinha acabado de
dizer que eu estava linda.
— Danke. — Agradeci o elogio, abrindo um sorriso educado. — Wie geht es dir, Gabriel?
— perguntei, polidamente, como ele estava.
— Muito bem. Melhor agora, inclusive. — Seu português tinha melhorado absurdamente. —
E você, como está? — Ele começou a se aproximar, e seu perfume amadeirado chegou primeiro.
A fragrância deliciosa não me deixou enjoada. Nem um pouco.
Baixinho, antes de se afastar, Laís cantarolou em meu ouvido:
— Vai dar merda, vai dar merda... Vai dar merda, vai dar merda...
E, naquele momento, eu ainda não fazia ideia do quanto minha irmã tinha razão.
O que essa noite guarda
Tive vontade de gritar, para todo mundo ouvir, que Luan estava apaixonado por Lisa.
Seria uma boa vingança e uma excelente distração.
Mas eu jamais seria capaz de fazer isso com ele. Nem mesmo para salvar a minha própria
pele.
— Não estou me sentindo bem. Acho que preciso... — Espalmei o peito e fiz alguns
movimentos com a boca, como se estivesse lutando contra uma onda nauseante. — Bráulio, você
pode ir ao banheiro comigo? — Forçando uma careta, fiquei de pé e saí praticamente correndo, antes
que a casa caísse de vez.
O desabamento seria inevitável, assim como a discussão. E eu não queria que acontecesse
na frente da minha família inteira.
Não que meus parentes não estivessem acostumados a esse tipo de coisa. Éramos
especialistas em barraco e lavação de roupa suja.
A questão é que eu não queria lavar aquela roupa tão íntima em público.
Braz me seguiu e, quando atingimos o hall, eu o puxei em direção às escadas.
— Leona, por que você está fingindo que está enjoada e quem é aquele sujeito? —
perguntou, enquanto galgávamos os primeiros degraus.
— Eu explico quando chegarmos ao quarto. — Continuei subindo, segurando sua mão.
Ele não disse mais nada até estarmos entre quatro paredes.
Ao trancar a porta e me virar, eu o encontrei de pé, à espera da resposta com os braços
cruzados e uma feição séria.
As mangas da camisa, puxadas até os cotovelos, me permitiram admirar as veias salientes
que serpenteavam sob os músculos tensionados.
— Estou esperando. — A voz grave levou minha atenção para os contornos do rosto
anguloso.
Eu amava seu sorriso e suas expressões contentes, mas aquela fisionomia severa, que
ressaltava o formato da mandíbula, o deixava tão...
— Leona? — Meu nome soava irresistivelmente másculo quando saía daquela boca linda
e...
Definitivamente, eu precisava de foco.
— Senta aqui comigo. — Dei alguns passos até a cama, acomodando-me no colchão.
Braz aceitou o convite. Eliminou a distância e ocupou o espaço ao meu lado.
Diante de nós, a janela ampla revelava a noite escura. Daquele pavimento, não dava para
ver nenhuma árvore pontilhando o céu sombrio. Mas o vento forte que estremecia os vidros
certamente agitava toda a vegetação da fazenda.
Fitando o homem que eu amava, torci para que a chuva iminente não trouxesse raios e
trovões consigo.
— Bráulio... — comecei, contemplando o verde em seus olhos. — O que eu vou contar vai
te deixar um pouco chateado.
— Aquele Gael... — Ele parou de repente. — Não, não... Ferrão sempre fala os nomes
errados quando está de porre... Então, provavelmente, o daquele cara não é Gael...
— Não — confirmei. — É Gabriel. Gabriel Hoffmann.
Meu namorado ficou calado e imóvel por alguns segundos, como se a ficha ainda não tivesse
caído.
— Espera... Aquele Gabriel? — Exasperação e incredulidade dominaram seu rosto.
— Sim, mas...
— Não. — Balançou a cabeça, em uma negativa enfática. — Quando me falou daquele
Gabriel, você disse “Gabriel”, não “Gabriel”. — Ressaltou a pronúncia germânica.
— Eu o chamo de “Gabriel”, do jeito que falamos aqui, mas ele é alemão. Então, o certo
mesmo é...
Braz se levantou.
— Você perdeu a virgindade com um alemão? — A pergunta indignada reverberou em
algumas oitavas.
— Faz diferença? Você ficaria menos chateado se tivesse sido com um brasileiro? —
questionei.
— Primeiramente, eu não estou chateado. Estou puto! Em segundo lugar, é claro que faz
diferença!
— Por quê? A propósito, caso você não saiba, eu sou descendente de alemães! — Também
fiquei de pé.
— Ah, já entendi tudo! — Riu, com inegável acidez. — Você queria formar uma família
perfeita com aquele desgraçado! Só um sobrenome alemão era pouco demais! Por que não
acrescentar um “Hoffmerda” no final?
Não fui capaz de conter a gargalhada.
— Bráulio... — Engoli o riso. — Você sabe que eu perdi a virgindade aos quinze anos, né?
Com essa idade, acha mesmo que eu estava pensando em formar uma família?
Vi em seu rosto o momento em que recobrou a sensatez.
Respirou fundo, passando os dedos no cabelo denso e exalando a frustração. Então, voltou a
se sentar.
— Leona... — Suspirou, cabisbaixo. — E comigo? — Elevou as vistas, e me vi diante da
floresta vívida que habitava suas íris. — Você quer mesmo formar uma família comigo?
— Você sabe que sim. — Caminhei até a cama e me instalei ao lado dele.
— Não. Eu não sei... — Desalento ofuscou a luz em seus olhos. — Não te dei escolha. Às
vezes sinto que te prendi a mim, que você está comigo porque acha que é o melhor a ser feito. E eu
sei que não é. Sei que você merece muito mais, Tiff...
— Bráulio... — interrompi, pegando suas mãos. — Eu não estou presa a você. Estou com
você porque quero, porque te amo.
— Você não me amaria se soubesse... — Deu fim ao fluxo de palavras bruscamente, como se
precisasse se conter.
Tive a impressão de que aquilo tinha a ver com Belinda e o segredo. Então, decidi não
pressionar. Apenas esperei, ansiando pela continuidade.
Mas ele não prosseguiu.
— Por que você convidou aquele cara? — desconversou. — Para matar a saudade dos
velhos tempos? — O sarcasmo não mascarou a dor em seu semblante.
— Eu não o convidei — respondi, com paciência e tranquilidade. — Quem fez isso foi
Luan. Gabriel é um velho amigo do meu irmão. Morou na nossa casa por um tempo, quando veio para
cá fazer intercâmbio.
Sílaba alguma escapou. Mas o rosto dele escancarava o ciúme que o corroía por dentro.
— Por que você desapareceu com aquele filho da puta? — Lançou a pergunta de repente. —
Vi que estava conversando com ele quando eu cheguei à sala e, do nada, não estava mais. Depois,
reapareceram juntos. Onde você estava?
Eu poderia simplesmente dizer a verdade.
Assim que fiquei sozinha com Gabriel naquele canto, percebi que ele estava flertando
comigo.
De maneira nada sutil, inventei uma desculpa para escapar sem deixar claro que tinha
notado seu interesse. Comentei que estava com sede e que ia beber água. Ele se ofereceu para ir
junto, com o pretexto de que também queria um copo. Não tive como me livrar daquela situação sem
parecer rude.
Sequer havia motivo para agir de forma desagradável. Gabriel era um cara bacana. Em
certa época, fez parte da minha vida. E, mesmo se eu quisesse, não havia como mudar o passado.
Na cozinha, as intenções dele se tornaram mais ostensivas. Veio com o papo de que tinha
muito tempo que a gente não se via e que estava curioso para descobrir o que eu aprendera ao longo
dos anos. Falei que já tinha alguém desfrutando de todo o meu aprendizado. E que andávamos
praticando tanto que eu até estava grávida!
A cara que ele fez foi impagável. E, mesmo tão surpreso, foi educado o bastante para se
desculpar e me parabenizar.
Voltamos para a sala tranquilamente, sem qualquer clima ruim pairando entre nós. Eu até
sugeri que ele tentasse algo com uma das minhas primas, que certamente adorariam passar um tempo
com o alemão.
Poderia ter dito isso tudo a Braz, mas, em vez de me defender, preferi atacar.
— Não estou gostando do seu tom acusatório, Belmonte. — Cruzei os braços.
— E eu não estou gostando da sua falta de resposta, senhorita Guerratto. — Ele imitou o
gesto.
O ar autoritário e os membros fortes, pressionados contra o peitoral largo, provocaram uma
sensação dolorida e gostosa entre as minhas pernas.
— Então vamos ver o que você acha da minha falta de roupas... — Fiquei de pé e comecei a
desabotoar o vestido de flanela.
— Leona... Se você acha que vai me distrair com... — A sentença morreu quando as duas
metades desabotoadas expuseram a renda preta do meu sutiã.
— Com o quê, Bráulio? — Parei o que estava fazendo e me aproximei, subindo no colchão
e montando em cima dele.
Suas palmas se fecharam em minha cintura. O rosto mergulhou no vão aberto, e o nariz
aspirou demorada e profundamente.
— Não aconteceu nada entre mim e Gabriel. Você confia na minha palavra? — Experimentei
a textura macia de seu cabelo.
— Confio. — O hálito quente eriçou meus poros. — Mas não consigo não ter ciúme de
você, Tiff. — Elevou o queixo, buscando meu rosto. — Dói demais imaginar aquele cara ou qualquer
outro te tocando...
— Eu quero que você me toque, Braz. — Mantive os olhos conectados aos dele. — Apenas
você. — Afaguei os fios sedosos.
Ele subiu a cabeça até nossos lábios se encontrarem.
Nossas línguas se desfizeram em voltas lentas, compassadas, suaves.
Seus dedos terminaram de libertar das casas os botões. Sem pressa, deslizaram o tecido
pelos meus ombros. Soltaram o fecho em minhas costas.
A delicada peça de renda relaxou. As alças peregrinaram meus braços. Beijaram o chão.
Polegares roçaram os mamilos. Calor envolveu minha pele. O toque abrasou minha carne.
Arrancou-me um gemido.
Ao mesmo tempo, uma explosão estrondou no céu. E, naquele exato segundo, suas mãos se
retesaram.
O beijo cessou. No espaço entre nossas bocas entreabertas sua respiração alterada se fundiu
ao meu fôlego.
Nossas testas se ampararam e palavras não ditas flutuaram entre nós.
Quando o poderoso trovão se calou, o som potente da chuva preencheu o silêncio.
— O que acha de a gente se deitar e dormir abraçadinhos? — propus, preocupada demais
com seu bem-estar para me importar com o desejo imperioso que latejava em cada célula da minha
epiderme.
Ele não disse nada. Permaneceu quieto, os ombros se elevando em intervalos curtos.
— Ei... Bráulio... — Ergui seu queixo e me concentrei em suas pupilas.
O pavor que vi nelas transformou meu coração em milhares de fragmentos inúteis.
Era como eu me sentia: inútil, impotente, incapaz de aniquilar seus medos e de livrá-lo
daquele pânico.
Tudo o que eu tinha a oferecer era a minha presença e todo o amor que havia em meu peito e
que pertencia a ele.
— Eu estou aqui. — Hospedei seu maxilar entre as mãos. — Estarei sempre com você.
Outro rugido ecoou em meio às nuvens negras.
Braz abrigou o rosto na curva do meu pescoço. Seus braços me enredaram e me apertaram
com força.
Enquanto o barulho reinava, afundei as unhas em seu cabelo, confortando-o da maneira que
podia.
— Você sabe que pode conversar comigo, não sabe? — perguntei, quando só se escutava o
cair da água.
O rosto se moveu em minha clavícula, em um breve assentimento.
— Eu te amo, Braz. Nada vai mudar isso. — Minhas digitais continuaram tocando a
sedosidade das mechas castanhas.
— Você não sabe o que eu fiz. — Levantou a cabeça, as feições evidenciando a culpa que o
consumia por dentro. — E eu deveria te contar, mas... não consigo.
— É sobre Belinda? — sondei e, ao ouvir o nome, ele congelou.
Na expressão estática, o súbito brilho em suas escleras oscilou, até transbordar pelas
bochechas.
Deixou o corpo pender. As costas tombaram na cama e o antebraço cobriu os olhos.
Abandonei seu colo e deitei-me ao lado.
Braz chorou de verdade, com um desamparo que dilacerou minha alma.
Pousei a face em seu tórax, abraçando o corpo trêmulo.
Cada soluço me esfacelava um pouco mais. E, quando o pranto se foi, eu era um punhado de
cacos sobre um homem ainda mais quebrado.
Escutávamos apenas o estardalhaço do temporal quando alguém bateu à porta.
Meu namorado se sentou bruscamente. Fiz o mesmo e, ao perceber que o vestido ainda
estava aberto, comecei a enfiar os botões nas casas.
— Leona? — O chamado de mamãe sucedeu o golpe na madeira. — Vocês estão aí? Está
tudo bem?
Olhei para o lado e me deparei com um par de olhos avermelhados.
Depressa, ele limpava as faces úmidas.
Nas linhas bonitas de seu rosto havia dor, infelicidade e vergonha.
Não. Não estava tudo bem. Nada estava bem.
— Sim, está tudo bem, mamãe. Mas não vamos voltar para o jogo. Eu... — Simulei um
bocejo. — Estou com sono. Vamos dormir.
— Sei. — Identifiquei malícia no monossílabo.
Eu não precisava ser um gênio para saber o que minha mãe estava pensando. Mas ela não
fazia ideia do quão longe estava da verdade.
Quando ouvi os passos ressoando no corredor, soube que estávamos sozinhos de novo.
— É melhor a gente dormir mesmo. — A voz embargada, meio rouca, continha notas
perceptíveis de tristeza.
Eu quis implorar que desabafasse comigo, que extirpasse do peito o que tanto o
atormentava.
Mas as coisas não funcionavam assim. Braz ainda não estava pronto para me contar. E, por
mais que isso doesse, eu precisava ser paciente.
Uma parte de mim queria muito saber quem era Belinda e o que havia acontecido com ela.
Outra, tinha muito medo de descobrir. Mas tudo o que as duas partes queriam era que ele superasse e
se livrasse de toda a culpa que parecia carregar dentro de si.
Sem dizer mais nada, usou os pés para tirar as botas. Impotente, levei as mãos aos
calcanhares e removi as minhas.
Braz se levantou e começou a desabotoar a camisa.
O vestido que eu estava usando era suficientemente confortável para dormir. O que
incomodava mesmo era o sutiã, e eu já estava livre dele. Então, afastei os travesseiros, puxei o
edredom e me acomodei debaixo da camada fofa e suave.
Deitada sob o dossel, contemplei o homem de pé se despindo e, pela primeira vez, não
desejei seu corpo com uma urgência incontrolável. O que urgia em mim era uma necessidade
veemente de protegê-lo, de não permitir que o mundo e suas tragédias furtassem de sua boca os
sorrisos lindos que deveriam ser perenes em seus lábios.
Quando seus músculos adicionaram peso ao colchão, virei a cabeça para encará-lo.
— A gente não escovou e... você também está com vontade de fazer xixi? — perguntei, ao
notar que o excesso de suco começava a comprimir minha bexiga.
Meu namorado assentiu, com uma expressão mais desanuviada.
Fomos ao banheiro e, enquanto ele fazia, eu escovei os dentes. Depois, invertemos e
voltamos para a cama.
Um relampejo na janela prenunciou o som que não tardaria a retumbar.
Braz se aconchegou. O braço circundou meu torso e o rosto se escondeu em meu cabelo.
