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Índice

GABRIEL MILLANI
Sinopse
1
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19
Final
Epílogo
Leia Também
GABRIEL MILLANI
RICOS, SOLTEIROS E CANALHAS
JOSIANE VEIGA
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida
ou transmitida por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e
gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem autorização
escrita da autora.

Esta é uma obra de ficção. Os fatos aqui narrados são produto da imaginação.
Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real deve ser
considerado mera coincidência.

Título:
GABRIEL MILLANI
Romance
ISBN – 9798813046681
Texto Copyright © 2022 por Josiane Biancon da Veiga
Sinopse
Os Irmãos Millani não tinham amarras. Solteiros, ricos e
verdadeiros canalhas quando o assunto eram mulheres.
Camila era uma jornalista fracassada que trabalhava
escrevendo fofocas em um pequeno site. Até que um dia, um dos
seus artigos atinge o orgulho do poderoso Gabriel Millani.

Depois da trilogia Cegonhas, os autores Flávia Padula,


Josiane Veiga e Tom Adamz se unem mais uma vez para contar
uma história romântica e carregada de erotismo. Vem ler!
1
Camila

— Uma esmola, por caridade.


Meus olhos volvem na direção do mendigo parado perto da saída do
Trensurb. Seus olhos vidrados me fazem perguntar se a moeda que
eu, jeitosamente, tento encontrar na minha bolsa, irá para as
drogas. Ou se ele vai comprar alguma coisa para comer.

A chuva intensificou naquele início de dia. O sol raiou há


poucas horas, mas meu tempo escasso não me permitiu assistir ao
espetáculo da natureza.

Eu não tenho tempo para nada.

Também não tenho tempo para ficar procurando moedas


dentro da bolsa.
— Uma esmola...

— Eu ouvi — retruco, rapidamente, enquanto minha mão


vasculha o buraco infinito de coisas que guardo dentro da bolsa.

Enfim, algo metálico se choca em meus dedos e eu tiro de lá


algumas moedas. Não sei quanto tem. Não contei. Estendo ao
homem, e o deixo para trás, sem sequer ouvir seu agradecimento.

Até porque não importa. Não estou fazendo isso por esse
homem. Estou fazendo por mim.

Deixe-me lhe contar uma coisa que, provavelmente, você


nunca ouviu: A empatia não existe.

Ponto.

Assim.

Cruel, frio, e difícil de ouvir. Mas, essa desgraça de mundo que


nos rege máscara emoções falsas apenas para que possamos
aliviar a tempestade de culpa e dor que nos avassala.

Então mentimos. Mentimos para aliviar. Dizemos que somos


empáticos. Demos dinheiro para os mendigos, ou ajudamos uma
instituição que cuida do câncer apenas para acariciar nosso ego.

A empatia não existe, repito.

Você não diz: “Oh, que triste, quanto sofrimento passa aquele
mendigo”, por sentir pena do mendigo. Você sente compaixão de si
mesmo, ao imaginar-se estando no lugar do mendigo.

É isso. Tudo egoísmo.

Você doa para o hospital do câncer porque se imagina com


câncer. Você olha para o sofrimento e se enxerga ali. E é isso que
atiça sua compaixão.
Compaixão para si mesmo.

Saio da estação e cruzo a rua. A chuva está cada vez mais


forte e eu sei que vou molhar toda a minha roupa naquele dia
gelado. Cruzo por uma poça e sinto meus sapatos afundando na
água. Ok. Agora minhas meias também estão molhadas.

Eu devia ter comprado um carro. Todo mundo tem um carro


nessa merda de cidade.

— Moça...

— Não tenho tempo — digo a outro mendigo que tenta me


interceptar.

Estou atrasada. E odeio essa cidade.

Muitos vão dizer que Porto Alegre é lindíssima. Vão colocar


fotos da Gonçalo de Carvalho ou do Gasômetro no Instagram, como
exemplo. Ninguém vai te mostrar o Centro Histórico cheio de
pixações num dia de chuva. Nem a rodoviária. Nem mesmo a
Voluntários da Pátria, que mais parece uma Cracolândia.

E ninguém mesmo vai mostrar a dificuldade de um assalariado


em conseguir cruzar as ruas repletas de gente num dia frio e
chuvoso.

Eu quero ir embora daqui. Eu quero morar no interior. Numa


cidadezinha minúscula com meia dúzia de gente velha. Ter um
cachorro grande e um gato bonitinho. Talvez até um papagaio para
conversar comigo em dias que a solidão apertar.

Ou talvez eu queira viver um The Walking Dead, um


apocalipse zumbi, com um rifle nas mãos atirando na cabeça das
pessoas.

A chuva aperta mais. Estou sem guarda-chuva. Escondo-me


brevemente embaixo do toldo de uma loja, enquanto olho as horas.
Atrasada. De novo.

Fecho os meus olhos, sentindo lágrimas inconvenientes


surgindo nos olhos.

Talvez você me ache uma mal-humorada. Ou talvez uma má


comida. Sou as duas coisas. Ou nenhuma delas. Não sei dizer. A
verdade é que a Camila de hoje é tão diferente da Camila de anos
atrás.

Uma jovem cruza por mim. Ela está rindo, enquanto papeia no
celular. A observo brevemente, sentindo falta de quem já fui.

Alguns anos antes eu cheguei nessa cidade cheia de sonhos.


Estava formada em jornalismo, estava ansiosa para trabalhar para
um grande veículo de comunicação, estava cheia de amigos e
expectativas e sonhava em viver um grande amor.

Agora, eu tenho 32 anos, eu não fui promovida em nenhum


dos locais em que trabalhei simplesmente porque não dormia com
os chefes (de ambos os sexos!), estou trabalhando num pequeno
site jornalismo sem muito futuro, onde eu cobria fofocas de gente
desinteressante, e meu último namorado disse que eu era
insuportável.

Eu? Insuportável?

Bem, sim, eu era insuportável. Lucas não foi o único cara que
me disse isso.

A chuva ameniza um pouco, e volto a andar. Ainda estou longe


do prédio em que trabalho e quero chegar a tempo de começar a
coluna do dia.

Trinta e dois anos. Nessa idade eu já queria estar casada, com


casa própria, filhos e estabilidade. Mas, preciso dividir o aluguel,
senão não conseguiria pagar e nem teria onde morar.
Minha cabeça dói pela falta de cafeína. Aperto mais os passos,
ansiosa para chegar logo no trabalho e me afundar numa xícara de
café.

Puro e sem açúcar. Eu realmente já desisti de viver.

Entro no prédio pingando e quase posso ver o porteiro rindo no


fundo. Mas, estou apressada e corro até o elevador. Quando entro
no escritório, rumo direto para a minha mesa e ligo o computador
enquanto começo a analisar as informações de fofocas do dia.

Para ser justa comigo mesmo, minha coluna era o único


sucesso do site.

Talvez, pelo meu temperamento. Eu comentava fofocas de


membros da alta sociedade porto-alegrense, ou de artistas famosos
sempre com um tom venenoso e debochado. Isso me rendeu muitos
leitores, as pessoas gostavam de lerem crueldades. Se soubessem
o quão fracassada eu era, não me dariam tanta atenção.

Escuto burburinhos ao fundo e sei que minhas colegas estão


apressadas também, cada qual escrevendo suas colunas sem
graça. Eu não dou muita atenção a ninguém, apenas respondo aos
bom-dia que falam.

A tela do Windows surge e eu vejo, de imediato, algumas


mensagens de informantes.

A mulher de um vereador estava com amante novo. Bom...

O vereador estava dando a bunda para um assessor. Muito


bom...

Um grande empresário estava saindo com um garoto de


dezessete anos. Excelente. E crime, também.

— Tenho uma para você!


Ergo meus olhos da tela e observo Isabel com um sorriso de
ponta a ponta. Ela parece animada. E seca. Que inveja de quem
não precisa pegar o trem logo de manhã.

— Tem?

Isabel cobria os esportes. E vivia saindo com os jogadores.


Era o típico caso de maria-chuteira, loira, malhada, e repleta de
expectativas de pegar um jogador famoso para se tornar
apresentadora de algum programa de esportes no sudeste do país.

— Ontem, eu vi um certo jogador muito famoso que me contou


que o empresário riquíssimo de novas pérolas do futebol foi cruel e
maldoso com uma das garotas com quem saía.

Riquíssimo. Cruel e maldoso. Interessante.

— Conte-me mais.

— Enfim, dizem que ele saí com todas as mulheres que


consegue pegar. Não escapa uma. Ele sempre escolhe as lindas,
magras, loiras, com corpo de modelo, e vive esnobando as
mulheres comuns e normais, como nós.

Era gentil da parte dela me incluir no seu “normal”,


especialmente porque Isabel era linda.

— Então, uma influencer bem famosa, de vinte aninhos, linda


demais, o conheceu no jogo do campeonato brasileiro do mês
passado. Esse cara fez tudo para seduzi-la, lhe mandou flores, lhe
deu presentes caros, levou-a para jantares românticos, essas
coisas... Enfim, ele enganou a pobre garota.

— Como?

— Ora, ele fez com que ela se apaixonasse por ele. Então,
quando ela comentou que eles estavam namorando para um grupo
de amigos – que inclui o jogador com quem estou saindo no
momento – esse cara simplesmente sumiu. Ele não atende mais
suas ligações, ele nunca mais a procurou e deixou a menina em
frangalhos. Ela está depressiva por isso. Dizem que nem está
trabalhando mais, só faz chorar. Ele já tem seus quarenta e poucos
anos e enganou uma garota com a metade da sua idade, é um
monstro.

Era mesmo.

— Deixe comigo que eu vou massacrar esse cara — digo a


Isabel.

Ela sorri e se afasta.

Espicho meus braços e estralo meus dedos. Estou mal-


humorada, molhada e com raiva da humanidade.

Quero xingar alguém, e vou fazer isso a esse homem babaca.

◆◆◆

“Até quando homens velhos vão viver no fantástico mundo de


Lolita?”

HOMENS VELHOS. Destaquei. Negrito.

Devia ser crime um homem se aproveitar de uma menina de


vinte anos. Ela mal saiu da adolescência, não tem a maldade da
vida, é facilmente enganável. Esse tipo de homem já escolhe essas
meninas porque sabe que conseguirá se aproveitar delas.

E da juventude delas.

Babaca. Com quantas ele já deve ter feito isso?

Começo a datilografar com energia e indignação. Eu não sei


quem é esse cara, mas quero que minhas palavras sejam
esfregadas na cara dele.
Eu odeio o mundo inteiro. Mas, esse tipo de gente, é pior
ainda.
2
Gabriel

— 20% do passe do garoto e não se fala mais nisso — o dono do


clube esportivo me ofereceu sua mão, cuja recusei imediatamente.

— Eu só trabalho com um mínimo de 30%.

— Esse garoto pode ser o novo Neymar...

— Sabe quantos “novo Neymar” eu encontro todo dia? E sabe


quantos conseguem chegar a um clube Europeu? Sabe quantos não
ficam pelo caminho, levados pela vida baladeira, perdendo sua
energia com mulheres ou drogas?

O homem coçou sua barba por fazer. Ele parecia pensativo,


mas por fim concordou com a minha posição.
Quando sai daquele ambiente, meia hora depois, estava com o
novo contrato do ataque nas mãos.

Essa é a minha vida, afinal de contas. Eu frequento pequenos


clubes de futebol, descubro talentos, e os agencio. É um negócio
muito lucrativo, e eu tenho o tino dos negócios, já que cresci nesse
meio. Sou filho de Edson Millani, ex-jogador dos principais times do
país, um fenômeno na Europa. E sei que ele sonhava que algum
dos seus três filhos se tornasse jogador como ele, mas não
aconteceu.

Otto é dono de uma marca de roupas e Ciel, de uma Editora.


Acho que meus dois irmãos mais novos tentaram, de toda forma,
fugir do lado esportivo da família devido a infância meio estranha
que tivemos. Meu pai era um fanfarrão de muitas mulheres. Eu sou
o filho mais velho, único que teve com a primeira esposa, e ele não
se importava muito em nos dar princípios ou regras. Então
crescemos fazendo o que queríamos e como queríamos, servindo
ao dinheiro e aos prazeres mundanos.

Ergo a mão e olho meu Rolex no pulso. Quase meio-dia, estou


atrasado para meu almoço com Verônica Mattos, minha nova
acompanhante.

Entro no meu carro e largo as papeladas no banco do


passageiro. Enquanto cruzo o estacionamento com meu esportivo
último modelo, eu penso em como a vida é agradável e gentil para
mim.

Eu tenho tudo o que eu quero. Saúde, dinheiro, mulheres...

E estranhamente, isso está me cansando.

Tudo isso é muito animador quando você tem vinte e poucos e


fode com várias numa noite. Mas, quando os cinquenta se aproxima
e você percebe que não tem um único relacionamento saudável,
sabe que é a hora de frear.
Quero colocar minha vida nos trilhos. Conhecer uma mulher
boa e gentil. Me casar. Ter filhos. Morar no interior. Posso agenciar
meus contratados pela internet, e fazer viagens ocasionais para
renovação de contrato. Não preciso seguir nessa vida desgarrada.

O telefone toca. De relance percebo ser Verônica. Sorrio. Ela


quer me encontrar num motel.

Bem... ainda posso viver desgarradamente por mais um dia...

◆◆◆

Verônica sai do banheiro enrolada em uma toalha minúscula.


Seu corpo, que acabou de me saciar, cheira a sabonete de lavanda.
Ela sorri para mim, enquanto anda pelo quarto, a procura de algo na
sua bolsa.

Perfume, provavelmente. Ou algum creme.

Não faço ideia da rotina de uma mulher. Nunca tive uma por
mais de alguns dias. E tudo que me interessava nelas era o buraco
no meio das suas pernas.

— Querido, eu vi um vestido de Popeline de algodão na Dior...

— Pode comprar. Vou te deixar um cheque — avisei.

— Você é tão generoso...

Mulheres adoravam mimos. Mimos caros. Descobri que uma


bolsa pode sair em torno de 15 mil através de Sophie, outra ficante.
Dior, Chanel, Gucci, Prada... Incrível como as mulheres gostavam
que suas roupas ou acessórios tivessem a assinatura dessas
marcas.

Eu faço o cheque, e o deixo no criado-mudo quando ela volta


ao banheiro para refazer a maquiagem. Depois disso, visto-me
rapidamente e saio, sem me despedir.
◆◆◆

Verônica me ligou durante toda a semana, mas não atendo


suas ligações. Acabou, para mim.

Não sei como aconteceu, nem porque aconteceu.


Simplesmente, perdi o interesse. E não gosto de falar isso cara a
cara. Prefiro mandar um presente caro junto com um cartão pedindo
desculpas.

É difícil manter o interesse nas mulheres. Tudo nelas é focado


em roupas, joias, cabelos, e coisas que me aborrecem
demasiadamente.

