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Copyright © 2020 Jéssica Luiz

Uma Garota de Sorte


JÉSSICA LUIZ
1ª Edição — 2020

Todos os direitos reservados.


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em qualquer meio ou forma, seja ele impresso, digital, áudio ou visual, sem a
expressa autorização da autora sob penas criminais e ações civis. A violação
dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº 9.610/98 e punido pelo
artigo 184 do Código Penal.
Capa: Gabriela Ferreira
Revisão: Luiz Eduardo dos Santos
Diagramação: Jéssica Luiz
Esta é uma obra de ficção. Qualquer semelhança com nomes e
acontecimentos reais é mera coincidência.
AVISO: Essa obra contém linguagem informal.
Aviso
Essa obra é um SPIN-OFF de Dom Juan, livro 1 da Duologia Irmãos
D’Laurentes. Pode ser lido de forma independente, porém, para maior
compreensão sugiro a leitura de Dom Juan.
Sinopse

Rubens Junks é um fazendeiro bem-sucedido que, após a morte de seu pai,


resolve expandir os negócios construindo um hotel-fazenda na esperança de
que a casa, que até então foi cenário de más lembranças, se torne um lugar
aconchegante e divertido para as famílias que passarem por ali.
Filho da cozinheira com o patrão, ele cresceu como filho bastardo vendo dia
após dia seu pai bater na esposa e violentar outras empregadas. Sexo para ele
se tornou algo sagrado que só seria concebido quando encontrasse o amor e,
dessa forma, o matrimônio.
Tudo sai dos eixos quando uma patricinha da cidade vem trabalhar para ele
como designer de interiores. O oposto de tudo que sempre sonhou. Uma
garota sem filtro e inteiramente segura de si e de seus desejos.
Ela testaria seus limites.
Ele se manteria firme em sua decisão.
Dizem que os opostos se atraem, ou seriam as diferenças que os completam.
Prólogo

Gritos.
Choro.
Pedidos de misericórdia.
Corro até o quarto da princesinha e a encontro chorando sentada em um canto
do quarto.
— Calma tisco, vai ficar tudo bem. — Afago os cabelos de minha
irmã,confortando-a.
— Ele vai matá-la, Rubens! Ele vai matar a mamãe!
— Shh… — peço para minha irmã fazer silêncio, com medo de que o
monstro que chamamos de pai a escute e venha aqui.
Eu não o deixaria bater nela. Antes disso, ele teria que me matar.
— Helena está ouvindo, João. Por favor, não pare por mim, mas por ela. —
Ouço Dona Cláudia implorar para ele.
— Assim ela aprende desde pequena quem manda! Tire a roupa!
— Só fique calmo, por favor…
— Você não me ouviu? — Ouço tapas e algo se quebra. — Você não serve
para nada, seu pedaço de merda!
Helena tampa os ouvidos e aperta os olhos, como se tentasse ir para longe
daquilo. As lágrimas descem pelo seu rosto.
— Cala a boca, sua vagabunda! Acha que eu não sei que você vai à igreja
para dar a boceta para o padre? Putas como você merecem isso!
Ouço um barulho alto que jamais imaginei que ouviria naquele quarto. Um
tiro…
— Princesa. — Seguro o rosto de minha irmã. — Preciso que fique aqui,
certo?
Ela move a cabeça dizendo que sim.
Caminho rápido até o quarto de meu pai e pela fresta da porta vejo as pernas
de Dona Cláudia caídas no chão. Abro a porta em um rompante e a vejo
desacordada enquanto João a observa com uma arma em mãos. Em um ato de
coragem, tomo a arma dele.
Ele parece acordar do seu transe e vem cambaleando para cima de mim. Com
medo de que meu fim seja igual ao da mulher caída no chão, puxo o gatilho.
— Seu bastardo! — Ele grita comigo, gemendo de dor e com as mãos na
perna.
— Rubens! Mamãe? — Helena surge no quarto gritando. — O que
aconteceu, Rubens?
Acordo suado e com o coração acelerado como se tivesse corrido uma
maratona. Fazia tempo que não tinha esse pesadelo. Levanto da cama meio
zonzo e abro a porta francesa do meu quarto. Sou agraciado pelo ar gelado
que vem da rua e uma noite estrelada iluminada pela lua. Pego um charuto
em minha cômoda e vou à sacada, sentando-me na poltrona de vime sintético
que minha mãe insistiu para que eu comprasse. Acertou na escolha, ela
realmente é útil.
Da minha sacada, consigo ver boa parte da fazenda. Como eu amo esse lugar.
O contato com a natureza e com os animais me revigora. Temos uma rotina
pesada no campo, mas somos compensados com ar puro, comida boa e
tranquilidade. Quando precisei ir ao Rio de Janeiro conversar com Helena,
tive a certeza que estou exatamente onde deveria estar. Comemos o que
plantamos, tomamos água de poço e mal ficamos doentes. Isso é qualidade de
vida.
Nós temos tudo e ainda assim muitas pessoas não estão contentes. A
quantidade de jovens que procura a cidade grande em busca de oportunidades
é enorme. Cada um é dono do próprio destino, então não os julgo.
Dou uma tragada e solto a fumaça pelo nariz.Valeu cada centavo gasto nesse
produto importado, porque ainda que eu ame tudo aqui, os charutos que
vendem na venda do centro são ruins e fedem.
Olho para a casa grande que está em reforma e ali vejo esperança. A história
daquela casa não é bonita e a família que viveu ali não foi feliz, mas um lugar
tão lindo como esse merece mais.
Se tem uma coisa em que meu pai foi bom a vida inteira foi em fazer
dinheiro. O patrimônio dos Junks é enorme e a conta bancária também.
Desde que assumi o controle, tenho planos de fazer um hotel-fazenda e dar
um pouco de alegria a esse lugar, trazendo famílias para experiências
diferentes, como conhecer as plantações, andar a cavalo, fazer trilha e
aproveitar o lago para se refrescar. Sem mencionar, é claro, o ar puro. Este
lugar, que foi o pesadelo de muitos, será um refúgio.
Nascer aqui não foi de todo ruim. Minha mãe sempre me deu um amor que
valia por mãe e pai. Meu pai, por outro lado… como posso explicar o sujeito?
Mais conhecido como senhor feudal, ele era um homem amargo, bêbado e
violento. Sempre exigiu muito mais de mim do que de qualquer outro
empregado, porque mesmo tendo seu sangue, eu era um bastardo e acho que
por isso paguei o preço em dobro. Com 10 anos, já sabia mais que
funcionários mais velhos. Com 15 era o melhor atirador da redondeza. Eu
não tive infância, mas o fato de gostar do que fazia não me fez um
amargurado.
Esse sempre foi meu lugar e, no fundo, acho que meu pai sabia disso. Helena
sempre foi um doce e nunca mostrou interesse pelo campo, mas eu amava
cada hectare de terra ainda que vazio. Quando me mudei para a casa com
minha mãe, ela tinha um quarto perto da cozinha e o meu era no corredor
principal. Caso as coisas esquentassem ou alguém entrasse, eu estaria na
linha de fogo. Depois que Dona Claudia morreu, passei várias noites zelando
o sono de Helena. Ela tinha pesadelos e às vezes acordava gritando, e aquilo
me cortava o coração. Meu medo era que João se voltasse contra a própria
filha, e como seu saco de pancadas tinha morrido, descontasse a raiva na
herdeira. Mas isso nunca aconteceu. Eu deixei claro que o mataria caso um
fio de cabelo sequer da minha irmã fosse tocado. Sim, eu o mataria. Não seria
a primeira vez que tiraria a vida de alguém.
Hoje sou muito mais que rico. Há pessoas que me respeitam e outras que me
temem, afinal, o monstro que meu pai criou ainda habita em mim em algum
lugar. O relacionamento destrutivo que ele manteve com a Dona Cláudia era
um deles. Em várias guardas, eu ouvia os gemidos e gritos dela. Ele sentia
prazer em infligir dor, o sexo deles era sujo e os gritos e lamentos da mulher
ficaram registrados em minha memória.
Tenho poder e sangue nas mãos, mas uma coisa para mim é sagrada: sexo. Eu
só terei relações depois do casamento e mulher alguma me fará mudar de
ideia.
Capítulo 1

Acordo com finos raios solares que passam pelas frestas da janela de madeira
do meu quarto. Estico-me na cama ainda deitado e faço uma prece silenciosa,
agradecendo por mais um amanhecer e entregando meu dia ao Criador.
Sempre fui grato por tudo que temos, mesmo quando era meu pai quem
cuidava de tudo e eu era seu capacho. Me sento na cama e conto 60 segundos
antes de levantar. Há algum tempo passei mal e descobri que tenho labirintite,
e desde então tomo alguns cuidados. Não posso ficar doente.
Vou ao banheiro entre meu quarto e o quartinho da frente. Como moro
sozinho, minha cabana foi feita conforme minhas necessidades e gostos. Eu
ajudei na construção. Usamos madeiras nobres e selamos com Osmocolor,
que ajuda na preservação e conservação. Os móveis são de demolição e
devem durar até o resto da minha vida.
Eu tenho uma vida boa.Tudo ideal para um cara da fazenda solteiro e sem
luxos.
Talvez o “sem luxos” não seja totalmente verdade. Sempre fui chato com
roupas, sejam elas de vestir ou de cama, mesa e banho. Um vendedor traz
tudo da cidade. Não é barato, mas duram muito.
Nossos eletrodomésticos também são os melhores. Não me importo de
investir no conforto. Minha mãe ama cozinhar, então garanti que tivesse a
cozinha mais equipada possível. Como a casa será um hotel-fazenda,
investimos em uma cozinha industrial, e foi recompensador ver os olhos da
minha mãe brilharem com cada equipamento montado. Não nos
incomodamos com nada. Segui a indicação de Helena de uma empresa do
Rio. Dona Joaquina disse o que queria e eles montaram tudo em duas
semanas. Quando a reforma estiver pronta, contrataremos copeiras e
auxiliares de cozinha e minha mãe será a cheff.
Claro que ela não precisa trabalhar, mas nós da fazenda só paramos quando
morremos, está em nosso sangue sermos ativos. Convencer minha mãe que
ela precisava se mudar foi uma das tarefas mais difíceis. Eu queria que ela
tivesse sua privacidade e quando tudo começasse a funcionar, ela não teria.
Enfim, Guilherme, o primo do meu cunhado, fez a planta de uma casa
pequena que imitava a casa grande com algumas alterações necessárias.
Minha mãe se apaixonou e aceitou se mudar. Construímos antes de começar a
mexer na casa grande, pois não queria que ela passasse o incômodo de morar
no meio de uma reforma.
Como o engenheiro é um dos peixes grandes da empresa de Juan, ele faz
apenas uma vistoria por mês, o que também não está acontecendo. Ele vai ser
pai em poucos meses e parece que a gestação de sua prima está com
complicações. Sua prima, irmã de Juan, é a mesma que tentou abrir a porta do
quarto que eu estava dormindo quando estava na casa deles. Maluca de pedra.
Um rolo que ainda não entendi, mas cada um faz o quer de sua vida e arca
com a consequência de seus atos.
Sendo assim, ele me indicou um engenheiro da cidade de São Paulo.
Acabamos nos entendendo e o cara, além de inteligente, é muito gente fina.
Ele comentou da necessidade de ter uma designer de interiores ajudando na
escolha de todo o restante. Para ser sincero, nunca nem tinha ouvido falar
nessa profissão. Comentei com minha irmã que era bem entendida desses
fricotes e ela falou que tem uma amiga, e que conversaria com ela a respeito
de liderar as coisas por aqui. Liderar uma vírgula. A última palavra
continuaria sendo minha.
A garota aceitou. Parece que além de designer, é advogada, então me ajudará
também com a burocracia. Ter alguém aqui da confiança de Helena me deixa
tranquilo. Imagino uma obra sem complicações e acredito que teremos uma
convivência fácil. Já que minha irmã é um doce, nada mais natural que seu
círculo de amizades seja assim também. Tenho que admitir que fiquei
surpreso quando Helena me disse a idade da garota. Duas formações e apenas
24 anos. Uma criança, obviamente.
Termino meu banho e vou para o quarto me enxugando. Em dois dias não
terei mais essa privacidade, já que garota terá que ficar aqui. Infelizmente, a
casa da minha mãe só tem um quarto e como o tempo estimativo de término
da obra é entre um ano a um ano e meio, não tem cabimento deixá-la
dormindo esse tempo todo no sofá. Ela terá que se contentar com o quartinho
da cabana, que, embora pequeno, é aconchegante.Mandei fazerem uma
cômoda e uma mesinha para trabalho. Não sei seus costumes, mas imagino
que queira trabalhar com privacidade.
Visto minha calça jeans surrada preferida, uma regata branca com uma blusa
de botão por cima e calço minhas botas. Desço as escadas e abro as janelas
para deixar a cabana arejada. Pego meu chapéu e vou à casa de mamãe tomar
o café da manhã.
Entro na casa de Dona Joaquina e vejo a mesa posta enquanto ela acaba de
fritar os bacons no fogão.
— Bom dia, mãe. — Entro deixando claro minha presença. Ela está ficando
velha e uns dos meus maiores medos é que tome um susto e tenha um ataque.
O que seria de mim?
— Bom dia, criança.
— Uma criança de 30anos — brinco.
— Sim, está na hora de se amarrar. Quero ter netos, meu filho.
— Ainda não encontrei a garota certa.
— Vou orar para que encontre de uma vez. Você precisa me dar essa alegria,
menino.
— A senhora sabe que quero casar,só tenho que gostar da pessoa. Não posso
casar por casar. — Olho para ela esperando que entenda. — Você sabe o que
penso disso.
— Você está certo. Não vou perder a esperança.
— Nem eu, mãe. Nem eu.
Sirvo uma caneca de café atacando o bolo de fubá que, como sempre, está
uma delícia.
— Coma devagar, Rubens! Parece um esfomeado.
— Tenho um monte de coisas para fazer, mãe. Não posso perder muito tempo
hoje.
— Pois sente já aí! — Ela me dá uma “toalhada” molhada que realmente dói.
—Pelo menos as refeições você vai fazer com calma.
Suspiro sem muita escolha. Pego um pedaço de pão, passo manteiga e ponho
bacon em cima. A manteiga chega a derreter com o bacon quente. Fico com
água na boca e mordo um pedaço generoso.
— A menina chega quando mesmo? — ela pergunta.
— Em dois dias — respondo tampando a boca cheia.
— Não vejo a hora de ter outra mulher aqui. Se ela for igual à Heleninha, vai
fazer meus dias mais felizes.
— Você devia ter tido uma filha.
— Não comece com isso, menino! Tenho muito orgulho de você. Mas não
dispenso uma neta menina.
— Ok, Dona Joaquina, vou trabalhar que estou começando a me sentir
pressionado — digo levantando.
— Pois se sinta mesmo. Qualquer uma da redondeza daria tudo para ficar
com você.
— Claro, comigo e com o meu dinheiro.
— Rubens, você é um homem bonito, filho.
— A parte do dinheiro continua prevalecendo, acredite. — Beijo sua testa. —
Volto no almoço, mãe. — Pego meu chapéu em cima do sofá e saio de sua
casa.
Ultimamente ela vem me dando muitas indiretas sobre casamento. A verdade
é que eu quero me casar, construir uma família e ter filhos. O problema é que
eu não consigo visualizar isso com nenhuma mulher que conheço. Já saí com
algumas da região, mas nada que me fizesse querer um compromisso.
Há algum tempo tenho me encontrado com Roberta, a veterinária aqui da
fazenda e filha do Seu Virgílio, dono de uma chácara aqui perto. Roberta tem
28 anos, é bonita, recatada, tens bons modos e beija bem, mas é isso, nada
mais. Contudo, ainda não desisti de nós dois. Talvez eu precise de mais
contato para me encantar. Por enquanto é uma boa amiga, rolam alguns
amassos e só.
Pego a gaiola que uso na fazenda para me locomover de um espaço a outro,
não sei o que seria de mim sem ela. À medida que me afasto da casa grande,
posso ver mais e mais natureza. Passo por correntes de pedras onde vou mais
devagar para não tomar um banho logo cedo. Quando chove muito,
precisamos controlar o aumento da vertente, pois facilmente a passagem fica
impossível devido à elevação do nível da água.
Respiro o ar fresco do mato. Eu amo esse lugar.
Para muitos que chegam de fora, este lugar pode ser frustrante, pois o acesso
à tecnologia é limitado. Temos rede de telefone e acesso à internet, mas
apenas na cidade, que fica a uns 10 ou 15 minutos da casa grande. Quem é
movido pela tecnologia acaba sentindo falta até se acostumar.
Minha única preocupação são os recursos de saúde limitados que temos, mas
como dificilmente ficamos doentes, isso fica esquecido.
A briga por poder também é algo que me tira o sono, principalmente quando
o assunto são os Decker. Seu Apolinário, o antigo chefe, tinha feito um
tratado com meu pai. Entraram em um acordo onde um não tentaria burlar o
outro nos negócios e um não invadiria o terreno do outro.Acontece que
quando meu pai adoeceu e eu assumi o comando, seu Apolinário faleceu,
deixando Reinaldo no comando. O cara tem Rei como apelido e tem um
desejo doentio por poder.
Eu tenho quase certeza que ele foi o responsável por uma praga que afetou
boa parte de uma plantação de arroz minha. Estou de olho nele. Nossa
diferença é que eu calculo meus atos, mas ele não tardará a ter seu prejuízo.
Eu só preciso ter certeza de qual é o negócio ilegal em que está envolvido, e
isso será seu fim.
Aqui, investimos pesado na pecuária, principalmente na suinocultura e
bovinocultura, mas temos plantações de diversos alimentos também. Ainda
tenho interesse em explorar a apicultura, mas isso depois de terminar as obras
da casa grande.
— Bom dia, Rubens — Juliano me cumprimenta. Respondo com um aceno
de cabeça.
Desde que ele disse a Juan muito mais do que teve com minha irmã, as coisas
mudaram entre nós dois. O fato de ele dizer coisas que não aconteceram me
deixa com um pé atrás. Mentira, para mim, não tem perdão. Geralmente,
quem mente é desleal, e lealdade é uma das coisas que mais preciso aqui,
principalmente em cargos que exigem confiança como o dele. Tenho prestado
atenção em seus atos e em como trata nossos homens, e discordo dele em
muita coisa. Isso vem me incomodando cada dia mais.
— As rações já chegaram? — pergunto.
— Não, mas avisaram que a carga atrasaria. Garantiram que antes do fim do
dia será entregue.
— Ótimo. Quantas cabeças têm prontas para o próximo abate?
— Ainda estamos fazendo a contagem.
— Pela hora, já era para a contagem estar feita, Juliano. Providencie isso
logo. — Ele apenas concorda e fica me olhando. — Mais alguma coisa?
— Não, senhor. — E se retira.
Meu sexto sentido volta a me alertar sobre ele, mas decido deixar as neuras
de lado no momento.
— Bom dia, chefe.
Me viro ao encontro da voz.
— Bom dia, doutora —cumprimento Roberta que sorri de orelha a orelha.
— Hoje é sexta, podemos ir ao Armazém. O que acha?—fala se referindo ao
bar com música ao vivo da cidade.
— Claro. — Me obrigo a aceitar. — Te pego às 20h?
— Vou esperar ansiosa. — Ela sai com uma piscadela.
Respiro fundo tentando dizer a mim mesmo que ela é uma pessoa legal e que
é a mulher certa para mim.

O restante do dia passa rápido como todos os outros. Almocei uma galinha
com polenta maravilhosa que minha mãe fez e trabalhei a tarde inteira.
Quando chego de noite, Dona Joaquina me diz que recebeu os móveis para o
quarto da garota designer. Realmente, o espaço ficou ainda menor, mas como
viria para uma fazenda, provavelmente traria poucas malas, então não
esquento a cabeça com isso. Arrumo-me para ir ao bar e decido ir mais cedo
para a cidade. Dá tempo de ligar para Helena e depois voltar para pegar
Roberta. Faço o caminho até a cidade em menos de 15 minutos e paro em
frente à igrejinha para fazer uma chamada de vídeo para a minha irmã.
Depois de seis toques ela atende.
— Mano, me desculpe a demora, tive que sair do quarto para não acordar
Vitória. — Meu coração se enche de alegria ao vê-la sendo uma excelente
mãe. — Você tá bonitão, hein? Vai sair?
— Vou para o bar. Como estão as coisas? — pergunto.
— Estamos vivendo um dia por vez. — Ela se senta na escada. — Vitória
tem melhorado, mas Juan vem dizendo sobre consultar ela em um
neurologista.
— Ela está doente?
— Não, ele acha que ela tem algumas…dificuldades.
— Tisco—falo de uma forma carinhosa. — ,o Juan dá a vida por você e pela
filha. Você deve apoiá-lo, nem que seja para tirar uma dúvida.
— Vou fazer isso. — Ela sorri. — Você vai sair com alguém? Uma cunhada?
— Ah, não, Helena, nem vem com essa você também. Já basta minha mãe
com isso todos os dias.
— Ela é uma mulher sábia. Falando em sabedoria, vou amanhã ajudar
Antonella a arrumar as roupas.
— Você fala como se a garota fosse trazer o roupeiro inteiro. Só uma louca
faria isso vindo para uma fazenda. — Helena faz uma cara estranha. — Ela
não é uma louca, né? Você não me indicou um encosto, né?
— Ela é ótima — ri nervosa.
— Tô te achando bem estranha, princesinha. Você não faria isso com seu
irmão.
— Claro que não! — Ela fica quieta e olha para onde ficam os quartos. —
Acho que Vitória acordou…
— Certo, te ligo domingo.
— Te amo, mano! — Manda um beijo na tela e sorrio em resposta,
desligando a ligação.
Arranco o carro e vou buscar Roberta, pedindo em uma prece silenciosa que
hoje seja melhor que nossos outros encontros.
Capítulo 2

So they say
Dance for me, dance for me, dance for me, oh, oh, oh
I've never seen anybody do the things you do before
They say move for me, move for me, move for me, ay, ay, ay
And when you're done I'll make you do it all again

Ouço batidas na porta e ignoro. Deve ser algum vizinho reclamando do


volume da música.

They say
Dance for me, dance for me, dance for me, oh, oh, oh, oh, oh, oh, oh
I've never seen anybody do the things you do before
They say move for me, move for me, move for me, ay, ay, ay
And when you're done I'll make you do it all again
Pego a escova e acompanho a música.
Ooh
Woah-oh, woah-oh, oh
Ooh
Ah ah, ah

As batidas persistem. Me faço de louca fingindo não estar ouvindo. Rebolo


ao som da música cantando ainda mais alto.

Theysay
Dance for me, dance for me, dance for me, oh, oh, oh
I've never seen anybody do the things you do before
They say move for me, move for me, move for me, ay, ay, ay
And when you're done I'll make you do it all again

Vejo meu celular com a tela acesa e chego perto me sentindo em um musical
onde a minha voz é linda e não essa taquara rachada que me foi presenteada.
Olho o aparelho e vejo que é Helena, e só então me lembro que deve ser ela
na porta, já que combinamos que ela viria aqui me ajudar com as malas.
Saio do quarto gritando para que espere. Procuro as chaves no sofá, mesa de
centro, tapete… Olha, vou te dizer, parece macumba essa chave sumindo
toda vez que preciso. O que acontece sempre.
Encontro meu dado rosa e vou até ele. Meu dado rosa, tipo um chaveiro, ok?
Não que eu não tenha dado. Eu já dei, mas dessa vez é do chaveiro que estou
falando. Abro a porta e me deparo com Helena segurando o celular enquanto
a filha segura uma boneca de cabelo azul. Mal a menina me vê e se joga em
meus braços. Fazer o quê? Maria Clara que lute, mas eu roubei seu cargo de
tia favorita.
Não costumo gostar de crianças, mas essa pequena ganhou meu coração.
Lógico, o fato de não terem fraldas envolvidas ajuda muito, muito mesmo.
— Oi, periquitinha! — Aperto seu nariz e ela ri toda fofa. Sou um amorzinho
mesmo. — Entra, amiga!
Quando vou fechar a porta com o passarinho ainda em meu colo, minha
vizinha abre a porta, dando de cara comigo com um olhar reprovador,
certamente pela minha roupa.
— Bom dia, Dona Cocota — falo sem perder a oportunidade.
— É Carlota! — ela me corrige.
— Ã-hã.
Ela começa a falar algo sobre cuidar de estar vestida de forma adequada e eu
fecho a porta sem dar confiança, porque não sou obrigada a nada.
— É sério, qual o problema com meu top e meu short? — digo para Helena
que desce os olhos para minha roupa. — Meu cu pra ela, se foder, cara!
— Antonella! — Helena me repreende e olho para uma Vitória risonha em
meu colo.
— Gatinha, escute a voz da experiência: cu foi feito para cagar, não para
xingar, tudo bem? — A menina me olha muito concentrada e concorda. Beijo
seu rosto e a coloco no chão enquanto Helena me olha de boca aberta. — O
que foi?
Ela apenas faz sinal de negação como se quisesse deixar o papo para lá.Que
seja.
— Falei com meu irmão ontem. — Abaixo o som do Spotify para ouvi-la
melhor.
— Ele vai te pegar no aeroporto. Sabe que é meio longezinho da fazenda, né?
— Sem problemas, estou louca para me aventurar no meio do mato. Imagine
só o monte de macho rústico e gato que deve ter por lá.
— Sim, amiga, tem bastante homens bonitos lá — ela diz rindo e então sorri
apaixonada. — Mas sou bem mais o meu cretino.
— Mas meu bem, quem não seria? Pegou uma piroca de ouro, sortuda!
— Senhor! Antonella! — Ela olha para Vitória que conversa distraída com a
boneca.
— Vamos para o meu quarto, preciso de ajuda.
Helena chama a filha que vem animada conosco. Chego ao quarto e mostro
uma parte da minha bagagem pronta e o restante em cima da cama. Nunca fui
para uma fazenda, então prefiro me precaver e levar de tudo um pouco.
— Meu Deus! — Helena diz perdida, olhando tudo.
— Não faça essa cara de espanto, amiga, vou deixar tudo arrumado. — Dou
de ombros. — Deve estar achando que vou deixar a bagunça pro Renan
limpar. Jamais faria isso! Bom, pelo menos, não a do meu quarto.
— Falando nele, onde ele está?
— Academia. Resolveu virar fitness, mas é claro que eu não acredito nessa
história, já que ele come que nem um boi. Está querendo é ter uma sessão
particular com o personal , não dá ponto sem nó.
— Antonella, você é demais. — Vitória vê a mãe gargalhando e acaba rindo
junto.
— Renan, para de bancar o crossfiteiro e traga sua bunda para casa! Vou
viajar amanhã, deixa de ser desnaturado — gravo o áudio e deixo o celular de
lado.
Renan mora comigo há um ano, e tenho que admitir, sentirei muita falta dele.
O cara é o melhor amigo que alguém pode ter. Uma pena que da fruta que eu
gosto ele come até o caroço.
Quando o vi na faculdade, alto, lindo e gostoso, foi amor à primeira vista.
Foda. Achei que fosse hétero. Queria sentar nele, então puxei papo, porém de
cara percebi que ele não curtia mulher e viramos amigos. Helena era sua
colega de sala de aula. Os dois andavam juntos e assim a conheci, e desde
então não nos separamos.
Helena conseguiu um bom emprego na D’Laurentes e depois de um tempo lá
indicou Renan para uma vaga de recepcionista da presidência. Eles acabaram
não se formando juntos, já que Renan fazia menos disciplinas por semestre
para poder se bancar. Quando se formou, precisou sair do alojamento da
faculdade. Sempre fui muito sozinha, então o convidei para vir morar
comigo. Depois de muita insistência, ele aceitou e dividimos as contas.
Não pagamos aluguel, pois o apartamento é meu. Quando aceitei fazer
Direito, impus como moeda de troca com meu pai um apartamento e carro
próprios. Minha independência. Ele nem piscou, concordou na hora. Eu
sempre fui apaixonada por design e arquitetura, tanto que ainda no segundo
ano comecei a fazer o técnico de Design de Interiores e me virei nos trinta
para terminar o colegial e poder fazer o técnico. Nascida em uma família de
advogados, por livre e espontânea pressão, cursei Direito. Não posso
reclamar, afinal, essa foi a minha carta de alforria.
Carregar o sobrenome Braga é exaustivo. Se eu não fosse a cara dos meus
pais, teria certeza de que sou adotada, pois sou muito diferente deles. Tenho a
língua solta e isso me fez ser castigada várias vezes.
Mas já entendi há muito tempo que as pessoas são tão costumadas a falar o
que os outros querem ouvir e a fazer o que os outros esperam que seja feito,
que nós acabamos perdendo nossa identidade, nossa espontaneidade. Eu fiz
Direito, trabalhei com isso, mas sabe quando você se sente perdida? Eu me
sinto assim…deslocada.
Preciso tentar viver por mim, para mim e fazer as minhas escolhas. Se eu
errar? Foda-se. Dizem que é errando que se aprende, e algo no meu interior,
lá no fundinho, diz que estou fazendo a escolha certa. Como se largar tudo
aqui no Rio e partir para o meio do nada fosse mesmo a escolha certa.
Helena começa a dizer que estou levando roupa demais e tira todos, todos os
meus vestidos de balada da mala. Ela afirma que eu não vou ter onde usar, e
eu sinto um desesperozinho batendo. Será que lá é, tipo, tão interior assim?
Afasto esse pensamento.
Vai dar tudo certo.
E se não der? Eu faço dar, ué, dou meus pulos.
— Bom dia, mulheres da minha vida! — Renan chega gritando.
— Você não foi malhar? — pergunto.
— Fui sim — ele responde todo pomposo indo beijar a Vitória.
— Engraçado, suar que é bom, você não quer, né?
— Só fui marcar presença, fazer uma social, né, gata?
— Tá querendo dar pro personal! Sabia!
— Antonella! — Helena me repreende e fecho a boca na hora. Oh, vida
cruel!
— Segura o cu, Antonella — Renan diz, e quando vou responder, sou
interrompida.
— Tio Renan, cu foi feito para cagar e não xingar — a menina repete o que
eu ensinei, que orgulho.
— Filha! — Helena chama a atenção da menina que fica confusa, olhando
entre mim e ela.
— Isso mesmo, gatinha. — Saio em defesa da menina, sim! — Sua mãe
também caga, não é carrapato para não ter cu.
— Dá para parar de falar de cu? — Helena pede desesperada.
— Carrapato não tem cu? — Renan pergunta pensativo.
— Chega. — Ela faz sinal com a mão, abrindo minha outra mala e
começando a tirar muitas peças de lá, para o meu desgosto.

— Nem pensar! — Dou um berro na fuça que é para ficarem ligados mesmo.
— Onde você vai usar um Scarpin na fazenda? — Renan fala como se fosse
óbvio.
— Isso —digo mostrando bem o meu bebê — não é só um sapato, é um
Christian Louboutin, meu amor! Então tira já a patinha daí, porque ele vai
comigo.
— Mas…
Interrompo Helena com um grito de queimar a garganta e eles ficam me
olhando chocados. Pelo menos calaram a boca, amém.
— Eles vão comigo — digo bem calminha e plena.
— Tudo bem, que seja — Helena diz se rendendo. — Conseguimos reduzir
de 6 malas para 4. Ainda são muitas malas, amiga, não vai ter lugar para isso
tudo lá.
— Como assim?Seu irmão não é, tipo, o Rei do Gado?
— É sim. — Ela concorda rindo. — Mas, a casa grande já está em reforma e
a casa da Dona Joaquina não tem quarto extra, então acredito que você vai
ficar na cabana do mano mesmo, e o quarto é pequeno, amiga.
— Só para constar mesmo…pequeno quanto?
— Pequeno.
— Pois o vaqueiro que dê seu jeito! Espera o quê? Que eu fique lá um ano ou
mais e leve só uma mala de roupas? Me dê o número do seu irmão, Helena,
que vou bater um papo com ele.
— Então…ele não vai atender.
— Mas por que não?
— Porque lá não tem sinal.
— Ah, claro — respondo no automático, mas me dou conta do que acabei de
ouvir e volto a olhar para ela. — Não tem sinal das operadoras de celular?
— Não.
Começo a respirar fundo, buscando calma.
Não tem sinal de operadoras.
Oi?
Isso significa, sem internet.
Ou seja?
Sem vida.
Tchau, mundo.
Sento na cama, atordoada.Eu não sabia desse caralho! Porque, se eu
soubesse, ah, se eu soubesse… Eu iria do mesmo jeito! Eu lá sou mulher de
arregar? Confiro as horas, quase 7h da noite.
— O Juan vai demorar muito com a comida? — pergunto me levantando. —
Tô morta da fome.
— Tudo bem,Ami? — Renan pergunta.
— Claro. — Dou de ombros. — Alguma cidade lá perto deve ter sinal, vou
me virar. E convenhamos, ele vai precisar de linha telefônica no hotel e site
para reserva. O cara vai precisar se atualizar, fazer pedido de antena…
—Não conte com isso — Helena diz indo abrir a porta.
Vamos atrás porque deve ser Juan, e isso significa comida.
— Vamos ver, Helena, vamos ver — afirmo para minha amiga assim que seu
boy entra e tasca um beijão nela.
— Vamos ver o que, doidinha? — ele pergunta.
— Doidinha é seu ovo, Juan. — Palhaço.
Ele ri e Helena responde:
— Ela disse que Rubens vai ter que se atualizar. — Ele franze a testa e ela
acrescenta: — Telefone, internet.
— Esquece. — Ele me olha e manda na lata. — Rubens não vai fazer isso.
— Pois vocês vão ver como vai!
— Aposto que não.
— Não me tira pra um real não, parceiro.
— Você não aposta porque não se garante — ele diz e abraça Helena, que
fica toda fresca do lado dele. Traidora.
— Aposta feita! E se eu ganhar, quero sua Land Rover.
—Tá querendo demais.
— Arregão.
— Fechado. — Ele olha para a filha. — Bebê, o que você gostaria de ter?
— O castelo da Frozen! — ela responde de imediato e ele revira os
olhos,levando um tapa de Helena.
— Você já tem um castelo em seu quarto, filha. Peça alguma coisa da
fazenda do tio Rubens.Um bichinho,por exemplo.
Helena manda um olhar fatal, mas ele se finge de inocente.
— Já sei! — ela diz com os olhinhos brilhando. — Quero a ovelha Choné!
— Ovelha? Que tal um cachorrinho? — ele sugere, mas a pequena nega
veementemente.
— Amiga…só tira uma dúvida aqui. Quanto custa uma ovelha? E o que na
vida é o tal do Choné?
— Não sei quanto custa, mas barato não é. Choné é o nome da ovelhinha do
desenho animado — ela responde e volta a encarar Juan, que sorri sem dentes
para ela.
— Fica tranquila, amiga, eu vou ganhar essa. — Juan ri da minha cara, mas
ignoro o babaca.
Lembrete mental de ver no Google quanto custa uma ovelha.
— Enquanto vocês conversam, vou pôr a mesa. — Renan sai e Helena vai
atrás com as sacolas de lanche. O cheirinho de pizza me deixa tonta de tanta
fome.
Enquanto comíamos, rimos muito de algumas histórias da infância. Também
ouvimos as histórias do Renan contando que sofria bullying, preconceito e
que até foi expulso de casa por sua sexualidade. Depois, Vitória começou a
cochilar e eles precisaram ir, mas não sem antes eu esmagar minha amiga e
até rolar umas lágrimas. Sou muito emotiva, sabe como é.
Renan colocou seu colchão no chão da sala e ficamos assistindo a última
temporada de La Casa de Papel juntos. Perdi a conta de quantas vezes ele
reclamou que ficaria sem sua parceira de séries e de crime.
Perto das 2hda manhã, Renan hiberna ao meu lado. Desligo a TV e fico
olhando para o teto com a sala iluminada apenas pela pouca claridade que
entra pela janela. Ainda que eu tenha família, sinto que Renan e Helena são
mais próximos de mim que meus próprios pais. Sentirei muita falta deles.
Pensei que a ansiedade dificultaria meu sono, mas o cansaço do dia foi mais
forte que qualquer preocupação.

