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Director: Henri Dieuzeide

Chefe da redacção : Zaghloul Morsy


Adjunto: Alexandra Draxler

Perspectivas publica-se também:

e m Árabe : Mustaqbal al-Tarbiya (Unesco Publications Centre, I Talaat Harb


Street, Tahir Square, Le Caire, Egypte)

e m Espanhol ; Perspectivas, revista trimestral de educación (Santularia S. A . de


Ediciones, calle Elfo 32, Madrid-27, Espagne)

e m Francês : Perspectives, revue trimestrielle de l'éducation (Unesco)

e m Inglês : Prospects, quarterly review of education (Unesco)

© Unesco, 1978
© para a tradução portuguesa. Livros Horizonte, Lda., 1978

Tradução realizada sob a responsabilidade de Livros Horizonte

Livros Horizonte
R u a das Chagas, 17, l.°-Dto. — Lisboa — Portugal
Impresso em Portugal
revista trimestral de educação Unesco

Vol. V I H N.° 2 1978

A planificação da educação antigamente e agora


Sumário George Psacharcrpoulos 141
Reforma da educação e cooperação internacional
nos anos oitenta Malcolm S. Adiseshiah 149

Posições / Controvérsias
Por que não é a investigação pedagógica mais útil?
Henry M. Levin 163

Elementos para u m dossier:


Abordagem do não formal

A educação dos adultos como correctivo do insucesso


da educação formal Asher Déleon 174
A educação não formal como conceito
Marvin Granãstaff 184
A planificação da educação extra-escolar:
estratégias e obrigações Tim Simkins 190
Informação, orientação e consulta Paul H. Bertelsen 203
O ensino pela rádio, fase anterior à alfabetização
Dwight W. Allen e Stephen Anzóleme, 212
A educação dos adultos,
elemento da educação permanente na U R S S
Victor G. Onouchkine e Evguénia P. Tonkonogaïa 223

Tendências e casos
A educação recorrente nos países da Europa Ocidental
Dennis B. P. Kallen 233
O projecto húngaro para a escola do futuro Rozsa Ret 242

Notas e comunicações 253


Revista de publicações
A O LJ3ITOR
De 197S a 1976 a versão espanhola da revista foi produzida
por uma empresa editorial privada que lamentamos não ter podido
assegurar em 1977 a publicação dos quatro números regularmente
editados em Paris, em inglés e em francês.
Procurando manter a estrita periodicidade da revista e tam-
bém corresponder ao voto dos Estados membros hispanófonos no
sentido de serem aumentadas as publicações em espanhol a cargo
do próprio Secretariado da UNESCO, a edição da revista nessa
língua passará a ser feita sob a responsabilidade e a marca de edi-
tor exclusivo da Organização a partir do primeiro número de 1978.
Um número especial intitulado Perspectivas/Selección agrupará
um certo número de artigos publicados nos quatro números de 1977,
sendo assim simultaneamente asseguradas a continuidade e a tran-
sição.
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devem dirigirse aos agentes de venda da UNESCO existentes em
todos os Estados membros da Organização. A lista completa destes
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tivas, Unesco, 7, Place de Fontenoy, 757i00i, Paris, France.

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que figuram na revista não implicam qualquer tomada de posição da
parte do Secretariado da Unesco quanto ao estatuto jurídico dos países,
territórios, cidades ou zonas, ou das suas autoridades, n e m quanto ao
traçado das suas fronteiras ou limites.
George Psacharopoulos

A planificação da educação
antigamente e agora

George Psacharopoulos A melhor definição do presente ensaio seria: exame crítico


(GréciaJ. do que se tem feito nos últimos vinte anos e m matéria de
Economista
especializado planificação da educação. Começo por delinear a evolução de
na planificação certas teorias e metodologias fundamentais; faço, e m seguida,
da educação o ponto da situação.
e da mão-de-obra.
Leccionou em
Universidades A génese
americanas e,
a partir de 1969, Tudo começou com a descoberta do «elemento residual», pouco
na London School antes de 1960. Só em 1955 foi decidido planificar o ensino (pelo
of Economics.
Autor de: menos no sentido em que o entendemos) 1 . Vários estudos efec-
Returns to education: tuados nos Estados Unidos da América, em especial por Abra-
an international movitz e Solow, tinham mostrado que a produção (avaliada
comparison: Earnings em termos de rendimento nacional) aumenta muito mais rapi-
aind education ta
O E O D countries; damente do que pode ser explicado pelo crescimento dos factores
numerosos artigos tradicionais de produção: equipamento, mão-de-obra, superfície
sobre economia explorada2. Este enigma aparente — pois nada resulta de nada/—
e educação, começou por ser explicado pelo «progresso tecnológico». É gra-
repartição dos ças ao aperfeiçoamento das máquinas e das técnicas que bene-
rendimentos
e planificação ficiamos de u m aumento da produção inexplicável pelos factores
da mão-de-obra. tradicionais mensuráveis.
Para certos espíritos curiosos, porém, esta explicação não era
convincente. C o m o se efectua o progresso tecnológico? T. W . Sc-
hultz foi o primeiro a abrir a «caixa negra da evolução técnica» e
a pressentir qual o papel da educação no crescimento económico3.

1. Ver &. P S A C H A R O P O U L O S , «The tniacro-pltaning of education: a clarifi-


cation of issues and a look into the future», Comparative education
review, Junho de 1975-
2. Ver R. S O L O W , «Technical change and the aggregate production func-
tion», Review of economics and statistics, Agosto de 1867; M . A B R A -
MOVTTZ, Resources and output trends in the United States since ¿870>
National Bureau of Economic Research, 1956 (Occasional papel n.° 52).
3. Ver T . W . S C H U L T Z , «Education and economic growth», Social factors
influencing American education. National Society for the Study of
'Education, 1961.

141
George Psacharopoulos

A partir daí, na planificação do desenvolvimento, verificou-se


nitidamente a tendência para preferir os investimentos na edu-
cação à formação de capital.

A Idade da Pedra

Inicialmente, os planos relativos à educação baseavam-se no m é -


todo das «comparações internacionais». C o m efeito, a maior parte
dos países não dispunha de séries de 'dados cronológicos nacionais
(mesmo transversais) permitindo utilizar outro método. O m é -
todo das «comparações internacionais» foi elaborado por Harbi-
son e Myers 1. Estes autores, apoiando-se e m dados provenientes
de vários países, «laboraram u m «índice compósito do desenvolvi-
mento dos recursos humanos». E m seguida, repartiram os países
do m u n d o por quatro grupos, de acordo c o m a sua posição neste
índice (sendo as posições extremas ocupadas pelo Níger, c o m
0,3 pontos, e pelos Estados Unidos, c o m 261,3 pontos). Depois
de terem estabelecido u m a correlação entre este índice, o rendi-
mento nacional e outras características socioeconómicas dos
diversos países, Harbison e Myers sugeriram aproximadamente
a seguinte estratégia: para aumentar o seu rendimento nacio-
nal, u m país deve começar por melhorar a sua posição sobre
o índice de desenvolvimento dos recursos humanos.
Quase todos os países do mundo, e sobretudo os países e m
desenvolvimento, adoptaram esta estratégia — u m dos resulta-
dos foi a proliferação das Universidades de estilo britânico nos
novos Estados independentes de Africa.
O método das comparações internacionais ainda é utilizado
— erradamente, e m minha opinião — e m certos países. Ele sus-
cita dois grandes problemas. E m primeiro lugar, admite u m a
relação de causa a efeito e m sentido único entre a educação
e o rendimento nacional, a qual existe, sem dúvida, embora
não seja possível deduzir e m que medida a educação é influen-
ciada pelo crescimento do rendimento nacional. C o m o não pode-
m o s determinar e m que sentido se exerce a causalidade, nesta
relação estatisticamente observada, basta esperar que o m e -
lhoramento deliberado da posição sobre o índice de Harbison
e Myers origine u m aumento do rendimento nacional. E m se-
gundo lugar, Harbison e Myers calculam o índice de desenvol-
vimento dos recursos humanos unicamente na base dos efectivos
do ensino secundário e pós-secundário 2. Excluem o ensino pri-
mário, o que não constituiria u m grave problema n u m país
avançado, onde a escolarização é universal ao nível primário.
Esta negligência do ensino primário, típica daquilo a que chamo

1. Ver P . H A R B I S O N e C- A . M Y E R S , Education, mcmpower and economic


growth, McGraw-Hill, 1964.
2. Este índice é igual a 1 S + 5 H , sendo S e H , respectivamente, os efec-
tivos do ensino secundario e pré-secundário. O coeficiente 5 é u m coefi^
dente de ponderação arbitrário dos efectivos do ensino superior.

142
A planificação da educação antigamente e agora

«a idade da pedra da planificação da educação», é, e m parte,


responsável pela expansão irreflectida das Universidades, espe-
cialmente nos países e m desenvolvimento 1.

A Idade Média

N a época em que Harbison e Myers prosseguiam as suas inves-


tigações sobre as comparações internacionais, outros planifi-
cadores dos recursos humanos estudavam as relações existentes
no interior de u m país entre a educação, a estrutura do emprego
e o rendimento nacional. Estes trabalhos permitiram elaborar
u m método, baseado na estimação das «necessidades e m re-
cursos humanos» (ou na previsão do emprego), que exerceu
sobre a planificação u m a influência muito mais perdurável do
que o método das comparações internacionais. Apresentamos
em seguida u m resumo2. E m determinado país, existe, e m qual-
quer momento, u m a relação entre a estrutura do emprego, o
nível de instrução da população activa e o nível da produção
(medida, em geral, pelo valor sectorial). Verifica-se, por exem-
plo, que, para produzir material eléctrico no valor de u m
milhão de dólares, se empregam, actualmente 50 engenheiros,
com formação de nível universitário. Se o país procura elevar
o seu rendimento nacional produzindo material eléctrico n u m
valor de 1,5 milhões de dólares, necessita, segundo o método
baseado na previsão do emprego, de formar mais 25 engenheiros
a nível universitário.
E m I960, a planificação da educação recorria essencialmente
a este método s . A partir daí, u m número incalculável de mono-
grafias foram consagradas à análise de matrizes «profissão-
-educação-actividade económica», com o fim de estabelecer
constantes neste complexo de relações *.
O método baseado na avaliação das necessidades em re-
cursos humanos conheceu u m grande sucesso e é ainda corren-

1. Por outras palavras, como se poderia preconizar u m a política de expan-


são do ensino primerio se este não entra e m linha de conta para o índice
de desenvolvimento dos recursos humanos? C o m o o onsino superior
'apresenta no índice u m coeficiente de ponderação igual a 5 (contra
u m coeficiente de ponderação implícito igual a O para o ensino primiá-
nio)¿ é natural que o planificador recomende u m a expansão do ensino
pós-secundário, d'e modo a melhorar a posição do seu país sobre o índice
de Harbison e Myers e a favorecer, assim, o aumento do rendimiento
nacional.
2. A exposição mais clara sobre o método baseado na estimação das carên-
cias e m recursos humanos encontra-se no estudo d'e H . S. P A R N É S ,
Besoins scolaires et développement économique et social, O C D E , 1962.
3. Ver o estudo da O C D E : Le projet régional méditerranéen: six pays en
quête d'un plan. Rapports par pays (Itália, Grécia, Turquia, Espanha,
Portugal e Jugoslávia).
4. Ver, por exemplo, o estudo da O C D E : Structures professionnelles et édu-
catives et niveaux de développement économique, 1970«

143
George Psaeharopoulos

temente utilizado na prática da planificação. Atribuo a sua


difusão e a sua popularidade à simplicidade da fórmula: «Para
aumentar a produção, são necessários mais engenheiros com
formação universitária» — tão fácil de compreender para os
administradores. N o entanto, examinando atentamente, este
método apresenta quatro defeitos da maior importância, e que
tornam a sua aplicação muito duvidosa.
E m primeiro lugar, supõe a existência de u m a relação fixa
entre a educação (sem falar do emprego) e a economia. N u m e -
rosos estudos recentes sobre as «elasticidades de substituição»
demonstraram que a economia pode perfeitamente progredir
com diferentes estruturas do emprego 1 . Para retomar o nosso
exemplo, poderíamos igualmente aumentar a produção de m a -
terial eléctrico empregando 10 engenheiros com formação uni-
versitária e 20 técnicos de nível médio.
E m segundo lugar, este método despreza o custo da for-
mação de pessoal qualificado suplementar. N o nosso exemplo,
é necessário, a todo o custo, formar 25 engenheiros suplemen-
tares para poder aumentar a produção. Mas, embora seja
igualmente possível fazê-lo com pessoal qualificado formado
mais economicamente, este método origina perda de eficácia —
ou seja, o contrário do efeito desejado.
O seu terceiro defeito deve-se ao facto das relações entre
a educação e a economia, que servem de base às previsões,
serem, e m larga medida, «determinadas pela oferta». Por outras
palavras, se u m país possui u m grande número de diplomados
e m direito, muitas profissões exigirão naturalmente uma for-
mação jurídica. Será necessário partir deste facto para prever
o número de diplomados e m direito «que exige a realização
dos objectivos de produção»? Certamente que não. Contudo,
praticamente todos os especialistas em previsão de emprego
caíram, e m determinado momento, nesta armadilha.
Aqui, sou obrigado a fazer u m a digressão. Já se tentou,
por vezes, fixar o nível mínimo de formação exigido por deter-
minadas profissões. Considero este procedimento arbitrário e
absurdo, pela simples razão de que u m a pessoa com o nível
de formação superior ao mínimo (?) fixado pelo planificador
exercerá a sua profissão mais eficazmente.
Finalmente, este método apresenta o defeito de conduzir
regularmente a previsões erradas quanto ao efectivo de pessoal
qualificado n o ano-alvo do plano.
O erro não é pequeno; pode ser da ordem dos 100 por
cento ou mais 2 , o que nada tem de surpreendente, tendo em

1. Ver G . P S A C H A R O P O U L O S , «Theoretical assumptions versus empirical evi-


dence In manpower planning», The Economist, Novembro-Dezembro
de 1973-
2. Para uma comparação pormenorizada das previsões e ida realização efec-
tiva dos planos relativos ao emprego e m certos países, ver B . A H A M A D
e M . BLAUG, The practice of manpower forecasting, Elsevier, 1973.

144
A planificação da educação antigamente e agora

conta as hipóteses e m que se baseiam as previsões do emprego.


Trata-se, de certo m o d o , da prova indirecta e a posteriori de
que as economias são suficientemente maleáveis para admitir
diferentes estruturas do emprego, s e m que a produção seja
afectada.

A grande ilusão

Este relato ficaria incompleto se eu ignorasse u m método


muito e m voga nos anos sessenta, m a s que parece já não o
estar actualmente: o dos modelos ditos «matemáticos, eco-
nométricos ou calculáveis» (sic). É evidente que todos os m o -
delos utilizados na planificação da educação o são mais ou
menos. M a s , os modelos e m causa formam u m a categoria
especial, fornecendo u m a análise muito pormenorizada das
relações entre o emprego, a educação, a população e a acti-
vidade económica 1 .
A maior parte deles decorre da análise dos contactos inter-
sectoriais e são do tipo utilizado pela previsão das necessidades
e m recursos humanos, m a s alguns deles pertencem à categoria
«previsão das necessidades de ordem demográfica e social».
E m minha opinião, estes modelos já não são utilizados devido
ao facto de não se ganhar muito c o m u m a formulação porme-
norizada. A preocupação do pormenor prejudica a utilidade
prática, tendo e m conta, sobretudo, a escassez dos dados na
maior parte dos países. Assim, os principais utilizadores deste
modelo foram, até agora, estudantes especializados e m esta-
tística, e m investigação operacional e e m economia, e não os
próprios planificadores.
Talvez devesse assinalar, porém, dois modelos que, desde
que devidamente simplificados, poderiam ser de utilidade prá-
tica para a planificação. U m é atribuído a Tinbergen 2 . O seu
interesse reside no carácter sequencial da solução (por etapas
de seis anos), o que permite descobrir pontos de estrangula-
mento, e m especial no que se refere à oferta de professores.
O outro modelo, elaborado por Stone, é útil na determinação
da incidência dos factores demográficos sobre a procura de
vagas n o ensino obrigatório3.

1. Para uma série dte modelos deste tîpo, ver Modèles mathématiques pour
la planification de l'enseignement, O C D E , 1969, e Modèles économé
ques de l'enseignement, O C D E , 1965, assim coroo a obra de C. A . M O S E R
e P. REDFERN, «Education and manpower: some current research»,
Models for decision, proceedings of a conference on computable mod
in decision making, English Universities Press, 1965.
2. TINBERGEN e H . C. Bos, Vn modèle de planification des besoms d'ensei-
gnement en fonction du développement économique, O C D E , 1965<
3. Ver R . STONE, Comptabilité démographique et construction de modèle
O C D E , 197.1.

145
George Psacharopoulos

O Renascimento

Tendo reconhecido os defeitos do método baseado na previsão


das necessidades e m recursos humanos, os planificadores da
educação voltaram à abordagem anteriormente proposta por
Schultz e Becker, e m particular à análise da relação custos-
-vantagens, ou «da taxa de rendimento do investimento na
educação» 1 .
N a sua forma mais simples, esta abordagem é diametral-
mente oposta ao método baseado na previsão das necessidades
e m recursos humanos: dá prioridade ao desenvolvimento dos
níveis do ensino que apresentam a relação custos-vantagens
sociais mais favorável. Entre os custos sociais figuram, e m
primeiro lugar, o custo real da educação — que é considerável,
m e s m o quando o ensino é gratuito— e, e m segundo lugar,
aquilo que a população escolarizada não ganha. A s vantagens
sociais do ensino superior medem-se pela diferença entre as
remunerações ilíquidas dos diplomados pela Universidade e dos
diplomados pelo ensino secundário.
A análise custos-vantagens apresenta numerosos defeitos,
dos quais o principal se deve à impossibilidade de medir exac-
tamente as vantagens sociais dos investimentos nos vários
níveis de ensino. Se considerarmos as vantagens monetárias,
a política geral deveria opor-se à que indica o método baseado
na previsão das necessidades em recursos humanos: para pro-
mover o crescimento económico e a eficácia, é necessário con-
siderar prioritários os níveis inferiores do ensino2.
U m a nova repartição dos créditos concedidos à educação,
favorecendo o ensino primário, e não o ensino superior, nos
países e m que a escolarização não é universal no primeiro grau,
teria o efeito de aumentar consideravelmente o rendimento
nacionals.

A situação actual

Considerando a situação actual da planificação da educação,


gostaria de estabelecer u m a distinção nítida entre a prática
e a investigação teórica. N e n h u m observador, m e s m o superfi-
cial, pode contestar que o 'método baseado n a previsão das
necessidades e m recursos humanos domina actualmente a prá-
tica— o que julgo lamentável, pelas razões acima indicadas.

1. Ver T. W . S C H U L T Z , op. cit., e G . S. B E C K E R , «Underinvestment in college


education?», American economic review, Maio de 1960.
2. Esta conclusão aplica-se a numerosos países, quase sem excepção.
Ver G- P S A C H A R O P O U L O S , Returns to education, Elsevier, 1973u
3. Ver G . D O U G H E R T Y « G- P S A C H A R O P O U L O S , «The misallocation cost of
investment in 'education», Journal of human resources, Outono de 1877.

146
A planificação d a educação antigamente e agora

Independentemente da ilusão que proporciona, de poder


prever o numero de engenheiros que exige o crescimento eco-
nómico, este método, a despeito das suas insuficiências n o
plano teórico, continua popular na prática, devido à sua c o m o -
didade. O s dados necessários à sua aplicação corrente são
fáceis de recolher. E m quase todos os países do m u n d o , existe
actualmente u m a matriz emprego-educação-actividade econó-
mica, assim como u m plano nacional que fixa objectivos de
crescimento até ao ano 2000. Efectuando u m centena de divi-
sões e de multiplicações c o m a ajuda de u m ordenador, é
possível estabelecer, e m poucos dias, u m plano de educação
muito apresentável — em todo o caso, aceitável para u m m i -
nistro d a educação que não dispõe do tempo n e m d a compe-
tência necessários para compreender e criticar o método de
cálculo utilizado.
N o plano da investigação teórica, grandes aperfeiçoamentos
foram recentemente introduzidos no modelo de base custos-
-vantagens acima descrito.
E m particular, tentou-se corrigir as estatísticas salientando
a superioridade d a formação universitária, ou a influência do
meio socioeconómico e das diferenças genéticas1. Estes pro-
blemas são analisados do ponto de vista das funções d a remu-
neração ou do desenvolvimento da carreira. Os dados requeridos
são estabelecidos n a base de observações referentes a amostras
de indivíduos (e não a grupos), donde a impopularidade destes
modelos junto dos planificadores da educação. Estes dados só
há pouco tempo se encontram disponíveis n a maior parte dos
países e a sua análise exige tempo e esforço. Não se prestam
a u m cálculo rápido.
Os progressos actuais neste domínio não dizem respeito
unicamente aos modelos analíticos, m a s aos próprios objec-
tivos da planificação. Nos último® vinte anos, o único objectivo
da planificação d a educação tem sido a eficácia económica ou
o aumento do rendimento nacional. Actualmente, atribui-se cada
vez mais importância aos princípios de equidade e de repartição.
U m a estratégia da educação estabelecida com u m a preocupação
de eficácia pode ser equitativa? Favorece o emprego? Estas
questões são complexas e não comportam soluções fáceis ou
únicas2.

li Apesar da controvérsia que se desenvolve nos meios especializados, o


estudo de C. J E N C K S , Inequality, Basic Books, 1972, constitui u m bom
exemplo de uma abordagem combinando a sociologia, as ciências da
educação, a genética e a economia. Ver também p . T A U B M A N , «The
determinants of earnings: genetics, family and other environments;
a study of white male twins», American economic review, Dezembro
de 1976.
2, Ver G- P S A C H A R O P O U L O S , «Measuring the welfare effects of educational
policies», em V . H A L B E R S T A D T e A . C U L Y E R (dur. pufol.), Public econo-
mics and human resources, Cujas, 1977.

147
George Psacharöpoulos

Para prosseguir as investigações, parece ser esta a via mais


segura.
Porém, como os créditos concedidos à investigação se tor-
n a m mais escassos, seria mais vantajoso, e m minha opinião,
abandonar a análise tradicional das matrizes emprego-educação
para estudar as relações de comportamento importantes para
a plnificação da educação. Assim, não posso compreender qual
o interesse de continuar a avaliar as taxas de rendimento no
ensino primário, que sabemos serem elevadas, com toda a pro-
babilidade, enquanto ignoramos, a priori, qual a rentabilidade
social do investimento nos diverhos sectores do ensino superior.
Outro domínio que deveria ser objecto de u m a atenção
profunda nos próximos anos é a análise das características
pessoais e institucionais. U m a vez que somos incapazes de
medir directamente as vantagens sociais da educação, devemos
tentar, pelo menos, aperfeiçoar as medidas indirectas. N u m a
economia de livre concorrência, a primeira é o nível de remu-
neração, que convém considerar e m função de diversos fac-
tores ligados à educação.
Para terminar, gostaria de dizer que a tendência actual
favorece u m plano de educaçãoflexível,evolutivo, facilmente
adaptável às circunstâncias. Só poderemos elaborar este plano
na base de u m a observação constante do complexo socioeco»-
nómico-educativo. Sinais com as remunerações excessivas e m
certas profissões ou o desemprego dos jovens diplomados de
certas disciplinas universitárias, podem ajudar os responsáveis
pela politica da educação a adoptar medidas correctivas. Con-
tudo, c o m o toda a política da educação tem efeitos a longo
termo, eu preconizaria transformações progressivas, sem aba-
los, e m vez de grandes perturbações na estrutura da oferta.
E m matéria de planificação da educação, o objectivo supremo
consiste, actualmente, e m formar homens capazes de dar provas
de maleabilidade, de se reciclarem, de se adaptarem a u m
M u n d o e m constante transformação.

148
Malcolm S. Adiseshiah

Reforma da educação
e cooperação internacional
nos anos oitenta

Malcolm S. Addseshiah A reforma da educação


(India). nos anos oitenta
Antigo director
geral adjunto
da UNESCO. Seguem-se, e m matéria de preliminares, quatro propostas gerais
Reitor respeitantes à reforma da educação nos anos oitenta.
da Universidade
de Madras. GUSTO DA, REFORMA
Presidente
do Conselho A reforma da educação que é necessário realizar nos anos
Internacional oitenta custará menos do que a educação — «deseducação» —
Internacional ou ausência de educação — «não-educação» — que caracterizou
da Educação os anos sessenta e setenta. Calculou-se, por meio de vários
de Adultos.
Autor de Que mon estudos, o custo da «deseducação» devida ao facto de W a s h -
pays s'éveille; ington, Karachi, Adis Abeba, Santiago e Beirute terem deci-
B est temps d'e passer dido empenhar-se, durante os anos sessenta e setenta, na via
à l'action. única de u m desenvolvimento da educação inspirado unicamente
nos modelos escolares e universitários imediatamente disponí-
veis, isto é, nos modelos tradicionais ou estrangeiros 1. Consi-
derando unicamente o insucesso escolar, a inaptidão para
qualquer função, o desemprego e o subemprego, o custo d a
«deseducação» representaria 50 a 60 por cento das despesas
anuais do ensino. E m todo o m u n d o , que gasta todos os anos,
com este fim, 275 mil milhões de dólares, esta despesa ultra-
passaria a centena de milhões2.
O custo da não-educação dos 800 milhões de adultos anal-
fabetos dos anos setenta e dos 820 milhões dos anos oitenta
não foi calculado3. Estes analfabetos representam três quartos

li G O V E R N O D E T A M I L N A D U ( Í N D I A ) , Report of the Education Finance


Committee, pp. 3 a 20, Madras, 1976; G A B I N E T E I N T E R N A C I O N A L D O
T R A B A L H O , Matching employment opportunities anã expectations: a pro-
gramme of action for Ceylon, Genebra, 1971; G . W A T S O N , Change in
school systems, N E A , Washington, 1967; U N E S C O , Apprendre à être,
(pp. 46-56, UNESCO-Fayard, 1972,
2, U N E S C O , Annuaire statistique, Paris, 1975.
3. U N E S C O , Alphabétisation 1969-1971. Progrès de l'alphabétisation dans
les divers continents, Paris, 1972, 143 p.; H . REIFF, The role of educa-
tional planning in situations of unemployment, Paris, 1976, 23 p.

149
Malcolm S. Adiseshiah

dos «pobres»: são os miseráveis, e também as vítimas do de-


semprego e do subemprego, de tal m o d o que o custo da sua
não-educação calculado do ponto de vista económico, isto é,
da perda de produção e de produtividade (sem falar do custo,
impossível de calcular, da sua não-participação na vida política
e cultural do país), aproxima-se, sem dúvida, do da «desedu-
cação». A s reformas e inovações actualmente consideradas
para os anos oitenta custarão cerca de metade do que a per-
severança na «deseducação» e na não-educação. Por conse-
guinte, o argumento da despesa, invocado contra a reforma
da educação não tem consistência.

AJDCANOE DA REFORMA
A o realizar planos para o III Decénio do Desenvolvimento,
é necessário que este não seja concebido como crescimento
unidimensional do rendimento, do produto bruto ou do produto
líquido, ou qualquer outra coisa, m a s como u m processo plu^
ridimensional no qual entram e m jogo u m meio natural, relações
sociais, u m a educação, u m consumo e u m bem-estar que res-
ponde às necessidades e, e m primeiro lugar, às necessidades
essenciais da maioria dos miseráveis (ou seja, hoje e m dia,
1200 milhos de homens, mulheres e crianças). Esta tomada
de consciência deve acompanhar-se de u m a reestruturação e
de u m a renovação da educação1. Exclui-se que esta se apoie,
como nos anos sessenta e setenta, unicamente no sistema
escolar e universitário. Basta considerar a dimensão do desen-
volvimento, tal como a acabamos de definir, para ver a que
ponto o que a escola e a Universidade, m e s m o reformadas,
podem fazer de melhor, está longe de problemas como a con-
servação da biosfera, a produção, a distribuição e a utilização
dos bens de grande consumo e da realização do bem-estar
pessoal e social que assenta na participação e nas decisões
individuais. E m vez de assentar exclusivamente, do início até
ao fim, na escola e na Universidade (calculou-se que, para
escolarizar, até ao ano 2000, os 60 milhões de crianças dos
6 aos 14 anos, a índia deveria construir todos os dez minutos
u m a escola com 250 lugares2, a educação será concebida C o m o
u m a função permanente de todo o meio social. Ela não terá
por domínio e por finalidade apenas o sucesso e o enriqueci-
mento pessoais, m a s também, ou até mais, o progresso da
sociedade no seu conjunto; o que significa que, e m princípio,
a educação seria u m a obrigação permanente de toda a socie-
dade e m relação a cada u m dos seus membros, encarando

1. P. A . SAMÜELSON, L'économique, Paris, Armand Colin, 1969; M . S. ADISE-


SHiAH, Que mon pays s'éveille, U N E S C O , Paris, 1970; D A G H A M M A R S -
KJÖLD FOUNDATION, What now: another development, Uppsala, 1975.
2. S. C. SËTH, An outlook for India's future (2000 AD), p. IV, Nova Deli,
NCST, 1976-

150
Reforma da educação e cooperação internacional
noa anos oitenta

de frente a aprendizagem, o trabalho, a produção. N ã o se


aprenderá unicamente nas escolas (possuímos, de resto, u m
número suficiente de estabelecimentos se os utilizarmos 20 ou
24 horas por dia durante 365 dias por ano, e m vez de conti-
nuarmos, como actualmente, a servirmo-nos deles 5 horas por
dia durante 180 ou 200 dias por ano), m a s t a m b é m nos novos
anexos (biblioteca, laboratório, oficina, pátio de criação ou
campo desportivo) que qualquer cooperativa agrícola ou fábrica,
hospital ou gabinete incluirão. N o s anos oitenta, as despesas
de educação deverão ser precisamente dedicadas à aplicação
destas estruturas educativas, de m o d o a eliminar o fosso entre
o m u n d o do trabalho e o m u n d o do saber, e a fabricar este
novo ser, o trabalhador-estudante, o professor-aprendiz, que
contribui directamente para o desenvolvimento, tal c o m o o
definimos.

FINALIDADE DA REFORMA
N o s anos oitenta, u m dos principais objectivos d a reforma
da educação consistirá e m lhe conferir u m a estrutura tal que
se possam começar a corrigir as desigualdades que, no plano
nacional e internacional, caracterizaram os sistemas de edu-
cação dos anos sessenta e setenta, o que vai de encontro
ao desejo da Organização das Nações Unidas que pretende
eliminar, até meados do século xxi, a desigualdade de desenvol-
vimento — mais u m a vez, tanto no plano nacional c o m o inter-
nacional — e contribuirá para a aeção a realizar 1. O impor-
tante estudo, dirigido por Léontief, representa u m avanço real
na análise e reflexão sobre o desenvolvimento; propõe diversos
argumentos adaptados aos objectivos enunciados na Declaração
referente à instauração de u m a nova ordem económica inter-
nacional, segundo os quais a diferença de rendimentos entre
países industrializados e países e m desenvolvimento, que era
de 12 para 1 e m 1970, será apenas de 7 para 1 n o ano 2000 2 .
O modelo mais frequentemente apontado e no qual se baseia
esta conclusão compreende 45 sectores de actividade económica,
8 tipos de poluentes consideráveis e 5 tipos de actividades de
redução da poluição e, de acordo c o m o mandato de que pre-
cede, o estudo procura os meios de remediar a desigualdade
dos rendimentos no plano internacional. O resultado é obtido,
segundo este estudo, por inversão dos dados de desigualdade
no interior de cada país. Assim, no sector «alimentação e agri-
cultura» do modelo, são integradas a execução de «reformas
agrárias e outras transformações sociais e institucionais» e a
aplicação da enorme mão-de-obra subutilizada, condição a preen-

1. 1999. L'expertise de Wassily Léontief. Une étude de l'ONU sur l'écon


mie mondial future, p. 55, Paris, Dunad, 1977.
2. ORGANIZAÇÃO DAS N A Ç Õ E S UNIDAS, Resolução 3201 (S-VI) da Assembleia
Geral, iNova Iorque, 1 de Maio de 1974.

151
Malcolm S . Adiseshiah

cher obrigatoriamente para superar os obstáculo® não tecno-


lógicos à utilização mais extensiva dos solos e da produtividade;
no sector do investimento e da industrialização, salientam-se
as medidas especialmente destinadas a facilitar « u m a repar-
tição mais igualitária dos rendimentos nos países e m vias de
desenvolvimento: os benefícios de u m aumento mais rápido
do rendimento médio por habitante poderão, então, ser plena-
mente partilhados» — e, e m primeiro lugar, pelas categorias
mais desfavorecidas; os autores do estudo exigem, por fim,
«reformas radicais nas estruturas sociais, políticas e institu-
cionais dos países e m vias de desenvolvimento» que devem
acompanhar «as modificações de ordem económica mundial».
M a s , no estudo, faltam dois elementos ao educador. Trata-se,
e m primeiro lugar, do papel que a educação deve desempenhar
na realização do programa destinado a instaurar a nova ordem
económica internacional, e, e m seguida, dos correctivos que
convém introduzir, tanto no domínio da educação c o m o nos
outros, nas desigualdades existentes no plano interno e no plano
internacional. Ora, no que se refere a este sector da educação
omitido, de resto, no modelo, verifica-se que é invocado, indi-
rectamente, por vezes de m o d o descuidado. Por exemplo, a
propósito das condições que permitem assegurar o crescimento
no sector da alimentação e da agricultura, o estudo aponta
o aumento da produtividade da terra que, para atingir, nos
países e m desenvolvimento, o nível actualmente alcançado pelas
regiões desenvolvidas, exige u m a forte intensificação da inves-
tigação e do desenvolvimento — e m especial c o m o fim de obter
«as espécies vegetais e animais de rendimento optimal» nas
condições naturais das regiões e países e m questão —, «a edu-
cação dos camponeses» e a utilização da enorme mão-de-obra
subempregada destas regiões para «intensificar o trabalho de
melhoramento dos solos e de plantação». C o n v é m desenvolver
estas vagas alusões esporádicas e transformá-las n u m a verda-
deira reforma da educação adaptada à nova ordem económica
internacional, tal como é apontada pelos modelos estabelecidos
pelas Nações Unidas. Esta reforma pretende inverter a ten-
dência para as desigualdades crescentes e m matéria de edu-
cação entre países ricos e pobres, que marcou os anos sessenta
e setenta. N o plano internacional, surgiram quatro tipos de
desigualdades entre os dois grupos de países: desigualdade na
repartição dos recursos para o ensino, desigualdade nas taxas
de desenvolvimento da infra-estrutura, desigualdade nos resul-
tados escolares e nível de instrução, desigualdade, por fim, no
valor dos diplomas atribuídos. N o s anos oitenta, o fosso deveria
começar a diminuir, de tal m o d o que, de acordo com o modelo
económico internacional, esteja reduzido a metade no ano 2000
e completamente eliminado e m meados do século xxi. A outra
série de desigualdades, igualmente graves, e m matéria de edu-
cação situa-se no plano nacional. C o m efeito, existe, e m todos

152
Reforma da educação e cooperação internacional
nos anos oitenta

os países, desiguldade entre a repartição dos meios de ensino


na cidade e no campo. N a verdade, o modelo escolar do meio
industrial urbano é imposto às estruturas agro-rurais da socie-
dade, e a educação é recusada à maioria dos adultos (60 a
90 por cento nos países e m desenvolvimento) ; existe desigual-
dade entre rapazes e raparigas e m relação à escola, entre
homens e mulheres na educação de adultos; existe, enfim,
o preconceito de classe que marca o sistema escolar. Estudos
sobre a repartição da educação n u m dos maiores países e m
desenvolvimento salientam que 80 por cento daqueles que rea-
lizam estudos escolares e universitários completos provêm de
camadas sociais que constituem u m quinto da sociedade1.
O facto desta desigualdade persistir m e s m o depois de se terem
reservado, no m o m e n t o das inscrições, 49 por cento das vagas
disponíveis e m cada classe e cada disciplina para os que não
tinham podido frequentar a escola, indica provavelmente que
é inútil pretender assegurar a igualdade de acesso aos estabe-
lecimentos escolares enquanto a colectividade sofrer de graves
desigualdades socioeconómicas que não cessam de se acentuar.
D e facto, as taxas de aproveitamento escolar e universitário
reflectem a estrutura de classe da sociedade considerada, na
qual 60 por cento dos indivíduos se situam abaixo do limiar
de pobreza e e m que 20 por cento dos exploradores agrícolas
possuem 70 por cento das terras aráveis. Neste contexto, á
desigualdade e m matéria de educação alimenta-se e reforça-se
a si mestma. A élite instruída assemelhanse a esse proprietário
não residente ou a .esse fabricante possuidor de u m monopólio,
os quais se encontram e m condições de assegurar u m rendi-
mento que, no estado actual de desenvolvimento da educação
nos diversos países, comporta u m elemento de renda capaz
de perpetuar e reforçar as muralhas da desigualdade. N o inte-
rior do país, a reforma da educação deve constituir u m dos
elementos do combate travado pela maioria deserdada para
aceder à igualdade e assegurar u m a participação e m todas
as decisões de ordem política e económica ou referentes à edu-
cação. Esta reforma, destinada a abolir as desigualdades, apre-
senta ainda outro aspecto: o que consiste e m assegurar a
igualdade de desenvolvimento da educação entre países e m
desenvolvimento. A nova ordem económica internacional está
votada ao insucesso se apenas alguns países e m desenvolvi-
mento procederem às reformas necessárias da educação. A o
nível mais elementar, se, por exemplo, a grande massa dos
analfabetos continua a aumentar na maior parte dos países
e m desenvolvimento, o mercado dos produtos industriais res-
tringir-se-á necessariamente e atrasará o funcionamento e a
industrialização dos países que se encontram e m condições de

1/ N C E R T , Field studies in the sociology of education, N o v a Deli, 1971.

153
Malcolm S. Adiseshiah

avançar no plano económico e da educação. É por isso que se


torna necessário que os anos oitenta m a r q u e m u m ponto de
partida para a igualdade, no plano do desenvolvimento da
educação, entre países ricos e países pobres, entre países do
Terceiro M u n d o e, talvez mais ainda, entre os habitantes de
cada país.
FUNDO D A REFORMA
Quanto ao fundo, a reforma da educação nos anos oitenta
constituirá u m a reacção à transformação. Até agora, na ver-
dade, a visão dos acontecimentos era muito simples. N o plano
conceptual, equivalia a considerar todos os factos como enti-
dades isoladas do contexto n u m modelo abstracto. Nesta espé-
cie de quadro inamomível, a educação tinha u m carácter fun-
damental da estabilidade, de continuidade sem imprevistos.
É este mundo que abandonamos, para entrar n u m universo
e m vertiginosa mutação, do qual a Comissão Internacional da
U N E S C O esboçou u m quadro tão vivo e m Apprendre à être1.
Para ailém de tudo isto, existe o salto eim frente da ciência
e da tecnologia tantas vezes descrito e a propósito do qual
Apprendre à être nos diz que «tudo nos leva a crer que esta
progressão do saber e dos poderes do h o m e m , que adquiriu
u m aspecto vertiginoso nos últimos vinte anos, está apenas
no início» 2. Até m e s m o u m a transformação de ordem puramente
quantitativa — o facto, por exemplo, de a população mundial
ter duplicado até ao fim deste século 3 — terá efeitos dramá-
ticos sobre a oferta de produtos alimentares, a exploração
dos recursos e a poluição, a educação, a saúde e a infra-estru-
tura normal do desenvolvimento.
N o s países e m desenvolvimento, considera-se u m a derrota
para o sistema de ensino e u m desonra para o sistema social
pertencer ao número dos que abandonam, voluntariamente
ou não, a escola antes do fim dos estudos. Estes países exer-
cem grandes esforços sobre tudo o que pode contribuir para
aumentar o poder de retenção do sistema escolar e, como não
conseguiram, deste m o d o , dissipar o mal-estar resultante das
desistências, voluntárias ou não, voltam-se actualmente para
diversos programas de educação extra-escolar para proporcio-
nar, para além do sistema, u m a instrução elementar mínima
e possibilidades de estudos mais desenvolvidos e de educação
permanente. Nos países industrializados, pelo contrário, a ideia
de que a desistência dos estudos deveria constituir a regra
e ser estimulada nos alunos mais velhos parece ganhar terreno.
E m vez de preparar os jovens para a civilização industrial,
a escola incita-os a sair da via de sentido único, a descer do

1. Apprendre à être, pp. 99 a 181, Paris, UiNESCO-FayaUd, 1972.


2. Ibid., p. 102.
3. D e acordo com as projecções demográficas médias das Nações Unidas.

154
Reforma da educação e cooperação internacional
nos anos oitenta

tapete rolante que o sistema escolar representa, para seu b e m


e da sociedade.
N ã o é, pois, unicamente a rapidez com a qual os aconte-
cimentos se sucedem no nosso m u n d o que é excepcional; não
é apenas a natureza destes acontecimentos, a qual não se adapta
a nenhum dos sistemas conhecidos — astral, biológico ou eco-
nómico — m a s corresponde a u m a série de roturas de sistemas,
que é surpreendente; não é apenas o seu efeito sobre os valo-
res morais e espirituais— e m especial a perspectiva do agra-
vamento das desigualdades, da exploração e da iniquidade —
que exige a nossa atenção : é todo este conjunto, ao qual deve-
m o s acrescentar aquilo a que chamamos a transformação, que
faz, a partir de agora, parte integrante da vida quotidiana da
nossa época e da nossa sociedade, a ponto de só podermos
estar certos de que os anos oitenta não são c o m o os anos
setenta, de que a educação, neste contexto, pode e vai tornar-
-se u m a variável social independente e, paia o Terceiro M u n d o ,
o instrumento e o reflexo de u m a sociedade mais madura e
mais justa.

Cooperação internacional
para a reforma da educação

DISSOCIAÇÃO
A cooperação internacional deverá, à partida, prosseguir o pro-
cesso de dissociação nos contactos, análises e acções comuns
interpaíses iniciada nas conferências regionais para a educação
nos anos sessenta conducente à constituição de unidades e de
subunidades mais homogéneas. A este respeito, o modelo da
Organização das Nações Unidas poderia servir de inspiração.
N a base do rendimento, este modelo subdivide a economia
mundial e m quinze regiões e a economia de cada região é ven-
tilada e m quarenta e cinco sectores de actividade. Regiões e
sectores são, e m seguida, reunidos por u m mecanismo complexo
de ligações n u m modelo de análise global. D o ponto de vista
da reforma da educação, as cinco regiões tradicionalmente con-
sideradas pela U N E S C O merecem ser subdivididas, desta vez
e m função do nível de reestruturação, de renovação e de ino-
vação atingido pela educação e m cada país. Se aplicássemos
este critério à região da Ãsia, por exemplo, seria tentado a
subdividir esta região e m cinco subregiões e a promover, no
interior de cada u m a delas, os contactos, a elaboração de planos
e programas e a execução de projectos comuns.
ENQUADRAMENTO
Quer tenha por objectivo o aumento da produtividade interna
ou a renovação e a reestruturação exigidas pela teoria da
educação permanente, ou ainda a redução das desigualdades
no plano internacional e no plano nacional, ou pretenda trans-

155
Malcolm S . Adiseshiah

formar a educação n u m agente entre outros ou n u m agente


único de transformação, a reforma da educação deve ser for-
mulada e m diversos painéis a escolher pelo grupo de países
interessados para os anos oitenta ou noventa, e até ao fim
do século. Tendo e m vista os painéis a estabelecer para a edu-
cação nos grupos de países dissociados acima apontados, talvez
fosse mais fácil reter a divisão, nas quinze subregiões, operada
pelas Nações Unidas, pois é necessário, para cada região, que
o paiinejl da educação seja elaborado no âmbito e na linha
do painel de desenvolvimento mais geral, estabelecido pelas
Nações Unidas. O que significa, por exemplo, que será ne-
cessário utilizar a cooperação internacional para estabelecer
três ou quatro painéis aplicáveis a cada u m das 5 subregiões
da região do Programa Asiático de Inovações Educativas Tendo
e m Vista o Desenvolvimento ( A P E I D ) que corresponde à divi-
são efectuada pelas Nações Unidas para esta região. Seria
necessário que pelo menos u m dos painéis previstos para cada
u m a destas subregiões conduzisse a u m a reforma capaz de
reduzir para metade, até ao fim do século, as desigualdades
e m matéria de educação no plano internacional. Deveria, então,
ser possível deduzir o quadro para os anos oitenta. Este método
do painel elimina o das projecções aplicado nos anos sessenta
e setenta; enunciam-se, para o fim dos anos oitenta ou para
o fim do século, finalidades e objectivos de ordem qualitativa,
de acordo c o m os quais se fixam diferentes orientações da
reforma para cada subunidade.

A COOPERAÇÃO
ENTOE OS PAISElS DO TERCEIRO M U N D O
U m dos elos que falta no desenvolvimento internacional e no
movimento mundial a favor da educação é a ausência quase
total de cooperação entre os países do Terceiro M u n d o . Até
agora, esta cooperação reduziu-se a belas frases e a resolu-
ções s e m consequências. Ora, quando se trata de reforma da
educação (contrariamente ao que se passa e m matéria de
corentes de capitais, ou de contactos comerciais), a comunidade
e a identidade de problemas e de soluções — sobretudo neste
domínio fundamental dos programas destinados a corrigir as
desigualdades e as injustiças da sociedade e da educação no
plano nacional — militam a favor de u m a cooperação c o m o
Terceiro M u n d o e no seu interior. Tratando-se de u m domínio
politicamente explosivo, socialmente delicado, impossível de
relegar para último plano do ponto de vista moral e económico,
só a cooperação com o Terceiro M u n d o e no seu interior é pra-
ticável e pode ser frutuosa. O s agrupamentos dissociados e os
painéis efectuados proporcionam u m a base normal e natural à
cooperação dos grupos e subgrupos de países do Terceiro M u n d o
na reforma da educação.

156
Reforma da educação e cooperação internacional
nos anos oitenta

Estratégia internacional da reforma

Partindo destes enquadramentos subregionais dissociados, seria


possível elaborar u m a estratégia internacional tendo e m vista
a reforma da educação, a qual constituiria u m elemento da
nova ordem económica internacional e da estratégia interna-
cional do desenvolvimento para o III Decénio. Esta estratégia
internacional para transformação da educação no m u n d o seria
realizada a partir de u m conjunto de políticas concertadas de
reforma que, por u m lado, completaria o esforço de integração
económica regional previsto no estudo sobre o futuro d a eco-
nomia mundial realizado para as Nações Unidas e, por outro,
consideraria a utilização e m c o m u m de toda a espécie de meios
e de circuitos. Seguem-se alguns dos domínios e m que a re-
forma rápida e profunda da educação exigirá necessariamente
a gestão conjunta e a utilização colectiva de vastas infra-
-estruturas.

DEMOCRATIZAÇÃO D A EDUCAÇÃO

O desenvolvimento quantitativo da educação escolar nos anos


sessenta e setenta, devido a diversos estímulos, como bolsas
de estudo, gratuidade ou preços subsidiados dos manuais,
gratuidade dos uniformes escolares, das refeições durante o
dia e de habitação, deverá ser completado de m o d o intensivo,
ou até, e m certa medida, substituído: a) por u m programa
de educação de adultos tendente, e m particular, a alfabetizar
os 820 milhões de analfabetos que representarão, nesse m o -
mento, 29 por cento da população adulta — ltrata-se de pro-
gramas a aplicar o mais rapidamente possível para lutar
contra o desemprego e o subemprego de 300 milhões de
pessoas1 e de programas que permitam iniciar o desenvolvi-
mento rural integrado2, que constituem o programa de edu-
cação e de alfabetização dos adultos; b) por u m sistema de
educação extra-escolar c o m tudo o que implica de horas, locais,
modos de aprendizagem e programas intensivos de estudos para
todos aqueles que sie m a n t ê m afastados da escola, por terem
sido obrigados a deixá-la ou forçados a abandoná-la pela si!m-
pfes razão de serem pobres ; c) por uim sistema de aprendizagem
compensatório destinado aos inúmeros aprendizes da primeira
geração, de tal m o d o que a igualdade de ajcesso à educação
possa favorecer a igualdade d a instrução adquirida. Todo este

1« GABINETE INTERNACIONAL D O T R A B A L H O , L'emploi, la croissance et les


besoins essentiels. Problème mondial, Genebra, 1976.,
2. U N E S C O , L'éducation en milieu rural, Paris, 1974, 65 p.; Développe-
ment économique et programmation de l'éducation rurale, Paris, ¡1966;
G O V E R N O INDIANO, A programme of integrated rural development, Nova
Deli, 1976, 22 p.; U N E S O O / P í N U D , Programme experimental mondial
d'alphabétisation: évaluation critique, Paris, 1976, 231 p.

157
Malcolm S . Adiseshiah

trabalho de democratização representa u m dos nueios de come-


çar a eliiiiiinar as desigualdades existentes e m matéria de edu-
cação, tanto no plano internacional c o m o nacional.
TECNOLOGIA E INFRA-BOTRUTURA
DA EDUCAÇÃO
Para satisfazer a enorme clientela dos anos oitenta, será ne-
cessário, por u m lado, utilizar colectivamente, no plano multi-
nacional, toda a g a m a de instrumentos electrónicos e, por outro
lado, empregar manuais e fichas de ensino programado para
assegurar a grandes grupos u m a aprendizagem individualizada
e progressiva. A rádio e a televisão poderão igualmente, graças
a u m a organização colectiva da m e s m a ordem, proporcionar
a cada estabelecimento e a efectivos de adultos e de alunos,
cada vez mais importantes, u m a educação de qualidade e m ó -
dulos de aprendizagem variados, destinados a despertar o inte-
resse, o que, actualmente, está reservado para certos estabele-
cimentos de élite. Sobre este ponto, podemos remeternnos a
u m programa de cooperação internacional para organizar a
exploração colectiva de infra-estruturas importantes assentes
e m sistemas de comunicação de técnica avançada, cuja utili-
zação e m escala reduzida por países isolados não seria ren-
tável, apresentando m e s m o efeitos negativos. Entre estas infra-
-estruturas colectivas poderiam figurar os satélites de recepção
directa, os bancos de programas audiovisuais e a produção
c o m u m de material de ensino e de aprendizagem. Além disso,
será igualmente necessário apelar para a cooperação interna-
cional para que, nos anos oitenta, os países e m desenvolvimento
se libertem u m pouco d a importação de produções industriais
de carácter educativo que lhes chega, actualmente, dos países
avançados. D e acordo c o m a divisão internacional do trabalho
que reina actualmente, sociedades multinacionais fabricam e
fornecem, ou m o n t a m através das suas filiais situadas nos
países do Terceiro M u n d o , certos produtos de carácter educa-
tivo que reclamam u m a infra-estrutura industrial: papel, cane-
tas e lápis, manuais e obras de consulta, aparelhos audiovisuais
para filmes e bandas video, material científico simples ou c o m -
plexo, laboratórios e bibliotecas ; seria necessário instaurar outra
divisão do trabalho suscitando a criação, nas subregiões consi-
deradas, destas indústrias educativas para alimentar o enorme
mercado que oferecem os países da região e atenuar, assim,
a hemorragia de recursos que a importação dos produtos de
infra-estrutura educativa impõe actualmente a estes países e m
desenvolvimento. Tratasse de u m domínio e m que é necessário
realizar u m a política colectiva e concertada para proceder aos
estudos de mercado e assegurar as contribuições necessárias
e m capital e habilidade técnica tendo e m vista a criação desta
indústria educativa destinada a satisfazer a procura massiva
dos países e m desenvolvimento.

158
Reforma da educação e cooperação internacional
nos anos oitenta

ORDENAMENTO DOS PROGRAMAS D E ESTUDO


Neste domínio, os grandes problemas, de resto independentes,
que exigirão o exercício da cooperação internacional são o
desemprego, o desenvolvimento rural e a escala de valores.
Nos países e m desenvolvimento, a relação entre o programa
de estudos e os objectivos e m matéria de emprego dá origem
a u m vasto debate. C o m o já vimos, este debate assume u m a
nova acuidade dadas as perspectivas de desemprego massivo
que atinge os países, os pais e os alunos. O problema não
existe para os programas de educação de adultos e outras
formas de educação extra-escolar porque preparam especifi-
camente para determinados tipos de emprego e de ocupação
independente. São os programas de estudo dos estabelecimentos
escolares que devem absolutamente acomodar-se, pois a sua
falta de relação c o m o emprego conduz a u m a redução dos
efectivos. Neste aspecto, a utilidade da cooperação entre países
consistirá e m substituir os produtos actuais do sistema escolar
não utilizáveis por produtos garantidos utilizáveis graças ao
estabelecimento de normas e de metodologias fixadas de c o m u m
acordo. Além disso, é necessário considerar a relação dos pro-
gramas de ensino c o m as necessidades do desenvolvimento
rural. Por outro lado, deve substituir-se o modelo escolar actual-
mente utilizado nos países e m desenvolvimento, resultante do
complexo industrial urbano dos países industrializados. A o nível
do ensino superior, a tarefa é mais complexa e poderíamos,
e m primeiro lugar, tomar iniciativas a curto prazo, destinadas
essencialmente a conferir às disciplinas tradicionais u m a orien-
tação rural, isto é, a basear estas disciplinas nas necessidades
da colectividade rural, completado-as c o m u m ensino prático
e m relação com a matéria de base. O método de aprendizagem
consistirá, então, para o estudante, e m aplicar os seus conhe-
cimentos teóricos a u m a situação rural, trabalhando na exe-
cução de projectos ou e m divulgação, o que é mais ou menos
a prática das Universidades agronómicas. Neste sistema, por
exemplo, o curso superior clássico de Ciências Políticas c o m -
preenderia, a título subsidiário, o estudo da administração do
desenvolvimento à escala da comunidade e do distrito; o curso
de Economia Doméstica englobaria, secundariamente, a pro-
dução alimentar, a tecnologia da conservação, e m especial das
culturas, a utilização da energia e a reciclagem dos detritos;
e o curso de Química estender-se-ia acessoriamente à análise
dos solos e da água, à dosagem dos adubos e ao estudo dos
pesticidas1. M a s , a mais longo prazo, a tarefa a que a coope-
ração poderá, desde já, dedicar-se, é à instauração de novas
especialidades — c o m os seus conceitos, quadros, métodos e

¡L M . S- A D I S E S H I A H , The university in 1975, p. 36, Madras, 1976; The uni-


versity in 1976, p. 44, Madras, 1977.

159
Malcolm S. Adiseshiah

metodologias — que resultarão dos recursos de que são dota-


das as diversas subregiões e m causa e o seu sistema de valores
culturais.
FORMAÇÃO DOS ¡PROFESSORES
Foi objecto de u m a cooperação multinacional e internacional
intensa nos anos sessenta e setenta, m a s novas perspectivas
se lhes abrirão nos anos oitenta. O papel do professor consis-
tirá, mais, a partir de agora, e m facilitar a aprendizagem do
que e m apresentar prodígios pedagógicos; ele será obrigado a
preparar-se por si só e a preparar os alunos para abordar
o futuro desconhecido, e m vez de lhes transmitir u m passado
glorioso; ele representará o traço de união, por vezes o luta-
dor, que eliminará dos programas de estudo o desfasamento
entre a aparência — isto é, os belos discursos sobre a objec-
tividade, a verdade, a igualdade, os direitos do h o m e m e a
paz — e a realidade oculta, que favorece o statu quo, as desi-
gualdades, o elitismo, e muitas formas de corrupção e de vio-
lência individuais e sociais. O s diversos tipos de formação a
fornecer aos professores para enfrentar estas necessidades do
futuro exigem u m poder de animação central e u m a cooperação
multinacional, pois os países não podem empenhar-se isolada-
mente. E , para o ensino superior, coloca-se u m problema suple-
mentar: contrariamente a u m a certa necessidade de «despro-
fissionalização» que se faz sentir e m medicina, arquitectura
e até e m engenharia, nos países e m desenvolvimento, torna-se
necessário «profissionalizar», e m certa medida, o ensino técnico
superior e o ensino universitário, pois, nestas sociedades, é a
única profissão para a qual não existe nenhuma preparação.
Ora, nos anos oitenta, os m e m b r o s desta profissão constituirão
u m a legião e exigirão poder manter-se à altura desta explosão
do saber e da informação típica da época. Mais u m a vez, im-
porta elaborar programas multinacionais de formação profis-
sional dos professores do ensino superior.
AVALIAÇÃO E RECOMPENSAS
Entre as tarefas a realizar com a ajuda da cooperação inter-
nacional, nada é mais urgente do que a abolição do sistema de
exames seguidos de recompensas a que a sociedade está sub-
metida e m todos os aspectos: o aluno que estuda não para
aprender m a s para ser admitido a exame, o professor e os
pais que exercem todos os seus esforços com este único fim,
e o sistema das recompensas reservadas a estes sinais e a esta
espécie de educação pelos empresários do sector público, e do
sector privado, do sector industrial moderno e do sector agrí-
cola tradicional. Neste caso, não se trata apenas de u m a vasta
reforma do sistema de exames e da elaboração de u m sistema
de avaliação que possa tornar-se instrumento de aprendizagem
e de auto-educação acompanhando as vias pelas quais as pes-

160
Reforma d a educação e cooperação internacional
nos anos oitenta

soas e os grupos pretendem enveredar, tanto do ponto das


aquisições como das finalidades — materiais e intelectuais, in-
dividuais e sociais. Facto mais grave ainda, o sistema de exames
seguidos de classificações, certificados, diplomas, ao qual se
liga u m sistema de recompensas irracional e anti-social, favo-
rece e justifica as desigualdades no interior dos países e entre
os países. O êxodo dos cérebros está relacionado c o m esta
situação. N ã o seria possível começar, nos anos oitenta, a inte-
grar a avaliação no processo de aprendizagem e a desligá-la
dos sistemas injustos de recompensas actualmente e m vigor,
inspirándole aproximadamente no que hoje e m dia se tenta
fazer n a China ou e m outros países socialistas?
GESTÃO E FINANCIAMENTO
O empreendimento da educação, só pela sua imensidade, apre-
senta problemas particulares de organização e de gestão. Mais
u m a vez, poderíamos, pelo menos, começar verdadeiramente
a criar u m m o d o de organização adaptado à extensão da tarefa
e às necessidades particulares do indivíduo que aprende, da uni-
dade local de aprendizagem e do distrito. Assistimos sempre,
e por toda a parte, ao dilema da conciliação entre, por u m
lado, a centralização das directivas políticas e das estratégias
decorrentes dos objectivos e finalidades de todo u m país ou
subregião e, por outro, a descentralização das decisões que
constitui u m pré-requisito indispensável a toda a aprendizagem.
O s centros subregionais deverão empenhar-se na planificação
destes novos sistemas de gestão, n a formação que exigem e
na sua exploração. N o que se refere às perspectivas finan-
ceiras, sabemos que a aprendizagem é dispendiosa: u m sistema
de educação descentralizado e renovado sê-lo-á ainda mais.
Impõem-se, neste aspecto, duas observações, de resto ligadas
entre si. E m primeiro lugar, o financiamento regular das re-
formas da educação dependerá sem dúvida, e m certa medida,
da assistência internacional, financeira e técnica, fornecida aos
diversos programas de reforma multinacionais e nacionais, a
qual deverá duplicar nos anos oitenta; m a s este financiamento
será sobretudo, e muito mais eficazmente, assegurado pelas
medidas que permitirão aos países e m desenvolvimento não
produtores de petróleo reduzir o défice da sua balança de paga-
mentos, que será da ordem dos 80 mil milhões de dólares no
fim dos anos oitenta1. C o m efeito, este défice poderia consti-
tuir o principal obstáculo à renovação da educação que aqui
consideramos e a principal condição prévia destas reformas
dos anos oitenta será a transformação de ordem económica
mundial, tal c o m o está prevista pellas Nações Unidas: a) os
países e m desenvolvimento reduaem a sua taxa de dependência

<U 1999..., op. Cit., p. 33.

161
Malcolm S. Adiseshiah

e m relação às importações e a u m e n t a m as saias exportações


mundiais; fe) os países industrializados reduzem as barreiras
tarifárias e outras n o comércio internacional; c) redução do
encargo financeiro provocado pelos investimentos estrangeiros
nos países e m desenvolvimento (a saída de capital com destino
aos países industrializados corresponde a 15 por cento do P I B
destes países ou a três quintos das suas receitas de expor-
tação) \
A nossa segunda observação é a seguinte: enquanto impor-
tantes recursos, de origem nacional e estrangeira, forem mobi-
lizados para financiar as reformas da educação nos anos oitenta,
os países deveriam corajosamente estabelecer o balanço técnico,
financeiro e administrativo da boa ou m á utilização dos re-
cursos existentes — financeiros, materiais e humanos — n o seu
sistema de educação. C o m efeito, mais de 90 por cento das
despesas de ensino destinam-se simplesmente a cobrir compro-
missos de despesas renováveis há dez, vinte ou trinta anos:
remuneração dos professores, administração, reparação e con-
servação dos edifícios e do material, etc. N o Estado de Tamil
N a d u , verificámos o seguinte: o) os compromissos de despesas
renováveis aborvem 97 por cenito do orçamento anual da edu-
cação; &) sob estas despesas de carácter permanente dissi-
mula-se muita «inépcia» herdada do passado; c) a tradição
decidiu financiar toda a modificação ou reforma através de
créditos suplementares — é o que designamos por «proceder
por adição» ; d) verificámos igualmente que era possível, desde
já, libertar 20 por cento dos créditos destinados às despesas
correntes, actualmente «desperdiçados», para financiamento dos
programas de reforma e de inovação prontos a aplicar. A coope-
ração internacional — ao nível subregional — poderia contribuir
para a emergência destes recursos ocultos e enunciar direc-
tivas para a sua exumação 2 .

1< M . S. A D I S E S H I A H , Some thoughts on Adam Smith's doctrine of division


of labour: A. Ramaswamy Mudaliar lectures, p. 22, Trivandrum, Uni-
versity of Kerala, 1976.
2, Government of Tamil Nadu: Report of the Education Finance Com/mOs-
sion, Madras, 1975, 123 p.

162
Posições / Controvérsias

Por que não é


a investigação pedagógica
mais útil?
Henry M . Levin

Henry ¡M. ¡Levin Afirmar que dificuldades consideráveis invadem os nossos sis-
((Estadas Unidos
da América).
temas educativos é certamente u m eufemismo. O s problemas
Especialista em causados pela expansão prodigiosa do ensino nos anos sessenta
economia de persistem no Terceiro M u n d o e conjugam-se com os d a desi-
educação e dos gualdade perante a educação e com a pletora dos diplomados
recursos humanos.
Professor nos
nas sociedades industriais. Tem-se reflectido sobre a educação,
departamentos seus métodos de financiamento, sua estrutura e organização,
de educação e sobre os programas escolares e a formação dos professores
de economia da e, nestes últimos anos, foi posta e m causa a opinião segundo
Universidade Stanford.
Autor de numerosas
a qual a escola pode ser utilizada para promover a transfor-
publicações na sua mação social e a igualdade.
especialidade, Perante estes problemas particularmente difíceis, muitas
escreveu recentemente,nações lançaram programas ambiciosos de investigação e de
em coperação com
Martin Carnoy, avaliação pedagógica, a fim de contribuir para a definição de
The lioilts of u m a política da educação. Basearam os programas e m quesn
educational reform. toes de ordem prática — ordenamento dos planos de estudo,
reforma do ensino, formação dos professores, utilização de
técnicas pedagógicas — e e m questões de ordem mais .geral :
como se processa a aquisição de conhecimentos no adolescente,
quais os efeitos da educação sobre o rendimento e o nível pro-
fissional, quais são os factores determinantes do nível de ins-
trução, etc. Criaram-se instituições nacionais para coordenar
e financiar a investigação e a avaliação pedagógica, na espe-
rança de que investigações sistemáticas e b e m conduzidas
esclarecem as necessidades e os problemas educativos sobre
os quais era necessário reflectir.
A fim de alimentar esta chama de interesse pela investi-
gação e pela avaliação pedagógica, quase todas as sociedades,
tanto nos países industriais como nos países e m desenvolvi-
mento, instituíram programas com o fim de formar especia-
listas e m investigação pedagógica. Procuraram novos métodos
de investigação, de tal m o d o que o estudo tradicional de peda-
gogia deu origem a contribuições cada vez mais importantes
de disciplinas como a Psicologia, a Sociologia, a Antropologia,

163
Henry M . Levin

a Economia, as Ciências Políticas e a Estatística. Esta evo-


lução foi vivamente estimulada por instituições internacionais
como a U N E S C O , a Organização de Cooperação e de Desenvol-
vimento Económicos ( O C D E ) , o Instituto Internacional de
Planificação da Educação ( U P E ) , o Conselho da Europa, o
Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento
ou «Banco Mundial», a Organização dos Estados Americanos
( O E A ) , assim como por numerosas fundações privadas. Estes
organismos patrocinaram projectos de investigação e de for-
mação c o m o fim de preparar pessoal especializado e de pro-
ceder a certos estudos, patrocinaram conferências e publica-
ções, a fim de que o conteúdo destas investigações e suas
conclusões fossem objecto de debates e de ampla difusão. Além
disso, lançaram alguns grandes projectos internacionais de in-
vestigação comparativa sobre problemas de política geral, como
o ensino pós-secundário, a escola secundária de tipo polivalente,
o financiamento da educação, a educação permanente ou «al-
ternada»; de todas estas actividades, a mais ambiciosa talvez
tenha sido a avaliação internacional dos resultados da educação
efectuada pela Associação Internacional da Educação, sob a
direcção do psicólogo sueco Torsten Husèn. Nesta série parti-
cular de estudos, examinaram-se, e m vinte e u m países, os
factores que determinavam o sucesso escolar nas seguintes
disciplinas: Matemática, Ciências, Línguas Estrageiras, Leitura,
Literatura e Educação Cívica. Para dar u m a ideia da extensão
desta empresa, durante as últimas fases do inquérito, recolhe-
ram-se, e m 19 países, dados e m 14 línguas referentes a 9700
escolas, 50 000 professores e 258 000 alunos, e extraíram-se
conclusões que foram publicadas e m nove grandes volumes
dedicados a temas como a importância respectiva, nos países
e m causa, do meio familiar e dos factores escolares sobre o
nível de instrução atingido.
Contudo, apesar destes esforços e de alguns êxitos notáveis,
o optimismo que tinha acompanhado inicialmente a expansão
e o melhoramento da investigação pedagógica começa a ceder
lugar a u m ceptimismo cada vez mais acentuado por parte
dos responsáveis políticos, como testemunha o vigor c o m que
exigem mais espírito prático do investigador pedagógico, criti-
cando-o por não se interessar pelo que é verdadeiramente im-
portante e exigindo-lhe remédios para os grandes problemas
causados pela educação. C o m o testemunha, talvez ainda mais
eloquentemente, a dificuldade cada vez maior com que a inves-
tigação pedagógica disputa aos outros serviços públicos os
fundos públicos e privados. N o s Estados Unidos da América,
por exemplo, o National Institute for Education não conseguiu
obter do Congresso novas aberturas de crédito, n e m sequer
para compensar a subida dos preços.
A investigação pedagógica parece, pois, entrar n u m a fase
e m que deverá justificar a sua existência, devendo surgir pelo

164
Por que não é a investigação pedagógica mais útil?

menos u m a questão: Por que não pode a investigação peda-


gógica contribuir mais para a solução de problemas de política
geral? Poderíamos limitar-nos a responder que a sua utilidade
estará precisamente à medida do seu volume e da sua qualidade
e que este volume e esta qualidade estão juntamente ligados
a u m aumento dos créditos, à formação e à actividade dos
investigadores. Esforçar-me-ei, porém, por mostrar que a «uti-
lidade» da investigação pedagógica é u m problema que conti-
nuará certamente a coloear-se, sejam quais forem a qualidade
e o volume. Esforçar-me-ei também por mostrar que ele parece
prender-se mais c o m as diferenças existentes entre a investigação
e a política no que se refere ao seu contexto, aos seus métodos e
ao seu próprio papel. Tentarei, por fim, descrever algumas
destas diferenças e analisar as consequências que daí resultam.

Política da educação

Por política da educação entendo a orientação conferida ao


sistema educativo, assim como a aplicação das decisões toma-
das para realizar esta política. D e acordo c o m a organização
da educação característica de determinada sociedade, este pro-
cesso pode ser muito centralizado (à escala da nação ou da
região, por exemplo), ou situar-se a u m a escala inferior, c o m o
o da academia, do estabelecimento ou até m e s m o da classe.
E m cada u m destes níveis será necessário decidir da natureza
e do alcance do sistema, determinar as necessidades e m pessoal,
fixar os programas, avaliar as carências financeiras e definir
os outros factores que influem sobre as modalidades e os resulta-
dos da acção a desenvolver. Neste breve artigo, estudarei essen-
cialmente a política de educação à escala nacional ou regional,
podendo efectuar-se a m e s m a análise para as escalas inferiores.
N a s escalas superiores, as decisões são normalmente da
competência dos homens designados para este feito pelo poder
e m exercício e pelos seus serviços. Por outras palavras, os
«decisores» mais importantes devem o seu lugar ao facto de
pertencerem ao partido no poder; a sua política deve, portanto,
ser compatível com a do governo. E m segundo lugar, são recru-
tados e m u m ou dois ministérios ligados à educação; exercem,
pois, pouco ou n e n h u m controle sabre outros doaxiinioa, coimlo
a política da saúde, a habitação, o desenvolvimento económico,
o fisco ou o trabalho. E m geral, não receberam formação e m
matéria de investigação sobre a educação e as decisões a tomar
referem-se a u m período relativamente curto. O que significa
que não podem esperar durante muito tempo u m a resposta,
e m particular quando o problema é urgente ou as eleições ou
certas transformações políticas se aproximam.
Se este breve resumo do papel do responsável pela edu-
cação é exacto, podemos perguntar e m que é que a investigação
no domínio da educação pode ser útil à função política. Talvez

165
Henry M . Levin

seja conveniente apontar certos aspectos importantes. E m pri-


meiro lugar, o investigador deve interessar-se pelos problemas
que se apresentam ao responsável político.
E m segundo lugar, deve entregar-lhe as conclusões e m
tempo útil, para que ele possa tomar a decisão adequada. E m
terceiro lugar, deve enunciá-las e m termos compreensíveis para
o h o m e m c o m u m . E finalmente, e m quarto lugar, não deve
ignorar os condicionalismos de natureza política a que está
sujeito o responsável político.
D o primeiro critério podemos concluir que investigações,
m e s m o excelentes, m a s não centrados nos domínios e m que
devem ser tomadas medidas devem ser consideradas s e m in-
teresse para o responsável político. Por outro lado, as in-
vestigações mais úteis são as que o podem ajudar a resolver
os seus problemas. O factor tempo também é muito importante.
Se o responsável político dispõe apenas de algumas semanas
para tomar decisões, a perspectiva de conhecer as conclusões
do investigador e m vários meses ou vários anos não lhe pode
prestar grande ajuda. Torna-se, pois, importante, que o inves-
tigador seja capaz de iniciar u m trabalho de investigação e
de o terminar rapidamente. E m terceiro lugar, como os res-
ponsáveis políticos não estão, e m geral, habituados ao trabalho
de investigação, têm dificuldade e m compreender a linguagem
e as técnicas muito especializadas do investigador pedagógico.
O s estudos deverão, portanto, ser-lhe apresentados de u m a
maneira compreensível para u m não-iniciado.
Finalmente, as investigações pedagógicas serão úteis na
medida e m que as suas conclusões e os seus prolongamentos
convidem a tomar medidas que tenham e m conta os constran-
gimentos a que está submetido o responsável político. U m
ministro da educação que represente a ideologia e o partido
político da classe dirigente não se sentirá atraído por conclu-
sões que insistam na necessidade de modificar completamente
as estruturas das grandes instituições políticas e sociais ou
que dêem a entender que as condições de vida das massas
deserdadas, e m especial no plano da educação, se devem essen-
cialmente à exploração dos trabalhadores pelo patronato. Con-
vencer-se-á de que a reforma da sociedade não é, de m o d o
nenhum, da sua competência. D e facto, a investigação e m
matéria de educação só será útil na medida e m que as con-
clusões tendam a acentuar as orientações do governo no poder
e lhe permitam resolver os seus problemas limitando-se a pe-
quenas reformas marginais.

A investigação pedagógica

M a s , e m que é que estes critérios de utilidade que acabo de


esboçar são compatíveis com a própria natureza da investigação
pedagógica? Podemos afirmar que esta investigação representa

166
Por que não é a investigação pedagógica mais útil?

u m a tentativa sistemática de definição, por u m lado, dos fac-


tores e dos modos de organização que influem sobre os resul-
tados escolares e, por outro lado, dos efeitos destes nos planos
individual e social. O que poderá conduzir o investigador a
examinar os factores que determinam, por exemplo, os resul-
tados escolares, as mentalidades, os traços de carácter, o sen-
tido cívico, a estudar a relação entre estes diversos elementos
e os que m a r c a m a vida do adulto, como o rendimento, o sucesso,
a participação na vida política, as realizações artísticas ; poderá
igualmente ser conduzido a estudar a relação entre os inves-
timentos consagrados à educação e à formação e o crescimento
económico e a que existe entre as transformações introduzidas
nas possibilidades de educação e nas alterações na repartição
do rendimento. A investigação pedagógica, no sentido lato do
termo, refere-se essencialmente ao processo da educação como
causa e consequência das características dos indivíduos, à orga-
nização e às práticas do sector do ensino e às instituições da
sociedade da qual é emanação.
O investigador poderá estudar a influência de determina-
dos professores ou programas sobre os resultados dos alunos
ou o efeito da integração étnica ao nível escolar sobre as
atitudes culturais. Poderá concentrar o seu estudo sobre a in-
vestigação dos métodos apropriados para avaliar os progressos
dos alunos elaborando instrumentos que permitam medir os
traços de carácter e os resultados escolares. Talvez procure
saber por que é que certas escolas obtêm melhores resultados
do que outras ou qual é o m o d o de funcionamento que permite
alcançar os melhores resultados. Poderá igualmente tentar
determinar de que m o d o os investimentos consagrados à edu-
cação influem sobre o crescimento do rendimento nacional e
modificam a sua repartição.
C o m o desempenhará estas diversas tarefas? Oferecem-se-
-Ihe quatro possibilidades, entre as quais escolherá, de acordo
com a natureza do problema. Optará pelo método experimental
sempre que possa respeitar as suas regras, isto é, sempre que
possa submeter de maneira aleatória os alunos a diversos tipos
de ensino e observar se os efeitos são diferentes tendo e m
conta o resultado que se procura atingir (por exemplo, a
aprendizagem da leitura). Este método pressupõe que é pos-
sível aplicar os tipos de ensino e m questão durante u m período
de tempo razoável a grupos diferentes, sem que os outros
factores variem. Supõe igualmente u m a repartição aleatória
dos alunos por estes grupos.
Ora, estas duas condições raramente se encontram preen-
chidas. Só e m ocasiões excepcionais é possível submeter os
alunos, indiferentemente, de m o d o aleatório, a longas expe-
riências pedagógicas ou modificar sistematicamente as expe-
riências ou tipos de ensino. É preferível tentar avaliar os efeitos
das experiências pedagógicas e m curso sobre os alunos no seu

167
Henry M . Levin

meio educativo natural. Aplicando, então, u m método quase


experimental, o investigador procura isolar, graças a métodos
estatísticos e outros, a acção específica dos factores que influem
sobre os resultados escolares. Foi o método seguido pelos in-
quéritos internacionais sobre os resultados escolares, onde se
procurou determinar as influências respectivas do meio familiar
e da escola sobre os resultados obtidos pelos alunos em, diversas
matérias. Podemos t a m b é m aplicar este método para tentar
descobrir os efeitos a longo termo da educação, muito depois
do fim da escolaridade. Assim, tem-se procurado investigar
os efeitos que os resultados escolares têm sobre os salários
e o nível profissional, determinando a ligação existente entre
múltiplos factores como o meio familiar e os resultados esco-
lares, por u m lado, e os salários e as actividades profissionais
do adulto, por outro lado. C o m o é evidente, seria impossível
realizar u m a experiência e m que se submetessem crianças, de
m o d o aleatório, a diversos tipos de ensino mais ou menos
desenvolvidos para determinar os efeitos daí resultantes vinte
anos mais tarde, quando forem adultas. N o entanto, podemos
fornecer u m a resposta aproximada para este problema apli-
cando u m método quase experimental e m que as influências
pertinentes são controladas estatisticamente.
U m terceiro método é o do estudo analítico de carácter
filosófico: o investigador esforça-se por fornecer u m a res-
posta aos problemas apresentados traçando u m quadro lógico
que lhe permita apreender as implicações das diversas pre-
missas e poderá, e m seguida, combinar este método c o m u m
dos métodos empíricos de que já falei. Suponhamos que se pre-
tende, por exemplo, examinar como se deve abordar a educação
moral e m determinada sociedade. O investigador começará por
definir as premissas do comportamento moral apropriado e,
depois, esforçar-se-á por relacionar este comportamento c o m
certas experiências pedagógicas a que se ligam logicamente.
A investigação histórica constitui u m a quarta ma,neira de
abordar a investigação pedagógica. O investigador esforça-se,
neste caso, por observar como os movimentos e os aconteci-
mentos históricos estão ligados à formação e à modificação
dos sistemas educativos e como a educação influi sobre a
transformação social. Procura, assim, apreender o processo de
transformação da educação e de transformação social que daí
decorre pela compreensão do seu contexto histórico.
O s investigadores que aplicam estas técnicas encontram-se
provavelmente e m grandes universidades e organismos gover-
namentais especializados, como os centros nacionais de inves-
tigação. Tendo e m conta o alto nível de especialização que
exigem estas investigações, trata-se provavelmente de pessoas
que receberam u m a formação muito aprofundada, possuindo
u m doutoramento ou tendo, pelo menos, sob qualquer forma,

168
Por que não é a investigação pedagógica mais útil?

efectuado altos estudos universitários. Além disso, estão muitas


vezes encarregados de formar outros especialistas da investi-
gação neste m e s m o domínio. D e v e m , e m grande parte, a sua
notoriedade a obras cuja qualidade é reconhecida no seu país
e n o estrangeiro, constituindo a frequência c o m que outros
investigadores citam os seus artigos e as suas monografias
u m índice certo desta notoriedade.
C o m o é evidente, acontece que alguns investigadores são
muito comprometidos politicamente e sofrem imposições polí-
ticas muito severas, m a s , na maior parte dos casos, estas são
menos parausantes do que aquelas a que é obrigado a subme-
ter-se o responsável político. A qualidade dos seus trabalhos
é avaliada, e m grande parte, pela comunidade nacional ou
internacional dos investigadores e intelectuais e o nível do seu
trabalho será julgado essencialmente pelo acolhimento que lhe
reservarão os colegas.
Entre as necessidades do responsável político e as do espe-
cialista da investigação no domínio da educação, parecem exis-
tir certas divergências, muito acentuadas, que dizem respeito
à própria natureza dos trabalhos deste último, assim c o m o à
sua formação e ao seu meio. O responsável político, recorde-
m o s , consideraria este tipo de investigação mais útil se ela
estivesse e m ligação directa c o m os problemas que ele deve
enfrentar, se ela fosse realizada na devida altura, tendo e m
conta o momento e m que é necessário tomar decisões, se ela
fosse compreensível na sua apresentação e compatível c o m
as obrigações políticas que lhe são impostas. O s especialistas
da investigação pedagógica, pelo contrário, têm tendência, e m
geral, para escolher temas e m função do interesse que os cole-
gas sentem por problemas pedagógicos que lhes parecem im-
portantes a longo termo. Contudo, a opção entre vários temas
de investigação é, sem dúvida, simultaneamente mais ampla
e mais limitada do que a que se apresenta ao responsável polí-
tico. Assim, os estudos sobre o papel desempenhado pelo de-
senvolvimento do ensino no mercado dq trabalho e e m matéria
de desigualdade, terão, geralmente, maior alcance do que a
decisão a tomar pelo responsável político, enquanto as inves-
tigações destinadas a determinar a influência do bilinguismo
escolar sobre a integração das minorias étnicas apresentam,
talvez, u m alcance mais limitado, m e s m o quando os dois temas
parecem estar e m relação c o m a política.
A s investigações, m e s m o quando apresentam repercussões
políticas, não correspondem normalmente aos problemas espe-
cíficos que deve resolver o responsável político, e o prazo
exigido t a m b é m é incompatível c o m as suas necessidades. E m
geral, são necessários vários anos entre o início e o fim de
u m projecto de investigação. C o m efeito, é necessário u m certo
tempo para estudar as obras relacionadas com o assunto, para
enunciar o problema, reunir os dados (o que exige, por vezes,

169
Henry M . Levin

numerosas tentativas e extensos inquéritos), analisar estes


dados por métodos estatísticos aperfeiçoados e interpretar os
resultados. Só nesta fase o investigador poderá redigir o seu
estudo e submetê-lo à apreciação dos colegas e de todos os
que se interessam pelo problema.
M e s m o após este longo período, os responsáveis políticos
não poderão dispor normalmente do estudo e m questão en-
quanto outros investigadores não o tiverem submetido a u m
exame crítico para descobrir as suas falhas ou aspectos parciais.
Quando as conclusões são particularmente importantes outros
investigadores procuram plagiá-las utilizando dados diferentes.
Só muito tempo depois de terminado o trabalho se poderão
considerar as conclusões suficientemente fiáveis para utilizar
c o m fins políticos. A extensão destes prazos impede o respon-
sável político de encomendar investigações realmente válidas
no período e m que deve actuar. A b e m dizer, só por acaso
poderá dispor, e m devido tempo, das conclusões do estudo
susceptíveis de influenciar a sua decisão.
Devido à complexidade deste tipo de investigação e da
terminologia utilizada para informar os outros investigadores
dos métodos seguidos e dos resultados obtidos, os estudos são,
e m geral, redigidos n u m estilo dificilmente compreensível para
o leigo. A l é m disso, o facto dos investigadores se dirigirem
essencialmente aos colegas não os incita a redigir os seus tra-
balhos tendo e m conta as pessoas c o m u m a formação diferente
da sua. Considerando que as investigações são submetidas a
u m a filtragem pelos outros investigadores, que examinam,
e m primeiro lugar, os resultados, não surpreende que sejam
escritos para eles e não para u m a audiência composta por
políticos. Ora, este facto vai juntar-se às dificuldades encon-
tradas pelos responsáveis políticos na compreensão da natureza
da investigação e seus resultados.
Finalmente, as obrigações políticas e administrativas im-
postas ao responsável político não se traduzem por constran-
gimentos semelhantes para o investigador, embora considera-
ções políticas possam ter influência sobre a escolha dos temas
e suas conclusões se a sua situação pessoal e o financiamento
dos seus trabalhos depender do Estado. N o s países que só
autorizam o exercício intelectual na medida e m que ele se sub-
meta a u m a ideologia, ser-lhe-ão igualmente impostas obri-
gações muito estritas. N a maior parte dos casos, porém, terão
menos constrangimentos políticos a suportar do que os res-
ponsáveis oficiais pela escolha dos seus temas, métodos e con-
clusões. N a medida e m que os investigadores demonstrem
— como tantas vezes tem sucedido recentemente — que os
problemas da educação reflectem o mal-estar profundo cau-
sado pela pobreza ou pela repressão que alastram e m outros
domínios da sociedade, os ministros ou funcionários da edu-
cação pouco ou nada poderão fazer. A l é m disso, estas inves-

170
Por que não é a investigação pedagógica mais útil?

tigações podem comprometer muito seriamente a sua intenção


ao pretender provar que as políticas seguidas nada fazem
para resolver os problemas urgentes no domínio da educa-
ção.

Necessidades divergentes da investigação


e da política

Podemos concluir das observações precedentes que existem


certas diferenças de natureza entre o processo que conduz à
elaboração de u m a política de educação e o que implica a in-
vestigação neste domínio. P o d e m surgir conflitos entre as ne-
cessidades de u m e o papel do outro. Já defendi que estas
diferenças são inerentes a estes processos e que não são for-
tuitas. É evidente que u m responsável político desejoso de
eficácia poderia reagir, afirmando que não é assim e que este
tipo de investigação se poderia tornar mais sensível às exi-
gências da política, associando-se-lhe intimamente. Assim, na
medida e m que o financiamento da investigação pedagógica
é auase inteiramente assegurado pelo Estado, os responsáveis
políticos poderiam fixar u m certo número de restrições. Pode-
riam exisrir que os investigadores se consagrem a u m a lista
precisa de problemas. Poderiam impor-lhes prazos estritos
para entrega das conclusões, convidá-los a redisrir os trabalhos
da maneira inteligível para o leigo, forçá-los a apresentar con-
clusões politicamente aceitáveis.
C o m o é óbvio, estes elementos de coerção existem e m muitas
sociedades, e é possível descobrir restrições e m toda a inves-
tigação financiada pelo Estado, m e s m o auando estas restricõeg
não são explícitas. N o entanto, a adopção destas medidas viria
deformar o processo da investigação a ponto de a tornar inex-
plorável auando se trata de tomar decisões. Todas estas res-
trições teriam com efeito impedir trabalhos honestos e de boa
qualidade, de tal m o d o aue, c o m o tempo, a investigação se
tornaria u m meio reconhecido de prona^anda governamental
ao oual se concedira o crédito habitualmente atribuído a seme-
lhante função.
E m resumo, considero aue, e m matéria de educação é ine-
vitável a tensão entre política e Ínvesferacão. Representam
duas culturas diferentes c o m exigências próprias. A primeira
é restritiva, baseada na tomada de decisões a curto prazo.
A secunda, muito menos restritiva, pode fornecer dados oue
sirvam para modelar o m u n d o de a m a n h ã sesmndo u m a con-
cepção mais generosa. M e s m o quando u m ministro de educação
é desmentido por u m relatório aue prova que nas classes des-
favorecidas o analfabetismo e o insucesso escolar são, e m grande
parte, consequências da própria pobreza, é importante nue o
governo e a sociedade t o m e m mais consciência das relações
fundamentais que existem entre a situação económica da popu-

171
Henry M . Levin

lação e o sucesso de toda a acção educativa. Por outras pala-


vras, u m a investigação pedagógica relativamente independente
constituirá provavelmente u m a crítica mais salutar dos dogmas
prejudiciais e m determinado momento do que as investigações
inteiramente controladas pelo Estado e pelo seu aparelho mi-
nisterial.
U m último ponto assume u m a importância particular. Parece
esperar-se, e m grande parte, que a investigação pedagógica
resolva os problemas difíceis que surgem e m matéria de edu-
cação, pois, são considerados problemas técnicos. Assim, trata-
-se o analfabetismo, a desigualdade dos resultados escolares,
o desemprego de pessoas qualificadas, etc., como problemas que
exigem soluções essencialmente técnicas e conclui-se que a in-
vestigação pedagógica representa o método de investigação
capaz de fornecer respostas adequadas no plano técnico. Ora,
grande número destes problemas não têm nada de técnico;
são políticos. Graças a u m a transformação radical de ideolo-
gia política depois de 1959, Cuba conseguiu, e m menos de dez
anos, passar de u m a das taxas de alfabetização mais baixas
para u m a das mais elevadas da América Latina. D o m e s m o
m o d o , muitas pessoas qualificadas continuarão a não possuir
emprego enquanto for necessário u m vasto reservatório de
mão-de-obra para que reine a ordem no mercado do emprego
devido ao medo do desemprego e para manter os salários a
baixo nível, e m proveito dos investidores nacionais e multina-
cionais. Neste aspecto, a investigação pedagógica não pode re-
solver problemas que são de natureza política e não pedagógica.

172
Elementos para u m dossier

Abordagem
do não formal
Asher Deleon

A educação dos adultos


como correctivo do insucesso
da educação formal*

A educação é julgada e m toda a parte O que não significa que a educação


e a sua pertinência é criticada por toda seja apenas u m a imagem mecânica e pas-
a gente : pelos alunos e professores, pelos siva da sociedade actual e que não possa
futuros candidatos e pelos que abando- libertar-se e influenciar, de certo m o d o ,
n a m prematuramente os sistemas educa- a ordem social e a estrutura da sociedade.
tivos, pelos políticos e cientistas, pelos O que t a m b é m não significa que a edu-
pais e diversos consumidores dos «pro- cação seja impotente para servir de antí-
dutos» da educação. doto para tantas deformidades da nossa
M a s , será verdadeiramente a educação civilização. T a m b é m é ingénuo pretender,
a acusada? N a realidade, é a nossa m a - como muitos pensadores radicais fazem,
neira de viver, a estrutura da sociedade, por vezes, que a educação é responsável
as relações desumanas entre os homens, pelos «pecados» fundamentais e pelos
o sistema de valores da sociedade, as insucessos do tempo presente. É irrea-
falsas aspirações, a incapacidade de atin- lista esperar que a educação possa orde-
gir os fins desejados pela maioria, as nar u m m u n d o e m desordem, ou trans-
contradições entre o humanismo e a re- formar u m m u n d o insensato n u m m u n d o
volução científica, o nosso estilo de vida equilibrado. A educação tem limitações —
feito de esbanjamento, a ordem mundial e limitações graves. É sob este aspecto
injusta, os obstáculos ao desenvolvimento e mantendo presentes no nosso espírito
individual e colectivo, as nossas institui- estas limitações que tentarei apresentar
ções caducas e o poder esmagador do a educação dos adultos como u m «correc-
establishment, as idiispairidades icresicenr tivo» do fracasso da educação formal.
tes e o igualitarismo que se desvanece. Ninguém poderá negar que, do ponto
São estes os verdadeiros culpados, pois de vista quantitativo, a educação formal
a educação limitasse a reflectir a socie- não pode responder às esperanças gerais.
dade c o m as suas deformações. Pensar que a educação universal pode
ser realizada à escala mundial, graças,
Asher Deleon (Jugoslávia). Presidente da
Comissão Internacional do Estudo Sobre os * O presente 'artigo constitui u m a versão ligei-
Problemas da Comunicação (Unesco). Anterior- ramente modificada do texto publicado e m
mente secretário executivo da Comissão Inter- Discussion sur l'alphabétisation, tomo V I ,
nacional Sobre o Desenvolvimento da Educação número 3, 19T5. Reproduzamo-lo com a a m á -
(Apprendre à être) e conselheiro da UNESCO vel autorização do director do Instituto In-
em matéria de educação extra-escolar junto do ternacional Para os Métodos de Alfabetiza-
governo da Índia. ção dos Adultos, Teerãoj

174
A educação dos adultos c o m o correctivo do insucesso
da educação formal

exclusivamente, às modalidades da edu- pensem a suas faltas aprendendo depois


cação formal, traduz u m optimismo exa- de atingida a idade adulta.
gerado. D e acordo c o m u m relatório sobre O que parecia «natural» foi posto e m
a educação elementar na India: «Não foi prática de várias maneiras, como por
possível fixar u m a data limite para a edu- exemplo: programas de alfabetização de
cação gratuita e obrigatória das crianças massa n u m certo número de países; pro-
c o m idades compreendidas entre os 6 e jectos de alfabetização funcional para
os 14 anos. Já foi dito que poderíamos os adultos e m várias regiões rurais e
atingir esse objectivo e m 1965/1966. urbanas; cursos nocturnos como medida
Quando se tornou evidente que era im- de compensação tanto ao nível primário
possível, a data limite foi adiada para como secundário; diversos programas de
1975/1976. Agora, n e m isso parece ser educação comunitária, sobretudo e m cer-
realizável e esperamos atingir esse ob- tos países asiáticos e árabes; programas
jectivo durante o V I Plano (1979-198-i). educativos ligados aos projectos de de-
O que talvez seja u m a ilusão.» senvolvimento rural; actividades espe-
O estudo sectorial do Banco Mundial ciais organizadas por cooperativas, ou
sobre a educação 1 é igualmente pessi- fazendo parte de projectos de recons-
trução rural, ou ainda ligadas às re-
mista: e m 1985 ainda haverá provavel-
formas agrícolas; programas educativos
mente, à escala mundial, menos crianças
organizados e m empresas públicas e pri-
nas escolas primárias do que cá fora
vadas; o ensino pela rádio; programas
(350 contra 375 milhões). O que é ver-
multimedia e m alguns países, desenvol-
dade para a escola primária torna-se
vidos e e m desenvolvimento; cursos por
ainda mais evidente na educação se-
correspondência para os operários adul-
cundária, técnica e superior. A s exigên- tos, para as donas de casa e, por vezes,
cias crescentes para os que saem das para os camponeses; cursos preparató-
instituições educativas são despropor- rios para exames ; cursos televisivos para
cinadas e m relação às realizações do adultos. Todas estas iniciativas, b e m
sistema formal. M e s m o nos raros países c o m o outras semelhantes, constituem
e m que a educação secundária é pratica- exemplos vivos de u m a variedade de
mente universal e onde a educação su- práticas da educação dos adultos.
perior o será n u m futuro relativamente Actualmente não existem países que
próximo, existe este m e s m o fosso entre não possuam alguma experiência no do-
certas categorias da população, e m rela- mínio da educação dos adultos. A maior
ção às necessidades crescentes. parte das tentativas realizadas provaram
Ë por isso que a educação dos adultos que os adultos podem aprender, e apren-
representa u m substituto lógico para as d e m de facto, muitas vezes melhor e
limitações e oportunidades mal sucedi- mais rapidamente do que as crianças.
das da educação formal. Parece absolu- Penso que já não é necessário apresen-
tamente natural que as crianças e os tar novos argumentos e m defesa das
jovens que atingiram a idade adulta anal- potencialidades da educação dos adultos.
fabetos e não educados (porque os pais Estas potencialidades foram amplamente
eram demasiado pobres para os enviar confirmadas de m o d o científico, opera-
à escola, ou porque foram obrigados a cional e pragmático. O s programas de
começar a trabalhar demasiado cedo, ou educação de adultos podem certamente
porque certos preconceitos sociais cons- reduzir a diferença quantitativa resul-
tituíram u m obstáculo para a sua edu-
cação, ou porque pertencem a classes 1. Éducation. Politique sectorielle, Banco M u n -
desfavorecidas da sociedade, etc.) com- dial, 1975.

175
Asher Deleon

tante de sistemas de educação formal sociedade e a u m m u n d o transformado.


defeituosas, elitistas e hierarquizados Algumas raras excepções existentes con-
que, na origem, eram concebidos para as firmam a regra.
classes privilegiadas e que, por conse-
guinte, dificilmente poderiam ser adap- A educação só por si, tal c o m o existe
tados c o m o objectivo de u m a democra- actualmente, não pode corrigir, n e m m e -
tização real e profunda da educação. lhorar seriamente as disparidades sociais,
Porém, embora m e pareça, agora, evi- as desigualdades e as oportunidades da
dente que a educação dos adultos pode vida. Menos ainda do que a primeira,
contribuir para reduzir as diferenças esta segunda afirmação não pode ser
quantitativas, na verdade, ela não fez posta e m causa.
praticamente nada neste sentido. Exis- H á mais de u m século que grandes
tem muito poucos exemplos de progra- esperanças sociais foram incorporadas
m a s educativos de massa para adultos nos planos de desenvolvimento da educa-
b e m organizados e adequados que te- ção. E m particular, os movimentos de tra-
n h a m , efectivamente, introduzido modi- balho internacional e de libertação nacio-
ficações apreciáveis na situação actual nal nas diversas partes do m u n d o lutaram
da educação. A educação dos adultos pela universalização da educação na espe-
era e continua a ser, a despeito de to- rança de assim reduzir consideravelmente
das as suas realizações e do fervor dos as desigualdades sociais. Estamos muito
seus promotores, u m a actividade edu- menos certos do que outrora de que a
cativa e social marginal. A razão não é educação possa alcançar tais resultados.
certamente pedagógica, n e m andragó- A concentração do poder, do capital
gica, n e m metodológica. A s causas são e dos conhecimentos constitui, sem dú-
sociais, económicas e financeiras. Resi- vida, u m fenómeno mundial. O u melhor,
d e m na própria natureza das nossas a distribuição do poder, das riquezas
sociedades. O sistema de educação for- e dos conhecimentos é tão desigual que
mal, actividade ligada ao tempo e ao as oportunidades e as vantagens da edu-
espaço, processo definitivo «preparação cação constituem u m monopólio, tanto
para a vida», corresponde plenamente a nível mundial como no interior da
aos parâmetros fundamentais do nosso maior parte dos países. Pensou-se du-
quadro de vida e nele encontra a sua rante muito tempo que a educação e a
justificação. Nestas circunstâncias, a difusão do saber originariam u m a maior
educação dos adultos é ainda u m a acti- igualdade na distribuição do poder po-
vidade inútil e aparentemente supérflua. lítico e alargariam a divisão das van-
A s forças poderosas da sociedade, na tagens económicas. M a s tudo isto mal
maior parte dos casos, não querem arris- se chegou a produzir. Alguns pensadores
car-se a perder a sua posição dominante, radicais no domínio da educação defen-
monopolista e privilegiada e alimentam d e m até a opinião de que a educação es-
u m vasto movimento democrático de colar actual, institucionalizada como está,
educação de adultos. O mundo, tal como continua a reforçar e a desenvolver o
se apresenta, com os seus desequilíbrios monopólio da vida política e económica,
e contra-sensos, pode necessitar das acti- e m vez de reduzir a diferença. E m b o r a
vidades da educação dos adultos e tolera- não se verifique e m todos os casos, não
bas como pequenos correctivos fragmen- podemos negar que nas sociedades e m
tários, ou como projectos filantrópicos. que as diferenças entre os rendimentos
M a s , a educação dos adultos como vasto aumentam, e m que os cidadãos não to-
movimento geral, verdadeiramente de- m a m parte na vida política, a não ser
mocrático, corresponde a outro tipo de de tempos a tempos e para escolher entre

176
A educação dos adultos como correctivo do insucesso
da educação formal

alguns candidatos seleccionados por apa- n h u m país que não ofereça exemplos
relhos políticos b e m defendidos, e m que notáveis de indivíduos desfavorecidos que
a dignidade do trabalho não existe e e m «subiram na escala social» graças à edu-
que a oposição entre o trabalho manual cação de adultos. N o s países e m que ti-
e o trabalho intelectual se acentua — e m veram lugar transformações revolucio-
todos estes países, e são numerosos, é nárias, eu e m que movimentos nacionais
ilusorio esperar que a educação intro- permitiram obter a independência, a edu-
duza qualquer alteração fundamental ou cação de adultos permitiu a emergência
u m a transformação dos valores de base. de camadas da população até então opri-
A s escolas e as Universidades encon- midas e preparou novas forças sociais
tram-se profundamente integradas no para desempenhar u m papel mais im-
sistema e, por conseguinte, não podemos portante. Estes factos, e muitos outros
esperar que desempenhem u m papel de semelhantes, não podem ser ignorados.
transformação ou de revolução na de- N o entanto, o seu impacto sobre a
mocratização da educação. Poderemos sociedade e sobre os indivíduos não foi
esperar que a educação de adultos de- apreciável. Se o objectivo destes pro-
sempenhe este papel? gramas consistia e m dispensar certos
Existem muitos exemplos de progra- conhecimentos e competências técnicas,
m a s de educação de adultos cujos bene- talvez tenham sido, de certo m o d o , b e m
ficiarios são sobretudo as classes des- sucedidos, m a s , se pretendiam m u d a r as
favorecidas da população. E m geral, as atitudes psicológicas e sociológicas, os
associações e os movimentos de educa- resultados são parcos; se o objectivo con-
ção de adultos possuem menos o espírito siste e m adquirir privilégios outrora re-
«classe média» do que a educação formal cusados à maioria, podemos comprovar
no seu conjunto. Muitos programas de alguns progressos, m a s se o que se pre-
alfabetização, sejam quais forem os seus tende é a libertação dos indivíduos e a
resultados tangíveis, constituem prova- sua tomada de consciência, ainda há
velmente dos melhores exemplos de u m a muito a fazer; se a educação dos adul-
orientação «popular» ou «plebeia» das tos procura permitir que os indivíduos
organizações de educação de adultos. se adaptem à sociedade e às novas tec-
Existem igualmente outros programas nologias, muitos programas se podem
— alguns c o m u m certo sucesso quanti- gabar de ter atingido u m resultado tan-
tativo — nos bairros de lata, nas regiões gível, m a s se pretendem modificar ver-
afastadas, entre as tribos nómadas, para dadeiramente o estatuto daqueles que
os agricultores sem terras, e m comuni- são forçados a viver à m a r g e m da so-
dades rurais recentes, para as mulheres ciedade, o resultado é magro; se o papel
grávidas pobres, entre ias castas mais dos programas de alfabetização dos adul-
baixas, para os «esquecidos» nas regiões tos consiste e m iniciar milhões de pessoas
desérticas ou nos altiplanos, nas minas nas primeiras letras, são visíveis alguns
de carvão, entre os que são política ou resultados, m a s se o seu objectivo c o m -
culturalmente oprimidos, para os coolies preende a preparação dos analfabetos
ou corredores de rickshaw. A s unidades para u m papel e u m a responsabilidade
da educação de adultos ligadas às uni- diferentes na sociedade e no trabalho, ou,
versidades atraíram, através dos cursos como disse Paulo Freire, ensinar-lhes a
por correspondência ou dos programas «1er» (isto é, compreender) a verdadeira
de divulgação, muitos estudantes vindos realidade e a «escrevê-la», o que signi-
de categorias da população que, habi- fica orientá4a sobre o controle dos in-
tualmente, não têm acesso à educação divíduos e transformá-la, os resultados
superior. N ã o existe praticamente ne- estão ainda muito longe do fim.

177
Asher Deleon

C o m o poderia ser de outro m o d o ? A s «O ensino sofre essencialmente c o m


forças sociais e políticas no poder não o desfasamento existente entre os seus
podem n e m querem, enquanto lhes for conteúdos e a experiência vivida pelos
possível, suportar u m processo educativo alunos, entre os sistemas de valores que
e experiências educativas que modifi- defende e os objectivos pretendidos pelas
q u e m a «ordem divina» ou as «relações sociedades, entre a idade dos programas
estabelecidas». Mais do que isso : o m u n d o e a ciência viva1.»
da educação, tal como se encontra ac- Trata-se do programa de estudos tal
tualmente estruturado e concebido, não como existe ¡actualmente, tal como é
é c o m certeza favorável ao desenvolvi- apresentado aos alunos e aos estudantes,
mento da educação de adultos; ainda se é o conteúdo explícito que os interessa-
acredita firmemente que a infância é o dos devem absorver. M a s há igualmente
único período propício à aprendizagem; algo de implícito no programa de estu-
toda a aprendizagem que tem lugar para dos, algo que os interessados adoptam
além dos sistemas escolares é suspeita; sem se aperceberem; qualquer coisa que
para muitos profissionais e aprendizes a deforma o ensino dos conhecimentos e
educação é u m processo definitivo; o sa- que pode ser designado por «programa
ber deve ser dispensado e m instituições de estudos subentendido» z . N a realidade,
especializadas e por pessoas que perten-
cem a u m a profissão especializada ; a edu- 1. Apprendre à être, p. 80, Paris, U N E S C O /
cação e o trabalho devem estar separados. Fayard, 1972.
Talvez seja exagerado afirmar que estes 2, C o m o a noção de «programa de estuidos sub-
dogmas ainda dominam, m a s toda a gente entendido» não é multo conhecida, estas duas
citações não serão certamente supérfluas:
estará de acordo e m reconhecer que as «A fim de observar claramente as opções
características tradicionais continuam a que se nos oferecem, devemos começar por
invadir o palco da educação impedindo, estabelecer u m a distinção entre educação e
sem sombra de dúvida, o desenvolvimento escolarização, o que significa separar a in-
tenção humanista do ensino do impacto da
apropriado da educação dos adultos. estrutura invariável da escola. Esta estru-
tura oculta constitui u m curso definitiva-
O sistema educativo formal constitui mente fora do controle do professor ou da
igualmente u m fracasso do ponto de comissão da sua escola. Transmite indelevel-
mente a seguinte mensagem: só graças à
vista do conteúdo. escolarização u m Indivíduo se pode preparar
O conteúdo da educação é escolástico •para a vida adulta na sociedade, o que não
e livresco. É u m facto reconhecido, que é ensinado na escola tem pouco valor e o
ninguém nega. O programa de estudos que aprendemos fora da escola não vale a
pena. Chamo-lhe programa de estudos sub-
desactualiza-se, pois a ciência, a tecno- entendido porque constitui o quadro inalte-
logia, o estilo de vida e o meio evoluem rável do sistema, nos limites do quial todas
mais rapidamente do que as diversas as modificações do programa de estudos são
matérias do sumário. Podemos condenar, efectuadas.» ( W . Kenneth Richmond.)
O programa de estudos subentendido en-
e m particular, que o conteúdo da edu- sina que... u m a aceitação passiva é u m a
cação seja sempre imposto de cima, do resposta às ideias mais desejável do que
exterior, pela burocracia ou pelos «ben- u m a atitude crítica activa. Descobrir o saber
feitores» da educação, s e m atender às não está ao alcance dos estudantes e, de
qualquer modo, é u m problema que não lhes
necessidades, aos desejos e às exigências diz respeito ... Devemos confiar mais e atri-
dos interessados. buir mais valor à voz da autoridade do que ao
Por razões evidentes, o próprio con- julgamento independente. Os sentimentos não
têm qualquer relação com a educação. Existe
teúdo da educação, a sua (substância, a sempre u m a resposta correcta única, simples
sua interacção c o m o ambiente foram e clara para u m a pergunta.» (Teaching as
postos e m causa. a subversive activity, por Neil Postman.)

178
A educação dos adultos c o m o correctivo do insucesso
da educação formal

a apresentação dos factos, a explicação mente realizado no que se refere aos


dos diversos fenómenos, a exposição do adultos do que na educação formal. O s
saber necessário à compreensão baseiam- programas para carreiras iniciadas, cuja
-se sempre e m certos valores e transmi- importância parece aumentar e m todo o
tem inevitavelmente as intenções e as m u n d o , constituem exemplos particular-
crenças dos responsáveis pelo conteúdo mente interessantes de tentativas para
da educação. A abordagem marxista da vencer a rigidez, a esclerose, a uniformi-
teoria e da prática da educação pressu- dade, a monotonia e a degradação do
põe, apoiando-se e m considerações filo- conteúdo da educação. N a índia, u m
sóficas e e m observações sociológicas, programa intitulado «Educação não for-
que «a educação não pode ser neutra». mal para o grupo etário dos 15 aos
Através do processo educativo, s e m se 25 anos», projecto importante no V Plano
aperceberem, os alunos são atraídos para Quinquenal, foi concebido, desde o início,
u m a órbita de valores, de critérios e de como u m programa educativo descentra-
normas que correspondem aos parâme- lizado, diversificado e baseado no a m -
tros fundamentais de cada sociedade. biente, o que constitui u m b o m presságio
A educação dos adultos poderá contri- para a eliminação das contradições entre
buir para sair deste labirinto? O s pro- o que o programa de estudos procura
gramas educativos são, pela sua própria introduzir e aquilo de que os alunos ne-
natureza e finalidade, menos escolásticos cessitam. Deste m o d o , a educação dos
do que os programas destinados a pre- adultos sofrerá menos com a falta de
parar as crianças e os adolescentes para propriedade do seu conteúdo e os alu-
os exames. E m muitos países, o conteúdo nos adultos c o m a impossibilidade de
da educação dos trabalhadores repre- utilizar e de aplicar os conhecimentos a
senta u m a combinação apropriada dos aptidões adquiridos.
conhecimentos de base (particularmente Assim, a educação pode realizar u m a
e m ciências ¡sociais) e das condições e certa regeneração do conteúdo da edu-
necessidades concretas do ambiente. O s cação. Pode provar que não é impossível
programas de educação comunitária, e alterar, e m certa medida, métodos esco-
mais especificamente os programas de lásticos modernos, pois os educadores de
educação de adultos nas regiões rurais, adultos são menos inibidos do que os
estiveram muitas vezes à altura de preen- professores escolares e mostram-se m e -
cher o fosso entre as intenções académi- nos interessados e m conservar intactos
cas dos educadores e a experiência real os programas de educação de adultos
dos alunos. O m e s m o já não sucede c o m n u m m u n d o e m transformação.
os programas tradicionais de alfabeti- Contudo, não nos devemos deixar e m -
zação dos adultos que procuram essen- balar por ilusões. A educação dos adul-
cialmente transmitir a capacidade de 1er tos está fundamentalmente associada às
e escrever, sem relação c o m u m a pers- m e s m a s imposições sociais e culturais
pectiva concreta socioeconómica, socio- que a educação formal para crianças e
política, sociocultural ou socioprofissio- adolescentes. Se, por vezes, consegue li-
nal. Vários programas de alfabetização bertar-se das leis saciais rígidas, se al-
funcional procuraram dar este passo e m guns educadores revolucionários são ca-
frente. Fizeram-se várias tentativas u m pazes de inverter as fronteiras impostas,
pouco por todo o m u n d o para identificar se algumas práticas da educação dos
u m conteúdo para a educação dos adul- adultos atacam a inércia e o conservan-
tos com as necessidades reais da socie- tismo da educação formal, estamos ainda
dade e dos alunos — e existem indicações longe da situação e m que é possível afir-
de que tudo isto pode ser mais facil- m a r que a educação dos adultos está

179
Asher Deleon

liberta dos entraves dos programas de nação e os privilégios sociais. Enquanto


estudos explícitos e subentendidos, ine- for esta a imagem realista e não idealista
rentes ao quadro que comanda e con- da educação dos adultos, a linha de acção
diciona todos os outros 'defeitos de base não é difícil de identificar.
das sociedades industriais e agrárias con-
temporâneas. A educação formal baseia-se n u m prin-
Existem muitos educadores de adultos, cípio hierárquico, n u m a relação autori-
teóricos e profissionais que consideram tária entre professores e alunos e n u m a
que a educação dos adultos é «pura», relação entre o sujeito e o objecto do
«exorcizada», «verdadeiramente orien- processo de ensino.
tada para o progresso social», que está Trata-se certamente de u m dos defei-
«livre das doenças da educação formal», tos mais importantes das práticas da
etc. N a d a m e parece mais prejudicial educação formal. N ã o obstante u m a crí-
aos interesses do desenvolvimento da tica severa e u m a oposição activa a esta
educação dos adultos. E m primeiro lu- situação, e m todo o m u n d o , poucas modi-
gar, qual poderia ser a explicação so- ficações se produziram 1 . E tal não acon-
ciológica ou antropológica, cultural ou tece não porque os educadores não quei-
política deste isolamento ou desprendi- r a m alterar práticas ultrapassadas e
mento da educação de adultos e m relação inadequadas, m a s porque o autoritarismo
ao m u n d o que a rodeia, e cujo quadro e a hipocrisia na educação reflectem u m
geral é completamente diferente? A s de- m u n d o e m que o autoritarismo, a buro-
formidades da educação formal não se cracia, a tecnocracia, a concentração do
devem acidentalmente a educadores in- poder e das riquezas, a ausência de de-
competentes, são consequências lógicas mocracia fundamental e u m a oposição
e inevitáveis de grande número de fac- incansável à autodeterminação e à auto-
tores de condicionamento. D o m e s m o gestão dominam ainda as relações inter-
m o d o , u m a visão destituída de sentido pessoais, sociais e internacionais.
crítico e m relação à educação dos adul- A educação dos adultos tem mais pos-
tos pode desviar a acção necessária dos sibilidades de escapar e de se libertar
problemas fundamentais para problemas da rigidez da relação professor/aluno
marginais. E m segundo lugar, c o m o po-
deremos esperar que aqueles que fazem
os regulamentos, os planificadores, os 1. Paulo Freire descreveu do seguinte m o d o as
educadores e sobretudo os alunos, modi- atitudes e práticas dominantes dos docentes:
fiquem o conteúdo e as práticas d a edu- «a) os docentes ensinam e os alunos recebem
cação dos adultos, se as «práticas ina- o ensino; b) o docente sabe tudo e os alunos
não sabem nada; c) o docente pensa e os
propriadas da educação dos adultos» alunos são objecto de pensamientos; d) o do-
prosseguem no seu trabalho de sapa? cente fala e os alunos escutam humilde-
N ã o podemos ignorar que, nas socieda- mente; e) o docente disciplina e os alunos
são disciplinados; / ) o docente escolhe e
des e m contestação, a educação dos adul- impõe a sua escolha, e os alunos submietem-
tos deve constituir u m a actividade de ^se; g) o docente age e os alunos têm a
contestação. N ã o podemos ignorar a per- ilusão de agir através da acção do docente;
sistência de práticas educativas destina- h) o docente escolhe o conteúdo do programa
e os alunos ('a quem não foi pedida opinião)
das a doutrinar os adultos e a justificar adaptiam-se-lhe; i) o docente confunde a au-
as desigualdades sociais que contribuem toridade do saber com a sua prclpria autori-
para u m a distribuição desigual dos re- dade profisíonal, que opõe à liberdade dos
alunos; j) o docente é o sujeito do processo
cursos e para a subestimação da necessi- de aprendizagem, enquanto os alunos são sim-
dade de u m a transformação social e que iples objectos.» (Pedagogy of the oppressed,
são susceptíveis de reforçar a discrimi- The Seabury Press, N o v a Iorque, 1974, p. 59.)

180
A educação dos adultos como correctivo do insucesso
da educação formal

do que o sistema formal. A menor dife- experiências interessantes na educação


rença de idade entre os alunos adultos e familiar, no planeamento familiar e na
os professores, a experiência acumulada educação sexual dos jovens e dos adul-
pelos adultos, seja qual for o seu nível tos. Foi dado u m passo e m frente na
de educação, o estatuto social atingido qualidade quando o processo de apren-
por muitos alunos adultos que, mão obs- dizagem (nos programas de alfabetiza-
tante, procuram compensar as insufi- ção ou de educação dos adultos) pre-
ciências dos seus conhecimentos e apti- cedeu e se ligou a u m a acção social
dões, o respeito que os adultos, homens concreta (como a reforma agrária, a
e mulheres, adquiriram durante a sua criação de u m a organização de agricul-
vida — tudo isto torna o processo de tores sem terras, a construção de u m a
aprendizagem certamente menos corrom- associação de auto-assistêneia, a elabo-
pido pelo conceito sujeito/objecto e mais ração de u m projecto de irrigação, etc.).
sensível a u m a verdadeira correlação de- Todas estas tendências fazem simulta-
mocrática. O s educadores de adultos são neamente parte da educação dos adultos,
também menos rígidos porque aprende- da investigação e de inquéritos educa-
ram — e estas lições foram, decerto, do- tivos, pedagógicos, andragógicos e so-
lorosas— que os adultos não se mani- ciológicos, embora e m qualidade e e m
pulam facilmente, n e m são tão passivos quantidade sejam ainda inadequados e
e dóceis como seria de esperar. limitados1.
O s educadores de adultos desenvolve- •E assim sucede principalmente porque
ram u m grande número de programas todas estas tendências são apenas expres-
úteis (por exemplo: a alfabetização ba- sões de não-conformismo e de inovação,
seada na abordagem psicossocial, os pro- ou manifestações excepcionais de u m
jectos de alfabetização funcional e m vá- espírito revolucionário ou reformista,
rios países, a educação política integrada m a s continuam a estar e m flagrante
nas lutas antieoloniais, a educação para contradição com os aspectos dominantes
a autogestão, etc.) destinados ao empe- das sociedades e m que vivemos. M e s m o
nhamento activo do aluno adulto. A for- quando estas contradições não são tão
mação profissional e técnica prática dos evidentes, as tendências que se agrupam
adultos (por exemplo, os programas para na primeira fase necessitam de tempo
os artesão, os camponeses, os técnicos e de apoio para ganharem e m presença
e os chefes de equipa no sector organi- e e m penetração. Ê por isso que os novos
zado da economia, a formação nas e m - métodos utilizados na educação de adul-
presas, os cursos para os beneficiários tos só terão oportunidade de influenciar
dos projectos de concessão de terras ou a educação e m geral e o papel dos alunos
para aqueles que se estabelecem e m no- e m particular se forem considerados no
vas comunas, etc.) representa outro do- contexto mais vasto das transformações
mínio da experimentação de métodos sociais.
destinados a estimular os interessados. A s novas tendências e oportunidades
Devemos ainda mencionar alguns pro- que surgem na educação dos adultos não
jectos educativos (organizados por sin- podem realizar o milagre de transformar
dicatos, cooperativas, exércitos de liber- a educação e não podemos esperar de-
tação, partidos políticos, organizações de masiado do que é muito limitado, tanto
juventude, etc.) que não só transformam
os adultos e m alunos activos, como ainda
e m membros dos organismos responsá- 1. Aâôm de vários estudos já conhecMos, a Uni-
versidade do Estado de Michigan publicou
veis pela organização dos projectos edu- trabalhos sobre a educação não formal que
cativos. D o m e s m o m o d o se acumularam merecem ser especialmente mencionaidos.

l&l
Asher Deleon

e m extensão como no raio de acção. Con- inspiração às práticas da educação dos


tudo, depois de tomar consciência desta adultos e a alguns círculos ligados a
limitação, não devemos subestimar o esta, apesar de, progressivamente, ter
papel da educação dos adultos na c o m - abrangido todo o processo educativo, do
pensação das insuficiências da educação ponto de vista do indivíduo e da so-
formal. A educação não formal adaptada ciedade. A oposição que existia antiga-
às necessidades do adulto que trabalha mente entre a educação das crianças e
poderia ser essencial tanto para a trans- a dos adultos começa a desaparecer : a m -
formação da educação como para o pro- bas necessitam do apoio e do desenvol-
cesso de desenvolvimento. A educação vimento da outra1. A sua interacção
dos adultos, mais do que qualquer outro reforçar-se-á neste processo.
sector da educação, pode certamente ge- O processo de educação permanente
rar as ideias e as tendências que, pro- foi largamente examinado sob todos os
gressivamente, podem contribuir para a aspectos, elaborado e aceite e m todo o
transformação da sociedade, assim como mundo. M a s , muitas vezes, foi também
da totalidade do seu sistema educativo. mal interpretado ou mutilado, sendo u m a
A educação dos adultos c o m o correctivo das interpretações erradas a que o iden-
do insucesso da educação formal pode tifica com a criação de u m sistema que
desempenhar não só estas funções di- constitui u m perigo para a liberdade do
rectas, c o m o também u m a função indi- indivíduo, o risco de «obrigar toda a
recta ao influenciar a educação escolar, gente a u m a espécie de escola perma-
a sua teoria e a sua prática. nente, desde o berço até ao túmulo».
C o m o certas modificações importan- É perfeitamente natural que esta inter-
tes actuam e m relação à educação não pretação provoque a oposição e o repú-
formal e m geral e à educação dos adul- dio da ideia não só da escola permanente,
tos e m particular, o ramo formal do sis- como também da educação dos adultos,
tema educativo total não pode perma- u m a vez que estão intimamente ligadas 2.
necer como se nada se passasse à sua
volta.
Naturalmente, muitas modificações 1. «Ê importante nunca apor a educação dos
surgem do interior, das práticas e dos 'adultos à educação das crianças e dos jo-
vens: o conceito de unia educação global
próprios impasses da educação formal. transcende esta aparente contradição e co-
M a s , muitos pontos de interrogação e looa os seus dois pólos, paralela e simulta-
alterações provêm também do m u n d o da neamente, ao serviço dos objectivos comuns
educação dos adultos. A teoria geral da da educação no sentido lato. Dal resulta que
ia educação dos adultos não pode permanecer
aprendizagem, particularmente a teoria por mais tempo, e m nenhuma sociedade, u m
do ensino, foi abalada pelas conclusões sector marginal e que lhe deve ser reservado
tiradas das práticas da aprendizagem, u m lugar b e m preciso nas políticas e orça-
primeiramente no processo da educação mentos da educação, o que implica unia
articulação sólida entre o ensino escolar e a
dos adultos. O facto de tornar os estu- 'educação extra-escolar.» (Apprendre à être,
dantes activos, a combinação do trabalho p. 232, Paris, Unesco/Fayard, 1972.)
e da aprendizagem, a aprendizagem pela 2. Três citações podem ilustrar esta tendência:
acção, a abordagem problema-ôolução, «O processo de aprendizagem não está
limitado a u m a situação ou a u m ambiente
a aplicação do conteúdo baseado no a m - particular. C o m o exige u m a certa abstenção
biente — todas estas abordagens se tor- <e u m a certa distanciação em relação a outras
n a m mais realistas e mais praticáveis actividades, não se concebe que a educação
graças às experiências no domínio da possa ser u m processo permanente e contí-
nuo. O conceito de educação "permanente"
educação dos adultos. O conceito de edu- "contínua" ou "por toda a vida" e m si pró-
cação permanente deve a sua origem e prio não exprime claramente, por conse-

182
A educação dos adultos como correctivo do insucesso
da educação formal

Por conseguinte, julgamos conveniente transformação da educação dos adultos


citar o relatório internacional Apprendre e o seu papel de «correctivo» encontram
à être, cujos autores são conhecidos numerosos obstáculos — todos de natu-
como promotores enérgicos da ideia da reza sociopolítica, sociocultural e socio-
educação permanente, como «pedra angu- económica— a luta pela educação dos
lar da sociedade desejosa de aprender». adultos é essencialmente u m a luta polí-
«Todo o indivíduo deve ser capaz de tica, ou que, pelo menos, faz parte das
aprender durante toda a sua vida» e lutas políticas pela libertação dos povos
«o advento d a sociedade que aprende e pela transformação do m u n d o .
sempre implica que todo o cidadão tenha N ã o pretendo observáJla sob outro as-
à sua disposição, e m todas as circunstân- pecto, n e m n u m a perspectiva diferente.
cias, os meios de aprender, de se formar
e de se cultivar, a fim de se encontrar
n u m a posição fundamentalmente dife- guinte, o que significa, pois permanece vaga
a questão da maneira como as possibilidades
rente e m relação à sua própria educa- da educação permanente serão procuradas,
ção». e a su'a interacção coin a aprendizagem na
Sendo assim, onde se encontra o risco vida.» {Recurrent education: a strategy for
lifelong learning, O C D E , 1973.)
de «transformar toda a sociedade n u m a «Opomo-nos à tendência da educação per-
vasta sala de aula do tamanho de u m manente obrigatória por lei ou por pressão
planeta»? É muito mais perigoso pro- social. N ã o necessitamos de outros sistemas
porcionar, neste planeta, possibilidades escolares.» (Extracto de u m a declaração
feita por 25 pessoas de 14 países diferentes,
de educação de alta qualidade a u m a reunidas e m Cuernavaca, MéKico.)
minoria e u m a educação inadatpada e «Estamos na altura de protestar por a
claramente insuficiente à maioria. "educação permanente" ainda não ter atin-
Por todas estas razões, o desenvol- gido toda a população adulta.» (Ivan ILLICH
e Etienne V E R N E , «The trap of lifelong
vimento e a transformação da educação school», publicado e m The documentation
dos adultos não constituem essencial- service, n.° 1, pela Direcção da Educação
mente u m problema educativo. C o m o a dos Adultos, iNova Deli.)1

183
Marvin Grandstaff

A educação não formal


como conceito*

Qual o papel da educação não formal na lização directa, são mais frequentemente
planificação do desenvolvimento? É pro- longos do que curtos, beneficiam de
vavelmente importante e sê-lo-á cada vez apoios variados, tanto públicos como pri-
mais. O s limites do ensino de tipo clás- vados, e pretendem responder às exigên-
sico emergem com u m a clareza sempre cias das comunidades locais. M a s , so-
crescente. C o m o se afirma na conclusão bretudo, a educação não formal tem por
de Apprendre à être, a escola «será cada vocação ajudar aqueles que têm menos
vez menos capaz de assumir isolada- oportunidades de aceder a u m a escolari-
mente as funções educativas d a socie- dade normal (os pobres, os isolados, os
dade. A indústria, a administração, as camponeses, os analfabetos, os desem-
comunicações, os transportes podem e pregados totais ou parciais), de se de-
devem participar. A s colectividades lo- senvolverem nos locais e m que os re-
cais, liem como a comunidade nacional, cursos são limitados e de se revelarem
representam instituições eminentemente eficazes e m termos de tempo e dinheiro.
educativas». Contudo, só nos últimos anos a noção
A composição não formal da educa- de educação não formal como ins-
ção é, n a maior parte das sociedades, trumento para prosseguimento de ob-
bastante forte — por vezes m e s m o muito jectivos educativos reconhecidos — e m
forte — e susceptível, além disso, de se particular os que se referem ao desenvol-
desenvolver ainda mais. Pensa-se que vimento nacional — surgiu e se tornou
cerca de metade do esforço educativo centro de interesse e de estudo. H á muito
realizado actualmente nos países e m de- pouco tempo ainda, tanto nos países
senvolvimento se deve ao sector não for- desenvolvidos como e m desenvolvimento,
mal. Considerados no seu conjunto, os «educação» era sinónimo de «escolari-
programas deste sector apresentam ca- dade». Depois, nos anos sessenta, vimos
racterísticas indispensáveis para o de- surgir toda u m a série de análises de
senvolvimento. Procuram, por exemplo,
satisfazer necessidades imediatas, ba-
seiam-se, geralmente, na acção e na uti- * O estudo, de que o artigo que se segue é
extraído, foi conduzido sob os auspícios do
Programa de Estudos Sobre a Educação Não
Marvin Grandstaff (Estados Unidos da Amé- Formal da Michigan State University e com
o auxílio financeiro do Serviço Para o Desen
rica). Professor do Institute for International
Studies on Education, Coliege of Education, volvimento Internacional dos Estados Unidos
Michigan State University. da América (USAID).

184
A educação não formal como conceito

carácter económico, político, pedagógico rejeição. Tudo o que esperamos é que


que p u n h a m e m evidência os defeitos e possa servir de plataforma para u m tra-
as insuficiências da escolaridade ou, pelo balho mais profundo e para u m estudo
menos, da escolaridade concebida como aprofundado de aspectos desprezados e
único veículo do ensino. A força destas importantes da tarefa educativa no seu
críticas suscitou a procura de comple- conjunto.
mentos, suplementos e substitutos da N o momento da sua génese, a ideia da
escola. Esta investigação foi orientada educação não formal foi avançada como
n u m a frente muito ampla por pessoas u m conceito aberto e de definição vaga.
de todas as opiniões e dos mais diversos Tratava-se, de certo m o d o , de u m a noção
horizontes. A s críticas dirigidas ao en- definida negativamente: « N e m toda a
sino escolar encontraram eco muito par- educação se realiza n u m estabelecimento
ticularmente nos investigadores e nas escolar.» Processo bastante eficaz de ini-
instituições que se ocupam do desenvol- ciar u m a investigação, pois definindo-os
vimento e da assistência à escala na- primeiramente como alheios ao problema,
cional. Foi nesta comunidade que nasceu não corremos o risco de esquecer factos
o conceito de educação não formal. Tendo importantes. N o entanto, a simples no-
provado a inadequação da abordagem ção de actividades «extra-escolar» de-
escolar tradicional dos problemas edu- signa u m domínio vasto e mal determi-
cativos do desenvolvimento, instituições nado e não nos ajuda a diferenciar os
e indivíduos começaram a defender a dados que o compõem. C o m u m a defi-
mobilização das formas extra-escolares nição tão extensível, a questão que se
de educação para enfrentar as necessida- apresenta constantemente é a seguinte:
des das sociedades e m desenvolvimento «O que é a educação não formal?» ou,
e m matéria de ensino. n u m aspecto mais ideológico: «Entre to-
Tratava-se muito simplesmento de es- das as actividades da educação extra-
tudar a educação não formal, de a orga- -escolar, quais são as mais 'não for-
nizar conceptualmente, de examinar os mais'?» Trata-se, inevitavelmente, de
seus casos, de analisar o seu funciona- questões obscuras. Já o eram de início
mento, as suas possibilidades e os seus e, e m certa medida, continuam a sê-lo.
problemas. O que se revelou u m a tarefa D e u m m o d o geral, poderíamos, pensa-
difícil e complexa, de tal m o d o que se- m o s sem graves consequências, conten-
ria provavelmente correcto afirmar que táronos c o m a definição de actividade
agora compreendemos que, embora sai- extra-escolar apresentada anteriormente,
bamos mais, sem dúvida, sobre o assunto e m especial no domínio da educação, e
do que há alguns anos atrás, existem abandonar a procura de u m a definição
ainda muitas coisas que continuamos a geral de educação não formal. Por outro
ignorar. C o m o quase sempre acontece, lado, na situação e m que nos encontra-
a exploração intensiva de u m determi- m o s , a melhor maneira, e m nossa opi-
nado domínio origina, particularmente nião, de avançar para a clareza concep-
de início, muito mais problemas do que tual é situar o problema e m contextos
resolve. Ë por isso que não pretendemos específicos, isto é, considerar a definição
formular conclusões sólidas ou princí- procurada como u m a questão contextual
pios definitivos. Limitar-nos-emos a fa- ou funcional. Por outras palavras, admi-
zer u m a análise liminar, fruto de três te-se que as actividades de educação não
anos de estudos marcados por muito3 formal não são consideradas de m o d o
passos falsos e pistas erradas e que, por- global, c o m a esperança de descobrir ca-
tanto, deve ser considerado c o m o sus- racterísticas gerais, m a s procuramos sa-
ceptível de aperfeiçoamento, revisão ou ber, e m contrapartida, quais os critérios

185
Marvin Grandstaff

(num dado caso) que distinguem o «for- identificáveis. M a n t ê m , quase sempre,


mal» do «não formal». E m determinados u m a relação qualquer c o m os estabele-
contextos, os critérios escolhidos pode- cimentos escolares e, na maior parte dos
rão levar-nos a qualificar de «formal» casos, as suas funções são muito b e m
certas actividades, enquanto noutro con- definidas, largamente conhecidas e cui-
texto, e m que se aplicam critérios dife- dadosamente delimitadas. E m quase to-
rentes, u m a actividade semelhante po- dos os meios sociais, se perguntarmos:
derá ser considerada «não formal». Este «Qual é o vosso sistema de ensino?»,
método contextual d a definição permite- receberemos u m a resposta bastante c o m -
-nos falar da educação não formal e m pleta e precisa. (Naturalmente, seria
situações precisas com u m a clareza su- mais correcto perguntar: «Qual é o
ficiente para nos permtir progredir, evi- vosso sistema escolar?»). Contudo, toda
tando o debate teórico sobre o que esta a gente sabe que, além da escola, ou-
actividade é «realmente». tras instituições, muito numerosas, pos-
Podemos construir definições contex- suem actividades educativas. U m a m a -
tuais da educação não formal e m bases neira de caracterizar a educação não
muito numerosas. A s que examinaremos formal consiste e m afirmar que ela en-
aqui são parâmetros surgidos c o m certa globa toda a actividade educativa que
frequência nas Jornadas de estudo do não decorre das instituições formalmente
Estado de Michigan, m a s não constituem designadas para este efeito. Podemos
u m a lista exaustiva. O s diferentes cri- apresentar ainda esta definição limitan-
térios de diferenciação não parecem, na do-a a todas as actividades educativas
situação actual, formar u m todo conjun- «deliberadas» não desenvolvidas no â m -
tivo, isto é, não parece possível, neste bito do sistema escolar. Daqui resulta
momento, combiná-los de tal m o d o que u m a terceira categoria referente à edu-
a variação de u m elemento seja sempre cação não deliberada, por vezes classi-
seguida de u m a variação idêntica de to- ficada de «informal», ou de «ocasional».
dos os outros. A melhor maneira de os N a utilização contextual do critério da
utilizar talvez fosse tratá-los como atri- ligação administrativa, acontece frequen-
butos discretos podendo ser, e m qualquer temente que outros factores entrem e m
contexto, aplicados separadamente ao jogo e que a designação de educação não
contexto, Seguem-se alguns dos critérios formal se aplique apenas às actividades
susceptíveis de serem utilizados para di- educativas extra-escolares que, nas suas
ferenciar os modos «formais» e «não for- modalidades, se aproximam do ensino
mais» da educação. escolar propriamente dito. A distinção
feita nestes casos referes-se mais ao
A ligação administrativa
m o d o de tutela do que ao m o d o de edu-
cação e m geral, atendendo a que se pode
E m quase todas as sociedades, na maior tratar de programas quase idênticos,
parte das vezes no interior do dispositivo com a pequena diferença de que u m de-
governamental, existe u m agente ou u m a corre do sistema escolar e o outro de-
instituição detentores de u m a responsa- pende de u m a empresa, organismo p ú -
bilidade m á x i m a no domínio da «edu- blico, Igreja, etc.
cação». Tratasse, à escala nacional, de Embora a distinção baseada na liga-
gabinetes, de serviços e de ministérios ção administrativa não comporte — e m
da educação e, à escala local, de funcio- especial quanto ao último sentido que
nários do ensino, de directores de esta- examinamos—nenhuma referência clara
belecimentos escolares e de professores. à prática educativa considerada como
Estes agentes são, e m geral, facilmente tal, é este critério que parece aplicar-^se

186
A educação não formal como conceito

mais frequentemente. U m a grande parte critérios c o m o representantes das duas


da literatura consagrada à educação não «famílias» mais importantes de definição.
formal trata de actividades «de tipo es- Porém, vários outros tipos de critérios
colar» decorrente de instituições alheias (geralmente, é certo, ligados de u m ou
ao sistema escolar (formação profissio- outro m o d o , às duas «famílias» princi-
nal, alfabetização, estágios de aperfei- pais) entram e m jogo no tratamento
çoamento agrícola, etc.). A s preocupa- contextual do conceito da educação não
ções práticas destas instituições giram, formal.
e m geral, e m torno de considerações
como custo, acesso à clientela e eficácia A função
da acção, e não e m torno de considera-
ções de ordem pedagógica. A função da educação formal está cer-
tamente muito longe de ser uniforme
O estilo pedagógico e m todas as sociedades, ou até estável
no interior da m e s m a sociedade; no en-
N a literatura especializada surge tam- tanto, podemos atribuir ao sistema esco-
b é m frequentemente u m elemento muito lar u m núcleo sólido de funções não
diferente da dependência administrativa. variáveis. Sejam quais forem as suas
Trata-se da distinção efectuada entre demais tarefas, ele é quase sempre obri-
as abordagens pedagógicas muito «for- gado a ensinar os conhecimentos de base
mais», rígidas, e m que o papel do pro- (leitura e escrita, cálculo, instrução ge-
fessor é primordial e que são medidas ral) e encontra-se ligado ao sistema so-
e m função da adesão a normas e as que cial de recompensa baseado na atribuição
se referem essencialmente às «necessi- de diplomas. Por conseguinte, outra m a -
dades dos alunos», mais maleáveis, e que neira de estabelecer a distinção entre
são geralmente medidas e m função da educação formal e educação não formal
satisfação dos beneficiários. Esta forma consiste e m atribuir a esta última as
de diferenciação que assenta e m critérios actividades educativas que não fazem
educativos é intrinsecamente indepen- parte do núcleo habitual das funções
dente do m o d o de tutela. É verdade que atribuídas ao sistema escolar. Podemos
existe, provavelmente, u m a forte correla- facilmente classificar este critério de
ção entre a frequência de u m a pedagogia ideológico, pois ele implica que só as
«formal» nos estabelecimentos escolares funções que constituem o cerne do en-
e a de u m a pedagogia «não formal» nas sino tradicional convêm à educação for-
actividades alheias ao sistema escolar. mal. C o m o sucede c o m a abordagem
M a s esta correlação talvez não seja sufi- pedagógica, os factos traduzem, neste
ciente para que se possa concluir que caso, u m a certa correlação entre o cri-
existe u m a concordância entre definições tério funcional e o critério de tutela,
que assentam e m critérios pedagógicos, u m a vez que as funções tradicionais da
ou e m modos de tutela. escola raramente são assumidas para
A maior parte dos exemplos contex- além de u m quadro formal. A solidez
tuais de definição da educação não formal desta correlação é, p o r é m , duvidosa.
utilizam o critério da ligação administra- Existem, c o m certeza, casos concretos
tiva, ou o critério pedagógico, muitas e m que u m a distinção baseada na função
vezes conjugado c o m u m ou mais crité- pode ser útil e este critério surge, efec-
rios. (Algumas definições combinam tu- tivamente, na literatura especializada,
tela e pedagogia, geralmente com resul- e m especial quando se estudam as rela-
tados pouco satisfatórios.) P o d e m o s , ções existentes entre a educação formal
pois, considerar estas duas categorias de e a educação não formal.

187
Marvin Grandstaff

O s beneficiários compensa da sociedade. A s recompensas


são, geralmente, mais globais do que
N a maior parte das sociedades, m e s m o específicas. Sancionam mais a escolari-
desenvolvidas, o ensino — e m particular dade como tal (ou a realização de deter-
nos níveis mais elevados— é u m a e m - minado ciclo de estudos) do que a apli-
presa de carácter bastante elitista. O s cação dos conhecimentos adquiridos.
estabelecimentos escolares não se limi- Existe, aqui, u m a correlação importante
tam a instruir, efectuam também u m a que não poderemos tratar isoladamente
selecção na sua clientela, s e m p r e a e que é a seguinte: tendo e m conta que
m e s m a . Daí a existência, e m quase to- as recompensas ligadas à escolaridade
das as sociedades, de grande número de são de ordem geral, o financiamento do
pessoas que não são admitidas nas ins- ensino é muitas vezes considerado u m a
tituições oficiais, formais, de ensino. «despesa social». Quando as recompen-
Acontece t a m b é m que grupos étnicos e sas da educação são muito específicas
populações rurais ou que residem longe e ligadas aos conhecimentos adquiridos,
das cidades não têm acesso à educação observa-se que as despesas do ensino
formal e constituem outros grupos de estão frequentemente a cargo do instru-
«excluídos da educação». Estas popula- mento e/ou do empresário. E m outros
ções representam, quase por definição, casos de instrução deliberada, as recom-
clientes potenciais para os programas pensas são imediatas, específicas e e m
de educação não formal e lê-se clara- relação directa c o m o ensino recebido
mente, e m grande parte da literatura (emprego, melhor remuneração, rendi-
especializada, que, na aplicação prática mento agrícola superior). Existe u m a
deste conceito, se verifica a tendência ligação bastante evidente entre a natu-
para utilizar como critério distintivo os reza da recompensa e as classificações
atributos dos beneficiários, e m particular correntes da educação formal e não for-
o da sua exclusão do sistema educativo. mal. Neste caso, porém, o critério (a
Categorias como a «educação dos traba- recompensa) é geralmente tratada como
lhadores» tornam-se, então, significativas u m a característica anexa de u m a distin-
e fecundas. Neste caso, como no das defi- ção que assenta e m outro critério e não
nições estabelecidas e m função do m o d o como u m a base de diferenciação e m si.
de tutela, não existe u m a relação evidente
entre o fundamento da distinção e a prá- A conformidade cultural
tica educativa, embora haja razões para
supor, e m particular, no que se refere Finalmente, estabelece-se, por vezes, u m a
à clientela rejeitada, que u m a pedagogia distinção consoante o perfil geral do
não formal tem possibilidades de ser ensino é adaptado, ou não, às estruturas
mais eficaz. D e qualquer m o d o , a exten- mentais da população beneficiária. Sa-
são do problema apresentado, e m todos bemos que os modos de aquisição dos
os países, pelas necessidades de popula- conhecimentos variam de acordo c o m o
ções que não têm acesso à educação meio cultural e que os programas edu-
formal torna a utilização do critério da cativos implicam u m certo número de
clientela frequente e útil. noções sobre a maneira como as pessoas
«aprendem». O s postulados da educação
O s sistemas de recompensa e m matéria de aquisição dos conheci-
mentos podem convir às estruturas m e n -
C o m o já observámos, a educação formal tais de u m grupo cultural dado ou ser-
está, na maior parte dos casos, parti- -lhes totalmente alheios. Observa-se, na
cularmente associada ao sistema de re- literatura especializada, u m a tendência

188
A educação não formal como conceito

para associar o conceito de educação não formal. Talvez, por exemplo, se des-
formal a situações e m que o ensino dis- cubra e m que medida existe u m a corre-
pensado implica u m modelo de aprendi- lação entre as variáveis que se classifi-
zagem distinto daquele que caracteriza cam, respectivamente, na «família» do
a população local e o conceito de educa- m o d o de tutela e na das abordagens
ção não formal a situações e m que os pedagógicas. (Trata-se, pensamos, de
modelos da aprendizagem são conformes. u m a tarefa importante para o desenvol-
Ë o que sucede, e m particular, quando vimento futuro da teoria.) Até lá, porém,
o contexto é o de u m contacto educativo o melhor método parece ser o que con-
entre programas escolares e populações siste e m articular cuidadosamente os cri-
semi-analfabetas ou analfabetas. (Esta térios que aplicaremos, n u m dado caso,
distinção tem pouco valor quando a po- para distinguir a educação formal da
pulação beneficiária é alfabetizada. Se a educação não formal e as utilizações b e m
aplicássemos, por exemplo, às escolas delimitadas que contamos fazer com os
americanas habituais, destinadas a u m a resultados obtidos. A clareza e a coerên-
população cujo m o d o de aprendizagem cia da maneira de tratar o conceito são
é praticamente idêntico ao que implica mais importantes do que o facto de pre-
o ensino dispensado, chegaríamos ao tender proclamar ideologicamente justa
curioso resultado de que o ensino a m e - determinada definição entre as numero-
ricano poderia ser citado como exemplo sas opções plausíveis.
de educação não formal.) Esta distinção A conceptualização da educação não
exige u m contexto muito especial, m a s formal deve necessariamente englobar
pode ser, e m muitos casos, válida e u m número importante de possibilida-
fértil. des, das quais algumas podem ser difi-
cilmente relacionáveis com as duas «fa-
E m resumo, é evidente que não existe mílias» de definição que analisámos.
u m a maneira única e «correcta» de defi- N ã o menos importante é a necessidade
nir o conceito de educação não formal. de abordar o exame do conceito c o m
A sua definição depende do contexto e u m objecto b e m determinado. Trata-se
a escolha dos factores segundo os quais de saber não o que «é» a educação não
se distinguirá o formal do não formal formal, m a s o oue pretende, para oue
será função do objectivo procurado. é feita, o que está no cerne da definição
É provável que a investigação exija u m a contextual. Para estudar este m o d o de
selecção de critérios de certo m o d o dife- educação como conceito, devemos, e m
rente da requerida pela prática e que, primeiro lufar, possuir u m a noção da
tratando-se, por exemplo, de administra- tarefa a realizar, tal como o fabricante
ção, de financiamento ou de elaboração de utensílios necessita de saber, antes
de programas, se possam considerar ex- de se lançar ao trabalho, para que ser-
tremamente úteis critérios relativamente virá o instrumento aue vai talhar. A in-
pouco interessantes para u m professor. trodução do conceito de educação não
Importa, pois, que os critérios escolhidos formal mostra-nos (aue esta linha de re-
se adaptem à tarefa proposta e não que flexão e m matéria educativa é válida —
se opte por determinada categoria de permite considerar diversas opções. P o -
critérios. demos fabricar nós próprios os instru-
É possível que, com o tempo, se adquira mentos de que necessitamos e m vez de
u m a ideia mais clara da interpretação nos limitarmos a fazer o que podemos
mais fecunda do conceito de educação com aquilo que encontramos.

189
Tim Simkins

A planificação
da educação extra-escolar:
estratégias e obrigações*

O s documentos e publicações que tratam ciai. N o presente artigo examinaremos


da educação extra-escolar nos países e m u m certo número de meios através dos
desenvolvimento são actualmente muito quais a educação extra-escolar pode ser
numerosos. Tem-se escrito muito sobre introduzida nas estratégias nacionais da
os limites da contribuição do ensino es- educação e expomos alguns dos proble-
colar para a realização do® objectivos m a s que podem surgir se os planificado-
nacionais e sobre as múltiplas vantagens res não tiverem suficientemente e m conta
que poderiam resultar da aplicação de o poderoso conjunto de obrigações e m
programas extra-escolares b e m concebi- que os responsáveis pela política educa-
dos, particularmente no m o m e n t o e m que tiva devem invariavelmente operar.
se insiste sobre o desenvolvimento rural, O m o d o mais simples de abordar o pro-
o emprego e a igualdade de oportunida- blema da planificação da educação extra-
des na sua aplicação mais ampla. Efec- -escolar consistiria, como é evidente, e m
tuaram-se numerosos estudos de casos não introduzir transformações ¡essenciais
referentes a programas específicos nos na estrutura do ensino. O sistema esco-
mais diversos países. lar tradicional continuaria a dominar,
O que sobressai essencialmente de mui- m a s redobrar ^se-iam os esforços para
tos destes escritos é que, para a maior descobrir os meios de aplicar programas
parte dos países e m desenvolvimento, se extra-escolares apropriados, a fim de au-
impõe há muito u m a reorientação subs- mentar a eficácia do ensino no seu con-
tancial das prioridades nacionais e m m a - junto. C o m o indicou Callaway: « O que
téria de educação e que esta reorientação é necessário, agora, é reforçar os progra-
poderá atingir aproximadamente os seus m a s extra-escolares existentes e aplicar
fins desde que as alterações propostas novos programas — se necessário revo-
sejam b e m planificadas e executadas. lucionários— perfeitamente estudados...
Ora, esta opinião apoia-se n u m a noção Insistir, assim, n a educação extra-escolar
essencialmente técnica do processo de não significa que se reduza a importân-
planificação que considera o contexto cia atribuída ao ensino institucionalizado.
sociopolítico da educação de m o d o par-
* Este texto constitui u m a versão revista do
capítulo 5 do estudo de T . J. S I M K I N S : Non-
Tim Simkins (Reino Unido). Especialista em -formal education and development: some
educação de adultos e em planificação da edu- critical issues (Monograph 8), Department
cação. Professor em Sheffield City Polytechnic, of Adult and Higher Education, University
Sheffield. of Manchester, 1977.

190
A planificação da educação extra-escolar:
estratégias e obrigações

Trata-se simplesmente de afirmar que as çar a eficácia do sistema educativo no


ocasiões de aprender devem ser estendi- seu conjunto.
das e oferecidas a u m a fracção muito A s análises deste tipo são frequentes
mais importante d a população.» 1 nos trabalhos sobre a educação extra-
¡Esta concepção salienta «a obra ina- -escolar e fornecem-nos interessantes
cabada da escola» 2 e considera a educa- resumos. Assentam, porém, n u m a hipó-
ção escolar e extra-escolar como associa- tese principal que apresenta dúvidas n a
das, indispensáveis u m a à outra. Neste situação que é a de muitas sociedades
contexto, atribuem-se frequentemente e m desenvolvimento. D « inspiração lar-
três funções à educação extra-escolar. gamente expansionista, t ê m tendência
E m primeiro lugar, ela pode completar para considerar como certo que se en-
o ensino escolar, por exemplo, por meio contrarão recursos suplementares e m
de actividades extra-escolares destinadas quantidade suficiente para as necessida-
aos estudantes, como clubes de jovens des da causa. Contudo, à medida que a
rurais, ou de actividades relativas à edu- percentagem dos orçamentos nacionais
cação dos adultos tendo por objecto a consagrada à educação continua a au-
intensificação do apoio dos pais às esco- mentar, as possibilidades de expansão
las. E m segundo lugar, os programas esgotam-sie e diminuem rapidamente.
extra-*seolares podem substituir o en- É certamente verdade que se poderiam
sino escolar proporcionando u m a forma- encontrar outras fontes de financiamento
ção pré-profissional aos jovens que aban- para a educação extra-escolar, principal-
donaram prematuramente a escola ou mente no sector privado da economia,
u m a formação durante o exercício da m a s é provável que qualquer aumento
profissão destinada a proporcionar aos apreciável dos recursos públicos consa-
que saíram da escola as competências grados à educação extra-escolar deva
práticas necessárias para a indústria. realizar-se à custa do sistema escolar.
Finalmente, os programas extra-escola- Seria utópico raciocinar de outro m o d o .
res podem constituir u m substituto viável Duvidamos de que exista e m muitas so-
do ensino escolar e m certos domínios ciedades « u m amplo leque de programas
particulares, como a alfabetização, e m extra-escolares que não entrem e m c o m -
especial quando os recursos a atribuir à petição c o m o ensino escolar para atri-
expansão do ensino escolar são limi- buição de créditos orçamentais 4. A escas-
tados. sez de recursos torna-se tão grave que as
Segundo esta concepção, os programas formas de ensino diferentes das escolares
de educação extra-escolar constituirão se tornam (e devem tornar) concorrentes
essencialmente u m complemento que se
vem juntar aos meios existentes de edu- 1. A . C A L L A W A Y , «Frontiers of out-off-schoiol
cação escolar que, e m muitos casos, não education», em C . S. B R E M B E C K e T . J.
T H O M P S O N , New strategies for educational
deixarão de se desenvolver. D e facto, u m development: a cross-cultural search fo
dos temas que encontramos n a maior non-formol alternatives, p. 16, Lexington
parte dos estudos sobre a educação extra- Books, 1973.
-escolar, é a insuficiência dos recursos 2. P. H. COOMBS, R. C. PROSSEK e M . A H M E D ,
(em particular dos recursos públicos) New paths to learning for rural children and
youth, pp. 27 a 29, International Council for
consagrados aos programas de educação Educational Development, 1973.
alheios ao sistema escolar 3 e a necessi- 3. Ver, por exemplo: P. H . C O O M B S e outros,
dade de os aumentar substancialmente. op. cit., p. 70; P. H . C O O M B S e M . A H M E D ,
Neste contexto, a planificação exige que Attacking rural poverty: how non-formal
education can help, pp. 22-24, Johns Hop-
se determinem concretamente os progra- kins University Press, 1974.
m a s extra-escolares susceptíveis de refor- 4. P . H . C O O M B S e M . A H M E D , op. cit., p. 247.

191
Tim Simkins

cada vez mais temíveis na concessão de dos anos setenta deveriam inscrever na
meios financeiros. primeira linha dos seus objectivos estra-
Nesta situação, é provável que só se- tégicos a generalização da educação ele-
jam concedidos recursos suplementares mentar, sob formas diversificadas, e m
de montante apropriado à educação função das possibilidades e das necessi-
extra-escolar quando se operar u m a m u - dades.» 2
tação significativa nas prioridades do A educação de base pode ser inter-
sector da educação, de tal m o d o que a pretada de diversos modos que apresen-
importância da educação extra-escolar tam, entre si, pontos comuns, É evidente
surja claramente e s e m ambiguidades. que, e m muitas sociedades, a primeira
Vejamos agora as condições e m que esta fase do ensino do primeiro grau constitui
mutação de prioridades poderia ter lugar. o elemento essencial, m e s m o quando ou-
Talvez o incitamento mais forte viesse tros assumem igualmente u m a grande
de u m a nítida tomada de consciência por importância. Phillips descreve assim a
existir, entre a procura de meios de en- situação: «Por educação do "primeiro
sino suplementares e a oferta de recur- grau" ou de "base", entenderemos simul-
sos, u m desequilíbrio tão grande que a taneamente o ensino primário na escola,
elaboração de u m a nova estratégia da especialmente a parte elementar do ciclo
educação represente a única solução pos- primário quando este é longo, e a acção
sível. A substituição dos esforços desen- de recuperação pela educação extra-esco-
volvidos para responder c o m u m ensino lar desenvolvida junto dos jovens que
escolar de custo médio à massa das exi- não completaram a escolaridade necessá-
gências da sociedade e m matéria de edu- ria. A ideia consiste e m satisfazer as
cação por esta opção está, neste m o - necessidades mínimas essenciais e m m a -
mento, a ser amplamente debatida sob téria de aquisição de conhecimentos para
a designação de «educação de base». que o indivíduo possa desempenhar u m
Ocupa u m a grande importância nas refle- papel na sociedade e no seu meio físico.» 3
xões do Banco Mundial sobre o desenvol- A s estratégias da educação de base
vimento da educação e também é estu- variarão entre as sociedades, de acordo
dada pela U N E S C O . C o m o declara o com as suas necessidades e recursos.
Banco Mundial: «Os sistemas de educa- Assim, nas sociedades e m desenvolvi-
ção e de formação deverão ser concebidos mento, e m que o rendimento por habi-
para permitir que as massas que não tante é relativamente elevado e a taxa
foram abrangidas pelo crescimento do de escolarização primária já importante,
sector moderno participem no processo seria possível realizar a educação de
de desenvolvimento de trabalhadores mais base para todas as crianças (mas não
produtivos — capazes de desempenhar para os jovens e adultos sem instrução)
eficazmente o seu papel de cidadãos, de n u m futuro previsível, generalizando o
m e m b r o s da sua família, de dirigentes e ensino primário. Esta opção, porém, não
de m e m b r o s de grupos que participam na
acção cooperativa comunitária, e muitos
outros, o que significa, e m última aná- li Education sector working paper, pp. 14 e 115,
lise, que todas as secções da população Banco Mundial, 1974, reproduzido em INTER-
NATIONAL BANK F O E RECONSTRUCTION AND
devem receber u m a educação e u m a for- D E V E L O P M E N T , The assault on world poverty:
mação sempre que os recursos o permi- problems or rural development, education and
tam e na medida e m que a marcha do health, John Hopkins University Press, 1975.
desenvolvimento o exija.» 1 2. Apprendre à être, p. 218, Paris, Unesco/
/Payara, 1972.
Por outro lado, formulou-se a seguinte 3. H . M . PHILLIPS, Basic education: a world
recomendação: «As políticas educativas challenge, p. 6, Wiley, 1975.

192
A planificação da educação extra-escolar:
estrategias e obrigações

se oferece a muitos países pobres. Para «educação de base» serão, muitas vezes,
eles, a educação de base para todos exige de u m a duração muito mais curta do que
que se estabeleça « u m sistema comple- o ciclo primário do ensino tradicional.
mentar e não rival do ensino escolar des- U m a estratégia de educação de base
tinado a dispensar u m a educação funcio- deve possuir como terceira característica
nal, maleável e económica àqueles que a oferta de u m leque de possibilidades
o sistema escolar não pode ainda atingir que garanta a todos os elementos da
ou que já foram postos à margem» 1 . população o acesso à educação. Assim,
Seja qual for a estratégia adoptada, embora seja possível não existir «nenhum
apresentará sempre u m certo número de meio de escapar à obrigação de melhorar,
características indispensáveis. E m pri- de renovar e de desenvolver o sistema
meiro lugar, deverá assegurar u m nível escolar» s , a tarefa essencial consiste e m
mínimo de educação a u m a massa de fornecer possibilidades apropriadas de
indivíduos. Isto é, deverá abranger todas educação extra-escolar a todos aqueles
as crianças e m idade escolar e, além que o ensino de tipo clássico não pode
disso, atingir os jovens e os adultos que atingir ou aos quais não se adapta. O s
não puderam beneficiar de u m ensino meios utilizados devem ser maleáveis
adequado no passado. Por conseguinte, para satisfazer as necessidades de grupos
m e s m o nas sociedades e m que representa particulares e devem possuir u m a eficá-
u m objectivo possível de atingir, o ensino cia satisfatória e m relação ao seu custo,
primário universal deve ser completado a fim de economizar os recursos.
por outro tipos de programas educativos. D o exame destas características salien-
E m segundo lugar, a educação de base ta-se que programas extra-escolares b e m
para as crianças, os jovens ou os adultos escolhidos serão capazes de constituir u m
é concebida c o m o u m fim para a maior elemento vital de toda a estratégia de
parte das pessoas. Deve ser organizada educação de base. Nestas condições, o
de m o d o a responder às «necessidades problema essencial da planificação resu-
mínimas essenciais e m matéria de aqui- me-se a definir os limites para além dos
sição de conhecimentos» dos grupos par- quais o ensino de tipo escolar não pode
ticulares que pretendemos atingir. Estas ser materialmente prolongado e a deter-
necessidades serão definidas não na pers- minar e elaborar programas extra-esco-
pectiva do prosseguimento dos estudos lares apropriados para os grupos que não
dentro do sistema educativo, m a s e m podem ser atingidos de maneira satisfa-
função dos conhecimentos, competências tória pela educação escolar. N o entanto,
e atitudes necessários a u m a participação podemos ir mais longe. Se a educação
total e eficaz do indivíduo na vida da de base deve ser generalizada, é pouco
sociedade. A s necessidades mínimas va- provável que o problema das prioridades
riarão consoante as sociedades e, a b e m possa ser iludido na maior parte das so-
dizer, no seio de cada u m a delas (por ciedades. M e s m o quando o ciclo de edu-
exemplo, entre zonas urbanas e rurais, cação de base é mais curto do que o ciclo
ou entre zonas rurais de carácter dife- primário tradicional e quando escolhemos
rente) ; as diferenças referir-se-ão à os métodos de educação exteriores ao sis-
orientação da educação proporcionada e
à duração do processo educativo neces- 1. B A N Q U E M O N D I A L E , «Education sector work-
sário à satisfação adequada das necessi- ing paper», op. cit., p. 29.
dades 2 . A natureza da economia da maior 2. Poderão eneontrar-se indicações sobre u m a
parte das sociedades « m desenvolvimento «bagagein minima» possível para os jovens
das sociedades e m desenvolvimento e m P . H .
e a falta de recursos de que sofrem le- C O O M B S e outros, op. cit., pp. 14 e 15.
vam-nos a crer que os programas de 3. H . M . PHILLIPS, op. cit., p. 12.

193
Tim Simkins

tema escolar tradicional mais eficazes e m democrático já existente, o que talvez re-
relação ao seu custo, é provavelmente presente a medida mais popular devido
necessário redobrar os recursos atribuí- à falta de informação sobre a extensão
dos ao ensino escolar de nível pós-elemen- da diminuição dos efectivos e das repro-
tar. A s incidências políticas desta estra- vações, ou enfrentar a realidade no plano
tégia podem ser consideráveis. C o m o é educativo e social, o que equivale a con-
evidente, trata-se de redistribuir os re- jugar o máximo de alfabetização massiva
cursos para benefício dos indivíduos, e de educação de base c o m o desenvolvi-
crianças e adultos que foram privados de mento maximal das possibilidades.» x
instrução, e e m detrimento da educação Podemos, no entanto, perguntar se
pós-primária (ou até m e s m o da educa- u m a estratégia que oferece diferentes
ção primária completa) dos que já rece- tipos de educação a diferentes grupos
beram u m a educação de base. C o m o co- de indivíduos pode conciliar os dois as-
rolário desta redistribuição, vemos que, pectos concorrentes do objectivo que con-
pelo menos a curto prazo, as possibili- siste e m proporcionar u m mínimo de
dades de progresso no interior do sistema educação de base a todos, conseguindo
escolar tradicional são reduzidas, daí re- simultaneamente que a possibilidade de
sultando u m a concorrência mais forte no abordar níveis superiores de ensino con-
conjunto. tinue igualmente aberta a todos.
Existe, porém, outra incidência notá- Perante este dilema, duas reacções
vel. N a s sociedades e m que o ensino pri- são possíveis.
mário para todos não é, devido ao seu U m a consiste e m ignorá-lo delibera-
custo, u m objectivo susceptível de ser damente considerando que a única solu-
atingido n u m futuro próximo, só será ção é u m sistema educativo tradicional,
possível generalizar a educação de base dominado pelo ensino escolar, o que con-
proporcionando processos de educação tinuará, por falta de meios financeiros,
diferentes, principalmente extra-escola- a privar u m grande número de pessoas
res, àqueles que não podem aceder às de toda a instrução. U m mínimo de edu-
escolas primárias habituais. C o m o conse- cação de base, dir-nos-ão, m e s m o quando
quência, m e s m o que a educação de base não proporciona ao indivíduo a possibili-
generalizada seja obtida por este pro- dade de prosseguir os estudos deve ser
cesso, é provável que obtenhamos u m preferida à ausência total de educação
duplo sistema de educação. A s crianças que, por definição, exclui até m e s m o a
que tiverem acesso às escolas primárias possibilidade do aumento do nível de
ordinárias poderão, e m seguida, ingres- vida elementar e, c o m maioria de razão,
sar e m estabelecimentos pós-primários, de elevação na escala social. Este argu-
enquanto esta possibilidade se encontra mento, porém, não atende às realidades
provavelmente vedada às que não te- políticas da orgnização do ensino. C o m
n h a m recebido u m a educação extra- efeito, é extremamente improvável que
-escolar. Talvez estas crianças tenham u m sistema educativo que incorpore sis-
beneficiado de u m a educação muito mais tematicamente a desigualdade de opor-
adaptada às necessidades do desenvolvi- tunidades nas suas estruturas possa
mento, m a s a possibilidade de completar apresentar-se c o m o politicamente aceitá-
a sua instrução talvez lhes tenha sido vel à massa da população.
recusada devido essencialmente ao grupo Outra solução para este problema
social ou à região geográfica e m que consiste e m criar estruturas educativas
nasceram. Segundo Phillips, o problema que procuram manter abertas as portas
consiste e m : «Escolher entre desenvolver
o tipo de ciclo (primário) aparentemente 1. H . M . PHILLIPS, op. cit., p. 176.

194
A planificação da educação extra-escolar:
estratégias e obrigações

que dão acesso à educação, m e s m o para parte das sociedades e m desenvolvimento.


aqueles que recebem u m a educação de Estes problemas são resumidos por Col-
base para além do sistema escolar tra- clough : « A criação de u m sistema duplo
dicional. O que pressupõe a elaboração de educação vai justamente contrariar o
de mecanismos de selecção que não im- objectivo p r o c u r a d o que consiste e m
peçam estes indivíduos de aceder a níveis assegurar a igualdade de oportunidades
superiores do sistema de ensino de tipo no domínio educativo e social. Esta polí-
escolar se as suas capacidades o justi- tica destina-se a legitimar as diferenças
ficarem; pressupõe igualmente a criação sociais e de classes existentes e a ins-
de «escalas», de «ciclos» e de «pontes» titucionalizar as desigualdades... A l é m
para facilitar o movimento dos indivíduos disso, a discriminação implícita que as
entre tipos e níveis educativos1. É evi- possibilidades de e d u c a ç ã o oferecidas
dente que esta estratégia fornece u m a opera entre as famílias, consoante se
solução possível para o dilema. O verda- trata de famílias urbanas ou rurais, ricas
deiro problema consiste, porém, e m saber ou pobres, foi a principal razão do insu-
se esta solução pode ser aplicada na cesso das tentativas passadas destinadas
presença de imposições políticas que se a criar u m duplo sistema de educação.
exercem na maioria das sociedades e m É lícito, portanto, supor que novas ten-
desenvolvimento. D e v e m o s , portanto, tativas realizadas c o m o m e s m o espírito
perguntar se é possível pôr e m funcio- falhariam igualmente sob o efeito de
namento u m sistema deste tipo, de m a - pressões semelhantes.» *
neira suficientemente democrática na A característica dominante das estra-
realidade, e também se a massa da popu- tégias de educação de base é o facto de
lação a q u e m seria recusado, e m primeiro atribuírem u m a função essencialmente
lugar, o acesso aos estabelecimentos de residual aos programas extra-escolares
ensino tradicionais, teria confiança na no interior de u m sistema de educação
democracia do sistema para aceitar as duplo. A principal razão pela qual se
possibilidades de instrução extra-escola- procura proporcionar a certos grupos e
res que lhes seriam oferecidas. A expe- indivíduos u m a educação de base através
riência limitada adquirida n o campo de de meios extra-escolares é a insuficiência
estratégias deste tipo parece indicar que dos recursos disponíveis, o que impede o
nenhuma destas condições seria preen- necessário desenvolvimento do ensino do
chida na maior parte das sociedades. tipo escolar para generalizar a educação
É o que contribui, na opinião de muitas de base unicamente através deste meio.
pessoas, para explicar o sucesso limitado A educação extra-escolar é necessária,
das políticas de educação de base de paí- porque não existe nada de melhor. D o
ses como o Alto Volta, o Afesranistão, ponto de vista da planificação o pro-
Madagáscar e Benim 2 , e também que blema consiste, afinal, e m saJber c o m o se
«poucos países, para além das Repúbli- podem elaborar estratégias de educação
cas Populares Socialistas, tenham, até que, além de explorarem a fundo os pro-
asrora, atribuído a maior importância à gramas extra-escolares, os levem a gozar
educação de base mínima» 3 . de u m a situação e de u m prestígio que
E m b o r a pareça representar u m a solu- nada fique a dever ao ensino escolar.
ção técnica apropriada para os problemas
inextricáveis da penúria de recursos, o 1¿ Mam* Ibidem, cap. 1Q.
princípio da educação de base tem, con- 2. C . C O L C L O U G H , «Basic education: Samson or
Delilah?», em Convergence, vol. 6, n.° 2,
sequentemente, incidências políticas que 11976.
suscitam problemas graves quanto às 3. H . M . PHILLIPS, op. cit., p. 138.
suas possibilidades de aplicação na maior 4. C . COLCLOUGH,- op. cit., p. 59.

195
T i m Simkins

E m princípio, o conceito de «capacidade» mente u m sistema e m que a balança da


do sistema é a resposta. educação dispensada penderá de m o d o
Este conceito, e o seu interesse para o decisivo para o lado oposto ao ensino
planificador, foram expostos por Grands- escolar e onde a harmonia entre a capa-
taff : «Tentámos rodear o problema (da cidade e a função seja o principal factor
planificação de meios de educação alheios a determinar onde se situa a linha de
ao ensino escolar) utilizando diversas ex- separação.
pressões como "as utilizações estratégi- Que critérios práticos poderiam ser
cas da educação extra-escolar" ou "o aplicados para destinar tarefas concretas
problema da localização d a função". a determinado tipo de programa educa-
O único mérito da expressão empregada tivo ? Grandstaff2 sugere três : o rendi-
—> "capacidade do sistema" — reside no mento económico; a adequação de «es-
facto de parecer u m pouco mais nitida- tilos de aprendizagem» particulares a
mente centrada no objectivo do que as determinado grupo; e a relação entre
outras. A ideia geral é que todo o meio a forma de educação e a estrutura das
educativo pode conseguir certas coisas, necessidades de g r u p o s determinados.
m a s não outras. A g a m a de objectivos Poderiam, com certeza, estudar-se cri-
que u m meio (um "sistema") pode obter térios suplementares. Estas questões vão
constitui a sua capacidade. U m traço ao fundo do problema da planificação
essencial da planificação e da concepção e indicam a divergência que existe entre
da educação consiste, então, e m determi- esta concepção do papel dos programas
nar e m que medida u m a certa função extra-escolares e m estratégias globais da
educativa "se enquadra" nos sistemas educação e a ideia de «educação de base».
propostos como candidatos à execução Esta última baseia-se na hipótese de que
desta função. D e maneira u m pouco dife- a educação de tipo escolar continuará a
rente, a concepção pode, por vezes, c o m - dominar na organização da educação e
portar a análise de u m a função, a fim que os programas extra-escolares contri-
de determinar como construir u m sistema buirão com o essencial unicamente pe-
que lhe seja adaptado. Finalmente, pode- rante os grupos aos quais, por falta de
mos considerar u m sistema como dado recursos, o ensino escolar não pode efec-
e perguntar quais as diversas funções tivamente ser estendido. O conceito de
que ele seria capaz de desempenhar.» 1 «capacidade do sistema» economiza esta
O ponto capital do raciocínio é que, hipótese. E m princípio, pelo menos, a
devido às características respectivas, a educação deve ser reordenada a fim de
educação escolar e a educação extra- que o esquema global seja optimal, e m
-escolar são capazes, tanto u m a como atenção às necessidades de determinada
outra, de realizar certas tarefas educa- sociedade.
tivas de u m m o d o satisfatório, e outras
de m o d o medíocre. C o m o consequência
da predominância actual da educação 1. M . G R A N D S T A F F , «Systematic capacity as a
escolar na maior parte das sociedades, problem in the design of alternatives to for-
é provável que esta forma de educação mal education», Non-formal education as an
seja chamada a realizar numerosas tare- alternative to schooling, p. 22, Michigan State
University, 1974 (Discussion paper n.° 4,
fas para as quais se encontra mal adap- Programme of Studies in Non-Formal Edu-
tada. O objectivo do planificador deve, cation).
portanto, consistir e m localizar estas ta- 2. M . G R A N D S T A F F , «Are formal schools the best
refas e incluí-las n u m a diversidade de place to educate?», e m C . S. B R E M B E C K e
T . J. T H O M P S O N , New strategies for educa-
programas extra-escolares que as reali- tion as an alternative to schooling, Lexington
zem melhor. O resultado será provavel- Books, 1973.

196
A planificação da educação extra-escolar:
estrategias e obrigações

D o ponto de vista do planificador, esta no Terceiro M u n d o exige no essencial,


abordagem é a única verdadeiramente previamente «... transformações funda-
racional. N o entanto, enfrenta as m e s - mentais na atitude e m relação à educa-
m a s dificuldades que a ideia de educação ção por parte dos alunos, dos pais, dos
de base. O problema é que o processo de empresários, dos professores, dos admi-
planificação provoca, na realidade, u m a nistradores e dos dirigentes. Se não fo-
tensão constante entre os dois factores rem capazes de considerar a educação
essenciais que são a racionalidade e a como aprendizagem e não apenas coimo
política. A solução para u m problema escolaridade e de reconhecer que os valo^
determinado que se apresenta teorica- res reais residem n o que se aprende e
mente como a mais racional pode ser não na maneira de aprender, não poderá
absolutamente inaplicável na prática. baver solução adequada para as imensas
É perfeitamente racional, de acordo com necessidades não satisfeitas das socieda-
o tipo de análise já exposto, transferir des rurais» 1 ,
recursos dos programas de tipo escolar A resposta dada ao problema Ide saber
para os programas extra-escolares. Poli- se u m a forte expansão da educação rural
ticamente, porém, só será realizável se extra-escolar seria economicamente rea-
as prioridades sociais e individuais rela- lizável nos países e m desenvolvimento é :
tivas ao sector da educação forem fun- «certamente que sim —desde que as
damentalmente modificadas, de tal m o d o condições políticas sejam favoráveis.» 2
que a importância da educação extra- Esta cláusula afasta qualquer hipótese
-escolar, do ponto de vista político, se de discussão sobre o que está no cerne
torne claro e sem equívoco. O reordena- do problema. U m a planificação realista
mento das prioridades proclamado pelos exige u m a análise das transformações
governos (e, c o m maioria de razão, pelos da infra-estrutura socioeconómica neces-
planificadores) não basta. A s prioridades sárias para tornar possível a realização
dos indivíduos t a m b é m devem ser modi- de grandes programas de educação ex-
ficadas, pois, de contrário, a procura po- tra-escolar. D e contrário, é necessário
pular de meios suplementares de educa- definir as possibilidades que existem real-
ção escolar continuará a aumentar e as mente de criar formas de educação dife-
realidades políticas tornarão o desdobra- rentes das escolares, na ausência destas
mento dos recursos destinados ao ensino transformações. Procuraremos, e m se-
escolar extremamente improvável. A s guida, aprofundar estas questões.
prioridades individuais, como é evidente, Consideremos, e m primeiro lugar, a si-
só terão oportunidade de mudar quando tuação mais corrente, tendo e m conta
o esquema dos incentivos sociais for que é provável que se modifique o es-
modificado, de m o d o a reduzir as van- q u e m a dos incentivos sociais ou o papel
tagens relativas decorrentes do ensino desempenhado pelo sistema escolar na
de tipo escolar e a garantir que os indi- concessão de títulos susceptíveis de per-
víduos capazes, oriundos de u m meio mitir que o indivíduo se eleve na hie-
rural ainda não beneficiado, n e m por isso rarquia social, até ocupar empregos do
sejam impedidos de se guindar a situa- sector moderno e, por vezes, de elite.
ções de responsabilidade invejáveis e re- Nesta situação, será extremamente difícil
muneradas de m o d o compatível. realizar u m a inversão das prioridades
Muitos estudos respeitantes à educa- nacionais e m proveito da educação extra-
ção extra-escolar supõem que se encon- -escolar. Pelo contrário, as pressões polí-
tra resolvido este problema capital entre
todos. Afirmam que o desenvolvimento 1. P . H . C O O M B S e outros, op. cit, p. 79.
de u m esforço massivo de educação rural 2. P. H . C O O M B S e M . A H M E D , op. dt., p. 202.

197
T i m Simkins

ticas existentes procurarão que a massa memente defendidos. O s cursos por cor-
dos recursos atribuídos à educação con- respondência e diversas categorias de
tinue a ser consagrada ao sistema escolar cursos nocturnos ou a tempo parcial que
e os meios de substituição eventualmente utilizam as instalações escolares e a par-
à disposição terão cada vez mais dificul- ticipação dos professores apresentam a
dade e m sobreviver, ou e m se manter vantagem de completar e não de concor-
fiéis aos objectivos e ideais iniciais. O s rer c o m o sistema escolar, e a menor
programas extra-escolares previstos para preço (custo marginal, e m particular).
os jovens encontrar-se-ão n u m a posição É a «procura excedentária» massiva de
de concorrência extremamente desvanta- ensino escolar e m todo o Terceiro M u n d o
josa e m relação à educação de tipo esco- que provocou a emergência das institui-
lar. C o m efeito, o b o m senso tradicional ções de ensino por correspondência e m
decreta que o privilégio da educação numerosos países e que suscita, para a
escolar como meio de ascensão social Universidade aberta, o interesse que se
deve ser largamente reservado aos jovens liga a u m modelo possível. Estas insti-
e que, como consequência, são as aspi- tuições exercem u m a função educativa
rações dos jovens e não as dos adultos e contribuem para a realização de u m a
que estão ligadas a u m a educação esco- espécie de «educação popular». N o en-
lar. Este argumento aplica-se aos diver- tanto, só com sérias reservas poderemos
sos programas de educação não formal qualificá-las de verdadeiramente «extra-
que podem substituir o sistema escolar, -escolares» e elas têm pouco e m c o m u m
ou completá-lo com o fim de reorientar com o objectivo de u m desenvolvimento
para empregos produtivos, de preferên- rural generalizado. Além disso, a quali-
cia para u m trabalho independente e m dade do ensino oferecido por estes pro-
meio rural, os alunos que abandonaram gramas fica a dever muito, e m geral, ao
prematuramente a escola. Muitos estudos ensino de tipo escolar.
de casos salientam que se exercem fortes O segundo contexto e m que existem
pressões para que estes programas con- possibilidades reais de recurso à educa-
duzam à concessão de «pergaminhos» e ção extra-escolar como solução de subs-
outras honras ligadas à educação escolar tuição é aquele e m que os objectivos são
(ver os centros politécnicos de aldeia do qualitativamente diferentes dos do ensino
Quénia e as brigadas do Botswana) e se escolar. Deve ser possível continuar a
as autoridades não cedem a esta tenta- criar diversos tipos de meios de educação
ção, estes meios de educação perdem ra- extra-escolar e m domínios e m que, como
pidamente o seu prestígio e m relação às é evidente, não existe concorrência com
escolas tradicionais (ver os centros de a educação escolar, o que traduz u m
educação rural do Alto Volta), i esforço largamente concentrado nos adul-
Neste género de situações, a educação tos, e m particular nos das regiões rurais,
extra-escolar terá provavelmente as m e - cujas perspectivas de exercer u m e m -
lhores possibilidades de ser aplicada com prego na cidade são habitualmente redu-
sucesso, e m dois contextos. E m primeiro zidas. Este domínio é obviamente aquele
lugar, quando a penúria dos recursos e m que a educação extra-escolar sempre
obriga os governos a grandes dificulda- foi mais desenvolvida, graças aos servi-
des na resposta à procura sempre cres- ços de divulgação agrícola ou outras
cente de educação escolar, os programas iniciativas análogas do Estado e existem
extra-escolares concebidos para permitir ainda, sem dúvida alguma, possibilidades
a obtenção por outros meios de títulos de expansão. C o m o indicam Colclough e
oficialmente reconhecidos são susceptí- Hallak: « . . . A g o r a parece evidente que
veis de agradar ao público e de ser fir- muitos programas de ensino, organizados

198
A planificação da educação extra-escolar:
estrategias e obrigações

para além do sistema escolar oficial, te- abandonar a hipótese de que não se
n h a m influenciado o comportamento das podem produzir alterações no esquema
pessoas. Resulta dos esforços feitos pelos dos incentivos ou n o papel dominante
serviços de divulgação agrícolas e m vá- desempenhado pela educação de tipo es-
rios países diferentes que a produtivi- colar na estratificação social. É necessá-
dade agrícola pode ser aumentada utili- rio considerar as situações e m que se
zando métodos de vulgarização, desde procura seriamente modificar o statu
que as disponibilidades e m outros re- quo no que se refere aos objectivos do
cursos não constituam u m obstáculo insu- desenvolvimento, ao esquema das incita-
perável. Recentemente, foram igualmente ções sociais e ao papel da educação no
feitos progressos apreciáveis no domínio processo de desenvolvimento.
da formação de gerentes e pequenos pro- Raros foram os países que tentaram
prietários, utilizando, para este efeito, aplicar, e não apenas propor, reformas
métodos de vulgarização que tiveram tão radicais, m a s é evidente que dois
efeitos nitidamente positivos sobre a pro- elementos principais são comuns às es-
dutividade. D o m e s m o m o d o , as campa- tratégias deste tipo. E m primeiro lugar,
nhas a favor da educação dos adultos reconhece-se que só podem ser atingidos
utilizando meios de c o m u n i c a ç ã o de novos objectivos e aplicadas novas prio-
massa, campanhas durante as quais as ridades se forem estabelecidos novos es-
relações com os estudantes foram bas- quemas de estímulos sociais que apoiem
tante reduzidas, revelaram-se, e m certos e reforcem os movimentos a favor destes
casos, capazes de influenciar sensivel- objectivos, o que exige u m a acção explí-
mente o comportamento e a tomada de cita tendente, por exemplo, a modificar
consciência dos rurais. A u m nível dife- as disparidades entre zonas urbanas e
rente, do ponto de vista da organização, rurais e a romper a ligação íntima que
é importante notar a formação estrutu- existe entre os títulos escolares e as re-
rada dispensada "no trabalho" por u m compensas socioeconómicas. E m segundo
conjunto de métodos não formais e infor- lugar, os aspectos afectivos da educação
mais que prepara para as profissões são reconhecidos de m o d o muito mais
exercidas nas zonas rurais e peri-urbanas explícito. A educação é considerada não
e que exige u m a tecnologia caracterizada só como susceptível de contribuir para
por u m fraco grau de capitalização. D e o desenvolvimento sob o aspecto mate-
facto, é possível que tenha sido, no pas- rial, permitindo que os indivíduos façam,
sado, este o principal m o d o de influência as coisas mais eficazmente, m a s tambélm
do ensino não institucional sobre o b e m - como tendo repercussões sobre o que
-estar e a produtividade dos rurais nos são os indivíduos — sobre as suas ati-
países e m desenvolvimento.» * tudes, motivações e concepção do m u n d o .
O principal problema suscitado por Nesta situação, a tarefa do planificador
qualquer tentativa séria destinada a alar- e do responsável pela política da edu-
gar o alcance destes programas extra- cação está longe de se limitar a conceber
-escolares consiste, como é evidente, e m e aplicar programas extra-escolares efi-
encontrar os recursos necessários. A s cazes, embora t a m b é m seja importante;
pesadas exigências do sistema escolar é igualmente necessário que tentem «des-
absorvem automaticamente créditos de formalizar» a própria escola para redu-
ensino que poderiam ser melhor utili-
zados noutras circunstâncias. Para que
1. O . C O L C L O U G H e J. H A L L A K , « A problemática
estes programas obtenham u m a parte
ida educação rural: equidade, eficácia e e m -
razoável dos recursos nacionais consa- prego», Perspectives, vol. VI, n.° 4, 1976,
grados à educação, é necessário portanto, pp. 562 e 553-

199
T i m Simkins

zir a sua capacidade de isolar os seus como reformas radicais do sistema esco-
clientes da vida e do trabalho e m meio lar c o m o objectivo de o reorientar e m
rural. O s governos que tentaram conce- função das necessidades da maioria e a
ber estratégias da educação deste tipo impedir que os jovens sejam desligados
consideraram a situação, e m grande do seu meio. O alcance e a diversidade
parte, de u m ponto de vista radical ou dos programas extra-escolares aplicados
revolucionário. Examinaremos, e m se- na República Unida da Tanzânia, e des-
guida, dois casos. tinados particularmente aos adultos, são
Depois do acesso à independência, a notáveis 2 ; a maior parte foram conce-
República Unida da Tanzânia demons- bidos de m o d o a responder a objectivos
trou, acerca do desenvolvimento, u m a ¡claros, tanto no plano afectivo como
concepção mais «radical reformista» do cognitivo. A reforma da escola, que deve-
que revolucionária. N a sua reflexão sobre ria retirar-lhe muitas das suas caracte-
o papel da educação no desenvolvimento, rísticas «formais» indesejáveis, enfren-
o presidente Nyerere dedicou-se explici- tou, c o n t u d o , resistências. O próprio
tamente aos problemas de transformação Nyerere definiu os problemas do se-
de atitude e de formação dos valores. guinte m o d o :
C o m efeito, a sua Education for self- «... Devemos, porém, reconhecer, pen-
-reUance continua a ser u m a das expo- so, que não fizemos tudo o que seria
sições mais concisas dos problemas que necessário. F o m o s demasiado tímidos
se colocam quando pretendemos que a — mostrámo-nos pouco libertos — para
educação contribua para os objectivos transformar radicalmente, como seria
de desenvolvimento que são cada vez mais necessário, o sistema que tínhamos her-
firmemente preconizados no plano inter- dado. ..
nacional: « O sistema educativo da Repú- «... O primeiro problema que ainda
blica Unida da Tanzânia», escreveu N y e - não resolvemos foi o de termos sufi-
rere, «deve salientar o esforço colectivo ciente confiança e m nós m e s m o s para
e não o avanço individual ; deve valorizar recusar as coisas consideradas como as
o conceito de igualdade e o sentido do melhores do M u n d o —seja qual for o
serviço a associar a qualquer aptidão sentido desta expressão— e escolher,
especial, quer se trate do domínio da pelo contrário, as que mais se adaptam
marcenaria, da criação de gado ou de à nossa situação...
trabalhos científicos. E m particular, a «O segundo problema é o de parecer-
nossa educação deve combater a tenta- mos incapazes ou pouco desejosos de
ção de arrogância intelectual, pois esta integrar realmente a educação na vida,
atitude leva aquele que recebeu u m a boa assim como na produção.
instrução a desprezar os que não pos- «Além disso, e é este o nosso terceiro
suem disposições para o estudo ou apti- fracasso, não conseguimos destruir a con-
dões especiais, sendo apenas seres h u m a - vicção de que os resultados escolares de
nos.» 1 u m a criança — ou de u m adulto — a tor-
Estas linhas contêm u m a crítica implí- n a m particularmente digna de elogios e
cita ao ensino tradicional, a qual será lhe dão direito a u m a situação social
expressa muito mais formalmente e m privilegiada...
outros escritos do presidente da Repú-
blica Unida da Tanzânia. A política pro-
posta, e que foi seguida por este país, 1. J. K . N Y E R E R E , Ujamaa: essays on socialism,
compreende a elaboração de programas p. 52, Oxford University Press, 1968.
2. E . H A L L , «Adult education and the develop-
extra-escolares eficazes destinados a sa- ment of socialism in Tanzania», ¡East Afri-
tifazer necessidades específicas, assim can Literature Bureau, 197o.

200
A planificação d a educação extra-escolar:
estratégias e obrigações

«Mais u m a vez, trata-se não só de baseados nos exames, parece constituir


u m fracasso do nosso sistema escolar, a regra. P o d e m o s deduzir que, m e s m o
c o m o de u m fracasso de toda a socie- nas sociedades que conheceram u m a re-
dade. .. » 1 volução, os obstáculos que i m p e d e m a
Assim, a despeito da clareza e do ca- «desformalização» do ensino continuam
rácter radical dos seus objectivos, da a ser verdadeiramente importantes 3 .
prioridade concedida à reforma da edu-
cação e da firmeza da sua direcção, a N o presente artigo tratámos dois temas
República Unida da Tanzânia tem m u i - que se assemelham. E m primeiro lugar,
tas dificuldades e m «desformalizar» o analisámos diferentes abordagens d a
seu sistema escolar. A s pressões sociais introdução de elementos extra-escolares
contrárias revelam-se de grande impor- nas estratégias nacionais d a educação;
tância. Resta saber se, a médio e a longo e m seguida, estudámos a importância das
termo, estas contradições poderão ser imposições sociopolíticas que tornam u m a
superadas e se a reforma da educação reforma fecunda da educação extrema-
poderá ser efectivamente realizada. mente difícil de realizar. Considerando
U m segundo caso que nos pode servir as estratégias e m primeiro lugar, e m p e -
de ilustração é o de Cuba. A s reformas nhamo-nos essencialmente e m analisar
da educação que se seguiram à revolu- duas maneiras de abordar a planificação
ção atribuíram u m interesse crescente da educação nos países e m desenvolvi-
aos objectivos afectivos e, em particular, mento: o método da «educação de base»
à criação do «novo h o m e m socialista», e o que utiliza o conceito de «capacidade
segundo C h e Guevara, pelo desenvolvi- do sistema». A m b o s se apoiam n a racio-
mento d a conciencia, isto é, d a consciên- nalidade da planificação: o primeiro, no
cia no sentido psicológico e no sentido sentido restrito da procura de soluções de
moral, «noção que engloba o conheci- substituição pouco dispendiosas, quando
mento imediato de si e da realidade, a o prosseguimento da expansão do ensino
honestidade e o sentido das responsa- segundo os métodos tradicionais já não
bilidades» 2 . A p o n t a m - s e igualmente é possível por falta de recursos; o se-
exemplos de programas extra-escolares gundo, no sentido mais fundamental de
cujo sucesso foi notável, e m especial a tentativa de optimalização da organiza-
célebre campanha de alfabetização de ção global d a educação e m função dos
1961. A l é m disso, como podemos supor, objectivos do desenvolvimento. A nossa
tendo em conta a filosofia revolucionária análise das imposições leva-nos a pen-
de Cuba, dasenvolvem-se sérias tentati- sar, contudo, que as abordagens globais
vas para «desformalizar» a escola e, e m
particular, para reduzir a dicotomia en- 1. J. K . N Y E K E K E , «A educação para a liber-
tre educação e trabalho. A palavra de dade em Africa», Perspectives, vol. V , a." 1,
ordem começou por ser «as escolas para 1975, pp. Il e 12.
2. Oitad© em A . GILLETTE, Cuba's educational
os campos»; agora, é «as escolas nos revolution, p. 9, Fabian Society, 1972.
campos». Pensamos que não existem d ú - 3. Encontrar-se-á um estudo miais pormenori-
vidas de que esta última fórmula, e m zado do «complexo do certificado» que se
particular, pressupõe u m a substancial apoia nestes e outros exemplos em R. D O R E ,
The dvplom-a disease: education, qualifica-
transformação do conceito tradicional d a tion and development, Allen and Unwin,
escola. Contudo, m e s m o e m Cuba, onde 1976. Ë interessante notar que, miesmo na
as reformas económicas e sociais foram sociedade chinesa, a miais revolucionária que
importantes, o trabalho escolar continua existe, a tensão entre as diferentes concep-
ções da educação foi u m elemento prepon-
muito ligado às formas e a avaliação dos derante da «revolução cultural» e continua
resultados, segundo critérios tradicionais a ser importante.

201
Tim Simkins

da planificação têm poucas possibilidades empenhar nas reformas que apresenta-


de sucesso na maior parte das sociedades rem mais possibilidades de êxito, o que
e m desenvolvimento porque privilegiam consistirá principalmente e m desenvol-
o aspecto técnico e m prejuízo do polí- ver mais os programas extra-escolares
tico e, por conseguinte, não t ê m plena- destinados aos adultos sempre que as
mente e m conta o facto das aspirações pressões exercidas para concessão de
dos indivíduos e m matéria de educação certificados e, por conseguinte, para a
poderem não coincidir c o m as dos plani- institucionalização, não forem muito for-
ficadores. E m todos os sistemas que não tes. Esta abordagem pode parecer exa-
conseguem romper a ligação estabelecida geradamente modesta se considerarmos
entre o ensino escolar, os títulos atribuí- a enorme importância que foi concedida
dos e as recompensas socioeconómicas, e m escritos recentes, à educação não for-
será extremamente difícil elaborar pro- mal e o grande número de vantagens
gramas extra-escolares eficazes que re- certas que os programas extra-escolares
presentem verdadeiras soluções de subs- de diversos tipos oferecem e m relação
tituição para a educação dos jovens, ou ao ensino escolar. Para ser eficaz, porém,
«desformalizar» a escola de m o d o a qualquer aplicação mais extensa da edu-
adaptar melhor a educação que ela pro- cação extra-escolar exige u m a segunda
porciona às necessidades nacionais de solução que englobe reformas muito mais
educação. A s pressões populares preci- fundamentais. Estas só serão possíveis
pitarão a institucionalização ou a desva- se forem introduzidas modificações radi-
lorização dos programas extra-escolares cais na sociedade e na economia de u m a
aplicados, ou desmantelarão qualquer maneira geral e, m e s m o quando estas
tentativa de envergadura destinada a re- transformações tiverem lugar, a reforma
formar a própria escola. da educação, e m particular no interior
D e v e m ser procuradas soluções e m do sistema escolar, não será tarefa fácil,
qualquer das direcções possíveis. C o m o como provam o caso da República Unida
é evidente, devemos começar por nos da Tanzânia e de Cuba.

202
Paul H . Bertelsen

Informação, orientação
e consulta

Se pretendemos transformar a educação de u m m e s m o grupo etário ou de grupos


permanente n u m a realidade, é indis- etários diferentes, será necessário que a
pensável desenvolver os serviços de in- maior parte dos países, senão todos, to-
formação, de orientação e de consulta m e m inúmeras medidas sociais. N o en-
destinados aos adultos que continuam, tanto, o presente artigo refere-se unica-
ou poderiam continuar, a estudar. mente ao que podem fazer os serviços
O que pressupõe que as crianças e os de informação, de orientação e de con-
jovens estejam preparados, intelectual e sulta, primeiramente para facilitar aos
moralmente, para continuar a aprender adultos o acesso à educação e, e m se-
durante toda a vida e que os adultos, guida, para os ajudar a superar os obs-
quer tenham sido preparados, ou não, táculos que os impedem de atingir os
pela escola, para receber u m a educação objectivos educativos que se fixaram.
complementar, tenham acesso, e m qual- Neste artigo, o termo «informação»
quer momento da sua existência, a u m designa as informações respeitantes às
ensino que corresponda aos seus inte- possibilidades de educação disponíveis e,
resses ou às suas necessidades. neste caso, as condições prévias que é
E m b o r a as possibilidades que se ofe- necessário preencher para delas poder
recem n o momento da escolarização ini- beneficiar. O termo «¡orientação» designa
cial sejam estritamente limitadas, as da o facto de ajudar alguém a optar e m
educação escolar e extra-escolar diver- matéria de educação. N o sentido e m que
sificam-se à medida que se avança na aqui é utilizado, este termo não implica
vida. Torna-se então difícil não só esco- julgamento exterior, n e m directivas pa-
lher, m a s também obter informações ternalistas. Ele é a expressão das possi-
sobre as possibilidades existentes. bilidades que correspondem à situação
Para assegurar democraticamente a do indivíduo tal c o m o decorrem de u m
igualdade de acesso a todos os membros diálogo e que permite que este indivíduo
tome pessoalmente as suas decisões n a
medida do possível e com conhecimento
Paul ff. Bertelsen (Dinamarca). Director da de causa. Por «consulta», entendemos as
Secção da educação dos adultos no seio da Divi- soluções, obtidas igualmente a partir de
são de alfabetização, da educação dos adultos u m diálogo, propostas para os problemas
e o desenvolvimento rural (Unesco). Longa ex- encontrados pelo interessado na via que
periência no domínio da educação dos adultos,
em especicã no Gana e na República Unida da escolheu. C o m o é evidente, por vezes
Tanzânia. pode ser difícil distinguir claramente en-

203
Paul H . Bertelsen

tre estes conselhos e consultas terapêu- vidual sem professor. M a s , para que
ticas. Por muito importantes que sejam, estas técnicas sejam largamente utili-
estas últimas não se incluem no âmbito zadas, não bastam que existam aqui ou
do presente artigo. além. É necessário que o aluno possa
ter facilmente acesso ao material de en-
Situação actual sino de que carece, quer se trate de li-
vros, de bandas magnéticas, de documen-
E m b o r a os serviços de informação e de tos, de ilustrações, etc.
consulta estejam muitas vezes ligados Consequentemente, é indispensável a
na prática, é não só possível como tam- elaboração dos mecanismos que permi-
b é m desejável distingui-los. A maior tam responder ao desejo de educação,
parte das informações sobre as possi- formulado ou não, explorando melhor as
bilidades de educação organizadas e m a - possibilidades existentes e criando outras.
n a m dos organismos que as proporcio- A informação — ou a publicidade —
n a m e estes têm tendência, por vezes, apresenta-se sob numerosas formas : car-
para confundir informação e propaganda. tazes, brochuras policopiadas ou impres-
N u m a pequena sociedade homogénea sas, anúncios mais ou menos sistemati-
— a aldeia tradicional, por exemplo — camente difundidos na grande imprensa
as possibilidades de participação n u m e revistas destinadas a determinados gru-
processo de educação talvez sejam raras, pos, textos de carácter descritivo e/ou
m a s , pelo menos, toda a gente as conhece. persuasivo inseridos na imprensa ou fa-
N u m a sociedade mais complexa — como zendo parte das emissões de rádio ou de
a grande cidade — as possibilidades são televisão. O s organismos à altura de
muito mais numerosas, m a s é muito difí- utilizar estas técnicas, como fazem as
cil para u m indivíduo obter informações empresas comerciais e m relação aos pro-
sobre as actividades existentes, e, a for- dutos, são relativamente pouco numero-
tiori, sobre as que são susceptíveis de sas e, embora certa publicidade revele
corresponder às suas necessidades, inte- boa qualidade técnica, grande parte dela
resses, formação, etc. poderia certamente ser melhorada.
Se até m e s m o os que efectuaram es- Se é verdade que os contactos pessoais
tudos prolongados experimentam dificul- desempenham u m papel importante na
dades e m encontrar o que desejam, quer publicidade e no recrutamento, t a m b é m
dizer dos menos instruídos, dos que aca- é certo que, e m geral, parecem mais
b a m de completar os estudos ou dos que, completar do que substituir os outros
de qualquer m o d o , se encontram e m con- processos.
dições de inferioridade ? N a verdade, são A s experiências suecas F O V U X , que
muitas vezes os que mais necessitam de implicam o emprego de muitois funcio-
educação que sentem maiores dificulda- nários que se incluem entre os indivíduos
des de acesso. com mais elevado nível de estudos, obti-
A necessidade de divulgar amplamente veram resultados notáveis, m a s trata-se
a informação relativa às possibilidades já de u m caso e m que a consulta c o m -
de educação e aos serviços de orientação pleta o processo de informação.
é desde já evidente, m a s tornar-se-á, sem Apoiada e m personalidades reconheci-
dúvida alguma, cada vez mais imperiosa, das pela opinião pública, a informação
atendendo às crescentes necessidades e torna-se duas vezes mais eficaz. Lalage
possibilidades de educação. B o w n cita o caso, na Nigéria, de u m a
O s meios de informação modernos per- campanha de educação sanitária que,
mitiram a aplicação de novas técnicas, orientada pelos meios de informação de
que muito facilitam a aprendizagem indi- massa, obteve resultados decepcionantes,

204
Informação, orientação e consulta

enquanto as explicações fornecidas, e m Para os responsáveis pela educação de


seguida, ao chefe da comunidade, para adultos, é evidente que o professor chega
serem transmitidas pelos meios de comu- antes da aula e permanece, e m seguida,
nicação tradicionais permitiram obter à disposição dos alunos que desejem for-
resultados espectaculares. É do conheci- mular questões particulares; muitas ve-
mento público que as comunidades religio- zes, esta entrevista transforma-se e m
sas, os partidos políticos e os sindicatos consulta. Durante as aulas fornecem-se
podem fazer muito para estimular — ou igualmente conselhos que são integrados
'desanimar— a participação dos seus no processo de ensino. O s alunos tam-
membros e m programas de educação. b é m podem reunir-se para além das ho-
C o n v é m salientar a informação essen- ras de aula, para se aconselharem m u -
cialmente destinada aos intermediários tuamente.
entre os organismos e os alunos, isto é,
E m b o r a as inscrições sejam, na maior
às associações de voluntarios, aos traba-
parte das vezes, objecto de consulta, m u i -
lhadores sociais e aos empresários. Esta
tos centros de educação de adultos efec-
informação desenvolver-se-á, sem dúvida,
tuam-nas por correspondência o u con-
pois as ofertas tornar-se-ão demasiado
numerosas para se destinarem directa- fiam-nas a pessoal administrativo que
mente ao grande público. n e m sempre se encontra e m condições
Finalmente, não devemos esquecer os de fornecer opiniões válidas. N o Insti-
serviços que não fazem parte de u m or- tuto de Educação de Adultos de D a r es
ganismo de educação dos adultos, m a s Saalam (República Unida da Tanzânia),
que se dedicam exclusivamente à infor- m a n d a a tradição que os professores a
mação do público e, n u m a medida variá- tempo integral assistam às inscrições e
vel, à orientação e à consulta. Citemos, que não só dêem conselhos sobre a admis-
e m particular, o notável exemplo de M é - são às aulas do Instituto, c o m o ainda
trodoc, e m Toronto (Canadá), que m a n - assinalem aos candidatos as possibilida-
tém actualizada u m a lista, estabelecida des de educação mais interessantes entre
por ordenador, de todas as possibilidades as que oferecem os outros centros de
de educação assinaladas e m Toronto educação dos adultos da cidade; exercem,
(mais de 80 000), e para as quais os assim, u m a verdadeira função de orien-
catálogos impressos se encontram dispo- tação.
níveis e m todas as bibliotecas públicas D a consulta indissociável da participa-
da cidade. ção nas aulas e ligada à inscrição, aos
O s serviços de informação polivalentes serviços de consulta assegurados, e m
serão cada vez mais necessários, e m permanência, nos centros de educação
especial nos grandes centros urbanos, dos adultos por pessoal docente ou por
simultaneamente para responder aos pe- conselheiros especiais, vai apenas u m
didos individuais de informação e para passo, geralmente ultrapassado nos casos
reunir os dados que servirão de base ao e m que os alunos são obrigados a fazer
desenvolvimento de serviços de consulta. u m a opção que os empenhe por muito
tempo e a empreender, com fins profis-
ORIENTAÇÃO E' 'CONSULTA
sionais ou outros, estudos conducentes
FORNECIDAS ¡BEILOS CEINTROS
DE EDUCAÇÃO D E ADULTOS a qualificações reconhecidas.
A s instituições cuja principal razão
O s actuais serviços de orientação e con- de ser consiste e m proporcionar íserviços
sulta são insuficientes. N a maior parte de orientação e de consulta aos alunos
das vezes desenvolveram-se como anexos e ao público e m geral constituem u m a
de outras actividades. excepção.

205
Paul H . Bertelsen

SERVIÇOS D E ORIENTAÇÃO O s conselhos dados no âmbito dos ser-


E DE CONSULTA viços médicos dizem respeito, como é evi-
FORNECIDOS POR OUTROS ORGANISMOS dente, à educação sanitária, e t a m b é m
à readaptação das pessoas que, devido
Muitos conselhos relativos à educação a u m acidente ou a u m a doença, devem
são igualmente fornecidos por organis- adquirir novos conhecimentos ou compe-
mos, serviços, associações, etc., cujo prin- tências. Esta readaptação pode ser difícil
cipal objectivo não é de carácter edu- quando a educação de base é insuficiente,
cativo. m a s pode igualmente ser coroada de su-
A s agências de emprego fornecem, cesso. U m trabalhador francês de cons-
cada vez mais, informações sobre as trução civil, obrigado a abandonar a
possibilidades 'de formação profissional profissão devido a reumatismo, foi sub-
e aconselham directamente, ou remetem metido a u m a série de testes; revelou
para organismos de consulta, as pessoas possuir u m a inteligência excepcional. In-
interessadas. D o m e s m o m o d o , os cen- dicaram-lhe u m curso de formação apro-
tros de testes profissionais, que subme- priado; foi nomeado contramestre e di-
tem os trabalhadores a testes e os clas- rige actualmente o trabalho de sessenta
sificam por categorias, orientam para u m pessoas.
curso de formação apropriada os que A s bibliotecas são frequentemente uti-
desejem qualificar-se para u m a catego- lizadas c o m o centros de informação e de
ria superior. N o entanto, muitas vezes, orientação e m matéria de educação e
parece existir u m a solução de continui- muitos bibliotecários apreciam vivamente
dade entre a possibilidade de adquirir a possibilidade que lhes é oferecida de
u m a formação profissional e a de obter ajudarem o público.
o género de cultura geral necessária N u m a última categoria, e não das
para aceder aos meios de formação e menos importantes, as inúmeras espé-
deles beneficiar, o que se deve não só cies de associações voluntárias fornecem
à insuficiência dos conselhos fornecidos, implícita e explicitamente conselhos aos
como t a m b é m à ausência de meios de seus membros, que incitam a participar
instrução necessários. nas actividades educativas organizadas
A s empresas, e e m particular as gran- pela própria associação ou por outros
des, onde o serviço de pessoal se encon- organismos, por vezes após pedido ex-
tra largamente desenvolvido, fornecem presso de u m a associação. Além disso,
muitas vezes conselhos sobre as possi- as associações de voluntários desempe-
bilidades de educação proporcionadas n h a m , por vezes, u m papel na escolha
tanto pela empresa c o m o pelo exterior. dos participantes e m estágios de forma-
O s sindicatos associam-se, por vezes, ção e m regime de internato; algumas
a este serviço, m a s , além disso, fornecem fornecem ainda apoio financeiro ou aju-
frequentemente os seus próprios conse- d a m os candidatos a obter bolsas de
lhos no que respeita à formação profis- estudos.
sional, à formação ¡sindical ou a qualquer
outro tipo de educação. O s serviços de orientação
N ã o é raro que os trabalhadores sociais e de consulta
se sintam obrigados a fornecer conselhos integrados n u m a estrutura de conjunto
sobre a educação dos adultos, Encon-
tram-se mais ou menos e m condições de O facto dos serviços de informação, de
o fazer. M a s , por vezes, é suficiente saber orientação e de consulta estarem organi-
orientar o público para o serviço c o m - zados c o m o objetcivo de fornecer u m
petente. serviço directo aos alunos e ao público

206
Informação, orientação e consulta

e m geral, não deve levar-nos a perder de ressa identificar os obstáculos que se


vista o lugar que ocupam na estrutura opõem à passagem de u m nível de ensino
de conjunto ou no sistema de educação para outro e à mobilidade horizontal
dos adultos. entre as diferentes vias educativas, como,
O s serviços de consulta podem ter, por por exemplo, entre o ensino de cultura
retroacção, u m a influência importante geral e a formação profissional, a fim
na elaboração e avaliação dos programas. de poder construir as «pontes» necessá-
C o m efeito, as reacções dos alunos ao rias sob forma de cursos preparatórios
que lhes é oferecido e ao que não encon- ou intermédios.
tram são, então, conhecidas. D e resto, Os serviços de consulta podem, além
verificanse já u m a maior participação disso, fornecer informações importantes
dos alunos na avaliação. A informação sobre o m o d o como os jovens e os adultos
de retorno fornecida pelos serviços de reagem à sua formação anterior, escolar
consulta pode contribuir utilmente para e extra-escolar. Esta informação de re-
esta forma de avaliação e para o m e - torno pode, portanto, não só influenciar
lhoramento dos programas que daí de- a planificação da educação dos adultos,
corre. como t a m b é m fornecer preciosas indica-
A tarefa encontra-se facilitada quando ções sobre o funcionamento do sistema
os conselhos são dados n u m estabeleci- de ensino.
mento de ensino. M a s , quando a consulta Quase todas as formas de ensino deve-
é organizada no âmbito de u m serviço riam comportar implicitamente u m ele-
independente, é necessário tomar dispo- mento de consulta. Diz-se que u m b o m
sições particulares para transmitir a in- professor deve dominar a sua especiali-
formação aos níveis do sistema e m que dade, mahter-.se ao corrente de diversos
são tomadas as decisões respeitantes à métodos entre os quais possa escolher
elaboração dos programas. o mais apropriado e, sobretudo, conhecer
O s serviços de informação e de con- os seus alunos — o auditório a q u e m se
sulta não se limitam a informar sobre dirige. E m medicina, parece natural for-
determinadas possibilidades de educação : mular u m diagnóstico antes de começar
dirigem-se ao grande público. Encon- u m tratamento, m a s , e m educação, ve-
tram-se, pois, b e m colocadas para pros- m o s , muitas vezes, que o professor co-
pectar, de certo m o d o , o mercado. A o re- meça imediatamente a ensinar sem ter
gistar os pedidos respeitantes às diversas avaliado os antecedentes, as necessida-
possibilidades de educação, os serviços des, os gostos, etc., do aluno.
consultivos polivalentes podem aperce- O desenvolvimento deliberado das ser-
ber-se das lacunas, das sobreposições e viços de consulta, como parte integrante
dos eventuais duplos empregos e dos do ensino e como função distinta, pode
factores sociais que entravam o acesso contribuir para elaborar u m a abordagem
aos estudos comprometendo o seu su- do ensino com diagnóstico melhor cen-
cesso, quer se trate de obstáculos eco- trado no indivíduo, a fim de que o ensino
nómicos, de imposições de tempo e de corresponda à situação dos alunos. Con-
transporte ou de u m problema de assis- selheiros experimentados deveriam par-
tência a crianças. Além disso, existem ticipar na formação dos professores e
muitas vezes pré-requisitos, mencionados outro pessoal de educação, a fim de que
ou não, que condicionam o acesso a u m a os professores pudessem desenvolver o
informação. aspecto consultivo do seu trabalho e pas-
Para democratizar a educação e de- sar mais facilmente do ponto de vista
senvolver a educação permanente, inte- do professor para o d o aluno.

207
Paul H . Bertelsen

A consulta no domínio bui, de m o d o não desprezível para conter


da educação e e m outros domínios o desemprego.
Verifica-se muitas vezes que os di-
E m b o r a seja inegável que certos adultos versos serviços de consulta funcionam
procuram adquirir conhecimentos e com- mais ou menos independentemente uns
petências por si mesmos, muitos deles dos outros. Aumentar as trocas de in-
sentem^se motivados por outras preo- formações e de dados poderia competir
cupações, como, por exemplo, encontrar aos comités locais para educação dos
u m emprego ou obter u m aumento de adultos. A existência de u m serviço poli-
ordenado, resolver certos problemas fa- valente de informação e de orientação
miliares, tomar parte activa nos assuntos sobre a educação dos adultos pode con-
públicos, ou preencher os seus tempos tribuir muito para a promoção da coope-
livres. ração no plano local e, e m especial, para
O desejo ide aprender pode resultar de ajudar os serviços especializados, pondo
inúmeras preocupações e funções. Quando à sua disposição documentação e organi-
u m indivíduo procura u m a opinião fora zando sessões de introdução e de for-
do seu meio, dirige-se mais facilmente a mação.
u m a agência de empregos, a u m serviço
social ou a u m a associação voluntária O papel das escolas e das universidades
do que a u m organismo de educação de
adultos. Se, antigamente, ao sair da escola, os
O adulto duvida, por vezes, da sua ca- alunos eram quase sempre obrigados a
pacidade de continuar a aprender e a escolher irrevogavelmente entre conti-
desenvolver-se. Ê o que sucede, e m parti- nuar os estudos a tempo integral ou pro-
cular, c o m os que — e são numerosos — curar u m emprego, actualmente podem
adquiriram a maior parte dos seus co- mais facilmente retomar os estudos a
nhecimentos e competências fora do tempo parcial ou até integral.
sistema de ensino e que experimentam E m muitos países cujas limitações do
enormes dificuldades e m comparar as sistema de ensino permitem que apenas
suas aquisições ou o seu potencial c o m u m a fracção dos alunos passe do pri-
os das pessoas que efectuaram estudos mário para o secundário, ou do secun-
aprofundados. dário para o superior, a escola e o pro-
E m período de rápida mutação econó- fessor podem desempenhar u m papel útil
mica, quer se trate de expansão ou de informando os alunos do último ano
recessão, os serviços de consulta sobre sobre as possibilidades que lhes são ofe-
o emprego assumem u m a importância recidas de continuarem a instruir-se para
particular tanto para o indivíduo como além do sistema escolar e estimulando-os
para a sociedade. Ninguém pode preten- a aproveitar estas possibilidades. Esta
der que a existência de u m a formação informação pode igualmente ajudá-los
geral e profissional e de serviços de con- a libertar-se do complexo de insucesso
sulta poria fim a u m a crise económica, que, muitas vezes, sentem.
m a s as consequências do desemprego se- Â medida que se eliminam as barreiras
rão tanto mais graves quanto maior for entre o sistema escolar e a educação
a mobilidade da mão-de-obra. Por exem- extra-escolar, e que se multiplicam as
plo, não parecem existir dúvidas de que possibilidades de educação permanente,
o sistema sueco de educação orientado os serviços consultivos dependentes de
para o mercado de trabalho, que pressu- u m a escola devem assumir u m papel mais
põe u m volume considerável de consultas importante, ajudando os alunos e os pais
sobre as carreiras e a educação, contri- a escolher entre o prosseguimento dos

208
Informação, orientação e consulta

estudos a tempo integral o u u m a dosa- dos adultos; conselheiros profissionais


g e m estudo-trabalho, tendo e m vista, tal- não especializados e m educação dos adul-
vez, estudos ulteriores a tempo integral. tos, m a s relacionados c o m este domínio
N o s países e m desenvolvimento que no âmbito das suas actividades profis-
não dispõem de estruturas suficientes sionais; especialistas e m educação dos
para permitir o desenvolvimento da adultos destinados a fornecer conselhos
educação dos adultos, a participação no âmbito das suas tarefas docentes ou
do sistema escolar na sua educação de administração e todos os que traba-
constitui u m a solução relativamente eco- lham a tempo parcial ou exercem gra-
nómica e que, além disso, apresenta a tuitamente actividades no seu local de
vantagem de aproximar o aluno da vida trabalho, no seu bairro ou no seio das
da comunidade. N a República Unida da associações de que são m e m b r o s .
Tanzânia, o facto dos pais participarem N o s países que não dispõem de número
nas actividades de educação dos adultos suficiente de conselheiros profissionais,
organizadas nas escolas reforçou con- é não só possível como desejável desen-
sideravelmente o interesse que demons- volver os serviços de informação, de
tram pela educação dos filhos e facilitou orientação e de consulta, utilizando o
a reforma dos programas. Se o professor pessoal pertencente às duas últimas ca-
é, e m todos os sistemas, aquele que se tegorias mencionadas. O tempo urge e
consulta e m matéria de educação, é evi- a experiência adquire^se no próprio tra-
dente que o seu papel de conselheiro balho.
adquire mais importância n u m sistema Justificar^se-ia a inclusão de pelo m e -
integrado. nos alguns rudimentos d a teoria e da
N o ensino superior, verifica-se, desde metodologia da consulta nos cursos de
há alguns anos, u m a tendência para a formação de educadores adultos, pois
diversificação na idade e na formação todos os educadores são obrigados a for-
anterior dos estudantes. C o m o sucede necer alguns conselhos. Quando se dispõe
noutros casos, esta evolução aumenta as de conselheiros profissionais, é conve-
necessidades e m matéria de informação niente convidá-los a participar nesta for-
e de consulta. mação. A l é m disso, seria certamente
O s organismos que se ocupam da edu- muito útil prever para todos os educa-
cação dos adultos — e mais particular- dores de adultos e m formação u m pe-
mente os serviços polivalentes de infor- ríodo consagrado a estas actividades de
mação, de orientação e de consulta consulta.
sobre a educação dos adultos — deverão N a formação profissional de conselhei-
fornecer aos serviços consultivos das es- ros que se ocupam de outros domínios
colas e das universidades documentação alheios à educação dos adultos, parece
sobre as possibilidades de educação ex- igualmente desejável que figurem algu-
tra-escolar e elaborar u m sistema que m a s indicações sobre o m o d o c o m o os
permita orientar o público para os ser- adultos aprendem e sobre as possibilida-
viços complementares mais apropriados. des oferecidas pelos países ou localidades
e m matéria de educação dos adultos.
Pessoal e formação N o que se refere à categoria diversi-
ficada dos que trabalham a tempo par-
A s principais categorias de pessoal cial — e muitas vezes gratuitamente —
necessárias para aconselhar os alunos poderia ser assegurada u m a formação
adultos são as seguintes: conselheiros inicial n o decorrer de reuniões de infor-
profissionais a tempo integral especiali- mação. C o m o as disposições pessoais
zados e m opiniões relativas à educação e o carácter assumem u m a grande im-

209
Paul H . Bertelsen

portância, é necessário escolher cuida- É necessário utilizar os sectores exis-


dosamente os candidatos, e m especial tentes: sistema escolar, rádio, coopera-
para evitar que a orientação seja auto- tivas e outros organismos e m contacto
ritária. com a população. A s cidades e m que se
E m b o r a não seja desejável que os con- realizam mercados podem igualmente
selheiros e m educação de adultos cons- servir de base à divulgação entre as re-
tituam u m grupo fechado, só existem giões rurais.
vantagens e m desenvolver o profissiona- N o entanto, a informação e a orienta-
lismo neste domínio, assim como a coope- ção são particularmente necessárias onde
ração interdisciplinar entre os profissio- o «mercado do saber» é menos trans-
nais da consulta e os da educação de parente, isto é, nas cidades. Ê também
adultos, o que permitirá, c o m efeito, aí que se encontram as melhores pers-
reunir u m conjunto de conhecimentos e pectivas para o desenvolvimento da
de experiências destinados a apoiar os cooperação inter-instituições e criação de
conselheiros não profissionais que — por serviços de formação e outros serviços
muito competentes que sejam — ganham comuns.
e m eficácia quando auxiliados por pro- É igualmente necessário que estes ser-
fissionais e quando possuem documen- viços sejam b e m visíveis. N a s grandes
tação. Notemos igualmente que a con- cidades deve, pois, procurar-se u m local
sulta não é necessariamente u m domínio central e fácil de notar, de preferência
e m que se deva fazer carreira. com montras, como u m a loja, o u fazer
publicidade para que todos os habitantes
Organização, saibam e m que local podem obter infor-
administração e financiamento mações e conselhos. O acolhimento dis-
pensado aos recém-chegados é de grande
Tendo e m conta que os serviços de orien- importância.
tação e de consulta devem, e m primeiro E m muitos países seria útil instalar
lugar, ser facilmente acessíveis e m a n - pelo menos u m centro polivalente de in-
ter-se e m contacto c o m os alunos e formação, de orientação e de consulta
suas preocupações, será não só possível, especializado e m educação de adultos
m a s t a m b é m indispensável, organizar u m cujo funcionamento seria comparável ao
grande número de serviços deste tipo. de u m centro hospitalar universitário e m
Simultaneamente, seria extremamente que fosse possível tratar os doentes, for-
importante que existisse u m a interacção m a r pessoal e fazer investigação. O papel
e u m a cooperação entre os diversos ser- deste centro consistiria e m fornecer ao
viços de orientação e de consulta da lo- grande público u m a extensa g a m a de
calidade. Ninguém pode saber tudo e é serviços de informação, assim como
por esta razão que se torna necessário serviços de apoio aos órgãos de con-
recorrer a outros serviços. Estabelecer o sulta menos importantes, e m formar
inventário das possibilidades de educa- médicos e e m efectuar investigações e
ção, definir as modalidades de informa- trabalhos experimentais, desenvolvendo
ção e de formação dos responsáveis, simultaneamente os mecanismos de re-
organizar campanhas conjuntas de publi- troacção.
cidade e de recrutamento são tarefas Excluirse a possibilidade de centralizar
que exigem u m a acção c o m u m . a administração de todos os serviços de
N o plano da organização, é necessário informação, de orientação e de consulta,
levar os serviços de informação às pe- cuja natureza e funções são muito dife-
quenas comunidades e às populações dis- rentes. A educação dos adultos não cons-
persas, e m particular nas zonas rurais. titui excepção. Ä luz da experiência,

210
Informação, orientação e consulta

criaram-se, e m muitos países, órgãos de A nível local, as actividades podem


coordenação ou de harmonização, ora iniciar-se modestamente. Onde existirem
no seio de u m ministério, na maior parte estruturas de cooperação e de apoio re-
das vezes o da educação, ora independen- cíprocas entre os diversos organismos,
temente dos serviços oficiais, m e s m o deveria ser fácil organizar serviços de
quando vários ministérios participam orientação interorganismos e campanhas
juntamente com organismos voluntários. comuns de informação e de publicidade —
N ã o existem regras na matéria: no in- poderia, por exemplo, c o m e ç a r - s e por
teresse do público, deve procurar-se ape- u m a «Semana das inscrições» que, por
nas que os diferentes serviços de in- diversas razões, deveria coincidir c o m o
formação, de orientação e de consulta início do ano escolar ou universitário.
abranjam todos os domínios de educa- O s que já participam nos programas de
ção de adultos e que o sistema de orien- educação de adultos poderiam ser esti-
tação inter-serviços e as outras formas mulados a empreender à sua volta acti-
de cooperação sejam suficientes para vidades de recrutamento e a endereçar
assegurar a eficácia do conjunto. O m o d o aos organismos u m relatório sobre as
de atingir este objectivo dependerá das reacções verificadas. O s educadores po-
estruturas da administração nacional e deriam t a m b é m ser imediatamente in-
do grau de desenvolvimento geral da formados sobre a maneira de integrar as
educação dos adultos. consultas n o âmbito do seu ensino.
A s principais despesas originadas pelo A o s níveis regional e internacional, é
funcionamento dos serviços de informa- necessário que as associações de educa-
ção, orientação e consulta dizem respeito ção dos adultos assegurem a promoção
aos ordenados do pessoal profissional a de estudos comparados e inscrevam esta
tempo integral. A consulta é u m a activi- questão na ordem do dia das suas reu-
dade que exige muita mão-de-ofora e, niões.
quando esta é assegurada por pessoal Por muito úteis que possam ser os
remunerado, o montante total das gra- contactos internacionais, é evidente que
tificações pode tornar-se considerável. a acção deve começar por ser empreen-
U m a das primeiras tarefas a realizar dida aos níveis nacional e local, tanto
parece consistir e m estabelecer o m a p a mais que se trata de serviços que se des-
dos serviços existentes, apontando a sua tinam a indivíduos cujas preocupações
maneira de operar e as dificuldades en- devem encontrar eco onde quer que se
contradas. encontrem.

211
Dwight W . Allen
e Stephen Anzalone

O ensino pela rádio,


fase anterior à alfabetização

É sabido que a U N E S C O renunciou, e m gamo-nos sobre as razões que poderão


1977, à atribuição dos dois prémios anuais conduzir os países e m desenvolvimento
que tinha instituído para recompensar a não desejarem investir mais energia
os que mais notavelmente 'tivessem con- e recursos no esforço de alfabetização
tribuído para a luta contra o analfabe- universal e a consciência internacional
tismo. N ã o obstante os esforços concer- a abandonar u m objectivo de u m a im-
tados desenvolvidos nos últimos vinte portância tão evidente como o do advento
anos e o declínio geral da percentagem de u m m u n d o alfabetizado.
de analfabetos na população mundial, o M a s , talvez devêssemos efectivamente
número absoluto de iletrados não cessa renunciar à alfabetização. O nosso objec-
de aumentar. Passaram a ser mais 26 tivo já alguma vez foi verdadeiramente
milhões nos últimos três anos. Esta de- a alfabetização? O que pretendemos é
cisão da U N E S C O e o desânimo criado, concretizar o direito de todo o indivíduo
e m 1976, pela publicação dos resultados à educação — tal como está definido no
do seu vasto Programa Experimental artigo 26 da Declaração Universal dos
de Alfabetização ( P E M A ) poderia levar- Direitos do H o m e m — e colocar ao al-
-nos a pensar que o M u n d o está prestes cance da Humanidade a soma dos conhe-
a renunciar à alfabetização. A simples cimentos que possui a sociedade do sé-
menção desta eventualidade suscita u m culo xx, assim como os meios materiais
certo sentimento de desespero. Interro- e técnicos de utilizar estes conhecimentos
para melhorar a qualidade de vida. P o -
rém, a ideia que possuímos da educação
de base que deve garantir-se a todo o in-
Dwight W. Allen (Estados Unidos da Amértea).
Professor do departamento de educação da
divíduo tem-se fundamentado, até agora,
Universidade do Massachusetts. Antigo conse- no conceito de alfabetização. S e m se tor-
lheiro técnico chefe da UNESCO no Lesotho nar propriamente sinónimo de educação
National Teatcher Training College. Foi um dosde base, a alfabetização foi claramente
primeiros a interessar-se pelo microensimo assim
coimo por outras inovações educativas em do-
considerada como a chave da instrução,
mínios próximos. como u m a primeira etapa obrigatória do
processo de instrução de todo o indivíduo
Stephen Anzalone (Estados Unidos da Amé- e m toda a sociedade.
rica) prepara actualmente um doutoramento na
Universidade de Massachusetts. Antigo mem-
Se a educação de base dos milhões
bro da UNESCO e trabalhador voluntário das de indivíduos pobres cuja maioria vive
Nações Unidas no Lesotho. nas zonas rurais dos países e m desen-

212
O ensino pela rádio, fase anterior à alfabetização

volvimento deve necessariamente passar dólares se todos os alunos tivessem pros-


pela alfabetização, o futuro apresenta-se seguido até ao fim dos estudos 4. Exis-
muito sombrio. O s esforços que desenvol- tem naturalmente programas que obtêm
vemos actualmente são provavelmente mais sucesso, m a s não fornecem os re-
ainda mais infrutuosos do que indicam sultados que o seu custo permitiria es-
as sombrias estatísticas oficiais. O Con- perar.
selho Internacional Para o Desenvolvi- Torna-se necessário elaborar u m pro-
mento da Educação verificou que «.. . n u m grama de educação de base destinado às
país com u m a taxa global de escolariza- massas rurais que carecem de escolas.
ção de cerca de 50 por cento ao nível do Urge igualmente proceder a u m a nova
ensino primário, existem todas as possi- avaliação do papel que cabe à alfabe-
bilidades de, e m certas zonas rurais par- tização n u m programa c o m o este. Exi-
ticularmente pobres, pelo menos 90 por gimos que seja elaborado u m vasto
cento do conjunto dos jovens (e, e m programa de ensino pela rádio para subs-
especial, as raparigas), atingirem a idade tituir a alfabetização entre as populações
adulta sem saber 1er n e m escrever» 1 . rurais pobres compostas por pessoas
Ë impossível negar a pobreza dos re- que, m e s m o quando sabem 1er, não têm
sultados fornecidos, na prática, pelo pro- possibilidades de acesso aos textos im-
grama de alfabetização. Contribuímos pressos. Trata-se de pessoas cujas ne-
apenas para a alfabetização de u m nú- cessidades muito particulares e 'até agora
mero muito limitado de pessoas e à custa desprezadas merecem ser objecto de u m a
de despesas exorbitantes e sem reais es- atenção prioritária nas estratégias m o -
peranças de poder fornecer aos alfabe- dernas de desenvolvimento.
tizados os meios de utilizar os conheci-
mentos adquiridos. Recordemos que o R e s u m o histórico da alfabetização
P E M A pretendia abranger u m milhão
de adultos, dos quais apenas 120 000 Fossem quais fossem as necessidades de
atingiram, de facto, segundo as estima- educação, a alfabetização apresentou-se
tivas, o estádio da alfabetização 2. Outros sempre como u m obstáculo a trans-
programas n e m sequer permitiram obter por — à semelhança de u m rito de ini-
estes resultados. O s insucessos devidos, ciação — para penetrar no m u n d o da
nos projectos de alfabetização, à elevada instrução. Verificámos que poucas pes-
percentagem de desistências durante os soas conseguem ultrapassar este obstá-
estudos agravam-se c o m o decorrer dos culo e que muitos dos que o conseguem
anos porque muitas pessoas alfabetizadas sofrem desilusões ao perder os conhe-
caem novamente no analfabetismo. Este cimentos que adquiriram c o m tantas
fenómeno adquire, por vezes, proporções dificuldades, por não poderem ter acesso
dramáticas. Verificou-se que, n u m país aos textos susceptíveis de corresponder
da Ásia, a maior parte dos alunos que
tinham efectuado quatros anos de es- 1< Philip H . C O O M B S , Roy C . P R O S S E R e M&nzooir
tudos primários se tornavam analfabetos A H M E D , New paths to learning for rural
ao fim de três anos 3 . A elevada taxa de children and youth, p. '29, N o v a Iorque,
desistências durante os estudos tende a I C E D , 1973.
2. Programme expérimental mondial d'alpha-
gerar anomalias de ordem financeira. bétisation: évaluation critique, p. il, Paris,
Manzoor A h m e d cita u m caso e m que Presses de l'Unesco e PINUD, 1976.
a elevada taxa destas desistências (49 3. Manzoor A H M E D , The economics of non-
e m 50 alunos) originou u m a despesa de •formal education: ressources, costs and
benefits, p. 7, Nova Iorque, Praeger Publis-
1600 dólares por alfabetizado, despesa hing, 1976.
que poderia ter sido reduzida para 32,80 4. Idem, ibid., p. 92.

213
Dwight W . Alien e Stephen Anzalone

aos seus gostos e necessidades. A alfabe- ainda rever as nossas sacrossantas con-
tização apresenta-se, pois, muitas vezes, cepções.
não c o m o u m a porta de acesso ao saber, É fácil ironizar c o m a atitude que con-
do qual dependem o bem-estar e o de- sidera a alfabetização u m dos pré-requi-
senvolvimento, m a s c o m o u m a porta de sitos da educação de base no seio das
ferro que bloqueia, s e m que o tenhamos sociedades de tradição oral dos países
desejado, o acesso ao saber. N a s regiões e m desenvolvimento. Antes da invenção
afastadas das cidades e fora das escolas, da impreensa, não considerávamos i m -
a alfabetização continua a ser, a despeito portante saber 1er e escrever. O ensino
das melhores intenções e dos mais ar- era u m processo totalmente oral. Basta
dentes esforços, de certo m o d o quimé- recordar os sábios que, n a Idade Média,
rica, por ainda não se ter tornado uni- defendiam, nos seus debates, que a ver-
versalmente funcional. dadeira instrução deveria ser dispensada
N ã o é difícil compreender a tendência por u m professor e que os livros eram
para considerar a alfabetização u m a pa- totalmente inaptos para responder às
naceia destinada a responder às necessi- ncessidades da educação. Muito antes
dades de educação de base dos países desta época, os Gregos d a Antiguidade
e m desenvolvimento. A partir d o m o - emitiam reservas e m relação à utilidade
mento e m que o Ocidente penetrou, por da expressão escrita n o processo de ins-
ocasião dos seus empreendimentos evan- trução. Sócrates, n u m diálogo c o m Fedra,
gélicos e coloniais, e m muitos dos países fala-nos de u m mito no qual o inventor
que hoje se encontram e m desenvolvi- da escrita, o deus egípcio Tot, é fria-
mento, a extensão da alfabetização tor- mente acolhido pelo rei T a m u z que con-
nou-se, do ponto de vista humanitário e sidera que, c o m a escrita: «...é a seme-
prático, u m a necessidade real. A alfa- lhança (com a sabedoria) que ensinas
betização revelou-se essencial para a aos teus alunos e não a realidade: n a
compreensão das Escrituras e, mais verdade, quando os teus alunos trans-
tarde, para a realização das tarefas su- bordarem de conhecimentos, e não de
balternas exigidas pela administração ensino, parecerão aptos a julgar mil
colonial. O s missionários e os governos coisas, embora, na maior parte das vezes,
coloniais distribuíram pelas populações se encontrem desprovidos de qualquer
locais muitos textos de leitura para asse- julgamento; além disso, tornar-se-ão in-
gurar a conservação de u m nível de suportáveis porque fingirão ser h o m e n s
alfabetização adaptado aos seus objec- instruídos, e m vez de serem verdadeira-
tivos e aos imperativos do crescimento. mente h o m e n s instruídos! *» Muita coisa
M a s tudo se modificou muito, visto m u d o u entretanto.
que, actualmente, as novas nações pro- N o m u n d o actual as aplicações de al-
curam, depois de ter conquistado a inde- fabetização são numerosas e evidentes.
pendência, alargar os objectivos, o con- Talvez tenha sido esta a razão que con-
teúdo e a clientela d a educação. N u m a duziu inevitavelmente à ideia de que a
sociedade de tradição oral e m que os alfabetização pode e deve ser a chave de
textos de leitura são muitas vezes raros
tudo. N ã o surpreende que os nossos
e não apresentam nada de c o m u m c o m
esforços de desenvolvimento reflictam a
a vida das pessoas, a aptidão para 1er
e escrever já não assume a m e s m a im- aparente omnipotência da alfabetização.
portância. Contudo, apesar das provas, N a s estratégias de desenvolvimento li-
cada vez mais numerosas, da fraca efi- li P L A T O N , Phèdre, p. 88 (Platon, oeuvres com-
cácia d a alfabetização c o m o meio de plètes), traduzido por Léon Robin, Paris,
acesso à instrução, não conseguimos Société d'édition «Les belles lettres», 1938.

214
O ensino pela rádio, fase anterior à alfabetização

gou-se a introdução dos novos métodos praticamente idêntica à deste industrial


de cultura da terra à alfabetização dos foram conservados e que u m estudo mi-
agricultores. A alfabetização era neces- nucioso de número de peças produzidas
sária, dizia--se, para permitir a leitura por cada operário (pago à peça) não
das brochuras sobre a agricultura ou, salientou n e n h u m a relação estatística
mais simplesmente, para facilitar as re- entre a produtividade de u m operário e
lações com os responsáveis pela divul- o seu carácter de alfabetizado ou ile-
gação agrícola. Esta crença encontra-se trado, c o m o pode ser comprovado pela
tão espalhada que a hipótese contrária presença nas folhas de pagamento por
já foi, pelo menos u m a vez, objecto de u m a assinatura ou por u m a cruz2.»
análises particulares. U m estudo refe- A necessidade da alfabetização como
rente aos agricultores do Brasil permitiu pré-requisito do processo de desenvolvi-
verificar que não existia u m a relação mento t a m b é m foi contestada por outros
directa entre a alfabetização ou o nível observadores. Hornik, M a y o e M c A n a n y
de instrução escolar e os comportamen- escrevem, por exemplo: «Ainda recente-
tos favoráveis ao desenvolvimento. D e - mente, a aptidão para 1er e escrever era
monstrou-se que a alfabetização ou o considerada indispensável ao h o m e m e,
nível de instrução escolar não influi de sem ela, os conhecimentos modernos não
m o d o nenhum sobre os contactos com poderiam difundir-se; sem alfabetização
os técnicos agrícolas e exerce u m a in- as comunidades rurais permaneceriam,
fluência muito moderada sobre a medida pensava-se, condenadas ao isolamento e
e m que o indivíduo é atingido pelos ins- ao subdesenvolvimento. Actualmente, a
trumentos («não impressos») da divul- alfabetização continua a ser considerada
gação agrícola1. u m instrumento essencial de promoção
Alguns defendem também que a indus- dos indivíduos pelo seu amor próprio e
trialização de u m país e m desenvolvi- de incitamento às populações rurais no
mento será entravada pela existência de sentido de adpotarem comportamentos
u m a mão-de-obra analfabeta. Ora, esta e atitudes 'modernas', m a s a maior parte
correlação, é muitas vezes, mais aparente dos peritos e m desenvolvimento parecem
do que real e decorre de u m a visão idên- concordar e m reconhecer que as popula-
tica à que prevaleceu durante a indus- ções rurais podem progredir considera-
trialização que os Estados Unidos da velmente m e s m o que continuem analfa-
América conheceram no século XIX. B o w - betas 3.»
les e Gintis citam o exemplo de u m in- Estes factos não podem conduzir-nos
dustrial que, no século xix, sublinhava a negar o papel importante que a alfabe-
a importância da alfabetização nos se- tização pode desempenhar no desenvolvi-
guintes termos: «Se o rendimento de
u m a fábrica ou de u m a oficina se reve-
1. Frederick C. FLIEGEL, «Literacy and expo-
lasse insuficiente, 'começaria por m e in- sure to instrumental information among
formar sobre as características do pes- farmers in Southern Brazil», Rural socio-
soal, e, se esta insuficiência persistisse logy, vol. 31, n.° '1, Março de 1966, p. 27.
durante muito tempo, estou certo de que 2. Samuel B O W L E S e Herbert GINTIS, Schoo-
encontraria muitas folhas de pagamento ling in capitalist America, p. llfy Nova
Iorque, Basic Books Inc. 1976.
assinadas de cruz por os interessados 3. Robert H O R N I K , John K . M A Y O e Emile
não serem capazes de escrever o seu G- M C A N A N Y , «The mass media in rural
nome.» •education», e m Philip F O S T E R e James R .
• SLEFPIELD (dir. publ.), The world year-book
O s autores formulam, a este respeito, of education 197%. Education and rural deve-
a seguinte observação: « É interessante lopment, p. 80, Londres, Evans Brothers Ltd.,
saber que os registos de u m a fábrica 1973.

215
Dwight W . Allen e Stephen Anzalone

mento da educação ou da sociedade, n e m N ã o é o analfabetismo propriamente dito


a pretender que determinados países re- que representa u m a afronta para toda
nunciem aos esforces desenvolvidos na a Humanidade, m a s antes a impossibili-
alfabetização dos seus compatriotas. Pre- dade e m que se encontram tantos ha-
tendemos apenas sublinhar que, e m nossa bitantes do m u n d o de aceder a u m a
opinião, a educação de base não passa educação de base. Pensamos que os anal-
necessariamente pela alfabetização. fabetos podem beneficiar do património
Pensamos que o m u n d o ainda não cultural da Humanidade e que, efectiva-
admitiu, como deveria fazer, que a al- mente, beneficiam, embora de maneira
fabetização não é tão indispensável ao nitidamente insuficiente. Introduzir mais
processo de desenvolvimento c o m o ou- igualdade na participação deste patri-
trora se pensava. É evidente que foi a mónio deve constituir u m dos objectivos
falta de eficácia prática de diversos essenciais da educação de base; a possi-
programas de alfabetização—entre os bilidade desta participação deve ser pro-
quais o P E M A — que arrefeceu o en- porcionada a todos os membros da co-
tusiasmo e m torno desta campanha m u n - munidade mundial, quer sejam instruídos
dial de alfabetização total das massas ou analfabetos.
cuja realização teria respondido às es-
peranças expressas pelo Secretário Geral Educação de base
das Nações Unidas antes da Assembleia
Geral que se realizou há cerca de dez «As políticas educativas dos anos se-
anos. Por outro lado, a Conferência Geral tenta deveriam inscrever na primeira
da U N E S C O parece ter reafirmado, du- linha dos seus objectivos estratégicos
rante a 19. a sessão, a sua fidelidade a a generalização da educação elementar,
u m ideal de alfabetização mundial. C o m sob formas diversificadas, e m função
efeito, de acordo c o m a resolução 1192 das possibilidades e das necessidades 1.»
desta sessão: U m a concepção particular da «edu-
« A Conferência Geral, cação de base» ou «educação elementar»
«Considerando que o estado de anal- tem vindo a salientar-se, nos últimos
fabetismo e m que vivem quase u m bilião anos, nos debates internacionais sobre
de habitantes do globo constitui u m a educação. É lamentável que, apesar das
afronta para toda a humanidade, perspectivas de alfabetização mundial se
Reconhecendo que os analfabetos, por terem tornado sombrias, a generalização
não se encontrarem e m situação de be- da educação de base continue a estar
neficiar das experiências culturais da subordinada à alfabetização. A «educa-
humanidade, são vítimas de discrimina- ção elementar» de hoje não parece fun-
ção sob todos os aspectos, damentalmente diferente da «alfabetiza-
ção funcional» de ontem, que talvez tenha
Convida o Director Geral a prever... sido enriquecida com alguns ornamentos
u m a aceleração considerável da luta con- a fim de poder, sob u m a designação nova,
tra o analfabetismo destinando, eventual- encontrar lugar entre as estratégias de
mente, u m decénio da U N E S C O para a desenvolvimento rural. Este artifício
alfabetização...» verbal poderia perfeitamente reflectir o
A preocupação aqui expressa é profun- reconhecimento de que a generalização
damente sentida, e c o m toda a razão. do ensino primário ainda não se encon-
M a s é possível que a acção proposta se
revele mal adaptada aos seus objectivos. 1. «Recomendação da Comissão Internacional
O M u n d o parece-nos estar a ser convi- Sobre o Desenvolvimento da Educação», e m
dado a lutar contra u m falso problema. Apprendre à être, Paris, U N E S C O , 1972.

216
O ensino pela rádio, fase anterior à alfabetização

tra assegurada nos países pobres, onde programas não escolares ou combinações
as crianças deverão, por vezes, juntar-se variadas das duas fórmulas) segundo
aos adultos para beneficiar com eles dos as necessidades das pessoas a que se
programas extra-escolares de alfabeti- destinam e as limitações impostas pelos
zação funcional. recursos disponíveis. A s despesas desem-
Este recente interesse pela educação penharão u m papel preponderante na
de base testemunha, pelo menos impli- escolha das pedagogias utilizadas nos
citamente, u m certo desejo de eliminar programas dos ensinos de base.»
os métodos que fracassaram no passado. O Banco acrescenta: « U m estudo re-
M a s , não basta. Devemos redefinir o cente, redigido pela Unicef, define estas
que entendemos por educação de base. necessidades (as necessidades de instru-
Sob este aspecto, a definição proposta ção mínima) como o limiar de instrução
pelo Banco Mundial constitui u m b o m a partir do qual u m indivíduo é capaz de
ponto de partida: participar nas actividades económicas,
«Dispensar u m a educação de base é sociais e políticas. Estas necessidades
tentar, não obstante as graves limitações de instrução essenciais incluem a alfa-
impostas pela modicidade dos recursos, betização e o cálculo funcionais, os
responder às necessidades de importan- conhecimentos e as qualificações ne-
tes grupos de população que não têm cessários para exercer u m a actividade
acesso à mínima possibilidade de instru- produtiva, o planeamento familiar e a
ção. Trata-se, de completar, e não de higiene, a assistência à infância, a ali-
suplantar, o sistema de ensino escolar e mentação, o saneamento e tudo o que
de fornecer aqueles que este ensino ainda é necessário saber para participar na
não abrangeu ou que deixou de lado, vida cívica. D e u m ponto de vista opera-
u m a instrução funcional, maleável e cional, podemos defini-las como o 'total
pouco dispendiosa. É possível que, e m de instrução mínima' acessível a todos,
muitos países, o instrumento principal semelhante ao 'limiar de probreza' no
desta instrução seja o nível primário, m a s que se refere ao rendimento mínimo fa-
difere da 'instrução primária universal' miliar 1.»
e m três pontos de vista importantes: O que podemos criticar essencialmente
'«i) O s objectivos e o conteúdo da edu- na definição do Banco é o facto de assen-
cação de base definem-se, de u m ponto tar na ideia de que a principal de todas
de vista funcional, como as 'necessidades as «necessidades de instrução mínima»
de instrução mínima' de grupos deter- é a alfabetização funcional. Es'ta ideia
minados e não como graus de ensino no integra-se, sem qualquer dúvida, na tra-
sentido e m que se entende, por exemplo, dição e o Banco não é, de resto, o único
o grau primário. a defendê-la. C o m efeito, u m a reunião
ii) A s 'populações alvo' abrangidas de peritos convocada, e m 1974, pela
pela educação de base não são necessaria- U N E S C O , chegou a conclusões semelhan-
mente as crianças e m idade escolar. São tes: « É evidente, lê^se no seu relatório,
grupos etários variados (crianças, jovens, que o ciclo de base deve fornecer a todas
adultos) e de características socioeconó- as pessoas u m certo número de instru-
micas diferentes (grupos rurais ou urba- mentos fundamentais do conhecimento;
nos, mulheres, participantes e m progra- é necessário aprender a 1er, a escre-
m a s de desenvolvimento particulares). ver...»2 É natural pensar que enquanto
iii) O s 'sistemas administrativos' que
permitem dispensar a educação de base 1. Éducation, politique sectorielle, p. 37, W a s -
assumirão diversas formas e m diversos hington, Banco Mutídial, 1975.
países (escolas primárias reestruturadas, 2. Perspectives, vol. v, n.° 1, 1975, p. 136.

217
Dwight W . Allen e Stephen Anzalone

o papel atribuído, no passado, à alfabe- betização c o m o u m a das condições pré-


tização, não for explicitamente modifi- vias da educação de base ou como o único
cado, a alfabetização, considerada como passaporte susceptível de permitir o
u m a das «necessidades de instrução m í - acesso à instrução, seria preferível con-
nima» a satisfazer ao nível do ciclo de siderá-la u m a das etapas intermédias
base, continuará a ser o trampolim ne- do processo de instrução, ou antes, obri-
cessário para aceder a qualquer outro gá-la a entrar no jogo n o momento e m
nível de instrução e poderá comparar-se que o acesso aos textos impressos se
a u m a moeda susceptível de permitir torna realmente necessário, por exem-
a aquisição de outros conhecimentos. plo, quando o interessado está prestes
Caímos sempre no m e s m o impasse e en- a ingressar n u m sistema regular de en-
contramo-nos constantemente na impos- sino ou quando a aptidão para 1er e
sibilidade de escolher outra solução dife- escrever se torna realmente indispen-
rente da que consiste e m desenvolver os sável na vida prática.
efectivos do ensino primário e e m mul- Excluindo o problema da alfabetização,
tiplicar os projectos de alfabetização a noção de «necessidades de instrução
funcional esperando que, entretanto, a mínima» fornece, tal como foi adoptada
alfabetização possa tornar-se funcional pelo Banco, u m quadro útil à definição
para todos graças a u m a surpreendente do conteúdo eventual dos programas de
colecção de textos impressos circulando educação de base. Já se realizaram lon-
abundantemente pelas zonas rurais mais gos debates sobre muitos problemas liga-
longínquas. Deparamos sempre c o m a dos à educação de base. Procurou saber-
barreira que impede o acesso à instrução -se até que ponto os pobres das regiões
sem passar pela alfabetização. Parece rurais seriam capazes de participar na
continuar a exercer-se sobre a instrução formulação das suas próprias necessida-
u m direito de preempção, u m a vez que des e m matéria de educação. Surgem
as pessoas que não podem alfabetizar-se também interrogações sobre o m o d o de
ou manter-se alfabetizadas se encontram dispensar a educação de base. Por exem-
na impossibilidade de obter ou de con- plo, seria politicamente possível ou dese-
servar os meios necessários para aqui- jável reestruturar o ciclo primário, redu-
sição de u m a instrução cada vez mais zir o número de anos que engloba e
desenvolvida. antecipar a idade de entrada nas escolas
E m b o r a não pensemos que a alfabe- primárias? H á pessoas que duvidam do
tização deva ser considerada u m a «ne- papel que podem desempenhar na edu-
cessidade de instrução mínima», não cação de base os programas de alfabe-
podemos deixar de reconhecer a impor- tização funcional e outros programas não
tância considerável que assumirá sempre formais. T a m b é m há q u e m pergunte se
que se apresentar com u m carácter fun- a educação de base é capaz de favorecer
cional. Definir a alfabetização afirmando a equidade social. H á pessoas que pen-
que ela constitui, n u m a sociedade, de tipo s a m que a educação de base acentuará
tradicional, o «limiar de pobreza» abaixo a dualidade do sistema de educação, no
do qual não pode haver educação' equi- seio do qual encontraremos, por u m lado,
vale não a fixar este limiar demasiado u m ensino escolar regular permitindo
alto ou demasiado baixo, m a s a trans- que certos privilegiados acedam a esta-
formá-lo, devido à adopção de critérios belecimentos de nível cada vez mais ele-
errados, n u m obstáculo capaz de bloquear vado, assim como às prerrogativas so-
o acesso às informações e conhecimentos ciais decorrentes da sua instrução e, por
de que dependem o bem-estar e o desen- outro lado, u m ensino extra-escolar de
volvimento. E m vez de considerar a alfa- segunda ordem destinado às massas e

218
O ensino pela rádio, fase anterior à alfabetização

que é interrompido a u m nível bem deter- Pensamos que este meio quase univer-
minado. C o m o é evidente, certas preo- sal de difusão tem sido insuficientemente
cupações são solidamente fundamenta- utilizado para fins educativos. Parece ter
das. N ã o é tomando os seus desejos pela sido preterido pela eficácia superior atri-
realidade n e m multiplicando as exporta- buída a outros meios que, no entanto,
ções morais que a comunidade interna- apresentam o inconveniente, e m relação
cional poderá reduzir os riscos a correr à rádio, de não ir conhecer tão ampla
ou as incertezas existentes. Temos a difusão durante muito tempo ainda. C o m
impressão de que os problemas que se a miniaturização e a transistorização,
apresentam não poderão ser resolvidos que permitem despesas muito reduzidas
a contento de todos enquanto não se tive- e asseguram u m a fiabilidade suficiente,
rem estudado e experimentado as estra- e m todos os climas, a rádio tem-.se reve-
tégias susceptíveis de ser utilizadas na lado cada vez mais como u m instrumento
aplicação de u m programa de educação particularmente b e m adaptado a cultu-
de base. N ã o pretendemos resolver, aqui, ras baseadas na transmissão oral e nos
estes problemas; pretendemos apenas valores não escritos.» 1
propor — como já apontámos — que, nos Pensamos que, no passado, o desprezo
próximos debates respeitantes à educa- pelas possibilidades educativas da rádio
ção de base, seja posta e m causa a per- se ficou a dever ao facto da atracção
tinência da ligação até agora estabelecida superior da televisão se ter começado
entre a alfabetização e este tipo de edu- a exercer nos países desenvolvidos pouco
cação. depois de 1950, isto é, no preciso m o -
Pensamos que existem outras soluções mento e m que os aparelhos de rádio a
para o problema da educação de base pilhas e a transistores começavam a apa-
e prontificamo-nos a recomendar instan- recer e e m que a rádio se espalhava
temente que seja elaborado u m vasto pelos recantos mais longínquos dos paí-
programa de ensino pela rádio, como ses e m desenvolvimento. Actualmente, õ
número de aparelhos de rádio por habi-
principal meio de difusão da educação
tante é, tanto nos países desenvolvidos
de base.
como nos países e m desenvolvimento,
superior ao número de exemplares de
Utilização da rádio jornais diários por habitante. Wilbur
na educação da base S c h r a m m sublinhou os efeitos a esperar
da expansão da rádio : «Se existe u m b o m
A possibilidade técnica de utilizar a rá- instrumento de educação não formal, é
dio para a educação das massas não ofe- certamente a rádio. A razão é-nos for-
rece dúvidas. Pouco dispendiosa, simples necida por Paul Théroux no seu estudo
e fiável, a rádio encontraria u m a boa sobre a radiodifusão rural no Uganda.
aplicação. A Comissão Faure já tinha Este autor salienta que 87,8 por cento
assinalado, e m 1972, o que podemos es- das famílias sobre as quais se efectuou
perar do ensino pela rádio e é surpreen- o inquérito não possuíam electricidade,
dente que o emprego da rádio com objec- embora 86,3 por cento possuíssem u m
tivos de educação de base ainda não aparelho de rádio. Por outras palavras,
tenha sido objecto de nenhuma proposta a rádio é u m instrumento de longo al-
séria. N o relatório d a Comissão Faure cance que permite difundir facilmente
pode ler-se o seguinte: « A rádio, única mensagens e eliminar os obstáculos que
técnica de comunicação avançada que se se opõem mais frequentemente à instru-
incorporou realmente no Terceiro M u n d o ,
foi amplamente difundida e aculturada
sempre que as condições o permitiram. 1, Apprendre à être, op. cit., p. 139.

219
Dwight W . Allen e Stephen Anzalone

ção nas regiões particularmente longín- o do ensino tradicional ministrado nas


quas.» aulas ; parece decorrer de u m a adaptação
{Desconhecemos que se tenha realizado do ensino ao instrumento que a rádio
qualquer avaliação geral dos múltiplos representa e não de u m esforço para
serviços prestados pela rádio educativa. orientar para a educação u m dos gran-
M a s , por outro lado, existem muitos casos des m e i o s m o d e r n o s de informação.
particulares e m que as possibilidades da A apresentação dos programas foi, mui-
rádio como meio de instrução foram cla- tas vezes, lamentavelmente monótona e
ramente salientadas. N o Japão, é possí- mal adaptada às características especiais
vel receber, pela rádio, u m a instrução da rádio. O carácter concreto e vivo que
secundária completa. N o Reino Unido, podem assumir as emissões radiofónicas
a rádio desempenha u m papel importante não foi aproveitado e as ondas limita-
nos serviços que presta à Universidade ram-se a difundir fastidiosos «monólogos
aberta. N a Colômbia, a Radio-Sutatenza do professor». N a renovação da radiodi-
é frequentemente citada como exemplo fusão educativa, os fracassos do passado
da influência que a rádio pode exercer revelar^se-ão certamente tão instrutivos
na educação dos adultos. N a Nicarágua, como os êxitos.
o projecto de ensino radiofónico da M a - Tendo e m conta os resultados já for-
temática apresenta actualmente, segundo necidos pelo emprego da rádio c o m objec-
os relatórios, excelentes resultados e o tivos de instrução — e os resultados
governo parece ter decidido utilizar a ainda maiores que nos permitimos espe-
rádio para todo o ensino primário e m rar — defendemos que é financeiramente
certas províncias do país. Vários Estados possível assegurar pela rádio u m a edu-
pediram ajuda p a r a empreendimentos cação de base de conteúdo verdadeira-
semelhantes. Poderíamos citar muitos mente rico. A principal característica
outros exemplos: a feliz realização, no desta educação de base residiria na im-
México, de projectos respeitantes ao en- portância essencial que atribuiria a pro-
sino das línguas ou à instrução elemen- cessos orais análogos aos que regem as
tar; funcionamento de tribunas radiofó- relações sociais nas sociedades de tipo
nicas rurais e de clubes de escuta e m tradicional. N ã o é necessário ser alfa-
diferentes países de Africa, ampla uti- betizado para beneficiar do ensino pela
lização da radiodifusão educativa nas rádio. M a s , como é evidente, a alfabeti-
escolas da Tailândia, projecto «Radio zação das pessoas capazes de aprender
Mensaje» destinado aos agricultores do a 1er e a escrever ocuparia u m certo
Equador, serviços extra-escolares asse- lugar. Essencial é que, na maior parte
gurados pela Radio-Santa Maria na R e - das vezes, a alfabetização suceda à edu-
pública Dominicana. cação de base, e m vez de a preceder.
M a s , embora a rádio tenha sido ampla Ela deixaria, assim, de se apresentar
e eficazmente utilizada com fins educa- c o m o o único meio de acesso à instrução.
tivos, a exploração sistemática das pos- O ensino pela rádio seria assegurado
sibilidades que oferece viu-se entravada por meio de u m conjunto de programas
pela modéstia das nossas esperanças; susceptíveis de responder às necessidades
na verdade, nunca esperámos muito da de u m público muito variado. A rede de
rádio. Por falta de imaginação foi-lhe radiodifusão de u m país dado deveria
atribuído, muitas vezes, u m papel pura- poder apresentar simultaneamente pro-
mente complementar que a impediu de 'gramas que, diferindo uns dos outros
se desenvolver segundo a sua dinâmica pela forma e pelo conteúdo, seriam capa-
própria. Consequentemente, o carácter zes de responder às necessidades de
do ensino pela rádio tende a reflectir auditórios que não apresentem as m e s -

220
O ensino pela rádio, fase anterior à alfabetização

m a s aptidões n e m os m e s m o s gostos. nos pontos de escuta; as emissões e m


Deveria dar-se prioridade à satisfação duplex. Por muito desejáveis que possam
das «necessidades de instrução mínima» parecer estas inovações, é necessário evi-
dos adultos e crianças não escolarizados tar, desde o início, que a integridade e
incluídos na população rural. M a s , a maior a capacidade de autonomia do programa
parte dos programas de ensino pela rádio radiofónico de educação de base possam
conviria igualmente a auditórios urbanos. ser comprometidas por u m a excessiva
Seria desejável, de resto, que os progra- complexidade do sistema.
m a s de ensino péla rádio se articulassem U m programa radiofónico de educação
c o m os programas escolares normais, o de base pode, desenvolvendo^se suficien-
que contribuiria para o melhoramento temente, servir de eixo à reorganização
destes e, simultaneamente, para a redu- de todo o sistema de educação não for-
ção do fosso que pode existir entre o meio mal. Pensamos, com efeito, que os pro-
escolar e o meio familiar. gramas de educação não formal teriam
E m nossa opinião, o ensino pela rádio necessidade de se tornar mais «formais».
não deveria constituir u m «apêndice» do Até agora ainda não adquiriram o carác-
sistema de educação não formal, m a s ter institucional capaz de garantir o seu
sim u m elemento essencial da reorgani- futuro ou de lhes permitir tornar-se parte
zação deste sistema, do qual, de resto, integrante do mosaico formado pela edu-
faria parte integrante. O desenvolvi- cação. A educação não formal parece ter
mento das capacidades funcionais d o estado, até agora, condenada a sofrer de
ensino pela rádio deve beneficiar de toda u m a constante precaridade financeira, a
a prioridade na elaboração das estraté- manter-se à m a r g e m das preocupações
gias da educação de base. Para ser efi- administrativas; ou a morrer tempora-
caz, o ensino pela rádio deve formar u m riamente e m caso de compressão orça-
todo, ou, por outras palavras, assentar, mental. N o passado, os projectos de
como foi indicado, n u m conjunto de pro- educação não formal responderam efi-
gramas capazes de responder às múlti- cazmente a necessidades particulares e m
plas necessidades de instrução de u m domínios como a agricultura, a saúde,
público variado. Para poder, inscrevendo- a nutrição, o planeamento familiar, o
-se no quadro da educação não formal, bem-estar, o desenvolvimento comunitá-
bastar-se a si m e s m o , o ensino pela rádio rio. M a s , e m geral, o seu alcance foi
deverá apresentar-se como u m processo convencionalmente limitado. A reorgani-
contínuo de instrução; deverá permitir zação do sistema de educação não for-
que certos alunos ultrapassem a fase das mal e m torno do elemento essencial que
«necessidades de instrução mínima» para constituiria a educação de base pela
atingir o da alfabetização e que outros rádio revelasse actualmente indispensável
acedam, pela única via não formal, a u m se quisermos que este sistema atinja,
ensino secundário formal. O ensino pela graças a u m a amplificação das suas fun-
rádio não deve apresentar-se como u m ções, u m público nitidamente mais lato.
simples «apêndice» do sistema de edu- Incorporándole na educação não formal,
cação não formal, m a s também não deve, o ensino pela rádio contribuiria com u m
na fase inicial, deixar-se submergir por quadro institucional maleável, próprio
«apêndices» dos quais alguns poderão para favorecer u m a melhor integração
revelar-se úteis n u m a fase ulterior. Entre dos seus diversos elementos; ajudaria a
estes «apêndices» citemos, por exemplo: reduzir o duplo emprego e a assegurar
a distribuição de textos impressos rela- aos interessados a instrução requerida
cionados c o m as emissões; a avaliação para aceder a outros tipos de educação
dos resultados; o emprego de monitores não formal. À medida que os auditórios

221
Dwight W . Allen e Stephen Anzalone

aumentassem, este ensino tornar-se-ia mente de u m antídoto para vencer a


cada vez mais rentável, assim como os melancolia que experimentamos diante
resultados se tornariam, c o m a experiên- dos magros resultados dos esforços de-
cia, cada vez melhores. senvolvidos há dezenas de anos, melan-
O ensino pela rádio assim concebido colia suficientemente profunda para que
tornar-se-ia o sustentáculo do sistema de os mais preserverantes se encontrem
educação não formal. O s projectos de paralisados. N ã o nos devemos tornar
alfabetização funcional, os projectos de indiferentes às necessidades de educação
desenvolvimento comunitário, os esforços das populações rurais desfavorecidas,
desenvolvidos e m prol da formação pro- m e s m o que tenhamos adquirido u m «rea-
fissional, os projectos orientados para lismo» que nos permita avaliar c o m pre-
o enriquecimento cultural ou para a pre- cisão as dificuldades do passado. Pode-
servação da cultura e, eventualmente, m o s certamente, atendendo à capacidade
as actividades destinadas à reorganização de organização e aos meios técnicos exis-
e ao alargamento da instrução primária tentes, pensar n u m a generalização da
combinar-se-iam, no quadro deste sis- educação de base, tal como fez, e m 1972,
tema, de m o d o diferente, consoante os a Comissão Faure. É evidente que se
países. M a s , u m dos traços comuns aos trata de u m enorme empreendimento
sistemas de educação não formal dos para cuja planificação será obviamente
diversos países poderia ser a presença necessário recorrer tanto a visionários
do mecanismo de integração que consti- como a técnicos. Esperamos que, nos
tuiria, no seu seio, o ensino pela rádio. próximos anos, os prémios instituídos
pela U N E S C O para recompensar os es-
Estamos longe de pretender ter apresen- forços de alfabetização sejam atribuídos
tado o esboço de u m programa de edu- a particulares ou a grupos capazes de
cação de base capaz de responder às abalar a nossa inércia, de nos obrigar
necessidades das massas rurais. A nossa a renunciar aos erros do passado para
única preocupação consistiu e m sugerir nos conduzir por caminhos tão novos
a adopção de u m a nova fórmula que como variados e de se dedicar totalmente
permita pôr fim ao determinismo que à tarefa a realizar para que o acesso de
pretendeu que a educação de base esti- todos à educação não continue a ser
vesse subordinada à alfabetização e que u m a quimera ou u m a ficção, m a s se
os esforços da alfabetização fossem vo- torne u m a realidade que possa, u m dia,
tados ao insucesso. Necessitamos clara- não surpreender ninguém.

222
Victor G . Onouchkine
e Evguénia P . Tonkonogaïa

A educação dos adultos, elemento


da educação permanente na U R S S

U m a sociedade socialista desenvolvida Novas funções


caracteriza-.se essencialmente pelo ele- da educação dos adultos
vado nível das forças produtivas e pela
maturidade das relações socialistas que A revolução científica e técnica, que se
criaram as condições de u m desenvolvi- desenvolve n u m a sociedade socialista que
mento tão completo quanto possível da atingiu a maturação, caracteriza-se por
educação, factor de desenvolvimento da u m progresso rápido da investigação,
personalidade. pela aplicação dos resultados da activi-
O artigo 25 da Constituição proclama: dade científica e técnica a todos os sec-
« N a U R S S existe e aperfeiçoa-se u m tores da economia nacional e pelo laço
sistema único de instrução pública que orgânico que une a ciência à produção.
assegura a formação geral e profissional Esta revolução modifica profundamente
dos cidadãos, serve a educação c o m u - os factores objectivos d a produção. Si-
nista, o desenvolvimento físico e intelec- multaneamente, o progresso científico e
tual da juventude, a sua preparação para técnico, ao introduzir a tecnologia m o -
as actividades profissionais e sociais.» derna e m todos os ramos da economia
nacional, exige muito do elemento indi-
A educação dos adultos faz parte inte-
vidual ou subjectivo da produção social.
grante do sistema único de educação
A s transformações da produção e d a
nacional desde os primeiros anos do poder
vida social exigem que os conhecimentos
soviético, e aperfeiçoa-se à medida que
adquiridos nos bancos da escola sejam
a sociedade socialista descobre soluções
constantemente completados e actualiza-
para os problemas que surgem nas dife-
dos. Durante o X X I V Congresso, o Par-
rentes fases do seu desenvolvimento.
tido Comunista da União Soviética insis-
tiu particularmente n o facto da educação
recebida na primeira infância constituir
apenas u m a base, devendo os conheci-
Victor G. Onouchkine (URSS). Licenciado em mentos adquiridos ser constantemente
economia, professor, director do Instituto de
Investigações Sobre a Educação dos Adultos da
completados1. N a actual fase d o desen-
Academia das Ciências Pedagógicas. volvimento d o socialismo, a educação
prolongou-se no tempo. Ultrapassando
Evguénia P. Tonkonogaïa (URSS). «Candi-
data» a Ciências Pedagógicas, im/oestigadora,
chefe de secção do Instituto de Investigação
Sobre a Educação dos Adultos da Academia 1. Actas do X X r v Congresso do F O U S , p. 86,
das Ciências Pedagógicas. Moscovo, Politiadat, 197il.

223
Victor G . Onouchkine e Evguénia P . Tonkonogaïa

o quadro do ensino geral e profissional ção necessária da revolução cultural e


directo, empenhasse a partir de agora dar ao socialismo u m a base económica
e m elevar o nível das qualificações das fundada na propriedade social.
diferentes categorias de trabalhadores, U m a das tarefas prioritárias e essen-
assim c o m o o seu nível cultural, ideoló- ciais do jovem Estado soviético consistiu
gico e político, e pode considerar-se u m a e m eliminar o analfabetismo, a fim de
educação permanente alargada a toda inserir milhões de homens na vida activa.
a vida activa do h o m e m . « U m analfabeto», escrevia Lenine», «si-
« N o m u n d o m o d e r n o » , declarou tua-se fora da política. Ë necessário co-
L . I. Brejnev no relatório do Comité meçar por lhe ensinar o A B C . » a
Central do P C U S para o X X V Con- U m dos primeiros decretos do governo
gresso do Partido, «quando o volume dos soviético, relativo à «eliminação do anal-
conhecimentos que o h o m e m deve adqui- fabetismo entre a população da R S F S R »
rir aumenta rapidamente e e m propor- previa já a instrução obrigatória de todos
ções consideráveis, deixa de ser possível os cidadãos c o m idades compreendidas
contar c o m a assimilação de u m a certa entre os 8 e os 50 anos. N o s termos
s o m a de factos. Interessa ensinar o ho- deste decreto, esta tarefa incumbia não
m e m a completar os seus conhecimentos só às escolas e aos professores, m a s tam-
pelos seus próprios meios e a orientar-se b é m às organizações sindicais e às orga-
na massa das informações científicas e nizações do Partido e da juventude c o m u -
políticas.» * nistas. D e acordo c o m os desígnios de
Esta proliferação das tarefas que in- Lenine, c o m as directivas dos congressos
c u m b e m à educação e dos domínios que do Partido Comunista e c o m as portarias
ela deve abranger exige u m estudo mais do Comissariado do povo junto da ins-
profundo do problema da educação dos trução pública, organizou-se u m sistema
adultos no quadro da educação perma- de Estado de educação de adultos no
nente. país, logo nos primeiros anos do poder
N a U R S S , a educação dos adultos é soviético. Tornou-se parte integrante do
u m dos principais instrumentos utilizados sistema geral de educação e manteve-se
para resolver os problemas estratégicos sempre ligado aos estabelecimentos es-
formulados no programa do Partido C o - colares propriamente ditos.
munista da União Soviética: criação da O sistema de educação dos adultos
base material e técnica do comunismo; compreendia, e m primeiro lugar, escolas
aperfeiçoamento das relações socialistas de ensino geral: escolas elementares e
e sua transformação e m relações comu- médias e faculdades operárias 'ligadas
nistas; formação do h o m e m pertencente aos estabelecimentos de ensino superior.
à sociedade comunista. A continuidade do ensino estava assegu-
Desenvolvendo os ensinamentos de rada entre as escolas de todas as cate-
M a r x e de Engels sobre o desenvolvi- gorias e os alunos podiam passar de u m
mento da personalidade nas condições nível para outro e aceder, pelo canal das
concretas das transformações revolucio- faculdades operárias, aos estabelecimen-
nárias do nosso país, Lenine não limitava tos de ensino superior. O ensino era gra-
o conceito de «educação» à infância e à tuito e m todos os tipos de escola. O s
adolescência. Considerava a educação no adultos inscritos nas faculdades Operá-
seu aspecto social e essencialmente como
u m a formação permanente dos trabalha-
dores de todas as idades porque, pen- is Actas ~áo X X V Congresso do PCUS, p. 77,
sava, só u m a educação entendida neste Moscovo, Politizdat, 1976,
2. V . I. LENINE, Œuvres complètes (edição
sentido lato pode constituir u m a condi- russa), voh 44, p. 174,

224
A educação dos adultos,
elemento da educação permanente na U R S S

rias eram dispensados do seu trabalho teatros populares, bibliotecas, associações


durante todo o período de formação e desportivas), exerce funções de educação
beneficiavam de urna bolsa do Estado. social, política, ideológica, moral, esté-
A educação dos adultos assentava nos tica e física dos adultos.
seguintes grandes princípios: formação O alargamento do papel social e da
geral largamente politécnica, associação importância da educação dos adultos,
do ensino ao trabalho produtivo e ligação as suas funções cada vez mais comple-
estreita à vida quotidiana e à prática da xas, os laços que a u n e m a processos
construção socialista. sociais tão complexos c o m o a revolução
'Nos anos vinte, surgiram, paralela- científica, técnica e cultural, constituem
mente aos diferentes tipos de ensino es- outros tantos factores que exigem u m
colar para adultos (escolas de ensino estudo científico das suas formas concre-
geral, escolas do partido, faculdades tas, dos princípios da sua organização,
operárias), diversas formas de activida- da especificidade do seu conteúdo e das
des culturais e educativas para adultos modalidades e métodos pedagógicos a
(salas de leitura rurais, numerosos cír- aplicar nos estabelecimentos para adultos.
culos, clubes, etc.).
Assim, o sistema de educação nacional A s investigações
previa, desde a sua criação, não só a sobre a educação dos adultos
educação das crianças como também o
ensino dispensado aos adultos, o qual A s investigações sobre a educação dos
era planificado pelo Estado, estava li- adultos no quadro da educação perma-
gado ao ensino propriamente dito (esco- nente dependem do Instituto de Investi-
las para crianças) e manifestava-se sob gações Sobre a Educação dos Adultos,
formas institucionais e não institucio- criado e m 1960 junto da Academia das
nais; por outras palavras, este ensino Ciências Pedagógicas. Referem-se aos
organizava-se e desenvolvia-se c o m o u m três seguintes temias: a) melhoramento
sistema de educação permanente. do ensino secundário geral dispensado
M a s , se a educação dos adultos serviu, aos trabalhadores jovens e adultos que
nessa época, principalmente de instru- frequentam as escolas e m regime de des-
mento para eliminar o analfabetismo, dobramento (vulgarmente chamadas es-
para elevar o nível de instrução geral colas nocturnas) ; b) melhoramento do
da população adulta e para formar qua- sistema de aperfeiçoamento d o pessoal
dros, as suas funções actuais modifica- docente; c) melhoramento d o ensino ge-
ram-se e alargaram-se sensivelmente. ral pós-escolar e da auto-instrução dos
N u m a sociedade socialista desenvolvida, adultos.
a educação dos adultos, embora conserve
INVBSTTGAÇOEIS
a sua função «eterna» de formação pro-
SOBRE A EDUCAÇÃO ESCOLAR
fissional, tem essencialmente por objecto
DOS ADULTOS
elevar o nível da formação geral dos
trabalhadores jovens e adultos, assegu- O desejo que experimenta a população
rar o ensino secundário obrigatório de adulta do nosso país de completar a sua
todos os jovens e elevar o nível das qua- instrução é satisfeito por diversos meios :
lificações profissionais dos trabalhadores escolas c o m desdobramento de horários,
de todas as categorias. Simultaneamente, cursos por correspondência e estabeleci-
a educação dos adultos, por intermédio mentos de ensino superior.
de instituições especias (universidades O nono período quinquenal que acaba
populares, centros de conferências, casas de terminar (1971-1975) marcou u m a
de educação política, palácios de cultura, etapa decisiva na via da generalização

225
Victor G . Onouchkine e Evguénia P . Tonkonogaïa

do ensino secundário do nosso país. O nú- com desdobramento de horários dispensa


mero de alunos que, tendo completado u m ensino de nível equivalente ao dos
oito anos de estudos nas escolas de en- estabelecimentos escolares normais e con-
sino geral, prossegue estudos secundários fere aos seus diplomados os m e s m o s
passou de 78,5 por cento, e m 1970, para direitos de prosseguimento dos estudos
96,5, e m 1975. A s escolas de ensino geral e m todos os estabelecimentos pós-escola-
contam actualmente c o m mais de 47 mi- res. N ã o obstante as suas particularida-
lhões de alunos, dos quais 42,2 milhões des, os planos e os programas de ensino
de crianças. Para estender o ensino se- desta escola são essencialmente os m e s -
cundário ao conjunto da população, foi m o s que os da escola de ensino geral.
necessário multiplicar e generalizar as N ã o existe, pois, solução de continuidade
escolas c o m desdobramento de horários. entre a escola c o m desdobramento de
Durante o nono período quinquenal, o horários e a escola de ensino geral ou
número de alunos que frequentavam o estabelecimento de formação profis-
estas escolas e os cursos por correspon- sional.
dência aumentou de 1,2 milhões. E m Tendo e m conta o papel importante
1975/1976, 14 700 escolas com desdobra- que já desempenha a escola com desdo-
mento de horários contavam c o m cerca bramento de horários para adultos e o
de 5 milhões de alunos1 dos quais 60 por que virá a desempenhar durante o dé-
cento de jovens trabalhadores c o m menos cimo período quinquenal (1976-1980), foi
de 20 anos, compondo-se os restantes necessário efectuar u m a série de inves-
40 por cento por pessoas mais velhas. tigações sobre os aspectos sociológicos
Colocando-se e m segundo lugar quanto e psicológicos da educação dos adultos
ao número de alunos, as escolas secun- e elaborar as bases didácticas deste en-
dárias c o m desfasamento de horários sino. O Instituto de Investigações Sobre
atribuíram, durante o nono período quin- a Educação dos Adultos orientou u m
quenal, 3 458 000 diplomas de estudos estudo sobre os «aspectos sociopedagó-
secundários, ou seja, u m quarto do nú- gicos da educação dos adultos». Este
mero total. Mais de 1,5 milhões de jovens, estudo procura salientar as condições
rapazes e raparigas, obtiveram o certifi- optimais necessárias para incitar os adul-
cado de oito anos de estudos. tos a beneficiar das diferentes formas
de educação e de auto-instrução. Neste
U m a análise do nível de instrução geral contexto, estudou-se a atitude dos jovens
da população laboriosa permite concluir trabalhadores e m relação à educação
que, embora durante os próximos quinze (motivação), assim como os factores
ou vinte anos devamos contar c o m u m a objectivos e subjectivos que determinam
certa redução do ensino dispensado aos esta atitude e indicaram-se os processos
indivíduos que já exercem u m a profissão, de regulação sociopedagógica de u m a
este tipo de educação n e m por isso deixa motivação durável.
de conservar, no essencial, toda a sua
importância. Este ensino é objecto de O s resultados deste inquérito permi-
grande atenção e as condições objecti- tiram prever o comportamento dos adul-
vas necessárias ao melhoramento dos tos e m matéria de educação, por u m lado,
seus indicadores qualitativos encontram- de acordo com o estatuto social, as qua-
-se reunidas: vantagens concedidas pela lificações profissionais, o nível do a m -
lei aos trabalhadores que desejam pros- biente cultural e a qualidade do ensino
seguir os estudos sem interromper a sua
actividade, elaboração de formas e regi-
1Í Naroãnoe obrazovanie, nauka i kultura V
m e s diversos de ensino adaptados ao SSSR (A Instrução Pública, a Oiência <e a
orçamento-tempos livres, etc. A escola Cultura na U R S S ) , p. ¡11&.

226
A educação dos adultos,
elemento da educação permanente na U R S S

dispensado pela escola e, por outro lado, funções psíquicas dos adultos dos 18 aos
de acordo c o m a posição subjectiva do 40 anos. Salientaram-se as modificações
indivíduo, que é a resultante da expe- que se operam, segundo a idade, na
riência adquirida durante os estudos an- memória, na atenção, no pensamento, na
teriores, a formação da sua escala de função psicomotora, n a neurodinâmica e
valores e os seus projectos e aspirações. no intelecto no seu conjunto. Estas m o -
Neste contexto, os projectos de futuro, dificações foram examinadas era relação
que constituem o factor determinante do à aquisição dos conhecimentos.
comportamento do indivíduo e m matéria O estudo mostrou que as funções psí-
de educação, devem ser interpretados si- quicas dos adultos continuam a desen-
multaneamente como motivações e como volver nse depois da maturação biológica
objectivos. do organismo. Este desenvolvimento é
A conclusão mais geral do estudo diz- assegurado pela modificação das relações
-nos que é necessário elaborar meios de estruturais entre os componentes de cada
acção sociopedagógicos susceptíveis de função psíquica e das que unem as fun-
motivar o indivíduo durante as diferen- ções entre si, isto é, pelas modificações
tes etapas de u m programa de ensino. que intervêm nas relações interf uncionais
Atendendo a que, e m geral, o h o m e m age ou na estrutura global do intelecto h u -
essencialmente e m função das suas neces- mano.
sidades essenciais e n u m a situação que, O desenvolvimento das funções psíqui-
para ele, é significativa, é necessário cas e do intelecto no seu conjunto pode
proceder de m o d o que ele considere a ser considerado u m processo complexo
educação como o maior valor de ordem e contraditório e m que alternam m o m e n -
prática, espiritual e vital. tos de amplificação, de enfraquecimento
Estes princípios essenciais permitiram e de estabilização. O s enfraquecimentos
obter conclusões científicas e práticas a verificados e m certas funções na idade
diferentes níveis: adulta não resultam da sua involução,
1. O incitamento dos trabalhadores jo- correspondem aos «períodos de incuba-
vens e adultos para que prossigam ção» ou de reestruturação latente que
os estudos passa necessariamente por precedem a continuação do desenvolvi-
u m a sensibilização dos indivíduos. mento psíquico.
Esta sensibilização para a vida social O estudo dos aspectos psicológicos e
constitui, portanto, o principal pro- sociológicos desempenhou u m papel im-
blema sociopedagógico. portante n a elaboração de u m a teoria
2. Para suscitar nos jovens trabalhado- pedagógica adaptada aos adultos e na re-
res u m a atitude activa perante a vida solução dos problemas didácticos susci-
e a educação, é absolutamente neces- tados pelas escolas c o m desdobramento
sário conjugar os esforços de diversas de horário e pelos cursos por corres-
instituições sociais: família, escola, pondência.
produção. D e acordo com estudos experimentais
3. Para criar esta atitude, é igualmente e c o m a síntese de numerosos dados
necessário introduzir métodos de re- acumulados pela pedagogia durante todo
gulação sociopedagógica nos diferen- o período durante o qual se desenvolve-
tes sectores de actividade dos jovens r a m as escolas c o m desdobramento de
e dos adultos, o que exige u m a difusão horários e a t e n d e n d o igualmente aos
maximal dos conhecimentos pedagó- dados recentemente obtidos nas discipli-
gicos entre a população. nas associadas à pedagogia dos adultos,
. O Instituto realizou outro estudo sobre foi possível salientar os princípios meto-
a evolução, de u m ano para o outro, das dológicos e sociopsicológicos da educa-

227
Victor G . Onouchkine e Evguénia P . Tonkonogaïa

ção e da instrução dos trabalhadores teúdo e a estrutura dos conhecimentos


jovens e adultos e elaborar u m a teoria de acordo c o m as disciplinas e as maté-
do ensino geral dispensado a indivíduos rias do ciclo de ensino profissional cuja
no exercício de u m a actividade. Esta aplicação, nas classes de desdobramento
teoria baseia-se e m factores objectivos de horários e nos cursos consagrados às
evidenciados durante o estudo e que de- técnicas de produção, permite ligar a
terminam as particularidades do processo instrução geral à formação profissional.
de ensino adoptado nas escolas com des- T o m a n d o como exemplo u m certo n ú -
dobramento de horários, isto é, a estru- mero de profissões, analisaram-se as di-
tura dos efectivos por sexo e por idade, ferentes formas de actividade de u m
o estatuto social dos alunos, o seu horá- operário que frequenta as aulas e m re-
rio de trabalho e o seu orçamento tem- gime de desdobramento e estudaram-se
pos-livres, os aspectos psicológicos da sua as possibilidades que oferecem de rea-
personalidade, as particularidades das lizar esta interacção. Verificou-se que
funções psíquicas cognitivas e a sua dis- os melhores resultados se obtêm nos
posição inicial para prosseguir os estu- grupos de instrução mista e m que o en-
dos s e m deixar de trabalhar. Foi esta- sino geral é associado ao ensino espe-
belecido que estes factores actuam sobre cializado. O s horários das classes destes
o processo de ensino não isoladamente grupos f o r a m estabelecidos tendo e m
m a s através de u m efeito conjugado, conta o número de operários das e m -
embora alguns desempenhem u m papel presas (grandes, médias e pequenas),
predominante. A acção de factores socio- a natureza dos processos de produção
pedagógicos determinados ao nível da e a organização de trabalho (processo
escola c o m desdobramento de horários contínuo, descontínuo e cíclico; traba-
cria contradições próprias destes estabe- lho e m cadeia, livre ou comandado; tra-
lecimentos no processo de ensino: entre balho individual). A p ó s este estudo ela-
a redução do tempo livre e o volume boraram-se princípios de organização e
de matérias a ensinar ; entre os horários de método que permitem ligar o ensino
de trabalho variáveis dos alunos e os geral e a formação profissional dos jo-
horários de estudo; entre o nível insufi- vens trabalhadores e determinar os tipos
ciente dos conhecimentos iniciais de apoio de aulas mais aptos para manter esta
e a necessidade de assimilar e m toda a ligação. Convém atribuir u m a importân-
sua extensão e profundidade os princí- cia particular aos cursos sobre as bases
pios fundamentais das disciplinas ensi- científicas da produção e sobre a reso-
nadas. lução de problemas tecnológicos c o m -
São os factores objectivos, assim c o m o plexos.
as contradições que impõem ao processo A organização da educação dos adultos
de instrução, que determinam a escolha das regiões rurais coloca u m problema
do conteúdo do ensino e idas formas e didáctico importante devido à irregulari-
métodos de trabalho, assim como as dade dos tempos livres (criadores de
características qualitativas do processo gado, agricultores, pescadores, etc.). O
propriamente dito. estudo permitiu formular recomendações
A segunda parte das investigações sobre a organização de «sessões» desti-
didácticas é formada pelo estudo da «in- nadas a reunir, de tempos a tempos, os
teracção do nível de instrução geral e da alunos dos cursos por correspondência,
formação profissional da população assim c o m o sobre os métodos de ensino
activa». Fundamentando-se n u m a análise utilizados para certas matérias no decor-
das bases científicas, técnicas e econó- rer destas sessões. Este sistema entrou
micas da produção, determinou-se o con- na prática corrente.

228
A educação dos adultos,
elemento da educação permanente na U R S S

Paralelamente aos princípios didác- cursos por correspondência ; b) os ims-


ticos do ensino dispensado nas escolas titutos especiais de aperfeiçoaniento do
c o m desdobramento de horario, o insti- pessoal das diversas categorias ligadas
tuto elabora os métodos gerais de ensino aos ministérios e departamentos; c) as
das diferentes materias, que constituem faculdades especiais de aperfeiçoamento
u m novo tipo de ajuda para o professor. ligadas às escolas secundárias especiali-
Baseiam-se nas realizações e nas teorias zadas e aos estabelecimentos de ensino
das ciências metodológicas corresponden- superior; d) os centros e 'agrupamentos
tes, que se adaptam às condições con- de formação dias grandes empresas;
cretas e m que determinadas matérias e) os cursos sobre a experiência de van-
são ensinadas nas escolas c o m desdobra- guarda e a escola de economia aíberta a
mento de horários. Estes métodos defi- todas as empresas; / ) as universidades
n e m as particularidades das diferentes populares de aperfeiçoamento.
formas de ensino dispensado aos jovens Entre os meios próprios para elevar
trabalhadores nas escolas c o m desdobra- o nível profissional, mencionaremos os
mento de horárias: cursos directos, cur- cursos de reciclagem (organizados todos
sos por correspondência, etc. os cinco anos), os seminários permanen-
A s investigações sobre os problemas tes, as sessões de trabalhos práticos, etc.,
de organização e de pedagogia e sobre assim como a auto-instrução. Aberto a
o funcionamento das escolas assumem todos, o aperfeiçoamento profissional dos
u m a importância especial. A este res- trabalhadores faz, na verdade, parte in-
peito, o «melhoramento d a rede e da tegrante do sistema de educação per-
estrutura das escolas c o m desdobramento manente.
de horários» encontrasse mais particular- O Instituto de Investigações Sobre a
mente na ordem do dia. O estudo permi- Educação dos Adultos, que define a edu-
tiu elaborar os princípios gerais da orga- cação permanente n u m a sociedade socia-
nização racional de u m a rede de escolas. lista desenvolvida tomou c o m o modelo,
para o estudo deste elemento da edu-
INVEISTTQAÇÕES cação permanente, o aperfeiçoamento das
SOBRE A EDUCAÇÃO PÔS-ESCOL.AR diversas categorias de pessoal docente.
DOS ADULTOS Este estudo tem por objecto a definição
das bases científicas do conteúdo, das
N a União Soviética, a educação pós-esco-
formas e dos métodos de formação deste
lar desenvolve-se e m duas direcções: pessoal, tendo e m conta o nível de quali-
o) elevação d o nível das qualificações ficação e as qualidades pessoais dos es-
profissionais dos trabalhadores; &) ele- pecialistas da profissão docente exigidas
vação do nível ideológico, político, edu- pela sociedade moderna. Para avaliar a
cativo e cultiural nas diferentes formas importância deste estudo, basta citar al-
de organização e de autodidaxia. guns dados estatísticos: n a União So-
iGraças a u m conjunto de estabeleci- viética as escolas de ensino geral c o m
mentos especializados, foi possível criar, horário normal empregam, só por si,
e m todos os ramos da economia nacional 2 399 000 professores, incluindo os direc-
e n o sector dos serviços, u m sistema de tores do estabelecimento. O sistema de
aperfeiçoamento profissional dos traba- ensino c o m desdobramento de horários
lhadores ao longo do seu período de acti- conta c o m mais de 300 000 professores r .
vidade. Estes estabelecimentos s ã o :
a) as faculdades que, nas escolas seciun-
d.,, Narodnoe obrazovanie, natika i kitltura v
dáirias e nos estabelecimentos de ensino SSSR. Statisticeski sbornik ( A Instrução
superior, dispensam u m ensino e m re- Pública, a Ciência e a Cultura na U R S S .
gime de desdobramento de horários e Resumo estatístico), p. 977v

229
Victor G . Onouchkine e Evguénia P . Tonkonogaïa

A formação profissional dos professores tem das qualidades profissionais da per-


é assegurada e m 200 Institutos Pedagó- sonalidade de u m professor (educador,
gicos, 57 Universidades e 409 Escolas director de estabelecimento, etc.) tal
Normais. como existe n a realidade. Durante a pri-
A reciclagem do pessoal docente efec- meira fase do estudo, éfectuou-se, por-
tuasse e m 187 institutos e e m mais de tanto, a análise e a síntese das exigências
4000 centros metodológicos municipais da sociedade moderna e m relação à per-
e de bairro. sonalidade e à actividade profissional dos
O s directores das escolas secundárias professores de diversas categorias, defi-
de ensino geral aperfeiçoam-se e m facul- nindo e limitando as suas tarefas e deter-
dades especiais criadas segundo o m o - minando os conhecimentos e as aptidões
delo dos principais Institutos Pedagó- que devem possuir para exercer as suas
gicos d o país. Estas faculdades são, funções.
actualmente, e m número de 25. O pessoal
Para elaborar os princípios de estabe-
de direcção pertencente às outras cate-
gorias frequenta estágios de aperfeiçoa- lecimento de u m novo tipo de perfil pro-
mento e m institutos especiais, criados fissional destinado a elevar o nível dos
para este fim, nas diversas repúblicas e professores, optou-se pela análise da acti-
e m seminários organizados pelos minis- vidade pedagógica pelo método estru-
térios da educação nacional das repú- turo-funcional e enunciou-se o princípio
blicas da União. da compatibilidade entre o volume e a
N o estudo dos problemas colocados natureza dos conhecimentos e das apti-
pelo aperfeiçoamento dos professores, o dões, por u m lado, e das tarefas a exe-
Instituto parte do princípio de que, para cutar, por outro lado.
elevar o seu nível profissional, é neces- N a segunda fase do estudo (1976-
sário, e m primeiro lugar, procurar que -,1980), trata-se sobretudo de construir
o nível das suas qualificações corres- u m modelo do conteúdo da formação dos
ponda, e m qualquer momento, às cres- professores e dos directores de estabele-
centes exigências da sociedade e m maté- cimentos escolares, assegurada e m insti-
ria de instrução e de educação do h o m e m tutos de aperfeiçoamento e nas faculda-
novo e do melhoramento do processo edu- des de reciclagem criadas no seio dos
cativo e da escola no seu conjunto. Para Institutos Pedagógicos, assim como de
que o sistema de reciclagem dos profes- obter os meios próprios para favorecer
sores seja eficaz e assente e m bases a auto-instrução dos professores entre
científicas (quanto ao conteúdo, aos m é - os períodos de estágio. Para resolver este
todos e às formas de organização), é problema, estudam-se as características
necessário, e m primeiro lugar, determinar sociodemográficas do indivíduo (idade,
e m que é que as exigências actuais e m formação, antiguidade, experiência pro-
relação às actividades profissionais e à fissional, etc.), as faculdades cognitivas
personalidade do docente (professor, e o sentido do concreto, o desejo e a
educador, director do estabelecimento) necessidade de alargar e actualizar os
não correspondem às suas qualificações seus conhecimentos e de completar a sua
profissionais. Esta discordância só pode competência pedagógica. U m estudo por-
ser estabelecida c o m a ajuda de u m a menorizado destes factores permitiu
comparação entre u m modelo de refe- construir u m modelo empírico do indiví-
rência daquilo que deve ser u m profes- duo examinado e comipará-lo, por u m
sor dos tempos modernos ou, por outras lado, ao modelo de referência (perfil
palavras, u m perfil profissional, e u m profissional) e, por outro lado, ao con-
modelo empírico, isto é, a ideia que se teúdo, às formas e aos métodos de ensino

230
A educação dos adultos,
«elemento da educação permanente na U R S S

dispensado nas diferentes fases do sis- ,os objectivos enunciados pelo X X V Con-
tema de aperfeiçoamento. gresso do Partido. Tendo e m conta o seu
O estudo do que desejam os profes- número e o papel eminente que desem-
sores c o m u m a certa antiguidade e as penham na acção educativa e cultural
dificuldades que experimentam mostra- exercida junto dos adultos, o Instituto
ram que eles pretendem aumentar e com- estuda a maneira como as universidades
pletar os seus conhecimentos científicos são organizadas, assim como o conteúdo,
e teóricos, enquanto os jovens sentem as formas e os métodos de ensino que
mais necessidade de u m a formação di- dispensam.
dáctica e metodológica geral. Antigamente, a pedagogia abordava
O s investigadores do instituto pude- muito raramente este género de proble-
ram, assim, estabelecer planos e progra- m a s . O próprio objecto do estudo sobre
m a s temáticos de aperfeiçoamento dos a universidade popular como estabeleci-
professores e dos directores de estabe- mento de ensino extra-escolar para adul-
lecimentos escolares, o que constitui u m a tos não estava claramente definido. I m -
inovação. portava, pois, por princípio, determinar
Depois de terem sido objecto de u m a as funções da universidade popular no
experiência preliminar, estes planos e sistema de educação do país. Estabele-
programas eneontranvse actualmente e m ceu-se que a universidade popular, que é
aplicação. u m a forma de estabelecimento de ensino
público, tem por principal função orga-
E S T U D O D O S M E I O S PRÓPRIOS nizar a educação permanente extra-esco-
P A R A E L E V A R O I N I V E L IDEOLÓGICO, lar e a auto-instrução dos adultos. Asse-
POLITICO E C U L T U R A L gura simultaneamente a difusão d o s
DOS T R A B A L H A D O R E S conhecimentos políticos e científicos en-
tre a população e organiza os tempos
A o contrário do que sucede com as qua- livres dos trabalhadores de forma a ele-
lificações profissionais, cujo aperfeiçoa- var o seu nível educativo e cultural.
mento é essencialmente assegurado por Todas as universidades populares acumu-
meios institucionis, a elevação do nível lam estas funções.
ideológico, político e cultural dos adultos
decorre da autodidaxia dirigida por cer- A s universidades populares apresen-
tas instituições ou pelo próprio indivíduo. tam todos os sinais exteriores de u m
N a U R S S , todos os indivíduos podem es- estabelecimento de ensino, m a s são cria-
colher a orientação e o conteúdo da sua das por iniciativa da opinião pública.
educação pós-escolar de acordo com os O conteúdo do ensino e a organização
seus gostos e necessidades espirituais. dos cursos não se encontram subordi-
O cidadão soviético dispõe de múltiplas nados a nenhuma norma e a admissão
possibilidades para se instruir pelos seus dos auditores é voluntária e não se
próprios meios: bibliotecas, clubes, palá- submete a nenhuma restrição. A univer-
cios e casas de cultura, Cet S cto das artes sidade popular é autogerida e a activi-
e do artesanato, casas de professores, de dade dos professores assume u m carác-
médicos e outros especialistas, salas de ter social.
leitura rurais, etc. Existem muitos cen- O estudo mostrou que, nestas condi-
tros de conferências, CcLSctS de educação ções, a rede de universidades populares,
ipolítica, universidades populares cujo nú- asim como o conteúdo e a organização
m e r o ultrapassa actualmente os 28 000 1 .
A s universidades populares mostram-
-se muito activas e m matéria de educa- 1; Narodnoe obrazovamáe, nauka i kiãtura v
SSSR (A Instrução Pública, a Ciência e a
ção e o seu desenvolvimento figura entre Cultura na U R S S ) , p. 303.

231
Victor G . Onouchkine e Evguénia P . Tonkonogaïa

do ensino dispensado, são determinados ensino, o aperfeiçoamento dos métodos


não só pelas necessidades d a sociedade, utilizados para guiar a auto-instrução —
m a s também pelas necessidades e gostos todos estes factores contribuem para
dos interessados, ou seja, por u m a com- transformar as universidades populares
binação dialéctica destes factores. O Ins- e m centros de educação permanente dos
tituto está a elaborar critérios de dife- adultos. O estudo dos problemas teóricos
renciação das universidades populares e complexos provocados pela educação dos
a estabelecer variantes de planos e de adultos no m u n d o moderno, a qual deve
programas de ensino, tendo e m conta manter^se e m ligação com a vida quoti-
as diferentes categorias de alunos; pro- diana, e a assistência prática que importa
cura igualmente tornar mais eficazes as conceder aos diversos estabelecimentos
formas e os métodos de ensino. de ensino para adultos, constituem as
O desenvolvimento das universidades vias das ciências da educação para con-
populares, o aumento do número de au- tribuir para a resolução do problema
ditores que atraem entre a população social suscitado pela educação perma-
adulta, a elaboração do conteúdo d o nente dos adultos.

232
Tendências e casos

A educação recorrente nos países


da Europa ocidental*
Dennis B . P . KaJlen

Ainda não h á muito tempo, teríamos rada, do ponto de vista económico, c o m o


julgado absurdo e demasiado prematuro u m a simples actividade de consumo, e
tentar avaliar as implicações económicas passou a ser u m investimento produtivo.
e financeiras da educação — isto é, da E m b o r a estes postulados continuem a ser
educação escolar. C o m efeito, embora fortemente atacados, as conclusões das
todos estivessem geralmente de acordo análises efectuadas, principalmente nos
e m reconhecer, há já algum tempo, que Estados Unidos da América, foram acei-
a educação é u m sector essencial do tes praticamente sem críticas tanto no
sistema económico e financeiro de u m m u n d o capitalista c o m o nos países socia-
país, o trabalho de investigação teórica listas. Serviram de justificação principal
e de documentação prática necessária a ao grande aumento do orçamento da edu-
esta avaliação ainda mal tinha começado. cação registado e m todos os países, fosse
Actualmente, os primeiros pioneiros da qual fosse o seu regime económico e polí-
«economia da educação» ainda não atin- tico. Quanto às eventuais contradições
giram a idade da reforma. Muitas «esco- entre os objectivos gerais da política da
las de pensamento» desenvolveram-se e educação e a aplicação directa do® méto-
fundamentaram-se e m postulados incom- dos e das técnicas da economia da edu-
patíveis. N o início dos anos sessenta, o cação à planificação e à elaboração de
investimento na educação c o m o fim de políticas da educação, não foram sequer
promover o crescimento económico, ideia apontadas.
fortemente defendida pela Organização Só alguns anos depois o exame e a
de Cooperação e de Desenvolvimento crítica dos fundamentos teóricos e do
Económicos ( O C D E ) , tornou-se u m dos quadro socioeconómico e político dos as-
grandes princípios da política da educa- pectos económicos e financeiros da edu-
ção dos países ocidentais. A noção de cação vieram completar e contrabalançar
«capital humano» surgiu nas directivas o desenvolvimento dos métodos e das
concretas relativas ao desenvolvimento técnicas, assim como a recolha dos dados
da educação, que deixou de ser conside- necessários. C o m o é evidente, importa
sublinhar os progressos realizados nes-

Dennia B. P. Kalen (Holanda). Professor no * O artigo que se segue é uma versão ligei-
Departamento de Educação da Universidade de ramente alterada de uma comunicação efec-
Amsterdão. Actualmente, é membro do Insti- tuada pelo autor na conferência actual da
tuto de Educação da Fundação Europeia da British Association for Adult Education que
Cultura, em Paris. se realizou •em Brighton, &m 1974.

233
Tendencias e casos

tes dois domínios. D o ponto de vista dos Por outras palavras, tudo o que eu pu-
métodos, das técnicas e da recolha de desse dizer sobre as eventuais implicações
dados, a economia da educação dispõe económicas da educação 'recorrente esta-
actualmente de todo u m arsenal de pla- ria sujeito a controvérsia u m a vez que
nificação e de elaboração de políticas eu seria obrigado a adoptar postula-
da educação. N ã o obstante os numerosos dos teóricos que muitos poderiam con-
contratempos sofridos, ela permite que testar.
os governos planifiquem c o m suficiente Segvmdo. O estado' das implicações eco-
precisão o desenvolvimento da educação, nómicas da educação recorrente deve evi-
embora o façam, na maior parte das tar os erros cometidos nos primeiros
vezes, na base da «iprocura social» e não tempos da economia da educação. Exige
das «necessidades e m mão-de-obra» da u m a óptica integrada e global do sistema,
educação — sendo a abordagem tradicio- asim como u m conhecimento profundo da
nal baseada na «taxa de rentabilidade» sua organização, do seu funcionamento,
muito mais raramente utilizada. do seu contexto social, económico e polí-
N o entanto, tornou-se manifesto que tico. Infelizmente, trata-se de condições
a elaboração das políticas e da planifi- muito mais difíceis de satisfazer no caso
cação da educação não pode ser efec- da educação recorrente —supondo que
tuada n u m a base estritamente econó- ela já funciona — do que no caso da
mica, i n d e p e n d e n t e m e n t e dos outros educação escolar tradicional. C o m efeito,
objectivos da educação, do processo de a educação recorrente caracteriza-se pre-
tomada de decisões políticas e do quadro cisamente pela sua forte integração na
institucional do ensino. Por outras pala- colectividade e na sociedade; ela deve
vras, a planificação da educação não pode constituir u m sistema largamente «des-
dividir-'se e m compartimentos estanques, colarizado», m a s talvez não exactamente
dos quais u m seria consagrado ao as- no sentido e nas proporções estabelecidas
pecto económico. Ela deve ser, desde o por Illich.
início, u m a 'empresa interdisciplinar e não Terceiro. Podemos avaliar as implica-
apenas durante a fase de integração dos ções financeiras e económicas de u m
resultados das diferentes análises. subsistema social, seja ele qual for, sem
O que iremos tratar e m seguida tor- fazer referência à política seguida. N a
nar-se-ia certamente mais claro se m e planificação da educação, a expressão
detivesse mais longamente no desenvol- «planificação da política» r e m e t e - n o s
vimento da teoria e da prática da eco- para este contexto. A «elaboração da
nomia da educação e das suas implicações política» implica que se façam opções,
na planificação e na elaboração das polí- que se estabeleçam prioridades. C o m o é
ticas da educação. Espero, porém, que óbvio, determinam-se estas prioridades
estas breves considerações sejam sufi- — idealmente — depois de ter analisado
cientes para situar as observações limi- as suas implicações e cria-se a possibili-
nares que gostaria de formular. dade de introduzir ajustamentos na base
Primeiro. Ainda não chegou o m o - dos ensinamentos obtidos a partir da
mento de estudar de m o d o aprofundado experiência prática. N o entanto, o pla-
as implicações económicas e financeiras nificador só poderá empenhar-se no
da educação recorrente não só porque trabalho quando o responsável pela ela-
ainda não chegámos a acordo sobre o que boração da política tiver terminado o
o novo conceito engloba, m a s t a m b é m seu.
porque os instrumentos teóricos e meto- N o caso da educação recorrente — e
dológicos necessários a essa análise ainda admito que se aplica igualmente à edu-
não estão suficientemente elaborados. cação permanente— ainda nenhum país

234
Tendencias e casos

formulou u m a política global. Talvez seja inteiramente novos, m a s u m a nova estra-


a Suécia o país mais próximo de o fazer, tégia susceptível de permitir que se atin-
pois as implicações financeiras (isto é, jam melhor os objectivos actuais. Só
as despesas) e o financiamento desta n u m a segunda fase ela deve fornecer
fórmula já foram objecto de estudos igualmente u m quadro no qual os objec-
aprofundados. tivos serão avaliados de maneira crítica
Quarto. A inf onnação sobre1 os pro- e reformulados e onde os participantes
gramas de educação de adultos eim curso poderão fixar objectivos inteiramente
é muito incompleta, embora melhore novos. É proposta como u m a estratégia
muito rapidamente. M a s não nos permite de emancipação, isto é, como u m a estrar
avaliar o custo e as vantagens da edu- tégia capaz de libertar os estudantes e
cação recorrente. N o que diz respeito o sistema de entraves do seu ambiente
ao custo, os dados confundem-se muitas e de lhes fornecer os meios sociais e
vezes com os dos estabelecimentos de intelectuais 'que lhes permitem modelar
educação escolar. Quanto às vantagens, a sociedade a seu bel prazer. U m a defi-
não tenho conhecimento de dados fiáveis nição tão absoluta transforma-a, s e m
relativos às repercussões económicas ge- dúvida, n u m a utopia. Pretendemos ape-
rais de determinado tipo de formação. nas dizer que a educação recorrente será
A justificação económica destes progra- melhor do que as políticas actuais da
m a s , que são essencialmente de formação educação. Melhor do que a educação esco-
profissional, é suficientemente evidente lar, pois os estudantes sentir-se^ão ver-
para não ser posta e m causa ou anali- dadeiramente motivados e os estudos
sada. O outro tipo de formação situa-se adaptar-se-ão melhor às suas necessida-
fora da grande corrente económica, prin- des. Melhor também do que a actual edu-
cipalmente no sector sociocultural. É eon- cação dos adultos, pois ela permite que
derado como u m a actividade de consumo esta desempenhe o seu verdadeiro papsl,
pública ou privada e as suas implicações o qual consiste e m proporcionar novas
económicas nunca são estudadas. possibilidades de educação e não e m re-
mediar os desgastes causados pela edu-
cação escolar. Dotada dos necessários
Educação recorrente recursos, enquadrada por u m a série de
e política da educação medidas respeitantes ao m u n d o do tra-
balho ou da economia, apoiada por polí-
A O C D E considera a educação recorrente ticas sociais e culturais que garantem
não como u m elemento a juntar aos pro- aos estudantes desejosos de recomeçar
gramas escolares e aos programas de edu- ulteriormente os estudos u m ambiente
ção de adultos existentes, m a s c o m o u m a apropriado, constituirá u m excelente ins-
política de educação diferente, destinada trumento.
a substituir progressivamente a política
actual. E m termos mais gerais, trata-se
de u m a política a longo termo do con- O contexto social e económico
junto da educação, para os jovens e para
os adultos, escolar e extra-escolar, para A crise económica actual pôs sinigular-
a qual deveriam progressivamente con- mente e m causa as previsões e as espe-
vergir os esforços desenvolvidos nos di- ranças respeitantes ao futuro dos países
versos ramos da educação. N u m a pri- desenvolvidos e dos países e m desenvol-
meira fase, a educação recorrente deve vimento e, e m particular, a perspectiva
essencialmente guiar a evolução da polí- do prosseguimento do crescimento eco-
tica actual da educação. Propõe não u m a nómico, que já tinha perdido grande
série de objectivos educativos e sociais parte dos seus atractivos e possibilidades

235
Tendências e casos

depois da publicação do relatório do social e económico exigem que revejamos


Clube de R o m a . as nossas atitudes e m relação ao cresci-
Nestas condições, qualquer previsão mento económico, ao trabalho e à ética
económica é arriscada. Poderíamos dedu- do trabalho. E m b o r a estas modificações
zir que convém abandonar, de momento, possam ser aceleradas pela crise econó-
a elaboração das estratégias a longo mica actual, não resultam dela.
termo, como a educação recorrente, para N o s países desenvolvidos, a escala dos
procurar encontrar ajustamentos a curto valores está e m vias de se transtformar :
termo ao sistema escolar e extra-escolar a «qualidade da vida» prevalece sobre
actual, visando, talvez, o favorecimento o crescimento económico e o conforto
dos múltiplos programas de educação de material. Progressivamente, esta noção
adultos e o reforço da selectividade do vaga precisa-se e m propostas concre-
ensino. tas: trata-se, por exemplo, de ser mais
Penso que existem várias razões para livre na escolha do m o d o de vida e da
não tomar esta decisão. Estou firme- carreira e m qualquer período da vida, de
mente convencido, pelo contrário, de beneficiar, na vida profissional, de u m a
que foi precisamente a incerteza actual maior maleabilidade que permita, e m
quanto ao futuro da economia que tor- certa medida, de se libertar das limita-
nou mais do que nunca necessária a ções de tempo impostas pelo trabalho,
elaboração de u m a estratégia a longo de reabilitar outros modos de vida ou-
termo da educação. A s razões são as trora agrupados sob o rótulo pejorativo
seguintes. de «tempos livres» e de propor meios de
quebrar o círculo sacrossanto trabalho-
E m primeiro lugar, a m a r g e m de m a - -rendimento-nível de vida.
nobra que permite o ajustamento do sis-
tema de educação escolar é muito limi- E m terceiro lugar, desenliare lenta
tada. N a verdade, este sistema comporta m a s seguramente u m a tendência para a
simultaneamente u m a força de inércia e participação no processo de tomada de
u m a dinâmica intrínsecas que é difícil decisão e para a autogestão, tanto na
modificar quando não se dispõe de solu- vida económica como na vida social e
ções de alternativa. C o m o prova a re- política. Talvez ainda estejamos muito
cente barragem à entrada do ensino su- longe de u m a verdadeira «sociedade de
perior resultante de regras de numerus participação», mas, por toda a parte, os
clausus ou de numerus ßocus e m ramos trabalhadores e os cidadãos exigem u m a
determinados. Que podem fazer os jovens maior participação e m todos os assuntos
cuja educação é orientada para estudos que eram geralmente decididos sem que
superiores, além de se inscreverem nas eles fossem consultados. O que acompa-
faculdades ou instituições onde o acesso nha a emergência política e m numerosos
ainda não é limitado e onde, por vezes, países e, e m especial, nos países desen-
se limitam a esperar a possibilidade de volvidos, da reivindicação de u m poder
serem admitidos nas faculdades restri- regional e local. A incidência potencial
tivas? O u , se não o podem fazer, acabam desta evolução sobre a vida económica
por encontrar u m emprego para o qual e social é considerável. O s trabalhadores
mão são qualificados, onde ocupam o lu- pretendem participar na elaboração das
gar de alguém que recebeu u m a formação políticas de recrutamento e de despedi-
adequada, m a s menos prestigiosa. mento, nas políticas de salários e de pre-
ços, nas políticas financeiras e comer-
E m segundo lugar, seja qual for a so-
ciais. O s cidadãos pretendem fazer ouvir
lução a curto prazo para a crise actual, as suas vozes nos problemas respeitan-
as modificações a longo termo que daí tes ao habitat, à poluição e aos trans-
resultam inevitavelmente para o m u n d o

236
Tendências e casos

portes; organizam-se e m grupos de acção cação terá u m papel a desempenhar na


para defender o que consideram os seus instauração de u m a nova ordem econó-
direitos, desafiando, muitas vezes, os re- mica e social. A educação permanente
presentantes eleitos nos conselhos muni- pode igualmente beneficiar u m a nova
cipais. élite tecnocrática e meritocráJtica e ¡tor-
É possível que estas tendências sejam nar-se u m utensílio muito mais eficaz do
reforçadas ou, pelo contrário, refreadas que o sistema de educação actual.
pela exacerbação das dificuldades econó- Nestes últmos anos, as investigações
micas, m a s penso que sobreviverão a respeitantes à educação p e r m a n e n t e
qualquer crise e que prefiguram algumas exerceram-se principalmente sobre dois
das características essenciais da socie- aspectos: a licença de estudos e o pro-
dade do futuro, seja ela qual for, no blema do financiamento que daí decorre,
plano económico. Ainda não as mencionei por u m lado, e o melhoramento das con-
todas: existe ainda a diminuição da idade dições de vida profissional, por outro
da reforma, a possibilidade de «afasta- lado.
mento» por períodos mais ou menos lon-
gos ou de mudar de via u m a ou mais LICTJNÇAS D E ESTUDO
Vezes durante a vida activa. E FENANOIAMEBMTO
A longo termo, a educação sofrerá E m vários países tomam-<se ou toma-
fortemente as consequências desta evo- ram-se disposições respeitantes à con-
lução, que deverá constituir u m processo cessão de licenças de estudo pagas, tanto
maleável, preparando os jovens para u m a no âmbito de acordos tarifários, como na
vida profissional igualmente maleável e República Federal da Alemanha, c o m o
para mudanças de via no decurso da no âmbito de u m a legislação de conjunto,
carreira ; será igualmente necessário que como e m França.
prepare os jovens para outros modos A primeira fórmula apresenta a van-
de vida, de «tempos livres», c o m o já tagem de definir com clareza os grupos
apontei. interessados e as modalidades de aplica-
A s relações entre a educação e a eco- ção decorrentes do carácter impositivo
nomia deverão mudar. Actualmente, o dos acordos. Além disso, permite, e m
desenvolvimento da educação, do ponto geral, a concessão de períodos relativa-
de vista do número e do tipo de diplo- mente longos de licenças inteiramente
mados a produzir, é função das previsões pagas, ou quase.
de mão-de-obra; amanhã, as aspirações N o entanto, comporta 'grandes incon-
e as esperanças formadas durante o pro- venientes que são, e m minha opinião,
cesso educativo constituirão u m dos fac- redibitórios. Por exemplo, os regulamen-
tores de influência sobre o crescimento tos diferem consideravelmente consoante
económico selectivo. os casos e favorecem, e m geral, as cate-
gorias socioprofissionais superiores, as
Algumas implicações quais obtêm, frequentemente, facilidades
económicas e financeiras para recomeçar qualquer tipo de estu-
dos. A necessidade de períodos de es-
Parece cada vez mais evidente que a era tudos e, portanto, de licenças suficiente-
do ajustamento da educação à política mente prolongadas é menor quando o
económica e às necessidades do pro- interessado possui u m a formação mais
gresso tecnológico está ultrapassada; elevada e, assim, esta fórmula apro-
multiplicam-se os sintomas de u m a nova funda geralmente o fosso que existe
ordem económica. Além disso, estou con- entre as diferentes categorias sociopro-
vencido de que u m novo estilo de edu- fissionais.

237
Tendencias e casos

Além disso, como o poder de negocia- verificar u m a adaptação dos métodos


ção dos grupos interessados é o elemento do ensino superior a u m a nova clien-
decisivo, os mais fortes obtêm inevitavel- tela.
mente as condições mais favoráveis e os Além disso, nasceu u m a indústria da
mais fracos, mais u m a vez, encontram-se «educação permanente», cujos aspectos
impedidos de beneficiar das vantagens da comerciais são certamente, muitas vezes,
educação recorrente. Finalmente, como prejudiciais à qualidade do serviço forne-
os programas são habitualmente finan- cido. A este respeito, seria muito útil u m
ciados pelos grupos aos quais se atri- controle público eficaz das normas e das
b u e m licenças pagas, os que não exercem políticas.
nenhuma actividade profissional são, de O problema da licença de estudos in-
facto, excluídos da educação recorrente. teiramente paga pode transformar-se
Consequentemente, n u m a preocupação de n u m a questão à parte, desligada da polí-
equidade, e também no interesse dos tica geral respeitante à educação perma-
países, como se compreende, e para u m a nente. A aplicação das disposições que
repartição do acesso ao saber melhor se lhe referem seria, então, mais ditada
do que a que decorre da consolidação pelo jogo de forças e m presença e pelos
da situação actual, pronuncio-me fir- mecanismos do mercado do que por con-
memente a favor de soluções legisla- siderações de equidade e de eficiência
tivas. sociais.
O exemplo da França mostra simulta- Penso, pois, que muitos argumentos
neamente as possibilidades e os obstá- militam a favor da intervenção do E s -
culos e perigos que apresentam estas tado na educação permanente. E m mui-
soluções. E m b o r a a lei de 1971 tenha tos países, as autoridades evitam desde
criado u m quadro jurídico, permitiu dis- sempre intervir directamente no vasto
posições pormenorizadas e modalidades sector da educação dos adultos e da for-
de aplicação extremamente maleáveis e mação industrial, excepto quando, neste
mais ou menos à mercê das forças do domínio, se trata de indivíduos muito
mercado. Sendo assim, os quadros de jovens. A s políticas de educação adopta-
direcção e os membros das categorias das e m França e na República Federal
socioprofissionais superiores são fre- da Alemanha estão de acordo c o m a tra-
quentemente os principais beneficiários dição de intervenção minimal do Estado
e o fosso entre a élite instruída e nestas questões. Gostaria de sublinhar
os outros, ou talvez entre os econo- que, segundo os dados disponíveis nos
micamente fortes e os economicamente dois países sobre a aplicação da licença
fracos, cava-se ainda mais profunda- de estudos paga, seria desejável que o
mente. Estado interviesse muito mais directa
N o entanto, esta lei francesa apresenta e claramente e m matéria de educação
certas repercussões positivas. Obrigou permanente, o que implica, e m parti-
as instituições do sistema educativo a cular, que fixe prioridades quanto aos
tomar consciência da necessidade de se grupos sociais que devem, e m primeiro
dirigirem a u m a nova clientela, de abri- lugar, beneficiar da educação perma-
rem as portas aos adultos e de elabora- nente, assim como dos princípios direc-
rem, e m sua intenção, programas apro- tores respeitantes aos meios materiais
priados. O que se tornou, de resto, mais a aplicar — encarregamdo-se, eventual-
evidente nas universidades — pelo menos mente, de os fornecer directamente se
e m algumas delas— do que mo secun- não estiverem disponíveis.
dário, por razões que facilmente se c o m - É a política adoptada na Holanda pelo
preendem. Esperamos que se venha a comité da .escola aberta. N o seu primeiro

238
Tendencias e casos

relatório aos ministros da educação e da e m grande parte, das forças do mercado.


cultura, este distinguiu três grupos prio- Finalmente, as licenças de estudos pagas
ritários: os adultos activas que possuem contrariam a equidade social se não se
u m fraco nível de instrução e de forma- inscreverem n u m conjunto e m que os
ção, os jovens activos (até aos 25 anos) grupos de população que não participam
e as mulheres casadas. activamente no progresso económico
U m a política destinada a concentrar — e que estão muito longe de constituir
recursos limitados e m grupos prioritarios u m a quantidade desprezível — se in-
específicos parece-me a única possível, se cluam nos grupos prioritários.
considerarmos a educação permanente
como u m meio de instaurar u m a socie- MELHORAMENTO DAS CONDIÇÕES
dade e m que a educação constitui u m DBi VIDA PROFISSIONAL.
instrumento de justiça social e não u m a O segundo domínio no qual a evolução
sociedade c m que o crescimento e a efi- destes últimos anos foi rápida refere-se
ciência económicos representam o único ao melhoramento das condições de vida
factor determinante. profissional. O interesse potencial que
A designação dos menos instruídos apresenta para a educação recorrente
como grupo prioritário também tem con- é evidente, apesar de raramente ser
sequências quanto à natureza dos pro- apontado ou mencionado de maneira ex-
gramas e dos meios a proporcionar. C o m plícita. N o entanto, tal como as licenças
efeito, estes grupos serão geralmente de estudo pagas, favorece, geralmente,
pouco motivados e será necessário inves- os grupos economicamente fortes.
tir muito nas actividades de recruta- Gostaria de sublinhar a complemen-
mento e de orientação — na Suécia, taridade potencial que existe entre este
«actividades periféricas». Deverá permi- aspecto e as licenças de estudo pagas.
tir-se que os participantes consagrem Estas devem ser concedidas d a maneira
muito tempo —incluindo tempo de tra- selectiva, e m primeiro lugar a grupos
balho — aos estudos, o que u m a regula- definidos c o m o prioritários, o que não
mentação geral das licenças de estudos significa que eu m e oponha a u m regime
determinará. O aperfeiçoamento profis- jurídico geral de licenças de estudo pa-
sional e a mobilidade social constituirão gas, m a s duvido de que haja muito a
u m a forte motivação, ou até o móbil esperar, de momento. E m minha opinião
principal da participação. E m certo sen- é necessário, portanto, completá-lo atra-
tido, poderá talvez constituir u m obstá- vés de disposições específicas a favor de
culo à realização dos objectivos mais grupos prioritários, que talvez sejam
vastos definidos no momento da escolha dispendiosas e m geral, e para o Estado
destes grupos prioritários. e m particular.
A s políticas adoptadas e m matéria de Se o melhoramento das condições de
licenças de estudos pagas devem favore- vida profissional encontra as suas moti-
cer de m o d o selectivo grupos específicos vações e origens na aspiração de activi-
se pretendemos que permitam, efectiva- dades diversas, t a m b é m abre perspecti-
mente, atingir os grandes objectivos vas muito interessantes à educação. M a s ,
sociais geralmente reconhecidos da edu- para tal, deve preencher certas condições.
cação recorrente. E m particular, deve corresponder às ne-
Além disso, exigem u m a intervenção cessidades de educação do trabalhador.
do Estado mais vigorosa e mais directa. O s que possuem u m a formação mínima
D e v e m ser menos «liberais», pois, embora beneficiarão muito mais de períodos de
todos sejam livres de escolher consoante estudo relativamente longos do que de
as suas necessidades, estas dependem, aulas diárias. A s políticas de educação

239
Tendencias e caso«

devem igualmente ser coordenadas c o m A solução que consiste e m adiar o


as medidas tomadas tendo e m vista este prosseguimento dos estudos, a nível su-
melhoramento. Por outras palavras, os perior, e m particular, até ao momento
programas devem ser organizados e m e m que o interessado tenha adquirido
períodos e e m locais e m que os benefi- u m a verdadeira experiência da vida pa-
ciarios das medidas de melhoramento rece, pois, muito recomendável e deve-
possam participar. ria ser activamente estimulada, ou até
A l é m disso, o melhoramento das con- imposta.
dições de vida profissional tomou-se, e m E m segundo lugar, e m muitos países
muitos ramos, u m problema menor e m desenvolvidos, mais de metade dos jovens
relação às reduções do tempo de trabalho abandonam a escola s e m qualquer qua-
impostas pela crise económica. Seria in- lificação profissional. Proporcionar à
teressante estudar se todo este tempo maior parte destes jovens u m a segunda
livre não poderia igualmente ser utilizado oportunidade é u m a necessidade social
c o m fins educativos, m a s talvez seja exi- e económica da sociedade de amanhã,
gir demais aos especialistas do mercado quer se encontre e m pleno crescimento
do trabalho. Mais u m a vez. seria neces- ou e m franca estagnação económica.
sário conhecer as necessidades particula- A sua bagagem intelectual e social é
res de grupos específicos e tomar rapi- geralmente reduzida. Além disso, a ex-
damente medidas para (proporcionar a periência profissional que adquiriram e m
estes grupos cursos apropriados, o que cinco ou dez anos n e m sempre decorre
exige, b e m entendido, u m sistema educa- do seu nível de instrução. Proporcionar-
tivo capaz de se adaptar rapidamente -Ihes a possibilidade de tentar novamente
a estas novas necessidades. Sob este as- u m a oportunidade, representa mais do
pecto, a educação dos adultos eneontra- que assegurar-lhes u m a formação no
-se melhor colocada do que a educação exercício da sua actividade.
escolar, m a s os seus responsáveis hesi-
Devemos consagrar u m lugar à parte
tam, muitas vezes, e m empreender este
àqueles que não encontram trabalho. E m
género de novas operações, que parecem
1973, nos Estados Unidos, a taxa de
afastar-se da sua função habitual.
desemprego no grupo 16-17 anos era de
17,3 por cento e n o grupo 18-19 anos,
Para terminar, gostaria de fazer algu- de 12,3. Entre estes jovens desempre-
m a s observações sobre as outras impli- gados, muitos viram-se relegados para
cações económicas e sociais de u m sis- a base da escala social. Só u m a nova
tema de educação permanente no quadro possibilidade de se instruírem, como a
da política global já mencionada. que oferece a educação recorrente pode
E m primeiro lugar, o nosso sistema de ajudá-los a melhorar a sua situação so-
educação actual obriga os jovens a esco- cial. A s disposições tomadas e m matéria
lher a sua carreira de m o d o quase irre- de licenças de estudos não possuem, para
versível n u m momento e m que esta esco- eles, qualquer utilidade.
lha ainda não pode ser convenientemente E m período de estagnação económica,
motivada. Daí resultam numerosas frus- o acesso dos jovens que interrompem
trações e u m desperdício de recursos do os estudos a empregos de futuro, de
ponto de vista social. Toda a política de nível intermédio, é muito limitado. C o m
educação capaz de proporcionar aos jo- efeito, a geração precedente, que ocupa
vens a possibilidade de escolher a sua estes empregos, não se encontra e m con-
carreira e m função de elementos racio- dições de aceder a postos superiores e os
nais e pertinentes reduz este risco de despedimentos atingem primeiramente os
frustração e desperdício. «novos».

240
Tendências e casoa

E m terceiro lugar, talvez seja errado longos períodos de licenças de estudo a


pensar que a educação não melhore. grupos desfavorecidos específicos. O s in-
O adiamento dos estudos pode ser útil teressados talvez sejam numerosos, m a s
e economicamente rentável porque os as despesas eventuais serão relativa-
cursos dispensados podem ser melhor mente fracas. A l é m disso, as despesas
preparados amanhã para u m a actividade economicamente globais e, e m particular,
profissional ou para outras funções do as despesas adicionais, poderão transfor-
que actualmente ou h á x anos. mar-se e m vantagens, especialmente se
N ã o m e referi ao aspecto financeiro, os encargos sociais e os subsídios de
isto é, ao custo de u m a política como desemprego diminuírem.
a que esbocei. A s despesas ocasionais Finalmente, é necessário considerar o
seriam certamente enormes se os^idultos custo deste sistema relativamente ao da
activos obtivessem generosos direitos de educação escolar e das economias poten-
educação e salário a tempo integral. ciais que podem ser realizadas, directa-
Prejudicamos a causa da educação mente, devido à diminuição da expansão,
permanente ou recorrente divulgando es- no encurtamento dos estudos e à redu-
timativas de despesas exorbitantes que ção do tempo desperdiçado e, indirecta-
não se increvem n u m projecto global de mente, graças à pertinência de estudos
política da educação permanente. N o escolhidos c o m u m objectivo preciso e
âmbito desta política, serão concedidos não como única solução.

241
Tendencias e casos

O projecto húngaro
para a escola do futuro
Bozsa Bet

C o m o e m todos os países socialistas, na zados sobre o desenvolvimento da edu-


Hungria, a economia populär inscreve-se cação inscrevem-ise n u m a das grandes
cada vez mais no quadro de u m sistema orientações definidas no Plano nacional
integrado de economía planificada, para- a longo termo de investigação científica
lelamente a todas as outras instituições elaborado no início dos anos setenta1.
governamentais. É natural, portanto, que Sob o efeito do fenómeno de acelera-
a investigação científica, fundamento cul- ção do tempo, das correntes de informa-
tural d a sociedade, assim como o ensino ção, d a rapidez d a especialização nas
ao nível escolar e superior, sejam inti- ciências, da intensificação concomitante
mamente integrados neste grande sis- das tendências interdisciplinares e de
tema social. muitos outros factores, o problema sus-
A planificação é feita por estratos su- citado pela educação da nova geração
cessivos, tanto no que se refere ao tempo ocupa u m lugar de primeiro plano não
como às instituições. Planos a longo só n a Europa m a s e m todo o m u n d o .
termo, elaborados por períodos de quinze A p ó s vários meses de preparação minu-
a vinte anos, definem as grandes orien- ciosa, o Partido dos Trabalhadores Socia-
tações do desenvolvimento sem perder listas Húngaros estudou todos os aspec-
de vista a construção do socialismo. Pla- tos do ensino público n u m a sessão de
nos a médio termo (quinquenais) preci- 1972. A p ó s u m a análise profunda da
s a m tarefas concretas, cuja execução dá situação, recapitulou as tarefas a reali-
lugar a planos anuais para os diversos zar, a longo termo, até aos anos oitenta.
ramos de actividade industrial, e de m o d o N u m resumo do que era necessário fazer
mais desenvolvida ainda para as empre- para servir os interesses da sociedade
sas e as instituições. A este nível, os húngara, os objectivos fixados pela reso-
objectivos preestabelecidos são atingi- lução estavam essencialmente ligados a
dos a partir de parâmetros determinados dois temas principais: a necessidade de
no centro e de iniciativas locais. actualizar os programas de ensino no
sentido das grandes orientações fixadas
N o nosso contexto, o factor tempo
desempenha o papel mais importante,
pois os trabalhos de investigação reali-
1. Este plano, aprovado pelo governo, reservou
u m local especial, até 1990, a dois temias de
Rozsa Ret (Hungria). Secretária da Comissão investigação prioritários dos quais u m , o
do Ensino Público, da Academia das Ciências da n.° 6, se refere ao desenvolvimento do ensino
Hungria e do Ministério da Educação. público.

242
Tendencias e casos

para a educação no seu conjunto e a como também quanto às principais orien-


necessidade imperativa de chegar a u m a tações a seguir para determinar os ob-
reforma da estrutura escolar. jectivos.
T o m a n d o urna iniciativa que marcava O trabalho organizou-ise e m duas di-
u m a etapa importante do processo de recções: por u m lado, o sistema de co-
aplicação da resolução, os responsáveis missões foi estabelecido de cima para
pelo Ministério da Educação pediram à baixo, os académicos 1 que presidiam às
Academia das Ciencias da Hungria, du- três subcomissões eram m e m b r o s de
rante o Verão de 1973, que organizasse pleno direito da comissão de alto nível,
u m concurso científico de alto nível para e os três secretários (jovens investiga-
preparar a modernização dos programas dores) participavam a título de m e m b r o s
no quadro da reforma escolar a longo convidados. Fortalecidas por este prin-
termo e para efectuar, a médio termo, cípio, as subcomissões criaram, quando
u m a reforma parcial do ensino respei- necessário, pequenas equipas de trabalho
tante unicamente aos programas de es- para resolver problemas concretos.
tudo. Por outro lado, n u m a construção de
iNa sessão de Setembro de 1973, o Pre- baixo para cima, a organização era cons-
sidium da Academia decidiu nomear u m a tituída, na outra extremidade, por pro-
comissão de alto nível para se ocupar fessores e m actividade que já tinham
deste problema. Presidida por u m neuro- procurado fazer qualquer coisa, no seu
biólogo afamado, o doutor Janos Szentá- domínio de acção mais ou menos limi-
gothai, então vice-presidente (actual- tado, para modernizar as escolas e ga-
mente presidente) d a A c a d e m i a , a rantir u m a escolha mais franca dos va-
comissão do ensino público do Presidium lores do socialismo na educação. Alguns
iniciou os trabalhos, c o m a ajuda de deles, no seu entusiasmo, pretendiam
três subcomissões. redigir de novo as partes ultrapassadas
A o escolher os membros de cada sub- dos manuais escolares, tirando partido
comissão, prociurou-se que elas fossem do seu saber recentemente adquirido.
chefiadas por cientistas de elevada c o m - Outros desejavam substituir por u m clima
petência e que os colaboradores fossem democrático o autoritarismo habitual do
designados após amplas consultas nos professor tradicional; outros ainda pre-
principais domínios do ensino público. conizavam novos métodos inspirados na
pedagogia moderna. Estas ideias, avan-
Durante os primeiros meses, os m e m - çadas por indivíduos, ou por equipas,
bros das subcomissões (encarregados, estavam logicamente de acordo c o m o
respectivamente, de estudar os aspectos trabalho de grupo que ganhava consis-
pedagógicos da Matemática, das Ciên- tência na Academia 2 .
cias Sociais e das Ciências Exactas e
Naturais) não forneceram ideias muito
claras sobre a natureza da ajuda a pres- 1. O s m e m b r o s ordinários e os membros cor-
respondentes da Academia das Ciências da
tar à causa do ensino público, n e m sobre Hungria chamam-se acaldêmicos,
o método de trabalho a adoptar. M a s , 2. A Academia das Ciências compreende duas
u m a coisa surgiu nitidamente: os parti- secções principais. O corpo cientifico inclui
cipantes começaram a dar provas de u m os «imortais» que dirigem as diferentes co-
missões cientificas e outros pelouros c o m a
entusiasmo raramente verificado até à função de coordenar a investigação, de esta-
data na Academia. Cientistas, professo- belecer previsões científicas, etc. O ramo
res e m actividade e homens políticos res- administrativo orienta as activM'aldes dos
ponsáveis pela política da educação ti- institutos de investigação, das equipas de
investigação idos departamentos universitá-
veram, desde o início, as mesmas ideias rios— c o m faz o C N R S (Centro .Nacional
não só na análise crítica da escola actual, de Investigação Científica), e m França.

243
Tendencias e casos

Graças a u m a apreensão bastante rá- na natureza e na sociedade, assim como


pida das perspectivas a longo termo de- os princípios fundamentais do pensa-
pois da realização do projecto, u m exame mento lógico; considerar o M u n d o que
aprofundado do conteúdo do ensino p ú - nos rodeia como u m a etapa no processo
blico permitiu fundamentar, e m bases de desenvolvimento sociohistórico que vai
conceptuais sólidas, as acções que tinham do simples ao complexo; compreender
sido desenvolvidas n u m a ordem mais ou as correlações entre o desenvolvimento
menos dispersa e o esforço de reflexão e as leis da natureza e da sociedade;
suscitado pela concepção global ajudou apreender a interacção dos processos na-
a perceber melhor a correlação idos por- turais e 'societais' e, baseando^se neste
menores. conhecimento, construir u m a ideologia
A primeira consulta da comissão de dialéctica e histórico-materialista, atin-
alto nível e de todas as subcomissões, que gindo assim u m a Weltanschauung;
se reuniu à porta fechada durante três b) Ser capazes de utilizar a língua
dias, passou a ser considerada u m a das materna de m o d o original, lógico e de-
pedras angulares do projecto. Até 1977 licado e m todos os tipos de comunicação ;
realizaram-se mais três reuniões fecun- aprender pelo menos u m a língua estran-
das. Organizada segundo o modelo das geira e poder adquirir o domínio de outra
conferências científicas, esta série de en- e m pouco tempo; tornar-se aptos para
contros acolheu igualmente u m certo o pensamento matemático e para resol-
número de peritos afamados, diversas ver os problemas por dedução lógica;
personalidades da inspecção do ensino saber avaliar exactamente o seu lugar
público, muitos académicos e investiga- no ambiente natural e social e assimilar,
dores eminentes — cerca de cinquenta de m o d o activo e fecundo, os impactos
pessoas no total. Graças à abordagem do M u n d o exterior; ser capazes de in-
interdisciplinar adoptada pelos partici- tegrar as informações e os novos conhe-
pantes e ao elevado nível de consciência cimentos n u m pensamento uniforme,
social que caracteriza os seus trabalhos, m e s m o depois de ter terminado os es-
a conferência obteve resultados que ul- tudos; possuir os conhecimentos reque-
trapassaram todas as expectativas. Após ridos sobre os métodos científicos graças
u m a reflexão c o m u m de três dias sobre aos quais a humanidade sonda o uni-
os problemas, os trabalhos da comissão verso; poder tirar partido destes méto-
começaram a apresentar u m a fisionomia dos na esfera de actividade que lhes é
b e m definida: ôlaborou-ise u m texto re- própria;
lativo ao nível de instrução que deveria c) Saber encontrar a sua vida na N a -
atingir u m indivíduo húngaro culto no tureza e na sociedade, tendo e m conta
final do século e ao m o d o c o m o o ensino as condições modernas da vida industrial,
público poderia dar forma a estes conhe- técnica e científica; poder encontrar a
cimentos — pelo m e n o s no estado actual sua realização pessoal na criação e na
do saber. expressão, sobretudo efectuando u m tra-
Este texto definia idealmente a natu- balho útil, empregando u m a linguagem
reza dos conhecimentos que pode for- precisa e criando obras científicas, téc-
necer u m ensino geral c o m o parte inte- nicas e artísticas; por outras palavras,
grante da personalidade; afirmava-se adquirir a faculdade de moldar tanto a
que: Natureza como a sociedade e os próprios
«Os jovens alunos das nossas escolas indivíduos; sentir profundamente a ne-
deverão : cessidade de u m a actividade social e de
a) Conhecer as leis fundamentais que u m a participação n a sociedade funda-
regem as .transformações que intervêm mentada n u m a base ideológica sólida;

244
Tendencias e caso®

esforçar-se por modelar as relações pri- esperar que u m documento contendo a


vadas (familiares e sexuais) e as rela- definição moderna d a pedagogia socia-
ções publicas segundo as normas da ética lista esteja pronto antes de 1980.
socialista, tanto dentro do país c o m o no
estrangeiro.» Gostaríamos de apresentar, nos desen-
C o m o fim de realizar, a longo termo, volvimentos que se seguem, o quadro
u m nível suficientemente elevado de co- tipo particularmente novo e m que se
nhecimentos pelo ensino, a comissão de inscrevem os sete domínios do ensino
alto nivel da Academia sugeriu que se público e fornecer u m resumo dos ca-
fixassem sete domínios de ensino reco- racteres essenciais do projecto.
mendando a adopção de u m novo m o d o A originalidade da sua forma e do
de comunicação do saber susceptível de seu m o d o de organização deve-se ao facto
substituir matérias que não tinham sido de u m corpo social ter sido criado fora
praticamente modificadas desde o sé- do campo coberto pelo sistema governa-
culo xvni ou xix. mental que impera sobre a educação e
É interessante assinalar que algum até, e m certa medida, independentemente
tempo depois destes domínios iterem sido dele, e de ser patrocinado pela própria
propostos à Academia, se verificou que Academia das Ciências. A Academia não
as ideias húngaras se encontravam muito desempenha u m papel oficial neste do-
perto de u m a proposta francesa já pu- mínio. Este corpo, este movimento, cons-
blicada n a época e que alguns porme- tituiu motivo de u m encontro científico
nores destes dois projectos, tal como os e corporativo donde partiu a maior c a m -
assuntos decorrentes dos domínios de panha intelectual c o m u m da nação, cen-
ensino, eram idênticos. trada n u m a única tarefa concreta: con-
Segundo a declaração da comissão, os seguir reformar o ensino público. Este
conhecimentos essenciais nestes sete do- encontro proporcionou a peritos teóricos
mínios podiam ser uniformemente adqui- e a especialistas profissionais, e t a m b é m
ridos aplicando aos estudos os conceitos a professores, confrontados c o m as con-
modernos da linguagem e da comunica- tradições existentes entre matérias de
ção, da matemática, d a ciência, da his- ensino e métodos pedagógicos ultrapas-
tória e das ciências políticas, da estética, sados e c o m as esperanças 'de progresso
da somatología e da técnica. E m b o r a os social que surgem diariamente n a escola,
relatores tenham transmitido expressa- u m a ocasião de se exprimirem e de par-
mente os aspectos educativos de cada ticiparem na concepção da escola do
domínio de ensino, encarregou^se u m a futuro, embora, de momento, esta con-
equipa distinta de estudar as correlações cepção seja apenas teórica.
entre a actividade prática de instrução Outra característica original deste tra-
na escola e o conteúdo científico-ideoló- balho era o facto de (contrariamente às
gico do ensino, entre o processo educativo práticas locais) as comissões disporem de
escolar como sistema autónomo, por u m certos meios reservados, geralmente, ao
lado, e este m e s m o processo como sis- ramo executivo dos poderes públicos.
tema aberto (ou aparentemente aberto) Para assegurar a independência finan-
e m contacto directo c o m vários sectores ceira do projecto, foram concebidos fun-
da vida social, por outro lado. dos importantes, inicialmente pela A c a -
Redigido primeiramente e m termos ge- demia e, ulteriormente, pelo gabinete
rais, sob a forma de declaração, o pri- interdepartamental dos projectos, encar-
meiro relatório foi seguido de u m pro- regado, pelo governo, de se ocupar do
fundo trabalho de investigação e de título n.° 6, relativo ao ensino público.
coordenação, no termo do qual é lícito O s autores de estudos diversos e de notas

345
Tendencias e casos

de curso destinadas a substituir os m a - estrangeiras (uma a nível médio, outra


nuais foram remunerados c o m fundos a nível elevado). Recomendarse que o es-
que serviram igualmente para financiar tudo desta última língua se inicie aos
a experimentação de projectos pedagó- 8 anos, isto é, no terceiro ano da escola
gicos já suficientemente elaborados. T o - primária do sistema actual de educação.
dos estes projectos nasceram de inicia- E m b o r a a Academia, na sua recomen-
tivas das subcomissões e a sua execução dação, tenha considerado o ensino da lin-
foi gerida por u m secretariado formado guagem e da comunicação u m processo
por muito pouco pessoal. integrado incluindo vários aspectos, a
Depois de ter realizado este trabalho subcomissão encarregada deste problema
durante três anos lectivos sucessivos, a ainda não pôde definir u m conceito geral
comissão publicou, e m Abril de 1976, do ensino da língua materna e das lín-
u m documento com cerca de vinte folhas guas estrangeiras. Limitou-se, até agora,
que fornecia u m resumo do modelo de a algumas tentativas de sincronização
estudos aprovado pelo Presidium da Aca- da teoria e da prática neste domínio.
demia das Ciências da Hungria 1 . Procurou saber-se se o estudo da lín-
Encontraremos a seguir u m a breve gua materna assentava e m fundamentos
exposição dos diversos aspectos do con- científicos sólidos, pois alguns peritos
teúdo do ensino cuja introdução é reco- pretendiam reformar os métodos de en-
mendada ao Ministério da Educação. sino consoante as orientações da linguís-
Digamos e m primeiro lugar que o ideal tica tradicional, enquanto outros subli-
do ensino aqui esboçado não .poderá ser nhavam a necessidade de adoptar os
realizado por u m só indivíduo, isolado, métodos mais modernos de ensino de
m a s que o será por toda u m a geração. línguas.
Julgamos t a m b é m dever salientar qué, U m a equipa elaborou, no Instituto de
no espírito dos seus criadores, os sete Linguística da Academia, u m a proposta
domínios de ensino devem constituir u m de plano de estudo do húngaro nos es-
processo integrado de educação, come- tabelecimentos de ensino secundário.
çando na escola infantil e prosseguindo A criação de u m programa de quatro
até aos 18 anos, sejam quais forem a anos de gymnasium2, acompanhado por
estrutura fixada ou a data e o ponto de brochuras de preparação indispensáveis,
partida para determinado aluno. forneceu u m impulso suficiente para ela-
borar o plano de estudo a adoptar no
O s peritos que elaboraram o projecto
final do século. Após quatro anos de ex-
d^ ensino da linguagem da comunicação
perimentação prática nas escolas, u m a
inspiraramHse, nos seus trabalhos, e m
parte bastante importante das matérias
várias grandes tendências que parecem
de estudo, inicialmente previstas para
marcar profundamente a linguística con-
estabelecimentos de nível secundário, re-
temporânea. O s estudos efectuados neste
velou-se totalmente ao alcance das crian-
domínio deveriam conduzir à compreen-
ças do grupo etário dos 10 e 11 anos.
são, por parte da criança, de que o pen-
samento só pode exprimir-se através de N o que se refere à reforma do con-
palavras, de que a u m a situação linguís- teúdo e dos métodos de ensino da mate'
tica dada corresponde sempre u m a socie- mática, realizam-se, na Hungria, traba-
dade e de que o emprego da linguagem
fornece a medida da personalidade e do 1. Declaração e Recomendações d'à AJcaJdemi'a
nível cultural do locutor. Estes estudos idas Ciências da Hungria sobre o conteúdo a
baseiam-se e m dois objectivos principais : longo termo do ensino e do desenvolvimiento
completar o ensino da língua materna e da educação escolar, Budaipeste, 441 paginas.
2. Estabelecimento secundário que comporta
proporcionar o domínio de duas línguas alunos dos 14 aos 18 anos.

246
Tendencias e casos

lhos sistemáticos de investigação e de 1978 c o m o fim de assegurar o prosse-


experimentação, desde meados dos anos guimento do enprego dos novos métodos
sessenta. Qualificado inicialmente de de ensino da matemática e m u m ou mais
«complexo», o novo programa de estudo estabelecimentos secundários.
da matemática foi progressivamente in- Enquanto se desenvolviam as novas
troduzido e m todas as escolas primárias ideias, dois pontos deram lugar a contro-
do país entre 1974 e 1978. A subcomissão vérsias. Ê conveniente ensinar a teoria
da matemática, que inclui vários mate- das probabilidades na escola? Acabou
máticos que preconizaram vigorosamente por se decidir que sim, tanto a nível do
a aplicação de métodos inovadores, gos- primário como do secundário, desde que
taria de que o desenvolvimento do pen- se descubram métodos de ensino eficazes.
samento matemático e da capacidade de O segundo ponto e m discussão referia-se
resolver os problemas por dedução ló- à dupla função da matemática no pro-
gica se transformasse na quinta-essência cesso de ensino escolar tendo e m vista,
da educação. por u m lado, a autonomia da sua estru-
O s métodos modernos de ensino refe- tura lógica e, por outro lado, a sua apli-
r e n c e à teoria dos conjuntos, à lógica, cação ao estudo das ciências exactas e
à aritmética, aos algoritmos, à álgebra, naturais e das ciências sociais. Chegou-se
às relações, às funções, às séries, aos à conclusão de que estas duas funções
elementos de análise, à geometria, à aná- podiam ser concebidas de tal maneira
lise combinatória, às matemáticas apli- que cada u m a delas tivesse e m conta as
cadas e à informática, ao cálculo das exigências da outra e que os criadores
probabilidades e à estatística. U m dos deviam considerar as duas funções si-
princípios essenciais da metodologia multaneamente nos seus trabalhos, c o m o
afirma que a aprendizagem da m a t e m á - tinha sucedido aquando de experiências
tica deve basear-se na experiência do tentadas e m certas escolas primárias.
aluno e que o ensino deve ser orientado A educação científica é considerada
de m o d o que lhe permita adquirir a u m processo integrado que parte d a ex-
maior parte dos conhecimentos graças periência para chegar à apercepção de
ao seu esforço pessoal. correlações e de leis gerais, assim como
Aplicando esta concepção geral ao en- à ordem e à aplicação criadora dos conhe-
sino, como tal considerado, a subcomis- cimentos, recorrendo a modelos. Todos
são da matemática comprometeu-se e m sabemos que as crianças criam laços
preparar, nos estabelecimentos secundá- afectivos c o m o ambiente durante os seis
rios, o prosseguimento do estudo das m a - primeiros anos de vida; a escola deve
térias e do emprego dos métodos que intensificar esta tendência e não quebrar
acabavam de ser introduzidos nas escolas os laços estabelecidos. Deve desenvolver
primárias. A s experiências que se rea- e m todos a aptidão para remodelar a
lizaram e m vários gymnasium enfren- natureza de maneira reflectida. É neces-
taram as dificuldades sentidas pelos alu- sário que as crianças compreendam e,
nos a quem a matéria tinha sido ensinada por conseguinte, a m e m a matéria, a na-
pelos métodos antigos. Além disso, as tureza e a tecnologia e sejam capazes de
complicações ligadas à compreensão dos modelar o m u n d o objectivo e m benefício
novos métodos foram ainda maiores por da sociedade h u m a n a .
estes deverem ser aplicados às matérias O s métodos de aquisição do saber são
mais importantes do novo programa de a observação, a experimentação, a m o d e -
estudos. N o entanto, estas experiências lização, a ordenação sistemática dos co-
foram coroadas de sucesso e surgiu u m nhecimentos, a teorização e a verificação
novo programa para o ano lectivo 1977- dos resultados e sua aplicação. O ensino

247
Tendências e casos

escolar refere-se a matérias como as leis movimentos na colectividade e os facto-


universais do movimento da matéria, as res que influem sobre o comportamento
propriedades das estruturas materiais, o humano. O ensino desta matéria terá por
desenvolvimento da matéria e as quali- objectivo criar u m a ideologia marxista-
dades específicas da matéria viva. -leninista no espírito dos jovens e desen-
A subcomissão das ciências tomou a volver a sua aptidão para a acção na
iniciativa de desenvolver a elaboração do base de u m a tomada de consciência cien-
conceito já fixado, preconizando u m a tífica.
aplicação mais audaciosa na prática. Con- O ensino moderno desta matéria re-
cebeu-se u m sistema no qual todos os fere-se não só à história do m u n d o e à
ramos das ciências exactas e naturais história nacional, m a s também à evolu-
susceptíveis de ser introduzidas no en- ção cultural, científica, social e econó-
sino (física, química, biologia, ciências mica, incluindo informações indispensá-
da Terra) são, e m parte, integrados e, veis sobre a organização política actual
t a m b é m e m parte, coordenados com pre- e u m certo conhecimento d o comporta-
cisão, n u m programa c o m estrutura e m mento humano. U m ensino concomitante
espiral. da filosofia, da psicologia e da geografia
A necessidade de u m a coordenação das ajudará, e m certa medida, a efectuar a
matérias científicas ensinadas é reconhe- síntese das ciências exactas e naturais
cida pela maioria dos académicos e esta e das ciências sociais.
ideia começa a penetrar entre os profes- N a elaboração deste sector do pro-
sores. A s recomendações a longo termo grama e dos métodos a aplicar não foram
poderiam, portanto, exercer u m a influên- considerados os precedentes que tinham
cia sensível sobre a escolha das matérias complicado o trabalho nos três domínios
de ensino para os anos oitenta ou, pelo já indicados. Era evidente que os m é -
menos, estimular u m a coordenação mais todos tradicionais de ensino da história
estreita. C o m o o papel da integração não se aplicavam ao estudo de todos os
não está ainda definido, a Academia re- ramos das ciências sociais. C o m a ini-
comendou que u m tema de estudo misto ciativa da subcomissão das ciências so-
denominado «Estrutura do m u n d o mate- ciais, o conteúdo do ensino da história
rial» e incluindo a Física e a Química, e os seus métodos foram radicalmente
seja introduzido, para já, no primeiro modificados e este ensino, na sua nova
ano de estudos secundários. forma, pode englobar a maior parte dos
A s experiências realizadas sob a orien- conhecimentos e m ciências sociais. R e a -
tação da subcomissão forneceram resul- lizaram-se experiências e m pequena es-
tados particularmente interessantes não cala segundo este esquema, procurando
só nos gymnasium, como t a m b é m nos introduzir novos métodos no ensino tra-
quatro primeiros anos do primário, onde dicional, essencialmente para fornecer
se substituiu, e m várias escolas de di- u m a visão dos séculos passados mais
ferentes regiões do país, o ensino da completa, e enriquecendo com noções de
matéria denominado aproximadamente etnografia e de sociologia o núcleo cen-
«estudo do ambiente», pelo que u m a tral constituído pelos problemas econó-
questão homogénea e integrada refe- micos e políticos, s e m desprezar even-
rente a estudos da Natureza. tualmente, neste esquema, as descobertas
mais recentes da arqueologia.
N o estudo dia história, das ciências e
da arte sociopolíticas, o conhecimento da C o m o os peritos desejosos de moder-
história assume tanta importância como nizar esta matéria estavam de acordo
a soma dos conhecimentos sobre o estado e m considerar que a história e as ciências
actual d a sociedade, as determinantes dos sociais deveriam ser ensinadas durante

248
Tendências e casos

toda a escolaridade, optou-se por u m a tica» das artes, ou de u m a história geral


matéria denominada «Conhecimento da da arte. M a s , a aplicação prática de todas
sociedade», apresentada sob diversas va- estas variantes enfrentou obstáculos de-
riantes, para o grupo etário dos 6 aos correntes do facto dos métodos de edu-
10 anos. Só foi possível decidir sobre o cação visual e musical não serem ainda
que era necessário ensinar aos alunos dos suficientemente elaborados, daí resul-
dois últimos anos do secundário (grupo tando quie apenas duas formas deste en-
etário dos 17-18 anos) após u m debate sino complexo tenham sido experimenta-
bastante animado. Recomenda-se, neste das nos quatro primeiros anos de escola
documento, que se ensine a Filosofia no primária. Estas duas experiências — e
último ano do secundário, segundo u m as outras variantes baseadas na litera-
plano que inclui três variantes, entre as tura e destinadas a ser aplicadas nos
quais se poderia escolher, eventualmente, quatro últimos anos do primário e na
consoante o tipo de estabelecimento. U m escola secundária — caracterizam-se pela
destes planos baseava-se na sociologia e defesa da teoria do ensino da música de
na psicologia social ; outro, na economia Zoltan Kodály, que deveria ser desenvol-
e no futuro; o terceiro, « O h o m e m na vida, procurando apoiar-^se mais na acti-
sociedade», constitui u m a tentativa de vidade e na criatividade do aluno e retirar
síntese dos dois primeiros e inclui igual- ao ensino destas matérias o que ele pode
mente noções de antropologia, de direito conter de desorganização.
civil e de administração pública.
C o m o os horários escolares são muito
A educação estética, cuja forma tra- densos, é provável que a educação esté-
dicional é o ensino da literatura, serve tica Seja dispensada fora da escola, no
para enriquecer a personalidade do aluno futuro, c o m o já o é actualmente; m a s
com u m a actividade simultaneamente es- talvez seja possível tirar melhor partido
colar e extra-escolar e oferece a vanta- das ocasiões oferecidas.
g e m capital, entre outras, de desenvolver iA educação somática tem por objectivo
saudavelmente a vida afectiva do aluno. optimizar a educação do corpo e do es-
O ensino desta matéria tem essencial- pírito, desenvolver a aptidão d a criança
mente por objectivo dar a compreender para descobrir o corpo, melhorar o seu
as obras de arte aos alunos, ensinando- estado de saúde geral, proporcionar-lhe
-lhes a sentir prazer perante o belo, atra-a aquisição, graças aos desportos, de u m a
vés da literatura, da música e das artes, condição física satisfatória sob todos os
inserindo as obras no seu contexto his- aspectos, modelar a sua personalidade e
tórico. desenvolver a capacidade de trabalho.
A educação estética possui outro objec- Importa ainda, como para as outras m a -
tivo importante: desenvolver a criativi- térias já evocadas, que esta actividade
dade no aluno pela prática, individual ou se inicie na escola infantil e prossiga até
e m grupo, do canto, da música instru- ao fim dos estudos secundários.
mental, da visita a museus de pintura, Notemos que muitos jovens, na H u n -
da crítica estética de filmes, etc., ou gria como e m outros países, temtendencia
ainda pela análise da estética do a m - para desprezar completamente o plano
biente e dos aspectos técnicos e estéticos físico e psicológico, sendo os resultados
dos media a van nível suficientemente deste m a u hábito agravados pelo mal-
elevado. -estar geral e por u m a vida pouco sau-
Recomenda-se, no plano conceptual ge- dável. Para evitar consequências eviden-
ral, que se aplique u m programa c o m - temente desastrosas, é absolutamente
plexo de educação estética sob a forma necessário conceber a cultura física na
de u m ensino das artes, de u m a «gramá- escola n u m espírito moderno e científico.

249
Tendências e casos

Assim, o problema da educação somática ção estreita c o m as ciências exactas e


foi tratado n u m plano muito amplo pela naturais, pressupõem u m certo conheci-
equipa de trabalho expressamente cons- mento da sociedade e ajudam a integrar
tituída para este efeito. O s seus membros os diversos ramos da ciência. A tecnologia
julgaram dever introduzir neste módulo é mais do que o total dos conhecimentos
os seguintes elementos : conhecimento da de que tira partido e, ao contrário do que
natureza biossocial do h o m e m ; hábitos sucede c o m a análise científica centrada
de movimento; expressão corporal de e m fenómenos, baseia-se essencialmente
base; arte de modelar a vida para pro- na síntese. O papel do ensino desta m a -
teger a saúde e capacidade de prepara- téria consiste e m ensinar aos alunos a
ção física independente. Recomenda-se, realizarem, eles próprios, sínteses.
no programa, que se desenvolva o aluno, A secção do projecto da Academia con-
no plano físico, até ao limite de tolerân- sagrada à educação técnica tem por fim
cia e que seja associado à prática dos substituir o ensino politécnico, que não
desportos graças a u m a preparação re- era muito eficaz. O s peritos do Instituto
gular. Central de Investigação Física da Aca-
Inicialmente, tinham sido feitas algu- demia das Ciências forneceram u m au-
m a s propostas tendo e m vista u m a ini- xílio útil à subcomissão, e a nova ideia
ciação à higiene mental e m ligação com de ensinar a tecnologia na escola compete
a educação somática na escola. M a s não aos físicos, economistas e engenheiros
foi possível elaborar n e n h u m conceito investigadores, estando a aplicação pe-
que englobe a pessoa h u m a n a e a sua dagógica a cargo do respectivo depar-
saúde n u m a unidade psicossomática. tamento.
Inspirando-se nos dados científicos e Foi sobretudo graças ao estado de es-
técnicos fornecidos pelo Instituto de In- pírito de que resultava e à sua aptidão
vestigações da Escola de Educação Física para transformar os hábitos de pensar
da Hungria, a equipa, antes de elaborar do aluno que o plano foi b e m acolhido
u m a proposta, começou por lançar as do ponto de vista teórico. Quanto à sua
bases teóricas gerais dos seus trabalhos aplicabilidade n a escola, o problema li-
e por analisar os resultados de testes tigioso ficou a dever-se ao facto de, na
fisiológicos. D e acordo c o m as bases teó- ideia da subcomissão das ciências, o es-
ricas assim realizadas, efectuaram-se al- tudo desta matéria poder ser substituído,
g u m a s experiências n u m a perspectiva nas escóis secundáris, por trabalhos de
longínqua — e m pequena escala, de m o - laboratório de ciências naturais. N o en-
mento. tanto, prevaleceu a opinião da equipa de
tecnologia, o que deu origem a que esta
O objectivo da edwcação técmca con-
matéria fosse prevista a todos os níveis
siste e m inculcar conhecimentos actuali-
do ensino público.
zados sobre agricultura, biotécnica, tec-
nologia agrícola, e noções de organização A recomendação da Academia sobre o
e de ecologia; pretende igualmente de- conteúdo dos estudos escolares foi c o m -
senvolver certos talentos manuais de pletada por outros documentos 1 . U m
base, elementos essenciais de u m a educa- i

ção moderna b e m compreendida. O pro-


1. Existe u m a certa analogia, oeste aspecto,
grama foi concebido para estabelecimen- c o m o que foi realizado na Folómi'a, ond'e
tos de ensino geral. uima comissão efectuou inquéritos socioló-
O s conhecimentos técnicos fazem parte gicos a pedido do Parlamento; esta comis-
são, dirigida por Sczepanski, m e m b r o d a
integrante da cultura geral e não podem Acaidemia, ocupou-se igualmente do ensino
ser considerados inferiores a n e n h u m público e goaa de grande audiência na socie-
outro ramo do saber. Possuem u m a rela- dade.

250
Tendencias e casos

délies intitulado Exposição do desenvol- O s inquéritos comparativos referiam-


vimento da actividade educativa nas es- -se a doze anos lectivos e não escapou
colas, resume o novo papel da educação aos seus autores que alguns domínios de
socialista n a escola, sublinhando a ne- ensino necessitavam cada vez de menos
cessidade de transformar os alunos e m horas, à medida que os alunos passavam
cidadãos conscientes das suas responsa- para classes de nível mais elevado no
bilidades, e m peritos altamente qualifi- ensino de línguas, por exemplo, enquanto
cados na sua profissão e e m pessoas a tendência era inversa para as matérias
privadas imbuídas do espírito do socia- de opção. O s domínios de ensino foram
lismo e que pretendem completar os seus repartidos por três grupos, para os quais
conhecimentos durante toda a vida. as proporções foram fixadas e m 35, 35
e 30 por cento. O primeiro engloba os
A propósito do objectivo da reforma
estudos sociais e a educação estética,
do ipapel do ensino público, esta exposição
assim c o m o u m a pequena fracção do en-
sublinha a importância de conhecimentos
sino das línguas (35 por cento) ; o se-
de base extensos e sólidos adquiridos
gundo, o ensino científico, tecnológico e
graças a u m ensino uniforme, que ga*
matemático (também 35 por cento) ; o
ranta, contudo, u m a diferenciação ade-
terceiro (desportos, línguas e matérias de
quada. Entre as características do desen-
opção), ocupando o resto do tempo (30
volvimento a longo termo, salienta a
por cento) 1 . C o m o é evidente, estas pro-
tendência .indicativa de transformação
porções não constituem números a res-
nas partes atribuídas ao trabalho inte-
peitar e m absoluto; possuem apenas u m
lectual e ao trabalho físico e sublinha,
valor indicativo para os organizadores:
simultaneamente, a necessidade de pre-
C o m o mostraram as experiências, a in-
parar o aluno para pensar por si próprio,
teracção das diferentes matérias acen-
desenvolvendo a sua aptidão para tra^
tuar-se-á certamente quando os estudos
bälhar c o m as mãos. D e acordo com o
e os métodos forem planificados e coor-
documento, a escola típica do fim do
denados de tal m o d o que, nas escolas
século seria u m a instituição democrática
que esperamos ter no fim do século, a
aberta à sociedade, cooperando c o m as
divisão entre os domínios de ensino seja
famílias no interesse dos alunos, assim
muito menos acentuada do que actual-
como os organismos locais de ensino pú-
mente.
blico e organizações sociais diversas,
desempenhando u m a função geral de O mandato da comissão de alto nível
higiene do espírito. expirou ao fim dos três anos lectivos
O documento fala igualmente da m o - 1973-1976. A o elaborar u m projecto que
dernização dos métodos de ensino, da parece realista sobre a educação a longo
reorganização do sistema escolar e, final- termo, destinado ao ministério, a acade-
mente, da consideração de que a escola mia tinha cumprido a sua missão. N o
e os professores gozam na sociedade. entanto, tendo e m conta o papel primor-
dial da educação na sociedade, a A c a -
Baseando-se e m inquéritos compara-
demia pretendia prosseguir a sua activi-
tivos, a comissão de alto nível elaborou
dade neste domínio, tanto mais que serão
igualmente u m a recomendação sobre as
necessários muitos anos para verificar,
proporções a realizar a longo termo no
pela experiência, a razão de ser da teoria.
que diz respeito aos beneficiários do en-
sino público. D e acordo c o m esta reco-
mendação, as proporções estabelecidas
para os diferentes níveis deveriam ser 1. Os cursos de opção podem ser utilizados para
ensinar matérias escolhidas pelos alunas nos
consideradas constantes, m e s m o se o sis- três últimos anos de gymnasium (15 por
tema escolar for modificado. cento do horário total).

251
Tendencias e casos

O organismo que substituiu a comissão O s debates baseavam-se e m estudos cujos


de alto nivel da Academia foi criado con- autores tinham recomendado que se ali-
juntamente pela Academia das Ciências viasse o sistema escolar actual criando
da Hungria e pelo Ministério da E d u - u m regime de ensino primário geral com
cação, e m Julho de 1976. Esta nova dez níveis, ou que se mantivesse o sis-
«comissão do ensino público» decidiu tema actual de oito níveis no primário
continuar a trabalhar no sentido das e quatro níveis no secundário, ou, final-
orientações teóricas da que a tinha pre- mente, que se adoptassem diversas va-
cedido, sendo as três antigas subcomis- riantes combinando estes dois sistemas.
sões substituídas por três comités de Os autores justificavam, evidentemente,
trabalho independentes. Estes comités, com razões científicas, os modelos que
cada u m dos quais estava encarregado recomendavam. Este problema foi tra-
de u m dos sete domínios de ensino que tado e m Janeiro de 1977 n u m a sessão
já descrevemos, compreendiam, e m par- de 3 dias, tendo dado origem a interpre-
ticular, representantes do ministério; a tações de ordem sociológica, económica
sua actividade era completada pela de e pedagógica.
u m a «equipa central de trabalho sobre a
O s dois anos seguintes do período de
educação» tendo por função estudar a
estudo basear-se-ão, u m na reciclagem
vida escolar no seu conjunto do ponto
dos professores e o outro na especiali-
de vista da educação prática. Todos os
zação dos conhecimentos e no seu en-
comités de trabalho têm por missão geral
sino.
assegurar a actualização regular do
modelo de ensino por métodos científicos A comissão do ensino público e todos
e determinar os pontos e m que pode ser os comités de trabalho continuam a (pa-
realizada u m a síntese entre os diferentes trocinar as experiências de que a Aca-
domínios de ensino. demia tomou a iniciativa durante o pe-
ríodo precedente. Estas experiências, que
D e acordo com os planos estabelecidos, se estendem por longos espaços de tempo,
todos os anos de trabalho adoptam como facilitam a análise dos resultados obti-
centro de interesse u m problema c o m - dos, apoiando a reforma do ensino pú-
plexo de grande interesse. E m 1976-Í977 blico a médio prazo e permitindo que os
tratou-se, e m primeiro lugar, de exami- criadores tirem ensinamentos das acti-
nar as correlações entre o conteúdo de vidades escolares assim empreendidas, o
estudos modernos e a transformação que terá, certamente, benéficas incidên-
optimal a longo termo do sistema es- cias sobre o conteúdo dos planos a longo
colar. A s comissões de trabalho ocupa- temo, assegurando que os estudos m o -
ram-se, por diversas vezes, deste pro- dernos associem o rigor de u m controle
blema, dedicando-se aos aspectos teóricos científico e a preocupação das realidades
que se prestavam a u m a generalização. quotidianas da educação prática.

252
Notas e comunicações

Revista de publicações

Viviane e Gilbert de L A N D S H E E R E . Comment définir les objectifs de l'édu-


cation. (Como Definir os Objectivos da Educação). Paris, Presses <uni-
vesltaires de France, e Liège, Editions Georges Thon«, 1975.

Neste livro, Viviane e Gilbert de Landsheere n a m os numerosos quadros taxonómicos que


reûneim as grandes posições e propostas for- foram propostos para a definição dos objectivos
muladas a partir de 1955 no domínio da defi- do curriculum nos três domínios: cognitivo,
nição dos objectivos da educação. O tema é afectivo e psicomotor. Procedem a u m a des-
importante, dado o papel capital atribuído aos crição pormenorizada e a u m a avaliação crítica
«objectivos» n u m grande número das actuais das taxonomías, actualmente b e m conhecidas,
abordagens da educação: ensino individualizado, elaboradas por americanos (em particular, por
pedagogia docente, curricula baseados ena ob- Bloom, Krathwohl, Gagné e Merrill, Harrow)
pedagogiia docente, curricula baseados era objec- e fornecem alguns exemplos das propostas for-
tivos, coordenação do ensino e m equipa, ava- muladas por diversos investigadores europeus:
liação de referência criteria!, bancos de itens. por exemplo, o método de Horn destinado a
Os autores distinguem três níveis d'e defi- fixar objectivos às categorias da taxonomía de
nição dos objectivos: objectivos e finalidades Bloom, o quadro de D e Corte baseado no modelo
da educação; objectivos definidos de acordo do intelecto de Guilford, a reformulação, por de
com as grandes categorias comportamentais: Landsheere, da taxonomía de Krathwohl.
as taxonomías; objectivos operacionais. A secção intitulada «Os objectivos operacio-
N o quadro proposto pelos autores, cada u m nais» refere-se a u m certo número de questões
destes três níveis corresponde a u m a fase do abordadas nas obras pedagógicas sobre os ob-
processo de definições que, partindo das grandes jectivos. Depois de ter descrito os métodos que
considerações filosóficas que presidem à deter- preconizam M a g e r e outros investigadores para
minação dos objectivos da educação, passa pela definir os objectivos do ensino e m função dos
elaboração do curriculum baseado e m objectivos comportamentos observáveis que são produzidos
gerais (derivados das taxonomías) fixados a em condições precisas e correspondem a cri-
diversos domínios de conteúdo para atingir & térios preestabelecidos de aceitabilidade, os au-
planificação do ensino na base de objectivos tores apresentam conceitos, provenientes de
definidos e m termos de comportamentos para outras fontes, que podem ser utilizados para
diversas unidades de u m domínio de conteúdo. modificar ou alargar a estreita óptica behavio-
A secção respeitante aos «objectivos e fina- rista das propostas de Mager. Inspiram-se
lidades» passa e m revista as concepções dos essencialmente nos conceitos de Gagné e de
especialistas americanos do curriculum (R. Eisner para diferenciar os graus de precisão
Tyler, J. Goodlad) e os pontos de vista de certos operacional que Interessa obter quando se defi-
europeus (A. Clausse, M . Reuchlin, e m especial) nem diferentes tipos de objectivos: os objectivos
sobre os factores — sociais, políticos, culturais, docentes (atingir resultados de aprendizagem
fisiológicos ou psicológicos — que influem sobre fundamentais), os objectivos de transferência
a formulação dos objectivos, muito gerais, que (desenvolver capacidades que serão aplicadas
deve atingir u m sistema de ensino. O s autores e m diversos contextos) e os objectivos de ex-
estudam, e m seguida, dois exemplos da evolu- pressão (favorecer actividades criadoras nas
ção dos objectivos da educação a partir de u m a mais diversas situações). Esta secção termina
analise de documentos históricos. O primeiro é com o estabelecimento de u m paralelo entre as
u m estudo realizado por V . Isambert-Jamati vantagens que podem ser retiradas da definição
sobre as relações entre as flutuações dos fins operacional dos objectivos e das críticas que
declarados dos liceus franceses e as modifica- foram formuladas, sobretudo no que diz respeito
ções do contexto social de 1860 a 1960. O se- âs abordagens simplistas e atomizantes da ope-
gundo, que é u m a análise efectuada pelos pró- racionalização.
prios autores, refere-se aos objectivos oficiais U m dos principais méritos deste livro reside
do ensino primário belga de 1897 a 1973. na sua exaustividade: quase todas as grandes
N a secção intitulada «Os objectivos definidos posições e propostas formuladas e m obras re-
de acordo com as grandes categorias compor- centes sobre os objectivos são Incorporadas
tamentais: as taxonomías», os autores exami- n u m a secção. Além disso, trata-se de u m dos

253
Notas e comunicações

raros estudos sobre este tema cujas fontes de m a s pratiioajmente todas... ajudam a clarificar,
informação são tanto europeias como america- a guiar a reflexão» (p. 260). Embora sejamos
nas. Tendo e m conta a grande diversidade do muitas vezes forçados, pelo menos na fase ac-
material estudado, felicitamos os autores pela tual, a adoptar u m a abordagem pragamática e
clareza da apresentação. Não podemos também ecléctica dos problemas que se colocam no
deixar de lhes agradecer o facto de fornecerem, domínio da educação, interessa reconhecer que
contrariamente ao que sucede com muitas pu- esta abordagem pode substituir a elaboração
blicações e m francês no domínio da educação, de modelos coerentes e bem definidos. Quando
u m a vasta bibliografia incluindo mais de 120 lemos, entre as recomendações finais dos auto-
referências. res, «todas as instâncias (encarregadas da defi-
N o entanto, devemos igualmente mencionar nição dos objectivos da educação) seriam sis-
as limitações desta obra. Embora o quadro a tematicamente iniciadas ena metodologia da
três níveis proposto nas primeiras páginas seja definição dos objectivos» (p. 271) (palavras
utilizado como meio de organizar o material sublinhadas por m i m ) , perguntamo-nos, perante
estudado, os autores não atribuíram u m a grande a 'multiplicidade dias propostas não articuladas
importância às articulações entre estes níveis. estudadas na obra, se esta (metodologia já existe.
Exceptuando algumas generalidades do tipo «as E m resumo, se o livro de Viviane e Gilbert
taxonomías parecem unir a filosofia e a tecno- de Landsheere não contribui praticamente com
logia da educação» (p. 195), as explicações são nada de original para a conceptualização do
raras, assim como os exemplos que ilustram processo de definição dos objectivos, faz o ponto
as operações a efectuar para transformar os da Situação de maneira coerente e exaustiva.
objectivos, obrigando-0'S a passar de u m nível N o s países francófonos, será certamente muito
de generalidade/especificidade para outro. utilizado com© texto de base no ensino univer-
Quando examinam os diferentes níveis de sitário da pedagogia e nos programas de for-
definição, os autores ultrapassam a compilação mação dos professores. Além disso, poderá ser
das propostas existentes e da avaliação dos útil como obra de consulta para os investiga-
seus pontos fortes e pontos fracos. A s suas dores e para os que trabalham na elaboração
conclusões reflectem igualmente u m a tendência e na avaliação do curriculum.
para o ecletismo pragmático: por exemplo, no
que respeita às diversas taxonomías que es- Linda K . A L L A L
tudaram, afirmam: «nenhuma parece perfeita Universidade de Genebra

Tony Bates e John Robinson (dir. publ.) Evaluating educational


television and radio (Avaliação da Televisão e da Rádio EducativasJ.
Milton Keynes (Reino Unido), Open University Press, 1977, *10 pp-

E m Abril de 1976, 230 pessoas de 29 países reu- u m interesse efectivo para os professores ou
niram-se na Universidade aberta de Milton Key- para aqueles que trabalham com professores
nes, na Inglaterra, para discutir os probelmas ou investigadores, na realização de programas
suscitados pela avaliação dos programas edu- para os media, parece referir-se essencialmente
cativos transmitidos pela televisão e pela radio- à investigação sobre os media, considerada
difusão. Esta reunião tinha sido organizada por como profissão e modo de vida.
iniciativa da Universidade aberta que se e m - E m termos técnicos de comunicação, a sim-
penhou, tanto no plano financeiro como no ples transcrição dos debates de conferência
plano teórico, na via do telensino, embora já raramente fornece textos de fácil leitura. Falar
não constitua, muito longe disso, essa «uni- perante u m grupo ou u m auditório é estabelecer
versidade das ondas» cuja ideia tinha suscitado u m contacto directo e interacções com pessoas;
tanto entusiasmo no Reino Unido no início dos escrever e 1er dependem, pelo contrário, de u m
anos sessenta. Entre os participantes, conta- domínio diferente e exigem u m a linguagem de
vam-se 50 professores, técnicos de radiodifusão natureza diferente. O relatório interessante e
è investigadores da universidade aberta; as perfeitamente «legível» dos debates da confe-
outras 180 pessoas repartiam-se da seguinte rência que se realizou na Universidade aberta
maneira: 73 por cento de responsáveis pelas não apresenta este defeito. Muito judiciosa-
políticas ou de investigadores e 18 por cento mente, Tony Bates e o seu eminente comité de
de realizadores, enquanto os utentes só repre- direcção procuraram que as principais comuni-
sentavam 9 por cento. Os debates e as comu- cações fossem impressas e distribuídas previa-
nicações apresentadas basearam-se, pois, es- mente. A própria conferência dedicou-se essen-
sencialmente na investigação e avaliação no cialmente ao estudo directo dos temas tratados
domínio da educação e se esta obra apresenta nestes textos. O s três primeiros dias foram

254
Notas e comunicações

reservados ao exame de u m grande problema: U m a das vantagens de ter criado, na Univer-


resultados das investigações, metodologia e re- sidade aberta, u m Instituto de Tecnologia da
lações entre os investigadores e os responsáveis Educação cujos membros participam e m todas
pelas decisões. Depois de ter ouvido, sobre cada as etapas da planificação dos programas de
u m dos três problemas, u m a exposição liminar ensino, é certamente o facto dos teóricos serem
de u m a hora para os animadores — Edward obrigados a coabitar com os seus colegas pro-
Palmer, Richard Hooper « Stem Sture Alle- fessores e a ouvi-los quando exclamam que «na
beck — , a Conferência cindiu-se e m três gru- vida as coisas passam-se de modo diferente».
pos de trabalho que se reuniram durante o O apelo a favor de relatos simples dos pro-
resto do dia; no último dia, os relatores — Vi- blemas educativos e das suas soluções já foi
venne Gliikman, Etail McAnany e Brian Groom- ouvido e é interesante notar que u m dos mais
bridge — apresentaram u m resumo dos tra- ardentes defensores deste método é u m membro
balhos dos grupos. A conferência tinha sido do pessoal da avaliação da Universidade aberta.
aberta por Donald Grattan da B B C ; o encerra- Convém igualmente notar que Richard Hooper,
mento foi proferido por Henri Dieuzeide da que foi, até u m a data recente, o mais antigo
UNESCO. animador de u m vasto inquérito sobre o ensino
Entre as 80 comunicações apresentadas, 75 assistido por ordenador no Reino Unido, mani-
figuram no volume sob a forma de «resumos festou alguma desconfiança e m relação às ava-
longos» que ocupam 309 das 410 páginas que liações «iluminadas».
a obra comporta. Estes textos profundos e com- O volume contém exposições de realizadores
pletos formam o pano de fundo das outras 100 e de analistas de programas educativos trans-
páginas constituidas pela reprodução integral mitidos pelos media, os quais trabalham e m
das exposições liminares dos animadores e dos condições muito diferentes. Muitos problemas
resumos apresentados pelos relatores à con- continuam, pois, por resolver. Algumas pessoas
ferência. Neste quadro, o estilo falado destas supõem, de modo bastante surpreendente, que
intervenções tem a sua importância e razão de todos os filmes ou programas educativos tele-
ser e confere ao volume o tom animado de uni visivos são realizados no m e s m o estilo; outros,
colóquio. O relatório dos debates no seio dos estbelecem generalizações a partir de filmes ou
grupos de trabalho não se encontra reproduzido gravações video realizadas no interior de u m
U m a das dificuldades que enfrentamos campus universitário ou de u m grupo fechado
quando consideramos a educação como objecto e falam da utilização do material pára emissões
de estudo, resulta do facto de muitos daqueles à distância de verdadeiro telensino — se b e m
que a praticam terem tendência para examinar que ã distinção tenha sido efectuada e m 1972,
u m a situação particular pensando que ela re- por Mcintosh e Bates da Universidade aberta,
presenta u m caso tipo de todos os problemas alguns participantes ainda a mantêm implici-
colocados por u m vasto conjunto. O que é par- tamente afastada.
ticularmente evidente quando a discussão se C o m o é evidente, os professores encarregados
refere aos media e alguns participantes que de formar realizadores de programas para os
contribuíram para a realização deste volume media eram pouco numerosos para lemíbrar aos
não escaparam a esta armadilha. E certamente investigadores que se preocupam, de facto,
por esta razão que os que fazem investigação muito com. a eficácia do seu trabalho e que, e m
e m matéria de educação têm dificuldade e m muitos casos, tudo se deve à imaginação.
integrar u m caso isolado no seu contexto e esta Quanto ao aluno, ele não teve, pensamos, oca-
dificuldade é muitas vezes evocada na obra. sião de fazer ouvir a sua voz.
O que é novo, por outro lado, é que se começa O cientismo que, actualmente, caracteriza a
a ter consciência deste facto; a quantificação maior parte das investigações e estudos sobre
extrema de situações atípicas ou estatistica- a educação e a comunicação polde facilmente
mente desprezíveis tem causado imensos pre- desumanizar o assunto estudado. Ë correcto
juízos e explica que muitas vezes se tenham considerar que a investigação no domínio dos
reclamado, no decorrer da conferência, ava- media se orienta e m três direcções: a formação,
liações «esclarecedoras», «rápidas e rudimen- a recapitulação e a elaboração de u m a política ;
tares» ou outras abordagens que se aproximam m a s dizer que todos os administradores da edu-
de relatos anedóticos. Cada problema de edu- cação, todos os professores e todos os que rea-
cação é específico e diferente dos outros; acon- lizam material educativo são os que «tomam
tece o m e s m o e m relação a cada professor e decisões», é generalizar demasiado e correr o
a cada aluno; por conseguinte, todas as difi- risco de arrastar o debate para u m terreno to-
culdades a resolver e m educação se assemelham talmente alheio às realidades.
mais à biologia do que às ciências físicas e, a Q u e m realiza, então, o trabalho, senão os que
todos os níveis da prática, a educação aproxi- t o m a m decisões? N ã o procuro desculpar este
ma-se mais da vida social de todos os dias do argumento já antigo, m a s , na sua exposição
que das técnicas de laboratório. final, Henri Dieuzeide afirmou que eles «utili-

255
Notas e comunicações

zarti a investigação como os bêbados se servem as ligações radioeléctricas por satélite entre as
dos postes de iluminação, para se apoiarem». ilhas do Sul do Pacífico.
E Dieuzeide prossegue dizendo que todo o pro- Para todos os que se interessam pelo ótesen-
cesso educativo é profundamente irracional, o volvdoiento da educação à distância, esta obra
que parece implicar que nós ainda não o com- constituirá u m maravilhoso ponto de partida,
preendemos. pois todos desejarão que se estabeleçam dis-
O s livros deste género são caros, hoje era dia, tinções mais subtis entre os diferentes tipos de
m a s este volume deve certamente encontrar o estudantes, de matérias, de media e de difusão.
seu lugar e m toda a biblioteca destinada aos Implicitamente, porém, este livro marca o início
estudos sobre a educação. O s resumos das 75 de u m a série histórica. Apereebeimc-nos actual-
comunicações, as exposições liminares apresen- mente, de que, e m muitos locais, investigadores
tadas por personalidades eminentes, u m a biblio- independentes, percorreram os m e s m o s cami-
grafia internacional, assim como os nomes e os nhos e, como Wilbur S c h r a m m afirma na sua
países de origem dos 180 participantes trans- exposição liminar, «as suas actividades atin-
formam-no n u m a obra de consulta muito útil. giram agora o ponto e m que podem fundir-se
Ê u m a obra de leitura particularmente agra- para constituir verdadeiramente u m domínio de
dável e o panorama que contém dos programas estudo».
realizados pelos medias e dö ensino à distância
e m muitos países fornece, muitos apanhados,
embora incompletos, e suscita novas ideias. Michael C L A R K E (Reino Unido)
Existem, porém, omissões surpreendentes: nada Director do Oentro Audiovisual
sobre o trabalho da N H K , no Japão, nem sobre da Universidade de Londres

G I L L E T T E , Arthur, Lavery. Beyond the non-formal fashion towards educa-


tion revolution in Tanzania. Amherst, Massachusetts, Centre for Interna-
tional Education, Hüls South, University of Massachusetts, 1977, 321 pp.

O livro de Gillette sobre a educação na Repú- e m particular a reforma dos programas e dos
blica Unida da Tanzânia, recentemente publi- métodos e a adopção de u m a língua nacional
cado, vem enriquecer muito seriamente o nosso (o kiswahili) como veiculo do ensino primário.
conhecimento sobre o que representa e educação Os programas de educação extra^escolar de-
extra-escolar no Terceiro M u n d o . correm de maás de dez instituições, o que não
Parte de u m exame profundo dos programas simplifica a tarefa. O autor parece pensar que
de educação de adultos e de educação extra- o seu agrupamento sob a égide de u m a institui-
-escolar da República Unida da Tanzânia, ba- ção única dotada da necessária maleabilidade
seado e m documentos provenientes dos serviços responderia melhor às necessldadies da Repú-
oficiais, de institutos como o Institute of Adult blica Unida da Tanzânia e de outros países do
Education e de organizações internacionais, so- Terceiro Mundo*
bre a investigação pedagógica efectuada na ¡Na parte intitulada «Os recursos: acelerado-
República Unida da Tanzânia e sobre as entre- res e travões», o autor dá-nos u m a ideia dos
vistas c o m profissionais tamzanian'os e estran- esforços desenvolvidos pela República Unida
geiros. da Tanzânia para transferir e modificar os
Gillette analisa a evolução dos programas de programas de educação extra-escolar. Assinala
educação escolar e extra-escolar, desde o pe- muito particularmente a utilização de u m pe-
rlado pré-colonial até aos nossos dias. Estuda queno material disponível de imediato. Embora
as transformações que se produziram desde a «divergência e convergência» coexistam, a R e -
época e m que perdominavam o ensino africano pública Unida da Tanzânia conseguiu submeter
tradicional e o ensino islâmico. Estabelece igual- a primeira à segunda, graças, por exemplo, aos
mente u m paralelo entre a educação escolar e «centros comunitários» (centros polivalentes ao
a educação extra-escolar, evocando as suas se- nível da aldeia).
melhanças e diferenças. O ensino colonial ba- A partir de 1973, os programas extra-escola-
seava-se e m objectivos individualistas; e m 1967, res atingiram u m quinto do orçamento da educa-
a declaração de Aruxha, intitulada «A educação ção. O financiamento da educação por intermé-
para a auto-suflciência» (Education for self- dio dos centros comunitários poderia constituir
reliance) marcou u m a viragem: os objectivos u m factor de estabilização das despesas globais
da educação passariam a estar adaptados a u m da colectividade. M a s , a produção económica
modelo socialista de desenvolvimento endógeno. efectiva das escolas nos centros comunitários
Outros factores contiUbuíram para revolucionar parece ser ainda fraca e m relação às despesas
a educação na República Unida da Tanzânia, de equipamento.

256
Notas e comunicações

N o que diz respeito à evolução da influência O livro de Gillette contém alguns pontos fra-
estrangeira sobre a educação na República cos: não propõe modelo de avaliação dos pro-
Unida da Tanzânia e no Terceiro Mundo, a gramas extra-escolares (alfabetização) na R e -
tendência é previsível: a ajuda concedida aos pública Unida da Tanzânia, n e m estruturas que
programas extra-escolares — e m particular à permitam reagrupar estes programas sob a
alfabetização — prosseguirá, m a s a «utilidade égide de u m a instituição única. A interpretação
de u m a boa parte desta ajuda é constestável» ; fornecida pelo autor sobre «ensino africano
a ajuda faz parte do que a colonização roubou tradicional» (em especial no que se refere à
aos países e m desenvolvimento e as condições educação) não corresponde às normas socio-
de concessão são mais favoráveis a quem dá lógicas da África dos nossos dias.
do que ao beneficiário. Gillette escreveu u m a obra de base muito
Gilette faz oportunamente u m a advertência interessante sobre a educação escolar e extra-
que m e parece essencial: «Esta influência es- -escolar na República Unida da Tanzânia, que
trangeira negativa parece ter-se exercido si- poderá ser proveitosamente consultada por to-
multaneamente sobre o plano da alfabetização dos aqueles que trabalham neste domínio da
e sobre o do ensino técnico. M e s m o quando a educação.
política que preside aos programas está de
acordo c o m os objectivos da educação para a Yosiah D - M - B W A T W A
auto-suficiencia, a influência estrangeira pode Departamento de pedagogia
ser inoportuna, como no caso da formação de da Universidade de D a r es Salaam,
cooperantes» (p. 293). República Unida da Tanzânia

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PERSPECTIVAS
Já publicada nas línguas francesa, inglesa, espanhola e árabe, Perspectivas estará a
partir de agora também ao alcance de todos os leitores de língua portuguesa. Ela irá constituir
decerto u m importante elo de comunicação entre os países de expressão lusíada e a corrente
universal votada aos problemas do desenvolvimento da educação.

Perspectivas, revista de publicação trimestral editada pela Unesco, pretende estlmu.


a renovação da educação, proporcionando oportunidade para u m intercâmbio de experiências com
vista a facultar u m mais perfeito esclarecimento face às diversas opções e a fomentar as ini-
ciativas de cooperação internlacional,.

Os pediídos de assinatura devem ser endere-


çados para

LIVROS HORIZONTE
Rua das Chagas, 17, l..°-Dto. • Telef. 36 69 17
1200 L I S B O A

P E R S P E C T I V A S — Revista Trimestral de Educação

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