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Tabela de Conteúdos

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Agradecimentos
Traduzido, revisado e diagramado por chaoticslates no twitter.
Todos os direitos à sua editora e autora, apenas traduzimos a fim de
levar reconhecimento para os livros no Brasil para que assim,
possam ser publicados. Todos devem ter acesso à literatura, mas se
você tem condições, por favor, apoie os autores e leia o original.
Para todos que, em sua busca a fim de serem cuidadosos uns com
os outros, esqueceram de cuidar de si.
Suas necessidades também são importantes.
1

Era final de tarde da última quarta-feira de agosto, quando percebi


que a Disney estava mentindo para mim há algum tempo sobre
Felizes Para Sempre.
Porque, entenda, eu estava há quatro dias no meu, e meu
príncipe não estava em lugar nenhum.
Perdido. Desaparecido.
— Eu nunca vou te esquecer — ele disse.
— Acho que nunca fui tão feliz — ele disse.
— Por favor, não perca o contato. Eu preciso ver você de novo um
dia — ele disse.
Então, por que eu estava aqui, sentado no balcão da cozinha e
batendo minha cabeça contra uma parede metafórica, pesando os
prós e os contras de enviar ainda outra mensagem para ele?
Tipo, ok. Sim, se eu mandasse outra, seriam três seguidas. Sim,
isso meio semi-stalker. Mas eu poderia racionalizar isso. A primeira
mensagem que ele ignorou foi em resposta a sua própria na noite
de sábado. Ele disse boa noite, e eu disse boa noite. Fim da
conversa. Ele não era obrigado a responder. Então eu mal poderia
contar com isso. Então, a segunda mensagem que enviei não exigia
exatamente uma resposta.
Domingo, 11h59
Fracassei totalmente em fugir de
casa. Minha mãe me matou.
#Valeuapena. Por favor não me julgue
por usar uma hashtag. Eu sou
muito legal para obedecer às suas
expectativas sociais mundanas.

Lido domingo, 14h13

Quero dizer, ele poderia ter olhado para isso em seu caminho
para casa e sorrido, e não percebeu que ele deveria enviar uma
mensagem de volta, certo? Não havia estritamente uma pergunta lá,
então era possível. Ou talvez ele tenha visto, pensado em uma
resposta, e foi distraído por algo.
Como um incêndio em uma casa. Ou uma abdução alienígena.
Por quatro dias.
Sério, se você pensou sobre isso, eu tinha que mandar uma
mensagem para ele novamente. De uma forma legal, casual, e não
parecer desesperado, obviamente. Mas com uma pergunta desta
vez. Então se ele visse e não respondesse, eu saberia, com certeza,
que ele estava me ignorando.
OK. Eu posso fazer isso. Não é grande coisa. É apenas uma
mensagem de texto de um cara para outro cara.
Um cara que conheceu todos os meus maiores segredos, gastou
a maior parte das sete semanas me beijando, e tenha visto. Eu.
PELADO.
Um cara que me convenceu de que realmente gostava de mim.
Um cara que seria melhor ter sido abduzido por malditos aliens.
Então, talvez um pouco de apego de minha parte fosse justificado.
Contanto que não se classificasse como pegajoso, é claro.
Simples. OK. Vai.

‘Ei, Will! Então eu’


Não. Deletar. Parece muito planejado.

‘Cara, você nunca adivinharia o que eu’

O que eu o quê? Não havia como completar essa frase.

‘Então, estou achando que você provavelmente foi abduzido por


alienígenas, mas na chance de você não sido’

— Ollie. Você tem um segundo?


Eu pulei com tanta força que quase pressionei Enviar. E, vamos
ser honestos, se eu tivesse feito isso, poderia muito bem ter me
jogado no lago. Tentei não parecer muito nervoso quando mamãe se
sentou no banquinho de madeira ao meu lado. Por precaução,
apaguei a mensagem que eu estava digitando. — Uh, claro. E aí?
Ops. Ela estava com aquela expressão no rosto.
Meu primeiro pensamento foi que tinha acontecido. Tia Linda
havia falecido. Eu prendi minha respiração. Como se eu fosse pego
respirando, e isso se tornaria verdade, e nossa família cairia de sua
posição precária à beira de um penhasco chamado câncer. Essa foi
a razão de termos vindo para a Carolina do Norte em primeiro lugar,
depois de tudo, quando a saúde da tia Linda piorou e ela precisou
de um tempo longe, para relaxar, ver a família e realmente se
divertir pelo menos uma vez. Obviamente, minha família queria vê-
la, então a encontramos aqui no lago, o mais longe que ela poderia
ir com segurança para um feriado. Foi a maior viagem que eu fiz da
Califórnia em anos, então eu estava mais do que pronto para isso.
Eu fui nomeado o não oficial, não pago, que não reclama — mas
apenas porque eles são muito fofos — babá dos filhos dela, e
tínhamos alugado casas no lago lado a lado.
As coisas estavam boas. Ótimas, mesmo. O melhor verão da
minha vida, eu teria dito. Mas agora estava quase acabando e não
poderia terminar assim. Não poderia.
— Bem, querido... — mamãe começou.

Morta. Morta. Morta.


— Tia Linda está-

Morta.

— Bem, você sabe, ela não está indo muito bem. Você tem nos
ajudado muito nesse verão, mas antes disso tio Roy estava
esgotado tentando cuidar dos filhos e Linda, e eles não podem
pagar uma creche com as contas do hospital. Sem mencionar todas
as coisas extras com as quais eles precisam de ajuda no momento.
Ela é minha irmã. Quero ter certeza de que estou aqui para ela.
Espera. Então tia Linda não tinha morrido? O alívio me atingiu
com tanta força que quase perdi as palavras seguintes de mamãe,
tonto demais de felicidade para me concentrar.
— Seu pai e eu decidimos colocar a casa para alugar por um
tempo. Talvez por um ano ou mais. Temos um lugar onde podemos
ficar em Collinswood. Somente algumas ruas de distância de Roy e
Linda, na verdade. Voltaremos para San Jose na próxima semana
para pegar nossas coisas e dizer adeus a todos por enquanto. Você
vai voltar aqui a tempo de começar o ano letivo.
Espera, o que? O quê, o quê e o quê, exatamente?
— Ficar aqui? Você quer dizer, se mudar para aqui? Para a
Carolina do Norte?
Mas deveríamos voltar para casa na próxima semana. Como
poderíamos voltar?
Mamãe encolheu os ombros. Seus olhos azuis profundos tinham
olheiras pesadas embaixo deles, e seu cardigã preto leve estava ao
avesso. A etiqueta, cutucando humildemente fora da costura lateral,
farfalhou quando ela deixou cair os braços ao lado do corpo. —
Ollie, não temos escolha.
— Mas... você... eu poderia ficar em casa e vocês podem ficar
aqui?
Ei, quanto mais eu pensava sobre isso, mais sentido fazia. Só
porque eu tinha me divertido brincando de babá no verão não
significava que eu queria largar tudo e torná-lo um trabalho
permanente.
— Sim, na verdade, isso poderia funcionar. Eu posso cuidar da
casa e posso dirigir sozinho. Eu posso pagar as contas. Vou pegar
alguns turnos extras na loja. Eu posso vir mais tarde, se parecer que
você vai precisar ficar aqui por mais um tempo, mas... quero dizer,
mãe, a banda. E os caras. Eu não posso...
Mamãe apoiou os cotovelos no balcão e enterrou a testa nas
palmas das mãos. — Ollie. Por favor. Não torne isso mais difícil.
Eu caí para trás, olhando para o meu telefone. O que eu deveria
dizer aqui?
Não é que eu fosse um pirralho ou algo assim, mas isso era muito
para assimilar. Minha mente corria enquanto tentava processar a
enormidade de tudo isso. Último ano sem nenhum de meus amigos?
Em uma escola totalmente desconhecida, com professores que não
me conheciam, logo quando as notas realmente começaram a
importar? Eu teria que deixar meu trabalho, e minha banda, e eu
sentiria falta do baile...
Então eu olhei de volta para mamãe e só tive que dar uma olhada
na expressão em seu rosto ao perceber que isso era inegociável.
Relutantemente, eu joguei todas as razões pelas quais isso
arruinaria tudo para o fundo da minha mente. Eu chegaria a um
acordo mais tarde. No meu quarto. Depois de encontrar uma playlist
apropriadamente melancólica no Spotify.
Mas - mas - mas, uma parte de mim saltou. Nem tudo é
melancolia. Agora você vive no mesmo estado que Will. Vê-lo
novamente pode ser plausível.
Meu estômago embrulhou com o pensamento. Você tinha o lado
bom e o lado trabalhoso. E este lado era firmemente trabalhoso. —
OK. Bem, é... repentino. Mas tudo bem. Vamos fazer funcionar.
Minha mãe se iluminou e me puxou para um abraço. — Isso foi
mais fácil do que eu esperava.
Minha voz saiu abafada contra seu peito. — Eu me reservo o
direito de reclamar constantemente daqui para frente. Eu soaria
como um monstro se dissesse não, e você sabe disso. Não é como
se eu tivesse direito de escolha, tinha?
Quando minha mãe me soltou, ela deu uma risada breve. — Não,
Deus, não, mas eu agradeço a cooperação da mesma forma.
— Pelo menos você é honesta — Forcei um sorriso e mamãe
pulou do banquinho para começar os preparativos para o almoço.
— Nós vamos fazer funcionar, eu prometo — disse ela enquanto
ia pata a gaveta pegar alguns tomates e alface. — Às vezes temos
que fazer sacrifícios pelas pessoas que amamos, certo? Pode não
ser ideal, mas podemos fazer isso com um sorriso.
Eu balancei a cabeça distraidamente e voltei para o meu telefone.
Pelo menos o primeiro problema foi resolvido. Isso contou
totalmente como uma razão boa o suficiente para enviar várias
mensagens de texto.
Agora ele teria que responder, certo?
2

Quarta-feira, 18h05
Ei. Então. História engraçada. Eu estou
me mudando para NC por um tempo.
Eu vou estar morando em
Collinswood. Alguma chance de
isso está perto de você?
Não lida

Eu estava brincando sobre a coisa dos alienígenas, mas estava


começando a parecer a única explicação plausível. Quem não toca
no telefone por doze dias? Ninguém. Seriamente. Desde que enviei
essa mensagem, eu:
• Arrumei as malas.
• Sai da casa do lago.
• Voei para casa.
• Empacotei minha casa inteira.
• Me despedi de todos os meus amigos.
• Consumi três milkshakes de pura angústia. Um com Ryan, um
com Hayley, e mais um com Ryan porque ele teve um desejo
noturno depois de já ter se despedido de mim oficialmente.
• Voei para a maldita Collinswood, também conhecida como
Podunk Nowhere.
• Desempacotei minha casa inteira.
• Chorei em segredo duas vezes.
• Chorei um pouco na frente dos meus pais uma vez.
• Fiz um juramento de sangue comigo mesmo para parar de
chorar desesperadamente.
• Fiz um tour por Podunk Nowhere e chorei um pouco por dentro
quando eu percebi que todas as minhas compras teriam que ser
online de agora em diante.
• Assisti Frozen três vezes. Duas vezes, com meus primos na
sala. Uma vez, sozinho porque já estava no DVD player e eu não
poderia ficar incomodado em mudar.
E em todo esse tempo, nenhuma mensagem do Will? Dane-se.
Eu oficialmente superei.
Mas não totalmente superado ao ponto de eu não querer
desabafar. E esta noite era minha chance. Depois de várias
tentativas fracassadas, Ryan, Hayley e eu finalmente encontramos
uma vez que estávamos todos livres para o Skype. Eu pretendia
atender a ligação no meu quarto, mas mamãe decidiu no último
minuto que precisava de mim na cozinha para descascar os pepinos
para a salada. Então fiquei multitarefado, com o Notebook na mesa
de jantar e uma tábua de cortar ao lado dele.
Mamãe e papai estavam preparando um jantar especial para
comemorar a grande abertura da nossa nova cozinha. O problema
era que nossas refeições especiais eram geralmente comidas de
pronta entrega, uma vez que nunca recebemos pessoas para jantar
e, portanto, não tínhamos ninguém para impressionar além de nós
mesmos. E o pad thai do restaurante na mesma rua impressionou
nós três em San Jose. No momento em que papai pirou (sem
trocadilho) e puxou um tutorial de Gordon Ramsay no YouTube para
copiar, a tensão estava alta. Para piorar as coisas, juntando-se a
nós na cozinha estavam meus primos muito cansativos e
rabugentos, Crista e Dylan. Basicamente, a casa estava um caos, e
adicionar uma chamada no Skype a tudo isso não ajuda.
— Está um pouco barulhento do seu lado — disse Ryan, fazendo
uma careta para a câmera.
Na cama ao lado dele, Hayley começou a rir.
— Certo, desculpe. Apenas tente ignorar isso — eu disse. Eu tive
que falar em um ângulo enquanto descascava os pepinos.
Ryan disse algo em resposta, mas foi abafado por Crista
choramingando.
— Tia Catherine? Tia Catherine? Tia Catherine? — Ela seguiu a
mamãe pela cozinha, segurando sua tigela de fatias de maçã e
queijo cheddar enquanto minha mãe fingia que não conseguia ouvir.
— Desculpe, o quê? — Eu perguntei na tela.
Ryan e Hayley me lançaram os mesmos olhares divertidos. — Eu
disse, você já desempacotou suas malas? — Ryan gritou.
Eu abri minha boca para responder, mas acabei com uma fatia de
maçã empurrada sem cerimônia na minha cara. — Não gosto da
casca — disse Dylan em um tom firme de voz, abanando a maçã.
— É um pouco tarde para isso, amigo — eu disse — Apenas
coma ao redor.
— A casca.
— Estou ocupado agora, estou descascando outra coisa. Iria
deixar suco de pepino por toda a sua maçã. Vá procurar a tia
Catherine para te ajudar.
“ Tia Catherine” me deu um olhar de advertência, e eu me escondi
atrás do notebook. O rosto de Hayley ficou tão perto da tela que
quase pude contar seus cílios loiros claros. — Então, queríamos
contar a você pessoalmente, mas nós fomos convidados para tocar
no Nathaniel!
Meu queixo caiu. — Espera, sério? — Nathaniel era um sonho
quando se tratava de shows para menores. Claro, não era
exatamente o nosso público, mas as pessoas que iam lá tendiam a
ter a mente muito aberta quando se tratava de música. No mínimo,
provavelmente acabaríamos com um monte de novos fãs que nunca
tinham ouvido falar de nós.
Bem, não “nós”, eu percebi. Eles. Eles acabariam com novos fãs.
— Ollie, Ollie, Dylan quer que você corte a casca da maçã —
disse Crista, aparecendo ao meu lado do nada.
— Eu o ouvi. Só estou tentando falar com meus amigos agora.
— Suas mãos estão livres, não estão? — Mamãe perguntou do
outro lado da cozinha.
— Você não pode pegar uma faca nova?
— Já volto — disse a Ryan e Hayley, mas Hayley levantou a mão.
— Não, olhe, nós mal podemos ouvir você. Vá cuidar disso.
Temos que ensaiar, de qualquer forma. Contaremos mais quando
pudermos conversar adequadamente.
Mas eu nem tive a chance de contar a eles sobre Will. Ou
Collinswood.
Ou como estava tia Linda. — Ah. Ah, tudo bem. Certo. Nos
encontraremos no Skype em breve, então, eu acho?
— Sim, quando estivermos todos livres. Em breve.
Encerrei a ligação e, obedientemente, retirei a ofensiva casca de
maçã para a alegria de Dylan.
Perto do fogão, mamãe ficou atrás de papai, criticando
prestativamente suas escolhas culinárias. — Há um pouco mais de
espaço na frigideira — ressaltou ela, se encostando no balcão. —
Por que você não coloca tudo? Vai acelerar as coisas.
— Gordon diz que se colocar muita carne na panela ela vai
cozinhar de forma desigual.
— Bem, Deus me livre de desobedecer Gordon.
— Ai do idiota que tentar, Catherine.
Lá fora, o motor de um carro roncou na garagem. Crista e Dylan
se animaram como um só, e abandonando seus lanches, correram
para a porta da frente, comigo seguindo logo atras deles. — Mamãe
está aqui, mamãe está aqui, mamãe está aqui.
Tia Linda mal havia passado pela porta quando foi atacada por
dois mísseis de tamanho reduzido. — Ooff! Oh meu Deus, eu só fui
embora por um algumas horas. — Ela riu, puxando-os para um
abraço.
Hoje à noite, ela parecia mais fraca do que o normal. Ela tinha
perdido seu cabelo preto espesso há um tempo atrás, e enquanto
eu estava acostumado a vê-la careca, esta noite ela ainda usava o
lenço estampado que ela enrolou na cabeça quando saiu.
Estranhamente, o lenço me lembrou o quanto as coisas mudaram
mais do que a perda de cabelo. Talvez fosse porque Linda tinha sido
tão anti-touca por mais tempo do que eu estava vivo. Eu não
conseguia nem imaginá-la em um chapéu de sol, ou gorro, ou nada.
— Eles estão famintos por atenção — eu disse. — Temos
negligenciado eles.
— Eu sei, é por isso que os deixo aqui. Isso me faz parecer
melhor em comparação, e eles são muito mais gratos por me ter —
disse ela, cutucando as crianças de brincadeira em seus estômagos
enquanto ela falava. Eles gritaram com risos.
— Como foi? — Mamãe perguntou quando entramos na cozinha.
— Ah, você sabe. É um hospital. Que bom que existe, mas é
sempre melhor quando podemos ir embora — Tia Linda ergueu a
bolsa e acenou com a cabeça em direção a sala de estar. — Me
deixe colocar minhas coisas no chão, levarei dois segundos.
— Espero que você esteja com fome — Mamãe disse às suas
costas.
A voz de tia Linda estava brilhante e alegre quando ela
respondeu. — Para falar a verdade, Cathy, não me lembro como é a
sensação da fome.
Mamãe revirou os olhos, então me viu voltando para a mesa de
jantar. — Como está a salada?
— Oh, tudo bem. — Peguei o descascador novamente.
— Desculpe, interrompemos sua ligação.
Eu balancei a cabeça, não confiando em mim mesmo para
responder sem ficar novamente todo emocionado. Eu realmente
queria falar com Ryan e Hayley. Havia tanto para desabafar. Eu só
queria que algo parecesse normal. Mamãe empurrou minha mão
para baixo para que eu soltasse o descascador. — Ollie, você
precisa relaxar. Você terá muitas oportunidades de falar com seus
amigos. Tudo vai ficar bem. Eu quero que você pratique a gratidão
consciente.
— Não, mãe-
— Sim, Ollie. Comigo. — A experiência me disse que é melhor
entrar no jogo. Resistir levaria mais tempo do que desistir neste
ponto. — Agora, eu quero que você imagine todas as coisas pelas
quais você é grato. Esta linda casa grande que custa um oitavo do
aluguel daquela em San Jose. Que tal isso para começar? Casas
grandes e ar puro e ter seus pais por perto para preparar uma
refeição nutritiva para você… você está experimentando a gratidão?
— Oh, totalmente.
— Oliver, eu não quero nenhum sarcasmo seu. Imagine as pontas
dos seus dedos. Quão eles sentem? Como é a sensação da
madeira embaixo deles, Ollie?
— Mãe, honestamente, me sinto um pouco claustrofóbico agora.
Ela tirou as mãos dos meus ombros com uma careta tímida. —
Desculpe. Mas trabalhe comigo aqui, Ollie. Você precisa
relaxaaaaar e se acalmaaaar.
Veja, mamãe tem algumas idéias sobre o mundo. Ela não é super
religiosa. Apenas mais, eu acho que... espiritual? Basicamente, ela
acredita em um Grande Ser Etéreo lá fora no universo que nos dá
tudo o que queremos, desde que finjamos que estamos totalmente
felizes, satisfeitos e positivos. Porém, se estamos com raiva sobre
algo, ele nos dá mais disso. Um Grande, Etéreo, um ser bom-para-
caralho, casualmente relaxando no universo.
Que poderia ter abduzido Will, agora que pensei sobre isso.
Não que eu me importasse mais com Will, certo? Bem, se eu
continuasse dizendo isso, talvez o Grande Ser Etéreo tornaria isso
verdade.

Levei muito tempo para montar uma roupa decente de primeira


impressão para o meu primeiro dia em Collinswood High no qual eu
praticamente corri escada abaixo, pretendendo mergulhar direto no
carro. No entanto, meus planos foram frustrados quando encontrei
meus pais na cozinha, determinados a preparar café da manhã para
mim. E, para o meu desespero, eles não aceitariam um "Sem
tempo" como resposta. Eles decidiram pôr ovos mexidos. O que
parece simples e rápido. E provavelmente é, quando você não falha
com três unidades. Com o passar do tempo eles vão conseguir
produzir uma refeição comestível entre eles, o chão estava repleto
de detritos de farinha na forma de cascas de ovo, torradas
queimadas, sal, pimenta, e manchas de manteiga. Era um
apocalipse no café da manhã. Eu comi os ovos o mais rápido que
pude, pingando manteiga na frente da minha jaqueta no processo.
Fantástico. Eu tentei limpar, mas acabei desistindo completamente.
Eu corri para o carro, quase tropeçando no meus pés. Primeiro dia,
o primeiro dia, e eu chegaria muito atrasado.
Eu fiz meu caminho para a escola com toda a velocidade de um
indivíduo de noventa anos em seu caminho para a noite de bingo.
Não é minha culpa, devo acrescentar, aconteceu de eu pegar todos
os sinais em vermelho. Straight flush. Quanta sorte um cara pode
ter?
Mais sorte do que isso, ao que parece. Aparentemente fui a última
pessoa a chegar à escola, porque todas as vagas de
estacionamento estavam ocupadas. Amaldiçoando, eu abaixei a
música estridente e rastejei ao redor do Estacionamento da
Collinswood High.
Sem vagas.
Ainda sem vagas.
E de alguma forma, ainda não havia vagas vazias, mesmo após
cinco minutos inteiros procurando. Isso é simplesmente motivador.
Finalmente, encontrei um lugar, bem no final do lote. Estava sob
uma daquelas árvores que lançam flores pegajosas sobre toda a
vizinhança.
Lado-positivo: sombra. Lado-não-muito-positivo: eu passaria o fim
de semana com uma mangueira e um pano na minha garagem em
troca do privilégio de estacionar aqui. Eu aceitei a troca? Bem,
coloque desta forma: eu estava atrasado o suficiente então eu teria
estacionado no topo de um portal para o inferno se isso significasse
que eu poderia parar de ficar circulando neste maldito lote.
Tirei minhas chaves da ignição e me lancei para fora do carro.
Exceto que superestimei muito minhas habilidades de destreza. Em
outras palavras, eu posso ter falhado em desenganchar
adequadamente meu braço esquerdo do cinto de segurança antes
de soltar para fora da porta. O que pode ter resultado em mim sendo
puxado para trás com um solavanco suficiente para me jogar para o
lado do carro e, em seguida, cair de joelhos como um fliperama
humano. Deus todo-poderoso, esta manhã foi uma espécie de piada
de mau gosto.
Nos breves segundos que passei caído no concreto, com um dos
meus braços balançando acima da minha cabeça em uma tipóia de
cinto de segurança, eu tive uma epifania. Tudo aconteceu por um
motivo e, de alguma forma, algo lá fora estava cuidando de mim,
afinal. É por isso que eu estava atrasado. Então, quando eu fizesse
de mim mesmo um idiota espetacular, eu teria precisamente zero
testemunhas.
Enquanto eu estava praticando a gratidão consciente e me
desvencilhando do cinto de segurança, percebi que estava,
infelizmente, enganado. Afinal, o Grande Ser Etéreo do universo me
odiava.
Porque uma garota ficou dois pontos atrás, segurando seus livros
e olhando para mim. Ela era bonita, de um jeito polido que dizia “é o
primeiro dia de aula e eu quero impressionar”, vestindo um blazer,
jeans skinny e botas de salto alto. Sua pele marrom escura estava
totalmente livre de espinhas e manchas, seus lábios tinham um
toque de brilho labial transparente e seus cachos fofos e volumosos
caíam em seus ombros.
Bem, isso foi constrangedor.
— Eu — gritei para ela — estou bem. Só para esclarecer.
A garota mudou sua grande pilha de livros para trancar seu
próprio carro. — Isso é um alívio — disse ela. — Fiquei preocupada
por um minuto.
— Não há necessidade. — Eu me endireitei e peguei minha
mochila no assento passageiro. Recuperação semi-suave.
— Tudo bem então. — A garota me lançou um sorriso rápido,
então virou sua atenção de volta para seu carro. Achei que a
conversa havia acabado e comecei o constrangedor trajeto por ela.
Quando cheguei mais perto, porém, percebi porque ela estava
olhando para o carro dela. Seu clicker não estava funcionando.
Obviamente, eu não poderia me dar ao luxo de ficar mais atrasado
no meu primeiro dia. Mas acontece que eu era um especialista na
operação de dispositivos clicker. Então eu não poderia justificar
muito bem passar sem ajudar, certo? E não menos importante de
tudo, porque pode irritar ainda mais o Grande Ser Etéreo do
universo.
— Posso tentar? — Eu perguntei quando alcancei a garota.
Ela hesitou. O que era justo, dado o que ela viu do meu nível de
competência até agora. Eu me endireitei e tentei torcer meu rosto
em uma expressão de "Eu consigo totalmente fazer isso.” Deve ter
funcionado, porque ela deu de ombros e me passou suas chaves. —
Vai nessa.
Dando um passo para a frente do carro, ergui o clicker e
pressionei o mais forte possível. Para completar, me concentrei no
pensamento positivo, com uma pitada de gratidão consciente. Para
meu grande alívio, os faróis piscaram e o carro trancou. No que me
dizia respeito, essa era a minha melhor redimida aos olhos da única
testemunha desta manhã. Marque um para Ollie. Ser Etéreo: três
bilhões. A lacuna estava diminuindo.
A garota ergueu as sobrancelhas, impressionada. — Obrigada.
Fui passar o clicker de volta para ela, mas suas mãos estavam
meio ocupadas com a pilha de dez ou mais livros equilibrada na
dobra de seu braço.
— Hum, você precisa de ajuda com tudo isso? — Eu perguntei
enquanto corríamos. O prédio da escola de tijolos vermelhos
assomava à distância, todos ameaçadores e intimidantes. Tinha três
andares de altura, com praticamente acres de grama aparada entre
o estacionamento e a entrada, cortando o meio por um caminho
íngreme alinhado com mastro após mastro. Por que Collinswood
High é tão enorme? Collinswood era um pequeno lago, e não tinha
nenhum negócio ostentando um prédio escolar que poderia abrigar
um oceano cheio de peixes.
A garota riu. Ai. Me intrometi muito? — Você quer carregar meus
livros para a aula? — ela perguntou. — O que é isso, os anos
cinquenta?
— Nem todos os seus livros — eu disse. — Apenas talvez um ou
dois dos mais leves. — eu apontei para as duas brochuras no topo.
— Você provavelmente poderia lidar com o resto sem mim.
— Acho que posso lidar com todos eles sem você, obrigado
mesmo assim.
Se tivesse vindo de outra pessoa, eu poderia ter ficado ofendido
com isso, mas essa garota tinha um meio sorriso que me fez sentir
como se estivesse me divertindo com ela. Eu decidi que gostava
dela. Eu enganchei o chaveiro dela em um dedo e o ergui. — Acho
que vou levar isso para a sua aula, então?
— Na verdade, seria ótimo. — Ela me ofereceu um sorriso
brilhante, que eu peguei e joguei de volta para ela. De tão perto, ela
cheirava a açúcar e flores. — Então, acho que você é novato — ela
continuou. — Isso, ou você é um calouro muito alto.
— Não. Um sênior tamanho normal. Eu sou o Ollie. Acabei de me
mudar para aqui da Califórnia, eu acho. Tipo, possivelmente é
temporário, possivelmente por um tempo. Depende de algumas
coisas da família.

Bem, tem certeza de que foi estranho o suficiente, Ollie? Se você


realmente se esforçar você pode soar ainda mais estranho. Não se
contente com a metade.

A garota não pareceu notar o vômito das palavras. — Imaginei


que você não fosse daqui. Seu sotaque e tudo mais. De qualquer
forma, sou Juliette. Onde fica sua sala de aula? Eu posso te levar,
se você quiser.
Ei, eu não era o único com sotaque. Na verdade, Juliette tinha o
maior sotaque sulista do que a maioria das outras pessoas que
conheci até agora. Se eu tivesse que chutar, acho que eu diria que
Juliette cresceu mais ao sul. Então, parecia que outra pessoa não
era de uh-ree-ound hay-err. Eu teria que perguntar outra hora,
porque: Juliette tinha me lembrado de como eu estava atrasado. Eu
forcei meu cérebro para acessar a memória do meu professor de
sala de aula. Tinha borrado junto com os vinte outros nomes que
tentei memorizar. — Hum, eu estou com a Sra. Hurstenwild, eu
acho.
— Oh, droga, você está conosco! Isso torna as coisas mais fáceis.
Siga-me, Ollie-oop.

— Ollie-oop?

— Ollie-oop. Alley-oop.
Deixa rolar, ok? Parece fofo.
— Para uma criança de três anos, talvez — eu protestei, mas
Juliette não parecia me ouvir. Convenientemente ela acelerou o
ritmo e acelerou o caminho, pelas portas de vidro deslizantes e por
vários corredores vazios. Eu deslizei atrás dela, as bochechas
corando. Excelente. Todo mundo já estava na aula. Ela parou em
algum lugar no labirinto de salas de aula e acenou com a cabeça em
direção a uma porta. Certo. Ela não tinha as mãos livres.
Como esperado, um mar de cabeças desconhecidas se virou
quando entrei. Incrível. Para meu alívio, Juliette entrou na minha
frente. — Ei, Sra.H. Desculpe, estou atrasada. Ollie estava perdido,
então parei para ajudá-lo.
Que jeito de me jogar embaixo do ônibus, Juliette. A Sra.
Hurstenwild, mulher de meia-idade com um maxilar e um pescoço
que era muito grosso para o colarinho alto de sua camisa, mas não
parecia se importar. — Vou te dar um passe hoje, Juliette, mas você
terá que ser criativa para que eu caia nessa pelas próximas cento e
oitenta manhãs.
Juliette foi direto para uma mesa vazia. Como ela sabia qual era
dela? Como eu saberia para onde deveria ir? — Eu não sonharia
com isso, Sra. H — ela disse. — Vou culpar Ollie por duas semanas,
no máximo.
A Sra. Hurstenwild se virou para mim. Autoconsciente, cruzei os
braços sobre meu peito. Eu deveria me apresentar aqui? Eu deveria
insistir que Juliette não me representasse?
— Bom dia, Oliver. Fico feliz em ver que você encontrou o seu
caminho até aqui.
Oh. Isso não foi tão ruim. Consegui sorrir. Eu consegui respirar.
Eu até consegui ignorar o resto dos alunos olhando para mim. Por
alguns segundos, de qualquer forma. A Sra. Hurstenwild gesticulou
para o fundo da sala de aula. — Você pode sentar naquela cadeira.
Estamos revisando algumas coisas sobre limpeza para dar início ao
semestre.
Eu examinei os rostos primeiro, então, oprimido, eu me conformei
em olhar para o chão. Não que eu fosse extremamente tímido ou
algo assim. Eu só... quero dizer, convenhamos que ninguém gosta
de se sentir como um animal de zoológico, certo? Felizmente,
cheguei à minha mesa sem ninguém jogar pipoca em mim, o que foi
um grande sucesso. A Sra. Hurstenwild começou a falar sobre
passes de corredor e acesso à biblioteca, e eu provavelmente
deveria estar prestando atenção, mas meu olhar continuava
vagando ao redor da sala de aula. Havia cerca de trinta alunos.
Superficialmente, eles não eram diferentes das pessoas de onde eu
morava. Apenas a sua distribuição usual de bonitos a simples,
seguros de si a desajeitados, jeans skinny para o corte em
minissaias. Mas embora a classe possa não ser diferente das de
casa, eu poderia ser. Diferente, claro. Eu era uma folha em branco
agora. Qualquer coisa pode acontecer daqui a diante. Qualquer uma
dessas pessoas pode se tornar minha melhor amiga, ou pior,
inimigos até o final do ano. Eu era totalmente responsável pelo meu
destino. Qualquer movimento que eu fizesse hoje poderia estragar o
ano. Mas, sem pressão, certo? Contanto que eu não me enrosque
em mais nenhum cinto de segurança, e domine o uso da língua
inglesa, eu devo ficar bem.
“Devo” é a palavra-chave.
De repente, percebi que a Sra. Hurstenwild havia parado de falar
e as pessoas estavam se movendo. Eu congelei, já acabou a
primeira aula? Não houve um sino?
Mas antes que eu pudesse reagir, Juliette se jogou na frente da
minha mesa. Ela tinha duas meninas com ela. Uma era alta e
curvilínea, com uma espessura de cílios saído de um anúncio da
Covergirl e pele morena fria. Ela estava vestida da cabeça aos pés
com roupas de treino de marca, desde o suéter de lã até as calças
de ioga três quartos. A outra garota, em um ligeiro contraste, usava
um vestido lilás claro com babados, no qual não deveria ter
funcionado com sua pele igualmente pálida, mas de alguma forma
funcionou, combinado com uma jaqueta de couro e Converse. Isso,
além do delineador pesado e postura curvada, fez dela a imagem
cuspida de metade dos meus amigos em casa. Infelizmente, ela era
a única das garotas que parecia menos impressionada em me ver.
— Ollie-oop, estas são Niamh e Lara — disse Juliette, apontando
para a modelo da L'Oreal e a garota de aparência punk,
respectivamente. Neev? Pessoas na Carolina do Norte têm nomes
estranhos. — Gente, Ollie se mudou da Califórnia para cá.
Aparentemente, ele pode voltar a qualquer momento, num piscar de
olhos.
Caramba, meu rosto estava corando. Tudo bem. Minha vez de
falar. Talvez eu deveria aproveitar esta oportunidade para provar
meu firme domínio do meu primeiro idioma.
— Oi. Sim, passamos o verão aqui, e meus pais pensaram “ei, por
que se incomodar em voltar para casa, vamos ficar aqui o ano todo”.
Niamh parecia confusa. — Sério? Isso parece uma coisa...
incomum para fazer.
Ele atira, ele erra. — Hum... sim, não, foi... foi uma, uh... uma
piada... nós realmente não... hum... minha tia está doente, então
vamos ficar aqui por enquanto para ajudar.
Todas as três meninas olharam para mim. Eu as encarei de volta.
Em seguida, um enorme um buraco negro se abriu no chão e eu
felizmente o deixei me sugar para as profundezas da Terra. Lara
estufou as bochechas. — Isso é deprimente. — Juliette não tão
sutilmente deu-lhe uma cotovelada e Lara fingiu cuidar de suas
costelas. — Jesus, Jule, que diabos foi isso?
— Então você passou o verão na cidade? — Juliette perguntou,
levantando a voz sobre a de Lara, claramente tentando amenizar o
constrangimento.
— Não aqui, não. Estávamos no lago. Esta é minha primeira vez
em Collinswood desde que eu era criança.
— Que legal — Niamh interrompeu. — Eu também passei uma
semana lá. Nós provavelmente passamos uns pelos outros uma
dúzia de vezes sem nem perceber. Que engraçado.
— Niamh gosta de passar o máximo de tempo possível lá — disse
Juliette.
— Ela está completamente convencida de que vai acabar em um
romance ardente de verão algum ano.
— O mais perto que cheguei foi o companheiro de boliche do
vovô — disse Niamh, brincando com seu colar, uma corrente
simples de ouro rosa com um pingente de rosa pendurado no fim.
Uma rosa cor-de-rosa dourada. — Mas ele gostava mais de mim do
que eu dele, Infelizmente. Não me importo com um homem mais
velho, mas tenho meu limite nos sessenta.
Eu tinha visto o colar de Niamh antes — em Juliette, percebi,
olhando entre elas. Sim, idêntico. Em um palpite, olhei para Lara.
Uma rosa brilhou na base de sua garganta também, refletindo a luz
fluorescente.
Juliette deu um tapinha no braço de Niamh com bom humor. —
Isso é o que eu continuo dizendo a vocês. Se você quer aventura,
você vai ter que ir um pouco além do lago, você não acha?
Romances de verão escandalosos não são comuns no Norte da
Carolina.
Desviei minha cara de paisagem. Assim como eu temia, fui pego.
Lara estreitou os olhos para mim, apoiou os cotovelos na minha
mesa, e disse: — Ou não? Ollie?
Eu pisquei. — Hmm?
Mas era tarde demais para me fingir de inocente. Lara me deu um
sorriso maligno e apontou diretamente para mim. — Eu vi aquele
olhar! O que você fez durante o intervalo? Presumo que ela tenha
menos de sessenta anos.
O rubor de antes teria sido apenas um brilho suave em
comparação com a maneira que devo estar aparentando agora. —
Hum... eu, uh...
Juliette saltou da mesa. — Ele fez, oh meu Deus. Niamh, eu estou
tão preocupada. — Niamh fez beicinho. — Algumas pessoas têm
toda a sorte.
Uma risada nervosa explodiu da minha garganta como uma lata
de refrigerante agitada efervescente. — Não é hora da aula?
— Não — disse Juliette. — Você não ouviu a Sra. H? Ela está nos
dando cinco minutos para pôr em dia as fofocas do verão. Então,
por favor, fofoque.
Lara pegou uma cadeira vazia de uma mesa próxima e sentou-se
nela para frente, babados lavanda saltando em todas as direções.
— Sim, presenteie-nos com todos os detalhes para maiores, certo?
Deus sabe que o resto de nós não tem muito para relatar durante o
verão.
— Você não tem? — Juliette perguntou a ela. — Isso é
decepcionante.
Lara acenou com a mão no rosto. — Não estamos falando de mim
agora.
Por um lado, eu mal conhecia essas garotas, então deveria
realmente compartilhar tanto com elas tão cedo? Por outro lado,
elas pareciam muito interessadas, e eu mal tive a chance de falar
sobre isso com meus amigos em casa no corre corre. Se eu não
contasse a alguém logo, as palavras iriam transbordar para fora dos
meus poros. Engoli. — Bem... talvez eu tenha, eu acho...
As três cabeças se voltaram para mim, e a pessoa do palco girou
o holofote bem no meu rosto. Juliette circulou uma mão no ar. —
Siiiim?
— Eu conheci alguém — eu disse. — E... sim, algumas coisas
aconteceram. Hum…
— Alguém? Um cara ou uma menina ou...? — Juliette
interrompeu.
Bem. Tanto para pisar em ovos em torno de pronomes. Eu sabia
que teria que me "assumir" aqui mais cedo ou mais tarde, se é que
podemos chamar isso de assumir, já que fiz isso há anos. Mas eu já
tinha passado por todo aquele constrangimento no lugar onde
morava. Eu meio que senti que paguei minhas dívidas, sabe? Além
disso, é notável que Collinswood, Carolina do Norte, tinha
possivelmente um nível de dificuldade um pouco maior no espectro
de se assumir do que em San Jose. Eu esperava que acontecesse
naturalmente, como se as pessoas descobrissem, e todos nós
apenas saberíamos agir como se fosse normal, porque era normal
para mim, e poderíamos fugir disso para um total de zero
interrogatórios.
E ainda assim.
— Um cara — eu disse finalmente. Estranhamente, era difícil
fazer minha boca formar a palavra. Depois de todos esses anos
sentindo-me confortável e confiante em mim mesmo, de volta para
casa, eu me senti com quatorze anos novamente. E eu não gostei
disso. Juliette acenou com a cabeça como se ela já esperasse.
Niamh ergueu as sobrancelhas e inclinou a cabeça, como se tivesse
visto um pássaro raro ou algo assim. Lara piscou e fez uma careta
como se tivesse chupado um limão. Muito bem. Ela que se dane. Eu
particularmente nem me preocupo com a sua aprovação, de
qualquer forma. Após uma ligeira pausa que se tornou quase
desconfortável, Niamh e Juliette falaram ao mesmo tempo.
— Qual o nome dele?
— Você tem uma foto?
Hesitei, mas pensei: por que não? Eu folheei seu Instagram —
para um cara tão gostoso, suas fotos com certeza não faziam justiça
a ele — até que eu encontrei uma foto, essa era aceitável. Eu
segurei o telefone para Juliette, e Lara se inclinou para dar uma
espiadinha. Eu gostaria que ela não fizesse isso, mas eu não
poderia simplesmente pedir para ela ficar com o nariz fora disso, eu
poderia? — O nome dele é Will — eu disse.
Juliette e Lara fizeram expressões idênticas de surpresa.
— Eu sei — eu disse. — Ele é muita areia para mim, certo?
— Não se diminua — Niamh repreendeu, estendendo a mão para
ver. Juliette passou para ela em silêncio. Niamh verificou a foto e a
girou de volta para Juliette. — Espere, Will-
— Ele é bonitinho — Lara interrompeu, levantando a mão, todos
os vestígios de limão desapareceram nos seus lábios. — E você
disse ao Príncipe Encantado que vai ficar no sul?
Boa pergunta. — Uh... bem… ele não publica nada há um tempo,
então não tenho certeza se ele viu — eu hesitei. Não há
necessidade de entrar em detalhes dolorosos sobre quantas
mensagens ele deixou sem resposta. — As coisas aconteceram
muito rápido.
— Oh? Então ele não sabe que você está aqui? — Lara
perguntou.
Eu não tinha ideia de onde ela queria chegar, mas estava claro
pelo seu tom — e o olhar de soslaio de Juliette para ela — que ela
não estava perguntando por empatia. Provavelmente para esfregar
que fui rejeitado. Qual seja o motivo, vamos ser honestos. Quem
desaparece das redes sociais sem aviso prévio por duas semanas
inteiras? Ele provavelmente me impediu de ver seus novos posts. O
que acontece no lago fica no lago, certo?
— Bem... não — eu disse. Tanto para esconder o lance de “ele
está me ignorando” — Quero dizer, pode haver um bom motivo para
ele ter ficado quieto. Ele realmente não parecia um cara que não se
importa, sabe? Ele era muito doce. E eu na verdade... meio que...
não sei nem onde ele mora, exatamente. Ele me disse uma vez,
mas eu esqueci.
Juliette e Niamh trocaram olhares com Lara, então me ofereceram
sorrisos fracos. — Quem sabe? — Juliette disse. — Ele pode ter um
motivo.
Ela não foi convincente. Eurgh, era tão óbvio? E aqui eu estive
segurando alguma esperança de que não fosse pessoal. Mas é
claro que foi. Um cara como ele não seria bom para alguém como
eu na vida real. Eu acho que provavelmente era apenas a melhor
opção que ele tinha disponível na época.
Depois de observar meu rosto enquanto eu ficava cada vez mais
abatido, Lara entrou na conversa e mudou de assunto. O que foi
legal da parte dela. Talvez eu a tenha julgado rapidamente. — De
qualquer forma, Ollie, alguém lhe contou sobre a festa na casa de
Rachel esta noite?
— Eu nem sei quem é Rachel, então, não.
— É a nossa festa de volta às aulas. Você deveria vir conosco —
Juliette disse, batendo palmas uma vez. — Vamos nos arrumar na
minha casa depois do jantar. Você pode chegar lá por volta das
sete?
Eu pensei sobre isso. Em uma terça-feira? Eu sabia que era o
primeiro dia de aula, mas sério? Seria necessário muito suborno da
minha parte para ter permissão. Assumindo que ninguém precisaria
de mim como babá, eu poderia lidar com isso se surgisse. Eu sabia
o que aconteceria se você recusasse seu primeiro convite em uma
escola nova: você nunca receberia um segundo. Eu tinha visto isso
acontecer algumas vezes com pessoas onde eu morava. Se eu
pudesse evitar, isso não aconteceria comigo.
— Sim, claro. Me envie o seu endereço.
Com isso, trocamos números às pressas. Então o sino estava
tocando, e Juliette estava me arrastando pelo pulso para minha
primeira aula. Parecia que eu estava sendo adotado pelo grupo de
colares de rosas. Provisoriamente, pelo menos. Eu estava longe de
acertar na minha primeira impressão, mas aparentemente não foi
um fracasso total. Boa. Essa foi boa. Sala de aula: conquista
desbloqueada. A parte mais difícil acabou. Tudo seria uma ladeira
abaixo a partir daqui. Eu pude sentir isso.
3

Enterrei meus pés na areia enquanto as crianças brincavam na


parte rasa. Era um daqueles dias em que fazia tanto calor que o
horizonte parecia ondulado e distorcido. O céu estava mais escuro,
um azul mais rico do que o normal, contrastando fortemente com as
colinas cobertas de abetos do outro lado do lago.
Uma sombra à minha direita me disse que eu não estava sozinho.
Não que eu estivesse estritamente sozinho para começar — havia
pelo menos quarenta outras pessoas espalhadas, boiando na água,
descansando em toalhas de praia, empoleiradas em bancos de
piquenique. Mas nenhum deles me notou.
Will se sentou ao meu lado, olhando para o lago. Hoje ele usava
shorts jeans escuros e um decote em V branco que fazia sua pele
quente parecer ainda mais profunda. — Essas crianças são suas?
— ele perguntou, sem olhar para mim. Ele estava sendo fofo. Eu
meio que adorei.
— Não. Nunca os vi na minha vida — brinquei.
— Oh. Excelente. Vamos para algum lugar um pouco mais
privado, então?
Eu bati meu ombro contra o dele, sorrindo. — Gostaria de poder.
Mas estou de serviço até pelo menos às duas ou três.
Ele tirou os sapatos e se acomodou. — Que bom que eu limpei
meu calendário do dia.
Eu me iluminei. — É? Você não tem aquele buffet esta noite?
— Tecnicamente, eu tenho. Mas eu pensei sobre isso e percebi
que preferia ficar com você. Espero que você não se importe.
Lá estavam elas novamente. As borboletas familiares. Elas
passaram muito tempo circulando ultimamente.
— Bem, é um pouco inconveniente.
— Eventualmente, você vai me perdoar por isso.
Crista o notou primeiro, e correu para fora da água, com Dylan
engatinhando logo atrás dela. — Will! Will, você perdeu o que eu fiz
antes, eu plantei bananeira.
— Plantou bananeira? Agora estou impressionado. Você acha
que poderia fazer isso de novo?

Posso ter caído na conversa do jantar que estava muito atrasado


para a escola depois que eles me forçaram a parar para o café da
manhã. Apenas para aumentar a probabilidade de obter um sim e
escapar de casa esta noite. Eu sei, eu sei, eu não deveria ter
culpado meus pais quando eles tentaram fazer algo bom para mim,
mas eu estava desesperado. Funcionou como um encanto também.
Depois de perdoá-los gentilmente, eu falei sobre a festa em um tom
casual, e a próxima coisa que eu sabia é que eles disseram que sim
— com a ressalva de que mamãe tinha que me deixar e me buscar.
Era uma regra de família para qualquer evento que pudesse ter
álcool em algum lugar, no caso de eu ter feito escolhas erradas.
Acabei na casa de Juliette às sete e meia. Havia algo sobre esta
cidade. Todos pareciam viver em semi-mansões. Pelo menos, em
comparação com meu subúrbio em casa. Era como se ninguém aqui
tivesse ouvido falar de uma casa térrea. A mãe de Juliette me
conduziu direto para cima.
— Eu sinto muito que você tenha que ver a casa assim.
Normalmente somos muito mais arrumados, mas Juliette pensou em
esperar até chegarmos em casa do trabalho para perguntar se ela
poderia receber amigos.
Eu tinha visto quartos de hotel mais bagunçados prontos para o
check-in. Eu tentei muito localizar a “bagunça” no meu caminho para
a parte de cima, como um jogo da vida real de Cadê o Wally? Uma
das almofadas aparadas no sofá parecia um pouco torta. Pode ter
sido isso.
O quarto de Juliette, por outro lado, era o que você poderia
chamar de bagunça. Provavelmente poderia chamá-lo de lixo,
mesmo. O chão — pelo menos acho que era um chão, era difícil
dizer — estava coberto com nada menos que três camadas de
roupas. Juliette estava vagando pelo quarto em um sutiã e uma saia
jeans, vasculhando o guarda roupa. Presumivelmente procurava
uma camisa. Ela não pareceu incomodada quando me notou entrar.
O que havia com as meninas e os limites quando se tratava de
caras que elas sabiam que eram gays? Quer dizer, Jesus, eu tinha
acabado de conhecê-la, e agora eu sabia que ela tinha uma verruga
bem embaixo do sutiã do lado esquerdo. Eu fui o único que achou
meio estranho? Sério?
Niamh e Lara sentaram-se cruzadas na cama king-size. Na
mesinha de cabeceira, uma garrafa de refrigerante pela metade
estava ao lado de um abajur da Minnie Mouse. Lara ainda estava
com a roupa da escola, mas Niamh mudou para um macacão preto.
Significativamente mais glamuroso do que o equipamento de treino
que ela usou o dia todo. As duas meninas ergueram os olhos
quando entrei; então, com um suspiro de alívio, Niamh pescou uma
garrafa de vodca debaixo do travesseiro de Juliette. Eu imaginei que
elas pensaram que eu era a mãe de Juliette.
Niamh deu um tapinha na cama ao lado dela com uma das mãos,
e reabastecendo sua bebida com a outra. — Ollie-oop! Você veio.
Acho que esse apelido estava pegando. Legal. Juliette bateu
palmas, recuperou uma camisa de prata metálica do caos e se virou
para mim. — Ei você. Vou pegar gelo para você, podemos dividir a
vodka.
— Ou beba puro — Lara acrescentou, girando seu refrigerante ao
redor do copo. — Você pode precisar de uma bebida forte antes
desta noite.
O que isso quer dizer? Eu considerei repreendê-la, mas decidi
relevar por mais um tempo. Não adianta fazer inimigos no único
grupo que eu tenho agora. — Na verdade, estou bem, obrigado.
Lara revirou os olhos para que apenas o branco ficasse visível. —
Deixe-me adivinhar. Você não bebe?
— Não frequentemente — eu disse casualmente. E com isso eu
quis dizer "nunca". De volta a San Jose, meus amigos eram em sua
maioria héteros. Era mais legal não beber em nosso círculo. Eu não
conseguia pensar em uma maneira de dizer isso sem soar como um
idiota pretensioso, então desisti.
Lara ergueu o copo. — Então, que esta noite seja uma das
ocasiões especiais.
Eu sorri com meus lábios. — Não, obrigado.
Niamh olhou entre nós nervosamente. Lara piscou para mim e
deu um grande gole em sua bebida. — Tanto faz cara. Esfria a
cabeça. Pegue, você também não fuma? Qual é a sua opinião sobre
palavrões e sexo antes do casamento, por favor, diga?
Fui salvo de responder por Juliette, que balançou a cabeça, pulou
sobre a pilha de roupas mais próxima e borrifou perfume em si
mesma como se fosse desodorante. Se o objetivo do cheiro dela
durante a noite era se transformar em um perigo de asma
ambulante, ela estava acertando em cheio. — Não vou fumar esta
noite, infelizmente — disse ela. — Mamãe está tocando no assunto,
janelas abertas ou não.
Niamh se jogou de volta na cama e chutou as pernas no ar em
uma espécie de posição de ioga. Eu a observei, então olhei de volta
para Lara a tempo de pegá-la gesticulando para mim enquanto fazia
uma cara de "ele é sério?" para Juliette.
Lara não percebeu que eu a notei mas Juliette sim. Ela mordeu o
lábio, mas não tentou me defender. O que era justo, eu imaginei. Ela
tinha acabado de me conhecer. Por que ela deveria ir para a batalha
em meu nome? Não fez maravilhas para os meus níveis de
conforto. É melhor eu começar a praticar a gratidão consciente bem
rápido, ou posso fazer algo precipitado, como envenenamento por
salmonella e fiança. Mas então eu teria desperdiçado toda aquela
chantagem emocional com meus pais e arruinado minhas chances
de me encaixar em um grupo. Mesmo se fosse um grupo que talvez
fosse um pouco ousado para mim. Era melhor do que ficar sozinho.
Passei uns vinte segundos pensando em tudo o que foi dito
acima. E com isso, quero dizer que passei uns vinte ou mais
segundos inteiros sentado em silêncio, olhando para a frente com
atenção. Meu cérebro havia oficialmente entrado em greve. Acho
que devo ter entrado em pânico.
Finalmente, um tópico veio até mim. — Vocês fizeram isso de
propósito? Rosas rose gold?
Juliette soltou a corrente e a estendeu para examiná-la. — Huh.
Eu nem pensei nisso. Rose gold.
— Dobre o poder das rosas — disse Niamh. — Melhor ainda.
— O que elas representam? — Perguntei.
— Força feminina — disse Juliette. — Era o símbolo de Vênus.
— Não é amor? — Perguntei.
— Quem precisa de amor quando você pode ter paixão? — Disse
Lara. Ela trouxe a corrente até a mandíbula e apertou o metal entre
os dentes.
— Eu gosto delas — eu disse.
— É uma pena que eles não os vendam mais — disse Lara. —
Edição limitada, sabe? É por isso que não permitimos que novas
meninas entrem no grupo. Isso arruinaria o tema.
Antes que eu passasse muito tempo me debatendo por uma
resposta, Juliette entrou na conversa. — Ei, terminem suas bebidas
agora, gente. Provavelmente devemos ir logo.