Acordo com os gritos de Renan me dizendo que está tarde, e realmente está.
É meio-dia e meu avião parte às 14h. Corro para o banho tentando controlar a
tristeza por partir. Mas não é como se eu fosse mudar de país, né? Bom,
pretendo vir aqui pelo menos uma vez por mês.
Não seja frouxa, Antonella!
Termino meu banho mentalizando coisa boas, recomeços e novas chances.
Repito comigo mesma que sou foda e que vai dar tudo certo.
Nem que seja pela força do ódio.
Visto um vestido amarelo que bate no meio da coxa com um decote coração.
Bem menininha. Aplico uma máscara de cílios e um batom rosa, mas não
gosto do resultado e acabo optando só por um brilho labial. Visto um tênis
branco e me olho no espelho.
Não parece eu.
Calço um Peep Toe nude, um pouquinho alto, porém o mais discreto que
tenho. Volto para frente do espelho e gosto do que vejo. Mando beijo para
meu reflexo e vou para a sala.
Comemos os ovos mexidos que Renan preparou, conversamos e rimos como
sempre. Porém, é nítido no ar um climinha de nostalgia que eu faço questão
de disfarçar o máximo possível.
Não seja frouxa, Antonella!
O caminho até o aeroporto é silencioso. Renan, vez ou outra, me olha e sorri
disfarçando a tristeza. Descemos do carro e vamos até o check-in, cada um
com duas malas. Pago por bagagem extra, óbvio, pois não teria como
sobreviver com tão pouca coisa em outra cidade. Eu poderia pegar mais
roupas quando viesse no fim do mês? Poderia, mas eu não gosto de fazer
nada pela metade. Se não for para ser inteira, nem me apresento.
— Então… — Renan diz no limite de onde pode ir comigo.
— Daqui eu sigo sozinha. Me deseje uma boa estadia no campo e pare com
essa cara de bicha amuada, porque não combina contigo.
— Vaca. — Ele dá um empurrãozinho, suspira e me puxa para um abraço. —
Eu amo você, Antonella. Você e Helena são a família que eu não tive.
— E você é o irmão que pedi a Deus.Quer dizer, não sou muito de orar, né,
amigo?
— Não brinque com isso. Já estou com saudade.
— Te entendo, querido. — Faço uma pose dramática. — É impossível não
me amar. — Bato os cílios enquanto limpo as lágrimas que derramei.
Ouvimos o aviso de embarque e eu me apresso.
— Amigo, logo estou de volta. — Dou um último abraço e me afasto.
Espera! Esqueci de uma coisa.
— Renan! — Grito. Ele se vira e me olha. — Nunca se esqueça daquela frase
sábia.
Ele faz cara de dúvida, mas não pergunta. Mesmo assim, respondo:
— QUEM TEM CU, TEM MEDO.
Ele começa a rir e põe a mão no rosto. Dou de ombros e sigo adiante com
algumas pessoas me olhando. Que preconceito é esse com o coitado do cu? A
tal frase sábia é um alerta, quase mais popular que um simples “se cuide”.
Sigo pelo corredor e em minutos estou dentro do avião. Sento na poltrona da
janela e suspiro feliz por esse recomeço.
Capítulo 3

Dirijo até o aeroporto indo buscar a garota, a tal Antonella. Os móveis que
pedi chegaram, e depois de muita insistência de Dona Joaquina, fui até o
centro e comprei um espelho para botar no quarto.Segundo minha mãe, isso
deixaria ela mais à vontade. Acho bem difícil alguém se sentir à vontade em
uma casa que não é sua, mas como ela passará um tempo aqui, me esforcei
para que se sentisse, no mínimo, bem.
Eu serei receptivo e a tratarei como gostaria que tratassem minha irmã.
Ao chegar no aeroporto, fico com o celular em mãos esperando que a moça
me mande um Whatsapp.Por via das dúvidas, Helena me mandou o contato.
Facilitaria se fosse a foto dela no perfil, mas era de um gato de óculos
mostrando a língua. Ótimo. Deve ser uma criança com 24 anos.
Vejo pessoas indo e vindo em suas vidas corridas. Até nesse ponto a vida no
campo é melhor. Acordamos cedo, sim, e trabalhamos muito, mas tudo que
está à nossa volta é o suficiente para sermos felizes.
Tomo um café preto e quase cuspo de volta quando me cobram quase 10reais
por uma xícara tão pequena que, brincando, eu tomaria em um gole só. Pago
a contragosto, vendo meu dinheiro sendo jogado fora. Um tempo depois, meu
telefone toca. Abro a notificação do tal gato de óculos:
CHEGUEI. Que roupa você está?
Jeans e camisa branca.

Nem um minuto depois, meu celular toca.


— Alô?
—Rubens, resolvi te ligar, vai que você é lerdo como a Helena. — Ousada,
não gostei. — Estou de vestido amarelo na frente das esteiras. Você sabe o
que são esteiras, né?
— Não sou burro — respondo de imediato,indo às esteiras onde as malas são
despachadas. — Mas essa área é restrita.
— Claro, querido — ela fala rindo. Querido? — Você consegue me ver pelos
vidros? Não vou desligar até que me veja. Só para garantir mesmo.
Quando vou dar uma resposta desaforada, vejo uma loira falando no celular
usando um vestido amarelo através do vidro.
Não deve ser ela.
Perco tempo demais em suas pernas, porque seria impossível não olhar, mas
considerando a altura dos saltos, não deve ser ela. Quem em sã consciência
usaria um salto daquele no campo? Olho ao redor dela e não vejo ninguém
mais com vestido amarelo.
Droga.
A garota se vira impaciente e posso ouvir uma respiração pesada no celular.
Ela passa os olhos por mim e, então, volta a me olhar. Franze o cenho, sorri
de lado e aponta na minha direção.
— Você é o cara que estou apontando? — ela pergunta.
Olho para os lados só para me certificar que sou eu mesmo. Ela desliga
impaciente e faz sinal para que eu espere.
Ela puxa um cara e parece pedir ajuda, pois ela começa a pegar as malas com
ele.
Quatro malas?
Sim, quatro. Bem grandes. Cada um carrega duas. Chego perto dela olhando
chocado para suas bagagens.
— O que foi? — ela pergunta dando de ombros, e só então me dou conta de
como é linda. — Vou passar um ano ou mais aqui.
— É. — Ela é bem…comunicativa.
— Vamos, homem! — fala como se me conhecesse a anos. Faço frente indo
ao estacionamento.
Como alguém consegue andar em cima desse negócio tão fino? Os sapatos
dela a deixam quase na minha altura.
Abro a carroceria e começo a arrumar as malas dela ali dentro. Se não
estivéssemos de camionete, com certeza não caberiam. Quando me viro, pego
ela me olhando, mais precisamente para a minha bunda. Sério?
Ela vê que eu percebi e não se importa. Pelo contrário, ela sorri.
— Vamos? — Abro a porta para ela.
— Que príncipe! Obrigada. — E antes de entrar no carro, beija meu rosto.
Demoro alguns segundos para processar suas ações, mas desperto e fecho a
porta, indo para o lado do motorista. Quando ligo o carro, ela liga o rádio e
Marília Mendonça começa a cantar, mas nem um minuto depois ela abaixa o
volume.
— Então… — começa. — Você é um belo exemplar,hein?
Ela não é bem certa. Com certeza não.
— Você quis dizer o que com isso?
— Você é gato, alto, gostoso.
— Obrigado? — Definitivamente, não é bem certa. Não que eu não seja tudo
isso, porque até acho que sou, mas nunca ninguém foi direto assim comigo.
—O que você esperava?
— De verdade? — ela pergunta, mas nem me dá tempo para responder. —
Não sei. Talvez alguém com chapéu mascando palha, mas enfim, você
superou as expectativas.
— Você é bem sincera, hein?
— Sou sim. Odeio mimimi, gosto que tudo fique às claras.
— Mesmo que isso signifique a primeira impressão que tive de você?
— Sim. — Posso sentir ela me olhando. — Eu sou exatamente o que mostro
ser.
— Que bom. Odeio falsidade.
— Você é tipo o Rei do Gado? — Sou obrigado a rir alto com essa.
— Nunca me chamaram assim, mas… — Penso no apelido. — Pode ser que
eu seja, sim.
— Tá! E aquele lance de rixas entre fazendas vizinhas é só coisa de filme ou
acontece na real?
— Acontece. — Me limito a dizer.
— Certo. Você tem uma arma? — Que mulher aleatória.
— Sim.
— Já atirou em alguém? — Você nem imagina.
— Sim.
— Tem namorada?
— Sim. — Respondo no automático. — Quer dizer, não. Não tenho.
— Hum.
Não vá por esse caminho, garota.
Ficamos alguns minutos em silêncio, mas a tal da Antonella realmente não
consegue ficar calada.
— Por que você não tem namorada?
— Porque não gostei de ninguém o suficiente para isso.
— Ah, tá!Conheço seu tipo — diz convicta.
— Meu tipo?
— Sim. O cara rico que come todas e não assume nenhuma.
— Eu não sou assim — rebato na hora.
— Você é.
— Não sou. — Olho rápido para ela. — Você nem me conhece.
— Nem preciso. Gostoso e rico. De duas, uma: é galinha ou gay.
Respiro fundo.
— Não sou nenhum dos dois. Você não sabe ficar quieta, não? Parece que
engoliu uma vitrola.
— Vitrola? Que coisa cafona. Não se faça de ofendido, porque santo, meu
filho, é cu de porco e mesmo assim ainda pisca.
Olho chocado para a garota, temendo que essa língua atrevida me cause
problemas. Vou agradecer a minha irmã pela indicação.

— Chegamos — digo balançando a garota com cuidado.


Ela simplesmente dormiu o restante da viagem e eu até fiquei feliz com isso.
Dormindo ela parecia um anjo. Mas só dormindo mesmo.
— Cacete! — Ela dá um pulo no assento do carro e olha em volta, parecendo
lembrar que não está mais no Rio. — Você me deu um susto, peão.
Os apelidos só melhoram.
Agora sei por que ela fez um contrato de trabalho tão minucioso. Seria
impossível aturar essa mulher por tanto tempo.
Ela abre a porta do carro sem nem me deixar falare sai como uma louca.
— Ah, o ar da fazenda. — Abre as mãos como se pudesse abraçar o vento. —
Quem é aquela senhora?
— Minha mãe — respondo abrindo o porta-malas para pegar a loja que ela
trouxe.
— Oi, senhora! — Ela acena animada para minha mãe que sorri como o
Coringa de volta para ela.
Mal sabe mamãe a louca que a garota é.
Quando tiro a primeira mala, ouço um grito. Olho para Antonella e a vejo
caída no chão segurando o tornozelo e gemendo.
Era só o que me faltava.
Ela faz cara de dor e parece até querer chorar. Minha mãe corre na direção da
garota para socorrê-la.
— Não corra, Dona Joaquina! — peço alto para que minha mãe escute e evite
cair também.
Chego ao lado de Antonella e percebo que seu tornozelo está inchado. Deve
ter torcido.
— Como você caiu? — pergunto.
— Caindo, ué! — ela responde grossamente, me empurrando. — Tá doendo
para caralho!
— Pegue a menina, filho! — minha mãe pede quando nos alcança. — Vamos
levá-la para dentro.
— Ela é louca, mãe, não me deixa nem chegar perto.
— Louco é seu pau! — a doida responde, furiosa.
— Calma, querida. — Minha mãe faz carinho no anjo caído.
— Tá doendo muito — o diabo reclama.
— Rubens vai te pegar no colo. Você não vai conseguir encostar o pé no
chão — minha mãe avisa. — Descruze esses braços e pegue a menina!
Me abaixo passando os braços nas costas da garota. Olho para suas pernas
meio sem saber o que fazer, já que ela está de vestido. Sinto seus braços
envolverem meu pescoço, e quando me viro, seu rosto está bem próximo do
meu.
Com ela é linda.
— Vou ter que pegar nas suas pernas — digo para ela.
— Já demorou.
Bufo. Garota insuportável. Só é linda de boca fechada.
Pego-a no colo e a levo à cabana. Sua expressão de dor é nítida e fico com
pena. Mas me diga quem viria para uma fazenda com um salto desses?Acho
que ela nunca esteve em uma. Não existe outra explicação. Boto-a no sofá.
—Pegue gelo — minha mãe me pede, chegando perto do tornozelo de
Antonella. Pego uma toalha e boto os cubos ali, os enrolando.
—Acho que ela só virou mesmo — minha mãe diz assim que volto. —Mas é
bom levar ela amanhã na cidade para fazer um raio-x.
Só concordo com a cabeça. Pego a manta que cobre o outro sofá e jogo para a
garota.
— Se cubra.
Ela põe a manta em cima das pernas e eu as levanto,cuidando para não tocar
no tornozelo.Sento-me e ponho suas pernas em cima das minhas. Ela fica
meio tímida e se ajeita no sofá. Seguro o local da contusão e pressiono o gelo
com calma.
— Puta merda! — ela grita.
—Você é bem escandalosa — penso em voz alta.
— E você é um grosso. — Discordo, mas não respondo.
— Vou pegar um analgésico lá em casa e já volto — diz minha mãe saindo
da cabana.
Volto a olhar o tornozelo da garota e percebo o contraste da nossa pele. Terá
que passar protetor diariamente, ou com esse tom de pele, terá problemas
com a exposição ao sol.
— Sua casa é bonita — ela diz, olhando tudo com atenção. — Diz muito
sobre você.
— Como disse antes, você não me conhece.
— Verdade, mas nossa casa é como nossa carteira de identidade. Seu RG
mostra seus registros no cadastro nacional, e sua casa mostra seus traços de
personalidade. — Ela volta a me olhar e, pela primeira vez, não vejo
segundas intenções ou julgamentos descabidos.
— É, eu escolhi tudo a dedo mesmo — falo sem ter muito o que dizer. —
Muitas coisas eu mesmo fiz.
Sorrio orgulhoso e ela sorri de volta. Um sorriso lindo. Ignora esse
pensamento, Rubens.
— Além de Rei do Gado, você é tipo Bombril? — Não entendo sua fala e ela
completa: — Mil e uma utilidades.
Eu não sei o que é mais errado, seu olhar ou sua frase com vários sentidos.
— Faço de tudo um pouco. — Desvio o olhar e, bem discretamente, respiro
fundo, como se não tivesse entendido o sentido subliminar de sua frase.
Sinto seu olhar em mim e continuo agindo como se nem notasse a tensão ao
nosso redor.
—Você é diferente — ela finalmente diz.
Olho para ela e volto a olhar para seu tornozelo.
— Não vai me perguntar por que acho isso?
— Não — respondo.
— Pois eu respondo mesmo assim — ela diz e seguro um sorriso. Essa
mulher vai me dar trabalho. — Você é misterioso, mas ao mesmo tempo, é
transparente. — Ela para um segundo e volta a falar: — Não consigo ver
além disso.
— Você é algum tipo de vidente? — brinco, tentando descontrair a conversa
que está indo por um rumo que não estou gostando.
— Não. Sou advogada também, lembra? Acredito na minha percepção. —
Ela empina o nariz. — Mas no que diz respeito a você, é meu sexto sentido
que me alerta.
— Avise seu sexto sentido que você não corre perigo.
— Eu sei, não é como se você fosse um capataz assassino — ela ri e eu
acompanho sua risada, mas diferente dela, estou rindo de nervoso.
Minha mãe volta com os remédios. Tiro as pernas dela do meu colo, vou
pegar um copo d’água e jogo o restante do gelo derretido fora. Entrego o
copo d’água à Antonella que está com o analgésico em mãos e ela agradece.
Dona Joaquina conversa alegremente com a garota. Ela sempre sentiu falta de
uma presença feminina. Helena e ela sempre foram muito próximas, e quando
minha irmã decidiu se mudar para o Rio de Janeiro, minha mãe sofreu muito.
Também sofri, não vou negar. Precisei ignorar a falta que ela fazia e começar
a tomar conta de tudo, pois nosso pai já estava passando por crises constantes
de memória.
— Filho, como ela não pode ir lá em casa, vou fazer a janta aqui mesmo.
— Você está em casa, mãe. — Beijo a testa da minha velha, que vai para a
cozinha e começa a mexer nas panelas.
Vejo Antonella olhar o relógio e imagino que deve estar estranhando o
horário de Dona Joaquina falar em fazer janta. Sento na poltrona ao seu lado.
— Jantamos cedo aqui — digo, chamando sua atenção. — Na verdade, todas
as refeições são feitas cedo,e o almoço sai sempre ao meio-dia.
— E se eu ficar com fome mais tarde? — ela pergunta meio apavorada.
Eu gargalho. De rabo de olho, vejo minha mãe nos olhar animada, mas sem
perder tempo, volta a cozinhar.
— Você não me parece muito tímida — falo e ela finge indiferença. — De
qualquer forma, sempre tem comida aqui. Fartura de comida de verdade, não
aquelas besteiras de hambúrgueres e pizzas da cidade. Mas comida, frutas,
misturas, isso sempre tem, e aquela senhora lá tem mãos de ouro.
— Mistura? — ela pergunta.
— Bolo, doces, salgados. Esse tipo de coisa.
— Eu vou engordar.
— Você tá precisando.
— Do que você acabou de me chamar? — Ela estreita os olhos.
— Não comece a surtar.Quis dizer que você precisa de comida de verdade.
Duvido que aguente 40 minutos de pedalada. Você tá fraquinha.
— Fraquinho é cu de rola!
— Garota, não começa.
Ela é bipolar, única explicação.
— Eu fiz academia… — Ela para pra pensar e abana a mão no ar, como se
deixasse o próprio pensamento para lá. — Um tempo atrás.
— Sei.
Provavelmente nem ela lembra quando foi o último exercício que fez na vida.
— Olha aqui, já vou te meter a real. — Vira de lado, parecendo um galinho
de briga empinando a crista. — O fato de você me pagar para estar aqui não
vai fazer com que eu seja como um cavalo adestrado. Sempre que me tirar
para louca, vai ouvir! E não se meta comigo ou vai ser pior para você.
Encosto-me na poltrona achando a bichinha bem engraçada. Ela não tem
medo de mim, e nem deveria. Jamais faria algo que a machucasse, mas e o
que ela poderia fazer contra mim?Sou obrigado a rir. Ela me olha, me
desafiando a responder, e eu só consigo rir mais ainda, recebendo olhares de
ódio da maluca.
— Avisado você foi.
— Devo trancar a porta à noite, então? — pergunto rindo, mas de novo, me
arrependo.
Ela me olha por um tempo, depois sorri.
— Com certeza — diz por fim, e essa ameaça eu levo a sério.
Não respondo. Levanto, ponho uma música baixinha e minha mãe e ela
engatam numa conversa sobre cozinhar. Antonella diz que não sabe e minha
mãe promete ensinar. Elas interagem de uma forma tão natural que parece
que se conhecem há anos. Também, não posso julgar a garota, é realmente
impossível não gostar da minha mãe.
De longe, apenas observo. Ela é linda, espontânea e autêntica. Não nego que
são qualidades difíceis de ver hoje em dia, mas não posso esquecer que é
maluca, engraçada e confusa.
Minha mãe termina a janta e Antonella lamenta por não poder ajudar minha
velha em nada. Arrumo a mesa e depois ajudo Antonella a ir até a mesa. Ela
faz expressões de dor, mas garante estar melhor que antes. Isso me leva a crer
que ela só deu um mau jeito e não fraturou nada. De qualquer jeito, teremos a
garantia apenas com um raio-x.
Jantamos em um clima agradável. A garota não tem papas na língua e parece
já ter se enturmado. Talvez esse tempo com ela aqui não seja tão difícil
assim.
Estou contando com isso.
Capítulo 4

Observo a senhorinha na minha frente, pensa em um docinho? Dona Joaquina


é aquele tipo de senhora de filmes, novelas e livros. Aquela que acolhe todos
como filhos e amada por todos. A forma com ela trata o boiadeiro é tão linda
e fraterna que chega a ser emocionante. O boiadeiro… Poucas coisas me
chocam nessa vida, mas vamos combinar, a beleza desse cara é uma delas.
Por que a Helena não me disse que seu irmão era o Gideon Cross da fazenda?
Eu poderia ter me preparado para o impacto.
Quando vi aquele homem muito bem-desenhado por Deus, fiquei até nervosa.
Na verdade, não fiquei nervosa. Eu quis mesmo foi apreciar o material,
afinal, o que é bonito é para ser visto, não?
Como não sou burra, percebi os olhares de volta, principalmente para as
minhas pernas. Ele ficou me olhando algumas vezes como se eu parecesse
um ET, mas vai ter que se acostumar comigo, já que passaremos um bom
tempo juntos. Eu, por outro lado, não sei como vou lidar com um espécime
do sexo masculino desses diariamente.
Quando entramos no carro, tentei puxar conversa, mas ele parecia querer se
esquivar dos assuntos. Em certo momento, foi grosseiro e eu fiz questão de
mostrar que não levo desaforo pra casa.Era só o que me faltava, sair da
cidade e abrir mão do wi-fi para escutar desaforos do projeto de Rei do Gado.
Decidi, então, fechar os olhos e descansar. Dormi mesmo, pois passei a noite
anterior vendo seriado com Renan. Quando chegamos na fazenda, despertei
como uma bela donzela, decidida a descer do carro e fazer uma chegada
triunfal, desfilando lindamente em meus Louboutins.
Só que não.
Não era uma passarela firme e sólida, mas um gramado verdinho e aparado.
Sei disso, porque fiquei estatelada nele. Primeiro, tentando entender o que
tinha acontecido; segundo, segurando o impulso de gritar que o destino era
uma merda, e que não podia ser verdade que tinha me machucado no
primeiro dia da minha nova vida.
Quando ele me pegou em seus braços e senti seu perfume amadeirado, até me
fiz de doente e deitei em seu ombro. O negócio é aproveitar as chances que a
vida nos dá, meus amigos, e eu fiz isso.
Quando ela colocou aqueles bifes acebolados na mesa, eu quase babei.
Sejamos sinceros, minha alimentação realmente era péssima. Renan e eu
somos horríveis na cozinha, então comíamos muito no drive-thru, fazíamos
lanches e almoçávamos em restaurantes. Nada disso chegava aos pés de uma
comidinha caseira.
Para eu não precisar levantar, a Dona Joaquina me serviu comum prato
generoso. Gemi na primeira garfada, sendo tomada por um orgasmo
culinário. Quando abri os olhos, Rubens e sua mãe me olhavam, achando
graça da situação.
— Vou ter que concordar com o cowboy — digo à senhorinha. — Sua
comida é ótima.
— Você achou, minha filha? — Ela sorri de orelha a orelha. — Espero que os
clientes que virão para nosso hotel também achem.
— Com certeza vão — concordo sem dúvida.
Repeti a mesma quantidade generosa, e quando terminamos de comer, ela
lavou a louça e o filho secou e guardou. Me ajeito na cadeira, ficando em
uma posição mais confortável. Passo a mão na barriga que estica o vestido
justo. Vejo Rubens me olhando e rindo, e estreito os olhos para ele, que ri
ainda mais.
Babacão.
Depois de tudo limpo, a senhorinha passou um cafezinho coado e colocou um
bolo de cenoura com calda de chocolate na mesa. Como sou uma pessoa
muito educada, comi uma fatia para não fazer desfeita. Depois, comi uma
segunda para mostrar que havia gostado.
Eles provavelmente acham que sou uma morta de fome. Que achem, não ligo.
A senhorinha começou a bocejar perto das 8hda noite. Antes de ir para sua
casa, me falou que estava tudo arrumado em meu quarto e que qualquer
coisa, era para chamar o filho.
Após um tempo, tento me levantar, e assim que encosto o pé no chão, o sinto
latejar.
—Tudo bem aí? — Rubens pergunta.
— Sim. — Vou precisar de ajuda, com certeza.
— Certo — ele responde e continua me olhando.
O filho de uma boa mãe sabe que preciso de ajuda, mas está esperando que
eu peça.
— Sabe que pedir ajuda não dói, né? — ele diz cheio de si. — O que vai doer
mesmo é subir sozinha e ficar forçando o tornozelo.
— Ok, peão, você ganhou essa — digo sem paciência pro mimimi, pedindo
com extrema fofura: — Pode, por favor, me ajudar a subir?
Ele respira fundo e vem até mim, me pegando no colo sem pedir licença.
Após subir as escadas, ele abre a porta e entramos em um quarto tomado
pelas minhas malas. Franzo a testa,certa de que nem metade do que eu trouxe
vai caber na cômoda. Ele me põe sentada na cama e eu volto a olhar para o
quarto com uma janela.
Vejamos. Tenho uma cama, a cômoda, uma bancada e duas prateleiras. Na
frente da cama tem um espelho, e ao lado dele um roupeiro com prateleiras e
sem porta, mais parecido com uma estante. Tudo em móveis de estilo
demolição.
A cama segue o mesmo estilo rústico, o colchão é confortável e as roupas de
cama brancas deixam o local aconchegante e agradável. Passo as mãos no
lençol e sinto sua maciez. Não havia sido nada barato.
É um espaço bonito e harmônico. Um pouco impessoal, mas darei um jeito
nisso. Ainda assim, nada muda o fato de que não vou conseguir guardar todas
as minhas coisas aqui.
— Se você não gostou de algo, podemos mudar. Amanhã, quando batermos
o…
— Eu gostei, mas não posso ficar aqui um ano com minhas coisas dentro das
malas.
— Você não vai usar metade do que trouxe.
— Você não sabe o que eu trouxe.
— Somos pessoas simples. — Ele dá de ombros. — Não vai precisar de
muito mais que algumas roupas confortáveis.
Não respondo.
Meus saltos serão excluídos do meu dia a dia, e salvo algumas blusinhas,
shorts e calças, todo o restante também não será utilizado.Mas ele não precisa
saber disso.
— Tenho espaço livre no meu quarto — ele diz. — Compro uma cômoda e
você põe mais algumas de suas coisas lá.
— Tudo bem — afirmo, pensando na possibilidade de voltar com duas malas
quando for para o Rio levando o que não irei usar.
— Aqui fica o banheiro. — Ele aponta para a porta mais ao fundo entre os
dois quartos. — Fique à vontade.
— Ei, peão! — chamo-o quando está prestes a sair do quarto, e ele olha para
trás. — Já vai dormir?
Ele olha o relógio de pulso.
— Ainda não. Vou dormir umas 22h, como sempre.
— Cedo.
— Nós acordamos cedo também.
— Cedo, quanto?
— Às 5h30, 6h.
— De madrugada. — Ele sorri.
Ok. Devia ser proibido esse cara sorrir. Existem muitos corações frágeis por
aí.
— Você vai se acostumar, e quando voltar para a cidade, vai sentir falta da
fazenda.
Duvido muito.
— Boa noite, Antonella.
— Boa noite.
Procuro meu celular na minha bolsa e confiro as horas: 20h30. Se eu enrolar
no banho, ler um livro e contar carneiros, talvez a hora passe rápido e eu
consiga dormir. Testo o nível da dor tocando o pé no chão. Dói, mas nada
que eu não possa suportar.
Levanto, me segurando na cômoda e tentando botar o mínimo de peso
possível na perna dolorida.
Com um pouco de esforço, puxo a mala onde estavam os pijamas e a coloco
em cima da bancada. A mala mal cabe ali em cima, e por um momento, tenho
vontade de dar um grito.
Respiro fundo até ficar plena novamente.
Pego o baby doll e uma calcinha. Abro a porta do quarto me segurando nas
paredes para não cair.
— Cuidado — Rubens fala me dando um susto.
— Cacete! — falo alto e olho feio para ele.
— Só iria dizer para tomar cuidado no banheiro. O piso molhado pode ficar
escorregadio. Trouxe uma garrafa de água para você.
Ele entra no quarto, deixando a água lá dentro.
— Pode pegar pra mim? — peço meio a contragosto apontando para o meu
pijama no chão e ele concorda, se abaixando para pegar.
Ele pega as peças, deixando a calcinha no chão sem perceber. Quando me
entrega o pijama, volto a apontar para o chão. Ele olha para a calcinha como
se ela fosse mordê-lo.
Querido, não é dela que você precisa ter medo.
— É só uma calcinha, homem — digo rindo.
Ele volta a se abaixar meio sem jeito e pega a calcinha, me entregando-a
rápido, como se fosse algo totalmente anormal.
— Precisa de mais alguma coisa?
— Que me ajude no banho. — Ele me olha e não esboça nenhuma reação,
como se estivesse pensando como me responder. — É brincadeira. Deus,
você é muito certinho.
Ele tranca a cara.
— Boa noite — diz fechando a porta do seu quarto.
Entro no banheiro e não é novidade que o balcão de banheiro também segue
o mesmo padrão do restante da casa. Com certeza tudo foi feito pelo mesmo
fabricante. Abro as gavetas procurando por toalhas, encontrando-as na
terceira. Todas brancas. O cara deve ter alguma fascinação por branco, não é
possível.
Tiro a roupa, colocando-a no cesto com as de Rubens. Tenho que perguntar
para ele onde fica a máquina de lavar.
Já estou quase me sentindo em casa. Na verdade, quanto anteseu me
acostumar com a ideia de que esse vai ser meu lar por um bom tempo, mais
fácil vai ser para minha imaginação fluir.
Me formei em técnico de Design de Interiores com 17 anos como terceiro ano
do colegial. Em seguida, comecei a cursar Direito e fiquei 5 anos com a cara
enfiada nos livros, literalmente. Não consegui exercer Design, não até agora.
Começar planejando todo o interior de um hotel-fazenda não é nada menos
que surreal. Desde que eu aceitei a proposta de Rubens, tudo por intermédio
de Helena, venho pesquisando muito. Trouxe muitas inspirações impressas.
Comprar os materiais para os esboços à mão foi simplesmente incrível.
Vários tipos de réguas, canetas, lápis de cor… Eu virei criança de novo, e
para ser bem sincera, nunca estive tão feliz.
Quando meus pais descobrirem, terei problemas, mas no fundo, ainda tenho
esperança que se orgulhem de mim por minhas escolhas. Eu quero viver os
meus sonhos, não os deles.Cedo ou tarde, terei que me posicionar quanto a
tudo, então que seja agora.
Deixo que a água caísse sobre meus ombros. O chuveiro é ótimo, muito
melhor que o do meu apartamento. Preciso admitir que o Rei do Gado não é
mão de vaca. Os eletros são todos atuais demais para alguém que não curte
tecnologia.
Uso o sabonete dele. Nem me dei ao trabalho de pegar meu nécessaire. Seria
impossível me apoiar nas paredes carregando tudo. Amanhã arrumo um lugar
para minhas coisas aqui no banheiro.
Termino o banho com o pé latejando de dor. Me enxugo o mais rápido que
consigo, vou para o quarto e, com muito custo, consigo deitar na cama,
gemendo de alívio. Quando percebo que o sono não vai vir, abro a janela e
observo o anoitecer.
Quanto tempo faz que não faço isso? Não estou falando de olhar o anoitecer,
claro, eu com certeza nunca fiz isso. Falo de deitar e não ficar no celular.
Minha vida era movida à internet e já me sinto sozinha sem o meu amado wi-
fi.
Perto da1h da madrugada, Rubens destranca a porta do seu quarto. Viro para
o corredor e vejo quando ele aperta os olhos, vendo que estou acordada.
—Tá tudo bem?— ele pergunta entrando quarto.
Quando vou responder, meus olhos me traem.
Sério, isso parece a cena de um filme erótico. O que é esse homem de calça
larga mostrando a barra da cueca e sem camisa? Meu olhar se perde no seu
abdômen quando ele volta a me chamar.
— Oi? — respondo alto demais, momentaneamente atordoada.
— Eu perguntei se está tudo bem — ele diz risonho.
— Você me consegue outro analgésico?
— Está com dor? — Ele se aproxima e olha meu tornozelo.
— Meu pé ta doendo pra caramba.
— Na verdade, o que dói é o seu tornozelo.
— Você sente a dor por mim agora? — O que tem de lindo, tem de abusado.
— Calma — ele diz se afastando. — Vou ver o que consigo.
Quando ele desce, volto a respirar fundo. Essa merda desse pé não deve estar
só torcido. Se fosse isso, não estaria doendo tanto. Já não bastasse minha
entrada triunfal, eu ainda precisava ter me machucado?
Puta merda Antonella essas coisas só acontecem com você mesmo.
Ele volta com uma cartela de remédio.
— Eu costumo tomar quando tenho alguma dor — ele diz enquanto pego a
garrafa de água. — É forte.
— Fala sério. — Tiro a cartela da sua mão, pegando um comprimido. — Não
é um remedinho desses que vai me derrubar, peão. — Pisco e tomo a água.
— Você é sempre tão segura assim?
— Sim, eu sou. — Respiro fundo, dando de ombros. — Eu fui criada para ser
assim e não sei ser de outra forma.
— Não devemos deixar a nossa criação nos definir — ele diz, e não sei por
que, mas parece afirmar isso mais para si mesmo do que para mim.
— Você é sonâmbulo?
— Não — ele ri.
— Então o que faz acordado?
— Eu acordei…com fome. — Parece se atrapalhar nas palavras.
—Com fósforos? —pergunto, e ele olha para uma de suas mãos.
— Eu… — Faz uma cara sem jeito. — Vou fumar um charuto. Olha, minha
mãe não pode saber disso.
Arqueio a sobrancelha.
— Tá com medo da mamãe, senhor feudal? — Seu olha mudar na hora.
— Boa noite. — Ele fecha a porta do meu quarto e, em seguida, escuto outra
batida. Com certeza é a porta do seu quarto.
Eu falei alguma coisa errada?
Fecho a janela e me cubro com o cobertor. A dor melhora e não demoro a
cair no sono.

— Antonella?— Escuto me chamarem e baterem na porta. — Antonella!


Não se pode nem dormir mais, merda.
— Antonella! — Batem com tudo na porta.
— Ahh! — grito.
A porta se abre em um rompante com o peão bem atordoado. Sento na cama
com o susto enquanto ele me olha apavorado.
— Você gritou — ele diz,olha em volta do quarto. — Por que você gritou?
— Tava me espreguiçando — minto.
— Gritando?
— Olha aqui,Rei do Gado,a goela é minha e eu berro o quanto quiser.
— Você é louca, garota!
— Seu pau! — Ele arregala os olhos. Aff.
— São 9 horas. Se a donzela puder se levantar para irmos bater o raio-x, fico
agradecido.
— Sou uma donzela mesmo. — Jogo um travesseiro nele. — Nunca mais
entre em meu quarto sem avisar!
— Você deu um berro! — ele diz inconformado. — Eu achei que tinha
acontecido algo!
— Está querendo dizer que essa fazenda não é segura?
— É claro que é!
— Não foi o que acabou de dizer!
— Mas quem disse foi você.
— Não, foi você. — Na verdade, fui eu sim. Tento me levantar, mas o peso
sobre meu pé me faz gemer de dor. — Consegue alcançar essa mala aí pra
mim? — peço bem querida, porque não sou boba.
Ele pega a mala e a põe em cima da cama. Quando vou me mexer para abri-
la, ele mesmo a abre. Pego o primeiro short que vejo e uma regatinha rosa.
— Vou esperar ali fora — ele diz sem jeito quando percebe que quero trocar
de roupa.
Deixo meu baby doll em cima da cama desarrumada. Procuro meu nécessaire
e meus chinelos, e só quando abro a última mala eu os acho. Abro a porta do
quarto e Rubens está encostado na parede de braços cruzados.
— Vou fazer xixi, escovar os dentes, pentear o cabelo…Não precisa ficar
esperando.
— Claro. Vai descer as escadas pulando e se apoiando como está fazendo
agora?
Respiro fundo e vou ao banheiro. Vaqueiro filho da mãe!
Faço xixi parecendo ter uma torneira interna pela demora, ciente de que ele
está ali fora escutando. Sério, e se eu quisesse peidar? Porque pessoas
normais fazem isso. O cara iria escutar tudo!
Tá certo, ele é prestativo e, salvo as vezes que o vi me olhar diferente, ele não
parece querer nada comigo. Não que eu seja linda, não é isso, mas
geralmente, quando um homem age assim com alguém que não é nada seu,
ele quer traçar a mulher.Mas ele é diferente, não posso negar.
Deixo meu nécessaire em cima do balcão, prometendo a mim mesma que vou
arrumar tudo depois. Saio do banheiro e ele continua ali.
— Sou toda sua. — Abro os braços.
Ele dá uma risada seca e nega com a cabeça.
Eu só estava brincando, poxa. Cadê o senso de humor?
Diferente das outras vezes, ele me pega no colo sem cerimônia e me leva para
baixo. Não é como se eu fosse leve, até porque sou alta, mas ele parece estar
acostumado a fazer força. Ele não para na cozinha e eu fico com meu instinto
em alerta. Por fim, ele me leva até um… Jipe?
— O que é isso? — pergunto quando ele me deixa sentada.
— É uma gaiola — ele responde ao sentar também. — Não chame de isso.
— Homem é tudo igual mesmo.
— Você é lésbica?
— Não! De onde você tirou isso? — pergunto bem putinha.
— As coisas que você diz. — Ele dá de ombros e liga a tal gaiola.
— Eu gosto de homem, adoro sentar na vara. — Ele volta a me olhar
espantado. — O que? Eu,hein.
Ele não diz nada.
— Aonde vamos? Olha, acho bem prestativo você me levar no médico, mas
eu estou com fome.
— Vamos descer ali — ele diz, indicando uma casa branca muito bonitinha.
—Você vai tomar café na casa da minha mãe, mas só tem 20 minutos. Já
estamos atrasados.
Apenas concordo, olhando fascinada para a casa à nossa frente.
Capítulo 5