Sua vulnerabilidade era um reflexo do caos que regia sua mente. Eu precisava distrai-lo.
— Qual era a sua história infantil favorita? — Tentei, com a primeira coisa que me veio à
mente.
A descarga elétrica deu voz ao trovão e, dentro do quarto, minha pergunta ficou sem
resposta.
— Peter Pan. — O hálito morno roçou minha orelha no instante em que a fúria sonora
deixou o aguaceiro ecoar sozinho. — Quando era criança, queria ir para a Terra do Nunca, esquecer
o passado e me tornar um dos garotos perdidos. Era meu grande sonho e minha maior esperança.
Foi com extrema tristeza que ouvi aquela confissão. Meu coração sangrou.
Percebi, ali, que o que tinha marcado sua vida de forma tão trágica acontecera na infância,
em uma época em que ele deveria, apenas, desejar nunca crescer, em vez de querer esquecer o
passado.
Apesar de jamais ter ido para a Terra do Nunca, Braz era um garoto perdido dentro de si
mesmo. E a única coisa que eu podia fazer era ajudá-lo a perceber que precisava de ajuda, uma que
estava além do meu alcance.
Mas isso ficaria para depois. Naquela noite tempestuosa, em que os trovões puxavam o
gatilho a cada instante, ele só precisava de amor e companhia.
— Conheço uma música linda e triste sobre Peter Pan — comentei.
— Lost Boy? — O sopro se aninhou em meu ouvido.
— Isso. — Alcancei seu bíceps, alisando sua pele.
— Canta pra mim, Tiff? — pediu, descansando a cabeça em meu ombro.
— Não sei se é uma boa ideia. — Preferi não revelar o receio de que a canção despertasse
lembranças ruins.
— Peter Pan me remete a tempos mais simples, em que era fácil acreditar em soluções
mágicas para questões complexas e irreversíveis. É nostálgico de um jeito bom. — Pareceu ler meus
pensamentos.
Inevitavelmente, imaginei um garotinho de olhos verdes, solitário, soturno e sonhador.
Então, comecei a cantarolar baixinho, com um nó afligindo a garganta.
Imergi os dedos em seu cabelo e fui acariciando enquanto entoava os versos naquela
melodia melancólica. Logo cantei o último e, naquele cessar de notas, um tom doído imperou:
— Ela era minha irmã.
Fiquei inerte, assimilando o que tinha escutado e me perguntando se ele diria mais.
Em silêncio, abandonou meu corpo, encontrando abrigo na cabeceira.
Também me sentei, com o coração aflito e subitamente descompassado.
Não ousei questionar nada. Mantive todas as perguntas enclausuradas.
Ouvindo a queda da chuva, permaneci quieta, à espera do que viria a seguir.
— Ela era... — Seu olhar despencou, e a voz entristecida soou como um sussurro. — Um
bebê.
A revelação me nocauteou.
Por instinto, levei a palma ao ventre.
Muitas coisas começaram a fazer sentido. E, quando algumas peças foram se encaixando em
outras, eu me vi diante de uma certeza: por alguma razão, ele se culpava pela morte da irmã.
— Eu... — Braz se esforçou para engolir.
— Não foi sua culpa — atalhei, tocando o ombro desnudo. — Não foi, Braz. Você era uma
criança, não teve culpa de nada.
— Você não sabe... — No canto do olho, afastou a lágrima sorrateira antes que caísse de
uma vez. — Não sabe o que aconteceu, Leona.
— Mas sei quem você é. — Tomei uma de suas mãos, albergando a palma gelada entre as
minhas. — E posso imaginar o menino que foi. Tenho certeza de que a amou mais que tudo.
— Eu falhei com ela. — Piscou, e duas riscas aquosas marcaram sua pele. — Eu só tinha
que... cuidar dela. Mas não cuidei como devia, e ela... — Um soluço cortou o ar e partiu meu
coração.
Eu queria apenas sucumbir e chorar junto, mas precisava ser forte por ele.
— Você era um garoto, Braz. Não era você que tinha que cuidar dela. Onde estavam o seu
pai e a sua madrasta? — Não fui capaz de conter a revolta e o ódio por aquelas pessoas
irresponsáveis, que deixaram um menino cuidando de um bebê.
— Minha madrasta tinha acabado de morrer... — A informação agitou um sino em meu
cérebro.
— Ela morreu no parto... — Sabia que a mulher estava morta, mas só então liguei os pontos.
Braz não negou. E tampouco olhou para mim. Mas, naquele silêncio, o medo e a
preocupação em seu semblante disseram tudo.
— Vai ficar tudo bem comigo — assegurei, embora tivesse garantia alguma.
— Você promete, Tiff? — Virou o rosto em minha direção, com os olhos marejados pelas
lágrimas que se avolumavam. — Promete que não vai me deixar?
— Eu prometo. — Com a garganta sufocada pelo pranto que ameaçava transbordar, eu o
abracei.
— Não consigo... — Pingos quentes caíram no padrão xadrez do meu vestido, umedecendo
minhas costas. — Eu... não consigo cuidar de um bebê, Leona... Você não pode me deixar sozinho.
Nunca.
Desfiz o abraço e o encarei.
— Seu pai te deixou sozinho? — Delicadamente, passei o polegar na face molhada.
— No final daquela tarde, ele foi me buscar na escola. No caminho, passou em um bar.
Fiquei no carro com... Belinda. — As pálpebras baixaram, os profusos cílios úmidos quase tocando
as bochechas. — Meu pai me deixou cuidando dela, mas... eu adormeci. Quando chegou em casa, ele
me tirou do carro primeiro, me levou para dentro e me colocou na cama. Tinha comprado umas
bebidas, começou a beber e... não se lembrou de Belinda. — Gotas se desprenderam e despencaram,
dissolvendo-se no edredom.
Ouvir aquilo me destruiu. Transformou todos os pedacinhos do meu coração em pó. Chorei;
pela vida inocente que se perdeu e pelo menino perdido que cresceu e nunca esqueceu o passado.
— O único culpado foi o seu pai. — Raiva se juntou à tristeza que me consumia.
— Mas, se eu não tivesse dormido, teria saído do carro por conta própria. E ele pegaria
Belinda. Ela estaria viva, Leona... — Olhos inundados buscaram os meus.
— Qualquer criança teria dormido, Braz. É isso o que as crianças fazem. Elas gastam toda a
energia, ficam cansadas e dormem. Que criança nunca dormiu no banco de um carro ou em um banco
qualquer? Não foi sua culpa. Foi uma fatalidade, que só aconteceu porque o seu pai não foi o pai que
deveria ser.
— E se eu não for o pai que deveria ser? E se eu... — A frase ficou entalada em sua
garganta. Braz a engoliu com força, incapaz de proferi-la.
Eu tinha plena certeza de que ele seria um pai incrível para a nossa filha.
Era extremamente cuidadoso e possuía até um caderno, onde anotava absolutamente tudo o
que ensinavam no curso para gestantes e pais de primeira viagem. Era o “aluno” mais aplicado da
turma. Estava adiantado, até. Vivia fazendo perguntas ou respondendo coisas que ainda nem tinham
ensinado.
Eu sentia muito orgulho dele, mas, ao mesmo tempo, queria estrangulá-lo quando erguia o
dedo depressa, para responder coisas que eu não fazia ideia.
Nas primeiras aulas, saí me sentindo um fracasso. Então, comprei uma pilha de livros sobre
maternidade e comecei a fazer minhas próprias pesquisas.
O sabichão continuava me superando, mas eu já não passava vergonha. Havia conquistado o
posto de segunda melhor aluna da classe. E, embora fosse muito competitiva, chegara à conclusão de
que era impossível vencê-lo. Até comprei um caderno, mas não conseguia anotar as coisas tão rápido
e sempre precisava pedir o dele emprestado.
Meus garranchos inacabados não se comparavam às informações completas, legíveis e
perfeitamente organizadas que Braz conseguia reunir. Sua dedicação me deixava possessa e, ao
mesmo tempo, maravilhada.
Agora que entendia o motivo de tanto zelo, eu só conseguia me sentir... triste.
Ele não deveria ser obcecado. A paternidade não deveria assustá-lo daquela maneira tão
impiedosa.
Mas assustava. A tragédia que levara sua irmã se encarregara de atormentá-lo com aquele
medo brutal.
— Você é um homem maravilhoso, que jamais cometeria o erro do seu pai — afirmei com
convicção.
Ele assentiu, como se estivesse tentando convencer a si mesmo.
— Escuta, Braz... — comecei, mas um repentino estouro no céu me calou e fez com que os
dedos dele comprimissem os meus.
Naquele aperto, coloquei todo o meu carinho, tentando tranquilizá-lo.
Quando o barulho cessou, notei os olhos cintilantes e vidrados.
— Chovia e trovejava muito quando eu acordei, sozinho no meu quarto — contou, mirando o
nada. — Já era noite e...
Um novo rugido ressoou lá fora.
Minhas mãos foram pressionadas outra vez.
Estava chovendo quando perdeu a irmã. Por isso tinha tanto medo das tempestades...
— Não precisa me contar o resto. — Movi o polegar, afagando o dorso da palma entre as
minhas. — Eu... já entendi o que aconteceu.
— Não... — Braz me encarou, com os cantos dos olhos brilhando. — Você não faz ideia do
que aconteceu. — Sua profunda tristeza despejou mais duas listras em suas faces.
Então, ele me contou tudo.
E o quebra-cabeças montado me desmontou.
Aqui na sua cama
A porta do banheiro não tinha chave. Não me importei. O perigo tornaria as coisas mais
interessantes e muito mais rápidas.
Do lado de dentro, empurrei a maçaneta, até o trinco produzir um estalido. A madeira nos
separou do restante do mundo e abafou o som potente que vinha da pista de dança.
Lá fora, banhados pelos feixes de luz, corpos se moviam no ritmo da batida que reverberava
pelo ambiente escuro.
Era onde estávamos instantes atrás, roçando um no outro. Durou só um pouco, mas apenas
aqueles minutos bastaram para que eu chegasse ao limite e beirasse à insanidade.
O jeito que ela dançava mexia com a minha pulsação e com a minha cabeça.
O jeito que ela rebolava mexia com a pulsação do meu pau e com a cabeça da minha rola.
— Tiff, preciso pegar uma coisa. — Eu havia dito, enquanto a safada se esfregava em mim.
— E preciso que venha comigo.
— O que você queria pegar aqui dentro? — perguntou, assim que entramos no banheiro.
Dei um passo, contemplando os ondulados fios loiros que desaguavam em seus ombros; a
gargantilha de veludo; a jaqueta de couro; o vestido branco, decotado e curto; as meias que findavam
no meio das coxas; e as botas que a deixavam vários centímetros mais alta.
— Você. — Tomei sua nuca, e um sorriso sacana assomou nos lábios pintados de preto.
— Não vai rolar, não, mano. Eu tô cagando, tá ligado? — A risada inesperada escapou de
uma das cabines.
Só então me dei conta de que, por força do hábito, havia entrado no banheiro masculino e,
no afã de me enterrar dentro dela, sequer pensei em conferir se tinha alguém ali.
Ao olhar para o lado, notei que apenas uma cabine estava fechada. De todos os convidados
da festa, incluindo as pessoas que não faziam parte da família, é claro que seríamos flagrados pelo
empata-foda que minha namorada chamava de avô!
Piolho era onipresente. Essa era a única explicação possível!
— Vovô! — Leona expressou espanto ao ouvir a voz dele.
— Puta merda! — xinguei, sem saber o que me enfurecia mais; a interrupção ou o barro que
ele estava soltando.
— Puta merda mesmo, mano! — A portinhola foi aberta de repente, revelando o homem de
pé, com as costas cobertas por um manto rubro, que parecia ser a capa de um super-herói. Thor,
provavelmente. Foi o que eu pensei, até ele apontar um tridente de capeta para o vaso. — Vem ver o
tamanho do tolete!
— Ah, meu Deus! Eu vou vomitar! — O Dragão protegeu o nariz.
Piolho se virou, e eu me deparei com a sunga vermelha, única peça que cobria a frente do
corpo seminu.
Quem ia vomitar era eu!
— É caô! Eu não caguei, não, Lovezinha! Cê tá sentindo cheiro de bosta? Não tá, porque eu
só mijei, tá ligada? — Rindo, ele passou por mim, confiante como apenas o demônio estaria. —
Segura meu tridente, Brazola. Vou lavar as mãos.
Estava explicada a onipresença. Ele era o diabo!
— Nem por um caralho! — Esquivei-me do garfo diabólico esticado em minha direção. —
Você pegou nisso com a mão suja de pinto!
— Quem tem pinto é moleque, tá ligado? Respeita a anaconda, carai! — Levei uma ligeira e
inevitável tridentada em um dos lados da retaguarda.
O pulo súbito e o palavrão que soltei fizeram Leona rir. E uma conhecida gargalhada
masculina ecoou junto com a dela.
Relanceei a entrada e não fiquei surpreso ao avistar Max. Divertindo-se às minhas custas,
ele adentrou o recinto, em um traje que provavelmente remontava à Grã-Bretanha do século XIX.
Usava uma calça justa, camisa, colete e casaca. No colarinho, um volumoso lenço branco formava
um nó elaborado. No topo da cabeça, a cartola conferia ares aristocráticos ao marido de Olívia. Com
o pé devidamente recuperado, ele não precisava mais da bengala. Mas estava usando uma, muito
mais requintada que a anterior. O modelo de madeira ostentava um corpo entalhado e um rebuscado
castão de metal.
— Agora é a minha vez! — Ergueu o pomposo objeto cilíndrico e, antes que eu pudesse
reagir, a outra banda do meu traseiro sofreu um golpe.
Leona dobrou o corpo, apoiando-se nos joelhos de tanto rir.
Em outras circunstâncias, eu estaria logo atrás, de olho na bunda arrebitada. Mas, naquelas,
eu precisava proteger a minha.
Colei as costas na parede mais próxima e fulminei os velhos.
— Já chega.
A dupla caiu na risada.
Então, Max se deu conta de um detalhe.
— Minha lindinha... — A palma enluvada subiu para o peito. — O que você está fazendo no
banheiro dos homens?
Minha namorada endireitou a coluna, engolindo o riso e arregalando os olhos.
— O que você acha, Putão? Eles entraram aqui pra fazer safadeza, né, mano! — Piolho
soltou a língua.
— Mas já estamos saindo. Vem, Tiff! Vamos deixá-los à vontade. Piolho entrou primeiro, na
surdina. Logo depois, Max chegou, despistado. Claramente, combinaram esse encontro e estão
doidos para usar a bengala e o tridente um no cu do outro! — Passei por eles tão rápido que consegui
me livrar da retaliação.
— Mano de Deus! Cê me furou, Putão! Carai, meu! — Ouvi o resmungo.
— E você quase acerta meu pau com essa porra, caralho! — O outro queixou.
— Foi mal, véi! Eu tava tentando acertar o toba de Brazola! — Piolho se defendeu.
Max disse alguma coisa, mas não escutei. Já estávamos do lado de fora, morrendo de rir dos
dois.
— E agora? Para onde a gente vai? — A voz dela soou alta, na tentativa de sobrepujar a
música que pulsava em nossos ouvidos.
Considerei as opções. Precisávamos de um local privado. Com porta. E, preferencialmente,
com chave.
