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E SE EU ME APAIXONAR POR

VOCÊ?
ISABELLA SILVEIRA MOREIRA
E SE EU ME APAIXONAR POR VOCÊ?
Publicação Independente
2021
Copyright © 2021 Isabella Silveira

Capa: Cereja Design


Diagramação: Isabella Silveira
Revisão: Diih

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma ou


quaisquer meios eletrônicos, mecânico e processo xerográfico, sem
autorização por escrito dos editores.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e


punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Para todos que sonharam em ter uma história de amor orquestrada
pela sua banda preferida. Apresento a vocês Liz e Carlos, amantes dos
Beatles.
SINOPSE
Liz é uma médica, cirurgiã obstetrícia, renomada, dona do seu próprio
nariz e do seu próprio destino. Extremamente independente, ela tem como
objetivo ser feliz, e por isso não aceita migalhas de homem nenhum.
Carlos é um tímido professor de música, que sonha em encontrar
alguém que faça o seu coração suspirar, e ser digna o suficiente para recitar
as mais belas canções de sua banda preferida. The Beatles.
Um incêndio cruza o caminho dos dois, e une esse casal improvável.
Mas será que isso é o suficiente para mantê-los unidos?
Venha se aventurar, rir e se apaixonar por Liz e Carlos, ao som da
banda mais famosa de todos os tempos. The Beatles.
Sumário
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
NOTAS DA AUTORA
AGRADECIMENTOS
CAPÍTULO 1
— São gêmeas univitelinas — falo animada para os novos papais — e são
lindas demais! Parabéns — abro um sorriso e entrego a segunda bebezinha
para a mãe que tem lágrimas nos olhos.
— Ah doutora Liz, muito obrigada! Não temos como agradecer por
todo carinho e dedicação que você teve conosco — minha paciente, Márcia,
diz emocionada e eu abro um sorriso tímido para a sua declaração.
É o meu trabalho trazer tranquilidade para esse momento tão especial
na vida dos pais, e independente de quantos partos eu já tenha feito, sempre é
uma nova emoção e um novo sorriso.
— Deixa disso… você foi muito bem e corajosa, quase não tive o que
fazer além de te incentivar. E olha que foram 13 horas de parto! Estou muito
orgulhosa — vejo as enfermeiras limpando as crianças, e, após me despedir,
deixo a sala respirando fundo.
Mais dois para a conta Liz, você arrasa.
Faço a higienização e tiro todo o material descartável, ansiosa para
resgatar o meu celular. Hoje promete, e eu mereço. Encontro a Paloma no
corredor, e ela tem uma cara de safada estampada em seu rosto.
— Desembucha — solto, assim que nos aproximamos.
— Sabe o Luizinho? Da oftalmologia? — ela pergunta, exibindo um
sorriso gigante.
— Mentira! — exclamo chocada — E onde foi, sua safada?
Espalmo a mão no peito, em completo choque.
— No Raio-X do sétimo andar. Ócio de ser uma boa ortopedista,
sempre posso pedir um favorzinho ou outro por ai.
— Paloma, sua safada! Enquanto eu fiquei vendo um parto de 13
horas, suando igual uma porca e falando frases de incentivo, você estava no
maior amasso no meio do expediente?
— É isso mesmo. — ela diz exibida, me deixando com uma pontinha
de inveja — Boba é você, gata desse jeito, disputada, requisitada, siliconada e
nada de dar umas bitoquinhas nos enfermeiros. Acha que algum homem vai
cair do céu e dizer: vem quente que eu tô fervendo? Não. Você tem que ir
fervendo e torcer para a minhoquinha ser quente.
Solto uma gargalhada alta, e chamo atenção de meia dúzia de
enfermeiras e enfermeiros que estavam batendo papo perto da farmácia.
Cumprimentamos com um aceno de cabeça e vejo uma encarada descarada
de um rapazote novo, provavelmente estagiário.
— Deixa de ser doida Pa, esses nenéns não dão conta desse furacão
aqui, não. — digo com um sorriso no rosto — Mas, sejamos sinceras, quase
ninguém dá.
— Vish, você fala como se fosse uma velha empacada na vida, cheia
de gatos e que ama ficar debaixo do cobertor num sábado à noite. Não a
doutora mais desejada do hospital. Até o sr. Lamarck se interessou por você,
e ele é o dono dessa porra toda.
— Exagerada — digo um pouco sem graça.
As investidas do sr. Lamarck foram até um pouquinho efusivas, para
não dizer constrangedoras. Todo mundo ficou sabendo, e eu ainda sai como a
esnobe que não deu uma chance pro chefão. Fazer o quê? Não me envolvo
com ninguém do trabalho, dá muita "mão de obra". Vai que eu não gosto, né?
Tá amarrado em nome de Jesus.
Chegamos até o elevador e Paloma me dá um abraço apertado.
— Meu plantão acaba às seis da tarde, vamos sair mesmo, né? —
pergunto olhando no relógio e percebendo que ainda faltam longas 3 horas.
— Claro! Sextou, né, bebê — ela diz, saindo em seu andar.
Com a promessa de uma noite animada, volto para a minha sala,
pronta para os meus 15 minutos de repouso, antes de voltar para o plantão
dos partos do hospital. Já estou mais do que ansiosa para tomar uma
cervejinha, e ter um pouquinho de diversão.
CAPÍTULO 2
— Bora, Paloma, vamos perder a melhor mesa! Se arruma no
carro — entro em sua sala com tudo, e vejo ela ajeitando o seu decote
exagerado no espelho. Reviro os olhos, mas não resisto e dou uma conferida
em meu próprio decote.
Paloma é uma mulher muito bonita, sabe ser sensual quando quer, e é
muito fiel às suas amizades. Ela é a minha gata loira, cheia de curvas, com
um sorriso lindo e uma língua afiada. A primeira impressão é de que ela é
uma mulher doce e angelical, mas isso se restringe apenas à primeira
impressão mesmo. Ela é pior que uma cobra quando se sente acuada, e não
cai em conversinha fiada de ninguém. A minha barraqueira malvada
preferida.
Hoje ela resolveu ousar e colocou o decote para jogo, em um body de
onça, calça flare de couro preta e um saltão matador. Não sei nem como
vamos sair do hospital dessa forma, se um senhorzinho a vir desse jeito,
capaz de acabar morrendo de ataque cardíaco. E nenhuma de nós é
cardiologista, então, Deus nos livre.
— Ih, não gostei dessa cara não, tá me analisando muito — ela joga na
lata, e eu abro um sorriso malandro.
— Tá gata, gostei — digo, dando uma voltinha — não vai falar nada,
não?
— Você é sempre gata Liz, pode parar de palhaçada — ela diz,
piscando para mim — mas hoje arrasou. Quero este vestido emprestado.
— Pode pegar quando quiser.
Olho para o meu slip dress preto e abro um sorriso. Se ela soubesse que
essa camisola é mais velha que a vovó, não pediria emprestado. Moda é
reutilizar também.
Saímos como clandestinas pelas portas dos fundos, e ligo o meu carro e
dirijo em direção ao nosso boteco preferido em Copacabana. O bom é que
sempre tem música boa, além de ser super perto do prédio onde moramos,
então nosso ponto de encontro de quase todas as sextas é no Goró da meia
noite bar`s.
O nome mais brega que pode existir, e nós sabemos disso.
Entramos e ainda conseguimos pegar a nossa mesa cativa, na varanda
e, ainda assim, bem perto da banda, o melhor dos dois mundos. O garçom
logo que nos vê já traz os chopes e Paloma pede nossa tradicional porção de
pastéis de angu. É estranho e delicioso na mesma medida.
Começo a olhar em volta, esperando o movimento começar a encher
e, quando a banda chega, fico animada para a badalação. Hoje eu vou dar
nem que seja um beijo na boca. Tô sentindo.
Paloma começa um flerte descarado com um boyzinho que aparenta
ser menor de idade e eu cutuco ela com um olhar de censura.
— Papa anjo, aquieta essa piriquita. Nem chegou ninguém ainda no
bar. Não vai causar e me deixar de vela não hein, pelo amor — digo
revirando os olhos.
— Mulher, você viu a mão dele? — ela pergunta inquisidora.
— Não…? — respondo na dúvida.
— Pois eu vi. Sem nenhuma aliança e todo vascularizado. Essas veias
saltando podem me matar agora mesmo — ela diz, se abanando, e eu caio na
risada — E ai, tá de olho em quem?
— Ainda não vi ninguém interessante, então você vai esperar encher
mais o bar para não me deixar sozinha aqui, antes de piriguetar.
— Sim senhora, senhora — ela diz divertida.
Começamos a conversar sobre todas as fofocas do hospital, e, quando a
banda começa os primeiros acordes da minha música preferida dos Beatles,
nós nos calamos para ouvir o vocal.
Puxa, eles cantam e tocam muito bem.
Na faixa dos vinte e poucos, todos parecem bem inexperientes, mas
não deixam de mostrar o seu talento com os instrumentos musicais. E isso é
algo que sempre me deixou muito encantada. A maestria em tocar um
instrumento não se limita a apenas saber fazer o básico, e sim ter o dom na
alma. É como fazer uma cirurgia complicada, cada detalhe faz diferença, e no
fim tudo precisa ser perfeito.
Me vejo aplaudindo de pé a primeira música, e vejo que eles a
dedicam para o professor, sentado na primeira fila. Ele fica constrangido com
as pessoas o olhando, e quando ele se vira para dar um leve agradecimento
pelas palmas, meu coração quase para de susto.
Que homem, com H maiúsculo, é esse?
CAPÍTULO 3
Nossos olhares se encontram, e ele parece timidamente desconcertado
quando me vê olhando tão fixamente. O professor é alto, levemente forte
apesar de não ter cara de quem realmente pratica algum esporte
assiduamente. Seu cabelo preto desgrenhado parece não ter sido penteado, e
eu não sei porquê acho isso extremamente sexy. Suas roupas são simples,
calça preta e suéter grafite, mas deu a ele um ar intelectual cativante. Seu
maxilar é bem marcado e suas bochechas levemente vermelhas de vergonha
pela atenção recebida é a coisa mais fofa e sexy que eu já vi, ao mesmo
tempo.
Nossa troca de olhar é cortada pelos acordes da próxima música, e eu
fico só observando toda a sua movimentação. Apesar de apenas conseguir ver
sua nuca e seu cabelo, me sinto extremamente atraída por esse homem. Que
gato.
— Pa, disfarça, mas olha que homem gato, o professor de música —
digo, sussurrando para a minha amiga.
Ela repara bem, apesar de não conseguir ver seu rosto por completo, e
solta um longo assobio, chamando atenção de algumas pessoas próximas.
— Parece gostoso, e se você, só de bater o olho já se interessou, ele já
tá no papo. Ninguém diz não para você.
Abro um sorrisinho sem graça, mesmo sabendo que é verdade. Eu sou
uma mulher de atitude, se eu quero, eu vou e faço. Nunca esperei nada de
ninguém e definitivamente não sou a mocinha indefesa que precisa ser salva.
— Ele pode ser casado, gay, ou simplesmente não me querer.
— Deixa de besteira Liz, você é maravilhosa, nem parece que já trintou
— ela diz divertida e eu dou um cutucão em seu braço.
— Ninguém precisa saber disso, sua piranha. Para todos os efeitos