A garota é louca.
Me comeu com os olhos no aeroporto, foi evasiva, grossa, meiga, simpática,
vulnerável e engraçada, tudo ao mesmo tempo. Ela é uma confusão. Ah! Não
posso esquecer que é espaçosa também. Já está se sentindo em casa, falando e
fazendo umas perguntas, que se alguém olhasse de fora, iria supor que nos
conhecemos há anos.
Hoje cedo bati na porta e ela não respondeu, então não insisti. Imaginei que
fosse o efeito do remédio que a fez dormir. Costumo tomar em dias que fico
domando os cavalos, porque sempre fico quebrado.
Pensei que ela tinha caído de novo ou que estava gritando de dor, mas estava
apenas se espreguiçando. Pelo menos foi rápida no banheiro. Fiquei
esperando para que fosse mesmo. Quando saiu do banheiro, a peguei no colo
sem muito cuidado, pois dessa vez ela não estava de vestido e minha
paciência estava curta.
— Você é lésbica? — Sou obrigado a perguntar.
— Não! De onde você tirou isso?
— As coisas que você diz. — Dou de ombros, dando partida na gaiola.
— Gosto de homem, adoro sentar na vara. — Olho para ela sem acreditar na
naturalidade que diz as coisas. — O que? Eu, hein.
Não digo nada.
— Aonde vamos? Olha, acho bem prestativo você me levar no médico, mas
eu realmente estou com fome. — A garota não fica um minuto em silêncio.
— Vamos descer ali. — Indico a casa de Dona Joaquina. — Você vai tomar
café na casa da minha mãe, mas só tem 20 minutos. Já estamos atrasados.
Espero que solte alguma frase desaforada, mas ela não vem. Antonella apenas
concorda, olhando fascinada para a casa. Encosto perto das escadas e desço
para ir pegar a madame.
— Você vai ficar andando comigo assim no médico?
— É claro que não. Não sou burro de carga. Você vai usar a bengala que
peguei com um dos meus homens. Só está sendo carregada por causa das
escadas.
— Não preciso da sua ajuda mesmo — ela diz petulante.
— É, não precisa.
A ponho de pé no último degrau.Volto à gaiola e pego a bengala que Seu
Antônio me emprestou.
— Use — digo, entregando-a a ela.
Ela pega da minha mão e caminha como pode se apoiando na bengala.
Depois de uns três passos, olha para mim por cima dos ombros.
— Como eu disse, não preciso da sua ajuda. — E some de vista ao passar
pela porta.
Eu mereço! Terei uma conversa com Helena, porque ela deve me odiar
muito. Como foi me indicar essa desequilibrada?
Entro da casa de minha mãe e vejo Antonella comer enquanto pergunta sobre
os móveis.
— É uma fábrica da cidade, mas o Rubens vai saber explicar certinho para
você — minha mãe diz.
— Graças a Deus! Deve ser uma marcenaria. Achei que teria que me limitar a
desenhar só móveis rústicos para o hotel.
— Os meninos são uns amores, minha filha. Montaram aqui em casa em duas
semanas. Eram tão divertidos, faziam até roda de viola à noite.
— Eram gatos? — a garota pergunta animada. Era só o que me faltava.
— Eram ajeitados, sim.
— Sério isso, mãe? Eram um bando de folgados.
— Não sei porque essa implicância com os meninos, filho.
— Deve ter se sentido ameaçado — Antonella fala.
— Ameaçado pelo quê? — pergunto.
— Homens gatos e divertidos. Essa implicância é briga de testosterona
— Você é irritante, garota.
— Só lamento para você.
— Vou arrumar uma casa para você ficar.
— O que é isso, Rubens? Você não me faça passar vergonha, menino! —
Minha mãe diz, indignada. — Bem capaz mesmo, você vai hospedar ela e
cuidar para que sua estadia seja prazerosa.
— Você ouviu, peão? Não aceito nada menos que uma estadia prazerosa —
ela diz e pisca maliciosa.
— Você é uma tarada!
— Rubens! — minha mãe volta a chamar minha atenção.
— Não fale assim comigo! — a louca grita.
— Chega! — Respiro fundo. — Seus 20minutos acabaram. Vamos.
— Já comi mesmo. — Dá de ombros.
Saio da casa da minha mãe sem esperar por ela.
— Rubens! — Juliano me chama.
— O que foi? — pergunto sem paciência.
— Vim trazer essa autorização para que assine, o carregamento de ração
chegou e… — Ele se perde olhando além de mim.
— Juliano! — Chamo-o, pois escuto passos atrás de mim e imagino para
quem está olhando.
Ele vem até mim e me entrega o papel. Apoio no corrimão da escada e
assino, vendo que Antonella está olhando para as escadas e pensando em
como vai descer. Devolvo o papel para o homem que baba pela loira sem
disfarçar.
— Vem — chamo Antonella para a ponta da escada e ela vem sem nenhuma
frase atrevida. Pego-a pela cintura e a levanto, indo à gaiola.
Juliano fica olhando meio abobado. Quando a deixo na gaiola, vejo que o
cara continua ali.
— Perdeu alguma coisa?
— Não! É… Roberta perguntou de você.
Essa mulher se comporta como se fosse minha dona.
— Vocês deviam usar o tempo de vocês trabalhando, e não falando de mim.
— Claro, patrão. — Levanta o papel em mãos. — Vou levar a…
— Já deveria ter ido. — Entro na gaiola e dou partida.
Vou à garagem para deixar a gaiola para irmos de carro à cidade. Mal paro e
a garota tenta sair sozinha, e consegue, mesmo fazendo cara de dor.
Abro a camionete.
— Consegue subir sozinha? — pergunto.
Ela só acena com a cabeça dizendo que sim. Durante o percurso inteiro ela
fica olhando a paisagem em silêncio. Agradeço mentalmente pela cortesia. Já
tenho muitos problemas para resolver, não tenho tempo para sua
instabilidade.
Depois de 20minutos, chegamos à cidade.
— Essa igreja é muito bonitinha — ela diz olhando para a construção antiga
da paróquia.
— É sim. — Desço do carro e abro sua porta. Ela segura minha mão e desce.
— Obrigada.
Sim, meus amigos, a garota é bipolar.
Caminho devagar ao seu lado indicando o caminho. Ao chegarmos no posto
de saúde da cidade, conto o que aconteceu para a enfermeira que nos chama
para o consultório.
— Rubens, bom dia — Doutor Nazareno me cumprimenta. — Como está
Dona Joaquina?
— Muito bem, doutor, obrigado.
— Que bom, garoto, que bom. — Ele olha para Antonella e sorri. — E essa
moça bonita? Namorada?
— Não. É uma amiga da minha irmã que veio da cidade e vai passar um
tempo aqui.
— Antonella, doutor, muito prazer. — Ela estende a mão. —Além de amiga
da irmã do Rubens, sou designer de interiores e advogada. — Ela me olha
sério e fico sem entender a grosseria. — Esse tempo que vou passar aqui será
desenhando a parte interna do hotel desse peão xucro aqui.
— Não comece garota. Não é porque não sou estudado que sou xucro.
— Doutor. — Ela me ignora e solto fogo pelas ventas. —Ontem eu caí no
gramado e desde então meu pé dói muito.
— Ela caiu porque estava com um salto de uns 20 centímetros.
— O meu salto tem 11 centímetros, na verdade.
Doutor Nazareno olha de mim para ela sem saber a quem responder.
— Vamos fazer um raio-x. Vou pedir para a Maria preparar a sala.
— Doutor, precisa ser a Maria? — pergunto com receio de ficar perto dessa
outra maluca.
Saímos juntos uma vez e quando parei o carro, ela pulou para o meu colo.
Como não quis “ir para os finalmente”, saiu espalhando para cidade toda que
sou gay.
— Posso chamar a Greice, mas pode ser que demore um pouco…
— Imagina, doutor, pode ser a Maria sim. — Antonella me olha dando um
sorrisinho. — Ele tem muita coisa para fazer na fazenda e já está atrasado.
Sorrio sem dentes para o doutor e olho sério para Antonella. Seguimos para o
corredor, nos sentando nas cadeiras. Algum tempo depois, Maria chega.
— Bom dia. — Ela me olha, provavelmente tirando sarro da minha cara. —
Namorada nova?
— Por que? Por acaso você é a velha? — Antonella se mete.
— Não… — Maria responde.
— Então creio que quem eu sou ou deixo de ser para ele não seja da sua
conta.
Olho surpreso para Antonella e até sorrio.
— Que bom que você resolveu aquele problema, Rubens — Maria diz
afrontosa.
— Nunca tive problema algum — respondo direto.
— Não foi o que pareceu… — Ela deixa a frase no ar.
— Na verdade, ficou bem claro para você que não tenho problema algum. —
Encaro a mulher, perdendo a paciência pela milésima vez em único dia. É
hoje! — Não tenho culpa se você ficou bravinha porque não te comi e
precisou sair contando mentiras para aumentar sua auto estima.
Ela arregala os olhos e Antonella assovia. Então, continuo:
— Não sou moleque, Maria. Eu mando nessa região inteira, então não
brinque comigo. Agora leve ela para fazer o raio-x porque não tenho o dia
todo.
A mulher sai pisando forte, indignada comigo.
—Gostei desse seu lado chefão. — Olho para ela e rio, balançando a cabeça.
— Você ficou chateado comigo ontem. Por quê?
Ninguém é tão direto comigo assim.
— Helena cresceu chamando nosso pai de “senhor feudal”. — Olho em seus
olhos. — Não quero ser comparado com ele.
Ela concorda sem dizer nada.
Maria retorna e leva a garota com ela, voltando menos de 10 minutos depois.
Antonella vem mancando apoiada na bengala e, dessa vez, senta na cadeira
ao lado da minha. Maria nos olha desconfiada, mas não ousa dizer nada.
O doutor explicou que Antonella trincou o osso e recomendou engessar sua
perna. Ela reclamou, e ele, com toda a paciência do mundo, explicou que a
mobilidade seria normal e que apenas sentiria o peso do gesso ao andar. Ele
aplicou soro na veia para dor e engessou do pé até o joelho. Depois de 40
minutos, saímos do posto.
Olho em meu relógio e faltam 15minutos para o meio-dia, por isso já estou
com fome. Antonella segura meu braço e eu olho preocupado para ela.
— Não está conseguindo andar direito? — pergunto.
— Não — ela fala ainda me segurando.
— Está com dor, então?
— Não. — Com a mão livre, ela aperta meu queixo.
Não entendo nada, mas continuamos andando em direção à saída. Quando
chegamos à porta, ela desce sua mão até a minha, me parando.
— Mônica! — ela chama ao se virar.
— Não tem nenhuma Mônica aqui — Maria responde.
— É você mesma que eu estava chamando.
— Meu nome é Maria.
— Ah, sim — Antonella diz como se não tivesse importância. — Só queria
deixar claro que esse peão aqui é bem macho! — Olho para a garota sem
acreditar no que ouvi. — Nenhum músculo gay por aqui, gata.
Ela pisca para Maria, que a olha tão chocada quanto eu, e só volto a andar
porque Antonella me puxa pela mão. Quando chegamos no carro, destravo o
alarme e espero ela subir. Dou a volta e entro também.
— Isso… — começo a falar.
— De nada — ela diz com uma piscadela.
— Deu a entender que dormimos juntos? — A pergunta é mais para mim
mesmo do que para ela.
— Sim. Elas estão achando que transamos — ela ri, se ajeitando no banco. —
E ainda devem estar achando a tal Maria uma mal-amada.
Sem ter o que responder, ligo o carro, saindo do estacionamento.
— Essa ajudinha me dá direito a uma pergunta.
— Devo ficar com medo?
Ela ri. Deve achar que estou brincando.
— Você é gay? — Piso no freio e olho sério para ela. — O que foi?
— Eu não sou gay, garota.
— Você não parece gay.
— Então por que me perguntou se eu sou?
— Porque meu amigo também não parece. Eu tentei pegar ele, e foi assim
que eu descobri que era.
— Que bom para o seu amigo. Quanto a mim, não sou gay. — Volto a pôr o
carro em movimento. — Se o que te fez pensar isso foi eu não ter transado
com a Maria, fique sabendo que ela ficou bem satisfeita quando gozou na
minha mão.
Não a vejo, mas sinto seu olhar em mim.
— Você a masturbou?—ela pergunta usando todas as palavras.
— Você fala demais. Não vou contar detalhes do que eu fiz.
— Por que vocês não transaram?
— Transar para você é só meter o pau? — A desgraçada ri.
— Desculpa, mas no início achei que você fosse o tipo de cara que fala
pinto…
Só respiro fundo e não respondo.
— Mas respondendo a sua pergunta — ela diz, ficando meio de lado para me
olhar, como se eu fosse olhar de volta —, transar é toda uma temática. Depois
de um oral e umas dedadas, a gente quer mesmo é que meta tudo. Pra fechar
com chave de ouro, sabe?
— Não sei — desvio o foco da pergunta. — Não quero que metam nada em
mim.
— Ah! Então o Rei do Gado também sabe brincar.
Acho graça do seu sarcasmo. Começa a tocar uma música em inglês na rádio
e ela aumenta, acompanhando em seu tom desafinado. É oficial, Helena me
mandou uma maluca para a fazenda. Não posso negar que é engraçada e seu
jeito autêntico é interessante, mas ainda assim, uma maluca.
No resto do caminho, quando via algum animal, falava do quanto era fofo,
feio ou estranho. Falava também das plantações e do ar puro do campo.
Tivemos uma conversa civilizada sobre poluição e não discutimos durante
aqueles 20 minutos.
Espero que seja o começo de uma calmaria.
Capítulo 6

Como estava bem zonza, dormi depois do almoço e acordei perto das 5h da
tarde. Caminhar com o gesso é cansativo, mas não é difícil, então isso não vai
atrapalhar minha rotina.
Desço as escadas indo à cozinha. No forno ainda tem um pedaço do bolo de
cenoura. Corto duas fatias e deixo em um prato na mesa. Abro a geladeira
para pegar leite e vejo que não passarei fome de forma alguma. Tem de tudo
aqui! Conto até três tipos de queijo e dois de salames.
A fartura realmente se aplica a tudo, né? Porque meus amigos, o que é a
beleza do Rubens? Anormal, surreal. Netflix está perdendo de exibir um belo
macho nas telas do mundo afora, afinal, o cara tem uma beleza digna de
competir com qualquer ator gostoso por aí.
Preciso arrumar um jeito de bater uma foto dele e mandar pro Renan pra ele
morrer de inveja da minha nova descoberta. Se quero pegar o cara? Com
certeza! Meu anjo, qual mulher não iria querer? Ele diz ser solteiro, mas
aquele carinha de hoje de manhã falou sobre uma Roberta e o meu instinto
FBI diz que tem caroço nesse angu.
Saio para a área da cabana e sento na cadeira de balanço. Acredito que nunca
parei assim para olhar para a natureza. Nunca fiquei sem um celular com
internet para mexer, ou sem uma TV a cabo para me distrair.
Tudo é tão simples e, ao mesmo tempo, tão único.
Vejo Rubens sair do futuro hotel que eles chamam de casa grande, vindo
para a cabana. Todo lindo e imponente, com aquela presença marcante que
não precisa de muito para chamar atenção, sabe?
Minha Nossa Senhora das calcinhas molhadas, como não querer montar nesse
fazendeiro?! A cowgirl dentro de mim se anima com a ideia.
Me chama de cowgirl e me deixa quicar na sua vara.
Gargalho sozinha com o pensamento.
— O que é tão engraçado? — ele pergunta subindo os degraus.
— Eu imaginando o tamanho do seu pau. — Ele para e fica me encarando.
Até fico com dó. — Tô brincando.
— Ah!
Tadinho, tão puro e inocente. Meio sem jeito com a brincadeira, ele
acrescenta:
— Vou tomar banho para irmos jantar.
— Você janta todos os dias na casa da Dona Joaquina? — pergunto.
— Não é legal comer sozinho.
— Você não mora mais sozinho.
— Você é bem direta — ele ri.
— Você já me disse isso, belezinha. — Levanto e aperto seu queixo antes de
entrar na cabana.Olho para trás e pisco para ele. — Você se acostuma.
— Não tenho muita escolha.
— Não tem. Além disso, você prometeu à sua mãe que minha estadia seria
prazerosa.
Ele para e cruza os braços.
— Qual é a sua? — Franze a testa, carrancudo — Tá me tirando para bobo?
— Não. — Chego perto. — Sou sincera. Sempre.
— Vou ser também. — Ele também chega mais perto. — Você não faz meu
tipo.
— Quer pagar para ver? — Ele bufa como um cavalo e sai para as escadas.
Dizer que não faço seu tipo me deixa chateada, sim, mas disfarço porque sou
dessas. Como assim, não faço seu tipo? Gosta de pentelho escuro? Ah, vá!
Esse papinho de “tipo” é bem ridículo, deu mole é vapo e pronto.
Este peão metido a Rei do Gado me paga!
Algum tempo depois, ele desce e vamos à casa de Dona Joaquina. Ela faz
chuleta de porco frita no fogão a lenha e eu quase morro comendo de novo.
Pensa em uma couve refogadinha com bacon? Porra! Quando terminar essa
obra, vou sair daqui rolando. Dessa vez, lavo a louça bem mocinha, só para
esfregar na cara do metido a besta que não sou um encosto.
Quando chegamos novamente em casa — porque sim, aqui é minha casa.
Vou morar aqui por um bom tempinho e não vou ficar me fazendo de rogada.
Ele que se acostume. —, deito cansada e não demoro a dormir.

Um mês depois.
— Antonella, isso não é um bordel!
— Você por acaso já foi em um? — pergunto indignada. — Não faz sentido
que tudo seja branco! Que tipo de aconchego você quer trazer para um lugar
sem vida?
— Sem vida? — Ele abre os braços. — Olhe à sua volta, o que mais tem aqui
é vida!
— Você é uma mula! — Levanto do chão indo para perto dele. — Tudo você
retruca, nada nunca está bom, você não aprova nada!
— Você misturou as cores. — Ele aponta para onde fica a casa grande. —
Aquilo não é uma escola de samba!
— AHHHHHHH! — grito. — Estou há 29 dias reinventando o projeto
porque você simplesmente não sabe o que quer!
— Eu não sei o que quero?
— Sim, não sabe! — Chego perto e aponto em seu peito. — Sabe por que
você não sabe? Porque você nunca teve uma vida!
— Ah! Você teve, né? Nossa, super realizada — diz irônico. — Largou o
emprego e veio para o que você chama de meio do nada. Será que fui eu que
nunca tive uma vida ou você que se esconde de algo?
Pego a almofada e jogo nele. Ele arqueia a sobrancelha e ri.
— Você é um idiota! Estou de saco cheio — falo sentido os olhos nublarem.
Cacete, também! Quando fico com raiva,eu choro.
— Ei, não precisa chorar — ele fala com o tom de voz mais baixo.
— Seu rabo, Rubens! Seu rabo! — Sento e ponho a cabeça entre as mãos.
Que ódio desse babaca!
— Olha, podemos achar um meio-termo…
— Sei que você está acostumado a liderar — falo tentando ser civilizada —,
mas isso não vai dar certo se você não se permitir me ouvir.
— Antonella, o que falamos sobre suas roupas?
— Essa camisa é sua, então é sua roupa, não minha! Aliás, para quem disse
que eu não fazia seu tipo, você tá bem mais preocupado com meus peitos e
minha bunda do que com tudo que acabei de falar, né?
— Sou homem! Pensa que é fácil ver uma mulher seminua dentro de casa?
— Você é um filho da puta insuportável! — Ignoro o que ele disse. — Esse
projeto nunca vai para frente dessa forma, você arruma encrenca com tudo.
Vou para o Rio amanhã, preciso de um tempo sem ver sua cara.
— Tínhamos combinado que eu iria junto quando você fosse… — Ele deixa
a frase no ar.
— Sim, combinamos. Em um dia que você estava bem-humorado e aceitando
minhas ideias. Acontece que está me enrolando há dois fins de semana! —
Volto a ficar de pé irritada enquanto o bad boy do mato se mantém de braços
cruzados. — Então vou sem você. Vou trazer mais algumas amostras de
cores, e se não chegarmos a nenhum lugar, te indico outra designer.
— Temos um contrato, Antonella!
— Foda-se.
— Pensei que fosse o tipo de mulher que não desiste… — Ele estreita os
olhos, me desafiando.
— Eu não sou, Rubens. Você não sabe nada da minha vida. — Vou às roupas
dobradas na cadeira e visto um short que some embaixo da camiseta enorme
que uso.
— Aonde você vai? — pergunta quando me vê pegar meu celular e as chaves
da Montana. Ele tinha deixado um carro para que sempre que eu precisasse ir
à cidade, não dependesse de ninguém. Pelo menos isso ele tinha feito de bom.
— Vou à cidade, preciso usar a internet.
— Vai assim? — pergunta todo putinho. — Parece que tá só de camiseta. E
você está sem sutiã.
— Virou meu pai agora? Caralho, cara! — Mexo nas roupas dobradas e pego
um sutiã. Tiro meus braços de dentro das mangas da camiseta e o visto, me
sentindo no Big Brother Brasil.
— Vou com você.
— Eu não quero que vá comigo.
— Vou com você — repete em tom petulante e educado ao mesmo tempo. —
Para a cidade e para o Rio.
— Preferia que não fosse — mando a real e ele arqueia as sobrancelhas. —
Vai ser bom tirarmos um tempo um da cara do outro.
— Relaxa, loirinha, tenho dinheiro de sobra para pagar um hotel. Não vou
ficar no seu apartamento.
— Claro, e é tão babaca e altruísta que não é capaz de se importar com a sua
irmã que sente saudades de você. É ruim demais passar um fim de semana na
casa dela, né?
— Você também não sabe nada da minha vida.
— Não sei por que apesar de estar aqui há um mês, você ainda se fecha.
Almoçamos juntos na sua mãe, jantamos lá também e é isso. Nem para falar
sobre o hotel você senta para conversar comigo. — Sinto minha voz trêmula
de novo. — Estou cansada.
— Desculpa — ele pede depois de um suspiro —, estou acostumado a ser
sozinho, eu… — Ele chega perto de mim. — Vou ao Rio contigo, vamos
visitar essas lojas que você tanto fala… Vou tentar manter minha mente
aberta.
O encaro, tentando sentir se está sendo sincero e ele percebe isso, pois
acrescenta:
— Eu te prometo.
Só concordo em um gesto.
— Vamos? — ele pergunta e eu só concordo de novo.
Saímos da cabana e entramos em sua camionete. No caminho até a cidade,
fico pensando no último mês. Rubens sempre me tratou com educação, mas
sinto que ele foge de mim. No início acreditei que era o jeito dele, mas
depois, percebi que é mais que isso.
Ele implica com tudo. Tudo mesmo.
Com as roupas que uso, com as coisas que esqueço de guardar e até chegou a
falar da forma que deixo meus chinelos “jogados” na sala. Não consegui usar
a bancada do quarto para trabalhar porque o espaço é ridiculamente pequeno,
então a sala virou meu ambiente de trabalho, e claro, ele também não gostou
disso.
Nossa rotina é sempre a mesma, salvo os dias em que ele fica na poltrona no
canto da sala me vendo desenhar, e o restante passa trancado em seu quarto.
Às vezes, me sinto uma intrusa, como se a minha presença estivesse
deixando-o desconfortável na própria casa.
Eu nunca esperei que fossemos melhores amigos, mas a verdade é que venho
me sentindo sozinha. Sinto falta do Renan, da Helena, da pequena Vitória e,
pasmem, até do filho da puta do Juan que só sabe me encher o saco!
Meu nível de carência deve estar muito alto mesmo.
— Quer ir à Lan House? — ele pergunta assim que estaciona.
— Não precisa, tenho o aplicativo da agência aqui no celular.
Consigo duas passagens aéreas para as 6 da tarde. Ele me passa seus
documentos e seu cartão, e faz questão de pagar a minha também. Não
discordo. Quer pagar, que pague. Depois de usar a internet, desço para comer
um churros e ele vem comigo.
— Esse churros é melhor que qualquer um do shopping do Rio — digo para o
Sr. Dionísio.
— Vou até acreditar nisso, menina — ele diz sorridente. — A massa que a
minha velha faz é a melhor mesmo.
— São casados há quanto tempo?
— Quarenta e dois anos — ele diz orgulhoso e sorrio em resposta. — Temos
seis filhos, cinco deles trabalham na fazenda Junk’s. — Ele olha para Rubens,
que se mantém quieto sentado ao meu lado.
— Sei quem são Seu Dionísio. — Rubens sorri sem dentes — Pontuais,
nunca faltam… O senhor fez um bom trabalho.
O senhorzinho abre um sorriso de Coringa com o elogio aos seus filhos.
— Pretende se casar, menina? — me pergunta enquanto faz o segundo
churros, porque é tipo Cheetos, impossível comer um só.
Sinto os olhos de Rubens em mim.
— Eu não tenho o melhor exemplo de casamento. Meus pais não se amam…
Eles apenas convivem usando um fim por um meio. — Olho para o longe. —
Quero ter minha família e filhos, mas nunca idealizei isso. Às vezes, deixar
de sonhar evita expectativas e, consequentemente, sofrimentos.
— Sua realidade não precisa ser como a dos seus pais, Antonella. — Olho
para Rubens que também olha para tudo e para nada. — Não carregue esse
fardo, ele não precisa ser seu.
Observo enquanto o sol de fim de tarde reflete em sua pele bronzeada,
clareando alguns pontos do seu rosto e, como se possível, o deixando ainda
mais gato. Olho para o lado e pego o churros da mão de Seu Dionísio que me
observa com atenção.
Talvez o Rei do Gado não seja tão ruim assim. Talvez, só talvez, possamos
ser amigos. Só preciso descobrir o seu bloqueio, o que o mantém distante, na
defensiva. Aproveitarei esses três dias no Rio para descobrir mais sobre ele
com Helena.
Rubens, Rubens… Não sei quais são os seus mistérios, mas estou decidida a
desvendá-los.
Capítulo 7

Ajeito-me novamente na poltrona.


— Que isso, Rubens? — Antonella pergunta. — Parece que está com fogo no
rabo, homem.
Massageio minhas têmporas. A garota sabe ser inconveniente com suas
palavras.
— Ainda não entendi como alguém com o seu linguajar é formada em
Direito. — Ela arqueia a sobrancelha, afrontosa.
— Eu não vivo em um tribunal, bonitão — diz e revira os olhos.
Quando vou responder, o avião passa por uma turbulência. Respiro fundo e
firmo minhas mãos na poltrona.
— Sabe que se “segurar” dessa forma não vai te ajudar em nada se o avião
cair, né?
— Antonella, só fica quieta, por favor.
— Não gosto. Tenho boca, é pra falar mesmo.
— Para comer também.
— O que quer dizer com isso, Rei do Gado?
— Que você come bastante. Não é você que diz “só trabalho com verdades”?
— falo imitando-a.
— Você é legal às vezes. — Ela dá de ombros.
— Eu acabei de tirar uma com a sua cara.
— Sim, e fez isso de forma espontânea. Você vive na defensiva, quando
abaixa a guarda é um cara legal.
Não respondo.
A verdade é que venho sendo distante. Moro sozinho faz um bom tempo e
parecia muito feliz até ela chegar. Em dois dias, ela e minha mãe viraram
melhores amigas, e em menos de uma semana, minha casa não parecia mais
um lugar solitário, pois Antonella estava em todos os cantos.
A sala da cabana virou seu escritório. Havia roupas dobradas na mesa, e
chinelos e tênis na porta da casa. No banheiro, calcinhas lavadas secavam no
registro do chuveiro e a bancada estava repleta de cremes e perfumes.
Perfumes.
O lugar, que até então não tinha cheiro, agora tem um aroma doce. É
inacreditável, mas tudo em volta de Antonella ganha vida, como se ela fosse
o sol que ilumina tudo ao seu redor.
Ainda assim, ela é louca. A garota é maluca. Ela me desafia e me tira do
sério. É sempre sincera e autêntica, luta pelo que acredita e nunca abaixa a
cabeça. Ela é o oposto de tudo que eu sonhei, mas parece ser o que eu sempre
quis.Pela primeira vez, me apaixonei por alguém.
Lembro de quando eu soltei para minha mãe.
— Acho que eu gosto da Antonella.
— Eu sei — disse Dona Joaquina em resposta.
— Mas conheço ela há menos de um mês.
— A paixão não precisa de minutos para surgir.
Quando não respondi, ela emendou:
— Você não escolhe por quem se apaixona filho.
Então, o assunto morreu.
Infelizmente, as coisas já saíram dos eixos. Eu há ignorei por muito tempo e,
quando não conseguia, implicava. Em minha defesa, tenho razão em boa
parte da minha implicância. Ela é muito bagunceira e isso é irritante.
Outro problema: ela sempre está muito à vontade, geralmente com uma
camiseta minha e sem sutiã. Antonella é alta, então não é como se minhas
camisetas ficassem no seu joelho. Não, elas ficam no meio das coxas. Vira e
mexe, me proporcionam visões privilegiadas.
Direitos iguais, não? Me faço de bobo, mas vejo com frequência a garota
manjando o meu pau e depois agindo como se não tivesse feito nada.
Enfim, existem duas verdades e uma consequência.
Primeira verdade: eu a quero.
Segunda verdade: é recíproco.
Consequência? Sexo.
Eu tenho um propósito, e não posso e não quero quebrar ele.
A verdade é que sei muito bem o que quero da vida. Um casamento, filhos,
uma família. A família que eu não tive e que mereço ter. Pode parecer
ridículo um homem querer isso, mas é o que eu quero. Ter alguém para
dividir um teto, para compartilhar o dia, para dormir abraçado. Ter um
motivo para voltar para casa e ser amado.
Sou um cara à moda antiga.
Não é como se eu nunca tivesse feito nada. Bocas, dedos… enfim, o ponto
central é: nunca rolou penetração. Poderia me rotular como virgem? Sim, mas
prefiro conservador.
Durante anos eu vi Dona Cláudia sendo abusada pelo meu pai. Aliás, todas as
empregadas eram, porém, com sua esposa era pior. Ele sempre foi violento,
mas durante o ato sexual ficava ainda mais.
A mãe de Helena ficava machucada por dias. Seus olhos não tinham brilho,
ela parecia não ter vida.
Durante anos, os gemidos dele misturado aos gritos dela me assombraram.
Pareciam os gritos de uma pessoa sendo morta, e com certeza era isso que
vinha acontecendo. Dona Cláudia estava sendo morta, um pouquinho a cada
dia.
Ninguém fez nada para impedir.
Eu não fiz nada.
Quem ousaria desafiar o senhor feudal?
Respiro fundo.
— Rubens — diz Antonella pousando sua mão sobre a minha —, o avião não
vai cair.
Sorrio. A garota é linda, merda.
— Sei que não.
— Então tira essa cara de velório do rosto — fala com seu jeito mandão e dá
um tapinha em minha mão.
— Com licença. — A aeromoça oferece uma bolacha e água. — Aceitam a
cortesia?
— Vamos querer sim — diz Antonella. — É de graça. Bem capaz que não
vou querer.
A aeromoça sorri e eu finjo não ter ouvido. Ela não demora a abrir e comer
um pedaço.
— Porra! — Faz uma cara de decepção. — Sua mãe me estragou para
qualquer comida que não seja a dela. Os cookies dela são muito melhores.
— Todas as comidas da fazenda são melhores que as da cidade, garota. —
Sorrio e ela estreita os olhos. — O que foi?
— Você fica sexy demais me chamando de garota.
Assim, ela me faz perder a fala.É sempre isso que acontece.
— Também fica bonitinho tímido — ela gargalha.
Faço cara feia e viro o rosto, tentando esconder um sorriso.
O resto do caminho é feito com Antonella soltando suas pérolas. Descemos
do avião, pegamos as malas e andamos no aeroporto até o local indicado por
Juan, que estava no esperando. De longe, vejo eles nos esperando.
— Você tem a mesma impressão que eu? — Antonella pergunta.
— Que ele é bruxo, vidente ou alguma merda dessas?
— Ele sempre parece estar um passo à frente.
— Não sei, conheço ele a menos de um — declaro — e que eu saiba você,
também.
— E aí, cunhado. Doidinha — ele nos cumprimenta, mexendo no cabelo de
Antonella.
— Seu rabo, Juan — retruca, bufando.
— Cadê? — Ele procura além de nós.
— O que? — pergunto confuso.
— A ovelha que a Antonella me deve.
— Deus, o que fiz para merecer isso? — Ela finge olhar para o céu,
reclamando.
Juan gargalha e deixo passar. Deve ser alguma piada deles.

—Rubens, vai ficar lá em casa, né? — Juan pergunta enquanto dirige seu
carro.
— Não quero incomodar, cara.
— Ele vai — a garota responde por mim. — Helena sente sua falta, Rei do
Gado.
— Rei do Gado? — Juan ri, olhando rapidamente para mim edepois para a
estrada.
— Não vai atrás das coisas que ela diz — digo ao meu cunhado.
— Eu tô aqui, porra — ela reclama.
Durante o caminho, Juan fala sobre o progresso de Vitória em superar a
morte dos avós. Conta também sobre sua irmã estar deixando seu cunhado
louco por causa da gravidez e sobre o porto que estão construindo. Pelo que
entendi, um tal de Renan, colega de quarto de Antonella, também está na casa
da minha irmã. Seria ele um caso dela? Me mexo desconfortável no acento
do carro. Já não gostei desse cara.
Capítulo 8

— Luz da minha vida! — Renan grita e eu me jogo em seus braços. —


Helena, corre! Essa mulher consegue estar ainda mais linda!
Agito-me em seu abraço apertado e reviro os olhos.
— Você ganhou peso? — Ele dá um tapa na minha bunda. —
Definitivamente sim, e nos lugares certos.
— E você? — pergunto, apontando pro seu terno. — Querendo ser o
causador de alguns infartos por aí?
— Vim direto do trabalho. — Dá de ombros. — Na asa do chefe, sabe como
é.
Olho para trás e Juan nos olha com uma expressão risonha. Meus olhos vão
para Rubens que está emburrado, pra variar.
— Renan não parava de falar do quanto estava com saudades de você,
Antonella — Juan diz.
— É? — Renan pergunta confuso.
— Ele ficava dizendo que você faz muita falta. — Ele larga uma mala no
chão. — Disse que as noites dele não são as mesmas sem você.
— Eu… — Renan não sabe o que falar.
— Por que estão demorando? — Helena grita na cozinha. — Estou cuidando
do forno. Venham para cá de uma vez, poxa.
— Rubens. — O Rei do Gado estende a mão para Renan, que também
oferece a sua, sendo firmemente apertada pela do fazendeiro.
Então, ele devia os olhos e vai à cozinha.
— Menina, que boy é esse? — ele fala baixinho, segurando a própria mão.
— Vocês transaram? — Juan me pergunta.
— Não — respondo no automático e o encaro séria —, que porra você tem
com isso?
— Ele ficou com ciúmes de você — diz rindo. — Cara, finge que é hétero.
Vamos infernizar a vida do meu cunhado um pouco.
— Adoro! — Renan diz, mudando sua postura — Vamos atormentar o
bezerrão.
— O que? — Juan pergunta, mas volta atrás, entendendo o real sentido. —
Não quero saber, não mesmo.
— Fala a verdade. — Renan me dá um tapinha no meu braço. — Sentou ou
não?
— Não. Nada mudou desde a última vez que nos falamos por telefone,
Renan.
Pelo menos duas vezes na semana eu me deslocava até a cidade para
conversar com ele. Às vezes, ficávamos até uma hora nos falando.
— Mas sabe que o poderoso chefão pode ter razão — meu amigo diz
pensativo.
— Não viaja — falo puxando para que venha comigo. — Estou com fome,
vamos.
— Vamos fazer ciúme nesse boy! Já li isso em um livro e deu certo. — Ele
segura meu braço, me parando. — Quer o macho ou não quer?
— Óbvio! — falo com tanta certeza que até eu me assusto. — Digo, quem
não iria querer transar com aquele homem?
— Amiga, eu não acredito… Como eu imaginava você se apaixonou pelo
cara.
Gargalho alto. Talvez eu tenha forçado só um pouquinho essa risada.
— Vocês dois. — A voz de Rubens chama minha atenção. Ele parece
desconfiado. — Helena está servindo o jantar.
— Já estamos indo — Renan devolve igualmente sério. Dessa vez, tenho
vontade rir alto de verdade.
Rubens bufa como sempre e volta à cozinha.
— Menina, quase ejaculei aqui com a virilidade dele! — Renan diz baixinho
e eu pego sua mão, o puxando para a cozinha.
— Ela congela tudo com seu super poder. — Ouço Vitória contando para
Rubens, que sorri para a sobrinha.
Quando nos vê, seus olhos caem para nossas mãos juntas. Ele volta a subir
seu olhar e me encara.
Que porra é essa? Está com ciuminho, Rei do Gado? Meu cu para você,
parceiro!Literalmente, né? Julguem-me.
— Tio. — A menina segura seu rosto, chamando sua atenção.
— Amiga! — Helena fala, me abraçando apertado. — Que saudade!
— Também senti saudades.
Quando nos afastamos, olho para Vitória, que me olha sorrindo e mordendo o
lábio, tímida.
— Oi, princesa. — Chego perto e quase empurro Rubens para beijar a
menina ao seu lado. Ele não se afasta, nem um centímetro.
Até ontem eu parecia ter uma doença contagiosa… Assim, do nada, as coisas
mudaram?
— Você mora com o meu tio? — A pequena pergunta.
Me sento entre Rubens e Renan.
— Moro sim, princesa. — Me sirvo de suco.
— Vocês namoram?
Rubens sorri e me olha.
— Não. Seu tio é chato e brigão — respondo e ele fecha a cara.
— Ele bateu no meu pai uma vez.
— Não foi bem assim, filha… — Juan retruca e todos riem.
— Eu não sou brigão, bonita — Rubens fala para Vitória. — A briga que
você viu foi um erro.
Ele aperta a ponta do nariz da pequena.
Lindo pra caralho. Digo gostoso. Gostoso pra caralho.
Helena tira as pizzas do forno e põe na mesa. Comemos rindo enquanto
falávamos de assuntos aleatórios. Rubens ignorou a presença de Renan e eu
fiquei radiante com a possibilidade de isso ser ciúmes.

— Por que no mundo você não me contou que o seu irmão era um pedaço de
mal caminho? — falo indignada — Porra, Helena! Quando vi aquele deus
nórdico no aeroporto, quase gozei garota!
Ela sorri sem jeito, mas não diz nada.
— Tem noção do que passo todos os dias com ele andando sem camisa
depois do banho cheirando a sabonete? — Ela fica ainda mais sem jeito. —
Descobri que meu coração está muito bom.
Ela fica bem vermelha e olha além de mim. Merda.
— Ele está bem atrás de mim, né? — pergunto e ela confirma.
Como a boa atriz que sou, me viro para ele.
— Ouvindo a conversa atrás da porta, Rei do Gado?
Ele ostenta um sorrisinho satisfeito. Filho da puta.
— Não estou atrás da porta, loirinha.
Loirinha. Minha xana grita glória e aleluia pelo apelido que, saindo da sua
boca, fica bem sexy.
— Amanhã te busco às 20h30, tudo bem? — pergunto a ele.
— Vou estar acordado antes disso.
— Certo.
Helena olha interessada a nossa interação. Nossa interação. Irônico que há
pouco tempo ela mal existia. Ah, mas se eu soubesse que bastava pôr outro
na jogada pro macho ficar pianinho, já teria feito isso há muito tempo.