A casa era um formigueiro. Todos na festa pareciam se conhecer


— em todos os lugares que eu olhava havia aplausos e leitura labial
do outro lado da sala, e pessoas lançando azarações silenciosas
umas sobre as outras com olhos zangados e estreitos. A
temperatura subiu pelo menos vinte graus assim que entramos na
sala de estar, e o ar cheirava a cerveja quente e spray corporal Axe.
Lara teve que gritar para nos fazer ouvir por cima da música. —
Eu vou explorar.
Com isso ela fugiu. Para procurar caras, eu acho? Ou álcool?
Juliette hesitou, então ergueu um dedo em um gesto de “um
segundo”. — Eu vou com ela. Não vamos demorar.
E então foram as duas. Niamh e eu nos entreolhamos, nos
deleitando com o constrangimento. Como você começa uma
conversa de novo? Eu estava prestes a me conformar, você gosta
de coisas? Quando ela me salvou do grave constrangimento ao falar
primeiro. — Eu sei que estamos apenas no início do ano, mas quais
são seus planos para depois da escola? Tem alguma faculdade em
mente?
Um grupo de caras passou por mim para chegar à porta da frente,
e nos movemos para a parede para sair do caminho. — Na verdade.
Eu nem tenho certeza se quero ir para a faculdade. Eu esperava
descobrir isso em algum momento deste ano. E você?
Niamh animou-se. Algo me disse que ela já tinha essa resposta
pronta há algum tempo. — Na verdade, a faculdade é meu backup.
O ideal é que eu me mude para Nova York e comece a trabalhar
como modelo.
— Oh, a sério?
— Sim. Há um agente lá que está muito interessado em algumas
das minhas fotos, então espero construir um pouco meu portfólio e ir
em frente.
— Isso é fantástico. Você pode ter uma chance de verdade. Você
é muito bonita.
Niamh brilhou e encolheu os ombros. — Bem, obviamente não
precisamos disfarçar, eu seria uma modelo plus-size.
— Eu não estou disfarçando. Você é muito bonita.
— Obrigada.
— Você tem os cílios mais espessos que eu já vi. Tipo, eles são
falsos?
Niamh riu. — Não!
— Se eu fosse uma menina, gostaria de me parecer com você.
Seu cabelo.
— Oh... você está exagerando um pouco, agora. — Niamh sorriu,
mas foi desconfortável.
— Sim, não, desculpe. Isso é justo. Eu, uh... eu vou parar.
Eu estive bem por um segundo lá também. Uma parte de mim de
repente entendeu por que as pessoas bebem nas festas. Não era
para se divertirem. Era para esquecerem o quanto eles se
consideravam idiotas.
Niamh se moveu e depois abanou a cabeça. — Venha, vamos
encontrar as meninas. Lara provavelmente está se metendo em
problemas.
— Que tipo de problema? — Eu perguntei, seguindo atrás dela
enquanto ela caminhava para o quintal, que estava tão lotado
quanto a casa.
Pelo menos a música estava silenciada aqui e havia ar fresco.
— Ah, você sabe. Apenas problemas. Provocando meninos,
principalmente.
Passamos por quatro ou cinco grupos, então avistei o cabelo de
Juliette no meio da multidão. Lara estava ao lado dela, conversando
com um grupo de caras em jaquetas letterman preto e branco em
frente a uma cerca de madeira.
Então, um dos caras de letterman chamou minha atenção. Um
cara de letterman com cabelo escuro dividido para o lado, nariz
sardento e maçãs do rosto salientes. Um cara que eu conhecia.
O mundo ficou em silêncio.
Eraele.
Will.
Will, Will.
Meu Will.
Olhamos um para o outro em um choque estúpido. Era difícil dizer
qual de nós era o cervo e qual era o farol.
Ele falou primeiro. O que foi excelente, porque eu não tinha
certeza se deveria ficar emocionado ou acusatório. — Puta merda,
Ollie! O que você está fazendo aqui? — Ele parecia pasmo, mas era
uma espécie de pasmo feliz. Isso foi o suficiente para que todas as
minhas dúvidas desaparecessem. Claro que ele não estava me
ignorando. Era sobre Will que estávamos falando.
— O que você está fazendo aqui? — Eu perguntei, antes de
perceber que pelo menos esse deveria ser o estado onde ele
morava. Era significativamente mais estranho para mim estar aqui
do que para ele. — Você não disse que morava em Collinswood.
Você disse que era outra coisa, começando com M, certo? Ou L? ”
— Napier. Eu moro em Napier. Fica a vinte minutos de
Collinswood — disse Will. — Eu vou para a escola aqui. Ollie, por
que você não está na Califórnia? Você é tão ridículo!
Ele estava sorrindo. Radiante, realmente. Um tipo de sorriso de
partir o rosto. Um tipo de sorriso de epidemia viral. Infeccioso como
o inferno. Toda a angústia das últimas semanas, cada pedacinho
dela, se foi. Como se nunca tivesse estado lá.
— Meus pais pensaram em nos mudar para ajudar com a tia
Linda. Ela mora aqui. Em Collinswood.
— Você nunca mencionou isso.
— Não? Bem, ela mora. Agora eu também, eu acho.
— Oh meu Deus, Ollie-oop, quão incrível é isso? — Lara
interrompeu, sua voz muito alegre para ser sincera. Will e eu
olhamos para ela como um só. Eu tinha esquecido que ela estava lá
até aquele momento. Eu tinha esquecido que alguém além de Will
estava lá. — Quais são as probabilidades? Will, Ollie estava nos
contando tudo sobre seu verão esta manhã.
O sorriso de Will caiu, assim como meu estômago. Ele não era
assumido para seus pais. Só Deus sabia que isso significava que
ele provavelmente não estaria aqui também. Ou pelo menos, ele
tem sido. Até eu abrir minha boca. Eu não conhecia essas meninas
de Abraham Lincoln. Pelo que eu sabia, eles já haviam feito uma
chat em grupo durante metade do ano sobre Will e eu. Opa.
Um dos caras de letterman se aproximou de Will. Ele era alguns
centímetros mais alto do que Will, com pele morena escura e o tipo
de mandíbula sobre o qual as pessoas escrevem posts no Tumblr.
— A propósito, Lara — disse ele, aparentemente continuando uma
conversa que estava em andamento quando eu cheguei aqui, — Por
que você não se sentou comigo na aula de Biologia? Guardei um
lugar para você e tudo.
Lara suavizou. Então ela poderia ser doce. — Você guardou? Eu
estava tão cansada esta manhã que entrei na aula como uma
sonâmbula.
Eu me distraí da conversa e dei uma olhada em Will. Sua boca
estava ligeiramente aberta e seu olhar estava fixo em um ponto
distante. — Will, sério. Eu não tinha ideia de que eles conheciam
você. Nem me ocorreu, eu-
Ele ergueu a mão. — É legal. O que seja. Apenas, uh... apenas
mantenha sua voz baixa, ok?
— Sim, claro. Então... onde você esteve, afinal? Quando eu não
tive notícias suas, eu pensei que você estava... eu não sei…
O rosto de Will ainda estava em branco. — Estava ocupado.
Desculpe. Enfim, é bom ver você. Eu te vejo por aí.
E ele me deu as costas para falar com outra pessoa. Bem desse
jeito. Algo dentro de mim se prendeu, como um fio solto se
prendendo. Eu encarei sua nuca com minha boca aberta. Ele não
fez isso. Eu estava alucinando isso. Eu tinha que estar.
Juliette e Niamh tinham assistido a tudo. Juliette torceu a boca,
atirou nas costas de Will um olhar feio, então me levou pelo cotovelo
com Niamh, deixando Lara para trás com Matt. — Deus, ele está
sendo um verdadeiro idiota — Juliette disse, o mais silenciosamente
que pôde, dado o volume da música. — Ignore-o, por favor. Os
caras do basquete são um pouco engraçados quando estão perto
uns dos outros.
— Um pouco engraçados — eu repeti. Cada passo que demos
para longe deles parecia que aquele fio dentro de mim estava se
desfazendo mais e mais. Como se minha alma estivesse se
desenrolando.
É hora de dar uma desculpa para sair daqui, agora.
Acho que as meninas podem estar falando comigo, mas era difícil
dizer. A multidão estava confusa e todos se moviam em câmera
lenta. Algumas pessoas esbarraram em mim enquanto
caminhávamos pela sala de estar, ou talvez eu esbarrei nelas.
Quem sabe se eles se desculparam? Quem sabe se eu me
desculpei?
Na hora em que chegamos à mesa de refrescos, eu me convenci
de que isso era um sonho, afinal, e cravei minhas unhas com força
na palma da mão para provar isso. Infelizmente, a única coisa que
provou foi que eu estava: a) acordado e b) ainda na maldita festa.
Abortar a missão. Agora. Dane-se as repercussões.
— Vamos, eu tenho certeza que não é tão ruim — Juliette estava
dizendo para Niamh, segurando uma concha. — É apenas um
pouco de punch.
— Estou tentando reduzir o consumo de carboidratos. Por isso,
doses de vodka.
— Vodka tem carboidratos. É super-carbed-up.
Niamh zombou. — Definitivamente não é.
— Tem batatas nele. De que são feitas as batatas? Carboidratos,
Niamh.
Limpei minha garganta, pairando como um perseguidor
desajeitado atrás delas.
— Vodka não tem batatas — Niamh rebateu, — isso...
— Ei, eu já volto, ok? — Eu a interrompi.
O único reconhecimento que recebi foi um aceno vago de ambos.
Acho que esse foi o meu passe. Eu parei e vaguei pela sala de
estar, passando corpo após corpo após corpo desconhecido.
Tive o desejo desesperado de sair e ligar para Ryan, ou Hayley,
ou qualquer pessoa, na verdade. Só para ouvir uma voz familiar.
Para abafar o fato de que eu estraguei meu primeiro dia na escola, e
eu denunciei Will, e que se eu achei que ele não me queria antes,
ele definitivamente não iria me querer agora. E foi tudo minha culpa.
No jardim da frente, respirei fundo e evitei desmaiar por pouco.
Isso pode soar melodramático, mas eu não tinha percebido como a
fumaça, o calor do corpo e os vapores da cerveja eram sufocantes
até que entrassem em contraste com o ar limpo e fresco. Desci
rápido os degraus e continuei ao redor da casa até encontrar um
local onde pudesse me enfiar entre os arbustos e canteiros de flores
para me encostar na fria parede de tijolos. De repente, eu não
queria ligar para Ryan. Eu tinha que sair daqui. Enviei à mamãe
uma mensagem SOS rápida e me recostei na parede para esperar.
Uma voz familiar à minha direita me assustou. Will. É claro que
era. Eu não poderia ter cinco minutos de descanso dessa piada de
mau gosto, hein? Ele deve estar perto da porta da frente, pelo som
de sua voz. Eu não poderia deixá-lo me ver aqui sozinho. Sem
chance. Se estivéssemos jogando o jogo “Não me importo com
você”, a melhor maneira possível de perder era ser pego sem
amigos e sentindo pena de mim mesmo. Prefiro mergulhar no mar
agitado de hormônios de volta, obrigado mesmo assim.
Sua voz estava se aproximando. Isso me deixou com duas
opções. Um, encontrar uma maneira de subir na roseira e fingir ser
uma rosa. Eu tinha sido um arbusto em uma peça da escola uma
vez, e, não para me gabar, mas me disseram que eu tinha talento
para isso, então a primeira opção era sólida. Dois, fuja para o
quintal.
Eu fugi. Eu fugi como um fanático esquivando-se do conceito de
igualdade.
Felizmente, agi rápido o suficiente para escapar sem ser
detectado. Eu mergulhei na multidão no quintal até que eu não
pudesse ver nada além dos corpos me imprensando. Eu agarrei
meu telefone como se fosse um bote salva-vidas, jogando pinball
entre grupos aleatórios enquanto matava o tempo até que mamãe
chegasse. Então, de repente, vi alguém que eu conhecia beijando
uma garota ruiva esguia. Não Will, felizmente. Alguém com longos
cachos castanhos, uma jaqueta de couro e um vestido lilás.
Lara.
Eu congelei, confuso como o inferno. Então percebi o que não
havia captado para começar. A sessão de amasso do mesmo sexo
de Lara estava acontecendo no meio de um círculo de alunos.
Principalmente caras, se é que isso precisa ser explicado. Eles
estavam aplaudindo e batendo os punhos, e geralmente sendo
nojentos sobre isso. Então, Lara estava fazendo isso para se exibir?
Pode ser. Exceto que ela parecia estar interessada nisso. Tipo,
super interessada. Não que eu fosse um especialista em beijar
garotas, mas essa era a minha opinião leiga. Sua mão estava no
ombro da garota, a outra enrolada em seu cabelo, e ela não tinha
espiado nenhuma vez. Além disso, eu estava olhando por sólidos
quinze segundos agora e ela ainda não tinha parado para respirar.
Quando elas finalmente se separaram, a ruiva começou a rir,
jogando a cabeça para trás. Lara riu também, só que menos, e ela
se inclinou para esconder o rosto. Ela ergueu o queixo, observou a
outra garota por um momento com um sorriso satisfeito, depois
jogou o cabelo e se virou para a plateia, como se dissesse eu beijei
uma garota e você gostou disso.
Antes que ela me visse, eu me misturei novamente com a
multidão. É bastante fácil desaparecer quando quase ninguém o
conhece, ao que parece. Andei sem rumo por um tempo, evitando
bebidas derramadas e grupos cambaleantes, até que me vi no
jardim da frente novamente. Will não estava à vista. Nem ninguém,
para falar a verdade. Com um suspiro pesado, sentei-me no meio-fio
com os pés na sarjeta e me preparei para esperar a carruagem de
resgate da mamãe.
Maneira de falhar totalmente, Ollie.
Aplauso lento. Bis. Et cetera.
4

Terça-feira, 21:23
Ollie? Aonde você foi?

Terça-feira, 21:37
Você ainda está aí?

Terça-feira, 21:51
Você está bravo com a gente?

Terça-feira, 21:56
Por favor, responda. Eu sinto muito. Atenda?

Terça-feira, 22h24
Juliette, é você? Eu não tenho seu número salvo. Eu não estou bravo.
Desculpe, fui para casa. Eu acho que tenho salmonella.

Lido terça-feira, 22:25

Mesmo que Juliette e eu tivéssemos trocado umas mensagens na


noite de terça-feira, eu ainda não estava totalmente convencido de
que estava tudo bem comigo e com as meninas até que entrei na
sala de aula na quarta-feira. Na hora certa, devo acrescentar. Até
que cedo. Eu mal tinha sentado na minha mesa quando elas me
rodearam. Qualquer um pensaria que eu era o Harry Styles.
Juliette falou primeiro. — Ollie-oop! Não achei que você viria. Com
aquilo de salmonella e tudo mais.
Bem, pelo tom sarcástico dela, quase parecia que ela duvidava da
validade da minha intoxicação alimentar. — Foi o tipo leve de
envenenamento por salmonella. Tipo, de duas horas de duração.
Juliette e Niamh assentiram como se isso fosse completamente
compreensível. Lara me observou como um gato perseguindo uma
mosca.
— Beleza — disse Juliette, deslizando para a minha mesa
novamente. — Em primeiro lugar, toda a coisa de Will... você pode
confiar em nós para manter isso em segredo. Ele sabe que não
contaríamos a ninguém.
Pensei em insistir ou não que elas tinham uma ideia errada sobre
Will. O único problema era que eu realmente não conseguia me
lembrar o quanto eu havia dito a elas em primeiro lugar e, para ser
honesto, provavelmente era tarde demais para voltar atrás agora.
Então eu balancei a cabeça e olhei ao redor para ter certeza de que
ninguém tinha ouvido.
— Além disso — disse Niamh — descobrimos por que ele
desapareceu do Instagram.
— Você falou com ele? — Eu perguntei rapidamente, meio
horrorizado, meio ansioso.
As meninas pareceram ofendidas. — Por favor. Você é tão sutil
quanto uma marreta — Lara disse.
— Temos nossos caminhos — acrescentou Juliette.
— Lara é íntima de seu amigo Matt — disse Niamh. — Matt disse
que, aparentemente, Will teve seu telefone confiscado por voltar
para casa às quatro da manhã, antes de sua família voltar para
casa. Então, percebemos que provavelmente foi mais ou menos na
época em que você parou de ouvir falar com ele, certo?
— Certo. — Merda, eu parecia estar pensando em Will nu?
Porque eu estava definitivamente pensando em Will nu. Eu não
pude evitar. Essa noite trouxe de volta as memórias. E eu sabia
muito bem por que ele não voltou para casa até quase o amanhecer
daquela noite.
— Aparentemente, ele estava nadando pelado com um grupo de
garotas das casas do lago — Lara acrescentou com um sorriso
malicioso. — Você e Will passaram muito tempo com todas aquelas
garotas?
Como eu disse, eu sabia muito bem o que ele estava fazendo
naquela noite, e não era uma garota, com certeza. Se Lara estava
tentando me aborrecer, estava funcionando. Então essa era a
história que ele estava contando a todos? Acho que não deveria ter
me surpreendido tanto. Não é como se ele pudesse dizer o que
realmente aconteceu. Mas merda. Doeu de qualquer maneira. Eu
torci minhas mãos, franzindo minha testa.
— Oh, desculpe... você não sabia? — Lara perguntou com uma
falsa preocupação.
Eu coloquei um sorriso no rosto e olhei para cima. — Tudo bem.
Como foi sua noite? Eu vi você com uma garota antes de sair da
festa.
Foi mesquinho, mas ei, não é como se isso fosse privado. Ela
tinha feito isso com trinta e tantas pessoas praticamente mastigando
pipoca na primeira fila.
Niamh bufou e Juliette sorriu, cutucando Lara. — Você ficou muito
bêbada de novo, por acaso, Srta. Lara?
Lara sustentou meu olhar. Pude ler sua expressão com fluência:
“desafio aceito”. Opa. — Talveeeeeeez — Lara disse a Juliette.
— Lara beija garotas às vezes quando está bêbada — disse
Niamh. — E sabemos que é porque o cara de quem ela gosta se
diverte, mas ela não admite quem é.
— Minha aposta é em Matt — disse Juliette.
Lara zombou. — Por favor, camponesas. Além disso, eu não beijo
o plural de 'garotas'. Apenas Renee. Temos uma relação simbiótica.
Juliette balançou a cabeça. — Sim, bem, eu espero que você pelo
menos tenha revelado qual cara você está tentando impressionar a
ela. Seria estranho se vocês duas tivessem a mesma conquista em
mente, não acha?
— Não me pergunte, não vou mentir — disse Lara, olhando para
mim enquanto a Sra. Hurstenwild gesticulava para que todos se
sentassem. Eu levantei minha sobrancelha para ela. Muito
brevemente, ela parecia abalada. Então ela se afastou de mim sem
dizer uma palavra.
Tive a sensação de que sabia o que ela estava tentando alcançar
beijando Renée.
E eu tive a sensação de que sabia por que isso era um segredo.
Acho que o segredo era nosso, por enquanto.

Para meu alívio, ainda não tinha encontrado Will. Eu sabia que
isso aconteceria eventualmente, inevitavelmente, mas eu não
estava pronto para aquele encontro ainda. Foi opressor o suficiente
tentar navegar no meu caminho de aula para aula. O que, devo
acrescentar, até agora tinha sido distintamente sem Will. Até o
momento, nossos horários não haviam se cruzado nenhuma vez, e
eu só tinha minhas aulas de Inglês e Apreciação Musical pela frente.
No momento, Will não estava em lugar nenhum na de inglês, e a
aula deveria começar a qualquer minuto. E de jeito nenhum Will
estaria na de apreciação musical. Ele nem sabia a diferença entre
um piano e um teclado da última vez que conversamos sobre
música. Parece que eu estava sem aulas compartilhadas com Will
Tavares.
A questão é: fiquei grato ou desapontado?
Antes de decidir, a pergunta se tornou redundante. O professor,
um homem que era tão jovem que poderia ser qualquer um de
nossos irmãos um pouco mais velhos, tinha acabado de fechar a
porta quando um grupo de rapazes deslizou, esquivando-se sob seu
braço como um jogo de limbo em alta velocidade.
Era Will. Will e alguns outros caras com quem me lembrei dele
ontem à noite. Ele não parecia ter me notado ainda. Ele e Matt
avistaram uma mesa solitária no fundo da sala de aula, e estavam
correndo um contra o outro, cada um puxando o outro pela camiseta
para ganhar distância. Deus, ele estava lindo. Ele parecia confiante.
Ele parecia o tipo de cara com quem eu nunca, jamais, em um
milhão, um zilhão de anos, acharia que teria uma chance.
Matt levou Will até a mesa a alguns centímetros e debruçou na
cadeira. Will agarrou seu braço e puxou-o de brincadeira,
oferecendo subornos para convencê-lo a desistir.
— Will, sente-se — disse o professor, cansada, da frente da
classe.
Will se endireitou e se virou. — Ei, Sr. Theo, qual foi? Eu não
sabia que íamos ter mais um ano juntos, docinho!
Matt disfarçou uma risada com uma tosse óbvia, e Will o
empurrou, sorrindo.
— Eu esperava que você pudesse ter ficado um ano atrás. Eu
rezei para escapar — disse Theo. — Mas, mais uma vez, o destino
zomba de mim. Sente-se. — Ele indicou uma mesa na segunda fila,
algumas cadeiras à minha direita. Era um ângulo muito estreito para
eu olhar para a parte de trás da cabeça de Will por muito tempo.
Que decepcionante.
Will balançava sua mochila enquanto caminhava, as alças
batendo nas mesas de metal e nas pernas das cadeiras. —
Qualquer um pensaria que você não estava feliz em me ver — Will
disse em uma falsa voz magoada, pressionando a mão livre contra o
peito.
— Eu nunca fui muito masoquista, Will.
A sala de aula zumbia com risadas suaves, mas não parecia ser
às custas de Will. Havia claramente algum tipo de piada interna aqui
que eu estava perdendo. O que, para ser justo, descreveu
efetivamente 90 por cento da minha experiência de "novato" até o
momento.
— É um gosto adquirido, mas continue trabalhando nisso e você
pode se surpreender — disse Will, e a aula terminou novamente. Ele
lançou um sorriso atrevido para o Sr. Theo e olhou ao redor da sala
para se aquecer sob os holofotes. Foi quando ele me notou. De
repente, o sorriso sumiu de seu rosto como se tivesse sido colado
com graxa. Ele interrompeu o ato de ousadia e afundou na cadeira,
afastando-se de mim enquanto o Sr. Theo erguia as mãos pedindo
silêncio.
De volta à Califórnia, havia um cara na minha classe. Pierce, era
seu nome. Ele era um desses caras. Aqueles que se arrogam em
vez de andar e sempre têm um comentário espertinho armazenado
para munição e fotossintetizam a atenção. Pierce era popular. Tipo,
super popular. Minha turma não tinha nada haver com ele e seus
amigos. Apenas no caso de uma presunção insuportável ser
contagiosa, eu acho. Além disso, percebemos que Pierce não iria
conseguir muito de nada com sua vida.
Em algum lugar lá em cima, o Ser Etéreo estava sorrindo para
mim do céu com um punhado de pipoca, porque Will era Pierce.
Passei todo o verão com um cara doce, atencioso e... respeitoso. Só
para descobrir que ele era a antítese na vida real. Um cara que
ignorava minhas mensagens e me evitava na frente de seus amigos
e, aparentemente, tinha um pouco de complexo de superioridade.
Porque o lago não era vida real. Parecia um filme, de qualquer
maneira. Tudo estava suspeitamente perfeito. Quantas vezes eu
pensei que Will parecia perfeito demais para existir?
Bem, a piada estava em mim, no final.
Ele estava.
5

Uma semana depois, eu ainda estava me perdendo com mais


frequência do que a garota do filme Labirinto , exceto que nem
mesmo David Bowie usava meia-calça como recompensa por meus
esforços. Eu estava indo para a terceira aula — pelo menos, pensei
que estava indo, mas poderia muito bem descobrir que estava
caminhando na direção errada — quando notei uma placa em um
quadro de avisos. PROCURA-SE BAIXISTA.
As palavras foram acompanhadas por uma imagem borrada de
um baixo com uma marca d'água Getty impressa no meio, o nome
Izzy e um número de celular. Esqueci tudo sobre a minha aula e me
entreguei a um arrepio de excitação. Eu normalmente tocava
guitarra, mas tinha um bom controle do baixo. Para ser franco, eu
aprenderia a tocar harpa se isso significasse que poderia me
envolver em uma banda novamente. Mexer na parede do meu
quarto realmente não serviu de inspiração, e meus pais eram o
público mais relutante que você poderia encontrar.
Eu mandei uma mensagem com o número.
Eu toco baixo. Nas circunstâncias certas. O que vocês têm em mente?

“Vocês” acabou sendo uma garota de cabelos cor de arco-íris


chamada Izzy, um cara de rosto redondo em um moletom chamado
Emerson e um cara quase magro com bíceps impecáveis chamado
Sayid. Quando finalmente encontrei o quarto 13b (que acabou
sendo um porão, algo que senti que Izzy poderia ter mencionado em
seu texto para economizar o tempo de todos, já que tive que seguir
o zumbido distante da música para encontrá-lo), eles já estavam
ensaiando uma música cover que eu reconheci vagamente. A sala
parecia provavelmente uma sala de aula para alunos de música,
com um piano de cauda no canto, várias caixas de instrumentos
encostadas na parede e vários amplificadores mais velhos do que
eu. Era uma pena que minhas aulas de Apreciação Musical não
fossem realizadas aqui. Eu meio que adorei.
Eles estavam tocando contra a parede oposta. Izzy estava na
bateria, Sayid tocava o teclado e os vocais limpos, e Emerson a
guitarra e os vocais gritados. Eles definitivamente poderiam usar
mais o baixo, mas no geral fizeram um trabalho decente no
metalcore. Fiquei imediatamente impressionado. Afinal, valeu a
pena sacrificar minha pausa para o almoço.
Eu não tinha meu próprio baixo comigo, porque eu não ia para a
escola carregando-o todas as manhãs, para o caso de alguém me
pedir para participar em seu número musical improvisado, mas
Sayid pegou um dos da escola para mim. Foi meio barato e
desafinado, mas eu ainda fui capaz de fazer algumas linhas.
— Nada mal — Izzy disse, girando uma baqueta. — Você
consegue improvisar? — Sem esperar minha resposta, ela pulou na
bateria e saltou direto para uma batida. Combinei com ela o mais
forte que pude, compondo a melodia conforme avançava e
ignorando os olhos atentos de Emerson e Sayid. Em pouco tempo,
parei de notá-los de qualquer maneira. Tudo o que eu sabia era a
batida, o baixo sob meus dedos e a mistura perfeita dos dois
instrumentos. Fazia apenas alguns meses desde que toquei com
outras pessoas, mas tinha esquecido o quão incrível era. É como
fundir sua alma com a de outra pessoa por três minutos e meio.
Pela primeira vez desde que pus os pés nesta escola, me senti
confortável e calmo. Eu podia imaginar a tensão saindo de meus
poros como um gás nocivo.
De repente, Izzy parou, levantou-se da bateria e valsou. — Você
pode às terças e quintas depois da escola? É quando estamos nos
encontrando até agora. Obviamente, teremos alguns shows
também, então geralmente será uma sexta-feira ou sábado.
Pisquei e abaixei o baixo. — Sim, claro. Eu realmente não tenho
nenhum compromisso permanente, exceto ser babá, mas posso ser
flexível com isso.
— Ótimo. Então amanhã? Três e meia?
— Espere, já estou dentro? — Perguntei.
Emerson me deu um tapinha no ombro e Sayid sorriu enquanto
desconectava o teclado. — Cara, — Sayid disse. — não
esperávamos que ninguém respondesse. Esse tipo de música não é
exatamente grande nesta escola, caso você não tenha notado.
Bem-vindo ao Absolution of the Chained. Poderíamos ter sido
realmente grandes, se todos tivéssemos nascido em uma cidade
com melhor gosto musical.
— Que maneira de nos fazer parecer desesperados, Sayid. —
Izzy fez uma careta. — Pessoas gostam de nós. Normalmente,
temos que suavizar os gritos quando nos apresentamos.
— A.K.A, ponha uma mordaça em mim — disse Emerson. — Eu
só consigo me divertir de verdade quando estamos tocando.
— Vocês precisam conhecer seu público, gente, como sempre
digo a vocês — disse Sayid.
Então a campainha tocou. — Sim, com certeza — eu disse. —
Vejo vocês amanhã. Vamos nessa.
Eles estouraram em sorrisos. Foi bem tranquilo. Então é assim
que você passa por uma situação social sem repelir todos a até três
metros de você. Fale o mínimo possível e preencha o silêncio com
música.
Nota para mim mesmo: leve o baixo para todos os lugares e entre
em um solo improvisado sempre que alguém tentar forçá-lo a uma
conversa.
Infalível.

Assim que fomos dispensados no dia seguinte, fui em direção à


sala de música. Cheguei na metade do corredor quando encontrei
Juliette e Niamh. Ou talvez elas tenham me encontrado. Juliette
parecia bastante entusiasmada quando me viu. Isso parecia
bastante normal para ela.
— Ollie-oop, — ela disse, saltando. Se alguém poderia ser
chamado de personificação humana de Tigrão, seria Juliette. O que
me faz Leitão, eu acho. — Quer vir comigo e com Lara? Vamos
pegar algumas batatas fritas e depois ir ao shopping.
Tão tentador quanto foi uma noite com Lara... — Não posso, na
verdade. Eu tenho ensaio da banda agora na sala de música.
— Banda?
— Sim. É chamado de Absolution of the Chained. Não, espere...
Apocalypse of Chains, eu acho. Será que é possível um apocalipse
de correntes? O que vocês acham que ocasionaria?
Mas, estranhamente, nenhuma delas estavam interessadas em
filosofar sobre várias formas potenciais do apocalipse. — Oh, você
quer dizer a banda de Izzy? — Niamh perguntou, ao mesmo tempo
em que Juliette interrompeu: — Eu não sabia que você tocava!
— Hmm, sim. Guitarra e baixo. Você toca?
— Clarinete.
— Gêneros ligeiramente diferentes, então — eu disse.
— Ela toca realmente bem — disse Niamh, e Juliette acenou com
as mãos como se ela Não-concordasse-mas-secretamente-
concordava-totalmente.
— Não é para tanto — disse Juliette. O que todos sabem é um
código para: eu era melhor do que Mozart quando estava no auge,
quando eu era apenas criança mas nada demais. — Mais
importante, você toca. Eu realmente preciso da sua ajuda. Tenho
que escolher uma peça para a audição do Conservatório de Música
e estou presa entre algumas possibilidades. Você acha que pode
ajudar essa garota algum dia?
Eu estava prestes a dizer com certeza. Totalmente. Eu sei pouco
ou nada sobre música clássica, mas daria o meu melhor.
Eu estava prestes a dizer tudo isso. Mas acabei olhando
fixamente para o corredor. Eu provavelmente deveria estar
acostumado a vê-lo agora, mas não estava. Eu o tinha visto na aula
de inglês várias vezes — era difícil não o notar, já que ele tinha um
comentário espertinho para cada poucas frases que o professor
falava — assim como nos corredores e no refeitório. E embora eu
definitivamente o odiasse, e ele não fosse nada parecido com o cara
por quem eu me apaixonei, vê-lo fez meu peito apertar. Agora
mesmo ele estava caminhando bem em minha direção, seu grupo
de caras do basquete acompanhando seu capitão, Matt, como
discípulos em um mar preto e branco. Fazia oitenta graus lá fora,
pelo amor de Deus. Eles sempre usavam aquelas malditas jaquetas,
como se tirassem-nas por um segundo o resto de nós poderia
esquecer seus lugares na hierarquia social.
Que, para esclarecer, era: Acima de todos os demais.
— Isso é um não? — Juliette perguntou.
Eu me esforcei para recuperar o atraso. Oh sim. Clarinete. —
Não, não, vou ajudar com certeza. Tranquilo. Essa é, uh… uma
ótima ideia. Muito boa. Impressionante.
Niamh estava me dando um olhar hesitante de novo, como o que
ela me deu quando eu acabei com os elogios na festa de volta às
aulas. — Certo pessoal, bem, eu tenho que correr ou não vou
chegar à aula de Spin, mas vejo vocês mais tarde.
Às vezes, estar perto de Niamh me deixava exausto. Esta foi a
sétima vez que ela foi direto para a academia depois da escola em
poucos dias. Quem diria quando ela tem tempo para o dever de
casa.
Juliette cruzou os braços na direção dos caras do basquete
enquanto eles desapareciam no corredor. — Problemas com o Will,
hein? Você não falou com ele desde a festa?
Eu dei a minha melhor “Will, quem é Will?” expressão. O que
provavelmente foi tão convincente quanto a cara de “Sou medíocre
no clarinete” de Juliette. — Não, mas está tudo bem. O que
aconteceu durante o verão fica no verão, certo? Não é como se
fôssemos inimigos. Nós apenas…
Apenas o quê?
Juliette acenou com a cabeça, como se eu tivesse feito todo o
sentido. — Sim, entendo. Nós andávamos com os caras do
basquete no almoço às vezes, sabe? Principalmente porque Lara e
Matt são próximos. Nós nos sentamos juntos ontem. Eu esqueci de
te contar.
Meu estômago embrulhou e deu uma pirueta tripla. Então, se eu
não as tivesse abandonado para encontrar Izzy e os outros, eu teria
acabado sentando com Will? Eu sabia se a ideia era horrível, ou
algo pelo qual eu trocaria meu violão.
— Oh — eu disse. — Ótimo. Isso é ótimo.
— Vou te falar sobre a coisa da audição, certo? Vejo você
amanhã. Divirta-se no ensaio.
Ela saiu pelo corredor. Bem, pelo menos eu estava preparado
agora. Provavelmente, em um futuro próximo, eu estaria preso nas
proximidades de Will. Will, que passou o dia todo todos os dias
comigo neste verão. Will, que agora parecia ter desenvolvido uma
reação alérgica aguda a mim. Isso foi bom. Isso foi ótimo. Eu
definitivamente tinha as ferramentas em meu vasto e diversificado
kit de ferramentas sociais para lidar com isso sem torná-lo
desconfortável para todos.
Sério, a única opção que eu tinha agora era parar de gostar dele.
Obviamente, nada iria acontecer, então corte a ligação o mais rápido
possível. Passo um: excluir o número dele do meu telefone.
Feito. Isso foi apenas 95 por cento de agonia. A cada dia que
passava, ficava mais fácil me afastar dele. Com alguma sorte, não
demoraria muito para que ele parecesse uma cicatriz em vez de
uma ferida aberta.
Eu fiz meu caminho para a sala de música com um sorriso de
satisfação. Aqui caminha Ollie Di Fiore. Mestre de seus sentimentos,
especialista em desapegar, apenas parcialmente devastado.
Agora havia algo para colocar na minha lápide.
6

— Você está brincando comigo — Will disse, correndo para pegar a


bola de mim. — Você não pode ser tão ruim.
Disse o vice-capitão do time de basquete. Eu esperava que ele
encorajasse mais os membros de sua equipe nos dias de folga.
Recuei, tentando driblar a bola, mas acertando o ar quando a bola
perdia a altura. — Juro que não — eu disse. — Todas essas
habilidades são inatas. Não poderia falsificá-las nem se tentasse.
Will se lançou para a bola e eu me joguei sobre ela, enterrando-a
embaixo do meu corpo. — Ainda é a minha vez. Tempo esgotado!
— Você perdeu seus privilégios.
— Você não pode me discriminar porque eu sou péssimo, Will.
— Eu posso fazer o que eu quiser, é minha casa. Vem aqui, vem.
— Will bateu palmas e eu me levantei, ainda segurando a bola. —
Certo, certo. Podemos tentar de novo o drible mais tarde. Você
consegue lidar com um passe?
— Você está me perguntando se eu posso lidar com bolas, Will?
— Eu sorri e ele se lançou para frente para arrancá-lo do meu
abraço. — Ok, ok, desculpe! Isso foi ruim. Eu vou me concentrar.
Por favor, explique como alguém passa uma bola.
Antes que Will pudesse descobrir se minha impassibilidade era
séria, seu pai enfiou a cabeça pela lateral da casa. — Ei, vocês dois.
Estou indo para a loja. Algum pedido para o churrasco hoje à noite?
Will aproveitou a distração como uma oportunidade para
recuperar a bola. Bem fora de minhas mãos. Os pais desse cara
nunca o ensinaram a ser bonzinho. — Mm, sim, podemos fazer
hambúrgueres, pai? — ele perguntou.
— Claro. E você, Ollie?
Will me lançou um olhar de advertência de lado. Eu sabia o que
isso significava. Nem pense em dizer salsichas. Quase fiz isso, só
para ver sua reação. Mas optei por não dizer. Duplo-sentido era
engraçado quando estávamos sozinhos, mas seria
significativamente menos engraçado se seu pai suspeitasse e o
proibisse de me ver pelo resto do verão. — Hambúrgueres parecem
ótimos para mim, Sr. Tavares.
O Sr.Tavares fez um barulho super-desagradável de clique e nos
deu armas de dedo ao sair.
Eu me virei para Will, balançando minha cabeça com um sorriso.
— Você sempre espera o pior de mim.
— Porque eu conheço você.
— Detalhes, pequenos detalhes.
Will deu de ombros, olhou para trás e jogou a bola para trás sobre
seus ombros. Foi direto pelo aro. Eu não pude deixar de torcer,
legitimamente impressionado. — Puta merda! Isso foi realmente
incrível.
— Espere, ela entrou?
— Na mosca.
— Não brinca? Sorte total. — Ele se virou, levantando o punho.
— Olha a modéstia desse cara.

— Meus dedos não são grandes o suficiente — Crista reclamou,


abrindo sua mão como uma estrela do mar sobre o braço da
guitarra.
Eu rolei para trás em meus quadris para ver por mim mesmo. Por
um lado, ela meio que tinha razão. Seus dedos eram magros e
curtos, como pequenas aranhas. Na melhor das hipóteses, ela
acabaria com cãibras assassinas depois de algumas progressões
de acordes. Então, por outro lado (sem brincadeira) eu tinha visto
uma criança de quatro anos tocar Santana na Ellen, então, sério, ela
já estava anos atrasada.
Não consegui me obrigar a explicar à minha priminha que sua
fraca força de vontade estava envergonhando a família e que Ellen
nunca a desejaria nesse ritmo. Em vez disso, agarrei o braço da
guitarra ao lado dela. — Aqui. Coloque um dedo aqui na quinta
corda. Lembra qual é? Perfeito. E agora este — agarrei seu dedo
médio e o levantei — aqui na sexta corda. Vou segurar este aqui.
Lembra de qual corda é essa?
— Primeira.
— Ótimo trabalho, certo. Agora, você acha que também pode
dedilhar?
— Isso é muito longe, Ollie. Faz isso você.
— Eu faço isso — Dylan interrompeu. Até agora ele estava
jogando algum jogo baseado em porcos em seu iPad perto de sua
cama como uma boa criança do século XXI. Eu deveria saber que
ele estava acompanhando o que Crista e eu estávamos fazendo na
guitarra. Se Crista estava fazendo isso, Dylan queria fazer também.
Felizmente para a sanidade de todos na família, Crista não se
importava em ceder a ele. Uma ou duas vezes, eu realmente a
peguei olhando para ele enquanto ele dormia com uma expressão
ligeiramente perturbada, enquanto sussurrava, — Durma bem, Anna
— para ele. Presumi que Crista provavelmente estava interpretando
Frozen, então não perguntei. Bem, isso e também porque eu estava
secretamente apavorado que ela tivesse dito algo horrível, como
"Anna era a garota que morou aqui há cem anos, e atualmente está
dormindo ao lado de Dylan agora”.
Tudo o que estou dizendo é que já vi filmes de terror o suficiente
para ter uma desconfiança saudável nas crianças.
— Belisque sua mão assim e toque, Dyl — Crista instruiu. Dylan
obedeceu e, honestamente, não foi nada mau. Talvez eu estivesse
colocando minhas esperanças de Ellen na prima errada, aqui.
— Incríveis, gente. É assim que soa um sol.
O sorriso de Crista era tão grande que você pensaria que ela
encerrou uma apresentação em um anfiteatro lotado. — Você pode
tocar a música de novo, por favor?
— Qual delas?
— Aquele que faz daa-da-daa-da-da-da.
Infelizmente, as habilidades de canto de Crista eram
questionáveis, então continuei perdido. Eu dei de ombros, enquanto
Dylan distraidamente dedilhava o violão. — Eu, uh... esqueci essa.
Crista suspirou, como se eu fosse o maior idiota que ela já
conheceu. Oh não, ela também não. — Aquela com todos os
acordes.
Certo, aquela. Isso realmente limitou tudo.
— Porque você me mostrou o Dó e o Lá menor, e então eu não
consegui fazer o Sol, e você disse que me mostraria isso esta noite.
De repente, fez sentido. Ela não estava falando sobre uma música
real que eu conhecia, apenas uma progressão que eu improvisei na
noite anterior, enquanto eu estava de olho nas crianças na banheira.
Peguei o violão e toquei o que pude lembrar, narrando enquanto
tocava. — Então é Dó... Lá menor… Fá... e Sol, como vocês
acabaram de tocar.
Crista saltou e começou a girar em círculos, seus cachos
apertados espalhando-se atrás dela. — Parece 'Let it go’!
Quer dizer, na verdade não. Não. — Oh sim, eu percebi.
Por que mentimos para as crianças?
Continuei tocando a progressão e Crista fingiu lançar uma luva
imaginária, com Dylan girando atrás dela agora. Antes que Crista
pudesse começar a cantar, como se eu tivesse 90% de certeza de
que ela queria, tia Linda abriu a porta. Eu nem tinha ouvido todo
mundo voltar para casa. Era impossível prever quanto tempo eu
ficaria como babá quando tia Linda tivesse consultas em oncologia.
Às vezes ela e o tio Roy chegavam em meia hora, às vezes eu
recebia uma mensagem com os detalhes do cartão de crédito dela
pedindo comida chinesa para entrega. Daí porque comecei a deixar
uma guitarra aqui. Achei que eu poderia muito bem me dar algo
produtivo para fazer se meu turno fosse estendido.
— Ei, anõezinhos — ela disse enquanto pegava Dylan em um
abraço. — O que vocês ainda estão fazendo acordados?
— Bem, é uma história engraçada — eu disse, deixando Crista
assumir o violão. — Fui ao banheiro por um segundo, juro, dez
segundos no máximo. Então, quando eu saí, um quarto do pote de
Nutella havia sumido magicamente.
— Se foi magicamente? — Tia Linda repetiu, erguendo as
sobrancelhas. Nem Dylan nem Crista encontraram seus olhos.
— Magicamente — eu confirmei. — Eu sei que não teve nada a
ver com esses dois, porque eles me disseram que não, e eu sei que
eles nunca mentiriam. Então, tia Linda, o mais engraçado, depois
que limpei toda a Nutella de seus rostos e mãos, eles tinham toda
essa energia. Quase como se eles tivessem comido um monte de
açúcar.
— Que misterioso — disse tia Linda, colocando Dylan de volta no
chão. Ela parecia sem fôlego, só de segurá-lo por tanto tempo. — E
tenho certeza de que a Nutella em seus rostos foi uma coincidência
também?
— Total coincidência.
Tia Linda compartilhou um olhar conspiratório comigo. Eu poderia
dizer que ela não estava chateada, mas olhando para ela, eu me
senti culpado por não ter tentado fazer as crianças dormirem na
hora certa. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, e as rugas
em seu rosto pareciam mais óbvias do que o normal.
— Ok, pessoal, hora de dormir — eu disse, me levantando. —
Sério.
— Está tudo bem, Ollie, eu cuido daqui — disse tia Linda. — Roy
está pronto para te levar para casa. Você já está aqui há muito
tempo.
— Eu realmente não me importo — eu disse. — Vou levar cinco
minutos. Você nem tirou a jaqueta.
Isso era outra coisa. Fazia oitenta graus lá fora. Ninguém em sã
consciência precisava usar uma jaqueta naquele clima, mas tia
Linda sempre parecia precisar de uma jaqueta ou casaco
ultimamente. Os vestidos de verão com que ela vivia usando
quando eu era mais novo foram banidos para o fundo do armário.
Tia Linda hesitou. Ela queria totalmente aceitar a oferta. Então
comecei a rotina da hora de dormir, que era bastante familiar para
mim atualmente. — Ei, Crista, termine de vestir seu pijama. Você vai
dormir com essa camisa. Dyl, vá pegar seu chi chi. — Seu chi chi
era uma coisa esfarrapada, de lã e cheio de bactérias que ele
carregava para se sentir confortável. Eu acho que era para se
parecer com um animal, mas principalmente, lembrava meus
pesadelos. Cada um com sua mania.
As crianças fizeram o que lhes foi dito. Como eu disse, eles eram
basicamente santos. Tia Linda me disse uma vez que eles nem
sempre se comportaram tão bem. Eles pareciam sentir que ela
precisava de uma pausa.
Tia Linda pairou, então desabou. — Tudo bem, bem, eu devo ir
fazer um pouco de chá, então. Obrigado, Ollie. Você tem me
ajudado muito.
— Está tudo bem, de verdade.
Ela sorriu e encostou a cabeça no batente da porta. — Eu ouvi
você tocar. Estou tão feliz por você ter continuado. Você sempre foi
tão talentoso.
— Não muito. Eu simplesmente gosto de tocar. Mas obrigado. —
Mesmo quando eu disse isso, eu sabia que parecia Juliette.
— Mamãe, Ollie me ensinou a tocar 'Let It Go' na guitarra! —
Crista saltou em uma voz abafada enquanto puxava a camisa do
pijama sobre a cabeça.
Tia Linda me lançou um olhar que era meio puro terror e meio
caça às bruxas. O rosto de alguém no pico da saturação de Frozen.
— Eu não ensinei, eu juro. — eu sussurrei, fazendo movimentos
de corte no meu pescoço.
Fui salvo por Dylan voltando com seu chi chi, que ele
aparentemente encontrou na despensa, ao lado do frasco de
Nutella. Tia Linda se retirou para a cozinha e eu trabalhei na rotina
da hora de dormir de verificar se havia monstros embaixo da cama
(enquanto fazia nenhuma piada sobre o chi chi ser a verdadeira
ameaça) e li o mesmo livro de figuras de cinquenta palavras
aproximadamente cinquenta vezes.
Dylan dormiu primeiro. Crista estava com os olhos fechados e
pensei que estava pronto para bater o ponto. Eu quase cheguei à
porta, quando, — Ollie?
Tão perto, e quase... — Sim?
— Quando o Will vai voltar?
Droga. Ouvir seu nome era como ser empurrado levemente na
beira de um penhasco. Se você estiver pronto para isso, nenhum
dano será causado. Se isso te pegar desprevenido, bam, acabou
para você. De repente, ridiculamente, eu queria abrir meu coração.
Para alguém que entenderia. Alguém que sabia o quão perto
estivemos durante todo o verão. Então eu não sentiria como se
tivesse imaginado a maldita coisa toda. Até eu sabia que uma
criança de sete anos não era a confidente ideal para questões
românticas, então, em vez disso, fechei a boca. Imediatamente. —
Will era do lago, lembra? Ele não mora aqui. Não podemos mais vê-
lo.
— Oh. — Crista rolou para o lado — Você está triste?
Eu forcei um sorriso. — Às vezes, só conseguimos ser amigos por
um tempinho. É por isso que você sempre tem que fazer valer a
pena, certo?
— Certo. Boa noite, Ollie.
— Boa noite.
7

Ele olhou para mim.


Não, tenho certeza disso. Definitivamente houve momentos em
que pensei que Will estava olhando para mim, quando na verdade
era para algo atrás de mim, ou em cima de mim, ou abaixo de mim,
ou através de mim, mas desta vez era com certeza para mim. Não
foi um acidente.
Claro, durou apenas um segundo, mas ainda assim. Ele se virou
quando o vi. Muito suspeito para um acidente. Além disso, sua mesa
estava no lado oposto do refeitório. Se ele não estivesse olhando
diretamente para mim, de jeito nenhum ele teria percebido que eu
estava olhando para trás.
Respire. Respire, Ollie. Você não se importa mais com Will,
lembra? Só porque finalmente ocorreu a ele que eu tenho vivido na
vizinhança dele nas últimas semanas, não apaga sua
insensibilidade. E isso certamente não é uma proposta de
casamento.
— Uau, Jules, ouvi dizer que mastigar ajuda — disse Lara, seu
garfo pairando a meio caminho de sua boca enquanto olhava para
Juliette.
Juliette encolheu os ombros, olhos arregalados e bochechas de
esquilo. — Eeeu Oooii
— Não, não, pare — interrompeu Niamh, erguendo a mão. —
Engula. Respire. Prossiga.
Juliette obedeceu. Quando ela terminou de subir para respirar, ela
continuou. — Eu e o Ollie vamos escolher a minha música para a
audição. Precisamos de tanto tempo na sala de música quanto
pudermos.
Na verdade, eu tinha esquecido disso, mas claro, estava tudo
bem. Seria legal — oh, que inferno, ele fez de novo. Por que ele
estava olhando para mim? Alguém disse algo? Eu estava gostoso
hoje? Eu olhei para minha roupa. Eu praticamente morava nesse
jeans, então não era ele. A camisa fazia meus braços parecerem
maiores do que eram, então será que é isso? Ou talvez fosse meu
cabelo? O que quer que eu tenha feito com ele, eu apenas teria que
ter certeza de replicar exatamente todos os dias de agora em diante
até eu morrer. Tranquilo.
— O que foi, Ollie? — disse Juliette. — Você mal comeu.
De alguma forma, voltei minha atenção para a nossa mesa. —
Desculpe. Acho que estou cheio.
Lara se virou atrás dela. Para ver o que me distraiu, eu acho.
Quando ela voltou, ela estava com seu sorriso de vilã da Disney. O
que, no pouco tempo que a conheço, nunca levou a nada muito
divertido. Pelo menos para mim. — Já faz muito tempo que os caras
não se sentam conosco — disse ela.
E aí estava. Pego na armadilha. Enfiei uma garfada de salada de
batata na boca para ter uma desculpa para não cair na dela.
Niamh fez as honras por mim. — Sim, realmente tem. Você acha
que é por causa do Ollie?
Juliette olhou de lado como um inferno fora dela. Como se o
pensamento nunca tivesse me ocorrido sem Niamh apontá-lo.
A risada de Lara foi um pouco alta. Eu me preparei. — Não, oh,
de jeito nenhum. Matt me disse por quê. É por causa da Jess.
Niamh e Juliette compartilharam expressões confusas. — Jess
Rigor? — Juliette perguntou.
— Sim. Aparentemente, ela estava ficando com ciúmes porque
Will estava andando com a gente e pediu que ele parasse. Mesmo
se ele estivesse acompanhado com os caras. Garotas bonitas são
uma forte ameaça, não notou?
Salada de batata. Salada de batata. Não tire os olhos da maldita
salada de batata.
Lara deve ter ficado desapontada com a falta da minha reação,
porque ela pressionou com mais força. — Alguma vez Will
mencionou Jess para você, Ollie? Ela é a ex dele. Eles costumavam
ser inseparáveis, não é, Niamh?
Eu absorvi e reapareci para entrar na conversa. Até mesmo
Niamh parecia ter percebido o que Lara estava fazendo. Pelo
menos, ela não parecia impressionada. — Acho que sim — ela
disse. — Até que ela o traiu. Isso foi há um tempo. Estou surpresa
que ele ainda fale com ela.
— Oh, o tempo todo — Lara disse. Ela cruzou as pernas por baixo
para se apoiar melhor.
— Bem, eu nunca mais a vi — Juliette disse rapidamente,
levantando-se. — De qualquer forma, vamos, Ollie. Nós realmente
temos que ir se vamos fazer isso.
Eu me esforcei para segui-la. Ao fazer isso, verifiquei a mesa de
Will uma última vez.
Will desviou o olhar, fingindo estar totalmente absorto em tudo o
que Darnell estava dizendo. Ele começou a rir, e alguns dos caras
deram um tapa em suas costas e braços. O que quer que eles
estivessem rindo, parecia ser de Will, não com Will. Provavelmente
uma piada hétero-top sobre seu passado hetero-top com essa
garota Jess. Uma parte cruel de mim queria pedir às meninas para
apontá-la na multidão para que eu pudesse encontrar falhas nela.
Talvez ela fosse mais chata do que sorvete de baunilha. Ou, melhor
ainda, uma daquelas pessoas com uma risada desagradável que dá
vontade de encher os canais auditivos de gasolina e acender. Ou
ela pode ser uma pessoa séria e achatada. Contanto que eu
pudesse odiá-la alegremente, eu aceitaria qualquer uma das opções
acima.
Quando os caras pararam de rir, os olhos de Will voltaram-se para
mim novamente. Olhamos para longe um do outro ao mesmo
tempo. Ele para voltar ao seu grupo. Eu para a parede de trás.
Metade porque eu não tinha nenhum outro lugar para olhar, metade
porque eu ainda podia ver o Will na visão periférica deste ângulo.
De repente, eu desesperadamente não queria sair com Juliette.
Por que ela teve que escolher hoje para lembrar que eu existia? Por
que eu não poderia sentar naquele assento pelas próximas 12
horas, contando quantas vezes nós nos olhamos?
— Eu realmente não sei o que está acontecendo com Lara —
Juliette disse enquanto jogávamos nossas bandejas. — Ela está
fazendo isso de propósito. Não pense que eu e Niamh não notamos.
— Não acho que ela goste muito de mim — admiti.
Juliette fingiu balançar a cabeça, com os olhos arregalados de
horror. — Não, claro que ela gosta! Não é nada disso.
Ela não ofereceu nenhuma explicação alternativa. Eu não cobrei,
no entanto. Mesmo depois de duas semanas, essas garotas eram
minhas melhores opções de amigas. Na verdade, isso não era justo.
Eu realmente gostei de Juliette e Niamh. Era apenas Lara. Eu me
dava bem com os outros da Absolution of the Chained, mas eles
não andavam juntos, então eu não tinha uma chance. Basicamente,
se eu queria manter a paz com essas duas pessoas na qual eu
gostaria de chamar de amigas, eu teria que aturar a Srta. Malícia
Personificada. Pequenos sacrifícios, certo?
Na sala de música, Juliette se sentou em uma cadeira, com cerca
de três romances musicais espalhados no porta-folhas. — Tudo
bem, então, essas são as quatro peças que eu tenho que escolher.
Acho que já reduziria a duas, mas eu realmente aprecio seu
feedback. Veja, tem que escolher entre o que eu desempenho
melhor e o que é tecnicamente mais difícil. Eu acho que é melhor
ser incrível em uma música mais fácil do que menos incrível em
uma música complicada, mas... o que você acha?
Sentei-me no banco do piano e toquei algumas notas. — Você
não pode simplesmente ficar realmente incrível em uma música
complexa?
Recebi uma partitura amassada lançada contra mim por causa
disso. Aparentemente não.
Uma por uma, Juliette tocou as peças. Eu não era um juiz
especialista em clarinete, mas ela era obviamente boa. Muito boa.
Ela tropeçou uma ou duas vezes durante a primeira música, mas
depois disso ela estava praticamente perfeita. Ou aquela era a peça
“complicada” ou ela estava nervosa. Eu não tinha certeza de quanta
ajuda eu daria, porque todas pareciam iguais para mim.
Eu estava começando a imaginar como o clarinete soaria num
cover de Nightwish — épico, provavelmente — quando ela começou
sua última música. E, finalmente, algo parecia diferente. Pela
expressão em seu rosto, era óbvio que este era o seu favorito. Algo
sobre a peça me fez pensar em choro, vazio e morte. Francamente,
foi horrível. Passei metade da música olhando para a parede,
pensando em tia Linda, em como suas bochechas estavam
encovadas e no que aconteceria se ela não sobrevivesse. Então
pensei em meus amigos em casa, e como eles provavelmente mal
sentiram minha falta, e eles teriam todas essas memórias juntas das
quais eu não faria parte. Tudo o que eu queria fazer de repente era
ir para casa, deitar na cama e dormir até que tudo melhorasse.
Quando Juliette parou, eu disse: — Toque essa. — Isso pode soar
estranho, mas mesmo que aquela música me fizesse sentir horrível,
me fez sentir. E esse era o propósito da música, não era?
— Mesmo? Por que essa? — Mas ela parecia satisfeita.
Claramente eu disse a ela o que ela queria ouvir.
— Eu pude ver que essa é a que importa para você.
— Ela é. Mas não é tão difícil quanto o segunda.
— Não importa. Qualquer pessoa pode tocar uma nota. Talento é
o que você faz com elas. Você não acha?
Juliette apoiou o clarinete entre os joelhos e corou. — Você acha
que eu sou talentosa?
— Nah. Você é horrível. Eu só estava sendo legal.
Ela riu, então me deu aquele meio sorriso dela. — Estou tão feliz
por ter conhecido você, Ollie-oop. Sabe, você não é tão engraçado
com as outras. Você percebeu?
Bem, isso acontece porque cada frase que falo perto de Lara foi
como jogar um jogo da roleta russa maldosa. Meio que atrapalha as
tentativas de humor. — Não sou muito bom em grupos — disse eu.
— Sou embaraçoso socialmente.
— Você não é embaraçoso socialmente — Disse a garota que
insistiu que Lara gostava de mim. Super credível. — Mas você
deveria tentar relaxar mais. Não tenha medo de falar com a gente,
ok? Amamos ter você por perto.
AMAR. Essa era uma palavra forte. Mas isso me animou, de
qualquer maneira. Eu me virei para ficar de frente para o piano. Era
mais fácil falar com um instrumento, mesmo um que eu não
conseguisse tocar nada além do básico. — Talvez se almoçássemos
aqui eu ficaria mais relaxado.
Juliette começou a guardar seu clarinete. — Ai meu Deus, eu sei.
Existe alguma coisa na música, você não acha? Faz tudo parecer
muito mais fácil e agradável.
Toquei um acorde Dó no piano e balancei a cabeça. — Todas as
minhas amizades foram baseadas na música onde eu morava.
Todos nós ouvimos coisas semelhantes, todos tocamos juntos...
Não parece ser tão comum aqui.
— Eu acho que depende de quais grupos você anda. Mas você
está certo. Você é a primeira pessoa com quem posso falar sobre
tocar.
— É uma honra. — Eu sorri.
— Meus pais não levam isso a sério. Aparentemente, aprendi
tudo com meu avô. Isso pulou uma geração.
— Azar o deles, eu acho.
— Azar o meu também. Quero dizer, eles não são horríveis sobre
isso. Eles pagaram por aulas particulares. Porém, como um hobby,
não uma carreira.
— Então, o que eles acham dessa audição?
— Não acham. Eles não sabem sobre isso.
Eu fiquei boquiaberto. — Que rebelde!
— É mais fácil pedir desculpas do que pedir permissão, Ollie-oop.
As necessidades atendem às necessidades.
— Você pode citar quantos ditados clichês para mim quanto
quiser, mas ainda estou impressionado.
Eu não poderia imaginar indo pelas costas dos meus pais com
algo tão grande. A coisa mais rebelde que eu já fiz até agora foi fugir
para ver Will em sua última noite no lago, e eu poderia culpar os
hormônios irracionais por isso.
Eu estava cheio desses hormônios irracionais. Como Romeu e
Julieta, mas um pouco menos estúpido.
Peguei meu telefone enquanto Juliette reunia sua música, e só
então percebi que tinha uma nova mensagem. O toque deve ter sido
abafado pelo clarinete. Eu desbloquei, esperando que fosse Ryan
ou Hayley através de alguma conexão telepática estranha, me
dizendo que eles sentiam minha falta ou algo assim.
Mas era muito mais estranho do que isso.
Foi Will. Eu reconheci os últimos dígitos.
Podemos conversar?

Merda.
Merda, merda, merda, oh Deus, merda, merda, merda. Eu não
estava preparado para isso, oh Jesus.
Meu primeiro instinto foi enviar uma mensagem de volta,
implorando para que ele me encontrasse naquele segundo.
O próximo era deletar esta mensagem para que eu não ficasse
tentado a responder. Na verdade, comecei a fazer isso na metade,
então me acovardei. Eu não estava muito confiante. Ai de mim.
Eu escolhi a terceira opção. Não responder, por enquanto. Eu
esperaria até encontrar a resposta perfeita. Se julgar pela
experiência, a resposta perfeita nunca foi a primeira que veio à
mente. Deixe-o pensar que estou ocupado. Afinal, eu estava.
Ocupado montando uma vida aqui. Uma vida que não precisava
girar em torno de Will "Quem?" Tavares.
Assim que tomei essa decisão, uma onda de poder passou por
mim. Finalmente, depois de todas essas semanas, tive a
oportunidade de ignorá-lo. Eu deveria me acostumar a estar deste
lado da balança de poder.

