Você está na página 1de 170

Um encontro do Destino

Luna Soares
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS
Copyright© Luna Soares

A violação de Direitos Autorais é crime, previsto na lei


9610/98 e conforme estabelecido no Art. 184 do Código
Penal Brasileiro. É proibida a reprodução total ou parcial
dessa obra, por qualquer meio, sem a prévia autorização
da autora.
CAPA: ONE MINUTE DESIGN
REVISÃO: INDEPENDENTE
DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA
ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y ASSESSORIA
LITERÁRIA

Siga @y3yassessorialiteraria no Instagram!


Sumário
Sinopse
Playlist
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Epílogo
Agradecimentos
Conheça outro trabalho da autora:
Sinopse

Uma viagem longa de ônibus não era algo que


estivesse nos meus planos. Mas surgiu um compromisso
muito importante em outra cidade distante. Eu poderia ir de
avião, mas simplesmente me recusava a entrar em um.
Sim, era um CEO bem-sucedido, com grana suficiente
para ter o meu próprio jatinho, mas tinha medo de entrar
em um avião. Ir de carro seria uma opção, mas era uma
viagem longa e cansativa e, de última hora, não consegui
um motorista disposto a aceitar o trabalho bem nessa
época do ano.
Eu não me importava que esse compromisso fosse no
dia 26 de dezembro e essa viagem significasse que eu
passaria o Natal sozinho. Esse já era o meu padrão. Desde
garoto, sempre fui um solitário durante todos os dias do
ano, uma data no calendário não tornava as coisas
diferentes.
Contudo, tal viagem trouxe algumas surpresas. Umas
ruins, como um imprevisto na estrada que acabou
atrasando tudo ainda mais. Outras, muito melhores do que
eu poderia imaginar, como a jovem Laura e seu bebê
Daniel, que foram minhas companhias no assento ao lado.
Talvez aquele Natal fosse diferente de tudo o que eu já
tinha vivido até então.
Playlist

It's Beginning To Look a Lot Like Christmas - Michael


Bublé
I'll Be Home - Meghan Trainor
Driving Home For Christmas - Chris Rea
Make It to Christmas - Alessia Cara
Santa Tell Me - Ariana Grande
Merry Christmas, Happy Holidays - *NSYNC
Santa's Coming For Us - Sia
You Make It Feel Like Christmas - Gwen Stefani Feat.
Blake Shelton
Shake Up Christmas - Train
The Christmas Song - Justin Bieber Feat. Usher
My Only Wish - Britney Spears
Christmas Time Is In The Air Again - Mariah Carey
I Need You, Christmas - Jonas Brothers
What Christmas Means To Me - Stevie Wonder
Merry Christmas Everyone - Shakin' Stevens
Naughty List - Liam Payne Feat. Dixie D'Amelio
Cozy Little Christmas - Katy Perry
Wrapped In Red - Kelly Clarkson
Happy Xmas - Céline Dion
Merry Xmas Everybody - Slade
Para todos aqueles que acreditam na magia do Natal
Capítulo 1

“Está começando a parecer Natal


Logo os sinos começarão a tocar
E o que os faz tocar é o seu canto de Natal
Bem de dentro do seu coração”
(It's Beginning To Look a Lot Like Christmas - Michael Bublé)

Voltar para casa depois de um turno exaustivo de


trabalho, naquele dia, tinha um gosto duplo de satisfação e
raiva. O trabalho no único hospital da cidade era
desgastante, e eu, como médica do local há menos de um
ano, não tinha muito poder de decisão. Não existia uma
regra clara com relação a isso, mas a antiguidade era meio
que um posto naquele local, e eu, como a doutora novata,
era a última a ter minha opinião levada em consideração.
E tinha sido assim que eu havia sido escalada para o
plantão da noite de Natal.
O Natal sempre foi uma data importante para a minha
família – que morava a mais de mil quilômetros de
distância. E seria o primeiro do meu filho Daniel, então era
óbvio que era a pior noite do ano para eu ficar enfurnada
dentro de um hospital. Porém, acabei aceitando a ideia e
por isso é que foi meio conflitante, no final do dia 20 de
dezembro, ouvir de outro médico – o que faria o plantão do
Ano Novo – que ele queria trocar comigo as escalas.
Primeiro, eu quis matá-lo. Ele poderia ter me dito aquilo
antes, em tempo útil suficiente para que eu pudesse me
programar para viajar e passar o Natal com minha família.
Depois, isso me trouxe algum alívio porque, ao menos, eu
poderia passar aquela noite com o meu filho, sem precisar
deixá-lo na casa da babá.
Sim, porque tinha sido essa a condição imposta pela
Flávia, a moça que cuidava do meu filho. Para ficar com ele
na noite de Natal, eu teria que deixar que ele dormisse na
casa dela, porque... bem, porque ela não abria mão,
também, de seu Natal em família. E estava muito certa, no
fim das contas.
Quando entrei em casa, Flávia estava sentada sobre o
tapete da sala, brincando com o meu bebê. Daniel estava
prestes a completar um ano e, na minha opinião nada
suspeita de mãe, era a coisinha mais gostosa do mundo.
Especialmente quando sorria, como fez logo que me viu,
estendendo os bracinhos em minha direção.
— Oi, meu amor! A mamãe chegou! — falei, com
aquela voz levemente aguda que a gente usa para falar
com crianças pequenas. Fui até ele, pegando-o nos meus
braços. — Você se comportou direitinho? Não deu trabalho
para a tia Flávia, não é?
— Ele nunca dá trabalho — ela respondeu, levantando-
se. — Já cuidei de muitas crianças, mas acho que
nenhuma tão tranquila quanto o Dani.
Meu peito explodia de orgulho com aquele elogio,
embora eu soubesse que aquilo não era um mérito meu.
Daniel sempre foi muito calmo, desde que nasceu. Já era
dele isso. Minha mãe dizia que eu também era assim
quando bebê, ao contrário da minha irmã mais velha, que
sempre foi super agitada. E era até hoje, diga-se de
passagem.
Informei à Flávia que não precisaria mais de seu serviço
no Natal e, como agora só voltaria para o trabalho para a
escala de Ano Novo, desejei-lhe um feliz Natal e fiz o seu
pagamento referente ao último mês, além de um bônus
porque, afinal, ela merecia.
Quando ela foi embora, sentei-me no sofá com o meu
filho e decidi, como fazia com frequência, realizar uma
chamada em vídeo para o celular da minha irmã. Como ela
e minha sobrinha de doze anos moravam com os meus
pais, aproveitava para deixá-los ver e babar um pouco no
caçulinha da família.
Minha irmã Isabela atendeu e percebi que estava
sozinha em seu quarto. Ainda não eram nem dez da noite.
— Não está meio tarde para esse bebê ainda estar
acordado? — ela foi logo perguntando, ao mesmo tempo
em que mandava beijos para o Daniel.
— Acabei de chegar do hospital. Resolvi ligar para
vocês antes de colocá-lo para dormir. Mas... não está meio
cedo para vocês já estarem na cama?
— Hoje foi o dia de decorar a casa para o Natal. Papai
esse ano se empolgou ainda mais nas luzes.
Provavelmente deve dar para ver nossa casa a quilômetros
de distância. Se você subir no seu telhado, provavelmente
conseguirá ver daí também.
Eu ri, desejando que aquilo fosse verdade. Eu amava o
meu trabalho e não me arrependia de ter ido para tão longe
para preencher aquela vaga em um hospital de cidade do
interior. Mas, ao mesmo tempo, sentia tanta saudade de
casa e da minha família.
Novamente, veio a raiva pelo meu colega ter decidido
aquela mudança tão em cima da hora, de forma com que
eu não teria como programar uma viagem.
Decidi contar isso à minha irmã.
— Você acredita que hoje, vinte de dezembro, aquele
babaca do doutor Rogério decidiu trocar a escala comigo?
Os olhos dela brilharam em empolgação.
— Não vai mais trabalhar no Natal?
— Não. Fiquei com o plantão do Ano Novo.
— Meu Deus, que notícia maravilhosa, Laura. Então
você terá como vir para cá no Natal?
Quem dera fosse simples assim.
— Logo que fiz a troca, olhei na internet para ver se
conseguiria comprar as passagens. Sem condições, os
voos estão todos lotados. Eu deveria ter comprado no
mínimo há uns quinze dias, agora é impossível.
— Que droga, mana. Já pensou na possibilidade de vir
dirigindo?
— São mais de vinte horas de estrada, Isa. Bem mais
do que isso porque eu precisaria parar para passar a noite
em algum lugar. Imagina, eu dirigindo e cuidando sozinha
do Dani? Sem condições de fazer algo assim.
Mas ela não se deu por vencida. Isabela nunca desistia
quando colocava uma ideia na cabeça.
— E passagens de ônibus, chegou a dar uma olhada?
— De ônibus, com as paradas, deve dar no mínimo
vinte e quatro horas de viagem. Nem daria tempo.
— Como não, sua louca? Hoje ainda é dia vinte! Se
você sair amanhã, dia vinte e um, no dia vinte e dois estará
chegando aqui. Bem a tempo para o Natal. Sei que é meio
cansativo, mas você não precisaria dirigir, e o Dani é tão
calminho... Vai, mana, pensa na ideia. Mamãe já chorou
duas vezes essa semana lamentando porque queria muito
passar o primeiro Natal com o netinho.
Suspirei, vencida. Ela sabia bem o tipo de argumento
que me faria de fato cogitar a ideia de passar tanto tempo
em um ônibus junto a um bebê.
— Vou pensar no caso, Isa. Mas ainda acho que é uma
loucura.
— Vou fazer aquela torta alemã que você ama.
— Certo, com esse argumento, prometo que pensarei
com bastante carinho. Que saudade que estou da sua
torta, meu Deus.
— Vou pensar no caso. Talvez eu apenas compre uma
no mercado, da Carpe Diem.
Fiz uma careta, visivelmente reclamando da preguiça
que ela demonstrava. Longe de ser uma crítica à marca a
qual ela se referia, que produzia pães, bolos, doces e
alimentos refrigerados, como era o caso daquela famosa
torta. Eram uma delícia, para falar a verdade. Mas, se eu
fosse mesmo para casa, era óbvio que iria querer algo bem
mais familiar.
— Uma torta industrializada eu posso comprar por aqui.
Quero uma feita pela minha irmã.
— Certo, eu prometo fazer, se você prometer que virá.
— Já disse que vou pensar com muito carinho na ideia.
— Faça isso. Agora é melhor colocar esse rapazinho
para dormir, ele está bocejando, tadinho.
Olhei para Daniel e vi que ele, de fato, abria a boca
nesse momento, com seus olhinhos já fechando de sono.
Despedi-me da minha irmã e pedi que mandasse um
beijo meu para a minha sobrinha e meus pais, e então levei
o meu pequenino para o quarto. Ele logo pegou no sono e
depositei um beijinho em sua testa, colocando-o no berço.
O plantão do hospital tinha sido exaustivo, por isso eu
também merecia um bom descanso. Mas antes disso, no
entanto, abri o meu notebook, indo pesquisar sobre
passagens de ônibus. Porém, imaginava ser uma grande
perda de tempo. Era fim de ano, aquela época em que todo
mundo costumava viajar.
Minha família morava em outro estado e também em
uma cidade pequena, portanto não existia dali voos e nem
mesmo ônibus direto para lá. Mas eu poderia comprar a
passagem para a cidade grande mais próxima, e de lá
seria apenas meia hora até em casa, minha irmã
certamente iria me buscar na rodoviária.
Isso, é claro, se houvesse passagem disponível.
Apenas uma empresa fazia o trajeto e, meio
desanimada, fiz a pesquisa no site para ver se havia algum
lugar vago em algum dos ônibus que saíam no dia 21.
Todos estavam lotados.
Todos, com exceção de um. Ele sairia às seis da tarde
do dia 21 e chegaria ao destino às sete da noite do dia 22.
Com ele, eu chegaria a tempo para o Natal.
E nele havia uma poltrona vaga. Uma única poltrona.
Quais as chances disso?
Apressei-me em realizar a compra. Não me preocupei
com a volta, porque como só voltaria ao trabalho no dia 31,
talvez eu ainda conseguisse uma vaga em algum voo.
Seria bem menos cansativo.
Finalizando a compra, sorri, olhando para o
comprovante exibido na tela do computador.
Agora, eu já mal pensava no desgaste daquilo. Tudo o
que importava é que em alguns dias eu estaria passando o
Natal com a minha família.

-----**-----
Capítulo 2

"Eu vou encontrar o meu caminho de volta para casa


E iluminar cada árvore
Vamos pendurar nossas meias
uma para você e uma para mim
Pois Papai Noel ligou para ter certeza que estou preparada
Ele disse "Faça suas malas
e diga a ele que você vai se atrasar"
(I'll Be Home - Meghan Trainor)

Eu ia para a casa onde morei durante vinte e cinco anos


da minha vida, por isso não me preocupei em levar tanta
coisa assim. Sabia que tinha deixado várias roupas minhas
no guarda-roupa do meu antigo quarto e, ainda que
precisasse de qualquer coisa, Isa tinha um corpo bem
parecido com o meu, além de calçar o mesmo, então ela
poderia me emprestar o que eu precisasse.
Como nos velhos tempos...
Chegaria no final do dia vinte e dois, então poderia
aproveitar o dia vinte e três para dar uma passada pelo
comércio local e comprar presentes para todos. Não tive
tempo para isso, e também não seria muito inteligente levar
no ônibus, porque isso aumentaria demais o volume de
bagagem.
Porém, para equilibrar as coisas, eu tinha um filho de
onze meses, então, além de ter que levar o carrinho de
bebê, roupas e alguns brinquedos, também preparei uma
mala de mão bem pesada e devidamente equipada com
fraldas, lenços umedecidos, toalha, uma roupa mais
quentinha para o caso de fazer frio dentro do ônibus, além
de vários potinhos com papinhas, frutas, mamadeiras e o
que mais ele pudesse precisar.
Seriam vinte e cinco horas de estrada. Era uma
verdadeira insanidade encarar isso com um bebê tão
pequeno. Mas eu sabia que valeria a pena.
Quando liguei para meus pais pela manhã para informar
que estaríamos indo para lá, minha mãe chorou tanto, que
me deu ainda mais certeza de estar fazendo a coisa certa.
Meu pai não chorou, mas foi engraçado vê-lo pela
chamada de vídeo, no auge de seus sessenta e cinco
anos, dando pulinhos de felicidade pela casa.
Giovana, minha sobrinha, também ficou completamente
eufórica. Estava louca para conhecer o seu priminho. Meus
pais tinham vindo visitá-lo logo que ele nasceu, mas
Isabela e Giovana não puderam, por conta do trabalho e da
escola, respectivamente. Já fazia tanto tempo que eu não
as via pessoalmente, que meu peito chegava a doer de
saudades.
Cheguei à pequena rodoviária com uma hora de
antecedência e aguardei até que o ônibus encostasse para
colocar a mala mais pesada e o carrinho de bebê no
bagageiro e embarcar. Os assentos eram reclináveis no
modelo leito, o que era muito bom, pois tornaria a viagem
um pouco menos desconfortável.
Fui até a poltrona de número cinco, que eu havia
comprado, e a pessoa que iria na seis ainda não tinha
chegado, o que achei bom, já que dessa forma pude me
acomodar melhor, deixando Daniel na poltrona ao lado
enquanto organizava as mamadeiras no porta-copos e
plugava o cabo do carregador na tomada. Um tablet com
desenhos animados seria a minha salvação durante tantas
horas na estrada, e eu esperava que Dani se distraísse
com isso.
Depois de tudo pronto. Sentei-me, mas a poltrona ao
lado seguiu vazia quando a viagem começou, então deixei
minha bolsa lá mesmo. Não era de se estranhar, já que o
ônibus faria inúmeras paradas pelo trajeto, e em várias
delas entrariam novos passageiros. Mesmo assim, eu
torcia para que aquele fosse o caso de uma desistência. Eu
teria comprado duas poltronas caso tivesse essa opção
disponível, para poder ter mais conforto junto ao meu bebê.
Tinha dormido super pouco na noite anterior, ansiosa
com a viagem, e o dia tinha sido corrido organizando tudo,
então, logo que o ônibus iniciou seu trajeto, eu aproveitei
que Daniel havia adormecido para também fechar um
pouco os olhos e assim acabei, também, pegando no sono.
Acordei pouco mais de uma hora depois com uma voz
masculina a me chamar:
— Com licença? ...Senhora, poderia por favor me
dar licença?
Abri os olhos e a imagem que encontrei foi um tanto
peculiar.
Aquele homem engravatado e bem alinhado, que
mais parecia ter saído de um encarte de ternos da Armani,
definitivamente não fazia o perfil que eu imaginava
encontrar em um ônibus de viagem. Parecia ser mais do
tipo que alugaria um voo particular ou teria seu próprio
jatinho ou helicóptero para ir aonde quer que quisesse.
E, só para constar: quando falei que ele parecia ter
saído de um encarte da Armani, não era apenas pelo terno
que usava, mas também porque era tão bonito que poderia
facilmente ser modelo.
Embora a expressão em seu rosto estivesse meio
emburrada.
— Pois não? — sussurrei, ainda meio em choque
com a imagem.
— Essa é a minha poltrona. — Ele apontou para o
assento ao lado do meu, e só então eu reparei que a bolsa
com as coisas de Daniel estava sobre ela.
— Ah... claro, desculpe... — Apressei-me em me
ajeitar na poltrona e pegar a bolsa, colocando-a no chão
logo abaixo do apoio para os pés.
Enquanto ele se sentava, dei mais uma rápida
olhada. Já era noite, mas o ônibus seguia parado em uma
rodoviária onde o bonitão havia embarcado, de forma que
as luzes que entravam pela janela me permitiam vê-lo
melhor. Ele tinha o cabelo curto e claro – parecia loiro ou
castanho-claro, não tinha como determinar com exatidão –,
os olhos castanhos e uma barba curta que era um charme.
Ele de fato parecia um sujeito bem endinheirado, por
isso pensei que talvez não estivesse muito acostumado
àquela situação. No entanto, ele logo se acomodou em sua
poltrona. Fez isso bem mais rápido do que eu, aliás.
Surpreendentemente rápido para um homem tão alto.
Bem, mas eu estava com um bebê e ele não, então
não havia muito como fazer tal comparação.
Por falar em bebê, Daniel se remexeu no meu colo,
despertando. Vendo-se em um local diferente, ele começou
a choramingar. Eu já imaginava que isso em algum
momento iria acontecer.
Ajustei a cadeira para a posição sentada e tentei de
tudo. Ofereci o peito e ele não quis. Dei água, ele bebeu
apenas um pouco e continuou a reclamar. Tentei dar um
pouco de papinha de frutas que ele adorava, mas ele não
parecia estar com fome, apenas incomodado com aquela
mudança brusca de ambiente. Logo os choramingos se
tornaram um choro mais alto e eu segui tentando acalmá-
lo, conversando com ele baixinho enquanto o balançava no
meu colo.
Foi então que ouvi o som de alguém bufando. Olhei
para o lado e deparei-me com o engravatado com seus
olhos fixos em um celular, com uma expressão claramente
indignada no rosto.
— Era só o que me faltava... — resmunguei.
Tantas opções de pessoas no mundo para irem ao
meu lado em uma viagem de vinte e cinco horas, e o
escolhido do destino era exatamente um babaca
almofadinha insensível que se irritava com o choro de um
bebê.
Eu já estava quase arrependida da ideia daquela
viagem.
Quase... Porque quando meu celular vibrou em uma
mensagem e eu abri a foto enviada pela minha irmã, meu
coração se aqueceu e eu tive certeza de estar fazendo a
coisa certa. Nela, papai exibia, orgulhoso, sua roupa de
Papai Noel, que já estava aposentada há alguns anos,
desde que minha sobrinha Giovana cresceu o suficiente
para não acreditar mais naquela fantasia. Agora, ele
parecia empolgado porque teria o Daniel para apresentar a
magia do Natal.
Até mesmo sorri olhando para a foto, mas o meu
sorriso se desfez quando o engravatado ao meu lado
voltou a bufar.
— Viagens de avião costumam ser bem mais
rápidas... — comentei em voz alta, como uma indireta para
o sujeito.
Ele percebeu, pois desviou os olhos do celular e me
olhou.
— O que disse?
— Que viagens de avião são bem mais rápidas.
— Prefiro ônibus — ele respondeu, com um ar confuso,
como se não tivesse entendido o meu comentário.
Ainda me dava uma resposta cretina. Ele
definitivamente não fazia o perfil de ser uma pessoa a
quem a diferença do preço da passagem de avião para a
de ônibus tivesse alguma relevância. O Iphone de última
geração em sua mão me dava uma dica ainda mais forte
com relação a isso.
Bem, talvez fosse o caso de ele precisar fazer apenas
um trecho curto da viagem. O ônibus tinha inúmeras
paradas até seu destino final, e muita gente ficava pelo
caminho.
Testei, então, perguntar:
— Vai descer em qual das paradas?
— Na final mesmo. — Ele voltou a se concentrar no
celular. Ou ele estava vendo ali algo realmente muito
relevante, ou apenas quis deixar claro para mim que não
estava a fim de conversa.
E seria ele a minha nada agradável companhia por uma
noite e um dia inteiros de viagem.
Dani voltou a chorar e eu peguei seu tablet, na intenção
de colocar um desenho para tentar distraí-lo. Enquanto eu
escolhia o que ele iria assistir, o cara ao meu lado voltou a
bufar, e precisei morder a língua para não o mandar ir para
o inferno. Ou para qualquer lugar bem distante onde não
existissem bebês.
Como alguém poderia ser tão insensível?
Quando escolhi o desenho para o Daniel assistir, não fiz
qualquer questão de regular o volume. Lógico, estava baixo
o suficiente para que não incomodasse as pessoas nas
outras poltronas, mas meu vizinho de assento seria
obrigado a seguir ouvindo musiquinhas felizes até que meu
bebê pegasse no sono.
Quem sabe aquilo não ajudasse a melhorar um pouco o
humor dele também?
Embora eu duvidasse muito que aquilo fosse acontecer,
já que o insuportável voltou a bufar, sem no entanto desviar
os olhos do celular.
Eu só pedia a Deus para me dar paciência.
Aquela realmente seria uma longa viagem.

-----**-----
Capítulo 3

“Mal posso esperar para ver aqueles rostos


Estou na estrada a caminho de casa para o Natal
Estou indo estrada abaixo
Já faz tanto tempo, mas eu estarei lá
Para cantar essa música”
(Driving Home For Christmas - Chris Rea)

Horas depois, quando Daniel enfim se acalmou e pegou


no sono, eu achei que era o momento de eu fazer o
mesmo. Voltei a reclinar o assento, colocando-o na posição
de leito e passei algum tempo trocando mensagens com
minha irmã, até que o sono bateu e eu me despedi dela,
ajeitando-me para tentar dormir.
Quando eu estava prestes a mergulhar no sono
profundo, fui acordada por uma movimentação brusca no
assento ao meu lado.
Levantei o rosto para tentar ver o que estava
acontecendo. O cara que ia ao meu lado era bem alto, o
que fazia com que a poltrona, mesmo sendo um modelo
leito relativamente confortável, para ele fosse pequena
demais. Ele tinha se virado e se remexia, tentando
encontrar uma posição. Quando enfim pareceu encontrar e
parou de se mexer, eu voltei a me deitar, abraçando-me ao
meu filho, e fechei os olhos. Estava com tanto sono, que
sentia que não demoraria muito até conseguir adormecer.
Mas me enganei, porque novamente uma
movimentação brusca me despertou. O sujeito voltava a se
remexer, nitidamente incomodado.
Mas que inferno!
Continuei deitada dessa vez, aguardando até que o
grandalhão ali conseguisse se ajeitar. Mas aparentemente
isso não iria acontecer. Todas as vezes em que parecia que
ele havia sossegado, eu mal fechava os olhos e já voltava
a abri-los, irritada com todo aquele sacolejo. Já não
bastava estarmos em um ônibus de viagem, volta e meia
sacolejando ao passar por algum buraco na estrada, eu
ainda tinha que estar bem ao lado de um cara que parecia
estar deitado em uma cama de pulgas?
E isso não pareceu ter fim. Tudo o que eu queria era
que aquele homem enfim adormecesse e sossegasse para
que eu também pudesse descansar. Até que o ônibus
chegou em sua segunda parada e eu me mantinha com os
olhos bem abertos. Peguei o celular para olhar as horas. Já
era quase meia-noite. Eu já estava há quase seis horas
naquele tormento de viagem.
Peguei minha bolsa, a bolsa de fraldas do Dani, e
me levantei, pedindo licença ao meu insuportável vizinho
de assento, para descer do ônibus. Ia verificar se meu filho
precisava de uma troca de fraldas – já que provavelmente
a próxima parada seria já quase de manhã – e aproveitar
para também usar o banheiro. Fiz tudo isso durante a meia
hora em que o ônibus permaneceu parado, e ainda
aproveitei para comprar alguns bolinhos para comer no
caso de efetivamente não conseguir dormir. Quando
terminei tudo isso e voltei para a área externa do
estabelecimento, vi que o ônibus permanecia ali parado e
não havia ainda nem sinal do motorista.
— Meia hora... tá legal... — resmunguei, ainda
irritada.
Era óbvio que eu sabia que as paradas do ônibus
nunca seguiam à risca o tempo estipulado e volta e meia
demoravam um pouco mais, mas eu estava realmente
rabugenta. Pelo sono, pelo cansaço da viagem e pelo
stress causado pelo meu vizinho de poltrona.
— A gente se apressa tanto à toa, não é? — falou
uma voz masculina ao meu lado.
Eu o olhei, sem o reconhecer. Pela forma como
estava parado diante do mesmo ônibus que eu, imaginei
que também estivesse na mesma viagem.
E, parecendo ler a minha mente, ele confirmou isso:
— Estou a duas poltronas atrás de você.
— Ah... legal...
Não havia nada de ‘legal’ nisso, mas foi o único
comentário levemente simpático que eu consegui fazer,
embora sequer sorri antes de pronunciá-lo. A forma como
aquele sujeito estava perto – com seu braço praticamente
encostado ao meu – e como me olhava já me dava dicas
que a puxada de assunto não tinha sido por acaso.
Olhando bem, ele era até mesmo um cara simpático.
“Bonito” era a palavra mais apropriada. Moreno, olhos
verdes, alto – embora não tanto quanto meu vizinho de
poltrona... Mas eu não estava em busca de flertes durante
a viagem para a casa da minha família. Queria apenas paz
e chegar lá o mais rápido possível.
— Viajando sozinha com um bebê? — ele insistiu.
Dei um passo para o lado, de forma a desencostar
meu braço do dele.
— É, estou. — Mal disse essas palavras e já me
arrependi delas.
Era ridículo que em pleno século XXI uma mulher
tivesse que mentir sobre estar sozinha em algum local para
se sentir mais segura e não ser importunada por sujeitos
inconvenientes. Mas eu provavelmente teria feito isso se
pensasse meio segundo antes de responder – e talvez se
eu não estivesse já tão abalada pelo sono. Tudo pela
minha paz.
E, como dei a resposta que o carinha certamente
desejava ouvir, ele decidiu fazer mais um questionamento
estratégico.
— E seu marido deixou a esposa e o filho viajarem
sozinhos? É um trajeto muito longo e as estradas podem
ser perigosas para uma mulher bonita como você.
— Se eu fosse feia, então, seria seguro? — respondi
de forma ácida.
Mas ele não percebeu – ou fingiu não perceber –
isso e apenas riu.
— Você entendeu o que eu quis dizer.
— Não, eu não entendi. E ninguém me deixa ou me
proíbe de nada. Sou uma mulher adulta e não estamos
mais no século dezoito. Boa noite.
Sem dar tempo para mais perguntinhas estúpidas,
eu comecei a caminhar em direção ao ônibus. Confesso
que pretendia ficar ali fora até que o motorista regressasse,
mas a companhia não estava nem um pouco agradável.
Parecia que os passageiros inconvenientes daquele
ônibus tinham sido escolhidos a dedo por alguma pessoa
que sem dúvida nenhuma me odiava.
Pegar um pouco de ar puro e movimentar um pouco
as pernas me fez bem, por isso que consegui até mesmo
relevar aquele último stress e, quando voltei para o ônibus,
estava até mesmo mais tranquila. Contudo, minha raiva
retornou com força total quando me deparei com o
engravatado dormindo.
Sim, dormindo. Completamente apagado em sua
poltrona reclinada e com as pernas esticadas. Como ele
era muito alto, seus pés passavam um pouco da área da
poltrona, ficando bem no espaço do pequeno vão que me
daria passagem para ir para o meu lugar.
Aquilo só podia ser uma piada com a minha cara.
Então agora ele estava dormindo? Depois de ter me
mantido acordada por horas com todo aquele remelexo
irritante?
Equilibrando uma bolsa em cada ombro e com um
bebê nos braços, eu tentei passar, sem sucesso. Tentei
novamente, mais uma vez de forma inútil. Bufei, irritada, só
vendo uma única solução para aquilo.
— Com licença, senhor? Senhor? — chamei com a
voz baixa. Segurei Daniel, ainda adormecido, com apenas
um dos braços, usando a outra mão para balançar
levemente o ombro do homem. — Ei, moço... Poderia me
dar licença? — Dessa vez, falei em um tom ainda mais
alto.
Nada adiantava, então eu só vi uma saída nem um
pouco delicada.
— Ei, acorda! — praticamente gritei, enquanto
balançava o ombro dele de forma nada delicada.
Em um sobressalto, ele ergueu o tronco, parecendo
bem assustado.
— O que houve? O que aconteceu? — Ele olhava
ao seu redor, ainda parecendo levar alguns segundos para
se situar sobre onde estava.
— Eu só quero passar, por favor — eu disse,
mantendo um tom de voz firme e a postura ereta. Ou o
máximo que eu conseguia, devido a todo o peso que eu
segurava.
Ainda sonolento, ele tirou as pernas do caminho,
deixando dessa forma espaço para que eu passasse.
Assim o fiz, ajeitando-me em meu lugar, ainda mal
conseguindo disfarçar minha irritação.
Ele não pareceu ter percebido isso, e olhou em
direção à janela.
— Onde estamos? — ele questionou.
— A mais de dezoito horas do destino final —
resmunguei em resposta. O ônibus permanecia parado, o
que atrasaria ainda mais a chegada.
— Tudo bem... — Ele bocejou. — Chegaremos no
início da noite do dia vinte e dois.
Eu esperava que sim, e que não houvesse atrasos.
Depois de dormir muito na noite do dia vinte e dois, queria
usar o dia vinte e três para as compras de Natal, para no
dia vinte e quatro passar o dia com a família na cozinha,
fazendo mais comida do que seríamos capazes de comer.
Eu sentia tanta falta disso.
O motorista finalmente chegou e pudemos, enfim,
seguir viagem. Eu já havia perdido completamente o sono,
então abri minha bolsa, pegando um dos bolinhos que eu
tinha comprado na parada. Na verdade, era um pacote
maior, contendo três unidades embaladas separadamente.
Eram da minha marca favorita, a Carpe Diem, que além de
bolos também produzia biscoitos, tortas e uma infinidade
de tipos diferentes de pães.
Tentando buscar uma distração, passei os olhos
pela embalagem temática de Natal quando algo na parte
de trás me chamou a atenção. Era uma mensagem de
boas festas supostamente escrita pelo CEO da empresa.
Até aí, nada estranho. O que me despertou foi que a nota
estava ao lado de uma foto de Rodrigo Costa, o dono da
Carpe Diem.
Meu Deus, ele era parecido demais com o cara
sentado na poltrona ao meu lado.
Incrédula, acendi meu celular, usando a luz para
enxergar melhor a fotografia. Olhei novamente para o cara
ao meu lado, apontando a luz também para ele, voltando
em sequência os olhos para a foto, e depois mais uma vez
para ele. Nesse momento, ele me olhou, parecendo
perceber o que estava acontecendo, e estreitou os olhos,
provavelmente irritados pela luz do flash.
— É, sou eu — ele respondeu, liquidando de vez as
minhas dúvidas.
Ah, qual é? Eu sabia que a Carpe Diem tinha sido
criada há uns dez anos na mesma região onde eu agora
morava, e que todos comentavam que o dono dela,
Rodrigo Costa, morava na cidade vizinha... exatamente
onde aquele engravatado havia embarcado no ônibus.
Mas... como isso poderia ser real? Devia ser só alguém
muito parecido com ele. Um irmão mais pobre, talvez?
Rodrigo Costa era um milionário. Ainda que ele,
assim como eu, estivesse fazendo aquela viagem em cima
da hora de forma com que não havia conseguido
passagens em voos comerciais, isso de forma alguma o
obrigaria a encarar um ônibus. Ele tinha grana suficiente
para fretar um voo particular, ou talvez até mesmo tivesse o
seu próprio jatinho.
Aquilo seria algum tipo de pegadinha? O Luciano
Huck iria surgir de uma daquelas poltronas, junto a um
cinegrafista, anunciando que eu tinha ganhado um prêmio
por consumir tanto os produtos da Carpe Diem?
Ou talvez eu estivesse apenas dormindo, vivendo
um daqueles sonhos em que absolutamente nada faz
sentido.
— Você não pode ser o Rodrigo Costa... — rebati.
— Por que você estaria em um ônibus?
— Estou indo receber uma homenagem.
— De ônibus?
— É um meio de transporte, não?
— Não exatamente o mais eficiente.
— Já disse, prefiro ele a um avião. Eu não sou muito
chegado a voar.
Ah, claro... era um milionário excêntrico. Quem diria.
— Você se importa? — Ele apontou para o meu
celular, que se mantinha aceso, com o foco da luz voltado
diretamente para o rosto dele.
Mas eu não prestei muita atenção ao pedido. Estava
focada demais em tentar solucionar aquele caso que para
mim mais parecia um mistério de livros da Agatha Christie.
— Um cara rico como você não tem um motorista
particular?
— Tenho, e ele está de férias por conta das festas
de fim de ano.
— E você não dirige? — não me importei muito com
o fato de que aquilo mais parecia um interrogatório.
— Eu dirijo, mas essa é uma viagem muito longa,
e... Sério, você se importaria de tirar essa luz de cima de
mim? Eu gostaria de tentar dormir um pouco.
— Ah... tá... claro... — Depois de não me deixar
dormir, o milionário excêntrico tentaria fazer isso. Que
ironia!
Ajeitei-me em minha poltrona e desliguei o celular,
voltando a me deitar, abraçada ao meu filho.
Até mesmo desisti de comer o meu bolinho.
Carpe Diem não teria mais a mesma graça para
mim.

-----**-----
Capítulo 4

“Podemos esperar um minuto?


Ou podemos apenas tentar?
Porque meu dia preferido está chegando”
(Make It to Christmas - Alessia Cara)

Quando solicitei à minha secretária que comprasse as


passagens para mim, ela tinha me garantido que havia
escolhido o tipo de ônibus mais confortável para viagens
longas. Eu agora me perguntava se ela – que era uma
senhora de quase sessenta anos e media pouco mais de
um metro e meio de altura – estava levando em
consideração apenas o biotipo dela.
Porque para alguém grande como eu aquilo era tudo,
menos confortável.
Novamente, não conseguia encontrar uma posição para
dormir, e o balanço da estrada tornava as coisas ainda
mais difíceis. Cheguei a tirar a gravata, mas o terno ainda
me era extremamente desconfortável. Se arrependimento
matasse, eu estaria enterrado por não ter pensado na ideia
de trocar de roupa ao final da reunião que tive na empresa
poucas horas antes de ir direto para a rodoviária.
Tinha conseguido dormir um pouco apenas quando
o ônibus fez uma parada, mas desde que a moça ao meu
lado me acordou (de forma nada delicada) que eu não
tinha voltado a adormecer.
Quando fechava os olhos, ainda via um monte de
pontos de luz devido àquele flash que ela praticamente
atirou contra as minhas retinas.
Acho que seria uma noite em claro, no fim das contas.
Aquilo quase me fazia me arrepender da ideia daquela
viagem.
Quase... sabia que os motivos para ela eram mais do
que justos.
Após algumas poucas horas, ouvi o choro do bebê ao
meu lado, anunciando que ele havia acordado. Pensei que
aquela moça provavelmente também não estava tendo
uma viagem muito proveitosa.
Passados alguns minutos, no entanto, o bebê se
acalmou e logo começou até mesmo a rir. Ouvi, bem baixa,
a voz da mãe a conversar com ele e, mesmo que não fosse
a minha intenção ser indiscreto, eu não pude deixar de
ouvir aquelas palavras:
— Olha, filho... são lindas a luzinhas de Natal, não são?
Levantei um pouco o rosto, de forma a ver ao que ela
se referia. Passávamos em frente a um shopping, que
estava com sua fachada toda tomada por luzes natalinas.
O bebê se equilibrava de pé no colo da mãe, batendo as
palmas sobre o vidro, enquanto ria.
E ela continuou:
— A casa da nossa família também está toda iluminada,
especialmente para receber você. Vovó e vovô disseram
até que convidaram o Papai Noel para ir nos visitar. — O
garotinho riu, como se entendesse o que era dito. — É,
filho, o Papai Noel! Será que ele vai levar algum presente
para você, hein?
Eu não via qualquer encanto naquela época do ano.
Absolutamente nenhuma. Lembrava de ser ainda muito
pequeno na última vez em que esperei ansioso para
receber um presente de Papai Noel. Eu tinha cinco anos.
Depois disso, simplesmente não houve mais Natal na
minha vida.
Nos últimos anos, no entanto, a data passou a ser
sinônimo de dinheiro. Com o crescimento da Carpe Diem, a
empresa também passou a investir, naquela época do ano,
em produtos como panetones e chocotones, e eu via
sempre o volume de vendas e, consequentemente, de
lucros crescer de forma significativa.
E por isso que eu achei tão incomuns as palavras que a
ouvi usar com seu bebê na sequência:
— Mas tem algo no Natal que é muito mais importante
que os presentes, sabia? É um dia de festejar o amor, a
família, os amigos... as pessoas que a gente ama. O Natal
é um dia mágico. Um dia em que sonhos podem se tornar
realidade.
Eu não era um tipo de pessoa amarga que tinha algum
prazer em cortar a felicidade dos outros, mas naquele
momento não consegui evitar um comentário:
— Sonhos podem ser realizados em qualquer época do
ano, não existe uma data certa para isso.
Ela me olhou, parecendo surpresa com o que eu tinha
dito. Provavelmente achava que eu estivesse dormindo e,
consequentemente, não pudesse ouvir sua ‘conversa’ com
o bebê.
Com sua poltrona na posição sentada, ela se aplumou,
ajeitando a postura, e logo rebateu:
— De fato não existe. Mas o Natal inspira as pessoas a
fazerem o bem e a buscarem realizar o que desejam.
Eu não acreditava em nada daquilo, mas também não
iria insistir. Decidi que era melhor mudar o foco do assunto.
— Então, está viajando para passar o Natal com os
familiares?
Ela ergueu uma sobrancelha e me segurei para não
rir, não conseguindo evitar pensar que ela ficava engraçada
fazendo isso.
Não engraçada de forma vexatória. Engraçada no
sentido de... Sei lá. Me fazer ter vontade de sorrir, talvez.
Ela era uma mulher muito bonita. Tinha os cabelos
castanho-claros e lisos, levemente ondulados nas pontas, e
desafiadores olhos verdes. Que se tornavam ainda mais
desafiadores quando me olhava daquele jeito.
— Olha, desculpe se está me achando indiscreto.
Mas é uma viagem realmente muito longa. Então acho que
conversar um pouco pode ajudar o tempo a passar mais
rápido. Já percebi que você está sem sono, e eu também.
Ela suspirou, parecendo enfim dar-se por vencida.
— É, estou indo para a casa dos meus pais.
— Eles moram bem longe de você.
— Era onde eu também morava. Mas consegui uma
vaga de emprego e precisei me mudar.
— O que você faz? — Talvez eu estivesse fazendo
perguntas demais, mas realmente achava que conversar
poderia ajudar o tempo a se arrastar um pouco menos.
E, bem, eu também estava um pouco curioso com
relação àquela mulher.
— Você já sabe qual é o meu trabalho — apressei-
me em falar, antes que ela pudesse me achar um sujeito
curioso além da conta. — Acho justo que eu saiba o seu
também.
— Sou médica.
Aquilo foi uma surpresa.
— Uau... É uma bela profissão. Seus pais são
médicos também?
— Não. Meus pais hoje já são aposentados, mas
meu pai era um funcionário da prefeitura, e minha mãe era
professora. Minha irmã seguiu os passos dela e trabalhou
alguns anos dando aulas, enquanto fazia faculdade de
Psicologia. Fui a diferente da família. Consegui uma bolsa
integral na faculdade, e meus pais deram muito duro para
que eu conseguisse me formar.
O tom de voz que ela usava para dizer aquilo não
era inédito para mim. Geralmente, as pessoas associavam
um CEO jovem a um herdeiro que sempre teve tudo muito
fácil.
Aquele definitivamente não era o meu caso. Mas
não me importava que as pessoas pensassem assim. Eu
tinha passado por coisas demais na minha vida para me
preocupar com os julgamentos dos outros.
Ela aparentemente decidiu inverter o jogo, tomando
a palavra para fazer suas perguntas:
— Então, está indo receber um prêmio?
— É, estou.
— Quem faz uma premiação bem no meio do Natal?
— Não será no meio. Será depois. No dia 26, para ser
exato.
— Entendo. Então está indo antes para passar o Natal
com alguém?
— Na verdade, devo passar sozinho, em um quarto de
hotel.
Ela pareceu meio horrorizada ao ouvir aquilo.
— Então por que está indo agora? Vai chegar com
quatro dias de antecedência.
— Gosto de estar adiantado, para já contar com
imprevistos. Pode ocorrer algo na viagem e atrasar tudo.
— Qualquer coisa que atrase a viagem fará isso em
algumas horas, não em quatro dias.
— Gosto de ser prevenido.
— De qualquer maneira, esse deve ser um prêmio bem
especial, para te fazer optar por passar a noite de Natal
sozinho em um quarto de hotel.
— Na verdade, é sim especial. Mas, de qualquer
maneira, eu não me importo com Natal. Acho que é só um
dia como outro qualquer.
Aquilo pareceu ter soado para ela como uma
gravíssima ofensa.
— Não é ‘só um dia’. É um dia especial. Uma época
especial, na verdade.
— Sei. Todo aquele papo de magia e de realizar
sonhos.
— Não é ‘um papo’. É real.
— E você acredita também em Papai Noel?
Ela bufou, levemente irritada e eu novamente me
controlei para não sorrir. Eu mal conhecia aquela mulher,
mas havia algo naquela cara que ela fazia quando parecia
brava que eu achava simplesmente um charme. Era mais
forte do que eu.
Contudo, ela respirou fundo e, quando começou a falar,
não foi em um tom de irritação.
— Todos os anos o meu pai se veste como Papai Noel.
Eu tenho uma irmã cinco anos mais velha que eu, e lembro
bem do dia que eu perguntei a ela se era o nosso pai por
baixo daquela roupa vermelha, e ela jurou de pés juntos
que não. É claro que um dia eu confirmei a verdade, mas
eu não reclamei por minha irmã já saber e não ter me
contado, porque... Bem... eu também não contei para ele.
Era óbvio que... quando eu já tinha catorze anos e minha
irmã dezenove, ele sabia bem que nenhuma das duas
acreditava mais naquilo, mas... foi meio que um pacto
silencioso. Apenas deixamos que a magia seguisse...
— E ele ainda se veste de Papai Noel até hoje?
— Bem, aos dezenove a minha irmã ficou grávida,
então minha sobrinha virou o novo alvo da magia do meu
pai. Ela não foi tão compreensiva quanto nós duas, e aos
cinco anos arrancou a barba falsa dele e saiu correndo
pela casa. — Ela riu e eu tive vontade de sorrir junto,
imaginando a cena. — Bem, meu pai ficou bem triste, como
se sua identidade secreta tivesse sido revelada. Então ele
aposentou a fantasia de bom velhinho. Mas agora tem o
Dani, e... parece que ele está animado em voltar para sua
dupla personalidade.
Tudo aquilo parecia distante demais para mim. Era o
tipo de conceito aplicado em peças publicitárias – inclusive
para a minha própria empresa – ou nos filmes melosos que
inundavam os serviços de streaming nos finais de ano. Era
algo que eu acreditava só existir na ficção. Ouvir que
pessoas reais... pessoas adultas realmente acreditavam
naqueles conceitos era curioso.
E, ao mesmo tempo, paradoxalmente encantador.
O bebê voltou a bater no vidro da janela, chamando a
nossa atenção. No momento passávamos por mais um
prédio totalmente iluminado com luzes piscantes.
A mulher – que droga, eu ainda não sabia o nome dela
– também prendeu sua atenção naquilo e voltou a falar:
— Eu acredito que o Natal seja sobre isso. Sobre
acreditar que a magia existe. Mesmo que toda a
racionalidade e todas as evidências mostrem que não. O
mundo real pode ser duro demais. Um pouco de magia
torna tudo mais leve.
Ela tinha razão sobre o mundo ser muito duro. Mas eu
não estava certo se qualquer pessoa seria capaz de sentir
aquela tal magia.
Eu me considerava completamente imune a ela.

-----**-----
Capítulo 5

“Papai Noel, me diga se você está realmente aí


Não faça eu me apaixonar novamente
Se ele não vai estar aqui ano que vem”
(Santa Tell Me - Ariana Grande)

Talvez o CEO engravatado bonitão e excêntrico não


fosse, no fim das contas, a pior das companhias.
Bem, ele era um pouco intrometido, e eu achava que
devia ter um ego do tamanho do mundo pelo jeito com que
enchia a boca para falar que estava indo receber um
prêmio. Sem contar a forma como ele se mostrou
incomodado com o choro do meu bebê, o que havia me
feito criar uma enorme antipatia por ele.
Mas, no fim das contas, ele estava certo no que disse
sobre o tempo passar mais rápido quando conversamos.
Ele não era a pessoa com os piores papos possíveis.
Depois do breve diálogo sobre nossas diferentes opiniões a
respeito do Natal (um ponto a mais para o meu ranço
contra ele), emendamos num assunto a respeito do meu
trabalho que rendeu uma conversa bem alto nível sobre os
desafios de ser um profissional da saúde. Por não ter
experiência alguma nisso, ele usou como exemplos
matérias jornalísticas e episódios de séries médicas que
assistia, o que levou o papo para o campo do
entretenimento e, quando me dei conta, conversávamos
sobre filmes e seriados.
Foi assim até quase quatro da manhã, quando ambos
estávamos com sono. Aproveitando que Dani já dormia há
algum tempo, eu não demorei para também adormecer.
Para a minha gratidão, aparentemente Rodrigo também
não, já que permaneceu imóvel em seu assento.
Poucas horas depois, acordei quando o ônibus voltou a
parar. Os primeiros raios de sol já surgiam e o motorista
anunciou que aquela parada seria um pouco mais longa
para o café da manhã.
Rodrigo também acordou e nós dois descemos juntos
do ônibus.
Ele desceu olhando para o celular. Já do lado de fora do
veículo, me pediu licença, dizendo que precisava fazer uma
ligação e se afastou.
Fui até o banheiro, onde troquei e limpei meu filho, sem
que ele acordasse. Pobrezinho, tinha dormido tão pouco
durante a noite, acordado tantas vezes incomodado com a
viagem, que era normal que, às sete e meia da manhã,
estivesse ainda apagado daquele jeito.
Sete e meia... Agora, faltava menos de doze horas para
enfim chegarmos ao nosso destino final. Eu ainda mal
conseguia acreditar que, depois de tantos meses, eu
estava indo para casa.
Terminando com Daniel, aproveitei para escovar os
meus dentes e dar uma ajeitada rápida no meu cabelo
diante do espelho. Estava com a cara toda amassada e
com bastante sono, mas nada disso importava diante da
felicidade e empolgação que eu sentia.
E aquele CEO ainda teve a cara de pau de desacreditar
na magia do Natal.
Saí do banheiro e entrei no restaurante self service.
Equilibrando a bolsa de fraldas em ombro e Daniel com
apenas um dos braços, precisei quase fazer um
malabarismo para conseguir me servir. Peguei ovos, pães,
biscoitos e algumas fatias de queijo, pesei tudo e um
funcionário me ajudou levando a bandeja até uma das
mesas e me servindo a bebida. Optei por um café bem
forte.
Já com tudo preparado, comecei a comer, até que
alguém se sentou na cadeira diante de mim. Por um
momento, cheguei a acreditar que fosse Rodrigo, mas logo
vi que se tratava do mesmo chato que me abordara no dia
anterior.
— Bom dia, princesa — ele me cumprimentou,
enquanto ajeitava sua própria bandeja à sua frente.
Perguntei-me quem o havia convidado para se sentar
próximo a mim. — E aí, conseguiu dormir?
Levei um pedaço de pão doce à boca, não porque
estivesse com muita fome, mas para ter a desculpa de
estar com a boca cheia e, dessa forma, não ter como
responder. Porque eu não sabia se seria capaz de manter
a educação com aquele cara. A forma como ele me
encarava me deixava absurdamente constrangida.
Não satisfeito, ele insistiu:
— Deve estar sendo complicado com o bebê, não é?
Imagino como deve ser coisas como dormir, ir ao banheiro,
comer... sempre tendo que carregar o bebê no colo. Pode
me pedir ajuda, se precisar.
— Não, obrigada — rebati, sem a preocupação de
querer soar educada.
— Calma, princesa. Eu só estou te oferecendo ajuda.
Já disse que é perigoso uma moça bonita como você viajar
por aí sozinha.
Era a segunda vez que ele falava aquilo, e agora eu
percebia que aquilo parecia ter o tom de uma ameaça.
Será que aquele cara teria mesmo a covardia de tentar
algo contra uma mulher com um bebê? A forma tarada
como ele percorria os olhos pelo meu corpo, pela primeira
vez, não apenas me enojou, mas também me causou uma
onda de medo.
Até que outra voz masculina foi ouvida, dessa vez vindo
em minha defesa:
— Ela não está sozinha. Está viajando comigo.
Levantei o rosto, vendo que Rodrigo tinha parado diante
da mesa, bem em frente ao babaca que tentava me
intimidar. Eu quase não reconheci o homem tão calmo que
estava há horas sentado ao meu lado no ônibus. Seus
olhos agora encaravam o outro homem de forma firme e
séria.
— Ela me disse que estava sozinha — o imbecil
rebateu, não parecendo se intimidar.
— Ela estava quando embarcou, mas não está mais.
Estou bem ao lado dela e do bebê, e seguiremos assim até
o final da viagem.
— Tá legal, eu já entendi... — O imbecil levantou as
mãos como um sinal de rendição, então pegou sua bandeja
e levantou-se, indo para outra mesa do outro lado do
restaurante.
Quando ele se afastou, eu soltei o ar que mantinha
presos nos pulmões, sentindo uma onda de alívio percorrer
o meu corpo.
— Você está bem? — Rodrigo perguntou, preocupado.
— Ele encostou em você ou te ameaçou de alguma forma?
Movimentei a cabeça em uma negativa, embora
estivesse nervosa demais para falar. Tinha um banheiro ali
no restaurante, e eu queria muito ir até lá jogar uma água
no meu rosto para tentar me acalmar.
Eu não era uma pessoa que deixaria meu filho com
qualquer um, mas achava que Rodrigo já tinha me dado
uma amostra de confiança ao me defender daquela forma,
por isso eu pedi:
— Você pode ficar com o Daniel... por cinco
minutinhos? Eu preciso ir ao banheiro.
— Ah... claro...
Ele imediatamente se sentou na cadeira ao meu lado e
eu passei meu filho, que ainda dormia, para os seus
braços. Achei que ele fosse demonstrar uma total falta de
jeito para isso, mas me surpreendi quando ele segurou o
bebê de forma correta, sem maiores problemas.
Então, eu me levantei e fui até o banheiro. Molhei o
rosto e respirei profundamente algumas vezes. Além do
emocional abalado por causa daquele babaca, só nesse
momento percebi o quanto meus braços estavam
doloridos. Daniel já tinha quase um ano de idade e eu
estava já há muitas horas segurando-o no colo, tanto
dentro do ônibus quanto quando descia nas paradas.
Aquilo tudo era cansativo demais. Onde eu estava com a
cabeça quando achei que fosse tranquilo encarar uma
viagem tão longa sozinha com uma criança pequena?
Bem, a resposta era simples. Como mãe solo, tudo o
que me restava era encarar as situações sozinha com o
meu filho.
Enfim me reestabelecendo, saí do banheiro e segui
caminhando até a mesa onde Rodrigo estava com Daniel.
Enquanto me aproximava, no entanto, parei quando
percebi que não apenas meu filho já havia acordado, como
Rodrigo estava conversando com ele.
— Eu sei que você quer o biscoito, e que até já tem
alguns dentinhos e pode comer, mas vai precisar esperar
um pouco, garotão. Eu não perguntei para a sua mãe se
você tem alguma alergia a lactose, glúten, ovos ou sei lá
mais o quê.
Não consegui evitar sorrir quando Daniel balbuciou
algumas palavras sem sentido, como se estivesse
argumentando em resposta. E Rodrigo fingiu entender o
que ele dizia e rebateu:
— Eu sei, garotão, sei que você já sabe bem o que
quer. Mas a última palavra sempre é da mãe, a regra é
essa. Você entende, não é?
Dani voltou a balbuciar, usando uma entonação de
quem aceita os argumentos. E Rodrigo provavelmente teve
a mesma impressão que eu.
— Isso mesmo, garoto, fico feliz que você entenda.
Nesse momento, por cima do ombro de Rodrigo,
Daniel me viu e gritou, empolgado, enquanto sacudia os
bracinhos em minha direção:
— Mama! Mama!
Rodrigo se virou, enfim vendo que eu estava ali. Ele
pareceu levemente sem graça ao perceber que eu havia
escutado parte daquela ‘conversa’, mas eu não conseguia
deixar de sorrir.
— Que coisa, achei que não gostasse de bebês —
comentei, enquanto pegava Daniel nos braços e me
sentava na cadeira ao lado. Ele voltou a estender a
mãozinha, pedindo por um dos biscoitos de maisena – que
eram os favoritos dele. Peguei um, entregando a ele.
— O quê? Eu não gosto de bebês? De onde tirou
isso?
— Ontem você estava nitidamente desconfortável
quando ele estava chorando.
— Eu? Quando?
— Logo que você embarcou. Você ficou olhando
para o celular e bufando, irritado com o choro dele.
Ele pensou por um minuto, parecendo tentar se
lembrar daquele momento exato.
— Não, você entendeu tudo errado. Eu estava
irritado, sim, mas não tinha nada a ver com o seu bebê.
Para falar a verdade, acho que estava tão concentrado
lendo as notícias que recebi, que nem mesmo percebi que
ele estava chorando.
Certo, eu me senti péssima com aquilo. Então, o
cara tinha recebido uma notícia ruim, e eu tinha pensado
que o que o incomodava era o choro do meu filho? Nesse
momento, fiquei sem saber onde enfiar a cara.
— Meu Deus, me desculpe. De verdade mesmo, eu
achei que... Nossa, me desculpe!
Ele sorriu, mostrando que não se importava muito
com isso. E acho que meu coração errou uma batida diante
do sorriso dele. Meu Deus, como aquele homem conseguia
ser tão lindo?
— Tudo bem, não tem problema. Fico feliz que
tenha me contado a respeito, assim pude esclarecer que,
não, eu não sou um idiota que tem problemas com
crianças.
— Você leva jeito com elas, aliás. Tem filhos?
— Não. Ainda não. Pretendo ter algum dia.
Será que um homem lindo como aquele tinha noção
do poder que exercia sobre uma mulher ao dizer uma frase
daquelas? Chegava a dar uma coceira no útero.
O que era ridículo, já que meu filho nem tinha saído
das fraldas. E o pai dele também costumava dizer que
sonhava em ter filhos. Só que, aparentemente, não era
naquele momento e nem comigo. Descobri isso da pior
maneira possível.
— Tem sobrinhos, então?
— Não. Para ter sobrinhos, eu precisaria ter irmãos,
e não tenho. Mas durante a infância e adolescência eu
convivi com muitas crianças mais novas que eu.
— Entendo. Mas... sobre as notícias ruins que você
recebeu... Espero que tudo se resolva.
— Estou nessa viagem exatamente para ir resolvê-
las.
— Ué... Mas você disse que estava indo receber um
prêmio.
— Também. As duas coisas. Posso te contar tudo,
mas... — Ele tirou o celular do bolso, olhando as horas. —
Só temos quinze minutos até o ônibus sair e preciso
comprar algo para comer. E você e o pequeno também têm
que tomar seu café da manhã. Teremos mais um dia inteiro
juntos, te conto tudo na viagem.
— Não precisa contar se não quiser, eu não quero
ser indiscreta.
— Conversar faz o tempo passar mais rápido, como
eu te disse. ...Bem, vou comprar algo para comer. Mas
antes... Sei que seu filho se chama Daniel, por te ouvir
conversar com ele. Mas... tantas horas depois, eu ainda
não sei o seu nome.
Sorri, bem mais simpática do que tinha sido no
nosso primeiro encontro.
— Eu me chamo Laura.
— Prazer, Laura. Logo voltamos a nos falar.
Ele sorriu mais uma vez, antes de se afastar, indo
pegar algumas coisas em uma embalagem para a viagem.
Fiquei observando-o, até que Dani chamou a minha
atenção. Já tinha terminado com seu biscoito e me pedia
por outro.
— Está com fome esta manhã, hein, rapazinho? —
brinquei. Ele sorriu, levando mais um biscoito à boca,
mastigando-o com seus poucos dentinhos.
Também sorri, olhando para o meu pequeno
tesouro, incrivelmente feliz por estar vivendo aquela
aventura de Natal com ele. Seria uma história que eu
contaria para ele no futuro.
Mas eu ainda não fazia ideia do quão especial
aquela viagem ainda viria a se tornar.

-----**-----
Capítulo 6

“Esperando o Papai Noel chegar


E o amor vai aparecer em tudo
Por que todo mundo sabe, é tempo de Natal”
(Merry Christmas, Happy Holidays - *NSYNC)

Eu realmente não queria ter passado aquela impressão


a ela. Fiquei pensando em que tipo de pessoa ela teria
achado que eu era para ficar mostrando insatisfação por
causa do choro de uma criança.
Bem, a verdade é que ela não me conhecia. Sendo
assim, não poderia julgá-la pelo que tinha pensado a meu
respeito. Mas isso não me impediria de contar a ela a
verdade.
O ônibus começava a seguir sua viagem quando eu
contei:
— O prêmio que eu vou receber na verdade é uma
homenagem feita pelas crianças de um abrigo de menores.
Não é nada grandioso ou que envolva dinheiro ou mídia.
Vai ser realmente apenas uma comemoração organizada
pelas próprias crianças e pelos funcionários do lugar.
Ela piscou algumas vezes, como se tentasse processar
a informação. Aparentemente, não fez muito sentido para
ela.
— Você está viajando no meio do Natal para receber
uma homenagem de... crianças?
— Como eu já disse, não me importo com isso de Natal.
— Comecei a mexer no celular, à procura da notícia que eu
tinha lido no dia anterior e que me deixou com um humor
levemente alterado, enquanto seguia a explicar. — Eles
fazem essa festa todo ano e homenageiam sempre uma
pessoa diferente, geralmente alguém da própria
comunidade que os ajude. Dessa vez optaram por mim por
algumas doações modestas que fiz no decorrer do ano, e
por acharem que minha história como empreendedor serve
de motivação para as crianças.
— Bem, os bolos da Carpe Diem são simplesmente
divinos, acho que só isso já bastaria para o dono da
empresa receber todas as homenagens possíveis — ela
comentou, embora ainda parecesse confusa com toda
aquela história.
Segui nas explicações:
— Eles acreditam que essa será a última festa deles.
Por causa disso aqui. — Entreguei meu celular a ela,
deixando que lesse o título da notícia publicada por um
jornal local da cidade onde o abrigo ficava.
Lá contava sobre a prefeitura ter pedido de volta o
imóvel onde o abrigo se localizava. Com isso, as crianças
seriam enviadas para outras instituições, mais uma vez
sendo separadas daqueles que tinham como sua família.
Eles tinham um prazo de até o último dia do ano para
deixarem a casa.
— Meu Deus — Laura exclamou, visivelmente em
choque —, que coisa mais horrível. Como podem fazer
uma coisa dessas?
— A única ajuda da prefeitura era com o aluguel do
imóvel, o sustento do local é totalmente feito com doações.
Mas o prefeito decidiu que não quer mais ter o ‘gasto’ com
esse aluguel e as crianças serão despejadas.
— Não podemos permitir algo assim! — Ela me olhou,
com um verdadeiro desespero explícito em seus olhos.
“Podemos”... por qualquer razão, gostei da forma como
ela disse aquilo, no plural. Como se já tivesse tomado
também para si a responsabilidade sobre a situação.
Mas eu já tinha cuidado de tudo, por isso a tranquilizei:
— Eles não vão precisar sair. Já está tudo certo com a
compra da casa. Vou apenas assinar a papelada e
formalizar tudo com o proprietário no próprio dia 26. Pedi
para que ele me encontrasse no abrigo, antes do horário
da festa. Meu advogado irá para lá nesse dia, de avião,
claro, e irá intermediar tudo para passarmos o imóvel para
o nome da diretora que cuida do local há mais de duas
décadas.
Em um primeiro momento, ela não disse nada. Ficou
estática, olhando para mim. Daniel brincava em seu colo
com uma pelúcia e o som dos risos dele, por alguns
segundos, foi tudo o que nós dois pudemos ouvir, junto aos
sons da estrada e de algumas conversas baixas tidas em
outros assentos do ônibus.
Até que ela, enfim, teve alguma reação.
— Você vai dar a casa para eles?
Senti-me levemente envergonhado diante da pergunta.
Que droga, eu odiava a ideia de passar a impressão de
estar me vangloriando por uma boa ação. Não era nada
nem perto disso. Na verdade, tirando minha secretária e
meu advogado, ninguém mais sabia a respeito daquilo, e
eu queria que continuasse assim. Mas achei que poderia
conversar a respeito com a moça legal que vinha sendo
minha companheira de viagem. Especialmente depois de
ter deixado nela uma primeira impressão tão ruim.
— Realmente, não é nada demais. Eu só não podia
deixar que essas crianças sofressem com mais essa
separação.
— Não é nada demais? Tem noção de que isso é
simplesmente tudo para essas crianças? E você ainda está
indo além. Poderia deixar que seu advogado cuidasse de
tudo, não tinha qualquer necessidade de fazer uma viagem
cansativa como essa para resolver isso pessoalmente.
— É, eu poderia. Como te falei, eu não gosto de voar, e
não consegui, em cima da hora, nenhum motorista que
aceitasse alternar o volante comigo em uma viagem tão
longa, então o ônibus foi a solução que me restou. As
crianças me queriam muito nessa festa e eu não poderia
deixá-las frustradas.
— Sério que está fazendo tudo isso para não frustrar
crianças que você nem conhece?
— Repito, eu não poderia fazer isso.
— Por quê?
Existiam mil formas de responder aquela pergunta. A
maior parte delas seria mais direta, mais vaga e menos
pessoal. Poderia passar a imagem de milionário
benevolente preocupado com os menos favorecidos. Mas
eu não tinha vontade de ser vago e direto com aquela
mulher. Gostava da companhia dela, de conversar com ela,
e a forma como ela de pronto mostrou preocupação por
aquelas crianças que ela também sequer conhecia me
mostrava que era uma boa pessoa.
Sendo assim, eu simplesmente me permiti ser sincero:
— Por que eu também vim de um lugar como o que
eles vivem. E sei como a presença física das pessoas é
muito mais especial do que qualquer doação em dinheiro.
Novamente, ela se mostrou em choque.
— Está dizendo que você... cresceu em um abrigo, é
isso?
— Eu fiquei órfão quando era bem pequeno. Fui
mandado para um abrigo, onde fiquei até completar os
meus dezoito anos.
— Desculpa... eu apenas... Achei que você fosse um
herdeiro ou coisa do tipo. Sei que a Carpe Diem é uma
empresa relativamente nova, mas... Não imaginei que...
— Tivesse começado literalmente do nada? É,
começou. Não sou muito de contar essa história porque...
ela soa muito mais poética do que realmente foi. Na
verdade, quando saí do abrigo, com uma mão na frente e
outra atrás, consegui um emprego em uma padaria. Foi lá
que aprendi o básico sobre pães, bolos, doces e massas
em geral. Fiquei lá por menos de um ano, a padaria passou
por uma crise e precisou demitir parte do pessoal. Eu era o
mais novo lá, então...
— Novatos sempre se estrepam... — ela comentou,
parecendo ter propriedade para dizer aquilo.
Eu ri, achando graça da forma como ela falou.
— É. No caso, eu me estrepei, mas não foi de todo
ruim. Usei o dinheiro que recebi e tudo o que aprendi para
começar a fazer alguns bolos para vender. E, bem... a
demanda foi crescendo... e os negócios também... Da
pequena cozinha do kitnet que eu alugava, acabei criando
uma empresa. Contando parece mais fácil do que
realmente foi, mas acho que os perrengues meio que
fazem a história perder um pouco da graça.
— Estou certa de que não foi mesmo nada fácil.
— Não foi. Mas, então... é por isso que o CEO da Carpe
Diem está encarando uma viagem de ônibus de vinte e
cinco horas no meio do Natal.
— Eu disse que o Natal era uma época mágica, não é?
Como você pode não acreditar nessa magia, me contando
uma história como essa?
— Não teve magia alguma. Foi difícil demais, e tenho a
consciência de que a maioria dos meninos e meninas que
cresceram comigo não tiveram a mesma sorte que eu tive
na vida. Eu só quero ajudar a tornar as coisas menos
difíceis para as crianças que hoje estão na mesma situação
em que eu já estive.
Ela ia dizer alguma coisa, mas calou-se quando Daniel
começou a resmungar, parecendo pedir algo.
Por mais que eu tivesse fingido ter uma ‘conversa’ com
ele no restaurante, era óbvio que eu não fazia ideia do que
ele queria dizer com aqueles balbucios que não
significavam nada. Já Laura, no entanto, mostrou ter
aquele poder de mãe de compreender exatamente o que
ele queria.
— Já está com fome de novo? Calma, vou pegar algo
para você... — ela mexeu na bolsa, tirando de lá um dos
pacotes individuais do bolinho que era o carro-chefe da
minha empresa.
Antes de abrir a embalagem, e o mostrou para mim e
falou:
— Eu não posso fazer uma viagem de ônibus ao lado
do criador da Carpe Diem e deixar de perguntar qual é a
receita desses bolinhos. Eles são simplesmente
maravilhosos e viciantes.
Sorri.
— Bem... Não posso te contar, é um segredo
profissional.
— Se minha mãe souber que eu viajei do seu lado e
você não me contou a receita desses bolinhos, ela nem vai
me deixar entrar em casa. É sério, eu gosto deles, mas a
minha mãe come praticamente todos os dias.
Ri, fazendo uma anotação mental de pegar o endereço
da mãe dela para enviar uma generosa remessa de
bolinhos de presente.
— Bem, você tem exatas... — Peguei meu celular,
verificando as horas. — Dez horas para me convencer a te
passar a receita.
— Já são nove da manhã? Meu Deus, como as horas
estão passando rápido hoje. Você tinha razão quando dizia
que o tempo passa mais rápido quando conversamos.
Eu sabia que tinha. Mas, naquele momento, estava em
dúvidas se queria mesmo ter. A ideia de o tempo passar
mais rápido, agora, já não me parecia uma coisa tão boa
assim.
Porque quanto mais rápido passasse, mas rápido eu
teria que me despedir de Laura.

-----**-----
Capítulo 7

“Envie suas cartas para o Papai Noel, baby


Diga-lhe todos os seus desejos secretos
Envie suas cartas para o Papai Noel, baby
Esperando que seus sonhos mais loucos se realizem”
(Santa's Coming For Us - Sia)

Como eu poderia ter chegado a achar que aquele


homem tivesse problemas com crianças? Daniel o
conhecia há apenas algumas horas e já o adorava! Estava
no momento sentado no meu colo, de frente para Rodrigo,
que conversava com ele como se os dois já fossem amigos
há eras.
Confesso que aquela tinha sido mais uma das partes
boas de ter dado a sorte de me sentar bem ao lado de
Rodrigo. Por mais que Dani sempre tivesse sido uma
criança muito tranquila, era uma viagem cansativa demais
e eu não sabia como ia conseguir entretê-lo durante tanto
tempo.
Já se sentindo mais do que íntimo, Daniel esticou os
bracinhos para que Rodrigo o pegasse e este assim o fez,
sentando-o em seu colo e continuando com a conversa. Eu
estava me divertindo com os dois, mas tive a atenção
desviada pelo toque do meu celular, informando uma
mensagem recebida. Era da Isa.

Como está sendo a viagem? Tudo tranquilo por aí?

Digitei rapidamente uma resposta:

Tudo mais do que tranquilo. Dei sorte de ter uma


boa companhia na poltrona ao lado.

Enquanto ela digitava a mensagem, eu podia fazer


ideia do que perguntaria. Quando a notificação chegou, eu
ri, me dando conta de que eu realmente conhecia bem a
minha irmã.

Opa, boa companhia? Ele é gato?

Eu poderia tentar explicar a ela o nível daquilo, mas


decidi ser direta.

É o Rodrigo Costa. Sim, o da Carpe Diem. Em


pessoa. Por mais bizarro que isso possa parecer.
Isa costumava ser rápida nas mensagens, por isso que
estranhei não receber o alerta de que ela estava digitando
algo. Mas eu, como disse, conhecia muito bem a minha
irmã. E poderia apostar todo o dinheiro que eu tinha que
ela, naquele momento, estava abrindo o navegador no
celular para jogar o nome de Rodrigo Costa na ferramenta
de busca. Ela provavelmente sabia bem quem ele era,
embora, assim como eu, na certa não conhecia a
aparência dele. Não era como se ele fosse uma
celebridade ou coisa do tipo. Embora, lindo daquele jeito,
super pudesse ser.
Engraçado que eu sempre tinha imaginado Rodrigo
Costa como um senhor com bem mais idade, jamais um
cara pouco mais velho que eu. Aquela propaganda de
Natal nas embalagens dos produtos, com a foto dele, era
novidade, mas provavelmente uma ótima jogada de
marketing. Um homão daqueles era um ótimo atrativo para
os produtos. Não sabia de quem tinha sido a ideia, mas a
pessoa do marketing responsável por isso com certeza
merecia um aumento.
Não que precisasse, porque era real que os pães e
bolos da Carpe Diem eram simplesmente divinos.
Como eu previa, Isa tinha ido realmente verificar a
respeito do nome que eu informei a ela, porque quando
voltou a mandar mensagens, a primeira delas veio por
meio de um grito em caixa alta.

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAH
MEU DEUS!
VOCÊ SÓ PODE ESTAR DE BRINCADEIRA COMIGO.
Ai, desculpa o caps, mas não estou aguentando
aqui de empolgação.
Você realmente está no mesmo ônibus que esse
homem?

Logo abaixo, ela enviou um print da página de busca de


imagem, com várias fotos do CEO Rodrigo Costa. Eu ri e
respondi.

Eu realmente estou. E sabe o mais incrível? Ele não


é apenas bonito, mas também é bem legal.

Alguns segundos se passaram até que ela


respondesse:

Você precisa trazê-lo pra cá!

Eu ri. Minha irmã mais velha não tinha uma gota de


juízo.

Você tá louca?
Ele está indo para receber uma homenagem em um
abrigo de crianças que ajuda.
Você acredita que esse homem tão rico não anda de
avião? Aparentemente tem medo.

Aquela era uma situação que eu apenas naquele


momento pensei a respeito. Ele teria passado por algum
trauma? Alguma turbulência durante um voo, que o
traumatizou, ou coisa parecida? Eu conhecia várias
pessoas que não gostavam de aviões, e que até evitavam
ao máximo entrar em um... mas nunca alguém que tivesse
essa fobia em um nível que o fizesse preferir passar mais
de um dia inteiro em uma estrada. Ele era um cara jovem e
cheio de dinheiro, com condições de viajar por todo o
mundo, mas aparentemente jamais faria isso por conta
daquele medo.
Isabela voltou a responder, e eu novamente ri com sua
observação:
Já contou a ele que sua irmã é psicóloga? Podemos
cuidar disso. Já disse, traga-o para cá!

Apressei-me em responder.

Achei que você estivesse em um relacionamento


sério.

Minha irmã era divorciada já há cinco anos, e desde


que voltara a morar com nossos pais, essa era a primeira
vez que se permitia viver um novo amor. Já estava com
Marcelo há quase dois anos, e tinham planos de se
casarem em breve.
A resposta dela foi exatamente nos moldes que eu
imaginei:

Eu estou. Você não.


Está na hora de reiniciar a vida.
E um milionário lindo de morrer me parece uma
ótima oportunidade.

Ri, balançando a cabeça de forma negativa.

Estou reiniciando a minha vida, Isa. Depois de um


pé na bunda quando fiquei grávida, eu concluí a
faculdade, arrumei um bom emprego, me mudei e
estou muito empenhada em salvar vidas e criar o meu
filho.
Agora preciso colocar meu celular para carregar e
cuidar aqui do Dani, logo o ônibus fará mais uma
parada.
Eu já me preparava para dar a conversa como
encerrada, quando ela novamente me fez rir.

Não tô mandando você se casar com ele. Mas dar


uns pegas em um homão desses não te faria mal
algum. Traz ele para cá, que eu prometo que cuido do
Dani para você sair com ele.
Apenas prometa dar um jeito de conseguir a receita
daqueles bolinhos maravilhosos, por favor! Obrigada.
Beijos, me liga quando puder!

Dar uns pegas naquele homão não me parecia


sinceramente ser uma ideia nada ruim. Mas era óbvio que
isso não iria acontecer. Após algumas horas, chegaríamos
ao nosso destino final, então iríamos nos despedir.
Até porque, pelo amor de Deus, um deus daqueles
deveria ter todas as mulheres que desejasse se jogando
aos seus pés. Que razões teria para me dar qualquer
confiança?
Encerrei a conversa com a minha irmã enviando alguns
emojis de beijos. Estava plugando o celular no carregador
quando o som abrupto de um trovão me assustou.
— Era só que faltava, começar a chover... —
resmunguei.
Então, olhei para Rodrigo e percebi que ele não sorria
mais. Estava sério, embora ainda brincasse com Daniel.
Preocupei-me com aquilo.
— O que foi? — questionei.
Ele me olhou e forçou um sorriso.
— Não, nada. Eu só fiquei um pouco preocupado com a
questão da chuva.
Ele devia ter pensado no mesmo que eu. Mas tentei
tranquilizá-lo:
— Mesmo que a viagem atrase um pouco, você está
indo com bastante antecedência. Fique tranquilo que
chegará à sua festa a tempo.
— E você ao seu Natal em família.
O ônibus fez mais uma parada. Dessa vez, já era quase
uma da tarde, então seria novamente um intervalo um
pouco maior para o almoço.
Agradeci mentalmente por Rodrigo ter descido comigo
e, dessa forma, eu não fui importunada por aquele cara
inconveniente.
O clima durante o almoço foi ótimo. Rodrigo seguia
mostrando que era uma ótima companhia, e mais uma vez
também deixando claro o quanto eu tinha me enganado por
achar que ele não gostava de crianças. Agora eu sabia que
ele havia crescido em um abrigo, então sempre ajudou a
cuidar das crianças menores que ele. Disse que lá todos se
ajudavam, e que eram como uma família, mas infelizmente
ele acabou perdendo o contato com a maior parte deles.
Alguns foram adotados, outros conseguira retornar para
suas famílias biológicas. Logo depois que ele saiu ao
completar dezoito anos, aconteceu com seu abrigo o
mesmo que estava prestes a ocorrer com o que ele agora
ajudava: o local foi fechado, e as crianças foram
separadas e distribuídas para outros locais, a maioria em
outras cidades.
Sabendo disso tudo, eu conseguia até mesmo
compreender a antipatia que ele tinha com o Natal. Afinal,
ele tinha perdido completamente todas as referências que
teve sobre família. Isso era triste demais.
Mas não deixei que o foco de nossa conversa ficasse
em coisas tristes, então logo voltamos às conversas
banais. Encerramos nosso almoço e eu troquei as fraldas
do Daniel. Rodrigo mais uma vez se prontificou em ficar
com ele enquanto eu usava o banheiro, e eu agradeci
profundamente por isso.
Só quem é mãe sabe que poder ir ao banheiro
sozinha é um verdadeiro luxo.
Voltamos para o ônibus e para as conversas. O
tempo pareceu ter melhorado, e se manteve firme ainda
por uns bons quilômetros. Até que a conversa cessou um
pouco para que eu pudesse amamentar Daniel e colocá-lo
para dormir, enquanto Rodrigo disse que iria responder a
alguns e-mails de trabalho pelo celular.
A essa altura, já eram quase cinco da tarde, e
faltava pouco mais de duas horas para chegarmos ao
nosso destino. Era engraçado o fato de eu ter estado tão
aflita para que aquilo tudo chegasse logo ao fim e, ao
mesmo tempo, agora que estava perto, eu começava a
lamentar o fato de que iria me afastar de Rodrigo. O que
era ridículo, porque eu o conhecia há menos de um dia.
Já começava até mesmo a levar em consideração a
ideia da louca da minha irmã e convidá-lo para passar o
Natal conosco.
Ele iria achar que eu era uma atrevida sem noção,
provavelmente.
Contudo, logo o céu voltou a escurecer e eu,
novamente, me assustei com o som repentino de um
trovão. Para a minha sorte, Daniel não se incomodava com
isso, e continuou se deixando levar pelo sono. Quando
percebi que ele havia adormecido, ajeitei-o em meus
braços e voltei a olhar para Rodrigo.
Foi então que eu percebi que ele, mais uma vez,
não parecia nada bem.

-----**-----
Capítulo 8

“Quero agradecer à tempestade que trouxe a neve


Graças às luzinhas que a fazem brilhar
Mas quero te agradecer, amor
Você faz parecer que é Natal”
(You Make It Feel Like Christmas - Gwen Stefani Feat. Blake Shelton)

Existia apenas uma coisa na vida que eu odiava mais


do que aviões: tempestades. Talvez porque estas, ao
contrário das viagens aéreas, não poderiam ser evitadas
por mim.
Quando criança, chuvas fortes como aquelas eram
enfrentadas por mim encolhido embaixo das cobertas na
cama beliche do orfanato em que eu vivia. Agora, óbvio, eu
era um homem adulto, e conseguia lidar com isso de forma
mais madura e centrada.
Mas estar dentro de um ônibus em uma estrada não me
ajudava naquele momento. Eu sentia uma onda de pânico
e ansiedade percorrer o meu corpo, e lutava para manter
aquilo sob controle. Mas logo percebi que não disfarçava
isso de forma tão eficaz quando Laura me abordou:
— Ei, está tudo bem?
Forcei um sorriso, tentando tranquilizá-la.
— Sim, tudo bem. O Daniel dormiu?
— É, dormiu. Mas você realmente não me parece nada
bem. Está pálido. Está sentindo alguma coisa?
— Não. Não se preocupe, é apenas um desconforto
com temporais.
Nesse momento, outro trovão bem forte foi ouvido e eu
fechei os olhos por um momento. Que vergonhoso... O que
Laura estaria pensando a meu respeito?
Para a minha surpresa, ela segurou a minha mão,
tentando me acalmar.
— Está tudo bem. Quer conversar sobre isso?
Eu não estava certo se queria. Geralmente, ninguém
me perguntava a respeito disso, e não era algo que eu
costumasse contar a qualquer pessoa. Talvez, estando à
beira de uma crise de pânico, o melhor a ser feito seria
tentar desviar os pensamentos para outras coisas, mas eu
achava que isso seria muito difícil com o som forte da
chuva que batia contra a lataria do ônibus.
E acho que, além de tudo isso, eu também sentia que
precisava falar a respeito. E, por qualquer razão, confiava
em Laura o suficiente para isso. Existia algo nela que me
fazia me sentir à vontade, como se já nos conhecêssemos
há anos.
Sendo assim, comecei a narrar as lembranças que me
consumiam durante temporais como aquele.
— Eu não tive pai. Minha mãe me criava sozinha, seu
único apoio era a minha avó, que cuidava de mim quando
ela estava de serviço. Minha mãe era comissária de bordo.
E, bem... para resumir... Foi durante um temporal que o voo
em que ela estava sofreu um acidente. Como você pode
imaginar, foi uma catástrofe de repercussão mundial. Não
houve nenhum sobrevivente.
Ela apertou a minha mão com mais força.
— Eu sinto muito.
— Bem, acho que meu medo de avião veio daí. Eu
nunca entrei em um, para falar a verdade. A mera menção
a esse meio de transporte sempre me fez recordar a forma
como a minha mãe morreu. Eu era ainda muito pequeno,
mas era chocante ver o quanto a mídia se fixou nesse caso
durante semanas. Só se falava disso, e foi muito
traumatizante para os parentes dos sobreviventes.
— Eu não posso nem imaginar. É natural que isso
também te traga essas crises durante temporais.
— De início, não. Eu era muito pequeno para assimilar
a isso. Mas a minha avó adquiriu uma depressão profunda,
ela tinha crises de choro sempre que chovia. Apenas
alguns meses depois, ela teve uma parada cardíaca, em
casa. Estava chovendo muito naquela noite. Eu era muito
pequeno, para mim ela tinha apenas dormido, mas eu não
conseguia acordá-la e aquilo me deixou em pânico.
Mais um trovão se fez ouvir e eu novamente fechei os
olhos. Tantos anos depois, aquele som ainda despertava
em mim as lembranças mais aterrorizantes, de como eu
sacudia a minha avó para que ela acordasse, até o
momento em que eu compreendi, de alguma forma, que
ela não acordaria nunca mais.
Que ela, assim como a minha mãe, tinha ido embora.
Foi assim que, sem mais parentes vivos, eu fui parar
em um orfanato.
Senti a mão de Lara a apertar a minha com mais força e
voltei a abrir os olhos.
— Sinto muito por tudo isso — ela repetiu. — E também
por te fazer relembrar.
Balancei a cabeça em uma negativa.
— Foi bom falar a respeito. Não é algo que eu costume
contar a qualquer pessoa.
— Se quiser falar mais...
— Não. Acho que agora que já desabafei, prefiro que a
gente converse sobre outras coisas.
— Claro. Sobre o que quer falar?
— Bem, eu já contei muito sobre mim. Poderia agora
contar um pouco sobre você também.
— Mais do que já contei?
— Sempre existe mais a ser contado.
— Então pergunte o que quer saber.
Pensei por um momento se deveria externar a dúvida
que eu tinha em mente. Poderia soar indiscreto, ou até
mesmo como um babaca com segundas intenções, como o
idiota do ônibus que a havia abordado. Mas tais dúvidas
eram mais fortes, por isso simplesmente despejei:
— Eu apenas fiquei curioso a respeito do pai do Daniel.
Você não mencionou nada a respeito dele. Não estão mais
juntos?
Os sorriso dela se desfez e ela bufou, o que me dava
um sinal de que eu tinha ido longe demais em minha
curiosidade.
— Desculpe, Laura, não precisa falar nada a respeito
caso não queira.
— Não, tudo bem. Nós não estamos mais juntos. Nunca
estivemos, na verdade. Eu estava terminando a faculdade,
em uma fase meio aloprada da vida, querendo curtir a
juventude e tudo mais. Ele era meio que o meu ficante
oficial. Sem compromisso. Até que fiquei grávida e ele,
logicamente, não quis assumir. Era sem compromisso em
qualquer esfera, segundo ele mesmo deixou claro.
— Ele era um completo idiota. Não importa se vocês
não tinham ou não um compromisso. Um filho é um filho.
— Eu sei, mas ele não entendeu isso. E, sinceramente,
até preferi que fosse assim. Meu filho e eu estamos bem. É
difícil, não tendo a minha família por perto, mas... Eu tenho
dado conta de tudo até então.
— E muito bem.
— Talvez nem tanto. Que tipo de mãe louca se mete
sozinha com o filho de onze meses em uma viagem de
mais de um dia de estrada?
— Do tipo que ama a sua família e quer que ela fique
junta no Natal.
— Bem... Talvez eu seja realmente a louca do Natal e a
louca da família.
— É um tipo muito bom de loucura. Se eu tivesse uma
família, provavelmente iria querer passar datas importantes
com ela.
— Bem, nunca é tarde demais para criar a sua própria
família.
Concordei, embora pensasse no quanto tudo aquilo
parecia tão distante para mim. Desde que completei
dezoito anos e saí do abrigo, que dedicava todo o meu
tempo ao trabalho. Mesmo agora, fazendo aquela viagem
de tantos dias, sentia-me mais à vontade para isso
exatamente por estarmos em meio aos feriados de fim de
ano e, apesar de as vendas crescerem consideravelmente,
todos os outros setores da empresa já começavam a
reduzir o ritmo de trabalho para entrarem em recesso e,
com isso, eu me sentia um pouco mais tranquilo em me
ausentar por tantos dias.
Por conta disso, eu nunca me permiti assumir
relacionamentos duradouros. A ideia de criar uma família
não era algo que efetivamente se passasse pela minha
mente com frequência.
Mas ali, naquele ônibus, vendo Laura e Daniel e
todo o sacrifício que os dois faziam para estarem com seus
entes queridos, acendia em mim uma pequena faísca de
vontade de algum dia também poder ter aquilo em minha
vida.
— Você percebeu uma coisa? — ela voltou a falar,
trazendo de volta a minha atenção. — Conversar te fez tão
bem, que você nem notou que a chuva diminuiu.
Ela virou o rosto para a janela, e segui os olhos na
mesma direção, vendo que ela tinha razão. No trecho da
estrada onde agora estávamos, a chuva já caía bem fina.
Eu já tinha me tranquilizado com aquela conversa de uma
forma com que, realmente, não tinha percebido aquilo. Mas
ver que a tempestade chegava ao fim e o céu já começava
a se abrir me fez respirar aliviado.
— Obrigado... — agradeci, voltando a olhar para
Laura.
Ela piscou aqueles lindos olhos verdes, parecendo
não entender os motivos daquele agradecimento.
— Pelo quê?
— Como eu disse, eu não costumo falar do meu
passado. Mas essa foi a primeira vez, em muitos anos, que
me senti completamente à vontade para fazer isso. E isso
me fez muito bem.
Ela sorriu e percebi que tomou fôlego para dizer
alguma coisa, mas, ao invés de qualquer palavra, o que
saiu de sua boca foi um grito aflito, em coro com os de
outros passageiros, quando algo aconteceu.
O ônibus simplesmente freou. Não estava em uma
velocidade acima dos limites, mas por estar em uma
autoestrada e com a pista molhada pela chuva, uma freada
brusca em um veículo grande indo a quase 60 km por hora
foi o suficiente para dar um grande susto em todos. Agi
rápido e envolvi o corpo de Laura e de seu bebê com o
braço, impedindo que viessem a colidir contra a poltrona da
frente.
O som dos pneus deslizado sobre o asfalto molhado
fez com que o desespero dos passageiros aumentasse, até
que, por fim, o ônibus parou antes que chegasse a colidir
contra o veículo à frente.
— Você está bem? — perguntei a Laura, ainda
tendo ela protegida pelos meus braços.
Ela estava com os olhos cerrados, nitidamente
apavorada, e segurava seu filho com força.
Lentamente, parecendo se dar conta de que estava
segura, ela abriu as pálpebras. Seus olhos verdes se
encontraram diretamente com os meus e aquilo pareceu
exercer um feitiço sobre mim.
Desviei os olhos por um momento para os seus
lábios lindos e convidativos, que pareciam atrair os meus
como um ímã.
Nossos rostos se aproximaram devagar, mas
paramos quando o choro de Daniel chegou aos nossos
ouvidos, despertando ambos para a realidade.
Aquela realidade em que nenhum de nós fazia a
menor ideia do que estaria acontecendo.

-----**-----
Capítulo 9

“Era uma vez em uma cidade como esta


Uma menininha que fez um desejo enorme
Para encher o mundo cheio de felicidade
E estar na lista mágica do Papai Noel”
(Shake Up Christmas - Train)

Em um momento, nós conversávamos, com a


descontração de quem se conhecia há uma vida inteira.
No seguinte, foi como se eu tivesse sido sugada para
uma realidade paralela, e tudo o que eu senti foi medo.
Era um acidente? Aquele som dos pneus se arrastando
no asfalto molhado terminaria em uma batida? Eu não
pensei em se eu iria me machucar. Todo o meu
pensamento foi focado no meu filho, tão pequeno, tão frágil
e indefeso. Ele se machucaria?
Foram apenas alguns poucos segundos, mas um
milhão de pensamentos percorreram a minha mente
naquele momento. Assim como a avó de Rodrigo não
resistiu à perda da filha, eu também morreria se qualquer
coisa acontecesse com o meu bebê. Eu só conseguia pedir
a Deus para que o protegesse.
E Deus pareceu agir por meio do braço forte que nos
acolheu, nos segurando e evitando que nos chocássemos
contra a poltrona da frente.
— Você está bem? — a voz masculina chegou aos
meus ouvidos, parecendo ao mesmo tempo aquecer a
minha alma.
Eu estava bem. Graças a ele.
Abri os olhos devagar, encontrando diretamente os dele
bem diante de mim. E, mais uma vez, fui novamente
transportada para uma nova realidade. Desde que fiquei
grávida que coloquei firmemente na minha cabeça que
homens eram sinônimo de problemas, e decidi que todo o
meu foco seria no meu trabalho e em cuidar do meu filho. E
estava me saindo muito bem nisso, até aquele homem
surgir na minha frente.
Ali, eu quis mandar a prudência para o espaço e
apenas me entregar. Quis beijá-lo. Somente um beijo, que
mal haveria nisso? Ele também, queria, isso era bem nítido
pela forma com que ele encarava os meus lábios.
Apenas um beijo...
Que não aconteceu, porque nesse momento Daniel
acordou, chorando, me trazendo de volta à realidade.
À realidade certa dessa vez.
Eu imediatamente o olhei, preocupada, temendo que
tivesse se machucado. Mas ele parecia bem, estava
apenas assustado com tudo aquilo. E obviamente não era
o único.
O motorista desceu do ônibus e, na sequência, vários
passageiros o seguiram. Até mesmo o babacão que deu
em cima de mim em duas paradas.
— Laura, vocês estão bem? — Rodrigo repetiu,
nitidamente preocupado.
Eu o olhei, tentando acalmá-lo.
— Sim. O Dani parece apenas assustado. O que será
que aconteceu?
— Não sei. Parece que o trânsito está parado aí na
frente, deve ter acontecido algum acidente mais adiante.
— Será que alguém se machucou? Eu sou médica,
posso ajudar em algo.
— Eu vou ver o que aconteceu. Por enquanto, fique
aqui com o Daniel, ainda está chovendo um pouco lá fora.
Se precisarem de uma médica eu venho chamar você, tudo
bem?
Concordei e observei enquanto ele descia do ônibus.
Enquanto isso, coloquei no tablet um desenho para
Daniel assistir, até que ele se acalmasse, e tentei, pelas
janelas, me situar sobre onde estávamos. Eu reconhecia o
local. Ficava a pouco mais de uma hora da rodoviária final,
o que significava que estávamos a pouco mais de uma
hora e meia da casa dos meus pais. Era o trecho que saía
da estrada principal para entrar em uma pequena cidade, a
qual precisávamos atravessar para chegar ao destino.
E o problema parecia estar justamente nessa saída,
porque a estrada principal aparentemente seguia fluindo
normalmente, sem retenções.
Os minutos foram passando e eu fui ficando cada vez
mais nervosa. Até que, finalmente, Rodrigo voltou a entrar
no ônibus, vindo em minha direção. Sentou-se ao meu
lado, parecendo consternado.
— O que aconteceu? — perguntei, ainda mais aflita.
— Calma. Aparentemente ninguém se machucou.
Respirei aliviada, agradecendo mentalmente a Deus por
aquilo. Se não havia vítimas em seja lá o que tivesse
acontecido, tudo estava bem, e logo poderíamos reiniciar a
viagem.
Mas... se era assim, por que o motorista ainda não
havia voltado?
Ouvi um burburinho nervoso de vozes do lado de fora, o
que mostrava que os passageiros, assim como as outras
pessoas dos outros veículos à frente, não estavam nem um
pouco felizes com a situação. Fosse ela qual fosse.
— Rodrigo, o que está acontecendo? — voltei a
perguntar, aflita por respostas.
— Você conhece essa região?
— É, eu conheço. A casa dos meus pais fica a menos
de duas horas daqui.
— Então sabe da ponte bem aí à frente?
É claro que eu sabia. Aquela cidadezinha era cortada
por um extenso rio.
— É, eu sei. Algum carro caiu da ponte, é isso? —
Voltei a ficar nervosa. Ele havia falado sobre ninguém ter
se machucado, mas não mencionou sobre alguém ter
morrido, não é?
— Então... você sabe se, além dela, existe outra para
atravessar esse rio?
— Até onde eu saiba não. Ao menos não em muitos
quilômetros.
— Muitos quantos? Uns cinquenta?
— Acredito que bem mais do que isso. Existem outras
rotas para ir para a minha cidade Natal, mas... Para todas
elas, deveríamos ter seguido em outra estrada a no mínimo
umas oito horas atrás.
— Foi o que eu imaginei. — Ele suspirou, parecendo
tenso. — Bem, temos um problema sério então, porque...
aparentemente, a ponte caiu.
— O quê? — eu praticamente gritei.
Ainda tive esperanças de que ele fosse rir e dizer que
tudo não passava de uma piada. Novamente, imaginei se o
Luciano Huck não entraria no ônibus contando que eu
havia sido pega em uma brincadeira armada por qualquer
idiota que eu pretendia matar em breve.
Mas, não... Não teve nenhum apresentador de TV, e
Rodrigo permaneceu sério.
— Parece piada, mas é isso... A ponte caiu.
Desesperei-me, fazendo os cálculos mentais de quanto
tempo seria adicionado na viagem para retornarmos e
tentarmos uma nova rota. Oito horas retornando na mesma
estrada até o ponto em que havia uma saída para outra
rodovia que serviria como caminho alternativo, e de lá mais
umas... Doze horas, talvez um pouco mais... até o destino
final. Seria mais quase um dia inteiro de viagem.
— Eu não vou chegar a tempo para o Natal... —
murmurei, em choque.
Rodrigo tentou me acalmar.
— Hoje ainda é dia vinte e dois. Seja lá o que for
decidido, você certamente chegará a tempo para o Natal,
fique tranquila.
— E quem vai decidir isso?
— O motorista está no telefone conversando com
representantes da empresa. Parece que de lá estão em
contato com a prefeitura para entenderem o que aconteceu
e quais as perspectivas... Vamos apenas aguardar.
Aguardar... ainda mais?
Quanto tempo?
E, pior, se a solução encontrada fosse meramente
voltarmos para o ponto de onde partimos? E se todo
aquele esforço de horas tivesse sido em vão, e Daniel e eu
fôssemos passar nosso Natal em casa, longe da nossa
família? Como eu iria dar aquela notícia aos meus pais?
Permaneci em silêncio, tentando processar tudo aquilo,
até que os passageiros voltaram a entrar no ônibus. Todos
visivelmente nervosos e confusos. O motorista veio logo
atrás, e entendi que tinha pedido a todos para que
entrassem para que, dessa forma, pudesse explicar o
ocorrido.
E ele assim o fez:
— A prefeitura informou que, por essa ponte já estar
velha e correndo há anos o risco de desabar, existe outra
sendo construída mais adiante. Seria inaugurada no início
do ano, já está praticamente finalizada, precisando apenas
de autorização para ser aberta. Eles vão apressar as
coisas, e a expectativa é que amanhã, no máximo no final
da manhã, tudo seja resolvido.
A voz dele foi interrompida pelo alvoroço causado pelos
outros passageiros. Eu não consegui dizer nada, mas
compreendia a revolta de todos. Estávamos já tão
próximos de concluir a viagem, e agora tudo seria atrasado
por... o quê? Quinze? Dezesseis? Dezoito horas?
A maioria dos questionamentos era a respeito de onde
iríamos passar a noite, e o motorista tentou nos tranquilizar.
— A empresa de ônibus vai pagar pelas hospedagens
em uma pousada da cidade. Já foi feito um contato para lá,
e tem quartos vagos para todos. Se tudo der certo, pela
manhã estaremos retomando nossa viagem, e se Deus
quiser todos poderão almoçar já em seu destino final.
Almoçar com a minha família era tudo o que eu mais
queria. Por isso, esperava de coração que ele estivesse
certo naquilo.
Alguns passageiros ainda tentaram discutir e questionar
por outras alternativas. O mais nervoso deles era
justamente o babaca que tinha dado em cima de mim, e
era o que fazia as perguntas mais estúpidas. Finalmente, o
motorista conseguiu convencê-los de que não existia
alternativa melhor naquela situação, e então todos enfim
voltaram a se sentar.
O ônibus voltou a andar, dessa vez pegando um retorno
para chegar a outra entrada da cidade. Foi um trajeto de
uns quinze minutos até chegarmos à tal pousada.
E eu me mantive até lá em completo silêncio, e Rodrigo
também. Dani ria com o desenhos que assistia, feliz por
estar completamente alheio a toda aquela situação. E eu
daria qualquer coisa para, naquele momento, ter a mesma
inocência que ele.
— Está tudo bem, Laura? — Rodrigo voltou a me
perguntar.
Só então me dei conta de que o ônibus já estava
parado há algum tempo e os passageiros já terminavam de
descer, restando ali apenas nós três ainda sentados em
nossas poltronas.
Soltei um suspiro cansado.
— Em pensar que eu achei que era exagero aquele seu
papo de sair com tantos dias de antecedência do seu
compromisso porque “imprevistos poderiam acontecer”.
Ele riu, embora também não parecesse muito feliz.
-----**-----
Capítulo 10

“Eles sabem que o Papai Noel está a caminho


Ele encheu seu trenó de muitos doces e brinquedos
E todas as crianças vão ficar espiando
Para ver se as renas sabem mesmo voar”
(The Christmas Song - Justin Bieber FEAT Usher)

A pousada era relativamente grande para uma


cidadezinha tão pequena, contava com três andares e se
localizava em um belo terreno, com piscina e um
restaurante.
Por conta do meu medo de avião, eu viajava pouco,
mais para cidades dentro do meu próprio estado, onde eu
poderia ir com o meu carro. Mas, obviamente, estava
acostumado a hospedagens luxuosas. Mas de qualquer
maneira, eu não tinha dúvidas de que aquele era um dos
lugares mais encantadores onde eu já havia parado.
Todo o hall estava decorado para o Natal. E mesmo que
eu não tivesse qualquer apreço especial por aquela data,
precisava confessar que a beleza da grande árvore
montada ao centro do salão, repleta de luzes douradas, no
mesmo tom das que cobriam as paredes do espaço, junto
a guirlandas e outros enfeites mexeu comigo de alguma
forma.
Por estar com um bebê, Laura recebeu prioridade no
atendimento da recepção e logo recebeu a chave de seu
quarto. Então ela se afastou, indo se sentar em um
aparentemente confortável sofá próximo à árvore de Natal.
Ali na fila, aguardando a minha vez de ser atendido, eu a
observei, e a vi deixando suas bolsas sobre a mala de
viagem no chão diante de si. Ela colocou Daniel sentado ao
seu lado e deixou a chave no sofá do seu lado oposto,
provavelmente para que seu filho não decidisse brincar
com ela, e então começou a desdobrar um carrinho de
bebê.
A forma como aquela mulher parecia se transformar em
mil para dar conta de tantas coisas, como se dispunha a,
sozinha junto a um bebê, usar sua única folga do ano para
fazer uma cansativa viagem de mais de mil quilômetros por
terra apenas para estar junto à sua família... tudo isso me
fazia admirá-la demais. Eu a conhecia a menos de um dia,
mas era como se anos tivessem se passado desde o nosso
primeiro contato não tão simpático assim até aquele
momento.
Sem contar que... Meu Deus, como ela era linda. E
incrivelmente sexy, mesmo que não tivesse, naquele
momento, a intenção de ser. Usava roupas confortáveis –
provavelmente pensadas para a viagem – compostas por
uma calça legging e uma camisa azul, comprida e bem
soltinha ao corpo, com botões na frente, provavelmente
para facilitar nos momentos de amamentação. A legging
marcava bem as pernas torneadas, e os cabelos castanhos
caídos sobre os ombros lhe forneciam um charme a mais,
emoldurando o rosto que observava de forma concentrada
o carrinho de bebê.
Todo o encanto do momento, no entanto, foi quebrado
quando vi aquele sujeito idiota se aproximar dela. O
babaca do ônibus, que já a havia abordado outras vezes,
agora se sentava ao seu lado e apontava para a chave do
quarto dela, parecendo dizer algo que eu, à distância, não
consegui compreender.
Minha atenção para aquilo foi desviada quando a
recepcionista me chamou, informando que tinha chegado a
minha vez. Dividi minha atenção entre o atendimento e a
cena. Como não faríamos nenhum pagamento, já que as
hospedagens seriam por conta da empresa de ônibus, meu
atendimento não demorou muito e logo peguei a minha
chave, indo imediatamente até Laura.
— Está tudo bem por aqui? — indaguei, cortando seja
lá o que aquele imbecil dizia.
Ele resmungou mais qualquer coisa e se levantou, indo
para o elevador. Laura respirou profundamente quando se
viu livre daquele traste.
— Que bom que chegou... — ela confessou, parecendo
aliviada.
— Aquele sujeito te fez alguma ameaça?
— Mais ou menos. Não de forma direta, mas... fez
questão de olhar o número do meu chaveiro e me mostrar
que está no quarto bem ao lado do meu.
— Ele não se atreveria a tentar qualquer gracinha
contra você.
— Por mais que eu saiba disso, é difícil não ficar
insegura, não é? E você, em qual quarto ficou?
— 302 — respondi. Então olhei para a chave dela, que
continuava sobre o sofá, e vi o número em seu chaveiro:
208. — Aparentemente, estaremos em andares diferentes.
Ela pareceu desanimada com isso, e eu percebi que
estava realmente com medo de que aquele idiota pudesse
tentar algo contra ela no meio da noite
Tentei pensar em alguma coisa a respeito disso, mas
meus pensamentos foram interrompidos quando a porta da
pousada subitamente se abriu e todos os olhares se
voltaram para lá. Tinha algumas crianças com seus pais no
saguão, e vi os olhos deles brilharem antes de todos
correrem em direção à porta.
Olhei para lá e compreendi o motivo da empolgação.
Era um homem gordo e barbudo, vestido de Papai Noel.
— Feliz Natal a todos! — ele nos cumprimentou, antes
de soltar a famosa risada de Papai Noel.
Ele foi guiado por uma funcionária do hotel até uma
cadeira vermelha, de madeira, localizada bem ao lado da
árvore. Aparentemente, aquele lugar levava as tradições de
Natal bem a sério.
Uma fila de crianças e adultos logo começou a se
formar para tirar uma foto com o personagem, mas não dei
muita confiança a isso e logo voltei a olhar para Laura. Foi
impossível deixar de sorrir ao notar que ela olhava
encantada para aquilo.
— Vai querer tirar uma foto com ele? — perguntei,
numa leve provocação.
Ela me olhou e, como uma criança, apontou para ele.
— Ele não é lindo?
— É um velho barbudo com uma roupa pesada demais
para um mês de dezembro no Brasil.
— Ah, eu não acredito que nem com o bom velhinho em
pessoa você consegue sentir a magia do Natal!
— “Em pessoa”? — voltei a rir.
Ela me ignorou completamente e pegou Daniel no colo,
levantando-se e apontando para o Papai Noel.
— Olha ali, filho! É o Papai Noel! Olha, olha!
E Daniel de fato olhou. E ele não negava ser filho da
Laura, porque logo demonstrou uma empolgação bem
parecida com a dela e começou a sacudir os bracinhos
como se mostrando que queria ir até lá.
— Sim, filho, nós vamos lá falar com ele! Já escolheu o
que você vai querer pedir de presente, hein? — Daniel
balbuciou qualquer coisa sem sentido e Laura vibrou, como
se tivesse compreendido aquilo perfeitamente. — É
mesmo, Dani? Vamos pedir a ele então.
Ela o colocou dentro do carrinho e pegou sua bolsa,
tirando o celular de dentro dela. Estiquei a mão, pedindo o
aparelho.
— Deixe que eu tiro a foto — ofereci-me.
— Não precisa, eu mesma posso tirar a foto do Dani
com ele.
— E quem tira a sua? Ou você acha que eu não percebi
que está louca para tirar também?
Ela mordeu os lábios, nitidamente tentando conter um
sorriso. Como uma criança sendo pega fazendo alguma
arte da qual não se arrependia nem um pouco.
— Acho que o Dani vai querer ter uma lembrança com o
Papai Noel e com a mãe dele na mesma foto, não é?
— Claro. Sabemos que são as crianças que fazem
questão de crescer olhando para suas fotos de bebê no
colo de Papai Noel, nem são as mães que fazem questão
desse tipo de coisa.
— Eu guardo até hoje minhas fotos de criança com o
Papai Noel.
— Mas o seu Papai Noel era o seu pai, não um
desconhecido.
— Você vai tirar a foto pra gente ou vai ficar bancando o
Grinch que odeia o Natal? Anda, vem!
Ela enfim me entregou o celular e saiu empurrando o
carrinho. Eu a segui, sem conseguir tirar aquele sorriso
bobo do meu rosto. Como era possível aquela mulher
adulta, médica, mãe... ao mesmo tempo ser também como
uma menina?
A cada instante que passava eu ficava ainda mais
encantado com ela.
Eu os acompanhei até a pequena fila, e dessa vez todo
o meu encanto foi para o bebê que, de dentro do carrinho,
sorria enquanto olhava encantado para o Papai Noel.
Aproveitei para tirar algumas fotos dele, e peguei alguns
sorrisos lindos.
Enfim chegou a nossa vez. Laura levou Daniel para
perto do Papai Noel. Uma assistente entregou um gorro
vermelho para cada um deles. Daniel se sentou no colo do
bom velhinho e Laura se abaixou ao lado.
Tirei uma foto, que saiu linda. Laura exibia seu maior
sorriso e Daniel estava com a cabeça levantada, olhando
para o Papai Noel e com seus olhinhos brilhando
intensamente. Quando devolvi o celular a Laura, pensei em
se seria muita ousadia da minha parte pedi-la para me
enviar aquela fotografia. Eu adoraria guardá-la de
recordação.
Enquanto Laura olhava as fotos em seu celular, eu
me distraí por um momento vendo as crianças que ainda
aguardavam para tirarem uma foto com o Papai Noel.
Aquilo me remeteu à minha própria infância, e me fez
pensar no quanto eu teria sido feliz se também pudesse ter
vivido momentos como aquele. Com aquela tal ‘magia de
Natal’ que Laura tanto falava.
Ao mesmo tempo, pensei também nas crianças do
abrigo que eu iria visitar, que provavelmente tinham uma
vida bem parecida com a que eu levava quando criança.
Eles tinham um teto, comida e roupas... mas eu sabia bem
que aquilo não era tudo. Aquilo, na verdade, era muito
pouco perto de tudo o que uma criança merecia.
— Rodrigo? — Laura me chamou. Pelo seu tom de
voz, percebi que não deveria ser a primeira vez.
— Desculpe, eu me distraí — comentei, voltando a
olhar para ela.
— No que estava pensando?
Fui sincero e direto na resposta:
— Nessa coisa de magia do Natal. E no quanto eu
queria que ela existisse para todos.
— Eu também queria. Mas a única coisa que está em
minhas mãos é tentar levá-la para outras pessoas.
Fiquei pensando a respeito daquilo.
Será que eu seria capaz de levar a alguém algo que
nem eu mesmo possuía?

------**-----
Capítulo 11

“Deixei uma marca em minha carta, foi selada com um beijo


Coloquei no correio e disse isso:
Eu sei exatamente o que quero este ano
Papai Noel, você está me ouvindo?
Eu quero o meu amor, o meu amor”
(My Only Wish - Britney Spears)

Quando fui para o quarto, confesso que não consegui


deixar de pensar naqueles momentos passados junto a
Rodrigo. Por mais bobos que pudessem parecer, foram tão
bons, que eu sabia que levaria sempre comigo em minha
memória.
Apenas na memória, logicamente, porque iríamos nos
despedir no dia seguinte. Pelo planejado, já era para
termos nos despedido. Aquele incidente com a ponte mais
parecia o destino agindo para nos dar algumas horas a
mais juntos.
Eu era grata por isso, não poderia negar.
Outra coisa pela qual eu era grata era em ter um
chuveiro para enfim poder tomar um banho depois de mais
de vinte e quatro horas dentro de um ônibus. Foi relaxante,
ainda que tivesse sido rápido, enquanto observava Daniel
no carrinho de bebê que eu precisei levar comigo para
dentro do banheiro. Desde que ele tinha nascido que tomar
um banho demorado tinha se tornado um verdadeiro luxo
para mim.
Depois, dei um banho também nele, que ficou
igualmente feliz com aquilo. Pobrezinho, já devia estar
também louco para ter seu corpinho limpo de verdade com
água, e não apenas com os lencinhos umedecidos que
quebraram um galho durante a viagem.
— Sabe qual a parte boa dessa parada, bebê? —
perguntei, enquanto o enxugava. — Vou poder te dar outro
desses amanhã cedo, e você estará bem cheiroso quando
encontrar com seus avós, sua tia e sua prima. Eles vão
amar ainda mais beijar e apertar você estando com esse
cheirinho bom de sabonete.
Dei um beijo misturado a um cheiro na bochecha de
Dani, que explodiu em uma deliciosa gargalhada.
— Aliás, o que acha de ligarmos para eles, hein?
Dani, obviamente, não respondeu, mas interpretei
apenas seu sorriso como um sonoro sim. Voltei para o
enorme quarto onde tínhamos sido acomodados e o
coloquei sobre a cama de casal. Peguei roupas limpas na
mala e o vesti.
Ainda com os meus cabelos molhados, peguei meu
celular e fiz uma chamada em vídeo para a minha irmã.
Logo que cheguei à pousada, já havia mandando uma
mensagem de voz para ela, contando resumidamente o
que acontecera, mas não tínhamos ainda conversado a
respeito disso.
Ela aceitou a ligação e, como eu esperava, na tela
surgiram também os meus pais e minha sobrinha. Meu
coração sempre se aquecia quando via aqueles quatro. Eu
não via a hora de Dani e eu estamos juntos a eles.
— Até que enfim, minha querida! Como você está? —
minha mãe já foi logo falando, aflita.
Eu imaginei que ela estivesse assim. Por mais que na
minha mensagem eu tenha tentado tranquilizá-los – com
uma calma que, aliás, eu sequer sentia verdadeiramente
no momento – conhecia meus pais o suficiente para saber
que estariam bem chateados e preocupados com toda
aquela situação.
Como se entendendo tudo aquilo e tentando quebrar
um pouco o clima, Daniel agarrou o meu celular e deu um
gritinho de alegria, como se estivesse cumprimentando a
família.
Logicamente, todos se derreteram e começaram a falar
com ele.
Porém, minha mãe logo voltou ao assunto:
— Eu sinto tanto por isso, minha querida. Era para
vocês já estarem aqui com a gente.
— Eu sei, mãe. Mas não se preocupe, serão apenas
algumas horinhas a mais. Amanhã estarei por aí, ainda a
tempo de sair para comprar os presentes de Natal.
— Não queremos presentes, querida. Queremos
apenas a presença de vocês.
Minha sobrinha de doze anos enfiou a cabeça bem na
frente da câmera para retrucar aquela informação:
— Tia, eu quero presente, sim! Ai, mãe! — ela gritou
quando minha irmã, de brincadeira, deu um tapa da cabeça
dela.
— Tenha modos, Giovana! Você não quer nada!
Todos nós rimos e eu respondi:
— Você terá um presente, minha princesa. Alguma vez
sua tia deixou de comprar alguma coisa para você?
— Mas é brincadeira, tia. Meu presente vai ser
conhecer o meu priminho.
Eu sabia que ela estava sendo sincera, e isso aqueceu
ainda mais o meu coração. Giovana tinha sido o primeiro
amor maior da minha vida. Ainda me lembrava bem de
quando minha irmã me contou que estava grávida e eu
prometi a ela e a mim mesma que seria capaz de tudo pela
felicidade daquele bebê – que hoje já era uma adolescente.
Bem, assim como o Daniel, ela seria para sempre o
meu bebê, e eu esperava que estivesse ciente disso.
Como eu estava a respeito dos meus pais, que
fatalmente sempre me veriam como uma garotinha.
Como se comprovando esse pensamento, meu pai
indagou:
— Você está bem instalada, minha filha?
— Até demais, pai. Me colocaram em um quarto
enorme, com dois ambientes. Aqui tem uma cama de
casal, e o no outro tem duas camas de solteiro. Cabe uma
família inteira aqui.
— Pelo menos isso. Fico mais tranquilo que ao menos
esteja bem alojada, com conforto e segurança. — Ele se
virou para a minha mãe. — Querida, acho melhor irmos
logo, ou vamos nos atrasar.
Como eu podia ter me esquecido daquilo? Desde que
eu era criança que todo dia vinte e dois de dezembro meus
pais tinham um compromisso inadiável.
— É verdade — minha mãe confirmou, só então
parecendo se dar conta de que já estavam no horário de
sair. — Ah, Laura, é uma pena que você não tenha
chegado a tempo de ir ao bingo beneficente da igreja com
a gente.
— É uma pena mesmo, mãe — havia sarcasmo na
minha voz, mas meus pais, por sorte, não pareceram
perceber e seguiram com as despedidas.
Eles saíram na frente, mas Giovana – que também
estava arrumada para sair – ainda ficou ali por algum
tempo, com uma cara emburrada.
— Tia, me explica uma coisa: por que eu tenho que ir
nesses programas de velho e minha mãe não?
Minha irmã respondeu por mim:
— Porque você ainda não tem idade suficiente para
dizer não. Eu acompanhei os dois nesses bingos anuais
durante anos, já passei pela minha cota de sofrimento, é a
sua vez.
— E com que idade eu vou poder dizer não a eles?
— Só depois dos trinta — minha irmã retrucou,
deixando a filha assustada.
Dei a minha opinião:
— Não é querendo te deixar desanimada, Gi... Mas o
cálculo da sua mãe deve estar mais ou menos certo. Tenho
vinte e seis e, se tivesse chegado a tempo, provavelmente
também seria recrutada a ir nesse evento imperdível.
— Não é tão ruim assim — Isabela falou. Claro, sem
credibilidade alguma para aquilo.
— Então por que você não vai? — Giovana rebateu.
— Porque tenho uma filha para mandar no meu lugar.
Logo que o Dani crescer um pouco, Laura fará o mesmo
com ele.
— Então só vou poder deixar de ir ao bingo com meus
avós quando eu tiver um filho pra mandar ir no meu lugar?
— Exatamente isso. Agora vá logo que seus avós estão
te esperando no carro. E se comporte.
— Que sacooooo! — ela revirou os olhos. Despediu-se
de mim e de Dani e saiu.
Logo que eu ouvi a porta se fechando, impliquei com
minha irmã:
— Se ela ficar grávida antes mesmo de entrar na
faculdade, como aconteceu com você, não venha reclamar
comigo depois.
— Nunca contei a verdade para você, mas na verdade
eu fiquei grávida só para poder mandar outra pessoa no
meu lugar nos bingos anuais da igreja.
Nós duas rimos e eu pretendia seguir falando sobre
assuntos familiares, mas minha irmã obviamente não
perdeu a oportunidade de entrar em outra questão:
— Então, você e o CEO bonitão no mesmo hotel... Se
isso não é um recado direto do universo mandando você
agarrar aquele homem, eu não sei mais como chamar.
— Ele está em outro quarto, em outro andar, inclusive, e
eu estou aqui com o meu bebê, não se esqueça disso.
— Disse que seu quarto é enorme e tem dois
ambientes, oras. Coloque o Dani para dormir no outro e
convide o bonitão para te fazer companhia.
— Isa, pelo amor de Deus! Eu mal conheço o cara!
Aquilo era, ao mesmo tempo, uma grande verdade e
uma grande mentira. Eu realmente o conhecia há um
tempo curto. Um dia, pouco mais de vinte e quatro horas.
Mas, ao mesmo tempo, tinha sido um período de tempo tão
intenso, que eu sentia como se fosse errado dizer que mal
o conhecia.
Mas a intenção era fazer minha irmã desistir daquelas
ideias insanas.
Não deu certo, evidentemente.
— Ele é o Rodrigo Costa. Dono da Carpe Diem. A
empresa com a melhor torta alemã e os melhores bolinhos
que já comi na vida. ...Aliás, você conseguiu com ele a
receita daquele bolinho?
— É industrializado, Isa. Provavelmente não
conseguiremos reproduzir em casa.
— Consiga receita, e veremos se eu não consigo.
Posso fazer para a ceia de Natal. E você pode trazê-lo aqui
para provar e dizer se ficou ou não parecido.
— Isa, eu não vou levá-lo para casa no Natal. O que
nossos pais vão pensar?
— Sabe que mamãe faria uma festa se você
aparecesse com um namorado. Imagina se esse namorado
for o dono da Cape Diem? Certeza de que ela arrancaria a
receita dele de qualquer jeito.
“Namorado”? Agora ela estava indo longe demais.
— Repito, Isa, eu e ele mal nos conhecemos. Não tem
isso de ‘namorado’, sem chance!
— Nem uns pegas, mana? Sério? Pelo amor de Deus,
só se vive uma vez na vida. Aproveite o momento.
— Eu vou aproveitar o momento, mas para arranjar algo
para eu e meu filho jantarmos, certo? Boa noite para você.
— Você é uma chata, Laura. Beijos, até amanhã.
— Amamos você. Depois me conta o que nossos pais
ganharam no bingo.
— Espero que algo melhor do que aquele centro de
mesa de crochê horroroso do ano passado. Também amo
vocês. Ouviu, Dani? A tia te ama, e vai te apertar muito
amanhã!
Daniel acenou para a tela, dando tchau para a tia e
também mandando beijos, como tinha aprendido a fazer há
pouco tempo. Então, desliguei a ligação.
Peguei meu filho no colo e fui com ele até uma mesinha
que ficava ao lado da porta, onde ficava o telefone, junto a
um cardápio do restaurante da pousada. Pensei em
escolher algo para Dani e eu comermos, mas parei quando
um barulho na porta chamou a minha atenção.
Olhei para lá e sobressaltei ao ver que alguém mexia na
maçaneta, tentando abri-la.
Os piores pensamentos possíveis se passaram pela
minha mente. E apenas ganharam mais força quando duas
vozes masculinas começaram a discutir no corredor.
Reconheci uma delas como sendo a de Rodrigo.

-----**-----
Capítulo 12

“A época de Natal está no ar novamente


Sinos natalinos me lembram
Quando nós caímos como a neve
tão profundamente no amor”
(Christmas Time Is In The Air Again - Mariah Carey)

Eu não conseguia deixar de pensar naquele sujeito


abordando a Laura no saguão, dizendo a ela que estaria no
quarto ao lado. Era uma mulher vulnerável, com um bebê,
e eu já tinha vivido o suficiente para saber o quanto
algumas pessoas poderiam ser desprezíveis. Jamais iria
me perdoar se algo acontecesse com ela, e era certo que
eu não conseguiria dormir preocupado com aquilo.
Foi assim que tomei a decisão mais sem noção da
minha vida.
Porque decidir ficar no corredor de um hotel fazendo
vigília na porta de uma pessoa não só era estranho como
poderia ser visto como uma atitude meio maníaca.
Mas eu pouco me importava se alguém acharia aquilo
estranho ou suspeito. Até mesmo Laura poderia tomar
conhecimento daquilo depois e achar que eu era um louco,
isso me importava muito menos do que o medo que eu
sentia de que aquele babaca tentasse algo contra ela.
Apenas deixei minhas malas no meu quarto e desci do
terceiro para o segundo andar. Estava tudo em paz pelos
corredores. Pelo horário, muitos dos hóspedes deviam
estar ou jantando no restaurante da pousada, ou já
descansando em seus quartos.
Eram dois corredores, formando um L, e fiquei por
algum tempo no qual se localizava o quarto 208. Depois de
quase meia hora parado lá, decidi circular um pouco, para
movimentar um pouco as pernas que já estavam mais do
que doloridas depois de mais de vinte horas dentro de um
ônibus.
Fui até o outro corredor e caminhei por ele até o final.
Quando voltava, parei ao ver a porta do quarto 209 se
abrindo e recuei, escondendo-me para ver o que aquele
sujeito pretendia fazer.
Era estúpido da minha parte, eu sabia disso. O cara
provavelmente devia estar saindo para jantar ou para fazer
algum passeio noturno. Era no que eu queria acreditar,
mas, ainda assim, não deixaria de observar para ter
certeza disso.
E percebi que estava mais do que certo em desconfiar
quando o vi parar diante da porta do quarto de Laura e
mexer na maçaneta. Aquele filho da puta estava testando
se ela havia deixado a porta destrancada, era isso? Eu
nem precisei pensar muito para imaginar quais seriam as
intenções dele caso a porta se abrisse.
Tomado por raiva, saí do meu esconderijo e fui em
direção a ele, sendo direito:
— O que pensa que está fazendo?
Ele sobressaltou, visivelmente assustado, pego de
surpresa com minha chegada repentina. Mas logo retomou
a postura e me respondeu:
— O que é isso? Virou agora fiscal da pousada?
— Eu perguntei o que você estava pretendendo fazer.
Até onde eu saiba, esse quarto aqui não é o seu.
— Repito: você agora trabalha como fiscal? E não
tenho que te dar satisfações sobre o que estava fazendo.
— Tem, quando o que você estava fazendo
aparentemente se trata de um crime.
— Crime? Eu só estava querendo conversar com a
moça. Até onde eu saiba, vocês dois se conheceram no
ônibus, ela não é nada sua.
— Não importa se ela tenha ou não qualquer
relacionamento comigo. É bom você deixá-la em paz, ou
eu vou...
— Ou você vai o quê? — Ele estufou o peito, dando um
passo em minha direção.
Será que aquele babaca achava mesmo que poderia
me intimidar?
Antes que eu pudesse dar a ele uma resposta à altura –
ou um soco na cara – a porta se abriu. Laura surgiu
assustada, olhando-nos sem obviamente entender o que
acontecia. Estava vestida com um baby doll preto com
detalhes em renda, e percebi que o imbecil a devorou com
os olhos, o que fez o meu ódio crescer ainda mais.
Ele logo voltou a se manifestar.
— Eu estava vindo ver se a moça estava bem, nada
mais do que isso.
— Na próxima vez pode bater na porta e não
simplesmente tentar abri-la — devolvi. Não queria assustar
Laura ainda mais, por isso tentei dar um fim àquilo. — Já
viu que ela está bem, não é? Já pode dar o fora.
— Eu disse que queria conversar com a moça, então
deixe-me conversar com a moça a sós.
— Eu não tenho nada para conversar com você — ela
retrucou, enérgica.
— Eu iria apenas te convidar para jantar, belezinha.
Você e seu bebê devem estar com fome.
— Já disse que não quero nada com você — ela
repetiu.
Coloquei-me à frente dela, tentando fazer com que
aquele idiota entendesse.
— Não ouviu o que ela disse? Apenas vá embora e
deixe-a em paz.
— Não se meta no que não é da sua conta. Já disse
que meu assunto é com ela e não com você. — Ele deu um
passo para o lado e esticou o braço, tocando a mão dela.
Aquilo ativou todos os meus instintos de proteção.
Como aquele filho da puta podia se meter a tocá-la contra
a vontade dela?
Não mais respondendo por mim, eu enfim desferi contra
ele o soco que vinha guardando desde o nosso primeiro
contato. Foi certeiro em seu rosto, e com tanta força que o
fez recuar, cambaleando para trás enquanto levava a mão
ao local atingido.
— Não se atreva a voltar a tocá-la! — rosnei,
controlando-me para não gritar. Não queria que os outros
hóspedes ouvissem a confusão e se aglomerassem no
corredor ao nosso redor.
— Seu cuzão! — o maldito, no entanto, gritou,
enfurecido. — Vou agora mesmo chamar a polícia.
— Faça isso. Aproveitaremos para contar sobre sua
tentativa de invasão ao quarto de uma mulher e um bebê.
Acho que sua explicação sobre querer apenas conversar
com ela também não vai convencer um delegado.
Ele bufou e, amedrontado como um rato, simplesmente
voltou para o seu quarto, fechando-se lá.
Respirando fundo, voltei-me para Laura. Ia perguntar se
ela estava bem, mas antes que pudesse dizer qualquer
coisa ela me surpreendeu se jogando em meus braços,
como uma garotinha assustada. Eu a abracei de volta,
tentando passar segurança a ela.
— Está tudo bem agora. Ele não vai tentar fazer nada.
— Como você soube que ele estava tentando abrir a
minha porta?
Achei que a resposta real – que eu estava já há mais de
meia hora de plantão no corredor dela – talvez soasse
meio obsessiva, por isso pensei em outra mais cabível:
— Eu vim até aqui para te perguntar se você não quer ir
jantar.
Nesse momento, um choro de bebê vindo de dentro do
quarto fez com que ela me soltasse e entrasse correndo.
Senti que meu corpo protestou pelo afastamento do dela,
mas logo minha razão agiu com mais força e eu também
adentrei o quarto, preocupado com Daniel.
Ele estava no carrinho de bebê bem no meio do quarto
e chorava de forma aflita. Laura o pegou nos braços e me
acalmou:
— Ele provavelmente está com fome. Eu já ia pedir algo
pelo telefone quando me assustei com aquele cara
mexendo na maçaneta da porta.
— Bem, se você for pedir, ainda vai levar um tempo
para chegar. Por que não desce comigo e a gente janta por
lá mesmo?
— Acho que vou aceitar o convite. Eu só preciso antes
trocar de roupa.
— Te espero no corredor, então. Posso? — Estendi os
braços, mostrando que minha pergunta se referia a segurar
Daniel para que ela pudesse se trocar com uma maior
liberdade.
Ela sorriu, nitidamente agradecida, e me entregou o seu
filho. O garotinho veio comigo ainda chorando, e logo
comecei a balançá-lo para que ele se acalmasse.
Antes de sair, dei uma rápida olhada no quarto,
reparando que ele tinha dois ambientes. Além da cama de
casal onde estavam algumas roupas dela espalhadas, no
cômodo anexo parecia existir pelo menos mais duas camas
de solteiro.
Aquilo me trouxe uma ideia, mas fiquei constrangido de
fazer tal proposta a ela. Saí para o corredor e fiquei
tentando distrair Daniel, enquanto pensava em como
perguntaria tal coisa a ela sem que parecesse que eu
pudesse ter qualquer segunda intenção com relação àquilo.
— E aí, garoto, o que você me sugere? — sussurrei
para Daniel quando ele já começava a se acalmar. Ele me
olhou, curioso. — Não quero que vocês fiquem sozinhos,
não vou conseguir dormir pensando que aquele filho da...
— controlei o palavrão a tempo. — ...aquele moço mau
pode tentar algo contra a sua mãe.
Daniel balbuciou alguma coisa, como se estivesse
dando sua opinião. Talvez fosse algo bem válido, mas eu,
infelizmente, não compreendia a língua dos bebês.
Ainda assim, continuei:
— Não terá maldade alguma nisso, o quarto tem dois
ambientes e a cama de vocês nem tem visão para as do
outro cômodo. Sua mãe pode pensar que eu com isso
posso estar querendo outras coisas com ela, o que não é
verdade. Bem... para ser sincero, eu até queria, mas... —
Calei-me subitamente, notando que Daniel me olhava de
forma curiosa. — Bem, essa não é uma conversa que eu
deva ter com você, não é?
Ele riu, e o som de sua gargalhada me fez, também
sorrir. Eu já adorava aquele garotinho.
Tanto quanto já adorava a mãe dele.
A porta do quarto se abriu e Laura saiu vestindo uma
calça jeans e uma blusa branca de alça. Os cabelos ainda
estavam úmidos, caindo sobre os ombros, e pensei no
quanto ela ficava linda daquele jeito.
Ela ficava linda de qualquer jeito, era aí que estava o
perigo.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela se
adiantou:
— Eu pensei em uma coisa, mas... não quero que
interprete de forma errada. Eu apenas... Estou com medo
de ficar sozinha.
— Sim... — falei divagar, querendo que ela
prosseguisse.
Ela respirou fundo, começando a dizer de forma
hesitante:
— É que... tem camas livres no meu quarto, e...
— Eu aceito — eu a interrompi, aliviado por ela ter tido
a mesma ideia que eu.
Ela soltou um longo e aliviado suspiro.
— Muito obrigada.
Sorri em resposta e puxei o carrinho de Daniel para
colocá-lo lá.
— E então, vamos jantar? — convidei.
— Vamos jantar.

-----**-----
Capítulo 13

“Eu preciso de você, Natal


Amigos perto da lareira para abraçar
Esses tempos têm sido solitários
E ultimamente, eu me sinto sozinho”
(I Need You, Christmas - Jonas Brothers)

— Esse cara está nos perseguindo... — Rodrigo


resmungou quando já terminávamos nosso jantar.
Revirei os olhos.
— Pare de se referir ao Papai Noel como ‘esse cara’. É
desrespeitoso.
Como uma criança contrariada, ele bufou, continuando
a comer, e eu ri.
Novamente, o Papai Noel da pousada estava em
serviço, mas dessa vez sua poltrona vermelha tinha sido
colocada no restaurante, que era o local de maior
movimento por lá naquele horário. No momento, duas
menininhas gêmeas de uns três ou quatro anos de idade
tiravam uma foto com ele, ambas parecendo bem felizes.
Aquilo me fez sorrir e até mesmo esquecer um pouco
de todo aquele estresse tido minutos antes. Eu sabia que
talvez houvesse algum exagero no meu medo. Afinal,
estávamos em uma pousada lotada de hóspedes. Ele não
teria como arrombar a porta do meu quarto e tentar
qualquer coisa contra mim sem que o prédio inteiro
ouvisse. Mas eu não estava disposta a pagar para ver.
Por isso, era muito agradecida a Rodrigo por ter
aceitado dormir comigo.
Não exatamente comigo, é claro. No mesmo quarto. Em
ambientes diferentes do mesmo quarto, para ser mais
exata. E em outra cama.
E por que eu estava dando a mim mesma tantas
explicações?
Talvez fosse um ensaio para a forma como eu explicaria
tudo à Isabela quando lhe contasse sobre o ocorrido. Ela
iria fazer insinuações, claro. Primeiramente, iria ficar muito
preocupada quando eu contasse sobre um homem que
vinha me importunando durante toda a viagem tentando
abrir a porta do meu quarto... mas, sanada a preocupação,
sobraria o deboche e as implicâncias. Ela era
especialmente boa nisso.
Por falar em implicância, Rodrigo parecia nutrir
exatamente isso pela figura do Papai Noel. Enquanto
comia, voltava vez ou outra seus olhos para ele. No início,
confesso que achei aquilo um pouco engraçado, mas agora
pensava nos motivos que ele tinha para ter aquela certa
aversão ao Natal.
Rodrigo e eu éramos de mundos completamente
opostos, praticamente em todos os aspectos da vida.
Atualmente, eu era uma médica em início de carreira,
estava bem longe de ser uma pessoa que pudesse ser
considerada rica, apesar de ter conseguido um padrão de
vida melhor do que o que meus pais tinham quando eu era
criança. Mas isso de forma alguma poderia ser comparado
com a fortuna do dono da Carpe Diem.
Já nas nossas infâncias, também tivemos vivências
bem diferentes, com eu tendo sido muito mais privilegiada
que ele. Vim de uma família humilde, mas nunca me faltou
absolutamente nada. Especialmente amor, isso sempre
houve de sobra na minha família. Rodrigo teve o amor da
mãe e da avó por muito pouco tempo, e logo ficou sozinho
no mundo, passando a viver em um abrigo. Fiquei
pensando que, muito provavelmente, os Natais para ele
sempre foram dias tristes.
E isso se evidenciou quando ele dissera, horas antes,
quando vimos pela primeira vez aquele Papai Noel, que
desejava que todas as crianças pudessem conhecer
aquela magia.
Porém, eu acreditava que não havia uma idade limite
para se permitir conhecer a mágica do Natal.
Terminei meu jantar em silêncio. Daniel já tinha comido
(pobrezinho, estava realmente faminto). Rodrigo terminou
pouco antes de mim e pediu a conta, insistindo que
pagaria. Achei que talvez fosse meio ridículo da minha
parte reclamar a respeito, porque, afinal de contas,
provavelmente aquele jantar simples que tivemos não era
nada em gasto para o dono da Carpe Diem. Deixei que ele
acertasse tudo, enquanto mantinha o meu foco em outra
coisa.
Em algumas ideias.
— Sabe o que eu queria? — perguntei, chamando a
atenção dele para mim logo depois que ele digitou a senha
do cartão na maquininha que um funcionário tinha trazido
até a mesa. — Outra foto com o Papai Noel.
— Sério? — ele realmente pareceu incrédulo.
— Naquela eu tinha acabado de descer do ônibus
depois de uma noite e um dia inteiros de viagem, estava
acabada! Agora estou um pouco mais apresentável.
— Acho que você estava linda. Digo, igualmente linda.
Digo... enfim, estava ótima.
Senti-me como uma adolescente sentindo minhas
bochechas corarem diante de um simples elogio feito pelo
garoto mais bonito da escola. Eu não era mais uma
adolescente e nem Rodrigo era um garoto, mas eu estava
certa de que ele era o ser humano adulto mais lindo
daquele lugar.
Dentre as crianças, era o meu filho, lógico. Mesmo que
as menininhas gêmeas fossem de fato duas fofuras.
— Por favor. Só uma foto, e então vamos finalmente
dormir. Se Deus quiser, amanhã cedo receberemos a
notícia de que a estrada foi liberada, e assim poderemos
seguir viagem.
Ele sorriu e concordou.
— Tudo bem. Eu tiro uma foto de vocês. Ou quantas
vocês quiserem. Apesar de que eu acho que o Daniel não
está tão animado assim com isso.
De fato, meu filho já começava a bocejar, mostrando
que estava louco para dormir. Mas seria algo rápido e eu
logo o colocaria na cama.
Nós nos levantamos e entreguei novamente o meu
celular a Rodrigo, enquanto empurrava o carrinho até o
Papai Noel. Dessa vez, não havia fila e logo pudemos nos
aproximar.
Peguei Dani no colo e me aproximei do bom velhinho,
que fez conosco uma brincadeira perguntando se já não
tínhamos nos conhecido antes.
— Como assim, Papai Noel? Eu o conheço desde que
tinha o tamanho do meu filho! — brinquei, e ele respondeu
com sua clássica risada.
Dani novamente sentou-se no colo dele e, novamente
encantado com o Papai Noel, até mesmo pareceu se
esquecer do sono que sentia e sorriu, enquanto passava a
mãozinha pela barba branca. Rodrigo o chamou para que
olhasse para a câmera do celular, antes de bater a foto. Eu
tinha certeza de que aquela tinha saído linda.
Mas eu tinha ideia para outra ainda mais bonita.
— Na verdade, Papai Noel... — voltei a falar. — Eu
realmente o conheço desde bem pequena. Mas eu tenho
um amigo, também já adulto como eu, que ainda não teve
a alegria de conhecê-lo.
— Como assim, minha filha? Não é possível que
alguém chegue à idade adulta sem conhecer o bom
velhinho. Precisamos corrigir isso.
— Eu também acho, Papai Noel.
— Chame o seu amigo aqui, então.
Sorri, agradecida, e olhei para a funcionária que
auxiliava na organização das pessoas que chegavam para
fotografar, fazendo a ela um pedido.
— Você poderia, por favor, tirar uma foto nossa? —
Apontei para Rodrigo, mostrando a ela que era ele quem
eu queria incluir na fotografia.
— Claro! — Ela sorriu em resposta e estendeu a mão
para que Rodrigo lhe entregasse o celular.
Mas ele pareceu travar.
— Eu? — ele perguntou, completamente confuso.
— Sim, você mesmo! Venha logo! — eu o chamei.
Parecendo nitidamente assustado com aquilo, ele
entregou o celular à moça e veio devagar até nós,
visivelmente sem saber como agir.
Papai Noel fez as honras:
— Aqui, meu filho, sente-se do meu lado.
— Não precisa ser no seu colo, não é? — ele
questionou. Obviamente não tinha a intenção de ser
grosseiro, mas estava mesmo muito confuso.
— Apenas abaixe-se aí do lado e sorria para foto! —
ordenei, rindo.
Ele cumpriu a ordem e tiramos a fotografia. Despedi-me
do Papai Noel e coloquei Dani de volta ao carrinho. Peguei
meu celular com a funcionária, agradecendo a ela pelo
favor. Nós três nos afastamos um pouco, e então eu abri a
galeria de fotos do meu aparelho, não conseguindo evitar
um sorriso bobo no meu rosto quando vi aquela imagem de
nós três junto ao Papai Noel.
Parecíamos uma família... E tal pensamento, ao mesmo
tempo em que me pareceu acolhedor, também foi um
pouco assustador quando me dei conta de que eu estava
me iludindo com algo que não tinha definitivamente nada a
ver.
— Olha, até que eu gostei... — Rodrigo falou, me
arrancando dos meus devaneios. E quase o agradeci por
isso.
— Depois me passa o seu número para eu te mandar a
fotografia. Ai, que coisa, nem me lembrei de tirar uma
apenas sua com ele. Para você poder ter como
recordação.
— Outra? Para que, se já terei essa?
— Outra em que você não esteja com uma mulher e
uma criança que conheceu aleatoriamente em uma
viagem, e que certamente nunca mais verá em sua vida.
— Não no que depender de mim.
A frase, dita de forma tão firme, me pegou de surpresa.
Mas não tive tempo para digeri-la, já que ele próprio logo
desconversou com um “vamos?”, dando um sinal de que
deveríamos ir para o quarto.
Para o mesmo quarto, diga-se de passagem.
Saímos do restaurante e entramos no elevador. Eu
desci no segundo andar e ele ainda seguiu para o terceiro,
dizendo que iria apenas trocar de roupa, vestindo algo mais
confortável para dormir. Ainda perguntou se eu queria ir
com ele para que não ficasse sozinha sob o risco de
aquele idiota voltar a me importunar, mas neguei a oferta,
já que ele me garantiu que seria bem rápido. Eu trancaria
bem a porta, de qualquer maneira.
Quando entrei no meu quarto, Daniel já estava quase
apagado, e não levei mais do que poucos minutos para
ajeitá-lo na cama de casal, onde ele dormiria comigo. Em
seguida, aproveitei para também trocar de roupas,
colocando novamente o meu baby doll, e fui ao banheiro,
escovando os dentes para dormir.
Voltava ao quarto quando alguém bateu na porta.
Tensa, ainda perguntei quem era e só abri ao ouvir a voz
de Rodrigo.
Logo que ele entrou e eu fechei a porta, ele parou
diante de mim e não fugiu de minha atenção a forma como
percorreu os olhos rapidamente pelo meu corpo. Também o
analisei rapidamente, concluindo que ele, usando uma
calça comprida de tecido leve e uma camiseta, ficava tão
lindo quanto em sua versão engravatado.
Pensei em muitas coisas para dizer a ele naquele
momento. Mas decidi pela mais simples delas, que era tirar
a dúvida que ficou em minha mente desde que saímos do
restaurante.
— Quando disse “Não no que depender de mim”... o
que você realmente quis dizer?
Ele sequer hesitou na resposta:
— Que não pretendo deixar que você e Daniel saiam
assim tão facilmente da minha vida.
Eu achei que ele não podia ser mais direto naquilo, mas
ele me mostrou que, melhor do que com palavras, havia
como ele me demonstrar aquilo com atos, de forma com
que não sobrasse em mim qualquer sombra de dúvidas
sobre o que eu havia de fato ouvido.
Ele deu um passo à frente, levando delicadamente uma
das mãos ao meu rosto. O contato pareceu disparar uma
corrente elétrica contra a minha pele, que percorreu todo o
meu corpo. Ele, então, aproximou rosto do meu. Devagar,
quase hesitante, como se quisesse me mostrar o que
queria fazer e me desse todas as chances de recuar caso
eu não quisesse o mesmo.
Eu não recuaria. Eu queria aquele beijo, desde aquela
freada brusca do ônibus, em que nossos lábios se viram
tão próximos pela primeira vez.
Diferente da outra vez, agora realmente aconteceu. Os
lábios dele tomaram os meus. E foi doce e mágico. Não
demonstrei qualquer resistência quando a língua dele
delicadamente entrou em minha boca, encontrando a
minha e ambas embalaram juntas uma dança lenta e
incrivelmente sensual. Nossos corpos se aproximaram e as
mãos dele acolheram o meu corpo, deslizando devagar até
as minhas costas.
E foi apenas isso. Eu estava tão louca por aquele
homem, que achei que beijá-lo fosse inevitavelmente levar
a outras coisas – e eu pude sentir, pela proximidade dos
nossos corpos, que ele desejava aquilo tanto quanto eu.
Seu membro rígido não disfarçava isso. Mas ele parou,
afastando lentamente os seus lábios dos meus. Ainda com
os olhos fechados, senti que a testa dele se encostava à
minha e sua respiração também estava irregular,
mostrando o quanto ele queria ir além.
— Amanhã te passo o meu telefone, para você não
apenas me enviar aquela foto, mas a gente manter o
contato quando essa viagem chegar ao fim — ele
anunciou.
Abri os olhos e afastei um pouco o rosto do dele, de
modo a conseguir olhá-lo nos olhos.
— O poderoso CEO da Carpe Diem deve ter os
telefones de muitas mulheres mais interessantes e sem
filhos em sua agenda do celular.
— Nenhuma outra mulher pode ser mais interessante
que você.
Sorri, completamente derretida, e ele voltou a me beijar.
Dessa vez, foi apenas um selinho, seguido por um ‘boa
noite’ antes que ele fosse para o outro cômodo, onde iria
dormir.
Eu me deitei na cama de casal, ao lado de Daniel. Mas
ainda demorei para pegar no sono, ainda sentindo o sabor
dos lábios daquele homem nos meus.

-----**-----
Capítulo 14

“Todas essas coisas e mais, querida


Todas essas coisas e muito mais
Nossa!
Isso é o que Natal significa para mim, meu amor”
(What Christmas Means To Me - Stevie Wonder)

Dormir depois de beijá-la não foi uma tarefa fácil,


especialmente sabendo que ela estava a meia parede de
distância de mim. Foi preciso todo o autocontrole que eu
poderia reunir. Agora que eu tinha provado o gosto dos
lábios dela, queria prová-la por inteiro.
Demorei muito a pegar no sono, por isso que, na manhã
seguinte, acordei assustado com o toque do telefone do
quarto. Levantei-me em um pulo, mas ainda saía da cama
quando ouvi que Laura atendia à ligação – já que o
aparelho estava mais próximo à cama dela. Parei bem na
divisa entre os dois ambientes do quarto, observando
enquanto aquela mulher linda que tinha sido a minha
tentação na noite passada falava algo no aparelho,
desligando-o em seguida. Ela me olhou e pareceu
empolgada ao explicar:
— O motorista quer conversar com todos os
passageiros no hall do hotel.
— Acha que enfim liberaram a estrada?
— Eu espero que sim. Vamos poder seguir viagem.
Empolgada, ela foi até sua mala e abaixou-se no chão
ao lado dela, separando a roupa que iria usar.
Observando-a em silêncio, pensei em se aquilo
representava de fato uma boa notícia.

-----**-----

Quando fiquei em dúvidas sobre se queria realmente


que aquela viagem chegasse ao fim, não tive, em qualquer
momento, a intenção de desejar receber aquela notícia no
hall do hotel. Na verdade, eu sentia até mesmo pena do
motorista por ser obrigado a lidar com um grupo de
passageiros extremamente exaltados.
E Laura era um deles.
— Disseram que a ponte nova estaria liberada hoje pela
manhã, que absurdo é esse? — ela praticamente gritava,
segurando Daniel no colo. O pobre garotinho mal havia
acordado, e agora olhava curioso e assustado ao seu redor
ao ver todas aquelas pessoas tão nervosas.
O pobre motorista tentou explicar a situação mais uma
vez:
— Foi o que a prefeitura garantiu. Mas agora há pouco
informaram que os fiscais só poderão comparecer ao local
no final da tarde.
— Final da tarde? — dessa vez quem gritava, muito
mais alto, era o babaca que vinha importunando Laura.
Preciso confessar que vê-lo usando um par de óculos
escuros que mal tampavam a mancha roxa ao redor de seu
olho esquerdo me trouxe um agradável sentimento de
satisfação. — Era para termos chegado ao nosso destino
no final da tarde de ontem! Todos nós temos
compromissos, vocês estão pensando que nós somos
otários?
— Senhor, eu não penso nada. Sou apenas o motorista.
Estou tão incomodado com essa situação quanto vocês.
Mas não nos resta nada a fazer agora, senão esperar.
Aproveitem a estadia, passeiem pela cidade. Ficaram de
me passar um novo posicionamento às cinco da tarde. Nos
encontramos aqui novamente nesse horário.
Dito isso, o motorista se virou e começou a caminhar
em direção ao elevador, sendo seguido por meia dúzia de
passageiros ainda inconformados – o babaca entre eles.
Aproximei-me de Laura e toquei seu ombro, tentando
tranquilizá-la. Quando ela me olhou, estava prestes a cair
no choro.
— Nós não vamos chegar em casa a tempo para o
Natal... — ela choramingou.
— Claro que vai, Laura. A véspera ainda é amanhã.
Tudo vai dar certo e sairemos daqui hoje no final da tarde.
— E como vou fazer para comprar os presentes da
minha família? Eu ia resolver tudo isso hoje.
— Bem... São oito da manhã, e a resposta da prefeitura
só sai às cinco da tarde. Essa cidade deve ter um
shopping, um centro comercial, alguma coisa desse tipo.
Ela pensou um pouco a respeito.
— É, tem um centro comercial. Posso ir lá comprar
algumas coisas. Você me acompanha?
Eu sinceramente tinha ficado meio sem graça de me
oferecer, embora isso fosse ridículo depois do nosso beijo
na noite passada. Eu não estava disposto a fingir que não
havia nada acontecendo entre nós, embora também não
soubesse, ainda, que nome dar àquilo.
Concordei, e ela pareceu mais animada sabendo que
teria companhia.

-----**-----

Comprar presentes não era algo que eu estivesse


acostumado a fazer. Eu não possuía família e tinha poucos
amigos, que compreendiam perfeitamente o fato de eu
sempre pedir para minha secretária comprar e enviar algo
para eles em seus aniversários. Eu não era um babaca
insensível, mas meus relacionamentos com mulheres
sempre foram rápidos e superficiais, de forma com que
também nunca precisara comprar qualquer tipo de mimo
para uma mulher.
Mas, se eu antes achava que tal tarefa seria cansativa,
agora eu já tinha outra opinião diferente. Ver a empolgação
com a qual Laura escolhia coisas para cada integrante de
sua família era algo contagiante.
Só para a sobrinha ela comprou no total cinco
presentes. Daniel não estava na lista, porque ela disse que
já tinha comprado um presente para ele e também sabia
que ele ganharia vários dos avós e da tia, mas ainda assim
ela acabou não resistindo a comprar algumas roupas e
brinquedos para presenteá-lo.
Aliás, estávamos no momento justamente em uma loja
de brinquedos. Eu empurrava o carrinho de compras,
enquanto Laura guiava o de Daniel. Até então, aquele era o
local com mais apelo de vendas natalinas que eu tinha
visto até o momento. Havia, também, um Papai Noel por lá
– dessa vez não era o mesmo do hotel. Ele recebia as
crianças para fotos e ouvia atentamente aos seus pedidos,
e isso voltou a me fazer pensar no quanto eu queria que
todas as crianças pudessem viver aquela magia.
Então, lembrei-me do que Laura havia me dito quando
falei com ela a respeito disso: que a única coisa que estava
em suas mãos era tentar levar aquela magia a outras
pessoas.
Será que um sujeito meio Grinch como eu também
poderia ter esse poder nas mãos?
Laura parou para olhar algumas pelúcias e eu peguei
meu celular, enviando uma mensagem. Esperava que não
tivesse demora na resposta.
— Ei, Rodrigo? Está tudo bem? — Laura me chamou.
Desviei os olhos do celular para olhá-la e sorri.
— Está. Apenas precisei enviar uma mensagem. Vai
levar mais um brinquedo?
— Ah, não... Acho que já comprei coisa demais, nem
sei como vai caber tudo na minha mala.
— Acho que vai precisar comprar uma mala extra.
— Não é uma má ideia. Obrigada por me acompanhar.
Me fez muito bem essa saída. Se eu tivesse que ficar na
pousada aguardando alguma resposta da prefeitura, acho
que iria surtar de vez.
— Está louca para se livrar de mim, não é? — brinquei.
Mas, no fundo, temia que aquela fosse uma verdade.
Nada tinha acontecido entre nós depois do beijo da
noite passada, e nenhuma palavra tinha sido trocada a
respeito dele. Cheguei a temer que ela não tivesse gostado
da minha atitude, mas, se fosse o caso, acredito que ela
não teria me convidado para acompanhá-la naquelas
compras e o clima entre nós também não estaria tão
amigável assim.
Para o meu alívio, ela retrucou:
— Não tenho nenhuma intenção com relação a isso. A
não ser que você tenha.
— Eu? Acha mesmo que eu iria querer isso?
— Bem... Você ainda não me passou o número do seu
telefone.
— Vamos resolver isso, então, logo que voltarmos à
pousada. Mais alguma solicitação, senhorita?
Ela riu. Em um movimento simples, mas que eu achei
extremamente sensual, afastou uma mecha de cabelo que
caía sobre o rosto, colocando-a atrás da orelha.
Meu Deus, tudo naquela mulher era enlouquecedor
para mim.
— Bem, na verdade, não é bem uma solicitação, mas
uma pergunta. Eu queria saber se... se aquilo que
aconteceu ontem à noite teve alguma importância para
você, ou se foi só um ato instintivo e impensado. Não quero
te pressionar a nada, tá? Eu só queria mesmo entender o
que aquilo foi para você.
— Digamos que... um cara não sai do nada na vida
para se tornar o dono de uma grande e bem sucedida
empresa fazendo coisas de forma impensada. Não é o meu
estilo. Eu pensei muito sobre aquele ato. E eu queria muito
fazer aquilo.
Ela sorriu e aquilo me deu a dica de que havia gostado
da minha resposta. Ainda assim, quis que ela fosse direta.
— E você? Acha que foi uma bobagem e que eu não
devia ter feito aquilo?
— Não. Na verdade, estava pensando é em quando
você pretende fazer de novo.
Ah, ela não podia me tentar daquele jeito e sair sem
uma resposta bem clara. E esta veio através de mais um
beijo. Ali mesmo, em um corredor de bichos de pelúcia em
uma loja de brinquedos.
Obviamente, pelo local onde estávamos, não dava para
eu me aprofundar naquilo, por isso acabou sendo apenas
um selinho mais demorado. E tanto eu quanto ela nos
afastamos, olhando ao nosso redor para ver se alguma
criança havia flagrado aquilo. Por sorte, nem mesmo Daniel
viu, já que estava entretido demais com a caixa de um
brinquedo de encaixe que Laura estava comprando para
ele.
— Aqui não dá para ser mais do que isso — justifiquei.
E ela riu, obviamente compreendendo. — Mas quando
voltarmos à pousada, além de trocarmos nossos números
de celular, também acabaremos com essa pendência.
— Eu mal posso esperar — ela sussurrou, de novo
quase me levando à loucura. Eu realmente odiava que
estivéssemos em um local público. Daria tudo para tomar
aquela boca linda com a minha e percorrer minhas mãos
por aquele corpo.
Meus pensamentos foram interrompidos quando o meu
celular soou um alerta de mensagem recebida. Olhei para
a tela e sorri diante da listagem de nomes e idades que eu
acabava de receber.
— Acho que vou precisar da sua ajuda — falei, voltando
a olhar para Laura.
— Para o quê?
— Tenho alguns presentes para comprar.
— Sério? Para alguém especial?
— Na verdade, sim. Para trinta e quatro pessoas
especiais.
Ela sorriu, parecendo deduzir a quem eu me referia.

-----**----
Capítulo 15

"Nós vamos ter uma festa hoje à noite


Eu vou encontrar aquela garota
debaixo do visco, vamos beijar à luz de velas"
(Merry Christmas Everyone - Shakin' Stevens)

Trinta e quatro presentes comprados. Trinta e quatro


brinquedos para trinta e quatro crianças.
A mais novinha deles era uma menininha com a
mesma idade do meu filho: onze meses e meu coração
doeu ao pensar em uma pessoinha tão pequena que não
tinha a mesma sorte de Dani, de ter uma família. O abrigo
só atendia crianças até doze anos, o que facilitou nos
presentes, já que deu para comprar tudo na loja de
brinquedos. Rodrigo não quis saber de economizar, e como
não teria como levar tanta coisa no ônibus, ele ainda
contratou um serviço de entrega para receber tudo em seu
hotel no dia seguinte.
Isso é: se a ponte fosse liberada a tempo. Porque,
aparentemente, o universo parecia conspirar contra a
nossa viagem.
Quando voltamos ao hotel depois das compras,
ficamos sabendo das notícias antes mesmo da reunião
marcada para as cinco da tarde com o motorista. Estava
passando no noticiário local a informação que os fiscais
apenas compareceriam ao local para liberarem a ponte na
manhã do dia seguinte. Mais um adiamento de prazo.
Subimos para os nossos quartos e arrumei minhas
compras na nova mala que eu realmente precisei comprar.
Depois, dei um banho em Daniel e também tomei um,
coloquei um vestido soltinho no corpo e liguei novamente
para casa para repassar as últimas novidades à minha
família. Minha mãe teve uma crise de choro por cogitar que
Daniel e eu tivéssemos que passar o Natal sozinhos em
um quarto de hotel. Tão perto e, ao mesmo tempo, tão
longe deles.
Algum tempo depois, alguém bateu em minha porta
e sobressaltei, achando que poderia ser o babaca
inoportuno voltando a me incomodar – embora duvidasse
muito que ele voltasse a tentar qualquer coisa depois que
Rodrigo o socou daquele jeito. Mas logo me tranquilizei ao
ouvir a voz conhecida do outro lado:
— Laura, sou eu. Vim ver se você e Daniel querem
novamente jantar comigo.
Levantei-me e fui abrir a porta. Nos olhamos em
silêncio por alguns segundos, antes de nos
cumprimentarmos com aquele beijo de verdade que
estávamos devendo um ao outro. Com a boca dele de
posse da minha, fui recuando, trazendo-o junto comigo
para dentro do quarto. Sem parar de me beijar, ele apenas
empurrou a porta, fechando-a. As mãos dele deslizaram
pelas minhas costas por cima do vestido, e mesmo com o
tecido fino impedindo o contato direto da pele dele com a
minha, achei que um grande incêndio fosse acontecer
naquele quarto. Até sermos interrompidos pela risada de
Daniel, que estava entretido com seu brinquedo de blocos
encaixáveis que eu tinha comprado naquela tarde.
— Acho que jantar seria ótimo — respondi,
enquanto ainda tentava retomar o fôlego. — Podemos
pedir algo no serviço de quarto dessa vez. Depois do dia
de compras, estou bem cansada.
— É uma ótima ideia. Se você não se incomodar, eu
gostaria de novamente passar a noite aqui. Apesar de
achar que aquele cara não terá a cara de pau de voltar a te
perturbar, eu vou me sentir mais tranquilo estando por
perto.
Assenti, pensando que aquilo era algo que ele nem
precisaria me propor. Adoraria que ele passasse a noite
comigo, aliás. Embora de uma forma diferente da noite
anterior.
Escolhemos algo para comer e pedimos pelo
telefone. Rodrigo se juntou a nós na cama de casal e ficou
brincando com Daniel, mostrando a ele as figuras
geométricas dos blocos e dizendo o nome de cada uma
delas. Meu filho ria e balbuciava em resposta qualquer
palavra que não tinha nada a ver com a que lhe era dita,
mas Rodrigo lidava com aquilo como se seus
ensinamentos estivessem surtindo resultado.
— Muito bem, esse é o triângulo.
— Acho que não foi exatamente isso o que ele disse
— provoquei.
— É claro que foi! Olha só... Dani, esse aqui é o
triângulo, não é?
Meu bebê respondeu com um som que mais parecia
uma frase dita em árabe.
— Ouviu o que ele disse, Laura? É um triângulo.
Muito bem, Dani!
Eu ri, achando tudo aquilo simplesmente
encantador. Em pensar que eu tinha chegado a cogitar que
Rodrigo não gostasse de crianças. Ver o carinho que ele
demonstrava pelo meu filho fazia cada entranha do meu
corpo se contorcer, deixando-me ainda mais louca por
aquele homem.
— Eu estive pensando em uma coisa — ele falou,
parecendo só agora tomar coragem para dizer algo que já
rondava em sua mente. — Caso a ponte não seja liberada
amanhã, eu vou entrar em contato com uma empresa de
táxi aéreo e vamos ver algum ponto em que um helicóptero
possa pousar nessa cidadezinha. Você não vai perder o
Natal com sua família.
— Mas... e o seu medo de voar?
— Seria para você e para o Daniel. Meu
compromisso é apenas no dia 26, terei tempo para
aguardar a estrada ser liberada.
Eu não achava aquilo nem um pouco justo. Mas não
iria desrespeitar o medo dele insistindo para que ele
também fosse de helicóptero até o seu destino.
— Eu não vou entrar em um voo para ir embora com
o meu filho e te deixar aqui sozinho.
— Não fará muita diferença para mim, Laura. De
qualquer forma, eu passaria o Natal em um quarto de hotel.
Sabe que não me importo com isso.
Mas eu me importava. Tanto com o Natal quanto
com ele. Pensei em algo a dizer a respeito, quando alguém
bateu na porta, anunciando o serviço de quarto.
Rodrigo se levantou e foi receber nossa comida.
Havia uma pequena mesa com duas cadeiras no cômodo e
arrumamos tudo sobre ela. Como nas outras refeições que
fizemos juntos até ali, comemos em um clima
aconchegante e quase familiar. Dessa vez, somado a isso,
tinha um leve toque de malícia nas nossas trocas de
olhares e nos tons de nossas vozes. Aquele segundo beijo
tinha acendido uma nova faísca, que eu previa que
causaria uma explosão a qualquer momento.
Logo depois de comer, Daniel mostrou estar com
sono e o peguei no colo, começando a niná-lo enquanto
caminhava pelo quarto. Rodrigo ficou sentado me olhando
e percebi um leve sorriso em seu rosto.
— O que foi? — perguntei.
— Só pensando no quanto você é linda.
Poderia soar como uma cantada barata, mas
percebi que existia sinceridade ali.
E já que estávamos sendo sinceros, arrisquei-me
em questionar:
— Um cara como você... não deixou mesmo
ninguém te esperando na sua cidade?
— Só a Solange.
Solange?
Senti como se meu sangue tivesse se congelado ao
ouvir aquele nome. Havia então, realmente, uma mulher?
— Sua namorada? — perguntei, sentindo pânico da
resposta.
Ele riu.
— Na verdade, Solange é a minha secretária.
Aquilo não melhorava muito as coisas. Oras, eu era
uma fã de romances, e CEOs com secretárias eram o top
dos clichês.
— Alguns homens têm taras por secretárias —
comentei, sem sequer pensar a respeito disso.
E ele voltou a rir. Sério, qual era a graça?
— A Solange tem cinquenta e nove anos.
— Alguns homens têm, também, taras por mulheres
mais velhas.
— E é casada, tem dois filhos e três netos. E é
provável que isso seja algum tipo de tara também para
alguém, mas garanto que não é o meu caso. A Solange
trabalha comigo desde que criei a Carpe Diem, é uma
pessoa de confiança e se tornou também uma boa amiga.
Certo, já eram muitos argumentos convincentes. E
eu mal podia acreditar que estava dando aquela quase
crise de ciúmes por causa do Rodrigo. Pela forma como ele
sorria, parecia estar gostando daquilo.
Porém, para a minha sorte, ele não usou aquilo para
uma provocação, embora observasse algo:
— Eu não teria beijado você se estivesse envolvido
com outra pessoa, Laura. Assim como, imagino, também
seja o seu caso.
— Os únicos homens da minha vida são esse
garotinho aqui e o senhor que está nos esperando para o
Natal.
— As vagas são bem limitadas, não é? Eu espero
que haja mais uma aberta para que eu possa concorrer.
— Bem... você é um forte candidato. Se estiver
mesmo interessado na vaga.
— Pode ter certeza de que estou.
Ficamos novamente em silêncio, apenas em uma
troca de olhares que poderia incendiar toda aquela
pousada. Percebi que Dani já dormia e o coloquei
confortavelmente no carrinho de bebê. Quis cobri-lo com
sua mantinha, mas lembrei que a tinha deixado sobre a
mesinha do outro ambiente do quarto.
Avisei a Rodrigo que iria lá pegá-la e fui até lá,
levando o carrinho comigo. No entanto, enquanto pegava a
manta, um milhão de coisas se passavam pela minha
cabeça. A maioria delas seria, em qualquer outro momento,
classificadas por mim como loucuras.
Oras, eu conhecia Rodrigo há apenas dois dias. Até
mesmo no momento da minha vida em que decidi ‘curtir a
juventude’ e tinha um parceiro sem compromisso, este era
meio que fixo, e eu o conhecia já há alguns meses.
Não que isso tivesse trazido qualquer vantagem,
claro. Porque quando fiquei grávida, ele simplesmente foi
embora, sem qualquer consideração ou senso de
responsabilidade.
Se minha irmã estivesse ali, ela me aconselharia a
curtir o momento. O problema era que eu, de alguma
forma, sentia que queria muito mais do que apenas um
momento. Era assombroso confessar para mim mesma,
mas estava apaixonada pelo Rodrigo.
Sim, apaixonada por um cara que eu conhecia há
pouco mais de quarenta e oito horas. Mas tinha sido um
período de tempo tão intenso, que me dava a impressão de
ter sido muito mais duradouro.
Porém, eu não queria pensar muito naquilo. Eu
sabia bem o que eu desejava naquele momento, e iria me
arrepender se no dia seguinte simplesmente me
despedisse de Rodrigo sem termos consumado o que, eu
sabia, ele queria tanto quanto eu.
Sendo assim, deixei o carrinho de Daniel naquele
outro ambiente do quarto. Cobri-o com sua inseparável
mantinha e depositei um beijo em sua testa.
Então, voltei ao outro cômodo. Rodrigo havia se
levantado, e não deixei que dissesse uma única palavra
antes de ir até ele e beijá-lo.
Nossas mãos, ávidas, começaram a percorrer os
corpos um do outro e eu senti que não havia mais como
voltar atrás. Tive ainda mais certeza ao sentir o volume
duro contra o meu ventre.
Ele desejava aquilo tanto quanto eu.
E não me importava se eu viesse a me arrepender
daquilo depois. Agora, eu só queria viver aquele momento.

-----**-----
Capítulo 16

“Agora estamos na lista dos malcomportados


Deve ter sido pelo jeito que nos beijamos
O Papai Noel viu as coisas que fizemos
E nos colocou na lista dos malcomportados”
(Naughty List - Liam Payne Feat. Dixie D'Amelio)

Eu não esperava por aquilo. Mas não poderia, de


forma alguma, dizer que tinha sido uma surpresa
desagradável. Ter mais daquela mulher era tudo o que eu
desejava.
Desci minhas mãos por suas coxas e a levantei, ao
mesmo tempo em que ela dava impulso, sentando-se
sobre a mesa. Alguns dos pratos, copos, talheres ou sei lá
mais o que caíram no chão, e, pelo barulho, percebi que
algo havia se quebrado, mas não me importei com isso. Ela
levantou os braços, em uma clara demonstração do que
queria que eu fizesse, e eu o fiz: tirei seu vestido,
deixando-a apenas com o conjunto de calcinha e sutiã
brancos de renda.
Precisei de um segundo para retomar o fôlego
depois da visão daquele corpo. Levei uma das mãos a um
de seus seios, roçando o dedo em seu mamilo. Mesmo
tendo o tecido do sutiã entre nossas peles, ela deixou de
me beijar por um momento e arfou, mostrando que gostava
daquele contato. Meu pau reagiu de forma dolorosa àquele
som.
Sentia que não seria mais capaz de parar. E decidi
ser sincero com ela quanto a isso.
— Laura, você tem certeza de que... — comecei,
mas ela me interrompeu, levando a mão aos meus lábios.
Então, me olhou diretamente nos olhos.
— Eu pareço estar em dúvida de algo?
— Quero que seja especial para você.
— Já está sendo. Mesmo que a gente não se veja
mais depois de amanhã, eu quero guardar essa recordação
com você.
— Já disse que não vou te deixar escapar tão
facilmente.
E não iria mesmo. Voltei a beijá-la e contornei meus
braços até suas costas, desafivelando o sutiã, que caiu,
deixando os seios à mostra. Voltei a acariciá-los, dessa vez
sem qualquer obstáculo, ao mesmo tempo em que descia
meus lábios por uma trilha de beijos pelo pescoço dela.
O gemidos dela iam se tornando mais intensos, o
que me deixava ainda mais e mais louco. Senti que as
mãos dela começavam a desabotoar minha calça, de forma
aflita, mostrando que ela também não tinha interesse
algum em parar antes que chegássemos ao fim.
Eu queria tirar o meu pau de dentro das calças e
fodê-la ali mesmo naquela mesa. Mas com Laura não seria
apenas assim. Eu queria prová-la aos poucos, deliciar-me
com cada centímetro daquele corpo... queria que ela fosse
minha por completo.
Então, segui a descer meus lábios até alcançar um
dos mamilos, percorrendo-o com a minha língua, provando-
a e excitando-a ainda mais, enquanto continuava a
acariciar o outro com os dedos. Ela gemeu um pouco mais
alto, pronunciando o meu nome. E o repetiu mais vezes,
enquanto eu alternava a atenção em cada um daqueles
seios. Sem pressa, deliciando-me com cada um daqueles
gemidos.
Voltei a descer, beijando sua barriga. Levei os dedos
ao cós de sua calcinha e ela ergueu o quadril, como em um
misto de permissão e pedido para que eu a livrasse
daquela peça de roupa. E assim o fiz, tirando-a devagar.
Ela afastou as pernas e eu, então, pude enfim prová-la,
lentamente, explorando-a com lábios, língua e dentes. Dei
total atenção ao seu clitóris, estimulando-o com a boca,
enquanto usava dois dedos para penetrá-la. Seu corpo
arqueou e ela passou a gemer mais alto e mais forte,
deixando-me a cada segundo mais duro e enlouquecido.
Não consegui deixar de pensar em se o idiota do quarto ao
lado poderia ouvir aqueles sons. Era estúpido, eu sei, mas
me senti satisfeito em pensar que sim.
E foi ali naquela mesa, usando minha boca e minhas
mãos, que dei a ela o primeiro orgasmo.
Quando me levantei, ela entrelaçou os braços ao
redor do meu pescoço, apoiando sua testa à minha,
respirando de forma ofegante. Deslizei levemente os
polegares em seu pescoço enquanto dava a ela alguns
segundos para se reestabelecer.
— Está tudo bem? — sussurrei. Eu podia sentir o
coração dela acelerado.
— Não. Só vai estar tudo bem quando você estiver
dentro de mim.
— Quer meus dedos e minha língua novamente? —
provoquei.
Mas ela não ficava atrás em seu poder de
provocação e aproximou mais os quadris da beirada da
mesa. Com as pernas abertas, deslizou sua boceta
molhada sobre meu pau, ainda sob a cueca embora minha
calça tivesse sido aberta.
— Você sabe muito bem o que eu quero... — ela
instigou.
E não precisava ser mais direta que aquilo. Levei
minhas mãos à sua bunda, erguendo-a da mesa. Ela
entrelaçou as pernas ao redor da minha cintura, até que eu
a colocasse sobre a cama de casal.
Parei para contemplá-la por um momento.
Completamente nua, com os cabelos castanhos
espalhados pelo lençol branco, e ainda um pouco ofegante.
A própria imagem da luxúria.
Livrei-me de minhas próprias roupas. No bolso de
trás da calça estava a minha carteira, e de dentro dela
peguei um preservativo.
Eu era sempre precavido. Em uma viagem como
aquela, era possível que eu acabasse por me envolver com
alguma mulher. Sempre fui adepto a sexo casual. Mas
jamais tinha sido daquela forma. Sempre foi apenas uma
relação física. Ali, tinha algo mais envolvido. Algo que eu
ousaria chamar de paixão.
Uma paixão que eu de alguma forma sabia que
poderia evoluir para um sentimento ainda mais forte.
Coloquei o preservativo, não podendo deixar de
perceber a forma cheia de tesão com que ela olhava para o
meu pau. Aquele olhar foi o último gatilho, levou com ele o
meu último resquício de sanidade.
Então, fui até ela e a penetrei por completo, ouvindo-
a gemer o meu nome mais uma vez. Se não fosse o bebê
dormindo no quarto anexo, eu a pediria para gemer mais
alto. Sabia que ela também se controlava por causa de
Daniel.
O corpo dela protestou quando eu me afastei,
voltando a arquear quando novamente a penetrei, iniciando
assim o movimento de vai e vem. O meu nome dito já de
forma quase incompreensível pela voz dela era o som mais
doce que eu poderia desejar ouvir.
Ter o corpo suado dela sob o meu e estar dentro
dela... era como se fosse algo natural, como se fosse algo
que estivesse predestinado a acontecer. Eu nunca fui um
cara que acreditava em destino, mas eu não conseguia
achar qualquer outra explicação para que, naquela viagem
inusitada, aquela mulher e seu bebê tivessem entrado na
minha vida.
E eu não queria deixá-los ir. Nunca mais.
Fui aos poucos aumentando a velocidade das
estocadas, cada vez mais rápido, cada vez mais fundo. Ela
também iniciou um movimento de quadris, movendo-se no
mesmo ritmo que eu. Até que ela não conseguiu conter um
grito mais alto ao chegar a mais um orgasmo, contorcendo-
se sobre os lençóis. Eu a acompanhei logo em seguida, em
um gozo intenso.
Livrei-me da camisinha, descartando-a na lixeira que
ficava ao lado da cama, e me ajeitei próximo à Laura,
voltando a beijá-la. Ela se aconchegou em meus braços e
ficamos por algum tempo em uma troca silenciosa de
beijos e carícias, até que ambos pegássemos no sono.

-----**-----

O som do toque do telefone do quarto me despertou


em um susto. Mas antes que eu pudesse sequer me
orientar sobre onde eu estava e o que estava acontecendo,
vi Laura dar um pulo da cama e praticamente correr até o
aparelho, atendendo-o. Perguntei-me como ela conseguia
despertar de forma tão súbita e se levantar tão rápido, mas
não foi difícil encontrar a resposta. Ela era médica e mãe.
Inegável que seu sistema de alerta era bem mais aguçado
do que o meu.
Deixando de pensar sobre aquilo, eu me permiti a
apenas contemplar o corpo nu dela enquanto ela falava ao
telefone.
Aquela mulher linda tinha sido minha naquela noite.
Eu já havia feito sexo com inúmeras outras mulheres
bonitas, mas meu sentimento e meu olhar para Laura na
manhã seguinte eram muito diferentes de como tinha sido
com todas as outras. Eu tinha o desejo de repetir o ato,
mas não era apenas isso. Ia muito além disso. Eu a queria
em minha vida. Ela e aquele bebezinho que também já
havia tomado posse de um pedaço do meu coração.
Ela desligou o telefone e se virou, me olhando, com
um sorriso enorme entre os lábios. Parecia ter uma boa
notícia para contar.
— A ponte foi liberada. Nosso ônibus vai sair em
uma hora.
Sorri de volta, mostrando-me feliz pela notícia.
Porque, de fato, era algo a ser comemorado.
Porém, algo no meu peito pareceu se despedaçar
com aquilo. E eu não pude evitar sentir uma decepção por
aquela viagem estar chegando ao fim.

-----**-----
Capítulo 17

“Eu não preciso de diamantes


Nem de coisas brilhantes (Não, oh, oh, oh, oh)
Porque você não pode comprar um sentimento...
...Só quero um Natalzinho
Um Natalzinho aconchegante aqui com você”
(Cozy Little Christmas - Katy Perry)

Laura subiu no ônibus levando Dani, enquanto eu


fiquei com as bagagens dela – além das minhas,
aguardando para colocá-las no bagageiro. O motorista me
ajudou a guardá-las e eu enfim entrei no ônibus, voltando à
minha poltrona de número 6.
Acho que aquele passaria a ser o meu número da
sorte a partir de então.
E na poltrona 5, bem ao lado, estava a mulher que
tinha tornado toda aquela viagem tão especial, segurando
nos braços aquele bebê que eu havia aprendo a amar em
tão pouco tempo.
Logo que me viu, ela sorriu para mim, e eu pensei
que estava perdido por saber que em pouco mais de uma
hora eu iria me afastar dela. Sentei-me ao seu lado e
Daniel estendeu os pequenos braços em minha direção,
pedindo para vir no meu colo.
Eu estava duplamente perdido.
Peguei o garotinho em meus braços, não resistindo
em comentar:
— Eu vou sentir saudades de você, garoto.
— Só dele? — Laura indagou, provocativa.
— Sabe bem que não. Quando vocês voltam para
casa? Se der sorte, voltaremos no mesmo ônibus.
— Volto no dia trinta, mas consegui comprar
passagens aéreas. Acho que minha coluna não aguenta
outra aventura dessas.
— Faz bem. Eu não terei muitas alternativas.
Pegarei o ônibus para retornar no dia vinte e oito. Mas
quando estivermos de volta, a gente pode... talvez marcar
alguma coisa. Moramos em cidades vizinhas, e agora
temos o telefone um do outro.
Tínhamos trocado nossos números mais cedo,
quando ela aproveitou para me enviar a nossa foto com o
Papai Noel. Eu seguia não sendo nada fã de coisas
natalinas, mas acho que aquela era a minha nova
fotografia favorita.
— Podemos. Te ligo quando chegar em casa. ...Ou
você me liga quando você chegar, porque mesmo saindo
dois dias antes, tem chances de chegar ainda depois de
mim.
— Engraçadinha. Deve ser bom não ter medo de
andar no meio de transporte mais rápido.
— É muito bom. Isso, claro, quando se consegue
comprar passagens a tempo. Dei sorte de conseguir para a
volta, era a última poltrona livre.
— Espero que não vá ninguém muito interessante
ao seu lado.
Mal falei essas palavras e o babaca assediador
passou por nós em direção à sua poltrona, novamente com
óculos escuros para esconder o olho roxo, enquanto
resmungava:
— Até que enfim vamos sair desse fim de mundo.
Nunca mais na minha vida eu volto a embarcar em uma
viagem insana dessas.
Logo que ele passou, Laura e eu nos olhamos e
rimos, e eu então concluí:
— Também espero que não volte a encontrar com
alguém tão idiota assim.
— Por favor! Nem deve existir outro igual a esse,
Deus me livre!
Daniel balbuciou alguma coisa em um tom de voz
zangado, e Laura e eu voltamos a rir.
— Viu? Ele concorda que o cara é um idiota —
brinquei. — Não é, Dani? Eu não estarei com vocês na
volta para casa, por isso cuide bem da sua mamãe, viu?
O motorista do ônibus enfim deu a partida no
veículo, reiniciando a nossa viagem. Ficamos em silêncio
por alguns minutos, tempo este em que Laura parecia
pensativa. Até que ela, enfim, disse algo.
— Então... Será dia vinte e seis a sua homenagem,
não é? Fiquei pensando... se será aberta ao público.
— Acho que será algo interno, mas... nada me
impede de levar uma convidada. Se você me der a honra
de aceitar esse simples convite.
— Um convite do dono da Carpe Diem não é
exatamente algo simples.
— Provavelmente não terá nada de luxuoso por lá.
Será realmente muito simples.
— Gosto da simplicidade. E vou gostar, também, de
estar lá. Mas existe uma condição para que eu aceite o seu
convite.
— Diga. Qualquer coisa que você quiser.
— Eu não tenho como chegar em casa e contar para
a minha mãe que passei três dias com o dono da Carpe
Diem e não consegui para ela a receita dos bolinhos.
Ri, pensando em como ela realmente ainda não
tinha esquecido daquilo.
— A receita dos bolinhos é um segredo guardado a
sete chaves.
— Prometo usá-la apenas para fins domésticos e
não comerciais.
— Bem, você tem uma hora para me convencer
disso.
Mal as palavras foram ditas e eu senti o peso delas.
Uma hora. Era o tempo que restava até que, se não
houvesse mais nenhum imprevisto, nós enfim
chegássemos à rodoviária. Uma hora da companhia de
Laura e do pequeno Daniel, que estava no momento de pé
sobre as minhas pernas, olhando pela janela do ônibus,
aparentemente encantado com as coisas que via lá fora.
— Eu realmente ia adorar se vocês fossem ao
abrigo no dia vinte e seis — declarei, por fim. — Você pode
me ajudar com a entrega dos presentes.
Pensei que era uma pena que a entrega fosse feita
apenas depois do Natal. Esperava que ainda houvesse
algum resquício de magia para as crianças sentirem no dia
vinte e seis.
— Eu irei. Ou melhor, nós iremos, não é, Dani?
Mas... Rodrigo, eu estava pensando em outra coisa.
— No quê.
— Hoje é véspera de Natal. O que vai fazer quando
chegarmos à rodoviária?
— Pegar um táxi até o meu hotel.
— Certo. E depois?
Não entendi muito bem o propósito da pergunta.
Não era como se eu esperasse que ela quisesse me
acompanhar ou me chamasse para irmos a algum lugar,
afinal... como ela mesma disse, era véspera de Natal. E ela
iria para a casa da família ajudar nos preparativos para a
noite.
Sendo assim, respondi:
— Tomar um banho, almoçar, fazer alguns
telefonemas para saber se está tudo certo com a compra
da casa do abrigo...
— Tá, mas e depois?
— Depois talvez ler um pouco e dormir. Não será
uma agenda muito elaborada.
— Vai mesmo passar a noite de Natal sozinho em
um quarto de hotel?
— Já disse que eu não me importo com essas
coisas, Laura.
— Não é ‘essas coisas’, Rodrigo. É Natal. É um dia
especial.
— Há muito tempo que para mim é apenas mais um
dia.
— Mas não deveria ser. Você comprou mais de trinta
presentes para tentar ressignificar essa data para as
crianças do abrigo. Poderia tentar ressignificar para você
também.
— Certo... E o que sugere?
— Vou te mandar uma mensagem com o endereço
da casa dos meus pais, e...
— Espera, Laura... Seus pais nem me conhecem.
Não será meio assustador você de repente chegar lá com
um total desconhecido?
Ela bufou, começando a contar uma história:
— Eu não falei com você sobre o Natalino, não é?
— Sobre quem?
— O cachorro que tive quando criança.
Certo... Aquilo era inusitado. Movimentei a cabeça
negativamente e ela, então, iniciou seu relato:
— Eu tinha cinco anos e saí com o meu pai para a
padaria, fomos comprar pães para rabanada. Quando
voltamos, tinha um cachorro na porta na nossa casa. Muito
magro e debilitado. Meu pai abriu o portão, deixou que ele
entrasse e, quando perguntei para ele se minha mãe não ia
ficar brava com aquilo, ele respondeu: “não se deixa
ninguém para trás no Natal”.
— Ok... e, na sua analogia, eu seria como o
Natalino? Um cachorro magro, debilitado e com um nome
de gosto duvidoso, é isso?
— Calma que eu ainda não terminei. O cachorro
entrou, demos comida, água e um banho nele. Era para ele
passar o Natal conosco, mas acabou ficando por uns
quase dez anos. Morreu já bem velhinho, e foi muito feliz.
Mas aquela foi a primeira vez que ouvi meu pai dizendo
aquela frase. A primeira de muitas.
— Ele acolheu outros cachorros?
— Outras vidas, de todos os tipos. Especialmente
humanas. Tivemos uma vizinha que tinha acabado de se
separar e estava sozinha com um bebê pouco maior que o
Daniel... Teve o carteiro do bairro, que uma vez comentou
com o meu pai que não teria como ir para a sua cidade
ficar com sua família... teve um colega de trabalho do meu
pai, que passou a noite inteira chorando porque a
namorada tinha trocado ele por outro... Quando minha irmã
era adolescente, teve uma amiga de escola dela, que tinha
acabado de perder a mãe e tinha um pai já com outra
esposa, que não se importava muito com ela... enfim, acho
que seria muito mais fácil enumerar os Natais na minha
vida em que não tinha algum convidado especial na nossa
ceia. Minha mãe sempre faz comida a mais, já contando
que alguém possa chegar de última hora. Porque para
eles... para a minha família...
— Não se deixa ninguém para trás no Natal... —
completei.
Confesso que a história me emocionou. E que ficava
cada vez mais admirado com Laura e com sua família que
eu ainda nem conhecia. No início, achei que eles fossem
apenas como todas as pessoas loucas por Natal, que
amam toda a parte de comidas, decorações e presentes.
Mas eles iam muito além daquilo. Traziam um significado
muito mais profundo à data.
— E eu não quero te deixar para trás — ela
completou. — Nem no Natal, nem no Ano Novo, nem no
Carnaval, nem na Páscoa... Isso, é claro, se você não tiver
planos melhores para os feriados.
Nenhum plano na vida poderia ser melhor que
aquele.
— Podemos incluir as festas juninas também? Na
minha cidade costuma ter muitas festas nessa época. Seria
bom no próximo ano ir com companhia.
Ela sorriu. Novamente, aquele sorriso lindo.
— Dani e eu estaremos lá, então. Mas e aí? Vem
passar o Natal com a gente?
— Eu não sei, Laura. Prometo que pensarei a
respeito.
Ela suspirou e concordou, conformada, embora
parecesse entender que aquela era praticamente uma
forma educada de recusar o convite. Por mais que os pais
dela parecessem pessoas incríveis, eu me sentiria um
intruso me enfiando em meio à família.
Passamos a conversar sobre outras coisas, e o
tempo se passou rápido demais. Quando me dei conta, o
ônibus já parava na rodoviária. Esperamos que todos os
demais passageiros descessem para fazermos o mesmo.
Eu levei Daniel no meu colo, e também uma das bagagens
de mão de Laura, enquanto ela levava a bolsa com as
coisas do filho.
Descemos em silêncio, e dessa mesma forma
retiramos o restante das malas do bagageiro. Ajudei-a a
ajeitar tudo sobre um carrinho de bagagens e ela pegou
Daniel em seus braços. Dali, seguiríamos por saídas
diferentes. Ela entraria na rodoviária, onde se encontraria
com a irmã e o cunhado, que estavam indo buscá-la. Já eu,
seguiria pela saída para táxis.
Paramos um de frente para o outro, ambos sem
saber como iniciar as despedidas.
— Então... foi um prazer passar essa viagem com
você — ela declarou, parecendo subitamente tímida.
O que ela achava? Que depois de tudo o que
vivemos, eu seria um cafajeste que não voltaria a ligar para
ela?
— A gente se encontra do dia vinte e seis — lembrei
a ela, ansioso para que aqueles dois dias se passassem o
mais rápido possível.
Ela sorriu, embora ainda parecesse um pouco triste.
— De qualquer forma, eu vou te mandar o endereço
mais tarde. Para o caso de você mudar de ideia sobre essa
noite...
Concordei, embora estivesse já meio determinado a
não mudar de ideia.
Envolvi o rosto dela com as duas mãos e tomei seus
lábios com os meus, em um beijo onde eu pretendia
mostrar a ela que aquele não seria um adeus. Logo
estaríamos juntos novamente. Quando nos separamos, dei
um beijo na cabeça de Daniel. E foi nesse momento que
uma voz feminina chamou pelo nome de Laura.
Voltei-me para a direção de onde vinha o chamado e
avistei uma mulher bem parecida com ela, embora
aparentasse ser um pouco mais velha e tivesse os cabelos
mais curtos, acenando de forma empolgada. Laura me
olhou mais uma vez e trocamos um sorriso antes que ela
seguisse em direção ao portão de entrada da rodoviária.
Apenas depois que ela sumiu do meu campo de
visão foi que eu também segui o meu rumo, saindo dali.
Fui para o hotel e fiz tudo o que disse a Laura que
faria. Tomei um banho, saí para almoçar, depois retornei,
dei alguns telefonemas e me deitei para ler um livro que
tinha levado na mala. Foi então que meu telefone tocou
com a chegada de uma mensagem.
Era de Laura, me enviando, conforme o prometido, o
endereço da casa dos seus pais. Na sequência, ela
mandou vários emojis de Papai Noel e eu não pude deixar
de rir.
— É mesmo a louquinha do Natal... — murmurei.
Com o celular ainda em mãos, senti vontade de
rever a nossa foto. A que eu estava meio sem graça ao
lado de um cara vestido de Papai Noel que segurava
Daniel no colo e estava bem no meio entre Laura e eu.
Reparei que ao fundo da foto brilhavam as luzes de Natal
que decoravam o salão do restaurante, e isso me fez
recordar de todo o discurso que ouvi Laura fazer com o
filho, ainda nas primeiras horas da viagem, sobre a magia
do Natal.
O Natal... aquela data que, segundo ela e sua
família, não se deixa ninguém para trás.
Decidi que eu também não deixaria.

-----**-----
Capítulo 18

“Mas neste Natal


Vou arriscar tudo
Neste Natal
Não tenho medo de cair”
(Wrapped In Red - Kelly Clarkson)

Da cozinha, eu conseguia ouvir os sons das risadas


de Daniel, que estava sentado sobre o tapete da sala,
cercado pelos avós e pela prima. Estiquei o pescoço em
direção à porta que ligava um cômodo ao outro, dando uma
espiada na felicidade daqueles quatro. Foi impossível
deixar de sorrir com a cena.
Ao meu lado, Isabela comentou:
— Acho que todo o trabalho da ceia vai ficar por
conta de nós duas.
— Certamente, sim. Não conte com nenhum
daqueles três para ajudar. Eles só têm olhos para o Daniel.
— Não que estejam errados. Quero terminar logo
com tudo isso aqui para também poder babar pelo meu
sobrinho. Agora pare de se distrair e termine já com essas
batatas.
Ri diante da ordem, voltando ao trabalho de
descascar as batatas para o assado. Já minha irmã estava
cumprindo sua promessa e preparando sua receita de torta
alemã, embora ela tivesse, para me provocar, comentado
algumas vezes que a da Carpe Diem era muito mais
gostosa.
— Mas e aí... você e o milionário do busão... nada
rolou mesmo?
Eu ainda não havia contado para ela. As vezes que
liguei para ela os meus pais estavam por perto e, desde
que eu tinha chegado, aquela era a primeira vez que nós
duas ficávamos a sós. Ela tinha ido me buscar na
rodoviária junto com o Marcelo, seu namorado – que no
momento tinha ido ao mercado comprar algumas coisas
que faltavam para as comidas que ainda pretendíamos
preparar. E aquele era o tipo de coisa que eu preferia
contar a ela em um momento em que estivéssemos
sozinhas.
Voltei a olhar para a sala, confirmando que o
restante da família estava bem entretido, e só então
declarei, com a voz bem baixa:
— Na verdade, rolou alguma coisa.
— O quê? — Ela parou o que fazia, me olhando de
forma atônita. Resmunguei um ‘shiu’ para que ela parasse
de gritar e, com isso, ela passou a falar mais baixo. —
Rolou? O que rolou? Vocês se beijaram?
— Algumas vezes.
— Algumas? Há quanto tempo está rolando algo?
— Começou na nossa primeira noite no hotel, foi
quando nos beijamos pela primeira vez. E aí, na segunda...
fizemos um pouco mais do que isso.
— Você deu para o milionário?
— ‘Dei para um milionário’ seria um belo título para
um romance erótico, irmãzinha.
— Tá... a parte do erótico eu entendi bem, mas...
Romance? Isso quer dizer que não foi só uma curtição?
Vocês marcaram alguma coisa?
— Depois de amanhã vou com o Dani para assistir a
homenagem que as crianças do abrigo farão a ele. Te
contei que ele comprou a casa e evitou o despejo deles,
não é? E eu o ajudei a comprar presentes para todos. Você
tinha que ver a felicidade dele escolhendo os brinquedos
para cada uma das crianças...
— Laura... você está apaixonada!
Bufei, balançando a cabeça de forma negativa.
—Não, não é pra tanto.
— Não mesmo?
Que droga. Minha irmã me conhecia muito bem.
— Ele é um cara muito legal, sabe? Muito, muito
legal. E tem uma história de vida tão sofrida e, ao mesmo
tempo, tão inspiradora. E ele me protegeu de um tarado
que ficou me perturbando durante a viagem, e... Isa, você
precisa vê-lo com o Dani. O que é ele com o Dani? Eles
visivelmente adoraram um ao outro.
— Sem contar que ele é gostoso pra caramba.
— É. — Como eu iria discordar do óbvio? — Duvido
muito que qualquer foto que você tenha visto dele faça jus
ao que é aquele homem pessoalmente.
— E na cama?
Um suspiro me entregou antes mesmo que eu desse
a resposta:
— Incrível. Simplesmente incrível.
— Então ele é bonito, legal, protetor, esforçado, tem
bom caráter, adora o seu filho, é incrível na cama... e você
não está apaixonada?
É... não dava mais para negar o óbvio.
— Talvez eu esteja, Isa. Mas... sei lá. Dá um medo,
sabe?
— Só se for medo de acordar de um sonho, né,
mana? Porque do que mais você teria medo?
— Eu o convidei para vir passar a noite de Natal
com a gente.
— E ele vem?
— Acredito que não. Disse que ia pensar, e eu
mandei o endereço para ele, mas... Ah, eu não sei...
— Do que a minha filha não sabe? — mamãe
perguntou, chegando subitamente na cozinha.
Pensei em disfarçar o assunto, mas fui traída pela
minha irmã fofoqueira:
— A Laura tá apaixonada pelo bonitão do ônibus.
— O dono da Carpe Diem? — mamãe pareceu
animada. Que droga, Isabela tinha contado TUDO para
ela? — Querida, você acha que ele passaria para mim a
receita dos bolinhos da empresa?
Sério que aquele era o principal interesse dela?
Bem, como eu poderia julgá-la. Os malditos bolinhos
eram mesmo uma perdição.
— Juro que cheguei a pedir, mãe. Assim como
também o convidei para passar o Natal com a gente, mas
ele disse não às duas coisas.
— Ah, minha querida... Acha que ele não sente o
mesmo por você?
Novamente, minha irmã respondeu por mim.
— Com certeza sente, mãe. Eles até se beijaram.
Mais de uma vez, pelo que estou sabendo.
Olhei para a minha irmã, praticamente fuzilando-a
com os olhos. Que coisa, eu me sentia uma adolescente
com vergonha de contar para a mãe que tinha beijado um
garoto.
Mas eu sabia que a questão não era essa. Eu nunca
tive pudores em contar aquele tipo de coisa para a minha
mãe. Eu só não queria que ela criasse expectativas. Ela
não era o tipo de mãe grudenta que quer que a filha arrume
um namorado/marido a qualquer custo, mas sempre torcia
para que eu encontrasse um amor na minha vida.
Bem, mas pelo menos Isabela não contou a parte
que foi além dos beijos. Menos um constrangimento para
mim.
— Não crie expectativas, mãe. Hoje vamos apenas
curtir o nosso Natal em família.
— Ele deve estar passando com a família dele, não
é? — mamãe insistiu em falar de Rodrigo. Mas qual era o
problema das mulheres da minha família?
Novamente, Isabela respondeu no meu lugar:
— Que nada, mãe. Ele está sozinho em um quarto
de hotel. Pode acreditar em uma coisa dessas?
— Quem está sozinho em um quarto de hotel? —
dessa vez a pergunta veio do meu pai, que entrava na
cozinha nesse momento. — Em plena véspera de Natal?
Que legal, uma reunião familiar bem no meio da
cozinha.
— Um amigo, pai. Apenas um amigo.
— Não se deixa ninguém sozinho no Natal, filha.
Muito menos um amigo.
— Tem toda a razão, pai! — Isa concordou, me
olhando com um sorriso vitorioso no rosto.
— Querem saber de uma coisa? — Faltava apenas
meia batata para eu terminar de descascar, e eu me
apressei nela, enquanto falava. — Eu fiz uma viagem muito
cansativa até aqui e já ajudei bastante na cozinha. O
restante da ceia fica por conta de vocês, porque eu vou
descansar um pouco.
Isabela protestou, minha mãe perguntou se eu
estava me sentindo bem (e provavelmente não era a um
bem estar físico que ela se referia) e papai apenas nos
olhou sem entender nada. Eu deixei a faca sobre a pia,
junto às batatas descascadas, e saí da cozinha. Quando
passei pela sala, dei um beijo em meu filho e outro em
minha sobrinha, que brincava com ele, e subi as escadas,
indo até o meu velho quarto, onde minhas malas já me
esperavam.
Deitei-me em minha velha cama de solteiro,
realmente disposta a descansar um pouco, não apenas o
meu corpo, mas principalmente a minha mente.
Mas não adiantou muito, porque eu não conseguia
parar de pensar em Rodrigo.
Peguei meu celular e o olhei, na esperança de que
ele tivesse respondido à minha mensagem com o
endereço. Ele havia visualizado, mas não falou nada.
Absolutamente nada.
Pensei em se eu não era uma boba iludida, achando
que um homem como Rodrigo Costa, que teria qualquer
mulher que quisesse aos seus pés, iria se interessar por
alguém que conheceu em uma inusitada viagem de ônibus,
com quem trocou alguns beijos e teve alguns momentos de
prazer.
Com uma mulher que já tinha um filho.
Sabia que homens viam mulheres com filhos como
problemas. Que motivos eu teria para acreditar que
Rodrigo fosse diferente?
Bem, eu não sabia os motivos... mas estava certa de
que era assim que eu me sentia.

-----**-----

A noite de Natal era sempre a data do ano mais


esperada por mim. Era impossível não me encantar por
toda a magia que permeava aquela época através das
luzinhas coloridas, das árvores e dos enfeites. A casa dos
meus pais estava toda decorada com pisca-pisca nas
paredes, e uma grande árvore estava montada bem no
meio da sala, cercada por presentes, que meu pai já
esperava para entregar à meia noite, usando a roupa de
Papai Noel que já estava separada em um cabide pronta
para ser vestida.
Isso é, se o Dani aguentasse acordado até lá. O que
achávamos que iria, porque ele estava muito animado em
companhia daquelas pessoas que, apesar de ele pouco
conhecer pessoalmente, já estava acostumado a ver por
ligações de vídeo quase todos os dias desde que nasceu.
Eu sabia que ele entendia que eram a sua família.
Era pouco mais de onze da noite e estávamos todos
reunidos ao redor da mesa. Fazíamos sempre tanta
comida, que nem era racional esperar dar meia-noite para
começar a comê-la. Então já fazíamos isso enquanto
conversávamos de forma animada. Faltava apenas
Marcelo, que tinha antes passado para jantar mais cedo
com os pais, que moravam ali bem perto, mas tinha
combinado de voltar para passar a meia-noite conosco.
Foi por isso que, quando a campainha tocou, logo
todos deduzimos que era ele e minha irmã se levantou,
saindo para abrir o portão. Dois ou três minutos depois, ela
retornou, entrando sozinha pela porta da sala. Todos a
olhamos, confusos.
— Não era o Marcelo — ela anunciou. — É outra
pessoa. Ele disse que não tem onde passar o Natal e
perguntou se pode ficar com a gente.
Meu pai se adiantou em responder, prontamente:
— Mas é claro que sim.
Minha irmã sorriu e olhou pela porta para a varanda.
Instantes depois, alguém entrou.
Ele entrou.
Rodrigo estava ali, na sala da minha casa, trazendo
duas enormes sacolas plásticas com vários embrulhos
dentro. Ele percorreu os olhos por todos ao redor da mesa,
parecendo um pouco constrangido, até que falou.
— Desculpem a invasão. Vocês têm lugar para mais
um?
Novamente, foi meu pai quem respondeu:
— É Natal, meu filho. Sempre cabe mais um.
Ele sorriu, agradecido, e voltou os olhos para mim.
Sorri de volta, antes de declarar, com a voz baixa, mas o
suficiente para que todos pudessem ouvir:
— Não se deixa ninguém para trás no Natal.

-----**-----
Capítulo 19

“Um Natal muito feliz,


E um feliz Ano Novo!
Vamos esperar que seja um bom ano
Sem qualquer medo...”
(Happy Xmas - Céline Dion)

Eu nunca tinha vivido algo como aquilo.


Antes, eu achava que me enfiar na noite de Natal na
casa da família da Laura seria uma coisa meio insana, que
poderia gerar climas desconfortáveis ou deixar os pais dela
constrangidos na presença de um estranho.
Definitivamente, nenhuma dessas coisas aconteceu.
Eles logo puxaram assunto, querendo saber mais
sobre mim. O pai dela, então, me contou que também
havia trabalhado em uma padaria quando jovem, e isso
rendeu vários minutos de risos com os casos que ele
narrou sobre essa época. Isabela, irmã de Laura, também
era muito simpática, e bem mais falante que a irmã, e seu
namorado Marcelo parecia ser um cara bem legal. A
sobrinha, Giovana, parecia mais entretida dividindo a
atenção entre a comida, o celular e em brincar com o
priminho. Mas era muito educada e parecia ser realmente
uma boa menina, como Laura sempre enfatizava.
Ainda eram onze e pouca da noite quando Daniel
começou a bocejar, demonstrando que queria dormir. Seu
avô, então, se apressou em sair de cena, retornando
minutos depois com uma fantasia de Papai Noel. Eu
realmente me perguntei como aquele senhor de fato
acreditava que tinha enganado as filhas até elas serem
praticamente adolescentes, mas era notório o quanto ele
curtia estar naquele personagem. E o quanto Daniel ficou
encantado com ele. Bem mais até do que com o Papai
Noel da pousada.
Aproveitando o momento, todos decidiram já iniciar
também as trocas de presentes. Infelizmente, por estarmos
em uma cidade pequena sem grandes comércios e
também por ser véspera de Natal, tudo o que encontrei
aberto para comprar algumas coisas foi uma loja de
conveniência. E como eu também não conhecia bem as
pessoas, acabei comprando caixas de chocolates para
todo mundo. As diferenças foram nos presentes de Daniel
e Laura, que, além dos chocolates, eu também havia
adicionado pelúcias de Natal. Para o bebê, escolhi uma
rena. Para Laura, como não podia deixar de ser, era um
bonequinho do Papai Noel.
Ah, e a mãe dela tinha ganhado um presentinho
extra também. Logo que abriu o embrulho e me agradeceu
pelos chocolates, ela ficou surpresa ao se deparar com
uma folha de papel dobrada. Expliquei:
— É uma receita especial. E super secreta, mas
confio na senhora para guardar esse segredo.
Ela desdobrou a folha e seus olhos brilharam ao ler
a receita escrita ali.
— Ah, meu querido... eu nem sei como lhe
agradecer.
Isabela, que estava sentada ao lado dela no sofá,
esticou o pescoço para tentar ler o papel, mas sua mãe a
impediu, voltando a dobrar a folha.
— Não ouviu o que ele disse, menina? É um
segredo.
— Mas eu sou sua filha mais velha! Não pode
receber a receita do bolinho da Carpe Diem e não passar
para mim.
— É do bolinho e da torta alemã. E eu não vou te
passar. Especialmente agora, que está planejando se casar
e sair de casa de novo. Quando quiser comer, terá que me
visitar.
— Não é justo, mãe! — Isabela olhou para mim. —
Rodrigo, se você soubesse o tanto que eu fiz torcida por
você... Eu merecia demais esse presente!
— Torcida? — Pisquei algumas vezes, intrigado.
— Tá legal, hora de levar o Dani para a cama! —
Laura falou, nitidamente forçando a interrupção do assunto.
Levantou-se do sofá, levando seu bebê junto. — Pode me
acompanhar, Rodrigo?
— Claro. Vou apenas te acompanhar e na sequência
vou embora. Agradeço demais pela hospitalidade de todos.
— Você será sempre bem vindo aqui, querido — a
dona da casa voltou a falar. — Apenas desculpe por não
termos comprado nada de presente para você. Se nossa
filha tivesse avisado antes sobre a sua vinda...
— Se ele tivesse me avisado, né mãe? — Laura
retrucou, em um tom descontraído.
Eu respondi:
— O acolhimento de vocês foi o melhor presente
que eu poderia ganhar, senhora. Agradeço demais a todos.
Não iria me prolongar nas despedidas, já que ainda
os veria quando descesse para ir embora, então apenas
acompanhei Laura subindo as escadas até um dos quartos.
Ela levou Daniel até a cama de solteiro que havia ali. Eu a
segui enquanto olhava ao redor, tentando imaginar como
deveria ter sido a jovem Laura que cresceu ali. Sua paixão
pelo Natal desde a juventude estava bem explícita no
pisca-pisca de luzes coloridas que decorava sua estante de
livros.
Ela colocou Daniel deitado na cama e se sentou ao
seu lado, dando leves tapinhas em suas costas que
pareciam ajudá-lo a pegar no sono. Só então reparei que
ele estava abraçado à rena de pelúcia que eu tinha dado
de presente para ele.
— Acho que já sabemos qual foi o presente favorito
dele nesse Natal — Laura falou, com a voz sussurrada.
— É realmente uma coisa muito simples, e muito
barata. Infelizmente, não encontrei opções na única loja
que encontrei aberta.
— Às vezes as coisas simples são realmente as
melhores.
Ela estava certa, no fim das contas. Mais do que
certa. Eu nunca poderia imaginar que algo como um jantar
de Natal pudesse trazer tanta felicidade. Em uma casa
simples, com pessoas simples e conversas simples.
— Muito obrigado por me convidar para passar o
Natal com vocês — falei, por fim. — Você estava certa, no
fim das contas. Com toda aquela teoria da magia e tudo
mais.
— Não é uma teoria. Você a sentiu dessa vez, não
foi?
Como eu poderia negar aquilo?
— Senti. E agora me sinto realmente preparado para
repassá-la. Aliás, você vai fazer algo amanhã?
— Amanhã é dia do almoço de Natal. Aquele para o
qual você já foi intimado pela minha mãe.
— Que não pretendo perder por nada. Mas... estou
perguntando sobre depois do almoço.
— Não planejei nada. Tem algum convite a fazer?
Observando que Daniel já havia pegado no sono,
ela se levantou, ficando de frente para mim. Era a primeira
vez desde que cheguei ali que tínhamos aquele momento a
sós, e eu não deixei de aproveitá-lo. Contornei meus
braços pela sua cintura, trazendo-a para mais perto de mim
e tomando sua boca com a minha. Nossas línguas se
enroscaram com necessidade e urgência e eu me deliciei
com seu gosto e com a forma como seu corpo se encaixa
perfeitamente ao meu.
Lembrei-me de outras formas em que tivemos um
encaixe perfeito e isso fez o meu corpo reagir de uma
forma nada adequada, já que estávamos na casa dos pais
dela, com seu bebê dormindo bem ao nosso lado. E ela
sentiu isso, pois se aproximou ainda mais, deslizando o
ventre sobre a minha ereção.
Ela estava brincando com fogo...
Sabendo que não era o momento nem o lugar
adequado para aquilo, precisei ser o adulto responsável da
situação. Juntei todo o autocontrole que eu era capaz de
reunir e afastei nossos lábios, depositando um beijo em
sua bochecha, depois outro em seu nariz e um último em
sua testa. Ela, no entanto, permaneceu aconchegada em
meus braços e eu desejei que o tempo pudesse parar ali,
para nos manter naquele pequeno universo que se criou no
espaço ao nosso redor.
Após alguns minutos em completo silêncio, ela enfim
perguntou, sem deixar de me abraçar:
— E então... qual é o seu convite para amanhã?
— Bem... primeiramente... feliz Natal. Pelas vozes
animadas lá embaixo, acho que já deve ser meia-noite.
Ela se afastou um pouco, apenas para poder me
olhar nos olhos.
— Feliz Natal, Grinch. Fico feliz que a magia desse
dia tenha conquistado você.
— Ela conquistou. E agora, acho que tenho a
obrigação de passá-la adiante. E o meu convite é para que
você me ajude nisso.
Ela sorriu, parecendo compreender exatamente o
que eu queria dizer.

-----**-----

O convite para ela acabou se estendendo à toda a


família, que se animou muito com a ideia. A mãe apenas
reclamou que queria que o convite tivesse sido antecipado,
para que desse tempo de preparar um segundo almoço de
Natal bem especial para as trinta e quatro crianças e sete
funcionários do abrigo.
A comemoração em que eles me fariam a
homenagem seria realmente apenas no dia vinte e seis,
mas eu não poderia permitir que o Natal daquelas pessoas
tão especiais se passasse em branco.
Como não havia tempo para um almoço elaborado,
passamos no mercado e compramos salsicha, molho
pronto e pães para uma verdadeira festa de cachorro-
quente. Também comprei muitos sucos, refrigerantes,
doces e bolos prontos – por um acaso, da Carpe Diem – e
todo esse suprimento foi dividido entre a caminhonete do
pai de Laura, o carro de Isabela e o de Marcelo. Ah, e é
claro, isso junto com os presentes que Laura e eu já
havíamos comprado.
O pai de Laura também fez questão de levar sua
roupa de Papai Noel. Acho que ele era o mais empolgado
entre todos nós. Até mesmo Giovana se animou em
colocar um vestido vermelho e um gorro na cabeça, para
ser a auxiliar do avô nas entregas.
Então, deixamos nosso combinado almoço em
família de lado para seguirmos até o abrigo. E fomos
recebidos por uma alegria tão contagiante, que eu sabia
que jamais iria me esquecer na minha vida.
Laura e Isabela se juntaram à sua mãe na cozinha
para prepararem os cachorros-quentes e Marcelo se juntou
para ajudá-las depois de descarregar dos carros as coisas
que tínhamos levado. O pai de Laura foi se caracterizar
para distribuir os presentes, enquanto Giovana entretinha
as crianças. Já eu, fui para o pequeno escritório do local
junto à diretora para lhe adiantar as notícias sobre a
compra da casa. Ela chorou muito e me abraçou,
emocionada. Eu voltaria no dia seguinte com o meu
advogado para formalizarmos tudo.
Porque aquele era um dia para festas.
Voltamos para a sala e ajudamos a servir as
crianças com cachorro-quente e refrigerante. Logo depois
que todos comeram, veio o momento de maior surpresa
para os pequenos, quando o Papai Noel entrou trazendo os
presentes para entregar a cada um deles. Houve risos,
choros de emoção – tanto das crianças quanto dos adultos
e muita felicidade.
Ou muita magia, como Laura diria.
Ela, inclusive, parou ao meu lado, segurando a
minha mão. O garotinho em seu colo logo esticou seus
bracinhos, querendo vir comigo e eu o peguei. Ficamos os
três ali em silêncio, apenas observando aquela explosão de
alegria ao nosso redor.
A partir daquele dia, o Natal seria, pelo resto da
minha vida, a minha data preferida do ano.

-----**-----
Epílogo

"Então, aqui está


Feliz Natal
Todo mundo está se divertindo
Olhe para o futuro agora
É apenas o começo"
(Merry Xmas Everybody - Slade)

Dois anos depois...

Laura e eu já namorávamos há alguns meses


quando ela me contou que desde a adolescência tinha o
sonho de se casar na noite de Natal. E eu, no momento,
achei aquilo uma completa loucura. Bem, sabia que minha
namorada era a louquinha do Natal, mas achava que para
tudo havia um limite.
Muito pouco tempo depois, eu comecei a perceber
que a ideia não era tão ruim assim.
Então, no nosso segundo Natal juntos, durante a
ceia com família reunida, eu me ajoelhei diante dela,
mostrei-lhe o anel em uma caixinha vermelha e fiz o meu
pedido.
Não foi apenas um Quer se casar comigo?
Foi um Quer se casar comigo no próximo Natal?
Ela disse sim. E agora, lá estávamos nós,
adicionando mais um significado especial àquela data que
tanto amávamos.
O local escolhido foi a cidade da família dela, o que
nos obrigou a mais uma viagem de mais de vinte horas,
como a que fazíamos todos os anos. Eu fretava um voo
particular para que Isabela fosse buscar Daniel e levá-lo
com ela para a casa dos pais, pois entendíamos que tanto
tempo de viagem era cansativo para ele. E então, como eu
ainda não havia superado meu medo de voar, eu seguia
pela estrada, e Laura sempre fazia questão de me
acompanhar. Mas fizemos uma pequena alteração e agora
nós íamos de carro, revezando no volante e parando para
descansar. E uma das paradas obrigatórias era na mesma
pousada onde nos beijamos e nos amamos pela primeira
vez.
E aquele era mais um ritual anual nosso.
Dessa vez, no entanto, a comemoração do Natal
seria diferente. E ainda mais especial. O salão escolhido
estava completamente iluminado por milhares de pequenas
lâmpadas douradas.
No caminho até o altar estavam a nossa família:
meus sogros, minha cunhada com seu agora marido e sua
filha, já com um namoradinho; minha secretária Solange
com seu marido; alguns amigos meus, alguns amigos de
Laura... e as crianças do abrigo. Todas as trinta e quatro
que presenteamos dois anos antes – já que agora o local
estava com uma infraestrutura bem melhor e ninguém mais
seria levado para outro local após completar os doze anos,
agora eles poderiam permanecer até os dezoito. Cinco
desses haviam sido adotados, mas mesmo assim estavam
presentes em nosso casamento, com seus novos pais.
Outros cinco haviam preenchido as vagas deixadas pelos
que saíram.
E talvez mais uma vaga fosse aberta em breve.
Uma melodia de Natal começou a soar e todos os
olhos se voltaram para a entrada do salão. Os primeiros a
entrar arrancaram suspiros e sorrisos de todos os
presentes. Daniel usava um pequeno smoking e estava
visivelmente se sentindo máximo com aquela roupa.
Estava com quase três anos e, não é porque era meu filho,
não, mas era uma criança linda.
Sim, filho. Era o que Daniel era para mim. Ele me
chamava de pai praticamente desde que tinha aprendido a
falar, e desde que Laura e eu começamos a namorar que
eu estive presente em todos os momentos importantes da
vida dele. Aliás, agora Laura raramente precisava contratar
uma babá nos dias em que precisava ficar de plantão no
hospital, porque eu sempre ficava com o Dani.
Ao seu lado, de mãozinhas dadas com ele, estava
uma garotinha um pouquinho menor, embora os dois
tivessem a mesma idade, com os cabelos negros e
cacheados adornados com pedrinhas brilhantes e um
vestido rodado e branco, com flores vermelhas decorando
a parte de baixo. Natália era, assim como o Daniel, apenas
um bebê quando visitamos o abrigo pela primeira vez, e
Laura de cara se encantou com ela.
Bem, na verdade, nós dois nos encantamos.
Íamos sempre até lá todas as vezes em que
visitávamos a família de Laura, e aquela garotinha foi
trazendo cada vez mais encanto para nós, até que
decidimos que queríamos ser os seus pais. O processo de
adoção ainda estava em andamento, mas a partir daquele
dia nós já poderíamos levá-la para casa, pois tínhamos
conseguido a guarda temporária. Que muito em breve seria
definitiva.
Nossa família já começava em quatro... E logo
seríamos mais, porque Laura e eu queríamos ter mais
filhos. Uma família grande e uma casa cheia de crianças
era o sonho de nós dois.
E do pai dela também, já que ele teria mais netos
para presentear nos Natais, usando sua velha fantasia de
Papai Noel.
Então, logo depois dos nossos filhos, foi a vez da
minha louquinha do Natal entrar, acompanhada pelo pai.
Segurei o ar por um momento, completamente em transe
com aquela imagem. Seu vestido branco tinha pétalas de
rosa bordadas na barra e na cauda e seus cabelos
estavam soltos em ondas que caíam sobre os ombros.
Linda... completamente linda. E, agora, seria minha
esposa.
Seríamos oficialmente uma família.
Uma eternidade pareceu se passar até que ela
chegasse até mim. Durante toda a cerimônia, eu não
conseguia passar dois minutos inteiros sem virar o rosto
para olhá-la pelo menos uma vez. Ela fazia o mesmo, com
seus olhos verdes imersos em lágrimas. Trocamos nossos
votos e eu a beijei, prometendo a mim mesmo que iria
amá-la para sempre.
Eu só conseguia ser grato naquele momento. Ao
ônibus, à ponte quebrada, ao Natal... e ao destino que
havia proporcionado aquele encontro.

Fim
Agradecimentos

Às meninas incríveis da Y3Y Assessoria Literária.


E às minhas leitoras maravilhosas.
Conheça outro trabalho da autora:

Corações em Jogo

Link: https://www.amazon.com.br/dp/B08HR5XWWY/

Sinopse: Tudo ia muito bem na minha vida. Era o bem-


sucedido CEO de uma grande rede de lojas e, apesar de
ser um homem bem centrado nos negócios, também sabia
como curtir a vida: festas, noitadas, amigos e mulheres.
Todas eu quisesse ter.
E eu queria todas... até ela aparecer.
Foi por uma aposta que a conheci. Uma briga de egos
com meu irmão, que me provocou dizendo que eu só
conquistava garotas por causa do meu dinheiro.
Eu teria duas semanas para seduzi-la, mas ela não
poderia saber quem eu era; não poderia saber que era rico,
muito menos que era seu chefe.
O problema era que eu não esperava que Luíza fosse
tão especial e que eu acabasse me apaixonando por ela e
por sua filhinha, Sofia, com quem precisei fazer um pacto
muito engenhoso quando descobriu minha identidade antes
da mãe.
O que era para ser apenas uma aposta, acabou
tomando rumos diferentes. Agora, não era apenas uma
conquista que estava em jogo... mas também o meu
coração.

Você também pode gostar