*
Seis e quinze eu levanto. Ainda que ontem tenha ido dormir tarde, me
acostumei com minha nova rotina.
Acordar no meu apartamento foi estranho. Ok, não posso mentir que não me
senti em casa, porém foi diferente. Quando fui à janela, tudo o que eu vi
foram prédios, carros, e pessoas apressadas. Não tinha cafezinho cheiroso me
esperando, nem as misturas deliciosas de Dona Joaquina, e nem seu abraço
sincero de bom dia. Claro, também senti falta daquele bom dia com a voz
rouca e deliciosa do Rubens.
Boto a caneca com leite no micro-ondas. Café solúvel e torradinhas com
manteiga é o que tem para hoje.
— Tá brincando que já está de pé? — meu amigo fala com a cara amassada e
seu típico mau humor matutino que geralmente não dura mais que 20
minutos.
— Bom dia para você também. — Abraço sua cintura.
— O mato te fez bem, hein, amiga? — Me viro rindo, voltando para pegar
minha caneca. — Não te julgo. Se tivesse um boy daquele por perto,
acordava de madrugada cantando um musical da Disney.
— Desde quando você vê musicais da Disney?
— Nos dias em que Vitória passa à tarde na empresa, querida. Frozen e eu
somos melhores amigas. — Rio alto da sua ironia.
Ele se arrumou e, como já tinha comido, fiquei com ele enquanto tomava
café. Assim que saiu, tomei banho e me arrumei. Me arrumei mesmo! Vesti
uma calça jeans alta com um cropped e sandálias de salto. Passei uma
maquiagem básica e, como não sou boba nem nada, trenei minha
coordenação motora nos saltos altos, já que virei o pé na última vez que usei.
Me olho no espelho me sentindo um máximo. Estou gata pra caralho!
— Eu te pegava, mulher! — falo para o espelho e mando um beijo porque
mereço.
Saio do apartamento e entro no elevador, acionando o botão da garagem.
Quando chego no meu belo Corsinha, até suspiro.
— Saudades de você, belezinha. — Entro e sigo para a mansão que Helena
chama de casa.
Os meus funks proibidões fazem o caminho ser rápido. Quando chego, desço
para bater na porta, já que em outras vezes que vim buscar a Helena, tasquei a
mão na buzina, mas sabe como é condomínio de rico… Chamaram o
segurança.
Rubens abre a porta, e de forma automática, seus olhos descem pelo meu
corpo. Ele pigarreia sem jeito.
Toma essa, bebê.
— Bom dia — falo com um sorrisinho satisfeito e o seu semblante se fecha.
— Bom dia — diz seco. — Acordou feliz hoje?
— Sim. — Ele respira fundo e sai da porta para trancá-la, me fazendo sair de
onde estava também.
— Sério que você acordou com o cu do avesso justo quando finalmente
vamos fazer o projeto andar? — digo indignada e com vontade de chorar. —
Porra, você me prometeu que manteria sua mente aberta.
— Antonella. — Ele segura o meu rosto e eu fico momentaneamente tonta.
— Não começa a chorar, por favor. Desculpa.
Vamos para o carro, eu ligo o som e saio falando sobre todo o nosso roteiro.
— Essa música é bem… — Ele nem termina e eu aumento, só para provocar.
Quem foi que disse pra tu me divulgar?
Quem foi que disse pra tu me explanar?
Que eu te pegava de quatro até sua xereca inchar
Eu lambia tua xota até fazer tu gozar

Canto junto e ele ri nervoso, todo sem jeito. Eu vou sentar nesse homem e vai
ser nesse fim de semana. Sorrio decidida. Ele que lute para resistir.
Capítulo 9

— O que você acha, Rubens? — Antonella pergunta apontando para a peça


de porcelanato no expositor.
— Bonita.
Ela me encara e estreita os olhos.
— Você pode dar um minuto para eu conversar com o meu cliente?
Meu cliente.
Ela adora deixar claro esse limite de profissional versus cliente diante dos
outros, mas em casa desfila para cima e para baixo com algumas das minhas
camisetas que mal cobrem sua bunda.
Cima, baixo, bunda descoberta… Respiro fundo.
Tudo fica mais confuso a cada dia e, puta que pariu, talvez seja culpa do
tesão acumulado de todos os anos, mas que no último mês aumentou de uma
forma inexplicável.
— Precisa mesmo ficar anunciando em toda loja que entramos que sou seu
cliente? Na próxima vez, já anuncie no rádio que eu sou forrado na grana.
— Meu sonho de princesa sempre foi exercer Design, então sim,Gideon
Cross da fazenda, preciso espalhar aos quatro ventos que estou criando um
hotel.
— Que merda é essa de Gideon? Um dia é Gideon, outro dia é Cristian. —
Fico puto com essas comparações, ainda mais por não fazer a mínima ideia
de quem são esses caras.
— Você esqueceu de Rei do Gado — ela fala rindo. Mantenho a cara
trancada, pois até acho engraçado quando me chama assim. — Você está
concordando fácil demais com tudo, Rubens. Qual o problema?
Você ser gostosa.
Eu querer te comer.
Eu estar com ciúmes.
Mas lógico que não falo isso…
— Não estou na minha zona de conforto.
— Só isso?
— Como assim, “só isso”?
— Você está irritado. — Dá de ombros. — Não que isso não seja normal, né?
Mas parece que algo está te incomodando.
Olho sério para Antonella, avaliando o que ela disse. Seus olhos não desviam
dos meus porque ela jamais perderia uma briga, seja ela qual fosse.
Autêntica.
Obstinada.
— Sabe o que eu acho? — Ela dá um passo à frente, ainda me encarando. —
Que você está interessado em mim. Esses olhares com mil e um pensamentos
não ditos te entregam.
Arqueio a sobrancelha diante da sua fala decidida. Bom ponto.
— Sabe o que eu acho, Antonella? — repito sua frase e seu gesto, dando um
passo à frente. — Que por trás dessa sua autoconfiança existe uma mulher
doce que só quer ser amada.
Sua expressão é surpresa e, por um momento, aquele ar de sarcasmo deixa
seu rosto.
— Respondendo sua pergunta — continuo —, talvez eu esteja interessado em
você, sim.
Ela mexe o rosto e pisca confusa. Bem-vinda ao clube, querida.
— Licença? — a vendedora fala conosco — Decidiram?
— Estou de acordo quanto ao porcelanato — falo para a moça simpática. —
Confio no julgamento da minha designer.
— Então? — ela questiona Antonella.
— Sim, é… — Pela primeira vez, a loirinha atrevida gagueja e eu sorrio
satisfeito por saber que eu fiz isso. — Precisamos calcular a quantidade de
possíveis quebras…
Me afasto, indo pegar um copo de água. Calor dos infernos nesse Rio de
Janeiro, nem mesmo o ar condicionado dá conta de amenizá-lo. Sinto uma
vibração no bolso e até pulo com o susto. Pego o maldito celular que
geralmente não está comigo e vejo que é Helena.
— Tisco — atendo.
— Mano, onde vocês estão? — ela pergunta, mas nem me deixa responder.
— Querem almoçar comigo? Juan está em uma reunião que vai se estender
até o meio da tarde.
— E só porque o playboy vai estar ocupado que você quer a nossa presença?
— Ela bufa do outro lado.
— Para de chamar ele desse jeito, achei que já estava tudo bem entre vocês.
— E está — respondo rindo —, mas não perderia a oportunidade de te irritar.
— Chato. Onde estão?
— Prat’s. Só sei isso.
— Pode passar para a Antonella?
— Espera.
— Não vou a lugar algum — ela ri do outro lado, tenho quase certeza que
está tirando uma com a minha cara.
— Antonella — toco o ombro da garota. — Helena quer falar com você.
Ela pega o celular e conversa com minha irmã. Pelo jeito, estamos longe de
onde Helena trabalha e não vamos poder almoçar com ela.
— Estamos a uns 40minutos da D’Laurentes, Rubens. Sinto muito —
Antonella diz quando me entrega o celular.
— Tranquilo, ainda tenho o fim de semana inteiro para minha irmã —
respondo, mesmo que eu realmente sinta por negar outro pedido de Helena.
— Vamos demorar aqui? Já é quase meio-dia.
— Não, senhor — ela me responde rindo e se vira para a vendedora. — Sabe
como é esse povo do mato, né? Tem que comer nas horas certas.
— E comer bem, né? Nada de comida racionada, quero ir a um buffet.
As duas gargalham.
— Tem um restaurante de comida caseira aqui perto, vamos lá — Antonella
olha para a atendente e acrescenta: — Menina, esse homem come por três.
— Sério? — ela pergunta sem tirar os olhos de mim. — Não parece.
— Vamos finalizar isso logo que estamos com fome — a loirinha diz e eu só
fico quieto, fingindo que a outra mulher não está me comendo com os olhos.
*

— A comida daqui é boa mesmo — falo enquanto pego mais uma colherada
do camarão no molho branco.
— Sim, eu adoro esse lugar! Já provou a lula à milanesa?
— Antonella? — Viramos o rosto juntos na direção da voz. — Um mês sem
notícias.
O homem grisalho muito bem-vestido em trajes sociais continua:
— Você deveria ter voltado segunda ao trabalho. O que aconteceu?
Franzo as sobrancelhas sem entender. Como assim, voltar ao trabalho? Ela
tem um contrato comigo até o fim da obra. Olho para Antonella e todo o
sangue do seu rosto parece ter sumido.
— Pai. — Pai? Observando bem o senhor, posso ver traços bem discretos de
semelhança entre os dois. — Passo amanhã no apartamento para
conversarmos.
Acho bem estranha a abordagem dele e a reação dela. Ficaram um mês sem
contato e nem se abraçaram? Bem irônico da minha parte, ainda mais
considerando o pai de merda que eu tive. Infelizmente, alguns pais não são
dignos desse título.
— Quem é esse? — ele pergunta para ela como se eu não fosse capaz de
responder.
— Rubens Junks. — Estendo a mão que ele ignora — Sou…
— Amigo — ela me interrompe —, é um amigo meu.
— O que você faz da vida, rapaz? — Rapaz? Ele meio que… me chamou de
moleque?
— Sou fazendeiro.
— Pai, podemos conversar amanhã? Nossa comida está esfriando.
— Claro. Precisamos mesmo conversar, estou decepcionado com suas
amizades.
Opa. Ele se referiu a mim?
— Senhor Braga, né? — falo sem olhar para ele e me mexo na cadeira,
tirando minha carteira do bolso. — Nunca perguntei para Antonella seu status
social, pois a conta bancária dela não me interessa, mas parece que a minha
interessa ao senhor. — Ponho meu cartão em cima da mesa. — Acho que isso
aqui responde à sua pergunta e, com certeza, compra todos os seus bens.
Ninguém faz pouco caso de mim, não.
Ele olha para o meu Black Unlimited. O gerente do banco insistiu em me dar
um pela quantia generosa que aumenta a cada dia graças a muito trabalho. A
verdade é que peguei por insistência e nunca o ativei, mas pelo visto, me
serviu de alguma coisa.
— Vou pedir que se retire. — Guardo o cartão e volto a mexer na minha
comida. — Como sua filha disse, nossa refeição está esfriando.
Boto uma colherada na boca e não olho mais na direção do homem. Só sei
que ele se foi quando ela respira fundo e põe a mão no rosto, envergonhada.
— Me desculpa — diz ainda com as mãos no rosto. — Que vergonha…
— Antonella. — Ela abaixa um pouco as mãos, me olhando. — Você não
tem culpa de nada, e acredite, loirinha, o seu pai perto do meu é um santo.
— Eu não teria tanta certeza — ela diz baixinho.
— Seu pai já estuprou alguém? — pergunto e ela para com o garfo perto da
boca.
— Não! Quer dizer, Jesus. — Ela se perde nas palavras. — Ele é um babaca
ganancioso, não um…
— Estuprador, aliciador, um monstro — termino as palavras que ela foi
incapaz de falar. — O meu pai era tudo isso e mais um pouco.
— Sinto muito. — Ela põe a comida na boca e mastiga devagar.
— Eu também.
E realmente sinto. O senhor feudal era a autoridade suprema na minha região.
Ninguém jamais o enfrentava, ele era a lei.
Você precisa virar homem, seu bastardo. Atire!
A lembrança insiste em querer me levar de novo para aquele dia, mas respiro
fundo e me concentro na comida, ignorando as imagens em minha mente.
— Você provou a lula à milanesa? — ela pergunta outra vez, tentando aliviar
o clima.
Olho para ela e levo a lula à boca, mastigando de bom grado. O sabor é bom,
embora eu ache que perdeu a crocância por estar frio.
— É bom. Dona Joaquina já fez de várias formas, mas nunca assim.
— Vou dar essa ideia para ela. — Apenas sorrio em resposta.
Ela começa a tagarelar sobre as várias lojas que ainda precisamos ir e sobre
os itens que precisa me mostrar. Finjo escutar tudo, mas a verdade é que a sua
beleza tira totalmente o meu foco. Continuo curioso sobre o que o pai dela
quis dizer sobre voltar ao trabalho e a frieza com que a tratou.
Eu tive um pai de merda, mas minha mãe compensou e compensa todo o
amor e atenção que eu deveria ter recebido dele. Será que a mãe de Antonella
também faz isso por ela?
A garota maluca que vem bagunçando a minha vida e brincando com a minha
sanidade se torna a cada dia mais interessante aos meus olhos, e não sei até
que ponto isso é bom.
Capítulo 10

Não podem vir, não podem ver


Sempre a boa menina deve ser
Encobrir, não sentir, nunca saberão
Mas agora vão.

Juan bufa e Helena ri…

Livre estou, livre estou


Não posso mais segurar
Livre estou, livre estou
Eu saí pra não voltar
Não me importa o que vão falar
Tempestade vem
O frio não vai mesmo me incomodar

— É sério que a Antonella tem que alimentar essa obsessão da menina nessa
princesa azul? — Juan diz para Helena.
— Deixa de ser implicante, amor — Ela acaricia o rosto do parceiro. — Ela
está brincando com a Vitória.
— Não, elas estão cantando no karaokê. Isso é um tormento.
Depois de passar o dia andando de loja em loja, Antonella veio comigo para a
casa da Helena que queria passar um tempo conosco.
— Quem é o próximo? — a loirinha pergunta animada.
— Eu! — Renan grita.
Posso estar muito enganado, mas estou supondo que esse cara é gay.
— Vamos cantar qual, amigo?
— Black Magic?
— AH! Vem Helena, é o nosso momento!
Minha irmã gargalha e levanta. Renan bota a música no karaokê e se
posiciona com um microfone ao lado de Antonella e Helena, que dividem o
outro.
Uma melodia em inglês começa a tocar. As meninas cantam animadas e o
Renan puxa uma coreografia. Cantam e dançam juntos e até parece uma
performance de televisão, e por incrível que pareça, é o carinha que lidera a
turma.
Viro e vejo Juan que ri com a filha olhando os três atuarem. Ele me olha e eu
arqueio uma sobrancelha em questionamento silencioso, e ele faz um sinal de
afirmativo. É, Renan é gay. O que é ótimo, já que agora posso tratar o cara
bem. Zero concorrência ali. Quando eles terminam de cantar e dançar, Helena
ri animada e eu sorrio da felicidade dela. Meu Tisco merece tudo isso e muito
mais.
— Quem vai agora? — a loirinha pergunta, mas não larga o microfone.
— Mano? — Helena me chama — Sua vez.
— Não curto muito isso, tisco…
— Só o que falta, Rubens. — Ela põe a mão na cintura. — Nas rodas de viola
você sempre tocou e cantou.
— Tenho um violão do meu velho — Juan diz meio sem jeito.
— Não precisa cara.
— Eu não me importo. — Ele levanta. — Espera aí.
— Tu inventa moda — falo olhando feio para Helena e ela se faz de
desentendida.
Meu cunhado traz um violão e uma palheta. Pego o instrumento na mão e me
ajeito, ficando em uma posição confortável. Toco as cordas e arrumo a
afinação o máximo que consigo.
— Mano — Helena me chama.
— Eu sei — respondo já sabendo a música que vai pedir.
Ela senta no chão sobre as pernas e Antonella faz o mesmo ao seu lado. Juan
se aproxima, e Renan fica na poltrona ao meu lado. Respiro fundo, contendo
a timidez repentina, e começo a dedilhar algumas notas.

No deserto que atravessei


Ninguém me viu passar
Estranho e só
Nem pude ver
Que o céu é maior
Tentei dizer
Mas vi você
Tão longe de chegar
Mas perto de algum lugar

Depois da primeira estrofe, começo a tocar a melodia inteira:

É deserto onde eu te encontrei


Você me viu passar
Correndo só
Nem pude ver
Que o tempo é maior
Olhei pra mim
Me vi assim
Tão perto de chegar
Onde você não está

Fecho os olhos, sentindo a letra da música.

No silêncio uma catedral


Um templo em mim
Onde eu possa ser imortal
Mas vai existir
Eu sei, vai ter que existir
Vai existir nosso lugar

Escuto-os me acompanhando e abro os olhos. Antonella me observa. Seus


olhos verdes me hipnotizam sem ela nem perceber.
Solidão
Quem pode evitar
Te encontro enfim
Meu coração é secular
Sonha e deságua dentro de mim
Amanhã, devagar
Me diz como voltar

Continuo a canção sem conseguir desviar meu olhar do seu.

Se eu disser
Que foi por amor
Não vou mentir pra mim
Se eu disser
Deixa pra depois
Não foi sempre assim
Tentei dizer
Mas vi você
Tão longe de chegar
Mas perto de algum lugar

— Cara, voltei à minha infância agora — Juan diz.


— Eu também — minha irmã fala. — Rubens sempre tocava e cantava. As
meninas ficavam mandando bilhetinhos para ele por mim.
— As entendo — Renan diz e Antonella dá um tapa na perna dele. — Ai! A
voz dele é bonita, ué.
— Deixa de ser oferecido — ela diz para o amigo.
— Canta mais, mano.
Juan buscou cerveja e pediu pizza. O karaokê ficou de lado e todos me
acompanharam, cantando comigo. Vitória dormiu e minha irmã a levou para
o quarto. Nossa roda viola foi até as 2h da manhã, quando todos já estávamos
cansados. Antonella e Renan levantaram para ir embora e eu comecei a
pensar em uma forma de conseguir uns minutos sozinho com ela.
— Renan, consegue me ajudar com essas garrafas? — Juan chama, seguindo
Helena que carrega as embalagens de pizza.
— Embuste, quer que leve o violão para o escritório? — Antonella pergunta.
— Coloca ele direito no suporte — Juan responde e ela revira os olhos como
uma menina de 12 anos.
Ela entra no corredor e eu não perco tempo, indo atrás. Entro no escritório e
fecho a porta. Ela me olha enquanto arruma o violão no suporte na parede e
eu devolvo o olhar para ela sem saber ao certo o que fazer.
Merda. A garota mora comigo há um mês. Não é como se eu precisasse ficar
nervoso perto dela, não?
— Você entrou aqui só para ficar me olhando? Porque bonita eu sei que sou.
— Afrontosa também.
— Sabe — ela diz, terminando de encaixar o vilão e vindo em minha direção
—, quando você fechou a porta, confesso que pensei que rolaria um amasso
aqui.
— É o que você queria que acontecesse?
— É o que eu queria. — Ela para na minha frente. — O que eu quero.
— Eu sou um cara à moda antiga, loirinha.
— Caras à moda antiga também beijam, não?
Sorrio. É impossível não sorrir com a ousadia dessa garota.
— Então… — Ela põe as mãos no meu peito. — E essa boca aí? Ela só fala
ou também beija?
— Está flertando comigo, Antonella?
— Descaradamente — ela fala e eu gargalho. — E ainda usei o trecho de uma
música a meu favor. Bem, na real, acredito que podemos pular para a parte
em que você me beija.
— Prefiro não pular as etapas.
— Que etapas?
— A aproximação, o cortejo, flerte e depois o beijo.
— Ah, mas eu sou sem mimimi. — Envolve meu pescoço e eu seguro um
sorriso. — Não precisa ter esse trabalho todo comigo não, sou de boa.
Ela passa as mãos no meu pescoço, raspando de leve as unhas. Estremeço
com a sensação.
Caralho.
— Não sou um moleque, loirinha. — Seguro sua cintura, mantendo seu corpo
em uma distância segura do meu. — Não tenho lances casuais, sou um cara
para casar.
Ela me olha e então ri, e posso jurar que é de nervoso.
— Casar, né? — Ela engole a própria saliva — Uau, é… Antes de namorar,
casar… as pessoas precisam se conhecer, sabe? Tipo um test drive.
Gargalho alto. Test drive, essa garota é demais. Infelizmente, vou frustrar
seus planos.
— Vai por mim, garota. — Me abaixo, chegando em seu ouvido. — Os fins
podem justificar os meios. Sem pressa, as coisas podem ser bem mais
interessantes.
Roço o nariz em seu pescoço, ganhando um suspiro.Me afasto e pisco antes
de abrir a porta e sair do escritório.
Fugindo? Talvez. Não sei se dela ou de mim mesmo e tudo que tenho
vontade de pôr em prática
A noite termina com um banho gelado e a madrugada se inicia com sonhos
molhados.
Capítulo 11

— Que cara é essa, amiga? — Renan pergunta quando entro na cozinha.


— Rubens me deu uma intimada agora lá no escritório!
— ADORO! — Renan grita enquanto Helena se engasga com o refrigerante e
Juan gargalha alto.
— Caralho, essa mulher não é nada discreta — Juan diz em um gesto de
negação. — Tudo bem aí, amor?
— Sim — Helena responde para ele e se vira para mim. — Como assim, ele
te intimou?
— Uma doideira.Me seguiu até lá, foi um tal de pá pum. — Gesticulei com
as mãos uma pegada. — Me prensou na parede e declarou seu amor por mim.
Helena me olha de boca aberta, mas Juan e Renan me olham desconfiados.
— Talvez eu tenha aumentado um pouquinho.
— Ah, Antonella, poxa… — Helena reclama.
— Rolou beijo? — Renan pergunta.
— Não, bela bosta — reclamo, indignada.
— Conta de uma vez, caralho, fica enrolando — Juan se mete.
— Meu cu— falo para ele —, acabou de falar que não sou nem um pouco
discreta e está aí, todo curioso.
— Também queremos saber, amiga — a esposa, namorada ou sei lái ntervém
a seu favor.
— Ele entrou e ficou me olhando com cara de banana, mas eu já tratei de
deixar bem claro que fazia questão da banana sim, obrigada — contei e eles
riram. — Então, ele veio com um papo de que tinha etapas a serem seguidas e
que é um cara para casar.
Renan dá um gritinho, alucinado.
— Eu propus um test drive. Nada mais justo, não acham?
— Justo! — Renan concorda sem titubear.
— E o que ele disse? — Helena pergunta.
— Ele veio todo charmoso e falou no meu ouvido. Caralho, dá um calor só de
lembrar. — Me abano. — Falou umas coisas e eu chorei por lugares
indevidos.
— Ok — Juan fala —, informação demais. Estou subindo, amor.
Ele beija minha amiga e sai da cozinha.
— Me conta certinho o que ele te falou.
— Você acha que eu lembro? Só faltei pedir para me jogar na cama e me
chamar de Anastásia Steele. É… teria que pedir para me jogar na mesa, já
que não estávamos no quarto.
— Amiga foco! — Renan me chama.
— Ele disse que tem que seguir etapas, sei lá, disse que é um cara para casar.
— Olho para Helena. — Ele não é mulherengo? Ele saiu em algumas sextas,
mas ia e voltava cedo… É diferente, e olha que a mulherada lá só falta se
jogar em cima dele.
— Ele é para casar mesmo, amiga. — Ela vai até a porta e olha no corredor, e
então volta a falar. — Ele já saiu com algumas meninas, mas com todas era
tentando algo sério mesmo.
— Ai, estou mortinha! — Renan diz e me dá um tapa. — Você fisgou o
fazendeiro ricaço!
Fisguei? Olha, se não fisguei, vou fisgar. Ai, meu cu!
— Caramba, amiga, será que vai ser minha cunhada? — Ela pergunta e
emenda: — Antonella, só entra nessa se estiver disposta a ficar com ele de
verdade.
Ignoro essa parte.
— Nós encontramos com meu pai, foi bem desagradável. — Suspiro. — Mas
o Rubens foi o melhor. Sério, só faltou ele esfregar o Black Unlimited na cara
do meu velho.
— Que inveja branca. Ai, senhor, me abana — Renan diz e nós gargalhamos.
— Amanhã vou à casa deles, preciso falar que não vou voltar ao escritório.
— Vai dar tudo certo, amiga — Helena diz e eles me abraçam.
— À noite podemos fazer um macarrão lá no apê, o que você acha? — Renan
pergunta.
— Por mim, pode ser.

Eu demorei a dormir. Muitas coisas tinham acontecido.


Meu pai tinha surgido direto de Chernobyl para me infernizar. Depois disso,
o restante da tarde foi tranquila. Tomamos café na Helena e ficamos de boa
lá. Vitória quis cantar no karaokê, e adulta que sou, resolvi fazer parte desse
momento porque sou dessas.
Contudo, não estava preparada para ver o bad boy fazendeiro tocando e
cantando em todo o seu esplendor de representante de todos os deuses gregos
universais. Já não bastasse a beleza rara com que foi presenteado, ele também
tem uma voz que faz as pernas de qualquer ser vivo que goste da fruta
entrarem em combustão.
O que é aquele homem cantando?
O mundo é muito injusto mesmo.
No episódio surreal e extremamente confuso do escritório, fiquei com as
pernas tremendo e a respiração descompassada mesmo sem ele ter me tocado.
Existe um ditado popular que diz que atitudes falam mais que as palavras,
então por que as palavras tiveram um efeito catastrófico em mim dessa vez?
Mais precisamente, na minha calcinha? Poxa, não rolou nem um beijinho no
pescoço, mas só a respiração daquele macho e aquela voz rouca ao pé do
ouvido me deixaram de pernas bambas.
Levanto da cama me dando conta de que ainda é cedo. Tomo um banho
rápido, visto uma roupa simples e vou preparar um café. Enquanto o micro-
ondas esquenta o leite, fico olhando para a minha casa. Uma decoração
moderna e descontraída, um espaço relativamente bom em comparação a
outros apartamentos, mas parece que falta algo.
Vejo o roteador ao lado da televisão e só então me lembro que aqui tenho
internet. Rio de mim mesma. No fim das contas, tudo é questão de costume
mesmo. Vou ao quarto, pego meu celular e passo os olhos por alguns grupos,
mas o que me chama atenção é uma notificação de Rubens:
Bom dia
Ainda não entendo o sentido da sua foto ser um gato

Bom dia, Rei do Gado


Esse gato diz muito sobre minha personalidade.
Mas entendo o fato de estar com saudades de mim e preferir que seja a
minha foto.

Abro a câmera do celular e bato uma selfie sem filtro algum. Ele já deve estar
acostumado a me ver ao acordar. Assim que mando as mensagens, todas elas
são visualizadas. Conhecendo do jeito que o conheço, deve estar entediado e
só por isso está com o celular em mãos.

Linda

Aparece que ele está digitando, depois some, volta a aparecer e, então, só o
online. Seja o que for que queria falar, ele desiste. Trato de tomar uma
atitude.

Obrigada
Está vendo como é bom enviar mensagens?
Imagine seus clientes podendo postar fotos enquanto
estão no hotel-fazenda em suas redes sociais

Você sente falta da cidade.

Ele ignora o que falei. Paro e penso: eu sinto falta da cidade? Imagino a
fazenda e sorrio de forma instantânea. Então, abro os olhos, lembrando da
vida que eu tinha um mês atrás, e sim, minha vida era boa. Nunca gostei de
advogar, mas eu tenho meus amigos e nunca estava sozinha. Essa é a
diferença. Na fazenda, estou solitária.

Não sinto falta da cidade, sinto falta dos meus amigos,


não tenho ninguém lá… a não ser Dona Joaquina.

Lógico que eu quis alfinetar ele. Passei um mês trancada na porra daquela
cabana. Poxa, nem o rio eu conheci. Não posso exigir nada dele, mas fico
puta pra caralho que só tenha demonstrado interesse em mim no momento em
que sentiu que tinha concorrência.

Isso vai mudar.


E quanto aos seus amigos, posso repensar sobre a internet.

Sorrio. Tipo, como o Coringa mesmo! Seria fenomenal poder conversar com
Renan e Helena todos os dias.
Obrigada
O que eu fiz para merecer toda essa atenção?
Já que no último mês você não trocou muitas palavras comigo.

Não seja tão ingrata, estive sempre por perto.

Por perto sim, mas mudo também.

Rsrsrsrs
Prefiro conversar sobre isso pessoalmente.
Ok, chefe.
Vou tomar café para ir encarar os tubarões/família.

É a última vez que encara eles sozinha.


Boa sorte.

Ele quis mesmo dizer que estará comigo da próxima vez? Porque assim, não
me oponho nadinha quanto a isso. Bebo o Nescafé e como uma torrada com
pasta de amendoim. Vou ao banheiro, escovo meus dentes, passo máscara de
cílios e brilho labial, sabendo que minha mãe não vai curtir a falta de
maquiagem e o look simples que consiste em uma calça alta, uma camiseta
branca simples e AllStar.
Decido não acordar Renan, então só deixo um bilhete em cima do passa-prato
falando que devo voltar logo. Saio do apartamento e entro no elevador, dando
de cara com o vizinho que eu costumava pegar.
— Bom dia, Rodrigo. — Ele não parece tão bonito como era antes.
— Bom dia, galega! — Me abraça. — Caramba! Você sumiu.
Dou de ombros, não querendo estender a conversa. Ele entende e não insiste.
Amém.
Descemos na portaria e a senhorinha do 205 está parada conversando com o
zelador, provavelmente reclamando de algo. Estou para ver velha mais
ranzinza que essa.
— Bom dia — digo para o zelador e me viro para minha vizinha. — Bom
dia,Dona Cocota!
— É Carlota!
Saio bancando a sonsa. Entro no carro e ponho uma música animada que me
passe confiança. É assim que eu quero que me vejam. Depois de quase meia
hora, chego no condomínio onde moram. Sou liberada e estaciono na vaga de
visitantes. Respiro fundo, desço do carro e me encaminho até o bloco deles.
Entro no elevador dando bom dia a um casal simpático.
Olho para o painel que ilumina os números, e no décimo andar as portas se
abrem. Volto a respirar fundo e visto a minha armadura. Antonella Braga, a
mulher confiante com zero defeitos que não passa de uma mentira. Caminho
pelo corredor luxuoso que divide os dois apartamentos que têm por andar e
aperto na campainha, ficando séria como fui criada para estar sempre.
— Antonella — meu pai diz —, entre.
— Bom dia, pai — respondo e entro no apartamento que, como sempre, está
impecável.
— Estamos tomando café. Venha.
Ele anda em minha frente e acabo lembrando do aconchego da casa de Dona
Joaquina e de como me sinto bem lá. Por outro lado, aqui na casa dos meus
pais, estou visivelmente desconfortável.
— Antonella. — Minha mãe levanta para me dar um abraço rápido e frio, e
volta a se sentar, cruzando as pernas.
Sento-me na cadeira branca de ferro,olhando a mesa posta com comidas
leves.
— Quem é Rubens? — A pergunta que meu pai faz não me surpreende.
— Irmão da Helena. — Eles a conhecem e até gostam dela. Muito difícil não
gostar de Helena, a garota é um doce.
— Uma família de posses — ele conclui e eu assinto. — Qual o seu
envolvimento com ele?
Essa é sua forma sutil de perguntar “estão dormindo juntos?”.
— Estou liderando a obra do hotel-fazenda que ele está construindo. — Tento
falar de uma forma menos impactante.
Os dois se olham e minha mãe é quem quebra o silêncio:
— Isso é ótimo, filha! — Oi? — Ficamos felizes que esteja ampliando suas
amizades.
Franzo as sobrancelhas, não querendo acreditar no que acredito que está
insinuando. Ela acrescenta:
— Seu pai disse que o rapaz parece afeiçoado a você.
Olho para ela sem reação. Meu pai começa a falar, mas não escuto o que diz.
Estou focada pegando o meu celular para ver se entendi mesmo o que minha
mãe quis dizer. Procuro o significado no Google.
Afeiçoado: Que sente afeição, apego (por alguém ou algo).
— …um futuro, com garantias…
— Pai — o interrompo lhe estendendo a mão. Viro-me para minha mãe. — O
Rubens é um homem sério e absurdamente lindo, então se eu ficar com ele,
vai ser por quem ele é e não pelo que ele tem.
— Antonella… — Ela tenta começar a falar e eu me levanto.
— Eu não vou voltar para o escritório. — Dessa vez, me dirijo ao meu pai. —
Não porque estou tentando pegar um ricaço, mas porque estou fazendo o que
eu sempre quis fazer. Nunca gostei de ser advogada. — Mordo o lábio para
reprimir a vontade de chorar. — Eu passei a vida tentando me encaixar nessa
porra de vida que idealizaram para mim porque eu queria merecer o amor de
vocês, mas sabe qual é a verdade? Vocês é que nunca me mereceram.
Minha mãe levanta e tenta se aproximar.
— Sempre foi tudo por status e agora está sendo por dinheiro. — Dou uma
risada seca. — Vocês são vazios, mas eu não vou seguir seus passos. O que
vocês são não me define.
Olho uma última vez para os dois que parecem surpresos, mas, como sempre,
não demonstram nada, e saio do apartamento procurando ar puro. Aciono o
elevador que não demora a chegar. Quando ele abre no térreo, vou rápido
para o meu carro, saindo do condomínio querendo o máximo de distância
possível deles e disso tudo.
Caralho, eles iam sugerir uma chave de coxa no peão só para embolsar
a grana do cara! A parte da chave de coxa eu super concordo, porque eu
quero e vou dar, com certeza. Mas, porra,por dinheiro? Nada contra quem faz
isso, mas isso não me isenta de ficar chocada com meus pais. De uma hora
para outra, não se importam de eu largar a profissão que me infernizaram a
vida toda para exercer, desde que seja para dar um golpe no Rei do Gado.
Acredito que os dois viram muito Senhora do Destino e decidiram incorporar
real a Nazaré Tedesco.
Diminuo a velocidade e respiro fundo várias vezes, buscando calma. Ainda
que eles tenham feito me sentir momentaneamente como um pedaço de carne
na promoção, pela primeira vez, estou leve. Botei um ponto final, quebrei as
amarras.
Não sou mais a advogada renomada desde o berço. Sou a designer de
interiores eufórica por estar realizando meu primeiro trabalho.
Sorrio ao sentir um friozinho na barriga. Sou dona de mim e das minhas
escolhas. Não preciso que ninguém me dê o mundo, eu mesma vou conquistá-
lo.
Capítulo 12

— Essa é uma cena inédita.


— Sempre acordei cedo, Tisco — falo para minha irmã, mirando o bule. —
Você não precisava madrugar, estou me virando por aqui. Mas como uma
boa menina do campo, você devia ter um coador de pano.
— Sou mãe, mano. — Ela dá de ombros. — Com coadores de plástico, você
põe o filtro e a água, e enquanto o café “passa”, posso ir ajeitando a mesa ou
dar atenção para a Vitória.
Sorrio.
— Tenho orgulho da mulher que se tornou.
— E eu do homem que você é, Rei do Gado. — Gargalho alto.
— Senti a ironia, irmãzinha. A propósito, poderia ter me preparado para o
choque cultural que é a Antonella. — Dessa vez, é ela quem dá risada.
— Sua vida precisava de um agito, Rubens. É isso que a Antonella é.
— Qual a história da família dela? Não que eu não tenha experiência com pai
babaca, mas parece que o problema é dinheiro, né?
— Sim, senhor Black Unlimited.
— Você está muito engraçadinha, Helena. — Antonella me paga.
— Achou que ela não contaria? A propósito, ela contou bem mais que isso…
— Deixa a frase no ar. — E quando entrei na cozinha, você estava mexendo
no celular e sorrindo. Aposto que era com ela que estava falando.
— Não tenho idade para enrolação, quero tentar com ela.
— Você se sente atraído por ela, pelo menos? Sou super a favor que tenha
uma família porque eu sei que é o que você sempre quis, mas você precisa
amar a mulher com quem vai se casar, mano.
— Eu me senti atraído no momento em que a vi. Talvez isso já tenha
evoluído. Eu gosto dela. Gosto da sua autenticidade, sinceridade e ousadia.
Ela me desafia… Não sei explicar.
— Não saber explicar é um bom começo — ela diz sorrindo.
— Eu tentei me manter afastado no último mês justamente porque a estadia
dela é temporária e eu não sou o tipo de cara que se aventura. Decidi que vou
mudar minha abordagem. Vou convencê-la a ficar.
— Como?
— A fazenda não é um lugar ruim de viver. Estou disposto a abrir mão de
algumas coisas que jamais faria. Vou mostrar para ela que sou o cara.
— Se eu não te conhecesse, diria que está se achando, mas como conheço, sei
que só está sendo direto e prático como é em tudo.
Pego o bule de café para pôr o líquido na garrafa térmica.
— Bom dia. — Ouço a voz do meu cunhado. — Oi, minha pimentinha.
Mesmo falando baixo, consigo escutá-lo.
— Vou embora amanhã. Se puder evitar as insinuações sexuais… — Me viro
para olhar para ele.
— Quer que eu bote uma camisa também? — ele pergunta. — Porque sei que
meus músculos podem machucar o seu ego.
— Fica tranquilo, não tenho problemas de auto estima — falo rindo.

