Você está na página 1de 332

Todos os Caminhos me Levam a Ti

Clube dos Corações Partidos - Livro 1

Camila Marciano
Copyright © 2021 Camila Marciano

All rights reserved

The characters and events portrayed in this book are fictitious. Any similarity to real persons, living or
dead, is coincidental and not intended by the author.

No part of this book may be reproduced, or stored in a retrieval system, or transmitted in any form or
by any means, electronic, mechanical, photocopying, recording, or otherwise, without express written
permission of the publisher.

Cover design by: Gabriela Regina | BookCovers


Para as meninas más e cansadas de serem sempre as donzelas resgatadas. Vamos ser os
monstros, nem que seja por algumas páginas.
I think he knows his footprints
On the sidewalk
Lead to where I can't stop
Go there every night

I think he knows his hands around


A cold glass
Make me wanna know that body
Like it's mine

He got that boyish look that I like in a man


I am an architect, I'm drawing up the plans
It's like I'm seventeen, nobody understands
No one understands

I think he knows - Taylor Swift


Capítulo Um
Quase amanhecia quando a campainha tocou até a acordar. É sempre
assim que as coisas ruins chegam, não é?
Vestiu um roupão por cima da camiseta de dormir e desceu correndo.
Embananou-se com a chave de casa, quase a deixou cair e espiou pelo olho
mágico.
Não conhecia aquela cabeleira loira, mas abriu mesmo assim,
pronta para mandar aquele babaca parar de esmurrar sua campainha como se
ela fosse o pronto-socorro municipal.
— Puta merda, se você tocar mais uma vez a bosta da minha…!
Não conseguiu dizer qualquer outra coisa. Racionalmente, sua
vontade era de xingá-lo muito, mas todos os seus outros instintos a
emudeceram.
A cabeleira loira tinha um corpo. Um par de olhos escuros, um
maxilar lindo. Boca feita para beijar. Apoiava com uma mão no batente da
porta, de camisa comportada com mangas arregaçadas até os cotovelos e
calça jeans.
Para conseguir que um tipo desses batesse à sua porta, no meio da
madrugada, geralmente tinha que sair à caça.
De boa vontade, assim, nunca bateu ninguém.
Puxou as abas de seu roupão batido um pouco mais para perto do
corpo para disfarçar o deslumbre e definir a silhueta.
Como um predador que encontra a presa, ela se sentiu atraída por seu
porte, seu cheiro e qualquer outra coisa que não tinha explicação.
Feito coisa de pele.
Reparou na gola amassada de sua camisa, os botões fechados, a
envergadura dos ombros, os braços fortes e cheios de veias saltadas. Reparou
no tamanho dos joelhos porque eles, para ela, sempre diziam muito. O tipo de
homem que lhe chama a atenção tem joelhos grandes pois ficam lindos
dobrados num chão frio.
— Desculpa bater nesse horário.
E a voz! Voz grossa, mas suave, um pouco acanhada. Olhando-o, a
primeira coisa que ela gostou de verdade foi o potencial. No monstro que
criaria se apenas lhe dissesse sim.
Olhou para além dele e percebeu um carro estacionado em cima de
sua calçada. Lá dentro, no banco do passageiro, Daniel, seu melhor amigo
desde quando seus pais ainda tinham a hortifrúti, chorava e se balançava,
bêbado como nunca.
Descalça, correu até o amigo, abriu a porta do carro que não era seu e
se agachou diante dele, cheia de compaixão pelo que quer que tivesse
acontecido.
— O que foi que fizeram com você… — sussurrou, recebendo o
amigo que jogou as pernas para fora do carro, incerto nos passos e chorando
tanto que não conseguia conter o ranho que escorria de seu nariz.
Em todos os anos que o conhecia, nunca o tinha visto tão perdido.
Com carinho, apoiou seu queixo no próprio ombro e percebeu que praga de
amiga também pega.
— O que aquela cadela fez com você, Dani?
— ‘Tarra certa o tempo inteiro… — E tome chororô.
Sem saber como levantá-lo, ela se virou para o desconhecido e pediu:
— Me ajuda a levar ele lá para dentro!
Deus, a força naqueles braços cheios de veias. Enquanto erguiam
Daniel para levá-lo para dentro, que o percebeu num todo. Alto, grande e
todo forte. Engoliu em seco porque sabia que não era hora de imaginar
sacanagem, mas não fechou, de propósito, o roupão que se abria sozinho.
Indicou o caminho sentindo a viscosidade lá embaixo, só pensando no
quão maravilhoso seria quebrar um macho daquele porte.
Alcançou a própria porta de entrada e teve que parar dois segundos
para respirar fundo. Um cara como aquele suspirando pedindo com pelo
amor de Deus para poder…
Deus, aqui quem fala é a Natália.
— Deita ele aqui nesse sofá — pediu, se apressando para tirar o
cobertor e as almofadas que viviam no móvel para as maratonas de Netflix.
Daniel caiu como um saco de batatas. Sem vontade alguma,
descompassado, os membros desconectados do cérebro por tanto álcool que
engoliu para esquecer.
— Me conta — se abaixou na altura do rosto do amigo, marcado por
lágrimas, e perguntou —, o que foi?
— Me expulsou de casa — ele chorou, tentando se esconder com as
mãos, mas muito bêbado para encontrar o próprio rosto.
— Como é que é?
— Depois de tudo, Natália.
— Eu te falei que ela não prestava!
— Eu sei, eu sei, eu sei…
— Você não volta mais para a casa daquela vaca!
Como uma boa amiga, ela sentia o próprio coração se partir junto.
Deu um beijo em seu rosto ouvindo o choro de dor e fez carinho para acalmá-
lo.
Não pediu que ele parasse de chorar ou disse que estava melhor sem a
namorada. Só esperou. Sentada no chão, deitou a cabeça perto da dele e fez
carinho, calmamente, sem pressa alguma.
Percebeu que o desconhecido encostou na parede, provavelmente
deslocado por não conhecê-la, e ofereceu um banquinho, do outro lado da
sala, para que pelo menos pudesse descansar enquanto ela acudia o amigo.
Só quando Daniel dormiu, embriagado, entristecido, é que ela se
levantou do chão, o cobriu com a coberta do sofá e percebeu que não
recuperaria o sono perdido.
Decidiu por um chá e qualquer coisa de mastigar. Em pé, virou-se
para o loiro lindo que praticamente dormia sentado, e o chamou para a
cozinha.
— Desculpa ter tocado a campainha daquele jeito. — Ele disse com
uma voz ruidosa, cansada, mas que seria boa demais de ouvir ao pé do
ouvido.
— Não se incomode. — Enquanto buscava um bule nos armários,
ajeitou o roupão sobre o corpo com mais cautela e achou charmoso o tom
envergonhado que lhe parecia latente.
— Você quer um chá? — Ela perguntou sem olhá-lo — Depois de
tudo isso acho que eu preciso de um.
— Não sou muito de chá.
— Café, talvez?
— É, prefiro.
Apontou para o lado, mostrou o suporte de cápsulas e ofereceu as
opções “café matinal” e “arábico”. Fez um espresso com mais rapidez do que
seu chá ficaria pronto e aproveitou para observá-lo andar por sua cozinha,
imaginando-o numa Calvin Klein branca, descalço, e sabendo onde pegar
seus utensílios.
Puxou uma cadeira para ele, sorrindo enquanto adoçava seu chá com
um pouco de mel.
— Não deu... — ele pigarreou quando percebeu sua voz embargada
— Não pude sequer perguntar seu nome.
— Meu nome é Natália.
— Natália — o jeito como ele disse seu nome... Quase como um
poema de amor.
— Natália Hina — Ela completou —, filha de japonês tem sempre um
nome de cada nação.
— Você fala japonês?
— Um pouco, não muito. Aprendi quando pequena, mas já esqueci
muita coisa. — Ela se sentou ao lado dele com sua caneca cheia e sorriu
olhando suas mãos. — E você?
— Eu não falo japonês.
— Não — Ele usava aliança?! —, seu nome.
— Ah, Leandro.
— Prazer, Leandro que não fala japonês. — Ela estendeu a mão num
cumprimento cordial, mas decepcionada pela aliança. — Seja bem-vindo.
Algo me diz que você vai vir muitas vezes para cá.
— Pois é — Ele apertou sua mão, devolvendo a cordialidade, sorrindo
com sua boca muito boa de beijar —, também tô achando isso.
O sorriso acabou, mas ninguém soltou a mão de ninguém. Com o
polegar, solta no mundo como Natália sempre foi, ela fez carinho no dorso da
mão dele, jogando charme demais para uma mulher num roupão velho, um
pouco descabelada porque tinha acabado de sair da cama, mas nunca, em
hipótese alguma, desajeitada.
Ele sentiu o charme bater na virilha. Desde que entrou naquela casa
era como um garoto sem posse do próprio corpo.
Mas a mão que tinha colada na dela carregava uma aliança.
Então, sem dizer nada, recuou do aperto cordial, buscando o próprio
café, e fingiu que nada aconteceu.
Ela, por outro lado, não cedeu terreno. Viu a confusão dele, o jeito
incômodo de se portar depois do flerte e sorriu, retirando a mão também.
— Você sabe onde Vívian mora? — trocou de assunto depois de dar
um gole em seu chá.
— A Vívian do Daniel?
— Sim.
— Sei.
— Será que você pode me levar lá?
— O que você quer fazer?
— Para a casa daquela mulher o nosso Dani não volta — falou com a
firmeza e segurança que Daniel, bêbado na sala, precisava — Eu vou tirar
todas as coisas dele de lá e trazer para cá.
— Ótimo — ele concordou —, eu não costumo xingar mulher, mas…
— Não tem problema, deixa que eu xingo. Eu vou lá para cima vestir
uma roupa um pouco melhor que essa. Fique à vontade, tá bem?
Ele concordou com a cabeça e a viu sair carregando sua xícara. Só
então soltou o ar que não percebia preso.
Nunca, em toda a sua vida, tinha ficado tão sem jeito diante de uma
mulher.
Capítulo Dois

Camiseta básica e calça jeans era seu uniforme diurno. Pronta para
brigar com uma namorada ingrata, também amarrou seus cabelos num rabo
de cavalo bem apertado.
Entrou no carro do loiro e perguntou que horas eram, porque
planejava estar de volta, com todas as coisas de Daniel, antes que seu filho
saísse para a escola.
Cruzaram a cidade de São Paulo antes das seis da manhã. Foram do
Pacaembu, onde ela morou a vida inteira, até Santo Amaro sem trocarem uma
palavra.
Natália não olhava para a mão grande que agarrava o volante. Nem
para o combo clássico: relógio grande e camisa de mangas arregaçadas.
Também não olhou para as coxas grossas levemente abertas a um
palmo de distância.
Com os olhos sempre na via, ela queimava de raiva. Não entendia
como Vívian pôde ser tão baixa. Daniel tinha trabalhado de tudo um pouco
para que ela cursasse farmácia.
Esperou que ela estivesse formada para entrar na faculdade. Foi esse o
trato entre o casal. Um trabalharia para o outro estudar, depois trocariam.
Vívian se formou farmacêutica. Trabalhando num laboratório de
cosméticos, ganhava bem e podia bancar o namorado para que ele se
formasse engenheiro, coisa que sempre foi seu sonho. No entanto...
Natália engoliu a raiva e a tristeza. Daniel não tinha nada. Nem
diploma, nem namorada e estava há muitos estados longe dos pais. Perdido
na vida e, do jeito como tinha chegado em sua casa, desolado.
— Você vai brigar com ela? — Leandro perguntou quando desligou o
carro e Natália teve que pensar por dois segundos até entender que já estavam
em frente ao portão de ferro da casa que Vívian tinha alugado assim que
conseguiu seu emprego dos sonhos.
Saiu do carro com um quente e dois fervendo. Tocou a campainha do
jeito que Leandro tocara a sua, várias vezes e sem a menor paciência.
Vívian era linda de parar um quarteirão, mas nada pior que uma
mulher que sabe usar as armas que tem. Nunca escondera sua beleza, com seu
cabelo comprido e cacheado, de peito grande e cintura minúscula. Parecendo
recém-desperta e com uma xícara de café na mão, atendeu a porta de
camisola semitransparente. Cumprimentou Leandro parado logo atrás e não
deu duas olhadas para a japonesa sem graça parada a menos que um braço de
distância.
— Vim pegar as coisas do Dani.
— Mal saiu de casa e já me trocou — Vívian respondeu abrindo a
porta, deixando a dupla entrar — Vão logo que eu tenho que sair para o
trabalho. As coisas dele já estão numa mala, faltam só as coisas no banheiro.
Natália parou no meio da sala e respirou fundo.
— Vívian… — Leandro, aparentemente mais cabeça fria, foi logo
perguntando — Daniel te traiu?
— Trair? — ela respondeu, se sentando na cadeira mais próxima da
pequena mesa de jantar e cruzando as pernas com tanta sensualidade que
Leandro desviou o olhar e recuou bastante constrangido — Não.
— O que aconteceu, então? — ainda sem olhá-la, ele retomou.
— Não damos mais certo, só isso.
Natália tinha planejado não falar absolutamente nada, mas não
conseguiu evitar:
— Agora que ele se matou de trabalhar para que você tivesse seu
diploma é que vocês não dão mais certo, né?
— Não te mete! — Vívian não aguentaria desaforo dentro de seu
próprio lar.
— Sempre achei que vocês não combinassem — Natália, mesmo mais
baixa e mais franzina que a oponente, quando perdia a paciência, perdia
também o medo. Olhando bem para a gostosona sentada, atravessou a sala e
parou a apenas alguns palmos de sua cadeira —, mas nunca imaginei que
você fosse tão…!
— Cala a boca, menina, senão eu meto a mão na sua cara.
— Natália — Leandro se intrometeu porque previu o pior —, vai
pegar a mala do Dani.
Primeiro: Natália não toma ordem de homem nenhum.
Segundo: também não leva desaforo de vagabunda.
Com o sangue borbulhando, esqueceu-se de Leandro e fez Vívian se
levantar da cadeira.
— Natália! — Há duas horas, Leandro sequer sabia sua identidade,
mas ali, já usava seu nome para lhe dar bronca.
Ela, por outro lado, lidaria com Leandro depois. Em terra de mulher,
homem não tem voz. Olhou bem para a adversária maior e mais forte e
empunhou o queixo com tanta firmeza no espírito que Vívian se viu obrigada
a dar dois passos para o lado.
— Se vai dar na minha cara, essa é a hora. — Natália desafiou.
— Você sempre quis ele, essa é a sua grande ch…
Ela não era mulher de brigar puxando cabelo. Queria descolar a pele
de Vivian de seu crânio. Fechou o punho sentindo a unha entrar na carne e
partiu para cima, pronta para o fim do mundo.
A ex-namorada engoliu o resto da frase, mas não deixou por menos.
Não apanharia dentro da própria casa, ainda mais de uma japonesinha
mirrada que nem aquela. Voou para cima de Natália em resposta, grudada em
seu cabelo e se aproveitando da diferença de tamanhos.
Leandro não contou que o corpo daquela baixinha fosse tomado por
um demônio. Antes que conseguisse apartar, Natália estava em cima de
Vívian, mesmo com os cabelos puxados, e metia a mão na cara dela com a
fúria que só as melhores amigas são capazes, arranhando tudo, socando
quando possível e devolvendo o desaforo que jamais levaria para casa.
Fiel aos amigos, ela defenderia Daniel mesmo se ele estivesse errado.
Mesmo se pudesse se defender sozinho.
Com um braço, quando Vívian apanhava sem revidar, Leandro
arrastou Natália para fora de casa, impedindo que ela, vermelha, descabelada
e com o rosto arranhado, terminasse de matar a ex-namorada de seu amigo.
— Se controla! — Ele pediu.
— SE CONTROLA?! — Era o mesmo que pedir para a água secar
— SAI DA MINHA FRENTE, EU VOU MATAR AQUELA
VAGABUNDA!
Do lado de fora, Natália não tinha a menor vergonha de fazer
escândalo. Quente, desvencilhou-se do braço dele e procurou qualquer coisa
na rua. Antes que Leandro a impedisse, ela acertou uma pedrada na vidraça.
— EU VOU CHAMAR A POLÍCIA! — Vívian, toda machucada,
apareceu na janela quebrada e berrou para a vizinhança inteira ouvir.
— SAI NA RUA SE VOCÊ É MULHER! — Natália não estava nem
perto de terminar o barraco — Chamar a polícia é fácil, quero ver ter peito de
vir aqui!
Antes que Leandro pudesse alcançá-la, ela estava a menos de um
passo da porta de Vívian e, para impedi-la de entrar, ele a arrastou de novo
até o carro.
— Entra — ele mandou.
— Não vou entrar, não acabei com aquela piranha!
Não era hora de teimosia. Contrariado, Leandro abriu a porta do carro
e a empurrou para dentro, mas ela, tão quente, se virou com tudo, saindo de
seu domínio, e virou um tapa ardido na cara dele.
Ninguém espera levar um tapa quando está apartando briga. Sem
acreditar que sobrou até para ele, Leandro congelou, incrédulo, e segurou o
rosto ardido.
Só então Natália percebeu o que fez. A raiva se dissipou em um
segundo. Constrangida, colocou a mão na boca, quis pedir desculpas, mas
Leandro não tinha a cara boa e obviamente não queria conversa.
— Entra — ele disse com a voz mais seca do mundo — Agora.
Realmente, não era hora de teimosia.
Sem cuidado algum, Leandro fechou a porta do carro e passou o
alarme. Pelo vidro fechado e insulfilmado, Natália o observou voltar para a
porta daquela biscate, tocar a campainha, trocar duas palavras com a mulher
que tinha o rosto todo arranhando, e só abandonar sua soleira quando tinha
todas as malas de Daniel.
Quis ajudá-lo a colocar as coisas no porta-malas, mas estava trancada.
Ensaiou dizer alguma coisa, mas não tinha muito o que falar. Olhou para as
próprias mãos sentindo alguma coisa escorrer e percebeu que conseguira
quebrar sete das suas dez unhas.
Era tanta a raiva, que seu corpo estava quente demais para sentir dor.
Não percebeu, enquanto olhava o estado das próprias mãos, quando
ele fechou o porta-malas e assumiu o volante.
Olhando-o, era como se Natália tivesse brigado com ele, não com
Vivian. Um lado de sua face estava vermelho, com marca de dedos e
inchado.
Não tinha sido um tapinha, ela entendeu pelo estado de sua pele muito
branca: foi um puta de um tapão.
— Me desculpe. — Tentou sem conseguir olhá-lo.
— Mãozinha pesada! — Leandro resmungou e puxou o quebra-sol
para se olhar no pequeno espelho acoplado.
— Deixa eu ver — ela pediu, feito uma mãe acostumada a
diagnósticos de pancada. Colocou a mão em seu queixo, puxando seu rosto
para si. — Me perdoa, eu não quis bater em você.
Descabelada, vermelha de raiva, sem graça por ter batido na pessoa
errada, doida para bater mais na pessoa certa. Estranhos os jeitos de Leandro
de perceber o quanto Natália era bonita. Reparou no sangue que pingou da
orelha dela para a camiseta e percebeu o tamanho do estrago: o pequeno
brinco ainda estava lá, mas seu lóbulo estava rasgado.
Avançou por cima do banco do passageiro em busca do porta-luvas e
tirou de lá uma caixa de lenços.
— Toma, sua orelha está sangrando.
Quando ela se virou para pegar lenços da caixinha, Leandro reparou
nas unhas quebradas, algumas tão profundamente que rasgavam a carne.
— Deixa que eu faço. — Apoiando a caixinha de lenços em seu
próprio colo, tirou alguns e os ofereceu como uma ordem — Segura um em
cada mão e estanca isso aí.
— Não está doendo.
— Mas vai doer. Licença:
Com cuidado ao segurar a pequena orelha, ele apertou o lenço sobre o
machucado até que parasse de sangrar e, depois, tirou-lhe o brinco.
— Desculpa ter batido em você — Ela nunca esperou, depois de ter
metido a mão em sua cara, que ele tivesse delicadeza suficiente para limpar
seu machucado e, mais que isso, pedir licença antes de fazê-lo.
— Vívian merecia apanhar. — Leandro concordou.
— Na hora que ela falou que ia meter a mão na minha cara… !
— Eu sei, ela achou que você ficaria quieta.
— Agora ela vai pensar duas vezes antes de falar!
— Pois é — Com o brinquinho na mão, ele trocou o lenço sujo que
mantinha em sua orelha por um limpo —, pelo jeito, eu também.
— Me desculpa, tá? — Com uma simpleza que em nada se parecia
com o demônio de minutos atrás, ela deu um beijo seu rosto vermelho.
Leandro a olhou como que em choque pela segunda vez. Tirou a mão
de sua orelha e dirigiu, mudo, de volta para a casa dela.

✽✽✽

Natália abriu a porta de casa sentindo o cheiro inconfundível da


comida de seu filho e se virou para Leandro que vinha logo atrás.
— Você aceita desculpas com comida?
— É comida — Ele tentou, mas estava incomodado demais para sorrir
— Aceito até de inimigo.
— Vem conhecer o Caio.
— Mas quem é…?
Daniel, cheirando a álcool e suor, nas mesmas roupas do dia anterior,
comia tapioca com geleia feita por seu sobrinho de coração, um adolescente
magricela na beira do fogão, espátula na mão e cuecas samba-canção.
Quinze anos de menino. Alto para a sua idade, faixa laranja de judô,
as mesmas feições da mãe, mas mil vezes mais doce.
Com naturalidade materna, Natália deu um beijo no rosto do menino,
mas escondeu suas mãos machucadas por vergonha e por não saber o que
responder se fosse perguntada.
— Eu não dormi fora, eu juro. — Ela brincou.
— Ouvi quando o Dani chegou — Caio respondeu e ela se encolheu
quando o filho percebeu sua orelha cheia de papel grudado.
— E ele, como é que tá? — Ela falou baixinho como se Daniel não
estivesse ali.
— Não falou nada desde que desci.
— Tudo bem se ele passar um tempo aqui com a gente?
Caio deu de ombros, confortável na companhia de Daniel, mas
estranhou o loiro parado logo atrás.
— E esse aí, quem é?
— Esse é Leandro, filho, quem trouxe o Dani ontem. — Colocou as
mãos nos ombros do menino e disse cheia de orgulho ao apresentá-lo —
Leandro, esse é Caio Toshio, o homem da minha vida.
Espera, espera: Ela tinha idade suficiente para ter um filho? E
daquele tamanho?
— O que aconteceu com você? — Caio ainda não sabia do pequeno
surto de raiva da mãe, da briga com Vívian, do tapa na cara. Só o que viu foi
a orelha rasgada de um e os vergões que subiam na cara do outro.
— Longa história. — Leandro se encolheu.
— Foi sem querer. — Natália foi logo se justificando porque Caio
nunca foi um garoto burro. Pegou uma bolsa de gelo que sempre ficava
guardado na geladeira em caso de emergências e entregou para o loiro que foi
obrigado a se sentar — Foi um acidente, tá legal?
— Nunca é sem querer. — Caio respondeu com um sorriso brincalhão
e virou a tapioca na frigideira para esquentar o outro lado. — E essa orelha
aí?
— Aconteceu. — Natália não queria dar maiores detalhes sobre sua
transgressão.
— Aconteceu, é? Aconteceu também com suas unhas?
Ela não queria ter que contar ao filho que saiu de casa para arrumar
confusão. Passou a vida inteira tentando ensinar que brigar não é bonito, nem
motivo de orgulho, e sabia que tinha que dar o exemplo.
— Eu já vou lavar a mão. — Em vez de se explicar, deu uma
desculpa qualquer.
— Seu nome é Leandro, né? — Dessa vez, cansado das desculpas,
Caio procurou informações no cara novo. — O que aconteceu com a minha
mãe?
— Já falei que foi acidente, Caiô! — Ela insistiu.
— Mas foi mesmo? — E Caiu insistiu mais ainda, mas com o
desconhecido loiro com uma bolsa de gelo na bochecha, e não com sua mãe.
— Com a força do tabefe que ela me deu — Leandro esquivou —, se
eu falar que não foi um acidente, capaz de levar outro.
Pelo menos a situação serviu para que Daniel finalmente erguesse os
olhos do prato, percebesse as unhas machucadas de um, o vermelho no rosto
de outro, e desse uma quase risadinha.
— Para ver a desgraça dos outros você tá bom, né? — Natália
retrucou sentindo os restos de lenço desgrudarem muito dolorosamente de
seus dedos.
Capítulo Três
Em todos os anos de vida em que esteve evitando se corromper, nada
o fez se sentir mais sujo que como ao lado daquela desconhecida.
Mal conseguiu beijar o rosto da mãe quando entrou em casa. Não
olhou nos olhos do pai, também. Subiu correndo para o quarto, trancou-se e
correu para o chuveiro. Nunca tinha se sentido tão sujo, nem mesmo quando
acordava melecado.
Sempre se sentira orgulhoso por nunca ter traído Lígia sequer em
pensamento. Lavou a cabeça que não parava de pensar nela, os braços que a
tinham tocado, as mãos que a impedira de matar Vívian.
Só saiu de debaixo do chuveiro quando tinha se convencido de que
tudo estava bem de novo. Mandou bom dia para sua Lígia, sorriu quando ela
lhe respondeu, mas se sentiu mal logo em seguida.
É possível trair só com a força do pensamento?
Desceu vestido para o trabalho e deu tchau aos pais que estranharam
seu comportamento. Levou a mochila de academia consigo porque sabia que
jamais deitaria a cabeça no travesseiro sem antes esgotar todos os ânimos de
seu corpo.
Passou incólume pelas tentações da juventude e encontrou em Lígia o
seu destino. Só ela o fazia feliz, só ela o fazia inteiro.
Mas nunca, em todos os anos que se conheciam, tinha se sentido
vibrante do mesmo jeito que a primeira vez que olhou para Natália. Era como
se alguma coisa nela, vai saber o quê, o chamasse para onde ninguém jamais
ousaria.
Não parou de pensar nela um único momento do dia. Não havia
qualquer perspectiva de futuro, não foi tão longe nos devaneios. Só queria
estar com ela. Só queria saber de sua orelha e suas unhas.
Amou o jeito como ela tinha defendido Daniel, como ela se enfurecia
e não tinha medo de peitar gente maior que ela. Tão pequena e tão nervosa!
Como é que cabia tanta raiva numa mulher daquele tamanho?
Pegou-se sorrindo na hora do almoço. Seus colegas de trabalho
falavam e falavam, mas ele não dava ouvidos. No restaurante self-service ao
lado do banco, ele escolheu as mesmas coisas que sempre comia, mas não
sentia o gosto de absolutamente nada.
Abatido e de surpresa.
Deixou o trabalho no horário de costume, entrou no carro e foi direto
para a universidade. Trocou os sapatos pelos tênis, a calça jeans pela
bermuda e colocou o relógio inteligente para funcionar no modo “treino”.
Queria poder correr cinco quilômetros em quinze minutos só para queimar
um resto de disposição.
Trotou pelo circuito oval, mas não fora o suficiente. Passou a correr.
Passou a correr mais rápido, respirando menos, mais descontrolado. Queria
apagar todo e qualquer pensamento da memória. Precisava entrar focado na
aula do mestrado.
Não bastasse a noite anterior que mal havia pregado o olho porque
teve que socorrer seu melhor amigo, ali seus pensamentos o confundiam.
Treinou na academia da universidade, habituado à sua série de
exercícios, e entrou num banho gelado. Convencido de que não se lembrava
de coisa alguma, vestiu a roupa do trabalho, secou os cabelos na pequena
toalha da mochila de treino, engoliu qualquer coisa da cantina e foi para a
aula.
Tirou o computador da mochila de trabalho, olhou para a lousa, mas
não conseguia raciocinar. O músculo do esquecimento era o mesmo do
raciocínio. Abandonou a sala em busca de um café, mesmo sabendo que
cafeína depois das cinco da tarde o impedia de dormir bem, e checou o
celular.
Lígia havia falado qualquer coisa sobre sábado, ainda na hora do
almoço, e ele não tinha respondido. Sábado era o dia em que um reservava
para o outro. Geralmente saíam para comer e maratonavam séries até caírem
no sono. Naquela mensagem, ela sugeria cinema porque tinha um filme que
estava doida para ver.
Respondeu confirmando o compromisso do sábado, e ela retornou na
mesma hora, perguntando se estava tudo bem, preocupada porque ele nunca
demorava tanto para lhe responder.
Leandro, por outro lado, não podia dizer, para sua noiva, o que
balançou seu mundo. Mentiu dizendo que estava na sala de aula. Mentiu
sobre um dia cheio no serviço. Mentiu sobre sua noite de sono.
Mentiu e, quanto mais mentia, mais sujo se sentia.
Daniel mandou mensagem entre a primeira e segunda aula.
Agradeceu pela acolhida, pediu desculpas pelo horário e disse que se não
fosse por Leandro, não sabia o que seria de si mesmo.
Com Daniel, entretanto, quis conversar.
— Cê tá melhor? — Enquanto apoiava o celular entre o queixo e o
ombro, Leandro guardava o notebook na mochila.
— … sei lá, viu.
Completamente compreensível que Daniel não estivesse nada melhor.
— Vai passar — porém, Leandro respondeu o que qualquer bom
amigo responderia.
— Vai, vai.
— Amanhã você vem para a aula?
— Não.
— Por quê?
— Não consigo pagar — Com a voz embargada, Leandro ouvia toda a
humilhação na voz do amigo.
— Não esquenta com isso. — Ele tentou.
— Como que eu não vou esquentar? Mês que vem taí.
— Não esquenta — Leandro continuou — Foca nos estudos, pro resto
dá-se um jeito.
— Nem se eu quisesse focar! — Daniel engoliu o choro, mas não
disfarçou a voz de choro — Sem dinheiro não dá.
— Já dá para você pegar um estágio legal. Com a grana do estágio…
— Tenho mais coisa para pensar. Eu não posso morar aqui de favor,
preciso achar um canto para mim, as prioridades mudaram.
— Pelo pouco que sei, Natália não vai se importar de te ter aí por um
tempo.
— Por um tempo sim, mas ainda tenho mais dois anos de facul. Não
posso ficar…
— Um passo de cada vez, tá legal? — Leandro o cortou, desistindo da
segunda aula conforme ganhava o corredor — Sei que perder a namorada é
ruim, mas…
— Você não faz ideia.
— Eu sei, eu sei, mas…
— Não, você não sabe. A gente tinha planos e…
— Calma, segura as pontas aí. — Guardando seus pertences para a
próxima aula, em outro andar, ele finalmente aceitou que não conseguia
pensar direito e nem prestar atenção.
Então, respirando fundo buscando um autocontrole quase impossível,
olhou para a chave do carro e se deu por vencido.
— Tá aí? — Ainda com o telefone na orelha, mas sem saber se
Daniel ainda estava na linha, Leandro partiu da sala de aula para o corredor.
— Tô, cê falou para esperar…
— Pergunta para a Natália se eu… — E não sabia como continuar a
frase. Usou o tempo entre apertar o botão do elevador e esperá-lo chegar para
pensar no que dizer em seguida — É, pergunta se tudo bem eu passar aí,
agora.
Não adiantaria banho, corrida e nem exercício se tivesse que vê-la
outra vez.
Enquanto Daniel consultava Natália, seu rosto formigava de
vergonha. Conseguia senti-lo quente e esquisito. Não olhou para ninguém nas
paradas do elevador até o subsolo, com medo de que percebessem.
— Ela quer saber se você já jantou.
— Fala para ela que não quero dar trabalho, é só pra resolver se…
— Tá, só vem. A gente decide a janta depois.
Desligou a ligação quando desativou o alarme do carro. Checou as
bochechas para saber se elas estavam tão quentes quanto pareciam e enfiou a
mochila no banco de trás ao entrar pelo lado do motorista.
Olhou-se pelo retrovisor, sabendo que a casa dela deveria ser o último
lugar a ir. Por mensagem, entretanto, deu boa noite para sua Lígia que dormia
cedo, sorriu com um meme de gatinho que ela mandou, e tocou dali para a
casa de Natália.
Tentando pensar em outra coisa, se ateve ao fato de que Daniel
precisava de um plano a curto prazo. Calculou seu orçamento, o dinheiro que
tinha guardado, o valor da faculdade do amigo.
Tocou aquela campainha de novo e se sentiu um imbecil quando se
viu arrumando a gola da camisa.
— A mãe achou que tinha assustado você.
E ainda tinha aquilo! Ela já tinha filho grande. Se não era casada, era
viúva. E se não fosse viúva, era divorciada. Nada pior do que uma mulher
divorciada.
E mais velha que ele.
O que seus pais diriam se ele aparecesse em casa com uma mulher
que já tivesse filho?
Pior que isso: por que caralhos ele pensava em apresentar essa
desconhecida a seus pais?!
— Ela me assustou um pouco, sim. — Respondeu tentando disfarçar
tudo o que passava por sua cabeça.
— Ela assusta todo mundo, mas ela é legal, você vai ver. — De
bermuda, sem camiseta nem chinelo, Caio deu espaço para que o novo amigo
de sua mãe entrasse.
Apontou para o cabideiro na entrada para que ele colocasse sua
mochila pesada e o conduziu até a cozinha, onde Daniel picava alguma coisa
numa tábua de carne enquanto Natália mexia numa panela.
Sem demonstrar preocupação nem pudor por ter Daniel em sua casa,
Natália usava uma camiseta velha e shorts. Com as pernas de fora, sabe-se lá
do que os dois falavam, ela ria com uma colher de pau na mão e os cabelos
presos de qualquer jeito.
Daniel também. Ele apontava para ela com a faca suja de tempero,
falando e falando, e quase sorrindo.
Leandro demorou para se fazer presente. Caio disse qualquer coisa
sobre ir para o banho antes do jantar, ele assentiu, mas continuou no batente
da porta.
Não conseguia tirar os olhos dela. Não importava o que pensasse, as
culpas que carregasse, o quão sujo se sentia. Nada o fazia parar de olhá-la.
— Ninguém me disse que para adotar um, precisava adotar logo dois.
— Ela riu enquanto cochichava com Daniel.
— Acho que não é bem ser adotado o que ele quer. — Cochichando
tão baixo que mal parecia falar, Daniel engoliu o sorriso que saiu um pouco
mais espontâneo, mas estava longe de ser seu sorriso natural.
— Mas onde foi que você achou esse cara? — Com toda sua atenção
voltada para Natália e seus shorts curtos, Leandro não entendeu se ela falava
“esse cara” no bom ou no mau sentido.
— Foi meu monitor de cálculo dois, daí acabou virando meu único
amigo.
— Seu único amigo, é? — Sorrindo, mas apontando a colher de pau
como uma arma, Natália o confrontou — Ingrato!
— Além de você — Rindo, ele encostou a cabeça em seu braço como
um cão quando quer ganhar carinho —, Natizinha meu amor!
— E cara de pau!
Daniel sorriu, incapaz de dar risada, e se virou para Leandro:
— Não fica parado aí.
E o que mais sobrava para fazer? Não era sua casa e ele não ousaria se
aproximar demais daquela mulher.
— Cê tá melhor? — Ele repetiu a pergunta de horas mais cedo por
não ter o que falar.
— Indo. — Daniel deu de ombros, largou a faca e foi lavar as mãos
na pia — Obrigado por ontem, é sério.
— Que isso. — Virou-se para ela e tentou sorrir — E você? Como
vão seus dedos?
— Assim — Espalmou as mãos na frente do rosto e mostrou todos os
band-aids que os cobriam. — A orelha tá melhor e ainda bem que você tirou
meu brinco, viu? Se tentasse tirar agora, doeria muito mais.
— O coroinha chegou tão perto assim de você, foi? — Daniel
cochichou, mas Leandro não prestava atenção suficiente para perceber a
maldade.
Por que tudo com ela soava tão sujo? E o que Daniel achava de tão
engraçado numa orelha rasgada?
— Posso ajudar em alguma coisa? — Antes que alguém falasse mais
alguma coisa sobre orelhas, Leandro preferiu se intrometer.
— Só se quiser pôr a mesa. — Natália apontou para a cristaleira com
pratos e copos e o olhou sorrindo, cheia de troça e graça, como se estivesse
prestes a falar mais.
Ele, constrangido, assentiu educadamente e procurou pelos copos se
sentindo tão exposto como se estivesse nu.
— Nat, pelo amor de Deus, se comporta! — Daniel cochichou, mas
àquela distância, não adiantou coisa alguma — O cara é noivo!
— Os bons nunca ficam na praça por muito tempo.
Envergonhado e retraído, prometeu-se jantar, tratar do futuro e sair.
Para nunca mais pisar naquela casa.
Pensou, enquanto arrumava a mesa, que era melhor começar a se
encontrar com o amigo na rua. Na casa dela, daquele jeito, era melhor não.
Caio voltou do banho, sentou-se diante da mesa posta e perguntou
coisas normais, para sorte de Leandro. O garoto queria saber sobre como
Daniel e ele se conheceram.
Falando sobre sua vida, Leandro relaxou um pouco, conseguiu até rir
e, por mais horrível que fosse, parou de pensar na mãe do menino, ainda de
pé, de shorts, e logo atrás de si.
— Você come estrogonofe, Leo? — Natália interrompeu.
Leo. Leandro parou dois segundos para refletir sobre o apelido: Um,
que eles não tinham a menor intimidade para apelidos. Dois, que Leo não é
apelido de Leandro.
— Você sabe que Leo é apelido de Leonardo, né? — Ele perguntou.
— Ué, Leo não serve pra Leandro?
— Não.
— E como que fala, então?
— Leandro.
— Nhé. — Ela respondeu enquanto Caio e Daniel riam — É Leo e
pronto— E retomou a pergunta: — Você come estrogonofe, Leo?
— Não discute, Leo — Caio interrompeu provocando — Só aceita
que seu apelido vai ser esse, e pronto.
— … — Com uma risadinha amigável, ele aceitou o apelido e
finalmente respondeu — Como sim, Natália.
Com a delicadeza de uma anfitriã, ela o serviu e roçou em seu braço
sem querer. Ele, que evitava todo e qualquer contato com ela, ergueu os olhos
da mesa para agradecer pela gentileza, mas se arrependeu quando viu o fogo
arder nos olhos dela.
Pensando bem, eles estavam muito perto. Perto até demais.
Observou quando ela serviu ao próprio filho dando um beijo em sua
cabeça e se sentou com o próprio prato. Daniel foi o último a se sentar à
mesa, abrindo uma garrafa de suco da geladeira, suspirando um pouco
entristecido.
— Relaxa, tio, era só uma mulher. — Caio apertou o ombro de Daniel
lhe dando forças e enfiou o garfo na boca.
— Para mim não era.
— Mas vai se acostumando, Dani, Vívian é só uma mulher.
— Para você é fácil falar, Nat, nunca gostou dela.
— Não mesmo!
— Então você não conta — Daniel rebateu.
— Também nunca gostei muito — Leandro entoou o canto —
Respeito, mas gostar, nunca fui muito com a cara.
— É? — Essa era nova para Daniel. Nova o suficiente para que ele
desviasse o olhar de seu prato — Por quê?
— Deu em cima de mim não foi nem uma nem duas vezes.
— … Mas você é tão santo que basta a mulher sorrir que você acha
que ela tá dando mole! — Daniel respondeu levando na brincadeira.
— Eu sei a diferença.
— Porra, e por que não me contou?
— Como contaria? — Leandro se defendeu sem querer ofender o
amigo — Você é doido por ela. Qualquer coisa que eu dissesse faria você
ficar bravo comigo, não com ela.
— Nisso eu concordo com ele. — Natália limpou a boca com o
guardanapo e continuou — Você é doido por ela, qualquer coisa que ouvisse
entraria por um ouvido e sairia pelo outro.
— Se ela me liga pedindo para voltar, pois eu volto.
— Por que é otário. — Caio respondeu por ímpeto, mas olhou para a
mãe esperando pela bronca — Desculpa, mãe.
— Tá certo, filho. Pegou a mulher na cama com outro e ainda quer
voltar! Dai-me paciência, né! Até pra ser corno manso tem que ter limite!
— Vívian… — Leandro não sabia dessa parte — Vívian te traiu na
cama de vocês?
— E disse que eu não era mais o homem que ela achou que eu fosse.
— Enquanto você pagava a faculdade dela e mantinha a casa com
dois empregos você era o homem certo, né? — Natália respondeu — Mas é
uma vagabunda! Pois bati e foi é pouco!
— Mãe… — Caio, que não sabia do porquê sua mãe tinha as unhas e
as orelhas machucadas, a pegou no pulo e abriu um sorriso de orelha a orelha
— Você arrumou briga com a ex do Dani?
Capítulo Quatro
Caio quem tocou no assunto sobre futuro. Todos já tinham taças
cheias de sorvete, a louça estava na pia e ele, adulto o suficiente para saber
que aquele não era um simples jantar de meio de semana, mas um jantar com
um propósito, provocou Daniel:
— Já pensou o que vai fazer daqui para frente, tio?
— Preciso caçar um rumo na minha vida, mas eu…
— Calma. — Natália interrompeu antes que Daniel interpretasse
errado a pergunta de seu filho — Ninguém tá te expulsando daqui.
— Eu sei, te conheço, você nunca faria isso, mas sei que preciso…
— Calma. — Repetiu — Ouve o nosso plano, tá bem? Caio — Ela se
virou para o menino —, você quer contar?
— Simplão, a Cláudia tirou licença maternidade e eu ia cobrir ela.
Agora que você tá aqui, quer cobrir?
— Mas, e você?
— Eu posso pensar em mil coisas mais legais para fazer.
— O salário não é muito. — Natália se desculpou — A gente paga o
salário mínimo para o turno das seis às duas, mas como a sua faculdade é de
tarde, pensei…
— Aceito. — Daniel respondeu imediatamente.
— Aceita? — Natália quem respondeu, mas tanto ela quando o filho
abriram sorrisos enormes.
— Onde eu assino?
— É salário, cesta básica, VR e VT, além de plano de saúde que eu só
dou para quem eu assino carteira, mas como é você…
— Aceito, aceito, aceito.
Daniel e Leandro nunca saberão, mas Natália e o filho tinham
conversado bastante sobre o que fazer com Daniel precisando de ajuda e o
quanto sua presença mudaria na rotina de ambos.
— Falei para a mãe trocar a minha cama por beliche e…
— Não, Caio, isso já é demais, não posso atrapalhar tanto a sua vida.
— Faltam três meses para o meu intercâmbio. Lá também vai ser
beliche.
— Cê vai para onde? — Leandro quis saber.
— Japão.
— Os avós dele moram lá, combinamos que ele estudaria um
semestre no Japão. — Natália explicou.
— E você tá contando os dias, não é?
— Tô! — Caio respondeu à pergunta de Leandro com tanta
empolgação que se chacoalhava inteiro sobre o assento.
— Vai demorar um pouco até a gente trocar a cama por beliche —
Natália retomou —, mas você vai para o quarto do Caio, tá bem?
— Eu não sei nem o que dizer. — Segurando o choro, Daniel se
levantou da cadeira e deu um beijo tanto em mãe como em filho.
— Mas com uma condição! — Caio retomou — Você tem que cuidar
da minha mãe enquanto eu estiver fora.
— Pela milésima vez, Caio Toshio, eu não preciso de cuidado!
— Todas as mães precisam de cuidado — Leandro finalmente falou
alguma coisa enquanto raspava o fundo da taça com uma colherzinha.
Se Caio não estivesse à mesa, Natália teria respondido. Olhou para
Daniel, para Leandro, e engoliu o discurso.
— Mais sorvete aí? — Preferiu perguntar.
— Tem?
— Caio, pega o pote no congelador, filho?
Leandro se serviu ouvindo as conversas dos demais. Aos poucos,
embora se sentisse deslocado e desconfortável de estar na mesma mesa que
ela, ao menos conseguia rir dos assuntos.
Caiu na gargalhada quando Caio falou qualquer coisa sobre a mãe não
deixar trazer namoradas para dentro de casa e quando Natália xingou Vívian
mais algumas vezes. Quando estava sonolento demais, pegou a mochila
pesada, se despediu de longe de Natália e seu filho, e puxou o amigo para
fora da casa.
— Você tá estranho — Foi a primeira coisa que Daniel disse quando
ficaram sozinhos.
— É sono.
— Não, não é só hoje. Ontem também.
— Impressão sua.
— Toda vez que tá perto da Natália. O que aconteceu? É por causa do
tapa, né?
— Não. — Foi a única coisa que Leandro se atreveu a responder.
— Eu não quero ficar numa posição delicada entre vocês dois.
— Não se preocupe com isso. — E trocou de assunto antes que
Daniel aprofundasse o tema “Natália”. — Amanhã você vai para a faculdade?
— Eu não vou reclamar do salário porque esse trabalho caiu do céu,
mas ele ainda não é o suficiente para…
— Eu sei, relaxa. — Destravou o alarme do próprio carro, jogou a
mochila com o computador no banco de trás e disse, um pouco envergonhado
— Quando você receber, transfira o que conseguir para a minha conta. Deixa
que o resto da mensalidade eu cubro.
— Tá de brincadeira?
— Não consigo arcar com a mensalidade toda porque tem o mestrado
e o plano de saúde dos meus pais, mas…
Bastou para que Daniel começasse a chorar. Leandro não sabia o que
fazer, olhando o amigo se esconder entre as mãos e se curvar, quase como se
quisesse se esconder entre os ombros.
— Vem cá. — Leandro ofereceu o ombro para o amigo e o abraçou
com ternura. — Você não tá sozinho.
Leandro sabia da situação do amigo e imaginava o como ele deveria
se sentir. Não sabia o que faria se a noiva o largasse do jeito como Vívian
deixou Daniel. Deu um tapinha no ombro dele e sorriu feliz porque ainda
bem que ganhava o suficiente para oferecer ajuda.
— Não sei como te agradecer. — Enxugando as lágrimas, Daniel se
afastou. — O que eu posso fazer?
— Vá para a aula amanhã. Esteja pronto duas horas que venho te
buscar.
— Não precisa…
— Duas horas. Não se atrasa que meu horário de almoço é curto.
Tendo dito, despediu-se de Daniel, olhou para as janelas da casa dela
só ter a chance de vê-la, e partiu.
Natália tinha duas taças de vinho em cima da mesinha de centro
quando Daniel entrou no que passaria a chamar de lar. Entregou uma para
ele, mas parou desconfiada quando viu o rosto do amigo todo vermelho.
— O que foi que Leandro te disse?
— Não foi o que disse, mas o que fez.
Daniel contou, mas não conseguiu fazê-lo sem se emocionar.
— Teu pai me pagava pouco, mas que puta presentão que ele me deu.
— Disse tentando quebrar o clima pesado.
— Você me ergueu quando mais precisei — Natália respondeu com
um sorriso grato e feliz —, tá na hora de eu fazer o mesmo por ti.
— Você tem certeza que vai me deixar ficar aqui? Não tem como não
atrapalhar.
— Se você quer saber, foi o Caio quem ofereceu o quarto dele.
— Esse menino não existe.
Com a taça de vinho numa mão, Natália esperou que o amigo se
sentasse e puxou a coberta por cima das pernas de ambos. Ligou a televisão
em qualquer filme que já passava, se despediu de um Caio que gritou boa-
noite no topo da escada, e achou que era um bom momento para trocar de
assunto:
— Leandro parece ser um cara legal.
— Você tá a fim dele mesmo ou é fogo no rabo?
Para uma mulher que conhece a solteirice desde que virou mãe, o que
é estar a fim? Daniel falava de amor tórrido ao melhor estilo “Romeu e
Julieta” ou só… interesse? Certamente Natália estava mais do que
interessada, quer dizer, o homem era praticamente um Deus Grego, um
modelo de capa de revista, um ator de novela. O cara era… Simplesmente a
coisa mais linda que ela já viu.
— Fogo no rabo. — Para não ter dor de cabeça, nem ouvir piadinha
infame, ela preferiu ser curta e grossa.
— Então sossega, o cara é religioso pra caramba e tá noivo.
A parte do noivo ela já tinha percebido. A aliança praticamente
berrava em seu anelar. Religioso, porém, a pegou de surpresa.
— Religioso, é? — Ela se esforçou muito para não parecer
interessada demais — Religioso quanto?
— Muito, muito religioso.
Girando a taça entre o indicador e polegar, ela demorou para
responder. Muito Religioso, para uma mulher que gostava de algumas coisas
pouco ortodoxas, significava que Leandro sairia correndo na primeira
oportunidade que ela tivesse para lhe mostrar.
Quer dizer, como falar de chicotes e algemas com quem acredita que
sexo é só para fazer bebê?
— Tem certeza? — Ela quis confirmar.
— Que ele é religioso? Pode reparar, nem palavrão ele fala.
— Pra um cara desses, mulher solteira com filho grande deve ser a
visão do inferno.
— Leandro não é esse tipo de religioso. Na verdade, não tá nem aí
para o que os outros fazem da vida.
— Religioso como, então? Do tipo “eu escolhi esperar” e trabalho
voluntário em abrigo?
— Esse tipo.
O tipo que Natália não tem qualquer chance de ver ajoelhado no chão
implorando com um “por favor” cheio de melindre para finalmente gozar.
— A noiva dele deve ter o caminho livre daqui para o céu.
— Por que diz isso?
— Noivada com um cara gato e não poder tirar nem uma casquina?
— E você me diz que é só fogo no rabo, né?
Capítulo Quatro e Meio

Treze anos antes

A primeira vez em que Natália pisou no Stage, Caio ainda usava fraldas.
Era despedida de solteira de uma amiga. Se não fosse seu pai exigir que ela
saísse do quarto, vestir roupa decente e socializar com alguém, teria ficado
em casa.
Entrou no curiosa bar recém-inaugurado do mesmo jeito que todo
mundo entra pela primeira vez: curiosa e com a certeza de que não voltaria.
Olhou aquele bando de gente maluca, vestida em roupa indecente, e achou
engraçado. Por que é que todo mundo entrava ali só para transar? Aquele
povo não sabia o que era quarto e motel?
Pediu água com limão no balcão, porque ainda amamentava, e voltou
para a mesa de suas acompanhantes. As colegas falavam sobre faculdade e
festas, sobre homens e fantasias, mas ela era mãe recente, mãe de primeira
viagem, mãe solteira de carreira solo. Não sabia nada sobre faculdades, pois
nunca havia entrado em uma.
Entristecida pela experiência que perdia, sorriu e acenou a maior parte
da noite porque seus assuntos envolviam fraldas e mamadeiras bem mais que
provas e boys.
E quando a maioria delas começou a falar alto e rir mais alto ainda,
alteradas pelos shots fortes de bebidas puras, Natália se levantou dizendo que
iria ao banheiro, exausta de ter que participar só para fazer a noiva feliz.
Uma mulher preta completamente nua retocava o batom no espelho que
cobria uma parede inteira do banheiro. Ela lhe piscou cúmplice e, sem graça,
Natália sorriu e baixou a cabeça com um sorriso, evitou olhar a nudez e se
enfiou o mais rápido possível na primeira cabine aberta.
— Ninguém morde aqui não, benzinho. — Foi a primeira coisa que a
mulher nua disse, sua voz atravessando a barreira da cabine e atingindo
Natália em cheio — E você é bonita demais para ficar com aquele bando de
menininha cafona.
Como se aquela desconhecida tivesse lido seus pensamentos, Natália
deixou uma risadinha escapar.
— Pensa que ninguém te vê, mas todo mundo aqui olha para todo
mundo.
— Eu só tô aqui porque minha amiga me arrastou, sabe? — Ela resolveu
responder um pouco impressionada pela limpeza do banheiro.
— Ela não parece muito preocupada com você.
— É, mas…
A desconhecida deu dois toques na porta.
— Talvez ela só tenha te chamado para fazer volume.
Com a disparidade dos assuntos, conforme a noite passava, mais Natália
se sentia exatamente assim.
— Aqui não é um bar qualquer. Se você quiser, eu posso te mostrar o
que suas amiguinhas nunca vão conhecer.
Incrivelmente entediada, ela abriu a porta da cabine, de cabeça baixa
porque não tinha coragem de dar de cara com tanta nudez, e percebeu a altura
escandalosa dos saltos da desconhecida.
— O que tem para ver por aqui?
— Vem, lindinha. Você está tão deslocada do seu grupinho que estou
até com dó. Dói ver o tanto que elas estão te excluindo da conversa.
Sentiu como se a salvassem. Ainda doía não estar na faculdade e doía
mais ainda ter que ficar ouvindo sobre provas e fechamentos de semestre.
Com um sorrisinho quase feliz, porém muito tímido, olhou para o rosto
da mulher pelada, para seu jeitão altivo, e aceitou o braço que ela lhe
oferecia.
— Vamos lá para o pátio.
Saíram do banheiro de braços dados. Natália, miúda sem maquiagem e
olheiras de mãe, olhou para as colegas que conversavam alto e percebeu que
nenhuma delas deu falta de si.
Atravessou o cômodo iluminado apenas o suficiente para que
conseguisse se guiar, esbarrou num casal entusiasmado demais e desceu
alguns degraus até o ar livre.
Do lado de fora, na noite que se estendia fria, tochas posicionadas
estrategicamente iluminavam o quintal comprido de cimento queimado. Um
barman fazia malabarismos com garrafas e coqueteleiras atrás de um balcão
cheio de cadeiras altas ocupadas e, ao fundo, um homem preto de camisa e
calça social, sentado numa espécie de trono, olhava todo mundo, mas não se
demorava em ninguém.
— Bataille, amor — A mulher nua a levou até o homem no trono e
sorriu — Acabei de encontrar essa beleza aqui sozinha lá na frente. Será que
a gente pode cuidar bem dela, hoje? Ela tá com cara de quem precisa de
algumas horas de entretenimento.
— Sozinha? — Sentado, Natália não podia imaginar o tamanho daquele
homem, mas suspeitava que ele fosse alto, muito alto. — Por que você veio
sozinha para o meu Stage?
— Eu não vim, me arrastaram — Respondeu e ficou envergonhada de
contar que chegou acompanhada, mas se sentia completamente sozinha.
— Mari, traz uma cadeira para essa menina. — O homem pediu mas não
soou assim. Para Natália, favores eram pedidos com gentileza e com “por
favor”.
— Sim, Mestre.
Em questão de segundos, a mulher nua trouxe uma cadeira de ferro
revestida em couro vermelho, e Natália se sentiu obrigada a se sentar.
— De joelhos. — Ele mandou e a mulher nua sorriu, como se estivesse
feliz em obedecer — Põe esse rostinho aqui.
O jeito como ele falou era carregado de erotismo. Mari, a mulher nua,
sorriu mais aberto e se arrastou pelo chão o suficiente para encostar o queixo
nos joelhos dele.
— E então? — O homem se virou para Natália e ela sentiu vontade de
sair correndo — O que você sabe sobre BDSM?
Nas revistas da NOVA, que sua mãe assinava, ela tinha visto alguma
coisa sobre a sigla. Já tinha lido sobre tudo na sessão “Sexo” da revista,
amava os contos eróticos e sabia que BDSM era um fetiche, só não sabia
exatamente o que cada letra significava.
— Bondage? Dominação? Sadismo? Masoquismo? Nada, menina?
— Sadismo e Masoquismo sim. — Ela se defendeu diante da expressão
de menosprezo que o tal Bataille fazia.
— O que você sabe sobre isso?
— O que está escrito.
Algo se acendeu no rosto dele, como uma alegria repentina que não
contaminava a boca, apenas os olhos, e ele assentiu de um jeito aristocrata e
imponente.
— Você gosta de ler, pelo visto.
— Passei a minha adolescência inteira lendo todo tipo de… — Quis
falar, mas as palavras não saíram — Agora que virei mãe, leitura é a única
coisa que me conforta.
— Leitura também é meu escape. — Ele confessou bem mais caloroso.
— O que você gosta de ler?
— Bom… — Como dizer que gostava de ler putaria? Pior que isso,
como dizer tudo isso a um completo desconhecido?
Gostava de ler coisa pesada. Coisa fora de sua zona de conforto. Coisa
que a faria enrubescer se tivesse que falar. Enquanto lia, gostava de fingir que
era outra pessoa, alguém astuciosa, audaz e corajosa, o completo oposto de
como era.
— Bukowski — Preferiu dizer e fingiu que não viu o desânimo no rosto
dele — Medo e Delírio em Las Vegas, essas coisas.
— Trópico de Câncer?
— Esse eu li três vezes.
— Anais Nïn? — Por que ele perguntava justamente de suas leituras
proibidas? Pior que isso, como é que ele sabia?!
— Alguns. — Ela se esquivou.
— Quais?
— Acho que todos.
— E gostou?
Ela tinha treze anos quando começou a passear pela biblioteca municipal
e encontrou a sessão de “literatura erótica”. Queria contar que passava as
tardes ali dentro, sempre com um livro daquela sessão na mão, e se entristecia
quando era fim de semana porque não podia ler.
Como era menor de idade e muito novinha, sabia que ninguém a
deixaria levar aqueles livros para casa. Pior que isso, tinha vergonha demais
para levar um livro pornô até o guichê da bibliotecária.
— Leu alguma coisa de Bataille? — Ele tentou, embora ficasse
entediado com a timidez da mocinha.
— Li, mas larguei na metade. Não sei se entendi muito bem.
— Deixa eu adivinhar, você leu O olho.
— Acho que sim.
— Literatura surrealista não é feita para entender.
— Será que é por isso que eu larguei?
Algo que disse o fez rir e era raro que Bataille o fizesse. Todos o
conheciam como o homem de expressão fechada e voz molhada, o tipo de
homem feito para dar ordens. Que não diz “por favor”.
Todos sabiam também que ele não tinha muitos motivos para rir.
— A teoria filosófica dele é muito melhor que a literatura. — Ele
continuou.
— Por isso que a Mari te chamou de Bataille? É tipo um apelido?
— Alter-Ego — Ele corrigiu — Mas, sim. É por isso.
— E qual seu nome verdadeiro?
— Você ainda não me disse o seu.
— É por que você não perguntou!
Mari, acostumada com Bataille, sabia que ele não reagia bem quando as
pessoas lhe respondiam com malcriação. Ainda com o queixo apoiado em
suas pernas, desviou o olhar de seu mestre para a mocinha vestida
comportada demais e estreitou os olhos.
— E qual é seu nome, então? — Ele cedeu.
— Anais Nïn. — Mas ela não.
Todo o bar parou para olhar o patrão cair na gargalhada. Ninguém sabia
o quanto sua risada era gostosa e contagiante e ninguém entendia como
aquele pingo de gente vestido de qualquer jeito, com uma sapatilha feia, de
coque muito apertado, o fazia rir tão alto.
— Eu gosto de você, Lady Nïn. Seja bem-vinda à minha alcova.
— Eu acho que não vou voltar aqui outras vezes. — Ela confessou
espremida entre os ombros.
— Então você vai ler enquanto poderia fazer?
— Fazer o quê? — As loucuras que lia? — Tá louco?
— Sade pode ter sido um louco, mas dá para fazer tanta coisa com um
chicote que você ficaria maravilhada.
Capítulo Cinco
De camisa escura por cima de seu vestido indecente, deu um beijo no
filho que jogava videogame com Daniel, disse que voltaria mais tarde e
fechou a porta de casa.
Mandou mensagem para seu melhor amigo com sua localização em
tempo real e cumprimentou o motorista.
Pelos vinte minutos em que esteve no carro, tentou esvaziar a mente.
Todos os problemas ficariam nas ruas. Fechou os olhos, respirando fundo e
sentindo o cheiro do próprio perfume conforme a brisa da noite entrava pela
janela entreaberta do banco de trás.
Desceu depois de pagar pela corrida e sorriu diante do paraíso
pessoal. Naquela época, o Stage ainda funcionava numa casa com sete
quartos e um quintal nos fundos, o bastante para que os frequentadores
assíduos tivessem um grupo movimentado no WhatsApp.
Dois moços de calças de lona, botas e peitorais expostos a esperavam
do lado de fora. Sorriu para eles enquanto tirava a camisa e revelava o
obsceno vestido vermelho que trazia embaixo.
Nenhuma outra cor lhe caía tão bem. De tecido tão justo que qualquer
um era capaz de ver a divisão das nádegas enxutas, as curvas dos seios
pequenos e as linhas finas de sua barriga que terminavam em seu púbis onde
qualquer um, mesmo os de pouca imaginação, sabiam onde aquelas linhas
todas terminavam.
— Leve para a chapelaria para mim? — Ela sorriu ao maior homem
da dupla, entregando a camisa preta do disfarce, as chaves de casa e o celular.
— Sim, Rainha.
O outro, mais discreto, ofereceu o braço para conduzi-la para dentro.
Pediu permissão para falar, mas não a olhou diretamente sequer uma vez.
— Fale livremente.
— Master Bataille está te esperando no pátio.
— Pegue gim com tônica no bar.
Para esse, ela não fez soar como um pedido. Deu um beijo em seu
ombro como recompensa imediata. Cumprimentou o segurança que nunca
olha para ninguém e entrou sozinha.
Todo o andar térreo da casa era aberto e escuro. Os pequenos pontos
de luz eram dourados e estrategicamente colocados sobre mesinhas de apoio
ou ao redor de mastros de poledance.
Olhou para todos os lados cumprimentando os conhecidos, mas não se
interessou em ficar por ali. Atravessou a casa, desceu os poucos degraus até o
quintal aos fundos e sorriu sem querer esconder quando percebeu que sua
cadeira favorita, a mesma em couro vermelho de tantos anos atrás, estava
vaga e esperando por ela.
Numa poltrona ao lado, sentado com uma dose de uísque, o mesmo
homem negro de antes sussurrava qualquer coisa a uma mulher nua de salto
alto, tão suada que seus cabelos vermelhos tingidos grudavam nas costas.
— Bataille — Natália o cumprimentou com um aceno e tomou posse
de seu assento. — Obrigada pelos meninos na entrada.
— Sempre um prazer — sem desgrudar a atenção da ruiva, ele lhe
respondeu e prosseguiu — Agora, faça o que eu mandei.
A ruiva se ajoelhou, abaixou a cabeça e não se mexeu mais.
— Brinquedo novo? — Natália perguntou.
— Treinamento — Bebendo seu uísque, ele se ajeitou melhor na
poltrona e respondeu com um sorriso de canto de boca.
— E como ela está se saindo?
— Mal.
Natália segurou o riso quando percebeu que a sub em treinamento se
remexeu descontente e inconformada. Se não fosse a ordem de ficar quieta e
ajoelhada, ela certamente teria respondido alguma coisa.
— Ela vai se esforçar mais. — Natália comentou com desdém.
Seu gim chegou junto de um guardanapo e ela sorriu agradecida, mas
não deu qualquer outro comando. Deixou que o sub fosse procurar outra
Domme para atender porque não estava com vontade alguma de brincar.
— Você está bem?
Não era o Mestre Bataille quem perguntava, mas o amigo.
— Sim. — Deu um gole na sua bebida favorita, continuou observando
a submissa suada e não quis dizer qualquer outra coisa.
— Natália, o que foi? — No Stage, Bataille sempre a chamava pelo
Alter-ego, Lady Nïn, nunca pelo nome formal.
— Nada. — Ela não percebia que seu comportamento era esquisito
para quem a conhecia há tanto tempo — Por quê?
— Não quer brincar com os dois subs que separei só para ti?
— Hoje, não.
— Certo. — Para que a ruiva não ouvisse, ele se aproximou de seu
ouvido e cochichou com a voz mais sensual do universo — Devo dispensar
minha companhia?
— Não seja tonto. — Ela sorriu, o segurando pelo queixo, observando
seus olhos incrivelmente verdes e a centímetros de distância.
— Então por que veio?
Essa era uma pergunta que ela não sabia responder. Precisava ir,
queria colocar uma roupa bonita, se sentir como gostava de se sentir, trocar
olhares com pessoas que a entendiam.
— Tô aqui apenas para olhar.
— Você sabe — Essa era uma chance que ele parecia nunca descartar
—, ainda dá tempo de trocar de lado.
— Não sirvo de submissa e você sabe muito bem.
— Talvez ainda não tenha encontrado o mestre certo.
— Lindo — O que tinha de manso em sua voz, não tinha em seus
olhos ou nas pontas dos dedos que o seguravam pelo queixo —, não me teste.
Bataille avançou para beijá-la, mas a mordeu na bochecha. Levou um
tapa por isso, estalado, que não o moveu, mas o fez piscar cafajeste em
resposta.
Ela sempre achou que ele amava mais a briga pelo poder do que a
dominação. Talvez, olhando-o sorrir num misto de tesão e brincadeira, ela
estivesse certa.
— Você quem não encontrou a Domme certa — Ela retribuiu,
bebericando seu gim e olhando-o um pouco travessa.
— Essa Domme simplesmente não existe. Deus esqueceu de fazer
uma para mim.
Deus.
Ela repetiu a palavra dentro de sua mente e parou de sorrir.
— Tá certo, eu desisto.
Bataille concluiu, se ajoelhou na frente de sua submissa, ajeitou a
mecha atrás de sua orelha e sussurrou qualquer coisa em segredo.
A ruiva não disse nada. Apenas se levantou do chão e se foi.
— Para onde ela vai?
— Para casa — ele respondeu quando voltou para a poltrona.
— Como assim? Vai deixá-la dormir apenas com a promessa? Que
tipo de Dom é você?
— Antes de Dom, sou seu amigo. — Puxou a própria poltrona um
pouco mais perto da dela e segurou sua mão — E você ocupa um espaço
muito especial nessa categoria.
— Ai, Bataille, não precisava dispensar a moça!
— Não dispensei, só atrasei.
— Ah…
— Você viu aquela bunda? — Ele riu, desmontando da faceta séria e
imponente de um jeito que a fez rir também. — Só por dispensar aquele cu
você já deveria considerar se abrir comigo.
— Tá — ela se virou para ele, ajeitou o cabelo para trás e finalmente
disse —, encontrei um cara, mas ele é noivo.
— Noivo?! — Parecia piada, então ele escondeu a risada dentro de
seu copo de uísque.
— E virgem.
Natália não entendeu o que tinha de tão engraçado. Bataille quase
emborcava o copo quando ouviu a palavra “virgem” e não foi capaz de
engolir uma única gota da bebida.
— Ainda existe homem virgem? — Ele perguntou.
— Encontrei o único que sobrou. — Descontente, ela desmontou a
pose ereta e se jogou sem qualquer cuidado contra o espaldar.
— Essa é boa. — Ele riu mais alto — Logo você! Apaixonada num
virgem?!
— Não tô apaixonada. — Já era a segunda vez que lhe perguntavam
sobre paixão. Não era paixão, óbvio que não. Ele só apareceu em sua casa,
tarde da madrugada, e tinha um rosto lindo.
E um corpo de morrer.
— Nem tocou nos dois meninos que trouxe só para você… — Se
fosse qualquer outro homem do planeta, Natália diria que Bataille estava
sentido com a desfeita.
— Não tô muito no clima de…
— Porque tá apaixonada.
— Impossível. — Rebateu — Só o vi duas vezes!
— Conte-me tudo.
Sentiu que finalmente tinha alguém para desabafar e não o poupou
dos detalhes. Contou sobre o quanto aquele loiro mexeu consigo e toda a
situação de Daniel que o levou a se encontrarem.
— O jeito que ele me olhou quando tocou a campainha, como baixou
os olhos quando ficou com vergonha. — Ela contou.
— E você acha que ele leva jeito para submisso?
— Não sei, mas tô doida para colocá-lo de joelhos!
— Só que ele é noivo. — Bataille provocou.
— E religioso!
— Por isso essa carinha. — Ele concluiu — Você quer o que não
pode ter.
— Você me entende, não é?
Sem responder, Bataille suspirou contemplativo e deu um gole na
própria bebida.
Ela só estava ali porque não conseguia pregar os olhos. Tinha
acordado extremamente cedo, passado o dia desempenhando suas outras
funções, mas ao deitar a cabeça no travesseiro, tudo o que conseguia pensar
era naquele rostinho loiro envergonhado.
Era mais que uma atração. Era uma ânsia por tê-lo, por vê-lo de
joelhos, por ser atendida por ele. Era um gosto que não saía de sua boca, um
cheiro impregnado no nariz.
Era como se a leoa finalmente encontrasse seu leão e o quisesse aos
seus pés. Dobrá-lo, hipnotizá-lo, deixá-lo em constante êxtase.
Não tinha nada com estar apaixonada.
— Nunca senti isso. — Ele se queixou.
— Não queira.
Era mais que paixonite. Não existe amor à primeira vista, todo mundo
sabe disso. Era coisa de caça, coisa de fome, coisa que fala no estômago
muito antes de chegar ao pensamento.
Em todos os seus anos de Domme, nunca se sentiu assim.
Tinha que ser logo com o único noivo, virgem e religioso do planeta?
— Se você se sente assim, devia ir à caça. — Ele aconselhou.
— Você acha?
— Essas coisas não acontecem duas vezes na vida. Se aconteceu,
devia insistir.
— E se ele se assustar comigo?
— Se você não for atrás, vai passar a vida inteira pensando em como
teria sido. Isso não é pior do que levar um fora?
Ele tinha um ponto, mas ela não tinha coragem suficiente para
quebrar um noivado e desvirginar um homem religioso apenas por capricho.
— Eu sei — Bataille sorriu —, eu sou um ótimo conselheiro.
— Não tem como isso acabar bem.
— Claro que não. E é assim que a gente gosta.
Tudo em Bataille gritava perdição. Alto, forte, de ombros largos,
bunda enxuta, pernas grossas. Os olhos que parecem que te comem, o rosto
feito para a maldade.
Tinha que estar certo? Tinha que ser seu único amigo do meio?
— Continuo seu mentor? — Ele deixou o copo na mesa ao lado e se
levantou limpando as mãos nas calças, como quem está prestes a tomar uma
ação.
— Já passamos dessa fase.
— Continua confiando em mim quando digo que algo será bom para
você?
— Por quê? O que você tá…
— Confia.
Sem dizer mais nada, ele se levantou e deixou sua poltrona vaga. Ela
bebericou seu gim com a tranquilidade de quem não passa de uma taça,
curiosa e confusa na mesma proporção.
Se Bataille havia pedido um voto de confiança, ela o daria de olhos
fechados.
Um garoto que ela nunca tinha visto desceu as poucas escadas que
separava a casa do pátio. Percebeu o cabelo loiro quando seus olhos
finalmente terminaram de lambê-lo dos pés à cabeça.
Loiro, ela pensou. Logo ela que nunca teve um tipo.
Ele descia as escadas vestido do jeito como ela gostava que seus subs
se vestissem: harness, calça e botas.
Musculoso de academia e com a cintura estreita. As calças pendiam
pelos quadris, sem cinto. Não tinha um pelo naquele peitoral e ela teve que se
ajeitar no assento.
Ele tinha o rosto angelical demais, mas isso pouco importou. Tudo o
que via era um outro homem.
Descruzou as pernas que cruzava por costume. Sentiu o coração bater
engraçado, fora do lugar e bem no meio de suas pernas.
Em sua cabeça, aquele loiro anjinho que caminhava até sua poltrona
não era um desconhecido.
Suas mãos suaram de excitação, loucas para tocá-lo, para sentir a
quentura de sua pele, o deslizar suave em cada um dos gomos daquela
barriga.
Cruzes, parecia que ele não chegaria nunca.
Não conseguiu sequer se mover quando ele se ajoelhou aos seus pés.
— Lady Nïn, me permite? — Não foi a voz do desconhecido que ela
ouviu.
Pousou sua bebida em qualquer lugar, salivando feito uma maluca, e
permitiu.
Qualquer coisa que Leandro quisesse. Qualquer uma.
Fechou os olhos sem conseguir se controlar quando ele encostou no
fecho de suas sandálias. Esticou o sorriso sentindo o começo, o meio e o fim,
tudo ao mesmo tempo.
Amava o controle, mas nem isso era o bastante. Nem todo o controle
do mundo daria conta de acalmar o coração na beira do precipício, a ânsia por
senti-lo e todas as outras coisas que sonhava em fazer com ele.
Sentiu o maxilar sem barba subir dos tornozelos para suas canelas, um
pouco mais para cima, seus joelhos descobertos, a parte interna das suas
coxas e então...
Molhada só de pensar nele. Só de imaginar como seria aquela
cabeleira loira no meio de suas pernas. Ajeitou-se na poltrona, sentindo seu
vestido minúsculo subir pelo corpo, as mãos grandes nas laterais de seus
quadris.
Olhou para baixo e era exatamente assim que tinha imaginado.
Chorou manhosa quando sentiu a língua encostar, agarrou em seus cabelos
como se fosse se perder e se abriu.
Com aquela língua e aquele rosto lindo, ele poderia ter o que quisesse.
O mundo inteiro, todas as partes de si. Bastava pedir.
Puxou a cabeça dele mais para perto, rebolando sobre o couro da
poltrona. Abriu-se por inteira, em público. Todos a olhavam e ela amava isso.
Encostou o dorso na poltrona para se abrir melhor, sentindo os mamilos
roçarem no tecido fino do vestido, o prazer enroscando-se em sua espinha
dorsal sentindo as mãos dele cada vez mais violentas.
Gostava quando seus subs perdiam noção da força que tinham.
Gostava quando estavam a um passo de se perderem, quando esqueciam das
hierarquias, quando se enlouqueciam pelo prazer de sua Domme.
Gemeu com vontade e tomou um puxão no cabelo. Assustou-se com a
dor e o tranco. Olhou para cima, para a mão que a agarrava, e tomou um beijo
de Bataille, de ponta-cabeça, a parte rugosa da língua dele encostada na sua.
Sentia que podia morrer naquele inferno impuro.
Bataille lhe entregou um chicote curto com muitas pontas e sorriu
malícia.
Deu a primeira chicotada e o loiro quase se perdeu. Deu a segunda e
era ela quem se perdia. Na terceira, gemia tanto que não existia plateia, não
existia Bataille, não existia nada.
Na quarta travou todos os músculos sentindo o orgasmo chegar,
puxou um mamilo para fora do vestido e não fechou os olhos só para ver seu
loiro entre suas pernas nem que fosse só mais um pouquinho.
Gozou pensando nele. O tempo inteiro só ele habitava o seu lado de
dentro. Sussurrou um “Leo” muito baixinho, muito íntimo. Ninguém dos
espectadores poderia dizer que ouviu qualquer coisa sair da boca da Lady
Nïn.
Deitou a cabeça na poltrona, sem querer desmanchar o encanto de ter
Leo entre suas pernas, e encontrou o rosto de Bataille, sorrindo maldoso do
jeito como ele fica toda vez que está com muito tesão.
— Por quê? — ela perguntou ainda sentindo os efeitos do orgasmo,
louca para descobrir o endereço do seu loiro maldito e bater em sua porta.
— Estou te devolvendo o controle — ele respondeu, acariciando seus
cabelos como se pedisse desculpas pelo puxão. Beijou a testa de sua amiga,
retirando o chicote de sua mão, e terminou — Agora vá lá e traga esse loiro
pelos cabelos.
— Você é o melhor amigo que já tive na vida.
— Será que ele é ciumento?
— Se for, teremos um problema.
Capítulo Seis

Em dois meses Daniel tinha voltado a sorrir. Ainda não cogitava outras
namoradas, se afastava de qualquer coisa minimamente romântica, mas se
recuperava bem. Trabalhando com Natália, os dias passavam suaves.
Sua jornada de trabalho começava seis da manhã no vizinho, numa
grande estufa cheia de plantas, o Garden que Natália administrava como
única dona depois que seus pais desistiram da hortifrúti e resolveram passar a
velhice de volta ao Japão.
Era um grande terreno, colado na pequena e confortável casa de
Natália, com teto coberto em telhas transparentes, chão de terra batida e
muitas plantas à venda. Daniel ficava responsável pelo plantio de novas
mudinhas, aguar todas as plantas do local obedecendo o cronograma de cada
uma, e montar arranjos que as madames do bairro pediam com frequência.
Caio, mesmo tendo cedido seu emprego, passava boa parte de seu dia
no trabalho da mãe e não se importava se lhe pedissem para cuidar do caixa.
A primeira vez que Leandro foi conhecer o grande jardim de Natália,
ele não continha o sorriso. Nunca havia imaginado que, aquela maluca que dá
porrada em ex-namoradas e abriga melhores amigos, gostasse logo de planta,
uma coisa tão delicada e feminina.
Mais que isso: o local inteiro era lindo. Não precisava de requinte
algum, nem de esculturas ou coisas caras. Cada planta ali era responsável
pela beleza do lugar, mas somente se ele não reparasse muito na dona.
Tinha ganhado até uma suculenta pequena para enfeitar sua mesa de
trabalho, mas, a seus olhos, parecia mais maldição. Se era impossível parar
de pensar nela enquanto não estivesse com o foco completamente no
trabalho, depois da pequena planta, mesmo diante de uma planilha, ele não
conseguia mesmo parar de pensar em Natália.
Com Caio, por outro lado, ganhou um amigo. Embora tivessem mais
que dez anos de diferença, tinham os mesmos dilemas.
Andando de bike pela ciclovia, uma vez, Caio confessou que
repensava seu intercâmbio.
— Já falei que sua mãe vai ficar bem, caralho — Daniel respondeu,
dividindo o espaço da via com o menino e Leandro — Ela é adulta e sabe se
virar.
— É por causa de uma pessoa.
— Você não está pensando em abandonar seu intercâmbio por causa
de menina, está? — Leandro não entendeu por que Caio disse “pessoa” em
vez de “menina”.
— Não conta para a minha mãe.
— Claro que não, o que a gente fala morre aqui.
— Cansei, vamos parar ali. — Daniel apontou para uma padaria na
calçada, rente à ciclovia, e desmontou da bike.
— Procurem uma mesa — Leandro pediu, apoiando a própria
bicicleta no muro — Vou lá dentro pegar uma coisa para a gente tomar.
Ouviu Daniel dar algum conselho para o garoto, pegou três coca-
colas, pagou, e voltou para a mesa que eles ocupavam em tempo de dar seu
próprio conselho.
— Pelo pouco que conheço Natália — Secando o rosto na camisa,
tirou o capacete de proteção e sorriu —, ela não se importaria se você
quisesse esperar mais seis meses antes de ir.
— Sei lá…
— Se não quer ir, não vá.
— É um intercâmbio, não é viagem de trem!
— Você não precisa me explicar isso. — Sentindo o líquido gelado
escorrendo pela garganta, demorou para continuar seu pensamento — Só tô
dizendo que, se tem alguém que vale o atraso da viagem, deveria ouvir seu
coração.
— É — Daniel interrompeu —, mas em contrapartida, seu coração
pode estar errado e você pode acabar dormindo de favor na casa da sua
melhor amiga.
Caio riu porque o argumento de Daniel era muito bom.
— Você devia falar com sua mãe. — Leandro retomou — Talvez ela
possa te ajudar.
— Aprende com os erros dos outros, menino — Esse foi o último
conselho de Daniel — Você não precisa quebrar a cara toda vez que estiver
em dúvida do que fazer. Pegue meu exemplo e faça tudo o que eu não fiz.
Pedalaram até chegarem em casa. Caía a noite. Caio deixou a bike na
garagem, se despediu dos dois e subiu para tomar banho.
Não tinha como saberem que Natália não estava em casa, e Caio só
saberia quando pegasse o celular. O trato entre mãe e filho adolescente era
simples: ela tinha liberdade de sair e fazer o que quisesse, assim como ele,
desde que um mandasse mensagem para o outro avisando onde estava e que
horas chegaria.
— Cadê ela?
Leandro, por outro lado, esperava do fundo do coração que pudesse
vê-la. Mesmo que fosse rápido. Mesmo que lhe desse apenas um
cumprimento de longe.
— Deve ter saído, daqui a pouco ela está de volta.
— Mas para onde ela foi?
Daniel parou de tirar as meias suadas quando ouviu a pergunta do
outro.
— Que diferença isso faz na sua vida?
— Nenhuma — Leandro se defendeu —, mas é que…
— Deixa eu ver para onde ela foi. — Com um pé da meia vestido, o
outro na mão, Daniel segurou o riso e puxou o celular do bolso para digitar:
— “Léozin quer saber onde você está”.
— Você não mandou isso pra ela, né?
— Mandei, ué, você não quer saber onde ela está?
— Era pra você me dizer isso, não pra perguntar pra ela!
— Mas eu não sei, porra, tenho cara de pai dela?!
Daniel apagava a tela do celular e se preocupava em tirar a outra meia
enquanto Leandro segurava a respiração. Não queria que Natália soubesse
que estava curioso.
Pensando bem, era melhor ter ficado quieto.
— Ela foi para um tipo de bar. — Secando o rosto na camisa, Daniel
respondeu casualmente, mas com um sorriso que, se Leandro examinasse,
teria entendido que tipo de bar se tratava.
— Natália bebe?
— Igual toda pessoa normal.
— E onde fica esse bar?
— Por quê? Tá a fim de beber, também?
— Não — até porque, Leandro não bebia —, só curioso.
— Você tá sempre só curioso.
Sem saber como responder, preferiu se sentar no sofá quando o amigo
foi para a cozinha. Podia ter pego sua bicicletinha, apoiado no suporte do
carro e se despedido, mas queria saber onde ela estava. De repente, só por
acaso, se ela estivesse por perto e chegasse logo, ele poderia esperar. Talvez,
se ela estivesse de bom humor, o convidaria para ficar e, quem sabe…
Ele não viu que Daniel deixou o celular no aparador da entrada, mas
ouviu o apito agudo avisando uma nova mensagem. Nervoso, ficou com
vontade de pegar o aparelho só para ler na notificação se era Natália
respondendo a mensagem.
De todo jeito, Daniel também ouviu e, com um copo d’água trincando
de gelada, ele voltou para o checar o aparelho.
— Ela mandou o endereço. — Daniel sorria irônico, mas Leandro não
entendeu o que aquele sorriso significava — Quer ir para lá?
— É longe?
— Se você quiser ir, eu topo.
— Mas você já tá sem meia, a gente acabou de chegar e…
— Não seja por isso. — Rapidamente, Daniel vestiu as mesmas meias
suadas de antes, calçou os tênis com pressa e enfiou o celular no bolso —
‘Bora?
Capítulo Sete
Teria sido mais fácil se Daniel tivesse compartilhado o endereço para
que o GPS do celular os guiasse, mas, se tivesse feito, Leandro teria desistido
de ir.
Então dirigiu às cegas. Obedeceu aos comandos do amigo, virou para a
direita e à esquerda, rodou, rodou, rodou e então pararam.
Uma casa com portão de ferro e umas pessoas fumando do lado de fora
não parecia um local perigoso. Alguns com roupas um pouco estranhas, uns
homens sem camisa, mulheres com saias curtas demais, mas ele sabia, bar é
lugar de gente assim.
Cumprimentaram o segurança que não os olhou e foram abordados pela
moça da chapelaria:
— Bolsas, chaves e celulares ficam aqui.
— Tem certeza que esse é o lugar certo? — Leandro cochichou um
pouco envergonhado.
— O endereço que Natália mandou é esse. — Daniel rebateu enquanto
entregava o celular e a carteira para a moça da chapelaria — Quer conferir?
— Não precisa. — Ele respondeu envergonhado e olhou para a
recepcionista — Como a gente paga pelas coisas se a carteira fica aqui?
Ele não devia entrar, sabia disso, não devia sequer ter aceitado dirigir até
lá.
— Comanda, lindo. — A garota com pouca roupa apontou para a
próxima porta — Você paga aqui quando vier retirar suas coisas.
Pareceu justo. Embora ele não visse sentido em ficar sem sua carteira
dentro de um ambiente desconhecido, pensou que, se Natália frequentava
aquele lugar, então devia ser seguro o bastante.
Passaram pelo hall e Leandro congelou. Então é assim que se vai para o
inferno? Uma mulher nua e de saltos altos dançava rebolando e jogando
charme no colo de outra mulher. Uma terceira, descolada das outras duas,
dançava com fones de ouvido, fazendo caras e bocas, em cima de um mastro
vertical.
Um homem servia de cadeira para uma mulher inteira vestida de látex.
Outro, deitado no chão, era pisado por uma mulher descalça.
— Mas que lugar…?
Seu primeiro instinto foi correr e rejeitar. Não conseguia olhar, nem se
mexer. Não queria dar mais um passo sequer. Corou envergonhado, se
sentindo sujo e pecador. Sentiu a reação natural de seu corpo, contrário aos
próprios pensamentos, o formigamento engraçado, as borboletas na barriga.
Era traição, definitivamente.
Olhou para o lado procurando Daniel para irem embora, mas não o
achou. Sozinho, era como ficar nu diante de uma plateia. Era como ser o
centro das atenções, como se todo mundo soubesse seus segredos.
— Venha por aqui. — Um homem preto de olhos muito verdes o
interpelou, vestido de camisa escura e calças de mesma cor, mas de sorriso
engraçado que ele não sabia se era divertimento ou vitória. — Então você é o
famoso Leandro?
Famoso? Ele pensou. Famoso para quem?
— E você é…?
— Venha por aqui, ela está te esperando.
Por que só a menção daquilo o fez tremer? Arrumou a barra da camiseta
para que não ficasse tão óbvio e enfiou as mãos no bolso.
Acompanhando o desconhecido sem saber bem o porquê, atravessou a
casa inteira sem olhar para nada e nem ninguém. Envergonhado, com tesão,
se sentindo sujo e violado, desceu as escadas para o quintal.
Lady Nïn, com sua eterna taça de gim, quis gritar quando o viu. Nunca
imaginou que Daniel teria coragem de ir até lá e muito menos que Leandro
fosse junto.
No entanto, sem conseguir se conter, sorriu alegre para Bataille,
agradecendo-o por se prontificar a ser a ponte entre eles.
Leandro descia os degraus do jeito que ela imaginou que o faria:
acanhado e vermelho. De camiseta branca transparente de suor, relógio no
braço esquerdo e os cabelos molhados.
Não tinha harness nem calça escura que o fizesse mais bonito que
aquela vista. Simplesmente não tinha.
Olhou para Bataille doida para comemorar com ele como uma garotinha
de treze anos quando avista o ídolo, mas não abandonou a postura. Derreteu-
se entre as coxas e se ajeitou de forma descarada, pronta para seduzir.
Descruzou as pernas sentindo a viscosidade entre elas e as cruzou novamente.
Com um sorriso mínimo, piscou para ele.
Leandro nunca tinha visto alguém daquele jeito que não fosse em
comercial de perfume. Nunca tinha visto ninguém tão perfeita, também. Nem
tão linda.
Não sabia o que fazer com as mãos, com a ereção saltada, com o tremor
grave das batidas de seu coração, com os pelos arrepiados de seus braços.
Não conseguia parar de olhar, não sabia o que fazer e não sabia o que
falar.
Tão descontrolado que trocou o passo. Quase tropeçou nos próprios pés
porque não tinha olhos para o caminho. Sentada naquela poltrona de couro,
ela era a única coisa que existia para ele. Vestida em vermelho, num sutiã
transparente, ele via os bicos de seus seios saltados, a barriga delgada, as
pernas compridas e os saltos.
Não percebeu quando o desconhecido o abandonou. Saberia o caminho
até ela, inclusive, de olhos fechados.
— Senta — foi a primeira coisa que Lady Nïn lhe disse.
Até a voz. Até o jeito sério.
Ela não lhe fazia um pedido. Leandro olhou para a poltrona ao lado,
vazia, e imediatamente obedeceu. Não conseguia parar de olhá-la.
Ela, em contrapartida, não o olhou outra vez. Para ele, era como se ela o
ignorasse completamente e não fazia ideia de como era ruim o não ser visto.
Natália lutou com todas as suas forças para parecer indiferente. Segurou
as próprias mãos para não atacá-lo, para não encostar nele, para não dizer
mais nada. Colocou seu gim na mesa de apoio entre as duas poltronas e o viu
prender a respiração.
Ela não sabia como Bataille o tinha reconhecido, mas lhe seria
eternamente grata. Olhou para seu amigo sentado distante, louca para
comemorar a visita, mas não disse nada.
De todo jeito, era óbvio. Nem Natália nem Lady Nïn sorriram tão felizes
antes.
Também logo percebeu o jogo do amigo: Para acelerar o óbvio, Bataille
mandou o mesmo submisso loiro que a atendeu na outra noite se ajoelhar
diante dela.
Para ela, porém, perto do homem que tinha sentado na poltrona ao lado,
o loiro aos seus pés perdia toda a graça.
— Mestre Bataille pediu que eu… — O submisso tentou.
Antes que ele completasse a frase, Lady Nïn escorregou para a beirada
da poltrona, o segurou pelo queixo e o olhou tão de perto que o rapaz baixou
a mirada instintivamente.
— Permiti que falasse?
— Me perdoa.
— Temos visita hoje — ela sussurrou com uma voz que ainda não sabia,
mas hipnotizava Leandro também — Você vai se comportar?
— Apenas se for desejo da minha Senhora.
Como recompensa pela boa resposta, ela colocou a língua para fora e
lambeu sua boca lentamente.
Para Leandro que assistia, era como se aquela lambida fosse nele.
— Você está plugado? — ela perguntou.
— Sim, Senhora — o submisso respondeu.
— Meus pés. — Apontou.
Como um privilégio, o sub loiro quase encostou a testa no chão e, sem
colocar as mãos nas sandálias, lambeu da ponta do dedão até a tira vermelha
da canela.
Lady puxou um pequeno dispositivo da mesa de apoio e girou um botão.
Os olhinhos do rapaz se fecharam automaticamente. Qualquer coisa que
significasse aquele botão, Leandro percebeu, ativava alguma coisa no homem
com a cabeça próxima ao chão.
— Minha Senhora — o sub gemeu baixinho —, permissão para
lamber…
— Não. — E, como punição, girou um pouco mais o botão de controle.
O submisso chorou de prazer, apoiou os cotovelos no chão, travou os
dentes, mas não ousou olhá-la.
— Pode se tocar, mas não quero ver — ela mandou.
Como se a ordem fosse para Leandro, ele se segurou pelo bolso da calça
e Natália prendeu a respiração ao perceber.
O submisso, porém, fez conforme a ordem e enfiou a mão pelo cós da
calça, desconfortável pela falta de espaço.
— Minha Senhora… — pediu baixinho.
— Não quero ver essa mão se mexendo — ela respondeu com sua
inconfundível voz sensual, baixinha, melosa, mas muito mandona.
Com a língua do submisso em seus pés, não permitiu que ele removesse
seu calçado. Brincou com o botão enquanto ele se contorcia e puxou seu
cabelo quando o pegou se masturbando.
— O que eu disse para você?
— Me desculpe.
— Me mostre.
Lady respirou fundo, louca de tesão pelo homem ajoelhado, pelo outro
ao seu lado, e esperou.
O submisso abriu o botão da calça, o zíper…
— Para. — Leandro pediu sem tônus na voz.
Ela o olhou, uma sobrancelha arqueada, desafiadora e amando que seu
jogo funcionasse também com ele.
— O que disse? — Natália perguntou como se levasse o pedido como
uma ofença.
— Por favor. — E, antes que ela se zangasse, ele baixou os olhos,
evitando contato e envergonhado por ter chegado até àquele ponto — Não
deixa ele fazer isso.
Bêbada pelas palavras. Pela vergonha, pelo baixar dos olhos. Pelo rosto
vermelho, a respiração curta, o suor nas têmporas. O tesão dançava em seus
olhos, feliz, feito fogo de artifício. Olhava-o e não acreditava que estava certa
desde a primeira vez que o viu.
— Não deixa ele fazer isso em cima de você — Leandro repetiu.
Lindo, ela pensou. Perfeito da cabeça aos pés e sabe pedir bonitinho.
Não queria que outro homem a manchasse, mas não saiu andando como se
tudo fosse sobre ele.
Leandro simplesmente pediu.
Do mesmo jeito que segurou o rosto do submisso, pelo queixo e bem
perto do próprio nariz, fez com Leandro. Se sentiu tão melada por tê-lo tão
perto que podia passar horas daquele jeito.
— Se eu fizer o que me pediu, vai te custar caro.
— Não posso pagar. — Ele não se atreveu a olhá-la nos olhos de jeito
nenhum.
— Leandro, olhe para mim — mandou.
Ele olhou, ainda segurando o pau pelo bolso da calça, resistindo cada
vez menos em mexer nele.
— Não pode ou não quer? — Natália perguntou.
— Não posso. — Querer, queria. E muito.
Beijou-lhe o rosto com a candura de uma menina, mas para Leandro
parecia o ato mais erótico de sua vida. Prendeu a respiração ao tê-la tão perto,
sentiu a barriga dando cambalhotas e puxou a pele do pau, ainda pelo bolso
da calça, toda para baixo.
— Feche os olhos.
— Por favor, não faça isso. — Leandro barganhou.
— Agora.
Queria resistir ao comando, mas sabia que não podia pagar o preço que
ela pedia. Respirou fundo, sem querer ir embora, num misto de tesão e
frustração, e obedeceu.
— Mostre-o — ela pediu para o sub curvado aos seus pés.
Leandro sabia que o outro homem estava à mostra.
— Brinque para eu ver.
Leandro não se atreveu a abrir os olhos, mas os gemidos do loiro eram
como um castigo. Partia-lhe o coração.
Ouviu o gemido do rapaz e o dela. Ouviu o gemido dela e enlouqueceu.
Puxou a pele do próprio pau ainda mais para baixo, pelo bolso, sentindo a
cabeça inchada encostada no tecido das cuecas. Corando de tesão, nunca
tinha ouvido nada parecido.
Louca para que Leandro abrisse os olhos, Natália puxou a cabeça de seu
submisso para o meio das pernas, encostou a própria no espaldar da cadeira,
olhou para Leandro de olhos fechados e lábios entreabertos, e não conseguiu
segurar o gemido.
Ao perceber, porém, que o próprio som fazia Leandro perder o caminho
de casa, ela passou a gemer apenas para ele.
O loiro no chão a lambia e se masturbava, sabia como fazê-la gozar e
trabalhava muito bem com a língua.
Natália mal conseguia se controlar entre a vista de um Leandro
vermelho e morto de tesão, e a sensação que o outro provocava.
Ela só tinha olhos para ele. Percebia seu descontrole, a carinha de
prazer, o jeito incrivelmente acanhado de se comportar. Olhando-o, sorria
como uma maluca. Nem sequer encostou nele ou viu como ele ficava lindo
sem roupa.
E, mesmo assim, sentia-se tão eufórica como há muito não se sentia.
De recompensa, Lady Nïn enfiou uma das pernas embaixo do submisso
ajoelhado, procurando seu saco, e esperou que ele tirasse a mão de si. Com
um dos pés, ainda calçados, ela o apertou o suficiente para que ele gemesse
baixinho, louco por pés como era, e investisse contra o sapato.
Com Leandro, prestes a gozar, ela ousou um pouco mais. Encostou a
boca em sua orelha, manchando-o de batom, e lhe soprou as palavras
mágicas:
— Goza para mim.
Leandro sentiu a respiração quente no ouvido, sem saber o que aquela
voz era capaz de fazer, sentindo todos os pensamentos sumirem da cabeça e,
pela primeira vez na vida, atendeu aos pedidos de seu corpo.
Foi pelo bolso da calça.
Quando ela viu a sensação tomar seu rosto, tão perto, tão lindo, Natália
se deixou levar também.
Amou o jeito como ele ficou apenas com sua voz. Gozou sorrindo,
olhando-o cerrar os olhos bem forte, entreabrir a boca, soltar um suspiro
vocalizado, uma voz sexual deliciosa, e curvar-se em si mesmo.
Curvado, Leandro permaneceu de olho fechado numa postura satisfeita e
Natália viu brotar no canto dos seus lábios um leve sorriso aliviado e
divertido.
Foi aquele sorriso que a tomou de assalto.
Quando ele finalmente abriu os olhos, deu de cara com uma Natália
descabelada, de rosto inchado, vermelha e com o olhar tão doce que ele sorriu
maior.
Levou apenas um segundo para que todo o peso do mundo caísse sobre
os ombros dele. Desviando o olhar, se curvou novamente, com os olhinhos
cheios d’água, e confuso.
Rapidamente, antes que tudo ficasse pior, ela dispensou o submisso aos
seus pés com qualquer promessa para depois.
— Fale comigo — ela pediu, cheia de culpa também, sem saber se podia
pegar em suas mãos.
— Eu sou virgem — Leandro confessou com a voz embargada.
Confuso, culpado e com medo, tudo ficou pior quando ele percebeu que
ser virgem era a última coisa que devia preocupá-lo.
Não devia estar ali, não devia ter se sentado ao seu lado, não devia ter se
segurado pelo bolso.
Simplesmente não devia.
Se antes não era traição, ali com certeza era.
E não havia “tecnicamente” no mundo que o convencesse do contrário.
— Eu sou noivo — Se corrigiu.
Com o coração partido, ela estendeu a mão para acalmá-lo, mas antes
que o alcançasse, Leandro se levantou procurando a saída como uma presa
em fuga, e partiu sem olhar para trás.
Capítulo Oito
Deu meia-volta porque se tinha se esquecido de que seus pertences
ficaram na chapelaria. Disse que não consumiu nada, mas pagou o que havia
na comanda de Daniel, porque o amigo não tinha dinheiro, e de Natália sem
saber o porquê.
Com as chaves na mão, entrou rapidamente no carro, não olhou para
sair, não olhou para o retrovisor e voltou para casa.
Era o único lugar seguro para ele no mundo. Precisava pensar.
Precisava de tempo. Precisava de um banho. Precisava falar com alguém,
com seu tio, com seu pai.
Mas como contar o que tinha acontecido? Como ter coragem
suficiente para assumir seus pecados? Ele tinha resistido tão bravamente por
todos os seus vinte e cinco anos de vida! Passara a puberdade inteira sem
violar seu próprio corpo, idealizando a mulher de seus sonhos, a única do
mundo que mereceria recebê-lo. Sempre havia rejeitado pornografias, feito o
possível para permanecer puro diante de um mundo que vende sexo até em
comerciais de cerveja.
Natália sentada numa poltrona de couro, piscando maldades, sorrindo
aberto do mesmo jeito que os portões do inferno sorriam ao receberem as
almas perdidas.
Natália sussurrando comandos que ele não seria capaz de resistir
mesmo se fosse surdo. Natália com os olhos derretidos ao vê-lo.
Natália brigando até quebrar as unhas. Natália cozinhando descalça e
esbarrando, sem querer, ao servi-lo de um estrogonofe caseiro.
Se perguntado, ele não saberia responder como foi que chegou em
casa. Funcionando no piloto automático, estacionou, desligou o motor, mas
não teve coragem de entrar.
Seus pais estariam lá, provavelmente jantando, conversando
amenidades. Casados há trinta anos, amigos desde sempre. Virgens até o
casamento. Um só tinha olhos para o outro, o pai tratava a mãe como uma
rainha. A mãe que cuidava do pai como a coisa mais preciosa de seu
universo.
Era essa a vida que sempre havia sonhado para si. Não queria ser rico,
mesmo economista, não queria perder todas as horas do dia trancado dentro
de uma saleta. Lidava com a carteira de investimento de pessoas que nunca
tinha visto, mas para ele eram apenas números.
Com a cabeça analítica que tinha, não conseguia entender o motivo de
não sentir por Lígia, sua própria noiva, a mulher que ele escolheu, o que
sentiu por Natália logo na primeira vez em que a viu.
Não tinha um porquê. E como o homem das exatas que era, tudo
sempre tinha um.
Deitou a cabeça sobre o volante suspirando cansado. Todo aquele
esforço para ser e agir corretamente o exauria. Ele podia ser apenas mais um
cara comum, podia ser como Daniel, podia só aceitar que sexo é natural, que
não é pecado.
Poderia não ser quem sempre havia sido.
Acreditar em Deus fazia parte de Leandro. Exercer uma religião e ir
às missas o fazia parte de uma comunidade. Ele se sentia bem com isso, era
essa a única resposta que sabia dar.
Ele se sentia bem. Isso não bastava?
A aliança de noivado pesou no dedo. Descolou a testa do volante
olhando para a própria mão, e nunca se sentiu tão ruim como quando
percebeu que aquela mão, a mão da aliança, foi a que esteve dentro de seu
bolso.
Não importava o que escolhesse fazer, ele precisava conversar com
Lígia. Essa era a única certeza que tinha. Precisava se abrir com ela e contar a
verdade. Ele era um homem correto e ela merecia isso.
Ligou o carro novamente, certo de que era o melhor a fazer, mas a
porta de casa se abriu.
A luz da entrada se acendeu e seu pai saiu para a calçada. Usando um
velho moletom e chinelas, o homem mais velho viu o carro do filho, puxou a
porta do passageiro e entrou.
Leandro pensou que seu pai sentiria um cheiro diferente, algo que
denunciasse sua transgressão, como se o pecado o tivesse transformado.
Estava tão certo disso que deixou ambas as mãos caírem pelo colo,
desmontou os ombros e esperou o sermão.
— Filho, o que está acontecendo?
Ele queria dizer. Precisava dizer.
Mas como contar para seu próprio pai que tinha encontrado uma
garota num bar impuro, enfiado a mão na própria calça e gozado apenas com
o comando de sua voz?
Ele estava uma bagunça. Se sentia uma bagunça. Não conseguia
formular uma única frase coesa.
— Não quero dizer. — Não conseguia explicar o que lhe doía mais.
— Filho… — José sorriu triste e abraçou seu menino com doçura. —
O que eu posso fazer para ajudar?
— Eu não sei…
— É coisa do trabalho?
Nos braços do pai, aos poucos, Leandro chorou. Deixou as primeiras
lágrimas caírem, ouviu a voz calmante de seu pai, sentiu o carinho, e fechou
os olhos sentindo o choro triste chegar.
— Estou aqui e te amo. Não importa o que tenha acontecido, você vai
achar a melhor saída, filho. Você sempre acha, eu tenho fé em você.
No entanto, Leandro ainda não tinha processado. Ainda não tinha
entendido. Como poderia contar para alguém? Como poderia contar ao
próprio pai?
Quando sentira o orgasmo chegar, …
Sempre lhe disseram que sexo antes do casamento teria gosto de
inferno. Sempre disseram que masturbação era pecado, que Deus puniria
quem ousasse.
Mas como poderia ser pecado e, ao mesmo tempo, tão doce?
Como algo assim pode ser tão sujo?
Como ele, que sabia perfeitamente a diferença entre certo e errado,
havia se deixado levar por aquela sensação e aquela mulher?
Natália de rosto limpo e olhar doce. Toda vermelha e com um cara
qualquer enfiado entre suas pernas. Natália o tomando de assalto, com voz de
quebranto, o mandando fechar os olhos.
— Como… — Ele sabia que não tinha como abordar o assunto sem se
entregar — Como soube que a mãe era a mulher perfeita para o senhor?
José Carlos, com seu sorriso amigável e as ruguinhas ao redor dos
olhos escuros, relaxou os ombros e sorriu compreensivo:
— Conselho de pai? — Toda vez que ele falava sobre amor, mesmo
quando estava muito irritado com alguma situação doméstica, era como se
seus olhos se enchessem de alguma calda doce e quente. — A gente só sabe.
— Como o senhor soube, então?
— Sua mãe ainda tem as melhores histórias do mundo! Ainda morro
de rir com ela. Quando está de bom humor, parece que o tempo voa tanto que
nem vejo a hora passar. Ela é a minha melhor amiga, é sempre para ela que
eu quero contar as coisas, com ela que quero desabafar, pra ela que vou
correndo pedir ajuda. Ela é sempre a minha primeira opção e, quando percebi
isso, entendi que tinha que ser ela.
Lígia ainda ocupava esse lugar no coração de Leandro. Com tudo o
que tinham vivido e passado, era injusto demais pensar em outra mulher. Ele
queria Lígia, sabia disso e havia trabalhado muito ao seu lado para terem um
futuro.
Guardavam dinheiro para um lar. Pensavam em nomes para seus
filhos. Sabiam as comidas favoritas um do outro, a cor, o doce. Tinham uma
música de casal e viagens que planejavam fazer.
Lígia tinha mil pastas no Pinterest, sonhando com o casamento e a
Lua de Mel. E tinha isso, também: esperava tanto pela noite de núpcias,
sempre parando quando as coisas esquentavam.
E ia jogar tudo isso fora por uma mulher que ele tinha acabado de
conhecer e que não compartilhava de suas filosofias de vida?
Olhou bem para o pai, um pouco aliviado, e agradeceu pelo conselho.
Só então teve coragem suficiente para sair do carro.
Capítulo Nove
Natália sabia melhor que aquilo. Sabia se comportar. Sabia que pisar ali
era mais do que Leandro suportaria. Devia ter conversado com ele. Devia ter
dito o que era aquele bar e o que fazia ali. Devia ter ficado quieta quando ele
se aproximou.
Mas como olhar aquele homem de pau duro, camisa branca quase
transparente e não se deixar levar?
Ela tinha visto o jeito como ele atravessou o pátio, o como a olhava.
Leandro, enquanto caminhava até sua cadeira, não parecia ter uma dúvida
sequer. Ele havia escolhido ir até lá. Entrar lá. Acompanhar Bataille até onde
ela estava.
Ainda sentada sozinha na cadeira, sem submisso nem Leandro, ela
evitava olhar para qualquer coisa além de suas sandálias para não encarar os
olhares curiosos e depreciativos. Segurava o choro envergonhado sem saber o
que pensar.
Ela era a Dominatrix, e não Leandro. Devia saber o que fazer. Devia tê-
lo instruído melhor. Devia ter dito e feito tanta coisa que se surpreendia com
o próprio amadorismo.
Ela, na sua vez de novata, tinha sido mais bem instruída. Por que não
conseguia fazer o mesmo com o único homem que lhe chamara atenção em
mais de uma década de solteirice?
— Ô, minha querida… — Com um carinho quase paterno, Bataille
correu em auxílio quando lhe avisaram que Lady Nïn estava em apuros. Com
uma capa comprida e escura, a sua roupa para certos dias, ele cobriu seu
corpo lhe dando segurança e alguma privacidade, e se sentou na cadeira que
Leandro ocupava há pouco — Me contaram o que aconteceu…
— Então todo mundo já sabe? — Ela tentou sorrir, mas a vergonha era
maior.
— A maioria está preocupada. — Ele fez um carinho e a puxou para o
peito — Num único dia, ninguém nunca tinha te visto tão feliz e tão triste.
— Eu sou um lixo de Domme — Suspirou entre o pranto que ficava
cada vez mais fácil de sair depois que Bataille chegou com seu conforto.
— Não diga isso.
— É claro que ele ia se assustar, o que eu estava esperando? Ele é
virgem, religioso, noivo! O que eu estava esperando, Bataille, o quê?!
— Se acalme, querida, se acalme. — E, parecendo procurar alguma
coisa para dizer, sugeriu — Vamos lá para cima, sim? Lá conversamos com
mais privacidade.
O bar, no andar de cima, tinha sete quartos de uso restrito. Cada quarto
deveria ser alugado com um mês de antecedência, tamanha fila, e cobravam
altas taxas de limpeza e manutenção.
Havia apenas um quarto que ficava fora da agenda de aluguéis, o mais
comum e menor que os outros. Segurando a capa escura e comprida sobre o
corpinho de repente frágil de uma Natália entristecida, Bataille a conduziu
escadas acima e abriu a porta deste quarto especial com a própria chave.
— Nada que um banho de banheira não cure, não é?
— Vai fazer aftercare em mim? — ela perguntou tentando brincar.
Sem responder, ele a deixou no quarto, com estilo vitoriano nos móveis
e na roupa de cama, e abriu a porta seguinte, um banheiro amplo com
banheira de hidromassagem, ducha de chuveiro e uma única cabine reservada
para a privada.
Natália, do quarto, ouviu o barulho de água corrente e se sentou na
cama. Não queria tirar sua roupa vermelha para não ter que lidar com a
mulher frágil embaixo dela. Enquanto estivesse de vermelho ainda teria
algum controle, algum orgulho.
Sem suas armas ela seria só mais uma.
Com uma simpleza que ninguém nunca testemunhará, Bataille voltou
para o quarto com um pacote de lenços humedecidos e colocou um joelho no
chão.
Puxou o pequeno pé esquerdo da amiga, limpando-o da lambança que o
submisso loiro havia deixado, e depois tirou sua sandália. Fez o mesmo com
o outro, de cabeça baixa e sem dizer nada, e deu um beijo em ambos os
joelhos com carinho.
— Eu sou tão ruim assim? — ela perguntou a ponto de quebrar.
— Não se preocupe, querida, agora é a vez dele de jogar.
— Não é um jogo.
— É, é sim. — E, passando um lenço nas sandálias dela, ele sorriu um
pouco mais parecido com o Dom dono do lugar — O que eu vi não foi um
homem forçado e agindo contra a própria vontade.
— Ele sorriu, não foi? Eu não tô louca, tô?
— Ele precisa lidar com as próprias questões. Dê tempo. Ele vai voltar.
— Você acha?
— O que eu vi foi um potencial de submisso difícil de resistir. Ele era
seu desde que entrou no pátio. Foi direto, comandado pelo seu olhar, e se
sentou quando você mandou. Ele sabia que era seu, sabia o próprio lugar, não
fez questão que o outro fosse embora e fechou os olhos quando você mandou.
Ele estava ali por que quis. E digo mais...
— Não fica bravo, não tô em condições de lidar com você.
— Não estou bravo, estou com ciúmes.
— Ciúmes de mim?
— Se fosse meu, aquele coroinha do caralho já estava rendido, suado e
implorando por mais.
Bataille já tinha terminado de limpar as sandálias, mas continuava com
elas no joelho. Natália, olhando-o, esboçou uma risadinha um pouco menos
entristecida e arriscou uma brincadeira:
— Devo mandar você tirar o olho do meu sub?
Nessa hora, Bataille olhou bem para o rosto da amiga, deu um tapinha
em seus joelhos e se levantou do chão.
— Venha, querida. A banheira já deve estar cheia.
Mais calma, Natália se levantou descalça, deixou a capa sobre a cama,
mas não partiu conforme pedido.
Primeiro ela segurou a mãozona do amigo, impedindo-o de andar, e lhe
deu um beijo no rosto.
— Obrigada por ser meu amigo, Bataille.
— Tô sempre aqui quando precisar.

✽✽✽

Não se pode dizer que Leandro não tenha tentado.


Manhã seguinte, acordou mais cedo. Saiu de casa antes do Sol raiar, de
banho tomado, perfumado e com suas melhores roupas. Pronto para o amor
de sua vida, entrou na melhor padaria da cidade e saiu com uma cesta de café
da manhã cheia de guloseimas fresquinhas.
Deu bom-dia para a dona da floricultura, que era amiga de igreja de sua
mãe, e comprou um lindo buquê de rosas vermelhas que ficaria falado pelo
bairro durante toda a semana.
Dirigiu ouvindo música, um pouco nervoso, até a casa dos pais dela.
Mandou mensagem antes de tocar sua campainha, com medo de acordar
a casa inteira.
Esperou alguns minutos e, sem resposta, ligou. Queria muito acordá-la
com um bom dia.
Quando caiu na caixa postal, tocou a campainha novamente e foi
atendido pela futura sogra, Dona Jandira, uma versão mais velha da própria
filha.
— Bom dia, Lê.
Sorridente como as mães das noivas ficam quando veem o genro cheio
de gentilezas, ela abriu a porta o convidando para entrar.
O cheiro de café fresco o recebeu como um abraço, e o pai da noiva,
sentado à ponta da mesa da cozinha, parou de mexer no celular quando
percebeu as flores e a cesta de café da manhã.
Sinal claro de homem que fez besteira e está tentando consertar tudo
com presentes.
— Ela não te avisou? — Ainda derretida, Dona Jandira se adiantou para
a pia da cozinha.
— Me avisou de quê?
— Lili passou a noite na Flávia.
Flávia. Ele varreu a memória em busca do nome. Eram muitas as
amigas de Lígia, nem todas ele conseguia se lembrar do nome.
— Flávia é a loira ou a ruiva?
— Flávia é a baixinha, meio gordinha, que vive de vestido.
Ah! Essa Flávia? A mesma que Lígia quase tinha se engasgado de tanto
falar mal da vez em que tiveram que fazer um trabalho da pós juntas?
— Na Flávia?
— Dá uma ligadinha, de repente ela está vindo para casa.
Leandro já havia ligado, mas não foi atendido.
De todo jeito, Lígia não era de mentir. Se disse que estava na Flávia,
então estava. Sorriu amarelo, um pouco envergonhado, e deu qualquer
desculpa para voltar outra hora.
Sentado de novo no carro, pegou o celular e verificou se a noiva o tinha
respondido. Ligou de novo, só por desencargo. Queria tanto que ela visse a
cesta de café!
Procurou no meio das mensagens qualquer contato de uma de suas
amigas. Achou a ruiva, Caroline. Mandou mensagem perguntando sobre
Flávia e sobre Lígia. A mensagem foi imediatamente vista, mas não
respondida.
Um pouco frustrado, dirigiu até o trabalho por não ter lugar melhor para
ir. Estacionou numa das muitas vagas exclusivas para funcionários no imenso
subsolo do edifício e ganhou as ruas a pé.
Encostou na primeira padaria que avistou, uma de balcão de pedra um
pouco grudento e um maravilhoso cheiro de pão tostado.
Ocupou-se com o jornal matinal na televisão perdida entre os letreiros
de preços. Acabou com dois pães antes de dar um gole no café e pensou
sobre a cesta de produtos fresquinhos que tinha ficado em seu banco de trás.
Se deixasse para entregá-los mais tarde, talvez as frutas não
sobrevivessem no calor de seu carro. O mesmo aconteceria com as flores.
Olhou o relógio e calculou o tempo de ida e volta. Ainda tinha uma hora
até precisar bater seu ponto e não sofreria grandes represálias se se atrasasse
uns quinze minutos.
De barriga cheia, voltou para o carro. Sabia onde ela trabalhava e não
ficava muito longe dali. Fingiu que não percebeu o olhar torto do segurança
do estacionamento ao vê-lo sair e dirigiu, mesmo com o fluxo intenso das
avenidas, até a porta do grande complexo industrial.
Ligou mais uma vez com a sensação de que estava atrapalhando. Ligar
três vezes, durante a semana, para um homem que usa o celular apenas para
mensagens?
Culpado como se sentia por conta do episódio no bar maluco, ligar três
vezes parecia denunciá-lo.
Estacionou num local proibido, mas não desligou o motor para caso um
guarda de trânsito aparecesse e esperou. Devia ter ficado na casa dos pais
dela, esperando que chegasse nem que fosse para trocar de roupas, mas não
tinha gostado de como seu sogro olhava seus presentes e não quis ficar mais
um segundo ali dentro.
Já estava dez minutos atrasado para o trabalho quando pensou em
desistir. Apenas um homem muito culpado se prestaria a esperar pela noiva
na porta de seu trabalho com tantos presentes.
Viu um carro branco estacionar na frente do portão de acesso a pedestres
e pensou que se tratasse de um Uber. Olhou para o motorista e percebeu o
rabo de cavalo feminino, alto demais na cabeça para que fosse de homem.
Olhou para o passageiro, percebeu que era mulher, pensou que talvez fosse
sua Lígia e engatou a primeira marcha, deslizando mansamente da vaga
proibida.
Ligou mais uma vez antes de emparelhar e reconheceu a motorista.
Tinha um relógio dourado no braço esquerdo, a mão pequena e gorda sobre o
volante.
No banco do passageiro, uma morena esguia checava o celular.
Para avisar que era ele no carro emparelhado, Leandro baixou o vidro.
Sorriu feliz por finalmente tê-la encontrado e estava prestes a buzinar quando
a morena no passageiro avançou sobre a motorista e a tomou num beijo.
Somente quando a morena no carona abandonou o veículo, limpando o
cantinho da boca, que Leandro entendeu: Lígia realmente havia passado a
noite com Flávia.
Capítulo Dez
Flávia, a motorista, sem saber quem era o carro parado ao seu lado,
buzinou pedindo passagem, mas Leandro não se mexia. Lígia provavelmente
tinha entendido a buzina como um tchauzinho amistoso e se virou para
acenar.
Foi quando viu o carro do noivo bem ali.
Correu para entrar no carro de Leandro, instantaneamente suada, mesmo
com cabelos molhados de banho e perfume desconhecido.
Fechou a porta do noivo com brusquidão, tomou fôlego e fez a única
coisa que daria certeza de que o beijo entre elas não havia sido um
cumprimento amistoso demais visto pelo ângulo errado:
— Por favor, não conte nada aos meus pais.
Leandro deu a partida no carro, dirigiu para sair do caminho de Flávia e
desopilar a avenida. Não sabia qual rumo tomava, nem quais palavras saía da
boca de Lígia.
Sua noiva não era homossexual, ele sabia como elas eram. Sua Lígia era
feminina demais para ser lésbica. Até Flávia era feminina demais!
Mas o beijo delas parecera romântico, beijo de amor, não beijinho na
bochecha, coisa que mulher dá em outra mulher quando quer se despedir.
— Por favor, Léo, eu imploro. — Lígia estava tão desesperada que não
tinha colocado o cinto de seguranças e nem fechado a porta direito.
Um motoboy passou ao lado e buzinou, avisando da porta aberta, mas
nem Lígia prestou atenção, nem Leandro tinha ouvidos para ouvir.
Estacionou quando o excesso de informação o deixou cansado. Outra
vaga proibida, na frente de uma saída de caminhões fechada.
— Para de falar um minuto — exausto antes mesmo de começar o
trabalho, ele deixou as mãos caírem sobre o colo e a contestou — Você
passou a noite na casa da Flávia?
Lígia era ardilosa. Uma boa advogada tem a boca como arma. Podia ter
dito que foi o reflexo do carro, que ele viu coisa onde não tinha. Que Flávia
só tinha oferecido carona de boa amiga que era. Podia ter desdenhado uma
classe inteira de mulher apenas para dizer que não tinha como ela, logo ela,
ser lésbica.
Leandro não era bobo, mas era ingênuo. Teria caído.
A questão é que Lígia parecia estar cansada de mentir e, como todas as
boas advogadas, também era bastante ética.
— Passei. — Ela resolveu confessar.
— Fazendo trabalho da pós?
— Não.
— Você… — ele nem sabia o que dizer — O que está acontecendo,
Lili?
Então ela disse. Lígia havia se apaixonado pela Flávia gordinha que
sempre usa vestido e que tinha causado confusão num trabalho da pós.
— Eu não queria, eu juro!
— E você não se importou em contar isso para o seu noivo?
Como poderia? Criada na igreja como ele, com as mesmas crenças, ela
também sabia a linha grossa que separava o certo do errado. O conflito,
embora fosse infinitamente distinto, no sentimento era parecido. Leandro,
quando pensava em Natália, tinha os mesmos pensamentos que ouvia de sua
noiva.
— Eu não posso dizer para os meus pais! O que eles vão achar de mim?
Minha mãe me põe para fora! Eu juro que não queria, Lê, me perdoa, me
perdoa!
Leandro sabia que sua mãe não o colocaria para fora. Ele era homem e,
para ele, o julgamento sempre seria muito menor.
Cansado de ouvir, ele respirou ligeiramente aliviado, um pouco menos
culpado, e soltou os ombros que sequer percebia tensos.
— Não tô bravo.
— Lê — Lígia, por outro lado, parecia tão angustiada que não conseguia
falar sem soluçar —, me perdoa!
— Não tenho do que te perdoar.
— Lê…
E revelou o motivo da calmaria numa frase simples e que, mais tarde,
colocaria tudo a perder:
— Conheci outra pessoa.
Capítulo Onze
Leandro sabia o que tinha que fazer. Não havia amor, não havia
companheirismo e não sabia mais dizer se algum dia houve.
Deixou Lígia de volta no complexo industrial e se afundou no trabalho.
Passou o dia concentrado em suas planilhas e em reuniões que poderiam ter
sido e-mails. Tomou café com o colega de trabalho, se ocupou com as
fofocas de escritório e rezou para que o dia não terminasse.
Sabia que, quando voltasse para seu carro, teria que enfrentar o resto de
sua vida.
Jogou as flores na lixeira do estacionamento e pegou o celular. Precisava
falar com alguém. Precisava de alguma direção na vida, então, antes de voltar
para casa e enfrentar uma noite insone, ligou para Daniel.
— Mas é coisa particular. — Leandro não queria e não podia se
encontrar com Natália.
Confuso como estava, ele não sabia se tinha controle suficiente para
recusar uma segunda investida daquela mulher que, num simples sorriso, o
teria de joelhos.
— Carai’ aconteceu? — Daniel perguntou.
— Tá na facul, ainda?
— Tô. Aula acabou agora.
— Fica aí, me encontra na cantina.
Voou para a universidade e mal se deu conta de que tinha aula também.
Com o objetivo de consertar seu noivado, tinha esquecido a mochila de treino
quando saiu de manhã.
Estacionou na vaga de mensalista do subsolo, e se sentiu estranho por
carregar apenas a mochila com o computador. Atravessou os muitos andares
do prédio até finalmente parar na porta da cantina lotada.
Desviou de um grupo de mulheres que toda vez que o via, esticavam
seus olhares curiosos, mas se sentiu especialmente mais deslocado naquele
dia.
Era como se, naquele momento, todo mundo soubesse que ele havia se
tornado um pecador.
— Eu sempre racho meu bico quando você passa na frente delas. —
Daniel, em pé em qualquer canto da cantina, segurava um copo de café coado
— Você quase faz cara de nojo.
— Não faço, não
— Elas ficam se perguntando se você é gay — de todos os dias que
Daniel tinha para falar sobre isso, aquele definitivamente era o pior deles. —
O que aconteceu?
Com aquele bando de mulher que o achava gay bem ali do lado, ele não
conseguiu falar o que precisava.
Achou melhor sair de lá, andar para qualquer lugar um pouco mais
vazio. Arrastou o amigo consigo para fora dali e evitou todas suas perguntas
até achar um canto que lhe parecia reservado o suficiente.
— Lígia. — Foi a única coisa que saiu de sua boca, embora a cabeça
rodasse a mil.
— O que tem?
Leandro falava muito quando ficava nervoso. Falava tudo numa lufada
única, como se fosse perder a coragem se parasse para pensar. Contou como
foi encontrar Natália sentada no trono com cara de poucos amigos, o que ela
fez, como ele sabia que aquilo era traição e como quis consertar tudo em seu
noivado.
Contou até dos dois pães tostados que comeu na padaria, uma hora antes
de saber que era noivo de uma mulher que não gostava de homem.
— Espera, espera, espera… Vai com calma, carai’! — Atropelado,
Daniel coçou a cabeça.
— E tudo o que ela me disse foi o medo de que os pais descobrissem. Eu
ia me casar com uma mulher que não gosta de homem, logo eu, que me
guardo para o casamento desde que me entendo por gente.
— Não, mano, espera…
— E o tonto ainda estava com flor e buquê no carro. E eu nem sei por
que estava tão desesperado para consertar as coisas com ela, se eu fosse um
pouco menos lerdo, teria percebido que a Lígia gosta de mulher desde o
nosso primeiro beijo.
— Como é que você ficou noivo dela, para começo de conversa?
Nunca haviam ficado sozinhos. Sempre tinha mãe ou pai, ou amigo, ou
primo junto. Ele a tinha beijado num encontro de jovens da igreja e ela
passara três semanas sem falar nada até que a mãe dela e sua própria mãe
deram um jeito de juntá-los outra vez.
Também tinha o fato de que ela se afastava toda vez que as coisas
esquentavam um pouquinho. Um beijo que durasse mais que dois minutos ou
uma mão boba que escorregasse das costelas para os quadris, e Lígia recuava.
Ele sempre achou que fosse a coisa certa a se fazer. Que ela resistisse
bravamente para se manter casta até o dia do casamento.
Pensando bem, estava na cara o tempo todo.
— Ela também pode ser bissexual. — Daniel tentou.
— O que é isso?
— Quando a pessoa gosta do queijo e da goiabada? Quando corta pros
dois lados? Quando… Porra, você é lerdo assim mesmo, ou tá fingindo?
— Existe a possibilidade de alguém gostar de homem e de mulher?
— Existe, ué.
— Mesmo assim — Leandro seguia convencido —, ela me disse que
estava apaixonada. Que não gostava de homem. Que Flávia e ela são tipo um
casal.
— E ela ia se casar contigo para passar um pano para a família? —
Daniel comentou — E tu que se foda, é? E depois do casamento? Ela ia
transar contigo, ter filho contigo? E seus filhos teriam uma bosta de família
só porque a Lígia tem medo de sair do armário?
Leandro sabia que filhos seriam a consequência de um casamento. Sabia
que um dia os teria, mas seus pensamentos só chegavam até a noite de
núpcias. Era por esta noite, esta única noite, que ele se guardava e reprimia
qualquer desejo minimamente sexual.
Pelo menos até Natália chegar.
Parte também por culpa de seus pais. Crescera ouvindo que sexo era só
depois do casamento. Que o casamento é a instituição perfeita. Que a mulher
que o recebesse seria uma mulher de sorte e ele esperou por ela a vida inteira.
— Parece que tudo é uma grande mentira.
— Bom, comece tirando a aliança.
Leandro olhou para as mãos e viu o anel de compromisso. Tirá-lo seria
definitivo. Parecia que, se tirasse, tudo o que ele pensava se tornaria real.
— E vê se dá um jeito nesse negócio, o nome do que você teve com a
Nat se chama ejaculação precoce.
Leandro sabia que se tratava de uma piada, mas não estava com humor
para elas.
— Não me zoa.
— Pelo menos isso explica por que ela tá tão calada e triste desde
ontem.
Natália estava assim por sua causa?
— Você não me disse isso. — Leandro cobrou.
— Tô dizendo agora, eu não sabia que vocês dois… — Daniel, sem
graça, fez um gesto apressado que Leandro entendeu como duas pessoas se
beijando — enfim.
— Mas ela tá brava comigo?
— Não sei, quando perguntei por que estava caladinha, só falou que não
estava num bom dia. Agora que entendi o que ela quis dizer e, a conhecendo
como conheço, não acho que esteja brava não, mas, se quiser tirar a dúvida, é
só ligar.
Confuso demais para tomar uma decisão, com medo demais para ligar.
Nem sabia se tinha o coração quebrado por Lígia ou se o que mais o
impressionava era o fato de que a homossexualidade dela lhe soava como um
alívio.
Olhando para a cara do amigo, sem saber o que fazer, tirou a aliança do
dedo. Com medo de se arrepender, não a olhou uma última vez quanso a
enfiou no bolso da calça.
O que quer que ele decidisse a partir dali, o noivado tinha acabado.
— Sério, cara, precisa ver essa ejaculação aí. — Daniel retomou.
— Não começa.
— Não é normal isso, não.
— Como é que… — Será que falar de Vívian era cedo demais?
— Como é que o quê?
— Como você soube que Vívian era a mulher certa para ti?
— Esquece isso, tá legal? Esquece. Não existe isso de “mulher certa”.
Quer minha opinião? Enquanto os dois quiserem, ela será a mulher certa.
Depois que um não quiser mais, passa a se chamar “erro”. Lígia era a mulher
certa, agora é um erro, e será assim com todas as próximas que vierem.
— Eu sou homem de uma mulher só.
— Pois é, todo mundo acha que é.
Capítulo Doze
No dia seguinte, Leandro mandou uma mensagem curta e clara para
Lígia:
“A gente precisa conversar”.
Marcaram para sábado, depois do almoço, o horário que sempre tinham
se visto desde que haviam começado a namorar. Ele passou o resto da
semana pensando em como contar para os pais sobre o fim de seu namoro
sem mencionar a sexualidade da noiva, e achou que contar que o amor
acabou fosse a única saída possível.
Vestiu-se com o mesmo garbo de sempre, a mesma colônia, o mesmo
cuidado. Ele queria conversar com ela, saber o que Lígia queria fazer, como
fazer, e só então, com a decisão tomada, contariam a não-tão-boa-nova para a
família de ambos.
Ao tocar a campainha, empenhou seu sorriso de sempre, falso sim, mas
o de sempre, e esperou que a mãe da noiva o atendesse. O que ele encontrou,
porém, foi uma cena de novela mexicana. Lígia chorava nos braços da mãe e
o pai estava uma fera, vermelho de raiva. Grudou Leandro contra a primeira
parede que viu, o segurando pelo colarinho, e meteu um dedão na cara do
homem adulto que se encolheu como um adolescente sem saber o que fazer.
Poderia facilmente se esquivar da raiva do homem mais velho, mas
Leandro sempre o viu com muito respeito e não quis revidar.
— É por isso que veio aqui com aquela papagaiada, né, seu viadinho?
Flores e chocolates, seis da manhã! Eu conheço seus truques, moleque, já fui
assim também!
Antes de responder qualquer coisa, Leandro olhou para Lígia que parou
de fingir choro no momento em que o pai partiu para a violência.
— Seu Celso, o que... do que o senhor está falando?
— Tá traindo a minha princesa, seu merdinha?
Lígia, pálida de medo que Leandro explicasse a verdade, balançou a
cabeça, minimamente, e sibilou um “por favor”.
— Nunca faria isso com sua filha.
— E por que quer terminar o noivado, hein? Cozinhou a menina por
anos, agora não quer casar?!
Honesto e correto como Lígia nunca tinha merecido, ele podia contar a
verdade, mas conseguia imaginar Seu Celso colocando a menina para fora, a
envergonhando na frente da família inteira, a renegando como filha. Podia
ver Lígia morando de favor, humilhada, sem família, com todo mundo de sua
comunidade apagando sua existência.
Ele, por mais ingênuo que fosse, era grande o bastante para saber a
diferença que todo mundo faz entre um homem e uma mulher.
Não sabia por que Lígia tinha preferido inventar aquele teatrinho de
“esposa traída”, mas não sentiu, no fundo do coração, vontade de expor a
verdade.
De todo jeito, não era a sua verdade para contá-la.
Por isso, sentindo o fantasma da aliança no anelar, ele respirou fundo,
segurou forte nos pulsos do pai da noiva e o afastou num movimento lento,
querendo significar não-violência, e inventou qualquer mentira:
— Eu não vou casar sem amor. Eu não amo mais sua menina e espero
que ela seja honrada com o amor de um homem bom do jeito que ela merece.
Não é justo que eu a faça esposa sendo que não sinto mais nada por ela.
Então a mãe da noiva chorou acalentando filha que não chorava.
Agarrada por ela como se o fim do mundo estivesse próximo, Lígia enviou
um olhar de carinho ao ex-noivo, agradecida, e fechou os olhos mais aliviada.
O pai da noiva, entretanto, seguia irado. Via maldade onde não tinha.
Começou a chamar o noivo pelos nomes mais feios do dicionário,
escorraçando-o de sua casa, desfazendo sua masculinidade, sua honra, seu
caráter.
Sem ter mais o que falar, Leandro não revidou. Baixou os olhos como
criança que levava bronca, recuou e foi embora.
Mesmo sob berros e xingamentos.
Entrou no carro sentindo a indignação bater e deu a partida.
Leandro estacionou na garagem e fez questão de demorar a baliza.
Refletia se era melhor contar a verdade a todos ou seguir com a mentira.
Lígia morava a quinze minutos de sua casa. Tempo o bastante para que a
mãe da ex-noiva ligasse para a sua, ela conversasse com seu pai e, quando
Leandro achou que tudo tinha terminado, encontrou um pai e uma mãe
também irados.
Seu tio, irmão de sua mãe e padre da paróquia que frequentavam,
chegou logo depois, ainda de batina.
— Filho, que história é essa? — A mãe foi a primeira a se manifestar e
ele mal tinha desligado o carro — A Jandira e o Celso me disseram coisas
horríveis!
Leandro deu um longo suspiro cansado. Dona Jandira era a pessoa mais
dramática do mundo. Pior que isso, era dramática e gostava de sair
espalhando sua vida em todos os grupos do WhatsApp que frequentava.
Sinal que todo mundo da igreja sabia. Sinal que seu tio estava ali para
convencê-lo a reatar o noivado. Sinal que seu pai e sua mãe estavam
pensando o pior dele.
Sinal que ele teria que contar a verdade se não quisesse ser empurrado
de volta para um relacionamento sem qualquer futuro e nem amor.
— Me deixa só lavar a mão e mijar.
Queria um segundo em silêncio. Um segundo para saber o que fazer.
Olhou do pai para a mãe, ambos parecendo confusos, entrou em casa e se
trancou no lavabo ao lado da sala, mais enfeitado que qualquer outro cômodo
porque aquele era o banheiro da visita.
Ouviu a conversa dos três mesmo sem querer. Dona Tânia não entendia
o rompimento repentino. Seu José, por outro lado, colocava panos quentes.
E o padre, seu tio, não disse nada, para sua sorte.
Deu descarga mesmo sem se aliviar, lavou as mãos porque chegava da
rua e percebeu que tinha entrado no lavabo de mochila e tudo. Tirou o celular
do bolso só para olhar as notificações.
Tinha uma ligação perdida de um número que ele não tinha salvo nos
contatos. Sabia que só podia ser telemarketing.
Saiu do banheiro mesmo sem saber o que responder.
— Eu não sujei a minha honra nem traí a Lígia. — Foi logo se
desculpando para não ouvir coisa pior. Decidiu que já tinha ouvido coisa
ruim o suficiente para um único dia. — Nunca fui esse homem.
— Então, meu filho, o que foi que aconteceu?
— Posso pegar uma água primeiro? — Mais uma tentativa de fuga.
Andou da sala para a cozinha. Encheu um copo com água gelada do
bebedouro com capa de crochê que Dona Tânia havia tecido fazia muitos
anos, olhou todos os imãs da geladeira como se não os tivesse decorado e
respirou fundo.
Por falta de desculpa melhor, preferiu encarar o tribunal da sala munido
apenas com a verdade.
— Lígia quem terminou comigo.
— AQUELA VAGABUNDA! — A mãe foi a primeira a entender a
maldade da noiva — Colocou todo mundo contra meu filho sendo que a
culpada é ela?! Eu vou ligar para a Dona Jandira agora!
— Mãe, espera — ele pediu e Seu José parou Dona Tânia antes que ela
puxasse o telefone fixo do suporte — Senta e me escuta, esse casamento é
meu e quero resolver do meu jeito.
— Por favor, vamos manter a calma — o padre pediu e todos se
sentaram.
Menos Leandro, que permaneceu em pé entre a sala e a cozinha,
segurando um copo d’água e decidindo quais seriam suas próximas palavras,
até que resolveu dizer tudo de uma vez:
— Lígia não gosta de homem. Talvez nunca tenha gostado.
— Mas ela é uma menina tão doce, tão linda!
— Ela é, mãe, e por isso não vamos continuar com esse noivado. Não é
justo com ela e nem comigo. Casamento tem que ser bom para os dois e,
como não é, nem vai ser, achamos melhor terminar.
— Mas com o casamento as coisas vão mudar — o padre finalmente
falou — Talvez o plano de Deus para ti seja tirar Lígia do pecado.
— Como assim, tio?
— Ela pode se arrepender e escolher o paraíso.
— Tá falando pra casar mesmo ela não gostando de homem?
— Os planos de Deus são muito imprevisíveis.
Ele parou por alguns segundos para absorver os conselhos de seu tio.
Segundo a Bíblia, homossexualidade era pecado, mas mentir também não
era? Deus também não dá o livre-arbítrio para que cada um faça suas próprias
escolhas?
Como casamento forçado pode ser a vontade de Deus?!
Deu um gole na água, mas não conseguiu engolir. Seu tio era padre, o
mais sábio de todos da família. Como ele tinha a capacidade de sugerir
tamanha violência?!
— O senhor tá louco. — Descrente, Leandro rebateu.
— O casamento é uma união que agrada a Deus. É sagrado. Com o
casamento, Lígia vai se purificar de seu pecado carnal e vai ver que…
— Que o quê? — Leandro não entendeu — O senhor quer que eu case
com uma mulher que claramente não me quer?
— Está nos planos de Dle que você a guie para o caminho de Deus,
Leandro. — Dona Tânia resolveu repetir o que o padre já tinha dito.
— Forçando ela?
— Não será à força — o padre explicou —, ela será a sua esposa.
— Mãe, a senhora concorda com isso?
— Seu tio é padre, filho, ele sabe o que diz.
— E se fosse a senhora, mãe? Ia dormir e acordar ao lado de um homem
que não gosta? Todos os dias da sua vida? — como Dona Tânia não
respondeu, Leandro continuou — Gostaria que o pai te forçasse a transar? Foi
assim que eu nasci, mãe? Queria que eu viesse ao mundo, como seu filho, a
partir de uma relação que a senhora não quisesse?
— Claro que não, Léo, mas está nos planos de Deus que…
— Ninguém sabe os planos de Deus.
— Mas o casamento… — Dona Tânia continuava tentando.
— Não interessa. Eu mereço mais do que viver com uma mulher que
não me quer. Eu me guardei a vida inteira. Deus sabe os sacrifícios que fiz
para me manter puro. Sabe o quanto espero pelo dia do casamento e o quanto
quero que a pessoa que Ele reservou para mim me ame e me queira. Eu não
vou casar com ninguém, agora.
— Leandro…
— Não, mãe. E não me venha com “planos de Deus”, porque se alguém
falar mais alguma coisa sobre forçar o casamento com Lígia para que ela vá
ao paraíso, eu juro que não respondo por mim.
— Estamos muito exaltados. — O padre, que sabia de retórica mais do
que qualquer um, se levantou com sua batina impecável, colocou a mão no
ombro do sobrinho e explicou com ternura e firmeza — Existem vários tipos
de amor, Leandro. Existe ágape, o amor incondicional de Deus; philia, o
amor fraternal entre pessoas; eros, amor entre marido e mulher…
— Sei disso, tio.
— E existe o storge, do amor ao próximo. Num casamento, os quatro
amores se unem, nem só de eros vive o casamento, meu filho.
— E que nome o senhor vai dar quando estivermos Lígia e eu nas
núpcias?
— Ela será sua esposa, filho, será dever de Lígia te obedecer e te honrar.
— Isso se chama estupro.
— Leandro! — Dona Tânia o repreendeu.
— Se eu forçar sexo numa mulher que não me quer, que nome isso tem,
tio?
— No casamento as coisas são diferentes.
— Como?
— Ela será sua esposa.
— E daí? Ela vai sentir prazer comigo já que não gosta de homem? E se
eu forçar meu direito de marido e ela ceder, que nome isso tem?
— Você está vendo isso de uma maneira equivocada, Leandro, meu
filho. — Dona Tânia seguia apoiando o irmão.
Desistindo de responder, Leandro olhou por cima do ombro do padre e
encontrou a mãe. Olhou depois para o pai e disparou:
— O senhor já teve que forçar a mãe a fazer amor contigo, pai?
Confuso e envergonhado, Seu José não respondeu. Se dissesse que sim,
feriria o orgulho da esposa. Se dissesse que não, o padre (que nunca se
casara), estaria errado.
E um padre nunca erra. Ele é o representante da igreja e de Deus na terra
dos homens.
— Se o senhor tivesse que forçar, pai, que tipo de casamento seria esse?
Que filho eu seria? Que bem faríamos e como agradaríamos a Deus desse
jeito?
Ninguém tinha resposta para aquilo e Leandro se cansou. Não havia
qualquer possibilidade de casamento depois daquela conversa e todos os
presentes sabiam.
Cansado, completamente desconfortável, Leandro pegou a mochila, as
chaves do carro e saiu.
Capítulo Treze
Sem saber para onde ir e exausto, ele parou o carro em qualquer
estacionamento 24h, puxou o banco para trás para dar um mínimo de
conforto para as pernas, tirou a blusa de frio toda amassada de dentro da
mochila e cobriu os braços.
Dormiu sentado e bem de frente para onde o Sol nascia.
Acordou mais cansado do que quando foi dormir, desnorteado.
Relembrou as palavras de seu tio, o jeito como seus pais tinham ficado sem
saber o que responder.
Perguntou para o Google se existia estupro dentro de um casamento e
não se espantou com a resposta: era considerado crime e tinha nome.
Estupro marital.
Não existe direito de marido sobre o corpo da esposa. Não existe
obediência de uma esposa que não quer sexo. Um padre devia saber disso,
existia até grupo de casados dentro da paróquia.
Leandro ficou se perguntando que tipo de ensinamento seu tio era capaz
de dar sobre casamento, se ele havia feito um voto de castidade com Deus.
Sentiu como se seu coração se desfizesse de um nó. Ele não estava
errado em não querer se casar com Lígia. Não estava errado em quebrar o
noivado.
Se Lígia era gay, então que ela escolhesse seus próprios caminhos.
O caso é que esse não era o único motivo para que Leandro não quisesse
se casar. Havia uma mulher, provavelmente divorciada, com filho
adolescente, que vestia vermelho e frequentava clubes de sexo.
E essa mulher o deixava sem palavras.
Ele sequer sabia que sentimento era aquele porque eram várias coisas
numa só. Se ficasse bem quieto, se pegava admirado. Ela era retumbante de
tão linda. Se se lembrasse de sua voz de comando, aquela que o mandou
gozar, ele sentia a própria carne esquentar.
Se só pudesse se lembrar de uma única cena, se lembraria da amiga leal
que arranca as próprias unhas para fazer justiça por um amigo. E ainda tinha
a mãe amorosa que guardava dinheiro para que o filho fizesse intercâmbio. E
a cozinheira incrível de estrogonofe.
E a mulher de vermelho sentada sobre uma cadeira, mas que, para ele,
era como comandasse o mundo inteirinho.
Era paixão? Era amor? Não eram.
Eram várias coisas numa só.
E o que gritava mais alto era o deslumbre. Diferente de qualquer coisa
que tivesse conhecido até então.
Desceu do carro gemendo pelas várias horas sentado numa mesma
posição, sentindo a bunda quadrada e o pescoço rígido. Se alongou e deixou a
blusa cair no chão sem querer.
Ao pegá-la, bateu contra as pernas para sacudir a poeira e alisou a cara.
Puxou os cabelos levemente ensebados e andou até o vigia noturno para saber
se o estacionamento tinha banheiro.
Na mochila da faculdade não tinha escova de dentes nem sabonete, tudo
isso ficava na mochila de treino que ele tinha esquecido. Sabia que precisaria
voltar para casa, mas se convenceu que, se fosse a uma padaria e bebesse um
café, talvez não precisasse tanto assim escovar os dentes.
Lembrou-se da padaria perto da casa dos pais e cumprimentou a
mocinha do balcão. Pediu um café forte, dois pães na chapa e checou a
bateria do celular.
Se trocasse de camisa conseguiria enfrentar um dia inteiro de trabalho
sem pisar em casa. Olhou o relógio de parede perto do caixa, seis da manhã, e
sabia que era cedo demais para encontrar qualquer loja de camisa.
Poderia pedir uma emprestada para Daniel, certamente ele emprestaria,
mas se pedisse, teria que explicar por que não queria ir para casa e Leandro
não tinha paciência para as milhares de perguntas que o amigo faria.
Mandou mensagem para um colega do trabalho. Pediu que levasse uma
camisa extra e deu a entender que tinha passado a noite fora com alguém e
que, por isso, não teria tempo de ir para casa.
Camisa resolvida, seu próximo passo era encontrar uma farmácia,
comprar um kit de viagem com escova de dente e pasta, e ir para o trabalho.
Mesmo sozinho, sem casa, sem banho, ele agia com a própria cabeça, a
própria vontade. Ninguém mandava nele. Ele sabia o que era certo. Se os
outros topavam fazer qualquer coisa para uma chance de paraíso que
ninguém realmente sabe se existe, ele não seria mais esta pessoa.
Antes de ir para o céu, ele viveria muitos e muitos anos na terra e jamais
se conformaria se tivesse aceitado a proposta de casamento com uma mulher
que não o queria.
Pensando bem, sozinho no balcão simples da padaria de bairro, de onde
tinha surgido seu sonho de casamento?
No fundo, no fundo, era só para ter alguém que o completasse em todos
os sentidos.
No fundo, no fundo, não é isso o que todo mundo quer?
Engoliu os dois pães e não ouviu uma palavra saída da televisão alta
demais para um estabelecimento comercial. Pediu uma salada de frutas para
viagem, mais café também, alguns pães de queijo para comer até a hora do
almoço e partiu.
Chegou no trabalho um pouco mais cedo e em tempo o suficiente para
se arrumar no banheiro da firma, com a camisa emprestada, antes de enfrentar
mais um dia com os números (que não reclamavam), com planilhas (que
também não reclamavam), e pessoas (que reclamavam, mas ele não se
importa muito porque não era sobre as coisas que lhe eram caras).
Era quase hora do almoço e ele não aguentava mais resolver problemas
do chefe do chefe de seu chefe. O mesmo número de telemarketing do dia
anterior ligou e ele atendeu só para que parassem de ligar.
— De que empresa que é?
— Alô, Leandro? — A voz, entretanto, não era carregada de gerúndios e
promoções imperdíveis.
Aquela voz era capaz de levá-lo de volta a um único segundo em que
seu orgasmo não chegou carregado de culpa e crucificações.
— Ah, oi. — Ele queria ter parecido menos desdenhoso, mas também
não sabia como parecer empolgado sem aparentar empolgação demais.
— É uma hora ruim para te ligar?
— Não, Nat, de forma alguma — “Nat”, ele falou. Como se ela lhe
tivesse dado qualquer abertura — Está tudo bem? Daniel tá dando trabalho?
O que posso…
— Tentei ligar ontem, mas você não atendeu, achei que você ainda
estivesse bravo comigo e eu… liguei de novo hoje. Fiz mal?
— Olha, Natália, eu…
— Liguei para te pedir desculpas. — Ele percebeu a pausa longa que ela
deu e a ouviu soltar o ar num descontentamento triste — O que eu fiz com
você, anteontem, não tem desculpa. Eu devia ter tido mais controle. Sei que
você é religioso e o bar para onde Daniel te levou deve ter sido um choque
para você. Eu devia ter te explicado tudo antes e não te forçado a…
— Você não me forçou. — No contexto que ele se encontrava, ali ele
entendeu perfeitamente que gozar pelo bolso da calça não tinha sido por
obrigação ou coação.
— Talvez, mas mesmo assim. Você é lindo e eu me deixei levar. Sei que
você é noivo e a última coisa que quero é estragar outro casamento. Você é
amigo do Dani, bem-vindo na minha casa e prometo que vou me comportar
se quiser me ver de novo.
— Nat… — Ele sentiu que “Nat” era o apelido certo para ela.
— Eu gosto de ouvir você falando meu nome assim. — Ela derreteu.
— Você disse que devia ter me explicado tudo antes.
— Aquilo é um clube de BDSM.
— Eu vou sair para o almoço, agora. — Olhou o relógio inteligente no
pulso, calculou o tempo que teria livre, e arriscou — Tá com tempo para me
explicar?
— Você quer saber? — Ela pareceu empolgada e surpresa ao mesmo
tempo — Mesmo, mesmo?
— Não sei. — Sabia, mas ainda tinha medo demais de falar — Quero?
— E Como é que vai ser? Eu te explico por telefone, de forma didática,
só para você entender o que aconteceu?
— Não é isso. — Pelo menos, não era assim que ele queria aprender.
— Imaginei, mas você ainda é noivo e eu não entro em jogo perdido.
Mesmo tendo desligado o telefone sem saber o que era o tal BDSM,
Leandro finalmente deu o primeiro sorriso do dia.
Incrível o poder que certas pessoas têm.
Capítulo Catorze
Chegou em casa só depois das aulas do mestrado. O desodorante já
vencia e todo seu corpo pedia uma boa noite de sono. Tentou não fazer muito
barulho quando abriu o portão automático da casa de seus pais e passou o
alarme do carro apertando o conjunto de botões que não fazem barulho.
Entrou em casa rezando para não ter mais confusão. Só queria um prato
de comida, banho e dormir. Não tinha um neurônio para discussões e, por
sorte do destino ou prudência dos pais, a casa estava escura e tinha um prato
de comida no micro-ondas.
Sentou-se para comer, mas até para isso sentia-se cansado demais.
Empurrou o garfo contra a boca até acabar o conteúdo do prato, mas não
sabia dizer se o bife tinha gosto, ou se sua mãe tinha deixado o arroz
empapado.
Subiu para o quarto com cuidado em cada degrau e trancou a porta.
Olhou para os móveis que eram os mesmos desde garoto, para os livros da
faculdade empilhados num canto e a cruz sobre o batente da entrada.
Aquela cruz também era a responsável por sua castidade. Servia como
um lembrete constante de que Jesus está sempre de olho.
Entrou no pequeno banheiro, se despiu e fechou os olhos debaixo do jato
de água quente. Por um segundo, alimentado e quase pronto para dormir, ele
sentiu que tudo, no final, acabaria bem.
Durante a semana, sua mãe preparou o café, seu pai assistiu futebol na
quarta-feira, único momento em que era permitido xingar debaixo daquele
teto, o jantar em família era silencioso como sempre havia sido, exceto pelas
fofocas de comadre que dona Tânia queria compartilhar, e quando o fim de
semana chegou, Leandro quase tinha se esquecido de que seu próprio tio, um
padre, era a favor de estupro marital.
Domingo, por outro lado, trouxe tudo de volta. À tarde, Lígia e os pais
chegaram à sua casa. Seu Celso bateu à porta, de braços dados com a filha e a
esposa seguia atrás.
Seu José quem atendeu e dona Tânia preparava um café da tarde na
cozinha, com bolo quentinho e arrumado demais para um simples cafezinho.
Leandro, como um homem adulto sem nada melhor para fazer num domingo,
jogava videogame largado no sofá, só de bermuda.
Ao ver quem era a visita, porém, vestiu uma camiseta e ajeitou melhor o
elástico na cintura. Pausou o jogo e olhou para os patriarcas sem entender que
armação era aquela e por que ninguém tinha sido capaz de consultá-lo antes
de agir.
— Viemos resolver a situação que você causou. — O pai de Lígia foi o
primeiro a falar.
— Certo. — Leandro sabia melhor do que bater de frente. — E qual a
solução?
— Vamos para a cozinha. — Dona Tânia encaminhou todos para o
cômodo seguinte, deixando o marido numa das pontas da mesa e o filho na
outra. — Preparei um cafezinho para a gente resolver isso da melhor forma
possível. Somos amigos há quantos anos? Não vai ser por causa de um
desentendimento bobo que vamos nos maltratar, não é?
Dona Jandira pareceu concordar e se levantou, solícita, para ajudar Dona
Tânia a servir todos os presentes.
De pratos cheios, Leandro finalmente deu uma boa olhada em Lígia e
percebeu que ela não olhava para nada além das próprias mãos. Reparou nos
ombros tensos, no bico involuntário que se partiria em choro a qualquer
segundo.
— Lígia — ele chamou —, você ainda quer casar comigo?
A mulher mal teve chance de responder. Celso e Jandira responderam
em seu lugar, achando a pergunta de mau gosto.
— Por que vocês querem tanto que ela se case? — Leandro disparou
quando percebeu que ninguém deixaria Lígia falar — Se querem que ela saia
de casa, tem jeitos mais fáceis.
— Moleque!
— O senhor está debaixo do meu teto, seu Celso. — José resolveu de
que lado ficaria da briga iminente — Sempre foi bem-vindo, mas se maltratar
meu garoto…
— Filha, é só dizer que quer se casar com Leandro — Dona Jandira
pressionou — Meu Deus, que papelão!
— Lígia, diga logo o que ele quer ouvir — o pai mandou.
— Eu… — ela gaguejou. Todos os presentes empergidaram a coluna,
esperando pelo óbvio, mas só Leandro previu a resposta — Eu não quero.
Não tinha resposta certa, Lígia perderia em qualquer decisão que
tomasse. Leandro respirou aliviado, mas se levantou da mesa assustado ao
ver o pai da noiva erguer a mão para ela, com força de homem adulto, e lhe
dar um tapa tão forte no rosto que seus dentes sangraram.
Os pais de Leandro ficaram sem reação. Dona Jandira, por outro lado,
baixou a cabeça.
— Como não vai casar? Vai casar sim! — Celso se levantou da mesa,
empurrando o prato como se tivessem lhe oferecido bosta para comer e
começou, outra vez, a ofender.
Dessa vez não Leandro, mas a própria filha.
— Eu não posso, pai — tão miúda e humilhada que Lígia não ergueu a
voz ou a cabeça para responder.
— Você não tem mais escolha, menina. Tá na idade de se casar e já tem
noivo!
— Não posso, papai.
— Por que não pode, minha filha? — foi a vez de Dona Tânia falar,
porque Dona Jandira não tinha voz sequer para defender a própria filha.
— Por que eu…
Leandro olhou de pai para filha. Se por se recusar a se casar, Lígia tinha
levado um tapa e ninguém a defendera, se ela revelasse a verdade, aquele
certamente seria seu fim.
— Eu não sou mais puro, tá legal? — Leandro resolveu falar — Lígia
não quis transar comigo antes do casamento, então achei quem aceitasse.
José e Tânia, seus pais, deixaram o queixo cair e empalideceram.
— Tudo o que eu falei antes era mentira, pai. — Com um caroço
entalado na garganta, Leandro cobria a verdade com uma mentira mais fácil
de lidar — Conheci uma mulher que faz o que eu quero, do jeito que eu
quero, na hora que eu quero e não exige compromisso.
— Esse é o homem de bem que você criou, Seu Zé? — Celso era um
homem da igreja, mas um homem desprezível.
— Lígia sabe de tudo, por isso não quer mais se casar.
Ninguém mais tinha o que dizer. Dona Tânia segurava o choro, seu José
não olhava para ninguém e Leandro deixou que Celso xingasse, falasse
qualquer coisa sobre seu caráter, e deu graças quando todas as visitas foram
embora.
— Leandro — Dona Tânia, arrasada, se sentou à mesa depois de se
despedir da família da noiva e desabou —, o que está acontecendo?
— Você viu o tapa que o pai dela deu nela? Se Lígia falasse a verdade,
eu não sei o que o ele seria capaz!
— Não sei mais o que é verdade e o que é mentira. — Seu José
confessou.
Para onde Leandro corresse, ficava sem escapatória. Se falasse que ainda
se guardava para o casamento, os pais fariam questão que ele se casasse com
uma lésbica mesmo contra a vontade dela.
Por outro lado, se repetisse a mentira sobre sua castidade, arrasaria seus
pais.
Pensando bem, que diferença sua castidade faria a seus pais? Era
homem, adulto, com um bom emprego, um bom carro, um bom currículo.
Frequentava a igreja, ajudava nas festas juninas, era sempre voluntário nos
eventos de seu tio.
Ser ou não virgem era apenas um detalhe que só devia importar a quem
se deitasse com ele.
Certo?
— Ela é lésbica — Leandro confessou —, mas não me guardo mais para
o casamento.
— Como é? — seu pai perguntou.
— Acabei parando num clube de sexo. Conheci uma mulher lá. Ela me
apresentou para um mundo que nunca vi. Acabei ficando com ela. — Até ali,
tudo era verdade, mas achou melhor emendar umas mentiras — Ela me
apresentou para outra mulher. E outra. E outra.
— Eu não criei filho para isso, Leandro! — Horrorizada, Dona Tânia
deu um tapa na mesa.
— Ué, criou filho para reformar sapatão, para casar contra a vontade,
mas não criou filho para se deitar com quem quiser?
— Olha como fala com sua mãe, menino!
— E até parece que o senhor só se deitou com a minha mãe!
— Sempre fui leal, filho, os prazeres da carne…
— Já conheço seu discurso, seu José, li e reli a Bíblia não sei quantas
vezes!
Todo mundo tem um ponto de quebra e aquele foi o dele. Não se pode
dizer que Leandro sabia exatamente o que falava quando resolveu trazer a
frase “chupar buceta” para a mesa de café de seus pais.
Reuniu todas as conversas de corredor da faculdade, todas as festas que
já tinha ido, tudo o que já havia testemunhado no mundo e as coisas que
sonhava em fazer com sua esposa, e disse como se já as tivesse feito.
Ele mal parava para respirar, apenas cuspia para fora da boca, com
algum ódio, alguma raiva, tantos palavrões cabeludos como o bom-moço
nunca quis falar.
Pelo menos, ele sabia, que assim ficaria livre de um casamento que não
fazia mais sentido, se é que um dia fez. Ninguém culparia Lígia pelo fim do
noivado também, ele era o errado, ele que se desgarrou de Deus e das
crenças, ele que se perdeu no mundo.
Disse coisas até que seus olhos enchessem de lágrimas e seus joelhos
fraquejassem. Nada daquilo era verdade, mas, dentro de seu coração, as
coisas que dizia tinham um propósito. Lígia ficaria livre dos abusos do pai,
protegida de um casamento de fachada, e ele ficaria livre para ligar para
Natália.
Só não esperava que suas palavras machucassem seus pais tão
duramente ao ponto de seu José, vermelho de raiva e vergonha, desistisse do
próprio filho com uma única frase:
— Saia da minha casa.
— Marido… — Dona Tânia tentou apartar.
— Não, Tânia. Esse menino precisa crescer. Precisa pagar umas contas,
aprender por si. Chega de passar a mão na cabeça dele. Chega! Pegue suas
coisas, Leandro, e pode sair da minha casa.
Capítulo Quinze
Era um caminho sem volta. Com as malas dentro do carro, ele olhou
para trás e não soube o que dizer para sua mãe que limpava as lágrimas na
gola do vestido.
Estava finalmente livre do casamento, mas não como esperava. Nunca
havia imaginado que sairia tanta besteira de sua boca. Que falaria sobre
chupar mulheres na frente de seu pai e sua mãe, que falaria sobre mulheres
nuas dançando num mastro ou sobre como ele adora quando elas dançam em
seu colo.
Era afronta de moleque púbere, coisa de garoto e Leandro passava longe
de um. Todas as coisas que ele sempre havia evitado, sempre tinha desviado
os olhos, viraram verdade absoluta dentro de sua boca e, quando começou a
falar, nada o fazia parar.
Quase como se aquelas coisas fossem seu real desejo. Todas as situações
que reprimia inclusive do imaginário.
Tão podado por medo do castigo divino que, quando precisou falar de
suas vontades, elas saíram todas de uma vez.
Como uma torneira que pinga, mas ninguém consegue fechar
completamente até o dia em que ela resolve desaguar.
Sibilou um “me perdoa” arrependido para sua mãe, olhou para a porta da
sala aberta esperando ver o pai, nem que fosse de relance, e entrou no carro.
Deu a partida sem saber para onde ir. Era domingo, os bancos não
abriam. Olhou sua conta bancária e percebeu que, pagando a mensalidade da
faculdade de Daniel, a mensalidade de seu mestrado e o plano de saúde de
seus pais, ele tinha dezoito reais na conta até o próximo pagamento.
Como economista, sabia guardar dinheiro, tinha plano de emergência. O
problema é que para resgatar seus investimentos ele precisava falar com o
gerente de sua conta, coisa que só aconteceria na manhã do dia seguinte.
Pensou em passar outra noite no carro, mas precisava de alguém para
segurar sua cabeça e erguer seu queixo. Estava a um passo de chorar, de
chorar muito e não queria estar sozinho quando suas lágrimas aparecessem.
Ligou para Daniel, a única pessoa que ele considerava um amigo. Jamais
levaria problema para Natália, ela já tinha os dela, mas precisava de um par
de ouvidos atentos e alguém lhe dissesse o que fazer.
— Me dá cinco minutos que te ligo de volta. — Daniel pediu depois que
Leandro contou todo o ocorrido.
— Não conta nada para a Natália!
— Não, relaxa, confia em mim.
Dirigindo sem direção alguma, Leandro esperou. Com o que tinha na
conta não conseguiria sequer comer até o dia seguinte e, se continuasse
queimando gasolina daquele jeito, também não chegaria ao trabalho.
Estacionou quando se deu conta de que tinha um quarto de tanque cheio.
Desligou o carro e encostou a testa no volante. Rezou pedindo perdão por
desapontar a mãe, ao pai, e por mentir tão descaradamente.
Rezou também pelos desejos reprimidos que voaram de sua boca como
se fossem ações concretas. Não entendia como tinha sido tão fácil falar, se até
pensar sempre lhe fora tão difícil, mas pediu desculpas por isso também.
— Arrumei um canto para você ficar, sem pagar, e que não precisa sair
na manhã seguinte se não quiser — Daniel disse assim que foi atendido.
— Não vou ficar aí na casa dela!
— Abaixa a bolinha, caralho, a Nat também não te quer aqui.
— Não? — Cada centímetro de seu coração queria que, pelo menos, ela
tivesse oferecido.
— Dirige lá para aquele bar que a gente foi. Lembra como que chega?
— De cabeça, não.
— Te mando o endereço por mensagem. Chega na chapelaria e fala para
a mocinha que fica lá que você é convidado do Bataille.
— Não volto para aquele lugar. — Foi expulso da casa do pai
justamente por conta do que aquele bar representou na sua vida, como
passaria uma noite inteira lá? — Eu não preciso de um canto para ficar, já
dormi no carro essa semana, um dia a mais não vai me matar.
— Larga de preconceito e vá para lá! E daí que é casa de putaria, porra?
Os bons samaritanos te colocaram para fora! Tá no inferno, então vê se
abraça o capeta!
— Quando você chorava pela Vívian, eu fui um amigo muito melhor.
— Pode não parecer, mas tô ajudando. Juro. Confia em mim, confia na
Nat. Ela disse que coloca a mão no fogo por esse tal de Batata. Amanhã,
como você disse, resgate sua grana e vá para onde preferir. É só hoje.
Ninguém merece dormir no carro depois de ser expulso de casa.
— Você está certo.
— Nunca que te deixo na mão, tá bem? Vai indo para lá que tô botando
roupa de sair e já te encontro.
— Tá. — Ele se deu por vencido — Só hoje.
— Beleza, vê se vai pela sombra e segura esse teu bico pra não arrumar
mais confusão.
— Tá. — Mas ainda faltava uma coisa para que Leandro se convencesse
de ir para o inferno abraçando o capeta — Posso te perguntar uma coisa?
— Manda.
— Por que a Nat não me quer aí?

✽✽✽

A garota da chapelaria já tinha sido avisada e, assim que o loiro alto e já


famoso por arrasar o coração de Lady Nïn chegou, ela o conduziu escadas
acima, sem perguntar nada, e o deixou sozinho no quarto de móveis
vitorianos, com lençóis limpos e um leve cheiro de desinfetante no ar.
Em pé diante do quarto comum, Leandro só tinha uma mala. Tinha
deixado todas as outras no carro estacionado na frente do bar para que saísse
no dia seguinte o mais depressa possível.
Respirou fundo ainda sem entender muito bem o quanto sua vida tinha
virado de ponta-cabeça desde que tinha pisado ali pela primeira vez. De
homem noivo com uma futura esposa linda, dinheiro guardado para comprar
um apartamento e muitos planos para futuro, para alguém expulso de casa e
dormindo de favor num quarto de putaria.
Devia ter exposto Lígia e se salvado. Era o melhor a se fazer, mas sabia
que mesmo assim ainda corria a chance de ser obrigado a se casar.
Na cabeça dele, mesmo que não faça sentido a mais ninguém, ele
realmente sentia que seria obrigado a se casar. Foi inclusive a primeira coisa
que Daniel perguntou quando chegou com a camiseta do avesso e chinelos.
— ‘Tamo na idade média, por acaso?
— Você não entenderia. — Com preconceito e algum nojo, Leandro
evitava se sentar na cama ou na poltrona encostada perto da porta e andava de
um lado para outro dentro do quarto.
— Ninguém entende, na verdade.
— Meu pai e minha mãe são tudo para mim.
— … — Daniel colocou as mãos nos quadris e respirou fundo antes de
chegar com uma paulada — Beleza, bonito, mas você não é tudo para eles.
— Não fala essas coisas. — Leandro olhou para a cadeira encostada
num canto, cogitou sentar nela, mas desistiu.
— Porra, o amor deles por ti tá condicionado à sua obediência, você não
vê, não? Eles só te amam se você seguir a cartilha deles, se você for
obediente, se você se casar com fulana. Você pediu para nascer, foi?
— Eles me amam e eu sei disso.
— Não duvido que te amem, mas você não deve nada a eles. —
Nervoso, Daniel passou gesticular demais, apontar o dedo para a porta e
aumentar o tom da voz — Falou demais sobre chupar xoxota? Falou, mas
acredito que se você não tivesse sido proibido até de pensar em buceta, teria
achado um jeito menos idiota de se explicar para os teus pais.
— Eu só sei que preciso pedir desculpas. — Leandro olhou para a cama.
Será que os lençóis estavam mesmo limpos? Será que era seguro sentar?
— E vai se arrastar até quando?
— Não é me arrastar. — Cansado, ele só se sentou e desistiu de pensar
em limpeza.
— Então pensa comigo: você volta para a casa dos seus pais e pede
desculpas. Provavelmente eles vão aceitar, mas você acha mesmo que eles
vão te querer de volta sem uma condição?
— Certeza que meu pai vai querer alguma coisa em troca. — Daniel
tinha razão, Leandro sabia, mas ele estava tão cansado para enfrentar outra
discussão!
— Tipo casar com quem não te quer né? — O amigo alfinetou —
Casado tu tá controlado, não tem dor de cabeça.
— Entendo o que diz, mas que outra saída tenho?
— É… andar com as próprias pernas? Aprender a viver sozinho, do seu
jeito, com as suas condições?
Que condições? Leandro pensou. Ele tinha dezoito reais na carteira e
teria que resgatar um de seus investimentos se não quisesse passar fome até o
próximo pagamento.
— Não me leve a mal — Ele prosseguiu com cautela —, mas pagando a
sua faculdade, o meu mestrado e o plano dos meus pais, acha que tenho
alguma condição?
— Eu sei, a carga nas suas costas tá grande.
— Finalmente concordamos em alguma coisa.
— Então larga de ser uma mula e aceita ajuda!
— Eu já tô nesse fim de mundo, não tô?
— Criança, o fim de mundo de uns é o começo do mundo dos outros.
Ninguém percebeu o homem bem-vestido parado na porta ouvindo tudo.
Daniel podia jurar que tinha fechado a porta, mas, olhando o homem muito
alto e muito forte parado no batente e com cara de poucos amigos, talvez ele
tivesse se esquecido.
— Já nos conhecemos, mas não sei seu nome. — Com educação,
Leandro parou de andar de um lado para outro, se aproximou do recém-
chegado e estendeu a mão num cumprimento cordial.
— Bataille.
— Ah, então você que é o famoso Bataille? — Daniel seguiu o amigo,
apertou a mão do homem também e sorriu amarelo.
— Obrigado por me deixar ficar aqui.
— Neste fim de mundo ou no meu quarto de aftercare?
— Neste quarto. — Envergonhado, Leandro se encolheu — Sinto muito
que tenha ouvido o que falei.
— Tem demônio em todo lugar. Às vezes é bom conviver com o
monstro que conhecemos.
— Juro que amanhã deixo seu quarto livre.
Com um sorriso experiente e um charme que ninguém resiste, Bataille
sorriu e respondeu com sabedoria.
— Veremos.
Capítulo Dezesseis
Cansado de não dormir bem. A cama era boa, o chuveiro era quente,
mas ele não conseguia descansar.
Não conseguiu dormir porque se magoava com os pais. Por que tinha
falado demais, por que teve que chegar àquele ponto. Para se livrar de um
problema, criou um maior ainda e era por isso que dormia e acordava o
tempo inteiro, sentindo o cheiro do amaciante que não era o de sua mãe nas
roupas de cama e os barulhos de sexo que faziam os quartos ao lado.
Levantou-se às seis da manhã, talvez um pouco antes. Arrumou a
mochila, tirou os pelos de barba que restaram na pia depois de se barbear para
mais um dia de trabalho, refez a cama com o mesmo capricho que tinha
encontrado e desceu.
Sem ter para onde voltar, primeiro iria ao trabalho e, na hora do almoço,
resgataria algum dinheiro para alugar algum lugar para ficar por algum um
tempo até conseguir alguma saída para toda aquela situação.
Branco como era, suas olheiras eram vermelhas e tinha estampado no
rosto todo o seu cansaço. Desceu as escadas com a mochila nas costas e foi
atraído por um cheiro de ovo frito, café passado e qualquer outra coisa de
comer.
Só então percebeu a fome que tinha e se lembrou dos dezoito reais que
restavam no banco.
Andou para onde o cheiro da comida o levou. No balcão dos coquetéis
noturnos, Bataille parecia fresco de banho e usava uma camisa branquíssima
como nova.
Do outro lado, na frente do fogão, uma mulher negra nua, de salto alto e
avental, balançava os quadris enquanto mexia alguma coisa numa panela.
Pensou em recuar e fingir que não tinha percebido o que acontecia ali,
mas precisava agradecer pela estadia antes de partir.
— Obrigado. — Tentou parecer sério e distante, mas não conseguia
fingir costume diante da mulher nua que abriu um sorriso largo demais assim
que o viu. — Tô feliz de não ter que dormir mais uma noite no banco do meu
carro.
— Disponha. — E Bataille, que claramente não tinha gostado de ouvir
que seu quarto era o “fim do mundo”, não forçou simpatia.
Percebendo que não seria convidado para o café da manhã, ajeitou a
mochila no ombro e se despediu:
— Bom, estou de saída. Mais uma vez, muito obrigado.
O estômago de Leandro doía. Ele era um homem grande, acostumado a
comer bastante em curtos intervalos. Precisava gastar, nem que fosse cinco
reais, em mais um balcão de padaria. Procurou a porta de saída e, sem ouvir
qualquer resposta ao seu agradecimento, rumou para lá.
— Espera. — Contrariado, Bataille respirou fundo — Ela disse que, se
você ficar mais uma noite, vem te ver depois do trabalho.
— Ela… quem?
— Não se faça de tonto.
— Que diferença onde eu durmo vai fazer? Se ela quiser me encontrar, é
só ligar.
— Você quem sabe, a vida é sua.
— Parece que todos vocês estão tentando me coagir. Inclusive ela.
— Coagir? — Ofendido, Bataille girou no assento e encarou o loiro de
frente — Coagir a quê? A contar com a bondade de alguém? A aceitar um
quarto grátis? A quê, exatamente, “todos nós” estamos tentando te coagir?
— Só sinto que…
— Pois é, coroinha, nós representamos tudo aquilo que você repudia, já
entendemos essa parte. — Irritado, Bataille pegou seu terno caro e bem
passado apoiado no banco ao lado, e saiu sem dizer mais nada.
Percebendo a própria maldade, Leandro quis se desculpar, mas já era
tarde.
— Para um cristão, você julga muito, sabia? — A moça pelada,
entretanto, tinha presenciado tudo. Com um sorriso amigável no rosto, ela
colocou um prato farto no assento que o terno de Bataille ocupava — Senta,
coroinha. Come alguma coisa que essa cara e esse mau-humor só podem ser
de fome.
Ovos mexidos, paninis, pães tostados e algumas fatias de queijo. Tudo o
que um homem precisa para tomar suas próprias decisões.

✽✽✽

Natália estava certa de que a expulsão de Leandro era culpa sua. Senão
diretamente, pelo menos indiretamente. Imaginava que ele tivesse terminado
com a noiva e explicado o motivo do término. Imaginava que os pais dele não
quisessem uma mulher solteira com filho adolescente como nova
pretendente.
Para ela, esse tipo de coisa não fazia a menor diferença. E ela nem
queria Leandro de namorado. Com quem as pessoas vão se arranjar só diz
respeito a elas, mas ele era religioso e isso mudava tudo.
Com as chaves de casa na mão, andou até seu Garden. Precisava
desempenhar seu papel de patroa e abrir seu comércio. Precisava dar bom-dia
para as funcionárias e passar um café para elas.
Enquanto desativava o alarme, Vera, a mais velha das funcionárias,
chegou com um pratinho de bolo. Sempre que ela fazia um bolo para os
netos, assava outro para as colegas do trabalho porque sempre achou que
ligar o forno para apenas um bolo fosse desperdício de gás.
— Que carinha é essa, Hina? — Vera também tinha o superpoder de
saber quando alguém não estava num bom dia.
— Cansaço, Dona Vera — Natália respondeu no automático enquanto
ligava o computador do caixa — Seu bolinho tá com uma cara ótima.
— Tá ótimo para comer com café. Vamos passar um cafezinho?
Era todo dia isso. Tomava seu café da manhã em casa, entrava no
trabalho e tomava outro. Daniel chegou quando Natália já ria das presepadas
dos netos de Dona Vera, e deu um beijão na senhorinha que sempre ficava
muito sem jeito quando aquele homão a atacava. Perguntou de onde o bolo
tinha saído e se podia comer, levou bronca pela pergunta idiota e saiu de lá,
com as mãos cheias de farelo, pronto para regar suas meninas.
— Você ainda tá com essa carinha. — Dona Vera puxou assunto quando
as duas colocaram a louça na pia da pequena cozinha dos fundos — O que
aconteceu?
— Só não acordei muito boa. — Mentiu. Não existia a menor
possibilidade de Natália comentar o acontecido com uma senhora de mais de
sessenta anos, que possui netos e também vivia com o escapulário no
pescoço.
— Vou falar pro Caio vir almoçar aqui hoje, assim quem sabe você não
se anima, né?
Caio com certeza a faria melhorar. Era o Caio, afinal. Desde o dia em
que tinha nascido trazia cor à sua vida.
No entanto, quando o filho não estava presente…
Concordou sobre Caio e foi cuidar de suas orquídeas. Frequentemente
tirava algum tempo para o adubo, mais algum tempo na poda, outro na rega.
Quem visitasse seu Garden mais de uma vez saberia que, na verdade, Natália
Hina, mais conhecida como Dona Hina, vivia para suas orquídeas.
Ninguém sabe como seu amor por elas havia começado. Ganhara uma
muda quando era adolescente. Tinha sido a pior fase da sua depressão. As
plantas, aquela orquídea e todas as outras que haviam enfeitado seu quarto no
atravessar dos meses, fora o que realmente lhe salvaram.
Eram tantas plantas que seu pai, Toshio, colocou algumas para vender
no hortifruti da família. Daniel havia testemunhado cada nova muda. As
clientes ficavam encantadas com o viço, o vaso pintado à mão, o tamanho.
Naquela época, Natália dava até nome para elas e eram sempre referências de
Pokémon.
Assim nascera a vontade de ter um jardim. Mexer com a terra, para
Natália, era uma terapia. Confusa e triste com a situação com Leandro, tirou a
semana para cuidar de suas muitas orquídeas.
Com fones de ouvido e as mãos sujas de terra, abandonou o caixa. As
madames preferiam ser atendidas por Daniel, de todo jeito. Pediu para algum
funcionário apanhar um saco de fertilizante mais pesado, outro para conectar
a mangueira, mas não parou de trabalhar um minuto.
Fazia algum tempo desde a última vez em que tinha trabalhado tanto
assim com terra. Ser dona de um negócio, mesmo que pequeno, era mais
sobre administrar planilhas que cuidar do produto.
Quando Caio chegou da escola, Natália parecia mais animada. Não
havia mais carinha triste. Suada, com as mãos sujas e a barra da camiseta
molhada, ela abraçou seu menino com força, deu um beijão de boas-vindas e
foi para cozinha onde outra senhorinha, também funcionária, preparava o
almoço de todo mundo.
São cinco funcionários, três senhorinhas já avós com um conhecimento
de cultivo que escola nenhuma ensina, e dois meninos em seu primeiro
emprego. Enquanto as avós cuidavam das plantas, da rega, do trato com os
clientes, os meninos cuidavam dos trabalhos braçais.
Na hora do almoço, entretanto, o Garden fechava. Do meio-dia à uma da
tarde a empresa não funcionava. Todos os funcionários almoçavam juntos, na
mesma mesa, lavavam os pratos, deixavam tudo limpo e seguiam para o resto
do expediente.
Ter rotina era fundamental se Natália não quisesse cair no poço por onde
já havia escalado uma vez. Olhando todo mundo almoçando e rindo, ela
sentia que alguma coisa, no fim das contas, tinha dado certo em sua vida.
Cortando uma laranja para chupar depois do almoço, Natália deu uma
olhada no celular. Estava louca para mandar mensagem para Bataille só para
saber se Leandro tinha dormido bem, se tinha dado trabalho, se ia passar mais
uma noite naquele quarto.
Segurou o riso quando viu que o amigo tinha lido seus pensamentos e
lhe enviado um: “Natália, eu odeio esse cara. Que ele beije muito mal pra eu
não ter que aguentá-lo por muito mais tempo”.
Enquanto escrevia a resposta, seu telefone tocou.
— Fiz mal em ligar? — Era Leandro.
— Não. — E, um pouco sentida por toda a situação, não soube o que
mais falar para ele.
— Você vai mesmo me ver no bar do seu amigo mais tarde?
— Bataille te disse a minha condição, não disse?
— Por que você quer que eu fique lá? Quero dizer… tudo bem, estou
sem ter onde morar, mas por que lá?
— É de graça. — Esse era o primeiro motivo — E você não tem onde
morar.
— É, mas… por que lá?
— Léo, você gostou de lá tanto quanto eu gosto. Por que resiste tanto
em aceitar?
— Eu não gostei de lá.
— Não?
— Eu gostei de você.
Como uma garotinha, suas bochechas esquentaram, seu estômago deu
um nó, seus pés decidiram sair andando por entre os vasos pesados, sozinhos,
e a laranja quase caiu de sua mão.
— Também gostei de você. — Ela não entendia como sua voz tinha
saído tão fraca e envergonhada.
Leandro, pelo seu lado da linha, deu um suspiro aliviado que a fez rir
baixinho.
— A verdade é que aquele clube significa muito para mim. — Ela
retomou — Você não imagina pelo que eu passava quando encontrei aquele
lugar. Pode parecer a visão do inferno para você, mas, para mim, não. É onde
eu posso ser quem eu gosto de ser. Como aprendi a me gostar. Entende o que
eu digo?
— Sinto a mesma coisa com a igreja.
— Então… — Ela deu uma risadinha confortável mesmo sabendo que a
piadinha seria infame — Você quer conhecer a minha religião?
— Tá certo, Natália. — Convencido, ele suspirou mais amigável e
concordou — Fico por lá até aquele cara me expulsar.
— Não vai ser por muito tempo, então.
O humor da patroa mudou drasticamente depois daquela ligação e todo
mundo percebeu.
Capítulo Dezessete
Bataille foi avisado no segundo que Leandro pisou na chapelaria, mas
estava longe do Stage. Resolvendo assuntos importantes na sua terceira
reunião do dia, leu a mensagem e cancelou o resto de sua agenda. Pediu que
sua secretária avisasse sua motorista e guardou o notebook na pasta
excessivamente cara.
No carro, tirou o Rolex e as abotoaduras de ouro, e respondeu um último
e-mail de trabalho antes de entrar.
Cumprimentou a moça da chapelaria com um aceno de cabeça e entrou
evitando olhar muito para os presentes para não ter que conversar com eles.
Subiu as escadas direto para o seu quarto e não bateu. A porta já estava
aberta e Leandro arrumava sua mala de roupas no armário que Bataille
costumava guardar suas capas e roupas de fetiche.
— Então veio para ficar. — Disse não como uma pergunta, mas como
uma conclusão.
Leandro virou-se para o anfitrião, suspirou resignado e decidiu ser
franco:
— Eu fui injusto com você. — Ele podia ter o conhecimento de mundo
de uma formiga, mas era justo. Deixou sobre a cama uma pilha de camisas
que iriam para uma gaveta e se aproximou do outro com um jeito mais
amigável e mais leve — Me desculpe pelos julgamentos que fiz sem te
conhecer ou conhecer sua casa.
Honesto o suficiente, mas Bataille não parecia de convencer por
palavras. Acenou concordando com as desculpas, de um jeito muito
aristocrático e endinheirado, e se virou para descer as escadas.
— Não é certo que eu fique aqui de graça. — Leandro puxou outro
assunto — Me dê algo para fazer. Posso varrer, lavar os copos, sei lá.
Alguma coisa.
— Está como convidado. — Virando-se, Bataille respondeu com a
mesma impessoalidade de sempre.
— Sei disso, mas convidados vão embora logo e estou aqui para ficar.
— O que te fez mudar de ideia?
Com um sorriso sugestivo, Leandro baixou a cabeça um pouco
envergonhado e respondeu:
— Você sabe a resposta.

✽✽✽

Quando Natália decidia se arrumar, não tinha para ninguém. Todos os


olhos viravam-se para ela e meninos puxavam a braguilha para se arrumarem
dentro das calças.
Desceu do carro de botas vermelhas e um vestido de látex, também
vermelho, absurdamente colado. Por cima, um complexo sistema de fivelas e
tiras de couro preto adornando pescoço, evidenciando seios e terminando na
parte mais delgada de sua cintura.
Com os cabelos soltos e o queixo levemente erguido, entrou no bar
como a dona do lugar, com a força e a potência que tem a Lady Nïn, e varreu
todos os presentes em busca de apenas uma única pessoa.
Caminhou, rebolando muito e incrivelmente sensual, até o pátio. Desceu
os degraus que separava a casa do ar livre e encontrou Bataille com seu copo
de uísque, uma mulher nua em seu colo e um homem de joelhos.
Cruzaram os olhares e, com o queixo, Bataille indicou o balcão do bar.
Com uma camisa branca, Leandro chacoalhava uma coqueteleira e recebia
lições do barman experiente.
Sorrindo, ela caminhou até lá, puxou um banquinho e se sentou,
cruzando as pernas e esperando que a servissem.
— Barman novo? — perguntou ao mais experiente e só aí, ao ouvir a
voz de Natália, que Leandro parou de tentar chacoalhar aquela bendita
coqueteleira que não fechava direito e esparramava bebida para todo lado.
— De economia ele até pode ser bom, mas de barman…
— Eu vou sentar para lá. — Ela não olhou para Leandro sequer uma vez
— Peça ao seu ajudante para levar meu gim, tá?
— Sim, senhora.
Sabendo para onde os olhos de Leandro olhariam, ela desceu do
banquinho, virou-se de costas e o deixou olhar. Jogou o cabelo para trás do
ombro casualmente e se sentou na sua cadeira de couro vermelho, naquele
dia, afastada da cadeira de Bataille.
Brincou com os anéis na mão como se o coração não batesse para fora
da caixa torácica. Com as mãos apoiadas sobre os braços da cadeira, admirou
as próprias unhas. Recusou um submisso que se ajoelhou a seus pés,
sussurrou alguma coisa para uma amiga que se jogou em seu colo sem pedir
licença e, só depois, quando finalmente seu gim ficou pronto, ela se
concentrou em olhar para o loiro de camisa branca e calça jeans, segurando
uma bandeja, que saiu de detrás do balcão e caminhava lentamente, quase
como se nunca fosse chegar, até onde ela estava.
— Aqui, Natália. — Já estava duro desde que a tinha visto e, ao
caminhar com a bandeja na mão, não sabia se conseguiria completar o
percurso sem tropeçar e cair de cara.
— Obrigada. — Ela, por outro lado, tirou autocontrole do fundo da alma
para não olhar os braços fortes que se esticavam para que ela pegasse a
bebida, os ombros largos curvados em sua direção e a cabeça levemente
abaixada para servi-la.
— Posso me sentar com você? — Ele perguntou depois que Natália
pegou a bebida e sua bandeja ficou vazia.
Ela indicou o banquinho que não estava próximo, mas que Leandro
puxou e se sentou perto o bastante para que seu joelho quase tocasse o dela.
— Quer me contar? — Ela perguntou quando deu a primeira bicada em
sua taça.
— Sobre o quê? Como eu vim parar aqui?
— Num dia você resgatava seu amigo, no outro, você é o resgatado.
— É uma longa história.
— Temos tempo.
— Você vai rir de mim. — O jeito como ele baixava a cabeça e se
envergonhava. O modo como seu rosto adulto se envergonhava como um
garoto. O sorriso torto no canto da boca e os ombros tão encolhidos como
criança que levava bronca.
Tudo. Tão incrivelmente atraente que Natália precisou trocar o modo
como cruzava as pernas antes de responder.
Com firmeza, segurou o queixo de Leandro com o indicador e o polegar,
erguendo sua cabeça, endireitando sua coluna.
Lindo o jeito como ele baixou os olhos quando ela se aproximou.
— Não vou rir de você. — Ela afirmou.
— Eu riria, no seu lugar.
Sem ter mais como fugir, Leandro suspirou rendido e começou. Disse
primeiro sobre a culpa que o havia consumido da última vez que se
encontraram. Depois, como tinha flagrado Lígia beijando uma garota e todo o
seu relacionamento com ela.
Só então contou sobre como seu tio e seus pais queriam que ele forçasse
o casamento, mesmo com a preferência da noiva por mulheres.
— Nem dói saber que Lígia nunca me beijou por vontade, o que dói
mais é que eles queiram que eu me casasse mesmo assim, como se esse fosse
o plano de Deus para mim, como se eu não merecesse ser feliz.
— Curioso.
— Curioso? O nome disso é azar!
— Não, Leandro. Curioso como você não se dói por sua noiva ter
mentido.
— Ela gosta de mim, eu sei disso, mas não como homem. Devia ter
percebido antes, mas acho que estava mais preocupado demais com o depois
do casamento para reparar.
— As núpcias?
— Sim. — Dessa vez, ele não conseguiu manter os olhos nos dela. O
assunto era tão íntimo que nem a postura ele conseguiu manter.
Com um beijo em seus dedos, ele carinhosamente tirou a mão dela de
seu queixo e se encolheu novamente.
— Isso é tão importante para você? — Ela aceitou o afastamento, mas
não desviou o olhar.
— Muito.
— Por quê?
— Esperei a minha vida toda. Só Deus sabe os sacrifícios que passei
para me guardar. Posso até não me casar, mas preciso honrar esse esforço,
senão todo o meu trabalho não terá valido à pena.
— No meu mundo, o nome disso é negação de orgasmo.
— No meu, voto de castidade.
— E o que você espera da sua primeira vez?
— Não é muito cedo para a gente falar disso?
— Não é cedo para falar sobre nada.
— Bem… — Ele deu de ombros, como se se desdenhasse, e contou —
Eu quero que importe.
— Que seja bom não basta.
— Não, Nat. Eu quero que importe. Não quero a experiência que todos
os meus amigos tiveram. Eu quero sorriso e calma, longas e longas horas.
Não quero nem beco, nem a cama dos pais, nem rapidinha escondida na
escada. Mereço mais que isso.
— Baunilha? — Ela perguntou e se serviu do primeiro gole da taça.
Ele colocava o coração na mesa e Natália preocupada com o sabor de
seu drink?! Revoltado, Leandro estava pronto pra tirar satisfação quando
Natália explicou melhor:
— Quero dizer sem fetiche.
— Ah… — Ainda não fazia sentido, mas, pelo menos, ela não falava de
drink — Não sei, não conheço nenhum. Eu quero que seja bom, claro que
quero, então o que vai acontecer nesse momento, tipo, “onde vai a mão e o
quê”, isso não importa.
— É bom saber.
— Por quê?
— A sua primeira vez vai ser comigo e é bom que eu saiba o que você
espera dela.
Leandro, ao ouvir, relaxou os ombros. Ergueu o rosto com um sorriso
limpo, os olhos felizes, as bochechas coradas. Natália não precisou mais
arrumar sua postura encaixando os dedos em seu queixo porque agora
entendia o que o fazia se esconder.
— Você quer que seja comigo? — ela perguntou.
— Quando você falou para eu… aquilo lá, da outra vez que a gente veio
aqui, desde lá eu não penso em outra candidata.
O sorriso que ela abriu não foi de Lady Nïn, mas de Natália. Tinha uma
alegria genuína em ouvir aquilo e, sensual como só ela, esticou o corpo e
beijou seu rosto.
— Desde lá também não penso em mais ninguém. — mas não descolou
o rosto do dele até terminar de falar.
Leandro se virou para beijá-la, mas Natália se afastou sorrindo.
— Onde está a linha da sua virgindade?
— Como é?
— Eu amo ser lambida. Se você me lamber, vai deixar de ser virgem?
— Não. — Natália falou de “lamber” como uma transação comercial, e
Leandro escondeu uma risadinha envergonhada.
— Certo. — Incrível o jeito como ele fechava os punhos quando
acendia. — Dedos?
— O que tem?
— Seus dedos em mim. Eu quero eles. Isso viola seu voto de castidade?
— Não.
— Só seu pau em mim, então. — Ela concluiu e riu baixinho ao vê-lo
todo envergonhado.
— Acho que sim.
— Acha?
— Você sabe bem mais que eu, essas são as coisas que eu consigo
imaginar, mas tenho certeza que você pode fazer bem mais que isso.
O sorriso. O jeito sedutor. O potencial que aquele homem tinha de virar
um demônio. O poder que ele não sabia que exercia. O porte de homem
adulto, grande, formado.
Não era à toa que seus pais o queriam casado o quanto antes. Um
homem daquele calibre, solto no mundo, era capaz de estragar uma cidade
inteira. Se aprendesse a usar as armas que tinha, o sorriso que tinha, e alguns
movimentos no jogo da sedução, não haveria limite que não cruzasse.
— Posso te beijar? — Ele disparou.
— Não.
Capítulo Dezoito
A frustração fazia parte do jogo. Tease and Denial também. Ela recusou
o beijo, sorrindo, e ele não conseguiu esconder a confusão. Natália deu mais
um gole em sua taça, demoradamente, apenas para ver qual seria o próximo
passo de Leandro na dança que, por ela, não terminaria nunca.
— O que você sabe sobre BDSM? — ela perguntou.
— Sei que isso aqui é um bar disso e, pelo visto, você gosta.
— O que mais?
— Se for que nem aquele filme que ficou famoso, só sei o que a Lígia
me contou.
— Qual filme?
— Cinquenta alguma coisa.
— E o que a Lígia disse?
— Ela foi no cinema com as amigas, parece que todas elas já tinham
lido o livro. Falaram que o cara era bonito, mas Lígia riu da maioria das
cenas.
— Ela parece ser gente boa.
— Ela é. Acho que por isso também que a protegi no final no noivado.
— Mas você a amava?
— É difícil... Nunca ficaria arrasado por Lígia do mesmo jeito que
Daniel ficou por Vívian. O noivado que era a grande questão e meus pais a
achavam uma boa mulher para mim.
— Você nunca se cansa de agradar os outros?
— Sempre tentei ser um bom filho.
— Quer saber o que eu acho?
— Eu já sei. — Ele se comunicava com a postura muito mais do que
com palavras. Se a conversa sobre “primeira vez” tinha o feito se erguer e se
impor, a conversa sobre ser filho e noivo o fazia se encolher novamente —
Você deve achar que eu sou um idiota inocente que não é capaz de fazer as
próprias vontades sem pedir a permissão da mãe.
— Acho que você é um ótimo filho — ela o corrigiu. — Mas ninguém
te ensinou como ser homem.
— Agora você me ofendeu.
— Não se ofenda, já estive nos seus sapatos.
— Duvido.
— É por isso que esse lugar é tão importante para mim.
Precisando de mais que uma mão para aquela parte da conversa, ela
procurou a mesinha que vivia encostada à sua cadeira, mas não a achou.
Cogitou colocar sua taça no chão, mas jamais o faria.
Com carinho, entretanto, Leandro entendeu sua linguagem corporal e
tomou a taça de seus dedos.
— Obrigada — e continuou — Esse lugar me ensinou sobre autoestima
e vontade muito mais do que qualquer coisa. Você vê as roupas indecentes e
os fetiches incomuns, mas não vê as pessoas. Algumas usam essas coisas
para escapar de algum trauma, para desestressar depois do trabalho, mas a
maioria usa o BDSM como forma de se expressar e brincar.
— Como você começou aqui?
— Eu tinha dezenove anos e um filho nas fraldas. Meus pais não sabiam
como lidar comigo. Fiquei meses dentro do quarto, sem sair, sem saber como
encarar o mundo. Me afundei numa depressão que devia ter sido
diagnosticada anos antes, mas ninguém percebeu.
— E aí entrou esse bar.
— Não. Aí entrou aquele homem. — Natália apontou para Bataille que,
com a cabeça encostada no espaldar da própria cadeira, comandava a cabeça
de uma mulher que o chupava lentamente e em público — E aquele homem
me mostrou quem eu podia ser se não tivesse que agradar os outros. Ele me
deu força para recusar, para querer, para desejar. Para me olhar no espelho e
não odiar o que via.
— Ele parece um bom amigo.
— Ele pode ser, quando quer. — E deu uma risadinha charmosa se
lembrando do quanto Bataille podia ser um cretino — A questão, Léo, é que
eu estou no lado dominante do espectro. Eu gosto de controle, gosto de ser
mimada, gosto de provocar e proibir. Gosto de torturar também. Eu fico
molhada de ter alguém abaixo de mim.
Ela analisou suas reações antes de retomar. Observou o modo como seus
joelhos se abriram lentamente, o como a mão livre se fechava sozinha e, o
mais importante de tudo, o quanto o volume em suas calças crescia.
— E acho que você está no espectro inverso. — Contente com a
resposta dele, retomou — Acredito que você gosta da dor, de ser provocado,
de ser proibido. Senti você como minha presa desde o primeiro segundo e
não te beijei porque preciso te fazer uma proposta primeiro.
— Sim. — Ele respondeu imediatamente.
— … — Ela riu baixinho, e finalmente propôs — Me dá um mês para te
mostrar. Seja meu submisso por um mês.
— Mas eu tenho que aceitar tudo? Só o tempo que estive ali no bar já vi
coisas que não quero que façam comigo.
— Nunca. — Ela rebateu — Você pode recusar o que quiser, pode pedir
que eu pare, pode reclamar se estiver doendo muito. Não é cárcere privado
nem agressão, Leo, é só…
— O quê?
— Você vai se envergonhar se eu falar isso em voz alta.
— Tarde demais, já estou envergonhado.
— É só putaria. — Tomou a taça de seus dedos só para tocá-lo.
Olhando-o bem de perto, sorriu lasciva e continuou — É divertido, mexe com
sua cabeça e suas emoções, mas não é para machucar e ofender de verdade.
— Aceito — Para seu alívio, ele não recusou —, mas com uma
condição:
— E qual seria?
— Depois desse um mês, te levo para sair.
— Ninguém nunca me levou para sair.
— Impossível.
— Ainda não é tempo para você saber, Léo, mas o homem que me
quebrou não era nada romântico.
— Eu aceito o acordo se você aceitar.
Foi a vez de Natália de pensar antes de dizer.
— Ora, o seu esforço para sair comigo não vai ser maior que o meu
esforço para entender o seu lado do mundo.
— Tudo bem. — Ela cedeu. — É justo.
— Ótimo. Então também aceito. — E repetiu ansioso — Será que agora
você me beija?
— Fique de pé.
De pé, Leandro arrumou a barra da camisa. Natália demorou para se
levantar justamente para vê-lo. Sentada, ela ergueu os olhos, lentamente, das
coxas na frente do rosto até os fios dos cabelos.
Estendeu a mão pedindo auxílio para se levantar e Leandro prontamente
atendeu. Natália era mais baixa que ele, relativamente menor, mas o comando
era todo dela e ele sequer precisou de treino para entender.
Colocou a taça em qualquer lugar, tão ansiosa pelo beijo quanto
Leandro, encostou o corpo no dele sentindo a quentura de seu tórax contra o
seu e disparou:
— Eu quero te agarrar pelos cabelos, te colocar de joelhos e te obrigar a
me lamber até que eu fique seca.
Ela se encantou pelo jeito como suas palavras mexiam com ele. Sentiu
sua respiração mudar, viu o rosto tomar uma expressão menos cândida, mas
igualmente bonita, e não resistiu a provocá-lo de novo.
— Quero ver teus joelhos no meu piso e as suas coxas abertas.
Queria vê-lo reagir. Sentiu as mãos na cintura num apelo urgente e
quente, louco para encostar por debaixo daquele vestido minúsculo.
Esperou que seus lábios ficassem bem perto, os olhos tão próximos que
via o fogo e a ansiedade arderem. Sorriu pela expectativa do beijo e pelo
tesão do corpo colado.
Encostou os lábios nos dele e o tomou num beijo quente, coisa de quem
também não aguentaria mais um segundo sequer, coisa de quem estava louca
para saber seu gosto.
Enfiou a língua em sua boca, derretendo no fundo da calcinha, dançando
uma melodia perigosa. Mordeu seu lábio inferior e gostou quando o sentiu
mais agressivo. As mãos dele estavam tão apertadas em suas costelas que
mereceram ganhar a bunda.
Perdeu o caminho de casa quando se sentiu apertada por aquele par de
mãos. Leandro ficava ofegante enquanto beijava, a puxou para cima enquanto
apertava suas nádegas, se esfregando contra seu umbigo.
Como um virgem, ele beijava sem esperar mais, aproveitando cada
segundo de toque e calor. Ele sabia que não poderia ter mais, nunca pôde,
então beijava com paciência e deleite, e nenhuma afobação para o que quer
que viesse depois.
Beijo, para Leandro, era o fim; não o caminho para algo mais.
As mãos dele saíram sozinhas da bunda de Natália, percorreram o
caminho por sua espinha, subiram para as costas, a nuca e então o rosto. Ele a
beijava segurando seu rosto, com as mãos grandes, tão grandes que roçavam
seus cabelos.
Natália derreteu quando sentiu uma das mãos na nuca. Não planejava
entregar muito, nem percebeu quando gemeu, baixinho, dentro da boca dele.
Ela aprendia a amar o beijo, a textura da boca, o gosto. O cheiro. O jeito
como perdia o controle.
De surpresa, ela o segurou pelo pescoço com uma das mãos, esperando
que Leandro se assustasse, mas ele não o fez. Ao sentir a mão dela, tudo o
que ele fez foi gemer também, no fundo da garganta, tão convertido e louco
que ela entendeu, para seu próprio azar, que poderia fazer com ele o que
quisesse.
Tão aberto e às claras que Natália nunca poderia vencê-lo. Não é
possível rebaixar um homem que aparece sem armadilhas ou joguetes.
Desceu a boca para os arredores, beijando maxilar e pescoço, mordendo
partes tão sensíveis que, se quisesse, ela o teria na palma da mão e de joelhos
quando bem entendesse.
E foi exatamente isso o que Natália fez.
Capítulo Dezenove
O queria tanto que ficou com medo de se mostrar para ele. Era a
primeira vez que ficavam sozinhos, que ele aceitava suas investidas, que se
beijavam. Queria arrastá-lo para o quarto e mostrar seu outro lado. Queria
acertar os termos da submissão, treiná-lo. Sentia que seria tão fácil que não
precisaria de palmatórias. Previa que ele estaria andando pelo pátio em quatro
apoios, apenas pela humilhação, em menos de duas horas.
Queria, mas não sabia como ele reagiria. Em seus sonhos molhados, ele
estaria rendido apenas pela vista, beijando seus pés, implorando para tocá-la.
Mas seu lado apocalíptico acreditava que ele sairia correndo. Sentia que
ele perceberia o tamanho da armadilha. Sabia que ele a rejeitaria.
Uma coisa é entrar numa alcova e encontrar alguém vestida a caráter.
Outra, bem diferente, é perceber que não se trata de fantasia.
Jogou os dados contra o universo e se soltou do beijo. Leandro não
entendeu. Avançou para beijá-la mais, não estava satisfeito, mas ela deu
alguns passos atrás.
— Preciso que confie em mim.
— Confio. — E tentou se aproximar outra vez.
Olhou-o com uma distância que Leandro não entendeu. Analisou seu
semblante confuso e curioso ao mesmo tempo, as bochechas coradas pelo
beijo, o volume de suas calças.
Segurou sua mão e o conduziu escadas acima. O nervosismo aumentava
a cada degrau, como se estivesse prestes a subir no palco. Apertou sua mão
quando atingiram o segundo andar, mas parou na porta do quarto dele.
— Daqui para frente você só fala se eu te der permissão. — Mandou,
mas não com a severidade de seus comandos de Lady. Beijou os nós de sua
mão, olhando-o nos olhos, e sorriu levemente.
Prometeu-se que manteria a firmeza. Se não conseguisse manter a
seriedade ou a imponência, que fosse firme.
Começando por seus joelhos.
Abriu a porta do quarto, mas não a trancou quando entraram.
De frente para a cama, ela puxou o zíper do vestido vermelho, por baixo
das tiras de couro, e o abriu em dois.
Olhando-o, desafivelou as tiras de couro sobre o dorso e se livrou do
vestido. Algo em seu olhar era incrivelmente poderoso. Ali, ela não era a mãe
do Caio, a dona do Garden, o anjo da guarda de Daniel. Não tinha nada
acolhedor e sensível no jeito como Natália o olhava.
De queixo erguido, nenhuma armadura de combate guardaria seu corpo
melhor que sua nudez. Tão bela que não parecia mulher, não parecia gente.
Pequena. Magrela, sem muita bunda, nem muito peito. Absurdamente
linda.
O lado da lua que ninguém vê guardava um segredo. Estava no jeito de
olhar, na postura, na boca fechada que não sorria. Nua, armada de cabelos e
botas, ela era uma espécie de deusa forjada antes do cristianismo, antes da
escrita e do manejo dos metais.
Antes de existir a fala, existiu o canto. E ninguém nunca achou uma
palavra para seu nome. Residiu na música. Só Leandro escuta, só Leandro
dança.
— Tire os sapatos e as meias — Mandou — Fique de joelhos e sente
sobre seus calcanhares.
Sem norte e sem saber como se comportar, ele a obedeceu e não foi
capaz de dizer uma palavra. Ajoelhado, olhou para ela de baixo para cima,
ficou preso no fogo de seu olhar e se esqueceu como se respirava.
Não percebeu que suas mãos suavam até que começassem a escorregar
pelas próprias coxas. Olhou para baixo limpando-as nas calças e fechou os
olhos quando se lembrou do que Natália havia dito
“Quero ver teus joelhos no meu piso e as suas coxas abertas.”.
Olhou de volta para ela, enfeitiçado, e sorriu. Tão linda que Leandro não
tinha fôlego.
Ela, por outro lado, não foi até ele. Andou até a poltrona próxima à porta
e se sentou. Como se estivesse muito ocupada, disse:
— Pode me ajudar com os sapatos?
Leandro se aproximou com um joelho no chão. Colocou o pequeno pé
delicadamente sobre a própria perna e puxou o zíper da bota que começava
no meio das coxas.
Deslizou os dedos por dentro de sua panturrilha para o calcanhar. Sentiu
vontade de beijar cada centímetro de pele, mas não soube se poderia.
Não sabia se era o conjunto, todos os golpes que havia levado desde que
aceitara o acordo de um mês, pela nudez, ou se era apenas pelo gesto do
calçado. Sentia uma agonia trêmula e vibrante, um gosto nessa tortura. Pela
primeira vez, vai saber desde quando, ele sentia a ternura de uma brincadeira
misturada a um medo de nunca mais vê-la.
Fazer qualquer coisa errada para afastá-la.
Queria olhá-la, mas não sabia se podia. Não sabia se ela queria vê-lo.
Continuou de cabeça baixa, evitando contato, mas não conseguia parar de
olhar para aquelas botas vermelhas.
— Pode beijá-las antes de tirar?
A segunda pergunta soou com o mesmo tom da primeira. Beijar ou não
era decisão dele.
De todas as coisas, aquela foi a primeira que ele estranhou. Pareceu
descolado de tudo o que tinha acontecido até ali. Beijar as botas? Por que
beijar botas, se podia beijar a mulher?
Ele poderia beijar seu calçado se ela quisesse muito. Nua daquele jeito,
com aquela altivez e comando, qualquer coisa que ela quisesse, certamente
obedeceria.
Soou tão estranho a seus ouvidos que ele endireitou a coluna sem
perceber. A olhou diretamente nos olhos, de relance, e logo a evitou.
— Tem algo a dizer?
— Desculpe. — Envergonhado, ele não sabia quais palavras escolher.
— Estava testando você. — Sorrindo amigavelmente, ela o segurou pelo
queixo.
— Por quê?
— Eu te encontraria numa multidão, Leandro. Você me encontrou no
Stage e veio até mim. Me obedeceu mesmo sem saber o que eu sou. Gozou
quando mandei. Sabe o quanto isso é raro sem adestramento?
— Eu não tô… — confuso, ele não encontrou palavras para se explicar.
— Você me conhece, agora. A mãe, a microempresária, a amiga e a
Domme. Eu preciso que queira participar dessa parte também, porque ela não
vai a lugar algum. E quero te mostrar esse lado porque sinto que você
também tem.
— O quê? Acha que eu gosto de violência e castigo?
Antes que ele se rebelasse e se levantasse, ela beijou seus lábios e puxou
a barra de sua camisa. Queria tirá-la, mas não mandou ou pediu. Esperou que
ele erguesse os braços, no próprio tempo e então a puxou.
— Eu gosto de você — ele disse, suspirando um pouquinho mesmo
envergonhado quando se viu sem camisa — Se isso faz parte de você,
prometo que tento entender.
— Não, Léo. Entender não basta. Quero que queira participar.
— Certo.
Então ele apoiou as mãos no chão, flexionando os braços, exibindo os
músculos das costas, a nuca sensível e delicada, e beijou a ponta da bota
ainda sobre seu colo.
— Pode lamber? — Ela perguntou, fechando os joelhos e sentindo a
vagina pulsar.
Com um sorriso, ele lambeu, sentiu uma fivela gelada contra a língua,
lustrou o couro com a saliva, mas não quis parar.
Sem saber que precisava pedir permissão, subiu a língua pela pele que
escapava pela bota aberta. Encostou a mão na panturrilha pequena e delicada,
seguiu lambendo sua perna e beijou seu joelho. Queria continuar, a mão
sempre no couro do sapato, e gemeu baixinho quando viu suas pernas se
abrindo, vagarosamente, permitindo que ele continuasse.
De joelhos, ele se aproximou. Beijou a pele sensível da parte interna da
coxa, encostou a outra mão na parte externa e seguiu beijando.
Quando ele estava encostado em seu púbis, ela pediu que parasse.
Esperou que Leandro endireitasse a coluna e pegou sua mão direita,
olhando-o tão fundo na alma, que ele relaxou os ombros. Com um sorriso
maldoso, ela guiou sua mão pelo meio das pernas, pelas dobras de sua
vagina, mas não o deixou entrar.
— Consegue sentir o quanto estou melada?
Tão lindo que não tinha como Natália ter se enganado. Leandro podia ter
sido criado numa bolha, mas bolha alguma é capaz de limpar a alma de um
homem que tinha nascido devasso.
Aproximou a bota lambida do meio das pernas dele, sentindo a quentura
de seu corpo, e o viu puxar todo o ar do mundo pelas narinas quando
encostou o pé em seu sexo.
— Me diga a ferramenta mais comum do seu trabalho — Pediu.
Mesmo sem entender o motivo da pergunta, ele respondeu:
— Excel, sem dúvida.
— Se quiser que eu pare, você me diz “Excel”, tá bom?
— E se eu não quiser que pare?
— Responda com “Sim, Natália”.
Capítulo Vinte
Ela abriu tanto as pernas, mesmo com o pé em seu saco, que ele parou
vários segundos para olhar a beleza de seu corpo. Não podia acreditar na
firmeza de suas coxas, nas linhas finas entre seu quadril largo e cintura fina, a
boca vermelha num sorriso minúsculo e convidativo, os olhos cheios de
paixão e fogo.
Ele podia dormir e acordar todo dia com aqueles olhos ao seu lado.
Enquanto a namorava silenciosamente, desejou por isso.
E, se ela precisava de um mês para convertê-lo, que fosse.
Era um preço pequeno a se pagar.
Com os dedos em seus grandes lábios, queria mexer ali até que sua boca
virasse um “O” e seus olhos se fechassem. Não sabia o ritmo certo e nem a
força, por isso começou devagar, adorando a viscosidade, louco para saber o
gosto.
Sem aviso, ela puxou seus cabelos forçando-o a endireitar o corpo e o
puxou para um beijo. Gostou de beijar com os dedos ali. Era como se ela
derretesse, se transformasse. Entendeu que, mesmo com todo o controle e
violência que ela tinha avisado previamente, ela estava ali, com ele, e de
corpo e alma também.
Com apenas um movimento, Natália se abriu mais, quebrando o beijo,
tirando a bota do meio de suas pernas. Era um convite para que ele a olhasse.
Leandro engoliu em seco ao ver sua púbis raspada e ela o deixou olhar.
Amava esse olhar de cobiça e desejo, e descobriu o quanto Leandro ficava
lindo quando a queria.
Balançou os cabelos à procura de um fio solto e separou um
especialmente longo.
— Me dá seu pulso. — Ela pediu, segurando aquele fio de cabelo na
mão, e sorriu para seu rosto confuso.
O cabelo de Natália era grande o bastante para que fizesse três voltas em
seu punho direito, com aquele único fio de cabelo, e desse um nó.
Não amarrou apertado para quebrar o fio ou machucá-lo, mas o
suficiente para que Leandro o sentisse cada vez que se movesse.
— Não teremos muito tempo, hoje. — Com carinho, deu um beijo em
seu pulso e sorriu.
A viu se levantar do banco e quis impedi-la. Queria que ela voltasse e se
abrisse, do jeito que estava antes. Nada mais perfeito do que aquilo. Engoliu
em seco quando ela se virou de costas, a bunda exposta, as pernas compridas,
as costas delicadas e uma das botas parcialmente aberta.
Lindo também o cabelo que dançava pouco abaixo das costelas.
De forma sensual e conhecendo bem aquele quarto, ela foi até o criado-
mudo e puxou uma venda de dormir, acolchoada, e o vendou.
— Me deixa te ver — Ele pediu quando perdeu a visão.
— Paciência, anjo. — Curvando-se, ergueu seu queixo para arrumar
toda a sua postura. — Abra bem as coxas para mim.
— A calça não deixa eu abrir muito mais do que isso.
— Fique em pé.
Mesmo sem enxergar, sabia que ela tiraria sua calça. Mais alto, ele ainda
não tinha noção do tamanho que Natália ocupava no mundo. Queria saber
onde sua testa estava, qual sua altura em relação a seu corpo só para imaginar
onde ela estava e o que fazia. Segurou a respiração quando sentiu as mãos
dela sobre seus ombros.
Para ela, Leandro não tinha um corpo, tinha monumento. Se gostasse de
obedecer e fosse submissa, certamente passaria a noite inteira beijando e
venerando aquele corpo.
Era tão lindo, só de calça jeans, que mordeu o lábio pensando no pecado
de ter de tirá-la. Sempre amou homens sem camisa. Desceu a mão dos
ombros para o peitoral, forçando as unhas contra sua carne só para ver os
vergões subirem.
Lambeu o espaço entre as clavículas, a pequena depressão entre o peito
e a garganta, as unhas ainda muito fundas em seu corpo, e lambeu o pescoço
até chegar ao lóbulo da orelha.
Decidiu que era ali o melhor cheiro de Leandro. Bem ali, entre o cabelo
e sua pele. Era um cheiro morno, delicado e vulnerável, nada parecido com
qualquer cheiro que já tivesse sentido antes.
Mordeu sem intenção de marcar os dentes e sorriu ao vê-lo se retrair.
Mordeu com mais força, atingindo algum tendão ou nervo, e Leandro
suspirou tesão.
Passou para suas costas, escorregando as unhas da nuca até o cós de sua
calça. Encostou o corpo sentindo a quentura de sua pele contra o peito.
Passou as mãos para a frente de seu corpo, aproveitando cada segundo, e
desabotoou a jeans.
Desceu tanto calça quanto cuecas de uma só vez, num golpe rápido. A
primeira reação de Leandro foi se retrair, vulnerável demais, e cobrir o sexo
com as mãos. Deixou ambas as peças na altura de seu tornozelo e se segurou
com todas as forças do mundo para não dar uma mordida numa das duas
nádegas firmes e bonitas que ele tinha. Ergueu-se e pediu que ele tirasse a
roupa enroscada no corpo.
Sem vista, Leandro tirou se sentindo exposto e ridículo.
— De joelhos — ela mandou e ele obedeceu sem hesitar — Se toque
para eu ver.
Ele ainda se sentia um pouco ridículo por tudo. Para ele, numa relação a
dois, ela quem deveria tocá-lo. Era isso o que queria. Ela deveria tocá-lo,
deveria querê-lo, deveria… colocou a mão em si, fechado no próprio punho,
do jeito que ela tinha mandado, mas sem muito entusiasmo.
— Tão lindo — ela sussurrou o que, para ele, parecia tão perto de seu
ouvido que ele suspirou de surpresa. Sentiu a temperatura do corpo dela tão
perto que tudo o que ele mais queria era erguer a mão e tocá-la. — É uma
honra te ter de joelhos, lindo. Você sabia disso?
— Natália — ele gemeu baixinho em resposta.
Automaticamente a mão ganhava entusiasmo. Ele queria tocá-la. A
altivez na voz com a ternura das palavras. O jeito como ela usava para
encantá-lo, para convertê-lo. Ele queria arrancar a venda, deitá-la na cama,
abrir bem suas pernas e…
Não tinha mais nada de ridículo, ali.
— Natália — ele repetiu seu nome como uma prece —, me deixa tocar
você.
Ela adiantou um pé e o empurrou até que a bota ficasse embaixo de seu
saco. Ele não quis dizer daquele jeito. Se arrumou sobre seu calçado para não
se machucar e se atreveu tocar por dentro da bota entreaberta com a mão
livre.
— Porra, assim não — resmungou, louco com a mão direita subindo e
descendo, louco com a bota embaixo de si, confuso por ter ficado com tesão
por causa de um calçado, confuso por não poder tocá-la.
Levou um tapa no rosto e perdeu a compostura. Era uma punição? Se
servia para punir, Natália precisava ser mais severa. O tapa só serviu para que
ele acelerasse a mão, gemesse com os lábios entreabertos e começasse a suar
de expectativa.
Tomou um puxão no cabelo e sentiu um cheiro inédito muito próximo
do rosto. Demorou algum tempo para entender que aquela era a púbis de
Natália e que o cheiro era…
Ele nunca tinha ficado tão louco assim. Sentiu o cheiro doce, a quentura
da pele, a viscosidade, e estirou a língua para fora, doido para chupar.
Tirou a mão de si mesmo e colocou na bunda dela, as duas, puxando seu
corpo mais perto do rosto para poder lambê-la.
— Comporte-se — ela mandou.
Ele não queria ouvir, não queria obedecer, não queria se comportar.
Puxou o corpo mais para perto da cara, as duas mãos deixando marca na pele
dela, estirando a língua para fora, caçando qualquer coisa que conseguisse
entre suas coxas fechadas.
— Se quer que eu me comporte…
Ela ainda tinha uma bota embaixo de seu saco. Ergueu a ponta do pé em
direção às suas bolas, separando-as sob o bico de seu calçado.
— Eu faço o que eu quiser.
— Não é justo.
— Se quiser que eu pare, você sabe o que tem que dizer.
— Não, não é isso. É só que eu…
— Vou ter que te amordaçar? — ela ameaçou — Aqui, o que você quer,
não faz a menor diferença.
— Isso é tortura!
— É sim.
E, enquanto Leandro entendia como era a tal tortura mencionada antes,
ela ria.
Desafivelou a bota embaixo dele e tirou o pé de dentro. Fez o mesmo
com a outra. Sorriu ao vê-lo duro e pingando. Sabia que o protesto era por
orgulho, não porque não gostasse do que acontecia. Seu corpo reagia do jeito
como ela tinha previsto, inclusive a tapas e puxões de cabelo.
Ele só precisava aceitar que era como ela.
— Todo mundo te diz o que fazer, mas ninguém te deixa gozar. — Com
veludo e veneno, ela desceu a mão para o próprio sexo, bem diante do rosto
dele, e enfiou dois dedos no vão entre as coxas.
Leandro não podia ver, mas sentia o cheiro e o barulho molhado de vai-
e-vem. Não sabia se ela estava com os dedos fora, os dedos dentro, como se
tocava e que expressão tinha no rosto, mas ele sabia o que ela fazia.
— Me deixa — ele pediu mais rouco e com menos cortesia, sem saber
exatamente pelo quê pedir.
— Gozar? É isso o que você quer?
— Tocar você.
— Você não vai me tocar hoje, anjo.
— Por quê?
— Não temos muito tempo.
— Tudo bem, isso não importa…
— Você não sabe como chupa uma mulher, sabe? — Ela não esperou
que ele respondesse — Demora muito mais do que o tempo que temos.
— Então, se você não vai, eu não vou.
Seria bonito de sua parte se ele tivesse controle sobre isso. Para fazê-lo
entender, ela se ajoelhou na frente dele, enfiou os dedos melados em sua boca
e o fez chupá-los.
— Não é você quem decide. — Ela respondeu, tomando-o pelo pau,
com força, e sabendo exatamente o que fazia, controlando seu corpo com
apenas um gesto.
— Porra… — ele reclamou ainda com os dedos dela na boca.
— Não era você o menino que não falava palavrão?
— Não faz isso comigo.
— Você vai aprender a gozar apenas quando eu disser. Nunca antes,
nunca depois.
— Me beija, pelo menos. Não me faz gozar sozinho, Nat, por favor.
— Lindo — Ela o beijou e puxou sua mão para o meio das próprias
pernas —, você pode até gozar sozinho, mas nunca estará sozinho. Estou com
você, agora, e não vou a lugar algum, tá bem?
Ninguém nunca fica bem mordendo o lábio, mas Leandro ficava.
Concordando sem falar, morto de tesão pela voz, a mão macia e o jeito
sedutor, ele mordeu o lábio, ainda sem enxergar, e abriu um sorriso sacana.
— Agora tire sua mão de mim e volte a se tocar.
Ele fez um bico contrariado, mas era puro fingimento. Tirou a mão
conforme ordenado, mas brincou com o melado dela na cabeça do próprio
pau, suspirando bonito, pronto para que ela fizesse consigo o que bem
entendesse.
Natália sorriu lasciva e lambeu seu pescoço, mordendo o lóbulo de sua
orelha, sussurrando o que planejava fazer com ele num futuro qualquer.
Contou, com a voz muito molhada, que estava louca para estalar o chicote em
suas costas, morder para deixar marca e arranhar todo aquele tanquinho
perfeito.
— Tão lindo — Sussurrou enquanto ele se masturbava cada vez com
mais força, cada vez mais vermelho e a um passo de gemer — Tudo em você
é tão perfeito.
— Natália, por favor…
— Existem Dommes que amam humilhar e frustrar. Sabe do que eu
gosto?
— O quê?
— Eu gosto quando meu submisso esquece o que existe da porta para
fora e só tem olhos para mim. — Com paixão, ela lhe lambeu a boca,
forçando um beijo, e o segurou pelo saco — Gosto quando meu submisso não
se importa com mais nada.
— Por favor, por favor…
— Se gozar agora, vai ser um caminho sem volta.
— Encosta em mim Natália, me deixa tocar você.
— Se gozar comigo, você não será mais noivo de ninguém, namorado
de ninguém. Vai ser só meu e eu vou te usar como eu quiser, quando eu
quiser, pelo tempo que eu quiser.
— Nat…
— Você quer ser meu, lindo?
Ele balançou a cabeça, a boca entreaberta, entregue demais para
raciocinar.
Então ela lhe deu um tapa no rosto, com força.
Para colocá-lo de volta no mundo.
— Quer, Leandro?
— É tudo o que mais quero.
Ele não podia ver e por isso Natália abriu um sorriso feliz, vitorioso, e
lhe deu um beijo bem onde o vergão de seus dedos começavam a despontar.
Puxou a venda dele, deixando-o ver. Natália tinha uma poça no chão,
bem embaixo do quadril. Escorria de brincar daquele jeito, de ter um homem
sob seus comandos.
Leandro viu e teve que fechar os olhos para não queimar a largada.
Puxou a pele do pau com força para baixo, e a gotinha do pré-orgasmo
escorreu pela cabeça inchada.
— Olha para mim — ela mandou.
O homem que ela viu não era mais o santinho com medo de desagradar
todo mundo. Tinha um homem ali e ela finalmente o via. Não existe mentira
num homem prestes a gozar. Nem atuação.
Leandro, quando deixa seus preconceitos e temores para trás, é capaz de
enlouquecer qualquer um.
— Goza para mim, mas não feche os olhos.
De rosto vermelho, a mão que subia e descia, os músculos da barriga
rijos e de coxas abertas. Ele fixou o olhar no dela, incapaz de se manter de
olhos abertos e gozou com um suspiro vocalizado lindo.
E, com um tapa na perna dele, lhe deu um beijo molhado, longo, e que
terminou num sorriso satisfeito e maldoso:
— Gostoso.
— Me deixa te tocar, também. — ele pediu.
— Não, anjo. — Um pouco do esperma dele tinha voado em sua coxa e
Natália, de um jeito muito sensual, limpou a própria perna com o dedo e o
chupou.
Levantando-se, lhe deu um beijo e fechou a bota entreaberta.
— Aonde você vai? — Ele não compreendeu que ela iria embora. A viu
pegando o vestido do chão e se levantou para ajudá-la.
— Te vejo depois de amanhã — Sorrindo, o beijou com carinho, mas
com sua voz normal.
Só que ele ainda não entendia. Se estava tudo bem, por que ela iria
embora?
— Foi alguma coisa que eu fiz?
Com o olhar ainda quente, ela fez carinho em seu rosto, segurou suas
duas mãos e as beijou.
Então, chamou sua atenção para o próprio pulso.
— Não quebra a sua nova pulseira, tá bom?
— É para eu manter no braço?
— Toma cuidado, tá?
— Por quê?
— Porque vou te cozinhar em fogo lento até conseguir te ver de novo.
— Isso ainda faz parte do jogo?
— Faz, lindo.
— Então você não tá indo embora por algo que eu fiz?
Bonito o jeito dele de se sentir inseguro. Com um sorriso feliz, ela deu
um beijo em seus lábios, o abraçou pelos ombros e respondeu:
— Você não vai escapar de mim tão fácil.
Era cedo demais para dizer, ele sabia, mas não conseguia evitar sentir. A
puxou para mais perto do corpo, cheio de sentimentos, e encheu seu rosto de
beijos. Beijou o cabelo no pulso, prometeu cuidar bem dele e sorriu feliz.
— Boa noite, Léo. Vá dormir e sonhe comigo.
— Boa noite, linda.
Capítulo Vinte e Um
Leandro morreu de medo de quebrar o cabelo do pulso enquanto dormia.
Mal se mexeu durante a noite e, pela manhã ao tomar banho, manteve o braço
erguido longe da água, como se estivesse de braço quebrado e não pudesse
molhar o gesso.
Dirigiu com metade da atenção na estrada e outra metade relembrando a
noite passada apenas por causa daquele maldito fio de cabelo.
Natália disse que o cozinharia em fogo baixo até que pudesse vê-lo de
novo, mas Leandro não achou que fosse daquele jeito. Cada vez que se movia
e sentia o cabelo apertando seu pulso, não conseguia pensar em mais nada.
Lembrava do quanto ela era linda, da voz de veludo, encantadora de qualquer
monstro com ouvidos, o jeito como ela tinha o controle na mão, mas não da
forma que ele achou que seria.
Quando ela disse que gostava de tortura e provocar, tinha pensado em
violência, dor e privações. Nunca imaginaria, nem em seus sonhos mais
molhados, que seria tão doce.
Nem tão bom.
Seus amigos do trabalho viram o cabelo em seu pulso porque não parava
de mexer nele. Perguntaram o que era aquilo e achou uma desculpa boa o
bastante para se safar.
Disse que era uma simpatia de sua mãe, coisa de noivo prestes a se
casar. Como era religioso e famoso por isso dentro da empresa, ninguém
duvidou. Riram um pouco, é claro, porque amigo de trabalho não perde
piada, mas o deixaram em paz.
Pelo menos, nos primeiros três dias. Ele não aguentava mais ficar com o
cabelo dela enrolado no pulso, mas não vê-la. Natália ligava e queria saber
dele, contava sobre seu dia e sobre Caio, mas não falava absolutamente nada
sobre a primeira noite que tinham tido.
Ele, virgem e sozinho na maior parte do tempo, derramando bebidas
caras enquanto aprendia um truque ou dois com o barman, cada dia que
acordava sem vê-la outra vez, mais tinha certeza de que aquele momento não
havia sido tão especial para ela como fora para ele.
Afinal, ela não tinha gozado. Ele não pôde tocá-la. Ela havia dado todos
os comandos e não o deixara livre um segundo sequer.
Será que ela queria que ele tivesse desrespeitado suas ordens? Será que
ela o testava e não queria que ele realmente a obedecesse?
Todas essas perguntas encheram seu coração de ansiedade.
Isso e a ligação escondida que sua mãe lhe fez.
— Lê, estão dizendo coisas horríveis de você lá na igreja!
— Que falem.
— É verdade que você foi morar com uma prostituta?
— Quem te disse isso?
— Tá todo mundo comentando.
— Todo mundo quem?
— Não sei, as comadres que falaram!
— Curioso. — E riu, mais bravo que divertido — Quem veio me ver
aqui na casa da prostituta? Eu não contei para ninguém!
— Então você está mesmo no caminho da perdição, menino? Depois de
tudo o que fizemos por você e tudo o que te ensinamos?
— Foi o único lugar que me aceitou. — E tinha uma pontada triste e
agressiva no jeito de responder sua própria mãe. — Mas é sempre assim, né,
mãe? Jesus ensina que ladrões e putas são melhores que alguns pastores…
— Não diga uma coisa dessas!
Conversar com sua mãe estragou o resto de seu dia. Desligou o
computador sem vontade, deu tchau aos colegas de trabalho e foi para o
mestrado, sem pretensão alguma de prestar atenção.
Foi só quando chegou no que agora chamava de casa que foi se lembrar
do cabelo. Assustado, olhou para o pulso e logo suspirou aliviado: ainda
estava ali.
Enviou uma mensagem de boa-noite para Natália e recebeu sapatos
vermelhos de emoji em resposta.
“Onde você está?”. Perguntou calçando novamente os sapatos sociais,
certo de que Natália estava por perto.
“Estou aqui embaixo”.
Leandro só queria perguntar o porquê de Natália não tê-lo avisado. O dia
poderia ter sido bem melhor se soubesse que, ao cabo, ele a teria de vermelho
e sorrindo maldades.
De preferência sozinhos.
Desceu correndo e deixou a porta aberta. Sabia que voltariam para lá o
quanto antes, então não se deu ao trabalho de fechá-la.
Atravessou o salão principal cumprimentando o primeiro barman e
desceu as escadas para o pátio.
Lady Nïn estava ali, para seu alívio e perdição, com uma taça de gim
vazia e o rosto visivelmente cansado.
Sem saber se ela o esperava, prontamente se ajoelhou sem que ela
pedisse e lhe beijou as mãos por não saber se podia beijar seu rosto.
— Por que não me disse que estava aqui?
— Achei que chegaria cedo.
— Hoje eu tive aula… — E, como se ela fosse seu confessionário
particular, sentiu vontade de lhe contar todo o seu dia, inclusive sobre a
conversa com a mãe e como se sentia abalado.
— O que houve? — Não precisou dizer nada.
— Não quero te encher com meus problemas.
— Seus problemas são meus problemas, Leo.
— Não são, linda. — Mas se sentia agradecido pela gentileza e cuidado.
— Quer conversar?
— Vai me punir por não querer brincar de polícia e ladrão, hoje?
— Polícia… — Ela não demorou para entender a analogia, mas ficou
algum tempo pensando no quanto ela fazia sentido. — O que você quer fazer,
então?
— Temos tempo, hoje?
— Bom… — Era mais de onze horas da noite — Tínhamos mais.
— Mas ainda temos?
— Avisei o Caio que passaria a noite fora.
Tudo o que ele mais queria ouvir. Depois de ouvir sua mãe, não tinha
ânimo para perversões e se sentia como um pecador novamente.
— Vamos lá para cima, então? — Ela sugeriu, se levantando sem pedir
por mais espaço e ofereceu a mão para ajudá-lo.
Subiram com a mesma velocidade com que Leandro havia descido. Só
então ele percebeu que a roupa que Natália usava era apenas uma lingerie
vermelha que não escondia nada, e as mesmas botas da outra noite.
— Veio passar a noite comigo apenas de calcinha e sutiã?
Natália não entendeu a pergunta. Ele não gostava de calcinha e sutiã, por
acaso?
— Quero dizer, para dormir. Você não trouxe nada mais confortável?
— Ah. — Depois de esclarecido, ela sorriu e se sentou na cama dele —
Está lá embaixo. Daqui a pouco alguém traz.
— Quer que eu busque?
— Não, Léo. Senta aqui comigo. — Esperou que ele obedecesse e então
jogou os braços sobre seus ombros, pronta para beijá-lo e sorriu — O que
aconteceu?
— Realmente não quero falar sobre isso.
— Ok — Então ela não o forçaria a falar — Você precisa de cuidados.
— Você, aqui comigo, tá perfeito. Não preciso de mais nada.
— Não?
Não bastava dizer, então ele relaxou os ombros, desmontando a postura
estressada e tensa, sorrindo mais calmo, alegre, e a puxou pela cintura.
— Fiquei esperando que viesse por tanto tempo!
— Desculpe por isso. — Sem beijá-lo, ela o abraçou com mais carinho,
encaixando o queixo em seu ombro e diminuindo o espaço entre os corpos —
Não pude vir antes.
— Caio está bem?
— Ele não quer me contar que está repensando o intercâmbio, mas ele
está.
Sobre isso, Leandro não poderia contar o que o garoto lhe contou em
segredo.
— Mas estou cuidando das coisas mesmo assim. — Sem ouvir qualquer
resposta, Natália retomou.
— Vai que ele decide de última hora, né?
— Ele vai decidir de última hora, ele é meu filho. Temos esse traço no
DNA.
Melhor que o DNA dele, pensou, que se resumia a um bando de
hipócrita cretino.
— Eu tinha reservado o dia de hoje para te ensinar algumas coisas. —
Ela trocou de assunto ao perceber que seu dia realmente não tinha sido nada
bom.
— Ah, é?
— Mas você disse que hoje não quer brincar.
— É, mas…
— Se não quer brincar, deixo para outro dia. Melhor, né?
— Natália. — Afastou-se um pouco para olhá-la, desconfiado de suas
intenções, e encontrou seu riso brincalhão e maldoso — O que você quer me
ensinar?
— Veja bem, estou há quatro dias sem gozar.
— Coitadinha.
— E você nem sabe como pode me ajudar nesse quesito.
— Tão coitadinha.
Com firmeza, ela o segurou pelo queixo com uma mão, apertando suas
bochechas, e o olhou severa:
— Não debocha.
Ele engoliu o sorriso automaticamente, mas sentiu o movimento
involuntário nas calças.
— Não vai querer que eu te puna, não é?
Na verdade, se ela continuasse com aquele olhar e firmeza, ele iria
querer, sim.
— Vá para o banho e volte pelado para cá.
Ele não contestou. Apenas se levantou e foi.
Tomou bastante cuidado na hora de lavar algumas partes, mas o fez com
a maior rapidez possível. Enxugou-se de qualquer jeito, sentindo água
escorrer nos pelos de sua perna, e saiu do quarto.
Natália estava nua e sem sapatos sobre sua cama, mexendo no celular.
Ao vê-lo, ela desejou boa-noite ao seu filho e encostou o aparelho na
mesinha de cabeceira. Sem nunca se cansar de olhá-lo, sorriu ao vê-lo duro e
se sentou.
— Sabe como uma boceta funciona? —perguntou.
— Acho que sim.
Não tinha parecido uma resposta muito confiante, mas Natália não
queria envergonhá-lo, então fez sinal para que ele se adiantasse na cama,
esperou que ele se ajoelhasse ao seu lado e só depois abriu uma das pernas, se
expondo totalmente.
— Aqui. — Ela apontou para o capuz sobre seu clitóris encolhido —
Aqui é para onde vai a maior parte da atenção. Algumas mulheres gozam sem
tocar nele, mas a grande maioria só goza mexendo aqui.
— E quanto a você?
— Não vou te contar. — E retomou a aula, descendo a mão um
pouquinho — Aqui é a uretra, por onde sai o xixi. Um é bem pertinho do
outro, então tem que tomar cuidado na hora de colocar a mão.
— Tá bem.
— Bem, aqui você sabe o que é. — E apontou para a entrada da vagina.
— Sei.
Abriu mais a perna e apontou para a própria bunda.
— Preciso te explicar o que é isso?
— Não. — Ele só não entendeu o porquê dela mostrar aquele parte para
ele, naquele contexto.
— Também faz parte do parquinho.
— Mas…?
— Não vou te deixar brincar com ele até que você saiba o que está
fazendo, mas precisa saber que eu gosto.
— Aí?
— E quero mexer no seu, também.
— Tá doida?
Ela não conseguiu evitar a gargalhada. Sabia qual seria sua reação, mas
nunca havia imaginado que fosse tão divertido.
— No meu, não. — Ele se defendeu.
— Um dia você vai estar tão chapado de hormônios felizes e ocitocina
que vai implorar para eu comer seu cu.
— Natália.
— Um dia, lindo, um dia.
— Não, sem chances.
— Por quê? — E com um ponto a defender, ela se sentou na cama
fechando as pernas, e o encarou — Só porque alguém te disse que homem é
feito para tomar o que quiser, nunca ceder?
— Não tem nada a ver com isso.
— Então…?
— Se quer realmente saber, eu sou contra até mexer no seu.
— Fofinho — E lambeu-lhe a boca com tanta lascívia que Leandro quis
morder sua língua —, que estrago a culpa católica fez em você.
— Me beija.
— Você não fez nada para merecer.
— Tenho que fazer por merecer todas as vezes?
— Só quando quiser me beijar.
— Todas as horas e todos os minutos, então.
Capítulo Vinte e Dois
Ela entendia que Leandro precisava de carinho e cuidado, então não
pegaria pesado nas ordens. Vendo-o pelado, queria pegar seu chicote e
marcá-lo inteiro, mas não o fez.
Em vez disso, levantou-se da cama, abriu a porta do quarto e puxou uma
bolsa de lona que algum funcionário deixou conforme pedido.
Puxou um objeto de metal, que Leandro não entendeu nem quando ela o
abriu e o exibiu.
— Isso é um cinto de castidade. — Com o objeto aberto, ela o colocou
em cima da cama e o apresentou — Já ouviu falar disso?
— Não.
— Ao contrário do que acreditam, não existiu na idade média. Na
verdade, inventaram isso para fazer piada com a idade das trevas.
— Então serve para quê?
— No mesmo século que inventaram isso para fazer piada, usaram um
parecido para impedir que os loucos se masturbassem.
— Então é para isso que serve?
— Isso, e machucar.
— Eu não gostei dessa parte.
— Você pode recusar, se quiser. Nada é obrigatório.
— … mas você quer que eu coloque, não é?
— Você me faria uma mulher muito feliz e molhada, se usasse.
Com Natália nua e deitada na sua cama, ele estava tudo: menos mole.
Olhou para a pequena gaiola que ela tinha nas mãos, para o próprio tamanho
e deu um muxoxo conformado.
— Quer que eu ponha? — Ela riu.
— Já vai ser horrível o bastante colocar esse treco sozinho.
Sem entender de onde essa tal obediência aparecia, ele pegou o cinto de
castidade e se fez caber lá dentro, murchando com a ideia de se colocar
naquela posição constrangedora diante daquela mulher que o fazia tudo,
menos mole.
De pau preso, olhou para Natália que tinha os olhos brilhantes demais
para serem encenação, e respirou fundo.
— Certo. — Ele queria protestar, mas não sabia como fazê-lo quando
agia por boa-vontade. — E agora?
Quase contente, Natália deitou-se confortavelmente, a cabeça no
travesseiro, e sorriu:
— Agora você pode me beijar, se quiser.
Recompensa instantânea como um cão de Pavlov. Leandro sentiu os
anéis da gaiola lhe apertarem e tentou não pensar muito naquela dor.
Aproximou-se da boca sabendo que aquele seria só o começo. Natália
não lhe mostrou a própria anatomia à toa.
Sentindo sua língua, Leandro passou por cima dela, um joelho de cada
lado de seu quadril, e deixou metal gelado da gaiola caído sobre seu ventre.
Natália suspirou fundo, quase num gemido, ao sentir a gaiola contra si.
Desceu as duas mãos para senti-lo preso, os bicos dos seios contra seu
peitoral, a língua enroscada, a sensação de tê-lo sob seu controle, mesmo
quando era ele por cima, e infinitamente maior e mais forte.
Para despertar o que ele tinha de pior, ela mordeu seu lábio inferior,
cheia de malícia, e passou o polegar pela parcela da cabeça do pau descoberta
pelo metal.
— Dói? — Ela perguntou quando ele se retraiu com o toque.
— Você sabe que sim.
— De um a dez, quanto?
— Três.
Três era uma dor suportável, ela decidiu. Três ainda poderia subir para
quatro, talvez seis se fizesse tudo direitinho, e então ele estaria tão próximo
do melhor orgasmo de sua vida que seria capaz de suportar um sete e meio
sem chorar.
— Desce a boca. — Ela pediu, enlouquecendo devagar com o metal
parado no ventre, a ideia de que ele sentia dor e tesão ao mesmo tempo, e o
beijo incrivelmente bom que ele tinha.
— Aqui? — Travesso, ele tomou na boca um de seus mamilos, olhando
para cima, esperando a resposta com o melhor olhar que Natália já ganhou.
— Não me provoca.
Com uma risadinha, ele não estava com pressa. Era a primeira vez que
chupava um mamilo na vida e não queria fazê-lo rapidamente.
Com a cabeça analítica feita para testes que tinha, ele raspou os dentes
para saber o efeito disso no corpo dela. Depois, chupou com mais força.
Então segurou o outro mamilo entre os dedos da outra mão, brincando com
os dois seios ao mesmo tempo.
Sem paciência e dona do próprio corpo, ela desceu a mão para sanar a
carência entre as pernas.
— Me deixa fazer isso — Ele pediu.
Foi com tanta delicadeza, que Natália cedeu. Subiu a mão outra vez e
Leandro tomou seus dedos, com carinho, e os beijou.
— Me guia.
— Do jeito que tá, tá indo bem.
— É a minha primeira vez e eu não quero fazer errado.
— A gente não vai transar, Léo.
— É a primeira vez lambendo, também.
Ela sabia disso, só não esperava que ele quisesse fazer direito e com
calma. Ela própria, se parasse para pensar, não queria fazer direito, muito
menos com calma.
Com Leandro dentro de uma gaiola, totalmente nu e sobre ela, a última
coisa que ela queria é que ele fosse com calma.
— Não deita na cama que senão a gaiola vai te machucar muito. — Ela
mandou — Só… me lambe de joelhos.
— Você e essa sua mania com joelhos.
A cabeleira loira desceu da altura do tronco para a altura dos quadris.
Natália quase não se aguentava mais, sofrendo tão lentamente, e se abriu
completamente, esperando que ele se encaixasse ali, com os músculos das
costas expostos para seus olhos e os músculos dos braços estendidos sobre
suas pernas.
Leandro sabia que devia se concentrar no pequeno capuz sobre a uretra e
o canal vaginal, ali que estava todo o segredo, então encostou a língua, sem
saber se deveria fazê-lo de forma fraca ou forte, e resolveu chupá-lo como fez
com os mamilos.
Aberta, exposta e molhada, Natália não demorou para perder o rumo de
casa. Leandro era um bom aluno, prestou atenção nas indicações prévias e se
esforçava.
Só faltava um toque sádico, nem que fosse um pouquinho, para que
Natália se perdesse completamente.
Sem carinho, ela o segurou pelo cabelo, usando-o de alça, e se esfregou
contra seu rosto, mesmo embaixo dele, olhando os músculos dos braços e as
veias saltando devagarzinho.
— Entra com dois dedos em mim. — Ela pediu, arfando, quase pronta
para gozar.
Com as pernas afastadas, Leandro entrou com os dedos, sempre
chupando o clitóris e começou um movimento leve, de vai-e-vem,
coordenado com a língua.
— Mais forte que isso.
Ele acelerou o movimento da mão, mas não tinha coragem de aumentar
a pressão dos lábios. Ali era tão delicado e tão lindo, por que ela iria querer
mais forte?
Os pequenos lábios de Natália eram maiores que os grandes lábios e, se
olhasse para baixo, via Leandro com eles na boca.
Ele, por outro lado, quando percebeu que Natália o observava, se
acanhou de vergonha e não a olhou outra vez.
— Olha, lindo. — Ela pediu ofegante e puxou seus cabelos para cima,
obrigando-o a olhar.
Leandro deu um sorriso acanhado de bochechas vermelhas e a olhou
tempo suficiente para perceber os seios inchados, o olhar lascivo, a boca
entreaberta cheia de desejo e tesão.
— Olhe sempre pra mim. — Ela mandou, se abrindo mais, enchendo
uma das mãos com os próprios seios e deitando a cabeça no travesseiro,
entregue e curtindo, parte porque realmente se sentia assim, mas outra parte
para que ele visse.
Depois de perceber que fazia certo, Leandro parou um pouco com o
medo. Aplicou força nos lábios e na língua, ganhou pressão nas pontas dos
dedos.
Passou a entrar no ritmo dela, reagir ao que ela sentia, sentir os cabelos
puxados não mais como uma forma de punição, mas com carinho erótico
também.
Aquela gaiola pesava sobre seu sexo e o machucava. Ajoelhado na
cama, ele se curvou mais ainda, lambendo e chupando com mais vontade,
sem pudor e sem entender como fazer aquilo o deixava com tanto tesão se ela
não lhe retribuía qualquer carinho.
Sentiu uma das pernas dela entrarem entre as suas e ficar paradinha ali,
embaixo de si, provocando a gaiola com toques descuidados.
Rapidamente, o que era prazer de para um, virava via de mão dupla.
Natália o arranhava e puxava seus cabelos, só para provocá-lo, gemia
baixinho e suspirado, entrando por um vórtex por onde só se sai liquidado.
Leandro, por outro lado, sentia a empolgação da parceira e se perdia
com o clitóris na boca. Não conseguia parar de lamber seu lubrificante
natural e lhe mordia, do jeito certo, toda vez que sentia uma pontada de tesão.
Se Natália gozasse, ele sabia, embora não pudesse explicar como, ele
também gozaria. A dor passava de três para seis, seu pau enjaulado não tinha
espaço para crescer.
Mas o tesão que aquilo era. O gosto de ter sua mulher na boca, o jeito
como ela se contorcia, linda, destacando curvas em seu corpo lindo, o rosto
fechado de prazer, a boca entreaberta e então o canto desconsertado de quem
chega na beira do precipício e não pede a opinião de ninguém para se jogar.
Pois é.
Ele daria um braço e uma perna para estar dentro dela bem ali,
emaranhado em seus braços, perdido como ela, pulando junto sem corda nem
parapeito.
Ele daria um braço e uma perna para poder ver o rostinho perdido,
inchado, vermelho e ver, mais do que ouvir, ver como ela fica quando está lá.
Perdido na vista e no movimento dos lábios, ele não se concentrou o
bastante em outras partes de seu corpo e só foi se lembrar delas quando
Natália empurrou o joelho, direto na sua gaiola. Do seis passou para sete e
meio.
Ele daria tudo para parar e tirar aquele troço. Congelou e gemeu de dor,
a pontada perigosa logo ali o fez esquecer o que fazia e como ela estava linda
há um segundo.
Sentiu seu corpo se virar e não conseguiu fazer nada. Natália era
pequena, menor que ele, mais fraca que ele, mas tinha todo o jogo a seu
favor. Deitou-o de costas na cama, num golpe só, e sentou na cara dele sem
pedir licença, se esfregando nele sem querer saber de língua ou de dedos.
Deitou o tronco sobre ele, olhando a gaiola que estrangulava seu
membro e passou a lamber, vagarosamente, feito tortura, os pequenos
espaços em que a cabeça do pau saltava entre as grades do cinto de castidade.
Foi assim que Leandro caiu em tentação. Desceu do pedestal perfeito e
limpinho onde o colocaram a vida toda. Com uma mulher aberta e melada na
cara, o pau todo apertado, algo nele se desprendeu de todo o resto.
Agarrou Natália pela bunda, com dor e tesão, sentindo seu sacudir
violento sobre o rosto, abriu os olhos para não perder nada, ficou encantado
com as nádegas abertas e o cu, quase se perdeu de vontade de lamber aquele
espaço, logo aquilo ali que nunca foi seu objeto de desejo.
Sentiu Natália arfar, cada vez mais forte, a contração de sua musculatura
na língua, o jeito como ela gemia cada vez mais descontrolada e a leve
pressão nos ouvidos provocada por suas pernas.
Sentiu alívio repentino e seu pau se expandiu sozinho, liberto. Entendeu
que ela finalmente o soltou da tortura e gemeu, um canto vocalizado que
deixou Natália doida quando ela o colocou na boca.
Dali em diante ele aprendeu sua lição: nada era doido, ridículo ou idiota
se envolvesse aquela mulher e a mente maldosa que ela tinha.
Capítulo Vinte e três
Deitados na cama, Leandro nunca tinha se sentido tão bem, tão feliz. Ele
não saberia nomear nem metade das sensações que havia sentido, nem
metade das que ainda sentia, mas sabia que não tinha relação alguma com o
medo que o perseguira, desde menino, se violasse uma regra divina.
— Só parece que… — Com Natália em seu peito, ele fazia carinho em
seus cabelos enquanto sorria feito um bobo — Sei lá, parece que mentiram
para mim a minha vida toda.
— Por que diz isso?
— Como que uma coisa tão bonita assim pode me levar pro inferno?
Palavras que pegaram Natália de surpresa. Ela estava acostumada com o
sujo, o secreto, o escondido. Nunca tinha ouvido ninguém falar que aquilo, a
perversão, o jogo de sedução, a gaiola estrangulando um pau, tudo aquilo, era
… bonito.
— O quê? — Ele percebeu o que suas palavras provocaram e perguntou
— Você não concorda comigo?
Sorrindo um pouco boba também, ela se sentou na cama para olhá-lo
melhor
— Concordo, só não esperava que dissesse isso.
Pela cara dele, ela se sentiu obrigada a reformular:
— No fundo, enquanto estamos na sessão, todo mundo sente a beleza. A
conexão, a sensação, tudo isso a gente sente. No entanto, quando ela termina,
a maioria das pessoas prefere esquecer que aconteceu.
— Você é como essas pessoas?
— Nunca me esqueceria de você, Leo. — E sorriu mansa porque lia nas
entrelinhas o que ele realmente queria dizer — Vou te contar um segredo,
mas você não pode contar para mais ninguém, tá bom?
— O que é?
— É compreensível que pensem que uma Domme marque um sub, mas,
na verdade, um sub também deixa sua marca.
— Eu… — Daquela vez, ele não baixou os olhos ou se retraiu. Com
doçura, abriu um sorriso feliz — Marquei você?
— Tá certo, Leo, vamos fazer isso direito.
Ela não seria uma Domme séria se não fizesse aquilo. Levantou-se da
cama sem se envergonhar do corpo nu e puxou a bolsa de lona que guardou o
cinto de castidade.
Puxou uma pasta de dentro, preta e sóbria, e estendeu o conteúdo, três
páginas de contrato, para Leandro.
— Costuma-se formalizar a relação de Domme e sub.
— Com um contrato? — Pego totalmente desprevenido, ele se ajeitou
melhor na cama quando viu escrito “Contrato de Submissão” — Natália,
você sabe que eu quero bem mais que um jogo.
— Sei. — Se sabia, as borboletas na barriga a contrariaram — Mas é
para a gente formalizar essa parte da relação.
— Quer formalizar a outra também? — Sério, Leandro perdeu toda a
meninice. — Isso não é só jogo pra mim.
— Esse contrato é parte do jogo. — Ela poderia ter baixado a guarda e
revelado que o contrato era apenas uma proteção. Poderia, inclusive, dizer
que jamais começaria um namoro, ou qualquer outra coisa, com alguém que
não entendesse essa parte de si. Em vez disso, revelou a contrapartida —
Você disse que quer me levar para sair, não é?
— Disse, mas…
— Tá tudo aí. — Apontou para os papéis tentando não aparentar tanto
nervosismo. — Inclusive isso.
Descontente, ele dobrou os lábios para dentro da boca, analisando o
acordo, e suspirou.
— Se isso importa para você, tudo bem.
— É o certo, Leo.
Mais atento, ele se preocupou em ler cada um dos parágrafos, suas
obrigações como submisso, as obrigações da Domme, os acordos entre ambos
e encontrou uma palavra que não entendeu o que significava.
— O que é essa safeword?
— Você pode não aceitar tudo o que eu propuser. — Mais aberta, se
sentou de volta na cama, bem perto dele — Pode ser que queira parar no
meio, pode ser que eu esteja te machucando mais do que você aguenta.
— Hoje foi por pouco.
— Imagino que sim. — Deu um beijo em seu rosto, mas não saiu de
perto, como se quisesse excluir a distância entre os corpos — Mas
compensou depois, não é?
— Eu tenho algum problema, não é possível. — Reativo, quando
Natália se aproximou aberta para conversa, ele também se abriu — Até a dor
foi legal.
— Por que tão perfeito? — Sem conseguir guardar as mãos para si, ela o
abraçou pelos ombros — Dói ainda?
— Não me peça mais nada, hoje. — Ele riu um pouco envergonhado.
— Se eu tivesse continuado com a gaiola, poderia te machucar muito
mais do que você suportaria — Ela retomou a explicação — E, nesse caso,
você concorda comigo que dizer “para”, não significaria nada?
— É, faz sentido.
— Para isso existe essa safeword. É uma palavra totalmente fora do
contexto e que realmente quer dizer “pare, eu não quero mais”.
— Por isso você perguntou a ferramenta mais comum do meu trabalho
daquela outra vez?
— É, lindo. E saiba que ela é seu direito, viu? — Deu um beijinho
carinhoso em sua testa, outro em sua bochecha, e prosseguiu — Dizê-la não
vai me deixar brava, nem triste, nem magoada, e nem nada mudará entre a
gente. Eu não tenho poder algum sobre o seu corpo ou suas vontades. Tá
escrito aqui, olha.
“O submisso, embora abra mão de seu poder de controle, não abre mão
de sua autonomia. A ele é reservado o direito da safeword a qualquer
momento, seja por mera vontade ou eventuais acidentes”.
— Entretanto — Natália leu em voz alta. —, o submisso não tem o
poder de recusar alguma prática ou fetiche sem antes conhecê-lo.
— Tem algumas coisas que tenho certeza que não gosto, Nat.
— É? — Travessa, passou a mão em Leandro, do peito ao sexo, e o
segurou com firmeza — E você alguma vez imaginou que gostaria de ter o
pau todo preso dentro de uma gaiolinha?
— Cuidado, amor — ele pediu, tão preocupado com a pressão que
Natália colocava sobre seu sexo, que nem percebeu qual palavra deixou
escapar.
— Tem coisas que você não imagina que sejam boas, mas são. — Ela
prosseguiu, ainda com a mão nele — E sei que, se eu perguntar antes de te
mostrar, você vai recuar. Por isso preciso desse seu voto de confiança, Leo.
— Você não vai me fazer comer cocô nem nada do tipo, né?
— Só um pouquinho — ela respondeu sem rir.
Leandro primeiro achou que fosse brincadeira e esperou que ela risse,
mas Natália não riu, nem mesmo uma puxadinha dos lábios, então ele
arregalou os olhos, surpreso e assustado.
— Você tá falando sério?
— Não, né! — Só então ela riu e desmanchou a cara séria.
— Eu estava a um ponto de sair correndo daqui. — Aliviado, Leandro
riu também, mas mais de alivio que de graça.
— Tem quem goste, mas não bebo nem água na casa dessa galera.
— Agora estou imaginando como é a escova de dente de quem… —
Mais pudico, ele não teve coragem de repetir a porqueira que imaginou. —
Certo, então você não vai me fazer comer. Então… o que mais de ruim pode
existir?
— Chicote. — Ela respondeu seca — Algemas. Cordas de sisal, dildos,
cintas-caralha…
— Ok, ok, ok! — Ele não fazia nem ideia do que “cinta-caralha”
significava, mas imaginou que não fosse boa coisa — Entendi. Certo, então
não posso recusar até provar. O que mais?
— E eu tenho a obrigação de cuidar de você depois das sessões.
— Cuidar tipo… — Ele achou que fosse alguma piada — colocar para
dormir?
— Também.
— Não, não precisa disso. — Leandro não era nenhuma criança, afinal.
— Lindo, eu peguei leve hoje. Vou pegar leve até você se acostumar,
mas um dia esse “leve” vai ficar “pesado” e pode ser que você precise que eu
te coloque para dormir. — E explicou o que o aftercare realmente significava
— Aqui está escrito que eu tenho obrigação de cuidar de você depois que a
gente terminar. Isso inclui pomada em algum machucado que tiver, banho
para te limpar, cuidado psicológico porque algumas coisas deixam a gente em
frangalhos e é sempre bom fazer a manutenção, sabe? É onde eu cuido e
mimo você.
— Tipo uma recompensa por ter me comportado?
— Se você quiser pensar assim, pode ser, mas você vai ver que, algumas
vezes, a recompensa é maior quando não se comportar.
— Certo. — Ele não quis pensar muito sobre “não se comportar” porque
não queria ter outra ereção — Mais alguma coisa que eu precise saber?
— Eu decido onde, como e quando. Sempre.
— Mas eu não posso nem pedir? — Ele barganhou.
— Pedir pode, lindo, mas depende de mim todas as vezes.
— Tá bem, com isso consigo lidar.
— De resto… — Ela deu uma olhada no contrato para ter certeza de que
não tinha se esquecido de nada — Se você não quiser, não fazemos. Tem
Domme que não liga para a vontade do sub depois do contrato, mas alguma
coisa pode ter acontecido no seu dia que tenha te aborrecido ou alguma coisa
aconteça com a sua família, daí não acho justo forçar. — E se lembrou de
uma última coisa — Ah, tem a questão tempo, também. Por quinze dias, você
fica aqui. Nos últimos quinze dias, você vai lá para casa.
— Por quê? — E se corrigiu antes que Natália pensasse que ele não
queria ir — Quero dizer, adoraria, mas e o Caio?
— Caio viaja em quinze dias — Ela sussurrou como se dissesse alguma
coisa muito pornográfica — E você mal vai sair da minha cama quando isso
acontecer.
Ele fechou os olhos bem forte tentando não imaginar seu quarto, seu
perfume e a si mesmo deitado em sua cama.
— Se você concorda com tudo, assina aqui — ela pediu, se levantando
da cama em busca da caneta que também estava na bolsa.
Voltou, mas não se sentou ao seu lado. Daquela vez, deitou a cabeça
sobre sua perna, namorando a ereção saltada que não deveria estar ali, e o
olhou de baixo para cima, cheia de manha, melindre e maldades.
— Não me olha assim — ele pediu, completando à mão os dados
pessoais que Natália não sabia, e assinando a última folha.
— Por que não?
De ingênua Natália não tinha nada, mas sabia fingir. Sabia sorrir do jeito
certo, um pouco travessa e um pouco sedutora, mordendo o lábio de baixo,
cheia de segundas intenções enquanto o olhava nos olhos, evitando o pau
duro que tinha na altura da boca.
— Você é tão ruim para mim.
— Se soubesse o quanto eu gostaria de sentar em você agora, saberia
que eu sou até que bem boazinha.
Capítulo Vinte e Quatro
Natália chegou em casa ao amanhecer e carregava um sorriso tão, mas
tão feliz, que não se importou de seguir pelo dia mesmo com a noite tão mal
dormida.
Seguiu com sua rotina matinal e, quando estava pronta para enfrentar
mais um dia de trabalho, cumprimentou seus funcionários, tomou café da
manhã com eles e, puxou Daniel para um canto.
Precisava de alguns segundos para comemorar a evolução de um
coroinha que, como ela previa, se descobria um devasso tão ou pior quanto si
mesma.
— Não me conta que já entendi. — Daniel a interrompeu só de ver o
sorriso de quem viu o passarinho verde.
Rindo, engatou a mangueira no engate rápido da torneira e ajustou o
fluxo de água.
— Não tem como você nem imaginar!
— Bom, pelo jeito como você tá, vi foi a cena toda.
— Quem diria, né? — Ela, que tinha outras coisas a fazer, chamou um
dos meninos mais jovens que trabalhavam consigo e pediu que eles tirassem
um saco de fertilizante do estoque.
— Quem diria o quê? — Daniel retomou quando a patroa terminou com
as ordens.
Ele adorava usar a boca da mangueira como se fosse um pau mijante.
Tinha mais de trinta anos, mas, se olhado de perto, em muitas coisas se
parecia com um garoto.
— Mas você é idiota, né?
— Tô trabalhando, patroa. — E, entre um jato e outro, retomou — Então
tá dando certo entre vocês, né?
— Mais que certo.
— É bom ouvir isso, Nat. Ninguém merece um cara legal mais do que
você.
— Gostoso. — Ela o corrigiu. — Legal ainda não sei muito bem, mas
que é gostoso, é!
— Isso, mente bem pra si mesma, mas não vem de gracinha pra mim,
não.
— DONA HINA, ONDE É QUE EU PONHO ISSO AQUI? — Gritou
um dos ajudantes com um pacote de dez quilos de bosta no lombo.
— Põe perto das orquídeas que eu já vou!
— Olha, Nat, posso te perguntar uma coisa? — Aparentemente, não era
só Natália quem tinha novidades.
— Lá vem... — Ela riu.
— Lembra a primeira vez que levei Leandro lá no bar?
— Hm.
— Então… — Para sua confissão, ele desligou a mangueira e olhou para
a amiga com um pouco sem graça — Achei umas loucas lá, né.
— Hm. — Por essa Natália não esperava — E gostou do que encontrou?
— Porra, se sim!
— Você usou ou foi usado?
— Hein?
— De que parte você gostou mais?
— E eu que sei? Sei que foi bom e que tem uma mina que me quer de
novo.
— Isso é bom.
— É, só que tô achando estranho. — E emendou logo a pergunta que
queria fazer para não perder a coragem — É normal alguém te pagar para
isso?
— Mais que normal.
— Greta disse que me pagaria muita grana por um fim de semana.
— Greta é mistress e, se tá te oferecendo dinheiro, é por que te quer de
submisso.
— É, ela disse.
— E você está confortável com isso?
— Cinco mil reais para transar apanhando? Morando de favor com uma
amiga e sem grana nem para a faculdade? O que você acha?
— Vou falar para ela pegar leve com você. — Diante da situação de
Daniel, Natália teve de dar o braço a torcer — Greta tem a mão pesada e não
costuma dar aftercare nos submissos.
— Sempre cuidando de mim. — Ele sorriu, enfiando o topo da cabeça
em seu braço como um cão quando quer carinho.
— Deixa de ser bobo!
— Mas Natizinha, meu amor, se eu deixar de ser bobo, o que é que eu
vou ser?
— Vou cuidar das orquídeas que eu ganho mais. Tonto!
Antes de fechar seu jardim naquele dia, dispensou seus funcionários,
deu boa-noite, bom retorno, e disse ao filho que terminaria o balanço antes de
ir para casa.
Pegou um vaso branco de argila, caçou suas tintas pelos armários e se
sentou no chão. Da última vez que fizera aquilo tinha sido quando seus pais
haviam decidido morar fora. A roseira que dera deste ritual ficava na calçada
de sua casa, e todo mundo que passava na frente sempre tentava roubar um
botão.
Daquela vez, o faria mesmo sem um motivo claro. Pensando bem, ela
nunca tinha um motivo certo quando começava. Só sabia que tinha que fazê-
lo e se sentia melhor ao terminar.
Pintou o vaso inteirinho com as tintas que tinha disponíveis, sem
intenção alguma de fazer desenho. Queria apenas decorá-lo, e o colocou para
secar num canto do jardim, longe da circulação de pessoas.
Aquele era um vaso para o futuro. Sem sequer uma muda, o vaso
pintado ficaria vazio até que sua roseira ganhasse corpo.
Depois pegou um pacote de sementes de Hybrid Tea. Colocou todas
num papel toalha, umedeceu bem e as colocou no fundo de um armário, onde
era frio e não batia luz.
Só entendeu qual seria seu pedido quando foi guardar as tintas.
Enquanto limpava seus pincéis, prometeu-se que cultivaria Leandro,
respeitando seu tempo, do mesmo jeito que cultivaria a nova roseira para
aquele vaso.
Prometeu que cuidaria bem, no tempo dele, e que o esperaria. Não
aceleraria processos, nem o trataria com desdém.
Só depois deu boa noite para suas plantinhas, desligou o computador do
caixa e trancou o portão principal fechando o jardim
Viu um carro parado do outro lado da rua, mas os vidros estavam
erguidos, então não conseguiu ver quem era. Não possuía um automóvel e
tampouco entendia sobre eles, então não sabia qual carro era de Leandro.
Podia ser aquele, estacionado ali, como podia ser qualquer outro.
Ela só queria que fosse aquele.
Atravessou a rua se sentindo um pouco mais ansiosa a cada passo, e viu
o banco do motorista vazio.
Por um segundo, se sentiu como uma idiota.
Então olhou para a porta da própria casa e ele estava ali, de novo com
aquela maldita mão no bolso, olhando para a porta fechada e sem coragem de
tocar a campainha.
Sentiu-se boba como se tivesse treze anos de novo. Sorriu e não
conseguiu parar antes de ser vista.
— Eu não sabia se… — Ele tentou, passando a mão nos cabelos e
segurando a nuca, vermelho até as orelhas, totalmente sem jeito.
— Eu estava aqui do lado. — Ela entendeu e se adiantou.
— Fiz mal em vir?
— Por que pergunta isso?
— Eu não sei se… — Tão lindo, mas tão lindo, que derretia calcinha e
coração ao mesmo tempo. — Não sei se quer manter as coisas em segredo ou
se eu posso…
— Quer entrar?
— Não vou atrapalhar?
Até parece!
— Caio já perguntou por que você não aparece mais aqui e Daniel não
preciso nem falar, né?
Capítulo Vinte e Cinto
10 dias antes da partida de Caio

Ela estalou o chicote no chão do próprio quarto apenas para ouvir o


barulho. Ninguém sabia explicar o que aquele barulho fazia com seu corpo.
Era como acordar. Fez carinho no cabo, no nó e depois no couro. Assim
como todo o resto, aquele aparelho também era vermelho.
Nunca tinha gostado de vermelho. É um clichê ridículo que todo filme
usa para retratar um descendente do Japão.
Mas a primeira vez que Bataille a tinha instruído a usar tal cor fora
primeiro o dia que finalmente se sentiu na própria pele. Como se alguma
coisa no espelho a chamasse aos sussurros de forma sedutora. Como se a
pessoa refletida ali tivesse superpoderes.
Não uma farsa, não uma vergonha, não um erro. Ela. Natália.
Desde então, vestidos colados, saltos altos e a cor vermelha têm sido sua
assinatura. Faz alguma coisa com seu corpo e sua cabeça.
E faz o mesmo com o corpo e a cabeça dos outros.
Imaginava como seria dar com o chicote nas costas nuas de um Leandro
com tesão. Morria de curiosidade saber quantos golpes ele aguentaria antes
de se render. Como os vergões subiriam em sua pele dourada, como ele
tencionaria os músculos ao sentir o impacto.
Quase morreu de horror ao imaginar se ele não aceitasse um único
açoite e preferiu guardar seu chicote. Colocou-o na gaveta de seu armário, a
única com chave, antes de se perder nos pensamentos do que faria com
Leandro na próxima vez que o visse.
Ouviu um toque tímido na porta fechada de seu quarto e sabia que era
seu filho.
Respirou fundo algumas vezes para voltar ao seu normal de mãe e abriu.
Caio tinha a cabeça baixa e os cantos dos dedos roídos. Finalmente
chegou o dia, ela pensou, pedindo que o garoto entrasse e se sentasse em sua
cama.
— Mãe — ele disse com a coragem que havia herdado dela, mas com o
medo da repressão que sua idade pedia —, você tá com tempo?
— Pra você? — Para quebrar o clima pesado, ela fingiu que olhava a um
relógio imaginário no pulso — Sempre, né!
— Você vai ficar brava comigo.
— Tá cheirando pó?
— QUÊ?!
— Tá usando alguma droga, bebendo com os amigos ou tá matando
aula? Você sabe bem o que eu não admito, Caio.
— Não fica brava.
— Me tranquiliza e diz que não é nenhuma dessas coisas.
— Não, mãe, você sabe que não.
— Certo. — Sabendo do que se tratava, prosseguiu com as brincadeiras
— Engravidou alguma menina?
— Você só pensa o pior!!
— Dois anos mais velha eu ‘tava com você na minha barriga. Eu só
penso o pior porque eu já fiz todo tipo de pior.
— Todo tipo?
— Só não matei aula.
Era para ser uma piada, mas os olhos arregalados de seu menino
indicavam que ainda não era hora para contar de sua adolescência.
— Quando quiser saber dos meus podres, pergunte. Eu tenho um monte
para contar. — Esperou que o garoto respondesse, mas percebeu que ele
passou a cutucar os cantinhos machucados de seus dedos, de puro
nervosismo, então retomou — O que foi, Caio Toshio?
— Eu acho… não, eu tenho certeza! — Encheu os pulmões de ar e
jogou sua decisão para o mundo — Mãe, eu não quero mais ir para o Japão.
Não era surpresa alguma. Faltando pouco menos que dez dias para sua
viagem Caio não fizera qualquer menção sobre planos. Não havia pedido por
casacos mais pesados, não tinha reclamado sobre o estado da única mala de
viagem que possuíam, não tinha pedido nem por computador novo ou um
celular mais moderno ou qualquer coisa que poderia pedir para ir ao outro
lado do mundo.
Nem quando a avó ligava, coisa que sempre acontecia nas quartas-feiras
de manhã, ele havia falado com empolgação sobre a viagem.
Nem mesmo tinha aberto a pasta com os documentos da família para ter
certeza de que seu passaporte estava lá.
Nada. Absolutamente nada.
E como ele não era mais uma criança, mas um jovem muito mais
centrado e mais disciplinado do que ela havia sido um dia, esperou que fosse
começar os arranjos para a viagem com pelo menos um mês de antecedência.
Por isso, não se abalou quando Caio havia tomado coragem para falar o
que sentia.
— Você sabe todas as vezes que deixamos de pedir comida para guardar
dinheiro para o seu intercâmbio. — Ela respondeu com seriedade e paciência.
— Sei.
— E sabe dos cinemas que não fomos, das roupas que compramos em
brechós, da bolsa que você pegou na escola só para parte da mensalidade ir
para o nosso cofrinho. — Com carinho, pegou nas mãos do filhote e manteve
a fala firme — Sabe até que a gente faz tudo de bicicleta para não gastar com
condução.
— Sei também, mas é que…
— Calma, filho. Além do sacrifício por dinheiro, ainda teve os outros.
Você ralou muito para aprender japonês, ralou muito na escola para alcançar
o currículo e a exigência de lá. Ralou para passar na prova de admissão,
também.
— É. — E, aos poucos, Caio lutava contra o choro acumulado.
— Eu sou a sua mãe, filho, e meu trabalho é cuidar de você.
— Mãe…
— Mesmo quando você acha que não estou vendo, eu estou. Confio em
você, Caio, mais do que meus pais confiaram em mim. Eu sei o que é crescer
tendo que mentir para sobreviver e sei o quanto isso acabou comigo. — Com
carinho e firmeza, apertou suas mãos, olhou no fundo de seus olhos e
perguntou com uma calma que somente as mães de adolescentes têm — Você
tem certeza de que é isso o que quer?
Somente pelo jeito como ele baixou os olhos e encolheu os ombros, ela
percebeu que, na verdade, ele estava muito perdido. Precisava de conselho,
de carinho e pensar mais.
— O que te fez mudar de ideia, hein? — Com candura, ela ergueu o
rosto do filho e sorriu pacífica — Por que o meu príncipe não quer mais ir? O
que aconteceu? É por causa de alguém? Tem uma menina que tá tomando
muito da sua cabeça? Tem amigos que você não quer perder? Não vai me
dizer que é para não me deixar sozinha porque aí sim eu te dou uma surra!
Ele sorriu um pouquinho, mas não respondeu.
Foi aí que Natália achou uma boa ideia jogar a carta escondida na
manga.
— Eu ia para lá te fazer uma surpresa quando desse o recesso de Natal.
— Ia?
— Tô com a passagem comprada e tudo.
— Mas você disse…
— Mas eu menti.
— Ah, mãe…
— Agora não vai ser mais surpresa, tá dizendo que não quer ir!
— A cada hora eu quero uma coisa. — Ele confessou — Tem hora que
eu quero muito ir e me sinto idiota por me esforçar tanto para desistir no fim.
— Mas, por outro lado…
— E outra hora eu não quero mais e foda-se que me esforcei tanto
porque se fiz uma vez, faço duas!
— Bem, isso é verdade.
— Assim não tá ajudando.
— Você precisa me dizer o porquê não quer ir, que só assim posso
ajudar.
— Eu conheci alguém.
— Isso é bom. — E, no fundo, isso ela também já sabia.
— Mas essa pessoa disse que não acredita em relacionamento à
distância.
— Essa pessoa é bem egoísta.
— Disse que eu vou acabar traindo ela e que não vou ligar com tanta
frequência porque vou estar cheio de novidades e…
— Ela está com medo de que você se interesse por alguém lá e, por isso,
não quer que você realize um sonho que tem desde, tipo, sempre?
— Falando assim…
— Essa pessoa come merda.
— Foi o que o tio Dani disse.
Então Daniel sabia. Então ela não foi a primeira pessoa para quem Caio
pediu socorro. Então Daniel também não lhe disse nada.
— Daniel é um exemplo bem bom do que pode dar errado se largar seus
sonhos por uma pessoa.
Por um lado, ainda bem que seu filho tinha tomado coragem de ir até ela
e desabafar, porque, na sua adolescência, todos os seus problemas eram
resolvidos fora de casa. Nunca havia se sentado com sua própria mãe, com
essa liberdade, para dizer qualquer coisa.
— Foi o que Daniel me disse. — Caio respondeu.
— Acho que eu vou dar um aumento para esse cara — Ela piscou
brincalhona e gostou de vê-lo rindo.
— Você tá me achando um otário, né?
Adolescente apenas, ela pensou. E, com um sorriso cheio de orgulho de
seu menino, respondeu:
— Jamais! Acho que é uma preocupação honesta. Se você gosta de
alguém, você se importa. É claro que tem que passar pela cabeça se a pessoa
vai ficar bem. Imagina se dá alguma coisa de ruim com ela enquanto a gente
está do outro lado do mundo?
— Então você me entende, não é?
— Entendo, mas, se eu tenho um namorado que tá indo atrás de um
sonho, seria muito egoísta dizer para ele ficar. Eu não entendo muito de
relacionamento, até porque meu último namorado foi o seu pai e olha a
merda que deu, mas olha, acredito que um amor saudável faz de tudo para
ficar junto. Se esforça junto e torce pelo outro, sabe? Se essa menina, digo,
essa pessoa não está muito interessada em se esforçar para dar certo, será que
ela realmente te ama ou tá só te curtindo?
— Nossa.
— O que foi? Falei alguma coisa de errado? — Natália brincou — Eu
ainda tô aprendendo a ser mãe…
— Uma amiga minha disse exatamente a mesma coisa.
— E o que você respondeu quando ela te disse isso?
— Falei que ela era romântica demais.
— Poxa vida! — Romântica? A própria Lady Nïn?
— Não, mãe, não é isso!
— Tudo bem, sua mãe aceita ser chamada de romântica. — Única e
exclusivamente naquele caso e porque se tratava de seu filho — Torcendo o
nariz, e torcendo muito!
— É só que você falando fez mais sentido do que quando ela disse.
— Que bom que faz sentido para você. Agora você precisa ser homem e
mandar essa pessoa que não te respeita ir pra puta que pariu, tá bom?
Natália sabia o que dizer para tranquilizar o filho. Olhando-o rir
apertando seus olhinhos, ela respirou mais aliviada por finalmente ouvir a
angústia de seu menino.
— Não gosto quando você diz que eu preciso ser homem. — Caio
rebateu.
— Como eu posso corrigir isso? É a única expressão que eu sei.
— Não sei, só não fala mais assim.
Coisas que sua geração sequer havia parado para pensar. Olhando seu
menino, sabendo que “ser homem” era apenas uma força de expressão, mas
bastante ofensiva, sorriu condescendente e achou um bom substituto.
— Pulso firme! Ótimo, Caio, você precisa ter pulso firme. Pulso firme tá
bom?
Mais confortável, o garoto assentiu mais animado.
— Eu tenho muito orgulho de quem você é. — O abraçou com um
carinho materno cheio de dengo, eu um beijo em sua bochecha e aspirou seus
cabelos que não tinham o mesmo cheiro de quando era um bebê, mas ainda a
fazia sorrir — Te amo e sei que vai saber escolher. Não importa se vai ou não
para o Japão, não posso interferir, não sou eu quem vai.
— Mas e se eu não for?
— O dinheiro vai ficar guardado lá. Nunca tive outro destino para essa
grana, então vai ficar lá do jeitinho que está.
— Beleza, posso usar para comprar um carro quando eu fizer dezoito
anos?
— Moleque!
Capítulo Vinte e Seis
Ela sabia exatamente o quanto uma chicotada doía. Ganhara um açoite e
não pôde usá-lo até aprender a controlá-lo. A natureza do chicote é o
movimento, o laço tem vida própria e Bataille só a havia permitido levar seu
novo brinquedo para as sessões depois de meses de treino.
Também, quando dera o couro nas costas de seu primeiro sub, não havia
ninguém tão bom no manejo do chicote quando ela.
Alguns, inclusive, estavam dispostos a pagar pela experiência de sentir e
ver Lady Nïn com um chicote na mão, mas a natureza Domme de Natália
estava em outro lugar.
Outra vez em seu quarto, outra vez com o chicote na mão.
Incrível como aquele som esquentava o sangue em suas veias.
Guardou-o em sua bolsa e mal conseguia se conter. Era um grande
passo, um passo arriscado, mas ela não queria esperar mais um dia sequer.
Pediu um carro para chegar ao Stage e tirou sua camisa quando pagou
pela corrida. Sem o disfarce de mãe e micro-empresária, sentia-se novamente
na própria pele, harness preto sobre um vestido vermelho tão curto e
provocante que, conforme andava, uma parte de sua bunda aparecia, e ela não
tinha vergonha alguma por isso.
Cumprimentou o segurança, como fazia todas as noites, e recebeu um
sorrisinho de canto de boca. Ele nunca olhava para ninguém, nem mesmo
quando as pessoas passavam peladas, mas vê-lo esticar os lábios lhe dava
toda a aprovação que precisava.
Não era Natália quem entrava pela chapelaria e deixava todos seus
pertences com a recepcionista.
Pediu que sua bolsa fosse deixada reservada para quando ela subisse ao
quarto com seu sub e deu uma piscadela maldosa para a atendente.
Todo mundo sabia que Lady Nïn estava apaixonada, mas ninguém havia
imaginado que fosse tanto. Ela costumava aparecer no salão como uma
entidade, uma quimera de poder e superioridade, mas quando entrou ali, com
seus saltos altos e cabelos soltos, ela caminhava como se agarrassse o mundo
e as instituições pelas bolas.
Desceu as escadas que davam para o pátio e varreu os presentes em
busca do seu. Havia dado ordens diretas, por mensagens, sobre como ele
deveria se vestir e a que horas deveria estar pronto, mas não imaginou que
uma calça preta e botas de couro fossem deixá-lo tão…
Perfeito no peito nu. Perfeito na loirice e na nuca delicada. Incrível com
seus braços à mostra, as costas torneadas, os músculos saltados e as veias.
Engoliu a saliva que se acumulou e não disfarçou o tesão por vê-lo. Não
havia nada, mesmo em público, que ela precisava esconder ou pedir
desculpas.
Vê-lo ativou a fome de predador. Abriu um sorriso malicioso e cheio de
segundas intenções, e caminhou pacientemente até sua cadeira para observar
o homem que ainda não a tinha visto porque entoava uma conversa boba com
o barman.
Ele congelou com a bebida na mão quando se virou de costas para o bar
e a viu. Lá estava ela, toda curvas e malícia, saltos altíssimos, olhar de
criminosa e de pernas abertas.
Sentada estrategicamente à sua vista, Lady Nïn não usava nada por
baixo daquele vestido minúsculo e não se importava se a vissem. Olhando-o,
a armadilha estava ali, logo abaixo da cintura, e ele sabia.
Leandro engoliu em seco, quase deixou a bebida cair. Expandiu o peito
e endireitou a coluna, não porque não estivesse nervoso ou coisa do tipo, mas
porque queria aparentar melhor quando ela o visse. Olhando para ela, perfeita
sentada em seu trono, ele quis se ajeitar para merecer sua presença.
Segurando a taça na mão, andou até ela, sem conseguir sorrir,
incomodado com a ereção saltada na própria calça e o ciúme. Estendeu-lhe a
bebida, baixando a cabeça envergonhado, também tímido, e se ajoelhou à sua
frente sem receber precisar de comando.
— Jesus Cristo — Ele quebrou o silêncio, mas não tinha coragem de
falar olhando em seus olhos. — Por favor, não deixa eles te verem, não.
Ela demorou dois segundos para entender sobre o que ele estava
falando.
Das saídas que possuía, ela poderia quebrar a cena e ir embora, poderia
se abrir mais apenas para provocá-lo ou poderia lhe dar uma lição.
Com paciência, curvou-se para ele e puxou seu queixo com uma das
mãos. Olhando-o bem fundo nos olhos, como se comesse seu cérebro, sorriu
pacífica e respondeu:
— Eu não gosto de homem inseguro.
Testemunhou Leandro fraquejar e brigar contra seus próprios
pensamentos, mas não dizer nada. Soltou seu rosto e deu um gole em seu
gim, sorrindo malícia sem uma pontinha sequer de bondade.
— Se você não fosse mais virgem, mandaria você me comer aqui, na
frente de todo mundo. — Natália o provocou ainda com a taça na boca.
Ele fechou as mãos em punho de reflexo. Sentiu o sangue se acumular
nas bochechas, o veludo da voz dela pegar errado no ouvido de um jeito que
o esquentava não só lá embaixo, mas no corpo inteiro.
Baixou a cabeça mais ainda, envergonhado de ficar com tesão ao ouvi-la
falar e contrariado por todo mundo ver o que era apenas para ele.
— Você está aqui para o meu prazer. — Ela o atiçou outra vez — Para
me mimar, e eu não te devo nada.
— É assim que funciona? — ele perguntou.
— Exatamente assim.
Leandro não tinha coragem de falar mais nada. Se, em um segundo, era
capaz de gozar na calça apenas com a vista, no outro, o impacto da bronca o
deixara triste, amolecido, envergonhado de uma forma diferente, como se
fosse um garoto que se comportava mal no supermercado.
Ela sabia que não precisaria puni-lo, ele havia entendido o recado
mesmo a contragosto. Em vez disso, encostou a boca em sua orelha, como
uma bruxa recitando poções, e disse:
— Eu tenho planos para hoje.
Leandro não se moveu, não respondeu, nem ergueu os olhos do chão.
— Você tem o privilégio de me tocar e me comer, mas prefere se
preocupar com o que os outros estão vendo e pensando. — Mordiscou a
ponta de sua orelha, como um brincadeira, e continuou — Engraçado.
— Não é engraçado. — Nervoso, ele rebateu, mas imediatamente
recolheu os ombros, sabendo que não devia ter aberto a boca.
Ele estava aprendendo e ela tinha obrigações. Não poderia puni-lo sem
explicar o erro, nem deixar a situação para outro momento. Natália sabia que
boa parte de seu comportamento envolvia quem a assistia, ela gostava desta
atenção, de controlar a audiência e se exibir.
Ainda com um sorriso nos lábios, um pouco mais gentil que antes, ela
relaxou os ombros e pediu:
— Fale comigo.
Ele não quis falar, a princípio. Ela devia saber, todo mundo sabe. Ficava
envergonhado só com a ideia de que alguém a olhava entre suas pernas, que
qualquer um ali dentro desejasse ocupar a posição que era sua.
Odiava, na verdade. Odiava saber que os outros olharam e tocaram o
que era para ser só seu.
Quando entendeu que não era só vergonha, mas também raiva, reuniu
coragem suficiente para encará-la.
— Ninguém tem que ver o que é meu.
Olha o potencial aí.
A mesma boca que é capaz de soltar palavrão quando está quase lá e o
mesmo espírito desafiador. Tinha mais que um sub bonzinho e obediente ali,
e ela queria poder quebrar esse cara, esse homem que não envergava mesmo
de joelhos.
Então, entrando em seu jogo só para vê-lo se render, ela fez o que uma
boa dominatrix experiente faria:
— Não é seu.
— Mas vai ser. — Ele rebateu com mais assertividade do que tinha
usado desde que se conheceram.
— Eu posso te fazer engatinhar por aí só para te provar quem é de quem.
— Não muda nada.
— Não? — Ela não conseguiria disfarçar a luxúria nos olhos mesmo se
sua vida dependesse disso. Com um golpe, despejou o gim inteiro no chão e
lhe entregou a taça vazia — Vá até o barman do bar no salão e peça um refil
para mim.
— Faço o que você quiser — Ele continuou num tom desafiador gostoso
demais de ouvir —, mas isso não muda nada.
— Por que não? — Natália amou ver o rosto contrariado de seu amante
— Vaginas são sagradas para você?
— Todo o seu corpo é sagrado para mim. — Rebateu colocando a taça
vazia de lado e, depois, endireitou a coluna e a olhou diretamente — Sexo é
sagrado para mim, você sabe disso, e não me conformo com você, toda
exposta assim, para eles.
— É? — Tão lindo, mas tão lindo, que Natália não conseguia disfarçar o
melado entre suas pernas que começava a cheirar “mulher com tesão”. —
Sabe o que é sagrado para mim?
— Nada é sagrado para você, pelo visto.
— Aí que se engana. — Puxou-o pelo queixo, olhando-o bem fundo nos
olhos, e desejou que ele usasse um harness para que pudesse puxá-lo e
empurrá-lo como bem entendesse — Conexão é sagrada para mim. O tesão
que aumenta sua testosterona e incha as suas bolas. Corpo como o seu
encontro aos montes por aí. — E, como um golpe de misericórdia a um
oponente caído, ela beijou seus lábios sem esperar ser beijada de volta — Já
você? Como você não encontro ninguém.
— Nat, eu só…
— Sua cabeça é sagrada para mim. Sua rendição, Leandro, o jeito como
você fica quando me quer muito. — Olhando-o como se o possuísse, sorriu
— Sua submissão é sagrada. O jeito como todo mundo te olha sem entender
como eu, a Lady mais devassa desse lugar, converteu um coroinha. Não tem
nada a ver com o corpo, Leo.
— Desculpa ser tão…
— Você não é um cão defendendo o território e eu não sou seu osso.
O conflito interno não o deixou responder. Natália tinha razão numa
coisa: Leandro estava cheio de testosterona, com as bolas inchadas e nem um
pouco feliz.
— Agora vá até o barman e faça o que mandei.
Ele não queria se humilhar daquele jeito, mas achou melhor não
contestar. Sem olhá-la, apoiou-se nos quatro membros e saiu.
Natália não o olhou sequer uma vez enquanto ele saía, engatinhando, até
o salão. Os outros Doms e Dommes do lugar olharam para Leandro, os
músculos das costas marcados, o rosto enfezado e muito contrariado, a bunda
para cima e as botas raspando o chão.
Só quando ele voltou, movendo-se como um tigre de volta para onde ela
estava, olhando-a fixamente como se quisesse gritar toda a sua raiva, é que
ela finalmente o olhou.
Quando queria, Leandro mais parecia predador que presa. De quatro,
humilhado, uma bandeja nas costas carregando uma única taça e parecia ser
ele, para todos os espectadores, que estava no comando da cena.
De pirraça, ela abriu mais as pernas, em sua direção, só para que ele
visse, e sorriu porque sabia exatamente o que ele pensava sobre tanta
exposição.
Adiantou a bunda na cadeira, mais exposta ainda, a popa da bunda fazia
um desenho perfeito com os grandes lábios e sua entrada. Leandro contraiu as
sobrancelhas, contrariado e cheio de tesão, e não conseguiu olhar para mais
nada além dela.
Engatilhou até lá e esqueceu-se da bandeja. Não fosse pelo movimento
rápido de Natália, o gim teria encontrado o chão outra vez.
Leandro avançou sobre ela sem pedir ou perguntar. Foi direto com a
boca em seu clitóris, cheio de raiva e tesão, afastou ainda mais suas pernas
para se encaixar entre elas e chupou cada centímetro com a intenção de
marcá-la para sempre.
Ele não gostou de saber que aquilo não era sagrado para ela como era
para ele. Não gostou de vê-la aberta e exposta daquele jeito. Não gostou de
ouvir que corpo como o dele, ela teria aos montes.
Lambeu cada gota que molhava o assento de couro como se fosse tudo
seu, ninguém merecia aquela amostra de tesão além dele, nem mesmo a
cadeira. Ouviu Natália gemer e só então sentiu o poder e a graça de ser
submisso em público.
Ninguém satisfazia sua Natália além dele. Ninguém arranca gemido dela
como ele arrancava. Ninguém sequer tinha o direito de tocá-la, de tê-la na
boca, de ser o motivo de seu gozo.
Deslizou a língua molhada sobre seu clitóris inchado e entrou com dois
dedos dentro, de uma vez, e sentiu o salto do sapato dela sobre as costas,
machucando-o, arranhando-o com o descontrole e o descompasso que
chegava rápido.
Ele não tinha muita experiência sobre clímax e o que fazer quando ela
estava prestes a gozar, mas naquele homem de joelhos não tinha mais cérebro
racional e pensante, tinha só uma vontade louca de fazer todo mundo naquele
lugar entender que Natália era sua, não importasse qual dinâmica de poder
havia entre eles.
Daquela vez, ela não o agarrou pelos cabelos ou se esfregou em uma
cara. Deixou que Leandro a chupasse sem comandos e ela só ficou ali,
sentada, lambida, aberta, toda exposta e eufórica.
Gozou com um sorriso na boca e a certeza de que, com aquele cara,
havia ganhado na loteria. Todo os olhos ao redor adiantaram seu orgasmo que
chegou retumbante e descontrolado.
Leandro daria o mundo inteiro só para ouvi-la falar seu nome enquanto
estava lá, mas também sabia que ela não lhe daria tanto poder. Teve de se
contentar com os gemidos e, quando se ergueu de seu sexo, também com o
sorriso verdadeiro que ela deu sem conseguir disfarçar.
— Minha. — Ele teimou enlouquecido e a um ponto de gozar também.
— De ninguém. — Ela teimou também.
Com a taça na mão e sem olhá-lo, levantou-se da cadeira e ergueu o
vestido para cima do quadril.
— Abaixa isso. — Ele pediu trêmulo de raiva e tesão.
Como resposta, Leandro só teve um lindo e sonoro:
— Não.
Em pé, ela saiu de seu domínio e caminhou até a divisa entre o salão e o
pátio. Esperou que ele a acompanhasse e sorriu para o olhar de “te mato” que
ele mandou para todo mundo que ousou olhar para a bunda de sua Natália.
Continuou seguindo na frente, rebolando porque estava à mostra e de
saltos altos. Atravessou o salão e o esperou aos pés da escada.
Leandro não se viu capturado na armadilha. Natália era experiente e
manipuladora demais para que visse em tempo. Subindo as escadas, ele
babava pela bunda que ia na frente, e a seguiu até o quarto que usava como
lar.
A bolsa com os brinquedos já estava na cama quando ele entrou e
Natália segurava um chicote vermelho como sua roupa.
— Você pode me bater o quanto quiser, não vai mudar nada. — Leandro
respondeu com um timbre na voz que Natália nunca tinha ouvido antes.
— Não vai? — Música para seus ouvidos.
— Não.
Golpe muito rápido e preciso. Num único movimento, ela esticou o
chicote e deu, de uma vez, sem pena alguma, no peito dele.
Com o barulho do couro encontrando a carne, Natália estava a um passo
de gozar de novo. Abriu as pernas de propósito, afastando-as e rezou para que
ficasse melada o bastante para que um único fio escapasse por entre suas
pernas.
Leandro embruteceu e não soltou som algum. Pelas feições, não era
possível saber se ele tinha odiado apanhar de chicote ou se esperava por mais.
Para não restar dúvidas, Natália desceu os olhos do peito para a virilha.
Tese confirmada: ele podia até não dar o braço a torcer, mas tinha amado o
barulho e o golpe.
— Você tá duro. — Ela provocou.
— Pois é, eu sou retardado.
— Ainda vai teimar comigo?
— Sobre você ser minha? — Ele tinha um sorriso ferino doído de lindo,
mas muito irritado — Sempre.
— Apoie o peito na cama e o joelho no chão.
— Não.
Ela não esperava que ele desobedecesse, mas reagiu imediatamente.
Com a mão firme, deu outra chicotada, no peito de novo, causando a segunda
marca reta em seu corpo.
A segunda, mais forte que a primeira, estava a um passo de sangrar.
Natália resistiu à vontade de beijar seu corpo e repetiu a ordem, dura e sem
remorso algum.
Daquela vez Leandro não resistiu. Contrariado, ajoelhou-se diante da
cama e deitou o dorso no colchão. Sem dizer nada, ela deu três chicotadas,
uma em cada nádega e outra pouco acima das costelas.
Ela sabia que não podia acertar coluna ou rins, sabia onde eles ficavam,
quais locais acertar para doer, mas não para ferir. Olhando a única marca que
tinha ficado em suas costas, uma vez que a bunda ainda estava coberta pela
calça de tecido grosso, ela se deixou sorrir, um pouco preocupada porque
ainda não sabia os limites de seu sub, mas bastante admirada também.
— Acabou? — Ele ousou perguntar.
— Ai, lindo… — Ela sussurrou com doçura e atrevimento.
Diminuiu a distância entre ambos, passou a mão por sua cintura até
achar a fivela da calça. Aberta, desceu-a até o limite dos joelhos, expondo sua
a bunda, e o agarrou com firmeza pelo pau.
— Nunca, Leo, nunca me desafie. — Com a voz seca, sua ordem
pareceu ameaça. — Ninguém tem nada a ganhar com seu orgulho.
— Você gosta. — Ele rebateu com um sorrisinho travesso. — E sigo
dizendo que você é minha, quer queira, quer…
Teimoso. Antes que ele completasse a frase, o chicote descia outra vez,
certeiro nas carnes de suas costas, não uma, nem duas, mas três vezes,
consecutivas, audíveis e dolorosas.
Leandro sentia as costas tremerem sozinhas, uma ardência urgente, mas
não sabia mais dizer se aquilo eram bom ou ruim.
Quis pedir que ela voltasse a mão para seu pau, mas não falou nada. De
cabeça encostada no colchão, desceu a própria mão, infeliz com a ausência da
dela, e se conferiu duro, tão duro e inchado que quase se atreveu a pedir por
mais.
— Eu sou louco. — Ele afirmou para si mesmo, engolindo um sorriso
satisfeito e brincalhão.
Ela desceu o cabo do chicote outra vez, mas por divertimento e não mais
por punição. Leandro gostava da dor, gostava de ser punido, judiado, levado
ao máximo. Natália gostava de vê-lo, de ouvi-lo, de sentir que alguém no
mundo era tão doido quanto ela.
Escondeu uma das mãos entre as pernas para aliviar um pouco da tensão
e desferiu outro golpe, e outro. Estava a um passo de gemer de prazer com a
vista, o barulho do couro encontrando a carne, do jeito como seu Leo se
remexia quando a dor chegava.
Louca de tesão e com os braços enfraquecidos, ela tirou outra coisa da
bolsa, uma espécie de cinto com um pau de borracha acoplado.
Ao contrário do cinta-caralha comum que se prende à cintura, aquele era
feito para ser usado na boca. Leandro sentiu o gosto do couro primeiro e só
depois se assustou com o pau vermelho e grande que tinha sobre o queixo.
Sem qualquer comando, Natália o deitou de costas no chão e o ouviu
gemer um pouquinho de dor pelas chicotadas. Enquanto ele se preocupava
com a pele ultra-sensível, ela colocou sua cabeça entre as próprias pernas,
olhando-o nos olhos, e desceu lentamente, até se preencher com o pau de
borracha.
Leandro a olhou subir e descer sem poder protestar. O que quer que a
dor tenha apagado, ele recuperou, cheio de malícia e tesão, cheio de dor e
vontade de arrastá-la pelos cabelos de volta para a caverna de forma que
ninguém, nunca, a visse pelada outra vez.
Visto de fora, alguém poderia pensar que Natália inventava o próximo
passo organicamente, mas ela seguia um roteiro particular e cheio de
antecipações. Descia pelo consolo olhando-o nos olhos, apertando os próprios
mamilos, gemendo feito espetáculo.
Subia rapidamente, brincava com o clitóris, rebolava de propósito.
Ganhou ajuda de Leandro. Para acelerar o movimento, as mãos dele
apoiaram suas ancas de forma que o subir e descer ficasse mais frenético, a
força da estocada terminasse em sua boca, sem que ele pudesse sentir o gosto
dela, e padecesse apenas pelo cheiro e pela visão.
— Você é meu, Leo. — Ela disse quando estava a um passo de gozar de
novo — Meu, meu, meu, meu…
Orgasmo que desaguou pelo corpo inteiro. Ela amava quando eles
chegavam assim, feito tortura. Perdeu a fala e a visão, a audição e o olfato e,
em seu mundo, só existia o tato. As mãos de Leandro coordenando a estocada
apertando forte em seu quadril, o consolo enterrado lá no fundo e a fraqueza
dos braços e pernas.
— Você não sabe o que eu daria para te foder agora, Natália. —
Leandro falou quando Natália caiu para trás, e puxou o cinto da boca para sua
garganta sem querer.
Maldita hora em que ela havia prometido que sua primeira vez seria
perfeita. Voltando da viagem de ocitocina, ela sorriu aberta e livre, feito fio
desencapado, e se ajeitou em cima dele, olho no olho, um joelho de cada lado
de seu quadril.
Desamarrou o cinto de sua cabeça e o jogou para o lado. Sentia seu calor
em seu ventre, as mãos de Leandro que endureceram muito, o jeito como ele
a olhava.
Tudo naquele homem pedia penetração.
Ele sentia o calor, o corpo sobre si, a viscosidade ali embaixo, a maciez
de sua pele e o sorriso de mulher bem-comida. Era só questão de Natália
subir um pouquinho o quadril, e Leandro seria o homem mais feliz do
mundo.
— Eu não sou algo que você pode controlar ou mijar em cima, Leo. —
Ela rebateu a discussão que ficou pendente.
— Por favor, não briga comigo agora.
— Você é meu, e eu posso fazer o que quiser com você.
— Pode, amor, faz comigo o que quiser, só me fode, rebola em mim,
não…
Gentilmente, com uma lentidão que levava Leandro ao pânico, Natália
começou a se mexer sobre ele, deslizar sobre sua extensão, sem penetração,
apenas sentindo a cabeça de seu pau encontrar seu clitóris muito sensível.
Ela poderia ficar daquele jeito para sempre, estava saciada, mas ele não.
Deixou que ele a agarrasse pela bunda e se sentasse no chão, a forçando
contra seu comprimento, reduzindo o espaço entre os corpos.
Pior que ele ficava lindo assim. Natália olhava pra baixo e não
acreditava a que ponto chegava um coroinha tão cheio de pudores. Sorriu e o
beijou, cheia de tesão e desejo, deixando-se contaminar pela vontade que ele
ainda não tinha sanado.
— Amo quando fica puto. — Ela comentou, tomando-o pelo ouvido que
parecia o caminho mais curto até seu espírito.
— Seu, Natália — Ele sussurrou encantado há muito — Perdão por
teimar tanto contigo.
— Deita, lindo. — Ela pediu, empurrando-o de volta para o chão,
ajeitando-se sobre ele com mais cuidado ao próprio grelo.
Leandro não conseguiu ficar parado enquanto ela rebolava sobre ele.
Sentia a maciez de sua carne e se mordia de vontade de entrar. Quase
implorava para que ela quebrasse sua promessa. A agarrou pela bunda sem
saber onde mais se agarrar e, quando Natália deu o comando, ele não sabia
que era possível se sujar tanto.
Lindo e sujo de porra da barriga ao pescoço. Lindo, vermelho, todo
suado, devasso que caía aos poucos. O peito com duas chicotadas bem
marcadas, mais algumas nas costas que ela não via.
Ficou uma poça de esperma na pequena depressão que dividia o peito do
pescoço e, Natália, que não se conteve com a visão, baixou a cabeça e a
chupou.
Com o gosto dele na língua, o beijou.
Leandro tinha os olhos tão limpos e sem mentira que era difícil não se
deixar cair por eles.
E ainda tinha esse lado: quando queria, Leandro virava um monstro,
uma fera, um bicho. Perdia toda a pose de bom-garoto e se alinhava ao que
tinha de mais cru no mundo.
Era por esse cara que Natália caía. O homem bonzinho era lindo de
porta aberta, para se apresentar ao mundo, para viver ao redor.
O lado oculto da lua? O lado que ninguém vê de Natália se juntava ao
lado que ninguém vê do Leo e ambos habitavam bem na escuridão.
— Fica um pouco deitada aqui, amor. — Ele pediu ainda um pouco
ofegante.
Carinhosamente, aceitou seu pedido, cheia de carinho e cuidados, e o
abraçou bem forte.
— Ficou carente, foi? — Ela riu baixinho.
— É legal essa coisa toda que parece briga, mas agora tô com a sensação
de que te ofendi. — Vulnerável como só um sub é capaz de ficar depois da
sessão, Natália o abraçou com mais carinho e o encheu de beijinhos.
— Você não me ofendeu, lindo, não se preocupa, tá bom?
— Só me responde uma coisa?
— O que foi?
— E depois que esse mês acabar?
Ela nunca foi mulher de correr de briga, muito menos se esconder.
Poderia ter mentido, poderia ter inventado uma desculpa, mas foi simples e
direta:
— Enquanto você me quiser, eu te quero, Leo.
Tão simples e direta que Leandro dormiu sorrindo.
Capítulo Vinte e Sete
Leandro era uma pessoa matinal, mas seus encontros com Natália,
sempre à noite, bagunçavam seu sono.
Era sábado, ele acordou cansado, sorridente, porém muito antes do seu
horário. Ainda dormia de favor naquele quarto limpo, mas bem longe da
limpeza moral e física do quarto na casa de seus pais, e foi direto para o
banho.
Da janela, o dia ainda não tinha nascido. Não passava das três horas da
manhã e boa parte da clientela ainda não tinha saído do bar.
Preparou um café rápido no balcão do pátio, sem olhar para ninguém e
com medo que o cheiro de café da manhã perturbasse a brincadeira dos
remanescentes.
Acenou para Bataille que, para ele, nunca saía da mesma cadeira e nunca
se permitia se divertir como uma pessoa normal e, segurando uma caneca
cheia, se aproximou e pediu licença para se sentar ao seu lado.
— Queria te pedir uma coisa. — Foi a primeira coisa que disse desde
que tinha acordado, e a primeira vergonha que passou também.
— Ok… — Bataille se inclinou, parecendo ligeiramente interessado, e
parou o copo de uísque na garota de quatro, sem roupa, que estava ao seu
lado servindo de mobília.
— Você sabe alguma coisa… — Curvou-se inteiro para pedir. Aquele
homem ainda o intimidava muito porque sempre o olhava com um sorrisinho
de canto de boca que nunca dava para saber se era deboche puro ou vontade
de rir — Olha, o filho da Nat vai para o intercâmbio daqui a pouco e eu…
Pigarreou e trocou a caneca de mão só para ganhar tempo. Aquele era o
melhor amigo dela, pelo menos um dos dois, porque tinha Daniel também,
mas aquele ali estava sempre ao redor, ali dentro daquele bar, então ele
saberia melhor que o Dani.
— Que eu… — Bataille repetiu o que Leandro não completara — O
quê?
— Olha, eu vou ser direto. — Disse mais para se convencer do que para
ganhar a atenção do outro.
— Tô vendo.
E disparou quase se engasgando nas palavras:
— Você sabe do que a Nat gosta? O filho dela vai para o intercâmbio e
ela tá fazendo pose de que tá tudo bem, mas ela é mãe e eu sei que não tá.
Quero dizer, você deve saber, você é amigo dela há mais tempo e você…
— Leandro. — Vozerão de preencher vazio e endireitar envergaduras.
Um timbre tão profundo e sério que ele não conseguiu dizer mais nada. — Já
entendi o que você quer.
Levantando-se de seu trono, Bataille puxou o rosto de sua mobília e
cochichou alguma coisa que a fez sorrir como uma maluca.
Depois, apenas com o olhar, pediu que Leandro o seguisse.
De volta para o quarto todo bagunçado, Bataille encontrou a bolsa que
Natália vivia carregando para cima e para baixo, vasculhou entre os
apetrechos enquanto Leandro morria de vergonha, e tirou o chicote de dentro.
— Você, não. — Com medo do que aquele homem faria com um
chicote na mão, o primeiro instinto de Leandro foi recuar.
— Calado. — Sem ouvir, Bataille tirou a caneca da mão de Leo e se
aproximou.
— Sai fora, porra!
Era como se Bataille não tivesse ouvidos. Esticou a tira de couro do
chicote, ignorando o cabo, e rodeou seus ombros. Depois, falando sozinho,
rodeou seus braços, o peitoral e a parte mais estreita de seu dorso, e enfiou o
cabo do chicote no bolso, ainda sem dizer nada.
Percebendo que Bataille saía do quarto, Leandro perguntou:
— É só isso? — Mais aliviado por não tomar porrada de um homem
maior e mais forte que ele, relaxou os ombros e soltou o ar.
— Por enquanto.
Sabia que havia sido uma má ideia. Observou Bataille sair e ficou com a
sensação de que devia ter lhe agradecido. Sem graça, um pouco confuso
também, sentou-se na cama para terminar seu café e partiu, depois de tirar
seu carro da vaga na rua, direto para a casa dela.
O combinado entre eles é que Leandro devia estar na casa de Natália às
quatro e meia. Pontual e responsável como era, não passava das quatro e
quinze quando tocou a campainha.
Natália corria, ainda de pijamas, para cima e para baixo tentando se
lembrar de coisas que fariam falta a seu menino lá do outro lado do mundo.
Gritava pela casa inteira, típica coisa de mãe, perguntando sobre escova de
dente e casacos.
Daniel, que fazia parte da família agora, embrulhava alguma coisa que
não deu tempo de Leandro ver o que era, e a enfiava numa velha bolsa
térmica com marca de açougue.
— Eles estão para lá e para cá, não vai dar tempo de café da manhã. —
Daniel se defendeu, sorrindo torto, quando viu Leandro parado na porta da
cozinha.
— Quer ajuda?
— Nah, tô acabando aqui.
Natália continuou falando alto enquanto arrumava a única mala que o
menino levaria ao Japão. Caio, por outro lado, respondia sem paciência,
nervoso, e subia e descia a escada, várias vezes, sempre xingando porque
tinha se esquecido de alguma coisa no outro andar.
— Ei, você! — Com pressa, mas também com carinho, quando Natália
viu seu Leo sentado na cozinha, lhe deu um beijinho rápido nos lábios e o
avisou — Saímos em dez minutos, só vou trocar essa blusa que tá frio.
Ela não percebeu que era a primeira vez que se beijavam fora do bar
maluco, mas Leandro percebeu e não conteve e alegria que o tomou de
súbito.
— Rapaz, mas tu é tonto, é? — Daniel riu.
— Não começa.
No carro em dez minutos, como ela havia dito. Leandro reparou que
Natália ainda usava chinelo e meia quando assumiu o banco dianteiro do
passageiro, mas não disse nada porque entendeu a pressa e a ansiedade.
Guarulhos ficava longe e tinham tempo para finalmente tomarem café da
manhã. Daniel, que não tinha vergonha de coisa alguma, puxou a bolsa de
comida no banco de trás e saiu distribuindo lanches parcialmente quentes
para todo mundo.
— Te amo, Dani. — Voraz, Natália agradeceu pela comida enquanto
mastigava, tentando manter os farelos de pão longe do banco do carro.
Leandro, que entendia o tom do “eu te amo”, tentou não ficar chateado
quando pensou que ela nunca havia lhe dito tal coisa, mesmo naquele tom.
— Tonto bagaraio’ — Daniel zombou, oferecendo um embrulho para
Caio, que permanecia calado, e obrigou o menino a comer — Sei que tá
nervoso, mas precisa comer.
— Eu sei, tio.
— Então coma, demônio.
Chegaram em Guarulhos e Natália pediu que Daniel saísse correndo na
frente, com Caio, para que não perdessem o check-in enquanto Leandro
encontrava uma vaga.
Não estavam atrasados, Leandro conferiu pelo painel do carro, mas
estavam em cima da hora. Achou uma vaga, estacionou de qualquer jeito e
abriu o porta-malas para tirar a mala do garoto.
Natália correu na frente para tirar, mas Leandro pediu que o deixasse
fazer, por cortesia, e foram ambos para o guichê em que Caio e Daniel
esperavam na fila.
— Você tá diferente. — Caio, que não tinha parado até ali, finalmente
olhou para Leandro com alguma atenção.
— Diferente? — Ele quis parecer tranquilo e ameno, afinal, Caio era
apenas um garoto, mas algo em como ele havia dito “diferente” fez Leandro
se lembrar do que sua mãe falava quando era mais novo.
“Deus mancha os pecadores com a marca do Diabo”.
Imediatamente, pensou se alguém já tinha reparado que ele não era mais
tão puro. Se Deus realmente o castigaria pelo prazer antes do matrimônio.
Numa única frase, todo o sangue se esvaiu de sua face.
— Sei lá, parece que tá mais… feliz? — Caio continuou — Não sei, sei
lá.
— Feliz, é? — Mais aliviado, Leandro sorriu em resposta.
— Ele não tá diferente, mãe? — O garoto sorriu cutucando a mãe que
estava ocupada demais em checar a papelada.
— Não sei, filho.
Ativada no modo mãe em cem por cento, ela jamais daria muita atenção
a qualquer outra pessoa enquanto seu menino não desembarcasse em
segurança, lá no Japão, e ligasse avisando que estava tudo bem.
Por respeito, nem Daniel nem Leandro falaram mais nada. Esperaram na
fila, acompanharam o check-in do garoto, arrastaram a mala para cima da
esteira e só respiraram aliviados quando estava tudo pronto.
Acharam por bem deixarem mãe e filho sozinhos para conversarem com
privacidade e foram atrás de mais comida, mesmo sabendo que tudo num
aeroporto custa os olhos da cara, mesmo sabendo que tinha comida no carro.
Voltaram com cafés cheios de chantilly e chocolate, um para Caio, outro
para Natália, e fingiram que não perceberam o quanto os dois choravam.
Quando finalmente foi a hora do adeus, afastaram-se novamente. O
painel principal do andar indicava o início do embarque e Caio agarrou a mãe
como se não passasse de um menininho assustado. Encheu seu rosto de
beijinhos limpando suas lágrimas, cochichou alguma coisa que a fez rir e
chegou perto da dupla afastada com pose de protetor que não acumulava de
berço.
— Cuidem da minha mãe. — Falou com propriedade de filho, com o
rosto todo franzido de choro e saudade antecipada — Ela não pode passar de
uma taça de qualquer coisa, nunca.
— Por quê? — Leo quis saber.
— Não importa. — Porém Caio não lhe respondeu — E não deixem que
ela durma todo dia no sofá. Nem que fique muito tempo no Instagram.
Quando ela fica ansiosa, rola o Insta por horas.
— Tá certo, homem da casa. — Daniel, com um sorriso bobo na cara,
concordou com as demandas.
— É sério, cara.
— Tô levando a sério, pô.
— E você. — Caio virou-se para Leo, com a feição de um pai que pega
dois adolescentes aos beijinhos embaixo da escada — Vê se cuida dela
direito.
— Sim, senhor. — Leo, por outro lado, entendia exatamente o que Caio
falava porque, se fosse ele no lugar do garoto, também daria um sermão
desses.
— Ela não pode beber. Não pode fumar. E vocês têm que garantir que
ela vai seguir com a rotina, mesmo quando não quiser.
— VOCÊ É MEU FILHO, CAIO TOSHIO, E NÃO O CONTRÁRIO!
— Natália, mais afastada do trio, pescava a conversa no ar e não gostava nem
um pouco do que ouvia.
— DÁ LICENÇA, EU TÔ FALANDO COM SEU NAMORADO E
MEU TIO!
Seu namorado. Seu namorado. Seu namorado.
Caio poderia falar qualquer coisa depois, inclusive xingá-lo, que o
sorriso bobo de homem apaixonado não sairia da cara de Leandro pelo resto
do dia.
Curioso que Natália não havia contestado.
— A gente vai criar um grupo — Ele continuou, num volume mais
baixo, feito trambique — Só nós três. E qualquer coisa, qualquer coisa
mesmo, me perguntem.
— Combinado. — Daniel respondeu enquanto Leandro ainda
processava o “seu namorado”.
— Tá. — Sabendo que precisava partir, Caio deu um adeus breve e
impessoal — Vou indo.
— Teu cu, moleque.
Se Caio queria um adeus breve, Daniel não. Puxou o garoto pelo casaco,
abarcando-o num abraço apertado, cheio de carinho, e beijou-lhe o topo da
cabeça.
— Vi você de fralda, caralho, e agora fica de charminho pra cima de
mim?
— Tá, ok, pode me largar, agora. — Caio riu, menos endurecido e mais
parecido com um garoto.
Leandro e ele, entretanto, não tinham tanta intimidade. Deram um aperto
de mão como aliados numa guerra, examinaram-se com cordialidade e
sorriram adeus.
Natália seguiu sozinha com seu filho até o portão de embarque e, de
longe, Leandro testemunhava o amor materno, o jeito inconfundível que as
mães têm de arrumar franja e gola de casaco, os indicadores que se
movimentavam quando davam conselhos, o sorriso triste de quem sabe que o
filho é grande e vai se virar bem mesmo sozinho.
De ver o jeito maternal dela, ficou com saudade da sua. Queria poder
chegar assim, de surpresa, só por chegar, sem motivo algum, lhe dar um
abraço e, mesmo sem estar errado, lhe pedir desculpas.
Talvez não estivesse mesmo errado, pensou, mas poderia ter procurado
jeitos mais amenos de dizer o que havia dito.
Somente voltaram para casa quando o avião decolou. Natália, que
emudeceu quando se viu sem seu menino, se sentou no banco do passageiro
novamente, recebeu um copo descartável de café da bolsa térmica ainda cheia
de comida, e colocou a mão na perna do motorista, do jeito que as mulheres
fazem quando seus namorados assumem o volante.
Leandro, com carinho, olhou para ela entendendo a tristeza de mãe e lhe
beijou o rosto.
— Eu sei, é que eu sou boba. — Ela tentou disfarçar a tristeza.
— Não é, amor. — Leandro só tinha dito essa palavra em duas ocasiões
e, nas duas, haviam sido momentos de quase clímax que explicaria qualquer
palavra que saísse de sua boca, inclusive as mais chulas. — Se quiser puxar o
banco para trás e dormir, vai demorar um pouco até chegarmos.
Sentindo o cansaço bater, ela se aninhou no banco, dando um gole no
copo de café, e olhou para ele.
— Leo? — Chamou.
— O que foi?
— Você pode não ir embora quando a gente chegar?
Daniel, no banco de trás, não conseguiu evitar a risadinha.
Ele, por outro lado, não se importou nem mesmo um pouco.
— Eu não estava pensando em ir.
Capítulo Vinte e Oito
Ela não conseguia largar o telefone. A viagem de Caio levaria, sem
atrasos, trinta e seis horas, mas ainda era a hora do almoço e ela queria saber
por onde seu filho estava e quanto tempo levaria até que parasse na primeira
escala, em Paris.
Leandro se lembrou do pedido do garoto, de não deixá-la rolar o
Instagram indefinidamente, mas, diante de uma mulher no sofá olhando um
pequeno aviãozinho atravessar o globo pela tela do computador, ele não sabia
se a distraía ou o acompanhava também.
— Nem sabia que tinha site para ver trajetória de avião. — Daniel,
sentado na ponta do sofá, olhava Natália e tinha no rosto a mesma dúvida que
Leandro. — Não é um pouco stalker demais da sua parte, hein?
— Não te mete.
Era raro, fora do ambiente seguro, que Natália fosse tão curta e tão
grossa. Leandro pegou a mudança de humor e soube o que fazer na mesma
hora.
— Banho. — Ele falou com altivez inédita se ela não conhecesse seu
lado que perdia o filtro quando se via com tesão. — Vai, Nat.
— Não, agora não. — Ela insistiu — Só até ele chegar em Paris,
prometo.
— Subo correndo para te avisar se acontecer qualquer mudança nesse
avião, eu juro.
Como um amigo, Daniel se levantou, solícito e carinhoso, e a puxou.
Ouviu alguns muxoxos de protesto, mas continuou a conduzindo até que
Leandro ouvisse, da ponta da escada, já no andar de cima, uma bronca
travessa que só é possível quando amigos moram juntos.
— Vê se troca essa toalha, Natália, que tá um nojo.
— Não tá não!
— Vai entrando no banho, grita quando terminar que te levo uma limpa.
Do jeito que a sua toalha está, não dá nem pra limpar o chão.
— Te mando tomar no cu agora ou depois?
— Vai, porra!
Havia muita coisa que Leandro não tinha intimidade suficiente para
fazer. Uma delas, com certeza, era subir as escadas para o quarto dela.
Conformado em ficar na sala, ainda com a dorzinha no peito de sentir
saudade da própria mãe, ele deixou de ouvir conversas alheias quando puxou
o celular do bolso e digitou o número que sabia de cor desde pequeno.
Algo em ser um filho nunca morre. Ouviu o toque de espera que, para
ele, pareceram bem mais que alguns segundos, e se engasgou quando ouviu o
doce som, maternal e calmo, que lhe atendeu:
— Alô, Lê?
O aperto no peito foi inevitável. Ele sabia que ouviria qualquer coisa de
bronca, sabia que receberia notícias que não queria, sabia que ouviria um
sermão que não havia pedido.
E, mesmo assim, abriu um sorriso imenso ao ouvi-la dar “graças a
Deus” que ele tinha ligado.
— Tudo bem aí? — perguntou enquanto disfarçava a voz embargada.
— Ai, você sabe que não. — Ela respondeu com a voz tão ou mais
comovida que a dele — Seu pai e eu… Ai, Lelê!
— O que tem você e o pai?
— Estamos tão… Envergonhados! — Por um segundo, ele pensou que
ouviria um pedido de desculpas — As coisas que nos falaram sobre você! As
coisas que vimos! Não foi assim que te criamos, menino, como você foi se
perder desse jeito, meu Deus?
Ele não via mais suas escolhas como perdição. Na verdade, se via até
um pouco liberto. Pensando nas últimas semanas, em cada situação que lhe
ocorrera, tudo o que ele conseguia fazer era sorrir.
Não queria brigar por telefone, por isso, não respondeu o que queria.
— O que eles têm falado de mim? — Resolveu perguntar.
— O Cláudio, auxiliar do padre, mandou um vídeo no grupo da igreja.
— De humilhação, Dona Tânia passou a chorar — Seu pai não quis me
mostrar, mas uma das beatas me mostrou.
— E o que tinha nesse vídeo, mãe?
— Por que você andava de quatro com álcool nas costas, meu filho?
Quem está te obrigando a fazer isso? Você tem pai, Leandro, você tem mãe!
Venha para casa, menino, ainda dá tempo de pedir perdão pelos pecados do
mundo, a Lígia tem seus defeitos, mas ela é boa moça, eu creio que é!
Ele sentiu a saudade esmorecer amarga. O pranto cessou e ele se
arrependeu de ter ligado. Ouvia o choro de sua mãe, as palavras duras, as
promessas de rendição.
Imaginou que, se sua mãe soubesse de seus novos feitos, ele se
envergonharia tanto que nunca mais teria coragem de encará-la outra vez,
mas não foi isso o que sentiu.
De fato, não sentiu nada. Não sentiu remorso pelas coisas que havia
feito, nem pelo escândalo que tinha gerado, e muito menos vergonha.
Aqueles a haviam sido seus atos, suas escolhas, seus momentos íntimos.
Cláudio, ou quem quer que fosse, tinha invadido sua privacidade, embora
estivesse no mesmo bar que ele, e tinha achado que se livraria dos próprios
pecados ao acusar o irmão ao lado.
Ele não riu pelo drama, por respeito e porque entendia a angústia da
mãe, mas algo se fechou dentro dele, quase que com um estalo. Sem Deus,
certamente Leandro não seria ninguém, mas sem a igreja, ele ainda seria o
mesmo. Aquelas pessoas tão mesquinhas e fofoqueiras não eram para ele.
Até ali, Leandro se sentia desajustado correndo contra o certo, uma
ovelha desgarrada do rebanho.
Depois da exposição? Depois de usarem contra si um dos seus
momentos de descoberta, não apenas sexual, mas sobre sua própria
personalidade?
Se alguma coisa ainda o fazia se sentir errado, aquilo lhe provara que
não. O problema não era ele, nem chicote, nem gim numa bandeja, nem ele
de quatro. O problema estava onde sempre está.
Nas pessoas.
Desligou depois de interrompê-la no meio do sermão e se despedir
pedindo a bênção. Parado com o telefone no colo, sentiu as lágrimas
escorrerem, parte tristeza e um pouco de mágoa, e relaxou os ombros tensos.
— Mas você também? — Com uma toalha na mão, provavelmente a
suja, Daniel descia as escadas e o flagrou chorando. — Porra, dois chorando
eu não dou conta, não!
— Vá cuidar da Nat — ele se defendeu limpando o rosto —, eu tô bem.
— Tá no banho, não tem muito o que fazer — Daniel pendurou a toalha
no pescoço, e se sentou no sofá — O que aconteceu?
— Liguei para a minha mãe — se abriu —, acho que fiquei com
saudade.
— Rapaz, não é que fiquei com saudade da minha, também? Ver
Natzinha toda miúda dando tchau para o garoto me lembrou quando me
despedi da Dona Maria e escorreguei para cá.
— Sua mãe ficou triste, também?
— Porra, triste é apelido. Pareceu que tinham me entregado para ela aos
pedaços, do tanto que a coitadinha abriu o berreiro.
— A minha acha que eu me desviei — Sem querer virar o foco, Leandro
deu de ombros, ainda entristecido, e fez um bico conformado e torto —
Parece que alguém da paróquia me filmou quando eu estava com a Nat lá no
bar.
— Tá de sacanagem?!
Quem dera estivesse.
Daniel, inconformado, se levantou do sofá e falava sobre falta de
respeito, mas Leandro não tinha muita atenção para dar. Enquanto ele se
indignava, falando e falando, Leandro tentava entender o vazio um pouco
confortável que sentia no peito.
— Vou falar com o dono do bar, tirar satisfação do por quê tinha gente
espalhando sua privacidade! Que vontade que eu tô de dar uma coça nesse
cara, e olha que não foi nem o meu cu que ele viu!
— Ô, DANI, CADÊ MINHA TOALHA? — Natália deu um berro do
banheiro, tão alto, que Leandro voltou sua atenção para o mundo externo.
— PERA AÍ, SEGURA AS PONTAS! — Daniel respondeu e se virou
para reclamar com o amigo — Foi tão rápido esse banho que só pode ter sido
banho de gato.
Sem responder, Leandro pegou a toalha do pescoço do amigo e parou de
pensar se era certo ou não subir os degraus da casa dela.
Esticou o pescoço no pequeno corredor procurando qual porta era a do
banheiro, e viu que Natália se escondia atrás de uma delas, mantendo apenas
uma frestinha aberta, e espiava o lado de fora.
— Aqui — Ele respondeu entregando a toalha, os olhos ainda molhados.
A vulnerabilidade de um reconheceu a vulnerabilidade do outro e
Natália não percebeu que se tratava da toalha suja, e não uma limpa como
Daniel havia prometido.
Abriu a porta sorrindo pequeno e procurou nele algum conforto. Com o
rosto molhado, deu-lhe um beijo no rosto, outro na boca e o abraçou com
ternura.
— A gente pode não fazer nada do contrato hoje? — Leandro perguntou
numa voz carregada de carinho e afago. — Quero ficar aqui com você, mas
eu não quero…
— Podemos. — Ela respondeu sentindo o calor de seu peito — Também
não quero nada do contrato.
A primeira vez que Leandro entrou no quarto dela, não percebeu a cor
da cortina, nem a qualidade dos móveis, nem que piso cobria o chão.
Ele só sentiu o colchão confortável, o cheiro de amaciante do lençol e o
quanto Natália era a mulher certa para ele.
Capítulo Vinte e nove
Então não era fé o que movia Leandro, Natália finalmente entendeu. Era
medo de ser punido. Deitada, ouvindo-o falar sobre a ligação que o havia
incomodado, ela percebeu os mesmos traços da mãe dele em seus próprios
pais.
— Mas não quero trazer meus problemas para você. — Ele repetia a
mesma frase a cada novo acontecimento que contava.
— É até um alívio saber que, mesmo com a exposição que fizeram, você
tenha escolhido ficar aqui comigo. — Ela respondeu aconchegando-se em seu
peito.
— Alívio, é?
— É, isso e outras coisas também. — Com um sorriso travesso, ela não
quis revelar demais. — Mas… posso te fazer uma pergunta?
— O quê?
— O que te deixou tão tranquilo em relação à punição e aos castigos?
— Por que eu apanhei e gostei? — Leandro baixou o tom de voz porque
era coisa íntima demais para falar tão alto — Porque… eu quis perder a
virgindade? Porque…
— Tá certo, já entendi.
— Porque nunca pensei que uma florista ficaria tão linda num monte de
tira de couro?
— Respeita meu Garden! — Ela riu um pouco brincalhona.
— E quando desrespeitei?
— Eu não sou florista!
— E que nome que tem?
— Não sei, mas florista é o povo que faz arranjo de flor!
— E você não faz?
— Faço porque vende!
— Então você é florista, Natália.
Como era possível que seu nome saísse tão sensual e lindo de dentro da
boca dele?
— Cinco minutos conversando e parece que não tem mais problema
nenhum na minha vida. — Falando baixinho, afastou seus cabelos do rosto e
chegou bem pertinho de sua boca — Como você faz isso, hein?
— Você gosta de mim. — Ela respondeu enfeitiçada e doida para beijá-
lo mais.
— Gosto.
— É por isso.
— Não tem nenhuma mágica por trás, não?
— Se quiser mágica por trás, posso fazer.
Com a angústia dissipada, sobrava espaço para aproveitar o momento.
Ele encostou seus lábios nos dela procurando mais, recebeu a língua macia e
lisa, e derreteu.
Quase gemeu sem perceber. Toda aquela coisa de gemer ainda era nova
e um pouco desconcertante. Em todos os anos de garoto, ele sempre tinha
achado que gemer fosse coisa de mulher.
— Lindo — Ela o chamou com sua voz de fada e demônio ao mesmo
tempo —, você quer vir para cá?
— Sei que está no contrato, mas não quero trazer meus problemas para
você.
— Perguntei por egoísmo. — Ela se afastou, os lábios vermelhos e o
rosto corado — Assim esqueço um pouco a saudade do meu menino.
— Daqui a pouco ele liga, não se preocupa.
— Hoje o dia foi péssimo. — Com bico, ela não sentiu vontade de
esconder a falta de seu filho e se esticou na cama, afastando-se de Leandro —
Tô me preparando há anos para isso, mas agora que é verdade, não tem
preparo que dê conta.
— Você sabe que eu adoraria ficar.
— É mais por conveniência. — Ela respondeu para provocar — Assim
me ocupo de você.
— É?
— E daí posso treinar você.
— E me usar de saco de pancada.
— Se você insiste… — Ela deu de ombros, encenando e fazendo piada
— Não falaria assim de você jamais, mas se é o que você quer…
— Natália, você não presta.
— Ai, Léo, não fala assim!
— Não presta.
— Que coisa horrível de dizer!
— Repete comigo: não — Ele a beijou uma vez, sem um pensamento
correto dentro da cabeça, e terminou o que queria dizer — …presta.
— Você gosta.
— É, eu me conformo.
— Léo… — Ela quis trocar de assunto.
— O que foi, linda?
— A gente pode tirar um cochilo?
Ele nunca havia sentido tanta vontade de dizer “eu te amo” em toda a
sua vida. Sorriu, analisando seu jeito pacífico e tranquilo, as delicadezas que,
se ele tivesse conhecido a Mistress antes da mulher, jamais imaginaria que
ela teria.

✽✽✽

Era de noite quando um motoboy chegou à casa de Natália com uma


caixa para Leandro. Enquanto Daniel terminava um trabalho da faculdade e
ela ainda dormia, a campainha sobrou para ele.
Curioso e sem entender quem poderia saber onde ele estava para enviar
qualquer coisa, colocou a caixa sobre a mesa da cozinha e, com a ajuda de
uma faca, tirou de dentro uma sacola de papel preta, feito embrulho de loja
chique, com alças e bastante papel de seda saindo pelas bordas.
Tinha tanta certeza de que era uma pegadinha, que abriu descrente de
qualquer surpresa. Colocou sobre a mesa vazia, puxou as folhas brancas de
dentro, e não entendeu o emaranhado de couro no fundo da sacola.
“Você pediu alguma coisa para distrair sua Domme.” Dizia o bilhete que
Leandro achou “Vista-se e me agradeça depois”.
Então tinha sido para tirar suas medidas que Bataille havia usado o
chicote? Tinha de dar o braço a torcer: o homem, pelo menos, era criativo.
Segurando a embalagem na mão, correu para o banheiro no andar de
cima antes que qualquer um da casa visse o que tinha chegado. Puxou o
emaranhado estranho do fundo da sacola, entendendo que se parecia com as
tiras de couro que ela usava de vez em quanto e sorriu.
Nem parou para pensar se era a hora de colocar, só o fez. Tirou a camisa
social, a camiseta que sempre usava por baixo, e tentou desvendar, sozinho,
como colocar aquilo no corpo.
Eram tantas fivelas, bem mais pesadas que as que ela usava, que
demorou muito tempo para entender como se vestir. Passou as alças pelos
ombros, afivelou as tiras na parte mais delgada de seu abdômen, ajustou a
fivela na altura do peitoral e se olhou no espelho sobre a pia.
É disso então o que ela gostava? Olhando-se, lembrou-se do outro loiro,
o que estava de joelhos quando a encontrara no bar maluco pela primeira vez.
Controlou o coração um pouco acelerado pela expectativa e a procurou
no quarto. Restava somente a cama revirada. Mais movido pela vontade que
pelo raciocínio, desceu as escadas, sem se preocupar se Daniel o veria, e a
encontrou na cozinha.
Ela porém, coitada, preparava o jantar. Ouvia um podcast sobre
jardinagem e ainda acompanhava, pelo site, o pequeno aviãozinho que
cruzava o atlântico.
Nem ouviu os passos pelos degraus, nem sentiu sua presença.
— Natália.
O jeito como ele disse era como um imã. Ela sabia exatamente o que
esperar dele quando ouviu o chamado, mas foi surpreendida quando o viu
vestido naquilo.
Com a faca na mão, a calça do pijama e os cabelos presos num nó no
topo da cabeça, de um segundo para o outro ela esqueceu como se respira, o
que tinha na mão, o que fazer com as pernas. Leandro carregava um sorriso
safado no rosto, coisa de quem sabe o quanto é lindo e o terror que era capaz
de causar.
O harness emoldurava todos os seus músculos, todo o desenho de seu
corpo. Ajustado tão perfeitamente, em contraste com sua pele clara e firme,
que ela piscou a vagina por reflexo.
— Sobe. — Sem qualquer expressão na voz ou emoção nas palavras,
quem falava não parecia mais a Natália, Sua Natália, mas alguém totalmente
desconhecido.
— Não gostou do que…?
— Sobe e me espera de joelhos. — A voz impessoal o interrompeu — E
sem sapatos.
— Natália? — Ele chamou, na esperança de sentir ou ver qualquer coisa
em seu semblante.
— Não quero mais ouvir você falar.
O jeito como ela disse a última frase o tomou de assalto, como uma
bronca. Não era essa a reação que ele esperava causar. Ficou parado entre a
sala e a cozinha, esperando que falasse qualquer outra coisa, mas ela voltou
sua atenção para a comida, desligada dele e de sua surpresa.
Olhou para baixo, se sentindo ridículo, e desafivelou a tira de couro que
o abraçava pelo peito. Estava a um passo de chorar, envergonhado e se
sentindo um idiota.
— Mandei tirar?
— Se você não gostou, era só falar.
— Eu não vou repetir as minhas ordens.
— Por que tá falando assim?
— Sobe. Agora. Ou vai ser pior para você.
Subiu como uma criança que toma bronca depois de uma brincadeira
inocente. Entrou no quarto dela, pronto para desobedecê-la e tirar tudo
aquilo. Não queria se ajoelhar nem tirar os sapatos. Era para ela gostar e, se
não tinha gostado, por que só não disse?
Murcho, desafivelou tudo, tirou como se aquilo o queimasse, e se sentou
na cama tentando entender se Bataille havia mandado aquele presente com
boas ou más intenções.
De seu ponto de vista, depois de receber uma paulada em forma de
ordem, Leandro entendeu que o dono daquele bar não tinha nada de amigo.
Tão envergonhado e triste que pensou que talvez não fosse bom ficar ali,
aceitar o convite para dividir teto por quinze dias. Pensando bem, era muito
cedo. Eles se conheciam há algum tempo, mas não o bastante para tamanha
intimidade.
Sua primeira reação foi afundar. Com Lígia, passara anos namorando na
sala, agradando sogro e sogra, planejando. E, com aquela ali, bastou que o
convidasse?
Talvez fosse rápido demais. Talvez visse coisa onde não tinha. Talvez
estivesse tão ansioso para ser amado, para ser aceito, que colocava coração
numa pessoa que só o queria como amante.
Era isso, precisava aprender a ser sozinho e procurar o que realmente
gostava. Esse negócio de sair se entregando para a primeira pessoa que o
tinha agradado realmente era perigoso.
Era hora de aprender a se preservar. Parar de entregar seu reino de
bandeja para qualquer um que pedisse. A igreja pediu e ele deu, seus pais
pediram e ele deu. Natália sorriu, com chamegos de carinho, e ele entregou
tudo.
Mas não era assim que tinha que ser.
Sentiu sua presença antes de vê-la e certificou-se de que as lágrimas
estavam secas. Ouviu seus passos calmos, um pé depois do outro, e se
remexeu descontente quando ela se ajoelhou entre suas pernas.
— O que eu falei que queria quando entrasse no quarto, hein? — Ela
não brigou.
Não fez a voz tão dura. Falava como a Natália que ele gostava, a mulher
por trás dos vestidos vermelhos, com um pouco de carinho e muita
intimidade.
Ele nem sabia o que responder. Simplesmente deu de ombros, ainda com
o bico entristecido, e não conseguiu olhá-la.
Ela, por outro lado, entendeu que tinha pegado pesado demais. Ainda
não era a hora de ordens mais severas. Ergueu-se do chão apoiando-se nos
joelhos dele para se levantar, pegou o harness jogado e se ajoelhou na cama.
— Endireita a postura, lindo.
Leandro obedeceu, mas ainda se sentia muito envergonhado para fazer
mais.
— Não faz essa cara de emburradinho pra mim. — Desembaraçou todas
as tiras de couro, uma por uma, e o vestiu pelas costas, cheia de beijinhos
enquanto o tocava.
Deslizou da cama para o chão e enfiou a mão entre as dele, as desatando
da postura protetiva, e voltou, uma por uma, todas as fivelas para o lugar.
Do mesmo jeito que o vestiu, também baixou para tirar seus sapatos.
Depois as meias. Deixou tudo organizado num canto, abriu o zíper de sua
calça, e o mediu nos olhos.
— Acha que eu faria qualquer coisa para te ofender, Léo?
— Do jeito que você falou, parecia!
— Acha ou não acha?
— Na hora eu achei.
— E por acaso eu não falei para você vir para o quarto e me esperar?
— Falou, mas eu…
— Você não pode me pegar de surpresa, lindo desse jeito, e achar que
tudo ficará por isso mesmo.
— Mas era para te agradar!
— Sei disso, e me agradou muito.
Agradou?
Naquela hora, Leandro não havia entendido. Tomou coragem suficiente
para olhá-la e encontrou Natália com o rosto mais bonito do mundo, cheia de
afago, um sorriso miúdo e um jeito de quem quer fazer as pazes.
— Desculpa dar ordens daquele jeito, tá bom? — Encontrando a brecha,
ela sorriu maior e beijou seu rosto com carinho — Não faço mais.
— Pareceu que ia me punir.
— E ia.
— O que eu fiz de errado, então?
— Não é o que você fez de errado, lindo. — Soltou a braguilha da
própria calça, puxou sua mão e a enfiou dentro da calcinha — É o que você
faz comigo.
Deslizou os dedos dos pelos pubianos para o pequeno botão no alto dos
lábios. Sentia-o pegajoso e inchado. Ouvira a ordem como um desamor e,
entendendo ali o sentido de suas palavras, ele se sentiu como um tonto.
— Eu amo corpo masculino vestido assim — Ela continuou com sua
voz de tombamento, pronta para o pior dos cenários. Pegou na tira lateral do
couro que cruzava seu peitoral e o puxou mais para perto de si — Dá para
puxar e empurrar quando eu quiser.
Com mais malícia que carinho, ela deu um beijo rápido em seus lábios e
continuou:
— Eu amei você vestido assim. —deu outro beijo, tão rápido quanto o
anterior e continuou segurando-o pela alça de couro — Você é o homem mais
lindo que eu já vi na vida, Leandro. Sabia disso?
Derretido e dobrado. Na cabeça de Leandro não existia mais nenhum
pensamento de maldade. Ele só queria saber de beijá-la mais, deixá-la ver o
que quisesse ver e continuar brincando ali embaixo até que seu semblante
deixasse de ser tão ruim para virar um “O” absoluto e vermelho.
— Eu vou descer e terminar o jantar.
Espera, espera. O quê?
Leandro a viu se levantar, fechar a calça, mas tudo o que queria é que
ela terminasse de tirar a roupa e montasse sobre ele. Natália, entretanto, mais
altiva que qualquer um, de cabeça erguida e calcinha molhada, se afastou.
— Agora de joelhos. Não gosto de repetir minhas ordens.
Capítulo trinta
O autocontrole de uma Domme para não estragar tudo era o mesmo de
um médico, com a arma apontada na cabeça, tentando salvar a vida de
alguém. Cortava o tomate que faltava e não conseguia sequer pensar na droga
da fruta.
Ouviu o crepitar da panela de arroz e a desligou. Daniel desceu do
quarto bem naquela hora e ela não precisou mais do que isso para saber que
aquela era sua deixa. Largou faca, colher e panelas na mesma hora.
— Cuida da comida. E põe fones de ouvido!
Subiu correndo, mas parou para tomar ar no topo da escada. Não queria
ser vista como uma principiante. Afobação não fazia parte de seu repertório.
Alisou a frente da camiseta para ganhar alguns segundos. Soltou os
cabelos, jogando-os para trás, e só então entrou no quarto.
Lindo de amolecer ossos. Sentado sobre os calcanhares, descalço, as
mãos para trás. Algo no rosto dele não era mais o mesmo. Não tinha tristeza
nem vergonha. Leandro, se tocado do jeito certo, virava um bicho.
A questão é que ela precisava aprender a tocá-lo para que
correspondesse às suas expectativas. Já tinha entendido que tratá-lo como um
sub comum não geraria resultado algum.
Alcançou seu guarda-roupas, justamente a parte em que guardava seus
brinquedos, e puxou o cinto de castidade que já havia sido usado uma vez.
Deu o objeto na mão dele, sem ordem alguma, e deixou que se vestisse
sozinho.
— Natália — ele barganhou enquanto tentava se vestir por dentro da
calça —, vai me machucar.
— Só se você não se controlar. — Ela respondeu, debochada, esperando
que ele terminasse de se vestir.
— Vai machucar muito. — Sentindo o peso do objeto sobre o saco e o
que a grade fazia com seu pau, ele respirou fundo e tentou se concentrar e
lembrar em que ano o Brasil havia sido tetracampeão da Copa do Mundo.
— Ter você assim, de joelhos, parece um sonho, sabia? — Disse quando
puxou a camiseta pela cabeça e mostrou que não usava sutiã.
— Linda…
— Calado.
Descalçou as chinelas também e as meias. Desceu as calças o mais
lentamente possível, fazendo cena, cheia de charme e maldade. Desceu a
calcinha, nua, e se sentou na cama.
— Se você acha que eu vou ser boa para você, em qualquer sentido,
achou errado. — Disse, abrindo bem as pernas na borda da cama, acariciando
o próprio corpo com ambas as mãos, salientando a curva do quadril, a
cintura, as costelas e então os peitos.
Para que visse, bem na altura de seu rosto, brincou com os mamilos,
girando-os, endurecendo-os. Apertou os seios pequenos, enlouquecendo
devagar, e desceu uma das mãos.
Leandro gemeu baixo e rouco quando a viu entrar com os dedos. Não
estava amarrado, podia muito bem estender a mão e ajudar, mas não o fez. O
controle que ela exercia sobre ele não era físico.
A assistiu brincar sozinha, gemendo muito, cheia de gracinha,
provocando-o. Gemia de olho aberto, entrando e saindo de dentro de si,
subindo para o clitóris, sempre os olhos colados nele, no harness, no peitoral
que respirava descompassado, no rosto vermelho.
Ele sentia dor com a gaiola de metal, quis parar de olhá-la, precisava sair
dali ao mesmo tempo em que não tinha a menor coragem de largá-la sozinha.
— Você pode me ajudar? — Ela perguntou cheia de maldade, mas não
esperou que ele respondesse — Vem mais para perto de mim.
Ajoelhado ainda, ele se aproximou até estar entre suas pernas. Estava
pronto para substituir seus dedos, lambê-la inteira, continuar com a putaria
boa.
Mas ela só o quis para apoio. Precisava de seu ombro.
Apoiou a panturrilha, sorrindo, e se abriu mais. Apoiou um dos
cotovelos na cama, aberta, linda e toda vermelha, e continuou brincando,
masturbando-se devagar sem a menor pressa para gozar logo.
Ele segurou sua perna aberta, quase babando de vontade de tocá-la, e
fechou os olhos, entorpecido pelos gemidos dela, pronto para foder e cheio de
dor pela tortura.
Com uma mão no bico de um seio e a outra no clitóris, ela gozou linda,
a cabeça caiu para trás, o peito expandiu, os pés se contraíram. Leandro
conseguia enxergar os espasmos de seu órgão, a liquidez de seus sentidos, a
graça de tudo aquilo.
Com a perna apoiada, ela puxou sua cabeça para mais perto de seu sexo,
feito um gancho, e o afundou entre suas coxas, ainda sob o efeito do
orgasmo, sentindo-o urgente ao lambê-la inteira, as mãos muito apertadas em
seu quadril e os gemidos lindos que ele não se sentia confortável toda vez que
se ouvia, mas que ela amava.
Ela não gozaria tão rápido assim pela segunda vez. Se conhecia o
suficiente para saber. Afastou-se dele, beijou-o brincalhona sentindo o
próprio gosto em sua boca e se levantou.
— Não, volta aqui, ainda não acabou. — Ele tentou, girando em seu
próprio eixo, sem se levantar, para acompanhar para onde ela ia.
Natália riu baixinho enquanto se vestia novamente. Fechou o zíper da
calça e vestiu a camiseta. Olhou-o suado de expectativa, cheio de vontade de
continuar, e mandou que se levantasse.
— Natália — Ele chamou, urgente, quase implorando — Não faça isso.
— Janta, lindo. — Ela sorriu beijando-o tão rápido nos lábios, que ele
mal teve tempo de retribuir — Vem que o Dani tá esperando a gente.
— Caguei pro Daniel.
A puxou contra o próprio peito, num golpe rápido e duro, cheio das
urgências que ela não queria sanar. A tomou num beijo sem fôlego, doido e
forte. Assim, dentro de seus braços, ele poderia passar horas com ela sem
nunca ter do que reclamar.
Sentiu um toque mínimo na altura de seu púbis e o cinto de castidade o
machucou. Encolheu-se por instinto e viu o fogo no rosto dela, inteiro ali,
brincalhão e maldoso, do jeito como ela é, e parou o beijo.
— Natália, não me faça de bobo.
Agora sim ela estava onde queria.
Ela sentiu que devia ter gozado mais para ter mais controle porque, ao
ver o bicho que habitava por baixo da pele do coroinha, tudo o que ela sentiu
foi tesão e descontrole.
O fogo no olhar dela falava mais que qualquer frase. Fogo, luxúria e um
jeito de sorrir.
— Aí está você. — É mais gostoso controlar um homem que não está
disposto a obedecer.
É mais gostoso quebrar um homem desses também.
— Não me deixa assim. — Ele mandou, cheio de mau-humor
compreensível.
— Tá doendo?
— Pra caralho.
— Ótimo. — E, antes que ele a puxasse de novo, deu as costas e atingiu
o corredor. — Se não quer jantar, pode ficar aí. Estou descendo.
Mais resmungão que um aposentado que vê seu time de futebol perder a
Libertadores. Mais contrariado que um professor de quinta série.
Ainda assim, a acompanhou escadas abaixo, o pau enjaulado dentro de
uma gaiolinha por dentro das cuecas, a boca vermelha de beijos e lambidas, o
cheiro dela no rosto.
Daniel terminava de arrumar a mesa, de fones de ouvidos, quando viu
Natália descer na frente, piscando cúmplice para ele, e viu Leandro logo
atrás.
Para dois amigos que se conheceram na faculdade, aquele cara que
descia as escadas não era Leandro. Não tinha nada, absolutamente nada
naquele loiro de harness, que Daniel já tivesse visto antes.
— Cacete.
Olhou de Leandro para Natália. O jeito sorridente dela, vitorioso, cheio
de malícia e gosto por ver seu amante assim.
Mas olhou de novo para Leandro.
— Cacete!
— Não fala nada. — Leandro respondeu, muito puto da vida, e se sentou
à mesa muito à contragosto.
— Como… como?! — Daniel riu, conversando com Natália que só
faltava dar pulinhos de tão contente.
— Ignora ele, Dani. — Natália piscou de novo, cheia de códigos para
um Daniel que não sabia se ria ou se tecia comentários — Do nada, Léozinho
perdeu o ânimo.
Como resposta, Leandro praticamente rosnou.
— O que falta pôr na mesa, Dani?
— Coitado, Nat.
— O que falta pôr na mesa?— Ela repetiu.
— Depois a Master Greta que é cuzona.
Ela desistiu de perguntar e examinou o cenário. Viu que faltavam os
talheres e a salada. Pegou o prato de Leandro, do mesmo jeito que já tinha
feito uma vez, e o serviu das panelas que não saíram do fogão.
Capturou seu olhar quando colocou o prato à sua frente, e Daniel viu
como ela o dominava: era como se Leandro não tivesse coragem de reclamar
da própria situação. Por um momento, ele parecia até agradecido.
Sentaram-se para comer, Leandro mudo. Natália puxou assunto sobre o
Garden, a respeito de Caio que ainda estava sobre o oceano, sobre o trabalho
da faculdade.
— Vou falar. Tá preparada para ouvir? — Nem Daniel queria falar de
qualquer coisa senão o que acontecia bem diante de seus olhos.
— Manda. — E Natália sabia disso.
— Você é bonita e pra ele não dói olhar, mas ver vocês dois, juntos e
assim, fica difícil.
— Difícil de quê?
— Eu não vou explicar o que quero dizer.
— A gente fica gato junto, é isso o que quer dizer?
— Quando ficam que nem dois bobos eu não tenho muita paciência,
não, mas assim… eu pagaria a grana que não tenho só pra ver.
— Não. — Leandro nem quis saber o que Natália responderia.
— Não é uma decisão sua, lindo.
— Não. — Leandro repetiu e parou o garfo no meio do caminho até a
boca. — É uma decisão minha e eu digo não.
— Só tô falando. — Daniel recuou.
— Dani, você quer assistir?
— Como é?
— Se quiser assistir, a porta vai ficar aberta.
— Natália. — Leandro falou seu nome em tom de aviso.
Cansada de tanta malcriação, ela o pegou pelas bochechas, olhou bem
dentro de seus olhos, sem brincadeira alguma, e o colocou em seu devido
lugar.
— Você sabe que palavra usar se quiser que eu pare.
Ele engoliu em seco. Não era doido de dizer a palavra mágica.
— Não levante mais os olhos até a hora que eu mandar. — Continuou,
observando-o baixar os olhos para o prato, muito bravo por toda a situação.
— Você me colocou numa posição terrível, agora — Daniel comentou,
não parecendo nem um pouco constrangido pela situação.
— Você quem quer olhar — Ainda na posição que era sua, a de dona da
casa e Domme, decidiu apaziguar os ânimos porque Daniel não era o foco —
E, de todo jeito, Leandro é lindo demais para ficar só dentro do meu quarto.
Comeram, mas tudo o que Natália dizia parecia uma indireta para o
homem sentado ao seu lado, sem fome, muito bravo, e sem poder olhá-la nos
olhos.
Daniel, por outro lado, não levou nada a mal.
Para um Leandro que não falava palavrão e não erguia a voz?
Aquele cara sentado à mesa que parecia rosnar ao menor dos sinais era
todo mundo, menos seu monitor de cálculo!
— Confesso que tô amando isso. — Ela cochichou para Daniel, entre
risinhos, terminando sua porção de jantar enquanto falava sobre o Garden e
qualquer outro assunto que surgiu à mesa.
Depois, quando os pratos foram tirados, Daniel foi lavar a louça e disse
que poderia limpar tudo sozinho, liberando o casal para fazer o que quer que
quisessem.
Foi a primeira vez que Leandro se movimentou menos irritado. Natália
piscou para o amigo, agradeceu pelo cuidado e se levantou da mesa.
— Sobe e me espera. De joelhos!
Leandro subiu sem dizer nada. Muito mais amigável do que quando
havia descido. Ainda irritadiço, com as bolas doendo, o pau enjaulado, mas
sabendo que o fim daquela tortura estava próximo.
— Eu te ajudo. — Natália sorriu quando se levantou para tirar o resto de
comida dos pratos e das panelas.
— Caralho, Nat, não faz isso com ele.
— Não se mete, mas que saco!
Daniel se apossou da bucha, organizou os copos, os pratos e abriu a
torneira. Tinha um sorriso engraçado, mas um jeito preocupado no semblante.
— Ele vai espanar.
— Vai. — Ela se reservou em concordar.
— Não é melhor…?
— Não.
— Cacete, eu daria um braço inteiro para ter o que vocês dois têm.
— Não tá na hora de namorar de novo e você sabe disso melhor que eu.
— Sei, mas porra… — Ensaboando os copos, ele sorriu entristecido —
Tô com a sensação de que preciso me explicar porque na janta fiz parecer
que…
— Relaxa, tá legal? — Ela colocou a mão em seu ombro, sorrindo
amigável, e foi limpar o resto da mesa — Você juntou nós dois. Se fosse caso
de qualquer outra coisa, não teria juntado. Você é um ótimo amigo, eu sei
disso, Leandro sabe, e ninguém aqui se sente ameaçado por você.
— Promete?
— A gente se conhece há quanto tempo?
— Ish. — Por muito pouco, Daniel não passa sabão na testa — Cainho
ainda estava na barriga?
— Então relaxa. Amizade antiga assim abre precedente pra gente falar
besteira.
— Então a coisa com o Léo é de verdade?
— Os quatro pneus arriados, a capota aberta, os vidros não estão nem
subindo mais…
— É de verdade.
— Se é!
Entretanto, entre um coração derretido e uma fala dura, ela sempre
escolhia a segunda. Deu boa-noite a Daniel quando a cozinha estava limpa,
certificou-se de que a porta da frente estava fechada, as janelas trancadas e
subiu.
Tão devagar como se não fosse chegar nunca.
Entrou no banheiro antes de entrar no quarto e se banhou sentindo o
cansaço do dia atingir seus nervos e seus músculos.
Entrou no quarto só de toalha. Leandro não aguentava mais ficar de
joelhos. Se, no jantar, ele suava de expectativa e dor, no quarto, ele nem
sequer parecia inteiro. Era como se estivesse retalhado e jogado pelo chão,
desconjuntado, arredio, muito bravo e muito duro.
Jogou a toalha sobre o banquinho da penteadeira, apresentou-se nua
diante dele e o viu salivar. Ele achou que a brincadeira acabaria ali, que ela o
faria gozar e ambos dormiriam de conchinha.
— Alguém já te disse o quão gostoso você fica quando tá puto?
— Por favor, acaba com a tortura.
— Você não merece.
De todas as coisas que ele queria ouvir, aquela era a única que ele não
estava esperando.
— Pode se soltar do cinto. — Ela mandou e as mãos dele foram
imediatamente para dentro da calça.
O alívio foi instantâneo. Fez massagem no corpo do pau, sentindo dor
em todo seu comprimento, e quis saber se podia se levantar.
— Levante e tire a roupa.
Fez conforme o ordenado, nu também, na frente dela, e pronto para
atacá-la.
— Não quero ouvir protesto de coisa que você ainda não sabe como é,
estou sendo clara?
— Sim, Natália — Mas não era o suficiente, então continuou — Me
desculpe por ter me comportado mal no jantar.
Sem que precisasse domesticá-lo! Quase pulou de alegria. Sorriu
minimamente, embora eufórica por dentro, e aprovou seu pedido de
desculpas.
— Eu só vou te ajudar a dormir melhor — Fez um gesto para que ele se
sentasse na cama, agarrou-o pelo pau e começou a brincar — Não quer dizer
que você merece, tá bem?
— Tem algo que eu possa fazer para merecer?
— Não.
— Me desculpa, linda, eu não gosto de ficar bravo.
— Seu lado agressivo me dá prazer — Acelerou o movimento da mão
—, não se desculpe por isso.
— Não aperta — ele pediu travando todos os músculos da barriga —
Aquela gaiola machuca muito.
— Vou pegar uma maior, prometo.
— A gente não precisa dela.
— Precisa sim.
— Não… — Ele fechou os olhos, sentindo o tesão progredir — Não
precisa, não.
Quando ele estava prestes a gozar, ela se ajoelhou na frente dele, no
chão, ainda o masturbando, e lambeu seu saco. Leandro afastou as pernas,
gemendo baixinho e esperando autorização para gozar.
Enquanto ela o distraía com a língua, molhou um dedo com o próprio
lubrificante e fez carinho na porta de seu cu só para descobrir qual seria sua
reação.
Ele achou um pouco esquisito quando foi tocado ali. Tanto lugar melhor
e ela se concentra lá? Não pediu que parasse porque tinha aceitado que não
recusaria nada que não soubesse como era.
Entendeu que fez um mau negócio quando ela continuou. Com a pele do
pau toda puxada para baixo, o saco lambido, ela ainda entrou com o dedo lá.
— Natália — Ele fez um pedido de aviso.
— Quieto.
A segunda vez que ele a chamou por seu nome não foi mais em tom de
aviso. Não entendia como nem porquê, mas conforme ela mexia ali, com um
dedo, o prazer da masturbação aumentava, escalando rapidamente.
Perdeu o controle quando ela o colocou na boca. Na boca dela, as
preocupações derreteram, o nervosismo perdeu o sentido, o cu era uma zona
erógena imensa e ele perdia o controle das próprias pernas.
Leandro travava todos os músculos definidos do corpo conforme se
perdia no tesão. As pernas fincadas no chão ganharam linhas definidas onde
os músculos se dividiam. O “Y”do abdômen ficava definido e perfeito. A
barriga ganhou mais dois gomos, logo acima do púbis, tão duro e definido
que ela não conseguia parar de olhar.
E ainda tinha o rosto congestionado, vermelho, inchado, cheio de
súplicas e pedidos com “por favor” colados ao cabo das frases não ditas.
A boca entreaberta só servia para gemer. Só servia para emendar um
“para, por favor, para” que não saía da garganta.
Tão lindo que ela não sabia mais o que havia feito de certo na vida para
ganhar um presente como aqueles. Afundou o dedo na bunda, chupou-o com
mais força e não perdeu um segundo das expressões lindas que ele fez
enquanto gozava.
Relaxou os músculos com um sorriso no rosto. Não importava o quão
errado aquilo estivesse, a sensação de gozar com o dedo enterrado na bunda
era quase a melhor coisa que lhe acontecera.
A primeira, sem dúvidas, era ver Natália chupá-lo. O rosto dela entre
suas coxas era a melhor coisa que existia no mundo.
— Pode me punir depois — disse quando tomou fôlego —, mas você
fica linda demais com meu pau na boca.
— É? — Ela, lambendo as últimas gotinhas que escorriam dele,
respondeu rindo — E você fica lindo gozando com o dedo no cu.
Capítulo Trinta e Um
Tudo era lindo e perfeito com os olhos fechados. Ele não teve sequer
dois segundos para pensar onde Natália esteve com o dedo, nem por quê.
De olhos abertos? Não tinha sido tão fácil assim. Daniel ocupava quase
toda a mesa da cozinha com seu trabalho da faculdade e Leandro, que já tinha
movido seus pertences para o quarto de Natália, preparava um café enquanto
andava de um lado para o outro com vergonha de perguntar para o amigo o
que realmente queria.
— Porra, se vai andar de um lado para o outro logo agora, faz isso na
sala!
— Perdão. — A última coisa que Leandro gostaria era atrapalhar. Parou
diante da bancada da cozinha esperando a água descer pelo filtro e respirou
fundo, sem conseguir olhar para nada nem ninguém, e chamou — Dani?
— O quê?
Alguém teria que ajudá-lo com aquilo. Estava totalmente fora de
cogitação perguntar essas coisas para a Nat, fora de cogitação perguntar
também a Bataille, então sobrou para Daniel.
— Eu sou gay?
— Que porra de pergunta é essa? — Tomado de assalto, Daniel tirou os
olhos da imensa planilha que ocupava a tela de seu notebook velho e surrado,
e olhou para o amigo claramente sem entender de onde vinha aquele
pensamento — Tá todo caído na Nat, ué!
— Certo. — Como dizer de onde vinha sua dúvida? — É que ontem
ela…
— Não me conta. — Daniel o interrompeu. — Para saber se é gay, você
precisa beijar um cara.
— Não, sai fora.
— Só dá para ser gay se você se relaciona com alguém com a mesma
identificação de gênero que a sua.
— Outro homem?
— Sim, né!
— Certo. — Mas isso não ajudava em nada.
— Já entendi o que aconteceu. — Numa situação normal, em que
Leandro fosse comum e não tão quadrado, Daniel teria dado gargalhadas.
Olhando a confusão estampada em Leandro, só conseguiu sentir pena. —
Não, Leandro, você não é gay só porque a Nat comeu seu toba.
Vermelho e sem graça de ouvir o amigo falar, Leandro se encolheu entre
os ombros sentindo o rosto inchar e esquentar, e não conseguiu responder
nem mesmo com um gesto.
— Também não é da conta de ninguém o que você faz com ela no
quarto.
— É, mas…
— Não tem “mas”. — Percebendo a confusão do amigo, Daniel preferiu
se levantar e ir até ele — Você não é menos homem nem gay.
— Você… — Ele não sabia como perguntar, mas se sentiria melhor se
não fosse o único homem no mundo que sentia prazer lá.
— É, curto. — Para Daniel não foi mais confortável do que era para
Leandro — Sabe o ponto G nas mulheres, né?
Não sabia, mas balançou a cabeça confirmando que sim.
— Deus é tão filho da puta que colocou o nosso dentro do cu.
— Então todos os homens…?
— A grande maioria finge que não existe. — Daniel se afastou — Você
sabe como é, tá se perguntando se é viado só porque gosta de coisa lá.
— E você não?
— Rapaz, eu tenho tanto problema na vida, tô tão lascado, que isso não
faz nem cócegas.
— O trabalho da faculdade tá tão difícil assim?
— O problema não é a matemática, nem a estatística, nem nada. Eu tô
pra morrer mesmo é com esse caralho de Excel.
Não existia nada tão fácil para Leandro. Com um risinho engraçado,
pediu que o amigo lhe mostrasse a dificuldade e, por um instante, sentiu-se
monitor de cálculo de novo.
Natália não ouviu a conversa. Caio finalmente estava em terra, na sua
escala em Paris, e ela sentia o peito explodir de alegria de ver seu rostinho
saudável, empolgado com a viagem, todo feliz porque a aeromoça que o
acompanharia até o Japão tinha lhe mostrado a cabine do piloto.
— Você não vai acreditar! — Caio praticamente gritava de tão eufórico
— Lá dentro é tudo automático! Sabia que o piloto só trabalha quando tá
decolando ou pousando?!
— E o resto do tempo ele faz o quê? — Sentada na cama, ela ria de
alegria e saudades — Coça o saco?
— Tipo isso. — Eufórico, feliz, mas também muito cansado. Bocejando
com os olhinhos cozidos de sono, ele chupou um canudinho de refrigerante e
olhou para o painel logo atrás de si — Ô, mãe? Eu acho que tá na minha vez.
— É mesmo? E a aeromoça, onde está?
— É, tá na minha vez, sim. Ela acabou de acenar pra mim.
— Então vai, menino. Se cuida, tá? Te amo.
— Também te amo. E não fica rolando o Insta!
— Tááááááá.
Não iria rolar o Instagram, tinha coisas muito melhores com que se
ocupar. Sorrindo, desligou o celular, espreguiçando-se na cama, e sentiu,
como há muito não sentia, que tudo ficaria bem.
Lembrou-se que Leandro passaria algum tempo em sua casa. Será que
ele aceitaria se mudar em definitivo para lá? Tanta gente nova em casa!
Daniel que tinha chegado primeiro com um pé na bunda e torto de tão
bêbado. Desde que se havia se instalado no quarto de Caio, a vida tinha um
gosto melhor, mais doce.
E ainda tinha o Leo! Como pode um homem tão quadrado e tão fora da
casinha ao mesmo tempo?
Ficou com vontade de tê-lo na cama de novo. Será que se ele se mudasse
de definitivo, essas vontades diminuiriam? Dizem que é assim com os
casados, não é?
— Eu tô num conflito tão grande que tô me sentindo um idiota. —
Leandro entrou no quarto descalçando os sapatos e subiu na cama,
atrapalhando seus pensamentos, procurando algum afago para se confortar.
— O que foi, lindo?
— Vou ser direto, tá? — Respirou fundo sabendo que serviria de piada,
e despejou logo de uma vez — Cu.
— O que tem?
— Tô entrando em parafuso só porque você mexeu no meu.
— E você acha que essa vai ser a única vez? — Ela poderia tê-lo
acalmado, mas para quê? — Acha que eu não vou querer de novo?
— Exatamente.
— Você gostou, não gostou?
Nunca que Leandro teria coragem de dizer SIM, com todas as letras e
um sorriso colado na cara. Então fez o que conseguiu, assentiu com a cabeça.
— Então pronto, lindo, não tem que ficar fazendo disso um grande
negócio.
Boa hora, ela pensou. Levantou-se da cama sabendo que sua camiseta
mal cobria a bunda, e foi até a parte do armário que costumava guardar seus
brinquedos.
Procurou, porque sabia que tinha, mas demorou algum tempo até achá-
lo. Deu uma olhada na borracha, no bico injetor, e voltou para a cama
balançando aquele troço.
— Sabe o que é isso aqui? — Ela perguntou já sabendo o que ele
responderia.
— Não faço nem ideia.
— Isso aqui serve para lavar você por dentro.
Ele demorou muito tempo para entender. Olhou o jeito como ela
apertava o recipiente de borracha e o bico comprido na ponta. Entendeu que
servia para encher de água e soltar, mas não entendeu exatamente como é
que…
Vermelho e sem graça. Tanto que quis enfiar a cara no travesseiro e
sumir dali, tudo ao mesmo tempo.
— Calma, lindo. — Ela tentou — É melhor que seja eu a te mostrar isso
que qualquer outra pessoa.
— Não precisava ser agora. — Com um quarto da potência da voz, ele
engoliu em seco, estarrecido.
— Nisso aqui você coloca água morninha — ela prosseguiu mesmo
contra sua vontade —, nem muito quente, nem muito fria, e espirra lá dentro.
Não faça mais que três vezes, tá bom? Mais que isso pode machucar.
— Pra quê, Natália? — Ele perguntou tão envergonhado que não
conseguia abrir os olhos — Pra quê?
— Ai, Leo… — Ela não riu. Com carinho, deu um beijo em seu rosto,
deixou a ducha íntima de lado e se aproximou — Eu quero você inteiro.
— Você já tem isso, não precisa…
— Não é questão de precisar — Ela o interrompeu. — Eu gosto, você
gosta, então qual o problema?
— Mas precisa lavar por dentro? — Ele barganhou.
— Às vezes precisa. Com o dedo não, mas não vou te comer só assim.
— Sorriu travessa olhando-o todo envergonhado e o beijou na boca — Você
sabe o que sai do cu e não vai querer estragar a brincadeira, vai por mim.
— Essa é uma das poucas vezes que você vai me ouvir falar Excel.
— É? — E não tentou se defender — Azar o seu!
— Você poderia tentar me convencer — Ele tentou.
— Pra quê? — Rindo, jogou-o de costas na cama e subiu em cima —
Você vai gostar, lindo.
— Vou, é?
— E vai gostar muito.
— Por que tudo com você é sempre tão sujo?
— Se você lavar bem lavadinho, não vai ser sujo. — Ela riu sem
conseguir se controlar e acabou gargalhando.
Capítulo Trinta e Dois
Ela o chupou por uma semana, mas não o deixou gozar. Aproveitou que
Leandro gostava de ver e o deixou ver, o deixou gemer, passou as unhas em
suas coxas com tanta força que algumas marcas ainda estavam na pele.
Mais do que forçá-lo a se lavar, ela o induzia a querer. Sabia que era
medo e preconceito, entendia-o, mas queria mostrar o quanto poderia ser
bom.
Por outro lado, não conseguia se controlar ao vê-lo de quatro. Toda
maldita vez, desde que o fizera engatinhar com a bandeja nas costas, era vê-lo
de quatro que se molhava inteira.
Principalmente depois que ele gozou com o dedo atrás. Leandro com os
músculos todo enrijecidos quando gozava, os dois gomos extra da barriga
logo acima do púbis, a expressão de puro êxtase.
Leandro todo aberto, o pau em cima da barriga, meio como um frango
assado, e ela entrando devagar, centímetro a centímetro.
Quase gozava só de imaginar e vê-lo andar por sua casa, sem camisa e
só de bermuda, não ajudava em nada.
Enquanto ele, chupado sem poder gozar, toda vez que ela lhe lambia o
cu era como se se dividisse em dois: metade queria continuar, metade só
queria que ela parasse.
Olhando para a ducha íntima que havia ficado na mesinha de cabeceira,
ele sabia que Natália não o forçaria a se lavar. A questão que ficava era: ele
queria? E, quando se convencia que sim, outra questão surgia imediatamente.
Como é que faz isso?
Não tinha coragem de pedir instruções, mas tinha internet. No carro,
antes de entrar em casa, encontrou um vídeo no Youtube que explicava
exatamente como fazer sem lambuzar o banheiro inteiro, e outras explicações
que diminuíram seu medo.
Decidido que aquela seria a noite, colocou água para ferver porque o
vídeo instruía esterilizar a ducha toda vez antes de usá-la.
Não disse para que servia aquela água e ninguém lhe perguntou. Daniel,
ainda brigando com as planilhas e o trabalho da faculdade, nem sequer viu a
panela no fogão e Natália, conversando com seu garoto ou seus pais, ou só
preocupada com a própria vida, não se incomodou em perguntar.
Sozinho, mais tranquilo do que achou que ficaria, subiu com a panela
fervente e se trancou no banheiro.
Tomou banho enquanto o objeto esterilizava, e depois se sentou na
bacia, com a ducha cheia de água de chuveiro, nem muito quente nem fria, e
se lavou.
Não era tão ruim como achou que seria. Era estranho, isso sem dúvidas,
e não conseguiu se olhar no espelho depois de ter se limpado por dentro.
Pelo menos era o momento da prova real: se ele não gostasse, não
precisaria insistir nunca mais. Era um jeito fácil de resolver, pensou. Bastava
tentar uma única vez. Se com o dedo era bom, mas com qualquer outra coisa
não fosse, então ficaria só com o dedo e pronto.
Porém, se outras coisas fossem igualmente boas do jeito que Natália
havia dito, pelo menos ele era homem o bastante para tentar.
Saiu do banheiro de harness e cuecas. Sabia que ela estaria deitada na
cama. Já passava das dez horas da noite e eles eram um casal que acordava
cedo.
— Amor — Ele a chamou quando entrou no quarto, com cara de poucos
amigos, muito sedutor e completamente pronto —, eu fiz aquela coisa que
você me pediu.
Ela sabia disso. Deu por falta da ducha na mesinha de cabeceira,
estranhou a longa demora no banheiro, e logo entendeu seus planos.
— É? — Mas fingiu que não sabia do que ele falava — E o que você
quer agora?
As palavras jamais sairiam de seus lábios, ambos sabiam. Ainda pronto,
mas sem conseguir dizer, ele andou até a cama com um olhar ruim que
brotava sem qualquer treino e a beijou com malícia.
— Você vai ser o motivo do meu colapso, Leandro. Sabia disso?
— Que bom, porque você já é o motivo do meu.
Caçou-o dentro das cuecas e o sentiu duro na mão. Procurou mais
beijos, esquentando devagar, sentindo a ansiedade boa percorrer suas veias.
Ergueu os braços quando ele mexeu na barra de sua camiseta de dormir e
soltou os cabelos do rabo-de-cavalo.
Puxou-o pela maior tira do harness só porque gostava. O solavanco era
gostoso para os dois e Leandro se deixou conduzir, deitando de costas na
cama, olhando para a beldade que tirava sua cueca comendo-o com os olhos
com tanto desejo que nada, nem mesmo a ducha, o medo da dor ou de gostar,
eram importantes naquela hora.
— Brinca para eu ver. — Ela pediu, se levantando da cama para buscar
um vibrador.
Sorrindo feito uma maluca, tirou o menor e mais fino de seus consolos
de dentro de um plástico. Vestiu a cinta que a envolvia pela bunda e pela
cintura, mas saiu direto ao banheiro para lavar o brinquedo uma última vez
antes de usa-lo.
Voltou para o quarto e murchou. Estava pronta para comer Leandro, vê-
lo gemer tão alto que Daniel teria que dormir de fones, mas o que encontrou
foi um homem sentado na cama, murcho e com o celular na orelha.
Alguma coisa no jeito como ele reagia ao aparelho a fez entender que se
tratava de algo importante.
Vê-lo desligar o celular bastante preocupado a fez se sentar na cama em
alerta.
— O que foi? — Perguntou quando ele não disse nada.
— Lígia precisa de mim.
Bela hora para existir uma ex-noiva.
— Lígia? — Ela perguntou tentando esconder o ciúme.
— Ela tá chorando e o pai dela tá berrando. Não sei direito o que está
acontecendo — E, se a preocupação em seu rosto já não fosse broxante o
suficiente, ele desafivelou o harness indicando o fim da brincadeira e foi se
vestir.
— Você vai sair?
— Tenho que ir.
Não tinha, ela pensou. Ele queria ir. Segurou a tristeza, o ciúme, o medo
de Lígia apresentar uma ameaça, e não disse nada.
— Perdão, amor. — Ele pediu, caçando qualquer calça no armário —
Preciso ir.
Ela não se atreveu a vê-lo partir. Olhando fixamente para a cama, sem
saber o que dizer nem o que sentir, engoliu o gosto amargo de ser deixada e
não soube se chorou até dormir ou se dormiu chorando.
Capítulo Trinta e Três
Saiu de casa com a chave de Daniel, qualquer camiseta, a bermuda que
estava antes do banho e os sapatos do trabalho. Enfiou-se no carro
atrapalhando-se com as marchas e cantou pneu na esquina.
Em todos os anos em que conhecia Lígia, ela nunca tinha aparentado
estar tão amedrontada. O que quer que acontecesse na casa de seu ex-sogro,
ele rezou durante todo o trajeto, que Deus a mantivesse segura até que
conseguisse resgatá-la.
As frases de Lígia pareciam confusas, ele não tinha entendido muito
bem porque o pai berrava ameaças e socava a porta do cômodo onde ela
provavelmente se escondia. Entendeu apenas que seu grande segredo havia
sido descoberto sem que ela tivesse a chance de sair do armário, e que o
patriarca não tinha gostado nem um pouco.
Estacionou em cima da guia rebaixada na frente do portão de dona
Jandira e não se deu ao trabalho de tocar a campainha. Forçou a porta de
entrada uma, duas vezes, e na terceira vez ela cedeu, leve, como se alguém do
lado de dentro tivesse destrancado a trava automática.
Correu consciente do caminho. Atravessou o quintal, deu de cara com a
porta da sala escancarada e não se preocupou em vasculhar os cômodos do
andar térreo. Subiu as escadas pulando dois degraus de cada vez, apoiou-se
no corrimão para um salto maior e foi direto para o quarto de Lígia.
Silêncio que não significava paz. Tinha sangue sobre a cama revirada.
Todos os vidros de perfume da garota estavam espatifados no chão, longe da
penteadeira que sempre havia sido o xodó de sua ex.
Ouviu um baque vindo do banheiro e se adiantou. Viu as costas do pai
da moça, balançando muito, um braço se erguia, o outro abaixava, numa série
de socos de mão fechada, cheios de fúria, em cima de um pacotinho
encolhido dentro do box do chuveiro.
Sem pensar, ele puxou o homem de cima de sua ex-noiva e levou uma
pancada sem ter tempo de entender como. Sentiu o ouvido zunir, perdeu o
equilíbrio por dois segundos, mas conseguiu empurrar o adversário para fora
do box.
— Seu Celso — ele tentou, massageando a orelha —, se acalma. Ela é
sua filha e…
— Você sabia, né, seu viadinho?! — O homem duas vezes a idade de
Leandro, cego de raiva, avançou para cima dele com as mãos em punhos já
sujas do sangue da filha, pronto para acabar com aquele ali, e doido para
continuar a correção na garota.
Leandro sempre fora da turma do “deixa disso”. Nunca havia brigado
nem mesmo na escola. Fazia musculação e corria para dar conta de um corpo
celibatário, mas nunca tinha usado a força para se safar de problemas.
Olhando o outro, louco como se força fosse a única coisa que possuísse,
esperou ser atacado primeiro. Não sabia brigar ou se defender, mas quando se
viu sem saída, desviou do golpe, fechou a mão e deu, de cima para baixo, no
queixo, um soco tão forte e cheio de significados que o velho caiu para trás.
— Não me obrigue. — Leandro vociferou, parte culpado, parte
procurando por mais briga — Eu não quero brigar com o senhor.
— Foi você quem fez ela agir assim! — O ex-sogro cuspiu sangue para
o chão, as órbitas dos olhos tão vermelhas e cheias de raiva que Leandro
entendeu. Se o diabo precisava de um rosto, ali estava. — Você quem a
colocou nesse caminho, não foi? Onde já se viu, um homem desse tamanho
desmunhecando feito mulherzinha!
Leandro não respondeu. Com as mãos espalmadas na frente do corpo,
ele só queria acalmá-lo ou, se isso não fosse possível, fazê-lo ir embora e
depois acudir sua ex.
O ex-sogro quem procurou briga e Leandro não se deixou apanhar. Deu
um passo para trás quando o homem avançou, recuou do golpe que chegava
certeiro em seu rosto, devolveu o soco com a mão livre e voou, enfiando a
cabeça no dorso do adversário, puxando-o para o chão.
Preso entre seus joelhos, Leandro ainda tinha cabeça suficiente para
saber o dano permanente que poderia causar se se perdesse na raiva. Sentiu-o
se debater, as mãos que o agarravam, a fúria na ponta dos dedos e, em
resposta, o golpeou até que seu Celso perdesse a força.
Quando se levantou, parte de sua camiseta ficou. Ofegante com sangue
nos punhos, correu para procurar por Lígia enfiada no box, toda machucada e
com o pijama rasgado, chorando e parecendo sem forças para se levantar.
Ela balbuciou alguma coisa sobre não ter chamado a polícia, sobre ter
ficado com medo do que os policiais fariam. Pediu desculpas por ter ligado,
por tê-lo atrapalhado, mas Leandro, tentando erguê-la do chão sem machucá-
la mais, sabia que tudo aquilo não fazia diferença.
Pegou-a no colo como se ela fosse um filhote, tentando juntar uma Lígia
despedaçada, desorientada e emocionalmente frágil.
— O que você precisa daqui?
— A minha bolsa. — Ela falou, apontando para a mochila cheia de
cacos de vidros dos perfumes, quase enfiada embaixo da cama — E meu
computador.
— O que mais?
— Só isso.
A prioridade era tirá-la dali. Avançou ainda com ela no colo até a escada
e, com muito cuidado, rezando para que o pai não os empurrasse dos degraus,
atravessou a sala, o quintal, e a colocou sentada no banco do passageiro.
Voltou para dentro com medo de mais confusão. Dona Jandira rezava
com o terço na mão, sacudindo-se na mesa da cozinha. Subiu as escadas
novamente, fingiu que não viu o sogro se levantando com dificuldades e
pegou exatamente o que Lígia havia pedido.
Puxou a fonte do computador da tomada, apanhou-o sobre a cama e viu
um roupão pendurado num mancebo.
Achou por bem pegá-lo também e, com tudo, saiu do quarto.
— Fala para aquela vadia que ela não é mais minha filha. — Celso deu
seu golpe de misericórdia — E se ela aparecer aqui de novo, eu mato.
Leandro nunca contou isso para a ex-noiva. Com dor no peito como se o
pai da moça também fosse o seu, baixou a cabeça com o coração batendo nos
ossinhos das mãos e partiu.
Dona Jandira, mãe da moça, não ergueu os olhos do terço sequer uma
vez. Leandro não teve tempo de pensar se ela estaria a salvo da raiva do
patriarca, mas não tinha como lidar com ela naquele momento.
Entrou no carro, colocou o roupão achado sobre o corpo ainda muito
trêmulo da ex-noiva, jogou seus pertences no banco de trás e deu a partida, o
mais rápido que conseguiu, mesmo sem rumo.
Dirigiu por quase dez minutos até que o celular de Lígia tocasse. A
mulher, que conseguiu afanar o aparelho enquanto seu pai berrava, o tinha
preso no sutiã.
O jeito como Lígia conversava com quem ligou tinha tom de amor e
intimidade. Leandro sabia quem era mesmo se ela não lhe revelasse. Ouviu
os avisos de “estou bem”, “O Lê tá aqui”, e continuou dirigindo mesmo sem
rumo, apenas porque voltar ou parar não eram opções.
— A Flávia disse que eu posso ir para lá. — Lígia chorou de dor
segurando o maxilar.
— Coloca o endereço dela no mapa. — Pediu, os olhos sempre na
estrada, o coração muito partido por vê-la daquele jeito.
Recebeu o endereço e viu que a casa de Flávia era no centro. Um
edifício na avenida Paulista, cheia também àquele horário e sem lugar para
estacionar.
Por sorte ou aviso de Flávia, a garagem do edifício se abriu quando ele
embicou o carro e, sem olhar para o lado, meteu-se para dentro e encontrou a
outra moça, a que andava sempre de vestido e relógio dourado, acenando
para que ele parasse numa das vagas no fundo.
Antes que desligasse o carro, Flávia abriu a porta do passageiro e Lígia
se levantou, sozinha. Ao abraçar a outra, as duas choraram, Lígia muito mais
que Flávia, e trocaram palavras de afeto e carinho que foram inconfundíveis
para Leandro.
— Sei que é abuso — Flávia falou por cima do ombro de Lígia,
diretamente com Leandro —, mas me ajuda a carregar ela lá para cima?
Não era abuso para Leandro. Com cuidado, pegou Lígia no colo para
que ela não precisasse caminhar, e seguiu Flávia até seu apartamento, treze
andares acima.
A primeira coisa que ele viu foi um corpo masculino de roupão de seda
cor-de-rosa e a preocupação em abrir as portas para criar caminho. Foi
indicado para o que pareceu o quarto de Flávia, uma cama de casal, e deitou
Lígia com cuidado.
Viu o jeito carinhoso e preocupado com que Flávia pulou na cama,
pronta para auxiliar Lígia, e se afastou.
— Toma, dá lá para ela. — O homem de roupão rosa disse, entregando-
lhe um copo d’água, provavelmente cheio de açúcar porque as partículas
brancas ainda dançavam no líquido
Rapidamente, Leandro deu o copo para Flávia, que limpava os
ferimentos do rosto de Lígia com uma toalha.
— Aqui, amor, bebe isso. — O jeito cuidadoso e carinhoso de Flávia
denunciava tudo.
Mesmo se ele não soubesse que eram namoradas, só o jeito de Flávia de
lidar com Lígia as entregaria.
— Ele pegou meu celular — Lígia soluçava, tão triste e magoada como
Leandro nunca tinha visto — Ele abriu todas as minhas mensagens, todas as
minhas fotos. Achou uma foto nossa, Flá…
— O errado é ele, amor, o errado é ele.
— Eu sei… — Ela chorou, emborcando o copo — Mas…
Leandro ficou por horas, até que Lígia adormecesse com roupas limpas
e os ferimentos tratados. Não trocou uma sentença completa com Flávia
enquanto ambos estavam preocupados demais com Lígia, mas funcionavam
no auxílio, um buscando remédios, o outro separando roupas limpas, um a
carregando para o banheiro, outra a ajudando no banho.
Só quando ela finalmente adormeceu, cansada e de tanto chorar, que
Flávia limpou o rosto suado e atacou Leandro com um abraço agradecido,
cheio de ternura e afeto.
— Eu falei para ela vir para cá semana passada — Flávia comentou —
O pai dela estava desconfiado, ofendia gratuitamente, vivia falando coisas
horríveis. Ela não queria vir para não deixar a mãe, mas a mãe dela também
não presta!
— Não tenta entender o que se passa naquela casa. — Retribuindo o
carinho, Leandro passou a mão nas costas da mulher baixinha num carinho
reconfortante. — O que importa é que ela está aqui.
— E viva. — Flávia frisou — Se não fosse você…
— Ela devia ter ligado para a polícia.
— É o pai dela, Leandro.
Por pior que apanhasse do pai e da mãe, Leandro sabia que também
nunca teria coragem de acionar a polícia para se defender. Suspirando
resignado, soltou Flávia do abraço e quis saber sobre o futuro da ex-noiva.
— Ela pode mesmo ficar aqui?
— Troquei minha cama pela cama de casal esperando por ela!
— Não, Flávia, tô falando sério. Não vai ser só por uns dias, a Lígia não
tem para onde voltar.
— Eu também tô! — Ela exclamou limpando o rosto das lágrimas aflitas
— Eu a amo, Leandro, muito, muito, muito…
— Uma pena que se juntem nesses termos — ele tentou, ainda um
pouco incerto do que responder —, mas que bom que ela estará segura aqui.
— Vocês querem um café? — O homem interrompeu — Eu tô passando
um aqui, rapidinho, acho que vocês dois estão precisando.
— Não, Fani. — Flávia respondeu com um sorriso — Quer café,
Leandro? É o mínimo que posso oferecer.
— Não, Flávia, obrigado.
— Tem certeza? A Fani faz um café tão bom…
— Não, gente, muito obrigado. — Se despedindo das duas, ele respirou
fundo sabendo que havia deixado assuntos pendentes em casa, e agradeceu
mais uma vez — Obrigado, mas eu preciso muito voltar.
— Amanhã de manhã eu peço para a Lígia te ligar, tá?
— É, por favor. — Ele concordou, se adiantando para a porta, mas
insatisfeito com apenas uma ligação — Posso passar aqui na hora do almoço?
— Vem sem comer e almoça aqui com a gente, tá?
Sorrindo triste, deu um último adeus, virou-se de costas procurando a
saída do elevador, e partiu.
Capítulo Trinta e Quatro
Estacionou na vaga da rua que sempre parava e olhou para a casa de
Natália. Suspirou entristecido e só ali percebeu que tinha largado harness e
mulher em chamas para acudir ex.
Diante da situação que acabava de testemunhar, acreditou que isso não
seria um problema se Natália o ouvisse. Ele simplesmente não tinha outra
saída que não fosse ajudar.
Também, pensou enquanto sacava a chave do bolso depois de passar o
alarme no carro, aquela era sua essência. Seu jeito de lidar com o mundo. Ele
era o cara que sempre saía, no meio da noite e de onde quer que estivesse,
para acudir os amigos.
Havia feito isso por Daniel, fez por Lígia e faria por qualquer um que
lhe chamasse. Ele só podia esperar que Natália o compreendesse.
Deixou os sapatos na entrada e subiu direto para o banho. Não sabia a
gravidade de seus ferimentos, mas não queria que ela os visse.
Limpo, olhou-se no espelho, viu o rosto inchado que demoraria um
pouco para ficar roxo, e achou que os nós dos dedos, cortados pelos dentes de
seu adversário, estavam limpos o bastante para que ela não os notasse.
Quer dizer, Natália também deixava marcas. Então ela não se importaria
se visse algumas, não é?
Nu, entrou no quarto e tentou não fazer barulhos enquanto se trocava.
Xingou a gaveta que deslizou pelo trilho e bateu sozinha, e olhou para trás na
esperança de não tê-la acordado.
Ela sabia que ele estava de volta desde que ouvira o barulho do
chuveiro. Estava acordada e, se perguntada, não sabia dizer se tinha dormido.
Estava naquele sono ruim cujo pensamentos continuam mesmo com o corpo
dormente.
Sentou-se na cama e puxou o cobertor para mais perto do corpo antes de
acender o abajur.
O horror com que ela olhou seu rosto inchado o fez se retrair. Pela
penumbra do quarto e sem se levantar, examinou-o. Lígia era capaz de causar
tanto estrago?
— Perdão por sair sem falar nada.
— Lindo, senta aqui. — Com paciência, ela puxou um pedaço da
coberta para longe do colchão e o chamou — O que aconteceu? Quem te
bateu?
Quadrado sim, mas direto e honesto também. Sem poupar qualquer
detalhe, ele relaxou os ombros, disse a noite terrível que tinha passado,
contou sobre Flávia e Lígia, sobre o terço que Dona Jandira não abandonou
nem para acudir a própria filha e encostou a cabeça em seus ombrinhos
magros quando não conseguiu se sustentar sozinho.
— Desculpa trazer tanto problema para você — Ele chorou, agarrando-
se nela à procura de um porto seguro para atracar.
—Você precisa parar de dizer isso. — Mais calma, ela sussurrou com
ternura e beijou seu rosto — Eu levo meus problemas para você, você traz os
seus para mim, é assim que funciona.
— É, mas…
— Não, lindo, não tem “mas”. — Ela argumentou. — É assim que
funciona.
— Eu não tô acostumado a…
— A o quê? Ter gente que se importa contigo? — A risadinha que ela
deu era tão calmante, tão de carinho, que ele riu um pouquinho também — É
difícil se acostumar. Quem passa a vida inteira se virando sozinho estranha
quando alguém chega oferecendo ajuda sem pedir nada em troca.
Era exatamente isso. Incrível como Natália o lia como se ele fosse um
livro aberto. Com uma quentura inconfundível, ela se ajeitou na cama abrindo
espaço para ele, e o abraçou de frente, deitados de lado, olho no olho e
sorrisinhos de carícia que brotavam sem porquê.
— Posso te contar uma coisa? — Ela pediu enquanto acarinhava seu
rosto.
Sem querer abrir a boca, ele apenas balançou a cabeça indicando que
sim.
— A minha vida inteira eu achei que era essa pessoa também, me
virando sozinha, sabe?
Ele conseguia imaginar perfeitamente uma Natália mais nova se virando
sozinha. Quer dizer, olha para ela, mãe de carreira solo e microempresária.
Não era muito difícil entender o porquê tinha virado as duas coisas.
— Desde pequena. Meus pais têm o pensamento muito diferente do
meu. Não como os pais da Lígia e os seus, mas diferente. A pressão para ser
sempre muito boa em tudo o que eu fizesse me levou para um lugar que, se
eu estivesse menos vulnerável, nunca teria ido.
— Para onde você foi?
— O pai do Caio foi meu professor de Biologia do ensino médio. —
Falava com a simpleza que somente as pessoas curadas tinham — A escola
era católica, de elite, não sei como ninguém nunca percebeu. O cara tinha
esposa e filhas, três, ainda por cima.
— Ele… — Leandro não sabia como abordar o que queria perguntar —
Abusou de você?
— Estupro, você quer dizer? — Ela trouxe as palavras certas — Não.
Quer dizer, eu tinha dezesseis anos, de acordo com a lei não era mais estupro.
Ele dizia que eu era muito adulta para a minha idade, sempre elogiava o meu
lado maduro, começou a me tratar como se eu fosse especial e eu acreditei.
— Você o amava, não é?
— Muito. — E fez uma pausa longa porque, mesmo que aquilo não lhe
doesse mais, era difícil de dizer — Até que engravidei e ele me deu um
remédio para abortar dizendo que não podia ter filhos de jeito nenhum.
— E o que você fez?
— Cheguei em casa e contei que estava grávida. — Ela respondeu, e
Leandro entendeu o drama que deve ter sido uma garota prodígio chegar em
casa e contar isso a pais tão rígidos — Meus pais ficaram uma fera, foram na
escola, fizeram um barraco, me tiraram das aulas, obrigaram a escola a
demitir o professor, processaram e tudo o mais.
— E você?
— Fiquei trancada dentro do quarto.
— Por quê?
Suspirando resignada, mas sem chorar, continuou.
— Primeiro porque meus pais me deixaram de castigo. Acreditaram que
isso me fariam bem. Depois porque se eu saísse, iria me drogar.
Isso foi um completo choque para Leandro. Natália, a mulher que não
passava de uma taça de gim com tônica, uma drogada?
— Como assim? — Ele não conseguiu nem disfarçar.
— Meus pais só viram o tamanho do problema quando comecei a
quebrar tudo dentro do meu quarto. Caio ainda não tinha nem dois meses
dentro da minha barriga e eu estava tão louca por droga, que ameacei me
matar se não me deixassem sair.
— Mas como, Nat? Como é que você…
— O professor que tanto admirava a minha maturidade me apresentou.
Ele injetava em mim, depois a gente transava. — Eram poucas as pessoas que
sabiam disso. Tão poucas que Natália ainda não tinha se acostumado a contar
essa parte de sua vida — Não vou mentir, Leo, era bem bom.
— Não é possível.
— O quê? Que eu tenha me drogado na adolescência?
— Que seja bom. — Ele completou.
— Ai, lindo, ninguém se droga porque é ruim. É bom, mas o preço é alto
demais. — Ao ver seu rosto incrédulo, ela achou por bem cortar parte da
história — Mas não se preocupe, estou limpa há quinze anos e só tive duas
recaídas, então… Não precisa me olhar desse jeito.
— Nunca imaginaria que você…
— Tá com vergonha de mim? — Ela perguntou, retraída por ter se
aberto tanto, com medo que o Leo achasse aquilo demais para ele.
Percebendo que deve ter ficado com uma expressão abismada no rosto,
Leandro sorriu mais ameno e lhe deu um beijo.
— Não, de jeito nenhum. — Ele respondeu — Tô surpreso, é claro, mas
um pouco…
— O quê?
— Não sei. — Confessou — Sempre soube que você era uma mulher
forte, mas nunca achei que fosse tanto.
Era tudo o que ela precisava ouvir. Leandro não ficou com pena, nem
quis procurar o pai de Caio para tirar satisfação, nem ficou ofendido por
demorar tanto a saber. Ele só ficou ali e escutou sem julgamentos.
— Se não fossem as pessoas que me ajudaram, não sei o que seria de
mim hoje. — Sentindo a aceitação dele como um abraço, procurou seu peito,
seu calor, e se ajeitou ao seu redor — Então, que bom que você pode ser a
pessoa que ajuda os outros.
— Achei que você fosse ficar brava.
— Brava não, na hora achei que Lígia era mais importante que eu e
fiquei com ciúmes. — Rindo de si mesma, ela confessou e se encolheu para
não olhá-lo.
— Ciúmes. — Ele repetiu, pronto para cair na risada. — Você?
— Não ri.
— Que saiu pelo meio do salão com a bunda de fora?! — Ele não
conseguiu manter a voz séria — Que convidou até o Dani para assistir?!
— Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
— Não é não, Dona Natália! — E sem conseguir se controlar, riu alto.
— Para de rir!
— Não tô rindo — Se defendeu às gargalhadas — É só que achei que
você seria a última pessoa a se importar de me ver ajudando a Lili.
— Era sua ex-noiva!
— É, a ex que larguei por você!
— Ué, mas ainda é sua ex!
— Flávia tinha uma cama de casal esperando a Lígia — Ele parou de rir
e confessou — Achei bonito.
— É, isso É muito bonito.
— Amanhã vou passar lá para ver como ela está. Você também vai ficar
com ciúmes?
Capítulo Trinta e Cinco
Ela tinha imaginado a cena um milhão de vezes. Tinha que ser perfeito,
tinha que ser lindo. Antes que Leandro saísse para acudir Lígia, ela havia
imaginado mil cenários e ele terminaria fodido em todos.
Depois da noite cheia de segredos compartilhados, ela finalmente
escolheu uma estratégia. Teriam mil noites para fazê-lo sofrer e se humilhar,
não precisava ser assim na primeira vez.
Então, acordou mais cedo que ele, preparou seu café e só o chamou
quando tinha uma bandeja no quarto, na mesinha de cabeceira. Não quis se
vestir de vermelho nem colocar roupa bonita. Assim que o chamou, tirou a
camiseta de dormir e amarrou a cinta-caralha no corpo.
— Leo, lindo, tá na hora. —chamou com voz de fada, cheia de carinhos.
Ele puxou o celular da mesa de cabeceira e viu que podia dormir por
mais uma hora. O rosto inchava, enchendo-se de um hematoma que ficaria
feio no passar do dia, e grunhiu quando seu olho esquerdo não abriu.
— Fecha o olho, lindo, me deixa cuidar de você.
Estranho o jeito como ela queria “cuidar”, Leandro pensou quando
percebeu o brinquedo acoplado em sua pélvis, exatamente do jeito como as
coisas tinham parado na noite anterior.
— Eu tô cansado. — Ele resmungou.
— Cansado demais para gozar? — Rindo numa travessura manhosa, ela
o pegou na boca, ainda mole, e o encheu de beijos até se animar. — Sabe, eu
tinha outros planos para esse momento.
— É? — Ele sorriu um pouquinho ao vê-la chupando.
— Eu queria te punir e te fazer implorar para eu te comer.
— Hm — Ele brincou —, tentador.
— Mas agora eu não quero mais te punir.
— Pelo jeito como a coisa anda, vai ser punição do mesmo jeito.
— Não, lindo, não vai. — Colocando-se entre suas pernas, ajoelhada na
cama, ela quis ter certeza de sua vontade antes de continuar — Você quer?
— Tô pronto para isso desde ontem — Sorrindo, ainda um pouco
desnorteado pelo sono, ele fez carinho em seu cabelo, a puxou para um beijo,
mas disse antes de encostar os lábios — Posso só escovar o dente? E mijar?
Carinhosa, mas rindo, ela permitiu que fosse. Enquanto o esperava,
serviu-se de um pouco de café, pois embora não fosse sua bebida favorita, era
a dele, e procurou lubrificante numa das gavetas das mesinhas de cabeceira.
Leandro voltou em sua melhor versão: só de cuecas e sorridente.
Massageou o rosto um pouco envergonhado pelo que estava por vir e
respirou fundo antes de se deitar.
— Como… — Ele pigarreou ainda um pouco incerto — Não vai ter
final feliz pra você, né?
— Metade do tesão tá aqui — Ela apontou para a própria cabeça e,
depois, mostrou as pontas dos próprios dedos — E a outra metade eu
completo assim.
— Parece injusto. — Ele reclamou, sorrindo ainda enquanto ela chegava
por cima, atacando-o num beijo lento, gostoso e muito molhado.
Incrível o jeito dele de se empolgar com pouco. Ela o beijava e ele
relaxava, devagarzinho, sentindo as pontas dos dedos dela na cabeça de seu
pau, brincando com ele, gemendo também porque não tinha nada mais
bonito, para ela, que um Leandro com tesão.
Desceu o corpo, da boca dele para seu sexo, e o chupou como ele
gostava de ser chupado. Leandro amava assistir, quase se perdia quando ela
levantava os olhos com a boca ocupada e o olhava.
Levou um tapa no rosto porque Natália ainda era a mesma, mas
diferente da primeira vez que ela o tinha feito, aquele foi carregado de tesão,
tão sexual que Leandro beijou a ponta de seus dedos, empurrou seus cabelos
para trás, só para ver melhor, e abriu as pernas porque sabia qual era o jogo
principal.
Natália, percebendo que ele relaxava, enfiou um dedo em si mesma, por
dentro da cinta, e fez carinho em sua bunda, ainda o chupando muito, e foi
entrando devagarzinho, sem pressa e no mesmo ritmo que chupava, até
Leandro deixar escapar um gemido rouco e envergonhado.
Com as bochechas vermelhas e a boca entreaberta, ele fechou os olhos e
parou de pensar. Deixou-se ser conduzido e desistiu do próprio preconceito.
Natália, que não conseguia parar de olhá-lo, puxou o lubrificante à base
d’água para perto de si e derramou algumas gotinhas na própria mão.
Entrou com dois dedos e Leandro estufou o peito, abriu mais a boca,
deitou a cabeça na cama, sentindo o pau latejar de tesão.
— Você nunca foi boa comigo — Ele gemeu com a voz rouca e
aveludada quando abriu os olhos e ficou maravilhado com a cena que tinha
entre as pernas.
— É a sua primeira vez, lindo. — Ela sorriu, tão melada que escorria.
— Você vai ser assim também na outra primeira vez?
— Não vai doer como essa vai.
— Você sabe que eu tenho um parafuso a menos.
Os dois tinham, e Natália entendeu aquilo como um pedido para que
fosse menos gentil, então tirou os dois dedos de dentro dele e lambuzou o
brinquedo de borracha com lubrificante.
— Olha pra mim — Ela pediu enquanto endireitava o pau para sua
entrada. — Olha, Leo.
Natália não queria perder um segundo de sua expressão. Com uma mão
firme, foi entrando devagarzinho com o consolo que não era muito mais
grosso que seus dois dedos. Viu o rosto dele, vermelho de tesão, se fechar
inteiro, congestionado de prazer, e a boca se abriu pouco antes que ela
entrasse com a metade.
— Põe — Ele pediu com a melhor voz do mundo inteiro.
— Tudo?
Balançou a cabeça assentindo e engoliu em seco. Natália, sentindo um
arrepio lhe percorrer a espinha, endireitou a coluna aproximando-se de seu
rosto e o agarrou pelo pescoço.
Só assim, dominando-o, é que ela entrou com tudo.
Ele não se atreveu a gemer, mas não conteve a boca. Suspirou tão bem,
tão gostoso, que Natália queria ser maior só para chegar mais perto daquela
boca e beijá-lo.
Procurando contato, ele se curvou para encontrá-la, a tomou pela boca
num beijo descompassado, perdido na sensação, no tesão que sentia onde não
deveria, e a olhou com o rosto bem perto, tomado de paixão e outros
sentimentos que vinha construindo desde que tocou a campainha daquela
casa pela primeira vez.
Ela não podia beijá-lo muito se quisesse estocar, então ajoelhou-se outra
vez, as pernas emaranhadas entre as dele, e puxou a pele de seu pau toda para
baixo como gostava de fazer, enquanto metia, primeiro devagar depois mais
rápido, e usou a outra mão para brincar consigo.
Leandro abriu os olhos porque não havia nada mais bonito que Natália
com tesão. Enquanto ela estocava e brincava consigo, com os seios
espremidos entre os braços, cabelo para todo lado, as linhas sutis de seu
corpo apareciam e sumiam, num vai-e-vem que ela mantinha também em
ambas as mãos.
Percebeu quando ela estava a um passo de gozar e perdeu o caminho de
casa. Queria-a mais perto, mais junto. Afastou sua mão do próprio pau e a
puxou para o peito, sentindo os dois corpos juntos, ouvindo Natália gemer
baixinho, sempre estocando, sempre em movimento, até...
Ninguém lhe disse que seria tão intenso. Perdeu noção do espaço e do
tempo, só existia um cheiro de Natália, um gosto que não saía da boca e, pela
primeira vez na vida, o orgasmo chegou sem que nada lhe tocasse o sexo.
Natália também convulsionava, o rosto enterrado em seu peito, uma mão
no clitóris, a base do consolo encostada nos grandes lábios e o tesão de saber
que Leandro não só se permitia tentar, como a gostar.
— Espera. — Ele sussurrou quando o clímax dos dois acabaram e
Natália tirava o brinquedo de dentro dele. — Não tira.
— Lindo, se eu deixar, vai machucar.
— Não — Ele reclamou, enfiando a cabeça no travesseiro de novo,
ainda duro, estendendo as pernas na cama sem querer, marcando todos os
músculos da barriga e as mãos tão duras e apertadas no corpo dela que a
machucavam.
Diante daquele espetáculo, ela se ergueu da cama, sorrindo feito
perdição, e empurrou o consolo contra dele de novo, observando a magia de
um homem todo sujo de porra e que gozava de novo.
Leandro expandido, a boca entreaberta, as mãos em concha, de pernas
esticadas, o abdômen travado e fazendo carinha de prazer. Leandro rindo de
si mesmo quando percebeu que não saiu sêmen no seu segundo orgasmo.
Leandro descobrindo o quanto levar na bunda podia ser bom.
O homem mais lindo do mundo, Natália sabia. Em todos os aspectos,
por dentro e por fora.
Foi ela quem disse primeiro e não tinha como ser de outra forma:
— Te amo.
Ele, com os olhos cheios d’água, sorriu envergonhado e finalmente
respondeu o que estava entalado na garganta vai saber há quanto:
— Também te amo, Natália.
Capítulo Trinta e Seis
Trato é trato. Um mês de submissão e ele tinha direito a um encontro.
Por quê? Natália nunca entenderia, mas tinha de cumprir seu lado do acordo.
Estava tão nervosa que parecia garota de colégio. Não tinha roupa
apropriada para sair bonita e em público. As suas roupas se dividiam entre os
trapos para mexer com terra e roupas para mexer com chicotes.
Roupas de encontro? Roupas para pegar um cinema? Nunca tinha
precisado delas! Caio e ela não costumavam sair para lugares assim, ainda
mais depois das economias para o intercâmbio. Os lazeres com seu filho
envolviam comida feita em casa, muitas voltas de bicicleta, um ou outro
filme baixado ilegalmente e muitos eventos gratuitos.
São Paulo virava outra nos fins de semana e eles gostavam disso. Tinha
muita coisa para fazer ao redor da cidade, com pontos para bicicletas ou
facilmente acessíveis de metrô.
E o melhor de tudo: de graça.
Para shoppings, cinemas e restaurantes? Olhando o próprio armário em
busca de alguma coisa para vestir, não sabia sequer como se comportar.
Sabia que Leandro sairia arrumado do banheiro somente pelas coisas
que o viu pegar antes de ir para o banho. Camisa, sapatos e calça jeans.
Fingiu que não viu, pela manhã daquele sábado, quando ele lustrou os
próprios sapatos, nem quando saiu do quarto com um vidro de perfume na
mão.
Colocou uma camiseta por cima da lingerie excessivamente sensual e
bateu no quarto que costumava ser de Caio, mas só Daniel o ocupava.
— Tá certo, eu me rendo. — Ela ignorou que ele estivesse enfiado nos
estudos, com uma caneca de café sobre a escrivaninha e o PDF do livro de
engenharia aberto no computador — Preciso de ajuda.
— Pera aí. — Ele pediu enquanto terminava uma conta, vai saber de quê
— Pronto. O que foi?
— Eu preciso de ajuda para escolher o que vestir.
— Se é para impressionar, melhor não vestir nada.
— Também acho, mas o Léo tá me obrigando a sair com ele.
Daniel, Caio e Bataille sabiam que nunca a tinham tratado com
romantismo. Leandro saberia se juntasse lé com cré, mas ainda não era hora
de sua ficha cair.
— Ele é esperto. — Daniel deu o braço a torcer, sorrindo contente e um
pouco orgulhoso.
— Tá, depois vá lá e chupe o cu dele, agora você precisa me ajudar.
— Eu não vou chupar nada de ninguém!
— Você não tá entendendo, tô a um passo de desistir.
— Ah, mas não tá mesmo. — Levantou-se da cadeira pequena para seu
corpanzil e se rendeu, a acompanhando de volta para seu quarto.
Ela não pensou que, quando começou a procurar roupas de sair, que
tivesse arrancado praticamente tudo de seu armário. Ouvindo Daniel
gargalhar enquanto juntava suas roupas, sentiu as bochechas corarem, mas
sabia que não tinha argumento suficiente para se defender.
— Certo, primeiro a gente dá um jeito no furacão que passou aqui. —
Ele brincou quando tomou conta das roupas ainda nos cabides, voltando
todas para o armário, com cuidado com os tecidos delicados e rendas, e parou
diante de uma calça preta brilhante.
— Essa calça aqui é legal.
— É látex — ela respondeu —, fetichista até umas horas. Não dá para ir
no cinema com uma coisa dessa!
— Se combinar com camisa, até dá.
— Camisa branca, você diz?
— É. Tem?
— Tem uma que eu comprei há muito tempo, mas já deve ter amarelado.
Não tinha amarelado. De fato, não tinha saído nem do plástico.
— Por que você tem uma camisa tão formal no guarda-roupas?
— Era para uma reunião com o pessoal de Holambra. — Ponderando
sobre a camisa guardada como nova, ela conferiu se o tecido não cheirava a
guardado — Queria levar minhas orquídeas para o festival de lá, mas acabou
não dando certo e essa camisa ficou aí.
— Então coloca essa calça e essa camisa. Vamos ver como que fica. —
Tendo dito, virou-se para a porta e lhe deu espaço para que se trocasse. —
Me avisa quando é pra eu virar.
Quando virou-se de frente, Natália parecia vestir roupas muito maiores
que seu número. A calça preta muito brilhante devia ser usada com salto,
então a barra sobrava sob seus calcanhares em quase um palmo.
E a camisa, fechada do primeiro ao último botão, inclusive as mangas,
atingiam as coxas.
— Horrível, né? — Ela comentou, um pouco sem graça.
— Calma, criança.
Resmungando um “tudo eu nessa caralha”, ele abriu os botões de sua
manga, as dobrou até os cotovelos e deixou alguns botões da gola abertos.
— Eita, esse sutiã é legal.
— É, mas… tem que colocar coisa por cima, daí estraga tudo.
— Se você abrir só mais um botão, ele vai saber que o sutiã é legal.
Abriu e se olhou no espelho da penteadeira. Realmente, com mais um
botão aberto, somente quem a olhasse por cima saberia de sua lingerie.
— Melhor colocar essa barra para dentro, né? — Ela sugeriu enquanto
se olhava no espelho.
— É. Assim ficou meio estranho.
Ajeitou a camisa com cuidado, enfiando a sobra para dentro da calça,
mas a deixando folgada o bastante para não marcar demais.
— Olha aí. — Ele sorriu enquanto se ocupava de guardar todas as suas
roupas de volta para o armário — Como que não tem roupa?
— Ruim não está — Ela cedeu. — Só falta a bota e eu tô pronta, é isso?
— Não, né? Faz um rabo de cavalo, bota um perfume, passa uma
maquiagem. Se arruma direito, caralho. Cê sabe como que faz, por que tá
relutando tanto?
— É que eu não quero ir!
— Ele aceitou a sua condição e você aceitou a dele. Direitos iguais, Nat.
Sem frescura e anda logo!
— Então você tá sabendo, não é?
— Para o meu azar, Leandro tá achando que eu sou o padre dele. Não
tem uma porra que ele faça que não venha compartilhar comigo.
— É fofo.
— Para você pode até ser, pra mim não é.
— Ele é muito fofo. — Pelo sorriso idiota e os olhos brilhantes,
qualquer um diria que Natália estava muito apaixonada — Como que pode,
né?
— Tá bom, Cinderela, agiliza aí que ninguém tem o dia todo.
— Você é fofo também. — Ela riu terminando de ajeitar as mangas da
camisa — É um ogro, mas é fofo.
Com a bolsa na mão, botas muito altas e que combinavam com a calça,
maquiada, perfumada e obviamente muito linda, Natália não sorria quando
desceu as escadas porque era teimosa.
— Uau. — Ouvindo o elogio de Leandro ela teve certeza: ele era muito
fofo.
Com um beijinho singelo nos lábios, ele se afastou em direção à porta e
somente aí que pôde reparar nele e a calça que o viu escolher, uma camisa
que ainda não conhecia, os sapatos lustrados e uma coisa que ele nunca tinha
usado antes.
Suspensórios? Quem, no século vinte e um, usa esse troço?
Não que tenha ficado ruim, pelo contrário, Leandro parecia fotografia do
Pinterest. Tudo arrumado em seu devido lugar, o cabelo penteado, a barba
feita. Lindo como sempre, mas não do seu jeito comum.
— Suspensórios? — Ela o provocou — Você tem o quê? Noventa anos?
— Você disse que gostava do harness porque dava para puxar e
empurrar.
— É. E gosto.
— Com isso aqui dá para fazer o mesmo, e em público.
Como um galã intraduzível para as novelas, ele segurou o sorriso safado,
virou-se para a porta e saiu.
Natália, por outro lado, era a versão perfeita da mocinha dos joelhos
moles, o sorriso besta na cara e calcinha molhada.
Capítulo Trinta e Sete
Era um inferno sair de casa com Leandro, e Natália não fazia ideia.
Óbvio que ele era lindo, essa tinha sido a primeira coisa que lhe chamara
atenção. Lindo num tipo muito específico, num balanço perfeito entre a
safadeza e a castidade.
Problema é que todas as outras mulheres do mundo sabiam disso
também.
Cavalheiro, mesmo que ela já tivesse entrado e saído de seu carro outras
vezes, ele abriu a porta do passageiro para ajudá-la a sair e segurou em sua
mão. Sorrindo como um tonto, deu o braço para que ela o segurasse, cheio de
delicadezas, e os conduziu para o outro lado da rua.
— Você já está com fome para jantar? — Ele perguntou antes de abrir a
porta do restaurante e deixá-la seguir na frente.
Natália estava preparada para o homem ingênuo, bonzinho, temente a
Deus. Estava até acostumada com isso, aprendia a respeitá-lo, a amá-lo.
Mas não estava nada preparada para o analista minucioso. Nem para o
planejador. Quanto mais o acompanhava em vez de conduzi-lo, mais percebia
que ele já tinha tudo pensado, etapa por etapa.
Por um lado, sentia-se acuada. Como se estivesse numa armadilha de
onde não tivesse fuga. Por outro, seu lado romântico escondido gostava de
perceber que tudo aquilo era só para ela, tanto o homem quanto o encontro.
Pediram uma mesa para dois e Natália reparou em todas as cabeças
femininas virando-se para olhar quem era aquele Deus Grego de suspensório.
Sentaram-se numa mesa indicada pelo gerente da casa, ele pediu gim
com tônica porque sabia que era sua bebida favorita e uma coca com gelo e
limão para si mesmo porque nunca foi de beber.
Ela, que não gostava nem mesmo um pouco de ver tanta mulher de olho
em seu homem, virou-se para algumas, encarando feio, só para constrangê-
las.
Leandro percebeu, é claro, mas não disse nada. Se ela tinha a
necessidade de marcar território, como se já não o tivesse marcado o
suficiente, que o fizesse.
Receberam os cardápios e só então preocupou-se em perceber o lugar.
Olhou para a própria camisa branca, branquíssima e nunca usada, e previu
que a cantina italiana não era o melhor lugar para estreá-la.
— Você vai me achar muito bicho do mato quando eu sujar essa camisa
de molho?
— Provavelmente também sujarei. — Ele respondeu enquanto lia o
cardápio — Quer apostar quem vai sujar a camisa primeiro?
— Não, né!
— Eles têm babadores.
— Babador eu vou mandar entregar para aquela vaca perto da adega que
não para de olhar para você!
— Curioso. — Ele comentou num tom mais baixo, engolindo um sorriso
brincalhão.
— O que é curioso?
Ele sabia que seria um terreno minado demais e não deveria pisar sem
cuidado, mas arriscou mesmo assim:
— Por que tá com ciúmes?
Natália sequer tinha reparado que era ciúme. Só viu a sem-vergonha de
olho comprido e quis matar. Nos lugares onde ela estava acostumada, uma
Domme nunca olhava para o sub de outra sem permissão. Existe respeito e
ética em sua zona de conforto.
Coisa que, na vida real, não.
Ainda mais num restaurante italiano, no começo de uma noite que
ninguém sabia onde terminaria.
— É tão estranho sair da bolha! — Confessou.
— Isso é bom.
— Amo o esforço que você faz para entender o meu mundo, mas só
agora estou percebendo o quanto você se dedicou, porque olha, que merda
que a vida comum é.
— Aí é que está. — Sábio demais para o Leandro que se envergonhava
por tudo, ele não tirou os olhos da seleção de comidas sequer uma vez.
— O quê?
— Não foi um esforço.
— Ah tá! — Ela riu, um pouco mais relaxada, encostando-se no
espaldar alto de sua cadeira verde — Eu sei que foi, tá?
— Ok, ok. — Ele parou de falar enquanto o garçom chegava com as
bebidas e aproveitou o momento para trocar de lugar.
Preferia muito mais se sentar ao seu lado, na cadeira vaga que ela usava
para apoiar a bolsa, que do outro lado da mesa.
— Fiz um pouco de esforço, sim. — Ele retomou quando o garçom foi
embora.
— Só um pouquinho, né? — Com Leandro mais perto, ela tocou a
bebida sobre o apoio de taça e virou-se para ele, a um palmo de distância,
cada vez menos nervosa.
— Primeira vez que te vejo de preto. — Tão perto assim, ele não olhava
para seu rosto, mas para os botões abertos da camisa.
— Mentira.
— Tô falando do sutiã.
Daniel é um gênio!
— Aqui não é lugar de usar vermelho. — Ela sorriu, bem menos
deslocada do que quando ele se sentava do outro lado da mesa.
— Eu não… — Leandro não terminou de falar porque algo nos olhos
dela mudou completamente.
A audácia, a vontade de beijá-lo, as outras mulheres olhando, o
comentário sobre o sutiã. De repente, lá estava a Natália que sabe de tudo,
tudo vê e não faz questão de esconder coisa alguma.
— Eu vou me arrepender, não vou? — Impossível não se contaminar
com a mudança de seu comportamento.
— Depende. — Sorrindo, ela puxou a alça mais próxima de seu
suspensório, mas não a soltou — Você quer se arrepender, Leo?
— Não começa, por favor. — Pediu baixinho e com medo do que os
outros veriam.
De propósito, ela soltou o elástico de seu suspensório da forma que
fizesse mais barulho.
Barulho, Leandro constatou, e ardência.
— Eu vou no banheiro rapidinho. — Sorrindo ainda, ela puxou a bolsa
que Leandro tinha no colo e piscou brincalhona.
— Não quer escolher a comida, antes?
— Faça surpresa. — Era só uma frase qualquer, mas por que ele tinha
entendido com a cabeça do pau?
Abriu o cardápio sem conseguir ler uma única linha e chamou pelo
garçom. Perguntou as sugestões, os pratos mais pedidos, as combinações.
Qualquer coisa para não passar vergonha em público.
No grupo no WhatsApp dos meninos, que Natália não sabia da
existência, tanto Caio quanto Daniel estavam interessados em como ela
estava.
Deu tempo de responder “tudo certo” antes que ela saísse do banheiro.
Tão linda, tão deslumbrante, que boa parte dos homens também torceram
seus pescoços para olhá-la.
Leandro, por outro lado, não sentiu ciúmes algum porque não reparou
nas outras pessoas. Ela caminhava de volta para a mesa e era como se só
existissem os dois.
O sorriso se abria sozinho, não precisavam falar qualquer coisa.
É, ela pensou enquanto se sentava com a ajuda dele, que se ergueu da
mesa apenas para puxar a cadeira, talvez não fosse tão ruim assim.
— O que você pediu para a gente? — Ela quis saber.
— Te falar que eu nem sei?
— Aqui. — Por baixo da mesa, colocou sobre seu colo um pedaço
mínimo de tecido rendado.
— O que é isso?
— Se eu fosse você, não colocaria em cima da mesa.
Demorou, mas entendeu. Fechou os olhos tentando se comportar,
respirando fundo, e enfiou a calcinha no bolso.
— Nunca diria que você se excita com sacanagem em público. — Ela
cochichou.
— Não te tirei de casa com essa intenção.
— Sei que não — Lasciva, emborcou sua taça e cruzou as pernas o
bastante para que a ponta de sua bota encostasse na panturrilha dele —, mas
já que estamos aqui…
— O seu mês já acabou.
— Já. — Mexendo na perna dele com o sapato, ela apoiou o rosto numa
das mãos e terminou a frase olhando unicamente para sua boca — Então você
não quer mais ser meu sub?
— Não foi isso o que quis dizer. — E, com metade dos neurônios sem
funcionar, ele sorriu de volta, chegando mais perto dela, louco para tirar a
calcinha do bolso apenas para tocá-la, e se lembrou de que ela não usava nada
por baixo da calça apertada.
— Sabe quais são meus planos para você, lindo?
— Provavelmente alguma coisa bem suja.
— Fazer você pagar. — Como se todo o restaurante fosse muito
entediante, colocou a mão livre sobre sua coxa e aproximou os dedos do calor
do meio de suas pernas — Parece justo, você não acha?
— Não.
E antes que ele protestasse mais, ela sorriu, aproximou os lábios de sua
orelha e explodiu numa voz erótica, de cama, e que Leandro conhecia muito
bem:
— Que pena.

✽✽✽

As mesas próximas sentiam a tensão sexual. Inclusive os garçons. As


pessoas ao redor olhavam o casal junto, entre risinhos, cochichos e comida, e
não sabiam o porquê olhavam, apenas não conseguiam parar.
Eram um casal lindo, a japonesa e o loiro, o jeito como ela o tinha na
palma da mão, o cuidado dele, o jeito como ele sorria pequeno e cheio de
segundas intenções.
Entre uma garfada e outra, nenhum dos dois precisou de babador. A
comida era boa, mas ninguém se lembraria dela no dia seguinte. Não deram
nem mesmo um único beijo. Sequer um selinho.
Faltava muito para que ele entrasse no modo agressivo e impaciente,
mas ela sabia que estavam no caminho certo.
Sem conseguir beijo, tentou tocá-la. Estendeu a mão por debaixo da
mesa, do mesmo jeito que ela já havia feito, e procurou sua coxa encapada
em látex. Como um menino abrindo um pote de doce escondido da mãe, ele
começou pelo joelho e foi subindo, devagarzinho, com medo que ela o
recriminasse.
Sentiu a mão dela sobre a sua e parou exatamente onde queria. Estava a
centímetros do meio de suas pernas. Não podia beijar, mas podia colocar a
mão.
— Modos, lindo. — Ela advertiu.
— A gente pode pular o cinema se você quiser — Ele sugeriu.
— Não pode, não.
Divertido, ele riu alto, encantado com a mulher e o melhor encontro de
sua vida.
Quando terminaram de comer, ele não fez a menor cerimônia com a
conta. O garçom não parava de olhar para Natália, para suas bochechas
vermelhas de tesão, para os olhos de loba má e a boca levemente inchada.
Capítulo Trinta e Oito
No shopping sim é que Leandro deu trabalho. Não porque fosse um
garoto travesso que não sabia se comportar, mas porque naquele horário, as
solteiras estavam em peso na praça de alimentação.
Er uma noite quente de sábado, e Leandro era gato. Pior que isso, ele
estava excitado, de bochechas vermelhas, e tinha olhos para uma única
mulher.
Eles subiram a escada rolante que dava acesso ao andar do cinema
ouvindo cochichos e pescoços estalarem de tanto contorcionismo.
Entraram na fila do ingresso, mas nem sabiam que filme queriam ver.
Natália gostava de drama e comédia, mas não gostava muito de ver tiro e
morte. Leandro era o contrário disso. Preferiria mil vezes ver um filme de
guerra do que ter que aguentar choradeira por duas horas.
Decidiram assistir um filme de roubo a bancos. Era quase drama, quase
ação, e provavelmente cumpriria mal qualquer uma das funções. Como não
era lançamento, tinha ingresso disponível mesmo faltando apenas quinze
minutos para o começo da sessão, e deu tempo de comprarem pipoca mesmo
que já estivessem satisfeitos.
— Não dá para sair com você na rua, Léo. É isso. — Ela comentou
quando estavam na fila da entrada das salas. — Não aguento mais ouvir o
quanto você é gato.
— É só me prender no seu quarto. — Cafajeste, ele piscou cheio de
tesão, sorriu malícia, e entregou o tíquete de ambos para a recepcionista do
cinema.
Naquela hora, Natália teve certeza que havia transformado o coroinha
num monstro. Ainda era, mesmo que apenas tecnicamente, um virgem, mas
isso não significava mais nada.
Estava inaugurado o belzebu e Leandro nem sequer havia se dado conta.
Entraram na sala do cinema, já escura em forma de estádio, e Natália o
puxou para o canto mais escondido que encontrou.
Colocaram o copo cheio de refrigerante no apoio e ela finalmente o
beijou.
A provocação no restaurante era para torturá-lo e funcionava, mas não
significava que saísse ilesa. Quando encostou a boca na dele, quase gemeu de
tesão. Sentiu a quentura de seus lábios, a ânsia por beijá-la, o jeito convertido
que Leandro fica quando estava com tesão, e quase se esqueceu de onde
estava.
Segurou a dupla de elásticos nos ombros, beijando-o com força, e
mordeu seu lábio inferior antes de dizer:
— A gente não vai para casa hoje.
— Para onde a gente vai?
Sem responder, ela soltou os suspensórios justos que bateram contra seu
corpo e ele suspirou baixinho, cheio de vontade de sumir dali.
As propagandas e os avisos de segurança começaram e Natália olhou ao
redor só para saber qual o tamanho do delito que cometeria.
Como era sábado, a sala estava bem mais cheia do que gostaria que
estivesse, mas isso não a impediu de abrir o zíper dele sem tocar no botão da
calça e caçá-lo por dentro das cuecas.
— Natália. — Ele protestou.
— Calado.
— Linda… — Ele tentou outra vez, mesmo depois da ordem.
Sem aviso, do mesmo jeito que colocou a mão, a retirou. Sentou-se com
mais garbo e postura, prestando atenção no filme, e desligou-se dele.
Fez exatamente como ele pediu, sabia que seus avisos eram sempre um
pedido de cessar-fogo. Preocupada com a tela gigante à sua frente, não fez
mais movimento algum e, para Leandro, não houve nada pior.
O filme mal tinha começado, mas ele não conseguia prestar atenção.
Não de pau duro e com Natália tão longe. No fundo, ele queria que ela
continuasse, só não tinha coragem o bastante para pedir por mais.
Sem pedir, ele trocou o lugar do refrigerante, afastando-o da divisão
entre as duas poltronas, subiu o apoio para o braço, procurando espaço livre,
e puxou as duas pernas dela para cima do próprio colo. A pipoca o
atrapalhava, então a colocou no banco ao lado. Estava louco para roubar um
beijo, ganhar um apertão por dentro da calça, um puxão de suspensório,
qualquer coisa. Tão louco, que não sabia dizer se o filme já tinha começado
ou quem era o ator principal.
— Eu não gosto quando você me pede para parar quando não quer que
eu pare de verdade. — Ela murmurou cheia de manha disfarçada.
— Desculpa, amor.
Diante de seu silêncio, ele não levou mais de um minuto para que
pedisse:
— Nat…
— O que foi, lindo?
— Volta com a mão para cá.
— Você pode pedir melhor que isso.
— Nat, amor.
— O que foi?
— Eu tô limpo. — Ele disse, carregado de maldade.
— Lá dentro? — Bastou para que ela se desmanchasse.
— É. — Por que ele dizia isso mordendo o lábio, com a voz tão rouca e
gostosa como se já estivesse na cama?
Ela abriu um sorriso grande por dois motivos: um porque ele a conhecia
e sabia o que Natália iria querer depois do encontro; dois porque estava
pronto para o que quer que ela quisesse.
Depois disso, ela não negaria mesmo se fosse feita de gelo. Deus
abençoe os garotos que não falam palavrão e não bebem porque, quando eles
saem do casulo, o estrago é sempre duas vezes pior.
Como se não se importasse, ela esticou a mão e alcançou o zíper aberto.
Sequer o olhava e Leandro ficou louco com a impessoalidade.
Tudo, na verdade, adicionava na loucura. Era o campo aberto, o medo
de ser pego, a graça que só Natália era capaz, o tesão que ela sentia, mas que
não deixava aparecer. A mão subindo e descendo com movimentos mínimos,
mas com um aperto muito maldoso.
Quem diria que Leandro teria tesão em público? Nem Natália havia
previsto.
Pior é que ela também tinha, mas isso não era novidade.
Entre as brincadeiras pelo zíper aberto, os beijos roubados e os sussurros
molhados, não conseguiram aguentar chegar nem na metade do filme.
Leandro puxou o zíper, muito impaciente, se levantou da cadeira de
cinema, e a puxou dali sem olhar para trás.
Pegaram um atalho pelo elevador só para não terem que dar a volta no
shopping inteiro. Pareciam um casal adolescente em fuga, entupidos de
hormônios, doidos para cometerem alguma atrocidade.
Atingiram o estacionamento e só então que Leandro se deu conta:
— Merda.
— Você esqueceu de pagar o tíquete, né?
— Por que não me lembrou?
— Eu tô sendo arrastada!
Deixou Natália sozinha no carro e prometeu que seria rápido. Chegou no
guichê do estacionamento, brigou com a moça que não queria aceitar seu
cartão de débito mesmo com a maquininha em cima do balcão, ameaçou sair
sem pagar, e voltou com o tíquete quitado.
Natália estava do lado de fora do carro. Sem camisa, fez Leandro
congelar no lugar. De cabelo solto e batom fresco, ela esperava por ele do
jeito que as moças das feiras de automóveis ficam quando precisam
apresentar um carro novo.
O sutiã preto não era apenas um sutiã. Era sensual e indecente de um
jeito lindo. Não tinha qualquer censura para os bicos dos seios, pelo
contrário, o tecido era tão fino que, se visto de certa distância, era como se
não estivesse ali.
Ao mesmo tempo, a alça era escura, assim como as costuras, e descia até
as costelas numa renda fina, delicada e muito bonita.
Serviria de blusa se não fosse a transparência. Num estacionamento
lotado de shopping, ela parada ali como monumento, as pessoas passavam e
não conseguiam seguir caminho.
Alguns mais atarefados não viram. Os que viram giravam o pescoço
para ver duas vezes.
Pior que Natália sabia que era linda. Sabia que era gostosa, que ficava
linda com a roupa certa, ou sem ela, e tinha o agravante de ser sensual como
um demônio.
Sensual de congelar Leandro. Sensual de causar no estacionamento.
Sensual de olhar Leandro, vê-lo duro só com a vista, e não sair do salto
mesmo assim.
Tão quente e gostosa, que Leandro achou melhor seguir viagem. Sabia
para onde iriam de todo jeito e, mais cedo ou mais tarde, alguma senhora
pouco amistosa chamaria um segurança para conter a pouca-vergonha.
Mas, antes de seguirem o rumo, a atacou num beijo forte, louco para
transar, e bastante indecente. Só então abriu a porta do carro para ela, tomou
o volante e deu a partida.
Só saiu dirigindo. Só queria saber de apanhar e sofrer e ser torturado e
gozar de algum jeito bastante esquisito que ainda não fazia ideia de como
seria porque Natália era criativa demais para seu próprio bem.
— Amei saber do seu tesão em público. — Ela puxou conversa em
qualquer parte do caminho.
— Só o meu, né?
— É. — Ela colocou a mão na perna dele com cuidado para não
atrapalhar no movimento das marchas e a deixou ali.
Natália cumprimentou o segurança, deixou todos os pertences na
chapelaria e mandou Leandro buscar duas águas no bar.
Enquanto isso, ela foi em busca de um Bataille sentado sozinho em seu
trono de costume.
— Você ainda vai ser a ruína desse homem. — Ele deu um gole em seu
uísque e escondeu o sorriso.
— Ótimo — ela brincou — , porque ele também vai ser a minha.
Leandro entregou a água para sua mulher e, com boa-vontade, Bataille
se levantou e cumprimentou o novato com alguma camaradagem. Se Leandro
era robusto, alto e grande, ele conseguia ser maior. Natália, ao ver ambos, um
do lado do outro, cruzou as pernas para disfarçar seus pensamentos.
— Curti o suspensório. — Bataille comentou.
— Tá vendo como ele leva jeito? — Ela sorriu largo para os dois, ainda
com pensamentos demais na cabeça, e abriu a garrafa d’água.
— Não vai de gim hoje?
— Não, já tomei uma taça.
— Foi há bastante tempo. — Leandro rebateu — Você não vai ficar
bêbada se ir devagar.
— Mas ele não é um fofo?
— Mulher apaixonada é um porre. — Rindo um pouco, Bataille se
movimentou impaciente porque sabia dos planos da amiga muito antes
daquele um mês terminar.
Capítulo Trinta e Nove
Para aquela vez, ela preferiu explicar tudo antes de fazê-lo. Gostava da
ideia de tê-lo em público, mas não queria humilhá-lo. Queria ele sentisse o
mesmo que ela quando outras pessoas a assistia.
Queria que Leandro experimentasse tudo e, apaixonada como estava,
também não queria ele fosse embora.
— Você se lembra qual a sua palavra mágica, certo?
Se era um espetáculo que queria dar, não o faria no pátio, nos fundos,
mas no meio do salão onde, do teto, duas correntes grossas chumbadas
pendiam livres.
— Não quero precisar dela, Natália.
De fato, todo mundo estava louco para ver. Corria por aí que ela tinha
conseguido converter um virgem e, mais que isso, o coroinha dava um baile
em muito submisso experiente.
Os que não acreditavam na fofoca estavam encantados com o casal
bonito que eram. Lady Nïn não era a Domme mais famosa porque não
trabalhava com aquilo, mas era, de longe, a mais misteriosa. Ninguém sabia
quais seus critérios para escolher um sub, nem quando os escolheria. Poderia
passar três dias bebendo seu gim e não escolher ninguém para brincar, assim
como poderia pisar no Stage e escolher logo dois.
Tão imprevisível que as pessoas cochichavam entre si que ela tinha dó
de bater. E que ela só era tão respeitada porque havia sido treinada pelo
próprio Bataille.
De todo jeito, ela estava ali, com aquele loiro trincado de academia com
carinha de bom-moço e que gritava “homem de bem” por todos os seus
poros.
Leandro olhou para os espectadores que ora o olhavam deliberadamente,
ora disfarçavam a curiosidade e uma terceira parcela do público não estava
muito interessada.
— Você vai tomar conta de mim, não é? — Ele preferiu perguntar antes
de ceder.
— Sempre.
— Certo.
Desafivelou o suspensório, respirando nervoso, um pouco retraído. De
cabeça baixa para não se espantar, engoliu em seco e começou, botão por
botão, a tirar a própria camisa.
— Tão lindo que chega a ser um pecado te ter só para mim. — Ela
sussurrou em seu ouvido, encantada com seu jeito envergonhado. — Ponha
as mãos para cima, lindo.
Com frio e certo de que lá fora estava quente. Suando de nervoso, ele
fez conforme pedido e estufou o peito, caçando ar.
Natália subiu num banquinho para prender seus braços nas correntes do
teto. Com a barriga na altura de seu rosto, ele lhe deu uma mordida, parte
brincalhão, parte vingativo.
Depois, ela prendeu o outro braço.
Preso, Leandro tentou baixar os braços e percebeu que as cordas não
ofereceram muita resistência, entendendo que, se se esforçasse, poderia se
livrar dali.
— Você vai poder se mexer, mas só quando eu mandar. — Com isso,
ela apontou para uma outra mulher, preta e de cabelos vermelhos tingidos,
completamente nua se não fosse o harness que adornava o delineado sensual
de seu corpo. — Você conhece a Mari, né?
— Oi, loirinho.
Feita para o pecado da cabeça aos pés. Tão imersa no submundo dos
fetiches que já havia sido eleita, mais de uma vez, a melhor sub de todo
Stage.
Sub essa que gostava de brincar em grupo. Que tinha predileção por
homens, mas gostava de mulheres desde que não fossem delicadas.
— Mari, você pode me ajudar hoje?
— Você sabe que para você é sempre sim, Lady.
Leandro quase infartou sem saber sua própria causa mortis quando a
garota nova deu um beijo em sua Natália. Primeiro ele se sentiu traído, era
outra pessoa encostando no que ele considerava seu, mas seu corpo
respondeu diferente.
Ele amou ver duas garotas se beijando. Era muito mais bonito que um
homem e uma mulher. Mari enfiou a mão por dentro da calça apertada de
Natália, na frente dele, e Natália fez o mesmo com ela.
Nunca havia sido garoto de ver pornô. De onde ele vinha, masturbação
era errado, mas ouvia outros garotos falando de suas experiências, colegas da
escola e da faculdade, e sempre tinha imaginado como seriam duas mulheres
juntas.
Nada na sua imaginação contemplava a beleza do ao vivo. Marissa era
bem mais delicada que sua Natália, mexia devagar dentro da calça da outra,
soltando gemidinhos contra a boca dela, mas Natália era o contrário.
Masturbava a mulher e puxava seu cabelo com a outra mão.
— Tire os sapatos — Natália deu ordens para Leandro sem se descuidar
de Mari.
Ele demorou para entender que a ordem era para si. Não conseguia parar
de olhar o quanto Natália ficava linda quando tinha outra pessoa debaixo de
seu comando.
Sacou os sapatos de ambos os pés, mas não conseguiu se livrar das
meias. A garota nova ajoelhou-se na frente dele depois de um cochicho de
Natália, e o olhou com malícia.
As meias saíram e ela se adiantou para a braguilha de sua calça. Leandro
olhou para sua Domme só para ter certeza se era realmente isso o que ela
queria, e fechou os olhos quando sentiu sua jeans escorregando pelos
tornozelos.
— Tão lindo. — Mari beijou seus joelhos, as coxas, a parte interna
delas, mas não se atreveu a beijá-lo por cima das cuecas.
Leandro não viu, mas Natália pegou o cinto dele do chão. Enquanto a
outra o beijava, ela chegou, cheia de charme, e afivelou o cinto em seu
pescoço
— Linda — ele pediu —, não faz isso, não.
— Por que não?
— Por…
Antes que conseguisse se explicar, ela deu um puxão no cinto,
arrastando seu pescoço para baixo, exibindo sua bunda. Leandro se dobrou
sobre a garota de cabelos vermelhos, um pouco assustado, sentindo o pescoço
preso para baixo e as mãos presas para cima.
De joelhos esticados e numa posição desconfortável, ele sentiu suas
cuecas abandonarem seu quadril. Sabia que era Natália e se envergonhou de
ficar tão pelado e tão exposto na frente de tanta gente.
— Ele não é lindo? — Natália perguntou para a outra moça.
— Lady, eu posso chupar ele?
— Não. — Leandro respondeu primeiro.
Perversa, Natália baixou na altura de seu rosto, atrás da garota, sorrindo
feito um capeta, e fez carinho em seu rosto:
— A garganta dela é diferente da minha?
— Não é isso.
Com um toque permissivo, Natália empurrou a cabeça de Mari para a
ereção de Leandro enquanto o olhava nos olhos.
Ele já estava duro. Tão duro que a garota teve alguma dificuldade para
abocanhá-lo de uma única vez. Sentindo o pau engolido, ele fechou os olhos
automaticamente, sem conseguir se conter, sem conseguir evitar a onda de
tesão crescer.
— Olha para mim, lindo. — Natália sorriu.
— Nat…
— Isso parece traição para você, não é? — Ela sussurrou enquanto a
garota ia e vinha no comprimento dele.
— Parece. — Ele gemeu envergonhado e vulnerável.
— E por acaso não estou aqui contigo?
— Está.
— E não fui eu quem mandou ela fazer isso em você?
Sem conseguir responder, hipnotizado pela voz carinhosa e o vai e vem
da outra, ele balançou a cabeça respondendo que sim.
— Me diz se está gostando.
Ele não admitiria. Não era a boca da sua Natália, era uma desconhecida.
Ele não devia gostar, sequer devia ficar de pau duro.
Por não ter respondido o que sua Domme havia perguntado, levou um
tapa no rosto.
Leandro investiu contra a boca por instinto ao sentir o rosto arder. Pediu
desculpas para a moça logo abaixo e ela soltou uma risadinha travessa
enquanto acelerava o movimento.
— Leandro. — Natália deu um aviso, mas ele não respondeu.
Tomou outro tapa por isso, mais ardido, mais violento.
— Está com medo de me magoar se disser que Marissa chupa bem?
— Eu não tô gostando.
— Não? — Natália o segurou pelo queixo, forçando-o a olhá-la de baixo
para cima — E por que tá de pau duro?
Envergonhado, cheio de conflitos, ele não conseguiu olhar para sua
Natália quando respondeu relutante:
— Eu não consigo evitar.
Bataille, sentado do outro lado da sala, tinha posse da bolsa da amiga.
Natália, que sabia o que tinha ali dentro, caminhou rebolando enquanto
atravessava o salão, ouvindo Leandro protestar por ser deixado sozinho, e
pegou uma palmatória.
— Eu vou ter que perguntar de novo? — Ela o ameaçou assim que
voltou para perto dele.
— Era para ser só você e eu. — Ele reclamou.
Como resposta, Natália deu a volta no corpo dele, de frente para a bunda
exposta, e deu uma palmada forte que o fez soltar o ar e fechar os olhos.
A moça que o chupava como se só precisasse de pau para viver, subiu as
mãos por suas pernas, enquanto a dor ainda reverberava, e pinçou seus
mamilos com força.
— Não gosto quando você retruca — Curvando-se sobre ele, Natália
apoiou o dorso sobre suas costas e o mordeu — Nada me excita mais em
saber que você quer tanto como eu.
— Eu quero, amor, só não assim.
Resposta errada.
Levou outra palmada, na outra nádega, e Leandro soltou um palavrão
baixinho, praguejando enquanto a dor se espalhava.
A terceira palmada foi na parte interna das coxas. Era um canto muito
sensível, muito delicado, e por pouco não tinha acertado suas bolas.
— Se eu disser que gosto, você faz ela parar? — Para ele, o tapa era o
menor dos problemas.
— Não quer que ela te chupe?
— Não quero te trair assim.
Não deu para dizer mais nada quando a quarta palmada acertou ambas
as nádegas a parte de suas costas. Tão violenta e forte que Leandro cerrou os
dentes.
— Chupa ele com mais gosto, Mari.
Um turbilhão de tesão contrariado fez Leandro soltar cabeça, tentando se
desligar da situação, tentando se lembrar que aquela boca não deveria lhe dar
coisa alguma.
— Você é realmente o homem mais lindo que eu já vi. — Natália se
aproximou do rosto dele outra vez e segurou o lóbulo de sua orelha entre os
dentes — Tô molhada só de te ver assim.
Leandro pensou que fosse só punição, ou teste, ou qualquer coisa que a
mente maquiavélica de Natália quisesse. Nunca imaginou que ela sentisse
prazer com outra mulher com a boca ali.
— Muito molhada, Lê.
Isso fez alguma coisa em Leandro sossegar. Se ela curtia, então estava
tudo bem. Tão relaxado, que não previu a quinta palmada.
O acúmulo dos golpes atiçava seus nervos, deixavam a pele muito
sensível. Não teve respiração controlada ou tesão que o impedisse de sentir
tanta dor e, sem conseguir segurar, ele xingou mais alto.
Por trás dele, Natália apontou para Bataille pedindo sua bolsa. Leandro,
ao ver aquele homem se aproximar, estava pronto para desistir de tudo.
Sorte é que Natália só queria a bolsa. Respirou mais calmo, ainda
sentindo dor e tesão quando o viu se afastar e não se preocupou em olhar o
que ela tinha pegado dentro da bolsa.
Sentiu alguma coisa gelada escorrer entre os vãos de suas nádegas, mas
estava entretido demais com a moça que o chupava. Com os olhos fechados,
tentando se controlar para não gozar, tomou um susto quando Natália o
puxou pelo cabelo para trás, com força, e enfiou um dedo em sua bunda.
Por essa sensação ele esperava, mas não tão intensa. Com outra mulher
em seu pau e a sua na bunda, ele forçou todos os músculos dos braços,
estendido, forçando as cordas e apertando os dedinhos dos pés.
Gemeu de um jeito diferente, que ele próprio nunca tinha ouvido, de um
jeito muito masculino, mas bem mais alto que o normal.
— Quem diria que o coroinha ia gostar de levar por trás. — Natália riu
brincalhona, beijando toda a coluna de seu homem, enfiando outro dedo para
alargá-lo.
Baixou na bolsa e pegou um elástico. Deu duas voltas ao redor do saco
dele e puxou, só para fazer barulho. Depois, pegou um cinto na bolsa, se
vestiu, e acoplou um pau de borracha, vermelho e que já o conhecia por
dentro.
— Vai doer — Ela alertou enquanto se ajeitava para a entrada dele —
Confia em mim?
— Faz ser boa — Ele se virou para trás, com um sorriso safado no rosto,
as mãos presas nas cordas, os músculos das costas marcados, todo vermelho e
quente de tesão.
Leandro não parou de olhar para ela conforme Natália entrava. Sabia o
quanto ela gostava de vê-lo. Com o rosto em chamas, os olhos que se
fechavam contra sua vontade, ele gemeu sem conseguir se controlar.
— Linda — ele pediu —, linda…
— Calado. — Ela sorriu se sentindo escorrer, e o agarrou pela parte
mais delgada de sua cintura.
Se não fossem as cordas, Leandro teria caído. Enquanto ela investia
contra ele, cheia de tesão e vontade, sentindo seu homem se rendendo por
completo, a outra mulher o chupava enquanto se masturbava.
— Por favor — ele pediu sem voz, baixando a cabeça, olhando para a
mulher de joelhos e se virando para olhar a sua — Nat…
— Não. — Ela respondeu sem carinho algum na voz.
— Nat…
— Pede.
— Nat.
Natália fez um gesto para a moça que o chupava e ela parou.
Então, chamou Bataille para perto que, arrastando uma cadeira consigo,
sentou-se como o Dom que era, dono de tudo aquilo, e esperou.
A moça nua não demorou nem dez segundos para pular no colo dele,
abrir sua braguilha e se sentar, de costas para Leandro, sobre Bataille.
O vai e vem do outro casal ditava o compasso sobre Leandro. Ele, que
não conseguia se controlar, não conseguia parar de olhar a moça muito
molhada subir e descer sobre Bataille, sentiu quando Natália o pegou na mão,
de punho fechado, e começou a masturbá-lo.
— Me fode — Ele pediu, mordendo a boca, sem coragem de gemer,
envergonhado de estar tão perto de outro homem, louco para gozar e fechar
os olhos e esquecer que tinha mais gente ao seu redor.
— Não ouvi, lindo.
Ele sorriu, trapaceado. Olhou para trás, enquanto ela o mantinha firme
na mão, e sorriu mais cafajeste:
— Me fode, linda. Me come.
Natália o segurou pelo cabelo com as duas mãos, largou seu pau que
permanecia ereto sozinho e meteu, com tanta força e cadência, que suas
panturrilhas ardiam.
— Me deixa gozar, caralho.
— Não. — E um tapa ardido na bunda. — Olha para eles, Léo. Olha
para eles e pense no quanto estou sofrendo por não poder sentar em você.
Ele não sabia mais o que era pior. Se era a investida contra sua zona
erógena mais secreta, se eram suas palavras, se o estímulo visual ou o fato de
estarem em público.
— Faz o que quiser comigo, porra, só me deixa…
E ainda tinha o elástico que prendia suas bolas. E as cordas que cada vez
mais adentravam sua pele. E o ardor dos tapas com a palmatória. E os puxões
de cabelo.
Natália o segurou pelas costelas, mordendo suas costas, investindo
contra ele numa cadência rígida, forte e rápida, o látex da calça batendo
contra suas nádegas, o cinto que raspava contra a virilha toda vez que investia
contra ele.
— Abre mais as pernas para mim. — Ela pediu, beijando sua espinha
dorsal, louca de tesão, terrivelmente excitada e molhada.
Leandro se abriu mais, baixou a cabeça para não ver mais o outro casal,
mas a mulher sentada em Bataille gemia muito, muito perto de gozar, e o
rebolado dela era lindo.
— Olha para eles, Léo — Ela mandou — Isso não é nem um décimo do
que eu vou fazer em você.
— Não dá mais, não dá mais, não dá…
Ele se segurou nas cordas como se pudesse se salvar com elas. Seus
joelhos estendidos tentavam flexionar mesmo sem sua vontade.
Escorreu suor da nuca para suas costas e Natália o lambeu gemendo.
Fez carinho em seus cabelos muito maltratados, desceu para seu
pescoço, para a nuca, deslizou por sua espinha dorsal. O segurou pelas coxas,
bem perto das bolas e enterrou fundo.
Leandro nunca tinha gemido tão bonito. Tão sofrido. Com os olhos
fechados, a boca entreaberta, os joelhos que lutavam contra todo o resto do
corpo.
— Agora. — Ela disse num sussurro sensual sem conseguir parar de
sorrir.
Boa parte do público parou para olhar Leandro gozando. O homem era
um espetáculo, e graças a Deus que tinha nascido fetichista. Com um pau
enterrado no rabo, as bolas presas, com uma Mistress má como a que tinha,
Leandro gozava tanto para o chão de madeira escura, gemendo sem conseguir
parar, que ela o segurou pelos ombros quando seu corpo começou a ceder.
Não houve, naquele dia, cena mais linda que aquela.
E, quando ele finalmente parou de tremer, seus joelhos se renderam, mas
as cordas impediram que batessem no chão. Suspenso por menos que um
palmo, os braços presos, a cabeça pendurada sobre os ombros.
Seus ouvidos zuniam e ele estava tão tonto que não conseguia se
levantar. Natália, com medo de que as cordas cortassem sua circulação,
correu para libertá-lo e, solto, caiu de joelhos.
— Tudo bem aí? — Ela sorriu puxando seu homem para o próprio colo,
deitando-o o no chão.
— Caralho. Caralho, Natália. Ca-ralho.
Capítulo Quarenta
Natália o ajudou a se levantar do chão depois de vários minutos em que
permaneceu deitado e tonto. Em pé, evitou os olhares divertidos, os
cochichos, e se envergonhou de tudo. Bataille ainda comia a mulher de
cabelos vermelhos e a brincadeira entre eles iria longe.
— Vem, lindo. — Natália o chamou para desligá-lo do resto do mundo
— Vem que eu vou cuidar de você agora.
Suas pernas doíam como nenhum treino de pernas havia sido capaz.
Seus braços não respondiam a seu comando e Natália, com as roupas dele na
mão, o conduziu escadas acima, um degrau por vez, até o quarto onde
Leandro costumava morar.
— Achei que a gente fosse para casa.
— Você tá cansado demais para dirigir. — Ela respondeu, colocando as
roupas reviradas sobre o recamier na frente da cama e o acomodou sentado
— Eu vou preparar seu banho. Tudo bem ficar sentado aqui um pouquinho?
O jeito como ela falava pareceu preocupado. Leandro tentou dizer que
poderia cuidar do próprio banho, mas não houve tempo. Antes que ele
começasse a frase, mesmo quase sem voz e a garganta muito seca, ela partiu.
Chamou Leandro para o banheiro quando a banheira estava cheia. O
ajudou a se sentar dentro dela e sorriu calma pelo jeito como ele se sentia
deslocado.
Puxou um sabonete, pretendendo dar banho nele e relaxá-lo, mas foi
impedida quando ele entendeu o que estava prestes a acontecer.
— Vai me dar banho?
— É. — Ela sorriu pacífica — Posso?
— Prefiro que entre aqui comigo.
Ela não queria entrar porque ainda estava com tesão. Ele já estava
satisfeito, mas ela ainda se sentia num turbilhão ingrato e bem longe da
delicadeza que o momento pedia.
Refletiu por alguns segundos, mas acabou cedendo. Tirou a roupa,
ajeitou os cabelos num coque e entrou, sem cerimônia alguma, ajeitando-o
nos braços num carinho íntimo.
— Obrigada. — Ela puxou assunto enquanto a água quente acalmava
seus ânimos.
— Pelo quê?
— Por aceitar tudo isso. Eu sei que é loucura, que está bem fora do que
você está acostumado, então… — Com um beijinho singelo, ela sorriu maior
— Obrigada.
— Você me põe em situações que nunca imaginei — Parecia uma
reclamação e era — Nunca em toda a minha vida pensei passar o que passei
hoje.
— Vou entender se não quiser fazer mais.
— É muito estranho, Nat, muito.
— Eu sei.
— Mas é bom. — Com carinho, ele se aconchegou nos braços dela,
olhou para cima procurando seu rosto e sorriu — Eu gosto.
— Faço as coisas por impulso e depois fico com medo de ter feito
merda. — Com a mão molhada, ela afastou seus cabelos curtos da testa
tentando dar ordens neles, e o beijou onde conseguiu alcançar — Sinto que
alguma hora você vai me chamar de louca e ir embora.
— Podia ter feito cem vezes pior.
— Não exagera!
— Para bem e para mal, eu tô contigo, e se você tem mais loucuras de
onde essa saiu, manda ver.
— Assim eu me apaixono. — Ela riu, como se já não estivesse
apaixonada o bastante.
— Posso te perguntar uma coisa? — Com medo de que ela recusasse,
ele perguntou antes de saber sua resposta — Como… como você começou
nessa vida?
Ela se lembrava daqueles dias com um gosto doce e amargo, ambos
dançando nas memórias. Poderia ter contado que, quando tinha entrando no
bar, desavisada de que sua vida mudaria completamente, havia sido numa
despedida de solteira.
Mas não era isso o que Leandro perguntava, então cortou a introdução,
como conheceu Bataille e só disse:
— Foi a primeira vez na vida que não me senti uma completa derrota —
As lembranças de Caio pequeno, seus pais apavorados que ela voltasse a se
drogar, suas orquídeas que atulhavam seu pequeno quarto, as reuniões dos
Narcóticos Anônimos — Foi a primeira vez também, em muito tempo, que
me senti bem sendo quem era.
— Aqui? — Essa era difícil de acreditar — Nesse bar?
— Aprender a ser Domme, aqui nesse bar e com o Bataille, me deu
autoconfiança e autonomia, as duas coisas que uma garota recém-mãe, como
eu, não tinha. Construiu minha autoestima, me ensinou meus gostos, me deu
força para defender meus interesses também fora daqui.
— Pensei que só tivesse a ver…
— Com sexo, né? Sexo e o restante da vida não andam separados. — E,
tentando fazê-lo entender, trouxe o exemplo dele — Olhe só para você, Leo,
o tanto que você evoluiu e cresceu só por causa de uns tapinhas.
— Minha família inteira discordaria de você.
— Depende de qual família estamos falando. — Ela rebateu — A de
sangue? É, talvez. As pessoas com quem você escolhe passar a vida? Bem,
estamos todos muito felizes por você.
— É bom saber que pelo menos alguém não está desapontado comigo.
— Ai, Leo, não fala assim! — Ela riu, carinhosa e cheia de afago —
Olha o quanto você cresceu! Te expuseram no grupo da igreja e você não
ligou porque sabe que o errado não é você. Você entrou na casa da sua ex-
noiva, bateu no ex-sogro, a resgatou de uma situação extremamente violenta
e ainda… Ai, Leo, você não vê? Você ainda é o mesmo, sabe? O mesmo cara
que ama Deus, que respeita as pessoas, que sabe o errado e o certo. Só que
agora você sabe que o certo de Deus não é o mesmo certo dos seus pais. Isso
não é evolução, não?
— Tudo isso ainda é muito confuso.
— É, demora para as coisas fazerem sentido.
— Com você também foi assim?
— Algumas coisas só estão fazendo sentido agora.
— É? — Querendo saber mais sobre isso, ele se sentou na banheira,
quase escorregando no sabão pela fraqueza dos braços puídos, e a encarou de
frente — Como o quê?
— Todo esse tempo eu achei que só eu tinha coisas para ensinar, mas
não é verdade. — Talvez ainda fosse muito recente para que ela falasse sem
se envergonhar, mas disse mesmo assim — Você me ensina que amor de
verdade não dói.
Naquela hora, as palavras de Natália o atingiram em cheio. Leandro
arregalou os olhos, impressionado com a facilidade com que as palavras
haviam saído de sua boca, e sorriu sentindo os olhos se encherem de
lágrimas.
— O primeiro e último homem que amei na vida arrancou tudo o que eu
tinha. — Sentindo a emoção toldar seus olhos, ela desviou o olhar para não
chorar também — Me deixou tão sem chão, que levei anos para me
recuperar. Caio tem quinze anos, já, não é mais um bebê, e por todo esse
tempo eu não quis me misturar com homem algum porque eu sabia o que
quanto amar de novo poderia me destruir.
— Não parei para pensar nisso, mas… — Com carinho, mesmo sem
forças, ele a puxou para o peito, invertendo a situação, querendo que ela
estivesse tão perto, mas tão perto, que nunca mais sairia de seus braços.
— E você, Leo, nunca me pediu coisa alguma. Você viu o que eu não vi,
aceitou quem eu era, entrou no meu mundo e nunca me cobrou absolutamente
nada por isso.
— Exceto um jantar e cinema. — Ele riu baixinho, enfiando o nariz em
seus cabelos, enchendo sua cabeça de beijinhos.
— É, tem isso, e você foi o primeiro a querer me levar para sair, sabia?
— Não fui apenas o primeiro com quem você quis?
— Não, não. — Ela o corrigiu — O pai do Caio nunca saiu comigo em
público. Meus subs queriam apenas uma coisa de mim, e elas se reservavam
ao quarto e ao bar. Você me tratou como alguém que merece alguma coisa, e
só agora percebi o quanto isso faz diferença.
— Você sabe o quanto merece, Nat.
— Saber eu sei, mas ninguém nunca me disse. Sei porque sou teimosa,
porque construí autoconfiança ao longo do caminho e não porque alguém me
tratou como se eu merecesse.
— Jesus Cristo — Ele exclamou com a voz toda embargada —
Soubesse o quanto te amo, Nat!
— Fiquei melosa demais, né? — Ela riu de vergonha por si mesma —
Aftercare é para cuidar da sua vulnerabilidade, não da minha!
— Não se engane — Ele só disse para que ela não se sentisse mal, mas,
no fundo, adorava ver esse lado dela, também — Eu tô parecendo carne
moída.
— O que dói, Leo?
— Tudo dói. — Ele deu uma risadinha cheia de humor — Mais fácil
perguntar o que não dói.
— Vamos lavar você e te preparar para dormir, tá bom?
Capítulo Quarenta e Um
Natália ria tanto que já tinha se esquecido do tesão. A principal
qualidade de Leandro não era ser engraçado, mas ele tinha um jeito tão
simples e inocente, que ela não conseguia se conter.
Ele saiu da banheira primeiro, sabão e água escorrendo de seu corpo
perfeito. Olhando-o sair, ela apoiou os braços na borda da louça apenas para
admirá-lo.
Seus braços ainda estavam muito vermelhos pelas amarrações. Sua
bunda ainda estava muito vermelha pelas palmadas e ela não sabia dizer o
que estava mais bonito: o corpo molhado ou o vermelho em sua pele.
Olhando-o tanto, ela não se preocupou com o que ele fazia e não o viu
pegar um roupão com “S” de Stage para cobri-la quando saísse da banheira.
— Vem, amor — Ele estendeu a mão e a cobriu com o roupão logo em
seguida.
— Eu que devia cuidar de você.
— Você está cuidando.
— Pois parece que é o contrário.
— Dá para fazer os dois ao mesmo tempo.
— Deita lá, lindo. — Ela apontou para a cama e revirou as gavetas das
mesinhas de cabeceira — Vou passar pomada nos seus braços e na sua
bunda.
— Se as marcas sumirem, como eu vou contar para todos os meus
amigos o que você fez comigo? — Rindo, ele se deitou na cama ainda um
pouco molhado e se virou de bruços.
— Você ainda pode contar que eu te comi.
— Essa parte eu não pretendia dizer.
— Por que? Se arrepende?
— Não, pelo contrário.
“Pelo contrário” ele tinha dito, e Natália guardou bem essas palavras
enquanto subia na cama, um joelho de cada lado de seu quadril.
— Só não quer virar chacota, né? — Espalhando pomada em ambas as
nádegas, ela entendia o que ele queria dizer.
— Não é como se eu tivesse muitos amigos, também.
— Além do Dani, você não tem mais ninguém?
— Nunca fui de ter muitos, mas depois que terminei com a Lígia, a
maioria sumiu.
— Você não me contou isso.
— Ninguém me ligou nem quis saber de mim desde que terminei com
ela, então… Além do Dani, acho que não tenho outros amigos.
— Então nisso a gente pode dar a mão. Além de você, do Dani e do
Bataille, eu não tenho ninguém.
— Nenhuma amiga mulher?
— Conhecidas sim, tem as clientes, as minhas funcionárias, outras mães
dos amigos do Caio, mas próximo mesmo, ninguém.
Com um pouco de pomada em ambas as mãos, ela começou uma
massagem firme pelos ombros, até os punhos. Concentrada, massageava os
dois braços ao mesmo tempo e não reparou que ele ficou sem fala.
Quando terminou, pediu que ele se virasse de frente.
Leandro, ao se virar, olhava para ela e não tinha nem mais ar. Deu-se
conta de que ela estava por cima, o corpo nu sobre ele também nu. Quis que
ela desfizesse o coque, deixasse que os cabelos caíssem pelas costas e pelos
ombros, e que tirasse o roupão atoalhado que se abria conforme seus
movimentos.
É claro, ele aprendeu a amar todas as putarias indecentes que sua cabeça
doente era capaz de criar, mas nada, absolutamente nada, falou tanto com ele
quanto uma Natália desarmada, com as mãos cheias de pomadas e sentada
sobre ele.
O sorriso crescia naturalmente. Deu-se conta de que amava estar sozinho
com ela, que há muito não se sentia tão bem, tão livre, tão feliz. Não tinha
nem casa para morar, só um carro com as prestações em dia e um mestrado
levado nas coxas, mas nunca se sentira tão bem, tão aceito e tão querido
como quando com ela.
— Natália.
— Tô apertando muito forte?
— Natália — Ele repetiu seu nome como quem diz uma prece.
O jeito como ele falou a fez parar de massagear seus braços. Mais
atenta, afastou os fiapos de cabelo que caíam da testa com as costas da mão e
as limpou no roupão.
— O que foi, lindo? — Ela quis saber.
— Faz amor comigo.
Desprevenida, parou e analisou o cenário. Leandro a media com tanto
amor nos olhos e calor nas bochechas, que não conseguiu reagir.
Olhou para os lados, procurou o que dizer, alguma desculpa para não
ceder, mas desistiu. No fundo ela também queria. Não tinha gozado lá
embaixo e estava bem longe de satisfeita.
— Faz comigo, linda. — Ele repetiu.
Delicadamente e sem fala, ela deslizou o roupão pelos ombros. Sem
sorrir, um pouco nervosa, desfez o nó do cabelo também. Rebolou para frente
e para trás, apenas um pouco, só para ter certeza que ainda estava melada,
mesmo com o banho de banheira.
— Nunca pensei que você fosse me deixar sem graça. — Ela sorriu
minimamente, escondendo a vergonha, e ergueu um pouco os quadris.
— Não é a intenção. — Ele se defendeu.
— Sei que não. Eu só… — Sem conseguir se explicar, puxou a mão
dele para o meio dos corpos e o fez se segurar em pé e duro — Segura assim,
lindo, e não para de olhar.
— Eu te amo — Completamente contaminado e congestionado, ele se
declarou meio suspiro meio encantamento, cheio de tesão como se não
tivesse gozado até cair de joelhos.
— Também te amo, anjo.
Tendo dito, apoiou uma das mãos em sua perna, a outra separou os
próprios lábios para que ele enxergasse melhor e se endireitou para encontrá-
lo.
Aos poucos, sentindo o calor dele encontrar a própria umidade, foi
relaxando os quadris, descendo devagar, centímetro a centímetro a
centímetro, sentindo-o preenchê-la por dentro, num carinho que a deixou
aérea e cheia de tesão.
Quando encostou os joelhos novamente na cama, suas bochechas se
encheram de calor e ela perdeu o controle. De corpo aquecido, olhava-o mais
lindo do que nunca, o peito estufado, a boca entreaberta e os olhos abertos,
tão apaixonado que não tinha mais um palmo de Natália com medo do que
poderia acontecer.
Curvou-se para beijá-lo e não conseguiu ficar sem sorrir. Convulso por
estar dentro dela pela primeira vez, ele gemeu baixinho, diferente de todas as
outras vezes, quando encostaram os lábios.
Foi o beijo mais quente de todos, também. O mais sentimental e lascivo
ao mesmo tempo. Natália ainda tinha a mão entre os corpos, não para abrir os
próprios lábios, apenas porque a mão sobrou ali, e sentiu vontade de se tocar
quando sentiu o tesão irradiar conforme o beijo progredia.
— Mete devagarzinho — Ela pediu com voz de cama e finalmente
convertida.
Com os movimentos limitados, ele se mexeu conforme ela pediu, o rosto
bem perto do dela, e sorriu encantado com a vista.
— Assim?
— Assim.
Ele amou a sensação. E o toque de uma Natália que não representava
papel algum. E o jeito como ela cerrava as sobrancelhas, os olhos brilhantes
quase fechados, e a boca entreaberta.
Subiu a mão da perna para a cintura, firmando o corpo dela, e então
estocou, ainda devagar.
Ouviu um suspiro e entendeu que aquele era o caminho. Estocou um
pouco mais. Sorriu ao percebê-la de olhos fechados. Gostou de perceber o
tamanho dela ao redor de si, de sua cintura ao redor de seus dedos, seus
joelhos ao redor de seu quadril. Gostou de perceber que ela era menor, não
porque representasse fragilidade ou coisa parecida, mas porque podia segurá-
la por inteiro.
Sentou-se na cama com ela no peito e gemeu baixinho quando ela o
abraçou pelos ombros, emaranhada no cabelo, tão delicada e gentil que não
se parecia em nada com a Natália de horas mais cedo.
A abraçou com força e afundou o queixo em seu ombro. Ela ondulava
sobre ele, ainda devagarzinho, pouco concentrada no movimento, mas muito
concentrada nele.
Leandro afastou seus cabelos do rosto procurando por ela, e sorriu lindo,
sentindo tudo, quando a viu vermelha, de boca inchada e com muito tesão.
— Me aperta — Ela pediu entre gemidos.
— O que, amor?
— Me aperta pela bunda.
Desceu as mãos das costas direto para a bunda num apertão forte e duro,
do jeito que ela queria, mas não foi o suficiente para ele. Maior e com
consciência disso, começou coordenar o corpo dela em cima de si,
comandando seus movimentos, puxando e empurrando, sem medo de ser
forte ou fraco demais, sentindo os seios dela baterem contra seu peito, o
corpo dela bater contra o seu, num movimento ritmado e intenso.
Apenas quando ela pareceu se perder que ele inverteu o jogo. Sabia que
estava longe de gozar, mas percebia que ela não. A deitou contra o colchão,
se ajeitando para ficar por cima, e descobriu que também poderia ser legal se
fizesse do seu jeito.
Com os cabelos bagunçados sobre a cama, o corpo em chamas, os seios
inchados, a boca vermelha e os suspiros perdidos entre os beijos, Natália
abriu bem as pernas, convidando-o para entrar, e fechou os olhos.
Ele amou estar por cima, olhando seu jeito manhoso, delicado, cheio de
tesão e todo suado. Quando mais a olhava, mais sentia vontade de estocar e,
quanto mais estocava, mais percebia o quão perto ela estava de terminar.
Pois foi numa dessas estocadas que Natália respondeu qualquer coisa
sem sentido. Leandro até quis perguntar o que tinha dito, mas não se
interessou por muito tempo. Sentiu pressão ao redor de si, como se ela se
contraísse, percebeu seu queixo voltado para cima, as mãos e pés contraídos e
a boca aberta como um “O” completo.
Ela era linda de qualquer jeito, mas assim, embaixo, gozando na
primeira vez deles, foi a coisa mais linda que já viu.
Mesmo que sentir a pressão dela contra si minasse com sua sanidade. E
como, enquanto a sensação diminuía, ela perdia o controle e rebolava, mesmo
embaixo, pedindo por mais, sem querer parar, procurando mais pela fonte de
prazer, brincando com o próprio clitóris, a boca ainda aberta, os olhos
perdidos de desejo e tesão, inteira descontrole e sensação.
Continuou estocando só para sentir a pressão lá dentro de novo. Estocou
com mais força conforme ela pedia. Rebolou contra ela, no sentindo contrário
do seu rebolar, segurando suas coxas bem alto, bem abertas.
Levou um tapa no rosto e sorriu desafio. Só um? Levou outro e mordeu
seus dedos em resposta. Puxou Natália pelo quadril, as mãos atoladas em
seus culotes, curvou-se para beijá-la sentindo as bochechas e o coração
quentes.
— Perfeita — Ele murmurou — Tudo em você é tão perfeito.
Violenta e doce na mesma proporção. Vermelha de tesão e com um
sorriso lindo no rosto, ela o beijou com vontade, cheia de coisas para dizer,
mas que nunca alcançariam suas cordas vocais, gemeu entre os lábios quando
ele acelerou os movimentos, empurrou seus cabelos para longe e continuou, a
segurando pelo rosto, estocando fundo, observando a perfeição que tinha
entre os braços, completamente contaminado e instintivo.
Foi a primeira vez, desde que se conheciam, que ela abandonou o
controle. Deixou-se levar, pediu por mais, mais duro, mais urgente, gemeu
num fiapo de voz doce e, quando estava a um ponto de gozar de novo, não
avisou nem tomou as rédeas.
Ele sabia que ela estava quase lá, do mesmo jeito que ele, como se a
sensação fosse uma só, mas dividida entre dois corpos. Com carinho e força,
Leandro continuou estocando fundo, a puxou para mais perto de si, o mais
perto possível, e a olhou bem fundo nos olhos.
Foi desse jeito que gozaram. Brutal e terno, cheio de carinhos, sem
ninguém tomar a frente de ninguém.
Perto do que tinha sido a vez anterior, que Leandro mal conseguia se
levantar do chão, aquele orgasmo pareceu menor, menos intenso, mas era um
orgasmo diferente. A conexão das almas se deu ali. Ali ele seria capaz de
fazer qualquer coisa, ir para qualquer lugar, ser quem ela quisesse que fosse.
E somente ali ela se sentiu conectada de verdade. Entendeu que nunca
havia amado ninguém do jeito que o amava, um pouco mais todo dia, sendo
quem realmente era, nos defeitos e nas qualidades, e finalmente aceita.
De olhos fechados ela sentiu, muito mais do que viu, que ele jamais a
faria mal. Jamais a trairia, jamais a lançaria na fogueira.
Sentiu-se bem por estar com ele, mas foi mais do que isso: sentiu-se em
paz com quem realmente era.
Leandro não estava nem um décimo satisfeito quando recuperou o
compasso da respiração. Sorrindo feito um louco e a tomou num outro beijo,
que começou brando e crescia naturalmente conforme ele recuperava a ereção
e a vontade por mais.
— Vem de novo — Ela pediu, sorrindo, maluca da cabeça aos pés, e se
abriu para ele.
Entrando feito lava dessa vez, ele apoiou a mão sobre seu clitóris, cerrou
os olhos quando se sentiu lá dentro, lá no fundo, tão cálida e tão macia.
Sentiu que poderia passar o dia inteiro ali dentro, com ela entre seus
braços, debaixo do olhar quente e amoroso, olhado como se nunca tivesse
sido visto.
O terceiro orgasmo dela chegou primeiro quando ele se ajoelhou na
cama, entorpecido, animalesco, um pouco bruto. Sentiu seus mamilos
apertados, o peso das mãos dele, o jeito convertido, o olhar bonito demais
para ser ignorado.
E, quando foi a vez dele de terminar de novo, ela o abraçou com pernas
e braços e o convidou para a mais nova aventura dos dois:
— Anjo, namora comigo.
— Natália — Ele gemeu.
— Seja meu, amor. Só meu.
— Natália — ele pediu, a boca entreaberta, o semblante vermelho, os
olhos apaixonados e atingindo o cume mais significativo de sua vida —, eu
nasci para ser seu.
Capítulo Quarenta e Dois
Ele não conseguia parar de beijá-la. Quanto mais entrava nela, mais
queria. Sabia que poderia passar a noite inteira ali, entrando e saindo, e o fez
pela maior parte do tempo.
Nunca havia sentido nada parecido. Exatamente como tinha sonhado a
vida inteira. Por passar anos imaginando esse momento, inventando posições
e jeitos de agradar, ele temeu não conseguir se segurar, mas o que aconteceu
foi o contrário. Parou de pensar e focou nela. No jeito delicado e manhoso,
violento, passional, cheia de sorrisos e beijos. Quanto mais se concentrava
nela e no que queria que sentisse, mais conseguia durar.
— Se eu soubesse que você aguentava tanto, tinha te torturado mais lá
embaixo — ela protestou um pouco manhosa enquanto ele estocava nela de
quatro.
— Você pode me torturar quando quiser.
— Tipo agora? — Ela segurou um gemido entre os dentes e se forçou a
falar.
— Agora não, linda.
Com força e jeito, ele a puxou para si pelo cabelo. Ela não conseguia
mais se apoiar na cama, os braços ficaram soltos e voaram para as pernas
dele. Presa pelo cabelo e pelo pau, ela sentiu outra onda de prazer chegar,
gentilmente, se espalhando por seu corpo. Quase perdia o equilíbrio quando
sentiu o peito dele contra suas costas, uma mão em sua cintura, pronto para se
perder, e a outra na cama.
— Puta que pariu, Natália.
Com fome, ele mordeu suas costas sem parar de estocar, tão bruto e
perverso que ela gozou e perdeu as forças.
Caiu na cama e se escondeu nos travesseiros para rir.
— Isso que dá querer namorar novinho atleta. — Colocou a mão sobre a
própria vagina, só para ter certeza que ela ainda estava lá, e se virou para ele,
deitada de costas na cama. — Chega, né?
— Não.
— É sério. — E antes que ele a pegasse de novo, se levantou e correu
para o banheiro. — Porra, minha perna tá tremendo muito!
Sentada no vaso, tentando fazer um xixi que não saía, ela massageava as
coxas doloridas. Olhou para a janela e percebeu o dia claro lá fora.
Desde que horas eles estavam transando? E por quanto tempo?
— Cê viu que já tá dia? — Ela gritou para ele enquanto voltava a
massagear as pernas.
— E isso importa?
A voz dele estava tão perto que ela parou de olhar para as próprias
pernas trêmulas. Encostado no batente da pequena cabine com o vaso
sanitário, ela não o ouviu chegar.
— Ainda de pau duro. — Ela engoliu em seco — Meu Jesus amado…
— Me ajuda aqui.
— Vai querer tirar o atraso inteiro numa noite só?
— Você fala como se fosse ruim.
— Eu não tenho mais buceta, nem mijar tô conseguindo.
— A gente precisa de uma palavra-mágica para você — Ele riu achando
graça no jeito dela de se revoltar enquanto sentada no troninho.
— Que seja. — Olhou para os lados, caçando alguma coisa para usar de
safeword e escolheu o mais óbvio — Vai ser azulejo e eu estou usando agora.
Ele respondeu com um biquinho triste.
— Ah, Lê, vai se foder, vai.
— Quer ajuda para mijar?
— E como você pode me ajudar nisso?
— Assim.
Enfiou o pau em sua boca, cheio de graça e piada, rindo um pouco e
apoiou os braços na parede atrás do vaso.
Sentiu as mãos dela em seu saco, no corpo de seu pau, nas pernas com
os músculos muito marcados, nos ossinhos da bacia.
— Eu devia te deixar de castigo por uma semana. — Ela parou de
chupar e o olhou.
— Volta com essa boquinha pra cá…
Voltou. E procurou até um espacinho entre suas nádegas. Sugou-o com
vontade, brincando com suas bolas, o dedo entrando e saindo.
Leandro parou de se apoiar na parede para brincar com ela. A segurou
pelos peitos, ambos bem juntos, apertando mamilos, a mão tão dura que
Natália gemeu com a boca ocupada.
— Quando estiver para gozar, vai tirar.
Ele não retrucou. Apenas concordou e aceitou. Estocou com vontade
contra sua boca, sentindo seu dedo entrar mais fundo, apoiou-se na parede
outra vez e aceitou perder o controle.
Quando sentiu o orgasmo se acumular, fez conforme pedido e se retirou.
Natália o guiou para os próprios seios, o deixou escorrer ali e sorriu quando
ele terminou, ao ver a quantidade pequenininha de esperma.
— Agora você me limpa. — Ela mandou. — Com a boca.
Ajoelhou-se na frente do vaso, rodeou sua cintura com as mãos quentes
e ainda muito duras, e sugou cada gotinha da própria ejaculação.
— Leandro do céu. — Acesa, ela puxou a cabeça dele para cima,
obrigando-o a olhá-la — Põe a linguinha pra fora.
Prontamente obedeceu, exibindo a língua relaxada, a olhando nos olhos,
com o rosto de homem cheio de tesão e pronto para qualquer coisa que ela
quisesse.
Antes que ele abrisse a boca para dizer qualquer coisa, ela chupou sua
língua, sentindo o gosto ácido e um pouco azedo, e o beijou logo em seguida.
— Vou fingir que você não me imaginou com outro cara. — Ele
respondeu com uma risadinha cúmplice.
— Não me julga.
— Vai, mijona. Termina aí que eu também quero.
Deu trabalho para que conseguisse. Teve que se esforçar muito para
relaxar a musculatura vaginal por tempo o bastante para que o xixi achasse a
saída.
Levantou-se do vaso e foi direto para o chuveiro. Nem quis saber de
banheira, entrou direto debaixo da água corrente sem se preocupar com o
cabelo, e o viu com o corpo esticado para fora da cabine do vaso apenas para
olhá-la toda molhada.
— Você vai acabar acertando o banheiro todo desse jeito. — Ela riu e o
ouviu dar a descarga.
— Tô mole. — E trocou de assunto quando saiu da cabine. — Posso
entrar aí com você?
— Não, que eu não confio.
— Juro que tô mole.
— Azulejo, ouviu bem? — Ela cedeu. — Ouviu?!
Rindo, ele entrou no chuveiro também. Ouviu a palavra-mágica,
entendia o que ela queria dizer e não tentou brincadeira alguma. Enquanto ela
reclamava do quanto seu cabelo estava cheio de nó e suas pernas tremiam, ele
esperava que ela saísse de debaixo do jato d’água para que pudesse se
molhar.
— Tô achando o máximo você toda brabinha.
— Ha-ha, Leandro.
— Antes era eu que evitava qualquer contato de sexo, agora parece que
o jogo inverteu.
— Não inverteu, só preciso de um tempo.
— Tá doendo? — Ele perguntou sério.
— Pior que tá.
— Deve ser pela falta de uso. — Ele falou, mas já deixava a gargalhada
escapar. — Desacostumou a usar, olha aí no que deu.
— Falta de uso, o teu cu! —Rindo também, jogou água nele como se
não estivessem no banho, e logo começaram uma guerrinha boba de quem
jogava água em quem.
Estava tudo mais do que perfeito, exceto por uma única coisa: fome. A
barriga de Leandro roncou tão alto que Natália riu. Ele, um pouco
envergonhado pelo barulho, sugeriu que achassem uma padaria, dessas que
fazem self-service no café da manhã, e ela concordou.
Com cadeiras erguidas sobre as mesas e barris de chope vazios
atulhados na entrada, a vista matinal do Stage era de um bar decadente e
fechado. Alguém já tinha limpado tudo, desinfetado os mastros de poledance,
as cadeiras de couro, os ganchos presos no teto. Tinha um leve cheiro de
Lisoform no ar, mesmo com janelas abertas, e ninguém foi visto em lugar
algum.
Com as pernas fracas para seus saltos altíssimos, Natália deu a mão para
ele e foi para o lado de fora do bar, no quintal dos fundos onde, com a vista
ofuscada pelo sol, sentiram um cheiro acolhedor de café e pão tostado.
Leandro congelou no lugar quando a mulher que o chupou na noite
anterior usava o uniforme mais indecente de empregada doméstica que já
tinha visto na vida. De saltos e cabelos despenteados, ela servia um Bataille
só de calças de moletom, sentado numa mesa banhada pelo sol fraco e
matinal.
— Cê não tem casa, não? — Natália perguntou, aos risos, quando se
sentou ao lado do amigo.
— Tenho. — Com óculos para ver de perto, Bataille mexia no celular
como um homem de negócios fazendo coisas importantes. Terminou de clicar
em o que quer que estivesse fazendo, deixou o celular sobre a mesa e só
então deu bom-dia à amiga. — E você? Perdida?
Nem se deu ao trabalho de responder. Apoiou um cotovelo na mesa,
com o rosto corado de mulher bem-comida, e apoiou o queixo. Não precisou
dizer mais nada, Bataille olhou do loiro que ficou para trás para ela com seu
sorrisinho besta e entendeu tudo.
— Até que enfim. — Ele se reservou a dizer, retirando os óculos e se
esticando inteiro, cheio de preguiça. — E ele? Vai ficar aí esperando sua
ordem?
— Ele tá assustado com a Mari. — Ela cochichou ainda com seu ar de
princesa da Disney.
— Esse coroinha se assusta com qualquer coisa.
— Você promete que vai se comportar? — Ela mudou de assunto —
Não estou de Domme agora.
— Tá bem. — Deu de ombros, parecendo pouco preocupado com o
loiro, e olhou para a Mari que cuidava do café da manhã no bar do lado de
fora — Vou pedir para a Mari fazer mais paninis.
Mari já tinha preparado alguns extras. Com uma bandeja como se fosse
mesmo empregada, colocou três xícaras de café na mesa, três pratos, e uma
porção grande de paninis ainda quentes.
— Vem, loirinho! — Mari sorriu o convidando para comer e puxou a
cadeira para que se sentasse.
— Senta você — Ele ofereceu, um pouco deslocado — Você já fez toda
a comida e…
— Ele não é um fofo? — Sem se preocupar com espaço individual, ela
colocou as mãos no peito dele, o olhou de baixo para cima, como uma fã
dando em cima de seu ídolo.
— Leandro — Bataille advertiu segurando o sorriso —, Mari é minha
sub.
— É, loirinho — com uma voz sensual, cheia de garras para cima de um
Leandro retraído, ela continuou —, eu fico toda molhada dando uma de
Amélia.
— Que conveniente, né? — Natália riu julgando Bataille e puxando
Leandro para se sentar.
— O que eu posso fazer? — De resposta, Bataille deu um tapa na bunda
da Mari antes de lhe dar mais ordens. — Sirva-se de café e sente-se conosco,
sim?
— É claro, chefinho.
— Casada e com três filhos — Bataille falou para Leandro conforme
Mari ia até o balcão do bar para se servir na cafeteira — Dá para acreditar?
— E você é o marido dela?
— Não, eu não.
— E cadê o cara?
— Não curte essas coisas.
— E ele deixa ela solta assim?
Falou com a criação que tinha de berço, mas fez Natália se mexer
desconfortável na cadeira.
— Depende de como você vê o casamento. — Bataille nunca deixaria
uma dessas passar — Se você vê que casamento como posse, então, sim, ele
deixa ela solta.
— Não, não foi isso o que eu quis…
— Se você vê casamento como parceria de vida, então não, ele não
deixa nada. É questão de ponto de vista.
— Eu só estranhei que o marido dela…
— Tá, coroinha, todo mundo já entendeu.
— Cada casal tem seu acordo — Com uma xícara cheia, Mari voltou do
balcão e se sentou no colo de Bataille — Henrique não gosta de BDSM, mas
sabe das minhas preferências. Então ele fica com as crianças e eu venho para
cá.
— Nunca conheci um casal assim.
— De perto, ninguém é muito normal. — Com um carinho quase
materno, Mari limpou a boca de Bataille com o guardanapo da mesa e depois
a borda de sua xícara — É só questão de perspectiva. Funciona assim para a
gente. Ele gosta de assistir MMA quando eu saio e eu fico tranquila porque
meus filhos estão com o pai.
— Isso é novo para mim. Desculpa se pareceu…
— Que nada, não se preocupe! É perguntando mesmo que se aprende e
eu não ligo de responder. — Ela deu um gole na própria xícara, cheia de
charme para um Bataille que parecia alheio à conversa, e piscou para Natália
com cumplicidade — Mas, mudando de assunto, que show vocês deram
ontem, hein? Meu Deus do céu! Vocês serão assunto por mais de mês por
aqui!
Capítulo Quarenta e Três
Dois meses depois

Leandro não queria sair da cama porque sabia que, assim que levantasse,
seu mundo comum e doce se tornaria amargo. As malas de Natália estavam
prontas e na porta do quarto, cheias de roupa de frio.
Não dormiram por boa parte da noite. Ele sabia que seria impossível
compensar os quinze dias de ausência numa única noite, mas tinha se
esforçado. Não havia pedido que ela ficasse, nem mesmo uma única vez.
Sabia para onde ia e o tamanho da saudade que tinha de Caio, mas não
conseguiu esconder o lamento.
Quis ir também e havia olhado o preço das passagens, salgadas demais
para seu bolso, ainda mais em temporada de fim de ano e em cima da hora.
O jeito era aproveitar todo o tempo que possuía e era exatamente o que
fazia. Deitado de lado, abraçado nela, a beijava sem querer deixá-la entrar no
banho.
— Eu não posso perder esse voo. — Natália protestou pela segunda vez,
com o rosto todo vermelho e suado.
— Não vai perder, amor.
— Se você não me deixar tomar um banho…
— Só mais um pouquinho.
— Já tem uns quarenta minutos que você tá falando desse “pouquinho”.
— Tenha um pouco de dó de mim.
Ela riu com a cara de pau e se sentou. Olhou as horas pelo celular,
calculou a hora extra que precisava até chegar ao aeroporto e decidiu que
teria que partir de casa sem café da manhã.
— A gente tem meia hora para sair. Não dá tempo para ter dó, Leandro.
Dito, levantou-se nua e foi para o banheiro. É claro que ele iria atrás,
mas decidiu dar um tempo antes de acompanhá-la. Deitou-se de costas na
cama, se esticando e sentindo os músculos das pernas um pouco doloridos.
Ainda não amanhecia, mas ele sabia que faltava pouco. Olhou para o próprio
celular, conferiu as mensagens e ficou triste ao se lembrar que a festa de fim
de ano de sua firma, a qual sempre tinha levado Lígia, seria naquela noite. A
mesma noite em que Natália estaria sobre o atlântico, em direção ao Japão.
Não estava com a menor vontade de bajular um chefe bêbado.
É, pensou ao ouvir o chuveiro abrir, era melhor não ir.
Levantou-se da cama se sentindo um moleque de treze anos que fica de
pau duro por qualquer brisa e atravessou o corredor, direto para o banheiro.
— Eu não vou te impedir de entrar. — Natália avisou — Mas a gente
precisa sair em vinte minutos. E eu preciso lavar o cabelo.
— Certo, então se preocupe com o cabelo. — Leandro era tão previsível
quanto um garoto de treze anos, também
O box do banheiro dela era comum, de um tamanho bom e confortável
para uma pessoa se banhar, mas não grande o suficiente para que duas
pessoas ficassem de gracinha.
Mesmo assim ele se ajoelhou no chão, colocou uma perna dela sobre os
ombros, e a lambeu sentindo a água entrar nas depressões dos corpos.
— Léo — Ela advertiu.
— O cabelo, linda.
Ela poderia se concentrar em tomar seu banho e simplesmente entender
as lambidas como um carinho, mas não queria. Sentia a língua contra seu
clitóris, as leves chupadinhas e não queria saber de enxaguar o shampoo.
De todo jeito, tinha quase trinta e seis horas de viagem para dar um jeito
no cabelo. E, se fizesse uma parada em Paris, podia comprar um shampoo
seco daquelas marcas super-caras e que duram muito.
Desistiu e esfregou a cabeça dele contra seu púbis. A água corrente deu
conta de enxaguar seu cabelo, mesmo que ela não se preocupasse nem
mesmo um pouco.
Sentiu suas as mãos contra suas coxas, cada vez mais duras e urgentes, e
o ergueu pelo cabelo. Queria mais que só uma lambidela de despedida. O
abraçou pelos braços e pernas, esperando que ele entendesse o recado, e
sentiu o azulejo gelado contra as costas.
Ele entrou com tudo, gemendo na boca dela, beijando tudo o que
conseguia, pronto para consumi-la por inteiro feito chama num pavio curto.
Entrava e saía, gentilmente, e se segurava muito para não estocar com força e
sem freio, que era como ele aprendia preferir.
Ela soltou um dos braços, deixando o equilíbrio por conta dele, e
colocou a mão sobre o próprio clitóris, sentindo o vai e vem, a pressão dos
corpos e os beijos que Leandro dava como se fosse morrer no segundo
seguinte.
— São só quinze dias, lindo. — Ela falou enquanto sentia a pressão lá
dentro se acumular.
— Você vai voltar para mim, não vai?
— Fala como se eu quisesse ir para qualquer outro… — Segurou a
última palavra entre os dentes e o mordeu no pescoço, no maxilar, na junção
entre sua orelha e seu pescoço.
Gozava e sequer sentiu o orgasmo chegar. Ficava cada vez ficava mais
fácil, era incrível o jeito como Leandro aprendia seus segredos, seus pontos
fracos, suas preferências. Principalmente fora da cena BDSM, era como se
ele a desvendasse na base da tentativa e erro.
Isso quando não abria a boca para perguntar. Era tão simples quando ele
perguntava, que muitas vezes tinha achado que fosse brincadeira.
Ali, sabendo que o tempo era curto, ela murmurou qualquer coisa de
amor, disse que pensaria nele durante todos os minutos dos quinze dias longe,
prometeu que voltaria e o faria sofrer, e gemeu comandos para que ele
metesse mais bruto.
Não havia nada que ele amasse mais do que esses comandos ao pé do
ouvido. Fazia alguma coisa dentro de sua cabeça que mexia com o corpo
inteiro, que o colocava prestes a gozar segundos.
Ele tinha força e preparo físico para durar, para fazer a brincadeira por
horas. Certamente o fizera madrugada adentro, mas ali, com ela em seu colo,
abraçada nele, gemendo carinho e ordem, e encantando um cavalo
domesticado, ele sentia o peito explodir na mesma proporção que seu saco,
tudo sempre em excesso com ela, impressionante o poder que ela tinha de
tirá-lo do eixo e colocá-lo onde bem entendesse.
Com a testa encostada no azulejo, ele respirava ofegante, sentindo os
membros perderem a força. A água quente veio a calhar naquele momento.
Ela, sorrindo, escorregou do colo dele até apoiar seus pés no chão,
certificou-se de que seu cabelo não tinha mais espuma e saiu do box.
— Você tem dois minutos para sair desse chuveiro.
— Você é tão…
— O quê, lindo?
— Má.
Dessa missa ele só sabia um terço.
Em cima da hora, Natália estava pronta para sair de casa quando Daniel
desceu as escadas correndo, amarrotado de sono, e a atacou com um abraço
apertado.
— Para dar tchau para o Caio você estava pronto com uma hora de
antecedência! — Ela brigou, rindo pelo abraço que a pegou de surpresa.
— Só não vou pra não segurar vela. — Daniel se defendeu.
— Tava querendo segurar vela quando viu Leandro de harness, e agora
tá fazendo manha?
— Era diferente, Natzinha.
— Não vai mesmo me levar no aeroporto? — Ela pediu entristecida e
com bico.
— Tô com compromisso para daqui uma hora — Ele parou de fazer
piada e puxou uma desculpa séria — Master Greta me quer na casa dela.
Disse que vai me levar para viajar.
— Pagando?
— Com tudo pago, e ainda vai pagar minha presença. — Sem soltá-la do
abraço, deu um beijo em seu rosto e a apertou mais — Só por isso que não
vou.
— Se é por isso, então tá perdoado.
Calcularam a rota menos congestionada pelo aplicativo de GPS,
Leandro dirigiu no limite da velocidade permitida, costurando entre as vias
para evitar carros excessivamente lentos, e estacionou na primeira vaga que
viram.
Precisavam despachar as malas o quanto antes. No guichê, Natália
apresentou a passagem, a mala, os documentos. Estava tão acelerada e com
medo de perder o voo que ainda não tinha se dado conta de que não precisava
mais correr.
— Traz um doce japonês pra mim? — Leandro pediu quando eles
abandonaram o guichê em busca de um café aberto.
— Qual você quer?
— Um que só tem lá.
— Tá bem, trago sim.
— E dá um beijo no Caio também.
— Isso eu vou dar vários!
— Não, digo, por mim.
Diante de uma cafeteria cheia e com fila, Natália o olhou percebendo
sua tristeza e sorriu pequeno. De todo jeito, era muito fofo toda aquela
melancolia melosa.
Sentaram-se para comer e teria que ser rápido. Mais um pouco e ela
embarcaria. Mal conversaram diante da comida, famintos, e Natália o olhava
toda vez que ele se voltava com o prato.
— É só quinze dias, lindo.
— Eu sei — Ele respondeu enquanto mastigava. — É que é Natal.
— E o que tem?
— Vai ser o primeiro que vou passar longe de casa.
Parte dela desistiu de ir. Leandro nunca mais tinha falado dos pais, nem
com eles, desde que se mudara para a casa dela. O assunto “família” não era
proibido e, por boa parte do tempo, Leandro estava certo das escolhas que
tinha feito e dos aliados que havia escolhido.
O problema é que Natal era sua data favorita do ano. Sua mãe não tinha
muitos rituais nem tradições, mas era a única data em que ela trabalhava
duro. Tanto na missa das oito horas, antes da ceia, quanto no preparo das
comidas.
— Jamais te pediria para ficar — Leandro se defendeu. — Não sou tão
egoísta assim.
— A gente podia ter olhado uma passagem para você!
— Eu olhei. Tô há um tempo olhando passagem para ver se baixa, até
nas promoções de madrugada.
— Desculpa. — Ela não tinha mais nada para dizer.
— Pelo quê? — Ele sorriu triste, enfiou na boca a última porção do
prato e sorriu um pouco mais animado — Eu não teria feito nada de
diferente!
— Ah, mas é que…
— Só tô triste. Só isso. Vai passar.
— O Bataille dá uma festa de Natal muito boa. Se você quiser…
— É, Daniel falou.
— Se quiser ir, tá permitido. Só não quero beijo na boca nem porra sua
dentro de outras meninas.
— Natália.
— Não, espera, esses são meus termos.
— Você sabe que não faço isso sem você.
— É, talvez, mas se quiser ir, pode ir.
— Beijo na boca e porra nas meninas. — Ele riu baixinho envergonhado
só de pensar que alguém os ouvia.
— A minha programação será bem mais familiar, mas eu queria saber,
quais são os seus limites, Léo?
— Os meus…? — Todos os possíveis e imagináveis é um limite
aceitável? — Olha, eu não gosto nem de pensar em você com outro cara.
— Isso me deixa bastante triste.
Ela queria a mesma liberdade que tinha lhe dado. Não para se divertir
por aí, essa nunca havia sido a questão. É que ela queria…
Leandro engoliu um restinho da xícara sem saber o que responder, um
pouco envergonhado por ter que falar seus limites óbvios e bastante sem jeito
por não ser tão aberto quanto ela.
— Desculpa ser tão quadrado.
— Você tá vendo tudo isso pelo ângulo errado. — Tinha tanto veneno
nas palavras que ela não precisou se aproximar ou cochichar. Leandro o
sentiria a qualquer distância — Não quero ter outra pessoa do jeito que te
tenho. Eu quero usar estar com outra pessoa, na sua frente, enquanto você vê
tudo bem amarrado e sem poder protestar.
— Natália. — Ele não conseguia nem erguer os olhos do prato.
— E eu morro só de pensar em sentar em outro olhando pra ti.
— Má. — Ele repetiu escondendo o singelo sorriso de quem gostou da
ideia, mas detestou gostar.
— Mas é como eu disse. — Terminando de comer e mudando
totalmente o tom da conversa, Natália procurou um relógio pelo café para não
perder seu voo — A minha viagem é familiar. Na volta a gente continua
falando sobre isso.
Disse e se levantou da mesa.
— Não faz assim. — Leandro deu a mão para ela a impedindo de sair
andando e sorriu de um jeito tão lindo e sensual. — Eu gostaria muito de ver
isso.
— É? — Com carinho, beijou sua mão e logo a mordeu — Pensa com
carinho nos limites, tá?
— Comigo, linda. Sempre comigo. Nunca sozinha. Assim a gente entra
num consenso?
— Assim eu gosto mais. — Esperou que ele se levantasse também,
pegasse a bagagem de mão parada na cadeira extra da mesa e seguiram para a
área de embarque.
Subiram as escadas rolantes pensando em coisas que não podiam ser
feitas ali. Olhavam-se querendo mais do que só contato visual, e Leandro
sorria, sabendo o que Natália queria fazer.
Andaram até a área de embarque internacional, mas não se soltaram. Ele
não queria ficar sozinho. Não queria que ela fosse embora. Sabia que era
necessário, que ela merecia carinho do filho, que ela era mãe e seu lado leoa
estava louco para lamber a cria, mas ele a queria mais que tudo no mundo.
— Tem uma coisa… — Ele finalmente disse quando não podia mais
acompanhá-la adiante.
Puxou uma caixinha de veludo preta de dentro do bolso do casaco e
ajoelhou-se antes que ela protestasse e pedisse que se levantasse.
— Leandro, a gente é muito engraçado.
— Essa não é a melhor hora para você rir de mim.
— Não, amor, é sério! — Como tinha sido ela quem tinha pedido em
namoro primeiro, também tirou uma caixinha de veludo do bolso.
— Não me diz que é um anel. — Ele segurou o riso, ainda de joelhos, as
pessoas sonolentas passavam ao redor e entortavam o pescoço para entender
o que estava acontecendo.
Com carinho, ele abriu a própria caixinha de veludo com dois anéis de
prata dentro.
— Para você se lembrar de mim.
— Tonto! — Se ele era tonto, ela também. Com os olhos cheios d’água,
ela sorriu e o puxou pela mão — E tem como esquecer?
— Namora sério comigo, Natália? — Sorrindo, e também chorando, ele
se levantou do chão e tirou o anel menor da caixinha.
— Isso é muita apelação, sabia? — Guardando a caixinha de veludo
para outra hora, ela mostrou a mão direita, pronta para receber o anel no
anelar e limpou as lágrimas com a outra mão.
— Então você não quer? — Sabia que não tinha como ela negar, mas
perguntou mesmo assim.
— Claro que quero!
— Quer?
— Sim!
Com carinho, ele deslizou o anel por seu dedo magro e delicado e ficou
satisfeito quando encaixou perfeitamente.
— Eu não acredito que você fez isso, Léo. — E entendeu imediatamente
o motivo de Daniel não ter ido se despedir também — Daniel tá sabendo de
tudo isso, né?
— Falei que não tinha problema, mas, quando ele quer, é uma mula de
tão teimoso.
Aquela era a primeira vez, em toda sua vida, que alguém lhe dava uma
aliança de compromisso. Por isso Daniel não estava lá. Com um sorriso feliz
pelo gesto do namorado e feliz pelo gesto do amigo, juntou as mãos,
acariciando a aliança, e depois espalmou a mão para ver como ela decorava
seu dedo.
— É linda.
— Nunca que eu ia te deixar sair por aí sem que o mundo soubesse que
você é minha. — Leandro brincou, feliz de vê-la feliz, e feliz pelo namoro.
— Bobagem. — Rebatendo, puxou a caixinha de veludo do bolso e,
retirando uma pulseira de corrente retorcida e masculina, feita à mão e em
prata também, ela abriu o fecho e pediu seu pulso — Já que meu cabelo não
dura quinze dias no seu braço, achei um substituto digno.
— Mais que digno. — Quando ela fechou a pulseira em seu braço,
Leandro deu um beijo na joia, admirado com o presente, e a puxou para um
beijo.
E, numa voz muito sensual, cochichou em seu ouvido:
— Sua coleira está na mesinha de cabeceira. Você pode pegar, mas não
pode colocar até que eu volte.
Capítulo Quarenta e Quatro
Com Natália fora, ele sabia do que precisava: encontrar novos amigos,
estudar mais e encontrar uma coisa nova para fazer. Qualquer coisa que não
se resumisse apenas à ausência dela. Chegar em casa, sozinho, e dormir
olhando o celular não era vida.
Precisava ter mais do que ela para se ocupar. De férias do mestrado,
nem sequer o campus estava aberto para frequentar. Corria depois do
expediente, encontrou uma academia próxima o suficiente para substituir o
treino na faculdade e poderia passar algum tempo conversando com o
personal trainer, trocar dicas de suplementos, mas mesmo assim, quando
chegava em casa sentia-se vazio.
Não tinha mais igreja para se dedicar aos fins de semana. Nenhuma ação
voluntária. Nenhum tio para ajudar com as missas. Com Natália por perto ele
mal via o fim de semana passar, mas sem ela, entendia o quão sozinho, desde
que havia saído da casa do pai, ele realmente estava.
Quis ligar para os pais, mas não quis ser atendido. Nem tinha cabeça
para discussões. Rebaixar-se para atender à mãe estava fora de cogitação.
Daniel, também, quase não parava em casa. Chegava, tomava um banho,
engolia qualquer coisa e saía de novo. Toda vez que perguntado, desviava da
resposta. Talvez estivesse de namorada nova, talvez não, Leandro era amigo
o suficiente para sempre perguntar, mesmo que nunca respondido, e se
preocupar.
Olhava aquela caixa vermelha na mesinha de cabeceira e morria de
vontade de abri-la. Somente não o fazia porque a tortura de saber como sua
coleira seria era mais gotosa. Cansou de se imaginar vestido nela, cansou de
imaginar o que Natália faria. Divertiu-se por um tempo, com mensagens
engraçadinhas e provocações, mas ela não estava ali e comandos por
mensagens não tinham tanta graça quanto comandos de verdade.
— Você devia ir ao Stage. — Natália comentou numa chamada em que
fizeram num dia em que era tarde demais para ele e cedo demais para ela.
— E fazer o quê?
— Sei lá. Jogar conversa fora. Achar outros subs como você. Trocar
figurinhas. Se divertir um pouco.
— Passar vontade não vai ser divertido.
Somente num sábado, depois de lavar todos os banheiros da casa por
pura falta do que fazer, aprender a fazer um bolo de chocolate que
provavelmente mofaria antes que o comesse por inteiro, é que se rendeu.
É, talvez não fosse tão ruim dar uma passada lá.
Não se vestiu com cuidado, nem tomou outro banho. Não queria e nem
poderia fazer qualquer coisa. Só iria lá. Entrou no carro sentindo no fundo do
peito que aquela era uma má ideia, e foi.
Já tinha decorado o percurso. Vinte minutos até chegar. A moça da
chapelaria o cumprimentou com um sorriso e um beijo no rosto, todo mundo
já sabia quem ele era. Entregou a chave do carro, o celular e a carteira.
Foi pior que estar pelado. Pelado ele já tinha estado ali, mas tinha
Natália ao lado e, com ela, se sentia seguro. Sozinho, embora vestido, estava
completamente vulnerável como se fosse um coelho entrando numa toca de
lobos.
Cumprimentou de volta quem o cumprimentou primeiro, mas evitou se
aproximar. Pediu uma água para o barman, mas desistiu e pediu gim, do
mesmo jeito que ela pedia. Evitou o olhar curioso do homem que o serviu e
baixou os olhos para todas as Dommes que encontrou.
Procurou o pátio, desceu os degraus, e achou a poltrona que ela
costumava se sentar. Nem pensou duas vezes antes de apoiar a taça na
mesinha ao lado. Sentado, olhando as pessoas que chegavam, as Dommes
mais velhas e mais novas que a sua, ele ficou.
— Você pediu permissão para ocupar a cadeira dela? — De terno, como
se tivesse vindo apressado de uma reunião importante, Bataille parou na
frente do coroinha segurando um copo baixo de uísque e sorrindo com sua
dentição perfeita e sempre pronta para a briga.
— É só uma cadeira. — Leandro se defendeu.
— Tá com tanta saudade assim?
— Pior.
— Pior que saudades? O que foi? Ela decidiu que não vai mais voltar?
— Na minha vida só tem trabalho e ela. Sem ela, só tem trabalho.
— Somos mais parecidos do que suspeitei.
— Eu e você não temos nada em comum.
— Criei esse lugar para ter onde ir quando as reuniões terminavam.
— Você não tem casa, não?
— E você? — Bataille rebateu — Não tem?
Leandro deu um gole para não ter que responder e detestou. Fez cara
feia sem perceber e Bataille caiu na gargalhada.
— Bebida de mulher. — Rindo um pouco ainda, ele cumprimentou uma
mulher longilínea e de rosto quadrado do outro lado do quintal — É cara e
aguada. Não sei como Natália consegue.
— Me dá esse aí, deixa eu ver.
Leo bebeu só para saber que não gostava mesmo. Nem o gim doce, nem
o uísque amargo. Sentiu o álcool bater no nariz antes de bicar a bebida e
segurou uma tossida.
— Você tem paladar infantil?
— Geralmente eu como de tudo.
— Tudo, é? — A malícia dançava nos olhos de Bataille e Leo se retraiu
sem perceber — Não tô dando em cima de você, só fazendo piada.
— Certo.
— E Natália pediu para a gente cuidar de você.
— A gente quem?
— Todo mundo dos frequentes. Ela conhece todos e ninguém está a fim
de arrumar confusão.
— Vocês têm medo dela?
— Você não tem?
Medo não. Nunca sequer havia passado por sua cabeça temer Natália. Já
tinha sentido a apreensão da surpresa, a vergonha pela inexperiência, mas
nunca medo. Por que alguém teria medo dela?
— Que bom que veio sozinho, coroinha. Assim posso te contar todos os
podres dela.
Foi o primeiro esboço de sorriso que Leandro deu em muito tempo.
Bataille pediu que uma sub trocasse o copo dele por alguma coisa melhor,
sem álcool, e tagarelou por boa parte do tempo.
Até que Daniel apareceu, descendo as escadas de quatro, pelado com
uma joia enfiada na bunda, harness rosa em couro falso, e puxado por uma
corrente presa ao pescoço pela mulher de cabelo platinado.
— Mas que merda…? — Leandro tentou dizer.
Antes que tecesse outro comentário, Bataille caiu na gargalhada. Ele
tinha uma risada aristocrática, coisa de gente requintada, e Leandro riu junto,
esperando as atrocidades que Bataille comentaria.
— Ela tá pagando uma grana pelo seu amigo, mas por grana alguma no
mundo eu me sujeitaria a isso. — Bataille ainda ria e, pior, apontava.
— Daniel tá fazendo isso há quanto tempo?
— Master Greta não quer admitir, mas está apaixonada.
— Não tem a menor chance de sair cachorro desse mato.
— Por quê? Daniel tá apaixonado por você?
— Não. — Mas Leandro não disse mais nada porque não era sua
história para contar. — Só… não tem chance de Daniel se apaixonar.
— Talvez eu devesse avisá-la, então.
— Conhecendo, Daniel já avisou.
Falaram por horas e sobre coisa alguma. Fora do contexto de Dom,
Bataille parecia ser um cara legal. Atreveu-se a fazer piadas com ele e,
embora nenhum dos dois admitissem, um salvou a noite do outro.
Demorou bastante tempo até que Daniel reaparecesse com uma cerveja
longneck na mão. Dessa vez sem camisa porque não aguentava vesti-la sobre
as costas muito fustigadas, ele se parecia mais com o amigo de sempre.
— Tô surpreso de te ver por aqui — Daniel cumprimentou Leandro com
um brinde com sua bebida e deu um aceno rápido a Bataille.
— Puxa uma cadeira, ali. — Leo sugeriu, apontando para o outro lado
do pátio onde duas cadeiras de ferro restavam sozinhas.
— Nah. — Sentando-se no chão, ele esticou as pernas gemendo de dor.
Olhou para a cadeira a que Leandro se referia e resmungou pela distância —
Tá tudo doendo demais, agora.
— Se vai se prostituir, é melhor reservar um lado seu antes de passar a
odiar toda e qualquer trepada. — Bataille aconselhou.
Leandro ainda não sabia e não conseguiu esconder a surpresa. Daniel,
um pouco envergonhado diante do amigo que mal saíra da igreja, preferiu
medir a garrafa verde e fingir que não tinha escutado.
— E aconselho que vá se aventurar nas baunilhas. — Bataille continuou
— Domme quando paga por sub, geralmente maltrata muito.
— E o quanto de experiência você tem nisso? — Daniel respondeu
evitando olhar Leandro.
— Eu já usei do dinheiro para resolver questões que não devia levar para
a cama. — Bataille explicou — Tô falando desse ponto de vista.
— Cê tá mesmo cobrando por isso? — Leandro não se aguentou por
muito tempo.
— Greta sugeriu e eu não neguei.
— Mas tá só com a Greta?
— A Greta, a Carla e a Cobra.
— Sai dessa. — Leandro chupou o canudinho de refrigerante com limão
e continuou —Você sabe que não precisa disso, que a gente te ajuda e…
— Beleza, sei que ajuda, não tô discutindo isso nem fazendo pouco
caso, mas…
— Quanto de dinheiro você precisa para sair dessa?
— Não quero sua grana, Bataille.
— Mas para quê você precisa tanto de grana? — Leandro se intrometeu.
— A facul tá paga, seu trabalho com a Nat tá garantido, tem casa, comida…
— Não tô feliz. — Daniel respondeu, deu um gole em sua cerveja, e
prosseguiu. — Quer a real? É isso. Odeio minha vida, odeio meu curso, odeio
depender de favor. Odeio ficar no meio de você e a Nat e me sentir um
estorvo.
— Ah, pelo amor de Deus, que palhaçada!
— Não tô pedindo ajuda, Leandro.
— Mas você ama carro!
— Amo carro, não aguento mais engenharia.
— Quanto tempo de curso ainda falta? — Bataille interrompeu a briga
dos amigos.
— Faltam uns 24 boletos. Sem contar os que devo para ele.
— Desconta esses, nunca te cobrei nem nunca vou cobrar.
— Independente, dívida é dívida.
— E vai ficar se arrastando com o cu pra cima até pagar todo mundo a
quem deve? — Bataille cutucou.
— Até eu achar alguma coisa que me faça feliz.
— Vai arrastar o cu até perder todas as pregas, então.
— Que seja.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer para que você pare de… —
Leandro se confundiu com as palavras e não gostava das que vinha à mente
— De… fazer essas coisas?
— Caralho, ele é sempre assim? — Bataille riu e perguntou para Daniel.
— Assim como?
— Leandro tem o vocabulário da minha finada avó.
— Tirando quando é ele quem tá arrastando o cu — Daniel riu —, sim,
ele é sempre assim.
— Não é à toa que ele é o sub mais sub de todo o meu Stage.
— Todo mundo tem uma válvula de escape — Leandro se defendeu
como se o tivessem ofendido. — Mas nem todo mundo é tão otário para
cobrar por isso.
— Cuida da sua vida que eu cuido da minha. — Daniel atacou..
— Moças — Bataille interveio —, se brigarem vou ter que banir os dois.
Regras da casa.
Calaram-se. Daniel deu mais um gole na cerveja, percebeu que era o
último, e resmungou para se levantar.
— Ela pelo menos cuidou de você depois? — Ultrajado pela diferença
de como era tratado por Natália, Leandro não conseguia acreditar que uma
Domme era capaz de tratar seu amigo tão mal.
— Greta não faz aftercare em ninguém. — Bataille respondeu porque
sabia que Daniel não responderia.
Puxou um cartão e uma caneta do bolso, ambas pareciam muito caros, e
escreveu um número de telefone, antes de entregá-lo para Daniel.
— Se você não quer dinheiro emprestado, mas quer se prostituir, ligue
para esse número. Aqui você não entra mais se estiver cobrando.
Leandro olhou para Bataille com um sorriso no rosto e o agradeceu. Se
Daniel era idiota o bastante para achar normal cobrar para apanhar, ainda
bem que alguém tinha poder para impedi-lo.
Capítulo Quarenta e Cinco
Foram noites e noites assim. Mesmo quando Bataille tinha um sub, os
três se juntavam, Leandro sempre na cadeira de sua Natália ausente.
Bataille havia mandado um empregado arrastar uma cadeira de ferro
para o lado dos tronos e Daniel, quando não estava muito estressado ou puto
da vida, era o primeiro a beber e encher os outros dois de piada.
Ninguém queria chamar aquilo de amizade. Aceitaram a conveniência.
Ninguém tinha o que fazer à noite, era essa a desculpa que davam quando
alguém parava na frente do trio para puxar conversa.
As subs olhavam os três e imaginavam o pior. O loirinho era sub
também, ninguém nem pensava nele com um chicote na mão, mas olhavam
para os outros dois imaginando cenas e os ficavam encarando até
encharcarem o chão.
Greta parou de frequentar o Stage depois que Leandro achou o cúmulo
que ela não cuidasse de seus subs. Encheu a cabeça de Bataille até que ele a
suspendesse.
— Quem ela acha que é para bater nos outros de graça? — Tão ofendido
com o jeito de Greta, que Leandro quase soltou um palavrão.
— Nem quando tá puto ele xinga? — Bataille achava graça.
Daniel, rindo com sua cerveja e um cigarro emprestado, contou da
primeira vez que tinha visto Leandro bravo, depois de ter se exibido de
harness para Natália e ela tê-lo punido com a indiferença.
— Nó, achei que nada o tirava do sério, mas aquele dia…
— E o harness? — Bataille mudou de assunto — Serviu?
— Natália curtiu. — Leandro, um pouco sem graça, se lembrou que o
acessório tinha sido presente de Bataille. — Onde você comprou?
— Não comprei, eu fiz.
— Ah, Batata — Daniel rebateu —, vai tomar no seu cu!
— Obrigado. — Leandro, ignorando Daniel completamente, sem graça
por ter sido Bataille quem havia feito seu harness, encolheu os ombros
quando agradeceu.
— O cara é rico, o cara é dono de clube de putaria e ainda tem mais
essa?
— Essa pulseira eu também fiz — Bataille respondeu apontando para a
pulseira que Leandro tinha ganhado de Natália minutos antes de embarcar, e
riu de Daniel.
— Assim fica difícil de competir. — Respondeu o homem que bebia e
ficava engraçado.
— Você trabalha com o quê? — Leandro perguntou.
— Ourives.
— Ourives faz o quê? — Daniel perguntou.
— Mexe com joia.
— É, pra mexer com joia tem que ser rico. Com o preço que o ouro tá…
— Ourives não faz ninguém rico, não. — Bataille se defendeu — O piso
salarial não passa de três e meio.
— Mas tu não é rico?
— Nunca falei isso.
— Mas você é. — Leandro analisou — Todo mundo sabe.
— ‘Tão querendo casar comigo, caralho? — Bataille se defendeu.
— O que isso tem a ver? — Daniel não entendeu.
— Que diferença faz se eu tenho dinheiro?!
— Caguei pro seu dinheiro, Batata. Só tô curioso.
— Não cobrando pelo meu refri, pra mim tá bom. — Leandro riu
chupando seu canudinho e engoliu em seco quando viu, do outro lado do
pátio, Mari vestida de vermelho, o mesmo harness que Natália já tinha usado,
as mesmas botas vermelhas, e o olhava do mesmo jeito que o havia olhado
quando se encontraram pela primeira vez.
— Cabou a graça. — Daniel se levantou, pronto para roubar outro
cigarro do primeiro fumante que aparecesse, e ergueu a mão para o barman
do outro lado do pátio pedindo um refil. — Lá vai ele colocar essa minhoca
rosa pra fora.
— Sem a Nat? Nunca. — Leandro quis se defender.
— Rosa, é? — Bataille engoliu a risada.
— Rosa, caralho, a rola mais feia que eu já vi na vida!
— E tu já viu quantas, Daniel? — Leandro desviou o olhar das botas de
Mari e das lembranças, virando-se de corpo inteiro para longe de onde ela
estava.
— Muito mais do que eu gostaria.
— Eu sou branco, caramba — Leandro vivia de se defender dos outros
dois —, que cor você queria que fosse?
— Eu sou branco também, mas rosa desse jeito parece rola de porco!
— Sua mãe nunca reclamou.
Ninguém nem acreditou naquela ofensa de quinta série vinha do
coroinha. Os dois outros se olharam quase morrendo de rir, e encheram o
coitado do Leo de piadas tão baixas que o fizeram corar.
Corou tanto que preferiu ir cumprimentar Mari e saber o porquê ela
estava vestida como sua mulher.
— Oi, loirinho!
— Mari. — Ele fechou o rosto, muito deslocado, sem saber como agir e
não se aproximou muito.
— Gostou do meu look?
— Por que tá vestida como ela?
— Ela disse que você ia gostar. — Com muito charme,Mari esticou a
mão e a apoiou em seu peito, toda cheia de melindre e risinhos — Você
gostou?
— Tá bonito. — Não era de mentir, mas sabia o quão errado era
corresponder aos flertes de uma mulher que não era nada sua — Foi… Foi
ela?
— O que foi ela, loirinho?
— Que te colocou vestida assim.
— Faz diferença para você?
— Mari, eu sou fiel.
— Ai, loirinho, você é tão fofo que fico com vontade de apertar suas
bochechas! — E, com um gesto muito lascivo, aproximou a boca de seu
ouvido e disse, com voz de cama, só para que ele escutasse — É para você
olhar para mim, a noite inteira, e se lembrar de quem não está aqui.
Leandro não disse mais nada. Sabia de quem tinha vindo a ordem.
Enrijeceu os ombros, sentindo o ar entrar com dificuldade pelos pulmões e
fechou a cara. A cumprimentou com um beijo no rosto, muito mais cortês que
o último cumprimento, e não deu as costas para ela até que estivesse a uma
distância segura.
— Natália é foda. — Bataille riu quando viu Leandro voltar para a
poltrona — Nunca vi Domme mais natural que ela.
— Foi você quem a treinou, né? — Leandro quis saber.
— Muda alguma coisa?
— Não, só quis saber.
Ele não conseguia parar de olhá-la, mesmo sabendo que não devia.
Bataille percebeu e não aprofundou a história do treino de Natália. Deixou
que Leandro se encantasse com a vista de uma Mari submissa, vestida em
vermelho contra a pele escura e quente, com as botas vermelhas de salto alto
iguais às de Natália, senão as mesmas.
Leandro não fazia a menor ideia de como ela as tinha conseguido e isso
nem importava. Bastava saber que aquelas botas foram o começo de tudo.
Sentiu o peito espremido, as bolas doloridas e não sabia qual sanar
primeiro. Deu um gole no copo baixo de Bataille, mesmo sabendo que era
uma bebida de gosto ruim, e deixou o álcool queimar o interior de sua boca.
— E o Natal esse ano, o que vai ser? — Daniel mudou de assunto,
Bataille também, e as palavras não chegaram aos ouvidos de Leandro.

✽✽✽

Na véspera do Natal, Leandro não tinha planos. Sabia que acabaria na


festa de Bataille, mas não queria ir. Não tinha comparecido à
confraternização de sua firma também e não conseguia se livrar da culpa e da
solidão por não estar com os pais.
Não quis se vestir com nada fetichista quando Bataille finalmente
formalizou o convite porque a data era muito importante para ele. Imaginou
que, como a festa de Natal era do dono do Stage, provavelmente todo mundo
se comeria durante as festividades, mas ele não conseguiria, mesmo se
Natália estivesse ali.
Se prometeu ficar de canto, comendo, talvez bebendo se fosse de sua
vontade, qualquer coisa para evitar ficar sozinho, mas manteria ao menos isso
intacto de seus pecados.
Olhou o celular e os grupos da igreja que ainda fazia parte. Leu as
mensagens de ministras e os voluntários sobre doações e caridades, doou
quinhentos reais para a conta da paróquia, mas não contou nada a ninguém.
Mais cedo ou mais tarde, as pessoas veriam aquele montante e saberiam de
quem veio.
Oito horas da noite estava pronto e vestido, perfumado e arrumado o
suficiente para disfarçar a tristeza.
Daniel não esteve presente durante todo o dia e Leandro não se
preocupava mais com ele, pois sabia que estava em boas mãos.
Abriu a porta de casa com a chave do carro na mão e deu de cara com
Bataille, vestido num terno ajustado perfeitamente para seu corpo, na frente
de um carro importado e com um sorriso limpo.
O tipo de sorriso que ele nunca dá quando veste a máscara de Bataille.
— Eu já tava indo, não precisava vir me buscar — Leandro se defendeu,
entendendo a pressão do amigo como uma ofensa, e trancou a porta antes de
sair.
— Na verdade, nem quero que vá.
— Se não queria que eu fosse, por que não me mandou uma mensagem
antes? Cancelar em cima da hora é deselegante até para você.
— A gente tem um lugar melhor para ir.
Atrás de Bataille, vestido com elegância e cuidado, Daniel desceu o
vidro do carro do amigo, deu um tapa na lataria e berrou:
— RUMBORA, CARAIO! Não tenho a noite toda não, porra.
— Ele já começou a beber, pelo visto. — Leandro nem sabia para onde
iriam, mas não conseguiu engolir o sorriso.
— Ainda não, mas não vai demorar.
Curioso com a carona, Leandro guardou a chave do carro no bolso,
ajeitou o cabelo no reflexo do carro e entrou pelo banco de trás.
O carro era confortável, mas muito chique. O painel iluminado e
eletrônico em nada se parecia com seu carro popular.
Daniel, que sempre amou carros, não conseguia parar de perguntar sobre
os acessórios, o motor e demais parafernálias conforme Bataille saía das
avenidas principais direto para ruas menos retilíneas e mais esburacadas.
Entravam em ruas de mão dupla dos bairros, mas Leandro não se deu
conta. Porém, quando Bataille estacionou na rua de trás de uma paróquia,
com carros e mais carros já estacionados nas vagas mais perto, Leandro não
conseguiu segurar o choro.
— Fé é fé. — Daniel deu de ombros, um sorriso torto e saiu do carro
primeiro — Se você é mole e aceita que te tirem isso, eu não sou.
Abriu a porta do carro para Leandro forçando-o a sair e abraçou o colega
com um pouco mais de amor e amizade do que tinha abraçado nos últimos
meses.
— Se a casa de Deus é pra todo mundo, ninguém tem o direito de te
expulsar dela. — Com carinho, Daniel deu um tapinha nas costas do amigo,
não o olhou nos olhos porque homem não sabe lidar com o sentimento de
outro homem, e o abraçou pelos ombros conforme caminhavam até a porta da
frente.
Aquela igreja era maior que a paróquia onde havia crescido, as pessoas
eram desconhecidas, os bancos lotados dos assentos não tinham parte de sua
história.
Olhando para a nave e o padre que se apossava do púlpito, isso não fazia
a menor diferença. Fé é fé, Daniel havia dito. E Deus estava por toda parte.
— E você? — Leandro segurou o choro e o sorriso, meio sem saber o
que pensar ou o que dizer — Por que veio?
Bataille, que seguia atrás dos dois, deu de ombros e enfiou as mãos nos
bolsos.
— Lavar um pouco dos pecados não vai me fazer mal.
Mas, todo mundo que olhava de fora entendia perfeitamente que gesto
era aquele.
Capítulo Quarenta e Seis
Ficou em pé, no canto da igreja, escondido. Sentia-se como um menino
em meio à roda dos adultos. Totalmente deslocado. Bataille ficou de um lado,
sem se mover ou falar, e Daniel de seu outro lado, respondia ao padre e se
mantinha solene porque também crescera nesse meio.
Os cantos iniciais começaram, os ritos e os músicos, mais bem-vestidos
que qualquer outro dia do ano, pareciam inspirados por alguma coisa aquém
dos olhos. Leandro não quis olhar para o padre, primeiro por vergonha, mas
olhava os dedos ágeis dos músicos, a garganta trêmula da cantora e o jeito
como cada um deles cantava com tanto fervor que ele se viu cantando
também, baixinho como sempre havia feito, e com lágrima nos olhos.
Não importava o que achassem dele, de seu modo de levar a vida ou
suas escolhas. Para ele, amor e Deus era maior que qualquer coisa. E sentia
isso, no fundo da carne, dentro dos ossos, a cada nota cantada em coro e
dedilhada de violão.
Antes mesmo que o padre abrisse a boca, ele sentia a velha e confortável
emoção de estar em casa. Não importava mais se a mãe o perdoaria.
Importava o que Leandro queria. Importava que ele a perdoaria algum dia.
Olhou para o padre e pensou em seu tio que, numa outra paróquia, em sua
batina especial, vestido com primor, também celebrava o nascimento de
Jesus.
Leandro sabia a importância da igreja. Era um pilar da comunidade que
unia vizinhos. Fosse por fé ou por caridade, a paróquia formava um laço. Um
motivo para que pessoas saíssem de suas casas e olhassem uns aos outros nos
olhos. Era nisso que Leandro havia sido criado para acreditar e era isso, não
importava mais o que os outros pensassem, que Leandro ainda acreditava.
Também era um jeito de acreditar que ainda havia bondade em seu
próprio coração.
Ficou grato por ter sido arrastado para lá mesmo sem sua ciência. Sabia
a missa de cor, sabia as respostas e as palavras. Sabia o que seu tio diria e o
que os outros lhe responderiam.
Sabia, mas ficou surpreso quando o sermão da noite foi sobre perdão e
diferenças. Engoliu o caroço entalado na garganta, ouvindo as palavras do
padre, ficou com vergonha de se mexer muito ao lado dos dois outros, e mais
vergonha ainda quando sentiu seus olhos arderem.
Por outro lado, a ausência por meses daquele lugar o fez prestar mais
atenção às palavras, ao jeito como as coisas aconteciam.
Sorriu pensando na mãe, nas coisas novas que tinha aprendido e quis
pedir desculpas por nunca ajudá-la a secar a louça. Ou por deixá-la ir ao
supermercado sozinha, arrastando um carrinho de feira lotado pelas ruas
íngremes quando ele muito bem podia ter oferecido uma carona.
Não é como se ele fosse um filho muito bom. Era, como todos os filhos,
um menino bastante acomodado. Também tinha sua parte na culpa. Omissão
não era conversa e ele havia passado a vida inteira calado.
Deixou que os pais o castigassem e o arrastassem, nunca se erguera,
nem mesmo um momento. Tinha medo demais dos gritos e das conversas
sérias. Tinha medo de desapontar e não ser amado.
Então, quando ele não tinha qualquer outra saída senão falar por si
mesmo, sua omissão havia sido vista como padrão e ninguém entendera o que
era aquela rebeldia adolescente.
Não era rebeldia, era apenas uma vontade. Não queria se casar, não
queria os planos dos pais que sempre lhe haviam sido tão confortáveis seguir.
Queria outra vida, outra ideia de relacionamento, queria seguir para onde seu
coração batia mais forte.
Devia ter se imposto mais. Devia ter defendido melhor suas próprias
ideias. Devia ter parado um segundo, mesmo com a cabeça entre os joelhos,
para pensar por que diabos seguia as ordens que lhes davam.
Devia ter compreendido qual era seu papel de filho e seu papel de
homem. Qual era a sua própria vontade. De quem era a vida que sua mãe tão
fervorosamente lhe dera.
Se era culpa dos pais, também era culpa sua.
Ele nem mesmo havia parado um segundo para entender o que era
vontade e o que era ordem de terceiros. Confundiu até que ambos fossem
uma coisa só.
E quando Natália chegou…
Quando ela abriu aquela porta…
Ele sabia que não devia, mas queria. Exatamente naquele momento em
que tinha dado de cara com ela, os cabelos meio loucos, os olhos cansados e a
boca ácida.
Não fosse ela, teria se arrastado do quarto dos pais para o altar, do altar
para o apartamento, do apartamento com Lígia para o túmulo e nunca teria
experimentado seu próprio querer.
Foi com essa força que aceitou a comunhão, que não ligou para os
outros dois ali, sem saber o que fazer conforme Leandro sentia a hóstia na
língua e o amor no coração.
Entendeu também o que o amigo fazia ali. E o outro, tão distante de toda
a sua realidade, também de companhia.
Não sabia exatamente o que fazer quando abriu os olhos e a música
parou. Nem quando o padre retomou a celebração. Sabia o que queria e, isso,
para um homem que não era acostumado a ter vontades, significava um
mundo inteiro.
Então, quando a missa acabou, esperou no fundo da igreja sem saber
direito o porquê. Só não quis ir embora. Bataille deu qualquer desculpa para
esperá-los na saída, mas Daniel ficou como sempre ficam os melhores
amigos.
— Se quiser esperar lá fora com o Batata pode ir — Leandro disse — Eu
vou tentar conversar com o padre.
— Tranquilo, te espero aqui.
Sozinho, desviou das pessoas que saíam da igreja para começarem suas
festividades e procurou pelo padre, ainda de batina, que dava a bênção nos
últimos fiéis.
Esperou na pequena fila que naturalmente se formou. Esperou que as
velhinhas dessem seus presentes para o padre, que as crianças lhe desejassem
feliz natal e, quando não sobrou mais ninguém, ele pediu bastante
envergonhado:
— Padre, sei que não é hora e o senhor tem mais o que fazer…
— O que foi, meu filho? — Aquele padre não era como seu tio, não
tinha o olho claro nem a cabeleira loira. Era alto, moreno e de pele escura, e
tinha um olhar mais amigo.
— Vou entender se o senhor se recusar.
— Confessionário, né? — Com um tapinha no ombro e um sorriso
sábio, o padre o conduziu até a saleta nos fundos — Nem sei onde que fica a
chave, meu filho, quem cuida da limpeza deixa a chave do confessionário
aqui na minha mesa todo dia de manhã, então… Tudo bem se for aqui?
Algumas igrejas já tinham abolido o móvel “confessionário” e Leandro
sabia, embora se sentisse mais confortável sentado no banco de madeira,
assentiu e se sentou na cadeira em frente à mesa e esperou enquanto ele se
despia da batina.
— E então? — O homem amigável lhe sorriu — Como posso lhe
ajudar?
A primeira coisa que veio em sua cabeça foi o pecado do sexo antes do
casamento, mas analisando a fundo, ele não se arrependia disso. Não do jeito
como tinha se dado, da conexão com Natália, o jeito doce dentro daquele
quarto. Não tinha como aquele ato ser pecado, ele entendeu antes de abrir a
boca.
Então, colocando o coração na mesa, ele preferiu contar sua vida dos
últimos meses, limitando o linguajar e omitindo algumas práticas. Contou
sobre o pai e a mãe, o casamento forçado que queriam que ele tivesse, a
revolta que o tinha tirado de casa, a saudade que tinha dos pais.
Recebeu, para sair da igreja de cabeça erguida, a parábola do filho
pródigo: ninguém pode lhe julgar pelas escolhas que fez, e Deus ama os
ímpios e os fiéis na mesma proporção, sem distinção.
De coração limpo, deixando na igreja um peso que arrastava sem
perceber, deu um abraço em Daniel, cheio de ternura legítima, e então saíram.
Bataille conversava casualmente com uma mulher de vestido modesto,
parada do lado de fora, fumando um cigarro. Daniel quase caiu na gargalhada
ao perceber que ele não poupava nem mesmo as beatas.
— Para onde, agora? — Quando a conversa com a moça terminou numa
troca de telefones, Bataille se juntou aos outros dois e tirou a chave do carro
do bolso.
— Não vou na festa hoje. — Leandro disse por fim.
— Como não? — Daniel seguia sem entender.
— Eu acho que eu… — Não, “eu acho”, não. Ele tinha certeza — Vou
ficar por aqui.
— Tá certo. — Bataille sorriu compreendendo qualquer coisa que
Leandro não quis dizer e disse a verdade — Esse ano eu não fiz festa.
— Como é que é? — Daniel estava tão pronto para uma noite cheia de
putaria com mamães-noel, que se assustou — E eu me arrumei todo pra quê,
então?
— Leandro não estava a fim de festa e Natália não está. — Ele murchou
— Pra quê festa?
— Quem vê, pensa que esse corno tem coração — Daniel brincou.
Diante do silêncio de um Bataille que nunca fica sem a última palavra,
Leandro desviou de assunto, certo de que seu Natal seria muito mais especial
sem festa de putaria, ainda mais que Natália não estava ali para comemorar
junto.
— Sei para onde a gente vai. — Ele olhou o celular, checando as horas e
as mensagens não lidas, e instruiu os outros dois — Vocês querem ir comigo?
— Para onde? — Daniel perguntou.
— Entrem no carro, deixa que eu indico o caminho.
— Batata, me dá um presente de Natal? — Daniel, louco por carros, não
tinha vergonha alguma de pedir favores — Me deixa dar uma voltinha no seu
carro?
Se os brutos também têm coração isso ninguém sabe, mas Bataille levou
dois segundos para refletir e então disse:
— Pode pegar. — Jogando a chave para Daniel, abriu a porta do próprio
carro e se sentou no banco de trás.
Nem Leandro nem Daniel esperavam que ele permitisse e, olhando a
surpresa dos amigos por conveniência, foi logo distribuindo bronca:
— Vamos ou não vamos?! Demora do caralho!
Leandro, percebendo o milagre de Natal, puxou a porta do passageiro e
esperou que Daniel parasse de babar sobre as chaves para pegar o volante.

✽✽✽

Tiveram que tocar o interfone porque entrariam na festa sem convite.


Leandro falou qualquer coisa para o porteiro e esperou, do lado de fora do
prédio, enquanto os outros dois aguardavam dentro do carro.
Só quando a entrada foi liberada que subiram os três, pelo elevador que
só Leandro conhecia, e tocaram a campainha no apartamento correto.
Uma moça longilínea abriu a porta, muito bem vestida e maquiada, e
deu um abraço tão forte e feliz em Leandro, que ele não viu outra saída a não
ser retribuir.
— Menino, e a gente achando que você tinha morrido! — Fani sorria e o
beijava como um amigo de longa data — Não contamos para ela que era você
no interfone, mas acho que Lili vai ter um infarto.
— Eu trouxe dois amigos que também não têm onde passar o Natal —
Leandro abriu caminho na porta para mostrar os dois brutamontes logo atrás,
que não faziam ideia do plano de Leandro — Eles podem entrar também?
— Trouxeram vinho, pelo menos?
— Não trouxemos nada, mas ainda dá tempo de pedir alguma coisa por
delivery. — Ele respondeu.
— E meu presente? — Colocando-o para dentro do apartamento, Fani se
virou para os outros dois parados na porta e sorriu — Vamos entrando, gente,
a casa é pequena mas a gente dá um jeito.
— Seu presente sou eu. — Bataille respondeu, cheio de charme e
malícia para a mulher na porta — Serve?
— Caralho — Daniel exclamou, se rachando de rir —, esse porra não
perdoa nem em véspera de Natal!
— Mais do que serve, lindinho. — Fani respondeu com o mesmo
charme e fechou a porta de casa, chamando por Flávia que tirava o peru do
forno com um avental quase materno de tão brega.
— LILIIIIII! — Foi a primeira coisa que Flávia disse quando viu
Leandro pisar na sala, deslocado por não saber onde se sentar — Corre aqui,
Lili!
Com um abraço apertado, Flávia recebeu Leandro, depois os outros dois,
cheia de afago e carinho, feliz por vê-lo outra vez.
— Finalmente a gente se encontra sem ser no perrengue, né? — Ela
sorriu, segurando Leandro pelas duas mãos, tão sorridente que não se
continha. — Falei mil vezes para a Lili te convidar para a ceia, mas ela achou
que você não ia querer vir e…
Lígia demorou para sair do quarto porque era a última a se arrumar. De
salto, tão arrumada como em qualquer outro Natal, seus olhos recuperados e
perfeitamente maquiados se encheram d’água quando percebeu quem era a
visita.
— Pensei em você o dia todo — Foi a primeira coisa que ela disse,
depois de abraçá-lo com carinho — Flávia queria que eu te convidasse para
vir, mas eu achei que você tivesse outros planos e…
— Só não deu para vir sozinho, trouxe duas malas comigo — Ele se
desculpou, a recebendo num abraço fraterno cheio de felicidade, entendendo
que milagres realmente aconteciam e, com certeza, que Deus escrevia por
linhas tortas demais.
Lígia o soltou e foi cumprimentar os outros dois. Deu um aperto de mão
cortês em Daniel, se apresentou como ex-noiva de Leandro, riu para alguma
piadinha que ele fez, mas congelou ao ver o homem de terno excessivamente
caro e alinhado que estava parado logo atrás.
— Senhor McCarthy — Ela endureceu a postura, retraída e
envergonhada — Seja… seja bem-vindo.
— Obrigado. — Bataille não sabia quem era aquela moça e detestou que
seu disfarce tivesse sido descoberto.
— ESPERA — Daniel, que estava mais perto, percebeu o jeito como
Lígia recuou e ouviu bem demais a inteiração para deixá-la passar — Você
chamou o Batata de quê?
— Ele é… — Não tinha como Lígia saber que Bataille nunca tinha
revelado sua verdadeira identidade — Ele é meu chefe.
— Seu chefe. — Daniel repetiu cheio de graça — Esse porrinha aí?
Chefe da zona, né, só se for.
— Não… — Ela continuou — Não meu chefe direto, ele é chefe de todo
mundo, até chefe do meu chefe.
— Mas você não trabalha na área jurídica de uma rede de jóias? —
Leandro ouviu parte da conversa e se intrometeu.
— Sim. — E, pálida de vergonha, ela continuou — E ele é o dono.
Bataille odiava os cinco primeiros segundos de reconhecimento. Odiava
que parassem de vê-lo como um igual para perceberem sua realeza. Sabia
que, depois de reconhecido, ninguém o tratava como uma pessoa normal.
— Ourives, né? — Daniel quebrou a tensão porque era, de todos os
presentes, o mais dado.
— Ourives. — Bataille deu de ombros, ocupando um assento do sofá e
obrigando todo mundo a agir normalmente — Será que eu posso ser só
Bataille, hoje?
— Por mim… — Flávia, que deixou o peru sobre a bancada da pia, deu
meia-volta e foi cuidar do jantar — Já que é para te tratar normal, seu Batata,
me ajuda aqui com os pratos.
— Seu Batata — Leandro riu e advertiu Daniel — A gente não vai
chamar ele de outra coisa nunca mais.
— Quem perdoa é Deus — Daniel respondeu gargalhando —, eu tô aqui
que é pra dar trabalho.
Capítulo Quarenta e Sete
De tão cansada, já não sentia mais os próprios pés. Não havia qualquer
possibilidade, depois de trinta e seis horas entre escalas e voos, de
desembarcar bonita e descansada.
Segurando um apoio para o pescoço e uma manta pendurada no braço,
vestindo casaco sobre casaco e um tênis, tudo o que queria era banho e cama.
Ligou o celular ainda na aeronave que taxiava na pista. Sorriu para a
mensagem dele, ansiosa por vê-lo ao vivo e não mais por telas, e entrou no
ônibus que atravessaria os passageiros de volta para o aeroporto.
O dia mal nascia conforme as malas circulavam pelas esteiras. Enviou
uma mensagem para ele dizendo que faltava muito pouco.
Mandou também uma mensagem para seu menino e seus pais. Tinha
acabado de chegar e sabia que todo mundo, tanto do lado do Brasil quanto do
Japão, estavam preocupados com sua chegada.
A mala que trazia de volta era duas vezes maior do que a mala que tinha
ido. Num compartimento escondido, trazia sementes para seu Garden.
Noutro, eletrônicos. E trazia ainda uma porção quase insana de guloseimas
esquisitas que provavelmente ninguém realmente gostaria, mas que seria
divertido provar.
Despediu-se de sua companheira de viagem, uma garota bem mais nova
que voltava do intercâmbio num estúdio de mangás, e atravessou a fronteira
definitiva para o Brasil.
Leandro, bem vestido e de suspensórios àquela hora da manhã, andava
tenso de um lado para o outro. Ao cruzarem o olhar, ele relaxou os ombros,
esticou o sorriso e se aproximou.
Ela, que não estava nem mesmo um pouco arrumada para vê-lo, largou a
alça da mala de rodinhas e pulou nele, tascando um beijão cheio de saudades,
ali no meio de todo mundo mesmo, sem o menor pudor ou vergonha.
Fez carinho em seu rosto, analisando a maciez de sua pele, a quentura
terna, o sorriso feliz. Empurrou para o lado uma mecha de seu cabelo que
caía na testa e deu um puxão suave no elástico do suspensório.
— Bem-vinda de volta, amor. — Ele sorriu tão feliz e aberto que ela se
derreteu inteira.
— Que saudade que eu ‘tava de você!
Encheu seu rosto de beijinhos, apertando-o contra seu peito e sentindo
seu calor. Enfiou o rosto no espaço vazio entre sua cabeça e ombro, querendo
mais do calor familiar, ainda cheia de saudades, sentindo seu cheiro de banho
e perfume.
— Não foi tão ruim — Ela barganhou enquanto arrumava a bolsa que
escorregou do ombro —, né?
— Foi sim. — Leandro se queixou, fazendo bico, feito criança.
— Vou recompensar você. — Sentindo o cansaço bater, ela bocejou sem
querer.
— Sei que vai.

✽✽✽

Exausta, porém não morta. Somente ali, diante da porta de casa ainda
fechada, que se beijaram como deviam, cheios de saudade e um pouco
afobados.
Leandro, descansado, muito mais afobado que ela, estava pronto para
subir para o quarto e…
— Mas será que vocês podem guardar a sem-vergonhice para depois?
Daniel, descalço, sem camisa, mas com um avental cheio de cupcakes
desenhados, abriu a porta de casa e deu bronca nos dois pombinhos.
— Porra, tô cozinhando há horas, o mínimo que eu mereço é um ‘oi’ e
um abraço!
Não fosse por isso. Mesmo com a boca inchada e os ânimos aguçados,
Natália soltou Leandro e agarrou Daniel cheia de ternura.
— Assim já tá melhor. — Respondeu o rabugento.
— Fofinho seu avental, Dani.
— Precisa ver o do Batata.
Sem entender o que Daniel quis dizer, Natália se virou para o seu,
questionando, e Leandro só deu de ombros como se dissesse: “longa
história”.
Longa e que ele não quis contar durante o trajeto.
Quinze dias fora de casa e ela não reconhecia mais nada. Entrou em casa
se desvencilhando dos casacos, do sapato, e não entendeu por que diabos
Bataille xingava tanto seu liquidificador na bancada da cozinha.
— Me lembra de te dar outro no dia das mães, que esse aqui eu vou
jogar fora. — Ele falou sério, mesmo que fosse de piada, e lambeu a massa
do bolo de chocolate que melecava seus dedos antes de abraçá-la com
carinho e também saudades.
— Me dá um liquidificador de dias mães que eu mato você!
— Mas não é isso o que mãe gosta de ganhar de presente?
— Eu vou chutar você pra fora da minha casa! Nem meu filho me daria
uma coisa dessas.
— E Caio, tá como? — Daniel mudou de assunto e desligou o fogo da
cuscuzeira, levando a panela para a mesa já previamente arrumada e cheia de
guloseimas de padarias chiques.
— Uau, todo esse café da manhã é pra mim?
— O podre de rico chegou cheio de sacola. — Daniel resmungava, mas
seguia tirando coisas de dentro da geladeira para pôr a mesa — Veio reclamar
do meu cuscuz, quase saiu soco nessa casa.
— Isso daí não é comida, é farinha quente — Bataille rebateu só para
provocar e todo mundo percebeu.
— Por que caralhos você foi amigar desse filho duma égua? — Daniel,
sem sorriso no rosto, olhou bem para Leandro parado na divisão entre sala e
cozinha.
— Não amiguei, ele que foi chegando. — Leandro riu, puxou uma
cadeira para Natália e lhe deu um beijo no topo da cabeça quando ela se
sentou — Chá de quê, linda?
— Do que tiver.
— Tem de tudo — Daniel continuou reclamando — Leandro ficou besta
comprando.
— Tem de jasmim?
Óbvio que tinha. Com carinho, Leandro colocou água para esquentar
numa chaleira, puxou o bule de vidro e uma caneca para combinar.
Sem falar nada, Natália olhou para os três homens reclamando e se
xingando na cozinha, habituados como se vivessem juntos, e não conseguiu
conter o sorriso alegre.
Para bem e para mal, finalmente estava em casa.
Capítulo Quarenta e Oito
— Então, o Caio. — Natália puxou um mini-quiche perfeitamente
assado de uma caixa cheia de pãezinhos variados, mordeu metade esperando
que os meninos lhe dessem atenção, e continuou — Aquela pessoa que não
queria que ele fosse para o intercâmbio já virou notícia velha.
— Filho de peixe… — Bataille fez piada enquanto untava a forma.
— E ainda por cima já achou alguém no Japão.
— Ô menino rápido! — Com cuidado e carinho, Daniel fez um prato de
cuscuz, adicionou ovo mexido, manteiga e estendeu a ela. — Essa pessoa é
menino ou menina?
— É menino, mas ele não quis me falar, então eu tô esperando.
— Espera aí — Leandro parou de prestar atenção na água fervendo e se
virou para a mesa do café — Toda vez que Caio falou pessoa ele queria dizer
menino?
— Porra, coroinha.
— Nunca que eu teria adivinhado. — Envergonhado, Leandro se virou
de volta para o fogão, ignorando o olhar de troça que Bataille lhe enviava. —
Por que ele não disse?
— Ainda não é a hora dele de contar. — Natália sorriu, terminando seu
quiche e puxando o cuscuz mais para perto de si. — Quando ele quiser,
estarei aqui.
— E para você isso é de boa? — Leandro falou tão baixo que era como
se dissesse alguma ofensa.
— E o que isso muda pra mim?
— Não sei, é que… não é muito… normal, eu acho.
— Porra, coroinha. — Foi a vez de Daniel de usar o jargão.
— Caralho, coroinha. — E Bataille remedou enchendo a forma com
massa de bolo.
— Uma coisa é perversão, sei que tem quem curta, outra coisa é seu
filho.
— Se ele tá feliz, eu tô feliz. — Natália caçava uma colher em cima da
mesa, não achou, e agradeceu quando Daniel lhe estendeu uma.
— E não é perversão, coroinha — Bataille se defendeu — Quer dizer,
também. Sexualidade não é só pra putaria.
— A gente pode conversar sobre isso mais tarde, se você quiser. —
Sabendo da criação de merda que Leandro tinha tido, Natália não estranhou
sua reação.
— Eu gostaria disso. — Sorrindo, levemente menos envergonhado,
Leandro tirou a chaleira do fogão e derramou o conteúdo no bule de vidro.
Conforme a flor desabrochava dentro do bule, os quatro pararam para
assistir. Natália, sabendo o quanto aquilo era bonito e por ver seus amigos
encantados com a cena, tirou três copos de beber chá do armário, esperou que
todos se sentassem, e então os serviu.
— Obrigada pelo café da manhã de regresso, pessoal — Distribuindo os
copos cheios, ela olhou para cada um, cheia de ternura, e continuou —, mas
será que vocês podem sentar e conversar comigo, em vez de ficarem rodando
pela minha cozinha enquanto eu como?
Eles não precisaram se olhar para obedecerem. Apenas puxaram as
cadeiras, olharam seus copos com água suja, beberam reclamando que o
visual era melhor que o gosto, e continuaram com as fofocas, atualizando a
mulher dos quinze dias de ausência.

✽✽✽

Natália dormiu quase o dia inteiro e, embora Leandro quisesse fazer


outras coisas, não a perturbou. Não sabia como funcionava o jetlag porque
nunca havia saído do país, mas entendia seus efeitos ao vê-la bocejar cada
vez mais ainda na mesa do café.
Ela não podia dizer, porém, que quando acordou estivesse descansada.
Atravessaria a noite inteira dormindo para acordar apenas no outro café da
manhã, mas queria um pouco de Leandro também e, calculando entre seu
sono e seu tesão, optou por sanar o segundo.
Desceu as escadas ainda com muito sono e o encontrou trabalhando, de
computador aberto, na mesa da cozinha.
Olhou para um lado, olhou para o outro e não achou Daniel em lugar
algum.
— Cadê os meninos?
— Mandei embora — Leandro respondeu baixando a tampa de seu
computador. — Não fosse isso, estavam enchendo o meu saco até agora.
— Gosto da amizade de vocês três.
— Conveniência — Leandro a corrigiu. — Amizade, não.
— Certo.
— E você? Tá descansada?
— Não muito. — Respondeu sorrindo arteira, louca de saudades, e tirou
a camiseta que usava para dormir sem fazer charme.
— Você… — Ele pigarreou engraçado, se levantando da cadeira,
também tirando a própria roupa — Não quer voltar a dormir não, né?
— Depois. — Sorrindo ainda, se aproximou dele, largando a calcinha
pelo meio do caminho.
— Depois, é?
Fome e tesão como se tivessem ficado dois anos separados. Como uns
loucos, feito fogo instantâneo, ele a colocou sobre a mesa da cozinha, distante
de seu computador apenas o bastante, e a beijou com tanto tesão que ela
gemeu.
— Da próxima vez, eu vou junto. — Ele decidiu — Não dá para ficar
tanto tempo sozinho assim.
— Achei que aguentaria melhor — Ela confessou abrindo os botões da
calça dele, tinindo de tanto tesão ao ver sua barriga se contrair, e afastou mais
as pernas para que ele pudesse entrar.
— Nem telefone, nem nude foi o bastante.
Quando ele entrou, tudo esquentou por dentro. Quase gozou sentindo-o
entrar, num tesão tão dolorido que entendeu que nenhum dos dois duraria
muito.
Sem querer parar, esparramou-se pela mesa de jantar, se deitando,
abrindo mais as pernas, sentindo as mãos dele a agarrarem pelas ancas com
tanta força e urgência que sua lombar descolava da toalha de mesa.
Por outro lado, ele entrava e saía devagar. Sabia como ela preferia,
mesmo que a sua vontade fosse meter até se acabar, ele não faria isso com
ela.
Com o polegar de uma das mãos, roçou no clitóris dela, imediatamente
inchado e melado, mas não conseguiu manter a gentileza naquele ponto.
— Se você gozar, eu tiro.
Natália abriu os olhos na mesma hora, surpresa pela ordem e pela voz de
veludo.
Ele sorria sabendo o que estava por vir, queria desafiá-la só para perder.
Sentia falta do sexo baunilha, do sexo pelo sexo, por senti-la e tocá-la, mas
também sentia falta de seu outro lado.
Queria tudo ao mesmo tempo, tudo de uma vez, sem querer esperar um
acabar para começar outro. Só a queria, do jeito como se tinha se apaixonado
e como continuaria pelo resto da vida.
Levou um tapa no rosto pela malcriação e não conseguiu esconder o
sorriso alegre. Entrou nela outra vez, mais urgente. A mão voou do clitóris,
apertou sua cintura com mais força, puxou sua bunda para mais perto de si,
afastando suas nádegas, entrando e saindo tão lentamente que doía.
— Mais devagar — Ela mandou e ele não quis obedecer. — Leandro.
— Não, amor, isso não. Por favor.
Ela sorriu como um demônio, colocando as mãos sobre as dele, sentindo
o aperto tão forte que machucava.
Na mesma hora, ele parou de apertá-la com tanta garra e suavizou as
mãos. Pediu perdão sem falar, engoliu o tesão que escorria e fechou os olhos
tentando se controlar.
— Devagar.
Sentindo-se um pouco culpado pelas marcas que tinha deixado em seu
corpo, ele desacelerou mais, quase sem ânimo, tão devagar diante daquela
mulher aberta e vermelha que parecia um sacrilégio.
Ela, por outro lado, colocou a mão no próprio clitóris, num ritmo forte e
acelerado, do mesmo jeito que ele queria comê-la, tão descontrolada e cheia
de tesão que Leandro nem percebeu quando acelerou o compasso.
— Se você gozar — ela devolveu a malcriação —, eu paro.
— Você não é louca.
— Quinze dias e não me obedece mais?
— Vivo pra te servir, amor — Por que ele disse isso? Por que ele disse
isso assim, desse jeito, com essa voz molhada, cheio de desejo e tesão, e tão
perto do ouvido dela?
Pois bastou dizer. Fugiu do controle, ela jamais havia imaginado gozar
assim. Algo dentro dela se expandiu, ela não conseguiu mais mexer a mão do
clitóris, seu quadril avançou para perto dele, se abrindo, querendo e pedindo
por mais, e sua cabeça se estilhaçou em mil pedaços de Leandro.
Ele, ao perceber, a puxou para mais perto, deitou sobre ela, a segurando
com força no lugar e perdeu o controle. Com Natália ao seu redor, forçando
seus músculos sem perceber, ele sequer conseguiu pensar antes de ir junto, a
cabeça nas estrelas e o pau enterrado nela, bem no fundo, tão carente pela
ausência que foi como se ele tivesse voltado de viagem também.
Deitou, sem querer, a cabeça em seu peito. Meio como se tivesse
perdido as forças. Saiu de dentro dela, encarou seu rosto vermelho e inchado,
e sentiu uma pontada de tesão que não estava nada satisfeito com aquela
rapidinha sem-vergonha.
Se ajoelhou na frente dela, observando a vagina que escorria porra,
olhou para ela, que ergueu a cabeça da mesa só para observar, e lambeu.
Sentindo a língua macia em cima de seu clitóris muito sensível, ela se
deitou na mesa outra vez, apoiou os pés em seu ombro, esticou uma das mãos
até alcançar seus cabelos e o puxou com gosto, esfregando seu rosto contra si
mesma, sentindo a vontade voltar com força, cheia de saudade e tesão pelo
tempo fora.
— A minha coleira — Ele parou de chupar, entrou com os dedos e ficou
fazendo carinho lá dentro.
— O que tem?
— Me dá.
— Volta com a boca, Léo.
Ele voltou, mas ainda sim queria saber da resposta.
— Não é aqui que eu vou te dar ela.
Ele queria dizer alguma coisa, mas não queria parar de chupar. Olhou
para cima, com a boca colada, procurando falar qualquer coisa sem precisar
usar a língua.
— Você é meu, sabe disso, não sabe?
Ele balançou a cabeça que sim e a mordeu.
— Mas ainda não tá pronto.
— Pelo amor de Deus, caralho, não faz assim comigo.
Com tesão do jeito que estava, cansado de fantasiar e olhar para aquela
caixa vermelha fechada sobre a mesinha de cabeceira, ele se levantou, entrou
nela com tudo, sem carinho nem lentidão, e terminou de dizer enquanto ela se
acabava:
— Sabe há quanto tempo eu tô olhando para aquela merda?
— Léo…
Não tinha nem Leo nem Leandro. Tinha tesão de homem submisso, com
saudade, de bolas azuis de tão doloridas, louco para brincar, para apanhar,
para ficar morto deitado no chão, com a bunda dolorida, os braços
machucados e nenhuma voz de perdão.
Tinha tesão acumulado de alguém que, embora submisso, tinha
escolhas. Entendia, conforme os dias passavam, que nem tudo se resumia a
servir. Ele era um homem adulto, consciente das próprias vontades, cada vez
mais atento aos próprios desejos, mais faminto por punições e, agora que a
sua própria vontade estava finalmente desperta, nem quando ele respondia
com “sim, Natália”, ele largava mão da própria autonomia.
— Tá há quinze dias me testando, Natália.
Ela sorriu tão má, mesmo a ponto de gozar de novo, que ele teve que
fechar os olhos para não se derramar antes da hora.
— Tô há quinze dias imaginando como ela é.
— Você não abriu a caixa?
— Eu quero que me mostre.
— Ainda não é a hora.
— Não fala isso, linda. Me dá o que é meu.
Com carinha de ruim, ela se sentou na mesa, ainda muito na beirada para
se sentar com segurança, trançou as pernas atrás das pernas dele, sentindo-o
entrar e sair como um doido, e lhe negou a única coisa que ele tinha pedido:
— Não.
Queria tanto, mas tanto, que ouvir o “não”, mesmo com voz de cama, o
deixou imóvel. Toda vez que olhava para aquela caixa ele imaginava que
Natália, quando voltasse de viagem, imediatamente lhe daria o que era seu
por direito.
Como ele conseguia manter a ereção prestes a chorar?
— Estou cansada demais para te punir como você merece. — Mesmo
assim, como boa Domme, ela não o deixaria sem uma explicação.
— Não me importo.
— A decisão não é sua.
— Por favor. — Ele pediu.
— Não.
— Não faz assim, amor. Me dá o que é meu.
— Diz de novo.
— Me dá o que é meu.
— Não, lindo, a parte sobre viver para me servir.
— Posso acelerar só um pouquinho?
Entrando num ritmo intermediário, entrando e saindo como se sua vida
dependesse disso, sentindo as lágrimas do choro de antes se acumularem nos
cantos dos olhos, ele a abraçou com posse, muita fome e força, encostou a
boca em sua orelha e explodiu:
— Eu vivo para te servir, Natália.
Capítulo Quarenta e Nove
Embora fossem amigos por conveniência, ninguém do Stage foi capaz
de engolir as bebidas que tinham na boca. Um loiro, um preto e um moreno
entraram pela porta da frente, vestidos iguais, e ninguém tinha cabeça para
mais nada.
Bataille, que não tinha uma gota de submissão no sangue, chegou de
camisa e harness por cima. Os outros dois, mais submissos, entraram com a
mesma roupa, porém, sem camisa.
Leandro, entretanto, usava um harness da cor de sua Domme, vermelho,
enquanto Daniel se mantinha de preto.
Encostaram no bar, pediram suas bebidas, e não olharam para ninguém.
Avançaram para o canto favorito deles, onde Natália costumava se sentar
com Bataille, mas Leandro ficou de joelhos, conforme lhe foi ordenado, de
frente para a cadeira vazia de uma Natália que demoraria um pouco pra
chegar.
— Hm, loirinho, se eu tivesse com vontade de meninos hoje, hein? —
Bataille quebrou o silêncio, segurando os lábios bem amarrados para não rir
de um Leandro de cabeça baixa e de joelhos.
— Cala a boca. — Leandro grunhiu.
— Tá tão bonitinho assim…
— Cala a boca, porra.
— Natália disse que ele tá se comportando mal, ultimamente. — Daniel
colocou lenha na fogueira — Convivência contigo, Batata.
— Se ele fosse meu, nunca teria nem aberto a boca.
Muito constrangido de ter de ficar de joelhos na frente daqueles dois,
mesmo que seu corpo estivesse virado apenas para a cadeira vazia que
esperava por sua dona, Leandro olhou para a entrada do pátio, por onde
Natália apareceria a qualquer momento, e rezava para que ela não quisesse
exibi-lo.
— Ih, pode esquecer. — Bataille pareceu ler os pensamentos de Leandro
e esticou as pernas, se acomodando melhor na própria cadeira — Do jeito que
Natália é, ela só vai aparecer quando você estiver de saco cheio e muito
irritado.
— Então já tá na hora.
— Mas e você? — Bataille trocou o alvo das provocações.
— Eu o quê? — Daniel rebateu.
— Veio para ser escolhido por alguém ou tá querendo provar o outro
lado da moeda?
— Só vim. — Daniel respondeu bicando sua cerveja gelada — O resto é
resto.
— Mas você beija homem?
— Quanta educação. — Daniel sorriu de esguelho percebendo a
mudança de comportamento de Bataille — Tá com vergonha, é?
— Não sinto uma vibe bi vinda de você.
— Pois é, para o seu azar, não curto homem.
— Para o meu azar, não, para o seu azar.
Esperando Natália chegar, Leandro não conseguiu desviar a atenção da
conversa. Olhou de um colega para o outro, estranhou o jeito de Bataille de
perguntar, ficou louco para perguntar algumas coisas, mas preferiu ficar
calado.
— Sim, loirinho, meu radar bi apita pra você.
— Não perguntei.
— Negar é pior. — Com o indicador, Bataille fez um sinal para uma
mulher do outro lado do pátio, segurando um drink doce numa taça, e ela
caminhou até ele, rebolando e com o passo lento, até chegar e receber ordens
para se sentar em seu colo.
Leandro não conseguiu se controlar. Olhou a moça pelada se sentar e se
lembrou, automaticamente, de quando Natália o fez assisti-lo transando.
Engoliu em seco repelindo o “radar bi” que ecoava em sua cabeça,
virou-se para a porta ignorando as conversas, os dengos da desconhecida em
cima do outro, as risadas calorosas e os próprios impulsos.
— Natália tá te treinando tão mal que eu tô com vergonha. — Mesmo
com a garota no colo, Bataille puxou conversa. — Ela tá apaixonada por você
desde que te viu, e só por isso, só por isso, não vou brigar com ela sobre seu
treinamento.
— Ela me treina como quiser. — Leandro se defendeu.
— Endireita essa coluna.
A voz de Bataille não era mais a de um colega debochado, cínico e
inconveniente. Era uma voz vertical, que indicava propriedade, demandava
respeito e ninguém tinha coragem de contrariar.
A resposta de Leandro foi automática e ninguém riu. Daniel ficou
surpreso pela reação do amigo, mas não quis rir, pelo contrário, ficou tão
curioso que não parou de observá-los.
— Rosto sempre voltado para o chão.
Leandro baixou a cabeça até quase seu queixo encontrar seu peito.
— Assim está bem melhor. — Disse e virou-se para Daniel, com um
meio sorriso no rosto como quem dizia “eu não te disse?”. — E você.
— O que é, Batata?
— Vou te treinar pra Dom.
— E quem falou que eu quero?
— Vai querer quando eu te ensinar.
— Não tô a fim de sair batendo na mulherada.
— Nunca ergui a mão para as minhas subs. — E corrigiu-se antes de
prosseguir — Uma ou outra ainda gosta, sei que gosta, então eu dou, mas isso
não é obrigatório.
— Gostei de apanhar. Talvez eu seja só sub.
— Quando eu te provoco, você me responde friamente. Quando um sub
é só sub, geralmente eles me respondem que nem o coroinha.
— O quê? Puto da cara?
— Esse é o ponto, Daniel.
— Ok. — Ele ponderou — Se quiser me ensinar, tô disposto, mas não
hoje.
Natália levou duas horas para chegar. Leandro não aguentava mais seus
joelhos e as provocações de Bataille. Estava tão bravo que acreditou que todo
o seu tesão tinha sumido. Tão desgastado que a brincadeira já não tinha mais
graça.
Pois foi quando ela chegou, com botas acima dos joelhos, vermelha para
combinar com o resto de sua roupa, os cabelos soltos e os lábios
criminalmente da mesma cor, que Leandro se esqueceu dos joelhos, dos
desaforos, e só tinha olhos para o que ela trazia na mão.
De sutiã e calcinha rendados, sem qualquer outro acessório para se
cobrir, ela desceu os degraus que separava o salão do quintal segurando a
caixa vermelha que havia ficado tempo demais em cima da mesinha de
cabeceira.
— Essa é a minha Lady Nïn. — Bataille sorriu como um pai orgulhoso
conforme cada uma das cabeças do Stage se virava para contemplar a deusa
que se aproximava.
— Lady Nïn? — Daniel pareceu não entender.
— Você não acha que meu nome seja mesmo Bataille, acha?
— Depois do Natal eu tenho certeza que não é, mas não quis perguntar.
— Lady Nïn é o pseudônimo dela, assim como Bataille é o meu.
— Agora eu tô surpreso.
— Tudo errado. — Bataille reclamou — Não posso deixar essa mulher
se apaixonar que ela caga em tudo.
— Oi, rapazes.
Voz feita para quebrar, visão feita para entorpecer. Enquanto Leandro
babava para o chão de pedras, os outros dois lhe sorriram, parte encantados,
parte educados, e Bataille não teve coragem de brigar com ela.
— Tá gata. — Daniel foi o primeiro a responder.
— Tô, é?
— Muito gata. — Bataille concordou.
— Quem sabe um dia a gente não brinca os quatro, não é?
Falou sem um pingo de vergonha, um pingo de arrependimento. Com
apenas uma frase, tombou três homens feitos e se sentou em sua cadeira
predileta, olhando para os três sem esperar que respondessem.
— Existe essa possibilidade? — Curioso que Daniel quem havia sido o
primeiro a perguntar.
— Você está a fim desde aquele dia que o Léo apareceu de harness na
minha frente.
— Até tô, mas… Você tá apaixonada e…
— Ninguém vai beijar ela. — Aquilo era uma condição de Leandro ou
uma negativa para a proposta que Natália havia deixado no ar?
— Ele não fica fofo quando é contrariado? — Fosse o que fosse, Natália
simplesmente o ignorou.
— Parece um tonto.
— Não te dei permissão para falar assim com ele, Bataille.
E o mais curioso aconteceu.
— Perdão, Lady.
Daniel escondeu a risada, mas Leandro sentiu uma pontada de orgulho
por ser defendido.
— Há quanto tempo você está de joelhos, lindo? — Quando Natália
finalmente voltou sua atenção para seu amor, o mundo começava e terminava
em seu rosto.
— Desde que chegamos.
— Pode se levantar, fazer o que tiver que fazer para se aliviar, e me
traga um gim na volta, ok?
— Sim, Natália.
Sem dizer mais nada, nem olhar para trás, Leandro finalmente se
levantou, não percebeu o quanto sua ereção marcava na calça, e saiu, sem dar
as costas para sua mulher até uma distância segura, e finalmente se foi.
— Tá apaixonado na Natália desde quando, Daniel? — Bataille tinha
uma língua tão comprida, mas tão comprida, que se ele fosse um pouco
menos inteligente do que era, se enrolaria nela.
— Nunca fui. — Daniel respondeu e deu mais um gole em sua cerveja.
— Só quero brincar com o casal.
— Nunca foi? — E, relaxando a postura provocadora, rebateu com o
inevitável — Tá melhor que eu, então.
— Por quê?
— A primeira vez que Natália pisou nesse bar, quase enlouqueci.
— Nunca daríamos certo. — Ela respondeu aos dois — Bataille é lindo,
rico, elegante, inteligente, já falei o quanto esse homem é lindo? Mas… ele
precisa de uma sub que o tire do sério, alguém com quem bater de frente, e eu
não sou essa pessoa.
— Vocês são tão adultos que até eu fico sem graça. — Daniel recuou.
— Se você não falar daí para pior, ele monta em cima.
— Lembra do que te falei? — Com um sorriso por dar, Bataille deu o
primeiro gole em seu uísque.
— Pega leve com o Léo, tá? — Sentando, ela cruzou uma perna sobre a
outra e observou os passos de Leandro do outro lado do pátio. — Ele ainda é
um neném quando se trata de tudo isso.
— Você o treinou muito mal.
— Nunca quis que fosse só meu sub. O treino vem com o tempo, o que
eu queria era ele inteiro.
— Não sei se gosto dessa tática.
— Vai ver que eu tenho razão quando e se ele te quiser.
— Você pode mandar que ele me queira.
— Leandro não é um brinquedo para mim, Bataille, e você sabe bem
disso.
— Deus, como eu odeio Domme apaixonada.
Leandro não demorou muito para voltar com uma taça na mão. Sem
sorrir, entregou a bebida esperando pelo menos um beijo de sua mulher, e
ficou parado diante dela, a ereção na altura de seus olhos, esperando pela
próxima ordem.
— Tá vendo como sem treinamento é melhor? — Natália cutucou o
amigo, enviando-lhe um olhar devasso e malicioso, indicando discretamente
para a ereção de Leandro. — Lindo — Natália se virou para Leandro —, você
precisa de água ou alguma coisa?
— Não, amor.
— Tá plugado como mandei?
Ele parecia um pimentão quando respondeu com um “sim” tímido e
escondido entre os ombros.
— Ótimo. Sobe e me espera.
— Não aguento mais esperar.
— Ótimo. Agora suba e me espere.
Ele odiava ter que esperar. Odiava se envergonhar em público. Seu
sangue esquentava só de imaginar que agora ela ria com os amiguinhos
enquanto ele subia, pisando duro, para esperar não se sabe quantas mais
horas.
Atravessou o corredor do andar superior e parou diante da única porta
possível: o quarto onde tinha acontecido a primeira vez deles, o menos
fetichista, o mais comum.
Abriu a porta já destrancada e sorriu. Natália sabia que ele jamais
escolheria qualquer outro quarto e tinha deixado tudo previamente preparado.
Um chicote vermelho esticado bem no meio do lençol, muitas toalhas
sobre uma das mesinhas de cabeceira e um espelho de corpo inteiro
cuidadosamente posicionado aos pés da cama, virado para o móvel, feito para
que alguém assista o que quer que acontecesse sobre o colchão.
Respirou fundo sem conseguir se conter, pensando no como Natália
ficaria linda quando estivesse pelada e na frente do espelho, e levou um susto
quando o plug vibrou entre suas nádegas.
Não sabia que aquele troço vibrava. Não sabia como nem por quê ele
tinha começado a vibrar somente ali, mas susto passado, entendeu que
esperaria bastante até que ela subisse para encontrá-lo.
Capítulo Cinquenta
Ela amava o quão bravo ele era capaz de ficar. O quão perdia o filtro.
Era como se alguém soltasse a guia de um cachorro feroz e o mandasse
morder.
Enquanto bebericava seu gim e conversava com Bataille, porque Daniel
já tinha achado uma Domme que o quisesse, de vez em quando abria o
aplicativo de celular e apertava um botão para que o plug anal de Leandro, no
andar de cima, vibrasse.
Era a primeira vez que o testava e ficou com medo que o bluetooth não
pegasse entre os andares, mas por sorte, funcionou.
Imaginava seu homem em pé, de um lado para o outro no quarto,
sentindo a vibração no cu, e mal se continha. Se era tortura para ele, era para
ela também.
Cada vez que o provocava, precisava cruzar as pernas com mais força.
Sentia uma gotinha se formar entre seus lábios e escorrer na virilha.
Queria conversar, mas não tinha atenção alguma para isso. Disfarçou o
rosto vermelho como pôde e, cada vez que tinha que fechar os olhos para não
subir e atacá-lo, Bataille, ao lado, se esborrachava de rir.
— Tem uma função nesse aplicativo que coloca a vibração para oscilar.
— Tem? — Com a voz embargada, ela precisou pigarrear — Onde que
eu acho?
— Aqui, Natália. — Com dois cliques rápidos no celular dela, Bataille
abriu uma janela cheia de opções e mostrou um timer de quinze minutos e a
função “aleatória” como uma checkbox. — Se ele não tiver gozado na calça
depois disso, pode dar um prêmio para ele.
— Como você sabe?
— Comprei um desses.
— Pra quem? Você nunca foi de dar presentes!
— Pra ninguém. — E, com uma piscadela charmosa, não disse mais
nada.
— Tá trocando de lado?
— Ninguém me dobra.
— Você reclama que odeia Domme apaixonada, mas olha só quem está
esperando pela princesa encantada.
Bataille não respondeu e voltou a atenção para seu copo. Deu um gole,
acenou para uma conhecida do outro lado do bar, espiou o aplicativo aberto
na mão de Natália e deu uma risadinha cúmplice, observando o jeito como a
amiga se comportava com o celular na mão, as pernas muito cruzadas, os pés
nervosos e o cheiro que mulher alguma no mundo conseguia disfarçar.
— Vou caçar sarna.
E, tendo dito, deixou Natália sozinha.
Ela, por outro lado, contava os minutos. Apertou o modo aleatório e o
deixou vibrando, mas não aguentou por muito tempo. Desligou, mas não se
conteve em apenas esperar, e religou.
Conseguiu repetir o processo por apenas vinte minutos. Padecia com a
própria tortura. Subiu quase correndo, os pés um pouco atrapalhados, mas
hesitou quando encontrou a porta certa.
Jamais se permitiria entrar sem fôlego. Enquanto Natália, se permitia
recuar e retroceder, reclamar um pouco manhosa, abrir mão do controle,
deixar que Leandro assumisse a dianteira.
Como Domme? Jamais. Ajeitou os cabelos para trás dos ombros,
assumiu a posição de pedra e respirou fundo.
Entrou no quarto como se tivesse acabado de chegar no Stage. Como se
o aplicativo e o plug fossem tortura só para ele.
Fingiu que seus joelhos não derreteram quando o viu debruçado no
colchão, as mãos agarradas ao lençol da cama, joelhos no chão e o maxilar
tão travado que saltava em sua face.
Leandro suava em bicas. De harness adornando o corpo perfeito, o rosto
estava tão vermelho que contaminava os ombros, as costas, os bíceps. Com as
veias de seus braços saltadas, ele se segurava no lençol com tanta força que
Natália quase largou o celular em qualquer lugar para montar nele e dar até
cansar.
Leandro estava tão fora da casinha que tremia. O corpo inteiro parecia
vibrante como um fio desencapado. O rosto era uma mistura confusa entre
sofrimento e prazer, até seus olhos estavam vermelhos e suas pupilas
dilatadas como se estivesse entupido de droga.
Ela atravessou o quarto fazendo barulho no assoalho com suas botas, e
colocou o celular no primeiro apoio que viu.
Ao contrário do que ela previa, Leandro não disse uma palavra sequer.
Esperava que ele passasse do doce namorado para o macho sem instrução
básica, o que acontecia com frequência, mas daquela vez, ele simplesmente
emudeceu.
Sentindo o suor excitado escapar, ela puxou o chicote de cima da cama.
Ele não fez questão nem de olhar quando ouviu o estalo no piso. Puxou
todo o ar que conseguiu, prendendo-o, e estava a um passo de começar a
rezar.
Natália apertou um botão do aplicativo sobre a mesinha e o plug
obedeceu, vibrando lentamente, apenas o suficiente para que Leandro não
conseguisse se esquecer.
— Endireita a postura.
Com a voz tão seca e dura, que Leandro se sentiu culpado por não se
segurar melhor. Obedecendo, ele soltou o lençol, mas continuou com a
barriga encostada na madeira da cama, e baixou a cabeça instintivamente.
— Conte para mim.
O primeiro golpe o atingiu no meio das costas, horizontalmente, tão
brutal que ele respondeu com um grunhido.
— Um — ele rosnou entre os dentes, sentindo a dor se espalhar
lentamente, esquentando tudo, piorando um caso sério.
O segundo ela deu um pouco mais para cima, as lágrimas pularam de
seu rosto, ele mal as sentiu escapar. Ainda com a dor do primeiro golpe, mal
conseguiu gemer um “dois” quando ela ameaçou puni-lo.
Num movimento brusco, ela abaixou suas calças sem desabotoá-la
primeiro, sorrindo para a bunda contraída e dura. Com apenas um dedo,
percorreu a nuca dele, depois a espinha, então a base da coluna.
Leandro respirou fundo pensando no que viria depois, sem conseguir se
controlar, e agarrou novamente o lençol, pronto para se deitar no colchão e
acabar logo com tudo.
Ela, porém, tinha outros planos. Segurou a base do plug entalado entre
as nádegas e o girou lentamente.
— Caralho, caralho, caralho, caralho…
— Aí está você. — Com uma risadinha maldosa, ela puxou apenas um
pouquinho do plug para fora, ouvindo-o xingar loucamente, e lambeu o suor
que escorria do pezinho de seu cabelo.
— Nat, por favor. Chega.
Subiu a velocidade da vibração no aplicativo e Leandro não conseguiu
fazer nada além de jogar o dorso na cama, tremendo muito, os golpes do
chicote muito vivos ainda para que não doessem.
Deu a terceira chicotada enquanto ele se contorcia, nas nádegas, com
todo o cuidado do mundo para não atingir seu saco.
— Mais uma e eu gozo. — Ele achou por bem argumentar — É sério,
chega. Eu não…
— Você não está contando.
— Vou estragar a brincadeira, assim eu não consigo, por favor, amor,
me dá só um tempo para eu…
A quarta chicotada o tomou nos ombros.
— Filha da puta, filha da puta, filha da puta-
Leandro puxou o travesseiro como se pudesse se salvar e enterrou a
cabeça, mordendo-o. Sentindo a dor e o prazer se misturarem, abraçou o
travesseiro, convulsionando enquanto tentava impedir a onda de orgasmo se
alastrar, e abafando os gemidos que pareceram altos demais e um pouco
desordenados.
— Vou precisar te bater mais ou você vai contar comigo?
— Três — ele falou entre os dentes — e quatro.
Antes que a quinta chicotada chegasse, ela puxou uma venda de sua
bolsa mágica, enfiada previamente embaixo da cama, e o cegou. Leandro não
entendeu o motivo da venda se tinha um espelho bem diante da cama, mas
não se atreveu a perguntar.
De todo jeito a distração serviu para conter seu orgasmo.
Ele sentiu a vibração do cu parar e respirou confuso sem saber se estava
aliviado ou decepcionado. Sentiu também quando ela o removeu e prendeu a
respiração, sentindo cada centímetro do plástico eliminar um resto de
consciência que possuía. Tentou prestar atenção aos barulhos só para saber
qual seria sua próxima tortura, mas não ouviu nada.
Foi quando sentiu um de seus mamilos pinçados por qualquer coisa de
pressão. Na hora não sentiu nada demais com aquilo, nem dor ou qualquer
outra coisa, mas quando ela prendeu o segundo e os puxou, ao mesmo tempo,
ele não sabia se sentia tesão ou vergonha de ter prazer ali.
— Se você achou que eu deixaria qualquer parte do seu corpo de fora, se
enganou — Ela respondeu ao perceber a confusão do parceiro, lambendo sua
bochecha.
De resposta, Leandro tentou roubar um beijo, ganhar qualquer carinho,
mas ela era mais esperta. Respondeu-lhe com um tapa ardido, de repreensão,
mas que só serviu para que Leandro travasse os músculos e sentisse o próprio
cu.
— Sabe o quanto estou molhada de te ver assim? — Falava carregada de
maldade, com uma voz tão densa e molhada, que Leandro suspirou
apaixonado e perdido só de ouvi-la. — Deita.
Ele não sabia se ela o queria deitado no chão ou na cama, mas também
não queria perguntar, então largou o travesseiro, deitou-se de costas no
assoalho, com as calças arriadas no meio das coxas e a bunda nua, sentindo o
gelado do piso encontrar suas costas sensíveis e machucadas.
Não se lembrou de nada disso quando ela se sentou sobre ele, não sobre
o pau pronto e todo babado, mas no rosto. Leandro só estendeu a língua,
louco pela viscosidade, o gosto, o cheiro, e atolou as mãos livres em cada
pedaço de pele que conseguiu.
Ele não sabia dizer quem gostava mais, mas suspeitou que fosse ele
mesmo. Enquanto Natália cavalgava em seu rosto, esfregando-se contra ele
sem qualquer preocupação se respirava, seu pau pulsava, subindo e descendo
conforme ele apertava o músculo, dançando sobre os gomos perfeitos de uma
barriga melecada, brilhante de suor, e vermelha.
Piorou quando ela o puxou pelos grampos. Leandro não podia ver, mas
entendeu que eles eram conectados quando ela puxou ambos de uma vez.
De resposta, arqueou as costas, flexionou os joelhos e enterrou a cara ali
no meio, sentindo o vai-e-vem dela sobre seu rosto, gemendo entre as
chupadas, as lambidas, tão louco de tesão que bastaria um comando para que
se acabasse.
Natália, conforme sentia o prazer chegar, descia as mãos para mais perto
do pau dele. Um pouco por vez de forma que ele ficasse totalmente alerta.
E, quando foi a vez dela de gozar, gemendo bonito e com as unhas
enfiadas em sua carne, Leandro esperou que ela o chupasse, mas a única
coisa que ela lhe deu foi uma lambidela mínima.
— Chupa mais, linda.
— Calado.
— Só um pouquinho.
Desmontou de cima dele e o puxou pelos cabelos. Não tinha conversa
naquela vez, ele não tinha o menor poder de barganha. Pelos cabelos, o
ergueu e o colocou na cama.
— De joelhos.
O que ela disse, somado ao como, arrepiou sua espinha até atingir seu
saco. Natália finalmente desabotoou sua calça, mas não fez qualquer outro
movimento.
Leandro ouviu uma série de barulhos de zíper, como se ela caçasse
qualquer coisa, ouviu alguns plásticos se batendo, algum lacre rompido.
Não fazia ideia do que viria a seguir, mas não conseguia se manter são.
Já estava fora da casinha há muito, não tinha mais como voltar a ser o
namorado bonzinho de antes se não gozasse nem que fosse numa punheta
mal batida.
Sentiu uma pressão mínima no peito, acima dos grampos, como se ela
riscasse sua pele. Ouviu a risadinha maldosa e divertida e não se atreveu a
pedir para ver. Esperou ansiosamente, louco para tirar a venda, enquanto ela
fazia o que quer que fizesse.
— De quatro. Mãos para trás.
Obedeceu desejando que ela não prendesse suas mãos. Ele não tinha
mais força alguma no abdômen para se manter de quatro sem os apoios dos
braços. Sentiu a depressão na cama quando ela subiu, o couro de suas botas
roçarem na parte interna de suas coxas e, depois, outro consolo pedindo
licença entre suas nádegas.
— Não, não, não, não…
Ele protestou, sentindo o lubrificante facilitar o acesso, sentindo cada
centímetro conforme o brinquedo o alargava, e gemeu quando ela empurrou
com tudo.
Usou uma das mãos para se apoiar e se mexer, sem conseguir ficar
parado, quase investindo contra o pau de borracha para gozar logo.
Natália, pacientemente, puxou sua mão de volta para as costas, as
prendeu num nó sofisticado com um pedaço de corda e Leandro, com a
cabeça enterrada na cama, gemia de prazer e descontentamento, cada vez
mais vocalizado, descompassado e um pouco perdido.
Sem dó, ela acelerou o ritmo contra ele, passou as unhas nas costas
sensíveis, estocando cada vez mais forte e rápida, do mesmo jeito que ele
gostava de estocar.
Segurou seus pulsos sobre o nó da corda só porque gostava de vê-lo tão
rendido e, quando sentiu que estava prestes a gozar apenas com a base do pau
de borracha que roçava em seu clitóris, enquanto o mantinha preso na cinta-
caralha, tirou a venda do rosto dele e lhe deu um puxão pelo cabelo,
forçando-o a se olhar pelo espelho que os flagrava.
Leandro tinha escrito no peito: “propriedade de Natália” que ela tinha
tido o cuidado de escrever com as letras invertidas para que fosse legível pelo
reflexo.
Mas o pior não era isso. Se via inteiro vermelho, desgovernado,
descontrolado, lindo como nunca antes.
E, no pescoço, a coleira vermelha que ele tanto quis.
Bastou olhar a coleira, a marca de posse, o escrito em preto e um pouco
borrado, que ele olhou para o rosto dela, através do espelho, sabendo que ela
também estava a um passo de gozar, e se chocou contra o consolo de
borracha, abrindo bem as pernas, sem conseguir se controlar.
Ele nunca tinha gozado tão alto. Não era um urro, não era um grito. Com
Natália ainda lhe segurando pelos cabelos, ele não conseguiu enterrar a cara
no colchão, então o que saiu foi um meio suspiro, meio gemido, meio
qualquer coisa vocalizada que desse conta de explicar o que o corpo sentia
naquela hora.
Tão intenso e cheio de significados, que o orgasmo pareceu durar para
sempre. Natália gozava junto, roçando o clitóris na base do brinquedo,
estocando contra ele, sem encostar em seu pau, mordendo uma parcela de
suas costas cujos vergões de chicotada pareciam piores.
— Porra, caralho, que tesão, Natália, que...
— Vira.
Com um puxão simples, ela desfez a atadura nos pulsos e ele se virou,
desencaixando do pau de borracha, deslizando por baixo dela sem
desobedecer.
Ele não conseguiu fazer nada além de sorrir como um louco quando
alguma coisa muito quente e muito possessiva se acendeu nos olhos dela.
Desceu os olhos, lascivos e cheios de tesão, para o escrito no peito, e se
encaixou nele, sentindo-o um pouco mole.
Deu um tapa em seu rosto, sem sorrir, ainda muito má e possessiva e se
sentou com tudo, ditando o ritmo, sentindo-o enrijecer lá dentro.
Tirou a correntinha que unia os grampos de mamilo para atá-la à coleira.
A julgou muito frouxa e a apertou um pouco mais. Só então, com a coleira
bem justa, que puxou seu pescoço pela corrente.
Segurando-o, quase descolando sua cabeça do colchão enquanto
rebolava tão rápido, tão gostoso, que Leandro a olhava com a boca
entreaberta, os olhos apaixonados loucos de pedra, e a língua gelada pelo
tanto que respirava errado.
Ela só parou de puxá-lo pela corrente quando estava prestes e a gozar de
novo. Debruçou sobre ele, apenas o bastante para que seus mamilos roçassem
nos grampos, muito sensíveis, conforme ela rebolava, e tomou sua língua fria
num beijo.
Leandro a abraçou pela cintura colando os corpos bem juntos e estocou,
travando seu quadril para que ela não saísse do lugar.
Natália chupava sua língua quando gozou. Parou de beijar e lamber, só
queria gozar, e gemeu baixinho, muito manhosa, cheia de timbre feminino e
sussurros como se aquela fosse a recompensa de Leandro por ter sido um
bom menino.
Leandro demorou muito pouco para encontrá-la no pico.
Capítulo Cinquenta e Um
Três meses depois

Ela estava tão nervosa para rever Caio que mal tinha dormido. Leandro,
que entendia, havia deixado tudo pronto logo na noite anterior. Ver Natália
tão acesa e preocupada o deixava preocupado em dobro.
Caio estava finalmente voltando para casa. Depois de seis meses tanta
coisa estava diferente e Caio voltava para o lar. Natália arrumou a cama do
filho, o quarto, e Daniel preparava o café da manhã não na mesa de casa, mas
na mesa de um Garden fechado, pois era domingo.
Ninguém tinha dormido muito naquela noite. Cada um deles pensava em
como receber o garoto de forma que ele se sentisse em casa de novo.
A mãe tinha namorado e ele morava com ela. Daniel ainda ocupava o
quarto de Caio. Dois homens adultos, muito diferentes, e ocupando a casa
que o menino havia ocupado com a mãe, sozinhos durante anos.
No fundo, Natália sabia que Caio não ligaria muito. Ele já conhecia os
dois, eram amigos, mas convivência e amizade não eram a mesma coisa.
A mãe estava pronta duas horas antes do avião de seu filho pousar,
acompanhando sua trajetória pelo site. Acelerou Leandro, não porque ele
demorasse, mas porque queria sair logo.
Atravessaram a cidade direto para o aeroporto e, quando chegaram, não
conseguiram evitar o olhar comprido para o portão de embarque onde um
havia pedido o outro em namoro meses atrás.
Com um sorriso feliz, Leandro sacudiu o pulso mostrando a pulseira e
Natália lhe deu um beijo rápido e estalado nos lábios, mas o bastante para que
ele percebesse que ela também não se esquecia.
Depois, como dois loucos, correram para a área de desembarque
internacional. O avião já tinha pousado, Natália lia num painel, então
provavelmente Caio pegava suas bolsas e faltava muito pouco para se verem.
Para Leandro, que não via o garoto há seis meses, Caio parecia outro.
Sempre havia sido um garoto bonito, um pouco magricela, mas quando pulou
na mãe, cheio de carinho e saudades, parecia um garoto estrangeiro com um
boné verde de aba reta, cabelo mais comprido e um dos braços cheios de
pulseira.
Natália sentiu o cheiro diferente do menino, a textura das roupas pesadas
no abraço apertado e quente. Encheu seu rosto de beijos segurando-o contra o
peito com tanto amor e carinho que Caio chorou.
— Que falta você fez! — Ela quebrou o silêncio primeiro. — Que
saudades, que saudades de você!
— Também estava com saudades!
Natália demorou para soltá-lo. Precisava senti-lo por mais tempo,
cheirá-lo, ver se estava inteiro, conferir seu peso, sua altura e tudo o mais que
uma mãe é capaz de captar num único abraço.
Quando se soltaram, Leandro o abraçou com carinho e perguntou se
havia feito boa viagem, indicando a saída, empurrando o carrinho com o
dobro de malas que tinha embarcado há seis meses.
O carinho e as saudades era tanta que Natália quis ir no banco de trás
com o menino, deixando o namorado de chofer.
— E a vó e o vô?
— Perguntaram se eu volto nas férias.
— Essas férias eu não sei se vai dar, Caio.
— É, falei isso pro vô, mas ele te chamou de teimosa e que, por ele, a
gente ia para lá pelo menos duas vezes no ano.
— Não acho certo gastar o dinheiro da velhice deles desse jeito.
— É, mãe, mas sabe? A vó e o vô ficam muito sozinhos, lá.
— Eles vivem falando dos amigos deles!
— Sim, são cheios de amigos, mas de família não tem mais ninguém.
— Aqui também tem lugar para eles.
— Eles amam aquele país, né! Nasceram lá e tal…
— Você pretende… — Natália não queria ouvir a resposta, mas sabia
que devia perguntar — Pretende mudar para lá, algum dia?
— De definitivo não. O vô me levou para conversar com um amigo dele,
que é médico, e esse homem disse que não tem lugar melhor para fazer
medicina do que aqui.
— Tá brincando? Com toda a tecnologia que o Japão tem, como que
aqui é melhor que lá?
— Lá o povo é muito pacífico, meio parado. Não tem facada, nem tiro,
nem atropelamento que nem tem aqui.
— Ah, então não é que aqui é melhor que o Japão — Leandro se
intrometeu quando parou no farol — É que aqui tem mais desgraça?
— Esse homem amigo do vô falou que só dá pra praticar com desgraça e
aqui está cheia delas.
— Esse homem amigo do seu vô é meio… — Leandro não quis terminar
a frase, mas quis dizer, com gestos, que o homem era meio maluco.
— A vó quis saber mais de quem era você. — Caio mudou de assunto e
seguiu falando com Leandro.
— Eu ainda não falei para ela que eu tô namorando — Natália
interrompeu.
— É, mas a vó reparou na sua mudança e sabe que você está, mesmo
sem você ter dito nada. O vô disse que você tá com um brilho de mulher
apaixonada.
— Tá, isso foi um pouco cafona e bem intrometido da parte deles. —
Natália respondeu enquanto Leandro escondia a risada no ombro.
— Sabe, eu fiquei um pouco com dó.
— Dó, filho? Por quê?
— Não sei, na hora que fui embora fiquei com a sensação de que eles
não querem ficar sozinhos, lá.
— Você acha que eles não estão felizes?
— Não sei, acho que eles estão muito sozinhos.
— Será que o vô quer voltar para cá?
— Eu quero que eles venham. — Caio ensaiou como dizer isso de vários
jeitos, mas preferiu apenas dizer o que sentia, sem argumentar motivos
complexos — Eu amo eles e amo você também, óbvio, e acho que você tá
sozinha aqui à toa, e eles estão sozinhos lá à toa.
— Foi decisão do vô partir, amor, eu não posso obrigá-los a voltar!
— É, mas pode dizer que tá sentindo muito a falta deles e que precisa de
ajuda no Garden…
— A gente pode ver isso, tá bem? Confesso que nunca gostei deles dois
sozinhos, já mais velhinhos, tão longe de mim assim.
— Tá, mas dessa vez não é um “a gente compra na volta” para ver se eu
esqueço do assunto não, né? Promete que você vai ver mesmo?
— Antes de serem seus avós, eles são meus pais, eu nem preciso
prometer!
— Tá, beleza então.
Leandro encostou o carro na entrada de casa e saiu para pegar a
bagagem no porta-malas, mas Caio passou alguns segundos admirando a
entrada. A cor continuava a mesma, a porta também, as flores. O Garden
ainda tinha o mesmo portão verde, o mesmo letreiro, as mesmas plantas do
lado de fora.
— Uau, parece que voltei no tempo.
— É muito louco voltar?
— Mãe, será que a gente pode conversar um pouquinho? Pede… pede
pro Leo esperar a gente lá dentro, eu preciso conversar com você um negócio
antes.
— Espera aí.
Natália não era tonta, sabia exatamente o que o menino diria, mas não
quis estragar seu momento. Abriu a porta do carro, foi até Leandro, disse para
que entrasse com as malas e voltou, para o banco de trás, para ouvir o que seu
menino tinha a dizer.
— Sabe — ele disse todo nervoso e cutucando o cantinho das unhas —,
eu tomei uma decisão importante enquanto estive fora. Não quero esconder e
nem mentir para você. Prometi que voltaria e te contaria tudo, mesmo que
você não goste da minha decisão.
— Certo.
— Mãe, sabe aquela pessoa que não queria que eu fosse para o Japão e
eu quase não fui?
— Sei.
— É um menino.
— Um menino, é?
— É. — Falou com a certeza de que tomaria bronca — Eu sou gay.
— Ah, puxa vida. — Natália, por outro lado, sempre foi ruim de mentir.
— Você disfarça tão mal!
— Que foi?
— Você sabia, né?
— Eu tô aqui, sabe? Eu sou sua mãe, eu te amo até virado do avesso.
Você é meu Caio, o meu menino, a luz do meu dia, o meu solzinho todinho.
Se você prefere menino, tô aqui para te apoiar. É decisão sua, de todo jeito.
— Posso te apresentar alguém, algum dia desses?
— É a mesma pessoa que não queria que você fosse para o Japão? Se
for, eu vou confessar que dele eu tenho um pouco de ranço.
— A gente meio que ficou conversando durante o intercâmbio. Ficamos
de nos encontrar quando eu voltasse.
— Caio, não me diz que você desperdiçou a chance de pegar um povo lá
no Japão pra ficar de conversinha com esse garoto!
— Não, mãe, claro que não.
— Pegou um povo lá, né?
— É, bem…
— Tá, então tá bom. Se encontra com esse moço daqui, vê se ele vale a
pena e você sabe que a porta de casa tá sempre aberta.
— Obrigado, mãe. — Caio sorriu e limpou as mãos suadas na calça. —
Achei que ia ser bem pior.
— A única coisa que eu vou pegar no seu pé é para usar camisinha. Sei
que sexo gay não engravida, mas nem por isso é para deixar de usar!
— A gente pode… não falar de sexo?
— Só porque você voltou hoje, mas eu vou encher seu saco com isso
sim. Principalmente quando você voltar para a escola, viu?
Saíram do carro e Caio quis entrar em casa, mas a mãe o levou para o
portão fechado do Garden, dando risadinha travessa e o puxando pela mão.
Alguns amigos de Caio que haviam ficado no Brasil estavam lá para
recebê-los com faixas coloridas de boas-vindas e serpentinas. Daniel quase
teve um ataque quando viu tudo aquilo de papel picado sobre as comidas e
correu par salvá-las, ao mesmo tempo que Leandro fez o mesmo e o estranho
homem preto que Caio não conhecia os acompanhou.
Além dos próprios, o garoto percebeu, também estavam presentes os
amigos de sua mãe. Sorriu feito criança abraçando os amigos, feliz de revê-
los, e foi conduzido a se sentar no meio da mesa, onde pudesse ver todo
mundo, enquanto lhe perguntavam como havia sido a viagem e como era a
escola do outro lado do mundo.
— E os doces de lá? — Quando já estavam todos sentados e com os
papéis picados mais ou menos controlados, Daniel quis saber — É tudo feito
de feijão mesmo?
— Arroz e feijão, mas tem coisas mais industrializadas que têm uns
sabores meio esquisitos.
— Você foi no Wizarding World de lá? — A amiga dele quis saber.
— Fui, meu vô me levou.
— E como é?
— Lotado. — Foi a primeira coisa que Caio quis contar — Muito,
muito, muito lotado.
— Tá, mas isso não é novidade. — Outro amigo comentou — O que
mais tem lá?
— Eu trouxe feijõezinhos de todos os sabores para vocês, tá na minha
mala.
— Mentira?!
— Eu trouxe também aquele fone de ouvido com orelha de gatinho que
você queria.
— CAIO, EU TE AMOOOOOOOOO!
— E pra mim, não trouxe nada? — Daniel se intrometeu.
— É! — Natália também quis saber — Também quero feijão de todo
sabor!
— Mas você nem leu o livro!
— E daí? Vi todos os filmes com você!
— Tá, mãe, eu trouxe uns a mais porque sabia que alguém ia me cobrar,
então pode ficar com um.
— Puta merda, eu não ganho nada de presente além de uma sobra?!
— Eu trouxe coisa pra você, mas só que é surpresa!
— Pode ir lá pegar, Caiô! Eu não gosto de surpresa e quero meu
presente agora!
— Credo, Nat, você tá pior que as crianças. — Daniel brincou enquanto
Caio partia do Garden para a casa.
— Você ouviu o que ele disse? Que podia me dar a sobra! Puta merda,
eu passo seis meses morrendo de saudades e ele nem se lembra da mãe dele
na hora de distribuir presentes.
— De tudo o que já vi você — Foi a primeira vez que Bataille falou
desde que Caio tinha chegado —, nunca te vi tão dramática.
— Eu sou mãe, porra, o que você queria?!
Caio voltou trazendo uma caixa muito bem embalada com um tecido
fino e vermelho. Sorria envergonhado por demonstrar afeto em público, mas
entregou o presente e esperava que ela abrisse para só então se sentar.
Natália esfregou uma mão na outra, cheia de expectativa. Teve algum
trabalho com o laço do embrulho e elogiou o jeito como tudo havia sido
embalado. Abriu uma aba, abriu a outra, e sorriu grande antes de encher seu
menino de beijo e agradecimentos.
— É tão tão tão fofoooooo! Ai, meu Deus, que coisa mais
fofinhaaaaaaaa!
— Deixa eu ver, o que é? Daqui não dá para ver!
Natália rasgou o plástico da embalagem e levantou uma xícara branca e
cor-de-rosa, com orelhinhas que saltavam da louça, junto do lacinho clássico
da Hello Kitty.
Não era só uma xícara, mas um aparelho de chá inteiro, com seis xícaras
e pires, bule e colherinhas, tudo da Hello Kitty e combinando.
— Eu nunca mais vou usar nenhuma outra xícara na vida! — Feliz, ela
aproximou a xícara do peito e depois refletiu com culpa — Isso tem cara de
ter sido super caro. Foi caro, Caio? Não me diz que você gastou suas
economias comigo!
— O presente é da vó e do vô também.
— Eu amei, amei, amei, amei, amei!
Depois do presente de Natália que ela estreou ali na mesa mesmo porque
correu para casa para esquentar um pouco de água e beber com matchá, todos
se sentaram e as conversas explodiram para todos os lados.
Bataille teve que se apresentar para o garoto e foi incrivelmente educado
e cortês.
— Por que a mãe nunca me contou de você?
— Acho que ela tem vergonha de mim, sabe?
— Se você não fosse tão babaca, Bataille, eu não teria motivos de me
envergonhar!
— Eu não sou babaca. Leandro, eu sou babaca?
— Um pouco, sim.
— Daniel, você me acha babaca?
— Eu acho você um puta de um…
— TÁ CERTO. — Natália interrompeu — Já entendemos, né? Bataille é
babaca, mas é o meu babaca e eu gosto dele assim.
— Eu não vou te chamar de babaca só porque todo mundo te chama. —
Caio agiu como mediador e segurou a risada o máximo que conseguiu —
Vou te deixar ganhar o título por si mesmo, tá bom?
Leandro e Daniel morriam de rir e Bataille, que não ficava vermelho,
relaxou os ombros e só disse:
— Filho de quem é, né?
Era hora do almoço, então tinha comida sobre a mesa. Enquanto
Leandro e Natália estavam no aeroporto, Bataille e Daniel fizeram burrito,
mesmo no café da manhã, que era fácil de comer, mas não tão fácil de
preparar.
Aos poucos, enquanto as piadas voavam quase como uma ofensa
camarada, os presentes se sentiram à vontade o bastante para montarem, cada
um, o seu próprio prato.
— Nem sabia que você sabia cozinhar coisa chique assim! — Natália
cutucou Daniel.
— Sei não, quem sabe é o Batata. Ele foi dando as ordens e eu só fui
atrás.
— Tá gostoso, tio. Tá bem bom mesmo. — Disse um dos amigos do
Caio.
— Ok, depois desse burrito, decidi você não é babaca. — Caio cutucou
Bataille que riu — Só não entendi de onde que minha mãe te conhece, mas…
Os quatro adultos na mesa se olharam, mas não sabiam o que responder.
Então, optaram pela opção mais saudável.
— Eu tenho um bar e sua mãe um dia foi lá. — Bataille respondeu
dando de ombros — Daí ela foi de novo, e de novo, e de novo, e a gente
acabou amigo.
— Amigo não. — Natália só respondeu para cutucá-lo também e fazer
graça — Conveniência.
— Conveniência tenho com esse teu namorado, contigo é amizade! —
Foi a única vez que Bataille rebateu o argumento da “conveniência”.
— Olha só, tô até surpreso que Bataille tenha um coração. — Daniel
rebateu e trocou de assunto — Caio, você contou para a sua mãe do nosso
grupo secreto no WhatsApp?
— Que grupo secreto?
Foi só então que ela ficou sabendo que Caio agia como seu porta-voz
quando Leandro precisava de ajuda.
— Léo, você é muito fofo.
— Até para namorar com você ele pediu sua mão para mim. — Já que
Daniel tinha revelado o grupo, Caio revelou o restante.
— Não sei se acho isso fofo ou machista.
— Você não é só você, é o pacote completo. — Leandro se defendeu —
Precisava saber se o restante do pacote me aprovava.
— E você aprovou, Caio?
— Falei que era com você, né!
— É, então foi fofo. — Natália cedeu.
— Ele também pediu sua mão para… — Caio quase entregou o jogo
todo.
— PELO AMOR DE DEUS, NÃO! — Leandro quase deu um pulo da
mesa, mas já era tarde. Natália já tinha entendido e olhou do namorado para
filho.
— Esquece! — Daniel tentou, mas já era tarde — Só esquece, tá bom?
— Mas o que…?
Leandro, coitado, ficou vermelho de uma hora para outra. Começou a
falar, mas as palavras não saíam com sentido, faltavam complementos, como
se ele soubesse que precisava de uma boa desculpa para desfazer o que Caio
tinha feito, mas sem coisa alguma para dizer.
— Léo… — Natália desconfiou do que seria, mas não quis confrontá-lo.
— Droga, Caio!
— Mas foi sem querer!
— Olha, se vocês dois querem fazer o assunto sumir, falando dele não
ajuda. — Bataille aconselhou e partiu em busca de qualquer outro assunto —
Cerveja amanteigada é bom, né Caio? O que você achou quando foi para o
mundo mágico do Harry Potter?
— Eu não… é… eu não gostei muito. — Porém Caio ainda não
conseguia trocar de assunto, então tentou se desculpar — Léo, por favor, me
desculpa! Eu não sabia que ainda não…
— Tá bom, então, vamos lá.
Numa lufada de coragem, Leandro se levantou, foi até a casa e deixou
todo mundo sem entender o que estava acontecendo.
Bataille ainda trocou de assunto, quis saber dos doces que Caio tinha
comido, se as comidas japonesas de lá eram como as brasileiras, mas Natália
ainda olhava confusa para o filho, esperando Leandro voltar, e não conseguiu
sequer ouvir o que os outros tinham para dizer.
Leandro, quando voltou, deu uma piscadela cúmplice para Bataille e
puxou a cadeira de Natália, ao lado do filho, um pouco para fora da mesa.
— Leandro… — Natália não sabia se ria ou se chorava.
— Olha, amor. Eu ia te pedir de outro jeito, mas já que seu filho fez o
favor de explanar e eu tô louco para pedir logo, então vai ter que ser assim.
— Com o rosto mais emocionado que risonho, Leandro abriu uma caixinha
de veludo e exibiu o anel dourado com a linda pedra vermelha solitária no
centro da jóia — Natália, você quer se casar comigo?
— É sério isso? — Pega tão desprevenida que, olhando Caio sorridente
e envergonhado, e Leandro nervoso, ela achou que fosse brincadeira.
— Honestamente, eu não faço anel assim para qualquer uma. — Bataille
cutucou.
— Há quanto tempo vocês estão planejando isso?
— Faça as perguntas depois, Nat. — Daniel cortou — Responde o
coitado do cara!
— Léo, lindo… — Com carinho e devoção, ela o segurou pelas bordas
do rosto, tentando segurar o choro — É claro que sim!
— Sim?!
— Sim, lindo! Não tem mais ninguém que eu queira dividir a vida senão
você!
Leandro soltou o ar que nem sequer percebia preso e suspirou aliviado.
Ouviu alguma piadinha sobre o medo de ter seu pedido rejeitado, mas não
ligou, mal os ouvia.
Tirou o anel da caixinha, cheio de cuidado, e deslizou por seu anelar,
cheio de sonhos para o futuro e promessas por cumprir.
— Leandro tá querendo te pedir em casamento há um tempão, mãe. —
Caio continuou dedurando o amigo.
— Caio falou que era muito cedo e que você não aceitaria tão fácil. —
Leandro, em resposta, resolveu dedurar o moleque.
— É, sabe, você nunca quis namorar com ninguém antes, então achei
que fosse bom ele ir com calma.
— Você tá sempre cuidando de mim. — Admirando o anel, Natália
olhou para o filho toda emocionada, e do filho, olhou para o agora noivo — E
quanto a você…
— Só te quero bem, amor. Só isso.
— Te amo, Léo. Você sabia? Te amo tanto que dói.
— Cacete, mas não vão se beijar não?! — Daniel se intrometeu. —
Beijem logo, caramba!
Então, rodeada pela família mais disfuncional de todas, Natália beijou
Leandro, em meio às flores, aos amigos de seu filho, com o menino de plateia
e quase aos prantos também.
— Noiva. — Ela disse bem baixinho, toda encantada com seu novo
título, entre os beijos que recebia de Leandro.
— Minha e só minha — Leandro sorriu, a puxando da cadeira, pronto
para beijá-la mais e melhor.
— Dá pra acreditar que eu vivi para ver a Nat desencalhar? — Bataille
comentou com Daniel e os dois brindaram com refrigerante porque era festa
de adolescente.
Capítulo Cinquenta e Dois
Um ano depois

Ela sabia para onde deveria ir, mas não sabia o que encontraria lá. Vestiu-
se de vermelho, menos de vinte e quatro horas antes do casamento, e quase
morreu de rir de si mesma.
Natália Hina, logo ela, se casando. Dá para acreditar?
Tinha recebido uma mensagem do noivo: “Apareça no Stage às onze
horas”e, como não era mulher de obedecer, só saiu de casa às onze e meia.
De vermelho, vestido de couro e harness preto por cima, saltos altíssimos e
os cabelos soltos. Pediu um carro e levou mais vinte minutos para chegar.
A moça da chapelaria recebeu seus pertences, mas não lhe disse nada. Pelo
seu sorrisinho bobo, Natália imaginou que Leandro talvez estivesse preso,
acorrentado, provavelmente muito suado de expectativa e em público.
Só isso explicava seu pedido. Ela, que não tinha muitas amigas de sua
idade, não tinha tido despedida de solteira. Não se embebedaria num cubículo
apertado com um gogoboy cafona rebolando numa sunga apertada antes de
dizer “sim” no altar.
Por isso, quando passou da chapelaria para o salão, imaginou o que a
esperava, mas se frustrou quando encontrou as mesmas pessoas de sempre,
com seus fetiches de sempre, e nenhum Leandro à vista.
Cumprimentou o barman que também lhe deu um sorrisinho bobo. A taça
de gim já estava à sua espera, tingido com corante vermelho e um bilhete:
“No pátio, amor”.
Leandro estava cheio de bilhetinhos naquela noite, pensou, sem conseguir
esconder o sorrisinho igualmente bobo.
Com a taça na mão, encontrou a porta do pátio fechada. Forçou a maçaneta
e entrou, um pouco incerta.
Preso numa cruz de Santo André, uma espécie de“X”de tamanho humano,
Leandro estava completamente nu e suado, com grampos nos mamilos, um
cinto de castidade o mantendo enjaulado e pequeno, e uma ball gag para
mantê-lo mudo.
Olhando-o tão imóvel e vulnerável, o tesão percorreu do cóccix ao pescoço
como uma onda. Teve que ficar na ponta dos pés para dar um beijinho em seu
rosto, num cumprimento educado e sutil demais para a situação, mas não se
atreveu a tirar sua mordaça.
— Quem te prendeu assim, lindo? — Ela perguntou com sua inconfundível
voz de fada, mais falsa e cínica que nota de três reais.
Leandro, que não podia responder, acenou com a cabeça para um Bataille
sentado em seu trono de todo dia, mas sem camisa. Logo ele, que não gosta
de andar por aí tão nu?
De harness por cima do corpo perfeito, calça de lona e botas, do jeito que
Natália gosta de seus subs, Bataille não se levantou para cumprimentá-la, mas
sorriu charmoso, sensual como um demônio, e tamborilou paciente sobre o
braço de sua cadeira.
Ela demorou algum tempo para processar o fato de que o Leo, o seu Leo,
estava de sub e logo para o Bataille. Aquilo era para ser uma surpresa boa,
não é?
Então por que...
— Lady. — Daniel apareceu logo atrás, com uma bandeja na mão e, dentro,
um aparelho com um único botão. — Posso ser seu só por essa noite?
Desde que o noivo havia rompido por sua cozinha de harness e pronto para
maldades que ela pensa como seria tê-lo de sub junto de Daniel. Por um
longo tempo, imaginou que fosse apenas isso, uma vontade.
Olhou para Leandro preso na cruz como se quisesse confirmar se poderia,
e recebeu um longo olhar apaixonado. Ele sempre foi mais quadrado, menos
permissivo, um pouco tradicional demais.
Vê-lo apaixonado e cheio de tesão lhe deu a resposta que queria.
— Qual sua safeword? — Ela perguntou.
— Pernambuco. — Daniel respondeu, lhe oferecendo o aparelho de um
botão só, e baixando a mirada imediatamente.
Sem dizer mais nada, avançou para sua cadeira favorita de couro vermelho
e cumprimentou o último homem do pátio com um aceno.
— De joelhos. — Natália mandou a Daniel que obedeceu prontamente — E
larga essa bandeja.
Enquanto Daniel dispensava o objeto, Natália desceu a calcinha minúscula
pelos tornozelos e a jogou no colo dele. Olhando-o como se lesse seu passado
e seu futuro, abriu as pernas, sem cerimônia, e parou de dar atenção a ele.
Queria saber o que fariam com o coitado de seu Leo que não era seu
naquela noite. Torceu, mais do que tudo, que Bataille se levantasse e
torturasse seu noivo, mas não era ela no comando das ações então, como uma
espectadora que não dita o início do show, esperou ansiosa que a brincadeira
começasse.
Leandro ficou parado ali, em pé, observando sua noiva aberta, seu amigo
louco para chupá-la e sem poder dizer palavra.
Até que Bataille finalmente se levantou, imperial como ninguém, os
músculos das costas muito bem delineados, e tirou do bolso um chicote de
cabo curto, mas de cílios longos.
Ela sabia que ele era um Dom de poucas palavras. Poucas vezes Bataille
escolhia subs masculinos para brincar, mas quando escolhia, ela não
conseguia se conter de tanta empolgação, porque o jeito como Bataille ordena
seus garotos é muito mais rígida e fria do que como age com suas meninas.
Natália viu o chicote subir, os cílios dançarem juntos, e as pontas baterem
contra o peito rígido de um Leandro que via prazer na dor.
Viu o rosto de seu noivo corar, o maxilar travar, seus olhinhos azuis e
lindos se fecharem num misto de tesão e agonia. O chicote desceu mais três
vezes, em locais diferentes, nunca no mesmo ponto.
Era a primeira vez que Bataille e Leandro ficavam tão próximos. Tinha
imaginado aquela cena mil vezes e sabia que não aguentaria se aquilo se
tornasse realidade.
Bataille lambeu o suor que escorria da nuca para as clavículas de Leandro,
e os vergões que tinha provocado. Ele gostava de suor e lágrimas, de
hematomas e arranhões. Natália queria chegar mais perto só para ver melhor,
quase sentir o toque, mas se contentou com a distância porque sabia que a
concentração de Leandro se voltaria inteiramente para ela se se aproximasse.
Torceu que se beijassem e fechou as pernas sem perceber. Mordia o lábio
como uma menina nova, louca pela antecipação. Viu Bataille puxar a cabeça
de seu Leo para trás, com força e mão pesada, e remover o gag que o
mantinha calado.
Não precisava estar mais perto para saber o olhar de “você tem certeza?”
que Bataille enviou para seu sub. Apenas o jeito como Leandro respondeu o
olhar, com tesão e sinceridade, a fez gemer. Bataille aproximou os lábios,
com a mão ainda firme no cabelo, e beijou o Leo, o seu noivo, aquele
coroinha carola cheio de pudores, e foi correspondido com tanta malícia e
ímpeto, que ela teve que fechar os olhos.
Avançou a bunda pelo assento e encostou a cabeça no espaldar. Abriu as
pernas sentindo-se muito molhada e olhou para Daniel que não se atreveu a
tirar os olhos dali.
— Chupa. — Ela mandou com frieza na voz, mas cheia de tesão.
Daniel não precisou ouvir a ordem duas vezes. Sem nunca descolar os
joelhos do chão, avançou na Lady Nïn como o homem com fome que era.
Ela sentiu a língua encostar, enquanto seu noivo e seu melhor amigo se
beijavam, e sabia que não levaria mais que três minutos para gozar.
Gostou que as mãos de Daniel fossem firmes e ásperas quando encostaram
em suas coxas. Gostou do modo como a barba, feita pela manhã, roçava bem
ali. Puxou a alça do vestido para os lados, puxando os seios para fora, e não
precisou mandar que ele colocasse suas mãos pesadas neles.
— Diga “obrigado, mestre”. — A voz de Bataille, ruidosa e macia ao
mesmo tempo, atravessou suas sensações e a chamou de volta para a Terra.
Leandro tinha no rosto uma expressão confusa e envergonhada.
De castigo, Bataille tocou levemente seu cinto de castidade, que o fez
gemer parte por dor, parte não, e ajustou os clipes em seus mamilos.
— Obrigado. — Leandro finalmente respondeu, entre os dentes, descontente
porque, provavelmente, não imaginava que seu mestre o usaria para qualquer
coisa além de bater.
— Não foi assim que eu mandei. — Bataille retrucou com um sorrisinho
sábio, feito para humilhar — Precisarei te punir?
— Obrigado — Leandro repetiu com medo demais do que Bataille era
capaz de fazer —, Mestre.
— Você sabe que sua noiva está te olhando, não sabe?
Leandro apenas assentiu mudo.
— O que você acha de recebê-la toda cheia de porra no altar amanhã de
manhã?
Natália segurou a cabeça de Daniel entre as mãos quando ouviu isso,
parando a chupada no mesmo instante.
O problema não era a porra ou como se casaria. O problema era Leandro
cair na real. O conhecia o suficiente para saber que ele não teria contado com
isso quando propôs a despedida de solteira para seus amigos, mas ao
perceber, ele terminaria tudo, muito envergonhado, e aos prantos.
Para completar, Bataille, ao não ouvir a resposta, deu um tapa estalado em
seu rosto.
— Não vai responder?
— Não acho nada. — Leandro cedeu.
— E o que você acha de subir no altar todo cheio de porra?
Seria como se um gênio da lâmpada atendesse aos pedidos de Natália.
Dizer“sim”ao noivo esfarelado, cansado, todo suado, com todas as juntas do
corpo doloridas, cheio de arranhões pelo corpo. Todo cheio de porra também.
— Não acho nada. — Leandro repetiu.
— Diga.
— Não acho...
Outro tapa ardido e um toque no cinto de castidade.
— Eu vi como seu pomo de adão subiu. Vi como você curvou os dedos dos
pés. — Sedutor como nenhum outro, Bataille lambeu o rosto de seu sub uma
vez e o pescoço logo em seguida — Sempre gostei de você, coroinha, não me
faça mudar de opinião.
— Não ligo.
— Não liga. — Bataille riu baixinho, travesso, cheio de vontade de foder. —
Diga o que a sua noiva está esperando para ouvir. — Ele provocou — Quer
deixá-la esperando por quanto tempo?
Leandro, confuso e humilhado, procurou por ela pelo pátio. Percebeu sua
apreensão, o jeito como segurava o rosto de Daniel, o olhar preocupado e a
suspensão imediata do tesão.
— Eu gosto. — Ele cedeu sem olhar para ninguém.
— Gosta do quê, hein? — Bataille insistiu — Da sua noiva ou de você
cheios de porra?
— Os dois.
A resposta de Leandro ecoou pela cabeça de Natália até que a frase
perdesse o sentido.
Levou uma mordida e olhou para baixo, para Daniel ainda entre suas mãos,
que sorria lascivo e lindo, pronto para continuar a lambê-la porque Leandro
estava seguro e eles poderiam voltar a brincar também.
Relaxou a espinha e as mãos. Sorriu para o amigo de longa data, mais
calma, e se abriu novamente, sentindo a língua chegar, as mãos grandes
agarrando suas coxas.
Fechou os olhos sem conseguir se conter. Queria mantê-los abertos,
atentos, loucos para registrar seu noivo submisso de seu melhor amigo, mas a
sensação chegava forte, pungente, e Daniel chupava bem, tão bem, que
entendia os mini-sinais sem precisar perguntar.
A última coisa que viu antes da sensação correr quente por suas veias foi
Bataille desamarrando Leandro da cruz. Esticou as pernas, travando o rosto
de Daniel entre as coxas, e expandiu a coluna, os seios à mostra. Gemeu sem
conseguir sem conter, procurando por ar, inundada por endorfina e vitória,
sem saber qual dos dois a tinha feito sorrir quando terminou.
Precisou de alguns segundos para se recompor. Procurou pelo gim que já
tinha se esquecido de onde havia colocado. Olhou para o botão perdido em
seu assento e, enquanto se recuperava, quis saber o que aquele aparelho
acionava.
Bataille colocou Leandro de joelhos, sem dar tempo para se alongar, e
Natália apertou o botão exatamente quando Leandro se aprumou.
De quatro em cinco segundos. Além do cinto de castidade na frente,
carregava um vibrador atrás. Leandro olhou para trás, procurando pela noiva
e, quando a encontrou sorrindo com um gim na mão, sussurrou um palavrão
que ninguém foi capaz de ouvir.
— Chupa. — Bataille tinha a braguilha aberta, o pau lindo para fora e as
mãos na cintura. Mantinha um sorriso soberbo, maldoso, feito para provocar
e ferir. Nada naquele homem era feito de vidro e confetes.
Leandro recusou-se. Olhava o pau do amigo de frente, um órgão como o
seu, e não sabia o que fazer.
— Você não precisa chupar, você quer. — Bataille provocou.
— Não, isso não.
— Você não tá mole. — Bataille deixou de lado apenas um quinto de sua
frieza. — Tá olhando pro meu pau e tá duro.
— Não tô.
Sem paciência, Bataille o segurou pela bochecha, com as mãos muito
pesadas e duras, e o olhou bem no fundo dos olhos antes de dizer:
— Não gosto de homem inseguro. — E, retomando a posição, Bataille se
aproximou com a cintura.
Leandro olhou para Natália antes. Procurou alguma coisa nela, qualquer
coisa que o impedisse, mas só achou um olhar lascivo, faminto de desejo, e a
boca aberta pronta para ser beijada.
Ele avançou incerto do que fazer. Não sabia se era melhor segurar ou se
bastava lamber, então se aproximou com a boca, olhando a pontinha melada,
convidativa, cheia de vontade de gozar.
Colocou na boca quando desistiu de pensar, só colocou, sentindo a carne
macia do outro na língua, o gosto do pré-orgasmo no palato, o jeito quente
dele dentro da boca.
Ouviu um “puta que me pariu” de Natália, cheio de tesão pela vista, e riu
um pouquinho porque nunca a tinha ouvido xingar antes.
Pelo menos não durante uma cena.
Natália nunca aguentaria ver seu noivo com um pau na boca sem correr
para chupar junto. Procurou qualquer laço ou fita para usar de coleira em
Daniel, mas se contentou com uma ordem:
— Tire a roupa, e coma quando eu ficar de quatro.
Avançou para o noivo e se ajoelhou ao seu lado, procurando pau para
chupar sem pedir permissão. Sentiu Bataille, a saliva de Leandro e perdeu a
linha. Não sabia se chupava o amigo, se beijava Leandro, se o olhava com o
amigo na boca ou se pedia para chupar sozinha.
Puxou o noivo para um beijo, sentindo o pré-orgasmo na língua, derreteu
entre as pernas, gemeu sem perceber e se virou para Bataille com uma
pergunta, de Domme para Dom:
— Eu vou tirar o cinto de castidade dele, tudo bem?
— Eu não tenho outros planos para o cinto, Natália.
Procurando o fecho do cinto de castidade, e o livrou. O sentiu crescer
sozinho, livre e duro, cheio de tesão e igualmente melado na pontinha.
— Tá duro, puta merda. — Ela gemeu ao percebê-lo e mordeu o lábio.
— Eu... — Leandro nem sabia o que dizer.
— Te amo. — Cheia de tesão e afeto, ela o beijou com carinho e mexeu a
mão que o segurava, forçando a pele para baixo, sentindo-o empurrar na
direção contrária e ouvindo seu gemido inconfundível.
Baixou-se para chupá-lo e ficou de quatro, pronta para Daniel que chegou
de camisinha, posicionado logo atrás e, enquanto ela chupava, entrou nela
feito seda, sem pressa alguma e sem conseguir segurar o suspiro de homem
com tesão.
Sentiu a mão do amigo circundar sua cintura, procurar por seu clitóris
melado e inchado enquanto entrava e saía num ritmo lento e constante, feito
entorpecente.
Olhou para cima, procurando a boca do noivo, e quase gozou só de olhar.
Fechou os olhos com força, sem conseguir ignorar os barulhos, os gemidos, o
bater dos corpos.
Com a bunda para cima, sentiu um tapa e sabia, pela força da mão, que só
podia ser de Bataille. Segurou o orgasmo na parte de trás da cabeça, sem
vontade de terminar tão cedo, e tomou outro, mais ardido, de outra mão.
Enquanto Daniel mexia em seu clitóris e entrava com cadência lenta e
dura, sentiu a mão de Leandro brincar com o bico de seus seios enquanto um
dos dedos de Bataille entraram na sua bunda.
Parou de chupar o noivo porque não conseguia pensar. Ergueu o dorso
procurando por ele e o tomou na boca, pronta para gozar, gemendo muito,
sentido cada estocada como um degrau em direção à perdição.
Enfiou a língua para dentro da boca do noivo um segundo antes do
orgasmo lhe tomar os sentidos.
Gozou repetindo “eu te amo” como uma maluca e terminou rindo de si
mesma.
— Aguenta mais uma? — Leandro perguntou sorrindo, louco para gozar
também, de rosto quente e todo vermelho.
— Preciso beber alguma coisa. — Rindo, procurou pelo gim, longe demais
para alcançar, e deu um outro beijinho em Leandro — Consegue segurar até
que eu volte?
— Você nunca foi boazinha assim comigo antes.
— Fez por merecer. —Com um beijo casto na testa dele, se levantou do
chão, puxando Daniel consigo — Vem, Dani, eu sei que você não se diverte
com meninos.
Terminou de tirar o vestido antes de se sentar e se jogou na cadeira, com
um sorriso de orelha a orelha, puxando a taça de gim para a boca.
— Obrigada. — Ela cochichou com o amigo que não ocupou a cadeira de
Bataille, mas se sentou no chão, ainda duro, olhando uma Natália de rosto
corado e corpo salpicado de suor.
— Não tem de quê — Ele riu, recebendo a taça de Natália para dar um gole.
— Cruzes, ele é tão lindo que dói. — Confessou, perdidamente apaixonada,
olhando Leandro que ainda brincava com Bataille. — Nem no meu sonho
mais doido eu imaginaria ter alguém como ele.
Rindo, Daniel devolveu a taça para sua dona.
— Vou ter que concordar com o Batata, mulher apaixonada é um porre.
— Controle sua língua. — Ela mandou, tomando o gim na mão outra vez,
numa voz vertical e com bem poucos amigos — Te deixo sem gozar e te tiro
da brincadeira.
Daniel riu de novo, mais travesso. Olhou para sua Domme, de baixo para
cima, e a desafiou:
— O azar vai ser todo seu.
Natália parou de graça quando sentiu a vagina pulsar. Deitou Daniel no
chão com a ponta do pé, mandou que trocasse a camisinha e, quando ele
estava pronto, virou-se de costas para ele e foi descendo na altura de seus
quadris. Ela também estava limpa por dentro e pronta.
Encaixou nele só para usar da lubrificação, aquele não era seu plano. Subiu
e desceu, ouvindo-o gemer, sentindo o apertão na bunda, e depois saiu bem
quando Daniel perdia o controle do corpo.
Chamou por Leandro e Bataille, em pé com Daniel entre as pernas,
esperou que os outros dois se juntassem. Mandou que Leandro tirasse o
consolo e foi descendo, dessa vez, encaixando Daniel na bunda.
Ela fechou os olhos enquanto o sentia lá dentro e deitou sobre ele, com as
costas sobre seu peito, e abriu as pernas, se ajeitando confortável, para
receber o noivo.
Com um homem nas costas e outro na frente, ela agarrou a língua de
Leandro com fome, sentindo o tesão subir e a dominar. A mão de Daniel
voou para seu clitóris, mantendo um ritmo perfeito com as estocas do noivo.
— Ok — Bataille, que ficou de fora, deu uma risadinha e continuou — Onde
é que eu me encaixo?
— Em mim. — Leandro respondeu porque sabia que era tudo o que Natália
queria ouvir.
Ele assistiu os olhos de sua noiva se perderem de tesão, fecharem-se
enlouquecidos apenas com a ideia, o sorriso satisfeito se tornar uma
expressão apaixonada e devassa e, quando Bataille entrou, substituindo o
vibrador, os quatro engatados e procurando uma cadência, Natália abraçou o
noivo arranhando-o pelas costas e pediu:
— Me fode.
Falou para um com a certeza de que três tinham ouvido. Bataille acelerou o
ritmo em Leandro, que acelerou o ritmo em Natália, que ondulou o corpo
para acelerar o ritmo em Daniel. Sentiu a mão de Bataille sobre um dos seios,
a boca de Leandro na própria boca, a mão de Daniel no clitóris.
Derreteu sem sentir o orgasmo chegar e só se pegou em êxtase quando
ouviu o som do próprio gemido seguido de um Leandro pronto para gozar e
outros dois que também não estavam muito longe do precipício.
Esperou que uma nova onda se aproximasse. Se conhecendo, ela sabia que
o intervalo entre um orgasmo e outro aumentava conforme os orgasmos se
somavam, mas com três homens em si, tanta mão e tanto estímulo, ela sabia
que se perdia de novo, pronta para mais um, mas daquela vez, não quis ir
sozinha.
— Goza comigo. — Ela mandou.
Ordem que servia para os três.
Leandro gemeu lindo e procurou por sua boca. Bataille entrou com dois
dedos, encima do pau de Leandro, dentro de Natália, mordendo o pescoço do
noivo, e Daniel, deitado por baixo, abriu a bunda dela, sentindo-se mais lá
dentro, e forçou sua cintura para cima e para baixo, obrigando um movimento
que Natália não conseguia realizar.
Ninguém sabe qual orgasmo começou primeiro, mas o dela foi o primeiro
a terminar. De olhos bem abertos, via Bataille com os olhinhos fechados, a
boca na nuca de seu noivo, Leandro perdido de olho fechado e a expressão
mais linda do mundo e, quando se virou para Daniel, de boca entreaberta e
rosto tomado de paixão, ela sabia que seria capaz de gozar só com a vista se
não tivesse completamente satisfeita e exausta.
Leandro foi o primeiro a desabar para o lado. Caiu ao lado de Daniel, rindo
sem saber o porquê, e Natália se enfiou entre os dois, saindo de cima do
amigo para cair no chão. Bataille, que ainda tinha energia para mais, abriu as
pernas dela sem pedir permissão e passou a lambê-la, num vai-e-vem
confortável e quente.
— Lindo — Natália pediu —, posso beijar o Dani?
Ela sabia o quanto beijo era íntimo para Leandro e jamais faria qualquer
coisa sem permissão.
— Vira de ladinho. — Ele pediu, duro de novo, pronto para mais.
Enquanto ela tomava Daniel na boca, Leandro entrou pela bunda, com
Bataille ainda a lambendo e, quando a ouviu gemer de novo, soube que a
noite estava bem longe de acabar.
Capítulo Cinquenta e Três

Leandro fez tudo dentro de seu alcance: mandou uma carta para os pais
assumindo a responsabilidade pelos próprios atos, mas sem mencionar
qualquer sentimento de culpa. Deixou claro que não se arrependia das
escolhas, mas da forma como as tinha tomado.
Enviou um convite de casamento para eles com um mês de antecedência,
e horas antes do casamento enviou maquiadora e um carro para buscá-los.
Bastava que seus pais aparecessem.
Porém, descrente de que apareceriam porque nunca haviam retornado sua
ligação, nenhuma das dez que tinha feito durante a semana, ele se contentava
com os amigos para se aprontar num quarto de hotel.
Daniel tagarelava e fazia piada, tentando contornar o clima triste daquele
domingo de manhã enquanto passava o colete por baixo do terno do noivo.
Bataille porém, permanecia mudo. Ajeitava a gravata do noivo, mas não
lhe deu uma única palavra de encorajamento.
Somente quando Leandro perguntou como Natália estava, que os dois
amigos se olharam e responderam em uníssono sem combinar:
— Assada.
— Vai entrar na igreja mancando. — Daniel incluiu, rindo tanto de se
dobrar.
— Quero saber se ela tá nervosa e se não vai me abandonar sozinho no
altar!
— Ah, bom… — Daniel parou o ferro de passar no suporte e estendeu o
colete para o amigo — Isso não dá para saber.
— Vai lá ver se tá tudo bem. — Bataille pediu.
— Você vai agir como pai do noivo hoje e precisa dar um conselho, né?
— Colocou o colete sobre a cama, esticado e aberto, e limpou as mãos na
calça social — Eu vou lá ver se a Nat tá bem, então.
— Obrigado. — Bataille respondeu e esperou que Daniel saísse do quarto
para colocar o colete de volta na tábua de passar. — Escuta, Leandro…
— Daniel já passou isso aí.
— É, igual o cu dele. — E, refazendo os vincos do colete que Daniel
passou por cima sem cuidado, Bataille trocou de assunto — Você fez suas
escolhas, não fez?
— Pior que não me arrependo delas.
— É a hora dos seus pais fazerem a deles.
— Eu sei, mas…
— Não dá para forçar. — Ele interrompeu.
— É meu casamento! Pode ser besteira pra você, mas é o dia mais
importante da minha vida. Como que meus pais não querem vir, se me
criaram a vida inteira para esperar por esse momento? Só por que eu fiz
minhas escolhas, o casamento deixa de ser importante? Por que é que eles
não podem só…
— Você quer que eu os obrigue a vir?
— Não tem como forçar.
— Você sabe que sim. — Claramente falava de dinheiro — Posso
oferecer a eles uma quantia irrecusável e certamente eles virão. Se eu pagar a
mais, virão até sorrindo.
— Não é assim que eu quero.
— Sei que não, mas não posso deixar de oferecer.
— O que você faria no meu lugar?
— Já estive no seu lugar. — Estendendo um colete perfeitamente
passado, Bataille ajudou o amigo a se vestir — Quando tive a chance, paguei
para metade da minha família estar presente.
— E como foi isso?
— Fez Catherinne feliz. — Ele deu de ombros — Me fez feliz enquanto
estava bêbado, também.
— E depois? — Enquanto ouvia Bataille, Leandro ajustava as amarrações
do colete feito exclusivamente para seu corpo.
— Nunca mais falei com eles.
— Não quero isso.
— Então contente-se com o que você já tem. — Puxando a gola para
ajustar as costuras, Bataille o olhou como um pai, cheio de sabedoria e
bronca — Natália estará lá, os pais dela também e o Caio. Seus amigos estão
aqui, todos eles, um mais devasso que o outro, um menos católico que o
outro, mas todos aqui. Mari trouxe até marido e filhos — Puxou o terno do
cabide, abrindo os botões, e o ofereceu aberto para que Leandro entrasse —
Quem te quer bem está aqui e, como você disse, hoje é o dia mais importante
da sua vida.
— Minha mãe não está aqui para me levar para o altar. — Leandro
confessou, virando-se de frente e de terno vestido — Isso que me dói.
— Te levo, tá bem? — Foi a primeira e única vez que Bataille mostrou
que saíam lágrimas de seus olhos, mas elas nunca ousariam escorrer pela face
— Você não vai entrar sozinho.
— Você é um bom amigo, sabia? — Leandro sorriu, limpando os olhos,
sorrindo mesmo triste.
— Eu sei.
— Bastante cuzão e convencido, mas é um bom amigo.
— Também sei.
— Espero… — Leandro quis falar, mas não achou prudente, então parou.
— Espera o quê? — Bataille insistiu.
— Espero fazer isso por você um dia.
— Esqueça. — Recuando, Bataille procurou no estojo sobre a mesa mais
próxima um belo par de abotoaduras de ouro.
Tendo escolhido uma joia com um único rubi na ponta, discreto o
bastante para um casamento, mas brilhante o suficiente para que Natália visse
o vermelho no noivo, ele a ajeitou nas mangas da camisa de Leandro.
— Não quer se casar?
— Já me casei, sei como é, e detestei. — Bataille riu de si mesmo e
abotoou o terno de Leandro — Não tenho mais paciência para monogamia.
— Talvez. — Leandro sorriu um pouco mais feliz, pronto para fazer
piada — Mas talvez ainda falte a pessoa certa.
— É, coroinha, talvez. —Sem paciência para esse assunto, Bataille coçou
a cabeça e se afastou, procurando o próprio terno.
— VAMO’ PARÁ DE NAMORICO? — Daniel apareceu no quarto, só
com a cabeça para dentro do cômodo, e reclamou — Quem atrasa é a noiva,
caraio’, não o noivo! Anda, porra, engole o choro e vamo’, que se tu deixar a
Nat esperando, eu mato você!
— Se vocês brigarem, sabemos claramente de que lado o Daniel vai ficar.
— Bataille riu, enfiando um lenço branco no bolso do terno de Leandro, e
abriu a porta para deixá-lo sair.
— Vai descendo, Leo, que Batata e eu já vamos. — Daniel pediu e foi se
enfiando para dentro do quarto.
— Como assim?
— Vai, porra, toca teu cu daqui!
Inacreditavelmente sozinho. Desceu de elevador até o saguão onde a
assessora do casamento conversava por rádio com sua equipe e segurava uma
prancheta cheia de checklist.
A mulher o viu pronto e, como uma mãe, ajeitou uma mecha de seu
cabelo para trás. Empurrou-o pelos ombros até o lado de fora do hotel,
colocando-o dentro do carro que o levaria para a igreja, e fechou a porta antes
que Leandro pudesse avisá-la de que seus dois amigos ainda não estavam
prontos.
Suspirou descontente quando o carro arrancou e o levou para a igreja,
cinco quadras dali, inteira decorada para o seu grande dia.
A assistente da assessora já estava ali e esperando por ele, também de
prancheta e rádio. Ajeitou o lenço em seu bolso, avisando para o fotógrafo
que o noivo já estava na igreja, e o empurrou escadas acima, para a entrada.
— Espere um minuto aí, Seu Leandro, que já localizo onde estão seus
acompanhantes.
— Eu sei onde eles estão — reclamou descontente — a sua chefe não
quis esperar por eles lá no hotel e me despachou sozinho para cá.
A assistente, inteira vestida de preto num vestido de festa confortável, o
olhou sem entender uma palavra. Para não contrariar, pois sabia como os
noivos são quando estão tão perto do “sim”, ela sorriu delicadamente e saiu.
De onde Leandro estava, ele via os convidados, o altar, e a decoração.
Flores brancas e fitas como ele sempre quis. O carpete vermelho se estendia
até o altar, decorado com flores, velas e tecidos.
Sabendo que o casamento seria às dez, ele puxou o celular do bolso da
calça e viu que faltavam só quinze minutos. Natália disse que não se atrasaria
para não deixá-lo nervoso, mas ele sabia que, se dependesse de Caio e dos
futuros sogros, a mulher só sairia do quarto de hotel às onze.
Puxou o lenço para se limpar do suor e tentou ajeitá-lo no bolso outra
vez. Não sabia se devia dobrá-lo ou só enfiá-lo de qualquer jeito desde que
ficasse uma pontinha charmosa para fora. Ele não era homem de terno de três
peças, geralmente camisa e calça lhe serviam como aparato formal suficiente.
— Deixa eu te ajudar com isso.
Nervoso, entristecido e brigando com um pedaço de pano, ele ergueu os
olhos do problema e quase caiu de joelhos. Dona Tânia estava ali, maquiada,
de vestido de festa, com os olhos tão vermelhos de pranto que, ao ver o filho
vestido de noivo, esticou um sorriso imenso entre as lágrimas.
Ele nem sabia o que falar. Balbuciou algumas palavras tentando formar
frase, mas desistiu delas e só atacou a mãe com braços de amor, chorando
feito um menino, sentindo seu calor materno, o cheiro inconfundível de sua
mãe, mesmo entupida de perfume e cremes, e beijou seu rosto mil vezes sem
querer largá-la.
— Cadê o pai? — Ele tentou falar entre o pranto.
— Tá tentando estacionar o carro.
O pai também estava ali, ele pensou relaxando os ombros, sentindo a
alegria por se casar finalmente chegar por completo.
— O seu caminho não é o meu caminho. — Dona Tânia ajeitou a gola
amassada de seu menino, empurrando a mecha teimosa para longe de sua
testa, oferecendo um sorriso lindo, sábio e intrinsecamente materno. — Deus
sabe as linhas que escreve para nós, Leo, não tenho o direito de interferir.
— Mãe… — Ele chorou.
— Li sua carta, menino. — Limpando as lágrimas dos olhos do filho, ela
parou de falar quando ele também limpou as duas — Me perdoe por ter
interferido tanto na sua escolha.
— Não tem do que se desculpar. — Falou — Você fez o que as mães
fazem. Sei que, no fundo, a senhora só queria me proteger.
— Mas não era meu direito. — E, dando o braço para ele, colocando-se
em posição para levar o filho ao altar, deu um beijo em seu rosto e continuou
— Se ela te faz tão feliz assim, Lê…
— Faz, mãe. Eu sou um homem melhor por causa dela.
— Isso é o que eu quero pra ti, amor.
— Deixa eu dar um abraço nesse moleque teimoso. — Esbaforido, o pai
pulou degraus para alcançar esposa e filho, e puxou o garoto num abraço
forte, cheio de lágrimas, e sorridente — Perdão, filho. Perdão por tudo o que
sua mãe e eu dissemos, perdão pelo jeito como nós…
— Deixa isso pra lá, pai. — Leandro chorou, sentindo as mãos da mãe
pelas costas num afago. — Importa é que o senhor tá aqui e…
— Não, filho, preciso dizer. — Afastando-se apenas o suficiente para
olhá-lo, o pai o segurou pela nuca, olho no olho, os dois chorando muito, e
lhe beijou a face — Sua mãe e eu sempre quisemos o melhor para ti, mas não
tínhamos o direito de forçar o nosso melhor sobre o seu caminho.
— Nós conversamos muito sobre isso, sabia? — A mãe riu.
— Tô vendo. — Leandro respondeu.
— A sua carta nos fez pensar muito. — O pai continuou — E que bom
que você é teimoso o bastante para desobedecer.
— Se você tá feliz, filho, nós estamos felizes em dobro.
— Vou entrar no altar todo cagado. — Ele riu, limpando inutilmente as
lágrimas, puxando o lenço do bolso outra vez.
— As melhores memórias de casamento são justamente quando o noivo
não se aguenta de tanto chorar. — O pai aconselhou, tomando o lenço da mão
de seu menino para dar um jeito em seu semblante — É aí que a plateia sabe
que ele a ama de verdade.
— E amo, pai. Só Deus sabe o quanto.
— Então pronto, garoto, não se envergonhe por chorar. — Respondeu o
patriarca, todo melado de lágrima também. — Agora vamos casar você e
finalmente conhecer essa sortuda, tá bem?
— Certo. — Respirando fundo, enfiou o lenço no bolso de qualquer jeito,
deu o braço para a mãe e também para o pai — Vocês dois podem me levar
para o altar ou isso desrespeita as regras da igreja?
— E você se importa com isso? — O pai riu.
Mais relaxado, feliz como em nenhum outro dia, Leandro deu o braço
para o pai e acenou para a assessora que os esperava na porta da igreja.
Para o noivo não tem música e, mesmo se tivesse, ninguém teria ouvido.
A igreja era longa, toda enfeitada, e os convidados não passavam de trinta.
Todos se levantaram para recebê-lo e ele caminhou, acompanhado dos únicos
possíveis, até o altar.
Bataille e Lígia de padrinhos para Natália, Daniel e Flávia de padrinhos
para Leandro. No altar, outra preocupação o tomava, olhando o relógio de
minuto em minuto, esperando que Natália chegasse a qualquer momento,
muito mais nervoso e suado que qualquer tortura que ela já lhe havia aplicado
até então.
Quando a música começou, Leandro sentiu a pressão cair e quase não
conseguia enxergar, do tanto que chorava.
Fani entrou primeiro jogando flores no chão, chorando também, e só
então Natália entrou pelo carpete vermelho segurando na mão um buquê de
rosas Hybrid Tea que ela mesma havia plantado quando que se conheceram.
Como ele, ela também quis que os pais a acompanhassem. Nem só o pai,
nem só a mãe, mas ambos. Penteada e maquiada como uma noiva tradicional,
ela segurava o choro melhor que ele, mas não a emoção. Finalmente ela tinha
alguém que a amava com respeito e admiração, e não mais com vergonha e
prejuízo.
Alguém que a amava o bastante para se revoltar contra a instituição,
contra os pais, e se esforçar para fazer dar certo. Alguém que tinha orgulho
dela. Orgulho o suficiente para combater os próprios preconceitos.
De fato, enquanto ela caminhava até o altar, ninguém segurava o choro.
Seu vestido de cauda longa arrastava as flores do caminho e ela só tinha
olhos para um único homem, retumbante de lindo e sorridente como um
garoto.
O padre chegou logo em seguida, em tempo de ver a noiva receber a
bênção dos pais, a bênção dos sogros, e mandou que todos se sentassem.
De frente para Deus e os homens, Natália e Leandro finalmente disseram
sim. Caio quem trouxe as aliança e todo o resto ficou para a história.
Epílogo
Você conhece a história, não é?

Um homem solitário entra num bar.

Ele nunca esteve lá antes, então a recepcionista da chapelaria lhe deu as boas-vindas e pediu sua
carteira e seu celular.
Disse ainda que, como era sua primeira vez, ela precisaria fazer uma ficha de cadastro.
Com a camisa do trabalho desabotoada nas mangas e a gola que invariavelmente pendia para o lado
esquerdo de seu corpo, olhou para a recepcionista ouvindo as regras da casa, os avisos de conteúdos
filmados, mas mesmo assim ainda não se sentia certo de que era aquilo o que queria fazer.
— Você pode entrar e só tomar uma cerveja, sabe? — A recepcionista o tranquilizou com um
sorriso amigável.
Precisando muito relaxar e sentindo o peso dos dias sem dormir, decidiu por ficar. Esvaziou o
conteúdo de seus bolsos sabendo que não tinha nada mais a perder, e colocou tudo sobre o balcão.
— Você vai ver, é legal. Ninguém faz nada contra a vontade de ninguém. — Amistosamente, a
recepcionista guardou todos seus pertences numa porta, justo a número dezessete — Vou fazer sua
comanda de consumo agora, tá? Qual seu nome?
Ele poderia sair dali. Poderia pedir a carteira de volta e encontrar um bar mais inofensivo. Foi o
ímpeto e a raiva que o levaram até lá, mas sabia que se arrependeria depois. Cerveja gelada tinha em
qualquer lugar da cidade.
De toda forma, estava feito. Olhando para as próprias mãos, para o anelar sem aliança, ele sentiu
um embrulho no estômago e o peso dos ombros.
Estava tudo acabado. Ele não devia mais fidelidade a ninguém.
— Senhor? — A recepcionista o chamou outra vez — Seu nome, por favor?
— Felipe — Ele respondeu, se dando por vencido, desanimado e triste — Felipe Ferreira.
Sobre a Série:

O Clube dos Corações Partidos é uma série com quatro


livros, cada um sobre um casal. Fique atenta para os
Próximos:

Livro 2 – Felipe Ferreira;

Livro 3 – Bataille;

Livro 4 – Daniel.
Gostou do Daniel?

Sabia que uma vez por mês envio contos gratuitos,


diretamente no seu e-mail, sobre a vida de michê que
Daniel leva depois de tomar um pé na bunda de
Vívian?

Para receber os próximos, cadastre seu e-mail aqui:

www.tinyletter.com/saliencias
Agradecimentos

É sempre esquisito chegar no fim. O personagem que apareceu primeiro foi


Daniel, esse pobre coitado que tomou um pé na bunda e virou michê. Depois,
num dos contos que envio mensalmente, apareceu uma tal Lady em vermelho
com seu loirinho. Perguntei às minhas leitoras se elas se interessariam numa
história só da Lady e, para a surpresa de ninguém, elas quiseram.

Escrevi no Wattpad em maio. Fui brincando sem pretensão alguma, só pelo


prazer mesmo. Eu vivo de escrever tem um tempo, mas acho que essa Lady
inaugura uma nova fase da minha carreira.

Então, já que esta é a parte dos agradecimentos, obrigada às leitoras que


quiseram saber mais sobre a Lady. Obrigada àquelas que já leram no Wattpad
e vieram prestigiar meu trabalho também na Amazon. Eu me sinto muito
especial em saber que tem gente que confia no meu trampo, mesmo quando
eu mesma não confio.

Obrigado à minha AGENTE (chique demais, eu sei!) Suellen Roman, da


@afetoagencia, que catou este original e torceu minhas palavrinhas até que
isso virasse um livro. Desculpe pelas padronizações que não sigo e os verbos
do “passado do passado” que não curto.

Além dela, tem gente que, se não fosse pelo carinho, eu nem estaria mais
aqui. Primeiro, ao excelentíssimo marido, Wagner Barongello, meu saquinho
de estresse diário, que foi o primeiro a acreditar em mim e, por muitas vezes,
me bancar, para que eu seguisse esse sonho de escrever.

Obrigada Debora Menezes, Taisa Maia, Gabi Ferreira e Poli Cunha, que são
tipo… o meu clã. Tudo chega nelas primeiro. Eu sei que sou cuzona, mas,
mesmo assim, obrigada por não desistirem de mim.
E, antes que eu me despeça, obrigada a você. Espero que minhas
meninas más te dêem inspiração para ser má também!

Com amor,

Camila Marciano.
@camilamarciano
Books By This Author
Para Sempre Três
Manuela Ferreira sempre foi esquisitinha. Em casa, a única menina. Na
escola, a única que se importava com super-robôs e filmes de ficção-
científica. Encontrou amizade em dois amigos: o menino que não fala com
ninguém, e o moleque mais lindo da escola.

Com o coração dividido, ela se vê diante de uma escolha impossível, e no


meio de um embate entre o que os outros vão pensar, e o que ela realmente
quer.

Será ela capaz de fazer esta escolha?

Pior que isso: Será ela capaz de enfrentar o preconceito e o tabu para viver
este amor sem limites?

Atenção: Este Livro é um Spin-Off da Saga dos Ferreira, feito para ser lido
SEPARADO do restante da série.
Atenção: Possui situações delicadas para corações mais sensíveis.

O Próximo homem da Minha Mulher Sou Eu


Você consegue dizer o ponto exato em que o amor acaba? Consegue dizer
quando as contas, a rotina e os filhos afogam o amor? Consegue dizer quando
acaba o tesão?

Eu nunca soube.

Isso aqui não é uma história de dois adolescentes que se batem mas no fundo
se amam. Eu sou um pai de dois filhos, sou casado.
Esta aqui é sobre reconquistar a mesma mulher que você já meteu uma
aliança no dedo, mas deixou escapá-la por entre eles. Ela se foi e você nem
viu. Esta vai para todos os cabaços que como eu, esqueceram-se que o amor
não é um posto, é exercício. É um jogo de tentativa e erro com algumas
regras pré-estabelecidas.

Aqui, o amor é outra coisa.

Não é à toa - Que os contos de fadas terminam no casamento e a ideia de


"casamento perfeito" vem estampado num comercial de margarina.

Escondido é Mais Gostoso


A nova série da Netflix não está buscando uma atriz como protagonista, mas
quando Maria Dolores entrou no set e recitou a música favorita de sua mãe,
ela bagunçou não só o cronograma das gravações, como o coração do galã
mais bem-pago da televisão brasileira.

Para pegar o papel que mudará sua vida, ela precisa decidir o que quer: Se
Dolores quiser o papel, não pode ter o galã. Se quiser o galã, não pode ter o
papel. E, se for pega violando os termos do contrato, perde tudo. Mas, se ela
fizer tudo escondido… Dá para ter sorte no amor e no jogo, um só não pode
saber do outro!

Escondido é mais gostoso é um livro leve, divertido, e para sair dele com um
quentinho no coração.

Alerta: Possui algumas cenas picantes e aborda assuntos como álcool e vício.

Você também pode gostar