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1ª Edição
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PREFÁCIO
AGRADECIMENTOS
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULOTRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
CAPÍTULO DEZESSEIS
CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO
CAPÍTULO DEZENOVE
CAPÍTULO VINTE
EPÍLOGO
Se o cupido tivesse um nome, com certeza seria Danilo.
todos os sentidos.
Nós nos conhecemos na minha lanchonete, por acaso, e, depois desse dia,
minha vida mudou completamente. Meu mais novo amiguinho havia cismado
de arrumar um namorado para a mãe e estava disposto a fazer qualquer coisa
para vê-la feliz novamente.
Heloísa era uma mulher jovem, linda e tinha um sorriso encantador, mas
depois da separação que quase destruiu seu coração, ela decidiu arquivar os
sentimentos e dedicar todo o seu tempo ao pequeno terrorista e ao trabalho.
acreditar que esse sentimento (o amor) não é irreal... não está extinto.
Parabéns a autora por ter criado uma história tão gostosa de se ler.
Danilo e Guilherme Alencastro. Danilo é uma criança de sete anos que tem
pai, mas ele é ausente em sua vida. Cansado de ver a sua mãe sempre triste,
ele decide bancar o cupido para ela, e é aí que o Guilherme entra na história,
pois o pequeno terrorista se identifica muito com o dono da lanchonete
Delicía’s do chefe, uma lanchonete de hambúrgueres artesanais. E Guilherme
se encanta pelo garoto, pois quando era pequeno, seu pai também foi embora.
Na Mira de um Cupido é uma novela divertida e que nos traz muitos
ensinamentos, um deles é que pai não é quem faz, e sim quem cuida e
participa.
Muito obrigada!!
DANILO
Eu jurei que não fui eu, no entanto, confessei logo em seguida. Mas juro eu
não queria acertar a janela dele. A dona Violeta, sua esposa, era tão amorosa;
sempre me dava doces quando chegava do mercado. Minhas bochechas
ficavam doloridas de tanto que ela apertava. Não sei por que os idosos
Assim que ele olhou para trás, fez cara feia por me ver. Eu sorri de
verdade para ele. Dona Violeta olhou feio para o esposo, que rapidamente
colocou um sorriso no rosto.
O senhor Ruy não disse nada, portanto, foi repreendido pela sua
esposa.
Minha mãe olhou para mim, sorrindo. Ela era linda, mas era um pouco
triste desde que ficamos só nós dois — papai resolveu ir embora, eu ouvi
vovó dizendo que ele tinha uma nova família. Às vezes eu a ouvia chorando
Olhei para a minha mãe, que estava atenta ao trânsito, e tive uma ideia.
Se o tal hambúrguer fazia sorrir, faria de tudo para ela ir prová-los. Quem
sabe ela não volta a ser alegre como era antes?
HELOISA
festa junina.
Lembrei-me que o dia dos pais estava próximo e eu não queria que o
meu filho sofresse com isso, já fora uma luta ter que explicar que o pai não
iria morar conosco em São José, pois estávamos nos separando. Eu disse que
ele sempre iria ligar e, quem sabe, eles passariam as férias juntos. No entanto,
como não aconteceu, e Danilo não era bobo, ele parou de perguntar pelo pai.
Às vezes meu filho me surpreendia por ser uma criança de 7 anos tão
madura para a sua idade. Ele era esperto e, às vezes, um verdadeiro terrorista
— Seu Ruy e dona Violeta que o diga. Entretanto meu filho também tinha um
coração enorme, adorava ajudar as pessoas, era um menino educado e era o
meu orgulho.
laranja e café. Mal terminei de arrumar a mesa e ouvi passos atrás de mim.
Virei para ver quem era e minha mãe de camisola apareceu na cozinha.
Quando me viu cozinhando, ficou espantada. Coloquei duas xícaras em cima
da mesa e servi o café que havia acabado de passar. Ela se sentou e começou
a tomar o café, em seguida começou a falar:
Ela sabia das minhas insônias. Minha mãe era a minha amiga e eu
compartilhava tudo com ela.
te faça sorrir, que te leve ao céu... Você sabe o que eu quero dizer –– disse,
deixando as bochechas coradas.
–– Quem vai levar a mamãe ao céu? E para quê? Não basta todos os
domingos a gente ter que ir à igreja para buscar ao Senhor pela manhã? E ele
nunca vem conosco... Agora um homem tem que levar a mamãe ao céu?
Depois do café, fomos nos arrumar para ir para a escola, não era longe
e sempre íamos caminhando — a não ser quando chovia, aí íamos de carro.
Mamãe se despediu e entrou no posto de saúde, ela era agente de saúde. A
escola já estava aberta— Seu Rodolfo não atrasava nunca —, as crianças
Danilo foi para a fila e eu subi para a minha sala, passei pelas salas dos
professores e todos estavam animados, conversando.
O sinal bateu e cada um foi para as suas salas. Como tínhamos reunião,
os alunos sairiam mais cedo. Pedi a minha mãe que quando ela saísse para
almoçar, passasse na escola para pegar o Danilo. A última vez que eu o
com as comidas típicas para vender nas barracas. O que acham? Alguém tem
mais ideias?
sem entender o que estava acontecendo. Ajeitei meus óculos e segui o meu
–– Obrigada, dona Violeta, por ter vindo olhar o meu filho. A senhora é
Ela sorriu.
–– Fez a sua lição de casa? –– Ele negou. –– Pois então vá fazer senão
vai ficar sem brincar na rua.
caseiro. Também nunca me casei, achava que a mulher certa ainda não
aparecera. Ou eu ainda não a procurei.
O que eu notei era que o povo ali era acolhedor e curioso ao mesmo
tempo, eles eram gente boa.
sempre fomos amigos e, quando ele foi abandonado pela mulher, eu tentei de
todas as formas fazê-lo seguir a vida, pois ele tinha uma filha recém-nascida.
Graças a Deus, ele superou e, atualmente, a filha dele tinha seis anos — era
uma garotinha bem esperta. Alicia era seu nome.
Antes de me mudar para lá, decidi que alugaria uma casa não muito
grande, pois era apenas eu e Fred, o meu cachorro e companheiro há dois
anos.
pular, latindo. Notei que a almofada do sofá já era — estava destruída. Olhei
para ele enquanto juntava o resto do que sobrou.
–– Muito bonito, né seu Fred? Já não deixei bem claro que a almofada
não é comida? Depois fica com dor de barriga... Olha a sua ração toda
espalhada pelo chão.
com ração. Depois de tudo arrumado, tomei um banho e fui para a cama.
∞∞∞
Passei por eles dois e dei bom dia, parando perto deles. As bochechas
da mulher logo ganharam um tom avermelhado, ela sorriu timidamente e
aquilo mexeu comigo. O moleque parou e começou a falar, notei que ele
fazia aquilo sem nenhuma dificuldade.
–– Ele é o dono da lanchonete mamãe, sei disso porque a chata da
Alicia vive dizendo que ele é tio dela. É verdade? –– perguntou, tirando um
–– Sou primo do pai dela, o Alex; acho que vocês conhecem, ele
trabalha fazendo frete na cidade. Mas me considero o tio da Alicia sim. ––
Ele fez uma expressão de quem não estava nem aí para o que eu tinha
–– Depende, Danilo. Se você fizer por merecer, nós iremos sim. Agora
agradeça ao seu Guilherme, estamos em cima da hora. –– Ela me olhou
rapidamente, enquanto o seu filho agradecia.
filho Danilo tinha feito seus deveres sem eu precisar mandar, não atrasava
mais na hora do banho, e não teve mais reclamações da professora dele em
relação a sua amiguinha Alicia. Os dois eram como cão e gato, mas no fundo
gostavam um do outro — eu pensava ser implicância de criança.
Era sexta-feira. Depois da escola, decidi passar na igreja antes de ir
para casa. Tinha que matricular o Danilo nas aulas de catecismo.
Eu decidi que, naquele dia, iríamos à lanchonete, mas não disse a ele
ainda.
Percebi que nunca mais tinha olhado para outro homem desde que
Jonas havia me deixado, mas Guilherme mexeu com algo em mim que há
muito tempo estava desacordado: o desejo de ter um homem novamente, de
se sentir amada e também sentir as mãos passeando em meu corpo. Afastei
meus pensamentos.
logo lhe deu um pedaço de pão para ele jogar também. Ali todos da cidade
eram muito solícitos e gostavam das crianças. Pedi para Danilo se comportar
e entrei na igreja fazendo o sinal da cruz. Padre Estevão, assim que me viu
entrando, se aproximou com o seu sorriso alegre. Eu tinha aquele senhor
como se fosse um pai, sempre me aconselhou quando eu precisei de uma
palavra de conforto. E me ajudava quando Danilo aprontava algo.
— Heloísa, que bom ver você, minha filha. Está tudo bem? Cadê o
Danilo? — Sempre preocupado comigo e meu filho.
— Está tudo bem sim padre. Danilo está lá fora com o seu Honório, eu
alguma coisa. Sabe que ele é muito inteligente, mas arteiro também —
concordei ––, às vezes avoado –– completou.
Após preencher a ficha, conversei mais um pouco com o padre.
Convidei-o para ir ao arraial da escola. Padre Estevão disse que eu estava
com um brilho diferente nos olhos — já sabia que nada passava despercebido
por aquele senhorzinho esperto.
Claro que eu não mencionei que conheci o dono da lanchonete, e nem
que ele nos convidou para ir até lá comer um lanche. Tinha certeza que ele
iria dizer que as preces dele foram ouvidas e que eu encontrei alguém.
Despedi-me do padre, procurei pelo Danilo e não o vi em lugar algum.
Seu Honório também não estava mais no banco da praça. Meu coração
acelerou e eu já estava imaginando que ele tinha atravessado a rua, meus
olhos logo se encheram de água. Gritei seu nome, olhando de um lado para o
outro a procura dele, foi quando eu ouvi risadas e reconheci ser a dele.
Atravessei a rua e me deparei com uma cena linda: Danilo estava
sentado em um das mesas da lanchonete tentando negociar a vendas de todas
as suas rifas com o Guilherme, enquanto ele tentava explicar que já tinha
de ganhar, pensa bem. Vai ter uma cesta de café da manhã, um frango assado,
um bolo de chocolate, e minha mãe que vai fazer o bolo, é o bolo mais
delicioso de todo o mundo.
Lágrimas escorriam dos meus olhos, mas isso não o livraria de uma boa
bronca. Eu disse para ele não sair do lugar.
Aproximei-me e Guilherme me olhou demoradamente; logo Danilo se
virou, arregalando os olhos. Ele sabia que estava encrencado.
— Eu disse para você não sair do lugar de onde eu te deixei Danilo.
ainda.
— Você ia ficar preocupada se eu saísse do lugar que a senhora disse
pra eu ficar. Mas ele disse que falaria com a senhora, então eu vim com ele.
— Terminou de se explicar.
— Está tudo bem filho, mas, por favor, não faça mais isso sem me
comunicar. Eu fiquei realmente preocupada, e você sabe que já me deu
motivos o suficiente para eu me preocupar com você. Agora termine o seu
suco, precisamos ir para casa.
desejou sorte. Mas o que mais me surpreendeu foi quando Guilherme disse
que gostaria muito de ganhar o bolo de chocolate. Queria provar se era
gostoso mesmo. Contudo a minha mente me fez entender outra coisa,
entretanto foquei na sua curiosidade de conhecer o sabor do bolo. Ele se
sempre na hora certa e davam muita força quando eu precisava deles até mais
tarde.
Ela me olhou de uma forma diferente, mas tive que quebrar o contato
visual para chamar uma garçonete para anotar o pedido. Tinha que retornar
para a cozinha, pois já tinha acumulado muitos pedidos.
— O senhor sabia que a vovó disse que ela precisa encontrar alguém
que a leve até ao céu e volte novamente para a terra em minutos. Eu não
entendi bem o que ela quis dizer, mas quando eu sair do castigo e puder usar
o meu tablete, vou pesquisar.
Olhei para a Heloísa, que estava sem acreditar no que o filho dizia.
— Pode sim filho, mas, por favor, não mexa em nada. Quer ajuda?
— Pode deixar que eu irei acompanhar o Danilo, tenho certeza que ele
não achará ruim, não é Danilo?
–– Se me permite, gostaria de levar vocês dois até a sua casa. Creio que
já é tarde para você e seu filho ir andando sozinhos.
–– Pode deixar ele aí no sofá mesmo, ele ainda tem que acordar para
escovar os dentes.
–– Obrigada por nos trazer, Guilherme. Sua garçonete disse que eu não
precisaria pagar a conta, mas dei a gorjeta para ela, era o mínimo que eu
podia fazer.
Ela abriu um enorme sorriso. Quando ia falar algo, uma mulher, muito
parecida com ela, desceu a escada. Quando nos viu, abriu um enorme sorriso
de satisfação.
Sem pensar duas vezes, me sentei. Heloísa apenas me olhava sem saber
o que dizer.
–– Quer ajuda para levá-lo para o quarto?
Será que ela é casada e o marido está viajando? Sem ter coragem para
perguntar, fui em direção a porta e a abri, saindo, desci a escada e Heloísa me
acompanhou.
comunitária, me chamo Margarete. Estou muito alegre por minha filha ter
feito amizades.
–– Ah! conheço os meninos sim, mas devo lhe dizer que o fazendeiro é
muito ranzinza, vive isolado naquela fazenda. Porém, como eu não gosto de
me incomodar com a vida dos outros, deixa ele para lá. O mecânico é gente
boa, a última vez que o meu carro quebrou, ele foi bem bacana, ainda fez um
precinho camarada. E o Alex nem se fala, mesmo com todas as dificuldades,
criou a pequena Alicia muito bem. E você? Tem filhos? É casado?
–– Está tarde mesmo, amanhã acordo cedo. Muito obrigado pelo café,
dona Margarete. Heloísa, eu espero te ver mais vezes na lanchonete, e pode
levar o Danilo sempre. Boa noite!
Cheguei em casa e Fred saiu pela porta assim que abri, foi fazer as
necessidades e eu fiquei esperando, escorado na porta. Com certeza, ele
demoraria porque foi correr atrás do gato da vizinha. Entrei para pegar a
coleira para tentar trazê-lo de volta. Enquanto ele corria pela grama do
vizinho, eu praguejei bem baixinho. Com certeza, pela manhã o seu Honório
viria reclamar.
na noite anterior. A minha mãe, com certeza, não tinha filtro; queria encher o
Guilherme de perguntas, e quase não me deixou dormir, fazendo perguntas
sobre ele.
Você viu como ele cuidou bem do Danilo? E a forma como ele olha
para você? Heloísa, você tem que se permitir viver mais, minha filha. Você é
tão nova ainda. Tive que expulsá-la do meu quarto.
na cama.
O que aconteceu para esse povo levantar da cama tão cedo? Será que
hoje é alguma data importante e eu esqueci?
–– Tio Gui é muito bacana, vovó. Acredita que ele comprou todas as
minhas rifas? – Danilo dizia, tomando um pouco do seu leite.
–– Ele disse que podemos ser amigos, eu disse a ele que eu nunca tive
um amigo adulto, ele também nunca teve um amigo que é uma criança. Ele
disse que eu posso ir à lanchonete quando eu quiser. –– Essa parte ele disse
com orgulho.
um pai. Voltei para o meu quarto e disquei o seu número, ele não atendeu no
primeiro toque, liguei mais uma vez e ele atendeu de forma grosseira.
–– Porra Heloísa, são oito e meia da manhã, o dia nem começou direito
e você já está me cobrando? A última vez que eu liguei para o Danilo, ele
ainda estava dormindo. –– Ele deu uma pausa, mas logo continuou: –– Sobre
as férias de julho, eu irei para Londres com a Melissa para conhecer a família
dela, também tem a questão do bebê, eu não vou ter tempo para dar atenção
para o Danilo. Mas irei ligar para ele, avisando sobre a viagem, e vou mandar
um presente para ele.
o que é que tem dentro, melhor não dizer nada. Eu irei conversar com ele, só
espero que quando você for procurar por ele para dar uma de pai, não seja
tarde demais. O seu filho está crescendo, ele não vai ter sete anos para
sempre. –– Não o esperei responder; desliguei o telefone, sentindo raiva do
Jonas.
Amor não faltaria para o meu filho, eu faria de tudo para ele ser feliz,
por isso resolvi tirá-lo do castigo e deixar Danilo ir brincar na rua com as
outras crianças.
–– De verdade, mamãe?
–– É verdade, mas você tem que prometer que não vai sair da praça e
também não vai entrar na mata, ou subir nas árvores. Promete?
Ele uniu as duas mãos como sempre fazia, e prometeu.
–– Jonas não vai mais vir buscar o Danilo nas férias, disse que vai
viajar para Londres para conhecer a família da nova mulher, e também tem o
bebê; ele disse que não vai ter tempo para o Danilo, mas nós sabemos que
isso é mentira, não é mamãe? Jonas nunca deu a mínima para o filho, por isso
tirei Danilo do castigo, pois quando souber que o pai não irá mais vir buscá-
lo, vai ficar triste. –– Suspirei me sentindo culpada por meu filho não ter um
pai que o amasse como ele merecia.
–– Jonas não presta desde sempre, Heloísa. Mas, minha filha, Danilo é
uma criança tão esperta... claro que ele já desconfiou que o pai não quer vê-
lo, ele que não diz nada. O que nos resta é dar amor para ele se sentir muito
amado. Agora, mudando de assunto, o Guilherme é uma ótima pessoa,
Danilo o considera como amigo, não o proíba de se aproximar do Guilherme,
minha filha, ele já não tem uma figura masculina em casa, então deixe os dois
serem amigos.