— O Rubens vai assar, amor, ele adora assar carne. — Olho para Helena com
a sobrancelha franzida e ela me manda um olhar de súplica.
— Boa noite, família! — Renan grita passando pela porta da cozinha que tem
acesso para a área externa.
Eles conversam algo e até ouço Juan resmungar para Helena sobre me deixar
à vontade e que ele dá conta do churrasco. Continuo olhando para as portas
esperando que a garota também passe por lá.
— Princesa, o tio Rubens vai ali dentro e já volta tudo bem?
Vitória concorda sem tirar os olhos da tela do meu celular, onde está vendo
um vídeo de uma tal de Dora, a Aventureira.
Levanto da cadeira e faço a volta na piscina, indo para dentro da casa. Passo
pela cozinha e entro na sala onde Antonella está de costas falando com
alguém ao celular.
— Eu não vou voltar, Erick. Eu gosto do que estou fazendo. — Ela fica um
tempo em silêncio e continua: — Você está enganado, estou gostando da
fazenda. Nem sei como vai ser quando for a hora de voltar.
Você não vai voltar, loirinha. Sorrio com o pensamento.
Ela começa a bater o pé em um gesto impaciente. Entro na sala e paro ao seu
lado, apoiando minhas costas no encosto do sofá e ficando de frente para ela.
Ela sorri e volta a prestar atenção na conversa.
— Não, e se fosse, também não seria da sua conta. — Percebo um duplo
sentido na sua frase. — Mas sendo bem sincera, Erick, estou mesmo
querendo que isso mude e não digo isso porque o peão tem grana — ela fala
me olhando e eu sorrio de lado —, mas porque o cara é gato e bem gostoso.
Impossível não sorrir mostrando os dentes depois de ouvir isso.
— Mas ele é uma mala. — Ela arqueia a sobrancelha para mim e eu sorrio
ainda mais. — Um pé no saco bipolar.
Estendo a mão e tiro um fio solto do seu rosto.
— Preciso desligar Erick. — E assim, sem nem esperar uma resposta, ela
desliga a ligação.
— Sou gato e bem gostoso, então?
— Também é um pé no saco — dispara.
— Eu sou.
Um silêncio toma a sala e Antonella parece esperar algo.
— É isso? — ela pergunta — Você vem aqui, fica me encarando enquanto
tenho uma discussão com um amigo e depois fica me olhando sem fazer
nada?
— O que você quer que eu faça?
— Cara, tu és muito lerdo! Sério, puta que pariu…
— Rubens? — Helena chama. — Você viu a Ant… — Ela para de falar
quando nota o climão no ar.
— Eu estou aqui, amiga, tentando desenrolar um esquema com esse cara e
virar sua cunhada, mas o homem é devagar.
Minha irmã morde a boca tentando reprimir um sorriso.
— Tentei seduzir ele durante um mês, Helena — ela fala impaciente. — Ele
ficava com aquela cara de mal me encarando de longe, porém só quando viu
uma possível concorrência que começou a me dar abertura, e agora que já…
Puxo seu braço, trazendo-a para perto, e ela grita com o susto. Empurro sua
cintura em direção ao corredor.
— Preciso de um minuto com essa garota, Tisco — falo para minha irmã
sobre o ombro.
Vejo a primeira porta e acredito que é a do banheiro. Vai ter que servir.Abro-
a, entramos e eu a tranco.
— Vamos esclarecer algumas coisas, Antonella. — Ela empina o nariz,
afrontosa. — Soube desde quando nos encontramos no aeroporto que você
seria um problema. Você não disfarçou o desejo que sentiu e passou o mês
seguinte atazanando o meu juízo, andando pela cabana com minhas
camisetas.
— Elas são confortáveis. — Dá de ombros.
— Gosto do quanto é obstinada, mas não sou como os caras que está
acostumada a lidar. — Ela tenta falar e sinalizo com a mão para que me deixe
terminar. — Não me deixo levar apenas por impulsos sexuais. Acredite,
loirinha, quero muito comer você, mas não quero só isso.
— Quer casar comigo? — ela pergunta rindo, mas quando vê que continuo
sério, seu sorriso morre.
— Eu quero uma família. Não quero ser um cara solitário, quero ter um
motivo para voltar para casa todos os dias depois de uma rotina cansativa no
trabalho. — Olho em seus olhos. — Quero tentar ficar com você, mas não
quero algo casual.
— Você quer namorar comigo sem nem ter me beijado? — ela pergunta
confusa.
— Quero conhecer você e quero que me conheça. Deixar as coisas
acontecerem.
— Posso lidar com isso — ela fala e sorri.
— Precisa ter em mente que eu gosto de você e que eu quero você.
— Acho que eu também já entendi isso, Rei do Gado.
— Não entendeu o que isso significa. — Chego mais perto, ficando próximo
o suficiente para sentir seu hálito quente. — Se isso virar amor, não deixarei
nunca mais você sair da minha vida.
Eu a imaginava olhando para minha boca e tentando me beijar. Não estava
pronto para esse olhar surpreso e genuíno.Que olhos lindos.
Sem me conter, seguro seu rosto entre as mãos e toco meus lábios nos seus.
Um beijo simples, mas que para mim, tem um significado inimaginável. Sua
boca é ainda mais macia do que eu imaginei e preciso frear o impulso que
sinto de dar uma mordida e transformar isso em um beijo selvagem e carnal.
Desfaço o contato e encosto minha testa na sua, ouvindo seu suspiro.
Nesse momento,quebro todas as barreiras que construí durante minha vida.
Por muito tempo eu esperei por alguém. Ela é o oposto de tudo que eu
sempre quis, mas parece ser exatamente o que eu precisava.
E eu farei o meu melhor para que também me veja dessa forma.
Capítulo 13

— O que você trouxe nessas malas, Antonella? — Rubens pergunta bufando.


— Eu queria ajudar, você quis bancar o gentleman, então se vire.
— Bancar o quê?
— Nada, bonitinho, nada.
Como ele entenderia minhas referências? Não vê séries, não assiste filmes,
não lê livros, mal olha televisão. Eu mudarei isso em breve.
A estadia no Rio de Janeiro foi interessante. O peão pensou que o Renan era
alguma espécie de pau de ouro e ficou com medinho de deixar de ser o centro
do mundo. Santo Renan. Se eu soubesse que tudo que o Rei do Gado
precisava para tentar algo comigo era se sentir ameaçado, já teria dado meus
pulos há muito tempo.
Ele é intenso.
Helena me apavorou e a real é que estou até com um pouco de medo. Mal me
beijou e já quer namorar, e se namorar, é para casar. Não tenho aversão a
relacionamentos, pelo contrário. Tudo que quero é amar e ser amada. Mostrar
para os meus pais que o que vivem não é de fato uma vida, mas uma prisão.
Porém… lembra aquele papo do medinho? Ele passa no momento em que o
pedaço de mal caminho tira a camisa e seca a testa com ela.
O que são esses gominhos discretos nessa barriga nada saliente e totalmente
“lambível”? Sim, talvez essa palavra nem exista. Em minha defesa, não existe
palavra no dicionário Aurélio que defina a beleza crua que essa cara tem.
Ai, papai… Assim fica difícil ser uma boa moça.
— … comer? Antonella?
— OI! — falo mais alto que o normal, tentando sair do torpor que é o
abdômen desse homem.
Ele sorri de lado daquele jeito convencido de menino bonzinho que quer ser
mal. Caramba preciso montar nesse cara.
— O que ela deixou pronto? O que tem para comermos?
— Torresmo — respondo olhando para aquela delícia, imaginando-a frita
com queijo em meio ao pão. — Vou esquentar na frigideira com queijo… —
Minha fala morre quando sinto-o atrás de mim. Bem perto. Pigarreio
buscando minha própria voz. — Você quer?
— Claro. — Ele põe uma mão em minha cintura e, com a outra, passa o
braço ao meu lado, pegando a garrafa de água. — Quer que eu faça?
— Não! — Volto a falar rápido demais, merecendo uns bons tapas por agir
como uma adolescente nervosa. — Eu faço. Senta aí.
Ele se afasta, rindo.
— Vou levar nossas malas lá para cima.
Ele faz duas viagens e diz que vai aproveitar para tomar um banho. Como ele
sempre demora, deixo tudo pronto na mesa e vou para o banho também. Pego
um camisão meu com uma estampa dos Simpsons que sempre gostei de usar
para dormir. Vai calhar porque cobre somente um pedaço das coxas.
Entro embaixo da ducha tramando na minha cabecinha super criativa alguma
forma de terminar essa noite na cama dele. Tem que ter alguma forma. Pelo
que disse Helena, vulgo futura cunhada, ele demora um tempo para transar,
mas posso tentar agilizar as coisas, não?
Se alguém lesse meus pensamentos, provavelmente me julgaria como uma
louca obsessiva que quer trepar a qualquer custo. Bom, quero. Estaria
mentindo se dissesse que não quero algo a mais.
E eu lá sou burra de não querer? Fala sério, é lógico que quero. O pacote que
aquele homem é só facilita o processo, afinal, qual seria a minha penitência?
Morar na fazenda?
Dificuldade zero para mim.
É lindo e a comida é boa. Só preciso trazer internet para esse lugar e arrumar
um trabalho no futuro hotel-fazenda,mas nós precisamos nos conhecer…
Testar nossa química. E que química, hein?
Porra, como um selinho pôde me deixar com as pernas bambas daquela
forma? Mas vou virar esse jogo. Hoje!
Saio do banho e me enxugo. Passo a toalha nos cabelos tirando o excesso de
água e os penteio. Terei que usar o secador antes de dormir, pois se dormir
com eles molhados, amanhã vou acordar com uma dor de cabeça daquelas.
Visto a calcinha e, por cima, a camiseta. Calço os chinelos e desço.
Rubens está em frente ao fogão esquentando nosso lanche que provavelmente
estava frio. Ele me olha de cima abaixo e suspira. Desliga o fogão e põe as
fatias de torresmo e queijo em um prato.
— O que conversamos sobre você usar um short, Antonella?
Ele sai de perto da mesa, indo às duas janelas e fechando as cortinas.
— Isso foi antes de estarmos juntos, não?
— Estamos juntos? — ele pergunta, se sentando ao meu lado na mesa.
— Depende, vai me beijar? — pergunto e ele gargalha.
— Eu não sou um monge, loirinha. — Ele pisca. — Não se engane.
— Estou contando com isso. — Ele volta a rir e começa a comer.
— É difícil ver você assim o tempo todo, mas isso já parece ter virado rotina.
O problema é que alguns dos meus homens pode aparecer aqui a qualquer
momento e ver você dessa forma. — Ele busca os meus olhos. — Não vou
gostar nada disso.
— Ciumento? — falo rindo, mas por dentro, faço a dança da vitória com
direito a Ragatanga e tudo.
— Não testa a minha paciência, porque ela vai acabar no momento em que
outro homem ver sua bunda.

— Você se interessou por mim desde o início?


— Sim — ele responde assim, monossilábico.
— E pretendia me mostrar isso como? Mal falava comigo.
— Não sei, mas em algum momento eu seria direto como sempre sou. Espero
que seja comigo também.
— Serei.
Terminamos de comer em um silêncio confortável. Lavo a pouca louça que
sujamos enquanto Rubens está no sofá com a televisão ligada baixinho e
olhando meu último esboço da recepção do hotel. Termino de lavar a louça e
respiro fundo, ativando o modo sedução.
Sempre fui muito segura da minha sexualidade, mas com Rubens é diferente,
e se isso é bom ou não, só Deus sabe.
Caminho até o sofá e sem pensar muito, apoio meus braços em seus ombros.
Sento em seu colo, colocando uma perna de cada lado. Ele fica
momentaneamente surpreso com minha atitude, mas trata de fingir
naturalidade.
— Fico bem aqui. — Trato de deixar claro.
— É. — Ele passa mão livre pelos cabelos bem aparados. — Fica. —
Suspirando, vira o desenho para mim, indicando a bancada da recepção. —
Isso é uma madeira?
— Não, isso é MDF, o nome é Nodo. Ele tem o aspecto rústico imitando
madeira.
— Gostei. — Ele volta a olhar o desenho. — Esse verde é o que combinamos
de mudar para azul, certo?
— Sim, senhor — falo brincando e ele ri. — Vamos brincar com tons azuis
para dar vida aos ambientes.
— Vai ficar bonito.
— Vai ficar lindo, peão. — Dou um tapinha leve em seu braço. — Eu que
vou desenhar.
— Só quero que seja um lugar feliz. — Ele dá um sorriso fraco.
— Posso perguntar uma coisa?
— Sim. — Ele larga o desenho e põe as mãos nas minhas coxas em uma
carícia bem inocente, mas que me arrepia. — Mas posso não responder.
— Por que você demoliu o lado direito do casarão?
— Porque lá ficavam os quartos da Helena e dos pais dela. Tinha uma sala
pequena e dois banheiros também.
— Você fez isso pela Helena?
— Por todos nós.
Decido não forçar o assunto e respeitar o tempo dele.Ele me olha sério por
uns segundos que mais parecem horas e leva sua mão até meu rosto, e o
simples toque dos seus dedos calejados contra minha face é o suficiente para
que eu suspire.
— Você é linda — fala sem tirar os olhos dos meus.
Minha resposta é chegar bem perto do seu rosto.
— Vou beijar você, Rei do Gado. — Ele ri.
— Não esperava menos que isso de você, garota.
Encosto meus lábios nos seus no exato momento em que sua mão, que até
então estava na minha coxa, sobe até minha cintura. Escorrego as minhas dos
seus ombros até seu pescoço. Foi nesse momento, quando inclinei meu rosto
para a direita, que percebi que estava perdida.
Ainda que estivesse em seu colo em uma posição “dominante”, meu corpo
reagiu se moldando ao seu quando sua língua pediu passagem na minha boca,
que abriu de forma instintiva para a dele. Como se houvesse uma explosão
sensorial dentro de mim, nossas bocas pareciam ter sido moldadas uma à
outra.
Como em um clichê, sinto ondas de eletricidade passar pelo meu corpo,
elevando meu fluxo sanguíneo em áreas bem específicas. Sua mão se infiltra
entre meus cabelos, deixando o beijo ainda mais profundo.
Anastácia que lute, porque esse cara aqui é muito melhor que Christian Grey.
Sinto meus mamilos endurecidos, o estômago esquisito e um formigamento
bem-vindo em minha amiguinha que pula de alegria, excitada com o
momento. Nos separamos, apenas o suficiente para que possamos respirar.
Abro os olhos encontrando os seus, e eles parecem refletir exatamente tudo o
que sinto.
Ambos tentamos controlar a respiração ofegante, a excitação evidente e o
coração acelerado. É muito mais que tesão, é quase como se uma ligação
emocional fosse criada através desse beijo. Fico perdida em seu olhar até que
ele quebra o silêncio:
— Nunca mais vou deixar você ir embora.
Sorrio, incapaz de fazer alguma piadinha ou um comentário desaforado. Me
deixo ser abraçada, descobrindo que até hoje não estive em lugar algum
melhor que esse. Talvez eu realmente seja uma garota de sorte.
Capítulo 14

— Mas que porra é essa? Tem que ter um motivo! — Me apoio na janela,
tentando recuperar a sanidade.
Havíamos voltado há quase três semanas do Rio de Janeiro e desde então
nada saiu conforme eu esperava. Eu e Antonella estabelecemos certa rotina
juntos. Fazíamos as refeições juntos como antes, mas à noite namorávamos.
Jantávamos com minha mãe e depois assistíamos televisão, conversávamos e
nos beijávamos. A cada dia, os beijos ficavam mais intensos e eu já não sabia
como continuar correndo da garota.
Não sem contar o motivo de não querer subir algumas etapas.
Tinha planejado programas diferentes, mostrar para ela as redondezas, fazê-la
se apaixonar por mim e pela vida no campo.
Nada é como planejamos, não?
Estávamos perto da colheita quando alguma porra fez com que eu perdesse
12 hectares de plantação de arroz. Doze! Doze malditos hectares. Certo, não é
muito. Não perto da quantidade de plantações e do dinheiro que tenho, mas
essa perda considerável me atenta para vários outros pontos.
Tem alguma coisa errada. Alguma coisa está passando diante dos meus olhos
e eu não sei o que é.
— Chefe…
— Juliano — corto sua fala, me virando em sua direção —, tem certeza que
foi aplicado herbicida em pré-semeadura com o solo drenado?
— Sim — ele responde de imediato. — Inclusive foi feito a benzedura.
— Tem alguma coisa errada. Meu instinto não falha.
Soco a merda da mesa. Sempre tentei conter qualquer tipo de impulso
violento porque não quero parecer com meu pai, mas é impossível não ficar
irritado agora. Espalmo as duas mãos na mesa e volto a mirar os olhos de
Juliano.
— É a segunda vez que isso acontece. Espalhe pela redondeza que cabeças
vão rolar, porque vou matar qualquer um que estiver envolvido nessa merda.
— Sim, chefe — ele não tarda a responder.
— Marque uma reunião com Decker.
— Como? — ele pergunta em um fio de voz.
— Te aconselho a ter medo de mim, Juliano. Sou o dono disso tudo. Os
Decker não passam de baratas que eu ainda não quis exterminar.
— Sim, chefe. Posso ir?
— Já era para ter ido.
Escuto o barulho de cadeira arrastando e da porta sendo aberta e fechada.
Respiro fundo.
O que estou deixando passar?
Isso é uma ameaça silenciosa, é assim que funcionam as coisas por aqui. Até
onde isso pode ir? Até onde pode chegar? Até quem?
É a segurança dos meus, da minha mãe e da Antonella que está em jogo.
Pego meu chapéu e saio do escritório, dando de cara com Roberta. Ótimo,
meu dia só melhora.
— Rubens, precisamos conversar sobre a troca de ração suína. Há uma
nova…
— Hoje não, Roberta. — Tranco a porta atrás de mim.
— Podemos sair hoje à noite e conversar sobre isso, então.
— Não me leve a mal, mas um mês atrás conversamos e decidimos pôr um
ponto final em qualquer envolvimento pessoal.
— Você decidiu — ela rebate. — Você quis um ponto final. Gosto de você
Rubens, podemos tentar.
— Estou apaixonado e não é por você. Sinto muito.
Na verdade, não sinto, mas ela não precisa saber disso.
— Conversamos segunda de manhã — ela diz se afastando.
Saio sem pensar muito nisso. Ela deve ter entendido.
— Daniel? — Chamo um dos meus melhores homens que faz a segurança
das redondezas.
— Chefe. — Ele acena em cumprimento.
— Juliano? — pergunto só para ter certeza que ele não está por perto.
— Acabou de sair.
— Ótimo, venha comigo. — Ele me olha confuso, mas não questiona apenas
chama pelo rádio alguém para ficar em seu lugar.
Assim que o outro rapaz chega, ele entra na camionete e senta ao meu lado.
Fecho os vidros escuros e ligo o ar condicionado. No início, fomos ensinados
juntos. Ele sempre foi um homem honrado e merece ser mais que apenas um
segurança. Dirijo em silêncio, Daniel não tenta puxar assunto e parece estar
tranquilo ao meu lado. Como aquele ditado, quem não deve, não teme.
Quando chegamos às margens do rio, desligo o carro e desço seguido pelo
homem. Ele para alguns passos ao meu lado, então me viro para ele, e sem
nenhuma cerimônia, tiro a arma da cintura, destravo e a aponto em sua
direção. Ele acompanha com o olhar meus movimentos, mas não esboça
nenhuma reação.
— Estou sendo traído, Daniel — falo sério, apontando a arma para o seu
peito. — Um dos meus está contra mim. Dê-me um bom motivo para eu não
atirar no seu peito agora e usar seu corpo para lembrar aos outros do que sou
capaz.
— Faça o que tiver que ser feito, chefe — ele responde —, minha lealdade a
você e aos nossos vai até à morte. Não sou um covarde.
Vejo verdade em suas palavras. Abaixo a arma, travo e guardo novamente na
minha cintura.
— A partir de agora, você é meu braço direito. — Ele respira fundo,
provavelmente sem nem saber que há um minuto estava segurando o ar. —
Tem algo errado e meu instinto não costuma falhar. Juliano não tem mais
minha confiança. Seja lá o que estiver acontecendo, tenho certeza que ele está
envolvido. Descubra! Dobre a segurança de todos à nossa volta.
— Considere feito, chefe.
— Deixe Juliano pensando que continua na liderança e não perca nenhum
dos passos dele.
— Até onde posso ir?
— Não estamos no Velho Oeste. — Penso antes de continuar. — Sangue só
deve ser derramado em último caso, mas se tiver que ser feito… que seja!
Ele acena, concordando.
— Vamos.
— Se o senhor não se importar, prefiro descer antes de chegarmos perto da
casa grande. Quem nos viu sair juntos é de minha confiança. Melhor que
ninguém próximo do Juliano nos veja juntos.
— Certo. Veja só a que ponto cheguei. Escondendo meus passos. — Nego
com a cabeça. — Meu pai não resolveria as coisas dessa forma.
— Você não é como ele.
— Não sou — concordo mais para mim do que para ele.

Chego à cabana perto das 7h da noite e não fico surpreso ao vê-la vazia. Tem
sido assim nos últimos dias. Antonella sempre partia para a casa da minha
mãe depois das 6h. Dizia que gostava de ficar com ela enquanto preparava o
jantar e que era um bom momento para conversarem. Essa também era minha
rotina, mas com os últimos acontecimentos, não tenho conseguido manter
meus horários de costume.
Subo as escadas, entro no meu quarto e separo uma bermuda jeans surrada,
uma camiseta branca e uma cueca. Tomo uma ducha rápida, tentando
bloquear a lembrança dos beijos ousados de Antonella. Todos os meus
banhos acabavam comigo gozando depois de socar uma pensando na garota.
Me enxugo, visto as roupas e parto para a casa da minha mãe.
O caminho é curto, mas o faço de carro. Estou sem ânimo para caminhar.
Quando subo os dois degraus da casa de Dona Joaquina, já posso sentir o
cheiro agradável da sua comida. Abro a porta da sala, vendo Antonella lavar
as folhas de alface enquanto conversa animada com minha mãe.
— E então eles foram estacionar o carro. Já sabe que demoraram, né? — a
garota conta para Dona Joaquina, que ri sem jeito.
Beijo a testa da senhorinha que sorri para mim, e paro ao lado de Antonella.
— Quem foi estacionar e demorou?
— Sua irmã em uma balada que fomos com Juan quando os dois se
conheceram. Tenho certeza que transaram no carro.
Minha mãe gargalha alto e aperto os olhos com força, ignorando a cena que
se forma em minha mente com o que acabo de ouvir.
— Vamos mudar de assunto, loirinha. — Beijo seu rosto e ela dá de ombros,
sorrindo e arrumando as folhas na tigela.
— A comida está pronta. Estávamos te esperando, filho.
O jantar foi servido e até esqueci o estresse do trabalho. Antonella tem o dom
de monopolizar tudo à sua volta, ela dissipa qualquer clima ruim. Depois de
nos despedirmos da minha mãe, entramos no carro e ela não demorou a
perguntar como foi meu dia, já que havia comentado que preferia que minha
mãe não se preocupasse com os problemas burocráticos da fazenda.
— Difícil. É como se eu estivesse no escuro.
— Já pensou na possibilidade de ser apenas uma praga, um erro? — ela fala
concentrada. — Não precisa ser como em um livro de mistério ou um filme
de bangue-bangue, peão. Pode ter acontecido sem nenhum motivo.
— Não nesse caso, loirinha. Uma praga teria feito perdermos um número
maior de plantações. Se tivesse sido um erro, nós já o teríamos descoberto.
— Você está muito tenso, cowboy. — Se ela soubesse o quanto fica sexy me
chamando disso. — Merece uma massagem.
— Mereço? — pergunto sorrindo.
— Sim — responde quando abre a porta do carro assim que chegamos à
cabana. — Vá para o seu quarto e se deite que vou fazer você relaxar.
— Meu quarto.
— Sim, seu quarto. Vou tomar banho e te encontro daqui a pouco.
Meu quarto.
Por que ela vai tomar banho?
Respiro fundo. Encosto a cabeça no volante do carro, rindo de mim mesmo e
do possível infarto que provavelmente terei até o fim da noite.
Capitulo 15

É HOJE!
Há três semanas as coisas vêm esquentando muito. Pensa em um homem
gostoso? Beija bem, tem uma pegada firme… O cara é quente, mas é bem…
comportado.
Puta que pariu, foda-se! Não me passou a mão nenhuma vez. Ele é lerdo,
caralho! Eu já disse que não passou a mão nenhuma vez? Porra! Quer dizer,
passou a mão na bunda, deu umas apertadas, mas toda vez que começo a
tentar dar umas reboladas naquele pau que, pelo visto, tem um tamanho
adequado, ele se afasta com toda a gentileza do mundo.
Ele é bem macho, então esse não é o problema. Ele também me quer, isso
tenho certeza. Então, qual é a questão? Seja qual for, vou solucionar hoje.
Farei uma massagem bem sensual para fisgar esse peão.
A cowgirl que existe dentro de mim não pode esperar mais.
Tomo um banho rápido, pois já tinha caprichado na depilação à tarde. Visto a
calcinha e sutiã rendados que também já tinha escolhido, porque sim, eu já
estava com segundas intenções. Pego meu óleo corporal e vou para o quarto
dele sem me dar tempo para ficar nervosa ou penar. Pensar pra quê, certo?
Entro no quarto, vendo a porta da varanda aberta e ele encostado ao guarda-
corpo olhando a paisagem.
— Rubens? — o chamo.
Ele se vira e seus olhos miram o meu corpo. De início, ele parece não
acreditar, mas seus olhos descem, mirando cada pedaço meu, e então volta a
me encarar. Ele sai da sacada e fecha a cortina, vindo para perto de mim.
Suas mãos tocam a minha cintura e seu rosto vai para a curvatura do meu
pescoço onde ele aspira pesadamente.
— Você está dificultando a minha vida, loirinha — fala com a voz sofrida.
— Minha intenção é só te deixar bem.
— Você já me faz bem. — Sobe suas mãos até chegar no meu rosto. —
Muito bem. — E então, ele me beija.
Aquele beijo gostoso, sabe? Língua no lugar certo, nada de excesso de saliva,
sincronia de movimentos perfeitos. Geralmente, ao final de cada um desses
beijos intensos e cheios de significados, fico tonta. Pasmem, porque eu
realmente fico tonta com um beijo.
— Vou ganhar uma massagem, então? — pergunta quando afasta sua boca da
minha.
— Sim, peão. — Aperto seu braço musculoso e ele ri. — Saúde, né, amigo?
— Ele ri ainda mais.
Era para estar sendo sexy, não uma palhaça, Antonella.
— Tira a bermuda e deita na cama — peço e me viro para deixar meu celular
em cima da bancada. Uma musiquinha numa hora dessas é tudo.
— Puta merda — ele fala.
Quando me viro, pego seu olhar na minha bunda.
— Nada que você já não tenha visto e tocado antes. — Dou de ombros.
— Tinha visto parcialmente, e tocar… talvez já tenha tocado mesmo.
— Tira a bermuda, homem! — Nunca vi um macho para enrolar tanto. Vou
te contar, viu.
— Você é impossível — ele diz resignado e tira a bermuda, ficando só de
cueca.
C A R A L H O.
— Vou fingir que você não está manjando o meu pau. — Ele se vira e vai
para a cama, deitando de bruços.
Balanço a cabeça na esperança que isso limpe meus pensamentos e ligo em
uma playlist de músicas internacionais. Tudo o que não preciso agora é que
ele se empolgue e cante, ou nem toda concentração do mundo vai me ajudar a
fazer a tal massagem.
— Sabe o que acho? — Ele murmura um “hum”. — Que devemos aderir ao
uso de roupas íntimas pela casa. Caso não tenha entendido, falo de usar só
elas mesmo.
Ele se vira de imediato ainda deitado, se apoiando em um braço para me
olhar.
— Não inventa, Antonella — fala em tom de aviso —, já te disse que
qualquer um dos…
— Dos seus homens podem me ver — termino a frase que ouço
constantemente no último mês.
— Se você já sabe, não sei por que insiste em me deixar nervoso com isso —
ele diz, ainda apoiado no braço e me olhando.
— Porque namoradas gostam de complicar as coisas.
Me aproximo da cama.Seu olhar passa pelos meus seios e desce devagar por
meu abdômen, chegando à minha calcinha. Ele respira fundo, se jogando de
bruços com a cara no colchão.
— Sou um cara muito forte.
— Até demais, tá doido.
Ele gargalha, se virando de tanto rir. É ainda mais lindo rindo, mas meus
olhos me traem quando olho para o peitoral sarado e o volume perfeito na
cueca.
Ele se senta com as costas na cabeceira da cama.
— Senta aqui — ele pede. Embora seja tentador, eu preciso usar a massagem
a meu favor. — Antonella, estou pedindo.
Como negar? Me rendo.
— Só porque insistiu muito. — Ele sorri.
— Estamos namorando?
— Por você, teríamos namorado semanas atrás sem nem ter rolado um beijo,
ou só no Rio, onde não conhece ninguém que pode aparecer com uma
namorada?
— Nada disso — ele responde de imediato, e acho isso bom caso queira
manter seu pau inteiro. — Só não saí com você ainda por causa dos
problemas da fazenda, mas amanhã vamos mudar esse fato.
— Nós vamos sair? — pergunto passando os braços pelo seu pescoço e me
ajeitando em seu colo.
Nossa! Sentei bem em cima do seu brinquedo que parece estar em toda sua
glória. Volto a me mexer querendo senti-lo, e ele geme e morde o lábio. Levo
a mão até seus lábios e tiro-o do meio dos dentes.
— Perguntei se nós vamos sair — sussurro.
Quando ele vai responder, volto a me esfregar.
— Isso não se faz, garota — fala depois de um gemido —, estou muito novo
para enfartar.
— Nem tanto. Já está na casa dos 30 — brinco, e para minha surpresa,ganho
um tapa estalado na bunda. Grito com o susto.
— Não sou de ferro, loirinha — ele diz com aquela voz rouca e uma
expressão deliciosamente perigosa. — Você vai ter muitas oportunidades de
ficar no comando. Por enquanto, existem limites que não posso ultrapassar,
então, por favor, me deixe guiar.
Eu julgo que estou apaixonada. Merda. Incapaz de falar qualquer coisa,
apenas balanço a cabeça em um gesto afirmativo. Ele sorri, e seu simples
sorriso me faz sentir aquele “negócio” estranho na barriga outra vez.
Eu realmente estou apaixonada.
Ele põe a mão no meu rosto e me puxa para ele. Passa a língua pelos meus
lábios como se estivesse me saboreando, depois encosta sua boca na minha e
me beija. Sinto todas as sensações como todas as vezes que nos beijamos.
Coração acelerado, emoção evidente, o estômago estranho…
Seus dedos se infiltram entre meus fios loiros e os puxam levemente, mas
com firmeza,dando livre acesso ao meu pescoço. Ele distribui beijos no local
e algumas mordidinhas na orelha, me deixando ainda mais excitada.
— Você é muito gostosa, loirinha — fala ao pé do ouvido, e com a mão livre,
volta a deixar um tapa forte na minha bunda. — Você não sabe as várias
formas em que fantasiei com você.
Ele passa a mão no local do tapa como uma carícia e a aperta, me arrancando
um gemido.
— Vamos realizar todas elas, não me oponho.
— Vamos sim! — Ele ri e traz seu rosto para perto do meu, voltando a me
beijar.
Senhor, o que é o beijo desse cara? É doce e profundo. É tudo diferente com
ele, tudo novo.
Suas mãos descem para as minhas costas, me apertando contra si, e esse gesto
faz com que o beijo se torne mais carnal. Os movimentos apressados das
nossas línguas elevam o nível da minha excitação, fazendo com que eu rebole
em seu colo. Gememos juntos. Separo nossos lábios em busca de ar e seus
olhos caem para minha calcinha. Puxando respirações profundas, seus olhos
permanecem fixos em meus movimentos. Querendo melhorar a performance,
eu me movo para trás e para frente, imitando movimentos de vai e vem.
— Cacete, você é muito gostosa — ele diz com aquela voz rouca, me
deixando ainda mais inebriada. — Eu gozaria fácil só com esses movimentos.
Penso em dizer que eu poderia tirar de uma vez a calcinha pra ele meter
fundo em mim sem nenhum pudor, mas me contenho.
— Então goza. — É a única coisa que consigo dizer.
— Não — ele fala e me assusta quando me tira do seu colo, me colocando ao
seu lado. — Quero tocar você.
Caralho. Pode tocar em tudo, peão, só vem!
Ele se posiciona de lado no colchão e volta a segurar o meu rosto, me dando
um beijo rápido.
— Você é linda, Antonella.
— Sou toda sua. — Ótimo, agora eu também tenho uma “voz de cadelinha”.
— Porra — ele fala quando aperta meus seios ainda cobertos pelo sutiã,
ganhando um suspiro meu.
Ele desce as mãos pela minha barriga, deixando arrepios em todo lugar que
passa com seus dedos ásperos. Sua mão chega até o limite da minha calcinha,
brincando com a renda, puxando o elástico e passando o dedo em toda a
extremidade. Gemo por antecipação. Ele leva a mão até minhas coxas,as
apertando e acariciando. Por fim, ele arrasta a mão até a minha buceta,
tocando de leve, e eu não consigo conter um gemido.
— Rubens — falo como posso —, vou ter que implorar?
— Você quer que eu pare? — Ele tira a mão e faz menção de se afastar.
— Não! — Puxo-o sem deixar que se afaste, vendo uma expressão atordoada
em seu rosto.
— Desculpa, eu…
— Não peça desculpas. — Toco seus lábios com os meus. — Eu ia implorar
para que me tocasse de uma vez.
Ele continua angustiado, então decido ser ousada, pegando sua mão e a
levando até minha entrada ainda coberta pelo fino tecido da renda.
— Sinta o quanto estou molhada — digo movendo sua mão contra mim,
gemendo com o contato. — Quero que continue, quero que me toque.
Ele respira fundo e volta a me beijar. Consigo sentir o receio em seu beijo e
começo a pensar que algo de errado não está certo. É como se houvesse um
bloqueio. Ele estava no clima, e quando falei em implorar, parece que viu um
fantasma. Paro o beijo e busco seus olhos.
— Eu não sei o que está te incomodado, mas sou eu quem está aqui com
você. — Ele me fita, sério. — Quero estar aqui com você. Quero ser sua de
todas as formas não só porque você é gostoso, mas porque gosto de você.
Esqueça o resto e se concentre nesse momento.
— Estou apaixonado por você — ele fala e eu sorrio como uma idiota.
Patético isso, Antonella.
— Eu também. — Mais patético ainda.
Então, sem tirar os olhos dos meus, ele afasta a minha calcinha de lado e
passeia com os seus dedos entre os grandes lábios. Começo a gemer sem
pudor algum, louca para gozar de uma vez.
— Você está muito molhada.
— Ensopada, e só pra você.
Com um sorriso safado, seus dedos me acariciam e quase vou à loucura
quando ele circula a minha entrada. Gemo alto com ele gemendo em seguida.
O sentimento de antecipação dos seus dedos me penetrado tornam tudo ainda
mais intenso.
Ele toca meu clitóris e me contorço com o tremor gostoso que toma meu
corpo. Busco seu olhar e o vejo concentrado, olhando seus movimentos em
mim. Seu dedão volta a me tocar ao mesmo tempo em que começa a circular
minha entrada. Seus olhos voltam para os meus, e então, ele enfia um dedo.
Solto um gemido sofrido mordendo os lábios e o encarando, concedendo seja
lá qual for a aprovação que busca. Ele tira o dedo e volta a penetrar com dois.
Minha coluna se move de forma instintiva, buscando mais contato com sua
mão.
— Você é apertadinha, loirinha. — Ele morde meu ombro.
Quando começa a me penetrar mais rápido, também me movo, buscando
mais contato. Fico louca quando a palma da sua mão apalpa todo o meu sexo.
— Isso é muito bom. — Ele parece entender o jeito que gosto e passa a
penetrar com a palma ali, pressionando o clitóris. — Isso… assim…que
delícia.
Viro uma confusão de gemidos e palavras desconexas. Me movo ainda mais
rápido, entorpecida pelo turbilhão de sensações, e a expressão de tesão de
Rubens deixa tudo ainda mais gostoso. Vejo o prazer chegando quando os
tremores aumentam e sinto meu baixo ventre se contrair.
— Goza comigo — peço vendo sua respiração tão acelerada quanto a minha
—, vai ser ainda melhor se eu ver você gozar.
— Se eu me tocar agora, não vou aguentar nada — fala com a expressão
contraída.
— Não quero que se aguente.
Ele se ajoelha na cama sem tirar a mão de mim e abaixa a cueca o suficiente
para conseguir se tocar. Quando vejo o pau tão lindo e rústico quanto o dono,
chego a salivar. Ele o envolve com a mão, movendo-a em toda a sua
extensão. As veias saltam em sua ereção e isso é o meu fim. Me movo contra
sua mão e gozo, gemendo alto. Ainda estou tonta de prazer quando vejo
Rubens soltar um som másculo e gostoso quando goza, se derramando no
lençol e na minha coxa. Ele solta seu membro, sentando sobre os calcanhares,
e tira a mão de mim, levando seus dois dedos até a boca e os chupando.
— Caralho, se eu já não tivesse gozado, gozaria fácil agora — eu digo e ele
ri. — Ou há uns segundos, vendo a sua expressão de prazer. Consegue ser
ainda mais gato gozando.
Ele fica me olhando com uma cara de apaixonado que me faz suspirar. Me
sento na cama, percebendo que ainda estou de sutiã e com a calcinha
parcialmente vestida. Tiro o sutiã sob o seu olhar que cai para os meus seios,
e me livro da calcinha. Engatinho na cama até chegar perto dele.
— Penso que precisamos de um banho — falo e ponho a mão em seu
membro que ainda parece duro —, ou um segundo round.
— Hoje não — ele fala, mesmo seu corpo querendo o contrário. — Não sei
se aguento um banho sem tocar você e…
— Vai ser só um banho inocente.
Melhor um banho com ele sem sexo do que um banho sozinha. Patético,
Antonella, minha mente volta a me alertar.Mas é assim que os apaixonados
agem, não é?
Capítulo 16

Acordo com uma perna sobre as minhas e sorrio ao ver Antonella com uma
camiseta que mal cobre seu corpo, me deixando com uma visão privilegiada
da sua calcinha azul. Claro que ela queria dormir pelada, mas isso já era
demais para mim e certos limites não podem ser quebrados. Dormir com ela
nua ao meu lado seria um teste de sanidade.
Ela brinca comigo, testando todos os meus limites desde o início.
Deus sabe o quanto tentei evitar que nos envolvêssemos, mas no fim, acho
que quando é para acontecer, acontece. De nada adiantou tratar ela com
indiferença, me manter longe e até ser implicante. Um pouco de tudo isso foi
medo de não poder tê-la, ou ter e perdê-la.
Perder não está mais em meus planos. Não depois da intimidade que estamos
desenvolvendo, ainda mais depois de ontem. Já toquei outras mulheres,
algumas também me tocaram, mas com Antonella é tudo diferente. É a
primeira vez que fico com alguém porque quero a pessoa, e não só por querer
uma família. Não é só por segurança, é por paixão, desejo e outros
sentimentos que não sei explicar.
Nós dois na minha cama foi um passo e tanto a ser tomado. Quando ela
perguntou se teria que implorar, travei. Como não travaria? Então, como se
conseguisse ler a minha mente, ela me acalmou e me trouxe de volta. As
lembranças não foram mais fortes do que o que estava acontecendo entre nós.
Escuto um barulho de carro. Tiro a perna dela de cima das minhas com
cuidado e vou à porta francesa da sacada, abrindo apenas o suficiente para
identificar o carro de Juliano. Pego a bermuda em cima da bancada e a visto.
Abro a gaveta e levo minha arma sem dar ao trabalho de escondê-la, levando-
a em mãos. Não confio mais em Juliano e ontem decidi que sempre estarei
um passo à frente, não que haja alguma possibilidade de ele ser louco de
atirar em mim.
— Rubens? — Olho para a cama e vejo Antonella sentada, olhando para
minha arma. — Tudo bem?
— Desculpa, loirinha. — Boto a pistola na cintura. — Isso é normal por aqui,
lembra?Juliano está ali em baixo. Vou conversar com ele e já subo, tudo
bem?
Ela sorri e levanta.
— Nem pense em descer assim, Antonella.
— Vou fazer xixi, escovar os dentes e vestir uma roupa para irmos tomar café
com a sua mãe, cowboy. Relaxa. — Ela pisca e abraça apertado a minha
cintura. Abraço-a também beijando sua cabeça. — Agora vai lá que seu
capataz está te esperando.
Ela sai para o banheiro do quarto. Rio, achando graça do quanto ela se adapta
rápido às situações. Como ela usa o banheiro do quarto, vou no do corredor.
Desço as escadas e abro a porta da sala. Juliano me vê e sai do carro.
— Chefe — cumprimenta —, pensei que estava dormindo.
— Estava. Meu sono é leve.— Ele me olha, provavelmente por estar sem
camisa e chinelos, mas com a arma na cintura.
— Conversei com Reinaldo ontem. — Ele se refere ao atual chefe da fazenda
Decker. — Ele vai viajar a negócios durantes as próximas três semanas.
— Três semanas? — pergunto e rio com ironia — Certo.
— Disse que assim que voltar, manda alguém aqui avisando.
— Avisando? Eu acho que ele realmente esqueceu quem manda aqui. Não
tem problema. Não me importo de refrescar sua memória.
— Quer que eu tome alguma providência?
— Não. — Respondo voltando para dentro de casa. — Aproveite seu fim de
semana,Juliano. É sua folga, não? — Não espero que responda e entro em
casa, fechando a porta.

