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Um bebê surpresa para o CEO

Do autor best-seller da Amazon

Jhonatas Nilson
Copyright © 2021 Jhonatas Nilson
Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão total ou parcial, sob qualquer forma.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Querido leitor,
Eu adoro escrever histórias sobre famílias, recomeços e bebês adoráveis.
Nesse romance você irá conhecer Wolf Hardie, um homem quebrado que carrega diferentes
traumas que o impedem de acreditar na possibilidade de um final feliz.
Devo confessar que me emocionei conforme escrevia e acompanhava os diversos processos
de cura que Wolf precisou enfrentar.
Tessa Albers, por outro lado, é uma moça doce e gentil que certamente ganhará o seu coração.
Mesmo sendo machucada pela vida, ela não desiste de continuar sonhando e sorrindo ao lado de
Titia Felícia, sua única família.
Tanto Wolf quanto Tessa certamente merecem reescrever a própria história. Espero que você
se apaixone com esse casal.
Além disso, o pequeno Blue é uma fofura e tem grande importância. Sua chegada terá o poder
necessário para mudar tudo na vida de Wolf e, consequentemente, na de Tessa também.
Procure um lugar confortável, aconchegue-se e prepare-se para acompanhar esse romance
fofo e leve sobre duas pessoas que estão tentando encontrar a beleza que existe nas cores da vida.
Obrigado por se permitir sonhar com o meu livro. Sempre serei grato por isso. Te desejo dias
felizes e bons momentos com as pessoas que você ama.
Com carinho,
Jhonatas Nilson.
(Autor)
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PARTE I
Prólogo

Lora Bowker corria segurando firmemente um cesto com as duas mãos. Nunca olhava para
trás, temendo perder a coragem caso se permitisse pensar mais do que o necessário. Suas pernas
tremiam um pouco, como se gritassem para que ela desistisse de agir. Ela não desistiria.
Quando um relâmpago retumbou nos céus, o bebê que estava guardado dentro do cesto soltou
um gemido assustado e em seguida começou a chorar. As ruas estavam vazias no meio da noite e era
possível ouvir apenas os escândalos da criança que tinha apenas alguns meses de vida.
Cloudtown era uma cidade que não costumava ser abençoada regularmente com a chuva. Mas
naquele dia, ironicamente, os deuses aparentemente haviam decidido brincar com Lora uma última
vez.
Enquanto corria, ela sorriu e levantou o queixo. Os deuses não teriam controle, o destino não
teria controle. Lora Bowker seria, pela primeira vez em muito tempo, a responsável pelas próprias
escolhas.
Na verdade, não sabia exatamente o que estava fazendo, pois pouco antes de deixar a casa
minúscula em que vivia, havia se dopado com tranquilizantes e agora carregava uma garrafa lacrada
de uísque. Seu cérebro parecia estar prestes a entrar em colapso.
Mas ela não se importava.
— Pare de gritar. Grite somente quando chegarmos. — Lora lançou a ordem, mas sabia que o
bebê tolo não entenderia nada.
Nem todas as mulheres deveriam ser obrigadas a se tornar mães, pensou. Nem todas deveriam
ter que conviver com a responsabilidade exaustiva de cuidar de uma criança ou várias. Os céus
sabiam o quão cansada ela se sentia. Por isso, agora Lora precisava descansar.
Uma criança não estava incluída em seus planos, nunca estaria.
A mansão de Wolf Hardie ficava localizada em uma área bastante privilegiada de Cloudtown.
Os jardins, grandes e cheios, pareciam saídos de algum tipo de filme vintage caro.
A porta de entrada era imensa e Lora obrigou-se a se sentar por alguns instantes, totalmente
sem fôlego depois de correr tanto. Cortara a cidade, saindo do subúrbio rumo à região alta dos mais
endinheirados. O percurso fora interminável e seu coração parecia estar prestes a sair pela boca.
Talvez fosse uma mistura de nervosismo e raiva. Raiva de Wolf Hardie por tê-la engravidado,
raiva de si mesma por ter continuado com a ideia mesmo depois de tê-lo deixado para trás.
Se surgisse a oportunidade de mudar o passado, certamente teria optado por um aborto fácil e
rápido. Na época, tentara agir perante as vontades de Deus, mas aparentemente deus nenhum estava
com ela.
Sentada nos degraus dos jardins enormes, ela levantou o paninho que cobria o cesto. O
pequeno bebê soltou outro grito e arregalou os olhos, tremendo. Provavelmente estava com frio, pois
uma tempestade se aproximava e ele não estava com roupas adequadas.
— A vida funciona dessa forma. Os mais fracos morrem, os mais fortes continuam vivos. Se
você morrer de frio, o problema é seu. Já cuidei de você demais, mais do que eu deveria. Estou tão,
tão cansada que nem sei mais o que fazer. — Enquanto falava, Lora sentiu a língua enrolar, pesada e
aparentemente desforme. Além disso, sua visão parecia turva demais, quase como se estivesse
prestes a ficar cega ou perder a consciência.
Lora jurava que havia tentado gostar daquela criança. Tentara ser uma mãe bondosa e cheia de
talentos que sempre sabia exatamente o que fazer quando necessário, mas infelizmente não conseguiu.
Não amou seu próprio filho nem por um instante.
Mas a quem ela estava tentando enganar? Nunca sequer amara a si mesma. Envolvera-se em
tantas confusões durante a vida que seria realmente surpreendente caso ela de fato conseguisse cuidar
sozinha de uma criança.
— Wolf é um bobo. Ele cuidaria de um bebê abandonado sem pensar duas vezes, então é óbvio
que ele vai cuidar e amar você, afinal o sangue dele corre nas suas veias. Wolf vai te amar muito
mais do que eu seria capaz. Não sou boa com essas coisas, você deve entender. — Com as mãos
trêmulas, voltou a cobrir o cesto e se levantou, pousando-o diante da porta chique.
Ao se afastar, no entanto, sentiu uma pontada forte no coração e lágrimas surgiram em seus
olhos. Culpa? Remorso? Medo? Tudo ao mesmo tempo? Ela não sabia. Sabia apenas que por um
breve instante quase desistiu, mas seguiu em frente logo em seguida.
Não podia se esquecer do desespero que sentira cada vez que o bebê chorava ou fazia cocô.
Céus, seu nojo era imensurável.
Estava livre agora. Totalmente livre.
Não demorou muito para que começasse a chover. Lora ainda estava caminhando pela rua
vazia quando sentiu as primeiras gotas da chuva. Com um sorriso, abriu a garrafa de uísque e bebeu
um longo gole, depois outro e outro.
Estava suando frio e seu peito parecia doer cada vez mais, mas Lora ignorou. Precisava
aproveitar a sensação de liberdade.
Bebendo mais alguns goles do uísque, colocou-se a correr. Gritava e gargalhava, imaginando
todas as coisas que poderia fazer dali em diante. Talvez viajasse para algum lugar, baixasse um bom
aplicativo de encontros. Não se apegaria verdadeiramente a ninguém. Aproveitaria ao máximo a
própria liberdade.
E não, não pensaria sobre o bebê. Naquela noite abdicara do título, da maternidade e de toda a
merda que vinha atrelada. Agora ela era apenas Lora Bowker, uma mulher que podia escrever o
próprio caminho.
Enquanto bebia, percebeu que já não conseguia raciocinar tão bem. Havia ficado bêbada tão
rápido?
Com uma dormência forte no braço, ela derrubou a garrafa de uísque, cortando os próprios pés
e xingando alto. A garrafa fora caríssima.
Não muitos passos depois, ficou sem fôlego e precisou levar as duas mãos ao peito, pois a dor
se intensificou. Ela não soube em que momento seus joelhos falharam, obrigando-a a se jogar no
chão.
Percebeu a gravidade de tudo apenas quando já era tarde demais. E, sentindo-se tão cansada,
sequer tentou lutar.
Lora Bowker faleceu vítima de um infarto, atenuado pela mistura de álcool e medicamentos.
em uma rua qualquer enquanto a chuva lavava sua alma.
Sua criança, sozinha e desesperada, chorava e tremia, lutando pela vida.
Os mais fracos morrem, os mais fortes continuam vivos.
Capítulo 1

Wolf Hardie estava na cozinha tentando encontrar algum doce para comer antes de dormir
quando ouviu o choro alto e inconfundível de um bebê. Inicialmente, pensou estar alucinando, mas em
seguida concluiu que os gritos eram reais.
Inclusive, pareceu-lhe realmente impressionante o fato de que o choro conseguia ser mais alto
do que o barulho assustador da chuva. Olhando para a torta de morango em cima do balcão da
cozinha, Wolf fez um biquinho e soltou um longo suspiro. A torta ficaria para depois.
Enquanto caminhava pela sala de estar enorme, se perguntou qual teria sido a justificativa do
arquiteto para convencê-lo a fazer uma sala tão larga. Tinha a impressão de que quando envelhecesse
certamente precisaria de um motorista para percorrer apenas aquela parte da casa.
Antes de sair, vestiu um casaco fofinho e abriu a porta, olhando ao redor. Chocou-se ao ver um
pequeno cesto perto da porta no meio da chuva. Parecia ensopado. Horrorizado, correu totalmente
descalço pelo jardim na tentativa de encontrar alguém. Não conseguia acreditar que algo assim
realmente estava acontecendo. Infelizmente, no entanto, não avistou nada. Em seguida, voltou-se para
a entrada da casa mais uma vez.
Ajoelhou-se e tirou o pano que cobria o cesto. A criança gritava tanto que parecia prestes a
explodir.
— Ei, garoto. Quem diabos deixou você aqui? — Ao fazer a pergunta, sentiu-se estúpido. Se o
bebê respondesse, Wolf certamente enlouqueceria. — Tem que existir uma justificativa muito lógica
para isso. Um bebê não brota em jardins.
Ele pegou o cesto e correu de volta para dentro da casa. Ao acender as inúmeras luzes da sala
de estar, percebeu que a criança estava pálida e sua pele parecia fria demais.
— Eu não sei cuidar de bebês. Não sei cuidar de bebês enxercados. Você está com hipotermia,
não está?
Wolf Hardie não costumava entrar em desespero facilmente. Aos trinta e quatro anos, sabia
exatamente o que fazer e quando fazer. E quando não sabia, logo tratava de descobrir. Eram poucos
os fatores que o amedrontavam. Cuidar de crianças provavelmente era um deles.
Seus cabelos castanhos agora estavam muito molhados. O casaco fofinho pingava por todo o
piso, obrigando-o a tirá-lo o quanto antes.
— Vejamos... — Ele ligou o tablet que estava em cima da mesinha ao lado do sofá e começou a
fazer pesquisas sobre como lidar com a aparente hipotermia da criança.
Primeiro tirou o bebê do cesto e removeu suas roupas enxercadas. Em seguida, correu o mais
rápido que pôde, escorrendo por todo lugar, na busca por colchas quentes. Ajustou um pouco o
aquecedor e estremeceu ao perceber que mesmo depois de tudo, a criança não parava de chorar.
— Você está assustado, não está? Aposto que sim, os trovões estão barulhentos hoje. — Wolf
pegou o cesto e observou que havia uma bolsa plástica com documentos e papéis. — Preciso apenas
trocar de roupa. Vou levar você ao hospital.
Ele não sabia exatamente a razão pela qual estava conversando constantemente com uma
criança que claramente sequer conseguia compreender suas palavras. Talvez fosse nervosismo ou
desespero.
Com agilidade, pegou as primeiras peças de roupa que encontrou no closet. Vestiu-se e sequer
se lembrou de pentear os cabelos.
Wolf sabia que era capaz de fazer muitas coisas. Havia construído um verdadeiro império na
pequena Cloudtown e fora reconhecido pela população como um dos responsáveis pelo aumento nos
investimentos da economia da cidade. Suas empresas formavam um grandioso conglomerado que
atuava nas mais diversas áreas e prometiam dominar todo o estado do Texas em alguns anos.
Não existiam dúvidas de que ele havia construído cada detalhe com as próprias mãos. Sempre
seguindo em frente, nunca se permitindo desistir. Mas mesmo assim, mesmo sendo quem era, Wolf se
sentia totalmente incapaz de cuidar daquele bebê sozinho. Parecia-lhe desafiador demais.
Por isso, sentou-se no sofá ao lado do garotinho e pegou o celular, digitando um número muito
específico. Estranhamente, suas mãos estavam trêmulas e ele não pôde deixar de sorrir por sentir
tamanho desespero.
Coisas assim são surreais e acontecem apenas em filmes...
A mãe dessa criança vai aparecer, eu sei que vai...
Será que é algum tipo de brincadeira idiota?
Todo mundo sabe como termina a história da criança que aparece em um cesto deixado
misteriosamente. A pessoa que abre a porta sempre acaba se tornando a responsável!
Se eu precisar me tornar o responsável de um bebê certamente irei morrer...
Ou enlouquecer?
Ele deu um pulo no sofá quando o bebê gritou mais uma vez. O susto foi tamanho que Wolf
sentiu seu coração retumbar.
— Oi? Wolf? — A voz feminina ecoou do outro lado da linha.
Por alguns instantes ele se sentiu sem fala, como se o frio da chuva tivesse o poder de congelá-
lo de alguma forma.
— Oi, Tessa.
— Aconteceu alguma coisa? São quase três da manhã!
— Ah, aconteceu sim. — Wolf desviou o olhar para o bebê e sentiu um arrepio percorrer sua
espinha. Como alguém poderia ter a indecência de abandonar um ser inocente no jardim em um dia
chuvoso?
— Diga logo o que aconteceu!
— Bem, um bebê apareceu no meu jardim. Acho que ele está com hipotermia e vou levá-lo ao
hospital central de Cloudtown agora mesmo. — Wolf fez uma pequena pausa e engoliu em seco. —
Será que você poderia me acompanhar? Agora? Se você não for, acho que eu vou enlouquecer.
Bem, talvez Wolf estivesse sendo um pouquinho dramático, mas a verdade era que ele se
enxergava como um solteirão convicto e uma criança realmente não se encaixava em seus planos para
os próximos anos.
— Do que você está falando?
— É isso mesmo, Tessa. Um bebê de olhinhos azuis apareceu aqui no jardim e estava gritando
enquanto eu tentava comer um pedaço da torta de morango que comprei antes de sair do meu
escritório mais cedo. — Ele levou uma das mãos à testa. — Já não sei se os olhos dele são azuis
mesmo ou se ele está ficando azul por causa da hipotermia.
— Céus, Wolf, leve-o para o hospital agora mesmo! O que você está esperando?
— Você vai me encontrar lá, não vai? — Wolf soou como um cachorrinho desolado e
abandonado.
— Sim, vou. — Falando isso, Tessa simplesmente finalizou a chamada sem se despedir.
Com um suspiro de alívio, Wolf pegou o bebê ainda enrolado com as colchas, reuniu os papéis
que havia encontrado e em seguida correu.
Não tinha tempo a perder.
Capítulo 2

Tessa Albers revirou os olhos ao se sentar na cama e olhar pela janela. A chuva ainda estava
forte e os céus pareciam um pouco revoltados naquela madrugada. Nunca chovia em Cloudtown
então não lhe parecia exatamente surpreendente saber que algum acontecimento surreal havia surgido.
Se fosse uma mulher com o coração um pouquinho mais obscuro provavelmente ignoraria o
pedido de Wolf, mas infelizmente Tessa costumava ser bastante boba quando o assunto era a amizade
que tinha com aquele cafajeste falso e fingido.
E, bem, apesar de ser cafajeste e fingindo, a verdade era que Tessa adorava Wolf. Adorava
mais do que qualquer outro amigo ou amiga.
Aos trinta e dois anos, ela não podia afirmar que tinha um grupo lá muito grande de amigos
verdadeiros. Por isso, encontrara em Wolf não apenas uma amizade, mas também um porto seguro.
Eles haviam se conhecido certa manhã cerca de quinze anos antes quando ele havia decidido
parar na lojinha de presentes da família Albers. Era um lugar simples que vendia apenas produtos
artesanais e aparentemente Wolf ficara encantado com a beleza da arte produzida pelas irmãs Carole
e Felícia Albers, mãe e tia de Tessa.
Wolf retornara no dia seguinte e também na semana seguinte. Voltava sempre que podia,
inventando algum tipo de desculpa apenas para permanecer na lojinha. No final, mesmo sendo tão
diferentes socialmente, criaram uma conexão bastante difícil de descrever.
Qualquer pessoa que pousasse os olhos naqueles dois certamente reconheceria que havia algo
bonito ali. Algo ainda sem nome, mas realmente muito bonito.
Por muito tempo, Tessa se considerou uma mulher de sorte por ter um amigo como ele, mas
nos últimos tempos, Wolf simplesmente a abandonara como se ela realmente não importasse.
Aos poucos as mensagens foram ficando cada vez mais escassas. Ele já não a chamava para
sair. O último golpe foi dado na amizade deles quando, dois anos atrás, Wolf decidiu namorar
oficialmente sua secretária, uma tal de Lora Bowker.
Tessa ainda podia se lembrar da dor que sentira ao saber que seu melhor amigo estava
namorando. Naquela época, ela não entendia muito bem o motivo da dor, mas agora preferia dizer a
si mesma que talvez fosse apenas medo de perdê-lo.
A relação entre Wolf e Lora não durou muito, afinal ele nunca foi muito habilidoso com os
próprios sentimentos. Frio como uma geladeira duplex, Wolf costumava ser bastante difícil de lidar.
Mesmo assim, Tessa o entendia, ou tentava. Mas agora ela não o perdoaria tão facilmente.
Depois de tanto tempo de abandono, Wolf não podia aparecer de uma hora para outra como se
nada tivesse acontecido.
É claro que ele ainda mandava uma mensagem aqui e outra ali, mas, pensando bem, até mesmo
as empresas de telemarketing costumavam ligar com mais frequência do que ele.
Por isso, Tessa o ajudaria apenas daquela vez, apenas daquela vez, afinal se tratava de um
bebezinho abandonado e ela realmente não conseguia resistir. Depois disso, se ele não reconhecesse
os próprios erros, a amizade certamente estaria finalizada para sempre.
Ao se levantar da cama para começar a se arrumar, Tessa riu com a velocidade dos próprios
pensamentos.
Encerrar a amizade com Wolf para sempre?
Aquilo soava tão, tão errado que ela sequer se sentia capaz de dizer tais palavras em voz alta.
Era quase como um verdadeiro pecado, afinal quinze anos não eram quinze dias.
Caminhando lentamente na ponta dos pés, ela abriu a porta que rangia como um dragão e se
encolheu com o barulho que ecoou por toda a casinha. Em seguida, seguiu caminhando na direção da
porta de saída quando as luzes da saleta se acenderam.
— Para onde você está indo? — A voz de Titia Felícia fez com que Tessa desse um pulo para
frente, levando as duas mãos ao coração. — Aconteceu alguma coisa?
— Vou ver...
— O Wolf? — Titia Felícia semicerrou os olhos e caminhou na direção de Tessa.
— Bem, ele precisa de ajuda.
— Ah, é? Ele sequer te ligou quando você estava choramingando enquanto sentia saudades
dele. — Ela deu um beliscão no braço da sobrinha.
Parecia bastante desconcertante para Tessa pensar que Titia Felícia adivinhara tão facilmente
que ela estava saindo no meio da noite para ir ao encontro de Wolf.
— Como você soube que eu estava indo encontrá-lo?
— E quem mais seria?
— Eu poderia estar fugindo de casa para me encontrar com um amante gostoso, um sugar
daddy com muito dinheiro que estaria totalmente disposto a me mimar e me dar um celular e me levar
para passear de lancha. — Debochada, Tessa deu de ombros. — Você não espera muito de mim. Que
decepção.
— Um sugar daddy? — Titia Felícia sorriu. — E o que seria Wolf senão um sugar daddy?
— Ele não é tão mais velho assim!
— Mas tem dinheiro para comprar uma lancha.
Corando, Tessa se afastou e pegou a bolsa que estava jogada em cima do sofá.
— Não tenho interesse sexual em Wolf. Somos amigos há anos. Que loucura é essa?
— Ah, é mesmo. Eu sou uma tola. — Titia Felícia tinha os cabelos brancos muito lisos e era
uma senhorinha de quase setenta anos tão minúscula que parecia estar prestes a se quebrar. — Tessa
e Wolf? Zero química. Que tola...
— Até logo. — Tessa abriu a porta e se assustou com um trovão.
— Vai sem guarda-chuva? — Titia Felícia pegou um dos guarda-chuvas e caminhou na direção
da sobrinha, entregando-o. — Dê um soco nesse seu amigo falso por mim.
— Pode deixar. Darei dois socos, é certamente melhor do que apenas um.
Quando o táxi que Tessa havia chamado através de um aplicativo de celular chegou, ela correu
e entrou no carro.
Em silêncio, Titia Felícia estalou a língua e observou silenciosamente enquanto sua sobrinha
partia.
Wolf precisava abrir os próprios olhos, pensou. Que tipo de mulher faria o que Tessa estava
fazendo? Provavelmente nenhuma.
Ao fechar a porta da casa, Titia Felícia concluiu que Wolf e Tessa precisavam ficar juntos de
uma vez. Ou talvez devessem se separar e acabar com a amizade.
O que Wolf não podia era continuar machucando Tessa com seu abandono.
Capítulo 3

Quando chegou ao hospital apenas alguns minutos mais tarde, Tessa definitivamente nunca
poderia imaginar que encontraria Wolf com os olhos tão arregalados. O pobre homem parecia haver
saído de algum filme de terror barato e não lembrava em nada o multimilionário investidor que todos
conheciam.
Aparentemente, uma criança tinha o poder de assustar até mesmo os mais poderosos, pensou
ela.
— Diga exatamente o que diabos está acontecendo. — Tessa não o cumprimentou. Por que
deveria? Não estava disposta.
— Boa noite, senhorita Albers, eu também estava com saudades. É sempre bom reencontrar
uma amiga tão especial. — Mesmo tão horrorizado, Wolf ainda tinha a audácia de debochar dela. —
Veja bem, eu já disse tudo durante a nossa chamada.
— Poderia repetir?
— Eu estava roubando um pedaço da torta na minha cozinha quando ouvi um choro de bebê.
Pensei estar delirando, mas como você bem sabe, seria impossível, afinal eu não uso drogas e estou
muito bem da cabeça. Então existiam apenas duas opções: Poderia haver um fantasma bebê
assombrando o meu jardim ou um bebê de verdade havia sido abandonado lá. Infelizmente é a
segunda opção. — Ele deu um longo suspiro e se recostou na cadeira metálica do corredor do
hospital.
— E você teria ficado feliz caso fosse um fantasma? — Tessa levantou uma das sobrancelhas e
cruzou os braços.
— Me parece menos assustador. — Ele estalou a língua. — Agora eles levaram o bebê. Estão
cuidando dele. Pobrezinho, estava tão assustado...
— Oh, sinto muito por ele. — Tessa sentia, de verdade. Crianças não deveriam sofrer, sem
dúvidas. — Mas eu ainda não entendi a razão pela qual você me chamou para vir até aqui.
— Eu precisava da sua companhia. — As palavras escapuliram sem que Wolf pudesse
controlá-las.
Ele reconhecia que fora um amigo terrível nos últimos dois anos. Entretanto, o que ele poderia
ter feito de diferente?
Na época em que começara a sair com Lora Bowker, sua ex-namorada, pensara que talvez
pudesse ser uma boa ideia tentar manter um relacionamento sério pela primeira vez na vida. No
início, ela parecera ser realmente equilibrada e bastante interessante, mas pouco tempo depois as
coisas mudaram completamente.
Lora começara a sentir ciúmes bastante obsessivos, invadindo o celular dele sempre que
podia. Certo dia, tivera a audácia de dizer que se Wolf não se afastasse de Tessa imediatamente,
seria capaz de matá-la ou até mesmo de tirar a própria vida.
Wolf sempre odiou problemas. Por isso, optara por simplesmente obedecê-la, pois realmente
queria fazer aquela loucura dar certo. Fora um estúpido. Depois, quando por fim decidira por um
ponto final em tudo aquilo, parecia-lhe tarde demais para tentar fingir que nada havia acontecido.
Ele ainda mandava mensagens para Tessa e tentava não perder o contato, mas a amizade havia
sido destruída por causa de um relacionamento estúpido e totalmente sem sentido.
Agora, cada vez que refletia acerca de tudo o que havia acontecido, concluía que permitira ser
manipulado, quase como uma criança indefesa, e se odiava por isso.
— Ah, precisava? — Com um ruído exasperado, Tessa se sentou ao lado dele. Odiava se sentir
tão inclinada a apreciar aquela expressão de cachorrinho pidão que Wolf fazia quando estava
enfrentando algum tipo de problema muito sério. — Espero que o bebê fique bem. Você não faz ideia
de quem seja a criança?
— Nenhuma ideia. Encontrei alguns documentos no cesto, mas ainda não tive tempo de
averiguar. — Talvez Wolf estivesse com medo de averiguar e descobrir algo indesejado, mas isso ele
nunca admitiria.
Interrompendo a conversa, o médico especialista em pediatria Christopher Kellam surgiu,
caminhando pelos corredores com elegância. Era um homem de meia idade que passava bastante
profissionalismo até mesmo com apenas um simples olhar. Quando cumprimentou Wolf e Tessa, foi
possível perceber que sua voz era calma e gentil.
— A criança está fora de perigo. O senhor agiu de maneira bastante adequada. Caso tivesse
demorado um pouco mais, provavelmente os resultados seriam fatais. — Christopher desviou o olhar
para uma folha que tinha nas mãos. — O bebê apresentava hipotermia moderada. Precisará ficar em
observação até amanhã para garantirmos que tudo estará regularizado.
— Ah, que bom! — Wolf aparentemente respirou com alívio pela primeira vez desde que
chegara ao hospital. — Fiquei realmente assustado com tudo o que aconteceu.
Wolf não pôde deixar de sorrir. O menininho era realmente um guerreiro, pensou. Conseguira
enfrentar a chuva e os trovões, o frio e o medo e continuava vivo. Por alguma razão, sentiu certo
orgulho da criança.
— Pedirei para que uma das enfermeiras continue a dar informes caso necessário. Até logo. —
Assim como surgiu, Christopher Kellam se afastou elegantemente.
— Viu só? Está tudo bem! — Com um sorriso sincero, Tessa deu um soco de leve no braço de
Wolf. — Leia os documentos que você encontrou. Você precisa descobrir quem são os pais desse
bebê e o que ele estava fazendo no seu jardim em uma noite chuvosa.
Com um aceno de concordância, Wolf pegou os envelopes e tirou algumas folhas. No início,
nada parecia verdadeiramente interessante. Mas ao encontrar um envelope ainda menor, seu coração
disparou.
De: Lora Bowker
Para: Wolf Hardie
Por alguns segundos, ele pensou na possibilidade de simplesmente rasgar a carta sem ler. Não
queria mais ter nenhuma notícia acerca de Lora. Talvez se rasgasse, pudesse evitar mais situações
complicadas, mas não podia ficar sem saber o que de fato havia acontecido e qual a razão para que
aquele bebê desconhecido tivesse aparecido em seu jardim.
— É uma carta escrita por Lora, acho. — Ele levantou a cabeça e olhou fixamente na direção
de Tessa.
— É claro que ela tinha que estar envolvida nisso... — Tessa revirou os olhos com
impaciência. — Abra. Acho que já até posso imaginar o conteúdo da carta.
Se fosse sincero consigo mesmo, Wolf também conseguia imaginar. De repente, suas mãos
pareciam geladas demais e seus lábios ficaram secos em pleno sinal de ansiedade, nervosismo.
Ele abriu o envelope menor, desdobrou a folha e começou a ler.
No mesmo instante, soube que sua vida jamais voltaria a ser a mesma.
Capítulo 4

“Como você tem estado, Wolf?


A minha vida se tornou um verdadeiro inferno desde que você decidiu terminar comigo.
Espero que você esteja tão infeliz quanto eu.
No momento, você deve estar se perguntando a razão pela qual um bebê acabou de
aparecer diante da sua porta. A resposta é simples: Blue é o seu filho. Não tente encontrar
explicações mais intricadas, pois não existem.
Decidi escolher esse nome porque os olhos dele sempre foram tão azuis e intensos que mais
pareciam um mar em dia de tempestade. Acho que esse garoto sempre demonstrou ter muita vida
dentro de si.
Aposto que você se lembra muito bem da noite em que fizemos sexo uma última vez na
tentativa de melhorar a relação antes que tudo desmoronasse. Pois é, a desgraça aconteceu
exatamente nesse dia.
Na época em que terminamos, eu não sabia que estava grávida. Descobri apenas algum
tempo depois. Nunca desejei ser mãe. Nós dois sabemos que não tenho talento nenhum para lidar
com crianças, mas de certa forma, a culpa se infiltrou em mim e eu fiquei com medo de abortar. E
se os deuses me castigassem? E se o fantasma da criança me atormentasse durante toda a minha
vida?
O que eu não sabia, no entanto, era que Blue me atormentaria diariamente após o
nascimento. Acho que fui realmente muito tola por ter feito as escolhas que fiz.
Veja bem, eu detesto ouvir o choro do garoto, detesto ter que limpar toda a sujeira que ele
faz o tempo inteiro.
Muita gente diz que as mulheres possuem um talento único para cuidar dos próprios filhos.
É mentira. Eu nunca, nem por um segundo, possuí talento algum.
Nunca te procurei porque simplesmente me parecia inútil o desgaste emocional. Quando
terminamos, você deixou muito claro que nunca aceitaria conversar comigo outra vez, nunca
sequer permitiria que eu te olhasse nos olhos novamente. E se eu for bem sincera, devo admitir
que uma parte de mim se sentia bastante satisfeita por ocultar algo tão importante de você.
Algo seu estava comigo, algo importante e você nunca, nunca soube. Mas agora sabe, o
jogo acabou. Portanto, Wolf, você precisa cuidar de Blue, precisa dar seu sobrenome para ele.
Junto aos papéis existe um documento atestando a minha desistência quanto a maternidade.
E eu sei que você não é tolo, sei que fará um teste de DNA para garantir que não estou
mentindo. Vá em frente. Blue é realmente o seu filho.
Enquanto escrevo as palavras finais dessa carta, começo a sentir a liberdade se
aproximando. Durante esses poucos três meses desde que Blue nasceu, tive a impressão de que
estava prestes a enlouquecer.
Agora tudo está feito. Cuide bem do seu filho, seja melhor do que eu.
Não tente me procurar. Não quero que você me encontre e odiaria ter que rever o garoto.

Lora.”