Guilherme?
–– Só não vai se envolver se for boba! Um homem lindo que nem ele,
educado… Se fosse outro, teria te deixado vir a pé carregando o Danilo no
colo, mas não, te trouxe e ainda te ajudou a pôr o pestinha na cama. –– Sorriu
toda encabulada.
–– Para com isso, mamãe. A senhora nem sabe se ele é casado ou não,
ou se tem namorada. Eu lá tenho idade para ficar fantasiando historinha de
na cama para dormir, aliás, eu nem era próximo de crianças. Tinha uma irmã
mais nova por parte de pai, ela tinha uma filha de dez anos; eu sempre fui o
tipo de tio que envia os presentes no dia do aniversário e, quando tinha
tempo, passava na festinha, bem rápido. Mas aquele garotinho esperto de
cabelos loiros despertou em mim um sentimento que eu nem imaginava que
tinha dentro de mim. E conversando com o meu primo Kenny, ele me contou
das poucas e boas que ele já aprontara pela cidade.
Fui até a fazenda do meu primo para pegar umas frutas, pois Alex teve
que resolver um assunto familiar e não pôde ir buscar. Conversa vai,
conversa vem, ele me contou do dia em que a diretora do Colégio foi pedir
permissão para que os alunos do terceiro ano da sua escola pudessem fazer
um passeio nas dependências da fazenda, ele disse que relutou bastante, pois
quem o conhecia sabia que ele não suportava crianças. Ver a cara dele
contando que, no dia, fez de tudo para não estar na fazenda, me fez ter uma
crise de risos. Ele também disse que não teve jeito, na hora que ele estava
prestes a sair, os pestinhas chegaram.
Kenny disse que o Danilo se afastou dos demais alunos e foi para a área
dos cavalos, ele montou em um pônei e o cavalo saiu em disparada com ele
em cima. Graças a Deus, ele só fez ralar os braços, e serviu de lição, pois ele
nunca mais se aproximou dos bichos quando ia com as outras crianças visitar
a fazenda.
Eu tinha noção da peste que o garoto era, mas tinha mais certeza que o
meu primo estava tentando me colocar medo. Todavia eu dei foi umas belas
gargalhadas, aquele garoto era demais.
Voltei, limpei a área ralada com água e sabão neutro. Não era nada
preocupante, porém o garoto devia ter medo de ver sangue, pois se assustou.
Em seguida, sequei e espirrei um pouco de mertiolate, que fez Danilo gemer
quando o líquido foi ao encontro do ferimento. Soprei tentando aliviar a
ardência.
Resolvi servir um lanche para todos eles, pedi para todos se sentarem e
–– Vamos comigo então, tio Gui, aí você pode explicar pra ela que eu
caí porque subi no pé de manga sem querer.
Minha vontade era de sorrir da cara de anjo que ele fez. Quem sobe em
um pé de manga sem querer? Inacreditável esse garoto.
–– Vou te levar, mas não posso mentir para a sua mãe, não é certo.
Espere aqui enquanto vou avisar as meninas da limpeza.
Às vezes eu pensava que o meu primo Kenny tinha razão em não gostar
de crianças, elas dão muito trabalho.
–– Eu caí mamãe, eu sei que eu prometi que não iria mais subir nas
árvores altas, mas é que o Romário disse que eu era um filhinho de mamãe e
tinha medo. –– Soluçou. –– Aí o tio Guilherme me ajudou, mas não foi nada
de mais não, né tio Guilherme? Eu nem estou com dor –– tentou andar, mas
recuou pela dor no joelho.
–– Eu não sei mais o que eu faço com você, Danilo, quando não é
reclamação do seu Ruy, é você subindo em árvores. E ainda fica dando
trabalho para o Guilherme. Entre, por favor.
–– Desculpe-me por ele ter te dado trabalho, era só me ligar que eu iria
–– Duvido que você não tenha aprontado nada nessa idade, sua carinha
não nega que não foi tão comportada assim! Anda, me conta…
travessa não. Então Danilo nasceu e tudo o que eu não fui quando criança, ele
é. Agora me deixa ir lá ver o que ele aprontou no joelho, com certeza vai
fazer o maior drama. Obrigada mais uma vez.
Abri a porta devagar. Ele estava deitado de peito pra cima, olhando
para o teto. Quando me viu, fez a carinha de sempre como se estivesse
arrependido.
sofrer, então ele cuidou do meu joelho ralado e ainda deu um lanche para
todos os garotos. Ele é tão legal, né mamãe? –– disse me olhando.
–– Filho, você não está de castigo, mas, por favor, amor, presta mais
atenção no que eu falo. Você não é mais uma criancinha de dois anos, já vai
fazer oito anos, já entende e sabe o que é perigoso.
Ele se levantou.
outro. –– Ele vai viajar… E se você quiser, nós podemos viajar também. O
que acha?
–– Não mamãe, eu não quero viajar, quero ficar aqui mesmo brincando
com os meus amigos –– disse um pouco triste.
–– Mas seu pai vai te ligar filho. Agora vá tomar um banho, mais tarde
vou te levar a aula de catecismo. Tudo bem?
–– Posso jogar um joguinho no meu tablet?
–– Filha, até uma criança cansa de esperar pelo pai. Já é a segunda vez
que o Jonas desmarca algo com ele. Ano passado mentiu dizendo que estava
trabalhando muito, mas nós sabemos que ele estava com a esposa grávida e
com certeza não queria que o filho fosse atrapalhar os dois. É duro, mas é a
mais pura realidade –– minha mãe disse depois que contei sobre a minha
conversa com o Danilo.
se ele logo não aparece por aqui com a cara mais lisa. Eu não vou pedir para
o meu filho perdoá-lo, vou deixar que o Danilo escolha o que fazer. Quer
apostar como semana que vem chega um presente aqui em casa? Mais um pra
coleção.
uma hora.
Eu reconheci a voz da pessoa e me virei. Quando ele notou que era eu,
ficou envergonhado, balançando a cabeça. O cachorro abanava o rabo em sua
direção.
Fred não costuma fazer isso, eu estou sem acreditar até agora que ele fez isso.
Esse cachorro malandro!
–– É sim, e você não acredita o que ele fez com a sua mãe ––
Fred colocou as duas patas nos olhos como se estivesse com vergonha.
Todos nós rimos dele.
–– Por que você está chorando? Por favor, se eu puder ajudar em algo,
me diga.
Sem saber o que dizer ou fazer, somente deixei Heloísa chorar abraçada
a mim. Era um choro baixinho, ela não queria que eu ouvisse, mas não tinha
como não ouvir. Eu senti a sua dor. Supus que o marido, ou ex-marido, era o
responsável.
Ela saiu dos meus braços, envergonhada, olhando em volta para saber
do filho. Era uma mãe protetora. Quando viu Danilo brincando com o Fred,
relaxou. Dava para notar que era uma mãe perfeita, sempre preocupada com o
filho.
homens tinham que vir com uma placa de aviso na testa de: “Bom pai”. ––
Sorri sem jeito pelo meu comentário. –– Algum problema com o garoto que
eu possa ajudar? Eu notei a maneira que ele se referiu ao pai, sobre o
desculpar querendo um cachorro. Ele não é presente na vida dele, não é?
Ela assentiu.
–– Desde que nos separamos, ele não tem dado muita atenção para o
filho. Está sempre dizendo que está ocupado, ou que o bebê tira todo o tempo
dele. Danilo pode até ser esperto, mas eu sinto que ele sente falta do pai, e
isso parte o meu coração. Meu filho é a pessoa que eu mais amo no mundo,
eu sinto uma dor tão grande ao vê-lo assim tristinho. –– Ela olhou em direção
ao filho e começou a sorrir, o garoto jogava o graveto e Fred ia buscar. Os
dois já tinham se tornado grandes amigos.
–– O Fred também quer tio Gui. –– Quando ele me chamava de tio Gui,
eu adorava. Mesmo não sendo tio dele, só o fato de ele me chamar assim
fazia com que eu me sentisse especial.
–– Não sabia que cachorro tinha dor de barriga. Eles choram também?
Porque eu choro. Fui até ao médico naquela vez, né mamãe? Tomei injeção
na bunda.
–– Eca, Fred! Não pode comer lixo –– ele disse, fazendo cara de nojo.
reclamou, gemendo.
–– Fred também já vai para casa, Danilo, mas amanhã nós podemos
levar ele para passear um pouco na cidade, o que acha?
–– De verdade, tio Gui? Posso ir, mamãe, com o tio Gui levar o Fred
para passear amanhã?
Heloísa me olhou buscando uma resposta para saber se era sério o que
eu estava falando. Fiz um movimento com a cabeça afirmando que era sério.
–– Pode sim, contanto que se comporte e não faça nenhuma arte. Agora
precisamos ir.
∞∞∞
–– Cadê o pedido da mesa três? Tem quase cinco minutos que a Leia
trouxe para o senhor fazer. A moça da mesa já veio reclamar.
Arregalei os olhos.
–– Puta que pariu, esqueci. Leva essa porção de batatas fritas por conta
da casa até que o pedido esteja pronto –– disse.
pedido.
porta, porém permaneceu no mesmo lugar. Ele estava cansado mesmo. Passei
por ele, pegando em sua cabeça para fazer um carinho.
Após o banho, deitei-me para dormir. Estava tão cansado que logo
adormeci, todavia, antes pensei na Heloísa e no seu cheiro doce. Suspirei
Danilo quase não conseguiu dormir, estava tão ansioso pelo passeio
com o Guilherme e o Fred, que não parava de falar para a avó que o Fred era
um cachorro inteligente, que roubou o meu sorvete sem querer, que ele só
queria descobrir que gosto tinha. Onde já se viu roubar algo sem querer? Só
Danilo mesmo...
Mamãe não parava de achar graça dele tentando proteger o animal da
culpa. Eu estava feliz por meu filho estar contente e não ter ficado triste
porque o pai não iria buscá-lo nas férias.
A minha mente não parava de pensar em Guilherme. Era estranho para
mim esse novo sentimento, mesmo eu sabendo que podia não ser recíproco,
eu me pegava imaginando nós dois.
Depois que me separei do Jonas, eu decidi viver para meu filho e o
meu trabalho, era tudo o que eu queria depois que voltei para São José —
mas as coisas nem sempre saem como queremos. Desde que vi Guilherme,
pela primeira vez, me olhando, meu coração bateu forte. Tinha momentos que
percebia que ele me olhava de forma diferente — não sei explicar bem —,
minha corrida matinal; vou tomar meu banho e meu café e, dentro de meia
hora estou indo buscar o Danilo. Tudo bem para você?
Ele só estava correndo. Pensei aliviada.
–– Tudo sim, ele já acordou e está todo eufórico com o passeio.
Guilherme?...
–– Sim, Heloísa?
–– Obrigada pelo seu gesto com o meu filho, eu não vou me esquecer.
–– Não precisa agradecer Heloísa, eu gosto do garoto e só quero que
ele fique feliz. Agora preciso de um banho, até breve. –– Assim que ele
desligou o celular, fiquei com o aparelho agarrado ao meu peito. Era uma
sensação estranha, mas boa.
Subi para ajudar o Danilo a se arrumar. Já que ele ia sair com o
–– Não precisa de lanches, na fazenda tem muita coisa, além das frutas
das árvores. Não se preocupa que ele não vai subir nas árvores –– disse
apontando para o Danilo, quando ele voltou com a mochila. Antes de ele
colocar nas costas, tirei o sanduíche.
–– Você se comporta, hein Danilo. E obedeça ao Guilherme.
Ele balançou a cabeça.
–– Tchau mamãe.
Abraçamo-nos, beijei sua cabeça, me sentindo feliz por ele ir se
divertir.
Danilo foi em direção ao carro do Guilherme, enquanto ele ficou
olhando para mim. Eu fiquei sem palavras. Mas precisava agradecer mais
uma vez.
–– Mais uma vez, te agradeço. Eu sei que você não quer mais que eu
agradeça, mas é impossível. Espero que o passeio seja maravilhoso e que
vocês de divirtam.
Seu sorriso tímido apareceu nos lábios.
–– Na próxima vez você virá conosco, e eu não vou aceitar um não
curva que acabei de fazer para entrar na fazenda do meu primo Kenny.
coisa, eu sabia que seria vítima de piada engraçada pelo tempo que ficaria ali.
–– Quando Kenny avisou que vocês viriam, achei que fosse mais tarde.
Bom dia Guilherme. Oi Danilo, tudo bem?
–– Nem todo mundo tem o coração feito de pedra que nem o seu,
Kenny. Eu me pus no lugar do garoto, você sabe que o meu pai era ausente, e
sempre mentia dizendo que ia me ver aos finais de semana, mas já tinha era
outra família. Eu só não quis que ele sofresse mais do que já sofre, é uma
criança apenas. –– Tentei me defender.
–– Que lindo, soou tão altruísta –– disse ele debochando do meu ato de
bondade.
–– Linda ela não é, as roupas que ela usa não ajuda e aqueles óculos
enormes também não. Mas é uma mulher simpática. –– Seu sorriso era cínico
quando me olhou.
–– Não tenho culpa se você não gosta da fruta e fica pondo defeitos nas
mulheres. Heloísa é uma mulher linda sim, suas roupas largas, ou seus óculos
grandes, não definem a sua beleza porque ela é uma ótima mãe e uma grande
mulher.
A gargalhada que ele deu... aposto que foi ouvida na cidade vizinha.
–– Você está apaixonado, seu idiota, e ainda não se deu conta –– ele
afirmou.
–– Já disse que estou fazendo isso pelo garoto, mas não nego que a mãe
dela mexe comigo. Só que eu nunca tive um relacionamento com ninguém,
imagina com alguém que tem um filho. Preciso reunir o resto dos caras para
um papo sério, vou ligar para o Theo e o Alex para um chope na minha
lanchonete, e você não me venha com desculpas, pois foi o primeiro a ser
informado.
–– Você está fodido, meu primo, e os outros vão dizer a mesma coisa.
Agora vamos pescar e parar de falar de mulheres e filhos, esses dois assuntos
não se encaixam na minha vida. –– Ele se levantou, indo em direção ao
Minutos depois, saímos da fazenda. Kenny foi pegar o Jeep, pois o lago
era longe da fazenda. Danilo chegou todo suado e com o rosto corado de
tanto correr com Fred.
–– Tio Gui, o Fred fez cocô perto das vacas, ainda bem que saímos
correndo antes que uma delas corresse atrás da gente –– disse baixo como se
fosse um segredo.
–– Oi tio Kenny.
–– Acho que o tio Kenny não gosta de crianças –– disse bem baixinho.
–– Seu comentário saiu de forma seca. Era inacreditável como ele nunca
pensava antes de falar.
quando viu alguns passarinhos nos galhos das árvores baixas. Deixei o balde
no chão com as comidas para os peixes. Kenny, com as duas mãos na cintura,
começou a admirar a vista. Ele herdou a fazenda e, desde o momento que
herdou, ele nunca descuidou do lugar.
–– Isso é um lago garoto, mar não tem fim. Nunca viu o mar?
Ele negou.
–– Um dia, quem sabe, você não possa ir ver o mar, mas agora vamos
pescar. Venha Danilo, vou te ensinar.
Eu fiquei parado perto dele para o caso de ele não conseguir puxar a linha.
De longe, Fred latia.
Kenny pegou outro, mas foi menor, então devolveu ao lago. Aproveitei que
estava calor e tomai um banho no lago. Danilo não quis; com certeza o garoto
tinha medo de entrar no lago. Ajudei Danilo a pegar algumas frutas no pé,
em seguida fomos para a fazenda.
enorme peixe que pegou, fez até o Guilherme me enviar a foto dele com o
peixe. Claro que ele me fez revelar a imagem e pôr em um porta-retratos, que
ele pôs em seu quarto, todo orgulhoso.
∞∞∞
Ouvi o galo da dona Violeta cantando e supus que já tinha amanhecido.
Espreguicei-me, levantando. O cansaço do meu corpo tinha desaparecido.
anos em São José, eu nunca tinha tomado a decisão radical de mudar, mas
nessa vida temos que evoluir. Na escola foi tão engraçado quando cheguei de
visual novo, os professores ficaram espantados, mas logo me elogiaram
dizendo que eu estava linda, até o professor de Educação Física me olhou
com admiração.
um pão caseiro que era uma delícia. Entrei no ambiente e um latido me fez
virar para saber de onde vinha, era Fred do lado de fora com Guilherme
segurando a sua coleira; fiquei na dúvida se o cachorro latiu porque me viu,
deve ter me reconhecido.
estragou.
–– Pode apostar que ele gosta muito de você. Se dependesse dele, todo
dia iria à lanchonete, ou na sua casa para ver o Fred. Ontem mesmo estava
me aperreando por isso, mas claro que eu não iria te atrapalhar levando ele
até a sua casa.
nervosa.
–– Bom dia minha filha, não aconteceu nada não. Apenas vim aqui
para você me emprestar um pouco daquele xarope. Ruy está tossindo muito,
mas o teimoso não quer ir até o posto de saúde. Bati palmas, mas ninguém
respondeu, então fiquei esperando.
A garota não era nada daquilo, aliás, era uma boneca de tão linda.
Aquilo era implicância dos dois. Tanto ele quanto ela viviam de birra, e a
coisa complicou mais um pouco quando Danilo virou amigo do Guilherme.