Eu não ligo se você precisa de uma lipo. Eu não estou nem aí


se a sua boceta é Tulipa e você quer fazer uma cirurgia para ficar
Barbie. Mudar a cor do seu cabelo é problema seu, não meu. Seus
glúteos durinhos ou seu peito grande só vai me interessar por uma
semana, depois, eu vou procurar outra.

É assim a minha vida.

E é uma vida que está me cansando.

Eu sei que a esposa dos meus sonhos não será encontrada


nesse ambiente de maria-chuteiras. A mulher, doce e gentil, que
criará meus filhos, precisa vir de um mundo diferente, onde
mulheres se preocupam em agradar seus maridos e não em agradar
a si mesmas.

O trânsito está parado na Av. Nonoai. Algum acidente.


Enquanto coloco o carro em alerta, me observo no retrovisor. Há
ralos cabelos brancos na lateral da minha cabeça. É um contraste
estranho com meus cabelos escuros e espessos, e meus olhos
azuis intensos.

O trânsito volta a se movimentar. Ao longe, posso ver a chuva


chegando. Vai ser um dia cheio, mais um dia de alagamentos e
trânsito insuportável. Eu preciso chegar na Farrapos para ir até a
Arena do Grêmio. Tenho contratos para acertar ainda hoje.

A chuva intensifica e eu começo a me enervar.

Não só a chuva. Toda a cidade. Todo esse movimento que não


para. Esses carros barulhentos, essa gente sem paciência. Essa
vida vazia.

Dou sinal e começo a ir em direção a João Pessoa. Meu


escritório fica perto do Parque da Redenção. Desisto de contratos e
acordos hoje, já começo a planejar as ligações de desculpas para
meus clientes, e penso em passar o dia mexendo no computador,
verificando meus investimentos na bolsa de valores.

◆◆◆

— Bom dia Sr. Millani — Aline me cumprimentou assim que


me viu entrando na sala. — O senhor viu o jogo ontem?

Ela parecia empolgada. Aline amava futebol.

— Não... O que aconteceu?

— Seu protegido “Da Silva” fez dois gols.

Eu sorri.

— Isso é ótimo. O passe dele vai aumentar. O garoto tem


futuro.

— Sim, senhor.

— E mais alguma novidade?

Ela abriu a boca, mas as palavras ficaram presas na sua


garganta.
— Não? Então, por favor, cancele minhas reuniões do dia,
ficarei cuidando dos meus investimentos.

— Sim, senhor.

Eu entro no meu escritório. Mas, Aline logo me segue.

— Senhor?

— Sim?

— Eu... eu preciso dizer algo ao senhor...

— Sim? — insisto.

Mas, ela não diz nada. Ela simplesmente me entrega uma


página impressa de algum site de Porto Alegre. Reconheço o
timbre, já li algumas matérias dos esportes. Mas, essa sessão é
daquelas sobre fofocas, que pouco me interessa.

— O que é isso?

— Por favor, leia.

E então Aline sai da sala.

◆◆◆

“Até quando homens velhos vão viver no fantástico mundo de


Lolita?”

Estou congelado enquanto leio. Porque claramente essa


desgraçada chamada Camila Araújo escreveu isso para mim.

Está tudo ali. O empresário de pérolas do futebol. Sua vida


romântica desgarrada. Seu envolvimento com mulheres mais
jovens. Até mesmo a maneira como as seduzo e como me livro
delas.
Minhas mãos tremem pela forma como a Sra. Araújo descreve
minha personalidade: fútil e inconsequente. Ela me analisa como se
eu fosse uma paciente de um hospital psiquiátrico, fala sobre as
minhas inseguranças e até sobre o fato de eu brochar de vez em
quando.

Toda a alta sociedade de Porto Alegre, ao ler isso, saberá de


quem ela está falando. Não citou nomes, mas não precisava. Ela me
descreveu em detalhes, como se me conhecesse a vida inteira. E
praticamente acertou o fato de eu ser inseguro e não conseguir me
adaptar a uma vida de compromissos.

Ainda leu meu futuro como uma cartomante de quinta


categoria: sozinho e abandonado.

“Mulheres, não fiquem com os presentes caros que esse


homem dá a vocês, como se estivessem comprando-as. Não são
prostitutas! E ele precisa aprender que o valor de uma mulher não
se paga com um brinco, uma pulseira, um anel ou uma roupa de
grife. Façam um favor a todas as mulheres, peguem os presentes e
o joguem na cara dele! Que ele aprenda que, para se ter uma
mulher, ele precisará de mais que seu dinheiro. Precisará
desenvolver e melhorar seu caráter machista e repugnante”

Que cadela!

Quem diabos essa mulher pensa que é?

— Aline! — eu grito e minha secretária aparece rapidamente


em minha sala.

— Senhor?

— Procure por essa Camila Araújo no Facebook e consiga


tudo que puder encontrar sobre ela. Também me consiga o
endereço físico desse site.

— Sim, senhor — ela diz, já se retirando.


— Aline — a intercepto, e ela volve novamente para mim. —
Eu sou machista?

Ela abre a boca, sem saber o que responder. Sei que não quer
mentir para mim, mas também teme dizer a verdade. Foi seu
silêncio, por fim, que respondeu todas as questões.
3
Camila

Eu puxo o celular e desço a tela para ler os comentários do meu


artigo do dia, enquanto espero Sr. Arnaldo fritar meu pastel.

Há uma infinidade de críticas a garota enganada, há também


alguns comentários me chamando de invejosa (por que diabos???),
mas existe uma pequena parcela que indaga por que a sociedade
aceita que um velho esnobe e rico use uma menina a seu bel
prazer.

— Dona Camila, seu pastel e sua coca.

Encaro Sr. Arnaldo, enquanto ele me entrega uma sacola


plástica com meu jantar.

Coca e pastel. Fritura e açúcar. E sal. Tudo em excesso. Não


era à toa que eu andava cada dia mais gorda. E com a saúde em
frangalhos, também. Minha eterna dor de cabeça – que eu jurava
ser enxaqueca – era pressão alta. E minha glicose já havia passado
de cem.

Entrego a sr. Arnaldo uma nota de vinte e saio caminhando em


direção à estação.

É isso. Passei dois trinta, estou ficando velha, gorda e doente.


Não tenho objetivos, meus sonhos entusiastas de ser uma grande
jornalista ficaram para trás. Agora eu me contentava em desprezar
meu veneno em cima de homens como o empresário de futebol que
engana garotas.

A chuva se foi no início da tarde. Minha roupa havia secado no


corpo, mas meus pés ainda estavam gelados. Eu me sinto
desconfortável enquanto caminho pela estação.

— Gostosa — um homem murmura para mim, recebendo meu


olhar fulminante.

— Teu cu — disse alto, com olhar de maluca, e ele deu passos


rápidos para longe,

Era assim que eu recebia meus problemas. Veneno, berros e


olhar de doida.

Algumas pessoas me encaram, mas logo desviam o olhar


quando percebem que eu as encaro de volta. É uma tarde morna e
ninguém quer problemas. Paro perto de uma pilastra, e me encosto
no concreto enquanto volto a puxar o celular, tentando ler mais
comentários.

— Com licença?

Ergo os olhos e percebo um homem de terno perto de mim.


Ele me encara com o olhar firme e não parecer do tipo que vai me
cantar, já que é o tipo de homem que sequer olharia duas vezes
para mim.
Ele é lindo, seus cabelos escuros e seus olhos azuis são
cativantes, e o corte do seu terno indica que ele não é o tipo de
homem que pega o Trensurb no fim da tarde. E, mais que isso, ele
me encara com tanta indignação que eu me pergunto
imediatamente se há algo de errado comigo.

Talvez eu tenha trombado nele sem perceber, ou pisado no


seu pé. Não que eu imagine que cruzaria por esse cara e não
repararia no seu porte delicioso.

Ok. Tenho que admitir que ele é exatamente o tipo de homem


que eu gostaria de dar antes de morrer. Exatamente o tipo. Gostoso
pra cacete, alto, musculoso, de mandíbula firme e maças salientes.
Ele parece um mocinho de novela mexicana.

Mas, eu não sou a Maria do Bairro e isso aqui não é sonho.


Estamos numa Porto Alegre abafada, no final de tarde de um dia
cinza.

— Sim?

— Você é Camila Araújo?

Minha sobrancelha arqueia. Ok, isso é muito estranho.

— Quem quer saber?

— Gabriel Millani. Eu sou Gabriel Millani.

Isso quer dizer o quê?

— E?

— Você escreveu sobre mim na sua colunazinha de fofoca.

— Eu escrevo sobre muita gente — dei os ombros.

— Me chamou de velho de pinto pequeno que precisa pegar


garotas inexperientes para me considerar homem.
Ah, esse Gabriel.

— Ah, legal — murmurei, porque não sabia exatamente o que


dizer.

Sem conseguir me conter, meus olhos vão para baixo e tento


medir o tamanho do seu pênis contra o tecido da calça. Quando
meu olhar sobe novamente, ele está me fuzilando com os olhos.

— Eu vou te processar.

— Alegando o quê? Não citei nomes.

Ele pareceu perceber isso só nesse momento.

Escuto o zumbido do meu trem vindo no fundo, e tento


administrar o medo que surge desse homem me empurrar da
plataforma. Bom, não que fosse uma grande perda.

— Se o senhor não se importa, tenho que ir.

— Você acha mesmo que eu sou um vilão? O tipo de homem


que engana uma mulher? Elas saem comigo porque querem.
Nunca forcei ninguém.

— Por que o senhor está se justificando? Isso não importa


para mim.

— Você me chamou de abusador de Lolita.

— O senhor sai com meninas iludidas que acreditam que quer


algo a mais que seus corpos. Devia sentir vergonha de si mesmo.

Sua boca abre. Fecha. De repente, seus olhos azuis


percorrem meu corpo de cima a baixo, como se ele estivesse me
analisando. E eu sei o que ele vê: Uma mulher de meia idade, um
pouco gordinha, sem quaisquer atrativos, carregando numa sacola
plástica fedendo a pastel.
— Quero que faça um artigo de retratação.

— Vai continuar querendo — esnobo.

— Você me deve isso. Julgou-me sem me conhecer.

— E não preciso conhecer. É o tipo de homem que acha que


dinheiro compra tudo.

— Não é justo. Como jornalista, devia ser imparcial e ouvir as


duas versões.

O trem surge na plataforma e posso ver suas janelas cruzando


rapidamente, enquanto desacelera. Quatro passos e estou fora
daqui, indo para casa tomar banho, comer e terminar a noite
assistindo vídeos do TikTok.

Mas, por algum motivo, não consigo dar um passo. Talvez


porque sua última questão trouxe muitas coisas à tona. Eu era tão
infeliz que esqueci do princípio básico de toda a questão: eu era
jornalista. Não uma fofoqueira. Uma jornalista. Sinto algo crescendo
na minha garganta, ardendo minha alma.

— Posso te pagar um café?

A voz dele me faz derrubar a sacola plástica. O mendigo da


manhã cruza por mim, e me vejo recolhendo a sacola novamente e
entregando a ele meu jantar.

— Ok. Um café, Sr. Millani.


4
Gabriel

Ela é bonita. Diferente de todas as mulheres com quem já sai. É


bonita de um jeito natural, com o rosto sem maquiagem, com o
corpo curvilíneo, de formas arredondadas, e de cabelos revoltos em
ondas bem penteadas.

Eu gostei do que vi. Era estranho porque eu vim ver essa


mulher com a intenção de ameaçá-la com um processo. Pouco
devia me importar sua opinião sobre mim. Mas, conforme meus
olhos afundaram nos dela, percebi que o processo não importava.
Eu queria que Camila soubesse quem eu sou de verdade, porque...

Porque...

Não tenho respostas.


Camila atravessa a rua. Ela está um pouco na minha frente, e
meus olhos cravam no bundão adorável que ela tem. Ela é bem
brasileira, morena clara com corpo de violão. Eu gosto do que vejo,
e posso notar tudo que ela esconde por baixo de roupas largas e
sem graça.

— Tem uma padaria aqui perto — ela diz, olhando para trás, e
me fazendo erguer a face. — Estou com fome e eles assam o pão
de queijo na hora.

Ela parece ser do tipo que gosta de comer. Estou acostumado


com mulheres que controlam a risca a alimentação, e isso me
surpreendeu. Camila não era magra, mas parecia não se importar
com o quanto um pão de queijo era calórico.

Entramos na padaria e ela vai reto até uma mesinha com duas
cadeiras. Coloca a bolsa em cima e depois me deixa sozinho, indo
direto no balcão.

— Dois cafés, um pão de queijo e... — Ela olha para mim. —


Quer comer alguma coisa?

Eu nego.

— Então dois cafés e um pão de queijo dos grandes — ela diz,


alto, em direção a um homem barrigudo que acena de volta.

Ela volta a mesa. Senta-se e me encara com aqueles olhos


enormes e inquisitivos.

— Então... — diz. — Estou ouvindo.

É isso, eu não faço ideia do que dizer. Desde que saímos da


estação até o momento que nos sentamos aqui, eu fiquei absorvido
pela sua presença, e tudo que ela escreveu sobre mim perdeu a
importância.
Nesse momento o homem barrigudo trás os cafés. Ele o
coloca na mesa, e Camila pega três sachês de açúcar e derrama
dentro. Ela balança enquanto mexe o açúcar na xícara. Percebo
suas leves olheiras e o quanto parece estar cansada.

— Você mora em Porto Alegre?

— Sapucaia.

— É meio longe.

— O aluguel é mais em conta.

— Mesmo? Não fazia ideia.

— É... Eu sou uma quebrada, se você não reparou.

Camila Araújo é uma quebrada. Ok. Acredito. Acredito também


que seja uma infeliz, porque seu olhar morto e apagado não mente.
Ainda assim, ela me atrai como mosca à carniça.

— Uma jornalista não devia ser uma quebrada.

Um riso debochado escapa dos seus lábios.

— Moço, eu ganho um pouco mais que um salário-mínimo.


Escrever fofocas para um site não rende muito, se não reparou.

Isso era muito surpreendente. Estou acostumado a lidar com


cifras enormes, um salário-mínimo... ela era quase um mendigo.

— Por que não tenta outra coisa?

— Eu tentei ser UBER, mas é meio perigoso.

— Estou dizendo, dentro da sua área.

— Na minha área a gente lida com apadrinhagem. Se você


não tem alguém poderoso para te indicar lá dentro, está fodido.
Enfim, claro que existem exceções, mas é raro. Além disso,
antigamente jornalistas eram respeitos, arautos da verdade. Hoje
ninguém mais respeita. Todos acham que a imprensa mente à
vontade — ela suspira.

Eu achava isso.

— Você não?

— Eu só escrevo sobre fofocas, e fofocas quase sempre são


verdadeiras.