A melhor alternativa era, com certeza, retornar para a sede e transar no nosso quarto. Mas
estávamos razoavelmente distantes do casarão. Para chegar lá, teríamos que andar um bocado,
principalmente se passássemos pela lateral do lago, que ficava mais perto do salão de festas que da
casa. Definitivamente, eu não estava em condições de esperar. Queria foder minha boneca. E ninguém
ia me impedir.
— Pelo amor de Deus, vamos para o banheiro feminino! — Apelei para a solução que,
naquele momento, me parecia a mais viável.
Rezava a lenda que o toalete das damas era um local imaculado. Totalmente limpo e
cheiroso, com um aroma infinitamente melhor que o do banheiro dos caras. Ou seja, naquela ocasião,
era o lugar ideal!
— Dessa vez, vou entrar primeiro e ver se tem alguém! — Leona aceitou a proposta
puxando minha mão e nos levando até o destino. Então, largou minha palma e desapareceu. Surgiu na
entrada instantes depois, gesticulando com um sorriso estampado nos lábios. — Vem! Tá vazio e tem
chave!
Cruzei o vão depressa, notando de imediato que o ambiente recendia uma suave fragrância
floral.
Satisfeito, tranquei a porta e avancei. Lentamente, ela foi andando para trás.
— O que vai fazer comigo, Chucky? — Simulou pânico e preocupação, levando os dedos
delicados ao decote.
Puta merda, como eu amava aquela mulher...
— O que eu pretendo, Tiffany... — Com algumas passadas rápidas, eu a encurralei contra a
extensa bancada da pia. — É fazer você gritar. — Icei seu corpo, sentando-a na beirada.
Observei-a ali, apenas por um instante. Tão linda, tão gostosa, tão perfeita.
Mordendo o lábio inferior, tirou a jaqueta, revelando a tatuagem falsa pintada no topo
arredondado de um dos seios. Acima do coração esfaqueado, em uma caligrafia gótica, lia-se:
“Chucky”.
Era a mera imitação lavável de uma imagem tatuada em uma boneca fictícia, mas alimentava
meu ego de uma maneira que eu não era capaz de controlar.
— Talvez eu tatue de verdade. — O canto esquerdo de sua boca subiu, elevando a pintinha
desenhada acima do batom escuro.
— Eu já estou tatuado para sempre no seu peito, Tiff. — Meus lábios imitaram os dela.
Passei o polegar em seu sorriso. Colei o meu ali e borrei tudo. Apertando as coxas
parcialmente cobertas pelas meias, subi o vestido. Devorei sua língua. Desmanchei a pinta. Estiquei
a calcinha e expus a minha parte favorita.
Dedos ávidos soltaram as alças do meu macacão. A peça deslizou. Puxei a camisa pela gola.
Digitais impacientes trilharam meu abdome até o toque sôfrego libertar o volume encoberto.
Entrei de uma vez, e todos os centímetros se deleitaram com o êxtase de preencher a entrada
quente e molhada.
Firmando os dedos em suas pernas abertas, retirei-me devagar. Escorreguei de novo,
admirando as metades úmidas que engoliam meu pau.
Ela jogou os braços para trás, sustentando-se no mármore e favorecendo a minha visão.
— Você é tão safada... — Arrastei as palmas, travando as duas em sua cintura. — Eu amo
isso. Amo tudo em você. — Metidas sucessivas encheram o ar dos nossos ruídos.
O rumor ritmado dos corpos se chocando e os sons enrouquecidos que evadiam nossas
gargantas formavam a melhor das harmonias.
Leona enlaçou meu pescoço, pressionando meu tórax e confiscando minha boca. Meu
coração batendo junto ao dela se tornou a minha melodia favorita.
Suas mãos deslizaram pelas minhas costas, ultrapassando a base da lombar. As unhas
cravadas nos músculos contraídos me incentivaram a meter mais fundo a cada estocada.
— Você geme tão gostoso... — choramingou, com meu lábio entre os dentes.
— Você me deixa louco... — Agarrei seu pescoço, sufocando a gargantilha. — Louco para
te ouvir gozando e louco para encher essa boceta deliciosa de porra. — Castiguei sua boca, enquanto
as investidas rápidas e profundas me faziam gemer e tragar seus gemidos.
Logo comecei a sentir o descontrole se avolumando, prestes a transformar tudo aquilo em
uma explosão arrebatadora.
Naquela iminência, tive a impressão de escutar alguma coisa atrás de mim. Inebriado pelas
sensações que dominavam todas as minhas células, ignorei.
O barulho se repetiu, ruidoso e ininterrupto.
Parecia vir... da porta.
Interrompi o beijo e virei a cabeça.
Porra. Estavam girando a maçaneta.
Alguém queria entrar. Mas não ia!
— Não para. — Leona puxou meu rosto. — Continua... Por favor, não pa...
Abafei seus murmúrios, movendo-me uma, duas, três vezes. Na quarta, sua voz escapou, em
uma profusão de palavras indistintas.
No segundo seguinte, as prazerosas compressões em meu entorno emanciparam meu
orgasmo.
Estava jorrando os últimos jatos quando a pessoa que estava do lado de fora bateu à porta.
— Quem está aí? Eu preciso usar o banheiro! — a mulher gritou, com uma nota de
desespero.
— Ai, meu Deus! Eu acho que é Maria Eduarda! — Leona se alarmou.
— A mãe de Joaquim? — Retirei-me de dentro dela.
Minha namorada assentiu, pulando da pia.
— A gente tem que... — Parou de falar de repente, ao mirar o espelho. — Olha a minha
cara!
Contemplei a maquiagem borrada e nunca a achei tão linda quanto naquele momento, com o
vestígio do batom preto espalhado nos lábios, a pele suada e o rosto afogueado.
— Por que você não disse que eu estava assim, Bráulio? — Inclinou-se contra a bancada,
observando as manchas e me brindando com a mais sublime das visões.
A barra embolada do vestido cobria apenas uma parte do rabo. As popas carnudas e a
boceta gozada estavam à mostra. Pelas coxas torneadas, o líquido espesso escorria, trilhando a
delicada trama das meias sete oitavos.
— Assim como? — Aproximei-me e dei um tapa em uma das metades redondas, apertando a
carne macia. — Gostosa pra caralho? — Relanceei seu reflexo e vi o meu.
Leona riu ao enxergar meus olhos arregalados.
Parecia que eu tinha comido graxa!
Além disso, minha peruca estava torta. E a pintura facial era uma mistura indefinida de
borrões escuros.
— Puta que pariu. Você é uma heroína por ter conseguido transar comigo desse jeito. —
Arranquei o chumaço e os tufos ruivos da cabeça, ajeitando meu próprio cabelo.
— Não me importo com a sua aparência horripilante, Chucky. Eu amo você. E o seu pau. E o
fato de ele não ser de brinquedo. — Rindo, ela foi até uma das bandejas que estavam sobre a
bancada e mexeu nos produtos.
— Eu não mereço você, Tiff. — Achando graça, subi a cueca, coloquei a camisa e comecei
a prender as alças do macacão.
— Não estou aguentando esperar! Abre logo! É urgente! — Batidas frenéticas chegaram aos
nossos ouvidos.
— Já vai, Duda! Vou só tirar a maquiagem! — Minha namorada pescou um vidro dentre os
que remexia. — Achei um demaquilante, Chucky!
— Leona? É você? Por favor, abre a porta ou vou ter que cagar no mato! — O berro me fez
rir.
— Duda, sua louca, fala baixo! — Outra voz feminina atravessou as paredes.
— Você não tem cu, Sofia? Todo mundo caga! E a culpa não é minha. É daquele canapé que
eu comi! Leona, se você não abrir agora, vou cagar nas calças!
— Já estou indo! — Ela pegou uma bola de algodão em um dos potes, umedeceu com o
conteúdo de seu achado e me entregou. — Toma, passa no rostinho, Chucky. — E foi abrir a porta.
Fitando a imagem medonha no espelho, deslizei aquilo na bochecha e fiquei pasmo com a
bruxaria! A solução aquosa desenhou um caminho perfeitamente limpo na pele suja.
Ouvi o clique da fechadura e, em seguida, um emoji de cocô passou por mim.
— Eu devia saber que você estava aqui com ele! — O tom recriminatório não me
surpreendeu.
Eu já havia percebido que Maria Eduarda não era tão amável comigo como costumava ser
com as outras pessoas. O motivo do tratamento diferenciado não era segredo para ninguém. Ela era
uma mãe que torcia, acima de tudo, pela felicidade do filho. Eu compreendia. E gostava ainda mais
dela por defender Joaquim com tanto fervor. Queria ter tido uma mãe assim.
— Já estou de saída... — Dei alguns passos, disposto a deixar o banheiro do jeito que
estava.
— Não precisa. Não por minha causa. — Ela tentou entrar em uma das cabines, mas as
dimensões da fantasia marrom, que tinha o clássico formato de um montículo de fezes, a impediu. —
Mas que merda! — praguejou, provocando risadas.
Fiz o possível para conter o riso, só que a ironia daquilo era tão grande que não suportei.
— Calma, Duda! — Em seu traje de girafa, composto por uma espécie de pijama felpudo e
um arco com orelhas fincado na cabeça, Sofia empurrou as costas da amiga até enfiá-la dentro do
espaço reservado.
— Vou precisar de ajuda para tirar essa bosta do corpo! — Maria Eduarda resmungou.
— Quer que eu te ajude a fazer cocô? — Sofia riu.
Leona e eu gargalhamos e fomos imediatamente fuzilados por um par de olhos castanhos,
muito parecidos com os de Joaquim.
— Vem, Sofia. Tira a minha roupa aqui dentro. — Virou as costas.
— Vou esperar lá fora! — Praticamente corri até a saída.
Já estava quase do outro lado quando Leona me alcançou.
— Toma. Vai pro banheiro masculino e tira o resto da maquiagem. Vou remover a minha
aqui. Tem mais demaquilante nas bandejas. — Entregou-me um frasco e um monte de algodão.
Eu não queria ser visto por outros caras passando aquela porra no rosto. Mas também estava
doido para me livrar das manchas. Então, me lembrando de tudo o que minha sensata cunhada havia
dito mais cedo, fortaleci minha masculinidade frágil e me dirigi ao banheiro dos homens.
A uma curta distância, dei de cara com o gringo, que também estava prestes a entrar. O filho
da puta demonstrou estranheza ao ver minha maquiagem desfeita e todas aquelas coisas nas minhas
mãos, mas não evocou o assunto.
— Tudo bem, Braz? Ontem, quando flertei com Leona, não sabia que vocês estavam juntos.
Peço que me desculpe. Ela comentou que está grávida. Parabéns. Desejo-lhes muitas felicidades. —
Lançou as palavras de forma tão correta quanto o alinhamento dos dentes que arreganhou.
Trinquei a mandíbula, sem saber o que me irritava mais naquele sujeito: a maneira certa
demais de conversar, o leve sotaque, o tecido colado da fantasia de Super-Homem ou o fato de ele
ter escolhido uma versão do uniforme sem a sunga ridícula que ficava por cima da calça.
Provavelmente, as duas últimas coisas.
Mantive a expressão hostil estampada no rosto, puto por razões óbvias e, principalmente,
por saber que o desgraçado tivera audácia de dar em cima do meu dragão. Por que ela não tinha me
contado isso?
Decerto, porque sabia que eu ficaria tentado a quebrar a cara do alemão.
Ao perceber que eu não ia relaxar a fisionomia, ele retraiu o sorriso.
— Fique tranquilo. Não estou interessado na sua namorada. Na verdade, estou com uma das
primas dela.
— Parabéns. Desejo-lhes muitas felicidades. — Fui sarcástico.
— É apenas sexo. Malena e eu não estamos em um relacionamento. — Ou alemães não
entendiam ironia ou aquele era muito burro. — Com licença. Preciso voltar logo. Ela está na pista de
dança, à minha espera. — Ele entrou, e eu fingi que estava indo para outro lugar.
Fiquei por perto, aguardando sua saída para fazer o que pretendia.
Assim que o otário retornou, cruzei a entrada e comecei a limpar toda aquela sujeira às
pressas, antes de ser flagrado por alguém da família.
Mas é claro que não tive tanta sorte. Ainda estava executando a tarefa quando Felipe
apareceu, trajando um terno marrom, gravata estampada da mesma cor e um chapéu preto,
combinando com sua peruca. Ao ver o que eu que estava fazendo, ele riu, desapareceu em uma das
cabines, lavou as mãos e saiu sem dizer nada.
Terminei em tempo recorde, disposto a voltar para a festa.
Bastou cruzar a porta para me deparar com o tio de Leona, que estava me esperando do lado
de fora. A esposa tinha se juntado a ele. Com a cabeça cheia de bobes e o corpo pequeno dentro de
um vestido de estampa quadriculada, sobreposto por um avental com um remendo verde, Marina
segurava um buquê de rosas vermelhas já desfalecidas.
— Posso saber por que causa, motivo, razão ou circunstância, você estava passando aquilo
no rosto? Por acaso estava preparando a cara para macho bater rola? — Teatralmente, Felipe levou o
charuto apagado aos lábios, ostentando o escuro e volumoso bigode postiço.
— Bem que você queria bater a sua, né, Mestre Linguiça? — Dei uma risada. — Só que é
mais murcha que as flores de dona Florinda e mais fina que o charuto que você gosta de botar na
boca.
— Tá, tá, tá, tá, tá! — Ele tirou o chapéu, furioso.
Marina gargalhou.
— Você já sabe que o gringo está comendo sua filha? — Encarei o professor Girafales e vi
a cor fugir de seu rosto.
Olhou para trás, aparentemente à procura de Malena na pista de dança. Então, saiu feito um
foguete.
— Felipe, você não vai fazer nada! — Sua esposa o seguiu.
Torci para que ele acabasse com a alegria do alemão, porque sou mesmo esse tipo
desgraçado de pessoa. Adorando o malfeito, fui caminhando até alcançar o banheiro feminino.
Leona não estava nas adjacências. Presumi que ainda estivesse lá dentro.
Permaneci parado, aguardando. Dali, podia ver a pista de dança e os convidados banhados
pelas múltiplas cores que cortavam o salão.
Cataloguei as fantasias que meus olhos captavam e, naquele mar de pessoas que se mexiam
ao som da batida eletrônica, elegi a melhor de todas.
Com certeza, Leandro merecia o prêmio. Não por estar fantasiado do próprio apelido ou
pela coragem de usar uma minissaia cor-de-rosa, uma comprida peruca loira e botas que reluziam.
Mas por estar com a língua enfiada na boca de uma morena vestida de Mulher-Maravilha, mesmo
usando aquilo. Eu tinha a ligeira impressão de que seu sucesso tinha algo a ver com a blusa curta e
sem alças que deixava os braços, os ombros e seu abdome à mostra.
Barbiezinha não era o único cara aproveitando a pista da melhor maneira possível.
James Dean estava roubando todo o fôlego de Marilyn Monroe. E eu quase perdi o meu
gargalhando ao ver Ramiro se esbaldando, apenas de calça social preta, com um apito na boca e
várias pulseiras que emitiam uma luz neon enroladas nos pulsos.
Briana havia desistido das opções de fantasia que trouxera. Leona a ajudara improvisando
uma de Tiffany Wilson. Com sua jaqueta rosa e as ondas do cabelo dourado oscilando a cada
movimento, minha prima descia até o chão, deslizando as mãos no peitoral de seu Latrell Spencer. E
ele parecia louco para devorar seu chocolate branco totalmente derretido.
Bátima estava trajando, obviamente, seu uniforme de Batman. Avistei o morcegão dançando
com duas vampiras.
