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Para minhas anjas-demônias que me

enchem de amor mesmo a distância e


você não preciso dizer seu nome para
que saiba que faz parte de todos os
meus pensamentos!
Copyright © 2020 F. F. Macal

Todos os direitos reservados. É proibida a distribuição ou cópia de qualquer


parte desta obra sem permissão escrita da autora sob pena de ações criminais
e civis. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.

Edição: 1ª
Revisão, Capa e diagramação: GD² Serviços Editoriais

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens e acontecimentos descritos são produto da imaginação da autora.
Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.

Esta obra foi escrita e revisada de acordo com a Nova Ortografia da Língua
Portuguesa. O autor e o revisor entendem que a obra deve estar na norma
culta, mas o estilo de escrita coloquial foi mantido para aproximar o leitor dos
tempos atuais.
Sumário
Sumario
Um
Dois
Três
Quatro
Cinco
Seis
Sete
Oito
Nove
Dez
Onze
Doze
Treze
Catorze
Quinze
Dezesseis
Dezessete
Dezoito
Dezenove
Vinte
Vinte e um
Vinte e dois
Vinte e três
Vinte e quatro
Vinte e cinco
Epílogo
Agradecimentos
Outras obras
Em breve
"Eu odeio você, EU ODEIO VOCÊ!".

A voz de Cecília ecoa nos meus ouvidos por alguns segundos antes
que eu consiga reagir a elas e nesse curto espaço de tempo ela já saiu em

disparada sem me dar a chance de explicar como as coisas são realmente.

— Saiu melhor do que eu imaginei — ouço Arnoldo dizer com uma


voz vitoriosa e minha vontade é quebrá-lo aqui e agora, mas não posso perder
mais tempo com ele, não agora.

— Eu vou matar você! — digo e saio em disparada atrás da minha


anja, algo no fundo da minha mente me dizendo que fodi com tudo e que
agora terei o que mereço.

Chamo por ela, mas não consigo fazer com que espere por mim, ao

invés disso ela acelera ainda mais indo em direção a entrada da propriedade,
de longe vejo como todos observam atônitos ela passar e não fazem porra
nenhuma para impedi-la. O que há de errado com esse povo? Será que não
estão vendo a mulher que eu amo me deixar?

— Cecíliaaaaaaaaaa! — grito seu nome mais uma centena de vezes,


no entanto é como se não falasse nada.

Ela passa pelos portões e segue para a esquerda, dentro de mim


desperta o medo que nessa sua corrida desenfreada algum maluco acabe por
atropelá-la, mas minha preocupação morre ao vê-la dar partida em um carro e

partir. Meu ar fica preso nos meus pulmões por alguns segundos antes que eu
consiga identificar o bastardo que lhe cedeu o veículo para sua fuga como o
mesmo cara com quem ela estava na boate na segunda vez que nos
encontramos por lá, ele tem um sorriso debochado nos lábios e não penso

duas vezes antes de socar sua cara com gosto.

— O que você fez, seu imbecil? — grito partindo para continuar


esmurrando-o, mesmo depois de caído.

— Cícero, pare! — Vozes chegam até mim, mas não dou ouvidos,
soco a cara dele mais uma vez e o idiota nada faz para impedir, isso faz
apenas com que meu ódio aumente.

— Amigão, já chega! — Os braços de Alex me circulam, impedindo


que continue batendo no imbecil que agora levanta e cospe sangue aos meus

pés e mantém o sorriso no rosto.

— Ela foi embora, se livrando de você, foi isso que eu fiz! — diz
cheio de si.

— Eu vou matar você, filho da puta! — Tento me livrar dos braços de


Alex, mas ele ganha o reforço de alguns dos nossos companheiros de trabalho
que apelam para o meu lado profissional.
— Cara, ele não vale a pena, pensa que querendo ou não você é um
militar, esse bostinha pode abrir queixa contra você! — Bernardo fala

entrando na minha frente, impedindo o meu avanço.

— O que está acontecendo aqui? Raul, que sangue é esse, meu filho?
— Olho para trás e o olhar de dona Clarisse me queima fazendo com que me
encolha constrangido. — Onde está minha neta, Cícero?

— Eu não sei, não tive tempo de conversar com ela — começo a


falar, mas seu olhar duro me faz calar de imediato.

— Ela saiu para conversar com você e voltar em seguida para


começarmos a cerimônia, como agora me diz que não sabe onde ela está? O
que você fez com ela?

Engulo em seco e balanço a cabeça tentando clarear minha mente,


tento entender tudo isso também, como em um segundo eu estava lá disposto
a abrir meu coração para ela e no seguinte estava esmurrando um cara na

frente da Fundação da minha família. Olho ao redor e vejo que uma pequena
multidão se formou para assistir ao show, todos olhando curiosos o que se
passa aqui.

— Tem alguém que pode explicar melhor do que eu, mas precisamos
de um pouco de privacidade. Você, filho da puta, vem também — falo ao
lembrar do pedaço de merda que ficou no quarto em que eu estava. — Pode
me soltar, Alex, não vou matar esse merdinha, hoje não.

Os braços do meu melhor amigo me soltam e viro em direção do

caminho por onde eu vim, pouco me importam os olhares ou cochichos a


minha volta, é como se algo dentro de mim estivesse quebrado, talvez seja
minha capacidade de sentir, Cecília levou com ela para onde quer que tenha
ido.

— Você vem também, sim! — escuto dona Clarisse dizer a alguém,


mas não perco tempo olhando para trás, tanto faz.

O caminho de volta ao lugar onde tudo desandou parece se estender


por uma eternidade, minhas pernas pesam mil quilos cada uma e para piorar
ainda não consegui respirar novamente.

— CALA A SUA BOCA, BABACA! — a voz de Luana ecoa por


todo o corredor do segundo andar.

Apresso o meu passo para ver o que está acontecendo, minha irmã

não é de perder a calma, nem quando tento deixá-la irritada ao ponto de gritar
assim.

— Quem vê assim até acredita que você não é só uma pirralha


mimada demais para entender o que está acontecendo aqui, agora saia da
minha frente antes que eu a faça sair à força — ouço Arnoldo ameaçá-la no
segundo que chego à porta do cômodo onde estava.
— Agora deu para ameaçar mulheres também, seu bosta? — Tiro
Luana do caminho e agarro a camisa do imbecil com força. — Será que não

fez estragos o suficiente por hoje?

— Não, estrago seria se não tivesse conseguido evitar que a minha


filha casasse com você. — Ele abre um sorriso de júbilo que morre assim que
mais pessoas entram no quarto.

— O que esse lixo está fazendo aqui? — dona Clarisse diz com a voz
repleta de nojo e repúdio.

— Ah, que lindo, a velha bruxa está aqui também! — Arnoldo zomba
da mulher que perdeu a filha por culpa dele e o soco que recebe a seguir é
mais do que bem merecido.

— O que está acontecendo aqui, alguém pode me explicar? — minha


mãe pergunta tomando a frente. — Onde está Cecília, por que ela saiu
daquele jeito?

— O que aconteceu é que seu enteado mentiroso foi desmascarado,


por mim! — Arnoldo fala se levantando.

— O que você está fazendo aqui, Arnoldo? Não lembro de tê-lo


convidado. — Minha mãe olha em volta confusa.

— Não, não fui, mas deveria, sou o pai de Cecília, nada mais do que
justo estar aqui para impedir que ela cometesse um erro ao casar com o
bastardinho aí.

— Lave a boca antes de falar do meu irmão, seu nojento! — Luana

parte em minha defesa.

— Por que não conta para todos aqui presente que você manteve
Cecília ao seu lado por uma mentira? E depois que descobriu a verdade
continuou com a farsa? — O merdinha que ajudou Cecília a fugir fala, indo

se colocar ao lado de Arnoldo.

— Você sabia? — Olho incrédulo para ele.

— Descobri há poucos dias, estava no trabalho quando o convite para


a despedida de solteiro dela chegou e o meu chefe, o Dr. Arnoldo, viu e
perguntou quão amigo dela eu era, eu disse que era do tipo que faria qualquer
coisa por ela, foi quando me contou que era o seu pai e toda a verdade sobre
você. — Ele me olha como se tivesse feito o maior ato altruísta da sua vida.

— E não pensou em falar isso para ela em um momento diferente?

Esperou até que tudo estivesse organizado para aparecer como o salvador
dela, não é mesmo? — Estreito os olhos indo em sua direção, mas Alex me
segura.

— Ele não vale a pena, cara.

— E você se considera amigo dela, Raul? Sabe o quanto ela odeia o


homem para quem você trabalha e com quem conspirou? Agora me diga para
onde minha neta foi. — Dona Clarisse se aproxima dele decidida.

— Eu não sei, ela apenas disse que entrará em contato com a senhora

em breve. — Ele dá de ombros e vejo em câmera lenta a mão da senhora a


minha frente ir de encontro ao seu rosto, não de uma forma gentil e sim em
um tapa que ressoa fazendo todos ao redor calarem.

— Você acha que fez uma coisa boa para ela, mas não sabe nada e se

algo ruim acontecer com a minha neta eu o responsabilizarei juntamente com


esse monte de nada para quem você trabalha — sua voz cai uns dois tons se
tornando ainda mais ameaçadora.

— A senhora deveria culpar a ele, não a mim! — Raul tenta se


defender a olhando indignado.

— Eu culpo quem eu vejo como dono da culpa, não tente me ensinar


nada, seu moleque insolente! — diz e vira-lhe as costas. — Venha, Cícero,
leve-me para casa, pois temos algumas coisas para conversar.

— Sim, tudo bem, — digo e a acompanho, mas minha mãe me para


ao passar por ela.

— Você não vai me explicar o que está acontecendo aqui? — Odeio


vê-la perdida assim, mas não estou em condições para nada.

— Eu lhe explico, mãe! — Luana diz com pesar na sua voz.

— E o que faremos com os convidados e toda a comida preparada? —


Silvana pergunta um tanto confusa, olho para ela e imagino que essa mesma
expressão estava no seu rosto ao se deparar com um recém-nascido que não

era seu para cuidar.

— Faça a festa, não desperdice comida, só não terá mais casamento.

Não espero por uma resposta dela, saio do quarto sem olhar para trás,
vou deixar dona Clarisse em casa e vou para a minha, talvez tudo que preciso

é quebrar alguma coisa para quem sabe assim diminuir essa sensação de
vazio desesperador que sinto no meu peito. Eu deveria saber que ela seria
minha ruína, afinal foi colocar os olhos nela para sentir coisas que nunca
imaginei serem possíveis, não para mim.

— Por que não contou a verdade quando descobriu? — dona Clarisse


pergunta depois que termino de contar a ela minha versão da história e
surpreendentemente não me olha com raiva, sim com pesar.

E quando falei que no início achava que o que sentia por sua neta
fosse apenas tesão, tudo bem que não disse com essas palavras, ela apenas
balançou a cabeça e mostrou-se compreensiva.

— E-eu não sei, por vezes tentei começar o assunto com ela, mas as

palavras não saíam da minha boca.

— Agora pode ter certeza de que a burrada está feita e se quiser


reverter isso não será fácil — ela diz olhando no fundo dos meus olhos.

— Eu não sei se quero reverter nada, isso na verdade foi um sinal de

que essa merda que as pessoas chamam de amor não é para mim mesmo, não
sei como fazer algo assim dar certo — digo, levantando do sofá e indo em
direção à porta.

— E vai desistir dela sem lutar? — pergunta e pela primeira vez desde
que a conheci não vou dar ouvidos aos seus conselhos.

— Ela desistiu sem me dar a oportunidade de contar minha versão,


não vejo motivos para lutar aqui, chame Adeline para ficar com a senhora até
sua neta resolver aparecer e quando isso acontecer diga para ela que sinto

muito, eu não queria... — Engulo em seco, uma bola se formando na minha


garganta.

— Não queria o que, filho? — Balanço a cabeça para evitar que as


imagens do seu olhar magoado voltem ao centro da minha mente.

— Foi melhor assim.

Saio da casa onde o cheiro dela se faz tão presente e caminho


apressado até o meu carro, meu coração disparando por não conseguir me
livrar do olhar de Cecília, a cada vez que fecho os olhos é como se a

enxergasse me fitando magoada. Entro no carro e dou partida sem saber ao


certo para onde ir, ficar em casa não me parece uma opção possível, não sem
que eu destrua o lugar por completo.

Dirijo pelo que parece uma eternidade e sem que me dê conta estou

estacionando em frente a Revolution, boate onde tudo começou e agora onde


enterrarei esse sentimento maldito que deixei se infiltrar pelo meu peito, mas
ele acaba aqui e agora ou é certo que irá acabar comigo e isso eu não posso
deixar.

"Oi, você ligou para a Cecília, sabe o que fazer depois do bip!", a voz
dela na porra da mensagem do correio de voz me saúda e é como se uma
lâmina passasse pelo meu peito, o fazendo em pedacinhos.

— Eu sei que já mandei outras mensagens, mas eu sinto muito! Mas


porra, você não me deixou exxplicar, eu poderia exxxplicar, volta pra casa
minha anja-demônia. — Essa é a décima ou vigésima mensagem que envio

desde que comecei a beber, minha voz já está mais arrastada do que eu

gostaria de admitir.

Ouço o som que indica que o limite de tempo acabou e retorno a ligar
apenas para que possa ouvir sua voz mais uma vez, foi só isso que restou para
mim, ouvir sua voz através da merda de um correio de voz.

— Mais uma! — digo para o barman, sinalizando meu copo vazio. —


Pode deixar a garrafa aqui logo!

Faz cerca de uma hora e meia que estou aqui sentado no bar da casa
noturna no banco mais afastado das demais pessoas que, ao contrário de mim,
usam esse espaço para escolherem os parceiros de jogo, seja entre casais ou
entre pessoas solteiras, solteiras como eu estou já que aquela anja-demônia
me largou.

— Não, ela é só demônia, uma demônia-diaba! — digo alto para que

todos possam ouvir e aprenderem que ninguém pode confiar nas demônias de
traseiros empinados e línguas afiadas, essas são as piores espécies de diabas.

— Acho que você já bebeu mais do que devia, Comandante! — Sinto


uma mão tocar o meu ombro e olho na sua direção.

Aperto os olhos um pouco para identificar a quem ela pertence, tudo


está borrado, mas a chama vermelha que forma sua cabeleira é inconfundível.
— Nathany, que bom ver voxê por aquii! Não, não é bom, é ótimo!

— Você não deveria estar em lua de mel nesse momento? — Não

gosto mais da presença dela, ela tinha que falar na demônia-diaba.

— Não, se fosse o caso estaria lá agora. — Viro as costas para ela, se


vai começar com essa conversa eu paro.

Pego a garrafa de tequila deixada pelo barman e ponho uma boa dose

no copo, viro e já encho ele novamente e começo a rir ao lembrar que não
muito tempo atrás Alex estava aqui, na mesma posição que eu, e me rogou
uma praga, ele e sua boca maldita, mas também quem não se deixaria
envolver por aqueles olhos incrivelmente negros, aquele corpo bem
desenhado, cada curva no lugar exato para enlouquecer qualquer um, aquele
sorriso ora malicioso, ora tímido, ora atrevido e levado? Poderia resistir a
Cecília? Com certeza não eu.

— Então não casou e está aqui enchendo a cara, não preferiria uma

boa foda? — Sua mão desliza pelo meu braço e pela primeira vez quero
retirar a mão de uma mulher de mim, mas daí me lembro que não tenho por
que recusar.

— Eu, você e outra pessoa, não me importo qual o sexo — respondo


sem virar para olhar que direção ela toma em seguida.

Fecho meus olhos momentaneamente e lá está o motivo da minha


ruína, minha anja-demônia me sorri atrevida através do espelho enquanto eu

a fodo como louco no vestiário do Centro de Controle de Tráfego Aéreo,

basta a lembrança dela para que meu pau desperte para a vida e meu corpo
inteiro esquente e queira sair por aí atrás dela, seja lá onde ela estiver. Esse
sentimento não é algo com que esteja habituado ou preparado para ele, nunca
senti como se não pudesse respirar como agora, muito menos me esforcei

tanto para desfazer o nó que está preso na minha garganta.

— Comandante, temos companhia! — Nathany se apoia no balcão


ficando de frente para mim, ela morde o lábio e sorri, mas não acho isso
atraente, falta alguma coisa aqui.

— Vamos lá! — digo ficando de pé em um pulo, mas seguro no


balcão quando o mundo gira rápido demais para mim. — Quem vai conosco?
— pergunto sem realmente estar curioso sobre.

— É o seguinte, aquele grupo no canto do balcão nos convidou para

um jogo em equipe, se quiser estarão nos esperando no quarto oito em cinco


minutos — ela diz, acenando para eles que erguem seus copos e taças em
cumprimento.

— Não fodo com homens — respondo por notar que há apenas duas
mulheres entre três homens. — Eu topo se minhas regras forem aceitas.

— Você tem regras agora, Comandante? — O sorriso dela se amplia


ainda mais.

— Agora tenho!

— Ok! — Mais uma vez ela sai me deixando com minha bebida,
torno a encher meu copo e antes que possa pensar sobre ela está ao meu lado,
tocando meu peito por cima da camisa.

— Eles topam e já estão indo para lá! — Aproxima a boca da minha e

quando está prestes a me beijar viro o rosto.

— Será apenas uma foda, sem beijos.

Seguro em sua mão e deixo que me guie pelo conhecido corredor, não
confiando que eu possa ser aquele quem leva, minha visão está levemente
prejudicada pelo álcool. Nathany abre a porta e na luz vermelha que envolve
o quarto posso ver as duas mulheres sendo tocadas em todas as partes
possíveis pelos homens que as cercam, o grupo percebe nossa chegada e
param momentaneamente, as mulheres caminham em nossa direção já

despidas e ficam à minha frente com sorrisos lascivos ao darem uma boa
olhada para mim e minha parceira.

— Vocês estão vestidos demais — dizem e começam a nos despir.


De início não sinto absolutamente nada com elas me tocando, é como
se eu estivesse assistindo um pornô ruim pela televisão, daqueles que você
percebe claramente que o ator tomou alguma merda para ficar ereto, mas no

meu caso eu estou de pau duro desde que a lembrança de Cecília veio à
minha mente e pensar nela agora só faz com que fique ainda mais duro. A
mulher da minha direita toca a minha ereção sobre o jeans e sorri satisfeita
achando que ela causou isso em mim.

— Um jogador bem-dotado, que delícia! — Ela morde os lábios e se


inclina na direção da minha boca.

— Sem beijo e irei fodê-la por trás! — A ideia me vem na cabeça


nesse instante e não a paro antes de sair pela boca.

— Você quem manda, querido.

Deixo que retire o restante da minha roupa, enquanto isso vejo que
Nathany já está despida e caminha na direção da cama, ela se ajoelha e um
dos caras deita atravessado, o outro a puxa pelo rabo a fazendo ficar de
quatro com o pau do anterior bem à sua frente e o terceiro homem posiciona
o pau na boca do sujeito deitado, eles estão em um nó perfeito. Já sem minhas
roupas caminho até o sofá e sento deixando minhas pernas abertas e olho para
as duas garotas a minha frente que parecem prontas para brincar.

— Que tal se começássemos com vocês duas dando um beijinho

carinhoso uma na outra? — Elas sorriem e trocam um selinho. — Boas


garotas, agora quero que uma deite aqui no sofá ao meu lado e a outra vai te
chupar a sua boceta enquanto eu assisto.

Afasto para abrir espaço e logo a garota que tentou me beijar deita e a

outra se posiciona por cima, sua bunda fica empinada na minha direção e
tudo que preciso fazer é virar para ter acesso ao seu canal liso e já bastante
melado, toco ela na sua entrada primeiro com um dedo e vendo sua surpresa
seguida de um gemido de prazer introduzo o segundo dedo e os giro dentro
dela, ela sorri e cai de boca na boceta a sua frente, viro um pouco mais e toco
seu clitóris com o polegar fazendo movimentos alternados, ora círculos, ora
triângulos enquanto com a outra mão toco seus seios que balançam com os
movimentos que ela faz ao chupar sua colega.

Ficamos nessa posição por alguns minutos, eu a fodendo com meus


dedos e ela fodendo a colega com a boca, quando percebo que está se
aproximando do orgasmo paro e espero que os espasmos diminuam para
recomeçar tudo outra vez, ela geme e se retorce buscando o atrito que estava
lhe proporcionando, na terceira ou quarta vez eu paro e a pego desprevenida
ao trocar meus dedos pela minha língua, a penetrando com dois dedos no seu
cuzinho guloso que os recebe com gosto, acelero o movimento ao ponto de
sentir seus músculos se contraírem apertando tanto minha língua quanto os

meus dedos e em questão de segundos ela goza, soltando um gemido rouco e

desesperado.

Quando seus tremores diminuem dou uma palmada na sua bunda e


indico que ela deve trocar de lugar com a sua amiga que nesse meio tempo
ficou de lado, restando para ela apenas a tarefa de se tocar em busca de

prazer. A garota deitada sorri e prontamente muda de posição ficando por


cima da amiga agora, que olha para a cama onde as coisas evoluíram ainda
mais, é visível que deseja ir para lá e não serei egoísta, não tirarei o prazer de
ninguém.

— Vá! — digo, piscando-lhe um olho e ela praticamente corre até lá.


— Agora somos eu e você!

— Estamos aqui para isso! — a garota responde já empinando a


bunda na minha direção.

Não preciso de muitas preliminares com ela, a sua colega fez um bom
trabalho pelo tempo que conseguiu se controlar, puxo sua bunda na minha
direção e segurando o meu pau na base o movimento entre suas nádegas
provocando-a, ela por sua vez remexe o quadril friccionando ainda mais. “É
o movimento errado”, diz o meu cérebro, não sei ao certo o que esperava e
nem quero pensar em quem eu esperava estar fazendo isso essa noite.
Estendo uma mão e pego um preservativo sobre a mesinha ao lado do
sofá e cubro o meu pau com ele, toco sua boceta e sinto sua umidade

escorrendo pelos meus dedos e os levo até a entrada do seu cuzinho o


lambuzando também. Posiciono a cabeça na sua entrada e começo a
massagear seu clitóris para que o começo seja o mais confortável possível
para ela, ela começa a relaxar sob os meus dedos e quando começa a mexer o

quadril, buscando ainda mais atrito, seguro dos dois lados e entro no seu cu
de uma vez ouvindo seu gritinho prazeroso e de surpresa, paro um pouco
esperando que se adapte ao meu tamanho e quando ela confirma com a
cabeça torno a sair e entrar novamente.

No fundo da minha mente algo grita que está errado, não era para eu
comer o rabo de alguém com tamanha facilidade e aceitação, eu deveria estar
batalhando para que ela deixasse eu tocar nele com um único dedo e depois ir
ganhando a sua confiança e aumentando a quantidade aos poucos, era para eu

primeiro comer sua boceta apertada que tenho certeza que fui o primeiro a
foder, mesmo ela negando, era para eu estar fazendo amor com ela.

Fecho os meus olhos e lá está ela me fitando com um olhar vago e


perdido, o rosto banhado em lágrimas e em seguida fugindo de mim sem me
deixar explicar, balanço a cabeça tentando tirar essa imagem da minha mente,
mas é inútil, meu peito aperta e sem querer eu deixo uma lágrima descer pelo
meu rosto, faz muitos anos que não choro, não é possível que farei isso agora
com meu pau enfiado até o talo no rabo de outra pessoa. A garota se remexe
impaciente e vira a cabeça de lado e por Deus se não vejo o rosto de Cecília

me fitando com um sorriso desafiador, me chamando para ir até o fim.

O fogo volta as minhas veias e acelero os meus movimentos de entrar


e sair, uma, duas, dez vezes ou mais entrando e saindo ao mesmo tempo que
as lágrimas rolam pelo meu rosto e as imagens dela passam uma a uma por

mim, seus sorrisos, seus gemidos, sua cara fechada, quando me desafia,
quando me irrita, quando me fode por completo, quando me faz amá-la ainda
mais.

— Eu ia dizer que amo você, porraaaaa! — grito sem conseguir


controlar o meu corpo ou a dor que ameaça me partir ao meio, dando uma
última estocada eu pisco para afastar as lágrimas que me impedem de olhá-la
mais uma vez, mas já não é o seu rosto que vejo e sim da garota que estou
levando ao ponto de prazer que ela queria, enquanto eu?

Eu não sinto absolutamente nada, tudo se torna vazio e nem mesmo


consigo atingir um orgasmo, as imagens de Cecília me fazem duro, mas me
têm refém dela de alguma forma e talvez essa seja a minha punição por não
ter criado coragem de falar dos meus sentimentos a tempo, ficando sem a
capacidade de conseguir uma liberação de toda essa dor e frustração com
outra pessoa, já que meu corpo e coração ainda são dela e se ela não os quer
eles ficarão órfãos e perdidos por tempo indeterminado.
Essa é a primeira vez na minha vida que transo com uma mulher e me
sinto sujo, não apenas no corpo, a minha alma está manchada e ao invés de

esquecer, tudo que consegui foi lembrar dela mais e mais. Saio de dentro da
garota que ainda murmura satisfeita, ao contrário de mim que além de sujo
estou frustrado. Recolho minhas roupas e vou para o banheiro sem dirigir
sequer um olhar para o que acontece na cama, tranco a porta e entro embaixo

do jato d'água, abro a embalagem com uma esponja de banho e começo a


esfregá-la por todo o meu corpo, onde as mãos das outras mulheres passaram,
por muito pouco não rasgo a pele tamanha a força que emprego nessa tarefa.

Em todo esse tempo as malditas lágrimas rolam sem permissão pelo


meu rosto, a imagem dela se fixando cada vez mais sob as minhas pálpebras e
desconfio que tão cedo não conseguirei me livrar dela. Quando os meus
dedos começam a enrugar desligo o chuveiro e me seco de forma automática,
visto-me e saio para dar de cara com os demais integrantes do jogo que

fodem entre si alheios a minha presença, passo por eles e não olho para trás
ao sair. Esse tipo de aventura já foi fácil para mim, apenas uma rodada de
sexo causal para o prazer e diversão, mas hoje não chegou nem perto de ser
divertido.

Me aproximo do balcão para pedir uma última dose, mas sou


interrompido por uma mão que me puxa pelos ombros em direção a saída
mais próxima. Apenas quando saímos que identifico Alex, no meu estado
atual poderia ser o Freddy Krueger [1]e não resistiria.

— O que pensa que está fazendo? — Alex diz, empurrando meu


ombro.

— Cumprindo a sua profecia de meses atrás — respondo sem


nenhuma emoção.

— Como é que é? Que merda é essa que está dizendo? — Esqueci


que me disse isso durante uma bebedeira desenfreada.

— Esqueça. — Balanço a cabeça e me viro para retornar ao interior


da casa noturna.

— Não, você vai me explicar que merda você fez para estragar tudo!
— Ele não estava lá e ouviu tudo que o bastardo do Arnoldo disse?

— Você é surdo, não ouviu o pai dela falando? — digo e começo a


me afastar dele.

— Para onde pensa que vai? — Se coloca a minha frente mais uma
vez.

— Terminar de encher a cara, por que, não posso? — O desafio a


dizer o contrário.

— Claro, vai lá como um covarde, deixe a única mulher que já mexeu


com você ir embora sem uma boa luta.

— O que você sabe sobre luta? Não deixou Patrícia partir anos atrás
também? Não o vi lutando, a não ser que brigar com a garrafa vazia conte —
revido e não demoro a sentir o soco que me faz cambalear para trás e cair de

bunda no chão.

Olho para ele um tanto atordoado, Alex nunca perde a calma a não ser
se alguém que ele ama estiver na parada e eu acabo de implicar com ele
usando a Patrícia e magoei Cecília, a quem ele diz ter um amor de irmão.

— Sim, eu encarei tudo com um litro na minha frente, só que eu não


estava prestes a casar com ela por uma mentira como um moleque imaturo!
— suas palavras acertam o alvo.

— Eu não sabia, não no começo. — Sinto novamente a merda da


garganta fechando.

— É, mas quando descobriu não fez nada para resolver a questão.


Será que era tão difícil assim só contar a verdade para ela?

Não respondo, a verdade é que eu pensei e repensei diversas vezes

isso na minha cabeça, no dia que a levei até o lugar aonde ia com meu avô
estava decidido a contar tudo, no entanto bastou olhar para seu rosto de
menina sobre um corpo de demônia para a insegurança me tomar e mais uma
vez não consegui.

— Sabe o que acontece, Cícero? Você passa tanto tempo se isolando


no seu mundinho solitário que quando apareceu alguém e fez seus muros
ruírem ficou com medo de voltar para a escuridão que vivia antigamente e

agora está aí parecendo a porra de um adolescente imaturo e perdido, que ao

invés de procurar a solução para o problema foge e vai cometer mais


burradas, porque pelo seu olhar eu digo que fez besteira e das grandes.

— E de que importa o que eu fiz ou não? Ela foi embora, caralho?


Embora e não levou nem a droga do telefone, não faço ideia de para onde foi

e aquele merdinha não vai dizer, quer que eu faça o quê? Eu estou lidando
com isso como eu sei fazer, essa merda de sentimento não vem com um
manual de como agir ao ser largado por quem se ama. — Pronto, acabo de
colocar a palavra com A na conversa.

— Então você a ama? — Alex sabe ser bem irritante quando começa
com esse tipo de questionamento.

— Não ficou claro isso para você? Porque parece que todo mundo
sabia disso antes de mim, todos menos ela — minha voz cai algumas oitavas

no final ao perceber que talvez nunca tenha a oportunidade de dizer isso a ela.

— Para mim ficou há muito tempo, você e Cecília são o que se pode
chamar de alienados sentimentais, todo mundo percebe que se amam, mas
vocês não, muito menos o que o outro sente e isso vai acabar com vocês se
não aprenderem a aceitar o amor — ele fala colocando as mãos nos bolsos e
abaixa a cabeça. — Mas ela é alguém que vale a pena a luta, amigo.
— Como eu luto com o vazio? — Levanto do chão e bato a poeira das
minhas calças.

— Deixando que ele se preencha. Lia precisa de tempo, ela não é


alguém que perdoa fácil, pode ter certeza que a volta do pai mexeu muito
mais com ela do que o fato de você ter omitido informações e tudo deve estar
uma bagunça na cabeça dela, pressionar agora não é opção também, não para

alguém com um passado de automutilação.

Não tinha parado para pensar dessa forma, será possível que toda
aquela raiva no fim não fosse direcionada somente a mim? E se ela começar a
se cortar mais uma vez? Quando vi as marcas nos seus pulsos me preocupei,
mas sua avó me garantiu que era uma página virada na vida dela, só que isso
pode voltar a acontecer com ela sozinha por aí.

— E o que eu faço agora, Alex? Sentar e esperar não parece algo que
fará bem a minha sanidade. — Ficar parado será a pior parte para mim.

— Não vai ficar, vamos juntos descobrir porque o bastardo do pai


dela resolveu aparecer justo agora, aquela falsa postura de pai preocupado
com a filha não me desceu, ali tinha algum motivo oculto por trás e aquele
babaca do Raul também nunca me agradou, precisamos juntar as provas para
quando sua garota aparecer, é isso que você fará enquanto ela estiver longe.

É nessas horas que eu agradeço aos céus por ter um amigo como ele,
por vezes eu estive no controle das situações para ele, mas quando preciso
que tome a frente, assume as rédeas da situação e bola um plano de ação

eficiente, como acabou de fazer agora.

— É uma boa maneira de não enlouquecer nas horas ociosas. — Um


leve sorriso surte no seu rosto e tento retribuir, mas consigo apenas uma
careta sem graça.

— Pois é, agora vamos pagar sua conta e dar o fora daqui, já fez
besteiras demais para uma única noite.

Voltamos para dentro e logo em seguida estou no banco do carona do


carro de Luana, que não pareceu nada feliz em vir até aqui me resgatar com
Alex, mesmo assim, benditos sejam os amigos que saem para procurar você e
evitam que peguem a direção depois de beber demais. Não se passa nem
cinco minutos que estamos em movimento e o cansaço físico e emocional
começam a cobrar seu peso sobre mim, em questão de segundos adormeço,

acordando momentaneamente ao ser rebocado do carro por Alex e minha


irmã quando chegamos à garagem do prédio onde ele mora, mas apagando
mais uma vez antes que a porta do elevador se abra para nos levar até o seu
andar. Pelo menos nos meus sonhos eu a tenho nos meus braços e consigo lhe
falar tudo que tenho guardado no meu peito sem medo de ser rejeitado, pois
aqui ela também me ama como eu a amo.
Missão Velha um mês depois

— Tia Bel, está em casa? — pergunto como faço todo dia quando
chego do meu novo trabalho na cidade de Barbalha, a trinta quilômetros da

pequena cidade do Cariri cearense, onde decidi me refugiar há um mês.

— Aqui, filha! — Deixo a bolsa sobre a mesinha ao lado do sofá e me


encaminho para a cozinha onde ela com certeza está fazendo alguma coisa
gostosa para jantarmos. É sua culpa minhas roupas estarem apertadas demais.

Tia Bel é a irmã caçula do meu avô, a vi poucas vezes na vida, mas
naquele dia quando saí às pressas para ficar o mais longe possível de Cícero
foi na casa dela que vim parar, dirigi por muitas horas até chegar aqui no
meio da noite, vestida de noiva e com um cansaço sem tamanho sobre mim,

foram quase sete horas sem parar nem mesmo para comprar água, Raul havia
deixado uma garrafa dentro do carro e tomei ela durante toda a viagem.

Na manhã seguinte liguei para minha avó e pedi desculpas por tê-la
deixado sozinha com toda aquela confusão, mas sendo a pessoa incrível que
vovó é disse apenas que eu tomasse o tempo que fosse necessário para
colocar os pensamentos em ordem e que mandaria uma mala contendo roupas
e meus documentos naquele mesmo dia por alguém de confiança. Sete horas
depois Sabrina estava na porta com tudo o que vovó prometeu e chorei por

quase uma hora desabafando com a minha melhor amiga, até que o cansaço
tomou de conta do meu corpo e dormi no seu colo. Doze horas depois acordei
e descobri que ela tinha voltado para Fortaleza, mas que deixou claro que
qualquer coisa que eu precisasse, ela voltaria.

Passaram-se três dias até que eu tivesse coragem de ligar meu telefone
novamente, as inúmeras ligações dele e dezenas de mensagens de voz que
entupiram meu correio eletrônico foram um belo soco no meu estômago que
me levou a outras horas de choro com minha tia avó me observando de perto,
com certeza com medo de que eu estrasse em crise e começasse a me
automutilar novamente. Apaguei todos os registros de chamadas e não ouvi
suas mensagens de voz, ouvi-lo seria como enfiar pequenas agulhas no meu
peito, mas não consegui apagá-las, algo me impediu de ir até o fim quando

tentei.

Na segunda-feira seguinte me levantei e saí do quarto onde me


escondi por uma semana e enfim resolvi encarar a vida de frente, ficar
chorando não era opção, não quando estou na casa dos outros e de favor.
Mesmo minha tia dizendo que não precisava ajudar com as despesas procurei
por anúncios de emprego na internet, no outro dia bem cedo peguei um
ônibus e uma hora e meia depois estava sentada em frente ao diretor de RH
de uma grande empresa farmacêutica da região Nordeste. Nunca fiquei tão
feliz por vovó me fazer estudar além do que eu achava necessário, meu curso

técnico em logística do ensino médio acabou por me conseguir um emprego


nesse setor da empresa e aqui estou eu na minha terceira semana na nova
etapa da minha vida, por enquanto ainda estou na fase de teste, mas logo
poderei mandar buscar minha avó e poderemos enfim recomeçar.

— Tem um moço te esperando faz tempo! — Tia Bel diz quando


estou prestes a sair do corredor que leva à cozinha.

Paro de imediato com o coração a ponto de sair pela boca, mesmo


sabendo que ele não viria atrás de mim, não sendo o arrogante e prepotente
que eu conheço. Respiro profundamente várias vezes antes de continuar os
poucos passos até a cozinha espaçosa e dar de cara com minha tia e Raul
sentados à mesa com várias guloseimas entre eles como imaginei que seria
assim que passei pela porta e senti o cheiro de canela, café e açúcar

caramelizado.

— Raul? Não acredito! O que está fazendo aqui? — Corro até ele e o
abraço apertado, ele largou tudo apenas para vir me ver, como não ficar feliz?

— Ver minha amiga fujona! — brinca devolvendo o abraço.

— Mas como veio parar aqui e mandei seu carro por um caminhão
cegonha e sei que vovó não lhe contou sobre onde estava — digo me
afastando e olhando para ele com um estreitar de olhos. Vovó não gostou
nem um pouco dele ter me emprestado o carro e deixou bem claro que não o

queria perto da nossa casa nunca mais, achei um pouco exagerado sua
atitude, mas respeitei.

— Sou advogado, lembra? — Ele sorri, mas isso não me convence e


ele percebe isso. — Tudo bem, usei a quilometragem do GPS para ter uma

noção e investiguei sua árvore genealógica e vi que a sua família, Fernandes,


tinha origem na cidade de Missão Velha, foi questão de perguntar aqui e ali e
cá estou eu.

Ele dá de ombros e torna a me abraçar, retribuo mais por estar grata a


ele e ter a sensação de que devo fazer, mas no fundo da minha mente algo
grita para eu me afastar, provavelmente a parte de mim que pertence a Cícero
e não suporta me ver perto de outro homem ainda, talvez nunca, ou essa
noção de que não estava tão bem “escondida” assim e logo aquele que se diz

meu pai poderia descobrir também onde estou. Isso é algo que
definitivamente não quero.

— Tudo bem, senhor advogado, já que veio até aqui por que não senta
e me conta como andam as coisas por Fortaleza? — Me desvencilho do seu
abraço e me sento na cadeira do lado oposto da mesa.

— Está como sempre, muito quente e um caos com o trânsito que


cada dia fica mais tumultuado do que costumava ser. — Ele sorri do seu jeito
tranquilo, mas sinto que algo fervilha por detrás da sua fachada de nada me

abala.

— Sei, mas fala a verdade, por que veio até aqui? — digo sem
rodeios, tia Bel percebe que o assunto se tornará mais complicado e logo dá
um jeito de sair, nos deixando mais à vontade para termos essa conversa.

— Eu queria te ver, Lia, isso não é motivo suficiente? — Odeio

quando Raul fica na defensiva, isso sempre deixa a sensação de que tem
alguma coisa por trás das suas intenções.

— Fala sério, Raul, são sete horas de viagem de Fortaleza até aqui,
você não viria só por sentir minha falta, isso poderia ser facilmente resolvido
em uma ligação de três minutos.

Ergo uma sobrancelha o desafiando a contestar meu bom argumento e


quando não vem nada da sua parte me dou por satisfeita em ter desvendado-o
mais uma vez. Ele, por sua vez, se remexe inquieto na cadeira, cruza as mãos

a sua frente e aperta os lábios como sempre faz ao se sentir encurralado.

— Vamos lá, Raul, não pode ser tão ruim assim — encorajo-o a falar
e estendo a mão para apertar a sua, isso funciona já que em seguida me olha
sério e começa o seu discurso.

— Ninguém consegue esconder nada de você, não é mesmo? —


Balanço a cabeça em negativa. — Eu vim aqui para tratar com você de um
assunto sério, mas não agradável.

— Sou toda ouvidos! — Faço um gesto para que continue.

— Seu pai me procurou. — Em um milhão de anos não esperava que


o assunto fosse esse. — Ele quer ter a oportunidade de conversar com você,
mas não sabia como chegar perto depois do que aconteceu aquele dia.

Prendo a respiração involuntariamente, eu não tenho nada para falar

com o meu pai, ele sabia da minha existência todos esses anos e fez questão
de manter distância de mim para não causar atrito no seu casamento, não
preciso dele agora.

— Não tenho nada para falar com ele — digo depois de alguns
instantes e me levanto da cadeira abruptamente.

A tontura que vem se apoderando de mim há algum tempo dessa vez


se faz mais presente e por muito pouco não caio, seguro na mesa e em um
piscar de olhos Raul está ao meu lado.

— Lia, está tudo bem? — a ansiedade na sua voz é perceptível.

— Sim, tudo, apenas não como nada há mais de quatro horas, isso
tem acontecido quando fico muito tempo sem comer.

— E você já procurou um médico? — Por que as pessoas acham que


tudo é motivo para ir ao médico?

— Não, porque não é nada demais e não quero saber do meu pai ou
qualquer merda que ele ache que tem para me falar, foram vinte e cinco anos

que ele teve para ser alguém na minha vida e não o fez, resolveu aparecer no

dia do meu casamento e estragar tudo.

— Lia, quem estragou tudo foi seu ex-noivo, seu pai só ficou
preocupado com você entrando em uma mentira. — Ele defende o meu pai e
por mais que eu saiba que Cícero tem sua parcela enorme de culpa, não

consigo sentir raiva dele, dentro do meu peito há um amor incondicional que
não me deixa ver ele como um vilão no meio dessa história.

— Raul, não quero falar sobre o que aconteceu. — Meu estômago


embrulha como tem acontecido ultimamente, devo estar tão estressada com
tudo que aconteceu que desenvolvi uma gastrite. — Se me der licença, eu
preciso ir ao banheiro.

Saio do seu alcance e praticamente corro para o banheiro, tenho


tempo apenas de levantar a tampa do sanitário antes que o pouco conteúdo do

meu estômago venha para fora seguido de uma gosma esverdeada, sinto
minhas entranhas se contorcerem com os espasmos que meu interior sofre
cada vez mais fortes, a tontura está ficando cada vez mais intensa e o mundo
a minha volta começando a escurecer.

— Lia, está tudo bem aí, filha? — ouço a voz da minha tia chamar do
lado de fora, mas não acho coragem suficiente para lhe dizer que não, não
estou nada bem. — Lia, abra a porta.
Tento mais uma vez me erguer, mas é em vão, antes que consiga ficar
ereta minhas pernas fraquejam e caio no chão com um baque surdo, a queda

fazendo com que uma dor sem tamanho tome conta da minha lombar e isso
faz com que o controle sobre minha bexiga seja nulo e sinto que começo a
urinar. Antes que o mundo perca todo o sentido para mim, sorrio imaginando
quão patética será a cena de tia Bel e Raul me encontrando molhada no chão

do banheiro como um bebê...

Pisco os olhos atordoada com a luz forte que os atinge, ouço coisas
desconexas como “contrações”, “útero não dilatado” e outras que não consigo

ouvir realmente, a dor na minha lombar aos poucos vai diminuindo e uma
dormência começa a se esgueirar pelo meu corpo, começando pelas pontas
dos meus dedos e se espalhando até que não sinto mais nada, sou como uma
folha sendo carregada pelo vento ou uma pena flutuando em um lago de
águas profundas. A sensação é tão gostosa que não quero sair daqui, abraço-a
com força e me permito repousar tranquila pela primeira vez em muitos dias,
não há dor, nem medo, raiva ou sentimento de culpa, apenas eu e as águas
que me engolem sem pedir licença.

Não sei quanto tempo passa até que eu sinta o controle sobre os meus

membros voltar para mim e quando acontece levo alguns minutos para abrir
meus olhos com medo de ter aquela luz forte me incomodando novamente,
pisco algumas vezes antes de finalmente abrir os olhos e perceber que estou
em uma enfermaria de hospital, sei disso devido as inúmeras macas e

equipamentos hospitalares presos a parede. Tento erguer o meu corpo, mas a


intravenosa presa na dobra do meu cotovelo me impede de continuar.

— Olá! — ouço uma voz conhecida e viro minha cabeça na direção


que ela vem.

— Raul, o que aconteceu? — Meu amigo de longa data está sentado


em uma cadeira de plástico não muito longe de mim, mas algo na sua
expressão me assusta, parece que alguém morreu.

— Você nos deu um baita susto, ainda bem que eu estava lá, duvido

que sua tia teria condições emocionais para socorrê-la a tempo. — Ele se
levanta e caminha até parar ao meu lado, uma de suas mãos tocando a minha,
mas seu toque não me é bem recebido, meu estômago volta a revirar trazendo
a vaga lembrança de que antes de apagar vomitei pra caramba.

— Onde está a tia Bel? — Consigo me erguer um pouco e sento


observando melhor o lugar, há apenas eu aqui nessa sala.
— Ela está na cantina, faz algumas horas que estamos aqui. — Horas?

— Quanto tempo fiquei apagada? — Estreito os olhos para ele e dou

um jeito de puxar minha mão sem que fique claro que não me sinto bem com
um gesto simples como um toque inocente de mãos, até dias atrás isso não
era nada demais, mas agora é como se eu estivesse traindo alguém.

— Umas quatro ou cinco horas, já é quase meia-noite. — Ele sorri da

forma gentil de sempre e sinto que tem mais coisas por aí que ele não quer
me contar.

— Raul, o que não está me contando? — pergunto de uma vez por


todas.

— Nada, Lia, só que nunca tinha visto tanto sangue na minha frente,
fiquei assustado, só isso. — Vejo nos seus olhos que está falando a verdade.

— Sangue? — Eu achei que tivesse feito xixi ao cair no banheiro,


mas se bem que minha menstruação desceu durante a tarde, vai ver que a

queda desencadeou algo mais sério.

— Sim, você ficou branca como um chumaço de algodão, sua tia,


coitada, começou a chorar e confesso que eu quase fiz o mesmo, mas você
precisava de mim então não me deixei abater pelo desespero e consegui trazê-
la a tempo da hemorragia não se complicar.

Estreito meus olhos para ele mais uma vez, parece surreal que eu
tenha passado por algo tão sério assim e agora esteja aqui conversando sobre
tal fato como se falássemos de outra pessoa, não de mim. Antes que eu faça

outra pergunta a ele a porta da enfermaria abre e minha tia entra


acompanhada de uma das enfermeiras que traz mais uma bolsa de soro, olho
para a que está conectada a intravenosa e vejo que já está no fim.

— Lia, graças a Deus! — Tia Bel caminha apressada na minha

direção e me toma em um abraço apertado mesmo com a maca não deixando


que me abrace direito.

— Tá tudo bem, tia, foi só um susto — digo, retribuindo seu abraço


da melhor forma possível.

— Um susto e tanto, você quer dizer, diga para ela, Aline, como foi
difícil estancar a hemorragia e evitar o aborto. Por que não me disse, menina?
Tem ido daqui para Barbalha todos os dias sem se alimentar direito
esperando um bebê, foi por que ficou com medo da minha reação? Porque eu

teria cuidado melhor de você, Clarisse vai me matar quando chegar aqui.

Minha tia fala rapidamente e é difícil acompanhar suas palavras, pisco


algumas vezes e me afasto um pouco dela tentando entender o que significa a
sequência que se repete na minha mente: aborto, bebê, vovó. Olho para a
enfermeira, que me sorri, compreendendo minha confusão e continua a trocar
a bolsa de soro, meu olhar se volta para Raul que encolhe os ombros e então
compreendo o porquê dele estar tão estranho.
— A senhora disse aborto? C-como isso é possível? — tropeço nas
palavras sem compreender ainda.

— Não fique nervosa, menina, o Dr. Ricarte estará aqui em breve e


você poderá fazer a ele todas as perguntas possíveis, está bem? — a
enfermeira tenta me tranquilizar e balanço a cabeça confirmando, mas a
verdade é que um turbilhão de coisas se passa na minha cabeça, entre elas a

certeza de que não estou preparada para enfrentar uma gravidez sozinha.

Toco meus pulsos onde as marcas de quando me cortava ainda podem


ser sentidas e as aliso distraidamente, por um milésimo de segundo eu penso
na minha mãe e imagino que ela deve ter sentido o mesmo desespero
silencioso que estou passando agora. Olho para o outro lado do quarto e fixo
meu olhar num quadro de pintura abstrata e faço o possível para não deixar
que as lágrimas desçam pelo meu rosto.

— Como está a sobrinha preferida da tia Bel? — uma voz animada

entra na sala e olho na sua direção.

— Menino, você ainda tem ciúmes dessa velha? — Tia Bel sorri com
carinho.

O jovem médico me lembra alguém, mas não estou em um momento


bom para forçar minha mente a nada. Assisto ele caminhar até minha tia e
abraçar apertado, depois olha para mim e um sorriso radiante surge nos seus
lábios.

— Cecília, como você cresceu, pirralha! — Franzo o cenho e leio no

seu jaleco B. Ricarte, então sei de onde o conheço, ele é o sobrinho do


falecido marido de tia Bel que a acompanhou até Fortaleza algumas vezes,
inclusive para o funeral da minha mãe e não fazia outra coisa a não ser me
encher a paciência e chamar de pirralha.

— Breno, você continua o mesmo pé no saco de sempre! — Forço um


sorriso, que sai um pouco desanimado, ele olha ao redor e percebe o meu
desconforto.

— Se vocês me dão licença, eu gostaria de conversar com a minha


paciente a sós. — Ele olha em volta e pega a prancheta com anotações que
Aline lhe entrega.

Tia Bel olha para mim e balanço com a cabeça, isso a incentiva a
acompanhar Aline, Raul por outro lado parece não saber bem o que fazer,

fica mudando o peso do corpo de um pé para o outro, mas apesar de ser grata
a ele por mais uma vez me ajudar, não quero falar disso com ele aqui.

— Geralmente o pai do bebê fica no quarto, mas se você não quiser


que ele fique, Lia, terá sua vontade atendida — Breno diz com seriedade.

— Ele não é o pai! — a resposta vem antes que eu sequer pense em


falar, mas é a verdade e nem se eu quisesse mentir conseguiria.
Os olhos de Raul queimam os meus por alguns instantes e acho que
vejo uma expressão completamente nova, algo que vai de raiva, passa por

desgosto e termina em pesar, mas dura muito pouco tempo para que tenha
certeza de que vi isso realmente.

— Estarei lá fora, se precisar de mim basta chamar — ele fala e sai


sem voltar a me olhar e então sou apenas eu e Breno que senta na cadeira ao

lado da cama e segura minha mão com carinho, seu toque não me faz sentir
nada estranho como acontece com Raul, na verdade é bem-vindo.

— Como está se sentindo, Cecília? — A forma como ele fala o meu


nome me faz lembrar de outra pessoa que me chamava sempre assim.

— Lia, por favor, me chame de Lia. — As lágrimas voltam aos meus


olhos e um nó se forma na minha garganta.

— Tudo bem, como você quiser. Agora me diga como está se


sentindo. — Penso um pouco antes de responder com sinceridade.

— Confusa, com um pouco de dor na lombar, mas nada comparado


ao que senti mais cedo — digo e ele anota na prancheta.

— E pode me dizer quando foi sua última menstruação? — Quase


digo que foi essa tarde, mas a verdade é que não faço mais ideia.

Conto mentalmente a última vez que precisei comprar absorventes e


percebo que foi cerca de quinze dias antes da noite na Revolution com Alex e
Patrícia.

— Uns três meses mais ou menos. — Mexo nas minhas mãos, um

tanto nervosa.

— E nesse meio tempo não pensou que pudesse estar grávida? —


pergunta colocando a cabeça um pouco para o lado.

— Eu fiz um teste de farmácia dias atrás e deu negativo e quando essa

tarde comecei a sangrar imaginei que fosse a menstruação vindo finalmente,


nunca fui um poço de regularidade, não poderia saber — digo na defensiva.

— Não é normal, mas acontece, às vezes a mulher só descobre na


hora do parto, mas no seu caso o que imaginou ser menstruação era o começo
de hemorragia, por sorte chegou a tempo de evitarmos o pior, mas teremos
que monitorar de perto até o final do primeiro trimestre pelo menos, depois
veremos como fica, mas o importante agora é começar o pré-natal, tomar as
vitaminas corretas e se alimentar direitinho.

— O que eu fiz de errado para isso acontecer? — a pergunta vem e


sinto meu ar faltando enquanto espero a resposta dele.

— Não existe um motivo específico para que essas cosias ocorram,


Lia, abortos espontâneos na primeira gestação é mais comum do que se
imagina, agora é fazer as coisas direitinho que acredito que tudo ficará bem.

— Tomara. — Toco o meu ventre que agora sei que tem um serzinho
minúsculo morando nele e sinto meus olhos lacrimejarem com uma emoção
diferente.

— Se o bonitão lá fora não é o pai, você quer que eu o contate para


que venha lhe ver? — Breno diz, ficando em pé novamente, a postura
profissional voltando com tudo.

— Não! — a resposta vem muito rápido e ele me olha intrigado. —

Eu farei isso quando sair daqui — digo uma meia mentira que parece o
convencer.

— Tudo bem, vou terminar de fazer minha ronda, mas volto aqui
antes de terminar meu plantão. — Aperta outra vez minha mão com carinho e
sai me deixando sozinha com meus pensamentos.

Aperto meu lábio entre os dentes e fecho os olhos sem saber ao certo
o que sinto, se por um lado não estou pronta para ser mãe, por outro não
imagino a possibilidade de não ter esse bebê, ele é uma parte dos momentos

bons que passei com Cícero e pelo menos da minha parte sei que a sua
concepção foi com muito amor, e apesar de saber que não será fácil eu vou
fazer o possível para que ele tenha uma mãe decente e tentarei não cometer os
mesmos erros da minha mãe, meu filho merece isso.
Fortaleza

— Vai me dizer quando pretende tirar essa barba? — Luana pergunta


assim que entra pela porta do escritório onde eu estou analisando documentos

desde o início da tarde com Alex.

— Quando você resolver parar de me encher o saco — rebato e logo o


seu bufar irritado se faz ouvir.

— Ai como você anda insuportável, como aguenta isso, Alex? — diz


e desvia os olhos de mim, como sempre lança olhares compridos para Alex e
recebe um sorriso em resposta.

— Faz parte do pacote amigos de longa data. — Dessa vez ele lança
um olhar diferente para ela e noto como seu rosto cora.

Só o que me faltava, minha irmã caidinha pelo meu melhor amigo e


ele lhe dando falsa esperança, uma vez que sei que ainda é apaixonado por
Patrícia, que não quer nada sério com ninguém, nem Drummond de Andrade
[2]
conseguira destrinchar esse nó. Olho de um para o outro e penso que se
Alex a quisesse de verdade e deixasse o tipo de vida sexual que leva eu não
seria contra, amo os dois o suficiente para ficar feliz por eles, mas sei que não
é esse o caso.

— Vocês podem parar de me encher e fazer algo de útil aqui? Isso

sim seria de grande ajuda — digo depois de alguns minutos.

— Se você me dissesse o que deseja ficaria mais fácil, pois tudo que
tem feito nos seus dias de folga é vir até aqui e vasculhar pasta por pasta
deixada por papai, não posso simplesmente atirar no escuro. — Luana cruza

os braços na altura do peito e me encara desafiadoramente.

No entanto ela tem razão, não posso esperar que simplesmente


encontremos um documento que me ajude a descobrir se há algo por trás da
aparição repentina de Arnoldo na vida de Cecília justo no dia do meu
casamento, como Alex bem colocou naquela fatídica noite, ele poderia ter
voltado bem antes, mas resolveu fazer isso de forma maestral, não pode ser
apenas sua consciência pesada por vinte e cinco anos de abandono. Olho para
Alex que dá de ombros e decido que está certo, devo contar-lhe tudo que

suspeitamos e é o que faço, começo pela noite que ela e Alex foram me
buscar na porta da boate após eu ter transado com uma estranha, ela torce o
nariz para mim indignada, com um olhar matador igual como me olhou na
manhã seguinte, mas permanece calada, então falo das suspeitas de Alex e
como desde então tentamos encontrar um porquê nisso tudo e como nem
mesmo o detetive que contratei encontrou algo para nos dar uma luz.

— Espera um pouco, vocês realmente acham que o Arnoldo tem


alguma coisa muito bem escondida e pretende usá-la contra Cecília em algum

momento? — Ela senta no sofá ao lado de Alex e me olha confusa.

— Não necessariamente contra ela, mas achamos que ele deseja usá-
la em algum momento sim — Alex confirma olhando de mim para Luana.

— E com a ajuda de Raul, obviamente. — Minha irmã como sempre é


muito perspicaz.

— Você também acha isso? — pergunto esperando que ela


complemente seu pensamento.

— E vocês não? — Me olha daquela sua maneira única, balançando o


pescoço enquanto coloca os lábios de lado em uma postura "eu sei do que
estou falando". — Ora, Cícero, o cara estava aqui com um carro pronto para
ela fugir bem no momento em que o pai dela armou todo aquele circo e o
mesmo me pareceu bem puxa-saco do Arnoldo aquele dia. — Olho para Alex
e o mesmo compreende o que estou pensando, se queremos descobrir algo

Luana deve estar totalmente envolvida.

— E você consegue pensar em algum motivo para aquela palhaçada?


— Alex pergunta voltando seu corpo para olhá-la com interesse, assim como
eu.

— Bom, pode haver muitos motivos para que ele tenha feito isso, no
entanto Arnoldo é um advogado muito experiente e saberia como ninguém
encobrir os seus rastros. — Luana pega algumas pastas e começa a analisá-las

conosco. — Veja esses relatórios, ele cuidou da parte burocrática da empresa

como ninguém e mesmo sendo um péssimo pai, no critério eficiência


profissional ele não deixava a desejar.

Luana tem razão, ele não deixaria rastros e mesmo que eu não goste
de admitir ele sabe bem o que faz, mas isso diminui e muito os possíveis

caminhos que poderíamos seguir para descobrir algo contra ele. Suspiro
derrotado e ao fechar os olhos vejo o olhar magoado de Cecília me fitando,
esse último mês tem sido um inferno para mim, noites mal dormidas,
trabalhando o máximo para manter minha mente ativa seja na CIOPAER, seja
nas minhas investigações, tenho evitado também ir na sua casa, minhas
conversas com dona Clarisse tem sido breves segundos por telefone onde ela
me mantém informado sobre Cecília, mas sem me dizer realmente como ela
está. Sei que deveria ter voltado lá e conversado com ela, Luana mesmo me

avisou que a magoei com o meu sumiço.

Claro que eu poderia descobrir por mim mesmo tudo que quisesse
sobre minha anja-demônia, mas prometi a sua avó que lhe daria um tempo
para colocar a cabeça no lugar antes de ir até ela e implorar o seu perdão,
também desejo ter algo de concreto para lhe contar sobre o seu pai, não que
isso amenize as coisas entre nós, mas me dará um bom motivo para procurá-
la inicialmente.
— Cícero, você está me ouvindo? — Alex fala, estalando os dedos na
frente do meu rosto.

— Desculpe, me distraí por um momento — digo e vejo como eles se


olham e riem. — Do que vocês falavam?

— Que você está com cara de bobo mais uma vez e podemos apostar
que Cecília estava aí nos seus pensamentos — Alex brinca e quando estou

prestes a lhe responder seu telefone toca e ele logo levanta para atender.

É minha vez de revirar os olhos, pela pressa com que levantou


imagino que seja Patrícia, mas seu corpo tensiona assim que atende e ele vira-
se para me olhar com os olhos enormes e assustados.

— Sabrina, fale com calma, sim? — ele pede a irmã e sinto meu peito
entrar em disparada. Sabrina foi a última pessoa que esteve com Cecília,
tentei conversar com ela, mas de cara me deu um "não estou a fim de papo" e
acabei deixando-a no seu canto por um tempo. — Que horas ela te ligou?...

Estamos indo para lá.

Ele desliga e não preciso que me diga para que também entre em
movimento, junto as coisas e procuro minhas chaves para que o levar para
onde quer que seja.

— Cícero, onde vocês vão? — Luana fica em pé em um salto.

— Alex? — Eu também gostaria de saber.


— Missão Velha, a Lia está hospitalizada e dona Clarisse irá para lá,
assim que eu for buscá-la...

Meu ar fica preso no peito por alguns segundos e sinto meus ouvidos
zunindo como se uma bomba tivesse explodido ao meu lado afetando minha
audição. Olho para Alex e ele está falando algo com Luana que me olha
esperando que eu diga algo.

— ...Cícero, o que vai fazer? — a voz da minha irmã invade a névoa


que se instalou na minha mente.

— Eu, eh, não sei, sinceramente não ouvi o que vocês estavam
falando — confesso e recebo olhares compreensíveis ao invés de irritados.

— Luana estava dizendo que talvez você não deva ir, Cecília não vai
querer te ver por lá e não sabemos o que ela tem ainda. — Levo mais tempo
do que de costume para processar as palavras de Luana, na minha cabeça só
consigo pensar na minha anja-demônia em um leito de hospital do outro lado

do estado.

— Nem fodendo vou ficar aqui esperando notícias, eu vou sim com
vocês, que se dane se ela me expulsar de lá — digo minha decisão que não
esteve em discussão em momento algum.

— Tá bem, faz como quiser, eu vou ficar aqui e continuar


investigando, não estou pronta para olhar nos olhos de Cecília ainda —
Luana diz com seu olhar de "não me diga o contrário".

— Por que não? — eu não pergunto, mas Alex sim.

— Não é óbvio? Ela fugiu deixando meu irmãozinho de coração


partido, não deixou ele se explicar, estragou aquele vestido belíssimo e além
disso não me ligou nenhuma vez durante esse mês, então sim, estou chateada
com ela ainda.

Ela diz e volta seu olhar para os papéis a sua frente, não vou discutir,
principalmente por não querer perder tempo, balanço a cabeça e saio do
escritório acompanhado de Alex.

— Onde vamos primeiro? — pergunto quando chegamos à garagem.

— Buscar a dona Clarisse, ela pediu a Sabrina para levá-la, mas


minha irmã tem um workshop importante na faculdade pela manhã, por isso
me ligou.

Confirmo com um aceno e dou partida no carro já saindo pelo portão

o mais rápido que posso, minhas mãos começando a suarem levemente com a
ansiedade de vê-la, mesmo ainda faltando algumas horas para que isso
aconteça.
Alex para o carro em frente ao Pronto Socorro Municipal de Missão

Velha e por um instante fico sem saber o que fazer. Dona Clarisse, que
durante as quase oito horas de viagem se manteve taciturna, respondendo
apenas a Alex e fingindo que eu não estava presente no carro com eles, agora
aperta meu ombro de onde está sentada no banco de trás e viro-me para
encará-la depois de muitos dias que não nos falamos abertamente.

— Não acho que você deve entrar comigo, filho, preciso ver como ela
está antes que te veja. — Seus olhos trazem a sabedoria de quem já viveu
muito e perdeu mais do que gostaria.

Engulo em seco antes de formular uma resposta para ela, se por um


lado tudo que desejo nesse momento é me certificar de que ela está bem com
os meus próprios olhos, por outro o garoto que tem medo de rejeição em mim
está apavorado com a possibilidade dela não querer me ver de forma alguma,
seu olhar magoado da última vez que nos vimos ainda atormenta meus
sonhos e faz meu coração querer sair pela boca.
— Eu preciso vê-la — digo por fim, depois de minutos em silêncio.

— Sei que sim, mas aqui não será o lugar certo para vocês

conversarem. — A forma como ergue apenas uma sobrancelha e coloca os


lábios de lado me faz perder o fôlego momentaneamente.

Talvez seja a culpa que sinto por ter mentido para ela ou a saudade
que tenho sentido ao longo dos dias ou até mesmo por ter procurado consolo

nos braços de outra pessoa, mas tudo que vejo são os trejeitos de Cecília e
pensar que eu terei que esperar para ter um pouco mais da sua língua afiada e
olhar fuzilante me deixa extremamente insatisfeito, mas ela tem razão, com
minha anja-demônia é preciso ir com calma. Aprendi que com ela não adianta
ir na pressão, pois acabará fazendo apenas o que considera correto e
aceitável, nada mais ou a menos que isso.

— Tudo bem, eu não entrarei no quarto em que ela está por hora, mas
ficarei na sala de espera — digo por fim e vejo o olhar cansado de Alex

suavizar, essa seria uma disputa que ele não teria como se manter neutro e sei
de que lado ele ficaria.

Entramos na recepção do hospital e a cada passo que dou é como se


um ímã invisível me puxasse em direção onde ela está, meu corpo dolorido
de tantas horas sentado começa a dar sinal de fadiga e mais uma vez praguejo
por só ter dois horários de voo de Fortaleza a Juazeiro e nenhum deles
quando precisávamos, Luana ainda tentou nos encaixar no que sai às
dezenove horas, mas por se tratar de uma conexão estava lotado e esperar o

próximo não era opção, até embarcarmos na manhã seguinte já estaríamos

aqui, como posso comprovar por mim mesmo, estamos aqui e às duas da
manhã e o próximo voo ainda sairá de lá às oito.

Minhas divagações sobre horários de voo acabam justamente quando


chego a sala de espera com Alex e dou de cara com o infeliz que ajudou

Cecília a fugir, meu cansaço some e tudo que consigo ver a minha frente é
uma enorme luz vermelha que me direciona e antes que me dê conta do que
estou fazendo minhas mãos estão apertando seu pescoço junto à parede mais
próxima.

— O que diabos você faz aqui, infeliz? — minha voz sai carregada de
todo o ódio que tenho por ele.

— Não te interessa — diz com um sorriso arrogante se formando no


rosto.

— Cícero, ele não vale a pena! — A mão de Alex toca meu ombro,
sua voz chega até mim com o sinal de alerta que conheço bem e só então
percebo que há mais pessoas conosco e todos me olham assustados.

Dou um passo atrás começando a soltar seu pescoço, tudo que não
preciso é ser expulso daqui por culpa desse imbecil que tem a mania de estar
onde não deve nas horas mais erradas possíveis.
— Isso aí, sua babá tem razão, mas não foi isso que sua ex-noiva
pensou quando estava gemendo embaixo de mim — ele diz baixo o suficiente

para que apenas nós três escutemos e antes que eu consiga reagir o babaca já
está no chão pelo soco que Alex disfere no seu rosto, cortando o lábio
inferior.

— Veja bem o que fala da Lia, seu pedaço de nada inútil? — Alex diz

com raiva e é minha vez de segurá-lo quando vejo os seguranças do hospital


se aproximarem, um deles faz sinal para que o outro espere na porta e
caminha em nossa direção.

— O que está acontecendo aqui, posso saber? — o guarda mais alto e


com cara de poucos amigos questiona olhando de mim para Alex e o verme
ainda no chão.

— Apenas três velhos conhecidos se encontrando, senhor — digo


fazendo soar o mais natural possível, mas conhecendo o verme ele vai querer

que algo seja feito.

— O senhor está bem? — o guarda agora pergunta diretamente para


Raul.

— Não, se não notou estou sangrando. — A marra do cara tem


estoque ilimitado e o guarda parece não ir com as fuças dele, pois olha o
colega antes de virar-se para nós mais uma vez.
— Procure uma das enfermeiras para ver isso e se resolverem se
abraçar assim novamente façam fora das dependências do hospital ou

teremos que ter uma conversa mais íntima, se é que me entendem,


Comandantes Duarte e Barbosa.

Olho de Alex para o guarda confuso, como ele sabe quem somos?
Alex dá de ombros no seu estilo de perguntar se isso realmente importa e na

verdade não importa nem um pouco, bom talvez um pouquinho de nada.

— Como eu os conheço? — o guarda começa a responder nossa


pergunta silenciosa. — Por acaso não são aqueles recrutas que conseguiram
um lugar na CIOPAER mesmo com tão pouco tempo de carreira? Um tal de
Cícero Duarte e Alexandre Barbosa.

Fico intrigado e olho para ele pela primeira vez com mais atenção, seu
rosto não me é estranho, o queixo quadrado e postura superior me fazem
lembrar de um antigo integrante da minha turma de aspirantes.

— Cristiano Machado? — Alex pergunta chegando a mesma


conclusão que eu.

O sorriso largo no rosto do guarda deixa claro que acertamos, ele nos
estende a mão e o cumprimento com entusiasmo.

— Pensei que não iriam me reconhecer, seus bastardos! — Ele ri e


respiro aliviado.
— A última notícia que tivemos de você foi logo que deixou Campo
Grande após o acidente — digo. — O que tem feito além de ser guarda

municipal e por que não retornou a Fortaleza?

Pergunto realmente curioso, Cristiano era um dos mais promissores


da turma, se não o melhor de todos, mas em uma das atividades práticas
acabou desequilibrando e caindo em um solo rochoso, sua audição do lado

esquerdo ficou levemente prejudicada devido a pancada levada inteiramente


daquele lado, mas para um piloto levemente já é bastante e ele se viu
obrigado a largar o curso e desde então não tivemos mais notícias sobre ele,
até mesmo seu antigo telefone foi desativado nos deixando fora da vida dele,
mas não o julgo, também não iria querer antigos colegas passando na minha
cara, mesmo que involuntariamente, a vida que eu não poderia mais ter.

— Sabem que minha família é de Barbalha, quis me afastar de tudo e


conheci uma garota, vocês sabem o que vem depois, casamento, filhos e toda

uma nova perspectiva de vida. — Dá de ombros. — Prestei concurso para


guarda municipal daqui para ficar mais perto da minha garota e cá estou eu,
não fazendo o que sempre sonhei, mas feliz por ter alguém especial como ela
na minha vida.

A forma como ele fala da esposa me faz antever o que seria uma vida
simples, sem todas as merdas que tive que enfrentar ao lado de Cecília e sinto
inveja dele, coisa que eu, Cícero Duarte, achava impossível um dia sentir.
— Mas e vocês, o que fazem tão longe de Fortaleza? — pergunta
curioso.

— Lembra o que falou sobre a garota certa aparecer e coisa e tal? —


Alex começa e ganha uma cotovelada minha. — Aí, não fique agressivo só
por que dirigimos sete horas até aqui porque sua garota está doente.

Ele diz com um sorriso aberto e vejo os olhos de Cristiano mudarem

de tamanho não acreditando no que ouviu, se bem que nem eu ainda acredito
que me deixei apaixonar, mas por Cecília seria impossível.

— O inferno deve estar congelando realmente e essa com certeza é a


causa desse calor infernal no meu Cariri. — Os dois começam a rir da minha
cara e reviro os olhos sem vontade de responder a altura.

— Se já pararam com o papo de comadres, eu gostaria de prestar


queixa contra esses dois que me agrediram — o verme volta a falar depois de
tanto tempo que havia esquecido sua presença.

— E você é? — Cristiano pergunta.

— O imbecil que ajudou a noiva do Duarte aqui a fugir no dia do


casamento — Alex diz, batendo no meu ombro.

Cristiano ergue uma sobrancelha me questionando e como resposta


apenas coloco as mãos nos bolsos e confirmo com um aceno.

— Como já disse, procure uma das enfermeiras na Emergência para


limpar isso daí e se fosse minha noiva, você não receberia só um soco, mas
sim uma surra de ficar uma semana de cama.

Seguro o riso quando vejo a cara de indignação do babaca, ele olha


para nós e sai pisando duro da sala de espera, estou para falar que já foi tarde
quando a porta volta a abrir e dona Clarisse passa por ela com uma expressão
séria no rosto e noto que chorou pelo vermelho dos seus olhos. Ela se

aproxima de mim e fixa seus olhos nos meus antes de falar.

— Ela vai ver você agora, mas nada de explicações sobre o que
aconteceu hoje e fique sabendo que se você a magoar com uma frase mal
colocada sequer será um homem capado, está me entendendo?

Engulo em seco e balanço a cabeça confirmando, não faço ideia do


que ela possa estar falando uma vez que minha cabeça só repete e repete que
ela agora irá me deixar chegar perto mais uma vez.
A porta do quarto se fecha depois que Breno sai após conversarmos,
não sei exatamente como me sinto. Um filho... Uma criaturinha minúscula
metade eu, metade Cícero vivendo dentro de mim, uma criança que nada tem

a ver com as merdas que envolvem o meu passado ou as mentiras do pai dele
para me ter a sua mercê.

Minhas mãos se unem em formato de conchas sobre minha barriga


como se conseguisse protegê-lo dessa forma, fecho meus olhos e tento
imaginar de repente como será seu rosto, será que terá os olhos de Cícero?
Oh meu Deus, como será que ele reagirá quando ficar sabendo? Filho nunca
esteve no nosso antigo acordo. E se ele vir com papo de aborto? Eu serei
corajosa o suficiente para seguir adiante com isso sozinha se ele vir a me
rejeitar e ao nosso filho? E se eu não contar nada a ele? Estando tão longe de

casa não preciso fazer uma ligação do tipo: "Oi, seu cretino, sabe as
inúmeras vezes que transamos e você brincou de me marcar com a porra do
seu gozo? Sim, também adorei todas as vezes, mas não é isso que importa e
sim que me engravidou nessa brincadeira, seu babaca". Mas que droga, até
quando estou falando com ele hipoteticamente me sinto incendiar
completamente por dentro.
Dentro de mim sinto um leve tremor, como o bater de asas de uma
borboleta e sinto meus olhos se inundarem com a emoção que me toma,

apesar de não fazer nem três meses que estou grávida, sei que é meu bebê me
dizendo "oi" de uma forma inusitada. E é nesse momento que a decisão é
tomada por mim, se Cícero me procurar falarei toda a verdade para ele, do
contrário não o procurarei, não correrei o risco de ser rejeitada, não vou

mesmo. Meus pensamentos são interrompidos pela porta abrindo e olhos de


um castanho tão escuro quanto dos meus me fitam com lágrimas não
derramadas, fazendo eles brilharem ainda mais.

— Vovó! — Abro os braços para receber o abraço que me amparou


durante toda a minha vida.

— Lia, você perdeu peso, menina? — diz passando as mãos pelas


minhas costas e me dando uma bronca como só ela me daria em um momento
como esse.

— Eu estou bem, vó — digo sentindo as lágrimas rolarem pelo meu


rosto, senti tanta falta dela que nem consigo colocar em palavras.

— Tá bem coisa nenhuma, senão por que está num hospital? Ah


menina, o que eu faço com você? — Ela se afasta e começa a me alisar o
rosto, ombros e começa a beijar meus olhos.

O carinho dela sempre vem com uma repreensão, dona Clarisse é


única e não há ninguém que consiga fazê-la baixar a guarda. Mas o brilho nos
seus olhos, que tentam refrear as lágrimas que ameaçam cair a qualquer

momento, me diz como ficou assustada com tudo e agora está sentindo alívio,
vi esse mesmo brilho nas minhas piores crises e por um segundo minha
garganta fecha com a culpa que sinto por tê-la feito passar por mais um susto.

— Lia, o que aconteceu pra você vir parar aqui nesse hospital? — Ela

me olha daquela forma que deixa claro que não aceitará qualquer desculpa.

Suspiro reunindo forças para lhe contar a grande notícia, espero que
ela fique ao meu lado como sempre ficou, mas agora a situação é diferente,
afinal tudo isso pode fazê-la lembrar do que aconteceu com a minha mãe.

— Ah vovó, sinto muito, sinto muito mesmo por tê-la deixado para
trás no meu rompante para fugir de todo aquele circo montado por Cícero, eu
não pensei muito sobre o que fazer e ver aquele sujeito dizendo ser meu pai
ali e descobrir que o meu futuro marido só queria brincar com a minha cara e

provar que tinha total controle sobre mim foi demais.

Começo a falar apressada e vejo sua expressão endurecer quando cito


o meu suposto pai, ela mais do que ninguém tem motivos para odiá-lo.

— Não vamos falar sobre isso agora, teremos bastante tempo quando
voltarmos para casa — diz, erguendo uma sobrancelha apenas, mania que
herdei dela.
— Não sei se quero voltar, vó — digo me encolhendo.

— Por que não? — Volta a estreitar os olhos.

— Estou grávida... — solto de uma vez e espero por sua reação,


quando essa não vem continuo: — Eu fui imatura e irresponsável, mas
aconteceu e não vou abrir mão desse bebê, mesmo que para Cícero não seja
uma notícia bem-vinda, nem sei na verdade se irei contar para ele.

Digo, mexendo nos meus dedos de forma nervosa, em seguida toco


nos meus pulsos sentindo a pele que um dia cortei inúmeras vezes sob os
meus dedos e o meu coração dispara ansiando fazer apenas uma vez mais,
assim toda essa apreensão sairia de mim, é como o canto de uma sereia da
mitologia para marinheiros em alto-mar, prometendo alívio imediato e fuga
do desespero que ameaça dividir meu peito em milhares de pedaços. Esse
movimento chama a atenção dela e logo suas mãos estão sobre os meus
pulsos e ela me fita com os olhos sérios e determinados.

— Sim, você irá contar para ele sim, e ai daquele moleque se não lhe
tratar com o máximo de respeito possível, ele volta para Fortaleza sem os
cunhões — a forma como fala faz um sorriso tímido começar a se abrir nos
meus lábios, até que entendo o que realmente disse.

— Ele está aqui, em Missão Velha? — Acho que meus olhos acabam
de ganhar o dobro de tamanho.
— Sim, vim com ele e Alex. — Meu coração agora dispara por outro
motivo, meu corpo inteiro se arrepia e de repente a pressão e formigamento

que sinto sob a minha pele começam a fazer sentido, ele está aqui e meu
corpo traidor sabia antes de mim.

— Por que procurou justamente a ele? — solto a primeira pergunta


que consigo formular.

— Eu não procurei ninguém, falei com Sabrina por telefone e meia


hora depois ele chegou em casa com Alex a tiracolo, prontos para virem
comigo. — Dá de ombros. — Por que recusaria? Era uma carona.

Devia saber assim que tia Bel me avisou que ela estaria vindo que
novidades viriam juntas, mas talvez seja o destino conspirando para que a
história não se repita.

— Ele está na sala de espera? — pergunto ao me dar conta que é lá


que Raul está e a última vez que os vi na mesma cena Cícero esmurrava meu

amigo com tudo enquanto eu fugia no seu carro, no entanto sei que Raul
saberá se defender.

— Sim, com o menino Alex, pedi que esperasse que eu conversasse


com você primeiro, até disse que talvez você não quisesse ver ele e teria de
respeitar isso, mas agora mais do que nunca precisam se ver e conversar
sobre o futuro. — A sua expressão séria ao me olhar deixa claro que não
posso me negar a vê-lo.

— Eu não esperava que ele viesse até aqui, foram semanas sem que

desse sinal de vida, tinha quase certeza que no fim as coisas terem acabado
como aconteceu foi melhor para ele. — Não nego que isso me incomodou
bastante, acreditar que o que vi no seu olhar nas últimas vezes que estivemos
juntos não foi real magoava-me mais do que seria capaz de admitir, até para

mim mesma.

— Eu disse para te dar um tempo antes de procurá-la, de cabeça


quente vocês não resolveriam coisa alguma. — Olho para ela admirada com
sua perspicácia. — Então, já posso mandá-lo entrar? — pergunta e minha
garganta volta a fechar, meus pelos começam a se eriçarem e meu coração
dispara, mas não posso adiar isso por muito tempo.

— Tudo bem e por favor diga a Raul que vá descansar, ele está aqui
no hospital há muito tempo. — Subo um pouco mais na cama para ficar

melhor apoiada, minhas costas ainda doem um pouco, mas segundo Breno
isso é normal.

— Raul? O que esse sujeitinho veio fazer aqui? — A forma como ela
fala seu nome me diz que tem algo a incomodando.

— Ele veio ver como eu estava e graças a Deus por isso, não sei se
teria chegado ao hospital a tempo se ele não estivesse lá, mas por que está
com essa cara? — Estreito meus olhos para ele e em resposta ganho seu dar
de ombros típico de quando não quer falar sem ter certeza e isso me deixa

ainda mais incomodada.

— Conversaremos sobre isso quando chegarmos em casa, uma


confusão por vez, sim? — Suspiro frustrada por não estar me contando toda a
história, mas tudo bem, por hora vou me concentrar apenas na confusão do

momento, como bem disse.

— Tudo bem, mas vai me contar tudo bonitinho, dona Clarisse. —


Ela vem até mim e beija minha testa antes de sair, me deixando uma pilha de
nervos completa enquanto espero que a porta volte a abrir.

— Eu vou com você! — Alex logo se prontifica a me acompanhar,

mas essa não é uma conversa que deseje ter com plateia.

— Ele não é mais criança, pode e vai sozinho — a forma como dona
Clarisse fala faz um calafrio subir pela minha espinha.

— Eu sei, mas... — Alex tenta argumentar, mas antes que ele leve um
rela bem dado tomo a frente.

— Obrigado, amigão, mas ficarei bem, a senhora pode me mostrar


qual o quarto que ela está?
— Por aqui.

Ela vira-me as costas e sai caminhando a passos largos pelo corredor

até parar em frente a duas portas que uma placa indica ser a Enfermaria, olho
para dentro através do vidro redondo que há nelas e não vejo ninguém lá
dentro, volto meu olhar para a senhora a minha frente de braços cruzados que
me fita como se eu tivesse salgado a Santa Ceia e merecesse uns tabefes por

isso, esse olhar de dona Clarisse me intimida muito mais do que os outros que
já me deu.

— Ela está aí, por sorte não há mais ninguém em observação e vocês
poderão conversar, mas como já disse não fale sobre o que aconteceu em
Fortaleza, ainda não, terão bastante tempo para isso, tem algo mais
importante para ser dito e volto a repetir se não tratar minha neta direitinho eu
vou fazer sarapatel de você.

Engulo em seco e balanço a cabeça mais uma vez, sua ameaça não é

vazia. Ela se afasta e espera que eu dê o passo que me levará para dentro do
quarto onde minha anja-demônia está, meus pelos se eriçam e meu pau, que é
um pervertido, ganha vida com a eletricidade que me corre ao senti-la a uma
porta de distância.

Não perco muito tempo pensando e atravesso as duas portas de uma


vez a surpreendendo de certa forma e por uma fração de segundos sinto que
meu coração para de bater direito ao vê-la na minha frente depois de tanto
tempo, sua boca se abre surpresa e em minha mente tudo o que consigo

visualizar são todas as vezes que calei essa boca atrevida com beijos de tirar o

fôlego. Saio do meu transe momentâneo quando seu suspiro entrecortado


chega até mim, minha boca fica seca ao notar as primeiras lágrimas que
rolam pelo seu rosto e um instinto protetor toma conta de mim, antes que me
dê conta estou ao seu lado embalando seu corpo em meus braços e diferente

do que imaginei ela não me empurra ou manda que me afaste, pelo contrário,
se agarra a mim como se eu fosse a sua tábua de salvação em meio ao grande
oceano e me permito ser isso nesse momento.

Sou o que ela precisa que eu seja, não importa que quando a razão lhe
voltar me diga as palavras que irão quebrar meu coração em pedacinhos, pois
não importa, qualquer dor é aceitável se puder desfrutar de pequenos
instantes como esse em que entendo que o que sinto por ela não é um
sentimento sem reciprocidade, não teria como alguém fingir precisar do outro

como ela demonstra que precisa de mim, pois é exatamente como me sinto
em relação a ela e algo me diz que sentimentos assim duram mais do que uma
noite.

Não sei quanto tempo passa até que o choro de Cecília começa a
diminuir, quando parece que está finalmente em um estado mais calmo e tem
o controle sobre suas emoções novamente se afasta dos meus braços e evita a
qualquer custo me olhar, isso me incomoda mais do que imaginava, não ter
aquele seu olhar de menina levada me desafiando não é algo que me agrade,
quero a minha anja-demônia com tudo que a faz ser ela.

— Cecília, o que houve? — Tento tocar o seu rosto, mas ela se afasta
sutilmente, não a forçarei a aceitar o meu toque.

— Muitas coisas, foi o que houve — diz e agora me fita com essas
sobrancelhas grosas erguidas, me desafiando a contradizê-la e

involuntariamente sorrio, esse é o sinal de que minha garota está de volta. —


Do que você está rindo, imbecil?

— De como você só é você quando essa língua afiada está ligada ao


máximo — respondo ainda sorrindo.

— Se já constatou que eu sou eu, pode ir embora. — Cruza os braços


na altura dos seios que juro estarem visivelmente maiores e essa visão linda
faz meu pau tão saudoso do seu corpo pulsar dentro das calças.

— Não vou a lugar nenhum sem você, além do mais sua avó ameaçou

arrancar minhas bolas se eu não tratasse você bem depois que me contasse
algo, então trate de me falar logo o motivo pelo qual posso virar um eunuco
— digo e agora é sua vez de sorrir de leve.

— Vovó te ameaçou, é? — Sorri ainda mais, agora colocando a


língua de lado por dentro da boca e isso me lembra a sensação que é ter sua
boca explorando cada centímetro do meu pau e não resisto em fechar os olhos
e gemer baixinho. — Você está excitado?

Sua voz incrédula interrompe o meu maravilhoso devaneio onde ela

desce dessa cama estreita e me deixa saber quanta saudade de mim ela sentiu,
porque sei que sentiu, a forma como seus olhos aumentam de tamanho e
engole em seco vendo minha ereção é a prova disso.

— Seu cretino idiota, não acredito que esteja excitado comigo aqui

deitada nessa cama depois de quase ter perdido o meu bebê... — Ela para de
falar e sinto o meu sangue gelar completamente.

— Repete, pois eu não entendi — digo tentando colocar as peças no


lugar.

Mas sendo ela quem é, ao invés de me responder vira o rosto para o


lado oposto da sala e ergue a cabeça com aquele ar imperativo que só ela sabe
fazer. Respiro fundo algumas vezes, o ar se tornando escasso para mim.

— Cecília, não brinca comigo, porra, você falou o que acho que

falou? — Meu coração entrou em uma corrida desenfreada e eu não sei


direito qual o motivo por trás dela.

— Não sei, não estou na sua cabeça pervertida para saber o que acha
de uma coisa ou não — a demônia responde com esse seu balançar de corpo
único que me irrita e excita na mesma medida.

— Não brinca comigo, Cecília, minha vontade desde que entrei nesse
quarto é pegá-la e colocar de quatro sobre essa porra de cama e fodê-la até
que aprenda a nunca mais fugir de mim, então não me dê motivos para

realizar esse meu novo fetiche e responda a droga da minha pergunta ou foda-
se a promessa que fiz a sua avó e vou tratá-la como sei que está doidinha que
eu o faça, hospitalizada ou não.

— Você é um cretino, mas vou lhe contar. Sim, você ouviu bem, eu

quase perdi o meu bebê, melhor, o NOSSO bebê. — Agora sim o meu
coração parou de bater, engulo em seco e olha para ela o mais fixamente
possível buscando qualquer pista de que esteja brincando.

— Você não está brincando — são as palavras que saem da minha


boca.

— Claro que não estou, seu idiota! — Cecília tenta manter a pose de
que está tudo bem, mas as lágrimas que rolam pelo seu rosto deixam claro
que tudo isso é demais para ela também.

— Mas você está bem agora, não está? — Meu instinto diz que ela
está por um fio.

Ela leva as mãos ao centro do seu corpo e deixa elas repousarem


sobre o seu ventre de uma forma protetora, o gesto faz um nó surgir na minha
garganta e meus olhos ficam marejados, pisco algumas vezes para espantar
essas porcarias de lágrimas, não sou mais um bebê chorão, vou ser pai, porra.
"Caralho, puta que me pariu, literalmente eu vou ser pai!", o
pensamento me vem junto com uma sensação diferente de tudo que já senti

na vida, é como se de repente o mundo começasse a girar rápido demais e me


faltasse terra debaixo dos pés.

— Fisicamente estamos bem sim, Breno disse que vamos ficar bem se
eu tomar cuidado até o fim do primeiro trimestre. — Ela sorri ao acariciar o

ventre com um olhar diferente. — Mentalmente, vou ficar, meu filho precisa
de mim e não me importa se vou ter que cuidar dele com ou sem você, serei a
melhor mãe que ele poderia ter.

Estou para dizer a ela que minha mente também não está lá essas
coisas, mas paro ao perceber que ela não conta como certo a minha parceria
nesse novo momento que nossas vidas estão tomando.

— Como assim, não acha que vou lhe virar as costas justamente
agora, acha? — deixo que toda a minha indignação fique notável na minha

voz.

— Não sei, Cícero, eu não o conheço além do que me permitiu ver e


boa parte era mentira, como vou saber o que pensa sobre filhos? Até onde me
lembro essa possibilidade não estava presente no acordo. — Ela parece
irritada e me forço a respirar fundo, não é momento para termos essa
conversa.
— Não vamos falar sobre isso com você deitada em uma cama de
hospital depois de ter quase perdido o meu filho. — A palavra já não sai tão

estranha entre os meus lábios.

— É nosso filho, você não o fez sozinho, mas já parou para pensar
que pode ser uma menina? — O sorriso tímido que vem dela mexe comigo de
uma forma única.

— Ohohoooo, Deus tenha piedade de mim, pois sei que terei meu
primeiro ataque cardíaco antes dos quarenta anos — brinco, mas no fundo
estou me borrando de medo.

— Não seja bobo, Comandante, você só iria pagar por todas as


mulheres que comeu e descartou. — Ela revira os olhos daquele jeito único e
não resisto.

Puxo seu rosto na minha direção e a beijo como estou com vontade há
tanto tempo, ela de início fica parada, mas basta que percorra a língua sobre o

seu lábio inferior que um gemido lhe escapa e tenho acesso total a sua boca,
não perco tempo e começo a demarcar o território enquanto ela parece estar
fazendo a mesma coisa comigo e se já estava de pau duro antes, agora ele
parece feito de pedra.

Seguro nos seus cabelos enquanto puxo seu corpo para o mais perto
de mim possível devido aos fios e intravenosa que estão conectados ao seu
corpo. Engolimos os gemidos um do outro, mas é impossível ignorar o
barulho irritante do monitor cardíaco que soa frenético, meus batimentos não

estão tão acelerados quanto os dela, mas sinto algo que não sentia desde o dia
que ela se afastou de mim: estou completo, como nunca pensei ser possível
estar.

— Hã-hã. — Alguém limpa a garganta e muito relutante solto-a aos

poucos, meus lábios brigando para permanecerem um pouco mais junto aos
dela.

— Breno! — Cecília diz ao abrir os olhos e seu rosto já corado ganha


um tom avermelhado que contrasta bem com a cor dos seus lábios inchados.

Viro para olhar a quem nos interrompeu e encontro o que imagino ser
o médico plantonista, um sujeito não muito mais velho que eu, ele olha para
nós com um sorriso debochado nos lábios e a maldita sobrancelha erguida.

— Lia, creio que esteja tudo bem por aqui — diz se aproximando.

Meu sangue ferve em notar o quão íntimo dela ele parece ser, por isso
permaneço ao lado da cama com minha mão na sua de forma a deixar claro
que esse terreno já tem dono.

— Sim, estou bem. — Ela baixa o olhar para nossas mãos unidas e
em seguida me olha em busca de confirmação, isso mexe comigo e não evito
o sorriso que ameaça rasgar meu rosto ao meio.
— Hummm, isso é bom, seus exames mostram um leve déficit de
ferro, mas nada que deva se preocupar, agora que começará a tomar as

vitaminas do pré-natal creio que logo se resolverá, junte isso a uma


alimentação saudável e tudo ficará bem com vocês.

A mão de Cecília aperta a minha e isso me diz que estava ansiosa por
notícias, inclino-me em sua direção e beijo o topo da sua cabeça, o suspiro

dela se assemelha ao meu.

— Vai ficar tudo bem, anja! — digo olhando nos seus olhos, ela
apenas balança a cabeça confirmando e sorri de leve. — Quando ela poderá
viajar?

Pergunto diretamente ao médico, quero minha garota por perto e não


posso ficar aqui por muito tempo.

— Imagino que você seja o "É complicado" que Lia me falou mais
cedo. — Estreito os olhos para ele, mas acabo apertando a mão que me

estende.

— Cícero Duarte, noivo de Cecília — digo isso e os olhos do médico


se voltam para ela que revira os olhos, mas não desmente pelo menos.

— Bom, noivo de Cecília, como médico eu diria que de dois a três


dias, mas como primo dela eu digo que esperar uma semana é o melhor,
ficarei com o telefone ligado, se algo acontecer estarei por perto — ele fala e
sinto a implicância na sua voz, ignoro o que me diz e olho diretamente para

Cecília.

— Eu volto para Fortaleza ainda hoje, você fica aqui por mais uma
semana, isso é tempo suficiente para que eu consiga ajeitar as coisas em casa
— digo a ela e vejo seu rosto começar a reagir as minhas palavras, ergo uma
sobrancelha a convidando a dizer que não.

— Não vou morar com você — diz de forma enfática.

— Uma ova que não vai — rebato e vejo o sorriso no rosto dela se
ampliar.

— Não, eu não vou, ficarei na casa da minha avó e eu te desafio a


dizer a ela que sua casa é melhor do que a dela. — Puta merda, isso é golpe
baixo, ela sabe que não vou fazer isso.

— Isso está muito interessante, mas sugiro que deixem os pormenores


para depois, terão mais seis meses mais ou menos para discutirem essas

coisas, agora, Lia, vou deixar prescrito mais algumas bolsas de soro para
você, quando elas terminarem está liberada para ir para casa.

O médico acaba com a nossa breve discussão e eu agradeço por isso,


não quero brigar com ela, mas isso é excitante como o inferno, por isso ouço
com atenção as recomendações que ele faz antes de sair da sala nos deixando
sozinhos, mas dessa vez dura pouco tempo, uma enfermeira entra com a
bolsa de soro e me sento na cadeira ao lado da cama de Cecília, não demora

muito para que ela caia em um sono tranquilo, enquanto eu fico observando-a

por um longo tempo pensando em como só o fato dela estar aqui ao meu lado
acalma o meu coração de uma forma única. Devagar estendo a mão e toco
seu ventre onde o nosso filho está protegido.

— Eu vou cuidar de você, pequeno, serei um bom pai, eu juro, não

como o meu foi, mas como meu avô me mostrou como deveria ser — digo
para o ventre dela, mesmo sabendo que não pode me ouvir, mas sinto dentro
de mim a necessidade de reafirmar isso, não tive o melhor dos exemplos de
pai, minha mãe biológica então... Mas meu avô e Silvana me deram amor
suficiente para me mostrar como devo amar esse serzinho que é metade eu,
metade Cecília e já tomou boa parte dos meus pensamentos em tão pouco
tempo.
— Vó, eu consigo sair do carro sozinha! — digo revirando os olhos
ao tentar sair do carro assim que paramos em frente à nossa casa em
Fortaleza, mas sendo ela dona Clarisse, sou obrigada a segurar na sua mão e

deixar que me ajude mesmo que não precise.

— Eu a ajudo, dona Clarisse. — Cícero aparece ao lado dela e ganha


um revirar de olhos próprio, acho que eles pensam que sou de vidro.

— Eu faço isso, sou velha, mas não tô inválida — ela diz e vejo
Cícero dar um passo atrás sem questionar, bundão. — Era só o que me
faltava.

Não seguro o riso, ele tem pose de machão, mas caga pau pra uma
senhora de sessenta anos e um metro e cinquenta e oito de altura, que

maravilha! Ele por sua vez dá de ombros com a expressão “ela que manda”
estampada no seu rosto. Não o culpo, ela não dá mole mesmo, quando Breno
disse para ela que o ideal seria esperar uma semana até que eu pegasse a
estrada ela foi logo dizendo a ele que isso era coisa certa e não discuti, e foi
maravilhoso passar alguns dias com ela longe da loucura que sabia estarem
esperando por nós assim que passarmos pela porta.

— Você pode pegar as coisas dela no porta-malas — vovó diz para


ele sem parar o nosso caminho até a porta.

— E virei carregador agora — ele fala, balançando a cabeça.

— Virou no dia que emprenhou minha neta, seu caboré[3]. — Olho


para ela tentando decifrar de onde tirou esse apelido, mas só recebo seu olhar
de "não pergunte nada".

Não falo nada, apenas deixo que me encaminhe para dentro o mais
rápido possível, bom o mais rápido que ela me permite andar, vovó quando
quer sabe impor as coisas, aproveito que Cícero ficou para trás e faço a
pergunta que estou criando coragem para fazer a ela desde que a vi entrando
no quarto de hospital.

— Vó, está tudo bem? — questiono baixinho.

— Por que não estaria? — Como sempre escorregadia como quiabo.

— Porque a senhora não disse nada sobre o que aconteceu aquele dia
durante esse tempo todo e quando perguntei sobre Raul disse que era bom ele

não dar as caras tão cedo e depois disso se fechou mais uma vez — respondo,
sentando no sofá e espero que conteste o que eu disse.

— Vai querer comer agora ou depois que tomar um banho? —


Suspiro frustrada, mas esse é o jeito dela e não vou criar caso agora,
principalmente porque Cícero entra carregando minha mala o que dá a ela a
desculpa perfeita de sair da sala nos deixando sozinhos.
— Tem chumbo aqui dentro? — pergunta sentando ao meu lado, mas
não tão perto e respiro aliviada que não esteja forçando uma situação antes

que tenhamos uma boa e demorada conversa.

— Vou fingir que não ouvi isso, foi me buscar no aeroporto porque
quis. — Viro de lado para não ver seus olhos que sinto me fitando.

— Se não queria que eu viesse, por que me ligou informando a hora

que chegaria?

— Como se você não soubesse direitinho até o número do táxi que


peguei de Missão Velha a Juazeiro. — Viro para olhá-lo e espero que negue
isso.

— Luana que cuidou desses detalhes — retruca com um sorrisinho


besta nos lábios.

— E liguei porque minha vó praticamente me obrigou, satisfeito? —


rebato irritada.

— Por que essa raiva toda, Cecília? — a pergunta dele vem carregada
de sarcasmo e minha vontade é dar umas bifas na cara dele.

— Quer que eu faça a lista certinha ou posso ir colocando o que for


me lembrando? — Ergo uma sobrancelha e ele se cala, covarde, se não
estivesse se cagando de medo da minha avó eu poderia pressioná-lo até ceder,
mas cagão que é fica olhando para a cozinha de tempos em tempos.
— Eu preciso ir em casa pegar algumas coisas, mas não demoro —
diz levantando.

— Não precisa voltar, basta ligar e minha vó dirá se estou respirando


ou não. — Coloco a língua de lado para parecer menos interessada na sua
presença aqui comigo.

Eu sei que estou sendo muito chata com ele, no entanto a verdade é

que apesar de ter dito que estava satisfeita com o distanciamento dele o que
eu esperava era que ao me ver no aeroporto ele me recebesse com um beijo
ou um carinho suave no rosto como o que fez antes de sair do hospital na
manhã seguinte ao nosso reencontro, a enfermeira, que é amiga da minha
avó, e tia Bel me contaram que ele ficou comigo durante todas as horas que
dormi, a informação fez algo no meu peito acender como luzes de Natal e
agora ele está agindo como se fosse um robozinho mandado.

— Não vai se livrar de mim assim tão fácil — diz e isso alivia o

turbilhão de emoções no meu peito. — Até que tudo se acerte, ficarei aqui
com vocês.

O cretino abre aquele sorriso que faz misérias com as minhas


calcinhas e pisca um olho convencido, reviro os olhos e balanço a cabeça
fazendo cara de poucos amigos.

— A minha vó tá sabendo disso? Vó, a senhora deixou esse traste


ficar aqui? — grito e logo a cabeça dela aponta na porta da cozinha.

— Como? — Essa cara de desentendida dela me mata.

— Deixou esse sujeito ficar aqui conosco? — Ela apenas balança a


cabeça confirmando. — Vó, ele tem casa ou casas, sei lá, não precisamos dar
abrigo a desocupado não — alfineto e ele ri.

— Não seja infantil, Lia, ele fica aqui até vocês se resolverem, depois

se você não quiser saber dele mandamos cair fora, mas até eu achar que você
está bem, bem mesmo, o caboré fica e cuida de você, como diz o ditado quem
pariu Mateus que balance, mas nesse caso é quem emprenhou a mãe de
Mateus que tome de conta.

Simples assim, ela diz e vira as costas e sei que não adianta tentar
argumentar com ela, está do lado desse cretino nesse sentido e o cretino em
questão chega bem perto de mim e segura meu rosto a centímetros do seu.

— Esse desocupado vai ter muita ocupação quando voltar. — O fogo

ardente em seus olhos me faz engolir em seco.

— Não precisamos de ajuda — digo sem conseguir afastar os olhos


dele.

— Ah, não sei não, aposto que você está louca por uma boa noite de...
— Ele para e olha para os lados. — Eu vou pegar minhas coisas e na volta
conversamos, e depois que tudo estiver resolvido vou foder você como está
querendo.

Suas palavras são como gasolina no fogo e fazem as labaredas no meu

ventre crescerem ainda mais, minha calcinha está totalmente molhada e


minha boceta pulsa desejosa por tudo que sei que ele é capaz de fazer.

— E-eu não... — começo a argumentar, mas ele não permite que


termine a frase e prende meus lábios entre os dedos.

— Não precisa mentir, querida, eu conheço as reações do seu corpo e


sei como está desejando isso, eu também estou, então estamos quites! —
Beija minha testa e vira-se para ir embora, mas antes de sair para na porta e
me olha. — Descanse um pouco, ouvi dizer que mulheres grávidas se cansam
mais rápido e quero você bem acordada.

Pego uma almofada e atiro na sua direção, mas ele é mais rápido e sai
antes que seja atingido, porém ele está certo em todos os sentidos.

Cícero sai me deixando ainda sentindo as reações que suas palavras

provocaram em meu corpo, mas não fico só por muito tempo, logo uma
verdadeira comitiva formada por Sabrina, Bruna, Talita e Amanda, entra na
sala fazendo uma grande algazarra.

— LIAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA! — gritam em uníssono,


mas antes de se jogarem em cima de mim, vovó volta às pressas a sala e faz
com que a empolgação diminua.
— Gritem à vontade, mas não pulem nela, estão me ouvindo? —
Como uma turma de colégio pega fazendo algo errado vejo minhas quatro

amigas ficarem quietas e olhando de uma para a outra antes de caírem na


risada.

— Pode deixar, vó, vamos nos comportar! — Sabrina se aproxima


dela e lhe dá um beijo estalado na bochecha. — Somos boas garotas, será que

sai umas bruacas de chocolate?

— E eu lá tenho cara de merendeira de escola! — vovó diz com um


sorriso enorme, seu charme de sempre para ganhar atenção das meninas.

— Ah, vó Clarisse faz pra nós, suas meninas de ouro — Bruna diz e
faz beicinho como as demais, é impossível não rir delas.

— Tudo bem, eu faço, mas não agitem essa menina demais, ela ainda
precisa de repouso, estão me ouvindo? — fala e vai para a cozinha faceira,
vovó adora as meninas e sei que o sentimento é recíproco.

— Então, Lia, vai nos contar por que sua vó e meu irmão saíram
daqui à noite para trazer você de volta, quando eu sei que não tinha planos de
voltar? — Sabrina pergunta sentando-se ao meu lado e as meninas se sentam
no chão a minha frente.

Olho de uma para outra e só agora noto como senti falta delas e me
impressiono por Alex não ter falado nada para Sabrina, desconfio que Cícero
esteja envolvido nisso, o que me faz questionar se ele já contou sequer para a

família dele.

— Vocês vieram aqui para comer bruaca e fofocar ou para matar a


saudade enorme que estavam de mim? — Faço minha melhor cara de
indignada, mas que não as convence nem um pouco.

— Ahhhhhh, não enrola, Lia! Alex, o cretino, não nos contou nadinha

mesmo que tenhamos feito pressão e até jurado uma sacanagem em grupo
com ele, tirando a Sabrina, é claro — Talita diz com um olhar safado e ganha
um tapa no braço de Sabrina.

— Eu sabia que aquela história de preocupação com a Lia era vocês


doidas pra dar esses rabos pro meu irmão, suas sacanas. — A cara de
indignada dela é mais falsa que nota de três reais e isso nos faz rir para
caramba.

— Vocês parem de brigar e foquem no que importa. — Bruna como

sempre toma a frente nos momentos de discussão em grupo. — A Lia está


usando isso pra não falar porra nenhuma e as bruacas estão começando a
cheirar e eu não vou querer conversar quando estiver comendo, então,
mocinha, desenrola, o que te fez voltar mesmo depois de dizer que não faria
isso tão cedo?

Pronto, quando a mais centrada das amigas faz a pergunta e todas me


fitam em busca da resposta é a certeza que não posso fugir ou inventar uma
desculpa qualquer, se bem que não tenho por que mentir para elas, se tem

alguma pessoa que quero comigo durante a minha gestação são essas quatro
mulheres a minha frente e não poderei esconder a barriga por muito tempo
mesmo, por isso abro um sorriso quando o leve tremor que venho sentindo
volta a acontecer e minha mão toca meu ventre involuntariamente.

— Eu tive motivos muito fortes. — O olhar delas ainda não notou


como acaricio minha barriga.

— Mais fortes do que a raiva do bonitão cafajeste? — Amanda


pergunta.

— Sim, mais do que isso e qualquer outra coisa que já existiu

Só agora o olhar de Bruna cruza com o meu e então desce e se fixa


onde minha mão está, sem dizer uma palavra ela me questiona e confirmo
com um leve aceno de cabeça, seus olhos ganham o dobro do tamanho e o

seu sorriso espelha o meu.

— Um mascotinho pro nosso grupo, é isso mesmo? — pergunta e o


silêncio é completo até que eu o quebro.

— Pode ser uma mascotinha também. — Não conto nem até três e
logo minha barriga ainda quase plana está sendo alisada por quatro pares de
mãos que me enchem de perguntas.
— Oh, meu Deusinho, que lindo! — Amanda diz. — Está tudo bem
com ele?

— Ou ela, não é mesmo? — Sabrina acrescenta e todas assentimos.

— Seremos titias! — Talita fala e suspira junto com as meninas e meu


coração se expande de amor por essas malucas.

Em meio a tantas vozes e mãos que chegam até mim, eu ergo meu

olhar e vejo minha avó parada junto a porta com lágrimas nos olhos. Ela deve
estar pensando o mesmo que eu, minha mãe não teve esse tipo de apoio, nem
vindo do meu pai, tão pouco das amigas que ela sequer tinha, talvez se
tivesse quem a apoiasse não teria feito o que fez. Vovó seca a lágrima que
rola pelo seu rosto e limpa a garganta, chamando a atenção das meninas.

— Se já mataram a saudade, as bruacas estão prontas! — Essa é a


palavra mágica para que me deixem e cerquem minha avó. — Mas vão lavar
essas mãos, não querem pegar uma infecção por causa dos micróbios, vai

saber onde andaram enfiando-as.

— No... — Sabrina começa a responder, mas para assim que o olhar


de vovó vira para ela nada feliz. — No olho, vó Clarisse.

— Sei, sua maluvida[4]! — Seguro o riso e deixo que elas vão na


minha frente, quero aproveitar um pouco mais dessa sensação de felicidade
única que me toma agora.
Quando levanto para segui-las a campainha toca, olho para fora e vejo
um entregador parado em frente a nossa casa segurando um ramalhete de

margaridas amarelas, caminho até o portão para atendê-lo.

— Pois não? — pergunto e ele retira os óculos e me olha de cima a


baixo.

— Cecília Fernandes? — pergunta com um sorriso tímido.

— Sim? — Olho para ele com cara de poucos amigos, não estou com
saco para ninguém me olhando como se fosse um pedaço de carne, talvez a
estadia de Cícero aqui não seja de todo ruim afinal.

— Pode assinar aqui? — Abro o portão e assino o recibo e ele me


entrega as flores antes de ir embora.

Entro em casa com as flores nos braços girando de um lado ao outro


em busca de um cartão, mas não tem nada, apenas uma fita em volta do
buquê.

— Quem que mandou isso, Lia? — vovó pergunta de olhos


arregalados.

— Não sei, vozinha, acabei de receber e não tem cartão


aparentemente.

— O que tá escrito na fita? — ela pergunta, estreitando os olhos.

— Acho que nada — digo desenrolando-a, mas na segunda volta vejo


as primeiras letras aparecendo.

Sem paciência puxo a fita de uma vez por todas e abro-a na minha

frente para ler o que tem escrito, levo alguns segundos para entender as
palavras e o seu significado.

"Bem-vinda ao lar, querida, espero que logo possamos nos encontrar.


Papai"

Deixo as flores caírem no chão juntamente com a fita e olho para


minha avó. Não preciso dizer nada, ela sabe de quem elas são e entende que
nossos dias de tranquilidade acabaram.

Olho em volta do meu quarto para ver se estou esquecendo de algo,


deixei minha mala pronta antes mesmo de sair para trabalhar ontem, mas

ainda assim eu vasculho na minha mente se está faltando algo, pelo visto não,
então só me resta ir de uma vez para onde minha anja-demônia está e rezar
para que nesse período que ficarei por lá consigamos nos acertar, não quero
que nosso filho nasça em um lar desfeito, tão pouco que eu não possa estar
por perto quando isso acontecer. Apesar de nunca ter pensado na ideia de vir
a ser pai, agora que isso já é uma realidade batendo a porta farei o meu
melhor e admitindo para mim mesmo, essa criança veio no momento certo,
parece até que o destino deixou essa última carta na manga para me ajudar a
ter minha mulher de volta, mas sei que não será uma tarefa fácil, não com ela.

Desço no elevador até a garagem e antes mesmo de chegar a ela meu


telefone toca, olho no visor e vejo o rosto de Luana me fazendo uma careta,
típico dela colocar essa foto no contato do meu celular.

— Já está com saudades de mim? — pergunto a provocando.

Não a vejo desde a nossa conversa na noite que viajei atrás de Cecília
e ela sendo quem é não veio até mim, as vezes que nos falamos deixou claro
que quem precisava era eu, portanto deveria ser eu a procurá-la.

— Nem um pouco, mas quero saber onde se meteu que não deu as
caras por aqui esses dias, nem mesmo para me dizer se Cecília gostou do que
fizemos no quarto dela — diz toda petulante, mas se não fosse pela ajuda dela
eu provavelmente dormiria no sofá.

— A verdade é que ela não viu ainda, bom, não pelo tempo que estive

lá, mas sei que fez um trabalho excelente, agora me diga por que realmente
me ligou? — Sei bem como ela age, nada é por acaso.

— Acho tão lindo como você muda de assunto, mas tudo bem, liguei
para dizer que acho que descobri algo sobre Arnoldo que pode ser um indício
do que ele pretende com Cecília. — Ouvir o nome daquele infeliz faz meu
sangue ferver de ódio e isso me lembra mais uma vez que tenho que
conversar com ela antes de tudo.

— E o que seria? — A porta do elevador abre e saio em direção ao

meu carro, mas decido conversar com ela antes de entrar.

— Não vou falar por telefone, é mais fácil mostrar, quando você
poderá vir aqui? — baixa a voz mais um pouco. — E traga aquele seu amigo
detetive, precisaremos dele se queremos ir mais a fundo nessa história.

— Amanhã só trabalho a noite, tentarei ir aí a tarde — respondo


depois de pensar no que tenho agendado para amanhã.

— Pensei que estivesse ansioso por notícias. — Seu sarcasmo escorre


como rio.

— E estou, mas Cecília tem uma consulta pela manhã e eu irei com
ela, é claro. — Como disse, quero fazer parte dessa gravidez, não apenas com
um título, mas estando com ela a cada momento.

— Ah, esqueci que ela tem prioridade na sua agenda agora. — Tenha

santa paciência, minha irmã não vai querer entrar nessa de disputar atenção,
vai?

— Sim, ela tem e você vai me dar razão quando souber o porquê. —
Não falei para ninguém sobre a gravidez de Cecília, não achei certo fazer isso
sem a autorização dela, há mulheres que são supersticiosas com essas coisas e
esperam até certo tempo para contar, vai que é o seu caso.
— Se você não me contar ficará difícil entender por que a princesa
Cecília tem toda a sua atenção depois de tê-lo deixado plantado no altar. —

Faz questão de passar isso na minha cara sempre que possível.

— Luana, tenho que ir, nos vemos amanhã — digo encerrando essa
conversa, ela quer respostas e eu não sei se está tudo bem em falar sobre.

— Isso, fuja do assunto mais uma vez, nem queria saber mesmo.

Desliga o telefone como só ela consegue fazer, rio sozinho antes de


entrar no carro e dar partida, agora vou ter o segundo embate do dia, na
verdade a continuação do primeiro, mas não terei como escapar das suas
perguntas, teremos que conversar e com isso quero dizer falar tudo, até
mesmo o que nunca admiti para nenhuma outra mulher.

Dirijo pelos próximos vinte minutos e quando entro na garagem ouço


vozes de mulheres e sei que o clube das catarrentas, como Alex costuma
chamar, está reunido, essa é outra coisa que terei que me acostumar, mas

segundo ele, elas são um pacote só e se ele sobreviveu até hoje, também
consigo. Saio do carro e passo pela cozinha onde as quatro estão e me olham
com expressões neutras, concluo que devo passar rápido por elas e assim o
faço.

— Jogue isso fora, vovó! — Cecília diz no instante que chego à sala.

Olho para onde seu olhar está fixado e vejo um buquê de flores
amarelas no chão, meus olhos percorrem o seu corpo e noto um leve tremor

nele, suas mãos em punho e boca em uma linha fina deixando claro o esforço

que está fazendo para não desmoronar. Com duas passadas a alcanço e
prendo seu corpo entre os meus braços, nem sei se nota minha presença, mas
a seguro firme até que os tremores começam a diminuir.

— Está tudo bem? — pergunto baixinho no seu ouvido, ela parece

despertar e ergue a cabeça para me olhar.

Seu olhar me faz lembrar de um túnel vazio e escuro, um calafrio


sobe pela minha coluna e a aperto um pouco mais, mas então ela se remexe
para sair e eu a deixo ir, seus braços envolvem o corpo da avó que também
parece bastante abalada e está amparada pelos braços das amigas de Cecília,
olho de um lado ao outro, confuso.

— Alguém pode me explicar o que houve aqui? — pergunto para


ninguém especificamente.

— Não sabemos — uma das garotas diz baixinho.

— Jogue essas malditas flores fora, por favor? — a voz de Cecília sai
num fiapo quase inaudível.

Não perco tempo, agacho e pego o buquê junto com uma fita que
estava ao lado e caminho em direção a garagem a fim de jogá-lo fora, mas
paro assim que noto algo escrito na fita e por fim entendo o que está
acontecendo, meu peito troveja enraivecido e um único pensamento me vem:

"vou matar aquele desgraçado com as minhas próprias mãos se voltar a se

aproximar dela de alguma forma".

Volto à sala e já não vejo mais minha anja-demônia, olho em volta à


sua procura e uma de suas amigas aponta na direção do pequeno corredor que
leva aos quartos, com passadas largas chego onde ela está parada junto à

porta, seu corpo treme levemente e com muito cuidado me aproximo dela,
seu corpo primeiro tensiona, mas logo que percebe que sou eu recai sobre
mim buscando conforto, envolvo sua cintura com os meus braços e ouço por
minutos os seus soluços abafados e nunca imaginei que a dor de outra pessoa
pudesse me doer tanto, me sinto impotente por não ter previsto nada disso,
com um rato como Arnoldo todo tipo de atitude deve ser prevista.

— O que ele quer de mim? — sua voz quebradiça sai quase inaudível.
— Eu não entendo, depois de tantos anos, por que agora?

Gostaria de ter essas respostas, mas creio que estamos perto de


descobrir e quando as tiver darei um jeito de usá-las contra ele.

— Eu não sei, mas vou descobrir, eu prometo — digo isso e ela vira
para me olhar, seus olhos ainda mais escuros devido ao vermelhão que se
formou pelo choro, mas ainda assim ela é a coisa mais linda do meu mundo.

— Por que se daria esse trabalho, Cícero? — sua pergunta me pega


desprevenido.

— Como assim? — Estreito os olhos para ela e deixo-a sair dos meus

braços, entrando no quarto logo atrás dela.

— Por que você se daria ao trabalho por mim? E não use minha
gravidez para justificar. — Ela senta na ponta da cama enquanto fico em pé
na sua frente sem conseguir pensar direito nas próximas palavras que sairão

dos meus lábios.

— Não ia usar nada como desculpa, a pergunta certa aqui é por que eu
não faria? Acha que quero ver você ou sua vó no estado emocional que vi
agora há pouco? — Me olha por alguns instantes antes de levantar.

— E por que isso importa? Olhe para esse quarto, por que teve tanto
trabalho para deixá-lo assim? — diz dando um pequeno giro para enfatizar
suas palavras.

— Como sabe que fui eu?

— Essa cama é idêntica a sua, só alguém com um tamanho exagerado


como você compraria uma cama que ocupa meu quarto todo. — Um pequeno
sorriso surge no canto dos seus lábios, mas logo some. — Por que tudo isso,
esse cuidado, essas promessas, por que você está aqui?

Sinto meu coração trovejando no meu peito, minha garganta fecha


com o início de desculpa que começa a se formar nos meus lábios e sei que
não poderia negar e a verdade é que nem tenho por que, se a quero ao meu
lado devo começar a ser honesto com ela, comigo e com o meu coração. Me

aproximo dela e fixo meu olhar no seu para que veja a sinceridade nas
minhas próximas palavras.

— Porque, por mais que eu tente me manter longe, há um imã


invisível que sempre me puxa de volta para onde você está, porque depois

que você partiu, foi como se uma parte minha estivesse faltando, porque
todos os dias quando acordo meu primeiro pensamento é em você e o seu
rosto é a última coisa que vem a minha mente antes de dormir, porque você,
sua avó, nosso filho, são importantes demais para mim e mesmo que faça
tudo para me afastar vou ser extremamente teimoso e voltarei — digo tudo
rápido, não sei nem se ela está me entendendo, apenas consigo ver suas
lágrimas que agora descem pelo seu rosto ainda mais intensamente.

— Porque você me ama — diz me fitando e não há como dizer o

contrário.

— Sim, porque eu te amo.

Puxo seu corpo para junto do meu e não peço licença antes de tomar
seus lábios com vontade, minha língua invadindo sua boca com tudo,
sentindo o sabor único que o seu beijo tem, seus lábios ainda mais macios
devido ao choro, deslizo minhas mãos pelas suas costas puxando seu corpo
para muito perto e roço minha ereção nela, engolindo seu gemido que vem
seguido das suas unhas que cravam nas minhas costas mesmo por cima da

camisa.

— Eu também amo você — diz e distribui beijos pelo meu rosto e a


felicidade que sinto é tamanha que por um momento tenho medo do meu
coração pular fora do peito, ergo o seu corpo e giro-a no ar soltando um grito
jubiloso sem me importar de chamar atenção das outras pessoas que estão na

casa, ela me ama e isso é tudo que me importa.


Seguro firme nos ombros de Cícero enquanto ele me gira e grita como
um maluco, mas a verdade é que depois de tantos dias sentindo que algo
faltava dentro de mim agora sinto como se fosse explodir o peito de tantos

sentimentos misturados e distintos no meu coração. Nem em mil anos eu


imaginei ouvir as três palavras saindo da sua boca e as mesmas refletindo nos
seus olhos para não deixar espaço para a dúvida, sim, ele me ama como o
amo e o tempo longe só fez esse sentimento ficar mais forte.

— Me ponha no chão, seu maluco! — digo, batendo no seu ombro,


mas sendo ele quem é me faz descer deslizando pelo seu corpo para me dar
uma ideia de como seu amigo está entusiasmado com o contato das nossas
peles.

— Sou maluco por você, minha anja-demônia! — Sua boca volta a


tocar a minha e antes que aprofundemos o beijo ouvimos um "Hã-hã!"
coletivo.

Abro os olhos e dou de cara com cinco pares de olhos que nos fitam
com expressões distintas, as meninas com aquele olhar de "eu sabia que você
não resistiria ao gostosão!", já vovó tem sua já conhecida cara de "não quero
saber de safadeza aqui em casa antes do casamento!".
— Pelo jeito a Lia não precisa mais da nossa ajuda — Talita diz
sorrindo.

— Eh, ela agora tem um novo ombro pra chorar. — Bruna dá um


sorrisinho debochado.

— E que ombro, hein? — Amanda termina a frase e todas começam a


rir da minha cara, se não estivesse nesse misto de felicidade infinita com ira

assassina do meu pseudopai estaria xingando-as, mas vovó cuida disso por
mim.

— E vocês já encheram a barriga, agora é a hora das brasas, cada uma


pra suas casas! — ela diz a frase que colocou fim as nossas brincadeiras
durante anos e vejo o sorriso das meninas murcharem.

— Mas já, vó Clarisse? — Sabrina faz um beicinho, mas não


convence muito.

— Sim, já deu a hora, Lia precisa descansar e eu quero ter uma

conversa com esse... — Ela olha para Cícero e espero que use a palavra
caboré mais uma vez. — Sujeito e minha neta.

— Acho que ela está com raiva de mim — Cícero cochicha no meu
ouvido e seguro o riso, mal sabe ele que terá que aguentar as implicâncias
dela por um bom tempo.

— Sim, senhora. — Elas me acenam um tchau e fazem um sinal de


que nos falamos depois pelo telefone e faço um aceno de ok.

Quando saem o olhar de vovó vai diretamente para o meu bumbum

onde as mãos de Cícero repousam me apertando junto dele, ele logo me solta
e fica ao meu lado com as mãos unidas em frente a sua ereção, custa muito
para eu não cair na gargalhada, ao invés disso sento na cama e faço um gesto
para que ele sente também, assim disfarçará melhor. Vovó entra no quarto e

caminha até parar a nossa frente, muito séria.

— Então vocês estão se entendendo? — Coloca os braços atrás do seu


corpo e deita a cabeça levemente para o lado, os olhos se estreitando e sinto
um frio na barriga.

— Eh, estamos conversando... — Cícero começa a falar, mas ela


ergue uma sobrancelha e ele cala.

— Se agarrando daquele jeito é conversar agora?

— Não — respondemos juntos.

— Não é mesmo e vou dizer só uma vez para que entendam, não vou
aceitar que fiquem nesse puxa-encolhe e no fim me façam passar tudo aquilo
da última tentativa de casamento.

— Vó, não vamos falar daquele dia ainda. — Não quero lembrar que
tenho motivos para ter raiva de Cícero, não depois que ele disse com todas as
letras que me ama.
— Vamos falar sim, e não me interrompa, tá me ouvindo?

— Tô.

A mão de Cícero vem de encontro a minha e aperto-a, agradecida por


não ter que ouvir sermão sozinha.

— Dona Clarisse, não é melhor deixar Cecília descansar um pouco


antes? — Ele tenta, mas só consegue que ela direcione seu olhar matador para

ele.

— Não seja frouxo, se ela estava bem pra se agarrarem, vai aguentar
ouvir umas coisas.

Sua cabeça vai para o outro lado em uma posição clara de desafio,
que não vem. E nisso eu tiro meu chapéu para ele, o respeito que tem pela
minha avó é algo tocante.

— Como estava tentando dizer, Lia, você teve todos os motivos para
ficar com raiva de Cícero, se fosse comigo eu tinha dado uns safanões nele

para aprender a ser mais corajoso, mas ele é homem e homem sempre é
frouxo quando é para falar de sentimentos, certo que tem uns que são
descarados mesmo, esses a gente tem que manter distância, como é o caso do
seu pai e aquele sonso do Raul.

Olho confusa para ela, o que Raul tem a ver com essa história? Ao
ouvir eles serem mencionados Cícero retesa o corpo e posso ouvir quando
seu maxilar trava irritado.

— Mas vovó o que Raul tem a ver nessa história? — Aperto a mão de

Cícero e o sinto relaxar minimamente.

— Oras, Lia, não vai me dizer que achou que ele estivesse ali com o
carro pronto por nada? — Ela me olha com cara de "não seja tão ingênua
assim".

— Eu achei. — Dou de ombros.

— Até parece! — Cícero retruca, irritado.

— Como assim? Vão me explicar por que estão falando do meu


amigo desse jeito? — Olho de um para o outro sem entender

— Amigo da onça, isso sim! — vovó fala com a mesma irritação.

— Aquele traste trabalha para o seu pai, ele não lhe contou? — as
palavras de Cícero chegam até mim, mas não as compreendo totalmente.

— Pro meu pai... ele sabia quem era meu pai esse tempo todo e não
me disse nada? — Levanto, não conseguindo ficar parada com a enxurrada de
ira que começa a se apossar do meu corpo.

— Não vou afirmar que sempre soube, mas ele estava lá a mando do
seu pai, cuidando para que se as coisas saíssem como esperado você tivesse
como sair dali sem me escutar.

— Mas isso é muito, muito, muito repulsivo, absurdo, puta que pariu,
o que meu pai ganha ao impedir o casamento?

— Não acreditou naquela encenação de pai arrependido? — Cícero

pergunta e reviro os olhos.

— Claro que não, ele teve muito tempo para se aproximar de mim,
sabia que o testamento do seu pai era nulo desde sempre e ainda assim deixou
você seguir adiante. Só não sei por que ele decidiu revelar tudo apenas no dia

do casamento.

— Porque ele é um verme asqueroso, que não se conforma de ter


estragado a vida da minha filha e agora quer destruir a sua também! — a
explosão de vovó me pega de surpresa. — Quem você acha que estava
enviando as flores semanas antes do casamento?

Só agora me dou conta que ele sempre esteve à espreita, mas nunca
deixou que soubéssemos, bem, pelo menos eu não sabia de nada. Olho para a
minha avó e ela desvia os olhos dos meus, uma reação nada típica dela.

— Vó, a senhora sabia que eram dele? — pergunto de forma suave


sem deixar que pareça que a estou acusando.

— Margaridas amarelas... — Ela solta um grande e sofrido suspiro,


seus ombros caem derrotados e a voz sai tremida: — Elas sempre foram as
favoritas da sua mãe e sempre que aquele filho da puta a tratava como lixo e
queria ela de volta enviava elas para cá, o mesmo ciclo vicioso, a maltratava,
a persuadia para fazer coisas por ele e quando ela vinha para casa destruída as

malditas flores chegavam pouco depois.

Ouvir um pouco mais sobre a minha mãe faz meu peito apertar, o
pouco que me contaram sobre a minha mãe sempre esteve em constante
duelo com as memórias dos dias bons que passávamos juntas, não muitos
desde que eu consigo lembrar e vovó nunca fala sobre ela e o meu pai,

respeitei isso por saber o quão doloroso é para ela.

— Vó, a senhora sabe o que ele quer comigo? — pergunto em um fio


de voz.

— Não, mas não deve ser coisa boa, nada bom pode vir daquele
embuste. — Ela ergue a cabeça e me olha encerrando o assunto. — Vou a
casa de Vera, aproveitem o tempo sozinhos para conversarem, mas dessa vez
sem agarramento, esclareçam as coisas de uma vez por todas.

Ela começa a se afastar, mas antes de chegar à porta do quarto olha

para trás e fita Cícero com seriedade.

— Escute uma coisa, se a magoar novamente a promessa que fiz no


hospital está de pé, seja homem e faça a coisa certa. — Então ela sai
deixando o vazio das suas palavras para que entendamos e deciframos por
nós mesmos.
Dona Clarisse se vira para sair e fico dividido entre ficar ao lado de
Cecília ou sair atrás da senhora que no olhar me deu a entender que sabe
muito mais do que disse agora pouco. Olho para minha anja-demônia que tem

os olhos fixos em um ponto no quarto, mas que me diz que não está
realmente vendo porra nenhuma, é aí que minha decisão é tomada, se quero
desvendar toda a história, preciso de todas as informações possíveis.

— Eu já volto. — Seu rosto vira para mim e vejo seus olhos piscarem
momentaneamente como quisesse entender o que está acontecendo, aperto
sua mão e então saio em busca de algumas respostas.

Ao chegar à sala encontro dona Clarisse me esperando com o mesmo


olhar endurecido que tem me dirigido nos últimos dias, não me deixo

intimidar, a encaro com a mesma seriedade, assim saberá que no que diz
respeito a felicidade da neta dela nada nem ninguém me impedirá de buscar
respostas.

— O que você quer? — vai direto ao ponto.

— Que me conte o que sabe, Cecília não percebeu, mas eu sim, vi o


olhar da senhora quando perguntada sobre o que aquele verme pode querer
com ela depois de tantos anos longe e eu estou investigando ele todo esse
tempo, se tiver alguma coisa que saiba isso ajudaria bastante.

— Não sabe onde está se metendo, meu filho, aquele homem é capaz

de tudo pelo que deseja. — Seu olhar vaga até a fotografia no aparador
próximo a janela.

— Eu acho que tenho uma boa ideia, meu pai era melhor amigo dele e
só se forem da mesma laia para se aturarem, não acha?

— Imagino que sim, mas não quero minha neta envolvida com nada
que venha daquele sujeito e se você me garantir que a manterá segura eu
conto, mas não hoje, vocês precisam conversar, mas conversar mesmo,
colocarem os pingos nos IS se quiserem que as coisas funcionem entrem
vocês. — Balanço a cabeça concordando e ela sai, me deixando com ainda
mais dúvidas do que certezas.

Volto ao quarto e encontro uma Cecília que anda de um lado ao outro


agitada, ela para assim que entro e aponta seu dedo na minha direção

enquanto estreita os olhos para mim.

— O que não estão me contando? — Ela tem aquele olhar inquieto


que me diz para não lhe poupar nenhum detalhe do que sei ou terei minhas
bolas preciosas arrancadas com alicate de unha.

— Senta que eu conto o que sei. — Ela ergue uma sobrancelha para
mim. — Não adianta me olhar assim, eu também não sei muita coisa, então
senta caladinha e me escuta, quando eu terminar pode fazer as perguntas que

quiser.

Ela senta e balança a cabeça confirmando, pego a cadeira que fica


próxima a escrivaninha e a levo até ficar poucos centímetros da cama e sento
de frente para ela, deixando nossos rostos na mesma altura, assim ela vai
poder ver a verdade nas minhas palavras.

— Se você lembra, na nossa última conversa eu lhe disse que não sou
filho de Silvana e que minha mãe biológica era uma prostituta que trabalhava
em um bordel, pois bem, aparentemente o seu pai e o meu frequentavam os
mesmos lugares desde sempre, Arnoldo era o amigo mais antigo do meu pai
pelo que me lembro, em diversas vezes vi os dois se tratando como irmãos e
foi ele quem ajudou a esconder o testamento que meu avô deixou, onde dizia
claramente que meu pai não tinha direito a nada.

— Espera aí, seu pai enrolou você? Por que ele faria isso? — como

imaginei não controla a boca e pergunta.

— Não me interrompa, mas respondendo as suas perguntas, sim ele


nos enrolou e não sei responder porque ele não está mais aqui para perguntar,
mas se você conhecesse o meu pai veria que ele sempre fez coisas sem
precisar explicar ou querer fazer isso. Mas o certo é que ele queria me deixar
amarrado as suas vontades de alguma forma, dar um fim a Fundação da
minha avó, ele sempre quis fazer isso. — Cecília me olha com um misto de
incredulidade e indignação.

— Não entendo onde eu entro nessa história, por que de repente eu

ser a pessoa com quem você casaria muda tudo? — Essa é a mesma pergunta
que venho me fazendo há dias.

— Não sei ainda, mas se ele está tão disposto a manter você longe de
mim assim é por isso iria contra os planos que ele tem, seja lá qual forem.

Também não sei o que ele e meu pai esperavam conseguir me forçando a
casar ou talvez Arnoldo esperasse que eu não me rendesse e deixasse a
empresa ser desmembrada e vendida, ele representa alguns acionistas e esses
podem desejar exatamente isso.

Olho para ela e deixo que as palavras ditas se acalmem na sua cabeça,
é muita coisa para assimilar, para mim também, minha mente dá mil voltas
sem parar tentando descobrir qual peça desse quebra-cabeça que está
faltando.

— O que você fez aquele dia depois que fui embora? — a pergunta
dela me pega de surpresa.

— Como é? — digo antes que consiga controlar minha boca.

— O que fez aquele dia depois que fui embora? Eu quero saber, tem
algum problema? — Sinto meu sangue gelar, meu coração dispara e sinto
minha glote fechando.
— Eu...?

— Sim, você, e não me enrole, Cícero, estou disposta a lhe dar uma

segunda chance, mas para isso precisamos ser completamente honestos um


com o outro. — Suas mãos se estendem na minha direção e seguram as
minhas.

— Fui um idiota, meu amor — digo sentindo a vergonha tomar conta

do meu rosto.

— Isso eu já sabia, anda logo e me diz o que você fez. — Inclina a


cabeça para o lado estreitando os olhos.

— Fiquei louco quando vi você fugindo no carro daquele babaca e o


soquei, depois gritei com Arnoldo e em algum momento trouxe sua avó para
casa, mas em todo o tempo era como se estivesse vendo aquilo acontecer
através de uma parede de vidro, meu peito queimava como se um ferro em
brasa estivesse sobre a minha pele. Quando saí daqui dirigi sem pensar para

onde estava indo e fui direto para a Revolution.

Os olhos de Cecília crescem de tamanho, as mãos que apertavam as


minhas se afastam e todo o seu corpo tensiona indo na direção contrária à
minha.

— Não acredito, eu não estou ouvindo isso. — Ela levanta e olha para
o teto enraivecida.
— Eu sinto muito, estava fora de mim...

— Fora de você? É tudo que tem pra me dizer? Que porra, Cícero,

bastou eu virar as costas e você saiu correndo atrás de rabo de saia? E se eu


tivesse me arrependido e voltado atrás de você para conversar? — Coloca as
mãos na cintura e me fita.

— Mas não voltou. Eu não estou aqui tentando me defender nem

porra nenhuma, mas a verdade é que não estou acostumado a sentir o que
sinto por você, porque a última vez que deixei alguém entrar na minha vida
descobri que era uma farsa e desde então não confio em ninguém, mas daí
você apareceu com essa língua afiada, esse rosto de anjo e essa voz de
demônia que me enlouquece desde a primeira vez que ouvi e meu mundo
virou de pernas pro ar levando meu coração junto. — Sou sincero com ela.

— E encontrou ele na primeira boceta que fodeu por acaso? — cospe


as palavras e suas narinas se inflam furiosa.

— Não foi bem assim, eu fui pra lá e bebi muito e encontrei com
Nathany, uma conhecida, quando dei por mim já estava em um dos quartos
com mais quatro pessoas, tudo que eu queria era tirar a dor que ameaçava
dividir meu peito em dois e sim, transei com duas dessas pessoas.

— Você transou com duas dessas pessoas, a sua "conhecida" era uma
delas? — Cruza os braços na altura dos seios e fecha a cara para o meu lado.
— Não.

— E você fez o que, fodeu enquanto beijava a outra ou será que

participou de uma dupla penetração?

— Isso importa?

— CLARO QUE IMPORTA! Bastou cinco segundos depois que saí


para você comer a primeira boceta que lhe ofereceram, que lindo o seu amor

por mim, seu imbecil!

— Na verdade fodi um cú, a última boceta que comi foi a sua — digo
e sua expressão muda mil vezes em questão de segundos, abre a boca para
falar, mas fecha novamente.

— É o quê?

— Isso que ouviu, eu fiz sexo anal com uma das garotas e sei que não
serve de consolo, mas eu não consegui gozar desde então, nem com ela nem
sozinho no meu banheiro, nada, simplesmente não consigo e todas as vezes te

amaldiçoo, mas ao mesmo tempo te amo mais ainda, pois ficaria o resto da
vida sofrendo de bolas azuis até ter a oportunidade de estar dentro de você
mais uma vez.

Me aproximo dela e estendo a mão na sua direção, ela olha para mim
indecisa se aceita meu toque ou não.

— Cecília, eu... — tento mais uma vez e ela se afasta.


— Olha aqui, seu traidor, bolinador de brioco, você tinha ganhado
alguns pontos comigo, mas agora perdeu eles e um tantão assim. — Abre os

braços exemplificando. — E isso significa que vai ter que ralar ainda mais
para me ter de volta e não me importa se colocou essa cama extra grande aqui
no quarto, vai ficar no sofá ou voltar para sua casa, lá tem uma cama bem
confortável. — Joga a cabeça de lado e entorta a boca daquele jeito único que

desperta em mim a vontade de mostrar a ela quem no fim das contas tem o
controle.

Mas não é hora de brigarmos por um simples detalhe, vou ter minha
anja-demônia nos meus braços antes do que pensa, se ela quer bancar a difícil
tudo bem, eu posso bancar o insistente.
Viro-me no espaço estreito do sofá e tento buscar uma posição
confortável para que consiga voltar a dormir, mas é impossível, toda vez que
estico minhas pernas minha cabeça bate no braço do sofá e vice e versa,

desisto e sento de uma vez por todas passando a mão no rosto para ajudar a
despertar de vez. Pelas frestas da porta vejo que o dia começa a clarear e
deixo que minha mente vague por tudo que vivi desde que Cecília entrou na
minha vida, me abrir para ela não foi a coisa mais fácil do mundo, não
quando nunca precisei dar satisfação da minha vida antes, mas fui sincero
quando disse que ia tentar, por nós dois e o nosso filho.

Levanto e rumo ao quarto dela onde a mala com meus pertences


provisórios ficou depois da nossa conversa, abro a porta devagar e a visão
que tenho a seguir faz a respiração travar na minha garganta e o já conhecido

calor que acomete o meu corpo surgir com tudo, aquecendo não apenas meu
pau sedento pelo seu corpo como também o meu peito que agora sobe e desce
rapidamente com as batidas aceleradas do meu coração ao vê-la ali na cama
dormindo de bruços, seu corpo está semicoberto apenas pelo cobertor me
dando a visão dos céus pela manhã, o cabelo espalhado no mesmo travesseiro
que sua cabeça descansa, uma perna recolhida e a outra estirada, os braços
para cima, no entanto o que mais me impacta é a serenidade que seu rosto
transmite.

Como um ímã sou atraído para perto dela e antes que me dê conta
estou deitando ao seu lado e abraço o seu corpo sentindo o calor dela curando
os cantos gelados em mim, cantos esses que não fazia ideia de que existiam.
Cecília se remexe e tensiono meu corpo preparado para o ataque que dará

assim que acordar e me ver ao seu lado, suas pálpebras tremulam quando
ergue a cabeça encaixando-a entre meu ombro e pescoço, uma perna vem
para cima do meu abdômen e sua mão espalma sobre o meu peito que
mantenho parado enquanto travo a respiração.

— Senti sua falta, imbecil... — ela balbucia e é preciso tudo de mim


para não rir e acabar acordando-a.

Ao invés disso puxo seu corpo para mais perto do meu e inalo seu
cheiro inigualável e perfeito, beijo o topo da sua cabeça e fecho os olhos

aproveitando o momento, daqui a pouco terei que levantar e não quero perder
os preciosos minutos que posso fantasiar que esse é só mais um dia comum
em nossas vidas devidamente resolvidas e que ao despertar ela irá me
surpreender deslizando a mão pelo meu corpo deixando-a repousar sobre o
meu pau já totalmente desperto e que pulsa a cada vez que suas unhas sobem
e descem acariciando por sobre o algodão do meu pijama, a imagem que
minha mente projeta é tão vívida que chego a sentir de verdade o seu toque,
ofego trêmulo quando sua mão adentra minha calça e só nesse momento me

dou conta que não é fantasia porra nenhuma.

Abro os olhos e encontro o castanho escuro me fitando com um ar de


diversão, desço meus olhos para sua boca e a minha fica seca ao ver como
seu sorriso malicioso de lado surge antes que ela abra os lábios e beije meu
queixo no ponto exato que me causa arrepio.

— Shiiiiii! — diz com sua voz rouca antes de selar meus lábios com
os seus impedindo o gemido que escapa ao sentir seus dedos ordenhando meu
pau em um ritmo enlouquecedor, seguro seus cabelos e puxo de leve sua
cabeça, o suficiente para olhá-la enquanto me dá prazer com sua mão, mas
essa é minha anja-demônia, ela não dá apenas prazer, ela tortura, ela tem o
poder de me desfazer e reconstruir em um átimo de segundo.

E é o que faz ao deslizar seu corpo devagar sobre o meu, seus olhos
travados nos meus me mantendo cativo da sua vontade, ela é minha

encantadora de serpente e eu a víbora que achava ser superior até se ver presa
pelos olhos hipnotizantes dela. Cecília paira com os seios quase tocando a
ponta do meu membro que vibra e sorri de lado, satisfeita com o que vê,
como em câmera lenta assisto a sua cabeça descer cada vez mais e a ponta da
sua língua tocar a minha glande onde o líquido pré-ejaculatório já empoça,
ela o lambe com cara de quem acaba de provar o melhor doce da vida, uma
ironia já que nosso corpo libera substâncias salgadas, engulo em seco e o
sorriso dela só aumenta ao puxar o cós da calça junto com minha cueca

fazendo meu membro pular ereto e pronto para o seu bel prazer.

Cecília lambe toda a minha extensão e reviro os olhos junto com os


quadris absorvendo a sensação maravilhosa, me esforçando para não fazer
barulho ao vê-la repetir o movimento várias vezes, me torturando, testando a
minha capacidade de resistir a sua deliciosa tortura, quando sua boca

finalmente desce sobre meu pau, o sugando com vontade, não tenho mais um
pingo de resistência em mim e rujo como um animal enjaulado lutando por
liberdade.

— Quero gozar dentro de você, por favor, me deixe foder sua boceta
— minha voz sai ainda mais grave carregada de desejo cru.

Ela para o movimento de sucção e senta sobre as pernas me olhando


de um jeito felino, eu sou sua caça e posso ver como se diverte por me ter
rendido aos seus desejos.

— Quer que eu desça minha boceta sobre ele? — pergunta


acariciando o meu pau.

— SIMMMMM. — Reviro os olhos e ergo mais o quadril.

— E faça esse movimento com ela? — Volta a envolvê-lo com seus


lábios macios, subindo e descendo e parando para circular a ponta antes de
repetir o movimento ao mesmo tempo que massageia minhas bolas, seguro
no lençol da cama me contorcendo com sua tortura.

— SIM, MIL VEZES SIM! — digo em desespero.

— E quem me garante que se eu te largar você não vai procurar outra


boceta para foder? — Me fita séria e entendo por que está prolongando isso.
— Quem me garante que não está só me enrolando mais uma vez?

— Não estou! — digo, impulsionando meu tronco e sento para ficar

com o rosto na altura do seu. — Não estou te enrolando, eu juro!

Seguro seu rosto entre as mãos e beijo seus lábios sentindo o meu
sabor misturado com o seu, desço minhas mãos para a barra da camisola que
ela usa e começo a levantá-la devagar, Cecília não me dá resistência, ergue os
braços e afasto nossos lábios para passá-la por sua cabeça, seus seios com os
bicos intumescidos me convidam a sugá-los e é o que faço, puxo seu corpo
até que a tenho sentada sobre as minhas coxas, a única coisa que separa
nossos sexos é o pequeno triângulo rendado que ela chama de calcinha.

Seguro suas costas para incliná-la e abocanho um bico e o sugo, com a outra
mão acaricio o outro seio e posso notar como estão começando a se
modificarem e gosto de saber que isso é devido ao fato dela estar gerando
nosso filho, o ogro dentro de mim urra feliz.

Beijo seu colo, seu pescoço e desço a mão para o meio das suas
pernas, ela joga a cabeça para trás e geme começando a se render também,
dedilho seu ponto sensível e seu corpo treme, é a dica de que está tão perto de
um orgasmo como eu.

— Eu queria ir bem devagar, estimulá-la com meus dedos e minha


língua... — digo, beijando abaixo da sua orelha onde sei que sente prazer e
seu corpo treme mais uma vez.

— Não, me fode agora! — diz descendo a mão e acariciando o meu

pau, é minha vez de gemer e levo meus dedos para dentro da sua calcinha
sentindo sua umidade, minha anja-demônia está mais do que pronta para
mim. — Por favor... — choraminga.

— Shiiii! — uso sua fala e seus olhos fitam os meus ardentes.

— Se não tiver você dentro de mim em dois segundos eu mesma vou


me fazer gozar! — Não seguro o sorriso que surge no meu rosto ao puxar sua
calcinha para o lado enquanto com o outro braço puxo seu corpo para a
posição perfeita.

— Seu desejo é uma ordem, meu anjo! — E então ela desliza sua
boceta quente e úmida sobre meu pau com tudo, tenho que me segurar para
não me deixar ir de uma vez por todas tamanha é a sensação de plenitude que
estar dentro dela me dá.

Pele com pele, olhos nos olhos, respirações travadas e suor brotando
em nossas testas tamanho o esforço que ambos fazemos para não ser rápido
demais depois de todo esse tempo separados.

— Eu nunca poderia querer outra depois de você — digo quando

consigo achar minha voz, erguendo sutilmente o meu quadril e arrancando


dela um gemido manhoso.

— Jura? — Ela revira os olhos e morde os lábios com força.

Puxo seu corpo para cima e beijo seus lábios com vontade, fazendo-a

cavalgar sobre mim devagar, num ritmo que faça nosso clímax se formar e
crescer cada vez mais.

— Juro, eu não quero mais ninguém, só você! — digo, colando minha


testa na sua.

— Então me diga...

— O que quer que eu diga? — Olho nos seus olhos e eles ganham
aquele brilho malicioso.

— Que não vai foder mais nenhuma boceta, boca, cu ou o que quer

que for se não os meus. — Minha anja dá lugar a demônia e essa gosta de
ouvir sacanagens.

— Nunca vou comer outra boceta se não a sua, nenhuma boca vai
tocar o meu pau se não essa sua boquinha gulosa e esse seu cuzinho
delicioso? É questão de dias para que me deixe fincar minha bandeira nele e
tomar por meu esse território do seu corpo ainda inexplorado. Você é minha
loucura, Cecília! — digo, prendendo seus braços com uma das mãos para trás
para ter a mais bela visão dos seus seios balançando enquanto ela cavalga

sobre mim em um ritmo cada vez mais rápido e constante, minha outra mão
indo de encontro a seu queixo e o segurando para que me olhe.

— Oh! — Sinto suas paredes me apertando e meu pau começa a


aumentar de tamanho, pronto para gozar.

— Fode esse pau que ele também é só seu, minha demônia!

O corpo de Cecília treme por completo ao ser acometido pelo


orgasmo, antes que seu gemido tome conta de toda a casa tomo posso dos
seus lábios e engulo-o e deixo que ela engula o meu próprio ao segui-la nesse
caminho sem volta que nossos corpo tomaram em perfeita sincronia e eu me
derramo dentro dela, derramo-me por completo para ela, corpo, alma e
coração.

Ergo meu olhos ao levar a xícara de café aos meus lábios e coro
imediatamente com a intensidade que encontro no olhar de Cícero, que me
fita do outro lado da mesa com um sorriso lento e convidativo se espalhando
por seus lábios, engulo rápido demais o líquido e acabo por me engasgar
chamando a atenção da minha vó para mim.
— São Brás, Lia! — diz dando tapinhas nas minhas costas. — Coma
devagar, criatura, o café não vai sair correndo da mesa.

— Desculpe! — Nem sei por que estou me desculpando, baixo meus


olhos e fito a xícara entre as minhas mãos.

— O café não é como uns e outros que vão dormir num canto da casa
e misteriosamente somem, surgindo em outro na manhã seguinte. — Por mais

incrível que pareça sua voz não tem censura, mas isso não evita que meus
olhos vão direto para Cícero com a exclamação "Ela sabe!" estampada no
meu rosto.

— Vó... E-eu... — começo a falar já que o covarde está mudo e duro


feito uma pedra com a sua xícara colada aos lábios, mas sou interrompida por
sua mão erguida me avisando que não devo nem tentar.

— Não venha com balela, só façam menos barulho quando decidirem


que vão fornicar de manhã cedo, temos vizinhos e Deus sabe que essas

paredes são mais finas do que se fossem de madeirite — fala, olhando de um


para o outro e vê como eu, Cícero cuspir fora o café que havia posto na boca
nesse exato momento. — Você também, caboré, manchou minha toalha, veja
só.

Se fosse só a tolha que tivesse manchado daríamos um jeito, só não


sei o que fazer com a mancha vermelha que deve ser o meu rosto nesse
momento com a confirmação de que minha avó não só sabe o que aconteceu,
como também ouviu nossos grunhidos e gemidos, alguém me enterra, pois já

estou mortinha da Silva.

— Vó, não pode falar essas coisas! — digo ainda sentindo meu rosto
queimando constrangido.

— Oras, Cecília, até parece que não sabe que eu sei das coisas — diz

com aquele seu ar superior que não deixa espaço para questionamentos. —
Só digo uma coisa, apressem esse casamento e nada de cartório, você, caboré,
vai fazer da minha neta uma senhora como manda a santa e amada igreja,
nada de ficar fornicando por aí sem um compromisso firmado, já basta ter
emprenhado ela sem casar.

Eu estou ouvindo, mas me custa a acreditar que é real, minha avó


passando sermão em Cícero por um compromisso sério e o mesmo de bico
fechado tentando controlar a tosse e balançando a cabeça como a porra de um

daqueles bonequinhos que tem uma mola no pescoço.

— Vó, não pode impor essas coisas assim não, precisamos conversar
melhor, ver se é isso que queremos, estar grávida não é motivo para apressar
as coisas. — Nem sei ao certo por que estou tentando um ponto de vista
diferente do seu, talvez seja só minha vontade de ter a palavra final em algo.

— O que não pode é eu ter uma neta amancebada se você e esse cabra
aqui se gostam. — Ergue uma sobrancelha me convidando a negar, suspiro e
jogo a bola para Cícero.

— E você vai só balançar a cabeça, não vai tomar uma atitude? —


direciono minha irritação nele.

— Não! Vou fazer algo a respeito — responde quando consegue


controlar a tosse.

— E vai fazer o que então? — Cruzo os braços e o fito colocando a


língua de lado, esperando por sua atitude.

— Vou perguntar se a senhora me concede a mão da sua neta em


casamento? Dessa vez com tudo que manda a santa amada igreja — diz
olhando para minha vó que de repente ficou muda e abre um sorriso gigante,
como se ela fosse a noiva.

— Não deveria ser pra mim essa pergunta? — pergunto levantando.

— Senta aí, Lia, e termina o seu café! — minha avó comanda e

mesmo contrariada faço como diz, ela por sua vez se levanta e sai em direção
ao quarto.

Fico em silêncio por um tempo, fitando o covarde a minha frente que


evita a todo instante me olhar nos olhos, sabe que me pegou de jeito na sua
armadilha e agora tem minha avó lhe dando apoio, tornando mais difícil
resistir à invasão de imagens que se infiltram na minha cabeça sem que eu
autorize, onde eu estou ao seu lado em meio a uma igreja repleta com nossos
amigos e familiares e eu me torno a Sra. Cícero Duarte. É sem minha

permissão que um sorriso sonhador surge nos meus lábios justamente quando
ele decide me olhar e retribui com um tão brilhante que sinto meu peito doer
tamanha a beleza diante dos meus olhos.

— Isso é um sim? — pergunta, estendendo a mão em minha direção.

— Não me foi perguntado nada para que eu tenha que dar uma
resposta. — Meus dedos tocam os seus e o toque de nossas peles faz um
turbilhão de sensações preencher o meu peito.

— Eu achei que já tinha deixado claro que quero você na minha vida,
não deixei? — sua voz suave faz com que lágrimas enxeridas surjam nos
meus olhos.

— Você consegue ser bastante romântico às vezes, Comandante —


digo segurando o choro.

— Eu tenho meus momentos! — Pisca um olho divertido. — Mas se


o que lhe falta é um pedido formal, eu pergunto agora: quer casar comigo,
Cecília?

Pergunta já levantando e caminha os poucos passos até parar ao meu


lado.

Ergo a cabeça para vê-lo em toda a sua grandeza de tamanho como


também de sentimentos, levanto e encaro seu rosto com seriedade.

— Sem jogadas dessa vez, nem motivos bobos para me ter na sua

cama, muito menos prazo de validade — digo estreitando os olhos para ele.

— Sem nada disso, só eu e você e o que sentimos um pelo outro —


responde tão seriamente quanto eu.

— E o nosso filho também — digo sorrindo.

— A importância dele está sobre eu e você, não é discutível.

— Então sim, eu caso com você, Comandante Duarte, mas só se me


deixar brincar com você algumas vezes usando aquele uniforme de piloto,
não resisto a um homem fardado. — Sorrio ainda mais quando seu braço
envolve minha cintura e me puxa para junto de si.

— E com quantos homens fardados você andou brincando, Cecília?


— Estreita os olhos, deixando seus lábios a poucos centímetros dos meus.

— Não muitos, o suficiente para saber que esse é um fetiche meu,

agora cabe a você me manter satisfeita ou vou pedir o divórcio antes mesmo
dos votos. — Pisco os olhos de forma sedutora e o grunhido que escapa da
sua boca incendeia todas as partes do meu corpo.

— Isso é um desafio, Cecília?

— Se acha que não consegue... — deixo a frase solta no ar.

— Vou mostrar para você como se mantém uma noiva safada como
você na linha, deixa só voltarmos da sua consulta e verá — suas palavras
fazem a umidade entre as minhas pernas quase constante aumentar a um nível

crítico.

— Isso é uma promessa, Comandante? — pergunto e mordo meu


lábio por dentro.

— Não, Cecília, é uma certeza! — E antes que consiga minha

próxima respiração ele toma meus lábios com os seus ao mesmo tempo que
aperta meu quadril, me deixando consciente da sua ereção ao devorar minha
boca como se esse fosse seu verdadeiro desjejum, não a comida esquecida
sobre a mesa.

— Hã-hã! — Ouvimos ao mesmo tempo e nos soltamos como dois


adolescentes pegos pelos pais, Cícero me puxa e coloca na sua frente, assim
esconde sua ereção dos olhos afiados da minha avó. — Acho que já se
entenderam, não é?

Balançamos as cabeças confirmando.

— Que bom, assim vamos nessa ou chegaremos atrasados na sua


consulta, Lia.

Olho para Cícero e os seus olhos refletem o mesmo que os meus, já


era qualquer tipo de sacanagem que ele estivesse pensando em fazer comigo
depois da consulta, mas tudo bem, teremos tempo para isso.
O sinal fecha e mais uma vez olho para o lado, ainda não acreditando
que ela realmente esteja aqui e estejamos bem depois de tudo e indo para sua
primeira consulta pré-natal, a verdade é que essa parte me deixa com o cu na

mão, a ideia de que um serzinho metade dela, metade minha, está crescendo
dentro de Cecília faz minhas mãos suarem e um nó se formar na minha
garganta, ainda mais por não termos crescido com bons exemplos do que
seriam pais de verdade, claro, tirando dessa cota Silvana e dona Clarisse que
assumiram os papéis substituindo com amor e compreensão, mas não deixo
de me perguntar sempre que tipo de pai eu serei.

A mão de Cecília sai de sobre sua barriga onde a manteve por um


bom tempo, perdida em pensamentos, e toca a minha apertando de leve. Seus
olhos sobem para encontrar os meus e vejo neles as mesmas dúvidas que eu

tenho nesse momento.

— Vai dar tudo certo! — digo e ela desvia os olhos para a avó que
finge não estar prestando atenção a nossa interação.

— Eu tô com medo de ter feito alguma besteira sem querer e de


alguma forma ter prejudicado nosso filho. — Morde o lábio por dentro e vira
o rosto na direção contrária.
— Hei, vai ficar tudo bem, você não fez nada de errado e
independente de qualquer coisa, estou aqui. — Toco seu ombro e ela vira o

rosto, beijando minha mão.

— Obrigada por estar! — Um sorriso ainda triste surge, já é um


avanço.

Piso no acelerador e partimos em silêncio pelos próximos minutos,

dona Clarisse não fala nada, o que é estranho para alguém que sempre tem
uma resposta para tudo, mas talvez ela esteja apenas dando a neta e a mim a
chance de descobrirmos como contornar as pequenas dificuldades por nós
mesmos. Paro o carro na garagem subterrânea do edifício onde fica o
consultório do ginecologista dela, o fato dele ser homem foi motivo de debate
entre nós pouco tempo antes de sairmos de casa, no fim tive que entender que
ela confia nele e que é um senhor de idade que atende as mulheres da sua
família há anos.

— Não vai implicar de novo com o Dr. Felipe não, vai? — pergunta
já sabendo onde estão indo meus pensamentos.

— Não, mas se ele olhar para você de outra forma se não a mais
profissional possível eu arrebento com a cara dele, idoso ou não — respondo
e já saio do carro.

— Você é um ogro mesmo, ele me viu nascer, tenha dó, não é todo
homem que não consegue olhar para uma mulher sem pensar safadeza como
você, seu cretino. — Sai pisando duro, olho para o lado e vejo dona Clarisse

me olhando com cara de poucos amigos e balança a cabeça.

Pronto, agora tenho as duas contra mim. Vou atrás de Cecília que
espera o elevador de braços cruzados visivelmente irritada, passo o braço pela
sua cintura puxando-a para mim e diferente do que pensei não sai do meu

abraço.

— Me desculpe, eu só...

— Está sendo um imbecil do caralho e filho da puta! — solta irritada.

— Olha essa boca suja, meu filho está aqui e ele pode escutar. —
Tento fazê-la rir e consigo.

— Então vai ter que ficar longe de mim por um bom tempo. — Vira
já com aquele olhar atrevido, colocando os lábios de lado.

— Como assim? — Estreito os olhos para ela.

A demônia olha sobre o meu ombro para ver se a avó está perto o
bastante e se inclina para falar bem próximo ao meu ouvido, sua respiração
fazendo o efeito que ela esperava e engulo em seco antes mesmo dela
começar a falar.

— Eu gosto de ser fodida enquanto ouço coisas sujas e você sabe


disso mais do que ninguém, então para evitar que ele escute o que não deve,
terei que manter distância de você e do brocador aí. — Ela desce o olhar para
o meu pau que faz volume no jeans e sorri satisfeita. — Será uma pena não

ouvir seus palavrões enquanto me fode.

— Brocador? — Franzo o cenho para o apelido que deu ao meu


cacete, só ela mesmo.

— Sim, do tipo que fura concreto! — Aponta para a barriga e sorri.

— Mas é uma pena, terei que brincar com o vibrador outra vez, ele é
comportado.

Ela consegue seu objetivo, o palavrão vem fácil e eu a puxo para o


círculo dos meus braços enfiando meu rosto na junção do seu pescoço e
ombro.

— Por mim ele vai nascer e dizer "Não me bate, filho da puta!" ao
invés de chorar! — Mordo o lóbulo da sua orelha e seu corpo treme
levemente antes dela explodir em uma risada que faz loucuras comigo, sua

voz rouca de quem fez sexo ou está prestes a trepar com alguém é uma
loucura a parte.

— Já que estão se divertindo é bom entrarem no elevador, já estamos


atrasados — dona Clarisse diz, passando a nossa frente e a seguimos.

Saímos no sétimo andar de mãos dadas e é incrível como uma coisa


trivial para muitas pessoas para mim é um ato imenso, nunca pensei que ser
visto ao lado de uma mulher e mostrar para todos que nos observam que ela é

minha traria tanta satisfação e um enorme sorriso que ameaça partir meu

rosto ao meio.

— Cecília, pode me acompanhar, por favor? — a atendente chama e


me levanto junto. — O senhor entra em seguida, ela vai apenas trocar de
roupa e aferir a pressão.

Balanço a cabeça e vejo as duas seguirem para a porta ao lado de uma


maior de madeira escura, os segundos se estendem infinitamente enquanto
espero que a mulher que nem perguntei o nome venha me dizer que já posso
entrar. Apesar de ter prometido a Cecília que manteria minha mente ciumenta
controlada não consigo e quando levanto mais uma vez a porta grande abre e
a atendente sorri, abrindo para que eu entre.

Dona Clarisse também levanta e me acompanha, assim que passamos


pela porta a atendente fecha a porta as minhas costas, Cecília está deitada

sobre uma maca com um lençol sobre suas pernas e a bata erguida deixando
sua barriga levemente protuberante à mostra, ela abre um sorriso
incrivelmente lindo para mim e prendo a respiração por um segundo antes de
caminhar até ela e segurar sua mão que está gelada.

— Está com frio? — pergunto antes de beijar sua testa.

— Não, apenas ansiosa, o Dr. Felipe acha que podemos descobrir o


sexo do bebê ainda hoje. — Sinto minhas pernas tremerem, não sei se estou
preparado para isso ainda.

— Seja corajoso, rapaz, parece que vai desmaiar a qualquer momento.


— A mão de dona Clarisse toca meu ombro e olho para ela, apavorado. —
Respire.

Nesse momento um senhor que parece ser mais velho que o


[5]
Matusalém sai de uma porta que nem tinha percebido que existia e se
posiciona do outro lado, começando a mexer nos aparelhos.

— Esse deve ser o seu noivo, Felipe Noronha! — Estende uma mão
para mim e eu aperto ainda sem conseguir falar nada, apenas balanço a
cabeça. — Clarisse, quanto tempo, você me abandonou, foi?

— Como se sua secretária não me ligasse a cada seis meses, né


Felipe! — Ela revira os olhos e vejo que entre eles há mais do que uma
relação médico-paciente, pelos anos já são amigos íntimos.

— Sim, gosto de manter um olho sobre as minhas meninas e por falar


nisso, Lia, tem certeza de que faz três meses desde sua última menstruação?
— Ele olha para ela que me olha corando.

— É, foi mais ou menos três meses atrás, eu acho.

— Bom, o aparelho de Ultrassonografia nos dará um tempo mais


preciso, assim você poderá se programar para uma data estimada.
Balançamos a cabeça concordando, eu respondendo por ela também.
Logo o monitor ganha vida e no meio da tela uma faixa de luz aparece

revelando uma figura minúscula envolta pelo que imagino serem as paredes
do útero. Meu coração para de bater e lágrimas surgem nos meus olhos ao
fitar a imagem do meu filho pela primeira vez. Sinto de leve a mão de Cecília
apertar a minha e meus olhos desviam da tela para fitar os seus que me olham

tão maravilhada quanto eu estou, nós fizemos isso juntos, geramos uma vida
que agora se remexe diante dos meus olhos na tela.

— Acho que está enganada quanto ao tempo de gestação, minha


querida. — O médico congela algumas imagens e faz alguns cálculos antes
de deixar a imagem voltar a ganhar vida e nos olha com um sorriso. — Pelas
medições que fiz você está entrando na décima quarta semana gestacional, o
que dá em torno de três meses e meio mais ou menos.

— Mas eu tenho certeza de que houve menstruação — Cecília diz

convicta.

— Sim, há casos de mulheres que relatam menstruar até a vigésima


semana, não é tão anormal assim. — Ele sorri, tranquilizando-a, e volta a sua
atenção para o monitor enquanto continua a movimentar o transdutor sobre a
barriga dela.

Na minha mente faço as contas, a noite que foi quando transamos sem
camisinha a primeira vez foi há menos de três meses e da última vez menos
tempo ainda o que quer dizer que ela engravidou... Olho para ela e vejo que

chegou a mesma conclusão que eu.

— No seu apartamento, B-R-O-C-A-D-O-R! — diz a última palavra


sem emitir som e as imagens daquela nossa primeira vez voltam como flashes
na minha mente despertando o pervertido em mim, seus olhos também
brilham com o desejo e sorrio por não estar pensando safadeza nessa hora

sozinho.

— Vocês podem prestar atenção no que Felipe fala? — dona Clarisse


nos tira da nossa bolha exclusiva com uma reprimenda e vejo o tom vermelho
voltar ao rosto de Cecília.

— Desculpe — ela pede e também foco na imagem a frente.

— Eu estava dizendo que o bebê se virou e posso ter uma imagem


clara do sexo dele, vocês querem saber ou preferem esperar até o parto? —
suas palavras fazem meu coração disparar mais uma vez, agora com um novo

tipo de adrenalina.

— Você quer? — a voz de Cecília invade meu momento de pânico e


me sinto feliz por ela pedir a minha opinião mesmo vendo como está ansiosa
por isso.

— Sim, queremos saber. — Ouço o ufa da dona Clarisse e sorrio para


ela, por saber que também esperou meu consentimento.
— Bom... — Ele movimenta o transdutor e clica no teclado
congelando a imagem e a amplia. — Parabéns, vocês serão pais de uma

menina.

Ele abre um sorriso enorme que se assemelha ao de Cecília que


também chora e me olha em seguida, eu por minha vez pareço que estou
vendo tudo através de uma parede vidro que não me permite ouvir nada do

que me dizem. Acho que eu sorrio para ela e balanço a cabeça confirmando
alguma coisa, mas a verdade é que meu pensamento está distante,
imaginando uma garotinha com os mesmos olhos escuros e sorriso
debochado da mãe me desafiando a erguê-la o mais alto possível enquanto
sorrimos um para o outro e meu mundo sofre uma guinada radical com as mil
possibilidades de protegê-la de tudo e todos que ousarem fazer mal a minha
garotinha.

Minha filha...

—... ouçam como bate de forma uniforme! — A realidade volta ao


meus olhos quando um som forte enche o ambiente, estreito os olhos e vejo
linhas azuis e vermelhas cruzarem a tela e entendo do que se trata.

— Nossa menina está saudável! — Cecília aperta minha mão e olho


para ela em meio as lágrimas que agora já decidiram rolar por nossos rostos,
me inclino e beijo seus lábios de leve.
— Sim, ela é forte como o pai e uma guerreira como a mãe — digo
depois de beijar sua testa e assistimos emocionados o coração da nossa

garotinha bater e o médico falar sobre coisas técnicas que não fazem muito
sentido para mim no momento.

— Bem que me falaram — digo ao estacionar na garagem da casa da


minha mãe.

— O que falaram? — Cecília pergunta quando sua vó sai, pois sabe


que vem algo sujo.

— Que tenho um pau brocador, só não sabia que tinha um super

esperma também. — Mexo as sobrancelhas e ela ri, revirando os olhos.

— Você é um filho da puta metido, aposto que furou a merda da


camisinha aquele dia — diz rindo ainda.

— Não, mas se soubesse que ia me sentir assim teria feito isso com
certeza. — Saio do carro e dou a volta para abrir sua porta. Ela olha para tudo
com um olhar ansioso, sei que está com medo do que minha mãe e irmã
dirão.
— Assim como? — Segura na mão que lhe estendo e puxo seu corpo
para o meu lado e beijo o lado da sua cabeça.

— É difícil de explicar, só estou muito mais feliz do que imaginei que


ficaria um dia. — Ela deita a cabeça no meu braço e suspira.

— Sei como é.

A porta lateral se abre e Luana surge carregando seu ar de

superioridade e nos fita com um estreitar de olhos antes de voltar sua atenção
para dona Clarisse.

— Vó Clarisse, que saudade estava da senhora! — Elas se abraçam e


fico olhando a cena, tão confuso quanto Cecília que muda o peso do corpo de
uma perna para outra.

— Foi só uma semana fora, menina exagerada. — A senhora segura


no rosto da minha irmã e vejo que o sentimento é recíproco.

— Vocês chegaram! — Silvana surge com um sorriso enorme e vem

direto para nos abraçar. — Cecília, que bom recebê-la aqui novamente. —
Fico feliz com a recepção adequada a minha futura mulher.

— Obrigada, Silvana, é ótimo revê-la também, me desculpe pela


forma como saí da última vez. — Cecília cora e envolvo seu corpo para dar-
lhe apoio.

— Ah, deixe de bobeira, o importante é que agora estão bem


novamente, não é mesmo? — Olha de mim para ela e nos olhamos
confirmando.

— Claro que estão bem, não tá vendo como se olham? — o sarcasmo


na voz de Luana me faz olhar para ela, irritado.

— Luana, não! — digo, endurecendo meu olhar para ela.

— Não o quê? Ela não fugiu e te deixou feito um idiota que é minutos

antes do casamento? Sim, você merecia, mas não quer dizer que eu tenha que
recebê-la de braços abertos. — Para enfatizar o que diz, cruza os braços e
mexe o pescoço enquanto nos olha com desdém.

— Lua... — começo a dizer, mas Cecília toma a frente.

— Tem razão, não precisa me receber de braços abertos ou sequer


falar comigo, a escolha é sua, como também foi escolha minha voltar para
Fortaleza e consequentemente para o seu irmão. Mas saiba que viemos para
ficar, quer você queira, quer não.

Diferente do que pensei ser o embate do ano entre Cecília e minha


irmã, vejo Luana abrir um sorriso enorme e envolver minha noiva em um
abraço apertado.

— Bem-vinda de volta, cunhada! — Olho para minha mãe que dá de


ombros e dona Clarisse só balança a cabeça como se já esperasse.

— Pensei que estivesse chateada comigo — Cecília fala quando


consegue sair dos braços da minha irmã maluca.

— Eu tô ainda, deixar meu irmão é uma coisa aceitável, mas você

nem me ligou para dizer se estava bem ou não, vó Clarisse que me contava as
coisas sobre você.

— Isso é verdade! — dona Clarisse confirma.

— Desculpa, Luana, eu estava fugindo de tudo que lembrasse seu

irmão — Cecília fala encolhendo os ombros.

— Tá desculpada, mas você disse “viemos para ficar” e não sei se


isso se aplica a você e o meu irmão. — Ela estreita os olhos e não perco a
chance de dar a notícia junto com minha anja-demônia.

— Não, mas eu tenho uma grande parcela nisso. — Envolvo o corpo


de Cecília e deixo minhas mãos repousarem no seu ventre onde nossa menina
cresce saudável.

— Oh, meu Deus, eu serei avó! — minha mãe exclama entendendo e

vindo nos abraçar mais uma vez. — Quando descobriram?

— Em Missão Velha — digo e os olho dela se enchem de lágrimas.

— O primeiro neto, que emoção.

— Na verdade é neta, teremos uma menina! — Cecília diz e o sorriso


da minha mãe falta pouco dividir o rosto.

— Ah, uma garotinha...


— Para que eu possa levar para fazer compras e ir ao salão de beleza
e tomar sorvete! — Luana diz, vindo nos abraçar tão sorridente quanto minha

mãe.

— Acho que vai demorar um pouco para isso acontecer.

— Não seja estraga-prazer, Cícero, o importante é que é uma menina,


não um garoto pé no saco!

Reviro os olhos e me rendo a risada das mulheres da minha vida


reunidas no mesmo lugar e me sinto tão infinitamente feliz que por um
instante me esqueço que esse almoço não é apenas para contarmos as
novidades, mas sim tentarmos juntos descobrir o que for possível sobre as
armações de Arnoldo e evitar que ele possa de alguma forma destruir essa
felicidade que estamos construindo.
O almoço de "reconciliação/anúncio de noivado e gravidez" ocorre
de forma tranquila, descobri que Silvana, diferente do que imaginei, nasceu
em Brejo Santo, cidade não muito longe de Missão Velha onde fiquei o

último mês e ela nos contou um pouco de como foi crescer no interior e em
seguida mudar-se para a capital na adolescência a fim de terminar os estudos.
Cícero, assim como eu, ficou atento às palavras da madrasta como se aquela
fosse a primeira vez que ela lhe contasse a história, o que imagino que foi.
Minha vó, por sua vez, a arrastou para uma conversa sobre o interior assim
que a sobremesa foi servida e devorada por nós, mas pudera, baba de moça
com canela é minha perdição.

Agora estamos Cícero e eu no escritório olhando para Luana que


remexe nos documentos sobre a grande mesa de mogno em busca dos papéis

que segundo ela pode ser a pista do porquê do meu pai resolver aparecer
justamente agora.

— Aqui está! — Ergue uma folha e balança no ar vitoriosa.

— Estamos criando raízes aqui, Luana! — Cícero implica com ela e


ganha o dedo do meio como resposta. — Muito educado para uma futura
presidente da Duarte Alimentos Ltda.
— Futura nada, nossos advogados estão cuidando para que eu possa
assumir o lugar que é meu de direito enquanto ainda estou estudando. — Ela

parece bastante feliz com essa possibilidade.

— E terá meu voto ao seu favor, mas vamos aos negócios, o que tem
para nós?

Ela circula a mesa e senta sobre ela a nossa frente, cruzando os

tornozelos para demonstrar uma calma que não parece ser o que está
realmente sentindo.

— Eu pedi a Carlos, diretor de TI da nossa empresa, que me ajudasse,


não sei se você sabe, mas ele já foi preso por hackear algumas pessoas
importantes, mas é uma boa pessoa e quando falei que era algo que poderia
influenciar no futuro da nossa companhia ele aceitou fazer uma pequena
"pesquisa detalhada" sobre as finanças de Arnoldo, aparentemente ele não
tem nada muito significativo para atrair nosso interesse, mas fuçando como

só ele é capaz de fazer, Carlos descobriu um padrão estranho em alguns


contratos que o escritório dele tem com algumas empresas de investimentos
que ele representa juridicamente.

Não entendo muito dessas coisas, mas ainda assim me mantenho


atenta ao que ela fala, já Cícero tensiona o corpo e aperta levemente a minha
mão.
— Que tipo de padrão? — Cícero pergunta.

— Todas as empresas são aparentemente de fachadas, não tem uma

sede social propriamente dita, pois ficam dois andares abaixo do escritório
dele. — Ela ergue uma sobrancelha e até eu consigo entender o que sugere.

— São todas uma coisa só — digo sentindo ainda mais repulsa pelo
homem que só aparece na minha vida para acabar com o pouco de felicidade

que conquistei após a morte da minha mãe.

— Sim, mas o padrão maior é que todas elas, cerca de quinze


empresas, têm ações da nossa empresa que somam trinta por cento delas, o
que dá a Arnoldo, como o representante jurídico delas, poder de voto perante
o conselho. — Eu fico cada vez mais perdida nessa montanha de sujeira a
qual o meu pai está envolvido.

— Como ele conseguiu isso? Nossas ações não estão dando sopa por
aí no mercado há muito tempo. — Cícero levanta e pega a folha na mão de

Luana.

Eu, do meu canto, vejo ele analisar o conteúdo e estreitar cada vez
mais os olhos, um frio esquisito tomando conta do meu estômago e fazendo
ele se revoltar dando um grande nó, me encolho não gostando nem um pouco
dessas sensações.

— Ele não descobriu a quem elas pertencem "oficialmente"? —


Cícero pergunta e Luana balança a cabeça negativamente.

— E onde eu entro nessa história toda? — arrisco perguntar, mesmo

que não espere por uma resposta.

— Não sei, Cecília, ainda não conseguimos fazer a ponte entre você e
essa história e não, Cícero, não foi possível ir mais fundo nas investigações
sem levantar suspeitas, mas não vamos desistir até que toda essa história seja

esclarecida. — Apesar das suas palavras eu não consigo sentir essa convicção
toda, é como se estivéssemos esperando por algo, um pequeno gatilho que
dará fim a tudo isso.

— E eu cuidarei de você, ele não vai chegar perto de você ou da sua


avó. — Cícero volta até onde estou e toca meu rosto com carinho, sinto uma
energia poderosa a partir de onde nossas peles se tocam e fluindo por todo o
meu corpo.

— Obrigada! — Viro o rosto e beijo a palma da sua mão, fazendo

surgir seu sorriso muito brilhante.

— Não me agradeça ainda, vai ter que convencer a sua avó a mudar-
se de casa até que tudo seja solucionado — diz, encolhendo os ombros.

— Mudar? Por quê?

— Ele parece ter um olho sobre vocês naquela casa, não me admiraria
se pagasse os vizinhos para saber mais das suas vidas ao longo dos anos, e
quando souber que sua tentativa foi por água abaixo não acho que ficará
longe e não o quero a menos de um quilômetro de distância de vocês.

— Minha avó não vai aceitar fácil e eu não saio de perto dela por
nada. — Levanto e encaro-o deixando clara minha posição.

— E quando eu estiver trabalhando, como daqui a algumas horas?

— Vou ficar em casa como sempre fiz. — Dou de ombros. — Me

recuso a mudar qualquer coisa na minha vida por causa dele.

— Cecília, a situação agora é outra, estamos apenas antecipando algo


que iria acontecer naturalmente com o nosso casamento. — Vendo por esse
lado há lógica no que fala, mas ainda assim.

— A coisa é, não vou dar ao meu pai o poder que deseja ter sobre
mim e a minha avó, não vou me amedrontar, ele vai dar um jeito de se meter
na minha vida esteja eu onde estiver, a diferença é que se sairmos de casa
agora ele vai saber que nos afeta e que provavelmente estamos a par de

alguma informação sobre ele.

Enquanto vou falando a coisa toda vai se formando na minha cabeça.


Espero que Cícero possa enxergar toda a verdade assim como eu.

— Mas se elas permanecerem onde estão, ele não só vai manter o


mesmo esquema, como tentará de alguma forma se aproximar delas — Luana
continua meu raciocínio.
— E vamos vencer ele dentro do seu próprio jogo — complemento
com um sorriso debochado.

— Mas você não vai gostar da segunda parte do plano, irmãozinho —


ela diz e o vejo olhar de mim para ela tentando fazer seus pensamentos
acompanharem os nossos.

— Do que eu não vou gostar? — Luana me olha e vejo seus olhos

pedirem para que a resposta venha de mim.

— Você terá que manter uma certa distância lá de casa — digo e


assisto seus olhos mudarem de tamanho e seu rosto ganhar um tom
avermelhado cada vez mais forte.

— Não, de forma alguma, esqueçam.

— Cicero, é a melhor chance de conseguirmos que Arnoldo pise em


falso e tenhamos chance de descobrir tudo — Luana fala o mais calmo
possível.

— Ele não vai me fazer mal, soube onde estive esses anos todos e
nunca tentou fazer contato, não antes de marcarmos a data do casamento —
digo me aproximando.

— Não quero ficar longe de vocês. — Suas mãos tocam meu ventre e
sinto o tremor que relaciono ao movimento da nossa garotinha.

— Não vai, daremos um jeito de nos vermos e pode ser que isso só
esquente ainda mais as coisas entre nós, o perigo eminente. — Pisco um olho
e vejo o fogo voltar aos seus olhos no mesmo instante.

— Oh, poupe-me dos detalhes, o certo é que vocês terão que fazer
tudo direitinho, começando com uma separação que não deixe dúvidas a
ninguém que foi real. — Luana sai da mesa e olha para um ponto qualquer na
parede.

— Como assim? — Cícero pergunta, desviando os olhos dos meus.

— Não é óbvio? Vocês vão atuar uma briga e dessa vez tem que ser
das feias...

— Não gosto nada disso, Cecília, sua avó vai querer arrancar minhas
bolas fora a sangue frio e eu gosto delas demais para isso — digo mesmo

sabendo que tudo não passará de uma farsa.

— Cícero — segura no meu rosto e cola sua testa na minha —, não


me agrada ficar longe de você também, mas se temos um chance de se livrar
do embuste do meu pai vamos aproveitar e eu estarei com você assim que
conseguir convencer a minha avó que tudo foi armação. Suas bolas estarão
seguras, eu prometo. — Um sorriso travesso surge nos seus lábios e eu
aproveito para beijá-la com todo meu desespero.
Eis a parte complicada disso tudo, como vou olhar nos olhos de dona
Clarisse sem me sentir um lixo com o que terei que dizer a sua neta a seguir,

se temos que "terminar" terá que ser uma briga feia, do tipo que deixe claro
que ambas as partes disseram coisas terríveis.

— Me prometa que não ouvirá qualquer coisa que eu vier a falar a


partir daqui, tudo bem? — Ela assente, mas com os olhos cautelosos. — Não,

eu quero ouvir as palavras saindo da sua boca, Cecília!

— Eu prometo que tudo que você me falar agora vou converter para o
contrário! — diz, erguendo uma mão como se estivesse perante um júri.

Levanto e começo a recolher minhas coisas recém-guardadas, jogo


tudo de qualquer jeito na minha bolsa e sigo para a porta.

— O que você está fazendo? — Ignoro sua pergunta. — Cícero o


que...?

Respiro fundo deixando o meu rosto o mais impassível possível,

escondendo dela e do mundo as emoções que transbordam no meu peito,


assim como fiz ao longo da minha vida. Viro para encará-la e quase volto
atrás ante seu olhar confuso.

— Pensou que ia durar até quando esse teatro? — Ela que vinha
dando um passo para e estreita os olhos para mim, balanço sutilmente a
cabeça pedindo que ela entenda que a grande cena começou.
— E por que não dá o fora daqui, seu filho de uma puta mentiroso? —
explode e atira o porta-retrato que estava sobre a cômoda na minha direção e

bate na parede com um baque alto o suficiente para que em seguida ouçamos
passos vindo em direção ao quarto.

— Eu já estou fazendo isso caso não tenha percebido, não me agrada


também ficar sob o mesmo teto que você! — digo, deixando que um sorriso

debochado apareça.

— Que diacho tá acontecendo aqui? — Dona Clarisse aparece na


porta do quarto nos olhando assustada.

— Eu o quero fora daqui, vovó, não suporto olhar mais para a cara
desse mentiroso traidor. — Por mais que saiba da verdade as palavras ainda
assim ferem.

— Mas vocês não estavam num grude só até pouco tempo? Querem
parar com essa birra e sentarem e conversarem como dois adultos que estão

para serem pais? — dona Clarisse diz, se colocando entre a neta e eu.

— Não, a hora da conversa já acabou, agora ele que vá pro raio que o
parta, pra baixo da égua e não volte nunca mais, eu te odeio — diz e as
lágrimas rolam pelo seu rosto, engulo em seco e prendo a respiração por um
instante.

— Eu não faço a menor questão de ficar mais um minuto ao seu lado,


aproveita agora e liga pro seu amiguinho de foda, ele vai vir correndo como

um cachorro, aposto que tudo isso aqui já era armação sua para ter uma

desculpa pra ir pra cama com ele, afinal filho de peixe, peixinho é, o que me
diz de quem é filha de uma puta?

Mal as palavras saem da minha boca rasgando meu peito de dentro


para fora, o tapa chega junto com elas, mal registro a dor, tudo que consigo

notar é a expressão atordoada de dona Clarisse que olha para a mão como se
não acreditasse que tinha me batido, o garotinho em mim se apavora com a
possibilidade dela nunca mais olhar para mim com o carinho de sempre,
mesmo quando estava de implicância, sentia ele escondido nas suas palavras.

— Você não sabe de nada, seu moleque! Dê o fora da minha casa e


não volte a chegar perto da minha neta ou juro que dou cabo não só da merda
que tem entre as pernas, mas da sua vida! Você é igualzinho ao verme do
Arnoldo, um monte de nada que caga arrogância por aí pra esconder a grande

porcaria que são.

Travo meu maxilar para não deixar que as lágrimas voltem aos meus
olhos, olho para além da senhora a minha frente e vejo Cecília pedir
desculpas sem emitir som, lágrimas rolando pelo seu rosto, ela chora não pela
situação, mas por mim, nunca alguém sentiu tanto pela minha dor e de
repente ver seu olhar magoado é demais.

Desvio o olhar sabendo que o estrago esperado já foi feito, aqui está o
que realmente sei que sou exposto para que ela veja, meu pai me disse isso

antes de morrer, que poderia rodar o mundo e tentar me esconder onde fosse,

mas a verdade um dia seria jogada na minha cara, aquela que diz que somos
iguais e cometeremos os mesmos erros, ele só se enganou nessa segunda
parte.

— Não se preocupe, eu não pretendia voltar mesmo, uma boa foda a

gente encontra em qualquer esquina. — Viro as costas sem olhar para trás.

Antes de me afastar ainda escuto dona Clarisse dizendo para Cecília


não chorar que eu já ia tarde e tudo ficaria bem. Chegar ao meu carro
demorou mais do que esperava, a dor das palavras dela cortando meu peito
profundamente. Dou a partida e saio, antes de virar a esquina noto pelo
retrovisor quando um homem sai de uma casa próxima a de Cecília e fica
olhando na direção que estou indo enquanto fala com alguém ao telefone.

Rezo para que tenha dado certo, do contrário toda essa dor terá sido

em vão e como falei, diferente do que meu pai me disse, farei com que o nada
no meu interior se transforme em algo bonito e que honre as pessoas que eu
amo. Assim que pego a Avenida Engenheiro Santana Júnior ligo para Alex,
preciso de um favor seu agora.

— Fala, seu mala! — diz assim que atende.

— Preciso da sua ajuda! — Vou direto ao ponto.


— Claro que precisa, do contrário não estaria me ligando. — Alex,
como sempre, adora uma gracinha.

— Não fode, caralho, a coisa é séria! — dito isso sua risada some
dando lugar a seriedade que o momento merece.

— O que aconteceu? — Paro no sinal e aproveito pra passar a mão no


rosto, as palavras de dona Clarisse ainda ecoando em minha mente.

— Precisei fazer uma coisa que não me orgulho muito e gostaria que
fosse a casa da Cecília para ver como ela está. — O olhar da minha anja-
demônia me pedindo desculpas cruza minha mente e bato no volante, irritado.
Deveria ser eu a lhe pedir desculpas por falar aquelas coisas, quem deveria
protegê-la, não o contrário.

— Que merda você fez? — questiona ficando irritado. — Mal se


reconciliaram e já cagou no pau novamente?

— Só fiz o necessário para ajudar a descobrir o que o pai dela quer

com ela. Olha, quando chegar ao Centro de Controle Tráfego Aéreo eu te


explico melhor, agora só vá até lá e veja como as coisas ficaram após minha
saída, sim? — peço com o coração a ponto de sair pela boca.

— Eu vou, mas por elas, você precisa me explicar direito essa história
para que eu decida se fico do seu lado ou não. — E essa é uma das coisas que
me fazem confiar nesse filho da puta, ele não pesa apenas amizade para
decidir de que lado ficará, analisa todos os fatos e só então toma partido.

Desliga e suspiro momentaneamente aliviado, Cecília dirá para ele o

que aconteceu e eu explicarei melhor assim que der, mas o importante é que
se descubra o que Arnoldo quer com ela para que seja preciso afastá-la de
mim, pela minha experiência não é pouca coisa.
O silêncio que se segue após a saída de Cícero é opressor, a angústia
que vi desfigurar seu rosto por alguns milésimos de segundo foi equivalente a
levar um soco no estômago, ele parecia tão desolado aos meus olhos, mesmo

tendo deixado a máscara no lugar eu pude sentir como as palavras da minha


avó doeram mil vezes mais do que o tapa que o deu.

— Vó... — começo a dizer, tentando de alguma forma encontrar uma


forma de amenizar as coisas sem revelar nosso plano ainda.

— Não, não precisa dizer nada, eu a empurrei de volta para aquele


insolente, não imaginei que do nada ele fosse sair correndo da
responsabilidade como um maricas, realmente achei que fosse diferente, que
aquela arrogância era só uma máscara, mas me enganei, pela primeira vez na

minha vida eu me enganei. — Seus ombros desabam como se estivessem


carregando um peso enorme e não soubesse como descartá-los.

Como ela não se vira para me olhar caminho até onde está e abraço
seu corpo miúdo, na minha mente eu falo tudo que é preciso para que ela
entenda que ele não disse nada por mal, que as palavras o estavam ferindo
mais do que tudo.

— Não se culpe, vovó, tudo ficará bem, pode acreditar, só dê tempo


ao tempo, sim? — Beijo a lateral da sua cabeça como ela tantas vezes fez
comigo.

— Eu que deveria estar te consolando, não o contrário — diz se


virando para mim.

— Ah não se preocupe, ainda vou precisar ser consolada, acho que


agora o choque é a pior parte — disfarço e me afasto olhando para a cama

onde há poucos minutos estive abraçada com Cícero, fazendo planos para
quando toda essa loucura acabar.

— Vou na casa de Vera, ela disse que tinha umas coisas da quermesse
da paróquia para mostrarmos ao padre Tarcísio, a vida não para, não é
mesmo? Se precisar de mim é só ligar — diz sem me olhar e sai, esse é o seu
jeito de evitar as crises, foca em outras coisas o mais rápido possível.

— Tudo bem, vó, vou tomar um banho e tentar descansar. —


Confirma com um aceno e sai.

Escuto atentamente seus movimentos pela casa até que ouço o portão
da área abrir e fechar, não perco tempo e já pego meu celular e ligo para
Cícero, preciso saber que ele está bem. O celular toca uma, duas, três vezes e
com cada toque que não recebe resposta meu coração dispara a ponto de sair
pela boca. Quando acho que será encaminhada para a caixa de mensagem a
voz dele enche meus ouvidos trazendo o alívio imediato.
— Cecília, está tudo bem? — pergunta ansioso.

— Eu estou e você? Não queria que tivesse que acontecer assim, sinto

muito, muito mesmo — digo as palavras atropelando-as tamanho é o meu


pesar.

— Hei, tá tudo bem, foi preciso. — Ele pigarreia e sei que não tá nada
bem. — E a sua avó, está me odiando agora, não é mesmo?

— Não, ela está magoada, desapontada, talvez com vontade de ir a


sua casa e arrancar suas bolas, mas tem um carinho enorme por você e
mesmo que não admita nunca, falar aquelas coisas para você a feriu
profundamente.

— Eu espero que consigamos o que pretendemos com isso, porque


tenho a marca da mão dela no meu rosto — diz tentando amenizar as coisas.

— Eu também espero, me doeu muito ver vocês brigando.

A linha fica em silêncio por alguns segundos antes dele quebrar o

silêncio com a voz um tom mais baixo e grave que o normal.

— Eu não lhe magoei com o que falei, magoei? — Sinto meu coração
ficar apertadinho por ele estar se preocupando comigo no fim das contas.

— Não, me magoou ver você sofrendo com o que minha avó falou,
por isso que liguei logo que ela saiu, precisava ter a certeza que sabe que
nada daquilo é verdade, ela falou na hora da raiva, você não é nada parecido
com aquele canalha do meu pai. — Sinto meus olhos encherem d'água ao
lembrar das inúmeras vezes que presenciei minha mãe chorar por ele.

— Eu... — começa a falar, mas para.

— Você não é, suas atitudes já me mostram isso — digo com a voz


embargada.

— Está chorando? Por favor não chore, minha anja, eu não vou

conseguir levar esse plano adiante sabendo que você está chorando, ainda
mais sozinha. — Sua voz acalma um pouco do turbilhão de emoções que
ameaçam explodir no meu peito.

— Não, estou bem, é só que fiquei com tanto medo de... Eu não quero
perder você, essa é verdade — digo, colocando para fora os meus medos.

— Não vai perder, onde mais eu encontraria uma demônia com uma
língua afiada, um rosto angelical e um corpo que me deixa louco só em
lembrar de como ele é quente e convidativo como o inferno? — Um sorriso

melancólico surge nos meus lábios, minha pele arrepiando com suas palavras.

— Não me seduza, Comandante, estamos separados e não vamos ter


como nos ver até a próxima semana pelo menos. — O seu suspiro imita o
meu.

— Nem me lembre, corro o risco de ter a Síndrome do túnel do

carpo[6] de tanta punheta que terei que tocar até poder foder você novamente.
— Não seguro o riso que se segue.

— Que drama, Cícero! Eu também ficarei sem sexo e não estou

morrendo por isso. — Reviro os olhos mesmo sabendo que ele não pode ver.

— Não é drama, é que me viciei no seu cheiro, no seu corpo, nesse


seu olhar astuto e ficar longe de você antes, quando achava que o que existia
entre nós apenas atração já era difícil, agora que sei que o que sentimos é

mais profundo e recíproco se torna uma missão quase impossível — suas


palavras aquecem o meu coração de uma forma tão gostosa e mais uma vez
sinto o movimento sutil no meu ventre.

— Será difícil para nós duas ficarmos longe de você, mas darei um
jeito de te ver se não tivermos retorno dele depois do que fizemos hoje —
digo de forma decidida, não vou ficar longe, sentada, esperando por resposta.

— Daremos um jeito, agora só se cuide e evite sair sozinha, Arnoldo


vai esperar um momento em que você esteja vulnerável para se aproximar,

pode ter certeza. — Isso já tinha me passado pela cabeça, por isso nossa farsa
se fez ainda mais necessária.

— Tomarei cuidado sim, pode deixar, você também precisa me


prometer que se cuidará e não deixará que todos esses problemas influenciem
na hora de pilotar, morro de medo ao pensar em você desatento naquele
helicóptero e não poder estar cuidando de você do Centro de Controle. — Só
em pensar meu coração dispara.

— Eu não serei imprudente, pode ficar tranquila, mas confesso que

sinto muita falta da sua voz no meu headset. — Acho que meu coração vai
explodir de tanto amor por esse homem.

— Isso foi muito fofo de se dizer, sabia? — Enxugo a lágrima que


insiste em rolar do meu rosto, sorrindo.

— Não, na verdade não sabia, até porque já fantasiei pegar você


dentro daquela sala enquanto você dava instruções aos pilotos. — Ele ri alto e
não consigo não rir junto.

— Você é um pervertido, isso sim!

— E você adora que eu seja, sei disso! — diz todo convencido.

— Sim, adoro suas várias facetas, agora deixarei que se prepare para
o trabalho, quando tiver uma folga no meio da noite me ligue, vou adorar
fazer sexo por telefone com você — digo e seu grunhido chega até mim me

fazendo sorrir.

— Isso pode ter certeza, estava no banheiro quando você ligou,


lembrando do nosso banho essa manhã. — Agora é minha vez de gemer com
a memória.

— Certo, agora chega, vá logo se vestir ou vou querer que o sexo


comece agora mesmo. — Ele ri, o safado.
— Agora não dá mesmo, Alex está indo aí a meu pedido e não quero
que ele tenha a visão linda que é você depois que atinge o orgasmo, essa

visão é apenas para os meus olhos. — Pronto, o possessivo tá de volta.

— Certo, homem das cavernas, a campainha está tocando, deixa ir


atender, aliás devo contar tudo para ele?

— Sim, estou contando com isso, ele poderá ser mais uma fonte de

comunicação entre nós. — Fico aliviada com isso, Alex é como um irmão
mais velho para mim, ter ele ao nosso lado agora que vovó acredita que
terminamos será de grande ajuda.

— Tá bom, beijos!

— Beijos, minha anja-demônia! — Espero que ele desligue, mas não


é o que acontece e mais uma vez a campainha toca. — Cecília?

— Oi?

— Eu te amo! — essas três palavras fazem toda essa loucura que

estamos vivendo valer a pena.

— Eu também amo você. Agora desligue.

Ouço seu riso antes que afaste o telefone do ouvido para encerrar a
chamada e ir receber Alex para transformá-lo no nosso cúmplice.
A brisa leve da manhã que se inicia entra através da janela do quarto,
vejo ao longe o céu começando a clarear, minha mente ainda presa no último
pesadelo onde em um momento eu estava ao lado de Cecília sentindo seu

calor junto ao meu enquanto nos amamos, seus cabelos espalhados sobre o
travesseiro branco e aquele sorriso de quando está saciada cruzando seus
lábios, para em um segundo tudo mudar de foco e seu corpo se desfazer entre
os meus dedos literalmente até que ela sumisse.

"Não me esqueça!", a frase que me disse em sonho volta a ressoar em


meus ouvidos e meu coração dispara fazendo uma fina camada de suor cobrir
meu corpo, foi assim que acordei ainda com o céu escuro e desde então não
consegui voltar a dormir. Faz quase um mês desde que vi minha anja-
demônia pela última vez em carne e osso, tudo que tivemos nesse meio

tempo foram minutos roubados de conversas ao telefone, seja por


videochamadas ou telefonemas onde sua voz aquieta um pouco essa sensação
de vazio que tenho sentido.

O telefone sobre o meu criado-mudo vibra e levanto para atendê-lo, o


rosto sorridente de Cecília enche a tela e o sangue em minhas veias volta a
correr ferozmente.
— Cecília, está tudo bem? — pergunto preocupado, não são nem
cinco e meia da manhã, ela deveria estar dormindo.

— Está, acordei com fome e senti que precisava falar com você,
aproveitei que vovó está dormindo para isso — sua voz está melancólica,
mais do que tem ficado nos últimos dias.

— Foi só isso mesmo? Tem certeza? — insisto e ouço o seu suspiro

tremido do outro lado.

— Não, eu me sinto tão boba por me sentir insegura com tudo isso,
mas é que não está fácil esperar por algo que não sabemos se acontecerá, já se
passou um mês e ele não tentou uma aproximação ainda, já não tenho tanta
certeza se valia a pena essa distância por nada — seu desabafo não difere
muito do que tenho sentido.

— Quer acabar com isso? Eu não me importo, acharemos outra forma


de descobrir o que seu pai tem aprontado — falo, dando a ela a certeza de que

o que decidir eu estarei do seu lado.

— Não faça isso... — sua voz diminui ainda mais o tom.

— Não faça o que, Cecília?

— Não me dê opção que fica difícil manter o plano. — Não quero ela
se sacrificando assim.

— Anja, me escute, não precisamos ser mártires, esse clima ruim não
faz nada bem para você ou nossa garotinha e eu estou tão cansado de ter
apenas esses poucos momentos com você e ainda assim sem realmente estar.

— Sento na cama e deixo meus ombros desabarem.

— Alex acha que precisamos esperar mais uma semana, mas a


verdade é que não sei mais de nada e se estivermos passando por tudo isso à
toa? — Seu medo reflete bem o que tenho sentido.

— Ele me falou isso também a noite passada quando saíamos do


CCTA. Essa situação não me agrada em nada, estou perdendo uma parte
importante da evolução da sua gravidez, quero poder sentir nossa filha
chutando também, levar você a próxima consulta e ouvir por mim mesmo que
tudo está bem com vocês. — Eu não achei que coisas que para muitas
pessoas são corriqueiras e passam despercebidas me fariam tanta falta. — E
acima de tudo quero poder abraçar, beijar seus lábios e ficar deitado com
você ao meu lado sem fazermos nada.

— Eu também quero tudo isso e muito mais... — Ela para e solta um


suspiro entrecortado.

— Tem algo mais que não está me contando — afirmo com


convicção.

— É, eu tenho pensado muito na minha mãe e tudo que ela teve que
enfrentar durante anos e me pego fazendo perguntas que não tenho como
obter respostas. — Puxa uma respiração entrecortada.

— Eu estou indo para aí agora mesmo! — digo já de pé, procurando

minha carteira e chaves do carro.

— Não, não venha, eu não vou conseguir te colocar para fora. — Ela
chora ainda mais.

— Eu não sairia mesmo se tentasse. — Pego uma calça jeans e

começo a vesti-la com o celular encaixado entre minha orelha e ombro.

— E colocaríamos tudo a perder, eu vou ficar bem, só fique falando


comigo por mais alguns minutos, sua voz me acalma — ela pede, tentando
ser aquela que raciocina na relação.

— Cecília, eu sonhei com você essa noite — revelo sem deixar que
ela perceba o tremor na minha voz.

— Sonhou? — sua voz ganha uma nuance diferente.

Volto a sentar e tento lembrar das partes boas do sonho para lhe

contar. Mas a verdade é que tenho medo de que tudo isso que estamos
enfrentando uma hora pese demais para ela e acabe sentindo algum impulso
ao autoflagelo, se antes já era ruim, agora é duplamente aterrorizadora a ideia
dela se ferir.
Espero por Cícero sentindo um frio diferente no meu estômago, as
últimas vezes que conversamos até que falamos algo mais erótico, no entanto
não passaram de ideias, principalmente dele, de como será quando pudermos

estar juntos novamente entre quatro paredes, mas agora, depois da minha
crise de ansiedade, ele me acalmar com relatos do seu sonho comigo, ajuda a
aliviar toda a pressão que estamos vivendo.

— Sonhei... — sua voz ganha aquela entonação de comando que me


deixa louca.

— E o que aconteceu nesse sonho? — A curiosidade toma conta de


mim e sei que sabia que aconteceria, por isso citou.

— Eu e você estávamos aqui na minha cama, seus cabelos espalhados

pelo travesseiro e fazíamos amor devagar, seu corpo respondendo as minhas


investidas e nossos olhos não se desgrudavam. — A imagem se infiltra na
minha mente e engulo em seco.

— Era? — minha voz deixa claro como estou excitada.

— Sim, você gemia com o meu pau enterrado na sua boceta e ela me
apertava tão gostoso. — Fecho os olhos, lembrando da sensação que é tê-lo
assim. — O que você está usando? — pergunta com a voz tão rouca que
quase me desmancho sem nem começar a brincadeira.

— Uma camisola de seda preta — falo sabendo que ele gosta de me

tocar quando uso seda e afasto o celular o suficiente para tirar uma foto e
enviar para ele.

— Puta que me pariu, como esses seios estão maiores, não vejo a hora
de fazer meu pau deslizar entre eles. — O gemido vem com facilidade. —

Não está usando mais nada?

— Nada e você o que está usando? — pergunto e segundos depois a


foto da sua cueca boxer preta com um belo volume faz minha boca salivar e
meu ventre contrair em expectativa.

— Se estivesse aí eu arrancaria essa cueca com os dentes. — É a sua


vez de grunhir.

— Caralho, anja, estou duro feito o inferno agora. — Adoro quando


ele fica um boca suja na hora do sexo.

— Você quer brincar? — pergunto, já me acomodando nos


travesseiros.

— Quero, mas eu digo o que fará, tudo bem? — Nunca admitirei em


voz alta, mas amo a forma como me comanda na cama, mas deixando no fim
a situação em minhas mãos.

— Ahãm!
— Não, quero ouvir as palavras.

— Tudo bem, você manda, Comandante!

— Adoro quando usa essa palavra em meio ao clima erótico pré-foda,


mesmo que essa seja por telefone, ainda assim é sexy pra caralho. — Ele só
reafirma o que eu já sabia.

— Eu sei.

— Pois bem, feche os olhos deslize mão direita pelo seu corpo por
cima da camisola e imagine que é a minha mão fazendo isso. — Ouço
atentamente os sons que ele faz e a falta de respiração por um segundo é
minha deixa para saber que sua mão está sobre o seu cacete agora. — Toque
seus seios assim mesmo por cima, sinta eles ficarem durinhos sob o seu
toque.

Faço como me diz e assim, de olhos fechados com ele me dizendo o


que fazer, sinto como se estivesse aqui ao meu lado, tendo completamente as

imagens que se formam na minha mente.

— Ahhhh, e o que mais? — peço precisando sentir tudo.

— Faça sua mão descer pelo seu corpo até sua boceta, bem devagar,
até que chegue a sua bocetinha. — Minha mão desliza pelo meu corpo e
seguro o ar com a mistura de sensações que a seda sobre a minha pele ao
toque da minha mão por cima dela, provoca. — Está com os dedos nela?
— Estou!

— Sinta a umidade. — Faço como diz e realmente estou bem

molhada. — Está molhadinha, não está?

— Simmmm... — minha voz sai quase como um miado.

— Adoro quando fica assim toda molhadinha para mim, quase posso
sentir em minha boca o sabor único que sua bocetinha tem, leve um dedo

para dentro dela e toque-a por dentro fazendo um círculo.

— Hummmm... — Isso é tudo que consigo dizer.

— Leve seu dedo até o seu clitóris e o lambuze, tocando nele


devagarinho. Eu estou imaginando que você está aqui sobre mim e eu estou
tocando você enquanto sua mão me masturba, falta bem pouco para que eu a
faça sentar no meu pau e cavalgar até que sua boceta vai começar a me
apertar e eu meta em você com força, seus seios balançando com o
movimento, estamos fodendo como loucos, diga que está sentindo meu pau

entrando em você, Cecília.

As imagens e sensações são muito nítidas e é exatamente o que estou


sentindo, estou sobre ele e posso sentir minhas carnes o apertando cada vez
mais, prendo o celular entre meu ombro e ouvido e com uma mão dedilho
meu clitóris com movimentos triangulares e com a outra penetro dois dedos
em minha boceta fazendo o movimento que ele me instruiu a fazer.
— Oh sim, eu sinto!

— Então goza para mim, minha anja-demônia, goza nesse pau porque

ele é todo seu!

E não precisa falar duas vezes, um tremor toma conta do meu corpo a
partir do meu ventre e eu gozo nos meus dedos como nunca fiz antes,
deixando minha mão totalmente melada e do outro lado ouço ele também

chegando ao seu limite.

— Eu vou gozar! — Isso só aumenta o prazer que ainda sinto


correndo cru pelo meu corpo inteiro.

Leva alguns segundos até que possamos voltar ao normal, nossas


respirações ainda pesadas enquanto absorvemos os últimos tremores do nosso
orgasmo.

— Já volto! — diz e aproveito para levantar e ir até o banheiro me


limpar, a mulher que me fita no espelho não tem mais olhos chorosos como

de alguns minutos atrás, essa tem o brilho pós-foda sem igual, coisa que
apenas Cícero consegue fazer comigo.

Volto ao quarto e pego o telefone, saindo com ele em direção a


cozinha, preciso de um pouco de água agora. No relógio sobre os armários
vejo que logo minha vó estará de pé, ela nunca fica deitada depois das seis.

— Voltei! — Cícero diz e meu sorriso abre facilmente.


— Demorou bastante, teve que limpar muita coisa? — pergunto e ele
ri, safado.

— Um pouco, mas vou sujar você com muito mais quando eu te pegar
de jeito.

— Hummmm, que promessa mais tentadora! — provoco.

— Ah, pode ter certeza!

Nossa conversa segue no clima mais ameno até que vovó chega e me
vê sentada à mesa conversando e a chaleira já no fogo para fazer o café, ergue
uma sobrancelha e sem dizer uma palavra dá meia volta e sai.

— Tenho que desligar, vovó já acordou! — digo nada animada.

— Tudo bem, ligo para você no intervalo do meu turno hoje, tente
descansar, está bem? — sua voz espelha o mesmo tom que a minha.

— Tá bom, beijos!

Desligo e me empenho em preparar o café, assim quando ela voltar do


seu quarto as perguntas serão esquecidas até estarmos de barrigas cheias, mas
antes que ela chegue à cozinha a campainha toca e ela passa por mim para
atender.

— Melhor você trocar de roupa! — diz sem me olhar.

Reviro os olhos, mas faço como disse. Vou até o quarto e estranho a
falta de conversa em casa, pode ser uma de suas amigas da igreja com alguma
questão sobre a quermesse que acontecerá em breve, isso tem acontecido
bastante nos últimos dias, mas hoje o silêncio é opressor. Lembro do dia que

voltei e as margaridas foram entregues e me apresso a sair do quarto. Chego


na sala e dou de cara com Raul que está sentado no sofá com uma visível
tensão no corpo o fazendo bater os pés vezes seguidas e minha avó que da
porta da cozinha o olha como se fosse capaz de arrancar os olhos dele só com

o olhar.
Surpresa é a reação inicial que me vem assim que meus olhos fitam os
de Raul, mitigando para culpa e por último raiva, ele foi embora do hospital
sem se despedir e desde que voltei, há mais de um mês, não deu notícias,

mesmo depois que mandei mensagem dizendo que precisávamos conversar.

— O que você faz aqui? — sou direta.

— Uma visita! — Ele dá aquele sorriso que sabe que encanta a todos.

— Não acha que é muito cedo para uma visita? — vovó diz de onde
está e eu a olho surpresa, ela nunca foi grossa com ninguém sem um motivo.

— E-eu... — Raul começa a gaguejar, mas vovó o para.

— Preste atenção, seja honesto com ela e diga a verdade ou vou


esquecer que gosto da sua avó e vou pôr você para correr daqui — diz e vira

as costas, indo para a cozinha.

Vejo-a sumir no fundo do quintal e sei que foi cuidar das suas plantas,
sempre faz isso quando está se segurando para não explodir. Viro para
encarar Raul que parece nervoso, mexendo as mãos e batendo o pé num ritmo
constante.

— Vai me explicar que merda foi essa? — vou direto ao ponto.


Ele ergue a cabeça e deixa seu olhar percorrer o meu corpo, isso me
incomoda bastante, principalmente quando seus olhos se fixam na minha

barriga já um pouco aparente, puxo a camiseta e vou sentar na poltrona a sua


frente, agradecendo por ter posto uma legging ao invés de um short jeans.

— Cresceu — fala, apontando para minha barriga.

— Geralmente cresce quando se está grávida. — Reviro os olhos. —

Não me enrola, Raul, o que você deve me contar antes de ser posto para fora?

— Você costumava ser menos irritada antes, acho que mau humor
deve ser contagioso — Raul começa a falar e sei que sua lábia de advogado é
boa, mas não vai funcionar para mim.

— Exatamente, antes, só que antes eu não tinha sido ignorada por


você e muito menos estava com fome e eu com fome nunca fui gentil. Então
desembucha de uma vez.

— Eu não te ignorei, só ainda não estava pronto para conversar, muito

menos sabia o que seu namorado ou sua avó tinham dito a você. — Ele me
olha com ironia estampada nos olhos.

— Não me disseram nada e não sei quem é essa pessoa a quem está se
referindo como meu namorado. — Reviro os olhos para ele.

— Não está mais com o Zero Um? — Ouvi-lo chamar Cícero assim
me irrita, mas não posso deixar passar para ninguém que estamos juntos,
apenas Alex e Luana sabem a verdade.

— Cícero e eu não estamos juntos, ele apenas é o pai da minha filha.

—Minha língua queima ao proferir essas palavras. — Agora que já vez a


triagem, pode começar a falar ou dar o fora.

Ele se remexe inquieto e olha para além da cozinha, espero que não
esteja pensando em me enrolar por mais tempo, quero poder tomar meu café

da manhã em paz.

— Eu ia te contar isso quando fui a Missão Velha, mas as coisas não


saíram como esperado. — Ergo uma sobrancelha e faço sinal para que ele
continue. — O escritório que eu trabalho pertence a dois grandes advogados
da cidade, consegui a vaga lá através de um amigo do meu pai como você
bem sabe, mas o que eu não sabia até pouco tempo atrás é que o sócio
majoritário do escritório é na verdade Arnoldo Feliciano de Almeida, o seu
pai.

Olho para Raul tentando entender tudo isso, mas está difícil, muito
difícil na verdade.

— Você trabalha para o embuste que se diz meu pai? O homem


responsável por destruir minha mãe a ponto de levá-la a cometer suicídio na
minha frente quando eu era só uma criança? — O ar começa a entrar cada vez
em menor quantidade em meus pulmões.
— Eu não sabia quando comecei a trabalhar para ele, descobri poucos
dias antes do seu casamento — ele confessa com uma cara culpada.

— E não pensou em me contar? Foi por isso que você estava lá aquele
dia, não foi mesmo? Não foi para a cerimônia apenas, sabia que Arnoldo
daria um jeito de evitar que ela acontecesse, não é mesmo? — Levanto com
as peças começando a se encaixarem.

— Eu não fui para o casamento, sabia que ele ia conversar com vocês,
mas tu tava cometendo um grande erro casando com aquele mentiroso e eu
não poderia deixar você fazer algo que fosse se arrepender depois — suas
palavras me levam para a festa de despedida de solteira, ele me olhando como
se escondesse algo.

— Poderia ter me contado antes, esteve comigo na noite anterior, um


amigo de verdade teria dito antes, eu teria dito a você se fosse o contrário —
atiro na sua cara.

— Ok, eu não sou a porra da perfeição, mas eu vi como você parecia


apaixonada por ele e pensei que não acreditaria em mim.

— Mas sim no meu querido pai? — Jogo as mãos para o ar, frustrada.

— Bom, você ouviu, não foi mesmo? — argumenta e não deixa de ser
verdade.

— Não porque acreditei nele, sim porque não lido bem com
mentirosos, fugi muito mais do meu pai do que de Cícero, pensei que isso
fosse óbvio. — Ele me olha confuso, não é possível que não tenha percebido

isso. — Acha mesmo que eu aguentaria encontrar com o homem que fez
tanto mal a minha mãe e ficaria numa boa?

— Não sei, você fugiu para o outro lado do estado, queria que eu
pensasse o quê?

— Que meu pai é um escroto que veio para ferrar com a minha vida,
pois sabia da verdade o tempo todo e esperou pra fazer a "coisa certa" só na
hora do casamento, sem contar que foi o arquiteto de toda a mentira, ele te
contou isso também, Raul? — pergunto testando-o.

— Não e só ficou sabendo que era você a noiva de Cícero dias antes
do casamento, seu convite para a despedida de solteira tinha uma foto sua e
por acaso ele viu na tela do meu computador. — Estreito os olhos para ele,
não acreditando muito nessa história.

— Muitas coincidências, não?

— Sim, mas juro que aconteceu assim, ele realmente se preocupa com
você, Cecília, e acho que se parasse para ouvir a versão dele dos fatos iria
mudar um pouco sua opinião. — Não sei se Raul é um bom mentiroso ou
ingênuo demais para ser um advogado, pois parece que caiu no conto do
vigário contado por meu pai.
— Eu não sei... — começo a falar, mas paro, talvez essa seja a
oportunidade de descobrir tudo sobre o meu pai, Cícero ficará furioso

comigo, mas não quero protelar nossa distância por muito mais tempo que o
necessário.

— Lia, não tome a decisão ainda, pense com calma. — Ele levanta e
vem até mim, tocando meu ombro. — Nem todas as verdades são absolutas,

não até que se ouça as duas partes da mesma história.

Não esboço nenhuma reação, por mais que tenha um pensamento


parecido sobre sempre existir duas partes de uma história, não consigo
acreditar muito que aquele que se diz meu pai possa ter uma versão diferente
dos fatos, mas alguma hora terei que encará-lo de frente, algo me diz que
precisa ser eu a fazer isso, não posso deixar que tudo seja resolvido pelos
outros.

— Você realmente acredita nele? — sondo.

— Sim, eu acredito que as motivações dele não foram as mais fáceis


de se compreender, mas não o julgo por ter medo e sim por não ter tomado a
decisão certa antes. — Olho para ele e me pergunto se é realmente ingênuo
ou melhor ator do que advogado.

— Ele disse para você vir aqui? — Estreito meus olhos para ele.

— Sim e não. Já queria vir aqui faz tempo, mas não sabia se seria bem
recebido por você e sua avó não pareceu muito feliz ao me ver em Missão

Velha. — Ele dá de ombros e olho para a cozinha, vovó está voltando do

quintal e nos olha com uma expressão estranha. — Bom, já tomei muito do
seu tempo, pense com carinho no que te falei e me ligue quando tiver a
resposta, posso garantir de vocês se encontrarem sem que ninguém saiba.

Mais uma vez não deixo transparecer o que sinto, mas a verdade é que

gostaria de mandar uma mensagem com um grande VÁ PRO INFERNO ao


meu pai, porém não posso dar esse trunfo para ele.

— Tudo bem, Raul, não suma novamente, não gosto de ser


dispensável para as pessoas — alfineto e ele ri.

— Nunca foi isso para mim, sabe disso, não me compare ao seu ex.
— Ele volta a olhar para o meu ventre e apesar de querer me encolher, não o
faço. — Ela vai precisar de um pai presente na vida dela, não um que assim
que você some vai procurar um rabo de saia.

— Como? — pergunto mesmo já sabendo a que ele está se referindo,


só que a pergunta certa é como ele sabe disso.

— Cícero não te contou que no dia que você fugiu dele foi afogar as
mágoas naquela boate que fomos uma vez? — Travo o meu queixo e pisco os
olhos lentamente.

— Não me interessa o que ele fez no passado, faz ou deixa de fazer,


como disse ele é apenas o pai da minha filha e ela terá a mim, vou ser

suficiente para ela — digo as palavras com a garganta perigando fechar com

as lágrimas que queimam por dentro.

— Então romperam mesmo, não há possibilidade de volta? — tenta


novamente.

— Que merda, Raul, já disse que sim, caralho! Que insistência, até

parece que quer que eu me contradiga, porra! — Me afasto dele, irritada.

— Não, só quero saber que posso ter esperança — suas palavras me


fazem girar nos calcanhares e o fitar.

— Esperança?

— Sim, que um dia olhe para mim e veja mais que um amigo, eu
poderia ser o pai que sua filha precisa. — Minha vontade é gritar "ELA JÁ
TEM UM!", mas ao invés disso sorrio tristemente e respondo.

— Não posso falar sobre o futuro, nem pelos outros, mas o tempo

passa e as coisas mudam, não é mesmo?

Com isso ele abre um grande sorriso e abre os braços para mim, eu
quase não consigo enxergar o amigo que esteve ao meu lado durante muitos
anos, pelo contrário, há algo diferente em Raul ou talvez seja a minha
percepção sobre ele que está mudada e ao invés de retribuir ao abraço sinto
vontade se empurrá-lo e é preciso muito do meu autocontrole para não fazer
isso. Ele se aproxima e me abraça, mas não sinto aquela sensação de estar em
um abraço amigo e seguro, mas não o afasto, pois ele vai me ajudar mais do

que pensa estar fazendo.

— Agora vou mesmo, me ligue quando decidir, o que for eu ficarei ao


seu lado. — Beija minha cabeça e sai.

Fico parada tentando entender essa sensação esquisita que sinto e

ainda não consegui decifrar Raul, antes ele era transparente para mim, agora
existe uma mancha que turva minha visão sobre suas intenções.

— Lia? — Olho para minha avó e ela me fita com uma expressão
estranha. — Precisamos conversar.

— Pode esperar que eu tome café?

— Pode, pois vamos ter que sair daqui para isso — ela fala e eu
estranho, mas não tenho tempo para perguntar onde iremos.

Dona Clarisse sendo ela mesma, sai e vai sentar-se à mesa, indicando

com um movimento de cabeça que devo fazer o mesmo e não contesto, ela
quando diz que as coisas serão de um jeito, elas serão exatamente como ela
falou que seria e ponto.

— Onde é mesmo que estamos indo, vó? — pergunto pelo que deve
ser a quinta vez desde que saímos de casa há dez minutos.

— Continue dirigindo, Cecília, o endereço está nesse troço aí no seu


celular, não está? Então, você sabe para onde estamos indo — ela responde
ainda olhando para fora enquanto saímos da Avenida Engenheiro Santana

Junior e pegamos a Washington Soares. Ela fica calada por alguns minutos e
não sei se gosto dela assim, algo a incomoda e está tentando esconder de
mim.

— Não se faça de desentendida, sabe que não foi o endereço que

perguntei, sim o que há lá. — Reviro os olhos.

— Não sei para que essa ansiedade toda, já comeu, falou besteira com
aquele projeto de embuste e já falou no telefone com o caboré que eu sei. —
Engasgo com saliva na mesma hora não acreditando no que ela acaba de
falar.

— Não sei do que está falando! — Tusso mais uma vez, tentando
acalmar meu sistema nervoso que entrou em curto.

— Não sabe, claro que não sabe, não sabe mentir, isso sim. Vocês me

enganaram por uma semana, quase duas, depois comecei a observar e eu sou
boa de observação e notei que todo dia de manhã cedo era um cochichado no
seu quarto e de noite a mesma coisa, sem contar que o menino Alex passou a
visitar nossa casa mais do que a irmã dele, me diga que estou errada?

Às vezes me pergunto por que a minha avó não tentou um cargo de


detetive na polícia quando era mais nova? Com certeza ia ser a melhor de
toda a história, esse seu faro é único.

— Não pensou em me contar quando descobriu? Sabe, tem sido um

mês bem difícil e com a sua ajuda poderíamos ter nos visto pelo menos uma
vez nesse tempo. — Olho para ela quando paramos no sinal e vejo seu
reflexo sorrindo no vidro lateral.

— E estragar o disfarce de vocês? Eu não. Além do mais quis dar um

castigo naquele moleque por me magoar e me fazer magoar ele daquela


forma. — Sabia que por trás da máscara de durona ela sentiu muito o
afastamento de Cícero.

— Vó, ele já tem trinta e dois anos, não é um moleque. — Reviro os


olhos para ela e dessa vez chamo sua atenção o suficiente para me olhar.

— E eu tenho setenta e seis, então posso chamar quem eu quiser de


moleque e não discuta comigo, olhe pra frente e dirija.

A buzina do apressado atrás de mim corrobora sua fala e coloco

Filomena em movimento mais uma vez. Dirijo pelos próximos quinze


minutos no trânsito complicado de Fortaleza até pegar a saída em direção ao
Cambeba, essa cidade está um caso sério, daqui uns dias ninguém anda. Mas
o que me chama atenção é que essa área em especial não me é estranha, sinto
minhas mãos suarem e o coração acelerar ao me dar conta que estamos nos
aproximando do prédio onde morei com a minha mãe por nove anos até o dia
que tudo aconteceu.

Encosto o carro ao lado da calçada cercada por grades e como em um

flashback louco minha mente revive todos aqueles últimos minutos.

Chegamos da casa da vovó e já passa das nove horas da manhã,


mamãe mais uma vez teve que sair e ficar a noite fora e como sempre voltou
com os olhos vermelhos e não sorriu. Entro e vou direto ao meu quarto, eu
gosto muito do meu quarto, só que prefiro a casa da vovó porque lá sempre
tem alguém para brincar comigo, aqui é apenas mamãe e eu e muitas vezes
ela se tranca no quarto o dia todo.

Guardo minha mochila e pego o controle remoto da televisão, minha

barriga ronca, mas sei que não devo perturbar a mamãe por algumas horas,
não quando ela volta tão triste assim, queria saber quem faz ela ficar desse
jeito e dizer para esse filho de uma puta que não faça mais isso.

"Eita Cecília, vovó vai te pegar se te vir falando palavrão", penso


comigo mesma, sabendo que o palavrão foi só na minha cabeça.

É nessa hora que escuto um barulho vindo da cozinha, será que


mamãe resolveu mudar a mesa de lugar de novo? Outro dia ela tentou
afastar até a varanda e quando perguntei ela disse que queria comer vendo o

mundo. Levanto da minha cama animada, talvez eu possa ajudar a ela e

assim ela vai ficar menos triste.

Saio do quarto no momento que o barulho acaba, caminho devagar e


vejo que mamãe conseguiu passar, não a mesa, mas o rack que mantinha
nossas fotos e alguns livros dela pela porta da varanda e encostou ele na

grade que vai até altura dos peitos dela. É esquisito ver ela subir nele, mas
vai que comprou enfeites de Natal esse ano e finalmente teremos a casa
decorada. Sorrio animada e me aproximo.

— Mãe? — chamo e noto que ela parece não querer me olhar.

— Lia... — Ela vira devagar e vejo que ainda chora, não gosto de ver
a mamãe chorando, ela é bonita demais para ser tão triste.

Dou mais um passo na direção dela para dizer que não precisa
colocar enfeites, tudo bem não termos nada disso aqui em casa, vovó faz isso

lá e já tá bom pra mim, ela não precisa chorar.

— Eu te amo, filha... — mamãe fala e eu paro no lugar, ela não diz


muito que ama e isso faz meu peito doer de um jeito estranho. — Eu sinto
muito, Lia.

Ela fala e antes que eu pergunte sobre o que sente muito ela dá um
passo para trás, mas não tem mais nada onde ela possa pisar, pisco os olhos
e a próxima coisa que escuto é o barulho alto dela caindo na calçada.

— MÃÃÃÃÃÃEEEEE!

O grito vem tão alto que desperto do meu torpor voltando à realidade,
minhas mãos tremem e sinto uma necessidade de sumir daqui.

— Lia, você está bem? — vovó pergunta, só que não estou em


condições de falar nada, ainda não.

Abro a porta do carro e saio apressada, buscando ar para os meus


pulmões que queimam devido à falta de respiração. Há um motivo para eu
nunca ter voltado a esse lugar novamente, na época, logo que os paramédicos

chegaram e em seguida a minha avó e os detetives, fui levada para a casa dela
onde fiquei dias sem conseguir dormir, tudo que conseguia era chorar e
esperar, na minha cabeça de criança ela voltaria a algum momento para me
acordar, pois era certo que estava tendo um pesadelo, só pode. Nesse meio
tempo minhas coisas foram levadas para lá por alguém e um funeral foi
organizado, não saí da capela para ver o caixão de mamãe descendo no
buraco onde seria sua moradia e hoje nem lembro muito dessas coisas, só
tenho vislumbres de como tudo aconteceu, a única lembrança vívida é o seu

passo atrás para o nada.

Coloco as mãos nos joelhos quando chego a esquina e seguro firme


para não cair, minha pernas querem fraquejar, mas não posso, em algum
momento terei que voltar ao carro e tirá-lo dali, olho para trás e vovó
continua lá parada me olhando, por mais que queira não consigo voltar, ainda

não. Sinto minha filha mexer no meu ventre e ajeito meu corpo para poder
tocá-la e me pergunto se mamãe teve esses momentos de esperança como
tenho quando a sinto se mexer, será que acreditou que as coisas fossem dar
certo ou já não tinha nenhuma esperança desde a minha concepção?

Dou um passo atrás e encosto na grade que contorna boa parte do


condomínio e me permito escorregar até estar quase sentada no pequeno
batente que serve de base para ela, me permitindo chorar pela minha mãe pela
primeira vez em muitos anos. As lágrimas que não vieram fáceis ao longo

dos anos, por mais que eu tenha tentado chorar em todas as datas que me
faziam lembrar dela, agora é como se tivesse aberto as comportas de uma
represa. A dor ameaça partir meu peito em mil pedaços, o grito que sai dos
meus lábios é estrangulado e sai no momento que sinto braços fortes me
apertarem.

— Hei, estou aqui! — Olho para cima não acreditando que ele esteja
realmente aqui.
Ergo minha cabeça e os olhos azuis que se tornaram meus
companheiros em sonhos estão aqui me fitando com a mesma agonia que

deve estar estampada no meu rosto, jogo meus braços em torno do seu
pescoço e choro ainda mais por me dar conta que estive vazia por dentro no
último mês e só agora consigo respirar novamente.
Seguindo a mensagem que Luana me enviou desço do carro duas ruas
antes do endereço que me foi informado, pago o motorista e começo a
caminhada com mil perguntas se passando na minha cabeça, com tantas

coisas acontecendo, minha querida irmã, ao invés de continuar com o seu


charme e tentar alguma novidade com o rapaz do TI, resolveu me colocar
numa — como ela mesma chamou — caça ao tesouro. Bufo frustrado com
Luana e sua mania em brincar de enigmas comigo.

Mais alguns, muitos, passos e a vejo, mesmo a distância sei que é ela
pela forma como o meu corpo reage a sua presença, o leve arrepiar junto com
batidas descompensadas do meu coração, meus olhos varrem o seu corpo
indo direto a mão que mantém sobre o ventre que agora já está bem visível.
Me apresso para chegar até ela, mas paro um instante ao vê-la encostar as

costas na grade e se deixar cair ao mesmo tempo que um choro mais do que
sofrido sai dos seus lábios. Meus passos se tornam corrida e em segundos
estou a abraçando, tentando lhe passar a segurança que sei que precisa.

— Hei, estou aqui! — Ela ergue os olhos e me fita, como se para


certificar-se que estou aqui mesmo, antes de me abraçar.

Ergo nossos corpos e a abraço apertado, deixando que venham suas


lágrimas, não sei o que aconteceu, mas não deve ter sido algo simples, não

para deixar Cecília nesse estado, minha anja-demônia não faz o tipo frágil,

ela é mais forte do que o mundo e vê-la assim tão vulnerável me quebra
completamente. Quando seu choro diminui seguro seu rosto e limpo suas
lágrimas com o meu polegar, ela permanece de olhos fechados.

— Não suporto ver você chorando, anja. — Colo minha testa na sua e

ela suspira entrecortado.

— Lia, precisamos entrar. — Viro minha cabeça na direção da voz já


tão reconhecida para mim.

— Dona Clarisse — o constrangimento se faz presente na minha voz


e espero que ela me mande largar a neta dela e dar o fora.

— Cícero — ela diz o meu nome com um pesar enorme que não está
direcionado para mim, seus olhos estão fixos na neta que ainda chora com a
cabeça encostada no meu peito.

— Eu quero ir embora, por favor, me tira daqui. — Cecília


choraminga e meu olhar vai para ela, o que será que a fez ficar assim?

— Não, precisamos entrar e encarar os fantasmas de uma vez por


todas — dona Clarisse diz de forma que não deixa margem para discussão, só
que dessa vez eu compro a briga com ela.

— Se ela quiser ir embora, eu a levarei — digo também sério e isso


faz Cecília erguer o rosto. — Desculpe, dona Clarisse, mas não deixarei que
minha mulher sofra mais do que já está visivelmente sofrendo.

A senhora a minha frente cruza os braços e ergue uma sobrancelha,


colocando os lábios de lado, a postura tão parecida com a neta que se não
fosse toda a tensão eu estaria rindo desse detalhe.

— Sua mulher? Vocês não tinham ido cada um por um lado? —

Porra, é verdade, que merda eu acabei de dizer?

— Eu, eh... — Tento achar as palavras, mas essas sumiram.

— Ela já sabe — Cecília diz, saindo do meu abraço e encarando a


avó. — A brincadeira acabou, vovó.

— Ué, não tava bom o fingimento? — Olho de uma para a outra sem
entender porra nenhuma.

— Eu estou perdido aqui — digo e as duas me olham.

— Vovó descobriu tudo há vários dias, mas resolveu nos dar um

castigo aparentemente, mas ele acaba aqui, me leve embora, por favor? —
Uma lágrima rola errante e eu a seco voltando a sentir o aperto no meu peito
por vê-la assim.

— Claro, amor!

— Claro que não! — dona Clarisse diz junto comigo. — Já perdemos


muito tempo aqui, temos que entrar e resolver isso de uma vez por todas.
— A senhora não entende? Eu não consigo chegar perto daquele
apartamento, nunca consegui, mesmo depois de tanto tempo!

As palavras dela me despertam para o que pode estar acontecendo,


quando meu avô morreu levei anos para voltar ao lugar onde ele me levava às
vezes para tomar sorvete, as lembranças eram como pequenas lâminas sobre a
minha pele que machucavam tanto que evitava ao máximo.

— Você morava aqui. — Não é uma pergunta e ela apenas balança a


cabeça confirmando o que disse.

Olho para sua avó e noto que para ela também não é fácil estar aqui,
mas se tem algo que aprendi a reconhecer em dona Clarisse é que nada que
ela diga ou faça, por mais insignificante que seja, é por acaso. Por isso ou
talvez por ainda estar envergonhado pela discussão da última vez que nos
vimos, fico do seu lado.

— Cecília, meu amor. — Seguro seu rosto mais uma vez para que me

olhe. — Eu a levarei embora se assim você quiser, mas não acho que sua avó
te trouxe até aqui por nada, imagino que exista uma boa razão.

Seus olhos dançam entre os meus e a minha boca, ela se inclina e cola
seus lábios nos meus e há tanto desespero e dor nesse beijo que me falta o
fôlego por alguns instantes. Isso dura um segundo e rápido demais ela já está
fora do meu alcance, respira fundo e ergue a cabeça daquele jeito altiva de ser
e encara a sua avó com firmeza.

— O que há para se ver lá, vó? — sua pergunta vem com a voz firme,

a Cecília que conheço está de volta.

— Não vou ficar falando sobre isso aqui fora, Cecília, também não é
fácil para mim vir até aqui, foram poucas as vezes que voltei ao apartamento
onde minha filha passou seus últimos dias. Você agora já sente o que é ser

mãe, como não conseguimos mais lembrar como era nossa vida antes de
sabermos da sua existência, mesmo que ainda não tenhamos dado à luz.
Então compreende como a minha perdeu boa parte do sentido depois que
Luciana se foi.

A expressão de Cecília suaviza e seus olhos nublam, as mãos indo de


encontro ao ventre e como se eu fosse puxado por um fio de aço sigo seu
movimento e cubro suas mãos com as minhas, onde meus dedos tocam sua
barriga sinto o tremor sutil, "minha filha!".

— Estou aqui, anja! — digo beijando sua cabeça.

— Cícero vem também — ela fala séria ainda.

— Acha que eu mandei avisar a ele por quê? Pra ficar vigiando a rua
é que não foi. — Dona Clarisse revira os olhos do jeito único das mulheres
Fernandes.

— A senhora e Luana juntas... — Balanço a cabeça sem achar a


palavra certa.

— A capacidade de atuar direito ficou para ela, faz dias que sabe que

eu sei.

— Claro que ela sabe, o objetivo de vida dela é me fazer sofrer


mesmo — digo com ironia, mas no fundo sei que se Luana guardou essa
informação para ela é por que estava esperando parar ver o quadro geral de

tudo.

— Agora vamos, estamos perdendo um tempo que não temos aqui


fora.

Como só ela é capaz de fazer, dona Clarisse nos conduz para a


portaria do condomínio e fala com o porteiro como se fossem velhos
conhecidos, não duvido nada que sejam mesmo. O senhor que aparenta estar
entre cinquenta e cinco a sessenta anos lhe entrega um molho de chaves.
Durante todo o percurso até o décimo andar seguro na mão de Cecília que

está cada vez mais suada e gelada.

As portas do elevador se abrem e ela vacila sem querer sair, deixo que
tome o seu tempo, não a pressiono, apenas seguro as portas abertas até que
com um suspiro profundo e passos trêmulos ela passa por mim e caminha os
poucos metros até a porta que sua avó espera por nós para abrir.
Vovó coloca a chave na fechadura e eu prendo a respiração, ela abre a
porta e deixa que eu tome o meu tempo para entrar, Cícero toca meu ombro e
aperta de leve para dizer que está aqui comigo. Um passo depois do outro e

enfim consigo passar pela porta e olhar para a sala completamente vazia.
Uma sensação estranha de levar um soco no meu estômago faz com que me
encolha um pouco, por muitos anos mantive na minha mente a ideia de que
esse lugar estaria igual ou talvez totalmente diferente, mas nunca assim, tão
sem vida quanto o corpo da minha mãe ao cair no chão de concreto.

— O-onde estão as coisas? — pergunto confusa.

— Me desfiz de tudo, Luciana não escolheu nenhum daqueles


móveis, não tinha por que guardar. — Vovó dá de ombros e segue na direção

de onde era meu antigo quarto.

Um pouco relutante a sigo e para minha surpresa o cômodo continua


igual, é como se dezesseis anos não tivessem passado. Caminho até a cama
de ferro branca e sento acariciando a colcha cor de rosa com babados de
renda, a saudade dos dias bons nesse cômodo volta com tudo e um nó se
forma na minha garganta.

— Mamãe adorava dormir aqui comigo quando não estava tão


deprimida — digo, erguendo os olhos para olhar para minha avó. — Ela dizia
que era o lugar mais silencioso do apartamento.

Suspiro ao me dar conta que o barulho existia apenas na cabeça dela,


uma vez que a casa inteira vivia em silêncio, menos o meu quarto que era
quase vinte e quatro horas de desenhos animados em fitas VHS e depois
DVDs. Que tipo de som ela ouvia, seriam vozes?

— Luciana escolheu tudo aqui, por isso não consegui me desfazer de


nada, foi aqui também que ela guardou algo para que eu entregasse a você
quando estivesse pronta.

Vovó caminha até o armário branco e o abre, ele está vazio naquela
parte, mexe na madeira e a retira revelando um fundo falso para em seguida
virar-se com um envelope em mãos, caminha até onde estou e senta ao meu
lado colocando o mesmo em meu colo.

— Lia, eu não acho que um dia conseguiremos entender de verdade o

que se passava na cabeça da sua mãe nos últimos anos da vida dela, minha
Luciana era um misto de alegrias infinitas e tristezas profundas, quando seu
avô morreu ela tinha apenas dezoito anos e não se recuperou da perda, eles
eram muito apegados, sabe?

Balanço a cabeça confirmando, já ouvi tanto essa história sobre como


a minha mãe e seu pai eram unha e carne, que a morte repentina dele deixou
nela um vazio que supostamente fora preenchido pelo meu pai e me perguntei
muitas vezes até onde essa carência pesou nela para se deixar envolver por

um homem que não tinha o mesmo sentimento que ela.

— Sua mãe fez muitas coisas erradas, mas tentou acertar e foi a
vontade de fazer a coisa certa e a sua incapacidade diante das circunstâncias
que pesou para que ela decidisse acabar com a vida dela. Aquele dia, quando

saíram lá de casa, eu senti que algo não estava bem, a forma como a minha
menina me abraçou não era normal, foi algo prolongado e sofrido e ao final
ela me disse que eu era a melhor mãe de todo o mundo.

Um sorriso triste surge no rosto da minha avó e vejo quando Cícero


puxa a cadeira e senta de frente para nós e segura uma de suas mãos.

— Eu brinquei que ela só tinha a mim, então não poderia ser


diferente, mas ela não sorriu, apenas balançou a cabeça e entrou no carro com
você, nunca vou esquecer da última vez que vi minha filha com vida. — O

suspiro que dá é mínimo perante a dor estampada em seus olhos. — Mas


vamos deixar pra falar sobre isso depois, não é?

— Só se a senhora quiser — digo deixando claro que gosto de ouvi-la


falar da mamãe.

— Não, viemos aqui por um motivo — continua antes de levantar e ir


até a bolsa que deixou na cômoda ao lado da TV antiga. — Um mês depois
da morte da sua mãe chegou uma correspondência lá em casa endereçada a
mim com ela como a remetente, eu achei que fosse loucura, mas era real.

Vovó estende o envelope amarelado pelos anos na minha direção e ao


pegá-lo vejo a letra da minha mãe, a reconheço mesmo depois de tanto
tempo. Com meus dedos trêmulos abro o envelope e retiro de dentro um
bilhete.

"Mãezinha, eu sinto muito que tudo tenha acontecido assim, mas eu


não vi outra saída, meu medo de não ser forte o suficiente é maior e sinto que
a cada dia sou menos dona da minha vida e da minha vontade.
Cuide da Lia para mim, ela precisa de uma mãe de verdade, o que eu
nunca consegui ser.
No endereço abaixo a senhora encontrará uma caixa postal e abrirá
com essa chave que está no envelope, por favor, mãe, siga as instruções e
não deixe que ele se aproxime da minha filha, ela não merece ser
corrompida pela sujeira que ele traz para a vida das pessoas
Com mais amor do que meus atos serão capazes de representar.
Luciana.
Av. Bezerra de Menezes 2071, São Gerardo".
Termino de ler já sem conseguir ver as letras direito, as lágrimas
transbordam dos meus olhos turvando mais e mais a minha visão.

— Vó? — pergunto tentando entender melhor.

— Levei alguns dias para ter coragem de atravessar a cidade


praticamente para ir até lá — diz olhando para a janela. — Minha filha fez
questão de deixar as peças todas espalhadas, assim não seria fácil para
ninguém além de quem ela confiava descobrir.

— O que tinha lá nesse endereço? — Cícero pergunta ao ler o


endereço que está no bilhete que eu o entreguei.

— Uma agência dos Correios e na caixa postal um novo envelope


com o endereço de um tabelião. Além das instruções de como achar esse

envelope quando você estivesse preparada para tomar posse daquilo que lhe
pertence.

Olho confusa para ela, será que está me dizendo que devo decidir o
que fazer com esse lugar? Eu não o quero, só em pensar em ficar aqui por
mais tempo meu coração dispara e sinto minhas mãos tremendo.

— Eu não quero esse lugar, vovó, o que a senhora decidir fazer com
ele eu concordo. Nem sabia que esse apartamento nos pertencia na verdade
— falo com a voz um pouco trêmula e logo a mão de Cícero está tocando a

minha com suavidade.

— Ele é seu, mas não era a ele que me referia. — Vovó e seus
mistérios.

— E o que seria?

— Não está óbvio? Seu pai só quer alguma aproximação agora porque
você é a única herdeira deixada por Luciana, aquele cafajeste quer garantir
que você não tome dele o que nunca lhe pertenceu.

— Mas que herança que mamãe deixou? Até onde sei tudo que temos

é a sua casa e esse apartamento pelo visto.

Estou muito confusa, a rede de mistérios e dúvidas sobre o que


Arnoldo pode querer comigo me deixa extremamente cansada e enojada.

— As empresas donas das ações do grupo da minha família, é claro!

— Cícero exclama ficando de pé em um salto.

— O quê? — Não estou conseguindo acompanhar ainda.

— Luana nos falou de empresas fictícias de investimento que


compraram ações da nossa empresa, como também de outros grupos
empresariais. Você lembra, anja, todas no mesmo endereço e o escritório de
advocacia de Arnoldo sendo o representante legal delas.

Pisco os olhos lembrando vagamente da conversa na sua casa dias


atrás, minha mente está tão nublada que parece que isso aconteceu há

séculos.

— Ele quer se manter à frente de tudo sem precisar revelar nada a


outra família dele, mas com o nosso casamento... — Cícero para e olha para a
minha avó.

— Cecília poderia enfim tomar posse de tudo e tiraria o poder de


decisão das suas mãos.
— Então o que está me dizendo é que para me livrar de vez do meu
pai eu devo apenas casar com o Cícero? — pergunto confusa.

— Sim, mas isso vocês já vão fazer. — Vovó dá de ombros.

— Por que então resolveu me contar isso agora? — Estreito meus


olhos para ela.

— Porque aquele moleque de recado duas caras apareceu hoje na


nossa casa e fiquei com medo de você acabar por cair na lábia do ordinário
do teu pai, como a minha filha. Mulher grávida é mais sensível e isso o
nojento já sabe — vovó diz, travando o queixo em seguida, nitidamente
segurando o choro.

— Eu não acreditei em Raul, não inteiramente — confesso.

— Raul esteve na sua casa? O que ele queria? — é a vez de Cícero se


manifestar, nada satisfeito.

— Sim, ele foi e acho que para comprovar que nosso plano deu certo,
tudo que ele fez foi tentar implantar a dúvida sobre o que meu pai pode
querer comigo ou não.

— Só isso? — Reviro meus olhos antes de responder.


— Não, também pintamos nossas unhas dos pés e fizemos tranças um
no cabelo do outro.

— Não se faça de desentendida, Cecília, sabe que aquele sujeito está


esperando pelo seu estalar de dedos há muito tempo, só não acho que seja só
por que quer levar você pra cama. — Cícero com ciúmes é demais para
minha paciência.

— Ah, faz favor, comandante, não venha dar piti de ciúmes agora,
não é hora nem lugar para isso. Sabia que ele aparecer era um sinal que nosso
objetivo foi alcançado e pelo visto sim, então vamos pensar no próximo
passo, não no "e se", que não existe.

Ele olha na direção da minha avó buscando ajuda, mas ela dá de


ombros deixando claro que não vai se meter. Coloco o envelope que ela me
deu ao meu lado na cama e levanto para ir até ele, segurando sua mão entre as
minhas.

— Não tem por que sentir ciúmes, estou ficando cada dia mais
redonda e seletiva sobre o que quero — brinco e ele abre um sorriso de lado.

— Não seja boba, está cada vez mais linda. — Sua mão toca meu
ventre e nossa garotinha se mexe e sinto uma emoção enorme crescendo
dentro de mim. — Ela está te tornando cada vez mais a mulher mais bonita
que eu já vi.
Beija o topo da minha cabeça e eu abraço seu tronco, nem fazia ideia
de como estava sentindo a falta de ter ele assim tão perto, seus braços me

envolvendo, o calor do seu corpo fazendo o gelo que sentia na minha alma ir
descongelando pouco a pouco e eu enfim consigo puxar o ar e sentir ele
fazendo o efeito desejado, antes era inútil tentar respirar profundamente, o ar
parecia inadequado, agora sei que era porque não o tinha perto de mim e sem

ele sou uma pessoa incompleta em muitos sentidos.

— Eu amo você, minha anja-demônia! — diz com os lábios junto ao


meu cabelo e isso me faz sentir que estou flutuando.

— Também amo você e agora mais do que nunca quero casar com
você e poder acabar com as armações de Arnoldo. Não queria que nosso dia
fosse às pressas, mas acho que casarmos escondido, enquanto ele pensa que
está ganhando território comigo, seja o melhor.

Digo já um pouco melancólica, nesses últimos dias tenho pensado

muito sobre como gostaria que fosse o nosso casamento e tudo que consegui
visualizar foi nós dois num belo pôr do sol em uma das praias da cidade ou
qualquer outra, desde que seja no litoral cearense, ou até mesmo na estufa da
Fundação, dessa vez dando tudo certo.

— Nem pensem nisso! — vovó diz séria demais.

— Mas vó... — Viro-me para encará-la.


— Não, não. Eu não pude levar minha Luciana até o altar com tudo
que ela merecia, aquele nojento de Arnoldo não vai me tirar esse prazer não

— fala de um jeito que não deixa muita margem para argumentação.

— Sua vó está certa! — Cícero diz, envolvendo minha cintura com


seus braços fortes. — Não podemos deixar que ele nos tire nada do que temos
direito e desejamos.

— Claro que estou! E não venha puxar meu saco não, porque
primeiro, não tenho um pra puxar, segundo, ainda estou irritada com você e
terceiro, temos muito o que fazer e resolver — vovó dispara e eu preciso
segurar o riso.

Só ela para transformar qualquer clima pesado em algo mais ameno,


Cícero coloca a testa no meu ombro e suspira segurando o riso também.

— Essa é carne de pescoço — sussurra.

— Deixem de cochichado e vamos logo resolver como vai se

proceder as coisas daqui pra frente.

Como duas crianças obedientes caminhamos de volta a cama e lá


sentamos, esperando pelo que ela irá nos dizer. Vovó caminha até sua bolsa e
pega um cartão de visita todo preto com dourado e me estende.

— Toma, esse foi o advogado que cuidou do testamento da sua mãe,


ele está esperando que entre em contato para darem entrada no pedido da
troca de representação legal das empresas que sua mãe foi laranja pra
Arnoldo. Luana já entrou em contato com ele e os dois já estão trabalhando

numa forma silenciosa de fazer as coisas, mas ele precisa da sua assinatura.

— Luana já sabia? — Cícero vocifera o que eu penso. — Por que ela


não me contou nada?

— Porque eu disse que não era para contar, oras! — Com um revirar

de olhos e um entortar de boca ela deixa claro que isso não é discutível. —
Vocês não armaram aquela palhaçada sem me avisar, pois eu fiz também sem
pedir permissão, por que não preciso.

Aperto a mão de Cícero passando apoio e recebendo, nós merecemos


isso, agora temos que aguentar calados e sabendo do respeito que ele tem por
ela, é mais fácil que eu venha a contestá-la do que ele.

— E o que mais temos que fazer, dona Clarisse? — pergunta com a


voz mais tranquila do mundo.

— Você vai pra casa e continua fazendo o que for que tava fazendo.
Já Cecília, vai ligar para aquele moleque duas caras e vai dizer que aceita
encontrar com o embuste do patrão dele, mas isso será amanhã, hoje vamos
voltar para casa e eu vou pra minha reunião da preparação da festa da
paróquia enquanto você vai ler tudo isso aí dentro do envelope como se fosse
a matéria de uma prova bem difícil de responder, assim vai prestar bastante
atenção no que tem escrito aí, se tiver dúvidas pode ligar pra Luana que ela te
ajuda.

Não acredito que ela quer que fique a par de toda a papelada que deve
ter no envelope, ela com certeza sabe do que se trata e poderia me contar,
assim eu poderia aproveitar o resto do dia ao lado do meu comandante.

— Mas, vó, a senhora já sabe o que tem nesses documentos, basta me

dizer — argumento com um dar de ombros.

— Não sei não, depois que peguei a carta que sua mãe me deixou a
única coisa que fiz foi vir até aqui e me certificar de que estava no lugar que
ela falou que estaria, ela deixou para você, não pra mim, é tarefa sua
descobrir o que quer que esses documentos tenham a dizer.

Já falei que é impossível ganhar uma discussão com a minha avó?


Não? Pois digo agora, É IMPOSSÍVEL GANHAR ELA NOS
ARGUMENTOS!

— Nem faça essa cara, quem começou com essa história foram vocês,
se tivessem falado comigo antes agora poderiam ficar por aí, fornicando
como coelhos, mas já que decidiram me colocar na lista dos enganados, vão
ter que manter essa história até estar com tudo pronto.

Ela fala e caminha para pegar a bolsa e em seguida vai em direção à


porta, parando antes de abri-la, e nos olha com cara de pouquíssimos amigos.
— Vou descer pra conversar com seu Raimundo da portaria, vocês,
apareçam lá embaixo em vinte minutos ou eu volto aqui, tão me entendendo?

Balançamos a cabeça em sincronia como dois adolescentes loucos por


um tempo longe do olhar afiado do adulto responsável. Mal minha vó passa
pela porta e estou no colo dele, arrancando fora sua camisa o mais rápido que
consigo.

— Sua vó ainda pode estar lá fora — Cícero diz, descendo os lábios


pelo meu pescoço.

— Ela já nos ouviu uma vez, não faz mal ouvir uma segunda e só
temos vinte minutos!

Desço minhas unhas pelas suas costas e o arranho, arrancando dele


um grunhido rouco que faz a minha boceta úmida e desejosa em segundos.
As mãos dele também não ficam inertes, tocam meus seios por cima do
tecido do vestido e desce os lábios para beijá-los enquanto os aperta, me

remexo buscando atrito dos nossos sexos e gemo ao sentir como seu pau já
está duro e pronto para mim.

— Vamos fazer isso na sua cama de infância, que doideira.

— Se for um problema podemos fazer no chão, no banheiro, até no


parapeito da janela, só quero que você me foda logo, caralho — digo,
descendo minha mão e afastando meu corpo o suficiente para acariciar seu
pau por cima do jeans.

— Você falando sacanagem com a porra dessa voz rouca me deixa

doido, minha demônia!

Com um giro rápido sou deitada de costas na cama e o meu vestido é


levantado apenas o suficiente para que ele tenha uma visão clara da minha
calcinha de renda, o ar fica preso na minha garganta com o desejo flamejante

com que me olha e sinto minha pele queimar onde seus olhos miram. Suas
mãos me tocam sobre o ventre e tremo inteira, principalmente quando beija
ali e devagar vai deixando seus lábios deslizarem até tocar-me o clitóris ainda
por cima da calcinha.

Ergo meu tronco da cama e me remexo impaciente, ele gosta de me


torturar e eu adoro ser torturada por suas mãos e lábios habilidosos, mas hoje
não temos tempo, vovó é famosa por cumprir suas promessas.

— Não me faça esperar ainda mais, seu cretino, não temos tempo para

isso! — digo, puxando seus cabelos e empurrando sua cabeça para baixo,
meus atos indo no sentido contrário das minhas palavras.

— Tão apressada e mandona, essa minha mulher — responde,


começando a se afastar e levando minha calcinha no processo.

Vidrada nos seus movimentos assisto ele abrir o botão da calça e o


zíper, descendo-a apenas o suficiente para fazer seu pau saltar fora totalmente
ereto. Minha boca fica seca com a visão do meu homem e sinto vontade de

chupá-lo, mas não vou esperar. Cícero se posiciona e puxa meu corpo,

erguendo meu quadril, segura seu membro com uma mão e o faz deslizar
sobre a minha boceta, espalhando minha umidade, e com uma só estocada
entra em mim atingindo tão fundo que é impossível segurar o gemido rouco
enlouquecido que sai pelos meus lábios.

— Porra de bocetinha gostosa e apertada você tem, minha anja-


demônia — diz entre os dentes, segurando os movimentos para que eu me
adapte a ele. — Olha como suga meu cacete?

Sorrio para ele de forma endiabrada que sei que o enlouquece e


contraio os meus músculos internos, como venho aprendendo com o

pompoarismo[7] para ajudar com a incontinência urinária que adquiri na


gravidez, mas sabendo que ele vai enlouquecer com isso e não estou errada.

— PORRA, CECÍLIA! — o urro que solta é o estímulo que esperava

para soltar e voltar a contrair mais uma vez. — Você é a minha ruína, sabia?

Confirmo com um aceno e o liberto do aperto e no mesmo instante ele


começa a se mover num ritmo frenético, entrando e saindo de mim cada vez
mais rápido, seus dedos afundados na minha carne e o atrito em meu clitóris a
cada estocada fazendo o meu orgasmo se construir rápido e forte. Não resisto
por muito tempo, nem ele, com mais uma estocada ele urra meu nome e me
permito cair da borda do desfiladeiro que só ele tem o dom de me fazer pular

sem medo.

O caminho de volta para casa é feito em silêncio, eu com um sorriso


enorme de bonito no rosto e o cheiro de Cícero impregnado pelo meu corpo
como se fosse uma segunda pele, já vovó está mais quieta que de costume o
que quer dizer que está pensando e minha vó pensando demais não é algo
muito bom. Quando chegamos ela sai do carro e para apenas quando chega
na porta da cozinha.

— Vou estar no salão paroquial caso você precise de alguma coisa,


mas acho que deve ligar logo pra Luana e pedir que ela venha te ajudar a

entender isso daí.

Ela aponta com o queixo para o envelope que peguei no banco de trás
do carro. A falta de confiança dela na minha capacidade de decifrar alguns
documentos deveria ser ofensiva, mas não nego que ter uma ajudinha não faz
mal e preciso conversar com Luana de qualquer forma.

— Tá, vó, vou fazer isso. — Fecho a porta do carro e vou em direção
ao meu quarto já discando o número dela.

— Oi, sumida! — me saúda muito alegre.

— Oi, pessoa que tomou o corpo da minha futura cunhada — brinco e


sua risada se torna ainda mais evidente.

— Eu ainda sou eu, engraçadinha, só estou razoavelmente feliz e com


uma boa expectativa de futuro. — Não entendo bulhufas do que está falando.

— Mas isso eu lhe conto pessoalmente, como foi o encontro com meu irmão.
Espero que tenham conseguido matar um pouco da saudade, porque até tudo
estar resolvido terão que manter a história.

Reviro os olhos para essa sua capacidade única de mudar de assunto


em segundos e ainda me deixar com a sensação de criança imatura que
precisa da proteção de um adulto. Mas essa é Luana, a única pessoa para
quem eu pude lamentar a distância de Cícero no último mês, já que as minhas
outras amigas nutrem por ele algo que posso chamar de vontade de castrá-lo

com uma faca enferrujada, tadinho.

— Sim, foi... Não vou falar com você sobre minha vida sexual com
seu irmão, principalmente quando ele foi mais do que perfeito. — Sorrio e
ouço o seu "Ecaaaaaaaa!" do outro lado da linha.

— Me poupe, Cecília, não creio que me ligou só pra me deixar com a


merda dessa imagem mental, égua!
Agora é a minha vez de rir alto, sabia que isso aconteceria, vi Sabrina
ter a mesma reação quando Alex ficou com Amanda e Talita no mesmo fim

de semana anos atrás e na segunda-feira elas começaram a contar quão bom


de cama ele era, eu no entanto senti nojinho na época, afinal sempre o vi
como irmão mais velho e o mesmo faz questão de ressaltar isso cada vez
mais. Não sei como tive coragem de quase... É melhor esquecer as besteiras

que tentei fazer para evitar Cícero na minha vida.

— Não, rainha do drama, eu liguei porque preciso da sua ajuda para


entender uns documentos e vovó disse para fazer isso. Como vocês
conseguiram esconder de mim essas coisas no último mês, hein?

Ela dá uma leve tossida e pigarreia antes de responder.

— Você conhece a vó Clarisse, acha que eu correria o risco de perder


o crédito com ela? — pergunta rindo e reviro os olhos com o jeito que fala da
minha avó, a verdade é que sinto um pouco de ciúmes, isso sim. — Mas

falando sério, sua avó achou que você já estava lidando com muita coisa,
preferiu me deixar a par de algumas, assim quando lhe contasse eu já estaria
preparada para entrar em ação.

— Bom, Supergirl [8]é chegada a hora — digo e ela ri.

— Chego aí em no máximo uma hora!

Pronto, essa é sua forma de dizer tchau e desligar. Aproveito o tempo


livre que tenho a casa só para mim e deito na cama com as imagens de Cícero

e eu rodando pela minha mente, enfim não penso mais naquele apartamento

só com a lembrança daquele dia fatídico, meu comandante me ajudou a criar


uma nova e quente memória, mas o melhor de tudo é que sei o que quero
fazer com o apartamento, vou pedir a ajuda de Luana para isso também.

— Então, vamos analisar esses papéis ou não? — pergunta Luana


quando abro a porta para ela.

— Eu estou bem, obrigada e você? — Reviro os olhos para ela e vejo


sua expressão de "não estou aqui pra perder tempo!".

— Que gracinha, já sei como você está, nos falamos há pouco tempo
por telefone.

Como a minha avó, Luana é alguém voluntariosa, portanto discutir


tomará apenas tempo e vai cooperar para que rugas precoces apareçam, por
isso só sigo para a cozinha onde meu macarrão ao molho branco com atum
me espera.

— Não vai me dizer que esse é seu almoço? — Ela torce o nariz
olhando para o refratário sobre a mesa.

— Sim, esse mesmo, você quer me acompanhar? — Ergo uma

sobrancelha e ela faz cara de nojo.

— Odeio atum, além do mais estou sem muito apetite hoje. — Ela
tem aquele olhar sonhador de quem está apaixonado e me pergunto se devo
incentivá-la ou deixo que tome a decisão por si mesma.

— Sei... — Decido pela segunda opção, não gosto de ser pressionada


a falar sobre mim, não faria isso com ela tão pouco.

— Enquanto você come, eu posso ir adiantando os trabalhos — diz,


mudando o peso do corpo de um pé para o outro.

Sento-me e a observo, Luana nunca me pareceu alguém que fique


desconfortável em qualquer que seja a situação e mais uma vez opto por
deixar que ela tome a decisão de me contar ou não o que está se passando na
sua cabeça.

— O envelope está sobre a escrivaninha no meu quarto, pode começar


e até ler tudo enquanto devoro isso aqui. — Dou de ombros e noto como
parece aliviada com a minha resposta positiva a sua proposta.

Com um sorriso rápido e um aceno, vira e caminha em direção ao


meu quarto, meu estômago ronca e minha garotinha se remexe, acaricio
minha barriga e começo a colocar meu macarrão no prato comendo devagar,
diferente de Luana eu amo peixes e frutos do mar. Repito a porção e ainda
olho para o refratário com vontade de comer mais um pouco, mas isso seria

olho grande, então coloco a vasilha no forno para quando vovó voltar apenas
esquentar, levo minha louça a pia e a lavo sem nenhuma pressa. Luana não
voltou para perguntar por nada, então deve estar se entendendo com os
papéis, o que significa que não há pressa.

— Pensei que tinha sido engolida pela travessa de macarrão — diz,


erguendo os olhos dos papéis que tem separados em pilhas ao seu redor na
minha cama.

— Quis dar um tempo para você se divertir! — Sorrio e vou até a


escrivaninha e puxo a cadeira até a cama, assim não corro o risco de misturar
nada e receber uma bronca dela.

— Sei, mas já que chegou queria te perguntar uma coisa que não tem
a ver com isso aqui. — Faz um gesto abrangendo os papéis entre nós.

Ahã, assim como todas as pessoas voluntariosas que conheço ela não
consegue ficar muito tempo com algo incomodando em sua mente.

— Pode perguntar, sou toda ouvidos! — Por algum motivo estou mais
do que empolgada a responder a ela.

— Só me prometa que não falará com ninguém sobre isso, odeio


parecer a merda de uma adolescente imatura. — Parece realmente frustrada
por ter que falar isso em voz alta.

— Prometo que o que quer que seja não sairá desse quarto para nada.

— Sorrio me solidarizando com ela.

— Me sinto meio boba por perguntar isso, mas a realidade é que você
é a única amiga que sinto vontade de conversar, não que eu tenha muitas. —
Respira fundo e olhando além de mim deixa as palavras virem. — Eu...

Como descobriu que queria ficar mesmo com Cícero? Em que momento as
burradas e defeitos dele passaram a importar menos do que o sentimento que
tem por ele?

Uau, isso é um monte de palavras, o rosto de Luana ganha um tom de


vermelho a mais, deixando claro que não é o tipo de conversa que ela
costuma ter.

— Eu não sei bem o momento, mas se tem alguém por quem você
nutre sentimentos que tornam os defeitos dele não invisíveis, mas aceitáveis

até certo ponto, bom, o momento de reconhecer o que o quer é agora — digo
me sentindo o máximo por dar conselhos amorosos. — Eu não sei qual a
regra, até seu irmão aparecer eu não tinha vivido nada parecido, namoricos na
escola, alguns ficas insignificantes, mas sentimentos de fazer o coração
disparar a cada vez que o nome da pessoa me vem à cabeça, só com ele.

Ela fica um pouco pensativa e eu respeito seu momento, baixo o meu


olhar para a cama e vejo que em meio aos papéis há um outro envelope,
minha mão vai automaticamente para ele, Luana acompanha meu

movimento, mudando o foco dos seus pensamentos.

— Eu não o abri, está endereçado a você. — Viro o envelope nas


minhas mãos e vejo a mesma caligrafia do bilhete que a minha avó guardou
por tantos anos.

De: mamãe
Para: Lia
Olho para o envelope por alguns segundos antes das lágrimas
começarem a borrar minha visão e minhas mãos suarem e começarem a
tremer.
Querida Cecília,
Eu queria poder estar ao seu lado nesse momento e falar essas coisas
olhando nos seus olhos, espero que o tempo tenha sido generoso com você e
não a tenha feito chorar muito ao longo dos últimos anos. Sei que deve estar
se perguntando por que comecei essa carta falando essas coisas, mas a
verdade é que fiquei parada observando você dormir tranquilamente por
muitas horas até decidir que foi certo fazer o que fiz, e não me refiro a me
atirar da sacada, porque isso é algo que ainda não sei se terei coragem de
fazer. Me refiro a trair a confiança do seu pai ao tirar dele tudo que temos
conquistado.
Não direi que me arrependo de ter feito isso, não, nem um pouco,
afinal fui a peça-chave para que os planos dele dessem certo e vou explicar a
você de forma resumida. Nem mesmo a sua avó sabe que há oito anos eu
venho fazendo coisas das quais não me orgulho e desde então minha vontade
de viver tem se esvaído gradativamente a cada dia, é uma força magnética
que me puxa para baixo mais e mais, acredite em mim quando digo que se
tivesse força suficiente para continuar lutando eu faria, mas sinto como se o
mundo pesasse nos meus ombros e tenho me curvado não apenas a ele nos
últimos anos, mas também as vontades do seu pai e há em mim um
sentimento de impotência em relação a isso também.
Para adiantar o assunto... Há cerca de onze anos, quando o seu avô
morreu, eu me vi perdida, mamãe não falava muito sobre a dor que isso nos
causou e eu, no auge da minha rebeldia adolescente, não pensei em procurar
por ajuda, tanto que durante uma das minhas fugas para beber com alguns
"amigos" conheci um homem mais velho, extremamente atencioso, que me
tratou não como os garotos do bairro, ele me fez sentir que era especial e
merecia ser tratada como uma verdadeira princesa, até então só meu pai me
fazia sentir assim e talvez a enorme carência de uma figura paterna tenha me
deixado vulnerável naquela situação. Me envolvi com Arnoldo sem pensar
duas vezes e quando sua avó descobriu sobre nós já era tarde demais, eu
briguei com unhas e dentes pelo meu homem perfeito e não vou dizer que não
fui feliz ao lado dele, fui pelo tempo que a ilusão me permitiu, isso durou até
o resultado do exame que revelou a sua chegada.
Quando pensei que ele iria me pedir em casamento, descobri que o
mesmo já era há muitos anos e eu fui a outra por todo o tempo, meu mundo
caiu, segundo ele foi um casamento arranjado, mas não tinha uma vida
conjugal com ela, que era a mim que ele amava e acreditei. Saiba que em
momento algum pensei em me desfazer de você, era o meu milagrinho
ganhando forma dentro do meu ventre. Seu pai não acompanhou minha
gravidez, disse que era para o meu bem e eu mais uma vez acreditei. Quando
você nasceu e sua avó exigiu que eu deixasse Arnoldo, bati de frente e aceitei
o convite dele de morar num lugar nosso, a esperança que ele alimentava em
mim de que resolveria sua situação com a esposa era o combustível para me
manter ao lado dele pro que desse e viesse.
Até você já estar com um ano e meu corpo voltar a ter praticamente
as mesmas medidas ele foi o homem que eu amava, mas sempre vinha com
lamentações de como se sentia mal de ter que nos deixar, que era como uma
faca no seu peito e mais uma vez eu acreditei, afinal era como me sentia, por
isso uma noite quando ele me disse que tinha um jeito de se livrar das
amarras que o seu casamento lhe impunha, mas que precisaria da minha
ajuda com isso, eu topei de imediato, qualquer coisa para ter o meu castelo
dos sonhos finalmente realizado era válido.
Vou poupá-la dos detalhes, mas a verdade é que seu pai me
convenceu a me usar como moeda de troca, sempre que ele queria fechar
algum negócio ou comprar ações de uma determinada empresa, me colocava
na jogada, e como bem ensinou, durante uma boa noite de sexo comigo os
caras ou assinavam voluntariamente ou Arnoldo usava esse pequeno deslize
deles para persuadi-los. Me sentia um lixo a cada vez que acontecia, mas
dizia para mim mesma que era por nós, só que os anos foram passando e os
encontros arranjados aumentando de números, como o meu asco por mim
mesma. Eu tentei por vezes convencê-lo de que o que já tínhamos conseguido
era o suficiente, mas ele queria a vida do melhor amigo, não ser apenas o
advogado que conseguiu o cargo como um favor que o sogro cobrou de
alguns caras ricos.
Aguentei tudo por mais algum tempo, longo demais é verdade, até
que um dia ao ver sua fotografia ele insinuou que você iria fazer os babacas
papa-anjos comerem na nossa mão em poucos anos, como se eu fosse deixar
que minha garotinha fosse usada assim, foi ali que entendi que ele nunca me
amou ou a você, estive vendada por muitos anos e de repente eu vi a luz e o
que vivi se tornou sufocante demais, sujo demais e não perdurou por muito
tempo. No dia seguinte liguei para um antigo conhecido e providenciei uma
forma dele não ficar com tudo ao final.
E hoje vendo você dormir, sabendo que tudo está pronto, eu fiquei em
paz comigo mesma, a sujeira já não está me afogando, agora eu sinto o ar
fazendo efeito nos meus pulmões finalmente e estou em paz com o próximo
passo, o que me atormenta é a ideia de não poder ver o seu sorriso, não estar
ao seu lado durante os marcos importantes da sua vida, mas ao mesmo
tempo sei que a deixarei com a melhor de todas, minha mãe vai cuidar de
você como fez comigo e eu sei que será a melhor mãe/avó que poderia ter.
Espero que um dia me perdoe por deixá-la sozinha ainda tão
pequena, e espero que nunca sinta o peso nos ombros que venho sentindo por
todo esse tempo, mas nunca pense que foi por não te amar, na verdade é por
amar você mais do que tudo, seja forte minha Lia, você tem mais coragem no
seu dedo mindinho do que eu tenho em todo o meu corpo, e eu sei que será
uma mulher muito melhor do que eu fui.
Com amor.
Mamãe.

Releio a carta da minha mãe pelo que deve ser a décima ou vigésima
vez, só que agora não choro como foi a primeira vez em que as lágrimas
vieram com força total e o soluço preso na minha garganta explodiu em alto e
bom som, assustando até mesmo Luana, que na falta de saber o que fazer
ligou para minha avó que chegou no meio da minha crise de choro e me
embalou nos seus braços como fez naquele dia quando me encontrou
catatônica na portaria do prédio e ficou comigo no seu colo até que o cansaço
e o calmante me apagaram por três horas de sono sem sonho. Agora estou
diante do notebook lendo para Cícero, durante seu intervalo no turno, as

últimas palavras da minha mãe destinada a mim.

— É isso... — digo, limpando a lágrima traiçoeira que insiste em


deslizar pelo meu rosto.

— Eu sinto muito, anja, sinto mais ainda por não estar aí com você.
— Seu olhar com pesar diz mais do que suas palavras, mas é bom ouvir.

— Eu sei, só que eu passei muito tempo sentindo raiva da minha mãe


por ter sido fraca, por não ter pensado em mim nem na vovó, mas a verdade é

que ela foi a maior vítima nessa história e eu sinto tanto a falta dela...

Desabafo isso em voz alta depois de muito tempo e pela primeira vez
pensar na minha mãe não vem carregado de sentimentos dúbios, aonde
sempre vinha a culpa misturada ao pesar sem tamanho que me fazia sentir a
necessidade de cortar a minha pele para fazer com que a dor física distraísse

minha mente da dor mil vezes pior.

— Eu não entendo como uma pessoa pode ser tão baixo assim? —
Rio sem humor algum.

— Ele não presta e viu na minha mãe a chance de ter o que sempre
quis, uma marionete.

— É, um cretino com certeza, mas se quer saber o meu pai não era
muito diferente disso, a sua mãe foi corrompida, a minha me vendeu por
alguns trocados. — Sinto meu peito apertar com a dor mal disfarçada nos

olhos do meu comandante.

— Sinto muito, amor — digo e seus olhos ganham um brilho


diferente.

— Fala de novo — pede sorrindo.

— Eu sinto muito?

— Não, o que veio depois!


Meu Deus, ele às vezes é tão imaturo, mas amo como consegue fazer
o clima pesado se dissipar como um ventilador apontado para a fumaça.

— Amor, não é isso que você é? O meu amor? — Sorrio largo para
ele.

— Sim, eu sou e você é o meu... — diz, mas é interrompido pelo


barulho da sirene que sei muito bem o significado. — Sinto muito, mas eu

tenho que ir.

— Eu sei, só tenha cuidado, tá me ouvindo? — peço com o coração


apertado como acontece sempre que penso nele sobrevoando por aí com outra
pessoa lhe dando coordenadas enquanto estou em casa.

— Prometo que ficarei bem, mas e vocês, vão ficar bem? — Sua
preocupação comigo e nossa garotinha é algo tocante e aquece meu coração,
por isso sorrio largamente antes de responder.

— Sim, ficaremos bem, eu prometo!

Me despeço dele quase babando sobre o teclado ao ver seu uniforme,


as lembranças da nossa aventura no vestiário enchendo minha mente ao
desligar, ele é uma ótima visão para se ter fresca na mente antes de dormir,
oh se é.
Faço o caminho pelo corredor que leva ao estacionamento com muitas
coisas na minha cabeça, não foi o que posso chamar de turno tranquilo, um
acidente entre um ônibus e uma carreta no limite dos municípios de Caridade

e Canindé deixou muitas vítimas, entre elas oito fatais, sendo três delas
crianças. Fomos acionados para fazer o resgate das vítimas mais graves,
mesmo aterrissando em uma distância razoável de onde toda a tragédia estava
pude ver os corpos pequenos entre os demais e foi impossível não pensar em
Cecília e na nossa filha ainda protegida no seu ventre.

—... ero, espere! — Volto a realidade com a voz de Alex invadindo as


imagens que ainda estão impressas sob as minhas pálpebras.

— O que você quer? — pergunto sem virar para olhá-lo.

— Fiz alguma coisa ou estou fedendo?

Franzo o cenho para sua pergunta e viro para encará-lo. Há algo


diferente em Alex, em todos esses anos que nos conhecemos nunca o tinha
visto demonstrar... insegurança? Ele muda o peso do corpo de uma perna para
a outra esperando minha resposta.

— Não para as duas perguntas, mas você fez alguma merda?

— Eu não — se defende rápido demais para o meu gosto.


— Então por que perguntou?

— Porque você não falou porra nenhuma desde que a ocorrência

acabou, ficou mudo durante a reunião com o coronel e agora saiu apressado
como se tivesse que tirar o pai ou a mãe da forca.

— Só quero ir logo para casa, o que há de errado nisso?

A pergunta é retórica e parece não o convencer, pois me olha daquele

seu jeito debochado que me deixa com o punho coçando para acertar seu
maxilar.

— Não, filho da puta, não tem nada de errado nisso, mas como seu
amigo devo dizer que o que quer que esteja passando pela sua cabeça agora, e
sim, eu sei que tem alguma merda passando por aí, resolva o quanto antes, a
Lia precisa de você com a cabeça no lugar.

É golpe baixo ele usar minha anja-demônia no seu argumento em


busca de saber o que se passa comigo. Desisto e recomeço a caminhar, se vou

falar sobre isso não será no corredor onde sempre há alguém circulando.

— Vai fugir como sempre, que adulto! — Alex zomba.

— Não estou fugindo porra nenhuma, estou indo para o


estacionamento, se quer conversar me siga, se não fica aí parado como uma
coluna.

Não olho para trás, mas seu riso bem atrás de mim se faz ouvir. Entro
no carro já me preparando para dar a partida quando ele senta no banco do
carona como se fosse a porra do dono, ergue as pernas e tem a ousadia de

colocar os pés sobre o painel, está fazendo isso para me irritar, o idiota.

— Se quer um motorista particular contrate um e tire a merda dos pés


do painel do MEU carro, caralho!

— Não preciso pagar, tenho um idiota pra isso — diz presunçoso.

Dou partida e saio do estacionamento, Alex liga o som do carro e


começa a cantarolar junto com Edgard Scandurra, do Ira, e uma mulher sobre
precisar mudar alguma coisa na vida dele. Abaixo o volume decido ir logo ao
ponto.

— Que porra você quer?

— Saber o que está acontecendo com você, já disse — ele responde


com naturalidade. — Chegou aqui parecendo com o gato que comeu o
canário, depois ficou assim, introspectivo, tá de TPM, cara?

— Como é?

— TPM, tempo prolongado sem mulher — responde segurando o


riso.

— Isso tem quatro letras, imbecil! — rebato e ele ri.

— Não importa, você entendeu. O que está acontecendo?

Quero dizer que não é nada, mas a verdade é que desde que ouvi
Cecília lendo a carta que sua mãe deixou fiquei incomodado com algo,
Arnoldo era melhor amigo do meu pai e durante toda a minha vida eu o vi

como alguém acima de qualquer suspeita e vejam só o que fez aquela pobre
mulher passar, me pergunto se o meu pai seria igual a ele e toda aquela
história contada a mim na adolescência é toda a verdade e se for, até onde
Silvana tem conhecimento de tudo.

— A mãe de Cecília deixou uma carta para ela e isso me fez pensar na
minha própria mãe. — Não preciso dizer a quem estou me referindo, Alex é
uma das poucas pessoas que sabe toda a verdade, pelo menos toda a que eu
sei.

— Caramba e como ela ficou? Nossa e a vó Clarisse?

— Ela sabia de mais coisas do que nós todos juntos, mas segundo
Cecília, ela ficou sim mexida com toda a verdade, que era bem mais do que o
que ela imaginava.

— É tão pesado assim? — Confirmo com um balançar de cabeça. —


Pobre delas, tendo que enfrentar tanta coisa de uma vez só.

— Pois é! — Olho para o lado e vejo pesar na sua fisionomia.

— Eu lembro de quando Cecília foi morar com a avó, ela brincava às


vezes com minha irmã e as outras garotas do Clube da Luluzinha, mas
quando minha mãe disse que ela ficaria conosco enquanto sua avó resolvia
algumas coisas, eu soube que tinha algo de muito errado, o brilho que existia

nela tinha sumido, eu tinha dezessete anos e sempre observava ela e as

garotas de perto, pra ninguém se meter a besta com elas, por isso notei a
mudança brusca.

Ouvi-lo falar da minha anja-demônia ainda criança causa um


sentimento diferente em mim, sempre a vi tão cheia de vida e com aqueles

olhos escuros tão travessos e uma língua afiada que ontem ver esse mesmo
olhar que ele relata me deixou sem ação, por isso entendo bem o que ele está
falando.

— Pensei que seria triste para sempre, mas daí você entrou na vida
dela e eu ainda avisei que ela mantivesse distância segura, me borrei de medo
de que acabassem magoando um ao outro ainda mais, sabe? — confessa
sorrindo.

— Por que achou isso?

— Porque o olhar que vi nela por mais de quinze anos, eu vi em você


por todo o tempo que somos amigos, o que, uns dez anos? — pergunta e não
faço ideia.

— Sei lá.

A verdade é que nos conhecemos durante nosso treinamento para a


Polícia Militar e passamos por todas as etapas juntos, o ajudei com o custo do
curso de piloto de helicóptero, pois era seu sonho, e ele me deu algo que

nunca tive a vida toda, um amigo. E foi uma grande surpresa que cinco anos

depois estivéssemos os dois subindo mais uma vez de patente e com isso
ganhando o direito de fazermos parte da CIOPAER, Alex me conhece como
ninguém e cuidou da minha mulher antes mesmo de eu saber que ela seria
minha, não poderia ser mais grato de tê-lo na nossa vida.

— Bom, acho que sabe que é basicamente isso, mas voltemos a você,
o que te afetou tanto nessa história?

Penso na sua pergunta por alguns instantes antes de conseguir


formular uma resposta que seja verdadeira, já que minha reação natural é
fazer de conta que a conversa não é comigo.

— Arnoldo era amigo do meu pai e já deixou claro que esteve por trás
do testamento fajuto que me obrigava a casar ou a empresa da minha família
já era. Eles eram muito próximos e o meu pai pode não ter sido totalmente

honesto comigo sobre a minha mãe biológica.

— E o que vai fazer sobre isso?

— Nada — digo de forma rápida.

Me sentir incomodado não significa procurar explicações, não é


mesmo?

— Por quê? — Alex quando começa não sabe a hora de parar.


— Por que o quê? — Faço o que sei que ele detesta.

— Ah, para de me enrolar, caralho, sabe o que estou perguntando —

responde irritado.

— Não vou procurar Arnoldo e não faço ideia de onde a mulher que
me deu à luz vive ou se está viva sequer, seria uma busca que só traria
estresse.

— Você não sabe.

— Mais um motivo para não mexer no que está quieto — digo,


estacionando em frente ao prédio onde ele mora, dando por encerrado o
assunto.

— Como quiser, mas se o conheço bem isso vai te incomodar por um


bom tempo, mas é mais tapado do que uma mula e só vai fazer o certo
quando estiver sufocando, como Luana costuma dizer.

Estreito os olhos na sua direção. Desde quando vem conversando com

a minha irmã sobre mim?

— O que Luana veio fazer no meio dessa conversa? — pergunto


intrigado e o vejo engolir em seco, nervoso demais pro meu gosto.

— Estou trabalhando com ela no que posso, foi você que nos colocou
nessa história, esqueceu?

Sua desculpa não convence, mas não vou falar sobre isso agora, só
espero que não se envolva com ela ainda estando vendo Patrícia durante os

jogos que participam, minha irmã não merece ser segunda opção.

— Certo, agora dá o fora do meu carro, seu folgado, quero chegar em


casa e falar com a minha garota.

Ele ri e sai do carro mostrando o dedo do meio para mim, muito


maduro da sua parte. Coloco o carro em movimento e antes de virar a esquina

o telefone toca, o nome de Luana brilhando na tela do som do carro e atendo


já implicando com ela.

— Não morre mais esse ano! — Ela ri do outro lado.

— Nem tão cedo, meu bem! — sua voz enche o carro. — Estava
falando de mim ou sobre mim?

— Um poucos dos dois, mas desembucha logo o que quer.

— Como você é gentil, Cícero Duarte — zomba. — Mas liguei para


avisar que Cecília ligou pra Raul e o imbecil não perdeu tempo, o encontro

dela com Arnoldo será em dois dias.

Aperto o volante involuntariamente, sabia que isso aconteceria, mas


não quer dizer que eu goste disso.

— Por que ela não me ligou para avisar?

— Porque você deve estar pensando como estar presente nesse


encontro e ela não sabe te dizer não, passou a missão para mim. Então pare
de apertar o volante com força, como sei que está fazendo, e vá para casa

descansar, à noite vou vê-la para acertar tudo, te mantenho informado.

Desliga sem me deixar responder e não vou fazer nada diferente do


que disse, preciso mesmo chegar em casa e descansar para falar com Cecília
com a mente livre de tudo que se passou nas últimas horas.
Respiro fundo antes de passar pelas portas de vidro do restaurante
indicado por Raul. Vir até aqui sozinha foi uma tarefa difícil de conseguir,
Cícero não ficou nada feliz em saber disso, mas aos poucos foi aceitando, já

minha avó fez questão de deixar claro que não apoiava minha decisão e eu
não a culpo, nos seus olhos eu vi o medo estampado, mesmo que não diga,
sei que teme que eu caia na lábia dele como a minha mãe, mas ler as últimas
palavras dela para mim foi forte o suficiente ao ponto de me revestir de uma
armadura invisível e poderosa e não há nada que eu deseje mais do que ver
Arnoldo na lama, mendigando miséria.

Ergo meu queixo e entro o avistando do outro lado do salão, com


passos determinados sigo até onde ele está. Seus olhos têm um brilho
diferente de qualquer um que eu já tenha visto em alguém, como se me ter

aqui a sua frente fosse motivo de júbilo, até seu olhar parar na minha barriga,
que fiz questão de deixar visível com o vestido colado ao meu corpo, seus
lábios se contorcem e eu vibro por dentro sem deixar que isso transpareça no
meu rosto. Quando levanta para puxar a cadeira o paro com um balançar
rápido de cabeça.

— Sem formalidades — digo, inclinando sutilmente minha cabeça


para o lado e ele corresponde com um gesto parecido.

— Que seja. Mas se me permite dizer, fiquei extremamente feliz por

aceitar meu convite para este almoço, há tempos venho querendo ter esse
momento com você.

A voz suave e a expressão cuidadosamente tranquila são parte da sua


máscara e consigo ver o que chamou a atenção da minha mãe, fora a

aparência impecável do perfeito profissional em almoço de negócios, tem


algo de carismático nele, se não soubesse que a boa aparência se equivale a
de uma serpente, seria bem provável que me deixasse envolver pelo olhar
gentil ou sorriso tímido que me dá nesse momento.

— Até onde me lembro o senhor sempre soube onde fica minha casa,
afinal mandou margaridas para mim algumas vezes — digo com um leve
sorriso, me munindo de uma coragem que não sabia que existia em mim.

— Sim, sempre soube onde minha única filha esteve, mas saber e

poder estar perto dela são duas coisas muito distintas.

Estreito os meus olhos para ele imaginando que vai voltar a culpar a
minha avó como fez no dia que estragou o meu casamento com Cícero. Antes
que eu responda um garçom chega com os pedidos que eu não fiz, ergo uma
sobrancelha questionadora para Arnoldo e ele dá de ombros em silêncio até o
rapaz sair, nos dando privacidade.
— Pedi um dos pratos favoritos da sua mãe, tainha ao leite de coco
com legumes cozidos, ela comia muito isso durante a gravidez — diz com

certeza esperando que isso fosse me fazer suspirar, ledo engano.

— É mesmo? Não lembro muito o que minha mãe gostava ou não —


sou sincera, pois não tenho lembranças dela compartilhando esses
pormenores comigo.

Arnoldo não se deixa abalar pelo meu comentário seco, sorri com um
olhar que posso chamar de saudoso, já o vi no rosto da minha avó muitas
vezes para não reconhecer, o que não quer dizer que é saudade dela
especificamente.

— Luciana era uma mulher ímpar, você tem muito dela — a voz dele
ganha aquele tom forjado para demonstrar afeição a alguém, noto isso pelos
anos em que vovó me fazia notar isso entre suas colegas da igreja.

Cruzo minhas mãos sobre a mesa e decido ir direto ao ponto, não vim

até aqui para ouvi-lo fingir que se importava com a minha mãe sem me deixar
levar pela vontade de arranhar o rosto dele com minhas unhas até desfigurar
para sempre em uma careta de dor.

— Eu sei disso, mas não vim aqui para falar sobre a minha mãe. Por
que resolveu aparecer na minha vida justo agora? Por que esperou até o dia
do meu casamento com Cícero para fazer alguma coisa?
Disparo para ele as palavras e vejo como seu corpo tensiona
levemente, para outras pessoas não se alterou, mas seu olhar endurece e vejo

engolir ruim ao morder a carne próxima aos lábios por dentro da boca, sei
que está fazendo isso porque faço igual.

— Eu descobri do seu casamento poucos dias antes dele acontecer e


não fui lá para estragar tudo, sim porque fui revelar a verdade sobre o

testamento falso a Cícero, mas quando cheguei lá acabei descobrindo que ele
já sabia de tudo, não poderia deixar minha filha ser envolvida em uma coisa
dessas, casamento sem amor não era o que desejava para você.

A vontade que tenho é de gargalhar na cara dele, é muito fingida essa


criatura, ele poderia ter usado qualquer desculpa para ter ido até lá, só que
essa não cola, nem um pouco.

— Você entende bem de casamento sem amor, não é mesmo? — atiro


e espero por sua resposta sem deixar transparecer como não me importo.

— Sim, eu entendo, e por isso não queria que a minha filha pagasse
pelos meus erros.

— Que erros?

Ele pigarreia e olha em volta para ter certeza de que não temos
nenhum expectador atento a nossa conversa, mesmo que a mesa em que
ocupamos esteja o mais afastada possível das demais.
— Me casei com uma mulher por conveniência, trabalhava para o pai
dela e o mesmo se lamentava por não ter um filho homem para gerir o

escritório dele na sua ausência, um dia me convidou a sua casa e apresentou


sua filha, ela era uma mulher muito bonita, mas fútil, quando o pai dela me
ofereceu sua mão não pensei duas vezes, era um jovem ambicioso, admito,
mas também acreditava que com o tempo me afeiçoaria a ela, ledo engano.

— Ele para e me olha como se buscasse a confirmação de que estou ouvindo


o que está falando e tento parecer o mais interessada possível.

— Não tiveram filhos? — a pergunta vem sem pensar, afinal tenho


direito de saber se tenho ou não algum meio-irmão.

— Um, tivemos um filho.

— É mesmo? Onde ele está? — Sou vencida pela minha curiosidade e


continuo as perguntas.

— Morto, Gustavo está morto. — Sinto como se um soco estivesse

atingindo meu estômago, saber de um irmão e sequentemente sua morte não


era o que esperava.

— Sinto muito — digo com sinceridade. Nesse momento vejo o que


pode ser a única reação verdadeira dele, um pesar genuíno.

— Conheci sua mãe poucos dias depois, ela tinha um jeito diferente e
me fez esquecer de tudo que estava acontecendo. — Ele é pior do que eu
imaginava, usou minha mãe como válvula de escape.

— Como seu filho morreu?

A pergunta o incomoda, ele se remexe na cadeira impaciente e toma


um gole d'água longo demais pro meu gosto.

— Se não se importa, não quero falar sobre Gustavo. — Não acredito


nisso.

— Bom, se não se importa, eu não quero falar da minha mãe também,


então se não voltar a citá-la ficaremos bem.

Ele concorda com um aceno rápido e começa a comer, faço o mesmo


e como sabia que seria a tainha está incrível, bem parecida com a que minha
avó faz em todas as datas que seria aniversário da minha mãe se ela estivesse
viva. Quando o clima fica mais ameno decido voltar às perguntas.

— Você não disse por que só voltou a minha vida agora — digo,
repousando os talheres.

— Não, não disse, você precisa entender que eu não tinha como fazer
isso sem uma luta judicial, sua mãe deixou o poder familiar da sua guarda
para sua avó e eu não tinha o meu nome na sua certidão de nascimento.

— Foi a melhor decisão que ela já tomou — sou enfática.

— Sim, não nego. Minha esposa entrou em uma depressão profunda


com a morte do nosso filho, eu não tive ou tenho coragem de deixá-la mesmo
não tendo por ela nada além de carinho. Ela sabia da sua mãe e de você e isso

piorou seu estado mental. Eu não sou o monstro que você pensa, Cecília,

posso ter sido um canalha com sua mãe, mas eu a amei durante todo o tempo
que ficamos juntos e quando tudo aconteceu eu levei muito tempo para me
recuperar do segundo golpe duro que a vida me deu.

Uma raiva começa a crescer em tamanho e força dentro de mim e

antes que diga algo que venha a me arrepender novamente, me ergo e o


encaro com a expressão mais neutra possível.

— Não quero saber como se sente em relação a minha mãe, como


você não está disposto a me contar sobre o seu filho falecido, tudo que quero
é saber o que quer comigo, quando decidir ser honesto e não me enrolar com
a sua lábia bem treinada, basta mandar um recado por Raul.

Começo a me afastar torcendo para que ele morda a isca, conto


mentalmente de forma regressiva ainda de costas para ele, dando a entender

que estou me recuperando para começar a sair, quando ouço o seu suspiro.

— Tudo bem, vamos direto ao ponto.

Sorrio internamente, mas por fora forço meus olhos a adquirirem o


pesar que sei que ele quer ver e me viro para ele.

— Vou contar o que sua mãe e eu fizemos para proteger o seu futuro
e agora o do seu filho.
Balanço a cabeça e volto a sentar, pronta para ouvir suas mentiras
deslavadas, elas serão o meu combustível para o incêndio que transformará

essa sua cara de pau em cinzas.

— Ele disse o quê? — esbravejo pelo telefone sem acreditar que a


cara de pau de Arnoldo fosse tão longe. — Me diga que não ficou sequer
balançada com essa história.

Quando aceitei a muito contragosto que ela fosse a esse encontro


sozinha imaginei que ele tentaria alguma coisa para convencê-la de suas boas
intenções, mas como já dizia o ditado, de boas intenções o inferno está cheio.

— Exatamente o que te contei, que tentou ajudar a minha mãe com o


plano dela de tirar dinheiro dos outros caras os seduzindo e toda essa

baboseira, jogando sobre ela e os outros toda a culpa das atrocidades que ele

cometeu. Ele é um escrotino[9], isso sim, foi por pouco que não voei no
pescoço dele e apertei com força, mas a pior parte foi ele insinuar que eu não
precisava cuidar da nossa filha sozinha, se ofereceu para me conseguir um
bom casamento.

— Eu mato aquele desgraçado! — digo enfurecido, meu sangue


correndo muito mais rápido nas minhas veias.
— Não, eu vou cuidar para que ele receba o devido pagamento por
isso, não se preocupe — ela soa muito decidida.

Eu consigo sentir daqui a raiva que sente, pois sinto algo parecido,
mas com uma intensidade diferente, é uma mistura do instinto natural de
proteger minha mulher e filha e em reação ao que ela está passando para
mim. Passo a mão várias vezes nos meus cabelos, buscando me acalmar.

— Ainda bem que não fez, já pensou eu tendo que ir tirar você da
cadeia por ter cortado a garganta do infeliz do Arnoldo? Com sorte até
encontraria alguns conhecidos por lá pra mostrar como a minha mulher é
braba — brinco pra diminuir a tensão que emana dela.

— Seria uma cena e tanto, isso sim, mas acho que acreditou na minha
cara de confusa e me deu uma ideia de por onde atacar, por isso insisto mais
uma vez que você converse com a sua mãe sobre tudo que está acontecendo,
pra se possível ela e Luana adiantarem os preparativos do casamento, não

quero que demoremos mais que um mês depois do nascimento da nossa filha
para isso.

Sorrio com a sua ansiedade para ser finalmente minha esposa,


também não quero estender muito a data, só não sei até onde Silvana está
pronta para saber de tudo.

— Não sei se... — começo a falar, mas ela interrompe.


— Você tem se esquivado todas as vezes que tocamos no nome da sua
mãe, está acontecendo alguma coisa? — Queria saber como ela consegue me

ver tão bem.

— Nada muito relevante — minto, me encostando no batente da porta


do quarto que passará pelas principais mudanças, será aqui que nossa
menininha crescerá.

— Tudo sobre você é relevante, Cícero. Não quero que nosso


relacionamento gire apenas em torno de mim e meus problemas, se tem
alguma coisa, relevante ou não, incomodando você e sei que tem, eu quero
saber e tentar de alguma forma ajudar, somos um time, lembra?

Um sorriso lento se espalha pelo meu rosto ao pensar em como ela


está correta mais uma vez. A verdade é que não estou acostumado a ter
alguém brigando por mim ou que me passe essa sensação de não estar
sozinho.

— Eu tenho evitado falar com Silvana desde que leu a carta da sua
mãe, durante os últimos anos eu me distanciei dela gradativamente, sempre
me acho inadequado a ela e todo o carinho que me dá, sou fruto de uma
traição, não sei até onde ela sabe sobre a minha mãe ou sobre o que o meu pai
fez — digo o que vem me perturbando.

— Ah, meu bem, eu entendo bem essa miscelânea de sentimentos que


está enfrentando, até outro dia eu me sentia parecido, minha avó falava sobre
como minha mãe me amava, mas não tinha nada de concreto a que me

agarrar, agora sinto muito pesar por não ter vivido mais tempo com ela por
perto.

As palavras dela aquecem o meu peito e fazem o conselho de Alex


voltar à baila da minha mente.

— Acha que devo conversar com ela sobre tudo isso?

— Sim, eu acho que deve e precisa, já foram muitos anos vivendo


com essas dúvidas, Cícero, creio que isso vai ajudá-lo a se sentir muito
melhor com você mesmo. Além de que preciso que descubra com ela o
máximo possível sobre a mulher de Arnoldo, imagino que elas são amigas, se
não pelo menos conhecidas, não?

— Sim, está certíssima, já a vi muitas vezes na casa dos meus pais,


mas como nunca gostei de me enturmar com os amigos deles, evitava ao

máximo participar dessas coisas, no entanto devo avisá-la que Silvana vai
perguntar o que você pretende fazer com essas informações e não aceitará
qualquer desculpa — sou sincero.

— E você vai contar o que achar que ela deve saber, confio no seu
bom discernimento.

A segurança que sua confiança em mim me traz é algo que ainda


estou aprendendo a lidar, por muito tempo não achava possível ter alguém

com quem dividir um pouco de tudo que ronda meu inconsciente e muito

menos me achava capaz de ser esse tipo alguém para outra pessoa.

— Tudo bem, vou passar na Fundação antes do trabalho hoje, tá bom


assim? — digo e volto meu olhar para o cômodo ainda vazio.

— Tá, mas por que não aproveita que só irá trabalhar a noite e almoça

com ela? — Posso sentir sua curiosidade.

— Tenho algumas coisas para resolver por aqui — sou vago.

— Coisas é? Que tipo de coisas?

Não seguro a risada que me escapa, ela é mais curiosa do que eu.
Minha vontade é contar para ela que não poderei ir agora na minha mãe por
estar esperando Luana e sua amiga designer de interiores, decidi que esse
apartamento é muito masculino para minhas garotas e o quero mais
aconchegante e prático para quando minha mulher e filha vierem morar aqui,

um dos principais cômodos a serem preparados é o quarto da nossa garotinha,


Cecília anda tão envolvida com o plano de se livrar de Arnoldo, quero poder
fazer algo além de esperar.

— Coisas — não entro em detalhes. — Alguns ajustes aqui, outros


ali, sabe como é. Mas esqueça isso por hora, quando será sua próxima
consulta? Não abro mão de estar presente.
— Em uma semana, o que me lembra que ainda não conversamos
sobre possíveis nomes para ela, não vamos chamá-la de garotinha ou bebê

para sempre — diz e ri alto. — Vovó veio com umas opções nada a ver,
então precisamos ver isso.

Tenho até medo de perguntar quais as opções, principalmente ao


ouvir a risada nervosa dela do outro lado da linha. Antes que eu responda a

companhia toca e sei que é Luana com a designer.

— Eu vou precisar desligar agora, mas te ligo a noite depois de falar


com Silvana antes de ir trabalhar, tudo bem?

— É né? Vou sair com Sabrina e Amanda para comprar algumas


coisas e ver se consigo não pensar muito sobre tudo isso — fala de forma
vaga e sei que é seu jeito de dizer que não irá me contar tudo também.

— Só tome cuidado — peço e consigo visualizar seu revirar de olhos.

— Sim, porque corro o risco de ser sequestrada enquanto compro

calcinhas e sutiãs.

— De renda? — Ela tem minha atenção agora.

— Talvez... — Deixa a palavra solta com um tom rouco, meu pau


desperta e gemo só de imaginá-la usando renda. — Tchau, Cícero.

Desliga comigo ainda ouvindo seu sorriso, respiro fundo algumas


vezes antes de me encaminhar para a sala para abrir a porta e encarar uma
Luana nada feliz pela espera, mas não lhe dou muita atenção, temos um
trabalho a ser feito e não vou perder tempo.

— A que devo a honra dessa visita? — Silvana me recebe na estufa


da ONG onde algumas crianças cuidam das mudas auxiliadas por Romeu, o
jardineiro, seus braços me apertam e eu me sinto um garotinho novamente.

— Não posso querer ver a minha mãe? — Dou de ombros e ela me


sorri com um olhar de "quando estiver pronto, querido".

— Ah, para mim é sempre um prazer receber meus filhos aqui, venha,
vou pedir que Andreia nos sirva um dos seus mingaus de milho fabulosos.

Abro um sorriso ao lembrar do sabor único que traz recordações de


uma infância feliz, um tempo em que eu acreditava ser muito sortudo por
fazer parte de uma família perfeita. Chegamos ao refeitório e lá está ela,
Andreia já trabalha aqui há mais de vinte anos e durante muito tempo eu
passei minhas tardes aqui na companhia de várias crianças, foi uma época
feliz.

— Eu devo tá sonhando mesmo, quanto tempo, menino! — Andreia


me abraça, depois dá um passo atrás segurando nos meus ombros. — Eita que

é um homão, dona Silvana.

— Sim, cresceu além da conta. — Reviro os olhos pro exagero delas.


— Será que você poderia nos preparar duas canecas daquele seu mingau
maravilhoso?

— Claro, podem subir que eu levo quando ficar pronto.

Ela diz toda orgulhosa e sai em direção a cozinha, Silvana passa seu
braço pelo meu e seguimos para o seu escritório, cumprimentando algumas
pessoas que passam por nós. Olho em volta e vejo com alegria como a
ampliação da ala oeste, para as novas salas de música e um novo laboratório
de ciências, está quase pronta, meu avô deve estar muito feliz, onde estiver,
que estejamos mantendo o sonho da sua esposa cada vez mais vivo.

— Agora que já estamos aqui pode começar a falar por que veio e não
diga que é só uma visita social, conheço meus filhos o suficiente para saber

quando algo os está incomodando — Silvana diz, batendo a mão no sofá


onde acaba de sentar.

— Por que acha que tenho algo para falar? — brinco mesmo sabendo
que ela tem razão.

— Não se faça de desentendido, vamos, sente aqui e me conte. —


Volta a bater ao lado e não tem por que prolongar o assunto.
Sento ao seu lado e por alguns instantes observo seu rosto sorridente,
os olhos muito azuis e gentis, Luana tem tanto dela que me pego perguntando

se eu fosse seu filho biológico se eu teria alguns dos seus traços ou


continuaria tão parecido com o meu pai como sou. Seus olhos fitam os meus
e um nó se forma na minha garganta, forço a descida dele e faço a pergunta
que tem rondado minha mente nos últimos tempos.

— Você sabe que sou filho dele? — Seus olhos aumentam de


tamanho e desviam dos meus.

— Não sei do... — começa a falar, mas a paro.

— Não tente negar, Silvana, ele me comprou daquela mulher, não


foi? — falar em voz alta incomoda mais do que eu esperava.

— Cícero, querido, eu não sei o que te falar. — O pesar nos olhos


dela é nítido.

— A verdade, só me diga a verdade.


Olho para Silvana enquanto espero que ela comece a falar, seus olhos
astutos me fitam da mesma forma que fizeram por todos os anos, a gentileza
estampada neles como uma marca registrada, ela levanta e caminha devagar

até parar junto a sua mesa e encosta nela, sustentando o peso do corpo com os
braços e um suspiro sai dos seus lábios antes que seu olhar vague e se torne
saudoso.

— Lembro o dia que você chegou nos braços do seu pai, tão pequeno
e frágil, quando te vi me apaixonei de imediato e desde então se tornou o meu
filho, seu pai e eu tínhamos nos casado há poucos meses e o mesmo me disse
que você era filho de uma funcionária da empresa, a mulher era mãe solteira
e não tinha condições de criá-lo, a história me pareceu verdadeira na época e
eu te acolhi no meu coração e fiz o meu melhor.

Ela me olha como se estivesse esperando que confirme suas palavras.

— Sim, não gostaria de ter tido outra mãe, mas quando descobriu a
verdade? — finalmente estou colocando para fora as perguntas que há muito
rondam na minha mente.

— Você tinha três anos e eu percebi que a cada dia ficava mais
parecido com seu pai, quando falei sobre isso com a minha mãe ela disse que
era coisa da minha cabeça, crianças tendiam a repetir gestos e trejeitos dos
adultos com quem conviviam, mas não era apenas isso, tudo em você me

lembrava dele, os olhos, a cor do cabelo, tudo. Eu cheguei a cogitar enfrentar


Vitorino e tentar forçá-lo a confessar, no entanto eu era muito apaixonada por
ele e os anos foram passando, quando você estava entrando na adolescência
eu engravidei da Luana, foi quando ela nasceu que a verdade chegou até

mim.

Sinto meu coração acelerando e minhas mãos ficarem suadas a ponto


de as sentir tremendo por saber que é agora que ela vai falar daquela que
nunca me permiti pensar mais além do que as palavras do meu pai me
fizeram acreditar.

— Luana estava com seis meses quando aquela mulher que mais
parecia uma menina bateu na minha porta, ela estava extremamente magra e
notavelmente precisando de ajuda, tinha alguma coisa muito familiar nela e

eu não sabia o que era, de início a trouxe para trabalhar aqui na Fundação,
Mariana parecia um animalzinho acuado, todas as vezes que a via com as
crianças uma tristeza profunda ficava evidente no seu olhar, Andreia também
notava e foi aos poucos a ajudando, primeiro com o vício e depois ganhou
sua confiança o suficiente para que ela abrisse o jogo.

— Minha mã... Quero dizer, aquela mulher era viciada também? —


Não sei por que, mas isso ainda me surpreende, ela não se parecia em nada
com alguém que passasse por problemas com drogas.

— Sua mãe foi uma sobrevivente da periferia, que como muitas

outras se deixou levar pela fuga dos problemas, mas que conseguiu reunir
forças o suficiente para pedir ajuda antes que fosse tarde demais — Silvana
diz muito séria, defendendo a mulher com quem seu marido teve um caso
com uma fúria impressionante.

— Como você... — deixo as palavras soltas no ar.

— Como a defendo? Fácil, ela não teve muitas opções antes e quando
pôde decidiu fazer a coisa certa e desde então continua fazendo, mas voltando
a história, ela contou para Andreia que a convenceu a me contar a verdade e
eu, mesmo querendo confrontar o seu pai, não fiz, ela me fez prometer que
não faria nada, a coitadinha tinha mais medo de Vitorino do que o diabo da
cruz, não a culpo.

— Como não? Ela me vendeu para ele e com certeza tinha medo de

que ele quisesse o dinheiro de volta — resmungo irritado.

— De onde você tirou isso? — Seus olhos estão o dobro do tamanho


e a boca faz um pequeno “O” quando compreende de onde me veio essa
informação.

— Do meu pai, ele a confrontou na minha frente e a mesma não


negou o que ele estava falando.
— Não acredito que ele tenha ido tão longe.

— Como assim?

Agora quem está confuso sou eu, se bem que do meu pai eu não
ficaria surpreso se mais alguma barbaridade fosse exposta.

— Querido, seu pai não pagou nem um centavo para ficar com você,
sua mãe era apenas uma menina de dezesseis anos quando lhe deu a luz,

morava num dos bordéis que seu pai frequentava e a dona permitiu que ela
ficasse lá enquanto estivesse grávida, Vitorino só apareceu quando soube que
você tinha nascido e com a ajuda da lábia afiada de Arnoldo convenceu
Mariana de que se não abrisse mão de você eles a fariam ser presa por estar
com um bebê num lugar daqueles, sendo ela uma garota sozinha no mundo e
assustada acreditou que era realmente possível que isso acontecesse.

— Ele... — começo a falar, mas minha voz fica presa a garganta.

— Se ele fez isso mesmo? — Balanço a cabeça confirmando que é

essa a pergunta que faria. — Sim, ele fez e eu o confrontei anos depois
quando você foi embora de casa e ele confirmou.

— Mas por que me fazer acreditar que ela tinha me vendido? — Não
consigo conciliar tanta informação junta.

— Eu não sei, querido, seu pai por muitos anos foi alguém que não
posso afirmar que eu conhecia, no entanto, nos seus últimos dias ele foi capaz
de repensar muitas coisas, algumas teve tempo de reaver e tentar de alguma
forma compensar, já outras nem se quisesse ele conseguiria.

Levanto sentindo uma vontade imensa de me colocar em movimento,


minhas pernas querendo agir por instinto e procurar os braços da única que
consegue fazer meu coração voltar a bater no ritmo certo, não dessa forma
frenética de agora que se assemelha a um carro desgovernado.

— Cícero, me escute, eu sinto muito, filho, não fazia ideia de como


puxar o assunto com você durante todos esses anos, tentei algumas vezes,
mas você se tornou tão arredio de uma hora para outra que pensei que me
odiasse esse tempo todo — a voz de Silvana chega a mim em um sussurro me
fazendo virar para encará-la horrorizado.

— Odiar você? — Caminho de encontro a ela e seguro suas mãos nas


minhas. — Como poderia? Longe de mim, não a você que sempre me amou
apesar de tudo.

— Ah querido... — Os olhos dela transbordam de lágrimas e a puxo


para mim, aninhando seu corpo pequeno junto ao meu, o cheiro familiar me
enchendo de recordações felizes onde eu corria todos os dias para o seu
abraço, pois era o meu lugar seguro no mundo durante toda a infância e
começo da adolescência. — Eu amo você, meu menino.

— Também a amo, mãe, não duvide disso nunca.


Ela sorri e dou um passo atrás para olhá-la.

— Sabe onde Mariana vive ou se está viva? Ela ainda mantém

contato? — pergunto com verdadeira curiosidade, é uma parte da minha vida


que quero resolvida antes do nascimento da minha filha.

— Sim, sei onde ela está, apesar de não ter sido assim por um longo
período — diz e volta a me puxar para o sofá. — Como sabe, ela foi babá de

Luana, essa foi uma forma que achamos dela se aproximar de você e
conquistar sua confiança antes de contar toda a verdade, mas eis que um dia
chego em casa e encontro apenas um bilhete agradecendo tudo que fiz por ela
e pedindo que não deixasse de cuidar, proteger e amar você, na época não
entendi, mas aceitei a decisão dela, apenas quando você já tinha ido embora
de casa e entrado para a Polícia Militar que voltei a vê-la.

O sorriso de Silvana se alarga ainda mais com a lembrança.

— Ela estava diferente, não só na forma de se vestir, mas na atitude e

confiança que tinha, me contou o que aconteceu aquele dia e por que foi
embora, ela estudou muito para conseguir entrar na faculdade e cursou
Direito, diante de mim não estava mais a Mariana fragilizada e com medo,
mas sim a Dra. Mariana de Toledo, advogada e futura agente da Polícia
Federal, nunca senti tanto orgulho de alguém na minha vida, tirando você e
Luana.
— Espera, a minha... Mariana é uma agente da Polícia Federal? —
Não sei o que sentir ou pensar.

— Sim, ela é. — Nem em todos os meus sonhos poderia prever isso.

— Mamãe, preciso encontrá-la, ela pode me ajudar a garantir que


Cecília e eu possamos criar nossa garotinha tranquilos no futuro.

Digo e vejo seus olhos passarem de confusos para compreensivos

antes de ter sua resposta.

— Ajudarei no que for possível, filho, e creio que ela também.

O Uber para junto ao edifício onde fica o consultório do Dr. Felipe,


meu obstetra, pago o motorista e saio para dar de cara com um Raul muito
impaciente, que troca o peso do corpo de uma perna para a outra, olho para

ele de cima a baixo, o terno bem alinhado sobre uma camisa branca com os
primeiros botões abertos, sua postura um pouco rígida demais, num sinal
claro que não está nem um pouco satisfeito em estar aqui e me pergunto se
veio obrigado.

— Pensei que tivesse me mandado ir para o lugar errado — diz com


um sorriso nervoso e olha de um lado para o outro.
— Por que faria isso? Concordei em conversarmos, não concordei? —
Ergo uma sobrancelha para dar mais ênfase à minha pergunta.

— Sim, concordou, mas ainda assim eu não esperava que aceitasse.

A verdade é que foi um esforço tremendo para concordar e depois


fazer Cícero aceitar que eu encontrasse Raul antes da consulta, mas algo na
voz quase desesperada dele ao telefone me impeliu a aceitar, uma esperança

de que meu amigo de longa data não tenha virado as costas para mim em
favor do meu pai, nem que tenha caído na lábia dele, o que não seria difícil
de acontecer.

— Bom, vamos entrar, tenho apenas quarenta minutos antes do


horário da consulta — digo e ele me segue até ao pequeno Café no térreo do
edifício.

Sento na mesa mais afastada, coloco os cotovelos sobre a mesa e o


queixo nas mãos, ele senta e mais uma vez olha para o lado desconfiado,

reviro os olhos irritada.

— Pare de parecer um fugitivo, vai chamar ainda mais a atenção de


quem quer que seja que você está tentando não ser descoberto.

— E-eu... — começa a falar, mas eu ergo a mão para pará-lo.

— Não me faça de idiota, Raul.

Ele dá um suspiro prolongado e vejo seus ombros caírem derrotados.


Não lembro de já tê-lo visto com esse olhar meio perdido, meio desalentado
como agora e também não sei se gosto muito disso.

— Tudo bem, eu estou evitando o seu pai — diz e eu estreito os olhos


para ele. — Andei fazendo algumas pesquisas e não gostei nada do que achei,
Lia.

Engulo em seco, meu coração disparando com a possibilidade de ter

um aliado infiltrado no covil do lobo, por assim dizer, mas não deixarei pistas
de que é isso que estou pensando.

— É mesmo? — Faço minha melhor cara de tédio e pelo jeito fiz


certo.

— Sim, eu fiquei um tanto desconfiado depois da última conversa que


tivemos, você parecia tão certa da culpa dele e não negue isso, eu vi na sua
postura que não acreditou em nada do que lhe falei e outro dia, depois que
voltou do almoço com você, ele disse para eu me preparar, pois era possível

que me tornasse o seu genro e eu pensei "como assim?", porque eu sei bem
como você é e se cogitasse a possibilidade de ficarmos juntos não teria
voltado com aquele sujeito, mesmo que tenham terminado e principalmente
estando grávida dele e duvido muito que estejam separados realmente.

Não respondo de imediato, mantenho minha expressão a mais neutra


possível, mesmo que aquela voz dentro de mim grite a plenos pulmões SIM,
EU ESTOU COM ELE E DAÍ?, mas não deixo que essa voz tenha controle
dos meus atos, se é isso que ele acha vai me apontar como chegou a essa

conclusão em três, dois, um...

— E não adianta fazer essa cara para mim, Lia, eu te conheço bem o
suficiente para saber que não estaria tão bem e com um olhar de apaixonada
assim se estivesse em pé de guerra com o pai do seu bebê.

— Não estar em pé de guerra não equivale a estarmos juntos, como


bem colocou, ele é o pai da minha filha e sei como é ser criada sem a
presença do meu pai, talvez eu não queira isso para ela no fim das contas.

Até eu me admiro como minha voz sai tranquila e sem tremer nem um
pouquinho, acho que estou pegando jeito nessa coisa de fingir e esconder os
sentimentos.

— Pode até ser, mas não muda o fato de que você é apaixonada por
ele e não aceitaria que outra pessoa assumisse a paternidade da sua filha além

dele. — Os olhos de Raul têm aquela fagulha determinada que sempre achei
ser sua forma de dizer que sabe do que está falando.

— Ele fez uma proposta para você, não foi? — Não preciso dizer a
quem me refiro, um aceno rápido de cabeça é toda a resposta que tenho antes
da sua mão segurar a minha sobre a mesa e o sorriso mais do que radiante
encher seu rosto.
— Sorria como se estivesse gostando do meu toque — pede entre
dentes e meu corpo tensiona momentaneamente antes que faça um sorriso tão

radiante quanto o dele surgir nos meus lábios e aproveito para entrelaçar
nossos dedos e recebo seu balançar de cabeça em concordância.

Pela minha visão periférica vejo um sujeito nos observando e sinto


que o conheço de algum lugar, só não sei onde nossos caminhos podem já

terem se cruzado, apenas quando ele se afasta que os ombros de Raul relaxam
e ele puxa a mão de volta e me olha levemente constrangido.

— Desculpa por isso, mas um dos cães de guarda do seu pai estava
nos observando e para qualquer efeito eu vim aqui para tentar convencer você
a se casar comigo.

— Como é? — pergunto espantada.

— Eu te falei, andei fazendo minhas pesquisas e aparentemente sou o


genro perfeito aos olhos do seu pai — diz e toma um gole da sua água,

olhando para os lados desconfortável. — Você sabe dos meus sentimentos


por você, Lia, não nego que em outras circunstâncias eu casaria com você,
assumiria dez paternidades se fosse a sua vontade, mas não é esse o caso e
meu amor por você não será moeda de troca nas mãos de ninguém, mesmo
que isso signifique que ficarei desempregado assim que seu pai descobrir.

A sinceridade nas palavras dele são tocantes, aqui na minha frente


está o Raul que conheci na adolescência, a quem tive a coragem e vontade de
entregar meu corpo pela primeira vez por saber que ele nunca iria passar isso

na minha cara ou me questionar sobre, esse é meu amigo e uma parte minha
roga para que um dia ele encontre alguém que o ame como ele merece ser
amado.

— Ah, Raul... — digo com as lágrimas transbordando dos meus

olhos, estendo a mão e aperto a sua, abrindo um sorriso de gratidão a ele. —


Eu sabia que seu coração não seria corrompido pelo veneno do meu pai e isso
me deixa muito feliz.

— Eu também fico feliz por ter aberto meus olhos antes que fosse
tarde. — Um sorriso triste cruza seus lábios. — Espero que não tenha feito
nada sem volta e que comprometa sua felicidade.

— Não, não fez, mas me diga o que despertou a vontade de saber a


verdade? — pergunto curiosa.

— A forma como você me olhou aquela manhã, tão diferente de como


olhava para aquele... Ehr, para Cícero, uma mistura de raiva e desconfiança e
eu sabia que merecia aquele olhar, saí da sua casa e percebi que não seria
nada na sua vida se forçasse uma posição que não me pertencia e quer saber,
durante os últimos dias reuni um bocado de documentos que me levaram até
às empresas que supostamente representamos e descobri que elas são suas por
direito e o acordo financeiro delas com o escritório do seu pai é até o dia que
se casar, era por isso a insistência de Arnoldo em me fazer seu genro, ele

acredita que pode me manipular, mas eu aprendi que ser seu amigo é muito

melhor do que ser uma marionete do seu pai para o resto da vida.

— Você é meu melhor amigo, Raul, me doía pensar em você agindo a


mando de Arnoldo, fico feliz que tenha aberto os olhos. — Sorrio de verdade
agora para ele.

— Também fico e se tiver algo que precise, qualquer coisa, eu farei,


não importando as consequências.

Suas palavras atiçam algo na minha mente que começa a trabalhar


ferozmente e nesse instante eu me sinto como o apelido que Cícero me deu,
uma anja-demônia, abro ainda mais o meu sorriso e o fito decidida.

— Tem algo sim que preciso que faça e quando acabar a


consequência será ter você como representante legal das empresas que herdei
da minha mãe.

Digo determinada e sei que essa é a última peça para o golpe final
contra Arnoldo.
— Não, nem pensar nisso! — esbravejo ainda dentro do elevador do
prédio onde fica o consultório do obstetra de Cecília. — Me admira que você
tenha concordado com isso, Cecília.

Fuzilo-a com meus olhos e a vejo se encolher, na mesma hora o


arrependimento me bate, mas não vou aceitar que a minha mulher pose de
noiva daquele mela cueca por aí, sabia que ela estava escondendo algo, desde
a hora que cheguei notei que seu olhar vagava e ela mordiscava os lábios de
forma apreensiva, só não esperava que fosse justamente isso.

— Cícero, seja racional pelo menos uma vez na vida, será fingimento
— tenta argumentar.

— Como pode confiar naquele merdinha depois de tudo? Sabe que ele

é um pau mandado do seu pai e ainda assim encontrou com ele sem que eu
soubesse, como se não fosse pouco fez acordos com ele, ah faz favor! Sabia
que tinha algo errado com você logo que te vi.

— Não é para tanto, Cícero! — Ela revira os olhos.

— Ah não? Como quiser, fica com ele definitivamente então.

As portas se abrem na garagem subterrânea e não espero por ela, sinto


que se ficar ao lado dela por mais alguns segundo acabarei dizendo coisas das
quais irei me arrepender, mas como todo castigo é pouco, eis que encostado
ao meu carro está o merdinha de braços cruzados nos esperando. Minha vista

se torna rubra e antes que perceba o estou levantando pelo colarinho da


camisa.

— Eu vou matar você, seu bostinha! — Meu punho se prepara para ir


de encontro ao rosto dele e extravasar boa parte da raiva que sinto quando o

rosto de Cecília entra no meu campo de visão, ficando entre mim e Raul.

— Já chega! — ela grita, ficando muito vermelha. — Para de


babaquice ou eu irei embora com o Raul e só nos veremos quando a razão
voltar a sua cabeça.

Ouvir isso equivale a receber um balde de água fria sobre a minha


cabeça, ela está preferindo o imbecil a mim, é isso mesmo? Meus braços
caem frouxos ao lado do corpo e dou um passo para trás e para meu total
espanto não vejo Raul me fitar com júbilo ou com aquele sorrisinho de

quando a ajudou a fugir meses atrás.

— Amor... — Fecho os olhos e me viro-lhe as costas, puxo uma


lufada de ar maior do que consigo suportar no meu pulmão aparentemente.
Abro os olhos e viro para encará-la.

— Não me peça para aceitar isso, Cecília, como você se sentiria se


fosse o contrário? — Sua expressão de dor misturada com raiva me diz que
está entendendo exatamente como me sinto. Ela morde os lábios e os coloca
de lado em seguida, seus ombros caem um pouco e meu instinto é puxá-la

para os meus braços e lhe dar tudo que deseja, mas como bem colocou dias
atrás, nosso relacionamento não pode girar apenas em torno dela.

— Olha eu não quero causar nenhum mal-estar entre vocês, mas


posso dizer como esse plano pode beneficiar aos dois — Raul fala como se

ele tivesse a localização do Santo Graal [10]perdido.

— Jura? Não é conveniente isso? — Deixo todo o sarcasmo possível


presente na minha voz.

— Cícero, não precisa ser um idiota — Cecília fala com esses olhos
escuros demais me implorando para ouvir pelo menos.

— Tá, fala como isso poderia nos beneficiar? — Cruzo os braços na


altura do meu peito e espero pelo seu plano, um tanto cético.

— Se Arnoldo acreditar que Cecília e eu estamos noivos irá diminuir

a vigilância que tem sobre ela, ele me contou exatamente onde estão os seus
vigilantes, por assim dizer.

— E ele vai aceitar a minha aproximação? Porque não pretendo ficar


longe dela nos próximos três meses, estarei presente no nascimento da minha
filha, custe o que custar. — Quanto a isso não há negociação.

— Você é o pai, ele não pode achar que todos são como ele — Cecília
diz, tocando o meu braço.

— Não precisamos de tanto tempo assim, na verdade creio que

conseguiremos as provas antes do previsto.

Ele fala como se tivesse uma carta na manga, estreito meus olhos não
sabendo se acredito muito que as coisas sejam tão simples assim. Olho para
Cecília e ela dá de ombros, aparentemente não está sabendo de nada.

— Ah é, por acaso você virou expert em investigação ou o quê? —


digo e recebo um revirar de olhos de Cecília, pronto vai me encher os
pacovas.

— Não, não virei, mas nas "pesquisas" que fiz eu pude notar certas
discrepâncias nos números e se tem uma coisa que o governo odeia são
pessoas roubando o que ele poderia roubar. — O imbecil parece não ser mais
tão imbecil assim, vejam só.

— Em quanto tempo consegue me entregar esses papéis? Sei

exatamente a quem entregá-los.

— Acho que em quatro ou cinco semanas, primeiro devemos fazê-lo


acreditar que é verdade o meu relacionamento com Cecília e aos poucos vou
fazendo cópias de tudo sem levantar suspeita.

— Não vou encontrar com ele outra vez, que fique bem claro! —
Cecília se pronuncia e internamente sinto meu ogro vibrar de orgulho.
— Não precisa, basta deixarmos as pessoas certas nos verem juntos,
ele vai descobrir por si só e vai ser melhor ainda.

Tenho que admitir que ele tem um pouco de inteligência guardada


nessa cabeça, Cecília me olha esperando a minha resposta e nos seus olhos há
tanta esperança de que as coisas possam enfim se resolverem que não
conseguiria dizer não, eu faria qualquer coisa por ela, essa é a mais simples

de todas as verdades.

— Certo, não estou dizendo que confio plenamente em você, mas vou
lhe dar um voto de confiança, consiga tudo que for possível e me avise, terei
a pessoa certa a quem entregar — digo e em sinal de boa fé estendo-lhe a
mão em cumprimento.

— Bom, vou indo então, devem estar me esperando no trabalho. Eu


diria para vocês não saírem juntos se for possível, há pessoas de olho para ver
por onde a Lia vai sair e com quem — diz, olhando para os lados e acabo

imitando o seu gesto.

— Ah, tudo bem, vou chamar um táxi — minha anja-demônia diz,


abrindo um sorriso radiante. — Obrigada, Raul!

A contragosto vejo-a dar um passo à frente e o abraçar brevemente e


assistimos ele saindo antes que ela vire para mim e jogue seus braços ao meu
redor, inalo seu cheiro único de flores do campo sentindo uma vontade
enorme de sumir com ela dessa loucura, mas não devemos, não se queremos
ter paz no futuro.

— Estou com tanta saudade!

Ergue a cabeça e o desejo estampado nos seus olhos reflete o meu,


engulo em seco antes de beijá-la, primeiro com suavidade, mas essa é minha
garota, seus dedos adentram nos meus cabelos bagunçando tudo como fez

com a minha vida e aperto seu corpo na altura do quadril fazendo com que
ela sinta como já estou completamente duro e pronto para fodê-la, se tivesse
como, aqui mesmo nessa garagem, o gemido rouco que sai dos seus lábios
me leva a loucura e aprofundo ainda mais minha língua na sua boca, pedindo
passagem e persuadindo para que a dela entre na dança comigo.

Estamos embriagados com as sensações que apenas um beijo pode


nos causar quando uma buzina nos desperta para onde estamos, Cecília é
mais relutante do que eu em se afastar, mas não será por muito tempo.

— Vão para um quarto! — Alex sai do carro já enchendo o saco


como só ele sabe e tem o direito de fazer por ser meu melhor amigo e quase
um irmão da minha garota.

— Se tá incomodado feche os olhos! — respondo e Cecília ri.

— Muito maduro, Duarte! — O bastardo revira os olhos, mas está


sorrindo. — Já está pronta, madame? Serei seu chofer essa tarde!
Cecília estreita os olhos e me fita buscando uma resposta, mas apenas
sorrio para ela.

— Temos um encontro? — pergunta empolgada.

— Sim e não, tem alguém que quero que conheça e algo que preciso
lhe mostrar.

— Uhuuuu, que mistério! — ela zomba e recebe um tapa meu na

bunda que faz a malícia cruzar seus olhos e seu rosto corar, com certeza
despertei alguma lembrança sacana nela.

— Querem deixar pra fazerem isso quando estiverem num quarto! —


Alex, o estraga-prazer, resmunga antes de entrar no carro.

— Vá com ele, nos encontraremos daqui a pouco.

— Tá bom!

Beijo seus lábios mais uma vez antes de deixá-la ir, ao entrar no carro
ela me olha e abre um sorriso tão bonito que sinto meu coração falhar uma

batida e se antes eu já sabia que faria qualquer coisa por ela, agora sei que me
enganei, faria quase tudo, pois não suportaria ficar sem ela.

— Aonde estamos indo, Alexandro? — pergunto assim que saímos da


garagem do edifico onde fica o consultório do Dr. Felipe.

— Não sei e meu nome é Alexandre, não Alexandro — responde sem

desviar os olhos do tráfego à frente.

— Ah, não fique emburrado, Alexandro, sabemos que você não gosta
do seu nome — implico com ele como fiz durante muitos anos, Alex odeia
que mudem o seu nome e Sabrina me contou quando eu ainda era uma

adolescente e isso nos rendeu grandes risadas.

— Muito engraçada você, Cecília, acho que devia se tornar uma


comediante! — Vejo-o revirar os olhos e balançar a cabeça antes de cair no
riso.

— Você está muito estressado, Alexandro, faz quanto tempo que não
encontra Patrícia? Aliás, avise a ela que estou magoada por ela sequer ter me
ligado nos últimos tempos.

Com isso ele vira o rosto um pouco para mim e noto uma careta sutil

antes que mude a expressão completamente.

— Não estamos nos vendo mais, já faz um tempo. — Pelo "nos


vendo" eu entendo bem o que quer dizer.

— Sério? Pensei que vocês fossem tipo almas gêmeas de swing ou


algo do tipo e apenas que não tinham decidido ficarem juntas ou sei lá o quê
— brinco para deixar o clima um pouco mais leve.
— É mais complicado do que apenas isso — deixa a história vaga de
propósito, sempre um sabão esse cara.

— Tem alguém na jogada, não tem? — pergunto curiosa, mas ao


mesmo tempo querendo entender se ele está bem com isso, apesar de Patrícia
ser minha amiga, ele é da família e essa vem sempre em primeiro lugar.

Ele não me responde, mas a forma como aperta o volante me diz que

acertei em cheio, só não fico feliz com essa notícia por ter pensado que os
dois iriam enfim se entenderem, nas poucas vezes que consegui fazer Patrícia
se abrir ela me pareceu disposta a recomeçar a história deles.

— É mais complicado do que isso e não quero falar sobre agora —


responde enfim, mas não vou me dar por vencida.

— E quer falar sobre o quê? Se me lembro bem, quando comecei a


me relacionar com Cícero você foi bem insistente em se intrometer — acuso
e ele ri.

— E pelo jeito não surtiu o efeito desejado, olha só onde estamos,


você grávida dele e eu servindo de motorista particular.

— Ei, não pedi que fizesse nada pra mim, tá ok? — Cruzo os braços
sobre a minha barriga.

— Não, mas seu noivo sim, e tem poucas coisas que não faria por ele
e por você também, então pode parar de fazer bico.
Agora é minha vez de revirar os olhos, não estou fazendo bico
nenhum.

— E o que tem nesse lugar onde ele mandou, pediu ou o sei lá o que,
para você me levar? — Não gosto de mistérios.

— Eu não sei o que tem lá, aquele cretino só passou o endereço. —


Dá de ombros e sei que está sendo sincero.

— Ele e esses mistérios! — resmungo e ele sorri me dando apoio.

— Nem fale, mas esqueçamos isso até chegarmos lá, vamos, quero
saber como está minha afilhada, já escolheram o nome? Alexandra é um belo
nome para menina, não acha?

Não controlo a gargalhada que sobe pela minha garganta e enche o


carro sendo seguida por ele. Só o que me faltava, minha filha com o nome
dele, fala sério.

— Não escolhemos, mas esse é um que com certeza está excluído da

lista.

Ele faz um biquinho, mas logo engatamos em uma conversa sobre


possíveis nomes para minha filha e quais características ela, segundo ele,
deveria ter de mim e de Cícero, o que me fez rir ainda mais e quando menos
esperamos estamos estacionando em frente a um imponente edifício perto da
orla da Praia do Futuro, reconheço a localização por não ser muito longe da
Cidade 2000 onde moro.

— Uau! — Alex assobia, colocando a cabeça para fora e olha o

prédio admirado.

— Não sabia que aqui era aqui? — minha pergunta sai um tanto
confusa, mas ele entende.

— Não exatamente, vocês pretendem morar por aqui quando

casarem? — Não tinha parado para pensar nisso.

— Não que eu saiba, mas acho que vamos ficar no apartamento dele.
— Dou de ombros e saio do carro.

Acompanhada de Alex me dirijo até a portaria e ao dizer nossos


nomes nossa entrada é liberada e o porteiro nos diz que a senhora Toledo nos
aguarda no vigésimo segundo andar, como fez há pouco tempo, Alex dá de
ombros quando nossos olhares se cruzam no espelho do elevador, dando a
entender que também não sabe de quem o cara está falando. Estranho isso,

mas já que estou na chuva é para me molhar, não é mesmo?

O ding do elevador anuncia que chegamos e as portas se abrem para


me apresentar um Cícero, que parece um tanto nervoso, elevando minha
curiosidade ao nível máximo.

— Hei, tá tudo bem? — pergunto quando ele envolve meu corpo com
os braços e inala meu perfume ao sugar uma respiração profunda.
— Vocês demoraram, Deus, como eu preciso de você — o desespero
na sua voz me deixa mais alerta ainda.

— Eu estou aqui, querido, estou aqui. — Dou um passo atrás e seguro


seu rosto nas minhas mãos antes de ficar nas pontas dos pés para selar sua
boca com a minha.

Não é um beijo como os demais que trocamos há pouco menos de

uma hora, esse é do tipo que consola e diz que estou aqui por ele e para ele
sempre que precisar.

— De quem é esse apartamento, Cícero? — Alex pergunta, me


fazendo lembrar da sua presença.

Meu comandante me puxa para ficar ao seu lado e meu olhar vai em
direção à porta que acaba de ser aberta e uma senhora de no máximo
cinquenta anos, acho eu, sai de lá e nos fita com olhos lacrimosos, seu olhar
fixa-se em Cícero e sinto o corpo dele tensionando e apertando de leve a mão

junto ao meu quadril. Ele não precisa me dizer de quem se trata, a


semelhança entre eles evidencia isso mais do que tudo, o porte austero, o
cabelo castanho, o queixo levemente empinado, típico de quem não aceita ser
menosprezado, misturada com uma doçura difícil de ser extinta da expressão,
no entanto ele responde a pergunta do amigo com a voz um tanto quanto
embargada.
— É da minha mãe, Mariana de Toledo.

Os olhos da mulher a nossa frente agora não seguram mais as

lágrimas e vejo seus lábios tremerem um pouco mais ao dar um passo à frente
e muito lentamente se aproximar de Cícero, que para minha surpresa me solta
e completa o espaço entre eles a abraçando e assim como ela desaba num
choro como nunca imaginei que veria vindo dele. Alex vem ficar ao meu lado

e não deixo de notar que estamos surpresos e comovidos com a cena a nossa
frente, pois essa é uma parte da vida de Cícero que não tínhamos esperança
que um dia se resolvesse, mas aqui está e creio que a partir daqui tudo ficará
bem.

— Você cresceu tanto! — Mariana fala, segurando o meu rosto entre

as mãos e sorri com doçura.

Não estava preparado para revê-la depois de tantos anos, nos últimos
dias, desde que Silvana me falou dela e contou uma nova versão da história,
fiquei horas e horas acordado imaginando o que diria quando estivesse frente
a frente com ela, mas a verdade foi que fiquei esperando do lado de fora do
seu apartamento por mais de meia hora enquanto esperava que Alex seguisse
o caminho mais distante possível para trazer Cecília, assim despistaria
qualquer um que estivesse vigiando-a, me dando tempo de chegar sem ser

notado.

Durante o tempo que esperei sabia que ela estava do outro lado da
porta, mas sempre que me aproximei da porta a insegurança me dominou, e
se ela não me perdoasse por acreditar no meu pai? E se me dissesse que não
queria me ouvir, assim como não deixei que explicasse para mim sua versão

dos fatos? Todas essas questões passaram por minha mente e eu acreditei que
seria exatamente assim, por isso precisava de Cecília aqui, minha anja-
demônia, que sem saber me transmite a força necessária para assumir que sou
humano e como tal sou frágil e falho. Não imaginei que Mariana estivesse tão
ansiosa pelo reencontro quanto eu e receber um abraço dela me fez voltar a
ser aquele garoto de treze anos que deixava que ela acariciasse meu cabelo
enquanto lia histórias para Luana dormir.

— Alguns centímetros a mais — brinco, como faço quando estou

nervoso. — Mariana, essa é minha noiva, Cecília, e meu melhor amigo,


Alexandre — digo e vou me colocar ao lado da minha garota mais uma vez.

— É um prazer conhecê-la, senhora! — Cecília lhe estende a mão


com um sorriso tímido nos lábios.

— Ah, me chame de Mariana, já somos da mesma família! —


Mariana a puxa para um abraço e ao se afastar seus olhos descem para a
barriga já evidente da minha anja. — Quando Silvana me contou que eu seria
avó não me contive de tão feliz, venham, entrem, para que possamos

conversar melhor.

Ela caminha na frente e mantém a porta aberta para que eu, Cecília e
Alex entremos, a primeira coisa que notamos é o espaço amplo e bem
decorado, noto que o meu gosto não difere muito do dela. Caminhamos até
sentarmos no sofá que toma boa parte da sala de estar.

— Querem uma água, suco, café? Eu não fico muito em casa, mas
meu marido Rogério mantém nossa dispensa abastecida. — Mariana parece
um pouco nervosa, assim como eu.

— Estamos bem, não se preocupe. — É Cecília que toma a frente e


aperta minha mão que treme levemente.

— Você casou faz tempo? — a pergunta sai antes que controle minha
curiosidade.

— Há quinze anos. — Ela senta na poltrona a frente e sorri ao falar do

marido.

— E tem filhos, digo, com ele?

— Não, meu único filho é você!

— Eu sabia que você era o filhinho da mamãe no fim das contas —


Alex deixa escapar essa piada e ri, mas como ninguém o acompanha logo se
recompõe. — Desculpe, escapuliu.
— Não, tudo bem, eu não me importo de ser a mamãe dele.

— Por que não teve outros filhos? — Nunca fui do tipo perguntador,

mas nesse momento sinto que preciso saber o máximo sobre ela, pois nunca
conseguiremos recuperar o tempo perdido. — Desculpe se estiver sendo
inconveniente.

— Não, de maneira alguma, eu voltei a estudar um pouco tarde e

durante anos me dediquei somente a isso, quando conheci Rogério já não era
mais uma criança e meu trabalho cobra um bom pedaço do meu tempo, dias
assim sem nada para fazer são uma raridade — finaliza com um sorriso e
tento devolver, mas a verdade é que estou pensando em quantos anos da vida
dela meu pai lhe roubou, sei como uma pessoa com medo pode evitar fazer
ou sequer falar algo que cause retaliação do seu opressor.

— Cícero me falou que é Delegada da PF e eu acho isso muito


incrível. — Os olhos de Cecília brilham e sei que ela vê em Mariana tudo o

que a mãe poderia ter sido se não tivesse passado tantos anos sob a influência
de Arnoldo.

— Sim, eu sempre quis trabalhar com algo assim, mas não é um


emprego fácil, porém vocês vieram aqui por um motivo, Silvana não me
explicou do que se trata, apenas que era algo grande e que precisavam da
minha ajuda, em que posso ser útil?
A forma como ela assume a persona profissional é surpreendente, é
uma mudança sutil na sua postura, mas eu noto, nada sobre ela me passa

despercebido. Enquanto Cecília conta a sua história desde o princípio, eu


olho para a mulher a minha frente notando pequenas semelhanças comigo e
me sinto diferente, nunca pensei que me fizesse falta a semelhança com
alguém, só agora percebo que sim, existe alguém com quem eu pareço, não

em tudo, mas em traços que deixam evidente que ela é minha mãe, como
acontece entre Luana e Silvana.

— Eu nunca fui com a cara daquele sujeito asqueroso, as vezes que o


vi senti que estava do lado de uma cobra pronta para dar o bote — Mariana
diz assim que Cecília conta sobre a empresa que herdou da mãe e como
Arnoldo convenceu sua mãe a se prostituir para o seu benefício durante anos.

— Eu o mataria se tivesse a chance! — Para minha surpresa as


palavras vêm de Alex que tem as mãos em punhos e só agora me dou conta

que essa parte da história lhe era desconhecida.

— Não, existem coisas piores do que a morte para pessoas como ele,
não se preocupe — Mariana responde e Cecília respira fundo, balançando a
cabeça.

— Agora eu estou contando com Raul e a capacidade de ele conseguir


os documentos na surdina, mas não deixo de pensar que Arnoldo é sim uma
cobra ardilosa e pode se voltar contra nós de alguma forma e ferir as pessoas
que amo. — Suas mãos apertam as minhas e sinto um calafrio percorrer

minha espinha ao ouvir isso.

— Acha que esse Raul é confiável? — Mariana pergunta.

— Eu não confio nele — deixo claro.

— Porque tem ciúmes dele! — rebate Cecília com um revirar de


olhos.

— Mas eu não tenho ciúmes dele e também não confio. — Alex vem
ao meu auxílio como sempre.

— O que esse Raul teria a ganhar ajudando a você? — Mariana


parece estar montando um quebra-cabeça mental.

— Prometi que ele ficaria à frente da parte jurídica da empresa


quando eu assumisse o controle dela. — Cecília sorri para Mariana que
parece estar entendendo algo que deixei passar.

— Você acha que ele acreditou? — Não entendo essa pergunta de

Mariana.

— Sim, ele é ambicioso o suficiente para querer passar a perna no


chefe.

Agora as coisas começam a fazer sentido, Cecília defendendo Raul de


mim no estacionamento não passou de uma jogada dela para fazê-lo acreditar
que ela confia nele.
— Filho, essa sua noiva é mais esperta do que esperava, garota, você
se daria muito bem na PF.

— Espera, eu estou perdido aqui! — Alex vocifera o meu


pensamento.

— Simples, Alexandro, Raul será o responsável jurídico por uma


empresa que não existirá, ela foi conseguida à custa da saúde mental da

minha mãe, e pelo que o mesmo me falou Arnoldo a usa para lavar dinheiro
das suas falcatruas, aposto que a Polícia Federal adoraria colocar as mãos em
um esquema que já dura anos como esse.

O sorriso de Cecília é idêntico ao de Mariana e vejo que estou cercado


por mulheres brilhantes e tudo que consigo pensar nesse momento é ficar
sozinho com a minha mulher e venerá-la por ser tão boa no que faz com todo
o meu corpo e coração.
— Lia? — ouço a voz de Sabrina chegar até meu quarto antes mesmo
dela colocar a cabeça para dentro.

— Oi, entra! — Aceno com a mão e logo ela está sentada com as

pernas cruzadas sore a minha cama vendo catálogos de decoração de quartos


comigo.

— Você vai arrumar o cantinho dela aqui mesmo? — Desvio meus


olhos do rosto dela, esconder das minhas amigas tudo que estou vivendo é
mais complicado do que eu queria, mas não posso arriscar colocar tudo a
perder agora que estamos tão perto.

— Não sei ainda, só quero ter alguma ideia do que eu quero fazer nos
próximos meses — sou sincera quanto a isso.

O tempo tem passado mais rápido do que gostaria, os dias se tornaram


semanas e as semanas em mês, um mês e meio para ser exata e a cada dia que
não chegamos ao final de tudo fico cada vez mais apreensiva. Raul tem
aparecido aqui com certa constância e minha avó faz questão de fingir que ele
não existe e resmunga quando ele sai, acho que isso tem mantido Cícero
tranquilo de certa forma, saber que ainda é o preferido dela, esses dois não
tem jeito, mas até o momento Raul tem mantido sua parte do acordo, quase
sempre traz um documento novo, de forma discreta, que dou um jeito de
enviar a Luana através de Alex. Esse é outro que tem se mantido o mais

próximo possível, quando não está de plantão fica na casa da tia Vera, o que
ela acha maravilhoso, só não sabe que não existe infiltração alguma no
apartamento dele.

Suspiro ao me dar conta de quantas pessoas estão no escuro e de certa

forma envolvidas nisso tudo, tenho medo que no fim tudo isso seja por nada e
que tenha perdido um tempo precioso ao lado do meu homem por estar
buscando justiça à memória da minha mãe, não que ache que ela não tenha
sua parcela de culpa em tudo, só que ainda assim não me sentirei bem e
pronta para recomeçar antes que veja Arnoldo perder tudo que sempre amou,
o dinheiro, porque amor pelas pessoas ele não sabe o que significa.

— Lia, não ouviu nada do que eu disse, não é mesmo? — Olho para
Sabrina e coro envergonhada, realmente não ouvi mesmo.

— Desculpe, eu tenho me perdido em pensamentos às vezes.

— Você sempre fez isso, por isso não me irrito mais. — Sorri e aperta
minha mão, mas noto quando de forma discreta ela vira meu braço para que
tenha uma visão clara do meu antebraço.

— Não estou me cortando há um tempo, Sabrina, pode avisar a Talita,


Amanda e Bruna que não voltarei a assustar vocês — falo tentando sorrir,
mas não posso deixar de agradecer por ter pessoas que se preocupam comigo
de verdade.

— Desculpa, virou um hábito. — Dá de ombros e a puxo para um


abraço. — E com você e o bonitão separados, fico com medo que a qualquer
momento seja demais para suportar.

— Tudo bem, por um tempo foi esse hábito que me manteve longe

das lâminas, só que agora minha garotinha precisa de mim, não vou cair em
tentação. — Ela se afasta para me olhar e parece acreditar no que eu falei.

— Bom, por falar em tentação, a irmã do bonitão está lá em casa com


uma senhora que segundo ela organiza eventos, achei estranho que não
tenham vindo diretamente para cá... — Ela para e arregala os olhos. — Ah
meu Deus e se fosse uma surpresa para você e eu estraguei tudo?

Rio da sua expressão, mas por que Luana estaria lá na casa dela e não
falando com a minha avó. Se bem que não ouvi vovó faz tempo.

— Minha avó está por lá também?

— Não, ela saiu com a minha mãe pouco antes de eu vir pra cá. —
Estranho para dizer o mínimo.

Mas antes que eu comente meu celular toca e estendo a mão para ver
o rosto de Luana me fazendo careta na tela, minha cunhada às vezes parece
uma criança. Atendo no segundo toque e sua voz animada enche meus
ouvidos.

— Cecília, preciso de você aqui na casa de Alex, mas precisa vir

sozinha — comanda sem nem dizer oi.

— Oi você também, estamos ótimas e plenas — ironizo e ela grunhe


do outro lado.

— Sem amenidades, é sério!

Seu tom deixa claro que não está para brincadeiras, olho para Sabrina
pensando como vou sair sem dizer a ela onde estou indo e pior, sem que me
siga, já que é a sua casa meu destino, no entanto ela está franzindo o rosto
para a tela do seu telefone e antes que eu perceba está em pé me olhando com
dúvidas.

— Tenho que ir. — Retorce os lábios mudando o peso do corpo de


um pé para o outro. — A gente conversa depois, tá bom? Podemos ir à praça
comer o pastel do Manoel, ele voltou de Salvador com um cardápio novo e

está divino.

— Mentira? — Minha boca saliva de imediato, Manoel tem um dos


melhores pastéis que já experimentei e os últimos dois anos que não tivemos
ele a frente da pastelaria ficou um vazio nas noites de domingo para nossa
turma de amigos.

— Pois é! — Lambe os lábios e rio ainda mais.


— Então tá.

Tento parecer o menos ansiosa para que ela saia possível, a sigo até a

porta e vejo ela tomar um rumo diferente da sua casa, aproveito para pegar
meu celular e sair para encontrar Luana e esse algo importante que me
aguarda. Por sorte a casa da tia Vera fica a apenas três ruas da minha e logo
estou apertando a campainha três vezes seguidas, como fazia na adolescência

para irritar Alex.

— Você cresceu só na barriga, não é Cecília? — Alex diz ao abrir o


portão para mim.

— Que gentil, Alexandro, sempre um cavalheiro! — Pisco os olhos


várias vezes seguidas como as donzelas do cinema mudo. — Onde está
Luana?

Passo por ele e a encontro sentada no sofá, muito reta e levemente


corada e olhando para todos os lugares menos para a entrada, logo algo se

acende na minha mente, mas deixo isso para outro momento, pois minha
atenção é voltada para a senhora sentada ao seu lado.

A estranha me olha com uma expressão de surpresa e


reconhecimento, sua boca se transforma em uma linha fina logo modificando
qualquer surpresa que estivesse estampada no seu rosto, ela remexe os
ombros antes de ficar em pé e não posso deixar de notar seu porte refinado.
Cabelos presos em um coque elegante, coluna ereta, ombros retos e queixo
erguido levemente, tudo isso contrastando com um olhar afiado e uma altivez

que exala dela para as demais pessoas. Ela ergue uma sobrancelha ao me
observar antes de virar para Luana que se põe de pé para quebrar o silêncio
constrangedor.

— Cecília, essa é Amália Cardoso Feliciano... — Luana começa a

dizer.

— Esposa de Arnoldo — complemento e vejo seus olhos


confirmarem.

— E você é a filha dele — diz e vejo seu desconforto com isso.

— Não, ele pode ser meu pai biológico, mas eu nunca serei filha dele.
— Com isso um sorriso lento começa a se espalhar pelo seu rosto.

— Você é realmente igualzinha a ela.

Estreito os olhos para ela e ergo meu queixo antes de fazer a pergunta

para a qual já sei a resposta.

— Ela seria?

— Sua mãe, é claro!

— Minha mãe? O que você sabe da minha mãe?

Dou mais um passo à frente e encaro Amália Cardoso de frente, se ela


acha que vai chegar aqui com todo esse chiquerê e contar mentiras sobre a
minha mãe, está muito enganada, eu vou defendê-la com unhas e dentes e
alguns chutes na canela se for o caso.

— Acalme-se, criança, não vim aqui falar mal da sua mãe, nem
poderia, nas poucas vezes em que a vi fiquei impressionada com a
determinação que ela tinha.

Olho para Luana que encolhe os ombros e Alex se posiciona ao seu

lado, tão espantando quanto eu devo estar parecendo nesse momento.

— Cecília, não é? — Amália pergunta e eu balanço a cabeça


confirmando. — Sente-se e iremos conversar, se seus amigos puderem nos
dar licença, eu ficaria mais à vontade em conversar a sós com você.

— Não, o acordo não era esse! — Luana toma a frente e se coloca ao


meu lado.

— Luana, não vou fazer nenhum mal a Cecília.

— Luana, Alex, eu ficarei bem. — Sorrio para tentar passar segurança

para eles, acho que dá certo, pois se olham e parecem ter aquela conversa
silenciosa que casais têm, isso só reafirma minhas suspeitas.

— Tudo bem, vamos estar lá nos fundos se precisar da gente — Alex


diz antes de se afastar com Luana que olha para trás a cada passo dado.

Caminho até o sofá e espero que comece a falar, ela senta também e
retira algo de dentro da sua bolsa e me estende, ao pegar vejo que é uma
fotografia dela com um rapaz.

— Esse era Gustavo, meu filho e seu irmão.

Olho com mais atenção a fotografia, o rapaz, meu irmão, sorri


enquanto segura uma bola de basquete com as duas mãos a frente do corpo,
ele parece feliz nela, me custa acreditar que alguém tão jovem tenha morrido
sem realizar seus sonhos.

— O que aconteceu com ele?

— Overdose de heroína. — Ela suspira e mexe os ombros como se o


assunto lhe pesasse.

— Eu sinto muito.

— Sei que sim, ele era a minha luz em meio aos destroços do meu
casamento, éramos muito próximos e isso desagradava a Arnoldo,
principalmente quando descobriu a sua homossexualidade, há trinta anos isso
era praticamente um crime social e aquele verme nunca deixaria que

soubessem que tinha um filho afeminado, como ele mesmo gostava de


enfatizar.

Eu não sei o que falar, se nos dias atuais os homossexuais sofrem,


imagino que o meu irmão tenha vivido um verdadeiro inferno na Terra, não
me admira que Arnoldo tenha fugido do assunto quando conversamos, ainda
sente vergonha, além de tudo é um preconceituoso de merda.
— Eu nem sei o que dizer, parece inconcebível alguém não aceitar a
liberdade sexual de outras pessoas, mas sei que existem muitas pessoas assim

— tento pôr em palavras um pouco da revolta que sinto.

— Sim, infelizmente ainda existem, pelo tempo que Gustavo guardou


sua opção sexual para si, Arnoldo fingiu que ela não existia, acredito que até
tenha planejado algum casamento conveniente para nosso filho, mas meu

menino era um espírito livre e como tal não se deixou amarrar facilmente, até
que conheceu alguém que mexeu com ele, eles se apaixonaram e até
pretendiam morar juntos quando meu filho fizesse vinte e um, eu os estava
ajudando no plano de fuga perfeito, ele iria embora para outro estado e por
mais que me doesse ficar longe faria o sacrifício por ele, mas então Arnoldo
descobriu e uma noite ao sair de casa Gustavo não voltou, me ligaram do
hospital onde eu o encontrei ensanguentado na sala de espera, alguém tinha
assassinado o parceiro do meu filho numa suposta tentativa de assalto.

— Não!

Estou chocada com essa história, um nó começando a se formar na


minha garganta com uma vontade de chorar sem igual.

— Sim. — Ela respira fundo, segurando com todas as forças as


lágrimas também. — A partir dali meu filho foi de mal a pior, para piorar
tudo ele descobriu que o meu casamento com o pai era um fachada mantida
para a alta sociedade, soube dos casos extraconjugais de Arnoldo e isso foi o
estopim, começou a sumir por dias e quando voltava estava cada vez mais

magro e abatido, três meses depois acharam o copo dele junto a uma lixeira

nas proximidades da Praça do Ferreira no Centro, a seringa ainda estava


enfiada no seu braço, meu garotinho sucumbiu a dor.

Não aguento mais, deixo as lágrimas fluírem através do meu rosto,


não consigo imaginar a grandeza da dor dela, mas posso sentir a empatia que

as mães sentem em solidariedade a dor das outras, Amália também chora e


em algum momento nos abraçamos para consolar uma a outra, ela sentindo a
perda do filho e eu a morte de um irmão que sequer conheci, mas de quem
sempre senti falta todas as vezes que via minhas amigas com seus irmãos
mais velhos.

— Qua-quando conheceu a minha mãe? — pergunto ao me afastar.

— Foi um ano depois da morte de Gustavo, ela apareceu na minha


casa certo dia para me dizer que estava com o meu marido e não abriria mão

dele, minha resposta foi que se ela o tivesse levado no dia anterior já seriam
dois dias, eu já não o via como meu marido há muito tempo.

— E o que ela falou? — Não consigo segurar minha curiosidade.

— Sua mãe era uma adolescente ainda, a influência do seu pai sobre
ela estava bem avançada e creio que ela não acreditou, não a procurei
também, pois ainda estava muito abalada e por anos lutei contra depressão.
Foi só alguns anos depois que eu e ela nos encontramos, todo o brilho e
vivacidade que ela tinha anos atrás tinha sumido e no lugar ficou uma sombra

que obscurecia o olhar dela, senti que ela precisava de ajuda, mas não soube
como ajudá-la, apenas lhe indiquei um advogado de confiança para que
assegurasse que Arnoldo não sairia com tudo no final, segundo ela me
contou, sentiu que seu tempo ao lado dele estava se esgotando, logo ele daria

um jeito de conseguir outra para a função que ela desempenhava e temia que
fosse você, não compreendi de imediato, mas quando o advogado que lhe
ajudou me procurou pouco depois do suicídio dela eu compreendi o suplício
que aquela menina vinha passando.

— Eu a vi se jogar da sacada, nunca vou conseguir esquecer isso.

— Eu lamento muito que tenha passado por isso, Cecília, mas


Arnoldo leva destruição com ele para onde quer que vá, por isso que eu vim
lhe trazer isso.

Ela volta a vasculhar dentro da bolsa e de lá tira um pendrive e me


entrega, olho para ele com medo, como se a qualquer momento se transforme
num monstro que vai me morder.

— O que tem aí?

— Todos os registros das transações ilícitas que Arnoldo já fez, de


antes dele encontrar sua mãe até os dias atuais.
Não acredito que estou ouvindo isso, tudo que precisamos para acabar
com o Arnoldo e pôr um fim nessa separação forçada que Cícero e eu

estamos vivendo, além de trazer justiça para a memória da minha mãe e


Gustavo.

— Por quê?

— Porque jurei que um dia conseguiria acabar com ele pelo que fez

ao meu filho, só não sabia como fazer, até Silvana entrar em contato comigo
e contar sobre você e sua vontade de me conhecer eu apenas acumulava
provas, então vi ali minha chance de fazer justiça à memória do meu menino,
mesmo depois de tantos anos.
— Alô? — Tento equilibrar o celular entre minha orelha e o ombro ao
abrir a porta, minha outra mão está ocupada com as inúmeras sacolas com as
coisas que comprei para minha filha, sim, eu saí e passei a manhã inteira

escolhendo o que imagino que minha garotinha irá precisar e se isso me faz
parecer um maricas não me importo.

— Onde você estava que não me atendia? — a voz de Cecília soa


irritada do outro lado. Coloco as sacolas sobre o sofá e pego o telefone para
conferir o número.

— De onde está me ligando?

— Isso importa? Droga, Cícero, faz três horas que te ligo e nada. —
Parece bem irritada, nos últimos dias ela tem estado cada vez mais

aborrecida.

— Desculpa, eu estava fazendo compras. — Decido ser relativamente


sincero.

— Compras? Quer que eu acredite que estava durante as últimas três


horas num supermercado? Você pode ser mais criativo que isso, comandante.

Até consigo vê-la revirar os olhos desconfiada e não resisto ao seu


mau humor e rio, isso a enfurece tanto que desliga na minha cara. Espero por
dez segundos e logo o celular volta a vibrar na minha mão.

— Vai me dizer onde estava? — pergunta, mas agora com aquele tom

manhoso que me deixa louco.

— Só se me disser onde está e de quem diabo é esse telefone. — Jogo


o jogo dela.

— Estou no Marina Plaza hotel, venha me encontrar — sua voz ganha

aquela nuance rouca que me atormenta desde que a conheci.

— Só se me garantir que iremos fazer mais coisas do que conversar.

— Bom, já estou nua há mais de duas horas.

Puta que pariu, isso é tudo que faltava para o meu pau despertar
completamente, com passos rápidos viro as costas para as sacolas e tranco a
porta, ainda ouvindo seu riso endiabrado, ah minha anja-demônia, você vai
pagar por todos esses dias de abstinência que tenho vivido.

Dirijo pelos próximos vinte minutos com o coração acelerado, a

chance de ficar com Cecília a sós depois de tantos dias em que nos falamos
apenas por telefone causa um frenesi no meu sistema nervoso, a cidade passa
por mim e sem que perceba já estou estacionando em frente ao hotel que ela
me disse.

Apenas quando entrego as chaves ao manobrista me dou conta que


não sei o número do quarto que ela está, pego o celular novamente e com um
sorriso percebo que na minha afobação não notei a mensagem que ela enviou
com "Quarto andar quarto 12". Passo pelo saguão sem notar muita coisa, já

no elevador deixo o ar entrar e sair dos meus pulmões para evitar que acabe
agindo como a porra de um adolescente tarado, que ao saber que seu flerte
com a garota mais bonita da escola deu certo acaba gozando nas calças só de
imaginar tocá-la.

Porra é o pensamento errado para se ter, meu pau totalmente


enrijecido pulsa dentro do meu jeans e gemo aliviado ao sair para o corredor,
parando em frente à porta que me foi indicada, ergo a mão para bater, mas
percebo que ela abre antes mesmo da minha mão chegar perto, ficando com
uma pequena abertura que não me permite ver nada lá dentro, respiro fundo e
empurro a porta, vejo suas roupas espalhadas pela antessala que leva ao
quarto e logo ouço seu riso vindo de lá.

— Siga o caminho, comandante! — diz ainda sorrindo.

Fecho a porta e começo a desabotoar minha camisa enquanto caminho


em busca da minha mulher, deixo os sapatos na porta do quarto onde
encontro minha anja-demônia deitada na cama, usando apenas uma lingerie
branca sobre sua pele dourada, a barriga de sete meses já tão evidente a torna
a imagem da perfeição, sua cabeça está do lado oposto da cama, o que a
permite me ver de um ângulo diferente. Meus olhos também não têm
modéstia ao percorrer o seu corpo, meu sangue fervendo em minhas veias e
sinto que vou gozar no instante que um sorriso travesso cruza seus lábios.

— Você está muito vestido — diz, ficando de lado, não me passa

despercebido como toca o ventre onde nossa garotinha. — E muito lento.

Cecília coloca os lábios de lado e ergue uma sobrancelha me


desafiando, essa mulher é a minha perdição e salvação, sei disso pela forma
como meu coração está prestes a sair fora do meu peito de tão acelerado que

está, me aproximo e apoiando minhas mãos ao lado da sua cabeça desço


meus lábios de encontro aos seus, suas mãos logo estão em meus cabelos me
puxando para cada vez mais perto e exploro cada cantinho secreto da sua
boca da forma como sei que ela gosta.

— Senti sua falta — falo ao afastar meus lábios dos seus e descê-los
até sua barriga muito redonda.

— Também senti e não disse que poderia parar de me beijar.

Vira-se até que está sentada de frente para mim, seus olhos descem

pelo meu tronco exposto com aquele brilho faminto deixando o castanho
ainda mais escuro.

— Não me olhe assim, estou me segurando para não foder você com
força, mas se continuar não vou me segurar.

— Não quero que se segure, quero com força, com mordidas e


beliscões, igual a nossa primeira vez.
Sua voz rouca é a gasolina que faltava para a explosão do meu
autocontrole, abro minha calça jeans e a retiro junto com a cueca boxer sob o

seu olhar faminto, o grunhido dela em apreciação ao ver meu pau ereto e
pronto para fodê-la me deixa louco. Subo na cama e sento sobre as minhas
pernas para que possa ter meu tempo com ela.

— Agora é você quem está vestida demais. — Passo o dorso da

minha mão sobre a renda, estimulando-a, e o gemido dela é o meu deleite.

— Não seja malvado, comandante.

— Xiiiii, você foi uma garota muito malvada — falo me aproximando


do seu ouvido. — Agora vai fazer tudo que eu disser, está me ouvindo? —
Mordisco o lóbulo da sua orelha e seu corpo responde com um espasmo.

— SIMMMMMM — responde sem fôlego.

— Boa menina, agora fique de joelhos. — Ela obedece


imediatamente. — Afaste as pernas e sente sobre elas e coloque suas mãos

pra trás.

Ela sorri e morde o lábio, engulo em seco tentando me concentrar em


fazer a coisa devagar e de forma a lhe recompensar pelo tempo que ficamos
separados. Volto a beijá-la enquanto desabotoo seu sutiã que tem o fecho na
frente, assim que o abro seus seios, maiores e mais pesados devido à
gravidez, saltam entumecidos, seus bicos estão com um tom de chocolate
tentador, solto seus lábios e prendo suas mãos atrás usando sua peça íntima,

ela ri, mas para assim que minha boca toma seu seio direito entre meus

lábios, seguro seu corpo com um braço e desço minha outra mão em direção
a sua calcinha, posso sentir sua umidade através do tecido e ela joga a cabeça
para trás assim que meus dedos ultrapassam o limite, tocando seu clitóris que
já pulsa.

— Está tão pronta para mim que chega a ser difícil não a foder agora
mesmo.

— Me foda, por favor? — ela pede e sorrio junto a sua pele.

— Tenha paciência, minha demônia!

Abocanho seu mamilo e adentro sua boceta com dois dedos, a palma
da minha mão tocando seu clitóris a cada movimento que faço dentro dela,
sua boceta sugando meus dedos cada vez mais rápido e quando noto que vai
explodir em um orgasmo solto seu seio e tomo sua boca, minha língua

imitando o movimento dos meus dedos, dois segundos depois sinto suas
paredes internas apertando meus dedos com força e um grito sai dos seus
lábios. Continuo masturbando-a até sentir seu corpo diminuir o tremor. A
ajudo a ficar de pé e retiro sua calcinha, fazendo-a ficar sentada no início da
cama antes de ficar de joelhos e cair de boca na sua boceta rosada que me
convida a provar do melhor dos sabores.
Cecília segura o peso do corpo meio desajeitada e ergue o quadril
para rebolar na minha boca, causando a fricção que sei que vai levá-la a um

novo orgasmo muito em breve, aperto um dos seus seios e dedilho a sua
entrada úmida ao mesmo tempo que sugo seu clitóris com meus lábios como
se estivesse chupando sua língua, seu corpo treme e eu paro antes que goze
mais uma vez, a puxo e tomo seu lugar na cama e puxo seu corpo para mim,

de costas faço com que desça sua boceta sobre o meu pau que pulsa
esperando esse momento.

Nossos sexos se encaixam completamente devido a posição, sua


bunda empina quando ela se inclina e vira o rosto para me ver, aquele olhar
de pura malícia só dela cruzando seus olhos e um sorriso travesso estampado
nos seus lábios.

— Você adora ver minha bunda, não é? — pergunta e ergue um


pouco as mãos, entendo o que quer e seguro-as para que ela possa se inclinar

um pouco mais.

— Vou gostar ainda mais quando tiver meu cacete enterrado nesse
cuzinho pela primeira vez — respondo erguendo meu quadril, a penetrando
ainda mais fundo.

— Meu cu não está em jogo, comandante. — Ri alto e ergue o quadril


até quase tirar meu pau totalmente de dentro da sua boceta e volta sentando
de uma vez, tirando meu fôlego.
— PUTA QUE PARIU! Eu vou fodê-la como você quer, minha
putinha! — Ergo seu corpo e solto suas mãos, ela ri adorando ter me tirado o

controle, mas foda-se, preciso disso. — Segure na cama.

Puxo seu quadril para mim e entro nela com uma única estocada, seu
corpo treme e sua boceta aperta o meu pau, repito o movimento mais duas
outras vezes antes de pegar o ritmo, entro e saio dela sentindo suas entranhas

me apertarem mais e mais. Quando sinto que seu orgasmo está chegando toco
seu clitóris e onde nossos corpos se conectam, pegando um pouco da sua
umidade, retiro meu pau até que reste apenas a ponta, deixo minha mão sobre
sua bunda de forma estratégica e espero, quando ela impaciente empurra o
quadril para mim, adentro sua boceta com tudo ao mesmo tempo que o meu
dedo entra no seu cuzinho que o recebe faminto e o fodo imitando os
movimentos que faço com o meu cacete.

— PORRA! — ela grita quando seu corpo todo treme e explode em

um orgasmo intenso puxando-me junto para esse mundo de fogos de


artifícios que explodem por todos os lados.
— Vai me contar de onde saiu toda essa tara? — pergunto, deslizando
minhas mãos sobre seu ventre.

Estamos na banheira da suíte do hotel, foi um pedido dela que


ficássemos um tempo assim, só curtindo a companhia um do outro.

— Se eu disser que foram os hormônios, você acredita? — Ela ri e se


vira para me olhar, ficando sentada a minha frente.

— Sim, mas não acho que foi apenas isso, você estava muito firme da
decisão de ficarmos afastados até tudo se resolver. — Ergo uma sobrancelha
a questionando e o sorriso dela se alarga ainda mais, aquele olhar de "Eu sei
de algo que você não sabe!" estampado no seu rosto.

— Bom, se estamos aqui em plena luz do dia é por que não


precisamos mais esconder nada. — Dá de ombros como se isso não fosse
nada demais.

— Como assim? Raul conseguiu reunir as provas contra Arnoldo?

— Não, Raul não é mais necessário, pode ficar tranquilo. — Ela abre
um sorriso imenso.

— Eu não estou entendendo...

— Amália Cardoso me procurou e entregou um pendrive contendo


toda a informação que precisamos para colocar aquele crápula na cadeia. A
sua mãe já deve tê-lo recebido nesse momento, não há mais o que temer, ele
perdeu!

Eu custo um pouco a acreditar que tudo acabou e enfim poderemos

viver nossa vida sem medo, quando a realidade bate, puxo minha mulher para
junto de mim e beijo seus lábios com vontade, rimos feito crianças quando o
movimento faz com que a água da banheira transborde molhando todo o piso
e não nos importamos, estamos felizes demais e tudo que queremos é

comemorar.

Existe algo reconfortante na calmaria depois de uma grande


tempestade, é assim que me sinto ao estacionar em frente ao portão da casa
onde minha anja-demônia mora com sua avó, olho para o lado e vejo seu

rosto sereno enquanto cochila, não quero acordá-la ainda e estourar nossa
bolha de felicidade, foi a melhor tarde que tive em muito tempo, poder estar
com ela sem medo e saber que tudo que vivemos não foi em vão renovou
minhas forças, se não tivesse que trabalhar passaria a noite aqui com ela e
dormiria com meu corpo colado ao seu, se bem que dormir e Cecília não se
encaixam na minha cabeça, meu corpo sempre quer mais e mais dela. Como
agora que preciso ajeitar o meu pau que lateja imprensado na costura do jeans

só em pensar em ter o corpo da minha mulher colado ao meu.

Acaricio o seu rosto antes que meu lado selvagem tome conta e eu
volte com ela para aquele quarto de hotel e eu possa explorar suas novas
curvas, nunca pensei que uma mulher grávida me deixaria com tanto tesão
como estou agora, mas não é o fato de ser qualquer mulher, é por ser ELA, a

minha anja-demônia que agora me olha com esses olhos escuros sonolentos e
um sorriso travesso surgindo nos lábios.

— Você tá com cara de quem está pensando sacanagem — diz,


abrindo ainda mais o sorriso.

— É porque perto de você eu estou sempre pensando na próxima


sacanagem que vamos fazer — falo, aproximando meu rosto do seu,
deixando nossas bocas a alguns centímetros.

— Eu gosto de você pensando sacanagem! — Ela cruza o espaço e

cola sua boca na minha, sugando meu lábio inferior e não controlo o rugido
animalesco que me sobe pela garganta.

— Se continuar fazendo isso eu vou acabar fodendo você aqui


mesmo. — Grunho, colando minha testa na sua.

Minha mão vai subindo a barra do seu vestido enquanto a outra


prende sua cabeça no lugar, ela suga uma respiração com força quando meus
dedos atingem o meio das suas pernas, não faço nenhum movimento, apenas

a mantenho ali para lhe torturar.

— Você me deve mesmo uma foda num carro, comandante — diz,


mexendo o quadril para causar atrito.

— Não lembro de nada disso. — Afasto um pouco minha mão e ela


grunhe irritada.

— Eu lembro bem da noite que você empatou a minha foda com Raul
e aquela ruiva peituda, depois Alex passou mal e você me fez gozar aqui
nesse mesmo banco, mas depois me levou para casa, se não tivesse feito valer
no dia seguinte eu iria matá-lo por aquilo, foi uma noite bem difícil de
dormir.

Volta a colar nossas bocas e morder meu lábio arrancando de mim a


vontade de torturá-la, deixo minha mão descer pela sua perna e acaricio sua
boceta por cima da calcinha, sinto sua umidade aumentar consideravelmente

e junto com os movimentos do seu quadril, ela tira o cinto e se inclina um


pouco mais na minha direção, meu pau pulsa com desejo de estar dentro dela,
mas no carro já não é confortável, com uma mulher grávida então.

— Acho melhor entrarmos antes que alguém apareça e nos pegue


aqui. — Recobro um pouco da minha sanidade.

— E o seu trabalho, não tem que passar em casa pra pegar o


uniforme? — pergunta sem fôlego.

— Tenho um reserva no meu armário de lá, não vou sair daqui sem te

foder, nem fodendo!

Ela me dá um sorriso largo e abre a porta para sair, nem mesmo


espera por mim, saio e a abraço por trás enquanto abre o portão, mordo seu
pescoço e ela ri daquele jeito rouco que me enlouquece. Passamos pelo

pequeno portão e vejo seu carro estacionado ali, ainda bem que ela parece ter
decidido aposentar essa lata velha, só não posso falar isso em voz alta ou terei
problemas.

— Não faça barulho, vovó deve estar descansando. — Dá uma


risadinha e pisca um olho.

Balanço a cabeça e a sigo para dentro de casa, não há sinal de dona


Clarisse em lugar nenhum, olho para o meu relógio e vejo que estamos nos
aproximando das sete da noite, será que é costume dela dormir até a hora do

jantar? Eu não acho que isso pareça com algo que ela faça, não parece a
senhora dura na queda que eu conheci.

— Vó, está aí? — Cecilia bate na porta do quarto da avó, mas não
recebemos resposta.

— Ela não saiu para alguma coisa da igreja? — pergunto e ela franze
a testa pensando, dá de ombros e pega o telefone da bolsa.
— Não lembro dela ter mencionado nada... — diz, discando o
telefone da avó.

Espero junto com ela enquanto o telefone chama, bate o pé


impaciente até que seu olhar suaviza.

— Vó, onde a senhora está a essa hora? — pergunta antes de voltar a


franzir a testa em choque. — Quem é você e onde está a minha avó? O que

fez com ela?

Sua mão treme e vejo ela segurar no balcão em um passo irregular,


meu instinto entra em alerta e me aproximo segurando-a e pegando o
telefone.

— Quem está falando? — pergunto com raiva.

— Ora, vejam só se não é o bastardinho do Duarte.

Reconheço essa voz, o mesmo tom debochado e a superioridade de


Arnoldo se faz visível nela, seria impossível não saber que é ele do outro

lado.

— Onde está dona Clarisse? — exijo saber.

— Onde está o pendrive que Amália deu para essa ingrata que é
minha filha? — rebate.

— Eu juro que se fizer alguma coisa com ela eu...

— Vai fazer o quê? Não tenho medo de você, seu bastardo filho da
puta, vocês têm duas horas para me entregarem o que quero ou receberão a
vovozinha em pedaços que nem o Lobo Mau deveria ter feito na história da

Chapeuzinho Vermelho — diz e ri da própria piada.

— Eu vou matar você se tocar nela, está me ouvindo? EU. MATO.


VOCÊ! — digo entre dentes sentindo toda a verdade por trás das minhas
palavras.

— Guarde sua macheza, em duas horas alguém irá buscar a minha


filha, ah e se quiser vir é bem-vindo a festa, mas se eu perceber que a puta da
sua mãe ou qualquer outra pessoa, ou a polícia foi avisada, corto a garganta
dessa velha maldita, está me entendendo? — Não respondo.

Ele espera por uma resposta minha, mas não terá, olho para Cecília e
vejo as lágrimas correrem soltas pelos seus olhos, ela me olha e dentro de
mim o instinto protetor fala muito mais alto, não deixarei que aquele monstro
chegue perto da minha mulher ou da minha filha.

— Eu vou, Cecília fica, é isso ou nada! — A cabeça de Cecília


balança de um lado ao outro, mas apenas a puxo para junto de mim.

— Que seja, não me importo se vou matar você na frente dela ou não,
mas saiba que tenho alguém de olho para garantir que não faça nenhuma
bobagem, se ousar me enganar ela também irá sofrer as consequências e a
criança que ela espera também. Duas horas, Duarte.
Ele desliga e eu deixo o telefone cair no balcão para que possa abraçar
a minha mulher o máximo que eu puder.

— Por favor, não vá? — peço me agarrando a Cícero, achando que

ceder à chantagem de Arnoldo é uma loucura completa, mas ao mesmo


tempo temo pela minha avó lá nas mãos daquele monstro.

— Eu preciso, sua avó está precisando de nós e prometo trazê-la de


volta sã e salva.

— Mas e você? Ele não vai deixá-lo sair de lá ileso, te odeia como a
ninguém mais, irei enlouquecer enquanto espero — tento mostrar como fazer
a escolha entre ele e a minha avó é impossível, seus braços me apertam um
pouco mais e sinto a tensão que emana dele.

— Eu ficarei bem, desde que saiba que você e nossa filha estarão
seguras aqui me esperando. Por favor, não faça nenhuma besteira, minha anja
justiceira, terei mais chances de ser bem sucedido se não estiver preocupado
com vocês.

Aperto os olhos com força e balanço a cabeça, as palavras não


conseguindo ultrapassar o nó que se formou na minha garganta, estava tudo
bom demais para ser verdade, a visita de Amália, as provas que nos tiravam
dessa grande confusão, nossa tarde perfeita e enfim a justiça a memória da

minha mãe e de Gustavo, o irmão que nunca conheci, eu deveria imaginar

que isso não duraria muito tempo, o bicho papão estava à espreita como
sempre.

— Cecília, preciso que me prometa, Alex e Luana chegarão aqui a


qualquer momento para ficar com você, mas quero ouvir da sua boca que se

manterá em segurança até que eu volte. — Ele está me pedindo muito mais
do que acho ser possível.

Ergo minha cabeça que é segura pela suas mãos e sou atingida por
todo o amor que está visível no azul profundo dos seus olhos, minha
respiração fica presa por alguns instantes e me ponho nas pontas dos pés para
colar minha boca na sua, como esperado ele corresponde de imediato e não
há urgência ou o desejo intenso nesse beijo, há o reconhecimento de dois
corações que batem no mesmo ritmo e nesse momento falam um pro outro

que não importa o que aconteça, nos amamos e esse sentimento nos torna
mais fortes e indestrutíveis.

— Eu prometo — digo com nossas testas coladas, seu sorriso triste


faz meu coração apertar um pouco e junto com isso sinto uma fisgada no
centro das minhas costas.

— O que foi? — Me encolho levemente e Cícero percebe, balanço a


cabeça e tento sorrir apesar de ainda sentir resquícios da dor.
— Só estou preocupada, é muito para absorver, Cícero — meu
argumento parece que o convence, pois me puxa em direção ao sofá onde me

faz sentar no seu colo e ficamos assim até que a campainha toca e sei que se
trata da irmã dele e Alex.

Cícero levanta para abrir a porta para eles e logo é abraçado por
ambos, vejo quando Alex entrega a ele o pendrive que Amália me entregou

hoje cedo e me encolho com a possibilidade do plano que eles e Mariana


bolaram em tão pouco tempo dar errado, é a vida do homem que eu amo e da
minha avó que estão em jogo, não tem como ficar calma e sorrir como se
nada estivesse acontecendo. Tudo piora ainda mais ao ouvir seu telefone
tocando e ele atender olhando para mim com olhos vidrados.

— Certo, estou indo pra aí. — Desliga e caminha até onde estou, fico
em pé e jogo meus braços em volta dele.

— Ainda dá tempo de me levar junto, por favor — choramingo e as

lágrimas voltam a banhar meu rosto, agora com mais força.

— Eu te levo no meu coração, meu amor, vou ficar bem, tenha fé que
logo estarei de volta para vocês.

Ele agacha, toca minha barriga e conversa com nossa filha que se
mexe como se estivesse entendendo tudo, mas o movimento cessa quando
outra fisgada me atinge em cheio.
— Eu volto logo! — diz beijando meus lábios mais uma vez, agora
com a urgência típica dos nossos beijos. — Eu te amo, Cecília, muito!

— Eu também te amo muito, muito, volte para mim, comandante, por


favor! — Volto a beijar seus lábios em meio às lágrimas e o abraço apertado.

Ficamos assim por alguns instantes até que não podemos mais
prolongar o inevitável, com um beijo em minha testa e um selinho nos meus

lábios eu assisto ao amor da minha vida sair ao resgate da minha avó e nunca
meu coração doeu tanto como nesse instante, fecho os olhos e abraço o meu
corpo, chorando baixinho. Luana e Alex entram em ação ligando para todas
as pessoas envolvidas nisso e eu me deixo sentar mais uma vez por estar com
as pernas bambas demais.

Os minutos, ou talvez sejam as horas, passam e eu tento me acalmar,


em algum momento uma xícara de chá é colocada em minhas mãos e eu
tomo, mas não sei quem me entregou, apenas bebo agradecida por não estar

sozinha. Acho que tinha algum medicamento nele já que me deixo deitar no
sofá e adormeço cansada pelo choro, acordando apenas quando uma dor com
maior intensidade atinge toda a minha coluna e se espalha pela cintura como
se estivesse partindo meu corpo ao meio, me encolho tentando fazê-la
diminuir de alguma forma.

— Hey, vai ficar tudo bem. — Luana agacha ao meu lado, entendendo
erroneamente o motivo de estar agindo assim.
— Não é isso — digo entre dentes.

— E o que é então? — Alex pergunta, se aproximando.

— Acho que estou entrando em trabalho de parto, minha filha vai


nascer. — Olho para eles desesperada. — Cícero não vai estar presente.

— Tem certeza disso, Lia? Você está com menos de oito meses! —
Luana vocifera meus pensamentos, é cedo demais para isso acontecer.

— Eu não sei, AIIIIIII — grito, sentindo mais uma contração atingir


meu corpo, elas estão diminuindo o intervalo, isso é ruim.

— Não vamos ficar aqui analisando isso, vamos pro hospital, de lá


tentaremos localizar... Todo mundo — Alex diz já pegando as chaves do
carro.

Luana me ajuda a levantar e pega minha bolsa na mesinha antes de


me guiar para fora de casa. Um gelo frio se espalha pelas minhas veias ao me
dar conta que tudo que já está ruim pode piorar enormemente.
Fecho meus olhos e tento ouvir alguma coisa fora do carro que
Arnoldo enviou para me pegar a duas quadras da casa da minha mulher e que
está parado há pelo menos meia hora. Como imaginei, os capangas paus-

mandado dele fizeram questão de me esmurrar depois de me algemar e cobrir


minha cabeça com uma espécie de saco de tecido, depois me jogaram no
porta-malas do carro e rodaram por mais de quarenta minutos até chegarmos
aqui, seja onde for que estamos.

Testo a resistência das algemas que prendem os meus pulsos, o metal


fere minha pele a cada vez que movimento minhas mãos dentro delas, o
espaço que estou é pequeno, mas nesse instante isso é oportuno, antes de
entrar na CIOPAER passei por todos os níveis de treinamento da Polícia
Militar e sempre ando com uma chave de algema extra na minha carteira, e o

covarde que me bateu não a tirou de mim, me remexo até alcançá-la no meu
bolso esquerdo, retirar a chave do bolsinho interno com zíper é outra história,
agora já sinto o sangue brotando onde o metal cortou a minha pele, travo meu
queixo e tento não pensar na dor, existem piores.

Quando minhas mãos já estão pegajosas do sangue por tanto esforço,


enfim consigo abrir o bendito zíper que cismou em emperrar justo hoje, retiro
a pequena chave de lá, mas não chego a abrir as algemas, ouço passos se

aproximando do carro e rapidamente guardo no meu bolso traseiro para usá-

la logo que tenha uma oportunidade. O porta-malas é aberto e logo sinto


braços me tirando de dentro dele, sem nenhum cuidado, é claro, sou
praticamente arrastado para sei lá aonde e posto sentado em uma cadeira, só
agora o saco é retirado da minha cabeça me permitindo ver que estamos em

uma garagem subterrânea.

— Bem-vindo a nossa reunião, herói de meia tigela — a voz de


Arnoldo vem de trás de mim, não me viro para olhá-lo, não lhe darei
nenhuma satisfação, ainda. — Espero que os meus rapazes não tenham
machucado muito o seu rosto, não queremos as fotos com você todo inchado,
não é mesmo? Mas antes, deixe-me dizer como fico feliz por não ter tentado
me enganar trazendo um pendrive falso.

Ele se posiciona na minha frente e me olha com um sorriso

debochado cruzando seu rosto, me mantenho com cara de tédio, sei que isso
irrita bastante e para um falastrão como ele, deve ser ainda pior.

— O que eu pensei que faria, já que foi treinado para não ceder à
exigência num caso de sequestro, não é mesmo, ou não deu tempo de fazer
essa aula antes do seu pai mexer uns pauzinhos para você ser indicado ao
CIOPAER.

Ele cita o meu pai tentando me fazer entrar na sua pilha, mas esse é
um assunto já resolvido para mim, soube no instante que a minha nomeação e

de Alex veio para subirmos de patente, mesmo com tão pouco tempo na

Polícia Militar, que ali tinha dedo do meu pai e anos depois Silvana me
confirmou que ele cobrou favores antigos das pessoas certas, se eu tinha
decidido seguir outro caminho, por enquanto, ele faria de tudo para que logo
atingisse meu objetivo maior, supondo que eu fosse me desinteressar com o

tempo e voltasse a assumir os negócios da família. Só que Arnoldo não sabe


que eu sei disso, o que me ajuda a me manter ainda mais sem expressão
diante dele.

— Que foi, não te irrita saber que se hoje você brinca de pilotar é
graças ao seu pai?

Não respondo sua provocação, principalmente por notar que o irrita


ainda mais com isso.

— Onde está dona Clarisse? — pergunto sem emoção alguma na voz.

— Ah, ainda não chegou a hora de trazer a bruxa velha para nossa
reunião.

Ele pega a cadeira que está na minha frente e senta, me olhando como
se estivesse tentando desvendar o segredo do universo na minha expressão
que não se altera. Os capangas dele se afastam quando o mesmo faz sinal
com a cabeça indicando que devem sair, isso me dá a oportunidade que
esperava, esse é o momento da distração, e aproveito para remexer meu
ombros e ergo meu tronco sutilmente para permitir que minhas mãos

cheguem na altura do bolso.

— Por que foi atrás dela, então. Pensei que me faria ver como você a
odeia e blá, blá, blá — falo, revirando os olhos menosprezando-o.

— Porque ela é uma pedra no meu sapato há tempo demais e se tudo

der certo hoje, aquela velha não será mais problema, até minha filha vai sentir
alívio quando não a tiver mais azucrinando seus ouvidos, claro que primeiro
vai vir aquela fase de luto onde vou ser o bicho papão escondido no armário,
mas quando o tempo passar e ela estiver assumindo o lugar que lhe é de
direito, vai ver que fiz o melhor por nós.

Ele só pode estar frescando com a minha cara ou tomou água sanitária
no lugar de café, é uma sandice sem tamanho o que está dizendo, achar que
Cecília irá algum dia ficar feliz se a avó que tanto ama for tirada dela assim é

realmente não ter ideia da personalidade forte que a filha tem, mas como ele
poderia saber de algo se após a morte da mãe dela ficou o mais distante
possível, voltando a vida dela apenas quando o nosso casamento ameaçou
tirar das suas mãos o fruto de anos de falcatruas suas?

— Cecília nunca vai perdoar você se machucar a vó dela, sabe disse,


não é mesmo? — argumento, mas sabendo que não adiantará muita coisa.
— Mas quem disse que serei eu a machucá-la? Não vou tocar sequer
num único fio de cabelo dela, já o merdinha que tentou me trair, ah, esse

levará toda culpa no fim das contas. Alfredo, Leonardo, tragam nossos
convidados.

Ele grita para o que imagino serem seus capangas e não demora para
que passos se façam ouvir atrás de mim. Quando dona Clarisse entra no meu

campo de visão, respiro aliviado por ver que ela não está ferida e o capanga
que a acompanha a trata com o mínimo de respeito possível, ele traz em uma
das mãos uma cadeira dobrável e a abre para que ela sente em frente a mim.
E para minha surpresa, logo em seguida vejo Raul sendo empurrado por outro
capanga, ele manca um pouco como se a perna estivesse bastante machucada,
a careta que faz a cada passo me dá essa percepção.

— Veja se meu plano não está simplesmente perfeito, Raul, o ingrato


que decidiu me trair, descobriu que Cecília não ia casar com ele porra

nenhuma e enlouqueceu, sequestrou a pobre velha bruxa e você, mas quando


eu descobri tudo e vim em socorro dos dois ele os matou e claro, meu amigo
Alfredo aqui, que é um militar da reserva, atirou nele, ou seja, uma tragédia
enorme.

Arnoldo conta o seu plano como se alguém fosse acreditar em algo


que ele fala, dona Clarisse revira os olhos e, assim como eu, faz cara de
enfado com o que ele fala.
— O que foi, bruxa? Não acha que dará certo? — se dirige a ela sem
nenhum respeito.

— Claro que não, você é burro demais para fazer algo certo. — Ela o
desafia a contestá-la e vejo os punhos dele se fecharem, me remexo para abrir
minhas algemas, mas não posso dar bandeira do que eu estou fazendo.

— Você verá quem é burro, velha bruxa, chegou o dia que vou enfim

tirar você de jogada. — Arnoldo praticamente espuma em direção a ela, que


se mantém impassível como se não fosse com ela a conversa.

— Disse o homem que deixou a amante o enganar e preferiu morrer a


deixar que vencesse, você deve se corroer por dentro toda vez que lembra que
minha Luciana foi mais esperta, que as vezes que a fez se prostituir em troca
de algo que aqueles homens tinham a oferecer ela se assegurava de que não
tivesse como colocar as mãos em nada que ganhasse na troca imunda, ah
como eu fiquei orgulhosa da minha filha quando o advogado me procurou e

disse que você não poderia fazer nada com a empresa da Lia, que todo
rendimento iria para uma conta que não teria acesso e receberia somente os
honorários devidos pelo trabalho, e sendo você o imbecil que é, continuou
fazendo a empresa crescer achando que voltaria a vida da minha neta depois
de anos e ela o receberia de braços abertos, é tão burro que vai se afogar na
sua própria burrice.

Até eu fico admirado com a coragem da senhora diante de mim, dá


para notar de quem minha anja herdou toda aquela brabeza e altivez.

Arnoldo, mesmo não muito satisfeito com o que ela disse, tenta mostrar que

não se abalou nem um pouco, mas a tensão no seu corpo deixa claro que não
é bem assim, está fervendo por dentro.

— Você não passa de uma velha gagá que não sabe porra nenhuma da
vida, acha que viver se resume a ir à igreja e fazer tricô, como disse, alguém

desnecessário para estar na vida da minha filha, chegou a hora dela assumir
seu lugar e me aceitar como pai dela, o que não aconteceria com você
buzinando balelas nos ouvidos dela. E agora que ela não terá mais nenhum de
vocês por perto, restará apenas o papai. Diga-me, Raul, valeu a pena me trair?

Dona Clarisse me olha por um instante e vejo aquela ferocidade típica


das mulheres Fernandes nos seus olhos, Arnoldo se vira para encarar Raul
que permanece em pé ladeado por dois capangas, ele vez ou outra emite um
gemido e apesar de não ir muito com as fuças dele me apiedo da sua dor, foi

um peão no jogo desse verme e agora que não tem mais serventia será
descartado facilmente. Aproveito que a atenção de todos está em outras
pessoas e começo a destravar minhas algemas, dona Clarisse nota meu
movimento e balança sutilmente a cabeça, me incentivando continuar.

— Você é um Zé ruela mesmo! — dona Clarisse o insulta. — Está


depositando suas fichas em algo fictício, acha mesmo que alguém influencia
Cecília nas decisões dela? Se achou isso, é mais burro do que eu pensei.
— JÁ CHEGA, SUA BRUXA! — Arnoldo gira enfurecido, seu corpo
todo treme e até seus capangas o olham estarrecidos, dona Clarisse conseguiu

mesmo tirá-lo do sério. — Você vai engolir cada um desses insultos e


diferente do que falei vou cuidar para que sinta muita dor antes de morrer,
Alfredo, me dê sua arma?

— Senhor, tem certeza?

— Vá, cabra, dê logo essa porcaria de arma pra esse embuste, duvido
que tenha coragem, não passa de um covarde que usa as pessoas — dona
Clarisse continua e vejo a cor de Arnoldo chegar ao vermelho máximo.

Os olhos do capanga aumentam de tamanho, eles vão de Arnoldo para


a senhora sentada tranquilamente, acho que qualquer pessoa tentaria evitar
que algo ruim acontecesse com ela, o que será que falou para ele enquanto
estavam longe daqui? Vai saber. Não perco tempo ficando chocado com
nada, aproveito o rompante de Arnoldo e destravo as algemas, olho para Raul

esperando que ele me responda o olhar para lhe dizer o que pretendo fazer
antes que seja tarde. Quando acontece o momento parece durar uma
eternidade, mas eu sei que isso é a adrenalina tornando tudo estendido,
quando na verdade não são mais do que segundos entre um acontecimento e
outro.

Raul me olha e com o leve inclinar de cabeça aponto para a arma que
Alfredo começa a estender para Arnoldo com uma mão um tanto trêmula, é a
nossa chance, ele compreende e tensiona o corpo se preparando, retiro as

algemas ao mesmo tempo que balanço a cabeça indicando que é o exato

momento de reagir. Raul se joga para frente com as mãos puxando os dois
capangas do lado dele, eu me levanto em um salto pegando Arnoldo e
Alfredo de surpresa quando retiro a arma da mão do capanga, o socando com
o cotovelo em seguida, aponto para Arnoldo e atiro na sua perna o fazendo

cair com um grito alto e escuto dois novos disparos, minha atenção se volta
para a massa de corpo que é Raul e os dois capangas e vejo o sangue
começando a se espalhar de Raul e do outro capanga.

— Dona Clarisse, corra! — grito antes de mirar no capanga que tem a


cabeça do pobre Raul na mira, atiro no seu ombro o deslocando e viro a
tempo de ver Alfredo partir em direção a dona Clarisse.

Aponto na sua direção, mas antes que puxe o gatilho ele cai de
joelhos, olho para o lado e vejo Raul meio caído, meio de lado com uma arma

em punho, ele acaba de salvar a vida da avó de Cecília, um segundo depois a


arma cai no chão, bem no instante que as portas do elevador, que eu sequer
notei ter ali, se abrem e vários policiais adentram o espaço a nossa volta.

A arma na minha mão cai no instante que vejo a minha mãe surgir na
minha frente, seu rosto com vincos fortes de preocupação que se desfazem
quando me vê e logo seus braços estão ao meu redor, enquanto seus homens
tomam de conta das demais pessoas.
— Eu nunca senti tanto medo como agora! — Mariana diz ao se
afastar para me ver melhor.

— Eu estou bem, não se preocupe. — Sorrio para ela, a adrenalina


ainda correndo firme em minhas veias.

Ouço um gemido e viro na direção de onde ele vem, é Raul sendo


examinado por um policial, ele faz uma careta e me sinto impelido a ir até

onde ele está.

— Raul! — Me agacho ao seu lado segurando a mão que ele me


estende.

— Se eu não... — Tosse, fazendo mais sangue jorrar da ferida em seu


peito. — Diga a Lia que sinto muito.

— Você é quem vai dizer, cara, foi um herói, precisa ficar bem ou ela
vai te matar novamente! — brinco e um sorriso fraco surge nos seus lábios.

— Claro!

Uma equipe de socorristas entra no ambiente e o primeiro a ser


atendido é Raul, aproveito para ir de encontro à dona Clarisse que briga com
um policial que insiste para que ela vá até os paramédicos para verificar seus
sinais, mas essa senhora é durona, não vai dar mole.

— A senhora precisa ser examinada.

— Pra quê? Não levei tiro, não bati a cabeça, nem tomei porrada. Tô
vendendo saúde, aqui, ele precisa ser examinado, olha os pulsos desse garoto!

— Ela parece horrorizada com o corte em volta dos meus pulsos.

— Estou bem também, Raul foi o mais ferido do nosso lado.

— Sim, o caboré pau mandado se redimiu — diz sem muita emoção


na voz, me preocupo que tudo isso a afete posteriormente.

— Os dois precisam ver um paramédico, faz parte dos procedimentos

— insiste o policial, mas antes que eu tente convencer dona Clarisse de algo,
minha mãe volta até onde estamos.

— Cícero, sua noiva deu entrada no pronto socorro em um possível


trabalho de parto, se quiser ver sua filha nascendo é melhor se apressar.

Meu coração dispara e para de bater ao mesmo tempo, é cedo demais,


não está na hora da minha garotinha vir ainda, nem escolhemos seu nome.
Antes que o desespero tome conta de mim me concentro, pois se isso irá
acontecer, eu preciso estar lá com minha mulher, minha anja-demônia não

passará por isso sozinha, nunca.


Alex para o carro em frente ao Hospital São Camilo Cura D'ars no
momento exato que uma contração inacreditavelmente forte me atinge, aperto
os lábios com força para não gritar, Luana me olha nervosa enquanto tenta

mais uma vez falar com Cícero, mas o celular dele dá como desligado ou fora
de área. O desespero misturado com as dores que sinto me levam ao limite, as
lágrimas rolam pelo meu rosto e um soluço rebelde me escapa.

— Lia, seu médico já está chegando, a minha mãe e as garotas já


estão também a caminho, respira fundo, vai dar tudo certo — Alex tenta me
tranquilizar e rolo os olhos mesmo com tudo que estou sentindo física e
emocionalmente falando.

— Pare de falar tanto e vá procurar ajuda, não vê que ela está com

dor? — Luana berra com ele e se não fosse tudo que está acontecendo eu
estaria rindo da cara dele.

Pouquíssimo tempo depois de sair do carro, Alex volta acompanhado


por dois enfermeiros que me ajudam a sair e sentar na cadeira de rodas. A
procissão me segue até a recepção, onde Luana se encarrega de fazer minha
ficha enquanto eu sou levada para a sala de triagem, respondo as perguntas
que me são feitas e graças a Deus não estou com a pressão arterial elevada,
dos males o menor, mas antes que termine essa parte outra contração me

lembra que a minha filha está com um pouquinho de pressa para nascer.

— Levaremos a senhora para a sala de exames, o Dr. Felipe Neri já


entrou em contato conosco, a sala de partos já está sendo preparada, não se
preocupe — a enfermeira me diz com aquele sorriso tranquilizador que não
tranquiliza ninguém.

— Tudo bem, a minha cunhada, por favor, pode chamá-la? — peço


me encolhendo de dor, meu ventre sofrendo pequenos espasmos.

Ela balança a cabeça e se afasta, indo na direção oposta que minha


cadeira é empurrada por outra enfermeira. Chegando na sala de exames sou
encaminhada ao pequeno banheiro onde tomo um banho rápido e coloco a
roupa hospitalar, quando saio já encontro meu obstetra a postos e sorrindo ao
lado de uma Luana que tenta sorrir, mas acaba fazendo uma careta no lugar.

— Cecília, parece que essa garotinha está com pressa para nascer —

fala um Dr. Felipe confuso. — Onde está a Clarisse? Pensei que ela estaria
aqui dando ordens a torto e a direito.

A menção a minha avó faz a dor emocional que sinto mais forte que a
física e engulo em seco tentando tirar o nó que se formou na minha garganta.

— Ela logo estará aqui, estava em uma excursão com a turma da


terceira idade da igreja, mas já fez os organizadores darem por finalizada a
viagem — Luana responde por mim e o Dr. Felipe ri.

— É bem a cara dela fazer isso mesmo, espero que seja só um alarme

falso, se essa garotinha nascer antes dela chegar, vai ouvir um monte por
anos.

Isso é realmente o que ela fará, mas se Cícero não conseguir trocar o
pendrive pela minha avó é possível que nenhum deles conheça ela e pensar

nisso faz as lágrimas voltarem a empoçar os meus olhos, logo arrumo uma
desculpa para elas.

— É cedo demais, ainda falta mais de um mês para a data prevista.

— Não fique assim, Cecília, partos prematuros são mais comuns na


primeira gestação do que parece. Venha, vou fazer o exame do toque para
termos a certeza de que está mesmo em trabalho de parto ou se não são

contrações de Braxton Hicks[11].

Deito na maca e posiciono minhas pernas na posição indicada, Luana

vem para o meu lado e segura minha mão, no mesmo instante que o médico
começa a fazer o maldito do exame, o desconforto é medonho e isso junto a
contração que vem torna tudo duas vezes pior, aperto a mão dela e ouço o seu
gemido, mas não consigo afrouxar, não até a dor diminuir.

— É, você está com quatro centímetros de dilatação, essa menina vai


nascer nas próximas horas sim, vou fazer uma ultrassonografia apenas para
ter certeza de que a posição dela está correta e se não for o caso nos

prepararemos para uma cesariana, tudo bem?

Suas palavras não me tranquilizam, mas me vejo balançando a


cabeça, talvez seja o choque de tudo ou meu lado racional tomou a frente já
que o emocional está em frangalhos, mas é como se eu assistisse tudo do lado
de fora, desde a ultrassom, o médico falando para a enfermeira que entra na

sala para checar se a pediatra que ele chamou para acompanhar o parto já
chegou e depois me dizendo que minha filha está, nos termos dele,
"encaixada corretamente" e não deve demorar muito para que ela venha ao
mundo antes de sair da sala de exames e eu ser levada para um quarto
equipado com monitores. Uma faixa preta é colocada sobre o meu ventre e
segundo a enfermeira isso monitorará os batimentos do bebê, apenas balanço
a cabeça como se estivesse ouvindo tudo que ela me diz, mas na verdade
estou como nas muitas vezes que me cortei, a dor servindo para nublar meus

pensamentos.

Algum tempo depois Talita, Bruna, Sabrina e Amanda entram no


quarto, ao vê-las choro e sou acalentada por elas, mas o tempo permitido que
fiquem logo acaba e Luana retorna acompanhada de Silvana e tia Vera, elas
tentam me tranquilizar e mais uma vez a história da viagem falsa da minha
avó é contada, mas dessa vez ela foi a Missão Velha ver minha tia Bel que
não anda muito bem, e como foi com minhas amigas os minutos voaram e
quando a porta abriu e o médico veio para mais um exame de toque voltei a
sentir todo o medo mais uma vez.

— Cecília, já está com dez centímetros, a hora chegou, vou para a


sala de parto me preparar e em cinco minutos uma enfermeira virá para levá-
la, tudo bem? — pergunta e meu coração afunda, já se passaram horas desde
que Cícero se foi e não voltou, nossa filha vai realmente nascer sem a sua

presença ou a minha avó aqui comigo. Balanço a cabeça e o Dr. Felipe sai me
deixando sozinha com Luana.

O soluço que vem agora não abafo, deixo ele sair com força ao me dar
conta que estou na mesma posição da minha mãe, dando à luz sem o pai da
minha filha comigo e tudo isso por que o meu pai é um homem amoral que
não pensa em ninguém além dele mesmo. Nesse momento me arrependo por
não ter deixado Cícero me explicar por que mentiu quando descobriu sobre o
testamento do pai no dia do nosso casamento, poderíamos ter vivido tantas

coisas juntos, nem um cantinho para ela eu arrumei no meu quarto na


esperança que resolvêssemos tudo antes dela nascer, agora minha filha será
como filho de rato, nascerá e ficará pelada porque não comprei uma bolsa
sequer para trazer as poucas roupinhas que comprei. Esse pensamento me
vem e me dou conta que preciso pensar na minha filha agora ao invés do
medo ou da tristeza que estou sentindo.

— Luana, precisa voltar em casa e pegar as coisas que comprei para


ela e trazer, minha filha não pode ficar pelada como filho de rato — digo

apressada.

— Que história louca é essa? Eu não vou deixar você sozinha! —


Balança a cabeça negando.

— Por favor, ela vai precisar de fraldas, ah meu Deus, não comprei
faldas, mas você pode passar numa farmácia, não é? — Começo a respirar

com dificuldade, a ansiedade fazendo meu corpo tremer.

— Lia, respira fundo, tudo dará certo, pedirei a Alex que faça isso.

— Não, homens são um desastre com isso, por favor? — peço mais
uma vez, agora deixando a urgência ainda mais clara na minha voz.

— Mas, Lia, quem vai segurar sua mão na sala de parto?

— Eu seguro!

A voz de Cícero enche o quarto e mesmo vindo meio esbaforida faz


meu coração entrar em uma corrida louca antes de parar e voltar a bater mais

forte junto com as lágrimas que rolam pelo meu rosto, ele está aqui,
parecendo cansado, com um olho roxo, mas está aqui, não ficarei sozinha no
momento mais importante da minha vida.

— Comandante! — digo quando acho minha voz, ele se aproxima da


cama e segura meu rosto entre as mãos.

— Oi, minha anja-demônia. — Cola seus lábios nos meus e estou em


paz mais uma vez, o medo se foi.

— Querem parar com isso? Uma criança vai nascer, apressada, mas

vai nascer — minha avó fala entrando no quarto e eu solto o meu amor para
abrir os braços para recebê-la.

Ela está bem, nem um pouco machucada ou com cara de quem sofreu
fisicamente, me abraça e acaricia meus cabelos e costas falando comigo do

jeito que fazia quando era criança, me dando a certeza de que tudo ficará
bem, a tenho e o amor da minha vida comigo e em segurança, minha filha
logo vai nascer, pode não ser o momento esperado, mas não poderia ser mais
perfeito.

Saímos do prédio abandonado há cerca de quarenta minutos e ainda

não chegamos ao hospital para onde minha anja-demônia foi levada, o agente
que minha mãe designou para a tarefa de levar a mim e dona Clarisse nos
informou que estávamos nas proximidades do centro de Aquiraz, cidade na
região metropolitana de Fortaleza, e devemos levar mais uns dez minutos até
lá. Isso não ajuda muito a minha ansiedade em ver a minha mulher e me
certificar com meus próprios olhos que ela está bem, a sensação no meu peito
é bem parecida com a de meses atrás quando cruzei o estado para vê-la, se
naquela época soubesse que seu mal-estar era devido à gravidez não teria

suportado a viagem de sete horas, não, daria um jeito de chegar nela o mais

rápido possível.

Quando o carro chega a entrada do hospital abro a porta e saio antes


mesmo que esse pare, minhas pernas são o reflexo do meu coração acelerado.
Encontro Alex andando de um lado para o outro, nervoso, meu melhor amigo

me abraça antes de me dizer onde minha mulher se encontra, devolvo o


abraço por saber que o mesmo estava temendo por minha segurança e se tem
uma coisa que os anos me ensinaram foi a não menosprezar quem presa pela
sua vida, essas pessoas são as que fazem esse mundo fodido ainda valer a
pena.

— Onde ela está? — vou direto ao ponto.

— Sala de pré-parto, Luana está com ela e sua mãe está na sala de
espera — diz quando começamos a caminhar. — Vim aqui pra te esperar,

Mariana ligou avisando que vocês viriam, cadê dona Clarisse?

Puta merda, esqueci a vó de Cecília na minha pressa, viro para ir


buscá-la quando a encontro já caminhando na nossa direção, acompanhada
pelo agente da PF, ela nos olha com aquela expressão de dar medo e como
um garotinho pego aprontando me encolho por dentro.

— Que tá fazendo aí parado, vai logo ficar com minha neta, caboré,
ela precisa apertar alguma coisa quando estiver sentindo dor e tomara que
seja seus cunhões pra aprender a nunca mais deixá-la sozinha. — Seguro o

riso e aceno antes de virar com Alex mais uma vez.

Passamos por minha mãe na sala de espera e vejo as amigas da minha


mulher ali também, aceno rapidamente e continuo, chego na porta do quarto e
ouço Cecília discutir com Luana sobre as coisas da nossa filha, só ela para

conseguir brigar com alguém numa hora dessa.

— Mas, Lia, quem vai segurar sua mão na sala de parto? — Luana
pergunta.

— Eu seguro! — respondo, entrando no quarto, mas paro quando os


olhos de Cecília me fitam, um nó se forma na minha garganta ao vê-la já com
a roupa hospitalar pronta para dar à luz a nossa filha.

Ela chora silenciosamente, sua expressão deixando claras suas


emoções. Medo, alívio, raiva, preocupação e a que venho identificando como

amor todas as vezes que me olhou nos últimos tempos. Me aproximo quando
ela me chama pelo apelido que muitas vezes foi um convite ao sexo de tão
sensual que a palavra "comandante" fica na sua voz rouca, mas dessa vez ela
vem carregada de carinho e alívio. Seguro seu rosto entre minhas mãos e
depois de cumprimentá-la beijo seus lábios levemente inchados devido o
choro e é como chegar em casa depois de um longa viagem, meu coração
despenca no meu peito e se ergue de uma vez só, ela segura no meu rosto
também, tocando com carinho, até que somos interrompidos pela chegada

nada sutil de dona Clarisse que nos recrimina como só ela sabe fazer.

— Vovó, eu senti tanto medo! — Cecília diz, abraçando a avó.

— Eu estou bem, minha menina, agora precisa ficar calma para essa
apressadinha vir ao mundo em segurança, enquanto você foi uma lerdeza só
pra nascer, essa é apressada demais, também, sendo filha desse caboré

maluco. — Ela revira os olhos, mas me olha com afeto e Cecília ri enchendo
o quarto e meu peito de alegria.

— Vó, ele foi salvar você... — Cecília nos olha agora com mais
atenção, a ruga de preocupação voltando ao seu rosto. — Todos estão bem?
Alguém se feriu?

Olho para dona Clarisse que balança a cabeça minimamente, não


gosto de esconder nada da minha anja-demônia, mas ela está prestes a dar à
luz e a verdade agora pode apenas piorar a situação. Somos salvos pela

chegada de duas enfermeiras que vieram buscá-la, uma delas me pergunta se


irei acompanhar e quando digo que sim, me leva para colocar a roupa
adequada enquanto a outra leva Cecília para a sala de parto. Não demoro
mais do que cinco minutos para estar ao lado da minha mulher que agora está
numa posição parcialmente sentada para facilitar a saída da criança.

— Cecília, agora é com você, quando a contração vier fará força para
baixo, está bem? — o médico orienta e ela balança a cabeça, seguro sua mão
e beijo sua testa.

— Vai dar tudo certo, anja! — digo e a sinto apertar minha mão de
leve e em seguida aumentar o aperto.

— Não vai nada, ela não tem nome ainda! — responde entre dentes,
fazendo força como o médico disse.

— Muito bem, Cecília, agora elas vão ficar menos espaçadas, você já
tem dez centímetros de dilatação agora, a qualquer momento ela nascerá. —
Balançamos a cabeça juntos.

— Você não me disse que nome pensou — ela diz, puxando uma
respiração forte.

— Quê? — Acho que estou parecendo um idiota.

— Nossa filha, precisamos de um nome para elaaaaaaa! — termina a


frase com um travar de mandíbula e esmagamento da minha mão.

Olho para o médico segurando a careta que ameaça ficar visível no


meu rosto, dessa vez ela apertou com vontade, quando seu aperto vai
diminuindo, cerca de um minuto ou dois depois, relaxo junto com ela.

— Isso aí, inspire fundamente pelo nariz e expire pela boca, Cecília
— uma das enfermeiras, que acompanha os monitores do outro lado da maca
onde ela está, diz com voz gentil, demonstrando como ela deve fazer e eu
também faço junto, custa nada me acalmar também.

Algumas respirações depois e com um olhar menos dolorido Cecília

me olha daquele jeito que me faz apaixonar por ela cada vez mais, não sei de
onde tiraram que mulheres em trabalho de parto ficam malucas.

— Então, pensou ou não em um nome? — pergunta outra vez e eu


fico com o cú na mão, não parei para pensar nisso não.

Olho para o crachá da enfermeira ao meu lado e vejo um nome Ingrid


Isabella e arrisco, vai que né?

— Gosto de Ingrid. — A careta que ela faz me diz que não.

— Não, sofri bullying de uma Ingrid na escola, não quero minha filha
com o nome daquela megera nojenta. — Puta merda.

— Isabella? — É minha segunda opção no momento.

— É um nome bonito... — começa a falar, mas então vira na direção


da enfermeira e vê o nome no crachá, arruinando minha trapaça. — SEU

FILHO DA PUTA, NÃO CONSEGUE NEM PENSAR NUM NOME PRA


SUA FILHA, SEU IMBECIL? — grita ao mesmo tempo que aperta minha
mão com muito mais força e agora não me controlo, resmungo de dor.

— Isso, Cecília, ela está começando a apontar — avisa o médico, mas


ela parece não ouvir.

— Caralho, isso dói pra caramba, porraaaaa! — resmunga e me fita


com um olhar de puro ódio, me encolho com medo. — Está proibido de me

engravidar de novo, seu idiota! PUTA QUE

PARIUUUUUUUUUUUUUUU!

Ela esmaga a minha mão com vontade, eu juro que faz de propósito,
pois um sorriso diabólico surge nos seus lábios enquanto faz força para
empurrar nossa filha para fora do seu corpo.

— Com tanto idiota no mundo fui me apaixonar logo pelo menos


criativo de todos! — Ri alto agora e eu me preocupo que a dor a esteja
enlouquecendo. Olho para minha mão cujos dedos começam a ficarem roxos
nas pontas e depois para o médico, mas esse está bastante concentrado no que
está fazendo lá embaixo e Deus me ajude de não ver a cena toda, do contrário
não sei se conseguiria tirar da minha cabeça, é isso aí sou uma florzinha
delicada mesmo se o assunto é ver um parto de frente, vim me preparando,
mas não dá.

— Amor, você está indo bem, — digo tentando chegar até o rosto
dela, quem sabe com um carinho minha mão ainda sobreviva, preciso dela
para muitas coisas, mas Cecília se afasta.

— Não encosta em mim, não até ter um nome decente e que escolheu
sozinho para minha filha, cretino!

Ela diz entre dentes, tentando respirar conforme a enfermeira instruiu


e para o meu desespero meus dedos começam a ficar dormentes, puxo pela
mente os nomes que vinha cogitando para nossa garotinha e começo a falar

um atrás do outro.

— Anna Bel, Beatriz, Clara, Laura, Fabrícia, Tamara, Taís, Paula,


Caroline, Ana Maria, Roberta, Manuela, Carla, Bruna, Yasmim, Alicie ...

— Esse, eu gosto de Alicie se for com “ie” no final — ela fala e

diminui o aperto em minha mão até soltá-la.

— Pois será esse, com “ie” no final! — Me aproximo do seu rosto e


agora ela permite que eu beije sua testa, até mesmo passa o braço livre da
intravenosa pelo meu pescoço e me abraça.

— Está vindo, agora quando a contração vier você empurra com toda
a sua força, Cecília.

— Eu estou tão cansada... — choraminga junto ao meu ombro. —


Desculpa ter gritado com você, não é um imbecil, é meu herói e eu te amo

muito. Você me desculpa? — funga constrangida.

Ergo a cabeça para fitá-la e a doçura no seu olhar nada tem a ver com
a louca esmagadora de mão de segundos atrás, aqui está minha anja-demônia,
a única mulher que amei e vou amar a minha vida inteira.

— Me perdoe pela falta de criatividade e estaremos quites. — Pisco


um olho e ela ri, isso antes daquela expressão de dor voltar com tudo, olho
para minha mão e mesmo sabendo da dor ofereço a outra para ela apertar.

— Agora, Cecília!

O médico fala e tudo acontece muito rápido, mas para mim o tempo
se transforma em uma câmera lenta que ficará gravada na minha memória
pelo resto da minha vida, Cecília segura minha mão e puxa uma longa
respiração antes de travar os dentes nos lábios e empurrar com toda a sua

força, colo minha testa na dela, literalmente vivenciando um pouco da sua


dor, e segundos depois a sala de parto é preenchida pelo som mais
incrivelmente lindo, alto e claro do nosso mundo.

O berro agudo de Alicie faz todos ficarem em silêncio por alguns


instantes, minha cabeça se ergue para vê-la erguida pelas mãos do médico
que a segura e entrega a uma médica ao seu lado que segura um tecido e a
leva para os primeiros exames. Meus olhos maravilhados com tudo que acaba
de acontecer fitam a mulher ao meu lado, nos olhos da minha anja lágrimas

rolam, mas o sorriso vitorioso nos seus lábios a deixa extraordinariamente


ainda mais bonita, não esquecerei do seu rosto nesse exato momento nunca
mais, ela é simplesmente a mais linda e perfeita mulher do mundo inteiro.

— Conseguiu, amor! — Seguro seu rosto entre minhas mãos e beijo


seus lábios que têm o gosto das suas lágrimas, ela ri, assim como eu, e só
paramos nosso beijo quando o choro incessante da nossa menina se
aproxima.
— Papais, conheçam a sua filha, ela mede 40 centímetros e pesa
1,800 kg.

Viramos e a enfermeira Ingrid Isabella está aqui para nos apresentar a


pessoa mais importante do nosso mundo, olho para o pequeno embrulho de
tecido azul e mesmo assim posso ver o cabelo tão escuro quanto o da mãe. Os
braços de Cecília se estendem para recebê-la como se fossem puxados por

uma força maior.

— Posso segurá-la? — minha anja pede e logo recebe nossa menina.

— Só um pouco, precisamos levá-la para a incubadora, ela é


prematura e precisa de cuidados — diz nos olhando seriamente, balançamos a
cabeça e Alicie é posta no seu colo.

— Oiii, meu amorzinho, você é perfeita! — Cecília diz e o nó que se


formou na minha garganta se transforma em lágrimas, é a imagem da
perfeição nos braços da mulher que eu amo, nosso filha se acalma e abre os

olhos ao som da sua voz e meu mundo sofre um pequeno abalo sísmico ao
fitar o azul tão claro quanto o dos meus. — Quer segurá-la?

Cecília pergunta me olhando com um sorriso tão bonito que levo uma
fração de segundos a mais para entender que ela está me dando a chance de
segurar nossa filha antes que a levem. Balanço a cabeça e faço o ninho com
meus braços igual ao que ela mesma fez para recebê-la. Quando Alicie é
colocada ali eu sinto todo o meu mundo perder o sentido, olhando para
aqueles olhos pequenos e a pequena boquinha fazendo um “O” perfeito eu

me sinto o mais fraco dos homens e o mais poderoso entre eles, seria capaz
de mover céus e terras para fazê-la feliz e crescer bem, nada que vivi ou senti
me preparou para esse momento, todo o meu mundo agora se resume ao ser
pequenino que cabe em meus braços com folga, mas faz tudo ser grandioso.

— Eu amo você, minha anjinha, vou cuidar para que seja a menina
mais feliz e amada do mundo.

— Ela já é! — Cecília diz e olho para ela que também chora.

— Eu amo tanto vocês! — é tudo que consigo dizer.

— Hora de levá-la, meus queridos, quanto antes ela começar a receber


o tratamento da unidade Neonatal, mais rápido poderão voltar a ficar com ela.

Relutantemente me despeço da minha filha com um beijo, assim


como Cecília, e vemos a enfermeira levá-la para receber todos os cuidados

que ela precisa e merece. O médico termina de fazer também os


procedimentos no corpo da minha mulher e ela boceja cansada.

— Agora vai poder dormir, amor, você foi incrível! — Beijo sua testa
e ela sorri.

— Fizemos um ótimo trabalho, não foi?

— Sim, nós fizemos um trabalho excelente!


Beijo seus lábios e assisto seus olhos pesarem até se fecharem, por
dentro eu quero vibrar e gritar de tanta felicidade, mas isso precisa esperar, há

pessoas na sala de espera que merecem notícias e minha mulher irá dormir
por mais algumas horas para se recuperar do parto, dá tempo de ir lá e voltar
antes que ela acorde.
A vida não é para ser entendida, apenas vivida... Não sei onde ouvi
essa frase, mas nada que já tenha escutado me pareceu tão certo quanto ela,
levei muito tempo para encontrar algo que me fizesse sentir essa vontade

absurda de viver intensamente e plenamente cada segundo, no entanto,


estando de pé junto a entrada do berçário onde minha filha está sendo
cuidada, faz esse desejo preencher o meu peito, desde que acordei há cerca de
quase dez horas minha única vontade é ver a minha garotinha, minha avó,
como se era de esperar, me fez ficar deitada até o Dr. Felipe nos informar que
já era "seguro" eu fazer a caminhada de cinquenta metros entre o quarto em
que estava e o lugar onde minha filha está.

— Já vi muita mulher parida morrer por perda das forças nessa vida,
imagine, é um ser humano que você empurrou pra fora e sangrou um bocado

no progresso, diga a ela, Felipe, fale que estou certa! — exigiu do pobre
homem que me olhou com um encolher de ombros e pediu desculpas em
silêncio.

Como poderia lhe contradizer se passei minha vida aprendendo


exatamente que discutir com dona Clarisse Fernandes é um trabalho árduo e
que não levará a nada. Depois disso restou a nós dois esperarmos por mais
três horas e duas refeições que ela exigiu que me fossem servidas para que o

aval fosse dado, desde que Cícero, ou melhor, "o caboré, pai da bisneta dela"

me empurrasse em uma cadeira de rodas, não sei o que aconteceu entre eles
enquanto eu estive dormindo ou se foi antes disso, mas não vou pensar sobre
agora, não quando a porta finalmente é aberta e uma enfermeira nos sorri
dando passagem para nossa entrada.

— Como se sente, querida? — pergunta a enfermeira Ingrid, de quem


Cícero quis surrupiar o nome para nossa filha, ela tem um sorriso gentil.

— Bem, obrigada, ansiosa para poder segurar minha filha no colo.

— Sim, imagino. Venham, ela é aquela no canto esquerdo e devo


dizer tem um par de pulmões muito bons, quando chora faz um som danado.

— Não faço ideia a quem ela saiu — diz Cícero, se fingindo de santo,
do pau oco, só se for.

— Claro que não! — Reviro os olhos e Ingrid ri com vontade. — Eu

já posso andar, vovó não está aqui para gritar com você.

Digo de forma gentil, mas sei que nisso ele concorda inteiramente
com a minha vó, foi só ela falar em morte e ele ficou todo neurótico. Eu
mereço, devo ter atirado pedra na cruz ou taquei sal grosso na Santa Ceia, só
pode, pra ter esses dois me aporrinhando com tantas preocupações, mulheres
dão a luz desde que o mundo é mundo e não tiveram essas frescuras todas.
Não espero a resposta dele, levanto e caminho até onde minha menina está,

ao lado da incubadora tem uma poltrona para amamentação, sento e espero

que a enfermeira retire minha filha e a coloque nos meus braços.

— Oi! — digo baixinho ao aninhá-la junto ao meu peito.

Meus olhos transbordam de lágrimas não contidas quando sinto o


calor do seu corpinho miúdo junto ao meu, é incrível que um serzinho

minúsculo possa ter uma importância tão grande nas nossas vidas, minha
menina é perfeita e linda. Seguro a mão que Cícero estende para mim e ao
erguer os olhos noto lágrimas nos seus também, Alicie já nos tem por
completos a sua mercê, olho para ela e me surpreendo ao ver seus olhinhos se
abrirem e o azul intenso igual ao que tem nos olhos do pai me saudarem,
prendo a respiração e desejo que a cor não mude com o passar do tempo.

— Ela tem a cor dos seus olhos — digo baixinho e Cícero abre um
sorriso largo cheio de orgulho.

— Mas o formato é dos seus, é uma mescla perfeita de nós dois. —


Sorrio olhando para a pessoa mais importante da minha vida que começa a
fazer uma pequena careta.

Tento descobrir se não estou apertando ela demais, mas não é isso,
Cícero também nota e se agacha para ver se a fralda está suja, balança a
cabeça negando e não demora para um grito agudo tomar conta do lugar,
balanço os braços suavemente do jeito que já vi várias mães fazerem, no
entanto nada a faz parar. Procuro pela enfermeira Ingrid no ambiente e

suspiro aliviada quando ela caminha na nossa direção segurando uma


minúscula mamadeira, mas está vazia?

— Chegou a hora dessa mocinha comer, por isso o choro.

Ouço mais do que vejo o suspiro de alívio de Cícero, não nego que

também começo a relaxar minimamente, mas então me lembro que a


mamadeira está vazia e olho para a enfermeira questionando e ela sorri.

— Você já está lactando?

— Sim — respondo lembrando que quando acordei meus seios


estavam maiores do que normalmente já estavam e sensíveis, sem contar no
círculo molhado na camisola hospitalar que estava usando.

— Que bom, assim podemos retirar o leite diretamente dos seus seios,
isso ajuda ela começar a se acostumar com o gosto, às vezes eles não aceitam

mais o leite materno por começar pelo leite em pó.

— Não, eu quero amamentar, posso fazer isso já?

— Por enquanto ela vai se alimentar dessa forma, mas creio que logo
você poderá amamentar, não se preocupe, querida, respire e se acalme para
que possamos retirar o leite enquanto o pai aprende como acalmá-la.

Balanço a cabeça e deixo que ela retire Alicie dos meus braços, com a
ajuda da enfermeira higienizo o meu seio e começo a retirada do leite, lembro
que em um dos inúmeros documentários que assisti ao longo dos últimos

meses, vi que os bebês prematuros recebiam alimento através de sonda


colocada no narizinho deles, mas Alicie não tem um, o que quer dizer que irá
se alimentar diretamente pela boca, isso enche meu peito de alívio e vejo que
aos poucos o leite vai saindo do meu peito. Olho para onde Cícero canta

alguma música baixinho e surpreendentemente nossa filha se acalma, a cena


arranca um sorriso bobo meu, os amo muito, não sei como seria não poder
ficar com eles por perto.

Isso me faz lembrar que meu amado noivo tem evitado falar sobre o
que aconteceu no encontro com o meu pai, ele e a minha avó trocaram
olhares estranhos quando perguntei sobre isso e se alguém se machucou, mas
não quero pensar sobre isso agora, não quando a enfermeira pega minha filha
dos braços do pai e vem com ela na minha direção e com toda a paciência do

mundo ensina como devo alimentá-la, mesmo não sendo o mesmo que
amamentar sinto que nesse momento um laço ainda mais profundo é criado
entre minha filha e eu.
Ficamos com nossa filha por quase uma hora, pouco depois de

alimentá-la a pediatra que esteve presente durante o parto foi checá-la e


segundo ela os exames mostram que tirando o peso, cerca de quinhentas
gramas que ela precisa ganhar, não há nada de errado com nossa garotinha.
Foi visível o alívio no semblante de Cícero, assim como deveria estar
estampado no meu, nos despedirmos dela não foi fácil, mas me consola saber
que dentro de pouco menos de quatro horas poderei revê-la, no entanto não
me agrada saber que provavelmente não poderei levá-la para casa comigo,
não consigo segurar o suspiro quando lembro disso ao deitar na cama do
quarto que estou ocupando.

— Tenha paciência, anja, logo estaremos com ela novamente, agora


você precisa se alimentar e descansar, faz menos de vinte e quatro horas que
deu à luz, se a sua vó chegar aqui e te encontrar com essa cara, já viu. —
Reviro os olhos para ele, se borra de medo da minha avó, mas sair atrás do
meu pai bandido vai com um sorriso enorme. O que me lembra...

— O que aconteceu que você e a vó Clarisse não estão me contando?


— vou direto ao ponto.

— Nada — responde rápido demais.

— Cícero, olha aqui, se não me contar vou achar que é bem pior do
que realmente foi, então desembucha de uma vez, porra!

— Olha a boca!

— Fala logo! — Cruzo os braços na altura dos meus seios e me


encolho ao perceber como estão sensíveis ao extremo.

— Ô mulher teimosa, não pode ficar feliz por eu ter sobrevivido e sua
avó estar bem?

— Não, porque alguém se machucou, se foi o Arnoldo pode falar, não


me importo com ele, um doador de esperma qualquer teria mais importância
na minha vida do que ele — asseguro-lhe e ele balança a cabeça com pesar.

— Não, aquele miserável está preso, mas infelizmente não sofreu um


dano grave pelo que Mariana me contou, um tiro na perna que logo vai sarar,

mas Raul se feriu e está em coma desde então.

Raul? Isso é uma surpresa para mim, quando ele se ofereceu para nos
ajudar não achei que fosse realmente fazer como prometeu, desconfiei que
era mais uma de suas armações com o Arnoldo, mas pelo jeito me enganei foi
muito dessa vez.

— O que ele estava fazendo lá?


— Aparentemente seu... Arnoldo descobriu que ele desejava nos
ajudar e o prendeu para extrair informações e digamos que a forma como

aquele verme gosta de consegui-las não são as mais ortodoxas.

— Ele se feriu muito? — pergunto num fio de voz.

— Ele acabou sendo baleado quando me ajudou a desarmar os


capangas que estavam prontos para acabar comigo e sua avó.

Um tremor involuntário passa pelo meu corpo e sinto o ar sair com


dificuldade, eu sabia que algo ruim iria acontecer, mas é claro, nada que
venha do infeliz do Arnoldo pode ser bom.

— Ele vai ficar preso pro resto da vida, não vai? — Acho que meu
rosto demonstra todo o meu medo.

Se Arnoldo se safar dessa com certeza virá atrás de nós e não o quero
nem remotamente perto de Alicie, jamais.

— Calma, anjo, Mariana disse que as acusações são sólidas e com as

provas que temos ele será condenado e se um dia sair já estará muito velho
para ser um perigo para nós, estamos seguros, ele nunca mais vai fazer mal a
ninguém.

Cícero me abraça e ouvindo as batidas rítmicas do seu coração vou


me acalmando aos poucos, ficamos assim em silêncio por um tempo até meu
quarto ser tomado pelas minhas amigas que trazem desde balões cor de rosa
até algumas sacolas com comida contrabandeada, não quero nem saber como
conseguiram fazer essa proeza e pelas próximas horas me esqueço dos

problemas que meu pai ainda poderia nos causar e foco em ser feliz no agora.

Mexo meu corpo impaciente enquanto esperamos que a médica


responsável por dar alta hospitalar a minha filha apareça e acabe de uma vez
por todas com essa ansiedade que temos vivido nos últimos quinze dias,
apesar de Alicie ser um bebê saudável, o ganho de peso dela não
correspondia com o esperado pelos médicos o que fez com que sua estadia na
unidade Neonatal se prolongasse.

— Ela está demorando mais do que pensei — minha anja-demônia diz


baixinho, segurando nossa garotinha junto ao peito.

— É, se demorar mais eu vou lá.

Tento tranquilizá-la, as semanas que sucederam o momento mais


importante das nossas vidas vieram cheias de acontecimentos que deixaram
marcas profundas em nossas mentes. Tudo começou com deixarmos nossa
filha aqui aos cuidados de outras pessoas, pareceu tão errado, Cecília chorou
por horas até que a exaustão a dominou e enfim adormeceu, mas não um sono
tranquilo, por minha vez não consegui pregar o olho e me mantive alerta para
qualquer eventualidade que necessitasse da minha atenção.

Foi naquelas horas olhando minha mulher dormindo, sentindo a

ausência da nossa filha como se uma parte vital de mim estivesse ausente,
que soube que acertei quando decidi me aposentar da CIOPAER e assumir
um cargo na empresa, não como CEO, esse é o lugar de Luana e a mesma
está se dedicando bastante a isso, deixando tanto Silvana quanto a mim

orgulhosos. Não abandonarei o helicóptero, no entanto, sempre posso pilotar


o da empresa quando preciso for e assim matar um pouco da saudade. Fiquei
olhando-a dormir por horas e horas, seu cheiro como sempre se instaurou no
meu sistema nervoso e despertou em mim o homem das cavernas que tudo o
que deseja é trancar-me com ela por um longo tempo e nos satisfazer de todas
as formas possíveis, mas o refreei, ela terá ainda alguns dias para se recuperar
totalmente e eu me comportarei, pois sei que quando tivermos "autorização"
faremos tudo o que desejamos um com o outro, sem medo ou reserva.

Ainda não contei para Cecília sobre a minha decisão, ela esteve
envolvida em tantas coisas nos últimos meses que preferi esperar, não
esqueço como foi difícil que ela se afastasse do hospital para prestar seu
depoimento contra Arnoldo, mas o fez com coragem e olhou nos olhos do
homem que destruiu a vida da mãe dela e corajosamente disse que ele não era
seu pai, apenas um mero doador biológico e desejava que ele sofresse apenas
nada além do mesmo que fez as pessoas sofrerem, não chorou ou fez menção
de estar sofrendo com o andar de tudo.

Sua determinação só sofreu um pequeno abalo com a notícia de que

Amália, esposa de Arnoldo, foi hospitalizada com complicações cardíacas, o


depoimento feito por ela agravou ainda mais um problema antigo que ela não
aceita tratamento desde que descobriu, não a julgamos, o desejo dela vem
sendo respeitado pelos médicos e nós optamos por fazer o mesmo, desde a

morte do filho ela não tem realmente vivido e ouvir da sua boca que agora
pode descansar em paz foi de alguma forma reconfortante, o medo dela era
que o culpado pela morte do seu menino nunca fosse punido pelos seus atos
criminosos.

— Boa tarde! — a médica nos saúda com um sorriso, eu retribuo, mas


Cecília me cutuca com o cotovelo, deixando claro que não devo sorrir assim.
Minha mulher é ciumenta, quem diria.

— Pensei que ia ter que esperar a tarde toda! — minha anja-demônia

diz emburrada.

— É normal essa ansiedade, mas estava revendo os últimos exames


da filha de vocês — diz e nos olha seriamente. Sinto um gelo estranho
percorrer minhas veias, não quero ter que esperar mais tempo para tirar
minha filha daqui e sei que Cecília tão pouco suportará mais dias na espera.

— Não me deixe mais nervosa, doutora! — Não disse que ela está por
um fio?

— Calma, os resultados foram melhores do que esperávamos, nos

últimos dias ela não só recuperou o peso que perdeu nos primeiros dias do
seu nascimento como aumentou e está com 2,5 kg e pronta para ir para casa
com vocês. — A médica sorri e suspiramos aliviados.

— Eu falei, amor, que tudo ficaria bem! — Beijo o topo da sua

cabeça e sinto o seu corpo vibrando com o riso.

— Falou nada, tava tão nervoso quanto eu! — O sorriso dela é tão
bonito que sinto o impacto tão forte quanto na primeira vez que o vi, se bem
que aquela noite ela estava envolta pelas luzes da casa noturna, mas ainda
assim a mulher mais atraente que já vi.

— Sim, um pouco — admito, porque sei que não preciso esconder


meus sentimentos dela. — Já podemos ir buscá-la? — pergunto animado.

— Claro, vamos!

A médica nos guia pelo caminho já conhecido por nós, andamos por
esse corredor muitas vezes nos últimos dias. Encontramos nossa menina
vestida com uma das roupas que trouxemos três dias depois do seu
nascimento, ela parece uma boneca de tão linda, o tom claro do tecido
fazendo seus cabelos negros agora levemente maiores ficarem em destaque,
principalmente pelo enfeite que segundo Sabrina, amiga de Cecília que me
ajudou a comprar muitas coisas para nossa filha sem que ela soubesse,

chamam de tiara, eu achava que tiara era aquela coisa que a realeza usa, não

uma faixa de tecido com laço. Mas o que importa é que nossa Alicie está
linda e meio impaciente pela careta que faz ao ser retirada do berço pela
enfermeira assim que entramos.

— Prontos para irem para casa? — Ingrid pergunta, entregando nossa

filha a Cecília, que agora tem essa expressão abobalhada que deve espelhar a
minha.

— Muito prontos! — ela diz com um sorriso.

— Isso é bom, essa princesinha também está prontíssima para animar


as noites de vocês! — Ingrid brinca e não posso deixar de rir ao lembrar que
dona Clarisse falou coisa parecida outra noite, quando nem Cecília, nem eu
conseguimos dormir depois que nos informaram que nossa filha tinha
diminuído o pouco peso com que nasceu e que o tempo no hospital se

prolongaria por causa disso.

— Estamos ansiosos por isso também, se é para sermos pais, que seja
o pacote completo! — digo fazendo graça e mais uma vez o cotovelo de
Cecília vai de encontro ao meu abdome. — O quê?

Olho para ela buscando uma resposta, mas tudo que recebo é um
revirar de olhos da sua parte, meu Deus, como fico louco quando ela faz isso
e sinto uma vontade enorme de fazê-la ser mais dialogante, mas com gemidos
e gritos enquanto a fodo com força contra a primeira superfície lisa que

encontrar. Refreio o pensamento de imediato, pois o meu pau ganha vida e


faz pressão contra a costura da minha calça jeans e se Cecília já implica com
meu sorriso sendo admirado pelas outras mulheres, imagina o que vai ser se
essas duas olharem para minhas partes íntimas?

Cícero ou está se fazendo de doido pra cima de mim ou é o homem


mais tapado que já conheci, desconfio que seja a primeira opção e se não
estivesse com minha filha no colo, mais linda do que imaginei ser possível e
pronta para ir embora conosco, daria um grande peteleco nele, isso sim. É
impossível que não viu a forma como a mulherada do hospital olha para ele,
tudo bem que não é todo dia que um Adônis desses aparece por aqui, mas o

jeito que cobiçam o meu noivo é até constrangedor, tudo doida para ter a
chance de tirar uma casquinha, mas ai de quem se atrever, eu esqueço que

estou de resguardo e me transformo numa doida virada no Jiraya[12], ah se


viro!

— Já podemos ir? — pergunto para chamar a atenção da médica, que


está babando pelo meu homem e ela ao menos tem a decência de parecer
constrangida, o olhar dela ainda volta até ele, mas se fixa em mim por fim.

— Sim, vou lhe entregar uma cartilha com algumas recomendações e

espero ver essa garotinha em quinze dias, ligue para o meu consultório e
marque uma consulta. — Estende um cartão na direção de Cícero, mas eu me
adianto e mesmo com Alicie no colo o pego.

— Não acho que será preciso, temos uma pediatra da nossa confiança

para acompanhá-la. — Cícero me olha com um estreitar de olhos, mas não


me contradiz, ainda bem.

Não temos realmente alguém de confiança, mas Amanda é enfermeira


e com certeza pode nos auxiliar, de jeito nenhum vou ficar consultando
minha filha com alguém que prestará mais atenção no pai dela do que nela.

— Ah, certo, vou então providenciar os resultados dos exames dela,


assim poderá levar na consulta.

Sorrio o mais docilmente possível e noto que Cícero está segurando o

riso, cretino, mas ele me paga, ah se paga, sei que temos mais alguns dias na
seca até que possamos apagar esse fogo ardente que há entre nós, mas posso
muito bem provocar, ainda mais por estarmos na casa da minha avó, ele por
algum motivo preferiu ficar por lá do que irmos para o seu apartamento e
finalmente o ajeitarmos para a chegada de Alicie. Segundo ele, ficar perto das
pessoas que me amam ajudaria a passar os dias em que não podíamos levar
nossa filha conosco, não estava de todo errado, ter minha avó, meus amigos e
a nova família que ganhei ao me envolver com Cícero, ajudou, agora espero

enfim poder sossegar ou quase isso.

— Você está muito calada — Cícero diz ao sairmos do


estacionamento do hospital.

Estou no banco de trás ao lado do bebê conforto onde nossa filha

dorme tranquilamente, os olhos dele encontram os meus pelo espelho


retrovisor e vejo sua sobrancelha se erguendo, o desgraçado fica ainda mais
bonito assim, deveria ser um crime, isso sim.

— Estou? — tento fingir que ele não me afeta, mas quando o sorriso
lento dele começa a tomar de conta dos seus lábios sinto meu ventre se
contraindo e suspiro por saber que ainda falta muito tempo.

— Não se faça de desentendida, o que eu fiz dessa vez? — pergunta


todo inocente.

— Por que acha que fez alguma coisa?

— Não responda as minhas perguntas com outra pergunta, Cecília! —


Estreita os olhos.

— Olha, sei que você não é nada ingênuo para não ter notado como as
mulheres te olham. — Abre a boca começando a protestar, mas continuo. —
Sabe que não é, basta levarmos em conta o tipo de diversão que você
costumava ter antes de nos conhecermos.

Ele sabe que me refiro à casa de swing, respira fundo antes de parar

no sinal e virar para mim.

— Foi lá que conheci você também, o que não quer dizer que esse era
o tipo de diversão que você gostava, eu não nego que fui ali algumas vezes,
mas não era nada além disso, diversão.

A seriedade em seus olhos é a resposta para qualquer insegurança da


minha parte, ele me ama e eu o amo. Sorrio bem no instante que o sinal abre
e seguimos em silêncio a partir daqui. Me distraio com a serenidade da minha
filha que nem percebo para onde ele está nos levando até parar na garagem
subterrânea do prédio onde ele mora, reconheço pela vaga dele ficar bem ao
lado do elevador no final dela.

— Pensei que íamos para casa — digo assim que ele vem abrir a porta
e retirar o bebê conforto.

— Estamos em casa, meu amor!

Os olhos dele brilham ao falar isso, o azul se tornando tão intenso que
perco o meu fôlego por alguns instantes, até me dar conta que sim, estou na
casa onde nossa família viverá. Seguro a mão que me oferece e seguimos
rumo a nosso lar. A cada andar que o elevador passa sinto o meu estômago
ser tomado pela ansiedade e me lembro da primeira vez que estive aqui, tava
quase pelada, usava apenas a lingerie que ele me enviou e foi naquela noite

que provavelmente nossa filha foi gerada. Olho para o bebê conforto e sinto

as lágrimas empoçarem meus olhos.

— O que foi? — a voz dele vem rouca, também emocionada.

— Estava lembrando a primeira vez que vim aqui, achei que me


arrependeria depois por ceder as suas investidas — sou sincera.

— E se arrependeu? — pergunta ao sairmos no seu andar.

— Não, faria tudo novamente. — Sorrio e entramos em casa onde


somos recepcionados por nossos amigos e família.

Todos estão aqui: Alex, Luana, Silvana, Mariana, Amanda, Talita,


Sabrina, Bruna, minha avó e tia Vera. Todos aqui para dar boas-vindas a
minha filha, agora já não seguro as lágrimas, deixo elas virem enquanto
abraço a todos, pouco depois Alicie acorda e a atenção se volta para ela.

Olho para os meus amigos e sinto falta de Raul aqui também, mas ele

ainda está no hospital se recuperando, mas quando receber alta quero que seja
parte da minha vida, pois provou que é meu amigo de verdade. Claro que
Cícero iria querer demarcar o território, mas sinto que o que viveram naquela
garagem em Aquiraz forjou uma amizade verdadeira entre eles e isso me
deixa muito feliz, pois Raul sempre foi um bom amigo para mim, me doía
pensar nele como algo diferente disso.
Nossos convidados ficam conosco por algumas horas, mas logo
ficamos apenas nós três e minha avó, Cícero providenciou para ela fique

conosco, como a convenceu eu não faço ideia, mas saber que teve o cuidado
especial com ela me faz amá-lo ainda mais. Ela se retira com a desculpa de
rezar o seu terço, mas com o aviso que precisando dela era só chamar, beijei
seu rosto e segui meu noivo até o nosso quarto, mas o mesmo para junto a

uma porta que tem uma moldura de MDF cor de rosa com o nome Alicie e
sapatilhas de balé ao lado, olho para ele sem acreditar que preparou o
cantinho da nossa garotinha.

— Agora é a vez da Alicie conhecer o cantinho dela! — diz abrindo a


porta.

O quarto é simplesmente encantador, a decoração em tons claros e


aconchegante me encanta, ele teve o cuidado de colocar até uma poltrona
para amamentar, além de uma cama e cômoda com trocador de fraldas sobre

ela, tudo de muito bom gosto e infinitamente lindo.

— Você fez tudo isso sozinho? — pergunto emocionada.

Ele caminha com nossa filha nos braços e a coloca no seu berço antes
de virar para mim com aquele olhar meio tímido que sem dúvidas é um dos
meus favoritos.

— Não, Luana, Silvana e até mesmo suas amigas me ajudaram, por


isso fiz questão de ficarmos na sua avó os últimos dias, assim a decoradora
fazia o trabalho aqui, o mais difícil foi convencer dona Clarisse que morar

conosco era uma boa opção, ainda não é definitivo, como ela mesma disse,
no entanto espero que seja. Caso você não tenha gostado de algo bastar dizer
e mudamos.

— Eu amei tudo, principalmente por saber que você se preocupou em

deixar tudo pronto para a nossa família.

Me aproximo dele e envolvo seu tronco com meus braços, fico nas
pontas dos pés com meus lábios a centímetros dos seus.

— Amo essa palavra, família, principalmente com o nossa antes. —


Cola seus lábios nos meus e sinto que estou em casa mais do que nunca,
sempre é assim se o tiver comigo.
Dias depois
— Não vai me dizer para onde estamos indo? — pergunto pela
milésima vez à Luana, que responde com um sorriso enigmático tão parecido

com o do seu irmão que deixa claro que ele também está envolvido nisso.

Sei que estão aprontando porque hoje pela manhã quando acordei ele
já não estava mais lá, me senti frustrada com isso, finalmente o período de
resguardo seguido por um ciclo menstrual indesejado chegou ao final, e
quarenta e cinco dias depois que transamos pela última vez, tudo que eu
queria fazer era acordá-lo com seu pau entre meus lábios a sugá-lo e depois
receber dele todo o prazer que sei que pode me dar, mas o sacana foi mais
rápido que eu e fugiu.

O procurei por toda a casa, encontrei vovó com Alicie na varanda


tomando banho de sol e a mesma me disse que o "caboré" tinha saído cedo e
não disse pra onde, não demorou muito para que a minha cunhada chegasse
como um furacão me fazendo vestir a primeira peça no guarda-roupa que
achei e me carregar para fora de casa, mal tive tempo de dar mamar para
minha garotinha que está cada dia mais linda e parecida com o pai, as
bochechas adquiridas pelo aumento no seu peso, os olhos azuis intensos e o

sorriso que começa a surgir com cada vez mais frequência.

De certa forma eu compreendo por que Cícero escolheu sair da


CIOPAER, de repente minha mente acende feito os cartoons, juro que é
possível que uma lâmpada esteja aqui do lado da minha cabeça, ele deve ter
ido resolver os últimos detalhes da sua saída, ninguém deixa de ser militar de

uma hora para outra, sei como isso cobrou um preço alto dele, mas deixei que
tomasse suas próprias decisões, principalmente quando argumentou que
nossa família era mais importante que tudo e não repetiria os erros do pai ao
colocar o profissional antes do pessoal.

— Chegamos! — a voz animada de Luana me desperta dos devaneios


e só então me dou conta de onde estamos, faz meses que estive diante desses
mesmos portões, a última vez foi fugindo de Cícero após descobrir sua
mentira. Viro-me para ela sem entender por que me trouxe aqui.

— Aqui?

— Sim, aqui! Como parte integrante da família Duarte é esperado que


assuma uma função nos negócios, eu estou na parte administrativa da
empresa assim como Cícero, mamãe cuida daqui e como antes de sair
correndo como louca no dia do casamento você tinha expressado um desejo
de ajudar também, achamos que o quanto antes começasse melhor, não que
você precise trabalhar, principalmente com Amália deixando tudo que tem
para você e sua filha, além é claro das empresas que sua mãe conseguiu tirar

das mãos de Arnoldo, cunhada, tu tá podre de rica.

Ouvir tudo isso causa um arrepio na minha coluna, não queria


nenhum centavo do dinheiro que Arnoldo conseguiu vendendo o corpo da
minha mãe, foi isso que a destruiu aos poucos e culminou no seu suicídio,
mas seguindo a orientação dos advogados e Mariana decidi manter as

empresas e fundi-las as da família Duarte, também devolvi as ações da


empresa alimentícia a Cícero, sei que isso deixou o verme que se diz meu pai
irado e não me importo, mas agora é a hora de fazer algo de bom com tudo
isso, com a ajuda de Raul, a quem designei a direção do escritório de
advocacia, pretendo direcionar uma boa porcentagem dos lucros para
instituições que cuidem de pessoas que sofrem de algum tipo de transtorno
psicológico, senti na pele como a nossa mente pode ser nossa pior inimiga e
ter quem me estendeu a mão na hora certa evitou que tivesse o mesmo fim

que a minha mãe.

— Não quero ser considerada diferente por receber um dinheiro que


nada fiz pra conquistar — resmungo ao tirar o cinto.

— Não fez, mas fará e isso lhe tornará merecedora de cada


centavinho, agora vamos lá pro seu primeiro compromisso como uma Duarte.

— Você sabe que isso é figurativo, nem remarcamos a data ainda,


estávamos mais focados em sermos pais.
Digo enquanto vamos entrando e me surpreendo ao perceber como
senti saudades daqui, o pátio está limpo e há cadeiras e mesas espalhadas por

todos os lados, algumas pessoas colocam toalhas e arranjos sobre elas, mas
não tenho tempo para analisar mais a fundo, o braço de Luana me puxa
escada acima e antes que me dê conta estamos no quarto que usei para me
arrumar da outra vez e ele não está vazio, minhas amigas, minha avó,

Silvana, Mariana e Amália, sentada com Alicie no colo, me sorriem. Olho


para todo o ambiente sem entender, até que vovó dá um passo para o lado e
deixa à mostra o vestido sobre a cama.

Minha boca fica seca, minhas mãos tremem quando percebo tudo que
está acontecendo, ou melhor, para acontecer e o tremor só piora ao sentir meu
celular vibrando dentro da bolsa, o pego e vejo o nome de Cícero brilhando
na tela, com dedos trêmulos aceito a chamada e levo o aparelho ao ouvido.

— Você é louco! — digo, sorrindo e chorando ao mesmo tempo.

— Louco por você, minha anja-demônia, não quero esperar mais um


dia sequer para tê-la como minha oficialmente, então coloque o vestido que
minha irmã e suas amigas escolheram e venha ao meu encontro na estufa —
sua voz grave faz todas as terminações nervosas do meu corpo ganharem
vida, principalmente quando reduz a voz ao final. — E por favor, use a
lingerie que escolhi, mesmo Luana sendo contra. Quero passar a cerimônia
toda imaginando você com ela, se bem que já tô duro desde agora.
Sinto meu rosto queimar com suas palavras e se for uma escolha
parecida com a da última vez é algo que dá vergonha em ver até fora do

corpo, mas seu comando tem uma ligação direta com a minha boceta que
pulsa e posso notar a umidade se formando entre minhas pernas.

— Você é ainda mais louco do que eu pensei — digo sorrindo —,


mas é o louco que eu amo.

— Que bom que sou, espero você no altar. — Suspiro por ele lembrar
que essa é uma das falas de livro preferidas minha, meus olhos marejam
imediatamente.

— Eu serei a mulher de branco.

O riso dele enche meus ouvidos antes que desligue e encontre vários
olhos sobre mim, vou até minha filha e a pego nos braços, matando a saudade
que nem tinha notado que já sentia dela.

— É, estrelinha, a mamãe vai casar — digo, beijando o topo da sua

cabeça e ela se remexe inquieta, às vezes me surpreendo o quão saudável e


ativa ela é mesmo tendo nascido prematuramente.

— Sim, sim, por isso entregue nossa bonitinha para alguém que a
equipe chegou para te deixar ainda mais bonita — Luana diz e logo minhas
amigas estão disputando para ver quem fica com Alicie, é sempre assim com
elas, minha filha tem as melhores madrinhas-tias do mundo inteiro.
Estou parada diante do espelho de corpo inteiro mais uma vez com

minha avó atrás de mim, diferente de meses atrás não estou com medo do
estrago que Cícero fará ao meu coração ao final de um ano, não, nem um
pouco, ele já o tem e cuida com zelo e carinho. O vestido tomara que caia
abraça minhas curvas como se tivessem o desenhado exclusivamente para
mim, os quilos a mais deixados pela gravidez não mais visíveis, graças a
Deus, já pensou minhas banhas vazando?

— Tá nervosa? — vovó pergunta, tocando meu ombro nu e puxa o


véu para que se ajuste.

— Um pouco, mas não como da última vez — revelo.

— Daquela vez vocês eram dois teimosos que nem comiam, nem
saíam de cima, agora tem uma criança na história e isso fez uma grande
diferença para o crescimento dos dois. — Ela sorri e não posso deixar de
concordar, Cícero e eu evoluímos muito desde que nos conhecemos.

— Por falar nela, onde minha filha está?

Faz quase uma hora desde que a vi, minha vó sorri e vejo um brilho
encantado surgir nos seus olhos.

— Aquelas doidas que você chamou pra madrinhas estão terminando

de arrumar minha bruguelinha, o vestido que Silvana escolheu para ela vai
deixá-la parecendo uma bonequinha.

Sorrio já imaginando a confusão que deve estar acontecendo no


quarto ao lado, minhas amigas brigando por quem irá vesti-la, eu amo

aquelas malucas ainda mais pelo amor que todas têm pela minha garotinha.
Vovó se afasta e segundos depois as meninas estão no quarto com Alicie
realmente parecendo uma bonequinha de porcelana, o vestido com muitos
babados em formato de pétalas de rosa, as flores bordadas nele bem parecidas
com as que têm no corpete e saia do meu próprio vestido. Estendo os braços
para pegá-la ao mesmo tempo que Luana chega vestindo um lindo vestido
verde mar que realça a cor dos seus olhos.

— Que bom que está pronta, já estamos atrasadas no cronograma —

diz deixando sua paranoia com horário evidente.

— Tem calma, minha filha, ou vai ter um piripaque antes dos trinta —
fala vovó toda séria. — Mas vamos, o caboré deve tá roendo as unhas no
altar e se bem conheço o Padre Tarcísio, vai fazer um sermão e tanto se
demorar demais.

Apenas balanço a cabeça concordando, ajeito Alicie no meu colo para


que com a outra mão segure o braço da minha avó que segura o buquê de
hortênsias para mim e começo a fazer o caminho que me levará aos braços do

homem que eu amo, pelo resto da minha vida, assim espero.

— Nem acredito que esse dia realmente chegou, o inferno deve estar
tendo os últimos pontos de calor extintos nesse momento exato! — Bruno,
um dos meus colegas da CIOPAER, brinca ao apertar minha mão.

— Não é para tanto, camarada, qualquer um que tiver a sorte grande


de encontrar uma mulher que o olhe como a minha anja-demônia faz deve
cuidar de torná-la sua esposa o mais rápido possível — respondo cheio de
orgulho.

— Falou o homem que engravidou a namorada como a porra de um

adolescente espinhento — Alex diz sorrindo ao se aproximar.

— É, Barbosa, pelo jeito ficou pra você a tarefa de consolar a legião


de fãs do Duarte, as quengas de Fortaleza devem estar na igreja essa hora,
fazendo oração pela alma do pau falecido desse bastardo — Bruno faz piada
e apenas o ignoro.

— Teu rabo, viado, aqui não sou o Comandante Barbosa, só


Alexandre e você deveria tá soltando rojões de festa, pelo menos agora tu
tem uma chance de comer alguém, já que a concorrência diminuiu, respeite o

Comandante, pois ele arrumou uma mulher que vale por dez — Alex fala em

tom de brincadeira, mas posso notar o fundo de verdade nas suas palavras, o
carinho que tem por Cecília se equivale ao de um irmão mais velho.

— Ih, Duarte, se não tivesses visto nosso garoto de ouro outra noite
em umas das famosas festas da Nathany, acompanhado de uma loira de tirar

o fôlego, diria que está querendo furar seu olho, aliás, quem era aquela
gostosa, Alex? Ó diaba bonita e eu só vi a mulher vestida, imagina ela sem
roupa. — O olhar de Bruno ganha um ar sonhador.

Meus olhos vão para Alex e o noto abrindo e fechando as mãos, algo
está acontecendo e ele não quer contar, estive tão ocupado nos últimos
tempos que não reparei nele ou no que andou fazendo, espero que não tenha
voltado a cair nas garras de Patrícia, ela consegue extrair apenas o que há de
pior nele e quando cansa o descarta como pedaço de papel usado.

— Não sei do que está falando, Maldonado, ou melhor, não me


lembro bem, estive na companhia de mulheres belíssimas, não gravo muito as
fisionomias, não mais do que a voz delas gemendo quando meto com força.

Estranho a forma como fala, mais uma prova de que não está
confortável com essa conversa, por sorte Luana chega para nos avisar que
minha noiva está pronta e devemos nos posicionarmos. Quando ela nos vira
as costas, o assobio de Bruno chama a nossa atenção, ele olha de Alex para
mim antes de começar a rir.

— Você é um filho da puta maluco, Barbosa, pegando a irmã do seu

melhor amigo, mesmo conhecendo a potência do soco desse homem. —


Balança a cabeça incrédulo.

— Não fala besteira, Alex não levaria Luana a uma festa... — Viro
para encarar meu melhor amigo que tem os olhos no chão e muda o peso do

corpo de uma perna para outra. — Você não fez isso, fez?

— Não a levei se é isso que está perguntando, mas a encontrei sim em


uma festa... — Ergue os olhos para mim e não há arrependimento neles, o
que me diz que a coisa foi além de um flerte ou um lance de uma noite.

Agora é a minha vez de abrir e fechar as mãos tentando controlar a


minha vontade de socar alguém, por Deus, como ele foi capaz? Não de se
envolver com a minha irmã, isso não me importo, quer dizer, não muito, mas
o fato dele ficar com ela em uma festa de swing, possivelmente para atingir a

Patrícia que pelo que soube está cada vez mais amiga de Nathany, essa é
outra que gosta de ver o circo pegar fogo e conhecendo a história conturbada
do meu melhor amigo e sua ex, só posso esperar que quem sairá magoada no
fim é minha irmã, isso eu não aceito.

— Conversaremos sobre isso depois, agora vou me casar com a


mulher da minha vida e só por esse motivo não vou socar sua cara, cretino,
Cecília não ia querer você de olho roxo no nosso álbum de casamento.

Digo com mais raiva impregnada na minha voz do que gostaria e ele

apenas balança a cabeça em concordância. Me afasto dele e de Bruno e sigo


para o local indicado pela minha irmã previamente, que vem a ser no final da
estufa onde um padre e um juiz de paz já estão posicionados para nos casar.
Olho em volta e fico satisfeito com o trabalho das minhas mães e irmã, claro

que elas contaram com a ajuda das amigas de Cecília e dona Clarisse, eu quis
que o nosso casamento, mesmo sendo uma surpresa para ela, estivesse do seu
agrado, espero não ter enfiado os pés pelas mãos. Todos esses pensamentos
[13]
fogem da minha mente no momento em que a música Imbranato de
Tiziano Ferro, começa a tocar por um grupo de crianças assistidas pela
Fundação, a escolhi por falar de uma forma tão clara como me sinto sobre
nós e no início da estufa vejo minha mulher surgir com nossa filha no colo ao
lado da sua avó, o mundo além dela para de existir para mim, tudo poderia

acabar nesse instante e eu não notaria. Seguro o microfone que Luana me


entrega e me preparo para derramar o amor que existe no meu coração em
forma de canção.

Minhas pernas tremem ao notar que terei que fazer todo o caminho
até onde o altar foi posicionado. A estufa está simplesmente linda, pisco

algumas vezes para ter certeza de que é real. Há várias mesas posicionadas

para depois da cerimônia, mais a frente posso ver as cadeiras onde nossos
amigos e familiares estão sentados. A luz do sol ao final do dia reluz e
ilumina o meu amor que me espera diante do padre, ele vira para pegar algo
que Luana estende e se meus passos já estavam vacilantes antes, agora que

percebo o que ele irá fazer sinto que cairei.


È iniziato tutto per un tuo capriccio
Io non mi fidavo, era solo sesso
Ma il sesso è un'attitudine
Come il'arte in genere
E forse l'ho capito e sono qui.
Com sua voz grave ele canta fazendo meu coração trovejar no peito
emocionado, esse homem que tenta manter a fachada de durão e inabalável
está mostrando a todos o quanto me ama.

Scusa sai se provo a insistere


Divento insopportabile, io sono
Ma ti amo, ti amo, ti amo
Ci risiamo, va bene, è antico, ma ti amo.
As lágrimas inundam meus olhos e preciso me concentrar para não
cair, principalmente por estar com Alicie nos meus braços. Agora meus
passos são lentos demais, quero chegar até ele para sentir o seu toque que
acalmará a tempestade de sentimentos que ameaçam explodir de dentro para
fora do meu peito. Vovó aperta meu braço e balança a cabeça daquele seu

jeito único de repreender, sorrio abaixando minha cabeça sentindo o cheiro


doce da minha filha.
Ciao, come stai? Domanda inutile!
Ma a me l'amore mi rende prevedibile
Parlo poco, lo so, è strano, guido piano
Sarà il vento, sarà il tempo, sarà fuoco.

Chego ao altar e Cícero toca o rosto da nossa garotinha antes que eu a


entregue para Amanda, que está visivelmente emocionada, mas ainda
gesticula "Pacotão completo da miséra, hein?" sem emitir som e sorrio.
Vovó beija minha testa e a de Cícero que se inclina para receber o carinho
antes de estender a mão para mim, ponho minha mão sobre a sua e não
consigo segurar o suspiro alto que me escapa, a sensação que tenho é a de
voltar para casa depois de um longo período viajando.

Io, si
Ah, ma ti amo
Encosto minha cabeça no peito do meu comandante e suspiro ainda
sem acreditar que somos marido e mulher, tanto na lei de Deus quanto na lei
dos homens. Ainda não superei a emoção de vê-lo cantando para mim, nem

da minha avó emocionada ao me entregar oficialmente para ele, daquele


momento em diante tudo foi como um borrão, por mais que eu quisesse
prestar total atenção nos detalhes, tudo que minha mente registrou foram os
olhos azuis de Cícero me fitando com tanta emoção que foi impossível conter
as lágrimas dos meus.

Dissemos o "eu aceito" com convicção, depois de tantos percalços no


nosso caminho temos mais do que certeza do nosso amor, olho para o lado e
vejo Alicie passar dos braços de Luana para os de Alex e sorrio por ver como
todos parecem bobos quando ela está por perto. Meu marido, sinto borboletas

voando no meu estômago toda vez que penso nele com esse subtítulo, vira a
cabeça na mesma direção e ouço o seu rosnar nada satisfeito, me afasto para
olhá-lo e vejo que está olhando feio para o nosso padrinho de casamento.

— O que foi? — Estranho essa sua atitude, Alex é seu melhor amigo
até onde sei.

— Nada não! — responde, forçando um sorriso.


— Fala logo ou vou achar que é pior do que é.

Ele volta a olhar para onde a irmã está dividindo a atenção entre Alex

e nossa filha, já tinha notado a forma como ela o olha, mas não achei que isso
fosse incomodar a Cícero, nosso amigo é alguém decente, bom, tirando certas
coisas que ele gosta de praticar, mas isso é a opção dele e o próprio Cícero já
andou curtindo certas surubas com ele.

— Acho que ela pode sair machucada — diz se referindo a irmã.

— Por que acha isso? Alex não é um cafajeste. — Estreito os olhos.

— Não é, mas também não está sentimentalmente disponível, tenho


receio que minha irmã seja apenas um passatempo até Patrícia decidir que o
quer de volta, vi isso acontecer muitas vezes e sempre a garota com quem ele
se envolvia saía machucada.

A preocupação dele com a irmã é algo comovente, principalmente


depois de ver com meus próprios olhos como esses dois gostam de trocar

farpas, mas se tem uma coisa que não acredito é que Alex faria Luana sofrer
intencionalmente, mas o que eu entendo de relacionamentos, não é mesmo?
Me casei com o segundo homem da minha vida e o primeiro que conquistou
meu coração, isso depois de tentar fugir dele a todo custo, não sou um
exemplo a ser seguido definitivamente. Sorrio ao chegar a essa constatação.

— Do que você está rindo?


— De nós dois — sou sincera.

— E o que há de tão engraçado? — Aquele sorriso malicioso dele

começa a despontar.

— Não é óbvio? Há pouco mais de um ano nem você ou eu


queríamos tudo isso, eu fugia até mesmo da ideia de me apaixonar por
alguém a ponto de entregar meu coração e o comando da minha vida assim.

— E eu acreditei que não era para mim esse troço que chamam de
amor, até ouvir uma certa risada rouca e ver a dona dela gostosa pra caralho
naquele vestido colado, depois foi esperar o momento certo de me aproximar
e roubar um beijo dela, só não imaginava que ao fazer isso estaria me
colocando sob o seu comando permanentemente.

Sinto um nó se formando em minha garganta com as suas palavras,


ele segura o meu rosto e acaricia com suavidade.

— É porque o amor que nos une está além do que controlamos, vai

muito mais além, está sobre eu e você.

Seu rosto se aproxima do meu e recebo seu beijo cheio de promessas


e juramentos, isso até sermos interrompidos por uma Luana empolgada
avisando que está na hora de cortar o bolo e jogar o buquê. Relutantes,
separamos nossos lábios e seguimos para a mesa de doces, sorrimos para as
câmeras, nos beijamos, partimos o bolo e tiramos mais fotos, após trocarmos
mais beijos ao dar bolo na boca um do outro, jogo o buquê, dividida entre

quem eu gostaria que o pegasse. Amanda é a sortuda da vez, mas ela o atira

longe e cai nas mãos de Alex que observava tudo a uma certa distância, todos
riem da cara sem jeito que ele faz, até mesmo Cícero, o que faz o meu ânimo
voltar com tudo.

Depois de mais uma dança com meu marido, me retiro para

amamentar minha garotinha, ela se alimenta tanto do meu leite quanto de um


outro recomendado pela sua pediatra, é bem gulosa minha estrelinha, mas
isso veio a calhar hoje, assim posso passar minha noite de núpcias sem me
preocupar dela estar se alimentando ou não. Vovó me deu um sermão quando
insinuei levá-la conosco para passar a noite no hotel, seja lá qual for, no fim
cedi por saber que não serão mais do que algumas horas e Alicie estará com a
pessoa que mais confio nesse mundo, afinal foi ela quem me criou.

— Ela dormiu? — Cícero pergunta, entrando no quarto tentando não

fazer barulho, logo atrás dele vejo minha avó revirando os olhos, esses dois
não sei não.

— Dormiu — digo, acariciando a cabeça da minha menininha.

— Então acho que já podemos ir. — Abre aquele sorriso safado pra
mim e sinto as conhecidas borboletas voando soltas no meu estômago.

— Tão ansioso pra começar a fornicação, não é caboré? — diz vovó


repreendendo-o e seguro o riso. — Espero que agora vocês se cuidem ou vão
ter outra criança correndo por aí antes dessa aqui fazer um ano.

— Não diga isso, vó, Deus é pai, não é padrasto, não — respondo
rindo, mas por estar tranquila quanto a isso, comecei a tomar a pílula há uma
semana, não quero outro filho agora e sim curtir minha Alicie por bastante
tempo antes de pensar no próximo que com certeza virá, pretendo ter uma

família grande.

— Sei, se você tá dizendo quem sou eu pra discordar, se querem sair


de fininho vão logo, aproveitem a noite de núpcias de vocês, vou enviar uma
mensagem pro Alexandre, ele vai nos levar para casa de Silvana, já deu de
festa para a pequena e eu.

Ela vem até onde estou e pega minha filha para colocá-la no bebê
conforto, sabia que minha avó não ficaria até o final, mas fico tranquila por
saber que ela terá ajuda essa noite e não demora e Silvana chega no quarto

dizendo que Alex as espera, nos despedimos das mulheres que são as grandes
responsáveis pela nossa criação e da nossa filha adormecida e escapulimos de
fininho pela entrada lateral e não me importa para onde vamos, estou com o
homem que eu amo e isso me basta.
O carro para em frente ao hotel e olho para minha anja-demônia que
se manteve bem quieta no trajeto até aqui, mas isso foi bom, estamos na

presença de uma terceira pessoa e se eu colocasse as mãos sobre ela aqui


dentro seria impossível largá-la, nem a pau correria esse risco, meu desejo em
tê-la de todas as formas possíveis está sob controle até estarmos entre quatro
paredes. Aperto de leve sua mão e ela me olha com esses olhos negros

brilhantes e perco o fôlego ainda sem acreditar realmente que agora somos
oficialmente um do outro. E pensar que há pouco mais de um ano não
acreditava que esse tipo de felicidade fosse para mim.

— Você ficou muito calada, está pensando em desistir depois que fez
uma grande loucura? — Ergo uma sobrancelha e pisco um olho provocando-
a.

— Eu? Não, você ganhou meu coração quando se desculpou com a


minha Filó. — Pisca os olhos fingindo-se de inocente.

— Ah, não me fale daquela lata velha, vou cuidar para que o uso dela
não seja necessário, não quero nem pensar em você andando nela com nossa
filha.

Abre a boca para protestar, mas o motorista nos interrompe ao abrir a


porta para sairmos, vou primeiro e estendo-lhe a mão, entrelaço seus dedos
nos meus e a puxo para junto de mim assim que sai do carro, seguro seu rosto
com minha mão livre e o seguro na posição perfeita para que eu possa beijá-
la. Como sabia que aconteceria, assim que meus lábios tocam os seus sinto

meu pau voltar a protestar por liberação, pressiono minha ereção nela e o

gemido rouco que vem do fundo da sua garganta é como gasolina na minha
fogueira interna.

— Vamos entrar ou não respondo por mim — digo ainda com os


lábios juntos aos seus, ela sorri e se afasta.

— Então não me faça esperar mais.

— Nunca mais!

Seguimos para o saguão do hotel na Avenida Beira Mar, não paro


para notar o luxo do ambiente, isso não importa agora, perco apenas o tempo
necessário para pegar o cartão-chave, faz muito tempo que não tenho a minha
mulher nua em meus braços, protelar o momento não está nos meus planos.
Já no elevador puxo seu corpo para junto do meu e início a tortura de deslizar
as pontas dos meus dedos por seus braços nus, para qualquer pessoa de fora é

um carinho inocente, mas a forma como sutilmente giro meu quadril indo de
encontro a sua bunda, que mesmo debaixo de camadas de tecido consigo
sentir quando ela trava e prende a respiração, é na verdade minha forma de
provocá-la. Por sorte logo o ding se faz ouvir e saímos do elevador para a
antessala da suíte, mordisco o lóbulo da sua orelha e seu corpo estremece.

— Você pensou em tudo mesmo, não foi comandante? — diz se


virando para me olhar com um brilho malicioso nos olhos.

— Tive muitas noites para pensar. — Por algum motivo me sinto

encabulado com a forma que ela me olha, como se eu fosse o seu super herói,
porra, eu amo saber que ela me vê assim.

— Ah, isso é verdade, mas sabe que o nosso quarto já estava de bom
tamanho, tudo que mais importa é você e eu nos amando. — Amo o fato

dessa mulher incrível não mudar, por mais que sua vida tenha entrado em
uma espiral de mudanças ininterruptas, ela ainda é a garota de língua afiada
que me rendeu por completo ao me desafiar a ser o homem que ela queria e
precisava que eu fosse.

— Eu sei, mas hoje não é qualquer noite, é a primeira que eu terei


você como minha esposa e a minha garota merece ser tratada como uma
rainha, se existisse aqui um palácio ornamentado em ouro e pedras preciosas,
esse lugar ainda seria chinfrim para receber a presença da mulher mais linda

desse mundo.

Seus olhos ficam marejados e acaricio o caminho por onde uma


lágrima errante rola, ela inclina a cabeça e beija a palma da minha mão.
Puxo-a para mim e tomo posse dos seus lábios que se abrem dando passagem
para a minha língua ávida por sentir o seu sabor único, mordo seu lábio
macio e o gemido dela transforma o momento cálido em urgente, quero me
enterrar nela até perder os sentidos, mas essa noite não se trata do que eu
desejo, sim do que nos dois queremos.

Ergo seu corpo e a pego no colo sem romper o contato dos nossos

lábios, passamos pela sala de estar e nos encaminho para o quarto, quero
fazer tudo direitinho e pensar com minha cabeça racional, não com a porra do
meu pau que implora para que esqueça isso de ser cavalheiro. Ponho Cecília
sobre seus pés e nosso beijo diminui a intensidade até ser apenas um leve

roçar de lábios, ela olha para as grandes janelas de vidro e suspira com a
visão esplendorosa do mar a nossa frente, depois olha para o lado oposto
analisando cada pedacinho do ambiente e não nego que faço o mesmo, mas
na minha mente vou fazendo planos de onde irei fazer amor com ela e quais
lugares são bons para foder com força como nós dois também gostamos.

— Sabe, comandante, eu nunca te contei isso, mas sempre me


perguntei se foder numa jacuzzi é tão empolgante quanto nos livros que li
deixaram a impressão de ser.

Meus olhos vão de encontro a enorme banheira posicionada de forma


sugestiva, como se estivesse nos convidando a entrar ali e fazer todas as
sacanagens possíveis, isso me traz a mente um desejo que tenho desde a
primeira vez que essa demônia saiu andando e rebolando essa bunda
empinada para mim, esses jatinhos serão meus melhores amigos essa noite.

— Estamos aqui para fazer suas vontades, minha mulher — chamá-la


assim faz o meu homem das cavernas interior vibrar.
— É? — Ergue uma sobrancelha e balanço a cabeça confirmando. —
Então comece tirando essa roupa, comandante, quero ver o MEU homem por

inteiro. — Enfatiza o meu e senta na cama para me observar.

— Seu, é? — provoco-a.

— Sim, todo meu!

A forma como lambe o lábio inferior e me olha cheia de desejo é o

incentivo que preciso para começar a me despir como é o seu desejo, peça
por peça sai do meu corpo e é assistida por ela a queda de cada uma de
encontro ao chão. Quando estou apenas com a boxer preta ela levanta e para
minhas mãos, não protesto, pois sem dizer nada suas mãos percorrem o meu
abdômen, peito e ombros, o suspiro que soltamos juntos é o único som que se
faz ouvir, por mais que tenha planejado fazer amor com ela com uma música
de fundo, os sons que emitimos são ainda mais sedutores.

Sem um aviso seus lábios tocam os meus e de olhos abertos

acompanho os movimentos dela me provocando, incitando para que reaja,


mas estou sob o seu comando e deixá-la tomar a frente faz parte disso, mas
nada me preparou para seus lábios deslizando pelo meu corpo desde o
queixo, tronco e vê-la cair de joelhos diante de mim, a saia do vestido se
abrindo ao seu redor como pétalas de rosas ao amanhecer, é uma visão dos
céus, no entanto não tenho muito tempo para pensar sobre, suas mãos
deslizam a boxer por minhas pernas, suas unhas arranhando de forma
proposital e sinto um arrepio me subir pela coluna.

— Você é lindo! — exclama me olhando de baixo para cima.

Engulo em seco tentando encontrar as palavras certas para responder


o seu elogio, mas ele morre no momento que seus lábios tocam a ponta do
meu pau sugando de leve o líquido que ali estava, seguro na sua cabeça, mas
não para forçá-la a fazer nada, sim para não cair, nunca pensei que um dia

entenderia o significado da expressão "de pernas bambas", mas cá estou eu


sentindo as minhas querendo se curvar pelo imenso prazer que essa mulher
me faz sentir.

Sentir o corpo do meu homem tremer com uma carícia simples da

minha boca sobre seu membro rígido me faz sentir poderosa e munida por
esse sentimento desço minha língua, acariciando toda a extensão até os seus
testículos que também recebem atenção antes que suba mais uma vez e tome
todo ele na minha boca e o sugue com vontade, como se esse fosse o meu
sabor de pirulito favorito, seus dedos se embrenham pelos meus cabelos e seu
pau pulsa entre meus lábios, sinto a umidade entre as minhas pernas aumentar
consideravelmente, mas estou disposta a fazê-lo gozar com vontade na minha
boca, meu homem já teve todo o trabalho de planejar um dia mágico para
mim, isso é apenas uma minúscula recompensa para tudo que me fez sentir.

Levo uma mão atrevida até o seu peitoral e giro um dos bicos entre
meus dedos ao mesmo tempo que aumento a velocidade das sucções dos
meus lábios e o roçar da língua no ponto onde sei que o enlouquece. Sinto
meus cabelos sendo puxados com um pouco mais de força, mas não de forma

agressiva, é excitante estar no comando e ser comandada assim, dou a cartada


final quando acaricio seus testículos estimulando o máximo de pontos
sensíveis do seu corpo possível, é o estopim para ele gemer alto falando o
meu nome e deixando-se gozar entre meus lábios, enfiando até o fundo da
minha garganta e eu engulo todo o seu prazer.

Seguro suas pernas para ajudá-lo a passar os tremores e quando eles


diminuem, sento sobre as minhas pernas e o olho presunçosamente, o sorriso
lascivo que ele me lança junto com olhar devotado mexem com minha psique

e libido de uma forma extraordinária.

— Você me deixou sem palavras! — Segura meus ombros e me puxa


para junto do seu corpo. — Mas acho que está vestida demais, no entanto
quem vai tirar esse vestido que te deixa com aparência de anjo serei eu, pois
nesse momento quero a minha demônia com tudo que tenho direito.

Sem aviso me vira de costas para ele e morde meu ombro fazendo um
calafrio me subir pela coluna, suas mãos habilidosas tocam meus seios por
cima do tecido e apesar das camadas de tecido posso sentir o calor delas

sobre mim, mas elas se demoram poucos segundos ali, logo estão no zíper as

minhas costas me libertando dele, o tecido desce pelo meu corpo e ao cair em
nuvem ao meus pés revela meu corpo nu, exceto pela microcalcinha branca
de renda do conjunto de lingerie que ele escolheu para mim, as meias sete
oitavos e a cinta liga também rendada.

Cícero vem para minha frente e um assobio baixo se faz ouvir, por um
instante me sinto envergonhada, os quilos a mais que ganhei na gravidez
ainda não foram todos eliminados e ainda possuo aquela "pochete" onde um
dia foi liso, mas basta ver como ele come meu corpo com os olhos para
deixar essa insegurança de lado, ele me ama não importa como as minhas
curvas estão.

— Eu sabia que tinha feito uma boa escolha. — Segura minha mão e
me ajuda a sair do meio do tecido, me vira e cola sua ereção na minha bunda

e mexe os quadris fazendo minhas chamas internas ameaçarem me queimar


por completa. — Fique aqui que já volto.

Mesmo com as pernas bambas fico paradinha, os saltos não ajudam


em nada a me manter firme, mas logo o barulho de água chega até mim e o
tremor agora é pela expectativa do que está por vir, segundos depois meu
comandante está ao meu lado no momento exato que uma música começa a
tocar ao fundo, a letra é bem sugestiva e isso me faz entrar ainda mais no
clima de sedução. Ela diz exatamente como as coisas são quando estamos

assim. Suas mãos descem pelo meu corpo causando arrepios e uma gota de

suor vai rolando pelas minhas costas, não demora para que sinta sua língua
fazendo o caminho contrário dela até chegar ao meu pescoço e sugar ali com
força, essa é a única parte dos nossos corpos que se tocam e a expectativa do
que virá é torturante e embriagante.

Você adora quando eu sou doce, querida


Eu amo quando você morde
Você adora quando eu cubro seus olhos
Por um minuto, mas apenas algumas noites
Eu amo quando você me pede
Para fazer cócegas nas suas costas
Você adora quando eu chego até embaixo
E seguro entre suas coxas, assim
Recita a letra da música em português e faz exatamente o que ela diz

colocando a mão em concha sobre minha intimidade, tremo toda e encosto-


me no seu peitoral para não cair.

— Espero que você não tenha gostado dessa calcinha — diz,


puxando-a com as duas mãos e rasgando a renda, primeiro de um lado, depois
do outro, então assisto o tecido cair aos meus pés.

— Acho que alguém andou testando resistência de calcinhas por aíiii


— brinco, mas perco o fio ao sentir seu polegar movendo-se sobre o meu
clitóris, prendo a respiração e seguro nos seus braços para não cair.

— Oh, eu testei e valeu a pena, agora curve-se para mim e segure nos

seus joelhos — comanda e não resisto, logo me inclino, isso faz minha bunda
roçar no seu pau enrijecido e o gemido agora é em uníssono. — Puta que
pariu, eu quero muito te foder com força, mas vou fazê-la pagar por ser tão
gostosa.

Uma palmada desce na minha bunda e quase caio, ele segura meus
quadris até que sinto minhas pernas firmarem novamente, nessa posição
consigo ter uma visão única de tudo e assisto meu comandante se agachar até
estar sentado sobre suas pernas e muito lentamente sua língua molhada tocar
minhas dobras úmidas e circular toda minha boceta com ela, sugando minha
excitação, e gemer como se esse fosse o néctar dos deuses para ele, não caio
de cara no chão porque ele me segura, mas as pernas ameaçam fraquejar a
qualquer momento, principalmente com a forma como sua língua circula

minha intimidade por todos os lados. Antes que eu exploda em um orgasmo


ele levanta e me puxa até estar em pé, meio atordoada por não entender
porque parou, olho para ele buscando uma explicação, mas essa não vem e
ele me pega no colo, envolvo seu corpo com minhas pernas ao ser carregada
por ele em direção da banheira, para ao lado dela e tira meus sapatos, nem
percebi que ainda os tinha.

— Eu fantasiei foder você usando isso. — Puxa a liga que bate na


minha pele causando uma dor gostosa incrível. — E meias, mas não pensei

que seria tão melhor do que minhas fantasias.

Engulo em seco e seguro nos seus cabelos colando nossas testas,


deixando nossas bocas a centímetros uma da outra.

— Sempre é melhor na realidade, comandante. — Beijo o canto da


sua boca o provocando. — Agora não me faça mais esperar para ter você

todo enterrado dentro de mim, eu não acho que suporto muito mais tempo.

O rugido que vem dele é animalesco, ele entra na banheira e me


desce, suas mãos grandes me apertam a lombar no momento que sua língua
adentra minha boca tomando posse do que já lhe pertence, eu também sugo a
sua deixando minha marca, como também aperto seus músculos arrastando
minhas unhas por todo ele, seu pau grosso e pesado pulsa junto ao meu
ventre, também anseio tê-lo dentro de mim. Cícero desce a boca por meu
pescoço até os meus seios e dá a atenção exigida por eles com maestria, a

essa altura minhas meias estão tão ensopadas que não me importo quando ele
me faz avançar até estar de joelhos, espero que abaixe comigo, mas ele dá a
volta e se posiciona atrás de mim, segura meus seios nas mãos e com os
joelhos empurra minhas pernas fazendo-as se abrirem e não seguro o grito de
surpresa quando um jato de água atinge meu clitóris já tão sensível.

— Lembra quando eu disse que iria lhe dar prazer de todas as formas?
— pergunta, mordendo minha orelha com a mesma pressão que aperta os
bicos dos meus seios.

— Huhummmmm — gemo em resposta, isso é tudo que consigo fazer

com a invasão de sensações que me assolam.

— Bom, chegou o dia, segure na borda da banheira e incline essa


bunda gostosa para mim — sua ordem faz um alerta soar na minha mente.

— Não vai foder o meu cu. — Tento sair do seu abraço, mas seus

braços me seguram.

— Hey, não farei nada que você não queira, confie em mim, nunca
acontecerá, você é quem tem o controle aqui, tudo bem?

— Tudo bem. — Sinto-me tola por pensar que ele pudesse me forçar
a algo. Sinto o beijo carinhoso no meu ombro e vou relaxando.

Para mostrar que confio nele me inclino e faço como ele disse, meu
gemido ao fazê-lo é alto, nessa posição não apenas um jato me estimula,
agora são três, cada um vindo de uma direção diferente e preciso segurar para

não cair mesmo.

— Isso aí, minha anja-demônia, sinta como esses jatinhos podem ser
nossos amigos.

As mãos dele deslizam pela minha coluna antes de se ocuparem do


meu corpo em uma carícia enlouquecedora.

— Adoro a forma como seu corpo ficou com ainda mais curvas, amo
poder segurá-la aqui e sentir como minhas mãos ficam cheias, você está ainda

mais linda do que antes.

Ele inclina o corpo sobre o meu e beija meu pescoço, sinto a ponta do
seu pau tocar minha entrada e tremo em expectativa, mas o safado se afasta,
viro a cabeça e o vejo segurando o membro na base e passá-lo entre minhas
nádegas provocando, mordo meu lábio contendo um gemido e o seu dedo

desliza para dentro de mim, nessa posição meu quadril fica quase todo para
fora da água, apenas minha pélvis sendo atingida pelos benditos jatos com
tudo. Sinto-o circular fazendo minhas paredes internas se contraírem,
apertando-se antes que o retire e espalhe minha excitação até o meu cu, travo
mais uma vez, mas então sinto seu dedo ser substituído por seu pau que me
penetra com tudo e grito seu nome sentindo minhas carnes tremerem ao
serem invadidas depois de tantos dias sem sexo.

— Que porra de buceta gostosa do caralho! — diz entre dentes. —

Como estava com saudade dela.

Me remexo um pouco e o movimento misturado aos jatos me põe na


linha final. Sentindo meu corpo tremer sua mão toma a base da minha bunda
e a outra se apossa de um dos meus seios, ele sai um pouco e quando volta
aperta meu bico e introduz um dedo no meu rabo, copiando o movimento
circular do seu quadril. Me desfaço inteira, sou apenas uma massa trêmula e
pulsante em suas mãos, e como se visse de fora, me pego pedindo por mais,
exigindo até.

Ele investe contra meu corpo com o mesmo ímpeto que recebo suas

investidas de todos os lados, estamos dançando num ritmo totalmente nosso e


nada nesse mundo poderia ser mais prazeroso do que esse homem me
fodendo com maestria, a sua promessa para me satisfazer de todas as formas
volta a sondar minha mente e antes que perceba as palavras estão saindo

pelos meus lábios.

— Eu quero — professo meio sem fôlego, meio trêmula.

— O que, anja? O que quiser eu lhe darei — promete ao arremeter


mais uma vez para dentro de mim e não consigo responder.

Um orgasmo avassalador me toma e sinto meu corpo flutuar solto no


ar. Suas mãos me apertam o quadril no momento que minhas paredes internas
apertam seu pau ao se contraírem e extraem dele um segundo orgasmo e
flutuamos os dois no espaço único e exclusivo nosso.

O que eu queria até segundos atrás não importa, ele já fez a sua
mágica, não só agora, mas desde que o conheci vem me mostrando um
mundo novo cheio de possibilidades e escolhas, me fazendo ciente de cada
uma delas e ficando ao meu lado a cada uma que faço. Cícero me deu muito
mais do que prazer, juntos nos demos ao outro a segurança para arriscar,
tentar, errar, cair e levantar, pois se estamos juntos não temos medo de tentar,
de amar e tão pouco sermos amados, ele me mostrou que haverá coisas que
não poderemos controlar, outras que caberá a nós o poder de fazer acontecer

ou não, ele me mostra que somos capazes de tudo quando estamos juntos,
basta que deixemos o coração no comando.
— Comandante, você está aí? — ouço a voz da minha anja-demônia e
suspiro sentindo a brisa do mar adentrar o quarto.

Hoje faz quatro anos que nos casamos e decidimos comemorar a data

com uma viagem de lua de mel, sim, não conseguimos fazer isso nos últimos
três anos por tantos motivos que não vou começar a contar agora ou
ficaremos o dia aqui papeando e ainda vai faltar história.

Chegamos aqui no início da manhã e depois que almoçamos não


resisti à cama convidativa e aproveitei para tirar um cochilo, coisa rara desde
que me tornei o vice-presidente da Duarte Alimentos Ltda. Essa viagem veio
a calhar, tanto Cecília quanto eu precisávamos de um tempo longe de tudo,
tudo menos nossa filha e sua avó que vieram conosco, só assim para minha

esposa conseguir viajar tranquila.

— No quarto! — respondo quando ouço seus passos próximo a porta.

Assim que ela entra no quarto meu ar fica preso na garganta como
acontece todas as vezes que a olho, minha esposa é sem sombra de dúvidas a
mulher mais linda que já conheci e agora grávida dos nossos meninos ela fica
esplendorosa. Pois é, a família Fernandes Duarte está aumentando, e assim
como foi com Alicie, João e Gustavo não foram planejados, mas estão a
caminho e nossa alegria em poder vivenciar essa gestação como se deve é
enorme, tenho acompanhado Cecília desde a primeira consulta. Na última,

onde descobrimos os sexos dos bebês, não sabia que meu coração poderia
crescer de tamanho para suportar tanto amor. Pelo menos dessa vez já
pensamos em possíveis nomes assim que descobrimos que teríamos gêmeos,
não vou mais correr o risco de perder a mão na sala de parto.

— Vai passar o dia todo nessa cama, comandante? — pergunta


colocando as duas mãos na cintura e estreitando os olhos para mim.

— Está tão gostoso aqui, por que não vem? — Estendo a mão para ela
e vejo a indecisão nos seus olhos.

— Alicie já acordou e está com vovó na varanda, advinha por quem


aquela pestinha procurou logo que abriu os olhos? — Coloca os lábios de
lado desgostosa.

— Pelo bonitão aqui, é claro! — Rio alto e recebo um revirar de olhos

dela. — Sabe que sou irresistível!.

— Sim, foi por você, cretino! E eu tive que convencê-la a te deixar


descansar mais um pouco, por sorte vovó fez bruaca pra ela lanchar e pronto,
logo esqueceu do “papai”. — Sorri debochado e não resisto.

Levanto e vou até ela, parando ao seu lado, seus olhos me fitam com
aquele fogo já conhecido tomando as íris escuras e aproveito para puxá-la até
ter seu corpo colado ao meu.

— Deita um pouquinho comigo, eu estou com saudades! — Faço bico

e a demônia abre um sorriso largo. Desde que lhe contei sobre a viagem ela
vem bancando a difícil, diz que isso é para tornar nossa enfim lua de mel
memorável.

— Se deitar agora, não vamos sair dessa cama tão cedo e temos um

encontro hoje a noite, lembra? — Se coloca nas pontas dos pés e toca seus
lábios nos meus.

Quando tento aprofundar o beijo ela sai do meu abraço rindo e eu a


assisto ir até a varanda, para na porta e me olha de lado com um sorriso de
lado enigmático. Não resisto ao canto de sereia que seu corpo é para mim,
principalmente com essas curvas deixadas pela gravidez, e como um
cãozinho mendigando carinho vou até ela.

— Não seja malvada, anja, faz uma semana que não me deixa tocar

aqui... — Coloco minha mão sobre a sua boceta. — Muito menos aqui. —
Com a outra mão puxo seu quadril de forma ao meu pau se encaixar entre as
bandas da sua bunda, quase tocando seu cuzinho delicioso que ela enfim me
deixou comer quando fizemos dois anos de casados e foi ali que despertei a
fera na minha mulher de uma vez por todas, nossa vida sexual que já era
ótima, se tornou extraordinária.
— Tenha paciência, comandante, está acabando? — pede se
esfregando em mim e não controlo a tentação de colocar a mão por dentro do

seu vestido, indo de encontro a sua boceta já molhadinha.

— Eu adoro que eu ainda seja o seu comandante mesmo depois de ter


deixado a CIOPAER há tanto tempo — falo antes de mordiscar sua orelha e
senti-la tremer toda.

— Você será sempre o meu comandante! — diz afastando as pernas,


me dando livre acesso a sua entrada escorregadia.

Introduzo dois dedos em sua boceta, circulo seu clitóris com a palma
da mão e sinto sua resistência começar a ruir, sorrio satisfeito e mordo seu
ombro começando a me afastar, levando os dedos a minha boca e soltando
um pequeno grunhido sentindo o sabor único dela.

— Porra, Cícero, não me deixa assim! — choraminga e rio baixo.

— Vamos esperar até a noite, minha anja-demônia, faltam poucas

horas!

Mesmo com o meu cacete duro feito pedra e implorando para se


enterrar na minha mulher eu me afasto e vou em direção ao banheiro tomar
um banho frio. Quando estou razoavelmente calmo saio do quarto e Cecília já
não está mais aqui, desço as escadas e pelas portas de vidro da sala a vejo
com Alicie e dona Clarisse na praia mais à frente. Escolhi a praia de
Paripueira em Alagoas por dois motivos, primeiro Sabrina, irmã de Alex,

mora e trabalha aqui há um bom tempo e aqui tinha a opção de ficarmos em

uma casa com o mar praticamente na porta com total privacidade.

Sento no balanço de madeira na varanda e fico olhando as três


caminhando, Cecília e a avó riem de algo que Alicie diz, meu peito ainda
dispara a cada vez que olho para minha filha, ela tem crescido e se

desenvolvido tanto nos últimos tempos, nunca esquecerei que a primeira


palavra a sair da sua boca foi um papa assim que me viu entrar em casa
depois do trabalho, achei que já a amava muito, mas ali senti meu mundo
perder o chão e meu coração flutuar livremente com a emoção. Cecília, assim
como eu, deixou as lágrimas rolarem, mas depois fingiu se ofender por não
ter sido mamãe a primeira palavra da nossa menina.

— Papaiiiii! — Alicie grita assim que me nota as observando, ver o


brilho nos seus olhos tão azuis quanto os meus faz meu coração errar algumas

batidas antes de acelerar outra vez.

Minha filha é quase uma cópia perfeita da mãe, mas o pouco que
herdou de mim a torna ainda mais linda e perfeita. Olho para onde minha
mulher assiste nossa filha correr desengonçada na areia, vindo na minha
direção, e toca o ventre redondo no quarto mês de gestação e não reprimo o
suspiro que me vem antes de agachar para pegar minha garotinha no colo e
girá-la até que a tenho gargalhando alto com a brincadeira. Cecília sorri
daquele jeito encantador e pisca um olho antes de virar para responder a avó,

eu sendo o bobo apaixonado que sou, sorrio e silenciosamente agradeço aos

céus por me permitir, mesmo depois de tantos erros, ser merecedor de


tamanha dádiva que é a minha família.

— Amiga, me diz que está tudo ok? — Confiro mais uma vez se está
tudo pronto com Sabrina. Minha melhor amiga está me ajudando com o
jantar de aniversário de quatro anos de casados para Cícero e eu, ela se
mudou pouco depois do meu casamento para o emprego dos sonhos, bom
começou com um estágio em uma Fundação de preservação a vida marinha,
mas aconteceram tantas coisas que hoje ela mora nesse paraíso com... Bom,
isso é história para ela mesma contar.

— Sim, amiga, está tudo pronto e esperando por vocês! — ela me


responde do outro lado da linha e suspiro aliviada.

— Que bom, já avisou que não precisam ficar lá, né? Depois que
deixarem arrumado, eu me viro! — Se tem uma coisa que não preciso é de
testemunhas essa noite.

— Sim, já avisei, já estamos terminando aqui, pode finalizar a


produção aí que assim que todos forem embora eu aviso!
— Obrigada! Eu amo você!

— Também amo você e vou cobrar alguns favores no futuro, não se

preocupe! — responde rindo e desliga.

Olho para o espelho de corpo inteiro e meus olhos marejam ao ver


como meu corpo está se adaptando para comportar meus meninos. Acaricio
minha barriga por cima do vestido e sinto-os se moverem, diferente de

quando foi com Alicie, logo comecei a notar os movimentos de João e


Gustavo, tanto pelo espaço reduzido para eles, como por já saber o que
esperar, mas apesar de já estar com quatro meses de gestação ainda não
consigo acreditar que depois de tantos anos me negando a amar e ser amada
hoje eu esteja aqui vivenciando mais uma vez a dádiva de ser mãe, dessa vez
em dose dupla, mas como Cícero costuma falar, nossa garotinha vai precisar
de proteção dupla, logo o destino tratou de providenciar dois irmãos para
isso.

Por falar em Alicie... Minha garotinha está cada vez mais inteligente e
saudável, depois do susto que foi seu nascimento e os dias que o sucederam
ela veio se desenvolvendo como qualquer outra criança, bom, no meu ver, já
Cícero surtava ao menor sinal de uma gripe, nunca pensei que o comandante
durão e pegador se tornaria um pai tão dedicado, o melhor de tudo é ver o
quão feliz ele é. Senti um medo enorme que depois que saísse da CIOPAER
ele se ressentisse e não fosse completamente feliz, mas não foi isso o que
aconteceu, de alguma forma o trabalho na empresa com Luana o satisfaz e

juntos eles mudaram muitas coisas por lá e hoje a Duarte Alimentos Ltda.,

alcançou o lugar que lhe é devido.

Da minha parte, tenho trabalhado com Silvana na Fundação, nos


últimos quatro anos mais e mais crianças passaram por lá e com a
porcentagem dos lucros que a empresa que minha mãe me deixou

disponibiliza mensalmente consigo ajudar algumas instituições que cuidam


de pessoas com transtornos psicológicos e tendências suicidas, também faço
visitas periódicas, isso é possível porque vovó, mesmo a contragosto,
permaneceu morando conosco, esse foi um dos motivos que nos levaram a
mudar de casa, hoje vovó tem um espaço só seu e é lá que ela e Adele ficam
com Alicie quando saio para trabalhar.

— Então, já podemos ir? — Olho em direção da porta e lá está meu


comandante lindo de viver em uma bermuda cáqui e camisa branca com os

três primeiros botões abertos, me dando a visão de onde os pelos do seu


peitoral bem definido começam e sinto um calor enorme tomar conta das
minhas veias e se não tivesse planejado essa noite com tanto carinho pularia
agora mesmo no seu colo e esqueceria de tudo.

— Alicie já dormiu? — pergunto erguendo uma sobrancelha.

— Sim, está no sétimo sono e sua avó disse que não precisamos nos
preocupar com nada, pois vamos ter insônia em dobro daqui uns dias,
palavras dela, não minhas!

— E você, caga pau pra ela que é, não disse nada sobre Sabrina vir

ajudar, não é mesmo? — Há certas coisas que não mudam, o medo que
Cícero tem da minha avó é uma delas.

— Você iria contra o que ela diz? — Balanço a cabeça negando. —


Nem eu!

Com três passadas largas está na minha frente, seus braços me


puxando para junto de si e seu nariz desliza pelo meu ombro e sobe em
direção a minha orelha, um arrepio percorre minha espinha e a umidade entre
as minhas pernas aumenta.

— Tem certeza de que não podemos dar uma rapidinha antes de sair?
— a voz rouca carregada de desejo quase me leva a desistir de tudo, mas meu
telefone vibra e na tela vejo a mensagem de Sabrina.

“Já podem vir!”

Sorrio colocando meus lábios de lado como Cícero costuma chamar


de sorriso da demônia que está aprontando e vejo seus olhos se estreitando.

— Vamos? — Saio dos seus braços sorrindo e ele vem atrás de mim
resmungando algo sobre a demônia estar pior do que nunca.

Antes de sair passo no quarto onde vovó está lendo e velando o sono
de Alicie, beijo a testa da minha filha e a bochecha de vovó e saio com o meu
marido de mãos dadas para a praia, poucos metros a frente posso ver a tenda
montada para nós, a mão de Cícero solta a minha e me circula a cintura, me

fazendo ficar de frente para ele.

— Você preparou isso tudo para nós? — Inclina a cabeça na direção


da tenda e confirmo com a cabeça. — Tem noção do quanto eu a amo, minha
anja?

Sua mão sobe e toca meu rosto numa carícia suave, fecho os olhos
absorvendo o calor do seu toque e meus meninos se remexem chamando sua
atenção, suas mãos descem até o meu ventre e acariciam antes de cair de
joelhos e depositar um beijo ali antes de começar a conversar com eles.

— Meus amores, está na hora de dormir, sabia? — Ergue os olhos e


pisca o olho para mim. — A partir de agora vocês podem ouvir alguns
barulhos e palavrões, mas não se assustem, é só o papai se divertindo com a
mamãe, está bem? — Não controlo a gargalhada que sobe pela minha

garganta.

— Se divertindo, é? — Ergo uma sobrancelha ainda rindo.

Mas paro assim que sinto suas mãos subirem em direção aos meus
seios e com os polegares estimular os bicos sensíveis que se entumecem
mesmo sendo tocados por cima do tecido.

— A diversão começa agora, minha anja-demônia!


Em um piscar de olhos Cícero está em pé e toma meus lábios em um
beijo arrebatador, perco o fôlego ao sentir suas mãos deslizarem para segurar

no meu bumbum e o gemido sair da sua garganta quando nota que não estou
usando nada.

— Puta que pariu, eu vou foder você tão duro! — Me impulsiona e


logo estou no seu colo, entrelaço minhas pernas na sua cintura e ele aproveita

para mover seu pau completamente duro na minha entrada já encharcada,


apesar do tecido da bermuda, consigo senti-lo e desejo que me foda como
disse que fará.

— Ainda não jantamos! — digo com os lábios junto aos seus.

— Que se foda o jantar, eu vou ter logo a minha sobremesa favorita!

Volta a me beijar e nos encaminha em direção a tenda, não olhamos


para a mesa posta para duas pessoas, nem para a que está com nosso jantar ao
lado. Cícero me coloca sobre as almofadas e baixa a cortina que formava a

entrada, e logo em seguida retira a camisa e bermuda antes de vir até mim e
me tomar como só ele sabe fazer, nos levando para aquele lugar só nosso,
onde nada mais importa do que nosso prazer e esse amor enorme que
sentimos e que cresce mais e mais a cada dia, é um sentimento poderoso que
faz todas as dores, os medos e os riscos que passamos valer a pena!
Ufa chegamos afinal de mais uma história e só tenho a agradecer por
isso, em primeiro lugar devo a Deus por me dar o dom de criar histórias

como essa que, espero eu, mexe com o coração dos leitores, a minha família
por mesmo sem entender o que me leva a virar a noite escrevendo, me apoia
incondicionalmente, as melhores amigas que a vida literária me deram:
Regiane, Cecy, Bella, Karen, Elis, Ady, Erica, Danda, Suzie, Anne, JM
Fisher, minha gratidão eterna pelos surtos coletivos e individuais, vocês
fazem todo o processo ser mais divertido e controverso. Aos igs que me
apoiam nessa aventura literária Leitoras Compulsivas, Leituras da Jane,

Projeto Leiah (Obrigada a cada uma dessas lindas que participam), Manuh

Silva, Chocólatra Leitora, Livros da Carol, Kindle Fanáticas, Ml_cecy,


trechinhos_da_ma, nunca conseguirei expressar minha gratidão
completamente. As minhas anjas-demônias, que mesmo a distância me dão
tanta força e cainho, seja no Wattpad, Face, Ig ou Whatsapp, obrigada por

vocês existirem.

E você querida (o) leitora (or) saiba que já é parte da família de anjas-
demônias (os) que guardo em um lugar especial no meu coração.

Beijos e Amassos!
Redes Sociais
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ENCONTRO MARCADO
Que o proibido é atraente, todo mundo sabe, mas até onde você
estaria disposto a ceder e a conhecer dele?
Lizza é uma jovem universitária que após um incidente, se vê em um
hospital, frustrada por ter que passar a noite ali. O que seria de todo ruim, se
algo de bom não saísse dessa lição. Afinal, o belo e atraente Farmacêutico
Diogo, está disposto a oferecer mais do que remédios para lhe trazer bem-
estar.
Envolvida pelo lúdico de um lugar inusitado para surgir uma atração
como essa, ela se vê diante de uma difícil decisão: ceder ou não aos encantos
desse homem?
Bem, difícil para sua mente, pois seu corpo já sabia a resposta!
Deixe o proibido te envolver!
Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos
O FILHO DA MINHA AMIGA
Uma boate, um desconhecido e uma atração impossível de resistir...
Foi assim que Bruna se viu na noite que voltou a sua cidade natal, ela não
esperava que o que parecia ser seu maior desafio - encarar as pessoas do
passado - se transformaria em uma noite regada a um sexo de enlouquecer. O
que ela não sabia também é que o estranho que virou sua cabeça era também
o filho da sua melhor amiga.
Solte as amarras, livre-se dos preconceitos e deixe o proibido te
seduzir.
Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos
SÓ POR UMA NOITE
Há quem diga que o destino brinca com as pessoas, mas com Érica ele
não parece de muito bom humor. Sem emprego, sem dinheiro e sem um
amor, Érica ainda sofre um acidente que a deixa sem seu carro. Ela só não
contava que o barbeiro que causou tudo isso, fosse lindo, gentil, simpático e
tivesse um físico invejável... Que ela definitivamente não deveria ter reparado
Em meio a toda a confusão armada ela se vê diante de uma difícil
decisão - só que não -, deixar-se envolver por ele, mesmo que seja só por uma
noite, abrindo mão de tudo que lhe foi dito como errado ao longo dos anos ou
fechar os olhos e fingir que não é com ela, mas ficando para sempre com a
pergunta inevitável: e se?
Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos
CODINOME ATRASADINHA
Daniele é uma jovem recém-formada que só deseja fazer do seu
aniversário um dia feliz. Depois de anos associando esse dia com uma
lembrança trágica, ela terá a chance de mudar isso ao aceitar um presente das
suas amigas, que a levará para a grande São Paulo, realizando seu sonho de
infância.
Só tem um grande problema, ela nunca foi conhecida pela sua
pontualidade, pelo contrário, o apelido Atrasadinha não veio do nada.
Em meio a emoção de viver algo novo, realizar um sonho e curtir seu
aniversário, ela topará com algo inusitado, vivenciando sensações que não
esperava, mas que lhe faziam muita falta...
Ame, sinta, deixe o desejo se realizar.
Contém conteúdo inadequado para menores de 18 anos
Achados e perdidos
"Ah, chegou o verão, tempo bom de ser feliz..."

Esse era o pensamento de Alana ao embarcar na sua tão sonhada


viagem de férias rumo as maravilhas naturais às margens do Rio São
Francisco, o que ela não levou em consideração foi sua leve tendência a
situações desastrosas.
Em meio ao paraíso, uma paquera nada discreta e a pitada certa de
aventura, sensualidade e humor ela vai aprender que para cada viagem existe
a sessão de achados e perdidos com o amor como reembolso.

Aconteceu no verão é uma coleção de histórias sobre amores de verão


que começam de repente, chegam devagarinho ou que duram uma vida
inteira.
Preparem-se para o melhor verão de todos os tempos e rendam-se ao
encanto da estação que é a cara da paixão!
Em breve

[1]
Freddy Krueger é um personagem fictício da série de filmes de terror A Nightmare on Elm
Street. Freddy é um assassino de crianças da fictícia Springwood, Ohio, que após ser queimado por pais
vingativos passa a atacar adolescentes em seus sonhos, matando-as no mundo real por tabela.
[2]
Carlos Drummond de Andrade (Itabira, 31 de outubro de 1902 — Rio de Janeiro, 17 de
agosto de 1987) foi um poeta, contista e cronista brasileiro, considerado por muitos o mais influente
poeta brasileiro do século XX.[1] Drummond foi um dos principais poetas da segunda geração do
Modernismo brasileiro.[2]
[3]
menino dos olhos grandes. Filhos pequenos, “estou levando um caçuá (cesto) de mangas
para os meus caborés). Pivetes. Criança zoiuda. Pessoa feia e magra. “só o oco e os caborés cantando
dentro”
[4]
Pessoa teimosa que não obedece a ninguém. Desobediente.
Palavra muito utilizada no Nordeste
[5]
indivíduo de idade extremamente avançada; macróbio, ancião.
[6]
A síndrome do túnel do carpo é uma neuropatia resultante da compressão do nervo
mediano no canal do carpo, estrutura anatômica que se localiza entre a mão e o antebraço, que provoca
dormência, formigamento e é causada principalmente por lesões relacionadas a esforço repetitivo.
[7]
O pompoarismo é uma técnica que serve para melhorar e aumentar o prazer sexual
durante o contato íntimo, através da contração e relaxamento dos músculos do assoalho pélvico, no
homem ou na mulher
[8]
Supergirl é uma série de televisão americana desenvolvida por Greg Berlanti, Andrew
Kreisberg e Ali Adler, que também são produtores executivos com Sarah Schechter.
[9]
Junção das palavras escroto com cretino
[10]
Santo Graal é uma expressão medieval que designa normalmente o cálice supostamente
usado por Jesus Cristo na Última Ceia, e onde, na literatura, José de Arimateia colheu o sangue de
Jesus durante a crucificação, entretanto a origem do Santo Graal é muito anterior ao cristianismo, o
Graal já existe entre os Celtas.
[11]
Essas são as falsas contrações, então vamos dizer que as contrações de Braxton Hicks é
apenas o corpo se preparando para as verdadeiras contrações de expulsão do bebê na hora de trabalho
de parto. As falsas contrações acontecem desde 1 vez ao dia, até algumas vezes sem mesmo que a
gestante possa notar.
[12]
Sekai Ninja Sen Jiraiya é uma série de televisão japonesa do gênero tokusatsu,
pertencente ao subgênero Metal Hero. Produzida pela Toei Company, foi exibida originalmente entre
24 de janeiro de 1988 a 22 de janeiro de 1989 pela TV Asahi, totalizando 50 episódios
[13]
atrapalhado

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