Wolf realmente gostaria de não acreditar no que estava lendo, mas as palavras estavam claras
e muito óbvias. É claro que faria um teste de DNA para comprovar as afirmações de Lora, mas ele
também sabia que ela não seria suficientemente tola para mentir sobre algo tão grandioso.
— O que a carta está dizendo? — Tessa quebrou o silêncio, sentindo-se ansiosa de repente.
Ao observar a expressão horrorizada no rosto de Wolf, ela começou a temer que talvez suas suspeitas
estivessem corretas.
Um bebê apareceu no jardim de Wolf...
Em seu cesto havia uma carta escrita por Lora, sua ex-namorada...
Então era óbvio que...
— O bebê é o meu filho. — A voz dele soou quebradiça, quase como se não tivesse forças
para continuar falando. — O nome dele é Blue.
Wolf congelou por alguns segundos, tentando repassar as próprias memórias, tentando fazer
as contas para ter certeza de que a linha do tempo realmente batia com as afirmações de Lora. Tudo
realmente batia.
— Existe a possibilidade de que isso seja verdade? — Por alguns segundos Tessa se
esqueceu de que estava chateada com Wolf. Pousou uma das mãos em seu braço de maneira
involuntária, desejando apoiá-lo de alguma forma.
Tessa sabia que Wolf tinha os próprios traumas, que guardava segredos que não revelava a
ninguém. Ela também sabia que o medo que ele nutria acerca da paternidade estava totalmente
relacionado a tudo o que estava oculto.
Wolf era um homem que havia aprendido a seguir em frente, a lidar com os próprios
problemas. Mesmo assim, uma parte de si ainda era um garotinho ferido, amedrontado.
Tessa nunca teve a oportunidade de conversar e descobrir os detalhes acerca da infância de
Wolf, mas imaginava que coisas sérias haviam acontecido.
Por isso, ao avistar os olhos dele, que estavam cheios de lágrimas, desejou ardentemente
poder ajudá-lo, confortá-lo.
— Ela não mentiria sobre isso. Não é difícil fazer um teste de DNA para confirmar a
paternidade. — Ele falou baixinho, como se estivesse contando um segredo. — Tessa, eu não posso
ser pai. Não posso. Eu serei um pai horrível. Você sabe, não sou muito bom com esses assuntos
relacionados à família e amor. Blue vai crescer cheio de traumas e vai me culpar e...
Wolf parou de falar e estremeceu. Se sentia tão vulnerável, tão estúpido.
— Se você realmente quiser aprender a cuidar do seu filho, certamente será capaz de fazê-lo.
— Tessa abriu um sorriso gentil. — Você sempre foi capaz de tudo. Sempre consegue exatamente o
que se propõe a fazer.
— Tessa, você não entende... — Ele desviou o olhar. — O meu pai é um merda e eu não tive
um bom exemplo. Como eu poderia...
— Você não é o seu pai.
Tessa conhecia Wolf muito bem e mesmo assim não fazia ideia das coisas que ele havia
passado na infância. Aparentemente aquele era um segredo que ele não planejava revelar a ninguém,
nem mesmo para ela.
— Não sou o meu pai, mas sou o resultado de cada uma das dores que tive que superar. Pensar
nisso me assusta. — Silenciosamente, ele dobrou a carta de Lora e colocou-a dentro do envelope
mais uma vez. — Quando lutamos por muito tempo contra os monstros que nos atormentam,
acabamos nos tornando um deles.
Sem resistir aos próprios impulsos, Tessa levantou a mão e tocou o rosto dele.
— Você não precisa enfrentar os monstros sozinho. Estou com você. — Ela engoliu em seco,
temendo se arrepender das próprias palavras, mas seguiu em frente. — Sempre fomos você e eu,
nossa amizade. Não vou te abandonar agora.
Não vou fazer com você o que você fez comigo, foi o que ela desejou dizer, mas não disse.
Capítulo 5

Wolf era o tipo de homem que sabia reconhecer os próprios erros. Dessa forma, ao sentir os
dedos gentis de Tessa tocando-lhe a pele, a culpa se infiltrou em seu sangue quase como uma doença.
Na época em que estivera começando a conhecer Lora, pensara que realmente podia lidar com
uma relação amorosa sem correr o risco de se perder no caminho. O grande problema era que havia
escolhido a pessoa errada.
Com o coração doendo um pouco, Wolf levantou a própria mão e uniu seus dedos aos de Tessa
enquanto as memórias de algum tempo atrás retornavam.

Em uma noite qualquer, Wolf estava com Lora durante um dos poucos fins de semana em que
tinha folga. Pareciam não ter um bom assunto enquanto olhavam um para o outro na sala de estar.
Não tinham encaixe e ele era capaz de reconhecer que nunca poderiam conviver juntos por muito
tempo.
Quando o celular tocou e o número de Tessa apareceu no visor, Wolf sorriu. Sempre tinha
boas conversas com a melhor amiga e certamente seria capaz de passar a noite inteira em uma
chamada com ela.
— Oi, Tessa! — Ele não queria demonstrar tanta felicidade quanto demonstrou, mas não foi
capaz. Um sorriso logo se formou em seu rosto.
— Oi, Wolf. Não me sinto muito bem. Será que poderíamos nos ver? Estou nesses dias em
que a saudade da minha mãe parece corroer o peito. — Ela tinha a impressão de que Wolf era a
única pessoa capaz de acalmar seu coração. Talvez estivesse errada ou exagerando, mas
precisava apenas de um porto seguro, alguém que tentasse entendê-la.
Na época, Carole Albers, mãe de Tessa, havia falecido apenas alguns meses antes. Era
difícil superar. Vez ou outra as lembranças pareciam atingi-la com força, mas Tessa se obrigava a
seguir em frente apesar de tudo.
— É claro que sim. Onde você está, eu...
Interrompendo-o, Lora se levantou da poltrona em que estava sentada e tomou-lhe o celular
das mãos.
— Vagabundas como você são bastante perigosas. — Os gritos ecoavam no outro lado da
linha. — Eu sei como costumam agir. Fique longe do meu namorado. — Falando isso, Lora
simplesmente atirou o celular na parede e sorriu com uma expressão desafiadora no rosto.
Wolf podia ter feito alguma coisa, podia ter ido em busca de Tessa, mas não o fez. Apenas
continuou sentado, sentindo pena de si mesmo.
Fora um verdadeiro covarde.

Wolf refletiu sobre aquele momento por muito tempo. A vergonha ainda pressionava sua
garganta, deixando-o envergonhado por sua covardia.
Agora, no entanto, conforme refletia de forma mais madura acerca do assunto, concluía que
também fora extremamente tóxico não apenas para Tessa, mas também para Lora.
Brincara com a amizade de uma e com os sentimentos da outra.
Mesmo assim, mesmo depois de ter sido abandonada em momentos tão difíceis, Tessa
continuava ao seu lado, continuava demonstrado que nunca deixaria de ser o porto seguro que ele
tanto precisava.
Olhando-a de soslaio, ponderou acerca do futuro, da amizade que tinham, de tudo o que haviam
construído e destruído. Será que era tarde demais para recomeçar? Em silêncio e em segredo, Wolf
desejou, mais do que tudo, que não fosse. Desejou que fosse capaz de recuperar a conexão que
costumavam ter.
Não por interesse, não por se descobrir pai. Ele queria a companhia de Tessa apenas porque
ela era uma das pessoas mais importantes em sua vida.
— Obrigado. — Ele disse depois de muito tempo. — Sempre fomos você e eu contra o mundo.
Ali, sentado naquela cadeira metálica do hospital, Wolf tomou uma decisão importante. E
quando ele tomava decisões, dificilmente desistia dos próprios propósitos.
Dali em diante recuperaria a confiança de Tessa, faria com que ela se sentisse tão especial
quanto sempre foi. Não sabia exatamente como colocaria o plano em prática, mas daria um jeito.
Wolf se sentira incapaz de manter todas as mulheres que passaram por sua vida. Não era bom
no ato de amar. Mas com Tessa...
Bem, com ela simplesmente acontecia.
— A sua vida vai mudar totalmente de agora em diante, Wolf. — Tessa puxou a mão,
envergonhada. Sentiu a pele formigar, sabendo que um simples toque tinha o poder de desmontá-la
por inteiro.
Wolf não respondeu. Apenas se recostou contra a parede e Tessa fez o mesmo. Não tinham a
sensação de que precisavam continuar conversando. Às vezes as palavras pareciam exageradas e
altas demais aos ouvidos.
O silêncio que dividiram naquela noite serviu como um sinal para Tessa. Assim como ela
soubera que algo havia se quebrado na data em que Wolf ligara para falar acerca do relacionamento
com Lora, naquele instante ela também foi capaz de enxergar que nada voltaria a ser como antes entre
eles.
Quando o sol começou a aparecer lá fora, ela se levantou e o cumprimentou com um aceno.
— Cuide-se, Wolf. — Sem esperar por resposta, apenas partiu enquanto seus saltos ecoavam
pelo corredor silencioso.
Na verdade, ela desejou dizer um milhão de outras coisas, desejou anunciar que adoraria reatar
verdadeiramente a amizade que tinha com Wolf.
Mas não podia. Não podia implorar por um pedido de desculpas, não podia esperar que ele
reconhecesse as feridas que ainda estavam abertas.
Por isso, sangrando por dentro, Tessa preferiu partir mais uma vez, voltar para a realidade da
própria vida.
Se Wolf precisasse de ajuda, no entanto, ela sabia que sempre estaria disponível para ele.
Amigos de verdade agiam assim. Apesar de estar sangrando por dentro, Tessa reconhecia que sempre
correria ao encontro de Wolf para limpar as feridas dele.
Capítulo 6

Ao voltar para casa, Tessa não conseguiu dormir. Conforme o sol lançava cada vez mais raios
através da janela, ela sentia que estava prestes a explodir em uma montanha russa de ansiedade.
Por isso, quando Titia Felícia bateu à porta do quarto avisando que já estava na hora de ir
trabalhar na pequena loja da família, Tessa apenas soltou um leve gemido e se levantou da cama.
Seus cabelos castanhos com fios vermelhos pareciam mais desalinhados do que o usual. Ela estava
com uma péssima aparência.
— Bom dia para você também. — Titia Felícia entregou uma garrafa térmica cheia de café
enquanto caminhavam rumo à loja.
Tessa realmente gostava de trabalhar com ela. Desde que sua mãe morrera vítima de
complicações no pulmão após anos fumando, Titia Felícia ficou totalmente sobrecarregada enquanto
idealizava os produtos artesanais e controlava as finanças dos negócios.
Aos poucos, entre erros e acertos, Tessa percebeu que também era capaz de ser uma artista.
Quando se sentava ao ar livre, admirava o jardim e inspirava profundamente o ar puro de Cloudtown,
a arte aparentemente passava a crescer em suas veias, clamando por sair.
Tessa não havia conhecido o próprio pai, que partira com uma amante quando ela ainda era
uma recém nascida. A notícia trágica de sua morte chegara quando ela tinha cerca de sete anos.
Assim, tia e sobrinha se apoiavam, trabalhando juntas e construindo uma relação agradável.
A tristeza ainda retornava vez ou outra. Tessa compreendia que nunca deixaria de sentir
saudades da mãe, mas aprendera a lidar com a ausência. No início, quando tudo ainda era muito
recente, tivera a impressão de que nunca seria capaz de se recuperar outra vez.
Mas ela conseguira. Sozinha, sem a ajuda de ninguém.
— Reparei nas bonecas de porcelana que estavam expostas na cozinha. — Tessa deu um longo
gole no café e agradeceu aos céus pelo líquido escuro e saboroso. — É uma nova coleção?
— Sim, estou formulando algumas coisas. Espero que as pessoas gostem.
Exatamente como faziam todos os dias, Tessa e Titia Felícia abriram as portas da loja,
varreram o pisto e sacudiram algumas das prateleiras. Incenso foi aceso e o cheiro agradável se
espalhou por todo o ambiente.
Depois disso, sabendo que os clientes nunca chegavam tão cedo, Tessa se sentou em um
banquinho perto da entrada da loja e cruzou as pernas pacientemente. Assustou-se, no entanto, ao
observar a figura imponente de Wolf se aproximando.

Ele não cometeria os mesmos erros novamente, pensou enquanto caminhava de maneira
confiante rumo à loja da família Albers.
Blue ainda estava no hospital e seria liberado apenas ao entardecer. As enfermeiras e o médico
optaram por observá-lo um pouco mais antes de tomarem qualquer decisão.
Morrendo de fome, Wolf concluiu que precisava caminhar um pouco, tomar um longo banho e
comer alguma coisa. Depois de voltar para casa e descansar por alguns minutos, uma voz dentro dele
gritava, dizendo que algo estava faltando.
Sem saber exatamente o que estava fazendo, entrou em sua caminhonete e dirigiu por
Cloudtown. Estacionou perto da praça e parou apenas para comprar um buquê de flores.
— Você provavelmente não estava esperando me ver novamente, mas aqui estou eu. Bom dia,
Tessa. — Disse ele ao se aproximar. — Podemos conversar um pouco? Eu juro que serei rápido.
Todo mundo em Cloudtown conhecia Wolf, afinal ele era uma figura bastante importante na
cidade. Tornava-se cada vez mais difícil encontrar algum setor empresarial da região que não era
influenciado pelos negócios dele.
Mesmo assim, naquela manhã ele parecia bastante simples. Trajava apenas calça jeans e uma
camisa azul clara. Qualquer pessoa poderia confundi-lo com um cowboy.
— Estou surpresa, de fato. — Tessa deu de ombros e olhou para dentro da loja. Titia Felícia
estava organizando algumas caixas enquanto cantarolava.
— Bom dia, senhora. — Wolf cumprimentou, mas ela apenas virou o rosto. Envergonhado, ele
abriu um sorrisinho sem graça ao voltar o olhar para Tessa. — Acho que já não sou tão bem-vindo
quanto antes.
— Você vai ter que ganhar o coração dela novamente. — Brincou Tessa conforme se afastavam
da loja.
Os dois se sentaram em um dos bancos da praça. As ruas ainda estavam relativamente vazias.
Era possível ver apenas alguns idosos caminhando com animais de estimação e outras pessoas
apressadas indo ao trabalho
— Trouxe isso para você. — Ele entregou o buquê nas mãos dela. — Não pense que estou
fazendo isso por acreditar que flores seriam o suficiente para conseguir o seu perdão. Eu gostaria
apenas que você soubesse que reconheço que fui um idiota nos últimos meses.
— Obrigada. — Sentindo-se nervosa, ela agarrou o buquê e desviou o olhar, sem saber o que
fazer. — Wolf, nós fomos melhores amigos por mais de uma década. Me machucou muito observar
você me ignorando, fingindo que eu não tinha importância alguma. Dizem que uma pessoa sempre
muda com os amigos quando começa a namorar, acho que é verdade.
Talvez esse fosse o fator que doesse mais. Saber que ele havia seguido em frente, traçado uma
vida sem ela.
Ao mesmo tempo, Tessa tentava dizer a si mesma que não importava mais, afinal eram apenas
melhores amigos e afastamentos aconteciam de vez em quanto. Não podiam viver tão unidos
eternamente.
Chegaria um dia em que ele se casaria, teria mais filhos, formaria uma família. Ela teria que
aprender a lidar com isso.
Mas por que doía pensar em um futuro sem Wolf? Por que lhe parecia tão inaceitável imaginá-
lo formando uma família com outra mulher?
Tessa não compreendia, ou preferia não compreender.
— Eu poderia botar toda a culpa em Lora, em sua obsessão, em seus escândalos e loucuras,
mas não seria certo. A verdade é que eu fui um covarde. Me desculpe. — Ele se aproximou um pouco
mais e tocou-lhe a mão. — Podemos recomeçar? Quero mostrar para você que ainda sou o seu
melhor amigo, a sua melhor companhia.
— Será que ainda é?
Wolf sorriu e balançou a cabeça positivamente.
— Não sei se ainda sou a sua melhor companhia, mas sei que você ainda é a minha. — Ele
falava cada uma das palavras como se estivesse dando voz ao próprio coração. Era possível ver
sinceridade ali. — Podemos recomeçar, Tessa? Podemos reescrever a nossa história?
— Sem abandonos dessa vez? — Com seus olhos intensos que ficavam entre o azul e o verde,
Tessa chegava a se parecer com uma felina.
— Sem abandonos dessa vez, eu prometo. — Os olhos azuis em tons escuros dele brilharam.
— Demonstre com mais atitudes e com menos palavras. — Ela inspirou profundamente,
sentindo o cheiro delicioso das flores.
Ao olhar fixamente para o rosto gentil de Tessa, Wolf teve a total certeza de que fazê-la feliz
era uma das suas missões mais bonitas.
Capítulo 7

Após se despedir de Wolf, Tessa voltou à loja sabendo que teria que lidar com os
questionamentos da tia. Surpreendentemente, ela não havia feito nenhuma pergunta acerca da
madrugada passada, mas certamente não resistiria por muito tempo.
No instante em que Tessa colocou os pés na loja, Titia Felícia pousou uma das caixas em cima
do balcão e cruzou os braços.
— Quando exatamente você planeja me contar o que está acontecendo? — Felícia era uma
mulher bastante protetora, principalmente com Tessa. Desde que sua irmã mais nova morrera, tomara
para si a obrigação de cuidar da casa, dos negócios e da família. Apesar da idade avançada,
continuava forte e nunca, nunca descansava.
Felícia não podia negar que nutria certo carinho por Wolf, afinal o conhecia desde que ele era
um jovenzinho. Agora, o jovem havia se transformado em um homem de negócios poderoso e
altamente reconhecido.
As mudanças da vida podiam ser bastante surpreendentes, pensou. Mas ironicamente, Felícia
não considerava surpreendente o fato de que Wolf havia conseguido vencer na vida.
Ela ainda se lembrava da época em que Tessa e Wolf se sentavam em dois banquinhos em
frente a loja. Passavam horas conversando sobre todo tipo de bobagem e vez ou outra ele discursava,
dizendo que um dia seria um grande homem.
— Wolf acabou de descobrir que é pai. Você se lembra da ex dele, não é? Durante todo esse
tempo, ela simplesmente escondeu o bebê e decidiu revelar tudo de ontem para hoje, durante a
madrugada. — Com seu jeito bastante desconfiado, Tessa se aproximou da tia e falou de maneira um
pouco mais sussurrada. — Acho que eu não preciso dizer que esse assunto é delicado demais e não
deve ser mencionado com ninguém.
— Céus, garota! — Felícia levantou as duas mãos. — Você fala como se eu passasse o tempo
inteiro fofocando por toda Cloudtown!
— Me desculpe, falei apenas por garantia. — Tessa começou a colocar em um vaso com água
as flores do buquê que havia ganhado.
— Mas voltando ao assunto... — Ela colocou as duas mãos na cintura. — Entendo que Wolf se
encontra em um momento delicado, mas se ele machucar você de novo, irei acertá-lo com um soco
direto no nariz.
— E eu vou apoiar você, titia. Não tenha dúvidas. — Apesar de toda a desconfiança, Tessa
realmente gostaria de acreditar que Wolf não a abandonaria outra vez. Preferia, na verdade, acreditar,
pois caso passasse por tudo aquilo outra vez, seria obrigada a tirá-lo para sempre de sua vida.
Podemos recomeçar? Quero mostrar para você que ainda sou o seu melhor amigo, a sua
melhor companhia.
As palavras dele ainda ecoavam em sua mente. Bonitas e doces, com a força necessária para
fazê-la se esquecer de tudo o que havia acontecido na época em que ele começara a namorar Lora.
— Eu entendo que você gosta muito da amizade dele, minha querida. — Titia Felícia se
aproximou e tocou o rosto da sobrinha com delicadeza. — Eu entendo, pois a amizade de vocês foi
uma das coisas mais bonitas que já tive o prazer de observar. Mas até mesmo as coisas mais belas
também podem encontrar um ponto final. Às vezes, finalizar uma história é melhor do que continuar
sofrendo dentro dela.
Tessa não queria que as palavras de Felícia a machucassem, mas a dor surgiu conforme ouvia
tudo o que estava sendo dito.
— E se eu não estiver preparada para o fim?
— E quem está? — Ela sorriu sem humor. — Se Wolf te machucar novamente, guarde as boas
memórias e siga em frente. Se você continuar insistindo, chegará um momento em que você passará a
odiá-lo.
Pensar em odiar Wolf parecia algo realmente impossível de acontecer aos olhos de Tessa, mas
ao mesmo tempo ela sabia que sua tia estava certa. Nem mesmo o amor mais sincero seria o
suficiente para manter alguém incapaz de servir reciprocidade.
— Quando o momento chegar e se o momento chegar, saberei ir embora. — Tessa esperava que
o momento nunca chegasse. Esperava com toda sinceridade que Wolf demonstrasse que realmente
estava disposto a ser recíproco.
Interrompendo a conversa das duas, o entregador de jornais entrou na loja. O homem de cabelo
grisalho fazia o mesmo percurso todos os dias e chegava sempre no mesmo horário.
Tessa já não tinha o costume de ler as páginas dos jornais de Cloudtown, mas Titia Felícia
adorava passar as horas livres reclamando das notícias ruins que costumavam surgir diariamente.
Assim que o entregador deixou a loja, Tessa desviou o olhar e se surpreendeu ao observar a
imagem enorme da capa. A manchete parecia gritante e um tanto sensacionalista.
“Vítima de um infarto fulminante, ex de milionário local é encontrada morta nas ruas de
Cloudtown”
Sem fôlego, Tessa literalmente pulou na direção das páginas, abrindo-as rapidamente. Precisou
de apenas alguns segundos para saber que se tratava de Lora.
— Não me diga que... — Felícia levou uma das mãos à boca em total sinal de surpresa.
— Lora foi encontrada morta. — Concluiu Tessa. Sem pensar muito, tirou o celular da bolsa
enquanto caminhava para a saída da loja. — Desculpe, tia, mas preciso ir. Prometo não demorar.
A notícia soou como bomba aos ouvidos de Tessa. Agora, Wolf estaria literalmente sozinho
para cuidar da criança. Não haveria chance para que Lora se arrependesse e retornasse. Além disso,
pensar que Lora, tão jovem e bonita, havia morrido de maneira tão inusitada era, sem dúvidas,
surpreendente.
Não queria que Wolf recebesse a notícia por outra pessoa. Por isso, Tessa correu com o intuito
de encontrá-lo.
Em silêncio, ela continuou a caminhar rapidamente pelas ruas da cidade e desejou
ardentemente que ele estivesse preparado para as mudanças que começariam a surgir em sua vida.
Apesar de desejar ajudá-lo, Tessa compreendia que as mudanças precisavam partir dele.
Ser pai era uma grande responsabilidade e Wolf teria que enfrentar muitos dos próprios
traumas para cuidar bem do pequeno Blue.
Capítulo 8

Sentado em uma das cadeiras da cafeteria do hospital, Wolf refletia sobre a própria vida. As
mudanças aparentemente começavam a acontecer rápido demais e ele se sentia um pouco perdido. De
repente sentia que não detinha controle nenhum acerca dos passos que precisaria dar a seguir.
Durante a adolescência, Wolf foi um jovem bastante retraído. Apesar da beleza única, dos
olhos enigmáticos e do corpo atlético, não costumava atrair os olhares das moças de Cloudtown. Ou
talvez ele apenas estivesse ocupado demais tentando garantir um bom futuro longe das garras da
própria família.
Relações pareciam bastante assustadoras e dolorosas. Por isso, preferia se perder nos livros,
estudando até sentir os olhos arderem em exaustão. Agora, adulto e com uma vida bem organizada,
sentia-se solitário e sem propósito. E Wolf detestava viver sem propósito.
Por alguma razão, enquanto bebericava o café fraco, relembrou da época em que sua mãe ainda
vivia em Cloudtown.
— Por que eu me chamo Wolf, mamãe? — Para ele, chamar-se “lobo” parecia-lhe bastante
exótico. Não conhecia ninguém com o mesmo nome.
A senhora Hardie tinha um penteado intricado, cabelos longos e maquiagem leve. Não
costumava ser exatamente carinhosa, mas tinha certo brilho no olhar. Parecia doce e simpática,
mas não sabia como cuidar bem do próprio filho.
Na verdade, olhando intrinsicamente através das gerações, era possível perceber que
diversos traumas e erros eram repetidos herdeiro após herdeiro. Os membros do clã Hardie sabiam
fazer dinheiro, muito dinheiro, mas aparentemente nenhum deles compreendia o real significado
do amor, da família.
Pelo que Wolf sabia, ainda não existia um Hardie sequer que não havia conseguido se tornar
milionário. Para eles, era o mínimo que se podia fazer para manter a honra do sobrenome.
Por outro lado, ele tampouco conhecia um Hardie que era verdadeiramente feliz com a
família. Divórcios estrondosos, lágrimas, abandonos, escândalos relacionados à traição e
agressão. Mesmo tentando, muitos da família acabavam por estampar as capas dos jornais em
algum momento.
Dinheiro e felicidade não estavam exatamente correlacionados, ao menos não naquela
família.
— Quando você nasceu, eu te imaginei como um homem que mudaria a história da nossa
família, um homem que reuniria a matilha e mostraria exatamente como um líder deve fazer. —
Ela o tocou na bochecha. — Seja diferente, querido. Viva entra os monstros, mas não se
transforme em um deles.
Ele balançou a cabeça e decidiu que fugiria da realidade em que estava vivendo.

Wolf levantou a cabeça e ao terminar de beber o café, amaçou o copo com força. De repente, o
exame de DNA não lhe pareceu tão importante.
Sim, faria apenas para ter a total certeza de que Blue era seu filho. Mas mesmo que não fosse,
não importava.
A pobre criança fora totalmente abandonada durante uma tempestade e lutara bravamente pela
vida. Sem dúvidas merecia um recomeço, um bom destino. E assim como havia decidido tantos anos
atrás, naquele instante tomou a decisão clara e precisa de que seria um bom pai.
Não havia outra opção.
Quando ele se levantou para voltar ao corredor, avistou Tessa se aproximando rapidamente.
Parecia esbaforida e em choque.
— Wolf! — Ela pousou na mão dele o jornal que trazia consigo. — Veja isso!
Ao abaixar o olhar, ele também ficou em choque.

“Vítima de um infarto fulminante, ex de milionário local é encontrada morta nas ruas de


Cloudtown”

Por alguns instantes, sentiu como se o próprio sangue gelasse nas veias. Enquanto lia, sentiu
uma mistura de raiva e pena.
Raiva porque agora Blue nunca teria a oportunidade de conhecer a mãe. Pena porque ele sabia
que Lora estivera tentando apenas encontrar uma falsa sensação de liberdade.
— Lamento. — Foi tudo o que ele quis dizer. — O destino não foi bom com ela.
— A luta que Blue enfrentou aqui no hospital foi apenas o começo, Wolf. De agora em diante, a
vida dele vai mudar. A sua também. — Com um olhar firme, ela pousou uma das mãos no ombro
dele. — Cuide bem da criança, não o abandone também. Em hipótese nenhuma.
Ela sabia que ele nunca seria capaz de cometer tal atrocidade, mas as palavras escaparam
quase que como uma súplica.
— Vou aprender, Tessa. Prometo que vou aprender a ser um bom pai. De agora em diante, Blue
sempre terá alguém para defendê-lo e nunca voltará a ser abandonado. — Furioso, Wolf amaçou o
jornal e se afastou para jogá-lo no lixo. Não pensaria mais em Lora e não a visitaria no velório. — A
minha história com Lora se encerra aqui. Uma história que nunca deveria ter começado, mas
começou. O melhor é seguir em frente agora.
Ao observá-lo, Tessa percebeu que Wolf parecia mais decidido. Apesar dos olhos cansados e
da clara sonolência, havia força em sua expressão. Por alguns segundos, ela se orgulhou dele, se
orgulhou da sua força de vontade.
— Blue sempre será grato por isso. — Ela abriu um leve sorriso. — Talvez agora eu deva
voltar para a loja. Vim apenas porque eu não queria que você soubesse de tudo isso através de outra
pessoa desconhecida.
Retribuindo o sorriso, ele apenas se aproximou dela e a abraçou.
— Obrigado. — Ele sussurrou ao seu ouvido. — Sou muito sortudo por ter você.
Totalmente desconcertada, Tessa apenas se afastou e fez um aceno envergonhado. Ao dobrar o
corredor, parou por alguns instantes para tentar recuperar o controle da própria respiração.
Sozinho, Wolf voltou a se encaminhar para a ala mais próxima. Havia cancelado algumas
reuniões e adiado projetos. Sua vida estava sendo remanejada aos poucos.
Voltando a se sentar na cadeira metálica de sempre, ele abaixou a cabeça e colocou uma das
mãos na testa. Se sentia tão cansado que temia cochilar ali mesmo.
Tirando-o do torpor, seu celular tocou. Disperso, ele tirou o aparelho do bolso e olhou a tela.
Ao observar o nome que piscava, sentiu como se o mundo inteiro congelasse no mesmo
instante. Dentre todas as pessoas no mundo, aquela era a única que ele realmente não desejava falar.
Charles Hardie, seu pai, estava ligando.
E ele nunca ligava.
Capítulo 9

Definir Charlie Hardie como um homem sombrio seria, sem dúvidas, uma decisão
preguiçosa. Ele detinha tantas facetas que a simples aparente maldade que ele exalava não seria o
suficiente para representá-lo.
Desde muito jovem precisara aprender a como lidar com as crises da família. Casara-se com
Melanie Hardie apenas por manter as aparências e colecionava uma legião de amantes por todo o
Texas. Ele não era um ser humano exatamente admirável.
Apesar das traições, Charlie era bastante cuidadoso e exatamente como costumava fazia em
cada âmbito da própria vida, nunca teve um filho fora do casamento. Parecia bastante irônico que os
jornais sempre apontassem a relação que tinha com Melanie como um verdadeiro conto de fadas do
mundo empresarial. Se descobrissem a verdade, jamais usariam tais palavras para definir a vida que
os dois levaram juntos.
Nem todos sabiam, mas Charlie era verdadeiramente agressivo e pouco paciente. Talvez por
ter sido criado sob regras rígidas, costumava ter explosões emocionais que afetavam todos que
estavam ao seu redor.
Antes de morrer vítima de um colapso com medicamentos, Melanie fora a única que conseguira
lidar com ele. Agora, Charles vivia sozinho em uma mansão aos arredores de Houston. Vez ou outra
realizava festas secretas com prostituas, bebidas caras e rios de dinheiro desperdiçados em
barbaridades.
Estupidezes podiam acontecer, mas as pessoas não podiam descobrir. Essa era a regra que ele
tentava seguir.
— Recebi algumas notícias bastante curiosas. — Charles foi direto ao falar. Não costumava
perder tempo com besteiras e realmente não se interessava em saber as reais condições do filho.
Wolf soubera a real definição de abandono quando, ainda na adolescência, decidira que não
seguiria os passos do pai. A ideia inicial era que ele se mudasse para Houston com Charles e
Melanie, mas ao optar por não obedecer, passara a viver sozinho em Cloudtown.
Desde então, Wolf reconhecia que podia contar verdadeiramente apenas consigo mesmo. Às
vezes, os laços de sangue não eram o suficiente para fazer com que um pai protegesse o próprio filho.
— Ah, sim? — Wolf estremeceu. Apesar de ser um adulto com trinta e poucos anos, ainda
sentia medo de Charles. Ao ouvir sua voz, tinha a impressão de que voltava a ser um garotinho
nervoso e ansioso.
Fora muito difícil para Wolf ter que aprender a lidar com a própria solidão. Por muitas vezes,
tivera medo. E se tudo desse errado? E se precisasse voltar rastejando aos pés do pai na tentativa de
pedir mais uma oportunidade?
Mas as coisas funcionaram para Wolf. Com o fundo bancário deixado por seu avô, ele
aprendeu a empreender e diversificar os próprios investimentos. Construíra um império ainda mais
importante do que o de Charles e agora podia viver sem se preocupar com o passado.
O grande problema era que o passado insistia em retornar de vez em quando. Wolf odiava ter
que lidar com o próprio pai, pois cada vez que conversavam, tinha a impressão de que todo o
dinheiro que tinha servia apenas como uma fachada frágil e patética.
Em seu interior, sempre seria o garoto amedrontado e trêmulo que se encolhia cada vez que
Charles se aproximava.
— Os jornais de Cloudtown apontaram que a sua ex namorada está morta. Suponho que vítima
de um infarto ou algo assim. Não importa. — Charles fez uma pequena pausa. — Pedi para que
investigassem um pouco mais acerca do assunto e eu descobri que você tem visitado a ala pediátrica
de um hospital com bastante frequência. Ora, essa é uma história bastante curiosa...
— O que exatamente o senhor quer perguntar, meu pai? — A voz de Wolf soava formal e tensa.
Seu coração estava acelerado e a boca parecia seca demais.
— Você agora tem um herdeiro, Wolf? — Charles perguntou de maneira rápida e clara. —
Espero não precisar perguntar duas vezes.
— Ao que tudo indica, sim. Eu tenho um herdeiro. — Wolf sabia que não adiantava mentir.
Charles tinha o poder necessário para descobrir o que bem entendesse.
— Um bastardo? Fora de um casamento? — Ele estalou a língua diversas vezes e soltou um
longo suspiro logo em seguida. — Você sempre foi tão estúpido e fraco, Wolf. Às vezes não consigo
acreditar que você tem o sangue de um Hardie correndo nas veias.
— Não preciso do senhor há muito tempo, meu pai. — Wolf fechou os olhos por alguns
instantes enquanto seu coração acelerava cada vez mais rápido. Sentia como se estivesse prestes a
cair em uma crise de ansiedade.
— Você detém o meu sobrenome, sempre estaremos ligados por alguma razão. Mesmo que
você tenha decidido trair a sua família e viver sozinho, nós sempre dividiremos o próprio sangue.
Não pense que é tão superior. Somos iguais.
Não, pensou Wolf. Nós não somos iguais, nunca seremos iguais.
Ele não percebeu quando começou a suar e hiperventilar. Sua garganta parecia se fechar e as
paredes começavam a se apertar ao seu redor.
— Diga logo o que o senhor quer, meu pai.
— Farei uma visita. — Charles sorriu. — É claro que um filho sempre está mais do que
disposto a hospedar o próprio pai. Preciso ver o que você está fazendo da própria vida. O seu
sobrenome é importante, Wolf. Você não pode manchá-lo.
— Vi-Vi-Visita? — Ele sentiu a língua travar. — Não é ne-ne-necessário. Está tudo bem. E-E-
E-Eu...
— Chegarei em breve. Até mais.
A ligação se encerrou, deixando Wolf totalmente paralisado na cadeira metálica. Estava tonto e
sentia como se sua visão escurecesse aos poucos.
De repente, as sensações da infância retornavam...
O medo, a ansiedade...
A vozinha em sua cabeça que lançava ordens desesperadas...
Um, dois, três. Respire, Wolf. Respire.
Um, dois, três. Respire, Wolf. Respire.
Você é forte, você poderá ser o líder de uma matilha algum dia.
Está escuro, mas você não tem medo.
Um, dois, três. Respire, Wolf. Respire.
Um dia você poderá viver sozinho, sem medo...
Um dia você não precisará lidar com pessoas. Pessoas são ruins.
Você nunca vai precisar de ninguém.
Um, dois, três. Respire, Wolf. Respire.
No entanto, aparentemente Wolf havia desaprendido a respirar.
— Re-Re-Respire, Wolf. — Ele sussurrou, se levantando enquanto levava uma das mãos ao
peito. — Re-Respire...
Entrando em colapso, a escuridão dominou Wolf enquanto ele lutava para reaprender a
respirar.
Seu corpo, totalmente inconsciente, formou um eco ao se chocar contra o piso limpíssimo do
corredor.
Capítulo 10

