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Camila Marciano
Copyright © 2021 Camila Marciano
The characters and events portrayed in this book are fictitious. Any similarity to real persons, living or
dead, is coincidental and not intended by the author.
No part of this book may be reproduced, or stored in a retrieval system, or transmitted in any form or
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permission of the publisher.
Camiseta básica e calça jeans era seu uniforme diurno. Pronta para
brigar com uma namorada ingrata, também amarrou seus cabelos num rabo
de cavalo bem apertado.
Entrou no carro do loiro e perguntou que horas eram, porque
planejava estar de volta, com todas as coisas de Daniel, antes que seu filho
saísse para a escola.
Cruzaram a cidade de São Paulo antes das seis da manhã. Foram do
Pacaembu, onde ela morou a vida inteira, até Santo Amaro sem trocarem uma
palavra.
Natália não olhava para a mão grande que agarrava o volante. Nem
para o combo clássico: relógio grande e camisa de mangas arregaçadas.
Também não olhou para as coxas grossas levemente abertas a um
palmo de distância.
Com os olhos sempre na via, ela queimava de raiva. Não entendia
como Vívian pôde ser tão baixa. Daniel tinha trabalhado de tudo um pouco
para que ela cursasse farmácia.
Esperou que ela estivesse formada para entrar na faculdade. Foi esse o
trato entre o casal. Um trabalharia para o outro estudar, depois trocariam.
Vívian se formou farmacêutica. Trabalhando num laboratório de
cosméticos, ganhava bem e podia bancar o namorado para que ele se
formasse engenheiro, coisa que sempre foi seu sonho. No entanto...
Natália engoliu a raiva e a tristeza. Daniel não tinha nada. Nem
diploma, nem namorada e estava há muitos estados longe dos pais. Perdido
na vida e, do jeito como tinha chegado em sua casa, desolado.
— Você vai brigar com ela? — Leandro perguntou quando desligou o
carro e Natália teve que pensar por dois segundos até entender que já estavam
em frente ao portão de ferro da casa que Vívian tinha alugado assim que
conseguiu seu emprego dos sonhos.
Saiu do carro com um quente e dois fervendo. Tocou a campainha do
jeito que Leandro tocara a sua, várias vezes e sem a menor paciência.
Vívian era linda de parar um quarteirão, mas nada pior que uma
mulher que sabe usar as armas que tem. Nunca escondera sua beleza, com seu
cabelo comprido e cacheado, de peito grande e cintura minúscula. Parecendo
recém-desperta e com uma xícara de café na mão, atendeu a porta de
camisola semitransparente. Cumprimentou Leandro parado logo atrás e não
deu duas olhadas para a japonesa sem graça parada a menos que um braço de
distância.
— Vim pegar as coisas do Dani.
— Mal saiu de casa e já me trocou — Vívian respondeu abrindo a
porta, deixando a dupla entrar — Vão logo que eu tenho que sair para o
trabalho. As coisas dele já estão numa mala, faltam só as coisas no banheiro.
Natália parou no meio da sala e respirou fundo.
— Vívian… — Leandro, aparentemente mais cabeça fria, foi logo
perguntando — Daniel te traiu?
— Trair? — ela respondeu, se sentando na cadeira mais próxima da
pequena mesa de jantar e cruzando as pernas com tanta sensualidade que
Leandro desviou o olhar e recuou bastante constrangido — Não.
— O que aconteceu, então? — ainda sem olhá-la, ele retomou.
— Não damos mais certo, só isso.
Natália tinha planejado não falar absolutamente nada, mas não
conseguiu evitar:
— Agora que ele se matou de trabalhar para que você tivesse seu
diploma é que vocês não dão mais certo, né?
— Não te mete! — Vívian não aguentaria desaforo dentro de seu
próprio lar.
— Sempre achei que vocês não combinassem — Natália, mesmo mais
baixa e mais franzina que a oponente, quando perdia a paciência, perdia
também o medo. Olhando bem para a gostosona sentada, atravessou a sala e
parou a apenas alguns palmos de sua cadeira —, mas nunca imaginei que
você fosse tão…!
— Cala a boca, menina, senão eu meto a mão na sua cara.
— Natália — Leandro se intrometeu porque previu o pior —, vai
pegar a mala do Dani.
Primeiro: Natália não toma ordem de homem nenhum.
Segundo: também não leva desaforo de vagabunda.
Com o sangue borbulhando, esqueceu-se de Leandro e fez Vívian se
levantar da cadeira.
— Natália! — Há duas horas, Leandro sequer sabia sua identidade,
mas ali, já usava seu nome para lhe dar bronca.
Ela, por outro lado, lidaria com Leandro depois. Em terra de mulher,
homem não tem voz. Olhou bem para a adversária maior e mais forte e
empunhou o queixo com tanta firmeza no espírito que Vívian se viu obrigada
a dar dois passos para o lado.
— Se vai dar na minha cara, essa é a hora. — Natália desafiou.
— Você sempre quis ele, essa é a sua grande ch…
Ela não era mulher de brigar puxando cabelo. Queria descolar a pele
de Vivian de seu crânio. Fechou o punho sentindo a unha entrar na carne e
partiu para cima, pronta para o fim do mundo.
A ex-namorada engoliu o resto da frase, mas não deixou por menos.
Não apanharia dentro da própria casa, ainda mais de uma japonesinha
mirrada que nem aquela. Voou para cima de Natália em resposta, grudada em
seu cabelo e se aproveitando da diferença de tamanhos.
Leandro não contou que o corpo daquela baixinha fosse tomado por
um demônio. Antes que conseguisse apartar, Natália estava em cima de
Vívian, mesmo com os cabelos puxados, e metia a mão na cara dela com a
fúria que só as melhores amigas são capazes, arranhando tudo, socando
quando possível e devolvendo o desaforo que jamais levaria para casa.
Fiel aos amigos, ela defenderia Daniel mesmo se ele estivesse errado.
Mesmo se pudesse se defender sozinho.
Com um braço, quando Vívian apanhava sem revidar, Leandro
arrastou Natália para fora de casa, impedindo que ela, vermelha, descabelada
e com o rosto arranhado, terminasse de matar a ex-namorada de seu amigo.
— Se controla! — Ele pediu.
— SE CONTROLA?! — Era o mesmo que pedir para a água secar
— SAI DA MINHA FRENTE, EU VOU MATAR AQUELA
VAGABUNDA!
Do lado de fora, Natália não tinha a menor vergonha de fazer
escândalo. Quente, desvencilhou-se do braço dele e procurou qualquer coisa
na rua. Antes que Leandro a impedisse, ela acertou uma pedrada na vidraça.
— EU VOU CHAMAR A POLÍCIA! — Vívian, toda machucada,
apareceu na janela quebrada e berrou para a vizinhança inteira ouvir.
— SAI NA RUA SE VOCÊ É MULHER! — Natália não estava nem
perto de terminar o barraco — Chamar a polícia é fácil, quero ver ter peito de
vir aqui!
Antes que Leandro pudesse alcançá-la, ela estava a menos de um
passo da porta de Vívian e, para impedi-la de entrar, ele a arrastou de novo
até o carro.
— Entra — ele mandou.
— Não vou entrar, não acabei com aquela piranha!
Não era hora de teimosia. Contrariado, Leandro abriu a porta do carro
e a empurrou para dentro, mas ela, tão quente, se virou com tudo, saindo de
seu domínio, e virou um tapa ardido na cara dele.
Ninguém espera levar um tapa quando está apartando briga. Sem
acreditar que sobrou até para ele, Leandro congelou, incrédulo, e segurou o
rosto ardido.
Só então Natália percebeu o que fez. A raiva se dissipou em um
segundo. Constrangida, colocou a mão na boca, quis pedir desculpas, mas
Leandro não tinha a cara boa e obviamente não queria conversa.
— Entra — ele disse com a voz mais seca do mundo — Agora.
Realmente, não era hora de teimosia.
Sem cuidado algum, Leandro fechou a porta do carro e passou o
alarme. Pelo vidro fechado e insulfilmado, Natália o observou voltar para a
porta daquela biscate, tocar a campainha, trocar duas palavras com a mulher
que tinha o rosto todo arranhando, e só abandonar sua soleira quando tinha
todas as malas de Daniel.
Quis ajudá-lo a colocar as coisas no porta-malas, mas estava trancada.
Ensaiou dizer alguma coisa, mas não tinha muito o que falar. Olhou para as
próprias mãos sentindo alguma coisa escorrer e percebeu que conseguira
quebrar sete das suas dez unhas.
Era tanta a raiva, que seu corpo estava quente demais para sentir dor.
Não percebeu, enquanto olhava o estado das próprias mãos, quando
ele fechou o porta-malas e assumiu o volante.
Olhando-o, era como se Natália tivesse brigado com ele, não com
Vivian. Um lado de sua face estava vermelho, com marca de dedos e
inchado.
Não tinha sido um tapinha, ela entendeu pelo estado de sua pele muito
branca: foi um puta de um tapão.
— Me desculpe. — Tentou sem conseguir olhá-lo.
— Mãozinha pesada! — Leandro resmungou e puxou o quebra-sol
para se olhar no pequeno espelho acoplado.
— Deixa eu ver — ela pediu, feito uma mãe acostumada a
diagnósticos de pancada. Colocou a mão em seu queixo, puxando seu rosto
para si. — Me perdoa, eu não quis bater em você.
Descabelada, vermelha de raiva, sem graça por ter batido na pessoa
errada, doida para bater mais na pessoa certa. Estranhos os jeitos de Leandro
de perceber o quanto Natália era bonita. Reparou no sangue que pingou da
orelha dela para a camiseta e percebeu o tamanho do estrago: o pequeno
brinco ainda estava lá, mas seu lóbulo estava rasgado.
Avançou por cima do banco do passageiro em busca do porta-luvas e
tirou de lá uma caixa de lenços.
— Toma, sua orelha está sangrando.
Quando ela se virou para pegar lenços da caixinha, Leandro reparou
nas unhas quebradas, algumas tão profundamente que rasgavam a carne.
— Deixa que eu faço. — Apoiando a caixinha de lenços em seu
próprio colo, tirou alguns e os ofereceu como uma ordem — Segura um em
cada mão e estanca isso aí.
— Não está doendo.
— Mas vai doer. Licença:
Com cuidado ao segurar a pequena orelha, ele apertou o lenço sobre o
machucado até que parasse de sangrar e, depois, tirou-lhe o brinco.
— Desculpa ter batido em você — Ela nunca esperou, depois de ter
metido a mão em sua cara, que ele tivesse delicadeza suficiente para limpar
seu machucado e, mais que isso, pedir licença antes de fazê-lo.
— Vívian merecia apanhar. — Leandro concordou.
— Na hora que ela falou que ia meter a mão na minha cara… !
— Eu sei, ela achou que você ficaria quieta.
— Agora ela vai pensar duas vezes antes de falar!
— Pois é — Com o brinquinho na mão, ele trocou o lenço sujo que
mantinha em sua orelha por um limpo —, pelo jeito, eu também.
— Me desculpa, tá? — Com uma simpleza que em nada se parecia
com o demônio de minutos atrás, ela deu um beijo seu rosto vermelho.
Leandro a olhou como que em choque pela segunda vez. Tirou a mão
de sua orelha e dirigiu, mudo, de volta para a casa dela.
✽✽✽
A primeira vez em que Natália pisou no Stage, Caio ainda usava fraldas.
Era despedida de solteira de uma amiga. Se não fosse seu pai exigir que ela
saísse do quarto, vestir roupa decente e socializar com alguém, teria ficado
em casa.
Entrou no curiosa bar recém-inaugurado do mesmo jeito que todo
mundo entra pela primeira vez: curiosa e com a certeza de que não voltaria.
Olhou aquele bando de gente maluca, vestida em roupa indecente, e achou
engraçado. Por que é que todo mundo entrava ali só para transar? Aquele
povo não sabia o que era quarto e motel?
Pediu água com limão no balcão, porque ainda amamentava, e voltou
para a mesa de suas acompanhantes. As colegas falavam sobre faculdade e
festas, sobre homens e fantasias, mas ela era mãe recente, mãe de primeira
viagem, mãe solteira de carreira solo. Não sabia nada sobre faculdades, pois
nunca havia entrado em uma.
Entristecida pela experiência que perdia, sorriu e acenou a maior parte
da noite porque seus assuntos envolviam fraldas e mamadeiras bem mais que
provas e boys.
E quando a maioria delas começou a falar alto e rir mais alto ainda,
alteradas pelos shots fortes de bebidas puras, Natália se levantou dizendo que
iria ao banheiro, exausta de ter que participar só para fazer a noiva feliz.
Uma mulher preta completamente nua retocava o batom no espelho que
cobria uma parede inteira do banheiro. Ela lhe piscou cúmplice e, sem graça,
Natália sorriu e baixou a cabeça com um sorriso, evitou olhar a nudez e se
enfiou o mais rápido possível na primeira cabine aberta.
— Ninguém morde aqui não, benzinho. — Foi a primeira coisa que a
mulher nua disse, sua voz atravessando a barreira da cabine e atingindo
Natália em cheio — E você é bonita demais para ficar com aquele bando de
menininha cafona.
Como se aquela desconhecida tivesse lido seus pensamentos, Natália
deixou uma risadinha escapar.
— Pensa que ninguém te vê, mas todo mundo aqui olha para todo
mundo.
— Eu só tô aqui porque minha amiga me arrastou, sabe? — Ela resolveu
responder um pouco impressionada pela limpeza do banheiro.
— Ela não parece muito preocupada com você.
— É, mas…
A desconhecida deu dois toques na porta.
— Talvez ela só tenha te chamado para fazer volume.
Com a disparidade dos assuntos, conforme a noite passava, mais Natália
se sentia exatamente assim.
— Aqui não é um bar qualquer. Se você quiser, eu posso te mostrar o
que suas amiguinhas nunca vão conhecer.
Incrivelmente entediada, ela abriu a porta da cabine, de cabeça baixa
porque não tinha coragem de dar de cara com tanta nudez, e percebeu a altura
escandalosa dos saltos da desconhecida.
— O que tem para ver por aqui?
— Vem, lindinha. Você está tão deslocada do seu grupinho que estou
até com dó. Dói ver o tanto que elas estão te excluindo da conversa.
Sentiu como se a salvassem. Ainda doía não estar na faculdade e doía
mais ainda ter que ficar ouvindo sobre provas e fechamentos de semestre.
Com um sorrisinho quase feliz, porém muito tímido, olhou para o rosto
da mulher pelada, para seu jeitão altivo, e aceitou o braço que ela lhe
oferecia.
— Vamos lá para o pátio.
Saíram do banheiro de braços dados. Natália, miúda sem maquiagem e
olheiras de mãe, olhou para as colegas que conversavam alto e percebeu que
nenhuma delas deu falta de si.
Atravessou o cômodo iluminado apenas o suficiente para que
conseguisse se guiar, esbarrou num casal entusiasmado demais e desceu
alguns degraus até o ar livre.
Do lado de fora, na noite que se estendia fria, tochas posicionadas
estrategicamente iluminavam o quintal comprido de cimento queimado. Um
barman fazia malabarismos com garrafas e coqueteleiras atrás de um balcão
cheio de cadeiras altas ocupadas e, ao fundo, um homem preto de camisa e
calça social, sentado numa espécie de trono, olhava todo mundo, mas não se
demorava em ninguém.
— Bataille, amor — A mulher nua a levou até o homem no trono e
sorriu — Acabei de encontrar essa beleza aqui sozinha lá na frente. Será que
a gente pode cuidar bem dela, hoje? Ela tá com cara de quem precisa de
algumas horas de entretenimento.
— Sozinha? — Sentado, Natália não podia imaginar o tamanho daquele
homem, mas suspeitava que ele fosse alto, muito alto. — Por que você veio
sozinha para o meu Stage?
— Eu não vim, me arrastaram — Respondeu e ficou envergonhada de
contar que chegou acompanhada, mas se sentia completamente sozinha.
— Mari, traz uma cadeira para essa menina. — O homem pediu mas não
soou assim. Para Natália, favores eram pedidos com gentileza e com “por
favor”.
— Sim, Mestre.
Em questão de segundos, a mulher nua trouxe uma cadeira de ferro
revestida em couro vermelho, e Natália se sentiu obrigada a se sentar.
— De joelhos. — Ele mandou e a mulher nua sorriu, como se estivesse
feliz em obedecer — Põe esse rostinho aqui.
O jeito como ele falou era carregado de erotismo. Mari, a mulher nua,
sorriu mais aberto e se arrastou pelo chão o suficiente para encostar o queixo
nos joelhos dele.
— E então? — O homem se virou para Natália e ela sentiu vontade de
sair correndo — O que você sabe sobre BDSM?
Nas revistas da NOVA, que sua mãe assinava, ela tinha visto alguma
coisa sobre a sigla. Já tinha lido sobre tudo na sessão “Sexo” da revista,
amava os contos eróticos e sabia que BDSM era um fetiche, só não sabia
exatamente o que cada letra significava.
— Bondage? Dominação? Sadismo? Masoquismo? Nada, menina?
— Sadismo e Masoquismo sim. — Ela se defendeu diante da expressão
de menosprezo que o tal Bataille fazia.
— O que você sabe sobre isso?
— O que está escrito.
Algo se acendeu no rosto dele, como uma alegria repentina que não
contaminava a boca, apenas os olhos, e ele assentiu de um jeito aristocrata e
imponente.
— Você gosta de ler, pelo visto.
— Passei a minha adolescência inteira lendo todo tipo de… — Quis
falar, mas as palavras não saíram — Agora que virei mãe, leitura é a única
coisa que me conforta.
— Leitura também é meu escape. — Ele confessou bem mais caloroso.
— O que você gosta de ler?
— Bom… — Como dizer que gostava de ler putaria? Pior que isso,
como dizer tudo isso a um completo desconhecido?
Gostava de ler coisa pesada. Coisa fora de sua zona de conforto. Coisa
que a faria enrubescer se tivesse que falar. Enquanto lia, gostava de fingir que
era outra pessoa, alguém astuciosa, audaz e corajosa, o completo oposto de
como era.
— Bukowski — Preferiu dizer e fingiu que não viu o desânimo no rosto
dele — Medo e Delírio em Las Vegas, essas coisas.
— Trópico de Câncer?
— Esse eu li três vezes.
— Anais Nïn? — Por que ele perguntava justamente de suas leituras
proibidas? Pior que isso, como é que ele sabia?!
— Alguns. — Ela se esquivou.
— Quais?
— Acho que todos.
— E gostou?
Ela tinha treze anos quando começou a passear pela biblioteca municipal
e encontrou a sessão de “literatura erótica”. Queria contar que passava as
tardes ali dentro, sempre com um livro daquela sessão na mão, e se entristecia
quando era fim de semana porque não podia ler.
Como era menor de idade e muito novinha, sabia que ninguém a
deixaria levar aqueles livros para casa. Pior que isso, tinha vergonha demais
para levar um livro pornô até o guichê da bibliotecária.
— Leu alguma coisa de Bataille? — Ele tentou, embora ficasse
entediado com a timidez da mocinha.
— Li, mas larguei na metade. Não sei se entendi muito bem.
— Deixa eu adivinhar, você leu O olho.
— Acho que sim.
— Literatura surrealista não é feita para entender.
— Será que é por isso que eu larguei?
Algo que disse o fez rir e era raro que Bataille o fizesse. Todos o
conheciam como o homem de expressão fechada e voz molhada, o tipo de
homem feito para dar ordens. Que não diz “por favor”.
Todos sabiam também que ele não tinha muitos motivos para rir.
— A teoria filosófica dele é muito melhor que a literatura. — Ele
continuou.
— Por isso que a Mari te chamou de Bataille? É tipo um apelido?
— Alter-Ego — Ele corrigiu — Mas, sim. É por isso.
— E qual seu nome verdadeiro?
— Você ainda não me disse o seu.
— É por que você não perguntou!
Mari, acostumada com Bataille, sabia que ele não reagia bem quando as
pessoas lhe respondiam com malcriação. Ainda com o queixo apoiado em
suas pernas, desviou o olhar de seu mestre para a mocinha vestida
comportada demais e estreitou os olhos.
— E qual é seu nome, então? — Ele cedeu.
— Anais Nïn. — Mas ela não.
Todo o bar parou para olhar o patrão cair na gargalhada. Ninguém sabia
o quanto sua risada era gostosa e contagiante e ninguém entendia como
aquele pingo de gente vestido de qualquer jeito, com uma sapatilha feia, de
coque muito apertado, o fazia rir tão alto.
— Eu gosto de você, Lady Nïn. Seja bem-vinda à minha alcova.
— Eu acho que não vou voltar aqui outras vezes. — Ela confessou
espremida entre os ombros.
— Então você vai ler enquanto poderia fazer?
— Fazer o quê? — As loucuras que lia? — Tá louco?
— Sade pode ter sido um louco, mas dá para fazer tanta coisa com um
chicote que você ficaria maravilhada.
Capítulo Cinco
De camisa escura por cima de seu vestido indecente, deu um beijo no
filho que jogava videogame com Daniel, disse que voltaria mais tarde e
fechou a porta de casa.
Mandou mensagem para seu melhor amigo com sua localização em
tempo real e cumprimentou o motorista.
Pelos vinte minutos em que esteve no carro, tentou esvaziar a mente.
Todos os problemas ficariam nas ruas. Fechou os olhos, respirando fundo e
sentindo o cheiro do próprio perfume conforme a brisa da noite entrava pela
janela entreaberta do banco de trás.
Desceu depois de pagar pela corrida e sorriu diante do paraíso
pessoal. Naquela época, o Stage ainda funcionava numa casa com sete
quartos e um quintal nos fundos, o bastante para que os frequentadores
assíduos tivessem um grupo movimentado no WhatsApp.
Dois moços de calças de lona, botas e peitorais expostos a esperavam
do lado de fora. Sorriu para eles enquanto tirava a camisa e revelava o
obsceno vestido vermelho que trazia embaixo.
Nenhuma outra cor lhe caía tão bem. De tecido tão justo que qualquer
um era capaz de ver a divisão das nádegas enxutas, as curvas dos seios
pequenos e as linhas finas de sua barriga que terminavam em seu púbis onde
qualquer um, mesmo os de pouca imaginação, sabiam onde aquelas linhas
todas terminavam.
— Leve para a chapelaria para mim? — Ela sorriu ao maior homem
da dupla, entregando a camisa preta do disfarce, as chaves de casa e o celular.
— Sim, Rainha.
O outro, mais discreto, ofereceu o braço para conduzi-la para dentro.
Pediu permissão para falar, mas não a olhou diretamente sequer uma vez.
— Fale livremente.
— Master Bataille está te esperando no pátio.
— Pegue gim com tônica no bar.
Para esse, ela não fez soar como um pedido. Deu um beijo em seu
ombro como recompensa imediata. Cumprimentou o segurança que nunca
olha para ninguém e entrou sozinha.
Todo o andar térreo da casa era aberto e escuro. Os pequenos pontos
de luz eram dourados e estrategicamente colocados sobre mesinhas de apoio
ou ao redor de mastros de poledance.
Olhou para todos os lados cumprimentando os conhecidos, mas não se
interessou em ficar por ali. Atravessou a casa, desceu os poucos degraus até o
quintal aos fundos e sorriu sem querer esconder quando percebeu que sua
cadeira favorita, a mesma em couro vermelho de tantos anos atrás, estava
vaga e esperando por ela.
Numa poltrona ao lado, sentado com uma dose de uísque, o mesmo
homem negro de antes sussurrava qualquer coisa a uma mulher nua de salto
alto, tão suada que seus cabelos vermelhos tingidos grudavam nas costas.
— Bataille — Natália o cumprimentou com um aceno e tomou posse
de seu assento. — Obrigada pelos meninos na entrada.
— Sempre um prazer — sem desgrudar a atenção da ruiva, ele lhe
respondeu e prosseguiu — Agora, faça o que eu mandei.
A ruiva se ajoelhou, abaixou a cabeça e não se mexeu mais.
— Brinquedo novo? — Natália perguntou.
— Treinamento — Bebendo seu uísque, ele se ajeitou melhor na
poltrona e respondeu com um sorriso de canto de boca.
— E como ela está se saindo?
— Mal.
Natália segurou o riso quando percebeu que a sub em treinamento se
remexeu descontente e inconformada. Se não fosse a ordem de ficar quieta e
ajoelhada, ela certamente teria respondido alguma coisa.
— Ela vai se esforçar mais. — Natália comentou com desdém.
Seu gim chegou junto de um guardanapo e ela sorriu agradecida, mas
não deu qualquer outro comando. Deixou que o sub fosse procurar outra
Domme para atender porque não estava com vontade alguma de brincar.
— Você está bem?
Não era o Mestre Bataille quem perguntava, mas o amigo.
— Sim. — Deu um gole na sua bebida favorita, continuou observando
a submissa suada e não quis dizer qualquer outra coisa.
— Natália, o que foi? — No Stage, Bataille sempre a chamava pelo
Alter-ego, Lady Nïn, nunca pelo nome formal.
— Nada. — Ela não percebia que seu comportamento era esquisito
para quem a conhecia há tanto tempo — Por quê?
— Não quer brincar com os dois subs que separei só para ti?
— Hoje, não.
— Certo. — Para que a ruiva não ouvisse, ele se aproximou de seu
ouvido e cochichou com a voz mais sensual do universo — Devo dispensar
minha companhia?
— Não seja tonto. — Ela sorriu, o segurando pelo queixo, observando
seus olhos incrivelmente verdes e a centímetros de distância.
— Então por que veio?
Essa era uma pergunta que ela não sabia responder. Precisava ir,
queria colocar uma roupa bonita, se sentir como gostava de se sentir, trocar
olhares com pessoas que a entendiam.
— Tô aqui apenas para olhar.
— Você sabe — Essa era uma chance que ele parecia nunca descartar
—, ainda dá tempo de trocar de lado.
— Não sirvo de submissa e você sabe muito bem.
— Talvez ainda não tenha encontrado o mestre certo.
— Lindo — O que tinha de manso em sua voz, não tinha em seus
olhos ou nas pontas dos dedos que o seguravam pelo queixo —, não me teste.
Bataille avançou para beijá-la, mas a mordeu na bochecha. Levou um
tapa por isso, estalado, que não o moveu, mas o fez piscar cafajeste em
resposta.
Ela sempre achou que ele amava mais a briga pelo poder do que a
dominação. Talvez, olhando-o sorrir num misto de tesão e brincadeira, ela
estivesse certa.
— Você quem não encontrou a Domme certa — Ela retribuiu,
bebericando seu gim e olhando-o um pouco travessa.
— Essa Domme simplesmente não existe. Deus esqueceu de fazer
uma para mim.
Deus.
Ela repetiu a palavra dentro de sua mente e parou de sorrir.
— Tá certo, eu desisto.
Bataille concluiu, se ajoelhou na frente de sua submissa, ajeitou a
mecha atrás de sua orelha e sussurrou qualquer coisa em segredo.
A ruiva não disse nada. Apenas se levantou do chão e se foi.
— Para onde ela vai?
— Para casa — ele respondeu quando voltou para a poltrona.
— Como assim? Vai deixá-la dormir apenas com a promessa? Que
tipo de Dom é você?
— Antes de Dom, sou seu amigo. — Puxou a própria poltrona um
pouco mais perto da dela e segurou sua mão — E você ocupa um espaço
muito especial nessa categoria.
— Ai, Bataille, não precisava dispensar a moça!
— Não dispensei, só atrasei.
— Ah…
— Você viu aquela bunda? — Ele riu, desmontando da faceta séria e
imponente de um jeito que a fez rir também. — Só por dispensar aquele cu
você já deveria considerar se abrir comigo.
— Tá — ela se virou para ele, ajeitou o cabelo para trás e finalmente
disse —, encontrei um cara, mas ele é noivo.
— Noivo?! — Parecia piada, então ele escondeu a risada dentro de
seu copo de uísque.
— E virgem.
Natália não entendeu o que tinha de tão engraçado. Bataille quase
emborcava o copo quando ouviu a palavra “virgem” e não foi capaz de
engolir uma única gota da bebida.
— Ainda existe homem virgem? — Ele perguntou.
— Encontrei o único que sobrou. — Descontente, ela desmontou a
pose ereta e se jogou sem qualquer cuidado contra o espaldar.
— Essa é boa. — Ele riu mais alto — Logo você! Apaixonada num
virgem?!
— Não tô apaixonada. — Já era a segunda vez que lhe perguntavam
sobre paixão. Não era paixão, óbvio que não. Ele só apareceu em sua casa,
tarde da madrugada, e tinha um rosto lindo.
E um corpo de morrer.
— Nem tocou nos dois meninos que trouxe só para você… — Se
fosse qualquer outro homem do planeta, Natália diria que Bataille estava
sentido com a desfeita.
— Não tô muito no clima de…
— Porque tá apaixonada.
— Impossível. — Rebateu — Só o vi duas vezes!
— Conte-me tudo.
Sentiu que finalmente tinha alguém para desabafar e não o poupou
dos detalhes. Contou sobre o quanto aquele loiro mexeu consigo e toda a
situação de Daniel que o levou a se encontrarem.
— O jeito que ele me olhou quando tocou a campainha, como baixou
os olhos quando ficou com vergonha. — Ela contou.
— E você acha que ele leva jeito para submisso?
— Não sei, mas tô doida para colocá-lo de joelhos!
— Só que ele é noivo. — Bataille provocou.
— E religioso!
— Por isso essa carinha. — Ele concluiu — Você quer o que não
pode ter.
— Você me entende, não é?
Sem responder, Bataille suspirou contemplativo e deu um gole na
própria bebida.
Ela só estava ali porque não conseguia pregar os olhos. Tinha
acordado extremamente cedo, passado o dia desempenhando suas outras
funções, mas ao deitar a cabeça no travesseiro, tudo o que conseguia pensar
era naquele rostinho loiro envergonhado.
Era mais que uma atração. Era uma ânsia por tê-lo, por vê-lo de
joelhos, por ser atendida por ele. Era um gosto que não saía de sua boca, um
cheiro impregnado no nariz.
Era como se a leoa finalmente encontrasse seu leão e o quisesse aos
seus pés. Dobrá-lo, hipnotizá-lo, deixá-lo em constante êxtase.
Não tinha nada com estar apaixonada.
— Nunca senti isso. — Ele se queixou.
— Não queira.
Era mais que paixonite. Não existe amor à primeira vista, todo mundo
sabe disso. Era coisa de caça, coisa de fome, coisa que fala no estômago
muito antes de chegar ao pensamento.
Em todos os seus anos de Domme, nunca se sentiu assim.
Tinha que ser logo com o único noivo, virgem e religioso do planeta?
— Se você se sente assim, devia ir à caça. — Ele aconselhou.
— Você acha?
— Essas coisas não acontecem duas vezes na vida. Se aconteceu,
devia insistir.
— E se ele se assustar comigo?
— Se você não for atrás, vai passar a vida inteira pensando em como
teria sido. Isso não é pior do que levar um fora?
Ele tinha um ponto, mas ela não tinha coragem suficiente para
quebrar um noivado e desvirginar um homem religioso apenas por capricho.
— Eu sei — Bataille sorriu —, eu sou um ótimo conselheiro.
— Não tem como isso acabar bem.
— Claro que não. E é assim que a gente gosta.
Tudo em Bataille gritava perdição. Alto, forte, de ombros largos,
bunda enxuta, pernas grossas. Os olhos que parecem que te comem, o rosto
feito para a maldade.
Tinha que estar certo? Tinha que ser seu único amigo do meio?
— Continuo seu mentor? — Ele deixou o copo na mesa ao lado e se
levantou limpando as mãos nas calças, como quem está prestes a tomar uma
ação.
— Já passamos dessa fase.
— Continua confiando em mim quando digo que algo será bom para
você?
— Por quê? O que você tá…
— Confia.
Sem dizer mais nada, ele se levantou e deixou sua poltrona vaga. Ela
bebericou seu gim com a tranquilidade de quem não passa de uma taça,
curiosa e confusa na mesma proporção.
Se Bataille havia pedido um voto de confiança, ela o daria de olhos
fechados.
Um garoto que ela nunca tinha visto desceu as poucas escadas que
separava a casa do pátio. Percebeu o cabelo loiro quando seus olhos
finalmente terminaram de lambê-lo dos pés à cabeça.
Loiro, ela pensou. Logo ela que nunca teve um tipo.
Ele descia as escadas vestido do jeito como ela gostava que seus subs
se vestissem: harness, calça e botas.
Musculoso de academia e com a cintura estreita. As calças pendiam
pelos quadris, sem cinto. Não tinha um pelo naquele peitoral e ela teve que se
ajeitar no assento.
Ele tinha o rosto angelical demais, mas isso pouco importou. Tudo o
que via era um outro homem.
Descruzou as pernas que cruzava por costume. Sentiu o coração bater
engraçado, fora do lugar e bem no meio de suas pernas.
Em sua cabeça, aquele loiro anjinho que caminhava até sua poltrona
não era um desconhecido.
Suas mãos suaram de excitação, loucas para tocá-lo, para sentir a
quentura de sua pele, o deslizar suave em cada um dos gomos daquela
barriga.
Cruzes, parecia que ele não chegaria nunca.
Não conseguiu sequer se mover quando ele se ajoelhou aos seus pés.
— Lady Nïn, me permite? — Não foi a voz do desconhecido que ela
ouviu.
Pousou sua bebida em qualquer lugar, salivando feito uma maluca, e
permitiu.
Qualquer coisa que Leandro quisesse. Qualquer uma.
Fechou os olhos sem conseguir se controlar quando ele encostou no
fecho de suas sandálias. Esticou o sorriso sentindo o começo, o meio e o fim,
tudo ao mesmo tempo.
Amava o controle, mas nem isso era o bastante. Nem todo o controle
do mundo daria conta de acalmar o coração na beira do precipício, a ânsia por
senti-lo e todas as outras coisas que sonhava em fazer com ele.
Sentiu o maxilar sem barba subir dos tornozelos para suas canelas, um
pouco mais para cima, seus joelhos descobertos, a parte interna das suas
coxas e então...
Molhada só de pensar nele. Só de imaginar como seria aquela
cabeleira loira no meio de suas pernas. Ajeitou-se na poltrona, sentindo seu
vestido minúsculo subir pelo corpo, as mãos grandes nas laterais de seus
quadris.
Olhou para baixo e era exatamente assim que tinha imaginado.
Chorou manhosa quando sentiu a língua encostar, agarrou em seus cabelos
como se fosse se perder e se abriu.
Com aquela língua e aquele rosto lindo, ele poderia ter o que quisesse.
O mundo inteiro, todas as partes de si. Bastava pedir.
Puxou a cabeça dele mais para perto, rebolando sobre o couro da
poltrona. Abriu-se por inteira, em público. Todos a olhavam e ela amava isso.
Encostou o dorso na poltrona para se abrir melhor, sentindo os mamilos
roçarem no tecido fino do vestido, o prazer enroscando-se em sua espinha
dorsal sentindo as mãos dele cada vez mais violentas.
Gostava quando seus subs perdiam noção da força que tinham.
Gostava quando estavam a um passo de se perderem, quando esqueciam das
hierarquias, quando se enlouqueciam pelo prazer de sua Domme.
Gemeu com vontade e tomou um puxão no cabelo. Assustou-se com a
dor e o tranco. Olhou para cima, para a mão que a agarrava, e tomou um beijo
de Bataille, de ponta-cabeça, a parte rugosa da língua dele encostada na sua.
Sentia que podia morrer naquele inferno impuro.
Bataille lhe entregou um chicote curto com muitas pontas e sorriu
malícia.
Deu a primeira chicotada e o loiro quase se perdeu. Deu a segunda e
era ela quem se perdia. Na terceira, gemia tanto que não existia plateia, não
existia Bataille, não existia nada.
Na quarta travou todos os músculos sentindo o orgasmo chegar,
puxou um mamilo para fora do vestido e não fechou os olhos só para ver seu
loiro entre suas pernas nem que fosse só mais um pouquinho.
Gozou pensando nele. O tempo inteiro só ele habitava o seu lado de
dentro. Sussurrou um “Leo” muito baixinho, muito íntimo. Ninguém dos
espectadores poderia dizer que ouviu qualquer coisa sair da boca da Lady
Nïn.
Deitou a cabeça na poltrona, sem querer desmanchar o encanto de ter
Leo entre suas pernas, e encontrou o rosto de Bataille, sorrindo maldoso do
jeito como ele fica toda vez que está com muito tesão.
— Por quê? — ela perguntou ainda sentindo os efeitos do orgasmo,
louca para descobrir o endereço do seu loiro maldito e bater em sua porta.
— Estou te devolvendo o controle — ele respondeu, acariciando seus
cabelos como se pedisse desculpas pelo puxão. Beijou a testa de sua amiga,
retirando o chicote de sua mão, e terminou — Agora vá lá e traga esse loiro
pelos cabelos.
— Você é o melhor amigo que já tive na vida.
— Será que ele é ciumento?
— Se for, teremos um problema.
Capítulo Seis
Em dois meses Daniel tinha voltado a sorrir. Ainda não cogitava outras
namoradas, se afastava de qualquer coisa minimamente romântica, mas se
recuperava bem. Trabalhando com Natália, os dias passavam suaves.
Sua jornada de trabalho começava seis da manhã no vizinho, numa
grande estufa cheia de plantas, o Garden que Natália administrava como
única dona depois que seus pais desistiram da hortifrúti e resolveram passar a
velhice de volta ao Japão.
Era um grande terreno, colado na pequena e confortável casa de
Natália, com teto coberto em telhas transparentes, chão de terra batida e
muitas plantas à venda. Daniel ficava responsável pelo plantio de novas
mudinhas, aguar todas as plantas do local obedecendo o cronograma de cada
uma, e montar arranjos que as madames do bairro pediam com frequência.
Caio, mesmo tendo cedido seu emprego, passava boa parte de seu dia
no trabalho da mãe e não se importava se lhe pedissem para cuidar do caixa.
A primeira vez que Leandro foi conhecer o grande jardim de Natália,
ele não continha o sorriso. Nunca havia imaginado que, aquela maluca que dá
porrada em ex-namoradas e abriga melhores amigos, gostasse logo de planta,
uma coisa tão delicada e feminina.
Mais que isso: o local inteiro era lindo. Não precisava de requinte
algum, nem de esculturas ou coisas caras. Cada planta ali era responsável
pela beleza do lugar, mas somente se ele não reparasse muito na dona.
Tinha ganhado até uma suculenta pequena para enfeitar sua mesa de
trabalho, mas, a seus olhos, parecia mais maldição. Se era impossível parar
de pensar nela enquanto não estivesse com o foco completamente no
trabalho, depois da pequena planta, mesmo diante de uma planilha, ele não
conseguia mesmo parar de pensar em Natália.
Com Caio, por outro lado, ganhou um amigo. Embora tivessem mais
que dez anos de diferença, tinham os mesmos dilemas.
Andando de bike pela ciclovia, uma vez, Caio confessou que
repensava seu intercâmbio.
— Já falei que sua mãe vai ficar bem, caralho — Daniel respondeu,
dividindo o espaço da via com o menino e Leandro — Ela é adulta e sabe se
virar.
— É por causa de uma pessoa.
— Você não está pensando em abandonar seu intercâmbio por causa
de menina, está? — Leandro não entendeu por que Caio disse “pessoa” em
vez de “menina”.
— Não conta para a minha mãe.
— Claro que não, o que a gente fala morre aqui.
— Cansei, vamos parar ali. — Daniel apontou para uma padaria na
calçada, rente à ciclovia, e desmontou da bike.
— Procurem uma mesa — Leandro pediu, apoiando a própria
bicicleta no muro — Vou lá dentro pegar uma coisa para a gente tomar.
Ouviu Daniel dar algum conselho para o garoto, pegou três coca-
colas, pagou, e voltou para a mesa que eles ocupavam em tempo de dar seu
próprio conselho.
— Pelo pouco que conheço Natália — Secando o rosto na camisa,
tirou o capacete de proteção e sorriu —, ela não se importaria se você
quisesse esperar mais seis meses antes de ir.
— Sei lá…
— Se não quer ir, não vá.
— É um intercâmbio, não é viagem de trem!
— Você não precisa me explicar isso. — Sentindo o líquido gelado
escorrendo pela garganta, demorou para continuar seu pensamento — Só tô
dizendo que, se tem alguém que vale o atraso da viagem, deveria ouvir seu
coração.
— É — Daniel interrompeu —, mas em contrapartida, seu coração
pode estar errado e você pode acabar dormindo de favor na casa da sua
melhor amiga.
Caio riu porque o argumento de Daniel era muito bom.
— Você devia falar com sua mãe. — Leandro retomou — Talvez ela
possa te ajudar.
— Aprende com os erros dos outros, menino — Esse foi o último
conselho de Daniel — Você não precisa quebrar a cara toda vez que estiver
em dúvida do que fazer. Pegue meu exemplo e faça tudo o que eu não fiz.
Pedalaram até chegarem em casa. Caía a noite. Caio deixou a bike na
garagem, se despediu dos dois e subiu para tomar banho.
Não tinha como saberem que Natália não estava em casa, e Caio só
saberia quando pegasse o celular. O trato entre mãe e filho adolescente era
simples: ela tinha liberdade de sair e fazer o que quisesse, assim como ele,
desde que um mandasse mensagem para o outro avisando onde estava e que
horas chegaria.
— Cadê ela?
Leandro, por outro lado, esperava do fundo do coração que pudesse
vê-la. Mesmo que fosse rápido. Mesmo que lhe desse apenas um
cumprimento de longe.
— Deve ter saído, daqui a pouco ela está de volta.
— Mas para onde ela foi?
Daniel parou de tirar as meias suadas quando ouviu a pergunta do
outro.
— Que diferença isso faz na sua vida?
— Nenhuma — Leandro se defendeu —, mas é que…
— Deixa eu ver para onde ela foi. — Com um pé da meia vestido, o
outro na mão, Daniel segurou o riso e puxou o celular do bolso para digitar:
— “Léozin quer saber onde você está”.
— Você não mandou isso pra ela, né?
— Mandei, ué, você não quer saber onde ela está?
— Era pra você me dizer isso, não pra perguntar pra ela!
— Mas eu não sei, porra, tenho cara de pai dela?!
Daniel apagava a tela do celular e se preocupava em tirar a outra meia
enquanto Leandro segurava a respiração. Não queria que Natália soubesse
que estava curioso.
Pensando bem, era melhor ter ficado quieto.
— Ela foi para um tipo de bar. — Secando o rosto na camisa, Daniel
respondeu casualmente, mas com um sorriso que, se Leandro examinasse,
teria entendido que tipo de bar se tratava.
— Natália bebe?
— Igual toda pessoa normal.
— E onde fica esse bar?
— Por quê? Tá a fim de beber, também?
— Não — até porque, Leandro não bebia —, só curioso.
— Você tá sempre só curioso.
Sem saber como responder, preferiu se sentar no sofá quando o amigo
foi para a cozinha. Podia ter pego sua bicicletinha, apoiado no suporte do
carro e se despedido, mas queria saber onde ela estava. De repente, só por
acaso, se ela estivesse por perto e chegasse logo, ele poderia esperar. Talvez,
se ela estivesse de bom humor, o convidaria para ficar e, quem sabe…
Ele não viu que Daniel deixou o celular no aparador da entrada, mas
ouviu o apito agudo avisando uma nova mensagem. Nervoso, ficou com
vontade de pegar o aparelho só para ler na notificação se era Natália
respondendo a mensagem.
De todo jeito, Daniel também ouviu e, com um copo d’água trincando
de gelada, ele voltou para o checar o aparelho.
— Ela mandou o endereço. — Daniel sorria irônico, mas Leandro não
entendeu o que aquele sorriso significava — Quer ir para lá?
— É longe?
— Se você quiser ir, eu topo.
— Mas você já tá sem meia, a gente acabou de chegar e…
— Não seja por isso. — Rapidamente, Daniel vestiu as mesmas meias
suadas de antes, calçou os tênis com pressa e enfiou o celular no bolso —
‘Bora?
Capítulo Sete
Teria sido mais fácil se Daniel tivesse compartilhado o endereço para
que o GPS do celular os guiasse, mas, se tivesse feito, Leandro teria desistido
de ir.
Então dirigiu às cegas. Obedeceu aos comandos do amigo, virou para a
direita e à esquerda, rodou, rodou, rodou e então pararam.
Uma casa com portão de ferro e umas pessoas fumando do lado de fora
não parecia um local perigoso. Alguns com roupas um pouco estranhas, uns
homens sem camisa, mulheres com saias curtas demais, mas ele sabia, bar é
lugar de gente assim.
Cumprimentaram o segurança que não os olhou e foram abordados pela
moça da chapelaria:
— Bolsas, chaves e celulares ficam aqui.
— Tem certeza que esse é o lugar certo? — Leandro cochichou um
pouco envergonhado.
— O endereço que Natália mandou é esse. — Daniel rebateu enquanto
entregava o celular e a carteira para a moça da chapelaria — Quer conferir?
— Não precisa. — Ele respondeu envergonhado e olhou para a
recepcionista — Como a gente paga pelas coisas se a carteira fica aqui?
Ele não devia entrar, sabia disso, não devia sequer ter aceitado dirigir até
lá.
— Comanda, lindo. — A garota com pouca roupa apontou para a
próxima porta — Você paga aqui quando vier retirar suas coisas.
Pareceu justo. Embora ele não visse sentido em ficar sem sua carteira
dentro de um ambiente desconhecido, pensou que, se Natália frequentava
aquele lugar, então devia ser seguro o bastante.
Passaram pelo hall e Leandro congelou. Então é assim que se vai para o
inferno? Uma mulher nua e de saltos altos dançava rebolando e jogando
charme no colo de outra mulher. Uma terceira, descolada das outras duas,
dançava com fones de ouvido, fazendo caras e bocas, em cima de um mastro
vertical.
Um homem servia de cadeira para uma mulher inteira vestida de látex.
Outro, deitado no chão, era pisado por uma mulher descalça.
— Mas que lugar…?
Seu primeiro instinto foi correr e rejeitar. Não conseguia olhar, nem se
mexer. Não queria dar mais um passo sequer. Corou envergonhado, se
sentindo sujo e pecador. Sentiu a reação natural de seu corpo, contrário aos
próprios pensamentos, o formigamento engraçado, as borboletas na barriga.
Era traição, definitivamente.
Olhou para o lado procurando Daniel para irem embora, mas não o
achou. Sozinho, era como ficar nu diante de uma plateia. Era como ser o
centro das atenções, como se todo mundo soubesse seus segredos.
— Venha por aqui. — Um homem preto de olhos muito verdes o
interpelou, vestido de camisa escura e calças de mesma cor, mas de sorriso
engraçado que ele não sabia se era divertimento ou vitória. — Então você é o
famoso Leandro?
Famoso? Ele pensou. Famoso para quem?
— E você é…?
— Venha por aqui, ela está te esperando.
Por que só a menção daquilo o fez tremer? Arrumou a barra da camiseta
para que não ficasse tão óbvio e enfiou as mãos no bolso.
Acompanhando o desconhecido sem saber bem o porquê, atravessou a
casa inteira sem olhar para nada e nem ninguém. Envergonhado, com tesão,
se sentindo sujo e violado, desceu as escadas para o quintal.
Lady Nïn, com sua eterna taça de gim, quis gritar quando o viu. Nunca
imaginou que Daniel teria coragem de ir até lá e muito menos que Leandro
fosse junto.
No entanto, sem conseguir se conter, sorriu alegre para Bataille,
agradecendo-o por se prontificar a ser a ponte entre eles.
Leandro descia os degraus do jeito que ela imaginou que o faria:
acanhado e vermelho. De camiseta branca transparente de suor, relógio no
braço esquerdo e os cabelos molhados.
Não tinha harness nem calça escura que o fizesse mais bonito que
aquela vista. Simplesmente não tinha.
Olhou para Bataille doida para comemorar com ele como uma garotinha
de treze anos quando avista o ídolo, mas não abandonou a postura. Derreteu-
se entre as coxas e se ajeitou de forma descarada, pronta para seduzir.
Descruzou as pernas sentindo a viscosidade entre elas e as cruzou novamente.
Com um sorriso mínimo, piscou para ele.
Leandro nunca tinha visto alguém daquele jeito que não fosse em
comercial de perfume. Nunca tinha visto ninguém tão perfeita, também. Nem
tão linda.
Não sabia o que fazer com as mãos, com a ereção saltada, com o tremor
grave das batidas de seu coração, com os pelos arrepiados de seus braços.
Não conseguia parar de olhar, não sabia o que fazer e não sabia o que
falar.
Tão descontrolado que trocou o passo. Quase tropeçou nos próprios pés
porque não tinha olhos para o caminho. Sentada naquela poltrona de couro,
ela era a única coisa que existia para ele. Vestida em vermelho, num sutiã
transparente, ele via os bicos de seus seios saltados, a barriga delgada, as
pernas compridas e os saltos.
Não percebeu quando o desconhecido o abandonou. Saberia o caminho
até ela, inclusive, de olhos fechados.
— Senta — foi a primeira coisa que Lady Nïn lhe disse.
Até a voz. Até o jeito sério.
Ela não lhe fazia um pedido. Leandro olhou para a poltrona ao lado,
vazia, e imediatamente obedeceu. Não conseguia parar de olhá-la.
Ela, em contrapartida, não o olhou outra vez. Para ele, era como se ela o
ignorasse completamente e não fazia ideia de como era ruim o não ser visto.
Natália lutou com todas as suas forças para parecer indiferente. Segurou
as próprias mãos para não atacá-lo, para não encostar nele, para não dizer
mais nada. Colocou seu gim na mesa de apoio entre as duas poltronas e o viu
prender a respiração.
Ela não sabia como Bataille o tinha reconhecido, mas lhe seria
eternamente grata. Olhou para seu amigo sentado distante, louca para
comemorar a visita, mas não disse nada.
De todo jeito, era óbvio. Nem Natália nem Lady Nïn sorriram tão felizes
antes.
Também logo percebeu o jogo do amigo: Para acelerar o óbvio, Bataille
mandou o mesmo submisso loiro que a atendeu na outra noite se ajoelhar
diante dela.
Para ela, porém, perto do homem que tinha sentado na poltrona ao lado,
o loiro aos seus pés perdia toda a graça.
— Mestre Bataille pediu que eu… — O submisso tentou.
Antes que ele completasse a frase, Lady Nïn escorregou para a beirada
da poltrona, o segurou pelo queixo e o olhou tão de perto que o rapaz baixou
a mirada instintivamente.
— Permiti que falasse?
— Me perdoa.
— Temos visita hoje — ela sussurrou com uma voz que ainda não sabia,
mas hipnotizava Leandro também — Você vai se comportar?
— Apenas se for desejo da minha Senhora.
Como recompensa pela boa resposta, ela colocou a língua para fora e
lambeu sua boca lentamente.
Para Leandro que assistia, era como se aquela lambida fosse nele.
— Você está plugado? — ela perguntou.
— Sim, Senhora — o submisso respondeu.
— Meus pés. — Apontou.
Como um privilégio, o sub loiro quase encostou a testa no chão e, sem
colocar as mãos nas sandálias, lambeu da ponta do dedão até a tira vermelha
da canela.
Lady puxou um pequeno dispositivo da mesa de apoio e girou um botão.
Os olhinhos do rapaz se fecharam automaticamente. Qualquer coisa que
significasse aquele botão, Leandro percebeu, ativava alguma coisa no homem
com a cabeça próxima ao chão.
— Minha Senhora — o sub gemeu baixinho —, permissão para
lamber…
— Não. — E, como punição, girou um pouco mais o botão de controle.
O submisso chorou de prazer, apoiou os cotovelos no chão, travou os
dentes, mas não ousou olhá-la.
— Pode se tocar, mas não quero ver — ela mandou.
Como se a ordem fosse para Leandro, ele se segurou pelo bolso da calça
e Natália prendeu a respiração ao perceber.
O submisso, porém, fez conforme a ordem e enfiou a mão pelo cós da
calça, desconfortável pela falta de espaço.
— Minha Senhora… — pediu baixinho.
— Não quero ver essa mão se mexendo — ela respondeu com sua
inconfundível voz sensual, baixinha, melosa, mas muito mandona.
Com a língua do submisso em seus pés, não permitiu que ele removesse
seu calçado. Brincou com o botão enquanto ele se contorcia e puxou seu
cabelo quando o pegou se masturbando.
— O que eu disse para você?
— Me desculpe.
— Me mostre.
Lady respirou fundo, louca de tesão pelo homem ajoelhado, pelo outro
ao seu lado, e esperou.
O submisso abriu o botão da calça, o zíper…
— Para. — Leandro pediu sem tônus na voz.
Ela o olhou, uma sobrancelha arqueada, desafiadora e amando que seu
jogo funcionasse também com ele.
— O que disse? — Natália perguntou como se levasse o pedido como
uma ofença.
— Por favor. — E, antes que ela se zangasse, ele baixou os olhos,
evitando contato e envergonhado por ter chegado até àquele ponto — Não
deixa ele fazer isso.
Bêbada pelas palavras. Pela vergonha, pelo baixar dos olhos. Pelo rosto
vermelho, a respiração curta, o suor nas têmporas. O tesão dançava em seus
olhos, feliz, feito fogo de artifício. Olhava-o e não acreditava que estava certa
desde a primeira vez que o viu.
— Não deixa ele fazer isso em cima de você — Leandro repetiu.
Lindo, ela pensou. Perfeito da cabeça aos pés e sabe pedir bonitinho.
Não queria que outro homem a manchasse, mas não saiu andando como se
tudo fosse sobre ele.
Leandro simplesmente pediu.
Do mesmo jeito que segurou o rosto do submisso, pelo queixo e bem
perto do próprio nariz, fez com Leandro. Se sentiu tão melada por tê-lo tão
perto que podia passar horas daquele jeito.
— Se eu fizer o que me pediu, vai te custar caro.
— Não posso pagar. — Ele não se atreveu a olhá-la nos olhos de jeito
nenhum.
— Leandro, olhe para mim — mandou.
Ele olhou, ainda segurando o pau pelo bolso da calça, resistindo cada
vez menos em mexer nele.
— Não pode ou não quer? — Natália perguntou.
— Não posso. — Querer, queria. E muito.
Beijou-lhe o rosto com a candura de uma menina, mas para Leandro
parecia o ato mais erótico de sua vida. Prendeu a respiração ao tê-la tão perto,
sentiu a barriga dando cambalhotas e puxou a pele do pau, ainda pelo bolso
da calça, toda para baixo.
— Feche os olhos.
— Por favor, não faça isso. — Leandro barganhou.
— Agora.
Queria resistir ao comando, mas sabia que não podia pagar o preço que
ela pedia. Respirou fundo, sem querer ir embora, num misto de tesão e
frustração, e obedeceu.
— Mostre-o — ela pediu para o sub curvado aos seus pés.
Leandro sabia que o outro homem estava à mostra.
— Brinque para eu ver.
Leandro não se atreveu a abrir os olhos, mas os gemidos do loiro eram
como um castigo. Partia-lhe o coração.
Ouviu o gemido do rapaz e o dela. Ouviu o gemido dela e enlouqueceu.
Puxou a pele do próprio pau ainda mais para baixo, pelo bolso, sentindo a
cabeça inchada encostada no tecido das cuecas. Corando de tesão, nunca
tinha ouvido nada parecido.
Louca para que Leandro abrisse os olhos, Natália puxou a cabeça de seu
submisso para o meio das pernas, encostou a própria no espaldar da cadeira,
olhou para Leandro de olhos fechados e lábios entreabertos, e não conseguiu
segurar o gemido.
Ao perceber, porém, que o próprio som fazia Leandro perder o caminho
de casa, ela passou a gemer apenas para ele.
O loiro no chão a lambia e se masturbava, sabia como fazê-la gozar e
trabalhava muito bem com a língua.
Natália mal conseguia se controlar entre a vista de um Leandro
vermelho e morto de tesão, e a sensação que o outro provocava.
Ela só tinha olhos para ele. Percebia seu descontrole, a carinha de
prazer, o jeito incrivelmente acanhado de se comportar. Olhando-o, sorria
como uma maluca. Nem sequer encostou nele ou viu como ele ficava lindo
sem roupa.
E, mesmo assim, sentia-se tão eufórica como há muito não se sentia.
De recompensa, Lady Nïn enfiou uma das pernas embaixo do submisso
ajoelhado, procurando seu saco, e esperou que ele tirasse a mão de si. Com
um dos pés, ainda calçados, ela o apertou o suficiente para que ele gemesse
baixinho, louco por pés como era, e investisse contra o sapato.
Com Leandro, prestes a gozar, ela ousou um pouco mais. Encostou a
boca em sua orelha, manchando-o de batom, e lhe soprou as palavras
mágicas:
— Goza para mim.
Leandro sentiu a respiração quente no ouvido, sem saber o que aquela
voz era capaz de fazer, sentindo todos os pensamentos sumirem da cabeça e,
pela primeira vez na vida, atendeu aos pedidos de seu corpo.
Foi pelo bolso da calça.
Quando ela viu a sensação tomar seu rosto, tão perto, tão lindo, Natália
se deixou levar também.
Amou o jeito como ele ficou apenas com sua voz. Gozou sorrindo,
olhando-o cerrar os olhos bem forte, entreabrir a boca, soltar um suspiro
vocalizado, uma voz sexual deliciosa, e curvar-se em si mesmo.
Curvado, Leandro permaneceu de olho fechado numa postura satisfeita e
Natália viu brotar no canto dos seus lábios um leve sorriso aliviado e
divertido.
Foi aquele sorriso que a tomou de assalto.
Quando ele finalmente abriu os olhos, deu de cara com uma Natália
descabelada, de rosto inchado, vermelha e com o olhar tão doce que ele sorriu
maior.
Levou apenas um segundo para que todo o peso do mundo caísse sobre
os ombros dele. Desviando o olhar, se curvou novamente, com os olhinhos
cheios d’água, e confuso.
Rapidamente, antes que tudo ficasse pior, ela dispensou o submisso aos
seus pés com qualquer promessa para depois.
— Fale comigo — ela pediu, cheia de culpa também, sem saber se podia
pegar em suas mãos.
— Eu sou virgem — Leandro confessou com a voz embargada.
Confuso, culpado e com medo, tudo ficou pior quando ele percebeu que
ser virgem era a última coisa que devia preocupá-lo.
Não devia estar ali, não devia ter se sentado ao seu lado, não devia ter se
segurado pelo bolso.
Simplesmente não devia.
Se antes não era traição, ali com certeza era.
E não havia “tecnicamente” no mundo que o convencesse do contrário.
— Eu sou noivo — Se corrigiu.
Com o coração partido, ela estendeu a mão para acalmá-lo, mas antes
que o alcançasse, Leandro se levantou procurando a saída como uma presa
em fuga, e partiu sem olhar para trás.
Capítulo Oito
Deu meia-volta porque se tinha se esquecido de que seus pertences
ficaram na chapelaria. Disse que não consumiu nada, mas pagou o que havia
na comanda de Daniel, porque o amigo não tinha dinheiro, e de Natália sem
saber o porquê.
Com as chaves na mão, entrou rapidamente no carro, não olhou para
sair, não olhou para o retrovisor e voltou para casa.
Era o único lugar seguro para ele no mundo. Precisava pensar.
Precisava de tempo. Precisava de um banho. Precisava falar com alguém,
com seu tio, com seu pai.
Mas como contar o que tinha acontecido? Como ter coragem
suficiente para assumir seus pecados? Ele tinha resistido tão bravamente por
todos os seus vinte e cinco anos de vida! Passara a puberdade inteira sem
violar seu próprio corpo, idealizando a mulher de seus sonhos, a única do
mundo que mereceria recebê-lo. Sempre havia rejeitado pornografias, feito o
possível para permanecer puro diante de um mundo que vende sexo até em
comerciais de cerveja.
Natália sentada numa poltrona de couro, piscando maldades, sorrindo
aberto do mesmo jeito que os portões do inferno sorriam ao receberem as
almas perdidas.
Natália sussurrando comandos que ele não seria capaz de resistir
mesmo se fosse surdo. Natália com os olhos derretidos ao vê-lo.
Natália brigando até quebrar as unhas. Natália cozinhando descalça e
esbarrando, sem querer, ao servi-lo de um estrogonofe caseiro.
Se perguntado, ele não saberia responder como foi que chegou em
casa. Funcionando no piloto automático, estacionou, desligou o motor, mas
não teve coragem de entrar.
Seus pais estariam lá, provavelmente jantando, conversando
amenidades. Casados há trinta anos, amigos desde sempre. Virgens até o
casamento. Um só tinha olhos para o outro, o pai tratava a mãe como uma
rainha. A mãe que cuidava do pai como a coisa mais preciosa de seu
universo.
Era essa a vida que sempre havia sonhado para si. Não queria ser rico,
mesmo economista, não queria perder todas as horas do dia trancado dentro
de uma saleta. Lidava com a carteira de investimento de pessoas que nunca
tinha visto, mas para ele eram apenas números.
Com a cabeça analítica que tinha, não conseguia entender o motivo de
não sentir por Lígia, sua própria noiva, a mulher que ele escolheu, o que
sentiu por Natália logo na primeira vez em que a viu.
Não tinha um porquê. E como o homem das exatas que era, tudo
sempre tinha um.
Deitou a cabeça sobre o volante suspirando cansado. Todo aquele
esforço para ser e agir corretamente o exauria. Ele podia ser apenas mais um
cara comum, podia ser como Daniel, podia só aceitar que sexo é natural, que
não é pecado.
Poderia não ser quem sempre havia sido.
Acreditar em Deus fazia parte de Leandro. Exercer uma religião e ir
às missas o fazia parte de uma comunidade. Ele se sentia bem com isso, era
essa a única resposta que sabia dar.
Ele se sentia bem. Isso não bastava?
A aliança de noivado pesou no dedo. Descolou a testa do volante
olhando para a própria mão, e nunca se sentiu tão ruim como quando
percebeu que aquela mão, a mão da aliança, foi a que esteve dentro de seu
bolso.
Não importava o que escolhesse fazer, ele precisava conversar com
Lígia. Essa era a única certeza que tinha. Precisava se abrir com ela e contar a
verdade. Ele era um homem correto e ela merecia isso.
Ligou o carro novamente, certo de que era o melhor a fazer, mas a
porta de casa se abriu.
A luz da entrada se acendeu e seu pai saiu para a calçada. Usando um
velho moletom e chinelas, o homem mais velho viu o carro do filho, puxou a
porta do passageiro e entrou.
Leandro pensou que seu pai sentiria um cheiro diferente, algo que
denunciasse sua transgressão, como se o pecado o tivesse transformado.
Estava tão certo disso que deixou ambas as mãos caírem pelo colo,
desmontou os ombros e esperou o sermão.
— Filho, o que está acontecendo?
Ele queria dizer. Precisava dizer.
Mas como contar para seu próprio pai que tinha encontrado uma
garota num bar impuro, enfiado a mão na própria calça e gozado apenas com
o comando de sua voz?
Ele estava uma bagunça. Se sentia uma bagunça. Não conseguia
formular uma única frase coesa.
— Não quero dizer. — Não conseguia explicar o que lhe doía mais.
— Filho… — José sorriu triste e abraçou seu menino com doçura. —
O que eu posso fazer para ajudar?
— Eu não sei…
— É coisa do trabalho?
Nos braços do pai, aos poucos, Leandro chorou. Deixou as primeiras
lágrimas caírem, ouviu a voz calmante de seu pai, sentiu o carinho, e fechou
os olhos sentindo o choro triste chegar.
— Estou aqui e te amo. Não importa o que tenha acontecido, você vai
achar a melhor saída, filho. Você sempre acha, eu tenho fé em você.
No entanto, Leandro ainda não tinha processado. Ainda não tinha
entendido. Como poderia contar para alguém? Como poderia contar ao
próprio pai?
Quando sentira o orgasmo chegar, …
Sempre lhe disseram que sexo antes do casamento teria gosto de
inferno. Sempre disseram que masturbação era pecado, que Deus puniria
quem ousasse.
Mas como poderia ser pecado e, ao mesmo tempo, tão doce?
Como algo assim pode ser tão sujo?
Como ele, que sabia perfeitamente a diferença entre certo e errado,
havia se deixado levar por aquela sensação e aquela mulher?
Natália de rosto limpo e olhar doce. Toda vermelha e com um cara
qualquer enfiado entre suas pernas. Natália o tomando de assalto, com voz de
quebranto, o mandando fechar os olhos.
— Como… — Ele sabia que não tinha como abordar o assunto sem se
entregar — Como soube que a mãe era a mulher perfeita para o senhor?
José Carlos, com seu sorriso amigável e as ruguinhas ao redor dos
olhos escuros, relaxou os ombros e sorriu compreensivo:
— Conselho de pai? — Toda vez que ele falava sobre amor, mesmo
quando estava muito irritado com alguma situação doméstica, era como se
seus olhos se enchessem de alguma calda doce e quente. — A gente só sabe.
— Como o senhor soube, então?
— Sua mãe ainda tem as melhores histórias do mundo! Ainda morro
de rir com ela. Quando está de bom humor, parece que o tempo voa tanto que
nem vejo a hora passar. Ela é a minha melhor amiga, é sempre para ela que
eu quero contar as coisas, com ela que quero desabafar, pra ela que vou
correndo pedir ajuda. Ela é sempre a minha primeira opção e, quando percebi
isso, entendi que tinha que ser ela.
Lígia ainda ocupava esse lugar no coração de Leandro. Com tudo o
que tinham vivido e passado, era injusto demais pensar em outra mulher. Ele
queria Lígia, sabia disso e havia trabalhado muito ao seu lado para terem um
futuro.
Guardavam dinheiro para um lar. Pensavam em nomes para seus
filhos. Sabiam as comidas favoritas um do outro, a cor, o doce. Tinham uma
música de casal e viagens que planejavam fazer.
Lígia tinha mil pastas no Pinterest, sonhando com o casamento e a
Lua de Mel. E tinha isso, também: esperava tanto pela noite de núpcias,
sempre parando quando as coisas esquentavam.
E ia jogar tudo isso fora por uma mulher que ele tinha acabado de
conhecer e que não compartilhava de suas filosofias de vida?
Olhou bem para o pai, um pouco aliviado, e agradeceu pelo conselho.
Só então teve coragem suficiente para sair do carro.
Capítulo Nove
Natália sabia melhor que aquilo. Sabia se comportar. Sabia que pisar ali
era mais do que Leandro suportaria. Devia ter conversado com ele. Devia ter
dito o que era aquele bar e o que fazia ali. Devia ter ficado quieta quando ele
se aproximou.
Mas como olhar aquele homem de pau duro, camisa branca quase
transparente e não se deixar levar?
Ela tinha visto o jeito como ele atravessou o pátio, o como a olhava.
Leandro, enquanto caminhava até sua cadeira, não parecia ter uma dúvida
sequer. Ele havia escolhido ir até lá. Entrar lá. Acompanhar Bataille até onde
ela estava.
Ainda sentada sozinha na cadeira, sem submisso nem Leandro, ela
evitava olhar para qualquer coisa além de suas sandálias para não encarar os
olhares curiosos e depreciativos. Segurava o choro envergonhado sem saber o
que pensar.
Ela era a Dominatrix, e não Leandro. Devia saber o que fazer. Devia tê-
lo instruído melhor. Devia ter dito e feito tanta coisa que se surpreendia com
o próprio amadorismo.
Ela, na sua vez de novata, tinha sido mais bem instruída. Por que não
conseguia fazer o mesmo com o único homem que lhe chamara atenção em
mais de uma década de solteirice?
— Ô, minha querida… — Com um carinho quase paterno, Bataille
correu em auxílio quando lhe avisaram que Lady Nïn estava em apuros. Com
uma capa comprida e escura, a sua roupa para certos dias, ele cobriu seu
corpo lhe dando segurança e alguma privacidade, e se sentou na cadeira que
Leandro ocupava há pouco — Me contaram o que aconteceu…
— Então todo mundo já sabe? — Ela tentou sorrir, mas a vergonha era
maior.
— A maioria está preocupada. — Ele fez um carinho e a puxou para o
peito — Num único dia, ninguém nunca tinha te visto tão feliz e tão triste.
— Eu sou um lixo de Domme — Suspirou entre o pranto que ficava
cada vez mais fácil de sair depois que Bataille chegou com seu conforto.
— Não diga isso.
— É claro que ele ia se assustar, o que eu estava esperando? Ele é
virgem, religioso, noivo! O que eu estava esperando, Bataille, o quê?!
— Se acalme, querida, se acalme. — E, parecendo procurar alguma
coisa para dizer, sugeriu — Vamos lá para cima, sim? Lá conversamos com
mais privacidade.
O bar, no andar de cima, tinha sete quartos de uso restrito. Cada quarto
deveria ser alugado com um mês de antecedência, tamanha fila, e cobravam
altas taxas de limpeza e manutenção.
Havia apenas um quarto que ficava fora da agenda de aluguéis, o mais
comum e menor que os outros. Segurando a capa escura e comprida sobre o
corpinho de repente frágil de uma Natália entristecida, Bataille a conduziu
escadas acima e abriu a porta deste quarto especial com a própria chave.
— Nada que um banho de banheira não cure, não é?
— Vai fazer aftercare em mim? — ela perguntou tentando brincar.
Sem responder, ele a deixou no quarto, com estilo vitoriano nos móveis
e na roupa de cama, e abriu a porta seguinte, um banheiro amplo com
banheira de hidromassagem, ducha de chuveiro e uma única cabine reservada
para a privada.
Natália, do quarto, ouviu o barulho de água corrente e se sentou na
cama. Não queria tirar sua roupa vermelha para não ter que lidar com a
mulher frágil embaixo dela. Enquanto estivesse de vermelho ainda teria
algum controle, algum orgulho.
Sem suas armas ela seria só mais uma.
Com uma simpleza que ninguém nunca testemunhará, Bataille voltou
para o quarto com um pacote de lenços humedecidos e colocou um joelho no
chão.
Puxou o pequeno pé esquerdo da amiga, limpando-o da lambança que o
submisso loiro havia deixado, e depois tirou sua sandália. Fez o mesmo com
o outro, de cabeça baixa e sem dizer nada, e deu um beijo em ambos os
joelhos com carinho.
— Eu sou tão ruim assim? — ela perguntou a ponto de quebrar.
— Não se preocupe, querida, agora é a vez dele de jogar.
— Não é um jogo.
— É, é sim. — E, passando um lenço nas sandálias dela, ele sorriu um
pouco mais parecido com o Dom dono do lugar — O que eu vi não foi um
homem forçado e agindo contra a própria vontade.
— Ele sorriu, não foi? Eu não tô louca, tô?
— Ele precisa lidar com as próprias questões. Dê tempo. Ele vai voltar.
— Você acha?
— O que eu vi foi um potencial de submisso difícil de resistir. Ele era
seu desde que entrou no pátio. Foi direto, comandado pelo seu olhar, e se
sentou quando você mandou. Ele sabia que era seu, sabia o próprio lugar, não
fez questão que o outro fosse embora e fechou os olhos quando você mandou.
Ele estava ali por que quis. E digo mais...
— Não fica bravo, não tô em condições de lidar com você.
— Não estou bravo, estou com ciúmes.
— Ciúmes de mim?
— Se fosse meu, aquele coroinha do caralho já estava rendido, suado e
implorando por mais.
Bataille já tinha terminado de limpar as sandálias, mas continuava com
elas no joelho. Natália, olhando-o, esboçou uma risadinha um pouco menos
entristecida e arriscou uma brincadeira:
— Devo mandar você tirar o olho do meu sub?
Nessa hora, Bataille olhou bem para o rosto da amiga, deu um tapinha
em seus joelhos e se levantou do chão.
— Venha, querida. A banheira já deve estar cheia.
Mais calma, Natália se levantou descalça, deixou a capa sobre a cama,
mas não partiu conforme pedido.
Primeiro ela segurou a mãozona do amigo, impedindo-o de andar, e lhe
deu um beijo no rosto.
— Obrigada por ser meu amigo, Bataille.
— Tô sempre aqui quando precisar.
✽✽✽
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Natália estava certa de que a expulsão de Leandro era culpa sua. Senão
diretamente, pelo menos indiretamente. Imaginava que ele tivesse terminado
com a noiva e explicado o motivo do término. Imaginava que os pais dele não
quisessem uma mulher solteira com filho adolescente como nova
pretendente.
Para ela, esse tipo de coisa não fazia a menor diferença. E ela nem
queria Leandro de namorado. Com quem as pessoas vão se arranjar só diz
respeito a elas, mas ele era religioso e isso mudava tudo.
Com as chaves de casa na mão, andou até seu Garden. Precisava
desempenhar seu papel de patroa e abrir seu comércio. Precisava dar bom-dia
para as funcionárias e passar um café para elas.
Enquanto desativava o alarme, Vera, a mais velha das funcionárias,
chegou com um pratinho de bolo. Sempre que ela fazia um bolo para os
netos, assava outro para as colegas do trabalho porque sempre achou que
ligar o forno para apenas um bolo fosse desperdício de gás.
— Que carinha é essa, Hina? — Vera também tinha o superpoder de
saber quando alguém não estava num bom dia.
— Cansaço, Dona Vera — Natália respondeu no automático enquanto
ligava o computador do caixa — Seu bolinho tá com uma cara ótima.
— Tá ótimo para comer com café. Vamos passar um cafezinho?
Era todo dia isso. Tomava seu café da manhã em casa, entrava no
trabalho e tomava outro. Daniel chegou quando Natália já ria das presepadas
dos netos de Dona Vera, e deu um beijão na senhorinha que sempre ficava
muito sem jeito quando aquele homão a atacava. Perguntou de onde o bolo
tinha saído e se podia comer, levou bronca pela pergunta idiota e saiu de lá,
com as mãos cheias de farelo, pronto para regar suas meninas.
— Você ainda tá com essa carinha. — Dona Vera puxou assunto quando
as duas colocaram a louça na pia da pequena cozinha dos fundos — O que
aconteceu?
— Só não acordei muito boa. — Mentiu. Não existia a menor
possibilidade de Natália comentar o acontecido com uma senhora de mais de
sessenta anos, que possui netos e também vivia com o escapulário no
pescoço.
— Vou falar pro Caio vir almoçar aqui hoje, assim quem sabe você não
se anima, né?
Caio com certeza a faria melhorar. Era o Caio, afinal. Desde o dia em
que tinha nascido trazia cor à sua vida.
No entanto, quando o filho não estava presente…
Concordou sobre Caio e foi cuidar de suas orquídeas. Frequentemente
tirava algum tempo para o adubo, mais algum tempo na poda, outro na rega.
Quem visitasse seu Garden mais de uma vez saberia que, na verdade, Natália
Hina, mais conhecida como Dona Hina, vivia para suas orquídeas.
Ninguém sabe como seu amor por elas havia começado. Ganhara uma
muda quando era adolescente. Tinha sido a pior fase da sua depressão. As
plantas, aquela orquídea e todas as outras que haviam enfeitado seu quarto no
atravessar dos meses, fora o que realmente lhe salvaram.
Eram tantas plantas que seu pai, Toshio, colocou algumas para vender
no hortifruti da família. Daniel havia testemunhado cada nova muda. As
clientes ficavam encantadas com o viço, o vaso pintado à mão, o tamanho.
Naquela época, Natália dava até nome para elas e eram sempre referências de
Pokémon.
Assim nascera a vontade de ter um jardim. Mexer com a terra, para
Natália, era uma terapia. Confusa e triste com a situação com Leandro, tirou a
semana para cuidar de suas muitas orquídeas.
Com fones de ouvido e as mãos sujas de terra, abandonou o caixa. As
madames preferiam ser atendidas por Daniel, de todo jeito. Pediu para algum
funcionário apanhar um saco de fertilizante mais pesado, outro para conectar
a mangueira, mas não parou de trabalhar um minuto.
Fazia algum tempo desde a última vez em que tinha trabalhado tanto
assim com terra. Ser dona de um negócio, mesmo que pequeno, era mais
sobre administrar planilhas que cuidar do produto.
Quando Caio chegou da escola, Natália parecia mais animada. Não
havia mais carinha triste. Suada, com as mãos sujas e a barra da camiseta
molhada, ela abraçou seu menino com força, deu um beijão de boas-vindas e
foi para cozinha onde outra senhorinha, também funcionária, preparava o
almoço de todo mundo.
São cinco funcionários, três senhorinhas já avós com um conhecimento
de cultivo que escola nenhuma ensina, e dois meninos em seu primeiro
emprego. Enquanto as avós cuidavam das plantas, da rega, do trato com os
clientes, os meninos cuidavam dos trabalhos braçais.
Na hora do almoço, entretanto, o Garden fechava. Do meio-dia à uma da
tarde a empresa não funcionava. Todos os funcionários almoçavam juntos, na
mesma mesa, lavavam os pratos, deixavam tudo limpo e seguiam para o resto
do expediente.
Ter rotina era fundamental se Natália não quisesse cair no poço por onde
já havia escalado uma vez. Olhando todo mundo almoçando e rindo, ela
sentia que alguma coisa, no fim das contas, tinha dado certo em sua vida.
Cortando uma laranja para chupar depois do almoço, Natália deu uma
olhada no celular. Estava louca para mandar mensagem para Bataille só para
saber se Leandro tinha dormido bem, se tinha dado trabalho, se ia passar mais
uma noite naquele quarto.
Segurou o riso quando viu que o amigo tinha lido seus pensamentos e
lhe enviado um: “Natália, eu odeio esse cara. Que ele beije muito mal pra eu
não ter que aguentá-lo por muito mais tempo”.
Enquanto escrevia a resposta, seu telefone tocou.
— Fiz mal em ligar? — Era Leandro.
— Não. — E, um pouco sentida por toda a situação, não soube o que
mais falar para ele.
— Você vai mesmo me ver no bar do seu amigo mais tarde?
— Bataille te disse a minha condição, não disse?
— Por que você quer que eu fique lá? Quero dizer… tudo bem, estou
sem ter onde morar, mas por que lá?
— É de graça. — Esse era o primeiro motivo — E você não tem onde
morar.
— É, mas… por que lá?
— Léo, você gostou de lá tanto quanto eu gosto. Por que resiste tanto
em aceitar?
— Eu não gostei de lá.
— Não?
— Eu gostei de você.
Como uma garotinha, suas bochechas esquentaram, seu estômago deu
um nó, seus pés decidiram sair andando por entre os vasos pesados, sozinhos,
e a laranja quase caiu de sua mão.
— Também gostei de você. — Ela não entendia como sua voz tinha
saído tão fraca e envergonhada.
Leandro, pelo seu lado da linha, deu um suspiro aliviado que a fez rir
baixinho.
— A verdade é que aquele clube significa muito para mim. — Ela
retomou — Você não imagina pelo que eu passava quando encontrei aquele
lugar. Pode parecer a visão do inferno para você, mas, para mim, não. É onde
eu posso ser quem eu gosto de ser. Como aprendi a me gostar. Entende o que
eu digo?
— Sinto a mesma coisa com a igreja.
— Então… — Ela deu uma risadinha confortável mesmo sabendo que a
piadinha seria infame — Você quer conhecer a minha religião?
— Tá certo, Natália. — Convencido, ele suspirou mais amigável e
concordou — Fico por lá até aquele cara me expulsar.
— Não vai ser por muito tempo, então.
O humor da patroa mudou drasticamente depois daquela ligação e todo
mundo percebeu.
Capítulo Dezessete
Bataille foi avisado no segundo que Leandro pisou na chapelaria, mas
estava longe do Stage. Resolvendo assuntos importantes na sua terceira
reunião do dia, leu a mensagem e cancelou o resto de sua agenda. Pediu que
sua secretária avisasse sua motorista e guardou o notebook na pasta
excessivamente cara.
No carro, tirou o Rolex e as abotoaduras de ouro, e respondeu um último
e-mail de trabalho antes de entrar.
Cumprimentou a moça da chapelaria com um aceno de cabeça e entrou
evitando olhar muito para os presentes para não ter que conversar com eles.
Subiu as escadas direto para o seu quarto e não bateu. A porta já estava
aberta e Leandro arrumava sua mala de roupas no armário que Bataille
costumava guardar suas capas e roupas de fetiche.
— Então veio para ficar. — Disse não como uma pergunta, mas como
uma conclusão.
Leandro virou-se para o anfitrião, suspirou resignado e decidiu ser
franco:
— Eu fui injusto com você. — Ele podia ter o conhecimento de mundo
de uma formiga, mas era justo. Deixou sobre a cama uma pilha de camisas
que iriam para uma gaveta e se aproximou do outro com um jeito mais
amigável e mais leve — Me desculpe pelos julgamentos que fiz sem te
conhecer ou conhecer sua casa.
Honesto o suficiente, mas Bataille não parecia de convencer por
palavras. Acenou concordando com as desculpas, de um jeito muito
aristocrático e endinheirado, e se virou para descer as escadas.
— Não é certo que eu fique aqui de graça. — Leandro puxou outro
assunto — Me dê algo para fazer. Posso varrer, lavar os copos, sei lá.
Alguma coisa.
— Está como convidado. — Virando-se, Bataille respondeu com a
mesma impessoalidade de sempre.
— Sei disso, mas convidados vão embora logo e estou aqui para ficar.
— O que te fez mudar de ideia?
Com um sorriso sugestivo, Leandro baixou a cabeça um pouco
envergonhado e respondeu:
— Você sabe a resposta.
✽✽✽
✽✽✽
✽✽✽
Leandro não queria sair da cama porque sabia que, assim que levantasse,
seu mundo comum e doce se tornaria amargo. As malas de Natália estavam
prontas e na porta do quarto, cheias de roupa de frio.
Não dormiram por boa parte da noite. Ele sabia que seria impossível
compensar os quinze dias de ausência numa única noite, mas tinha se
esforçado. Não havia pedido que ela ficasse, nem mesmo uma única vez.
Sabia para onde ia e o tamanho da saudade que tinha de Caio, mas não
conseguiu esconder o lamento.
Quis ir também e havia olhado o preço das passagens, salgadas demais
para seu bolso, ainda mais em temporada de fim de ano e em cima da hora.
O jeito era aproveitar todo o tempo que possuía e era exatamente o que
fazia. Deitado de lado, abraçado nela, a beijava sem querer deixá-la entrar no
banho.
— Eu não posso perder esse voo. — Natália protestou pela segunda vez,
com o rosto todo vermelho e suado.
— Não vai perder, amor.
— Se você não me deixar tomar um banho…
— Só mais um pouquinho.
— Já tem uns quarenta minutos que você tá falando desse “pouquinho”.
— Tenha um pouco de dó de mim.
Ela riu com a cara de pau e se sentou. Olhou as horas pelo celular,
calculou a hora extra que precisava até chegar ao aeroporto e decidiu que
teria que partir de casa sem café da manhã.
— A gente tem meia hora para sair. Não dá tempo para ter dó, Leandro.
Dito, levantou-se nua e foi para o banheiro. É claro que ele iria atrás,
mas decidiu dar um tempo antes de acompanhá-la. Deitou-se de costas na
cama, se esticando e sentindo os músculos das pernas um pouco doloridos.
Ainda não amanhecia, mas ele sabia que faltava pouco. Olhou para o próprio
celular, conferiu as mensagens e ficou triste ao se lembrar que a festa de fim
de ano de sua firma, a qual sempre tinha levado Lígia, seria naquela noite. A
mesma noite em que Natália estaria sobre o atlântico, em direção ao Japão.
Não estava com a menor vontade de bajular um chefe bêbado.
É, pensou ao ouvir o chuveiro abrir, era melhor não ir.
Levantou-se da cama se sentindo um moleque de treze anos que fica de
pau duro por qualquer brisa e atravessou o corredor, direto para o banheiro.
— Eu não vou te impedir de entrar. — Natália avisou — Mas a gente
precisa sair em vinte minutos. E eu preciso lavar o cabelo.
— Certo, então se preocupe com o cabelo. — Leandro era tão previsível
quanto um garoto de treze anos, também
O box do banheiro dela era comum, de um tamanho bom e confortável
para uma pessoa se banhar, mas não grande o suficiente para que duas
pessoas ficassem de gracinha.
Mesmo assim ele se ajoelhou no chão, colocou uma perna dela sobre os
ombros, e a lambeu sentindo a água entrar nas depressões dos corpos.
— Léo — Ela advertiu.
— O cabelo, linda.
Ela poderia se concentrar em tomar seu banho e simplesmente entender
as lambidas como um carinho, mas não queria. Sentia a língua contra seu
clitóris, as leves chupadinhas e não queria saber de enxaguar o shampoo.
De todo jeito, tinha quase trinta e seis horas de viagem para dar um jeito
no cabelo. E, se fizesse uma parada em Paris, podia comprar um shampoo
seco daquelas marcas super-caras e que duram muito.
Desistiu e esfregou a cabeça dele contra seu púbis. A água corrente deu
conta de enxaguar seu cabelo, mesmo que ela não se preocupasse nem
mesmo um pouco.
Sentiu suas as mãos contra suas coxas, cada vez mais duras e urgentes, e
o ergueu pelo cabelo. Queria mais que só uma lambidela de despedida. O
abraçou pelos braços e pernas, esperando que ele entendesse o recado, e
sentiu o azulejo gelado contra as costas.
Ele entrou com tudo, gemendo na boca dela, beijando tudo o que
conseguia, pronto para consumi-la por inteiro feito chama num pavio curto.
Entrava e saía, gentilmente, e se segurava muito para não estocar com força e
sem freio, que era como ele aprendia preferir.
Ela soltou um dos braços, deixando o equilíbrio por conta dele, e
colocou a mão sobre o próprio clitóris, sentindo o vai e vem, a pressão dos
corpos e os beijos que Leandro dava como se fosse morrer no segundo
seguinte.
— São só quinze dias, lindo. — Ela falou enquanto sentia a pressão lá
dentro se acumular.
— Você vai voltar para mim, não vai?
— Fala como se eu quisesse ir para qualquer outro… — Segurou a
última palavra entre os dentes e o mordeu no pescoço, no maxilar, na junção
entre sua orelha e seu pescoço.
Gozava e sequer sentiu o orgasmo chegar. Ficava cada vez ficava mais
fácil, era incrível o jeito como Leandro aprendia seus segredos, seus pontos
fracos, suas preferências. Principalmente fora da cena BDSM, era como se
ele a desvendasse na base da tentativa e erro.
Isso quando não abria a boca para perguntar. Era tão simples quando ele
perguntava, que muitas vezes tinha achado que fosse brincadeira.
Ali, sabendo que o tempo era curto, ela murmurou qualquer coisa de
amor, disse que pensaria nele durante todos os minutos dos quinze dias longe,
prometeu que voltaria e o faria sofrer, e gemeu comandos para que ele
metesse mais bruto.
Não havia nada que ele amasse mais do que esses comandos ao pé do
ouvido. Fazia alguma coisa dentro de sua cabeça que mexia com o corpo
inteiro, que o colocava prestes a gozar segundos.
Ele tinha força e preparo físico para durar, para fazer a brincadeira por
horas. Certamente o fizera madrugada adentro, mas ali, com ela em seu colo,
abraçada nele, gemendo carinho e ordem, e encantando um cavalo
domesticado, ele sentia o peito explodir na mesma proporção que seu saco,
tudo sempre em excesso com ela, impressionante o poder que ela tinha de
tirá-lo do eixo e colocá-lo onde bem entendesse.
Com a testa encostada no azulejo, ele respirava ofegante, sentindo os
membros perderem a força. A água quente veio a calhar naquele momento.
Ela, sorrindo, escorregou do colo dele até apoiar seus pés no chão,
certificou-se de que seu cabelo não tinha mais espuma e saiu do box.
— Você tem dois minutos para sair desse chuveiro.
— Você é tão…
— O quê, lindo?
— Má.
Dessa missa ele só sabia um terço.
Em cima da hora, Natália estava pronta para sair de casa quando Daniel
desceu as escadas correndo, amarrotado de sono, e a atacou com um abraço
apertado.
— Para dar tchau para o Caio você estava pronto com uma hora de
antecedência! — Ela brigou, rindo pelo abraço que a pegou de surpresa.
— Só não vou pra não segurar vela. — Daniel se defendeu.
— Tava querendo segurar vela quando viu Leandro de harness, e agora
tá fazendo manha?
— Era diferente, Natzinha.
— Não vai mesmo me levar no aeroporto? — Ela pediu entristecida e
com bico.
— Tô com compromisso para daqui uma hora — Ele parou de fazer
piada e puxou uma desculpa séria — Master Greta me quer na casa dela.
Disse que vai me levar para viajar.
— Pagando?
— Com tudo pago, e ainda vai pagar minha presença. — Sem soltá-la do
abraço, deu um beijo em seu rosto e a apertou mais — Só por isso que não
vou.
— Se é por isso, então tá perdoado.
Calcularam a rota menos congestionada pelo aplicativo de GPS,
Leandro dirigiu no limite da velocidade permitida, costurando entre as vias
para evitar carros excessivamente lentos, e estacionou na primeira vaga que
viram.
Precisavam despachar as malas o quanto antes. No guichê, Natália
apresentou a passagem, a mala, os documentos. Estava tão acelerada e com
medo de perder o voo que ainda não tinha se dado conta de que não precisava
mais correr.
— Traz um doce japonês pra mim? — Leandro pediu quando eles
abandonaram o guichê em busca de um café aberto.
— Qual você quer?
— Um que só tem lá.
— Tá bem, trago sim.
— E dá um beijo no Caio também.
— Isso eu vou dar vários!
— Não, digo, por mim.
Diante de uma cafeteria cheia e com fila, Natália o olhou percebendo
sua tristeza e sorriu pequeno. De todo jeito, era muito fofo toda aquela
melancolia melosa.
Sentaram-se para comer e teria que ser rápido. Mais um pouco e ela
embarcaria. Mal conversaram diante da comida, famintos, e Natália o olhava
toda vez que ele se voltava com o prato.
— É só quinze dias, lindo.
— Eu sei — Ele respondeu enquanto mastigava. — É que é Natal.
— E o que tem?
— Vai ser o primeiro que vou passar longe de casa.
Parte dela desistiu de ir. Leandro nunca mais tinha falado dos pais, nem
com eles, desde que se mudara para a casa dela. O assunto “família” não era
proibido e, por boa parte do tempo, Leandro estava certo das escolhas que
tinha feito e dos aliados que havia escolhido.
O problema é que Natal era sua data favorita do ano. Sua mãe não tinha
muitos rituais nem tradições, mas era a única data em que ela trabalhava
duro. Tanto na missa das oito horas, antes da ceia, quanto no preparo das
comidas.
— Jamais te pediria para ficar — Leandro se defendeu. — Não sou tão
egoísta assim.
— A gente podia ter olhado uma passagem para você!
— Eu olhei. Tô há um tempo olhando passagem para ver se baixa, até
nas promoções de madrugada.
— Desculpa. — Ela não tinha mais nada para dizer.
— Pelo quê? — Ele sorriu triste, enfiou na boca a última porção do
prato e sorriu um pouco mais animado — Eu não teria feito nada de
diferente!
— Ah, mas é que…
— Só tô triste. Só isso. Vai passar.
— O Bataille dá uma festa de Natal muito boa. Se você quiser…
— É, Daniel falou.
— Se quiser ir, tá permitido. Só não quero beijo na boca nem porra sua
dentro de outras meninas.
— Natália.
— Não, espera, esses são meus termos.
— Você sabe que não faço isso sem você.
— É, talvez, mas se quiser ir, pode ir.
— Beijo na boca e porra nas meninas. — Ele riu baixinho envergonhado
só de pensar que alguém os ouvia.
— A minha programação será bem mais familiar, mas eu queria saber,
quais são os seus limites, Léo?
— Os meus…? — Todos os possíveis e imagináveis é um limite
aceitável? — Olha, eu não gosto nem de pensar em você com outro cara.
— Isso me deixa bastante triste.
Ela queria a mesma liberdade que tinha lhe dado. Não para se divertir
por aí, essa nunca havia sido a questão. É que ela queria…
Leandro engoliu um restinho da xícara sem saber o que responder, um
pouco envergonhado por ter que falar seus limites óbvios e bastante sem jeito
por não ser tão aberto quanto ela.
— Desculpa ser tão quadrado.
— Você tá vendo tudo isso pelo ângulo errado. — Tinha tanto veneno
nas palavras que ela não precisou se aproximar ou cochichar. Leandro o
sentiria a qualquer distância — Não quero ter outra pessoa do jeito que te
tenho. Eu quero usar estar com outra pessoa, na sua frente, enquanto você vê
tudo bem amarrado e sem poder protestar.
— Natália. — Ele não conseguia nem erguer os olhos do prato.
— E eu morro só de pensar em sentar em outro olhando pra ti.
— Má. — Ele repetiu escondendo o singelo sorriso de quem gostou da
ideia, mas detestou gostar.
— Mas é como eu disse. — Terminando de comer e mudando
totalmente o tom da conversa, Natália procurou um relógio pelo café para não
perder seu voo — A minha viagem é familiar. Na volta a gente continua
falando sobre isso.
Disse e se levantou da mesa.
— Não faz assim. — Leandro deu a mão para ela a impedindo de sair
andando e sorriu de um jeito tão lindo e sensual. — Eu gostaria muito de ver
isso.
— É? — Com carinho, beijou sua mão e logo a mordeu — Pensa com
carinho nos limites, tá?
— Comigo, linda. Sempre comigo. Nunca sozinha. Assim a gente entra
num consenso?
— Assim eu gosto mais. — Esperou que ele se levantasse também,
pegasse a bagagem de mão parada na cadeira extra da mesa e seguiram para a
área de embarque.
Subiram as escadas rolantes pensando em coisas que não podiam ser
feitas ali. Olhavam-se querendo mais do que só contato visual, e Leandro
sorria, sabendo o que Natália queria fazer.
Andaram até a área de embarque internacional, mas não se soltaram. Ele
não queria ficar sozinho. Não queria que ela fosse embora. Sabia que era
necessário, que ela merecia carinho do filho, que ela era mãe e seu lado leoa
estava louco para lamber a cria, mas ele a queria mais que tudo no mundo.
— Tem uma coisa… — Ele finalmente disse quando não podia mais
acompanhá-la adiante.
Puxou uma caixinha de veludo preta de dentro do bolso do casaco e
ajoelhou-se antes que ela protestasse e pedisse que se levantasse.
— Leandro, a gente é muito engraçado.
— Essa não é a melhor hora para você rir de mim.
— Não, amor, é sério! — Como tinha sido ela quem tinha pedido em
namoro primeiro, também tirou uma caixinha de veludo do bolso.
— Não me diz que é um anel. — Ele segurou o riso, ainda de joelhos, as
pessoas sonolentas passavam ao redor e entortavam o pescoço para entender
o que estava acontecendo.
Com carinho, ele abriu a própria caixinha de veludo com dois anéis de
prata dentro.
— Para você se lembrar de mim.
— Tonto! — Se ele era tonto, ela também. Com os olhos cheios d’água,
ela sorriu e o puxou pela mão — E tem como esquecer?
— Namora sério comigo, Natália? — Sorrindo, e também chorando, ele
se levantou do chão e tirou o anel menor da caixinha.
— Isso é muita apelação, sabia? — Guardando a caixinha de veludo
para outra hora, ela mostrou a mão direita, pronta para receber o anel no
anelar e limpou as lágrimas com a outra mão.
— Então você não quer? — Sabia que não tinha como ela negar, mas
perguntou mesmo assim.
— Claro que quero!
— Quer?
— Sim!
Com carinho, ele deslizou o anel por seu dedo magro e delicado e ficou
satisfeito quando encaixou perfeitamente.
— Eu não acredito que você fez isso, Léo. — E entendeu imediatamente
o motivo de Daniel não ter ido se despedir também — Daniel tá sabendo de
tudo isso, né?
— Falei que não tinha problema, mas, quando ele quer, é uma mula de
tão teimoso.
Aquela era a primeira vez, em toda sua vida, que alguém lhe dava uma
aliança de compromisso. Por isso Daniel não estava lá. Com um sorriso feliz
pelo gesto do namorado e feliz pelo gesto do amigo, juntou as mãos,
acariciando a aliança, e depois espalmou a mão para ver como ela decorava
seu dedo.
— É linda.
— Nunca que eu ia te deixar sair por aí sem que o mundo soubesse que
você é minha. — Leandro brincou, feliz de vê-la feliz, e feliz pelo namoro.
— Bobagem. — Rebatendo, puxou a caixinha de veludo do bolso e,
retirando uma pulseira de corrente retorcida e masculina, feita à mão e em
prata também, ela abriu o fecho e pediu seu pulso — Já que meu cabelo não
dura quinze dias no seu braço, achei um substituto digno.
— Mais que digno. — Quando ela fechou a pulseira em seu braço,
Leandro deu um beijo na joia, admirado com o presente, e a puxou para um
beijo.
E, numa voz muito sensual, cochichou em seu ouvido:
— Sua coleira está na mesinha de cabeceira. Você pode pegar, mas não
pode colocar até que eu volte.
Capítulo Quarenta e Quatro
Com Natália fora, ele sabia do que precisava: encontrar novos amigos,
estudar mais e encontrar uma coisa nova para fazer. Qualquer coisa que não
se resumisse apenas à ausência dela. Chegar em casa, sozinho, e dormir
olhando o celular não era vida.
Precisava ter mais do que ela para se ocupar. De férias do mestrado,
nem sequer o campus estava aberto para frequentar. Corria depois do
expediente, encontrou uma academia próxima o suficiente para substituir o
treino na faculdade e poderia passar algum tempo conversando com o
personal trainer, trocar dicas de suplementos, mas mesmo assim, quando
chegava em casa sentia-se vazio.
Não tinha mais igreja para se dedicar aos fins de semana. Nenhuma ação
voluntária. Nenhum tio para ajudar com as missas. Com Natália por perto ele
mal via o fim de semana passar, mas sem ela, entendia o quão sozinho, desde
que havia saído da casa do pai, ele realmente estava.
Quis ligar para os pais, mas não quis ser atendido. Nem tinha cabeça
para discussões. Rebaixar-se para atender à mãe estava fora de cogitação.
Daniel, também, quase não parava em casa. Chegava, tomava um banho,
engolia qualquer coisa e saía de novo. Toda vez que perguntado, desviava da
resposta. Talvez estivesse de namorada nova, talvez não, Leandro era amigo
o suficiente para sempre perguntar, mesmo que nunca respondido, e se
preocupar.
Olhava aquela caixa vermelha na mesinha de cabeceira e morria de
vontade de abri-la. Somente não o fazia porque a tortura de saber como sua
coleira seria era mais gotosa. Cansou de se imaginar vestido nela, cansou de
imaginar o que Natália faria. Divertiu-se por um tempo, com mensagens
engraçadinhas e provocações, mas ela não estava ali e comandos por
mensagens não tinham tanta graça quanto comandos de verdade.
— Você devia ir ao Stage. — Natália comentou numa chamada em que
fizeram num dia em que era tarde demais para ele e cedo demais para ela.
— E fazer o quê?
— Sei lá. Jogar conversa fora. Achar outros subs como você. Trocar
figurinhas. Se divertir um pouco.
— Passar vontade não vai ser divertido.
Somente num sábado, depois de lavar todos os banheiros da casa por
pura falta do que fazer, aprender a fazer um bolo de chocolate que
provavelmente mofaria antes que o comesse por inteiro, é que se rendeu.
É, talvez não fosse tão ruim dar uma passada lá.
Não se vestiu com cuidado, nem tomou outro banho. Não queria e nem
poderia fazer qualquer coisa. Só iria lá. Entrou no carro sentindo no fundo do
peito que aquela era uma má ideia, e foi.
Já tinha decorado o percurso. Vinte minutos até chegar. A moça da
chapelaria o cumprimentou com um sorriso e um beijo no rosto, todo mundo
já sabia quem ele era. Entregou a chave do carro, o celular e a carteira.
Foi pior que estar pelado. Pelado ele já tinha estado ali, mas tinha
Natália ao lado e, com ela, se sentia seguro. Sozinho, embora vestido, estava
completamente vulnerável como se fosse um coelho entrando numa toca de
lobos.
Cumprimentou de volta quem o cumprimentou primeiro, mas evitou se
aproximar. Pediu uma água para o barman, mas desistiu e pediu gim, do
mesmo jeito que ela pedia. Evitou o olhar curioso do homem que o serviu e
baixou os olhos para todas as Dommes que encontrou.
Procurou o pátio, desceu os degraus, e achou a poltrona que ela
costumava se sentar. Nem pensou duas vezes antes de apoiar a taça na
mesinha ao lado. Sentado, olhando as pessoas que chegavam, as Dommes
mais velhas e mais novas que a sua, ele ficou.
— Você pediu permissão para ocupar a cadeira dela? — De terno, como
se tivesse vindo apressado de uma reunião importante, Bataille parou na
frente do coroinha segurando um copo baixo de uísque e sorrindo com sua
dentição perfeita e sempre pronta para a briga.
— É só uma cadeira. — Leandro se defendeu.
— Tá com tanta saudade assim?
— Pior.
— Pior que saudades? O que foi? Ela decidiu que não vai mais voltar?
— Na minha vida só tem trabalho e ela. Sem ela, só tem trabalho.
— Somos mais parecidos do que suspeitei.
— Eu e você não temos nada em comum.
— Criei esse lugar para ter onde ir quando as reuniões terminavam.
— Você não tem casa, não?
— E você? — Bataille rebateu — Não tem?
Leandro deu um gole para não ter que responder e detestou. Fez cara
feia sem perceber e Bataille caiu na gargalhada.
— Bebida de mulher. — Rindo um pouco ainda, ele cumprimentou uma
mulher longilínea e de rosto quadrado do outro lado do quintal — É cara e
aguada. Não sei como Natália consegue.
— Me dá esse aí, deixa eu ver.
Leo bebeu só para saber que não gostava mesmo. Nem o gim doce, nem
o uísque amargo. Sentiu o álcool bater no nariz antes de bicar a bebida e
segurou uma tossida.
— Você tem paladar infantil?
— Geralmente eu como de tudo.
— Tudo, é? — A malícia dançava nos olhos de Bataille e Leo se retraiu
sem perceber — Não tô dando em cima de você, só fazendo piada.
— Certo.
— E Natália pediu para a gente cuidar de você.
— A gente quem?
— Todo mundo dos frequentes. Ela conhece todos e ninguém está a fim
de arrumar confusão.
— Vocês têm medo dela?
— Você não tem?
Medo não. Nunca sequer havia passado por sua cabeça temer Natália. Já
tinha sentido a apreensão da surpresa, a vergonha pela inexperiência, mas
nunca medo. Por que alguém teria medo dela?
— Que bom que veio sozinho, coroinha. Assim posso te contar todos os
podres dela.
Foi o primeiro esboço de sorriso que Leandro deu em muito tempo.
Bataille pediu que uma sub trocasse o copo dele por alguma coisa melhor,
sem álcool, e tagarelou por boa parte do tempo.
Até que Daniel apareceu, descendo as escadas de quatro, pelado com
uma joia enfiada na bunda, harness rosa em couro falso, e puxado por uma
corrente presa ao pescoço pela mulher de cabelo platinado.
— Mas que merda…? — Leandro tentou dizer.
Antes que tecesse outro comentário, Bataille caiu na gargalhada. Ele
tinha uma risada aristocrática, coisa de gente requintada, e Leandro riu junto,
esperando as atrocidades que Bataille comentaria.
— Ela tá pagando uma grana pelo seu amigo, mas por grana alguma no
mundo eu me sujeitaria a isso. — Bataille ainda ria e, pior, apontava.
— Daniel tá fazendo isso há quanto tempo?
— Master Greta não quer admitir, mas está apaixonada.
— Não tem a menor chance de sair cachorro desse mato.
— Por quê? Daniel tá apaixonado por você?
— Não. — Mas Leandro não disse mais nada porque não era sua
história para contar. — Só… não tem chance de Daniel se apaixonar.
— Talvez eu devesse avisá-la, então.
— Conhecendo, Daniel já avisou.
Falaram por horas e sobre coisa alguma. Fora do contexto de Dom,
Bataille parecia ser um cara legal. Atreveu-se a fazer piadas com ele e,
embora nenhum dos dois admitissem, um salvou a noite do outro.
Demorou bastante tempo até que Daniel reaparecesse com uma cerveja
longneck na mão. Dessa vez sem camisa porque não aguentava vesti-la sobre
as costas muito fustigadas, ele se parecia mais com o amigo de sempre.
— Tô surpreso de te ver por aqui — Daniel cumprimentou Leandro com
um brinde com sua bebida e deu um aceno rápido a Bataille.
— Puxa uma cadeira, ali. — Leo sugeriu, apontando para o outro lado
do pátio onde duas cadeiras de ferro restavam sozinhas.
— Nah. — Sentando-se no chão, ele esticou as pernas gemendo de dor.
Olhou para a cadeira a que Leandro se referia e resmungou pela distância —
Tá tudo doendo demais, agora.
— Se vai se prostituir, é melhor reservar um lado seu antes de passar a
odiar toda e qualquer trepada. — Bataille aconselhou.
Leandro ainda não sabia e não conseguiu esconder a surpresa. Daniel,
um pouco envergonhado diante do amigo que mal saíra da igreja, preferiu
medir a garrafa verde e fingir que não tinha escutado.
— E aconselho que vá se aventurar nas baunilhas. — Bataille continuou
— Domme quando paga por sub, geralmente maltrata muito.
— E o quanto de experiência você tem nisso? — Daniel respondeu
evitando olhar Leandro.
— Eu já usei do dinheiro para resolver questões que não devia levar para
a cama. — Bataille explicou — Tô falando desse ponto de vista.
— Cê tá mesmo cobrando por isso? — Leandro não se aguentou por
muito tempo.
— Greta sugeriu e eu não neguei.
— Mas tá só com a Greta?
— A Greta, a Carla e a Cobra.
— Sai dessa. — Leandro chupou o canudinho de refrigerante com limão
e continuou —Você sabe que não precisa disso, que a gente te ajuda e…
— Beleza, sei que ajuda, não tô discutindo isso nem fazendo pouco
caso, mas…
— Quanto de dinheiro você precisa para sair dessa?
— Não quero sua grana, Bataille.
— Mas para quê você precisa tanto de grana? — Leandro se intrometeu.
— A facul tá paga, seu trabalho com a Nat tá garantido, tem casa, comida…
— Não tô feliz. — Daniel respondeu, deu um gole em sua cerveja, e
prosseguiu. — Quer a real? É isso. Odeio minha vida, odeio meu curso, odeio
depender de favor. Odeio ficar no meio de você e a Nat e me sentir um
estorvo.
— Ah, pelo amor de Deus, que palhaçada!
— Não tô pedindo ajuda, Leandro.
— Mas você ama carro!
— Amo carro, não aguento mais engenharia.
— Quanto tempo de curso ainda falta? — Bataille interrompeu a briga
dos amigos.
— Faltam uns 24 boletos. Sem contar os que devo para ele.
— Desconta esses, nunca te cobrei nem nunca vou cobrar.
— Independente, dívida é dívida.
— E vai ficar se arrastando com o cu pra cima até pagar todo mundo a
quem deve? — Bataille cutucou.
— Até eu achar alguma coisa que me faça feliz.
— Vai arrastar o cu até perder todas as pregas, então.
— Que seja.
— Tem alguma coisa que eu possa fazer para que você pare de… —
Leandro se confundiu com as palavras e não gostava das que vinha à mente
— De… fazer essas coisas?
— Caralho, ele é sempre assim? — Bataille riu e perguntou para Daniel.
— Assim como?
— Leandro tem o vocabulário da minha finada avó.
— Tirando quando é ele quem tá arrastando o cu — Daniel riu —, sim,
ele é sempre assim.
— Não é à toa que ele é o sub mais sub de todo o meu Stage.
— Todo mundo tem uma válvula de escape — Leandro se defendeu
como se o tivessem ofendido. — Mas nem todo mundo é tão otário para
cobrar por isso.
— Cuida da sua vida que eu cuido da minha. — Daniel atacou..
— Moças — Bataille interveio —, se brigarem vou ter que banir os dois.
Regras da casa.
Calaram-se. Daniel deu mais um gole na cerveja, percebeu que era o
último, e resmungou para se levantar.
— Ela pelo menos cuidou de você depois? — Ultrajado pela diferença
de como era tratado por Natália, Leandro não conseguia acreditar que uma
Domme era capaz de tratar seu amigo tão mal.
— Greta não faz aftercare em ninguém. — Bataille respondeu porque
sabia que Daniel não responderia.
Puxou um cartão e uma caneta do bolso, ambas pareciam muito caros, e
escreveu um número de telefone, antes de entregá-lo para Daniel.
— Se você não quer dinheiro emprestado, mas quer se prostituir, ligue
para esse número. Aqui você não entra mais se estiver cobrando.
Leandro olhou para Bataille com um sorriso no rosto e o agradeceu. Se
Daniel era idiota o bastante para achar normal cobrar para apanhar, ainda
bem que alguém tinha poder para impedi-lo.
Capítulo Quarenta e Cinco
Foram noites e noites assim. Mesmo quando Bataille tinha um sub, os
três se juntavam, Leandro sempre na cadeira de sua Natália ausente.
Bataille havia mandado um empregado arrastar uma cadeira de ferro
para o lado dos tronos e Daniel, quando não estava muito estressado ou puto
da vida, era o primeiro a beber e encher os outros dois de piada.
Ninguém queria chamar aquilo de amizade. Aceitaram a conveniência.
Ninguém tinha o que fazer à noite, era essa a desculpa que davam quando
alguém parava na frente do trio para puxar conversa.
As subs olhavam os três e imaginavam o pior. O loirinho era sub
também, ninguém nem pensava nele com um chicote na mão, mas olhavam
para os outros dois imaginando cenas e os ficavam encarando até
encharcarem o chão.
Greta parou de frequentar o Stage depois que Leandro achou o cúmulo
que ela não cuidasse de seus subs. Encheu a cabeça de Bataille até que ele a
suspendesse.
— Quem ela acha que é para bater nos outros de graça? — Tão ofendido
com o jeito de Greta, que Leandro quase soltou um palavrão.
— Nem quando tá puto ele xinga? — Bataille achava graça.
Daniel, rindo com sua cerveja e um cigarro emprestado, contou da
primeira vez que tinha visto Leandro bravo, depois de ter se exibido de
harness para Natália e ela tê-lo punido com a indiferença.
— Nó, achei que nada o tirava do sério, mas aquele dia…
— E o harness? — Bataille mudou de assunto — Serviu?
— Natália curtiu. — Leandro, um pouco sem graça, se lembrou que o
acessório tinha sido presente de Bataille. — Onde você comprou?
— Não comprei, eu fiz.
— Ah, Batata — Daniel rebateu —, vai tomar no seu cu!
— Obrigado. — Leandro, ignorando Daniel completamente, sem graça
por ter sido Bataille quem havia feito seu harness, encolheu os ombros
quando agradeceu.
— O cara é rico, o cara é dono de clube de putaria e ainda tem mais
essa?
— Essa pulseira eu também fiz — Bataille respondeu apontando para a
pulseira que Leandro tinha ganhado de Natália minutos antes de embarcar, e
riu de Daniel.
— Assim fica difícil de competir. — Respondeu o homem que bebia e
ficava engraçado.
— Você trabalha com o quê? — Leandro perguntou.
— Ourives.
— Ourives faz o quê? — Daniel perguntou.
— Mexe com joia.
— É, pra mexer com joia tem que ser rico. Com o preço que o ouro tá…
— Ourives não faz ninguém rico, não. — Bataille se defendeu — O piso
salarial não passa de três e meio.
— Mas tu não é rico?
— Nunca falei isso.
— Mas você é. — Leandro analisou — Todo mundo sabe.
— ‘Tão querendo casar comigo, caralho? — Bataille se defendeu.
— O que isso tem a ver? — Daniel não entendeu.
— Que diferença faz se eu tenho dinheiro?!
— Caguei pro seu dinheiro, Batata. Só tô curioso.
— Não cobrando pelo meu refri, pra mim tá bom. — Leandro riu
chupando seu canudinho e engoliu em seco quando viu, do outro lado do
pátio, Mari vestida de vermelho, o mesmo harness que Natália já tinha usado,
as mesmas botas vermelhas, e o olhava do mesmo jeito que o havia olhado
quando se encontraram pela primeira vez.
— Cabou a graça. — Daniel se levantou, pronto para roubar outro
cigarro do primeiro fumante que aparecesse, e ergueu a mão para o barman
do outro lado do pátio pedindo um refil. — Lá vai ele colocar essa minhoca
rosa pra fora.
— Sem a Nat? Nunca. — Leandro quis se defender.
— Rosa, é? — Bataille engoliu a risada.
— Rosa, caralho, a rola mais feia que eu já vi na vida!
— E tu já viu quantas, Daniel? — Leandro desviou o olhar das botas de
Mari e das lembranças, virando-se de corpo inteiro para longe de onde ela
estava.
— Muito mais do que eu gostaria.
— Eu sou branco, caramba — Leandro vivia de se defender dos outros
dois —, que cor você queria que fosse?
— Eu sou branco também, mas rosa desse jeito parece rola de porco!
— Sua mãe nunca reclamou.
Ninguém nem acreditou naquela ofensa de quinta série vinha do
coroinha. Os dois outros se olharam quase morrendo de rir, e encheram o
coitado do Leo de piadas tão baixas que o fizeram corar.
Corou tanto que preferiu ir cumprimentar Mari e saber o porquê ela
estava vestida como sua mulher.
— Oi, loirinho!
— Mari. — Ele fechou o rosto, muito deslocado, sem saber como agir e
não se aproximou muito.
— Gostou do meu look?
— Por que tá vestida como ela?
— Ela disse que você ia gostar. — Com muito charme,Mari esticou a
mão e a apoiou em seu peito, toda cheia de melindre e risinhos — Você
gostou?
— Tá bonito. — Não era de mentir, mas sabia o quão errado era
corresponder aos flertes de uma mulher que não era nada sua — Foi… Foi
ela?
— O que foi ela, loirinho?
— Que te colocou vestida assim.
— Faz diferença para você?
— Mari, eu sou fiel.
— Ai, loirinho, você é tão fofo que fico com vontade de apertar suas
bochechas! — E, com um gesto muito lascivo, aproximou a boca de seu
ouvido e disse, com voz de cama, só para que ele escutasse — É para você
olhar para mim, a noite inteira, e se lembrar de quem não está aqui.
Leandro não disse mais nada. Sabia de quem tinha vindo a ordem.
Enrijeceu os ombros, sentindo o ar entrar com dificuldade pelos pulmões e
fechou a cara. A cumprimentou com um beijo no rosto, muito mais cortês que
o último cumprimento, e não deu as costas para ela até que estivesse a uma
distância segura.
— Natália é foda. — Bataille riu quando viu Leandro voltar para a
poltrona — Nunca vi Domme mais natural que ela.
— Foi você quem a treinou, né? — Leandro quis saber.
— Muda alguma coisa?
— Não, só quis saber.
Ele não conseguia parar de olhá-la, mesmo sabendo que não devia.
Bataille percebeu e não aprofundou a história do treino de Natália. Deixou
que Leandro se encantasse com a vista de uma Mari submissa, vestida em
vermelho contra a pele escura e quente, com as botas vermelhas de salto alto
iguais às de Natália, senão as mesmas.
Leandro não fazia a menor ideia de como ela as tinha conseguido e isso
nem importava. Bastava saber que aquelas botas foram o começo de tudo.
Sentiu o peito espremido, as bolas doloridas e não sabia qual sanar
primeiro. Deu um gole no copo baixo de Bataille, mesmo sabendo que era
uma bebida de gosto ruim, e deixou o álcool queimar o interior de sua boca.
— E o Natal esse ano, o que vai ser? — Daniel mudou de assunto,
Bataille também, e as palavras não chegaram aos ouvidos de Leandro.
✽✽✽
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Exausta, porém não morta. Somente ali, diante da porta de casa ainda
fechada, que se beijaram como deviam, cheios de saudade e um pouco
afobados.
Leandro, descansado, muito mais afobado que ela, estava pronto para
subir para o quarto e…
— Mas será que vocês podem guardar a sem-vergonhice para depois?
Daniel, descalço, sem camisa, mas com um avental cheio de cupcakes
desenhados, abriu a porta de casa e deu bronca nos dois pombinhos.
— Porra, tô cozinhando há horas, o mínimo que eu mereço é um ‘oi’ e
um abraço!
Não fosse por isso. Mesmo com a boca inchada e os ânimos aguçados,
Natália soltou Leandro e agarrou Daniel cheia de ternura.
— Assim já tá melhor. — Respondeu o rabugento.
— Fofinho seu avental, Dani.
— Precisa ver o do Batata.
Sem entender o que Daniel quis dizer, Natália se virou para o seu,
questionando, e Leandro só deu de ombros como se dissesse: “longa
história”.
Longa e que ele não quis contar durante o trajeto.
Quinze dias fora de casa e ela não reconhecia mais nada. Entrou em casa
se desvencilhando dos casacos, do sapato, e não entendeu por que diabos
Bataille xingava tanto seu liquidificador na bancada da cozinha.
— Me lembra de te dar outro no dia das mães, que esse aqui eu vou
jogar fora. — Ele falou sério, mesmo que fosse de piada, e lambeu a massa
do bolo de chocolate que melecava seus dedos antes de abraçá-la com
carinho e também saudades.
— Me dá um liquidificador de dias mães que eu mato você!
— Mas não é isso o que mãe gosta de ganhar de presente?
— Eu vou chutar você pra fora da minha casa! Nem meu filho me daria
uma coisa dessas.
— E Caio, tá como? — Daniel mudou de assunto e desligou o fogo da
cuscuzeira, levando a panela para a mesa já previamente arrumada e cheia de
guloseimas de padarias chiques.
— Uau, todo esse café da manhã é pra mim?
— O podre de rico chegou cheio de sacola. — Daniel resmungava, mas
seguia tirando coisas de dentro da geladeira para pôr a mesa — Veio reclamar
do meu cuscuz, quase saiu soco nessa casa.
— Isso daí não é comida, é farinha quente — Bataille rebateu só para
provocar e todo mundo percebeu.
— Por que caralhos você foi amigar desse filho duma égua? — Daniel,
sem sorriso no rosto, olhou bem para Leandro parado na divisão entre sala e
cozinha.
— Não amiguei, ele que foi chegando. — Leandro riu, puxou uma
cadeira para Natália e lhe deu um beijo no topo da cabeça quando ela se
sentou — Chá de quê, linda?
— Do que tiver.
— Tem de tudo — Daniel continuou reclamando — Leandro ficou besta
comprando.
— Tem de jasmim?
Óbvio que tinha. Com carinho, Leandro colocou água para esquentar
numa chaleira, puxou o bule de vidro e uma caneca para combinar.
Sem falar nada, Natália olhou para os três homens reclamando e se
xingando na cozinha, habituados como se vivessem juntos, e não conseguiu
conter o sorriso alegre.
Para bem e para mal, finalmente estava em casa.
Capítulo Quarenta e Oito
— Então, o Caio. — Natália puxou um mini-quiche perfeitamente
assado de uma caixa cheia de pãezinhos variados, mordeu metade esperando
que os meninos lhe dessem atenção, e continuou — Aquela pessoa que não
queria que ele fosse para o intercâmbio já virou notícia velha.
— Filho de peixe… — Bataille fez piada enquanto untava a forma.
— E ainda por cima já achou alguém no Japão.
— Ô menino rápido! — Com cuidado e carinho, Daniel fez um prato de
cuscuz, adicionou ovo mexido, manteiga e estendeu a ela. — Essa pessoa é
menino ou menina?
— É menino, mas ele não quis me falar, então eu tô esperando.
— Espera aí — Leandro parou de prestar atenção na água fervendo e se
virou para a mesa do café — Toda vez que Caio falou pessoa ele queria dizer
menino?
— Porra, coroinha.
— Nunca que eu teria adivinhado. — Envergonhado, Leandro se virou
de volta para o fogão, ignorando o olhar de troça que Bataille lhe enviava. —
Por que ele não disse?
— Ainda não é a hora dele de contar. — Natália sorriu, terminando seu
quiche e puxando o cuscuz mais para perto de si. — Quando ele quiser,
estarei aqui.
— E para você isso é de boa? — Leandro falou tão baixo que era como
se dissesse alguma ofensa.
— E o que isso muda pra mim?
— Não sei, é que… não é muito… normal, eu acho.
— Porra, coroinha. — Foi a vez de Daniel de usar o jargão.
— Caralho, coroinha. — E Bataille remedou enchendo a forma com
massa de bolo.
— Uma coisa é perversão, sei que tem quem curta, outra coisa é seu
filho.
— Se ele tá feliz, eu tô feliz. — Natália caçava uma colher em cima da
mesa, não achou, e agradeceu quando Daniel lhe estendeu uma.
— E não é perversão, coroinha — Bataille se defendeu — Quer dizer,
também. Sexualidade não é só pra putaria.
— A gente pode conversar sobre isso mais tarde, se você quiser. —
Sabendo da criação de merda que Leandro tinha tido, Natália não estranhou
sua reação.
— Eu gostaria disso. — Sorrindo, levemente menos envergonhado,
Leandro tirou a chaleira do fogão e derramou o conteúdo no bule de vidro.
Conforme a flor desabrochava dentro do bule, os quatro pararam para
assistir. Natália, sabendo o quanto aquilo era bonito e por ver seus amigos
encantados com a cena, tirou três copos de beber chá do armário, esperou que
todos se sentassem, e então os serviu.
— Obrigada pelo café da manhã de regresso, pessoal — Distribuindo os
copos cheios, ela olhou para cada um, cheia de ternura, e continuou —, mas
será que vocês podem sentar e conversar comigo, em vez de ficarem rodando
pela minha cozinha enquanto eu como?
Eles não precisaram se olhar para obedecerem. Apenas puxaram as
cadeiras, olharam seus copos com água suja, beberam reclamando que o
visual era melhor que o gosto, e continuaram com as fofocas, atualizando a
mulher dos quinze dias de ausência.
✽✽✽
Ela estava tão nervosa para rever Caio que mal tinha dormido. Leandro,
que entendia, havia deixado tudo pronto logo na noite anterior. Ver Natália
tão acesa e preocupada o deixava preocupado em dobro.
Caio estava finalmente voltando para casa. Depois de seis meses tanta
coisa estava diferente e Caio voltava para o lar. Natália arrumou a cama do
filho, o quarto, e Daniel preparava o café da manhã não na mesa de casa, mas
na mesa de um Garden fechado, pois era domingo.
Ninguém tinha dormido muito naquela noite. Cada um deles pensava em
como receber o garoto de forma que ele se sentisse em casa de novo.
A mãe tinha namorado e ele morava com ela. Daniel ainda ocupava o
quarto de Caio. Dois homens adultos, muito diferentes, e ocupando a casa
que o menino havia ocupado com a mãe, sozinhos durante anos.
No fundo, Natália sabia que Caio não ligaria muito. Ele já conhecia os
dois, eram amigos, mas convivência e amizade não eram a mesma coisa.
A mãe estava pronta duas horas antes do avião de seu filho pousar,
acompanhando sua trajetória pelo site. Acelerou Leandro, não porque ele
demorasse, mas porque queria sair logo.
Atravessaram a cidade direto para o aeroporto e, quando chegaram, não
conseguiram evitar o olhar comprido para o portão de embarque onde um
havia pedido o outro em namoro meses atrás.
Com um sorriso feliz, Leandro sacudiu o pulso mostrando a pulseira e
Natália lhe deu um beijo rápido e estalado nos lábios, mas o bastante para que
ele percebesse que ela também não se esquecia.
Depois, como dois loucos, correram para a área de desembarque
internacional. O avião já tinha pousado, Natália lia num painel, então
provavelmente Caio pegava suas bolsas e faltava muito pouco para se verem.
Para Leandro, que não via o garoto há seis meses, Caio parecia outro.
Sempre havia sido um garoto bonito, um pouco magricela, mas quando pulou
na mãe, cheio de carinho e saudades, parecia um garoto estrangeiro com um
boné verde de aba reta, cabelo mais comprido e um dos braços cheios de
pulseira.
Natália sentiu o cheiro diferente do menino, a textura das roupas pesadas
no abraço apertado e quente. Encheu seu rosto de beijos segurando-o contra o
peito com tanto amor e carinho que Caio chorou.
— Que falta você fez! — Ela quebrou o silêncio primeiro. — Que
saudades, que saudades de você!
— Também estava com saudades!
Natália demorou para soltá-lo. Precisava senti-lo por mais tempo,
cheirá-lo, ver se estava inteiro, conferir seu peso, sua altura e tudo o mais que
uma mãe é capaz de captar num único abraço.
Quando se soltaram, Leandro o abraçou com carinho e perguntou se
havia feito boa viagem, indicando a saída, empurrando o carrinho com o
dobro de malas que tinha embarcado há seis meses.
O carinho e as saudades era tanta que Natália quis ir no banco de trás
com o menino, deixando o namorado de chofer.
— E a vó e o vô?
— Perguntaram se eu volto nas férias.
— Essas férias eu não sei se vai dar, Caio.
— É, falei isso pro vô, mas ele te chamou de teimosa e que, por ele, a
gente ia para lá pelo menos duas vezes no ano.
— Não acho certo gastar o dinheiro da velhice deles desse jeito.
— É, mãe, mas sabe? A vó e o vô ficam muito sozinhos, lá.
— Eles vivem falando dos amigos deles!
— Sim, são cheios de amigos, mas de família não tem mais ninguém.
— Aqui também tem lugar para eles.
— Eles amam aquele país, né! Nasceram lá e tal…
— Você pretende… — Natália não queria ouvir a resposta, mas sabia
que devia perguntar — Pretende mudar para lá, algum dia?
— De definitivo não. O vô me levou para conversar com um amigo dele,
que é médico, e esse homem disse que não tem lugar melhor para fazer
medicina do que aqui.
— Tá brincando? Com toda a tecnologia que o Japão tem, como que
aqui é melhor que lá?
— Lá o povo é muito pacífico, meio parado. Não tem facada, nem tiro,
nem atropelamento que nem tem aqui.
— Ah, então não é que aqui é melhor que o Japão — Leandro se
intrometeu quando parou no farol — É que aqui tem mais desgraça?
— Esse homem amigo do vô falou que só dá pra praticar com desgraça e
aqui está cheia delas.
— Esse homem amigo do seu vô é meio… — Leandro não quis terminar
a frase, mas quis dizer, com gestos, que o homem era meio maluco.
— A vó quis saber mais de quem era você. — Caio mudou de assunto e
seguiu falando com Leandro.
— Eu ainda não falei para ela que eu tô namorando — Natália
interrompeu.
— É, mas a vó reparou na sua mudança e sabe que você está, mesmo
sem você ter dito nada. O vô disse que você tá com um brilho de mulher
apaixonada.
— Tá, isso foi um pouco cafona e bem intrometido da parte deles. —
Natália respondeu enquanto Leandro escondia a risada no ombro.
— Sabe, eu fiquei um pouco com dó.
— Dó, filho? Por quê?
— Não sei, na hora que fui embora fiquei com a sensação de que eles
não querem ficar sozinhos, lá.
— Você acha que eles não estão felizes?
— Não sei, acho que eles estão muito sozinhos.
— Será que o vô quer voltar para cá?
— Eu quero que eles venham. — Caio ensaiou como dizer isso de vários
jeitos, mas preferiu apenas dizer o que sentia, sem argumentar motivos
complexos — Eu amo eles e amo você também, óbvio, e acho que você tá
sozinha aqui à toa, e eles estão sozinhos lá à toa.
— Foi decisão do vô partir, amor, eu não posso obrigá-los a voltar!
— É, mas pode dizer que tá sentindo muito a falta deles e que precisa de
ajuda no Garden…
— A gente pode ver isso, tá bem? Confesso que nunca gostei deles dois
sozinhos, já mais velhinhos, tão longe de mim assim.
— Tá, mas dessa vez não é um “a gente compra na volta” para ver se eu
esqueço do assunto não, né? Promete que você vai ver mesmo?
— Antes de serem seus avós, eles são meus pais, eu nem preciso
prometer!
— Tá, beleza então.
Leandro encostou o carro na entrada de casa e saiu para pegar a
bagagem no porta-malas, mas Caio passou alguns segundos admirando a
entrada. A cor continuava a mesma, a porta também, as flores. O Garden
ainda tinha o mesmo portão verde, o mesmo letreiro, as mesmas plantas do
lado de fora.
— Uau, parece que voltei no tempo.
— É muito louco voltar?
— Mãe, será que a gente pode conversar um pouquinho? Pede… pede
pro Leo esperar a gente lá dentro, eu preciso conversar com você um negócio
antes.
— Espera aí.
Natália não era tonta, sabia exatamente o que o menino diria, mas não
quis estragar seu momento. Abriu a porta do carro, foi até Leandro, disse para
que entrasse com as malas e voltou, para o banco de trás, para ouvir o que seu
menino tinha a dizer.
— Sabe — ele disse todo nervoso e cutucando o cantinho das unhas —,
eu tomei uma decisão importante enquanto estive fora. Não quero esconder e
nem mentir para você. Prometi que voltaria e te contaria tudo, mesmo que
você não goste da minha decisão.
— Certo.
— Mãe, sabe aquela pessoa que não queria que eu fosse para o Japão e
eu quase não fui?
— Sei.
— É um menino.
— Um menino, é?
— É. — Falou com a certeza de que tomaria bronca — Eu sou gay.
— Ah, puxa vida. — Natália, por outro lado, sempre foi ruim de mentir.
— Você disfarça tão mal!
— Que foi?
— Você sabia, né?
— Eu tô aqui, sabe? Eu sou sua mãe, eu te amo até virado do avesso.
Você é meu Caio, o meu menino, a luz do meu dia, o meu solzinho todinho.
Se você prefere menino, tô aqui para te apoiar. É decisão sua, de todo jeito.
— Posso te apresentar alguém, algum dia desses?
— É a mesma pessoa que não queria que você fosse para o Japão? Se
for, eu vou confessar que dele eu tenho um pouco de ranço.
— A gente meio que ficou conversando durante o intercâmbio. Ficamos
de nos encontrar quando eu voltasse.
— Caio, não me diz que você desperdiçou a chance de pegar um povo lá
no Japão pra ficar de conversinha com esse garoto!
— Não, mãe, claro que não.
— Pegou um povo lá, né?
— É, bem…
— Tá, então tá bom. Se encontra com esse moço daqui, vê se ele vale a
pena e você sabe que a porta de casa tá sempre aberta.
— Obrigado, mãe. — Caio sorriu e limpou as mãos suadas na calça. —
Achei que ia ser bem pior.
— A única coisa que eu vou pegar no seu pé é para usar camisinha. Sei
que sexo gay não engravida, mas nem por isso é para deixar de usar!
— A gente pode… não falar de sexo?
— Só porque você voltou hoje, mas eu vou encher seu saco com isso
sim. Principalmente quando você voltar para a escola, viu?
Saíram do carro e Caio quis entrar em casa, mas a mãe o levou para o
portão fechado do Garden, dando risadinha travessa e o puxando pela mão.
Alguns amigos de Caio que haviam ficado no Brasil estavam lá para
recebê-los com faixas coloridas de boas-vindas e serpentinas. Daniel quase
teve um ataque quando viu tudo aquilo de papel picado sobre as comidas e
correu par salvá-las, ao mesmo tempo que Leandro fez o mesmo e o estranho
homem preto que Caio não conhecia os acompanhou.
Além dos próprios, o garoto percebeu, também estavam presentes os
amigos de sua mãe. Sorriu feito criança abraçando os amigos, feliz de revê-
los, e foi conduzido a se sentar no meio da mesa, onde pudesse ver todo
mundo, enquanto lhe perguntavam como havia sido a viagem e como era a
escola do outro lado do mundo.
— E os doces de lá? — Quando já estavam todos sentados e com os
papéis picados mais ou menos controlados, Daniel quis saber — É tudo feito
de feijão mesmo?
— Arroz e feijão, mas tem coisas mais industrializadas que têm uns
sabores meio esquisitos.
— Você foi no Wizarding World de lá? — A amiga dele quis saber.
— Fui, meu vô me levou.
— E como é?
— Lotado. — Foi a primeira coisa que Caio quis contar — Muito,
muito, muito lotado.
— Tá, mas isso não é novidade. — Outro amigo comentou — O que
mais tem lá?
— Eu trouxe feijõezinhos de todos os sabores para vocês, tá na minha
mala.
— Mentira?!
— Eu trouxe também aquele fone de ouvido com orelha de gatinho que
você queria.
— CAIO, EU TE AMOOOOOOOOO!
— E pra mim, não trouxe nada? — Daniel se intrometeu.
— É! — Natália também quis saber — Também quero feijão de todo
sabor!
— Mas você nem leu o livro!
— E daí? Vi todos os filmes com você!
— Tá, mãe, eu trouxe uns a mais porque sabia que alguém ia me cobrar,
então pode ficar com um.
— Puta merda, eu não ganho nada de presente além de uma sobra?!
— Eu trouxe coisa pra você, mas só que é surpresa!
— Pode ir lá pegar, Caiô! Eu não gosto de surpresa e quero meu
presente agora!
— Credo, Nat, você tá pior que as crianças. — Daniel brincou enquanto
Caio partia do Garden para a casa.
— Você ouviu o que ele disse? Que podia me dar a sobra! Puta merda,
eu passo seis meses morrendo de saudades e ele nem se lembra da mãe dele
na hora de distribuir presentes.
— De tudo o que já vi você — Foi a primeira vez que Bataille falou
desde que Caio tinha chegado —, nunca te vi tão dramática.
— Eu sou mãe, porra, o que você queria?!
Caio voltou trazendo uma caixa muito bem embalada com um tecido
fino e vermelho. Sorria envergonhado por demonstrar afeto em público, mas
entregou o presente e esperava que ela abrisse para só então se sentar.
Natália esfregou uma mão na outra, cheia de expectativa. Teve algum
trabalho com o laço do embrulho e elogiou o jeito como tudo havia sido
embalado. Abriu uma aba, abriu a outra, e sorriu grande antes de encher seu
menino de beijo e agradecimentos.
— É tão tão tão fofoooooo! Ai, meu Deus, que coisa mais
fofinhaaaaaaaa!
— Deixa eu ver, o que é? Daqui não dá para ver!
Natália rasgou o plástico da embalagem e levantou uma xícara branca e
cor-de-rosa, com orelhinhas que saltavam da louça, junto do lacinho clássico
da Hello Kitty.
Não era só uma xícara, mas um aparelho de chá inteiro, com seis xícaras
e pires, bule e colherinhas, tudo da Hello Kitty e combinando.
— Eu nunca mais vou usar nenhuma outra xícara na vida! — Feliz, ela
aproximou a xícara do peito e depois refletiu com culpa — Isso tem cara de
ter sido super caro. Foi caro, Caio? Não me diz que você gastou suas
economias comigo!
— O presente é da vó e do vô também.
— Eu amei, amei, amei, amei, amei!
Depois do presente de Natália que ela estreou ali na mesa mesmo porque
correu para casa para esquentar um pouco de água e beber com matchá, todos
se sentaram e as conversas explodiram para todos os lados.
Bataille teve que se apresentar para o garoto e foi incrivelmente educado
e cortês.
— Por que a mãe nunca me contou de você?
— Acho que ela tem vergonha de mim, sabe?
— Se você não fosse tão babaca, Bataille, eu não teria motivos de me
envergonhar!
— Eu não sou babaca. Leandro, eu sou babaca?
— Um pouco, sim.
— Daniel, você me acha babaca?
— Eu acho você um puta de um…
— TÁ CERTO. — Natália interrompeu — Já entendemos, né? Bataille é
babaca, mas é o meu babaca e eu gosto dele assim.
— Eu não vou te chamar de babaca só porque todo mundo te chama. —
Caio agiu como mediador e segurou a risada o máximo que conseguiu —
Vou te deixar ganhar o título por si mesmo, tá bom?
Leandro e Daniel morriam de rir e Bataille, que não ficava vermelho,
relaxou os ombros e só disse:
— Filho de quem é, né?
Era hora do almoço, então tinha comida sobre a mesa. Enquanto
Leandro e Natália estavam no aeroporto, Bataille e Daniel fizeram burrito,
mesmo no café da manhã, que era fácil de comer, mas não tão fácil de
preparar.
Aos poucos, enquanto as piadas voavam quase como uma ofensa
camarada, os presentes se sentiram à vontade o bastante para montarem, cada
um, o seu próprio prato.
— Nem sabia que você sabia cozinhar coisa chique assim! — Natália
cutucou Daniel.
— Sei não, quem sabe é o Batata. Ele foi dando as ordens e eu só fui
atrás.
— Tá gostoso, tio. Tá bem bom mesmo. — Disse um dos amigos do
Caio.
— Ok, depois desse burrito, decidi você não é babaca. — Caio cutucou
Bataille que riu — Só não entendi de onde que minha mãe te conhece, mas…
Os quatro adultos na mesa se olharam, mas não sabiam o que responder.
Então, optaram pela opção mais saudável.
— Eu tenho um bar e sua mãe um dia foi lá. — Bataille respondeu
dando de ombros — Daí ela foi de novo, e de novo, e de novo, e a gente
acabou amigo.
— Amigo não. — Natália só respondeu para cutucá-lo também e fazer
graça — Conveniência.
— Conveniência tenho com esse teu namorado, contigo é amizade! —
Foi a única vez que Bataille rebateu o argumento da “conveniência”.
— Olha só, tô até surpreso que Bataille tenha um coração. — Daniel
rebateu e trocou de assunto — Caio, você contou para a sua mãe do nosso
grupo secreto no WhatsApp?
— Que grupo secreto?
Foi só então que ela ficou sabendo que Caio agia como seu porta-voz
quando Leandro precisava de ajuda.
— Léo, você é muito fofo.
— Até para namorar com você ele pediu sua mão para mim. — Já que
Daniel tinha revelado o grupo, Caio revelou o restante.
— Não sei se acho isso fofo ou machista.
— Você não é só você, é o pacote completo. — Leandro se defendeu —
Precisava saber se o restante do pacote me aprovava.
— E você aprovou, Caio?
— Falei que era com você, né!
— É, então foi fofo. — Natália cedeu.
— Ele também pediu sua mão para… — Caio quase entregou o jogo
todo.
— PELO AMOR DE DEUS, NÃO! — Leandro quase deu um pulo da
mesa, mas já era tarde. Natália já tinha entendido e olhou do namorado para
filho.
— Esquece! — Daniel tentou, mas já era tarde — Só esquece, tá bom?
— Mas o que…?
Leandro, coitado, ficou vermelho de uma hora para outra. Começou a
falar, mas as palavras não saíam com sentido, faltavam complementos, como
se ele soubesse que precisava de uma boa desculpa para desfazer o que Caio
tinha feito, mas sem coisa alguma para dizer.
— Léo… — Natália desconfiou do que seria, mas não quis confrontá-lo.
— Droga, Caio!
— Mas foi sem querer!
— Olha, se vocês dois querem fazer o assunto sumir, falando dele não
ajuda. — Bataille aconselhou e partiu em busca de qualquer outro assunto —
Cerveja amanteigada é bom, né Caio? O que você achou quando foi para o
mundo mágico do Harry Potter?
— Eu não… é… eu não gostei muito. — Porém Caio ainda não
conseguia trocar de assunto, então tentou se desculpar — Léo, por favor, me
desculpa! Eu não sabia que ainda não…
— Tá bom, então, vamos lá.
Numa lufada de coragem, Leandro se levantou, foi até a casa e deixou
todo mundo sem entender o que estava acontecendo.
Bataille ainda trocou de assunto, quis saber dos doces que Caio tinha
comido, se as comidas japonesas de lá eram como as brasileiras, mas Natália
ainda olhava confusa para o filho, esperando Leandro voltar, e não conseguiu
sequer ouvir o que os outros tinham para dizer.
Leandro, quando voltou, deu uma piscadela cúmplice para Bataille e
puxou a cadeira de Natália, ao lado do filho, um pouco para fora da mesa.
— Leandro… — Natália não sabia se ria ou se chorava.
— Olha, amor. Eu ia te pedir de outro jeito, mas já que seu filho fez o
favor de explanar e eu tô louco para pedir logo, então vai ter que ser assim.
— Com o rosto mais emocionado que risonho, Leandro abriu uma caixinha
de veludo e exibiu o anel dourado com a linda pedra vermelha solitária no
centro da jóia — Natália, você quer se casar comigo?
— É sério isso? — Pega tão desprevenida que, olhando Caio sorridente
e envergonhado, e Leandro nervoso, ela achou que fosse brincadeira.
— Honestamente, eu não faço anel assim para qualquer uma. — Bataille
cutucou.
— Há quanto tempo vocês estão planejando isso?
— Faça as perguntas depois, Nat. — Daniel cortou — Responde o
coitado do cara!
— Léo, lindo… — Com carinho e devoção, ela o segurou pelas bordas
do rosto, tentando segurar o choro — É claro que sim!
— Sim?!
— Sim, lindo! Não tem mais ninguém que eu queira dividir a vida senão
você!
Leandro soltou o ar que nem sequer percebia preso e suspirou aliviado.
Ouviu alguma piadinha sobre o medo de ter seu pedido rejeitado, mas não
ligou, mal os ouvia.
Tirou o anel da caixinha, cheio de cuidado, e deslizou por seu anelar,
cheio de sonhos para o futuro e promessas por cumprir.
— Leandro tá querendo te pedir em casamento há um tempão, mãe. —
Caio continuou dedurando o amigo.
— Caio falou que era muito cedo e que você não aceitaria tão fácil. —
Leandro, em resposta, resolveu dedurar o moleque.
— É, sabe, você nunca quis namorar com ninguém antes, então achei
que fosse bom ele ir com calma.
— Você tá sempre cuidando de mim. — Admirando o anel, Natália
olhou para o filho toda emocionada, e do filho, olhou para o agora noivo — E
quanto a você…
— Só te quero bem, amor. Só isso.
— Te amo, Léo. Você sabia? Te amo tanto que dói.
— Cacete, mas não vão se beijar não?! — Daniel se intrometeu. —
Beijem logo, caramba!
Então, rodeada pela família mais disfuncional de todas, Natália beijou
Leandro, em meio às flores, aos amigos de seu filho, com o menino de plateia
e quase aos prantos também.
— Noiva. — Ela disse bem baixinho, toda encantada com seu novo
título, entre os beijos que recebia de Leandro.
— Minha e só minha — Leandro sorriu, a puxando da cadeira, pronto
para beijá-la mais e melhor.
— Dá pra acreditar que eu vivi para ver a Nat desencalhar? — Bataille
comentou com Daniel e os dois brindaram com refrigerante porque era festa
de adolescente.
Capítulo Cinquenta e Dois
Um ano depois
Ela sabia para onde deveria ir, mas não sabia o que encontraria lá. Vestiu-
se de vermelho, menos de vinte e quatro horas antes do casamento, e quase
morreu de rir de si mesma.
Natália Hina, logo ela, se casando. Dá para acreditar?
Tinha recebido uma mensagem do noivo: “Apareça no Stage às onze
horas”e, como não era mulher de obedecer, só saiu de casa às onze e meia.
De vermelho, vestido de couro e harness preto por cima, saltos altíssimos e
os cabelos soltos. Pediu um carro e levou mais vinte minutos para chegar.
A moça da chapelaria recebeu seus pertences, mas não lhe disse nada. Pelo
seu sorrisinho bobo, Natália imaginou que Leandro talvez estivesse preso,
acorrentado, provavelmente muito suado de expectativa e em público.
Só isso explicava seu pedido. Ela, que não tinha muitas amigas de sua
idade, não tinha tido despedida de solteira. Não se embebedaria num cubículo
apertado com um gogoboy cafona rebolando numa sunga apertada antes de
dizer “sim” no altar.
Por isso, quando passou da chapelaria para o salão, imaginou o que a
esperava, mas se frustrou quando encontrou as mesmas pessoas de sempre,
com seus fetiches de sempre, e nenhum Leandro à vista.
Cumprimentou o barman que também lhe deu um sorrisinho bobo. A taça
de gim já estava à sua espera, tingido com corante vermelho e um bilhete:
“No pátio, amor”.
Leandro estava cheio de bilhetinhos naquela noite, pensou, sem conseguir
esconder o sorrisinho igualmente bobo.
Com a taça na mão, encontrou a porta do pátio fechada. Forçou a maçaneta
e entrou, um pouco incerta.
Preso numa cruz de Santo André, uma espécie de“X”de tamanho humano,
Leandro estava completamente nu e suado, com grampos nos mamilos, um
cinto de castidade o mantendo enjaulado e pequeno, e uma ball gag para
mantê-lo mudo.
Olhando-o tão imóvel e vulnerável, o tesão percorreu do cóccix ao pescoço
como uma onda. Teve que ficar na ponta dos pés para dar um beijinho em seu
rosto, num cumprimento educado e sutil demais para a situação, mas não se
atreveu a tirar sua mordaça.
— Quem te prendeu assim, lindo? — Ela perguntou com sua inconfundível
voz de fada, mais falsa e cínica que nota de três reais.
Leandro, que não podia responder, acenou com a cabeça para um Bataille
sentado em seu trono de todo dia, mas sem camisa. Logo ele, que não gosta
de andar por aí tão nu?
De harness por cima do corpo perfeito, calça de lona e botas, do jeito que
Natália gosta de seus subs, Bataille não se levantou para cumprimentá-la, mas
sorriu charmoso, sensual como um demônio, e tamborilou paciente sobre o
braço de sua cadeira.
Ela demorou algum tempo para processar o fato de que o Leo, o seu Leo,
estava de sub e logo para o Bataille. Aquilo era para ser uma surpresa boa,
não é?
Então por que...
— Lady. — Daniel apareceu logo atrás, com uma bandeja na mão e, dentro,
um aparelho com um único botão. — Posso ser seu só por essa noite?
Desde que o noivo havia rompido por sua cozinha de harness e pronto para
maldades que ela pensa como seria tê-lo de sub junto de Daniel. Por um
longo tempo, imaginou que fosse apenas isso, uma vontade.
Olhou para Leandro preso na cruz como se quisesse confirmar se poderia,
e recebeu um longo olhar apaixonado. Ele sempre foi mais quadrado, menos
permissivo, um pouco tradicional demais.
Vê-lo apaixonado e cheio de tesão lhe deu a resposta que queria.
— Qual sua safeword? — Ela perguntou.
— Pernambuco. — Daniel respondeu, lhe oferecendo o aparelho de um
botão só, e baixando a mirada imediatamente.
Sem dizer mais nada, avançou para sua cadeira favorita de couro vermelho
e cumprimentou o último homem do pátio com um aceno.
— De joelhos. — Natália mandou a Daniel que obedeceu prontamente — E
larga essa bandeja.
Enquanto Daniel dispensava o objeto, Natália desceu a calcinha minúscula
pelos tornozelos e a jogou no colo dele. Olhando-o como se lesse seu passado
e seu futuro, abriu as pernas, sem cerimônia, e parou de dar atenção a ele.
Queria saber o que fariam com o coitado de seu Leo que não era seu
naquela noite. Torceu, mais do que tudo, que Bataille se levantasse e
torturasse seu noivo, mas não era ela no comando das ações então, como uma
espectadora que não dita o início do show, esperou ansiosa que a brincadeira
começasse.
Leandro ficou parado ali, em pé, observando sua noiva aberta, seu amigo
louco para chupá-la e sem poder dizer palavra.
Até que Bataille finalmente se levantou, imperial como ninguém, os
músculos das costas muito bem delineados, e tirou do bolso um chicote de
cabo curto, mas de cílios longos.
Ela sabia que ele era um Dom de poucas palavras. Poucas vezes Bataille
escolhia subs masculinos para brincar, mas quando escolhia, ela não
conseguia se conter de tanta empolgação, porque o jeito como Bataille ordena
seus garotos é muito mais rígida e fria do que como age com suas meninas.
Natália viu o chicote subir, os cílios dançarem juntos, e as pontas baterem
contra o peito rígido de um Leandro que via prazer na dor.
Viu o rosto de seu noivo corar, o maxilar travar, seus olhinhos azuis e
lindos se fecharem num misto de tesão e agonia. O chicote desceu mais três
vezes, em locais diferentes, nunca no mesmo ponto.
Era a primeira vez que Bataille e Leandro ficavam tão próximos. Tinha
imaginado aquela cena mil vezes e sabia que não aguentaria se aquilo se
tornasse realidade.
Bataille lambeu o suor que escorria da nuca para as clavículas de Leandro,
e os vergões que tinha provocado. Ele gostava de suor e lágrimas, de
hematomas e arranhões. Natália queria chegar mais perto só para ver melhor,
quase sentir o toque, mas se contentou com a distância porque sabia que a
concentração de Leandro se voltaria inteiramente para ela se se aproximasse.
Torceu que se beijassem e fechou as pernas sem perceber. Mordia o lábio
como uma menina nova, louca pela antecipação. Viu Bataille puxar a cabeça
de seu Leo para trás, com força e mão pesada, e remover o gag que o
mantinha calado.
Não precisava estar mais perto para saber o olhar de “você tem certeza?”
que Bataille enviou para seu sub. Apenas o jeito como Leandro respondeu o
olhar, com tesão e sinceridade, a fez gemer. Bataille aproximou os lábios,
com a mão ainda firme no cabelo, e beijou o Leo, o seu noivo, aquele
coroinha carola cheio de pudores, e foi correspondido com tanta malícia e
ímpeto, que ela teve que fechar os olhos.
Avançou a bunda pelo assento e encostou a cabeça no espaldar. Abriu as
pernas sentindo-se muito molhada e olhou para Daniel que não se atreveu a
tirar os olhos dali.
— Chupa. — Ela mandou com frieza na voz, mas cheia de tesão.
Daniel não precisou ouvir a ordem duas vezes. Sem nunca descolar os
joelhos do chão, avançou na Lady Nïn como o homem com fome que era.
Ela sentiu a língua encostar, enquanto seu noivo e seu melhor amigo se
beijavam, e sabia que não levaria mais que três minutos para gozar.
Gostou que as mãos de Daniel fossem firmes e ásperas quando encostaram
em suas coxas. Gostou do modo como a barba, feita pela manhã, roçava bem
ali. Puxou a alça do vestido para os lados, puxando os seios para fora, e não
precisou mandar que ele colocasse suas mãos pesadas neles.
— Diga “obrigado, mestre”. — A voz de Bataille, ruidosa e macia ao
mesmo tempo, atravessou suas sensações e a chamou de volta para a Terra.
Leandro tinha no rosto uma expressão confusa e envergonhada.
De castigo, Bataille tocou levemente seu cinto de castidade, que o fez
gemer parte por dor, parte não, e ajustou os clipes em seus mamilos.
— Obrigado. — Leandro finalmente respondeu, entre os dentes, descontente
porque, provavelmente, não imaginava que seu mestre o usaria para qualquer
coisa além de bater.
— Não foi assim que eu mandei. — Bataille retrucou com um sorrisinho
sábio, feito para humilhar — Precisarei te punir?
— Obrigado — Leandro repetiu com medo demais do que Bataille era
capaz de fazer —, Mestre.
— Você sabe que sua noiva está te olhando, não sabe?
Leandro apenas assentiu mudo.
— O que você acha de recebê-la toda cheia de porra no altar amanhã de
manhã?
Natália segurou a cabeça de Daniel entre as mãos quando ouviu isso,
parando a chupada no mesmo instante.
O problema não era a porra ou como se casaria. O problema era Leandro
cair na real. O conhecia o suficiente para saber que ele não teria contado com
isso quando propôs a despedida de solteira para seus amigos, mas ao
perceber, ele terminaria tudo, muito envergonhado, e aos prantos.
Para completar, Bataille, ao não ouvir a resposta, deu um tapa estalado em
seu rosto.
— Não vai responder?
— Não acho nada. — Leandro cedeu.
— E o que você acha de subir no altar todo cheio de porra?
Seria como se um gênio da lâmpada atendesse aos pedidos de Natália.
Dizer“sim”ao noivo esfarelado, cansado, todo suado, com todas as juntas do
corpo doloridas, cheio de arranhões pelo corpo. Todo cheio de porra também.
— Não acho nada. — Leandro repetiu.
— Diga.
— Não acho...
Outro tapa ardido e um toque no cinto de castidade.
— Eu vi como seu pomo de adão subiu. Vi como você curvou os dedos dos
pés. — Sedutor como nenhum outro, Bataille lambeu o rosto de seu sub uma
vez e o pescoço logo em seguida — Sempre gostei de você, coroinha, não me
faça mudar de opinião.
— Não ligo.
— Não liga. — Bataille riu baixinho, travesso, cheio de vontade de foder. —
Diga o que a sua noiva está esperando para ouvir. — Ele provocou — Quer
deixá-la esperando por quanto tempo?
Leandro, confuso e humilhado, procurou por ela pelo pátio. Percebeu sua
apreensão, o jeito como segurava o rosto de Daniel, o olhar preocupado e a
suspensão imediata do tesão.
— Eu gosto. — Ele cedeu sem olhar para ninguém.
— Gosta do quê, hein? — Bataille insistiu — Da sua noiva ou de você
cheios de porra?
— Os dois.
A resposta de Leandro ecoou pela cabeça de Natália até que a frase
perdesse o sentido.
Levou uma mordida e olhou para baixo, para Daniel ainda entre suas mãos,
que sorria lascivo e lindo, pronto para continuar a lambê-la porque Leandro
estava seguro e eles poderiam voltar a brincar também.
Relaxou a espinha e as mãos. Sorriu para o amigo de longa data, mais
calma, e se abriu novamente, sentindo a língua chegar, as mãos grandes
agarrando suas coxas.
Fechou os olhos sem conseguir se conter. Queria mantê-los abertos,
atentos, loucos para registrar seu noivo submisso de seu melhor amigo, mas a
sensação chegava forte, pungente, e Daniel chupava bem, tão bem, que
entendia os mini-sinais sem precisar perguntar.
A última coisa que viu antes da sensação correr quente por suas veias foi
Bataille desamarrando Leandro da cruz. Esticou as pernas, travando o rosto
de Daniel entre as coxas, e expandiu a coluna, os seios à mostra. Gemeu sem
conseguir sem conter, procurando por ar, inundada por endorfina e vitória,
sem saber qual dos dois a tinha feito sorrir quando terminou.
Precisou de alguns segundos para se recompor. Procurou pelo gim que já
tinha se esquecido de onde havia colocado. Olhou para o botão perdido em
seu assento e, enquanto se recuperava, quis saber o que aquele aparelho
acionava.
Bataille colocou Leandro de joelhos, sem dar tempo para se alongar, e
Natália apertou o botão exatamente quando Leandro se aprumou.
De quatro em cinco segundos. Além do cinto de castidade na frente,
carregava um vibrador atrás. Leandro olhou para trás, procurando pela noiva
e, quando a encontrou sorrindo com um gim na mão, sussurrou um palavrão
que ninguém foi capaz de ouvir.
— Chupa. — Bataille tinha a braguilha aberta, o pau lindo para fora e as
mãos na cintura. Mantinha um sorriso soberbo, maldoso, feito para provocar
e ferir. Nada naquele homem era feito de vidro e confetes.
Leandro recusou-se. Olhava o pau do amigo de frente, um órgão como o
seu, e não sabia o que fazer.
— Você não precisa chupar, você quer. — Bataille provocou.
— Não, isso não.
— Você não tá mole. — Bataille deixou de lado apenas um quinto de sua
frieza. — Tá olhando pro meu pau e tá duro.
— Não tô.
Sem paciência, Bataille o segurou pela bochecha, com as mãos muito
pesadas e duras, e o olhou bem no fundo dos olhos antes de dizer:
— Não gosto de homem inseguro. — E, retomando a posição, Bataille se
aproximou com a cintura.
Leandro olhou para Natália antes. Procurou alguma coisa nela, qualquer
coisa que o impedisse, mas só achou um olhar lascivo, faminto de desejo, e a
boca aberta pronta para ser beijada.
Ele avançou incerto do que fazer. Não sabia se era melhor segurar ou se
bastava lamber, então se aproximou com a boca, olhando a pontinha melada,
convidativa, cheia de vontade de gozar.
Colocou na boca quando desistiu de pensar, só colocou, sentindo a carne
macia do outro na língua, o gosto do pré-orgasmo no palato, o jeito quente
dele dentro da boca.
Ouviu um “puta que me pariu” de Natália, cheio de tesão pela vista, e riu
um pouquinho porque nunca a tinha ouvido xingar antes.
Pelo menos não durante uma cena.
Natália nunca aguentaria ver seu noivo com um pau na boca sem correr
para chupar junto. Procurou qualquer laço ou fita para usar de coleira em
Daniel, mas se contentou com uma ordem:
— Tire a roupa, e coma quando eu ficar de quatro.
Avançou para o noivo e se ajoelhou ao seu lado, procurando pau para
chupar sem pedir permissão. Sentiu Bataille, a saliva de Leandro e perdeu a
linha. Não sabia se chupava o amigo, se beijava Leandro, se o olhava com o
amigo na boca ou se pedia para chupar sozinha.
Puxou o noivo para um beijo, sentindo o pré-orgasmo na língua, derreteu
entre as pernas, gemeu sem perceber e se virou para Bataille com uma
pergunta, de Domme para Dom:
— Eu vou tirar o cinto de castidade dele, tudo bem?
— Eu não tenho outros planos para o cinto, Natália.
Procurando o fecho do cinto de castidade, e o livrou. O sentiu crescer
sozinho, livre e duro, cheio de tesão e igualmente melado na pontinha.
— Tá duro, puta merda. — Ela gemeu ao percebê-lo e mordeu o lábio.
— Eu... — Leandro nem sabia o que dizer.
— Te amo. — Cheia de tesão e afeto, ela o beijou com carinho e mexeu a
mão que o segurava, forçando a pele para baixo, sentindo-o empurrar na
direção contrária e ouvindo seu gemido inconfundível.
Baixou-se para chupá-lo e ficou de quatro, pronta para Daniel que chegou
de camisinha, posicionado logo atrás e, enquanto ela chupava, entrou nela
feito seda, sem pressa alguma e sem conseguir segurar o suspiro de homem
com tesão.
Sentiu a mão do amigo circundar sua cintura, procurar por seu clitóris
melado e inchado enquanto entrava e saía num ritmo lento e constante, feito
entorpecente.
Olhou para cima, procurando a boca do noivo, e quase gozou só de olhar.
Fechou os olhos com força, sem conseguir ignorar os barulhos, os gemidos, o
bater dos corpos.
Com a bunda para cima, sentiu um tapa e sabia, pela força da mão, que só
podia ser de Bataille. Segurou o orgasmo na parte de trás da cabeça, sem
vontade de terminar tão cedo, e tomou outro, mais ardido, de outra mão.
Enquanto Daniel mexia em seu clitóris e entrava com cadência lenta e
dura, sentiu a mão de Leandro brincar com o bico de seus seios enquanto um
dos dedos de Bataille entraram na sua bunda.
Parou de chupar o noivo porque não conseguia pensar. Ergueu o dorso
procurando por ele e o tomou na boca, pronta para gozar, gemendo muito,
sentido cada estocada como um degrau em direção à perdição.
Enfiou a língua para dentro da boca do noivo um segundo antes do
orgasmo lhe tomar os sentidos.
Gozou repetindo “eu te amo” como uma maluca e terminou rindo de si
mesma.
— Aguenta mais uma? — Leandro perguntou sorrindo, louco para gozar
também, de rosto quente e todo vermelho.
— Preciso beber alguma coisa. — Rindo, procurou pelo gim, longe demais
para alcançar, e deu um outro beijinho em Leandro — Consegue segurar até
que eu volte?
— Você nunca foi boazinha assim comigo antes.
— Fez por merecer. —Com um beijo casto na testa dele, se levantou do
chão, puxando Daniel consigo — Vem, Dani, eu sei que você não se diverte
com meninos.
Terminou de tirar o vestido antes de se sentar e se jogou na cadeira, com
um sorriso de orelha a orelha, puxando a taça de gim para a boca.
— Obrigada. — Ela cochichou com o amigo que não ocupou a cadeira de
Bataille, mas se sentou no chão, ainda duro, olhando uma Natália de rosto
corado e corpo salpicado de suor.
— Não tem de quê — Ele riu, recebendo a taça de Natália para dar um gole.
— Cruzes, ele é tão lindo que dói. — Confessou, perdidamente apaixonada,
olhando Leandro que ainda brincava com Bataille. — Nem no meu sonho
mais doido eu imaginaria ter alguém como ele.
Rindo, Daniel devolveu a taça para sua dona.
— Vou ter que concordar com o Batata, mulher apaixonada é um porre.
— Controle sua língua. — Ela mandou, tomando o gim na mão outra vez,
numa voz vertical e com bem poucos amigos — Te deixo sem gozar e te tiro
da brincadeira.
Daniel riu de novo, mais travesso. Olhou para sua Domme, de baixo para
cima, e a desafiou:
— O azar vai ser todo seu.
Natália parou de graça quando sentiu a vagina pulsar. Deitou Daniel no
chão com a ponta do pé, mandou que trocasse a camisinha e, quando ele
estava pronto, virou-se de costas para ele e foi descendo na altura de seus
quadris. Ela também estava limpa por dentro e pronta.
Encaixou nele só para usar da lubrificação, aquele não era seu plano. Subiu
e desceu, ouvindo-o gemer, sentindo o apertão na bunda, e depois saiu bem
quando Daniel perdia o controle do corpo.
Chamou por Leandro e Bataille, em pé com Daniel entre as pernas,
esperou que os outros dois se juntassem. Mandou que Leandro tirasse o
consolo e foi descendo, dessa vez, encaixando Daniel na bunda.
Ela fechou os olhos enquanto o sentia lá dentro e deitou sobre ele, com as
costas sobre seu peito, e abriu as pernas, se ajeitando confortável, para
receber o noivo.
Com um homem nas costas e outro na frente, ela agarrou a língua de
Leandro com fome, sentindo o tesão subir e a dominar. A mão de Daniel
voou para seu clitóris, mantendo um ritmo perfeito com as estocas do noivo.
— Ok — Bataille, que ficou de fora, deu uma risadinha e continuou — Onde
é que eu me encaixo?
— Em mim. — Leandro respondeu porque sabia que era tudo o que Natália
queria ouvir.
Ele assistiu os olhos de sua noiva se perderem de tesão, fecharem-se
enlouquecidos apenas com a ideia, o sorriso satisfeito se tornar uma
expressão apaixonada e devassa e, quando Bataille entrou, substituindo o
vibrador, os quatro engatados e procurando uma cadência, Natália abraçou o
noivo arranhando-o pelas costas e pediu:
— Me fode.
Falou para um com a certeza de que três tinham ouvido. Bataille acelerou o
ritmo em Leandro, que acelerou o ritmo em Natália, que ondulou o corpo
para acelerar o ritmo em Daniel. Sentiu a mão de Bataille sobre um dos seios,
a boca de Leandro na própria boca, a mão de Daniel no clitóris.
Derreteu sem sentir o orgasmo chegar e só se pegou em êxtase quando
ouviu o som do próprio gemido seguido de um Leandro pronto para gozar e
outros dois que também não estavam muito longe do precipício.
Esperou que uma nova onda se aproximasse. Se conhecendo, ela sabia que
o intervalo entre um orgasmo e outro aumentava conforme os orgasmos se
somavam, mas com três homens em si, tanta mão e tanto estímulo, ela sabia
que se perdia de novo, pronta para mais um, mas daquela vez, não quis ir
sozinha.
— Goza comigo. — Ela mandou.
Ordem que servia para os três.
Leandro gemeu lindo e procurou por sua boca. Bataille entrou com dois
dedos, encima do pau de Leandro, dentro de Natália, mordendo o pescoço do
noivo, e Daniel, deitado por baixo, abriu a bunda dela, sentindo-se mais lá
dentro, e forçou sua cintura para cima e para baixo, obrigando um movimento
que Natália não conseguia realizar.
Ninguém sabe qual orgasmo começou primeiro, mas o dela foi o primeiro
a terminar. De olhos bem abertos, via Bataille com os olhinhos fechados, a
boca na nuca de seu noivo, Leandro perdido de olho fechado e a expressão
mais linda do mundo e, quando se virou para Daniel, de boca entreaberta e
rosto tomado de paixão, ela sabia que seria capaz de gozar só com a vista se
não tivesse completamente satisfeita e exausta.
Leandro foi o primeiro a desabar para o lado. Caiu ao lado de Daniel, rindo
sem saber o porquê, e Natália se enfiou entre os dois, saindo de cima do
amigo para cair no chão. Bataille, que ainda tinha energia para mais, abriu as
pernas dela sem pedir permissão e passou a lambê-la, num vai-e-vem
confortável e quente.
— Lindo — Natália pediu —, posso beijar o Dani?
Ela sabia o quanto beijo era íntimo para Leandro e jamais faria qualquer
coisa sem permissão.
— Vira de ladinho. — Ele pediu, duro de novo, pronto para mais.
Enquanto ela tomava Daniel na boca, Leandro entrou pela bunda, com
Bataille ainda a lambendo e, quando a ouviu gemer de novo, soube que a
noite estava bem longe de acabar.
Capítulo Cinquenta e Três
Leandro fez tudo dentro de seu alcance: mandou uma carta para os pais
assumindo a responsabilidade pelos próprios atos, mas sem mencionar
qualquer sentimento de culpa. Deixou claro que não se arrependia das
escolhas, mas da forma como as tinha tomado.
Enviou um convite de casamento para eles com um mês de antecedência,
e horas antes do casamento enviou maquiadora e um carro para buscá-los.
Bastava que seus pais aparecessem.
Porém, descrente de que apareceriam porque nunca haviam retornado sua
ligação, nenhuma das dez que tinha feito durante a semana, ele se contentava
com os amigos para se aprontar num quarto de hotel.
Daniel tagarelava e fazia piada, tentando contornar o clima triste daquele
domingo de manhã enquanto passava o colete por baixo do terno do noivo.
Bataille porém, permanecia mudo. Ajeitava a gravata do noivo, mas não
lhe deu uma única palavra de encorajamento.
Somente quando Leandro perguntou como Natália estava, que os dois
amigos se olharam e responderam em uníssono sem combinar:
— Assada.
— Vai entrar na igreja mancando. — Daniel incluiu, rindo tanto de se
dobrar.
— Quero saber se ela tá nervosa e se não vai me abandonar sozinho no
altar!
— Ah, bom… — Daniel parou o ferro de passar no suporte e estendeu o
colete para o amigo — Isso não dá para saber.
— Vai lá ver se tá tudo bem. — Bataille pediu.
— Você vai agir como pai do noivo hoje e precisa dar um conselho, né?
— Colocou o colete sobre a cama, esticado e aberto, e limpou as mãos na
calça social — Eu vou lá ver se a Nat tá bem, então.
— Obrigado. — Bataille respondeu e esperou que Daniel saísse do quarto
para colocar o colete de volta na tábua de passar. — Escuta, Leandro…
— Daniel já passou isso aí.
— É, igual o cu dele. — E, refazendo os vincos do colete que Daniel
passou por cima sem cuidado, Bataille trocou de assunto — Você fez suas
escolhas, não fez?
— Pior que não me arrependo delas.
— É a hora dos seus pais fazerem a deles.
— Eu sei, mas…
— Não dá para forçar. — Ele interrompeu.
— É meu casamento! Pode ser besteira pra você, mas é o dia mais
importante da minha vida. Como que meus pais não querem vir, se me
criaram a vida inteira para esperar por esse momento? Só por que eu fiz
minhas escolhas, o casamento deixa de ser importante? Por que é que eles
não podem só…
— Você quer que eu os obrigue a vir?
— Não tem como forçar.
— Você sabe que sim. — Claramente falava de dinheiro — Posso
oferecer a eles uma quantia irrecusável e certamente eles virão. Se eu pagar a
mais, virão até sorrindo.
— Não é assim que eu quero.
— Sei que não, mas não posso deixar de oferecer.
— O que você faria no meu lugar?
— Já estive no seu lugar. — Estendendo um colete perfeitamente
passado, Bataille ajudou o amigo a se vestir — Quando tive a chance, paguei
para metade da minha família estar presente.
— E como foi isso?
— Fez Catherinne feliz. — Ele deu de ombros — Me fez feliz enquanto
estava bêbado, também.
— E depois? — Enquanto ouvia Bataille, Leandro ajustava as amarrações
do colete feito exclusivamente para seu corpo.
— Nunca mais falei com eles.
— Não quero isso.
— Então contente-se com o que você já tem. — Puxando a gola para
ajustar as costuras, Bataille o olhou como um pai, cheio de sabedoria e
bronca — Natália estará lá, os pais dela também e o Caio. Seus amigos estão
aqui, todos eles, um mais devasso que o outro, um menos católico que o
outro, mas todos aqui. Mari trouxe até marido e filhos — Puxou o terno do
cabide, abrindo os botões, e o ofereceu aberto para que Leandro entrasse —
Quem te quer bem está aqui e, como você disse, hoje é o dia mais importante
da sua vida.
— Minha mãe não está aqui para me levar para o altar. — Leandro
confessou, virando-se de frente e de terno vestido — Isso que me dói.
— Te levo, tá bem? — Foi a primeira e única vez que Bataille mostrou
que saíam lágrimas de seus olhos, mas elas nunca ousariam escorrer pela face
— Você não vai entrar sozinho.
— Você é um bom amigo, sabia? — Leandro sorriu, limpando os olhos,
sorrindo mesmo triste.
— Eu sei.
— Bastante cuzão e convencido, mas é um bom amigo.
— Também sei.
— Espero… — Leandro quis falar, mas não achou prudente, então parou.
— Espera o quê? — Bataille insistiu.
— Espero fazer isso por você um dia.
— Esqueça. — Recuando, Bataille procurou no estojo sobre a mesa mais
próxima um belo par de abotoaduras de ouro.
Tendo escolhido uma joia com um único rubi na ponta, discreto o
bastante para um casamento, mas brilhante o suficiente para que Natália visse
o vermelho no noivo, ele a ajeitou nas mangas da camisa de Leandro.
— Não quer se casar?
— Já me casei, sei como é, e detestei. — Bataille riu de si mesmo e
abotoou o terno de Leandro — Não tenho mais paciência para monogamia.
— Talvez. — Leandro sorriu um pouco mais feliz, pronto para fazer
piada — Mas talvez ainda falte a pessoa certa.
— É, coroinha, talvez. —Sem paciência para esse assunto, Bataille coçou
a cabeça e se afastou, procurando o próprio terno.
— VAMO’ PARÁ DE NAMORICO? — Daniel apareceu no quarto, só
com a cabeça para dentro do cômodo, e reclamou — Quem atrasa é a noiva,
caraio’, não o noivo! Anda, porra, engole o choro e vamo’, que se tu deixar a
Nat esperando, eu mato você!
— Se vocês brigarem, sabemos claramente de que lado o Daniel vai ficar.
— Bataille riu, enfiando um lenço branco no bolso do terno de Leandro, e
abriu a porta para deixá-lo sair.
— Vai descendo, Leo, que Batata e eu já vamos. — Daniel pediu e foi se
enfiando para dentro do quarto.
— Como assim?
— Vai, porra, toca teu cu daqui!
Inacreditavelmente sozinho. Desceu de elevador até o saguão onde a
assessora do casamento conversava por rádio com sua equipe e segurava uma
prancheta cheia de checklist.
A mulher o viu pronto e, como uma mãe, ajeitou uma mecha de seu
cabelo para trás. Empurrou-o pelos ombros até o lado de fora do hotel,
colocando-o dentro do carro que o levaria para a igreja, e fechou a porta antes
que Leandro pudesse avisá-la de que seus dois amigos ainda não estavam
prontos.
Suspirou descontente quando o carro arrancou e o levou para a igreja,
cinco quadras dali, inteira decorada para o seu grande dia.
A assistente da assessora já estava ali e esperando por ele, também de
prancheta e rádio. Ajeitou o lenço em seu bolso, avisando para o fotógrafo
que o noivo já estava na igreja, e o empurrou escadas acima, para a entrada.
— Espere um minuto aí, Seu Leandro, que já localizo onde estão seus
acompanhantes.
— Eu sei onde eles estão — reclamou descontente — a sua chefe não
quis esperar por eles lá no hotel e me despachou sozinho para cá.
A assistente, inteira vestida de preto num vestido de festa confortável, o
olhou sem entender uma palavra. Para não contrariar, pois sabia como os
noivos são quando estão tão perto do “sim”, ela sorriu delicadamente e saiu.
De onde Leandro estava, ele via os convidados, o altar, e a decoração.
Flores brancas e fitas como ele sempre quis. O carpete vermelho se estendia
até o altar, decorado com flores, velas e tecidos.
Sabendo que o casamento seria às dez, ele puxou o celular do bolso da
calça e viu que faltavam só quinze minutos. Natália disse que não se atrasaria
para não deixá-lo nervoso, mas ele sabia que, se dependesse de Caio e dos
futuros sogros, a mulher só sairia do quarto de hotel às onze.
Puxou o lenço para se limpar do suor e tentou ajeitá-lo no bolso outra
vez. Não sabia se devia dobrá-lo ou só enfiá-lo de qualquer jeito desde que
ficasse uma pontinha charmosa para fora. Ele não era homem de terno de três
peças, geralmente camisa e calça lhe serviam como aparato formal suficiente.
— Deixa eu te ajudar com isso.
Nervoso, entristecido e brigando com um pedaço de pano, ele ergueu os
olhos do problema e quase caiu de joelhos. Dona Tânia estava ali, maquiada,
de vestido de festa, com os olhos tão vermelhos de pranto que, ao ver o filho
vestido de noivo, esticou um sorriso imenso entre as lágrimas.
Ele nem sabia o que falar. Balbuciou algumas palavras tentando formar
frase, mas desistiu delas e só atacou a mãe com braços de amor, chorando
feito um menino, sentindo seu calor materno, o cheiro inconfundível de sua
mãe, mesmo entupida de perfume e cremes, e beijou seu rosto mil vezes sem
querer largá-la.
— Cadê o pai? — Ele tentou falar entre o pranto.
— Tá tentando estacionar o carro.
O pai também estava ali, ele pensou relaxando os ombros, sentindo a
alegria por se casar finalmente chegar por completo.
— O seu caminho não é o meu caminho. — Dona Tânia ajeitou a gola
amassada de seu menino, empurrando a mecha teimosa para longe de sua
testa, oferecendo um sorriso lindo, sábio e intrinsecamente materno. — Deus
sabe as linhas que escreve para nós, Leo, não tenho o direito de interferir.
— Mãe… — Ele chorou.
— Li sua carta, menino. — Limpando as lágrimas dos olhos do filho, ela
parou de falar quando ele também limpou as duas — Me perdoe por ter
interferido tanto na sua escolha.
— Não tem do que se desculpar. — Falou — Você fez o que as mães
fazem. Sei que, no fundo, a senhora só queria me proteger.
— Mas não era meu direito. — E, dando o braço para ele, colocando-se
em posição para levar o filho ao altar, deu um beijo em seu rosto e continuou
— Se ela te faz tão feliz assim, Lê…
— Faz, mãe. Eu sou um homem melhor por causa dela.
— Isso é o que eu quero pra ti, amor.
— Deixa eu dar um abraço nesse moleque teimoso. — Esbaforido, o pai
pulou degraus para alcançar esposa e filho, e puxou o garoto num abraço
forte, cheio de lágrimas, e sorridente — Perdão, filho. Perdão por tudo o que
sua mãe e eu dissemos, perdão pelo jeito como nós…
— Deixa isso pra lá, pai. — Leandro chorou, sentindo as mãos da mãe
pelas costas num afago. — Importa é que o senhor tá aqui e…
— Não, filho, preciso dizer. — Afastando-se apenas o suficiente para
olhá-lo, o pai o segurou pela nuca, olho no olho, os dois chorando muito, e
lhe beijou a face — Sua mãe e eu sempre quisemos o melhor para ti, mas não
tínhamos o direito de forçar o nosso melhor sobre o seu caminho.
— Nós conversamos muito sobre isso, sabia? — A mãe riu.
— Tô vendo. — Leandro respondeu.
— A sua carta nos fez pensar muito. — O pai continuou — E que bom
que você é teimoso o bastante para desobedecer.
— Se você tá feliz, filho, nós estamos felizes em dobro.
— Vou entrar no altar todo cagado. — Ele riu, limpando inutilmente as
lágrimas, puxando o lenço do bolso outra vez.
— As melhores memórias de casamento são justamente quando o noivo
não se aguenta de tanto chorar. — O pai aconselhou, tomando o lenço da mão
de seu menino para dar um jeito em seu semblante — É aí que a plateia sabe
que ele a ama de verdade.
— E amo, pai. Só Deus sabe o quanto.
— Então pronto, garoto, não se envergonhe por chorar. — Respondeu o
patriarca, todo melado de lágrima também. — Agora vamos casar você e
finalmente conhecer essa sortuda, tá bem?
— Certo. — Respirando fundo, enfiou o lenço no bolso de qualquer jeito,
deu o braço para a mãe e também para o pai — Vocês dois podem me levar
para o altar ou isso desrespeita as regras da igreja?
— E você se importa com isso? — O pai riu.
Mais relaxado, feliz como em nenhum outro dia, Leandro deu o braço
para o pai e acenou para a assessora que os esperava na porta da igreja.
Para o noivo não tem música e, mesmo se tivesse, ninguém teria ouvido.
A igreja era longa, toda enfeitada, e os convidados não passavam de trinta.
Todos se levantaram para recebê-lo e ele caminhou, acompanhado dos únicos
possíveis, até o altar.
Bataille e Lígia de padrinhos para Natália, Daniel e Flávia de padrinhos
para Leandro. No altar, outra preocupação o tomava, olhando o relógio de
minuto em minuto, esperando que Natália chegasse a qualquer momento,
muito mais nervoso e suado que qualquer tortura que ela já lhe havia aplicado
até então.
Quando a música começou, Leandro sentiu a pressão cair e quase não
conseguia enxergar, do tanto que chorava.
Fani entrou primeiro jogando flores no chão, chorando também, e só
então Natália entrou pelo carpete vermelho segurando na mão um buquê de
rosas Hybrid Tea que ela mesma havia plantado quando que se conheceram.
Como ele, ela também quis que os pais a acompanhassem. Nem só o pai,
nem só a mãe, mas ambos. Penteada e maquiada como uma noiva tradicional,
ela segurava o choro melhor que ele, mas não a emoção. Finalmente ela tinha
alguém que a amava com respeito e admiração, e não mais com vergonha e
prejuízo.
Alguém que a amava o bastante para se revoltar contra a instituição,
contra os pais, e se esforçar para fazer dar certo. Alguém que tinha orgulho
dela. Orgulho o suficiente para combater os próprios preconceitos.
De fato, enquanto ela caminhava até o altar, ninguém segurava o choro.
Seu vestido de cauda longa arrastava as flores do caminho e ela só tinha
olhos para um único homem, retumbante de lindo e sorridente como um
garoto.
O padre chegou logo em seguida, em tempo de ver a noiva receber a
bênção dos pais, a bênção dos sogros, e mandou que todos se sentassem.
De frente para Deus e os homens, Natália e Leandro finalmente disseram
sim. Caio quem trouxe as aliança e todo o resto ficou para a história.
Epílogo
Você conhece a história, não é?
Ele nunca esteve lá antes, então a recepcionista da chapelaria lhe deu as boas-vindas e pediu sua
carteira e seu celular.
Disse ainda que, como era sua primeira vez, ela precisaria fazer uma ficha de cadastro.
Com a camisa do trabalho desabotoada nas mangas e a gola que invariavelmente pendia para o lado
esquerdo de seu corpo, olhou para a recepcionista ouvindo as regras da casa, os avisos de conteúdos
filmados, mas mesmo assim ainda não se sentia certo de que era aquilo o que queria fazer.
— Você pode entrar e só tomar uma cerveja, sabe? — A recepcionista o tranquilizou com um
sorriso amigável.
Precisando muito relaxar e sentindo o peso dos dias sem dormir, decidiu por ficar. Esvaziou o
conteúdo de seus bolsos sabendo que não tinha nada mais a perder, e colocou tudo sobre o balcão.
— Você vai ver, é legal. Ninguém faz nada contra a vontade de ninguém. — Amistosamente, a
recepcionista guardou todos seus pertences numa porta, justo a número dezessete — Vou fazer sua
comanda de consumo agora, tá? Qual seu nome?
Ele poderia sair dali. Poderia pedir a carteira de volta e encontrar um bar mais inofensivo. Foi o
ímpeto e a raiva que o levaram até lá, mas sabia que se arrependeria depois. Cerveja gelada tinha em
qualquer lugar da cidade.
De toda forma, estava feito. Olhando para as próprias mãos, para o anelar sem aliança, ele sentiu
um embrulho no estômago e o peso dos ombros.
Estava tudo acabado. Ele não devia mais fidelidade a ninguém.
— Senhor? — A recepcionista o chamou outra vez — Seu nome, por favor?
— Felipe — Ele respondeu, se dando por vencido, desanimado e triste — Felipe Ferreira.
Sobre a Série:
Livro 3 – Bataille;
Livro 4 – Daniel.
Gostou do Daniel?
www.tinyletter.com/saliencias
Agradecimentos
Além dela, tem gente que, se não fosse pelo carinho, eu nem estaria mais
aqui. Primeiro, ao excelentíssimo marido, Wagner Barongello, meu saquinho
de estresse diário, que foi o primeiro a acreditar em mim e, por muitas vezes,
me bancar, para que eu seguisse esse sonho de escrever.
Obrigada Debora Menezes, Taisa Maia, Gabi Ferreira e Poli Cunha, que são
tipo… o meu clã. Tudo chega nelas primeiro. Eu sei que sou cuzona, mas,
mesmo assim, obrigada por não desistirem de mim.
E, antes que eu me despeça, obrigada a você. Espero que minhas
meninas más te dêem inspiração para ser má também!
Com amor,
Camila Marciano.
@camilamarciano
Books By This Author
Para Sempre Três
Manuela Ferreira sempre foi esquisitinha. Em casa, a única menina. Na
escola, a única que se importava com super-robôs e filmes de ficção-
científica. Encontrou amizade em dois amigos: o menino que não fala com
ninguém, e o moleque mais lindo da escola.
Pior que isso: Será ela capaz de enfrentar o preconceito e o tabu para viver
este amor sem limites?
Atenção: Este Livro é um Spin-Off da Saga dos Ferreira, feito para ser lido
SEPARADO do restante da série.
Atenção: Possui situações delicadas para corações mais sensíveis.
Eu nunca soube.
Isso aqui não é uma história de dois adolescentes que se batem mas no fundo
se amam. Eu sou um pai de dois filhos, sou casado.
Esta aqui é sobre reconquistar a mesma mulher que você já meteu uma
aliança no dedo, mas deixou escapá-la por entre eles. Ela se foi e você nem
viu. Esta vai para todos os cabaços que como eu, esqueceram-se que o amor
não é um posto, é exercício. É um jogo de tentativa e erro com algumas
regras pré-estabelecidas.
Para pegar o papel que mudará sua vida, ela precisa decidir o que quer: Se
Dolores quiser o papel, não pode ter o galã. Se quiser o galã, não pode ter o
papel. E, se for pega violando os termos do contrato, perde tudo. Mas, se ela
fizer tudo escondido… Dá para ter sorte no amor e no jogo, um só não pode
saber do outro!
Escondido é mais gostoso é um livro leve, divertido, e para sair dele com um
quentinho no coração.
Alerta: Possui algumas cenas picantes e aborda assuntos como álcool e vício.