Quando deu por voltas das cinco da tarde, minha mãe chegou toda
animada, parecendo o Danilo.
Como assim Danilo disse? Não deu nem tempo dos dois conversarem.
Fiquei sem entender.
mensagem não era sua porque, ao invés da letra N, ele pôs o M na palavra
linda.
comporte e respeite a sua amiguinha, não implique com ela, porque o senhor
já está bem encrencado por hoje. Estamos entendidos?
–– Vou com você, e pode deixar que eu pago. –– disse ele, colocando a
mão nas minhas costas para me guiar entre as pessoas, que toda hora parava
para falar comigo, elogiando a festa e toda a organização.
Sentamo-nos em uma mesa junto com Alex, ele admirava a filha. Ela e
Danilo dançaram direitinho, não implicaram um com o outro.
Era quase 21 horas quando saímos da festa, ainda tive que ajudar a
conferir toda renda da festa e foi mais do que imaginávamos. Com certeza,
iríamos poder dar início à reforma da quadra da escola.
–– Vamos pessoal? Estou tão cansada, com certeza amanhã nem irei
levantar da cama.
–– Eu não tive como dizer não, ela mãe me ameaçou –– disse sem
graça.
–– Ameaçou como?
–– Ela disse que se eu não fosse ao almoço, ela iria dizer que comeu
sanduíche estragado na minha lanchonete. Mas eu sei que ela está brincando.
Ou não?
–– Claro que ela está seu bobo. Mamãe não faz mal a uma mosca,
imagina a você.
Não sei por que eu estava nervoso, era apenas um almoço e estava me
comportando como se eu fosse me casar. O que era mais estranho era que eu
nunca me imaginei casando.
Já tinha acordado tinha mais de duas horas, tinha tomado meu café,
aproveitei e temperei um pouco de carne para fazer hambúrguer assado. Na
hora em que estava temperando, lembrei-me da conversa que tive com os
meus primos, marquei na minha lanchonete depois do expediente, pois tinha
comprando uma caixa de cerveja, eu queria me aconselhar com eles, mas fui
foi alvo de piadas por parte deles a conversa toda. Todos tinham rabo preso
com mulher, mas, mesmo assim, eles me zoaram.
Bem feito pra cara dele, ela fez foi pouco, o filho tinha que ser gêmeos,
porque só um era pouco demais pra aquele filho da puta de coração de pedra
criar. O único a me dar apoio foi Alex, porque ele também estava na mesma
situação que eu. Se bem que a dele era pior que a minha; o cara foi se
apaixonar por uma mulher que já sofrera violência doméstica — não deve ser
fácil. Tinha certeza que se o diabo não tivesse levado aquele filho da puta
ela poderia querer apenas a minha amizade, porque eu fazia bem ao filho dela
— dei apoio ao menino quando ele estava triste. Na festa, me deu uma
imensa vontade de beijá-la, entretanto me contive.
–– Oi tio Gui. Você trouxe o Fred, que legal! Entra, a mamãe e a vovó
estão nos fundos do quintal. Está tudo pronto para o churrasco. Venha Fred,
vou te mostrar o meu pula-pula.
–– Alguns problemas apenas, mas vamos deixar isso pra lá. Vamos
cuidar do churrasco, pois eu estou morrendo de fome. Quase não durmo
pensando em você. –– Seus olhos tão azuis me fitaram. –– Quis dizer, no
–– Não quis dizer que você mente, é só que nem nos conhecemos
direito. –– Seu rosto ruborizou, deixando-a linda.
me casei, e nem namorei pelo que eu me lembro, mas também não sou
virgem. Desde que eu te vi voltando da escola naquele dia, eu fiquei
fascinado por você. Eu adoro o seu filho, ele é como se fosse meu, não gosto
de vê-lo triste e nem decepcionado. Se você quiser me conhecer mais, é só
aceitar jantar comigo no sábado que vem. O que acha?
–– Uau! Vovó venha aqui! O tio Gui convidou a mamãe para jantar
com ele. Eu posso ir também, tio Gui?
Não teve como segurar a risada. Aquele garoto era muito engraçado.
–– Danilo!
Tomamos umas três cervejas cada um, ela ficava linda corada do sol.
Ela me contou um pouco do casamento e da vida que levava em São Paulo
com o ex-marido. Não quis entrar muito em detalhes e mudamos de assunto.
Ela me perguntou da minha família, claro que eu disse que o meu pai era um
irresponsável, por tudo que ele fez conosco, minha mãe morreu quando eu
ainda estava na faculdade, e desde lá me cuidei sozinho. Tinha uma irmã
mais nova, mas não era próximo dela, porque eu transferi a culpa de tudo que
a mãe dela fez com a minha. Mas ela não tinha culpa alguma, nem mesmo a
sua filha, que já tinha 10 anos; mesmo assim, eu não conseguia me aproximar
das duas.
–– Tem certeza que esse vestido não está curto demais não, mamãe?
Essa maquiagem e esse penteado que a Andréia fez, ficaram bons mesmo?
Estou achando um tanto chamativo.
–– Deixa de ser boba Heloísa, você está linda. Guilherme vai babar.
–– Por que o tio Gui vai babar na mamãe, vovó? Eca! –– Danilo disse
do sofá, de olho na televisão, mas os ouvidos estavam na nossa conversa.
Eu estava me arrumando para ir jantar com o Guilherme.
–– É uma maneira de dizer que ele vai achar ela linda, Danilo ––
mamãe explicou.
–– Adultos complicam tudo. Por que a senhora não falou logo que ele
ia achar ela bonita, em vez de babar?
Fiquei sem saber o que dizer, não queria dar falsas esperanças para o
meu filho.
Era inacreditável aquela competição dele com Alicia. Mas eram apenas
crianças.
Guilherme me enviou uma mensagem informando que já estava
chegando. Aconselhei Danilo a ir dormir antes das dez horas, para não me
Ao sair pelo portão, ele já estava do lado de fora com a porta do carro
aberta. Entrei, agradecendo, ele deu a volta e entrou também, ele estava lindo
vestido com uma jaqueta preta e calça jeans desbotada, seus cabelos ainda
estavam molhados, senti o cheiro do seu perfume quando ele sentou.
Colocando a mão no volante, olhou para mim com admiração.
–– Você está linda pra caramba, Heloísa. –– Seus belos olhos estavam
brilhando e fixados em meus lábios.
–– Que bom. Se quiser sentir mais de perto, eu prometo que não vou
achar ruim – disse me fazendo sorrir.
Era um brincalhão.
lustres.
Após, ele pediu um vinho ao garçom, que logo saiu nos dando
privacidade.
–– Gostou do restaurante?
lá.
–– Não gosto muito, eu fui porque Danilo e minha mãe adoram. Mas
prefiro massas mesmo, sou apaixonada pela culinária italiana e os vinhos
então… Eu amo.
quando o líquido gostoso desceu pela minha garganta, senti o gosto doce
invadir meu paladar.
De repente o carro parou, Guilherme tentou ligar, mas sem sucesso, ele
olhou para mim como se dissesse: o carro morreu.
–– Não acredito nisso, não tem nem dois meses que mandei o carro
para revisão na oficina do Theodoro. Fique aqui, vou ver o que aconteceu.
Logo Guilherme entrou e, o céu ficou claro com mais relâmpagos. Ele
estava todo molhado.
–– E agora?
–– Vou ligar para o Theodoro e rezar para que ele esteja acordado, ou
sem a Sofia na cama dele. Porque aquele ali só pensa nela.
recados. Eu já estava pensando em ligar para a minha mãe, mas desisti para
não preocupá-la.
–– Pelo visto, vamos ficar preso dentro desse carro –– ele disse
brincalhão.
Levei os meus lábios até os dele e o beijei. Beijei sem pensar em nada
e, ele me beijou de volta. Devagar, puxei a minha perna e meu vestido subiu,
suas mãos passeavam nas minhas coxas, ora ele apertava, ora acariciava.
Particularmente, eu gostei das duas formas, então comecei a rebolar em seu
colo, fazendo um vai e vem até sentir seu membro endurecer.
deles.
lindo. Ela desabotoou a minha camisa, tirei e joguei no banco de trás. Heloísa
saiu do meu colo, e eu puxei minha calca jeans, dando o mesmo destino que a
camisa.
–– Se arrependeu?
–– Claro que não, é que eu nunca tinha feito sexo com alguém no
primeiro encontro.
atender o celular, meu caro primo, Sofia está aqui em casa, só retornei para
–– Não desliga seu idiota. Presta atenção antes que a ligação caia, eu
estou na estrada, o meu carro parou do nada quando eu estava voltando para
casa com Heloísa. Preciso que você venha me buscar, estamos quase perto do
–– Estou, mas não devia estar seu pau no cu do caralho, empata foda.
Porra Guilherme, a Sofia e eu precisamos conversar. Eu só vim pegar um
vinho quando resolvi olhar o celular, que besteira eu fiz.
Queria gargalhar, mas ele poderia não vir e eu ficaria ali até de manhã
com Heloísa.
–– Em menos de meia hora estarei aí, seu idiota. Queria ter o coração
de pedra do Kenny, mas meu coração é bom igual o dono dele. Espero que
tenha usado esse tempo livre para agarrar a diretora, para depois não vir
pedir conselhos.
Sorrindo, desliguei o celular.
–– Eu prometo que o garoto não vai magoar a garota, ele só quer uma
chance para provar isso. E ele gosta tanto do pestinha do filho dela. E até a
mãe dela gosta dele.
Ficamos sorrindo que nem dois bobos, até que Theodoro chegou com
cara de poucos amigos. No entanto, quando viu a Heloísa, sorriu de forma
educada.
–– Tem certeza que quer ficar com ele, Heloísa? Ele é muito pão duro.
Theodoro fez uma expressão engraçada que nos fez sorrir. Era uma
expressão de: “Nossa, eu te admiro, mulher!”.
felizes. Eu queria formar uma família. A minha volta para a cidade de São
José não foi em vão, era ali que estava a felicidade que eu tanto procurei.
HELOISA
presentes que o pai mandava, ele nem fez questão de abrir a embalagem.
Assim que Danilo entrou na casa e avistou Fred deitado no chão, foi
em direção ao cachorro, abaixando e fazendo carinho em sua barriga. O
cachorro gostou tanto que ficou quietinho recebendo carinho.
–– Eca! Venha Fred, vou fazer a minha tarefa de casa. Eu nunca vou
namorar, tem que beijar na boca e isso é nojento. –– Ele saiu resmungando,
nos fazendo gargalhar.
–– Deixa só ele completar 15 anos, quero ver se ainda vai pensar dessa
maneira. O que acha de nós dois, digo eu e você, irmos até o meu quarto?
Eu estava quase aceitado, mas lembrei que Danilo era bastante curioso.
–– Dormir é o que não vamos fazer meu bem, nós vamos fazer amor à
noite toda, até o dia amanhecer. Ou podemos ficar trancados o dia todo em
seu quarto.
–– O que vocês vão fazer até o dia amanhecer, tio Gui? Posso fazer
também?
–– Fiz sim tio Gui. Será que podemos ir pra casa mamãe? Aqui não
tem nem videogame. –– Meu filho mudava de assunto tão rápido.
–– Vamos sim filho, Guilherme precisar ir para a lanchonete e nós
temos que fazer a janta para a sua avó.
–– Tchau tio Gui. Quando você for para a minha casa mais tarde, pode
levar hambúrguer com batatas fritas?
–– Não precisa agradecer, você merece por ser esse garoto inteligente.
Apenas obedeça a sua mãe.
pedia conselhos. No começo, eles sempre me zoavam, mas era só para torrar
a minha paciência, pois me apoiavam sempre.
–– Vocês esqueceram que nós estamos na mesma situação? Olha para
você, Theodoro, nem levou a Sofia para a cama ainda e já está morrendo de
amores por ela –– Alex disse, apontando o dedo na cara do Theo, que ficou
parado, assimilando o que Alex disse.
–– Não levei ainda. Não vou mais contar nada pra você, Alex, depois
você fica jogando na minha cara. E você que mais parece um garoto virgem
com medo de tocar na Jade. Vocês são todos ridículos –– disse, fazendo
Kenny soltar uma gargalha.
Logo todos nós começamos a gargalhar.
–– Jade é diferente, porra. Você sabe que ela tem traumas, mas eu não
me importo de esperar até que ela esteja realmente preparada. Sexo não é
tudo em um relacionamento, seu idiota.
–– Oh, que fofo! Ele está apaixonado –– Theo afirmou, se
aproximando e acariciando o rosto do Alex. Era um puto de um palhaço.
–– Estou mesmo, admito, estou completamente apaixonado pela Jade.
Não sou medroso que nem o Kenny.
–– Podem ir parando por aí, eu não dei confiança para vocês falarem de
mim ou da Daiana. Minha vida amorosa não está em jogo aqui. Nos reunimos
para falar do Guilherme, não de mim –– Kenny disse sério.
–– É verdade –– concordei.
–– Então, o que vocês acham? E se eu pedisse Heloísa em casamento
no sábado? Mas antes quero conversar com o Danilo, quero que ele me ajude.
Tipo, eu vou à cidade com ele, invento uma desculpa para Heloísa liberar o
abraçando.
–– Eu também estou feliz. Espero que o pestinha não apronte tanto com
você. No que depender de mim, já pode casar. Agora vamos deixar esse
negócio de abraços pra lá, vocês parecem frescos. –– Kenny, como sempre,
quebrou o clima. Mas eu estava me sentindo feliz.
Continuamos a beber e conversar.
Theo, sempre brincalhão, estava gozando com a cara do Kenny sobre
ele não gostar de crianças, e agora estava criando o filho que a empregada
deixou na fazenda. Até ele sorriu do comentário, jogando a lata de cerveja na
direção do Theo.
Relembramos a nossa infância, quando passávamos as férias na
fazenda. Em certo horário, nos despedimos. Cada um entrou em seu carro e
saímos da fazenda em direção as nossas casas.
Como já era tarde, resolvi ir para a minha casa. Sempre dormia na casa
de Heloísa, só que eu fui beber com os caras e não queria que ela dormisse
comigo cheirando a cerveja.
Cheguei à minha casa e o silêncio reinava, Fred se mudou para a casa
do Danilo. O menino se apegou muito ao cachorro e eu resolvi deixar Fred
com ele. Acontece que Fred também queria ficar com o garoto, todas as vezes
que Danilo ia embora com a mãe para a casa deles, Fred ficava triste. Lá
tinha quintal grande, onde ele podia correr com o Danilo. As fotos que Danilo
–– Não precisa ter medo, não vou te magoar, pode confiar em mim.
Começamos a nos beijar e o clima foi esquentando e, daquela vez, foi
diferente. Eu estava amando a minha mulher e ela sabia que eu a amava. E eu
era amado de volta.
HELOISA
As coisas na minha vida nunca foram dessa forma tão romântica. Ser
surpreendida daquela forma nunca havia acontecido, as coisas com Jonas
eram mornas. Espantei os pensamentos negativos e olhei para o Guilherme
deitado. Aproveitei e fiquei admirando a sua beleza, seu corpo era perfeito, os
músculos estavam em seus devidos lugares, seus cabelos claros estavam
caídos em sua testa, seu peito subia e descia serenamente, seus lábios
entreabertos eram um convite para um beijo; e foi o que eu fiz. Sem pudor
Daquela vez foi diferente das primeiras vezes, pois havíamos nos
declarados um para o outro, e fazer amor ficou ainda mais prazeroso.
acordado dessa forma antes. Acho que me acostumaria fácil com essa vida.
Vamos tomar um banho? –– Piscou e eu sorri.
meu prazer em primeiro lugar, uma coisa a qual eu não estava acostumada,
mas estava adorando como ele estava me tratando.
–– Bom dia tio Gui, eu nem sabia que você tinha chegado –– Danilo
–– Bom dia garoto. Fiz panquecas e elas estão deliciosas. Você será o
primeiro a provar –– Guilherme disse, colocando uma panqueca no prato do
meu filho.
–– Estão deliciosas mesmo tio Gui. Será que você poderia fazer um
hambúrguer com batatas fritas? –– Ele nem tinha acabado o café ainda.
–– Tudo bem então. Mas você prometeu hein tio Gui, não se esqueça
de cumprir. –– Danilo realmente não existia.
–– Tio Gui fez panquecas vovó, e mais tarde vai fazer hambúrguer. Ele
que prometeu.
–– Se ele prometeu, ele vai ter que cumprir. Agora vamos comer ––
mamãe disse, sentando a mesa conosco.
–– Tem certeza que quer levar o Danilo com você? Ele não vai te
atrapalhar?
–– Que nada, vai ser rápido. É para ele sair um pouco de casa.
preocupa com o meu filho. Está tudo bem, eu deixo Danilo ir com você, mas
caso ele apronte algo, é para me falar. Vou aproveitar e arrumar o armário
dele, tirar algumas roupas que ele não usa mais para doar; o padre Estevão
está arrecadando doações para as crianças do orfanato.
Logo se levantou para ir, fui até o lado de fora para me despedir.
Algumas vizinhas estavam varrendo a calçada de suas casas, outras estavam
apenas tomando conta da vida alheia mesmo.
Querido Deus, será que o senhor pode fazer o meu tio Gui se casar
com a minha mamãe? Eu acho que ela gosta dele, porque sempre sorri
quando o vê na rua correndo. Então se ele faz ela sorrir, faça com que eles
se casem logo, aí ele vai ser meu pai, e assim poderei levar ele nas festas dos
dias dos pais na escola. Eu fiz essa cartinha porque Alicia disse que o senhor
saber ler. Quando eu for na missa de domingo, deixarei a carta lá para o
senhor. Amém, Danilo.