Além dele, praticamente todos os primos de Leona estavam acompanhados por mulheres
aleatórias. Algumas, eu já tinha visto em uma ou outra orgia. Eram velhas conhecidas de Ferrão. E,
pelo jeito, o aniversariante estava em maus lençóis. Em um canto, fantasiado de zangão, parecia estar
tendo sua primeira discussão com Talisa, que ostentava uma tiara roxa nos fios ruivos, um vestido da
mesma cor e um lenço verde-claro atado ao pescoço. A briga devia ter algo a ver com a sereia
seminua que estava ao lado do casal. Eu a reconheci pelo cabelo azul. Era a mulher que tinha
participado de algumas surubas, a que tinha um piercing na...
— Braz! — Laís se aproximou, ofegante. — Você não vai acre... Cadê sua maquiagem? E a
peruca?
— Eu estava no banheiro, transando com Leona...
— Tá, tá. Já entendi. — Ela torceu os dedos, aparentemente nervosa. — Luan convidou
várias pessoas da empresa! Tem gente de vários departamentos aqui, inclusive...
— A estagiária? — Arregalei os olhos.
Minha cunhada assentiu.
— Joaquim tinha razão. Ela é linda. E está fantasiada de Harry Potter! — berrou, eufórica.
— Ela tem um cabelão preto, sabe? Antes de reparar na gravata da Grifinória, achei que fosse a Cho
Chang, mas ela desenhou uma cicatriz de raio na testa e usa óculos iguais aos do Harry! E,
coincidentemente, eu me fantasiei de Luna Lovegood, que, na minha opinião, é o par perfeito pro
Harry!
— Já falou com ela? — perguntei, animado.
— Não! Joaquim só me mostrou quem é. Não tive coragem. Estou surtada, não está vendo?
— Passou as mãos aparentemente úmidas na túnica preta. — E suando que nem uma porca dentro do
meu uniforme da Corvinal! E, como fiquei maquiando todo mundo, não deu tempo de passar nada na
minha cara. Estou horrorosa... — choramingou.
— Laís, você é linda. Deixa de besteira e vá falar com a garota. Ou você quer que uma Gina
Weasley apareça e fique com o seu Harry? — Isso fez com que ela recuperasse a compostura.
— Sinceramente, Braz, você não tem um defeito! — Ela me abraçou e saiu correndo,
misturando-se à multidão.
Meu olhar a seguiu. Vi quando estacou de repente. Ficou parada por alguns segundos. Então,
deu mais alguns passos e se aproximou da eleita.
De longe, eu observava o primeiro contato das duas com o coração agitado, como se
estivesse no lugar dela, prestes a engatar a conversa inicial com alguém importante.
Quando a menina-que-sobreviveu sorriu para a garota que lia revistas de cabeça para baixo,
uma Daphne chorosa passou por mim. Antes que eu esboçasse qualquer reação, empurrou a porta e
desapareceu dentro do banheiro, como se fosse a Murta-que-geme.
— Lisa, espera! — Ferrão vinha em seu encalço.
Firmou os pés a centímetros de cruzar o sanitário feminino.
— Por que você convidou a mulher do piercing e todas essas outras que já fodeu? Tem
merda na cabeça, porra? — berrei, estressado, principalmente porque podia sobrar para mim. — Eu
já transei com a do piercing. Se Leona vir essa mulher aqui, vai soltar fogo pelas ventas!
— Os convites foram enviados vários dias atrás, caralho, quando eu achei que a festa
terminaria em suruba! E que mulher é essa do piercing? — Ele pareceu realmente não saber a quem
eu estava me referindo.
— A do cabelo azul!
— Ela tem um piercing?
— Você nunca viu o piercing? — Fiquei chocado, porque qualquer cara teria visto aquele
piercing, a menos que... — Você não transou com ela... — concluí, no instante em que a pauta da
conversa se materializou ao lado dele.
— Não. Nunca transei com Luan. Obviamente, sempre fui louca para ser ferroada... —
Sorriu com malícia. — Foi por isso que convenci um dos primos dele a me convidar para aquela
suruba em que você e eu transamos, sabe? E, depois, para aquela outra, em que quase transei de novo
com aquele seu amigo igualmente gostoso. Enfim... Lisa é minha amiga, mas, em minha defesa, eu não
sabia que ela gostava de Luan. Descobri hoje que estão juntos e... — Fez uma careta súbita, levando
a mão ao nariz. — Meu Deus! Não acredito que um de vocês peidou!
Foi quando o odor pútrido me engolfou.
— Porra, Ferrão! — Também precisei tapar as narinas.
— Você tá podre, Bel! — Ele esticou a gola do traje listrado de preto e amarelo, protegendo
o olfato do mau cheiro.
— Socorro! — Fazendo ânsia de vômito, minha namorada saiu do banheiro, acompanhada
por Talisa.
Quando as duas abriram a porta, o vão soprou em nossas caras um bafo de bosta que fez
tudo em meu estômago se revirar.
— Duda não estava brincando quando disse que... — Leona se calou ao notar a presença da
mulher de cabelo azul.
— Lisa, acredita em mim. Eu não transei com ela em nenhuma suruba! — A voz anasalada
de meu amigo escapou.
De maneira instintiva, em uma luta pela sobrevivência, fomos nos afastando do banheiro.
— Ele está dizendo a verdade — corroborei a declaração, dando mais alguns passos e
sendo acompanhado pelos demais.
Meu Deus. O que tinha naquele canapé?
— É mesmo? Como você sabe disso, Bráulio? Deu conta de testemunhar todas as safadezas
de meu irmão? Engraçado... Achei que estivesse ocupado demais fodendo não sei quantas mulheres.
Aliás... quero saber se você já transou com essa aí! — O Dragão me fulminou.
Não havia mais nada em seu rosto. Estava limpo e adoravelmente irritado. Mas a peruca de
ondas claras ainda cobria seus fios lisos e naturalmente escuros.
— Eu juro que nunca transei com nenhum dos dois. — A mulher lançou um olhar cúmplice
para mim.
Confesso que me senti levemente inclinado a aceitar a ajuda que ela estava oferecendo, mas
Leona merecia nada menos que honestidade.
— Ela nunca transou com Ferrão. Mas comigo... — Não precisei completar para ver
decepção e raiva nos olhos do Dragão.
— Como você tem tanta certeza de que Luan nunca transou com ela? — Lisa demonstrou
interesse na justificativa que eu preferia não evidenciar.
— Eu realmente não transei com ele, Lisa! Agora estou falando a verdade. E a prova é que
Luan não sabia que eu tenho um piercing... lá embaixo. — Seus olhos buscaram a saia brilhante que
imitava a cauda de uma sereia.
— Eu não acredito nisso! — Furiosa, minha namorada saiu andando.
— Você me deve uma! — Dei um soco no braço de Ferrão e fui atrás dela.
Leona caminhava depressa, mas logo a alcancei.
Com certeza, a reviravolta era obra do carma. Sacaneei o alemão e, agora, estava tomando
no cu.
— Tiff, eu poderia ter mentido, mas disse a verdade! — Usei meu melhor argumento.
— O que você quer, Braz? Um prêmio por ter feito a sua obrigação? — rugiu.
— Por que você não me contou que o gringo desgraçado deu em cima de você aqui na
fazenda? — Tentei virar o jogo.
— Não adianta mudar de assunto! — Ela não caiu na artimanha.
— Ah, então só podemos falar de assuntos que te interessam? — retruquei.
Sem dizer nada, continuou se movendo rapidamente. Logo deixamos a área mais
movimentada e alcançamos o lounge, onde pessoas que apreciavam a tranquilidade conversavam
animadamente, com suas taças e drinques coloridos nas mãos.
Um garçom passou por nós, oferecendo o que quer que estivesse sobre a bandeja. Leona
recusou com um sorriso polido e, assim que também declinei, temendo ser a próxima vítima do
canapé, ela voltou a exibir sua carranca de boneca possuída.
— Tiff... — Peguei sua palma quando cruzamos todo o saguão, abandonando as
dependências da festa. — Para onde estamos indo?
— Você, eu não sei. — Largou meus dedos. — Eu estou indo para qualquer lugar onde não
precise olhar para a sua cara!
— Leona, eu transei com aquela mulher antes de você! Não é justo que fique puta com isso!
— explodi.
— Ela tem um piercing na boceta! Um piercing! — berrou, no meio do jardim.
Estávamos parados, cercados pelas flores e folhagens exuberantes que adornavam as
cercanias do salão de festas.
— O que isso tem a ver? — Decidi me fazer de idiota.
— Você já lambeu aquele piercing? — questionou, em um tom baixo e enganosamente
calmo.
O universo devia estar se divertindo muito às minhas custas. E, com certeza, o puto estava
com tempo de sobra, para perder criando e assistindo àquela discussão sem sentido.
— Leona... por que estamos falando disso? — desconversei.
— Responde. — Manteve-se irredutível.
— Você não quer saber a resposta, assim como eu não quero saber se você já chupou aquele
alemão desgraçado! E muito menos se ele tem um piercing no pinto!
Ela me mostrou um sorrisinho.
— Ele tem um piercing no pinto? — Arregalei os olhos.
Minha namorada gargalhou, retomando a caminhada.
— Leona, responde! Ele tem um piercing no pinto? — Evidenciei meu desespero.
— É claro que não! Ao contrário daquela mulher! — Bufou, estressada.
— Ela não tem um pinto — brinquei e fui imediatamente alvejado por um olhar mortífero.
— Tiff, fica calma... — Ergui as mãos, sem ser capaz de conter o riso. — Eu te amo. Isso não
deveria ser tudo o que importa?
— Seja sincero comigo, Bráulio. Você queria que eu tivesse um piercing? — Ela ignorou
minha pergunta.
— Meu Deus... — Soltei uma risada. — Por um momento, achei que fosse me perguntar se
eu queria que você tivesse um pinto!
— Ninguém aqui está achando graça das suas piadas, Burro. — Sua seriedade não ocultou
por completo o traço de divertimento.
— Eu te amo demais, Dragão! — Peguei-a no colo e comecei a caminhar com um destino em
mente.
A ideia brotou apenas naquele momento. Com ela ali, junto ao meu corpo, naquele lugar e
naquelas circunstâncias, percebi que, apesar de totalmente inesperado, era o que eu queria fazer.
— Estou esperando sua resposta. — Seus braços relaxaram ao redor da minha nuca.
— Você é perfeita exatamente do jeito que é. Eu não mudaria nada, nadinha em você. —
Beijei sua bochecha. — E você, queria que eu tivesse um piercing no pau?
— Queria, não vou mentir. — Um sorriso malicioso curvou sua boca.
— Mutilar a cabeçorra do tubarão? Jamais! — bradei, e ela gargalhou.
— Não consigo ficar chateada com você por muito tempo, Bráulio. — Seus lábios risonhos
tocaram meu maxilar.
— O nome disso é amor, Tiff. — Olhei para ela, e a mera contemplação provocou um
atropelamento de batidas em meu peito. — Você fica linda com essa peruca, mas já estou morrendo
de saudade do seu cabelo.
— Achei que preferisse o meu cabelo assim, da cor dos “áureos cordéis espiralados” da sua
“venerada Sthefany”. — Desdém ditou sua entonação.
— Leona, você vai recomeçar? — Fiquei sério.
— Não. — Ela fechou os olhos e permaneceu quieta por um tempo, apoiando a têmpora em
meu ombro e inspirando o cheiro do meu pescoço. — Para onde está me levando? — perguntou,
quando já estávamos quase lá.
— De volta para o castelo do qual resgatei você, Dragão — brinquei.
— Está arrependido? Que pena. Eles não aceitam devoluções. — Ergueu as pálpebras,
endereçando-me um olhar triunfante. — Está preso comigo para o resto da vida, Burro.
— Que sina. — Simulei pesar. — Acho que sou um príncipe amaldiçoado, aprisionado por
uma bruxa no corpo de um animal bem-dotado.
Os ombros dela chacoalharam com as risadas, e o corpo estremeceu em meus braços.
— Sim, definitivamente, sou um príncipe com uma maldição. — Coloquei-a no chão no
instante em que atingimos a beira do lago.
O barulho sereno da brisa que atiçava a mata ciliar, passeando entre copas das árvores, era
muito mais perceptível que os sons da festa, que havia ficado para trás. Ali, a música não passava de
um eco distante.
— Achei que tivesse dito, um tempo atrás, que não era um príncipe. — Leona lembrou.
— Acho que sempre fui um. Só precisava encontrar o dragão certo. E encontrei o mais belo
de todos no alto de uma torre. — Olhei para cima. No céu, as estrelas brilhavam como um punhado
de diamantes espalhados em um manto negro. — Eu queria poder esticar o braço, pegar uma delas e
colocar no seu dedo. — Busquei sua face. — Mas você merece a pedra mais brilhante que a estrela
mais reluzente, Tiff. E eu pretendo te dar uma assim. Mas, primeiro, vou fazer uma pergunta muito
importante para a garota que mais amo no mundo...
— Ai, meu Deus! Não acredito! — Emocionada, levou a mão à clavícula.
Aproximei o rosto de sua barriga.
— Princesa-dragão, você deixa a mamãe se casar com o papai? — sussurrei, tocando o
ventre que a protegia. — Concedo a minha inestimável permissão, papai. — Impostei uma voz
afeminada e infantil. — Muito obrigado, princesinha. — Agradeci, em meu próprio timbre.
A gargalhada da mulher que eu amava viajou no vento. Fiquei admirando suas feições até o
riso se transformar em sorriso.
— Leona, a nossa história começou de um jeito imprevisto. Não planejamos nada. Nem
mesmo o nosso bebê. E eu, definitivamente, não planejei este momento. Apenas senti que era o certo.
Queria ter a sorte de encontrar um dedo decepado aqui no chão, para arrancar o anel com os dentes e
fazer um pedido igual ao do boneco assassino... — Passei a mão na grama, como se estivesse mesmo
à procura de um diamante dando sopa em um sangrento anelar feminino bem ali, no meio do mato. —
Mas, como não estou vendo nenhum... — Arranquei um fiapo verde, longo o bastante para permitir
que eu fizesse dois nós. — O anel oficial ficará para depois. Hoje, oferecerei o maior símbolo de
amor vindo de um burro: um anel de capim. — Ao finalizá-lo, mostrei-lhe o círculo improvisado.
Os lábios dela se esticaram e, em meu coração, o compasso se perdeu. Com a frequência
descontrolada retumbando em meus ouvidos, peguei sua palma.
— Tiffany, você aceita ser minha noiva?
— Oh, Chucky... Sim... Sim! — respondeu, sorrindo.
Com uma alegria desmedida invadindo meu peito, coloquei o anel em seu polegar, imitando
o boneco. Então, me sentindo o homem mais feliz do mundo, eu me levantei.
— Agora vem a parte em que você me abraça, eu fico duro e a gente transa! Tem, também,
outra opção. Reza a lenda que, se você me beijar, quebra a maldição da bruxa e eu viro um lindo
príncipe. Mas, só para constar, eu prefiro a primeira alternativa.
— Você já é um lindo príncipe. — Abrindo um sorriso malicioso, ela me abraçou e, naquela
noite, não voltamos para a festa.
Minha cabeça
— Se o minicastelo estiver mesmo pronto, podemos pedir que derrubem uma das paredes.
— Eu estava dizendo, distraído, com o carro parado no sinal. — A da sala de chá está fora de
cogitação. Pretendo tomar muitos chás lá, com a minha filha. Mas, talvez, possamos desistir do
banheiro? Sim, o banheiro é supérfluo. Definitivamente, podemos transformá-lo em uma parte do
closet. Quando ficar apertada para fazer xixi, é só a princesa-dragão abandonar os aposentos reais e
fazer no quintal! — Dei uma risada.