— A minha não é.

O pão de queijo chega na mesa. Ela se debruça sobre ele e o


morde soltando um gemido de satisfação. Uma parte de mim
esquenta demasiadamente pelo som.

— Então... Medina né?

— Millani — a corrijo.

— Então, Sr. Millani. Ninguém sabe quem é o senhor. Ninguém


sabe que era sobre o senhor que eu escrevi...

— Meus parceiros de negócio saberão.

— Foda-se — ela murmura, e eu quase não consigo ouvir.

Mas, consigo.

— Seus modos são...

— Ah, eu não ligo — ela dá os ombros. — É isso, Sr. Medina...

— Millani!

— Ok. Sr. Millani... — prossegue. — Você é o tipo de macho


escroto que acha que as mulheres vão passar a vida inteira
aguentando as merdas que vocês fazem. Acham que as mulheres
são objetos para serem usadas e jogadas fora. Pois bem, mulheres
não são mais...

— Você não sabe nada sobre mim.

É incrível que estamos tendo uma discussão em tons neutros


como se estivéssemos falando sobre o tempo.

— Não sei nada? Ah, deixa-me ver: Você se veste como se


estivesse na capa de uma revista da Vogue. Você sai com garotas
jovenzinhas que são bobas o suficiente para cair na sua lábia. Você
lhes dá presentes como se estivesse pagando por uma prostituta.
Você acha que seu dinheiro te coloca acima do bem e do mal, e
qualquer um que critique merece ser intimidado por você.

— Eu não...

— Cara... Olhe para mim. Eu sou uma fodida que mora numa
casa com outras quatro pessoas. Eu sou uma fracassada que janta
pão de queijo as seis horas de uma sexta-feira. E você me
perseguiu numa estação de trem, revoltado porque eu fiz uma
fofoca num site sem importância, sem citar seu nome.

Eu não consigo dizer nada. Absolutamente nada. Estou


embasbacado pelas palavras e, acima delas, pelo tom forte e os
olhos que, pela primeira vez, estão brilhando.

Ela é linda. Incrível que enquanto ela despejava tudo isso


sobre mim, eu podia ver que, enfim, ela parecia motivada por algo.
Mesmo que fosse me xingar.

— Eu não sou essa pessoa fútil que imagina, Sra. Camila.

— Ah, agora você vai me contar uma história triste de como


saiu da miséria e se tornou um cara super rico?
— Não. Eu já venho de uma família abastada. Meu pai era
jogador de futebol e hoje gerencio a carreira de várias promessas do
futebol.

— Muito interessante — ela murmurou, deixando claro que


não era nada interessante.

— O fato não se trata de mim. E sim do que eu, supostamente,


fiz. Eu não sou esse cara que seduz jovenzinhas desavisadas.

— Ah, por favor. Você é um velho. E ela tem vinte aninhos.


Você é um aproveitador.

— Está errada. Eu não corri atrás daquela garota. Ela se jogou


sobre mim durante meses, até eu a aceitar. Sempre deixei claro que
não a queria como esposa, mas ela já estava planejando ter filhos
meus, e insistia para que eu não me protegesse. Talvez, a mágoa
romântica que ela diz sentir é a falta de ter uma pensão polpuda
para viver.

É isso, vitória. Camila Araújo ficou sem palavras pela primeira


vez. A sensação que tive foi de pura vitória.
5
Camila

Eu o odeio.
É um fato.
Gabriel Millani representa tudo de ruim que existe. Ele realmente
acha que todas as mulheres são aproveitadoras?

Mas... Uma parte de mim se questiona porque a jovem não


queria que ele se protegesse. A garota realmente queria apenas
uma pensão?

É difícil não pensar assim. Eu sabia que muitas mulheres


tentavam engravidar de caras ricos apenas para viver
confortavelmente com a pensão das crianças. Sei de uma que
sequer cria os filhos, jogando as crianças para a avó, enquanto
passa a semana em academias ou salão de beleza com o dinheiro
do pai.
Eu não era cega. Eu sabia que havia mulheres assim. Uma
pequena parcela, é claro, porque a grande maioria das mães
engravidava de uns pé-rapado que davam uma miséria que não
cobria nem o lanche dos filhos e achavam que faziam mais que a
obrigação. O que não seria o caso de Gabriel, claro. Ele era podre
de rico, pelo que sei.

Ele pegou a xícara e bebeu um gole do café, enquanto eu


permanecia em estado dúbio. Uma parte de mim se ressentia pela
simples existência dele, outra me perguntava se eu não fora injusta.

Suspirei.

Injusta?

— Sinceramente, Sr. Gabriel? Devia ter vergonha de si


mesmo. Da próxima vez arrume uma mulher mais velha e mais
preparada para lidar com um... ancião.

Ok. Ele não era um ancião. Devia ter uns quarenta e poucos.
Mas, eu senti uma enorme satisfação ao vê-lo engasgar-se com o
café. Eu sei que é mesquinho, mas estou satisfeita em ter a última
palavra.

Me levanto e pego minha bolsa. Passo pelo balcão e aceno


para o atendente de que ele irá pagar a conta. Na rua, sinto meu
corpo aquecer. É uma pequena vingança contra essa sociedade que
me avassalou.

Ando reto até a estação do metrô.

É isso. Eu tenho mais de trinta anos, eu passei o diabo na vida


para conseguir me formar, e não tenho um emprego dos sonhos. Eu
ganho pouco, tenho que dividir meu apartamento com outras
pessoas para não passar fome, e não vou ficar ouvindo um merda
como Gabriel Millani, que nunca passou qualquer dificuldade, querer
me dar lição de moral.
Paro novamente diante da estação. Puxo o celular e percebo
que o trem vai demorar cerca de dez minutos. Olho para os lados,
para ver se ninguém está por perto – precaução para ter o celular na
mão – quando vejo meu reflexo refletido na vidraça que faz parede
da administração.

É um pouco assustador. Meus cabelos estão como palhas


queimadas, meus olhos com bolsas escuras, minha carranca denota
o quão mal eu estou. Minha mente viaja para meu encontro com
Gabriel e tento imaginar o que ele viu.

Uma mulher sem sal, uma mal-amada, querendo lhe dar


moral.

Eu me sinto ridícula. Idiota.

Eu ainda o chamei de ancião.

Um riso desconfortável surge nos meus lábios. Algumas


pessoas cruzam por mim, mas ninguém me nota. Sou só uma
coitada rindo sozinha na estação naquele final de tarde.

Ancião...

Ele é lindo de morrer. Daquele tipo de homem que a gente vê


na televisão. Eu sinceramente não conseguia imaginar uma mulher
tentando dar o golpe da barriga nele, porque qualquer mulher que o
tivesse iria querê-lo por si próprio, não apenas como uma conta
bancária.

Como seria beijar um homem daqueles?

Como seria deitar-se com um homem daqueles?


6
Gabriel

Ancião? Ancião!
Estou indignado! Quem essa garota acha que é para falar assim
comigo?

Essa... Essa malvestida me esnoba como se fosse um pilar de


moral, e eu fosse a escória da humanidade. Isso porque ela sabe
que jamais um homem como eu iria querer uma azeda chata como
ela!

Droga!

O pior é que ela era bonita. Por trás da raiva transparente e do


olhar esnobe, ela tinha algo que me atraía como abelha ao mel. Não
pude deixar de notar como todo o meu charme e poder parecia não
fazer nem cócegas nela.
Talvez fosse isso... Eu era muito acostumado a mulheres se
jogando aos meus pés, encontrar uma que não se importava a
mínima com meus olhos azuis causava uma certa mágoa ao meu
ego.

Respiro fundo e aceno para o atendente me passar a conta.


Eu nem vejo os números direito e retiro uma nota polpuda da
carteira, estendendo a ele. Enquanto vou me afastando da padaria,
começo a meditar se eu não estava tempo demais vivendo num
mundo de aparências, o que causou em mim uma certa estranheza
a vida real.

A vida real... mulheres reais, como Camila...

Bonita, mas não chamativa. De corpo robusto, não trabalhado


em cirurgia plástica e academia. Minha língua molha meus lábios
secos enquanto começo a traçar seu corpo por baixo daquelas
roupas horrorosas.

Às vezes, acho que estou farto dessa vida de aparências.


Farto dos mesmos rostos harmonizados e de cabelos loiros
alisados, em eventos de futebol. Meu pai teve muitas mulheres e
três filhos, mas meus irmãos decidiram seguir uma vida longe desse
mundo cheio de drama e falsidade.

Eu já tinha passado dos quarenta anos. Estava querendo


aquietar, ter filhos, ter uma vida real. Mas, nunca conheci uma
mulher que pudesse me dar esse rumo.

Até essa tarde...

Até Camila...

Até Camila e seu olhar de pura indiferença.

Não sei o que estou pensando, realmente. Isso não tem a


menor chance de existir.
7
Camila

Eu passei todo o final de semana pensando em Gabriel Millani.


Uma parte de mim estava desconcertada com a possibilidade
de ser injusta; outra avança na direção de que um homem como ele,
que compra mulheres, merece mais é se foder e acabou.

Bebo um gole do meu café e sinto o gosto ruim na boca. Minha


chefe está a cada dia comprando produtos de pior qualidade, para
cortar custos. Eu não sei como ela ainda não nos mandou fazer o
trabalho em casa, para não gastarmos água e luz aqui nesse prédio
alugado no Centro Velho de Porto Alegre. Eu abro meus e-mails,
sabendo a resposta. Joana Machado queria evitar que nós
perdêssemos tempo com coisas pessoais no horário que ela pagava
na CLT. O que era uma bobagem, porque a maior parte do tempo
ficávamos fazendo nada com coisa nenhuma.
Na minha tela surge três novos e-mails, todos com fofocas
fabricadas pelos influenciadores da cidade. Eu sei que é coisa
montada, eu sinto o cheiro da mentira, mas é tudo que tenho nesse
dia, então dou uma olhada.

Influenciador X, gay assumido, está saindo com um jogador do


time principal que ainda não saiu do armário.

Aceno para Isabel, que está numa mesa há três metros de


mim e ela faz sinal de tempo. Enquanto a aguardo, começo a ler
melhor o desenrolar da matéria.

Nomes não são citados. Há dois times principais na cidade, e


não me parece que nenhum jogador deles se encaixa na informação
passada. Há alguns detalhes como horário de treino, mas tudo
muito vago.

Uma parte descabida de mim, uma parte que jamais ouviria,


insinua que eu poderia pegar no pé de algum jogador agenciado por
Gabriel Millani só para vê-lo perder aquela pose de senhor do
mundo.

Claro que eu jamais faria isso. Mas, seria bom vê-lo


desmoronar. Só por um segundo.

Suspiro. Outro gole de café. Está frio. Odeio café frio, então
coloco a xícara de lado.

Por mais que eu lute contra, meu pensamento fixa em Gabriel


Millani. Ele realmente passou uma expressão de quem é muito dono
de si. Não entendo porque um homem como ele se preocupou em
correr atrás de uma jornalista fracassada de um site sem
importância. Talvez ele fosse do tipo impulsivo.

Eu sorrio, pensando nisso.

Com certeza ele era. Impulsivo e fácil de irritar. Todo defeitos


por baixo daquela casca de dono do mundo.
Meus dedos batem no mouse, puxando a tela para baixo, para
ler outras fofocas. Nada importante ou que chamava a atenção.
Uma cantora iria lançar uma nova música e um político foi visto
beijando uma modelo.

Eu quero pensar em outra coisa além de Gabriel, mas a vida


não colabora. O mundo parece desinteressante perto daquele
homem.

Lembro-me de como ele me olhou. Ele tinha um sorriso franco


nos lábios e seus olhos azuis pareciam ousados demais até mesmo
para uma mulher como eu. Não que eu imaginasse que aquele tipo
de homem olharia duas vezes para mim, mas... Havia algo mais por
trás da arrogância e da presunção. Algo mais suave. Um lampejo
delicado que me deixou sem palavras.

Movo lentamente o rosto, tentando escapar desses


pensamentos. Homens não me olham assim, eu sou completamente
invisível a eles, e nem faço questão de me apegar a esse tipo de
pensamento. Porque, convenhamos, sou uma mulher com mais de
trinta anos que é a definição de fracasso.

Eu me sinto mergulhada na vergonha e na decepção. É quase


impossível escapar a sensação. Eu já tive tantos sonhos, tantos
desejos, e hoje só enxergo a vida sem cor passando rapidamente,
sem que nada aconteça para mudar minha situação.

— Isa! — eu chamo minha amiga que parece ter esquecido


completamente de mim.

Ela se vira novamente, um sorriso nos lábios.

— Um minuto, Senhora Camila — diz, toda alegre, não sei


porque, nunca entendi como ela podia ver o mundo tão colorido.

Pego a xícara e me levanto, indo em direção à copa. A pia


está suja, está sempre suja, uma das estagiarias de Joana almoça
todos os dias na empresa, e esquenta a comida no microondas. Não
é um problema para ninguém, não fosse o fato de que a garota lava
suas coisas, mas não limpa a pia, deixando restos de arroz cozido
sobre a bancada.

Eu gemo de puro nojo, pensando o quanto esse trabalho pode


piorar. Mas não há muito o que se fazer. A estagiária era filha de
uma amiga de Joana, e quando fui reclamar certa vez, Joana me
disse que, se me incomodava tanto, que eu limpasse. Eu quase a
mandei, e a esse emprego de merda, pro saco, mas lembrei que
preciso dele para pagar o aluguel e com o recesso da economia,
está difícil arrumar outra coisa.

Começo a ajuntar os restos de comida com um guardanapo de


papel, para depois poder lavar a minha xícara. E esponja é velha, o
sabão líquido é dos mais baratos, e o cheiro do esgoto começa a
me dar nos nervos.

Eu quero ir embora daqui. Não só daqui, prédio, empresa.


Quero ir embora dessa cidade. Talvez voltar para casa, no interior.
Mas, então me lembro da minha madrasta rindo e dizendo que eu
só estava perdendo o meu tempo estudando jornalismo, porque eu
nunca seria nada além do que foi minha mãe: uma empregada.

Era incrível porque foi exatamente isso que aconteceu.

Mesmo com um diploma, eu estava limpando a sujeira de uma


garota de vinte anos, de família rica, assim como minha mãe fez a
vida inteira.

De repente, eu me lembro de novo de Gabriel Millani. Ricos


como ele me davam aversão. Minha mãe trabalhou a vida toda para
ricos, e foi sua última patroa, antes do seu AVC, que roubou seu
marido – meu pai – e terminou de pregar o caixão de mamãe.

— Amiga! — ouço a voz de Isabel às minhas costas. — Me


chamou?
— Sim... — digo, mudando o rumo dos meus pensamentos. —
Veio uma fofoca para mim hoje que trata dos esportes.