trinta com carinha e corpinho de vinte e sete — digo entre dentes.
Por ela ser dois anos mais nova do que eu, Paloma se vê no direito de
ficar brincando sobre a minha idade. Mas isso nunca foi um problema para
mim. Tenho sim trinta anos, e não tenho problema nenhum com isso, apesar
de não gostar de ser sempre lembrada sobre o meu "trintou". Crise de meia
idade que fala não é? Independente disso, é uma pauta muito comum nas
minhas reuniões familiares. Todos querem saber quando a "neta mais bem
sucedida, e velha, vai dar bisnetinhos para a família".
Fato é, estou aberta a novas oportunidades e sempre de olho no que o
destino me reserva. Mas, eu só vou me casar quando eu encontrar a pessoa
certa. Eu não tenho medo de compromisso, eu tenho medo de não ser feliz.
Já no meio do show, ansiosa para ir ao banheiro e calorenta, resolvo dar
passe livre para Paloma ir flertar com o boy vascularizado, e resolvo ir ao
banheiro. É, o professor com certeza não vai tomar nenhuma atitude, e eu não
estou muito afim de ficar dando esse mole todo, não. Vou é caçar meu
caminho de casa, porque amanhã tenho mais um plantão. Deu, deu, não deu,
paciência.
Faço amizade na fila do banheiro, e, quando eu dou por mim, estou
mega apertada, ouvindo uma menina contar sobre a sua recente separação.
Faço um carinho em seu ombro, e quando a portinha abre, eu vejo a luz no
fim do túnel. Finalmente um xixizinho bem feito. É para glorificar de pé.
Escuto uma movimentação, um princípio de gritaria, e saio apressada
para ver o que aconteceu. Só me falta rolar barraco e eu não conseguir
assistir. Ou pior, Paloma se envolver em alguma briga e eu não estar lá para
filmar tudo e sacanear ela. Ando depressa, e não percebo de imediato a
fumaça no local. E, quando alcanço os corredores, preciso tampar a minha
boca com a bolsa para conseguir respirar um pouco melhor.
Está pegando fogo. Literalmente.
CAPÍTULO 4
Antes de pensar em procurar por Paloma, tento lembrar qual é o
caminho de volta para o salão. Mesmo vindo com frequência por aqui, não é
tão fácil assim andar neste labirinto, cheio de corredores. Semicerro os olhos
e tusso duas vezes, antes de acabar tropeçando e caindo no chão, depois de
colidir com alguém.
— Olha por onde anda, seu babaca — grito, tentando me levantar.
Droga, ralei o joelho.
— Não sei se você percebeu, mas está tendo um incêndio, e a saída é
para o outro lado — ele diz, meio em pânico, meio irritado. E, quando
percebo que é o professor de música, não consigo deixá-lo para trás.
Olho para ele e cruzo os braços com raiva.
— Se é para o outro lado, porque você está correndo para dentro? Tá
maluco? Quer morrer? — pergunto irritada. Esse homem só pode ser louco.
— Preciso pegar meu teclado. Ele é muito importante para mim,
nunca vou conseguir outro igual, e eu me recuso a deixá-lo pegar fogo — ele
diz determinado, com um brilho no olhar, e eu não consigo deixar de ficar
impactada. Ui, como é sexy e quente um homem determinado.
Lembrando do meu juramento médico, resolvo não deixar esse louco
se matar e puxo seu braço com toda força que consigo, quando ele me dá as
costas, pronto para procurar o maldito teclado.
— Ei! — digo alto — Tira a blusa agora.
Falo com tanta certeza que ele nem questiona, tira o suéter e fica sem
nada por baixo, me entregando a sua camiseta.
— Amarra no nariz e semicerra os olhos. Conheço o lugar, vem por
aqui.
Faço o mesmo que o ordenei fazer, e pego em sua mão, o guiando até
o maldito palco. A fumaça está cada vez mais espessa, mas conseguimos
chegar apesar dos percalços, no bendito teclado. O professor quase chora de
felicidade, pegando o instrumento com carinho e o colocando debaixo do
braço. Tentamos fazer o mesmo caminho de volta, mas acabo me perdendo, e
adentrando ainda mais o inferninho, e, quando realmente vemos o fogo,
começo a me desesperar.
— Volta, que estamos no caminho errado — grito para ele, que
coloca um braço protetor ao meu redor, e começa a sair gritando por socorro.
— Alguém salva a gente! Socorro! — Gritos cada vez mais
desesperados saem das nossas gargantas secas, e quando estou quase
perdendo a esperança, avistamos uma luz de um bombeiro que vem em nossa
direção.
— O que vocês estão fazendo aqui ainda? É muito perigoso, o prédio
precisa ser evacuado agora, pode desmoronar a qualquer momento — O
bombeiro instrui rápido, aparentemente com raiva.
— Sim, senhor — ele diz por nós dois.
Seguimos o caminho indicado, e quando finalmente avistamos a porta
do bar, corremos em direção a rua, extremamente aliviados.
Que sufoco, meus amigos! Que dia!
Somos interceptados pelos bombeiros assim que pisamos na rua, e
uma enfermeira simpática nos encaminha até a ambulância para prosseguir
com os primeiros socorros. Sou atendida primeiro, e eles cuidam das
escoriações, me colocando em um inalador para tentar limpar um pouco o
pulmão da fumaça. Acompanho os mesmos procedimentos aplicados em meu
companheiro de incêndio e fico com uma vontade louca de saber o seu nome.
Parece que só assim eu vou suprir essa curiosidade enorme.
Vai ver, acontece mesmo o que todo mundo diz: ficamos obcecados
pelos nossos heróis. E mesmo ele sendo um jumento, de querer buscar um
maldito teclado, ele também enroscou seu braço protetor ao meu redor, me
protegeu das labaredas.
— Liz, eu achei que você iria virar churrasquinho! Não faz nunca
mais isso comigo! — Paloma grita, chegando descalça perto da ambulância.
Puxa! Começa, só agora, a cair a ficha do quão perto eu estive de
morrer.
— Relaxa, eu estou bem — digo em um fio de voz, sendo tomada por
uma emoção.
E, sem que eu perceba, estou chorando e tremendo, completamente
em pânico. Eu quase morri! Caralho!
Os enfermeiros me olham preocupados, mas eu rejeito ajuda, tentando
recuperar a compostura. Eu sou uma médica renomada, sei tudo sobre
traumas, pânico e estado de choque. Não posso simplesmente cair num
espiral e ficar enlouquecendo no meio da rua.
Respira, Liz. Respira. Você consegue.
Vou mentalizando, e só quando eu sinto um toque potente em meu
braço, eu consigo desvencilhar e retomar a dignidade.
— Eu já estou indo, só queria agradecer por tudo — o professor diz, e
eu o olho, ainda sem confiar em minhas próprias palavras. — sem você, eu
teria perdido um dos meus bens mais preciosos, nunca vou esquecer!
Obrigado!
Ele diz com tanta simplicidade, que eu sou forçada a olhar novamente
o instrumento. Será que é antigo? Alguma relíquia? Como não consigo ver
nada de diferente, levanto uma sobrancelha o questionando, e ele coça a nuca,
sem saber se deve revelar o seu segredo ou não.
— Foi o meu primeiro teclado, e eu dormi três dias na porta do hotel
até o Paul McCartney autografar. Eu sou o maior fã de Beatles, então
realmente significa muito para mim.
— Tudo bem — respondo, sem saber mais o que dizer. — Qual é o
seu nome mesmo?
— Sou Carlos, e você? — ele pergunta com os olhos inquisidores.
— Liz.
— Bonito nome, assim como a dona. Espero que a sua noite não tenha
sido tão ruim.
— É, eu estava me divertindo antes do incêndio — digo, tentando
fazer piada sobre o assunto, mas ainda estou tremendo um pouco quando
penso no que aconteceu.
— Eu preciso pegar o próximo ônibus, se não, só daqui a uma hora —
ele diz solene —, então, flor de Liz, até a próxima.
Peraí. Esse bonitão, carregando um teclado assinado pelo Paul
McCartney vai andar de ônibus às duas horas da manhã? Fora de cogitação.
Estamos no Rio de Janeiro, porra.
— Ta maluco, né? Vai de ônibus uma hora dessa, carregando esse
tesouro para casa? Nem pensar!
— Ah… — ele diz, subitamente tímido — está tudo bem. Eu perdi a
minha carona, então é isso ou pagar 96 reais de Uber. E eu recuso dar todo
esse dinheiro para apenas chegar em casa. Mas, fique tranquila, está tudo
bem.
Pego a minha bolsa com força e o olho, decidida.
— Hoje é sexta, Carlos, e eu não vou deixar você ir para casa de
ônibus nesse horário. Vem comigo.
Paloma, que estava ao meu lado o tempo inteiro, me olha
completamente assustada, e eu dou de ombros, sem saber o que dizer. Não dá
para deixar esse homão todo soltinho na rua carregando um tesouro desses.
Só Deus sabe o quão fã dos Beatles eu sou, e o quão prestes a virar fã
de carteirinha desse cara também.
CAPÍTULO 5
O caminho da volta foi, no mínimo, interessante. Paloma não se
cansou de reclamar, nenhum segundo sequer, sobre o incêndio e como foi
tudo horrível, em seu jeito dramático de ver a vida. Ela me mandou milhares
de olhares insinuantes pelo espelho do retrovisor, mas eu ignorei todos eles.
Ninguém a autorizou a julgar minhas atitudes, e não vai ser agora que ela vai
fazer isso.
Carlos, sentado ao meu lado, esboça um bico muito engraçado, que
não combina em nada com o homem grande e bonito que ele é. O homem até
tentou resistir, mas eu nunca perco uma boa briga ou discussão, isso é um
fato. E, alguns quarteirões depois, já estamos em casa.
Meu prédio é pequeno e bem arborizado, com apenas 6 apartamentos
ao todo, então, quando cumprimentamos o porteiro do turno noturno, José,
tenho certeza que todo mundo vai saber que eu trouxe um macho pra minha
casa. Ele é o mais fofoqueiro, infelizmente.
— Então, eu te vejo por ai — Paloma diz quando o elevador para em
seu andar, e ela faz um sinal de telefone bem explícito. Eu sei, vou ter que te
ligar para contar todos os babados, não precisa ser tão indiscreta.
— Bom — eu digo assim que entramos no hall do prédio —, eu moro
aqui, e você pode dormir em meu sofá. Tá tudo certo — digo mais pra mim
do que para ele, que apenas acena com a cabeça sem muita opção.
Abro a porta e ele entra observando todo o meu cantinho. O
apartamento é bem colorido e segue uma inspiração boho chic, com várias
cores, rendas e ornamentos feitos com palha. Fazer o quê? Eu amo esse estilo
e se eu vou ver clean e branco a maior parte do dia, eu preciso ter algo
colorido e aconchegante quando chego em casa.
— Pode ficar à vontade, viu, Carlos? — digo, já largando a minha
bolsa na poltrona mais próxima e tirando os sapatos, sem cerimônia, no meio
da sala.
— Ahn… É estranho perguntar se você tem alguma camisa
masculina? Essa que eu to usando está extremamente enfumaçada… — ele
diz constrangido, e eu tenho vontade de pular em seu colo e encher essas
bochechas de beijos.
— Na verdade, não, mas pode tirar e ficar só de cueca. Coloco tudo
na máquina e amanhã já está limpinho, sequinho e pronto para você usar —
digo, indo em direção ao meu quarto no fim do corredor. — Só um
minutinho.
Entro em meu quarto e fecho a porta logo atrás de mim. É hoje, Liz,