O sinal abriu. Engatei a primeira e arranquei. Logo passei a segunda marcha. E, então, veio
a terceira.
Estranhei o silêncio e olhei para o lado. Meu coração parou de bater por um segundo.
— Tiff... o que foi? — Concentrei-me nela, esquecendo-me completamente do trânsito.
Leona estava com as mãos agarradas às laterais do assento. O torso projetado para a frente
esticava o cinto de segurança, e os olhos miravam as pernas flexionadas no espaço entre o banco e o
porta-luvas.
— Que estranho... Quem fez xixi fui eu, mas não senti nada! — Virou o rosto em minha
direção, e as órbitas saltadas se concentraram em minhas pupilas.
Só então notei o líquido que descia por baixo do vestido, vertendo pelas panturrilhas nuas e
formando uma poça no tapete.
Ao ver aquilo, congelei. Foi quando o som estridente da buzina explodiu em meus tímpanos.
Desviei os olhos assustados para a direção e girei o volante, evitando a batida.
De volta ao lado certo da via, exalei, deixando o alívio escapar enquanto as bruscas
palpitações esmurravam meu peito.
— Leona, isso não é... — comecei, quase sem fôlego.
— Nossa, eu nunca tinha feito tanto xixi em toda a minha vida! — Intrigada e alheia ao que
acabara de acontecer, ela observava o volume empoçado, que se tornava maior a cada segundo. —
Acho que ainda estou fazendo, mas não sinto a bexiga esvaziando e não consigo controlar o fluxo...
Que esquisito... Ai, meu Deus, Bráulio! Acho que estou com incontinência urinária!
— Não está! — berrei, em pânico. — A sua bolsa estourou!
— Claro que não... Deixa de ser doido! — Riu, passando os dedos no líquido e levando ao
nariz. — Não tem cheiro de xixi! Por que não tem cheiro de xixi? Minha bolsa estourou? Nossa filha
vai nascer? E se ela nascer aqui dentro? Ai, meu Deus, e se a cabeça dela já estiver saindo? —
Alarmada, tentou olhar entre as pernas, mas a barriga arredondada não permitiu que se encurvasse o
suficiente. — Não consigo! Não consigo ver, Bráulio! E se ela estiver com o pescoço enrolado no
cordão umbilical?
Todas as possibilidades assombrosas que vinham tirando o meu sono há meses nunca me
pareceram tão reais. Havia chegado o momento e, apesar do pavor que se alastrava e ameaçava me
desestabilizar, respirei fundo, tentando ignorar a gritaria em minha mente e o desarranjo em meu
coração.
As duas precisavam de mim. Eu não podia me descontrolar.
— Leona, fica calma. — Com o foco dedicado ao trânsito movimentado, usei um tom sereno
e totalmente incompatível com as batidas frementes que vibravam com agressividade em meu peito.
— Você está sentindo dor? Sentiu alguma contração? — Olhei para ela, preocupado.
— Não. Não estou sentindo nada! — As mãos tocavam o ventre.
— Então relaxa. Ela não vai nascer aqui dentro. Estamos indo para o hospital e chegaremos
em menos de dez minutos. Consegue pegar o seu celular? — perguntei, e ela assentiu, visivelmente
apreensiva, porém menos agitada. — Então, liga para o obstetra e, depois, para os seus pais.
Leona esticou o braço até o porta-luvas e pegou o aparelho.
Com as mãos firmes no volante, desviei a atenção para a avenida e, ali, naquele segundo, fui
atingido. A ficha caiu, e a realidade me golpeou em cheio.
Ela ia nascer. Minha filha ia nascer!
Apesar do desespero, a formidável percepção de que eu veria a minha princesa antes do
previsto me animou tanto que as consequências sequer passaram pela minha cabeça.
Ofuscado pelo alumbramento da paternidade iminente, comecei a guiar o carro rumo ao
Hospital São Cipriano, sem fazer ideia do que nos aguardava.
Quando chegamos, o médico já estava lá. Leona foi examinada e, então, o Doutor Gabriel se
pôs a explicar o que estava acontecendo.
— Bem... — Olhou na direção da maca. — Leona, você está perdendo líquido amniótico,
mas não está em trabalho de parto. Ocorreu uma ruptura prematura das membranas. Nesse caso, a
indução ao parto deve ser feita apenas em algumas situações: se o feto apresentar complicações, se
houver infecção ou se a idade gestacional for igual ou superior a trinta e quatro semanas. Como você
está na vigésima nona e, até o momento, não há sinais de infecção ou comprometimento fetal, o parto
não é recomendado.
— Então nossa filha não vai nascer hoje? — Não contive a pontada de decepção.
Racionalmente, eu sabia que um nascimento prematuro não era o ideal. Mas estava tão empolgado e
tão louco para ver o rostinho dela que todas as implicações de um parto àquela altura estavam
passando despercebidas pelo meu cérebro.
— Se o quadro permanecer inalterado, não — o obstetra respondeu, com uma placidez
estoica. — É por isso que vamos precisar monitorar você de perto, Leona.
— Então vou ser internada, né? — Minha noiva concluiu, desanimada.
— Sim. A hospitalização é absolutamente necessária. Você precisa de repouso pélvico, de
antibióticos e corticoides. E nós precisaremos mensurar seus níveis pressóricos, a frequência
cardíaca, a temperatura e o estado fetal periodicamente. — Na expressão dele, identifiquei um
notório pesar. — Adianto que essas precauções possuem uma eficácia limitada. Vejam bem... Mesmo
com o tratamento adequado, a ruptura prematura das membranas pressupõe alguns riscos graves. Os
mais críticos são o descolamento prematuro da placenta e uma infecção que chamamos de
corioamnionite. A ocorrência desses quadros aumenta a possibilidade de complicações sérias, com
risco de óbito, para a gestante e para o bebê. — Isso bastou para que meu organismo começasse a
entrar em colapso.
Fui acometido por uma súbita falta de ar. A boca secou, o coração disparou e, ao levar a
mão ao nó da gravata, percebi que estava tremendo.
— Como houve perda de líquido amniótico, o parto ocorrerá, de um jeito ou de outro —
Gabriel continuou. — E, como precisamos que o feto se torne viável antes disso, é necessário
prolongar o período de latência, que é essa fase de espera até o momento do parto. Precisamos desse
tempo porque, nessa fase da gestação, os pulmões não estão totalmente formados. Os corticoides
servirão para acelerar a maturidade pulmonar do feto. E, além de aumentarem o período de latência,
os antibióticos diminuem o risco de morbidade e mortalidade materna e neonatal.
Leona buscou meu rosto e viu em meu exterior o pânico que me devorava por dentro.
— Está tudo bem, Bráulio. Vai dar tudo certo. — Ela sorriu, tentando expressar convicção
enquanto apertava minha palma.
— Por enquanto, não há motivo para maiores preocupações. Leona não apresenta nenhum
sintoma de infecção ou descolamento e, por ora, não há nada de errado com o bebê. Vamos começar
a administrar os medicamentos, tudo bem? — Relanceou a enfermeira no canto do quarto, e a mulher
se pôs a fazer seu trabalho, sendo guiada em relação às quantidades de cada fármaco.
Em poucos minutos, eles nos deixaram a sós, com o aviso de que retornariam em breve e a
recomendação de que acionássemos o alarme caso Leona sentisse alguma coisa. Entre os possíveis
sintomas estavam, segundo o médico, dores abdominais, febre e taquicardia.
— Tiff... — Empurrei o nódulo dolorido que se avolumava em minha garganta. — Estou
com medo. Estou com muito medo de... — O aperto interceptou minhas palavras, e uma linha
apressada molhou minha face.
— Eu também. — Ela deixou a máscara de calma e confiança cair. — Preciso que me
prometa uma coisa, Braz... — Levou minha mão até os lábios, beijando o dorso. — Preciso que
prometa que vai cuidar dela, se eu...
— Não. — Minha voz ecoou, angustiada e pesada.
— Escuta. — Puxou meus dedos, adquirindo uma expressão séria. — Ela vai precisar de
você. Mais do que tudo. E, quando a levar para casa, quero que prometa que vai procurar ajuda. Que
vai ficar bem para cuidar dela. E que vocês dois vão ser felizes. Por mais que me doa dizer isso,
quero que encontre alguém, porque você merece todo o amor e toda a felicidade do mundo...
— Não... — Lágrimas transbordavam, turvando a minha visão. — Eu já tenho todo o amor e
toda a felicidade do mundo. Se eu perder isso, tudo perderá o sentido. — Comecei a chorar de
verdade, em um completo e soluçante desalento.
Iam tirar tudo de mim. Mais uma vez.
Nunca, em toda a minha vida, eu quis tanto morrer. Estava cansado. Não aguentava mais
todas aquelas reviravoltas trágicas que destruíam todas as coisas boas que eu tentava construir.
Não era inédito que os meus pensamentos tomassem aquele rumo. Nos meus dias mais
sombrios, passava pela minha cabeça a hipótese de acabar com tudo. Então, eu me lembrava do meu
pai e prometia a mim mesmo que jamais cometeria suicídio.
Mas era exatamente o que eu ia fazer, se ficasse sozinho de novo.
E eu ia ficar. O pressentimento ruim me dava uma certeza que consumia cada fibra do meu
ser.
Não sei como acreditei que seria feliz. Que teria uma família. Aquela havia sido a última
vez que eu me permitia sonhar com um futuro cheio de risos.
Tinha acabado. Tudo. Toda a minha esperança. Restara apenas a tristeza aterradora que
escorria pelos meus olhos, desfazendo-se no chão imaculado do hospital.
— Leona! — A mãe dela entrou de repente, tão pálida quanto meu sogro, que, além de
lívido, parecia exausto.
— O que aconteceu? — Luís se alarmou ainda mais ao ver meu rosto banhado de lágrimas.
Expliquei da melhor maneira que pude, e nenhum dos dois foi capaz de ocultar a
preocupação. Apesar disso, mantiveram-se otimistas, sustentando um discurso positivo e confiante
que acalmou sua filha, porém não surtiu efeito algum em mim.
Não dava para ignorar o medo da perda quando se conhecia tão de perto a face do luto.
Não havia nada que podíamos fazer, além de esperar. Então, esperamos.
O tempo escoava lentamente, em uma agonia impiedosa. Era como estar preso dentro de um
dos meus pesadelos. E a sensação de que eu jamais acordaria daquela vez me aterrorizava.
Com bastante regularidade, alguém aparecia para examinar Leona e, nesses momentos,
minha aflição atingia o pico máximo. Aferiam sua pressão arterial, checavam os batimentos
cardíacos, mediam a temperatura, investigavam a ocorrência de algum incômodo, conferiam a cor do
líquido que continuava escapando. A cada passo daquela checagem, meu coração ia à boca. Então,
recebíamos a notícia de que estava tudo bem. E o alívio que me invadia evaporava com a mesma
rapidez que havia me engolfado. O ciclo se reiniciava. Os segundos transcorriam, e a angústia ia se
tornando maior, até ultrapassar o limite, na hora da realização de novos testes.
O martírio não tinha fim. Já estávamos há horas naquele quarto.
Leona continuava recebendo antibióticos e corticoides. E, apesar de todos os seus protestos
e apelos para que eu fosse embora descansar, eu não saía de perto dela.
Seus familiares estavam do lado de fora, na sala de espera. Em revezamentos, entravam e
tentavam nos animar, principalmente seus primos.
Os mais velhos faziam o mesmo, embora não conseguissem esconder tão bem a
preocupação.
Max era o mais preocupado de todos. Estava quieto. Tão quieto que não dissera, nenhuma
vez, que estava passando mal.
Piolho, por outro lado, parecia tranquilo.
— Nossa bisneta vai dar trabalho, Putão! — Ele havia dito, em tom de riso, quando chegou.
— Ó o susto que essa mina tá dando na gente, véi! Já dá pra perceber que vai ser mó sapeca!
Eu queria ser tão imperturbável quanto ele. Queria que seu otimismo me contagiasse. Mas eu
era imune à positividade.
Ou achei que fosse. Meus pensamentos negativos eram ervas daninhas que cresciam
vertiginosamente, na tentativa de esmagar a esperança que, a despeito de tudo, permanecia viva em
meu peito.
Percebi isso de madrugada, quando estava sozinho com Leona.
Sentado na poltrona ao lado da maca, eu velava seu sono. Entre suas sobrancelhas escuras,
um vinco suave comprometia a serenidade do semblante adormecido.
Eu não conseguia imaginar o mundo sem as duas garotas que eu amava. E não era capaz de
salvá-las sozinho.
Então, pedi ajuda.
Na penumbra do quarto, fechei os olhos. Juntei as mãos, apoiando os cotovelos nas coxas e
sustentando a cabeça nos dedos entrelaçados. Pela primeira vez em muitos anos, fiz uma prece
silenciosa.
Em meio às lágrimas, roguei a quem estivesse escutando que não levasse a minha filha. Que
não descontasse nela o erro que eu havia cometido com Belinda. Supliquei mil vezes pela vida da
minha princesa. Implorei que não fizessem com ela o que tinham feito comigo. Que não a privassem
de ter uma mãe. Que não a deixassem sozinha com um pai incapaz.
Conversei com Belinda, mesmo sabendo que ela não estava escutando. Acrescentei mais um
aos incontáveis pedidos de perdão que já tinha feito ao longo da vida. E, ainda que soubesse que não
tinha esse direito, depois de tudo o que fiz, pedi a minha irmã que intercedesse por minha filha.
— Braz... — Ouvi o chamado, e só então me dei conta de que estava soluçando.
Ergui o torso, limpando as bochechas e tentando me recompor.
— Que foi, Tiff? Está sentindo alguma coisa? — Acendi a luz e fiquei de pé, aproximando-
me o máximo possível do leito.
— Não. — Ela se apressou em responder. — Não queria que você estivesse passando por
isso... — A voz chorosa me desmontou. — Por favor, me desculpa...
— Leona... — Peguei sua palma, enredando-a na minha. — Você não tem culpa de nada,
amor... — Levei o dorso da mão aos meus lábios, determinado a animá-la. — E isso é apenas uma
fase. Nós vamos sair dessa. Nós três. O Dragão, o Burro e a princesinha, que está tão ansiosa para
ver o minicastelo que não vê a hora de fugir daqui. — Acariciei de leve a barriga sob o lençol. — Eu
entendo, porque também estou doido para ver o minicastelo. Mas não pense que vai se livrar da
bronca que eu vou te dar daqui a alguns anos por essa travessura que está fazendo, mocinha! — Usei
a minha voz de pai autoritário.
Leona riu, e sua expressão risonha levou paz e uma alegria momentânea ao meu espírito
inquieto e abatido.
— E se você está pensando que a mamãe vai te defender da fúria do papai, está muito
enganada, altezinha! — emendou, tocando o próprio ventre.
— Ela vai te defender, sim, filha. Sua mãe é uma babona — falei baixinho, em tom de
confidência.
— Cala a boca, Bráulio! — Achando graça, ela mostrou a língua. — Só sou babona quando
estou babando ovo. — E deu uma piscada.
— Leona! — Forjei choque e, então, espalmei as laterais de sua barriga, como se estivesse
tapando ouvidos. — A princesa-dragão não tem idade para escutar esse tipo de coisa!
— É mesmo! — Minha noiva simulou espanto. — Ela só tem vinte e nove semanas! Ou
seja, não tem idade nem para sair de casa, mas já está louca para conhecer o mundo, essa pequena
rebeldezinha... — Balançou a cabeça, em falsa recriminação.