Não respondi durante o resto do dia na escola. Fiquei bem


tranquilo, se é que posso dizer. Eu tinha 90 por cento de certeza que
isso era por causa de todo o treinamento de gratidão consciente da
mamãe. Foi quando percebi que fiz algumas visualizações. De Will
checando seu telefone a cada cinco minutos com o coração na
garganta, como eu tenho feito nas últimas semanas de verão. E isso
era tão bom que com certeza se manifestaria. Acontece que obtive a
maior parte da minha energia positiva com o prazer perverso do
carma.
Em casa, estavam Crista e Dylan. Tia Linda havia passado por
uma “situação ruim” durante o dia, de acordo com mamãe, e voltou
ao hospital durante a noite. As crianças pareciam muito deprimidas
— e os adultos também, para ser sincero — então decidimos sair
para comer cheeseburgers. Era um daqueles lugares com artistas
vestindo fantasias antropomórficas assustadoras de esquilos, patos
e ursos que têm olhos malucos como se tivessem levado uma forte
pancada de alguma coisa. Os animais, quero dizer, não os artistas.
Já seus olhos estavam escondidos, era difícil fazer essa relação.
De qualquer forma, Crista e Dylan adoraram e passaram mais
tempo seguindo um dos esquilos do que comendo. Me pareceu
ridículo que eles pudessem ter tanto medo de coisas como o escuro,
ou o farfalhar das árvores lá fora, e nem um pouco de medo das
fantasias de esquilo. Aqueles olhos fixos e arregalados e bocas
esticadas e meio abertas... Nada dizia “Eu como crianças” mais do
que aquele rosto de Alvin e os esquilos.
Mesmo que eu ainda estivesse ignorando Will, continuei abrindo a
mensagem, como se algo tivesse de alguma forma mudado desde
que eu olhei para ela trinta segundos antes. Uma parte de mim
perguntou se Will notou que eu tinha visualizado. Até mesmo se ele
estava obcecado com isso, pensando por que eu não respondi.
Podemos conversar?
Conversar sobre o quê, Will? Sobre como você me ignorou
desde... bem, desde aquela noite? Ou sobre sua reação na festa?
Ou você quer discutir o por que você era basicamente Jesus no lago
e agora está concorrendo para ser o Anticristo? Porque por mais
interessantes que pareçam todos esses tópicos, prefiro convidar
Alvin, o esquilo para o meu quarto e me ver dormir todas as noites
do que ouvir você explicar o quão pouco eu significo para você.
Cada vez que eu pegava meu telefone, meus pais começavam a
falar em voz baixa, como se eu fosse perder o que eles estavam
dizendo do outro lado da cabine redonda. Eu estava distraído, mas
não tão distraído. Eles estavam falando sobre a tia Linda. O assunto
do momento, hoje em dia. Eu ouvi trechos suficientes para ter uma
ideia. Não respondendo ao tratamento... Mudando a medicação...
Exija alguns analgésicos melhores... Diz que não quer ficar confusa,
mas ...
Meu telefone vibrou na minha mão e pulei um quilômetro inteiro.
Então vi quem estava ligando e a conversa dos meus pais foi
oficialmente desligada.
Will. Will estava me ligando. Will estava lá fora em algum lugar,
agora, me ligando. Pensando em mim. Querendo que eu atendesse.
Talvez mamãe estivesse certa com essa teoria de “manifestação”,
afinal.
Eu quase atendi também. Quase. Mas havia aquele poder de
formigamento novamente. E, honestamente, era mais do que isso.
Quanto mais eu pensava em sua mensagem, mais eu suspeitava
que ele queria me implorar para não denunciá-lo. Ou me dizer que o
verão não significava nada e que ele me veria por aí. Droga, eu não
queria ouvi-lo dizer isso. Isso iria depreciar a coisa toda. Como se
no segundo que eu o ouvisse falar, isso apagaria toda aquela
felicidade. Com tudo que estava acontecendo com tia Linda, e
estando longe dos meus amigos, e tendo que lidar com Lara, essas
memórias eram tudo que eu tinha. Eu precisava delas um pouco
mais.
Então, observei meu telefone em silêncio até a ligação terminar.
Desculpe, Will.
Muito ocupado.
Exatamente como você esteve.
8

Ele me emboscou.
Eu estava correndo mais de dez minutos atrasado na manhã
seguinte. Eu parei no meu armário, ensaiando mentalmente minha
desculpa para a Sra. Hurstenwild, quando tive aquela sensação
assustadora e sinistra. Aquela que diz que há alguém,
possivelmente-barra-provavelmente um assassino em série, bem
atrás de você. Eu me virei e encontrei Will invadindo meu espaço
pessoal, olhando para mim como se ele fosse a droga de matador
ou algo assim.
— Não recebeu minha mensagem, eu acho? — ele disse dessa
forma indiferente, como se ele realmente não se importasse. O que
seria compreensível se ele não estivesse me encurralando em um
corredor vazio para falar sobre isso.
Eu estava abalado, mas fiz o meu melhor para não deixar isso
óbvio. — O sujo falando do mal lavado — eu disse, ainda mais
indiferente. Tão arejado que se aproximava do hélio. Ok, talvez
fosse óbvio, afinal.
Ele enfiou uma das mãos no bolso da calça jeans e enfiou um
dedo da outra mão em sua boca para roer uma cutícula. Eu tive um
déjà vu vendo isso. É o que ele estava sempre fazendo quando eu o
pegava desprevenido no verão. Mordiscando sua cutícula, olhar
distante, mudando seu peso. Ele era tão familiar. Eu o conhecia.
Provavelmente melhor do que alguém que conhece uma pessoa há
poucos meses.
Ele tirou o dedo da boca. Aqui vamos nós. Tempo de resposta
considerado e atencioso. — Você está certo. Eu sou um hipócrita
total.
De novo. Não o que eu esperava. E lá estava eu me preparando
para uma palestra gentil sobre como ele não me devia nada, ou
como eu tinha lido muito no verão. Foi uma resposta
surpreendentemente madura para alguém que passou duas
semanas se recusando a me olhar nos olhos.
Isso me fez relaxar um pouco. — Sim. Eu recebo uma explicação,
ou...?
— É sobre isso que eu queria falar.
— Bem, estou aqui. Então, vamos conversar, eu acho.
Nós nos encaramos. O dedo de Will vagou em sua boca
novamente. Procrastinador. A Sra. Hurstenwild iria me matar de
verdade.
Fechei meu armário e comecei a recuar. — Olha, Will, se você
não tem nada para...
Naquele momento, duas coisas aconteceram.
Um pouco mais adiante no corredor, uma porta se abriu e um
aluno fez menção de sair para fora da sala de aula. Só a parte de
trás da cabeça era visível — o aluno havia feito uma pausa para
falar com a professora na saída — mas a jaqueta preta e branca
com corte curto parecia pertencer ao amigo de Will, Matt.
Espantosamente, eu estava certo sobre aquele. Com um grito
baixo, Will se lançou para frente, abriu uma porta próxima e me
empurrou para dentro da sala.
Antes que eu pudesse me orientar, Will se juntou a mim e bateu a
porta, mergulhando-nos na escuridão. Tentei recuar e pisei no que
parecia ser um balde de esfregão. Ou, pelo menos, era um balde de
esfregão, imaginei pelo barulho do plástico quebrando. Eu estiquei a
mão para me firmar e bati direto em uma prateleira ou algo do tipo.
Um monte de itens não identificados caiu no chão de concreto — e
nos meus pés. Eu praguejei de dor quando uma garrafa
particularmente pesada quase quebrou meus dedos do pé. Filho da
puta.
— Jesus Cristo, Ollie, fique quieto — a voz de Will sibilou na
escuridão.
— O que você está fazendo? Isso é uma agressão? Devo gritar?
— Eu não queria que Matt nos visse.
— Ah. Livrar-se de testemunhas. Então é uma agressão?
— Qual é, Ollie, fala sério.
Eu meio que falava, para ser honesto. — E por que importa se
Matt nos vê?
Mesmo que eu não pudesse ver nada, meu terceiro olho
distinguiu claramente a ação de roer cutículas. — Você precisa
perguntar?
E o que diabos isso queria dizer? — Uh, já que eu perguntei…
sim?
Uma longa pausa. Pausas longas nunca são boas. Um dia, eu
escreveria uma tese sobre a história das longas pausas e os
sentimentos feridos que as acompanhavam 200 por cento do tempo.
Foi exatamente como no primeiro ano do ensino médio, quando
raspei um lado da cabeça e no dia seguinte na escola perguntei a
Ryan se estava legal. Exceto que essa longa pausa estava durando
mais tempo, e, oh Deus, isso ia realmente doer, não ia? Foda-se as
longas pausas. Petição para proibi-las de interações sociais, por
favor.
— Bem, você sabe…
Não. Mas eu estava prestes a saber, não estava?
— Tipo... a maior parte da escola descobriu que você é gay.
— Oh. Interessante. Não conheço a maior parte da escola, então
não sei como eles conseguiram isso.
— Sim, mas…
Eu sabia aonde ele queria chegar. Tudo bem. Que seja. Não é
como se fosse um segredo de estado ou algo assim. E daí se as
pessoas adivinharam, isso me poupou de ter que ter uma discussão
sobre minhas preferências sexuais com pessoas que nem sabiam
se eu preferia presunto ou manteiga de amendoim em meus
sanduíches. A propósito, a resposta foi: ambos, simultaneamente.
— E daí? — Perguntei. — E daí se eles souberem que sou gay?
Por que, exatamente, isso significa que você não pode ser visto
comigo? Eu sou contagioso? Porque acho que isso explicaria muito.
— No que diz respeito às explicações, isso ganharia um prêmio por
criatividade. Desculpe, parei de enviar mensagens de texto porque
minha deformação de “gay” era apenas temporária. Mais ou menos
como salmonela.
O suspiro de Will foi particularmente alto e mordaz no pequeno
espaço. Claustrofobia faz isso. — Os caras estão sendo idiotas
sobre isso. É como uma piada corrente. Eles continuam tentando
implicar com você na hora do almoço.
Bem. Eu gostaria de dizer que depois de anos saindo e chegando
a um acordo comigo mesmo, e homofobia, e o resto de tudo, eu
seria capaz de ignorar isso. Mas doeu. Sempre doeu um pouco,
pelo menos, saber que as pessoas estavam falando sobre você de
uma forma menos do que agradável. Ser tão novo na escola, e as
pessoas já tendo uma opinião sobre mim? E Will envolvido nisso?
Ele ao menos tentou me defender? Ou ele riu junto com eles?
— Uh-huh. — Meu tom era neutro.
— Eu não participo — acrescentou ele rapidamente.
Mas você os impede?
De repente, eu ri. Foi derramado como sangue de uma ferida
recente. Para fora e para fora e para fora.
— O que é tão engraçado?
— Estamos em um armário.
— Eu te disse, eu não queria-
— Você me arrastou para um armário para ter essa conversa.
Você fez isso de propósito ou o quê? Inacreditável.
— Eu não... — Will começou, então a ficha deve ter caído. —
Sério, Ollie? Super maduro.
— Eu sou imaturo? É você quem está com muito medo de ser
visto falando comigo. Terminamos? — Foi divertido. Todo esse
tempo, passei por tantas emoções. Dor. Traição. Tristeza.
Aceitação. Talvez um pouco — ok, talvez muito — de saudade. Mas
eu não estava com raiva. Pelo menos, eu não tinha percebido que
estava com tanta raiva. Aqui estava eu, no entanto, borbulhando
sem parar. Puto como o inferno.
— Ainda nem começamos. Você pode me dar uma chance de
explicar?
Uma chance? Já estávamos conversando há pelo menos cinco
minutos.
— ... Ollie?
— Sim, estou ouvindo, tanto faz. Vai.
— Eu não estava te ignorando, eu juro. Meus pais me pegaram
voltando para casa naquela noite e enlouqueceram. Eles
confiscaram meu telefone, eu não pude tocar no meu laptop, nada.
Por três semanas. Foi ridículo.
Sim, sim, eu sabia de tudo isso. Considerei apontar que ele disse
às pessoas que estava com garotas naquela noite, mas eu não
poderia nem mesmo me importar em seguir essa discussão com
ele. Isso apenas confundiria as coisas. — Legal. Mesmo. Mas estou
mais preocupado em como você agiu na festa. O que é que foi
aquilo? A conversa com seu amigo deve ter sido realmente
fascinante para você esquecer que eu estava lá tão rapidamente.
Meus olhos começaram a se ajustar à escuridão. Lá estava ele.
Encostado na porta, uma mão envolta em seu estômago, o dedo da
outra em sua boca. Ele estava olhando diretamente para mim, pelo
menos. De repente, fiquei constrangido. Como estou hoje? Eu
coloquei esforço suficiente para me arrumar esta manhã? Verifiquei
meus dentes antes de sair de casa?
— Você contou às meninas sobre mim. Eu surtei, ok?
— Eu sinto muito. Sério, eu-
— Eu sei que você sente! Eu não sou louco. Eu sei que você não
fez de propósito. Você não tinha ideia. Mas isso não significa que
está tudo bem, sabe? Quero dizer, e se elas contarem a alguém?
— Elas ainda não contaram.
— Ainda. Se meus pais descobrissem... Ollie...
Eu não respondi. Porque o que eu poderia dizer sobre isso? Todo
o meu rosto corou de vergonha, a raiva temporariamente esquecida.
Foi tudo minha culpa que ele tenha sido colocado nesta situação.
Quer eu quisesse ou não. Por que não mantive minha maldita boca
fechada? Eu nem conhecia aquelas garotas e contei a história de
minha vida. Ou pelo menos a história do meu verão. O que foi mais
tórrido do que o resto da minha vida toda, para falar a verdade.
Will se abraçou com os dois braços e olhou para o chão. — Não
fui bom o suficiente para conseguir uma bolsa de basquete, então
estou contando com eles para me sustentar. Não posso foder com
nada este ano, ou acabou para mim.
E isso inclui uma decepção... certo.
— Entendo.
— Eu não sabia o que fazer. Quer dizer, Jesus, não é como se eu
esperasse que você estivesse aqui. É tão ridículo.
Essa era outra coisa sobre Will. Tudo era “ridículo”, desde
pequenas anomalias até eventos que alteraram a sua vida. Eu tive
que lutar contra um sorriso ao ouvir essa palavra novamente.
Mesmo que isso se aplique a esta situação.
— Eu estava com medo, ok? O que eu fiz durante o verão... tipo,
o que fizemos, não é algo que eu teria feito com alguém por aqui.
Eu pensei que era seguro.
Certo. Então ele estava contando em nunca mais me ver
novamente. Bam. Ai.
— Então é como, oh, fudeu, Ollie está aqui, e agora algumas
pessoas sabem, e por um segundo eu pensei que era isso. Tipo,
agora todo mundo está prestes a descobrir tudo. — Ele fez uma
pausa para me deixar falar. Quando eu não fiz, ele continuou. —
Mas eu tinha que ver você. Não pensei em mais nada desde a festa.
Eu só estava com medo. Quero dizer, você está aqui.
Ele tocou meu braço. Mesmo que tenha me feito estremecer, e
meu sangue esquentar vários graus, e meu estômago revirar, eu me
afastei. A raiva estava bem e verdadeiramente de volta, e não era
nenhuma das merdas de romance do meu corpo.
Will piscou para mim, magoado. — Estou tão feliz em ver você —
ele tentou.
— Sim, eu posso ver — eu disse, apontando para as paredes.
Tão feliz em me ver que ele nem poderia ser visto falando comigo.
Estou tão feliz que ele levou duas semanas para me enviar uma
mensagem depois de pegar seu telefone de volta. Claramente ele
estava extasiado.
— Eu tenho que ir para a aula — eu disse, tentando passar por
ele.
Ele me bloqueou. — Espere.
— Eu tenho claustrofobia.
— Você não tem não.
— Por mais romântico que eu ache conversar em torno de lixeiras
e trapos, Will, acho que terei de recusar. Avise-me se quiser falar
em algum lugar com oxigênio, mas até lá, boa sorte com a
faculdade.
— Não fique bravo comigo.
— Eu não sou louco — A mentira foi tão flagrante que Will
zombou de mim. Eu não me importei. — Estamos atrasados.
Vamos.
— Não.
— Certo. Faça como quiser. — Eu passei por ele e abri a porta.
Doce ar e luz.
Will hesitou. Como se ele esperasse que eu voltasse e me
juntasse a ele por um pouco mais de tempo. Para fazer o que? Ter
outra conversa um tanto dolorosa? Beija-lo? Em um imbecil eu-não-
acredito-que-vou-mesmo-dizer-isto armário? Sem chance.
Quando ele não me seguiu, dei-lhe um sorriso doce e fechei a
porta na cara dele. Bem na cara dele. Eu encarei a porta, surpreso
com minha própria audácia. Eu não sabia que tinha tanto
atrevimento sob a superfície. Eu me senti um pouco culpado, mas
principalmente fiquei impressionado comigo mesmo.
Com uma risadinha que parecia suspeitosamente como um
soluço — exceto que não podia ser, porque eu prometi não chorar
mais — eu me virei e corri para a aula sem me virar para ver se Will
tinha saído.
Eu ganhei aquela rodada. O meu lado rancoroso estava polindo
um troféu com um sorriso maroto.
Então, por que o resto de mim estava tão vazio?
9

— Quem são esses caras de novo?


A bochecha de Will estava a menos de um centímetro da minha.
Deitamos lado a lado na minha cama, compartilhando fones de
ouvido. Foi uma daquelas raras tardes em que consegui a casa só
para mim. Nossas pontas dos dedos estavam como aranhas em
volta uma da outra, nossas mãos descansando na minha coxa.
Eu desbloqueei meu telefone para mostrar a ele. — Letlive. Bom,
não é?
— Surpreendentemente, sim.
— Surpreendente porque você é um esnobe musical?
Will sorriu e encostou sua têmpora na minha. — Cala boca. —
Seu tom era caloroso e terno. A maneira como um cara fala com
alguém de quem realmente gosta. Eu conhecia esse tom. Foi a
primeira vez que o ouvi usar. Uma parte de mim morreu de
felicidade. Se enrolou em uma bola e morreu. — Acho que sempre
que ouço a palavra 'punk', penso, tipo, Blink-182 ou Fall Out Boy.
— Ambas são bandas sólidas. É melhor você não estar criticando
eles antes de tentar ouvi-los.
— Estou um pouco.
— Podemos concordar em discordar.
— Eles são um pouco mais... simples do que isso.
— Eu acho. Eles são um pop punk farofa.
Will riu. — Eu amo isso. Perfeito pop punk farofa.
Rejuvenescido, comecei a folhear meus álbuns. — Se você gosta
deles, deveria dar uma olhada nesses caras. Eles fazem uma coisa
com harmonias que é simplesmente argh, e o baterista, meu Deus,
eu poderia ouvir um álbum inteiro apenas com seus solos. Espere,
vou encontrá-los- o quê?
Will estava olhando para mim com um sorrisinho engraçado. —
Nada. É fofo como você fica apaixonado pela música. Eu sinto que
você poderia convencer Bach de que o estava faltando uns graves
de baixo.
— Eu realmente gosto de música, eu acho. Então me processe.
— Sim, bem, eu realmente gosto de você. Então me processe.

Terça-feira, 16h02
Eu sinto muito.

Não falei com Will novamente depois daquela manhã no armário.


Ele tentou me enviar uma mensagem, uma vez, mais tarde naquele
dia, mas me forcei a ignorar. Eu me conhecia o suficiente para saber
que não era uma pessoa do tipo “vamos continuar sendo amigos”.
Se eu não desistisse de Will, acabaria morrendo de saudades dele,
totalmente devotado, magoado e não correspondido. Bem, mais do
que eu estava atualmente.
Passei boa parte da semana repetindo minha reação em minha
cabeça. Dependendo do meu humor, interpretei essa memória de
maneiras diferentes. Às vezes, eu me parabenizava internamente
por ter força para sair correndo e bater aquela porta. Tudo que eu
precisava era de uma música do Destiny's Child tocando como
abertura, e teria sido o maior “vá se ferrar” desde Rhett Butler em E
o Vento Levou.
Então, outras vezes, eu me convenci de que Will ainda tinha
sentimentos por mim, e que eu arruinei um lindo futuro —
culminando em casamento e três filhos adotivos — com uma birra
de cinco segundos. Essas vezes eram bem menos divertidas.
Uma noite, no meio de um desses acessos de desespero,
perguntei a mamãe se ela tinha algum grande arrependimento
desde a adolescência. Ela aparentemente pensou que a resposta
apropriada a essa pergunta era começar uma versão desafinada de
"Let It Be" dos Beatles. Palavra por palavra. Do começo ao fim. Uma
performance que eu esperava assistir na íntegra. Fiz uma nota
mental para nunca mais pedir conselhos sobre relacionamentos à
mamãe.
Na escola, eu estava estabelecendo um ritmo. Juliette e eu
frequentemente escapamos para a sala de música durante o
almoço. Com a prática da banda às terças e quintas-feiras, a sala de
música estava rapidamente se tornando meu lugar favorito na
escola. Tudo sobre ela, desde os posters inspiradores
espalhafatosos que revestem as paredes, à coleção de guitarras e
violinos de baixa qualidade, aos microfones e amplificadores
armazenados no canto na outra extremidade da sala, era familiar.
Reconfortante. Música era música, seja na Califórnia ou na Carolina
do Norte.
Às quintas-feiras, eu tinha a apreciação musical antes do almoço.
Quando o sinal tocou, arrumei minhas coisas e vaguei até meu
armário, todo sonhador e feliz. Eu estava muito ocupado pensando
em meu pequeno mundo de melodias e batidas avançadas para
notar qualquer coisa diferente quando entrei no refeitório. Mas você
pode apostar que eu com certeza notei quando cheguei à mesa do
almoço e encontrei Will sentado na minha cadeira.
Sentado no meu maldito assento como um presunçoso, roubador
de assentos, pequeno...
Oh, não, espere, os outros caras estavam lá também. Eles
arrastaram assentos extras e se amontoaram ao redor do perímetro
da mesa, ombro a ombro para caber todo mundo. Meu primeiro
pensamento foi que Will os fez vir aqui para que ele pudesse falar
comigo. Meu segundo pensamento foi, puta merda, você é o garoto-
propaganda do narcisismo, Oliver Di Fiore. Nem tudo gira em torno
de você, suba e supere você mesmo. Juliette disse que alguns dos
caras do basquete sentavam-se conosco de vez em quando. Bem,
aqui foi uma dessas vezes. Sem estresse. Fique tranquilo.
Por favor, pelo amor de Deus, seja legal.
Então, oh sim, que bobo, lembrei que odiava esses caras por
fazerem piadas homofóbicas comigo como uma brincadeira. Então,
basicamente, foda-se cada um deles.
— Ollie-oop, guardei um lugar para você. — Juliette acenou para
mim e apontou para o assento vazio ao lado dela. Apenas no caso
de eu achar que ela estava se referindo a um dos assentos
ocupados, eu acho.
Assim que Juliette disse meu nome, a cabeça de Will se inclinou
para o lado e ele olhou para cima de uma forma não muito sutil.
Sem olhar para ele, eu passei rapidamente e Tetris colocou minha
bandeja de almoço em um espaço apertado entre a de Juliette e a
de Niamh.
Matt estava sentado à minha frente, com Will ao seu lado
esquerdo. Do outro lado de Matt, Darnell, um dos outros amigos de
Will, estava apoiando os cotovelos na mesa para falar com Niamh.
Darnell não era um cara baixo de forma alguma, mas comparado a
seus amigos, ele era praticamente um duende. Ele tinha uma pele
quente, marrom médio com um punhado de sardas sobre um nariz
largo e sobrancelhas inclinadas que lhe davam uma aparência
sempre preocupada e gentil. Pela maneira como ele havia se
concentrado em Niamh, você poderia dizer que ele havia esquecido
que mais alguém estava sentado à mesa. — …Você basicamente
não come nada por quase dois dias — ele dizia. — No ano passado,
arrecadei duzentos dólares. Não é tão difícil.
Niamh sacudiu o cabelo e sorriu de uma maneira nada parecida
com a de Niamh. Eu estava acostumado com a Niamh que parecia
agradável e um pouco vazia. Era Niamh em uma missão. Uma
missão envolvendo um cara gostoso. — Parece aquela dieta de
jejum que você vê em todo o Instagram. Mas isso não atrapalha nos
treinos?
— Nah — o cara disse.
— Sim — Matt falou por cima. — Ele foi inútil durante toda a
semana após a fome do ano passado.
Isso lhe rendeu um olhar duro do Príncipe Encantado de Niamh. A
mensagem era clara: você está ativamente bloqueando meu pau e
tem exatamente um segundo para parar com isso. — É para
caridade, cara.
— Sim, bem, se você pudesse ajudar os pobres quando não
temos um jogo contra Williamstown, seria ótimo.
Will ficou quieto, observando a troca. Ele ficava olhando para
mim, como um pombo que se sente seguro, mas também quer
verificar se não está prestes a ser emboscado. Foi isso que ele
pensou? Que eu faria algo para denunciá-lo na frente de seus
amigos? Embora, para ser justo, ele deixou bem claro que agir
como se eu o conhecesse iria condená-lo para sempre. Porque ele
pode parecer gay, afinal. Ele provavelmente nem tinha contado aos
caras que nós nos conhecemos. Eeeee este deveria ser o meu
Príncipe Encantado. Eu meio que senti que Niamh tinha conseguido
o melhor negócio aqui.
Niamh agitou seu purê de batatas com um garfo. Ela passou mais
tempo brincando com sua comida do que comendo. Ela não queria
comer na frente dos caras? Ou ela havia perdido o interesse? — Eu
acho que é realmente altruísta — disse ela. — Talvez eu tente em
algum ano.
— Você poderia marcar isso para um casting — Lara sugeriu com
a boca cheia de pão.
Niamh franziu a testa. Juliette e os caras pareciam não perceber,
mas eu sabia muito bem como era receber os golpes de Lara.
Marque para um casting para que Niamh pudesse perder um pouco
de peso. Isso é o que ela quis dizer. Mesmo se ela dissesse
inocentemente. Esta foi a primeira vez que notei Lara direcionando
sua maldade para alguém além de mim. Ela deve ter acordado do
lado errado da cama. Ou talvez ela não gostasse da atenção que
Matt estava dando a Niamh agora.
A conversa continuou ao meu redor. Eu não participei. Não era
muito incomum para mim ficar quieto no almoço, e não havia como
me sentir confortável o suficiente para falar com esse público. O
estranho é que Will também não falou. Esta foi a primeira vez que
eu realmente o vi perto dos caras do basquete, então eu não tinha
como saber se isso era estranho para ele ou não a princípio. Então
Matt perguntou duas vezes por que ele estava tão confuso e eu tive
minha resposta.
Nós dois fizemos um trabalho terrível de olhares furtivos um para
o outro. Eu o peguei quase tantas vezes quanto ele me pegou.
Quanto àquelas borboletas no estômago, eu teria que arranjar um
pouco de DDT logo, porque isso estava ficando cansativo. Não
importava se eu pudesse ver a pele loucamente macia sob seu
pescoço naquela camisa, ou se seus cílios pareciam mais grossos
do que o normal, ou se a curva de seu braço era
desconcertantemente bonita. Ele era um idiota. Então ele tinha que
estar morto para mim. Marque o maldito funeral, por favor.
Finalmente, os caras saíram para pegar um segundo prato, ou
sobremesa, ou ambos. No momento em que eles se foram, eu me
acalmei. Eu não tinha praticado gratidão consciente suficiente hoje,
aparentemente, porque eu estive um pouco tenso por alguns
minutos lá.
Uma breve pausa pairou no ar, então Juliette e Lara se voltaram
para Niamh como hienas.
— Oh meu Deus, Darnell gosta de você — disse Juliette.
Niamh piscou. — De jeito nenhum.
— Niamh, qual é — disse Lara, batendo na bandeja do almoço
para dar ênfase. — Os feromônios eram tão grossos que eu podia
sentir o gosto deles temperando meu sanduíche. Não se faça de
boba. Ollie, Darnell estava babando, sim ou não?
Uau. Lara falando comigo como se eu fosse um ser humano pela
primeira vez. Talvez eu estivesse evoluindo com ela. — Eu vou com
um sim — eu disse me desculpando com Niamh.
— Gente, não. Nós somos amigos.
— Qual é o problema? — Lara perguntou. — Ele é quente como
um ferro de soldar. Se você não o quiser, eu quero.
— Você já tem Matt, deixe Niamh ter uma chance — disse
Juliette.
Lara sorriu afetadamente. — Eu posso ter Matt, mas Matt não me
tem. Já que você mencionou isso, ele e Darnell têm um pouco de
química. Acha que eles estão prontos para um ménage à trois?
— Darnell poderia, se Niamh fosse o trois.
Niamh gemeu e jogou a cabeça para trás. — Eles estarão de volta
em breve. Não deixe que eles te ouçam.
— Certo, precisamos de um plano de ataque — disse Juliette.
Lara fungou. — Não, não precisamos. Nós não perseguimos os
homens. Os homens vêm até nós, e nós nos dignamos a prestar
atenção a eles, se assim escolhermos.
— Hum, Lara, estes não são homens. Estes são meninos.
Espécies diferentes, lembra?
— O mesmo, apenas músculos menores.
— E cérebros.
Quer dizer, eu estava sentado bem aqui.
Niamh bateu as mãos na mesa, fazendo o resto de nós pular. —
Pare. Não tente armar para mim e Darnell. Eu não quero ficar
amarrada aqui, ok? Não posso me dar ao luxo de levar a sério
ninguém se estou me mudando para Nova York.
— Quem disse alguma coisa sobre levar a sério? — Lara
perguntou com um sorriso malicioso. — E além disso, você não
pode colocar todos os ovos na mesma cesta. Se Nova York não der
certo, você se arrependerá de não ter mantido Darnell na sua
pequena linha aqui.
O rosto de Niamh endureceu. Eu tinha certeza de que sabia por
quê. Ela estava se lembrando do comentário de Lara sobre o jejum
de antes. — E por que Nova York não funcionaria?
Juliette pigarreou. Eu estava com ela. Poderíamos dar uma
desculpa para escapar antes que o inferno explodisse? Tentei
repassar uma lista de possíveis razões, mas minha mente ficou
inconvenientemente em branco.
— Não estou dizendo que não vai. Mas é competitivo, sabe? Os
padrões são altos. Mesmo as garotas perfeitas lutam para ser
escaladas.
— Não que você não seja perfeita — Juliette saltou
apressadamente.
Lara encolheu os ombros. — Niamh é linda. Obviamente. Mas
nem sempre é suficiente, não é?
— O que mais é? — Perguntou Niamh.
— Bem, como eu disse, é competitivo. Para algumas daquelas
garotas, é, tipo, a vida delas. Elas dedicam tudo a isso.
— Eu dedico tudo a isso.
— Mais ou menos — Lara disse. — Mas você sabe…
— Não.
— Bem, tipo, o tipo de garota com quem você está competindo...
elas não comeriam purê de batata no almoço, coloque dessa forma.
Droga. Lá estava. Juliette e eu nos encolhemos. Eu senti a dor
daquilo como se Lara tivesse me dado um tapa pessoalmente.
O rosto de Niamh ficou vermelho e eu não tinha certeza se ela iria
chorar. Eu estava pronto para me levantar e abraçá-la, ou tocar em
seu braço, ou empurrar Lara da cadeira, eu não sabia. Então Niamh
se levantou. — Só porque você é tão insegura consigo mesma que
precisa dormir com qualquer coisa que se mova para sua validação,
não significa que você pode descontar em mim. Existem coisas mais
importantes na vida do que homens, certo, Lara? E se você acha
que é melhor do que eu porque pode andar por aí em jeans
tamanho dois e ficar com Renee para que um grupo de caras
imaturos fiquem excitados com sua fantasia de lésbica falsa, então,
por favor. Não ache. É ridículo, e eu e Juliette temos vergonha de
você.
Com isso, Niamh saiu furiosa, deixando a bandeja do almoço para
trás. Juliette deu a Lara um olhar ferido. Lara acenou com a mão,
entediada. — Alguém está naqueles dias — disse ela.
— Jesus Cristo — Juliette murmurou. Ela empilhou a bandeja do
almoço de Niamh em cima da sua e se levantou. — Eu vou atrás
dela.
— Ande, não corra — Lara disse.
Parte de mim também queria ir atrás de Niamh. Deus sabia que
ela não merecia aquilo, e eu queria que ela soubesse que eu a
apoiava. Mas algo me impediu de deixar Lara. Uma vozinha que
dizia que talvez Lara precisasse de alguém aqui também. E que
talvez, com todos os seus espinhos e amoreiras, Lara não obtivesse
muito apoio.
Eu a observei de perto enquanto Juliette nos deixava sozinhos.
Era como se ela tivesse esquecido que eu ainda estava aqui.
Enquanto ela olhava para Juliette, sua expressão estóica se contraiu
tão rapidamente que pensei ter imaginado. Então ela voltou a
parecer divertida e distante. Ela me pegou olhando para ela e
ergueu as sobrancelhas para mim em um desafio. — O que?
— Nada. — eu disse. Na verdade, isso não era verdade. Eu
estava prestes a dizer algo, mas parecia que ela queria fazer de
mim sua próxima vítima, e a coragem havia desaparecido
rapidamente.
— Bom. — Ela ficou em silêncio por um momento, cutucando sua
comida com um garfo, então pegou sua bandeja e saiu.
Os caras voltaram parecendo confusos. — Para onde todos
foram? — Darnell perguntou.
Will estava com uma expressão preocupada e estendeu a
bandeja do almoço em direção à porta que Lara havia atravessado.
— Ela está bem? — ele perguntou.
E, de repente, estávamos de volta ao lago. Lá, Will era sempre o
primeiro a dizer se alguém não estava certo, assim como o primeiro
a tentar consertar. Foi assim que nos conhecemos. Foi uma das
coisas que mais gostei nele. Para onde foi essa doçura, e por que
estava surgindo agora, e sobre Lara de todas as coisas? Quem era
o verdadeiro Will? Ele tinha tantas máscaras que eu não tinha mais
ideia de como era o seu rosto.
— Na verdade, vou dar uma olhada nela — eu disse. — Você
pode pegar minha bandeja para mim? Eu preciso tentar alcançá-la.
Will acenou com a cabeça e gesticulou para que eu fosse, e foi
como se estivéssemos no mesmo time novamente. Apesar das
minhas melhores intenções com relação a desligar todo o afeto,
uma pequena explosão de felicidade estourou em algum lugar
dentro do meu peito. Eu mantive firmemente longe do meu rosto.
Encontrei Lara perto dos armários. Ela pegou seus livros e estava
pairando na frente das salas de aula, muito cedo para entrar. Ela me
viu se aproximando a um quilômetro de distância e balançou a
cabeça em aborrecimento, virando as costas para mim e encostada
na parede com os livros apertados contra o peito.
— Ei — eu disse, desacelerando quando a alcancei.
— O que? — ela retrucou.
Eu ignorei o fato de que ela claramente não me queria aqui e me
juntei a ela na parede. Não falamos por um tempo, até que eu
recuperei a coragem. — Você pode beijar quem diabos você quiser
— eu disse finalmente. — E não é da conta de ninguém, apenas
sua.
Ela se virou, surpresa. — Você não acha que ela realmente me
ofendeu, não acha? — ela perguntou com um escárnio. — Por favor.
Tipo, eu não dou a mínima para o que alguém pensa sobre o que eu
faço.
O show foi convincente. Exceto... — Acho que todo mundo se
importa um pouco com o que as pessoas pensam. Mesmo se eles
não quiserem.
De repente, eu estava olhando para ela novamente. — Você não
me conhece muito bem, então.
— Acho que não. Se você realmente não se importa, eu tenho
inveja de você.
— Bom. Você deveria.
— Se você precisar conversar, no entanto...
— Eu vou.
— Certo — eu disse. Bem, pelo menos tentei. Talvez eu estivesse
errado. Pelo que eu sabia, Lara não gostava de beijar aquela garota
Renee do jeito que eu pensava que ela gostava. Era possível que
eu tivesse interpretado mal sua expressão na mesa do almoço
agora. Mas se eu não tivesse, então... Se eu não tivesse com quem
conversar quando estava pensando em me assumir, eu teria
enlouquecido. Eu não queria que ninguém passasse por isso se eu
pudesse evitar. Nem mesmo o parente distante da Medusa aqui.
Eu estava na metade do corredor quando olhei de volta para Lara.
Bem a tempo de vê-la espiando de volta para mim.
10

Tia Linda estava piorando dia após dia. Ela parecia estar
permanentemente vivendo em um mau momento, se você me
perguntasse. Não que alguém pergunte. Eles pararam de me dizer
coisas também. Principalmente, eu acabei de receber ordens para
tomar conta de Crista e Dylan enquanto os adultos iam resolver as
coisas dos adultos. Eu imaginei que eles pensaram que eu não
aguentaria ouvir o que estava acontecendo. Ou talvez eles
pensassem que quanto menos eu soubesse, menos chance de eu
acidentalmente contar às crianças como as coisas eram sérias.
Quem sabe? De qualquer forma, não importava o quanto eu
pressionasse meus pais, eles me mantiveram firmemente sem
saber.
De uma forma estranha, foi uma coisa boa. Se ninguém me
contasse como as coisas estavam ruins, eu ainda poderia me
enganar, era temporário. Apenas um pouquinho.
De qualquer forma, com meu papel recém-contratado como
guardião de Crista e Dylan depois da escola até a hora de dormir, eu
não tive muita chance de praticar contrabaixo. Não a sério, pelo
menos. E os caras do Absolution of the Chained eram tão sérios
quanto aparentavam. Os outros erram. Eles não me humilhariam se
eu queimasse os ensaios e deixasse todo mundo para trás, mas era
bastante óbvio que eu era o único que faria. Então, comecei a
abandonar o almoço e me enfiar na sala de música, repetindo as
falas mais complicadas várias e várias vezes até que se tornassem
uma segunda natureza.
Em um desses almoços no início de outubro, eu estava tão
concentrado no que estava fazendo que não ouvi a porta abrir. Foi
só quando, com o canto do meu olho, eu percebi algo se movendo
que notei Will. Ver alguém, ainda mais Will, quando eu não
esperava, me deu um choque tão grande que pulei na cadeira e
xinguei.
Will ergueu as sobrancelhas, divertindo-se. — Desculpe. Achei
que você tivesse me ouvido entrar.
Eurgh. Ele estava particularmente bonito hoje, e o nível estava
alto para começar. Ele usava uma camisa de manga comprida justa
que ficava entre marrom e ameixa, com calças cáqui igualmente
justas. Além disso, o cheiro doce e almiscarado de sua colônia me
alcançou do outro lado da sala. O mesmo que ele usou durante todo
o verão. Se os cheiros não acionassem memórias, eu poderia ter
sido capaz de manter meus sentimentos longe do meu rosto.
Eu balancei minha cabeça como se eu fosse uma Tela Mágica e -
meu rosto uma lousa em branco novamente - voltei a tocar baixo. —
O que você está fazendo aqui? — Perguntei.
— Juliette me disse que você estaria aqui.
Essa traidora. — Não consigo imaginar por que ela pensou que
isso é algo que você deveria saber.
— Eu perguntei a ela onde você esteve. Você desapareceu.
Continue tocando. O instrumento é muito mais interessante do
que Will jamais poderia ser.
Ele pigarreou — Eu não tinha certeza se tinha algo a ver comigo.
Posso pedir aos rapazes que fiquem longe da sua mesa, se ajudar.
Eu parei de tocar. — Não tem nada a ver com você — eu rebati.
— Não venho conseguindo praticar em casa, então tive que arrumar
algum lugar.
Will arrastou uma cadeira da parede e sentou-se ao contrário,
cruzando os braços no encosto. Certo. Ele estava se acomodando,
então. Ainda bem que ele não pediu um convite, porque eu não o
teria dado um.
— Como é que você não pode praticar em casa? — ele
perguntou.
— Crista e Dylan estão por lá todas as noites. Não tenho a
chance.
Seu rosto ficou todo suave. — Como eles estão? Tenho saudades
dessas crianças.
— Eles estão bem. — Comecei a tocar novamente. Se alguma
coisa deixasse claro que eu estava ocupado demais para falar, isso
deixaria.
— Como está sua tia? — ele perguntou gentilmente.
Eu não esperava, mas minha garganta fechou e meu coração
começou a bater forte como se estivesse tentando sair do meu
peito. Eu podia sentir o gosto da bile. Meus dedos pararam de se
mover no baixo.
Will parecia chocado. — Ela… ?
— Ela está viva — eu resmunguei.
Will me estudou. Ele tendia a manter o olhar fixo um pouco mais
do que a maioria das pessoas, mas agora era como se ele tivesse
medo de piscar. Ele parecia estar catalogando cada uma das células
da minha pele. Como se elas estivessem dizendo a ele o que eu
não diria. — Sinto muito — disse ele. Ele soou como se quisesse
dizer isso.
Por um segundo, pensei que ele fosse se levantar. Para vir até
mim? Ou ir embora? Ele não fez, no entanto.
Eu queria agradecer a ele por se importar. Eu queria dizer a ele
que realmente não tinha contado a ninguém aqui sobre tia Linda,
porque não queria que eles se sentissem desconfortáveis. Eu queria
pedir a ele para me abraçar e me convencer de que tudo ficaria
bem. — Tenha cuidado — eu disse ao invés. — Alguém pode ver
você aqui sozinho comigo. Quem sabe o que eles pensariam.
Will encolheu os ombros. — Eu duvido. Ninguém nunca desce
aqui. Nós ficaremos bem.
Resposta errada. Minha pele arrepiou de novo e voltei para o
violão.
Will suspirou. — Eu não aguento como as coisas têm sido entre
nós. Sinto muito por como agi na festa naquela noite. Eu sinto. Me
fala como posso compensar você e farei isso. — Honestamente, se
ele pensava que eu ainda estava com raiva da festa, ele estava
muito atrasado para entender porquê eu estava chateado agora.
Além disso, eu não deveria ter que pedir a ele para parar de ter
vergonha de mim. Se eu tivesse que implorar para ele me
reconhecer nos corredores, não significaria nada se ele fizesse.
Tinha que vir dele, ou então qual era o sentido?
— Está tudo bem — eu disse. — Tanto faz. Eu vim aqui para
praticar, então estou tentando me concentrar nisso.
Will acenou com a cabeça cuidadosamente, e de repente eu
queria voltar atrás. Não. Não saia. Diga algo que me faça desabar.
Diga algo para me convencer de que não devo mais me machucar.
— Vou deixar você praticar, então — ele disse em vez disso. Meus
ombros caíram. Eu não deveria ter esperado nada diferente. Afinal,
insisti para que ele fosse embora. — Se você quiser praticar à noite,
estou livre, porém, traga as crianças. Kane ainda se lembra deles e
tenho certeza que adoraria brincar com eles. Você pode usar nosso
porão ou meu quarto. Você pode ficar sozinho, se quiser.
Isso foi surpreendente. — Obrigado. Talvez.
Ele me ofereceu um sorriso tímido e fechou a porta atrás de si.

Na segunda-feira seguinte, ele apareceu na Apreciação Musical.


Tão casual quanto qualquer um, como se ele pertencesse ali.
Então, ele acomodou-se em uma mesa vazia um par de fileiras
longe de mim, e, droga, ele pertence ali. Ele deve ter se transferido.
O que diabos? Desde quando ele era o tipo de cara que tinha aulas
de música? Minha primeira reação foi ficar de cara feia. Como ele
ousa vir aqui para arruinar minha aula? Se ele se comportasse mal,
eu iria encurralá-lo após a aula e forçá-lo a se transferir novamente.
Esta aula era importante para mim. Eu não iria deixá-lo fazer disso
uma piada.
Continuei tentando chamar sua atenção durante toda a aula, mas
ele não olhou para mim nenhuma vez. Ele manteve sua atenção no
professor e no livro didático. Sem comentários, sem risos, sem
olhares irônicos pela sala de aula.
Esse era exatamente o tipo de piada que o Grande Ser Etéreo
gostava de fazer comigo para manter as coisas interessantes. Eu
poderia imaginá-lo lá em cima com dezenas de outras figuras
místicas de todas as religiões existentes, assistindo isso em uma
televisão mágica nas nuvens, rindo de si mesmas com a expressão
perplexa em meu rosto.
Depois de uma eternidade, o sino tocou. Eu sabia que Will não
queria que eu falasse com ele onde as pessoas pudessem ver, mas
eu não dei a mínima. Fui direto para ele e coloquei a mão em sua
mesa. — O que está acontecendo? — Perguntei.
Ele piscou inocentemente. — Oh, ei, Ollie. Esqueci que você faz
essa aula.
— Você não fez isso.
Will sorriu para mim. Bem, que bom que ele achou isso tão
divertido. — O conselheiro de carreira disse que eu precisava
abandonar a tutoria de colegas por uma aula com crédito. E eu
pensei: por que não isso? Isso me tornará um especialista em todas
as aplicações para a faculdade.
Eu cruzei meus braços, exasperado. — Esta aula não é um
caminho fácil, sabe. Você pode citar um período musical?
Ele balançou a cabeça, deslizando o livro na bolsa. — Achei que,
se me confundisse, teria um amigo que é muito bom em música que
poderia ajudar.
— Ah sério? Quem é esse? Presumo que seja alguém com quem
você pode ser visto? — Eu disse friamente.
Will levou um segundo para responder. — Isso mesmo. Falando
nisso, Darnell quer sentar com vocês no refeitório hoje. Ele está
totalmente interessado em Niamh, você notou? Você está saindo
daqui para praticar ou para comer?
— Eu ia comer hoje. — Na verdade, eu estava planejando
praticar, mas com certeza era isso que ele esperava ouvir. E eu não
queria dar isso a ele. Eu olhei para ele, silenciosamente desafiando-
o a me pedir para pular o almoço para que ele não precisasse se
preocupar comigo falando com ele na mesa.
— Impressionante. Vamos juntos então. — Ele se levantou, pronto
para ir.
Eu pausei. Eu entendi o que ele disse, mas não confiei nisso.
Uma parte louca e paranóica de mim até se perguntou se havia uma
câmera escondida em algum lugar. Antes de me lembrar, isso era a
vida real. — Hum…
— O quê?
“O quê?", ele perguntou. Como se ele não tivesse ficado com
tanto medo de ser visto perto de mim na semana passada, ele me
empurrou em um balde de esfregão.
Certo. Eu jogaria também. — Tudo bem. Vamos — eu disse.
O tempo todo eu esperava que ele desse uma desculpa para ir
embora. Ou me dissesse que ele estava apenas brincando. Ou,
inexplicavelmente, produzir um balde de esfregão do nada e jogá-lo
na minha frente para me atrasar enquanto ele escapava.
Mas ele não fez isso. Ele apenas me acompanhou até o refeitório,
falando sobre sua família, o time de basquete e meus amigos em
casa. Ninguém nos acusou de estar apaixonados. Nenhum buraco
negro se materializou para destruir o tecido do universo. Nós nem
mesmo provocamos um desastre natural.
O que diabos provocou essa mudança repentina?

— Ollie, seu telefone fez barulho — Crista gritou da sala de estar.


Eu estava preparando três canecas de chocolate quente na
cozinha alguns dias depois da repentina transferência de classe de
Will. Mais especificamente, eu estava segurando Dylan contra o
balcão para que ele pudesse misturar o pó ao leite. Tia Linda e tio
Roy haviam voltado do hospital mais cedo do que esperávamos,
logo depois que eu prometi às crianças algumas bebidas quentes.
Tio Roy se ofereceu para me levar para casa, mas eu não estava
com pressa. Eu tinha feito meu dever de casa durante uma
estimulante maratona de Patrulha Canina. Então ele mergulhou
direto no chuveiro. Provavelmente o primeiro em alguns dias,
considerando como ele e tia Linda estavam em momentos corridos.
— Posso tentar ler a mensagem para você? — Crista continuou
quando eu não respondi.
Mais cedo naquela noite, eu estava mandando mensagens para
Ryan sobre minha nova banda, então imaginei que fosse uma
resposta dele. — Vá em frente — eu gritei de volta.
— Ei... quer se sentar... ao meu lado... amanhã na... música? Eu
p-pro... m- ? Prometo? Mamãe, o que essa palavra diz?
Minha vida passou diante dos meus olhos, e eu separei Dylan dos
chocolates quentes com uma sacudida para que eu pudesse correr
para a sala de estar, ainda segurando-o. — N-não leia o resto, está
tudo bem, vou ler.
Crista já estava passando o telefone para tia Linda, que estava
esticada em sua poltrona sob um Snuggie azul brilhante. Tia Linda
ergueu uma sobrancelha maliciosamente e estendeu o telefone. —
E de quem é isso ? — ela perguntou.
— Ninguém. — Eu empurrei Dylan no meu quadril e peguei meu
telefone.
— É um garoto?
— Qual é.
— Por favor, Ollie, deixe-me ser a tia legal — disse tia Linda. —
Você costumava me contar tudo. Eu quero me entusiasmar.
— Sem entusiasmo.
— Vou jogar a carta do câncer.
Peguei o telefone de volta. — Eurgh, não, isso não é justo.
— Nem o câncer.
Eu a encarei, e Dylan lutou para se juntar a Crista em seu iPad.
Baixei minha voz para que Crista não ouvisse. A última coisa que eu
queria era uma re-formação do fã-clube do Will agora. — Tudo bem.
É o Will.
— Will do lago?
— Bingo.
— Oh meu Deus — tia Linda gritou. — Você não me disse que ele
mora em Collinswood.
— Ele mora em Napier, mas estuda no Colégio Collinswood.
— Ele é seu namorado?
Meu sorriso parecia um pouco dolorido. Provavelmente não tão
premiado quanto minha estréia musical como um arbusto, coloque
dessa forma. — Nah. Ele não se assumiu, então não temos muito a
ver um com o outro.
— Parece que ele quer sentar ao seu lado na aula. Isso não
parece nada.

Quarta-feira, 18h47
Ei, quer se sentar ao meu lado amanhã
na música? Eu prometo que não vou distrair
você. Achando difícil acompanhar! Eu sou
burro :(

Não me admira que ele estivesse achando difícil acompanhar. Ele


não sabia nada sobre música. Não fazia sentido para ele ter sido
transferido para a classe.
— Sim, bem, não é sério o suficiente para ele correr o risco de ser
visto sozinho comigo — eu disse, saindo do aplicativo de
mensagem. — Então, tanto faz.
Tia Linda desligou a televisão com o controle remoto. Ela falava
sério. Hora D e M, ao que parece. — Eu me lembro quando você
estava na oitava série e tinha uma queda por aquele garoto mais
velho. Qual é o nome dele mesmo?
— Ben.
— Ben. Você era louco por ele.
Com certeza eu era. Ben com a voz perfeita para cantar e olhos
verdes brilhantes. Quem não ficaria louco por Ben? Pena que Ben
era mais hétero do que uma haste de cortina. — Então?
— Então, embora você tenha me contado tudo sobre Ben, você
não contou a todos.
Claro que não. Quase ninguém sabia que eu era gay naquela
época. Eu não tinha saído do armário até a décima série. — Sim, eu
não tinha saído ainda. Eu entendi seu ponto, mas é diferente. Eu
nunca poderia ter tido Ben de qualquer maneira. Se ele tivesse me
dito que gostava de mim, eu teria feito qualquer coisa.
— Bem, talvez você estivesse pronto um pouco mais cedo do que
alguns. Você também teve uma família que o apoiava e ótimos
amigos. Nem todo mundo tem isso tão fácil.
Eu estava impassível. — Se Will gostasse de mim do jeito que eu
gostava de Ben, ele pelo menos falaria comigo em público.
— A aula de música não é pública?
— Claro, mas ele me ignorou por semanas até recentemente. Nos
corredores, no refeitório e na aula de inglês...
— Mas não na aula de música. Parece um progresso para mim. É
pequeno, mas é alguma coisa. Parece que ele está tentando.
Eurgh. Eu odiava quando os adultos faziam sentido.
— Tente não levar para o lado pessoal se ele não estiver indo tão
rápido quanto você gostaria — disse tia Linda. — Se amizade é tudo
o que ele pode lhe dar agora, não critique porque você estava
esperando por mais. Talvez, se você tiver sorte, ele esteja pronto
para outra coisa um dia. Se não, na pior das hipóteses você terá um
bom amigo em uma nova escola.
Eu pensei sobre isso, tentando encontrar as brechas em seu
argumento. Não me agradou a ideia de que Will só poderia ser um
amigo. Era porque, no fundo, eu esperava que ele magicamente
voltasse para o antigo Will durante a noite?
Tia Linda pode estar certa. Talvez eu tenha sido injusto ao colocar
esse tipo de expectativa em Will. Agora que pensei sobre isso, ele
estava tentando. Claro, ele não tinha feito o que eu queria que ele
fizesse acima de tudo - declarar seu amor por mim publicamente
nas arquibancadas em um grande número musical - mas isso não
significava que eu tinha que ignorar os passos de bebê, não é?
Mordi meu lábio e mandei uma mensagem de volta.
Você definitivamente não é burro. Podemos sentar juntos se
quiser. Vou até lhe dar um ou dois passes de distração, se você tiver
sorte.
Tia Linda me deu um sorriso cansado, mas genuíno.
11

— Para para para. Isso foi péssimo.


Parei a gravação obedientemente, mas balancei a cabeça. — Isso
foi ótimo. Qual é o problema?
Juliette abaixou seu clarinete e olhou para mim como se ela
duvidasse da legitimidade dos meus ouvidos. — Hum… Tudo. Tudo
isso é o problema. Mais uma vez, ok?
Estávamos enfurnados em seu quarto, aproveitando a luz natural
do final de outubro para filmar sua audição para o Conservatório.
Uma tarefa que estava demorando mais do que eu esperava. Tipo,
muito mais tempo. Ela tocou a peça tantas vezes que eu sabia ela
de cór e salteado. Eu tive que me impedir de cantarolar ao longo
das últimas cinco ou mais tomadas.
— Claro, mas falando sério, precisamos encerrar logo. Tenho que
estar no Lost and Found por volta das cinco e meia para a
passagem de som. — Seria meu primeiro show com a Absolution of
the Chained naquela noite. Claro, era em um bar que geralmente
estava mais vazio do que a geladeira de um estudante universitário,
mas ainda era importante. Eu não queria estragar nada, e isso
incluía chegar atrasado. Além disso, eu tinha boas razões para
esperar que houvesse pelo menos um punhado de pessoas em
nossa apresentação naquela noite. Juliette e as meninas tinham
arrastado alguns contatos na escola e Will até prometeu trazer os
caras do basquete. Claro, ele disse que era para que Darnell
pudesse ter uma chance de falar com Niamh sozinho, mas eu
apreciei de qualquer maneira.
— Ok, mais uma vez — disse Juliette, acenando para chamar
minha atenção. — Conte comigo.
Eu fiz, e ela tocou novamente do começo. Seus dedos voaram
sobre os buracos e teclas, seu olhar distante enquanto seu peito
subia e descia em um ritmo constante. Ela estava em outro lugar. O
que era promissor. Nas últimas tomadas, ela estava roubando
olhares para a câmera, até que eu prometi a ela que não era
provável que explodisse sem aviso prévio.
Cantei junto em minha cabeça até perceber que não conhecia
essa parte. Ela tinha ido mais longe do que antes. Prendi a
respiração, desejando que ela continuasse, para segurar a
sequência. Ela aguentou mais um segundo. Então outro.
Certamente a peça estava quase acabando agora. Certamente.
Então ela tocou uma nota final e expirou. Esperei por sua
confirmação, esperançoso.
— Desligue isso, Ollie. — Ela riu. — OK, Isso estava bom. De
alguma forma, eu me superei.
— Nós somos vitoriosos — eu disse, desligando a câmera com
um toque. — Acabamos. Muito bem, Valentina Lisitsa. — Valentina
Lisitsa era uma pianista que Juliette me mostrou no YouTube
algumas semanas antes, cujos dedos se moviam tão rápido que
parecia que seus vídeos estavam em velocidade dobrada. Juliette
havia tocado no canal de maneira um tanto desafiadora, dizendo
que era a prova de que alguém da Carolina do Norte poderia se
tornar um músico famoso. Que fique registrado que eu, na verdade,
nunca insinuei o contrário. Algo me disse que uma vozinha dentro
da cabeça de Juliette poderia ter dito uma ou duas vezes, no
entanto.
— Valentina é pianista.
— Tudo bem, seja pedante então. Muito bem, o equivalente para
clarinete de Valentina Lisitsa. Você está no meio do caminho para a
faculdade!
Juliette se aproximou para pegar a câmera. — Não tão rápido.
Vou ter que ter certeza de que está tudo bem antes de enviá-lo. Eu
preciso que seja perfeito.
— Dê uma olhada nisso amanhã. Se você não gostar, mande uma
mensagem e eu virei para o segundo round. Eu não tenho planos.
Juliette subiu na cama ao meu lado, ficando de pé nas cobertas
desfeitas. — Você é o melhor, Ollie-oop. Muito obrigada.
Eu me levantei e pulei no local, agarrando suas mãos. — Você
consegue. Você foi incrível.
Ela saltou algumas vezes também, explodindo em gargalhadas
nervosas. — Espero que sim. Deus, espero que sim. — Ela soltou
um pequeno grito, então jogou as mãos para cima. — Agora vamos
fazer a passagem de som, Bon Jovi.
— Bon Jovi, sério?
— Comparação mais próxima de Valentina. Vamos, Ollie-oop,
vamos, vamos, vamos. A noite é toda sobre você, começando de…
agora...
Dei um salto dramático de sua cama e curvei-me para ela quando
aterrissei. — Estou feliz em compartilhar os holofotes. Mas só com
você.
Juliette me aplaudiu, então agarrou meu braço para balançá-lo
para frente e para trás. — Will vem hoje à noite. Você está nervoso?
— Sobre Will vir? — Perguntei. — Não.
Sim.
— Ele tem falado muito sobre você no almoço.
Eu pisquei. — Mesmo?
— Sim. Coisas apenas casuais. Tipo, “Oh, Ollie pensa isso”, ou,
“Ollie me contou uma história sobre isso uma vez”. Bem, de
qualquer maneira, ele falava. Então Matt perguntou quando seria a
data do casamento. Ele não te trouxe à tona desde então, na
verdade, agora que penso sobre isso.
A infeliz dor que acompanhou a piada homofóbica foi, pela
primeira vez, ofuscada por um sentimento mais caloroso. Will estava
falando sobre mim. Quando eu nem estava lá.
Estávamos sentados um ao lado do outro na Apreciação Musical
desde sua mensagem, duas semanas antes. Cinco aulas no total.
Era fácil se dar bem com ele na aula, mas uma parte de mim
percebeu que era porque seus amigos não estavam por perto. Eu
estive discretamente apavorado o dia todo de que ele pudesse me
dar um gelo esta noite. Mesmo com a conversa estimulante de tia
Linda, não havia como eu deixar passar se ele me ignorasse
completamente. Mas se ele estivesse me reconhecendo na frente
dos caras do basquete, isso seria diferente.
Talvez pudéssemos ser amigos, afinal.