Ela pareceu animada. Então, eu terminei de limpar a pia e


rumei com ela para a mesa. Logo, lhe mostrei o e-mail.

— Incrível! — ela murmurou.

— Hum... É verdade?

— Não importa — ela deu os ombros. — Larga a notícia e veja


a cobra fumar.

Eu não vou fazer isso. Ainda mais tirar um garoto do armário


dessa forma traumatizante.

— Ah, acho que tenho outras coisas para largar antes —


desconverso.

— Certo, falei com Joana e ela me pediu para cobrir o


“melhores do ano” aqui do Estado, mas eu quero viajar e ir ver meus
pais bem na época. Então, pedi para ela que você me cobrisse e...

Isa ganhava melhor do que eu simplesmente porque seu


departamento era mais sério, mesmo não sendo tão visto. Ainda
assim, uma oportunidade para mostrar a Joana ou a futuros chefes
que eu tinha talento era algo promissor.

— É sério?

— Sim... Tudo bem para você?

Eu balanço minha cabeça.

— Claro. Obrigada pela chance...

Isa sorri, alegremente.


— Quem sabe você não conheça um cara legal, hem? Esse
tipo de evento é cheio de homens.

— E mulheres lindíssimas — desconverso.

— Você é lindíssima. Só precisa usar roupas melhores, colocar


um batom...

Eu olho para minha amiga como se ela estivesse louca.

— Por mim, Camila — ela pede. — Se arrume para esse


evento, eu imploro!

Era ridículo. Mas, acenei em concordância.

◆◆◆

O pequeno apartamento em Sapucaia estava vazio. Não era


uma surpresa, meus colegas de apartamento eram todos
estudantes com uma vida cheia de emoção. E eles não perdiam a
sexta-feira com uma rotina de velho, como as minha.

Eu não saía. Não ia a festas. Eu nem tinha roupa para isso. Eu


passava as noites assistindo séries na televisão, ou algum programa
policial, imaginando que um dia seria eu a cobrir tais eventos.

Eu acabei parando aqui por causa de um anúncio. Thaís, a


dona do apartamento, precisava de colegas de quarto para dividir as
despesas. Lucas, Vanessa e Tobias surgiram antes de mim, e se
elas consideravam estranho ter dois jovens homens morando com
elas, não demonstraram.

O apartamento tinha vários pequenos quartos que mais


pareciam uma despensa. Havia uma cama de solteiro em cada um
deles, e uma televisão de 14 polegadas que trazia uma imagem em
chuvisco. Havia dois banheiros, um de Thais, particular, e outro
comunitário. Por sorte, meus colegas eram todos bem higiênicos.
Há também uma cozinha pequena onde todos podem
cozinhar, e uma sala em comum, com uma grande televisão, onde o
pessoal assiste filmes ou jogos quando estão com vontade.

Não é ruim morar aqui, todos são simpáticos, mas por ser a
mais velha, me sinto deslocada. São jovens com seus vinte anos,
cheios de energia, e eu sou o retrato de alguém que não deu certo.

Ligo o ventilador barulhento, não porque está calor, mas


porque me sinto sufocada, o que me faz pensar se estou entrando
na menopausa precocemente. Preciso ver um médico, mas não
tenho paciência para enfrentar as filas nos postos de saúde que
começam de madrugada.

Puxo um cobertor e me estico no sofá, abrindo um romance no


Kindle do celular. Flávia Padula lançou um novo livro de grávida e
CEO. Eu gostava desse tipo de romance, onde uma jovem
engravida de um homem poderoso. Talvez porque jamais viveria
algo assim.

Contudo, hoje não estou no clima e busco outra coisa.


Stephen King parece ter lançado romances novos, títulos que eu
não conheço. Gosto da literatura visceral dele.

Mas, não hoje...

Quero um macho alfa que me faça imergir num romance em


que me pegue e me vire do avesso. Talvez um Ian Pozo de Dark,
último romance da Josiane Veiga. O tipo de homem que te jogue na
pia do banheiro e raspe sua boceta (Ainda me dá vergonha alheia
de lembrar dessa cena!).

O tipo de coisa que gente cheio de mimimi como Gabriel


Millani jamais faria.

Meus olhos se arregalam diante do pensamento. Por algum


motivo, eu só consigo visualizar Gabriel Millani me curvando sobre a
escada da casa de Ian, em DARK, e me fodendo como a mocinha
do livro foi fodida.

Balanço a cabeça.

É ridículo!

Aquele... almofadinha! Nem se compara a um homem como


Pozo!!!!!

De repente uma batida na porta. Nós não temos portaria, esse


prédio fica no meio da cidade, e qualquer um pode entrar, até
porque é um condomínio pobre de portas antigas e fechaduras que
não funcionam.

Normalmente, ninguém batia nessa porta. Eu suspeitava que


era porque os drogados de perto sabiam que havia dois homens na
casa. Isso me fez pensar que talvez fosse esse o motivo de Thais
ter aceitado os rapazes. Mas, hoje estou sozinha e alguém bate de
forma irritada na porta de madeira.

De qualquer maneira, é meio perigoso. Então, antes de ir até a


porta, eu pego um vaso que fica ao lado, caso alguém force a
entrada posso quebrá-lo na cabeça do invasor.

— Quem é? — pergunto.

— Sou eu. Gabriel Millani.

Minha boca se abre de pura surpresa enquanto devolvo o vaso


a mesinha de canto.

Abro a porta, mal acreditando que aquele cara realmente está


ali. Parado diante de mim. O que ele quer?
8
Gabriel

O apartamento tem cheiro de desinfetante barato.


Eu dou um passo à frente, observando o ambiente apagado,
de sofá velho e televisão de tubo grande. Ao fundo, é possível ver a
varanda fechada com grades, e o prédio da frente, completamente
pichado.

Depois de minha análise, observo a mulher. Claramente, ela


está desprevenida a minha presença. Não apenas porque está de
roupa velha, mas especialmente porque posso ver as bolsas
escuras e cansadas embaixo dos seus olhos.

Camila parece exausta. Quase cinza. Uma imagem


fantasmagórica de uma cidade fantasmagórica.
— O que diabos está fazendo aqui? — ela indaga, e um
sorriso surge nos meus lábios.

Gosto do fato de tê-la surpreendido. Ela não fez da minha vida


uma crônica pretenciosa no seu site? Ela não me chamou de velho?
Então... agora eu estou aqui - e em todos os momentos depois
daqui – para fazer da vida dela um inferno...

Até ela pedir desculpas no seu site.

— Eu vim falar com você sobre a fofoca que fez sobre mim.

Ela suspira forte.

Passei boa parte do dia tentando descobrir onde ela morava.


Eu sabia que era Sapucaia, mas não sabia em que parte de
Sapucaia. Descobri que era perto da estação, e fui atacado por dois
drogados pedindo cinco reais antes de finalmente conseguir entrar
no prédio sujo e fedorento dela.

— Ah, meu Deus — ela gemeu. — Olhe... O que você quer de


mim? — parece chocada.

— Uma retratação? Um pedido de desculpas?

Camila quase ri debochada diante de mim. Mas, ela está tão


surpresa com tudo que o sorriso não sai de seus lábios.

— Você só pode estar ficando louco...

— É o mínimo que você pode fazer.

— Por que não me processa? — ela indaga, parecendo forçar


algo.

— Porque não tenho provas de que se trata da minha pessoa.


E também porque isso seria assumir diante da sociedade que é a
minha pessoa.
— Então... — ela fez um gesto com a mão como se estivesse
abrangendo o espaço. — O que isso significa? — sua pergunta
parece esperar uma resposta, mas é dela mesmo que vem: — Você
pode ignorar todo o artigo. Ninguém sabe que é sobre você.

— Meus amigos sabem!

— E daí?

Claramente ela podia não entender a importância da imagem


diante da nossa sociedade. Suspiro.

— Olhe, me deixe entrar e vamos conversar como adultos.

— Eu estou sozinha em casa.

— E?

— E você pode ser um estuprador.

Eu quase ri.

— Acho que você não se enxerga mesmo — digo, e ela nem


parece ser tocada pelas palavras. — Você já é velha demais para
mim — aponto.

— Pois é, eu sei que você prefere as menininhas.

Que mulher irritante!

Mas, enfim, ela me deixa entrar.

O ambiente parece claustrofóbico. Como ela pode morar


nesse lugar?

Eu fiz uma rápida investigação sobre ela. Camila Araújo, sem


mãe, pai mora no interior, não tem nenhum imóvel ou automóvel no
nome, divide um apartamento com 4 pessoas, e parece ser
exatamente o tipo de mulher que deu errado na vida.
Vou direto ao sofá e me sento. Posso ver a tela brilhante do
seu celular na poltrona ao lado, e percebo que ela estava lendo. Ela
se senta ao lado do celular logo em seguida, e posso notar que sua
bermuda sobe denotando sua coxa grossa.

Por algum motivo, essa mulher morena me dá alguma


sensação estranha, como se ela fosse linda, coisa que não é.

Pigarreio, meus olhos abandonando-a e indo novamente para


a sala. Lugar pavoroso...

— Então...? — ela pede, me fazendo encará-la novamente.

Eu gosto do cheiro dela.

Esse pensamento absurdo me deixa confuso. Eu jamais me


deixaria atiçar por um perfume barato como o que ela usa. Limpo
minha garganta, tentando trazer juízo a minha mente desconexa.

— Como eu disse, quero que você apague a matéria e faça


uma nota de retratação.

— Aham.

— Espero que seja logo.

Ela suspirou alto.

— Não.

Não? Como assim, não? Ninguém dizia não para mim!

— É uma matéria mentirosa.

— Não ligo.

— Como não liga?


— Não ligo porque não é mentirosa. O senhor realmente
seduz jovenzinhas.

— Eu tenho amantes. Isso não é crime. E a moça era maior de


idade.

— Ela tem a metade da sua idade. Devia se envergonhar.

— O que quer? Quer eu saia com uma mulher como você?


Qual sua idade? Quarenta?

Claro que não era quarenta. Eu sabia, mas queria irritá-la.

— Tenho trinta e dois.

— Parece ter quarenta e cinco.

— É mesmo? Isso indica que pareço mais experiente e menos


manipulável por homens superficiais como o senhor.

Eu jogo minha cabeça para trás em frustração. Eu quero pular


no pescoço dela, mas estou adorando esse embate.

— Você acha mesmo que se eu fosse um homem superficial,


estaria tão preocupado com esse tipo de conteúdo? Se eu não
tivesse honra e dignidade, não estaria rindo da sua matéria?

Ela olha para mim como se pela primeira vez eu estivesse lhe
dando um motivo plausível. Posso sentir algo amolecer dentro dela.

— Não sei — ela murmura, depois de um tempo de silêncio. —


Ainda assim, a moça foi machucada.

— Ela queria dinheiro. Apenas isso. Esse tipo de mulher não


tem sentimentos.

— Todos temos sentimentos, Sr. Millani.

— Até você? Que vive de fazer fofocas?


Seus olhos brilham, eu não sei dizer se é de raiva ou de dor.
Existe algo nela, algum ponto indecifrável que eu consegui pegar e
tocar como nunca. Uma culpa avassaladora me toma, enquanto a
vejo murchar diante de mim.

Quero dizer-lhe que não penso isso, mas penso. Se ela é uma
jornalista focada na verdade, por que vive de fofocas? Não devia
estar trabalhando na política ou na economia? Talvez na área
criminal?

De repente uma lágrima desce por seu rosto. Ela parece tão
assustada, que logo a recolhe com as mãos. Está em choque e eu
mal acredito quando me vejo pulando de sofá e indo até ela.

Seguro suas mãos. Só quero consolá-la.

Mas, de repente, minha boca avança em sua direção.

Eu gosto do cheiro dela. Do cheiro do perfume barato.


Alfazema, eu acho.

Camila respira profundamente, e então minha boca está na


dela.
9
Camila

Ao fundo, eu posso ouvir o som de um funk soando, uma música


nojenta que objetifica a mulher como um monte de bunda que rebola
sob a voz de um homem rouco.

Também escuto o som da vizinha de baixo brigando com as


crianças. Ela tem três. Passa o dia xingando os filhos, como se eles
fossem culpados de tudo de ruim que acontece na sua vida.

Aqui, apenas o som de minha boca aceitando o beijo


confortador de Gabriel.

É um consolo na merda de vida que eu tenho.

Nesse instante, eu aceito que é uma droga. E sinto o sabor


dos lábios deliciosos de Gabriel como um pequeno oásis no deserto
da minha devastação.
Ele me puxa. Devora. Ele é todo carinho e delicadeza no seu
corpo grande. Gabriel tem sabor de canela, e um sorriso surge em
mim enquanto eu o sinto.

— Ah... — um gemido soa, sobressaindo-se ao funk pavoroso


e a vizinha irritada.

É meu. Eu estou gemendo ao sabor de sua língua dançando


na minha. Porque há muito tempo, muito tempo mesmo, eu não me
sinto tão viva. Eu sabia que devia empurrá-lo, mandá-lo embora
porque nada entre nós tem qualquer sentimento além da repulsa
mútua. Todavia, tudo que sinto agora é tão diferente do que sinto
habitualmente.

Eu vibro. Estou viva. É como sentir o sol no rosto depois de


uma semana inteira de dias nublados.

Minha mão se ergue. Meus dedos correm por suas madeixas


negras. Seus fios são volumosos, grosso e macios. Eu me
pressiono encontra ele, querendo saber se há mais maciez em
Gabriel. Não fico surpresa em sentir que todo resto é duro. Seu
peito, seus músculos, seu...

A mão máscula avança para debaixo da minha camiseta. Ele


acaricia meu ventre, depois sobe, segura meus seios.

É loucura, mas eu quero. Nem me atrevo a abrir os olhos,


porque não quero ver a burrada que estou fazendo. Estou viva... só
hoje.

Minha camiseta sobe, logo é arrancada de mim. Eu posso


sentir que Gabriel faz o mesmo com a sua camisa. Abro meus olhos
um pouco, apenas para ver, porque imagino que a visão é
magnifica.

E é.
Ele é todo modelo de romances hot. Ele é tão quente e
pecaminoso.

Ok. Nada faz sentido aqui. Eu devia adquirir a razão


novamente e mandá-lo embora, afinal de contas, eu nem gosto dele.
Mas, uma parte de mim quer tanto...

Seus olhos fixam nos meus. Ele não os fecha quando volta a
me beijar. Isso é tão quente que me faz pegar fogo.

Mas, então, de súbito, eu me lembro que não sou como as


modelos que ele sai. Esse homem deve estar louco em me beijar,
me tocar, vendo em mim pedaços de gordura localizada, ou estrias
no seio. Eu quero me cobrir, mas a boca dele não deixa. Gabriel
desce, beija meus seios, vai descendo para baixo.

É como se ele não se importasse com as curvas.