Wolf abriu os olhos como se estivesse despertando de um pesadelo. Inspirou profundamente,


tentando trazer ar para os pulmões. Demorou um bom tempo para perceber que o pânico havia
terminado.
Ao olhar ao redor, concluiu que estava em um dos quartos do hospital. Havia uma enfermeira
preenchendo alguma coisa em uma prancheta.
— Que bom que despertou, senhor Hardie. — Ela sorriu de maneira simpática e em seguida se
aproximou. — Como está se sentindo?
Aquela era uma boa pergunta, pensou ele. Como estava se sentindo?
Voltando a inspirar novamente, Wolf tentou dizer para si mesmo que já não havia motivo para
sentir medo.
— Acho que estou bem. Por quanto tempo eu apaguei?
— Entre o seu desmaio, os procedimentos de emergência e o seu sono induzido por calmantes,
o senhor dormiu por cerca de cinco horas. — A enfermeira abaixou o olhar apenas por alguns
segundos, lendo as informações na prancheta. — O senhor apresentou um episódio de síndrome do
pânico severo e aparentemente o seu corpo entrou em colapso. A sua pressão sanguínea caiu de
maneira bastante preocupante.
— Entendi. — Wolf se sentou na cama e voltou a inspirar profundamente apenas por garantia.
Não estava surpreso. Na verdade, parecia até bem calmo depois de tudo o que aconteceu. — Estou
bem. Você teria alguma informação acerca de outro paciente? O meu fil...
Wolf fez uma pausa inconsciente. Ainda lhe parecia bastante estranha a informação de que Blue
era verdadeiramente o seu filho. Quanto mais pensava acerca do assunto, no entanto, mais se
acostumava e menos se importava com os possíveis resultados do teste de DNA que sequer fora
solicitado ainda.
Estava indo rápido demais?
Mas se os exames apontassem que Blue não era seu filho, Wolf sinceramente não sabia o que
podia ser feito. Abandonaria a criança em um orfanato? Impensável.
— Sim, o médico responsável deixou algumas informações. A criança já apresenta sinais de
recuperação bastante satisfatórios e poderá voltar para casa assim que o senhor se sentir confortável.
Os documentos deixados por Lora foram o suficiente para que Blue tivesse um bom
atendimento no hospital sem que as pessoas fizessem perguntas desnecessárias. No entanto, Wolf
sabia que seria necessário acrescentar, o mais breve possível, o sobrenome Hardie nos registros.
— Já estou me sentindo bem. Preciso ir embora, na verdade. — Wolf se sentia ansioso para
sair daquele hospital e voltar para casa.
Não era a primeira vez em que ele perdia o controle da própria mente e sofria um episódio de
síndrome do pânico. Durante a infância e parte da adolescência, enfrentara as crises sem sequer
saber como defini-las.
Desde a época em que deixara a casa dos pais, Wolf não voltou a sofrer com nenhum
episódio até então. Por isso, saber que Charles Hardie ainda tinha o poder de fazê-lo se perder por
completo era tão preocupante quanto embaraçoso.
Depois de vestir as próprias roupas e dispensar a enfermeira, Wolf caminhou pelos
corredores do hospital e se emocionou quando voltou a segurar Blue nos braços.
O garotinho tinha os olhos azuis mais intensos que podiam existir. Calmo e bastante
simpático, vestia roupinhas em tons de branco e azul.
— Como você está, garoto? — Perguntou Wolf enquanto se encaminhava rumo ao
estacionamento.
Levando em consideração o fato de que ainda não havia comprado uma cadeirinha adequada
para o bebê, pediu para que um dos motoristas contratados esperasse por ele. Sentado no banco de
passageiro, segurava o bebê com muito cuidado.
Conforme o carro se locomovia, Wolf olhou atentamente para o pequeno Blue. Por alguma
razão, sentiu um bolo se formar em sua garganta. Quando os olhos do homem se conectaram com os
do garotinho, lágrimas surgiram.
— Você é um homenzinho bastante forte. Conseguiu ficar bem muito rápido. Aposto que não
tem medo de uma chuvinha boba. — A voz de Wolf soou quebradiça, mas ele não se importou.
Em silêncio, disse para si mesmo que se sentia emocionado apenas porque tivera a
oportunidade de presenciar a luta de um bebê pela vida. Mas em segredo, Wolf sabia que havia muito
mais.
Não fazia ideia de como seria um bom pai, ou de como poderia aprender a cuidar de um bebê
tão pequeno quanto Blue, mas ao observá-lo ali, sonolento e tão fofinho, as dúvidas pareciam apenas
desnecessárias. De alguma maneira ele descobriria como fazer a coisa certa.
Apesar de não querer pensar muito em Charles Hardie, Wolf não conseguiu evitar.
Será que em algum momento ele tentou ser um bom pai para mim? Será que tentar é o
suficiente?
Wolf não era um homem tolo. Sabia que as pessoas davam apenas o que possuíam.
Durante toda a infância, ele desejara apenas ter uma família normal, com um pai capaz de
fazê-lo se sentir amado. Nunca teve o desejo realizado, nem por um segundo. Cada vez que refletia e
relembrava, chegava à conclusão de que talvez Charles simplesmente não fosse capaz de amar.
E as pessoas incapazes de amar definitivamente não deveram ter filhos.
Exatamente por essa razão que Wolf nunca planejou verdadeiramente ter um filho ou formar
uma família. A primeira e única tentativa acontecera com Lora e fora um verdadeiro fracasso, apenas
a repetição dos diversos traumas que ele precisara enfrentar quando mais jovem.
Mas agora que Blue estava em sua vida, não havia exatamente uma escolha. Wolf aprenderia,
estava decidido.
— Bem, o primeiro passo é comprar coisas, adequar um bom quarto... — Reflexivo, ele se
inclinou na direção do motorista. — Vá para o shopping. Tenho compras a fazer.
Ele certamente poderia pedir que alguma das suas funcionárias fizesse as compras de tudo o
que era necessário, mas não teria a mesma emoção. Por isso, quase como uma maneira de representar
o início real de tudo, Wolf compraria os primeiros itens por conta própria.
Orgulhoso de si mesmo, ele sorriu e se sentiu feliz. De maneira bastante reconfortante, não
pensou mais acerca do fato de que Charles Hardie faria uma visita muito em breve.
Capítulo 11

O quarto de Blue foi montado sem grandes dificuldades. Em tons de azul e branco, mais
parecia um pequeno pedaço do céu que combinava com a cor dos seus olhos.
Wolf se sentia bastante animado com o fato de que já não estava tão sozinho naquela casa
enorme. A animação era tanta que vez ou outra acabava se esquecendo de todas as obrigações
empresariais que possuía.
Blue era realmente bastante calmo e não chorava tanto. Ainda estranhava a presença de Wolf,
mas não fazia escândalos. Por isso, nos momentos em que o bebê dormia, Wolf aproveitava para
trabalhar e analisar as planilhas atrasadas.
Meio que por impulso, enquanto refletia acerca do jantar, decidiu convidar Tessa para uma
visita. Ela aceitou e não demorou muito para chegar.
Quando a campainha tocou e uma das funcionárias correu para atender a porta, Wolf estava
sentado no chão do quarto de Blue com ele nos braços. O choro era alto e Wolf se sentiu
genuinamente desesperado pela primeira vez desde que tudo aquilo havia começado.
— É possível ouvir o choro dele lá da esquina. — Tessa entrou no quarto e tirou os sapatos.
Ela tinha o tipo de beleza simples e encantadora que costumava chamar a atenção exatamente
por possuir extrema naturalidade. Era como se não fizesse esforço algum para ser bonita,
simplesmente era.
Wolf não se permitia reparar em tal beleza, pois temia perder o controle e estragar tudo mais
uma vez. No entanto, foi um grande admirador de Tessa durante muito tempo. Agora nada daquilo
importava, afinal eram melhores amigos e não podiam ser nada além disso.
Ele bem sabia qual era o preço a ser pago por se envolver em relacionamentos. As coisas
sempre se complicavam demais.
— Não sei exatamente o que está acontecendo. — Com olhos de cachorro pidão, Wolf
apontou para Blue que estava vermelho de tanto chorar. — Ele costuma ser calmo e quase não faz
barulho. Começou a chorar de repente.
Com um sorrisinho simpático, Tessa se aproximou e pegou Blue nos braços, colocando-o no
berço.
— Primeiro podemos cobri-lo com uma manta fofinha. — Ela falava baixinho, de maneira
doce. — Depois, devemos colocá-lo de lado, pois é a posição que ele ficava quando ainda estava no
útero da mãe.
— Você nunca foi mãe. Como sabe dessas coisas? — Wolf estava realmente chocado com a
habilidade de Tessa. — Você está escondendo algum filho de mim? Somos amigos, você deveria me
contar algo assim.
— Apenas gosto de assistir aos documentários sobre maternidade. Sempre achei interessante.
— Ainda sorrindo, ela puxou Wolf pela manga da camisa. — Agora você pode começar a cantarolar
suavemente para que Blue se acostume com a sua voz e com a sua presença.
— Não sou bom em cantarolar. Não sei fazer essas coisas. — Ele deu alguns passos para
trás. — Acho que ele vai se assustar.
— Apenas faça. Eu te ajudo.
Tessa começou a cantarolar com muita naturalidade. Totalmente paralisado por algum tempo,
Wolf foi capaz apenas de observar a beleza da cena.
O pequeno Blue deitado, parecendo confortável pela primeira vez desde que começara a
chorar, e Tessa cantando suavemente enquanto sua voz ecoava pelo quarto.
Se Wolf se permitisse sonhar e acreditar na possibilidade de ter uma família, certamente
adoraria que pudesse ter uma família exatamente como aquela. Uma mulher amorosa, um bebê fofinho
e a simplicidade da própria existência.
— Cante também. — Ela voltou a pedir.
E de maneira bastante desajeitada, Wolf também começou a cantar. Sorriu, pois sorrir parecia
certo.
Envergonhado, aproximou-se um pouco mais. Seu braço encostou no de Tessa, fazendo com
que seu corpo inteiro se retraísse por um milésimo de segundo.
Lentamente, Blue começou a relaxar e parou de chorar. Lá fora, a tarde começava a se
despedir para que a noite pudesse surgir. Tudo parecia pacífico e realmente bonito.
— Ele dormiu. — Wolf puxou Tessa pelo braço e juntos deixaram o quarto. Enquanto
caminhavam pelo corredor rumo a sala de estar, ele ficou bastante reflexivo. — Você tem muito
talento com bebês.
— Talvez eu tenha.
— Tenho uma proposta. — Ele liberou as palavras sem pensar muito. Ao falar, deu-lhe as
costas e se sentou no sofá confortável.
— Eu sei exatamente o que você está prestes a dizer e...
— O que acha de passar alguns dias aqui, na minha casa? — A proposta foi exposta antes que
Wolf desistisse da ideia. —Sei que vou adaptar a minha vida agora e sei que preciso de ajuda para
algumas coisas.
— Acho que não é uma boa ideia. Não posso deixar a minha tia sozinha e...
— Ela pode vir com você.
Ele não sabia exatamente o que estava fazendo. Não sabia exatamente o que estava querendo.
Uma família? Estava querendo formar uma família?
— Wolf, as coisas não funcionam dessa forma.
— Se você aceitar a proposta, assinamos um contrato e eu garanto que vou realizar uma grande
reforma na loja da sua família. Será o meu pagamento. Sei que a sua mãe e a sua tia sempre sonharam
em tornar a loja maior, com mais possibilidades. — Wolf falou rapidamente, soando quase que
desesperado.
Estava tentando comprar uma família, essa era a verdade. Sua solidão era tamanha que
começava a usar o dinheiro para conseguir qualquer tipo de afeto.
Mesmo que nunca admitisse nada daquilo em voz alta, estava utilizando Blue apenas como uma
desculpa.
— Reformar a loja? — Tessa gaguejou, pois sabia que aquela seria uma oportunidade única.
— Não posso confirmar algo assim. Precisaria conversar com a minha tia.
— Converse. Ela não é boba, certamente irá concordar com a ideia. — Wolf apontou para a
sala de refeições e sorriu. — O que acha de jantarmos agora?
Tessa estava realmente chocada com a proposta, mas nada daquilo parecia verdadeiramente
absurdo. Talvez apenas um pouco, afinal certamente seria um grande risco viver sob o mesmo teto
que Wolf.
Ele era um bom homem e exatamente por ser quem era, sempre representaria perigo ao coração
de Tessa.
Tentando não pensar muito sobre tudo, jantaram e conversaram enquanto fingiam que nada de
grandioso havia acontecido.
Secretamente, Tessa sabia que não recusaria a oferta.
PARTE II
Capítulo 12
Convencer Titia Felícia não foi exatamente uma tarefa fácil, mas Tessa conseguiu. Foram
necessários alguns dias de conversa e muita, muita paciência até que ela aceitasse passar uns dias na
casa de Wolf.
Aquela era a escolha mais lógica, afinal as duas eram capazes de reconhecer que realmente
precisavam aplicar um bom investimento na pequena loja da família para que pudessem sair do
sufoco.
Por isso, Tessa tentava dizer para si mesma que estava aceitando tudo aquilo apenas porque o
acordo faria com que Titia Felícia pudesse se preocupar menos com as economias da casa e com a
produção dos produtos artesanais.
Naquela manhã, cerca de quatro dias após a primeira proposta de Wolf, Tessa e Titia Felícia
chegaram ao escritório dele sem saber exatamente como agir.
O ambiente era decorado em tons amadeirados que davam certo ar rústico ao ambiente.
Ironicamente, havia apenas uma foto em cima de uma das estantes.
Pequeno e simples, o porta-retratos exibia a imagem de Tessa e Wolf sorrindo em uma foto
feita após um dos encontros frequentes que costumavam ter na época em que eram mais jovens.
Ao olhar na direção do porta-retratos, Tessa corou. Desde que a amizade foi abalada pela
relação que Wolf manteve com Lora, ela não havia visitado o escritório dele nos últimos tempos.
Pensara que talvez ele pudesse ter decidido retirar a foto dali, afinal haviam se afastado. Mas
aparentemente Wolf não pensava da mesma forma.
— Bom dia, senhora Albers. Oi, Tessa. — Wolf sorriu e apontou para as cadeiras, convidando-
as a se sentar.
Apesar de simpático, ele estava em seu modo empresarial. Por isso, foi direto ao assunto.
— Sinto como se estivesse prestes a assinar um acordo importante. — Tessa brincou.
— Mas, de fato, vamos assinar um acordo importante. — Ele abriu a pasta que estava em cima
da mesa de madeira e mostrou o contrato. — Preparei alguns termos e quero que vocês avaliem antes
de assinar. Certamente será bom para todos nós.
Bem, Tessa realmente nunca imaginou que precisaria assinar um contrato, mas agora parecia-
lhe realmente adequado organizar tudo de maneira mais formal.
Em silêncio, Titia Felícia apenas leu calmamente palavra por palavra.
— De maneira resumida, a proposta é simples. Preciso que vocês me ajudem a cuidar do
pequeno Blue. Em troca, irei aplicar uma alta quantia líquida em investimentos relacionados à loja
da família. O ambiente será reformado e ampliado, redecorado e contará com uma maior gama de
produtos artesanais. Profissionais da área irão contatar artistas com popularidade crescente e que
estejam dispostos a fornecer o material necessário. — Wolf falava com autoridade, como se não
desse abertura para qualquer tipo de negativa. — Vocês terão quartos espaçosos na minha casa e total
liberdade para viver naturalmente. Em troca, preciso que me auxiliem, pois pretendo aprender a ser
um bom pai.
— Não seria mais fácil e mais barato contratar uma babá? — Foi tudo o que Titia Felícia
disse.
— Seria mais fácil e mais barato, mas não é o que eu quero. Confio em Tessa, quero tê-la por
perto. Seria bom para o pequeno Blue. Vocês não saem perdendo em nada. — Wolf nunca
mencionaria, mas na verdade, o que ele queria era poder ter a oportunidade de ajudar a família dela
de alguma maneira também.
Se oferecesse dinheiro sem uma razão adequada, Tessa nunca aceitaria. Por isso, aquela era
uma boa desculpa para que pudesse realizar um desejo antigo.
Durante seus anos de juventude, a pequena loja fora como um verdadeiro porto seguro. Cada
vez que Charles Hardie surtava, Wolf fugia, sentando-se em um dos banquinhos da loja enquanto
fingia que tudo estava bem.
Titia Felícia sempre fora realmente muito gentil. E sem fazer mais perguntas do que o
necessário, costumava presenteá-lo com uma barrinha de chocolate sempre que possível.
Naquela época, Wolf já era praticamente um homem feito. Mesmo assim, era tratado como um
garoto por ela.
— Eu aceito. — Felícia sorriu. — Você não sairá ganhando em nada, devo dizer. A sua
proposta é bastante discrepante. Foi assim que conseguiu levantar um império? Eu duvido.
— Digamos que não estou em uma situação habitual. — Wolf sorriu e em seguida passou as
canetas para que as duas mulheres assinassem os contratos. — Suponho que Tessa também aceita?
— Sim, eu aceito também.
— Ótimo. Blue ficará muito feliz em poder contar com vocês.
Nos últimos dias, Wolf começara a se acostumar com as dificuldades e as alegrias de cuidar de
um bebê com apenas três meses de vida. Por isso, quando precisara voltar ao trabalho e contratar
uma babá temporária, sentira-se relativamente culpado.
O exame de DNA já havia sido solicitado. Junto aos documentos deixados por Lora, Wolf
encontrara um pequeno pacote lacrado que continha alguns fios de cabelo dela. O material genético
seria importante para uma maior precisão na análise de dados.
Sem dúvidas, Lora pensara em tudo e estava certa de que Wolf era realmente o pai de Blue. Os
resultados seriam disponibilizados dali alguns dias, mas ele não se importava. Já se enxergava como
o pai do garoto.
— Devemos nos mudar hoje? — Perguntou Titia Felícia.
— Sim. A loja será fechada por tempo indeterminado e enquanto isso, vocês receberão uma
quantia mensal para que possam se manter sem grandes preocupações. — Wolf apontou para o
contrato. — Está tudo descrito aqui.
— Você está fazendo mais do que o necessário, Wolf.
— Negócios são negócios. — Ele sorriu e deu de ombros.
Olhando-o fixamente por alguns segundos, Tessa sabia que não adiantaria nada discutir com
Wolf. Ele sempre fazia exatamente o que bem queria. Por isso, assinou o contrato e entregou as folhas
nas mãos dele.
Algumas oportunidades não surgiam duas vezes. Se o destino estava disposto a permitir que a
loja da família crescesse, então Tessa aceitaria sem reclamar.
O grande problema de toda aquela história seria, sem dúvidas, morar sob o mesmo teto que
Wolf.
Capítulo 13

Tessa e Titia Felícia não tiveram grandes dificuldades para arrumar os poucos pertences. Se
instalaram na mansão de Wolf e se sentiram relativamente retraídas. Sabiam que não pertenciam
àquela realidade.
Quando a noite chegou, Titia Felícia insistiu em preparar o jantar como uma maneira de
agradecer por tudo o que Wolf estava fazendo. Enquanto isso, Tessa se arrumava em seu quarto.
— O cheiro delicioso da comida está inundando toda a casa. — Trajando uma camisa branca
limpa e calça de moletom simples, Wolf se sentou em um dos banquinhos da cozinha.
— Sempre gostei muito de cozinhar. — Titia Felícia ainda estava um pouco chateada com Wolf
e não confiava totalmente nele.
Apesar do carinho que nutria, nunca se esqueceria dos dias em que Tessa ficara totalmente
destruída apenas por saber que estava sendo abandonada pelo melhor amigo.
Enquanto ela cozinhava, Wolf ficou em silêncio por algum tempo. Também parecia estar um
pouco desconfortável e certamente precisaria de algum tempo até que conseguisse se adaptar à
presença de duas novas pessoas em sua casa.
Mas ao mesmo tempo, tudo parecia ter um pouco mais de vida, quase como se ele pudesse
sonhar com uma família.
Os choros de Blue soavam como música, inundando os corredores da casa, despertando uma
enorme satisfação no coração dele.
Wolf aprendera a construir um império com as próprias mãos, aprendera a se recompor sozinho
e a seguir em frente. Mas batalhas sempre deixavam feridas e cicatrizes no caminho. E
provavelmente a solidão era a ferida que mais sangrava na existência dele.
Talvez por isso se sentisse tão feliz, tão completo. Se julgava um pouco, afinal as duas
mulheres não ficariam ali para sempre e aquela era apenas a primeira noite. Não havia motivo para
tamanha animação.
— Sei que a senhora está chateada comigo. Sei que não fui um bom amigo para Tessa. — Wolf
quebrou o silêncio e levantou o olhar.
Titia Felícia era pequenina e sempre parecia estar prestes a ser engolida pelo fogão enorme
daquela cozinha. Ao ouvir as palavras dele, tampou uma das panelas e virou-se em sua direção,
cruzando os braços enquanto segurava uma colher firmemente.
— Nós não podemos entrar e sair da vida das pessoas como se elas fossem as portas giratórias
da entrada de um hotel chique. — Ela estalou a língua e caminhou na direção de Wolf, sentando-se ao
seu lado em um dos banquinhos. — Eu entendo que você queria testar, queria ver se conseguia formar
uma boa relação com Lora. Mas talvez devesse ter percebido que uma pessoa que te afasta da sua
melhor amiga provavelmente não deveria estar ao seu lado.
Felícia não era exatamente uma mulher especialista em relacionamentos. Nunca casou e
tampouco teve filhos. Na juventude, preferiu apenas viver a própria vida de maneira bastante livre,
recebendo uma enxurrada de julgamentos vindos principalmente de algumas pessoas da própria
família.
Relacionamentos eram desafiadores o tempo inteiro e Felícia sempre optara por investir a
própria energia na arte, na descoberta do viver. É claro que alguns homens passaram por sua vida,
mas nenhum deles permaneceu. E ela estava feliz com as escolhas do passado. Se pudesse retornar
para a juventude, certamente teria feito exatamente as mesmas coisas.
— Reconheço que também fui bastante problemático tanto para Tessa quanto para Lora. Às
vezes, o maior erro está em tentar insistir naquilo o que está fadado ao fracasso. Fui arrogante
demais por pensar que poderia fazer a relação com Lora dar certo. Nunca daria, éramos diferentes
demais. Desperdicei o tempo dela e o meu também. — Wolf balançou a cabeça negativamente
conforme refletia. — Mas agora tenho Blue em minha vida e disso não me arrependo.
— Blue precisa muito de você, mas acho que você precisa dele ainda mais. — Felícia apontou
a colher na direção de Wolf. — Você foi muito quebrado na infância. Não sei exatamente qual a sua
história, mas basta olhar em seus olhos para saber. Por isso, permita que a cura venha através dos
pequenos e belos detalhes que são impossíveis de controlar totalmente.
Por algum motivo, Wolf sentiu como se voltasse para os anos em que se sentava de frente para
a pequena loja e observava Titia Felícia trabalhando em pinturas e jarros de porcelana.
Lágrimas surgiram em seus olhos, fazendo-o em engolir em seco quando um bolo se formou em
sua garganta.
— Me lembro quando eu sempre ganhava uma barra de chocolate cada vez que aparecia na
loja com meus olhos tristes. — Wolf sorriu silenciosamente e uma lágrima solitária escorreu por sua
bochecha. — Obrigado. Aqueles momentos na lojinha sempre representaram um porto seguro para
mim.
Com uma atitude bastante materna, Titia Felícia pousou uma das mãos na cabeça de Wolf,
acariciando seus cabelos.
— Quando se sentir sozinho ou quando tiver medo, lembre-se sempre das pessoas que
estiveram com você. Agora vá para a sala de refeições, a comida está pronta. — Ela voltou a sorrir e
deu-lhe as costas para tirar as panelas do fogo.
Wolf ficou paralisado por alguns instantes, sentindo o coração se encher de algo que até então
ele não conhecia exatamente.
O cheiro da comida no ar, a voz de Titia Felícia dando ordens, os passos de Tessa surgindo no
corredor, a música que tocava baixinho nos alto-falantes da casa. Tudo fazia com que ele se sentisse
acolhido pela primeira vez na própria casa.
E naquela noite, ele percebeu que a segurança nem sempre surgia com o dinheiro, com o poder.
De vez em quando, a segurança podia aparecer em um prato quentinho de comida caseira ou no som
estridente do choro de um bebê.
Wolf estava aprendendo. Aos poucos, compreenderia que a vida podia possuir muitas cores
bonitas, bastava olhar com mais atenção.
Todos se reuniram à mesa, comeram e conversaram entre risadas e histórias antigas. Apesar da
estranheza inicial, tudo pareceu bastante natural conforme as horas transcorreram tranquilamente.
Wolf até se esqueceu do medo que estava sentindo por saber que seu pai planejava fazer uma visita.
Quando ele viria?
Talvez fosse melhor não pensar muito sobre o assunto.
Capítulo 14

Dias depois, Charles Hardie chegou à Cloudtown em uma manhã ensolarada. Sem aviso
prévio.
A pequena cidade não era tão distante de Houston e a viagem fora agradável. Fazia muito
tempo que ele não visitava aquele lugar e quando o fazia, era basicamente em nome dos negócios.
Charles não se arrependia de ter deixado Cloudtown para trás. Na verdade, acreditava que
havia demorado tempo demais para tomar a decisão de simplesmente ir embora dali.
Houston apresentava mais oportunidades e uma melhor qualidade de vida. Por isso, parecia-
lhe difícil acreditar que Wolf optara por continuar vivendo ali mesmo depois de tantos anos.
Se fosse sincero consigo mesmo, Charles admitiria facilmente que nunca poderia imaginar que
Wolf tinha a inteligência necessária para construir um império com as próprias mãos. E lá estava o
garoto, cada vez mais rico e investindo naquela maldita cidadezinha. Charles sentia certa irritação
por saber que o filho tinha conseguido se virar sem a ajuda dele.
Quando o carro parou no estacionamento da casa de Wolf, Charles desceu e caminhou
elegantemente até a entrada. Apesar da idade relativamente avançada, tinha uma aparência forte e
verdadeiramente respeitosa.
Precisara aprender a manter as aparências necessárias para conquistar investidores nos
negócios. Nas revistas, Charles geralmente era conhecido como um homem de ouro, mas as pessoas
que trabalhavam com ele não costumavam pensar da mesma maneira.
Com seu olhar vazio e pele repuxada, ele podia ser bem assustador quando queria. Durante a
infância e parte da adolescência, Wolf fora provavelmente a maior testemunha das maldades que
aquele homem podia cometer.
Mas, como Charles costumava dizer, o passado se encaixava melhor no passado. Não existam
razões para remoer acontecimentos tão antigos.
Sua preocupação atual era apenas uma: Os possíveis escândalos que Wolf podia causar caso a
imprensa descobrisse que ele havia se tornado um pai solteiro de uma criança abandonada.
Embora existisse uma distância enorme entre ele e o filho, Charles sempre vigiara cada um dos
passos dele. Não por ser um pai preocupado, mas por realmente desejar controlar possíveis atitudes
estúpidas que Wolf pudesse cometer.
Charles aguardara pacientemente, afinal Wolf certamente erraria em algum momento. E ali
estava ele, pronto para apontar os fracassos do filho.
Com um suspiro, tocou a campainha duas vezes e esperou até que uma das empregadas abrisse
a porta.
— Charles Hardie. — Disse no instante em que uma empregada de uniforme apareceu. — Leve
as minhas coisas para um bom cômodo. Cuidado com as malas.
Sem esperar por autorização, ele simplesmente entrou, desfilando pela sala de estar imensa.
Parecia ser um grande acontecimento da natureza.
Ou, mais especificamente, um causador de catástrofes.