Então, algumas “poucas” pessoas acabaram se aproximando de


uma centena ou mais. Aparentemente, espalhou-se que o Lost and
Found era o lugar para estar naquela noite de sexta-feira. Eu tive
mais do que uma leve suspeita de que foram os caras do basquete.
Eu me perguntei como seria ter esse tipo de poder? Ser capaz de
decidir o que pessoas que você mal conhecia fariam com suas
vidas, apenas fazendo você mesmo?
Sayid e Emerson ficaram um pouco nervosos quando viram a
multidão. E com isso quero dizer que Sayid fez uma tentativa
genuína de desistir devido aos compromissos de lição de casa que
ele havia esquecido até aquele segundo, e Emerson estava
tremendo tanto que derramou metade de sua garrafa de água pela
frente ao tomar um gole. Izzy estava amando cada segundo disso,
no entanto. Ela passou meia hora antes do set indo e voltando para
relatar o quanto a audiência havia crescido, seus olhos brilhando.
Ela tinha bons motivos para estar animada. Ser capaz de atrair uma
multidão faria maravilhas para o representante da banda. Era
improvável que tivéssemos dificuldade em encontrar um anfitrião
para o próximo show agora. O Lost and Found provavelmente
ganharia mais com refrigerantes e lanches esta noite do que no
decorrer da semana inteira.
Antes que eu percebesse, era hora de começar nosso set.
Felizmente, Emerson e Sayid superaram seus nervos quando
estávamos no palco. Na verdade, não estava dando crédito
suficiente a Sayid. Apesar de todo o seu surto, ele pertencia ao
palco de uma forma que eu nunca vi na prática. Ele se moveu
perfeitamente entre o teclado e o microfone central, pulando pelo
lugar, juntando-se a mim e Emerson e engajando a multidão. Eu
tinha certeza de que a música era o oposto do que 99% da multidão
escolheria ouvir, mas era difícil não se divertir com Sayid.
Quanto a mim, não errei. Muito. Talvez uma ou duas notas, mas
nada perceptível. De qualquer forma, não afastei nenhuma pessoa,
então considerei isso um sucesso retumbante. Felizmente, mamãe e
papai me criaram para mirar baixo, para encorajar um
contentamento saudável em atingir o par.
Então, de repente, tudo acabou. Depois de alguns minutos
arrumando nossos instrumentos, estávamos saindo para nos juntar
à crescente multidão enquanto um DJ se preparava.
Juliette jogou os braços em volta de mim assim que eu saí. —
Ollie-oop, isso foi tão bom. Puta merda! Você é como uma estrela do
rock, você sabe disso, certo?
— Isso foi realmente ótimo, Ollie — Niamh interrompeu, tocando
meu braço. Sua voz estava mais suave do que o normal e seus
olhos pareciam pesados e cansados. O problema de sair em noite
de escola, imaginei.
— Espetacular — Lara brincou, recuando. Como sempre, não
tinha ideia se ela estava sendo sincera ou não. Provavelmente não.
Todas as meninas tomaram copos de refrigerante e Juliette me
passou um. Lara olhou para o barman e se virou para me deixar ver
seu bolso. Eu vi o flash de uma garrafa de prata. — Quer uma
coisinha para comemorar? — ela perguntou.
É claro. Eu me perguntei se eles estavam todos bebendo ou se
era apenas Lara. Não que ela fosse provavelmente a única aqui
com um frasco. — Não, obrigada — eu disse firmemente. Com
força, porque eu sabia qual seria a reação dela.
Ela revirou os olhos sem nem tentar esconder. — Por que eu
ainda me dou o trabalho? — ela murmurou para si mesma.
— Vá devagar, certo? — Juliette disse a Lara. — Eles vão nos
expulsar se você causar problema.
— Sim, mãe.
Matt e Darnell vieram conversar naquele momento, e enquanto
Lara cumprimentava Matt, Niamh balançou a cabeça para Juliette e
para mim. — Deve ser bom poder comer e beber o que você quiser,
sem nunca se exercitar e nunca ter que justificar seu estilo de vida
para ninguém.
Juliette deu de ombros, mas foi simpática. Ela e Niamh se
juntaram ao resto dos outros em uma conversa sobre o jogo da
próxima semana, enquanto eu examinava a multidão com
curiosidade. E... sim, lá estava ela, saindo perto dos banheiros com
um grupo de meninas do último ano. A ruiva com quem Lara ficou
no início do ano letivo. Renee. Eu me perguntei se Lara esperava
beijá-la esta noite. Se era por isso que ela já estava bebendo às
sete e meia.
Então percebi que Will tinha se juntado a nós e de repente fiquei
interessado na conversa novamente. Lara deu a ele um olhar
malicioso e derramou algo nas bebidas dele e de Matt, mantendo as
coisas abaixo da altura da cintura para evitar olhares errantes do
barman. Isso seria interessante. Será que Will estaria tão ansioso
para fazer as pazes comigo agora que toda a sua equipe de porta-
cartas era testemunha ativa?
— Ei, cara — Matt disse para Will, dando um tapa em seu ombro.
— Ajude-nos a resolver isso. Se você tivesse que escolher entre
ficar com um Labrador que se transformou em uma garota depois
que você parou, ou transar com uma garota que então se
transformou em um Labrador, com o qual você iria?
Will se encostou no bar e cruzou um pé sobre o outro, afastando o
cabelo da testa. Se eu fizesse isso, pareceria que estava tentando e
falhando em imitar James Dean. Will fez funcionar, no entanto. —
Que diabo de conversa eu acabei de entrar?
— Responda à pergunta.
— Hum... bem, onde está a consciência? É a ideia de que você
está beijando um Labrador no corpo de uma garota e então ele se
transforma em sua verdadeira forma? Ou é uma garota que apenas
muda de forma?
— A primeira. Na verdade, é um Labrador o tempo todo e é tipo, o
queee, surpresa!
— Sim, entendi. Quão gostosa é a garota?
— Quão gostosa é... Qual é a relevância?
— Bem, se eu vou dar uma de príncipe-sapo com um Labrador, é
melhor eu estar salvando uma garota com quem eu gostaria de
namorar.
Darnell interrompeu. — Espere, então se não for uma garota
gostosa, você apenas a deixaria ficar no corpo de um cachorro, para
sempre? Que merda.
— O quê, então você ficaria com um Labrador?
— Porra, não, eu não estou escolhendo nenhum Labrador, que
tipo de fetiche de bestialidade você acha que eu tenho?
O mesmo tipo de atitude travessa, brincalhona e fist bumping que
me irritou vindo de Will na aula era muito mais tolerável que isso. Eu
ainda achei a postura arrogante e a sobrancelha ironicamente
levantada um pouco desagradavel, mas uma parte de mim gostou
do quanto os outros caras admiravam Will, e a maneira como eles
se lançaram sobre ele no segundo que ele se juntou a o grupo. Até
me deixou com ciúmes, de certa forma. Não parecia importar o que
ele dizia, ou quão terríveis eram suas piadas, ou se ele colocava o
pé nisso, eles engoliram tudo. Era apenas sua energia. Ele era
inefavelmente carismático. A vida era tão fácil para ele.
De repente, os caras se afastaram, o paradoxo do Labrador
aparentemente resolvido para a satisfação de todos. Matt para falar
com Lara, Darnell para suspirar por uma Niamh ligeiramente
animada e os outros para irem para fora. De repente, Will e eu
ficamos sozinhos em uma sala lotada. Eu engoli, ficando vermelho.
Ele iria fingir que não me conhecia? Recuar para que ele não fosse
visto comigo? Se ele o fizesse, eu decidi, era isso. Não há mais
segundas chances.
Em vez disso, ele enfiou as mãos nos bolsos e se aproximou. —
Você é cheio de surpresas, não é?
— Como assim?
— Você parecia muito... diferente lá em cima. Tipo, relaxado e
confiante.
Eu não pude evitar, eu corei com uma pequena faísca de prazer.
— Eu parecia? Acho que estou confortável em performar. Tenho
feito isso há anos.
Ele tomou um gole de sua Coca fortificada e segurou o copo à
nossa frente. — Ei, quem você shippa mais? Darnell e Niamh ou
Lara e Matt?
Soltei um ruído desdenhoso, relaxando na conversa. Isso era
como conversar com Will na aula de música. Ou no lago com Will.
— Lara e Matt? Sem chance. Ela está interessada em outra pessoa.
— Mesmo? Quem?
Por que ele estava tão interessado? Dei de ombros. — Isso é
problema dela. Eu apostaria dinheiro nisso, no entanto. Eu percebo
as coisas.
— Sim. Eu sei que você percebe.
Matt estava encostado no bar, toda a atenção voltada para Lara.
Ele definitivamente gostava dela, qualquer um podia ver isso. Ela
estava retribuindo um pouco, com certeza. Rindo, sacudindo o
cabelo, etc. Mas ela continuou olhando ao redor da sala, como se
estivesse vigiando alguém.
Darnell e Niamh, por outro lado, haviam se afastado do grupo. Ele
deu uma risada chocada de alguma coisa e cutucou o ombro dela.
Ela esfregou o local que ele tocou com um largo sorriso, então
enrolou as pontas de seu glorioso cabelo longo ao redor de um
dedo.
— Definitivamente Darniamh — eu decidi. — Eles são inevitáveis.
— Darniamh — Will repetiu. — Isso é perfeito, não é?
— Outra razão pela qual Lara e Matt não se encaixam. O que
você pode fazer com esses nomes?
— Latt? Mara?
— Larmatt? — Eu tentei, e Will engasgou com sua bebida.
— Isso é ridículo. Parece um produto de limpeza — disse ele,
enxugando o queixo.
— Você acha? Eu pensei que era mais com algum lugar. Tipo, “ei,
eu vou te encontrar no Larmatt”.
— Vamos jogar basquete na quadra do Larmatt.
Não foi nem tão engraçado, mas começamos a rir até ficarmos
indefesos de qualquer maneira. Metade disso era eu rindo da
estupidez disso. A outra metade era porque era muito bom falar com
Will abertamente.
Quando eu me acalmei - o que levou um tempo
embaraçosamente longo, porque cada vez que eu e Will
cruzávamos os olhos, ríamos de novo, apesar dos olhares
estranhos que estávamos recebendo - me endireitei e percebi algo.
Perto do palco, a ruiva Renee - a Renee de Lara - estava parada
ao lado de um cara que eu não reconhecia. Não que isso fosse
incomum. O que era incomum era o quão perto ela estava dele.
Com a mão dela na dele. E sua bochecha encostada em seu ombro.
Essa não era a linguagem corporal de alguém que estava
flertando, ou mesmo de alguém que estava prestes a ficar com
alguém. Não, senhoras e senhores do júri, essa era
inequivocamente a linguagem corporal de alguém em um
relacionamento com alguém.
Lara não estava em lugar nenhum. Eu fiz uma varredura rápida no
bar. Niamh e Juliette não pareciam ter notado que ela havia sumido.
Embora, para ser justo, Niamh parecia ter esquecido que qualquer
outra pessoa além de Darnell estava na sala.
Talvez Lara estivesse no banheiro ou algo assim. Mas talvez não.
— Ei, eu volto em um minuto — eu disse para Will. Uma parte
aparentemente ingênua de mim queria verificar se Lara estava bem.
Por alguma razão inexplicável, eu me importei.
Bem, ela definitivamente não estava na multidão em lugar
nenhum. Ela não estava nos bastidores, ou saindo na calçada do
lado de fora como alguns outros estavam. Fiquei do lado de fora,
cruzando os braços e olhando ao redor, então decidi voltar para
dentro. No entanto, um pouco antes de fazer isso, dei a volta pela
lateral para espiar o beco. Lá estava Lara. Ela estava sentada na
beira do meio-fio, sua saia de tule rosa suave formando um halo ao
redor dela no concreto sujo e suas pernas com meias esticadas na
frente dela. Ela estava segurando a jaqueta de couro contra o peito
para se aquecer, olhando para o nada.
Sem dizer uma palavra, sentei-me ao lado dela, me jogando bem
acima do ralo de tempestade.
Ela nem olhou para mim. — Sim?
— Eu vi Renee lá. Queria ver se você estava bem.
Ela riu brevemente. — Por que eu não estaria?
— Você quer que eu soletre?
Houve um longo silêncio. Então ela acenou com a mão, suas
pulseiras de prata tilintando. — Ela que se dane. Não me importo.
— Nah. Você é melhor do que isso. Mas ainda assim, isso é uma
merda.
Lara ergueu uma perna e puxou a bota. Seu rosto se contorceu,
como se ela estivesse tentando coçar o nariz sem tocá-lo.
— Por quanto tempo vocês duas ficaram juntas? — Perguntei.
Ela suspirou, resignando-se claramente com o fato de que eu não
iria deixar isso pra lá. — Tipo, um ano, eu acho? Era só nas festas.
Não significou nada.
Eu imaginei. Daí a bebida. Porque se você pudesse culpar o
álcool, não teria que lidar com nenhuma conversa estranha. Tipo,
“eu, gay, o quê? Nah, isso é apenas um efeito colateral do álcool.
Visão embaçada, incapacidade de andar em linha reta, desejo
repentino e insaciável de despir outras garotas. Espere, isso não
acontece com todos? Esquisito."
— Você acha que isso significou alguma coisa para ela, ou...?
— Nós nunca conversamos sobre isso. Provavelmente não. Por
que você se importa, afinal? Oh, — ela disse, batendo em sua testa
com tanto exagero que ela poderia muito bem ser uma personagem
do Looney Tunes — é por causa do Will, não é?
Eu a estudei, então encolhi os ombros. — Pode ser. Isso, e eu
percebi que você não teria muitas outras pessoas com quem
conversar sobre isso.
Ela realmente relaxou com isso e fez uma careta de surpresa.
Parecia uma armadilha, mas decidi dar a ela o benefício da dúvida.
— Então, qual é o problema dele, afinal? — ela perguntou. — Ele
está fingindo que nada aconteceu ou está apenas jogando limpo?
— Não tenho certeza agora. Você disse que ele está passando
um tempo com a ex, não é? — Perguntei.
Lara deixou suas mãos caírem em seu colo. — … Eu inventei
isso. Eles não têm conversado. Não que eu saiba.
— Oh! Graças a deus. — Eu sorri. Para minha surpresa, ela sorriu
de volta, e não tinha o menor indício de Rainha Má. Eu não tinha
percebido que ela era capaz disso quando se tratava de mim.
— Você acha que ele ainda gosta de você? — ela perguntou.
— Will? Não sei. Nenhuma pista.
— ECA. Não seja essa pessoa. Descubra o inferno afora, ok?
Não suporto gente que flutua por aí, torcendo as mãos e esperando
que alguém veja como eles são especiais. Se você o quer, vá atrás
dele. Do contrário, encontre outra pessoa e certifique-se de exibir
isso na cara dele para garantir. É com certeza o que vou fazer.
Agora, esta era a Lara que eu conhecia. Mesmo que ela estivesse
zombando, ela estava zombando comigo e não de mim. Ela
balançou a cabeça, mas deu um meio sorriso ao mesmo tempo. Por
Deus, estávamos progredindo! Nesse ritmo, com uma pequena
manifestação positiva e uma pitada de gratidão consciente,
estaríamos fazendo pulseiras da amizade e inventando apertos de
mão no Ano Novo.
Passos na entrada do beco nos fizeram olhar para cima. Juliette e
Niamh nos encontraram, seus saltos batendo no concreto.
— Eu estava mandando mensagem para vocês dois — disse
Juliette. — Onde você foi?
Lara se levantou e cruzou os braços. — Não estava me sentindo
bem lá. Pode me chamar de antiquada, mas daria uma festa em
casa em vez de um grupo de colegiais se drogando com açúcar.
Meio juvenil, você não acha?
— Lara, caso você não tenha notado, esta noite não é sobre você.
Estamos aqui pelo Ollie. Você não pode fingir que se diverte por
uma hora ou mais? — Niamh disparou.
Juliette piscou, parecendo chocada. Até eu fiquei um pouco
surpreso. Niamh tinha sido muito quieta com Lara desde o grande
incidente de purê de batata de 2019, mas eu não esperava que ela
a confrontasse abertamente.
Lara e Niamh se enfrentaram. Parecia que elas poderiam cair.
Isso, ou Lara poderia até se desculpar. Em vez disso, Lara tirou o
frasco do bolso, tomou um grande gole e o entregou a Niamh. Acho
que foi um gesto de paz, mesmo que não fosse exatamente um
pedido de desculpas. — Por que fingir? — Lara perguntou.
Niamh estudou o frasco, o rosto pétreo.
— Vamos, vocês duas — eu disse em voz baixa. — Conversem
sobre isso, ou deixe para lá. Guardar rancor não vai resolver nada.
Lara cruzou os braços. — Não sou eu quem-
Juliette e eu lançamos um olhar penetrante para ela, e ela parou
no meio da frase.
Niamh suspirou, girou o frasco entre os dedos algumas vezes,
levou-o aos lábios e inclinou a cabeça para trás.
Juliette e eu nos entreolhamos com alívio. Uma trégua temporária,
selada com uma dose de vodka. Eu nem mesmo tive que
interromper uma apresentação solo de "Give Peace a Chance". Eu
contei isso como uma vitória, se é que alguma vez houve.
12

— Dylan, saia da água agora mesmo — eu disse, no que deveria


ser uma voz de “pai firme”. No entanto, tinha um toque de pânico e
provavelmente era um pouco agudo demais para causar medo no
coração de alguém. Eu estava dividido entre não querer tirar meus
olhos dele no caso de ele se afogar, e tentar assistir o que eu estava
fazendo com Crista. É difícil limpar delicadamente cerca de vinte
litros de sangue de uma ferida misteriosa sem olhar para as mãos
de vez em quando.
— Não.
— Dylan! — Então me ajude Deus.
— Quero brincar! Quero nadar!
— Ai, Ollie — Crista gritou em meio às lágrimas, empurrando
minha mão. — Pare.
— Eu tenho que tirar o sangue.
— Você está me machucando.
— Só vai doer por um segundo, eu prometo.
— Você não está limpando direito. Você não pode limpar o
sangue com um guardanapo. Vai ficar com sepse.
Bem, um guardanapo era tudo que eu tinha. E como diabos ela
sabia o que era sepse? Eu a ignorei e voltei para o lago. — Dylan
Thomson, se você não vier nos próximos cinco segundos… — Eu
não terminei a ameaça, porque eu não sabia o que era uma punição
apropriada para alguém que não tinha nem três anos. Este foi
apenas o meu terceiro dia aqui, e meu primeiro dia cuidando dos
meus primos sem um adulto por perto. Normalmente, ameaçava
agarrar a tia Linda ou o tio Roy. Mas eles haviam saído para Só-
Deus-Sabe-Onde com meus pais. Então, aqui estava eu, tentando
comandar uma ditadura enquanto meus dois cidadãos estavam
dando um golpe.
O guardanapo começou a se desfazer. Era vermelho escuro,
assim como minhas mãos, e eu estava começando a achar que ia
vomitar. O que diabos Crista fez? Devo levá-la a uma clínica? Ela
perderia a perna? Devo ligar para a tia Linda? Ou 911?
Uma sombra caiu sobre nós e, do nada, alguém estava ajoelhado
ao meu lado. — Ei — disse alguém. — Você precisa de uma mão?
Não parece que o guardanapo vai ajudá-lo.
Crista e eu erguemos os olhos como um só. Nosso anjo da
guarda era um cara da minha idade, com cabelo escuro e espesso
que crescia um pouco nas pontas, pele castanha clara e um kit de
primeiros socorros.
Eu disse algo que não lembrava nem um pouco o inglês.
— Meu pai me obriga a trazer o kit toda vez que trago Kane aqui
— disse o cara, abrindo o zíper da bolsa e remexendo em vários
lenços e bandagens. — Esse é meu irmão mais novo. Ele está bem
ali, na água. No entanto, esta é a primeira vez que o kit é útil.
Falando em estreias, esta foi a primeira vez que vi Crista calar a
boca. Ela estava olhando para o cara como se ele tivesse cavalgado
nas costas de um unicórnio. Tive a sensação desagradável de estar
olhando para ele da mesma maneira.
O cara ergueu um pacote de lenços desinfetantes. — Está tudo
bem? — ele perguntou.
A água estava molhada? O dia estava quente? Suas sardas eram
perfeitas? Claro que estava tudo bem. Nada nunca esteve tão bem
em toda a história humana. Alguém precisava escrever uma balada
sobre como isso era bom. Eu precisava de uma foto disso, para
enviar ao Oxford English Dictionary, para substituir a definição de
"bem".
Acho que consegui acenar levemente com a cabeça.
— Qual o seu nome?
Ele não estava me perguntando, infelizmente.
Crista estava totalmente solene. — Crista.
— Não é um nome bonito? Sou o Will. Crista, tudo bem se eu
limpar sua perna? Parece que deve doer muito.
Crista também conseguiu acenar levemente com a cabeça.
Will olhou para mim. — Se você quiser ir e agarrar Dylan, posso
segurar as pontas aqui por um segundo.
Espere, ele conhecia Dylan? Ele me conhece? Sempre nos
conhecemos? De repente, lembrei-me de quantas vezes gritei o
nome de Dylan na praia. Certo. Isso fazia sentido.
— Sim —, eu engasguei. — Obrigado.
Então, nós realmente olhamos um para o outro e foi como se
estivéssemos presos no lugar. Como se eu não pudesse piscar e
alguém estivesse me oferecendo um bilhete de loteria premiado.
Não foi a primeira vez que me senti assim olhando para um cara.
Mas foi talvez a primeira vez que um cara olhou para mim da
mesma maneira.
— De nada — disse ele. E sorriu.

— Ainda não entendi qual é a diferença entre maior e menor.


Eu mantive meus olhos no baixo sem interromper a dedilhação. —
Eu não estou te ouvindo.
Will fez questão de virar seu livro de cabeça para baixo e inclinar
a cabeça em um ângulo de 90 graus. Ele estava sentado em uma
das cadeiras de metal, cruzando as pernas na altura do tornozelo à
sua frente. Seu cabelo era um pouco comprido demais, caindo em
seu rosto em cachos escuros e ondulados.
— Sério, Ollie. Como você decide que uma nota é triste e outra é
feliz?
Fiz uma pausa em descrença. — Você não tem notas menores.
Você tem escalas menores e acordes.
— Mas as notas menores não são as pretas?
Agora eu me sentia tão perplexo quanto ele parecia. — Notas
pretas? Você tem sinestesia ou algo assim?
— Huh?
— Gosta de ouvir e saborear a cor?
— Não seja ridículo — disse Will, pondo-se de pé e caminhando
até o piano. Ele tocou várias notas em ordem crescente. — Nota
preta. Nota preta. Nota preta.
De repente, ele entendeu. Ele estava falando sobre teclas de
piano. Ele estava ainda mais ferrado do que eu pensava. Comecei a
rir e deixei cair meu baixo para me juntar a ele no piano. — Não,
espere. Tudo bem, essas, todas essas, são as teclas. Teclas de
piano.
Will jogou as mãos para cima, frustrado. — Bem, eu não sei!
— Claramente não. — Eu sorri. — Múltiplas notas formam
acordes. Você pode tocar um acorde em uma batida, ou teclando,
assim... — Toquei um C, E e G com um movimento rápido do pulso
— e são as notas nos acordes que o tornam maior ou menor.
Portanto, este é um acorde maior. Você pode ouvir, viu? Parece
feliz?
— Tem certeza de que não é o sintético? — Will perguntou.
— Sinestesia.
— Ba-ta-ta Ba-tah-ta. Não vejo como isso soa feliz. Apenas
parece… eu não sei. Blah.
Will não tinha exatamente o hábito de se juntar a mim na sala de
música na hora do almoço - isso provavelmente não passaria
despercebido pelos caras do basquete - mas ele me seguiu
ocasionalmente nas últimas semanas. Hoje é uma dessas ocasiões.
Ele sempre dizia aos outros que era para ter aulas particulares
comigo, e ninguém parecia muito desconfiado.
Em nossa defesa, não era exatamente uma cena de um pornô
depravado depois que fechamos a porta da sala de música. Ou,
infelizmente, até mesmo um filme pornô normal e não depravado.
Ele nunca fez qualquer tentativa de me tocar, ou sentar muito perto,
ou me lançar um elogio carregado. Nós apenas saímos,
conversando sobre música, ou a vida, ou nada. Mesmo que eu não
pudesse esquecer o fato de que ele não admitia que gostava de
ficar comigo para seus amigos, eu desisti e o deixei se juntar a mim
sempre que ele mostrava aquele sorriso. Tia Linda ficaria orgulhosa.
Entre essas visitas na hora do almoço, Apreciação Musical e
conversas ocasionais após o inglês - sempre ostensivamente para
que ele pudesse fazer uma pergunta sobre uma tarefa ou algo
assim até que seus amigos saíssem da sala de aula - estava ficando
mais fácil se ajustar à ideia de seguir seu ritmo. Eu não tinha
energia para resistir aos seus infindáveis ramos de oliveira. Mesmo
que parecessem mais com raminhos de oliveira do que com galhos,
às vezes. Além disso, me senti muito melhor em deixá-lo me
derreter do que lutar para ficar congelado.
Apesar de nossa trégua frágil, no entanto, uma parte de mim
queria pelo menos esclarecer se deveríamos ser totalmente
platônicos agora, para nos dirigir ao elefante - e mestre do ringue - e
todo o maldito circo - na sala, mas eu estava muito autoconsciente
para trazer em conta sem uma abertura. Tipo, e se ele dissesse que
eu imaginei tudo no lago e eu tinha que lidar com o fato inevitável de
que estava ficando louco aos poucos? Pode me chamar de
dramático, mas estava começando a me sentir como se tivesse
imaginado a coisa toda.
Talvez Will tenha achado isso normal, mas para mim foi super
estranho. Tipo, como você lida com ser apenas amigo de alguém
quando você tem um conhecimento profundo de qual é o gosto da
língua dela? Entre outras coisas.
Além disso, eu não queria assustá-lo. Claramente, para ele, tudo
o que aconteceu no lago era passado. Incluindo toda a sua
orientação sexual, aparentemente. Pelo menos tínhamos um ritmo
em nossas novas pantomimas de amiguinhos-sem-benefícios. Ele
não tinha me empurrado em um único balde de esfregão desde que
começamos essa dança.
Will arrastou o dedo pelas teclas do piano, de alto a baixo.
Esplêndido. Esse cara era um talento natural. — O que você vai
fazer no dia de Ação de Graças? — ele perguntou.
— Ficar em casa. Vamos receber a tia Linda e as crianças.
Provavelmente vai ser meio quieto, mas enquanto eu comer o
equivalente a meu peso corporal em couve de Bruxelas, estou feliz.
Will bateu a mão no piano, batendo as teclas.
— Espere, você o quê?
— O que?
— Couve-de-bruxelas? Isso é uma piada de mau gosto?
— Eu nunca brincaria sobre a couve-de-bruxelas. Elas são as
melhores, todas torradas, com pedaços de bacon e um pouco de
caldo… — Eu parei, sonhador. Ocorreu-me que meus sentimentos
por couve-de-bruxelas beiravam a sexualidade.
Ele piscou para mim. — Ollie, isso é péssimo. Que nojo. Se eu
soubesse que seu gosto era tão ruim, nunca teria... — Ele se
conteve e de repente se interessou pelo piano novamente. Oh, aí
estava. A abertura para falar sobre o verão. Ele estava se
enganando se pensava que eu não iria aceitar tudo isso.
— Nunca teria o quê?
— Você sabe o que.
— Cobrado meus impostos?
— Não.
— Ido em um parapente comigo?
— Nunca fomos em um parapente.
— Está na minha lista. E para ser justo, você também nunca
cobrou meus impostos. Isso era uma opção?
— Você é ridículo.
— Ah — eu disse, deixando cair minha boca aberta e, em
seguida, sussurrando — você quis dizer que nunca me deixaria
driblar suas bolas de basquete?
Will soltou um ruído que não teria soado fora do lugar vindo de um
cachorro surpreso. Ele empurrou o cotovelo para trás e para o meu
lado. — Shhh!
Eu comecei a rir, mas o sorriso sumiu do meu rosto.
Sinceramente? Não poderíamos nem mesmo discutir isso em
particular? Isso não foi um pouco dramático? — O que? — Eu
perguntei em voz alta. — Tem medo de que todas as pessoas na
sala pensem que você é gay se descobrirem que você ficou
comigo?
— Ollie, sério.
Eu recuei e joguei meus braços, girando em um círculo. — Não há
ninguém aqui, Will. Eu entendo que você não quer anunciar que me
conhecia antes da escola, mas temos que continuar fingindo que
não temos uma história quando estamos sozinhos também? Isso
está me deixando meio desconfortável. Não sei onde estamos.
Will fechou a tampa do piano e girou no banco. Tive um flashback
repentino de uma noite no lago. Não me lembrava exatamente
quando ou o que tínhamos feito naquele dia. Apenas o pôr do sol
lançando um brilho lilás sobre a água e libélulas passando por
minha cabeça enquanto eu estava na beira do cais. E Will estava
nadando na água, a cabeça e os ombros projetando-se para fora do
lago. Só na minha memória ele estava sorrindo. Na vida real, aqui e
agora, ele parecia apreensivo. Como se ele estivesse preocupado
que eu fosse machucá-lo. Se a verdade era uma arma, então talvez
eu fosse.
— Eu não queria tornar isso estranho — ele disse finalmente. —
Por que trazer isso à tona se vai ser estranho?
Hum, ai? Sim. A verdade era definitivamente uma arma. Homem
morto. — Por que deveria ser estranho? Você se arrepende?
Tivemos uma espécie de impasse então. Nós dois nos
encaramos, como se quem piscasse fosse quem realmente tinha
sentimentos. Aquele que pode se machucar. Will cedeu primeiro. —
Não. Eu não me arrependo.
— Então você poderia provar isso, por favor? — Eu pulei, quase
em cima de suas palavras.
— Hum, claro.
— Diga que me beijou — eu disse.
Juro por Deus, ele esquadrinhou a sala como se estivesse
preocupado que alguém tivesse entrado nela nos últimos trinta
segundos sem que nenhum de nós percebesse.
— Eu te beijei.
— Ele sussurra relutantemente — eu disse.
— Eu beijei você — disse Will, em voz alta desta vez.
— Várias vezes.
— Não tantas vezes quanto você me beijou — Will disse, e eu
senti a tensão quebrar. Aí estava. Esse era o Will que eu conhecia.
Ele deveria ser o mais confiante de nós, não eu.
— Eu não estava mantendo um registro — eu disse.
— Acredite em mim.
— Eu vou ter que acreditar.
Ele se levantou e veio até mim, sem quebrar o contato visual. —
Lembro-me de mais do que apenas beijar, a propósito.
— É mesmo?
Meu Deus, parecia um velho de 45 anos. É mesmo? Sério?
Mande ajuda, não consigo flertar. Uau, espere, ele deu mais um
passo para perto, e outro, e ele estava olhando para minha boca.
Olhando descaradamente para ela. De repente, tudo que eu podia
fazer era olhar para ele olhando para minha boca.
Então eu tive certeza. Ele ia me beijar.
As pessoas dizem que quando você morre, sua vida passa diante
de seus olhos. Bem, naquele exato momento, meu futuro passou
diante do meu. Will estava firme, firmemente no armário, e
obviamente não se sentia confortável com isso, ou conosco, ou com
o que tínhamos. Mesmo que ele estivesse tentando me beijar agora,
um minuto atrás ele definitivamente checou uma sala vazia para
espiões. Ele não poderia estar menos calmo com isso.
Argh, mas agora eu podia sentir o cheiro dele. Tão fortemente. E
mesmo isso me deixou tonto e fraco, e honestamente, eu teria
trocado minha própria avó pela chance de beijá-lo agora. Se eu o
beijasse, porém, o provaria novamente e estaria de volta à estaca
zero. Eu iria para casa esta noite flutuando, girando e gritando, e
esperaria que ele me mandasse uma mensagem. Mas ele -
provavelmente - não. E ele - provavelmente - ficaria todo estranho
na escola amanhã. Então haveria eu. Se aquecendo no brilho
pútrido do inferno não correspondido.
No último mês, eu mantive controle sobre as coisas. Tínhamos
um ritmo. Estava calmo. Eu não poderia desistir disso. Eu não
poderia voltar a ansiar e esperar desesperadamente, apenas para
ficar na mão. Nem mesmo por um beijo de Will.
Nem mesmo se eu realmente, realmente, realmente, ah-droga-eu-
realmente-vou-recusar-isso, realmente quisesse.
Então, me chutando o tempo todo, saltei para trás. — Você está
certo — eu disse. — Eu me lembro muito do basquete. De qualquer
forma, você pode me dar alguns minutos? Quase consegui essa
linha.
Eu me mexi para pegar meu baixo e o segurei entre nós, como se
fosse alho e Will fosse um vampiro arrasador de corações.
Mantendo meu olhar fixo em minhas mãos, voltei a tocar como se os
últimos cinco minutos não tivessem acontecido. Eu não olhei para
Will. Não, eu não olhei.
Até que eu fiz. Infelizmente, ele voltou para sua cadeira, lendo seu
livro como se nada tivesse acontecido.
Exceto que desta vez era o jeito certo. E ele inclinou seu corpo
para longe de mim.

É uma verdade indiscutível que uma das melhores coisas sobre


as férias é dormir. Esperar até que os raios de sol me tirem do
coma, se revirando na cama algumas vezes, talvez caindo no sono
uma ou duas vezes. Em seguida, rolando para fora da cama e pelo
corredor para se jogar na frente da televisão, telefone na mão, tigela
de cereal no colo, com a aula de inglês quase um sonho distante.
Na noite anterior ao Dia de Ação de Graças, me enterrei na cama
satisfeito e ansioso, sabendo que não tinha despertador na manhã
seguinte. Meu maior problema era decidir se eu escolheria Cheerios
ou Cinnamon Toast Crunch. A última coisa que me lembrei antes de
cair no sono foi decidir que combinaria os dois em uma tigela
monstro, talvez com leite com chocolate em vez do normal.
Três horas depois, fui rudemente acordado. Espiei com os olhos
turvos o quarto escuro como breu, tentando juntar as peças do que
estava acontecendo. Mão no meu ombro. Voz me dizendo para
acordar. Uma voz que não era um despertador. Mas por que eu tive
que acordar antes do sol? Não era o Dia de Ação de Graças? Eu
tinha dormido demais de alguma forma?
— …hospital. Vamos, pegue uma muda de roupa. Você não
precisa se vestir, pode dormir na cama de Roy e Linda. Rápido,
Ollie, vamos.
Foi papai. Eu cambaleei para fora da cama, e ele empurrou uma
camisa e jeans contra meu peito. Procurei meus sapatos, tentando
formar uma imagem coerente da situação em silêncio. Papai estava
murmurando para si mesmo em pânico, vasculhando minha gaveta
de cuecas. — Jesus, Ollie, por que você não junta os pares de suas
meias?
— Pegue qualquer duas. Não importa.
— Isso sim importa. Você deve dobrar suas meias. O quão
preguiçoso você é para enfiar as meias na gaveta? Você nem
mesmo lava ou seca. Tudo o que pedimos é que você mantenha
seu quarto arrumado. Um pequeno pedido-
Esfreguei a crosta dos olhos enquanto tentava recuperar o atraso.
Papai quase nunca entrava no meu quarto. Ele nunca se importou
com a aparência antes. — E daí? São apenas meias.
— Você tem dezoito anos agora, Ollie.
— Eu tenho dezessete anos.
Ele fechou a gaveta com tanta força que a lata de lápis na
cômoda tombou. — Pelo amor de Deus, Oliver.
Papai nunca praguejou. Nunca, nunca, nunca. Eu fechei minha
boca e sentei na cama, minhas bochechas queimando. Não
precisava ser um cientista de foguetes para descobrir que algo
estava acontecendo com tia Linda. Provavelmente algo pior do que
o normal. — Quem está com as crianças? — Perguntei.
— Roy está. Ele precisa ir para o hospital. Precisamos levar você
lá agora.
— Espere, eu não vou?
— Use seu cérebro, Oliver. São três da manhã. Crista e Dylan
estão dormindo.
Mas eu queria ir com os adultos. Eu não queria ficar em casa,
sem saber o que estava acontecendo. Esperando pelo pior. Mas
discutir com papai nesse estado de espírito era como pedir um
aperto de mão a uma vespa. Com algum esforço, forcei minha
cabeça a clarear e recolher as coisas que imaginei que poderia
precisar para o dia. No último segundo, me virei e peguei o
carregador do meu telefone antes de seguir papai escada abaixo.
Mamãe estava agitada com os olhos inchados e injetados de
sangue, recolhendo revistas, lenços limpos e cobertores debaixo do
braço.
— Entre no carro — meu pai gritou para mim. Como se eu de
alguma forma tivesse feito isso com tia Linda. Comecei em direção à
garagem, então hesitei. — O que? — Ele demandou.
— Um... uh... se eu dirigir meu próprio carro, poderei levar Crista
e Dylan ao hospital amanhã se precisarmos.
Papai me encarou como se eu tivesse dito a coisa mais estúpida
do mundo. Eu vasculhei minha memória para descobrir se eu tinha
feito algo para irritá-lo. Nada veio à mente.
Felizmente, mamãe veio ao resgate. — Ótima ideia, querido —
ela disse, passando por mim para jogar sua carga no banco de trás
do Honda. — Você pode nos seguir.
Eu a segui, ainda carregando minha própria pequena coleção de
coisas. Papai foi direto para o Honda, me dizendo para me apressar.
Mamãe fechou a porta dos fundos e se virou, envolvendo-me em
um forte abraço do nada. — Vai ficar tudo bem — ela sussurrou. —
Tenha pensamentos positivos para mim. Precisamos combinar
nossa energia. Somos mais fortes juntos.
— Tudo bem — eu disse. Mas era mentira. Meu cérebro já estava
preparando o filme de horrores que gostava de entregar em
momentos de crise. Tia Linda já estava morta. Tia Linda estava
sozinha no hospital, chorando pelo tio Roy sem ninguém por perto.
O corpo de tia Linda estava sob o solo com insetos se enterrando
sob suas unhas para botar ovos.
A viagem para a casa de Linda e Roy passou em uma névoa
nebulosa. Meu corpo dirigia no piloto automático enquanto minha
mente flutuava em algum lugar perto do teto do carro, gritando
“desgraça, desgraça, desgraça” como se estivesse em transe. Eu
acho que sim. Em transe.
Mamãe e papai ficaram no carro e eu troquei bastões com o tio
Roy. Ele indo ao hospital. Eu ficando com as crianças. Quebra de
equipe.
Eu me senti muito estranho dormindo na cama da tia Linda e do
tio Roy, então vasculhei seu armário de linho até encontrar um
cobertor. Eu me enrolei no sofá, afofando as almofadas duras o
melhor que pude. Então comecei a olhar para o teto. Como se eu
fosse dormir um pouco agora.
É engraçado como você pode passar semanas, ou meses, ou às
vezes até anos se preparando para um pesadelo que é mais
“quando” do que “se”. Então, enquanto você está se enganando,
achando que aceitou o fim do mundo, vai rolar com o impacto
quando ele chegar... de repente, pode estar batendo e você não
está rolando. Você está entrando em colapso, sentado onde estava,
totalmente dominado por uma perda para a qual nunca esteve
realmente pronto.
Como pude pensar que enfrentaria a perda da tia Linda? A
realidade de tudo isso me fez sentir impotente. Minha vida se
estendia diante de mim, feita de centenas de milhares de horas, que
foram feitas de milhões de minutos, que foram feitos de bilhões de
segundos. E agora, cada segundo me prendia como um entulho. Eu
teria que de alguma forma passar por todos aqueles bilhões de
segundos sem que tia Linda estivesse mais viva.
Tique.
Tique.
Tique.
13

Acordei com três chamadas perdidas e uma mensagem de texto.


Meu estômago despencou e me preparei para abrir a mensagem.

Quinta-feira, 7h16
Linda está bem. Traga as crianças
quando você puder.

Bem.
Estar bem era bom.
Saí da bolha e acordei, vesti, e alimentei as crianças. Descobri
que nenhum deles tinha ideia de que sua mãe estava no hospital, e
eu não sabia como deveria enquadrar isso. No final, eu meio que
minimizei, passando como um pequeno sinal, soando o mais alegre
que pude. O que foi um tremendo esforço, considerando que eu tive
cerca de quatro horas de sono pela minha estimativa. Felizmente
para mim, as crianças não pareciam suspeitas. Eles estavam
ocupados demais conversando sobre o que queriam no jantar de
Ação de Graças. Como a tia Linda havia prometido que faria o
gratinado de batata com pedaços de bacon, e que eles poderiam
tomar um copo de Coca-Cola se se comportassem bem.
Merda. Eu nem tinha pensado no jantar. Alguém teria que contar
às crianças que o jantar de Ação de Graças provavelmente não
aconteceria hoje. Esse alguém não seria eu, no entanto. Eu tenho
sido o portador de notícias ruins do feriado. Na verdade, decidi
naquele momento que não iria contribuir para que este dia fosse
uma merda mais do que o necessário para eles. Então, quando
Crista quis colocar seu traje de Elsa, completo com saltos
pequeninos de gatinho, embora estivessem quarenta graus lá fora,
eu deixei. E quando Dylan queria um smoothie de banana como um
café da manhã "especial", ele muito bem conseguiu um smoothie de
banana. Quem se importa, no final? A vida era curta.
No hospital, tia Linda estava deitada na cama, sustentada por
duros travesseiros de hospital brancos e pela própria cama, que era
levantada em uma das extremidades. Ela estava sem seu lenço de
cabeça. Mesmo que ela estivesse passando por quimioterapia por
um tempo, seu couro cabeludo não estava totalmente careca. Em
vez disso, alguns fios curtos de cachos que costumavam cair em
seu pescoço foram deixados para trás. Além disso, seu rosto estava
totalmente limpo. Ela nunca, e quero dizer nunca, ficou sem
maquiagem. Mesmo que fosse apenas sobrancelhas e delineador.
Nua assim, ela parecia doente com D maiúsculo.
Meus pais estavam lado a lado no sofá de dois lugares feio e
floral, e tio Roy afundou na cadeira perto da cabeça de tia Linda.
Quando ele percebeu que estávamos entrando, ele deu um sorriso
cansado para as crianças e estendeu a mão.
Crista e Dylan foram direto para a cama — Eu pensei que você
estava fazendo quimio? — Crista perguntou em uma voz tão baixa
que morri um pouco.
O sorriso de tia Linda era ainda mais exausto do que o de tio Roy.
— Feliz Dia de Ação de Graças para você também, Elsa. Eu me
senti um pouco enjoada enquanto você dormia, então viemos aqui
para me curar. Não se preocupe com isso.
— Isso dói? — Crista pressionou.
Tia Linda e tio Roy trocaram um olhar rápido, então tia Linda deu
de ombros. — Nada que eu não possa controlar. Mas, pequena
senhorita Munchkin, com licença. Onde está seu casaco? Está
congelando.
Eu segurei a bolsa das crianças. — Eu o peguei. Tênis também.
— Eu não quero tênis.
— Elsa usa tênis depois que acaba de desfilar com aqueles
saltos. — disse tia Linda.
— Ela não usa.
— Acredite em mim, ela usa. Elsa precisaria tomar um Tylenol na
hora de usar essas coisas o dia todo. Só as bolhas... E não me
deixe falar sobre a praticidade de andar no gelo com saltos. Tia
Catherine tentou uma vez. Pergunte a ela como isso acabou — Tia
Linda piscou para mamãe, que começou a rir.
— Essa é uma história para quando você for mais velha —
mamãe disse a Crista — Muito mais velha.
O resto da manhã foi relativamente calmo. As crianças tiraram
seus iPads da parede e se sentaram no chão, folheando filmes e
jogos sem reclamar. Eu não conseguia me imaginar sendo tão bem
comportado quando era pequeno, mas então, esses dois não eram
crianças normais. Dylan provavelmente não conseguia se lembrar
de uma época em que tia Linda não estivesse doente, e se Crista
pudesse, seria nebuloso. O hospital era como uma extensão de sua
casa atualmente.
Os adultos alternavam entre tentar fazer companhia a tia Linda e
usar seus próprios telefones enquanto ela tirava uma soneca. Seus
cochilos não eram realmente um sono profundo, mas sim uma
incapacidade de manter os olhos abertos por períodos de mais de
dez minutos. Uma parte de mim se perguntou se ela não preferiria
que o resto de nós a deixasse em paz, para que ela pudesse
realmente descansar pelo menos uma vez. Mas então, era o Dia de
Ação de Graças. Você não poderia abandonar sua família no Dia de
Ação de Graças, por mais que eles quisessem ser abandonados.
Por volta das onze, as crianças começaram a choramingar um
pouco — o que, em sua defesa, era um exemplo impressionante de
bom comportamento. Depois de alguns olhares suplicantes não tão
sutis de meus pais, levei as crianças escada abaixo para correr nos
jardins do hospital. Eu me sentei em um banco de madeira
ornamentado embaixo de um pé de bordo-açucareiro
chocantemente vermelho para que eu pudesse ficar de olho neles e
de olho no meu telefone.
O Snapchat era basicamente um fluxo interminável de pessoas
cozinhando e se exibindo por isso. Oba, torta de abóbora pronta
para comer, hashtag abençoada, hashtag para comer saudável,
hashtag kkkkbrincadeira. Para falar a verdade, era estranho ver as
pessoas vivendo seu dia normalmente. Tipo, porque meu Dia de
Ação de Graças foi para o espaço, deveria, de alguma forma, ir para
todos os outros também.
Nada de Will. O que estava tudo bem. Ele tinha sua própria vida.
Ele provavelmente estava ocupado com sua família, e seus amigos,
e com música, e rindo, e jogos cafonas.
Totalmente, totalmente bem.
— Ollie, podemos tirar uma selfie? — Crista surgiu de só-Deus-
sabe-onde, espiando meu telefone por cima do ombro. Dylan, como
sempre, ficou na ponta dos pés ao lado dela. Crista saltou para trás
— Você pode mostrar meu vestido a todos? — Enquanto falava, ela
tirou o sobretudo grosso. Afinal, a beleza era uma dor. — Calma,
calma. Direi quando estiver pronta. Prepare-se.
Eu trouxe o Snapchat e o coloquei voltado para a frente,
segurando o telefone o mais alto que pude para fazer os outros dois
entrarem. Crista estava agachada no chão. — Estou pronta.
— Ok, vai. — Crista se levantou naquele momento, lançando no
ar as folhas da cor do pôr do sol. Tirei a foto assim que as folhas
começaram a cair sobre nós. Dylan gargalhou ao fundo, golpeando
as folhas enquanto elas caíam, e Crista jogou um punhado em seu
rosto, gritando.
Eu coloquei a legenda da foto “melhor do que torta de abóbora”, o
que talvez fosse uma mentira e definitivamente mesquinha, e enviei
para todos menos para Will. Se Will falasse comigo, eu queria que
fosse porque ele estava pensando em mim, não porque eu o incitei.
Aparentemente, apesar de como nos tornamos platônicos, eu ainda
me preocupava em ser perseguido. Hashtag patético.
Meu telefone vibrou. Will? Que seja o Will, que seja o Will, que
seja o Will.
Não era Will. Era uma mensagem de Lara. Hah. Acho que conheço
essas crianças.
Mesmo que Lara e eu tivéssemos chegado a uma espécie de
trégua, conversar fora das situações de grupo ainda não era uma
coisa normal para nós. Eu a adicionei à lista do Snapchat, sim, mas
também enviei para cerca de cem outras pessoas. Depois de um
momento tentando descobrir se ela estava tentando me armar de
alguma forma, eu mandei de volta, eles são meus primos. Um minuto se
passou, então ela respondeu. Não brinca? Eles costumavam ir à minha
igreja.
— Ollie, estou com fome. — Dylan apareceu ao meu lado
novamente, seus olhos de cachorrinho olhando para mim.
Certo. Sim. Era hora do almoço, não era? Pensei em me oferecer
para levar as crianças ao McDonald's ou algo assim, então me
lembrei que tia Linda poderia não estar acordada para o jantar. O
que quer que fizéssemos no almoço provavelmente seria a refeição
de Ação de Graças do dia. Teríamos que nos virar. Peguei Crista e
Dylan e fui até o refeitório do hospital, bem como uma máquina de
venda automática no corredor. Quando voltamos para o quarto da
tia Linda, estávamos armados com batatas fritas, cachorros-
quentes, bolinhos de batata, lasanha, chocolate Hershey's, alguns
copos de manteiga de amendoim, uma verdadeira fatia de torta de
abóbora (a última que sobrou do refeitório) e garrafas de Coca
(insistiu Dylan).
Felizmente, tia Linda estava acordada, então pudemos juntar o
peso no meio da cama. Crista e Dylan claramente pensaram que o
conteúdo do almoço foi o maior golpe de sorte que eles já
encontraram.
Mamãe ergueu a sobrancelha para mim — Sem vegetais? — ela
perguntou enquanto pegava um cachorro-quente.
— Boa sorte em encontrar algum — Dei de ombros. — Acho que
esse é o plano de rentabilidade do hospital. Não forneça vitaminas,
então os visitantes ficam doentes e precisam ir ao hospital. Em
seguida, seus visitantes também ficam doentes. É um ciclo vicioso.
— Por que você não está comendo, mamãe? — Crista perguntou
com a boca cheia de manteiga de amendoim e chocolate.
Tia Linda ergueu a cabeça do travesseiro. Parecia que pesava
vinte quilos — Eu comi mais cedo, querida. Eu não sabia que
estávamos todos almoçando. Agora estou com ciúme!
Não pensei por um segundo que ela tinha comido antes. Mas ela
parecia um pouco verde, então não forcei.
No que se refere às refeições do Dia de Ação de Graças, eram
modestas, mas ainda assim agradáveis. Ninguém reclamou, de
qualquer forma. Mamãe, papai e tio Roy conversaram e brincaram
normalmente. Mesmo que tia Linda estivesse cansada demais para
participar, ela sorria o tempo todo. Ela mal tirou os olhos de Crista e
Dylan.
Depois que terminamos de comer, meus pais decidiram levar as
crianças para outra caminhada. Eles estavam pulando como pulgas
no pula-pula em um castelo inflável. Minha culpa. Eu esqueci o lado
negativo das indulgências de açúcar.
Fomos mergulhados em um silêncio assustador enquanto as
vozes das crianças diminuíram no corredor. Linda fechou os olhos e
presumi que ela estava se preparando para outra soneca. Então
percebi com um choque que ela estava chorando.
— Você está bem? — Eu perguntei, enquanto o tio Roy pulava
para agarrar a mão dela.
— O que dói, meu bem? — ele perguntou, mas ela o empurrou
para longe.
— Nada. Nada, desculpe. É só... eu só... — Ela enxugou os olhos
com as costas da mão e respirou fundo — Este é o máximo que eu
vou conseguir ver. Eu nunca vou ver Dyl crescer mais do que um
bebê. E Crissy em seu vestido... ela terá um vestido de baile um dia.
E eu nunca vou ver isso. Eu não estarei lá. Isso vai acontecer sem
mim.
Tio Roy parecia abalado. Desejei desesperadamente ter ido com
mamãe e papai. Parecia um momento privado. Mas não havia como
me desculpar agora sem parecer um idiota enorme.
— Não necessariamente, meu bem. Há uma chance...
Ela zombou — Roy, não.
— Há.
— Quatro por cento não é uma chance. É uma sentença — Seus
olhos se encheram de lágrimas novamente, e então ela balançou a
cabeça como um cachorro se secando. Como se ela pudesse
afastar as lágrimas. — Eu preciso que você me prometa algo. Me
prometa que você não vai deixar ninguém dizer a eles que eles não
são bonitos. Você também, Ollie.
Eu balancei a cabeça em silêncio.
A voz dela engasgou. — Disseram-me que não era bonita quando
era pequena. Mas eles são as crianças mais lindas do mundo. Eles
são inteligentes, engraçados e criativos. Não estarei aqui para
lembrá-los, então você precisa. Vocês dois. Diariamente. OK?
Nós concordamos. Tio Roy não parava de apertar a mão dela,
como se algo terrível pudesse acontecer se largasse. Ele parecia
mais do que um pouco emocionado.
Em pouco tempo, meus pais voltaram com uma Crista exausta e
Dylan desmaiado nos braços de papai. Eles acomodaram as duas
crianças no sofá para tirar uma soneca e juntaram cadeiras
individuais ao redor da sala.
— Vocês não precisam estar todos aqui — tia Linda disse
finalmente — Mesmo. Estou bem e só quero dormir.
— Você pode dormir — disse o tio Roy. — Estaremos aqui
quando você acordar.
— Não, honestamente. Se você for agora, pode fazer pelo menos
parte do jantar. Talvez não um peru, mas o resto? E você poderia
trazer um pouco de torta de batata doce para mim amanhã?
Ela tinha o mesmo tipo de aparência que tenho quando estou
buscando uma chance remota, como restos de pizza no café da
manhã ou um adiantamento na minha mesada. Sinceramente
esperançoso, mas estranhamente resignado ao mesmo tempo.
— Não vai acontecer.
— Roy, as crianças.
— Eles não sabem a diferença.
— Elas estavam ansiosas por isso durante toda a semana.
— Podemos fazer uma maquiagem quando você estiver em casa.
— Vou ficar muito cansada para cozinhar, você sabe que vou-
— Eu vou cozinhar.
— Você não sabe cozinhar. Você nem sabe o que é páprica!
Catherine precisa fazer isso. Cathy, querida, você vai...
— Não, Catherine não irá fazer isso, porque as crianças e eu
vamos ficar bem aqui. É dia de Ação de Graças. Eles devem ficar
com sua família.
— Eles ficaram aqui o dia todo, Roy. Eles estavam comigo.
Quando eles estão aqui, sinto que devo sorrir, ser enérgica e
garantir que eles não se preocupem, e tenho feito isso o dia todo.
Estou cansada. Eu só quero tirar uma soneca e assistir a um filme
ruim, reclamar e gemer sem estragar o dia deles. É um dia especial
para eles. Por favor.
Tio Roy hesitou. — Eu não vou embora.
— Cathy?
Mamãe olhou para tia Linda, depois para mim, para papai e
depois para as crianças. — Eu... Linda, eu não acho que posso. Se
eu não estivesse aqui, estaria apenas preocupada e distraída. Eu
me sinto melhor aqui.
Três dois um. Na hora, todos os adultos se viraram para mim.
Eu também não queria sair do hospital, mas tinha o mínimo direito
de ser egoísta com todos aqui. — Eu… Olha, se ajuda, estou mais
do que feliz em levar as crianças ao McDonald's. Então eu posso
trazê-los de volta aqui, ou podemos ir para casa e jogar alguns
jogos ou algo assim.
Tia Linda abriu seu primeiro sorriso do dia. — Ollie, você é a
melhor coisa que já me aconteceu. Vou te dar um pouco de dinheiro
e você pode deixar eles comerem o que quiserem, certo? Tanto faz.
Eu não me importo se eles querem um Big Mac com calda doce e
quente, eles podem ter. Sem regras hoje.

Caramba, as crianças ficam animadas com o McDonald's. Tem


que dar alguma coisa àquele palhaço, ele sabe como atingir um
público vulnerável. Qualquer outro homem de meia-idade usando
uma fantasia de palhaço e atraindo crianças com brinquedos,
música e açúcar seria preso, mas não o bom e velho Ronald.
Quando entramos no estacionamento, Crista e Dylan estavam
literalmente pulando de seus assentos. Bem, Crista estava com
certeza, já que ela sabia como destravar o cinto de segurança.
Percebi meu telefone piscando quando desliguei a ignição. A
princípio, imaginei que fosse mamãe ou tia Linda, mas... mas! Foi o
Will! Finalmente, finalmente, finalmente.
Como estão as couves de Bruxelas?
Eu verifiquei o carimbo de hora. A mensagem chegou quinze
minutos atrás. Foi um lapso de tempo razoável. Eu tirei uma foto
rápida da placa do McDonald's e enviei para ele, junto com o texto,
Não sei :(
Antes mesmo de chegar à porta dos fundos para deixar Dylan
sair, meu telefone começou a zumbir.
— Onde você está? — Will perguntou assim que eu respondi.
— Uh, McDonald's. Restaurante familiar e agradável. Já ouviu
falar?
— Por que você está no McDonald's? Sua casa pegou fogo ou
algo assim?
— Ooh, perto. Na verdade, tivemos um pequeno incidente com a
tia Linda. Todo mundo está no hospital.
— Merda. Ela esta bem?
— Sim, por enquanto. Apenas estivemos lá desde o raiar da
madrugada e as crianças estavam com fome, então... nós paramos
para comer.
Houve uma breve pausa e, em seguida: — Venha para aqui.
— O que você quer dizer? Onde você está? — O primeiro
pensamento selvagem que me veio à cabeça foi que Will também
estava no McDonald's de alguma forma.
— Minha casa. Sério, está transbordando de gente aqui, todos os
meus primos subiram. Tivemos que mudar as coisas para fora com,
tipo, três mesas. Mas nossa varanda dos fundos é fechada e temos
aquecedores, então você nem sentiria frio. Kane adoraria ver Crista.
Eu disse a ele que ela mora perto e ele sempre pede para vê-la.
Temos tanta comida, tanta coisa, é ridículo, você não tem... estou
tagarelando?
Eu sorri para mim mesmo e encostei-me na porta do carro. Por
dentro, Crista bateu contra a janela com o punho fechado — Um
pouco.
— Sim, eu imaginei que estava. Estou um pouco nervoso. Porque
não tenho certeza se você ainda me odeia um pouco — Ele riu. —
Mas se você não estiver... sério. Por favor, não diga que você está
ocupado agora que pedi que viesse, porque isso seria muito
embaraçoso para mim. Desculpe colocá-lo nessa situação, mas, é
sério.
Não havia como isso ser real. Nunca em um milhão de anos eu
esperava isso. Eu inclinei minha cabeça para trás e deixei cair no
carro. Eu queria dizer sim. Muito. — As crianças realmente queriam
McDonald's.
— Então diga a eles que você esqueceu que é ilegal comer
McDonald's no Dia de Ação de Graças. Você mal estaria mentindo.
Deveria ser ilegal.
Eurgh. Ele estava tornando tudo tão fácil. Muito fácil. — Você não
mora fora da cidade?
— Vinte minutos, no máximo. Vou mandar uma mensagem com o
endereço.
— Eu teria que verificar com meus pais.
— Eles se lembram de mim, não é? Não é como se eu fosse um
estranho.
— Ainda.
— Sim, ainda. Olha, pergunte a eles, então se você não tiver
desculpas mande-me uma mensagem para me dar o tempo
estimado de chegada, ok?
— Ok.
— Parece que você está sorrindo.
— Eu não estou. — Eu sorri.
— Vejo você em breve, então.
Ele desligou na minha cara antes que eu tivesse tempo de mudar
de ideia. Eu olhei dentro do carro. Crista encolheu os ombros para
mim, esticando suas mãos como uma atrevida de treze anos de
idade. Dylan ainda estava se contorcendo na cadeirinha do carro,
batendo as mãos nos joelhos.
Talvez se eu os subornasse com um pedido de batatas fritas para
dividir e a promessa de ver Will, eles cedessem.
Minhas chances pareciam boas.
14

— Ollie, por que não estamos mais dirigindo?