— É lindo! — Mal paro o carro e Antonella abre a parte do carona, descendo.


Saio depois dela, encantado com seu jeitinho moleca de ser.
— Nesse momento, odeio você, peão! — ela fala enquanto volta para perto.
— Por que nunca me mostrou essa cachoeira antes?
— Porque eu fui burro — respondo enquanto a vejo tirar o vestido e ficar de
biquíni. — Deveria ter me tocado que eu teria essa visão.
— Você está muito saidinho, Rubens Junks. — Ela larga o vestido em cima
da capota do carro e passa as mãos em volta do meu pescoço. — Mas não
vou mentir, adoro você assim.
Gargalho.
— Você que é muito saidinha, senhorita Braga.
— Não me chame assim. Fica parecendo que estou em um tribunal.
— No tribunal de social, toda pomposa… Não me parece uma visão ruim.
— Você me tem aqui ao vivo, bonitinho, não precisa criar nenhuma imagem
pervertida comigo.
— Não é assim que funciona a cabeça de um homem, loirinha.
— O que quero dizer — ela diz, segurando meu rosto —, é você não precisa
de material para punheta. Hoje eu faço esse trabalho de forma presencial.
— Antonella — rio de nervoso e nego com a cabeça sem saber o que dizer. A
garota é sincera demais.
— Daqui a pouco você se acostuma e perde a vergonha. Não é como se você
fosse virgem.
Paro de respirar. Ela percebe, olha para baixo, olha para mim,morde os lábios
e abre a boca para falar algo, mais nada sai.
— Não que tenha algum problema se você for — fala e ri nervosa. — Mas
claro que não é, já que você não pareceu nem um pouco inexperiente ontem.
Fecho os olhos e respiro fundo.
— Eu… — começo, mas não sei como terminar.
— O que você acha de entrarmos na água? — Ela puxa minha camisa para
cima, me incentivando a tirá-la.
Tiro a camisa e ela nem me espera, entrando primeiro.
— Essas pedras são escorregadias, loirinha — falo quando a vejo quase cair
comum gritinho. — Da próxima vez você entra de tênis, assim não vai
escorregar.
— Bastante experiência com mulheres escorregando, não? — ela diz ao se
apoiar no meu braço.
— Na verdade, sim — respondo e ela me encara. — Minha irmã sempre foi
desastrada. Precisei ser criativo. — Ela sorri com a menção de Helena.
Caminhamos até uma parte um pouco mais funda onde ficamos abraçados.
— Sente falta da cidade? — pergunto.
— Já te falei. Não da cidade, mas das pessoas que estão lá.
— Entendo. — Quanto a isso, não tenho muito o que fazer.
— Fiz amizades no centro. O tio dos churros, o pessoal do mercado, do
açougue, as enfermeiras do postinho… — Ela afasta o rosto do meu ombro
para me olhar. — Menos a Maria, ela não vai muito com a minha cara.
— Imagino — digo rindo.
— Também tem todas as senhorinhas amigas da Dona Joaquina. — Sua mão
segura o meu rosto e aperto mais sua cintura. — A Dona Rosa disse que eu
sou linda e também falou para sua mãe que tem sorte de me ter como nora, já
que eu a levo por tudo.
Isso é uma verdade. Minha mãe vai constantemente ao centro com Antonella.
Dia sim, dia não, lá estão elas indo fazer algo juntas.
— Então todos já sabem que você é nora da Dona Joaquina?
— Sim. Algum problema?
— Nenhum. — Encosto meus lábios nos seus. — Minha vida é um livro
aberto.
— Juliano apareceu cedo hoje… — ela começa como quem não quer nada,
mas se tem algo que Antonella não é boa, é em ser discreta. — Deve ter algo
bem macabro acontecendo. Preciso me preocupar com tiros e banho de
sangue?
— Espero que não precise chegar a esse ponto. — Seus olhos continuam me
fitando. — Faz muito tempo que isso não acontece. Meu pai fez um acordo
com uma família que não costumávamos no dar bem. Desde então, as coisas
melhoraram.
— Só não quero que se machuque.
— Sei me cuidar, loirinha.

— Estou tão feliz de ver vocês juntos — minha mãe diz enquanto jantamos.
A noite de domingo está chuvosa, deixando o cheiro do campo ainda mais
aparente.
— Fisguei o peão e só lamento para as solteiras da região. — Ela levanta os
olhos, mirando os meus. — Na verdade, não lamento. Elas que lutem.
Nós rimos e minha mãe continua:
— Já faz um mês. É a primeira vez que o Rubens engata um namoro.
— Ele que fique bem pianinho e sem bancar o louco comigo, que não sou
flor que se cheire, não.
— Eu sei — me manifesto.
— Não sabe. — Ela me encara e aponta o garfo para mim. — Me tira pra
louca para você ver! Corto seu pau fora.
Minha mãe gargalha alto e fica vermelha.
— Meu Deus! Você não tem filtro algum — falo balançando a cabeça em
negação.
— Isso é bom, filho — Dona Joaquina fala rindo —, ninguém vai se meter
com ela. Esse lugar precisa de uma mulher com personalidade forte.
— Você já está nos casando, né sogra?
Adoro quando chama minha mãe de sogra.
— Sim! Meu filho está ficando velho. Precisa de uma família e como uma
pessoa vivida que sou, sei que você não vai deixá-lo escapar.
— Ah! Não vou mesmo — a loirinha diz e sorrio de novo. — O que indica
que a senhora vai precisar conhecer meus pais. — Ela busca a mão da minha
mãe em cima da mesa e a segura. — Meus pêsames.
Voltamos a rir.
— Não é engraçado não, gente — ela suspira. — Tirem suas próprias
conclusões quando acontecer.
— Não vai fazer diferença alguma para mim — respondo.
— Oun, ele é muito fofo, né sogrinha? — Ela aperta minha bochecha. —
Louco por mim.
Terminamos o jantar, Antonella ajudou minha mãe com a louça e fomos para
a cabana. Na última semana, ela se apossou do meu quarto. Passou a tomar
banho na suíte, trouxe seus produtos de higiene e, sem nem falar comigo,
tomou parte da minha prateleira.
Mas o que é uma prateleira se já tem meu coração?
Um mês e pouco juntos e pode parecer loucura ou até exagero, mas está tudo
tão certo que parece que estamos juntos há anos. Deus realmente escreve
certo por linhas tortas e isso me lembra que preciso pôr algumas cartas na
mesa.
— Estava pensando. — Vai para frente do espelho e penteia os cabelos
molhados. — Como estou dormindo no seu quarto, poderíamos aumentar o
armário do meu quarto.
Sorrio. É, ultimamente tudo me faz sorrir como um idiota.
— Você pode fazer o que quiser, loirinha.
— Vai dizer que a casa é minha agora? — Larga a escova e vem para cima da
cama comigo. — Pensa bem antes de dizer algo assim, posso resolver não ir
embora e aí terá que me aturar.
— Temos um problema aqui, então, porque pensei que já estivesse certa de
que é aqui que vai ficar.
— Aqui é o meu lugar? — ela se pergunta com os olhos perdidos.
Seguro seu rosto, mirando seus olhos.
— Quero que seja. — Acaricio seu lábio inferior com meus dedos. — E o
que você quer?
— Quero você. — E volto a sorrir. Como disse, ando sorrindo muito. — As
coisas não precisam ser complicadas, né? — Ela repete a frase que já disse
para ela várias vezes.
— Não, loirinha. — Deixo um beijo casto em seus lábios. — Não precisam.
Não precisamos seguir os passos dos nossos pais. Vamos fazer com que essa
relação caminhe de forma leve. Tudo aconteceu até agora de forma
espontânea e assim vai continuar sendo.
— Você não vai me deixar daqui a uns anos?
— Não — respondo sem precisar pensar. — Você trouxe cor para a minha
vida, nunca mais quero ela em preto e branco.
— Caralho, você é muito fofo!Podemos nos pegar agora? Esse volume
embaixo de mim parece bem interessante.
— Estamos conversando. — Reprimo um gemido quando ela volta a se
mexer. — Isso desvia minha atenção.
— Conversamos outra hora. — Ela se aproxima para me beijar.
— Não posso mais adiar esse assunto, Antonella. — Seguro sua cintura,
limitando seus movimentos — Eu… — Penso em uma forma de falar que
não soe patético.
— Você?
— Eu… — Merda, olho para baixo e decido falar de uma vez. — Nunca
cheguei até o fim de uma transa.
Ela fica um tempo em silêncio e eu me recuso a levantar os olhos.
— Rubens, ejaculação precoce acontece. — Franzo a sobrancelha sem
entender. — Podemos procurar um médico, existe tratamento.
Então ela para, pensa e acrescenta:
— Mas não entendo, porque você sempre goza depois de mim…
— Antonella…
— Acho que quem tem problemas não aguenta muito tempo sem gozar. Na
verdade, vou ter que pesquisar isso. Mas isso não é um problema para mim,
peão, e comigo você nunca broxou. — Arregalo os olhos. Acho que ela não
entendeu. — Quem tem ejaculação precoce brocha? Não sei. Como disse,
vou ter que pesquisar…
— Antonella…
— Você não precisa ter vergonha disso!
— Eu nunca transei! — falo alto, chamando sua atenção. — Eu nunca meti
em ninguém, merda, não sou brocha e nem sei o que é essa ejaculação
precoce aí.
Ela me olha séria e começa a rir.
— Você é muito bobo, cara — fala rindo —, quase acreditei.
Continuo sério. Ela percebe e para de rir.
— Você é virgem? — Rolo os olhos como ela costuma fazer. Odeio essa
palavra. — Você nunca… penetrou ninguém?
— Não.
— Por que?
— Eu…é complicado.
— Você nunca teve vontade?
— Claro que tive, sou homem. Eu preciso que o sexo seja mais que só uma
coisa de pele.
— Eu te masturbo, você me masturba, você já me chupou… Isso também é
sexo, Rubens.
— Eu sei.
— Leve e espontâneo, né? — ela pergunta e volto a concordar. — Certo.
Ficamos um tempo em silêncio até ela voltar a falar:
— Você pretende deixar acontecer?
— Só depois do casamento.
— Uau. — Ela fica meio atordoada. Deveria me sentir patético? Deveria, mas
não me sinto. — Ok. Bom, considerando como tudo está acontecendo, talvez
nos casamos em alguns meses, né?
Gargalho.
— Não vou me casar só porque quer sexo, loirinha. — Toco seu rosto. — Eu
quero sexo, quero tudo com você, mas não vou atropelar as coisas. Estar
comigo envolve muita coisa.
Quando penso que vai voltar a questionar, ela solta uma de suas pérolas:
— Pelo menos vou poder pagar um boquete antes disso? — ela fala sem
imaginar o que escutar isso causa em mim. — É muito injusto você poder me
chupar e eu não. Não que eu não goste quando me chupe, eu amo! Mas poxa,
também quero.
— Não se fala essas coisas para um homem, Antonella. — Levo sua mão ao
meu coração. — Estou começando a pensar que tenho algum problema
cardíaco.
— Você nem é louco, Rubens Junks! Mato você se morrer antes do
casamento!
Gargalho, puxando ela para o meu peito. Ela se aconchega com um abraço e
eu beijo sua testa.
— Vou poder chupar ou não?
— Não. Ter sua boca em mim é tentação demais.
— Caralho, hein? — Ela bufa e eu sorrio.
Não foi tão difícil quanto eu pensava. Mas talvez eu precise mesmo apressar
esse casamento.
Capítulo 17

— Não vai voltar para casa? — Rubens pergunta quando tiro a mesa do café.
— Não, Dona Joaquina disse que podemos ir caminhando até a garagem. —
Começo a lavar as xícaras. — Estou bem adiantada nos projetos. Hoje à noite
te mostro o último o modelo de quarto e então podemos marcar com a
marcenaria para vir orçar, e se tudo der certo, fechar contrato.
Sinto suas mãos envolverem a minha cintura, e então, seu rosto em meu
pescoço.
— Fica a coisa mais linda falando assim, toda profissional. — Ele respira
contra minha pele, me causando arrepios. — Nem parece à maluca que fala
um palavrão em cada frase.
— Eu não entendo qual o problema das pessoas com porra, cu… — respondo
e ele ri. — Gente, todo mundo tem cu! Chega a ser ridículo.
— Suas analogias são bem estranhas, loirinha.
— Analogias? Esse peão é muito culto, minha gente.
— Não sou um ignorante, garota. — Ele se afasta dando um tapa na minha
bunda.
— Olha os modos, menino — Dona Joaquina fala saindo do quarto.
— Ah, não, sogra! Por favor! Não o reprima, deixe-o bem soltinho.
Os dois gargalham.
— Vou trabalhar. Se cuidem, meninas. — Ele pega seu chapéu no sofá.
Gostoso pra caralho. — Até o almoço. — Pisca para mim e beija o rosto da
mãe.
Fico babando, porque senhor… que costas, que bunda.
— Esse seu filho, hein, Dona Joaquina? Saudável demais, porra.
— Como um cavalo — ela brinca.
Senhor, por que cavalo remete a lembranças do pau dele?
— Acho que não quero saber por que ficou pensativa, né, minha filha? — ela
pergunta e pega sua bolsinha fofa de mão.
— Não, a senhora não quer, porém é um assunto inevitável.
Seco minhas mãos na toalha e vou à porta. Ela tranca e guarda as chaves em
sua bolsinha.
Dou o braço e ela sorri, apoiando o seu ali. Geralmente fazia isso apenas com
Renan e Helena, nunca tive essa intimidade com minha mãe. Então ter essa
relação com a Dona Joaquina é uma situação adversa, ainda mais ela sendo a
mãe do meu namorado e futuro marido. Amém? Amém.
Sim. Vou casar com aquele homem porque não sou boba nem nada. Fico
super satisfeita de ter aquele homão da porra a meu bel-prazer. Só lamento,
bebês, mas esse macho bruto e incrivelmente gostoso já tem dona. Aceitem
que dói menos.
Bruto e fofo. Melhor descrição que ele pode ter. Mas ele é virgem. Caralho,
isso é inédito.
— Eu já falei outras vezes, mas vou falar de novo — Dona Joaquina começa
—, estou muito feliz por você estar aqui, e mais ainda por você estar com o
meu filho.
— Obrigada, sogrinha, porque eu não vou mais embora.
— Ele te pediu em casamento? — Viro e vejo seu imenso sorriso. — Eu
pensei que ele faria de tudo para não arriscar e te assustar.
— Ele não pediu. — Sua expressão murcha. — Mas conversamos e já
sabemos que não vai ter fim.
— Que bom, querida. Você já é como uma filha.
— E você vai ser uma ótima vó.
— Ah, graças a Deus você quer ter filhos! Não sabia como perguntar sem
parecer metida.
— Claro que quero! Vamos encher essa fazenda com as nossas crias! — Fico
séria e olho para Dona Joaquina. — Quero cesárea. Nada de parto normal,
pelo amor de Deus! Não posso imaginar uma criança saindo pela minha
periquita! Tá amarrado, senhor!
A senhorinha gargalha alto.
— Você é muito divertida, menina.
Entramos no carro, e quando passamos pelo portão da fazenda, não consigo
mais me segurar.
— Tenho um assunto bem particular para falar com a senhora.
— Pode falar filha.
— O Rubens é virgem.
Ela não emite nenhum som e não esboça nenhuma reação. Depois de um
tempo, escuto seu suspiro.
— Entendo.
— Eu não me importo com isso, juro. Nós brincamos de outras formas e ele é
muito bom em tudo. — Ela ri baixinho. — Mas tem um motivo. Sei que tem.
— Ele precisou amadurecer muito cedo, querida. Não é fácil ser o filho
bastardo rejeitado pelo pai.
— O pai dele era um filho da puta.
Nem conheço o velho, mas tenho certeza que não perdi nada.
— Ele não era uma boa pessoa.
— A senhora criou muito bem o Rubens e a Helena. São ótimas pessoas.
— Tentei. Sempre deixei claro para o meu filho a posição que ele teria. Ele
sempre amou Helena e cuidou dela muito mais que os próprios pais.
— É nítido o amor e cuidado que ele tem com ela. Sabe o que eu não
entendo? Por que ele resolveu dar ao filho bastardo o seu sobrenome.
— Essa história envolve outras pessoas… — ela desconversa. — O mundo
deu algumas voltas e ele acabou na posição em que está hoje.
— O Rei do Gado.
— Você tirou esse apelido da novela? — ela pergunta rindo.
— Sim, eu era pequena quando vi. — Troco a marcha. — Mas o apelido
combina, não? Ele deixou meu pai com cara de tacho quando esfregou o
cartão fodão na cara dele.
Não foi bem assim que aconteceu, mas dar uma emoção à história nunca é
demais.
— Ele me contou algo assim. — Ela ri ainda mais, sabendo que aumentei só
um pouquinho.
Chegando ao centro, encosto o carro no estacionamento ao lado da igrejinha.
Descemos e eu aceno para o tiozinho dos churros que virou um dos meus
grandes amigos da cidade e minha parada oficial. O que é aquele recheio de
avelã que a esposa dele faz? Melhor recheio da vida!
— Vamos no mercadinho primeiro? — minha sogra pergunta.
Minha sogra. Quem diria,hein? Eu, Antonella baladeira e pegadora,
sossegando o facho. Bom, não diria sossegando o facho, né? Porque, meus
queridos, as brincadeiras são constantes e depois de sentar naquela vara, nem
guindaste vai me tirar de cima! Amém? Amém.
— Vamos — respondo e ela volta a pegar em meu braço. Isso já virou uma
coisa nossa. — Será que aquele salame sequinho que estava em falta semana
passada já chegou? Senhor, estou louca por um daqueles!
— Eu pedi para o Seu Geraldo guardar se chegasse.
— A senhora é um anjo!
Abraço ela de lado e ela ri. Subimos o degrau e entramos no mercadinho.
Uma garota nos olha com uma cara estranha. Acho que não trabalha aqui,
porque não me lembro dela.
— Bom dia, senhoritas! — o senhor simpático do caixa nos cumprimenta. —
Achei que não viriam essa semana.
— Minha nora estava ocupada com o trabalho, mas hoje tirou um tempinho
— minha sogra responde solícita.
— Bom dia. — A garota se aproxima e abraça Dona Joaquina. — Como a
senhora está?
— Muito bem e você? — Noto ela desconfortável.
— Estou ótima, com saudade da sua comida. — Minha sogra ri sem graça e
alarmes começam a apitar na minha cabeça. — E ela, quem é?
— Sou Antonella, prazer — sorrio bem falsa porque já não gostei do jeito
que me olha. — E você?
— Roberta, veterinária da fazenda Junks.
— Entendi.
Só veterinária? Porque esse sorrisinho cínico me diz outra coisa.
— Vou convidar o Rubens para tomar um café na casa da senhora comigo. —
Ela toca o braço da minha sogra.
Oi? Vai convidar o meu homem? Meu cu que vai! Sinto Dona Joaquina ficar
tensa.
— Você pode tentar, querida — falo sem esboço algum de sorriso no rosto
—, mas ele vai negar seu convite.
Chego perto para deixar bem claro:
— Estamos juntos e vim para ficar. — Pisco e me afasto. — Sogra, vou pegar
os produtos de limpeza que a senhora gosta.
Não tô com paciência para continuar escutando aquele purgante cagando pela
boca. Deve ser uma ex-namorada! Veterinária? Pipipipopopo, e eu com isso,
caralho?! Vou é matar o Rubens! Custava me contar que tem uma ex
trabalhando para ele? Vou tirar essa história a limpo. Ah, se vou.
Capítulo 18

— Desculpa a demora, chefe — Daniel diz ao se aproximar —, tive que


despistar um dos caras que está com o Juliano.
— Então? Já descobriu algo?
— Sim, vigiamos por uns dias para ter certeza. Juliano está trabalhando para
os Decker.
— Filho da puta!
— Ele parece bem familiarizado com o pessoal…
— Imagino. Para ele aceitar isso, Reinaldo deve ter oferecido um cargo de
confiança. — Respiro fundo, buscando calma.
— Eles estão em um negócio ilegal envolvendo armas.
— Armas?
— Sim. Eles misturam nas cargas que vendem. Não sabemos como o
esquema funciona.
— Nem precisamos saber como funciona, mas sim se tem dia certo de
entrada e saída dessas cargas.
— Certo.
— Precisamos redobrar a atenção no Juliano, Daniel. As pragas são uma
distração para eu procurar o culpado e não ficar sabendo do negócio ilegal em
que estão metidos. É sério que me acham tão burro?
— Chefe, eu… — Ele fica ressabiado e já sei que não vem coisa boa. —
Acho que você deveria tirá-lo da segurança da sua casa.
— Estou mantendo meu inimigo perto.
— Ainda assim, eu o tiraria. — Arqueio a sobrancelha em uma pergunta
silenciosa. Ele pigarreia e acrescenta:. — Ele olha diferente para Antonella.
— Quê! O que você viu?
— A forma que ele olha e fala com ela… — Deixa a frase no ar e penso na
possibilidade de matar o desgraçado de uma vez. — Pode sugerir que ele
fique na divisa das fazendas com a desculpa de manter os olhos nos Decker.
— Vou fazer isso. Vamos ser uma boa dupla. — Estendo a mão e ele retribui,
apertando-a de volta. — Dê um jeito de mudar a escala na minha casa e da
minha mãe. Quando Juliano estiver na divisa, quero pessoas de confiança
com ele.
— Considere feito — fala quando entro no carro.
— Mais uma coisa — chamo ao girar a chave na ignição. — Espalhe que
Antonella está comigo e que pretendo me casar em breve.
Ele não sorri, mas concorda e vejo em sua expressão que aprova.
A caminho do pavilhão, penso no que motivou Juliano a fazer isso. Sempre
teve um bom salário, e depois de mim, é quem mais tem autonomia na
fazenda. Ele sempre teve tudo.
Vou para a minha sala e assino a parte burocrática do serviço. Se tivesse
alguém para cuidar disso, poderia ficar atento às plantações e principalmente
ao setor pecuário. Chego em casa perto das 19h e, diferente das outras vezes
em que me atraso, hoje está tudo aceso. Desço do carro e aceno para um dos
homens que fazem a ronda noturna.
Abro a porta e quase infarto com a cena diante de mim: Antonella cozinha
com uma camisola transparente. Até posso ver a calcinha fio dental enfiada
naquela bunda gostosa e durinha. Merda. Ela se vira e sorri quando me vê.
Meus olhos caem para seus seios que parecem ser feitos sob medida para a
minha boca.
— Meus olhos estão aqui em cima, bonitinho — ela fala, chamando minha
atenção —, mas fico satisfeita de saber que a roupa teve o efeito desejado.
Ela pisca e se volta para o fogão.
— A falta de roupas, você quer dizer? — retruco chegando perto. — Fico
feliz que as janelas e cortinas estejam fechadas. — Abraço sua cintura. —
Obrigado por isso.
— Por eu esperar meu homem de camisola sexy? Não se engane, trouxe ela
do Rio com terceiras intenções.
Gargalho. Essa garota é demais.
— Na verdade, estava agradecendo por deixar tudo fechado — falo no seu
ouvido —, se fosse um tempo atrás, teria mandado eu me foder e deixaria
tudo aberto.
Ela para de mexer no que parece ser molho branco e tampa a panela, se
virando para mim.
— Combinamos que as coisas seriam leves, não? Evito alguns
comportamentos e, em troca, você também.
— Não preciso evitar nada, loirinha. — Que papo é esse? — Só tenho olhos
para você.
— Que bom, Rubens — ela fala séria —, porque comigo não tem essa porra
de “o que os olhos não vêem, o coração não sente”. Porque nesse caso, é você
que vai sentir, e vai ser a minha mão na sua cara.
— Opa! — Levanto a mãos em rendição. — Sou inocente, juro.
— Ótimo. — Ela me encara de um jeito estranho, mas logo trata de sorrir e
dar um tapinha em meu braço. — Agora vai tomar banho e não demore, o
jantar já está pronto.
— Estamos comemorando algo? — pergunto cabreiro, já que é a primeira vez
que furamos um jantar com a minha mãe.
— Não preciso de motivos para te agradar, né? Vai logo.
Ela me empurra de uma forma nada sutil. Amo esse jeitinho Antonella de ser.
Deixo a roupa no cesto sem me preocupar em fechar a porta. Eu e Antonella
estamos cada dia mais íntimos e eu já não tenho receios. Desde a conversa
sobre penetração, ela vem aceitando outras formas de prazer. Com certeza
estou muito mais ferrado que ela.
Minha vontade de meter naquela garota se intensifica a cada dia e venho
confirmando que sou um cara forte. A cada dia que passa, sinto um tijolo
sendo quebrado na barreira sexual que criei. Se ela me pressionar, vai
acontecer, com certeza.
Quão louco eu seria de pedir em casamento alguém que conheço há três
meses e namoro há quase dois? Seguro todos os dias esse impulso. Não quero
que ela corra por medo.
Saio do banho e me enxugo rápido, vestindo uma cueca e calça de moletom
folgada. Desço as escadas e vejo ela sentada na poltrona bebendo uma taça de
vinho.
— Posso me acostumar com essa visão.
— Estou me sentindo ridícula com essa camisola — ela fala e faz uma careta.
— Você fica linda de qualquer forma — falo indo para perto da poltrona. Ela
acena para a mesa e eu a sigo. — Se não está confortável, pode ficar sem.
— Você está bem espertinho, não acha, Rei do Gado? — Só pisco de volta e
agora é ela quem ri.— Então, meu molho branco com bacon é ótimo e não
aceito nada menos que isso, certo?
— Tudo bem, loirinha — concordo, pois sou bom de boca.
— O macarrão que minha sogra faz. — Ela serve o macarrão em nossos dois
pratos, põe o molho em cima e, por fim, o queijo ralado. — Deixei os
pedaços de bacon grandes porque sei que você gosta assim.
— Tem certeza que está tudo bem?
— Algum motivo para não estar? — pergunta séria.
— Não, amor…
— De onde você tirou isso?
— De onde tirei o quê?
— Você me chamou de amor. — Paro e penso. — Nunca me chamou assim
antes.
— Qual o problema disso? Estamos juntos. Chamar você assim é uma atitude
involuntária.
— Você fica tão sexy quando fala palavras cultas — ela desconversa e senta.
— Não vai comer?
Ela põe uma garfada de macarrão na boca.
— Você sabe que é louca, né?
— Já imagina como serão nossos filhos, então.
— Posso lidar com isso. — Mastigo o macarrão, sentindo o gosto delicioso
do molho branco. Ela me olha, esperando um elogio. — Delicioso!
Depois de repetir uma segunda vez e lavarmos a louça, nos sentamos no
tapete da sala enquanto assistíamos à novela, e então me lembrei de algo.
— Tenho um presente para você. — Ela me olha. — Na verdade, está lá no
quarto.
— Mas você não chegou com nada — ela diz com o cenho franzido.
— É um contrato.
— Contrato?
— Você disse que sente falta da Helena, do Renan, de ver séries… — Ela
arregala os olhos e põe a mão na boca. — Eles instalam a antena em dois
dias.
— Só para garantir… internet? — Só concordo e ela se joga em meu colo,
me beijando.
— Caralho, Rubens. — Ela segura meu rosto. — Obrigada! Nossa, obrigada
mesmo!
— Quero que você fique. — Encosto minha testa na sua.
— Eu não vou a lugar algum.
Seus lábios tocam os meus enquanto suas mãos vão para o meu cabelo. Seu
beijo é quente e lento como uma dança sensual. Seus movimentos parecem
calculados, me atiçando ao ponto de me levar à loucura. Seguro sua cintura,
puxando seu corpo que fica colado ao meu. Ela separa nossos lábios e me
olha com aquela carinha de safada que me mata de tesão.
Subo uma das minhas mãos, levando-a até seus cabelos e puxando seu rosto
para mim com vontade. Nossas bocas se chocam em um movimento bruto, e
antes mesmo de nos beijarmos, ela geme.
— Você gosta quando te pego com força, né? — Ela apenas concorda com os
lábios entreabertos contra os meus. — Quando eu te pegar de jeito, garota…
— Não vejo a hora disso acontecer. — Sinto sua resposta vibrardireto em
meu pau que vem pedindo por socorro há algum tempo.
— Até lá, podemos ir deixando as coisas interessantes, amor.
— Caralho, um homão desses me chamando de amor. Não aguento.
Seguro sua cintura com um braço, apoio a outra mão no chão e me levanto.
Ponho ela sentada, me ajoelho na sua frente e enfio as mãos por baixo da sua
bunda, puxando seu quadril para mim. Ela entende e põe as pernas nos meus
ombros. Vejo a renda branca da calcinha transparente agora úmida e salivo
em antecipação ao gosto.
Antonella não se faz de rogada e tira a camisola, ficando apenas de calcinha.
Chego ainda mais perto, passando o nariz e inalando seu cheiro de excitação.
Então, sem conseguir me conter, passo a língua em toda a sua extensão,
ganhando um gemido gostoso em resposta.
— Não vou aguentar nada — ela fala manhosa —, mete a língua de uma vez!
Rio afastando a calcinha, vendo a lubrificação gotejar através de seus lábios.
Beijo de leve, vendo-a se contorcer e buscar mais contato com a minha boca.
— É sério, Rubens, caralho… — Antes que continue reclamando, abro sua
bucetinha com os dedos e caio de boca.
Ela arfa e geme alto. Distribuo lambidas, mordidinhas e simulo um beijo de
língua, intensificando cada movimento conforme percebo suas reações. Ela
segura minha cabeça e rebola contra o meu rosto, buscando o orgasmo que
não demora a vir.
— Caralho! — Ela goza na minha boca, gemendo alto sem pudor algum. —
Se você for bom com o pau como é com a boca, estou perdida.
Gargalho. Já disse que ela é demais?
— Serei, loirinha. — Aspiro o cheiro do seu gozo.
Coitado do meu pau que vibra pedindo atenção. Pego ela em meu colo que
grita de susto.
— Um banho? — pergunto.
— Tudo com você.
Beijo sua boca e subo as escadas para o nosso quarto. Nosso quarto.
Capítulo 19

Duas semanas se passaram desde que encontrei aquela veterinária nojenta.


Naquele dia, fiz um jantarzinho a dois e vesti uma camisola cheia de frufru
que nem faz o meu tipo, pois queria mostrar para o Rubens o que ele tem em
casa, pelo menos era isso que eu pensava. A verdade é que fiz aquela cena
porque eu queria confirmar que estamos juntos e bem.
Lógico que ele ficou animado. Homens são visuais, então a lingerie teve o
efeito esperado. Durante o jantar, tentei de algumas formas insinuar algo, mas
para ele, devo ter feito papel de maluca, já que não entendeu nenhuma das
minhas indiretas. Bom, talvez não tivesse o que entender. Estamos juntos no
café da manhã, no almoço e à noite. Nos fins de semana ele sempre está
comigo também, mas às vezes precisa sair a trabalho e aí está o problema.
Eles trabalham juntos.
Insegurança. Ela vem me corroendo desde aquele encontro infortuno no
mercadinho com a tal da Roberta. Sei que ele está comigo e acredito que
realmente esteja só comigo, mas o meu lado neurótico insiste em tirar as
coisas a limpo. Por isso estou surtando e fazendo com que Renan e Helena
surtem comigo no nosso grupo de Whatsapp.

Meus Putos J
Antonella: Bom dia,amooores
Bom dia!
Bom dia?
Tomar no cu! Cadê vocês?

Renan vidinha: Você sabe o que significa trabalhar?


Eu sou assalariado, gata KK
posso ficar batendo papo não.

Antonella: Estava pensando…acho que devo


ir vercomoandam os bichos da fazenda. A

Renan vidinha: Quer ir ver se o boy está aprontando? N


Vai de uma vez, fica aí fazendo cu doce.

Heleninha Cu: Deixa de bobagem, amiga!


Meu irmão é quase um santo.

Antonella: Já falei e vou repetir


Santo é cu de porco e ainda pisca!

Renan vidinha: A D O R O BB
Heleninha Cu:kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

Renan vidinha: Helena, será que se eu tentar


ele pisca para mim? M

Antonella: Tira o olho do meu macho, traíra!

Helena Cu: Aúdio de Juan – Antonella, pode deixar suas questões


para mais tarde? Está desviando a atenção de dois colabores.
Aqui se trabalha, porra, tenho motivos para ser rico.

Antonella: Manda seu marido à merda por mim


por favor, cunhada?

Renan vidinha: Ótimo. Agora estou na mira do todo-poderoso!

Antonella: Vocês são uns ingratos, cara


Agora que tenho internet, ninguém fala comigo LL
Vou agir por minha conta, mas como sou muito boazinha,
venho contar o que rolou depois!
É isso. Vou ao escritório dele. Preciso pôr uma pedra nesse assunto. Confiro
o detalhamento da recepção do hotel-fazenda pela quarta vez e decido
desligar o notebook. Mando uma mensagem para Giovani, o dono da
marcenaria que vamos fazer os móveis, confirmando sua chegada em dois
dias para tirar as medidas e fechar o contrato.
Depois de muita conversa, chegamos a um consenso tanto de valores como
prazos de entrega e, enfim, vamos nos encontrar para acertar os detalhes.
Consegui um prazo de 90 dias para a montagem, o que para nós é ótimo, já
que nesse meio-tempo conseguimos fazer os ajustes finais da obra do hotel.
A reforma está em um ritmo acelerado. O mestre de obras é um senhorzinho
teimoso, e como também não sou fácil, nos desentendemos no início, mas no
final acabamos formando uma boa dupla. O projeto ficou lindo, modéstia à
parte, claro. Assim, não é porque fui eu quem o criou, preciso admitir que
ficou maravilhoso! Não poderia estar mais feliz e ansiosa para ver tudo sair
do papel.
Vou ao quarto, boto uma calça jeans básica, uma blusa preta justa e meu par
de All Star. Ajeito o cabelo e desço as escadas, pegando meu celular e as
chaves do carro.
— Bom dia, Daniel — cumprimento o homem que, em segredo, é o novo
braço direito do Rubens.
— Bom dia.
— Sabe onde fica o pavilhão com o escritório do Rubens?
— Sim, a senhora precisa ir até lá?
— Não me chame de senhora, que me sinto com 80 anos — rebato rindo.
— Prefiro chamar a senhora assim. É a mulher do chefe.
— Certo — concordo, pois realmente quero me conheçam como “a mulher
do chefe”. Principalmente as outras mulheres. — Pode me mostrar onde fica?
— Claro, a senhora me segue? — Ele aponta para uma das várias gaiolas que
usam como transporte.
— Por que não vem de carro comigo?
— Melhor não, senhora.
— Bom, tudo bem, então. — Que vontade de mandar à merda, viu?
Entro no carro e sigo a gaiola. Uns10 minutos depois, chegamos a um
pavilhão de tijolosà vista bembonito. Caralho, é grande. Desço do carro
olhando em volta, chocada.
— Senhora? — Daniel me chama.
— Porra, olha o tamanho disso — falo para ele que deve conhecer o lugar
muito bem. — Quer dizer, eu sabia que o Rubens tem grana, mas isso?
Cara…
— Nunca viu um frigorífico? — ele pergunta, indicando a porta com a
cabeça quando começamos a caminhar.
— De fora, sim, mas nunca associei ao trabalho do Rubens.
— O chefe precisa de alguém para ajudar ele. Espero que seja você a fazer
isso.
— Serei. Você é casado? — falo olhando para sua mão.
— Noivo. — Seu rosto se ilumina. — Me caso em três semanas.
— Parabéns!
— Obrigado. Aqui é a sala do chefe. — Ele aponta para a porta em nossa
frente. — Vou esperar a senhora lá fora.
Penso em como Rubens poderia melhorar esse lugar, começando por uma
recepção, uma parte administrativa e de recursos humanos. Isso é o mínimo
que um homem com tantas posses deve ter. Abro a porta com mil
sugestões…
OI?
Mas…que merda é essa?
— Que caralho está acontecendo aqui? — Bato a porta atrás de mim. — Está
com algum problema no pescoço, garota?
Rubens respira fundo e passa a mão na cabeça.
— Não é nada…
— Não é nada que estou pensando? — termino sua frase.
— Você pode nos dar licença? — a corajosa Roberta se pronuncia. —
Estávamos conversando sobre um assunto sério.
— Já tínhamos terminado o assunto sério— o bonitinho diz. — Quando
Antonella chegou, a única coisa que estava fazendo era ser desagradável.
— Ou ela está com algum problema na coluna e no pescoço por estar se
inclinando tanto na sua direção — digo.
— Rubens, precisamos conversar — ela volta a cacarejar.
— Saia! — falo querendo matar um.
— Quê!
— Você é surda? — Abro a porta. — Saia, ou faço você sair e não vai ser
legal.
— Rubens? — ela pergunta.
— Ela pediu para você sair — ele fala educado demais para o meu gosto.
— Agora, caralho! — Grito. Ela se assusta e ele volta a respirar fundo.
Por fim, ela sai e volto a bater a porta.
— Antonella, eu não fiz nada.
— Esse é o problema! Devia ter colocado ela para correr!
— Estávamos conversando de trabalho, você chegou quando ela mudou o
rumo da conversa.
— E você ia deixa ela te beijar? Porque era isso que ia acontecer pela forma
que estava se aproximando.
— Você chegou na hora que ela começou a se mover e falar, não deu nem
tempo. — Ele volta a suspirar. — Estou cansado, com a cabeça explodindo e
você sabe que não tem motivo para ficar assim.
— Claro. Não tenho. — Agora quem respira fundo sou eu.
Ele levanta e vem até mim.
— Antonella, eu juro. — Ele segura meu rosto. — Só tem espaço para você
na minha vida. — Ele me beija de leve e eu forço um sorriso. — A que devo
a honra da visita?
— Tenho uma surpresa para você. — Acaricio seu rosto e ele sorri. — Tem
uma meia horinha? Prometo que não vai demorar.
— Claro.
— Certo, vem comigo.
Ele pega seu chapéu, olha se a carteira está no bolso e vem.
— Você sempre deixa seu escritório trancado? — Finjo estar tudo bem.
— Sempre. — Ele vê Daniel perto da gaiola e o cumprimenta de longe. —
Quer que eu dirija?
— Não, peão, só senta aí. — Pisco e dou partida no carro.
Dirigi em silêncio até o rio que devia ficar a uns 20 minutos da casa grande.
Rubens também ficou calado e parecia mais cansado que o normal.
Sinceramente? Estava pouco me fodendo para isso.
— Você quer toma banho de rio? — ele pergunta quando estaciono.
— Faz parte da surpresa. — Desço do carro. — Você precisa entrar primeiro.
Como imaginei que faria, ele tira os sapatos, depois a camisa e as calças,
deixando no banco do carona e ficando só de cueca.
— Agora entra e fica de costas. — Ele franze a sobrancelha, desconfiado. —
É sério, peão, coopera comigo.
— O que você está aprontando, Antonella?
— Porra! Tá acabando com a surpresa!
Ele entra a contragosto, me olhando.
— Agora vira. — Ele bufa irritado, mas vira. — Não vale espiar.
Vejo sua cabeça balançar.Entro no carro, giro a chave na ignição e fecho a
porta quando o barulho do motor se faz presente. Ele se vira e me olha com
uma cara estranha.
— Que brincadeira é essa?
— Você não tem motivo para ficar assim — repito o que ele tinha dito. —
Afinal, você é gostosão. Ninguém vai se importar de te ver de cueca.
— Antonella, para com isso! — Ele começa a sair do rio.
— Foda-se! Eu te avisei que comigo não tem essa de “o que os olhos não
veem, o coração não sente”. Eu senti que tinha algo errado e estava certa!
— Sai desse carro e vamos conversar…
— Conversar é o caralho! — Manobro o carro e acelero quando vejo que está
chegando perto.
— ANTONELLA!
— MEU CU!
Ele tenta correr como se fosse capaz de me alcançar. Sinto minhas mãos
tremendo e as lágrimas começando a cair. É sempre assim, começo a chorar
toda vez que fico nervosa. O sentimento de culpa bate por deixar ele só de
cueca no meio da tarde na beira do rio. Bom, pelo menos ele tem os sapatos
para não machucar os pés. Respiro fundo. Agora a merda já está feita e eu
não volto atrás nem fodendo!
Capítulo 20

Isso não pode estar acontecendo.