que você vai se dar bem! Um gato desse no seu apartamento, apenas de
cueca, é um presentinho divino que eu não vou recusar.
Me olho no espelho e vejo uma mulher com seus cabelos longos
completamente desgrenhados e olhos assustados. Joelhos ralados, um pouco
suja de fumaça, um vestido completamente amarrotado. Estou um completo
caos.
Pego uma toalha reserva e vou até a sala, mostrando o banheiro de
visitas. Ele agradece, ainda bastante tímido, e eu vou pra minha suíte fazer o
mesmo. Me arrumo um pouquinho, apenas passando um perfume e,
corretivo, e um batom simples. Escolho uma lingerie super chamativa e
periguete, coloco meu robe praticamente transparente, de tão pecaminoso, e
abro a porta com a roupa suja em mãos. Meu objetivo é seduzir, lógico. Não
dá para sair de um incêndio, quase morrer e não tentar tirar uma casquinha
desse gostoso.
— Já separou a sua roupa suja, Carlos? — pergunto, abrindo a porta,
fingindo ser inocente.
Ele está desconcertado, debaixo do lençol fino que eu separei para
ele.
— Já sim, estão aqui… — ele aponta para a mesinha de centro, e eu
abro um sorrisom, me inclinando para pegar.
Vou até a lavanderia e programo a máquina, antes de voltar para a
sala e sentar na poltrona em frente ao sofá que ele está.
— Que noite, hein, cara? Nós poderíamos ter morrido — digo,
tentando quebrar o clima, e ele me olha com uma cara engraçada, assustado.
— Nem me fale. Nós dois perdemos a noção do perigo.
Quem tá perdendo a noção do perigo é esse boy, só de cueca no meu
sofá. Isso não se faz, não, mesmo depois de um trauma. É como levar uma
criança para a Disney e não deixar ela ir em nenhuma atração.
Me aproximo um pouco mais, e vejo seu olhar de desejo, apesar da
timidez, e isso é tudo o que eu preciso para me sentir um pouco mais corajosa
em minhas investidas.
CAPÍTULO 6
Vou em sua direção no sofá, devagarinho, e ele não faz menção de me
recusar, ou me afastar. Me sento ao seu lado, olhando-o nos olhos e, com um
sorriso de lado, o questiono com o olhar. Vamos professor, aceite meu flerte.
Seus lábios se entreabrem e ele vem em minha direção, segurando em minha
cintura e beijando a minha boca em um contato forte e potente.
Uau, esse homem é tudo de bom.
Nós nos aprofundamos em um beijo intenso e cheio de insinuações.
Sua boca macia parece se encaixar perfeitamente na minha, e a sensação é
arrebatadora. Carlos é incrível. Me insinuo um pouco mais, subindo em seu
colo, e ele crava sua mão possessiva em meu bumbum, ansioso por mais. Ele
desafivela o cinto do meu robe e tateia o meu corpo querendo conhecê-lo. Me
arrepio inteira com o seu toque, e abro um sorriso surpreso. Nossos lábios se
separam pela primeira vez desde que nos conectamos um com o outro. Ele
joga o robe para longe, e me puxa em seu encontro novamente, se livrando do
lençol no meio do caminho.
Carlos traça uma linha de beijos pela linha do meu pescoço até o
contorno rendado do meu sutiã. Solto um grito de choque e de necessidade no
instante em que ele puxa um dos bojos para baixo e captura um mamilo com
a boca. A sensação do seu toque dos seus lábios na minha pele, me faz jogar
a cabeça para trás. Uma das minhas mãos agarra o cabelo em sua nuca,
tentando ao máximo sentir essa sensação arrebatadora. Começo a arder por
dentro, me incendiando a todo o vapor. Vou com a mão ansiosa, enfiando-a
entre o tecido de algodão da cueca e a pele quente. Agarro a ereção,
conferindo a sua virilidade, e solto um gemido em resposta à sensação da
minha pele na sua carne.
Suas mãos instantaneamente voam para minhas coxas e puxam minha
calcinha fio-dental, encharcada, de lado. Que homem é esse Brasil? Quente
como o inferno. Ele desliza um dedo pela minha fenda e meus quadris dão
um espasmo diante da sensação. É impossível ser tão bom assim? Isso parece
ser imoral. Pressiono os quadris em suas mãos, ávida e sem vergonha de me
perder no prazer. Eu sou uma mulher de atitude, professor, mas em suas
mãos estou parecendo uma gatinha ansiosa.
— Meu Deus! É impossível ser tão bom assim — sussurro em seu
ouvido, dando voz aos meus pensamentos, incrédula.
Carlos abre um sorriso safado e, como se fosse para provar o quão
possível é essa sensação, ele desliza um dedo para dentro de mim e espalha a
umidade, me testando.
— Eu te quero, Liz — ele diz com uma voz rouca, me fazendo perder
todo o controle que me restava.
— Eu também te quero, professor — digo sacana, e lhe entrego um
envelope de preservativo.
Antes que eu possa reclamar da ausência de seus dedos, ele me
penetra com uma investida vigorosa, fazendo com que eu solte um grito de
surpresa e tesão. Ele suspira, parecendo satisfeito. Carlos para e se enfia o
mais fundo que consegue, seu corpo se moldando ao meu desejoso. Seus
músculos dos ombros ficam tensos debaixo das minhas mãos, e eu posso
apostar que ele está fazendo um grande esforço para não ir com tanta sede ao
pote, tentando se apegar a seu autocontrole.
Tomo as rédeas da situação e começo a me mover contra ele,
ondulando os quadris, exigindo que ele exigindo que me possua com tudo e
me possua com tudo o que pode me oferecer. Incitando-o a perder o controle.
Não preciso de nenhuma preliminar agora, só preciso tê-lo em mim e saciar
esse desejo louco que passou a me consumir. Tudo o que eu preciso é dele.
Carlos crava os dedos em mim, marcando com força a minha bunda, e
me segura na beira do sofá, investindo contra mim com toda a força de seu
ser. De novo e de novo. Estocada após estocada deliciosa.
— Liz, meu Deus. – Ele não consegue se controlar mais, e se move
com força entre minhas coxas.
Carlos então possui e me devora de novo. E, entre um beijo e outro,
ele me puxa para si, me levanta e me vira, de forma que caímos os dois no
sofá em um estalo, ele por cima dessa vez. Sua boca toma a minha
novamente, chupando e mordendo meus lábios, exigindo tudo de mim. Seu
corpo recupera o ritmo, e sinto a pressão crescer, agarrando a nuca de Carlos.
— Meu Deus, Carlos! Você. É. Incrível — murmuro nos seus lábios,
sem conseguir falar mais nada, tomada pelas sensações.
Arqueio as costas e ele passa a atingir o meu ponto mais sensível, me
fazendo delirar sobre os seus braços. E, então, não consigo segurar o gemido
de êxtase absoluto ao senti-lo chegar até o fundo, recuar devagar e depois
mergulhar de novo. É arrebatador.
Olho para ele e sua camada de suor no rosto e nos ombros, e encontro
seus olhos. Sustento seu olhar o máximo que consigo até ser demais para eu
suportar. Seu olhar não me passa nada além de confiança e tesão. Ele, com
certeza, está gostando tanto disso quanto eu, ou até mais. Não há nada
protegendo as emoções que perpassam seus olhos, ele parece ser um livro
aberto, e isso me deixa fascinada. Jogo a cabeça para trás, de olhos fechados,
e agarrando qualquer coisa que possa me manter sã.
— Aguenta Liz, espere por mim — ele sussurra sexy em meu ouvido,
mergulhando ainda mais fundo.
— Meu Deus! — grito ao sentir meu corpo se despedaçar em milhões
de pedacinhos de prazer com nada além de sensações.
O clímax inunda o meu corpo e consome todo o meu fôlego, todos os
meus pensamentos e todas as minhas reações. Sinto Carlos também chegar ao
seu clímax, gritando meu nome, sem fôlego. Ele joga a cabeça para trás,
recebendo o próprio prazer com espasmos bruscos dentro de mim, ofegante.
Quando ele volta a si, ainda estou recuperando o fôlego e meus
pensamentos, com os olhos fechados e a cabeça apoiada. Sem interromper
nossa conexão, ele baixa o corpo em cima do meu, soltando o peso nos
cotovelos, apoiados de cada lado de mim. Ele segura meu rosto com os
dedos, passando os polegares com cuidado no meu rosto.
Sinto sua respiração roçar meus lábios, mas ainda não consigo abrir
os meus olhos. Preciso tomar as rédeas das minhas emoções antes que eu
possa encará-lo.
— Uau. — Só consigo dizer isso quando abro os meus olhos.
— Realmente… uau mesmo — ele diz, me aconchegando em um
abraço.
Eu posso estar errada, mas tenho quase certeza que esse foi o melhor
sexo de toda a minha vida. E eu não costumo dizer isso com frequência.
Ficamos, os dois curtindo o silêncio, imersos em nossos próprios
pensamentos por alguns minutos. E, quando olho novamente em seus olhos,
sinto que ele está pensando exatamente a mesma coisa que eu. Me levanto em
um pulo, e o puxo pela mão, em direção ao meu quarto. Isso foi só o teste
drive, dessa vez vai ser pra valer.
CAPÍTULO 7
Acordo assustada e olho imediatamente para a mesa de cabeceira, em
busca do meu despertador. Preciso ir para o hospital urgente. Ainda um
pouco desnorteada com os acontecimentos de ontem, perco alguns segundos
importantes, apenas me lembrando de cada momento ao lado de Carlos. Que
noite incrível, que homem sexy, forte e sedutor! Jesus me abana! Observo
seu sono tranquilo, e quase cogito me atrasar apenas para ficar olhando-o
dormir. Quase.
Vou para o banheiro me arrumar para sair, e quando não consigo adiar
mais a minha saída, vou até o professor na intenção de acordá-lo.
— Psiu — cutuco seu ombro e ele abre os olhos, com uma expressão
desnorteada. — Você precisa embora — digo sem mais delongas, até porque,
estou sem tempo.
— Bom dia para você também — ele responde um pouco mau
humorado, parecendo ofendido.
— Eu já tirei a sua roupa da máquina — aponto para o montinho no pé
da cama —, sua cueca está aí também. Vou dar licença para você se trocar,
qualquer coisa estou na sala.
Giro meus calcanhares e vou em direção a sala, aflita. Hoje tenho
duas cesáreas marcadas para o horário da manhã, e ainda nem sei quem vai
ser a minha equipe. Será que a Flávia, a primeira paciente, já chegou e foi
para a sala de preparação? Confiro as horas novamente no relógio e fico
ansiosa quando percebo que já estou atrasada.
Carlos abre a porta e eu solto um suspiro de alívio, indo em direção a
porta.
— Eu estou um pouco atrasada… — digo tentando me explicar, mas
ele apenas me olha com repreensão. Um olhar que apenas um professor
consegue dar para os seus alunos.
— Tudo bem, eu já entendi, Liz — ele anda a passos largos, agarra
seu teclado do Paul McCartney, abre a porta do meu apartamento e diz com
um rancor tão grande em sua voz que me quebra ao meio — a gente se vê por
aí.
Sem nem um bom dia de despedida, Carlos deixa o meu apartamento,
descendo pelas escadas para não ter que esperar o elevador. E eu fico com a
boca aberta, um incômodo chato no peito e um sabor amargo na boca.
Definitivamente essa não era a despedida que eu gostaria de ter tido.