Inspire. Expire. Não morra. Esse último foi particularmente
importante. Não morra.
— Ollie?
— Sim, uh. Nós chegamos, é por isso.
— Oh. Por que você não está saindo, então?
Excelente pergunta, Crista. As crianças estavam cheias de
perguntas excelentes. Como eu poderia explicar a uma criança de
sete anos e a uma de três que estava com medo de sair para esta
rua muito escura, andar por aquela estrada muito longa e tocar a
campainha muito alta?
Talvez eu pudesse colocar de uma forma que fosse acessível a
eles? Tipo, isso é o cortisol que está inundando o sangue, que corre
nas veias, que leva ao coração, que bombeia muito rápido no peito
de alguém, que tem medo de bater na porta da casa onde o Will
mora.
Eu só tinha três opções. Opção um: voltar e dirigir todo o caminho
para casa com duas crianças irritadiças e famintas reclamando no
banco de trás. Arruinar a noite deles, deixar a tia Linda para baixo,
mas evitar ter que bater na porta de Will. Prós e contras.
Opção dois: saia e bata na porta de Will.
Opção três: sente-se aqui por mais um pouco e explique
calmamente a Crista e Dylan tudo sobre o cortisol que está
inundando o sangue que flui no...
Ok, tudo bem. Tudo bem. Eu vou fazer isso.
Dylan, que ainda estava se contorcendo em sua cadeirinha,
estendeu a mão enquanto eu o soltava e o puxava para fora. Crista
não tinha esses problemas, soltando-se e literalmente pulando na
estrada. Parte de mim se perguntou se ela saqueou a máquina de
venda automática nos bolsos e comeu no caminho. Eu já a vi fazer
coisas mais astutas - ela era capaz.
A casa de Will era praticamente um clone das casas de
Collinswood, com um grande gramado verde que encontrava
escadas que levavam a uma espaçosa varanda. A casa tinha dois
andares (é claro), e era coberta com pranchas marinhas, com
detalhes brancos nas janelas em arco de estilo vitoriano.
Ele disse que todo mundo estava comendo fora. E se eles já
tivessem começado? Eles podem não ouvir a campainha ou eu
batendo na porta. Então, como saberia quanto tempo devo esperar
antes de tentar novamente? E se Will não tivesse pedido permissão
para nós virmos, e seus pais atendessem a porta e nos mandassem
embora? Ou, pior, e se Will decidisse que não nos queria lá afinal?
Parei sob um poste de luz e coloquei Dylan de pé — Vamos
esperar aqui — eu disse — Vou enviar uma mensagem de texto
para Will, e ele virá nos buscar.
Pelo menos, eu esperava que ele fizesse. Se ele tivesse
permissão para usar o telefone na mesa de jantar, isso sim. Enviei
um rápido apelo ao Grande Ser Etéreo para que ele visse a
mensagem rapidamente. Estava muito frio, mesmo para o final de
novembro, e nossa respiração era opaca o suficiente para refletir a
luz da rua. No meu joelho, Dylan começou a resmungar antes
mesmo de eu terminar o texto.
Aparentemente, o ar frio era um bom condutor de orações, porque
Will abriu a porta da frente e desceu trotando os degraus em
segundos — O que você está fazendo parado aí? — ele perguntou
— Vamos. Está ridiculamente frio.
Will parecia com ainda mais frio do que eu, na verdade. Mesmo
com um moletom e uma jaqueta jeans, ele tinha as mãos nuas
enfiadas sob as axilas. Dylan agarrou minha mão enquanto
caminhávamos em direção à casa, mas Crista se plantou ao lado de
Will. Ela estava tão determinada a reivindicá-lo como sempre.
— Ollie disse que temos que comer fora — Crista sussurrou para
Will.
— Bem, ele está certo, mas nós temos aquecedores no quintal.
Você estará quentinha, eu prometo.
Assim que entramos na casa de Will, fomos atingidos por uma
onda de calor, acompanhada pelo cheiro tentador de carne e
temperos, e música latina animada tocando a cerca de um bilhão de
decibéis.
Os cômodos fervilhavam de gente transportando pratos e
bandejas da cozinha para o quintal. Will não estava brincando sobre
a aglomeração - ao todo devia haver cerca de cinquenta pessoas
aqui, com tias, tios e avós, junto com crianças correndo entre tudo
isso, segurando lanches do tamanho de punhos que conseguiram
roubar da cozinha. Em meio ao barulho, consegui distinguir uma
mistura uniforme de espanhol e inglês.
A Sra. Tavares, uma mulher alta que tinha as sardas de Will e
grandes olhos castanhos, saiu da cozinha lentamente carregando
uma bandeja com um pedaço de carne cozida que parecia deliciosa,
balançando de um lado para o outro no ritmo da música — Ollie —
gritou ela, levantando um pouco a bandeja para me cumprimentar —
É tão bom ver você de novo! Muito obrigado por vir esta noite.
— Não, obrigada você — eu disse — Lamento não ter trazido
nada, foi uma notícia de última hora.
— Ah, acho que vamos ficar bem — disse ela, acenando com a
cabeça para o prato em suas mãos — Poderíamos alimentar
metade da vizinhança apenas com os acompanhamentos.
— Devemos ajudar a trazer as coisas para fora? — Perguntei a
Will.
— Sob nenhuma circunstância. Honestamente, está um caos lá
dentro. Devemos apenas tentar não atrapalhar ninguém nos
próximos cinco minutos. Você chegou na hora certa, está quase na
hora do jantar.
— Estou surpreso que você ainda não tenha comido.
Will franziu os lábios em uma risada silenciosa. — Não comemos
até tarde. As primeiras horas do Dia de Ação de Graças são para
dançar, ponche crema e explicar a treze tias avós por que você não
tem namorada.
— Ponche crema?
— É como uma gemada venezuelana, mas é muito melhor.
— Álcool?
Will revirou os olhos para mim — Eu não estou bêbado. Eu só
bebi um pouco.
— Meus pais literalmente me matariam se eu bebesse.
Will me levou para fora, Crista e Dylan logo atrás — Eu bebo
vinho no jantar desde que era criança. É normal.
Do lado de fora, várias mesas estavam alinhadas na varanda,
com cadeiras espremidas sempre que possível. Imediatamente, vi o
que Will quis dizer sobre o frio. As laterais da varanda eram
protegidas por uma folha de vinil transparente removível, então,
embora um pouco de ar frio passasse por baixo da abertura na parte
inferior, estávamos protegidos do vento e do frio na maior parte do
tempo.
Um monte de assentos já estavam ocupados - a maioria por
homens - e outros assentos reservados com copos de vinho pela
metade, ou um líquido branco que eu imaginei ser o lendário ponche
crema, ou uma bolsa posta na cadeira. Luzes de fadas cintilavam
acima de nós, cintilando e serpenteando em torno das vigas e
postes, e os aquecedores externos de pé emitiam uma bem-vinda
rajada de calor para neutralizar o ar congelado que entrava
furtivamente. A maioria das pessoas sentadas à mesa tinha um tipo
de vibe do Will. Quer compartilhassem seus lábios bem definidos,
ou o formato delicado de sua mandíbula, ou seus longos dedos,
você conseguiria ver que eram parentes de sangue.
Foi como uma espiada no futuro, de um jeito oh-Deus-Ollie-é-
muito-cedo-para-pensar-sobre-o-futuro-por-favor-pare.
Will se agachou para encontrar Crista e Dylan na altura dos olhos
— Então, na minha casa temos uma mesa especial para as
crianças. Kane estará sentado lá, e alguns dos meus primos mais
novos também. Vocês se sentem confortáveis sentando com Kane?
Crista deu um aceno tímido e Dylan a copiou.
— Excelente. Vamos, vou os instalar. Gostaria de uma bebida?
Enquanto Will cuidava das crianças, eu fiquei para trás, dando um
sorriso estranho para as pessoas sentadas à mesa. Eles estavam
se perguntando quem diabos eram essas pessoas aleatórias
entrando em seu jantar de família? Devo me apresentar? Devo
esperar que Will faça isso por mim?
Will reapareceu ao meu lado — Então, a má notícia é que só
sobraram cadeiras individuais. Como você se sentiria ao conhecer
um pouco da minha família? — Eu levantei uma sobrancelha para
ele e ele zombou — Você sabe o que quis dizer.
Para ser honesto, o pensamento fez meu coração bater
nervosamente até reverberar na minha garganta. Meu apetite quase
desapareceu — Claro — eu forcei para fora, casual, casual, casual
— O que for melhor.
As mesas estavam se enchendo rapidamente de pilhas e mais
pilhas de comida, algumas familiares, outras que eu nunca tinha
visto na vida. Em uma ponta da mesa estava um peru gordo e, na
outra ponta, um prato que continha um pedaço enorme de algum
tipo de carne que parecia pegajosa e crocante por cima -
provavelmente assada lentamente, pelo jeito que a carne estava
caindo do osso. Purê de batata, arroz com ervilhas e azeitonas,
inhame glaceado, pacotinhos embrulhados em folhas de banana,
pratos de feijão, molho de mirtilo e apimentado e dezenas de
saladas.
Eu estava mentalmente começando a formar uma estratégia de
jogo - uma mordida em tudo até que descobrisse meus favoritos, e
então me concentrei nisso - quando a Sra. Tavares enrolou uma das
folhas de plástico para fornecer uma visão clara do quintal, em
seguida, saiu no gramado com Kane e duas meninas. Isso parecia
ser um sinal de que as coisas estavam ficando sérias, porque houve
uma rápida agitação enquanto todos se sentavam.
— Temos um anúncio, — disse a Sra. Tavares, abraçando-se para
se proteger do frio da noite — Esta noite, em sua primeira
apresentação como um grupo, Kane, Camila e Nayeli estarão
demonstrando uma nova rotina de líderes de torcida para o nosso
entretenimento.
Eu lancei a Will um olhar divertido do outro lado da mesa quando
uma música de Taylor Swift começou a tocar nos alto-falantes. A
família aplaudia e assobiava enquanto as crianças se lançavam em
uma coreografia básica, mas adorável, de líderes de torcida
composta principalmente de dança do quadrado, chutes baixos e
corridas em círculos. Mas, em suas defesa, tudo foi altamente
coordenado.
— Kane está se divertindo mais do que as meninas — disse um
dos homens em voz baixa para o Sr. Tavares. Pelo tom passivo-
agressivo de sua voz, parecia uma espetada — Talvez ele devesse
começar a passar mais tempo com seu irmão? No lado certo da
quadra?
Porque o papel de um menino era jogar o jogo, e eram as
meninas que deveriam encorajá-los. Certo?
O Sr. Tavares levou um dedo aos lábios — Ele é apenas uma
criança — ele assobiou — Ele vai crescer fora disso.
E se ele não quisesse? Eu me perguntei. Ele ainda seria um
homem aos olhos deles? Ou, e se Kane não se identificou como um
cara? O que então?
Sem mencionar, e se eles descobrissem que Will, por todo o
tempo que passou no “lado certo da quadra”, não era hétero?
Onde essa ideia da maneira “certa” de ser um cara ou uma garota
se encaixa na vida real?
Desviando meus olhos deles, me forcei a limpar a carranca do
meu rosto e me juntei aos aplausos de pé.
Eu meio que esperava que todos fossem ao redor da mesa
listando as coisas pelas quais eles eram gratos, como minha família
sempre fazia, mas, como Will me disse mais tarde naquela noite,
aparentemente era uma tradição da família Tavares ter uma
discussão sobre a gratidão em grupo sobre ponche crema não muito
depois de todos terem chegado. Provavelmente era o melhor,
pensei - com uma família tão grande, poderia ficar barulhento muito
rápido tentando fazer uma atividade séria no final da noite.
Enquanto os adultos começaram a se servir, as crianças foram
instruídas a trazer seus pratos para a mesa principal. Comecei a me
levantar para ajudar Crista e Dylan, mas uma das tias de Will
assumiu o papel, generosamente enchendo os pratos de ambos
com os melhores cortes de carne que ela pôde encontrar.
Crista saltou para mim com um olhar de urgência enquanto seu
prato estava sendo enchido. Ela deu um tapinha no meu ombro, em
seguida, inclinou-se para falar direto no meu tímpano — Por favor,
Ollie, você pode garantir que eu pegue um pouco de peru?
— Você vai conseguir um pouco de peru.
— Eu não quero todas aquelas outras coisas. Só o peru.
Era meio tarde para isso. O prato de Crista já tinha uma seleção
de carne, arroz e feijão, além de outras coisas extremamente
deliciosas cujo nome eu não sabia. — Basta experimentar e, se
você não gostar de algo, não precisa comê-lo. Você pode comer
mais peru mais tarde, se ainda estiver com fome.
Ela franziu o rosto e eu olhei para ela — Não seja rude.
Quanto a mim, fiquei mais do que feliz em explorar os vários
alimentos à minha frente. Só que eu não tinha uma tia prestativa
escolhendo as melhores partes, então eu apenas adivinhei quando
se tratava de carregar meu prato. Depois de muita experimentação,
cheguei à conclusão de que tinha um gosto particular por uma
espécie de salada de batata com frango, ervilha, feijão e cenoura,
todos cobertos com o molho cremoso mais delicioso que já fez um
cara salivar ao pensar em segundos. Josephina, a prima mais velha
de Will, explicou prestativamente que se chamava ensalada de
gallina, e anotei o nome no meu telefone para que pudesse
encontrá-lo e comê-lo novamente todas as noites pelo resto da
minha vida.
— Ollie?
— Hmm?
Crista estava de volta ao meu lado, segurando um prato quase
vazio — Posso ter mais uma daquelas coisas amarelas?
Coisas amarelas, coisas amarelas... havia tanta comida na nossa
frente que precisei de duas varreduras completas na mesa para
descobrir do que ela estava falando. É isso mesmo, aquelas coisas
parecidas com tamale nas folhas da bananeira eram amarelo
brilhante depois de desembrulhadas. Mas o prato estava fora do
meu alcance. Fui perguntar a Josephina, mas vacilei quando percebi
que não sabia como eram chamadas. Quer dizer, eu duvidava que
ela me julgasse, mas ainda me sentiria muito estúpido perguntando
se ela poderia passar o prato das “coisas amarelas”.
Will percebeu meu olhar perdido imediatamente. — E aí?
Ninguém parecia estar ouvindo, pelo menos — Crista queria
pegar outro daqueles... tamales?
Felizmente, ele parecia saber exatamente o que ela queria — Oh,
sim, com certeza. Venha aqui, Crista — Ele pegou o prato dela e
empilhou alguns pacotes de banana nele. — Eles são chamados de
hallacas. Parece que você não se importou tanto com a comida, não
é?
Ele disse isso com bom humor, mas eu morri por dentro de
qualquer maneira. Eu esperava que ele não tivesse ouvido os
gemidos de Crista.
— Bem, essas coisas são realmente gostosas. E o peru, e o outro
peru. O retalhado.
— Isso não é um peru. Esse é chamado pernil. É porco.
— Ah. Mas eu não gosto de carne de porco.
— Você gosta de presunto e bacon? Isso é porco.
— Ah.
— Você gostaria de mais pernil?
— Sim, por favor.
Enquanto ele a servia, Will chamou minha atenção do outro lado
da mesa e me deu um sorriso suave.
Meu estômago embrulhou.

Depois que o jantar finalmente acabou - e quero dizer, finalmente,


porque depois que aquela gigantesca pasta foi feita, um prato de
sobremesa de pudim e torta de nozes foi trazido e estava pronto
para o prato número cinco - as crianças começaram a brincar juntas
no quintal. Eu fiquei e cuidei delas por um tempo, até que Will
sugeriu que eu fizesse um tour pela casa. Eu estava relutante em
deixar Crista e Dylan sozinhos, mas não era como se eles não
tivessem supervisão. Além disso, eu tinha que admitir, estava
curioso para verificar o quarto em que Will dormia todas as noites.
— É tão limpo — eu disse maravilhado assim que entrei.
Will pairou perto da porta. — Isso é surpreendente?
— Honestamente, sim — eu disse, cruzando para a parede
oposta para examinar suas estantes.
— Por que? Eu pareço um porco?
— Não necessariamente. Mas eu vi seu quarto no lago. Para um
jogador de basquete, a mira do seu cesto de roupa suja não era tão
boa.
Houve um clique suave quando ele fechou a porta atrás de nós.
Meu corpo inteiro apertou e eu mantive meu corpo inclinado em
direção à parede para que ele não captasse minha expressão.
— Espere, então você estava me julgando durante todo o verão?
— ele perguntou.
— Sim, infelizmente. Eu não queria dizer nada porque estava
totalmente a fim de você.
— Estava? — Disse Will. Não pude saber se era uma piada ou
uma pergunta genuína. Talvez ele não quisesse que eu soubesse.
— Ei, considere-se com sorte. Hoje cedo você pensou que eu
poderia te odiar, lembra?
Ele não respondeu, então olhei para trás para ver como ele
estava. Ele estava olhando para o nada, mas deu um sorriso
forçado assim que me notou.
— Minha mãe praticamente me fez esfregar com desinfetante
esta manhã — disse ele, e demorei um pouco para perceber que ele
estava falando sobre seu quarto — Você sabe. Para o caso de todos
os visitantes quererem se reunir em meu quarto para inspecioná-lo.
— E você não está agradecido por ela ter feito isso agora? — Eu
perguntei, correndo um dedo ao longo de uma prateleira. Impecável
como a tez de Juliette.
— Muito. Não que eu esperasse que você acabasse aqui, de
todas as pessoas.
— Sim. Muito obrigado por nos convidar. Foi um dia horrível...
muito ruim. Especialmente para as crianças.
— Claro. Estou muito feliz que você veio. Então, como está sua
tia, afinal?
— Ela está bem. Ela estava acordada, falando e outras coisas.
Mas ela está muito doente agora. É difícil, sabe?
— Eu sei. Eu posso imaginar.
Caímos em um silêncio constrangedor. Eu senti que deveria estar
fazendo ou dizendo algo, mas não tinha ideia do que poderia ser.
Por que ele fechou a porta? Ele queria falar sobre nós? Ou estava
imaginando coisas?
Limpei a garganta e caminhei ao longo da parede, onde cerca de
cinquenta bilhões de troféus e medalhas se alinhavam nas
prateleiras — Então você ganhou um ou dois jogos nesse tempo —
eu disse.
— Eu acho.
— Eu me sinto inferior agora.
— O que? Não seja ridículo. Você tem sua banda.
— Tipo, sim? Eu não ganho troféus por tocar, entretanto, eu
apenas sou, você sabe, tolerado. Mas isso... você deve ser bom,
hein?
A voz de Will estava tensa — Não bom o suficiente para uma
bolsa de estudos.
Peguei um dos prêmios mais altos, uma imponente estatueta de
ouro de Michael Jordan aterrissando com uma enterrada. Bem, pelo
menos, pode ter sido Michael Jordan. Era difícil dizer porque era
sem rosto e um pouco deformado — Então, você quer tentar se
tornar um profissional?
O rangido das molas da cama me disse que Will havia se sentado
— Isso é o que todos querem que eu faça.
— OK. Mas é isso que você quer fazer?
Eu me virei para encontrar Will encolhendo os ombros no chão —
O basquete é divertido, mas não posso deixar de sentir que deveria
ser mais apaixonado por ele se quisesse me tornar um profissional.
Algo que você faz como hobby não pode ser apenas isso? Um
hobby? Tem que ser toda a sua vida?
Por que tive a sensação de que ele não estava perguntando a
última parte para mim?
— Pode — eu disse — O que você quer?
Quando ele finalmente respondeu, sua voz era baixa. —
Honestamente? Sempre quis muito ser enfermeiro.
— Sério?
— Sim. Pensei em ser médico, mas as notas para entrar são
ridículas e o que eu gosto mesmo é da prática. Tipo, ser capaz de
confortar as pessoas e ser a primeira pessoa quando estão com dor
ou se precisam de algo. Eu quero ser essa pessoa.
Sentei-me ao lado dele, o colchão afundando. Nossos ombros se
chocaram. — Você seria ótimo nisso.
Ele pareceu surpreso. — Mesmo?
— Claro. Você está sempre presente quando as pessoas estão
chateadas ou magoadas, e é você quem está tentando fazer isso
melhorar. Toda vez. É basicamente isso, só que na forma de
trabalho.
De repente, Will estava olhando para mim e meu estômago
embrulhou — Você é a primeira pessoa a dizer isso — disse ele,
pegando o troféu de mim.
— Sim?
— Sim. Todo mundo diz apenas basquete, basquete, basquete —
Curvando o lábio, ele colocou o troféu na cama atrás de nós como
se não quisesse mais olhar para ele.
— Não — eu disse. Meu peito estava apertado e minhas pontas
dos dedos zumbiam com alguma coisa. — Não se você não quiser.
Ele não falou nada. Ele apenas continuou me observando. Sua
respiração ficou mais alta. Ou talvez eu apenas tivesse sintonizado
com ele. Se eu quisesse parar com isso, teria que quebrar o contato
visual agora. Agora.
Mas eu não queria parar com isso.
Ele se aproximou cada vez mais e me beijou. No segundo que
nossos lábios se tocaram, suas mãos voaram em volta de mim,
puxando-me o mais forte que podia. Seus dedos correram pelo
cabelo da minha nuca, enviando-me quase ao frenesi, e agarrei sua
cintura sob seu suéter em resposta. Fazia tanto tempo desde que eu
o toquei, eu tinha esquecido como a pele era excessivamente
quente e macia. Ninguém na história jamais teve uma cintura mais
macia do que Will Tavares.
Ele tinha gosto de leite condensado. Ele deve ter roubado um
pouco daquela bebida de rum que os adultos estavam passando.
Como pude passar todos esses meses sem beijá-lo? Como fiquei
sem ele?
Eu nunca ficaria de novo. Nunca nunca nunca.
— Senti sua falta — ele sussurrou. Ele agarrou minha mão e
entrelaçou nossos dedos, e quando ele começou a me beijar
novamente, seu aperto ficou mais forte.
— Você... — eu comecei, mas parei com o som de uma tábua do
assoalho rangendo. Will se lançou para trás e agarrou Michael
Jordan, segurando o troféu como se fosse bem mais
inexplicavelmente interessante do que qualquer coisa que eu
poderia ter dito. Eu não tinha nenhum acessório por perto - ele tinha
roubado o meu - então apenas me sentei o mais reto que pude e me
concentrei em parecer calmo e nada excitado. Bem a tempo
também, porque o pai de Will escancarou a porta sem parar para
bater.
Em retrospectiva, posso ver como abrir uma porta fechada para
ver seu filho examinando um troféu que ele tinha durante anos,
enquanto o amigo de seu filho sentava-se desajeitadamente na
cama com postura perfeita e cabelo despenteado, poderia ter soado
um alarme para Sr. Tavares. Para seu crédito, se ele suspeitou de
algo, ele permaneceu bastante neutro — Ollie, o garotinho está
perguntando por você.
Muito bem, Dylan.
— Obrigado, Sr. Tavares — eu disse. — Nós vamos descer.
Will assentiu e colocou o troféu de volta na prateleira.
Assim que seu pai foi embora, Will se virou para mim. Por um
momento, pensei que ele pretendia me beijar de novo, mas era
apenas para acenar com a cabeça para a porta — Acho que as
crianças precisam ir para a cama logo, hein?
— Sim. É uma longa viagem de volta a esta hora da noite para
eles.
— Entendi. Bem, muito obrigado por ter vindo.
Parecia que eu estava sendo expulso sem cerimônia. Eu me
levantei e hesitei. — Ei, Will?
— Sim?
— Isso definitivamente acabou de acontecer, certo? Tipo, não
vamos fingir que não?
Ele demorou um segundo para responder, mas quando o fez, sua
expressão era travessa.
— Oh, definitivamente aconteceu. Não se preocupe com isso.
15

Havíamos vagado por um tempo, seguindo a beira do lago,


apenas conversando, antes de nos acomodarmos em frente a uma
árvore para terminar nosso sorvete. A multidão havia diminuído e eu
praticamente desapareci cerca de cinco minutos antes, o que nos
deu um pouco de privacidade.
Filetes de sorvete de menta derretido escorreram pela casquinha
de Will e por seus dedos. Ele não tentou lambê-los, nem mesmo
quando começaram a pingar em seus joelhos. Eu mexi minha colher
em volta do meu copo até fazer uma sopa de chocolate, enquanto
Will terminava a última mordida em sua casquinha. Como alguém
podia comer tão rápido sem congelar o cérebro era um mistério —
Você está coberto de sorvete — eu disse.
Ele olhou para si mesmo e tentou limpá-lo da perna. Tudo o que
ele conseguiu fazer foi espalhar em uma bagunça pegajosa ao redor
de sua coxa. — Merda. Um segundo.
Com isso, ele tirou a camisa, correu para o lago e pulou direto,
espirrando água em mim.
Ele voltou à superfície e balançou a cabeça para se secar.
— Você me encharcou — reclamei. Sem mencionar o resto do
meu sorvete, que agora era metade água do lago.
— Bem, agora que está molhado — disse ele. — Você pode muito
bem entrar.
Algo sobre a possibilidade de me despir e pular no lago com um
cara que eu mal conhecia parecia ilícito e emocionante para mim.
Mesmo que eu soubesse que era estúpido, e ele provavelmente iria
surtar se soubesse que eu estava pensando nele assim. As chances
eram muito grandes de que isso fosse completamente inocente.
Ainda assim, era divertido fingir. E com um cara tão gostoso, quem
poderia me culpar por fantasiar um pouco?
Mas então, quando minha cabeça emergiu depois de tirar minha
camisa, eu jurei que vi Will me encarando. Só por um segundo, no
entanto.
Eu pulei para dentro.
— Sabe, muitas pessoas onde eu moro não sabem nadar — disse
Will, balançando a cabeça para cima e para baixo — Eu pedi ao
meu amigo Matt para vir conosco, mas ele desistiu por causa disso.
— Acho que nunca conheci alguém que não sabe nadar — disse
eu — E se o seu avião cair no oceano?
Will começou a rir. — Essa é a sua principal preocupação?
— Bom, é verdade! Quer dizer, acho que você poderia apenas
boiar.
Ele balançou sua cabeça. — De jeito nenhum, boiar é muito mais
difícil do que nadar. Eu não consigo fazer isso de jeito nenhum.
— Sério?
— Sim. Eu nunca aprendi como.
— É fácil. Você meio que... — Eu me lancei de costas para
demonstrar.
Ele tentou me imitar e acabou caindo de costas na água como
uma baleia sem barbatana. — Eu te disse! — ele disse, inalando
água pelo nariz.
— Não, apenas tente e... sim, um pouco mais arqueado, embora -
nem tanto, mais arqueado, Will - aqui — Eu coloquei minhas mãos
na parte superior e inferior de suas costas e o coloquei em posição
— Curtiu isso?
Sua pele estava quente ao toque — Oh — ele sussurrou, antes de
engolir. — Curti isso.
Então ele rolou para voltar à posição de remar. O que o trouxe
cerca de três centímetros de distância do meu rosto.
Ele não se moveu para trás, no entanto.
Nossas pernas colidiram algumas vezes debaixo d'água. Minhas
mãos ainda estavam queimando de onde tocaram sua pele. Ele me
olhou com uma intensidade que me pegou de surpresa.
Tudo de uma vez, percebi que ele já tinha olhado assim para mim
antes.
Com exatamente essa expressão no rosto.
Eu estava começando a ter esperança quando uma de suas mãos
encontrou minha cintura e ele me beijou.

Outra quinta-feira, outro ensaio da banda.


Este também estava atrasado. A banda tinha um novo conjunto
de músicas que Izzy queria que aprendêssemos o mais rápido
possível, e não conseguimos que Sayid e Emerson concordassem
em nada, desde o tempo até as harmonias e as letras.
Não importava muito para mim se fizéssemos hora extra, no
entanto. As meninas estavam em um jogo de basquete. Eu teria ido
totalmente, mas a questão é que prefiro fio dental com arame
farpado do que assistir a uma partida de esportes ao vivo, então
recusei com pesar. Além disso, tive que pular o último ensaio da
banda para bancar a babá de emergência quando tia Linda
desenvolveu uma dor repentina no lado do corpo. Não acabou
sendo nada importante - graças a Deus - mas eu não podia garantir
que não aconteceria de novo, então não podia me dar ao luxo de
matar o ensaio em cima disso.
Estávamos praticando por cerca de uma hora quando Sayid e
Emerson deram um tempo para discutir sobre uma parte da música
- Sayid pensou que o original “você joga seus braços em volta de
mim, enquanto todas as luzes me cerca” era melhor, enquanto
Emerson estava pressionando pelo obviamente superior, "quando a
escuridão procura nos cegar, um fogo se acende dentro de nós."
Izzy, que pensava que as letras existiam apenas para complementar
uma faixa épica de bateria, decidiu ignorá-los enquanto
experimentava diferentes batidas, cantarolando o refrão para si
mesma. Eu não era capaz de me concentrar - eu estava numa
bagunça tonta e pegajosa desde o Dia de Ação de Graças - então
me sentei em um banquinho e observei os outros com um sorriso
vago. Tão vago, mesmo, que não percebi que Izzy havia parado de
tocar bateria. Até que ela jogou um Skittle na minha cabeça.
— Sobre o que você está todo sorridente? — ela perguntou —
Você parece uma princesa da Disney; pare com isso.
Eu cacei o Skittle no tapete, em seguida, coloquei na minha boca.
— Eca, eu toquei nisso — Izzy disse — Minhas mãos estão
suadas.
— Era um Skittle vermelho. Um Skittle vermelho suado vale três
Skittles verdes.
— Que tipo de fluido corporal colocaria um único Skittle vermelho
abaixo do valor líquido de um Skittle verde?
— É menos sobre o fluido corporal e mais sobre de quem vem o
fluido corporal.
Ela gargalhou. — Touché.
Emerson fez uma pausa em seu argumento o suficiente para nos
lançar um olhar fulminante. — Vocês estão realmente matando o
clima.
— Suas letras mataram o clima — Sayid murmurou — Você
transformou uma canção de amor em uma canção sobre a
derrubada do sistema.
— Ooh, eu acho que você acabou de vender a versão de
Emerson para mim — Izzy disse, acariciando seu queixo como um
supervilão. — Eu adoro derrubar sistemas.
Sayid ergueu as mãos — A sério?
— Meu voto é com Emerson também — eu disse — Me desculpe,
cara.
Sayid fez uma careta e foi pegar o teclado — Vocês nunca estão
do meu lado — disse ele.
— Eles não podem evitar se eu sou um gênio lírico — disse
Emerson.
— Ah, sim, temos um Lin-Manuel Miranda aqui.
Peguei meu telefone assim que uma mensagem chegou de
Juliette.
Ei, o jogo acabou. Estamos indo para o You Got Soft-Served, na
Rua Hamilton, se quiser vir tomar um milk-shake
Espere, então eu poderia consumir um pouco de açúcar, ver Will
novamente e apoiar um negócio local que aprecia trocadilhos? Não
é como se eu pudesse dizer não a isso agora, certo?

Todo mundo já estava lá quando cheguei. Cinco caras do


basquete formavam uma fileira de jaquetas universitárias em preto e
branco, amontoados em torno de uma cabine contra a parede.
Todos eles estavam com o cabelo úmido do banho após o jogo. O
cabelo de Will era o mais comprido de todos eles, e ele ficava
afastando-o da testa com uma mão impaciente. Ele fez uma pausa
quando percebeu que eu estava chegando, sua mão fez uma
varredura no meio, e então abaixou a cabeça com um sorriso tímido.
Em frente a eles, Lara, Niamh e Juliette estavam sentadas, já
tomando milkshakes. Juliette me chamou para sentar ao lado dela
no couro artificial azul claro. — Os caras ainda não pediram — disse
ela. — Já estamos esperando aqui há algum tempo.
— Tínhamos que nos preparar, não é? — Matt perguntou. — Você
acha que ter uma aparência tão boa acontece por acaso?
Lara ergueu uma sobrancelha. — Oh, Deus, meninas, eu acho
que é assim que eles se parecem quando estão tentando. Que
trágico. — Ela olhou para o telefone e sorriu para algo na tela. Tentei
dar uma olhada, mas ela estava muito longe.
— Então, uh, como nos saímos? — Eu perguntei em voz baixa.
Eu não estava acostumado a falar na frente dos caras do basquete.
Honestamente, eles me intimidam um pouco. Eles sempre pareciam
tão confiantes, barulhentos e críticos. Não é realmente a melhor
combinação com pessoas que não eram confiantes, barulhentas e
críticas.
Um dos caras com quem eu nunca tinha falado antes, Ethan,
começou a bater as mãos na mesa. Os outros caras se juntaram a
ele, em uma batida de quatro por quatro que ficava mais alta a cada
segundo. Exceto por Will. Will apenas cruzou os braços e recostou-
se na cadeira, parecendo muito satisfeito consigo mesmo.
Darnell saltou da cadeira e agarrou os ombros de Will — Este
homem aqui mesmo, este homem, nos ganhou o jogo.
— Estávamos empatados durante todo o jogo — acrescentou
Matt, erguendo os braços à sua frente — Então, no último tempo,
começamos a cair. Tivemos, tipo, dois minutos para passar, Will em
um contra um na lateral, ele faz o arremesso, então ele rouba o
passe de entrada e acerta outro arremesso contestado
absolutamente do nada, e de repente estamos na liderança.
Will estava sorrindo, mas não era gentil como o habitual. Era o
sorriso mais difícil e presunçoso que cruzava seu rosto sempre que
ele estava perto desses caras. Eu o tinha visto assim no refeitório
algumas vezes. Tão satisfeito consigo mesmo. Não combinava com
ele.
— Esse é o tipo de peça que estou acostumado a ver de você,
cara — disse Matt. Ele tinha o que devia ser sua voz de “capitão”.
Como um professor parabenizando um aprendiz. Tinha um tom tão
caloroso que eu poderia imaginar caras dando duro para ter Matt
falando com ele com esse tipo de apreciação em sua voz.
Darnell acenou com a cabeça — Sim, estávamos preocupados
que você pudesse ter amolecido com a gente, com todas aquelas
aulas de música — ele disse, cutucando Will. Os olhos de Will
piscaram em minha direção. Ele não estava mais sorrindo.
Matt acenou com a cabeça — Sim cara. Sem ofensa, Ollie, mas
pensamos que você estava transformando ele em um gótico ou algo
assim.
Certo. Porque eu era totalmente gótico.
— Experimente a buceta emo — acrescentou Darnell, depois
murchando com o olhar feroz de Niamh.
— Você precisava ser um porco sexista? — ela perguntou, antes
de chupar o canudo como se isso tivesse lhe causado um grande
erro. — Isso é péssimo.
Will deu uma risadinha - riu - e bateu em Darnell com um menu
enrolado — Sim, não seja um porco machista, Darnell. A
terminologia adequada é a genitália emo.
Darnell deu um tapa nele. — Isso nem faz sentido.
— E eu pareço um emo para você, espertinho? Dê-me algum
crédito.
Bem, isso era desconfortável. Não que eu me identificasse
exatamente como emo - vamos lá, não era 2007 - mas obviamente
Will não viu nenhuma diferença. E a maneira como ele torceu o
nariz com a ideia me disse muito sobre o que ele pensava de se
parecer comigo. Eu olhei para a mesa.
— Para ser honesto, Will, é uma coisa boa você não ser — disse
Lara em uma voz dura — Você não tem bunda para usar aqueles
jeans tão apertados.
Os caras caíram na gargalhada, cumprimentando um ao outro —
Droga, Lara — Matt disse, parecendo meio impressionado, meio
encantado.
Espere, Lara apenas me defendeu? Isso parecia muito diferente
dela. Mas então ela chamou minha atenção, ergueu as
sobrancelhas e passou a língua pelos dentes. Ela tinha o ar de
alguém que venceu uma batalha contra o patriarcado. Puta merda,
ela havia dito para me levantar para mim.
Eu quase teria sorrido, se não me sentisse tão vazio de repente.
Um garçom se aproximou. O resto dos caras competiam entre si
para pedir o melhor shake-shake - o shake com mais brownies,
Nutella, morangos, Oreos, manteiga de amendoim, chantilly, creme
de barbear, detergente para a roupa e seja lá o que for mais eles
adicionaram no topo.
Quando ele veio anotar meu pedido, porém, eu apenas balancei a
cabeça e pedi água. Will pareceu notar, mas não disse nada.
Juliette se inclinou para sussurrar com Niamh, então, assim que o
garçom saiu, ela se virou para os rapazes — Então, Darnell — disse
ela, enquanto Niamh alarmada balançava a cabeça para ela —
Alguém já te convidou para o baile do floco de neve?
Seus olhos foram direto para Niamh, que estava mudando para
um tom interessante de vinho. — Não… ainda. É um pouco cedo
para isso, certo?
— Nunca é muito cedo — disse Juliette.
— O que é o baile do floco de neve? — Eu perguntei, tentando
ficar quieto o suficiente para que a conversa não se tornasse sobre
mim. Mas, é claro, toda a mesa se virou para olhar para mim. Talvez
se eu falasse mais, eu teria menos atenção quando eu fizesse.
— É um baile que fazemos logo após as férias de Natal — disse
Juliette.
— O problema é que as meninas precisam pedir aos caras —
acrescentou Matt.
Huh. Parecia bastante heteronormativo. E se uma garota quisesse
perguntar a outra? Ou então.
E se ninguém me convidasse?
Oh, Deus, e se alguém convidasse?
— Sim, certo, e você, Juliette? — Darnell perguntou. — Você já
perguntou a alguém?
— Oh, eu não posso ir — ela disse alegremente. — Eu tenho uma
audição com o Conservatório neste fim de semana.
— O que? — Eu gritei. Pela primeira vez, nem me ocorreu me
sentir tímido na frente do grupo — Puta merda, mentira!
— Verdade! — Ela sorriu e agarrou minhas mãos — Acabei de
descobrir.
— Ai meu Deus! Estou tão orgulhoso de você.
Nós balançamos para cima e para baixo em nossos assentos
enquanto as garotas gritavam seus parabéns e os caras tentavam
descobrir qual era o problema.
Percebi que Will estava me olhando com um sorriso engraçado.
Minha excitação evaporou e o fogo começou a disparar do chão, e
minhas unhas se transformaram em garras para que eu pudesse
arrancar aquele sorriso de seu rosto. Como ele se atreve a me olhar
assim depois de falar merda sobre mim, bem na minha frente ?
Quando eles trouxeram o resto dos shakes, eu admito que senti
uma pontada de arrependimento por tê-los rejeitado. Eram obras de
arte feitas de chocolate, algumas delas se elevando vários
centímetros acima dos potes Mason em que eram servidos,
cobertas de chantilly, doces, purpurina comestível, flocos de ouro,
chips de hortelã, e a maioria delas regada com três meses no valor
de Nutella derretida.
E aqui estava eu com minha água.
Eurgh. Isso tudo foi culpa de Will.
Meu telefone vibrou. Eu me desliguei da conversa e verifiquei meu
telefone.
Will.
Estou indo para o estacionamento. Me encontre lá em 1,75 minutos?
Sua cadeira rangeu quando ele pulou e deu um tapinha nas
costas de Matt — Ei, eu já volto, mano.
— Seu milkshake acabou de chegar.
— Eu não posso evitar. E não se atreva a tocá-lo enquanto eu
estiver fora.
Matt sorriu. — Você sabe que não posso prometer isso.
Eu rastreei Will com o canto do meu olho. Ele se dirigiu para os
banheiros, mas então, casual como qualquer coisa, desviou para a
esquerda para sair pela porta dos fundos.
Tudo bem. É hora de fazer a contagem regressiva. Um, setenta e
cinco minutos até que eu tivesse que fazer a mesma manobra.
Inclinei-me para sussurrar para Juliette. — Volto em um segundo.
— Onde você está indo?
Sério? Sério? — Você sabe. Vai ser rápido, ah, para o...
— Oh, banheiro?
— Sim.
Ela baixou a voz ainda mais — É só que pensei que você iria
encontrar o Will como ele pediu.
Oh meu Deus, ela espiou totalmente a minha mensagem. Ou,
tipo... bisbilhotou. Qual era o equivalente visual de espionagem? Na
verdade. Irrelevante. Com toda a dignidade que pude reunir, me
levantei, dei a ela um olhar penetrante e fui para os banheiros.
Super casual, assim como Will tinha.
Então, quando cheguei lá, me virei para verificar se alguém
estava me observando. Juliette chamou minha atenção e sorriu, e
eu parei, congelado, com medo de que alguém pudesse notar ela
olhando para mim. Super não casual, exatamente o oposto de Will.
Mas o que mais havia de novo.
Eu acho que eu fiz isso fora sem qualquer outra pessoa que
Juliette pegasse. Na verdade, eu estava tão distraído com toda a
missão que rapidamente esqueci que estava meio chateado com
Will. Mas então eu o vi, encostado na parede perto da borda do
prédio com as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta, e ah, cara, eu
me lembrava.
Eu caminhei em direção a ele, os braços cruzados. — Sim?
Ele se iluminou quando me viu como costumava fazer no lago
quando eu o arrancava de seus pensamentos. De alguma forma,
isso me irritou ainda mais. Ele podia pelo menos reconhecer que eu
estava aborrecido. Ele não precisava parecer tão feliz em me ver.
— Ei, — ele disse.
— Oi.
— Você não está comendo?
Que quebra-gelo. — Não estou com fome.
Ele acenou com a cabeça e abriu a boca. Em seguida, fechou,
abriu e fechou novamente. Ele cruzou os braços contra o frio e deu
um passo de um lado para o outro. Ele parecia um dançarino
quadrado extraordinariamente melancólico. Bem, pelo menos ele
não estava mais agindo tão alegre. — Eu me sinto muito estúpido —
disse ele.
— Uh-huh.
— Deus, eu nem sei o que dizer. Simplesmente escapou. Estou
tão acostumado a agir de uma certa maneira perto dos caras, sabe?
Não sou eu, eu sei que não sou eu, mas eu sempre brinco com eles,
e eles esperam que eu diga essas coisas, então eu nem penso.
Eu não disse nada.
Ele suspirou e jogou a cabeça para trás. — Eu realmente sinto
muito — Ele olhou para mim, mas ainda não respondi. Quer dizer, o
que eu poderia dizer? Que estava tudo bem? Porque realmente não
estava. — Eu sou um idiota porque sempre fui um idiota com meus
amigos — não era realmente uma desculpa.
— Eu gosto do seu jeans, — ele tentou. — E sua música. E você
em geral, sério. Tanto que é ridículo. Não consigo parar de pensar
em você desde o Dia de Ação de Graças.
Desde o dia de Ação de Graças? Não conseguia parar de pensar
nele desde o verão. Honestamente, estava começando a parecer
que talvez desde o nascimento. Não conseguia me lembrar de uma
época em que fui capaz de escovar os dentes, fazer torradas ou
tocar violão sem o rosto de Will surgindo em minha mente como um
susto em um vídeo viral.
Mas. Ainda assim.
Ele não conseguiu parar de pensar no nosso beijo.
Isso significava que a ideia de nós - estarmos juntos,
propriamente, para que todos vissem - não era mais tão
assustadora para ele? Nosso beijo poderia tê-lo lembrado de como
era quando estávamos juntos? Definitivamente me lembrou. Talvez
ele tenha decidido que eu valia o risco.
Eu suavizei um pouquinho.
De repente, ele tirou sua jaqueta do colégio e a estendeu para
mim — Você pode usar isso? — ele perguntou. — Apenas por
alguns segundos ou algo assim?
Eu não queria olhar para isso com tanta suspeita, mas minha
mente não pôde evitar correr para ver se havia uma armadilha ou
um problema aqui. — Por que?
Ele mudou seu peso de uma perna para a outra, dando uma
pequena sacudida na jaqueta. — Eu quero ver como fica.
Pela primeira vez, eu não tive uma resposta atrevida. Cruzei os
braços sobre o peito para bloquear minhas entranhas, que tinham
derretido como manteiga. Suavidade máxima alcançada. — Sério?
No fundo do meu peito, meu coração estava batendo como se
estivesse tentando se libertar da escravidão. Com um sorriso
embaraçosamente tonto, peguei a jaqueta e a vesti. Quer dizer,
definitivamente não poderia ficar bem em mim - como um chihuahua
tentando puxar a coleira de um Dogue Alemão, eu imaginei - mas...
ok, admito, isso me fez sentir bem. Tão bem. Especial até. Tipo, não
importava que eu tivesse um surto naquela semana, ou que meu
topete não se comportasse, ou que eu nunca tivesse colocado
aparelho ortodôntico quando deveria.
Nada disso importava, porque Will queria que eu vestisse sua
jaqueta e Will me achava bonito.
Eu levantei minhas mãos desajeitadamente, os punhos das
mangas afogando meus dedos. — Sexy, estou certo? — Eu
brinquei.
Ele não riu quando acenou com a cabeça. — Fica ótimo em você.
— Ele olhou ao nosso redor para se certificar de que não havia
jogadores de basquete à espreita nas sombras, esperando para nos
pegar. Estragou o momento para mim por meio segundo, mas
então, com esse sorrisinho afetuoso que me preocupava seriamente
com a combustão espontânea, ele estendeu a mão para procurar a
minha dentro da manga esquerda. Ele enrolou seu dedo mindinho
no meu. — Eu gostaria que você pudesse usar na escola.
— Eu também.
Eu esperei por ele. Isto foi uma abertura. Ele poderia dizer "use-o
por dentro agora." Ele poderia dizer "talvez você use isso algum
dia". Se ele apenas tivesse me dado algo em que me agarrar, eu
aceitaria. Mas ele não fez isso.
De repente, a jaqueta parecia muito pesada. Comecei a tirá-la,
mas Will me impediu.
— Posso tirar uma foto? — ele perguntou.
Eu dei de ombros e esperei mal-humorado enquanto ele pegava
seu telefone. Ele o ergueu e abaixou novamente. — Posso tirar uma
foto onde não pareça que você está pensando em maneiras de me
afogar?
Eu abri um sorriso — Desculpe — eu disse, e ele franziu o nariz
para mim antes de tirar uma foto.
Assim que ele terminou, devolvi a jaqueta — Você deve voltar
antes que eles percebam há quanto tempo você está desaparecido
— eu disse.
— Sim. Espere alguns minutos antes de voltar, certo? — Ele
olhou ao nosso redor e deu um passo em minha direção. Ele
colocou a mão no meu peito e me empurrou suavemente para trás
até que eu bati na parede, e então, ainda mais suavemente,
pressionou seus lábios contra os meus.
Provavelmente foi uma coisa boa eu ter que esperar alguns
minutos antes de voltar para dentro, porque demorei quase todo
esse tempo para me recompor.
Quando voltei para a mesa, Will, que estava comendo sua sopa
de milkshake, acenou para mim. — Hum, Ollie, eu estava contando
a eles sobre outro dia na aula de música, quando a Sra. Ellison nos
mostrou aquele vídeo do YouTube.
Sentei-me com cautela — Ah sério?
— Sim. Enfim, foi a merda mais condescendente de todas, certo?
Tipo, tinha todos esses clipes de alunos do ensino médio
comparando estrelas pop a compositores clássicos. É como se
alguém dissesse à Sra. E que ela precisava tentar se 'relacionar'
mais conosco.
— Tem certeza que não foi você, Will? — Darnell perguntou.
— Eu não. Honestamente, acho as coisas clássicas muito
interessantes por si só.
— Oh, Deus, eles estão fazendo uma lavagem cerebral em você
— disse Matt, agarrando o braço de Will em desespero fingido.
Will encolheu os ombros — Ei, é melhor do que alemão. Que
linguagem inútil. Quem fala alemão aqui?
— Sim, quem precisa de uma língua estrangeira quando você
pode apenas valsar para as pessoas e cantar para elas? — Matt
perguntou, mas ele estava sorrindo. Essa era a coisa com Will.
Mesmo quando ele estava sendo provocado, todo mundo estava
sempre rindo com ele, nunca dele. Ele era a última pessoa que
deveria ter medo de ser julgado, quando você pensava nisso.
— A música é uma linguagem universal — disse Juliette.
— Viu? — Will disse, estendendo a mão — Ela entende. Vocês
estão em menor número.
— Três contra, o quê, seis? — Matt perguntou. — Você acha que
está em menor número?
Juliette olhou para a esquerda. — Lara? Niamh?
Niamh, que olhava para longe e apoiava a cabeça com uma das
mãos como se quisesse evitar que caísse no milk-shake, saltou e
voltou a se concentrar. — Hmm?
— Vamos, Lara — Matt adulou.
— Ei, eu fico com minhas garotas — disse Lara. — Se Juliette
acha que a aula de música é legal, então a aula de música é legal.
Fim de discussão.
Will compartilhou um olhar malicioso comigo, e eu não pude
deixar de sorrir para ele. Por baixo da mesa, enviei-lhe uma
mensagem.
Desculpas aceitas.
16

Daquele ponto em diante, acho que Will e eu estávamos meio que


nos vendo. Eu digo “meio”, porque nunca o rotulamos. Isso e o fato
de que ainda era um segredo maior do que os alienígenas que o
governo trancou em um depósito em algum lugar. E, vamos ser
honestos, o governo definitivamente tem alienígenas trancados em
um depósito em algum lugar. O governo está apenas sendo
recatado.
E era isso que Will e eu estávamos fazendo. Estávamos sendo
tímidos.
Porque tímido significava “mandar mensagens de texto para
alguém o dia todo, todos os dias, ligar um para o outro para ouvir
sua voz e ficar em segredo sempre que possível, o tempo todo
fingindo ser conhecido”, certo?
Sim. Estávamos sendo totalmente tímidos, então.
Este ano foi, provavelmente, a primeira vez que realmente foi uma
decepção ir às férias de inverno. Eu tinha me acostumado a ver Will
nos corredores, no refeitório, na Apreciação Musical. De repente,
tudo que eu tinha era a rede social, mensagens de texto e uma ou
duas vezes por semana que nos encontrávamos para dar um
passeio em algum lugar privado.
É por isso que, quando ele me enviou uma mensagem do nada
perguntando se eu estava livre em uma noite de sexta-feira, me
peguei ligando para tia Linda pedindo permissão para ele se juntar a
mim como babá.
Ele chegou à porta armado com Twinkies, Doritos e Pop-Tarts.
— O que é isso? — Eu perguntei quando ele entrou.
— Mamãe me mataria se eu aparecesse sem trazer nada. E eu
pensei que as crianças gostariam de comer porcarias.
— Eles estão na cama, graças a Deus — eu disse. — Se você
desse isso a eles agora, eles ficariam acordados até às seis da
manhã rolando no chão gritando canções de ninar.
— Ah. Bem, como você se sente comendo tudo isso nós mesmos,
então?
— Extremamente positivo, obviamente.
— Excelente. Além disso, eles são uma espécie de comemoração
também.
Eu parei na porta. — O que estamos comemorando?
Ele mudou no local para reajustar seu controle sobre a
recompensa das guloseimas — Eu me inscrevi no programa de
enfermagem da Universidade da Carolina do Norte.
— Sério?
— Sim. Eu estava em dúvida mas depois que conversamos sobre
isso no Dia de Ação de Graças, decidi que faria isso.
Ele parecia esperançoso. Esperançoso e suave.
— Bem, — eu disse. — Eles estariam loucos se não aceitassem
você.
Decidimos colocar um filme de terror - com o volume o mais baixo
possível - e coloquei as guloseimas na mesa de centro enquanto
Will chutava os sapatos e se sentava no sofá sob o cobertor que tia
Linda deixou lá.
Quando terminei, ele levantou o cobertor para que eu pudesse
subir ao lado dele. — Quando sua tia e seu tio voltam?
— Eles saíram para jantar. É a primeira vez que eles fazem algo
bom assim em meses, então espero que eles não tenham pressa de
voltar para casa.
Will assentiu e passou o dedo pela minha coxa. Eu estremeci. —
Como ela está?
— Umm. O de sempre. Ela parece um pouco mais cansada do
que o normal, mas ela tem tantos compromissos e outras coisas que
pode ser isso. Não sei se estou interpretando coisas ou não.
— Sim, eu sei o que você quer dizer. Mas estou feliz por ela ter
saído para algo divertido pela primeira vez. É muito legal que você
sempre se ofereça como babá.
Dei de ombros. — Ela precisa de ajuda. É para isso que estamos
aqui.
Ele acenou com a cabeça, mas parecia distante enquanto se
virava para assistir ao filme. O capuz preto grosso de sua jaqueta
estava enrolado em volta do pescoço, e ele estava mordendo o lábio
inferior. Ele tinha os lábios mais bonitos do mundo. Quando o
Grande Ser Etéreo estava montando o projeto de Will Tavares, ele
deve ter acabado de descobrir a fórmula vencedora para a forma,
espessura e proporção exatas da boca perfeita. Então ele foi e
colocou aquela boca perfeita em um mortal, apenas para se exibir.
Opa. Eu tinha ficado boquiaberto olhando para ele.
A boca perfeita se abriu um pouco. Não muito acima dele, o par
de olhos mais perfeito do mundo - cuja história de origem
provavelmente era semelhante à da boca - examinava meus
próprios lábios. Meus lábios pequenos demais, não muito definidos,
normais.
Ele tocou meu queixo — Sempre desejei poder ver dentro de sua
cabeça, — disse ele — Você sempre parece estar pensando muito
sobre uma coisa ou outra.
— Não é tão interessante — eu disse. Eu pretendia olhar em seus
olhos, mas eu estava de volta fixado em sua boca.
Ele se inclinou. — Acho você extremamente interessante.
O jeito que ele me beijou era suave, como se eu fosse feito de
papel de seda que pudesse ser rasgado com o menor movimento
repentino. Por um momento, minha mente racional disse que
deveríamos ter cuidado, que Crista ou Dylan poderiam sair para
tomar uma bebida ou algo a qualquer momento, e namorar de
plantão era um pouco anti-profissional, mesmo que fosse um dever
de família. Mas então seus dedos estavam tecendo seu caminho
através do cabelo na parte de trás da minha cabeça, e sua outra
mão estava apertando minha coxa, e - responsabilidade? Que
responsabilidade? Quem se importa? Crista e Dylan tiveram que
aprender sobre pássaros e abelhas mais cedo ou mais tarde, então
ganha-ganha, certo?
Mesmo que a primeira vez que eu o beijei tenha sido, tipo, sete
meses atrás, nenhuma das novidades tinha passado. Cada vez que
seus lábios encontravam os meus, era o primeiro beijo de novo. E
de novo, e de novo, e de novo…
Antes que eu percebesse, ouvi os créditos do filme tocando no
fundo da minha mente. Eu me afastei de Will, balançando minha
cabeça para a TV. — Já acabou?
— Parece que sim.
— Mas eu nem assisti nada.
Will inclinou a cabeça para o lado e passou a mão pela minha
coxa — Lamento distraí-lo assim.
— Você deveria — eu disse, recostando-me no sofá enquanto ele
voltava para cima de mim, batendo seus lábios contra os meus.
Então, uma chave girou na fechadura e nos afastamos um do
outro com uma fluidez que deixaria um time de ginástica olímpica
verde de ciúme.
Tia Linda e tio Roy estavam rindo quando entraram. Eles
pareciam mais leves do que eu os tinha visto nas últimas semanas.
Tia Linda sorriu quando viu Will — Will, ei, como você está? Eu não
vejo você há muito tempo.
Will ficou pálido e olhou para tia Linda por muito tempo antes de
responder. No começo eu pensei que talvez ele estivesse pirando
porque quase fomos pegos nos beijando, mas então eu percebi, não
era isso. Ele ficou apenas chocado ao ver tia Linda. A versão
magrinha, de pele cinza e desacelerada dela.
— Oi, — ele disse em uma voz fraca. — Eu estou bem. Como...
como você está?
— Eu — disse ela. — Estou fantástica. Acabamos de comer o
melhor bife de todos os tempos, neste novo lugar que acabou de
inaugurar na rua principal.
Eu tinha minhas dúvidas sobre quanto bife a tia Linda tinha
comido, devido ao seu apetite ultimamente, mas eu não ia comentar
isso.
— Bernetti Café? — Will perguntou. — Queríamos ir para lá.
— Oh, vocês deveriam. É muito romântico.
Não havia nenhuma maneira de tia Linda pensar que o "nós"
nessa frase se referia a mim e a ele - ela sabia que se Will e eu
tivéssemos tornado público ela praticamente saberia antes de mim -
então eu tive que presumir que ela estava fazendo isso para
provocar Will. Ou talvez até normalizar a ideia para ele.
Will piscou para mim. Eu me perguntei se ele estava nos
imaginando em um encontro, e se a ideia era legal ou apenas
assustadora — Bom saber — Ele disse finalmente, o que não me
deu nada para continuar. Eu teria perguntado a ele, mas de repente
fiquei com medo do que ele poderia dizer.
Will e eu nos arrumamos e partimos ao mesmo tempo. Foi só
então que percebemos que ainda não tínhamos começado a comer
nenhuma das guloseimas.
— Ela está diferente hoje em dia, hein? — Eu perguntei uma vez
que estávamos fora do alcance da voz.
— Sim. Eu sei que você disse que ela estava pior, mas era outra
coisa ver isso.
— E esta foi uma de suas boas noites.
— Deus, Ollie, sinto muito.
— Não sinta. Não. Ela está aqui, e nós aqui, e vamos continuar
avançando.
Paramos quando chegamos à porta do meu carro — Foi bom ver
você esta noite, — disse Will. — Que tal darmos um passeio
amanhã? Podemos voltar para aquele lugar na floresta.
Bem, não era um jantar à luz de velas, mas por enquanto estava
bom. Eu poderia aguentar. Especialmente considerando o quanto eu
gostei da última vez que fomos para a floresta, alguns dias antes. —
Sim. Tudo bem. Fechado.
Ele me estudou e de repente entendi o que ele queria dizer sobre
desejar poder espiar dentro da mente de alguém.
— Mal posso esperar.

— O que foi isso, exatamente?