De repente, um barulho no corredor me faz ciente de que


estamos na área comum do apartamento, e qualquer um dos meus
colegas de quarto pode chegar a qualquer momento.

Eu o empurro, e ele me olha sem entender direito o que estou


fazendo.

— Eu tenho um quarto — digo, e então ele entende, já que


seus olhos brilham de forma inexplicável.

Enquanto estendo a mão para ele, Gabriel me segue.

É um erro. Só mais um na longa lista da minha vida.


10
Gabriel

Eu não sei o que diabos estou fazendo. Não é fruto de nenhuma


necessidade física não satisfeita, pois não faz uma semana que
estive com uma mulher lindíssima, uma modelo que voltou para a
Itália, após uma breve passagem em Porto Alegre.

Mas, cá estou eu. Ardendo por essa mulher de mais de trinta


anos, de olheiras negras como um panda, e rosto triste e abatido.

Ela me capta, me puxa, me atrai de uma forma que nada até


então pode se comparar.

Eu a sigo pelo corredor fedido de alvejante. Tudo nesse


apartamento é pobre e claustrofóbico. Quando ela abre a porta, vejo
um pequeno quarto onde só cabe dignamente uma cama de
solteiro.
Eu entro. Estranhamente, quando a porta se fecha atrás de
mim, sinto-me num local aconchegante. É incrível como Camila tem
esse poder. Seu quarto, mesmo pequeno, é tão fofo. Suas cobertas
floreadas dão um tom doce ao ambiente, como algo decorado por
uma avó.

Me viro para ela. Camila está só de sutiã. Seus peitos são


lindos, grandes, pesados. Minhas mãos coçam de vontade de tocá-
la novamente. A forma como eles sobem e descem me fazem
perceber o quanto sua respiração está carregada. Ela está excitada.
Liberta. Talvez se permitindo algo muito longe de qualquer
realidade.

Eu mal posso esperar para me afundar nela. Lamber sua


boceta úmida. Ela é tão quente, morena, ela parece uma
personagem de Jorge Amado, muito longe das caucasianas com
quem saio.

— Eu... — começo a falar, porque quero ter certeza de que é a


vontade dela. Mas, sua mão se põe nos meus lábios.

Ela não quer minha voz. Não quer despertar para a loucura
que estamos prestes a fazer.

Está faminta por qualquer coisa que a tire do estado catatônico


que vive.

Não sou eu. Estou ciente disso. É o que eu represento: o


medo, a vergonha, a repulsa ao que vivo.

Camila desce os shorts. Sua calcinha é rosa. Fofa. Posso ver


seus pelos arrepiados despontam no algodão. Ela está úmida. O
cheiro do sexo me invade, despertando em mim uma reação
puramente masculina. Carnal.

Eu me sinto um pouco homem das cavernas. Meu pau duro,


pronto para foder num local menor que meu automóvel.
Levo minha mão até ela. Toco sua bocetinha. Gosto de sentir
sua umidade, enquanto eu moo contra seu clitóris. Ela geme
baixinho, empurrando contra meu dedo. Ok. Estou muito excitado, e
preciso logo libertar meu caralho para foder essa mulher.

Dou um passo para trás para me libertar da calça e da cueca,


tudo num único impulso. Camila me observa, seus lábios
entreabertos parecem surpresos enquanto meu pau surge, vitorioso,
entre nós.
11
Camila

Eu me sinto num filme erótico. É estranha a sensação de que estou


pairando sobre a cena, observando-a como se não fosse eu. Quase
qual aqueles filmes Emmanuelle que a Band passava depois da
meia noite de sábado.

Um homem arrogante invade minha casa e eu não retrocedo


na necessidade de levá-lo para meu quarto. E agora ele me toca,
deslizando seus dedos grandes na minha calcinha, massageando
meus lábios, fazendo suaves círculos em meu clitóris, e eu ajo como
se isso fosse natural.

Porque não é.

Eu dormi com dois homens em toda a minha vida. O primeiro,


meu namorado do colégio, com quem perdi a virgindade e quem me
trocou dois meses depois porque estava ansioso para comer mais
garotas. O outro foi meu relacionamento mais longo – e tóxico. O
cara me humilhava constantemente por eu ser morena, vivia me
comparando as mulheres mais claras, comuns em nossa cidade, e
dizia sentir repulsa pelas manchas escuras que eu tinha na virilha.

Ele acabou com a minha autoestima, e não pensei que isso


teria uma cura até ver os olhos famintos de Gabriel observando
minha boceta jorrando por sua causa.

— Me deixa comer sua bocetinha? — ele perguntou e eu


arqueio as sobrancelhas porque não sei bem o que ele quer.

Sem esperar minha resposta, ele se arqueia sobre minha


frente, ficando de joelhos diante de mim. Depois disso, ele está
entre as minhas pernas, seu nariz cheirando minha vagina como se
cheirasse flores em um jardim.

— Camila, você é tão gostosa...

Nunca um homem me chamou assim. Eu me ouço gemer


quando ele baixa minha calcinha, sua boca cobrindo minha
feminilidade, descendo e subindo com sua língua pelos meus
grandes lábios, antes de entrar, impulsivo, na minha fenda.

Não consigo segurar o gemido de prazer. Gabriel é quente


como o inferno e ele sabe chupar de uma maneira que nunca vi.

— Gostosa pra caralho — ele ruge entre lambidas molhadas.

Meus joelhos enfraquecem e eu busco a cama. Logo, meu


corpo gira, impulsionado pela força de Gabriel. Ele lambe meu rabo
antes de morder minhas nádegas. Estou tão cheia de desejo que
mal acredito que estou permitindo toda essa intimidade a esse
homem que mal conheço.

E o pouco que conheço, detesto.


Ele pega seu pau e começa a bater sobre minha bunda.
Parece gostar de ver meu traseiro grande, gordo e cheio de celulite.
Que porra é essa? Me viro novamente na cama, e fico diante
daquele pau majestoso. É grande demais, maior que todos que eu
já vi, e parece que vai me destroçar quando entrar.

Mas, a dor agora é bem-vinda.

Eu o quero em mim, então inclino meu corpo em sua direção.


Posso sentir seu pau roçando minha coxa, enquanto Gabriel
percebe minha urgência.

— Nós temos a tarde toda para brincar — ele diz.

— Logo, meus colegas de quarto chegarão, será


desconfortável...

Ele entende imediatamente. A ponta de seu pau roça minha


boceta, um suspiro escapando dos meus lábios.

— Sua bocetinha está me puxando, amor — ele ri baixinho. —


Está com fome de pau, é? Quer que eu meta assim, benzinho? —
ele enfia a cabeça bem vagarosamente, fazendo movimentos
circulares, aproveitando a lubrificação. — Eu assim? — Num único
impulso, ele sai e volta, até a metade, me fazendo gemer alto,
minha carne inchada tremendo.

— Me fode — imploro. — Como você quiser, não me importo.

A Camila racional começa a questionar o que diabos a Camila


sexual está fazendo. Esse cara irritável e nojento está no meu
quarto, enfiando seu caralho em mim, me chamando de “benzinho”
e eu estou aceitando tudo. Como uma mulher submissa.
Apaixonada. Nem de longe isso é no mínimo concebível.

Gabriel tira seu cacete. Seu pau está molhado, uma pérola
coroa sua cabeça. Ele a derrama sobre minha entrada, lubrificando
mais. Então, o movimento de entrada é meu, já que ele parece tão
calmo e vagaroso. Eu movo meu quadril contra seu pau, encaixando
melhor, afundando, flexionando, até que seu eixo grosso e de veias
salientes afunda completamente em mim.

— Ah! Que delícia...

— Você é uma putinha por fazer isso, Camila... Você tirou o


controle de mim... — ele sorri e eu adoro que ele me xingue. Fico
mais e mais excitada, então salto no seu colo, ficando por cima, seu
pau ainda dentro de mim, e começo a pular, metendo, metendo, e é
tão bom que me vejo gritando de prazer.

Então, tudo começa a ficar quente demais. Logo, Gabriel me


empurra pra cama, assumindo o controle. Ele mete fundo, forte, sua
carne musculosa ondulando sobre mim, como um mar revolto em
uma ilha inabitável.

Ele começa a gemer, e o som masculino é excitante. Meu


corpo inteiro se torna uma zona erógena, quando a boca dele me
puxa, me beija, me morde, me faz perder completamente a cabeça.

— Está vindo, Gabriel... — eu gemo alto, sentindo-me no topo


mais alto da colina.

— Sim... — ele começa a tremer, seu eixo empurrando mais e


mais.

Subitamente, eu sinto seu líquido quente esguichando dentro


de mim. Minha boceta adora a umidade e começa a ter espasmos
enlouquecidos com a porra que desce por ela, umedecendo
inclusive minhas coxas.

Nós dois gritamos quando o sexo atinge o ápice. É prazer, é


loucura. E é bom demais.

Tão bom que quase esqueço de quem sou, e da loucura que


acabei de viver.
Ora, pois. Só se vive uma vez.
12
Gabriel

Eu cochilei por algum tempo depois do sexo incrível que tive com
Camila. Sou assim, meio que um cavalo selvagem que se torna um
pangaré quando esvazia as bolas.

Ela está deitada ao meu lado quando meus olhos começam a


tremer e meu torpor do sono vai-se indo. Vagarosamente. E aos
poucos vou percebendo e constatando que tudo isso foi incrível
demais, extasiante demais, e de que eu não queria viver isso
apenas uma única vez.

Camila sussurra em seu sonho. Seus peitos enormes


balançam e minha boca saliva na vontade de tomar esses bicos
adoráveis na boca.
Essa mulher é muito gostosa. Do tipo bem brasileiro, que nos
faz bater punheta na adolescência, olhando revistas de mulheres
nuas escondido dos pais. Não é do tipo com que eu passei a sair
depois que me tornei adulto. As mulheres que estão em minha volta
são moldadas a perfeição. Para isso, existe muita malhação,
cabelereiro, maquiadores e cirurgiões plásticos. Se torna quase ao
ponto de todas terem o mesmo rosto.

Mas cá estou, nessa cama com Camila. E ela é totalmente


diferente. Ela é tão humana, tão...

De repente, ela dá um salto, saltando rapidamente da cama de


solteiro, e me empurrando para fora. Enquanto tento me recuperar
do susto e não cair esparramado no chão, ouço sons vindo do lado
externo do quarto. São vozes animadas e joviais.

— São meus colegas de quarto.

— Colegas? Mais de um?

— Quatro.

— Quatro pessoas nesse cubículo?

Ela me encarou frustrada, olhos me fuzilando enquanto vestia


a roupa e exigia que eu vestisse a minha.

— Vamos, rápido.

— Eu não sou um garoto — retruquei. — Nem você é uma


adolescente. Somos dois adultos e...

— Cale a boca! — ralhou. — Isso aqui é um lugar de família. A


gente não traz ficantes aqui.

Ficantes?

Eu sou um ficante?
Quando coloco a camisa e a calça, sou expulso rapidamente
do quarto. Ao sair, percebo um rapaz jovem no corredor, que me
encara embasbacado. Eu sei que ele entendeu imediatamente o
que estava acontecendo, já que Camila estava enrubescida pela
tarde de sexo.

— Oi gente — ela diz, quando chegamos a sala e percebemos


mais três pessoas. Um rapaz e duas meninas. — Esse é o... — Ela
parece pensar e eu fico puto pelo fato de que, aparentemente,
esqueceu meu nome. — Sr. Medina...

— Millani! — corrijo.

— Isso. E esses são — ela aponta os rapazes e logo faz um


balanço com as mãos. — Não importa. Ele já está indo e não vai
voltar — ela diz aos colegas, enquanto me empurra para fora.

E é isso. Sou descartado como um objeto, sequer um tchau


enquanto a porta bate às minhas costas.

◆◆◆

Que diabos?!

Eu tô puto!

Essa sensação não passou durante todo o final de semana, e


não passou quando entrei no meu escritório na segunda-feira e
percebi que “Da Silva” fez três gols no dia anterior e o passe dele
subiu mais.

— Bom dia, Senhor — Aline diz, quando me traz o café. — O


senhor tem uma reunião às dez com Vicente.

Vicente era um gerenciado por nós. Ele jogava num time


europeu, mas estava no estado visitando a família.

— Certo.
Aline saiu depois disso, parece ter percebido meu ânimo
irritado.

Como uma mulher como Camila Araújo me descarta como...


um homem?

Só porque ela é sexy como o inferno, e só porque seu traseiro


me deixou louco, só porque seus peitos enormes me fazem querer
mamar e só porque meu pau encaixou direitinho naquele bocetão...
isso não a faz a mais incrível das mulheres!

Puta merda.

Ela é perfeita.

◆◆◆

Vicente parece bem, com seu cabelo descolorido, seu corpo


cheio de tatuagens, seus tênis caros e seu olhar amistoso.

— Oi Chefe.

— Olá. — Digo, e estendo a mão, ele aceita o cumprimento.

Estou tentando ser profissional, apesar de hoje querer ficar


sozinho. Não estou no clima para conversar com ninguém.

— Desculpa ter vindo assim... agendado uma reunião às


pressas..., mas, preciso falar com o senhor.

— Certo — murmuro.

Normalmente isso antevia problemas. Drogas, quase sempre.

Ou mulheres.

— O que você fez? — inquiri.


— Eu conheci Verônica. Sua ex.

Eu fico aguardando o prosseguimento da conversa, apesar de


saber que teria problemas nela. Verônica era uma garota, vinte
aninhos bem completados. Mas, uma peste, na mesma medida.
Esperta como satanás. Louca para arrumar um idiota que a
sustente.

Vicente olha direto para o chão e bate o pé, nervosamente.


Observo seu pomo de Adão balançar enquanto ele engole em seco.
Depois, ele me olha diretamente e tenta encontrar as palavras.

— Eu a conheci numa festa que o Da Silva promoveu na casa


dele... E ela, bom, ela é linda.

— Sei...

— Eu não sabia que ela era sua ex.

— Ok.

— E a gente ficou... enfim...

— Ela está grávida? — indago.

Ele acena.

— Ela suspeita, mas é cedo para saber.

Era isso. Ela conseguiu dar o golpe do baú. Vicente não era
um futuro jogador da seleção, mas ganhava muito bem e estava
num time da segunda divisão do campeonato português.

— Ela disse que me ama — ele fala e eu preciso segurar o


riso. — E ela está super... Nem sei o que dizer... Ela está arrasada.
Ela não queria... Enfim... Aconteceu.

— Sei.
— Eu sinto muito que ela seja sua ex — ele insistiu.

— Não tem problema em relação a isso. O problema é: vai se


casar com ela? Ou vai assumir o bebê apenas com pensão?

— Eu não sei. Pensei que o senhor poderia me aconselhar.