— Eu te amo demais. — Sem conter o riso, inclinei-me para deixar um beijo em sua testa.
No instante em que minha boca tocou sua pele, a quentura atípica acionou um alarme em meu
cérebro. Afastei-me no mesmo segundo.
— Que foi? — Ela estranhou minha expressão.
— Nada. — Abri um sorriso, enquanto um buraco se abria em meu peito.
Firmei o polegar o botão que chamava a enfermeira, como se estivesse apertando o botão
que acionava o meu desespero.
Uma sensação claustrofóbica me fez dar alguns passos para trás. Levei a mão à gravata, que,
subitamente, pareceu apertada demais. Só que ela não estava mais ali. Eu havia tirado, junto com o
paletó. Horas antes, também tinha repuxado as mangas da camisa e afrouxado o colarinho. Mas me
sentia sufocado.
— Braz, por que você apertou... — Leona se interrompeu, a fisionomia expressando a súbita
conclusão. — Estou com febre, não estou? — Os dedos subiram até a têmpora, e um semblante
consternado dominou seu rosto. — Vem cá — chamou, em um tom gentil.
Meu corpo trêmulo me levou até ela. Sua mão encontrou a minha.
— Parece que as coisas se complicaram um pouco, né? — Ela sorriu com tristeza. — É hora
de prometer aquilo que te pedi...
Balancei a cabeça, derrubando as lágrimas acumuladas.
— Não. Eu preciso que você me prometa que vai ficar bem, Tiff. Que vocês duas vão ficar
bem. — Ergui nossas palmas, firmando-as contra o peito.
Enquanto me fitavam, seus olhos marejados expulsaram duas linhas úmidas.
— Aconteceu alguma coisa? — A enfermeira surgiu na porta.
— Ela está quente! — Virei o rosto, evidenciando minha apreensão.
A mulher entrou, mediu a temperatura e lançou um olhar impassível para o termômetro.
— Quantos graus? — perguntei, aflito demais para me conter.
— Trinta e oito. — Ela nos encarou. — Não há motivo para se preocuparem por enquanto.
Se for um sintoma isolado, a febre não significa que você apresenta um quadro de infecção intra-
amniótica. — Aproximou-se da maca. — Está sentindo alguma coisa no momento, querida? —
Diante do gesto negativo, a enfermeira aferiu a pressão arterial e, depois, começou a ajeitar o
estetoscópio. — Seus batimentos cardíacos estão acelerados — informou, após fazer a ausculta. —
Provavelmente, pelo nervosismo de saber que está com febre — emendou, ao ver a expressão
alarmada da paciente. — Tente manter a calma, tudo bem? Agora, vou dar uma olhada no líquido.
Assim que fez isso, concentrei-me em suas feições. A fisionomia neutra não se alterou, mas
tive a impressão de que algo estava errado. Questionei, mas ela nos tranquilizou e deixou o quarto,
dizendo que voltaria em alguns minutos, para medir a temperatura novamente.
Não acreditei quando disse que estava tudo bem. E eu estava certo em duvidar, porque
retornou junto com o médico.
O obstetra procedeu a vários exames, inclusive relacionados ao bebê. Depois dos
resultados, confirmou o diagnóstico que a enfermeira provavelmente já presumia quando deixou o
quarto.
— O quadro infelizmente evoluiu para uma suspeita de corioamnionite. Não é mais possível
aguardar o efeito dos antibióticos ou o início espontâneo do trabalho de parto, porque os riscos são
muito altos, para a mãe e para o bebê. Como eu havia dito anteriormente, as chances de mortalidade
existem, durante e após o parto. Induzi-lo, nessa fase da gestação e após a ruptura prematura, não é a
conduta mais adequada. Mas, nesse caso, em razão da infecção e do comprometimento fetal, é o
melhor a ser feito.
— Comprometimento fetal? — A dor na voz dela ecoou a mesma dor que me atingiu ao
ouvir aquilo.
— Os testes fetais apresentam resultados preocupantes. Os batimentos cardiofetais estão
elevados, você está com sensibilidade uterina e, em conjunto com os demais, esses são sintomas que
corroboram para o diagnóstico. A alternativa mais viável, nesse caso, é realmente induzir o parto. —
O pesar em suas feições indicou a gravidade da situação.
— Mas ela está pronta para nascer? E se ela não sobreviver? — Leona começou a chorar.
Apertei sua mão, enquanto as minhas próprias lágrimas desciam sem controle.
— Se tudo der certo durante o parto, ela irá para a UTI neonatal, onde receberá todos os
cuidados necessários para terminar de se desenvolver fora do útero. O prognóstico é bom. As taxas
de sobrevivência, nessa idade gestacional, são maiores que as taxas de óbito. E cerca de sessenta por
cento dos prematuros nessa fase se desenvolvem normalmente, sem a ocorrência de deficiências
graves. — Gabriel se aproximou, tocando meu ombro e dividindo a atenção entre nós. — Imagino o
quanto isso está sendo difícil para vocês dois e, infelizmente, não posso oferecer todas as garantias
que gostaria de dar. Mas farei o meu melhor. — Então, após o nosso consentimento para a indução,
deixou a enfermeira a cargo dos procedimentos iniciais e foi se preparar para realizar o parto.
Os medicamentos que acelerariam o processo foram administrados, e a iminência do
momento recaiu sobre mim com a intensidade de uma avalanche. O medo me massacrou. Esmagou
minha sanidade. Descontrolou meu fôlego. Comecei a sorver o ar rápido demais.
Sem qualquer domínio de mim mesmo, inalei e exalei múltiplas vezes seguidas, lutando para
me livrar da repentina e apavorante sensação de asfixia.
Doía. Respirar. Doía demais.
Meu pulmão agonizava. O coração batia desenfreado, atordoando meus ouvidos.
Trepidantes, minhas pernas falharam.
— Braz? — Meu nome ecoou, distante.
A poltrona me aparou. Pousei as palmas suadas nos joelhos. Baixei a cabeça pesada e levei
a mão ao pescoço, que queimava na base da nuca. O peito também ardia. Parecia que eu ia morrer.
— Respire pela boca, querido — a enfermeira orientou. — Você provavelmente está tendo
um ataque de pânico. Mas já vai passar. Só o que precisa fazer é tentar diminuir o ritmo. Puxe o ar
devagar e profundamente, contando até quatro. Segure por um segundo. Solte. Isso... Puxe de novo.
Conte até quatro... — Fui seguindo a instrução, em um sôfrego instinto de sobrevivência.
— Vai ficar tudo bem, Braz. Nossa filha é uma princesa muito corajosa. É uma guerreira.
Ela vai conseguir. Fala com o papai, meu amor. Fala que você vai conseguir, porque não vê a hora de
brincar no seu minicastelo... — Havia paz e esperança em sua voz.
Fechei os olhos, concentrando-me no som e deixando a mente me ludibriar com as imagens
que as palavras evocavam.
Aos poucos, meu corpo foi recobrando o funcionamento regular.
Após se certificar de que eu estava melhor, a enfermeira solicitou a presença de uma
psicóloga hospitalar.
Quando chegou, a mulher logo percebeu que eu era um fodido da cabeça. Talvez pela minha
recusa veemente em falar sobre a minha vida e sobre o medo visceral que eu estava sentindo. Seu
trabalho foi muito mais útil para Leona que para mim.
Suas palavras tranquilizadoras não me tranquilizaram, principalmente porque eu estava
entretido demais com os meus pensamentos para escutá-la.
Depois que a psicóloga saiu, eu me sentei na poltrona. Deitada em seu leito e já medicada,
Leona afagava meu cabelo, olhando para mim com um misto de preocupação e ternura.
Eu me senti mal por estar ali, perdendo o controle, quando quem tinha os verdadeiros
motivos para isso era ela. Quem precisava acalmá-la era eu. Essa era, literalmente, a minha única
função.
— Desculpa, Tiff — pedi, tomando sua palma e beijando os nós dos seus dedos. — Você
tem toda razão. Nossa princesa sabe se virar. E, com certeza, ela tem um pouco do meu sangue de
burro falante, porque eu aposto que está aí dentro perguntando, o tempo inteiro, se já chegou a hora
de nascer. “Já chegou? E agora, já chegou?”. — Forcei uma afeminada voz infantil.
Leona abriu um sorriso, tirando a mão da minha para acariciar o meu maxilar.
— Eu te amo, sabia? — Seus lábios se estenderam um pouco mais.
Assenti, incapaz de falar naquele momento. Com a garganta oprimida, pisquei, e as lágrimas
ruíram.
— Não chora, amor... — Seu polegar desenhou uma curva suave em minha face. — Vai ficar
tudo bem.
Segurei seu pulso e beijei a parte interna da pele úmida e macia.
— Eu sei que vai. Porque você prometeu, Tiff. — Mantive a conexão entre os nossos olhos.
— Prometeu que não ia me deixar, lembra?
Ela moveu a cabeça, afirmando enquanto os olhos se enchiam d’água.
— Eu te amo, Leona. — Inclinei o corpo, e minha boca encontrou a dela no instante em que
as riscas salgadas deslizaram.
Não demorou muito até estarmos prestes a entrar na sala de parto.
A família estava fazendo o possível para não demonstrar toda a preocupação que sentia. E,
apesar do esforço patente, os membros daquele clã não estavam fazendo um bom trabalho. Embora
fossem peritos em dramatizações, não eram tão bons atores.
Briana e Ramiro tentavam me convencer de que assistir ao parto não era uma boa ideia. Laís
e Ferrão estavam ao lado do casal, defendendo o mesmo ponto de vista. Acho que o meu despreparo
estava evidente para qualquer pessoa. O pavor se manifestava em cada célula do meu corpo.
Eu concordava com eles. Não estava psicologicamente apto para ver a minha filha nascer.
Não me sentia psicologicamente apto nem mesmo para criá-la.
Nunca gostei de admitir minhas fraquezas, mas, naquele momento, em vias de entrar na sala
de parto, reconheci as minhas limitações. Eu não daria conta de enfrentar aquilo da maneira que
devia.
Tudo o que eu mais queria era ajudar Leona a passar por aquela situação tão difícil. Mas
não era capaz de sequer me ajudar.
Já estava começando a sentir tudo de novo. O medo paralisante. O tremor nas pernas. A
tontura. A vontade absurda de vomitar.
— Não consigo, Tiff — balbuciei, soprando com força o ar que hiperventilava meus
pulmões.
— Eu sei. — Ela deu vários beijos na minha mão, compreendendo tudo, mesmo sem que eu
explicasse. — Não se preocupe, meu amor. Não vou ficar sozinha. Já conversei com mamãe, e ela
vai entrar comigo. Preciso que você fique bem, tá bom? Daqui a pouco estarei de volta, com a nossa
princesa.
Chorando, beijei sua testa quente e não ousei me despedir.
Não sei quanto tempo fiquei na sala de espera. Mas foram os momentos mais angustiantes da
minha vida.
E, enquanto aguardava, suportando todas as dores físicas da ansiedade, que não abrandou
nem quando precisei ser medicado, eu pensava no quanto tudo estava sendo ainda pior para Leona e
para a minha filha, que estavam lutando, literalmente, pela vida.
E, no instante em que tudo isso acontecia, eu só queria morrer. Não desejava a morte em si,
mas o alívio que imaginava que ela poderia trazer. O alívio que aniquilaria todas as minhas culpas,
inclusive a de não estar presente no nascimento da minha filha, por ser incapaz de lidar comigo
mesmo.
Leona tinha razão. A psicóloga tinha razão. Eu precisava de ajuda. Não podia viver com as
minhas crises. E não ia mais ignorá-las. Buscaria tratamento. Seria um pai melhor. O melhor que eu
pudesse ser dali em diante.
Em silêncio, implorei para que tivesse essa oportunidade. Clamei por uma nova chance. E
estava me apegando a esse pensamento, fazendo um milhão de preces, quando minha sogra apareceu,
aos prantos.
Levantei-me de imediato, e meu coração subiu para a boca na mesma velocidade.
Ela não parecia feliz. Parecia... desolada.
Desesperado, eu a alcancei, sendo seguido pelos demais.
— Ana, o que aconteceu? — Luís verbalizou a pergunta que o choro convulsivo me impediu
de fazer.
— A bebezinha... — Os soluços cortaram as palavras.
— Por favor, mãe, me fala que ela sobreviveu! — Ferrão também estava chorando.
— Ela sobreviveu. Mas Leona... — E desabou nos braços do marido.
Sei que eu tenho os meus monstros
— Não acredito que estou na França! — Briana berrou, pela milésima vez naquele dia. —
Não acredito que conheci Paris e que desde ontem estou no Vale do... Como é mesmo que fala?
— Loire — respondi, ressaltando a pronúncia.
— Loire — ela repetiu, fazendo um típico biquinho francês e provocando várias risadas
enquanto tomava um gole de champanhe, com o mindinho erguido. — Meu Deus, isso aqui é uma
delícia! — declarou, depois de provar as bolhas. — E este é o lugar mais perfeito que eu já vi! Não
que eu tenha visto muitos, mas isso aqui... É surreal! Vocês têm noção de que estamos dentro de um
castelo? Gente, eu dormi em um castelo de verdade! — E girou pelo quarto, fazendo a seda do robe
esvoaçar.
Achando graça, mirei meu reflexo no largo espelho ornamentado que descansava sobre a
lareira esculpida em mármore rosa.
Eu esperava, de todo o coração, que a espinha que brotara no meu queixo do dia para a noite
desaparecesse, como em um passe de mágica, dali a alguns instantes, quando o pessoal encarregado
chegasse para nos embelezar.
A única pessoa em quem eu confiava para dar um jeito na minha cara era minha irmã. Mas
aquele era um dia especial, e eu queria que ela estivesse relaxada, em vez de completamente surtada
pela responsabilidade de maquiar todas nós a tempo. Por isso, uma equipe especializada, composta
por profissionais renomados, cuidaria de tudo.
Descontraída, ignorei a pequena protuberância avermelhada, voltando a atenção para o
seleto grupo de madrinhas.
— Parece que estamos em um conto de fadas, né? — Zoe suspirou, acomodada em uma
poltrona de estética rococó.
— Sim! É tudo tão romântico! — Com uma taça na mão, Yasmin contemplava, pelos vidros
da clássica janela alta, a bela vista para os jardins frontais do chateau.
— Min, se você quiser se casar em um castelo, eu também quero! — Sentada na imensa
cama de dossel, minha irmã admirava a garota de pé entre as cortinas abertas. De repente, levantou-
se e pôs os joelhos na tapeçaria que adornava o lustroso piso de madeira. — Ó formosa e doce
princesa, diga sim, e eu me caso hoje e agora! — declamou, fazendo a namorada rir.
— Ó precipitada e sonhadora princesa, é claro que quero me casar com você, mas, em um
belo dia, quem vai fazer o pedido oficial sou eu! — Yasmin teatralizou, e eu notei a felicidade no
rosto de minha irmã quando se levantou e deu um beijo em minha cunhada.
— Que bom que vocês duas não vão se casar hoje, porque não quero ninguém roubando o
meu show e muito menos a minha ideia! — retruquei, em tom de brincadeira.
— Sua ideia? — Briana deu uma risada. — A ideia foi de Braz! Francamente, Leona, você é
muito sortuda, porque, convenhamos, meu primo é um verdadeiro príncipe! E Ramiro é um idiota.