Meu dia foi péssimo. Roubaram a casa de um dos meus homens; o
carregamento de ração chegou com boa parte fora do prazo de validade;
Juliano está me tirando do sério com a sua falsidade; Roberta fica dando uma
de louca tentando me seduzir; e agora isso. Me sento no chão quando perco o
carro de vista e apoio os cotovelos nos meus joelhos dobrados.
É claro que ela vai voltar.
Não seria capaz de me deixar aqui sem roupas.
Não seria.
Entendo que a cena que viu pareceu errada e, de fato, foi, mas não tive tempo
de encerrar a situação. Como uma obra maligna do destino, no momento em
que Roberta começou a se inclinar e mudar o rumo da conversa foi quando
Antonella chegou. Só respirei fundo mesmo, porque sabia que a visão que ela
teve não foi das melhores. Não a julgo, pois eu também ficaria puto.
Mas nunca chegaria ao ponto de deixá-la de calcinha e sutiã na beira do rio.
Começo a rir. É lógico que jamais faria isso, afinal, todo mundo veria o corpo
dela. Penso nos últimos meses e em como ela trouxe luz para minha vida. É
como se tudo que até então era preto e branco se tornasse colorido.
*

Quando o sol começa a baixar, eu me convenço de que ela não vem me


buscar. Calço os sapatos e saio andando como um idiota de cueca. Graças a
Deus a cueca é preta. Caminho por uns 10 minutos, e quando já posso ver
algumas casas, vejo os faróis de um carro se aproximando. Ao chegar mais
perto, identifico o carro que ela usa, mas quando para ao meu lado, não é ela
quem está dirigindo.
— Chefe — Daniel cumprimenta sem jeito, evitando me olhar. — Eu estava
de gaiola, então quando sua senhora me disse que talvez precisasse de uma
carona e que estava… — pigarreia —, pelado, perguntei se poderia usar o
carro dela.
Surpreendendo a ele e a mim mesmo, começo a rir. A garota é maluca!
— Cara — falo rindo quando entro no carro —, eu ia parar em alguma casa e
pedir uma roupa. Já imaginou que essa seria a fofoca do ano?
Ele tenta segurar, mas acaba rindo.
— Sim, seria a fofoca do ano.
— Pelo menos ela pediu para você vir me buscar.
— Ela não pediu.
— Não?
— Ela foi agora a pouco na casa da Dona Joaquina com uma sacola. — Ele
para e pensa no que dizer. — Quando saiu, perguntei se você tinha ficado no
galpão. Foi então que me disse que talvez você precisasse de carona.
— Inacreditável — falo ainda rindo e percebo que ele passa direto pela
cabana. — Você passou.
— É…ela deixou suas coisas na casa da sua mãe.
— O quê? — gargalho alto. Sim, de nervosismo. — Fui expulso da minha
própria casa?
Ele não responde. Cara esperto.
— Se quiser aproveitar que não tem ninguém por perto — diz ao estacionar o
carro.
Desço praguejando até a última descendência da Antonella. Quando abro a
porta, agradeço mentalmente por estar destrancada. Me viro e encontro minha
mãe me olhando enquanto seca as mãos em um pano de prato.
— Senhor! — ela diz e começa a rir.
— Obrigado pelo apoio, mãe.
— Filho — ela ri ainda mais —, alguém te viu assim?
— Não. — Mexo em uma sacola no sofá com roupas minhas. — Por sorte o
Daniel chegou antes de eu chegar no vilarejo. Mãe, ela ia mesmo deixar me
virem assim? Tem noção de como isso seria vergonhoso?
— Tenho. Com isso ela te provou um ponto.
— Qual?
— Que você pode ter dinheiro e controle de tudo por aqui, mas não sobre ela.
— Vou tomar um banho — desconverso indo para o banheiro.
Enquanto a água cai sobre mim, penso no que minha mãe disse. Antonella me
desafia, tira meu juízo, bagunça tudo e ainda assim é minha luz no fim do
túnel. Ela foi corajosa. Pouco se importou com o que falariam. Quis provar
seu ponto e conseguiu. Mal sabe ela que me tem rendido aos seus pés. Não
existe outra garota.Sempre foi ela. Sempre será.
Ela é como um girassol. Seus reflexos multicoloridos me envolvem em uma
atmosfera onde só existe eu, ela e mais ninguém.
Saio do banho e me enxugo rápido para poder ir à cabana de uma vez.
— Mãe, eu já vou — falo quando saio do banheiro —, depois…
— Senta aqui.
— Quero resolver isso…
— Senta aqui — ela repete alto e séria, me surpreendendo.
— Tudo bem. — Levanto as mãos em rendição.
O que aconteceu com essas mulheres hoje?
— Nunca pensei que precisaria puxar sua orelha por dar confiança para outra
mulher sendo comprometido. Que feio, meu filho.
— Mãe, eu não fiz nada…
— Talvez esse seja o problema. — Ela corta uma fatia de bolo para mim. —
Devia ter deixado claro para a menina, porque não é de hoje que ela tem
segundas intenções. Você é tudo, menos burro, Rubens.
— Não vou discutir com a senhora…
— Você quer casar com a Antonella?
— Quero.
— Então seja homem e se abra com ela! — Volta a falar alto.
— Do que está falando, mãe?
— A menina está abrindo mão da vida dela e de tudo que tinha na cidade. Ela
é transparente, você não.
Entendo o que ela quer dizer e decido não responder.
Jantamos em silêncio. O clima não estava mais pesado e minha mãe estava
tranquila novamente, mas sabe quando falta algo? Nesse caso,é alguém. Ela
faz falta até em uma simples refeição. Eu já sabia que amo ela, só que é nesse
momento que a certeza vem e bate com força em mim. Já não faz mais
sentido meus dias sem ela, sem sua risada escandalosa, suas frases absurdas e
seu humor sarcástico que contagia tudo à sua volta.
— Devo levar uma marmita para ela? — pergunto.
— Não, querido. — Ela pega minha mão. — Antonella não faz o tipo de
mulher que espera. Ela vai e faz. Deve estar deitada depois de jantar arroz e
linguiça com ovo.
— Prato preferido dela — sorrio.
Como pode me faze sorrir até quando não está por perto?
— Vá para casa, filho, e acerte as coisas com sua garota.
Beijo a testa de minha mãe, me despedindo.

Entro na cabana e acendo as luzes. O lugar está limpo, mas ainda tem cheiro
do que ela jantou. Subo as escadas e tudo está apagado. Entro em meu quarto
e sinto um aperto no peito quando vejo a cama arrumada. Chego na porta do
quarto que antes era de Antonella e paro, buscando escutar algum barulho.
Nada.
— Loirinha?
Não tenho resposta. Arrisco tentar abrir e percebo que está destrancada.
Ela está sentada na cama com as pernas esticadas, olhando para o celular e
com os fones de ouvidos. Imagino que esteja olhando o mesmo filme de
vampiros que já assistiu várias vezes. Puxo a cadeira da pequena bancada e
me sento perto da cama.
— Quando eu tinha 10 anos, o meu pai me ensinou a atirar — começo a falar.
— Sempre soube que ele era meu pai, mas só chamava ele assim quando
estávamos sozinhos. Ele não era um homem bom, nunca foi. Então, com 12
ou 13 anos, não lembro ao certo, comecei a ser treinado para fazer a guarda
da casa. Isso é muito comum por aqui.
Me ajeito na cadeira e continuo:
— Eu não quero entrar em detalhes porque falar me faz reviver, e não é algo
que eu me orgulhe de ter feito. Preciso te contar que tenho sangue nas mãos,
e caso não tenha entendido, significa que não sou o santo que pensa e que já
tirei a vida de alguém.
Quando levanto o rosto, vejo ela me olhando através da pouca iluminação do
celular ainda com os fones no ouvido. Tenho sua atenção, mas ela não faz
nenhum comentário.
— O casamento do meu pai com a mãe da Helena foi arranjado. Ele gostava
dela, mas nunca foi correspondido. Ele a estuprava e a agredia com
frequência… Quase todas as noites era o mesmo tormento. Enquanto ele
gemia, ela gritava. Na última vez, ele a espancou e os gritos foram ainda mais
altos. Entrei em casa e consolei Helena, mas os gritos aumentaram e, pela
primeira vez, eu quis me meter. — Olho para meus próprios pés. — Ele
estava a enforcando mesmo já estando descordada. Pedi para ele parar, mas
ele não me ouviu. Eu atirei na perna dele e Helena entrou no quarto. Logo foi
uma confusão de pessoas entrando e saindo para ajudar os dois, e uns dias
depois, Dona Cláudia faleceu.
— Vem aqui — ela diz botando o celular e os fones na bancada. — Deita
comigo.
Tiro a camiseta e os sapatos e deito ao lado dela. Ela puxa o cobertor e nos
cobre.
— Se eu pegar você e a Roberta em alguma situação comprometedora de
novo, vou quebrar a sua cara. — Fala deitada e olhando para mim.
— A minha?
— Sim! É você que tem compromisso comigo, não ela.
— Amo você.
Silêncio.
— Eu amo você — repito. — Quero casar com você e quero que seja a mãe
dos meus filhos. Quero que seja a minha eterna dor de cabeça.
— Serei — ela diz e passa os dedos na minha barba.
— Você foi bem corajosa hoje.
— Espero que não tenha próxima, Rubens.
— Não vai ter, loirinha. — Pego a mão que estava em meu rosto e a beijo. —
Não gosto de andar por aí de cueca.
— Sobre o que você contou, você é um bom homem.
— Isso não muda os erros que cometi.
— Você me disse uma vez que não somos como nossos pais. — Ela chega
mais perto. — E sei que está tentando fazer diferente. Vou estar aqui para te
ajudar.
— Agora pode rolar um amasso? — Me apoio em um braço.
— Antes do amasso, sou a favor de marcar esse casamento para logo, tipo,
logo mesmo.
Gargalho.
— Concordo plenamente.
— Vou começar a ver isso com Renan e Helena. — Ela me dá um selinho.
— Vou te dar um cartão e você faz tudo que precisar ser feito.
— Vai rolar Black Unlimited? — Ela morde o lábio.
— Tudo que você quiser. — Puxo sua boca para mim.
Capítulo 21

Sabe quando tudo na sua vida vai bem? Esse é o meu momento.
É isso aí, porra! Quem acredita, sempre alcança.
Desde o dia em que deixei Rubens de cueca no rio para aprender a ser ladino,
tudo só melhorou. Naquele dia, ele conversou comigo e me contou parte da
sua vida. Lógico que pelo que Helena contava, eu já imaginava que as coisas
por aqui funcionavam de uma forma diferente. Ela já me falou das várias
brigas que acabavam em mortes, e disse algo sobre o pai dela tirar do
caminho quem não o seguia, como se fosse um rei.
Mas Rubens é diferente, tenho fé nele.
Dizem que o amor é cego, e talvez seja mesmo. A verdade nem sempre é o
que esperamos e isso é triste, mas é real. Como advogada, deveria honrar
meu juramento, mas eu o escutei como mulher. Ele? É o homem que amo. O
homem que vejo diariamente se dedicando ao trabalho, tratando os
funcionários bem e honrando com todos os seus compromissos. Um homem
que ajuda todos que precisam, que se dispõe a dar uma vida melhor não só
aos seus, como ele costuma chamar, mas à toda a comunidade.
Como um homem desses pode ser ruim?
Vou estar ao seu lado, ajudando este lugar a deixar de ser uma cidade sem lei.
Confuso, não? Logo eu, que nunca gostei de ser advogada. Talvez eu
realmente não ame o Direito, mas gosto de pessoas, e se for pelo bem do
povo, posso tentar.
Vou tentar.
— Filha, você acha que precisa mesmo fazer isso? — pergunta Dona
Joaquina quando estaciono o carro em frente ao pavilhão.
— Preciso aproveitar que o Rubens está fora e chega só de noite, sogrinha —
respondo. — Só vou ter paz depois que pôr um ponto final nessa história.
— Querida, já faz um mês desde o ocorrido.
— Eu já volto. A senhora espera aqui, né? — Nem espero que responda e
desço do carro.
Entro no pavilhão, perdida em meio a tantas portas. Vou fazer o que preciso
nem que eu tenha que abrir uma por uma!
— Senhora? — Olho para o homem loiro que me chama. — Precisa de
ajuda?
— Sim, qual a sala da Roberta?
— A sala da doutora é aquela terceira — ele fala e aponta para a porta.
— Obrigada.
Chego em frente à porta e nem bato, pois quero mesmo é chegar chegando.
Quando abro a sala, Roberta levanta os olhos de uma folha que mostrava a
um homem.
— Volte outra hora, estamos ocupados. — Ai, ai. Iludida ela.
Caminho até sua mesa e olho para o homem sentado à sua frente.
— Pode nos dar licença, por favor?
— Você não precisa sair,Jadir. Ela é quem vai se retirar — a coitada volta a
cacarejar.
Inclino-me, espalmando as mãos na mesa.
— Acho bom começar a me tratar com respeito, Roberta.— Olho no fundo
dos seus olhos. — Ou logo vai precisar procurar um emprego.
Me viro para o senhor.
— Sou Antonella. — Deixo claro o meu nome porque sei que adoram uma
fofoca por aqui. Ando bem famosa.
— A namorada do chefe? — ele pergunta.
— Futura esposa. — Sorrio e pisco para ele, que sorri de volta.
— Vou aguardar ali fora — ele fala para a doutora e sai da sala.
— Vou ser direta. — Ela continua me olhando com aquele ar de
superioridade. — Não quero você se insinuando para o Rubens e não quero
você tocando nele. Sua relação com ele será estritamente profissional ou vou
chutar sua bunda para longe.
— Se vê no direito de chegar mandando em tudo? Bem comum para uma
menina pobre que arruma um homem rico.
— O que não é o caso. — Corto suas asinhas. — Minha família não tem o
dinheiro que o Rubens tem, mas estamos longe de sermos pobres. Além de
designer, sou advogada. Minha família tem nome nesse meio, então sempre
vivemos muito bem. Espero que eu não precise procurar seus pais para
explicar que a filha não soube levar um não de um homem. Assédio é crime,
sendo ele praticado por homem ou mulher. Então tome vergonha na cara se
não quer ficar desempregada e com um processo nas costas.
Fico olhando para seu rosto e vendo a sua expressão que já não é mais a
mesma.
— Fui clara? — Ela não responde. — Roberta, fui clara?
— Sim.
— Obrigada.
Quando abro a porta para sair, vejo o senhorzinho esperando.
— Peço desculpas pelo inconveniente, seu Jadir. Não costumo atrapalhar as
reuniões de ninguém, mas não podia adiar essa conversa.
— Sem problemas, senhora. — Sorrio e volto para o carro.

Meus Putos J

Renan vidinha: Eu acho que para escolher o vestido


Você deveria vir para o Rio, amiga

Antonella: Não inventa moda


Aqui na casa de tecidos tem uns lindos
Vou compra e Dona Joaquina vai costurar

Renan vidinha: Tem certeza que ela gosta de você?


Sogra é um encosto que vem junto com o boy
Heleninha Cu:Não fala assim da Dona Joaquina, Renan
Elaé um amorzinho

Renan vidinha: Helena, querida, você é tão inocente que


Basta a pessoa sorrir para você achar que ela
É dona de um bom coração.

Antonella: minha sogra é uma foinfoin


Você vai ver, amigo, vai querer roubar ela de mim

Renan vidinha: Ela eu não sei, mas o cowboy?


Com certeza!

Antonella: Sossega o cu, menino


Sai com esse zolhão de tandera pra lá!

Heleninha Cu: Chamada de vídeo à noite? Estou cheia de


Relatórios para fazer.
Antonella: Problemas no paraíso, cunhada?
Não esqueça de lembrar seu marido da nossa aposta
Ele me deve um carro.

Renan vidinha: Helena, deixe para lembrar ele


Em casa, por favor! Não precisamos do todo-poderoso
De mal humor.

Guardo o celular no bolso rindo do desespero do meu amigo. Juan é


temperamental em casa, quem dirá na empresa? Tenho é dó daquele povo.
Poder conversar com os dois a qualquer momento melhorou muito a minha
vida por aqui. Estou no lugar que quero e ainda que não tenha todas as
pessoas que amo por perto, através de uma simples mensagem posso matar
um pouco da saudade. Parece conversa furada, né? Se isola no mato sem sinal
algum e depois conversamos.
Dona Joaquina ainda deve estar no mercadinho, e eu, como uma ótima nora,
a deixei lá sozinha porque percebi que o dono está querendo pegar ela. Todo
mundo nessa vida precisa ser feliz e eu super apoio a minha sogra de viver.
Quem sabe, se o velhinho ainda der no coro,ela tenha umas noites de sexo e
consiga apagar da memória que as únicas relações que teve foram com o
embuste do pai do Rubens. Única coisa que aquele filho da puta tinha de
bom, pelo visto, era o gene, já que o meu peão é a cara dele.
— Bom dia, amigo! — falo para o senhor dos churros onde bato cartão. Essa
carrocinha e esse banco ao lado viraram o meu point.
— Bom dia, Antonella — ele responde sorridente. —, recheio de baunilha ou
avelã?
— Baunilha. O de avelã vou deixar para depois do almoço. — Olho meu
relógio de pulso que marca 11h da manhã.
— Vão almoçar por aqui? — ele pergunta preparando meu churros.
— Sim, Rubens precisou ir à cidade. — Me sento no banco. — Então vamos
aproveitar e almoçar no restaurante da Dona Rosa. Adoro a carne de panela
daquela mulher!
— É muito boa mesmo. — Me entrega o churros, e quando vai falar algo,
somos interrompidos.
— Bom dia.
Viro para olhar o dono da voz grossa. Em outra época eu flertaria, já que o
homem é gato pra caralho, mas estou muito moça recatada e do lar. Nenhum
outro homem chama minha atenção a não ser o meu peão, então só sorrio em
resposta. Percebo que o meu amigo não está confortável com a presença do
carinha.
— Você é Antonella. — Não é uma pergunta.
— Sou — respondo sem perguntar como me conhece, já que todo mundo por
aqui parece se conhecer. — E você?
— Reinaldo. — Ele sorri.
Olha, de duas, uma: ou o homem tem um espasmo no rosto, ou ele acha
charmoso essa cara de mal que faz juntando as sobrancelhas. Eu,hein. Tem
louco para tudo nessa vida.
— O senhor precisa de algo? — meu amigo pergunta.
— Não — ele responde seco e volta os olhos para mim. — Achei que fosse a
noiva do Rubens, mas pelo visto isso é uma fofoca.
— Estamos juntos e queremos no casar em breve — respondo quando engulo
um pedaço do doce. — Estou ocupada com a obra do hotel e o Rubens com
alguns contratempos na fazenda.
— Problemas burocráticos?
Me viro e o encaro. Que cara estranho.
— Talvez. Mas isso não é da nossa conta, não?
Ele gargalha.
— Você é ousada.
— Isso também não é da sua conta.
— É. Não mesmo.
— Anton… — A voz de Dona Joaquina morre, então volta a falar com a voz
dura. — Decker.
Decker? Busco na memória esse nome…
Aqueles Decker? Da família rival, tipo Montéquio e Capuleto?
Sim. Acho que é tipo isso.
Me sinto em um drama nos primórdios da carreira literária de William
Shakespeare. Limpo o canto da boca que estava cheio de açúcar pelo churros
e empino o nariz, encarando o inimigo ao meu lado.
— Reinaldo Decker. — Ele me olha com aquele sorrisinho nojento de lado.
— Não vou com a sua cara.
— Vamos almoçar em casa, filha? — minha sogra pede. — Esqueci das
anotações que tínhamos feito sobre o vestido.
— Vamos sim. — Sorrio para ela e me levanto. — O clima está pesado aqui.
Vamos para o carro. Não perco tempo em ligar o ar condicionado assim que
giro a chave na ignição.
— Quando ver o Decker, não precisar confrontar ele, querida. — Dona
Joaquina me repreende. — Apenas seja firme. Há um tratado de paz que
precisa ser mantido.
— Eu acho muito louco isso. Esse lance de tratado de paz me lembra
osCullen e os lobos. — Passo a marcha. — Nunca sei se me sinto no faroeste,
em Crepúsculo ou em uma obra estilo Romeu e Julieta.
Olho para ela com seu semblante pensativo.
— A senhora não entendeu, né? — pergunto pegando a estrada de chão.
— Não — ela ri. — Rubens disse que quando você começar a falar essas
coisas que não fazemos à mínima ideia do que é, devemos só concordar
— Que cachorro! — Nós duas gargalhamos.
Ela começa a falar sobre os tecidos que viu e que eu iria amar cada um deles.
Na verdade, eu já sabia o modelo de vestido que queria. Pelo casamento ser
em uma fazenda e uma cerimônia simples, optei por um corte básico. O ponto
alto seria o tecido.
— Ai! — reclamo e mexo o pé como posso sem tirá-lo do acelerador.
— Tudo bem?
— Sim. Pode ver que é aquelas formigas de novo. Picaram o meu pé.
— Passamos arnica assim que chegarmos para não inchar.
Sim. Descobri ser alérgica às malditas formigas. Quando me picam, fazem
um estrago.
— Já que precisamos de uma comida rápida — começo, me fazendo de boba
porque sou dessas. — Que tal arroz e linguiça com ovo?
— Acho ótimo — minha sogra comenta rindo. — Você é uma caixinha de
surpresa, Antonella.
Capítulo 22

— É um bom negócio, Rubens — o vendedor volta a falar. — É sua terceira


compra comigo, não arriscaria perder um cliente como você.
Olho para os brinquedinhos na minha frente. Essa marca é líder em vendas
em uma série de equipamentos para cultivo de última geração. Será um
investimento alto, mas poupará tempo e facilitará muito a nossa vida.
O pulverizador com a melhor barra de pulverização do mercado já me
ganhou, mas continuo vestindo minha máscara de indiferença para ganhar um
desconto maior. Esses tratores de alta potência e tecnologia piscam seus
faróis para mim, me deixando apaixonado. Não vejo a hora de levar eles para
a fazenda e ver o que cada um pode fazer.
— Vamos aos valores — respondo —, e então vou decidir se é um bom
negócio.

— Chefe — Daniel me chama com o celular em mãos. — Acho que você vai
querer atender essa ligação.
— Já estou acabando aqui — respondo terminando de preencher o cheque.
— Rubens — Daniel volta a me chamar.
Rubrico a folha e o entrego à moça do financeiro que sorri estranho para
mim. Estendo a mão e ele me entrega o aparelho.
— Loirinha — digo quando vejo no visor seu contato.
— Filho.
— Mãe? — Levanto da cadeira. — O que houve?
— Filho, vai demorar? — ela pergunta, mas nem me deixa responder. —
Antonella passou mal. As meninas da loja me ajudaram a trazer ela no posto.
Uma delas me ajudou a ligar para você, já que não sei mexer nisso.
— Passou mal como, mãe? Ela comeu algo diferente?
— Rubens — ela fala firme —, já está vindo?
— Sim. Fica com o celular por perto. Se precisar, peça ajuda para me ligar de
novo. Em 40 minutos eu chego. — Desligo e me viro para o vendedor que
está só sorrisos ao lado da moça do financeiro. Estendo a mão e ele não tarda
em aceitar o cumprimento. — Espero tudo na minha fazenda em 7 dias úteis.
— Conte com isso, Rubens.
Passo por Daniel que vem em meu encalço. Quando estamos chegando no
carro, ele volta a me chamar.
— Chefe, não entenda mal, mas devia me deixar dirigir.
— Conhece bem o caminho, Daniel? Além disso, se for para dirigir como
uma lesma, eu passo.
— Rubens, você está nervoso. Se voltarem a te ligar, você vai querer atender,
e precisamos chegar vivos lá.
Jogo a chave e ele a pega no ar. Quando destrava o alarme, sento no banco do
passageiro. O caminho é feito em silêncio. Minha mãe não torna a ligar e isso
me deixa ainda mais angustiado.

Quando ele estaciona no centro, desço do carro, andando apressado até o


posto. Entro e percebo que toda atenção se volta a mim de uma forma
diferente. Os olhares em minha direção não são desejosos, mas preocupados.
— Rubens — Maria me chama.
— Onde ela está? — pergunto sem dar brecha para que me atire alguma
indireta ridícula como toda vez que me vê.
— Por aqui.
Entro no quarto e vejo Antonella deitada na cama muito mais pálida que o
normal. Minha mãe está sentada em uma cadeira ao seu lado com o
semblante angustiado.
— Vou chamar o doutor Nazareno para te explicar o caso — Maria diz e se
retira.
— Loirinha. — Ponho a mão em seu rosto, percebendo o quanto está gelada.
Ela abre os olhos, confirmando estar debilitada, e me dá um sorriso fraco.
— O que aconteceu? — pergunto.
— Estávamos vendo os tecidos e ela começou a passar mal — é minha mãe
quem responde. — Ficou tonta, vomitou e começou a suar.
— Certo.
Vejo sua blusa encharcada de suor mesmo com o ar condicionado ligado.
Levanto um pouco da blusa e vejo que está com um sutiã rendado que parece
um top. Além do doutor Nazareno, acredito que nenhum outro homem virá
aqui.
— Amor — a chamo e ela responde com um resmungo. — Vou ajudar você a
tirar essa blusa.
— Quer ajuda? — Maria pergunta. Nem tinha visto que ela já tinha voltado.
— Vou sentar ela você tira a blusa, tudo bem? — Ela só concorda.
Ajudo Antonella a se sentar e Maria tira a blusa com cuidado, a entregando
para minha mãe. Tiro o cabelo do seu rosto ainda segurando seu corpo que
não se aguenta sentado. Ela apoia a cabeça em meu peito e eu beijo sua testa.
— Vai ficar tudo bem, loirinha.
— Rubens, boa tarde. — Doutor Nazareno entra no quarto.
Deito ela novamente e me viro para o doutor.
— Boa tarde, doutor. O senhor fez os exames?
— Antonella chegou apresentando sintomas generalizados, como enjoo,
vômitos, dor de cabeça, espasmos musculares, sudorese e queda da pressão.
De início, imaginei uma intoxicação alimentar ou uma infecção, mas então
ela reclamou de dor no pé.
Ele vai até o pé dela e me mostra a região da sola do pé, prosseguindo sua
explicação:
— Está inchado, apresenta vermelhidão e aqui. — Ele toca e Antonella geme
— Tem uma picada.
Merda. Chego perto e realmente parece uma picada.
— Você já aplicou um antídoto, certo?
— Não sabemos o que picou ela, Rubens…
— Doutor, seja o que for, ela não está bem. Precisa ser medicada…
— Chefe!
Olho para a porta e lanço um olhar mortal para Daniel.
— Agora não.
— Mas…
— Porra, Daniel! Agora não.
— Preciso mostrar uma coisa para você — ele insiste e levanta uma caixa em
mãos.
— Some da minha frente, caralho. O assunto aqui é sério. Seja o que for,
conversamos depois.
— Você vai querer ver o que achei no carro dela.
Franzo a sobrancelha e vou para fora do quarto. Ele abre a caixa e me mostra
um escorpião. Merda.
— Disse que estava dentro do carro dela? — pergunto.
— Esse e outros três que eu já matei.
— Doutor! — o chamo e ele aparece na porta.
Indico a caixa que ele olha com curiosidade.
— Um escorpião-amarelo. Ele é típico da nossa região e os sintomas
realmente batem com os que Antonella apresenta.
— Temos o antídoto? — pergunto. — Se não tivermos, vou dar um jeito.
— Nós temos — Maria fala. — Quando eu era estagiária, aquela menina foi a
óbito por uma picada desse mesmo escorpião.
Doutor Nazareno parece pensar. Vejo seu semblante quando se lembra e ele
arregala os olhos, mas disfarça.
— Que menina? — pergunto e eles me olham sem jeito. — Que menina?
— Joane — o médico fala e pigarreia, nervoso —, Joane Decker.
Todos, inclusive Daniel, olham para qualquer lugar, menos para mim. Não
posso fingir que não notei. Com certeza meu pai teve algo a ver com o tal
incidente.
— Vou buscar o antídoto no laboratório — Maria fala e sai pelo corredor.
— Como funciona agora? — pergunto ao Doutor.
— Aplicaremos o soro antiescorpiônico através de via intravenosa. Vamos
observar se a paciente vai apresentar alguma reação alérgica, mas não é
comum acontecer.
— Depois conversamos sobre o assunto — dispenso Daniel que apenas acena
e se retira.
— Descobriram algo? — minha mãe pergunta quando entramos no quarto.
— Sim, mãe. — Respiro fundo e passo a mão nos cabelos da minha loirinha.
— Vai ficar tudo bem.
Pouco tempo depois, Maria chega com uma bandeja metálica e ela e o Doutor
administram o soro na veia de Antonella. Quando ela sai do quarto, aviso
minha mãe que já volto e vou atrás.
— Maria. — Ela se vira. — Você tinha dito que o soro estava perto do prazo
da validade.
— Ainda faltam 60 dias para o vencimento. Fique tranquilo, vai funcionar.
— Confio em vocês. Qual o prazo de validade?
— Trinta e seis meses.
— Faz quase 3 anos que a menina morreu, então?
— Não. Faz 5 anos. — Franzo a sobrancelha em questionamento e ela
acrescenta: — Ela morreu no meu plantão. Foi à primeira morte que
presenciei. Desde então, tomamos o cuidado de não deixar nenhum dos
antídotos vencer.
— Que idade ela tinha?
— Seis anos.
Meu Deus.
— Você não lembra? — ela pergunta.
— Não, não lembro.
— Seu pai com certeza lembraria — ela diz e se afasta.
Algumas coisas não mudam. O passado sempre dá um jeito de bater à nossa
porta.
Capítulo 23

Abro os olhos e a impressão de estar em um lugar estranho me deixa em


alerta. O quarto está iluminado apenas pela luz do poste que passa através da
janela de vidro coberta por uma persiana semi aberta. Tento mexer o braço e
me dou conta de que ainda estou com soro na veia e no quarto do postinho.
Rubens está com a cabeça apoiada na maca. Levo a mão até seu cabelo e faço
carinho, e nem dois segundos depois, ele levanta o rosto.
— Não vi que estava acordada — fala com o semblante cansado. — Sente
dor?
— Não — respondo. — Me sinto mole.
Ele ri e beija meus dedos, botando minha mão esticada na maca novamente.
— Me desculpa por isso, Antonella.
Franzo a sobrancelha. Fazia tempo que não me chamava pelo nome. Além
disso, que porra é essa de desculpa?
— Está pedindo desculpa por um escorpião ter me picado? — pergunto
incrédula. — Já vou te meter a real, cowboy. Não me venha com essa de
“somos melhores separados, porque eu te machuquei” que eu levanto dessa
maca e chuto seu saco.
Ele ri baixinho e balança a cabeça em negação.
— Sei que não sou perfeito, loirinha, mas deixar você ir não é uma opção.
— Ótimo, então. Suas bolas agradecem a cortesia.
Ele gargalha.
— Senti falta da sua língua atrevida nas últimas horas.
— Você não conhece todo o poder da minha língua, bonitinho. — Pisco e ele
sorri todo lindo. Ai, ai. — Não sabe o que está perdendo.
Ele respira fundo e encosta-se à cadeira.
— Posso imaginar.
— Não, não pode. — Finjo indignação. — Minha língua está além da
imaginação.
— Podemos deixar o assunto do poder da sua língua para depois? —
pergunta rindo, e então o sorriso some. — Soube que conheceu Reinaldo
ontem.
— É, ele tem uma cara de mau.
— Talvez ele não seja o vilão. — Ele cruza os braços e vejo seu olhar se
perder.
— Pode ser que não, mas de uma coisa tenho certeza. — Ele volta a me
olhar. — Você também não é.
— Algumas coisas não mudam, Antonella.
— Ah, Rubens, não começa, sério…
— Reinaldo tinha uma filha — ele fala, me cortando —, tinha 6 anos quando
faleceu uns anos atrás. Não sobreviveu ao veneno de um escorpião-amarelo, a
mesma espécie que picou você.
Um silêncio desconfortável toma conta do quarto. Fico perdida, sem sabe o
que falar ou pensar.
— Ela passou mal e a trouxeram para o posto. Ninguém sabia do que era a
picada, então fizeram uma varredura no parque onde ela estava brincando
quando começou a chorar de dor. Encontraram quatro escorpiões-amarelos, a
mesma quantidade que foi encontrada no seu carro. Não foi coincidência. —
Ele apoia os braços no joelho e me olha. — Por favor, não deixe mais seu
carro aberto.
Não respondo.
— Daniel sabia dessa história. Foi um dos homens do meu pai que botou os
escorpiões lá. Ele queria matar a menina, queria atingir o elo mais frágil
deles.
— E o tal tratado de paz?
— Algo devia estar acontecendo, e eu já imagino o que seja. Você foi o alvo
porque está comigo. Então, de forma indireta, a culpa é minha.
— Rubens…
— Antonella, dizer o contrário não vai ajudar. Você está bem e serei
eternamente grato a Deus por isso, mas, isso não muda os fatos.
— E o que você vai fazer? — pergunto irritada. — Bancar o justiceiro e
matar o cara?
— É o que deveria ser feito — ele fala sem titubear.
Me sento na cama,respirando profundamente para passar a tontura. Ele
levanta, vem para o meu lado e me segura.
— Não vou cair — digo, segurando seu rosto. — Coisas aconteceram e você
não pode mudar isso, certo? Daqui em diante, você pode fazer diferente.
Você está fazendo diferente. Ninguém precisa morrer, Rubens. Essa coisa de
vingança não tem fim. Por favor, comece a agir de forma legal. Sei que a lei
nem sempre é justa, mas você não precisa mais sujar suas mãos.
— Você ainda tem para onde correr, não estamos casados.
— Eu lá sou mulher de correr, homem? Vou ficar. Vou estar aqui por mim,
para você, por nós. Toda vez que as coisas ficarem difíceis, teremos um ao
outro. Você não vai mais se perder. Vou estar aqui para te encontrar.
— Eu te amo — ele diz olhando fundo em meus olhos.
— Eu também te amo. — Suspiro. Ai, senhor, sou muito cadelinha dele. —
Nossos filhos vão ser lindos.
Ele sorri e eu acrescento:
— Se tivermos um menino, vou chegar na janela da varanda e gritar
“SEGUREM SUAS CABRITAS QUE O MEU BODE ESTÁ SOLTO”.
Ele gargalha alto, jogando a cabeça para trás.