Eu sinto um pouco de pena do garoto. Ele não teve pai e


cresceu dentro da base de um time, onde não teve aconselhamento
para lidar com caçadores de dinheiro. Ele era apenas um cifrão para
Verônica, mas talvez pudesse desenvolver uma relação amistosa
com ela.

— Isso você tem que decidir sozinho. Pensar se gosta dela, se


vale a pena tentar uma relação sólida. Apenas, não pode deixar o
bebê desamparado. Isso se existir um bebê. Vocês dois precisam ir
a um médico e fazer um exame.

— Certo.

Eu conversei com Vicente mais algum momento, mas


subitamente meu pensamento foi para Camila. Eu estava certo, e
ela estava errada. Mulheres são cobras peçonhentas loucas para
arrumar um pato que lhes sustente. Eu iria esfregar esse fato na
cara de Camila!

Ela teria que implorar meu perdão pela matéria infame que fez
sobre mim naquela porcaria de site!
13
Camila

Ele me ligou a manhã toda. Não no meu celular – que ele,


obviamente, não tinha conseguido o número – mas sim no
escritório, fazendo com que o olhar de minha chefe me fuzilasse
várias vezes, e o de Isa se tornasse inquisitivo.

Como eu conseguiria entender isso, meu pai do céu? Eu


acabei dormindo com esse homem, não aceito como fui capaz
disso. Em minha defesa, eu estava muito vulnerável e me sentindo
um lixo, e ele beijava tão bem e era tão bonito.

Insuportável, mas bonito.

O problema é que eu sabia o que ele era. Um playboyzinho


quase da terceira idade que se achava no direito de enganar
mulheres. Ele era tudo que eu odiava no mundo, não
necessariamente ele, mas o que ele representava.

Gabriel Millani, pelo que pesquisei, nunca precisou ralar na


vida. Filho de jogador famoso e podre de rico, ele não sabe o que é
dificuldades. Ele não sabe o que é perder a mãe, o que é ter que
arriscar tudo vindo para uma cidade grande, e nem faz ideia o que é
ficar desesperado no final do mês porque não conseguiu pagar a
conta de luz.

Então, eu não aceitei as suas ligações. Eu apenas batia o


telefone na cara dele, e tentava seguir minha vida. Não queria mais
ouvir em Gabriel, pensar em Gabriel, só queria esquecer que um dia
ele cruzou meu caminho.

Na quinta, ele pareceu desistir das ligações. Eu fiquei satisfeita


e ignorei aquela sensação de tristeza que inundou meu peito. Até
porque foi nesse dia que Isabel chegou com um vestido preto de
tubinho no escritório.

— Para quem é? — indaguei.

— Ora, para você! — ela exclamou. — Esqueceu do evento


dos “Melhores do Ano”?

Oh, Deus, sim, eu havia esquecido completamente.

Peguei o vestido, me sentindo muito desconfortável. Não era o


tipo de roupa que eu usaria, mas eu não tinha grana para alugar
outra coisa, e Isabel foi gentil o suficiente para fazer isso para mim.

— Não posso pagar — murmurei.

— É um presente por você me cobrir!

Eu a amava. Sério. Única pessoa definitivamente gentil que eu


conhecia nesse lugar. Talvez por isso me irritava que Gabriel Millani
fosse cruel com garotas como ela. Isabel representava um pouco
essas mulheres: maria-chuteira, linda, malhada, loira, preparada...,
mas, diferente dos filmes ou séries sobre mulheres assim, ela não
era nada invejosa ou maldosa. Ao contrário, tinha um coração
enorme.

Na sexta-feira eu fui dispensada mais cedo para me preparar


para o evento. Cheguei em casa e Vanessa e Tobias estavam
comendo brigadeiro na panela quando surgi vestindo o tubinho
preto.

— Meu Deus, você está linda! — Vanessa exclamou, como se


nunca tivesse me visto na vida. — Mas, preciso melhorar essas
olheiras.

Eu entendi que ela iria me maquiar e quase recusei, porque


odiava maquiagem, mas minha colega de quarto foi tão gentil em
me sentar na cadeira e começar a aplicar corretivo e base em mim.
Tobias observava a tudo sorrindo.

— Vai se encontrar com aquele cara? — ele indaga, me


fazendo pensar no assunto pela primeira vez.

— Que cara? — fingi não saber.

— Ah, aquele que estava aqui — ele dá um sorriso maroto que


faz Vanessa gargalhar. — Como é o nome dele?

— Gabriel Millani.

Os dois ficam em silêncio por algum tempo.

— Gabriel Millani? Sério?

— Sim. Por quê? Você o conhece?

— Como assim se eu o conheço? Como você, sendo


jornalista, não o conhece? Ele é um dos dez mais ricos do país.
Como eu sabia o montante que o futebol movimenta, eu
imaginava algo assim, mas não sabia que ele era tão poderoso.

— Meu Deus do céu! Você deu pro Gabriel Millani! — Tobias


exclamou, me fazendo rir. — Eu daria pro Gabriel Millani! — Dessa
vez eu gargalhei, porque pelo que eu sabia ele era absolutamente
hetero.

— Como ele é pessoalmente? — Vanessa corta o assunto. Ela


parece concentrada na sombra sobre meus olhos.

Dou de ombros, indiferente.

— Um babaca? - eu digo. Não é justo, então, prossigo. — Ele


é legal.

Ele é legal...

Mordo meu lábio inferior. Ele realmente foi muito legal comigo.
Foi doce e gentil. Me confortou e foi muito quente quando me fodeu.
Nem todo cara se preocupa em deixar a mulher pegando fogo.
Preciso ignorar a lembrança de Gabriel chupando o meio das
minhas pernas e tento me concentrar na maquiagem de Vanessa.
Quando ela termina, me puxa até seu quarto e me faz ver o espelho.

— Você está linda. Se ver Gabriel Millani hoje, com certeza


vão repetir a dose. Aproveite e pergunte se ele é bi, porque quero
um sugar daddy podre de rico e gostoso — Tobias brinca.

A possibilidade de repetir a dose me deixa em polvorosa, mas


tento ignorá-la. Eu não preciso repetir a dose, preciso colocar minha
cabeça no lugar e dar o melhor de mim nessa reportagem.

◆◆◆

Arqueio minhas sobrancelhas enquanto puxo a tomara-que-


caia para cima, sentindo que não vai demorar muito para meus
peitos enormes me fazerem passar uma vergonha fenomenal nesse
evento. O vestido escorrega a cada momento. Mas, coloco minha
melhor cara de paisagem e sorrio para o jogador Vicente.

— Então, você vai ser pai?

— Sim, aconteceu, mas minha namorada Verônica e eu


estamos super empolgados — ele diz, pousando a mão gentilmente
no ventre de uma loira escultural que parece ainda mais feliz.

Eu não posso evitar o sorriso diante do brilho que ela parece


refletir. Sua felicidade é autêntica e eu os felicito antes de encerrar a
entrevista. Munida com o gravador do meu celular, eu começo a
articular uma matéria sobre como um bebê pode mudar tudo.

Meu olho arregala de repente diante da lembrança da


explicação de Vicente:

“Aconteceu”.

Não acontece. Adultos precisam se prevenir. Ele transou sem


camisinha, obviamente. E eu não posso evitar o rubor em me
lembrar que na semana passada eu fiz a mesma coisa.

Eu quase derrubo o celular, subitamente ciente de que pode


ter acontecido comigo. E se eu engravidei? Não que eu fosse a mais
azarada das mulheres, mas se acontecesse comigo, Gabriel Millani
com certeza me acusaria mil vezes de dar um golpe.

Eu não suportaria isso...

Porque a única coisa que eu tenho ainda nessa vida é minha


dignidade...

Mas aquele babaca sempre acha que as mulheres estão


tentando passar a perna nele...

Meus nervos começam a me dominar e eu preciso me afastar


até o terraço para respirar um pouco, impedindo-me de vomitar.
Uma crise de pânico me toma, e eu sinto um arroto surgir na minha
garganta. Se eu arrotar, vou vomitar, certeza!

Uma mulher sensual passa por mim. É uma influencer de


maquiagem que eu já assisti no Youtube.

— Você está bem? — ela indaga.

— Oh, sim, obrigada.

Ela sorri. Parece deslocada. Não é o ambiente dela. Também


não é o meu. Mas, logo ela se vai, falando com seu celular. Está
gravando um vídeo sobre o evento. Trabalhando. Todo mundo ali
está ocupado, precisando se destacar, e eu também devia estar
fazendo entrevistas ao invés de ficar aqui sentindo esse pânico sem
sentido.

— Você está bem? — outra voz, agora masculina, indaga.

Viro-me para o homem e fico sem fôlego. A luz da noite e das


luzes brilhantes Gabriel Millani é ainda mais espetacular do que eu
lembrava. Ele está vestindo um terno que enfatiza seus ombros
largos. Nas mãos, um copo de uísque remete a dominação, e nos
olhos, existe um brilho que me faz tremer.

— Boa noite — tento parecer profissional.

— Você bateu com o telefone na minha cara várias vezes essa


semana — ele murmurou. — É bem corajosa, senhorita Camila.
14
Camila

Corajosa?
Não sei se essa palavra pode me definir. Agora mesmo, estou
estremecida pela simples presença de Gabriel Millani. Não sei por
quê.

— Está diferente — ele diz. Sua análise me arrepia da cabeça


aos pés. — O vestido combinou com você.

— Obrigada.

Não entendo por que diabos eu agradeci. O que importa a


opinião de Gabriel Millani sobre mim.

— Veio a trabalho? Caçando fofocas?

— Vim cobrir a área esportiva.


— Isabel não pôde? — ele indagou, então soube que ele
conhecia minha amiga. Será que já havia transado com ela
também?

— Não, ela tinha outro compromisso.

Me preparo para me afastar, levanto a face e arrumo os


ombros. Ao longe posso ver um zagueiro do time vermelho de Porto
Alegre sorrindo para o atacante do time adversário, e sei que devo
me aproximar deles para falar sobre suas carreiras e tirar uma foto.
Mas, Gabriel segura meu braço e não me deixa ir.

— Você quer ficar comigo essa noite?

A questão explode em mim. Eu não estava preparada para ela.


Eu imaginava que ele não fosse querer ser visto com uma mulher
como eu num evento desse porte, mas a forma como as narinas
dele se abriam a cada palavra deixou claro o quanto estava
excitado.

Por mim...

— Você ficou louco?

É claro que eu estava ignorando completamente as fagulhas


acesas no meu ventre, que despejavam calor entre minhas pernas.

— Eu tenho trabalho a fazer.

— Te vi falando com Verônica. Está com ciúmes? Ela está


grávida de outro. Ela já me superou.

Naquele momento, percebo que a linda loira grávida com


quem falei era a mulher que ele enganou. Fico nervosa por ela
agora ter um rosto e existir. Assim, me afasto.

Preciso fugir o mais rápido possível de Gabriel Millani e do


calor que ele faz meu corpo emanar.
◆◆◆

Eu consegui cobrir Isabel com relativo sucesso. Conversei com


os jogadores de destaque, com suas esposas ou namoradas, e até
tive algum assunto com empresários de sucesso. Estava satisfeita
porque consegui montar a base da matéria que escreveria no dia
seguinte. Esperava que Joana aceitasse sem grandes
questionamentos.

— Então? Você pensou?

Gabriel foi extremamente inconveniente. Ele me seguiu pelo


evento como um cachorro no cio. Eu tentei fugir dele, e dos
pensamentos daquele pau incrível me comendo, mas estava difícil.
O sucesso da noite parecia remeter a mais. Eu queria muito repetir
a loucura do outro dia.

— Pensei?

— Se quer ir para minha casa essa noite.

Ele devia estar louco.

— Você é sempre esse babaca que não sabe ouvir não?

Comecei a caminhar para a área externa do evento. Uma


multidão fazia a mesma coisa. A noite havia acabado e eu queria
pegar um Uber que me deixasse na rodoviária.

— Você está bem? — Ele perguntou quando viu novamente


meu rosto ficar enrubescido.

Eu só estava nervosa. Quente. E preocupada. Lembranças do


jogador de futebol e sua namorada grávida me dominaram. Ainda
era muito cedo para eu fazer um teste, mas a certeza de que eu
havia cometido um erro de transar com Gabriel sem camisinha me
dominaram.
— Ah, nem eu sou tão azarada — murmurei, aos olhos
surpresos dele.

Acontece que eu sou azarada. A mais azarada das mulheres.


Se um raio cair aqui, nesse momento, eu apostaria tudo que tenho
que seria em cima da minha cabeça.

— Você parece preocupada — ele murmura. — Pode falar


comigo, se eu puder ajudar de alguma forma...

— Você não usou camisinha!

Era uma sorte que eu já havia caminhado para longe da


multidão, porque minha voz saiu mais alta do que eu planejei.

— Como assim não usei camisinha?

Só então percebi o olhar dele. Era completamente inocente. O


idiota nem lembrava do que tinha feito.

— Aquela tarde lá em casa — expliquei.

— Ah — ele pareceu pensar. — Eu sempre uso camisinha —


murmurou.

— Então furou, porque eu fiquei pingando um tempão!

Quase gritei de novo. Estava irritada e nervosa e ele parecia


um retardado diante de mim.

— Oh — balbuciou, por fim, e isso parecia resolver tudo.

Para ele. Porque para mim não estava nada bem.

— Tudo bem, eu sou limpo — ele comentou como se isso


resolvesse tudo.

— Ah, mas eu tenho AIDS — disse, só para vê-lo arregalar os


olhos e entrar em pânico. Foi com gratidão que vi isso acontecer
momentos depois. Não era justo que só eu estivesse em pânico. —
Não, imbecil, não tenho AIDS! — disse, depois. — Mas, posso...
você sabe...

— Sabe o quê?

— Estar grávida.

Meu coração acelera pela expectativa do que ele vai dizer. Me


preparo para ouvir os gritos ou as acusações. Mas, me surpreendo
com o brilho que surge nos olhos de Gabriel.

— Tipo, nós seríamos pais?

Ok. Ele é um babaca e eu vou ter um colapso nervoso no meio


da rua.

— Seríamos pais? Está brincando? Eu não posso sustentar


uma criança. Eu moro num cubículo dividido com quatro pessoas.

Ele me encara seriamente, só então parece entender a


situação.

— Camila, eu tenho dinheiro. — Abro a boca, mas ele não me


deixa retrucar. — Olha, faz uma semana que rolou. As coisas não
são tão rápidas assim. Eu acho que você está preocupada sem
nenhuma razão. Que tal você esquecer o táxi e ir comigo para
minha casa? Durma lá essa noite.

Essa proposta não pode ser real.

— O que aconteceu entre nós foi um erro e nunca mais vai se


repetir.

Eu vejo no seu semblante que ele recebe minhas palavras


como um desafio que está disposto a enfrentar. Eu me arrependo
imediatamente, porque sei que se ele tentar me seduzir, vai
conseguir. Admito internamente que tenho uma queda enorme por
ele.
Gabriel Millani me faz sentir viva.

— Eu prometo que não vou tocar em você. Apenas, não acho


cavalheirismo ver uma dama em tal estado nervoso e não lhe
fornece um local adequado para descansar.

Observei atentamente sua expressão. Havia inocência e


sinceridade. Então, me vi disposta a aceitar.

Assim que assenti para ele, porém, ele me deu o sorriso mais
safado que eu já vi.

Era isso. Eu caí numa armadilha. Numa deliciosa armadilha. E


nem estava disposta a escapar.
15
Gabriel

É claro que eu sabia que não cumpriria a minha palavra no exato


instante que fechei a porta atrás de nós.

Ainda no carro, planejei ser um bom anfitrião e mostrar meu


apartamento de luxo, meus quadros valiosos e minhas esculturas
que comprei em eventos de obras de arte ao preço de um carro
importado.

Mas, quando a porta fechou eu me perdi no cheiro dela e no


quanto ela parece estranhamente deliciosa ao meu encontro.

— Você prometeu — ela disse em um gemido que parecia


contradizer as próprias palavras.

— Sim... me desculpe — murmurei, enquanto a puxava para


meu quarto.
Camila não recuou, e seguiu me buscando, suas mãos
exigentes tatuando meu corpo, enquanto sua boca vasculhava a
minha. Sequer acendi a luz quando entramos, meu corpo caindo na
enorme cama e ela subindo em cima de mim.

— Quero ver seus peitões balançando enquanto você cavalga


— murmuro.

Ela suspira, enquanto arranca o vestido preto pela cabeça.


Abaixo dele, veste um sutiã sem alças e uma calcinha da mesma
cor do vestido. Eu adoro como essa cor parece coroar sua
feminilidade.

— Como você é linda — eu digo, e ela faz uma careta


estranha. — Estou falando sério.

Mas Camila parece não ter nenhuma vontade de dialogar. Ela


volta a me beijar, sua mão deslizando pela minha camisa a procura
dos meus botões. Ela tem tanta pressa em me libertar da roupa que
logo sinto os botões sendo arrancados com força e minha pele
exposta aos seus dedos mágicos.

Como ela sabe tocar... Seu toque é quente, gentil e firme. Eu


sinto minha boca salivar de vontade que ela desça mais a mão, e
logo Camila cumpre esse desejo, acariciando meu cacete duro por
cima da calça.

— Parece que você está bem atiçado — ela geme.

— Muito. Eu quero lamber você... O gosto da sua boceta ainda


está nos meus lábios.

Ela enrubesce mais. Mas, sai de cima de mim e fica deitada na


cama. Eu pairo sobre Camila, puxando sua calcinha e revelando sua
umidade. Ela está encharcada, e isso me deixa feliz. Não é sempre
que eu consigo deixar uma mulher em tal ponto.
Caio de boca na sua cavidade, lambendo seus sucos que
deslizam como meu pela minha língua. O volume de seus gemidos
vai subindo até se tornarem gritos, gritos desesperados chamando
por mim. Passo minha língua em seu clítoris, raspando com gosto,
puxando suas coxas mais para cima, me afundando toda a face no
seu bocetão.

Eu nunca tive uma mulher como ela. Tão apaixonada, tão


entregue. É estranho porque a primeira vez que a vi, me pareceu
ser exatamente o oposto. Mas, por baixo daquela carcaça escura e
de olhos mórbidos, havia um vulcão cheio de chamas.

Camila começa a gozar e eu não a permito se afastar. Quero


sentir o gozo dela na boca, e vou chupando até que ela comece a
ondular mais e mais contra meu rosto, até que ela pareça estar
vendo estrelas.

— Gabriel! — ela grita.

E explode num gozo incontido.


16
Camila

Eu não sei o que esse homem faz comigo. É uma sensação


poderosa e incontrolável que toma conta do meu corpo e me faz
doer inteira, uma necessidade que não consigo controlar.

Gabriel já me fez gozar três vezes essa noite. A primeira com


sexo oral, onde ele me chupou como se minha vagina fosse um
picolé delicioso. Depois, metendo. Foram duas transas consecutivas
onde aquele cacete enorme e grande se enfiava como se ali fosse
exatamente o seu lugar, como se minha xana tivesse passado a
vida inteira esperando por ele.

Eu dormi depois disso. Exausta. Acabada. E ainda assim,


sorrindo como nunca, completamente satisfeita.
Contudo, no meio da madrugada senti os dedos de Gabriel me
procurando de novo, me puxando contra seu corpo, sua mão
máscula descendo e explorando, seus dedos enfiados em mim,
raspando com vontade meu clitóris, me fazendo estremecer de
vontade de tê-lo.

Eu sei que isso não está certo. Uma parte de mim se pergunta
o que diabos estou fazendo comigo mesma, sendo o novo
brinquedinho desse arrogante. Mas, meu corpo está em um estado
tão entregue que não consigo me conter, algo crescendo e
crescendo em minha alma, enquanto meus gemidos invadem o
quarto, tornando tudo uma sinfonia de prazer.

De repente, ele me deixa de quatro. Fica sobre mim, erguendo


minha bunda enorme para ele.

— Que cavalona deliciosa você é... — Ele murmura.

Como um aviso. Olhe do que ele me chamou! Eu devo parar


agora! Mas, não sei por que esse xingamento só me deixou com
mais vontade.

Começo a balançar minha bunda pra ele. Sinto seu pau


enorme deslizando entre minhas nádegas e batendo na minha
boceta molhada.

Gabriel rosna. Como um cachorro no cio. Seu eixo grosso


resvala entre os meus grandes lábios, seu sêmen misturando-se a
minha própria umidade, e então eu bato para trás, só pra senti-lo
mais dentro de mim.

Gabriel então desliza seu pau. Eu já estou tão fodida essa


noite que nem pensei o quanto é bom senti-lo entrando, minhas
paredes internas pressionando seu mastro. Sou apenas um pedaço
de carne cheia de prazer.

— Você é tão grande — eu murmuro.


— E essa bocetona gosta disso, não gosta? — ele indaga,
enquanto começa a bater.

Duas vezes. Três. Eu começo a gemer ritmada, enquanto seu


cacete entra e sai, afunda mais e mais a cada investida, me fazendo
delirar.

De repente, eu me lembro que não usamos camisinha. De


novo. Naquela tarde em minha casa e nessa noite, na casa dele.
Meu corpo começa a tentar sair, se afastar, mas sei que é inútil. É
algo que não posso recuar, é uma necessidade incrível, um êxtase
que percorre toda a minha espinha, preenche minha alma.

E então sinto o gozo dele, em jorradas quentes dentro de mim.


Eu gosto do calor, e meus gemidos ficam mais intensos. E mesmo
após seu gozo, seu pau continua pulsando e pulsando, despejando
em minha boceta seu prazer, e quando ele sai de mim, seu esperma
quente desce de minha boceta e cai nas minhas coxas, correndo até
o lençol de linho branco.

Estamos todos sujos e quentes. Gabriel cai em cima de mim,


meu corpo não aguentando seu peso, desabando na cama. Consigo
me desvencilhar dele um momento depois, quase sem conseguir
respirar.

Estou zonza. Tesão, satisfação e terror. Ele é o estereótipo de


tudo que eu desprezo num homem, arrogante e presunçoso, e ainda
assim não consigo resistir a ele.

A mão de Gabriel desliza pela minha barriga e a lembrança


dele gozando dentro me vem novamente à tona. Um pânico
descomunal me toma, mas tento controlá-lo. Não é a hora de pensar
nisso. Existe pílula do dia seguinte, não é? Mas, eu nem sei se faz
mal. Eu sequer uso anticoncepcional. Eu devia ver um ginecologista
e perguntar, mas como combater a vergonha descomunal de contar
que eu transei com esse cara que sequer sou namorada.
Eu não sou esse tipo de mulher, mas Gabriel Millani faz isso
comigo. Ele me faz sentir-me viva.

— Eu tenho uma viagem para fazer esse final de semana.


Quer vir comigo? — ele pergunta, sua voz baixa, quase tomada pelo
sono.

— O quê? — indago, sem acreditar que ele está me


perguntando isso quando estou tomada pelo pânico. — Você tem
consciência que acabou de gozar dentro? De novo?

Ele arqueia as sobrancelhas.

— De boa — diz.

— De boa? Isso é coisa de dizer? Você não usou camisinha!


Isso foi muita irresponsabilidade!

— Sua boceta é tão deliciosa que eu não resisti. Você tem um


calor que me deixa louco. Mas, lembrando: quer viajar comigo?

— Eu não sou uma bonequinha sexual que você vai levar para
onde quiser.

Ele ri. O que era engraçado?

— Eu sei disso. É por isso que eu estou perguntando, não te


forçando.

Touché.
17
Gabriel

É claro que ela não aceitou viajar comigo. No dia seguinte a nossa
noite, ela desapareceu da minha casa, sem sequer se despedir. Era
uma mulher desgraçada, que acabou com a minha cabeça, e saia
de cena como se eu não valesse sequer uma explicação.

Eu sabia que estava furiosa por causa da camisinha. Eu


mesmo me perguntava o que diabos estava fazendo, mas...

Por que não tentar um bebê?

— Por que não tentar um bebê? Você ficou maluco? — ela me


perguntou, na outra semana, quando retornei de viagem e fui
procurá-la.

Eu sorri. Eu não sei exatamente que tipo de cara Camila


despertou, mas eu sabia que estava diferente. Algo em mim havia
mudado. Uma vontade doida de ficar perto dela, de ficar recebendo
seus olhares sagazes e seu humor temperamental.

Nós estávamos num restaurante, almoçando juntos pela


segunda vez naquela semana. Percebi que Camila estava aceitando
mais minhas investidas, já que sequer pestanejou em aceitar meu
convite para almoçar nesse dia.

— Maluco? Sinceramente, acho que seria uma boa. Sabe...


Uma criança... — arqueei as sobrancelhas.

— As pessoas planejam filhos quando estão apaixonadas e


querem uma família. Você e eu somos apenas dois infelizes que
trepam.

Eu quase gargalhei diante da frase. Porque era tão irreal.


Havia algo mais, eu não sei o quê. Mas, eu sabia, sentia, que ela
também entendia isso. E estava tentando se proteger da melhor
forma que podia.

Assisto Camila cortar o bife e engolir um pedaço. Ela faz uma


careta estranha, como se a carne estivesse ruim. Mas, engole, por
fim. Eu também corto a carne e experimento, e está simplesmente
fabulosa.

— Camila, será que você já não está grávida? Podemos fazer


um teste, o que acha?

Eu sei que ela está me odiando nesse momento. Seu olhar me


fuzila.

— Você acha que isso é engraçado? Eu não tenho onde cair


morta!

— Eu já disse que tenho dinheiro.

— Por que você não arruma uma mulher e se casa com ela?

— Posso me casar com você!


A ideia parecia simplesmente perfeita e eu não conseguia
entender como não pensei nisso antes.

Camila é a primeira mulher na minha vida que eu realmente


sinto algo além de tesão. Eu gosto de conversar com ela, eu gosto
de estar perto dela, eu adoro até mesmo a forma como ela ronca
quando dorme depois do sexo.

— Pode se casar comigo? — ela repete, numa indagação. —


Quem disse que eu quero me casar com você?

Eu a encaro. Puta merda, isso é real?

Ela fode comigo, ela goza na minha boca, e ela não pode
casar comigo?

— Por que não?

— Talvez por que você é um canalha?

Ela ainda estava nessa? Ainda estava questionando o que


outra mulher falou de mim?

— Eu não sou umcanalha.

— Você compra a dignidade das mulheres com presentes e


dinheiro — apontou. — Eu não quero esse tipo de homem, nem
para mim, nem para ser pai de um filho meu. Portanto, se você
realmente está falando sério e pensa, de alguma forma, em ter algo
comigo, vai ter que me provar que mudou.

Eu devia me levantar e ir embora. Se ela não me queria,


porque eu estava aqui, me humilhando? Deus, penso nela
constantemente, e desejo que ela me queira da mesma forma. Não
consigo evitar.

Pela primeira vez eu quero uma mulher. Não só para o sexo.

E quero que ela tenha um bebê meu.


— Como eu farei isso?

— Isso é com você — Camila apontou.


18
Camila
Eu não podia negar o que estava sentindo. Eu sabia que havia
algo a mais nas reações do meu coração. E não podia evitar a
aceleração dos meus batimentos quando Gabriel falava tão
facilmente sobre bebês ou casamento.

Havia algo em mim. Talvez amor. Nunca senti antes, então era
uma surpresa que vivesse o sentimento por alguém como ele. Mas,
essa paixão doida não tirou minha racionalidade, e decidi não ser
mais uma no rol de conquistas fáceis de Gabriel Millani.

Já fazia dois meses que eu tive minha primeira vez com ele. E
eu tinha absoluta certeza que estava grávida.

Ponto um: ele gozou dentro de mim.

Ponto dois: ele gozou de novo dentro de mim.

Ponto três: ele gozou inúmeras vezes dentro de mim desde


que passamos a sair juntos.
Nem vou comentar dos meus seios doloridos, nem das minhas
ânsias de manhã, e algumas tonturas estranhas durante o dia.
Também vou ignorar meus ataques sentimentais durante o trabalho,
minhas crises de choro assistindo filmes de noite, e meus desejos
por comidas esquisitas, que fizeram Gabriel se enfiar nos recantos
mais estranhos de Porto Alegre, para conseguir lanches para mim.

— Entranhas, rins, fígado e vísceras — Gabriel colocou o prato


na minha frente —, cozidos com o estômago do bode. Eu acho que
vou desmaiar.

— Buchada de bode é um prato tradicional — reclamo,


enquanto sinto o cheiro delicioso tomando conta de mim.

— Prato tradicional do inferno.

— Eu tinha uma vizinha nordestina quando morava no interior,


e ela fazia esse prato delicioso.

— Meu Deus, Camila... simplesmente pare de falar — ele


disse, sentando-se a minha frente.

Era um fresco, mesmo. Mas, eu estava feliz por estar comendo


algo que eu desejei com tanto afinco desde que acordei naquela
manhã. Trabalhei o dia todo pensando na comida, e quando
encontrei Gabriel depois do trabalho, implorei que ele fosse atrás do
prato para mim.

Enquanto comia, percebi seu silêncio por algum momento.


Tentei ignorar, mas de repente, aquele silêncio se tornou
ensurdecedor.

— O que foi? — indaguei.

— Eu acho que temos que conversar.

O tom dele era sério. Meu corpo paralisou por algum


momento, uma parte de mim imaginando se ele havia desisto ou
simplesmente se cansado. Pelo que sabia de Gabriel, ele nunca
ficou tanto tempo dormindo com a mesma mulher.

— Sim?

— Aquilo que você falou para mim, sobre eu ser um canalha. E


seu pedido que eu provasse que não era.