Wolf já havia terminado de tomar o café da manhã e estava com o pequeno Blue no colo
enquanto esperava a hora de ir ao escritório no centro da cidade. Sentados em um tapete vermelho
felpudo, pareciam estar se divertindo quando a campainha tocou e uma das funcionárias correu para
abrir.
Inicialmente, Wolf imaginou que talvez Tessa houvesse se esquecido de levar a chave ou o
cartão magnético, pois ela costumava sair com Titia Felícia para caminhadas matinais diariamente.
Mas a voz imponente e rígida de Charles Hardie ecoou por toda a sala, comprovando que ele estava
errado.
O primeiro impulso que Wolf sentiu foi o de esconder Blue. Desejou protegê-lo, afastá-lo
totalmente de qualquer perigo. Mesmo assim, continuou parado exatamente onde estava, sentado no
chão com as pernas abertas enquanto o garotinho se remexia em seu colo, segurando uma bolinha azul
turquesa.
— Não imaginei que encontraria você em uma posição tão vergonhosa. — Charles parou de
frente para Wolf. Coluna ereta, olhos julgadores e lábios rígidos. Parecia estar prestes a vomitar
tamanho era o desprezo em sua expressão. — Levante-se. Um homem não deve se rastejar no chão
dessa forma.
Ao ouvir as palavras do pai, Wolf estremeceu. Sentiu um arrepio percorrer todo o corpo e seu
coração acelerou.
Controle-se, você é um adulto agora.
Você não precisa ter medo.
Você é pai, precisa proteger o seu filho.
Abrindo um sorriso falso, Wolf apenas balançou a cabeça em um aceno lento e continuou
sentado, sem se mover.
—Bom dia, meu pai. Eu não esperava a sua presença hoje. — Wolf sentiu uma leve tontura,
mas conseguiu encontrar forças para continuar sorrindo falsamente. — Você pode dar ordens na sua
casa, mas não aqui.
— Vejam só, você pensa que é um lobo, mas não passa de um cachorrinho. — Charles deu de
ombros, debochando. — Então esse é o bebê surpresa que apareceu no seu jardim? Você realmente
planeja ficar com ele?
Charles falava coisas absurdas como se realmente fossem aceitáveis. Por alguns instantes,
Wolf ficou totalmente imóvel, incapaz de responder tamanha baboseira.
— Espero que tenha separado um dos quartos para mim. Podemos conversar sobre isso mais
tarde ou amanhã. Estou cansado agora. — Charles apontou para o pequeno Blue e em seguida se
afastou, caminhando na direção de uma das funcionárias. — Me leve para o meu quarto.
Enquanto Charles se afastava, Wolf se encolheu um pouco, trazendo Blue para mais perto.
Até mesmo um furacão dos negócios tinha seus medos e traumas, e com Wolf certamente não
era diferente. Cada vez que estava na presença do pai sentia como se diminuísse, tornando-se incapaz
de lutar contra os próprios demônios.
— Não se preocupe, isso não vai demorar muito, Blue. Vai ficar tudo bem e Charles logo irá
embora. — Com um sorriso, Wolf passou a mão levemente na cabecinha do bebê.
Para muitos, seu medo podia parecer exagerado e infantil, mas a verdade era que Wolf
guardava muitos traumas da infância dentro de si. Traumas que ainda permaneciam acesos e firmes
em seu peito.
Durante os últimos dias, pensara que talvez Charles pudesse ter desistido da ideia de fazer
uma visita. Ao aparecer tão de repente, tirava qualquer possibilidade de que talvez Wolf conseguisse
se preparar psicologicamente para recebê-lo.
Estar na presença do próprio pai era realmente muito tóxico para Wolf e ele sabia que se não
enfrentasse o medo que sentia, seria refém de Charles durante toda a vida.
Capítulo 15

Ao lado de Titia Felícia, Tessa parou de frente para a pequena loja da família. A reconstrução
já havia começado e vários homens trabalhavam incessantemente enquanto algumas paredes eram
derrubadas e outras remodeladas.
Wolf comprara os dois terrenos vizinhos e planejava encomendar centenas de novos produtos
para preencher as prateleiras que chegariam em breve. Levando em consideração que o investimento
estava sendo alto e o orçamento aparentemente era quase sem limites, o processo estava avançando
assustadoramente rápido, quase como se estivessem participando de algum tipo de programa de tv.
— Sinto como se estivesse em um daqueles programas de tv que aceitam o desafio de
reconstruir uma casa em sete dias. É surreal imaginar que tudo isso já foi feito. — Tessa apontou
para os tratores que removiam o entulho. — Pensei que demoraria muito mais.
Titia Felícia estava um pouco esbaforida após a caminhada matinal, por isso levou uma das
mãos ao peito antes de responder. Com um sorriso, parecia maravilhada com a visão da pequena loja
se transformando em algo tão grandioso.
— Wolf está realmente apostando alto nisso, Tessa. E ele está fazendo isso apenas por fazer,
pois não há nenhuma cláusula que aponte qualquer interesse em dividir os ganhos futuros do negócio.
— Desviando o olhar na direção da sobrinha, ela tocou-lhe no braço. — O garoto realmente gosta de
você. Apesar do erro, acho que talvez ele esteja realmente tentando acertar novamente.
Tessa realmente apreciava a atitude de Wolf e estava muito feliz por poder ver a lojinha
crescendo e se desenvolvendo. Mas somente aquilo não seria o suficiente para fazê-la voltar a
confiar totalmente nele.
A amizade fora subjugada e deteriorara com o passar dos meses. Wolf precisaria
compreender que o dinheiro não tinha o poder necessário para reconstruir uma relação.
Embora os últimos tempos na casa dele tivessem sido bastante agradáveis, Tessa ainda se
sentia um pouco insegura, pois temia ser abandonada outra vez. É claro que estava tentando superar
tudo o que havia acontecido, mas era difícil.
O golpe que recebera com o abandono dele fizera com que ela sangrasse por tempo demais e
uma ferida não cicatrizava tão rápido.
— Nós também estamos ajudando Wolf. Fizemos um negócio e assinamos um contrato. —
Tessa deu as costas para a tia e começou a caminhar. — Inclusive precisamos voltar logo. Ele não
quer que Blue fique sozinho por muito tempo com a babá temporária.
— Mas você sabe que esse negócio só foi bom para nós duas. Wolf está gastando rios de
dinheiro em tudo isso apenas porque você é você. Nada mais. — Cansada, Felícia acelerou o passo
para tentar acompanhar a sobrinha. — Acho que ele aprendeu com o erro.
— O tempo dirá se ele aprendeu com o erro ou não. — Com um suspiro, Tessa esperou pela
tia e deu-lhe o braço. Juntas, as duas caminharam lado a lado.
Embora cuidar de Blue fosse basicamente seu trabalho temporário, Tessa não podia negar que
estava se sentindo enfeitiçada pelo garotinho. Seus olhinhos azuis eram encantadores e ele costumava
ser tão silencioso e observador que às vezes parecia difícil acreditar que aquela criança tinha apenas
pouco mais de três meses.
Além disso, Tessa realmente amava observar a maneira com que Wolf cuidava de Blue.
Quando ele segurava o bebê nos braços, ela sentia que aquele homem nascera para ser pai, era o seu
talento.
— Fiquei chateada com o Wolf por muito tempo, admito. Por mim, vocês nem estariam se
falando. Mas hoje, percebo que talvez tenha sido apenas um erro de percurso, coisas que acontecem
na vida. — Felícia sorriu conforme olhava para a vida ao redor. A cidade parecia pacífica e
silenciosa naquela manhã. — Acho que não importa o quão boa uma pessoa tente ser, ela sempre irá
errar em algum momento, sempre irá te machucar em algum momento. Talvez o segredo esteja
exatamente na tentativa de não cometer os mesmos erros.
— Quando alguém comete o erro mais de uma vez, acho que não podemos considerar a
atitude como um erro. Um erro repetido muitas vezes passa a ser uma escolha. — Ao refletir nas
próprias palavras, Tessa percebeu que Wolf realmente merecia uma segunda chance. Sem reservas,
sem bloqueios.
Durante todos os anos da amizade que tiveram, ele sempre deu o melhor para ser realmente
uma boa companhia para Tessa. O relacionamento com Lora fora a primeira vez em que ele errara.
E Tessa sabia que não podia exigir que Wolf permanecesse em total celibato apenas porque
ela não se sentia confortável para vê-lo com outras mulheres. Parecia-lhe injusto e infantil.
Por isso, na realidade, todos haviam agido equivocadamente naquela situação tão
desagradável.
— Já te disse uma vez e vou dizer de novo, querida. Se Wolf voltar a quebrar o seu coração
com atitudes irresponsáveis, eu mesma irei acabar com a amizade de vocês dois. Mas agora sinto que
Wolf não é assim, sinto que ele não vai fazer nada do que fez novamente. — Felícia se lembrou da
conversa que tivera com ele. Sem dúvidas o rapaz merecia um voto de confiança.
Conforme faziam o longo percurso de volta para a casa de Wolf, continuaram conversando
amigavelmente. Sonhavam com a reabertura da loja e tinham total certeza de que a vida melhoraria
após isso.
Quando chegaram, notaram a presença de um carro novo no estacionamento.
Wolf havia mencionado que seu pai chegaria em algum momento, mas não especificara a data.
Por isso, Tessa levantou uma das sobrancelhas em curiosidade.
— Você acha que o pai dele chegou?
— Não faço ideia. — Curiosa, Felícia caminhou na frente, abrindo a porta.
Quando entraram, encontraram Wolf sentado no chão com o pequeno Blue. Parecia um pouco
pálido e paralisado, como se tivesse visto um fantasma.
Em silêncio, as duas mulheres trocaram olhares.
— Converse com ele. Não quero me intrometer. Acho que talvez ele esteja precisando de
você. — Falando isso, Felícia se afastou e cumprimentou Wolf com um aceno. Em seguida,
desapareceu no corredor.
Com passadas rápidas, Tessa caminhou na direção dele. Em silêncio, se ajoelhou e
simplesmente o abraçou.
Algumas coisas não precisavam de explicação. Um simples olhar de medo e tristeza tinha o
poder de revelar tudo.
Capítulo 16

Sentir a presença de Tessa fazia com que Wolf mergulhasse em algum tipo de sensação
pacífica, sublime. Abraçá-la aparentemente tinha o poder de fazer com que seu coração
desacelerasse um pouco e que o medo antigo e tolo se dissipasse.
Depois que Charles chegou e se instalou no quarto, Wolf se sentiu incapaz de se levantar para
trabalhar. Queria apenas proteger o pequeno Blue e nada mais importava. Embora estivesse com a
agenda cheia naquele dia, cancelou todos os compromissos e não deu maiores explicações para as
secretárias responsáveis.
Ele sabia que estava sendo realmente bastante relapso nos últimos dias. O trabalho, que antes
representava tudo, aparentemente já não tinha tanta importância. E mesmo que os resultados de DNA
ainda não tivessem sido entregues, parecia-lhe inegável o fato de que já considerava o pequeno Blue
como seu verdadeiro filho.
— O meu pai chegou. Está no quarto dele. — Wolf abaixou a cabeça, envergonhado. Se sentia
tão fraco e ridículo que simplesmente não conseguia encarar Tessa nos olhos. Apenas afundou a
cabeça em seu abraço, permitindo-se receber o conforto que ela lhe presenteava.
— Está tudo bem. — Tessa não sabia a história por trás do medo que Wolf sentia do pai, não
sabia o que o havia quebrado por dentro, mas tinha a mais completa certeza de que não o
abandonaria. Estaria ao seu lado até que a sombra de medo que pairava em seus olhos
desaparecesse. — Posso sentir a sua respiração descontrolada. Por favor, inspire profundamente.
Wolf fechou os olhos e apenas obedeceu.
— O que acha de caminharmos um pouco no jardim?
— Me parece uma boa ideia. — Afastando-se, Tessa pegou o pequeno Blue nos braços.
Deixaram a casa em silêncio e quando chegaram à área grande dos jardins, Wolf tentou
inspirar profundamente outra vez. Às vezes, quando pensava muito acerca do passado e da própria
família, tinha a impressão de que seus pulmões realmente deixariam de funcionar.
— Cloudtown sempre teve um céu muito bonito. — Ele falou baixinho. Parecia tão frágil e
quebrado, tão abalado, que fez com que o coração de Tessa se quebrasse um pouco também.
Ela realmente gostaria de entender o que havia acontecido, gostaria de tirar toda a dor que
pairava na alma daquele homem. Mas como poderia? Algumas feridas da infância continuavam
sangrando mesmo após a chegada da velhice e era triste pensar que talvez Wolf permanecesse
quebrado por toda sua existência.
— Acho que podemos nos sentar ali, para admirar o céu e respirar ar puro. — Ela apontou
para uma área coberta por árvores. Havia uma cadeirinha que os funcionários haviam instalado ali
para que o pequeno Blue descansasse confortavelmente quando necessário.
Sem dizer nada, ele apenas caminhou e se sentou no chão. Seu terno caro parecia totalmente
inadequado para o ambiente. Acompanhando-o, Tessa colocou o bebê na cadeirinha e em seguida se
sentou ao lado dele.
— Sempre tive muito medo do meu pai. Mas não um medo normal. Na verdade, é o tipo de
horror que a gente sente apenas quando ainda somos crianças e acreditamos em monstros. — Wolf
abaixou a cabeça e engoliu em seco. Lágrimas surgiram em seus olhos. — Talvez eu seja uma criança
em corpo de adulto. Uma criança que teve tanto medo que nunca se permitiu evoluir verdadeiramente.
Será que isso faz sentido, Tessa?
— Se algo ainda sangra dentro de você, então acredito que não precisa fazer sentido. Apenas
sangra e irá sangrar até que você encontre a cura. — Tessa se aproximou um pouco mais e tocou-lhe
no braço com suavidade. — Nem sempre precisamos de explicação. Viver machuca, evoluir
machuca. Não sinta vergonha do passado que te machucou.
— Não tenho vergonha do passado que me machucou. Acho que tenho vergonha do homem
que me tornei. Me sinto fraco, patético. Pensei que tinha superado o medo que surge cada vez que
preciso lidar com o meu pai, mas é óbvio que não. — Ele levantou o olhar e tocou a mão dela. — Me
desculpe por não ser a pessoa certa, por não ser o melhor amigo que você poderia escolher ter.
— Wolf... — Tessa sentiu o peito apertar e um bolo se formar na garganta. — Eu gostaria que
você fosse capaz de se olhar no espelho através dos meus olhos. Talvez assim compreendesse que te
admiro, que sou a sua maior fã. Todos temos fraquezas, você tem as suas. Está tudo bem.
— Está?
— Sim, está.
A voz de Tessa parecia tão suave aos ouvidos dele. Por alguns instantes, o mundo parecia um
pouco mais colorido, menos perigoso, menos assustador. Era como estar sentado no banquinho de
frente para a lojinha da família dela. Trazia paz, conforto.
O pequeno Blue fez leves barulhinhos com a garganta e Wolf sorriu ao observá-lo. Como um
menininho tão precioso poderia ter o mesmo sangue que ele? Aquela era uma resposta que Wolf
nunca encontraria, talvez.
— Quero proteger o pequeno Blue. Quero que o mundo pareça ser algo mais bonito para ele,
melhor do que foi para mim, mas tenho muito medo de errar, Tessa. — Ele recostou contra a árvore.
— Às vezes tenho ataques de pânico e não sou muito bom em controlar isso. Não sei quando podem
acontecer, mas sei quais são os gatilhos que ainda conseguem me adoecer.
— E quais são? — Tessa sequer percebeu que estava prendendo a respiração.
— O meu pai é o meu maior gatilho, as palavras dele ativam algo desesperador dentro de
mim. Talvez eu devesse buscar ajuda... — Ele desviou o olhar. — Acho que demorei demais, mas é
vergonhoso admitir.
— Por que o seu pai? — Ela não queria pressioná-lo. Durante todos aqueles anos de
amizade, nunca pedira detalhes acerca da família dele. — O que ele fez para que você sinta tamanho
medo?
— Vou contar a minha história para você, Tessa. Eu já deveria ter falado sobre isso há muito
tempo.
As lágrimas escorreram por suas bochechas. Nem mesmo o sol e o céu azul tiveram o poder
necessário para dissipar a sombra que parecia existir ao redor dele, dentro dele.
Sem saber como responder, Tessa apenas esperou até que ele estivesse suficientemente
preparado para começar a falar.
Capítulo 17

Wolf quebrou o silêncio e o simples ato de falar exigia o tipo de força esmagadora que
certamente machucava internamente. Ainda com os olhos cheios de lágrimas, permitiu que as
palavras ecoassem por seus lábios enquanto Tessa o escutava atentamente.
— Não queria ser visto como um homem quebrado, mas isso é exatamente o que eu sou. —
Ele fez uma pausa de alguns segundos e em seguida voltou a falar. — Não vou falar sobre o meu
passado desejando que você tenha pena de mim, Tessa. Quero apenas que você compreenda um
pouco das minhas atitudes e medos.

Tudo começou quando Wolf tinha cerca de cinco anos. Costumava ser um garoto calmo e
bastante pacífico, mas um tanto atrapalhado. Charles cobrava muito dele, exigia que estudasse
idiomas, aprendesse a tocar piano e ouvisse sobre assuntos políticos como se já fosse um
verdadeiro adulto.
Wolf, no entanto, não conseguia acompanhar e isso irritava Charles cada vez mais.
Certa noite, durante o jantar, Wolf estava sentado à mesa enquanto observava a conversa
dos pais. Tudo parecia frio e extremamente impessoal.
— Gostaria de pedir a sua licença, meu pai. Estou com um pouco de sono. — O garoto
falava e agia como um adulto. Tinha os olhinhos um pouco tristes e sempre parecia estar prestes a
chorar.
— Vá. — Charles o dispensou com uma das mãos.
Sempre desastrado, Wolf se levantou e tropeçou na perna da mesa, chocando-se contra a
xícara de café que seu pai tomava. O líquido encharcou a camisa branquíssima de Charles,
enfurecendo-o de uma maneira que Wolf nunca tinha visto até então.
As pessoas costumam dizer que o ser humano adulto é triste e quebrado. Dizem que existe
um momento, uma fagulha na linha do tempo, que faz com que a criança perca o leve brilho no
olhar e se depare com a tristeza e a solidão pela primeira vez em sua história.
Naquela noite, Wolf deparou-se com aquela fagulha e nunca mais foi o mesmo.
Em um rompante de fúria, Charles o agarrou pelos cabelos quase ao ponto de fazer com
que seus pés não tocassem o piso.
Nada daquilo havia acontecido antes e aos olhos de Wolf, um simples acidente parecia
algo tão simplório para tamanho ódio que realmente foi muito difícil compreender a razão de tudo
aquilo.
O que ele não sabia, contudo, era que aparentemente Charles estava explodindo por
acreditar que o filho era um idiota. Detestava crianças lentas e sabia, já há algum tempo, que
Wolf certamente seria uma grande decepção.
Observando tudo, a mãe de Wolf permaneceu em silêncio, afinal sabia que nada poderia
fazer. Estava acostumada aos gritos e aos tapas que recebia e certamente o garoto se acostumaria
também.
O grande problema era que Charles não se restringiu aos tapas. Foi além. Ainda puxando
os cabelos do filho, levou-o para o porão que ficava escondido nos fundos da casa. Lá, o
esbofeteou no rosto, chutando e gritando.
— Ou você melhora e evolui, ou eu vou acabar matando você! — Charles socou o garoto,
fazendo-o cair de costas e com as pernas para cima.
Aquilo foi extremamente paralisante para Wolf. Ele, um menino tão tímido e amedrontado,
tornou-se extremamente marcado pela violência do momento, urinando nas próprias calças.
— Patético! Como você poderia crescer e se tornar um bom Hardie dessa maneira? —
Mais parecendo um demônio, Charles o puxou pelas pernas, amarrando-lhe os pés. Com as duas
mãos, pendurou o menino de cabeça para baixo em uma haste articulada presa ao teto.
Wolf não chorou no início, pois estava chocado demais para tomar qualquer atitude. Mas
quando voltou a si, soltou um grito de horror, gemendo conforme a tontura tomava seu cérebro.
— Por favor, meu pai, por favor... — Ele soluçou. — Não fiz por maldade. Não faça isso...
Ele foi interrompido quando Charles o chicoteou com uma corda. Em seguida, cerrando os
punhos, o acertou, fazendo-o balançar de um lado para o outro de cabeça para baixo.
— Você vai ficar exatamente onde está, pensando sobre a própria estupidez. — Charles
realmente não tinha um motivo específico para tudo o que estava fazendo. Fazia porque
simplesmente gostava de ver o olhar de medo das pessoas mais fracas e utilizava as dificuldades
de Wolf como uma simples desculpa.
Ao observar Charles sair do porão, o garoto se movimentou com dificuldade, tentando se
dobrar para que não precisasse ficar tanto tempo de cabeça para baixo. Aos poucos, a pele dos
pés começou a sangrar, ardendo e queimando.
Wolf gritou. Gritou até que sua voz se tornasse um simples fiasco de som, mas ninguém
surgiu para ajudá-lo.
Incapaz de saber até onde a maldade humana poderia chegar, Wolf pensou que aquela era
a pior coisa que podia acontecer.
Na verdade, aquele foi apenas o começo de um pesadelo que durou anos.

Ao terminar de narrar a primeira vez em que tudo aconteceu, Wolf se retraiu um pouco e
olhou para o céu, incapaz de mirar Tessa nos olhos.
— Veja bem, eu entendo que não fui um aluno muito bom, mas eu me esforçava. Talvez eu
tenha sido um filho pior do que eu realmente me lembro, mas mesmo assim acho que tudo o que o
meu pai fez sempre foi realmente muito exagerado. — Wolf passou uma das mãos no rosto para
limpar as lágrimas. — As coisas se tornaram cada vez piores e aos poucos passei a ter crises de
ansiedade e pânico. A minha mãe nunca ajudou muito, acho que também tinha medo. Não sei.
Conforme se lembrava dos anos anteriores, ele pensava que fora realmente muito corajoso ao
decidir sair de casa e começar do zero. Na época, vencera seu maior demônio, mas agora sentia que
o demônio continuava forte e capaz de amedrontá-lo.
— Eu nunca poderia imaginar, Wolf. — Trêmula, Tessa se aproximou para tocá-lo na
bochecha, limpando as lágrimas remanescentes. — Eu realmente sinto muito, agora tudo faz mais
sentido. E não, nada disso foi por sua culpa. O seu pai sempre foi o errado de tudo isso.
— Você acha?
— Eu sei.
— Hoje sou um homem adulto, Tessa. Sei o que quero e como quero. Mas quando o meu pai
retorna à minha vida, tenho a impressão de que tudo o que construí sempre acaba desmoronando ao
meu redor.
Wolf pensou que se sentiria péssimo depois de conversar sobre tudo aquilo com Tessa, mas
ocorreu totalmente o contrário.
Talvez ele estivesse percebendo que guardar tudo para si nem sempre era uma boa ideia.
Capítulo 18

O pequeno Blue, que antes parecia estar dormindo, chorou baixinho e se remexeu na
cadeirinha. Por alguns instantes, Wolf até tinha se esquecido da presença do bebê, tamanho era o seu
silêncio.
Rapidamente ele se aproximou e pegou o filho nos braços. Era estranho pensar no fato de que
aquele pacotinho de vida compartilhava o mesmo sangue que o dele.
Wolf compreendia que quando decidira terminar a relação com Lora, fora muito claro ao
dizer que não queria voltar a vê-la. Mesmo assim, sentia certa dor no coração por pensar que não
tivera a oportunidade de acompanhar o nascimento de Blue. De certa forma, era realmente grato por
ele ter aparecido em sua vida com apenas três meses. Imaginar a possibilidade de que talvez nunca
poderiam ter se conhecido fazia com que um arrepio surgisse em sua pele.
Os resultados do exame de DNA ainda estavam sendo apurados e demoraria mais alguns dias
até que pudessem ser realmente conclusivos, mas cada vez que Wolf olhava fixamente nos olhos
daquela criança, não existia dúvida de que eram realmente pai e filho.
— Você será um bom pai, Wolf. Não estou dizendo que não cometerá erros, pois é óbvio que
você errará muito. O caminho é incerto demais para esperar a perfeição. — Tessa abraçou as
próprias pernas enquanto observava Wolf, que balançava o pequeno Blue nos braços. — Cada vez
que se sentir inseguro, pense em todo o amor que você gostaria de ter recebido quando criança e ame
o seu filho, simplesmente ame. Não espere que ele seja você ou que ele faça as coisas que você faria,
mas ame. Ame a pessoa que ele se tornar, ame seus defeitos e trate de ensiná-lo a melhorar. Isso será
mais do que o suficiente, tenho certeza.
Tessa realmente não sabia quando teria a oportunidade de se tornar mãe. Sequer imaginava
com quem formaria uma família, mas enquanto aconselhava Wolf, sentia que todo o cuidado e carinho
cultivados por sua mãe e sua tia pareciam preencher sua voz.
Quando ela falou, todas as que vieram antes dela também falaram.
— Como você consegue ser tão segura quando fala sobre família, Tessa? — Wolf levantou
uma das sobrancelhas, claramente curioso. Como era possível que ela soubesse tanto sobre o ato de
amar e ele não soubesse coisa alguma?
— A minha mãe e a minha tia me ensinaram, não apenas através de palavras, mas também de
atitudes, que família é aquela que consegue se transformar em um porto seguro quando tudo
desmorona. Entre erros e acertos, aprendi o que era o amor. — Ela apontou para o pequeno Blue que
começava a fechar os olhinhos. — E é por isso que consigo enxergar o amor surgindo cada vez que
observo vocês dois. Sei do que estou falando.
— Obrigado, Tessa. Obrigado. — Aquelas palavras simples significavam muito. Durante um
longo período Wolf fora obrigado a lidar com a própria dor sozinho. Agora, pela primeira vez em
muito, muito tempo, estava tendo a oportunidade de abrir o coração sem se sentir julgado ou patético.
Exatamente como costumava fazer, Tessa se ajoelhou e abraçou Wolf, que continuava sentado
no chão, debaixo da árvore. Sentir aquele abraço, aquela presença, trazia leveza ao coração dele,
quase como se tivesse a capacidade de curá-lo de todos os medos e traumas.
Mas Wolf sabia que aquele era apenas o início. Traumas não iam embora apenas com atenção
e carinho. A cura era um processo longo, demorado. Quanto mais fundas e abertas as feridas, maior
seria o percurso.
Ele se sentia razoavelmente feliz por ter quebrado o silêncio, por ter aceitado que não tinha
forças para segurar tudo sozinho.
— Estou ao seu lado e sei que você conseguirá enfrentá-lo. — Disse Tessa ao terminar o
abraço.
— Você acha que eu vou precisar perdoar o meu pai para poder seguir em frente? — A
pergunta de Wolf era genuína.
— Você sente a necessidade de perdoá-lo? Essa é a questão mais importante. — Ela estalou a
língua. — Vivemos em uma sociedade hipócrita que costuma dizer que só podemos seguir em frente
se formos capazes de perdoar cada uma das pessoas que nos feriu. E sinceramente? Eu discordo.
Nem sempre precisamos perdoar quem nos machucou, nos humilhou, nos diminuiu. Seja quem for. Às
vezes, seguir em frente basta. Deixar a dor para trás basta. Você não precisa fingir ser um santo
apenas para encontrar a cura. A cura deve estar nas suas mãos e não na dos outros.
— Ainda não sei qual é a minha necessidade. Mas sei que não quero ter contato com o meu
pai. Não por odiá-lo, mas por saber que somos diferentes demais para seguir em um mesmo caminho
juntos. — Wolf fez uma pequena pausa, refletindo acerca das próprias palavras. — O meu processo
de cura certamente não envolve voltar a ter o meu pai na minha vida.
— Você irá descobrir. Você irá saber o que traz paz ao seu coração, quais pessoas tornam a
vida mais leve. E quando a descoberta chegar, não tenha medo. Apenas agarre a felicidade com todas
as forças.
Mesmo depois que a conversa terminou, Wolf e Tessa continuaram sentados e em silêncio por
algum tempo. Parecia certo estar ali, apenas usufruindo da companhia um do outro.
No alto da janela, em um dos quartos da casa enorme, Charles observava o casal de amigos.
Enojado, concluiu que não aprovava a relação que existia entre os dois. Wolf tinha um
sobrenome, uma história. Tessa, por outro lado, não passava de uma sanguessuga sem estudos e sem
prestígio.
Por isso, ele decidiu que precisava conversar com Wolf, dar algumas ordens, ser obedecido.
Charles Hardie era bom em manter as aparências. E certamente precisava voltar a dar boas
lições no único filho.
Capítulo 19

Naquela noite, o jantar foi desconfortável, mais parecia um velório. Ninguém conversou,
apenas comeu. Depois, quando por fim pôde regressar ao próprio quarto, Wolf se perguntou quando
Charles diria exatamente o que estava fazendo ali.
Até então, o velho parecia estar apenas observando, julgando. Não havia conversado com
Wolf diretamente e fazia expressões de desprezo para quase tudo. Com Tessa, ele não foi simpático.
Na verdade, muito pelo contrário. Tratou de deixar bem claro que não tinha interesse algum em
manter qualquer tipo de conversa com ela.
Wolf sabia que havia errado com a melhor amiga no passado, mas agora não permitiria que a
maltratassem, nem mesmo seu pai, que era a pessoa que ele mais temia. Por isso, continuaria
observando os passos de Charles e protegeria Tessa, mesmo que aquilo significasse enfrentar o
maior dos medos.
Apesar do desconforto e da falta de diálogo do jantar, Wolf se sentia um pouco mais leve
depois da conversa que teve com Tessa no jardim. Era bom poder compartilhar as dores e feridas
abertas com alguém.
Falar acerca da própria história para alguém de confiança certamente nunca seria o suficiente
para que Wolf encontrasse a cura, mas simbolizava o início. Simbolizava que talvez as memórias não
fossem tão mais fortes do que ele.
E definitivamente Wolf estava cansado de afastar as pessoas boas apenas porque ele era
quebrado demais para saber como lidar com os próprios sentimentos de uma maneira saudável.
Talvez se tivesse consciência das próprias atitudes no passado, provavelmente não teria se
permitido criar a ilusão de um relacionamento com Lora. Mas ao mesmo tempo, ele se sentia grato,
pois agora tinha a oportunidade de se obrigar a ser uma pessoa melhor em nome do bem-estar de
Blue.
Depois de tomar uma longa ducha, Wolf vestiu um pijama confortável e se deitou na cama,
observando o céu obscuro através da janela. A vida sempre parecia sem cor, mas, ao mesmo tempo,
ele tinha a impressão de que tons coloridos começavam a surgir no horizonte do seu olhar.
Com um sorriso, ele se recostou no travesseiro e fechou os olhos. Algum tempo depois, o
sorriso desapareceu quando um pesadelo se infiltrou em sua mente.

Wolf tinha sete anos e estava com as duas mãos amarradas. A pele sangrava, sensível
demais depois de tantas agressões constantes.
Ainda de terno, Charles abriu os botões do pulso da camisa e se aproximou, trazendo
consigo o tipo de olhar intenso capaz de assustar até mesmo os mais corajosos.
— Soube que você andou falando demais. Soube que tentou fugir de casa e ir até a polícia.
— Charles esboçava frieza, mas era possível notar a fúria que estava prestes a explodir.
Naquele dia, Wolf criara coragem e pulara a janela, machucando o tornozelo. Depois
disso, correra pela cidade com o intuito de tentar avisar a polícia das agressões que sofria. Fizera
tudo em um impulso, mas agora se arrependia. Fora encontrado por um dos motoristas de Charles
e agora estava de volta ao porão, amarrado e sem saber o que aconteceria.
Durante muito tempo, Wolf se perguntara se aquela era uma relação normal entre pai e
filho, afinal não conhecia outra diferente. Conforme crescia e sua capacidade de reflexão
melhorava, ele passou a observar as pessoas ao redor. E nada daquilo parecia normal, nada
daquilo parecia saudável. Mesmo tão jovem, sabia que o que Charles estava fazendo era
totalmente errado.
— Você não deveria fazer isso comigo. — Wolf abaixou a cabeça, sabendo que sofreria as
consequências por ter falado tal coisa.
Charles não respondeu, apenas abriu a sacola que trouxera consigo. Lentamente, tirou
garrafas de vidro da sacola, jogando-as ao chão. Aos ouvidos de Wolf, cada vez que uma garrafa
se quebrava, era quase como uma explosão em seus pensamentos.
— Tire os sapatos e caminhe. — Charles lançava ordens e sua voz era clara, rígida. Não
permitia que Wolf sequer pensasse em desobedecê-lo.
Na época, Wolf era magrinho demais, quase como se fosse possível quebrá-lo com a força
do vento. Trêmulo, tirou os sapatos e começou a pisar nos cacos de vidro. Seu corpo inteiro
tremia.
— Por favor, pare com tudo isso... — Wolf sabia que não era um garoto tão ruim, sabia que
não merecia sofrer tanto. O problema era que quando um pai odiava o próprio filho, a criança
passava a odiar a si mesma. Por isso, ele sentia vontade de morrer, de desaparecer para sempre.
Não queria continuar sendo um estorvo para a família.
— Caminhe direito! — Charles lançou um chute contra o corpo magro do filho, fazendo-o
cair nos cacos de vidro, rasgando a pele das pernas. Wolf quis gritar, mas engoliu o choro e a dor,
pois sabia que se gritasse seria pior.
Aos poucos, tentou sugar ar para os pulmões, mas parecia impossível respirar...
Charles sorria, gargalhava... E...