Limpei as lágrimas grossas que caíram pelo meu rosto, e sorri por
alguns instantes. Apesar dos erros de português, eu entendi direito o que ele
–– Sim, estamos indo na joalheria. Pegou o anel de sua mãe para medir
o tamanho da aliança dela?
–– Esse é o anel que ela mais usa quando sai. Eu e vovó que
compramos para ela no dia do aniversário dela. Eu sou muito esperto, né tio
Gui?
–– O tio Gui veio comprar alianças. Sabia que ele vai pedir a minha
mãe em casamento?
–– Quer milk-shake?
–– Se você casar com a minha mãe mesmo, tio Guilherme, o senhor vai
ser o meu pai, né?
–– Se você quiser que eu seja... Mas você sabe que você tem um pai,
não é?
–– Eu sei, mas quero que você seja meu pai também. Quando tiver a
festinha na escola, eu vou poder te levar. Meu pai nunca vem –– ele disse
muito convicto.
–– A moça da venda sorriu para o tio Gui, mamãe. Eu percebi que ela o
achou bonito. –– O pestinha comentou, arrancando uma gargalhada minha.
Tive que ir embora pra casa, pois se demorasse mais um pouco, com
certeza não aguentaria e iria entrar com ela para dentro de casa levando-a
dezoito anos, minha mãe achou melhor nos mudarmos para a cidade por
causa da faculdade. Depois ela faleceu e meu pai sumiu no mundo. Eu me
formei em administração, porém não estava feliz na minha profissão, pois
desde muito novo eu sempre fui fascinado por comidas, inventava muitas
coisas diferentes. Perdi o meu emprego na cidade e decidi investir tudo o que
recebi na minha lanchonete de hambúrgueres artesanais, meus primos foram
a minha base quando eu tive que recomeçar; pode até parecer clichê, mas eles
são e sempre serão os meus melhores amigos.
pastas nas mãos, apressada, com seus óculos grandes, seus cabelos
balançando com o vento, e eu a quis pra mim. Isso foi novidade, pois eu
nunca senti nada igual por mulher alguma. Conheci o seu filho e por ele eu
tive um amor de pai. Ele é sim um mini terrorista –– mais risadas foram
ouvidas ––, mas também é um garoto inteligente, super educado e ótimo
–– Mamãe, o tio Gui quer se casar com você. Eu já deixei! Hoje nós
fomos comprar as alianças, eu ajudei a escolher, dá certinho no seu dedo,
porque eu peguei o seu anel, e aí a moça mediu. A moça disse que a senhora
tem muita sorte em se casar com o tio Gui. Aceita, mamãe. –– Além de fazer
os homens gargalharem, ele fez as mulheres chorarem. Inclusive a mãe dele,
que se levantou e veio na nossa direção.
–– Claro que eu quero, só não precisava fazer isso tudo, eu estou com a
maquiagem toda borrada agora. E você hein Danilo, conseguiu guardar esse
segredo direitinho. –– Ela abraçou e beijou o filho. –– Eu te amo filho, muito
obrigada por me fazer mais feliz hoje. E você, Guilherme, muito obrigada por
ser um pai para o meu filho. Amo você e caso com você quantas vezes quiser.
Deus leu a cartinha do Danilo, por isso a senhora está casando hoje. Tio Gui
vai ser pai dele agora, né tia Helô? –– Alicia estava comigo e Danilo dentro
do carro, eles iriam entrar comigo na igreja.
–– Eu também fiz outra carta pra Deus –– Danilo comentou com ela.
Até que eu chegasse à igreja, iria estar cheia de cabelos brancos com a
conversa daqueles dois.
Assim que fiquei próxima, entreguei o meu buquê para uma das
meninas.
momento com eles, porque são as pessoas mais importantes para eles. E a
pergunta que não quer calar... –– O padre olhou para mim e Guilherme de
forma carinhosa, então continuou: –– Heloísa, é de livre e espontânea
vontade que você aceita Guilherme como seu companheiro em matrimônio?
dele, disse:
–– Para com isso meu amor, o importante é que você será o último.
Danilo estava feliz, meu filho era outra criança, estava mais
comportado, não aprontava mais como antes.
–– Quando você disse que seria surpresa, não imaginei que seria
perfeita a nossa lua de mel. Uma semana nesse hotel maravilhoso e ao lado
do meu marido? É o paraíso.
–– Nada disso, quero aproveitar tudo. Hoje não, mas amanhã iremos ao
após falamos em filhos. Guilherme disse que nunca pensou em ser pai, mas
quando conheceu Danilo a vontade aflorou.
Vesti o meu roupão e fui até a varanda, sentindo o vento frio contra o
meu rosto. A vista era linda, as ondas da praia faziam pequenos barulhos.
Senti duas mãos na minha cintura e um beijo na minha cabeça, era o meu
marido que sentiu a minha falta na cama e veio me procurar. Era quatro da
madrugada.
seu abraço, e eu o abracei de volta, sentindo o quanto era amada por ele.
disse.
Um dia desses, ela quase caiu do berço, mas eu estava lá para protegê-
ter me escolhido como filho e me amar muito. Eu te amo, feliz dia dos pais.
Fred corria atrás das crianças, ele já estava um cachorro idoso, mas não
sossegava. Eu já tinha um monte de primos, do tio Alex, do tio Kenny...
todos casaram. Quando tinha festa em uma das casas, tinha mais crianças do
que adultos.
Olhei para minha mãe e meu pai, minha avó estava perto deles. Meu
pai pegou a minha irmã do colo da minha mãe e entregou para a minha avó.
Como Alicia e a tia Jade estavam perto dela, resolvi ir até a pestinha para
perguntar o que ela ouviu. Só que ela foi mais rápida e veio até a mim,
correndo.
–– Sua mãe ficou enjoada, aí a tia Jade perguntou: será que você não
está grávida, Heloísa? Aí a sua mãe colocou a mão na boca e correu para
dentro da casa. Tio Gui e a tia Jade foram atrás dela.
–– Faz logo o teste Heloísa, deixa de ser medrosa –– tia Jade disse.
Mamãe pegou uma caixinha e foi para o banheiro. Não demorou muito
a voltar e foi logo entregando algo para a tia Jade.
–– Não te disse que a tia Heloísa vai ter outro bebê? Agora vamos
brincar de esconde-esconde.
Deus ouviu meu pedido muito rápido, eu iria ter mais um irmãozinho.
Tem que ser menino, hein Deus! Pensei entusiasmado.
Avistei a minha mãe sentada com a minha irmã em seu colo, corri em
sua direção, chegando perto, abracei-a dizendo que eu amava muito. Mesmo
minha mãe não sabendo que eu já sabia que ela iria ter mais um bebê, eu
agradeci a ela
Assim era com Alex, que vivia a dura realidade de ser um pai solteiro
que tinha sido abandonado pela esposa.
Mesmo sob a pressão da responsabilidade, ele se dedicou bravamente à
missão de ser pai solo.
Sua pequena Alícia se tornou a sua única prioridade e ele não tinha
Jade era uma jovem com um passado marcado por violência e muitos
traumas.
Sofia Aguilar tinha uma vida no eixo. Trabalhava com que amava,
tinha o namorado perfeito e esperava seu primeiro filho... só que do nada, as
coisas começaram a sair do controle. E agora ela estava sozinha e com um
bebê.
pedir ajuda a uma pediatra que trabalha na região e que ele simplesmente não
suporta. A convivência com o pequeno Davi e a aproximação com Daiane
despertarão nele sentimentos que tentou evitar por todos aqueles anos.
RECADINHO
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1ª Edição
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Assim era Alex, que vivia a dura realidade de ser um pai solteiro que
tinha sido abandonado pela esposa. Mesmo sob a pressão da
responsabilidade, ele se dedicou bravamente à missão de ser pai solo. Sua
pequena Alícia se tornou a sua única prioridade e ele não tinha planos de
mudar essa equação.
Jade era uma jovem com um passado marcado por violência e muitos
traumas. Ela não tinha nenhum interesse em se envolver emocionalmente
com alguém, e muito menos chamar a atenção para si. Contudo seus planos
foram postos à prova quando conheceu a pequena Alícia, uma garotinha de
seis anos, e seu pai encantador.
tenha sido com um homem qualquer, pois sempre foi muito dependente e, do
nada, mudou. Começou a agir mal comigo e rejeitou a nossa pequena. A vida
não foi fácil para nós dois, porque eu nada sabia de bebês e ela necessitava de
afeto e alento. Nos poucos minutos que me afastava dela, o choro era certo,
até que aprendeu algumas coisas, e começou a entender que já estava fora da
barriguinha quentinha onde ela foi firmada.
Os primeiros sorrisos e apertos de dedos foram surgindo, depois as
tosses forçadas por ela mesma, em seguida, a curiosidade de sair do lugar e
eram só de sorrisos que vivíamos, houve noites que não dormimos porque ela
precisava de carinho e calor do meu corpo.
Eu passava horas com Alícia no colo e nada de ela aceitar a ideia de ser
posta no berço. Dormimos muitas noites por poucas horas, mas eu sempre
agradeço por ter essa experiência de ser “pãe”. Nada paga esse amor, o único
amor verdadeiro.
Hoje a minha menina já está com seis anos e sabe bastante sobre o
mundinho dela, atende pelo seu nome, mantém os horários regrados. Apesar
dos apesares, eu sou feliz e me sinto abençoado por ter uma filha tão incrível
assim.
Viro meu rosto um pouco para o lado e enxergo a marca roxa no meu
olho direito. Soluçando, eu abaixo a cabeça, com vergonha da mulher que me
tornei — fraca. Uma covarde.
Até quando vou suportar viver nessa vida miserável? Eu me faço essa
pergunta todos os dias, desde a quinta vez que ele atingiu o meu rosto com
seus punhos e arrancou sangue de mim.
Quando conheci o meu marido, ele se comportava como bom moço —
é o que todos os homens abusadores fazem, se comportam como anjos até
— Jade, querida, por que está nesse quarto desde ontem? — Assusto-
me com a voz da minha sogra, que entra em meu quarto sem pedir permissão.
Meus sogros estão aqui há três dias, vieram a pedido de Robert, que
nem mesmo respeitou a presença da família e me espancou no nosso quarto
porque briguei com ele por ter exagerado no álcool ontem à noite, no
restaurante.
Eu me cansei dessa merda toda. Eles fingem não ver a desgraça que o
“menino de ouro” deles faz comigo, mas, no fundo, sabem que sou o saco de
pancadas de Robert.
— Não grite, estamos com visita! — fala ela, tocando em meu ombro,
fazendo com que eu me afaste bruscamente do seu toque imundo.
Nem tenho coragem de olhar nos olhos desta vaca! Eles vivem de
aparência, mas são todos animais.
— Imagino que essa visita seja tão importante, que ela não pode saber
que a nora dos Almeida apanha como uma condenada! — falo, irônica,
deixando as lágrimas caírem.
— Se sabia que Robert era assim, não deveria ter se casado com ele,
querida! — retruca.
avançar nela.
— Escute aqui, Jade, meu filho está com visita. Ele é um amigo muito
importante no meio policial, e se você ousar abrir a sua boca, vai se
arrepender! Não sei como Robert ainda insiste em viver com você, uma
mulher problemática e muito sonsa! — Dessa vez ela me olha, seu olhar é
gélido.
Eu não me deixo abalar, cruzo os braços, jogo a cabeça para trás e dou
uma risada alta.
— Não vou discutir com você e nem tentar me defender. Sou o saco de
pancada do seu filho há muito tempo, e vocês nunca fizeram nada para me
livrar das mãos dele! — falo em um só fôlego.
nasci, para vir morar com um homem que me prometeu o mundo, mas eu só
recebo tapas, murros e muitos hematomas há anos.
Amedrontada, eu dou passos para trás com minhas pernas moles igual
geleia. Meu coração bate descompassado, como se fosse saltar pela minha
boca.
— Filho... Não sei o que deu nela... Está descontrolada a sua mulher.
Eu vim chamá-la para se reunir com a gente, mas, do nada, ela veio para cima
de mim — fala Branca, fingindo um choro.
Sempre soube que ela nunca gostou de mim. A esposa ideal para o
filho dela era a ex, a Verônica. Ela é de família rica, uma empresária na área
de logística.
— Me deixe sozinho com Jade, minha mãe... — ele pede, mas nem
ouso olhar em seus olhos. Posso sentir seus olhos negros queimando a minha
pele como fogo.
— Tudo bem, querido... Mas não faça nada que possa se arrepender
depois — fala ela com cinismo. Os passos dela em direção à saída são tão
apressados, que desconfio que seja uma apreciadora da obra de arte do louco
do filho dela.
Sinto meu braço latejar com o primeiro murro dado. Solto um grito de
dor, mas nem tenho a oportunidade de dizer nada, porque ele me pega pelos
cabelos e me joga na cama, em seguida, desfere tapas em meu rosto e aperta
meus lábios contra meus dentes, ferindo minha boca com sua mão.
Quando percebo que estou sozinha, eu volto a chorar mais uma vez. Já
não tenho mais lágrimas, choro tanto que vai chegar um dia que minhas
lágrimas serão de sangue.
Estou mantendo contato com ele há alguns meses por telefone, uma
vez que não sabe usar o WhatsApp. Ele diz que é muito velho para tal
“modernidade”.
Robert acha que eu não tenho contato com mais ninguém da minha
família, então mantenho escondido o contato dele, mas o único que pode me
socorrer é o meu tio.
Hoje Robert vai com a família para um coquetel, e sei que não vai me
levar porque me deixou muito machucada, e não vai correr o risco de receber
uma enxurrada de perguntas das pessoas.
É agora ou nunca. Vou fugir desse inferno e nunca mais vou voltar.
ALEX ALENCASTRO
negócio, de início ele pensou que não se adaptaria tão fácil, mas depois da
inauguração foi um sucesso. Guilherme foi muito bem acolhido, a metade da
comunidade se fez presente, e gostaram bastante do cardápio principal —
hambúrguer artesanal. Contudo há outros tipos de salgados, que são feitos
também pelas mãos dele.
os lanches dele.
Dou uma risada ao notar que a minha pequena odeia quando faço isso.
Só sei disso porque ela já me disse. Tem tão pouca idade, mas é uma
garotinha inteligente. Muito sapeca.
— Podemos vir outro dia, mas agora vamos para casa porque o tio
Guilherme está ocupado. — Eu a pego no colo.
— Pode deixar. — Pisco para ela, que sorri para mim e depois vira o
rosto em direção ao balcão onde Guilherme está conversando com dois
homens que seguram latas de tinta.
♥♥♥
padre Estevão para ver se ele conhece alguém de confiança para cuidar de
Alícia. A moça que cuidava da minha filha vai se casar no fim de semana e se
mudará na segunda-feira com o marido para o Rio de Janeiro. Não posso
esperar até Janice ir embora para procurar outra pessoa para cuidar da minha
filha nos horários em que estou trabalhando.
Ela para de andar, solta a minha mão e cruza os braços sobre o peito,
fazendo uma careta.
— Filha, cuidado para não cair! — eu a repreendo, indo atrás dela, que
já está pegando na mão da desconhecida e perguntando algo.
com o rosto todo roxo, o olho direto inchado, assim como o lábio partido. Ela
parece que foi espancada no dia anterior.
— Tia, por que está chorando? O seu rosto está dodói por quê? —
Minha filha solta as perguntas inocentemente, deixando a moça com o rosto
pálido.
— A senhora não fala? — a criança pergunta mais uma vez. Dessa vez
a minha filha cruza os braços e franze a testa, então acho um bom momento
para interferir.
— Filho, essa é Jade Torres, a minha sobrinha. Ela veio morar aqui em
São José comigo, chegou há dois dias — o padre fala um pouco inseguro,
olhando para a sobrinha.
Por isso eu não a vi antes. Achei que o padre nem tinha família, ele
nunca falou sobre isso. Menos ainda sobre uma sobrinha tão jovem.
— Papi, ela não fala, eu acho... Mas acho que ela é uma moça muito
— Padre, a Janice não vai mais poder olhar a Alícia porque vai se casar
e vai embora, como o senhor já sabe. Vim aqui pedir uma indicação de
alguém que possa ficar com a minha menina, o senhor conhece alguém
confiável para isso? — Passo a mão na minha barba.
— Meu filho, amanhã te dou uma resposta, preciso conversar com uma
pessoa primeiro — quando ele fala, eu noto que Jade esfrega as palmas das
Há uma semana estou livre das garras de Robert. Faz poucos dias que
estou longe daquela família tóxica e já me sinto mais leve, viva... quase feliz.
Naquele mesmo dia em que meu ex-marido me agrediu, eu coloquei meu
plano em prática. Liguei para o meu tio, mesmo chorando e sentindo muita
dor, conversei com ele, contei que já não aguentava mais viver em um lugar
que a qualquer momento eu poderia ser morta de tanto apanhar.
Tio Estevão havia ficado com tanta pena de mim, que pensou em ir me
buscar e enfrentar os Almeida, mas eu o impedi, jamais me perdoaria se algo
acontecesse a ele por minha culpa. Aqueles monstros tinham influência e
poderiam fazer algum mal a ele.
prisão. E consegui. Usei as minhas economias para chegar até São José e me
manter por alguns dias, mas antes que o dinheiro acabe, eu vou tentar
encontrar um trabalho.