Não acredito que aquele tonto não me pediu em casamento em Paris! Que espécie de homem
apaixonado perde uma oportunidade dessas?
Mordi a língua para não contar tudo o que eu sabia sobre os planos que Miro tinha em
mente. E esses planos envolviam um anel e um convite para passarem alguns dias na capital francesa,
em vez de partirem junto com todos depois do meu casamento.
— Meu noivo não perdeu! — Talisa se gabou, balançando os quilates recém-colocados em
seu anelar direito. A luz que atravessava a superfície translúcida da janela realçou o brilho ofuscante
da pedra.
— Se eu enforcar essa garota, quem me ajuda a desovar o corpo? — Briana perguntou, em
um pretenso tom sério.
— Conte comigo! — Zoe se voluntariou depressa.
— Eu voto no lago, para a desova. — Minha irmã se manifestou, com uma determinação
assassina estampada no rosto angelical.
— O lago fica detrás do gazebo, onde será a cerimônia. Não sei se é uma boa ideia —
objetei, pensativa, como se estivesse tentando encontrar uma nova solução.
— Nesse caso, o bosque seria uma opção interessante — Yasmin sugeriu, com premeditada
naturalidade, levando a borda do cristal aos lábios.
— A ponte que corta o lago é tão linda! É um cenário maravilhoso demais para ser
estragado por uma defunta! E o bosque... Não teremos tempo para enterrá-la, e ela não merece ter o
corpo jogado sobre as delicadas flores e sob as copas das árvores centenárias que compõem aquela
paisagem idílica. Precisamos pensar em algo mais... adequado. — Briana fingiu refletir enquanto
bebericava o espumante.
— Já sei! Podemos esconder o corpo na igreja! — Zoe propôs.
— Naquela igreja estupenda? Na catedral gótica que remonta a séculos passados? — Laís
balançou a cabeça. — Não. É muito pomposa para a simplória Talisa. Talvez a capela?
— Vocês são ridículas. — Minha prima deu uma risada. — Peço perdão por incomodá-las
com a minha felicidade! Não tenho culpa de estar apaixonada pelo homem mais lindo, fofo e
romântico do mundo!
— O quê? Você está apaixonada pelo meu noivo? — brinquei. — Porque com certeza não
está falando do peidorreiro que eu chamo de irmão!
As meninas estavam gargalhando quando a equipe responsável pelo dia da noiva chegou.
Naquele momento, a minha ficha caiu. Eu ia me casar! Em um castelo!
Estávamos em uma das memoráveis suítes do Chateau Challain, localizado em uma vila
graciosa, a cerca de duzentos quilômetros de Paris. Aquele era um dos mais belos castelos franceses.
O projeto arquitetônico exalava elegância e ostentava uma beleza encantadora. Parecia realmente um
lugar planejado para o casamento de uma princesa.
A fachada era espetacular. As altas torres brancas, cobertas pelos telhados escuros e
pontiagudos, erigiam-se com imponência diante dos gramados bem cuidados e do majestoso jardim.
As plantas e flores davam acesso a um caminho central, que levava ao charmoso gazebo edificado
entre a suntuosa construção neogótica e o lago que cintilava à luz do sol.
Braz e eu nos casaríamos ali, sob a proteção da abóbada vazada que recobria as elegantes
colunas douradas. Era um lugar magnífico. E o meu preferido entre todas as outras possiblidades.
No final daquela tarde, calcei os sapatos brancos e, diante do espelho comprido, contemplei
os Jimmy Choos em meus pés, junto com o resultado do trabalho de várias mãos.
Meu cabelo estava preso em um coque alinhado. Algumas mechas soltas emolduravam o
rosto maquiado — e livre da espinha. Apesar de todos os produtos usados, qualquer um diria que eu
tinha acordado linda daquele jeito. No topo do meu penteado, uma coroa cravejada arrematava o véu
que desaguava em meus ombros nus. O vestido tomara-que-caia feito sob medida ressaltava a
clavícula e conferia ao busto um decote comportado e bonito. O tecido liso e simples acinturava meu
corpo e se abria em uma saia com múltiplas camadas de tule, que se estendiam em uma cauda longa.
Eu parecia mesmo a porra de uma princesa!
— Você está tão perfeita! — Lágrimas contidas reluziam nos olhos de minha irmã.
— Maravilhosa — Talisa opinou, tão emocionada quanto.
— Divina! — Yasmin aplaudiu.
— A noiva mais deslumbrante que eu já vi — Briana comentou, meio chorosa.
— Com certeza — Zoe concordou, com um sorriso.
— Obrigada, meninas. Vocês também estão lindas. — Admirei os vestidos iguais, de uma
nuance muito pálida de rosa, e os cabelos arrumados de maneira idêntica.
— O buquê, querida. — Uma mulher ofereceu, em inglês, entregando-me uma harmoniosa
combinação das flores de cores claras que eu havia escolhido.
Agradeci e, com as peônias, as bouvárdias e as frésias entre os dedos, precisei conter a
emoção. O grande momento estava chegando e, a cada segundo, uma nova borboleta se libertava do
casulo e se unia às que já adejavam em meu estômago.
De repente, mamãe adentrou a suíte, e as lágrimas que eu vinha contendo caíram ao mesmo
tempo em que as dela escorreram.
Estava esplêndida, como sempre. Naquela rara ocasião, usava um vestido, e o azul glacial
do tecido fluido combinava com a tonalidade de sua íris. Suas palavras elogiosas e repletas de
carinho encheram o meu coração de amor. Mas foi a presença da minha filha, nos braços da vó, que
mais me emocionou.
Luana usava um vestidinho branco e rodado, e uma pequena e delicada coroa enfeitava os
brilhantes e fartos fios escuros.
Braz tinha toda razão. Nossa ogrinha era uma princesa. A mais linda de todas.
Ao me ver, estendeu os bracinhos, balbuciando seus costumeiros sonzinhos fofos.
Mirando seus vívidos olhinhos verdes, entreguei o buquê à pessoa mais próxima e a peguei
no colo.
Inspirei seu cheirinho de bebê e ali, do outro lado do mundo, eu me senti em casa.
Ela era absolutamente tudo para mim. Não pensei que fosse possível amar tanto alguém
como eu amava aquele serzinho precioso. Agradecia todos os dias por tê-la na minha vida e por
poder ser sua mãe.
— Posso pegar minha afilhadinha linda um pouquinho? — Briana pediu.
— Nossa afilhada — Laís corrigiu. — E quem vai pegar essa princesinha perfeita agora sou
eu! Vem com a sua dinda favorita, meu amor!
— Não, senhora! — Yasmin se opôs. — Quando ela veio para ser amamentada, foi você que
colocou para arrotar, Laís! Agora é a minha vez de ficar com ela no colo! Eu exijo meus direitos de
madrinha!
Não teve jeito. Braz e eu sofremos ameaças e chantagens emocionais de todos os lados.
Então, as três eram madrinhas da nossa filha. Briana e Ramiro eram os padrinhos de batismo. Mas,
infelizmente, devido aos dogmas religiosos, não foi possível que minha irmã fosse madrinha junto
com a namorada. Em tese, as duas eram madrinhas de consagração de forma separada. Mas, na
prática, minha filha tinha um casal de padrinhos e um casal de madrinhas.
Luan estava satisfeito sendo o único tio da primeira sobrinha, principalmente por causa do
nome dela. A homenagem foi o jeito que encontramos para convencê-lo a largar a acirrada disputa
dos padrinhos.
Enquanto minha filha dividia a atenção entre as três mulheres obcecadas por demonstrarem
o amor que sentiam pela afilhada, o pessoal da maquiagem retocava o corretivo e o pó em meu rosto.
Logo, a equipe de filmagem começou a gravar algumas imagens, os fotógrafos tiraram
algumas fotos e, então, finalmente, começamos a caminhada rumo ao jardim.
Àquela altura, todas as suítes do castelo estavam vazias. O restante da família já estava lá
embaixo, ocupando as cadeiras que ladeavam o gazebo.
Quando chegamos à França, dois dias atrás, pernoitamos em Paris e, na manhã seguinte,
partimos para o Vale do Loire e nos hospedamos no chateau, para o jantar de ensaio, que havia
acontecido na noite anterior, e para o casamento, que aconteceria em alguns minutos.
Começamos a percorrer as escadas em espiral. Novos cliques foram feitos à medida que
avançávamos, percorrendo os corredores e os ambientes luxuosos, compostos por painéis
ornamentados, requintados móveis antigos, lustres opulentos e primorosas obras de arte.
Fomos guiadas até um dos vestíbulos. Com a neta nos braços, mamãe seguiu por outro
caminho, escoltada por membros do cerimonial, porque logo faria sua entrada com Braz.
No espaço reservado, os padrinhos aguardavam a nossa chegada.
Antes de admirar sua própria noiva, meu irmão se dirigiu a mim, enquanto Joaquim e
Ramiro beijavam as respectivas namoradas.
Luan estava lindo, com os fios loiros formalmente penteados. Assim como os demais, usava
um terno cinza, camisa branca e gravata borboleta em um tom muito sutil de rosa. Na lapela, um
raminho de flores da mesma cor.
— Meu Deus, Leona! O que fizeram com você? — perguntou, abismado, olhando-me de
cima a baixo. — Não acredito que conseguiram dar um jeito na sua feiura!
— Idiota. — Rindo, dei um soco no braço dele.
— Você é linda sempre. Mas hoje está mais bonita do que nunca. — Sorriu, tomou meu rosto
e beijou minha testa.
— Obrigada — murmurei, comovida, quando ele se afastou.
— Quem diria que eu seria padrinho do seu casamento? — Joaquim se juntou a nós,
exibindo um sorriso. — Espero o mesmo de você, quando for a minha vez de subir ao altar.
— E eu espero que isso aconteça logo — falei baixinho, notando que Zoe estava distraída,
ajeitando o pingente do colar de Laís.
— Pode ser que aconteça mais cedo do que você imagina — segredou, curvando os lábios e
com um ar misterioso.
Pelo visto, todos tinham decidido aproveitar a oportuna estadia em terras francesas para
darem o próximo e decisivo passo em seus relacionamentos! Definitivamente, o amor estava no ar!
— Não sabe como fico feliz em ouvir isso, Quim! — Expressei uma alegria genuína.
Minha prima estava superfeliz ao lado dele. Joaquim tinha aceitado o convite de Zach para
trabalhar na empresa do sogro, em Londres. O casal já estava até dividindo um apartamento na
capital inglesa. Ou seja, o casamento aconteceria em solo britânico!
— Bel saiu daqui agora há pouco. Seu noivo está quase botando um ovo. — Ramiro soltou
uma risada ao se aproximar. — Não fique surpresa se ele cair duro quando bater os olhos em você,
Leona.
— Bem que você queria que ele caísse duro na sua boca, né, Ramiro? Com ovo e tudo! —
Joaquim sacaneou, e todo mundo riu.
— E quem poderia me julgar? Você viu como ele ficou gato vestido de noivo? — Miro
entrou na brincadeira, suscitando mais risadas.
Fotógrafos imortalizaram a espontaneidade daquele instante e, em seguida, sugeriram
algumas poses em grupo. Ao mesmo tempo em que posicionavam suas lentes, cinegrafistas
ocupavam-se com as filmagens, que seriam editadas e renderizadas em um vídeo com os melhores
momentos daquele dia inesquecível.
Papai surgiu sem aviso na entrada e estacou no batente das portas largas. Em seu traje
alinhado ao corpo alto, caminhou até mim. Os olhos marejados transbordavam ternura e reverência.
— Não vou conseguir conduzir você sem chorar que nem um bebê, maluca. Lipeta vai me
zoar! — Limpou a umidade que vertia por suas bochechas.
Eu o amava tanto, e a pureza de seus sentimentos, sempre tão transparentes e francos, era
uma das muitas coisas que admirava em sua essência.
Sorrindo em meio às minhas próprias lágrimas, eu o abracei com força, resguardada em meu
porto-seguro.
Alguém se aproximou sem demora, oferecendo lenços. Um novo retoque foi feito em minha
maquiagem. Era impressionante como estávamos sempre cercados por pessoas que se
materializavam ao nosso lado sempre que eram necessárias.
Agradecemos pelos cuidados e, então, fomos informados de que havia chegado a hora.
O anúncio descompassou as batidas em meu peito e agitou as batidas das asas em meu
estômago.
Os padrinhos foram os primeiros a seguir em direção ao jardim frontal. Minutos depois,
ouvi os acordes suaves da harpa, indicando a entrada dos quatro casais.
Logo, papai e eu estávamos respirando os ares veranis do entardecer. No céu, uma paleta de
matizes se misturava, exibindo uma pintura singular.
Da escadaria do castelo, eu via, maravilhada, a materialização de tudo o que havíamos
planejado. Em conjunto, todos detalhes compunham o cenário dos sonhos.
Rosas e peônias adornavam a cobertura semicircular do gazebo. Sobrepostas aos arabescos,
as flores davam ao teto uma decoração romanesca, digna de um conto de fadas.
Cortinados diáfanos estavam atados às colunas que delimitavam o espaço em que
descansava um pequeno púlpito. Detrás dele, o celebrante já estava posicionado. Nas laterais, dois
arranjos robustos complementavam um par de vasos. E, entre eles, estava o homem mais bonito do
mundo.
Ao meu lado esquerdo, papai se movia em direção ao caminho central e, a cada passo que
dávamos, meu coração retumbava com mais força. A palma pesada pousou na minha, e o sorriso
emocionado de meu pai dispensou palavras.
Arbustos meticulosamente podados orlavam a passagem que se estendia à nossa frente.
Assim que chegamos ao princípio da passarela que nos levaria ao gazebo, a harpista deslizou os
dedos pelo instrumento grandioso, começando a extrair das cordas a secular marcha nupcial.
Guiados pelas notas, iniciamos o percurso, sob o olhar dos convidados. Dentre eles,
parentes e uns poucos amigos. Naquele reduto, estavam todas as pessoas que eu mais amava. Seus
sorrisos e lágrimas eram um reflexo do meu próprio semblante.
Havia uma felicidade descomunal em meu interior. E essa alegria fazia fluir a emoção que
transbordava diante de todos.
Em seu terno cinza, contrastado pela alvura da camisa e da gravata-borboleta, Braz mantinha
os olhos conectados aos meus.
Ainda estávamos separados por uma boa distância, mas eu conhecia tão bem aquelas feições
que não precisava ver com nitidez para enxergar seus cílios úmidos e todos os tons de verde que
resplandeciam em razão das linhas molhadas que se acumulavam até deslizar pelos poros de sua
pele.
Contemplando a beleza daqueles traços, o topete lateral formado pelas mechas castanhas e o
traje perfeitamente ajustado, tive a certeza de que estava prestes a me casar com um príncipe.
Papai me levou até ele, beijou minha testa e se juntou a mamãe que, chorosa, carregava a
netinha no colo.
Assim que meu pai se afastou, fiz uma graciosa mesura para o meu noivo. Braz achou graça
e tomou minha mão livre, deixando os lábios macios tocarem os nós dos meus dedos.
Então, ofereceu o braço, engolfando-me em uma maravilhosa nuvem de perfume. A melhor
coisa de não estar grávida era poder inspirar aquele aroma deliciosamente masculino sem precisar
correr para o banheiro mais próximo.
— Gostaria de lhes dar as boas-vindas ao Castelo Challain. — O celebrante começou a
dizer, em inglês, quando nos aproximamos. — Estamos reunidos aqui hoje para testemunhar o
casamento de Braz e Leona, compartilhar sua alegria e celebrar seu amor.