— Wolf, acorde! — A voz de Tessa se infiltrou em seus ouvidos, surgindo ao longe. —


Acorde, você está tendo um pesadelo!
Com um pulo, Wolf abriu os olhos e inspirou com força, abrindo a boca em expressão de
horror enquanto seu peito subia e descia. O suor empapava em seu pijama. Lágrimas escorriam por
seus olhos.
O sonho fora quase real, lembrando-o da época em que de fato precisara caminhar sobre
cacos de vidro.
De maneira impensada, ele se sentou na cama e levou as duas mãos às pernas, tentando
garantir que não estava sangrando, que tudo aquilo fora apenas um sonho e que o passado estava no
passado.
— Eu nunca vou me livrar das minhas próprias memórias, Tessa. — Foi tudo o que ele disse.
Em seguida, abaixou a cabeça e fechou os olhos. O primeiro soluço surgiu apenas vários segundos
depois.
Wolf mais parecia um animalzinho ferido, granindo. Um verdadeiro filhotinho. Abraçava as
próprias pernas enquanto tremia, horrorizado.
Geralmente, quando tinha tais pesadelos, precisava lidar com tudo sozinho. Mas agora Tessa
estava ali, em sua casa, e provavelmente ouvira seus gritos e gemidos enquanto dormia.
Sem dizer palavra, exatamente como costumava fazer quando as coisas ficavam mais difíceis,
ela o abraçou.
E aquele abraço era o maior porto seguro que existia na vida de Wolf.
Capítulo 20

Tessa não sabia se estava preparada para ver cada uma das fragilidades ocultas de Wolf.
Embora tivessem uma amizade longa e repleta de nuances, ela nunca poderia imaginar que ele podia
ter tantas feridas abertas.
Mesmo assim, mesmo sem se sentir preparada ou boa o suficiente para ajudá-lo, Tessa
decidiu abraçá-lo com mais força, pedindo aos céus que talvez um simples abraço pudesse ser o
suficiente.
Ao sentir os soluços dele, o toque, a respiração perdida e o gemido baixinho de tristeza, ela
se permitiu enxergar verdadeiramente e pela primeira vez o segredo que ela mesma escondia.
Estava apaixonada por Wolf, por cada detalhe dele. Sempre estivera.
Fora simplesmente mais fácil fingir o contrário, atuar como uma amiga devotada e fiel. Mas em
silêncio, no mais profundo que havia em seu coração, Tessa sabia que realmente estava apaixonada
por aquele homem.
E ao pensar em todo aquele amor, em todo aquele desejo de aceitação e amparo, ela sentiu que
estava prestes a explodir, pois seu peito queimava. Era como se existisse uma divisão, um antes e
depois. Agora, o depois parecia doloroso demais, perigoso demais.
Na época em que Wolf decidira se relacionar com Lora, Tessa realmente pensara que não
suportaria a dor do ciúme, da mágoa, da angústia. Não havia nada mais doloroso do que observar a
pessoa amada nos braços de outra. Sozinha, precisara engolir a aflição, afinal não podia revelar os
reais motivos para tamanho sofrimento nem para si mesma.
Admitir que estava apaixonada por Wolf seria o mesmo que admitir seu maior medo: O de
perdê-lo para sempre.
Enquanto o abraçava, Tessa refletia acerca dos relacionamentos dele. O fato era que Wolf
nunca realmente manteve uma relação amorosa com mulheres. Lora provavelmente fora a primeira.
Antes dela, existiram apenas casos e aventuras sexuais, mas nada suficientemente forte para
machucar seu coração.
Talvez por isso Tessa tenha se sentido confortável em imaginar que Wolf estaria sempre
solteiro, sempre ao lado dela, afinal nunca pudera enxergar uma situação diferente. E apesar de ter
sido muito magoada na época em que Lora esteve na vida dele, Tessa realmente se sentia grata por
tê-lo de volta em sua vida.
— Você é a única pessoa no mundo capaz de me ouvir, capaz de me acolher, sem fazer com que
eu me sinta patético. — Ele sussurrou quando o abraço terminou.
Tessa sentiu um aperto no peito, pois se sentia um pouco patética por perceber-se apaixonada
por aquele homem.
Patética era exatamente a palavra certa.
Ela certamente tratava de apoiá-lo, de ser a força que ele precisava. Mas quem seria a força
dela? Quem estaria ao lado dela? Ninguém deveria ser obrigado a engolir o próprio amor sem ter a
possibilidade de distribui-lo, muito menos Tessa. Pensar em tudo aquilo machucava demais.
— Eu sei que nada do que eu disser terá o peso suficiente para trazer a cura que você precisa,
mas estou aqui, estou ao seu lado. Apesar das memórias ruins que você carrega, acredito que ainda
existem um milhão de memórias bonitas apenas esperando por sua vivência. — Tessa sorriu ao tocá-
lo carinhosamente no rosto. — Sei que é doloroso relembrar e eu não estou dizendo que você deve se
esquecer. Muito pelo contrário. Lembre-se, mas siga em frente. Não dê mais nenhum poder para que
o seu pai, para que o fantasma do seu pai, continue machucando a sua alma.
Ao terminar de falar, Tessa sentiu um bolo se formar em sua garganta. Odiava vê-lo tão
fragilizado, mas ao mesmo tempo se sentia honrada por saber que ele estava abrindo o próprio
coração para ela, apenas para ela.
— Quando eu deixei a casa dos meus pais e decidi começar a investir utilizando o fundo
bancário deixado por meu avô, realmente pensei que estava livre para sempre. Ninguém poderia me
parar. Eu realmente estava disposto a chegar ao topo do mundo. Mas as amarras de uma criança
ferida permanecem, Tessa. Não importa o quanto você cresça, o quanto se desenvolva. A criança
ferida sempre voltará para chorar um pouco, para mostrar que ninguém é tão forte, que ninguém é
invencível. — Wolf se afastou um pouco e se levantou da cama. — Eu sei que preciso aprender a
lidar com isso. Caso contrário, nunca poderei usufruir de tudo o que consegui conquistar até aqui.
— Você é um homem forte, Wolf. Posso ver a força no seu olhar. Basta procurar a ajuda
correta, enfrentar os medos no momento adequado. Tudo vai ficar bem.
Mais uma vez, de maneira inesperada, Wolf se aproximou. Dessa vez foi ele quem iniciou o
abraço.
Aquele gesto teve um significado diferente para Tessa. Único. Significava que o coração dele
sempre estaria unido ao dela de alguma forma.
— Sou grato por sua amizade. — Ele disse ao seu ouvido.
Mesmo que não quisesse, mesmo que fosse extremamente difícil admitir, Tessa sentiu o peito
doer ao ouvir as palavras dele.
Não queria ser apenas uma amiga. Não queria viver à sombra de uma amizade. Já não era o
suficiente.
Tessa precisava de mais, desejava mais. E sabia que nunca teria a oportunidade de ir mais
longe, afinal lhe faltava coragem.
Temia a rejeição mais do que qualquer outra coisa. Se um dia tentasse dar um passo adiante
com Wolf e ele a rejeitasse, Tessa certamente morreria de tristeza.
Ela odiava a própria fraqueza, a própria timidez. Odiava pensar que talvez as coisas pudessem
ser diferentes caso ela fosse diferente também.
— Preciso ir, Wolf. Está tarde. — Ela se afastou e colocou alguns fios de cabelo atrás da
orelha. Sem esperar por resposta, apenas se afastou.
No entanto, a voz rouca dele a paralisou mais uma vez.
— Caminhe comigo pelo jardim. Gostaria de observar a lua e as estrelas ao seu lado. — Ele
inspirou profundamente e em seguida sorriu. — Talvez eu deva aprender com elas. Talvez eu deva
observar muito para que assim eu seja capaz de brilhar mesmo quando exista escuridão.
Com um aceno, Tessa concordou.
Apesar de querer fugir dos braços dele, da presença dele, ela não teve forças e apenas o
acompanhou até o jardim.
Quanto mais tempo passasse ao lado dele, mais seu coração ferido sangraria. Ela não sabia até
quando seria capaz de suportar.
Capítulo 21

Cloudtown era uma cidade pacífica e extremamente silenciosa durante a noite. Por ser pequena
e ter uma população minúscula, as ruas do lugar costumavam esvaziar cedo.
Quando Wolf e Tessa saíram para caminhar pelo jardim, ele não conseguiu controlar as
memórias que surgiram quase que imediatamente. A chuva, o cesto, o choro do pequeno Blue.
Pensar que um garoto tão pequeno esteve abandonado ali, no meio da escuridão, fazia com
que seu coração doesse. Ao mesmo tempo, Wolf se sentia bastante orgulhoso por saber que agora
Blue estava dormindo confortavelmente em um quarto quentinho.
Na verdade, ele não gostava de pensar muito na ideia de que provavelmente o bebê teria
morrido de hipotermia caso tivesse ficado mais tempo debaixo da tempestade.
— As estrelas parecem desafiar a noite, como se dissessem que viver na escuridão não pode
ser uma escolha possível. — Tessa quebrou o silêncio quando se sentaram em um dos bancos
espalhados pelo jardim. — Acho que existe algo de muito poético em cada detalhe que forma a
natureza.
— Não pode existir escuridão sem que a luz exerça seu poder em algum momento. — Wolf
refletiu e em seguida levantou a cabeça, olhando para o céu estrelado. — Cloudtown sempre foi o
meu lar. Sempre gostei da beleza das nuvens, dos riachos, da natureza que existe aqui. Como eu
poderia ter desenvolvido a minha vida em outro lugar?
Tessa também pensava a mesma coisa. O lugar, apesar de pequeno, tinha tudo o que era
necessário para que qualquer pessoa pudesse viver bem e feliz. Talvez por essa razão que muitos dos
milionários dos Texas continuavam vivendo ali, sem planos de mudança.
É claro que vez ou outra aconteciam pequenas tragédias e polêmicas, mas toda cidade era
assim.
Ela havia crescido ali, observado a vida mudar através dos anos e sentia-se orgulhosa de ser
uma das muitas filhas da pequena Cloudtown.
Wolf pensava exatamente a mesma coisa. Conforme refletia acerca do passado, chegava à
conclusão de que nunca teria sido feliz caso tivesse aceitado continuar morando com seus pais na
cidade grande. Não apenas pelas agressões causadas por Charles, mas também porque simplesmente
não conseguia se imaginar vivendo em qualquer outro lugar.
— Podemos parecer muito sofisticados, mas nós dois sabemos que somos apenas duas
pessoas do interior, que detestam a barulheira da cidade grande. — Tessa sorriu ao observar a
expressão pacífica de Wolf.
Parecia realmente difícil acreditar que ele estivera chorando apenas alguns segundos antes.
Sem dúvidas, Wolf era realmente um mestre na arte de se recompor, sem nunca demonstrar mais do
que o necessário.
Apesar de não estar atuando nos negócios tanto quanto deveria nos últimos dias, todos sabiam
que ele costumava ser um homem realmente brilhante e costumava multiplicar o próprio dinheiro
como se tivesse algum poder misterioso.
Muitos observavam seu sucesso, mas eram poucos os que realmente compreendiam o esforço
exigido para que Wolf chegasse exatamente aonde estava. Noites insone, solidão, tristeza, ansiedade
e milhares de horas trabalhadas foram apenas o início para que ele conseguisse subir na carreira. E,
claro, vários momentos de sorte que somente os céus seriam capazes de explicar.
No início, Wolf perdera muito dinheiro e chegara a entrar em desespero, acreditando que
talvez existisse a possibilidade de que precisasse voltar para a casa dos pais, mas aos poucos
conseguira compreender o ritmo das coisas e estudar melhor os investimentos que mais valiam a
pena.
— Tessa? — Ele abaixou o olhar na direção dela.
— Sim? — Ela percebeu a expressão curiosa no rosto dele.
— Qual o seu maior medo? — Não sabia exatamente a razão pela qual estava fazendo aquela
pergunta. Sabia apenas que gostaria de descobrir a resposta.
— Bem... — Tessa se sentiu um pouco desconcertada com a pergunta, pois nunca pensara
sobre aquilo. — Tenho medo de me enxergar totalmente sozinha no mundo.
— Isso nunca vai acontecer. Estou com você. — Wolf parecia quase angelical conforme o
brilho fraco da lua refletia em seu rosto.
— Promete? — Ela abaixou o olhar, pois era incapaz de encará-lo fixamente por muito
tempo. — Promete que sempre estará comigo?
Sem que pudesse controlar o próprio impulso, Wolf a tocou no rosto, fazendo-a voltar a olhá-
lo nos olhos.
Sem dúvidas, Tessa era uma mulher linda, única. E sem pensar duas vezes, ele a beijou,
aproximando-se de maneira surpreendente, deixando-a totalmente paralisada.
Beijá-la era como saborear o poder da liberdade, como voar cada vez mais alto sem ter medo
de cair.
As mãos dele tocaram os braços dela, a nunca, os cabelos. Tudo foi rápido e intenso, belo e
tão certo quanto incerto.
Quando o beijo terminou, Tessa se sentiu tonta e praticamente em êxtase, pois nunca poderia
ter imaginado que algo assim aconteceria.
— Não sei o que fiz. — Sentindo-se trêmulo, ele tocou no próprio peito e em seguida no dela,
sentindo as batidas aceleradas do coração. — Mas não se esqueça que eu sempre estarei aqui. Eu
prometo.
Tão assustada quanto enfeitiçada, Tessa se levantou do banco. Sentia-se incapaz de dizer
qualquer coisa, por isso fez um aceno com a cabeça e em seguida se afastou com passadas rápidas,
deixando Wolf sozinho no jardim.
Conforme voltava para dentro da casa enorme, Tessa levou os dedos aos lábios, sentindo-os
formigar.
Queria gritar em uma mistura de alegria e medo. Não sabia o que interpretar de tudo aquilo,
mas sabia que gostaria que aquele momento durasse para sempre.
Ao entrar no quarto, pulou na cama e se encolheu debaixo dos lençóis fofinhos. Tentou
dormir, mas virou-se de um lado para o outro inúmeras vezes.
Naquela noite, algo havia se acendido dentro do coração de Tessa. Algo inédito, belo.
Ela ainda não conseguia compreender exatamente a grandeza de tudo aquilo, mas sabia que a
relação construída com Wolf havia mudado para sempre.
Depois daquele breve unir de lábios, nada seria igual novamente.
Capítulo 22

Na manhã seguinte, Wolf tratou de sair de casa um pouco mais cedo para que não precisasse
dividir a mesa com Charles durante o café da manhã. Sabia que fugir não resolveria o problema, mas
ainda não se sentia preparado para confrontá-lo ou para ouvir o que ele tinha a dizer.
Durante as primeiras horas do turno da manhã, Wolf conseguiu avaliar planilhas, autorizar o
plano de intervenção que uma equipe multidimensional preparara especialmente para a loja da
família de Tessa, participar de reuniões acerca da evolução da economia em Cloudtown e nas
cidades vizinhas, e agora ele acabava de sair de uma das salas de conferência bebericando o café
morno que trazia em um copinho plástico em uma das mãos enquanto conversava com alguns dos
investidores parceiros que pareciam realmente animados com os planos comerciais que ele havia
moldado.
Depois de tantos dias tendo dificuldades em se manter produtivo, Wolf se sentia
razoavelmente satisfeito. Gostava de trabalhar e de saber que seu cérebro funcionava mesmo em
períodos de tensão.
É claro que depois da noite anterior ele tentou não pensar muito acerca do beijo que trocara
com Tessa, mas era impossível simplesmente não pensar. Agora que estavam vivendo juntos sob o
mesmo teto, a tensão parecia aumentar cada vez mais. Wolf olhava na direção dela e sentia seu
coração dar cambalhotas como se planejasse fugir para algum lugar.
Usualmente Wolf não era considerado um homem de muitas mulheres. Tivera poucas relações
e preferia ficar sozinho. Por isso, não tivera a oportunidade de beijar muitas bocas.
Mesmo assim, tinha a mais completa certeza de que aquele fora o melhor beijo que ele já teve
na vida. Os lábios macios de Tessa pareciam um verdadeiro convite ao prazer, fazendo-o se perder
sem pensar em mais nada.
Percebendo que estava começando a sentir uma leve ereção apenas por pensar demais em
Tessa, Wolf terminou de beber o café e jogou o copinho no lixo. Conforme caminhava pelos
corredores, os funcionários sorriam e acenavam.
Geralmente, ele costumava ser bastante elogiado por todos os subordinados que tinha. Apesar
de não ser exatamente um homem simpático, conseguia atrair a atenção e o carinho das pessoas sem
grande dificuldade.
Wolf até começava a pensar que aquele seria um bom dia quando ao dobrar o corredor rumo
ao próprio escritório, deparou-se com a figura de Charles, imponente e rígida, lançando ordens para
a secretária pálida.
— O senhor Wolf Hardie não está recebendo ninguém no momento, realmente preciso que
entenda, por favor. — A secretária parecia desesperada, claramente temendo perder o emprego por
não saber a quem obedecer.
Por via das dúvidas, a melhor opção sempre era obedecer a Wolf, afinal ele era seu chefe.
Apesar de imponente, Charles não detinha poder nenhum ali.
— Pare de assediar moralmente a minha secretária. — Wolf caminhou pelo resto do corredor
e pousou uma das mãos na mesa metálica. Na parede havia a logo enorme da rede de empresas dele.
— Se ela disse que eu não estou recebendo ninguém, então você não deveria continuar insistindo.
— Ora, você sempre terá tempo para o seu pai, não é? — Charles sorriu. Era um bom ator,
sempre foi.
Wolf se lembrava muito bem da época em que uma das professoras desconfiara dos
ferimentos misteriosos e do olhar triste que parecia ser uma constante. Quando a tal professora
decidira chamar Charles para uma conversa, ele parecera ser o pai mais preocupado do mundo
inteiro.
No final, nada fora resolvido e as agressões continuaram. Continuaram até o dia em que Wolf
criara coragem para fugir.
Aquelas eram memórias que ele realmente adoraria esquecer, mas seu cérebro aparentemente
gostava de torturá-lo.
— Venha comigo. — Wolf aceitou a presença de Charles apenas porque não queria iniciar
algum tipo de burburinho entre os funcionários. Apesar de dar o máximo de si para ser transparente e
honesto, às vezes era importante simplesmente atuar.
No fundo ele sabia que o sangue frio e monstruoso de Charles corria em suas veias. Por isso
era interessante usar tais talentos de vez em quando.
Ao entrarem no escritório, Wolf se sentou em sua poltrona confortável e cerrou os punhos em
pleno sinal de tensão.
De maneira avaliativa, Charles apenas olhou ao redor e estalou a língua com um sorrisinho
debochado.
Observá-lo de maneira mais atenta fez com que Wolf percebesse que o pai já não era o
homem forte e jovial que fora um dia. Mais parecia algum tipo de caveira ressecada que estava
fazendo hora extra no mundo dos vivos.
— O que deseja? — Wolf levantou uma das sobrancelhas. Não queria saber, mas não havia
escolha. — Na verdade, você ainda não me disse a razão real da sua visita.
— Nós dois sabemos que eu não gosto muito da atmosfera de Cloudtown. Me remete à gente
de mente pequena e sem ambições. — Sem esperar por convite, Charles se sentou de frente para o
filho, cruzando as pernas. — Mas quando um estúpido aparentemente está prestes a sujar o
sobrenome da família, se faz necessário cometer sacrifícios.
— O estúpido seria eu? — Wolf não deveria se sentir chocado com as palavras do pai, afinal
estava acostumado, mas mesmo assim se chocou. Não queria ouvir nada daquilo.
— E quem mais seria? Quem mais anda engravidando mulheres loucas por aí? — Charles
cruzou os braços. — Você pode até ter construído o próprio império sozinho, mas o seu sobrenome
sempre será um laço entre nós, Wolf.
— Alguns laços não precisam se manter apenas para honrar um sobrenome.
— Não é o nosso caso. Hardie sempre será uma ligação e realmente não importa se você
gosta disso. A vida é o que é. Você nunca deixará de ser um Hardie. — Charles voltou a sorrir de
maneira debochada como se tentasse fazer com que Wolf explodisse.
— Diga logo o que quer.
— Ah, eu gostaria de conversar sobre o meu neto. O bastardo. — Charles estalou a língua ao
passá-la entre os dentes. — Vim conversar sobre Blue, sobre o que você precisa fazer com ele.
Quanto mais ouvia, mais Wolf sentia a enorme vontade de socar o próprio pai.
Capítulo 23
Charles havia aceitado a própria personalidade há tempos e realmente não tinha interesse em
mudar. Acreditava que a melhor maneira de ensinar alguma coisa era através da dor.
Em sua consciência, tinha a total certeza de que mesmo que Wolf não fosse capaz de
reconhecer, o menino havia se tornado um homem de sucesso apenas porque Charles fora o
responsável por infligir diversos tipos de dores nele, fazendo-o perder a fraqueza de um perdedor
para brilhar como um vitorioso. Mesmo assim, Wolf ainda mantinha algo frágil dentro de si, algo que
aparentemente nem mesmo a pior das dores seria capaz de roubar.
E Charles detestava ver a fraqueza em seu olhar, a doçura. Na época em que Wolf era uma
criança, ele havia decidido que os castigos piorariam cada vez mais conforme o menino crescesse.
Não funcionara, afinal a bondade estúpida sempre estaria dentro dele.
De certa forma, Charles realmente sentira prazer em castigá-lo, afinal parecia divertido poder
fazer sangrar a criança sonhadora e frágil. Wolf sangrara interna e externamente, mas crescera como
um homem forte, alguém que nunca teria existido sem a ajuda dele.
Por isso, nos delírios mentais de Charles, Wolf realmente deveria agradecer por ser quem
era.
— O que você quer falar sobre Blue? — A voz de Wolf estava fria, impaciente.
— Eu realmente gostaria de saber até quando você planeja continuar com essa baboseira. A
mãe do garoto está morta, vítima de um infarto. Não precisei procurar muito para saber que ela não
passava de uma pobretona qualquer. — Charles sentia-se chocado por saber que seu filho, sangue do
seu sangue, tinha a capacidade de ser tão estúpido e impulsivo. — Blue não tem linhagem, Wolf.
— Isso é tudo o que importa para você?
— E o que mais importaria? — Charles cerrou um dos punhos e se aproximou um pouco
mais, chocando-o contra a mesa. Começava a ficar um pouco furioso, perdendo a máscara fria que
sempre mantinha intacta. — No final, você é o que você tem, Wolf. Você talvez não tenha percebido
ainda por que sempre teve tudo. Mesmo quando deixou a minha casa e a sua mãe, pôde usufruir do
dinheiro deixado por seu avô. Sem isso, você certamente não seria nada e então saberia exatamente
do que estou falando.
— Não vejo nenhum motivo para ficar imaginando o que poderia ser. A vida é o que é e eu
sou o que sou agora. Acho que você deveria parar de tentar controlar a minha vida e voltar para a
cidade grande. — Apesar da fúria, Wolf não conseguia gritar com o pai. Sentia-se incapaz de quebrar
a barreira que existia ali. Aparentemente, sempre seria um filhotinho assustado e aquilo o irritava
profundamente.
— Coloque Blue para a adoção. Finja que nada disso aconteceu. Será o melhor para todos
nós. Os resultados do DNA ainda não saíram e ainda há tempo para revertermos a situação. Você
realmente não deveria dar o sobrenome Hardie para uma criança sem linhagem. — Charles se
aproximou um pouco mais. Olhava fixamente na direção do filho. — Nós dois sabemos que você é
fraco demais para se revelar um bom pai. Apenas faça o que estou dizendo.
Wolf ficou em silêncio por algum tempo, pois se sentia incapaz de responder qualquer coisa.
Não conseguia acreditar nas barbaridades que estava ouvindo.
Enquanto as palavras ecoavam aos seus ouvidos, ele pensou acerca de Lora. Se Charles
tivesse feito uma proposta como aquela para ela, Blue certamente estaria em perigo.
Embora soubesse que o menininho estava seguro em casa, Wolf sentiu um aperto no peito e a
enorme vontade de vê-lo.
— Não perca seu tempo aqui. — Trêmulo, ele se levantou e caminhou pelo escritório,
abrindo a porta. — Vá embora, volte para o seu mundo, para a sua casa. Pare de atrapalhar o meu.
— Um dia você ainda irá me agradecer por eu estar te aconselhando a fazer isso. — Charles
sorriu e percorreu o escritório rumo à saída. — Pense no que eu te disse. Ainda há tempo, mas não
muito.
No instante em que Charles saiu, Wolf fechou a porta, batendo-a com força. Com raiva,
sentou-se em uma das cadeiras e levou uma das mãos à cabeça.
Por que era tão difícil ser mais incisivo com o pai?
Por que se sentia tão fraco na presença dele?
Talvez devesse procurar ajuda. Não apenas a ajuda de Tessa, mas de algum profissional.
Nunca desistiria de Blue, pensou. Nunca. Mesmo que não soubesse exatamente como agir da
maneira correta, continuaria tentando.
Você não é o seu pai.
As palavras de Tessa ainda ecoavam em seus ouvidos mesmo depois de tantos dias.
Precisava acreditar naquilo, pois não podia sequer se permitir pensar no contrário.
Blue seria feliz e amado, encontraria no pai um porto seguro, pois Wolf havia conhecido a
dor, a humilhação, o desprezo e o desespero e nunca seria capaz de repetir os erros de Charles.
Pegando o celular, ele ligou para Tessa que atendeu prontamente.
— Como está Blue?
— Está com Titia Felícia. Aconteceu alguma coisa? — No outro lado da linha, Tessa
levantou uma das sobrancelhas começando a ficar preocupada.
— Nada. Apenas não permita que o meu pai se aproxime dele. Faça o que for necessário.
— Não se preocupe, Wolf. Foque no seu trabalho. Blue estará esperando por você.
— Obrigado, Tessa.
— Não precisa agradecer.
Quando a ligação foi encerrada, Wolf soltou um longo suspiro e em seguida afrouxou a
gravata.
A vida era complicada demais. Não era justo que Blue precisasse enfrentar tantos problemas
ainda tão jovem e inocente.
Primeiro Lora decidira abandoná-lo em uma noite de tempestade. Agora, Charles
simplesmente aparecia com ideias malucas de colocá-lo para adoção.
Apesar de tudo, Blue sempre sorria, sem imaginar tudo o que estava acontecendo ao seu
redor.
De alguma maneira, Wolf desejou ver o mundo através da ótica de uma criança inocente,
talvez assim não precisasse carregar tanto peso nas costas.
O que ele não sabia, no entanto, era que em sua alma havia a bondade e a luz necessárias para
que pudesse voltar a se sentir livre outra vez, feliz outra vez.
Bastava olhar com mais atenção, mas isso ele ainda precisava aprender com o tempo.
Capítulo 24

A casa estava silenciosa ao entardecer daquele mesmo dia. O pequeno Blue dormia
pacificamente em seu quarto enquanto Titia Felícia trabalhava em algumas bonecas de porcelana que
pretendia disponibilizar para venda quando a loja estivesse pronta. Tessa havia decidido caminhar
um pouco no jardim enquanto Wolf não chegava.
Tudo parecia exatamente como deveria ser, exceto pelo fato de que Charles percorria a casa
quase que como um fantasma mudo.
Ele não planejava continuar ali por muito tempo. Primeiro garantiria que Wolf não cometeria
mais nenhuma loucura e depois voltaria para o próprio mundo.
Quando Lora entrara na vida de Wolf, Charles obtivera informações através de alguns homens
que investigavam cada um dos passos dele. No início, até era possível imaginar que aquilo não
passaria de algum tipo de aventura sexual de alguns dias. Mas os dias se transformaram em semanas
e meses. Depois, quando Wolf decidira terminar com ela por estar se sentindo demasiado
pressionado, Charles pensara que já não precisava se preocupar. A relação havia acabado afinal.
Agora Charles chegava à conclusão de que sempre precisaria se preocupar. Wolf era tolo e
não tinha ideia do que fazer com a própria vida. A qualquer momento polêmicas poderiam estampar
os jornais e não havia nada mais terrível no mundo dos negócios do que uma reputação manchada.
Quando a notícia de que Lora estava morta vazara em toda Cloudtown, o nome de Wolf fora
um dos primeiros associados à ela. Mas levando em consideração o fato de que ambos não se
relacionavam há algum tempo, parecia óbvio que o assunto não duraria tanto. Além disso, Wolf não
estivera no velório, fechando qualquer possibilidade de fofocas maiores entre Lora e ele.
Caso a história de Blue vazasse, o sobrenome da família Hardie estaria estampado nos
jornais e revistas outra vez. Charles odiaria isso. Por isso, o melhor a se fazer era simplesmente
tentar se livrar da criança.
Aproveitando o vazio da casa, Charles percorreu os corredores e abriu a porta do quarto de
Blue suavemente. Ao se aproximar, parou diante do berço e observou o garoto por alguns segundos.
Devia admitir que havia algo de sublime ali. Uma beleza única e doce.
Depois, olhando ao redor, Charles encontrou um lençol grosso que estava dobrado em cima
de uma cadeirinha branca.
— Bebês não costumam saber se mexer muito bem. Por isso, todos dizem que o ideal é
manter alguns tipos de tecido longe das crianças, para que elas não façam besteira e não acabem se
sufocando sozinhas. — Charles refletia consigo mesmo, pensando nas possibilidades.
Bastava colocar o lençol pesado em cima do rosto do pequeno Blue. Não daria tanto
trabalho. Talvez pressionar o tecido com força fosse uma boa ideia, mas Charles não era bobo e não
queria causar desconfiança caso decidissem investigar alguma coisa.
Por isso, na tentativa de fazer com que tudo parecesse apenas natural, ele colocou o tecido do
lençol pesado em cima do rostinho do garoto e em seguida se afastou com as duas mãos no bolso.
Provavelmente Blue logo começaria a chorar. Por isso, ao sair do quarto, Charles trancou a
porta e tirou a chave, colocando-a no bolso.
Se Tessa demorasse a abrir a porta, certamente o garoto não suportaria por muito tempo,
afinal seus pulmões ainda estavam fragilizados após o episódio de hipotermia.
Às vezes Charles não gostava de ser obrigado a mostrar seu pior lado. Aquele era um
daqueles momentos. Fazer tudo aquilo com um simples bebê não parecia certo até mesmo para ele,
mas o fato era que algumas crianças vinham ao mundo apenas para estorvar e não deveriam nascer.
Com o tempo Wolf formaria uma família adequada e teria filhos adequados. Blue não se
encaixava, assim como Lora tampouco poderia ser considerada a mulher ideal.
— O que o senhor está fazendo? — A voz de Tessa ecoou pelo corredor fazendo com que
Charles se assustasse um pouco, afinal estava perdido nos próprios pensamentos.
— Estou procurando a biblioteca. Onde fica? — Charles levou as duas mãos aos bolsos e
sorriu. Desprezava Tessa e realmente não aprovava a amizade que existia entre ela e Wolf, mas por
enquanto ela não era uma causadora de problemas, por isso não havia razão para que se preocupasse.
Aos poucos era possível ouvir o choro baixinho do pequeno Blue. O volume dos gritos ia
aumentando lentamente, segundo após segundo.
— A biblioteca fica na ala sul da casa. — Tessa apontou na direção do caminho correto e em
seguida congelou ao ouvir o som de choro surgindo no ar. Sobressaltada, percorreu o corredor e
avançou na porta, tentando abri-la.
— Obrigado. — Charles apenas se afastou, tentando ganhar tempo. Blue não resistiria por
muito tempo e ninguém poderia provar que ele estivera ali e trancara a porta.
— Onde está a chave? — Tessa praticamente gritou, fazendo-o congelar no lugar. — A porta
nunca fica trancada.
— E como eu poderia saber onde está a chave? — Conforme Charles falava, o choro da
criança aumentava mais e mais. — Não tenho e não planejo ter nenhum tipo de contato com Blue.
Quase como uma felina, Tessa cortou o corredor em uma velocidade assustadora. De maneira
bastante violenta, empurrou Charles contra a parede, fazendo-o se chocar com um baque surdo.
— Eu só vou perguntar uma vez e você vai me responder da maneira correta agora. — Tessa
não costumava agir daquela forma, mas ao ouvir o choro de Blue que parecia aumentar cada vez
mais, algo dentro dela parecia se transformar. — Onde está a chave, Charles?
Ele não estava acostumado a ser desafiado, por isso a atitude dela foi bastante surpreendente,
deixando-o boquiaberto por alguns instantes.
— Pare de estupidez e tire as mãos de mim. — Charles tentou empurrá-la, mas Tessa era
claramente mais forte.
— Você não me conhece, Charles. Não me desafie muito. Onde está a porra da chave? — Tessa
o puxou pela camisa, praticamente gritando.
— Responda o que ela perguntou! — Surgindo de algum lugar, Wolf gritou, caminhando pelo
corredor.
Naquele momento, ele não se lembrou de nenhum trauma do passado. Pensou apenas em
proteger seu bebê.
Capítulo 25