Estou morando em uma casinha nos fundos da igreja, mas meu tio
disse que não sabe se vou poder ficar por muito tempo, já que não é
propriedade dele. Mas ter me dado um lugar para ficar já é uma ajuda e tanto,
de vez.
Apesar de estar em São José há poucos dias, ainda não conheço quase
Eu só queria ter tido coragem de abrir a minha boca e dizer “está tudo
bem, ela é só uma criança, é normal ser curiosa”, contudo, não fiz isso,
apenas fiquei os observando, enquanto Alex conversava com o padre
Estevão.
Sei que não fui muito educada ao não os cumprimentar direito, mas
espero ter outra oportunidade de vê-los para pedir desculpas pelo meu
comportamento.
— É... O senhor poderia me dizer como seria esse trabalho, por favor?
filha, não confiaria dar a menina dele para qualquer pessoa cuidar, por isso
veio atrás de mim pedir uma recomendação. Todos da cidade conhecem esse
rapaz, é um menino de ouro, muito educado e trabalhador. Ele tem uma
pequena empresa de frete — fala e eu escuto com atenção.
sem dar satisfações. O coitado deu a volta por cima e hoje é admirado por
todos nós. Ele é um grande pai e homem.
Meus olhos ardem ao ouvir o meu tio falar. Como alguém é capaz de
abandonar um serzinho indefeso e tão inocente? Não é um ser humano, é um
monstro. Se não queria ter um filho, por que o trouxe ao mundo?
Mesmo com meu desejo louco de ser mãe, eu jamais caí na loucura de
engravidar de Robert. Agradeço por não ter ficado grávida de um animal que
nunca quis ser pai. O tempo todo éramos opostos e eu caí na real tarde
— Ah... Sim. Mas se a moça cuida da filha há anos, talvez ela nem
goste de mim, a parte mais difícil vai ser ela se adaptar comigo. — Coloco
uma mecha de cabelo para trás e pigarreio.
Dou uma risada depois que ele fala, e meu sorriso aumenta quando me
lembro de ela me chamando de tia.
— Viu, filha? Ela faz a gente sorrir até com a sua lembrança. É uma
criança incrível, foi bem criada pelo pai e, como toda criança, faz birra,
porém, Alex é rígido com ela na medida certa, por essa razão todos a adoram
— fala meu tio, todo orgulhoso de seu amigo.
como fui tratada não sai da minha cabeça, a violência psicológica é a pior
parte de curar.
— Eu sei, filha, mas podemos entrar em um acordo com Alex o que for
melhor para Alícia e para que você também se sinta confortável. Ele tem
recursos e pode dar um jeito nessas questões de ir à rua. Tudo pode ser
conversado e organizando — afirma ele, animado.
— Se o senhor garante que ele não vai criar caso, pode ligar para
combinar com ele. Mas eu prefiro que o senhor acerte tudo com ele, não
quero me aproximar muito, espero que o senhor me entenda. — Minha voz
sai embargada.
— O contato com ele será inevitável, mas vou explicar a Alex tudo o
que conversamos e ver se ele está de acordo. A Janice já foi embora e ele está
se virando com a filha, levando-a para o trabalho sempre, e a pobre criança
não dá conta do ritmo do pai — com pesar, ele me informa, e eu me espanto
com a afirmação.
Não sei se vai estar de acordo, mas estou aberta a negativas também.
Seja como Deus permitir.
me levanto e vou até a porta lateral para espiar. Sim, é a pequena Alícia com
toda a sua alegria e curiosidade.
— Oi, pequena princesa, você está animada hoje, hein? — meu tio
afirma, sorrindo assim que a abraça.
— Eu vim animada e bem linda, pois o papai falou que a minha nova
babá estará aqui com o senhor. Eu não quero que ela ache que sou feiosa, né
— fala a menina, dando uma volta completa para que ele veja o lindo vestido
de cetim azul com borboletas cor-de-rosa, todo brilhante.
— Ah, você está animada, então? Será que vai gostar da nova babá? Eu
já vou te avisar que ela não sabe muito bem brincar de boneca, você vai
precisar ensinar a ela. Tudo bem? — sussurrando como se fosse um segredo,
ele fala para a Alícia, que se anima ainda mais.
— Oi... Linda, você está uma princesa! — falo assim que a abraço
apertado, e ela se afasta para dar um beijinho no meu rosto.
— Tia, que bom que você fala. Eu ia precisar aprender aquela língua
que usa as mãos pra gente conversar. Já que a senhora não tem amigos, eu ia
te ajudar. — Espontânea, ela dispara e nos faz rir.
— Fica tranquila, a tia fala, amor! Mas me conta, por que você está tão
linda assim? Esse vestido é incrível! Será que eu acho um igual para mim? —
brinco.
— Jade, vou conversar com Alex. Você pode olhar a pequena Alícia
por uns instantes? Não vamos demorar — meu tio pede e eu assinto.
— É seguro? Ela está bem para cuidar da minha filha? Não quero que
Pouco tempo depois, meu tio aparece com o senhor Alex, bem na hora
em que estamos brincando de pique-estátua e eu estou igual doida com os
cabelos jogados no rosto, mão virada para trás e pernas tortas.
— Eba! A senhora vai ser a melhor babá que eu já tive. Eu vou amar te
ensinar a brincar de boneca, já que a senhora não sabe, né!? — fala ela,
espontânea.
— Será um prazer aprender com você, baixinha. A tia vai adorar. Então
nos vemos segunda?
— Sim, tia Jade. Eu não vou conseguir nem dormir hoje. Papai, ela não
Jade. Ela parece ser bem tímida, nem mesmo quis tratar dos termos comigo,
deixou que o tio falasse e acertasse tudo. Eu a entendo em partes, mas será
inevitável não nos falarmos.
— Bom dia, senhor Alex — fala Jade, suas bochechas ficando rosadas.
Dou-lhe uma examinada rápida sem que ela perceba. Seus cabelos
estão presos em um rabo de cavalo e ela veste um vestido azul florido com
detalhes simples. Os olhos verdes que antes não tinham brilho agora têm.
Dou um meio sorriso quando noto que seu nome me lembra a pedra preciosa
“jade”.
— Bom dia, Jade... Pode entrar, mas está bem cedo ainda, Alícia entra
às oito na escola, então dorme até às sete. — Sem jeito, dou passagem para a
moça.
senhor. Eu quero poder atender às necessidades dela sem que ela sinta muito
a falta da dona Janice. — Jade olha pouco em meus olhos, e eu gostaria de
saber por quê.
Com os olhos fixos no quadro na parede, ela sorri ao ver que é Alícia
vestida de caipira, uma foto que tirei no ano passado, na fazenda do meu
primo Kenny. Naquele dia, ele quase teve um treco quando eu a levei para
tirar essas fotos e passar o dia lá, meu querido primo não gosta de crianças
desde que a esposa faleceu, há cinco anos. Ele é uma boa pessoa, tem um
grande coração, mas parece ter algum tipo de alergia a esses pequenos, ele
não suporta nem se aproximar.
Subimos correndo para socorrer a minha filha, que está presa no short
da escola. Ela se desequilibrou e agora está apoiada na cama enquanto grita.
— Alícia, não faça isso! Você me assustou! Achei que você estava
machucada ou... sei lá — eu a repreendo pelo ato exagerado, então a baixinha
prontamente se senta e cruza os braços.
— Oi, mocinha. Será que a tia pode ajudar a desfazer esse nó de short?
— Jade aparece na frente dos olhos da minha atriz mirim, que só assim a nota
e abre um sorriso travesso.
Como alguém pode mudar do dia para a noite? Ou, talvez, quando ela
nos conheceu tenha se assustado com as perguntas da Alícia e agora parece
estar mais tranquila. Pode ser que o padre tenha conversado com ela.
— Tia, você canta bem e dança legal, mas deixa eu te ensinar uns
passos mais legais. Vem comigo. — A pequena me puxa pela mão e me
sacode para entrar no ritmo dela. Acabamos gargalhando, enquanto Alex nos
observa com um sorriso de canto.
Pouco depois, Alícia se cansa e decide subir para tomar banho, então
eu a sigo e separo as roupas para ela. Fico aguardando o fim do banho dela
para a vestir e penteá-la.
— Tô com sono. Quando eu acordar a senhora ainda vai estar aqui, né?
Daí eu como, tá bom? — fala, já bocejando.
alguém pode ficar apaixonada dessa maneira pela filha de outra pessoa.
Meneio a cabeça para tentar afastar esses pensamentos.
Ajeito Alícia na cama, dou um beijo em sua testa e depois saio sorrindo
do quarto.
♥♥♥
Horas mais tarde, estou distraída sentada na sala zapeando pelos canais
na tevê quando tenho a sensação de estar sendo espionada. De repente, eu me
dou conta que Alex está apoiado na porta, seus braços cruzados sobre o peito,
— Eu vim mais cedo, precisava ver se vocês estavam bem. Para nós, é
uma novidade termos uma pessoa jovem como você no nosso dia a dia —
diz, coçando a barba e dando um meio sorriso.
Eu sabia que Janice tinha trinta e sete anos, talvez ele tenha me
chamado de jovem por isso. A ex-babá da filha dele é doze anos mais velha
que eu.
— É bom saber disso. Onde está Alícia? — Ele me encara com tanta
curiosidade, que me deixa sem reação.
— Ela ainda dorme, não quis almoçar. Depois do banho, a pequena
disse que queria dormir porque estava cansada.
Engulo em seco quando ele me olha sério. Será que ele não quer mais
que eu tome conta da filha dele? O que eu fiz de errado?
— Não será uma conversa longa, não se preocupe. — Alex olha bem
em meus olhos e eu me encolho. — É inevitável não pensar no que você
passou para estar tão machucada e isso não sai da minha cabeça. Eu ia
perguntar isso ao padre, mas fui surpreendido quando ele a indicou para
trabalhar para mim. Resolvi esperar e perguntar diretamente a você, se estiver
confortável, é claro.
— Tudo bem. Eu achei que poderia ir para casa assim que o senhor
chegasse do serviço. — Disfarço minhas lágrimas ao passar a mão no rosto.
Não sei se posso me abrir para ele ainda, tenho muito medo. Não
posso rir mais — gritando, ela desce a escada pedindo ajuda enquanto ri da
brincadeira do pai.
— Ah, senhor, ela não passou por aqui, acho que essa coelhinha
escapou. — Entro na brincadeira com eles.
Assim que ele acaba de falar, Alícia grita e sai do esconderijo, correndo
na direção do pai.
cede.
hematomas.
— Mas eu sei que adultos não caem da bicicleta. Seu pai te bateu, ou
sua mãe? — Ela estreita os olhinhos verdes.
— A tia não tem mais mãe e nem pai, mas era casada e deu uma
resposta que o marido não gostou, então ele ficou bravo. Mas vamos falar da
sua atividade de hoje, na escola, tudo bem? — Tento esconder a vergonha ao
mudar de assunto.
Eu não gosto de mentir, mas Alícia é muito pequena, e algo assim pode
ser muito pesado para ela.
— Uhu, tá certo. Só que eu tenho pena do seu marido, ele vai sofrer
agora porque a senhora está aqui comigo. Mas agora ele não fica bravo e
machuca a senhora, né! — conclui, toda esperta.
— Verdade, amor. Agora a tia está segura com você por perto. Agora
me fala como foi a aula de hoje. Você me deixou curiosa, ia me contar, só
que foi dormir e me deixou sozinha. Que preguiçosa, não?! — brinco com
os guardo no armário. Faço tudo isso com uma pequena muito curiosa me
observando e cantarolando uma musiquinha que aprendeu na aula de música.
O dia foi bem tranquilo, mas ainda tenho muito para aprender.
Com as mãos no rosto, Alícia olha para mim com uma certa admiração.
— Tia, amanhã vem bem cedo, tá? Não se atrase. Eu quero ir para a
escola com você, o papai é muito sério, acho que ele precisa de uma
namorada para sorrir mais — ela fala baixo, como se fosse um segredo, e põe
a mão na boca para sorrir.
Por um segundo, fico curiosa para saber que fim deu a mãe dessa
garotinha tão carismática, entretanto, só lanço um sorriso para ela.
muito quieto. Ele fala que esse negócio de namoro não é coisa de criança, e
que tá conversando. Meu papai fica muito bravo e quer me colocar de castigo
— a menina tagarela e eu dou risada.
levanto e disfarço um sorriso ao olhar de soslaio para Alícia, que passa a mão
na boca como se estivesse fechando um zíper, pedindo segredo.
— Papi! Eu tava falando que o senhor demorou para chegar, né, tia
linda? — Ela bate os cílios para mim.
Qualquer pessoa que observar a interação desses dois nota que aqui é
um lar cheio de amor. Eles são muito felizes, só precisam um do outro para se
primeira vez, em anos, que o ouço mencionar uma mulher. O que de fato está
acontecendo?
Theo e meus outros primos sabem que sou superprotetor com minha
filha, que deixei tudo de lado para viver somente para Alícia. Tudo que faço é
para ela, por ela, e estou com receio em relação a Jade. Ela parece ser uma
mulher boa, muito educada, mas preciso saber se não é uma ameaça para a
minha filha. Eu não sei quase nada sobre a vida dela, só que veio de outra
cidade para morar com o tio, aqui em São José.
Sei que o padre Estevão, que é muito querido por todos, jamais
colocaria alguém que pudesse me prejudicar dentro da minha casa, entretanto,
sinto que a sobrinha dele esconde algo. Desde aquela vez que a vi toda
machucada, conversando com ele em frente à igreja, fiquei curioso por saber
quem foi o causador da sua desgraça.
Não consigo tirar da cabeça a pergunta que Alícia fez, pela primeira
vez, sobre a sua mãe. Durante todos esses anos, dei a ela muito amor para que
não precisasse lembrar da mulher que a abandonou. Ontem eu gelei quando a
minha pequena veio até mim, assim que Jade foi embora, perguntar se eu
batia na “mamãe dela” por me desobedecer. Ela até perguntou se esse foi o
motivo da mãe ter ido embora.
Sem saber o que falar para a criança, eu perguntei de onde ela estava
tirando essas coisas, e me surpreendi quando Alícia contou que a “tia” tinha
um marido muito ruim que bateu nela por ter sido desobediente.
— Alex, onde está a sua cabeça? — A voz de Theo me tira dos meus
pensamentos.
— Hoje cedo, quase perguntei para a Jade o motivo de ela falar essas
coisas para a Alícia, que é só uma criança. Mas eu não podia chegar e
perguntar uma coisa tão delicada estando de cabeça quente. — Massageio
minhas têmporas, sentindo minha cabeça latejar.
— Mas você também não pode ficar calado, precisa saber se essa
mulher é realmente confiável para cuidar da sua filha. Nem todo rostinho
bonito tem coração bom, meu primo. — As palavras de Theo me atingem em
cheio.
Ele está certo. Mas como chegar em Jade e perguntar se foi o marido
dela que a machucou daquela maneira? Acho que ela ainda não me disse o
que aconteceu por ainda não confiar em mim. Quem passa por situações
como aquela precisa de espaço, precisa confiar. Já vi muitos casos e imagino
o quanto deve ser aterrorizante.
Eu não quero agir por impulso, não vou assustar a Jade para saber a
verdade. Acredito que seja algo que só com o tempo ela terá coragem para se
abrir. Mesmo que eu queira confirmar a versão de Alícia, darei espaço para
— Não sou nada bom para dar conselhos, mas pense bem. Se acha que
não deve perguntar, não pergunte, dê um tempo para ela. — Ele coça a barba.
— Pra você ter ideia, eu nem tive cabeça para fazer outras entregas
hoje. Jade deixou a Alícia na escola e.... — Frustrado, fecho os punhos.
— Seja sincero, primo. A sua preocupação não é só com a segurança
da sua filha, não é?
você se interessar por uma mulher. Até que demorou para você gostar de
alguém. — Theo dá um sorriso de lado, e eu continuo com o rosto fechado.
— Ihh, cara, você está falando como se estivesse caidinho pela babá.
— Ele sorri e bate palmas, todo animado.
em seguida.
Em pleno sábado, acordo cedo com a princesa gritando para irmos ver
a tia Daiane. Essa é a oportunidade de conversar com alguém que entende
melhor que eu a situação da Jade.
Por ser médica, ela já deve ter ouvido muitos casos de agressão
familiar e pode me esclarecer melhor e ajudar com minhas dúvidas.
— Papinho, você está lento hoje. Até que parte o senhor entendeu?
Vou ter que voltar tudo, desde o começo? — Ela faz careta e cruza os braços
na frente do corpo.
O que faz meus dias serem coloridos é minha menina, meu sol, ela dá
brilho à minha vida. Alícia é minha calmaria, meu maior tesouro.
— Pai, o senhor não sabe brigar comigo. Você sempre ri. Isso não é
brigar, é brincar de brigar — fala, querendo parecer chateada.
Por uns bons minutos, Alícia fica quieta apenas ouvindo as músicas de
sua playlist. Ela ama música clássica, como a sua mãe, acho que essa foi a
única coisa que a pequena herdou, pois não vejo mais nada da mãe na minha
baixinha.
— Olá, Alex. Oi, pequerrucha, como você está? — Ela se agacha para
ficar no tamanho da menina, que já está toda derretida com um sorriso
enorme.
— Olá. — Sorrio para Daiane, mas ela dá total atenção para a Alícia.
— Tô bem, tia linda! Só não muito, porque meu papai é muito chato,
não me entende e eu tenho que ficar conversando sozinha! Tô contando os
dias para chegar logo o dia da Mandy ir pra minha casa para a gente brincar
muitão — tagarela minha filha, emburrada.