O Sr. Theo estava de pé sobre a mesa de Will, segurando a pilha
de redações que havia marcado durante o intervalo. Ele não parecia
tão zangado quanto exasperado. Eu assisti do outro lado da classe.
O episódio quinzenal de Will vs. Mr. Theo foi como sintonizar uma
novela que você vinha acompanhando há meses. Era ruim mas o
diálogo era rápido e o drama era alto, e você não conseguia desviar
o olhar, mesmo se tivesse coisas mais importantes para fazer.
Will inclinou a cabeça para o lado. — Parece ser minha redação
para mim. Você nos pediu para entregá-las antes das férias de
inverno, não se lembra?
Matt riu no fundo da sala de aula.
— Pedi um ensaio sobre simbolismo e técnicas literárias. Você me
deu um ensaio sobre como O Senhor das Moscas é uma alegoria
para a América de Trump.
— Uma alegoria é uma técnica! Você mesmo disse isso, senhor,
na última aula.
— Uma técnica, em um ensaio que deveria discutir quatro no
mínimo. E claramente não é uma das técnicas que o autor
empregou para contar sua história, já que O Senhor das Moscas foi
escrito há aproximadamente um século.
Will olhou por cima do ombro para Matt e sorriu. — Bem, eu não
sei, Sr. Theo, talvez esse tal Golding fosse telepático.
— Você quer dizer vidente. Will, se você quiser usar uma tarefa
de casa como uma saída para um discurso político, há muitos
assuntos apropriados. Tal como está, a literatura inglesa não é uma
delas. Reescreva. Me devolva na segunda.
— Alguém é republicano, — Will murmurou sobre a campainha do
almoço, não baixinho o suficiente para não ser ouvido. O Sr. Theo
optou por ignorá-lo.
Will me lançou o olhar mais rápido enquanto saía com Matt.
Talvez para ver se eu estava rindo ou balançando a cabeça.
Honestamente, eu meio que estava fazendo as duas coisas.
Eu fui para o refeitório mais devagar, vagando enquanto pensava
sobre o caminho que Will e eu faríamos depois da escola. Ter algo
assim pela frente fez os dias parecerem muito mais rápidos.
— Niamh está mantendo um segredo — disse Juliette em uma
voz cantante quando eu finalmente me sentei à mesa do almoço.
Niamh ergueu os olhos, alarmada — Agora não.
— Por que não?
— Darnell estará aqui em, tipo, trinta segundos.
— Então diga logo.
Niamh meio que se levantou em sua cadeira para olhar os caras
do basquete, que ainda estavam enchendo suas bandejas, então
ela se sentou abruptamente e espalmou as mãos sobre a mesa. —
OK. Então paramos de falar sobre isso assim que os caras
chegarem, mas eu fui contratada pela Enchantée Models. Eu
descobri no primeiro período.
— O que? — Eu perguntei.
— Puta merda, Niamh, — Lara disse. — Sério?
— Sim, de verdade. Uma agência de verdade me queria. — Havia
um tom áspero em sua voz, mas Lara não aceitou o desafio. Ela
apenas levantou sua cerveja em uma torrada unilateral.
— E eles têm laços fortes em Nova York, — Niamh continuou, —
então eles disseram que eu poderia conseguir um casting lá algum
dia.
— Niamh, isso é incrível. — eu disse.
Niamh estava principalmente olhando para Lara, no entanto. Eu
pensei que o sangue ruim estava por trás deles, mas aparentemente
ainda não. Se Niamh estava procurando um pedido de desculpas,
porém, eu não tinha certeza se ela conseguiria um. — Além disso,
— disse ela — Decidi que não vou fazer dieta para isso.
Lara encontrou seus olhos agora. Quer dizer, ela não era burra.
Ela entendeu. Mas ela apenas esperou que Niamh continuasse.
— Não contei a vocês porque não sabia realmente como tocar no
assunto, mas descobri há pouco tempo que tenho a síndrome do
ovário policístico, — disse Niamh. — Eu estava ficando muito
doente e não perdia peso, mesmo quando fazia muito exercício,
então comia muito menos e isso me deixava muito exausta. E a
SOP pode fazer você se sentir exausto para começar, então eu
estava piorando o problema com uma dieta exagerada.
— Oh, Niamh, sinto muito em ouvir isso, — disse Juliette. —
Como você soube? Tipo, você fez o teste porque não conseguia
perder peso?
— Não. Fiz o teste porque sempre pulei... períodos — Ela baixou
a voz e seus olhos brilharam em minha direção ao dizer isso. Sua
boca torceu, e eu percebi que ela estava com vergonha de falar
sobre isso comigo ali. Eu não tinha certeza se deveria estar olhando
para longe como se não tivesse ouvido, ou algo assim, mas decidi
que seria significativamente mais estranho e me contentei em
assentir. — Tipo, eu ficaria em um mês, então nos próximos poucos
dias, ela desapareceria. E obviamente eu não poderia estar grávida.
Mas mamãe também tem, então ela teve um palpite. Acontece que
ela estava certa.
— Então, o que isso significa? — Eu perguntei. — É… tipo, é
ruim?
O que eu queria perguntar era: isso pode matar você? Mas eu
senti que essa não era a pergunta mais diplomática.
— Bem, não é incrível. Como se pudesse afetar minha fertilidade,
e será algo que terei pelo resto da vida. Mas eu vi minha mãe lidar
com isso, e é administrável com medicamentos e um estilo de vida
saudável. Devo acrescentar que é por isso que não vou mais fazer
dieta radical. Eu acho que costumava me concentrar na coisa
errada. Eu estava tão desesperado para perder peso, e era como
lutar uma batalha perdida. Mas agora meu objetivo é me exercitar
para ter força e comer as coisas certas para não me sentir tão
cansada e mal-humorada o tempo todo. Já estou correndo um risco
maior de diabetes e problemas cardíacos agora que tenho isso,
então não posso me dar ao luxo de cortar grupos de alimentos
inteiros só para perder meio quilo ou dois. Eu sei que perder peso
pode ajudar com alguns dos sintomas, mas é muito mais difícil para
pessoas com SOP. Estou trabalhando com meu médico nisso,
porém, então não preciso de ninguém me monitorando ou
comentando sobre o que eu faço ou não como.
Foi oficialmente o discurso mais longo que já ouvi Niamh dar. No
final, ela parecia triunfante, embora um pouco nervosa. Finalmente,
ela acrescentou, incerta: — Saúde é mais importante, ok?
Lara estava totalmente absorta em seu macarrão com queijo.
Quando ela finalmente olhou para cima, ela teve que enfrentar
Juliette, Niamh e eu dando a ela olhares expectantes. Ela revirou os
olhos, mas eu não perdi a vergonha que passou por seu rosto no
início — Sim, concordo com você, — disse ela a Niamh. — Boa
decisão.
Bem, foi a maior vitória que Niamh provavelmente conseguiria de
Lara. Em qualquer caso, foi o mais perto que ouvi Lara chegar de
admitir que ela estava errada. Veio bem na hora também, porque os
caras do basquete chegaram segundos depois para puxar as
cadeiras extras e lotar nossa mesa. Que nunca seja dito que os
caras do basquete não eram alas excelentes. Eles estavam
obviamente rondando como moscas de fruta para que Darnell
pudesse ver Niamh.
O grupo deles estava rindo de alguma coisa, porém, e pela
primeira vez a atenção de Darnell não estava em Niamh. Ele estava
focado em Will. Matt também, na verdade. Enquanto eles se
sentavam e alinhavam as bandejas do almoço, o resto dos caras
gravitou para ouvir a conversa, com Will no centro de tudo.
— Então, há algo acontecendo lá de novo? — Matt perguntou a
Will, sua voz toda pegajosa e provocadora.
— O que você quer dizer? — Juliette perguntou antes que eu
tivesse que fazer.
O rosto de Will tornou imediatamente óbvio que ele estava
escondendo algo de mim. Ele parecia um coelho que havia sido
teletransportado sem cerimônia para fora de sua toca e jogado
diante de uma raposa. Pego de surpresa e cheio de pavor.
Acho que fui a raposa.
Matt, totalmente alheio à tensão de Will, abriu uma lata de Coca
— Ele está indo para o baile com Jessica — ele disse de uma forma
provocante e cantada.
Bem, se essa não foi a pior música que eu já ouvi, então não sei
qual foi.
Eu não tive a intenção de olhar para Will com o nível de
desespero que eu acho que acabou no meu rosto, mas havia muito
autocontrole que um cara poderia ter quando esbofeteado com esse
tipo de notícia. Will estremeceu visivelmente quando encontrou
meus olhos e encobriu o movimento curvando-se sobre a bandeja e
enfiando macarrão com queijo na boca. — Somoos só ami-migossss
— disse ele com a boca cheia, antes de começar a ter um ataque de
tosse.
— Mmm, mas ela sabe disso? — Darnell perguntou.
Curiosamente, era exatamente isso que eu queria saber. Bem,
isso, e quem diabos Will pensava que era para esconder isso de
mim?
Eu não merecia ouvir isso dele?
Não era meu direito?
Bem, na verdade, essa foi uma boa pergunta. O problema de não
rotular algo era que o que você poderia ou não esperar era meio
cinza. Não era razoável esperar que Will me deixasse saber se ele
estava indo para um baile com outra pessoa? Ou mesmo, talvez,
para perguntar se eu estava bem com isso? Ou ele não me deve
nada, porque não era meu namorado?
Isso não foi bom.
— Se ela não souber disso, ela vai levar um choque grosseiro —
disse Will.
Darnell gargalhou. — Ouça este destruidor de corações.
Will ergueu uma sobrancelha. — Só estou dizendo para você não
perder a chance e mudar de ideia mais tarde.
— Maldição, certo — disse Matt. — Faça ela se arrepender.
— Ele nem precisa — disse Darnell — Ela vai se arrepender no
segundo em que o vir em uma gravata.
Huh. Por alguma razão, eu sempre assumi que Will terminou com
Jess, não o contrário. Isso significava que ele ainda a amava
quando eles terminaram? E há quanto tempo que eles se
separaram, de qualquer maneira? Seria possível que eu tivesse sido
algum tipo de recuperação de verão para Will superá-la? Uma
videira espessa de ciúme serpenteava em volta do meu estômago.
— E você, Ollie? — Matt perguntou, e eu voltei a prestar atenção.
— Vai para o baile?
Ele não perguntou se eu ia com alguém. Acho que ele percebeu
que a resposta era óbvia. Para ir a esse baile com um par, você
tinha que ser convidado por uma garota. Não deveria ter me
incomodado, mas minhas bochechas começaram a queimar de
qualquer maneira. Ocorreu-me que, em casa, nunca tive que me
sentir menor do que todos os outros. Minha escola nunca teria
realizado um baile que obedecesse às regras de gênero. Eu estaria
na mesma posição que todo mundo - me perguntando se alguém
me convidaria, ou talvez descobrindo se eu queria ser convidado.
Mas a questão era que, na minha antiga escola, ninguém teria
assumido que eu não tinha um encontro para algo por causa da
minha sexualidade.
Bem, talvez eles presumissem que eu não tinha um par porque eu
era um introvertido super desajeitado que passou todo o décimo
primeiro ano com um corte de cabelo que me fazia parecer uma
criança que brincava com uma tesoura, mas isso era válido. Pelo
menos isso foi, tipo, rejeição de oportunidades iguais.
Eu estava muito ocupado corando na mesa para notar Lara se
inclinar para frente a princípio. Então ela disse: — Eu convidei ele —
e eu voltei direto ao presente.
Perdão? Ela me convidou? Eu estava dormindo na hora? Porque
eu com certeza não me lembrava disso. Talvez ela tenha sussurrado
do lado de fora da porta enquanto eu praticava baixo na sala de
música ou algo assim.
Fiquei atordoado, mas não tão atordoado que perdi a queda de
rosto de Matt. — Sério?
Lara esfaqueou seu macarrão com queijo. — Sério. Ele dança
melhor do que a maioria dos caras aqui, e estou planejando levá-lo.
Ficamos ótimos nas fotos do pré-baile, não acham?
O problema com o tipo particular de ironia de Lara era que você
nunca conseguia dizer se ela estava brincando com você ou não.
Os caras pareciam concordar; Matt meio que sorriu, depois franziu a
testa e sorriu com as sobrancelhas franzidas — Bem, se você está
planejando levá-lo, então terei que ter certeza de que apareço para
verificar por mim mesmo — ele disse finalmente.
Suave. Resposta segura.
Definitivamente parecia que ele queria que Lara perguntasse a
ele, no entanto. Ou talvez eu estivesse imaginando isso.
— Você não gostaria de perder isso, Patterson — disse ela, e
Matt realmente mordeu o lábio inferior enquanto mantinha contato
visual com ela. Tive a estranha sensação de que Matt iria imaginá-la
dizendo isso enquanto beijava seu travesseiro ou algo assim
naquela noite.
— Então, de qualquer maneira, — Will disse sem olhar para mim
— Esse novo filme da Marvel será lançado neste fim de semana.
Alguém disponível?
— O quê, você quer ir ao cinema com a gente? — Matt perguntou
— Tem certeza que não quer apenas ir com a Jess?
Em algum lugar dentro de mim, uma nuvem negra de ira, raiva e
indignação começou a torcer meus intestinos em nós de marinheiro.
— Tenho. — disse Will.
— Além disso, desde quando pagamos filmes? — Darnell
perguntou com a boca cheia de salada.
— Exatamente, — disse Will — Meus pais acabaram de comprar
uma TV nova, é, tipo, setenta e cinco polegadas ou algo ridículo.
Poderíamos transmiti-lo.
— Estamos convidadas? — Perguntou Niamh.
Darnell se iluminou. — Si-
— Desculpe, — Will interrompeu — Noite de rapazes apenas.
— Então, Ollie está convidado? — Lara perguntou com um olhar
aguçado.
Bem, pela expressão no rosto de Will, você teria pensado que ela
sugeriu queimar o lugar em um ritual satânico louco, uma vez que o
filme acabou.
— Parece meio rude trazer isso à nossa frente, se você não vai
nos perguntar — Juliette disse suavemente.
— Como se quiséssemos ir até Napier para assistir a uma cópia
borrada da câmera de outro filme de super-herói, — disse Lara —
Tenho certeza de que podemos encontrar algo realmente divertido
para fazer no nosso sábado à noite, meninas.
Eu não tinha certeza se era considerada uma garota nesse
cenário, mas concordei mesmo assim.

Depois do almoço, alcancei Lara e dei alguns passos ao lado


dela, tentando reunir coragem para perguntar a ela.
Ela chegou lá primeiro. — Você veio aqui para me dar um fora?
— O que? Como seu par, você quer dizer?
— Bem, não me refiro como sua namorada.
Eu pausei — Eu queria saber se você estava falando sério.
— Duh. Você tem alguém melhor para ir?
Ela estava andando mais rápido pelo corredor agora e eu tive que
lutar para acompanhá-la — Na verdade...
— Sim, bem, nem eu. Então, vamos coordenar as roupas e ficar
melhor do que os dois, certo?
Ela parou sua quase corrida e se virou para mim, uma
sobrancelha levantada em desafio.
Bem, merda. Quem teria pensado que Lara estaria me
convidando para um baile? E quem pensaria que eu diria sim?
Mas eu estava prestes a fazer isso, não estava?
Eu dei de ombros e cruzei os braços — Tudo bem.
No meu bolso, meu telefone tocou e eu o tirei enquanto Lara
espiava descaradamente.

Sexta-feira, 12h32
Me encontre no estacionamento
depois da escola?

O estacionamento estava quase vazio no momento em que Will


timidamente apareceu e se arrastou para o meu carro. Ele me
ofereceu um sorriso fraco que não devolvi. Eu apenas me encostei
no capô e esperei.
— Eu queria te dizer — ele disse em voz baixa assim que chegou
perto o suficiente.
— Sim, bem, você não disse.
— Eu ia na próxima vez que te visse.
— Você me viu ontem. Você não disse nada. Você não teve
nenhum problema em contar aos caras.
— Eu não fiz isso, eu juro. Jess contou a Matt.
— Por que ela contou ao Matt?
— Não sei, Ollie! — ele disse, levantando as mãos em frustração.
— Me desculpe, ok?
— Desculpe por não ter me contado ou por ir com ela? — Eu
perguntei, minha voz dura.
Ele piscou para mim — Isso não significa nada, — disse ele. —
Eu prometo.
— Ta.
— Eu iria com você se pudesse.
Tentei sorrir, mas meus músculos trabalharam contra mim. A
questão é que ele poderia. Ele estava apenas escolhendo não fazê-
lo. E fossem boas razões ou não, ele ainda estava optando por não
ir comigo. E se ele absolutamente tivesse que fazer isso, tudo bem,
mas ele não poderia ir sozinho?
Eu provavelmente deveria ter dito isso a ele, mas não o fiz por
dois motivos. Um, porque eu estava com medo de que ele me
ouvisse praticamente implorar a ele para fazer algo importante para
mim e ainda dizer não. Dois, porque eu não queria que ele fosse
sozinho porque eu pedi. Eu queria que ele fosse sozinho porque ele
realmente acreditava que se ele não pudesse ir comigo, ele não
queria ir com ninguém.
— Eu mal posso esperar para ver você todo vestido, — Will disse
em uma voz baixa — Eu realmente gostaria de poder ir com você.
Ele estava olhando para mim dessa maneira intensa. Ninguém
nunca tinha me olhado assim antes. Como se eu fosse a pessoa
mais especial do mundo e ele acabasse de perceber.
Eu abri minha boca, e um monte de coisas realmente apropriadas
deveriam sair. Algo na linha de "Obrigado" ou "Vou mandar uma
mensagem mais tarde" ou "Está muito frio aqui, hein".
Mas então minha boca - completamente por conta própria, devo
acrescentar - fez algo realmente estúpido.
Dizendo: — Eu te amo.
Will e eu congelamos. Não sei qual de nós ficou mais chocado,
para ser sincero. De onde diabos isso veio? De todas as vezes, eu
poderia ter escolhido, e disse "logo depois de ouvir que ele vai ao
baile com a ex-namorada". Eu não tinha ideia do por que disse isso.
Por que eu disse isso? Eu estava com tanta raiva, e magoado, e eu
saí com isso? Se sua refeição tiver uma maldita unha do pé, você
não pede um cardápio de sobremesas. Se o seu não-namorado de
verdade faz algo egoísta que faz você se sentir inútil, não diga a ele
que o ama.
Acho que queria ouvi-lo dizer isso de volta. Porque enquanto ele
me amasse, as outras coisas não importavam, certo?
Certo?
Ele me deu uma espécie de sorriso, mas era mais um sorriso
"Não sei como fazer isso menos estranho" do que um tipo de sorriso
"Oh meu Deus, o cara que eu amo também me ama".
Socorro. É hora de pular fora. Imediatamente. — Bem, de
qualquer maneira, eu-
— Eu realmente gosto de você, — Will disse ao mesmo tempo.
— Oh — Uau, isso saiu mais agudo do que eu esperava. —
Legal. Isso é realmente-
— Eu me importo muito com você.
“Impressionante." Eu tinha que sair agora ou seria muito óbvio
que eu estava chateado. — Obrigada. Uau, está super frio aqui fora,
hein? Ei, na verdade eu tenho este ensaio enorme para segunda-
feira e eu realmente preciso ir para casa e começar. Então, eu te
mando uma mensagem mais tarde?
Acertou em cheio.
Will me estudou por tanto tempo que pensei que ele fosse tentar
me decepcionar facilmente. Enviei-lhe uma mensagem firme com
meus olhos. Não. Não faça. Por favor, finja que nunca disse que te
amo. Por favor, ignore isso por mim.
— Sim, parece bom, — disse ele finalmente. — Vejo você mais
tarde.
Então nos afastamos um do outro.
Espere, então ele iria simplesmente ignorar? A audácia. Tentei
não dar a impressão de que estava indo em direção ao meu carro,
embora fosse exatamente isso o que eu estava fazendo.
Ok, talvez eu não quisesse fingir que nunca disse isso.
Mas também não queria ouvir o quanto ele gostava de mim.
Eu queria ouvir que ele me amava.
Por que ele não disse isso?
Eu disse isso muito cedo? Em quanto tempo você deveria trazer
isso à tona? Por que não fiz uma pesquisa sobre isso primeiro?
Nunca disse que te amo antes, não sabia como funcionava. Quer
dizer, nós éramos uma coisa por sete meses agora, entrando e
saindo. Era razoável amar alguém por sete meses, certo? Não era
mais estranho que ele ainda não me amasse?
Oh meu Deus, ele não me ama.
Minhas mãos tremiam quando peguei minhas chaves, e precisei
de três tentativas para colocar uma na ignição. Assim que o carro
deu partida, uma música do Letlive tocou no volume máximo. Eu
bati no botão liga / desliga com tanta força que machuquei minha
mão. Mas não importava. Eu só precisava sair. Agora.
Saí do estacionamento e dirigi por várias ruas. Eu não sabia para
que lado Will pegava para casa, mas não havia como ele descer
tantas ruas secundárias. Mesmo assim, abri caminho por mais
alguns para ficar seguro. Eu dirigi sem rumo por um tempo, então
minha respiração começou a ficar presa na minha garganta.
Consegui parar no acostamento, xinguei o mais alto que pude e bati
o punho contra o painel.
Mas gritar e bater nas coisas não fez com que ele desaparecesse.
As imagens começaram a girar e girar. Will franze o rosto com a
ideia de se vestir como eu. Virando as costas para mim na festa de
início das aulas. Olhando para mim do outro lado do refeitório, em
seguida, desviando o olhar. E aquelas semanas intermináveis de
silêncio depois do verão.
Ele poderia ter acessado suas contas no telefone de outra
pessoa, percebi de repente. Eu aceitei sua desculpa na época, ele
estando de castigo e tudo. Mas e daí? Por que ele não se esforçou
mais? Se ele realmente se importava comigo, por que ele não
encontrou uma maneira de contornar as regras, mesmo que fosse
apenas para me deixar saber por que ele estaria desaparecido?
Certamente ele percebeu o que eu estaria pensando quando ele
desaparecesse. Como eu teria me sentido. Por que ele não se
importou o suficiente para encontrar uma maneira de me alcançar?
Esse era o ponto. Ele não se importou o suficiente. Porque ele
não me amava antes.
E não me ama agora.
17

— Agora precisamos de um em frente à lareira, — disse minha


mãe, deixando cair o telefone ao lado do corpo. Lara e eu
estávamos parados na sala de estar, prontos para ir para o baile, e
rapidamente percebemos que o baile ainda estava um pouco
distante nesse ritmo. Mamãe já havia tirado fotos nossas na varanda
da frente (para aproveitar a hora de ouro), na porta dos fundos
(porque a vidraça tem um design muito bonito), e sentados juntos no
sofá (porque eu simplesmente gosto desse tipo de fotos, Oliver) —
Oh, mas espere, eu preciso colocar o vaso de volta. Eu o reduzi a
pó, agora onde está?
— Ninguém vai olhar para o vaso, Cathy, — tia Linda disse do
sofá, abraçando o cobertor falso de vison em torno dela — Não com
essas duas coisas jovens e sensuais na frente e no centro.
Lara agarrou sua saia rosa-clara e a ajeitou para tia Linda,
posando para uma foto que ninguém estava tirando. Tia Linda
ergueu um dedo e pegou seu próprio telefone — Espere aí,
precisamos de música para a sessão de fotos se estamos levando
isso a sério. — Alguns segundos depois, os compassos de abertura
de “Can't Fight the Moonlight” tocaram.
— Um pouco vintage, você não acha? — Eu perguntei.
— Cuidado, eu dancei com isso no meu baile — disse tia Linda.
— Exatamente. Vintage.
— Vou ignorar isso.
Mamãe voltou para a sala com um vaso cheio de flores frescas
que ela roubou do quintal do vizinho que havia crescido para dentro.
— Aqui. Perfeito. Agora, vou apenas fazer com que vocês dois
fiquem de pé aqui.
Mamãe nos ajustou como adereços enquanto tia Linda cantava
alegremente LeAnn Rimes ao fundo. Ela estava particularmente
bem-humorada hoje. Tia Linda, quero dizer. Mamãe estava uma
muito estressada.
Mamãe tirou mais algumas fotos nossas - com flash ligado e
desligado - enquanto me instruiu a sorrir com mais naturalidade,
não, naturalmente, você parece estar em um vídeo de refém
político. Lara não recebeu críticas ou críticas. Lara foi feita para a
câmera, aparentemente.
— Ollie não poderia ter conseguido um encontro mais bonito, Lara
— disse tia Linda quando finalmente fomos libertados.
— Ela quis dizer porque você é linda, eu suponho, não porque eu
sou tão horrível que você é o melhor que eu poderia fazer — eu
disse.
— Tem certeza que ela não quis dizer, porque espero que seja a
última vez que você terá que levar uma garota para um baile? —
Lara perguntou inocentemente.
— Em parte, — tia Linda respondeu, levantando um dedo. Ela
lutou para se endireitar no sofá por um momento, então, ofegante,
juntou as mãos — Mas também, Ollie, você espera se casar um
dia?
— Ah, sim, idealmente, mas veremos. Por que?
Ela fez uma pausa e desligou LeAnn. Aparentemente, ela falava
sério — Porque um dia você estará todo arrumado e tirando fotos
com a pessoa que você ama mais do que tudo no mundo. E eu só
quero que você saiba que estarei lá. Talvez fisicamente, talvez não,
mas estarei lá de qualquer maneira. Então, quando chegar o dia,
você receberá um grande abraço meu em algum momento. Fique
atento a isso.
— Não vou precisar ficar alerta, porque você estará lá fisicamente
e saberei exatamente quando estiver me abraçando.
— Você saberá de qualquer maneira — disse ela. Sua voz estava
tensa e seus olhos estavam vidrados.
Ver tia Linda chorar me fez chorar um pouco.
— Está tudo bem, eu estou bem — disse ela, agitando as mãos e
enxugando sob os olhos — Argh. Desculpe. Você é tão bonito.
Estou feliz por ter visto isso.
Ok, então eu estava chorando mais do que um pouco agora —
Estou feliz também.
Até o lábio inferior de Lara começou a tremer um pouco. Huh.
Então ela tinha um coração. Então ela bateu no meu braço. —
Vamos, anime-se. Você não quer ficar com a cara inchada nas fotos,
quer?
Ah. Agora sim.

Lara e eu conseguimos chegar atrasados na moda.


O ginásio da escola estava transbordando de alunos e a sala era
um mar de cores. Curiosamente, essa cor era principalmente
amarela. Vestidos e gravatas, não enfeites. Aparentemente, era a
cor da estação. Não que eu tivesse recebido o memorando com
minha gravata azul-cobalto.
A maior parte da sala estava mal iluminada, com bolas de
discoteca dispostas para imitar o efeito de flocos de neve caindo. Ao
longo das paredes estavam pendurados arranjos de flores brancas
brilhantes, e cerca de vinte grandes mesas redondas ocupavam o
outro lado da sala. Metade dos assentos já estavam ocupados, os
lugares mantidos por embreagens e bolsas estrategicamente
colocadas.
Não muito longe de nós, Renée estava com um grupo de suas
amigas. Ela estava usando um vestido justo cor de mel e tinha o
cabelo ruivo enrolado e preso em um meio rabo de cavalo.
— Muita gente aqui — comentei com Lara, que estava ocupada
demais procurando a Renée para responder.
Tive que examinar a sala por um tempo surpreendentemente
longo antes de avistar Will. Ele ficou perto das mesas com Matt,
encostado em uma cadeira e rindo de alguma coisa, sem Jess em
lugar nenhum à vista. Ele combinou um blazer feito sob medida com
calças cinza escuro e uma camiseta cinza claro. Mesmo que eu não
tivesse sonhado em usar uma camiseta para um baile, ele não
parecia tão informal, de alguma forma. Simplesmente sexy. Por que
caras como Will eram capazes de não seguirem as regras as regras
e se darem bem? Se eu usasse um blazer e uma camiseta,
pareceria ter ficado desorientado enquanto me vestia.
Quando Will olhou para cima, ele olhou direto para mim do outro
lado da sala. Tive a sensação de que ele já sabia onde eu estava.
Assim que ele chamou minha atenção, seu sorriso mudou para se
tornar um pouco tímido, e ele abaixou a cabeça, ainda sorrindo.
Eu estava dando a ele o que provavelmente foi o olhar mais
estúpido que eu dei a alguém na minha vida quando Lara me puxou
pelo cotovelo para ir até a barraca de refrigerantes. Darnell e Niamh
estavam próximos um do outro e suas mãos continuavam se
esfregando. Era extremamente íntimo e romântico e, oh, olhe, Lara
estava nos levando até lá para acabar com isso, que bom.
— Ei, pessoal, — Lara disse — Vocês se esfregam bem, não é?
Eu perdi Will de vista no caminho para cá. Enquanto tentava
procurá-lo de maneira super casual de novo, saí da conversa. De
qualquer forma, era principalmente conversa fiada - tive a sensação
de que Niamh e Darnell estavam insinuando que queriam ser
deixados sozinhos um pouco. Tenho certeza de que Lara entendeu
a dica, era mais que ela não ligava muito, só isso.
A pista de dança já estava bombando. Pela forma como algumas
das crianças estavam dançando, era bastante óbvio que pelo menos
algumas delas já haviam bebido no quintal de alguém antes de vir
para cá. Na verdade, agora que pensei sobre isso, é mais do que
provável que Lara trazido seu frasco em algum lugar. Acho que ela
acabou de descobrir que eu não diria sim a ninguém. Justo. Eu não
diria sim.
Eu estava tão ocupado observando as pessoas, porém, que perdi
totalmente a parte da conversa em que Lara pediu licença para falar
com Renée. Exceto que ela deve ter, porque de repente ela estava
com Renée, e elas estavam indo para algum lugar juntas.
O que significava que eu estava segurando vela, não é?
Virei-me lentamente para Darnell e Niamh. Ah, Merda. Eu não
conhecia mais ninguém. Eu não tinha ninguém com quem
conversar. Mas definitivamente não era desejado aqui. Eu limpei
minha garganta — Então, há quanto tempo vocês dois estão aqui?
— Eu perguntei.
— Estou aqui há cerca de vinte anos, mas Niamh chegou um
minuto antes de vocês dois — disse Darnell. Como Niamh, Darnell
não parecia possuir o gene da maldade, e disse isso com um sorriso
tão genuíno e amigável que eu não poderia me sentir estranho a
respeito.
Exceto que, sim, eu poderia, porque era eu, e provavelmente me
sentiria estranho na minha festa de 90 anos, cercado por uma sala
cheia de pessoas que eu amava e criava.
— Vocês não vieram juntos? — Eu perguntei.
Aparentemente, era exatamente a coisa errada a se perguntar.
Darnell franziu os lábios e se encolheu, enquanto Niamh abria a
boca em uma forma de O de condenação. — Bem, eu não sei, só
acho que talvez seja um pouco cedo-
— Certo. — acrescentou Darnell, quando ele claramente quis
dizer errado.
— Por isso, — Niamh terminou.
— Ok, entendi, legal, — eu disse — Legal.
Desta vez, quando olhei para cima, Will estava parado a cerca de
um metro de distância de mim. Pisquei e dei um passo para trás
surpresa — Umm oi?
— Oi — ele disse. — E aí? Lembra do que estávamos
conversando hoje cedo? Está bem aqui. Quer vir ver?
Não me lembrava do que estávamos conversando hoje cedo.
Principalmente porque eu tinha certeza de que não conversamos
mais cedo hoje. E falar com Will não era o tipo de coisa que eu
tendia a esquecer. Pelo menos, eu não conseguia me lembrar de
esquecê-lo.
Bem, isso era um incômodo. Frigideiras e fogo e tudo mais.
Niamh e Darnell ficaram muito felizes em me dispensar, então fui
atrás de Will para verificar o que nunca conversamos, cruzando os
braços sobre o peito.
— Nunca vi nada mais desconfortável em minha vida, — disse
Will — Foi como assistir a um burro tentando fazer amizade com
alguns unicórnios.
— Você está me chamando de burro?
— Um burro realmente incrível. E se você não fosse um burro,
acho que não gostaria tanto de você, porque parece que os
unicórnios fariam muito menos piadas do que os burros — disse
Will, ainda caminhando. — Você pode imaginar um unicórnio
peculiar?
— Não consigo imaginar um unicórnio peculiar — Minha resposta
foi cortada, mas Will não pareceu notar.
— Exatamente. Os unicórnios são tão baunilha.
— Como é tentar sair de uma cova funda que você mesmo
causou, Will?
— Estou lutando, mas tenho menos prática do que você.
Eu pressionei meus lábios com força. Encostamos na parede e
ambos de costas, deixando-nos isolados o suficiente para que
pudéssemos falar em voz baixa sem sermos ouvidos. Will suspirou
e balançou a cabeça — Desculpe, isso era para ser uma piada. O
que eu quis dizer é que você está incrível.
Oh.
Tentei sorrir, mas meu rosto resistiu. Quem diria que a dor de
cabeça funcionava melhor do que o Botox?
Uma parte de mim queria trazer à tona o outro dia e pedir
desculpas por dizer que o amava e tornar as coisas estranhas.
Mesmo que nós tenhamos nos visto algumas vezes desde então,
nenhum havia tocado no assunto. E você não se esquece de
mencionar algo assim. Além disso, não pude deixar de sentir que
Will estava compensando demais. Ele estava agindo um pouco
alegre e otimista ultimamente, mas era como tentar esconder um
spray de gambá com uma borrifada de perfume.
Uma pilha de tijolos estava na boca do meu estômago. Meus
membros pareciam pesados e meu peito estava cheio de uma
pressão estranha e apertada que eu só poderia aliviar expirando. De
novo e de novo. O que saiu soando como uma série de suspiros
passivo-agressivos.
Aparentemente, minhas emoções tinham uma atitude atrevida
própria. Nota para mim mesmo: nunca jogue pôquer.
A música mudou e eu reconheci os primeiros compassos. O
mesmo aconteceu com todos os outros na sala, aparentemente,
porque uma gritaria subiu e a multidão invadiu a pista de dança
como formigas de fogo atacando um jardineiro inocente com uma
família.
Will encolheu os ombros e acenou com a cabeça para todos. —
Você quer dançar?
Eu odiava tanto dançar - meu estilo poderia ser mais bem descrito
como "criança saltitando junto com o Wiggles". Mas se as outras
opções fossem ficar aqui sozinho ou ficar de conversa fiada com
Will, então... woo, festa, yay.
A pista de dança estava quente e lotada, e as pessoas não
estavam dançando tanto, mas pulando ao som da música.
Felizmente, pular ao som da música estava na verdade dentro do
meu conjunto de habilidades rítmicas, então me lancei nisso com
um nível surpreendente de entusiasmo.
De repente, Will e eu acabamos cercados por Renee, o namorado
de Renee, Lara e Matt, junto com alguns outros caras do basquete.
Provavelmente pela primeira vez na vida, eu nem me senti
constrangido. Foi realmente divertido. Eu fazia parte de um grupo e
estávamos todos cantando alto o suficiente para que minha
garganta ficasse arranhada depois de algumas músicas.
E Will estava bem ao meu lado o tempo todo, seu rosto brilhando
enquanto ele jogava a cabeça para trás e os braços abertos. Ele
não estava cantando para ninguém, mas pelo jeito que ele ficava me
olhando de esguelha, parecia uma serenata estranhamente
enérgica. Então ele chamou minha atenção, deu-me um sorriso
malicioso e se virou para cantar bem para mim, ainda pulando ao
som da música. E de repente não importava que ele não fosse
assumido, ou que ele não se importasse o suficiente, ou que eu
fosse vulnerável e me deixasse ser pisoteado. Por apenas alguns
minutos, não nada importou.
Então eu cantei de volta para ele.
De repente, ele parou de pular e agarrou meu braço, puxando-me
para ele. Durante o meio segundo mais louco da minha vida, pensei
que ele fosse me beijar, mas em vez disso ele disse em meu ouvido:
— Olhe, olhe, olhe ali. Droga!
Bem no meio da pista de dança, Darnell e Niamh estavam se
beijando. Não apenas beijando, mas beijando de língua, mãos nos
cabelos um do outro, indo em frente. Eles nem pareciam estar
cientes de que estavam cercados por centenas de seus amigos
mais próximos.
— Eurgh, sim! — Eu gritei, agarrando Will de volta com uma mão
e socando a outra em um punho — Nós adivinhamos.
— Qualquer pessoa com olhos poderia ter adivinhado isso — Will
disse com uma risada que desapareceu rapidamente. Eu segui sua
linha de visão para Matt, que estava nos dando um olhar engraçado.
Tipo, um olhar muito engraçado.
Soltei o braço de Will no mesmo momento em que ele me afastou.
— Eu vou pegar uma bebida — ele murmurou, e saiu para o mar
de pessoas sem me convidar enquanto uma nova música
começava.
Bem, pelo menos eu não estava sozinho na pista de dança. Mas
de repente eu não tinha mais vontade de dançar.
Obriguei-me a ficar o máximo que pude suportar, para que Matt
não suspeitasse muito, então saltei até uma das mesas. saltei,
porque se eu não fingisse alegria, teria me matado como o filho do
ló e do e do Lula Molusco.
Uma vez que estava sentado com meu telefone, me senti mais
calmo. Ninguém estava prestando atenção em mim, de qualquer
maneira - todos estavam perfeitamente contentes em se divertir um
com o outro. Por que Juliette não poderia estar aqui? Ela era a
pessoa mais confiável que eu conheci nesta cidade, e ela foi e me
largou em um momento de necessidade. E tudo para que ela
pudesse assistir ao maior teste de sua vida. Tão egoísta, Juliette, o
que você acha que é isso?
Meu herói improvável veio usando um vestido rosa esvoaçante e
uma carranca. Lara se jogou na cadeira ao meu lado e cruzou uma
perna sobre a outra, enfiando as unhas na boca.
— Ora, olá — eu disse.
— Ela basicamente me deu as costas, — disse Lara,
supostamente para mim, mas principalmente acho que ela queria a
oportunidade de desabafar em voz alta em geral — Apenas me
excluiu de sua dupla romântica.
— Ela está dançando com o namorado?
— Ela está dançando com o namorado.
— A coragem absoluta.
Lara me lançou um olhar gelado e eu me virei para observar a
sala.
Os caras do basquete formaram um grupo contra um dos arranjos
de flores, posando com Matt no centro para uma foto tirada por
Niamh. Enquanto ela tirava a foto, Will levantou a mão para mantê-
la ali e deu a ela seu telefone para tirar uma segunda foto. Os caras
se reorganizaram em poses do tipo A Próxima Top Model da
América, com Matt levantando uma perna na frente do peito de Will -
mantida no lugar por Will, naturalmente - e Darnell agachado ao
lado deles com a cabeça inclinada para trás dramaticamente.
Se fosse outro grupo, teria sido uma pose engraçada e fofa. Mas
tive a sensação de que, para esses caras, o humor estava na
feminilidade, não no drama. E a diferença importava, se você me
perguntasse.
Niamh foi devolver o telefone de Will para ele, mas Matt o pegou
primeiro. Os caras fizeram um show de entusiasmo sobre as fotos,
enquanto Matt folheava as opções. Então, de repente, eles caíram
na gargalhada e Will foi pegar o telefone. Matt o segurou fora de seu
alcance, com um dos outros caras bloqueando a investida de Will.
Will empurrou o cara bruscamente para fora do caminho e arrancou
o telefone das mãos de Matt, enfiando-o no bolso com uma
expressão sombria. Will disse algo, e os caras caíram na
gargalhada.
Jess, que estava pairando por perto, foi até os meninos neste
momento. Provavelmente para perguntar do que se tratava toda a
comoção. Eu teria gostado de saber também, para ser honesto.
Jess parecia uma garota legal o suficiente, mas ela era a ex do
meu meio-que-namorado, então eu irracionalmente não gostava
dela. Ela tinha madeixas na altura dos ombros, cabelo preto liso,
covinhas e um rosto perfeitamente simétrico. Seu vestido vermelho
brilhante era mais longo nas costas do que na frente, e ela
combinava com enormes escarpins pretos.
Ela estava ótima. Impressionante. Eu odiei isso.
Mas eu estava prestes a odiar um pouco mais, porque naquele
momento ela agarrou a mão de Will e o levou para a pista de dança.
Provavelmente para tirar sua mente do que quer que tenha acabado
de acontecer. Ela provavelmente estava sendo muito atenciosa e
doce. Ela provavelmente era uma pessoa doce e atenciosa se Will a
tivesse namorado.
Eu odiei isso.
Eu estava no meio de um acordo com o Grande Ser Etéreo para
enviá-la uma intoxicação alimentar incontrolável e nada atraente -
eu estava disposto a ser voluntário em um abrigo de animais, levar
meus pais para um jantar agradável e sacrificar minha alma eterna
se ela simplesmente fosse para casa nos próximos trinta segundos -
quando “Crazy in Love” de Beyoncé tocou. Will olhou por cima do
ombro para os caras do basquete, então agarrou a mão de Jess e a
girou lentamente. Quando ela terminou, ele a puxou para si, as
mãos deslizando da cintura para os quadris. Jess parecia
assustada, mas riu e concordou, balançando os quadris no ritmo da
música, com as pélvis muito mais próximas do que quaisquer dois
amigos platônicos considerariam razoável.
— Que diabos? — Murmurei.
— O quê? — Lara perguntou, levantando a cabeça. — Ah Merda.
Eu sou vidente ou o quê?
Eu a olhei furiosamente.
— Tenha senso de humor, Ollie, estou brincando. Mas... hmm.
Uau.
Matt sem fôlego veio até a nossa mesa e sentou-se ao lado de
Lara, dobrando a perna para que apontasse na direção dela — Ei,
gente bonita — disse ele. — Como está sua noite?
Jess tinha se virado para que seu traseiro estivesse pressionado
contra Will, e ele se inclinou direto para ela, agarrando um punhado
de sua saia enquanto eles balançavam, como se ele quisesse puxá-
la diretamente para seu corpo. Ela se virou para encará-lo e colocou
uma das mãos no cabelo, a outra no ombro dele, e aproximou o
rosto o suficiente para que ele a beijasse, mordendo o lábio e
flertando o tempo todo. Ele não a beijou, mas também não recuou.
E até onde sabia, ele estava a cerca de trinta segundos de beijá-la.
Minha noite foi ótima pra caralho, obrigado por perguntar.
— Vou lá fora — disse a Lara, antes de cambalear pelos fundos
da sala até a porta lateral.
Puta merda. Isso realmente tinha acontecido? Will, meu Will, tinha
praticamente acabado de ficar com sua ex-namorada em público,
onde ele sabia que eu poderia vê-lo. E apenas vinte minutos depois
de ele estar dançando comigo.
Como ele pôde?
E como eu poderia deixá-lo fazer esse tipo de coisa comigo de
novo? Quantas vezes eu aguentaria Will fazendo o que diabos ele
queria, sempre que lhe convinha?
O ar no estacionamento estava gelado. Eu engoli em seco até
que minha mente clareou. O estacionamento estava deserto. O baile
demoraria duas horas para terminar. Ainda era muito cedo para
alguém partir.
Eu me afastei alguns metros da porta e sentei pesadamente na
beira da calçada. Foda-se esta noite. E dane-se Will. Eu iria me
certificar de que Lara tivesse como voltar para casa, então eu iria
embora.
Mas depois de dez minutos eu não tinha feito nenhum movimento
para fazer nada do tipo. Eu apenas sentei, sentindo-me vazio,
entorpecido e cansado.
Ouvi a porta se abrir e meu primeiro pensamento foi que era Will,
vindo se desculpar.
Mas Will não estava usando salto alto. Eles clicaram no concreto,
chegando mais perto, até que sua dona se sentou ao meu lado em
um farfalhar de chiffon rosa.
Suspirei. Fiquei feliz em ver Lara, mas fiquei desapontado por ela
não ser Will. Porque isso significava que Will ainda estava lá dentro
com Jess, não se importando que eu tivesse desaparecido.
Lara suspirou de volta para mim — Acho que sei por que Will
estava agindo assim.
Porque ele era egocêntrico, interessado em si mesmo e
desprovido de empatia? — Por que?
— Matt acabou de me dizer que os caras encontraram uma foto
sua no telefone de Will. Vestindo sua jaqueta.
— Oh.
— Eles o incomodaram com isso. Aparentemente, Will estava
tentando dizer que vocês tiraram a foto para mostrar o quão bobo
você ficaria com uma jaqueta tão grande, mas eles não o deixaram
escapar.
— Então ele queria provar a si mesmo?
Lara sorriu afetadamente — Aparentemente. Porque ele é super
hétero, certo? Porque se você transar com uma garota, você vira
hétero. Eu, pessoalmente, fico mais hétero toda vez que beijo um
cara também. É exatamente assim que funciona.
Bem, eu não perdi o sarcasmo daquela vez. — Às vezes acho
que não gosto muito dele.
Lara encolheu os ombros. — Ódio. Eu odiei Renee por mais de
um ano, eu acho. Não significa que eu não a amo.
— Isso não é uma contradição?
— Não. A apatia é incompatível com o ódio. O amor funciona
bem.
Ficamos sentados em silêncio por alguns segundos, então Lara
chutou algumas pedras soltas. — Mas tenha cuidado. Claro, você
pode perdoar alguém por te machucar por acidente, certo? Mas se
eles continuarem acidentalmente arrancando seu coração repetidas
vezes, não significa que eles sejam pessoas terríveis, mas
provavelmente significa que é melhor você se distanciar e ir para
onde eles não podem continuar fazendo isso. Acidentalmente ou
não.
Não parecia que ela estava apenas falando sobre Will.
— Somos melhores do que isso, certo? — Eu disse.
— Nós estamos muito bem.
Eu estava com tanta raiva que Will pudesse me machucar tão
facilmente, sem qualquer hesitação.
Mas me deixou ainda mais zangado saber que eu deixaria ele
fazer isso.
Eu o deixaria fazê-lo. Ele deixou perfeitamente claro que não
poderia me dar o que eu queria. Então, por que eu fiquei por aqui?
Por que eu estava tão disposto a aceitar qualquer recado que ele
entregasse?
Todo esse tempo, estive me perguntando quando minhas
necessidades começariam a realmente importar para ele.
Talvez se eu não tivesse passado tempo suficiente imaginando
quando minhas necessidades começariam a realmente importar
para mim.
Uma comemoração soou de dentro do corredor quando uma
música de Post Malone começou. Nós olhamos para trás, mas
nenhum de nós fez qualquer movimento para se levantar, mesmo
que estivesse terrivelmente congelante aqui, e mesmo que
estivéssemos sentados perto das lixeiras, e algo parecia estar
vasculhando elas, e talvez fosse um guaxinim. Nós ficamos do lado
de fora.
— Porque você me pediu para vir aqui com você? Mesmo? — Eu
pedi para mudar de assunto.
Lara examinou suas unhas — Como eu disse. Nenhum de nós
tinha ninguém melhor com quem ir.
Eu não pude evitar - eu realmente ri alto com isso. Seria possível
que os golpes de Lara não fossem mais capazes de me machucar?
Ou eu estava começando a ter a sensação de que seus golpes não
deveriam ser levados para o lado pessoal? — Lisonjeiro. Obrigado.
Lara pegou a bolsa então, e eu pensei que era hora de voltar. Mas
em vez disso, ela remexeu nela, então parou com a mão ainda
escondida dentro — Hum. Eu tenho algo para você. Por ser meu
par.
Eu tinha quase certeza de que Lara comprando um presente para
mim estava listado como um sinal do fim dos tempos na Bíblia, entre
falsos profetas e estrelas caindo do céu. O que foi uma notícia
terrível para a humanidade, mas iluminou um pouco minha noite. —
Você tem? Oh... eu não comprei nada para você.
— Estamos trocando papéis de gênero opressivos esta noite.
Esse é o tema deste baile estúpido, certo? — ela perguntou — De
qualquer maneira, aqui.
Ela me entregou uma corrente de ouro rosa, mais longo do que as
que as meninas usavam. No entanto, não tinha uma rosa na ponta.
Ele tinha uma adaga.
Virei em meus dedos e lutei contra um caroço que apareceu na
minha garganta sem aviso.
— As adagas representam o pólo oposto das rosas, — disse ela
— Mas eles estão comumente emparelhados, como em tatuagens e
outras coisas. Quando estão emparelhados, supostamente
representam o equilíbrio de duas partes diferentes formando um
todo. Porque você meio que completa o grupo. E também, porque
você não pode mais obter nossos colares exatos.
Eu completei o grupo.
— Posso usar? — Eu consegui dizer.
— Não, você deve mantê-lo no bolso. Claro que você pode usar.
Quando foi presa, a adaga pousou no meu peito, alguns
centímetros abaixo da clavícula. Eu duvidava que você pudesse ver
isso com essa camisa, mas eu senti que deveria estar
completamente diferente de alguma forma. Eu me senti diferente.
Como se eu pertencesse a algum lugar que nunca pensei que
poderia.
Contra isso, Will dançando com Jess não parecia tão catastrófico.
Não mais.
A adaga me deu coragem o suficiente para fazer uma pergunta
que nunca teria saído de meus lábios antes desta noite — Lara? No
primeiro dia de aula, quando contei a vocês sobre Will... como é que
vocês não me disseram que o conheciam? Você poderia ter me
avisado.
Para minha surpresa, ela começou a rir. — Vamos lá, Ollie. Não
sabíamos nada sobre você. Pelo que sabíamos, se você soubesse
que Will era da nossa escola, você o exporia para a classe. Eu
queria avisar Will antes que você descobrisse o que estava
acontecendo, para que ele pudesse fazer algum controle de danos,
se necessário.
Tentei trabalhar com essas novas informações — Espere, então
era isso que você e Juliette estavam fazendo na festa?
— Tentando. Mas Matt não me deixou ficar sozinha com Will. Ele
falava, falava, falava, falava, falava.
— Mas por que você esperou até a festa para contar a ele?
— Não consegui encontrá-lo na escola e ele não respondeu às
minhas mensagens. Então perguntei a Matt, e ele me contou sobre
a coisa toda de castigo. Lembra?
Claro. Will não tinha seu telefone.
Então a festa não foi para me humilhar. Foi difícil entender e, para
ser honesto, não acreditei completamente no começo — Isso parece
muito atencioso da sua parte — Eu disse, levantando uma
sobrancelha pontiaguda.
— Ninguém merece ser tirado do armário contra sua vontade. —
disse Lara.
E desta vez, eu acreditei nela. Lara, que estava secretamente
apaixonada por Renée. Que ria junto com o grupo quando eles
zombavam dela sobre seu comportamento na festa como se tudo
fosse uma grande piada. Que explodiu quando Will fez um
comentário sobre minhas roupas.
Lara não tinha intenção de me deixar entrar em sua escola e sair
com uma de suas amigas.
E por que ela não deveria ter pensado isso? Afinal, eu tinha
revelado Will para as três garotas. De propósito ou não. A
consequência ainda era a mesma.
Limpei a garganta e mudei de assunto, um pouco sobrecarregado.
— Bem, ei. Se as coisas não funcionarem com Renee, pelo menos
você pode ter bastante certeza que Matt é uma opção.
Lara soltou outra risada — Oh Deus, — disse ela — Ah, eu
costumava ter a maior queda por ele.
— Mesmo?
— Sim, oh meu Deus, sim — ela sorriu — Eu sou bi pra caralho,
Ollie, caso você não tenha notado. Eu juro, ele só está prestando
atenção em mim agora porque gosto de Renée. Esse menino só
quer o que não pode ter.
ECA. Caras heterossexuais.
— Eu posso confessar uma coisa?
Ouvir essas palavras saindo da boca de Lara foi estranho. Como
um vegetariano pedindo para você passar as almôndegas, ou uma
sereia pedindo seus sapatos emprestados. Culpa + Lara = erro do
sistema. E, no entanto, aqui estava ela, olhando para mim com o
que era quase definitivamente uma expressão de culpa.
— Fala.
Ela mudou de posição e baixou a voz. — Bem, a primeira vez que
Renée e eu nos beijamos, foi um desafio. E eu já gostava dela,
então, sabe, sorte grande.
— Certo.
— Certo. Então, de repente, foi uma maneira muito fácil de beijá-
la. Vamos fazer um desafio, vamos fazer isso por esse grupo de
caras. Eu costumava achar isso engraçado. Na verdade, nem isso.
Eu pensei que estava distorcendo toda a coisa de “garotas
performando para garotos”. Eu estava usando-os para conseguir o
que eu queria.
Mas ela não parecia tão certa. — E agora?
— Bem... e se eu estivesse errada? E se eu traísse mulheres
gatas ao fazer isso? Mesmo se fosse por mim, e eu não desse a
mínima para o que aqueles caras pensavam, eu ainda não estava
basicamente reforçando a ideia de que minha sexualidade está lá
apenas para fazer um cara gozar? Quer dizer, pense nas merdas
que as pessoas dizem sobre garotas bi que só querem atenção.
Oof. Por um lado, eu senti que, como um cara, não era realmente
minha função expressar meus pensamentos. Mas, por outro lado, eu
conseguia entender por que ela queria pedir conselhos a um gay
sobre esse assunto. Fui devagar e escolhi minhas palavras com
cuidado — Eu acho que se é assim que você se sentiu segura
explorando sua sexualidade, isso é válido. Nem sempre é preto e
branco para nós.
Lara ficou em silêncio por um longo tempo — Ela nunca me beijou
sozinha — ela disse finalmente.
Eu pensei sobre o quanto isso deve doer. Quão arrasado eu
ficaria se Will apenas me beijasse para o entretenimento de outra
pessoa. Mesmo que ele estivesse apenas fingindo, era por isso que
ele estava fazendo isso.
O espaço entre Lara e eu parecia denso.
— De qualquer forma — Lara deixou seu desconforto de lado. —
Que se dane isso. Eu não existo para o prazer de nenhum cara, e
não vou mais jogar esse jogo. Se Renée quer me beijar, ela pode
beijar. Mas é melhor ela fazer isso sozinha.
— Sim.
— Vamos — Lara disse — Precisamos voltar para dentro e
mostrar àqueles dois que podemos nos divertir muito sem eles. Se
você tiver sorte, vou deixar você me usar como suporte para a
dança do poste, e você pode mostrar ao Will.
Comecei a rir com isso e me levantei. — Tudo bem. Vamos fazer
isso.
18

Domingo, 1h51
Me encontre no lago. No final do
cais, à direita da sua casa.

Ele quis dizer no lago, certo? E tinha que ser um erro de


digitação, não é? Eram 2 da manhã. Ele teve sorte de eu ter
acordado quando ele me mandou uma mensagem.
Mas não havia ninguém parado no cais. Havia, no entanto, uma
pilha de roupas quase invisível no final dela.
Eu dei uma olhada rápida ao redor para ter certeza de que estava
definitivamente, certamente, totalmente sozinho, e corri ao longo do
cais. Bela maneira de me fazer sentir exposto, Will.
Ele estava nadando um pouco além da borda do cais, um rosto
pequeno e severo sorrindo para mim do lago escuro — O que você
está fazendo? — Eu perguntei.
— Noite perfeita para um mergulho, não é?
— Você não tem que dirigir de volta para sua casa em quatro
horas? — Eu perguntei. Já havíamos sofrido com nossas
despedidas. Eu passei a noite emburrado e esperando vê-lo
novamente, e aceitando o fato de que provavelmente nunca o veria.
— Não sou eu que vou no banco do motorista. Então posso tirar
uma soneca. Eu queria te ver de novo.
— Will…
— Entre.
— Mas está escuro — eu choraminguei.
— Eu não vou deixar nada te comer. Eu prometo.
Eu hesitei. Ninguém além dele. Eu juro, ninguém neste mundo
além de Will seria capaz de me convencer a me despir e mergulhar
em um lago escuro e ignorar, me perder durante a maldita hora das
bruxas.
Mas eu fiz, não foi?
Assim que eu estava na água, seus braços estavam em volta dos
meus ombros e seus lábios estavam nos meus. Ele me beijou como
se nunca tivesse a chance de fazer isso novamente. E foi assim que
eu o beijei de volta.
— Foda-se amanhã — eu consegui dizer, quando me afastei.
— Vai acontecer, quer você queira ou não.
— Eu sei. E você vai embora, e vai esquecer tudo sobre mim em
algumas semanas.
Will riu e balançou a cabeça — Eu definitivamente nunca vou te
esquecer. Acho que nunca fui tão feliz. Isso não vai desaparecer só
porque estaremos-
— Em lados opostos do país.
— Poderia ser pior. Você poderia morar na Austrália ou algo
assim.
— Eu poderia.
Ele me beijou novamente. Beijo de adeus número setenta e seis
— Prometa que encontraremos uma maneira de nos vermos
novamente.
— Não posso prometer isso.
— Então minta. Por favor.

Will e eu não trocamos uma palavra até a aula de música no dia


seguinte.
Ele me deu um pequeno sorriso quando se sentou ao meu lado.
Como se ele esperasse que eu agisse como se tudo estivesse bem
e o baile não tivesse acontecido — Ei… — ele sussurrou.
Ei.
Eu estava fervendo.
— Não quero mais ver você — sussurrei de volta.
Ele olhou para mim com a expressão de alguém que soube que
seu novo cachorro tinha sido brutalmente assassinado. Assim que
ele se recompôs para tentar responder, a aula começou, e ele se
jogou em sua cadeira com a mandíbula cerrada. Ele ficou assim até
que a Sra. Ellison fez uma pausa para entregar alguns livretos que
ela havia feito. Então, ainda olhando para a frente da classe tão
casual quanto qualquer coisa, ele disse baixinho — Por favor, não
faça isso.
Eu o ignorei.
— Ollie.
Eu o ignorei.
— Eu sinto muito. Eu me sinto muito mal pela noite passada.
Não mal o suficiente para me ligar, ou me puxar de lado e
explicar, ou para não fazer isso em primeiro lugar.
— Podemos falar sobre isso mais tarde?
Eu o ignorei.
Quando o sinal tocou, eu continuei a ignorá-lo e consegui ir para a
minha próxima aula sem Will ser capaz de implorar. Tornou-se
parcialmente mais eficaz pelo fato de que Will não conseguia dizer
uma palavra onde qualquer outra pessoa pudesse ouvir, e os
corredores da escola não eram propícios à privacidade. Na hora do
almoço, fui estratégico e usei isso a meu favor, indo para o refeitório
em vez da sala de música para que ele não pudesse me encontrar
sozinho.
Eu esperava que os caras do basquete se sentassem conosco,
especialmente depois da consumação de Niamh e Darnell na noite
passada, mas as rosas reservaram nossa mesa apenas para nós
hoje.
— É porque Darnell e eu tivemos uma... conversa ontem à noite
— disse Niamh depois que nós três nos sentamos — Eu disse a ele
que vou me mudar para Nova York no ano que vem.
— E? — Lara perguntou.
— E, eu acho que ele tinha essa imagem de nós ficando aqui e
criando uma pequena família um dia ou algo assim. Ele disse que
nunca quis morar em uma cidade grande. Então, honestamente, não
sei onde estamos. Sei que ele não quer vir comigo no ano que vem,
mas também não decidimos encerrar o assunto. Estamos no limbo.
— Nem uma nem outra — eu disse — Isso é o pior.
— Isso é um poema? — Perguntou Niamh.
— Darnell é um idiota — disse Lara, apontando uma batata frita
ameaçadoramente para Niamh. — Além disso, o problema não é a
cidade. Se ele recebesse uma oferta de emprego lá, aposto que ele
se mudaria em um piscar de olhos. Ele está apenas intimidado com
a ideia de seguir uma mulher forte enquanto ela persegue sua
carreira, em vez do contrário.
— Amém! — disse Niamh, levantando sua Coca Diet em um
brinde.
— Eu acho que o baile pode ter sido amaldiçoado — eu disse.
Niamh acenou com a cabeça seriamente.
Lara nos lançou olhares fulminantes. — Hum, o oposto, você quer
dizer? O baile nos livrou da bagagem tóxica que carregávamos
conosco. Agora estamos todos disponíveis, soltos e não mais
atolados por parasitas imaturos sugando o amor de nós e não
devolvendo nada mais substancial do que uma rapidinha sem brilho
em um armário.
— Você e Renée deram uma rapidinha em um armário de
armazenamento? — Eu perguntei.
— É uma figura de linguagem.
— Eu não acho que seja.
— Bem, todas as figuras de linguagem estabelecidas são tão
exageradas.
— Sim, é isso que os torna figuras de linguagem. Se não forem
exagerados, são apenas algo que alguém disse uma vez.
— Ollie, — Lara disse docemente — você pode ser realmente
irritante às vezes. Alguém já te disse isso?
— Além de mim? Não.
A má notícia era que o colar de adaga de ouro rosa que eu tinha
no pescoço não era suficiente para repelir um ataque de Lara. A boa
notícia é que provavelmente foi o máximo que eu falei na mesa do
almoço. Também me senti mais confortável do que o normal.
Talvez a noite anterior não tivesse sido uma perda total.

Will me mandou uma mensagem para encontrá-lo no


estacionamento novamente, mas eu não tinha intenção de fazer
isso. Fui direto para o meu carro assim que deixei o prédio.
Passos bateram no chão atrás de mim quando coloquei minha
mão na porta do carro — Ollie, espere, por favor.
Ele simplesmente não podia deixar isso passar, não é?
Honestamente, eu pensei em sair daqui sem ter que lidar com ele,
dado o quão lotado o estacionamento estava agora. Com os alunos
saindo para a esquerda, direita e centro, eu teria feito todos os tipos
de apostas para que Will não corresse o risco de me perseguir.
Mas aqui estava ele, me perseguindo.
— Pelo menos fale comigo — disse Will. — Deixe-me explicar.
— Você não precisa, — eu disse. — Lara me contou. Os caras
encontraram uma foto minha no seu telefone.
— Certo.
— Certo, — eu disse — Portanto, a menos que haja algo
realmente convincente que eu não saiba, não há mais nada para
explicar.
Will parecia confuso. — Mas então você tem que saber que não
foi pessoal, certo? Eu precisei despistá-los.
— Você não precisava fazer nada.
Will olhou em volta para ver se alguém estava perto o suficiente
para ouvir — Podemos entrar no carro? — ele perguntou.
Revirei os olhos e pulei no banco do motorista, batendo a porta.
Will me seguiu no lado do passageiro, com menos pancadas —
Ollie, se eu não fizesse isso, eles suspeitariam de nós, — disse ele
depois de fechar a porta. — Matt nunca me deixaria em paz, ele
estaria atrás de mim toda vez que eu saísse com você, como no
almoço, ou fora da escola, ou-
— E daí? Deixe-o pensar o que quiser. Não é como se ele tivesse
provas.
— Você não entende.
— Oh, não? — Eu perguntei — Eu não tenho ideia de como é ser
gay?
— Você, — ele disse por cima de mim, — se assumiu na porra da
Califórnia. Não estou dizendo que não foi difícil para você, mas você
não tem ideia de como é crescer aqui. Eu sabia, tipo, dez piadas
gays antes mesmo de saber o que era ser gay. Meus amigos nunca
seriam capazes de aceitar isso, ok? Você acha que Matt vai de
repente sair e comprar uma camiseta de aliado?
— Basta dizer que não é assim, então! Você não precisa ficar com
uma garota para provar que não há nada acontecendo comigo.
— Eles estão sempre, sempre tentando descobrir algo, Ollie. Eu
te disse como eles costumavam brincar sobre você, certo? Você não
sabe da metade. Você não é amigo deles. Você não sabe como eles
realmente são.
— Mas esse é o ponto, — eu disse. — Eu não sou amigo deles.
Mas eles são seus amigos há muito tempo. Eles conhecem você.
Eles gostam de você.
— Exatamente. É diferente para você, porque eles não conhecem
nenhuma outra versão de você. Você está usando a porra de um
colar agora, e ninguém disse merda nenhuma. É, tipo, sua coisa.
Mas não é minha praia. Meu lance é ser um jogador de basquete e
ser um dos caras. Você acha que eu escaparia indo para a escola
amanhã usando um colar com um pingente?
— Olha, — eu disse. — Eu entendo porque você está com medo,
honestamente. Claro que você está. Sair do armário é assustador e-
— Não estou pronto para sair! — ele gritou.
— Eu não estou pedindo isso a você — eu disse, batendo no
volante em frustração. — Mas se estou com alguém, sim, espero
que eles não dancem sujestivamente com outra pessoa para provar
um ponto, ou insultar a maneira como me visto ou ajo na frente de
seus amigos.
— Eu disse que sinto muito!
— Eu não me importo se você está arrependido! Eu não queria
um pedido de desculpas. Eu queria que você pensasse em mim e
se importasse como eu me sentiria antes de fazer algo horrível. Mas
você não fez isso. Então, como posso continuar fazendo isso se sei
que a ideia de partir meu coração não é suficiente para impedi-lo de
fazer algo que ninguém está te forçando a fazer?
— Eu fiz isso para que possamos continuar saindo sem...
— Não, não, não tente agir como se a noite passada fosse para o
meu benefício. Por que você simplesmente não admite que a noite
passada foi cem por cento sobre você estar com medo de que
alguém pudesse descobrir as coisas, e zero sobre mim?
— E daí se fosse? — Will perguntou. — Não posso ter medo?
— Claro que você pode. Mas esse é o problema. Se você está tão
preocupado com o que as pessoas podem pensar que você precisa
fazer essas merdas como uma resposta? Como vou estar com
alguém que pode fazer isso comigo?
Will cruzou os braços e balançou a cabeça. Aparentemente, ele
não teve resposta. O que só me enfureceu mais.
— Você me trata como lixo. Você percebeu isso, certo? E toda
vez que você pede desculpas, acho que desta vez será diferente,
mas nunca é diferente. Você realmente não parece dar a mínima
para saber se estou bem.
— Isso não é verdade-
— É verdade, Will! Eu nunca faria algo que sabia que iria
machucá-lo. Não para me salvar do constrangimento, ou para tirar
as pessoas do meu caminho, nem nada. Eu só queria isso de você.
— Eu não...
— Eu só queria que você se importasse, — eu choraminguei.
Minha garganta parecia entupida e eu sabia que começaria a chorar
a qualquer segundo, então escolhi raiva. Melhor do que tristeza. E
dor. — Mas você não se importou, e não se importa. Então sai da
porra do meu carro e me deixa em paz — Ele parou por um
momento e eu coloquei minha chave na ignição. — Eu disse para
sair do meu carro. Eu preciso ir cuidar das crianças. Já estou
atrasado.
Ele assentiu. Silenciosamente, piscando, ele saiu do meu carro e
atravessou o estacionamento com os braços ainda cruzados com
força sobre o peito. Um garoto do segundo ano acidentalmente
parou na frente dele, e Will abriu caminho com muito mais força do
que precisava, abaixando a cabeça enquanto avançava.

E então, Will e eu começamos a operação: tratamento silencioso.


Era difícil dizer quem estava ignorando quem, porque nós dois
nos esforçamos ao máximo para fingir que não tínhamos ideia de
quem era o outro. Sem mensagens de texto, sem contato visual,
sem falar na aula. Era tarde demais para ele mudar de mesa em
Apreciação Musical, mas ele começou a sentar-se o mais longe que
podia, com as costas em um leve ângulo para que ele nem tivesse
que me ver pela visão periférica.
Não foi tão ruim durante o almoço, pelo menos, já que Darnell de
repente não parecia querer nada com Niamh, então os caras do
basquete permaneceram em sua própria mesa. O que era uma
droga para Niamh, mas era difícil se sentir muito triste por ela,
porque eu estava muito aliviado de não passar por silêncios
constrangedores com Will quando tudo que eu queria fazer era
comer um panini de frango em paz.
Quando Juliette voltou para a escola, animada depois de acertar
seu teste no Conservatório, ela disse que era como entrar no
rescaldo de um holocausto nuclear — Como os três de vocês
entraram nesse tanto de drama nos dois dias que eu estava de folga
da escola? — ela perguntou quando terminamos de atualizá-la
durante a aula.
Mas nós nos adaptamos à ausência dos caras rápido o suficiente,
e depois de algumas semanas, tínhamos nos adaptado a uma nova
vibe. Uma vibração nós-não-precisamos-de-nenhum-homem (exceto
Ollie, ele é ok). E tudo estava bem. Você sabe, não é epicamente
ótimo nem nada, mas ótimo. Até o dia em que Juliette começou a
chorar em seu cheeseburger na hora do almoço, do nada.
Lara pareceu ligeiramente alarmada com a repentina
demonstração de emoção, e Niamh e eu entramos em ação
imediatamente.
— Oh meu Deus, o que há de errado, querida?
— E aí, como vai? Você está bem? Não, você não está totalmente
bem; por que eu perguntei isso? O que aconteceu?
Juliette enterrou o rosto nas mãos e deu um gemido frustrado e
um soluço. — Eu não queria falar sobre isso. Eu pensei que estava
bem.
— Sim, bem para um homem que foi gentilmente corrigido na
internet — Lara disse, cruzando uma perna sobre a outra.
Juliette espiou por entre os dedos — Recebi uma carta de
rejeição ontem.
Eu empalideci. — Do Conservatório?
Ela acenou com a cabeça.
— Ah não. Merda.
— Achei que você tinha dito que a audição foi bem… —
Perguntou Niamh.
— Eu pensei que sim! Foi o melhor que já toquei. A melhor que eu
já toquei, e ainda não era bom o suficiente. — Com isso, ela
começou a chorar de novo, e eu mexi na minha cadeira para que
pudesse dar um tapinha nas costas dela desajeitadamente.
— Essas escolas são tão seletivas — eu disse — Honestamente,
Valentina provavelmente poderia ter sido rejeitada por metade deles.
— Ela não iria. Ela poderia entrar em qualquer lugar porque ela é
incrível, e eu sou péssima, e vou ficar presa aqui.
— Você se inscreveu em alguma outra escola? — Niamh
perguntou baixinho.
Juliette encolheu os ombros à mesa. — Eu me inscrevi na
Juilliard, mas nem consegui uma audição. E também na estadual da
Carolina do Norte.
— Eu não sabia que eles tinham um bom programa de música —
eu disse.
— Eles não tem. Era para ser minha escola de apoio. Tipo, o pior
cenário. Mas eu não... pensei que isso realmente aconteceria.
Eu estava arrasado por ela. Não fez sentido para mim. Juliette
adorava clarinete e era muito talentosa, apaixonada e dedicada.
Como isso poderia acabar? Bem desse jeito?
Lara de repente pareceu surpresa, mas não em relação a Juliette.
Ela estava olhando para algo atrás de mim. Eu me virei bem a
tempo de ver Renée mergulhar como uma bruxa sem vassoura,
brandindo um telefone em vez de uma varinha a centímetros da
minha cabeça — Lara, sério, chega.
Juliette, Niamh e eu trocamos olhares cautelosos, enquanto Lara
esticava o lábio inferior para alegar ignorância. — Chega de quê?
— Me mandando mensagens de texto, me ligando e me pedindo
para sair. Você precisa ter um hobby ou algo assim.
Por baixo da indiferença desafiadora de Lara, havia uma pitada de
confusão. — Eu não sei o que você-
— Não há nada acontecendo entre nós — disse Renée, muito
mais alto do que ela precisava. Ela olhou para trás e eu olhei para
trás para ver seu namorado assistindo a algumas mesas. De
repente, fez sentido. Este foi um show, feito para o benefício dele. —
Quão mais clara eu posso me ser?
O queixo de Lara caiu e eu me perguntei se Renée havia feito a
menor tentativa de deixar isso claro antes deste momento —
Espere, então você está dizendo que não quer se casar? — Lara
perguntou, o modo sarcasmo oficialmente ativado — Isso veio do
nada.
— Sinto muito, Lara, mas eu sou hetero, ok? Eu não penso em
você assim. Não mesmo. Você está com a ideia errada.
Renée estava praticamente gritando agora. O burburinho das
mesas ao nosso redor havia diminuído, e alguns alunos olharam
para trás para escutar com mais eficácia a discussão. Se
“discussão” fosse realmente a palavra certa para essa situação -
para ser justo, Lara parecia quase incitar Renée mais do que
revidar.
— Bem, claramente! — Lara disse. — Acho que algo deve ter me
confundido. Você pode pensar o quê? Está na ponta da minha
língua, mas eu simplesmente não posso...
— Você precisa parar com isso! — Renée gritou.
— Não, você precisa parar com isso — eu disse calmamente. A
questão é, porém, eu não queria dizer isso. Saiu da minha boca tão
rápido quanto pensei. Eu congelei quando Renée virou para me
encarar, seu rosto vermelho e furioso. Isso não era bom. Eu não era
uma pessoa do tipo confrontar. E sim um cara “comendo pipoca na
última fileira, fora da linha de fogo”.
Quando ela abriu a boca, no entanto, Niamh interrompeu —
Renée, se você quiser falar com Lara, tudo bem, mas gritar com ela
em público não é uma boa.
— Sim, então você pode querer dar o fora da nossa mesa antes
que o resto de nós grite de volta com você — Juliette acrescentou,
seu rosto ainda inchado e vermelho, mas sua voz firme. — E
acredite em mim, podemos gritar mais alto.
Renée olhou entre nós e franziu a boca. Ela parecia estar
pesando os prós e os contras. Juliette ergueu uma sobrancelha para
ela e ela fez uma careta, antes de se virar para Lara — Pare de me
enviar mensagens de texto — disse ela em voz baixa.
— Com certeza, querida. — Lara disse, voltando-se para sua
lasanha como se a conversa fosse um pouco chata demais para
prender sua atenção.
Mesmo quando Renée desapareceu, Lara fez um trabalho
impressionante em manter a compostura, apesar dos sussurros e
olhares óbvios das mesas ao nosso redor. Até mesmo os caras do
basquete estavam olhando, e eles estavam praticamente do outro
lado do refeitório. Matt estava olhando diretamente para Lara, como
se estivesse tentando chamar sua atenção. Ele parecia preocupado.
— Entããão… — Juliette disse.
Lara revirou os olhos e empurrou o telefone para Juliette. — Aqui.
Diga-me se o que eu disse justifica isso.
Juliette e Niamh inclinaram a cabeça para olhar para a tela. Eu
não me incomodei em me juntar a elas. Eu apenas olhei para Lara e
esperei.
— Isso foi basicamente abuso mental — disse Lara.
— O que é isso?
— Quando alguém tenta distorcer o que realmente aconteceu
para fazer você pensar que está perdendo o controle — Ela enfiou a
lasanha na boca — Tentando me fazer parecer obcecada por ela,
como se ela não estivesse me guiando ativamente todo esse tempo.
Juliette e Niamh ressurgiram — Ela estava flertando com você —
Niamh confirmou.
— Todo o caminho até a parte em que você ficou irritada por ela
estar flertando com você enquanto namorava um cara com quem
ela não tinha nenhuma intenção de terminar — disse Juliette, um
pouco mais alto do que precisava. Provavelmente para que as
mesas próximas ouvissem o lado de Lara da história, eu imaginei.
Mas Lara balançou a cabeça. — Não faça isso. Não preciso que
mais ninguém saiba o que aconteceu. Eu não poderia me importar
menos com o que eles pensam.
Poderia me importar menos, eu corrigi internamente. Mas eu
guardei para mim. Agora não parecia ser a hora.
— Mas ainda assim — pressionou Juliette — Isso foi
completamente desnecessário. Estou pensando em ir até lá e ler
este tópico para toda a mesa dela.
Lara encolheu os ombros. — Está tudo bem. Sério. Acho que
apenas pensei que poderia significar algo para ela. — ela concluiu,
da mesma forma que alguém poderia dizer: “Acho que pensei que ia
chover hoje.”
Sim.
Eu sabia como era isso.
19

Lara se sentou na parede de tijolos que margeia a entrada da


escola com as costas retas, suas botas de salto cruzadas nos
tornozelos, e seu vestido azul celeste estendido sob o café gelado
que ela segurava em seu colo. Juliette, Niamh e eu ficamos
bebendo nossos próprios cafés, flanqueando-a. Hoje, ela era uma
rainha e nós éramos seus guardas. Ficamos juntos, sempre.
Tínhamos os colares para provar isso.
Como qualquer rainha, ela chamou a atenção da multidão quando
as crianças passaram por nós a caminho da escola. Mas os olhares
longos demais e sussurros abafados não ficaram impressionados.
Alguns estavam curiosos, alguns estavam quase com medo e
alguns eram críticos.
Nós olhamos para cada um deles até que eles continuassem se
movendo.
Todo mundo já sabia, é claro. Qualquer um que não estivesse lá
no refeitório teria descoberto pela rede de sussurros ontem à tarde.
Havia pessoas em toda a escola que nunca conheceram Lara, mas
que agora conheciam detalhes íntimos sobre sua sexualidade. Iria
tê-los em suas mentes quando e se conhecê-la. Teria uma opinião
sobre ela e sobre quem ela era como pessoa.
Eu sabia como era isso. Merda. Absolutamente uma merda.
Avistei um grupo de pessoas em preto e branco se movendo pelo
estacionamento. Will, Darnell e Matt. Inclinei meu corpo na direção
de Lara para não ter que fingir estar incrivelmente interessado no
telhado quando Will passasse, a fim de evitar o contato visual
estranho.
— Pergunte a ela.
O sussurro veio de um grupo de garotas que reconheci
vagamente de Biologia. Uma delas, uma garota que usava o cabelo
loiro castanho preso em um rabo de cavalo, usava uma camiseta
que dizia CHOCOLATE É A RESPOSTA, MAS QUAL ERA A
PERGUNTA ? Suas amigas deram-lhe um empurrão e ela deu uma
risadinha, então se atreveu a olhar para Lara em seu trono. —
Então, queríamos saber se você era lésbica quando todas nós nos
trocamos juntas nos bastidores do Sophomore Showcase?
Lara fez questão de virar gradualmente a cabeça para observar a
garota — Oh, bom dia de merda, Charlotte — ela disse, estridente e
alegre.
As amigas de Charlotte mudaram de posição, mas se mantiveram
firmes — É uma pergunta justa — Charlotte disse — Quero dizer, se
já fosse, é muito ruim você não ter dito nada. Tínhamos o direito de
saber com quem estávamos nos trocando. Algumas de nós até
estavam nuas.
Lara riu da bebida, fazendo o café borbulhar — Deus, você está
certa. É uma maravilha que eu fui capaz de me conter em torno de
vocês depois que você tirou a roupa de baixo da sua avó.
— Então, você era?
— O quê, você acha que fui direto para a cama, então tive o
sonho sexual mais convincente do mundo e acordei com desejo...
— Não diga isso.
— Vagina, clitóris...
— Você é nojenta.
— A fornalha peluda, — Lara gritou, chutando na frente dela.
Charlotte gritou e saltou para trás — O que, você tem vergonha de
ser uma menina ou algo assim, Char?
— Charlotte. E não, eu não acho isso. Mas eu achei interessante
que todos vocês começaram a andar com o novo garoto e, de
repente, vocês também são gays.
Claro que eu seria arrastado para isso. Claro.
— Não há nada de repentino nisso, Charlotte. — Lara disse.
— Isso é tudo que eu queria saber. Nesse caso...
— Na verdade, — Lara disse por cima dela — eu estava
transando com sua mãe no dia em que você teve seu primeiro canal
do Lifetime, um beijo direto com Todd Ferguson.
— Eu sempre soube que você era uma vagabunda, mas não
pensei que fosse...
— Não acho que você queira terminar essa frase. — Era Matt,
invadindo o fluxo de alunos, seguido de perto por Darnell e um Will
de aparência nervosa.
— Isso não é da sua conta — Charlotte disse, mas sua voz tinha
perdido um pouco de sua raiva.
— Como diabos não é da minha conta. Você está parada na
frente da minha escola vomitando alguma merda para a minha
amiga, quando você e eu sabemos que sua mãe lavaria sua maldita
boca se ela ouvisse você dizendo esse tipo de coisa. Então vá em
frente, se você quiser, mas eu vou estar gravando, e eu vou enviá-lo
direto para minha mãe, que vai certificar-se de deixar a sua ver
ainda no primeiro período. Elas trabalham no mesmo prédio,
lembra?
Vários alunos diminuíram o ritmo para ver o drama se desenrolar
até agora. Charlotte parecia estar decidida a continuar, mas suas
amigas tiveram o bom senso de agarrá-la pelo cotovelo e arrastá-la
para dentro do prédio. Gradualmente, a multidão se dispersou e
Matt foi ficar ao lado de Lara.
— Não preciso de defesa. — disse ela.
— Ah, eu sei que não. Mas você sempre consegue entrar em
confusão, e eu odeio a cara daquela garota desde a sétima série,
quando ela subornou todo mundo para ser presidente de classe.
— Você só queria um pequeno impulso de masculinidade.
— Acredite em mim, minha masculinidade não precisa de nenhum
estímulo. — Matt encostou um braço na parede de tijolos. — Mas,
sério, foda-se ela. Se ela ou qualquer outra pessoa quiser arrumar
problema, me avise, certo? Essa merda não é legal, e eu não tenho
medo de jogar sujo.
Darnell deve ter notado o olhar de admiração que Niamh estava
dando a Matt, porque ele disse — Sim, eu também. Quem se
importa se você gosta de garotas? O mundo continua girando,
sabe?
Minha atenção foi direto para Will com isso, e eu procurei em seu
rosto por qualquer sinal de que ele estava surpreso com as palavras
de seu amigo. Mas hoje ele estava ilegível.
E só por um momento, eu o odiei um pouco. Porque, eu acho,
depois de tudo isso, uma pequena parte de mim ainda esperava que
ele magicamente percebesse que não precisava ficar com medo do
que aconteceria se seus amigos descobrissem as coisas. Então,
idealmente, ele entenderia o quanto me machucou, com a coisa
toda culminando em algum tipo de grande gesto para provar que ele
realmente se importava o tempo todo.
Mas isso era apenas uma fantasia. Uma bela fantasia, com
certeza, mas não mais real do que um milhão de outros contos de
fadas.
Deus, o que eu não daria para viver em um conto de fadas, às
vezes. Ou mesmo apenas uma comédia romântica. Neles, isso não
funcionaria. Tipo, imagine se o Príncipe Encantado pegasse o
sapatinho de cristal e decidisse que a cidade era grande demais
para vasculhar por alguém que encaixasse naquela maldita coisa?
Ou se o Príncipe Phillip visse Malévola soprando fogo por toda a
floresta e pensasse: “não, foda-se, é muito arriscado”? Ou se o
príncipe Eric dissesse: “Hmm, eu poderia lutar contra a bruxa do
mar polvo gigante dos meus pesadelos, mas também poderia
navegar para casa e voltar a comer peixes que agora sei que são
sencientes, seguro em minha negação e dissonância cognitiva
maldita”?
Mas eles não fariam, eles não fariam nada disso, porque nas
histórias os caras lutam. Eles lutam pela pessoa de quem gostam e
nunca desistem.
Na vida real, porém, às vezes você implora que eles se importem,
e eles simplesmente não se importam. E então eles ficam quietos.
E eles deixam você ir embora sem lutar muito.
Duas semanas após o desastre - fiasco - devastação de Renée...
como quer que você queira chamar, Lara aparentemente decidiu
que estava pronta para seguir em frente.
Parte de mim teria dito que foi rápido, mas eu ainda estava me
lamentando atrás de Will como se ele fosse meu amor profetizado e
destinado a ser verdadeiro e não apenas uma aventura de verão
que não era perene, então talvez eu não tivesse entendido sobre
quanto tempo deveria levar para seguir em frente após um coração
partido.
Como eu sabia que ela estava pronta para seguir em frente?
Duas coisas. Um, ela de repente, inexplicavelmente, estava
flertando com Matt no almoço na singular ocasião quando os caras
do basquete visitaram a mesa, arrastados por Darnell, que sempre
parecia ter uma pergunta ou outra para Niamh. E, quando digo que
Lara estava flertando, não me refiro à brincadeira natural que fez
Will e eu darmos à luz a Larmatt. Quero dizer, lambendo a colher
dela como se ela fosse uma estrela do RedTube, abrindo buracos
em seus peitorais com seu olhar e agarrando seu braço toda vez
que ela falava com ele como se para prendê-lo em uma conversa.
Ainda mais bizarro, Matt pareceu de repente, inexplicavelmente,
desinteressado no flerte de Lara. Ele mal manteve contato visual
com ela, continuou dando-lhe sorrisos curtos e tensos, e apenas
falou com ela para responder a suas muitas e muitas perguntas.
Então, basicamente, pareceu-me que o interesse de Lara era
alimentado pelo desinteresse de Matt, que era alimentado pelo
interesse de Lara.
E eu pensei que Will e eu éramos uma bagunça.
A segunda coisa era mais direta. Mais tarde, naquele mesmo dia,
eu estava voltando para minha casa depois da escola - pela primeira
vez, eu não tive que ir para a casa da tia Linda. Ela estava livre de
emergência por um tempo agora, bata na madeira, então a noite
seria eu, Netflix e um saco inteiro de mini pedaços de Reese. De
qualquer forma, eu tinha acabado de desligar a ignição quando Lara
me enviou uma mensagem.
Segunda-feira, 15h04
Posso te contar uma coisa?

Lara nunca me enviou mensagens. Não fora do Snapchat, o que


mal contava. Isso foi totalmente inesperado, sem qualquer iniciação
minha. Com certeza, fiquei intrigado. Eu estacionei meu carro e
mandei uma mensagem de volta.

Segunda-feira, 15h06
Manda.

Antes que eu pudesse tirar minhas chaves da ignição, ela


respondeu. Supondo que ela tivesse digitado antes que eu tivesse a
chance de responder.

Segunda-feira, 15h06
Eu meio que superei Renée. Não
doeu como achei que doeria, pelo menos. Você também
pode guardar um segredo?

Segunda-feira, 15h07
O que?

Segunda-feira, 15h07
É segredo sério. Mas eu não
sei, eu estava pensando sobre
Matt depois de nossa conversa no baile...

Segunda-feira, 15h08
Ai meu deus você está
revidando.

Segunda-feira, 15h08
Eu não estou!

Bem, talvez.

Mas isso importa? E daí?


Temos dezessete anos, não é como
nós fôssemos casar com as pessoas que nós
namoramos agora. Estou apenas me divertindo.

Além disso, ele é gostoso.

Segunda-feira, 15h09
Quero dizer, sim. Ele é totalmente gostoso.
Especialmente quando ele estava
discutindo com aquela garota Charlotte.

Segunda-feira, 15h09
Tire as mãos!! Você acha que eu devo
ir em frente?

Segunda-feira, 15h09
Isso te deixará feliz?

Segunda-feira, 15h10
Eu não sei, Ollie, eu não sou uma maldita
psíquica! Mas pode deixar.

Eu não pude deixar de rir disso. Que maneira de passar pela vida.
Experimentar coisas malucas na esperança de que te façam feliz.
Isso ia totalmente contra minha filosofia pessoal de analisar tudo em
excesso e só correr riscos quando havia 5% ou menos de chance
de fracasso. Mas talvez a opinião de Lara tenha mérito. Eu mandei
uma mensagem para ela enquanto saía do carro.

Segunda-feira, 15h10
Bom o suficiente para mim. Aí
sim, você deve ir em frente.
Divirta-se o máximo que puder
até que não seja mais divertido. E
se isso nunca acontecer, ainda
melhor.

Segunda-feira, 15h11
Hah. Eu sempre me divirto tanto quanto eu
posso. De outra forma, qual é o sentido?

Eu abri um sorriso com sua resposta enquanto empurrava a porta


da frente com meu quadril, minha mochila deslizando pelo meu
ombro. Eu pulei para endireitá-lo, me equilibrei e parei para
encontrar meus pais sentados na sala de estar.
Ambos deveriam estar no trabalho.
Eu deixei minha mochila escorregar pelo meu braço e a deixei cair
no chão perto da porta. Eu queria voltar para o lado de fora, entrar
no meu carro e dirigir de volta no tempo. Porque eu sabia com uma
certeza terrível que não estava pronto para o que quer que meus
pais diriam a seguir.
Mas eu tive que entrar na sala. Eu me arrastei até o sofá e me
sentei pesadamente.
Silêncio.
Falei primeiro, porque meus pais ficavam se olhando para ver
quem deveria me contar. Como se eu precisasse de algo quebrado
para mim. Como se eu ainda não soubesse o que estava por vir.
— Quando isso aconteceu? — Eu perguntei.
Surpreendentemente, eles pareciam aliviados. Pelo menos
nenhum deles teve que dizer em voz alta, eu acho.
— Perto da hora do almoço — disse papai.
Ah. Hora do almoço. Ela estava morta há várias horas. E eu nem
tinha percebido a mudança cataclísmica. Eu achei que notaria. De
alguma forma.
— Ela teve uma embolia pulmonar. Realmente, tivemos sorte de
ter acontecido assim — mamãe disse em uma voz firme — Foi, ah,
foi rápido. E, nós, hum, nos disseram que sua condição estava
piorando. E que ela estaria com muita dor, em breve. Com muita
dor, Ollie. E ela não queria sentir dor assim. Ninguém quer. Não é
assim que você passa as últimas semanas. E ela passou suas
últimas semanas conosco, andando por aí, comendo, rindo.
Eu encarei o chão.
— Muitas pessoas na situação dela acabam com o intestino
bloqueado. Tudo o que podem fazer nas últimas semanas é deitar
na cama e molhar os lábios. É uma maneira horrível de morrer.
Tivemos tanta sorte que Linda não teve que passar por isso,
querido.
Ela estava tentando me confortar? Porque o tom de sua voz era
tão suplicante, parecia mais que ela queria que eu dissesse a ela
que sim, tudo isso era verdade, e este definitivamente não era o pior
dia que qualquer um de nós já tinha vivido.
Tentei falar, mas não saiu nada. Limpei minha garganta e tentei
novamente. — OK.
Ficamos sentados em silêncio. Senti que deveríamos estar nos
abraçando, e chorando ou algo assim, mas não tive vontade de
chorar. Eu não senti nada, exceto atordoado. O que deveríamos
fazer agora? Sério, o quê? Fomos até a casa do tio Roy e o
consolamos? Ele provavelmente não nos queria lá agora. Ainda
não. Então, o quê, conversamos sobre nossas memórias favoritas
da tia Linda? Oh, Deus, não, memórias, tudo o que tínhamos eram
memórias agora. Isso não parecia real ainda. Era como se estivesse
acontecendo com outra pessoa.
Ok, então, o quê? Acabamos de... ligar a TV? Lavar os pratos?
Tomar banho? Eu fiz minha lição de casa? Nada disso parecia certo.
Esperei que meus pais dessem os próximos passos.
Mas talvez eles também não soubessem o que fazer agora.
Era muito difícil olhar para os rostos aflitos dos meus pais, então,
em vez disso, roí uma das unhas. Foi ruim eu não me sentir triste?
Isso significava que havia algo de errado comigo?
Talvez eu fosse como o personagem principal de Dexter. Tipo,
talvez eu fosse imune à morte e à dor, e teoricamente poderia
passar o resto da minha vida matando pessoas que eu pensava que
objetivamente mereciam morrer, e nunca seria nem um pouco
prejudicado por nada disso.
Mamãe se levantou primeiro — Vou ligar para a vovó e o vovô de
novo — disse ela.
Com isso, ela se referia aos pais do papai. Seus pais faleceram
quando eu era pequeno. Eles tiveram mamãe quando eram super
velhos, tipo, quase quarenta.
O que significava que de toda a sua família, mamãe era a única
que restava agora.
Mamãe abaixou a blusa e saiu do quarto. Ela ainda estava
usando sua roupa de trabalho. Normalmente, quando você pensa
em pessoas enlutadas, elas estão de pijama, e talvez um roupão, e
seus rostos estão vermelhos e manchados. O rosto da mamãe
estava manchado, mas fora disso, ela poderia dirigir uma reunião do
conselho agora e ela não pareceria deslocada.
Papai também. Ainda mais, porque não parecia que ele estava
chorando também. Sem manchas vermelhas à vista.
— Há algo bom que você gostaria de jantar? — ele perguntou.
— Perdão?
— Não vamos cozinhar esta noite, mas você pode escolher. Nós
vamos conseguir o que você quiser. Para viagem — ele acrescentou
como uma reflexão tardia.
— Hum…
— Pense bem sobre isso. — Ele se levantou também, então. —
Você está bem?
Não. Sim. Não. — ...Sim.
— Excelente. Só vou resolver algumas coisas lá em cima. Avise-
me se precisar de alguma coisa, certo?
Com isso, ele escapou também.
Agora era só eu, a sala de estar e um silêncio enorme e
ensurdecedor.
Eu provavelmente deveria ligar para alguém, imaginei. Meu
primeiro pensamento foi Ryan ou Hayley, mas eu não tinha falado
muito com eles ultimamente. Não é que tivéssemos problemas um
com o outro, apenas meio que nos distanciamos.
Lara e eu não tínhamos esse tipo de amizade. O mesmo com
Niamh.
Eu poderia ligar para Juliette, mas ela tem estado tão deprimida
ultimamente que não parecia justo carregá-la com todos os meus
problemas. Além disso, ela provavelmente compensaria sendo
super alegre, ou me levando para tomar sorvete ou algo assim, e eu
não queria alegria ou sorvete. Ou simpatia.
O que eu queria então? Não é como se eu pudesse ligar para
alguém e eles acenassem uma varinha para que tia Linda não
morresse mais. E essa é a única coisa que realmente pode ajudar
agora.
Mamãe desceu as escadas com um USB e o conectou na TV.
— O que você está fazendo? — Eu perguntei.
Ela se sentou ao meu lado e pegou o controle remoto. — Vamos
nos lembrar de alguns dos bons momentos.
Isso não significa o que eu acho que significa, certo? — Mamãe...
— Porque tia Linda não iria querer que nós ficássemos aqui
lamentando. Precisamos rir. Precisamos nos lembrar de como as
coisas podem ser boas. Todas as lindas, lindas lembranças que ela
nos deu.
A TV piscou em um vídeo caseiro de todos nós em San Jose. Eu
me lembrei disso. Tia Linda tinha vindo visitá-la quando Crista tinha
apenas um ano de idade, muito antes de Dylan nascer. Eles vieram
durante as férias de verão e ficaram por cerca de uma semana ou
mais, e eu tive que dormir no sofá para que eles pudessem ficar no
meu quarto.
O vídeo começa com a tia Linda alimentando a bebê Crista em
uma cadeira alta. Ela parecia tão diferente. Bem, Crista também,
obviamente, mas eu tinha esquecido como o cabelo da tia Linda
costumava ser grosso. Sua pele era profundamente bronzeada e ela
quase não apresentava rugas. Eu imaginei que ela deveria estar em
seus vinte e tantos anos.
— Oh meu Deus, Roy, agora não — ela riu para a câmera,
enxotando-a.
— Aqui temos a mãe coberta com o que parece ser vômito e
comida de bebê — disse a voz do tio Roy com uma péssima
impressão de David Attenborough — É a maneira dela se
misturando ao cenário, que, aliás, também está coberto de vômito e
papinha de bebê, para se aproximar furtivamente de seus filhotes.
— Estou lhe dizendo, são os brócolis — disse a voz da minha
mãe. A câmera girou para encará-la digitando algo em seu laptop.
Provavelmente emails de trabalho. Aquele foi o ano em que ela foi
contratada como gerente de alguma empresa de contabilidade,
quando ainda gostava desse tipo de função. Lembrei-me dela
trabalhando todas as horas do dia - e fins de semana - apenas para
acompanhar tudo. — Ollie costumava regurgitar qualquer coisa com
brócolis. Não importou o quão bem eu misturava, assim que atingia
sua boca, bleurgh.
Ao meu lado, minha mãe caiu na gargalhada. Eu olhei para ela
sem abrir um sorriso.
— Eu não vou deixar Crista crescer para ser uma comedora
exigente — tia Linda disse, levantando as sobrancelhas e se virando
para colocar outra colherada na boca de Crista. Crista prontamente
cuspiu de volta em seu rosto com uma framboesa, e Roy perdeu o
controle, rindo tanto que a câmera acabou apontada para seus pés.
— Sim, bem, como isso funcionou para você, Lin? — Mamãe
perguntou na tela. — Ela desistiu disso assim que teve Dylan.
— Mãe.
— Eu disse a ela, você tem a sua determinação, enquanto eles
são pequenos, mas, eventualmente, você percebe que é por isso
que vale a pena cortar as crostas fora se ele salva uma birra de três
horas cada almoço!
— Mãe.
— Sim, querido?
— Você não acha, hum... é um pouco cedo para assistir a vídeos?
Ela parecia confusa, como se não houvesse razão no mundo para
eu pensar isso. — Bem, quando não é muito cedo? Qual é a regra
sobre isso, Oliver?
Eu não sabia, mas tinha certeza de que “três horas após a morte”
era universalmente muito cedo para rir com carinho das coisas. —
Desculpe. Acho que quero dizer, talvez eu apenas não esteja pronto
ainda.
Mamãe acenou com a cabeça. — Tudo bem, querido. Vou assistir
um pouco mais, no entanto. Porque é disso que preciso agora. Eu
só preciso assistir alguns... alguns vídeos, ok? — Seu sorriso era
perigosamente aguado. — O que você precisa agora? Posso fazer
algo por você?
Eu precisava não ser capaz de ouvir a voz da tia Linda como se
ela ainda estivesse viva. Eu precisava não discutir os planos para o
jantar com papai. Eu precisava fazer algo, qualquer coisa, além de
forçar um sorriso e agir como se tudo estivesse bem. Eu precisava
não estar aqui.
— Tudo bem se eu for ver alguns amigos?
Mamãe assentiu vagamente. — Sim, claro, querido. Esteja em
casa por volta das nove, ok?
Ela nem me perguntou para onde eu estava indo. Ela estava
50.000 por cento não bem. Talvez eu não devesse ir embora. Mas
então ela apertou o Play novamente, e Tia Linda foi provar a comida
da bebê para provar que não era tão ruim, e eu tinha que ir, eu
tinha. Então, arranquei minhas chaves da mesa de assentos e corri
para o meu carro.
Eu não tinha ideia de para onde estava indo. Eu não tinha para
onde ir. No início, dirigi sem rumo, entrando e saindo de ruas
laterais, e então me vi parando para encontrar o endereço dele no
Google Maps.
Não fazia muito sentido eu ir até ele. De muitas maneiras, mesmo
Lara ou Niamh teriam sido mais adequadas, porque pelo menos
estávamos nos falando. Mas ele conheceu tia Linda e sabia o quão
doente ela estava, e tinha me ouvido noite após noite no verão
sussurrando na escuridão como eu estava com medo de que ela
pudesse morrer.
Eu só precisava vê-lo.
A casa de Will não era menos intimidante durante o dia do que no
dia de Ação de Graças. Eu estacionei, olhei para ele e engoli, o
coração batendo forte. Não fazia sentido voltar agora, no entanto.
Não foi exatamente uma viagem pequena.
Eu simplesmente não era corajoso o suficiente para ir até a porta.
Então liguei para ele.
— Você está em casa agora? — Eu perguntei.
— Sim?
— Eu estou do lado de fora.
— Você... espere.
Ele desligou na minha cara. Então a porta da frente se abriu e Will
saiu da casa e começou a descer a garagem. Saí do carro
atordoado e fiquei parado ao lado desse, me abraçando até que Will
me alcançou.
Acho que ele soube assim que viu meu rosto — Ollie — ele
respirou, estendendo os braços. Eu me lancei neles como se isso
não fosse estranho e não tivéssemos passado as últimas semanas
fingindo que um ao outro não existia. Assim que senti suas mãos
nas minhas costas, comecei a soluçar. — Oh, Ollie, não. Eu sinto
muito.
Ele me levou, chorando, tossindo e tremendo, direto para seu
quarto, sem nem mesmo me passar pelos pais para dizer oi. Mamãe
e papai teriam me renegado se soubessem que fui tão rude, mas,
naquele momento, honestamente, não poderia ter me importado
menos. Ele me deixou lá por um ou dois minutos enquanto descia e
explicava aos pais, depois voltou para cima e sentou-se comigo em
silêncio.
Quando finalmente me acalmei o suficiente para falar, Will e eu
estávamos sentados em sua cama por cerca de quinze minutos. Ele
não tentou me pressionar para falar, em nenhum momento. Ele
apenas se sentou, seu ombro pressionando contra o meu, com as
mãos em seu colo.
— Eu simplesmente não sei o que fazer — eu disse — O que
você faz quando isso acontece? Meus pais estão agindo como se
tudo estivesse bem, e eles queriam ir jantar e mamãe colocar
vídeos...
— Vídeos?
— Vídeos da Tia Linda! Não é a coisa mais fodida que você já
ouviu?
Will juntou as mãos sobriamente. — Isso é muito ridículo.
— Simplesmente não parece real, Will. Tudo está muito distante e
embaçado, e é como se eu estivesse sonhando, mas não estou.
Estou? Definitivamente não estou sonhando, certo?
— Você definitivamente não está sonhando — disse ele — Eu
sinto muito.
— Tudo bem. Está bem. Mas também, não está tudo bem, porque
ela está morta, e isso é real. Essa é a vida real. A partir de agora
também é a vida real. Para cada dia, de agora em diante, ela ainda
estará morta quando eu acordar todas as manhãs. O que eu faço?
Eu não sei o que fazer.
Eu estava chorando de novo, e Will colocou o braço em volta de
mim para me puxar para ele. Não de uma forma romântica, apenas
reconfortante. O jeito que eu realmente queria que meus pais me
confortassem.
— O que eu faço? — Perguntei de novo. Como se Will de alguma
forma tivesse uma solução mágica para tudo isso.
— Tudo o que você precisar — disse ele calmamente.
Eu descansei minha cabeça em seu ombro. Eu não tinha
percebido como era pesado até então. Meu queixo doía também. De
chorar? Eu estava rangendo os dentes? Eu costumava fazer isso
muito quando era mais jovem, até que quebrou um dente e o
dentista me fez dormir com um protetor bucal. — Foi simplesmente
do nada, sabe? Quer dizer, não foi totalmente inesperado, mas
pensei que teríamos mais avisos. Achei que ela começaria a
parecer muito, muito doente, e saberíamos que isso aconteceria.
Não consigo nem me lembrar da última conversa que tivemos. Acho
que foi por causa do leite estragado.
Chorei durante toda a última frase, tão forte que mal consegui
gaguejar as palavras.
— Não é justo — disse Will.
— Não, não é justo.
— Não.
E da maneira mais estranha, embora eu sentisse que estava
sendo enterrado vivo pela dor, era um pouquinho mais suportável
agora. Apenas ter Will me apoiando e concordando comigo, e não
tentando me fazer ver o lado bom, ou lembrar dos bons tempos, me
fez sentir menos como se estivesse sozinho nisso. Mesmo que Will
mal conhecesse tia Linda, eu senti como se ele estivesse ali comigo
na escuridão. Esperando comigo o tempo que eu precisasse estar
lá.
Por fim, limpei os olhos com as costas da mão e me sentei. — Eu
sinto muito. Acabei de vir aqui do nada, e você provavelmente tem
uma tonelada de dever de casa, e você nem mesmo jantou...
— Está...
— Eu deveria ter pelo menos mandado uma mensagem, ou...
— Ollie — Ele agarrou minha mão e eu olhei para ela, assustado
— Está bem. Estou feliz que você veio. Você pode ficar o tempo que
quiser.
Eu balancei a cabeça e gentilmente tirei minha mão. — Obrigada.
Mas eu devo ir para casa.
Ele me acompanhou até a sala de estar, onde seus pais estavam
assistindo A Origem. Eles chegaram a uma cena em que todos
estavam batendo de cabeça para baixo no corredor, mas pararam
quando nos notaram.
— Oi, Ollie — disse a Sra. Tavares — Will me contou sobre sua
tia. Sinto muito em ouvir. Informe-nos se houver algo que possamos
fazer.
O Sr. Tavares acenou com a cabeça e me deu um sorriso tenso —
É bom ver você de novo, Ollie. Achei que depois do Dia de Ação de
Graças poderíamos começar a ver seu rosto por aqui com mais
frequência.
Tive um flashback repentino do Sr. Tavares praticamente
flagrando eu e Will. Eu forcei uma risada falsa.
— Oh, e Will, — ele disse suavemente — Eu sei que esta noite foi
uma situação um pouco especial, mas lembre-se de nossa regra
sobre não fechar as portas dos quartos.
Will piscou para seu pai como se ele tivesse entrado em
combustão espontânea ou algo assim. Engolindo em seco, ele deu
um aceno rígido e me acompanhou até o meu carro.
Durante todo o caminho, ele olhou para longe sem dizer uma
palavra.
— Você está bem? — Eu perguntei.
— Não temos uma regra sobre não fechar as portas dos quartos
para amigos. Apenas para meninas. Eu e os caras ficamos com a
porta fechada o tempo todo.
Oh. Hm. — Eu sinto muito...
Ele balançou sua cabeça. — Não sinta. Não é sua culpa. Vou
apenas... ver se ele toca no assunto novamente.
Suas palavras eram reconfortantes, mas seu rosto dizia o
contrário. Will não queria voltar para dentro daquela casa.
Hesitei no carro. Parte de mim queria ficar por perto para ter
certeza de que Will não estava tendo um colapso interno, mas se
ficarmos aqui por muito tempo isso não pareceria ainda mais
suspeito? E se o pai dele sentisse vontade de vir aqui e nos dizer
para acabar com isso? — OK. Bem, você poderia, por favor, me
enviar uma mensagem daqui a pouco, então? Para me deixar saber
se ele irá tocar no assunto de novo ou não?
Will acenou com a cabeça. — Certo. E você me manda uma
mensagem mais tarde para me dizer que está bem, certo?
Oh. Claro. Por um breve momento, havia me esquecido da tia
Linda. Então veio à tona, fresco como se eu tivesse acabado de
descobrir. Mas eu não ia chorar. Agora não. Isso pode esperar cerca
de oito segundos. — Sim. Tudo bem.
Tudo bem.
20

A casa parecia um cemitério.


Tive o resto da semana de folga da escola, o que foi um alívio,
porque desenvolvi surpreendentemente o hábito de chorar sem
avisar. Claro, chorei por causa da tia Linda, mas também chorei por
causa de um anúncio de adoção de cachorro na TV, chorei porque
percebi que perderia um teste de matemática na quinta-feira quando
odiava matemática e chorei por cerca de 20 minutos bebendo suco
de laranja numa manhã, porque me fez pensar em como São
Nicolau costumava dar laranjas para crianças pobres e como
algumas pessoas nunca recebem laranjas enquanto eu as
considerava garantidas durante toda a minha vida.
Eu também não fui o único a chorar. É o que mamãe faz a maior
parte do dia agora. Ela superou aquela reação inicial bem otimista
muito rapidamente. Não gostei de ver minha mãe chorar, mas foi
menos perturbador do que sua risada anormalmente alta no primeiro
dia. Papai chorava menos, mas não sorriu nenhuma vez. Estávamos
sombrios durante os preparativos do funeral, e durante o funeral em
si na sexta-feira, e enquanto vivíamos, tentando descobrir como
seria agora.
Para meus pais, pelo menos, viver parecia fazer tudo o que
podiam para ajudar tio Roy e as crianças. O que, naquele domingo,
significava preparar sopa, lasanha e caçarolas para um exército
para congelar e reaquecer quando necessário.
— Ollie, você pode encher o resto dessas Tupperwares? —
Perguntou mamãe. Ela estava coberta de respingos de molho de
tomate, tinha uma mancha de queijo pegajoso na sobrancelha e
uma das mangas estava enrolada ao acaso. Seus olhos estavam
inchados de tanto chorar pela metade da manhã, e seu cabelo não
era lavado há alguns dias, então ela o usava em um coque
bagunçado.
— Sim, claro — Eu assumi para ela e comecei a colocar a
caçarola em recipientes de vários tamanhos. — Que tal você subir
um minuto antes de trazermos isso tudo ao redor?
Ela hesitou, e o papai entrou na cozinha e fez gestos de enxotar
com as mãos. — Você tem suas ordens. Vamos cobrir as coisas
aqui.
Silenciosamente, ela balançou a cabeça e desapareceu, deixando
papai e eu sozinhos na cozinha.
Ele começou a carregar a máquina de lavar louça. — Obrigado
por ser um campeão em ajudar sua mãe e eu.
— Sem problemas.
— Sério, você foi um campeão o ano todo.
Fiz uma pausa e olhei por cima do ombro. Ele estava curvado
sobre a máquina de lavar louça, escondendo o rosto, mas sua voz
parecia estranhamente tensa.
Prendi a tampa em outro recipiente e coloquei no refrigerador em
que estávamos empilhando toda a comida — Bem, quando alguém
que você ama precisa de você, você dá um passo à frente, certo?
Quando papai finalmente se virou, seus olhos estavam brilhantes.
— Certo. Sim. Isso mesmo.

Na casa da tia Linda - bem, acho que não deveria chamá-la mais
assim... era do tio Roy agora, certo? - as crianças estavam na sala
de estar na frente de da tv assistindo Viva. Eu não sabia se o tio
Roy percebeu que era um filme sobre membros da família falecidos
na vida após a morte, mas não queria desencadear nada trazendo o
assunto à tona. Quem sabe, talvez ele tenha pensado que seria útil
para as crianças assistirem para processar o que houve na semana
passada.
O tio Roy agradeceu incessantemente aos meus pais pela
comida. Acontece que todas as famílias em toda a cidade tiveram a
mesma ideia, porém, porque seu freezer já estava tão
transbordando que não havia como enfiar mais nada. No final, eles
decidiram encher o refrigerador com gelo e preparar no canto da
cozinha como uma segunda geladeira.
Todos os três adultos pareciam ser atores em uma peça de
improvisação. Não muito convincentes também. Eles sorriram como
se tivessem aprendido com instruções escritas passo a passo. Eles
conversavam sobre qualquer coisa, qualquer coisa, menos sobre a
tia Linda, mas ela estava em tudo o que diziam mesmo assim.
Tenho tido problemas para dormir. Porque ele estava chorando. As
crianças voltam para a escola e para a pré-escola na segunda-feira.
Porque eles também haviam tirado uma semana de folga para
lamentar, e agora se esperava que de alguma forma voltassem à
vida como se não houvesse um enorme buraco no meio disso. Ah,
não, eu não consegui assistir o final da série. Porque ele costumava
assistir ao programa com a tia Linda - ela me disse - e eu acho que
ele não sabia como assistir sabendo que ela nunca descobriria
como acabou.
Nunca.
Eu afundei no sofá com as crianças. Viva tinha sido um grande
filme no ano passado. Qual seria o próximo sucesso da Pixar?
Fosse o que fosse, tia Linda nunca saberia. Mesmo que fosse maior
do que Frozen, ela nunca saberia que existia.
Qualquer música que saísse dessa semana em diante, tia Linda
nunca ouviria. Nem uma vez.
Tudo o que ela iria saber já havia acontecido. Britney Spears
poderia ser eleita a nova presidente dos Estados Unidos, e tia Linda
nunca saberia. O governo pode finalmente admitir que tem
alienígenas em um depósito, e tia Linda nunca saberia. O mundo
continuaria se movendo, e tragédias aconteceriam e coisas lindas
aconteceriam, e nós inventariamos coisas e cresceríamos e tia
Linda nunca veria nada disso.
E... Deus, eu era tão egoísta e egocêntrico, mas embora
estivesse completamente arrasado com a tia Linda, também estava
com medo de mim mesmo. Quer dizer, eu sabia sobre a morte,
obviamente, mas sempre foi no abstrato. Agora parecia
surpreendentemente real. Pessoas reais que eu conhecia
morreriam. Todos nós. Cada pessoa real que eu conhecia morreria.
E eu morreria também.
Um dia, eu veria a última coisa que veria. E no dia seguinte,
alguém lançaria uma música que eu nunca ouviria. Estatisticamente,
os eventos mais incríveis que já aconteceram no mundo
provavelmente aconteceriam em algum momento no futuro distante,
e eu nunca saberia sobre isso. Tantas coisas lindas e maravilhosas
aconteceriam um dia, em um mundo que não me tivesse nele. E eu
não queria que o mundo continuasse se eu não estivesse nele.
Quero dizer, obviamente eu queria, não é como se eu quisesse levar
todo mundo comigo. Mas a ideia de apenas estar aqui, e depois não
estar aqui, e o mundo realmente não se importar que eu tivesse ido
era tão... isso só... me fez sentir vazio.
Will iria rir de mim e me chamar de gótico se me visse, porque eu
provavelmente estava preenchendo todos aqueles estereótipos
existenciais agora, mas sério, qual era o sentido? Qual era o
objetivo? De nada disso? Se todos nós íamos desaparecer a
qualquer momento, por que se incomodar em tentar enquanto
estávamos vivos? Não é como se nós fossemos capazes de nos
lembrar de nada depois que estivéssemos mortos.
Tirei os sapatos, trouxe os joelhos até o peito e voltei a assistir ao
filme.
Uma parte de mim esperava que as crianças me fizessem
perguntas sobre a vida após a morte, como se é onde sua mãe
estava, e se ela era um esqueleto agora, ou algo assim. Mas eles
não fizeram. Eles estavam estranhamente quietos. Tipo,
estranhamente quieto. Crista, que nunca fazia uma pausa, apenas
olhava para a TV. Ou, realmente, ela olhou pela TV com os olhos
vidrados, aninhada em seu pufe rosa brilhante.
Dylan, sentado em um pufe coberto de fotos de Thomas e Seus
Amigos, estava segurando uma garrafa sem beber. Sentei-me
confuso. Desde quando ele largou copos e canecas? — Ei, Dyl. Faz
um tempo que não vejo essa garrafa.
— É a minha garrafa.
— Sim, eu me lembro.
— Minha garrafa.
— Sim, eu sei.
— Você não pode ter.
— Isso é bom. Eu não quero isso.
— Você não pode ter. É minha garrafa. É MINHA GARRAFA, EU
QUERO, NÃO É SUA! — ele gritou, enrolando-se em uma bola em
seu pufe. Crista mal olhou para ele. — É MEU FRASCO! MINHA
GARRAFA, MINHA GARRAFA!
Ah Merda. — Dylan, sim, é a sua garrafa. Eu não vou...
— NÃO PEGUE!
— Eu não vou!
— NÃO É SUA GARRAFA, OLLIE! NÃO, NÃO É, NÃO É... — Ele
parou e começou a gemer, gritando e convocando um demônio das
profundezas do covil de Hades.
Eu pulei no chão e fui tentar acalmá-lo — Ei, ei, Dyl, está tudo
bem.
Ele bateu em mim com a garrafa. — NÃO! NÃO!
— Eu não estou...
Ele jogou a garrafa em mim e acertou-me bem na testa. Quase
me nocauteou também — Dylan!
Em resposta, ele rugiu para mim, seu rostinho roxo de raiva. Eu
segurei a garrafa para ele e ele a arrancou da minha mão e
começou a chutar o ar, gritando o mais alto que podia.
Crista continuou assistindo ao filme como se isso nem estivesse
acontecendo.
Levantei-me, impotente, e tio Roy entrou na sala. Eu estava
prestes a explicar, mas ele não pareceu surpreso — Ei, garoto —
disse ele, pegando um Dylan ainda chutando e gritando — É hora
de seu cochilo.
— NÃONÃONÃONÃON-
— Sim. Diga boa noite para Ollie e Crista.
— NÃONÃONÃONÃON-
— Boa noite, Ollie. Boa noite, Crista.
Os gritos de Dylan diminuíram enquanto ele era carregado sem
cerimônia para fora da sala.
— Ótimo — disse Crista sem erguer os olhos — Ele estava
machucando meus ouvidos.
Sentei-me no sofá, meus próprios ouvidos zumbindo — Parece
que ele está sentindo falta da sua mãe.
— Sim.
— Como você está? Está se sentindo bem?
Ela ergueu os olhos agora. Estava claro em seu rosto que ela
estava irritada comigo. Ela inclinou a cabeça — Ollie, não consigo
ouvir o filme.
— Oh. Desculpe.
Então, assistimos em silêncio. Nós dois estávamos lidando com
isso muito bem, até a parte em que o garoto canta para sua abuela
a canção angustiante sobre como lembrar de pessoas que já
faleceram. Então eu perdi.
Pelo menos eu tive o bom senso de pedir licença para sair da
sala, então, especificamente, eu me perdi no corredor. Pressionei
minhas costas contra a parede e afundei no chão, chorando o mais
silenciosamente que pude. Eu não queria estar aqui nesta casa
sabendo que tia Linda nunca estaria nela novamente. Era a casa
dela. Viemos aqui quando a visitamos. Durante minha vida inteira
essa foi a casa dela. Isso não estava certo. Nada disso estava certo.
Alguém se sentou ao meu lado. Mamãe. Eu nem a tinha ouvido
entrar.
— Oi, meu lindo homem, — ela disse — Não está indo tão bem?
Eu funguei e encolhi os ombros sem encontrar seus olhos.
— É difícil estar aqui, hein? — ela perguntou. Eu balancei a
cabeça, e meu queixo começou a tremer enquanto tentava conter os
soluços — Vai ficar mais fácil. Essa é a beleza do universo. Isso o
faz passar por provações, mas nunca lhe dá nada que você não
possa suportar. Nós crescemos com essas coisas.
Eu deixei minha cabeça bater na parede e a rolei para que eu
pudesse encontrar seus olhos. — Mamãe. Isso não aconteceu para
nos ensinar uma lição e nos ajudar a crescer.
Ela escureceu — Ollie, não foi isso que eu quis dizer e você sabe
disso.
— Isso não é lindo. É feio e sem sentido. É isso, mãe. Não fazia
sentido. Ela está morta e não há nada de justo nisso. Ela teve uma
vida e acabou, e isso é tudo para ela e isso é tudo para nós. Não fez
nada melhor que ela morresse. Como você ainda pode acreditar que
há um significado para tudo isso? O que, o que você pensa, algo lá
fora no universo olhou para baixo das nuvens e encontrou nossa
família e disse: 'Hmm, quer saber? Foda-se essa família em
particular.' Crista e Dylan não têm mais mãe, e tio Roy perdeu a
pessoa que ama, e ela nunca envelhecerá, e não há. Razão. Para.
Isto. Foi apenas um desperdício. O fim. Desculpe se não estou feliz
com isso.
Ela olhou para mim e algo no meu estômago revirou — Você acha
que estou feliz com isso? — ela perguntou incrédula. — Ela era
minha irmã. Ela era minha irmãzinha.
Todo o meu vapor acabou de uma vez e eu murchei contra a
parede. — Mamãe…
Ela foi falar, depois balançou a cabeça, levantou-se com um
grunhido de frustração e se afastou de mim.

Passei bem no primeiro dia de volta à escola. Ou, pelo menos,


consegui sobreviver pela manhã. Sem colapsos, sem surtos, sem
contemplações aterrorizadas de minha própria mortalidade.
As meninas foram apropriadamente gentis comigo quando voltei.
Mesmo Lara não tinha nenhum comentário atrevido. Apenas muitas
perguntas sobre como eu estava e um pouco de preocupação. Eu
estive ignorando a maioria de suas mensagens durante toda a
semana. O mesmo vale para o texto de condolências enviado por
Hayley e Ryan. A conversa parecia consumir muita energia. Energia
que eu não tinha.
Na hora do almoço, fui para a sala de música em vez do refeitório.
Juliette pareceu desapontada quando passei correndo por ela para
pegar uma fatia de pizza para viagem, mas o que eu poderia fazer?
Mesmo que eu tenha sobrevivido, o esforço de estar bem e
empenhado durante toda a manhã foi mais exaustivo do que eu
imaginava. Eu pensei que estava tudo bem para voltar para a
escola, mas isso não significava que eu poderia voltar direto sem
ajustes. Um pouco de tempo sozinho não seria errado.
Quando peguei o baixo, porém, percebi que não estava com
vontade de tocar. Eu só queria silêncio. Então, em vez disso, caí no
chão com as costas contra a parede, puxei o baixo para o meu colo
e tamborilei meus dedos no corpo.
Era bom estar em um lugar tranquilo. Eu amava as meninas, mas
simplesmente não era próximo o suficiente para ficar triste. Claro, eu
poderia ficar deprimido por um ou dois dias, mas e se demorasse
mais do que um ou dois dias? E se eu ficasse deprimido por
semanas ou meses? E se eu nunca mais ficasse alegre de novo? E
se eu precisasse encarar, agarrar e ficar perdido em meus
pensamentos? E se eu apenas precisasse chorar?
Sozinho aqui, eu poderia fazer qualquer uma dessas coisas. Eu
podia sentir todos os sentimentos negativos, terríveis e doloridos ao
mesmo tempo, e não precisava ficar constrangido sobre isso ou
tentar colocar uma máscara para que outra pessoa não se sentisse
arrastada para baixo.
Mas agora que eu tinha liberdade para chorar, não conseguia me
obrigar.
Alguém colocou um novo pôster na parede para se juntar às
outras citações inspiradoras. MÚSICA CURSA ATRAVÉS DE
NOSSAS VEIAS, A PARTIR DA MENOR FORMIGA PARA A MAIOR
BALEIA, ele proclamava em enorme fonte comic sans, escarlate. No
fundo estava o que eu supus ser um Photoshop de uma formiga
prestes a ser pisada por um pé de elefante. Ou as dimensões
estavam todas erradas, ou era algum tipo de formiga super-herói
mutante, porque era quase do tamanho de uma das unhas dos pés
de um elefante.
Literalmente, o que diabos essa citação significa? E por que foi
emparelhado com a imagem de uma formiga prestes a morrer?
Acho que a música que corria por suas veias era uma marcha
fúnebre.
Quase ri do meu humor surpreendente, mas então comecei a
pensar sobre a música no funeral da tia Linda, e a risada sumiu.
Houve um movimento ao lado da sala, e olhei para encontrar Will
entrando. Eu não o tinha visto muito desde a noite em que dirigi
para sua casa. Ele me deu um sorriso inseguro. — Ei. Posso sentar
com você?
Eu dei um tapinha no chão ao meu lado — Entre.
Ele se abaixou no chão e cruzou as pernas como no jardim de
infância. — Como vai?
Ele tinha boas intenções, mas puta merda, eu não queria falar
sobre isso. Eu passei muito tempo falando sobre a morte, e como
me sentia terrível, e como toda essa merda era inútil. Em casa, eu
sentia que não podia falar muito mais. Mas não tinha nada de novo
a dizer. Repetir não estava ajudando mais. Pela primeira vez, só por
uma vez, eu queria falar sobre algo sem sentido.
— Ei, Will? — Eu disse em vez disso. — Você acha que as
formigas têm coração?
Ele me estudou por muito tempo. — Eu... nunca pensei sobre
isso.
— Bem, é apenas o pôster que fala sobre veias de formigas, e
veias costumam levar sangue aos corações, certo?
Ele olhou para onde eu apontei — Essa é uma imagem realmente
deprimente.
— Não é? Oh meu Deus, não sou só eu. Acho que é o pôster
motivacional mais desmotivador que já vi.
— Você poderia dizer que é um pôster nada inspirador. Além
disso, por que formigas? Se estivermos indo do menor para o maior,
você pode ser bem menor do que as formigas. E quanto aos
carrapatos? Ou bactérias?
— As bactérias não têm veias, eu acho.
— Honestamente, Ollie, eu não acho que formigas também. Eu
realmente não acho.
Eu não pude evitar, mas comecei a sorrir com isso — Oh não,
acho que você está certo.
— Elas têm? Agora eu nem sei. Espere, estou pesquisando essa
merda no Google.
Eu ri e coloquei meu violão no chão ao meu lado, então me
inclinei para olhar o telefone de Will. Ele abriu um artigo e rolou a
página — E é um não — disse ele. — Sem veias. Nenhum sangue.
— Ei, não, elas têm sangue.
— Sim, fluido estranho incolor. Não é a mesma coisa.
— Você não pode sair por aí apagando o sangue dos insetos
porque não é igual ao seu.
— Me observe.
Eu inclinei minha cabeça para um lado e brinquei com meu colar,
um sorriso ainda persistente em meus lábios. Mesmo que eu me
sentisse um pouco culpado por rir, me senti bem. Tão Tão bem. —
Você veio aqui para me verificar?
— Eh, sim e não. Achei que você provavelmente queria algum
espaço, então eu normalmente não teria aparecido, mas na verdade
eu queria seu conselho sobre algo.
Interessante. — Sim?
— Então, Lara sempre pareceu pelo menos um pouco interessada
em Matt. Mas então, aparentemente, ela estava interessada em
Renée. Então, estou me perguntando o que está acontecendo?
Quer dizer, não era exatamente o que eu esperava. Eu estiquei
meu lábio inferior e pensei na melhor resposta. Lara me disse que
gostava de Matt confidencialmente, então eu não queria desistir
disso. Mas talvez eu ainda possa bancar o Cupido.
Antes que eu pudesse falar, porém, Will gemeu. — Deus, eu sou
um idiota. Desculpe, você deve pensar que estou sendo ridículo
agora. Você tem coisas maiores acontecendo do que o que Lara
gosta.
Bem, tipo isso. Mas era uma distração tão boa de todas as
merdas maiores. — Não, sério, está tudo bem. Ela gostava de
Renée, mas tenho certeza de que tudo acabou. Por que você
pergunta?
— Porque Matt acha que ela é lésbica.
Oh. — Não. Ela é bi.
— Certo, eu pensei que ela poderia ser — Will disse — Matt tem
uma queda por Lara há anos, mas acho que ele acha que não há
mais sentido.
— Oh, eu diria que há muito sentido.
Will bateu no meu ombro — Como você se sentiria explicando
isso para Matt?
— Eu? E agora?
— Sim? Ele acreditaria vindo de você. Eu não acho que eles me
veem como o especialista residente em identidades, sabe?
Por um lado, eu estava me divertindo aqui. E ainda mais com Will
como companhia. Eu ficaria sentado aqui falando bobagem absoluta
com ele ao invés de voltar para o refeitório lotado e barulhento. Ou,
pelo menos, eu normalmente faria. Mas uma parte não tão pequena
de mim realmente queria ajudar Lara. Porque talvez eu realmente
gostasse dela agora, e talvez eu realmente quisesse que ela
soubesse que eu fiz algo por ela.
— Tudo bem — eu disse, pulando e estendendo a mão. — Mas
vamos fazer isso rápido. O sino está prestes a tocar.
Will pegou minha mão e me deixou colocá-lo de pé.

Os caras do basquete estavam sentados em sua própria mesa


hoje. Sem as meninas para separá-los, era basicamente um mar de
jaquetas preto e branco. De repente, juntei-me a mim em meu novo
suéter salmão e jeans skinny castanho, para quebrar o
monocromático. Eu escolhi o suéter naquela manhã porque parecia
que me animaria a usar algo diferente de preto e cáqui esta
semana. Funcionou? Na verdade. Não.
— Ei, o que houve, Ollie? — Matt perguntou. Ele estava me
olhando com expectativa. Eu imaginei que Will tinha contado a ele
porque ele saiu para me encontrar. Bem, não há motivo para
rodeios. Além disso, se eu contasse a ele o que realmente estava
acontecendo comigo, provavelmente faria toda a vibração
desconfortável e deprimente. Então.
— Você gosta de Lara? — Eu perguntei.
Alguns dos caras riram e riram, mas Darnell lançou-lhes um olhar
de advertência e eles se calaram. Matt encolheu os ombros e
recostou-se na cadeira. — Sim, mas é tanto faz. Ela gosta de
garotas, então, isso é legal, sabe?
— Ela gosta de rapazes também.
Ele me lançou um olhar interrogativo. — Achei que ela era lésbica
agora?
— Ela é bissexual. Se ela está com uma garota, isso não a torna
lésbica. Ela ainda é bi, não importa com quem ela esteja
namorando.
Matt acenou com a cabeça lentamente, e o sorriso mais ínfimo e
secreto cruzou seus lábios — Então, você está dizendo que ela
pode estar a fim de mim?
— Estou dizendo que acho que checar com ela é provavelmente
uma boa ideia. Ela pode estar um pouco chateada por você estar
dando um gelo nela, só um aviso.
Darnell e Matt compartilharam um sorriso rápido — Você está
dentro, cara — disse Darnell, levantando o punho para Matt bater
enquanto os outros caras riam e gritavam.
Will os observou com um olhar intenso, sua testa franzida e seus
lábios pressionados em uma linha fina. Eu não pude ler sua
expressão.
— Oh, também? — Eu disse, desta vez olhando diretamente para
Darnell. — Você precisa parar com as idas e vindas. Não é legal. Ou
você quer ficar com Niamh ou não, mas não finja que está vindo
para a mesa porque tinha uma pergunta sobre o dever de casa.
Darnell abriu a boca, mas não conseguiu cuspir nada. Will usou a
mão como um megafone em volta da boca. — Nocauteado.
Quanto a mim, fiquei impressionado comigo mesmo. Quando eu
fiquei tão corajoso?
Achei que as últimas semanas haviam me mudado. De repente,
não parecia tão assustador parecer idiota na frente de um grupo de
caras que, na maioria das vezes, não significavam muito para mim.
Além de Will, de qualquer maneira, e eu sabia que ele não me
julgaria por isso. Coisas piores poderiam acontecer do que ficar um
pouco envergonhado.
E a vida era muito curta para brincar com algo tão importante
quanto a pessoa que você amava.
21

— Você sai em uma hora — eu disse.


Will, que estava com a cabeça apoiada no meu peito nu, inclinou
a cabeça para olhar para mim. — Hmm.
— Uma hora, Will.
Ele fez uma careta e traçou um dedo ao longo da minha barriga.
Nossa pele estava seca agora. Se você não soubesse, não diria que
estávamos no lago trinta minutos antes.
— Você vai me acompanhar de volta para a minha casa? — ele
perguntou.
— Você quer que eu saia de fininho da minha própria casa às
quatro da manhã, acompanhe você até a outra extremidade do lago
e depois volte para minha casa?
—… Sim?
— Claro que eu vou. Não sei por que você sentiu que tinha que
perguntar.
Levamos mais tempo do que provavelmente deveríamos para nos
vestirmos - principalmente porque Will continuou interrompendo
rudemente o processo para beijar minhas pernas, estômago e
braços uma última vez antes de cobri-los de volta - mas,
eventualmente, conseguimos parecer tipo apresentáveis. Nós
escapamos para fora com bastante facilidade, graças à minha
silenciosa porta da frente, e então começamos a andar. Minhas
pernas pareciam pertencer a uma tartaruga. Tudo pesava muito
mais do que deveria.
Foi muito rápido. Tudo isso tinha acontecido rápido demais.
— Você tem que ir? — Eu perguntei.
— E você? — ele atirou de volta.
— Por favor, visite.
Ele agarrou meu pulso e me impediu de ir mais longe. — Sério,
precisamos fazer uma promessa agora, ok? Um de nós garantirá
que visitaremos o outro assim que pudermos.
— Certo.
— Não podemos simplesmente dizer isso, temos que fazer isso.
Eu não quero que isso acabe. Talvez não tenha que acabar, certo?
Dei de ombros. Eu simplesmente não sabia a resposta para isso.
— Precisamos manter contato. Precisamos continuar
conversando e descobriremos algo. Talvez eu possa ir lá nas férias
de primavera ou algo assim. Ou talvez você volte para visitar sua tia,
e podemos organizar um encontro em algum lugar.
Tive a sensação horrível de que estava prestes a chorar. Tudo o
que pude fazer foi dar um aceno curto.
Will segurou meu rosto com uma das mãos e olhou para mim com
olhos castanhos sérios. — Por favor, não perca contato, ok? Eu
preciso ver você de novo.

— Você sabia que seu batimento cardíaco muda de ritmo quando


você ouve música mais rápida ou mais lenta? — Will perguntou.
— Não. Mas isso é muito legal.
— Sim. E a córnea é a única parte do corpo que não obtém
oxigênio do sangue. Ele apenas suga, direto do ar.
Ele estava sentado de pernas cruzadas em uma cadeira extra na
sala de música, folheando o livro de biologia que equilibrava no colo.
Naquele dia, sua desculpa para ficar comigo na sala de música era
um teste iminente. Eu pensei que o livro era um acessório, mas,
para minha surpresa, ele realmente se sentou e começou a ler
quando eu peguei meu baixo. Eu não tinha certeza se era porque
ele realmente queria ser um craque no teste, ou se ele
simplesmente achava muito chato ouvir a mesma linha de baixo
repetidas vezes. Eu não o culparia se fosse o último, mas então eu
tive que me perguntar - por que ele sempre vinha me visitar aqui na
hora do almoço quando eu passava três quartos do tempo
ignorando-o para praticar música?
— E o sangue flui em suas veias tão rápido que leva apenas vinte
segundos para uma célula do sangue fazer uma volta inteira — ele
continuou. — Isso é engraçado. Eu sempre imaginei o sangue
navegando em, tipo, um ritmo de caminhada.
— Sai muito rápido se você se cortar feio — eu disse.
— Sim, mas não, tipo, cem milhas por hora rápido — ele disse. —
Pense em quão pequena é uma célula sanguínea em comparação
com todo o seu corpo. E leva apenas vinte segundos. Seria como
darmos dez voltas em um campo de futebol em vinte segundos.
— Eu acho que sim. Mas é tudo relativo, certo?
Ele piscou ao longe. — Eu nem sei mais. Meu cérebro dói.
Eu folheei a pasta de partituras que eu estava compilando para o
próximo show do Absolution e selecionei uma música com a qual eu
não estava tendo muitos problemas, mas que soava um pouco mais
impressionante do que o último par que eu pratiquei. Então, talvez
eu quisesse me exibir um pouco com Will na sala. Isso foi um
crime? Tinha que ser uma contravenção, no máximo — Então, você
está realmente estudando? — Eu perguntei.
— Sim. Mais ou menos. Este livro tem pequenas bolhas no canto
das páginas com curiosidades sobre o corpo humano. Eu tenho me
apoiado através delas.
— Vamos torcer para que elas sejam consideradas — eu disse.
Bati a partitura contra o suporte para colocar os papéis no lugar,
antes de alinhá-los para começar o ensaio.
— Ei, Ollie? — Will disse assim que peguei meu baixo. — Eu
estive pensando.
Bem, o baixo desceu novamente — Hmm? — Ele demorou tanto
para responder que eu estava me preparando para incitá-lo a falar
quando ele finalmente cuspiu. — Fiquei com raiva de você por um
tempo porque pensei que você deveria entender que eu tinha que
agir de certas maneiras porque não estou assumido. Então, quando
você não ficou do meu lado, pensei que isso significava que você
não estava comigo.
Dizer que fiquei surpreso ao ouvir isso foi um eufemismo. Nem me
ocorreu que Will poderia ter visto dessa forma.
— Mas — ele continuou — pensei em como me sentiria se você
agisse como se não me conhecesse, ou dançasse com outra
pessoa ou o que seja. E então eu entendi.
— Entendeu o quê?
Quer dizer, eu sabia o quê, pelo tom de sua voz, mas eu queria
ouvi-lo dizer isso.
— Que eu estava sendo um idiota de merda com você.
Ficamos sentados em silêncio. Eu não queria dizer que estava
tudo bem, porque não sabia se estava tudo bem. Ainda não. Mas foi
bom ouvi-lo reconhecer isso. E também, eu tinha que pensar um
pouco. Eu estava chateado porque queria que ele se importasse
mais comigo. Mas se ele interpretou meu comportamento como se
eu não me importasse o suficiente, mesmo se eu não concordasse
com o que ele fez, talvez isso fosse um pouco mais perdoável. Pelo
menos, era melhor do que ele simplesmente desconsiderar
totalmente os meus sentimentos.
Will quebrou o silêncio em voz baixa. — Você quer ir lá em casa
depois da escola algum dia? Como amigos — acrescentou ele
rapidamente.
Eu não pude evitar que a surpresa brilhasse em meu rosto.
Depois daquela reação de seu pai da última vez, eu assumi que as
visitas estavam na lista negra agora. Qualquer coisa que parecesse
deixar as pessoas suspeitas tinha que estar fora dos limites para
Will. Eu estive trabalhando duro para aceitar isso, e não chegar
muito perto ou presumir que iria mudar, e aqui estava ele puxando o
tapete debaixo de mim. Por que ele sempre conseguia me pegar
desprevenido, não importa o que eu esperava dele? — E seus pais?
— Podemos manter a porta aberta.
Eu hesitei — Mas parece que seu pai pode suspeitar de algo.
— Eu sei. Mas sinto falta de sair com você e gostaria de te ver
mais.
Eu pensei sobre isso. — Que tal você vir para a minha algum dia?
Estou a apenas cinco minutos da escola.
Will me deu um grande sorriso que aqueceu meu estômago. —
Por mim tudo bem.
Fiz menção de começar a tocar, mas ele voltou a falar. Ele teve
sorte de ser fofo, ou eu teria que expulsá-lo por me distrair quando
eu tinha um prazo — Ei, também, uh, você está ocupado sexta-
feira? Estaremos jogando a rodada regional.
Certo, porque isso é como eu queria passar uma sexta-feira -
assistir a caras jogando bolas na cabeça uns aos outros e
parabenizando em sua excelência e capacidade atlética quando
conseguem jogar a bola justamente no alvo certo. Emocionante. —
Eu não posso, desculpe. Eu tenho um show com a Absolution na
sexta-feira.
Seu rosto caiu tão de repente que me senti culpado. Eu não tinha
percebido que ele realmente se importava em me ter ali. Mas eu não
estava mentindo - eu tinha um show. E não era exatamente um
atendimento opcional. Qualquer um que não achasse o baixo
importante não tinha tentado ouvir uma música punk sem ele.
Imagine um sundae de chocolate sem calda ou um filme sem pós
crédito no final. Funcionaria, tecnicamente, mas a experiência geral
careceria de um certo vigor.
— Ah. Tudo bem. Espero que corra bem.
— Mas eu gostaria que você pudesse vir ao show. Talvez depois
do jogo?
Ele poderia ter feito uma birra sobre eu perder o jogo de
basquete. Dizer que estava muito ocupado com sua própria vida
para chegar a algo que era importante para mim, assim como eu
estava muito ocupado para ir para a dele. Mas, como sempre fazia,
Will assentiu imediatamente e disse: — Claro.
Então ele voltou a estudar.
— Por que você não está na biblioteca? — Eu perguntei de
repente.
— O quê?
— Seria mais fácil estudar lá, não seria? Mais silencioso?
Ele hesitou — É você insinuando que quer que eu vá?
— Não, eu juro. Sinceramente, estou apenas curioso.
— Oh. Não sei, só gosto de ficar com você.
— Mas por que sempre fazemos o que eu quero fazer? Você
poderia me pedir para ir à biblioteca com você, sabe.
Will me deu um sorriso engraçado e questionador. — Eu não me
importo?
Mas era isso. Ele não se importou. Ele nunca se importou.
Durante o verão, Will sentou-se ansiosamente comigo enquanto
eu o apresentava a todas as bandas de que eu gostava, sem dar
atenção às bandas que ele ouvia. Ele começou a estudar
Apreciação Musical, um assunto que ele nunca iria se sobressair
naturalmente, porque ele queria me ver sem os olhos julgadores de
seus amigos. Quando eu escapei do refeitório para praticar, Will me
seguiu até lá, feliz em ficar sentado enquanto eu fazia minhas
coisas, embora houvesse provavelmente uma dúzia de maneiras
pelas quais ele preferiria estar gastando seu almoço.
E pela primeira vez, me ocorreu que eu tinha pedido muitas
coisas de Will este ano. Algumas coisas ele deu, algumas coisas
para as quais não estava pronto.
Então eu ouvi a voz da tia Linda em algum lugar no fundo da
minha mente. Você só tem controle sobre suas próprias ações. Mas
o que você fez para encontrá-lo no meio do caminho?
Nada.
Eu nunca tinha ido a um de seus jogos de basquete.
E ele nunca me culpou por isso. Nem uma vez.
Agora que pensei sobre isso, eu não tinha saído do meu caminho
para fazer algo só por ele que não me beneficiasse de forma
alguma. Eu estava tão focado no que queria de Will que nunca
realmente parei para pensar sobre o que ele poderia querer de mim.
O quê isso diz sobre mim?

Juliette montou um painel de visão.


Eu me lembrei de apresentá-la à minha mãe algum dia, enquanto
ela estava na frente do quadro em jeans e meias. Niamh, Lara e eu
nos sentamos em uma fileira em sua cama, uma audiência cativa e
bem comportada. As meninas estavam prestes a se preparar para o
jogo de basquete. E eu não estava, para ser honesto, certo do que
estava fazendo. Eu já tinha me vestido e me preparado para o show,
mas a passagem de som só começaria mais tarde naquela noite. Eu
estava planejando sair com as meninas até que elas saíssem para o
jogo, quando então eu poderia pegar um pouco de jantar e ficar
sozinho em casa por uma hora ou mais.
Mas, antes disso, era hora do painel de visão.
— Então, aqui está uma criança com um clarinete — Juliette
explicou, indicando uma das impressões que ela tinha pregado em
um cartaz. — Isso representa meu plano de conseguir um emprego
depois da escola como professora de clarinete. Eu poderia usar o
dinheiro no próximo ano, e isso deve fortalecer minha aplicação
para faculdade e garantir que eu seja forçada a continuar
praticando.
Nós três concordamos agradavelmente.
— A foto do cartaz representa o fato de que vou acertar meus
temas no ano que vem. Quero a média escolar mais forte que puder
se for para entrar no Conservatório.
Mais acenos de cabeça.
— E, claro, temos o próprio Conservatório aqui. Vou passar o ano
todo estudando, praticando e me aperfeiçoando antes da próxima
rodada de testes. Não vou a nenhuma festa da fraternidade. Eu
estarei comprometida.
— Sem festas da fraternidade? — Lara perguntou ceticamente.
— Ok, algumas festas da fraternidade. Mas, principalmente, a
versão de Juliette do próximo ano é uma garota com uma missão.
Eu sou boa o suficiente para entrar...
— Sim — eu disse com firmeza.
— E eu não vou me deixar ser trancada fora de onde eu quero
estar, e onde eu mereço estar. Não tenho contatos e não tenho pais
que possam fazer doações para a escola antes do dia da inscrição,
mas tenho talento. Eu vou ser tão perfeita que eles não terão
nenhuma desculpa para me recusar no próximo ano.
— Sim, Juliette! — Disse Niamh.
— Só porque eu não entrei na minha primeira chance não
significa que eu tenho que desistir do meu sonho. Significa apenas
que tenho que trabalhar muito mais do que algumas pessoas para
chegar lá.
— Se alguém pode fazer isso, é você — eu disse, e Juliette saltou
para frente para me jogar em sua cama em um abraço de urso.
— Posso pegar emprestada sua sombra? — Niamh perguntou a
Juliette, levantando-se e caminhando até a mesa. — Precisamos
sair daqui a pouco.
— Por que você quer sombra para um jogo de basquete? — Lara
perguntou.
— É um grande jogo para Darnell. Ele está andando nas nuvens a
semana toda.
— Espere, então vocês dois estão conversando de novo? —
Juliette perguntou. Ela se abaixou na frente da mesa para tirar
algumas paletas, com crostas de pó de maquiagem seco, e as
entregou a Niamh junto com um pincel de sombra.
— Sim, estamos. Acho que ele precisou de algum tempo para
processar a coisa de Nova York, mas ele me ligou há pouco tempo e
se desculpou.
Huh. Então ele ouviu. Isso, ou os caras o envergonharam depois
que eu deixei a mesa naquele dia. De qualquer forma, eu era
basicamente Jerry Springer agora.
— De qualquer forma — Niamh continuou. — É um grande
negócio para ele, certo? Esta é a primeira vez que eles participam
da rodada regional.
Algo me picou. Algo que parecia muito com culpa — Não sabia
que era uma coisa tão grande — disse eu.
— Enorme — disse Niamh, erguendo um espelho compacto para
aplicar um tom púrpura acastanhado em suas pálpebras.
Eu olhei para as minhas mãos. Então é por isso que Will parecia
tão arrasado quando eu o recusei. Agora que pensei sobre isso, a
maneira como ele me pediu para ir era muito casual. O tipo de
casual que só sai quando o alto-falante quer soar como algo que é
realmente importante para eles, não importa em absoluto.
Acontece que eu poderia ser bastante alheio quando se tratava da
pessoa que eu aparentemente amava.
Quantas vezes eu disse a Will que só queria que ele fizesse algo
porque ele se importava comigo, não porque eu pedi a ele?
Então, por que não fiz isso por ele porque me preocupava com
ele?
Eu deveria estar lá esta noite.
— Sabe, a passagem de som só começa um pouco mais tarde —
eu disse — Eu não seria capaz de ficar o jogo inteiro ou algo assim,
mas talvez pudesse ir para a primeira rodada ou duas.
Juliette gritou e abandonou o zíper de suas botas de cano alto. —
Sim, Ollie-oop! Venha conosco, vai ser muito divertido.
Mesmo que não fosse divertido, o que eu duvidava seriamente
que fosse, Will me queria lá.
E nem sempre foi sobre mim.

É certo que a vibração do jogo foi muito emocionante, mesmo


para alguém que não se importava com esportes. A maioria das
pessoas na multidão usava ou segurava algo com as cores da
escola, e faixas ondulavam para onde quer que você olhasse. Do
nosso lado do estádio, a equipe de líderes de torcida da Collinswood
High estava dando um show muito mais impressionante - embora
menos adorável do que eu tinha recebido no Dia de Ação de Graças
- completo com saltos, elevações e rodopios.
Na quadra, os dois times já estavam fazendo aquecimento, o
ranger de seus tênis no chão encerado ecoando por todo o estádio.
Eu localizei Will imediatamente entre o mar de preto e branco, o
número quatro salpicado em letras brancas em negrito no preto de
sua camisa. Seu cabelo escuro ondulado já estava grudado em sua
testa vermelha com suor, e o resto de sua pele negra parecia brilhar
sob as luzes fortes. Ele estava completamente focado em seus
companheiros de equipe enquanto eles faziam algum tipo de
exercício em grupo que envolvia driblar e passar seis bolas ao redor
do time ao mesmo tempo. Havia algum tipo de padrão, tenho
certeza, mas para mim parecia apenas bolas voando para todos os
lados, e fiquei esperando que alguém levasse uma bolada na
cabeça. Mas ninguém o fez. Eles estavam coordenados e calmos.
Principalmente Will. Mas isso provavelmente foi o meu viés
aparecendo.
O jogo em si começou não muito depois de chegarmos lá. Era
difícil para mim seguir as regras de quem deveria ir aonde e que tipo
de movimentos eram permitidos, mas pelo menos eu tinha a
essência das coisas. E o ponto principal era que provavelmente
seria um jogo acirrado. Quinze minutos depois, o padrão tinha sido
placar de casa, placar de fora, placar de casa, placar de fora. Os
meninos da Frankston High - o time de verde e branco - jogaram
bem, mas nós também. Algumas das proezas corporais puras, como
se esquivar, correr, bloquear e pular, estavam meio que explodindo
minha mente. Uma coisa era assistir na TV, outra era ver acontecer
pessoalmente. Aqui, você poderia realmente dizer o quão alto
alguém voou do chão, e ouvir o baque de ombros colidindo se dois
caras se interpusessem.
E Will. Ele estava incrível. Totalmente focado no jogo o tempo
todo, ele se atirou nas coisas, sem um único sorriso atrevido à vista.
Se algum dos caras de Frankston tivesse azar o suficiente para
enfrentar Will para defendê-lo, era quase garantido que perderiam a
cesta. Ele não saltou para interceptar bolas, mas sim para voar.
Na verdade, no intervalo, quase fiquei com pena de ter que ir
embora logo. Assistir ele lá fora me deu uma onda de orgulho que
eu não esperava. Mas se eu fosse passar pela passagem de som,
não poderia ficar por mais de quinze minutos ou mais.
Foi durante o intervalo, porém, que Will me viu na arquibancada
pela primeira vez. Ele inclinou a cabeça para trás para tomar um
gole de sua garrafa de água, logo depois de deixar algum tipo de
conversa sobre estratégia liderada pelo treinador e Matt, quando
seus olhos se fixaram nos meus. Sua garrafa de plástico azul caiu
de volta ao seu lado, e seus lábios se espalharam em um sorriso
lento. Coloquei minhas mãos entre os joelhos e balancei um pouco
para o lado, para dizer: — Sim, você me pegou aqui, feliz?
Pelo jeito das coisas, ele com certeza estava.
Fiquei esperando o início da segunda metade e depois me virei
para Juliette. — Eu vou ter que ir... — eu comecei, quando suas
costas estalaram retas e ela soltou um suspiro, pressionando a mão
sobre a boca.
Eu me virei para ver Matt rolando pelo chão perto do aro mais
distante. Quando ele parou de rolar, seu corpo estava totalmente
imóvel.
— Ai meu Deus — Lara disse, meio de pé em seu assento.
O treinador, o árbitro e um professor correram para a quadra para
se agachar ao lado de Matt. Will correu ao mesmo tempo, tentando
olhar por cima de seus ombros para checar seu amigo, com Darnell
vindo atrás dele. Alguém na multidão gritou acima de uma onda de
murmúrios urgentes.
Então, felizmente, Matt chutou um pouco, e os adultos o rolaram.
A multidão bateu palmas e assobiou de alívio, incluindo o mar de
verde e branco no lado de Frankston das arquibancadas. Matt
estava consciente de novo, mas atordoado, e eles lentamente o
ergueram sob seus braços para uma posição sentada. Eles
pareciam fazer um exame rápido para ver se algo estava ferido,
então meticulosamente o ajudaram a se levantar e o levaram para a
lateral. O treinador mandou um dos caras para o banco da quadra
em seu lugar. Lara ficou de pé e desceu correndo os degraus para
encontrar Matt.
— O que acontece agora? — Eu perguntei às meninas restantes.
— Terminamos o jogo?
Na quadra, Will enganchou as mãos atrás do pescoço e observou
seu amigo, parecendo angustiado. O treinador foi até ele e disse
algo, e Will assentiu, enxugando a testa com as costas do braço —
Tudo bem, rapazes, juntem-se! — Will gritou, e o resto da equipe
caiu em um semicírculo.
— Sim — disse Juliette. — O vice-capitão é o Will. Podemos
continuar jogando. Matt parece bem, pelo menos.
— Eles deveriam ter colocado ele em uma maca ou algo assim,
— Niamh disse, balançando a cabeça para o árbitro e a professora,
que ainda estavam conversando com Matt no banco enquanto Lara
pairava perto dele, carrancuda — Ele pode ter uma concussão.
Concordei com Niamh - mas ele fez parecer tudo bem, pelo
menos - ele riu de alguma coisa, mesmo com a mão pressionada na
parte de trás de sua cabeça, e abriu espaço para Lara sentar ao seu
lado.
O árbitro apitou e a equipe assumiu seus lugares na quadra, Will
gritando instruções curtas para todos.
Will teve que atuar como capitão pelo resto do jogo. Eu não
poderia deixá-lo agora. Sem chance. E, realmente, importava se eu
perdesse a preparação e o aquecimento? Não era o ideal, mas
espero que Izzy e os caras entendam se eu explicar que houve uma
emergência aqui. Eu ainda seria capaz de ir para o show em si,
facilmente. Eu mandei uma mensagem rápida para Izzy, então me
sentei de volta na minha cadeira.
O resto do jogo foi tão disputado quanto a primeira rodada. A
multidão foi ficando mais e mais envolvida conforme o final se
aproximava, gritando, comemorando e vaiando, e até mesmo se
levantando para torcer em um ponto quando Darnell conseguiu
acertar uma cesta quase no meio da maldita quadra. E toda vez que
soava o apito para uma pausa ou tempo limite, Will olhava para
mim, para verificar se eu ainda estava lá. Eu estava tão feliz por
estar.
Restavam apenas quinze segundos no relógio quando percebi
que íamos vencer. Até eu estava no jogo agora, torcendo e batendo
palmas junto com todos ao meu redor quando Will passou para
Darnell, que passou para o número vinte e dois. Parecia que esse
cara ia acertar uma cesta, mas quando saiu de suas mãos foi
interceptado do nada por um jogador de Frankston, que driblou a
bola um pouco abaixo da quadra. Então, longe demais para que
pudesse entrar, ele fez um arremesso. E então, incrivelmente, ele
acertou, aumentando a sua pontuação em três pontos e colocando-
os um ponto acima de nós no placar.
— Não! — Eu gritei, e Juliette jurou enfaticamente ao meu lado.
Só nos restavam alguns segundos. Não havia nenhuma maneira
de ganharmos agora, certo? A bola foi passada mais rápido do que
eu poderia acompanhar na quadra. Para frente e para trás, para
frente e para trás. Então, um dos caras do Frankston passou para o
outro, mas Darnell rapidamente se esquivou pela frente para
bloquear o segundo cara de receber. A bola quicou fora de campo e
Darnell cruzou a linha para fazer o passe. Ele quicou a bola algumas
vezes, examinando o time Collinswood. Ele trouxe a bola e parecia
que ia passar para um cara loiro que se livrou de seu próprio
zagueiro. Mas então, Will saiu do nada, e Darnell atirou a bola em
seu peito. Will o agarrou, virou-se e, em um movimento fluido, o
arremessou.
Ele entrou com um assobio da rede.
Eu sabia pelo rugido da multidão que me rodeava que tinha sido
uma cesta vencedora. O placar virou e nos colocou um ponto à
frente de Frankston. Poucos segundos depois, a campainha soou
para sinalizar o fim do jogo, e a equipe Collinswood se aproximou de
Will e Darnell, abraçando-os e dando tapinhas nas costas deles,
gritando de alegria.
Em seguida, alguns dos caras colocaram Will nos ombros. Ao
contrário da maneira como ele normalmente agia com aquele grupo,
no entanto, ele não parecia impressionado ou arrogante. Na
verdade, ele parecia meio surpreso.
— Venha — disse Niamh para mim, agarrando minha mão.
— O que?
— Vamos lá embaixo, vamos!
Não fomos os únicos a entrar na quadra, mas claramente não era
a norma para as pessoas na multidão falarem sobre os jogadores,
no entanto. Parecia mais uma coisa de amigos íntimos e família.
Mas Niamh me puxou, puxando-me atrás dela escada abaixo. Então
ela se separou de mim e correu para Darnell, que a pegou e a girou.
Will me viu enquanto os caras o colocavam no chão. Eu fiquei
para trás na beira da quadra, de repente constrangido. Eu não
queria estragar isso para ele.
Mas ele veio mesmo assim, se aproximando de mim com passos
largos e confiantes — Ei, — eu disse quando ele se aproximou. —
Isso foi incrível, eu...
Ele cortou minha frase pela metade me agarrando pelos ombros e
me beijando.
Soltei um grito de espanto. Essa era exatamente a última coisa
que eu poderia esperar que acontecesse naquele momento. Bem,
talvez isso não fosse verdade. Talvez a última coisa que eu
esperava seria a grande entrada do Grande Ser Etéreo, flutuando
em uma nuvem e tocando acordeão enquanto um grupo de
alienígenas do depósito fazia uma dança interpretativa com a
melodia. Mas no reino das coisas que eram realmente possíveis,
Will jogando seus braços em volta de mim e me beijando com força
na boca na frente de todos que importavam classificou
aproximadamente o número um milhão, quinhentos e cinquenta e
dois mil, trezentos e sete. Ponto cinco.
Ele se afastou e nem mesmo verificou quem estava olhando. Ele
apenas fixou seus olhos em mim — Eu te amo — disse ele.
Não houve palavras. Não consegui pensar em uma maneira
possível de responder a isso. Eu apenas fiquei em estado de
choque. Então eu olhei em volta em nome de Will. Cerca de metade
do time de basquete fez uma pausa, olhando para nós com a boca
aberta. Para eles, isso provavelmente era menos esperado do que
alienígenas dançantes sincronizados, eu imaginei. Nas
arquibancadas, Juliette estava sorrindo para nós. E os pais de Will,
que desceram cerca de metade da escada para parabenizá-lo,
estavam simplesmente parados e olhando com expressões vazias.
Me voltei para Will que, ao que parecia, não estava
propositalmente olhando para trás para verificar as reações das
pessoas — Por que você não está no seu show? — ele perguntou.
Por que o mundo de repente virou de cabeça para baixo? O que,
exatamente, estava acontecendo? — Uh, eu pulei a checagem de
som. Começa em quinze minutos.
— Você dirigiu até aqui?
— Sim.
— Vamos. — Ele agarrou meu pulso e agora era ele quem estava
me arrastando. Desta vez, em direção à porta lateral. Tonto de
choque e repentinamente tomado por uma descarga de adrenalina,
comecei a correr com ele, quando empurramos a porta e invadimos
o ar frio da noite para correr pelo estacionamento até o meu carro.
22

Eu mal conseguia me concentrar durante o show. Durante toda a


apresentação, fixei minha atenção na mesa no fundo da sala onde
Will estava sentado. Nas primeiras canções, ele se sentou com os
ombros curvados, encolhendo-se. Tudo que eu queria fazer era
jogar meu baixo no chão e correr pela sala para abraçá-lo e dizer
que tudo ia ficar bem, mas eu não podia.
Então, durante a música número três, Darnell, Matt e as garotas
irromperam pela porta da frente do Lost and Found em um grupo.
Will os observou com olhos opacos enquanto eles entravam em sua
cabine. Eu estava desesperado para saber o que eles estavam
dizendo, mas encorajado pelo fato de que as meninas estavam lá.
Eu não conseguia imaginar Matt dando duro para ele sem Lara
rasgando-o por um novo, e não havia nenhuma maneira de Darnell
dizer algo que pudesse chatear Niamh.
Mas ainda assim.
A pior parte foi mais tarde no set, quando os pais de Will
entraram, puxando seus casacos firmemente em volta deles. Assim
que o resto do grupo os viu entrar, eles se espalharam para ficar
contra a parede oposta, dando à família um pouco de privacidade.
Eu me perguntei se Will tinha dito a eles onde ele estava, ou se eles
descobriram.
Eu me perguntei se eles estavam loucos.
Sayid e Emerson definitivamente perceberam o quão distraído eu
estava, porque eles continuaram olhando para mim com expressões
penetrantes. Eu apenas dei a eles um sorriso e balancei minha
cabeça. Não se preocupe. Eu vou explicar mais tarde.
Eles foram provavelmente as últimas pessoas que sobraram na
escola que ainda não tinham ouvido falar sobre o que aconteceu no
jogo.
Finalmente, tocamos nossa última música. O lugar vibrou por nós
- incluindo os pais de Will - e a banda começou a fazer as malas.
Comecei a enrolar um cabo auxiliar enquanto Sayid verificava seu
telefone. Seus olhos se arregalaram, então ele olhou diretamente
para mim. Não foi difícil descobrir o que ele tinha visto.
— Ei, Ollie — disse ele, colocando o telefone de volta no bolso. —
Se você precisar falar com Will sobre algo, não se preocupe com o
resto dos equipamentos. Nós cuidamos disso.
— Tem certeza?
— Sim, amigo, vá.
Então, com minha cabeça girando de tensão, eu fui.
Arrastei meus pés, esperando que Will fizesse contato visual
comigo e indicasse se era uma boa ideia eu vir sentar. Ele me deu
um aceno com a cabeça, então engoli em seco, enviei uma oração
rápida para o que quer que diabos possa estar ouvindo e sentei na
cabine ao lado dele.
O Sr. e a Sra. Tavares sorriram para mim, o que foi o maior alívio
de sempre. Mesmo que os sorrisos fossem um pouco mais tensos
do que o normal.
— Você fez um ótimo trabalho lá em cima, Ollie — disse a Sra.
Tavares. — Você tem um verdadeiro talento.
— Obrigado — eu disse. Minha voz saiu como uma espécie de
guincho fino.
Um silêncio constrangedor caiu sobre a mesa. Não acho que os
pais de Will sabiam o que dizer. E eu definitivamente não sabia o
que dizer. Eu perguntei se estava tudo bem? Pedir desculpas por
beijar seu filho? Falar sobre a incrível chance de Will no final do jogo
de basquete, que agora parecia que tinha acontecido no ano
anterior?
— Vocês, crianças, vão ficar fora por um tempo? — Perguntou o
Sr. Tavares.
Fora como daqui de dentro, fora do armário, ou fora
comemorando?
— Sim - o resto da equipe está festejando na casa de Reese.
Acho que Matt e Darnell querem passar por aqui — disse Will.
Ok, sim, comemorando. Ainda bem que não respondi com “Estou
planejando sair permanentemente” então.
Os pais dele assentiram e a Sra. Tavares olhou para mim — Você
se certificaria de que Will chegue em casa em segurança depois? —
ela perguntou.
A menos que eu estivesse muito enganado, parecia algo que um
pai poderia dizer ao namorado de seu filho. — Sim, sim, claro que
vou.
— Obrigada. Vamos para casa — disse a Sra. Tavares,
levantando-se da cadeira. — Ainda não jantamos. Mas, Will?
Ele pulou.
— Lembre-se do que nós dissemos a você.
Enquanto eles saíam do prédio, suas cabeças inclinadas juntas
para que eles pudessem falar em vozes baixas, eu me virei para
Will. — O que te disseram?
Seus olhos estavam vidrados e ele respirou fundo. — Que os dois
me amam.
Oh.
Ah! Graças a deus.
Juliette estava acenando para chamar minha atenção do outro
lado da sala, para ver se seu grupo poderia voltar. Eu levantei meu
dedo indicador. — E o que Matt e Darnell disseram?
Outra respiração profunda. — Mais ou menos a mesma coisa?
— Isso é ótimo. Então, por que você não parece bem? Você não
está feliz?
— Eu só, uh, estou apenas esperando que algo ruim aconteça.
Toda a adrenalina e excitação de antes parecia ter escapado dele.
Seus olhos estavam inchados e seus ombros tensos, suas mãos
fechadas em punhos em seu colo.
Debaixo da mesa, onde ninguém na sala podia ver, agarrei sua
mão. — Nada de ruim vai acontecer. É isso. Você passou pela parte
ruim.
— Mas e se meus pais estivessem apenas fingindo estar bem
porque estão em público? Você os viu; eles não estavam
exatamente pulando de alegria.
— Eles disseram que te amam. Eles me pediram para trazê-lo
para casa. Você acha que eles teriam feito isso se não quisessem
que ficássemos perto um do outro?
Ele pegou um guardanapo da mesa e enfiou-o no colo para poder
mexer nas pontas. — Não. Eu acho que não.
— Você está bem?
— Estou bem. Estou.
Seu sorriso estava menos trêmulo agora. Eu devolvi e bati nossos
joelhos juntos — Então... você me beijou.
— Sim.
— Em público.
— Sim.
— Mas nós nem estávamos juntos.
— Sinto muito, — disse Will. — Eu sou um idiota. Eu nem estava
pensando direito. É só que eu estava doido por ganhar o jogo, e
você veio, e isso só me fez perceber que você estava me
protegendo, e também não acho que sabia o quanto queria você lá
até ver que você estava. Tenho pensado em perguntar se
poderíamos tentar de novo, mas não sabia quando não podia
prometer nada. Eu ainda não estava pronto e não queria arrastá-lo
comigo enquanto me descobria.
— Eu não deveria ter dito isso. Você não estava me arrastando
para baixo porque precisava levar o seu tempo.
— Não, mas eu não estava em um lugar onde pudesse lhe dar o
que você precisava.
Eu concordei. — Então, o que mudou?
— Não sei. Algumas coisas. Tipo, meu pai suspeitando o
suficiente para me pedir para manter a porta aberta, mas não
exigindo que eu contasse a ele o que estava acontecendo ou me
mantivesse longe de você. E também, Lara se assumindo, e Matt
ainda querendo estar com ela, mesmo que ela goste de garotas
também. Isso me fez sentir um pouco mais corajoso, eu acho. Eu
ainda estava com medo, mas estava cansado de ter medo. O não
saber estava ficando pior do que a ideia de apenas pular e lidar com
o que quer que acontecesse.
— E agora a parte difícil acabou — eu disse. — Seus pais sabem,
e seus melhores amigos sabem. E eles ainda te amam.
— Sim. Eu realmente acho que sim.
Eu respirei fundo. — E eu também.
Este, eu tinha quase certeza, era finalmente o momento
apropriado para dizer isso. E Will não cambaleou para longe de
mim, nem entrou em pânico, nem lutou para responder. Em vez
disso, ele agarrou minha mão e inclinou a cabeça para trás, olhando
para o teto. Parecia que ele estava tentando forçar suas lágrimas a
escorregar de volta por seus dutos. — Eu não mereço isso.
— Mas eu quero mesmo assim.
Ele soltou a respiração como se cada pedaço de tensão em seu
corpo vazasse com ele. — Eu também te amo. Acho que desde
sempre. Eu só estava com medo do que isso poderia significar.
— E agora você não está?
— Nem um pouco, Ollie.
Depois de tudo. Encontrando-o por acaso, e caindo muito
rapidamente, e se separando, e caindo novamente, e o empurrando
para longe. Tudo isso. Esta foi a primeira vez que algo a ver
conosco pareceu calmo e racional. Não havia impulsividade neste
momento, ou emoção de ser descoberto, ou a paixão e desejo de
descobrir alguém. Éramos apenas nós. Duas pessoas que não eram
mais estranhos, e que agora estavam bem versados em todas as
coisas que poderiam impedi-los de malhar, e que talvez tivessem
descoberto uma maneira de se encaixar de qualquer maneira.
Aparentemente cansado de esperar por nós, o resto do grupo
voltou para a mesa como um só.
— Tudo bem, eles não pareciam muito zangados — disse Matt,
acenando para a porta com uma das mãos.
— Não, não zangados — Will disse sem rodeios, o tom afetuoso
de sua voz saindo pela porta. Algumas coisas nunca mudam. —
Eles estão calmos.
Mas ele continuou segurando minha mão sob a mesa. Então. Isso
mudou.
— Oh, querido. E, uh, — Matt disse, virando-se para mim — Oi,
Ollie.
— Oi, Matt.
— Eu não posso acreditar que isso vem acontecendo desde o
verão, verão, e ninguém pensou em me avisar — disse Matt,
obviamente brincando. — É um mau começo. Temos sangue ruim
agora, Ollie, sinto muito. É melhor você fazer um bom trabalho
ficando do meu lado de agora em diante. Todo mundo sabe que o
melhor amigo é quem manda em um relacionamento.
— Quem morreu e fez de você seu melhor amigo? — Darnell
perguntou, balançando a cabeça para o lado em descrença. — Mas
de verdade, por que não sabíamos?
Will deu de ombros, constrangido.
Não. Não. Não bom o suficiente — Quando ele deveria contar a
vocês? — Eu perguntei — Quando vocês estavam fazendo piadas
sobre quem quer se casar comigo? Ou quando vocês estavam
jogando sombra nele por agarrar meu braço no baile? Ou, talvez,
quando vocês estavam rindo sobre nós sermos namorados quando
ele mencionou algo sobre mim no almoço?
A boca de Darnell ficou em forma de O, mas Matt pareceu
afrontado — Ah, que diabo, cara, estávamos só brincando — ele me
disse. Ele olhou para Will em busca de apoio, mas Will não o olhou
nos olhos. — Espere, Will, não estávamos falando sério. Não
pensamos que você fosse realmente... tipo...
— Mas eu sou — disse Will. — Eu sou bi, eu acho. Assim como
Lara.
— Eu sinto muito. Sério, não sabíamos.
— Sim, bem, talvez de agora em diante possamos cortar a
porcaria da piada gay como uma regra geral — Lara disse em um
tom cortante. — Que tal isso?
— É isso aí — disse Darnell, e Niamh apertou seu braço.
— Então — disse Juliette. — Vamos para aquela festa agora ou o
quê?
Todos nós olhamos para Will. Ele ficou vermelho e encolheu os
ombros. Ele não parecia capaz de muito mais agora. — Eu não sei.
As pessoas podem ficar estranhas.
— Claro que não, você tem que ir, você nos ganhou o jogo —
disse Matt. — Se eu estou indo com uma concussão, você vai.
— Mas é a mesma coisa? — Eu perguntei, e Lara sufocou uma
risada.
— Mas e se… — Will parou.
— Você estará com a gente — disse Darnell.
— Sim. Como se eles tentassem essa merda, — Matt
acrescentou.
— Além disso — Lara saltou, sorrindo para Juliette enquanto
falava. — Mesmo se eles fizerem. Podemos gritar mais alto.

— Então, quando você vai contar para Will? — Perguntou


mamãe. Ela se sentou na sala de estar segurando uma xícara
fumegante de café preto, junto com tio Roy e papai, os quais tinham
cervejas na frente deles em vez de café. Eu estava correndo para
dentro e para fora da sala de estar, enchendo meu carro com
cobertores, cadeiras dobráveis e uma geladeira cheia de
refrigerante. Eu não sabia se todo mundo queria Coca ou Coca
zero, ou cerveja sem álcool, ou Dr Pepper, ou Mountain Dew, então
dane-se, eu estava levando tudo isso.
— Esta noite. Eu disse que era esta noite. — Eu grunhi sob o
peso do refrigerador enquanto o arrastava pela porta da frente
escancarada para carregar no meu porta-malas. Eu chutei algo não
identificado e olhei ao redor. Uma bola de gude — Crista, eu disse
para você pegar suas bolinhas de gude, as pessoas podem
escorregar nessas coisas!
— Ops! Desculpe desculpe desculpe.
— Você deveria lamentar — eu disse baixinho, lutando contra um
sorriso quando ela abandonou seu iPad e pegou o mármore
perdido. Que tipo de criança da nova era brincava com bolinhas de
gude hoje em dia? Não era um pouco vintage?
Não que eu fosse segurar muito forte contra ela. Foi apenas
recentemente que ela começou a colocar a cabeça para fora da
carapaça de tartaruga novamente. Uma Crista rindo e barulhenta,
atormentando Dylan e correndo pela casa experimentando novos
conjuntos de brinquedos era muito preferível à garota quieta e
indiferente que ela se transformou depois que tia Linda faleceu. Não
que ela não sentisse mais falta da mãe, é claro. Ela ainda a
menciona. O tempo todo, na verdade. Acontece que ela se adaptou
à ideia de que a vida continuaria sem sua mãe, e ela finalmente
decidiu recuperar o atraso.
— Eu sei que é esta noite, mas quando esta noite?
Eu tirei minha franja do rosto e encolhi os ombros. Honestamente,
isso importa quando? — Não sei. Eu vou improvisar.
— Não faça isso na frente de todo mundo — disse mamãe.
— Uh... por quê?
— Porque. Ele deve ter a chance de reagir em particular antes
que todo mundo se envolva, ok?
Papai bateu com o gargalo da cerveja no queixo — Claramente,
sua mãe nunca me perdoou por propor casamento na frente de uma
multidão de estranhos — disse ele.
— Bem, tudo o que estou dizendo é que você tem muita sorte de
eu dizer sim, de qualquer maneira — mamãe respondeu.
— Que bom que não estou propondo — eu disse. — Tudo bem.
Eu tenho que ir, então-
— Ollie, posso tocar seu violão enquanto você está fora? — Crista
perguntou.
Hesitei na entrada.
— Vou supervisionar — prometeu o tio Roy — Só um violão muito
gentil tocando esta noite, certo, Crista? Não estamos em uma banda
de rock. Se Ollie voltar para encontrar outro arranhão naquela coisa,
ele pode trancá-la e jogar a chave fora.
Ele puxou Crista para seu colo e a fez cócegas enquanto ela
gritava de tanto rir.
— Tudo bem — Eu sorri. — Tocar apenas sendo supervisionada.
Combinado. Mas se estiver arranhado, você terá que ocupar o lugar
dela nas masmorras.
— Devidamente anotado.
Com isso, corri para o meu carro e praticamente quebrei a
barreira de tempo e espaço no caminho para a casa de Will. Por que
consigo me atrasar para tudo?
— Por que demorou tanto? — Will perguntou enquanto subia no
banco do passageiro.
— Ei, considere-se sortudo por eu estar aqui. Napier é um longo
caminho a percorrer para um filme drive-in.
— Vale a pena, eu prometo. Onde estão os outros?
— No final, todos eles entraram no carro de Matt. Eu perdi
totalmente a viagem.
— Esses filhos da puta — Will sorriu.
— Mas meio que funcionou, porque preciso conversar com você
sobre uma coisa — eu disse. Eu coloquei o carro na garagem e virei
no meu assento. Mães que dizem para fazer isso em particular. E
esse era o único momento de privacidade que teríamos, então.
Will parecia desconfiado. — Oh não, o quê?
Não adiantava arrastar isso — Eu entrei na Universidade do Sul
da Califórnia.
— Oh, — disse Will. Ele limpou a garganta e me deu um sorriso
de aparência forçada. — Uau, Ollie, incrível. Isso é realmente bom.
Quando você descobriu?
— Algumas semanas atrás.
Ele juntou as sobrancelhas — O quê, e você apenas manteve isso
em segredo o tempo todo?
— Bem, eu queria esperar para ver primeiro.
— Para que?
— Se eu entraria na Estadual da Carolina do Norte.
Ele esperou, encolhendo os ombros para me dizer para continuar.
— E eu entrei — Eu terminei.
— ... E qual você vai escolher?
— O que aconteceria se eu escolhesse USC?
Ele engoliu em seco, parecendo magoado. Ele havia entrado no
programa de enfermagem da Universidade da Carolina do Norte não
fazia muito tempo. Uma escola incrível, mas não poderia ser mais
longe da Califórnia. — Bem, nós vamos descobrir isso. Está longe,
mas não é impossível. Podemos ficar de olho em voos baratos e
fazer visitas de fim de semana sempre que pudermos. Eu vou subir
e ficar para os intervalos, se você estiver feliz em me deixar ficar
com você - obviamente, você pode ficar na minha quando quiser,
mas LA é mais emocionante do que Chapel Hill, então...
— Então você não gostaria de terminar? — Eu perguntei.
— O que? Não — Os olhos de Will se arregalaram e ele recuou
um pouco. — Você?
— Não, de forma alguma. Além disso, não seria necessário,
porque estou indo para a Estadual da Carolina do Norte.
— O quê? Espere, sério? Você não está brincando?
— Sem brincadeira. Eu só queria ter certeza de que ainda era o
que você queria.
— Você está tentando me matar? Você é tão ridículo, por que eu
não iria querer isso?
Dei de ombros como se não soubesse, mas sabia. Porque depois
de um ano com tudo sendo desenraizado de novo, e de novo, e de
novo, eu estava constantemente me preparando para algo mais
desmoronar para que eu pudesse de alguma forma me antecipar.
Mas Will não desmoronou ou me rejeitou. Em vez disso, ele
agarrou minhas duas mãos e sorriu tão largo que poderia ter feito
um teste para ser um modelo de mala no Deal or No Deal. — Então,
vamos estar, tipo, a trinta minutos de carro um do outro no ano que
vem?
Eu balancei a cabeça, e ele jogou seus braços em volta de mim e
me abraçou com tanta força que quase espremeu meus pulmões
para fora da minha boca.
— Graças a Deus — ele sussurrou.
Escolher a Estadual da NC não foi exatamente um erro - eu ainda
sentia falta da Califórnia, das pessoas e da cultura. Sem falar no
clima. Mas não podia negar que, no dia em que recebi minha carta
de oferta para NC, me senti como se um conjunto de pesos de
cinquenta toneladas que vinha carregando desde que recebi a oferta
da USC tivesse sido cancelado. Em parte por causa de Will, com
certeza. Mas não apenas para Will. Meus pais decidiram ficar aqui
por pelo menos mais um ano para ficar de olho em Roy e nas
crianças, para começar. E mesmo que eu sentisse falta de Ryan e
Hayley, eles não eram mais meu grupo. Eles não sabiam o que eu
fazia com meus dias e eu quase nada sabia sobre os deles. Nós
meio que nos distanciamos. E talvez estivesse tudo bem.
Sayid, Emerson e Izzy receberam ofertas de vagas em Duke,
Estadual de NC e UNC. Juliette e Lara estavam indo para a
Estadual do NC. E por tudo que eu fiquei de mau humor e chorei
quando descobri que estava me mudando para cá, a Carolina do
Norte tinha me superado.
Meus amigos cresceram em mim.
Morar perto de meus primos, tio e pais de repente parecia mais
importante do que morar perto da praia. Tia Linda pode ter morrido,
mas eu ainda tinha todos os outros. E eu percebi que não tinha
garantia de uma vida inteira com nenhum deles.
Engraçado como sete meses podem mudar.
Assim que paramos no estacionamento ao lado do carro de Matt,
Will se lançou para fora e correu para os outros — Ollie está indo
para a Estadual da Carolina do Norte! — ele gritou, tão alto que
algumas famílias olharam para nós do capô de seus carros.
— Ei, essa deveria ser a minha notícia. — Eu sorri enquanto as
garotas soltavam um coro de gritos e guinchos. Até Matt e Darnell
aplaudiram, enquanto Niamh jogava os braços em torno de Darnell
em comemoração, balançando-o de um lado para o outro.
Will vasculhou o porta-malas do meu carro e começou a puxar as
cadeiras dobráveis que colocamos lá. — Nah. São notícias minhas
também.
Niamh soltou Darnell quando Will se juntou aos caras, então ela
veio cavar no porta-malas do carro de Matt. Ela estava vestida com
seu traje de treino habitual e tinha o cabelo puxado para longe do
rosto por uma faixa de tecido, presumivelmente remanescente de
uma sessão de ginástica à tarde — Então, — ela disse, me
passando alguns cobertores. — Eu também tenho algo a dizer.
— Você tem?
— Sim. Fui escalada para um anúncio de rímel em Nova York.
Vou fazer uma sessão de fotos em um fim de semana, em breve.
Eu fiquei boquiaberto. — Oh, meu Deus, Niamh, isso é incrível.
Parabéns.
— Obrigada. — Ela enrolou o cobertor em volta dos ombros e
apertou com força — Atribuí isso às fotos que tirei algumas
semanas atrás. É incrível como ter um pouco de energia melhorou
minhas fotos.
— Muito bom. O que Darnell pensa?
Ela olhou para ele. Ele estava esparramado em sua própria
cadeira, conversando facilmente com Matt e Lara, que estavam
sentados no chão em um pufe que Matt insistira em trazer. Eu
argumentei que ficaria coberto de lama e grama, mas
aparentemente foi um sonho de toda a vida de Matt assistir a um
filme drive-in de um pufe, então quem era eu para esmagá-lo? —
Darnell é solidário. Ele ainda não quer se mudar para lá, mas disse
que está feliz em tentar uma longa distância enquanto descobrimos.
Então, acho que veremos — Niamh deu uma risadinha feliz e depois
voltou para se juntar a Darnell.
Quem sabia se eles conseguiriam fazer funcionar? Mas esse não
era o ponto, era? Não tínhamos como saber o que o futuro
reservava. As pessoas mudaram de ideia, faleceram, mudaram-se
inesperadamente. A única coisa que realmente podíamos fazer era
tocar de ouvido. E se isso era o que Darnell e Niamh queriam agora,
então eu estava totalmente em sua equipe.
De volta ao meu carro, Will se concentrou em tentar empurrar
nossas cadeiras para mais perto enquanto eu ficava parado com
nossos cobertores.
— Espere, vocês dois estão juntos? — perguntou uma voz
desconhecida.
Achei que a pergunta estava sendo dirigida a mim e
instintivamente dei um passo para mais perto de Will enquanto
erguia os olhos. Mas a voz era de um cara loiro que eu não
reconhecia, em pé na frente de Lara e Matt, que estavam
tecnicamente sentados na cadeira beanbag juntos, mas as pernas
de Lara eram mais de Matt que você poderia dizer que ela estava
usando-o como uma cadeira.
— Sim, estamos — disse Matt — Algumas semanas.
— Achei que você gostasse de garotas agora? — o cara
perguntou a Lara. Ele não estava dificultando a vida dela,
exatamente; ele parecia genuinamente confuso.
— Eu sou bi, — Lara disse, antes de elegantemente dar a ele um
sorriso doce e o dedo — Não que seja da sua conta, não é, Xavier?
Matt encolheu os ombros, radiante. — Você ouviu a dama. Siga
em frente.
O cara olhou entre Lara e Matt, e então seu olhar percorreu o
resto do grupo, que estava olhando para ele incisivamente. Ele
revirou os olhos. — Eu só estava perguntando, relaxa. Não há
necessidade de ser tão sensível.
— Adeus, Xavier. — Lara disse com firmeza, e desta vez ele se
afastou.
— Vai, Lara — eu disse baixinho, e Will e eu compartilhamos um
sorriso secreto enquanto ele pegava um cobertor de mim.
Tentamos algumas configurações diferentes, mas decidimos
colocar os dois cobertores em cima de nós, de mãos dadas sob
eles. Então, quando o filme começou a rodar, Will se mexeu e
colocou o braço em volta dos meus ombros.
Foi, eu percebi, a primeira vez que nos sentamos assim em
público desde o lago.
Então, talvez eu devesse à Disney um pedido de desculpas.
Talvez o nosso Felizes para Sempre não tenha funcionado na
primeira tentativa. E talvez Felizes Para Sempre não fossem um
evento singular. Talvez eles fossem algo em que você tivesse que
trabalhar e construir, e nunca desistir, contanto que fossem algo que
você ainda quisesse.
E talvez eles não fossem perfeitos. Não era como ter Will aqui e
agora, de alguma forma, apagando todas as coisas terríveis que
aconteceram este ano. E não impediu que coisas terríveis
acontecessem no futuro. Às vezes, na vida, aconteciam coisas
terríveis. E às vezes coisas realmente incríveis aconteciam. E às
vezes, todas essas coisas aconteciam ao mesmo tempo.
Mas dane-se o amanhã.
Mesmo que ninguém pudesse prometer que tudo iria funcionar
perfeitamente, aqui e agora, neste exato momento, era perfeito.
E bem aqui e agora era a única coisa que importava de qualquer
maneira.

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