Charles compreendia que a morte de um bebê na casa de Wolf poderia ser considerada uma
polêmica. As pessoas certamente comentariam, mas seria fácil resolver o problema. Bastava que
Wolf inventasse alguma história, dizendo que se tratava do filho de alguma empregada, ou até mesmo
de Tessa. As possibilidades eram muitas.
Caso o bebê sobrevivesse, no entanto, os problemas poderiam ser maiores e menos passíveis
de reparação. Se a notícia de que Blue era, na verdade, o filho surpresa de Wolf Hardie explodisse
nos meios de comunicação, o sobrenome da família permaneceria na boca dos jornalistas por
semanas.
Na juventude, Charles aprendera que um bom homem nunca se envolvia em polêmicas e sabia
exatamente quando ocultar ou mentir. Era necessário saber a hora de agir e como agir, e
definitivamente Wolf não sabia de nenhum dos dois.
Wolf não passava de um filhotinho amedrontado e facilmente impressionável aos olhos de
Charles. Sabia que se elevasse a voz, certamente ele obedeceria. Sempre foi assim.
— Quem você pensa que é para falar comigo desse jeito? — No instante em que Charles
empurrou Tessa e deu um passo na direção do filho, foi como se Wolf diminuísse quase que
automaticamente.
Ainda existia uma barreira bastante intricada nos pensamentos de Wolf, algo que ainda era
complicado de vencer. Mesmo assim, lutando contra a própria fraqueza, ele continuou a avançar na
direção do pai, colocando as duas mãos em seus bolsos e encontrando a chave.
Sem pensar muito, apenas correu para abrir a porta do quarto. Encontrou o pequeno Blue se
debatendo com o rosto coberto pelo lençol pesado.
— Está tudo bem agora. Está tudo bem. — Por alguma razão, Wolf sentiu lágrimas se
avolumarem nos olhos, embaçando sua visão.
O bebê parou de chorar ao enxergar a presença e o toque de Wolf. Sua mãozinha agarrou o
dedo dele com força e de maneira bastante inesperada, abriu um leve sorrisinho, movimentando os
lábios lentamente.
A cena foi sublime, única. Lágrimas escorreram pelas bochechas de Wolf, fazendo com que
seu coração se enchesse de algo bonito, algo grandioso que até então ele nunca havia realmente
identificado.
Era amor.
Wolf amava aquele garotinho. Mesmo sem ter os resultados dos testes de DNA, sabia que
Blue sempre seria o seu filho. O sangue não importava, os genes eram apenas meros detalhes.
Segurando-o nos braços, passou a balançá-lo levemente na tentativa de acalmá-lo. O que ele
não percebeu, no entanto, era que a presença de Blue também tinha a força de fazer com que ele se
acalmasse. A troca de energia era mútua, constante e bonita.
— O que diabos você tentou fazer? — A voz de Tessa soou alta no corredor.
Ao olhar para trás, Wolf teve tempo de ver quando Charles se aproximou dela, pressionando-
a contra a parede de forma violenta.
E assim o momento sublime com Blue acabou. Com cuidado, Wolf colocou o bebê de volta ao
berço e afastou o lençol. Em seguida, correu para fora do quarto e puxou o pai pela camisa.
— Você precisa aprender a respeitar as pessoas, respeitar a minha casa e me respeitar. —
Wolf estava sem fôlego conforme gritava. Aquela era a primeira vez que agia de maneira tão
energética contra o pai. — Você deixará a minha casa agora mesmo. Pegue as suas coisas e vá
embora. Não quero mais ver você. Apenas esqueça que tem um filho. Não preciso da sua presença,
não preciso dos seus conselhos. Apenas suma.
Ao terminar de falar, Wolf estava sem fôlego. Com o som dos gritos, Titia Felícia apareceu
no corredor, sobressaltada.
— Você se acha muito homem e muito forte, não é? — Charles sorriu e levantou uma das
mãos como se estivesse prestes a lançar um tapa no rosto do filho, mas Tessa o impediu, agarrando-
lhe a mão.
— Ele é muito forte e muito homem, Charles. — Tessa exibia a expressão de pura fúria. —
Na verdade ele é o homem mais forte que eu já tive a oportunidade de conhecer.
Wolf se encolheu um pouco de maneira quase que automática. Em seguida, apenas observou
Tessa que mais parecia algum tipo de força da natureza. Ela segurava o braço de Charles com
autoridade, impedindo-o de se mover.
E aos olhos de Wolf, aquela era uma cena espetacular, quase impossível. Tessa estava
desafiando seu pai, seu maior monstro, e não esboçava nenhum tipo de medo ou insegurança.
Recobrando os próprios sentidos, Wolf voltou a falar
— Se não quiser que eu chame a polícia, apenas vá embora. — Wolf o empurrou, fazendo-o
afastar-se de Tessa. — Aqui não é o seu lugar.
Falar tudo aquilo exigia um tipo de força esmagadora. Conforme as palavras tomavam o ar,
ele tinha a impressão de que vencia uma batalha por vez.
— Se eu pudesse, removeria o meu sobrenome dos seus documentos. Assim não precisaria
me preocupar mais. — Charles se afastou, recompondo-se. — Como disse, somos do mesmo sangue
e isso nunca irá mudar. Aceite. Vou embora, mas continuarei acompanhando os seus passos,
observando as suas besteiras.
Titia Felícia, que esteve em silêncio durante todo aquele tempo, se aproximou e sem
preâmbulos lançou um tapa no rosto de Charles.
— Eles são jovens e gentis, mas eu não preciso ser. — Em seguida, deu outro tapa, fazendo-o
dar dois passos para trás com o choque. — Wolf não está sozinho, Charles. A minha Tessa também
não. Ninguém aqui precisa continuar ouvindo as suas grosserias. Wolf já disse, mas agora digo
novamente. Se você não for embora agora, tenha a certeza de que telefonarei para a polícia.
De maneira elegante, passando a impressão de que nada importante havia acontecido, Charles
apenas se afastou. Seu rosto estava vermelho após os tapas.
No segundo em que ele dobrou o corredor, Wolf soltou o ar que estava prendendo sem
perceber. Em seguida, voltou a entrar no quarto de Blue sem dizer palavra.
Sentia-se esgotado, exausto emocionalmente, mas orgulhoso de si mesmo. Enfrentara o
monstro, o maior responsável por seus medos e cicatrizes.
Puxando uma das cadeiras, sentou-se ao lado do berço e observou o pequeno Blue que se
remexia, muito bem acordado.
Embora fosse um homem quebrado por dentro, nunca se igualaria a Charles. Eram pessoas
diferentes.
Wolf precisava manter isso em mente e seguir em frente.
Capítulo 26

Tessa sabia que Charles representava o que havia de mais assustador para Wolf. E mesmo
assim ele fora capaz de enfrentá-lo, fora capaz de fazer com que suas vontades fossem ouvidas e
obedecidas. Sem dúvidas aquele era um bom início.
Ela também sabia que se fosse em outra época, ele provavelmente não teria desafiado o
próprio pai. Enxergar o crescimento de Wolf era realmente reconfortante.
Depois que Titia Felícia se afastou para ter certeza de que Charles estava de fato arrumando as
malas para ir embora da casa, Tessa entrou no quarto e encontrou Wolf sentado em uma cadeira ao
lado do berço.
Com a cabeça baixa, ele segurava o pequeno Blue enquanto o balançava suavemente, fazendo-o
abrir e fechar os olhinhos em pleno sinal de relaxamento. Wolf parecia um pai de verdade, como
poucos. A imagem era quase como uma pintura, pura arte e beleza.
— Estou orgulhosa de você. — Ela quebrou o silêncio ao falar baixinho.
Wolf não havia percebido a presença de Tessa até então e se sobressaltou um pouco ao ouvir a
voz dela. Com cuidado, levou Blue de volta ao berço e em seguida se levantou, caminhando na
direção dela.
— Hoje pude perceber uma coisa. Duas, na verdade. — Com um sorriso, ele a puxou para
mais perto. — Percebi que nenhum medo é capaz de frear a minha vontade de proteger Blue, de fazer
com que ele seja feliz. Não importa o que o meu passado diga sobre mim. Estou preocupado apenas
com o que o futuro irá apresentar. E estou animado, Tessa. Realmente quero descobrir o que está por
vir, quero escrever algo bom para a minha vida, para a vida do meu filho.
— As suas palavras provam que você é um homem totalmente diferente do seu pai. Vocês
nunca serão iguais. — Ela pousou carinhosamente uma das mãos em seu peito. — Talvez ter um bebê
surpresa em sua vida tenha sido assustador, mas você precisava disso. Eu sei que a cura está
acontecendo dentro do seu coração, da sua alma.
— Blue é um milagre, Tessa. Ele nasceu de forma inesperada, superou sozinho uma tempestade
e lutou contra um lençol pesado. Não existem dúvidas de que ele realmente deseja viver, ter um bom
futuro. E eu realmente quero proporcionar tudo isso a ele. — Wolf estremeceu um pouco, pois apesar
de tentar ignorar o toque de Tessa em seu peito, parecia-lhe impossível.
O desejo pulsava dentro dele, fazendo-o querer voltar a sentir seus lábios nos dela.
Na verdade, ele desejava mais, precisa de muito mais, porém não parecia adequado afinal
eram amigos.
— E qual foi a segunda coisa que você percebeu hoje, Wolf? — Tessa levantou uma das
sobrancelhas em sinal de curiosidade.
— Tive apenas a confirmação de algo que eu já sabia há muito tempo. — Sem resistir ao
impulso, ele a acariciou na bochecha. — Percebi que também sou capaz de tudo para defender você.
Ver o meu pai te agredindo daquela forma fez com que o meu sangue fervesse. Eu o odiei de verdade,
Tessa. Mais do que na infância. Agora eu sei que nunca poderia aceitar ver Charles maltratar as
pessoas que eu amo.
Tessa sentiu o coração se aquecer e um bolo se formou em sua garganta. Não sabia até que
ponto gostava de ouvir aquelas palavras, pois tinha total consciência de que estava apaixonada por
seu melhor amigo.
Precisava engolir os próprios sentimentos, depositá-los na arte ou em alguma outra coisa. Mas
nada daquilo podia continuar. Embora estivessem vivendo sob o mesmo teto e tivessem uma boa
convivência, Tessa estava ansiosa para ir embora dali, pois compreendia que se quebraria em um
milhão de pedaços caso continuasse brincando com tudo o que pulsava dentro de si.
— Antes eu tive muito medo do seu abandono. Tive medo de confiar outra vez, mas depois de
ver você enfrentando Charles, me senti realmente importante em sua vida. — Tessa temia que talvez
não fosse uma boa ideia falar aquelas coisas, mas tampouco suportava precisar ocultar o que sentia o
tempo inteiro. — Acho que formamos uma boa dupla.
— Você é importante na minha vida, Tessa. Você e Blue são o que há de mais grandioso no meu
coração. — Wolf a puxou para mais perto, olhando-a fixamente. Havia doçura nele, algo que nem
mesmo a maldade humana fora capaz de roubar.
Tessa realmente tentou resistir, mas não conseguiu. Colocando-se na ponta dos pés, inclinou-se
e o beijou com profundidade, unindo os lábios e sentindo que seu coração estava enlouquecido
dentro do peito.
Wolf retribuiu, pressionando-a contra a parede vazia do quarto. Tocou seus cabelos,
acariciando-os. Ela era uma bela mulher, pensou. Provavelmente a mais bela que ele chegaria a
conhecer em toda a vida.
Sem pensar muito, continuou a beijá-la até perder o fôlego e quando se separaram, ela precisou
dar-lhe as costas, apoiando-se na mesinha branca. Estava frágil e trêmula, ruborizada.
— Me desculpe, eu não deveria ter feito isso e...
Interrompendo-a, ele a puxou outra vez, voltando a beijá-la. A sensação era a de ir ao céu, a de
retomar a paz que o mundo insistia em roubar o tempo inteiro.
Poucos segundos depois, os dois se afastaram e Tessa literalmente correu na direção da porta.
Não podia continuar ali.
— Tessa? — Ele a chamou rapidamente.
— Sim?
— Eu amo você. — Com um sorriso, ele desenhou um coração no ar e em seguida levou uma
das mãos ao peito. Fez o que queria fazer, mesmo que temesse o resultado de tudo aquilo.
Com lágrimas nos olhos, Tessa tentou responder, mas não conseguiu. Ainda não estava
preparada, por isso fugiu, exatamente como costumava fazer quando estava tão sufocada pelos
sentimentos que nutria por ele.
Ao pegar-se sozinho no quarto de Blue, Wolf se recostou contra a parede e pressionou uma das
mãos no peito.
Não podia continuar sendo apenas o melhor amigo de Tessa. Aquela posição já não era o
suficiente.
Por isso, dali em diante, pensaria em formas de ganhá-la como mulher.
Como a mulher da sua vida.
PARTE III
Capítulo 27

Charles fora embora sem olhar para trás e não retomou contato. Não estivera realmente
interessado no bem estar de Wolf e quisera apenas garantir que ele não continuaria fazendo besteiras
para que pudesse evitar qualquer tipo de escândalo relacionado ao sobrenome Hardie, mas chocara-
se ao enxergar pela primeira vez que seu filho já não era o filhotinho de sempre e jamais voltaria a
ser.
Por estar acostumado a sempre ser obedecido, Charles literalmente sentira-se minúsculo
quando Wolf o expulsara com ira nos olhos.
Agora, quase duas semanas depois, Wolf estava se preparando para receber os resultados dos
testes de DNA. Com as mãos frias, balançava um dos pés repetidamente. Apesar do resultado já não
ser tão importante, o orgulho dentro de si desejava que Blue fosse seu filho legítimo.
Ao seu lado, Tessa segurava o bebê que brincava com um mordedor engraçadinho. Assim como
Wolf, ela também estava ansiosa, mas não acreditava que Lora chegaria ao ponto de mentir acerca de
um tema tão importante quanto a paternidade.
Além disso, Lora fizera questão de deixar material genético para que Wolf solicitasse testes
que apresentariam resultados aprofundados. A resposta para aquela dúvida era praticamente óbvia.
— O seu pai não voltou a encher o saco? — Tessa passou a odiar Charles não apenas pelas
agressões causadas à Wolf, mas também por tudo o que ele representava. Cada vez que lembrava do
choro do pequeno Blue naquele fim de tarde, sentia a angústia ainda apertar no peito.
E se ela não tivesse chegado a tempo? Mais uma tragédia aconteceria na vida de Wolf e seria
culpa dela. Pensar naquilo lançava um arrepio à sua espinha. Era grata por Blue estar saudável e
vivendo pacificamente.
O fato era que em poucos dias Tessa passara a realmente amar o pequeno Blue. Mesmo com
tão pouco tempo era como se um laço forte existisse entre eles. Cada vez que o balançava nos
braços, tinha a impressão de que sofreria quando fosse necessário se separar dele.
— Não e não irá retornar. Você se lembra quando conversamos acerca da necessidade do
perdão? — Tentando não focar nos resultados que chegariam dali alguns minutos, Wolf continuou a
falar. — Agora tenho a resposta para a minha própria dúvida. Eu não quero perdoá-lo. Planejo
apenas deixar tudo para trás e seguir em frente, mas não quero fingir que nada aconteceu, não quero
ter uma relação de pai e filho com ele.
— Você não tem a obrigação de perdoar ninguém. Se isso te faz sentir melhor, então te apoio
totalmente. — Com um sorriso, Tessa abaixou o olhar na direção de Blue. — Você e Charles nunca
tiveram uma relação verdadeiramente amorosa. E levando em consideração tudo o que você me
contou, ele certamente apenas continuaria trazendo sofrimento. Apenas deixe-o para trás e foque no
seu filho. É o mais importante.
Agora Wolf compreendia que nem todas as famílias eram felizes, compreendia que nem mesmo
os laços de sangue tinham o poder necessário para unir as pessoas. Às vezes era fundamental
simplesmente se despedir, se afastar e ninguém podia julgá-lo por isso.
Charles agora não teria o poder para retornar. Qualquer tipo de relação que pudessem ter
estaria totalmente quebrada.
— Nos últimos dias tenho pensado bastante acerca do futuro e do que quero para mim. Sempre
investi muito no meu crescimento econômico, mas me esqueci do meu crescimento emocional. Por
isso, acho que agora quero procurar ajuda profissional, quero aprender a lidar com os meus traumas
e medos. Já encontrei o contato de um bom psicólogo que trabalha como uma equipe multidisciplinar
que certamente conseguirá me ajudar bastante. — Ele apontou para Blue. — Às vezes desejar muito
ser um bom pai não é o suficiente, afinal os meus traumas sempre estarão no caminho. Preciso lidar
com tudo isso primeiro. Pessoas com feridas abertas sempre irão sangrar e sujar as pessoas ao redor,
isso é o que eu penso.
Enquanto ouvia Wolf falar, Tessa sorria com admiração. Conseguia enxergar de maneira quase
palpável o crescimento dele, a coragem.
— Estou muito feliz por poder acompanhar o seu trajeto de recomeço, Wolf. Obrigada por me
permitir fazer parte de tudo isso. — Ela fez um aceno de agradecimento.
O pequeno Blue começou a se remexer e Wolf o pegou no colo, brincando com suas mãozinhas.
— Até parecemos uma família de verdade quando estamos nós três juntos, não acha? — Nunca
mencionavam os beijos que haviam trocado, pois parecia perigoso demais. Internamente, no entanto,
Wolf lembrava da sensação o tempo inteiro.
Durante os últimos dias, conforme a reformulação da loja da família de Tessa transcorria, os
dois haviam se aproximado ainda mais, de uma maneira que parecia impossível, afinal sempre foram
demasiado próximos. Agora passavam horas conversando, rindo e brincando com Blue. Tomavam
café e jantavam juntos, e vez ou outra Wolf escapava do trabalho apenas para vê-la.
Na juventude, ele a admirara secretamente e até optara por abafar os próprios sentimentos,
afinal tinha medo de tentar alguma coisa e perdê-la. Atualmente percebia que havia perdido tempo.
Não havia outra mulher possível. Tessa sempre teve o encaixe perfeito para ele.
— Sim, Wolf. Realmente parecemos uma família de verdade. — Se encolhendo um pouquinho,
Tessa corou violentamente e odiou-se por isso. Quis dizer que seu maior sonho era o de poder
continuar ao lado dele, ao lado de Blue, sem temer perdê-los.
Por crescer sem um pai presente, Tessa não sabia exatamente como funcionava uma família
tradicional, mas sempre desejou casar-se com um homem capaz de amá-la e respeitá-la.
Aparentemente o destino estava pensando nela quando decidiu criar Wolf e nada seria capaz de
mudar sua certeza acerca daquilo.
— Senhor Wolf Hardie? — A voz ecoou na recepção e Wolf deu um pulo assustado. Havia
chegado a hora de receber os resultados dos testes.
Levantando-se, ele entregou o bebê nos braços de Tessa e partiu para pegar o envelope.
Agora chegaria a hora de saber a verdade óbvia.
Capítulo 28

Os resultados de um teste de DNA podiam demorar mais ou menos tempo, dependendo dos
laboratórios responsáveis e também do tipo de teste solicitado. Nas últimas semanas, Wolf esperara
ansiosamente até que aquele grande dia chegasse.
Parecia-lhe realmente irônico o fato de que no instante em que Charles deixara sua casa, a
maior parte da tensão existente também desapareceu. Além disso, valia a pena mencionar que Wolf
começara a enxergar-se como um homem verdadeiramente forte e já não tinha dúvidas de que era
capaz de superar os próprios traumas. Precisava apenas de tempo e confiança durante todo o
processo de cura que estava apenas iniciando.
Ainda com o envelope lacrado nas mãos, Wolf deixou as instalações do laboratório e seguiu de
volta para o próprio carro. Tessa caminhava ao seu lado trazendo Blue nos braços, claramente tão
nervosa quanto ele.
Ela ainda podia se lembrar do momento em que recebera a notícia de que um bebê havia
aparecido no jardim de Wolf. Sentira-se preocupada e temia que talvez problemas maiores pudessem
surgir. Agora, segundo a concepção dela, Blue surgiu na vida de ambos apenas para ensiná-los que
alguns desafios também podiam ser agradáveis.
Cuidar de um bebê não era uma atividade fácil. Por precisar ser alimentado de três em três
horas, Blue costumava fazer bastante sujeira. Apesar de Wolf precisar trabalhar muito durante o dia,
não se importava de acompanhar Tesa e a babá extra durante a madrugada.
Ele se sentia encantado por poder cuidar de uma criaturinha tão fofa e gentil. Adorava ensinar
brincadeiras novas e acompanhar seu desenvolvimento. O preço disso era caro. Agora Wolf tinha
bolsas roxas debaixo dos olhos e mantinha a expressão cansada o tempo inteiro, mas sentia-se feliz e
não reclamava.
— Pelo amor de Deus, abra esse envelope. Estou prestes a ter um ataque. — Tessa colocou
Blue na cadeirinha do banco de trás e em seguida entrou no carro, colocando o cinto de segurança em
si mesma enquanto olhava fixamente na direção de Wolf.
Ele não era considerado um homem de aparência impactante. Com seu corpo bem definido,
cabelos castanhos e olhos intensos e tristes, chamava a atenção, mas não parava um trânsito. Mesmo
assim, Tessa sentia-se enfeitiçada cada vez que o observava, relembrando dos beijos secretos que
haviam trocado.
Fingir que nada havia acontecido talvez fosse o maior dos desafios. Aos poucos, ela temia que
explodiria a qualquer momento.
— Certo. Vejamos... — Ele lançou uma piscadela na direção dela e sorriu. — É legal fazer um
suspense. Me sinto em uma novela da tarde, dessas que têm milhões de episódios.
— Mas não estamos em uma novela e o meu coração vai sair pela boca a qualquer momento.
Não me torture mais. — Ela deu um soco de leve no braço dele.
Dando de ombros, Wolf abriu o envelope e retirou de lá os papéis com os resultados.
O resultado constava o óbvio e não tinha nada de surpreendente: Blue, de fato, era o filho
legitimo de Wolf Hardie.
Mesmo assim, ao ler e reler os resultados por alguns segundos, ele sentiu o coração acelerar.
Dessa vez, não estremecia por ansiedade ou por estar prestes a entrar em pânico. Seu coração
saltitava de alegria, com uma realização profunda de que coisas boas também podiam acontecer.
— Ele é o meu filho! De verdade! — Abrindo um sorriso enorme, Wolf se inclinou ainda
sentado dentro do carro e se jogou em Tessa, abraçando-a com força. Ela nunca, nem mesmo por um
segundo, tivera a oportunidade de vê-lo tão feliz quanto naquele momento.
E por alguma razão Tessa não foi capaz de segurar as próprias lágrimas, pois se sentia grata
por poder participar de tudo aquilo, por estar ao lado dele exatamente no momento em que ele
recebia o que parecia a melhor notícia de sua vida.
— A sua história ao lado de Blue está apenas começando, Wolf. — Ela o abraçou com mais
força e inspirou profundamente, encantando-se com o cheiro masculino.
— Precisamos comemorar. O que acha de prepararmos um jantar hoje? Você, a sua tia, o
pequeno Blue e eu. Exatamente como uma família costuma fazer quando coisas felizes acontecem. —
Wolf fez uma pequena pausa como se estivesse tendo algum tipo de ideia empolgante. — Podemos
comprar um bolo gigante!
— Sim! — Lágrimas escorreram pelas bochechas de Tessa conforme sua voz soava
quebradiça e feliz. — Ah, Wolf... É maravilhoso poder ver você assim. Obrigado por compartilhar
esse seu momento comigo.
— E com quem mais eu poderia compartilhar? — Wolf tocou a mão dela suavemente. — Eu
agradeço por você estar aqui, por não ter desistido quando dei todas as razões para que você me
odiasse.
— O passado deve ficar no passado. Confio em você. Sei que não repetirá os mesmos erros e
já te perdoei há muito tempo. — Tessa não se sentia insegura acerca da amizade de Wolf, mas ainda
não sabia como lidaria com todos os sentimentos extras que nutria por ele.
Os beijos que haviam trocado mudaram toda a relação e mesmo que não falassem sobre o
assunto, Tessa compreendia que existia algo no ar. Wolf não era tolo e certamente enxergava o
mesmo.
— Fico feliz que as coisas estejam se acertando entre a gente. — Ele desejou dizer muito
mais, mas não queria pressioná-la. Sabia que tudo seria dito no tempo certo.
Em silêncio, Wolf olhou para trás e sentiu os próprios olhos se encherem de lágrimas ao
observar Blue se remexendo na cadeirinha.
— Sou seu pai de verdade, Blue. Consegue acreditar?
— E você é um pai incrível, Wolf. — Tessa o tocou na perna. — Blue é muito sortudo.
Wolf deu partida no carro e ligou o rádio, colocando em uma música animada, mas sem
aumentar muito o volume para que não assustasse o bebê.
— E eu sou muito sortudo por ter vocês dois. — Ele apontou para a rua. — Agora vamos
comprar um bolo enorme e comemorar!
Conforme dirigia atentamente, ele teve a mais completa certeza de que aquele era o dia mais
feliz da sua vida. Certamente nunca se esqueceria da música que estava tocando, do toque de Tessa e
do pequeno bebê se remexendo na cadeirinha.
Tentou memorizar tudo para que nenhum detalhe escapasse dos seus pensamentos.
Capítulo 29

Animado, Wolf comprou um bolo azul enorme e encomendou um jantar especial que foi
entregue ao entardecer. Ao voltar para casa, preparou a mesa ao lado de Tessa e em seguida se
sentou no tapetinho entre as almofadas espalhadas pelo chão. Blue apenas balançava as perninhas e
os bracinhos, brincando com uma bolinha vermelha vez ou outra. Uma série antiga estava sendo
reprisada na televisão e lá fora o clima parecia mais fresco do que o comum, calmo.
— Você é um paizão, Wolf Hardie. — Titia Felícia se sentou em uma das poltronas da sala de
estar e observou o bebê que parecia estar muito relaxado ao lado do pai. — Me lembro bem que no
início o pequeno Blue não se sentia tão confortável ao seu lado, afinal ele precisava se adaptar à
figura estranha. Agora, vocês dois parecem ser totalmente inseparáveis.
— É que precisamos recuperar o tempo perdido. — Wolf sorriu e em seguida se inclinou
para acariciar a barriguinha do bebê.
Os olhinhos de Blue eram impressionantes. Transmitiam o tipo de paz única e brilhante, capaz
de fazer com que qualquer pessoa se esquecesse dos próprios problemas.
Wolf nunca poderia imaginar que seria capaz de amar tanto uma criança. Quando mais jovem,
pensara que não chegaria a formar uma família. Acreditara que o melhor a se fazer era viver sozinho
e evitar problemas.
Lora fora uma tentativa falha que resultara em um presente enorme. Embora a relação dos
dois tivesse sido bastante problemática e tóxica, Wolf se sentia grato, afinal agora tinha Blue ao seu
lado.
Quanto mais pensava acerca do passado e tudo o que adoraria fazer no futuro, ele repetia a si
mesmo que já não se preocuparia ou se culparia por tudo o que havia acontecido nos últimos anos.
Podia ser um bom homem, um pai incrível, e estava verdadeiramente ansioso para descobrir o que o
destino vinha preparando.
Trajando um vestido salmão de tecido delicado, Tessa se aproximou, surgindo entre um
corredor e outro. Seus cabelos estavam soltos e havia pouca maquiagem no rosto.
Sentado no chão, Wolf se virou e ficou totalmente sem fôlego ao observá-la. Literalmente sem
fôlego.
Vê-la assim tão bela fazia com que ele se lembrasse dos beijos que haviam trocado, de tudo o
que desejavam dizer, mas ocultavam.
Não havia apenas desejo ali, mas admiração, cumplicidade. Algum tipo de conexão forte e
inquebrável que certamente vinha se intensificando com o passar daqueles dias. Bastava uma simples
troca de olhares para que o universo inteiro parasse apenas para que juntos pudessem se transformar
em um só.
Tessa era uma mulher tímida e nunca se relacionava romanticamente com ninguém. Ela nunca
daria o primeiro passo e Wolf compreendia que não podia ser radical demais ou corria o risco de
assustá-la.
Mesmo assim, começava a ter pressa. Queria garantir que Tessa seria sua, que conseguiria
fazê-la feliz apesar de tudo. Conforme o tempo passava, sua necessidade aumentava.
— Você está linda, Tessa. — Afirmou ao sorrir. Parecia tão natural vê-la surgir entre os
corredores que Wolf às vezes se esquecia que ela não morava ali permanentemente.
Não mora, mas vai morar, pensou. Ele queria se casar com ela, torná-la rainha do seu
coração, do seu lar e de tudo ao redor. Bastava que Tessa aceitasse.
Em silêncio, Titia Felícia olhou de Wolf para Tessa e em seguida sorriu.
— Vamos comer, pois quero dormir. Não quero ficar aqui e observar vocês dois se
devorando com os olhos. — Titia Felícia se levantou da poltrona e caminhou na direção da sala de
refeições. — E sim, você está muito linda, Tessa. É óbvio que Wolf ficaria encantado.
— Não diga essas coisas! — Tessa corou e em seguida correu para acompanhar a tia. — E
obrigada pelo elogio, Wolf. Não dê ouvidos.
Wolf se levantou e pegou o pequeno Blue nos braços. Agora tinha certa habilidade e não teve
dificuldades para colocá-lo na cadeirinha localizada perto da mesa de refeições.
— A sua tia está certa. Como eu não ficaria encantado com uma beleza como a sua? — Wolf
se sentia estranho falando aquelas coisas clichês e exageradamente fofas, mas não conseguia se
conter. Tinha a mais completa certeza de que se caso Tessa o aceitasse como marido, certamente
falaria coisas ainda mais constrangedoras no futuro.
Wolf não sabia que sonhara com uma família até sentir-se inserido em uma. Observar Titia
Felícia servindo os pratos, o pequeno Blue se remexendo na cadeirinha e Tessa ajudando com o suco
fazia com que algo dentro dele se enchesse de uma alegria pura.
Todo mundo merecia se sentir amado, se sentir parte de alguma coisa. E depois de tanto
percorrer caminhos difíceis, Wolf havia encontrado seu real porto seguro. Não deixaria que nada
daquilo escapasse outra vez.
— Você irá descobrir. Você irá saber o que traz paz ao seu coração, quais pessoas tornam
a vida mais leve. E quando a descoberta chegar, não tenha medo. Apenas agarre a felicidade com
todas as forças.
As palavras de Tessa retornaram aos pensamentos dele. Bonitas, fortes e claras.
Sim, ele havia descoberto quem eram as pessoas que tornavam a vida mais leve, quem eram
as que faziam com que tudo parecesse mais brilhante. E agora compreendia que havia chegado a hora
de agarrar a felicidade com todas as forças.
Pela primeira vez em bastante tempo, Wolf não se preocupou com o passado ou com os
julgamentos de Charles Hardie.
— Sente-se, garoto. — Titia Felícia o acertou com um pano de prato. — Não fique parado ou
a comida vai esfriar.
Obedecendo, ele se sentou e começou a comer enquanto todos conversavam alegremente. Ao
seu lado, o pequeno Blue parecia querer começar a dormir.
Conforme a noite transcorria, Wolf olhava para Tessa e tinha cada vez mais certeza de que
desejava tê-la em seus braços, prová-la por completo. A ânsia certamente o consumia por dentro.
Realmente estava cansado de esperar. Exatamente como fazia nos negócios, Wolf estava
decidido a arriscar daquela vez. Deixaria de escutar as próprias inseguranças e agiria segundo as
ordens do próprio coração.
Esperava não cometer um erro.
Capítulo 30

Ao fim do jantar, Titia Felícia levou Blue para o berço, colocando-o para dormir. Depois
disso, seguiu para os próprios aposentos, deixando Wolf e Tessa sozinhos. Ela não era uma mulher
boba e tinha a capacidade de sentir a tensão sexual que existia no ar.
Antes, quando Tessa ainda estava decepcionada com Wolf, Titia Felícia era totalmente contra
uma possível aproximação entre eles. Com o passar dos dias seus pensamentos haviam se
transformado totalmente. Agora ela concordava e até mesmo torcia por um avanço na relação dos
dois.
— Obrigado pelo jantar. — Tessa sorriu. Estavam parados de frente para a porta do quarto
dela. Ela sabia que algo aconteceria, precisava acontecer, mas não fazia ideia de como poderia
iniciar a aproximação. — A comida estava maravilhosa.
Por alguns segundos Wolf ficou em silêncio, ainda maravilhado com a beleza singular que ela
exibia naquela noite.
— É sempre um prazer ter você por perto. — Ele levantou uma das mãos, tocando-a na
bochecha esquerda de maneira bastante ousada. Tessa sentiu-se paralisar e todos os seus músculos
corresponderam ao simples toque.
Com o coração acelerado, ela deu dois passos à frente, na direção dele. O cheiro masculino
era delicioso e Wolf aparentemente possuía algum tipo de talento único, capaz de fazê-la correr na
direção dele.
Tessa se sentia como uma presa diante do predador e gostava de tal sensação. Gostava de
saber que Wolf estava claramente disposto a atacar. Seu olhar exibia poder, segurança, desejo. Uma
mistura de tudo o que ela admirava nele.
— Quero passar a noite com você hoje. — Ele sussurrou ao seu ouvido e as palavras soaram
quase que como um sonho. — Diga que está preparada antes que eu perca a cabeça.
Somente ela sabia o quanto desejara ouvir tudo aquilo. Durante os últimos anos acreditara
que tudo o que sentia por Wolf não passava de uma amizade intensa e verdadeira, mas
intrinsecamente sempre pareceu-lhe bastante óbvia a realidade.
Tessa se sentia atraída por Wolf, sexualmente seduzida.
Muitas vezes, sozinha em seu próprio quartinho, tocara-se, imaginando o corpo dele colado
contra o dela, os beijos, o calor e o suor. Depois, ao gozar sozinha, costumava repreender-se, afinal
nada daquilo parecera realmente correto na época.
Mas agora tudo parecia simplesmente se encaixar. O olhar dele fixo ao dela, a mão que
tratava de queimar sua pele, a voz rouca que pedia por uma autorização que somente ela tinha o
poder de dar.
E sim, Tessa estava preparada. Na verdade, sentia que explodiria caso não tivesse a
oportunidade de senti-lo naquele mesmo instante.
— Eu quero passar a noite com você. — Ela abriu a porta lentamente, puxando-o pela mão.
— É tudo o que mais quero, se eu for bem sincera.
Com um sorrisinho maldoso nos lábios, Wolf entrou no quarto e fechou a porta, trancando-a.
Em seguida, como se estivesse perdendo o próprio controle aos poucos, puxou Tessa para si,
beijando-a inclementemente.
Ela ficou sem fôlego, pois nunca nada havia sido tão intenso, tão avassalador. Os beijos
anteriores não representavam nada se comparados aos que ele estava presenteando-a naquele
instante.
— Você é a mulher mais linda que eu já conheci. — Ele a empurrou contra a cama, fazendo-a
cair entre os lençóis macios. Pressionando o corpo contra o dela, tirou-lhe o vestido, revelando a
pele branca. — E agora sei que você consegue ser ainda mais linda sem roupa.
— Eu sou virgem, Wolf. — Ela se encolheu um pouco. De repente sentia frio por estar tão
desnuda na frente de outro homem. Mas Wolf não era um homem qualquer. Ela não podia se esquecer
disso. — Essa é a minha primeira vez e não sei bem como fazer da maneira certa...
Tessa não era uma mulher totalmente inocente, afinal costumava se masturbar quando estava
demasiado excitada. Conhecia bem o próprio corpo e estava ansiosa por sentir o contato com Wolf.
Mesmo assim, era impossível não se sentir insegura, afinal perder a virgindade nunca seria uma
atividade exatamente fácil.
— Apenas relaxe... — Ele se inclinou e voltou a beijá-la. Lentamente, pegou as duas mãos
femininas, pousando-a em sua camisa. — Tire a minha roupa.
Ela obedeceu. Levantou-se trêmula e passou a abrir botão por botão, jogando a camisa
masculina no chão.
Chocou-se, no entanto, ao deparar-se com cicatrizes profundas na pele de Wolf. Suas costas
eram marcadas com sinais rasgados.
— Wolf...
Mordiscando o lábio inferior, ele voltou a pegar as mãos dela, pousando-as em algumas das
cicatrizes do peito.
— Esse sou eu, Tessa. Agora você me conhece por completo. — Ele fechou os olhos. —
Estou me entregando totalmente a você.
Tessa estava nervosa e não sabia o que fazer. Mesmo assim, agiu por impulso, fazendo o que
seu coração ordenou que fizesse.
Com lágrimas nos olhos, ela se abaixou e beijou a pele repuxada, passando por cada uma das
cicatrizes, acariciando-as. Descobrindo tudo o que palavras não podiam dizer.
— Você é o homem mais forte e honrado que já conheci. — Ela sussurrou, subindo mais um
pouco para beijar seu peito, na área próxima ao coração. — O homem mais bonito.
— Confie em mim essa noite e eu confiarei em você.
Wolf nunca falava acerca daquelas cicatrizes. Representavam apenas os momentos tristes em
que Charles costumava espancá-lo e torturá-lo durante a infância e parte da adolescência.
Aquelas eram marcas que estariam com ele para sempre. Wolf precisava aprender a se
orgulhar delas e estava tentando dia após dia, aos poucos, em um processo lento e demorado.
— Eu confio em você, Wolf. Eu confio. — Falando isso, Tessa o beijou conforme as lágrimas
escorriam por seus olhos.
Ele era um homem quebrado tentando se recuperar. Não havia permitido que a dor o
transformasse, o obscurecesse. Depois de tantas descobertas, Tessa tinha a certeza de que o amava
ainda mais.
Depois daquela noite, a amizade que havia entre eles certamente atingiria outro nível. Já não
seriam apenas amigos. Se tornariam amantes no mais alto nível de intimidade.
Apesar da vergonha inicial, Tessa agora se sentia totalmente preparada para o que estava por
vir.
Capítulo 31

Ao perceber-se totalmente desnuda, Tessa se aconchegou entre os lençóis, esperando pelo que
estava por vir. Seu coração parecia estar cada vez mais acelerado, mas ela gostava da sensação de
descoberta, de novidade.
Confiava em Wolf mais do que em qualquer outra pessoa.
— Confie em mim essa noite e eu confiarei em você.
Sim, ela confiaria. Sempre. Não havia sequer a necessidade de pedir.
Lentamente, ele se aproximou, inclinando-se para beijá-la na barriga. Subiu com delicadeza,
beijando entre os seios e também no pescoço. Um arrepio percorreu todo o corpo dela, fazendo-a
agitar-se.
— Esperei muito tempo para saborear você. — Ele sorriu. Havia doçura em seu olhar. Não era
apenas sobre desejo, mas sobre o tipo de amor profundo e único que se tornava difícil encontrar. —
Muitos anos atrás, quando ainda éramos adolescentes, admirei você em silêncio, pois sabia que não
podia estragar a nossa amizade. O tempo passou e tentei explicar a mim mesmo que estava fazendo a
coisa certa. Agora percebo que perdi tempo. Percebo que você sempre foi a mulher certa para mim,
pois me sinto o homem certo para você.
Falar tudo aquilo tão claramente causava uma explosão de liberdade aos sentimentos de Wolf.
De repente sua respiração já não parecia tão pesada e sua alma saltitava em deleite.
— Todos os caminhos que nós percorremos nos levaram até aqui, até o dia de hoje. — Ela
levantou uma das mãos para acariciá-lo no rosto. A luz da lua se infiltrava pelas frestas da janela. —
Nem antes nem depois. Apena o agora. Nada mais importa.
— Apenas o agora. — Ele se abaixou, beijando-a com força, como quem tem fome e ânsia.
— Amo você, Wolf. — Ela sussurrou entre um beijo e outro conforme um soluço escapava por
sua garganta. Guardara aquela simples frase pelo que parecia ser uma eternidade. Era estranho dizer
aquilo em voz alta. Sua voz ficou quebradiça e uma vontade imensa de chorar surgiu. — Ao seu lado
me sinto única. Me sinto amada. E amar você, Wolf, é simplesmente bom...
— Bom? — Ele estremeceu. Não estava acostumado a ouvir nada daquilo. Por alguma razão,
sentiu vontade de chorar. Engoliu em seco, pois parecia difícil respirar.
— É bom porque você é você. Existe algo de muito bonito na sua existência e sou grata por
estar na sua vida, na sua casa, nos seus caminhos.
Quando as lágrimas dele se uniram às dela, Tessa levantou a cabeça para beijá-lo.
Wolf sabia que precisaria realizar um longo tratamento psicológico para que pudesse se livrar do
peso que seus traumas carregavam. Mas o simples ato de sentir o corpo de Tessa contra o seu parecia
trazer a força que ele precisava, o início, a coragem.
E ali, entre lágrimas e raios de lua, Wolf descobriu que a relação que existia entre eles era a
responsável pela força que crescia dentro dele. Sempre foi assim, desde o início.
— Formamos uma melodia bonita.
— Sim, Wolf. Juntos somos música, uma orquestra inteira.
Sem dizer mais nada, Wolf a penetrou lentamente. No início, Tessa sentiu dor. Uma ardência
horrível pareceu tomá-la e por alguns segundos ela se encolheu, fechando os olhos com força na
tentativa de se esquecer da dor.
Wolf, no entanto, foi paciente. Testou posições e parecia não ter pressa alguma, controlando a
própria luxúria.
Com o passar dos minutos, Tessa percebeu que começava a relaxar e a se acostumar. E quando
ele a penetrou com força pela primeira vez, ela gemeu o nome dele em uma mistura de prazer, dor e
desejo.
Trêmula, fincou as unhas em suas costas, clamando por mais. O corpo de Wolf era definido
como uma pedra e deslizava suavemente contra o dela, suado. O som das almas se encontrando
parecia inundar o quarto, capaz de preencher a noite e o universo inteiro.
Nada daquilo estava sendo como Tessa imaginara durante a vida inteira. Na verdade, era muito
melhor. Sublime, intenso. Ela tinha a impressão de que poderia ser destruída por toda aquela força e
mesmo assim não se importaria.
Ao mudarem de posição outra vez, Wolf ficou deitado na cama e ela montou nele, gemendo
baixinho conforme ele voltava a penetrá-la. Perdendo totalmente qualquer amarra que pudesse
existir, se libertou, cavalgando conforme o beijava, mordiscando seus lábios.
Wolf nunca teve a oportunidade de conhecer aquele lado selvagem e avassalador de Tessa. De
uma hora para outra ela havia se tornado uma felina, permitindo-se descobrir os prazeres do sexo
sem que a timidez voltasse a dominá-la.
— Amo você, Tessa. — Ele falou depois de longos minutos em silêncio, incapaz de raciocinar
a coisa certa a ser dita. — E amar você é um dos maiores presentes que o destino poderia me
possibilitar. Nasci para apreciar a sua beleza, a sua inteligência e a sua existência.
Ela o tocou no peito, sentindo o coração acelerado, e em seguida se inclinou para beijá-lo.
Com os olhos fechados, vivenciou a sensação intensa do corpo colapsando, se entregando ao
orgasmo. Quando atingiu o pico do prazer e sentiu que estava caindo rapidamente, soltou um grito
alto, engolido pelos lábios dele.
Sabendo que estava prestes a perder o controle, ele a afastou rapidamente, segurando o próprio
membro duro. Houve tempo apenas para que gozasse nos lençóis, gemendo e xingando baixinho. Seu
peito subia e descia, totalmente suado. Era impossível manter o controle e pensar corretamente.
Sem dizer nada, ela apenas se aproximou novamente, aconchegando-se nos braços dele.
Adorava sentir seu cheiro masculino conforme passava os dedos em sua barriga definida, o suor
escorrendo pela pele.
— Descanse, Tessa. — Ele pediu suavemente, levantando uma das mãos para acariciar seus
cabelos bagunçados.
E, como se já não tivesse forças para mais nada, Tessa apenas obedeceu, fechando os olhos e
permitindo-se relaxar com a sensação de tê-lo tão perto.
Apesar de sonolento, Wolf permaneceu acordado por algum tempo, admirando-a conforme
refletia acerca do futuro.
Algumas decisões precisavam ser tomadas e ele não costumava ser o tipo de homem que temia
agir.
Por isso, antes de adormecer ao lado de Tessa, Wolf tomou a decisão que mudaria sua vida
para sempre.
Capítulo 32

Wolf despertou quando os raios de sol começavam a brilhar entre as nuvens. Sentia-se
relaxado e feliz. Blue não havia chorado naquela noite e começava a criar uma rotina agradável de
sono.
Levantando-se com cuidado para não acordar Tessa, vestiu roupas confortáveis e em seguida
deixou o quarto, partindo rumo à cozinha. A casa estava em total silêncio.
Sabendo que logo alguns funcionários começariam a trabalhar e que Titia Felícia logo
apareceria arrumada para a caminhada matinal que costumava fazer com Tessa, decidiu preparar um
café da manhã reforçado para as duas.
Com suas técnicas de culinária extremamente precárias, preparou bacon e torradas, ovos fritos
e suco de laranja fresco. Montou a mesa e sentiu-se um pouquinho orgulhoso com o trabalho.
Depois disso, com uma xícara de café nas mãos, caminhou pelo jardim e sentou-se em um dos
bancos. Olhava em silêncio para as nuvens que começavam a desaparecer e percebia os sons que
simbolizavam o dia que recém começava.
Naquela manhã, ele não conseguia deixar de refletir acerca dos anos anteriores. Será que
realmente nunca havia percebido que Tessa era apaixonada por ele? Será que fora tão cego ao ponto
de decidir investir em Lora quando tinha a mulher perfeita ao seu lado há anos?
Embora soubesse da importância de perdoar os próprios erros e de seguir em frente, odiou-se
um pouco por enxergar a própria tolice. Havia perdido muito tempo buscando o amor em corações
equivocados. Tessa sempre esteve ao seu lado, sempre fora o melhor que podia ser, e mesmo assim
Wolf preferira permanecer cego, fingindo que o melhor era simplesmente fugir de qualquer tipo de
relacionamento.
— Todos os caminhos que nós percorremos nos levaram até aqui, até o dia de hoje. Nem
antes nem depois. Apena o agora. Nada mais importa.
As palavras de Tessa eram corretas. Além disso, Wolf também reconhecia que já não era o
mesmo homem de anos atrás. Sentia-se mais maduro, mais confiante e capaz de lidar com as próprias
emoções e sentimentos.
Com um suspiro, bebericou um pouco do café e também não pôde evitar pensar acerca de
Charles.
Fora tão fácil expulsá-lo de casa...
Com isso, a lição que tirava de tudo o que havia acontecido era bastante reveladora. Às vezes,
a solução para um problema podia ser mais simples do que realmente aparentava.
Charles tivera a capacidade de criar um personagem assustador que trouxera uma realidade
atemorizante para a criança que Wolf fora um dia. Mas não passava disso, de um simples
personagem.
Wolf era um homem redesenhado agora. Foi necessário muito, muito tempo para que ele
percebesse que não precisava mais estremecer cada vez que avistava o próprio pai. Era como se
tirasse a corrente do próprio pescoço, libertando-se. Libertando a criança assustada que fora um dia.
Agora, precisava agarrar a mão daquela criança e ensiná-la a sorrir novamente. Só assim Wolf
conseguiria se transformar em um adulto verdadeiramente leve, verdadeiramente preparado para ser
um bom pai e um bom futuro marido capaz de amar sem medo.
— Quase posso ouvir as engrenagens girando na sua cabeça. — Tessa apareceu de repente,
surpreendendo-o. — Bom dia, Wolf.
— Você já acordou! Pensei que demoraria um pouco mais. — Ele a puxou pela cintura de
maneira inconsciente, fazendo-a sentar-se em seu colo. — Bom dia, Tessa.
Ela se sentia deslumbrada com tamanha intimidade. Parecia-lhe quase surreal pensar em tudo o
que havia acontecido na noite anterior. Estar ali, sentada no colo dele enquanto as mãos masculinas
se entrelaçavam com as suas, levava uma onda de choques elétricos ao seu corpo, fazendo-a perder
totalmente a concentração.
— Estava pensando em nós dois, na nossa amizade. Em tudo o que fomos, em tudo o que
iremos nos tornar de agora em diante. — Ele fez uma pausa de alguns segundos. — Sei que não
voltaremos a ser como antes.
— E o que seremos de agora em diante, Wolf? — Ela temia ouvir a resposta. Não queria
retroceder, não queria voltar a guardar todos os sentimentos em uma caixa outra vez.
Tessa certamente nunca mais seria capaz de aprisionar o amor que sentia outra vez. Se
precisasse fazê-lo, explodiria.
— Case-se comigo, Tessa. — Ele levantou uma das mãos dela, levando-a aos lábios. — Sei
que não tenho uma aliança no momento, mas o meu pedido é genuíno. Por favor, aceite dividir a sua
vida comigo. Eu seria o homem mais honrado do mundo por ter você ao meu lado.
Primeiro Tessa ficou paralisada ao ouvir as palavras dele. Depois virou-se para olhá-lo nos
olhos.
— Eu me casar com você? — Seu coração, que até então parecia tão calmo, acelerou em uma
velocidade surpreendente. — Está falando sério?
— Nunca falei tão sério na vida, Tessa. Não quero mais perder tempo. Já perdi tempo demais,
já fui tolo demais. Sei o que quero. — Ele a puxou para mais perto. — E quero ser seu.
— Eu quero ser sua. — Ela afirmou com a voz trêmula, mas havia total certeza e confiança em
sua voz. — É claro que eu aceito me casar com você. Eu estava tão cansada de precisar engolir o
meu amor. Agora...
— Sim?
— Agora sinto que nunca seria capaz de fingir outra vez. Quero dividir a minha vida com você,
Wolf. — Ela se virou de frente para ele e abaixou a cabeça para beijá-lo.
— Eu sou seu assim como você é minha. Formaremos uma bonita família e prometo que
aprenderei a lidar com os meus próprios traumas. Não quero que você e o pequeno Blue paguem
pelas minhas dores do passado.
— Estarei sempre aqui, Wolf. Quero te ver crescer, quero que as suas feridas encontrem a cura.
— Ao beijá-lo, Tessa teve a impressão de que sua alma estava se unindo à dele mais uma vez. Nunca
voltariam a se separar.
Existiram destruições e construções durante a história que ambos haviam escrito juntos. E ali,
naquela manhã fresca, Tessa simplesmente sentiu que estava presenciando o início de uma construção
bonita. Provavelmente a mais bonita até então.
— Amo você. — Ela sussurrou.
— Amo você. — Ele respondeu.
Dessa vez nenhum dos dois se envergonhou da doçura e do poder daquelas palavras.
Capítulo 33

Os dias seguintes foram bastante cheios tanto para Wolf quanto para Tessa. As semanas
pareciam estar correndo e os avanços na relação dos dois podiam ser quase palpáveis.
Exatamente como havia prometido para si mesmo, Wolf buscou ajuda profissional para
conseguir compreender melhor os próprios medos e anseios. Não demorou muito para que ele
começasse a usufruir de um acompanhamento psicológico de qualidade munido de uma equipe
multidisciplinar especializada na articulação da superação dos traumas causados por agressões na
infância.
Era possível perceber rapidamente as diferenças singulares que surgiam cada vez que Wolf
recebia atendimento psicológico. Lá, aprendeu a discutir as próprias dores sem se sentir culpado ou
envergonhado, e entendeu que nem sempre as soluções do mundo estavam dentro dele, tampouco
eram de sua total responsabilidade.
Além disso, Wolf também compreendeu que os ataques de pânico iam muito além de um
simples diagnóstico. Não bastava apenas enxergar a demanda, mas também buscar maneiras de
identificar os gatilhos comportamentais e superá-los. Mesmo sem nunca ter desconfiado claramente,
ele também apresentava episódios de depressão acompanhados de ansiedade. Quando todos os
sintomas surgiam de uma vez só, agiam como uma bomba relógio dentro dele.
Exatamente por essa razão que Wolf entrara em colapso semanas atrás no hospital pouco
depois de encontrar Blue em um cesto. Seu corpo ficara exausto por tamanha quantidade de
pensamentos ansiosos e episódios de preocupação extrema.
No início se sentira um pouco frustrado por ter a impressão de que não passava de um homem
frágil e traumatizado, mas depois de um tempo também assimilou que não havia fragilidade nenhuma
no ato de buscar ajuda quando necessário.
Charles não voltou a entrar em contato e aquele foi outro fator que ajudou em seus processos
de superação de obstáculos mentais. A verdade era que Wolf realmente não precisava ter o pai de
volta à sua vida e não existiam motivos para que insistisse em qualquer tipo de reaproximação.
Para muitos, expulsá-lo de casa poderia ser algo simples, mas não para Wolf. Enfrentar
Charles pela primeira vez, mesmo que de maneira tão comum, fora um fator crucial para que ele
criasse a coragem propulsora suficiente para mudar de vida.
Ainda havia um longo processo e a cura não aconteceria de uma hora para outra. O amor de
Tessa realmente ajudava, mas não era o suficiente. Apenas ajuda profissional adequada traria o
processo de cura para os seus traumas da infância.
Muita gente pensava que o amor era o suficiente para curar pessoas quebradas e traumatizadas.
Wolf, por outro lado, tornou-se a prova viva de que o amor podia ser considerado apenas o início,
mas nunca um fim. A cicatrização era longa e duradoura, não existia uma receita pronta e agora ele
também enxergava tudo isso.
Tessa, por outro lado, ocupou-se bastante com a organização da reinauguração da loja da
família Albers. Acompanhou as instalações das prateleiras e dos papéis de parede, recebeu as
mercadorias artesanais dos artistas de outros estados, preparou o plano de marketing que seria
exposto em toda Cloudtown e também garantiu que tudo estaria em seu devido lugar no momento
certo.
Quando o dia da reabertura por fim chegou, Tessa estava uma pilha de nervos. Titia Felícia
sequer dormiu durante a noite, tamanha sua ansiedade. E quando ambas chegaram à loja, choraram
abraçadas, sem acreditar na beleza do resultado final.
— A sua mãe ficaria muito orgulhosa de tudo isso. — Titia Felícia sorriu, maravilhada com
tudo ao redor. O ambiente estava ampliado e já não parecia tão apertado quanto antes.
— Sei que ela está vendo tudo isso de algum lugar. — Tessa voltou a abraçar a tia e em
seguida olhou na direção de Wolf, que segurava Blue Hardie com os dois braços. — Obrigada, Wolf.
Você realizou nosso sonho mais antigo e serei eternamente grata por isso.
— Muitas das minhas melhores memórias da juventude foram feitas nesse lugar, Tessa. É um
prazer ver vocês duas felizes. —
— Ah, eu gostaria de finalizar a decoração com uma coisa. — Abrindo a bolsa de pano enorme
que trazia consigo, Titia Felícia tirou cuidadosamente as bonecas artesanais que havia preparado nas
últimas semanas. Em cima do balcão de atendimento, colocou cada uma das peças.
— Espere... — Wolf levantou uma das sobrancelhas. — Essa boneca parece comigo.
— E essa parece com o Blue. — Completou Tessa.
— Bem, quando comecei o projeto, eu realmente não planejava me basear em vocês, mas
depois pensei melhor e esse foi o resultado. — Titia Felícia abriu os braços, apontando para todos
os lados. — Com tanta arte bonita disponível para os clientes, terei mais tempo para trabalhar
cuidadosamente nas minhas próprias peças. Muito obrigado por tudo, Wolf.
— Acho que agora deveríamos fazer uma foto. O que acham? Logo a imprensa e os primeiros
clientes começarão a chegar. — Wolf tirou o celular do bolso e Blue, que ficava cada vez mais
esperto e curioso, mexeu as mãozinhas, tentando agarrar o aparelho.
Juntos, se reuniram e fizeram uma foto divertida. Logo após isso, alguns jornalistas começaram
a aparecer. Champanhe foi servido e alguns clientes não demoraram a surgir.
Naquele primeiro dia, cerca de cem peças artesanais foram vendidas e mais duzentas foram
reservadas. Sem dúvidas Tessa precisaria realizar novos pedidos naquele mesmo dia, após o
expediente.
A vida estava uma loucura, cheia de novidades e desafios. Mesmo se sentindo cansada com
tantas tarefas, tinha a mais completa certeza de que estava vivendo o melhor momento da sua vida.
— O seu rosto está brilhando. Você está mais linda do que o de costume. — Wolf sorriu ao
puxar Tessa pelo braço. Titia Felícia estava no outro lado da loja, entre algumas estantes, dando
entrevistas para jornalistas enquanto bebericava uma taça de champanhe. — O que acha de
contarmos para ela sobre o nosso noivado?
— Minha tia vai cair de costas. — Ao pensar sobre o assunto, Tessa sentiu o estômago se
revirar em ansiedade e animação.
— Realmente quero ver essa cena.
Eles haviam decidido esperar até que as coisas se acalmassem para que pudessem revelar o
noivado para Titia Felícia. Agora que a loja estava aberta novamente, parecia ser o momento perfeito
para mais uma boa notícia.
Por isso, enquanto Tessa trabalhava arduamente ao lado da tia, Wolf escapou por algumas
horas e foi em busca do anel mais bonito que poderia encontrar.
Sempre engraçadinho, o pequeno Blue acompanhou o pai na aventura. Era bom em guardar
segredo.
Capítulo 34

Naquele mesmo dia, depois de correr em busca de um anel de noivado perfeito, Wolf havia
reservado uma mesa para o fim da tarde em um bom restaurante no centro de Cloudtown. No
passado, ele realmente nunca se enxergara como um homem verdadeiramente atencioso, mas agora
tinha a impressão de que nascera para formar uma família, para ser um bom pai e demonstrar amor.
Gostava dos avanços que estava conseguindo fazer e esperava que as pessoas ao seu redor também
percebessem os seus esforços.
Horas mais tarde, depois de deixar a sala de conferências, Wolf voltou até a loja da família
Albers. Dali seguiriam para o restaurante. O pequeno Blue estava com uma babá escolhida
cuidadosamente, afinal Tessa começaria a precisar focar nos negócios e não poderia ficar em casa
por tempo integral.
Ela se sentira um pouco culpada por já não poder cuidar de Blue o tempo inteiro, mas
prometeu a si mesma que continuaria a dar o melhor de si para fazê-lo feliz. Conforme o tempo
passava, parecia cada vez mais óbvio o fato de que Tessa havia se tornado uma verdadeira mãe para
o bebê.
— Hora de encerrar o expediente por hoje. — Disse Wolf ao entrar. A loja agora ficava aberta
até mais tarde, mas Tessa e Titia Felícia planejavam continuar voltando para casa no horário de
sempre. Uma funcionária específica ficaria responsável por cuidar das horas finais e fechar o
estabelecimento.
Por ser uma cidade pequena e com paisagens bonitas, Cloudtown recebia turistas de vez em
quando. Era importante manter a loja aberta até mais tarde para que não perdessem público e vendas.
Além disso, agora que as duas contavam com o apoio financeiro temporário de Wolf, podiam
contratar bons funcionários de maneira realista e aguardar pelo retorno econômico que certamente
começaria a surgir dali alguns meses.
— Hora de encerrar. — Tessa sorriu e desapareceu no interior da loja, voltando segundos
depois com Titia Felícia ao seu lado. Depois de se despedirem das funcionárias que continuariam
trabalhando por mais algumas horas naquele turno, entraram no carro, curiosas. — Para onde nós
vamos?
— Hoje é um dia especial, então precisamos concluir o dia com um jantar chique em algum
restaurante caro. Essa é a regra. — Wolf deu a partida no carro e dirigiu pela cidade.
— Você era um jovenzinho quando entrou na nossa loja pela primeira vez. Olhos tristes,
expressão de solidão. Aos poucos tentou ganhar o próprio espaço e conseguiu. — Titia Felícia
começou a falar no banco de trás. — A vida passa correndo rápido demais. Hoje estamos aqui, indo
jantar em um restaurante chique para comemorar a reconstrução da nossa loja. Uma reconstrução que
você mesmo financiou.
— A vida é feita de ciclos. — Wolf sorria enquanto dirigia. — Um dia eu me senti acolhido,
senti que podia reconstruir o meu coração naquela loja. Agora, depois de tanto tempo, pude retribuir,
reconstruindo o mesmo lugar com o meu próprio dinheiro. Sou grato por tudo isso.
— Garanto que também somos muito gratas por isso, meu querido. — Titia Felícia se inclinou
e deu dois tapinhas nas costas dele.
Quando chegaram ao restaurante, foram encaminhados rapidamente para uma sala reservada.
Uma garrafa de champanhe foi servida acompanhada de aperitivos. Depois, o jantar veio, deixando
Titia Felícia maravilhada com a beleza dos talheres.
— Esperei muito tempo para dizer o que estou prestes a dizer. — Wolf pousou a taça de
champanhe em cima da mesa e em seguida tirou a caixinha do bolso.
Tessa já havia aceitado o pedido há muito tempo, mas mesmo assim era possível sentir a tensão
no ar.
— Não me diga que você vai pedir a minha sobrinha em casamento. — Genuinamente surpresa,
Felícia levou uma das mãos ao coração. — Acho que a minha pressão acabou de subir.
Wolf abriu a caixinha e se ajoelhou diante de Tessa. O anel era prateado, cravejado com
pedrinhas de diamantes e uma pedra maior em tons de azul no centro.
— Tessa, você aceitaria se casar comigo? Aceitaria continuar escrevendo uma história bonita
ao meu lado? — Ele sorriu ao perceber que as mãos estavam tremendo um pouco. — Existem um
milhão de coisas que eu gostaria que construíssemos juntos.
— É claro que eu aceito, Wolf. — Exatamente como da primeira vez, ela sentiu o coração
acelerar e a alma se encher de alegria.
Ele colocou o anel no dedo feminino e em seguida a puxou para um abraço, beijando-a
respeitosamente nos lábios.
— Que dia esplendido! — Ainda sentada, Felícia voltou a encher a taça de champanhe e bebeu
tudo em um único gole. — A minha garotinha vai se casar com o meu garoto. Acho que não consigo
pensar em nada mais bonito.
Naquela noite, Wolf e Tessa firmaram o noivado oficialmente. Era realmente incrível poder se
sentir tão amado e aceito sem precisar se preocupar com as possíveis consequências do futuro, afinal
ele sabia que o futuro seria bonito. Bastava continuar apostando nos dias que estavam por vir.
A vida funcionava daquela maneira, pensou. Alguns problemas surgiam e desapareciam, outros
continuavam por algum tempo e ainda existiam aqueles que sequer eram percebidos. O mais
importante, no entanto, era continuar seguindo em frente, escrevendo a própria história.
Wolf conhecera o pior do ser humano e agora, dali em diante, começava a descobrir as cores
que a vida tinha para apresentar.
Se tornaria um homem melhor, enxergaria as cores mais belas. Tinha uma família bonita agora.
Não estava mais sozinho.
Capítulo 35

Sentado em uma poltrona confortável do seu escritório em Houston, Charles Hardie bebericou
um pouco do uísque que trazia consigo em uma das mãos. Pensativo, lembrou-se do dia em que Wolf
decidiu desafiá-lo, expulsando-o de casa.
Aquela fora uma situação que nunca antes havia acontecido. Não era fácil para Charles admitir
que seu filho, por fim, era um homem feito e estava se libertando das amarras criadas na infância.
Não existiam dúvidas de que Charles era um homem complicado, obscuro. Transmitira tudo o
que aprendera durante a própria vida para Wolf e mesmo depois de tudo, continuava pensando que
não errara ao agir tão violentamente. Para ele, a violência e a rigidez transformavam os fracos em
fortes.
Por isso, em seus pensamentos, Wolf se tornou um homem de sucesso apenas porque passou
por todas as agressões impostas por ele.
Apesar de continuar vigiando os passos do filho e de nunca deixar de se preocupar acerca do
sobrenome da família, Charles também compreendia que já não teria a mesma força de antes.
Arriscar controlar Wolf resultaria em tentativas falhas e estúpidas.
Embora reconhecesse o poder que detinha, Charles também reconhecia suas fraquezas. As
amarras do filho haviam se quebrado e as interferências não aconteceriam novamente.
Ele terminou de beber o uísque e caminhou pelo escritório silencioso. Abriu a porta e
continuou a caminhar, cortando os corredores da casa enorme até chegar ao quarto. Desde que sua
esposa morrera, a cama parecia grande demais, mas isso ele nunca admitiria, claro.
Era assim que passaria os últimos anos da vida, pensou. Viúvo, com um filho distante e incapaz
de assumir as próprias obrigações de herdeiro, afinal Wolf criara o próprio império e não precisava
mais dele para nada.
Talvez na próxima vida, quando retornasse, fosse capaz de enxergar que o respeito não se
ganhava através dos gritos, das agressões e ameaças. Talvez até conseguisse ser capaz de amar
normalmente caso ressurgisse em uma família mais habilidosa sentimentalmente.
Por enquanto, no entanto, Charles continuaria sendo quem era. Ignoraria a existência de Wolf,
mas não muito. Apenas o suficiente para fingir que ele não existia, mas também com investigadores
confiáveis que garantiriam que o sobrenome da família estava seguro.
A solidão não era tão ruim. Bastava aprender a lidar com ela.

A noite terminou quando Wolf levou Titia Felícia de volta para casa. Apesar do dia cheio,
Tessa ainda não se sentia cansada e pediu para que caminhassem um pouco mais pelas ruas de
Cloudtown.
O clima estava agradável, por isso Wolf decidiu aproveitar que Blue estava acordado para
levá-lo no passeio noturno.
Eram poucas as pessoas que caminhavam nas ruas. Alguns casais de namorados conversavam
na praça e grupos de adolescentes faziam barulho.
A loja da família Albers ainda estava aberta, mas fecharia em breve. Os funcionários ainda
estavam atendendo os clientes restantes.
— O que acha de pegarmos dois banquinhos e nos sentarmos ali, na frente da loja? — Sugeriu
Tessa, sentindo-se levemente emocionada.
— Me parece uma boa ideia.
Wolf ainda trajando a roupa elegante que escolhera para o jantar. Tessa estava com as peças
que escolhera mais cedo. Os dois pareciam como se tivessem saído de algum conto de fadas
moderno.
— A nossa amizade sobreviveu apesar de tudo. — Tessa quebrou o silêncio após se sentaram
nos banquinhos. — Estamos aqui outra vez, escrevendo uma história bonita. Obrigada, Wolf.
O pequeno Blue estava no carrinho, balançando as perninhas enquanto Wolf o empurrava para
frente e para trás, relaxando-o.
— Quando comecei a vir aqui, eu me sentia mortalmente quebrado. Hoje as coisas mudaram,
sou um homem adulto. — Com uma das mãos livres, ele entrelaçou os dedos nos dela. — A nossa
amizade sobreviveu e somos muito mais do que apenas amigos agora. Também sou grato, Tessa.
Muito grato.
Tessa ainda se impressionava com as reações que surgiam em seu corpo cada vez que Wolf se
aproximava. Por muito tempo temeu não ser capaz de encontrar o homem adequado, pois
aparentemente ele era o único que a fazia sentir verdadeiramente. Mesmo durante os anos em que
estiveram razoavelmente afastados, Wolf nunca deixou de ser o homem destinado a ser dela.
A vida funcionava de maneiras bastante irônicas, pensou. Os caminhos até podiam se separar e
voltar a se unir, os dias até obscureciam de vez em quando, mas a luz voltava. Sempre voltava. Era
impossível reconhecer a grandeza dos momentos felizes sem que a tristeza também existisse.
Ela sabia que nem todos os dias ao lado de Wolf seriam perfeitos, afinal a convivência
tornava-se complicada. Mas ao mesmo tempo, estavam amadurecendo juntos, reconhecendo os
defeitos, trabalhando para que o amor continuasse forte e brilhante.
Wolf conhecia Tessa mais do que qualquer pessoa. E certamente ela era capaz de enxergá-lo
através da armadura também.
— Eu amo você, Wolf. Agora que posso dizer, tenho a impressão de que nunca me cansarei de
falar sobre isso, de deixar claro da sua importância na minha vida. — Lágrimas surgiram nos olhos
dela. — Acho que estou um pouco sensível hoje, mas tenho motivos.
— Eu também amo você. — Ele se inclinou, beijando-a enquanto limpava suas lágrimas. — E
pode continuar falando, eu gosto de ouvir. Esperei ouvir tudo isso por tanto tempo que agora sinto
que me tornei carente demais.
— Somos perfeitos um para o outro então. — Ela sorriu, fungando.
— Sim, Tessa. Sempre fomos perfeitos um para o outro. — Ele passou uma das mãos ao redor
dos ombros dela. — Nós dois contra o mundo.
— Agora temos o pequeno Blue Hardie. Nós três contra o mundo. — Ela se levantou apenas
por alguns instantes, pegando o bebê nos braços.
Depois disso, ficaram em silêncio, sentados nos banquinhos apenas usufruindo da felicidade
que parecia se infiltrar de maneira tão genuína.
E assim como a história começou cerca de quinze anos atrás, tudo se repetia mais uma vez. Na
época caminharam na direção de uma amizade. Agora caminhavam rumo ao casamento.
Caminhavam na direção do final feliz que tanto precisavam.
Epílogo

Anos depois...
O pequeno Blue já não era tão pequeno. Aos sete anos, estava com os cabelos um pouco longos
e rebeldes em tons de castanho e dourado. Seus olhos continuavam tão azuis quanto sempre foram e
pareciam ter o poder de enfeitiçar qualquer pessoa.
Naquele fim de tarde de sexta-feira, Blue estava sentado no chão do atelier de Tessa. Tinha
argila nas mãos e vestia um avental repleto de desenhos infantis. Seguindo os passos da mãe, adorava
criar arte.
Em sua cabeça, planejava montar uma família de argila. Já até conseguia imaginar a obra
pintada em cima da mesinha que ficava ao lado do sofá da sala de estar enorme.
Blue era um garoto inteligente e muito amado. Adorava as aulas de karatê e se divertia jogando
basquete com Wolf. Aos fins de semana costumava sair com Tessa sem destino, sempre em busca de
alguma aventura diferente.
Na loja de produtos artesanais da família em Cloudtown havia uma prateleira totalmente
dedicada às peças que ele mesmo criava. Não eram produtos profissionais, mas as pessoas
compravam vez ou outra. Já sabia fazer arte mesmo sendo um garotinho.
— Estou atrasada, mas cheguei! — Tessa entrou no atelier com Titia Felícia ao seu lado. Nos
braços tinha o pequeno Gray, seu primeiro filho após o casamento com Wolf.
Diferentemente de Blue, o pequeno Gray tinha os olhos tão acinzentados que mais podiam ser
comparados aos dias de chuva e tempestade. Para Wolf, escolher o nome do bebê ao lado de Tessa
parecera ser uma missão óbvia e ambos concordaram que chamá-lo de Gray seria uma boa ideia.
— Já estou trabalhando na peça nova. — Blue levantou o olhar e sorriu ao ver o irmão. —
Gray, venha, venha me ajudar!
O pequeno Gray tinha cerca de quatro anos e ainda não entendia muito sobre a arte, mas Blue
costumava ser bastante paciente com o irmão mais novo e ensinava tudo o que havia aprendido com a
mãe e com a tia.
Aos poucos a família começou a trabalhar em conjunto. Tessa ligou o som e uma música
animada inundou todo o ambiente.
Momentos como aquele eram valiosos. O tempo passava rápido e logo Blue se tornaria um
adolescente e em seguida partiria rumo à universidade. Podia parecer dramático e exagerado refletir
sobre tudo aquilo, mas mesmo sendo uma época tão distante, Tessa sabia que tudo acontecia em um
piscar de olhos.
Conforme faziam arte, ela parou por alguns instantes para olhar ao redor. Blue e Gray pareciam
felizes e nunca brigavam. Tessa não conseguiu controlar o impulso de tirar o celular do bolso para
fazer uma foto e enviar por mensagem ao marido.
Agora Tessa já não tinha muito tempo para ficar em casa. Depois que a loja havia recebido os
investimentos de Wolf, ela conseguira abranger os negócios, abrira várias filiais nas mais diversas
cidades do Texas e controlava tudo com mãos de ferro, dividindo as horas entre novos investimentos
e cursos relacionados à área empresarial.
O sobrenome Albers tornara-se sinônimo de oportunidade para novos artistas. Muitos
buscavam as filiais na tentativa de encontrar uma maneira de terem seus trabalhos reconhecidos.
Levando em consideração que Titia Felícia era uma mulher idosa bastante ativa, ficara responsável
por avaliar as solicitações e dar oportunidades justas aos melhores.
A verdade era que Tessa nunca poderia ter imaginado que um dia controlaria um conglomerado
de lojas que dominavam todo o setor de comercialização de produtos artesanais do Texas. Sentia
como se estivesse sonhando cada vez que realizava viagens em nome do trabalho.
Interrompendo seus pensamentos, Wolf entrou no atelier trazendo uma bandeja com as duas
mãos. Havia sanduíches e suco de laranja.
— Trouxe comida para quando vocês terminarem. — Wolf estava no escritório quando recebeu
a foto de Tessa apenas alguns minutos antes.
Nos últimos anos, ele prosseguiu com o acompanhamento psicológico e teve avanços realmente
significativos. Agora já não fazia uso da equipe multidisciplinar, mas continuava indo aos encontros
semanais com seu psicólogo.
Apesar de se sentir um homem renovado, Wolf compreendia que traumas não desapareciam de
repente e temia sofrer algum tipo de recaída. Planejava continuar com o acompanhamento por tempo
indeterminado até que se sentisse seguro o suficiente. Não tinha pressa e acreditava no próprio
destino.
Algum tempo atrás, cerca de quase um ano após a cerimônia de casamento de Wolf, Charles
fora encontrado morto em um hotel caro. Estava acompanhado de um grupo de mulheres muito mais
novas do que ele, cocaína e garrafas vazias de uísque.
Era possível concluir através dos laudos médicos que Charles tivera algum tipo de overdose
e morrera exatamente como mais temia. Tornara-se notícia por semanas, trazendo o maior escândalo
que a família Hardie já presenciou em sua história.
Wolf sequer se pronunciara sobre o caso. Continuara vivendo normalmente e estivera
presente no velório, mas não mais do que isso.
A vida parecia bastante irônica, afinal o maior medo de Charles sempre fora pensar na
possibilidade de ter que lidar com os escândalos do filho, mas Wolf continuou a manter uma vida
pacífica e aparecia nas revistas e jornais apenas quando conseguia fechar algum acordo importante.
— O que acha de fazer uma estátua também, papai? — Blue levantou a argila com as duas
mãos e sorriu. — É muito legal, você vai gostar.
— Não sou muito bom com arte. — Respondeu ao pousar a bandeja com os lanches em cima
da mesa do atelier.
— Ninguém começa sabendo das coisas. Tente, querido. — Insistiu Titia Felícia ao pegar um
pedaço da argila para entregar nas mãos dele.
Sem ter outra opção, Wolf apenas se sentou ao lado dos filhos e da esposa. Começou a
trabalhar na argila e percebeu que era divertido passar o tempo interagindo com aquilo.
— Você é um paizão, Wolf. — Tessa sorriu. — Me lembro que você tinha muito medo de não
saber como cuidar bem dos seus filhos. O que acham, crianças? O papai é bom?
— O papai é o melhor do mundo inteiro! — Blue levantou as duas mãos e seus olhinhos
brilharam.
— Sim! Sim! — O pequeno Gray bateu palas e sorriu também, repetindo os gestos do irmão
mais velho.
— Eu amo vocês mais do que qualquer coisa. — Wolf amassou o barro e fez bonequinhos que
representavam a família. — Sempre estaremos juntos. Nós contra o mundo.
— Nós também amamos você, querido. — Afirmou Tessa, sentindo o coração se encher de
orgulho e satisfação. — Muito.
— Sim, amamos você, papai! — Blue completou.
Wolf não falhou em sua missão. Na verdade, aprendeu entre erros e acertos, tornando-se um
pai invejável. Descobriu que mesmo com tanto dinheiro, sua maior riqueza estava ali ao seu lado.
Para ele, família sempre seria o sinônimo mais belo de final feliz.
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Se você ama romance, não deixe de ler ANTES QUE AMELIA WHITLOW VÁ
EMBORA, lançamento do autor Jhonatas Nilson. Trata-se de uma história linda sobre recomeços,
família e amor!
Se estiver curioso, leia gratuitamente os três primeiros capítulos nas páginas seguintes!
Capítulo 1

Amelia Whitlow

Às vezes penso que talvez a solidão seja a maior tragédia da velhice. Conforme os anos se
passaram, as pessoas desapareceram uma após a outra da minha vida e de repente estou sozinha.
De repente estou sozinha no dia do meu aniversário de setenta e cinco anos.
Existe algo de bastante doloroso no ato de pensar que ninguém teve a sensibilidade de se
lembrar do meu aniversário. Eu não deveria pensar muito sobre isso, afinal é só mais um dia
qualquer, mas me sinto bastante decepcionada.
Tive apenas uma filha na juventude, Sharon. Ela era uma mulher elétrica e observadora, mas
morreu cedo e de maneira trágica, afogando-se no mar. Para a minha surpresa, deixou Olive Amelia
aos meus cuidados.
Sim, Sharon decidiu optou por colocar Amelia no nome da filha como uma maneira de me
homenagear. Eu fiquei realmente muito honrada com a beleza da atitude dela.
Após perder Sharon, senti que algo dentro de mim havia se perdido também. Inclusive, posso
te assegurar, com confiança, que uma cratera enorme se forma no peito quando perdemos uma filha.
Por isso, por muitos anos, me dediquei totalmente a Olive. Estive ao seu lado em cada passo da sua
história até o dia em que ela decidiu partir para Londres em busca de novas oportunidades.
Desse dia em diante acho que perdi a importância para ela, pois fomos nos afastando sem
sequer percebermos. Nos afastamos tanto que ela até se esqueceu do meu aniversário em pleno
domingo.
Acho que estou um pouco mórbida hoje, pensando em todas as coisas que sonhei em fazer e
acabei desistindo por medo, ou por me sentir fraca demais para seguir em frente. Quando dei por
mim, a minha pele já estava enrugada e as minhas pernas começavam a parecer dois gravetos
frágeis. Hoje vivo uma vida sem sonhos, sem anseios. Quase como se estivesse esperando a morte.
Faz sentido?
Sentada em uma cadeira de balanço, olho através da janela. O mar parece mais rebelde hoje,
como se estivesse com um péssimo humor. Vivo em Nislontree, na Cornualha, e tenho o privilégio de
usufruir da paz que somente uma região desconhecida teria a possibilidade de me oferecer.
Nislontree ficou famosa certa vez quando serviu de cenário para uma série de época que foi
lançada alguns anos atrás em algum sistema de streaming. E devo dizer que me parece muito
engraçado que nos dias de hoje existam ideias tão geniais quanto os sistemas de streaming. Se algo
assim surgisse nos meus tempos de juventude, as pessoas certamente diriam que se tratava de algum
tipo de bruxaria.
Na época em que a série explodiu na internet, a cidade ficou cheia de turistas, um verdadeiro
inferno. Mas ao mesmo tempo, acho que aquele ano foi o mais lucrativo da história do Whitlow Café.
Bem, o Whitlow Café é um pequeno estabelecimento que fica localizado na praia. Pertence à
minha família há décadas e era a grande paixão da minha mãe antes de morrer. Você sabe como essas
coisas funcionam. Uma paixão vai passando de mão em mão até que um dia não existam mais mãos
para continuar transmitindo as tradições da família.
Acho que o Whitlow Café só vai chegar até a minha geração. Estou ficando velha e começo a
pensar que o melhor talvez seja vender o estabelecimento. Inclusive tenho recebido propostas
bastante interessantes de investidores que planejam colocar Nislontree no mapa do turismo
novamente.
Com um suspiro, me levanto da cadeira de balanço e me aproximo um pouco mais da janela. É
possível avistar o letreiro brilhante do café piscando e piscando, quase como se tentasse dizer que
ainda continua lutando para se manter de pé. Ao fundo, o mar rebelde faz barulho com suas ondas que
se quebram ao chegar na praia. A vista é bonita e vazia.
Sinto uma vontade imensa de ligar para a minha neta, mas acho que ela deveria ligar para mim.
Conforme pisco algumas vezes, quase sou capaz de enxergá-la correndo descalça, molhando os pés
com a água do mar enquanto tenta colher conchinhas.
Quando o tempo deu esse salto estratosférico?
Levando em consideração o fato de que não estou acostumada a enviar e-mails ou mensagens
de texto, decido procurar algumas folhas de papel e caneta preta. Em seguida, me sento diante da
mesa da cozinha e me inclino para escrever uma carta.
Gosto da sensação de escrever cartas, mas ninguém faz mais isso hoje em dia.
Quando penso em começar a escrever a primeira palavra, a campainha do meu apartamento
toca, fazendo com que eu dê um pulo na cadeira.
Seria estupidez confessar que sinto certa esperança de que talvez Olive apareça de maneira
surpreendente dizendo que decidiu vir passar o aniversário comigo e acabou se atrasando?
Solto a caneta e me levanto, afastando a cadeira. Me olho no espelho e passo a mão nos meus
cabelos grisalhos. A campainha toca outra vez.
Não estou esperando nenhuma visita então acho que talvez exista a grande possibilidade de
que Olive realmente apareça.
Corro na direção da porta e sinto o meu coração palpitar de ansiedade. Realmente gostaria de
ver a minha netinha hoje.
Abro a porta e o meu sorriso se desfaz.
Não é Olive.
— Feliz aniversário, senhora Whitlow! — A voz animada e jovial de Hiram Stannard ecoa
por todo o corredor. Ele está segurando um bolo com as duas mãos e tem um sorriso enorme no rosto.
— Oh... — Tento não parecer decepcionada. — Obrigada, Hiram. Que gentileza a sua.
Que engraçado, penso. O que me levou a acreditar que talvez a minha neta pudesse vir me
visitar? Acho que são pensamentos intrusivos que surgem quando você quer muito que algo aconteça.
Por alguns instantes, o jovem Hiram e eu ficamos parados um de frente para o outro. Nem sei
bem o que fazer, pois me sinto triste, mas não quero ser grosseira.
— Entre, filho. Deve estar fazendo um frio terrível lá fora. — Abro a porta um pouco mais.
Animadíssimo, Hiram entra saltitando no meu apartamento. Ele sempre foi muito gentil.
Capítulo 2

Amelia Whitlow

Hiram Stannard é um homem de trinta e cinco anos que vive sozinho com sua cadelinha de raça
samoieda no apartamento ao lado do meu. No início, quando ele apareceu de repente em Nislontree
cerca de cinco ou seis anos atrás, formei uma opinião não muito agradável acerca dele. Sendo bem
sincera, ele parecia ser um rapaz bastante estranho e misterioso. Quase nunca saía do próprio
apartamento e fazia muitíssimo silêncio, o que me parece exótico, afinal todo jovem faz barulho hoje
em dia. Muito barulho.
Geralmente era possível observá-lo caminhar todos os dias nas primeiras horas da manhã.
Sempre trazia White, a cadela, consigo. Aquela era algum tipo de rotina inquebrável entre eles (Devo
dizer que a rotina continua até os dias de hoje!).
Confesso que White foi a primeira a ganhar a minha confiança. Céus, ela é literalmente uma
grande bola de pelos brancos com olhinhos que mais parecem duas bolinhas de gude negras. Dizem
que a raça samoieda é originária do norte da Rússia, mas nunca pesquisei sobre o assunto.
Hiram e White são inesperáveis. Melhores amigos do mundo inteiro. E, honestamente, todo
mundo sabe que pessoas que amam os animais de maneira tão profunda geralmente são bastante
confiáveis, não é verdade?
Por isso, decidi iniciar uma primeira conversa no dia em que ele entrou no meu café pela
primeira vez. Desde então, passei a considerá-lo como um verdadeiro neto, quase como se fosse
sangue do meu sangue. Com o tempo descobri que na verdade ele trabalha como escritor de mistérios
sangrentos. Após a descoberta, o silêncio sepulcral do seu apartamento e a solidão extrema fizeram
total sentido na minha cabeça.
— Você está muito abatida, senhora Whitlow. — Ele pousa o bolo em cima da mesinha e se
senta, olhando para as folhas em branco. — Estava escrevendo uma carta? Interrompi?
— Oh, não se preocupe, querido. Estou passando por algum tipo de crise estranha. Deve estar
relacionada ao fato de que me encontro em uma idade avançada. Sabe o que isso significa? Significa
que vou morrer a qualquer hora. Tenho certeza de que há alguma explicação psicológica para essa
minha crise em algum lugar. Basta pesquisar. — Me sento de frente para ele e sorrio ao observar o
bolo.
Dá para perceber que foi Hiram quem fez o bolo. A cobertura está uma bagunça e a letra usada
para escrever o meu nome não é lá essas coisas, mas não tenha dúvidas de que é o presente mais
adorável que ele poderia me dar.
Ah, ultimamente sinto que sempre esqueço de uma coisa ou outra...
Me esqueci, por exemplo, de dizer que Hiram passou a trabalhar comigo no café. Isso foi há
três anos? Ou dois? Ah, não importa, sinceramente.
Pois bem, trabalhar no Whitlow Café é algum tipo de hobby para Hiram, como uma maneira
de observar os clientes e imaginar personagens capazes de cortar cabeças e arrancar os olhos de
alguém.
A ideia de que Hiram é um rapaz bastante sombrio nunca escapou dos meus pensamentos,
afinal basta ler com atenção as coisas que ele escreve para perceber que existe muita escuridão em
sua alma.
Apesar de tudo, ele é bom e prestativo. Fala nos momentos certos e fica em silêncio na maior
parte do tempo. Atende bem os clientes e White costuma ficar na porta, recebendo petiscos de vez em
quanto.
— A senhora não vai morrer a qualquer hora. Vai demorar muito ainda.
— Ah, não tenho certeza. Até estou pensando em vender o café. Você sabe como a vida
costuma ser interrompida de repente. — Ao falar, me afasto apenas para pegar uma faca. Corto o
bolo e coloco uma fatia para ele e outra para mim. — Você é jovem e ainda não entende dessas
coisas.
— E depois? O que irá fazer sem o café?
— Sei lá. Definhar no apartamento. — Pego um pedaço do bolo e volto a sorrir. — Está uma
delícia, Hiram. Obrigada. E me desculpe por estar tão melancólica hoje.
— Eu estou melancólico todos os dias. — Ela dá de ombros. — A vida é uma merda, senhora
Whitlow.
— Ah, com certeza, meu bem.
Hiram tem os cabelos negros e uma barba bem feita. Seus olhos são verdes e os lábios têm uma
aparência carnuda. No geral, sua aparência chama a atenção por ser única e extremamente harmônica.
Se você olhar diretamente em seus olhos por alguns segundos, certamente conseguirá perceber
a tristeza que existe dentro da alma dele. Mas nunca perguntei acerca do seu passado, afinal acho que
essas coisas não devem ser realmente perguntadas.
— Senhora Whitlow, por onde anda a sua neta? Olive Amelia. — Ele fez uma pequena pausa,
pensativo. — Acho que só encontrei com ela uma vez e isso há muito tempo.
— Ela não costuma fazer muitas visitas.
— Nem no dia do seu aniversário?
— Acho que Olive Amelia deve estar muito ocupada. Tão ocupada que esqueceu que hoje é o
meu aniversário. Coisas assim acontecem, acho. — Tento fingir que não me importo, mas um bolo se
forma em minha garganta.
O problema de ser avó é que a gente costuma ser bastante emocional acerca dos netos.
Qualquer coisinha acontece e já estamos chorando, como se fosse o fim do mundo.
— Sabe o que eu acho, senhora Whitlow?
— O que você acha, Hiram?
— Eu acho que a sua neta é uma verdadeira ingrata. Não gosto dela.
— Você não a conhece.
— E quem disse que eu quero conhecer? — Ele come mais um pedaço do bolo. — Eu queria
ter uma avó para que eu pudesse preparar um bolo para ela também. Ela morreu quando eu ainda era
criança.
— Sinto muito, querido.
— Sabe o que eu acho, senhora Whitlow? — Ele termina de comer sua fatia e pousa o talher
em cima da mesa. — Eu acho que os netos realmente deveriam valorizar mais seus avós. É isso o que
eu acho.
Com um sorriso, fungo silenciosamente.
— Sabe o que eu acho, Hiram? — Abaixo o olhar. — Eu acho que você está realmente muito
certo.
Depois disso, ele foi embora com suas passadas silenciosas, quase como um espírito que surge
e desaparece.
Sozinha e me sentindo um pouco mais calma, volto a me sentar na cadeira e escrevo a carta.
Digo tudo o que está entalado na minha garganta.
Capítulo 3

Olive Amelia

Eu estou sendo traída. Descobri isso há algum tempo em um dia qualquer e desde então tenho
refletido bastante. Qual seria a melhor maneira de acabar com um relacionamento fracassado e
totalmente sem respeito? Com um barraco em público, é claro.
Eu juro que eu não estava bisbilhotando Phineas, o meu namorado. Simplesmente aconteceu.
Ele estava no banho pouco antes de dormir e o celular dele estava na mesinha ao lado do sofá. Me
aproximei por acaso quando o celular piscou.
Uma mensagem chegou.
Duas mensagens chegaram.
Três mensagens chegaram.
Quatro mensagens chegaram.
Me lembro muito bem de como eu tentei não ler, de como tentei segurar a curiosidade, mas não
resisti. Simplesmente li e não me arrependo.
No segundo em que os meus olhos compreenderam o significado daquelas mensagens, a minha
pressão caiu e eu fiquei cerca de uma semana me sentindo doente, sem saber como reagir.
Depois disso, aos poucos, passei a me acostumar com a ideia, tentando decidir quando seria o
momento certo de acabar com tudo.
O grande erro dos homens que têm amantes é que eles pensam que podem enganar as mulheres
para sempre. Não é bem assim. Aos poucos eles vão se tornando cada vez mais descuidados e se
torna fácil descobrir toda a verdade.
Nas últimas semanas, Phineas inventou que precisa ir a reuniões extras sempre aos domingos,
no período da noite. É estranho, não é? Quero dizer... Quem diabos marca reuniões semanais
exatamente no domingo?
Eu não sou estúpida, nunca fui. Não precisei investigar muito para saber que as reuniões
acontecem, na verdade, em um motel ou geralmente nos restaurantes caros da Piccadilly Circus.
Aposto que Phineas ainda está na fase de tentar impressionar a moça, por isso continua gastando rios
de dinheiro em comidas ridiculamente absurdas.
Phineas não é um homem rico, mas é certamente bem relacionado. Trabalha em uma construtora
responsável por comprar estabelecimentos antigos, modernizando-os para que possam valer muito
mais do que o preço original.
Nós nos conhecemos há mais ou menos seis meses depois de começarmos a conversar em um
desses aplicativos de paquera que estão na moda hoje em dia. Por algum tempo até pensei que talvez
ele pudesse ser o homem certo para mim.
O homem certo? Dou risada com o pensamento. Phineas é um verdadeiro canalha, mentiroso e
sem vergonha.
Enquanto caminho sorrateiramente por entre as pessoas que lotam a Regent Street, sinto meu
coração acelerar um pouco. Nunca participei de uma briga na vida, nunca desmascarei ninguém. Fui
uma garota criada por avó e isso significa que sou mimada e extremamente dócil.
Não entendo como podem existir pessoas sem coração que conseguem trair sem sentir remorso.
Eu me sinto culpada até mesmo quando penso em mentir acerca da minha idade!
Ainda mais nervosa, olho na direção do restaurante. Phineas está entrando e parece muito
cômodo, sem preocupação alguma. Estou seguindo-o desde o momento em que saiu de casa.
Estou cansada de ser traída. Tenho a impressão de que os meus chifres estão tão grandes que
começam a pesar na minha cabeça. Portanto, chegou o momento de acabar com tudo isso.
Hoje estou trajando um vestidinho roxo e meus cabelos castanhos estão soltos, lisos. Me sinto
pronta para matar. Sou uma mulher bonita demais para chorar por um homem que não me valoriza.
Mulheres não deveriam aceitar traição em hipótese alguma. Se existe a opção de dar um belo
pé na bunda do traidor, então é exatamente isso o que todas devemos fazer.
Com cuidado, entro no restaurante e busco uma mesa distante. Phineas permanece sozinho por
algum tempo e então a amante aparece.
Devo admitir que ela é uma mulher bonita e muito, muito mais nova do que eu, que tenho trinta
e quatro anos. Ela deve estar na casa dos vinte e alguma coisa.
Meu Deus, o Phineas pensa que é um sugar daddy!
Abaixo a cabeça e cubro o rosto com o cardápio. Decido pedir uma garrafa de champanhe.
Espero pacientemente até que o garçom me sirva. E por alguns segundos, a minha mente parece girar
e girar, como se tentasse me convencer a desistir de toda essa loucura.
Mas não vou desistir.
Quase como se estivessem me enviando algum tipo de reforço, o casal se beija e o meu
estômago revira. Lentamente, trêmula e um com sangue nos olhos, me levanto da cadeira e caminho
na direção deles ainda segurando a taça de champanhe em uma das mãos.
— Meu Deus, Phineas, que bom gosto você tem! Sempre escolhe mulheres bonitas para se
relacionar, não é? — Sorrio quando o meu namorado empurra a moça, arregalando os olhos.
Fingindo o tipo de calma que certamente eu não estou sentindo, levanto a taça na direção dele. —
Boa noite, querido. Está se divertindo?
Eu percebo quando o sangue parece desaparecer do rosto de Phineas. Sinto certo prazer nisso.
Existem momentos em que a gente simplesmente sabe que a vida não será mais a mesma, que as
coisas vão mudar por completo. Acho que esse momento chegou para mim, para nós.
É muito triste pensar que vou ficar sozinha de agora em diante, mas tampouco posso aceitar ser
traída. Sempre apreciei a minha própria companhia, então vou saber lidar com isso no futuro.
— Olive? — Ele passa uma das mãos nos lábios, tentando limpar o batom. — O que você está
fazendo aqui?
— Ora, querido. Você ainda pergunta? Vim fazer isso aqui... — Como se estivesse enxergando
tudo em tons de vermelho, me aproximo um pouco mais e simplesmente quebro a taça na cabeça do
meu namorado.
Quais vão ser as consequências disso? Eu não sei. Nem mesmo estou pensando nisso direito.
Com meu salto enorme, levanto a perna e acerto um chute em seu peito, derrubando-o da
cadeira. Todos no restaurante já estão olhando em minha direção como se eu fosse doida.
Meu Deus, que baixaria. Eu estou adorando!

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