— Oh, Oh... princesa da tia, não fique assim, seu papai te ama, tá bom?
Agora vamos entrar? — A doutora sorri e a garotinha assente.
Fico admirado o quanto a minha amiga ama as crianças. Ela tem tudo
que é necessário em sua casa para uma criança, mas não tem crianças
morando ali, é apenas para suprir a necessidade de mães da região em caso de
emergência. Confesso que já recorri a ela algumas vezes; quando não sabia o
que fazer com Alícia, eu ficava louco.
O motivo da minha vinda aqui hoje é por conta das perguntas que ela
tem feito sobre a agressão vivida pela nossa babá. Não sai da minha cabeça as
palavras inocentes da pequena questionando se eu era violento com a mãe, se
esse foi o motivo para ela ter ido embora. E como nunca escondi nada da
baixinha, expliquei o que eu sabia, até porque nunca entendi também o
motivo, mas ela pareceu aceitar a minha explicação. Hoje vou ter que pedir
ajuda para a doutora para conseguir lidar melhor com tudo isso, e também
poder ajudar a Jade de alguma forma.
Fico surpreso quando minha filha abraça minhas pernas para me puxar
para dentro. Travessa, Alícia desgruda de mim e vai até a Daiane.
passa.
— Que bom que não precisei falar muitas vezes. Agora pode ir. — A
médica se levanta e passa as mãos no cabelo.
— Ah, tia, esse pedágio é bem barato, eu nem ligo de pagar. Vou lá, tá!
— conclui a pequena, com pulinhos e palminhas enquanto disparada para a
brinquedoteca, que fica na sala ao lado, dando assim privacidade para
conversarmos melhor.
muito bem.
— Eu estou com alguns conflitos... — tento falar, mas não sei como
entrar no assunto sem parecer intrometido. Parece que estou infringindo a
integridade de Jade. Demonstrando nervosismo, esfrego as mãos na minha
calça jeans. — É sobre uma mulher, ela cuida da minha filha. Como você
sabe, a Janice não é mais a babá de Alícia. — Pigarreio, um pouco
— Já estou sabendo que a moça que cuida dela agora se chama Jade, a
sobrinha do padre Estevão. — Ela me dá um pequeno sorriso e eu balanço a
cabeça, confirmando.
— Certo, vamos por partes. Vou enumerar cada caso de acordo com
seu grau de sensibilidade ou dor.
— Alex, mulheres que sofrem esse tipo de agressão por anos, quando
se libertam, leva tempo para se recomporem. Não sabemos o tempo certo
para cada pessoa, até porque isso é pessoal. O que a gente pode fazer é cuidar
por fora, de longe, dando espaço e não prendendo na gaiola, como passarinho
com a asa quebrada. Cuidados esses que devem ser consentidos. Uma vítima
de agressão pode se tornar agressiva ou depressiva, ela não nota o processo,
mas existem casos de mulheres que jamais voltaram a se relacionar com outra
pessoa. E casos que somente alguns meses foram necessários para que elas
encontrassem outro parceiro igual ou pior ao anterior. Entende-se que o medo
de ficarem sozinhas é tão grande, que elas buscam alguém tão doente quanto
o parceiro anterior.
“As poucas que se recuperam lentamente podem voltar a ter uma vida
normal? Claro que podem, mas depende única e exclusivamente delas. Não
adianta você oferecer casa, comida e roupa lavada, vai além de bens, é algo
muito íntimo que a mulher precisa buscar para se libertar e permitir sentir
novamente o amor por si e pela vida. Alex, de todo o meu coração, eu acho
que você precisa ir com muita, mas muita calma mesmo. Eu, Daiane, acho
que você está indo muito além do que precisa neste momento. Deixe a
menina respirar e espere o momento certo, tudo na vida tem um jeito e a hora
vai chegar, mas não acredito que seja hoje.”
— Sabe por que te falo tudo isso? Porque vejo em seus olhos que sua
preocupação com essa moça vai além do que está me dizendo.
— Ontem o padre me disse que ela não vai mais poder ficar na casinha
no fundo da igreja, em breve terá que sair. Eles deram um prazo para Jade
encontrar um lugar para ficar, até pensei em oferecer a edícula onde Janice
morava na minha casa para ela enquanto não encontra outro lugar para viver,
ou dar outro tipo de ajuda, talvez dinheiro — confesso.
parecer ofensivo. Não sabemos o que ela sente, muito menos o que passa em
sua cabeça. Estude a melhor forma antes de oferecer, veja se não pode ajudá-
la com algo que ela esteja precisando momentaneamente, acho que é mais
sutil e atencioso.
com sinceridade.
— Eu não...
— Papi, será que o senhor pode arrumar uma merendinha para mim?
Minha barriga tá fazendo barulhinho. — A menina se aproxima e se senta no
sofá.
— Espere um pouco, vou embalar um pedaço para que ela possa levar
para casa. Vamos, acompanhe a tia até a cozinha — Daiane a chama, e Alícia
não pensa duas vezes antes de a seguir.
JADE TORRES
conhecida que aluga quartos em uma pensão, porém, ainda estou meio
receosa.
fios escuros caem ao redor dos seus ombros. Uma criança adorável.
também. Sabia que é ele que prepara tudo? — A menina se afasta e vai até o
pai.
— Papi, o senhor sabia que não é bonito deixar uma dama esperando?
Ai, papinho... Tô com fome já. — Ela passa a mão na barriga e faz beicinho.
— Ok. Vou sim, pequena — falo, segundos antes de ela gritar “eba”.
♥♥♥
Não demoramos nada para chegar ao local, Alex estava certo, é bem
— Eu não sei, princesa. Ainda não vi e acho que deve ser pequenininho
esse hambúrguer que você está falando — brinco, implicando com ela, que
estreita os olhos.
— Tio Gui, minha tia Jade falou que seu hambúrguer enfeitado lindo é
pequeno. Traz um pra gente, no capricho, por favorzinho. Ela nem vai
acreditar quando pegar nele — finaliza ela, dando um risinho maroto.
— Licinha, tenho certeza que ela vai pedir a sua ajuda para terminar de
comer. Vou trazer o mais enfeitado que temos aqui. Já volto, princesa — fala
o dono da lanchonete e se retira, sorrindo.
— Papinho, meu tio Gui falou que o senhor está rabugento porque
precisa de uma namorada. O senhor já achou uma? — Somos surpreendidos
com uma pergunta bem embaraçosa de Alícia.
pequena.
— Papi! Vou bater aqui atrás para ajudar a passar, calma, tá bom.
Levanta os braços, eu vou bater e vai passar. — Agora ela massageia as
costas dele, que faz careta.
— Filhotinha, que tipo de convite estranho é esse que fez para a tia
Jade? Não se faz esse tipo de pergunta para as pessoas! — Recuperado do seu
engasgo, Alex repreende a baixinha.
sempre e que fizesse você feliz! Você sempre sorri muito quando ela chega.
Eu vejo, tá! — A menina consegue nos deixar constrangidos com poucos
minutos de conversa.
— Tio, acho que o senhor vai ter que comer com a gente! Olha a cara
de espanto da tia Jade, ela não vai aguentar — conclui Alícia, fazendo os dois
homens rirem.
— Vamos, comam logo para não esfriar. Se não derem conta podem
me chamar que eu venho ajudar vocês. Bom apetite!
Como diz Alícia, o “tio Gui” lança um olhar para Alex, que dá um
sorriso sem graça e, em seguida, olha para mim. Sem entender a troca de
olhares dos dois, eu dou ombro.
Essa semana foi tão maravilhosa, que eu não tenho nada a pedir,
somente a agradecer. Parece clichê, mas é a pura realidade. Tenho refletido
demais sobre a minha vida e sobre as migalhas que me permiti receber de um
homem doentio e agressivo. Agora eu acredito que posso ficar em paz, tenho
certeza de que ele não virá atrás de mim, já se passaram três meses e nem um
sinal dele.
Sinto que agora vou poder viver minha vida em paz. Há tantas coisas
que agradeço em minha vida, e a primeira delas é não ter caído no erro de ter
um filho de um monstro. A segunda, é não ter me casado com ele, só
morávamos juntos. Graças a Deus não há nada que me prenda a Robert.
Robert morreu.
Ele foi assassinado e agora a mãe chora por justiça. Quer que o culpado
seja punido. Não foco muito em como aconteceu o assassinato, só olho
fixamente para a televisão para ver a matriarca da família Almeida chorando
em desespero.
— Jade, o que aconteceu? Por que você está pálida? Não se sente bem?
— Ele coloca a mão em minha cintura e me leva até o sofá para que eu possa
me sentar.
rompida. Meu corpo alivia a tensão que sinto e o calor dos braços de Alex me
traz um pouco de segurança, ele é um homem bom e gentil.
— Pode chorar o tempo que precisar. Vou estar aqui, só vou te soltar
quando você quiser — sussurra, beijando o topo da minha cabeça.
Eu preciso contar a ele tudo o que está acontecendo, mas agora quero
ficar quietinha. Não posso mais ocultar a verdade dele, eu sei que isso diz
respeito à minha vida, mas eu não gosto de esconder as coisas, de mentiras.
Sei também que desde o dia em que nos conhecemos, Alex tem curiosidade
em saber o que aconteceu comigo.
— Shhh... Apenas alivie essa dor que está em seu peito. Quando você
se sentir bem, eu quero que vá para sua casa e descanse, tudo bem? Amanhã é
outro dia, pode deixar que eu cuido da Alícia. — Ele me cala e eu assinto.
♥♥♥
Hoje Alícia tem uma festa do pijama para ir, e Alex achou melhor levá-
la e depois a mãe de uma amiguinha a trará. Por hoje, meu trabalho está
finalizado, então me ajeito para ir embora. Ainda são quatro da tarde,
pretendo me deitar e dormir até esquecer tudo que vi na tevê.
— Jade, você ainda está aí? — Alex me chama.
para ela dormir, assim não precisará arrumar ao chegar. Imagino que ela
estará cansada. — Desço a escada justificando a minha demora.
— Sem problemas, eu poderia arrumar. Eu sei que você não está bem
hoje, deve descansar um pouco, aproveitar que Alícia está fora. A danadinha
só volta às nove da noite. Você está dispensa das suas funções de babá por
hoje, mas eu acredito que você pode me acompanhar em um cafezinho da
tarde — gentil, ele me convida, passando a mão nos cabelos castanhos
levemente puxados para o loiro, que está penteado para cima de maneira
— Eu estou bem estranha hoje. Não sei se serei boa companhia, senhor
Alex... — Fixo meus olhos nos seus esverdeados.
mal, tudo bem? Soube que seu tempo na casa paroquial está chegando ao fim
e você ainda não encontrou um local para alugar. — Alex toma fôlego e
conclui. — Então eu pensei em te ajudar. Como aqui em casa tem uma
casinha nos fundos, você poderia ficar lá até achar algo melhor, ou pelo
tempo que quiser. Você é bem-vinda por tempo indeterminado. O que me
diz?
Sem querer olhar nos olhos dele por mais tempo, eu viro meu rosto
para o lado.
— O convite está feito, mas não se sinta pressionada — fala, com a voz
mansa.
— Vou pensar com mais calma, tudo bem? — falo e ele assente, me
Dou alguns passos para trás quando Alex pega as minhas mãos e
entrelaça os nossos dedos. Trêmula, penso em correr, mas mesmo com a
respiração falhando e os olhos arregalados, espero para ver o que vai
acontecer.
— Jade, eu quero ser seu amigo, te ajudar, assim como você me ajuda
com a minha filha. Mas se acha que não vai se sentir bem morando aqui, não
precisa vir, certo? O convite está de pé, mas fique à vontade se quiser recusar.
— Obrigada, Alex — agradeço, e desço o meu olhar para as nossas
mãos.
— Eu que preciso te agradecer por fazer tão bem à minha filha. Você a
trata muito bem, e faz o mesmo comigo. — Ele sorri e se afasta.
bom. Além de ser um pai incrível para a pequena, é um ser humano com a
alma iluminada.
— Ah, e temos espaço suficiente para três aqui, pode aceitar sem
medo. Você já sabe que seus dias serão de confusão, até quando estiver de
folga — diz num tom brincalhão.
— Ah, seria ser uma confusão gostosa. Sua filha é um amor de criança,
não será nenhum sacrifício. Mas acho que não posso aceitar, não fique
chateado comigo por isso, tudo bem? — informo e ele concorda. — Eu acho
Ele assente.
voz quase não sai. — Meu tio me ajudou a fugir da cidade onde morava com
meu ex e me acolheu. O resto da história você já conhece — concluo e
começo a soluçar.
— Sinto muito por tudo que você passou, Jade. — Sua voz suave
parece me acalmar.
Alex toca em meu ombro e eu acabo olhando para a sua mão antes de
fixar meu olhar em seus olhos claro.
— Eu sei que não deveria, mas estou aliviada por ele ter partido.
Durante todos esses dias, eu temi que ele me encontrasse aqui. — Suspiro e
encolho os ombros.
ver que existem pessoas decentes que prezam pelo bem-estar do outro,
mesmo que não sejam parentes. Alex, você é um homem incrível.
Ele apenas me encara com os olhos atentos, de uma maneira que não
consigo decifrar. Eu sinto que ele está me examinando, querendo extrair o
máximo de tudo o que falei.
— Jade, nem sei o que te falar ou como te ajudar para quebrar esse
bloqueio, mas estou disposto a te apoiar da melhor forma possível. Sei que
tudo o que passou está impregnado em sua pele, e preciso dizer a você que eu
também não tive uma vida fácil, e sei que superar é parte do processo de cura.
Se hoje sou essa pessoa que você acha incrível, foi graças a cura que eu
precisei passar para chegar até aqui. — Alex dá uma risada sem alegria.
— Claro que sim. Eu não tive essa opção, mas você tem o privilégio de
se esconder. Estou disposto a te ajudar da maneira que você quiser.
aceitando o conforto que sinto com as carícias que ele faz enquanto continuo
cabisbaixa.
— Não precisa falar nada que te machuque, eu não preciso saber agora
— diz, compadecido da minha dor.
Mas ao contrário do que ele me pede, eu fico com ainda mais vontade
de colocar tudo para fora, me livrar dessa dor que senti por anos.
— Não, tudo bem. Falar parece que alivia um pouco o peso em meu
peito. — Respiro profundamente e continuo. — Sofri muitos abusos
como uma presidiária. — Com uma mão livre, eu limpo meu rosto molhado.
— O tempo de viver em paz é hoje, faça isso por você. Todos somos
especiais, Jade, cada um à sua maneira, e depende de nós a nossa felicidade.
Seja feliz, se faça feliz, você merece.
Engulo em seco quando ele leva a minha mão à sua boca e deposita um
beijo carinhoso.
— Obrigada, Alex, mas agora chega de tristeza, né! Não precisamos
chorar até a próxima semana com tanta coisa passada. O agora é o que
Noto que ele percebe a minha timidez, então desvio meus olhos dos
dele.
— Eu vou embora para que você possa jantar em paz — falo enquanto
me levanto.
— Tenha uma boa noite, Alex. — Pego minha bolsa no sofá e caminho
na direção da porta.
— Pense no convite que te fiz. Alícia irá adorar ter você aqui de vez —
ele fala antes que eu saia.
♥♥♥
Assim que chego à rua, vejo meu tio me aguardando. Quando ele me
— Filha, você viu no noticiário que... você sabe, seu ex... foi
assassinado — com cautela, ele me informa.
— Sim, eu vi. Parece que Robert estava envolvido com alguma coisa
ilegal e foi pego. A mãe dele disse que era somente suspeita, que tinha
certeza da inocência do filho, que ele tem boa índole. — Suspiro e tomo
fôlego para continuar a falar. — Quando vi minha ex-sogra dando essa
declaração na tevê, quase vomitei de tanto nojo que senti. Como aquela
mulher é ridícula e mentirosa assim? Sendo alguém da lei, ela deveria ser
mais honesta, porém o forte dos Almeida é a mentira, e, geralmente em
grupo, todos são cúmplices.
— Minha filha, eu louvo a Deus por você ter saído daquela família
viva, pois da forma que as coisas iam, você poderia estar sendo notícia na
tevê hoje.
Sim, é a mais pura verdade. Não me sinto bem em ter esse pensamento,
mas a morte de Robert, ao invés de me causar dor, traz uma sensação de paz.
Desde a primeira vez que meu ex-marido levantou a mão para mim, meus
sentimentos por ele mudaram.
JADE TORRES
seguida. Preparo meu café da manhã e pego o meu telefone para verificar os
endereços dos locais onde irei hoje, marcando-os no bloco de notas. Após
organizar tudo que faltava, saio em busca de uma casa onde possa alugar um
quarto para ficar, pois em dois dias terei que sair da casa paroquial.
Mais cedo liguei para Alex e pedi para chegar um pouco mais tarde
porque eu tinha alguns assuntos para resolver. Ele me disse que estava tudo
bem, levaria Alícia para a escola e a buscaria. Quando perguntei a ele quem
ficaria com a menina para que ele pudesse trabalhar, ele me disse que daria
não esteja cheia, como as outras. Desde a semana passada, meu tio vem
sendo pressionado para que eu deixe a casa paroquial, e não quero trazer
problemas para ele, que só quer e vem me ajudando desde sempre.
— Oh, meu bem, até ontem tínhamos três quartos disponíveis, mas
hoje... — fala, me dando um pequeno sorriso.