Mais algumas palavras foram proferidas na presença de todos até chegar o momento dos
votos.
— Em uma noite chuvosa, a vida roubou um pedaço de mim — Braz começou, com os olhos
fixos nos meus. — Em outra noite chuvosa, roubou mais pedaços. Pedaços que jamais poderia me
devolver. Então, eu me fechei, com medo de perder mais algum. Mesmo assim, eu perdi. E, por muito
tempo, achei que viveria para sempre dessa maneira; aos poucos perdendo tudo o que eu mais amava
e nunca ganhando nada que pudesse amar de verdade. Porém, a vida me mostrou que tudo pode
mudar. Ironicamente, em uma noite chuvosa, ela me deu você, Tiff. Não aconteceu um milagre. Os
espaços vazios em meu peito continuaram vazios. Mas você viu todas as minhas lacunas. Enxergou o
meu interior. Gentilmente, abriu o meu coração trancado, encontrou dentro dele uma parte que nunca
havia sido preenchida e me completou. — Um sorriso assomou em seus lábios enquanto as lágrimas
escorriam pelas minhas faces. — Eu tenho todos os motivos para amar você, mas a verdade é que eu
te amo por razão nenhuma. Eu simplesmente te amo, porque não saberia não amar o amor da minha
vida.
Precisei de uma pausa para me recompor. Então, com os olhos úmidos, iniciei os meus
votos:
— Naquela noite chuvosa, eu achei que tivesse perdido todos os meus sonhos. Do alto da
minha torre, pensei que a minha vida tinha acabado de ruir. Mas eu não sabia nada sobre perdas.
Você me ensinou muita coisa. E eu, que pensava possuir tudo, ganhei de você o que existe de mais
precioso no universo. Essa seria a melhor razão para te amar. Mas não te amo por isso. Eu te amo
porque você é você. E não te amar é impossível para mim.
Tão emocionado quanto eu, ele tomou meu rosto e beijou minha fronte.
Então, vieram os juramentos.
— Eu, Braz, te recebo, Leona, como minha esposa. E prometo ser sempre fiel, na alegria e
na dor, na saúde e na doença, para amá-la e honrá-la todos os dias da minha vida — ele repetiu as
palavras e, sorrindo, colocou a aliança em meu dedo.
Fiz o mesmo em seguida. E, após assinarmos a ata, o celebrante nos declarou casados.
Foi com uma euforia imensurável que nos beijamos, enquanto aplausos ecoavam e uma
chuva de pétalas recaía sobre nós.
Muitos cliques eternizaram o momento, e logo estávamos refazendo o trajeto, retornando ao
palácio ao som melódico da harpa.
— Não vejo a hora de tirar você desse vestido — Braz colou a boca em minha orelha
durante a caminhada, e um arrepio eletrizou minha coluna.
— Não gostou do meu vestido? — dissimulei quando ele se afastou, como se tivesse
acabado de dizer algo fofo e romântico.
— Dentro dele, você é a coisa mais linda que o mundo já viu. Sem ele, é a mulher mais
perfeita que só o homem mais feliz do mundo tem a sorte de ver. — Um ângulo malicioso se
desenhou em seu sorriso.
Puxei sua mão e comecei a correr, sem me importar com a reação da plateia.
— Leona... o que você está fazendo? — perguntou, pasmo.
— Fugindo — respondi, desviando da rota.
Em vez de seguir reto, em direção ao castelo, disparei rumo ao bosque, escutando as
gargalhadas dos convidados que, conhecendo a nossa fama, não pareciam nem um pouco abismados.
— Mano do céu! — Ouvi o berro de vovô. — Eu já vi noiva fugindo do noivo antes do
casamento, mas com o noivo e depois do casório, só pra foder no mato, é a primeira vez, véi!
— Olívia, eu tô passando mal! — O alarde de vô Max provocou uma onda de risadas.
Braz e eu estávamos ofegantes e risonhos quando nos perdemos em meio às árvores que se
adensavam na região da floresta.
O lugar parecia um ponto de encontro de fadas, com o solo recoberto por campos de flores
silvestres.
Braz poderia me despir com suavidade, deitar meu corpo sobre a relva, recobri-lo com o
dele e entrar devagar, movendo-se com ternura e me beijando com extrema delicadeza. Teria sido um
momento mágico, se meu marido e eu não fôssemos dois selvagens.
Contra um tronco, gemendo feito animais, consumamos o casamento.
Quando terminamos, ajeitei seu cabelo e sua gravata. Ele me ajudou a arrumar o véu e a saia
do vestido. No caminho, tentamos tirar todas as folhas e pétalas presas ao tule. Não deu muito certo.
Porém, chegamos ao castelo exultantes e extasiados. Todos sabiam o que tínhamos feito, mas não me
importei.
Assim que pisamos na gloriosa sala principal, começamos a receber os cumprimentos dos
convidados.
Enquanto abraçava a esposa de um dos diretores da empresa, olhei adiante, para o mar de
mesas, arranjos, taças e candelabros, à procura de uma pequena coroa.
Logo encontrei Luana no colo de vó Olívia. Estavam perto da mesa do bolo, e a mãozinha
minúscula puxava a gravata de vô Max, que fingia estar sufocando. A princesinha psicopata morria
de rir.
Despreocupada, voltei a atenção para o casal que nos felicitava.
À medida que avançávamos pelo salão, mais pessoas iam se levantando para nos abraçar.
Já estávamos no final, quase alcançando a nossa filha, quando ouvimos o primeiro protesto.
— É a nossa vez de ficar com ela, Putão! — Vô Piolho havia caminhado até a mesa do bolo.
Ao lado dele, vó Malu enfiava na boca, discretamente, o doce que pescara de uma das bandejas.
— Nós a pegamos primeiro, e vamos ficar com ela a festa inteira! — Vô Max mostrou um
sorriso vitorioso.
— O carai que vão! Dá ela aqui, Liv! — Seu melhor amigo deu um passo, estendendo os
braços.
— Nem por um caralho! — Meu avô materno se colocou na frente. — Eu que vou ficar
brincando com ela, Piolho!
— Putão, deixa de egoísmo, meu! — ele resmungou.
— Egoísmo de cu é rola! — retrucou, em alto e bom som.
Àquela altura, os dois já tinham chamado a atenção de todos, inclusive dos garçons
franceses que perambulavam entre os convidados.
— Se cê tá achando que vai me impedir, cê tá muito enganado, Quenga! — E tentou pegar a
bisneta.
Em resposta, vô Max se precipitou na direção dele. Vô Piolho se desequilibrou e, na
tentativa de se apoiar na mesa, enfiou a mão no bolo.
A palma afundou no primeiro andar e, com o impacto, todos os outros desmoronaram,
despencando na toalha e caindo no assoalho.
Um coro de surpresa, seguido por um som pesaroso, ecoou pelas paredes da ampla sala de
jantar.
— Mano do céu... — Ele puxou a palma, retirando os dedos lambuzados de massa e recheio.
— Meu Deus, Lucas... — vó Malu murmurou, de boca cheia e olhos arregalados.
— Puta que pariu, Piolho! Olha o que você fez! — Vô Max acusou.
— A culpa é sua, carai! — E passou a mão suja na cara do amigo.
Gargalhadas explodiram ao nosso redor.
— Agora você me paga, bocetudo! — Meu avô fez menção de usar um bocado do bolo
destruído para se vingar.
— Já chega, cretino! — vó Olívia intercedeu, antes que os dois começassem uma guerra.
— Lovezinha, foi mal, mano. Foi sem querer, saca? — Vô Piolho mostrou uma expressão
arrependida ao notar que eu estava parada ali. — Mas cê viu que a culpa foi de Putão, né?
— Meu ovo que foi! Eu estava quieto no meu canto! Piolho apareceu do nada e tentou me
atacar sem motivo algum, minha lindinha! — argumentou, com um semblante inocente.
— Deixa de caô, mano! — O revide de vovô incitou uma discussão entre os dois.
Enquanto um acusava o outro, a pivô da briga passou a mãozinha na bochecha melada do
bisavô e, em seguida, sujou o próprio rostinho. Com um pouco da misturada açucarada sobre os
lábios rosados, colocou a linguinha para fora e lambeu.
A cena fofa foi a bandeira branca que pôs fim ao conflito.
Eu ainda estava rindo daquilo tudo quando peguei Luana, com o intuito de subir para limpá-
la.
— Parece que está na hora de botarmos os seus avôs em um asilo — Braz brincou, a
caminho das escadas.
— Se colocássemos os dois em um mesmo asilo, o lugar viraria um hospício nos primeiros
minutos. — Entrei na brincadeira.
— Verdade. — Braz riu. — Eles brigam, brigam, mas se amam. E veneram você,
princesinha. — Tocou a ponta do nariz da filha. — Só não mais que a mamãe e eu. — Esticou os
braços, e ela deu um pulo em meu colo, mostrando os dedinhos lambuzados para o pai. Rindo, eu a
entreguei, e ele a pegou. — Ah, mas eu queria muito provar esse bolo, sabe... Dá um pouquinho pra
mim? — pediu, caprichando na fofura.
Como se tivesse entendido, Luana pousou a palminha nos lábios dele. Quase morri de amor.
Ele sempre ficava lindo demais conversando com ela, e a interação dos dois era a coisa mais bonita
de se ver.
Em alguns minutos, chegamos ao quarto. A nossa noite de núpcias não seria ali, mas na The
Royal Suite, que ficava no térreo. A suíte real contava com a cama de dossel mais alta do palácio e
era ornamentada por detalhados móveis esculpidos à mão. Suas janelas impressionantes ofereciam
uma estonteante vista do lago e dos gramados que se entendiam pela propriedade. Além disso,
contava com uma sala de café da manhã e um quarto anexo, conhecido como Princess Tower.
Dali a algumas horas, estaríamos pelados e cercados por paredes e tetos originais,
historicamente protegidos e manualmente pintados em ouro.
Enquanto o melhor momento não chegava, estávamos devidamente vestidos e ocupando a
Tower Suite.
Ao entrarmos, limpamos o rosto e as mãos de Luana. Depois, eu a amamentei, observando a
mãozinha em meu seio e, ao mesmo tempo, o movimento suave dos dedos de Braz, que acariciavam o
cabelinho castanho-escuro.
Assim que voltamos para o salão, o barulho de vozes animadas, misturado à música que
embalava a festa, nos recebeu.
Daquele canto, notei que os vestígios da guerra travada entre meus avôs já não estavam mais
ali. A equipe responsável pela limpeza não deixara um mísero farelo para trás.
Ao nos ver, Luan correu para pegar a sobrinha, ganhando a disputa contra os saltos
altíssimos de nossa irmã.
— Eu vou ser a próxima! — ela avisou, chegando atrasada.
— Você vai ficar com o titio a noite toda, né, princesinha? Vem, eu vou te mostrar vários
cantos do castelo! — Meu irmão saiu andando, ao som dos protestos de Laís e das recomendações de
Braz.
— Não sei se vou conseguir ficar tantos dias sem ela — ele comentou, lançando um olhar
entristecido para o corpinho que se afastava nos braços do tio.
— Nem eu. — Uma saudade antecipada me atingiu.
— Eu sei que os seus pais sabem cuidar de um bebê e que vão ter ajuda de muita gente,
principalmente da babá, que vai ficar na casa deles, mas... — Suspirou, preocupado.
— Vai ficar tudo bem, Bráulio. — Mostrei-lhe um sorriso.
— Eu sei. — Ele sorriu de volta. — Mas, enquanto estivermos viajando, vou sentir muito a
falta dela.
— Eu também — confessei. — Mas talvez esses sete dias passem voando.
— Há uma parte minha que está muito ansiosa por cada um deles. — Sua palma estacionou
abaixo da minha orelha e arrepiou meu pescoço. — Essa parte minha não vê a hora de desfrutar das
paisagens mais bonitas das ilhas gregas: você de biquíni e você pelada. Isso faz de mim um péssimo
pai?
— Não. Mas faz de você um ótimo marido. — Curvei a boca com malícia, fitando o verde
em seus olhos.
— Marido — repetiu, satisfeito.
— E oficialmente um Guerratto — completei.
— Braz Guerratto. — Ele testou a sonoridade, e sua fisionomia evidenciou a aprovação. —
Ficou foda, mas, apesar de mudar tudo, não alterou nada. Eu já me sentia um integrante da sua família
mesmo antes de assinar naquela ata. Ainda assim, preciso dizer que é uma honra carregar o seu
sobrenome. Não pelo que ele significa para o mundo, mas pelo que significa para mim. Ser amado e
acolhido pelas melhores pessoas que já conheci.
— Você é a melhor pessoa que todos nós já conhecemos. — Toquei seu maxilar. — Eu te
amo tanto... — Meu polegar desfrutou da maciez de seus lábios e, eu os toquei com os meus.
Nossas línguas se enlaçaram, e os volteios lentos aos poucos se transformaram em carícias
mais urgentes.
— Meu Deus... — Braz afastou a cabeça, arfante. — Você já está me transformando em
pedra, e ainda nem chegamos à Grécia, Medusa!
— Fazia um tempão que você não me chamava assim — comentei, rindo.
— Ainda bem que temos uma vida inteira para usarmos todos os apelidos que a gente
inventa. — Seus dedos se mantiveram em minha nuca. — Uma vida inteira, Tiff. Este é apenas o
começo. Daqui até o fim, tudo pode mudar, menos o meu amor por você.
Sou infinitamente grata ao apoio da minha família e ao meu “leitor-alfa”, que percorreu
comigo cada passo desta jornada, auxiliando-me e encorajando-me em tantos momentos.
É profunda a minha gratidão a todos que leram os meus romances anteriores — “O Devasso
Mora Ao Lado” e “O Descarado Dorme Ao Lado” — e me encheram de pedidos para escrever um
pouco mais sobre essa família. Este livro foi escrito para vocês e graças a vocês!
Agradeço imensamente a cada leitor maravilhoso que me acompanha. Muito obrigada pelas
constantes palavras de afeto e incentivo. O carinho que vocês têm por mim e o amor que dedicam aos
meus personagens são os combustíveis que me estimulam a continuar escrevendo!
Meu último e especialíssimo agradecimento não poderia ser para alguém diferente de você,
que deu uma chance a “Tudo Pode Mudar, comprando e lendo esta história. Muito obrigada por
apoiar o meu trabalho!
Espero que, ao longo da leitura, você tenha se divertido e se emocionado com as linhas que
eu escrevi.
Para ouvir as músicas utilizadas nos títulos dos capítulos da história, acesse a playlist no
Spotify.
Kenya Garcez lê compulsivamente e escreve com paixão. Louca por romances românticos,
constantemente se apaixona pelos heróis fictícios e se identifica com as mocinhas irreverentes e
geniosas das histórias.
“O Devasso Mora Ao Lado”, seu romance de estreia, conquistou milhões de leituras on-line
e milhares de leitores, cujo interesse por mais obras relacionadas aos personagens do primeiro livro
culminou na criação do spin-off “O Descarado Dorme Ao Lado”, no lançamento dos contos “A
Melhor Noite do Ano” e “A Melhor História de Todas” e, agora, na publicação de “Tudo Pode
Mudar”.
Desempregada, com a despensa vazia, o carro caindo aos pedaços e a ordem de despejo em
mãos, Olívia Dutra está no fundo do poço e, sem namorado, amigos ou parentes vivos, não tem a
quem recorrer. Mas, e se um telefonema mudasse sua vida? E se, de repente, um salvador bonito feito
um deus e libertino como o diabo caísse do céu? E se o devasso morasse ao lado?