***

O dia passa voando no hospital, os partos de hoje foram bem mais


complicados que os normais, e quando eu finalmente paro para comer algo e
encontrar Paloma eu estou completamente exausta. Ela entra no refeitório
com os olhos inquisidores e para com a mão na cintura, fazendo o maior
drama.
— Que ideia de jerico foi essa de colocar um homem completamente
desconhecido dentro da sua casa, em plena madrugada doutora Liz? Tá afim
de morrer é? — ela pergunta brava, mas consigo ver a curiosidade em seu
olhar. A safada com certeza está doidinha para saber todos os detalhes
sórdidos.
— Você olhou bem pra ele? A cara de bom moço? O homem é
professor… Não iria me fazer mal — digo sentindo as minhas bochechas
queimarem — muito pelo contrário. Ele me fez muito bem.
— Eu sabia! — ela fala mais alto, e se senta ansiosa para saber sobre
todos os detalhes sórdidos — Vai, conta tudo e não me esconda nada.
Reviro os olhos fazendo um suspense, mas abro um sorriso bem grande
e começo a falar.
— Mulher! Que homem. Ele é tudo de bom. Não parece ser um furacão
porque é bem tímido, mas quando se soltou, foi nota dez. A noite inteira, sem
cansar. Adorei.
Conto animada e ela me olha engraçado.
— É bom te ver feliz amiga. E aí, quando vai ver ele de novo?
— Então, hoje teve um mal entendido de manhã. Estava apressada para
vir pro trabalho e ele acho que eu o mandei embora. Nem trocamos telefone,
nem nada do tipo — digo um pouco desanimada — mas, tudo bem. Às vezes
é melhor assim… não estou querendo me envolver mais sério com ninguém.
— Ah Liz, vai me dizer que não ficou interessada em nada mais sério?
Está estampado em sua cara que você quer sim, mas ficou com o orgulho
ferido — ela diz colocando a mão no meu ombro — mas tudo bem! Vamos
achar esse professor de novo. Só procurar o nome da banda dos alunos dele,
ir no próximo show, abordar algum deles, explicar a situação. Vamos
conseguir o número desse boy.
— Não viaja amiga, eu nunca vou fazer isso. Além do mais, está tudo
bem. Fica tranquila. Foi melhor assim — digo para ela, tentando acreditar em
minhas próprias palavras.
Espero mesmo que isso seja verdade.
CAPÍTULO 8
O dia foi lotado e desesperador. Ao total foram mais sete bebês para a
minha conta imaginária de vidas que trouxe ao mundo, além de, infelizmente,
ter uma mamãe em pedaços por uma complicação no parto. Nem só de flores
os médicos vivem, isso é um fato. No fim, não pude fazer nada para salvar a
criança, e este é um fato que eu tenho que lidar constantemente, apesar de
quase sempre sentir uma frustração tremenda. E, quando eu finalmente
termino o meu plantão e posso enfim descansar, me sinto deprimida na volta
para casa.
A solidão de morar em uma cidade enorme, longe de toda a minha
família, raramente me assola. Eu vim para cá realizar o meu sonho de ser
médica, estudei com dificuldade, me formei com honras e consegui uma
residência com rapidez. Tudo o que eu sempre quis, aconteceu. Consegui um
bom emprego, fiz muitos amigos, sou respeitada e querida em meu trabalho.
Ao analisar a minha vida por completo, posso dizer que me saí muito bem.
Mas, sempre tem aquela coisinha chata que nos deixa com a pulga atrás
da orelha. Eu, que nunca quis me apegar a ninguém por ter outras
prioridades, me acostumei a ser e estar sozinha. E hoje eu colho os frutos de
nunca deixar ninguém entrar em minha vida. Todos os dias volto para casa
sozinha e não tem ninguém me esperando.
Perdida em meus pensamentos, viro a esquina, prestes a entrar na
garagem do meu prédio, cantando Come Together dos Beatles a todo pulmão,
e quase tenho uma parada cardíaca quando vejo o professor sentado no meio
fio.
O que será que aconteceu?
Entro rápido, e estaciono de qualquer jeito, já ansiosa para saber o que
ele está fazendo aqui. Dou uma conferida no espelho, mas o ninho de gato
que está o meu cabelo não ajuda em nada. Eu estou um desastre total, mas,
passo um perfuminho e respiro fundo antes de ir em sua direção.
— Oi… — digo reticente — aconteceu alguma coisa?
Ele me analisa com seus olhos questionadores e balança a cabeça em
negativa, fazendo com que eu solte a respiração, que nem havia percebido
que estava prendendo.
— Oi… não aconteceu nada demais — ele diz, coçando a cabeça
timidamente — é que como eu saí apressado hoje de manhã, acabei deixando
em seu apartamento a minha carteira e meu celular, em cima da mesinha de
centro.
Eu murcho visivelmente, e ele parece perceber.
— Ah… — apenas respondo isso para não deixá-lo em um vácuo total.
Sem saber exatamente o que dizer.
O que você estava esperando, Liz? Que ele chegasse dizendo que
descobriu em uma noite que você é a mulher da vida dele? Cai na real.
— Pode entrar — abro a porta do prédio e o deixo passar. — E ai
Carlos, tudo bem? — puxo um assunto, entrando no elevador.
— Tudo sim, e com você, Liz? — ele diz meu nome tão intensamente,
que eu sinto um arrepio na espinha.
— Tudo bem, apenas cansada — digo, saindo finalmente do elevador e
entrando em casa.
Abro a porta do meu apartamento, e ele parece reparar em cada
coisinha da decoração, antes de bater o olho na mesa de centro, e encontrar
sua carteira e celular, sãos e salvos. Ele vai vagarosamente até o local, e pega
os seus pertences, em um momento completamente constrangedor.
— É… ah… você quer sentar? Tomar um cafézinho? — pergunto
apreensiva, me livrando da bolsa e do sapato de salto desconfortável. — Eu
acho que tenho alguma coisa na geladeira.
— Não, realmente não precisa se incomodar. Eu entendi que não sou
bem vindo e que você fica desconfortável na minha presença. Só voltei
porque realmente preciso do celular e da carteira. Não precisa se incomodar.
Fico estática, chocada. Puxa! Ele realmente pensa muito mal de mim.
— Carlos, eu não me sinto desconfortável perto de você — digo, me
sentando no sofá em sua frente — Eu só estava atrasada para o meu plantão.
Precisava fazer uma cesárea que estava marcada, e eu não podia me atrasar.
Desculpe se eu fui grosseira com você essa manhã. Realmente, não foi a
minha intenção.
Ele fica completamente sem graça, com as bochechas e pescoço
vermelhos, e abre a boca várias vezes antes de falar alguma coisa.
— Então realmente foi um mal entendido. Não sabia que você era
médica, e ainda mais cirurgiã, desculpe se te atrapalhei.
— Não sabemos nada um do outro, isso é natural. Mas, tudo bem.
Temos uma segunda chance para nos conhecermos melhor, o que você acha?
— pergunto impulsivamente.
— Eu acho uma ótima ideia.
CAPÍTULO 9
Depois de um banho rápido, para recuperar a dignidade, eu e o
professor pedimos uma pizza e começamos a beber um vinho tinto. Ele se
mostrou mais tranquilo e menos hostil, depois que expliquei o mal entendido
de manhã, e conseguimos superar a impressão ruim que ficou.
Enquanto a noite corria, nós nos dedicamos a conversar e nos conhecer
melhor. Conto a ele o quão difícil foi sair de Belo Horizonte e me aventurar
no Rio de Janeiro para cursar a faculdade de medicina. Digo a ele sobre todas
as dificuldades do curso, o amor pela profissão e pela área que eu escolhi. A
realização de pegar cada nova vida nos braços e saber que elas vieram com
saúde para o mundo porque eu tive uma pequena parcela nisso. Tudo é muito
gratificante.
Carlos me escuta com paciência e interesse, e em todos os momentos se
prontifica a fazer mais perguntas, a fim de me conhecer melhor. Explico
como tudo funciona no hospital, sobre a minha amizade de anos com a
Paloma e o quando adoro a minha rotina puxada. E, em meio a risadas e
confidências, vamos nos conhecendo melhor.
— Mas então, professor, agora é a sua vez de me surpreender — digo
divertida —, me conte sobre você.
— Ah… eu não tenho uma vida impressionante, sendo um super herói
dos bebês ou algo do tipo. Sou professor de música na federal, movido e
apaixonado por qualquer tipo de acorde, mas comecei a tocar piano ouvindo
Beatles. Então, não consigo fugir desse clichê.
Ele, então, começa a me contar de onde surgiu a sua paixão, e como
os seus avós eram apaixonados e tiveram uma história de amor movida pelas
músicas da banda. E, a cada palavra tocante, eu começo a ficar ainda mais
encantada.
— Eles realmente eram um casal incrível, trocavam bilhetes, meu avô
sempre trazia flores e cantava I wanna hold your hand para ela. Cresci nesse
meio e não tive como fugir.
— Que história incrível. E seus pais sempre te apoiaram? —
pergunto, bebendo um gole generoso da nossa segunda garrafa.
Carlos solta uma risada sonora e eu fico intrigada.
— Apoiar? — ele solta um assobio depreciativo — meu pai queria
que eu fosse advogado e assumisse o escritório familiar. Foi como se eu
tivesse que cortar laços para fazer, e ser, quem eu realmente sou. Foi terrível
na época, não me apoiaram em nada — ele diz meio pensativo —, mas, tudo
bem. Eu tenho alma de artista, não posso negar isso para ninguém, muito
menos para mim mesmo.
— Te admiro muito por isso — digo solenemente, encerrando a
discussão.
Cada segundo que eu passo ao lado de Carlos, ele me parece mais
interessante.
— E então? Nenhuma mulher? Sem filhos? — pergunto curiosa.
— Nada disso por aqui. E você? — ele pergunta e eu vejo curiosidade
em seu olhar.
— Não estou pronta, e nem quero tão cedo esse tipo de compromisso
— digo categórica e ele assente com a cabeça, demonstrando que entendeu
muito mais do que eu realmente quis falar.
Sei que posso estar parecendo uma piranha sem coração falando
assim, mas eu realmente não quero ter que arcar com as consequências de um
mal entendido porque eu não fui sincera desde o início. Eu sou assim, e
realmente não estou preparada para ter algo mais sério. Nem com ele, nem
com ninguém.
Carlos muda de assunto, e voltamos a entrar em uma área neutra,
falando sobre nossos filmes preferidos, e quando a segunda garrafa de vinho
acaba, resolvo tomar uma nova atitude.
— Sabe professor, eu não fui uma boa aluna na faculdade… — digo
com uma voz arrastada, indo em sua direção.
Ele solta uma risada espontânea e cheia de segundas intenções, e
nesse momento eu sei que ele também me deseja ardentemente.
— O que você fez, hein, senhorita Liz? — ele diz, se inclinando em
minha direção, chegando perto e fazendo com que eu sinta uma a sua
respiração contra a minha pele.
— Faltei a um monte de aulas… uma em especial você poderia me
ajudar… — digo com a maior cara de tarada que eu consigo — flauta. Você
pode me ensinar a tocar? — Assim que eu termino de falar, nós dois caímos
na gargalhada.
Tenho plena consciência de que foi a pior cantada de todos os tempos,
mas deu certo, porque ele, depois de conseguir controlar a sua crise de riso,
me pega pela cintura e responde falando baixo em meu ouvido.
— Claro que eu posso. Agora mesmo, inclusive.
E essa era a deixa que faltava para os nossos corpos colidirem, nossas
bocas se colarem e para passarmos a ser só sensações pelo resto da noite.
CAPÍTULO 10
Eu e Carlos passamos a nos encontrar esporadicamente, em segredo.
Não que houvesse algum motivo para isso acontecer, mas simplesmente
preferimos ser muito discretos em relação a isso. Uma decisão madura que
tivemos quando conversamos naquela noite de muito vinho e pizza. Bom,
claro, depois de percebermos que a atração entre nós dois é tão palpável que
não conseguimos ficar longe um do outro por muito tempo. Chegamos a um
acordo velado de que teríamos apenas o bom, velho e delicioso, sexo sem
compromisso. Eu não quero, nem estou pronta para um relacionamento sério,
e ele também pareceu muito satisfeito com a vida que leva para querer mudar
alguma coisa.
Desde então, nossos encontros se tornaram a melhor parte da minha
semana, na sua casa ou na minha, para matarmos a saudade, o tempo livre ou
simplesmente apagar o fogo. O nosso fogo, no caso. E, a cada encontro, eu
passei a ter mais certeza de que estava completamente lascada. Meu professor
arruinou completamente o sexo casual para mim. Absolutamente nada se
compara a como ele me faz sentir, como nossos corpos se encaixam
perfeitamente ou como nos tornamos animais quando estamos um com o
outro.
No trabalho, Paloma cansou de tentar arrancar alguma informação.
"Por que você está sorrindo dessa forma?" "Por que seu cabelo está tão
brilhante?" "Por que você não parece mais a médica estressada de antes?
Cadê a minha melhor amiga?" E todas as vezes que ela começava com as
milhares de perguntas, eu simplesmente abria um sorriso misterioso e a
deixava na curiosidade. Deus me livre abrir o bico e ela começar a fazer
desses encontros algo grande! Seria apenas uma dor de cabeça a mais.
***