Não acredito. Semicerro meus olhos com a minha falta de sorte. Por
que eu não vim antes? Parece que o universo não está conspirando a meu
favor. Três pousadas e nenhuma delas têm um quarto vago. Que falta de
sorte, Jade!
— Ah... Ok, obrigada. — Sem saber o que pensar ou fazer, olho para
meus pés, desapontada com a situação.
♥♥♥
É muito chato você precisar de algo e não conseguir, e nem saber como
resolver. Depois de muito procurar, encontrei uma pensão — que não estava
nas minhas anotações —, mas ela cobrava um valor muito alto e o quarto
ainda seria desocupado. Não sendo possível me manter ali por muito tempo,
tive que descartá-la também.
que não é uma opção válida para mim, porém, eu não posso deixar que o meu
medo seja mais forte do que eu, nem que o meu trauma supere a minha
capacidade de evoluir e mudar. Estou bastante contrariada com essa ideia,
uma vez que terei que ficar perto de Alex muito mais tempo do que antes.
Isso me apavora bastante, apesar de ter percebido que ele é um cara muito
bacana, protetor e cuidadoso.
começo do meu relacionamento com o meu ex-marido ele era bem parecido
com Alex. Foi só quando fui morar com Robert que ele passou a ser um
tremendo louco e agressivo, temo o revés das pessoas.
Vestido com uma camisa polo branca e uma bermuda azul, e cabelos
claros bagunçados, o homem desce a escada com o notebook em uma mão e
uma xícara preta na outra. Assim que nota a minha presença, um sorriso
aparece em seu rosto.
que assente e parece murchar, em seguida, ele olha para mim e volta a sorrir.
— Oi, Jade. Pensei ter dito você não precisava vir hoje.
— A tia vai morar mesmo com a gente, papi? Diz que simmm? —
Alícia bate os cílios para mim e junta as mãozinhas em modo de oração.
Sem reação, olho para o pai dela, que está vermelho como um
pimentão.
— Mas...
bochechas coradas.
primeira vez que a escuto dizer que me ama. Só então solto a respiração que
nem sabia que estava prendendo.
— Sente-se por favor, Jade, vou até a cozinha e já volto — pede Alex,
fechando a máquina em sua mão e colocando na mesinha de centro no meio
da sala.
— Pedi para vir mais tarde porque fui procurar um quarto, mas todas as
pensões que fui estavam todas lotadas. Até encontrei uma, só que não cabe no
meu orçamento... por fim, andei muito para nada — declaro, sem jeito, e me
remexo no sofá, tensa.
— Quer jantar com a gente? Não aceito um não como resposta dessa
vez.
— Adoraria, Alex. — Aposto que a nossa pequena vai amar saber que
vou jantar com eles.
esperar por resposta, porque sei que vai precisar, vou para a cozinha com ele
seguindo os meus passos sem pestanejar.
♥♥♥
— Tia, esse cheiro tá muito bom, né? O meu pai é muito bom em fazer
comida, já dá pra casar. Sabia que vocês dois juntinhos é um casal bonito? —
Alícia larga os talheres e nos mede com as mãos, dando um sorriso travesso.
agora já vou.
camisa polo preta com um blazer cinza por cima e um par tênis.
Meu celular toca no meu bolso, e pelo horário já sei que é Theo
querendo me perturbar um pouco mais. Tenho a confirmação quando pego o
dispositivo e visualizo na tela o nome do palhaço.
— Acho que você está passando muito tempo com o Kenny, está
ranzinza igual a ele, não sabe levar as coisas na esportiva.
Pela manhã, Jade chegou sem as coisas dela, pensei que tinha desistido
de vir morar aqui, mas fiquei surpreso quando ela disse que primeiro levaria
Alícia para a escola e depois buscaria as coisas dela. Eu me ofereci para a
ajudar, mas ela recusou dizendo que conseguia trazer tudo sozinha, já que
não tinha muitos pertences. Não querendo ser inconveniente, deixei que fosse
como ela queria.
Realmente, meu primo tem razão. Há anos não me interesso por uma
mulher e agora acho que estou atraído por uma que não intenção alguma de
se envolver com um homem tão cedo.
dia a dia é tempo suficiente para ela perceber que eu jamais a faria mal a ela,
que não sou nada parecido com seu ex. Danielle decidiu ir embora porque
não prestava, nunca quis ser mãe, eu jamais levantei a mão para a minha ex.
— Porra, cara, você está aí? Vai me deixar falando sozinho? — A voz
irritante de Theo me tira dos meus devaneios.
fala, bem-humorado.
Ainda não tive a oportunidade de falar para ele que Jade finalmente
confessou o que estava escondendo, um assunto como esse não deve ser
tratado por telefone. Entretanto não acho certo sair falando de algo que diz
respeito a vida de uma pessoa que confiou em mim o suficiente para se abrir.
— Não sou igual a você que vive de rolos. Sou homem de uma mulher
só, Theodoro, por que acha que estou sozinho há quase seis anos?
— Ah, para com isso. Você só tem trinta anos, cara. Você é um saco.
— Claro, né, papi, por que eu mentiria? Mentir é feio! Agora vamos
descer pra ver a tia. Ela está tãooooo linda. — Ela pega a minha mão e me
puxa sem que eu tenha a oportunidade de protestar.
próprios pés. Eu já disse milhares de vezes que ela deve descer a escada com
cuidado para não cair ou se machucar.
Minha filha solta a minha mão no último degrau e corre para a mulher
que parece impaciente no meio da sala. Engulo em seco e ajeito o meu blazer,
quase perdendo o fôlego com a visão que tenho.
Jade está com um vestido leve e florido com fundo escuro, muito
formal, porém sexy. Seus cabelos estão soltos e ondulados. Ela fica linda
usando qualquer coisa. Eu me lembro bem o dia que ela chegou para
trabalhar aqui em casa, parecia desanimada, com o olhar distante, sem o
brilho nos olhos, mas mesmo assim estava linda.
— Ah, tia, é porque meu pai, quando está perto da senhora, fica muito
bobo. Ele acha a senhora tão bonita que...
— Ué, eu ouvi meu tio Theo e ele conversando no celular, acho que
meu pai gos...
♥♥♥
— Filha, acho que a tia Jade está cansada, por isso o rosto dela está
vermelho. Vamos para casa, outro dia comemos a sobremesa daqui. — Tento
disfarçar.
— Eu estou bem — Jade se manifesta. — Vamos tomar um sorvete?
Será que aqui tem sorvete? O calor vai passar rapidinho com um —
brincando com a minha filha, a mulher sorri como uma menina feliz. Deveria
ser assim o tempo todo, mas a sua história de vida diz que não é.
— Papi, olha a música bonita que está passando, sabia que minha tia
gosta dela? O senhor bem que podia chamar a minha tia pra dançar. — A
— Filha, a tia Jade é tímida, não gosta de ficar dançando por aí. —
Sutilmente eu a provoco, escondendo o sorriso.
uma careta engraçada, em seguida, olha para a nossa convidada. — Tia, você
tem que dançar... Por favorzinho...
Muito relutante, Jade se levanta e aceita meu convite, então vamos para
a pista de dança onde estão alguns casais.
Por ser uma música lenta, eu seguro em sua cintura e ela cruza os
braços no meu pescoço, olhando bem em meus olhos. A canção Right To Be
Wrong começa na voz de Joss Stone, a letra me lembra muito a Jade, que
parece emocionada, uma vez que seus olhos estão marejados. O peito dela
Com raiva por ter sido impulsivo, eu sigo a mulher até a mesa. Já
sentada, Jade acaricia o rosto de Alícia e logo gargalha com algo que a
pimentinha fala.
— Ei, quem disse que podia voltar? A música nem acabou ainda!
Vocês são estranhos. Ser adulto deve ser chato, vocês param as coisas legais
no meio do caminho e fim — brava, Alícia reclama do nosso retorno.
Agradeço mentalmente por ela não ter visto o nosso beijo. Um pouco
desconfortável, eu me sento sem saber mais como agir.
— Oh, lindinha, a tia está com dor nas pernas, acho que é a idade. Não
aguento muito tempo dançando — Jade se justifica.
Deus. Minha filha só tem seis anos, mas fala como fosse uma adulta.
— Não seja tão duro com ela — fala, parecendo brava. Minutos atrás
estava me ignorando totalmente.
cartão está aqui, a senha você já sabe. — Tiro a carteira do bolso, pego o
cartão e dou para Jade.
— Nem para o meu tio Gui ou o meu tio Theo? — indaga, colocando a
— Pode sim, papinho. Mas promete que vai cuidar da tia? Ela já
apanhou muito do ex malvado dela, e você me falou que é bom e eu acredito,
porque você me ama e não faz maldade nunca pra mim. Só tem amor no seu
coração. Eu que faço bagunça às vezes — a levada fala, me fazendo sorrir.
— Meu amor, o papai nunca vai fazer mal a ninguém. O papai gosta de
ver as pessoas sorrindo, espero poder ver sua tia sorrir para mim como sorri
com você — falo, e ela balança a cabeça.
— Eu acho que pode dar certo isso — fala Alícia assim que Jade
chega.
Ainda não sei direito o que fazer, mas vou me deixar levar de pouco
♥♥♥
O dia correu muito bem e foi tudo muito tranquilo. Depois do jantar,
percebi que Alex ficou um pouco receoso ao falar comigo, e eu também o
evitei de todas as formas possíveis, entretanto, nada de anormal aconteceu.
Hoje as meninas vão fazer uma festa do pijama e Alícia está muito
— Ah, tia, eu ainda não sei. Mas ela vai chegar daqui a pouquinho. O
meu tio vai trazer para ela dormir comigo, então a bagunça vai ser a noite
toda. Você vai ver. — Ela me faz sorrir, como sempre. — Você tem energia
para aguentar a gente? Porque ontem você estava muito cansadinha, e nós só
jantamos.
roupas, guardar tudo! Eu fiz bastante coisa ontem, por isso estava cansada,
mas hoje estou muito disposta e vamos brincar bastante, dançar à beça. Eu
quero ver se vocês vão aguentar a minha energia!
olhos estão meio vermelhos, acho que a senhora estava chorando. É porque
também ama meu pai? — Alícia tagarela sem parar.
— Ei, amorzinho? Que história é essa de que amo seu pai? Como
assim também? Ele disse alguma coisa? — indago, curiosa.
— Ai, tia Jade, só a senhora não percebeu isso ainda... ele está
apaixonado. Ele passa o tempo todo admirando a senhora, fica te encarando e
você nem percebe. Eu acho que você tá precisando usar óculos, porque você
não tá enxergando direitinho as coisas. — Ela balança a cabeça.
não tenha notado. — Vou passar a observar melhor, já que ela está me
dizendo que é uma coisa que todos sabem. — Todos incluem quais pessoas,
você sabe me dizer?
malcriação, e eu tenho certeza que seu pai a criou muito bem e não lhe
ensinou a ser assim. Cuidado com as palavras. — Eu a olho com seriedade.
nova, tem quinhentos anos que ele não namora, eu acho que não existia nem
a Terra ainda de tanto tempo que faz que ele não namora, então a senhora
precisa me ajudar! Me ajuda, vai? Diz que quer namorar com ele, eu conto
para ele... Aí a senhora não precisa contar, eu digo que a senhora me contou...
Será um segredo e ele vai acreditar. — Ela bate palmas animadamente.
— Ixi, tia, não faço isso nunca. Eu penso e falo, eu sou criança, não
tenho que pensar muito, eu falo o que acho, o papai diz que sou sincera, acho
que funciona, ninguém nunca reclamou comigo, só a senhora que ficou brava
— Não estou brava, amor, a tia está só explicando que se você falar
daquela maneira com pessoas que não a conhecem bem, elas podem achar
que você é uma menina que não tem muita educação, e a gente sabe que não
é verdade. Você é muito educada, seu pai faz isso muito bem, ele a educou
muito bem — explico com a voz bem calma.
♥♥♥
ALEX ALENCASTRO
— Acho que está se preocupando à toa, Alex. — Guilherme me encara
com a expressão divertida.
Fecho a cara para ele, que solta uma gargalhada, chamando a atenção
dos clientes da lanchonete.
Ele tem razão. Mas eu não posso invadir o espaço dela, mesmo que
estivesse louco para beijar de verdade aqueles lábios macios.
— Claro que sim. Eu sei que o que ela passou não deve ter sido fácil,
mas já se passaram meses desde que se separou do maldito, que nem vivo
está mais.
— Faz tanto tempo que não saio com alguém, que já nem sei mais
como paquerar uma mulher. — Dou risada e sou acompanhado por
Guilherme.
Desde que Danielle me deixou, eu vivi para a minha filha e para o
trabalho. Por fim, acabei me deixando de lado, esquecendo que também
precisava viver. Não que eu não aproveite a vida, falo sobre sair e encontrar
uma parceira, namorar e depois voltar para casa. Mas tinha evitado contato
direto com outras pessoas até que encontrei a Jade.
— Mas como elas fizeram tudo isso em tão pouco tempo? Eu acabei de
descer para preparar o lanche para que elas. Elas pediram para comer para
depois irem dormir. Eu nem sei o que falar — gagueja a babá, com os olhos
arregalados.
farão tanta bagunça e nem sujeira dormindo — ela fala e nós rimos.
Envergonhado por ter sido pego sonhando acordado, eu sorrio para ela.
— Vou preparar o café das meninas antes de elas acordarem para irem
à escola. — Ela passa a mão no cabelo enquanto acompanho seus
movimentos com meus olhos.
ido para a casinha e acredito que só vai voltar quando estiver no horário de
Alícia ir para a escola. Eu não posso ir atrás dela sabendo que ela saiu daqui
sem nem conseguir me encarar.
Uma hora depois Jade retorna, como eu tinha imaginado. Ela prepara
as meninas e as leva para a escola. Antes de sair, ela me entrega um bilhete.
“Eu já tomei a minha decisão, por favor, não insista. Tenha um ótimo
dia de trabalho.”
Jade”
Eu não posso acreditar no que estou lendo. Saio desesperado atrás dela,
mas ela já está longe, levando as meninas para a escola. Frustrando, amasso o
papel e solto um palavrão.
♥♥♥
JADE TORRES
A minha vida estava indo tão bem e eu abri mão de tudo por medo.
Mas medo de quê? De amar e ser amada? De ser desejada? Cuidada? Bem
quista onde estivesse? Eu não tenho ideia do que vou fazer, mas preciso de
um novo emprego, não se vive de brisa.
Já é quase noite, então vou checar se o jantar está servido. Na pensão
que estou hospedada as refeições são servidas no horário, e se me atrasar não
então explico que não tenho experiência, mas, segundo o rapaz, não precisa
porque eles fazem treinamento de um dia.
pessoa chamada Jade. Não pode ser coincidência, meu nome não é tão
comum assim.
— Oi, boa noite. Estou procurando minha tia Jade, alguém viu? Não
tenho uma foto dela, mas ela é bonita, tem o cabelo lindo e um sorriso
também. Ela é um pouco baixinha...
Algumas semanas se passaram, mas parece que foi uma vida inteira.
Jade deixou apenas um bilhete em minha mão e partiu, não voltou mais
depois de ter deixado as meninas na escola. Eu tive que sair para fazer uma
entrega na fazenda do Kenny e pensei que ela estaria em casa quando eu
voltasse do trabalho. Ledo engano.
Os dias não têm sido nada fáceis, voltei à minha rotina de levar a
baixinha à escola e depois buscar para ficar comigo enquanto trabalho. Ela se
recusa a ter outra babá dizendo que também irá abandoná-la, não quer mais
comer e dormir sozinha. Por alguns dias ela mal dormiu, só voltou a comer
melhor depois que o padre Estevão chamou a sua atenção. Eu precisei de toda
ajuda possível, até pedi que Daiane viesse à minha casa examinar Alícia. Ela
estava muito triste e meu medo era que ela estivesse depressiva. Isso não
seria nada bom, eu passei por isso depois de Danielle e foi muito ruim
superar, não desejo que a minha filha passe por isso também.
Não ouço nada, então acredito que Alícia deve ter concordado com a
cabeça.
— Preciso que você me ajude a comer esse lanchinho. Que tal vermos
um desenho enquanto comemos? — a doutora fala carinhosamente.
— Tia, não estou com fome, só com sono e com saudade. — A voz da
minha pequena é chorosa.
— Saudades de quê?
— Da minha tia Jade. Ela foi embora e nem se despediu de mim. Acho
que a bagunça que fiz com a minha prima deixou a minha tia triste, aí ela
parou de me amar e foi embora — pesarosa, minha filha fala.
Eu fico ouvindo atrás da porta, não quero que ela saiba que estou aqui.
Alícia parou de falar comigo desde que Jade se foi.
— Alícia, a tia Jade não deixou de te amar. Acredite, é impossível não
amar você, minha flor. Ela deve ter tido algum problema que a levou a tomar
— Ignorante não é aquela pessoa que fica com medo de falar as coisas
e fogem? — Daiane dá uma risada e Alícia fica em silêncio.
— A palavra certa é covarde, não ignorante. Mas acho que ela foi um
pouquinho né, pois não teve coragem de falar com vocês.
— Isso não é nada bonito. Ela deveria ser adulta e não criança, que faz
bagunça e se esconde.
— Nisso você pode ter um pouquinho de razão, mas ela deve ter tido
motivos para ir embora. Eu acho que logo ela volta, mas para isso você
precisa comer, mocinha, e dormir também.
— Eu sei, filha, mas precisa ajudar o papai, tudo bem? Posso confiar
que você vai ajudar o papai?