— Quero que o casamento seja em duas semanas! — Sufoco o riso com a


cara que Renan e Helena fazem.
Estou a dois dias em casa. Ainda me sinto lesada, mas estou quase 100%.
Combinamos uma chamada de vídeo no horário de almoço deles porque eu
não podia mais esperar.
— Amiga, sei que você está ansiosa para liberar a cowgirl que existe em você
e quicar até o amanhecer — Renan diz e Helena olha para os lados com os
olhos esbulhados.
— Renan, fala baixo — ela sussurra —, vocês me matam de vergonha.
— Deixa de ser puritana, duvido que você não senta com vontade no todo-
poderoso.
— Senhor! — ela fala e põe as mãos no rosto.
— Continuando — ele volta a falar —,não se planeja um casamento em duas
semanas.
— Vai ser algo intimista. — Dou de ombros — Vocês, minha sogra e alguns
dos homens mais próximos do Rubens.
— E seus pais, Antonella — Helena diz. — Com ou sem defeitos, são seus
pais.
— Ok, meus pais. — Volto a dar de ombros.
Darei meus pêsames à dona Joaquina e ao Rubens de novo, porque com
certeza meus pais não perderão isso por nada no mundo. Não por mim, claro,
mas porque vão querer ver com os próprios olhos o quão rico meu futuro
esposo pode ser.
Conversamos até o horário de almoço dos dois acabar. Contei o que eu
imaginava e eles deram sugestões bem legais que ficarão lindas demais. Pelo
jeito, o ano que vem chega mais rápido do que essas próximas duas semanas.
Ansiedade me define.
Rubens que me aguarde. Quando eu sentar…é, nem guindaste que se diz, né?
Capítulo 24

— Será que ninguém desconfia?


— Não — Thiago, o agente da polícia federal, me responde. — Montamos a
emboscada em poucos dias, tudo com sigilo. Nenhuma informação vazou.
— Certo — respondo. — Qualquer coisa, você me liga?
— Rubens, assumimos daqui — ele fala firme. — Quando a operação
terminar, você vai ter no seu tempo os dois meliantes.
— Obrigado. — Assim que o agradeço, ele desliga.
Acendo o charuto, aproveitando os poucos instantes de paz. Hoje faz uma
semana desde o incidente que passamos. Quando entrei no quarto e vi minha
loirinha debilitada daquele jeito, fiquei sem chão, mas quando soube que não
foi acidente, fiquei puto.
Como sempre, toda verdade tem dois lados.
Reinaldo armou uma emboscada como meu pai fez com sua filha. Como
alguém tem coragem de armar para matar uma criança de 6 anos? Meu
falecido pai com certeza tinha. Eu não participei do ocorrido e mesmo sendo
o chefe da segurança na época, não fiquei sabendo.
Ouço a risada alta de Antonella e sorrio. Vamos nos casar no sábado. A
garota mal tinha se recuperado e já havia decidido a data do casamento. Então
resolvi que precisava terminar com essa guerra maluca que tínhamos com os
Decker.
Fui à polícia federal e contei tudo que sabia sobre o esquema de tráfico de
armas em que estavam envolvidos. Eles fizeram uma tocaia para averiguar a
denúncia e não foi preciso muito para perceberem que a denúncia tinha
fundamento. Eu sabia os dias de entrada e saída de mercadorias assim como
os horários. Forneci todas as informações e pedi que tomassem uma
providência quanto antes.
Eu queria estar livre dessa história quando trocássemos as alianças.
Alianças.
Antonella vem me deixando louco. Ela, minha irmã e Renan é quem estão
planejando tudo. Não seremos nem 20 pessoas, então tudo seria mais fácil se
ela simplesmente contratasse alguém para fazer a decoração. Mas não, ela
cismou que os três vão decorar, pois só assim ficará do jeito que imaginou.
Isso rendeu algumas discussões, pois ela e minha mãe passavam os dias fora
procurando os itens que Antonella queria. Já que no centro não tinha nada,
todos os dias saiam para a cidade que fica uma hora da fazenda. Quase
enfartei numa noite que chegaram 19h30. Custava ligar para dizer que estava
tudo bem?
— Ele está na sacada fumando, né? — Ouço sua voz quando entra no quarto.
— Meus amigos, que visão! — Ela fala com o celular na mão enquanto me
olha. — Sério, preciso dividir com vocês esse momento.
Olho para ela rindo quando chega perto e aponta o celular para mim como se
me filmasse.
— Olha esse abdômen trincadinho. — Ela suspira. — Vem ser gato assim
aqui na minha cama, tá louco.
Gargalho. Essa garota sai com cada uma.
— Nesses momentos sei porque está tão desesperada para casar. Faria o
mesmo, não nego — ouço Renan falar. — No seu lugar eu brincaria de
trenzinho da alegria todos os dias.
Os três começam a rir e fico sem entender o que ele quis dizer.
— Deixem meu irmão em paz — Helena fala. — Mano, amo você.
Antonella senta no meu colo e vira a câmera frontal para nós.
— Também amo você,Tisco. — Ela sorri e manda um beijo.
— Também me ama, Rubens? — Renan brinca e fico sem saber o que falar.
Eles notam e voltam a rir.
— Ela dormiu — escutamos Juan que não demora a se sentar ao lado da
esposa, e isso me lembra algo.
— Ainda estou digerindo o fato de ter levado minha irmã a um cartório e
casado com ela sem ter falado comigo.
— Não leve para o coração, cunhado, ela já era minha — ele fala e Antonella
revira os olhos. — Só foi oficializado.
Ele abraça Helena, que sorri e se derrete pelo marido.
— Sorte sua que faz ela feliz e trouxe Vitória para nossas vidas.
— Fala a verdade, cunhadinho — ele brinca —, quando me conheceu, achou
que eu queria dar o golpe, né? Nunca imaginava que um homem como eu,
além de maravilhoso, era rico.
Antonella bufa e Helena ri.
— Ainda estou decidindo sobre o golpe, afinal, somos mais ricos que você,
com certeza. — Agora é a vez de Juan bufar.
— Falando em rico — Antonella diz —, você me deve um Range Rover!
Franzo a sobrancelha para ela, que dá de ombros.
— Peça para seu noivo, ele é mais rico que eu. Ei, o que é isso? — Juan
aponta para o celular e minha irmã olha, procurando pelo que ele fala. — É o
sinal. — Começa a falar mais alto. — Estão nos escutando? Gatinha, eles não
nos escutam.
Helena não entende o teatro dele e acredita.
— O que será que houve? — ela fala e eu gargalho. Helena sempre foi lerda.
Ele desliga e nós ficamos rindo. Um tempo depois, nos despedimos de Renan
e Antonella desliga.
— Que história é essa de que o Juan te deve um carro? — pergunto.
— Ele apostou o carro dele que você não colocaria internet aqui na fazenda.
— Vocês estavam fazendo apostas sobre mim?
— Sim — ela fala afrontosa.
Apago o charuto e o jogo no cinzeiro. Levanto com ela em meu colo e ela
grita de susto.
— Vou fazer você ter motivos para gritar. — Mordo sua orelha e ponho ela
na cama.
— Mal posso esperar, cowboy.

— Você tem 20 minutos, Rubens — Thiago fala. — Os dois estão algemados


e estou deixando que converse com eles juntos em consideração à sua
denúncia.
— Não vou levar mais que 10, acredite.
— Tem certeza que quer entrar sozinho, chefe? — Daniel pergunta.
— Absoluta.
— Vem comigo— o agente me chama.
Caminho pelo corredor até chegarmos em frente a uma porta de metal.
— O microfone e o gravador estarão desligados. Vinte minutos, Rubens, e
nenhum minuto a mais. Estaremos vendo através das câmeras.
Concordo com tudo. Ele abre a porta e eu entro. Reinaldo e Juliano estão
sentados atrás de uma mesa. O primeiro a me ver é Reinaldo, que me encara
sem transparecer nada.
— Era só o que me faltava — Juliano diz quando me vê.
Puxo a cadeira do outro lado e me sento, ficando de frente para eles.
— O que te faltou, Juliano? — pergunto. — Eu não entendo.
— Amei a sua irmã, mas claro que eu jamais seria bom o bastante para a
princesinha Junks, não? Vocês são uns merdas que não se importam com
ninguém.
— Minha irmã não ficou com você porque não existia sentimento, e não
porque você não era bom para ela. Meu pai realmente não se importava com
ninguém, mas eu? Eu me importo e todos sabem disso.
Me viro para Reinaldo.
— Você boicotou duas safras de arroz minhas?
— Sim — ele responde direto.
— Eu respeitava a família de vocês e, por mim, cada uma poderia continuar
vivendo sem brigas. Cada um no seu espaço e sem tentar boicotar o outro.
Mas quando você levou o tráfico de armas para nossa região, você botou todo
nosso povo em risco. Você está aqui porque pediu por isso, Reinaldo. —
Respiro fundo. — Não vou ficar pagando pelos erros do meu pai e eu
realmente sinto muito pela sua filha. Eu não sabia. Jamais faria parte daquilo.
Ele me encara, depois desvia o olhar. Levanto e vou à porta. Quando a abro,
olho uma última vez para trás.
— Temos uma coisa em comum. — Ele volta a me olhar. — Nós dois fomos
traídos pelo mesmo homem. Foi Juliano quem plantou os escorpiões no
parquinho da sua menina, e foi ele quem ficou de tocaia até ter certeza que foi
picada.
Reinaldo olha para Juliano e vai para cima dele mesmo algemado. Fecho a
porta atrás de mim quando três policiais chegam correndo. Dois entram para
apartar a briga e Thiago me acompanha até a saída.
— Agradeço pela ajuda — ele fala assim que chegamos na saída. — Você
tem meu contato, não hesite em me ligar.
Ele me oferece a mão e eu a aperto.Quando chego na camionete, abro a porta,
sentando no banco do carona.
— Acabou, Daniel — falo quando ele dá partida no carro. — Quero fazer
tudo diferente daqui pra frente. Chame nossos homens para uma reunião, vou
te anunciar como meu braço direito.
— Farei o meu melhor, chefe.
— Eu sei.
Ver a justiça sendo feita me tira um peso enorme das costas, mas para me ver
livre, preciso confessar algo para uma pessoa que amo, e essa com certeza vai
ser a parte mais difícil.
Capítulo 25

— Mais para o lado — Aponto.


— Aqui? — Renan pergunta.
— Acho que pode afastar um pouco mais…
— Eu não entendo. — Juan reclama. — Por que não pagaram alguém para
fazer isso? Que porra.
— Deixa de ser ranzinza, amor, é pouca coisa — Helena diz ao marido. —
Não tinha necessidade de contratar alguém.
— Estamos confraternizando, chefe — Renan também diz. — Vamos poder
olhar para as fotos depois e dizer que fomos nós quem decoramos.
— Para de reclamar, caralho — acrescento. — Até parece que é algo gigante,
fala sério. São só 12 pessoas.
— Seus pais chegam que horas, loirinha? — Rubens pergunta ao descer da
escada que tinha usado para pendurar as luzes.
— Perto das 6h da tarde.Por mim, poderiam vir só amanhã.
— Não fala assim, amor. — Ele me dá um selinho.
— Depois não diga que eu não avisei.
— Eles serão os avós dos nossos filhos. — Ele me abraça pela cintura e eu
me derreto. — Precisam estar presentes nesse momento.
— Ai, que coisa fofa! — Renan diz — Não saiam dessa posição.
Sorrimos um para o outro.
— Deu! Já bati. Ai, que foto linda, gente! — ele fala e põe a mão no coração.
— Quem diria que você ia virar minha cunhada, amiga — Helena fala
limpando a mão na própria calça. — Eu pensei que vocês iam se matar.
— Isso aconteceu — Rubens retruca.
— Nem tanto. Bastaram umas piscadinhas para morrer de amores por mim!
— digo e ele ri, dando um tapa em minha bunda antes de se afastar.
— Na verdade, vocês deviam me agradecer — Renan fala —, ele pensou que
eu iria te pegar, por isso se aligeirou.
— Se você curtisse a fruta, seria um candidato forte mesmo — digo.
— Estou ouvindo, Antonella — Rubens diz.
Jogo um beijinho para ele, que revira os olhos.
— Mãe! — Vitória grita. — A tia me mostrou uma ovelha! Posso ter uma
ovelha, pai? Você disse que eu podia.
Ele ri sem jeito e passa mão no cabelo quando Helena o encara.
— Tadinha da ovelha, né, filha? Ela vai ficar muito sozinha — Helena diz à
menina. — Passamos o dia todo fora. Ela vai ser mais feliz aqui com as
amiguinhas dela.
— Mas o papai disse que posso.
— Princesa — Rubens chama a menina e se abaixa para falar —, você pode
escolher uma, dar um nome a ela e, então, será sua. Você gosta da fazenda?
— A menina balança a cabeça várias vezes indicando que sim. — Então se
tiver uma ovelha sua morando aqui, seus pais vão vir mais vezes, entendeu?
— Sim! — Ela olha para Helena. — Pode ser, mamãe?
— Claro, querida — ela diz sorrindo.
— Ninguém vai me perguntar se pode ser? — Juan pergunta, intrigado.
— Se a mamãe disse que pode ser, é porque pode, ué.
Todos gargalham e eu acrescento:
— Ih, tá sem moral,hein? — Ele só me olha torto e todos continuam rindo.

— Pai, mãe — cumprimento eles com um abraço rápido assim que chegamos
na pousada da Dona Rosa no centro. — Estão prontos?
— Estamos, filha. — Ela olha além de mim. — Seu noivo não veio junto?
— Está nos esperando na fazenda. A irmã dele está lá.
— Você fala como se não a conhecemos — ela fala.
Vocês não conhecem nem a própria filha.
Vamos para o carro. Tento pegar algo na expressão dos dois, mas não
parecem surpresos quando vêem a Hilux que dirijo. Minha mãe senta no
banco traseiro e meu pai no banco do passageiro ao meu lado.
Depois de um tempo em silêncio, minha mãe resolve falar:
— Está contente com o casamento?
— Isso é pergunta de que se faça? — meu pai rebate.
— Ela é minha filha.
Respiro fundo.
— Eu o amo. Isso pode soar estranho para muitos. — Não perco a indireta
porque sou dessas. — Realmente amo ele. Não tem outro lugar que queira
estar sem ser ao lado dele.
— Ótimo. — É a resposta que ela me dá.
Meu pai começa a perguntar sobre a fazenda e respondo como posso para que
isso ajude o tempo a passar mais rápido. Quando estaciono em frente à
cabana, Rubens vem até a porta. Meu pai desce do carro e os dois se
cumprimentam.
— Antonella — minha mãe me chama antes que os alcance —, eu não sou
afetuosa, mas quero que saiba que estou feliz por você. Você é minha única
filha, e eu a amo.
Seguro o choro e abraço ela, que me aperta. Antes de me soltar, ela beija o
meu rosto. Quando nos viramos, Rubens e meu pai estão olhando. O amor da
minha vida sorri para mim sem mostrar os dentes, me dizendo através desse
gesto que está comigo, sempre. Quando chego ao lado do meu pai, ele aperta
o ombro e deixa um beijo em minha testa. E hoje, isso é o suficiente para
mim.

Me olho no espelho.
Meu vestido de noiva.
Eu, de noiva.
Surreal.
Estou comum vestido de alças finas e decote em uma renda branca com
fundo nude, deixando a cintura marcada. A partir da cintura, o vestido tem
um corte evasê em um tecido crepe branco, formando uma saia soltinha e
possibilitando um look equilibrado entre sexy a romântica. A maquiagem
básica e os cabelos levemente ondulados completam, me deixando
exatamente com o visual que imaginava.
Caralho, vou me casar!
— Ainda dá tempo de correr — Renan diz. — Mas não aconselho, porque o
noivo é um pedaço do céu na Terra. Quicava, não nego.
— Quicar. Essa com certeza é a palavra que vai definir minha noite.
— Que horror, Antonella — Helena fala. — Estamos falando do meu irmão
aqui.
— Que é gostoso pra caralho! — afirmo.
— Amiga. — Ela segura minha mão. — Casar com o Rubens é para a vida
inteira, você sabe, né?
— Ele que tente me largar. Eu,hein!
Ouvimos uma batida na porta e meu pai entra.
— Pronta? — ele pergunta.
— Sim.
— Te vejo no altar — Renan fala e eu pego a referência.
— Eu vou ser a de branco — respondo meu amigo, imitando a Bella do
Crepúsculo.
Helena e Renan saem, me deixando com meu pai.
— Está muito bonita — ele diz.
— Obrigada, pai. — Abraço ele, e mesmo surpreso com o gesto, ele abraça
de volta. — Amo o senhor.
Ele não responde, mas beija minha testa.
— Vamos. — Ele se afasta e engancho o seu braço.
Saímos da casa de Dona Joaquina onde eu me arrumei. O casamento será
alguns metros atrás de sua casa, onde tem uma área de mata reservada nos
fundos. Entramos no carro e meu pai dirigiu até onde será a cerimônia e o
jantar.
Quando ele estaciona, fico olhando através do vidro do carro como tudo está
lindo. Uma mesa de madeira rústica com dez cadeiras se encontra em baixo
de uma árvore. Na mesa estão dispostas as composições de sousplats com
pratos, talheres, taças e guardanapos. No centro da mesa há folhas verdes e
algumas flores de diversas formas intercaladas entre as velas acesas dentro de
copos. Nos galhos das árvores, lâmpadas de luz amarela suspensas em fios
pretos em diferentes alturas ilumina o ambiente.
Meus olhos vão para a mesa do bolo e doces. Dois barris com um tampo de
madeira em cima são a mesa improvisada. Em cima dela estão dispostos
suportes para doces em alturas assimétricas. Dois bolos pequenos também
estãosobre a mesa, tal como alguns vasinhos de vidros com água e pequenos
arranjos de flores. Tudo em tom rose gold.
Então, meus olhos chegam na parte mais importante. Não. Eu não falo da
estrutura de madeira que forma um altar, nem dos dois barris em cada ponta
com arranjo de flores em cima. Falo do homem que está parado lá, me
esperando.
Vestido todo de branco como um anjo.
Meu anjo.
Caralho! Eu sou uma garota de sorte.Ele olha preocupado para o carro, e só
então me dou conta que estou a uns minutos parada, apreciando tudo. Rio de
mim mesma e olho para meu pai que me avalia atentamente.
—Tudo bem? — ele pergunta, com certeza imaginando se estou ponderando
casar com esse partidão.
Partidão, com “ão”, que me lembra pauzão, a melhor sobremesa da noite,
com certeza.
— Tudo ótimo pai, vamos descer.
Abro a porta e ele desce, vindo ao meu encontro. More Than Words começa a
tocar. Meu pai me oferece seu braço e passo o meu, deixando nossos braços
enganchados segurando o pequeno buquê. Nossa família se levanta. Caminho
em direção ao Rubens, que me olha como se me venerasse.
Puta que pariu, estou me casando! É real!
Quando chegamos perto, ele vem até nós. Meu pai olha para ele e aperta sua
mão.
— Cuide dela melhor do que cuidei.
— Conte com isso — meu peão responde.
Pego em seu braço e vamos até o padre. A cerimônia segue durante os
próximos minutos que parecem infinitos.
— Vocês fizeram seus votos? — Olho para Rubens e nego com a cabeça.
Que votos o quê? Só quero que me case de uma vez.
— Não fizemos — Rubens responde —, mas podemos improvisar, não?
— Que nada, peão — falo e todos riem.
— Vamos improvisar — ele rebate e eu bufo. — Antonella, você chegou
como um furacão, tirando tudo do lugar. Em algumas vezes, me senti em um
manicômio porque você insistia em tirar qualquer sanidade mental existente
em mim.
Todos voltam a rir, inclusive eu.
— Você não é o que eu sempre imaginei querer, mas é exatamente tudo que
preciso ter. Eu te desejei, me apaixonei. Te amei ontem, te amo hoje e
prometo te amar amanhã, e todos os outros dias da nossa vida.
Esqueçam o que eu disse sobre não precisar de votos. Nesse momento, tem
um olho na minha lágrima.
— Rubens. — Fungo e respiro fundo antes de falar. — Quando vi você no
aeroporto, quase nem acreditei que as fazendas podem ter astros de
Hollywood disfarçados de peões. Você é metido, ranzinza e tem mania de
organização, o que te torna bem chato às vezes. — Ele ri. — Mas é carinhoso
e extremamente gostoso. — Todos riem dessa vez.
— Não foi difícil me apaixonar. Na verdade, foi fácil te amar. Tenho muitas
incertezas, mas se tem uma coisa de que não tenho dúvidas, é que é com você
que quero ficar para o resto da vida. — Ele sorri e eu me viro para o padre.
— Casa a gente de uma vez, padre, não vejo a hora de chegar na parte da lua
de mel.
Todos gargalham e o padre fica vermelho.
Só digo verdades.

O jantar estava delicioso, assim como os bolos e doces. Dona Rosa foi
surpreendente. Dançamos e nos divertimos muito e, pela primeira vez,evitei
beber em uma festa. Quero me lembrar de cada detalhe dessa noite. Rubens
tomou banho enquanto eu tirava a maquiagem e depois foi me esperar no
quarto. Eu devia usar a lingerie linda que comprei, mas quando vi que saiu do
banheiro peladão e foi direto para acama, deixei a ideia de lado.
Foda-se a lingerie.
Saio do banheiro e o vejo tranquilamente deitado em toda sua glória. Claro
que vejo ele como veio ao mundo com frequência, mas antes existiam
limites. Hoje vou ser toda dele.
— Vai ficar aí me olhando? — ele pergunta sorrindo.
— É uma bela visão, cowboy.
— Não posso negar que a visão daqui também é espetacular.
Me aproximo dele. Ele me estende sua mão, que aceito e me sento em seu
colo.
— Você está gelada, loirinha — ele diz e beija minha mão. —
Tecnicamente,o virgem sou eu.
— É diferente… — Fico sem saber o que dizer. — Quero que seja bom para
você.
Ele ri. O desgraçado ri.
— Amor. — Ele segura meu rosto. — Não existe a possibilidade de ser ruim.
Nós temos química, você que deveria estar com medo de eu ser um fodedor
de merda. Eu deveria estar com esse medo, mas não estou. Sabe por quê?
Só mexo a cabeça em negativa e ele continua:
— Porque o meu corpo deseja o seu tanto quanto precisa respirar. Vou meter
em você tão fundo que não vai sobrar espaço para nenhuma outra lembrança.
— Caralho!

Seus lábios entreabertos são um convite para serem beijados, e assim eu o


faço. Nosso beijo é firme e nossas línguas se movem em uma sincronia só
nossa. Sugo seu lábio inferior, deixando uma mordidinha que faz ela suspirar.
Desço os beijos por seu pescoço, ela se arrepia e eu não hesito em deixar um
beijo seguido de um chupão para que amanhã, ao se olhar no espelho, ela se
lembre desse momento.
Desço os beijos pelo seu colo e entres os seios, e quando chego no mamilo,
abro a boca, engolindo tudo que posso. Antonella joga a cabeça para trás e
geme alto, e uma de suas mãos vai para a minha cabeça, me puxando e
incentivando a continuar.
Tiro a boca, deixando seu seio molhado com minha saliva, e sigo para o
outro, imitando o mesmo movimento. Quando o tiro da boca, assopro, a
sentindo tremer contra mim. Puxo seu rosto, fazendo com que olhe para mim.
— Se eu te tocar agora. — Ela mira meus olhos com a respiração ofegante.
— Vai estar molhadinha para mim?
Ela só concorda. Passo meus dedos pelo vão dos seus seios e pela barriga, até
chegar onde eu queria. Deslizo a mão por cima dos lábios, sentindo sua
lubrificação se sobressair entres eles. Infiltro um dedo e ela resmunga um
gemido manhoso.
— Está ensopada! — Mordo o lábio com inveja da minha própria mão. Levo
os dedos molhados até a minha boca e os chupo. — Gostosa. Tudo em você é
delicioso.
Tiro ela do meu colo, louco para cair de boca, mas assim que entende o que
vou fazer, ela levanta.
— Na verdade, hoje é a minha vez de brincar, cowboy. Senta aqui.
Ela indica a poltrona que tem no canto do quarto. Eu me levanto, vou à
poltrona e me sento.
Ela se ajoelha no chão e vem engatinhando até ficar entre as minhas pernas.
Concentro-me, tentando não me deixar levar pelo tesão. Põe as mãos em
meus joelhos e alisa as minhas coxas até chegar ao meu pau. Ela me toca e
respiro fundo, sentindo as suas mãos macias em volta de mim. Seus olhos
caem para o pré-sêmen que escorre.
— Ele está babando para você, loirinha.
Ela sorri safada, e com o dedo, ampara a gota que estava para escorrer,
levando-o aos lábios. Gemo com a cena.
— Melhor beber direto da fonte, né? — ela fala e me engole até onde
consegue.
— Puta que pariu! — rosno.
Agarro seus cabelos, ajudando nos movimentos, e sua boca me suga ao tentar
engolir tudo. Ela tira seus lábios fazendo um estalo, depois volta a me chupar,
e então tira de novo. Sem pudor algum, ela deixa o meu pau bem molhado.
Fico ainda mais louco quando vejo escorrer saliva pelo canto da sua boca.
— Gostosa pra caralho.
Ela sorri com meu membro entre as mãos, e para acabar com o pouco de auto
controle que ainda me resta, ela roça a cabeça do meu pau em seus lábios
como estivesse passando um batom. Quando penso que vai me engolir de
novo, ela passa língua nele inteiro, voltando para a glande e dando batidinhas
em sua língua.
— Chega! — Puxo ela para longe pelos cabelos com cuidado. — Vem sentar
em mim, vem.
Ela se levanta em um pulo tão rápido que até acho engraçado. Senta-se em
meu colo e posiciono o meu pau na sua entrada.
— Quero que sente devagar olhando para mim.
Me olhando e mordendo os lábios, ela começa a rebolar na cabeça do meu
pau, mas sem sentar, apenas me provocando.
— Senta, loirinha,estou latejando aqui.
Então, ela senta e nós gememos juntos.Eu já imaginava que era muito bom,
mas está sendo ainda melhor.Sentir ela escorregando em mim toda melada e
apertadinha me deixa ainda mais louco!
— Podemos fazer devagar outra hora, né? — ela pergunta manhosa.
— Sim, agora quero você sentando com força.
E ela senta. Senta, quica e rebola. Os barulhos do seu corpo se chocando
contra o meu ecoam pelo quarto. Aperto com força as bandas da sua bunda,
ajudando em seus movimentos.
— Isso, gostosa, senta para mim! — Peço em meio a gemidos.
Ela se move entorpecida de prazer, gemendo com os lábios abertos. Seus
movimentos perdem a força e vejo que ela está cansando. Seguro sua cintura
e ela entende que vou levantar, e assim que o faço, cruza as pernas em mim.
— Agora é a parte em que cumpro o que eu disse sobre meter forte, lembra?
— Deito ela na cama, e sem dar tempo para que me responda, a seguro pelas
laterais dos quadris e meto com força.
Ela geme alto, o que me incentiva a acelerar os movimentos de vai e vem,
sentindo sua bocetinha se contrair e estrangular minha ereção com sua carne
toda melada. O barulho das minhas bolas batendo em sua bunda aumenta
com o som do choque dos nossos corpos.
— Vou gozar! — ela fala ofegante.
— Não fecha os olhos. Goza olhando para mim.
Meto com violência, querendo mais e mais dela. Suas costas se inclinam no
colchão, buscando um contato maior. Ela aperta os próprios seios e me
encara no momento em que goza, gemendo palavras desconexas.
Foi meu fim.
Gozo, e gozo muito, gemendo, urrando, ou qualquer outro nome que possa
ser dado aos barulhos que saíram de forma involuntária da minha boca.
Quando minha respiração volta ao normal, me deito ao seu lado, puxando-a
para perto de mim, sem nem me preocupar em nos limpar.
— Experiência pra quê, né? — ela quebra o silêncio com uma de suas
pérolas. — Já nasceu sabendo.
Gargalho alto.
Como amo essa mulher.
Minha mulher.
Epílogo

Seis meses depois.

— Bom dia, loirinha. — Beijo seu pescoço.


— Bom dia, cowboy. — Ela sorri e me empurra, se espreguiçando.
Muito carinhosa. Rio quando ela revira os olhos.
— Ansiosa? — pergunto.
— Não. Está tudo lindo e nossos primeiros clientes são nossos amigos.
— Você conhece o engenheiro e a irmã do Juan?
— Saí com eles uma vez. Notei no momento em que bati os olhos nos dois
que se gostavam.
— Conheci ele quando veio aqui conhecer o terreno para desenhar a planta
do hotel — falo lembrando que ele parece ser um cara gente boa. — Ela eu
conheci quando fui visitar Helena.
— Maria Clara é um furacão. Estou louca para conhecer os bebês.
— Eu também. Vou tomar um banho. — Beijo seu ombro e levanto, sabendo
o que vem a seguir.
— Vou junto! — Ela levanta e passa na minha frente. — Sexo matutino é
uma forma de começar o dia relaxada.
— Ou cansada.
Adoro a vida de casado.

— Amiga! — Renan abraça Antonella. — Você emagreceu. — Ele olha


descaradamente a bunda dela. — O peão está tirando seu coro, né?
— Na verdade, eu estou tirando o dele — ela responde e balanço a cabeça em
negação. — Esse é o Miguel?
Ela abraça o homem que parece tímido, continuando:
— Está bem servido, hein, amigo? — Renan finge beijar o ombro e os dois
gargalham.
Estacionam dois Range Rovers idênticos.
— Não acredito que eles alugaram o mesmo carro — Antonella comenta.
— Ficaram se alfinetando porque queriam o mesmo — Renan explica. —
Então estavam decidindo qual deles alugariam. Maria Clara se irritou, deus
uns gritos e rapidinho eles ficaram com os carros iguais e a treta acabou.
Guilherme desce do carro, indo abrir o porta-malas.
— Menino! — Antonella volta a falar, admirando o primo do Juan. — Pelo
jeito todos estamos bem servidos, não?
Maria Clara desce e tira um bebê vestido de rosa do carro, botando no
carrinho que Guilherme montou.
— É, todos estamos bem servidos mesmo. — Olho para Antonella que
estreita os olhos para mim. Pisco e seguro o riso.
Ela põe outro bebê vestido de azul no carrinho, então se vira e nos vê, vindo
em nossa direção enquanto Guilherme segue atrás empurrando o carrinho.
— Antonella! — Elas se abraçam. — Menina, você virou fazendeira?
— Pois, é parceira. — A loirinha mexe nos cabelos. — Aqui estou eu na
minha humilde vida na fazenda.
Maria Clara gargalha.
— Caralho, hein? — A irmã do Juan segura à mão da minha esposa. — Tu
pegou o irmão da Helena! — Me dá uma olhada nada discreta e volta a olhar
para Antonella. — Porra.
As duas voltam a rir. Ótimo, duas malucas juntas.
— Menos, Maria Clara. — Guilherme chega e me cumprimenta, olhando
para a parte externa do hotel.— Ficou ótimo, cara. Parabéns.
— Dizem que o engenheiro é foda. — Maria Clara pisca para o marido. — E
gostoso.
— Menina, tenho que concordar! — Antonella diz e as duas riem de novo.
Eu e Guilherme nos olhamos com a mesma expressão de cumplicidade. Dois
coitados.
— Caramba, ficou lindo! — minha irmã fala ao se aproximar e me abraça.
Beijo sua testa.
— Demoraram para descer,hein, cunhada? — Antonella diz.
— Vitória está enjoadinha hoje — Helena responde.
— Bom dia, família — Juan chega dizendo. — Filha. — Ele mexe no cabelo
de Vitória e ela tira o rostinho do pescoço dele. — Diga oi para o pessoal.
Ela diz um oi fraco.
— Vem comigo, princesa — digo —, vamos ir ver sua ovelha?
Ela sorri e vem para o meu colo.
— Menina, que mundo pequeno — Maria Clara diz quando me viro. —
Quando seu marido dormiu na nossa casa, tentei invadir o quarto dele, mas a
porta estava trancada. Guilherme tinha transado comigo e me ignorado, sabe
como é.
— Informação demais, Maria Clara — Guilherme volta a retrucar.
— Teria feito o mesmo, amiga — Antonella diz —, não te julgo.
— Porra, eu não preciso desse tipo de informação— Juan reclama das duas.
Sorrio me afastando com a filha da minha irmã no colo. Essas pessoas nada
normais se tornaram a minha família e não poderia ser mais grato por isso.

Quando todos se preparavam para dormir, chamei Helena. Essa conversa tem
que acontecer hoje.
— Aconteceu alguma coisa? — ela pergunta quando sentamos em frente à
mesma árvore que era nosso refúgio quando éramos pequenos.
— Helena. — Seguro suas mãos. — Amo você. Você foi o motivo pelo qual
me mantive firme e não fugi.
— Eu sei, mano. E você foi a fonte de afeto que eu nunca tive dos meus pais.
Respiro fundo.
— Não tem jeito fácil de contar essa história. — Seja forte, Rubens. — Mas
eu preciso ser sincero com você e me libertar.
— Estou ouvindo — ela incentiva.
— Você sabe que o casamento dos seus pais foi arranjado, certo? — Ela
confirma. — Dona Cláudia era apaixonada por Antônio. — Ela franze as
sobrancelhas. — O padre.
— Senhor! — Ela põe a mão na boca.
— Eles tiveram um caso.
Fico encarando-a e notando suas reações. Ela olha para a grama, então
arregala os olhos e volta a me olhar.
— Por quanto tempo?
— Até ele morrer.
— Ele me tratava bem.
Ela sabe. No fundo, sabe.
— Ele era seu pai biológico.
— Caramba! — Põe a cabeça entre as mãos, atordoada.
— Em uma noite, levei nosso pai à igreja. Quando chegamos lá eles
discutiram. Tentei intervir, então ele me mandou atirar no padre Antônio. Eu
neguei, ele apontou a arma para mim e disse que era eu ou o padre. — Fecho
os olhos, lembrando da cena como se tivesse acontecido ontem. — Ele atirou
perto do meu pé, então me assustei e atirei no padre.
Ficamos um tempo em silêncio e posso ouvir ela chorar baixinho.
Eu o matei.Matei o pai dela.
— Naquele mesmo dia, mais tarde, ele espancou sua mãe — continuo
falando com as lembranças me invadindo de uma forma absurda. — Quando
entrei no quarto, atirei na perna dele porque ele estava matando-a. De
qualquer forma, não ajudei muito, já que poucos dias depois ela morreu.
— Rubens. Mano. — Ela levanta meu rosto, pois não tenho coragem de
encarar seu olhar. — Obrigada por ter me contado. Nossa infância não foi
fácil e eu nem imagino como foi para você viver com isso até agora. Se essa
confissão é um pedido de perdão, saiba que você o tem. — Lágrimas caem
dos seus olhos. — Você é minha família. Nosso laço é muito maior que de
sangue. Você é meu irmão e DNA nenhum vai mudar isso. — Me abraça. —
Vamos deixar o passado no passado. Estamos criando lembranças, estaremos
sempre juntos e é isso que importa.
— Meu Deus, Helena! Obrigado por não me odiar — falo apertando seus
braços e sentindo o rosto molhado com lágrimas que nem vi que tinham
caído.
— Essa história não é nossa, mano. — Ela sai dos meus braços e me olha. —
Você era uma criança, eu também. Passou.
Volto a abraçá-la,me sentindo totalmente em paz pela primeira vez em muito
tempo. Não somos irmão de sangue, mas isso jamais fará diferença.

— Como foi? — Antonella pergunta assim que me deito ao seu lado.


— Helena é um anjo — respondo —, prefere enterrar o passado.
— Ótimo! — Ela se vira e passa a mão em meu rosto. — Agora podemos
começar a criar o presente.
— Pensei que já estávamos criando.
— Joguei a cartela de anticoncepcional fora.
Sorrio.
— Precisamos começar a praticar agora, então! — falo subindo nela.
— Concordo plenamente.
— Obrigado por bagunçar minha vida, loirinha — falo entre um beijo. — Eu
te amo.
— Você é tão foinfoin! — Aperta minha bochecha e olho atravessado para
ela. — Também te amo.
— Vou te mostrar o fofo, garota! — Roço meu membro ainda coberto pela
cueca em sua calcinha.
— Porra! — ela geme. — Não me oponho.
Nossas vidas não costumam ser perfeitas. Os fins nem sempre justificam os
meios e alguns erros não podem ser consertados. Tenho uma mãe
maravilhosa que soube suprir a falta de amor paterno. Fui presenteado com
uma irmã que, mesmo de forma inconsciente, me ajudou a continuar, e
através dela me apaixonei.
Me apaixonei pela loira de boca suja,umas das mulheres mais fortes que
conheço. Ela me mostrou que nunca é tarde para recomeçar e acreditar.
Acreditar em um mundo melhor.
— Cowboy? — Ela segura meu rosto. — Seus pensamentos estavam longe.
— Eles estavam aqui, loirinha. — Mordo seu ombro. — Esse é o único lugar
que quero estar.
FIM
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Com seus 29 anos, Juan D’Laurentes decide estabelecer prioridades em sua
vida. Mais precisamente, uma prioridade: não se envolver com ninguém. Até
conhecer Helena Junks, uma mulher autêntica e engraçada, mas que guarda
mágoas da sua infância.
Um homem em busca de redenção. Uma mulher em busca de um sentido pra
viver. Seria o amor o melhor remédio para os dois?
Uma comédia romântica extremamente sexy.
“Ele era o dono do jogo, mas foi ela quem fez as regras.”
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Intensa. Essa palavra define Maria Clara do início ao fim.
Sofrendo em silêncio pelo amor impossível que sente pelo seu primo
Guilherme desde a infância, Maria Clara não sabe mais o que fazer para que
ele a enxergue. No momento em que mais precisava de sua família, perde
seus pais em uma tragédia. Ela se vê perdida em uma dor sem fim. Em meio
a essa tempestade, decide mudar de cidade em busca de um renovo.
Guilherme é um homem bem-sucedido com objetivos definidos e a vida
estrategicamente calculada. Independente desde muito cedo, organizado ao
extremo e maníaco por horários, isso tudo não seria cômico se a mulher por
quem sempre foi apaixonado não fosse seu oposto total. E para piorar, sua
prima.
Eles acabam deixando a razão de lado, dispostos a viver sua paixão proibida
por apenas uma noite. O que começou em fogo terminou como gelo. O que
eles não poderiam imaginar é que o destino veio cobrar o preço, e a noite que
deveria ser esquecida, será para sempre lembrada.
Sobre a Autora

Jéssica Luiz nasceu em 1991, natural de Araranguá, Santa Catarina, é casada


e não tem filhos. Sempre amou tudo que envolve arte e por isso é Projetista
de Interiores. Leitora compulsiva desde muito pequena, viu sua paixão se
expandir na escrita. Publicou seu primeiro livro em fevereiro de 2020 na
Amazon e hoje divide sua carga horária entre projetar e escrever. Busca
diariamente o crescimento e evolução na escrita tendo como sonho poder se
dedicar integralmente a ela.

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