Chego em 5 minutos,
Estou trazendo um japa gostoso.
Carlos

Leio novamente a sua mensagem e termino de pentear meus cabelos,


com um sorrisinho babaca no rosto. Como ele adivinhou que eu amo japa e
estava morrendo de vontade mesmo?
Antes que eu possa responder, ele toca a campainha e eu vou, apenas de
robe e lingerie por baixo, recebê-lo.
— Boa noite, professor — digo em uma voz sexy.
— Se eu soubesse que era essa a recepção, com certeza teria chegado
mais cedo.
— Você me deixou esperando tempo demais! — Eu concordo,
roubando um beijo e trancando a porta.
Carlos morde meu lábio e abre um sorriso.
— Linda e cheirosa, como sempre.
— Obrigada, você também não está de se jogar fora — digo —, e
ainda trouxe comida.
— Minha mãe sempre disse que as pessoas eram conquistadas pela
barriga — ele fala, dando de ombros.
— Na faculdade também. Mas no caso, a barriga era em outro sentido
— digo piscando, e faço uma mímica de grávida para ele, que cai na
gargalhada.
Comemos nos provocando, e quando não aguento mais esperar,
derrubo "sem querer molho shoyu em sua calça.
— Ops! Acho que eu vou ter que colocar para lavar — digo brincando
e ele gargalha alto —, mas você pode ficar à vontade.
Sem mais cerimônia, ele arranca a camisa e a calça, ficando apenas de
cueca para mim.
— Assim está melhor, Liz? — Carlos fala com a sua voz rouca.
— Muito melhor, professor.
Carlos, então, avança em minha direção, me pegando no colo, com a
sua boca colada à minha. Passo minhas pernas por seu corpo, prendendo-me
a ele enquanto nossas línguas se completam numa dança deliciosa. Ah! Como
eu adoro esse beijo.
Ele me guia até a cama, deitando-se sobre mim, e toco seu corpo com
saudade, meus dedos passeando entre seus músculos, subindo por seu peitoral
e descendo por seus braços. Nossas bocas se afastam e ele beija minha
barriga, com as mãos cravadas em minhas coxas. O ajudo a tirar o robe e a
lingerie, enquanto suas mãos possuem todo o meu corpo. Sua boca alcança
meu seio, sugando meu mamilo com força, brincando com seus dentes em
minha pele, me fazendo arrepiar.
Carlos abaixa a cueca, com a sua ereção apontada firme para mim.
Pego seu membro e o acaricio, com verdadeira adoração. Meu professor é o
homem mais viril que eu já conheci. Ele geme, enfiando os dedos em meus
cabelos, me deixando maluca.
Na ânsia de satisfazê-lo, levo seu pau a boca, saboreando sua
extensão, chupando com todo desejo que tenho, tocando-o com desespero.
— Liz… você é incrível — Carlos diz com a voz rouca, e sugo com
mais força, sentindo-o pulsar em minha boca.
Ele me afasta um tempo depois, sua boca toma a minha com o mesmo
desespero. Estamos há quase uma semana sem nos encontrar, e o desejo
passou a ser latente entre nós dois, com certeza. Seu corpo cai sobre o meu e,
enquanto sua boca me toma, seu pau passeia por minha coxa.
Pego a camisinha na mesa de cabeceira ao lado da cama, abro o
pacote com o dente, e a desenrolo por toda sua extensão, sob seu olhar atento.
Então volto a me deitar e olho naqueles olhos ansiosos, louca de desejo. Ele
devolve o olhar enquanto me penetra devagar.
E, mesmo não sendo a primeira vez juntos, sempre é como se fosse
única. É tão bom ser preenchida, centímetro por centímetro, que praticamente
desfaleço em seus braços. Gemo chamando seu nome e ele faz o mesmo,
gemendo alto quando finalmente está todo dentro de mim.
Contorço-me sob seu corpo, e ele se move devagar. Saindo de dentro
de mim e entrando de novo, reconhecendo cada sensação, junto comigo.
Então ele acelera, geme mais alto quando mete com força, mais
rápido. Apoio meus pés em sua bunda durinha e o sinto com tudo. De novo, e
de novo. Atingindo um ponto meu que me faz perder a razão. Então, gira
nossos corpos e monto sobre ele, apoio minhas mãos em seu peito, sinto seu
coração logo abaixo do meu toque, e nossa conexão não é quebrada quando
sento sobre sua ereção, sentindo-o ir ainda mais fundo, se é que é possível.
Me movo devagar uma vez, duas, e acelero o movimento, incapaz de
me conter. Eu não quero que isso acabe nunca, e, ainda assim, preciso que
acabe. Preciso chegar nesse lugar com ele. Nossos corpos estão suando, suas
mãos apertam meus seios, enquanto cavalgo sobre ele, e, quando parece que
não vou aguentar mais, rebolo sobre seu pau duro, sentindo tudo: ele me
completando como nunca foi antes.
Carlos goza, gritando meu nome e cravando os dedos em meu corpo,
prendendo-me a ele e guiando meus movimentos finais, quando sinto de novo
um êxtase que só ele consegue me fazer alcançar.
— Ah, minha Liz, você é incrível — ele sussurra em meu ouvido,
ofegante.
— Você também não é de se jogar fora professor — digo novamente,
brincando.
Após alguns minutos, quando eu acho que ele já está dormindo, o
escuto cantar baixinho em meu ouvido:
If I fell in love with you,
Would you promise to be true
And help me understand?

'Cause I've been in love before


And I found that love is more
Than just holdin' hands.

If I give my heart
To you,
I must be sure
From the very start
That you
Would love me more than her.
Seu timbre me toca, mas a música escolhida me preocupa. Fico vários
minutos sem saber o que dizer.
— E se eu me apaixonar por você?
— Carlos… — digo em um tom temeroso e ele suspira, beijando o
topo da minha cabeça.
— Não precisa dizer nada, Liz...
CAPÍTULO 11
Hoje, praticamente quatro meses depois do fatídico incêndio e do início
dos nossos encontros às escondidas, tivemos a nossa primeira discussão.
Carlos me convidou para acompanhá-lo em um evento tedioso do seu
cunhado, praticamente implorando pela minha companhia. Precisei ser firme,
apesar de ter ficado com um pouquinho de vontade de ir. Envolver família e
amigos é uma das coisas que combinamos estar fora do nosso arranjo. Não
posso me dar ao luxo de me apegar, e, se deixamos claro que o que temos é
um lance sem compromisso, não dá para ir aparecendo nas festinhas
familiares falando "Oi gente, essa é a Liz, uma amiga". Ninguém nunca caiu
nessa.
Além disso, e também por isso, Paloma e eu temos um encontro
marcado para a reinauguração do antigo Goró da meia noite bar 's. Agora
com um nome muito mais simples e sob nova direção.
— E então? Você não vai ter uma síndrome de pânico ao entrar no
bar, não, né? Pelo amor de Deus, só de lembrar daquele incêndio, eu tenho
arrepios — ela diz, retocando seu batom vermelho, no espelho do carro.
— Sem traumas por aqui. No fim, acabou tudo bem — digo
simplesmente.
— Ô se acabou, né? Que cara gato, minha nossa senhora das
piriquitas assanhadas. Como você já teve a sua casquinha, se a gente ver ele
de novo, eu vou querer experimentar também.
Ela joga verde para ver se eu me importo, e, como sou pega de
surpresa, engasgo, fazendo uma cena patética. Ainda bem que o semáforo
fecha, e eu consigo me recuperar, antes de lhe dar um olhar matador, abrir o
meu sorriso mais cínico e dizer simplesmente:
— A gente não vai mais encontrar com ele — falo categórica e ela
levanta uma sobrancelha, com uma cara convencida —, mas — engulo seco
—, se a gente se encontrar, você pode fazer o que quiser. Eu não estou nem
aí.
Chegamos ao "novo" bar e me impressiono com o bom gosto dos
novos donos. Tudo está muito bonito, em um formato retrô extremamente
elegante. As poltronas, estilo americanas, dão um charme especial ao local, e
quando percebemos que a nossa mesa cativa ainda existe, e na mesma
disposição, soltamos gritinhos histéricos.
Pedimos uma rodada de caipirinhas para começarmos os trabalhos, e
embalamos em uma conversa animada, quando Paloma me cutuca, mostrando
bem indiscretamente a mesa ao lado. Dois homens muito bonitos abrem um
sorriso simpático, e, sem que eu consiga dizer para ela que não estou
interessada, e voltar a conversar, eles entendem o meu olhar como um
convite, e se mudam para a nossa mesa.
— Boa noite, meninas, tudo bem com vocês? — o loiro de meia idade
diz, se sentando ao meu lado.
Abro um sorrisinho amarelo para Paloma, que dá de ombros e se vira
para o negro alto que se sentou ao seu lado, se apresentando.
— Boa noite, rapazes, meu nome é Paloma e essa aqui é a Liz. E
vocês, como se chamam? — ela diz, praticamente se esfregando no homem,
cheia de sorrisos, e eu reviro os olhos, impaciente.
— Boa noite — digo sem me aprofundar muito no assunto.
— É uma sorte nós nos encontrarmos aqui hoje, não concordam? Eu
me chamo Júlio — o negro diz com um sorriso branco impressionante e
aponta para o amigo ao meu lado —, e ele se chama Ítalo.
— Muito prazer, meninos — minha amiga piriguete diz, oferecendo
dois beijinhos descarados para eles, e eu não vejo outra opção a não ser fazer
a mesma coisa.
Sem ter o que fazer, viro a minha caipirinha com tudo, e começo a
conversar com eles. Minha amiga é fogo, e não tem jeito mesmo. Contamos
um pouco da vida um do outro, e, quando vejo que Paloma realmente está
interessada em Júlio, resolvo relevar, para não ouvir encheção de saco.
Quando começo a falar um pouco mais sobre mim, vejo Ítalo
completamente rendido pelas minhas palavras, e sinto um leve incômodo.
Não estou afim, e não quero iludir ninguém. Antes que eu consiga deixar as
coisas mais claras, sou salva pelo gongo, ou melhor, apresentador.
O microfone da casa chama atenção de todos os presentes, e nós nos
viramos para o palco, fazendo o meu coração parar.
CAPÍTULO 12
O meu professor está ao lado do apresentador, me olhando com olhos
tão julgadores e magoados, que eu me sinto extremamente pequena e
malvada. O que ele está fazendo aqui? Por que caralhos eu fui entrar na
onda da Paloma e deixar esses dois sentarem aqui comigo?
— Hoje nós estamos reabrindo a casa, com um novo formato, muito
mais bonita, equipada e segura. Para nós, é uma honra poder contar com
todos vocês, então, para abrir a noite, apresento a vocês: Carlos Albuquerque.
— O apresentador abre um sorriso enorme e aguarda as palmas, antes de lhe
entregar o microfone.
— Boa noite, senhoras e senhores. Eu não tenho o hábito de me
apresentar em público, mas, a pedido de um grande amigo, estou aqui hoje.
Espero que vocês gostem da nova casa, e a da música.
Olhando diretamente em meus olhos, ele pega o seu teclado e começa
a canção, fazendo com que eu fique completamente arrepiada.
When I find myself in times of trouble
Mother Mary comes to me
Speaking words of wisdom, let it be

And in my hour of darkness


She is standing right in front of me
Speaking words of wisdom, let it be

Let it be, let it be


Let it be, let it be
Whisper words of wisdom, let it be
And when the broken hearted people
Living in the world agree
There will be an answer, let it be

For though they may be parted


There is still a chance that they will see
There will be an answer, let it be

Let it be, let it be


Let it be, let it be
There will be an answer, let it be
E quando ele finalmente acaba, não resisto a tentação de aplaudi-lo de
pé. Sua voz, rouca e suave ao mesmo tempo, é a melhor coisa que eu já ouvi
em toda a minha vida. A música escolhida então, parece ser a tradução do
que a sua alma está dizendo através do seu olhar magoado. Ele me olha
repreensivo e faz um sinal negativo com a cabeça, demonstrando que ficou
realmente chateado de me encontrar na companhia de outra pessoa.
É, Liz, você só faz cagada.
Durante o show, ignoro completamente as pessoas que estão sentadas
comigo na mesa, tendo apenas olhos para Carlos que canta magnificamente
bem. Que homem!
Eventualmente, os rapazes resolvem ir ao banheiro juntos, para nunca
mais voltar, e quando isso acontece, Paloma praticamente soca meu braço em
uma carranca horrível.
— Precisava ser tão insensível? Não trocou nem uma palavra com o
gatinho que estava super afim de você! — ela diz exasperada. — O que
aconteceu?
— Ai Paloma, não enche, só não estava afim. Precisa ter algum
motivo? — digo um pouco mais grossa do que eu pretendo, mas ela mantém
o bico enorme, decidida a me criticar.
— Você poderia ter sido um pouco mais simpática. Sei lá…
— Mais? — falo chocada. — Eu aguentei aquele cara, que tinha
menos do que um neurônio, por horas, apenas para você conseguir dar uns
beijos, e nem isso você fez. Não vem falar de mim, não. — digo me
estressando.
Poxa, quero ver o meu professor cantar, não ficar lavando roupa suja
com essa demônia safada.
— Olha aqui, Liz, eu não sei que bicho te mordeu, mas ele era tímido.
Não ia ficar comigo se você não ficasse com o amigo dele. Nunca ouviu falar
de "broderagem", não? — Ela coloca a mão na cintura, me forçando a olhá-la
novamente.
— Pra mim, "broderagem" é quando os amigos comem o cu um do
outro na amizade. Se for isso que eles têm entre si, bom pra eles, mas não
serve pra mim não, ok? — digo, dando fim à discussão.
Paloma, que não consegue ficar com raiva de mim por muito tempo,
cai na risada pelo que eu falei, e começa a mexer no seu Instagram vendo o
tempo passar.
— Ele canta bem, né? — depois de um tempo, ela diz, tentando
cravar a paz entre nós.
— Ô se canta — digo suspirando.
Canta maravilhosamente bem no chuveiro, no pé do meu ouvido,
fazendo massagem nas minhas costas. Aqui, ele está todo travado, com
vergonha e ansioso, mas continua sendo muito talentoso.
Claro que não exponho em palavras os meus pensamentos, mas ela se
dá por satisfeita e começa então a paquerar com outras pessoas do bar, me
ignorando completamente.
— Acho que eu conheço ele de algum lugar… — ela diz depois de
vários minutos.
— Quem? — pergunto, sem realmente olhá-la nos olhos.
— O cantor. É o professor daquele incêndio — ela diz, como se
matasse a charada.
— Não…? — digo sem convicção.
— É ele sim! Eu sabia! — Paloma fala animada, e chega a bater
palmas na mesa.
— Para com isso, vai chamar a atenção para a nossa mesa, sua louca
— digo baixo, tentando controlá-la.
— Ah, Liz, é ele sim — ela tramboliza os dedos na mesa. — E como
você não pegou o telefone, nem ficou interessada, eu vou tentar a sorte — ela
solta simplesmente, me deixando de boca aberta. — Hoje mesmo você falou
que não tinha problema, né? Olha aí a sorte ao meu favor.
Completamente tapada, ela não percebe quando a fuzilo com o olhar,
e, sem mais explicações, a piranha levanta, rebolando com a sua mini saia em
direção ao palco. Assim que Carlos termina Hey Jude, ela se inclina para
falar em seu ouvido, assanhada. Consigo ver o desconforto do meu professor
da minha mesa, e cruzo os braços, esperando a sua reação. Ele fica
constrangido e um pouco vermelho, mas aceita o que quer que tenha saído da
boca dela, e fala no microfone, como se precisasse dar explicações para o
público. E você precisa mesmo, mocinho!
— Temos um pedido, então, a próxima música é para você… — ele
fala reticente, e ela diz seu nome, para que ele complete a sentença —
Paloma.
CAPÍTULO 13
O show passou a ser um verdadeiro circo de horror. Eu tendo que ver
Paloma flertar descaradamente com Carlos, sem poder dizer nada. Afinal, nós
não temos nada sério, e ela não sabe que temos nos encontrado com
frequência. Fico em uma sinuca de bico, entre ir embora e deixá-la de
bandeja para o meu professor, ou ficar e ter que engolir ela se esfregar nele.
Como posso escolher entre uma coisa ou outra?
Sem ter mais tempo para pensar, Carlos encerra o show agradecendo ao
público. E antes que ele consiga fechar a boca, Paloma já está de pé, pronta
para agir.
— Vamos lá, Liz, você pode nos apresentar — ela diz, completamente
alheia o meu desconforto. — Você chega e fala algo sobre o incêndio, e diz,
‘essa aqui é a minha melhor amiga, Paloma’… o resto pode deixar comigo.
Não respondo nada, para não mandá-la para a Puta que Pariu, e ela
entende a deixa como uma afirmação para o seu pedido absurdo. E, como a
força da natureza que ela é, Paloma sai me arrastando pelo braço em direção
ao palco, em um dos momentos mais constrangedores de toda a minha vida.
— Oi Carlos, tudo bem? — ela diz animada. — Adorei o show!
Parabéns!
Carlos me analisa de cima a baixo, com os olhos semicerrados,
tentando entender o que exatamente está acontecendo. Abaixo os olhos,
tentando conter toda a minha vergonha, e ele entende que ela não sabe de
nada.
— Muito prazer, Paloma — ele fala galante, beijando a mão dela
como um perfeito cavalheiro. — Acho que nós já nos conhecemos… não é?
Ele questiona, apenas para ter certeza.
— É, agora que você disse, acho que sim. Eu sou a Liz, do incêndio
— digo com vergonha.
— Ah — ele apenas exclama, perplexo.
Paloma então o convida para se sentar conosco, e ele,
surpreendentemente, aceita, dando início a minha tortura particular.
Minha ex melhor amiga se insinua para Carlos, que aceita suas
investidas, a encorajando. Ela então se empina toda, indo em sua direção,
cheia de toques e risadas exageradas. E quando a minha oitava caipirinha
chega, e eu vejo ele falando no pé do seu ouvido, meu sangue talha, me
dando uma crise de ciúmes descontrolada.
Antes que eu veja o que eu estou fazendo, entorno tudo em Paloma,
que parece um pintinho molhado, murchando a sua escova perfeita.
— Puxa amiga, me desculpa, eu me desequilibrei — digo embolado,
apenas para que ela não queira dar na minha cara depois dessa cena ridícula.
— Liz, você tá louca? O que te deu? — ela grita frustrada. — Chega
de beber. Você vai para casa agora! — ela fala mandona, como se fosse a
minha mãe, extremamente decepcionada.
Vejo, de rabo de olho, Carlos tentando segurar uma risada e vou
embora batendo o pé, deixando os dois ali sem mais nenhuma explicação.
Pelo menos a vaca vai ter que pagar a minha conta, e, mesmo sabendo
que isso não é nada, e que provavelmente eu vou ter honra e pagar a minha
parte amanhã, me sinto vingada.
Antes mesmo de cruzar a porta do bar, eu já começo a me debulhar
em lágrimas, chamando atenção de algumas pessoas que estão na área de
fumantes. Paro o primeiro táxi que vejo, desesperada para chegar em casa e
chorar mais um pouco de frustração em minha cama quente.
Por que eu tinha que cagar com tudo e colocar sentimento no meio do
sexo sem compromisso?
CAPÍTULO 14
Chego em casa aos tropeços e soluços, louca para fechar os olhos e ver
esse dia acabar. Que ódio!
Depois de um banho bem tomado, coloco meu pijama de vaquinha,
feito especialmente para as horas tristes como essa, e começo a fazer um
brigadeiro. Ninguém pode me julgar, até Deus deve se enfiar em uma panela
de brigadeiro e chorar de vez em quando. Quando olha para baixo e vê o que
fizemos com a sua criação.
Finalmente escolho o filme mais sangrento da Netflix para assistir,
comendo o doce diretamente da panela, escuto a campainha. Ah não, Paloma,
você já tá estourando a minha paciência hoje. Pode parar por aí!
Como não abro a porta, ela continua a tocar insistentemente a
campainha, fazendo com que eu saia marchando, irada, com a colher de pau
na mão, para atendê-la.
— Olha aqui, sua piranha, eu não to afim de papo com você hoje, não.
Vai dormir — abro a porta esbravejando, pronta para tacar brigadeiro em seu
cabelo.
— Boa noite, Liz — Carlos diz contido, com as duas mãos no bolso e
seu famoso teclado encostado na parede ao lado da minha porta.
— Ah, é você — digo murchando a minha postura brava.
— Posso entrar? — ele faz menção de perguntar, mas pega seu
instrumento e já vai entrando no apartamento, como sempre fez. Ele já
conhece muito bem o local.
— Não que você precise esperar um convite né… — digo petulante,
porque estou furiosa. Com ele, com Paloma, comigo.
— Só passei aqui para ver como você está. Você parecia chateada —
ele diz sério, e não consigo ler as suas emoções.
— Jura? Não reparei — respondo indo em direção ao meu brigadeiro
novamente, ansiosa para acabar com o contato visual.
— Para de ser orgulhosa, Liz, você quem não contou para a sua amiga
que estávamos juntos. E, até onde eu me lembre, quando eu cheguei, você já
estava acompanhada. O que aconteceu? Ficou com vergonha e medo de
perder a sua foda fixa? — ele diz magoado, jogando as palavras para me
ferir.
— Não tem nada a ver com isso. Eu não estou sendo orgulhosa, com
ciúmes, ou com raiva. Eu só tive uma discussão com a minha amiga e fiquei
com raiva. Isso não tem nada a ver com você. — Ninguém acreditaria nisso,
principalmente Carlos, que balança a cabeça em negativa, decepcionado.
— Tudo bem, a gente conversa amanhã, quando você estiver mais
sóbria.
Ele começa a se arrastar porta a fora e um estalo se passa na minha
cabeça.
— Ei. Como você entrou no prédio? — pergunto, fuzilando-o com o
olhar. — Eu não autorizei a sua subida.
O professor tem, no mínimo, a decência de ficar envergonhado,
completamente vermelho.
— O porteiro… — ele começa a dar uma desculpa esfarrapada
qualquer, mas eu o corto, me levantando em um pulo e indo em sua direção.
Começo a deferir vários tapas, completamente fora de mim.
— Você estava no apartamento dela, não estava? E depois disso ainda
veio garantir que a trouxa aqui te aceitasse — lágrimas de ódio brotam em
meu olhar, magoada — Vocês transaram?
Ele parece perplexo, e muito ofendido.
— Claro que não, Liz, eu só dei uma carona para ela. Você deixou ela
sozinha e toda molhada no bar, era o mínimo que eu poderia fazer.
— Seu mentiroso! — acuso. — Paloma nunca iria deixar você passar
ileso. Vocês se beijaram?
Ele nem precisa responder. Sua cara completamente culpada me diz
tudo.
— Fora! Vai embora do meu apartamento e da minha vida! —
esbravejo, o empurrando.
Carlos parece chocado com o meu comportamento, e bastante
magoado.
— Liz, foi você quem não quis nada sério. Foi você quem recusou
todos os convites que eu te fiz para sairmos e começarmos a nos conhecer
verdadeiramente bem. Não pense, nem por um minuto, que você está certa,
porque você não está! Quem me ignorou, quem me escondeu e quem me
usou, foi você. Eu não fiz nada demais e estou com a minha consciência
muito tranquila.
As lágrimas agora já começaram a vir com tudo, e não me importo
nem um pouco em demonstrar fragilidade. Estou em pedaços.
— Vai embora, Carlos — consigo dizer simplesmente.
— Eu vou, mas pode ter certeza que eu não volto.
E, dizendo isso, ele pega seu teclado e sai porta afora, me deixando
em pedaços no meio da minha sala de estar.
CAPÍTULO 15
Duas semanas já se passaram desde aquela maldita noite. Se eu
soubesse o quão amarga ela iria ser, teria me escondido debaixo da cama, e
apenas esperado o novo dia, para ficar na ignorância. Foi duro entender que,
realmente, tudo tinha acabado, e eu, que jurei de pé junto que não tinha me
apegado, me vi com saudade de Carlos em todos os malditos mínimos
detalhes.
No resto daquele final de semana, eu me tranquei em casa, sem fazer
alarde nenhum, e ignorando completamente Paloma. Não queria admitir para
ela, pra mim e nem pra ninguém o que realmente estava acontecendo entre
mim e Carlos. Principalmente agora que tudo acabou.
Domingo, às três da tarde, sem conseguir pegar no sono um minuto
sequer desde a noite anterior, resolvi engolir o meu orgulho e mandar uma
mensagem para ele.
"Será que podemos conversar?
Liz"

Depois de não obter nenhuma resposta, me permiti chorar, tentando


compreender o que eu realmente estava sentindo. No dia seguinte, acordei
extremamente resfriada, e resolvi faltar no no trabalho pela primeira vez
desde quando consegui o emprego. E, alegando exaustão e desgaste físico,
pedi um afastamento logo em seguida.
Desde então, eu estou revezando entre comédias românticas, e filmes
sangrentos de terror, tentando ignorar a campainha e todo tipo de mensagem
que Paloma tem me mandado. Eu simplesmente ainda não estou pronta para
falar. Ainda não consegui entender o que eu estou sentindo.
Preciso me organizar e compreender que perdi, por uma bobeira
tremenda, o melhor cara que eu já conheci em toda a minha vida. O que me
fez rir, e me sentir inteira. O que me entendia, e esteve sempre por perto no
que precisei. O que me fez entender que eu não preciso estar sozinha, e ser
sozinha, para ser independente e forte. O que me completou.
Amanhã o meu período de auto piedade acaba, e eu vou precisar ser
forte para voltar para o hospital como se nada tivesse acontecido. Como se eu
não estivesse despedaçada. Mas, até lá, eu me permito chorar.

***

— Ah, apareceu a margarida. — Assim que eu piso em meu


consultório, encontro Paloma com os braços cruzados, sentada em minha
cadeira.
— Oi — digo seca, sem paciência.
— Vai ser só isso? Não vai me pedir desculpa por ter ficado duas
semanas me ignorando depois de fazer um show de ciúmes no bar, não? —
ela pergunta incrédula.
— Não — respondo simplesmente. — Você pode dar licença da
minha sala, por favor?
— Quê? — ela diz. — Tá maluca?
Paloma levanta da cadeira irada, vindo em minha direção.
— Desembucha logo o que ta acontecendo, porra! Você não falou
nada, agiu como uma louca, ficou duas semanas em casa me ignorando e
agora vem com essa palhaçada para cima de mim? Só pode ser pegadinha do
Silvio — ela bufa, ficando vermelha — Tá na cara que você tá um lixo, então
eu vou perguntar de novo e quero uma resposta sincera. QUE. PORRA.
ESTÁ. ACONTECENDO?
— Eu e o Carlos estávamos saindo, nos encontrando na realidade, há
quatro meses. E ai, você que não consegue segurar essa piriquita, aparece
resolvendo se esfregar toda nele. Surtei! — grito, chamando atenção de
alguns residentes da ala, e ela faz menção de fechar a porta, antes de voltar
com a mão na cintura e o olhar mais questionador do mundo pra mim.
— Liz, por que você é tão tapada? Puta que pariu! — ela diz
revoltada, mas escolhe respirar fundo e tentar manter a calma. — E o que se
passou nessa cabecinha oca para não me falar, quando eu dei inúmeras
oportunidades, que isso estava acontecendo, mesmo?
— Primeiro, porque é particular, e eu não queria ter que ficar te
contando os mínimos detalhes da minha vida privada. Porque você é uma
enxerida e ia ficar na minha cabeça o tempo inteiro. Mas depois, resolvi não
contar porque eu estava uma bagunça, e não entendi direito quais eram os
meus próprios sentimentos. Então, preferi omitir. Nunca imaginei que a gente
iria acabar no mesmo bar que Carlos, e, principalmente, que você iria fazer
dele um alvo. — Olho para ela com recriminação e ela levanta os braços em
rendição.
— Ok, entendi… — ela diz reticente e eu levanto uma sobrancelha,
querendo que ela desembuche.
Paloma revira os olhos, e indica a cadeira para que eu me sente. Faço
como ela pede, e ela se senta perto de mim também com uma cara tão
culpada, que eu passo a desconfiar. Ela tá me escondendo alguma coisa.
— E se eu disser que meio que já sabia disso? Corre o risco de você
ficar mais brava, ou menos brava?
Arregalo meus olhos, e começo a hiperventilar.
— Você o quê?
— Nós moramos no mesmo prédio Liz, não foi muito difícil sacar
logo que você sempre tinha visita. Aí eu fiquei curiosa, e, um belo dia,
quando desci para pagar o delivery, vi o gato do incêndio entrando no prédio
também. Juntei um mais um.
— Você sabia e achou uma boa ideia dar em cima do meu homem?
— pergunto em um rosnado.
— Óbvio que eu estava jogando verde, não iria fazer nada demais.
Mas aí você dispensou aquele gatinho, e tava ali, toda fingindo que não se
lembrava, nem conhecia o boyzão. Precisei agir para que você caísse na real
que está completamente apaixonada e tomar uma providência. Eu sou a tia
perfeita, mas como sou filha única, a minha melhor chance é você. Só não
imaginei que as coisas desandariam tanto — ela fala animada como se
estivesse contando o último filme da sessão da tarde, e eu começo a avaliar se
vale a pena dar uma surra nela aqui mesmo e perder o meu emprego, ou se
espero o expediente acabar.
— Paloma, você ficou se esfregando e insinuando pra cima do Carlos,
para me motivar a tomar uma atitude? E ainda por cima o beijou?
— É óbvio.
— Eu vou te matar — mando meu autocontrole pro espaço e voo em
sua direção, focando em seu cabelo.
— Pelo amor de Deus, Liz, para de ser louca, isso aqui é aplique,
você tá cansada de saber — ela grita, tentando se defender.
Antes que eu consiga fazer qualquer coisa, uma enfermeira abre a
porta da sala e nos pega nessa situação constrangedora.
CAPÍTULO 16
Depois de nos desculparmos com o administrativo do hospital, e
assinarmos um termo de que não vamos nos envolver mais em brigas físicas
dentro da dependência do mesmo, fomos liberadas.
— Eu não acredito que você apelou para a violência. Temos o quê?
Dez anos de idade? — ela pergunta completamente indignada.
— Não fala comigo, sua traidorazinha de uma figa — respondo
entredentes.
— Claro que eu falo. Com quem mais você vai bolar o plano perfeito
para conquistar o professor, hein? — Ela para no corredor, com a mão na
cintura, fazendo a maior pose. — Eu sou formada em clichê romântico,
minha filha. Com bastante hot ainda. Sei tudo o que é necessário para
fazermos o maior pedido de desculpas da história.
Olho para ela com um misto enorme de sentimentos. Vergonha por ter
me envolvido em uma briga dentro do hospital, ciúmes por ela, mesmo
sabendo que eu estava com ele, ter feito o que fez, e saudade da nossa
amizade. Paloma sempre foi meio doida, mas nunca, em momento nenhum,
me recusou uma ajuda ou um estender de mãos. Sempre topou todas as
minhas loucuras e mesmo quando eu estava errada, ela ainda fez de tudo para
tentar consertar as minhas cagadas. Sei que seus meios foram errados, mas
ela tem um coração bom.
Se ela chegou ao ponto de fazer essa bagunça, é porque eu realmente
estava cega e pisei na bola.
— Ah, não faz esse bico não que eu não aguento. Vem cá amiga,
vamos consertar essa cagada — ela diz, me dando um abraço.
***

Com a promessa de que ela iria me ajudar a consertar todos esses erros
e recuperar o meu professor preferido, consegui voltar ao trabalho.
Quando a noite chega, Paloma entra em meu apartamento como um
bloquinho de anotações, uma garrafa de tequila e um Doritos em mãos.
Segundo ela, o seu "kit essencial para montar os melhores planos para
reconquistar um grande amor. Se ela viu isso em algum filme, eu não sei, mas
estou tão grata de ela verdadeiramente acreditar que eu consigo conquistar
Carlos de volta, que não me apego muito aos detalhes. Apenas espero que dê
certo e eu não me quebre ainda mais no meio do caminho.
— Temos um boyzão para fisgar! Me conta tudo o que eu preciso
saber sobre Carlos.
Conto então a ela sobre sua fixação por Beatles, sobre as suas aulas,
sobre o amor que ele tem por lecionar e por seus alunos. Divido seus gostos
particulares, sua preferência por pizza de quatro queijos e sobre as suas
corridas matinais. E, a cada pequena coisinha que eu me lembro, solto um
suspiro de lamentação por não ter mais ele comigo.
Como eu não percebi que estava completamente apaixonada por ele
antes?
Três horas depois, meia garrafa de tequila ingerida e dois estômagos
roncando, temos um plano. Deus me ajude, e que ele dê certo.
CAPÍTULO 17
Estou no telhado do prédio de música da UFRJ, vestindo um vestido
dourado e tremendo mais do que vara verde. É hoje o grande dia.
Desde o dia que eu e Paloma arquitetamos todo o plano, tenho estado
com um caso sério de gastrite, tamanho o meu nervosismo. Tomara que dê
certo!
Viemos aqui no dia seguinte, e conseguimos encontrar alguns alunos de
Carlos. Não foi difícil encontrar a banda cover dos Beatles, depois disso. Foi
um pouco constrangedor explicar para adolescentes como eu parti o coração
do professor preferido, mais essa parte ficou mais em encargo de Paloma do
que meu, e eles toparam nos ajudar. Aparentemente todos que o cercam são
românticos incuráveis, e apesar de negar, estou entrando na onda. E espero
entrar para a família também.
Combinamos para a próxima sexta feira, após a aula do turno da tarde,
que eles conseguiriam levar para o telhado todos os equipamentos
necessários, e iríamos surpreender o meu professor. Essa se tornou a missão
da vida deles, uma vez que o show mais incrível dos Beatles aconteceu no
mesmo formato. Pude ver em seus olhos quando eles toparam o desafio,
animados. Paloma ficou completamente em êxtase, tendo certeza de que essa
seria a noite mais incrível de todas, e me garantiu filmar tudo para que seus
futuros sobrinhos soubessem da linda história de amor dos seus papais. Não
sei se a agradeço pelo otimismo, ou se brigo com ela, por ela me iludir
assim.
A mim, coube a parte mais difícil. Treinar a música de amor mais linda
de todos os tempos, ter coragem de cantá-la na frente de várias pessoas, e,
principalmente, ter coragem de declarar todo o meu amor por Carlos.
Agora mesmo, praticamente uma semana depois, eu estou sentada em
um banquinho no telhado, esperando a aula acabar, junto com meia dúzia de
meninos desconhecidos. Um deles ficou encarregado de enviar uma
mensagem pra gente, quando finalmente a aula acabar e ele estiver saindo do
prédio. Tive medo que assim que ele escutasse a minha voz, fosse sair
correndo, sem esperar a minha explicação ou homenagem. Mas, o que é a
vida sem correr riscos, não é?
Escuto Daniel, o vocalista da banda dizer que ele já está a caminho e
que era para nós nos apressarmos.
Respiro fundo e começo a caminhar até o palco.
É agora, Liz. Você consegue.
— Boa noite, galera! Hoje vamos fazer essa intervenção artística aqui
na UFRJ. Espero que vocês gostem do nosso som, e se quiserem nos seguir
no Insta — todos gritam em uníssono —, somos os Yellow Submarines!
Pedro, o guitarrista pega o microfone e me introduz.
— Professor Carlos Mendonça, essa aqui é para você. Alguém muito
especial quer te fazer uma surpresa.
Com um aceno de cabeça, indicando que eu comece, eu respiro fundo
e pego o microfone.
— Carlos, espero que você me perdoe. Essa aqui é para você.

Something in the way she moves


Attracts me like no other lover
Something in the way she woos me
I don't want to leave her now
You know I believe and how

Começo a cantar de olhos fechados, e, quando a banda me


acompanha, eu me sinto mais corajosa para abrir os olhos. Paloma está
filmando tudo, e dá para perceber que os meninos estão achando o máximo.
Então começo a me soltar um pouco mais.

Somewhere in her smile she knows


That I don't need no other lover
Something in her style that shows me
I don't want to leave her now
You know I believe and how

Quando chego no refrão, vejo Carlos parado na porta de incêndio com


olhos incrédulos, e abro um sorriso tímido, dando de ombros.

You're asking me, will my love grow?


I don't know, I don't know
You stick around now it may show
I don't know, I don't know

Ele anda em minha direção, e segura a minha cintura, com um


sorrisinho bobo no rosto, se juntando a mim nas últimas estrofes da música.

Something in the way she knows


And all I have to do is think of her
Something in the things she shows me
I don't want to leave her now
You know I believe and how

Terminamos de cantar, juntos, a música, e quando a banda toca seus


últimos acordes, meu professor me beija ardentemente. No fundo, a banda
começa a cantar All you need is Love e nos afastamos para conversar,
liberando o microfone.
— Me perdoa? — falo baixinho, quando enfim nos separamos.
— Tá maluca, Liz? Isso foi a coisa mais foda que alguém já fez para
mim. Claro que eu te perdoo. Eu te amo.
Uma algazarra de gritos acontece, pela plateia agora formada, e
Paloma se empolga, pegando o microfone e cantando desafinadamente.
— He love's you yeah yeah yeah.
SOBRE A AUTORA

Isabella Silveira é natural de São Paulo, porém cresceu na capital de


Minas Gerais. Publicitária e comunicóloga, desde cedo percebeu que a se
comunicar era algo muito além da fala.
Na literatura descobriu inúmeros novos mundos, e ainda criança
sentia a maior felicidade em ter um livro nas mãos. Ainda nova arriscou
alguns rascunhos que nunca saíram do papel, porém após ler estórias que não
correspondiam às suas expectativas e conversavam com a mulher decida que
ela sempre quis ser, resolveu colocar as suas ideias no papel, e
posteriormente mostrá-las ao mundo.
Amante da literatura nacional se aventurou na escrita por não se
conformar com o óbvio e ainda hoje tem o objetivo de surpreender seus
leitores com enredos diferentes do usual.
Escritora de mulheres fortes, independentes e donas do seu próprio
destino.
NOTAS DA AUTORA
Muito obrigada a você leitor que chegou até aqui! Eu realmente espero, do
fundo do meu coração que você tenha se divertido com a Liz e o Carlos, e
que o tempo que vocês passaram juntos tenham sido realmente proveitosos.
Ah! Se você está chegando para a nossa família agora, e se perdeu um
pouquinho no meio do caminho, tenho outras obras além deste conto,
disponível no Kindle Unlimited.
Peço por favor, que você não deixe de avaliar esse e-book na Amazon! É
muito simples e rápido, e assim você ajuda muito essa autora iniciante
compartilhando a sua opinião com novos possíveis amigos. Saber o que
vocês acharam sobre essa obra realmente vai ser tudo pra mim.
Quero muito poder conversar e interagir com você leitor(a)! Então por
favor, me contate nas redes sociais ou e-mail e me conte a sua opinião. Fique
à vontade, adoro ter esse contato com os meus leitores.
E-mail: ism.escritora@gmail.com
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E para você que gostou dessa história, não deixe de conferir as minhas outras
obras publicadas. Todas estão disponíveis na Amazon e no Kindle
Unlimited

Achei você em Paris


Entre Posts e Amores
Entre Luzes e Romances
Meu Infinitio
AGRADECIMENTOS
As histórias só existem de verdade quando há alguém para ler, e para
você que chegou até o fim dessa jornada, muito obrigada!
Agradeço a minha família, por me incentivar sempre a buscar os meus
objetivos e correr atrás dos meus sonhos. Vocês podem ter certeza, escrever é
a realização de um deles.
Agradeço ao meu companheiro de vida, Gabriel, por estar sempre
comigo embarcando em todas as loucuras, você é foda amor.
Agradeço as minhas leitoras goxtosas que estão sempre ávidas por
mais uma nova história e me ajudam em todos os momentos. Sem vocês eu
não seria nada!

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