— Sim, tia, eu vou tentar.
— Tudo bem, então. Vou deixar você comer o seu lanche em paz,
daqui a pouco eu volto.
ficar de olho nela, prestar atenção nos sintomas que pode vir a apresentar.
Deus? Ligo para Guilherme, Kenny e Theo, preciso da ajuda deles para achar
a minha filha.
eu suplico ao Senhor.
♥♥♥
JADE TORRES
— Alícia, fique calma. Cadê o seu pai? Você está aqui sozinha? Como
chegou até mim? — Toco no rosto dela e limpo suas lágrimas. Estou com o
coração apertado.
Sinto uma vontade absurda de chorar assim que ela para de falar.
Ela toca o meu rosto com suas mãozinhas geladas e depois beija minha
bochecha. Agora é a minha vez de chorar.
— Se acalme, está tudo bem. Ela não tem nenhum ferimento, e está
aqui agora. Vamos entrar. — Ainda abraçada a eles, eu os puxo devagar para
dentro da casa.
— Oi, Guilherme, estou bem. Espero que agora todos fiquem bem.
Alícia deu um susto e tanto em todos. — Solto um suspiro.
— Nem me diga, tanta coisa para fazer e essa pestinha foi fugir —
sarcástico, Kenny se pronuncia.
— Kenny, não precisa ser grosso, ela é só uma criança que estava
tentando ajudar. De uma forma bem peculiar, tudo bem, mas ajudar era a
ideia dela — Daiane se manifesta, desaprovando a maneira como o ogro
chamou Alícia.
— Tio Gui, agora eu não saio pra nada, tenho todos que eu amo aqui
pertinho, não preciso mais sair de casa e nem fugir da aula.
sabia que a sua tristeza era por não ter a tia Jade por perto. Eu vi o senhor
chorar várias vezes à noite se perguntando por que as pessoas que você ama
te abandonam se você só faz o melhor para elas — Alícia o surpreende com
sua declaração.
— Então foi por isso que você fugiu? Para procurar a tia Jade? — Ele
não consegue me olhar nos olhos, sua atenção está toda na filha.
— Sim, papinho, eu precisava dela pra cuidar de você, porque eu nem
sei cuidar de mim. Mas você é chorão e não sabe fazer nada sem mim e agora
não sabe fazer nada sem a tia Jade — ela fala com tanta graça, que eu acabo
rindo.
Ela nem imagina o inferno que ele deve ter passado. O coitado está
— Certo, menina travessa. Vou pôr você na cama e amanhã espero que
você esteja pronta às sete e meia, em ponto. Nós vamos repassar tudo que
você fez de errado para não se repetir — eu me manifesto, chamando a
atenção da Alícia para mim.
— Isso quer dizer que a senhora vai ficar aqui com a gente?
Yupeeeeeeeh, vou ligar pra minha prima e dizer que ela não pode mais vir
aqui, senão você pode ir embora pra sempre.
♥♥♥
— Que bom. Eu estava tão assustado com o sumiço dela, nem sei o que
eu faria se qualquer coisa acontecesse... Eu pedi tanto a Deus que guardasse
minha filha. — Ele coloca as mãos no rosto.
— Ele guardou. Ela foi até onde eu estava, e não era perto. Ela disse
que foi andando até lá, imagino que tenha tirado força da tristeza que eu não
queria ter visto em seu rosto. — Eu me ajoelho próximo a Alex e acaricio seu
cabelo.
que fazer, me desculpe por fugir e não conversar. — Encosto meu rosto no
seu ombro e fecho os olhos.
— Quer passar mais dias e noites ao meu lado? Comer, dormir, viver
comigo todos os dias? Cuidar da nossa família e ser parte de tudo que eu
tenho e que irei conquistar de agora em diante? — Assustada, eu arregalo os
olhos e ele completa. — Talvez eu esteja indo rápido demais, mas quero que
você seja a minha namorada. Se você achar que consegue fazer isso, eu serei
o homem mais feliz da Terra. Prometo que vou te amar todos os dias e farei
de você a mulher mais feliz que o mundo inteiro já viu. Eu não sei mais
— Sim... Aceito — toco em suas mãos —, mas promete que você vai
ser paciente comigo?
— Jade, sou pai da Alícia, não existe homem no mundo mais paciente
do que eu.
Nós rimos juntos e nos beijamos calmamente com todo amor que
precisava ter após esse pedido lindo.
ALEX ALENCASTRO
para Jade no salão. O que ela nem imagina é que esse dia de princesa vai ser
um novo pedido de namoro. Agora um pedido decente, não onde lágrimas de
alívio estavam envolvidas, não um pedido desesperado de um coração muito
apertado com medo de perdê-la, com medo de ter perdido minha filha. Agora
será um pedido digno de uma princesa, de fato, é isso que ela é para mim. E
farei com que ela saiba e se sinta assim todos os dias.
Eu me envolvo nos meus afazeres e envio uma mensagem para Jade
avisando que ela tem um compromisso às três da tarde. Ela só responde
As horas passam e Jade chega mais linda que nunca. Aviso que deixei
algo para ela no quarto de Alícia, então ela sobe de imediato, enquanto eu
arrumo as coisas que chegaram. Calculo perfeitamente tudo para que nada dê
— Não se preocupe, vamos jantar aqui mesmo. Ontem foi tudo foi
muito repentino, então achei que você merecia um pedido decente. E nada
melhor que um jantar a dois para que isso aconteça da maneira correta.
acordar. Você será o meu primeiro pensamento e o meu último de cada dia.
Eu prometo ser fiel, gentil e jamais levantar a voz para você. Prometo que
sempre que estiver errado irei reconhecer e aceitarei a sua crítica. É difícil
reconhecer um erro, mas é muito mais fácil conviver.
me distanciar de você o suficiente para que você me esqueça, mas não estarei
tão perto para te sufocar.”
Eu tento recuperar o fôlego por ter falado sem dar uma pausa sequer.
Respiro fundo antes de pegar nas mãos dela e acariciar.
“De todo o meu coração, eu quero viver ao seu lado pelo tempo que eu
puder. Se possível até ficar velhinha! Eu vou amar o seu cheiro e vou sim
brigar pela sua bagunça, mas serei feliz em cada ato, em cada tomada de
decisão, em cada peça de roupa espalhada pela casa. E serei grata por ter
alguém ao meu lado que cuida de mim, que me ama e que, acima de tudo, me
respeita como pessoa. Eu te amo e não vou cansar de dizer, você salvou a
minha vida, me salvou de mim mesma. Você me trouxe à vida novamente, e
Jade é tudo que eu sempre sonhei, que precisei ter ao meu lado e eu sou
grato por isso. Serei grato todos os dias.
Como começamos a namorar agora, cada um vai para a sua cama, vou
ser paciente, esperarei até ela estar pronta. Não quero atropelar o processo,
sei o que ela passou, conheço a sua história e estou bem ciente das marcas
que Jade tem. Vou ajudá-la a superar essas marcas que foram deixadas na sua
alma.
JADE TORRES
Nunca pensei em passar por tanta emoção na vida, e tudo isso foi em
um pedido de namoro há dois dias. Eu já nem sei mais como é namorar
alguém normal, porém, estou disposta a aprender. Hoje vamos contar para a
Alícia assim que ela voltar da aula. Eu vou preparar o prato favorito dela, e a
sobremesa também. Se ela ficar decepcionada com a ideia do nosso namoro,
— Bom dia, Jade. Sim, e tive um sonho maravilhoso, acho que ainda
estou nele — ele brinca e sorri.
— Bobo, para com isso. Vou preparar o café e já subo para arrumar as
coisas da pequena — aviso, sorrindo.
— Sem problemas. Hoje eu vou trabalhar mais cedo e depois eu a
busco na escola, assim vou tirar a tarde de folga.
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ao pedido de uma princesa. Sabe como é, né? Nos contos de fadas, as fadas-
madrinhas atendem às princesinhas — sussurro e ela tapa a boca para rir.
— Então já podem falar, estou aqui e quero saber o que vocês fizeram
Ela corre para a mesa e fica nos observando sentados lado a lado.
Deus e as fadinhas, eu sempre quis ter uma mamãe e ela chegou — a menina
fala, olhando para o teto e estendendo as mãos.
contássemos antes, você descobriu primeiro — fala Alex, fazendo careta para
Alícia, que solta uma gargalhada.
Dessa vez, nós que acabamos gargalhando. Impossível não ser feliz ao
lado de Alícia, a alegria dela é contagiante.
ALEX ALENCASTRO
— Alex meu amigo, como você está? E a pequena Alícia? — fala ele
ao se aproximar de mim.
— Está bem, graças a Deus. Hoje viemos agradecer a proteção que ela
recebeu na última trapalhada dela — falo, envergonhado.
— Isso mesmo, meu filho, a tudo daí graças, ainda que seja algo difícil
de acreditar, devemos dar graças — sorrindo e gentil, fala o padre.
— O senhor tem toda razão, mas o motivo de eu ter vindo falar com o
senhor é para pedir a sua benção e agradecer as suas orações. Jade e eu
— Eu? Imagina, estou muito feliz por vocês terem se dado bem. A
pobre menina precisava de uma vida melhor, tranquila e saudável. A maneira
que ela vivia não era fácil. Eu faço votos para que vocês sejam muito felizes.
— Ele me abraça. — Eu vos abençoo e dou meu consentimento. Estou muito
feliz por ser você o novo namorado dela, mas não tardem em se casar. Viver
uma vida reta com Deus é a fórmula mágica do sucesso matrimonial. — Se
afastando do abraço, ele sorri e me benze.
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Estou sendo muito paciente para que ela não se sinta na obrigação de
fazer algo que denigra a sua integridade de alguma maneira. Tenho cuidado
dela o máximo que eu consigo, dando-lhe todo amor e carinho que ela
merece. Em contrapartida, ela tem se mostrado uma tia extraordinária para
Alícia, que por muitas vezes a chama de mãe. É claro que a gente corrige a
informação, mas a baixinha se sente confortável em dizer que Jade é sua mãe.
de velas para Jade, a morena merece todo o cortejo que eu puder fazer.
Decido inovar, então eu mesmo preparo o jantar. Separo algumas receitas,
faço uma misturinha e temos hot roll, temaki, huramakis, gohan, yakissoba,
sushi e sashimi.
muitas vezes, já que a pequena que não gosta de comida japonesa. Como hoje
somos sós nós dois, acredito que ela vai gostar.
Jade tira os sapatos e se senta ao meu lado. Ela está com um vestido
branco leve com um pequeno detalhe bordado no decote coração, deixando
É difícil ter que evitar o contato direto com o corpo dela, eu tenho
desejado essa mulher todos os dias. Ela está me deixando louco de tesão, não
vejo a hora de poder usar essa sensação no corpo dela.
— Jade... — sussurro.
Jade vai se soltando mais e pede que eu abra o seu vestido. Ao vê-la se
sentindo mais à vontade, eu me dou conta que ela é toda minha. Ela tira
minha camisa, expondo o meu peito antes de beijar cada parte dele.
Posso sentir o meu membro rígido pulsando sob a minha calça. Jade
desce até a altura do meu umbigo, beijando e lambendo sem parar. Ela me
olha com cara de quem pede consentimento e eu sorrio como forma de
permissão. Jade então acaricia o meu membro por cima da calça e, em
— Alex, eu confio em você e a prova disso é que estou aqui, por inteira
na sua frente. — Ela olha bem em meus olhos e eu assinto.
Jade me ajuda a baixar a cueca, então encontro a sua área mais quente.
A cabeça do meu pau está na entrada da sua boceta, quase a penetrando, mas
eu me afasto para pegar um preservativo e deslizá-lo pelo meu comprimento.
Volto rapidamente para a sua intimidade já molhada, facilitando assim a
minha entrada. Deslizando vagarosamente para dentro dela, Jade se contrai,
apertando a extensão do meu membro, dando carta branca para penetrá-la até
o fim.
Com meu membro todo dentro dela, ela geme e crava as unhas nas
minhas costas tamanha a sua satisfação. Ela pede mais e eu não nego, quanto
mais eu ofereço mais ela deseja. Quanto mais fundo eu penetro, mas ela se
contrai, pressionando o meu membro. Jade pede por mais e com mais
intensidade, então mudo a posição dela, estico suas pernas e me deito por
cima sem tirar um centímetro do meu pau de dentro dela.
Com o auxílio das mãos de Jade, eu lambo os seus seios e mordisco os
mamilos, fazendo-a sentir um prazer indescritível ao mesmo tempo em que a
de total luxúria.
certeza que ele tratou de me trazer uma mulher incrível, que faz meus dias e
os da minha filha serem os melhores — eu me declaro, não conseguindo
guardar esse sentimento só para mim.
curaram. — Ela sorri, e eu fico encantado com o seu sorriso meigo e sincero.
puro que bateu à minha porta e que pretendo nunca deixar partir.
JADE TORRES
— Mamãe, acho que meu pai vai amar esse presente. — Alícia entra na
cozinha com uma sacola na mão, e sorri ao me ver tirando a travessa do
forno.
normal. Hoje sou mãe de uma garotinha que quando conheci tinha apenas
seis anos, e agora já é uma mocinha de oito anos. Mais inteligente do que
nunca.
Todos os dias têm sido uma benção, e ao lado deles não haveria outra
forma de seguir a vida, senão feliz. Este sim é o lar que eu sempre sonhei,
agora posso dizer com muita tranquilidade que estou em casa, estou no lar
que eu sempre desejei ter, com a filha e o marido que eu sempre quis.
namoro. Fui pega de surpresa em uma manhã, depois de ele ter levado a
nossa menina na escola. Eu pensei que ele fosse para o trabalho, mas me
surpreendi ao ver Alex no meio da nossa sala com um sorriso enorme no
rosto. Ainda me lembro como se fosse ontem.
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Alex foi levar Alícia para a escola, e de lá ele levaria uma encomenda
para Kenny, então saio rapidamente da cozinha assim que ouço a porta
sendo aberta. Congelo ao me deparar com o meu namorado a poucos metros
— Ah... Oi, amor, pensei que iria direto para o trabalho. — Arqueio a
sobrancelha ao notar o seu nervosismo.
— Sim, eu ainda vou... Mas antes queria te ver — ele gagueja, dando
passos em minha direção.
do meu cabelo atrás da minha orelha, em seguida, ele aproxima a boca perto
do meu ouvido. — Talvez isso seja rápido demais, mas você me causa isso.
Quando estou perto de você, eu fico nervoso e sem saber como agir, querida.
— Ele beija o meu pescoço.
— Para falar a verdade, não acho que estou sendo rápido, até demorei
demais para pedir a mulher que amo para casar comigo. — Ele me dá um
sorriso de lado. — Mas mesmo louco para pedir que se casasse comigo, eu
quis respeitar o seu espaço, então só te pedi em namorado.
— Meu amor, estou há meses escondendo esse anel, tive que pedir
segredo aos meus primos e até a Alícia, aquela danadinha estava doida para
Meus olhos já estão cheios de lágrimas, dou uma risada entre soluços.
— Claro que sim, Alex, eu quero você como meu marido e também
quero a pequena Alícia. Quero os dois na minha vida. Aceito ser sua esposa!
— Acaricio sua barba por fazer e depois o beijo.
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— O que acha de vir se sentar ao meu lado e esperar que ele entre? —
sugiro, e ela nega.
— Ahh, mãe, quero dar um susto nele. Quando ele estiver abrindo a
porta, eu vou...
— Uau, será que estou na casa certa? — brinca, fingindo sair da casa.
A menina sai dos meus braços e corre para o pai, que já está com os
braços abertos esperando-a. Com as mãos trêmulas, eu coloco o resultado do
meu exame atrás da almofada.
— Feliz Dia dos Pais, amor, que possamos passar mais anos como este
juntos.
— E você não vai me dar meu presente? — Alex beija o meu pescoço
enquanto fala no meu ouvido.
Faço uma careta para Alícia, que dá uma risadinha para mim.
— Vai me contar que tipo de presente é esse? — Sua voz soa divertida.
Olho para a nossa filha que está nos encarando com admiração. Paro
Ainda abraça com Alex, eu pego suas mãos e levo ao meu ventre, em
seguida, olho para ele e dou um sorriso.
Sem dizer nada, ele desce os olhos pela minha barriga, para onde suas
mãos estão. Alex nem pisca direito, só abre um sorriso lindo segundos antes
de seus olhos claros ficarem lacrimejados
Daiane para ir comigo até o médico para ter certeza das minhas suspeitas. Eu
estava certa o tempo todo, descobri que estou de dois meses e...
Sofia Aguilar tinha uma vida no eixo. Trabalhava com que amava,
Link do meu grupo privado para falar sobre meus projetos futuros:
https://www.facebook.com/groups/278565765949848/?ref=bookmarks
Instagram: jessica_autora
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gosta de uma confusão, foi justamente pela prima "postiça" que o coração do
jovem empresário caiu de quatro, deixando o patriarca furioso e determinado
a usar todas as armas que tivesse a sua disposição para acabar com o romance
que poderia jogar o nome da sua família no lixo, caso seu filho insistisse no
romance.
Uma chantagem.
Um segredo.
E enfim, o término.
forte quanto o preconceito que os separa. Nessa batalha desleal, quem levará
a melhor?
(+18)
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em sua volta, e ingerir álcool naquele momento foi a sua única saída, porém,
ela não imaginava que a bebida poderia levá-la a um beco sem saída.
Uma traição.
Até aonde o álcool é capaz de afetar? