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Não que seja obrigatório, mas para um melhor

entendimento, eu aconselho você a ler o livro 1


(PROTETOR)
LINK: https://amz.run/3Xrr
Sinopse
Libertino, sedutor e bem sucedido.
Três ingredientes que funcionavam perfeitamente bem na vida de
Felipe González, um espanhol que fazia jus as suas raízes.
Dono de uma carreira invejável na medicina, ele acaba por receber uma

bela proposta para estar à frente de um cargo muito disputado num hospital
de renome da cidade de Nova York.
Disposto a celebrar tal conquista, decide comemorar na sua maneira
preferida: uma boa noite de sexo.
Porém, as coisas não saem como o planejado.
Ao contrário de Felipe, Alyssa Wilson não tinha motivos para
comemorar. Desesperada para esquecer os seus lamentos, pelo menos por
algumas horas, ela decide sair de casa e tem o seu destino cruzado com o do

espanhol.
Mas as coisas não saem como o planejado.
Às vezes, uma história de amor começa na cama...
Copyright© 2020 Sara Ester
Capa: Barbara Dameto
Revisão: Sara Ester
Diagramação Digital: Sara Ester

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e


acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com fatos reais é mera coincidência
________________________________________________________
Libertino
Livro 2 — Linhagem González
Sara Ester
1ª Edição
Setembro — 2020
Imbituba – SC/ Brasil

Todos os direitos reservados.


São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer
parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem
o consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98


e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Sinopse
Sumário
Prólogo
Felipe
Capítulo 1
Alyssa
Capítulo 2
Felipe
Capítulo 3
Alyssa
Capítulo 4
Felipe
Capítulo 5
Felipe
Capítulo 6
Alyssa
Capítulo 7
Alyssa
Capítulo 8
Felipe
Capítulo 9
Alyssa
Capítulo 10
Felipe
Capítulo 11
Alyssa
Capítulo 12
Felipe
Capítulo 13
Alyssa
Alguns dias depois
Capítulo 14
Felipe
Capítulo 15
Alyssa
Capítulo 16
Felipe
Capítulo 17
Alyssa
Capítulo 18
Felipe
Capítulo 19
Alyssa
Capítulo 20
Felipe
Alguns dias depois
Capítulo 21
Alyssa
Capítulo 22
Felipe
Capítulo 23
Alyssa
Capítulo 24
Felipe
Capítulo 25
Alyssa
Capítulo 26
Felipe
Capítulo 27
Alyssa
Capítulo 28
Alyssa
Último capítulo
Felipe
Seis meses depois
Epílogo
Alyssa
Cinco anos depois
FIM!
AGRADECIMENTOS
Prólogo
Felipe
New York City é a cidade que não dorme nunca e, em que culturas,
povos e arte de todo o mundo se misturam.
Eu estava a cinco anos nessa cidade incrível e, aos poucos, aprendi a
considerá-la minha segunda casa. Aprendi também a gostar do jeito
apressado e turrão dos nova-iorquinos e a entender como eles vivem e curtem
a cidade. Há vida noturna, baladas e clubes todos os dias da semana.
Quando decidi sair de Madrid, há cinco anos, em busca de inovação na

minha vida e carreira profissional, eu não imaginei que passaria por tantas
reviravoltas.
O novo, às vezes, assusta, mas certamente faz parte do aprendizado.
Nesse meio tempo, construí meu nome na Medicina Cardiovascular;
tive mais de setecentos artigos publicados e, atualmente, recebi um convite
para me tornar chefe do setor de Cardiologia do Heart Hospital.
Além disso, eu também tinha a minha clínica particular com uma
excelente equipe, dirigida por alguém da minha inteira confiança.

Basicamente, em meus 35 anos, eu me considerava um homem bem sucedido


financeiramente, além de sempre manter meus lençóis quentes com mulheres
dispostas a sexo casual.
— Então quer dizer que você aceitou o cargo? — Denver perguntou.

Ele era um amigo de longa data. Também trabalhava no Heart Hospital como
cirurgião do trauma. — A rotina lá é punk, já vou logo avisando — disse. —
Você não vai poder continuar com essa sua vida noturna desregrada. Ou não
conseguirá acompanhar o pique.
Eu ri, trazendo meu copo de conhaque à boca. O líquido ardente
arranhou minha garganta.
— Há sempre um jeitinho pra se conseguir uma bela mulher para
esquentar nossa cama, Denver — falei, sacana. — Não me amarrei até agora,

então não será um novo cargo e longas horas a mais que me farão mudar.
Ouvi sua risada, porém ignorei sua zombaria.
— Você não vale nada mesmo — ironizou.
— É dos canalhas que elas gostam mais — declarei, divertido.
De repente, ele parou para olhar o relógio.
— Bem, chegou minha hora — disse, estalando os lábios, desgostoso.
— Pretende ficar mais um pouco?
— Uhum — resmunguei, olhando ao redor em busca de um par de
pernas torneadas para fazer minha cama mais animada naquela noite. — Nos

vemos amanhã.
Nos despedimos e, eu fiquei sozinho no bar.
O bar The Eddy era um refúgio em meio à enxurrada de festas de
despedida de solteiro e amigos virando shots. Era, basicamente, a vibe de

uma “taverna tranquila” no East Village — com seus tijolos caiados de


branco, madeira escura, iluminação fraca e um murmurinho feliz dos
agradecidos clientes regulares, como eu.
Bebericando o meu conhaque, eu vi o exato momento em que uma bela
mulher entrou, poderosa sob saltos altíssimos. Fiquei acompanhando-a com
meus olhos escrutinadores, porém notei que não era o único a fazer isso, visto
que a garota parecia ter saído direto de um filme para maiores de dezoito
anos, tamanho era o ar luxurioso que emanava dela. Ou talvez fosse meu o

próprio tesão aumentando o prazer da primeira impressão.


Ela se sentou num dos banquinhos diante do balcão, tentando ajeitar a
barra do vestido preto minúsculo, que subiu um pouco deixando suas coxas
grossas à mostra. Os cabelos claros estavam soltos e ondulados, caindo sobre
os ombros desnudos de pele alva. De onde eu estava não era possível ter um
bom vislumbre do seu rosto, o que apenas fez com que minha curiosidade se
tornasse ainda maior. Em determinado momento, percebi quando um cara a
abordou e, eu entortei os lábios, frustrado por ter perdido o meu posto.
Chateado, me obriguei a mudar o foco do meu radar; voltei a varrer o local

com meus olhos a fim de encontrar outra diversão, até que me deparei com o
mesmo cara que tinha abordado a bela garota, minutos antes. Pela expressão
carrancuda, não havia dúvidas de que ele tinha recebido um fora.
Dei uma risadinha, deduzindo o tipo de mulher que ela era, das difíceis.

Incrivelmente era as que eu mais gostava de brincar, porque me forçava a


trabalhar com mais afinco em minha poderosa arte de sedução.
Certo do que eu queria, fui até o outro lado do balcão.
— Um Sherry Cobbler, por favor — pedi ao barman.
A princípio, eu fingi não ter visto a linda mulher ao meu lado, mas
estava totalmente consciente do interesse dela em mim, porque com o
cantinho do olho percebi o instante em que ela se ajeitou na banqueta quando
cheguei.

Minha bebida chegou e, eu entornei um gole. Em seguida, decidi que já


era hora de demonstrar o meu interesse, então olhei para o lado. Não me
surpreendi quando a peguei me roubando um olhar.
Seu rosto era tão lindo quanto ela toda e, eu fui obrigado a respirar
fundo para não gemer descaradamente. A mulher era ainda mais fascinante de
perto.
Ali, naquele momento, tentei encontrar algo em comum para que
pudesse criar um laço instantâneo com aquela gata. Dediquei uns minutos
para observá-la; era notório que ela havia saído de casa em busca de aventura,

considerando que a roupa não era do tipo comportada.


— Bonita a sua tatuagem — comentei, admirando o pequeno símbolo
no seu ombro. — Significa a combinação do mundo físico com o espiritual, o
começo e o fim da vida — acrescentei.

— Uau! Você é daqueles que fazem o trabalho de casa — comentou,


admirada. — Pesquisou no Google, suponho — zombou, fingindo
indiferença.
Franzi meus olhos diante de seu tom ácido, porém não me deixei
abater. Ergui minha camiseta e mostrei uma tatuagem com o mesmo símbolo
sobre o meu peitoral.
— O “Ohm” é considerado uma sílaba sagrada, um mantra, o som do
qual nascem todos os demais. É o mantra mais importante do hinduísmo e

outras religiões.
Ela me encarou com as sobrancelhas erguidas. Parecia verdadeiramente
admirada.
Consegui deixá-la surpreendida.
— Impressionante — disse, antes de molhar os lábios com a bebida do
seu coquetel. Ficamos nos encarando por longos minutos, até ela voltar a
abrir a boca: — Qual é o seu nome?
— Felipe — respondi, prestando atenção em cada parte do seu rosto.
Ela era perfeita. Lábios grossos, nariz afilado e olhos verdes. — Sei que

obviamente você se sente incomodada com tantos homens chegando, mas


saiba que eu não quero ser mais um chato na sua lista. Mas há algo em você
que me desperta uma vontade imensa de conhecê-la — falei, sorrindo de
maneira sedutora. — Adoraria saber o seu nome também.

Ela voltou a tomar seu coquetel pelo canudinho, mas sem deixar de me
encarar. Sua curiosidade sobre mim era evidente.
— Alyssa — respondeu.
— Um bonito nome. — Não tirei meus olhos dos seus, deixando claro
que eu estava disposto a conhecê-la e não apenas levá-la para a cama. Eu
tinha respeito por cada mulher que me interessava sexualmente. Jamais as
tratava apenas como objeto sexual. — Combina com você.
— Você não é nem um pouco interessante — sibilou ela, em mais uma

tentativa de abalar minha confiança.


— Você pintou recentemente o seu cabelo de loiro, não é? — persisti.
Ela não me respondeu, ao invés disso, pegou o celular e começou a
teclar furiosamente com alguém, ignorando-me.
Senti-me momentaneamente deslocado, já que eram raras as vezes em
que uma mulher se recusava a flertar comigo. Não que a arrogância fizesse
parte do meu cotidiano, mas eu acreditava piamente no meu sexy appeal.
— Ei! Antes de você me ignorar de maneira tão mal educada preste
atenção nisso... — os belos olhos verdes se ergueram nos meus — Você sabia

que a digestão não rola totalmente no estômago? Ela ocorre, em sua maior
parte, no intestino delgado. Esse é o motivo de algumas pessoas com bulimia
continuarem obesas.
— Eu sei disso — disse, impaciente. — Sei, porque sou médica

residente.
Pisquei, momentaneamente surpreso com aquela informação nova.
Contudo, não tive tempo suficiente para complementar outro assunto, porque
a mal educada voltou a teclar no celular com sabe-se lá quem.
— Isso é um comportamento totalmente inaceitável! — exclamei,
demonstrando minha irritação. — Não sei quais problemas você teve hoje no
seu dia, mas eu vou continuar conversando com você só porque acho que lá
no fundo você pode ser divertida. Então encare isso como uma chance que eu

estou te dando.
— Esses seus assuntos me deixam entediada — revidou, nitidamente
abalada com minhas recentes palavras.
— Você não costuma sair muito de casa, não é?
Um pequeno sorriso brotou no canto daqueles lábios carnudos e,
finalmente, consegui sua atenção sincera.
— Não vou acordar na sua cama hoje. — Afirmou com veemência.
Dessa vez foi minha vez de sorrir. Um sorriso recheado de planos e
promessas.

Mal abri a porta do quarto do Motel e já avancei minha boca naqueles


lábios carnudos e tentadores, que me hipnotizaram boa parte da noite. Minhas

mãos não se demoraram a explorar o corpo voluptuoso prensado ao meu.


Alyssa não era daquelas mulheres cheias de procedimentos estéticos.
Ela era real.
Natural.
Em determinado momento, eu esbarrei suas costas contra a parede
próxima, apenas para poder esfregar-me contra ela, e fazê-la sentir todo o
meu tesão desenfreado.
Não havia palavras.
Apenas aquele fogo avassalador.

Os gemidos que escapavam da sua boca a cada uma das minhas


investidas mais ousadas eram sexy pra caralho, deixando-me cada vez mais
refém de ouvi-los.
Desesperada, ela ergueu minha camiseta, a fim de tirá-la do meu corpo.
Rosnei quando suas unhas passaram a arranhar minha pele febril.
Ergui suas pernas, impulsionando seu corpo de modo a segurá-la em
meus braços. Sua boca buscou a minha com sofreguidão no momento em que
caminhei com ela em direção a cama.
— Gostosa — murmurei, sem fôlego.

Gentilmente, depositei seu corpo sobre o colchão. Arranquei meus


sapatos, seguido do jeans, ficando somente com a cueca boxer. Em seguida,
me ajeitei entre suas pernas abertas. O vestido estava embolado em sua
cintura. Minha ereção estava dolorida e tudo o que eu mais queria era acabar

logo com aquela tortura.


— Está sentindo o que você fez comigo? — indaguei, enquanto me
esfregava contra o tecido fino da sua calcinha. — Consegue sentir a potência
do meu desejo por você?
Ela não respondeu, ao invés disso, voltou a puxar minha cabeça para si,
mordendo os meus lábios com fome e algo mais.
Eu queria entendê-la. Queria entender todo aquele mistério, embora
fosse ele que estivesse deixando tudo ainda mais perigoso e excitante.

Desesperado para senti-la melhor, eu me afastei e enganchei os dedos


em sua calcinha, puxando-a para baixo sem qualquer cerimônia. Meus olhos
brilharam quando visualizei aquela delícia rosada. Era possível visualizar a
umidade nos grandes lábios e o pulsar constante da sua carne macia. Ela
também estava afetada. Eu não era o único.
Sem querer perder mais tempo, eu me ajeitei com os braços sobre suas
coxas abertas — de modo a manter suas pernas no lugar — e inclinei o rosto
para provar o sabor daquele manjar.
Seus dedos embrenharam-se em meus cabelos quando dei a primeira

lambida — uma generosa lambida de baixo para cima — sentindo o seu gosto
em minha língua. Eu adorava dar prazer a uma mulher através do sexo oral,
porque me sentia um deus naquele momento. Era como se todo o poder
estivesse comigo; na minha língua e nos meus dedos.

Dediquei um bom tempo ao prazer, exclusivamente dela, deliciando-


me com sua entrega e com o excitante som que escapava dos seus lábios.
— É claro que eu não estou te traindo, Henry — resmungou ela, no
meio dos próprios gemidos desesperados.
Obviamente que achei aquilo esquisito. Afinal, quem era esse tal
Henry? Mas não parei, porque talvez fosse apenas uma fantasia dela.
— Me chame do que quiser, baby — declarei, tirando os lábios da sua
bocetinha e encarando os belos olhos verdes, que estavam semicerrados nos

meus. — Serei o seu Henry. Aliás, serei o que você quiser que eu seja. —
Afirmei.
Ela piscou algumas vezes, perdida naquela névoa de luxúria
estabelecida entre nós.
— O-o quê? — Arquejou, aérea. De repente, ergueu o tronco,
desesperada. — Não. Não. Pare, por favor — pediu, empurrando-me de cima
dela.
A garota fogosa havia desaparecido em questão de segundos, e no
lugar dela estava uma completamente assustada e confusa.

Na mesma hora, eu parei o que estava fazendo e me afastei,


perguntando-me o que eu havia feito de errado; se tinha feito algo contra a
sua vontade.
— E-eu... você... — gaguejei, débil.

Eu não sabia o que dizer. Também não sabia como agir. Aquilo nunca
tinha acontecido antes.
Ela estava sentada, porém muda.
Do nada, saiu da cama e vestiu sua calcinha. Tudo isso sem se dignar a
olhar para mim.
Incrédulo, eu assisti o momento em que Alyssa, simplesmente pegou a
sua bolsa e foi embora sem dizer uma única palavra.
Chocado diante de toda aquela situação inusitada, eu me deixei cair no

colchão, sentado.
Vi-me totalmente confuso, frustrado, seminu e com um caso sério de
bolas roxas.
Que porra acabou de acontecer, afinal?

— Vai me contar o motivo para estar com essa cara de quem comeu e
não gostou? — Denver quis saber, enquanto caminhávamos por um dos
infinitos corredores do hospital.
— O contexto certo é: Gostei, mas não comi — falei, mais azedo do

que gostaria. A verdade é que eu nunca tinha sentido aquela sensação de


vazio antes. Fui, praticamente, usado e abandonado.
Denver parou de caminhar, surpreso com minhas palavras.
— Se apaixonou? — perguntou, ridiculamente.

Cotovelei sua costela, irritado com aquela insinuação descabida.


— Não fale besteira, Denver! — exclamei, fazendo-o rir. — Só estou
dizendo que não fui saciado como gostaria de ter sido. — falei, sem pensar
em mencionar toda a real esquisitice daquela noite.
Chegamos à sala dos médicos — onde eu seria recepcionado e
apresentado aos demais colegas de trabalho, já que aquele seria meu primeiro
dia — e meus olhos se depararam com uma figura conhecida entre as demais
mulheres no local.

— Pessoal, esse aqui é o mais novo membro da equipe do Heart


Hospital. Felipe González. — O chefe de cirurgia fez de mim o alvo dos
olhares, porém o meu se deteve apenas em um.
— Seja bem vindo, Felipe. — Denver deu duas batidinhas em meu
ombro, feliz por mim.
Em seguida, mais pessoas vieram me parabenizar pelo cargo e desejar
boas vibrações. Não me passou despercebido os olhares gulosos de algumas
mulheres da equipe, o que obviamente fez muito bem ao meu ego ferido.
Instantes depois, as pessoas começaram a sair. Confiante, eu trilhei a

sala — depois de ter interagido com boa parte da equipe médica — e parei
diante de uma pessoa o qual pensei que jamais veria outra vez.
— Se eu me aproximar, você vai sair correndo Alyssa?
Os olhos verdes piscaram freneticamente, como se não acreditasse no

que estivesse vendo.


Pegando-me de surpresa, ela me segurou pelo braço e nos arrastou para
um cantinho isolado.
— Nenhuma palavra sobre ontem — exigiu num sussurro. — Aqui não
é para ninguém saber. E seja bem vindo.
Dizendo isso, ela saiu, parecendo extremamente nervosa e afetada.
Por um instante, eu não tive reação.
— O que foi? — A voz do Denver chamou a minha atenção. — Parece

que viu um fantasma.


Sacudi a cabeça, lutando para clarear os meus pensamentos.
— Não foi nada — menti.
Porém em meu interior, sabia exatamente que dali em diante teria
embates diários deliciosos com certa fujona.
Capítulo 1
Alyssa
— Puta merda, que cara é essa? — Glenda perguntou, sentando-se em
meu lado no banco. Estávamos na sala dos armários, enquanto eu ajeitava
minhas coisas para iniciar mais um plantão. — Eu pensei ter ouvido você
dizer ontem que iria se divertir, Alyssa — argumentou. — Ou isso é
consequência da ressaca? — Deu uma risadinha, o que me fez revirar os
olhos.
Glenda e eu nos conhecíamos desde o programa Medical school, há

seis anos. Quando iniciamos, eu sabia exatamente a área que almejava seguir,
que era a cardiologia, mas Glenda não. Minha amiga, aos poucos foi
descobrindo sua paixão pela cirurgia geral.
— Eu ainda estou tentando digerir, então não sei se vou conseguir falar
agora — resmunguei, ainda sentindo a vergonha pela noite desastrosa que
tive.
Terminei de calçar os meus tênis brancos.
— Alyssa Wilson nem ouse correr depois de atiçar a minha curiosidade

— praticamente rosnou, o que me arrancou um sorriso. — Ainda mais que


minha noite foi um tormento, porque o ogro me obrigou a vigiar um dos
pacientes dele deixando claro que o queria vivo quando retornasse de manhã.
— Não acredito! — exclamei, compadecida pela sua frustração. Ambas

estávamos no nosso último ano de residência, então ainda havia alguns


médicos que pegavam bastante no nosso pé. Estes eram apelidados por nós,
como, por exemplo, o John, chefe do trauma, que ganhou o apelido de ogro,
uma vez que sua maneira de agir, muitas vezes podia ser confundida com
grosseria. — O que você fez para que ele te enxergasse?
Me levantei, pronta para iniciar mais uma jornada. Ouvi a bufada da
Glenda ao meu lado conforme caminhávamos para fora da sala.
— Ai sabe que não me lembro?! — Riu. — Mas na verdade o que me

interessa agora é saber o babado de ontem à noite, antes do meu horário


acabar. — Olhou no relógio. — Meu plantão acaba daqui a pouco, graças ao
bom deus.
— Não tem o que dizer, Glenda. — Mordi os lábios, nervosa e
estalando os dedos gelados. — Ou melhor, a não ser que minha vergonha se
torne um banquete para a sua diversão do dia.
— Como assim? — perguntou, interessada.
Saímos do elevador direto para o corredor que nos levaria a sala dos
médicos. Estava quase na hora da apresentação do novo chefe da cardio.

— Ontem à noite, eu conheci um cara extremamente gostoso, cheiroso


e gato. Tipo, muito gato mesmo.
— E o que estragou? — quis saber. — Porque se ele era tudo de bom,
o que deu errado?

— Eu brochei — respondi num murmúrio. — E se não pudesse piorar,


acabei o chamando pelo Henry e depois saí do quarto feito uma doida.
Glenda, eu deixei o cara abandonado lá, sem qualquer explicação. Tem
noção?
— Não acredito que você... — entramos na sala, então Glenda parou de
falar, conforme mais pessoas começavam a chegar. O assunto não era
apropriado. Na verdade, eu queria esquecer que agi feito uma maluca
assombrada. — Mas você não deu nenhuma chupadinha? — sussurrou, mas

eu dei uma cotovelada nela, que ficou quieta na mesma hora.


No instante seguinte, a sala de reuniões lotou e ele passou pela porta.
Oh, não...
O ar de repente havia evaporado. O pior é que não tinha como fugir;
também não tinha como me abanar, pois tudo o que eu queria era me
esconder por trás daquelas pessoas, longe o suficiente do homem que
provavelmente deveria estar achando que eu era a mulher mais maluca do
mundo.
Na verdade, isso sequer me importava. O problema era que estavam o

anunciando como o novo chefe da cardiologia.


— Uau! — Glenda exclamou, beliscando a minha cintura. — Que
homem é esse, Alyssa? Juro que se não estivesse podre de cansada, até ficaria
mais um pouco e me ofereceria para fazer um tour com ele pelo hospital.

Esforcei-me para sorrir, embora tivesse certeza que o sorriso saiu


amarelo. Glenda não fazia ideia da minha inquietação. Ela não sabia que
aquele era o homem que eu abandonei, literalmente, num quarto de motel.
Os próximos minutos se arrastaram, pois tudo o que minha mente
conseguia processar era a nova rotina que teria que enfrentar dali por diante
perto daquele homem. Céus! Eu tinha certeza que ele se lembrava de mim,
considerando a maneira como seus olhos se fixaram nos meus. Merda, ele
sabia!

Teríamos que trabalhar juntos. Teríamos que trabalhar lado a lado.


Meus pensamentos se tornaram embaralhados, porém pisquei quando
ouvi a Glenda falando comigo.
— O que foi? — indaguei, aérea.
— Garota, a coisa foi realmente séria, hein? — Franziu a testa,
sacudindo a cabeça. — Eu tenho que dar uma última verificada nos pacientes
do ogro, mas volto mais tarde. Meu próximo plantão começa às dezoito. —
Suspirou. — Mas saiba que estou louca para saber dos detalhes sórdidos.
Não fui capaz de raciocinar, então apenas sacudi a cabeça confirmando.

Sentindo-me travada no lugar, eu observei Glenda sair da sala


juntamente com os demais.
Voltei a atenção para o outro lado da sala assim que notei a
aproximação do abandonado.

— Se eu me aproximar, você vai sair correndo Alyssa? — questionou


ele, num tom que não entendi se era de deboche ou preocupação mesmo.
Meus olhos piscaram freneticamente, enquanto forçava minha mente a
trabalhar.
Por instinto, eu o segurei pelo braço e nos arrastei para um cantinho
isolado.
— Nenhuma palavra sobre ontem — exigi num sussurro. — Aqui não
é para ninguém saber. E seja bem vindo.

Depois disso, eu me afastei e saí da sala quase correndo. Porém, no


fundo, eu sabia que não conseguiria evitá-lo por muito tempo.
Capítulo 2
Felipe
A manhã foi tão agitada que sequer tive tempo para pensar a respeito
da pequena garota fujona. A garota que me deixou na mão, literalmente.
— E aí, como está sendo o primeiro dia? — Veio a pergunta do John,
chefe do trauma. Já tínhamos nos conhecido há algumas semanas, quando
visitei o hospital, e trocado algumas palavrinhas. Ele era bem bacana. — Só
espero que não comece a roubar as minhas residentes, porque o borburinho é
imenso. — Deu uma risadinha.

— Borburinho? — Também ri, mas interessado no assunto. — Não


estou sabendo de nada disso.
Paramos em frente aos elevadores.
— Como se eu fosse acreditar nessa sua cara de inocência. — Deu uma
batida leve no meu ombro antes de entrar no elevador, rindo.
Sacudi a cabeça, divertido, enquanto seguia em direção ao restaurante
do hospital, já que era hora do almoço e eu estava livre.
Conforme caminhava, eu olhava as notificações das minhas redes

sociais, totalmente alheio ao meu redor, mas não demorei a notar Denver e os
outros caras em uma das mesas.
Minutos mais tarde, depois de ter escolhido a minha comida, eu segui
direto para junto deles, notando que estavam num debate caloroso.

— Sobre o que estão conversando? — quis saber, tomando um dos


assentos.
— Sobre as enfermeiras — respondeu o Erick, chefe da neuro. — Vai
dizer que ainda não parou para dar uma olhadinha? — A malícia estava
explícita em cada palavra.
Denver riu, enquanto bebia o seu suco.
— O Felipe é mais pegador que vocês todos juntos. — Gesticulou.
Sacudi a cabeça, rindo, remexendo na minha comida.

— Na verdade ainda não tive tempo. — Me fiz de bom moço. — Mas


já vi que estamos bem servidos por aqui.
Acharam graça.
Eu não era do tipo de escolher; sempre fui bem resolvido comigo
mesmo e extremamente apaixonado por mulher em todas as suas facetas.
— Mas e então, Felipe? Está conseguindo se adaptar bem? — Veio a
pergunta do Mateus, o anestesista.
Assenti, limpando a minha boca com o guardanapo.
— Quando amamos a profissão, nós a exercemos bem em qualquer

lugar.
Ambos concordaram.
Logo começaram a contar histórias sobre quando presenciaram cenas
de acidentes e não conseguiram ignorar o cumprimento do dever de um bom

médico, que é salvar vidas.


Fiquei apenas ouvindo enquanto comia.
Em determinado momento, eu arrastei os olhos para o outro lado do
refeitório quando um barulho chamou a minha atenção. Uma garota tinha
acabado de derrubar a bandeja dela. Entretanto, não foi isso que me fez ficar
olhando a cena, mas sim a acompanhante da garota desastrada.
Alyssa.
Ela sorriu, provavelmente achando graça da amiga estabanada. Era um

sorriso bonito, daqueles que te contagia.


— Oh, oh, oh... — pisquei, obrigando-me a desviar o olhar para o
Erick, que ria, sacudindo a cabeça — Se está encarando a Glenda, eu afirmo
que as chances são boas, visto que a garota gosta de uma boa diversão. Mas
se o seu alvo é a outra garota, garanto que vai cair do cavalo com aquela ali
— apontou na direção em que eu estava olhando antes. — A Alyssa é a única
residente que nunca deu moral pra ninguém. Nós a chamamos de
“indomável”.
— A mulher é tão linda quanto difícil, cara — reforçou o Mateus. —

Mas já ouvi dizer que ela é viúva.


Arqueei as sobrancelhas.
— Viúva? — questionei, incrédulo. Sem controlar, os meus olhos a
buscaram novamente. Ela e a amiga estavam se afastando. — Tão jovem.

Talvez o nome do homem que ela mencionou durante o nosso


momento íntimo houvesse sido o do marido falecido. Puta que pariu, a coisa
só piorou.
— Pois é, eu também achei estranho. — Deu de ombros. — De
qualquer forma, o caminho para o paraíso ali é bem estreito. — Riu. — A
mulher não dá chance.
Levei o copo de água à boca, de modo a amenizar a secura na garganta.
Preferi não comentar nada, mas a curiosidade sobre a Alyssa só aguçou.

Meu plantão estava quase chegando ao fim quando passei pelo setor da
emergência e me deparei com um caso grave.
— O que houve aqui? — questionei, enquanto auxiliava um dos
enfermeiros a levantar uma paciente que estava no chão. A mulher estava
inconsciente.
— A paciente chegou aqui se queixando de dor no estômago, doutor —
respondeu ele.
Rapidamente fiz as verificações necessárias.

— Essa mulher já deveria ter sido atendida há horas.


Peguei a ficha da paciente na mesma hora em que Alyssa se juntou a
nós.
— O que aconteceu? — quis saber ela, pálida quando se deu conta da

cena.
Eu estava bastante irritado.
— Você atendeu essa mulher? — Olhei para ela, enquanto verificava
os batimentos da paciente.
Alyssa piscou, nervosa.
— Sim, ela estava com Gastroenterite — respondeu, se aproximando
com visível preocupação ao estado da mulher.
— Você mandou fazer o Eletro?

— Sim.
— E não foi buscar o resultado? — Não a deixei responder: — Era o
seu dever como a médica dela. Essa mulher, afro-americana, é diabética e
chegou aqui com dor de estômago, mas estava com sinais de infarto.
— Mas e-eu...
— Prepare uma sala — avisei ao enfermeiro. — Precisamos operá-la
imediatamente.
Passei pela Alyssa, mas sua voz me parou:
— Doutor...

— Vá se preparar, porque você vai me auxiliar. É o mínimo que você


pode fazer depois do descaso com essa pobre mulher.
Não esperei para ouvir a sua resposta.
Se tinha uma coisa que me tirava do sério era a falta de

comprometimento com as pessoas que vinham em busca de ajuda médica.


Capítulo 3
Alyssa
Merda!
Essa era a palavra que se encaixava perfeitamente em como eu estava
me sentindo naquele momento.
Sempre fui uma excelente profissional, incapaz de deixar detalhes
importantes passarem, então o caso daquela paciente me deixou muito mal.
Ainda mais porque fui negligente com ela somente para poder assistir a uma
cirurgia feita pelo Erick.

Era certo que meu final de tarde estava sendo bem carregado, visto que
meu cérebro ainda não tinha parado para processar direito o fato de o meu
novo chefe ser exatamente o cara que abandonei com o pau, literalmente,
duro num maldito quarto de motel. Estava me esforçando para ignorar esse
detalhe, mas era quase impossível. E apenas piorei as coisas ao deixar aquela
mulher sem o atendimento adequado.
Puta que pariu, Alyssa, que decepção!
— Não se martirize. — Ouvi a voz grave ao meu lado. Concluí que

meu pensamento foi dito em voz alta. — Casos assim devem servir de
experiência.
Não olhei para o lado; continuei higienizando minhas mãos.
— Não estou me martirizando — falei. — Só estou decepcionada

comigo mesma — declarei a verdade. — Eu priorizei algo totalmente


irrelevante e ignorei a vida dessa mulher. Isso é inconcebível.
Felipe terminou de lavar as mãos e se afastou da pia com os braços
erguidos.
— Como eu falei: nada melhor do que aprender com os erros, senhorita
Alyssa.
Dizendo isso, ele se afastou e entrou na sala de cirurgia. Eu fui logo em
seguida.

A paciente já estava preparada na mesa.


— Ela está ficando sem pulso — disse ele, instantes depois. — Vamos
ter que abrir o peito agora.
Coloquei-me em minha posição.
— Eu quero quatro unidades no infusor, um teste metabólico e bolsas
de sangue O- — pediu aos enfermeiros. — Alyssa, insira o afastador de
costelas. — Fiz exatamente o que ele pediu, depois que cortou o peito.
— Sucção, por favor.
Eu precisava ser honesta em admitir a mim mesma que estar ali tão

perto dele estava me fazendo sentir coisas esquisitas. Poxa, Felipe era um
homem atraente. Sequer fiz vista grossa para o tanto de elogios e suspiros que
ouvi das outras funcionárias sobre ele. Entretanto, eu era uma garota
problemática. Não tinha cabeça para relacionamentos, ou pior, para as

implicações que uma transa — de uma noite só — pode causar.


— Eu tenho a impressão de que não gostou muito da minha chegada
aqui, senhorita. — Ouvi seu comentário, de repente. — Espero não causar
nenhum constrangimento a você.
Os lindos olhos se conectaram aos meus por alguns instantes.
— Por que causaria? — Me fiz de desentendida, mas meu coração
estava aos pulos.
— Justamente — disse num tom sarcástico. — Gosto de deixar as

coisas esclarecidas, Alyssa, só isso.


Mordi os lábios por trás da máscara, sabendo exatamente que ele
estava se referindo a nossa noite trágica.
— Não se preocupe — falei num engasgo.
— Merda! — exclamou ele.
Me concentrei no coração da paciente sob nossas mãos.
— Oh, céus! Não dá pra consertar, né?
— O sistema semilunar, as válvulas e condução estão detonados —
explicou com pesar. — É incrível o coração ainda estar batendo.

— Então precisa de um novo — falei o óbvio. — E talvez ela nunca


consiga, porque a fila de espera é longa.
— Sim.
— Eu posso colocar ela no SMO. Também podemos tentar reparar a

válvula e talvez com isso possamos conseguir ganhar um ou dois meses para
ela. — Suspirei, derrotada.
— Mesmo fazendo isso, eu ainda não estou otimista.
Não falei nada, porque na verdade estava muito chateada. A
impotência era uma das piores sensações.
— Por favor, tente contatar a família dela. — Felipe pediu. — Vou
fechá-la.
Assenti, e me afastei da mesa.

— Você está me dizendo que minha irmã precisa de um transplante?


Mas como? Ela estava bem hoje de manhã.
Inspirei profundamente, enquanto dava a triste notícia a parente da
senhora Elisabeth.
— Ela está instável, por ora, mas precisa de um novo coração.
— Oh, meu Deus! — exclamou com os olhos úmidos pelas lágrimas
que se aglomeraram. — Minha irmã não... — se desesperou.
— Senhora, eu peço que se acalme, pois estamos fazendo o possível

para mantê-la confortável.


— Ela é uma boa mulher, doutora... — chorou. — Minha irmã vai à
igreja todos os domingos. Por quê? O que eu vou fazer sem ela? Somos
apenas nós duas.

— Eu sei, senhora, eu...


Me calei quando tive minhas mãos seguradas por ela, com força.
— Doutora, eu imploro... — murmurou aos prantos. — Você precisa
salvá-la.
Inspirei com força.
— Está bem. Farei o meu melhor, eu prometo.

— O que aconteceu? Que carinha triste é essa? — Glenda quis saber.

Estávamos na praça em frente ao hospital. Tinha aproveitado um intervalo


para respirar um pouco de ar puro. Apesar de que meu plantão já estava pra
terminar.
— Uma paciente minha precisa de um transplante com urgência, mas é
quase certo que ela não vai conseguir.
— Poxa, que merda! — exclamou, sentando-se ao meu lado. — Nem
vou te contar o que aconteceu comigo então, porque vai pensar que estou
querendo me exibir.
Um sorriso despontou em meus lábios. Bati o meu ombro no seu.

— Palhaça! Agora conta, porque fiquei curiosa.


O sorriso que a safada abriu foi gigante.
— Eu auxiliei o John numa cirurgia super complicada. A moça tinha
uma massa no estômago, mas na verdade abrigava um feto em sua estrutura

gástrica. A explicação foi porque a mãe esperava gêmeas, mas, sem


explicação aparente, um dos bebês sumiu do útero. A espertinha se escondeu
no estômago da irmã e passou a se desenvolver a partir do sangue dela. A
principal causa é a má formação dos fetos na gravidez, motivada por uma
separação incompleta dos irmãos e, em algumas situações, um deles...
— “Absorve” o outro — completei, impressionada. Eu já tinha ouvido
falar sobre essa situação rara.
— Justamente!

— Uau! Que sortuda. — parabenizei, pois a experiência em cada


cirurgia contava muito no currículo. — O ogro está bonzinho — brinquei,
fazendo-a rir.
— E o novo chefe? Pegando leve com você? Eu já disse que ele é gato?
Mordi os lábios, sem coragem de contar que meu momento
constrangedor — da noite anterior — tinha sido com o Felipe.
— Ele é normal, eu acho. — Empertiguei-me.
— O quê? Como assim, normal? Alyssa o que está me escondendo?
Droga!

Meu pager começou a apitar me salvando do momento interrogatório.


— Preciso ir — avisei, me levantando.
— Você não vai fugir por muito tempo, hein?
Eu ri.

— Me chamou? — questionei, ao entrar na sala de UTI. — Quem é


essa paciente?
Felipe me ofereceu a ficha.
— Teve morte cerebral há algumas horas. As pupilas estão dilatadas. O
Eletro está estático e a paciente não tem estímulo a dor.
— E...? — Eu não estava entendendo.
— Felipe...

— Erick, pelo amor de Deus, não há motivo clínico para manter essa
mulher nos aparelhos quando a minha paciente está precisando de um
coração.
— A família dela ainda não chegou. Você não pode agir por conta
própria, Felipe. Há regras. Existem protocolos.
Eu me intrometi:
— Tem uma lista de espera. Não dá para furar a fila, dá?
Felipe me encarou.
— Tem um jeito de contornar. Chamamos de doação direta. A família

pode decidir pra quem doar se a paciente não for doadora. E é isso que vou
falar para eles fazerem.
Um choque de adrenalina tomou conta de mim.
— Então o que estamos esperando?

Felipe encarou o Erick.


— Por favor, Erick.
O chefe da neuro suspirou, desolado por ter que desistir da sua
paciente.
— Ok.
— Ótimo! — Felipe exclamou. — Vamos levá-la ao pré-operatório,
Alyssa. Precisamos fazer um teste de compatibilidade.
— Não vai avisar o diretor primeiro? Afinal, essa mulher não é uma

doadora e ainda não consultamos a família.


— Não iremos operar. Só preparar — explicou. — E se nossa paciente
ficar mal e, a família dessa mulher concordar com a doação, assim será mais
rápido. Só gosto de estar uns passos a frente.
— Felipe, você sabe que mesmo que a família permita, eles podem
querer esperar semanas ou até mesmo meses para o desligamento das
máquinas — alertou Erick
— Tá, eu sei. — Felipe resmungou. — Eu só não posso ficar de braços
cruzados quando aqui tem um coração perfeitamente bom para uma mulher

que está morrendo ali na outra sala. — Soltou o ar. — Vou falar com a
família.
Erick praguejou.
— Ok, ok, me deixa falar com eles.

Felipe apenas assentiu, concentrando-se no que precisava ser feito ali.

Eu estava exausta, mas me sentindo em paz comigo mesma, pois uma


mulher tinha sido salva, e eu pude fazer parte disso.
Depois que Erick conversou com a família da paciente dele, o processo
foi rápido, pois bastou a assinatura dos responsáveis, então logo a extração
foi feita, assim como o transplante.
Estava verificando as chamadas perdidas da Glenda, enquanto

caminhava para fora do hospital. Ela já tinha ido embora há algum tempo,
visto que o plantão dela foi de carga horária menor do que o anterior.
— Já está indo?
Me assustei quando me deparei com Felipe ao meu lado. Não me
cansava de admirar sua beleza estonteante, mesmo tendo passado tantas horas
com ele.
— Sim, estou — respondi, guardando o meu celular. — Já perdi minha
a carona, mas vou pedir um taxi e...
— Oh, que isso, eu posso levá-la.

Meu coração acelerou na mesma hora.


Cocei a garganta.
— Não... — pigarreei — precisa se incomodar.
Droga! Eu comecei a me desesperar.

— Incômodo vai ser se você recusar — alertou.


Engoli em seco, mas apenas assenti.
Logo chegamos ao seu carro e, gentilmente, ele abriu a porta do carona
para mim e, em seguida, deu a volta no veículo.
— Você mora longe?
— Não — respondi. — Basta seguir pela avenida e virar a direita daqui
a três quadras.
Juntei minhas mãos no colo e comecei a torcer os dedos, sentindo as

palmas geladas. Estava desconfortável, porque não fazia muito tempo desde
que ambos estávamos embolados numa intimidade quente demais para
ignorar.
O silêncio reinou absoluto dentro do carro, o que me deixou ainda mais
incomodada. De soslaio, passei a observá-lo melhor. Não que não tivesse
feito isso, horas atrás, sem que ele estivesse olhando, mas naquele momento
me senti curiosa. Em nenhum momento, ele me questionou a respeito da
nossa noite no motel. Em nenhum momento, ele quis saber o que tinha
acontecido comigo para que tivesse saído correndo feito uma doida.

Céus! Eu estava uma bagunça de emoções e sensações.


Felipe era um homem tão bonito. Cabelos claros e rosto quadrado. Os
olhos eram apaixonantes, uma mistura de castanho com verde. Sem falar das
belas tatuagens, que não estavam à mostra ali, mas eu me lembrava muito

bem. Eram lindas e, apenas deixavam-no mais sexy do que já era.


— Aqui, por favor — pedi, quase perdendo a entrada. — Pode virar
aqui... — apontei.
— Ok.
Seu tom de voz era grave quando estava sério, porém manso quando
estava relaxado.
— É naquela casa ali.
O carro logo parou e, eu soltei o ar, aos poucos, grata por poder me ver

livre de toda a tensão entre nós dois.


— Obrigada.
Coloquei a mão na maçaneta da porta, mas Felipe freou o meu
movimento.
— Alyssa...
Fechei os olhos, enquanto inspirava o ar profundamente.
— Não, por favor, eu não quero falar sobre o que aconteceu naquele
quarto, Felipe — me adiantei, cortando-o. Não fazia ideia se era isso o que
ele pretendia dizer, mas a verdade é que eu estava engasgada com o que rolou

entre nós. — Sei que agi feito uma doida e, provavelmente você deve estar
me achando uma maluca mesmo, mas sabe de uma coisa? Eu não ligo. —
Gesticulei. — Eu só não quero ter que ficar na defensiva agora que
dividiremos o mesmo espaço de trabalho.

— Mas é justamente isso que eu ia falar. — Afirmou ele, me encarando


nos olhos, enquanto apoiava as mãos no volante. Seu olhar me deixava fraca.
— Você não precisa ficar na defensiva comigo, porque não quero isso —
declarou, sério. — Eu não vou mentir dizendo que o nosso momento íntimo
não me frustrou, porque me frustrou pra caralho! Mas no momento, eu só
estou interessado em ser o seu amigo.
Lambi os lábios, sentindo-os secos de repente. Absorvi suas palavras.
— Meu amigo?

Assentiu, me oferecendo um sorriso lindo.


— Me concederia essa honra?
Fui contagiada pelo seu sorriso.
— Está bem — falei, finalmente abrindo a porta. — Acho que posso
fazer isso.
— Ótimo! — exclamou. — Amanhã passo aqui para te dar carona.
— Amanhã? Como assim? — Pisquei, tentando me adequar ao seu
ritmo.
— Carona, Alyssa — explicou, gesticulando como se eu fosse uma

criança. — Amigos dão carona para amigos, sabia? — Parecia divertido.


— Felipe, eu sei que combinamos de ser amigos, mas eu gosto de
espaço. Amigos também dão espaço um para o outro, sabia? — revidei,
achando graça da sua expressão sapeca.

— Que tal fazermos um acordo? Uma regra?


Franzi a testa, sem entender onde ele estava querendo chegar.
— Como assim?
— Você aceita a minha carona, mas se algum dia se sentir
desconfortável com isso, então irá me falar e eu prometo não a importunar
mais.
— Assim tão fácil? — questionei, sorrindo.
— Além de ser um moço de família, eu também sou um homem de

palavra, baby. — Piscou, maroto.


Sacudi a cabeça, rindo.
— Esperarei por você então — comentei, saindo do carro.
Dei a volta no SUV, me estabelecendo na calçada. Felipe abaixou o
vidro da janela para me olhar.
— Combinado. — Voltou a piscar charmosamente, causando-me um
frenesi de sensações involuntárias.
Dizendo isso, ele ligou o carro e saiu. Fiquei parada, enquanto assistia
o veículo se afastando, mas completamente perdida em emoções.

Sequer sabia discernir o que se passava dentro de mim, entretanto de


uma coisa eu tinha certeza: Felipe mexia comigo de uma maneira que há
muito tempo ninguém foi capaz de mexer... e isso estava me deixando bem
assustada.
Capítulo 4
Felipe
Eu mal tinha dormido cinco horas quando recebi uma ligação do
diretor do hospital exigindo a minha presença. Não precisava ser um gênio
para saber que a conversa seria tensa, considerando o tom de voz usado.
Estava acostumado a defender os meus ideais, então já fui preparado
quando estacionei na minha vaga do hospital. Obviamente que conquistar
aquele emprego foi algo gratificante para a minha carreira. Desde minha
infância, eu sonhei em não somente me formar um médico cirurgião, mas em

exercer a medicina em toda a sua grandeza extraordinária. Minha paixão se


iniciou a partir do momento que descobri que fui gerado quando minha mãe
tinha 49 anos. Foi uma gravidez de risco, certamente, mas me fez entender o
poder da medicina. Os milagres que o ser humano pode fazer.
— Bom dia — saudei quem eu ia encontrando pelo caminho.
Peguei o elevador aberto, mas quando estava prestes a fechar, alguém o
segurou.
Pisquei, surpreso ao reconhecer a mulher diante de mim.

— Ava?
Ela parecia tão desnorteada quanto eu.
— Felipe? Meu Deus, quanto tempo! — Abraçou-me com euforia,
enquanto as portas se fechavam. — O que está fazendo aqui?

— Eu trabalho aqui — respondi, sorrindo, sem perder a maneira como


os seus olhos me analisavam. Ava e eu tivemos um lance no passado, quando
eu ainda morava em Madrid. Era uma relação isenta de sentimentos; apenas
focada no prazer. Porém acabou quando ela precisou ir embora a fim de fazer
uma especialização na sua área.
— Não brinca?! — exclamou, espantada. — Acabei de ser contratada
também. Serei a médica substituta da pediatria.
— Uau! Que legal — parabenizei, verdadeiramente feliz por ela. — Sei

o quanto você batalhou para conquistar o seu espaço.


— Obrigada. — Sorriu, mordendo os lábios ao me encarar. O clima se
tornou quente de repente, porque foi impossível não relembrar as nossas
aventuras sexuais. Contudo, as portas do elevador logo se abriram no andar
em que eu precisava ficar.
— Mais uma vez, parabéns. — Sorri, me despedindo.
— Vamos marcar alguma coisa? — perguntou, interceptando-me. —
Acabei de me mudar para a cidade e não conheço nada ainda. — Sorriu com
charme, enquanto eu barrava as portas.

— Claro que sim — concordei. — Será bom reviver os velhos tempos.


— Pisquei, fazendo um brilho malicioso atingir os seus olhos.
Saí do elevador, verificando o horário.
Ao chegar em frente a porta do diretor, eu dei duas batidas e esperei.

Minha entrada logo foi liberada.


Assim que entrei, estranhei ver a Alyssa ali.
— Alyssa?
— Bom dia — saudou-me ela, deixando claro que a situação estava a
constrangendo.
— Bom dia, doutor Felipe — saudou o diretor, forçando-me a desviar
minha atenção para encará-lo. — Por favor, sente-se — pediu.
— Por que a Alyssa está aqui? Eu pensei que a conversa seria apenas

entre nós dois.


— Pois pensou errado — murmurou secamente. — Eu chamei os dois,
porque o assunto diz respeito a o que ambos fizeram.
Travei o maxilar, incomodado. Dei uma olhada em direção a Alyssa,
mas ela sequer parecia piscar.
— Bem, eu fiquei sabendo sobre o caso do transplante de ontem a
noite.
Arqueei as sobrancelhas, jogando minhas costas contra o encosto da
cadeira e cruzando os braços.

— Então já deve saber que salvamos a vida daquela mulher.


— Não foi por isso que mandei chamar vocês — revidou com
impaciência.
— Se não foi para nos parabenizar, então por que nos chamou? —

Alyssa perguntou, tão incomodada quanto eu.


— Vocês infligiram as regras — afirmou ele. — Coagiram a família.
Porque quando eles disseram não, vocês continuaram insistindo.
— Quando eu me formei em medicina, eu fiz uma promessa de que
salvaria vidas, Jacob.
— Mas não estou falando nada relacionado a isso, Felipe, mas ao fato
de que vocês coagiram a família para que aceitassem fazer a doação direta.
— Não foi coação — corrigi, irritado. — Foi uma insistência, o que é

bem diferente. Nós respeitamos os limites de dor de um ser humano.


— E o meu dever é fazê-los respeitar os limites entre a família do
paciente morto e o hospital. Os protocolos servem pra serem seguidos para
que não haja o risco de processos. Processos custam dinheiro. Do que adianta
salvar uma vida à custa do fechamento do hospital por conta dos processos?
— Nunca vou me sentir mal por ter salvado uma vida — rosnei.
— Se o hospital fechar, você não poderá salvar ninguém.
— Tudo o que fizemos foi dentro da lei, senhor. — Alyssa falou,
trêmula. — A paciente estava com morte cerebral e descobrimos que era

compatível com a nossa paciente.


— Exatamente. Burlaram as regras. Adiantaram procedimentos sem
antes terem a permissão da família.
Travei o maxilar, engolindo os xingamentos que gostaria de expor.

— Já acabou? — questionei, me colocando de pé.


— É o seu segundo dia aqui, Felipe — murmurou, me encarando com
superioridade. — Eu não gostaria de demiti-lo por tão pouco.
— Me demita, pois eu garanto que os melhores hospitais vão brigar
para me terem em suas equipes. — Apontei, arrogante, porque sabia do meu
potencial. — Nada do que você disser diminuirá a satisfação de deitar minha
cabeça no travesseiro com um sorriso no rosto por ter feito a coisa certa. Eu
salvei uma vida, Jacob. E salvarei quantas forem necessárias, porque foi para

isso que me formei. Coisa que você não sabe, já que não é médico.
Não esperei por resposta e saí da sala pisando duro.
Meu corpo todo tremia de raiva, porque me irritava o fato de alguém
questionar a minha índole profissional. Meu dever como médico era salvar
vidas e, modéstia a parte, eu me orgulhava de conseguir exercer esse papel
muito bem.
— Felipe...?
Parei, virando-me para trás. Alyssa me alcançou rapidamente.
— Eu sinto muito por tê-la colocado nessa situação — pedi, encarando

seus olhos. — Você ainda é uma residente e não pode ter qualquer problema
disciplinar.
Ela deu de ombros.
— Não me arrependo de nada — afirmou. — Nós salvamos aquela

mulher e é isso que importa.


Sorri.
— Além do mais, preciso confessar que você foi muito corajoso lá
dentro — gesticulou para a sala do diretor. — Em todo o tempo que trabalho
aqui, eu nunca vi ninguém bater de frente com o Jacob — observou. — Você
tem o sangue bem quente.
O desejo de falar que não era apenas o meu sangue que era quente
pairou em minha língua, mas optei por engoli-lo. Não queria estragar o

pequeno progresso que fiz em nosso relacionamento.


— Aceita tomar um café comigo? — convidei, mudando o assunto. Ela
me encarou com as sobrancelhas arqueadas. — É só um café, Alyssa.
Ela sorriu, apesar da tensão.
— Está bem.
Assenti, satisfeito com sua resposta.
Minutos depois, estávamos na lanchonete do hospital.
Enquanto Alyssa optou apenas pelo café, eu escolhi algo para comer
também.

— Vai dizer que você é daquelas que fazem dietas malucas?


— Por que está dizendo isso?
Apontei para o seu copo de café.
— Não quis comer nada — argumentei.

— Ah. — Olhou para o copo em suas mãos. — Na verdade, eu não


consigo comer nada no período da manhã. Minha fome só aparece mais tarde.
Dei uma mordida no meu salgado.
— Entendi.
Foi a vez de ela me analisar.
— Por que a pergunta? Por acaso está acostumado com garotas fúteis?
Dei uma risadinha.
— Você ficaria surpresa.

— Surpresa? — Fez uma expressão fofa. — O que isso quer dizer?


— Definitivamente, você não vai querer saber dos meus casos, Alyssa.
Sua testa vincou quando o seu rosto se contorceu.
— Tem razão.
Minha risada soou alta.
— Mas garanto que sou bem mais interessante por trás das câmeras. —
Pisquei um olho de modo divertido. — Sou uma casca bonita com conteúdo,
baby.
— E vejo que bem modesto por sinal — comentou, revirando os olhos.

— O que você pode dizer para me impressionar, senhor casca bonita?


— Profissionalmente? — perguntei, exibido. — Passei longos meses
atuando no Medicins sans frontieres.
— Sério? — Parecia espantada. Assenti. — Imagino a carga de

experiência que isso acumulou em sua carreira. — Consegui sentir a sua


curiosidade.
— Sim, foi algo incrível e que ficará eternizado em minha memória.
Quem sabe um dia eu compartilhe alguns casos com você?! — mencionei,
limpando os meus lábios com um guardanapo. — Acredito que nosso
relacionamento de amizade ainda não atingiu esse estágio.
Ela riu, e não perdi nenhum detalhe do seu rosto. Alyssa era uma
mulher linda. Os cabelos estavam amarrados num coque frouxo, deixando

alguns fios bagunçados, mas isso em nada diminuía a sua beleza.


— Mas eu posso repensar isso se você me der o número do seu
telefone — declarei, olhando firme em seus olhos. — Amigos possuem o
contato um do outro. — Ergui as mãos, fingindo indiferença, como se não
estivesse pedindo nada de mais. — Já imaginou que maravilha você poder me
ligar sempre que precisar conversar com alguém?
— Você é muito cara de pau mesmo — murmurou, entre risos,
enquanto sacudia a cabeça.
Levei o copo de café aos lábios.

— Sou obstinado, é diferente — corrigi. — Vim de uma família de


espanhóis turrões. Os González são pertinazes em todos os sentidos.
— Devo me preocupar? — Parecia divertida.
Neguei com a cabeça, sorrindo para ela.

— Não. Sei respeitar os limites.


Ela permaneceu me olhando, enquanto mordia os lábios de modo
sensual. Entretanto nem parecia notar o quanto esse gesto estava me deixando
excitado. A lembrança dos nossos beijos invadiu a minha mente sem pedir
permissão e precisei engolir um gemido.
De repente, se levantou, mas tirou um pedaço de papel da bolsa e
anotou algo rapidamente.
— Aqui está. — Entregou-me. — Vou esperá-lo mais tarde.

Encarei-a com a testa franzida, e ela rolou os olhos.


— Você me prometeu uma carona, Felipe. É isso que eu quero, uma
carona.
— E por que eu pensaria outra coisa? — Fingi espanto. — Acho que
você está com a mente muito poluída.
Sua risada gostosa inundou os meus ouvidos.
— Tá legal, Felipe, tá legal... — começou a se afastar. — Até depois,
espertinho.
Virei o corpo de modo a poder observá-la caminhando para longe. Não

entendi o motivo de meus lábios estarem alargados num sorriso bobo, mas
sequer me importei.
Capítulo 5
Felipe
Eu tinha acabado de tomar banho, mas estava me sentindo inquieto.
Pouco mais de uma hora atrás, eu tinha deixado a pequena fujona em casa, e
meu corpo ainda estava sentindo as vibrações de estar tão perto dela. Essa era
uma situação inusitada, porque nunca aconteceu comigo. Eu sempre tive um
leque de mulheres atraentes e interessantes ao meu alcance, então não me
lembrava de alguma vez ter passado vontade.
Os últimos dias, passando longas horas ao lado da Alyssa, eu me sentia

como um viciado sendo obrigado a permanecer olhando para a sua droga,


mas sem poder tocá-la, e isso era uma verdadeira merda!
Inquieto e, muito frustrado com a minha atual realidade, eu fui até o
meu mini bar e me servi com uma bebida, enquanto vasculhava a minha lista
de contatos no celular. Eu precisava de um escape.
Uma noite de sexo quente tiraria todo esse peso que se estabeleceu
sobre mim.
Assim que li o nome da Ava, um sorriso tomou conta dos meus lábios.

Lembrei-me que, mais cedo, ela tinha me passado o seu novo número de
telefone, repleta de segundas intenções.
Não pensei duas vezes e fiz a ligação.
— Ava?

— Quem é? — Atendeu no segundo toque.


— Não acredito que não reconheceu a minha voz. — Fiz charme.
— Ah, é você Felipe?! — Deu uma risada gostosa. — Por favor, me dê
um desconto, porque acabei de chegar em casa, então minha cabeça ainda
está uma loucura.
Sua declaração me desmotivou na mesma hora.
— Chegou agora? Que pena.
— Por quê? O que pretendia? — A curiosidade parecia vibrar em seu

tom de voz.
Dei uma risadinha baixa.
— Estava com segundas intenções — fui direto ao ponto. — Fazer
aquela recordação dos velhos tempos que mencionei mais cedo.
— Ai, que delícia — murmurou, manhosa. — Vou te passar o meu
endereço agora mesmo.
— Tem certeza? — indaguei. — Você acabou de chegar do hospital e
eu...
— Felipe? Até parece que se esqueceu do quão fogosa eu sou —

cortou-me, sedutora. — Nunca recuso sexo, meu bem. Ainda mais com você.
O meu pau pulsou na mesma hora, animado.
Era disso que meu corpo e minha mente precisavam...
Uma boa noite de sexo quente para voltar a funcionar com a mesma

leveza e despreocupação de antes.


Capítulo 6
Alyssa
Meu telefone vibrou, chamando a minha atenção. Eu estava deitada,
aproveitando para descansar um pouco antes de iniciar o meu plantão em
algumas horas.
Era uma mensagem de um número desconhecido.

Dei risada.

Me ajeitei na cama, sentindo-me eufórica de repente. Aproveitei para


salvar o número dele em meus contatos. Ri sozinha depois que salvei com um
nome bem peculiar.

Achei graça.

Mordi os lábios, enquanto não desviava os olhos da tela do celular.


Fazia tempo desde a última vez que um homem ganhou o meu
interesse dessa maneira.

Gargalhei alto.
Foi impossível não maliciar suas palavras, pois minha mente atrevida
me presenteou com as nossas lembranças quentes. Eu me lembrava do
poderoso “monstro” que ele tinha entre as pernas.

Minhas bochechas tornaram-se rubras na mesma hora, pois entendi o


duplo sentido de suas palavras.
Com o coração aos pulos, eu me despedi dele.

Deixei o celular de lado. Mas fui incapaz de não ficar remoendo o


estranho momento que Felipe e eu tivemos naquele quarto de motel. Eu
queria esquecer, mas meu subconsciente insistia em me fazer lembrar.

— Não vai me convidar para entrar? — Felipe questionou, assim que


estacionou o carro em frente ao meu portão. Eu já estava esperando por ele,
então nem o deixei descer.

— Não mesmo — respondi, colocando o cinto. — Isso vai contra todas


as nossas regras.
Ele soltou uma risadinha incrédula.
— Todas as nossas regras? Que regras são essas que não estou
sabendo? — Ligou o carro e o colocou na estrada.
Sorri um pouco, ajeitando os meus cabelos, amarrados num rabo de
cavalo.
— Nada de intimidade desnecessária entre nós dois, e, isso inclui cada
um evitar o espaço particular um do outro. Essa é a regra número dois.

— E qual é a regra de número um?


— Se esqueceu? — revidei, olhando para ele. — É a de eu te dar o fora
quando sua carona começar a me incomodar.
Sua risada foi tão espontânea que não pude deixar de acompanhar.

— Vejo que você já tem tudo sob controle então — brincou, me


encarando de canto de olho.
Dei de ombros, achando graça da sua expressão.
O silêncio se fez presente por alguns instantes, mas não foi
desconfortável.
De repente, algo me veio à mente e eu voltei a encará-lo. O som do
carro estava ligado num volume ameno e Felipe batucava os dedos no volante
ao ritmo da música.

— Posso te fazer uma pergunta?


— Claro.
Respirei fundo.
— Por que toda essa insistência em ter a minha amizade? Porque se por
acaso eu me tornei uma espécie de desafio para você, eu já aviso que não vai
funcionar.
Ele riu.
— Você me tem em péssima estima, Alyssa — comentou, fingindo
estar ofendido. — Ou é ao contrário — argumentou, sacudindo a cabeça

como se estivesse inconformado — Acha que não é digna o suficiente para


manter o interesse de um homem fora de quatro paredes. — Me encarou,
sério. — Por favor, não me obrigue a ser um daqueles amigos chatos que só
sabem dar lição. — Rolou os olhos, dramatizando, o que me fez rir.

— Tá legal, espertinho — comentei apenas, mas no fundo estava


abismada com suas palavras.

— Então quer dizer que ele te levou em casa ontem e te trouxe para o
trabalho hoje? — Glenda quis saber, fervendo de curiosidade. Assenti,
fazendo-a estapear o meu braço. — Sua sortuda! — Dei risada.
— Não é nada do que está pensando, Glenda, não viaja. — Rolei os
olhos, disfarçando as reações involuntárias que se aglomeraram em meu

interior. — Você nunca teve um amigo homem por acaso?


— Não. — Franziu o cenho, confusa. — Como é isso? É de comer?
Gargalhei.
— Palhaça — falei, entre risos.
De repente, fomos interrompidas:
— Senhoritas! — cumprimentou Felipe, sorrindo para nós duas.
Glenda abriu um sorriso de orelha a orelha para ele, o que me fez revirar os
olhos internamente.
— Doutor Felipe. — Minha amiga saudou. — Eu me chamo Glenda.

— Por favor, Glenda, me chame apenas de Felipe — corrigiu, exalando


simpatia. — Não precisamos de toda essa formalidade.
— Ok. Felipe então. — Piscou, marota.
— Alyssa... — virou-se para mim. — Está ocupada agora?

Fiquei curiosa pela sua pergunta.


— Na verdade, eu já finalizei o meu lanche. Por quê? Vai precisar de
mim?
— Sim — respondeu. — Vem comigo, por favor — pediu. — Foi um
prazer te conhecer, Glenda. — Sorriu para ela, que ficou toda boba.
Acelerei os passos, até alcançá-lo.
— Aonde vamos?
— Você já vai ver — respondeu, misterioso.

— O que é isso?
Felipe e eu estávamos numa das salas de pesquisas, apesar de eu não
estar entendendo o motivo de estar ali.
— São mini corações — respondeu, apontando. — Estou fazendo
pesquisas sobre tratamento avançado de células tronco.
Arqueei as sobrancelhas.
— O Jacob permitiu? Caramba! — Estava verdadeiramente surpresa.
— Você, claramente foi desrespeitoso e, ainda assim, ele liberou verba para

um projeto seu? — Estalei os lábios, incrédula. — Uau! Você é bom.


Felipe sorriu, daquele jeito maroto que me causava comichões.
— Ele não precisou permitir nada, por que essa é uma pesquisa
financiada por mim — explicou, deixando-me ainda mais admirada. — Eu já

vinha trabalhando nela na minha clínica e...


— Sua clínica? — interrompi-o.
— Sim, eu possuo uma clínica — afirmou, me encarando com
intensidade cortante. — Mas voltando a pesquisa... — apontou para a mesa
— Eu disseco e removo os corações de animais mortos; depois coloco os
cateteres e injeto o solvente para drenar as células cardíacas existentes para
que reste apenas a matriz extracelular.
— É como deixar só as paredes de uma casa — concluí. — Você está

esvaziando células de corações. Corações de verdade. — Foi impossível não


demonstrar a minha admiração.
— Isso mesmo — concordou. — Estou limpando até que elas fiquem
vazias, e aí, na teoria, quando injetarmos as células troncos, eles...
— Ressuscitarão — completei, fazendo-o olhar para mim.
— Vamos fazer mais corações.
Pisquei.
— Nós?
Assentiu.

— Quer participar do projeto?


Não controlei o sorriso de euforia.
— Sim! — exclamei. — Será um imenso prazer.
Capítulo 7
Alyssa
Alguns dias se passaram e minha rotina tornou-se bem agitada. Nos
intervalos, Felipe e eu trabalhávamos na pesquisa e, eu precisava ser honesta
em admitir: ele era um médico excepcional. Não que um dia cheguei a
duvidar, mas como, ultimamente, estávamos juntos na maior parte do tempo,
a convivência com ele estava me fazendo conhecê-lo melhor.
A verdade é que eu aprendi a tê-lo por perto. Acostumei-me com nossa
rotina de conversas no trabalho e pela rede social. Felipe era aquele tipo de

pessoa que carregava uma boa dose de cada coisa essencial numa relação.
Era amigável.
Divertido.
Compreensivo.
Bom ouvinte.
Nunca ultrapassamos os limites da linha de amizade. Ele sempre
respeitou o fato de eu me recusar a explicar o que me fez sair correndo
daquele quarto de motel, deixando-o seminu, e eu achava isso o máximo.

— Explique-me o que você está fazendo, Alyssa — pediu ele,


chamando a minha atenção.
Estávamos na sala de pesquisa.
— Estou descelularizando órgãos — respondi, concentrada. — Eu lavo

os corações com solvente por 12 horas; o solvente drena as células, e aí os


reimplantamos.
— Viram corações novos. Zero bala — exclamou ele, eufórico.
Sorri da sua animação.
De repente, me dei conta do quão próximo ele estava, e como se
percebesse minha inquietação, Felipe fixou os olhos intensos nos meus,
desviando-os para meus lábios entreabertos.
Senti calor.

Nossa proximidade me enfraquecia, pois seu perfume invadia minhas


narinas fazendo-me consciente de como ele era cheiroso. Droga! Podia ser
menos difícil se eu já não tivesse provado um gostinho.
Meu telefone começou a tocar, interrompendo o momento esquisito.
Pedi licença para poder atender.
— Oi, pai. — Soltei o ar aos poucos.
— Oi, querida, como você está? Não veio mais me visitar — queixou-
se.
Fechei os olhos, nervosa e incomodada com a situação.

Disfarçadamente olhei para trás, observando o Felipe trabalhando na


pesquisa, mas eu sabia que ele ouvia minha conversa com meu pai.
— Desculpa, pai, mas o trabalho consome muito o meu tempo e...
— Mas você pode me ligar, querida — revidou ele, interrompendo

minhas palavras — Por favor, não use desse tipo de desculpa comigo. —
Suspirei, chateada. — Entendo que o que você passou nos últimos anos a
magoou, Alyssa, mas estou aqui, querida. Estarei sempre aqui para você.
Meus olhos umedeceram.
— Eu sei, pai — murmurei.
— Sempre haverá um novo dia, meu amor. Uma nova oportunidade
para ser feliz — continuou ele. — Se eu tive essa chance, tenho certeza que
você também terá a sua.

— Pai...
— Meu noivado será no sábado à noite, Alyssa — impediu minha
possível mentira para não comparecer. — Eu quero vê-la aqui, querida, ao
meu lado. — Respirei com força. — Amo você.
Mordi os lábios, sentindo o meu coração batendo forte e rápido.
— Eu também amo, pai.
Encerrei a ligação, mas permaneci encarando o aparelho de celular por
alguns instantes.
Uma enxurrada de emoções me abateu, quando as lembranças de

quando minha mãe ficou doente invadiram minha mente. Foi há cinco anos, e
desde então, o meu pai tentava buscar a felicidade em outras pessoas, mas
suas escolhas — ao meu ver — eram ruins. Até que ele conheceu Lucinda —
uma mulher na faixa dos 40 anos — a pouco mais de um ano, e acreditava

piamente que ela era a mulher perfeita, o que na realidade era bem diferente.
Eu a odiava com todas as minhas forças.
Gemi, desgostosa.
Guardei o meu celular e voltei para perto do Felipe.
— Algum problema?
— Hun? — revidei, encarando-o.
— Não sei, você parece nervosa — comentou, gesticulando. —
Aconteceu alguma coisa?

Sacudi a cabeça, mordendo o maxilar enquanto me lembrava da mulher


que meu pai escolheu para ocupar o lugar da minha falecida mãe na vida
dele.
— Argh, é o meu pai — desabafei. — Ele pretende noivar com uma
mulher completamente interesseira, mas não vê isso. — Respirei fundo. —
Ela é tão... tão...
— Má-drasta? — completou ele, num tom divertido.
Olhei para ele, achando graça.
— Isso mesmo — concordei. — Ele vai noivar no próximo sábado e eu

terei que ir, apesar de não querer. Terei que engolir todo o desejo de expulsar
aquela interesseira a ponta pés da vida dele, apenas para vê-lo feliz. —
Entortei os lábios. — Terei que sorrir diante de toda a falsidade que é essa
relação, sabe? O tempo todo ela fica querendo se meter na minha vida,

fingindo se importar comigo quando sei que é tudo para impressionar o meu
pai. Fora a vadia da filha dela que não perde uma oportunidade para me
infernizar. — Bufei, sacudindo a cabeça. — Perdoe meu desabafo, mas esse é
um assunto que tira a minha paz. Terei que me preparar psicologicamente
para comparecer a esse evento, porque certamente é isso que será,
considerando a futilidade daquela mulher que sempre aproveita para gastar o
dinheiro do meu pai.
— Não se desculpe por isso — disse ele. — Eu não posso dizer que

entendo o que está passando, porque minha família sempre foi unida. Com
problemas como todas as outras, mas unida. — declarou com orgulho. — Se
você quiser, eu posso ser o seu acompanhante — sugeriu. — Assim você se
distrai. — Sorriu abertamente.
Neguei com a cabeça.
— Sem chance! — exclamei com veemência. — O que você ia fazer
lá?! Minha família é louca, Felipe, louca! Além do mais, nós nem nos
conhecemos direito.
— Como não? — Pareceu quase ofendido e, eu ri. — Nós somos

amigos — falou como se esse argumento explicasse tudo.


— Não — continuei firme em minha decisão. — Não posso levá-lo
comigo.
Ele deu de ombros.

— Você que sabe... — voltou a se concentrar na pesquisa — Só posso


desejar boa sorte então.
Mordi os lábios, sem conseguir impedir o incômodo dos pensamentos
desagradáveis. Desde a primeira vez que fiquei frente a frente com a Lucinda,
eu precisei aprender a arte da paciência. A mulher era ruim em todos os
sentidos e era por isso que eu vinha evitando visitar o meu pai.
Droga!
Eu não poderia enfrentar essa situação sozinha. Ou melhor, eu não

queria comparecer a esse noivado, sozinha.


Droga, Felipe!

— Ai, eu estou podre de cansada! — Glenda exclamou assim que se


jogou na cama abaixo da minha na sala de descanso. — Fiz tantos planos
para a minha folga, mas no fim das contas, o meu corpo está mais propenso a
dormir e dormir e dormir...
Dei uma risadinha do seu drama, embora estivesse me sentindo do
mesmo jeito.

— Você ainda está no lucro. Já eu terei que comparecer ao noivado do


meu pai com aquela megera — comentei, me ajeitando de lado na cama.
— Não acredito! Eu pensei que ele já houvesse percebido a interesseira
que essa mulher é.

Estalei os lábios, indignada.


— Pois isso não aconteceu. — Suspirei, derrotada. — E, infelizmente,
eu não poderei encontrar desculpas para não ir.
Glenda também suspirou.
— Se nossas folgas coincidissem, eu iria junto só para colocar as duas
vadias no lugar delas — murmurou me fazendo rir. — A vadia mini ainda
mora com eles?
Revirei os olhos ao me lembrar da filha da Lucinda. Madison

conseguia ser tão venenosa e insuportável quanto sua mãe.


— Mora — respondi. De repente, me peguei mordendo os lábios. — O
Felipe se ofereceu para ir comigo.
— O quê? Como assim? — Glenda ficou numa mistura de surpresa e
euforia.
— Não precisa ficar toda empolgada — comentei, rindo. — Eu atendi
uma ligação do meu pai quando estava trabalhando na pesquisa e Felipe
ouviu a conversa toda, então acabei contando pra ele.
— Você vai levá-lo?

— Claro que não! — respondi mais do que depressa. — Felipe e eu


não temos nada, Glenda. Ele é o meu chefe e só.
Não satisfeita, Glenda saiu da cama e ficou em pé, cruzando os braços.
Parecia impaciente.

— Então você prefere chegar lá, sozinha, e com a cara de “quem


comeu e não gostou” para dar ainda mais motivos para aquelas duas
continuarem falando de você? — indagou. Ela sabia a história toda. —
Alyssa, pensa comigo: o Felipe é um homem lindo e cheiroso...
— Cheiroso? — Franzi as sobrancelhas, desconfiada. — Como sabe?
Ela revirou os olhos.
— Já peguei o elevador com ele e dei uma inalada disfarçadamente.
Gargalhei da sua cara de pau.

— Pare de rir e preste atenção — ditou, tentando não rir também. —


Aproveite que ele se ofereceu para ir com você e esfregue toda aquela
testosterona dele na cara delas. Já pensou no quanto as duas vão ficar
estupefatas? Vão ficar de boca aberta.
Mordi os lábios, pensativa.
— Será? — indaguei, incerta.
A verdade é que Glenda não fazia ideia da noite que Felipe e eu
tivemos naquele quarto de motel. Ela não sabia do tal momento
constrangedor que eu vivia ignorando, apesar de isso não mudar em nada o

fato de ter acontecido.


— Tenho certeza que você irá deixá-las com cara de tacho. — Piscou,
travessa.
Não falei mais nada, entretanto fiquei matutando a respeito.

Meu plantão de sexta tinha chegado ao fim, então optei por pegar um
taxi pra ir para casa, uma vez que não encontrei com Felipe em nenhum
lugar. Nos últimos três dias, eu fiquei remoendo todos os prós e contras da
minha decisão a respeito do noivado do meu pai. Não tinha certeza se levar o
meu chefe como companhia seria uma boa ideia, ainda mais este sendo
alguém que teve de mim um contato tão íntimo como o Felipe. Além disso,
ele não era um cara qualquer... e era isso que me causava certo pavor.

Apesar de todo o receio, eu acabei chegando a conclusão de que seria


mais saudável para a minha mente levá-lo como o meu acompanhante do que
aparecer lá sozinha e ter que ouvir novamente que eu preciso mudar, ou que
preciso encontrar alguém para cuidar de mim, ou que preciso ter filhos...
Respirei fundo, de olhos fechados, tentando acalmar os meus ânimos
apenas por me lembrar de toda essa fadiga emocional.
Já dentro do taxi, eu peguei o meu aparelho de celular dentro da bolsa e
fui direto para o aplicativo de mensagens. Não tinha certeza se ele me
responderia, mas mesmo assim mandei:

Dois minutos depois veio a resposta, o que me fez sorrir.

Não resisti à gargalhada.


Não respondi.
Contudo, permaneci encarando o celular por todo o trajeto até a minha
casa.

Eu sabia que o Felipe era um homem atraente sem sequer fazer esforço,
o que era até um pecado. Mas por que ele tinha que ficar tão deslumbrante
com um simples traje formal? Não era justo com o meu juízo. Não era justo
com as partes do meu corpo que se acendiam a nossa proximidade. Não era
justo com o meu emocional que ficava todo bagunçado sempre que ele me
encarava com aquele olhar me dizendo que queria me devorar... ou talvez
fosse somente o meu lado obsceno imaginando coisas.

— Não gostou? — questionou ele, levando os olhos para o próprio


corpo.
Eu estava parada na frente do portão, de boca aberta.
— Por que não gostaria? Você está incrível!
Ele me encarou com desconfiança.
— Eu não sei — murmurou, caminhando até estar frente a frente
comigo. — Você estava me olhando com uma cara estranha.
Pisquei, sem entender.
— Cara estranha?

Ele se aproximou um pouco mais.


Eu estava usando um vestido justo, embora não fosse curto. O decote
era discreto na parte da frente e sensual na parte de trás, deixando uma boa
parte das costas, nua.

— Sim — confirmou. — Estava mordendo os lábios e revirando os


olhos ao mesmo tempo. Não sei se me sentirei lisonjeado se você me disser
que era a sua expressão mais sexy, ou se ficarei assustado.
Minha risada foi espontânea.
Na verdade ambos rimos.
— Você é muito abusado. — Sacudi a cabeça, passando por ele quando
o mesmo me deu espaço. — Hora de irmos. Espero que esteja preparado.
Entramos no carro dele.

— Eu sempre estou preparado, querida. — disse depois que se ajeitou


no banco do motorista. Sua piscadinha marota me fez questionar sobre o que
ele estaria se referindo.
Preparado para transar? Céus! Eu estava tão perdida.
Capítulo 8
Felipe
Eu estava me esforçando para ignorar o perfume delicioso da Alyssa,
mas parecia algo impossível, considerando que tudo dela chamava a atenção
não só dos meus olhos, mas de todos os outros sentidos também. Ela era toda
perfeitinha e ficou ainda mais deslumbrante dentro daquele vestido sensual,
embora comportado. Os lábios grossos, cobertos por um batom vermelho
tornou o pacote ainda mais tentador, visto que o desejo de beijá-la chegava a
doer em mim.

A verdade é que toda a rotina ao lado dela, vinha se tornando uma


tortura desesperadora. E mesmo depois das duas transas esporádicas com a
Ava, a minha cisma com a Alyssa não passava, pelo contrário, parecia ter
virado uma obsessão do meu corpo.
— E então? Alguma observação importante para me dizer, sobre a sua
família? A hora é agora — comentei, numa tentativa de amenizar o
desconforto de estar ao lado dela e não poder tocá-la.
Eu estava seguindo pelo trajeto indicado por ela. E por várias vezes

percebi a maneira como estalava os dedos, nervosa.


— Meu pai, John Wilson, é a melhor pessoa desse mundo — disse,
abrindo um lindo sorriso. Daqueles que eu raramente via. — Ele sempre tenta
enxergar o lado bom em tudo, mesmo quando tudo parece perdido. — Soltou

um suspiro baixo. — Quando conheceu a Lucinda, ele tinha acabado de


perceber que nenhuma mulher conseguiria chegar ao seu coração, assim
como a mamãe chegou, mas infelizmente a Lucinda fez a cabeça dele.
Fiquei em silêncio, apenas escutando e absorvendo suas palavras.
— Você pode achar que estou sendo mimada por não querer a
felicidade do meu pai com outra mulher, mas isso não é verdade — explicou-
se, apesar de eu não ter falado nada. — Na frente dele, ela é uma pessoa, mas
quando ele vira às costas, ela se transforma naquilo que eu mais abomino. É

cruel e mesquinha. Lucinda é uma mulher controladora e manipulável. Tenho


pena do meu pai, que no fundo, só deseja reencontrar a minha mãe de alguma
forma através dela.
Respirei fundo, abismado com o que acabei de ouvir.
Para mim, aquilo era bem diferente e tenso, considerando que minha
família era um exemplo de amor e união. Meus pais se amaram
verdadeiramente até o fim dos seus dias. Então era difícil assimilar toda essa
carga negativa na família da Alyssa.
— Você acabou me deixando assustado agora — desabafei. — Ainda

dá tempo de fugir?
Sua risada foi instantânea, o que aqueceu o meu coração. Eu descobri
que gostava de fazê-la sorrir. Gostava de observar a forma como suas
bochechas ruborizavam e seus olhos brilhavam.

Pouco mais de meia hora depois, eu parei o carro em frente a um


enorme portão de ferro que abrigava uma mansão de encher os olhos. A
mansão ficava numa colina, em Tarrytown.
— Não faça essa cara de deslumbrado, porque eu sei que sua família é
milionária, Felipe — comentou ela num tom divertido.
Arqueei as sobrancelhas, antes de voltar a colocar o carro em
movimento assim que tivemos nossa entrada permitida.
— Por acaso andou pesquisando sobre mim?

Um lindo rubor atingiu suas bochechas em cheio quando se deu conta


que acabei descobrindo o seu segredo.
— Não é isso... — gaguejou, sem jeito. — Ah, chegamos!
Mal terminei de estacionar o carro e ela já desceu, numa clara tentativa
de escapar.
Deixei o carro nas mãos de um dos manobristas e apressei os passos
para alcançar a fujona.
— Não vou insistir no assunto, mas saiba que estou aberto a perguntas
quando tiver interesse em saber mais a meu respeito, querida, não precisa

recorrer à internet — sussurrei, próximo ao seu ouvido. Vi quando seus pelos


se arrepiaram, o que me causou um frenesi de sensações.
Seu rosto se virou em direção ao meu e nossos olhares se conectaram.
A tensão sexual aumentou, tornando-se quase palpável, pois tudo o que

minha mente sabia fazer era me mostrar as cenas do nosso momento dentro
daquele quarto de motel quando minhas mãos estavam em todos os lugares
do seu corpo; quando minha boca estava explorando a carne molhada entre
suas pernas e meus ouvidos sendo presenteados por seus gemidos deliciosos e
sexy.
Meus olhos notaram quando Alyssa entreabriu os lábios antes de passar
a língua por eles, como se estivesse sentindo o mesmo desconforto que eu.
Entretanto nossa pequena bolha luxuriosa chegou ao fim no instante em que

fomos recepcionados por uma bela mulher na faixa dos quarenta anos. Ela era
loira e muito elegante. Não me passou despercebido o espanto em seu rosto
ao olhar de mim para a Alyssa, considerando que espalmei as costas dela com
uma das minhas mãos. Senti seu corpo estremecer imperceptivelmente.
— Alyssa! Que bom que você veio, querida, seu pai ficará feliz —
comentou num tom educado. Seus olhos logo encontraram os meus e pude
enxergar sua curiosidade fervilhando. — Você trouxe um amigo. É do
trabalho?
Na mesma hora senti o corpo de Alyssa tencionar sob minha mão em

suas costas. Olhei para ela e me deparei com seu rosto endurecido.
De repente, pegando-me de surpresa, ela esticou o braço direito e o
enrolou em minha cintura, na frente do meu corpo. O sorriso logo tomou
conta de seus lábios carnudos quando olhou de mim para a mulher a nossa

frente.
— Felipe, essa é a Lucinda, noiva do meu pai. — Voltou a encarar a
madrasta. — Este é o meu namorado.
O espanto não ficou visível apenas no rosto da mulher, mas também no
meu. Como assim, namorados?
— Oh, que maravilha! — exclamou ela, abrindo espaço para que
pudéssemos passar.
Alyssa ficou ainda mais desconfortável quando a madrasta a puxou

para um abraço desajeitado.


Assim que conseguimos nos ver livres da mulher eufórica, eu voltei a
circular a cintura de Alyssa, aproveitando para mantê-la bem perto do meu
corpo. Seu olhar encontrou o meu, sacana.
— Eu devo cobrar pelo serviço de ser o seu prostituto essa noite? —
perguntei, divertido. — Se eu soubesse que seria o seu namorado, eu teria me
preparado melhor — brinquei.
Ela bateu no meu braço num misto de nervosismo e constrangimento.
— Depois eu explico, mas, por favor, eu ficarei te devendo uma se me

ajudar com a farsa — pediu com um olhar desesperado.


Não tive tempo de falar nada, porque um homem na faixa dos
cinquenta anos se aproximou de nós dois. Não precisei sequer perguntar
quem ele era, já que Alyssa tinha os olhos do homem.

— Papai! — exclamou ela, indo de encontro aos braços receptivos do


pai. — O senhor está tão lindo — observou, se afastando um pouco para
poder olhá-lo melhor.
— Ah, linda está você minha princesa — murmurou carinhosamente.
— Que bom que você veio, querida. — Apertou a pequena e frágil garota
contra seus braços. — Sem você esse momento não teria sentido, filha. —
Depositou um beijo na testa dela.
— Eu sei, pai — disse, tocando o rosto do pai. De repente, seu olhar

me procurou. Eu estava parado, ao seu lado.


— Quem é esse jovem? — quis saber ele, curioso.
Não esperei Alyssa responder e me atravessei, estendendo minha mão
para apertar a dele.
— Sou Felipe González, senhor, namorado da sua filha — falei,
encenando o personagem que ela criou. Enrolei a mão novamente na cintura
fina e a puxei para poder beijar sua cabeça. — Com a correria do nosso
trabalho o tempo é extremamente curto, mas saiba que eu estava louco para
conhecê-lo. Alyssa fala muito bem do senhor.

As sobrancelhas do homem estavam arqueadas, claramente deixando


nítido o seu espanto pela situação inusitada.
— Eu estou verdadeiramente surpreso, porque a Alyssa não me falou
nada — declarou, desconfiado.

— Não... — coçou a garganta — Eu não fiz por mal, pai. Felipe e eu...
— olhou para mim como se estivesse pedindo ajuda.
Meus olhos brilharam em divertimento.
— Nós nos conhecemos em uma das nossas folgas — acrescentei. E
isso não era mentira afinal. — Eu ainda não era o chefe do setor de
cardiologia no hospital e...
— Oh, você é o chefe? — interrompeu-me, impressionado.
— Sim, eu fui convidado para chefiar o setor e aceitei, apesar de ter

uma clínica bem promissora — expliquei. — Moro em Nova York há cinco


anos, mas nasci em Madrid.
— Madrid? Eu acho que já ouvi falar da sua família.
Sorri, orgulhoso.
— É bem provável, senhor Wilson, porque minha família trabalha com
peças automotivas e o grupo González é conhecido internacionalmente —
comentei. — O senhor já esteve em Madrid?
— Algumas vezes — respondeu nostálgico. — Eu e minha falecida
esposa costumávamos viajar bastante. Lembra, filha?

Olhei para a Alyssa, que parecia aérea e tensa sob meu abraço.
— Claro que me lembro, pai — disse ela. — A mamãe adorava fazer
passeios românticos.
— Oh, querido, então você já conheceu o namorado da Alyssa. — A

madrasta surgiu, abraçando o noivo. — Eu fiquei bem contente, porque sou


uma das que mais torcem pela sua felicidade, querida.
Alyssa ofereceu um sorriso amarelo, antes de se voltar para mim.
— Quer conhecer a casa? — perguntou numa clara tentativa de escapar
dali.
— Por que não o leva para a torre, querida? — Seu pai indagou. —
Tenho certeza que Felipe irá se encantar pela vista que tem para o rio
Hudson.

— Vou levar sim, pai. — Sorriu. Em seguida, voltou a abraçá-lo. — Eu


te amo.
Depois disso, ela segurou-me pela mão e foi me arrastando por entre as
pessoas. Alguns nos paravam para cumprimentá-la.
A arquitetura da casa era impressionante. Vitrais, janelas arqueadas,
teto abobadado e mobiliário ornado davam para a mansão um ar misterioso.
Eu estava tão fascinado pela decoração do lugar — que tinha cara de
locação de filme de terror — que não percebi quando Alyssa estagnou de
repente.

— Madison — praticamente cuspiu o nome da garota, que claramente


não gostava dela também. — Suponho que veio soltar o seu veneno, hun?
Aposto que a sua mamãe já andou fazendo fofoca, visto que adoram falar da
minha vida.

Fiquei chocado pelo tom rude, embora compreendesse a situação toda.


— Uau, Alyssa! — exclamou, com a mão no peito. A garota tinha
cabelos loiros como os da mãe. Era bonita, mas não chegava aos pés da
beleza da Alyssa. — Falando desse jeito, você irá assustar o seu amigo. O
que ele irá pensar de nós? — Sorrindo, ela se atravessou na minha frente. —
Prazer, sou a Madison, quase irmã da Alyssa.
Antes que ela tivesse tempo de se debruçar sobre mim para beijar o
meu rosto, Alyssa colocou o braço na frente, impedindo o contato. Segurei o

riso no instante em que ela se colocou no caminho como um escudo protetor.


— A sua mãe não contou que esse é o meu namorado? — indagou, tão
séria, que por um momento fiquei em dúvida se ainda estávamos forjando
toda aquela situação.
A garota fez uma cara de desentendida e ofendida.
— Credo, Alyssa, você pensa tão mal de mim que chego a me sentir
entristecida — disse, fazendo drama. — Estava apenas me apresentando, não
ia comer ele não...
Circulei a cintura da Alyssa com meus braços, sem me controlar, pois

ela estava bem próxima a mim. Meu rosto embrenhou-se em seus cabelos
soltos e perfumados.
— Foi um prazer conhecê-la, Madison — falei de modo gentil, mas
recebi uma cotovelada da Alyssa.

— Ai — reclamei, baixinho.
Sorrindo de orelha a orelha depois do que eu falei, a garota nos deixou
a sós. Deduzi que não passava dos 20 anos.
Me ajeitei quando a Alyssa se virou de frente para mim, porém meu
olhar ainda estava na garota não muito longe de nós. Era óbvia a
competitividade ali, o que de certa forma me deixava triste. Eu não tinha
irmãos, mas tinha primos e os amava por igual.
— Felipe?

— Hun? — repliquei, ainda perdido em pensamentos.


Não tive reação quando Alyssa colou os lábios nos meus de repente.
Não houve língua, mas o mero contato já foi o suficiente para acender todo o
meu corpo.
— O que...
— O papai estava olhando — falou como se estivesse se desculpando,
o que era ridículo, já que estar com ela de maneira mais intima não era
nenhum sacrifício para mim.
Abri a boca para falar, mas observei um aparelho de som no canto da

sala. Pedi licença e, rapidamente fui até lá e o conectei ao meu celular.


— Pessoal? Uma festa animada é festa com dança, hun?! — mencionei
em tom alto, chamando a atenção deles. — Que tal remexer o esqueleto?
Alguns riram.

— Eu concordo. — Meu sogro de mentira gritou de volta. — Querida,


vamos dançar. — Pegou a noiva, que riu, deliciada.
Logo as notas da música Run Up, de Major Lazer e Nicki Minaj,
começou a ecoar pelo acústico do equipamento de som, e eu comecei a
sacudir o corpo conforme caminhava até a Alyssa, que sorria envergonhada.
— Eu não acredito que fez isso — cochichou depois que a puxei contra
meus braços.
— E eu não acredito que você está fingindo que sou o seu namorado —

retruquei, rindo.
Seu rosto envergonhado se ergueu para me encarar. Arrastei uma das
mãos por suas costas, pressionando seu quadril no meu. Ouvi o seu arquejo
na mesma hora.
— Você já está se aproveitando da situação, Felipe! — murmurou
enquanto ninguém olhava.
Eu quis rir, porque ela estava certa. Mas talvez fosse a minha única
oportunidade.
Inclinei-me e colei minha boca em seu ouvido, puxando seu corpo

ainda mais perto do meu enquanto rodava com ela pelo salão.
— Do mesmo modo que você, querida. Eu não esperava aquele beijo.
Senti seus tremores sob meus dedos gulosos.
— Foi por causa do meu pai — tentou explicar, mas eu ri.

— É, eu sei que foi... — desdenhei, deixando-a irritada.


A música acabou, mas logo outra começou, pois selecionei uma das
minhas playlist. Os convidados estavam animados, sacolejando e se
divertindo conforme o ritmo dançante. Em determinado momento, eu espiei
ao nosso redor e me deparei com o anfitrião da festa.
— O seu pai está se divertindo — comentei, vendo a maneira como ele
sorria com a noiva, que não ficava para trás no quesito diversão.
Alyssa espalmou o meu peito e olhou por cima do meu ombro.

— Ela parece fazê-lo feliz — complementei. Nesse momento, seus


olhos encontraram os meus. — Talvez a felicidade se esconda nas coisas
loucas. Talvez o errado possa ser o certo e o impossível pode ser possível.
Ficamos nos olhando, sérios, até que, instantes depois, ambos
começamos a rir.
— Depois de toda essa breguisse que falei, eu preciso urgentemente
beber alguma coisa — comentei, rindo.
Alyssa me pegou pela mão, também rindo enquanto sacudia a cabeça.
— Vem, vamos encontrar algo.

Não falei nada e apenas me deixei ser guiado por ela.


Capítulo 9
Alyssa
Eu estava me esforçando para não pensar nas consequências da minha
mentira, mas isso era tudo o que minha mente conseguia processar,
considerando que todos ao redor pareciam estar simpatizando com o meu
suposto namorado. Aliás, Felipe deixava claro o quanto estava se divertindo
com toda a situação, e ele incorporou o personagem perfeitamente.
— Você precisa relaxar, Alyssa, ou seu pai vai perceber que está tensa.
— comentou ele, depois que me ofereceu outro drink. Estávamos num canto,

afastados dos demais. — Se quiser, eu posso fazer uma cena de ciúmes aqui,
e com isso você terá motivos para ir embora.
Franzi a testa, espantada com sua proposta.
— Ficou louco? — indaguei, nervosa. — Claro que não farei isso. Já
basta a mentira de você ser o meu namorado. — Peguei a taça com o
champanhe e levei a bebida rapidamente aos lábios. — Jamais vou me
perdoar por magoar o meu pai. — Sacudi a cabeça, chateada comigo mesma
por ter me enfiado naquela enrascada.

— Ele não precisa saber — disse ele, tranquilo. — Mas de uma coisa
tenho certeza.
— O quê?
— Você precisa melhorar essa cara, porque desse jeito vai parecer que

estamos brigados.
Foi impossível não sorrir.
— Seu bobo. — Cutuquei seu braço, adorando a maneira como ele
estava sorrindo para mim.
— Vejo que estão se divertindo — disse meu pai, se juntando a nós.
Senti-me tensa, pois o brilho nos olhos dele ao olhar de mim para o Felipe me
fez sentir mal. Droga! — O jantar será servido daqui a pouco. Espero que
goste da culinária francesa, porque foi a escolha da Lucinda — mencionou,

encarando o Felipe.
— Ah, eu adoro a gastronomia Francesa — Felipe comentou. — Já tive
a oportunidade de visitar Carcassone e experimentei o Cassoulet. — Ele
beijou as pontas dos dedos naquele gesto característico de quando apreciamos
uma boa comida. — Gosto muito do Coq au vin também. Uma receita que já
possui séculos de existência. Segundo consta, foi criado para o imperador
romano, Julio César, ao conquistar a região da Gália. A receita original era
preparada com galos em idade avançada e o vinho para amaciar a carne.
— Que interessante — disse meu pai. — Vejo que você é um bom

apreciador do assunto.
Felipe sacudiu a cabeça.
— Eu apenas gosto de apreciar as histórias por trás de cada
experiência. — explicou. — É igual o futebol americano, por exemplo; ele é

um jogo de estratégia, de talento e de trabalho em conjunto. É também um


jogo demorado, dura cerca de três horas, com muitas pausas, muitas regras,
que demanda não só tempo, mas também bastante paciência. Mas isso não
quer dizer que futebol americano é chato, muito pelo contrário, é
simplesmente fascinante.
— Rapaz, eu penso exatamente como você. — Afirmou meu pai,
aproximando-se um pouco mais, interessado. — Eu vivo dizendo que o
futebol americano não é compreendido por ninguém no primeiro ou segundo

jogo que assiste, entretanto, quando há um forte interesse pelo esporte e pelo
seu entendimento, surge também uma enorme paixão pela modalidade.
— Justamente! — exclamou o Felipe. — É um jogo com muita
intensidade, jogadas espetaculares, onde os quarterbacks necessitam de
precisão com a bola nas mãos para encontrar o receptor mais livre em campo,
lances com altos graus de tensão e concentração, e...
— Ooooi?! — interrompi, entediada com o assunto. — Acho que esse
não é o momento para falar de jogo, hun?
Eles sorriram.

Felipe me encarou, puxando-me para seus braços. Não reclamei, apesar


do constrangimento. Precisava fingir na frente do meu pai.
— Não tive tempo de parabenizá-lo, pai — falei, encarando o rosto
risonho do homem que me criou tão bem. — O senhor está feliz?

Ele segurou minha mão na sua, antes de levá-la aos lábios.


— Vê-la aqui, neste momento de celebração, me fez o homem mais
feliz do mundo, filha — garantiu, aquecendo o meu coração. — Obrigado por
ter vindo, mesmo não aprovando a minha escolha.
Rolei os olhos.
— Não é questão de aprovar ou não aprovar, pai — tentei me explicar.
— Eu só acho que...
— A propósito, senhor John... — Felipe me interrompeu — Que time o

senhor torce?
Não sabia se brigava com ele pela intromissão, ou se o agradecia por
ter me salvado de ter que me justificar sobre um assunto que para mim não
havia explicação. Eu simplesmente não gostava da Lucinda e ponto final.
— Dallas.
Senti a vibração do Felipe na mesma hora.
— Eu também! — exclamou. — O que achou do último jogo?
— Argh, acho que vou ao banheiro, porque esse assunto está me dando
sono — comentei, me soltando dos braços do Felipe.

Me afastei, mas pude ouvir a risada deles.


No caminho, eu cumprimentei alguns conhecidos do meu pai. Nossa
família não era grande, mas eu podia contar nos dedos os parentes que tinham
a minha consideração. A verdade é que na época em que minha falecida mãe

ficou doente, muitos se afastaram, por não quererem ajudar. Anos depois,
meu pai investiu na bolsa de valores e ficou rico. Não que antes, a nossa
situação financeira fosse ruim, mas não tínhamos o status que ele tinha com a
Lucinda. Desde novo, ele sempre foi esforçado e dedicado a todo tipo de
assunto, então acreditou que um dia conseguiria alcançar o mundo.
Dispersei os meus pensamentos assim que entrei num dos banheiros no
andar de baixo. Fui direto para a pia a fim de molhar a nuca, que estava
suada. A tensão estava deixando os meus ombros endurecidos. Respirei

fundo, encarando o meu reflexo através do espelho e me perguntando como


sairia daquela confusão.
De repente, ouvi vozes do lado de fora do banheiro. Reconheci a da
Madison entre elas, então fui até a porta e colei a orelha na madeira para
poder ouvir alguma coisa.
— O que aquele gostoso viu nela? — comentou ela, com alguém. —
Eu não engulo isso! Não aceito!
— Mas você viu a maneira como ele olha pra ela? — Era a voz de
outra garota, provavelmente de uma das suas amigas. — O cara parece

fascinado.
— Fascinado? — desdenhou. — Pois te garanto que até o final dessa
noite, ele estará na minha cama.
Dizendo isso, ela tentou abrir a porta do banheiro, me assustando,

porque não estava esperando.


— Argh, saco! — praguejou, desistindo. — Vamos no banheiro de
cima — comentou.
Fiquei em silêncio, esperando.
Minha mente estava trabalhando rápido demais, fervilhando;
absorvendo as últimas palavras pronunciadas pela filha da minha madrasta.
Era notória a competitividade que ela tinha comigo, e isso se deu desde a
primeira vez que nos vimos. Madison era mimada ao extremo e se

aproveitava da bondade do meu pai para conseguir tudo o que desejava, o que
me irritava demais e me fazia discutir com ele. Sempre corri atrás dos meus
sonhos e ideais, então não admitia que aquela garota se aproveitasse do meu
velho.
Irritada, eu respirei fundo e saí do banheiro. Meus nervos estavam à
flor da pele, e piorou quando avistei a vadia da Madison conversando com o
Felipe como se fossem melhores amigos. Fechei a cara na mesma hora,
marchando até eles com passos duros.
— Ah, que legal — dizia ele, encarando-a com atenção. — Medicina é

um curso intenso, mas a sensação é maravilhosa depois que você se forma. A


delícia de salvar uma vida é sensacional.
— Eu imagino — disse naquele tom meloso, usado para conseguir o
que queria. — Você poderia ser o meu professor, hun? — insinuou ela,

arrasando a minha paciência.


Sequer pensei direito e, simplesmente fui pra cima dele, reivindicando
seus lábios nos meus. Não pensei em mais nada. Não pensei que todo mundo
estaria olhando para nós dois. Não pensei no que minha atitude acarretaria em
minha relação com o Felipe. Nada. Eu só pensei em dar uma lição naquela
garota vadia.
Felipe logo entrou no meu jogo, deslizando as mãos em minha cintura
e intensificando o beijo. Sua língua pediu passagem e eu permiti, gemendo

baixinho quando se chocou com a minha numa dança erótica e muito, muito
sensual. Meus pensamentos logo abandonaram o local ao nosso redor; minha
mente se esqueceu do principal motivo que me fez agarrá-lo, e tudo o que
passei a fazer foi curtir e me lembrar dos momentos que compartilhamos
naquele quarto de motel. Eu não deveria, mas ansiava por mais. Eu queria
terminar o que começamos.
Mesmo perdida em seus braços, eu consegui ouvir — ao longe — o
anúncio do jantar. Tinha que admitir que encerrei o beijo à contra gosto,
porque a vontade do meu íntimo era me perder naqueles lábios para sempre.

De soslaio, olhei para os lados e não encontrei mais a Madison. Ponto


para mim!
— Bom trabalho, querida. — Felipe comentou, fazendo-me encará-lo.
— A garota saiu com o rabinho entre as pernas.

Minhas bochechas ruborizaram na mesma hora, porque acabei me


dando conta de que tinha agido por impulso e certa infantilidade.
Não falei nada. Não por não saber o que dizer, mas por pura vergonha.
Então apenas me virei nos calcanhares.
— Vamos, porque parece que todos já se reuniram na sala de jantar —
comentei, mas fui parada por Felipe, que segurou o meu braço e freou os
meus passos. Notei que ele meio que passou a se esgueirar em minhas costas.
— O que foi?

— Da próxima vez que quiser dar um show e me usar como


protagonista, por favor, me avise antes para que eu possa me preparar —
respondeu num sussurro. Em seguida, senti uma cutucada em uma das
minhas nádegas. — Agora me ajude a esconder essa evidência, ou o seu pai
vai me expulsar daqui a ponta pés se perceber que estou de pau duro pela
filhinha dele.
Coloquei a mão na boca, tentando amenizar a vontade de rir, apesar de
todo o nervosismo da situação.
Rapidamente tomamos nossos assentos, lado a lado. Lucinda e meu pai

estavam em pé, enquanto ele fazia o seu famoso discurso. Tentei prestar
atenção no que ele dizia, mas a verdade é que minha mente pervertida e
traiçoeira só sabia pensar na ereção do Felipe. Droga!
Assim que o discurso acabou, o jantar pôde ser servido. Eu não era

hipócrita em não perceber o quanto meu velho parecia feliz ao lado daquela
mulher, que eu não aprovava. Seus olhos brilhavam sempre que olhava para
ela, e isso eu não tinha como negar.
— Papai, o namorado da Alyssa me deu várias dicas sobre o curso de
medicina. — Madison começou, querendo ser o centro das atenções. Fora
que ela sabia que eu odiava quando o chamava de pai. — Estou pensando
seriamente em me aventurar.
Travei o maxilar na mesma hora, nervosa e tensa. A competitividade

dessa garota não conhecia limites.


— Ser médica não é para qualquer um, querida. — Não resisti a
alfinetada.
— Você por acaso está me chamando de qualquer uma, Alyssa? Acha
que não sou capaz?
— Eu? — Fiz a dramática. — Jamais diria isso.
O clima esquentou.
— Não há necessidade de briga aqui, garotas — interveio Lucinda.
Outras pessoas também se manifestaram.

— Essa é uma noite de celebração — disse o papai.


— E uma celebração de união e cumplicidade — acrescentou o Felipe,
fazendo-me olhar para ele. — Na minha família, o casamento é algo sagrado,
e eu respeito muito isso. — Sorriu. — “Chuva com sol, casamento de

espanhol!” O ditado popular faz jus a nós, espanhóis, que temos o hábito de
realizar o casamento com o sinônimo de evento grandioso e de oportunidade
rara para reunir duas famílias inteiras e dois grupos de amigos. Portanto, faça
chuva ou faça sol, a festa sempre acontece.
— Você vem de uma família grande, eu suponho. — Lucinda quis
saber, interessada. — Alyssa ainda não tinha comentado sobre você. Aliás,
estão juntos há quanto tempo mesmo?
Quase engasguei com a comida, mas me controlei. Quando abri a boca

para responder, o Felipe foi mais rápido:


— Pouco mais de um mês. Entretanto, eu não me apego nesse tipo de
detalhe num relacionamento — argumentou, tão sério que cheguei a me
questionar se estávamos realmente mentindo ali. — Gosto de viver um dia
após o outro e deixar com que o tempo nos dê a direção.
Fiquei quieta, absorvendo suas palavras e me questionando se algo ali
pudesse ter ou não algum fundo de verdade.
— Vocês se conheceram no hospital mesmo, ou fora? — Madison
perguntou, enxerida. — Imagino que trabalhar num lugar assim deva ser bem

emocionante.
Revirei os olhos, sem que ninguém percebesse.
— Você precisa pensar friamente, querida — disse ele, gentil. —
Questionar a si mesma se a sua mente e seu corpo irão aguentar o pique que

uma profissão dessas exige. Longas horas em pé, sem se alimentar direito e
sem dormir. Concentração em cirurgias, pois suas mãos estarão sobre, ou
dentro do corpo de um paciente...
— Ah, mas isso não é difícil — retrucou ela, interrompendo-o. — Sei
que terei todo o suporte, então poderei me aventurar em todas essas coisas...
— Não são coisas, Madison. — Felipe corrigiu, praticamente num
rosnado. Estava a tempo demais convivendo com ele, para saber o respeito
que o mesmo tinha pelos seus pacientes. — Você estará lidando com vidas.

Então a menos que tenha certeza da sua vocação, é melhor ter uma segunda
opção no currículo.
Novamente fui obrigada a segurar o riso, porque certamente Madison
não esperava por esse corte.
Embora estivesse adorando a sua cara de tacho, eu decidi amenizar o
clima, puxando outro assunto:
— Papai, o senhor já decidiu se vai investir em projetos voluntários?
Vi que sua expressão se tornou mais leve. Senti-me um pouco culpada
por ter causado, de alguma maneira, um desconforto para ele.

— Estou com alguns em mente, filha, mas não sei qual é o melhor —
respondeu. — Adoraria que me ajudasse com isso. — Sorriu, aquecendo o
meu coração.
— Será um prazer, pai.

— Que tal assistirmos ao próximo jogo do Dallas, Felipe? — Meu pai


perguntou enquanto seguíamos para a saída. A maioria dos convidados já
tinha ido embora também. — Vocês poderiam passar o dia aqui conosco.
Será maravilhoso passarmos esse tempo juntos, filha.
Meu coração acelerou.
— Olha pai, eu não...
— Combinado! — Felipe estendeu a mão para ele, ignorando-me

completamente. — Vou adorar assistir o jogo com o senhor. A propósito, que


tipo de bebida o senhor gosta?
— Licor — respondeu, puxando o Felipe para um abraço apertado. —
Gosto do tipo que arde a garganta.
Felipe riu.
— Lembrarei disso — brincou. — Nos vemos no próximo final de
semana, senhor John.
— John. Me chame apenas de John.
Sem palavras, eu apenas me deixei ser beijada pelo meu pai, enquanto

nos despedíamos. Sentia-me como a um robô, somente seguindo aos


comandos.
No carro, me ajeitei no meu banco, ainda em silêncio. Minha mente
estava analisando todas as possíveis saídas para a enrascada que acabei me

enfiando sem querer.


Durante todo o trajeto, Felipe teve a delicadeza de ir puxando assunto
sobre o meu pai e o restante da família, dizendo que, apesar de tudo se
divertiu bastante. Observei, por várias vezes, ele se remexer no banco,
embora eu não fizesse ideia do motivo.
Eu, por outro lado, permanecia aérea, sem saber como desmentir
aquela história absurda de namoro.
Assim que Felipe estacionou o carro em frente a minha casa, eu fui

obrigada a ir direto ao ponto:


— Felipe... sobre o convite que meu pai fez para assistirem ao jogo,
saiba que você não precisa ir — declarei, nervosa. — Eu posso inventar uma
desculpa qualquer, dizendo que nós não estamos bem e...
— Não, não — ele me cortou — Seu pai é uma pessoa maravilhosa, e
eu não quero que ele pense que magoei a princesinha dele. — Piscou, maroto.
— Sendo assim, vou continuar sendo o seu prostituto de aluguel.
Minha risada foi espontânea.
De repente, voltei a notar que ele estava inquieto, como se estivesse

desconfortável.
— O que foi? — intimei, preocupada. — Você veio se remexendo
durante todo o caminho até aqui — comentei.
— É que estou apertado — respondeu, sem jeito. — Acabei não tendo

a oportunidade de ir ao banheiro lá na casa do seu pai.


Senti-me mal por ele.
— Oh, meu Deus! — exclamei, abrindo a porta. — Me desculpe por
não ter me dado conta disso antes — falei. — Vem, pode usar o meu
banheiro.
Segui para a porta de entrada, já procurando minhas chaves dentro da
bolsa. Felipe acionou o alarme do carro e veio logo atrás de mim.
Abri a porta e, em seguida, apontei onde ficava o banheiro.

Aproveitei para ir ao meu quarto enquanto Felipe seguia para o


caminho que indiquei. Troquei o vestido por uma calça de moletom e uma
camiseta, e arranquei aquelas malditos saltos que já estavam enchendo os
meus pés de calos e bolhas.
Novamente na sala, eu encontrei com o Felipe; ele estava encarando
uma das fotos dos diversos porta-retratos da estante.
— Essa foto foi tirada há cinco anos — falei, nostálgica. Felipe se
assustou quando me viu.
— Oh, me desculpe — pediu, constrangido por ter sido pego no flagra.

— Eu não tive a intenção de mexer e nem de invadir a sua privacidade.


Sorri fraco, me aproximando.
— Não se preocupe — murmurei. — Já estava na hora de você saber
mesmo. — Suspirei baixo. Peguei o porta-retrato da sua mão.

— Saber o quê?
Passeei os dedos sobre a imagem do meu falecido marido.
— Sobre o meu falecido marido. — Ergui o retrato. — Henry.
— Você não precisa falar se não estiver pronta — disse.
— Eu sei. Mas estou bem — murmurei, soltando o ar. — Henry
faleceu há dois anos. Ele servia ao exército, mas acabou aceitando uma
missão no Iraque e não voltou mais. Houve um acidente com uma das
granadas e... — engoli a vontade de chorar, porque ainda era um assunto bem

delicado para falar. — Era aniversário dele naquela noite. Na noite em que
estive naquele bar — confessei. — Eu saí de casa para tentar esquecer... aí
conheci você e nós...
— Não deu certo — complementou o meu raciocínio. — O seu corpo
estava pronto, mas a sua mente não.
Assenti, sacudindo a cabeça.
Voltei a ajeitar o porta-retrato na estante, ainda tentando engolir o
desejo de chorar.
— Meu surto não teve nada a ver com você — expliquei. —

Honestamente, você foi o único homem que conseguiu mexer com a minha
libido desde a morte dele — decidi ser sincera. — Mas não sei se estou
preparada, sabe?
Felipe estava sério, encarando-me com a intensidade de sempre.

De repente, se aproximou um pouco mais, segurando uma das minhas


mãos. Fiquei expectante e angustiada pelo seu olhar inexpressivo.
— Não precisa se sentir mal por ter me deixado naquele quarto de
motel com o pau duro e as bolas roxas, querida, eu perdôo você — disse,
arrancando-me uma gargalhada.
Seus lábios logo se abriram num sorriso lindo.
— Pronto! É assim que eu gosto de ver você — comentou, acariciando
meus dedos. — Sorrindo.

Ficamos nos olhando, sorrindo um para o outro, enquanto eu sentia


aquela conexão estranha entre nós.
— Você não precisa assumir nada comigo, se não estiver pronta,
Alyssa — disse ele. — Mas saiba que quero o meu pagamento por estar
fingindo ser o seu namorado.
— Pagamento? — indaguei, arregalando os olhos.
— Uhum. — Sacudiu a cabeça, sorrindo sacana. — Um jantar. Eu e
você.
Foi impossível não sentir o meu coração acelerar. Era uma mistura de

expectativa e medo.
— Não espere segundas intenções — falou como se estivesse lendo os
meus pensamentos. — Será apenas um jantar entre duas pessoas que estão se
conhecendo e compartilhando boa parte do cotidiano, Alyssa. Apenas isso.

Mordi os lábios, pensativa.


— Posso criar regras?
Negou com a cabeça, rindo.
— Nada de regras! Você perdeu esse direito quando decidiu me
transformar no seu prostituto particular.
Não segurei a risada acalorada.
Naquele momento, cheguei a conclusão de que Felipe González estava,
aos poucos, se esgueirando em minha vida, mas deixando pequenas sementes.

Só me restava saber se alguma delas germinaria em meu coração.


Capítulo 10
Felipe
A semana se iniciou na correria, contudo, minha mente sempre dava
um jeitinho de me lembrar da pequena fujona, quando não estávamos juntos.
Alyssa acabou me surpreendendo por não ter mudado comigo, pelo contrário,
nossa mentirinha nos aproximou um pouco mais.
— Está rolando uma aposta, sabia? — Denver comentou, me pegando
desprevenido, já que não estava esperando sua chegada abrupta no corredor.
Encarei seu rosto risonho. Sacudi a cabeça, rindo. — Não ficou curioso em

saber a respeito?
Rolei os olhos, passando pela bancada da emergência e deixando todos
os prontuários com a chefe da enfermagem.
— Não sei se vale a pena. — Me fiz de desinteressado apenas para
irritá-lo. — Tem a ver comigo, suponho.
Ele vibrou.
— A galera está louca pra saber quanto tempo vai levar até você pegar
a “indomável”. — Riu, referindo-se a Alyssa. — Os lances estão cada vez

mais altos, cara.


Sacudi a cabeça.
— Vocês são loucos.
Ameacei pegar o elevador, mas Denver segurou o meu braço.

— Ei? Mas você e ela estão... — gesticulou com os dedos.


— Vá caçar uma boceta pra você, Denver, pelo amor de Deus! —
exclamei, impaciente.
Entrei no elevador ao som da sua risada divertida. Me peguei rindo
também.
Meu telefone vibrou no bolso com uma nova mensagem do grupo da
família González. Todos os dias era um assunto diferente, e eu sempre me
divertia com os meus primos, sobretudo, com Lorenzo que quase não falava,

mas sua mulher constantemente fofocava sobre ele.


Saí do elevador e segui direto para uma das salas de descanso. Tinha
garantido pouco mais de meia hora para um cochilinho.
Optei pela cama de cima do beliche e, em seguida, me deitei de barriga
para cima cobrindo o rosto com um dos meus braços. O suspiro escapou
demonstrando o quanto meu corpo estava cansado.
Não notei quanto tempo se passou, mas a porta se abriu de repente:
— Eu não consigo ficar perto dele, amiga, é muita crueldade o hospital
contratar homens assim. O doutor “bate bate” deveria ser ginecologista, isso

sim — disse uma voz feminina. Na mesma hora, eu me ajeitei na cama para
poder ver quem tinha entrado. Era a amiga da Alyssa e a própria Alyssa, que
apenas deu risada. — Pode dizer, ele é ou não é testosterona pura?
Me joguei na beirada da cama.

— Quem é esse tal doutor “bate bate”? — questionei fazendo com que
elas gritassem de susto. Eu dei risada, enquanto ambas praguejavam alto.
— Ficou doido? — Glenda questionou, acariciando o peito. — Eu
posso estar ao lado de dois médicos cardiologistas, mas não estou nenhum
pouco a fim de ir parar na mesa de cirurgia por conta de um infarto, droga!
Minha risada aumentou, e eu me ergui de modo a me sentar.
— Me perdoem — falei. — Eu só estava querendo saber a identidade
deste doutor testosterona e pedir para ele me ensinar o charme. — Pisquei,

olhando para a Alyssa, que ficou toda vermelha.


— Ah, eu tenho certeza que a Alyssa vai contar quem ele é —
insinuou, jogando a bola para a amiga.
— Quê? Eu? — O rubor se tornou mais intenso. — Fala sério, Glenda!
Nem ouse me incluir nessas suas paranóias.
— Não tem paranóia nenhuma aqui — revidou, se divertindo. — É
você que torna tudo complicado e sem necessidade.
— Não começa. — Alyssa fechou a cara, nervosa.
Pisquei, sentindo-me deslocado ali.

— Estou atrapalhando? — As duas me olharam.


— Por que você não aproveitou para conquistar o coração dessa geleira
aqui? — Apontou para a Alyssa, que ralhou com ela.
— Glenda! — exclamou. — Não sei por que conto as coisas pra você.

— Rolou os olhos, se sentando na cama debaixo. — O jantar foi algo


simbólico na casa do meu pai; não teve nada demais. Eu já falei pra você
parar de viajar.
— Quando você fala “que não teve nada demais” está se referindo
também ao fato de ter decidido mentir ao seu pai que nós somos namorados?
— Não resisti.
Glenda simplesmente gritou, parecendo criança pequena.
— O quê? Como assim, Alyssa Wilson?! Não acredito que você não

pretendia me contar!
Rindo, eu desci da cama e peguei minhas coisas.
— Bom, meu trabalho aqui já está feito — zombei. — Vejo você mais
tarde, Alyssa — mencionei, me despedindo delas. Não me passou
despercebido a maneira dura como ela me encarou, provavelmente furiosa
por eu tê-la dedurado.
Saí dali, achando graça de toda a situação.
Estava perto do final do expediente quando visualizei a silhueta da
Alyssa entrando na sala dos armários. Fui atrás dela.
Ela estava arrancando o jaleco quando entrei.
— Está chateada comigo ainda? — perguntei, me recostando num dos

armários de ferro, enquanto a observava colocar outra blusa. Não tive


oportunidade para conversar com ela depois do momento que tivemos na sala
de descanso, pois a emergência lotou e nos deixou sem tempo.
— Um pouco — respondeu, fazendo um biquinho sexy, apesar de eu
saber que não foi essa a sua intenção. — A Glenda me deixou doida, sabia?
Aquela lá se denominou o meu cupido, e isso é um saco! — bufou,
contrariada.
Foi minha vez de rir.
— Me desculpe, mas eu não falei nenhuma mentira. — Dei de ombros,

despreocupado.
— Mas nada o impedia de ficar com a boca fechada também! —
revidou, com o nariz empinado.
Me aproximei, percebendo a maneira como seus olhos aumentaram
com a nossa proximidade.
— Decidi que quero levar você para jantar amanhã — declarei,
notando que ela deu passos para trás como se precisasse de espaço para
respirar. Estiquei meus braços, prendendo-a entre o armário e meu corpo.
— Amanhã? — Sua voz não passou de um silvo.

Assenti com a cabeça, mordendo os lábios ao encarar os seus,


carnudos.
— Eu e você — falei. — Nada de jalecos. Nada de histórias forjadas.
— Me calei, querendo ter certeza que ela estivesse prestando atenção no que

eu dizia. — Apenas um homem e uma mulher dispostos a se conhecerem...


— Como amigos — fez questão de acrescentar mais do que depressa.
Minhas sobrancelhas se arquearam, porque na verdade tive vontade de rir.
Era óbvio que eu mexia com ela tanto quanto ela mexia comigo, mas parecia
estar enganando a si mesma a respeito da atração entre nós. — Eu... — coçou
a garganta — Eu não estou pronta para outras coisas... ainda.
O canto dos meus lábios se distendeu num sorriso discreto. Ergui a
mão e, audacioso, toquei o seu queixo.

— Sei disso, minha querida.


Me afastei, respirando fundo de modo a tentar aplacar o tesão que me
abateu. Minha ereção estava a ponto de bala e eu sequer fiz esforço para
escondê-la.
— A propósito... — me voltei para ela — O tal doutor “bate bate” sou
eu?
Os lindos olhos reviraram-se nas órbitas.
— Você é sempre arrogante assim, ou faz isso apenas para irritar?
Gargalhei.

— Só me explica o “bate bate”.


Sorri enquanto ouvia a sua risada. Eu achava deslumbrante a maneira
como seus olhos brilhavam. Era lindo demais.
— Glenda afirma que de tão gostoso, ele faz o coração dela bater forte

no peito — explicou entre risos. — E bater... e bater... e bater...


No fim das contas, eu e ela saímos da sala ao som das nossas próprias
risadas.

— Você já veio aqui? — perguntei a Alyssa enquanto passávamos por


uma portinha que nos levaria a dois elevadores no fundo de um corredor.
Estávamos num daqueles prédios super charmosos de Meatpacking District.
O restaurante que eu pretendia levá-la ficava nos três últimos andares.

— Não, mas já ouvi muitos elogios. — Sorriu.


Tentei não “secar” o seu corpo delicioso, embora estivesse sendo bem
difícil, visto que a roupa escolhida por ela era extremamente justa.
Honestamente, Alyssa era daquele tipo de mulher que ficava gostosa com
qualquer roupa, sem exceção.
— Gosto bastante deste lugar — comentei, assim que chegamos à
recepção, no segundo andar, onde ficava o bar e algumas mesas do
restaurante. — Ele ficou famoso quando lançou a moda daquela sobremesa
com fudge quente que derrete um fino globo de chocolate e revela um sorvete

dentro dele, lembra?


— Céus, isso é delicioso! — Lambeu os lábios charmosamente. — É a
minha sobremesa favorita.
— Pois é... — indiquei a escada que nos levaria ao mezanino onde

ficava a maior parte das mesas e a cozinha aberta bem no meio do salão —
Essa sobremesa foi tão copiada que eles desistiram dela e lançaram o
HITME, que é uma torre que intercala bolo de chocolate, sorvete, brownie e
no topo vai uma casquinha de chocolate preto recheada com calda de
chocolate branco, que deve ser quebrada com uma colher. Por isso o nome,
que significa “bata em mim”.
— A combinação parece ser perfeita! — exclamou, animada.
Logo nos acomodamos em uma das mesas. Peguei o instante em que

Alyssa deu uma risadinha discreta.


— O que foi? — questionei, curioso.
— Você faz isso com todas? — Gesticulou ao redor.
— Não entendi. — Franzi o cenho.
— Agir no estilo Don Juan.
Foi minha vez de rir.
— O que posso dizer é que sou um homem com um coração enorme.
Trato todas iguais. Esse é o meu defeito. — Fiz graça, o que a fez estapear o
meu braço, que estava por cima da mesa.

— Seu safado! — ralhou, zangada. Na mesma hora, eu peguei o meu


celular e tirei uma foto dela. — Ah, não, Felipe...
Tentou pegar o meu telefone, mas não deixei.
— Você fica ainda mais linda quando está irritada, sabia? —

mencionei, divertido com o seu desespero.


Logo o garçom se aproximou, interrompendo o momento. Fizemos
nossos pedidos; Alyssa optou por seguir a minha sugestão e escolheu o “filé
de peixes com purê de lagosta”. O vinho escolhido foi o branco.
Assim que o garçom se afastou, eu me distraí e Alyssa acabou pegando
o meu celular. Não me importei, e apenas fiquei olhando para ela. Gostava de
vê-la mais solta.
Mais a vontade comigo.

— Ah, até que não ficou tão ruim — comentou, enquanto analisava a
própria foto. — Vou enviar para o meu celular.
Nesse momento, eu fiquei constrangido e quis pegar o celular da mão
dela, mas Alyssa foi mais rápida.
— Ei! — exclamou, arqueando as sobrancelhas e afastando a mão onde
estava o celular. Sua atenção se voltou ao aparelho. — Onde está o meu
nome? — Não resisti à gargalhada quando ela percebeu o motivo da minha
preocupação. — Eu não acredito que você salvou o meu número com esse
apelido, Felipe! Fujona? É sério isso?

— Me perdoe, mas foi mais forte do que eu — argumentei, entre risos.


— Mas temos que concordar que você simplesmente fugiu, hun? Me
abandonou.
— Uhum... eu sei — concordou, rindo de uma maneira sapeca. —

Você foi abandonado mesmo. — Um brilho diferente em seus olhos me fez


franzir os meus.
— O que você fez? — acusei, fazendo-a rir. — Como salvou o meu
número?
Sua risada foi espontânea.
— “Abandonado” — respondeu, com aspas, rindo ainda mais. Sacudi a
cabeça, fingindo indignação. — Não me olhe assim. — Deu de ombros. —
Estamos quites, oras.

Ficamos nos olhando, sorrindo um para o outro.


Havia algo crescendo entre nós dois, apesar de ambos estarmos
evitando o assunto.
— O que você estava tentando fazer naquela noite? — perguntei, de
repente.
— Que noite?
— Aquela do bar.
O clima leve se dissipou na mesma hora.
Inclinando-se, ela apoiou os braços sobre a mesa.

— Beber — respondeu num murmúrio. — Esquecer a dor de tê-lo


perdido, sabe?
O vinho chegou, e aguardamos o garçom nos servir.
Novamente sozinhos, eu perguntei:

— Vocês estavam juntos há bastante tempo? — Levei a taça de bebida


à boca, prestando atenção em suas reações. — Se não quiser responder, tudo
bem.
Ela baixou os olhos, tensa.
— Não... é que... — voltou a me encarar — Por que quer falar do meu
ex-marido em nosso encontro?
— Porque sei que ele foi uma peça importante na sua trajetória de vida
— respondi, sincero. — Eu nunca tive um relacionamento nesse nível, mas

acredito muito na profundidade dos sentimentos; acredito na força da


cumplicidade e do amor.
O espanto ficou visível em seu rosto.
— Você acredita no amor?
— Claro que sim! — exclamei. — Por que o espanto?
Deu de ombros, sem graça.
— Sei lá — murmurou. — Desde a primeira vez que nos vimos, você
me passou a impressão de ser um daqueles caras libertinos e
descompromissados no quesito mulher.

— E você está certa. — Afirmei, encarando os seus olhos verdes. —


Mas nunca faltei com respeito com nenhuma das mulheres que já fiquei;
nunca enganei, ou menti apenas para levá-las para cama — expliquei. —
Sempre fui honesto com os meus próprios sentimentos, Alyssa, e gosto da

minha liberdade. Gosto de me sentir livre para fazer minhas próprias


escolhas, mas isso não significa que o caminho que eu escolher trilhar não
possa ser a dois...
Observei quando ela lambeu os lábios. Parecia nervosa e um pouco
chocada com minhas palavras.
— Você me confunde — declarou. — Não gosto dessa sensação. Não
gosto de me sentir assim quando estou com você.
Eu também me inclinei sobre a mesa de modo a encarar Alyssa mais de

perto.
— E o que você sente quando está comigo?
— Eu... não sei...
Audacioso, eu peguei sua mão e passei a acariciar a pele lentamente,
mas sem desviar o olhar do seu.
— Você não sabe, ou não quer admitir? — indaguei. — Por que... eu?
Eu não tenho o porquê mentir para você, baby — sussurrei, manso. — Sequer
deixei de pensar em você desde aquela nossa noite inacabada...
Com os lábios secos, ela abriu a boca para falar, porém hesitou em

todas elas.
Novamente fomos interrompidos pela chegada do garçom com o nosso
jantar. Agradeci quando ele nos desejou um bom apetite.
— Espero que goste — falei para a Alyssa, tentando quebrar aquele

clima tenso e puramente sexual que se instalou entre nós.


Ela apenas sorriu, ainda tensa.

Confesso que minha vontade foi de levá-la direto para o meu


apartamento depois que saímos do restaurante, mas no fim das contas, fiz o
percurso da sua casa. O jantar foi extremamente agradável; conseguimos
conversar sobre diversos assuntos, sempre trazendo a leveza que
precisávamos para aquele momento depois de toda a tensão do início da

noite.
— Foi uma noite bem divertida — confessou, assim que estacionei o
carro no meio fio, em frente ao seu portão.
Abri a porta do carro e desci. Em seguida, dei a volta no veículo para
abrir a porta dela.
— Obrigada. — Sorriu.
— Que nada! — exclamei, dando de ombros. — O cavalheirismo faz
parte do meu pacote infalível de armas de sedução — brinquei.
O som adorável da sua risada inundou os meus ouvidos, aquecendo o

meu coração. Eu estava ficando viciado em ouvir.


Acompanhei-a até a varanda.
Quando ela virou, depois que abriu a porta na chave, eu pude ver o
rubor lindo em suas bochechas. Ela estava constrangida; sem saber como

agir. Eu não queria isso.


Então, apenas peguei sua mão e trouxe aos meus lábios, beijando
delicadamente os nós de seus dedos.
— Obrigado pela noite — soprei, piscando um olho.
Em seguida, me afastei alguns passos, ainda olhando para ela. Havia
algo em seus olhos.
Havia um clima diferente no ar.
Assim que virei em meus calcanhares, eu ouvi a sua voz:

— Felipe...?
Quando voltei a olhá-la, não precisei perguntar nada, porque seu olhar
já dizia tudo.
Num rompante, eu encurtei a distância entre nós dois e a puxei contra
mim, esmagando sua boca na minha.
O gemido que escapou dos seus lábios me deu a resposta que eu
precisava...
Eu e ela estávamos na mesma sintonia.
Capítulo 11
Alyssa
Suspiros e gemidos.
Minha mente parecia um quadro branco, enquanto o meu corpo tomava
o controle de todas as minhas ações.
Não podia ser hipócrita e dizer que não desejava aquele homem,
porque tudo dentro e fora de mim ansiavam para estar com ele.
Felipe e eu entramos na minha casa, sem desgrudarmos as nossas
bocas. Uma sensação de dejávu me abateu quando tive meu corpo sendo

esbarrado contra a parede próxima. Os lábios quentes e macios desceram para


trilhar a pele do meu pescoço, causando-me tremores quase dolorosos.
Eu só sabia sentir e sentir.
Firmei-me em seus ombros quando fui erguida com extrema facilidade
pela cintura; Felipe me encarou com um olhar que quase me queimou toda. A
dureza da sua excitação logo ficou evidente entre minhas pernas.
— Você tem certeza? — quis saber, ofegante.
Deslizei as mãos pelos seus cabelos atrás da nuca e voltei a unir nossas

bocas. A verdade é que eu não tinha certeza de nada, além da vontade de


aplacar aquele desejo que vinha me consumindo há meses.
Entendendo o recado, Felipe andou comigo, às cegas, até encontrar a
porta do meu quarto.

Colocando-me no chão, ambos começamos a tirar as nossas roupas,


mas sem a mínima vontade de desgrudar as nossas bocas, que se duelavam
entre si.
— Gostosa pra caralho — soou como um rosnado. Senti a barreira da
cama em minhas panturrilhas, e mordi os lábios assim que Felipe se jogou
aos meus pés com as mãos no elástico da minha calcinha. — Não acredito
que vou voltar a sentir o sabor desse brotinho rosa — murmurou,
deslumbrado.

Segurei os seus cabelos assim que seu rosto veio de encontro ao meio
das minhas pernas; fechei os olhos me perdendo nos movimentos da boca
habilidosa que estava me levando à loucura.
Felipe me chupava como se eu fosse um manjar dos deuses; a última
fonte de água para amenizar a sua sede.
Abandonando o meu clitóris, ele veio trilhando beijos molhados por
minha barriga até chegar aos seios, onde raspou os mamilos com os dentes.
Ele estava sem camisa, então eu podia sentir cada gominho dos seus
músculos sob minhas mãos.

Cara a cara comigo, nós nos encaramos com intensidade; a névoa da


luxúria estava pairando no ambiente.
Não havia dúvidas naquele momento.
Não havia porquês.

Ali, nós éramos duas pessoas que se desejavam. Duas pessoas que
ansiavam compartilhar do prazer mútuo.
Sua boca pressionou a minha num beijo esfomeado. Meu gosto ficou
perceptível em sua língua tornando tudo ainda mais devasso.
Caímos contra o colchão, e Felipe aproveitou para esfregar-se entre
minhas pernas abertas; o contato do tecido da sua cueca em meu clitóris me
fazia gemer contra seus lábios, que sugavam os meus com devassidão.
— Eu quero você — soprei, apertando-me nele o máximo que pude,

enquanto enrolava minhas pernas ao seu redor.


Enxerguei um brilho diferente em seus olhos, então rapidamente ele
saiu da cama e foi até a sua calça para pegar um envelope de preservativo
dentro da sua carteira.
Apoiei-me em meus cotovelos, admirando sua nudez quando o mesmo
retirou a cueca. Felipe era ainda mais lindo do que eu me lembrava daquela
noite.
Subindo na cama, ele engatinhou até mim como um felino. Suas pernas
esparramaram as minhas, exigindo um espaço que eu já tinha cedido.

Não havia volta.


Eu o queria ali.
— Pronta? — quis saber, com um resquício de temor.
Não pensei.

Amparei seu rosto com minhas mãos e enrolei as pernas em sua


cintura, esfregando-me em sua ereção. Gemidos escapavam dos meus lábios
sem que eu pudesse controlar.
Descendo uma das mãos, Felipe segurou seu membro e passou a
esfregá-lo em minha entrada, brincando comigo.
Enlouquecendo-me de puro desejo.
Podia sentir cada centímetro da minha pele vibrando.
Queimando.

Talvez cansado de torturar a nós dois, Felipe começou a me preencher


com sua grossura e comprimento. Parei de beijá-lo, e de olhos fechados, eu
me permiti desfrutar daquela sensação deliciosa.
Apoiando-se em suas mãos, sobre o colchão, Felipe se ergueu e passou
a impulsionar o quadril com mais afinco.
Quando a penetração atingiu o seu limite, Felipe fez um movimento
giratório, moendo os meus quadris com os seus; não segurei o grito.
Envolvendo a minha cintura com sua mão, ele me ergueu um pouco
exigindo a minha boca na sua. As investidas eram furiosas e ritmadas.

Mordi os lábios quando sua boca envolveu o meu mamilo esquerdo,


sugando e mordendo como se fosse um picolé saboroso.
De olhos fechados, eu tombei a cabeça para trás, apreciando cada
toque.

Cada carícia.
— Abra os olhos — exigiu ele. — Eu quero que você saiba quem está
aqui, Alyssa.
Pisquei, encarando o seu olhar. Os olhos chispavam os meus como
duas fendas.
Podia ver o suor escorrendo de sua testa.
O movimento de sua pélvis aumentou, tornando impossível segurar o
redemoinho que se formou no meu baixo ventre. O prazer surreal atingiu

cada célula do meu ser, me derrubando e me fazendo refém.


Não fechei os olhos, mas os revirei em suas órbitas.
— Diga meu nome, querida — exigiu, resfolegante. — Diga o nome do
homem que está te causando todo esse prazer.
— E-eu... — gaguejei, sentindo os primeiros espasmos me tomarem —
Felipe... oh, céus!
Os tremores atingiram o meu corpo, e me obriguei a apertar-me um
pouco mais nele, que continuou a me castigar com suas investidas duras e
furiosas.

Instantes depois, eu ouvi o seu gemido, que mais pareceu um rosnado


animalesco. Todo o meu corpo se arrepiou, porque seus lábios estavam
próximos ao meu ouvido.
Jogando-se ao meu lado, ele soltou o ar aos poucos. Ambos

respirávamos com dificuldade.


O silêncio foi nossa companhia, enquanto eu permitia que o cansaço
me dominasse. Tudo o que me vi fazendo foi me aninhar no peitoral quente e
musculoso, e deixar o sono me levar.

Atordoada, eu abri os meus olhos, sentindo o meu corpo todo dolorido,


mas estranhamente satisfeito. Sentei-me na cama, me espreguiçando e
esforçando-me para fazer minha mente acordar também.

Descalça, eu me levantei e trilhei o quarto até o banheiro da suíte.


Rapidamente joguei uma água fria em meu rosto e fiz minha higiene matinal.
Fora do quarto, ainda no corredor, eu comecei a ouvir o som de uma
música dançante. Meu coração acelerou com uma sensação de saudade.
— Henry — sussurrei com um engasgo.
Acelerei os passos em direção ao som.
Parei na entrada da cozinha quando visualizei a figura do Felipe; ele
estava de costas para mim, então não me viu enquanto eu o observava. Estava
sem camisa, e parecia preparar alguma coisa muito saborosa pelo aroma que

emanava no ambiente.
Minha expressão murchou na mesma hora, e ao virar a cabeça, eu me
deparei com o porta-retrato do meu marido... falecido.
Não era ele.

Ele se foi.
— Bom dia, gata... — ergui o olhar assim que ouvi a voz sonolenta do
Felipe.
Seu tom manso, nem mesmo o seu sorriso foram capazes de apagar
aquela sensação ruim que se instalou no meu peito.
— O que você está fazendo? — Não controlei o tom ríspido.
Vi que arqueou as sobrancelhas, mas pareceu ignorar a minha rudeza.
— Café?! Pensei que gostasse.

Revoltada com sabe-se lá o quê, eu fui até ele e peguei a xícara da sua
mão e a depositei sobre o mármore da pia.
— Não, você não pode fazer isso. Não pode brincar comigo assim, nem
tomar o lugar dele.
Na mesma hora, ele piscou, mas deixando visível a sua carranca.
— Ah, entendi. — Sacudiu a cabeça, indignado. — Você pensou que
era ele aqui. — Gesticulou ao redor, cruzando os braços.
Abaixei a cabeça, sentindo o meu peito sufocado pela dor.
— Eu não suporto isso... é a nossa casa. Eu sinto que estou o

desonrando.
— O quê? — questionou, num rosnado. — Você está se ouvindo,
Alyssa? Percebe a loucura do que está dizendo? O seu marido está morto.
— Não estou pronta para isso — expus, sentindo os meus olhos

molhados. — Esta é a minha casa com o Henry e...


— Isso já é demais para mim — desabafou, tirando o pano de prato do
ombro e jogando-o na bancada. — Não tenho o mínimo desejo de competir
com um fantasma.
Dizendo isso, ele ameaçou sair da cozinha, pisando duro, mas freou os
passos e voltou a me encarar, com fúria nos olhos:
— Aliás, você não pensou nisso ontem quando estava gemendo o meu
nome, hun? Não se lembrou do seu amado quando estava sendo fodida por

mim, porra!
As lágrimas rolavam livremente pelo meu rosto, mas ainda tive forças
para implorar:
— Por favor, vai embora.
Ele ergueu as mãos, rindo com sarcasmo enquanto dava passos para
trás.
— Não precisa pedir duas vezes, querida.
O primeiro soluço escapou da minha garganta, quando me deixei cair
no chão da cozinha me sentindo a pior pessoa do mundo.
Capítulo 12
Felipe
— Você viu a turma nova que chegou? — Denver perguntou. — Os
calouros da residência.
Neguei com a cabeça, esforçando-me para não soar tão disperso.
— Estamos organizando algumas brincadeiras para fazer com alguns
deles. Uma espécie de batismo, sabe? — Riu. — O Mateus até teve algumas
ideias bem divertidas. Quer participar?
Parei diante do quadro de cirurgias e analisei os meus horários.

— Como vai ser? — intimei, enquanto apagava o nome da Alyssa


como minha assistente.
— O que aconteceu? — Denver questionou, confuso, apontando para o
quadro.
— Desavenças — disse apenas, sem a mínima intenção de entrar em
detalhes. — Eu não sou o único médico cardiologista do hospital, então... —
dei de ombros, suspirando. — Ela não vai ficar sem professor.
Ajeitei a minha mochila nos ombros e voltei a caminhar em direção as

escadas. Precisava gastar um pouco de energia.


— Isso é estranho — mencionou Denver, incapaz de se contentar com
a minha explicação rasa. — O que não está me contando? O que houve entre
vocês, afinal? — Não falei nada, e ele insistiu: — Rolou com ela, né?

Forcei uma risada.


— Estou esperando você me contar os detalhes do trote, Denver —
desconversei. — Se for para ser divertido, eu estou dentro.
Sacudindo a cabeça, ele entendeu o recado; entendeu que eu não diria
nada.
Minutos depois, nos deparamos com o Erick. Ele estava conversando
com a Ava.
Os olhos dela brilharam quando se conectaram com os meus.

— Oh, que maravilha finalmente revê-lo! — murmurou, se


aproximando para poder beijar o meu rosto.
— Vocês já se conheciam? — Erick perguntou.
— Dos tempos em que eu vivia em Madrid — disse ela. — Desde que
consegui a vaga definitiva no hospital, eu estou esperando o Felipe me levar
para tomar uma cerveja, mas ele só me deixa de escanteio. — Fez um bico
fofo.
Na verdade, nas duas vezes que transamos, eu fui na casa dela.
— Querida, se é por falta de companhia, saiba que estou sempre

disponível — insinuou Denver, o que nos fez rir.


Ava achou graça também, mas deu uma leve piscadinha para ele.
— Bom, gente... — Erick olhou o relógio. — O papo está bacana, mas
preciso me preparar para uma cirurgia agora. — Olhou para nós. — Que tal

uma bebida no intervalo, mais tarde?


— Por mim, tudo certo! — Ava exclamou, animada. — E, por favor,
não se esqueça de avaliar o caso que te falei. Preciso de mais opiniões antes
de garantir para a família que a cirurgia é segura.
— Pode deixar, querida. — Piscou e, em seguida, se afastou.
— Vou indo também — disse Denver. — Logo mais te procuro para a
diversão, hein?! — Gesticulou, fazendo graça.
Dei risada.

— Uau! — Ava chamou a minha atenção para si. — Eu acho o seu


sorriso tão bonito — murmurou, sedutora.
O canto dos meus lábios se distendeu num sorriso leve.
— Assim você me deixa com vergonha — brinquei, fazendo-a sorrir.
— Você envergonhado? — intimou, sarcástica. — Acho que ambos
sabemos o quanto você sabe ser um sem vergonha, hun? — insinuou cheia de
malícia.
Por alguns instantes, nós permanecemos nos encarando, mas sem nada
dizer. Não podia ser hipócrita em afirmar que Ava não me atraía, porque

estaria mentindo, considerando que ela era uma mulher extremamente


atraente e, gostosa na cama. Mas, por alguma razão, havia uma barreira em
mim.
Não queria acreditar que tivesse a ver com a Alyssa, porque eu ficaria

ainda mais puto comigo mesmo. Desde que deixei a casa dela, horas atrás, eu
estava lutando para não pensar em nada do que aconteceu; nem mesmo no
sexo esplendoroso que tivemos antes de tudo desandar.
— Nos vemos mais tarde então? — insistiu ela, exalando um brilho
audacioso nos olhos.
— Claro. — Pisquei.
Sem que eu estivesse esperando, ela se aproximou apoiando as mãos
em meu peito e, em seguida, se inclinando para poder deixar um beijo

delicado no canto dos meus lábios.


Não falei nada.
Apenas permaneci ali... sentindo-me esquisito sem ao menos entender
o porquê.

— Ainda não entendi o que estamos fazendo aqui, Denver —


resmunguei, impaciente.
— Você já vai ver — respondeu ele.
Mateus e o Eric logo se juntaram a nós.

— Eles já morderam a isca? — Eric perguntou, tão ansioso quanto o


Mateus.
Estávamos escondidos numa das salas de suprimentos.
— Eu não sei — respondi. — A ideia toda foi do Denver. — Olhamos

para ele com expectativa.


— Consegui convencer dois deles. — Sorriu, maquiavélico. — Falei
para ambos me esperarem em frente à porta do quarto do paciente 0, pois o
mesmo seria operado por mim e eu chamaria um deles para me assistir na
cirurgia.
Ambos espiamos o lado de fora. A porta do quarto do paciente em
questão ficava logo mais a frente.
— Não acredito que vão cair nessa — comentei, mas já achando graça.

O paciente 0 era um homem chamado Albert que deu entrada na


emergência do hospital, há meses, com uma dor forte do lado direito do
corpo. Infelizmente os exames não apontaram anomalias e ele recebeu alta. O
incômodo, porém, não desapareceu.
De volta ao centro médico, acabou desmaiando na porta assim que
chegou. Ele havia tido um rompimento tão grande entre as paredes da aorta,
quase na totalidade da extensão da artéria, que não existia prótese para
estabilizar o sangramento. A equipe de cirurgiões se recusou a operá-lo sob a
justificativa de que o paciente, de tão frágil, morreria na mesa cirúrgica. Ele

ficou medicado, sob observação. Seu caso parecia irreversível. As más


notícias vinham em série. Depois de alguns dias, ele teve uma infecção
pulmonar e choque séptico.
Entrou num quadro de insuficiência renal, cardíaca, pulmonar e

neurológica. Precisou ser traqueostomizado, e alimentos eram injetados direto


no estômago dele. Além disso, houve trombose na perna. Os familiares
receberam o aviso de que o homem entraria em cuidados paliativos, quando a
morte é apenas questão de tempo, mas pretende-se evitar o sofrimento. E esta
era a triste situação dele desde então.
— Olhem lá... — Mateus cutucou — Eles estão vindo.
O riso ameaçou escapar da minha garganta.
Os rapazes franzinos e com os rostos cheios de espinhas se

aproximaram da porta, cochichando entre si enquanto apontavam para algo


na ficha do paciente, provavelmente do Albert.
— Porra! — exclamou Eric. — Eles vão mesmo ficar parados na frente
da porta do quarto como dois guardiões. — Gargalhou, se afastando um
pouco mais para não sermos notados.
A risada foi unânime na verdade.
Entretanto, a diversão não durou muito, porque alguém chegou para
atrapalhar.
— Ah, o que a “indomável” está fazendo? — Denver comentou,

apontando para a Alyssa, que parou para conversar com os dois.


Não deu para ouvir o que ela estava dizendo a eles, mas ficou óbvio
que os orientou a respeito do caso do paciente 0, porque ambos saíram
pisando duro.

Denver abriu a porta, extremamente chateado.


— Poxa, Alyssa, por que você tinha que aparecer para estragar a
brincadeira? — resmungou ele.
Ela piscou, sem entender nada, assustada como se tivesse sido pega no
flagra.
— Brincadeira? — questionou. — É disso que se tratava então? —
Gesticulou. Tentei ignorar todos os sinais do meu corpo, que apareciam
sempre que estava perto dela. — Vocês por acaso sabem que a época dos

trotes já passou, hun? — Cruzou os braços, indignada.


O lindo narizinho se empinou como sempre acontecia quando ficava
nervosa.
— Isso também é uma forma de ensinamento. — Eric retrucou, dando
de ombros. — Se eles tivessem estudado melhor o prontuário teriam
entendido a situação do paciente 0.
— A verdade é que você acabou estragando a brincadeira, Alyssa —
complementou o Mateus.
Não segurei a língua felina:

— É, ela sabe mesmo como ser uma “estraga prazer”, galera. É sua
melhor qualidade — praticamente cuspi com toda a fúria e frustração
existente em meu ser.
Neste momento, seu olhar finalmente encontrou o meu e eu pude

enxergar a mágoa.
Com as bochechas vermelhas, ela simplesmente saiu sem dizer nada.
— O que foi isso? — Denver quis saber, olhando de mim para ela, que
já estava longe de nós.
Bufei, irritado demais com a situação para respondê-lo.
No fim, eu saí pelo lado oposto, pisando duro.

A noite já estava avançada quando o meu plantão encerrou. Assim que

entrei no vestiário para pegar as minhas coisas, eu me deparei com a Alyssa,


que estava terminando de fechar o seu armário.
Por um instante, eu parei e a encarei, mas logo fingi uma indiferença
que estava longe de sentir, mas foi preciso.
A tensão logo nos atingiu, mas eu estava disposto a continuar
ignorando-a para ir embora o mais rápido possível.
— Por que você me cortou das suas cirurgias? — perguntou ela,
quebrando o silêncio constrangedor. — Não sou boa médica o suficiente para
você?

Fechei os olhos, buscando paciência.


Optei pelo silêncio, mas ela insistiu:
— Felipe...?
— Pelo contrário, você é perfeita — decidi ser honesto. Virei-me para

ela, encontrando o seu olhar confuso.


— Então... por quê? — questionou. — Está... me punindo pelo que
aconteceu hoje de manhã? É isso?
Sua acusação me irritou ainda mais.
— É impressionante o quanto você não me conhece. — Sacudi a
cabeça, incrédulo. Peguei a minha mochila e, em seguida, fechei a porta do
armário com mais força do que o necessário.
— Posso alegar o mesmo, visto a maneira como está me tratando

depois do que aconteceu — murmurou na defensiva. — Felipe, por favor, eu


não quis...
— Poupe o seu fôlego, querida, porque não quero explicações —
cortei-a com rispidez. — Assim como também não quero ser visto como o
cara que quer tomar o lugar de alguém que nem está mais entre nós —
alfinetei. Peguei a mochila e me encaminhei para fora da sala. — Melhor nos
afastarmos, Alyssa.
Dizendo isso, eu simplesmente saí sem olhar para trás.
Capítulo 13
Alyssa
— Então quer dizer que ele simplesmente te excluiu da equipe dele? —
Glenda quis saber. — E ele pode fazer isso? Ai, Alyssa, eu já não estou mais
gostando do “bate bate” — referiu-se ao Felipe.
Soltei uma risadinha enquanto terminava de colocar os meus brincos.
Estávamos conversando via Skype. Eu em casa, e ela do hospital.
— Se ele pode, eu não sei, mas foi o que aconteceu — resmunguei,
tentando aplacar aquele incômodo constante no meu peito sempre que me

lembrava dele. — No fundo, eu me sinto muito chateada com toda a situação.


— Soltei um suspiro antes de me sentar na cama e trazer o laptop ao colo
para poder encarar a figura da minha amiga. — Eu, praticamente o expulsei
daqui de casa depois que transamos há uma semana.
— Você foi bem cretina mesmo, eu preciso concordar. — Riu. — Mas
uma coisa não tem nada a ver com a outra — complementou. — Não acho
justo que ele misture tudo. Se eu fosse você falaria com o diretor.
Franzi o cenho, soltando um suspiro.

— No momento, eu só quero me livrar de toda a confusão que eu


mesma causei, Glenda — desabafei.
— Está mesmo pensando em ir para a casa do teu pai?
— Eu preciso — respondi. — Ele está esperando o Felipe para assistir

ao jogo. — Soltei um suspiro.


Glenda estalou os lábios.
— Não queria estar na sua pele, amiga — murmurou. — Vamos beber
mais tarde?
Fiz um muxoxo.
— Ah, não sei se serei uma boa companhia.
— Então está combinado — falou, ignorando completamente as
minhas palavras.

Dei risada.
Conversamos por mais alguns minutos e, em seguida, eu encerrei a
chamada e fechei a tampa do laptop.
De pé, eu me encarei em frente ao espelho. Tinha optado por um
vestidinho de renda, e feito uma trança lateral.
Apesar de ser a minha folga, eu não conseguia me sentir leve e
descansada, porque todo o meu corpo estava tenso por causa da conversa que
teria que ter com o meu pai.
Mas era preciso. Eu tinha que contar toda a verdade para ele.

Fui recebida pela Lucinda assim que o táxi me deixou na mansão.


Tentei forçar um sorriso, embora quisesse mesmo era ignorá-la e seguir direto

para o meu pai.


— Seja bem vinda, querida — saudou-me naquele tom exagerado de
sempre. — Ainda não entendi o que está acontecendo, mas de qualquer forma
estou feliz que tenha vindo.
Minha testa vincou, enquanto absorvia suas palavras.
— Do que está falando, Lucinda? — questionei, entrando e trilhando o
hall.
— Ué?! Você não sabe? — Foi a vez de ela franzir a testa, confusa. —
O seu namorado está aqui.

Arregalei os olhos, sentindo o choque daquela informação em cada


célula do meu corpo.
Tentei não demonstrar o meu apavoramento, mas foi impossível.
— O-o Felipe está aqui? — gaguejei, mesmo me esforçando para
manter o tom firme.
— Sim, lá na sala da TV com o seu pai — respondeu. — Estão
assistindo ao jogo.
Não a esperei falar mais nada e segui direto para o local indicado,
sentindo o nervosismo presente em cada um dos meus músculos.

Assim que cheguei à porta, eu escutei a voz do Felipe em seus


comentários espirituosos, enquanto o meu pai gargalhava como há muito
tempo eu não ouvia. Num primeiro instante, eu apenas fiquei ali, parada.
O que eu diria?

O que meu pai pensaria de mim?


Meu tormento interno parecia querer me devorar com cabelo e tudo,
enquanto eu só queria cavar um buraco e me esconder para sempre.
— Querida? — Pisquei, visualizando o rosto do meu pai, que notou a
minha presença. — Não sabia que já tinha chegado. Por que está parada aí?
Venha se juntar a nós. — Gesticulou.
Sorri amarelo, esforçando-me para não desfalecer as pernas.
Quando criei coragem, encarei o Felipe, que me olhava sério.

— Eu falei pra ela que talvez não conseguisse vir, senhor Wilson,
então acho que Alyssa ficou um pouco chateada comigo — disse ele,
deixando-me ainda mais nervosa.
Eu não tinha me preparado para continuar encenando toda aquela
loucura entre nós dois.
— Ah, as mulheres são difíceis de lidar mesmo, meu genro — brincou
papai. Cheguei perto dele, que se levantou do sofá para poder me abraçar
apertado. — Estou feliz por voltar a vê-la, minha querida. — Beijou minha
testa e, em seguida, acarinhou minhas bochechas rubras. — Por favor, sente-

se aqui, ao lado do seu namorado. — Deu um passo para o lado.


Felipe e eu nos encaramos, tensos. Felizmente o papai pareceu não
perceber.
Com a postura rígida, eu me sentei, sorrindo amarelo quando o meu

suposto namorado enlaçou o braço no meu e entrelaçou nossos dedos. Meu ar


ameaçou sufocar o meu peito no momento em que ele levou minha mão aos
lábios para beijar os nós dos meus dedos.
— Estou perdoado, meu bem? — questionou, forjando um semblante
divertido, mas eu o conhecia bem o suficiente para saber que eu não era a
única atordoada ali. — Estava até contando ao seu pai que briguei com o
diretor para conseguir essas poucas horinhas livre para estar aqui.
Engoli em seco, sem saber se aquilo era verdade ou mais um pouco da

encenação.
Voltei a sorrir amarelo.
— Poderia ter me ligado, querido. — Me obriguei a inclinar o rosto
para beijar seus lábios. Tudo dentro e fora de mim reagiu àquele mero
contato. Afastei-me devagar, tomando o cuidado de encarar seus olhos, que
me seguiam com a mesma intensidade.
— Felizmente deu tudo certo! — exclamou o papai, chamando a nossa
atenção e quebrando o clima pesado. — Lucinda? — gritou ele. — Lucinda?
— voltou a chamar. — Argh! — praguejou, se levantando. — Já volto. Vou

pedir para a Lucinda mandar preparar alguns petiscos para nós.


— Bom... — Felipe também se levantou, batendo nas pernas — eu
preciso usar o banheiro.
Desesperada, eu segurei a sua mão, freando os seus movimentos. Olhei

para a porta, para ter certeza se estávamos sozinhos.


— Eu só queria agradecer — murmurei, engasgada. — Você não
precisava fazer isso. — Gesticulei. — Não precisava ter vindo.
Algo brilhou em seus olhos.
— Eu sei — disse, soltando minha mão. — Não estou fazendo por
você, mas pelo seu pai, que é um bom homem.
Dizendo isso, ele simplesmente saiu, me deixando pior do que antes.

Alguns dias depois


— Eu ainda acho que você deveria falar com o diretor — comentou
Glenda, enquanto seguíamos para o setor de emergência. — Felipe é o
melhor cardiologista do hospital, e não é justo que ele esteja se negando a te
ensinar.
Dei de ombros.
— Estou cansada de trazer atenção para mim — declarei. — A verdade
é que lá no fundo, eu acho que foi melhor assim. Felipe é um homem

pegador. Não viu a maneira como ele e a Ava estão amiguinhos agora?
— A Ava da pediatria? — Assenti. — E você quase nem está com
ciúmes, hun? — Riu, divertida.
Abri a boca para retrucar, mas uma movimentação na porta da

emergência chamou a minha atenção.


Glenda e eu corremos quando os socorristas entraram empurrando um
homem na maca.
— O que houve com ele? — perguntei.
— Homem branco, 60 anos. Dirigia pela Quinta Avenida, na região do
Central Park, quando sofreu um infarto, perdeu os sentidos, atravessou o sinal
vermelho e bateu em uma mureta de contenção. Policiais desconfiaram que
ele estivesse bêbado. — Peguei o meu estetoscópio e comecei a fazer a

auscultação no homem desacordado. — Houve uma série de paradas e


ressuscitação no caminho para cá.
— Certo — falei. Me virei para uma das enfermeiras: — Mande
chamar o doutor Felipe. Temos que operar este homem agora, ou ele irá
morrer.

Meu peito estava sufocado quando saí da sala de cirurgia. Infelizmente


o paciente não resistiu, pois passou muito tempo com falta de oxigenação no
cérebro e não conseguimos reverter.

Felipe estava com um olhar decepcionado, e eu decidi me aproximar da


pia, onde ele estava lavando as mãos.
— Você quer que eu fale com a família? — perguntei, cautelosa.
Seu olhar encontrou o meu. Havia um ar de ferocidade em seus olhos.

— Por quê? Acha que não sou capaz de dar uma noticia ruim?
Arregalei os olhos.
— Eu não quis dizer isso — defendi-me, sentindo-me encolhida. —
Apenas percebi que você ficou mal por ter perdido um paciente na mesa,
Felipe. Eu só quis ajudar.
Sentindo o engasgo na garganta, eu rumei para a porta de saída.
Odiaria que ele me visse chorando.
Capítulo 14
Felipe
Cansado.
Era o que me traduzia perfeitamente. E não somente analisando pelo
lado físico, mas o psicológico também.
Nunca me considerei um homem chegado a apegos emocionais, porque
desde minha primeira experiência sexual, aos 17 anos, eu entendi que não
havia motivos para se apegar a apenas uma mulher quando se podia conhecer
diversas.

Apesar de ter esse pensamento, eu sempre busquei tratar todas as


minhas parceiras com cuidado e devoção, porque era uma troca; um
compartilhamento de intimidade.
E esta era uma equação que vinha dando muito certo.
Tudo estava sob controle...
Ao menos até Alyssa chegar e bagunçar tudo.
Eu já não aguentava mais sentir essa inquietação no peito. Sabia que
deveria seguir o meu próprio conselho e me afastar de vez, entretanto me vi

seguindo até a casa do meu suposto sogro quando o mesmo me ligou para
falar do jogo. Obviamente que eu não fazia ideia da reação da Alyssa, uma
vez que nós não estávamos nos falando direito. Mas no fundo... bem lá no
fundo, eu quis ajudá-la. Sabia do seu medo em decepcionar o pai.

Contudo, minha atitude apenas serviu para mostrar a intensidade do


que vinha sentindo por ela, e eu não queria sentir.
Não queria me conectar a alguém que ainda estava preso a outro
alguém.
Dispersei os meus pensamentos assim que a campainha tocou. Era a
minha folga, então convidei alguns amigos, que também estavam de folga
para beber no meu apartamento.
— Por favor, vamos entrando pessoal. — Sorri, abrindo espaço.

Denver entrou, seguido por uma garota que ele estava ficando. Eric e
Ava entraram por último.
— Fiquei feliz pelo convite — disse ela, segurando o meu rosto e
depositando um beijo demorado no canto dos meus lábios. — Finalmente vou
conhecer o seu apartamento, hun? — Mordeu os lábios, maliciosa.
Sorri, sem jeito.
— O prazer é todo meu, querida — falei, gentilmente.
Cumprimentei o Eric e, em seguida, fechei a porta.
— Não sei vocês, mas estou pensando em pedir uma pizza —

comentei, ao me juntar a eles na sala.


Meu apartamento ficava a aproximadamente 600 metros da Avenida
Times Square, e era muito espaçoso.
— Eu topo — disse Denver. — Tô cheio de fome — complementou e,

em seguida, encarou a garota nos seus braços.


Revirei os olhos, sacudindo a cabeça.
— Então já vão escolhendo os sabores que eu vou ali no quarto trocar
de roupa e já volto — comentei. — Vou ligar o som para deixar o clima
agradável.
— Está muito romântico, Felipe — Eric zombou.
— Eu já falei que ele anda diferente — complementou o Denver. —
Tenho quase certeza que “a indomável” tem a ver com isso.

— “Indomável”? — Ava repetiu, franzindo a testa.


— Não liga para as besteiras que ele fala — murmurei, embaraçado.
Sentindo o meu corpo rígido pela mera menção a Alyssa, eu saí de perto
deles, praticamente correndo.
No quarto, eu fechei a porta e inspirei com força enquanto lutava para
espantar as lembranças.
Fazia pouco mais de uma semana que eu e ela operamos juntos, e
infelizmente o paciente não resistiu. Foi duro. Nenhum médico ficava feliz
quando perdia alguém na mesa.

Contudo, eu descontei nela as minhas frustrações, misturadas ao que


houve entre nós dois. Não deveria, obviamente, mas ao menos serviu para
mantê-la afastada.
Era melhor assim. Essa era a afirmação que eu vinha recitando

internamente como a um mantra.


Minutos depois, com outra peça de roupa, eu saí do quarto. Acabei
encontrando com a Ava no corredor.
— Está perdida? — perguntei, divertido.
Negou, sorridente.
— Na verdade, eu estava procurando por você mesmo. — Espalmou o
meu peito com suas mãos. Ela estava usando um vestido curto e bem sensual,
então o tecido ergueu, porque senti quando enrolei os braços ao seu redor. —

Estou com saudades, Fê — gemeu, manhosa, enquanto aproximava os lábios


dos meus.
Por um instante, eu deixei e compartilhei do beijo. Nossas línguas se
enroscaram com a mesma intensidade de antes; Ava era uma boa parceira de
cama; nosso sexo era sempre espetacular.
Mas naquele momento... algo estava errado. O perfume podia ser o
mesmo, mas já não estava me agradando. A maneira como ela estava
gemendo já não me excitava mais.
Irritado comigo mesmo, eu caminhei com Ava até esbarrar suas costas

contra a parede fria, intensificando o beijo, porque não queria acreditar que
aquele maldito bloqueio tinha a ver com a Alyssa. Aquela garota não podia
controlar a minha vida assim.
Ava, sem perder tempo, desceu a mão e agarrou o meu pau semi ereto.

Eu podia estar em conflito comigo mesmo, mas ainda era homem.


Parei de beijá-la, e arrastei os lábios pelo seu queixo e pescoço.
— Vamos voltar para junto do pessoal — comentei num sussurro,
enquanto deixava mordidinhas em sua orelha.
— O-o quê? — Engasgou. — Por quê? — Parecia incrédula. — Vamos
para o seu quarto agora — pediu. — Eles vão entender.
Franzi a testa.
— Não. — Acariciei o seu narizinho. — Você sabe que sou um ótimo

anfitrião.
Dizendo isso, eu me afastei e segurei sua mão. Ava não gostou muito,
mas não falou nada.
Assim que chegamos à sala, meus amigos não perderam a maneira
como minha mão estava entrelaçada com a da Ava, mas felizmente não
houve nenhum comentário.
Nos juntamos a eles, e começamos a conversar.
As horas foram passando e, entre risadas, bebidas e muita conversa
boa, toda a minha tensão foi se dissipando.

Eric foi o primeiro a ir embora, seguido pelo Denver, que deixou claro
os seus planos com a garota ao seu lado.
Ava e eu permanecemos conversando mais um pouco, relembrando
velhas histórias.

— Bem, eu... acho que já vou indo — disse ela, se levantando do sofá.
Ergui-me também.
— Acompanho você — falei, apontando para a porta.
Ava semicerrou os olhos em minha direção.
— O que há de errado, Felipe? — indagou, parecendo irritada. — Por
acaso está com alguém?
— Não. Claro que não — respondi mais do que depressa.
De repente, ela se jogou em meus braços.

— Então não vejo motivos para não querer ficar comigo.


Seu rosto estava colado ao meu, assim como o seu corpo. Os lábios
carnudos e tentadores estavam a centímetros dos meus.
Ali eu pensei: Por que não?
Capítulo 15
Alyssa
Eu não deveria sentir-me tão pesada com a minha atual situação com o
Felipe, pelo contrário, eu deveria aproveitar disso para esquecer tudo
completamente e voltar ao meu mundinho controlado, antes de ele chegar à
minha vida e bagunçar tudo.
Mas não era o que estava acontecendo.
Meu peito vivia carregado de culpa e saudade. Acima de tudo, Felipe e
eu éramos amigos, e eu adorava nossas conversas e brincadeiras. Eu aprendi

a admirá-lo como pessoa; como médico e como homem.


Um lado meu se frustrou com o fato de ele, simplesmente, ter desistido
de mim tão fácil, o que era ridículo, eu sabia.
A verdade é que eu me transformei numa montanha russa de
contradições.
Suspirando, eu saí do banheiro. Tinha acabado de tomar um banho
refrescante; a noite estava agradável, apesar do tormento em meu interior.
Ansiosa para ocupar a minha mente com outra coisa que não fosse a

minha triste realidade, eu liguei a televisão num canal onde estava passando
um filme. Como parecia ser uma trama romântica, eu peguei um porta-retrato
com a foto do Henry, e me ajeitei no sofá.
Não havia palavras para descrever o quanto eu me senti sozinha

naquele momento.

Os raios do sol batiam em meu rosto, conforme eu olhava para o céu,


com os olhos fechados... apenas me permitindo sentir o calor gostoso
enquanto ouvia o delicioso som do mar.
De repente, como se pressentisse a presença de alguém, eu virei para o
lado. Ao longe, eu enxerguei um homem caminhando em minha direção. A
praia estava deserta; não havia mais ninguém ali além de nós dois.

Semicerrei os olhos por um momento, mas logo a emoção me tomou


quando reconheci aquele que se aproximava de mim.
Saí correndo, encurtando o espaço que ainda nos separava. Quando
abracei o Henry, eu tive a sensação de que fazia anos desde o último abraço.
— Ei, calma... — deu uma risadinha, quando se desequilibrou — eu
estou aqui. — Apertou os braços em torno da minha cintura.
Chorando e rindo ao mesmo tempo, eu afastei o rosto para poder
encará-lo. Ele estava o mesmo de como eu me lembrava.
O beijei cheia de amor e saudade.

— Eu senti tanta saudade. — Choraminguei, apertando-o incapaz de


soltá-lo.
— Eu sei, meu amor, eu sei. — Segurou o meu rosto, acariciando os
meus cabelos. Puxou-me para baixo para que pudéssemos nos sentar na areia.

— Não quero ficar aqui — reclamei. — Eu quero voltar para casa...


com você.
— Sei que quer, querida. — Entrelaçou os nossos dedos e permaneceu
encarando as nossas mãos juntas. — Mas infelizmente eu não posso.
Franzi a testa.
— Como assim não pode? Por que não? — indaguei. — Você está aqui
agora, Henry.
— Não estou, Alyssa, esse é o problema. — Seus olhos se ergueram

para encarar os meus. — O tempo passou, e continua passando, mas você


continua estagnada. Continua me esperando.
Meu rosto se contorceu com novas lágrimas.
— P-por que está me dizendo isso? — questionei, chorosa.
Senti o toque dos seus dedos em meu rosto, abaixo dos meus olhos,
para enxugar as lágrimas.
— Porque já passou da hora de você cumprir a promessa que me fez,
baby — respondeu. — A promessa de que lutaria pela sua própria felicidade,
mesmo se esta viesse sem mim.

Os soluços me atingiram com força, e Henry me abraçou, aninhando-


me em seu colo como sempre fizera.
— Não sei se estou pronta para abrir mão de você — desabafei.
Henry beijou a minha cabeça, repetidas vezes.