— O que tem?

— Eu quero te provar que não sou. Mas, antes disso, eu


preciso que entenda quem eu sou. Então, eu quero te contar a
minha história.

Oh, meu Deus! Eu estava num episódio de Greys Anatomy?

— Você vai me dizer agora que viveu sem amor a vida inteira,
e por isso não sabe amar?

— Nossa, você me dá um ótimo encorajamento para narrar a


minha vida.

— Gabriel, a minha vida é uma merda. A sua é dinheiro, poder,


mulheres, luxo e noites tranquilas.

— E solidão — ele completou. — Pela primeira vez, não estou


sozinho. Estar com você me faz não me sentir sozinho.

Eu me calei um pouco. Sentia-me exatamente assim com ele.


Saber que ele também nutria a mesma coisa me trouxe uma boa
sensação.

— Certo. Conte-me... — Pedi, dessa vez de uma forma mais


gentil.

Ele sorriu. Era estranho, mas gostava de vê-lo sorrir assim.

— Bom, como você sabe, eu sou o filho mais velho do jogador


Edson Millani. Meu pai foi um dos maiores craques do país, capitão
da seleção brasileira em sua época, e jogou a maior parte da vida
na Europa. Ganhou uma fortuna, investiu tudo, hoje é um bilionário.

Eu sabia disso, por cima.

— Quando eu me tornei maior de idade, comecei a trabalhar


para ele, garimpando jovens promessas do futebol. Quando ele se
aposentou, eu assumi a presidência da sua agência de gestão. É
um negócio bilionário e eu fiz muito dinheiro nisso.

Assenti. Eu queria dizer a ele que tudo aquilo só reforçava o


que eu havia dito anteriormente. Que ele era um playboy mimado
pelo pai, mas resolvi me calar e ouvir tudo.

— Enfim, você deve estar pensando que é uma vida dos


sonhos. Mas, não foi bem assim. A verdade é que minha mãe se
casou com meu pai muito jovem. Eu fui seu primeiro filho, e ele logo
a deixou para ficar com outras mulheres. Minha mãe se casou de
novo e eu não tive muito lugar na vida dela, ou do meu pai. Então,
como eu disse, eu fui bem solitário. Sim, eu tive dinheiro, mas isso
não significa que tenha sido feliz.

— Você têm irmãos? — indaguei, porque realmente eu


enxergava verdade nele. Eu sabia exatamente o que era solidão.

— Tenho dois. Otto e Ciel. Eu mal tenho contato com eles.


Acho que mesmo meu pai, mal viu os filhos. Otto é dono de uma
marca de roupas de esporte. Ciel quis distância dos esportes, e tem
uma editora. Eu acho que eles também tiveram vidas solitárias, mas
não sei bem. Quem sabe um dia nós nos aproximamos, mas no
momento estou apenas preocupado com uma coisa.

— Que coisa?

— Provar para você que eu posso ser mais que, sei lá, o cara
com quem está transando.
Largo o meu garfo e tento me concentrar no que ele está
dizendo.

— Você está me pedindo em namoro? — questiono.

— Isso.

— Você sabe que terá que fazer mais que me contar uma
história triste, não?

Ele arqueia suas sobrancelhas, em descrença.

— Como assim?

— Nós dois nos encontramos por um motivo.

— Está falando sobre a garota que eu “iludi” — ele fez as


aspas com os dedos.

— Você a iludiu.

— Ela era uma caçadora de fortuna.

— Isso é o que você acha.

— Isso é o que eu sei. Ela já colocou as garras em cima de um


jogador que eu agencio.

Eu lembrei vagamente do jogador Vicente.

— Eu não me importo com quem ela é, Gabriel. Eu me importo


com quem você é. Ela tem vinte anos e você quarenta. Você a
iludiu, não me importa se ela sonhou com dinheiro e uma vida de
luxos, ou se ela fantasiou demais. Você a enganou, ponto. É tudo
que eu sei. E é o que importa para mim.

Ele ficou emudecido, ouvindo-me. Isso me deu forças para


continuar.
— Eu não sou uma dessas garotinhas que se enganam com o
papo idiota de sugar daddy. Eu sei que cada menina dessas é
apenas um objeto para vocês, objeto que vocês trocam assim que
se cansam. Então se quer provar para mim que realmente está
falando sério sobre gostar de mim, querer-me — destaquei —, terá
que pedir desculpas a ela.

O queixo dele caiu. Eu pude ver o horror transparecendo em


seus olhos.

— Você está brincando?

— Isso se chama empatia feminina. E amadurecimento. Eu já


tive minhas lições na vida sobre ser enganada. E nunca ninguém se
desculpou comigo por isso. Eu sei que isso mudaria tudo para mim.
Um pedido de desculpas pode mudar a vida dela, e como ela se vê.
Ela não é um objeto, e eu também não sou. Se você não é um
canalha como diz, e se você realmente quer ficar comigo, tudo que
tem que fazer é provar que mudou. E isso começa em se desculpar
com Verônica!
19
Camila

Uma parte de mim não imaginava que Gabriel fosse realmente se


desculpar com Verônica. Eu imaginei que seu orgulho seria maior
que meu desejo. Então, quando ele se levantou e foi embora, eu
não imaginei que ele voltasse.

Mas, voltou. Dois dias depois ele apareceu no meu trabalho, e


me encarou com o rosto límpido e tranquilo.

— Verônica está num evento de moda, hoje. Quero que vá


comigo — disse. — Para te mostrar que eu mudei.

◆◆◆

Muitas coisas acontecem em eventos como esse. Muita gente


com roupas estranhas, tentando absurdamente chamar a atenção
para si. Com o celular na mão, fazem lives sorrindo e falando da
felicidade em estar no evento, mas quando a live termina ou quando
dão uma pausa, seus rostos aborrecidos mostram que todo esse
jogo não passa de aparências.

Esse tipo de lugar me cansa. Eu sequer estou vestida para um


ambiente desses. De camisa branca e calça jeans, eu chamo a
atenção por dois motivos: o primeiro é pela simplicidade,
contrastando com a excentricidade do ambiente. O segundo é por
Gabriel Millani estar ao meu lado.

— Eu sinto muito, Gabriel — chamo a atenção dele. — Não


precisa mais fazer isso.

Ele me encara com espanto, mas parece perceber que o


quanto esse tipo de ambiente falso me sufoca.

— Ela está ali. Vamos terminar logo com isso e ir embora.

A mão quente de Gabriel segura a minha. Caminhamos com


rapidez até um amontado de jovens sorrindo e fazendo caretas para
a câmera. Eu sei quem é Verônica e vejo o olhar dela quando
percebe Gabriel se aproximando.

É vergonha. Um pouco de indignação, mas excessivamente


vergonha.

— Oi Verônica — ele diz.

Ela parece querer fugir, e realmente dá alguns passos, mas


percebo que é para se afastar dos ouvidos curiosos das amigas.

— Oi — ela responde, por fim. — O que deseja? Sabe que


estou para me casar, não?

É uma situação completamente vexatória, e quase me culpo


por estar submetendo Gabriel a ela.

— Essa é Camila — ele nos apresentou.


— Eu sei quem ela é — rebate. Depois, sorri para mim. —
Gostei da matéria sobre meu bebê e Vicente.

— Foi um prazer — digo.

— Camila já escreveu outras sobre você. Sobre nós. Camila


falou sobre nosso término — ele destacou. — Foi assim que nós
nos conhecemos.

Ele ergueu a mão e mostrou os dedos entrelaçados. Se


Verônica pareceu surpresa, não demonstrou.

— E?

— E ela tem uma opinião sobre o que eu fiz a você que me


coloca na merda.

— Mesmo? — ela volta a sorrir. — Ela está certa.

— Eu sei disso agora. Pensei muito sobre o que eu fiz. Então,


quero te dizer que sinto muito. Sinto muito pela maneira que te
tratei. Você não merecia isso. E, de verdade, estou feliz que tenha
conhecido Vicente e espero que ele te trate melhor do que jamais
fiz.

Verônica levanta seu queixo, de forma elegante. Eu sinto na


hora que isso foi a coisa certa. O quanto isso parece encerrar um
ciclo para ela.

— Eu te perdoo — ela diz. — Mas, não faça isso com


nenhuma outra garota.

— Não haverá outra garota, Verônica. Eu vou me casar com


Camila.

Eu arregalo meus olhos porque isso nem sequer passou pela


minha mente, e eu realmente não sabia se ele estava me zoando ou
falando sério. Por fim, quando os olhos do bilionário buscam os
meus, eu sei que é tudo real.
— Eu fico feliz por você — ela diz.

— Eu também.

Naquele instante eu percebi como fazer a coisa certa era fácil.


Final
Gabriel

Ela estava grávida. Soubemos disso numa manhã, depois de


uma consulta ao médico. O exame de sangue não mentia, e pelo
tempo apontado, ela ficou grávida na nossa primeira vez.

Agora, estávamos sentados à mesa de uma pequena padaria


na Cavalhada, e meus olhos centravam-se na mulher a minha frente
devorando um pedaço enorme de torta com uma xícara de chá de
camomila.

— Vou virar uma baleia.

— Nossa, eu adoro sua carne — apontei, arqueando as


sobrancelhas e a fazendo rir. — Então, você falou com a sua chefe
sobre sua saída do site?

— Sim, eu disse a ela que vou começar a trabalhar num site


próprio, focado em política e economia.

— E o que ela disse?


— Que era uma loucura, claro. Ninguém lê isso.

— Ninguém lê o que não se vê. Mas, com o patrocínio certo, o


site será um sucesso. Você vai chamar Isabel para trabalhar com
você?

— Sim.

— Hum — murmurei. Estava feliz por ela ter aceitado minha


proposta de parceria. Ela entraria com o trabalho e eu com os
recursos do site. — E sobre minha proposta de casamento? Você já
pensou?

Ela deu os ombros.

— Acho que não temos muito o que pensar. É o certo, pelo


bebê.

— Nossa, que romântica. Você sempre me surpreende. Custa


admitir que também gosta de mim?

Camila arregala os olhos. Depois, olha em volta para saber se


ninguém está nos observando.

— Bom, você nunca disse...

— Que te amo? — indaguei, surpreso. — Está brincando. Eu


disse várias vezes.

— Durante o sexo não vale. Homem diz o que for só pra comer
boceta.

— Você tem uma visão tão positiva sobre os homens.

Ela ri, fazendo meu coração acelerar. Eu adoro o riso dela. Eu


adoro a forma como ela sempre parece perfeita.

— Eu te amo — digo. — Sem sexo, comendo bolo como uma


esfomeada, de barriga saliente e com merengue lambuzando a
boca.

Ela ergue a mão rapidamente e limpa os lábios. Depois,


começa a rir.

— Sua vez — aponto.

Ela suspira profundamente. Depois, coloca as duas mãos


sobre a barriga, e me encara.

— Eu te amo. E o bebê também.

Sinto que vou chorar. E eu nem choro. Essa súbita emoção me


desconcentra e eu desvio o olhar dela, fazendo a rir de novo.

— Você é tão bobo, Gabriel.

— Bom, eu vou ter uma família...

— Sim, é muito emocionante — vejo lágrimas se formando nos


seus olhos, mas ela pisca rapidamente para se livrar delas. — Oh,
não gosto desses sentimentalismos. Eu te amo, você me ama,
teremos um bebê e vamos nos casar. Pronto. Tudo resolvido.

Camila com certeza é muito prática.

O amor era de uma simplicidade absurda.


Epílogo
Gabriel

Encaro o relógio de pulso, incomodado com as horas. Desde que


me casei com Camila, eu não costumava passar as sextas à noite
fora. Agora que ela estava prestes a dar à luz, eu me sentia o pior
crápula do mundo por ter viajado até ali para me encontrar nesse
evento.
Rostos curiosos andam por nós e alguns me encaram, mas eu
desvio os olhares. Ao meu lado, meu irmão mais novo mexe nos
cabelos, um sorriso gentil nos lábios, e eu penso no quanto ele se
parece, fisicamente, com nosso pai.
— Você acha que ele vai aceitar o tratamento?
Ciel parece estressado. Algumas semanas antes um dos
assessores de Edson Millani entrou em contato para avisar que meu
pai estava com o Parkinson. Foi um tanto chocante, era difícil
imaginar aquele homem grande e poderoso fragilizado pela doença,
mas Camila me convenceu a perdoar o passado de abandono e dar
uma chance ao meu pai no fim de sua vida.
Então recebi duas mensagens. Uma de Otto e outra de Ciel.
Meus irmãos que eu não tinha qualquer contato pareceriam dois
estranhos não fosse a enorme semelhança física. Combinamos,
então de nos encontrarmos nessa noite para discutirmos o que o
futuro nos reserva.
— Então, sua esposa está grávida — Ciel comenta, momentos
depois, apenas para buscar assunto.
— Sim. Sete meses.
Ele parece prestes a dizer mais alguma coisa, mas percebo a
aproximação de outro homem, e me levanto. Estendo a mão para
Otto, que me cumprimenta, se apresentando.
Depois, ele estende a mão para Ciel. Foi incrível observar os
dois juntos, a aparência e os traços nítidos de Edson Millani. E
então eu soube que Camila estava certa, precisamos superar o
tempo para termos algo mais sagrado do que o presente: meu filho
teria tios e uma família grande.
Isso era incrível. Eu era verdadeiramente afortunado.

◆◆◆
— Então? Como foi?
Estava no Aeroporto. Mal podia esperar para voltar para casa,
para minha esposa.
— Tranquilo. Otto é muito centrado e Ciel é jovem e cheio de
energia. Ambos se casaram recentemente.
Do outro lado da linha, Camila riu.
— Parece que os irmãos Millani foram capturados.
— Você nem imagina o quanto, querida — suspiro. — E
como se sente?
— Enorme e ansiosa para o parto.
— Ao menos espere-me chegar em casa — brinquei. Ainda
tinhamos mais de um mês.
No interfone escuto o aviso de que estão providenciando o
embarque do meu voo.
— Está na minha hora, Camila. Em breve estarei em casa.
Ela suspirou.
— Certo. Estarei te esperando no Salgado Filho.
Sorri, antes de desligar. A sensação de ter alguém para mim
era maravilhosa. Ter uma esposa era a melhor coisa do mundo.
Não sei porque não me casei antes.
Outro sorriso.
A resposta é porque não havia conhecido Camila ainda. Ela
era a pessoa certa.

◆◆◆

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Josiane Biancon da Veiga nasceu no Rio Grande do Sul.
Desde cedo, apaixonou-se por literatura, e teve em Alexandre
Dumas e Moacyr Scliar seus primeiros amores.
Aos doze anos, lançou o primeiro livro “A caminho do céu”, e
até então já escreveu mais de vinte livros, dos quais, vários se
destacaram em vendas na Amazon Brasileira.

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