— Mas eu sempre estarei com você — garantiu. — Não há como


esquecer o que vivemos, porque os momentos existiram. Os sonhos e planos
existiram. Contudo, você pode criar outras histórias, Alyssa.
Não consegui falar nada.
Ao invés disso, eu me apertei o quanto pude naquele abraço. Ansiando
preencher aquele vazio que me perseguia dia após dia.

Abri os olhos, sentindo todo o meu corpo reagindo àquele sonho. Os

batimentos cardíacos estavam acelerados, assim como a minha respiração.


Sentei-me no sofá, desnorteada, e percebi que ainda segurava o porta-retrato
com a foto do Henry.
Sentindo os olhos úmidos, eu desenhei o seu rosto, com os dedos.
A visão da praia tinha sido tão real.
Apertei a foto contra o meu peito, fechando os olhos e me permitindo
absorver suas palavras. Me permitindo absorver a sua mensagem.
No fim das contas, eu desliguei a televisão e fui para o quarto.

O dia mal tinha amanhecido, e eu me via num grande dilema.


Esforçava-me para entender o que estava fazendo ali, em frente ao prédio em
que o Felipe morava. Talvez fosse a minha culpa falando mais alto e exigindo

que eu me retratasse com ele. Ou talvez fosse o meu coração me dizendo que
já estava cansado de fugir.
Buscando uma respiração profunda, eu entrei no elevador e apertei a
bolsa contra o meu corpo, nervosa conforme o painel ia indicando o número
do andar.
Tentei não pensar na maneira rude como Felipe vinha me tratando nos
últimos dias, porque eu sabia que quem buscou por isso fui eu quando,
praticamente, o expulsei depois de ter tido a melhor noite em anos.
As portas do elevador se abriram e eu saí.

Sentindo as mãos geladas e as pernas trêmulas, eu me aproximei da


porta do apartamento e, em seguida, apertei a campainha.
Acreditava que ele, provavelmente estaria se arrumando para iniciar o
plantão, visto que estava beirando às seis da manhã. Permiti-me sorrir ao
imaginar que, finalmente, teria uma conversa definitiva com o Felipe. Uma
conversa sincera.
Entretanto, o meu sorriso morreu quando a porta se abriu. A pessoa que
me encarava do outro lado não era o Felipe, mas a Ava.
Travei o maxilar quando desci os olhos pelo seu corpo, que estava

coberto apenas por uma camisa... dele.


— Oh, Alyssa?! — Espanto cobriu o seu rosto, ridiculamente bonito.
— Você... — franziu o cenho, abrindo um pouco mais a porta —, quer falar
com o Felipe? — Gesticulou para a direção do corredor. — Ele agora está no

banho, mas eu posso...


— Não! — cortei suas palavras, incomodada e me afastando. — Está
tudo bem. Eu falo com ele no hospital.
Dizendo isso, eu me virei nos calcanhares, extremamente constrangida
e lutando para não transparecer a minha decepção.
Novamente no elevador, eu podia sentir cada um dos tijolinhos, que
ergui com tanto esforço em volta do meu coração, se desfazendo. Eu tinha me
apaixonado pelo Felipe González, mas acabei de descobrir que ele não

passava de um libertino.
Capítulo 16
Felipe
O perfume que jamais saiu das minhas lembranças, assim como o sabor
da pele alva jamais abandonou o meu paladar, se fez presente naquele
momento, me deixando louco.
Ensandecido.
Eu não queria sentir isso.
Mas era mais forte do que eu.
A Alyssa simplesmente não abandonava os meus pensamentos, nem ao

menos num simples banho. Já tinha virado rotina que ela se tornasse a minha
musa inspiradora na hora de saciar a minha ereção matinal.
Com os olhos fechados e com uma das mãos espalmadas na parede
azulejada do Box, eu me concentrei na visão que minha mente estava me
presenteando do momento em que segurei a Alyssa pelos quadris e investi
contra ela.
Eu me lembrava dos sons.
Dos beijos.

Dos toques.
Dos sussurros.
Foi apenas uma transa, mas parecia ter sido a única que realmente
valeu a pena. A única garota que realmente conseguiu marcar não somente o

meu corpo, mas o meu coração também, de alguma maneira.


Segurando a respiração, e sentindo a força da ducha da água em minhas
costas, eu acelerei o movimento do meu punho quando o orgasmo se formou
pronto para me deixar com as pernas bambas.
Quando os primeiros jatos do gozo saíram por entre os meus dedos, eu
gemi o nome dela...
Mesmo com toda a minha frustração, ainda era o nome dela que eu
clamava.

Porra!
Embora o meu corpo estivesse saciado, por ora, eu podia sentir que as
coisas não seriam mais como antes. Infelizmente, a Alyssa conseguiu mexer
comigo de uma maneira que eu não estava conseguindo consertar. E isso era
uma verdadeira merda.
Frustrado, deixei o banheiro e segui até o meu quarto. Minha cabeça
estava um pouco pesada por conta de toda a bebida da noite anterior, mas
faltar ao plantão estava fora de cogitação.
Minutos depois, eu deixei o quarto e segui para a cozinha, guiado pelo

delicioso aroma de café.


— Bom dia — saudei a Ava, com um beijo na cabeça. — Você está
com a cara péssima — complementei. — Conseguiu dormir?
Franzi o cenho ao notar que ela estava usando uma das minhas

camisas.
— Ai... mais ou menos — resmungou, passando a mão na testa. —
Espero que não se importe, mas acabei vomitando no meu vestido e...
— Tudo bem. — Gesticulei. — Não se preocupe. — referi-me a
camisa em seu corpo.
Na noite anterior, antes de ela chegar a ir embora, acabou passando mal
e eu fiquei preocupado em deixá-la ir Uma mulher alcoolizada, ainda mais
sozinha, era um verdadeiro banquete para os mal-intencionados.

— A pior parte do porre é a ressaca — brincou, rindo e me oferecendo


uma xícara de café.
Aceitei, me recostando na bancada, ficando de frente para ela.
— Tem algum paciente agora de manhã? — perguntei, soprando o
líquido quente antes de bebericar.
Negou com a cabeça.
— Vou para casa tentar dormir um pouco — resmungou, soltando um
suspiro.
— Eu acho que devo ter alguma aspirina numa dessas gavetas ali. —

Apontei para um dos armários da cozinha. Terminei de tomar o café. — Bem,


vou só lá dentro pegar a minha mochila e já podemos ir.
— Felipe? — chamou, vindo até onde eu estava. Senti-me tenso com
sua aproximação abrupta. Foi extremamente difícil fazê-la entender, na noite

anterior, que eu não estava interessado em transar com ela. — Não vai
mesmo me contar quem é a garota que está mexendo com a sua cabeça?
Sorri, sacudindo a cabeça.
— Não tem garota nenhuma — menti, me afastando. — Já volto.

Depois de ter deixado a Ava no prédio em que morava, eu dei uma


passadinha rápida na minha clínica para conversar com o meu pessoal e
assinar alguma papelada.

Eu tinha muito orgulho do patrimônio que conquistei em todos esses


anos morando em Nova York.
Quando voltei para o carro, depois de tudo acertado, dei uma verificada
no meu celular e vi que o grupo da família estava fervendo. Sem querer, eu li
o nome da Alyssa logo abaixo, no aplicativo. Meu coração deu uma acelerada
rápida, mas logo ignorei.
Irritado, joguei o celular sobre o porta-luvas e, em seguida, acelerei o
carro em direção ao hospital.

Mal cheguei à emergência e já fui chamado pelo diretor.


— Algum problema, Jacob?
— Sim — disse ele, esbaforido. Se levantou rapidamente e deu a volta

em sua mesa. — Estou com uma paciente no hospital que acabou de enfartar.
Dei espaço para que ele pudesse abrir a porta e sair; fui logo atrás,
analisando os exames conforme ele ia me mostrando.
— Ela não possui nenhum histórico na família, e sempre foi muito
saudável — explicou.
— Os exames mostram um rasgo de um centímetro no coração —
expus, analisando a papelada. — Essa mulher precisa ser operada agora,
Jacob. Com urgência.
— Ela já está na mesa, aguardando — disse, parando e me encarando

com os olhos apavorados e úmidos. — É a minha mulher, Felipe. — Pisquei,


boquiaberto. — Por favor, traga ela de volta para mim.
Engoli com dificuldade, mas logo me recompus do susto. Estava
acostumado a trabalhar sob pressão.
Coloquei a mão sobre o seu ombro, apertando levemente. Tínhamos
nossas diferenças, mas nada que afetasse o nosso lado humano e profissional.
— Vou dar o meu melhor.
— Eu acredito nisso.
Apressado, eu fui atrás da Alyssa, porque não havia parceira melhor do

que ela para me auxiliar.

A cirurgia foi complicada, mas ao final deu tudo certo. Utilizamos

colas biológicas no procedimento para fechar o rasgo, e agradeci que


funcionou, ou a última saída seria fazer um transplante.
Eu estava feliz e satisfeito pelo sucesso da operação, embora
incomodado pela maneira como a Alyssa vinha me tratando desde que a
chamei para me auxiliar.
Tinha consciência de que fui eu a dar início ao nosso afastamento,
cortando ela das minhas cirurgias, entretanto, o motivo era mais do que
válido, considerando a maneira como ela agiu comigo depois da nossa transa.
Travando o maxilar, eu saí da sala e fui para a pia lavar as mãos. Em

silêncio, eu aguardei que todos saíssem e permaneci ali quando Alyssa veio
se juntar a mim, exalando uma carranca de dar medo.
— Aconteceu alguma coisa? — questionei, em tom baixo. — Ou
melhor, quer me dizer alguma coisa?
Não tive certeza, mas pensei ter ouvido seus dentes rangerem.
— Não aconteceu nada — praticamente latiu.
Eu ri, amargo.
— Wou! Se o seu “nada” é parecer estar prestes a me agredir, então eu
estou seriamente em maus lençóis aqui. — Tentei fazer graça, mas não

funcionou.
Ela terminou de lavar as mãos e pegou o papel toalha para enxugar;
aliás, mais do que o necessário. Naquele momento, eu tive certeza de que
alguma coisa estava muito errada.

— Quer mesmo saber?


Também enxuguei as minhas mãos.
— Por favor. — Gesticulei, estimulando-a.
Então, ela apontou o dedo em minha direção, numa postura feroz.
— A verdade é que você, Felipe, age de bom moço, mas no fim das
contas, nós, mulheres, somos apenas números.
Pisquei, sem entender nada.
— Do que está falando? Por que está dizendo isso? O que eu fiz?

Eu realmente queria entender.


— Argh, esquece!
Tentou passar por mim, mas eu bloqueei sua fuga, segurando em seu
braço.
— Nada disso! — exclamei, olhando em seus olhos. — Agora eu quero
saber o meu delito para poder me defender — murmurei, incomodado. —
Você passou a cirurgia toda me tratando mal.
— Eu estive no seu apartamento hoje de manhã — contou, me fazendo
arquear as sobrancelhas. — E eu vi a Ava usando a sua camisa. — Pisquei,

absorvendo suas palavras. — Você realmente não perdeu tempo.


Fiquei tão aéreo com a informação, e me perguntando o porquê a Ava
não comentou a ida da Alyssa ao meu apartamento, que não percebi quando
ela conseguiu passar por mim e sair da sala.

— Oh, porra!
Fui atrás dela, alcançando-a perto de uma sala de materiais.
Novamente segurando em seu braço, eu a arrastei para dentro dessa
sala, porque ninguém precisava ouvir a nossa conversa.
— Me solta — rosnou, brava. — Você não precisa se explicar para
mim, Felipe. Nós não temos nada. Aliás, nunca tivemos nada e...
— Cala a boca, mulher! — exclamei, irritado com a sua tagarelice.
Alyssa fechou a cara na mesma hora.

— Grosso!
Voltou a tentar escapar, mas não deixei.
— Pelo amor de Deus, será que pode me deixar falar? — Segurei seus
braços, trazendo o seu corpo para mais perto do meu. O mero contato nos fez
arquejar. Vi quando sua língua saiu para lamber os próprios lábios quando me
pegou encarando-os com fome. — Ontem à noite, eu convidei o pessoal para
beber no meu apartamento, dentre eles, a Ava — comecei.
— Eu já disse que você não preci...
— Não finja que não quer saber, querida — cortei suas palavras. —

Assuma que está com ciúmes. Eu também estaria se estivesse no seu lugar.
— Fiquei a encarando com seriedade, desafiando-a a negar. Como não disse
nada, eu continuei: — Enfim, todos foram embora, menos a Ava. Não vou
mentir, eu e ela já tivemos um lance no passado, mas sempre foi apenas sexo

— pausei, prestando atenção em suas reações. — No fim das contas, ela


acabou passando mal e eu fiquei preocupado em deixá-la ir para casa sozinha,
e então a convidei para dormir no meu apartamento.
— Acha mesmo que vou acreditar nessa historinha? Ela estava usando
a sua camisa, Felipe, fala sério! Você realmente não me conhece. — Se
debateu para sair dos meus braços.
— Sim, estava — confirmei, segurando o seu corpo com firmeza para
mantê-la ali. — Porque vomitou no próprio vestido — contei. — E quer

saber? Nunca menti para você, Alyssa, e tenho a consciência tranquila. Desde
o inicio dessa coisa toda entre nós dois, eu busquei ser honesto com você.
Nunca tive dúvidas quanto as minhas emoções e sentimentos, ao contrário de
você — acusei. — Eu realmente não transei com a Ava, mas também se
tivesse transado, você não teria nenhum direito de se sentir traída, porque me
expulsou da sua casa feito um nada, um homem sem valor.
De repente, o lindo rosto se contorceu com novas lágrimas.
— Oh, meu Deus, você tem razão — choramingou, cobrindo o rosto
para tentar esconder o seu choro. — Eu fui uma cretina.

Angustiado, eu afastei suas mãos para poder encarar os seus olhos


úmidos.
— Está tudo bem — falei. — Depois eu entendi que não deve ter sido
algo fácil para você, considerando que o único homem a entrar naquela casa

foi o seu falecido marido. A situação foi complicada mesmo.


Ela fungou, enxugando a umidade do rosto.
— Foi realmente difícil, mas serviu para que eu entendesse uma coisa.
— O quê?
Seus olhos encontraram os meus.
— Que estagnei no caminho — murmurou. — Eu simplesmente parei
no tempo e, eu não quero mais continuar parada, Felipe. Eu quero continuar a
jornada da minha vida. — Estufou o peito. — Você foi o único homem que

mexeu comigo depois que fiquei viúva, e consigo admitir isso sem um pingo
de peso ou remorso, porque agora sei que meu marido se foi; agora sei que eu
não preciso apagar ele da minha vida para encontrar um novo amor. Henry
continuará para sempre em meu coração, e isso não é nenhum crime.
Sorri, orgulhoso.
— Estou muito feliz em saber que finalmente se libertou.
— Eu sei disso. — Sorriu de volta, meio tímida. — Não sei como dizer
isso, mas... será que você pode me dar mais uma chance?
Pisquei, incrédulo.

— Está me convidando para sair?


Ela riu, sem graça, e eu adorei a forma como suas bochechas ganharam
uma coloração púrpura.
Colei nossas testas, fechando os olhos e inspirando o seu aroma divino.

Alyssa arquejou, buscando a minha boca na sua.


— Não — declarei, fazendo-a afastar o rosto para me encarar. Estava
confusa. — Já que é para começarmos do zero... — apressei-me em me
expressar —, então eu vou preparar algo legal para nós dois, e no meu
apartamento. Topa?
Os lindos olhos brilharam para mim, e ela se jogou em meus braços,
finalmente avançando os lábios nos meus.
O beijo não podia ter sido mais recheado de promessas.

Promessas sacanas... e por que não de amor?


Capítulo 17
Alyssa
Era a minha folga, mas eu ainda estava jogada na cama, preguiçosa.
Meu telefone vibrou indicando uma nova mensagem. Beirava às sete
da manhã.
Sorri, quando li o nome do Felipe no aplicativo.

Me ajeitei na cama, de barriga para baixo.

Dei uma risadinha.


Mordi os lábios, pensando no que responder.

Soltei o ar, sentindo-me tranquila comigo mesma.


Fiquei encarando o aparelho de celular por longos minutos, feito uma
boba apaixonada.
De repente, minha campainha tocou, tirando-me do torpor.
Rapidamente pulei da cama e fui até a porta.

— Bom dia! — exclamou Glenda, mais animada do que imaginei que


estaria. — Trouxe gostosuras para o nosso café da manhã.
— Já me perdoou por tê-la feito sair tão cedo da cama no dia da sua
folga? — questionei, enquanto entrava no banheiro social.
— Sim, porque sei que é por uma boa causa — respondeu, sorrindo, e
se apoiando no batente da porta. — Garota, até a sua pele está mais bonita
hoje — comentou, fingindo espanto.
Dei risada.

— Para de palhaçada — resmunguei, jogando a toalha nela. — Eu


apenas estou feliz.
— E isso não é algo a ser celebrado? Eu, hein!
Passei por ela, e segui em direção a cozinha onde programei a cafeteira
para fazer um café para nós.
— Eu me sinto diferente mesmo, sabe? — comentei, animada. — E o
melhor de tudo é que isso não tem a ver com ninguém, apesar de eu ter me
acertado com o Felipe. É uma leveza que vem de dentro. Finalmente abri os
olhos para a minha realidade e vi o quanto estou perdendo. Não quero mais

perder, amiga.
— Já chega de perder! — Ergueu a mão e bateu contra a minha num
cumprimento de cumplicidade.
Sorrimos juntas e, em seguida, passamos os próximos minutos

conversando.
Depois do café, Glenda me ajudou a faxinar o meu closet, retirando as
roupas do Henry.
— Você realmente tem certeza disso? — perguntou pela milésima vez.
Ela, mais do que ninguém, sabia o quanto aquilo estava sendo difícil para
mim.
— Doar as coisas dele não significa que o perderei, Glenda —
murmurei, organizando as roupas e calçados em sacos plásticos. — Henry

ficará eternizado em meu coração, e isso basta.


Ela não disse mais nada.
Assim que terminamos, eu comecei a recolher a maioria dos porta-
retratos, deixando apenas um na sala com uma foto só dele.
— E agora? — Glenda quis saber, parando atrás de mim e se
pendurando em meu ombro, enquanto eu continuava olhando para a foto do
Henry, com nostalgia.
Enxuguei uma lágrima intrusa que deslizou em minha bochecha e, em
seguida, me virei para ela.

— Vamos deixar as roupas em alguma instituição de caridade —


respondi, ajeitando o porta-retrato no lugar de antes. Me voltei para ela
novamente: — Está a fim de dar um passeio até a praia de Coney Island?
Ela arqueou as sobrancelhas, confusa, mas apenas disse:

— Estou aqui para você, amiga. Hoje o dia sabático é todo seu e para
você.
Assenti, sentindo os meus olhos úmidos de repente. Glenda me puxou
para um abraço apertado.
O desapego estava sendo mais difícil do que eu imaginei.

Pouco mais de uma hora, saindo de trem, de Manhattan, Glenda e eu


chegamos à praia.

Caminhando pelo calçadão, eu pude desfrutar da deliciosa brisa e do


som inconfundível do mar. Assim que chegamos à areia, eu retirei as
sandálias, pois queria sentir a textura dela em meus pés.
Glenda e eu caminhamos, em silêncio, até nos afastarmos dos demais,
considerando que o que eu pretendia fazer era algo íntimo.
— Pronta? — perguntou ela, quando eu parei.
A urna com as cinzas do Henry estava em minhas mãos trêmulas e
frias.
Uma semana depois da notícia da morte dele, eu recebi suas cinzas.

Henry não tinha ninguém, além de mim.


Respirando fundo, eu entrei na água, depois de ter entregado minhas
sandálias para a Glenda segurar.
Quando me senti pronta, depois de alguns minutos, eu abri a tampa da

urna e, finalmente o deixei ir. Eu podia sentir que estava sendo uma
libertação para nós dois. Quando vivo, Henry adorava o mar; ele dizia que era
o seu segundo lugar preferido para estar. O primeiro era ao meu lado.
Quando caminhei de volta para a Glenda, ela me puxou para outro
abraço, amparando-me como uma verdadeira amiga.
— Você vai ficar bem — declarou. — Um novo ciclo se inicia na sua
vida.
Afastei-me, enxugando abaixo dos olhos com a mão livre.

— Eu sei disso — murmurei, chorosa. — Estou me sentindo bem. —


Sorri. — Eu e ele precisávamos disso. — Gesticulei para o mar. — Sei que
onde ele estiver, está feliz por eu tê-lo trazido para descansar aqui... nas águas
do mar.
Glenda acarinhou o meu nariz, fazendo-me dar uma risadinha.
— E agora? Qual o próximo passo?
— Sorvete?
— Só se for agora.
Gargalhei, sentindo-me leve como há muito tempo não sentia.
Capítulo 18
Felipe
Logo que estacionei o carro em frente à casa da Alyssa, ela me
convidou para entrar, porque não estava pronta ainda.
— Se atrasou? — perguntei, assim que cheguei perto dela, na porta.
Seu sorriso lindo me cativou e, fui obrigado a lhe roubar um beijo. — Bom
dia.
— Bom dia! — exclamou ela, sorrindo contra a minha boca. —
Acordei mais tarde do que o habitual na verdade — explicou, me puxando

para entrar e fechando a porta em seguida. — Ontem, Glenda e eu ficamos


até tarde assistindo filmes.
Enquanto ela falava, seguiu para o quarto e eu permaneci na sala. Eu
pude notar que algo estava diferente ali; observei que todos os porta-retratos
foram retirados das paredes e dos armários.
Franzi o cenho, tentando administrar as sensações que isso causou em
meu interior. Não havia dúvidas de que Alyssa me fazia sentir diferente.
Aliás, ela me fazia sentir novos sentimentos. Então ver que, finalmente, ela

estava se libertando do fantasma do falecido marido me deixou com uma


satisfação gostosa no peito.
— Felipe? — Alyssa me chamou, fazendo-me dispersar dos
pensamentos aleatórios. Fui até a porta do seu quarto e espiei. Ela estava com

um vestido em tom azul, e precisei de todo o meu autocontrole para não


agarrá-la. — Será que você pode me dar uma ajudinha aqui? — referiu-se ao
zíper nas costas.
Engoli em seco, buscando uma respiração ofega.
— Claro.
Encurtei o espaço entre nós e a auxiliei naquela tarefa tão tentadora.
Quando puxei o zíper, colei o peito em suas costas, admirando-a
através do espelho em nossa frente. Alyssa girou de modo a ficar frente a

frente comigo. Seus olhos estavam carregados de luxúria e, eu pude sentir


isso em cada um dos meus poros no instante em que seus lábios tocaram os
meus num beijo ardente e sensual. Seus braços enrolaram-se em meu
pescoço, enquanto os meus firmaram-se em sua cintura, apertando sua carne
conforme o desejo de tomá-la ia crescendo.
Em determinado momento, Alyssa pegou uma das minhas mãos e a
levou até o seu traseiro, estimulando-me a tocá-la com mais afinco. Ficou
óbvio o quanto ela me queria, mas algo me fez parar. A nossa última
experiência ali me deixou tão traumatizado que eu não estava a fim de repetir

a dose. Então, eu parei de beijá-la e colei as nossas testas, respirando forte.


— Nós temos que ir — soprei.
Vi quando os seus olhos verdes piscaram numa mistura de frustração e
incredulidade.

Mas no fim das contas, ela apenas assentiu, roubando-me mais um


beijo.
Tive reunir toda a minha força de vontade para não arrastá-la até a
cama e voltar a fazê-la minha.

Mal chegamos ao hospital e a emergência já estava fervendo. Alyssa


tinha ganhado alguns internos, então precisava exercer a função de ensinar
como fora ensinada um dia.

— Felipe? — Me virei e me deparei com a Glenda. — Você precisa


ver isso. — Ela me levou até um dos muitos pacientes da emergência.
— Bom dia — saudei o homem debilitado.
— Este é Charlie Scott. — Glenda me entregou a ficha dele. — Ele
chegou ao hospital e contou que semanas atrás prendeu um milho no dente;
ficou tão incomodado com o milho que, ao invés de optar por fio dental e
escovação, preferiu cutucar a gengiva com diversos objetos, como uma tampa
de caneta, um pedaço de arame e até um prego.
Arregalei os olhos.

— O senhor fez isso, senhor Charlie? — indaguei, impressionado.


— Eu não pensei nos riscos, doutor, apenas no meu incômodo —
murmurou com a voz fraquinha.
— Apesar de ter conseguido remover o que lhe incomodava, o paciente

começou a sentir uma dor terrível e, agora, algumas semanas após o ocorrido,
está apresentando sintomas semelhantes aos da gripe, incluindo suor noturno,
fadiga e dor de cabeça — Glenda continuou explicando. — Ao ser
examinado, Charlie recebeu o diagnóstico de sopro no coração decorrente de

uma infecção bacteriana conhecida como endocardite[1].


Sacudi a cabeça, analisando os exames que foram feitos.
— Bom trabalho, Glenda!
Em seguida, eu me aproximei do paciente, tocando o seu ombro.

— Ele está com alguém? — Voltei a encarar a Glenda.


— A esposa está na sala de espera — respondeu.
Sacudi a cabeça.
— Certo. — Olhei para o senhor Charlie. — A nossa gengiva é uma
entrada para bactérias ao nosso coração — expliquei, sério. — Se o senhor
não tivesse vindo ao pronto-socorro poderia ter morrido em três dias. —
Deixei-o alerta. — Por favor, Glenda, mandem preparar a sala de cirurgia.
Este homem precisa ser operado com urgência.

Passava do meio dia quando Alyssa me chamou para encontrá-la numa


das salas de descanso.
Mal entramos e ela já me agarrou, prensando-me na porta. Meu pau

latejou na mesma hora, pois eu podia sentir a excitação dela; podia sentir o
seu desejo por mim e isso fazia qualquer homem arrogante.
Levando a mão para trás, em minhas costas, eu consegui chavear a
porta e, em seguida, caminhei com a Alyssa até uma das camas. Deitando por
cima, eu a deixei saber o quanto estava me deixando louco com toda aquela
demonstração de fogo; passei a me esfregar entre suas pernas e isso a fez
gemer baixinho, ao pé do meu ouvido.
Permanecemos nesse clima quente por longos minutos, mas eu não
avancei o sinal.

Em determinado momento, Alyssa deslizou a mão para dentro da


minha calça, mas eu a impedi.
— Argh! O que foi? — rosnou, impaciente. — Parece que está se
esquivando de mim. Aconteceu a mesma coisa lá em casa hoje de manhã.
— Não é nada disso que está pensando — expliquei, respirando fundo.
— Da última vez que transamos, eu perdi você, Alyssa, e não quero que isso
se repita.
Ela piscou algumas vezes, espantada.
— Você está com medo. — Não foi uma pergunta.

Trouxe a sua mão até meus lábios e beijei os seus dedos delicadamente.
Estávamos deitados um de frente para o outro, de lado.
— Eu só quero fazer as coisas do jeito certo, sabe? — comentei,
fazendo-a sorrir. — Vou levá-la ao meu apartamento hoje e, depois de

preparar um jantar para deixá-la bem alimentada, eu irei comer você até que
não sinta mais as pernas, baby — prometi.
Os lindos olhos verdes brilharam.
— É uma promessa? — perguntou, mordendo o lábio inferior, safada.
Foi minha vez de sorrir, cafajeste.
— Pode apostar, querida.
Capítulo 19
Alyssa
Estar ali no apartamento do Felipe como sua convidada me fez ter uma
sensação muito agradável. Eu sentia que ambos estávamos caminhando para
um relacionamento firme e gostoso.
— Admito que você saber cozinhar é uma novidade para mim —
comentei, me debruçando na bancada da ilha da cozinha espaçosa.
— Não me considero um cozinheiro, mas sei me virar bem. — Sorriu,
cheio de charme.

— O cheiro está divino — acrescentei, sendo sincera.


Seus olhos brilharam com o meu comentário.
— Estou fazendo uma paella, o prato mais famoso da Espanha —
explicou, enquanto andava de um lado ao outro, pegando os ingredientes. —
Foi uma criação dos camponeses valencianos, que preparavam a comida em
uma panela denominada palla. Seus ingredientes básicos são arroz, azeite e
açafrão; os adicionais variam. Originalmente, a paella era feita com a adição
de frango, mas sua popularização fez com que surgissem versões com

camarões, lulas, polvos e mexilhões, versão que acabou ficando mais famosa
que a original.
— Pelo aroma, vejo que você está usando camarões e lulas — ditei,
espiando o conteúdo da panela. — Se quiser ajuda, eu estou aqui, viu?

Também me viro bem na cozinha.


Ele sorriu.
— Você é a minha convidada, baby. — Piscou, me fazendo rolar os
olhos, embora estivesse sorrindo.
— A sua família deve ser bem animada, hun? E enorme — comentei,
me ajeitando na banqueta e bebericando um pouco mais do meu refrigerante.
— Eu sempre desejei ter uma irmã ou irmão. Sempre foi apenas os meus pais
e eu, e depois apenas eu e meu pai.

— Você tinha quantos anos quando perdeu a sua mãe? — quis saber.
— Dezessete.
— Na verdade, não existe idade que nos faça sentir menos dor pela
perda de alguém — declarou. — Eu perdi os meus pais há dois anos, e ainda
dói muito. A minha mãe faleceu em decorrência de um derrame, e não houve
tempo para socorrê-la. — Respirou fundo como se estivesse se lembrando. —
Coincidência ou não, o meu pai faleceu dois meses depois, vítima de uma
pneumonia que se agravou.
Meu coração doeu.

— Eu sinto muito — soprei, sem saber o que dizer para amenizar a sua
dor.
— Tudo bem — disse. — Os levo comigo para onde eu for. —
Massageou o peito, sobre o coração.

Assenti.
Decidi mudar de assunto, pois a ideia era renovar o nosso
relacionamento, e com assuntos leves e interessantes.
Comecei a perguntar a respeito das suas experiências profissionais, e
assim o tempo foi passando.

— Você é muito bom pra ser verdade, Felipe — falei, limpando a boca
com o guardanapo, extremamente satisfeita pelo delicioso jantar.

— Como assim? — Deu risada.


Gesticulei dele para a mesa.
— Lindo desse jeito, e ainda por cima sabe cozinhar? — Sacudi a
cabeça, incrédula.
De repente, ele se levantou e veio até onde eu estava, forçando a minha
cadeira para o lado.
— Você se esqueceu de uma coisa... — debruçou-se sobre mim, com
as mãos nos braços da cadeira.
Mordi os lábios, ouvindo os meus batimentos cardíacos

ensurdecedores.
— O quê? — Minha pergunta não passou de um murmúrio.
— O quanto sou bom de cama, baby. — Inclinou o rosto e deixou a
língua livre para lamber a costura dos meus lábios antes de eu entreabri-los.

Gemi contra a sua boca, enrolando os braços em seu pescoço e me


prendendo a ele o quanto podia.
— Ah, que delícia — gemi, adorando a maneira como o meu corpo
reagia aos seus toques e carícias.
Desde que consegui me desprender da memória do Henry, eu sentia-me
ansiosa e desejosa ao extremo.
Não havia mais correntes me prendendo.
Não havia mais dúvidas ou temores.

Apenas a liberdade.
Se ajoelhando, Felipe me fez erguer o bumbum e, em seguida, deslizou
a minha calcinha por minhas pernas. Encarando os meus olhos, com a mesma
intensidade que sempre me deixava fraca, ele embolou o tecido do meu
vestido em minha cintura e forçou o meu clitóris contra a sua boca faminta.
Semicerrei os olhos, perdida no prazer que ele estava me proporcionando.
Embrenhando os dedos em seus cabelos, eu passei a rebolar em sua
boca, sem qualquer resquício de constrangimento.
— Oh, Felipe... assim, isso... — lambi os lábios, que estavam secos,

sentindo-me completamente abobalhada pela ferocidade com que ele estava


me chupando. Felipe praticamente estava me fodendo com a sua língua e
dedos habilidosos.
Arreganhando as minhas pernas um pouco mais, ele intensificou os

movimentos.
— Goza na minha boca, gostosa... — exigiu, soprando o meu clitóris,
antes de voltar a abocanhá-lo de novo. Continuou com essa tortura por longos
minutos, até eu não aguentar mais. — Isso, baby... dê-me tudo.
Gritei, desesperada, enquanto rebolava feito doida em seu rosto, sem
controle algum do meu corpo.
Ainda aérea, eu tive a minha boca tomada de assalto; Felipe roubou
todos os meus gemidos para si.

Erguendo-me em seus braços, eu o senti me carregando pelo


apartamento. Não demorou muito até eu sentir a maciez do colchão em
minhas costas. Rapidamente me ajoelhei e levei as mãos até a barra do meu
vestido, ficando completamente nua.
Com os olhos de águia, Felipe também arrancou as suas roupas e,
rapidamente, pegou uma camisinha.
— Ainda não acredito que você está aqui, sabia? — Engatinhou até
mim, beijando as minhas pernas e aproveitando para dar uma lambida
generosa no meu clitóris, visto que eu estava com as pernas abertas.

Mordi os lábios, excitada, e o pegando pela nuca para alcançar a sua


boca.
— Pois eu estou. — Afirmei, beijando-o com sofreguidão. — E ficarei
o tempo que você permitir, porque quero muito viver isso.

Ajeitando-se entre minhas pernas, ele me penetrou numa estocada só,


com facilidade, pois eu já estava bem molhada.
Ambos arquejamos na boca um do outro.
— Então já aviso que você não terá passagem de partida, baby —
comentou, de olhos fechados, perdido em sua própria bolha de prazer.
As investidas foram passando de lentas para furiosas em questão de
segundos. Arqueei as costas, deliciada pela força com que o Felipe estava
segurando os meus quadris.

De repente, ele saiu de dentro de mim, o que me causou um incômodo


momentâneo pela sensação de vazio. Porém antes que eu tivesse tempo de
reclamar, Felipe agarrou as minhas pernas e me puxou para fora da cama,
mas não totalmente.
Enrolando as minhas pernas em sua cintura, e mantendo uma parte do
meu tronco sobre a cama, Felipe voltou a me penetrar com ferocidade.
A forma como ele me encarava, como se estivesse prestes a me devorar
inteira apenas piorava o meu estado. Eu queria retardar o orgasmo, mas
quando Felipe fez um movimento giratório, atingindo assim um ponto antes

nunca explorado, eu gozei furiosamente.


Meus gritos e gemidos soaram incoerentes e descontrolados.
— Oh, boceta gostosa da porra! — exclamou, acelerando o movimento
dos quadris.

Resfolegante, eu consegui ver o instante em que ele gozou também,


revirando os olhos e rosnando deliciosamente como um selvagem. Meu nome
escapando dos seus lábios daquela maneira, tão crua, quase me fez gozar de
novo.
Depois de algumas investidas lentas, ele parou, respirando com
dificuldade. Ao abrir os olhos, me encontrou o encarando com fascinação.
Saindo de dentro de mim e retirando a camisinha, Felipe me empurrou mais
para o meio da cama e, em seguida, se ajeitou ao meu lado.

— Você está bem? — quis saber, beijando o meu queixo e boca.


A preocupação estava nítida em sua voz.
Embrenhando os dedos em seus cabelos, eu aprofundei o beijo.
— Nunca me senti melhor. — Sorri contra os seus lábios risonhos.

Abri os olhos, sendo despertada pelo alarme do celular. Desliguei-o


rapidamente, pois não queria acordar o Felipe ainda.
Me sentei na cama, admirando a beleza do homem adormecido ao meu
lado. Felipe estava nu, deitado de barriga para cima. A ereção matinal

chamou a minha atenção de imediato e encheu a minha boca d’água,


considerando que ainda não tinha tido a oportunidade de senti-lo em minha
língua.
Entretanto, engoli aquele desejo, pois tinha outros planos.

Fui até o closet dele e peguei uma das suas camisas. Em seguida,
peguei minha calcinha no chão e a vesti. No banheiro, lavei o rosto e bocejei
água na boca para amenizar o mau hálito, visto que não havia levado a minha
escova de dente.
Pé por pé, eu saí do quarto e segui até a cozinha.
Na noite anterior, eu tinha observado o Felipe, então não foi difícil
descobrir onde estavam os utensílios para preparar um delicioso café da
manhã.

Estava disposta a fazer dessa, a nossa primeira vez.


Sem sustos.
Sem loucuras.
Sem arrependimentos.
Longos minutos depois, eu voltei ao quarto carregando uma bandeja
com torradas, ovos fritos com bacon, biscoitos, café e suco.
Felipe agora estava deitado de bruços, fazendo-me admirar a sua bunda
carnuda. Dei uma risadinha, porque era difícil um homem ter a bunda grande.
— Você está me tarando? — Veio a sua pergunta rouca.

Minha risada aumentou, porque não tinha percebido que ele já estava
acordado.
— Estava tarando o seu bumbum avantajado — respondi, colocando a
bandeja no pequeno móvel de cabeceira.

Fui pega desprevenida quando fui laçada pelos braços fortes, que me
jogaram contra o colchão.
— Eu posso te dar outra coisa para tarar se você quiser — insinuou,
erguendo a minha camisa.
— Não é que eu queira ser a estraga prazer aqui, mas nós já estamos
atrasados. — Gemi assim que sua boca alcançou um dos meus mamilos. — E
eu preparei o nosso café de manhã, sabia? Você sequer deu bola.
Trazendo o rosto diante do meu, ele disse:

— Porque o meu alimento preferido já está aqui... — sua mão começou


a descer a minha calcinha, enquanto eu facilitava o trabalho —, sob meus
braços.
Ignorando qualquer preocupação, eu simplesmente me permiti fechar
numa bolha com ele...
O único homem que foi capaz de me resgatar do luto.
Capítulo 20
Felipe
Alguns dias depois

Eu ainda não estava conseguindo acreditar na ligação que tinha


acabado de receber. Pouco mais de um mês atrás, eu acabei inscrevendo o
meu projeto dos “corações artificiais” num concurso, e venci.
Provavelmente o resultado já tinha saído em todas as plataformas, visto
que a Instituição organizadora tinha renome, entretanto nos últimos dias, eu
não conseguia ter olhos para mais nada e nem ninguém que não fosse a

Alyssa.
Eufórico, eu peguei a minha carteira, chaves e celular. Minha garota já
tinha me mandado mensagem para avisar que pegou carona com a Glenda,
então era para eu ir direto para o hospital.
No caminho, liguei o som do carro, incapaz de controlar a alegria
dentro de mim. Antes, eu me sentia realizado com a minha liberdade e jeito
de viver, mas a verdade é que as últimas semanas ao lado da Alyssa me
fizeram entender o verdadeiro sentido da palavra completo. Porque essa era a
sensação que me descrevia perfeitamente.

Pouco mais de meia hora depois, eu estacionei o carro em minha vaga


no hospital e, em seguida, eu desci.
Fui cumprimentando as pessoas conforme eu ia caminhando, até que
fui surpreendido logo na entrada. Uma boa parte da equipe do hospital estava

reunida para me parabenizar pelo prêmio que conquistei por causa do meu
projeto.
Fiquei agradecido pela recepção, embora um pouco envergonhado.
— Esse é o cara, galera! — gritou Denver, vindo me cumprimentar
com um abraço.
— Valeu, irmão. — Sorri, batendo em seu ombro.
Logo atrás dele, eu me deparei com a Alyssa, toda sorridente.
— Você não sabe o quanto estou orgulhosa — murmurou, antes de

colar o corpo no meu, deixando-me espantado, porque todos estavam nos


olhando. — Eu o admiro muito como homem, mas, principalmente, como
médico, Felipe. Parabéns!
Eu ainda estava absorvendo a sua declaração quando sua boca
simplesmente se uniu a minha num beijo lento, porém não menos delicioso.
Percebi que não me cansava de tê-la em meus braços. Não me cansava de
beijá-la; ou de fazê-la sorrir. Alyssa se tornou o meu foco.
O meu principal alvo.
— Uau! — exclamei quando ela se afastou, sorrindo lindamente. —

Você conseguiu me surpreender agora.


— Eu sei — declarou, oferecendo-me um sorriso sapeca. — Tenha um
bom dia de trabalho.
Abobalhado, eu fiquei observando enquanto ela se afastava.

Naquele momento, eu passei a entender que não havia outro motivo


para fazer o meu coração bater tão forte no peito sempre que ela estava por
perto se não o fato de estar completamente apaixonado.

Estava trabalhando na minha pesquisa quando a Ava surgiu na sala.


— Oi — saudei-a. — Fazia tempo que não nos víamos.
Ela sorriu, sem jeito.
— Pois é, ando muito atarefada ultimamente — comentou, evasiva. —

Inclusive estou com um paciente de quatro meses, e gostaria de ouvir a sua


opinião. — Estendeu-me a ficha.
Peguei e dei uma olhada.

— É uma criança com CIV.[2] — comentei, enquanto estudava os


exames.
As CIVs são geradas durante a formação do coração e estão presentes
no nascimento. Durante as primeiras semanas de gestação, o coração se
desenvolve a partir de um grande tubo, dividindo-se em seções que vão

formar as câmaras e os septos. Se existe algum problema neste processo,


podem se formar as CIVs.
— Você consegue ver que o coração já aumentou de tamanho? —
questionou.

Assenti.
— Especialmente do átrio e do ventrículo esquerdo — murmurei. —
Nos pulmões, esta sobrecarga de sangue aumenta a pressão, o que pode
lesionar permanentemente as paredes das artérias pulmonares com o passar
do tempo. — Parei de ler os exames, porque a solução ali estava mais do que
óbvia. — Não há dúvidas de que esta criança precisa passar por uma correção
cirúrgica, Ava — falei. — Fazer o uso de um retalho (patch) de pericárdio
(membrana que recobre o coração, usualmente de origem bovina), ou com

materiais sintéticos, como Dacron ou PTFE.


— O procedimento vai reduzir a circunferência da artéria pulmonar
com o uso de uma banda, diminuindo, assim, o fluxo do sangue para os
pulmões.
— Isso mesmo. — Entreguei a ficha para ela. — Quando a criança
crescer, uma nova cirurgia poderá ser realizada para remover a bandagem e
corrigir o orifício com um patch.
— Obrigada, Felipe — disse. — Vou conversar com a família.
— Não por isso. — Sorri, gentil.

Ela se virou para sair, mas acabou retornando alguns passos.


— Então... — coçou a garganta, parecendo nervosa — aquela residente
que te beijou, é a tal garota que vinha mexendo com a sua cabeça?
Eu podia negar, mas para quê? A própria Alyssa já tinha ligado um

foda-se bem grande mais cedo, expondo o nosso relacionamento para todos
que quisessem ver.
— Sim, é ela — respondi no fim. — Alyssa e eu estamos juntos.
Sorriu, sacudindo a cabeça.
— Ah, fico feliz por você, Fê — disse. — De verdade.
Balancei a cabeça, assentindo.
Em seguida, ela voltou a se despedir e, finalmente me deixou sozinho
na sala.

Era final de plantão e, eu estava terminando de ajeitar as minhas coisas


no armário quando o Denver entrou me encarando com o maior sorriso do
mundo.
— Que cara de bobo é essa? — indaguei, sorrindo também, pois acabei
me contagiando.
De repente, ele balançou um enorme leque de notas de cem dólares
diante dos meus olhos.
— Sabe o que é isso tudo aqui? — perguntou, fazendo mistério.

Franzi a testa.
— Não faço a menor ideia.
— O dinheiro da aposta, cara! — exclamou, dando um soco no meu
ombro, eufórico demais para se controlar. — Eu fui o único a apostar que

você conseguiria pegar a Alyssa, então acho justo dividir os lucros com você.
Denver mal terminou de falar e ambos escutamos um arquejo incrédulo
vindo da entrada da sala.
Meus olhos se arregalaram na mesma hora quando eu me deparei com
a Alyssa, petrificada.
Eu empalideci.
— Alyssa, não é nada...
— Então é isso? — cortou-me, com a voz embargada. — Tudo não

passou de uma aposta para você?


Meu peito sufocou. Era uma mistura de pavor e dor.
— Não, eu...
Mas ela não me deu chance de defesa.
Alyssa simplesmente virou as costas e foi embora, me deixando com a
sensação de perda e derrota.
Capítulo 21
Alyssa
As lágrimas simplesmente desciam sem que eu tivesse o controle delas.
Meu peito parecia sufocado de tanta dor e decepção. Eu não conseguia
acreditar como que um castelo tão perfeito podia desmoronar assim tão
facilmente e tão rápido. Eu vivi os últimos dias me sentindo como num
completo conto de fadas, e para quê? Para acabar descobrindo que meu
príncipe era na verdade um sapo.
— Alyssa!

Tentei acelerar os passos, mas acabei sendo alcançada pelo Denver,


que me segurou pelo braço.
— Por favor, não faça isso — disse ele num tom de desespero. — Não
o julgue dessa maneira.
Dei uma risada incrédula.
— É impressionante como vocês homens são unidos. — Sacudi a
cabeça. — Por favor, poupe o seu fôlego, Denver, porque nada do que você
disser valerá de alguma coisa. Felipe é o maior filho da puta que eu já

conheci e confiei — rugi.


— Mas é aí que você se engana — disse mais do que depressa. —
Você pode não acreditar, mas eu garanto que o Felipe não tem nada a ver
com essa história de aposta. — Pisquei, enxugando as lágrimas insistentes. —

Antes mesmo de ele começar a trabalhar no hospital, a galera já fazia esse


tipo de brincadeira.
— Brincadeira? — Eu estava enojada. — Vocês são doentes.
— Você tem razão, eu sei o quanto tudo isso é ridículo — ele segurou
o meu braço mais uma vez, quando eu tencionei ir embora — Mas eu juro
que o Felipe é inocente nesta história toda. Você sempre foi um exemplo de
mulher para todos nós, Alyssa, então quando o Felipe e você começaram a se
entrosar, eu e o pessoal começamos a brincar sobre todas as suposições

possíveis... e isso foi levando uma coisa na outra, e quando percebemos o


dinheiro já estava no meio. — Suspirou, envergonhado. — O que você
acabou de ver lá dentro — apontou para a direção do hospital — foi eu, um
idiota, cometendo uma besteira enorme.
Funguei, sentindo os soluços estremecerem o meu corpo todo.
De repente, eu vi um taxi se aproximando e acenei.
— Há algo nesta história toda que concordamos, Denver — falei,
caminhando até o carro.
— O quê?

Olhei para ele, furiosa.


— Você é mesmo um idiota!
Dizendo isso, eu entrei no taxi e dei o endereço da única pessoa que
seria capaz de me acalentar naquele momento.

— O papai ainda está acordado, Lucinda? — questionei com a voz


embargada.
— O que houve, minha querida? — Os olhos assustados da noiva do
meu pai serviram para piorar o meu estado, e eu sequer reclamei quando ela
me abraçou.
Na verdade foi acalentador.
— E-eu... só preciso do meu pai — choraminguei, enquanto ela me

levava para a sala.


— Está bem — disse, me ajeitando no sofá. Suas mãos vieram para o
meu rosto, enxugando as minhas lágrimas e alinhando os meus cabelos
revoltos. — Vou chamá-lo e aproveitar para fazer um chá para você.
Assenti, fazendo um bico de choro.
— Obrigada, Lucinda — murmurei, emocionada.
Minutos depois de ela ter saído, o papai chegou, deixando visível a sua
preocupação.
Pulei em seus braços, ansiando o seu cuidado como quando eu ainda

era uma menina indefesa.


— Querida, o que foi? — Suas mãos acariciavam as minhas costas com
carinho. — Por que está assim? Você está me deixando preocupado, Alyssa.
Devagar, ele me levou para sentar novamente no sofá.

Acariciando o meu rosto, ele me aguardou pacientemente.


Funguei, sentida.
— Eu e o Felipe, nós... — não consegui falar, pois tive outra crise de
choro.
— Ah, querida, vocês brigaram? É isso? — Me puxou para os seus
braços quando eu assenti.
— Ele... ele...
— Você está magoada, eu sei — comentou, me ninando como fazia

antigamente. — Está com os nervos à flor da pele.


Não falei nada.
O silêncio foi nossa companhia por bastante tempo, enquanto a minha
mente só sabia processar o que ouviu lá no hospital.
Eu era capaz de entender os argumentos usados pelo Denver, porque
fez total sentido. E conhecendo o Felipe como eu conhecia, sabia que ele
jamais faria algo tão sórdido comigo. Mas eu ainda me sentia magoada de
alguma maneira.
— Querida? — papai quebrou o silêncio.

— Oi?
— Há tempos, os casais e, principalmente, especialistas vêm tentando
desvendar o segredo para um relacionamento feliz. Será que há alguns
ingredientes, ou alguns hábitos que fazem um relacionamento durar? Alguns

falam que é a paciência, já outros afirmam que é o amor e outros falam que é
a amizade. Mas por experiência própria, eu posso garantir que a união entre
duas pessoas depende de um ingrediente que poucos levam a sério nos seus
relacionamentos.
Me interessei no que ele dizia e me ajeitei no sofá de modo a poder
encará-lo nos olhos.
— Qual é?
— A pergunta é: como nós, seres humanos, somos diferentes de

lagartos, ou até mesmo de amoebas? A resposta é que nós conversamos.


Você quer salvar o seu relacionamento? Então converse, converse, converse.
Se você fizer isso, você estará criando uma tradição na sua relação que
permitirá aos dois lidarem com qualquer tipo de dificuldade.
Absorvi as suas palavras e concluí que ela estava certo. Em todas as
minhas lembranças dele com a mamãe, eu só conseguia visualizá-los felizes
juntos.
— Obrigada, pai.
Seu sorriso lindo aqueceu o meu coração.

— Sempre estarei aqui para cuidar de você, filha.


Neste momento, Lucinda voltou a entrar na sala, carregando uma
bandeja com três xícaras de chá.
— Ah, eu acabei preparando chá para todos nós, porque também fiquei

nervosa — disse ela, depositando a bandeja na mesinha de centro.


Algo dentro do meu coração deu uma baqueada quando percebi a sua
preocupação comigo, e tão genuína.
— Obrigada, Lucinda. — Sorri para ela com sinceridade. — É muita
gentileza da sua parte se preocupar comigo.
Ela franziu a testa, espantada.
— Não é gentileza se preocupar com quem amamos e queremos bem,
querida. Eu, hein!

Meu coração sufocou, desta vez com a culpa.


Qual era a minha cisma com essa mulher mesmo?

Pouco mais de uma hora depois, eu peguei outro táxi para voltar para
casa. O papai insistiu em me trazer, mas eu não deixei. Não havia
necessidade de tirá-lo de casa por uma bobagem dessas.
Quando paguei a corrida e caminhei até o meu portão, uma
movimentação na minha varanda me fez gelar, entretanto logo visualizei a
silhueta do Felipe.

Calado, ele caminhou até onde eu estava, parada perto do portão. Eu


estava me sentindo enfraquecida por dentro e por fora.
Não pude deixar de notar os seus olhos cansados e avermelhados,
quando ficamos frente a frente.

— Você... está me esperando há muito tempo? — Tive forças para


perguntar.
— Duas horas — respondeu, rouco.
Naquele momento, eu desisti de lutar contra a enxurrada de lágrimas.
Felipe abriu os braços e, eu não segurei mais o desejo de correr para o
seu colo; para o seu aconchego.
Em meio a minha crise, a sua boca não parava de me beijar e a dizer o
quanto sentia muito.

Ali, eu cheguei a conclusão de que Felipe se tornou uma peça


primordial na minha vida.
Éramos dois corações num só.
Duas metades em uma.
Capítulo 22
Felipe
Ver a Alyssa indo embora daquele jeito, tão arrasada, me destruiu. Eu
nunca tinha sentido aquele medo antes; medo de perder a única mulher que já
me fez sentir algo, além do tesão desenfreado.
— Eu juro que quis matar o Denver pela enrascada que ele me colocou
— comentei, sacudindo a cabeça, enquanto ligava o fogo. Estava preparando
uma pipoca para nós dois.
Ela soltou uma risadinha.

— Depois ele me explicou toda a história — contou. — Mas eu estava


muito magoada e confusa, então não dei ouvidos.
Alyssa veio me auxiliar assim que a pipoca começou a estourar.
— Onde você foi, afinal? — perguntei, curioso. — Fiquei desesperado
de preocupação quando cheguei aqui e não a encontrei em casa.
Sua mão se ergueu para tocar em meu rosto com carinho.
— Eu sei, me desculpe — murmurou num tom culpado. — Fui visitar
o papai.

Arqueei as sobrancelhas.
— Contou para ele?
Negou com a cabeça.
— Só comentei que eu e você tínhamos brigado, e ele me deu alguns

conselhos de pai, sabe? O papai é muito sábio.


— Meu pai também era — desabafei. — Às vezes, eu sinto falta dos
conselhos dele. A propósito, ele ia gostar muito de conhecer você.
— Você acha?
Achei graça da maneira como suas bochechas se tornaram rubras.
— Tenho certeza.
Coloquei a pipoca numa tigela e, em seguida, Alyssa e eu seguimos
para a sala.

Depois de dar inicio ao filme, ambos nos ajeitamos no sofá. Fiz


questão de deixá-la aninhada em meu peitoral.
— Eu realmente sinto muito pelo que aconteceu — murmurei, com
cautela. — O que nós estamos vivendo é real. Não há armações e nem
joguinhos.
Sua cabeça se moveu para que pudesse me encarar.
— Acredito em você — soprou. — Talvez seja pelo o que estou
sentindo aqui... — apontou para o seu coração — que toda essa história tenha
mexido tanto comigo.

— E o que está sentindo, baby? — Passeei os dedos em seu lindo rosto.


Podia sentir os meus batimentos acelerados.
— Eu acho que...
— Que...? — instiguei ela a continuar.

— Estou apaixonada — respondeu, envergonhada.


Um delicioso calor tomou conta de todo o meu corpo e aqueceu o meu
coração.
Deslizando a mão para a sua nuca, eu puxei sua boca para perto da
minha. Nunca senti sensação melhor do que aquela.
— Você acabou de me fazer o homem mais feliz do mundo com essa
declaração, querida. — Toquei os nossos lábios. — Porque eu também estou
caidinho por você.

Senti quando ela sorriu.


De repente, as carícias começaram a se tornar mais quentes e intensas.
Alyssa se remexeu tanto em meu colo, que acabamos derrubando a tigela de
pipoca.
Rimos juntos.
— Mas e o filme? — questionei, me deixando ser dominado por ela,
que se sentou em meu colo, esfregando-se sobre a minha ereção.
— Esquece o filme — ditou, se inclinando para poder me beijar. —
Temos coisas mais interessantes para fazer.

Eu não tive como discordar.

Assim que o dia amanheceu, Alyssa e eu tomamos um banho juntos,

aproveitando para iniciar o dia com mais uma rodada deliciosa de sexo.
O sexo com ela nunca era apenas corpo.
Era pele.
Sentimentos.
Sensações.
Precisava ser honesto em admitir que eu fiquei com receio do
amanhecer, considerando a minha última experiência naquela casa. Mas
Alyssa verdadeiramente vinha se mostrando disposta a fazer o nosso
relacionamento dar certo, e, isso era maravilhoso.

— Eu só preciso dar uma passada rápida no meu apartamento para


pegar as minhas coisas — comentei, pegando a avenida que nos levaria ao
meu prédio.
— Sem problemas, amor — disse ela, enquanto mexia no som do
carro. Sequer pareceu se dar conta da maneira como me chamou. — O quê?
— questionou quando me viu encarando-a com a maior cara de bobo.
— Você acabou de me chamar de amor.
Franziu a testa.
— Chamei?

Assenti, sacudindo a cabeça.


— E foi muito fofo.
Sua risada inundou o carro, e não resisti ao desejo de puxá-la para um
abraço, pois já tinha estacionado em minha vaga.

Longos minutos depois, nós subimos ao meu apartamento e, eu fui ao


quarto para trocar de roupas e pegar a minha mochila.
Logo voltei para o hall.
— Acho que nós temos que dividir o nosso guarda roupa de agora em
diante e... — parei de falar assim que vi a Alyssa parada, me encarando com
os olhos assustados. Meu coração acelerou quando meus olhos se depararam
com a Ava na porta.
— Ela acabou de dizer que está grávida de você.

O chão se abriu sob meus pés, e por um segundo, eu não soube o que
dizer nem como agir.
Capítulo 23
Alyssa
Meu coração estava tão dolorido que parecia doer até para respirar.
Depois que recebi a notícia de que o Felipe seria pai, eu decidi sair do
apartamento dele alegando que daria privacidade a eles, e que pegaria um taxi
para ir ao hospital. Entretanto, eu ainda sentia como se estivesse vivendo uma
realidade paralela, porque não era possível. Eu não podia ser tão azarada
assim.
— Definitivamente você precisa buscar ajuda espiritual, amiga. Sério!

O seu carma está muito pesado. — Glenda comentou, acariciando as minhas


costas, enquanto me apertava num abraço forte.
Mesmo tentando segurar, eu chorei ao me dar conta da nova bomba
que foi jogada sobre meus ombros.
— Eu não acredito, Glen — choraminguei. — Poxa, ontem mesmo eu
e ele nos declaramos. Nós estávamos tão bem...
— Tá legal, vem aqui. — Ela me puxou para um banco. Estávamos
numa área isolada do hospital; usávamos para relaxar quando precisávamos

de um descanso. — Me explica o que aconteceu.


Busquei uma respiração profunda, fungando e enxugando o rosto com
as costas das mãos.
Então comecei a narrar toda a história, desde a tal aposta até o

momento em que Ava bateu na porta do apartamento do Felipe para dizer que
estava grávida de um filho dele.
— Você acha que ele mentiu sobre a vez em que você encontrou a Ava
no apartamento?
Neguei.
— Isso não faz muito tempo — murmurei. — Felipe e ela já tinham um
lance antes de nós dois.
— E o que ele disse, afinal?

Dei de ombros.
— Não sei, porque saí para deixá-los conversar. — Suspirei baixo. —
Ai, Glenda, eu estou tão apaixonada por ele...
Novamente fui puxada para seus braços.
Permanecemos assim por algum tempo, até o Pager da Glenda apitar.
— Preciso ir — disse, com pesar, se levantando. — Você tem alguma
cirurgia hoje?
Mordi os lábios.
— Tenho, mas vou me esquivar — respondi. — Acho que vou passar o

dia treinando a dissecação de cadáveres com os meus internos.


Glenda sacudiu a cabeça.
— Você sabe que não vai poder fugir para sempre, hun?
Respirei fundo.

— Eu sei. — Passei as mãos no rosto, frustrada. — Mas preciso esfriar


a cabeça antes de conseguir enfrentá-lo.
Glenda me desejou sorte e, em seguida, acelerou os passos. Fiquei ali,
tentando administrar toda aquela bagunça na qual eu me meti.

Ao final do plantão, eu fiquei aguardando o Felipe ao lado do seu


carro. Quando ele chegou, ficamos olhando um para o outro, em silêncio.
Assim que ele desativou o alarme, eu entrei no veículo e me mantive

calada. Não por não ter o que falar, mas por ainda não saber o que dizer.
— Procurei por você o dia todo — reclamou, minutos depois,
quebrando o silêncio atormentador. — Eu queria conversar.
— Eu não estava pronta — falei apenas, olhando para a paisagem fora
da janela. — Precisava desse tempo sozinha para poder tomar uma decisão.
Felipe estacionou em frente ao portão da minha casa.
— E que decisão é essa? — Puxou o freio de mão. Eu pude sentir o
pânico em sua voz.
Olhei para ele, com os meus olhos lacrimejantes.

— Alyssa, eu sei que essa nova informação caiu como uma bomba
sobre nós dois, mas, por favor, me deixe explicar — pediu, se ajeitando de
lado. Era notório o seu desespero. — Eu realmente não menti sobre o
episódio da Ava em meu apartamento. Ela acha que está grávida de uns dois

meses, então isso já é de antes.


— Não duvidei que houvesse mentido, Felipe — fui sincera. —
Acredito que a notícia tenha pegado você de surpresa tanto quanto a mim.
— Ava está realizando os exames, mas tem certeza que o filho é meu
— continuou, esfregando os cabelos. — Não entendo, porque sempre uso
camisinha.
— Nem todo o método contraceptivo é cem por cento eficaz, Felipe. —
Rolei os olhos. — Se você transou com a Ava e ela engravidou, então é justo

que assuma a responsabilidade junto com ela.


— Mas eu não estou me negando — apressou-se em explicar. — Farei
o exame de DNA, e se for provado que sou o pai, então eu assumirei a
criança. Mas o que não quero é que isso abale o nosso relacionamento,
Alyssa. — Buscou as minhas mãos e, em seguida, segurou o meu rosto com
carinho. — Não vejo sentido em viver sem você na minha vida.
As lágrimas deslizaram por minhas bochechas, porque eu podia sentir o
seu sofrimento; a sua dor. Era tão forte quanto a minha própria agonia.
— Eu também, Felipe... — ele me beijou desesperadamente e, eu

permiti. — Mas eu não vou conseguir — acrescentei, dolorida.


— Por favor, não faça isso. — Colou nossas testas, mantendo os olhos
nos meus. — Nós podemos superar. É apenas uma criança, Alyssa.
— Um filho seu com outra mulher, Felipe. — Me afastei, jogando-me

contra o encosto do banco e tombando a cabeça para trás buscando uma


respiração. — Por mais que eu esteja apaixonada por você, eu não vou
conseguir administrar tudo isso. Não fará bem para mim e,
consequentemente, para você, que precisará ficar entre mim e a mãe do seu
filho.
— Alyssa, mas eu e a Ava...
— Vocês podem não estar mais transando, porém agora possuem um
vínculo — cortei suas palavras. — E isso é sério. Não é qualquer coisa.

Levei a mão à maçaneta da porta.


— Isso é um adeus? Então está mesmo desistindo de nós?
Sem olhar para ele, eu senti o engasgo do choro e fechei os olhos.
— Eu amo você, Felipe — declarei com a voz embargada. — E sempre
vou amar.
Dizendo isso, eu abri a porta de uma vez e saí.
Não olhei para trás. Nem quando ele ficou buzinando e me chamando.
Capítulo 24
Felipe
Se me contassem que minha vida viraria de cabeça para baixo de uma
hora para outra, eu não acreditaria. Dias atrás, eu estava completamente em
outra vibe; fazendo planos ao lado da melhor garota que eu já conheci,
entretanto bastou apenas uma palavra para que tudo fosse por água abaixo.
Grávida.
Ava estava grávida.
Mesmo me sentindo desestabilizado, eu prometi que cumpriria com o

meu papel naquela situação. E ali estava eu... pronto para ouvir o
coraçãozinho daquele bebê batendo.
Assim que meus ouvidos foram inundados por aquele som, eu fui
incapaz de não sorrir.
Eu sempre fui fascinado pelo milagre da vida.
Desde o momento em que a Ava colocou os pés no meu apartamento
alegando que o filho era meu, obviamente que não acreditei, visto que sempre
me cuidei. Eu podia ser um libertino, mas a camisinha era a minha

companheira mais fiel.


“A camisinha falhou, Felipe.” — argumentou ela, na ocasião.
Eu me sentia um estúpido e extremamente arrasado por ter perdido a
Alyssa.

Não podia culpá-la por ter optado em se manter afastada, considerando


que toda a situação era realmente desagradável.
— Felipe? — Ava me chamou, apertando a minha mão.
Pisquei, voltando ao presente.
— Hun? — Olhei dela para a médica obstetra, que também trabalhava
no hospital.
— Eu estou com oito semanas — disse ela, feliz. — A princípio, o
bebê está bem.

— E quanto ao exame de DNA? — questionei, totalmente avesso


àquela euforia toda. Percebi que a Ava se encolheu. Como a médica arqueou
as sobrancelhas, eu acrescentei: — Ava e eu não temos um relacionamento,
então eu gostaria muito de ter a garantia de que essa criança é realmente
minha.
— Entendo — disse ela, limpando o gel que foi jogado no ventre da
Ava. — Creio que você já deve saber, doutor, mas atualmente, existem dois
tipos de métodos para a realização do exame em gestantes: os invasivos e os
não invasivos — explicou. — O método invasivo, aconselha-se fazer a partir

da 16ª semana de gestação; é feito um procedimento chamado amniocentese,


que consiste na aspiração via transabdominal de uma pequena quantidade de
fluido da bolsa amniótica, que envolve o feto. Logo após essa primeira coleta,
é retirada também uma amostra de sangue da mãe e do suposto pai, sendo

realizada por punção digital, por exemplo. Ao final, é definido o perfil


genético para atestar ou não a paternidade — pausou, me encarando.
— Corre o risco de aborto?
— Pode ocorrer, embora seja raro.
Respirei fundo, pensativo.
— No segundo método, a informação genética da criança será obtida
por meio de uma coleta sanguínea da mãe. Há na corrente sanguínea da
gestante uma pequena quantidade de DNA fetal, ou seja, da criança. O que,

por meio de técnicas mais sensíveis e avançadas, pode ser identificado e


analisado — continuou ela. — Contudo, a realização deste só será possível
após a 11ª semana de gestação.
— Entendi. Obrigado, doutora.
— Não por isso. — Sorriu, pedindo licença e nos deixando a sós.
Assim que encarei o rosto da Ava, percebi que o mesmo estava
vermelho.
— Quando pensar em me expor ao ridículo dessa maneira, por favor,
me prepare antes — rugiu com ferocidade, fazendo-me franzir o cenho. — Eu

me senti uma verdadeira puta, Felipe. O que foi? Por acaso pensa que eu saí
dando a boceta para deus e o mundo?
— Não faço a menor questão de estar por dentro da sua vida sexual,
Ava, mas é o meu nome que você quer colocar nesta criança e, sim, eu faço

questão de saber se ela tem o meu sangue, você se sentindo ofendida ou não!
Os lindos olhos piscaram, espantados e chorosos.
Bufei, arrependido.
— Porra, Ava! — exclamei, puxando-a para um abraço. Acabei me
esquecendo que ela estava com os hormônios à flor da pele. — Me perdoe.
— Seus soluços partiram o meu coração. — Não estou muito bem, mas
prometo que não a deixarei sozinha nessa.
Ela não disse mais nada.

No fundo, eu podia sentir os meus pés se afundando mais e mais


naquela areia movediça que me levaria para longe do meu primeiro e único
amor.

Passava das seis da noite quando eu, finalmente, estava me preparando


para ir embora. Ainda na sala dos médicos, o chefe de cirurgia me chamou
para avisar que a Alyssa acabou pedindo para trocar de setor, então eu teria
que trabalhar com outra residente.
Meu coração doeu na mesma hora, embora eu não houvesse

demonstrado.
Assim que me vi sozinho, eu peguei a minha mochila e saí da sala.
Meu cérebro parecia um quadro branco, já que ainda não tinha
conseguido processar toda aquela história de gravidez. Contudo, algo estava

apitando como um alerta sonoro. Eu não podia permitir que a Alyssa se


prejudicasse por minha causa.
— Jacob? — Coloquei a cabeça para dentro da sala dele. — Tem um
tempinho?
Ele parou de analisar algo em seu computador e retirou os óculos
quando me viu.
— Claro, Felipe. — Gesticulou, sorridente. — Por favor, entre. —
Ergueu-se para me cumprimentar. Nossa relação melhorou bastante depois

que operei a mulher dele. — Há que devo a honra?


Puxei uma cadeira para me sentar.
— Bem, Jacob, eu vou ser direto e breve — falei, inspirando fundo. —
Estou aqui para pedir a minha demissão.
Na mesma hora, ele ficou pálido, e se sentou num baque.
— Demissão?
Capítulo 25
Alyssa
— Ainda não acredito que ele pediu demissão — resmunguei,
bebericando o meu suco. — Você acha que foi por minha causa?
Glenda me encarou com os olhos zombadores.
— O que você acha? — ironizou. Parecia irritada comigo.
Entortei os lábios, ignorando o seu tom.
Estávamos almoçando no restaurante do hospital.
— Mas eu não pedi por nada disso — falei mais para mim mesma. A

verdade é que desde que descobri sobre o pedido de demissão do Felipe, dias
atrás, eu me senti arrasada. Aquilo não era justo com ele; conosco. — Por que
ele precisa me fazer sentir tão mal, Glen?
— Pelo o que sei, foi você quem escolheu por isso, Alyssa, quando
desistiu de vocês dois — acusou com ferocidade.
Rolei os olhos.
— Fala isso, porque não está na minha pele — ralhei de volta. —
Como você acha que vai ser quando a criança nascer, hun? Terei que viver a

sombra dos dois, Glenda. Terei que engolir a relação do meu namorado, com
a mulher que, claramente, quer ele de volta.
— E você está facilitando o trabalho dela, né? — revidou. — Alyssa,
acorda! — Inclinou-se sobre a mesa. — Talvez, eu seja a única que esteja

pensando com clareza e frieza aqui.


Estranhei as suas palavras.
— Do que está falando?
Ela suspirou.
— Você sabe que sou bem inteirada das fofocas que rolam entre o
pessoal.
Sacudi a cabeça.
— Sei sim — resmunguei. — Não entendo como você ainda encontra

tempo para fofocar com toda essa correria.


— Eu sequer faço esforço, gata — defendeu-se. — As fofocas chegam
até mim.
Gargalhei alto.
— Uhum, sei — zombei, ainda rindo.
Ela voltou a se ajeitar na cadeira, olhando ao redor como se estivesse
prestes a me contar um segredo.
— O que estou tentando dizer é que eu ouvi histórias.
Minha testa se encheu de vincos.

— Como assim? — Fiquei interessada.


— Histórias cabulosas da “mãe do ano”.
— Mãe do ano?
— Argh, Alyssa! — Estapeou o meu braço, impaciente. — A Ava,

garota.
— Ui, que agressividade — reclamei, massageando a minha pele,
fazendo drama, claro. — Mas de que tipo de história nós estamos falando?
Glenda riu.
— Dizem que ela é a maior piranha. — Arregalei os olhos, espantada.
— Já passou o rodo em geral aqui. Ou melhor, já passaram o rodo nela. —
Gargalhou, escandalosa.
— Não creio! — Cobri a boca com as mãos.

Glenda sacudiu a cabeça, voltando a se jogar no encosto da cadeira.


— Estou dizendo. — Gesticulou. — Você não deveria ter se afastado
do Felipe.
— Glenda, por favor...
— Tenho certeza que, lá na frente, você vai se arrepender de ter
desistido do seu grande amor — cortou-me, apontando o dedo. — E é por
causa dessa certeza, e por te amar demais, que vou provar que tem algo
errado nessa história toda — acrescentou, se levantando. — Vou descobrir a
verdade, você vai ver.

— Glenda...?
Mas ela me deixou falando sozinha.
O que me restou foi continuar ali, remoendo as minhas feridas.

Estava terminando de auxiliar um interno a fazer uma sutura

intradérmica e subcutânea[3] no braço de uma paciente quando fui chamada


na emergência.
— O que houve? — perguntei ao chefe do setor, quando ele me fez
entrar numa salinha.
Meu coração começou a acelerar gradativamente.
— Por favor, sente-se. — Indicou uma cadeira.
Neguei com a cabeça, sentindo o desespero me dominar.

— Pare de mistério e fala logo, Sthepan.


Ele inspirou fundo e travou o maxilar.
— O seu pai acabou de dar entrada no hospital.
Meus olhos arregalaram e, eu simplesmente me deixei cair na cadeira.
A cor desapareceu do meu rosto.
— O-o quê?
— Foi infarto.
Senti tudo ao meu redor girando.

Não podia ser... o meu pai não.


Sem ele, eu não conseguiria aguentar.
Capítulo 26
Felipe
Exausto.
Era essa a sensação que, basicamente, me descrevia, todos os dias
desde que aquele furacão se estabeleceu sob minha cabeça.
Mesmo tentando manter tudo sob controle, eu acabei optando por não
revelar nada a minha família a respeito da gravidez da Ava, porque antes de
contar, eu queria ter certeza da minha paternidade.
Contudo, toda essa pressão sobre mim estava me consumindo aos

poucos. Eu já não estava mais conseguindo me alimentar direito, visto que


todo o estresse estava tirando o meu apetite.
— Você está um caco, cara! — exclamou Denver, se juntando a mim
na sala de pesquisa. Eu ainda teria que cumprir o aviso prévio antes de me
desligar totalmente do hospital. — Quando foi a última vez que se alimentou?
Suspirei, derrotado.
— Ontem a noite, eu acho — respondi com um dar de ombros.
Denver cruzou os braços e se apoiou na mesa em que eu estava

trabalhando.
— Isso não está certo — queixou-se. — Você não pode se deixar
abater dessa maneira. Ainda não conseguiu conversar com a Alyssa?
Neguei.

— Ela deixou claro que não quer se envolver na minha bagunça,


Denver, e, eu respeito isso, mesmo sendo louco por ela.
— Mas ao ponto de pedir demissão, Felipe? Ah, cara, você está
desistindo muito fácil.
Travei o maxilar, tentando não pensar na saudade que eu sentia da
minha garota.
— O sonho da Alyssa está na cardiologia — expliquei. — E se eu
continuar aqui fará com que ela desista — aleguei. — Não quero isso. Não

quero ser o causador de mais tristeza e decepção para ela, que já sofreu
demais.
— Caramba! Você realmente se apaixonou.
Respirei fundo.
— Sim. — Não tive vergonha de assumir. — A Alyssa conseguiu
mexer comigo de uma maneira que nenhuma outra foi capaz.
Se aproximando, ele tocou o meu ombro.
— Eu só posso dizer que estou aqui para você se precisar, meu amigo.
Conte comigo sempre!

Assenti, emocionado.
— Obrigado.
Minutos depois que ele deixou a sala, a Ava entrou.
— Olha o que eu trouxe para você. — Sacudiu um pacote pardo em

suas mãos. — Comida japonesa, pois pelo que me lembro, você adora.
Franzi a testa, incomodado com a sua insistência em continuar se
fazendo presente em meu cotidiano. Vinha percebendo isso nos últimos dias.
— Agradeço, mas não quero — avisei. — Preciso adiantar o estudo da
pesquisa, pois fui convidado para palestrar em Madrid, e será tudo em cima
do projeto vencedor.
— Poxa! Você não me disse que foi convidado para palestrar —
cobrou, cruzando os braços.

— E por que eu diria?


Ela arregalou os olhos, assustada com a minha rispidez.
— Credo, Felipe, não precisa ser grosseiro.
Soltando o ar, eu parei o que estava fazendo e olhei para ela, sério.
— Ava, não se faça de sonsa comigo, porque você sabe que não rola —
ditei. — Nós já nos conhecemos tempo suficiente para você pensar que isso...
— gesticulei entre nós — vai dar certo. Eu não quis ficar com você no
passado e, certamente não ficarei com você agora apenas porque está grávida
— fui sincero. — O meu coração só tem espaço para uma única mulher, e

essa mulher se chama Alyssa. E mesmo que hoje, eu e ela não estejamos mais
juntos, o que sinto não vai mudar.
Ava e eu ouvimos um barulho perto da porta.
— Oh, me desculpe, eu não quis... — Alyssa gaguejou, nervosa.

Abaixei a cabeça, incomodado com todo aquele clima estranho.


Em silêncio, Ava se afastou, mas não sem antes falar:
— Vou deixar a comida, pois você precisa se alimentar.
Dizendo isso, ela saiu da sala feito um foguete.
Respirei fundo, pedindo forças para conseguir encarar a Alyssa sem
fraquejar.
— Eu não sabia que você estava ouvindo — comentei, porém assim
que finalmente a encarei nos olhos, eu percebi que havia algo diferente.

Alyssa parecia devastada. — O que aconteceu?


Correndo para os meus braços, ela chorou em meu peito.
— O-o papai...
— O que tem? — Obriguei-me a afastá-la do meu peito para poder
encarar os seus olhos chorosos. — O que tem o seu pai? — Já comecei a me
sentir angustiado também.
— Ele acabou de dar entrada no hospital, Felipe — respondeu,
fazendo-me arquejar de pavor. — Sofreu um infarto em casa. — Eu ainda
estava processando aquela informação quando a Alyssa voltou a falar,

contudo num tom de súplica: — Você precisa salvá-lo, Felipe. Por favor,
salve o meu pai.
Capítulo 27
Alyssa
Foi um pouco difícil convencer o Felipe a operar o meu pai, pois ele
disse que não conseguiria aguentar o peso da culpa se o pior acontecesse. No
fundo, a minha mente estava um caos, visto que tudo o que eu sabia pensar
era na enorme tormenta que se fixou na minha vida. Implorei ao Felipe,
porque não havia médico melhor para estar com o coração do meu pai nas
mãos. Eu me ajoelharia se fosse preciso.
— Querida, por favor, sente-se aqui comigo. — A voz da Lucinda

chamou a minha atenção e, eu olhei para o lado. Já fazia pouco mais de três
horas que estávamos na sala de espera, aguardando por notícias. — Você
precisa se acalmar, porque mais do que ninguém sabe que essas cirurgias
complicadas demoram — disse, mas logo começou a chorar.
Segurando o meu próprio choro, eu fui até ela e a amparei em meu
ombro.
— Oh, meu Deus, Alyssa, o que eu vou fazer sem o teu pai? — Meu
rosto se contorceu. — Ele é tudo pra mim. Tudo.

Desde que o papai chegou ao hospital, a Lucinda não saiu da sala de


espera em nenhum momento. O rosto, outrora carregado de maquiagem,
naquele instante estava totalmente inchado pelo choro intenso. A sua dor
equiparava-se a minha, e isso me fez entender a minha injustiça com ela, que

verdadeiramente amava o meu pai.


— Ei? — Forcei sua cabeça para trás, de modo a encarar os seus olhos.
— Nós não vamos perdê-lo, está ouvindo? — Assentiu, segurando as
lágrimas. — O papai é o homem mais forte que eu conheço. — Voltei a
abraçá-la, pois ambas precisávamos da força uma da outra.
Permanecemos assim por um bom tempo.
Quase seis horas de cirurgia depois, finalmente o Felipe veio ao nosso
encontro. Lucinda e eu nos levantamos, desesperadas.

— E então?
Felipe parecia exausto.
— Foi um sucesso. — Afirmou, sorridente. Lucinda e eu nos
abraçamos, aliviadas. — Eu iniciei fazendo uma incisão no tórax e, depois,
dividi o osso esterno para permitir acesso ao coração. A seguir, recolhi
artérias de alguma parte do corpo para criar enxertos, fixando uma ponta
antes da obstrução e a outra ponta após, criando assim um caminho
alternativo ao fluxo sanguíneo.
— Precisou parar o coração?

— Sim. Utilizamos a circulação extracorpórea por meio da máquina


coração-pulmão — respondeu.
Não aguentei mais me segurar e, simplesmente, pulei em seus braços.
— Obrigada! Obrigada! Obrigada!

Sua risada me deixou extasiada.


Me afastei para poder encarar os seus olhos encantadores, mas que
naquele momento, lá no fundo, estavam tristes. Vazios.
— Eu nunca poderei agradecê-lo o suficiente.
Erguendo a mão, ele acariciou o meu rosto com devoção.
— O seu sorriso é o meu melhor pagamento, baby. — Piscou.
Em seguida, pediu licença e se afastou.
Meu coração estava aliviado pelo meu pai, mas despedaçado por ter

que se manter afastado do dono dele.

Na manhã seguinte, eu acordei com a cabeça estourando.


Tinha voltado de madrugada para casa, depois de tanto a Lucinda
insistir. Sabia que logo o papai iria para o quarto, então fui vencida pela
insistência dela. Mas a verdade é que nos últimos dias, eu não vinha tendo
boas noites de sono. Todo o meu corpo e rotina estavam sentindo pelo
afastamento abrupto com o Felipe.
Eu mal saí do banheiro, e escutei a campainha tocando sem parar. A

pessoa simplesmente esqueceu o dedo em cima do alarme, fazendo minha


cabeça latejar dolorosamente.
— Argh! Eu já estou indo, droga! — resmunguei, acelerando os
passos. Quando abri, eu me deparei com a Glenda. — Credo, parece doida.

Ela me abraçou.
— Seu pai melhorou? — perguntou, preocupada. — Ontem fiquei
presa numa cirurgia com o Eric, e não consegui ficar com você, amiga.
— Eu sei, não se preocupa. — Apertei a sua mão. Em seguida, fechei a
porta. — A cirurgia de revascularização foi um sucesso, graças a Deus. —
Sorri, aliviada. — Já tomou café? — Caminhei até a cozinha.
— Bom, na verdade, eu vim aqui para conversar com você sobre outro
assunto — disse, me fazendo encará-la com suspeita.

— O que foi?
Apoiando-se no balcão, ela respondeu:
— Lembra que te falei que descobriria a verdade por trás de toda essa
história de gravidez?
Meu coração começou a acelerar.
— Glenda, o que você...
— Eu descobri — cortou-me, me mostrando um vídeo onde um dos
enfermeiros confessava ser o verdadeiro pai do filho da Ava. — A vadia está
enganando o Felipe. O porquê, ninguém sabe.

Ódio invadiu os meus poros naquele momento.


— Você sabe onde ela mora? — indaguei, entre dentes, porque estava
difícil controlar a raiva.
— Sim, por quê?

— Porque nós vamos fazer uma visita pra essa pilantra.


Capítulo 28
Alyssa
Quando chegamos ao prédio em que a Ava morava, Glenda ficou
distraindo o porteiro enquanto eu corria direto para o elevador. Assim que
desci no andar dela, eu procurei pelo número do apartamento e, em seguida,
parei em frente à porta e apertei a campainha.
— Você? — O espanto ficou visível em seu rosto quando me viu
parada ali.
— Acredito que nós precisamos conversar — rosnei, cruzando os

braços.
Apesar de desconfiada, ela deu espaço para que eu pudesse entrar.
Quando fechou a porta, eu já fui direto ao ponto:
— Por que está mentindo para o Felipe ao afirmar que o filho que está
esperando é dele quando na verdade é do enfermeiro Adam?
Os olhos claros se arregalaram na mesma hora.
— O-o quê? — gaguejou. — Que palhaçada é essa, garota? Eu aceitei
que entrasse na minha casa em respeito ao Felipe, mas não vou admitir que...

— CHEGA DE FINGIMENTO, PORRA! — berrei, perdendo a


paciência de vez. Apontei o dedo em sua direção. — Eu e o Felipe estávamos
nos relacionando de uma maneira intensa, cheio de erros e acertos, mas
estávamos aprendendo um com o outro — pausei, me aproximando dela, que

dava passos para trás — Então você aparece dizendo que está grávida, e que
o filho é dele, quando na verdade não é, apenas causando dor a nós dois.
Explica para mim, Ava... — respirei fundo — Faça-me entender a sua
intenção, pois tudo o que consigo concluir, e isso não estou falando de mim, é
que você só quis prejudicar o homem que antes de tudo era o seu amigo.
De repente, a sua postura firme deu lugar a ombros caídos.
— E-eu... — começou a chorar, o que me fez revirar os olhos.
Continuei séria, aguardando que ela se recompusesse.

— Não é do Felipe — confessou o que eu já sabia. — Quando eu


descobri a gravidez, já sabia quem era o pai, porque só estava me
relacionando com o Adam — contou, fungando. — Eu revelei a ele, certa de
que iria assumir a responsabilidade, porque nos dávamos bem, mas ele se
negou. Disse que nosso relacionamento era somente na cama, e que nem
acreditava que o filho era dele.
— Argh, que cretino! — exclamei, me compadecendo do seu drama.
— Aí, num ato de desespero, eu resolvi mentir que o filho era do
Felipe — murmurou, erguendo os olhos para encarar os meus. — E-eu...

sabia que estava sendo egoísta, porque acabei separando vocês dois, mas... o
que farei com um filho sozinha? Fiquei assustada. — Gesticulou.
Sacudi a cabeça.
— Mas não pensou que o Felipe exigiria o DNA?

— Na hora eu não pensei em nada. — Jogou as mãos no ar.


Caminhou pelo espaço do hall, acariciando a barriga plana.
— Você precisa contar — decretei. — Precisa libertar o Felipe desse
fardo que não é dele.
Ava se sentou no sofá.
— Não mesmo. — Se negou, nervosa. — O que ele vai pensar de
mim?
— Se você continuar o enganando assim, poderá perder a amizade dele

para sempre, porque ele vai acabar descobrindo de um jeito ou de outro.


Soltando o ar aos poucos, ela deixou os ombros penderem.
— Está certo — deu-se por vencida. — Realmente não é justo. — Se
levantou. — Só vou pegar a minha bolsa, aí poderemos ir.
Assenti, numa mistura de nervosismo e ansiedade.

Glenda estacionou em frente ao prédio em que Felipe morava, mas não


desceu.
— Tenho cirurgia agora — avisou. — Mas vou aguardar notícias.

Me voltei para a sua janela e apertei as suas mãos, que buscaram as


minhas.
— Boa sorte.
— Obrigada por tudo! — exclamei.

Nos despedimos e, em seguida, eu fui com a Ava para a entrada do


prédio suntuoso. Eu estava nervosa, porque tudo aquilo era muito surreal.
— Você acha que ele...
— Apenas diga a verdade, Ava — cortei suas palavras enquanto
subíamos pelo elevador. — Só isso. A verdade e nada mais.
Ambas saímos no corredor, em direção a porta do apartamento dele.
Quando acionei a campainha, Felipe logo abriu a porta, surpreso por
me ver ali com a Ava.

— Oi? — Esgarçou a porta, parecendo preocupado. — Aconteceu


alguma coisa?
— Aconteceu — eu quem respondi. — E a Ava vai contar para você.
— Olhei para ela. — Será que podemos entrar?
Mesmo estranhando, ele ficou de lado para que pudéssemos entrar.
— Juro que estou tentando entender aqui, mas...
— O filho não é seu. — Ava falou, sem rodeios. O nervosismo
aparente fez com que ela disparasse a falar, atropelando as palavras, porém
narrando a mesma história que contou a mim em seu apartamento.

Felipe permaneceu no mesmo lugar, estagnado.


— Você está dizendo que me fez um homem miserável em todos esses
dias por puro egoísmo seu? — indagou, de repente.
Ava tentou se aproximar dele.

— Não é isso, Fê, eu...


— Você mentiu para mim! — interrompeu-a, furioso. — Me ludibriou
sordidamente. Usou da nossa amizade para me enganar — acusou. — Eu
teria ajudado você se houvesse me procurado. Seria capaz de batizar o seu
filho, Ava, porque éramos amigos.
Ela chorou, arrependida.
— Por favor, me perdoe, Fê — implorou. — Eu fiquei com medo.
Em silêncio, ele foi até a porta e a escancarou.

— Saia da minha casa — ditou, sendo duro.


— Mas...
— Não me faça falar de novo, Ava — repetiu, frio.
Eu continuava calada e neutra, apenas observando a cena como uma
mera expectadora. Todas as pessoas são responsáveis por seus próprios atos e
precisam arcar com as consequências, sozinhos.
Cabisbaixa, Ava caminhou até parar diante dele.
— Eu realmente sinto muito. Espero que um dia possa me perdoar.
Em seguida, ela saiu e, ele, praticamente bateu a porta.

Continuei quieta, deixando com que Felipe processasse tudo o que


acabou de acontecer. Assim que se virou em minha direção, ele perguntou:
— Como descobriu?
— Glenda — respondi, dando de ombros.

Sorriu, sacudindo a cabeça, porque conhecia muito bem a perspicácia


da minha melhor amiga.
Cauteloso, ele caminhou até mim, mas mantendo certa distância.
— Então quer dizer que agora eu...
— Não vai ser pai — completei o seu raciocínio, sentindo cada
músculo do meu corpo dolorido pelo desejo de tocá-lo.
— E que eu estou... — deu mais um passo em minha direção, quase
colando nossos corpos, mas sem me tocar.

— Livre — voltei a completar, num murmúrio.


Os olhos brilhantes encaravam os meus com igual emoção.
Abri a boca para falar:
— Será que finalmente nós...
— Conseguiremos ficar juntos? — Dessa vez foi ele quem completou o
pensamento.
Balancei a cabeça, assentindo.
Enlaçando a minha cintura, Felipe encarou os meus lábios com desejo
líquido.

— Basta dizer que me quer, baby — soprou.


Envolvi o seu pescoço com os meus braços.
— Você é tudo o que eu mais quero.
Sua boca pressionou a minha com sofreguidão. Felipe deslizava as

mãos por todos os lados, causando-me um frenesi de sentimentos e emoções.


— Porra, que saudade... — gemeu gostoso.
Arrancando a sua camisa, desesperada pelo contato, eu o encarei,
emocionada demais para conseguir controlar:
— Eu te amo.
O sorriso lindo que ele me ofereceu foi tão lindo que me senti nas
nuvens.
— E eu te amo tanto que chega a doer, Alyssa — declarou, explodindo

o meu peito de tanta felicidade.


Não havia mais espaço para dúvidas, segredos ou mentiras.
Não havia mais arrependimentos ou temores.
Ali, existia um homem e uma mulher que se amavam, independente do
passado de ambos.
Felipe se tornou a minha âncora, e eu acabei me tornando a dele.
Último capítulo
Felipe
Seis meses depois

— Por que o sorriso? — Alyssa questionou, quando desceu do carro.


Eu já estava do lado de fora, remexendo em meu celular.
— Estou rindo do meu primo Lorenzo — respondi, divertido. — Olha
a foto que a minha cunhada mandou dele com a filha no grupo da família. —
Mostrei a tela do celular para ela, que achou graça.
— Ah, mas eu achei fofo. — Riu tão linda que fui obrigado a lhe

roubar um beijo.
Lorenzo e Giovanna tiveram uma menina, há dois anos, e meu primo
se tornou o “modelo” preferido da filha quando a mesma queria maquiar.
Alyssa entrelaçou os dedos nos meus e, em seguida, começamos a
caminhar pelo enorme jardim da mansão do seu pai. Eu não me cansava de
admirar a beleza daquele lugar, mesmo tendo sido criado no mais requinte
luxo. Aquele era o cenário perfeito para a realização da festa do casamento
deles.
— Está realmente tranquila pelo fato de o seu pai, finalmente ter se

casado?
Sua risada gostosa aqueceu o meu coração.
— Felizmente, eu já passei dessa fase. — Enrolou o braço no meu,
animada. — A Lucinda provou o seu valor. — De repente chegamos à

entrada, onde foi possível ver a maioria dos convidados. A reunião era
íntima, apenas para os mais chegados da família. — O que já não posso dizer
o mesmo da vadia da filha dela. — Alyssa acrescentou, apertando o meu
braço com mais força do que o necessário. — Não ouse dar moral pra essa
garota, Felipe — avisou, possessiva.
Achei graça do seu ciúme.
— Eu sou um moço de família, baby — brinquei, fazendo charme, mas
recebendo um beliscão na cintura.

Nos últimos meses, muita coisa aconteceu. Continuei efetivo no


hospital, assim como a Alyssa, que finalmente se formou, especializada na
área pela qual era apaixonada. Ava optou por pedir transferência de hospital,
o que acabou sendo melhor para todos, considerando todo o constrangimento
que ela causou.
Nesse meio tempo, Alyssa e eu aprendemos muita coisa um sobre o
outro. Eu podia dizer que nosso relacionamento era quase igual a um jogo de
fases, onde as conquistas e descobertas acontecem aos poucos.
Nunca me imaginei tão apaixonado.

Nunca me imaginei tão feliz em compartilhar planos e sonhos com


outra pessoa, além de mim mesmo.
Virei o rosto para o lado, admirando a minha garota. Alyssa estava
usando um vestido elegante em tom preto, com alças finas. Minha boca

salivou quando os meus olhos desceram para o seu decote.


— O que foi? — perguntou, sem jeito.
Sacudi a cabeça.
— Nada. Só estou me sentindo a porra de um sortudo por estar com a
garota mais linda da festa — revelei.
Seus olhos brilharam com minhas palavras.
— Ah, para de falar essas coisas, porque você sabe que fico excitada
— soprou contra o meu ouvido, tocando a minha orelha com a pontinha da

língua.
Meu corpo todo estremeceu.
— Isso é golpe baixo, porque você sabe que não posso fazer nada aqui
— sibilei, cheio de tesão.
A safada me encarou com um brilho devasso nos olhos, enquanto
mordia os lábios carnudos.
— A mansão do papai tem tantos cômodos... — insinuou. — Garanto
que você não conheceu nem a metade deles.
Foi impossível não sorrir, animado com aquela proposta indecente.

De repente, engoli toda a minha excitação e pensamentos maliciosos,


quando o meu sogro e a Lucinda surgiram em nosso campo de visão. A
cerimônia do casamento deles, com a assinatura da papelada, já tinha
acontecido mais cedo, pela manhã. Então ali estava acontecendo somente a

festa.
— Você está linda, Lucinda. — Alysa elogiou, abraçando a madrasta.
— Adorei o seu vestido.
Enquanto as duas conversavam, o meu sogro me puxou para um canto
afastado. Um garçom passou por nós dois e ele aproveitou para pegar duas
taças de champanhe.
— Sabe, meu filho... — começou ele, me oferecendo uma das taças —
quando a Alyssa perdeu a mãe, eu me vi sem chão, porque precisava ser forte

por nós dois. Para mim, mesmo ela tendo 17 anos, ainda continuava sendo
uma menina. — Assenti, entendendo o seu ponto. — Não é fácil para um pai
desapegar, sabe? Eu sempre busquei dar o meu melhor para que a Alyssa
conseguisse realizar os próprios sonhos, e se tornasse um ser humano
excepcional.
— E o senhor fez um ótimo trabalho — garanti, sorrindo. — Ela é o
meu presente, e eu não podia ser mais grato por tê-la na minha vida.
Ele sorriu, satisfeito.
— Você é um bom homem, Felipe. — Depositou a mão em meu

ombro. Ambos olhamos para as duas mulheres mais importantes das nossas
vidas. — Minha filha nunca esteve tão feliz.
Alyssa nos pegou olhando para elas, e sorriu, acenando.
Apaixonado, eu dei uma piscadinha marota. A felicidade estava

transbordando do meu peito.


Se me dissessem lá atrás que eu encontraria o amor da minha vida na
cama de um motel, eu não acreditaria. Mas Alyssa e eu éramos prova viva de
que o amor acontece quando menos esperamos.

O painel do aeroporto indicava o vôo com destino a Madrid.


— Está preparada para conhecer a família González? — perguntei para
a Alyssa, enquanto nos encaminhávamos para o corredor de embarque.

— Não — respondeu mais do que depressa, arrancando-me uma


gargalhada.
— Eles vão adorar você, tenho certeza — afirmei.
— E se... eu fazer ou falar alguma coisa errada?
— Alyssa, você faz isso comigo o tempo todo e nem por isso eu deixo
de amar você. — Ela me estapeou, fazendo-me rir ainda mais.
Parei de caminhar, e segurei as suas mãos trazendo-as em meus lábios.
— Baby, você é incrível — murmurei. — A garota mais fantástica que
já tive o prazer de conhecer. Entendo o seu nervosismo, pois é normal, mas

não vejo motivo algum. Estarei com você o tempo todo se isso te fizer sentir
melhor. Vou com você até no banheiro — insinuei, malicioso, e ela voltou a
me estapear.
— Tarado! — exclamou. Em seguida, me abraçou pelo pescoço,

respirando fundo. — Eu te amo, sabia?


Sacudi a cabeça, reforçando o aperto em sua cintura.
— Sabia — respondi, arrogante.
Ela riu, e aproveitei para reivindicar os seus lábios tentadores. Um
beijo repleto de promessas de amor e luxúria, porque eu continuava sendo um
libertino, mas um libertino de apenas uma mulher.
Epílogo
Alyssa
Cinco anos depois

Como todos os anos, aquele era um momento sagrado para mim,


embora a dor estivesse mais amena em meu coração.
Visitar o túmulo do Henry no feriado conhecido como Memorial

Day[4], se tornou uma tradição.


— Me deixa colocar isso, querida. — Felipe pediu, me auxiliando.
Observei-o colocar a bandeira dos EUA sobre a sepultura como uma

forma de homenagem. Henry morreu em combate; lutando pelo seu país nas
forças armadas.
— Parece cansada. — Observou ele, assim que eu suspirei depois que
depositei uma rosa vermelha sobre a lápide.
— É o espertinho do seu filho que fica chutando as minhas costelas —
comentei, referindo-me a minha barriga de sete meses.
Sua risada alta inundou os meus ouvidos.
— Ah, então quando ele faz algo de errado você joga a bola apenas

para mim? — questionou, rindo, abraçando-me pela cintura larga e beijando


o meu pescoço.
Ofereci os meus lábios para ele, que entendeu o recado e me beijou.
— Só estou expondo o óbvio, visto que o temperamento dele parece ser

igual ao seu. — Revirei os olhos, fingindo impaciente. Felipe voltou a rir.


— Você falando assim até parece que sou um fardo. — Fez um
biquinho lindo, que fiz questão de morder.
— Um fardo muito gostoso por sinal — brinquei.
Sorrimos um para o outro.
Em seguida, eu encarei a lápide do Henry. Era apenas um lugar
simbólico, visto que seu corpo foi cremado e, eu joguei suas cinzas no mar.
— Você acredita que as pessoas que morrem ficam olhando por nós

aqui na Terra? — questionei.


Colocando-se atrás de mim, e enlaçando a minha barriga, Felipe apoiou
o queixo em meu ombro.
— O mistério da morte é algo que não podemos realmente entender. O
motivo de algumas almas descerem aqui por tão pouco tempo, somente para
serem tiradas de nós, não podemos explicar — disse ele num murmúrio. —
Mas sabemos que apenas o corpo morre, não a alma. E é a alma de uma
pessoa que amamos. Nossa conexão com nossos entes queridos não é com a
sua presença física, mas com sua pessoa, seu amor e seu espírito. E esse

relacionamento jamais desaparece. Apenas assume outra forma. — Parou de


falar por um segundo. — Eu acredito que lá em cima... — apontou para o céu
— a alma do Henry é elevada quando aqui em baixo você faz o bem
inspirada pela memória dele. Canalize a sua saudade numa força positiva.

Deixe que o vácuo causado pela perda dele atraia mais luz ao mundo.
Girei a cabeça para poder encarar os seus olhos. Eu ficava admirada
com a maneira como o meu amor por ele só aumentava mais e mais a cada
dia.
— Obrigada.
Sua expressão se tornou confusa.
— Pelo quê?
— Por ser este homem tão incrível e paciente. — respondi. —

Obrigada por compreender os meus sentimentos e entender estes meus


momentos. — Gesticulei ao redor, para o cemitério.
Sorriu.
— Eu me apaixonei por você exatamente do jeitinho que é, Alyssa —
afirmou. — Toda perfeitinha com suas imperfeições.
Colei nossas bocas num beijo singelo.
Em seguida, permanecemos em silêncio.
A verdade é que eu jamais imaginei que pudesse ser tão feliz. Jamais
imaginei que uma noite de sexo frustrada me proporcionaria o amor da minha

vida.
Felipe não só se tornou o dono do meu coração, mas também o
responsável por me presentear com uma das melhores sensações sentidas por
uma mulher: ser mãe.

Às vezes, uma história de amor acontece sim... na cama.

FIM!
AGRADECIMENTOS
É extremamente gratificante chegar ao final de cada ciclo, e com a
família González não seria diferente, embora meu coração sentisse a pequena
tristeza do “adeus”. Hugo, David, Alejandro, Romeu, Lorenzo e Felipe, me
ensinaram o verdadeiro significado da palavra família. Não existe família

sem o amor e o companheirismo. Obrigada, meninos!


Um agradecimento em especial as minhas duas preciosidades: Francine
Braga e Raquel Garcia. Amo vocês, garotas!
Enfim, agradeço de coração a você, leitor, que acompanhou a saga até
aqui; torcendo e se aventurando com esses espanhóis intensos e quentes.
Obrigada!
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[1]
Esta ocorre quando bactérias entram na corrente sanguínea e são transportadas até o coração do
hospedeiro.
[2] A Comunicação Interventricular (CIV) é um tipo de cardiopatia congênita.
[3] Como diz o nome, sutura intradérmica são colocadas sob a derme no tecido subcutâneo.
[4]A origem deste feriado, antes chamado “Decoration Day” (Dia da Condecoração), está ligada a
guerra civil norte-americana, no combate que acabou culminando com o fim das relações de escravidão
que existiam entre o Norte o e Sul dos EUA. No século 20, o feriado se estendeu a todos os americanos
mortos em combate.

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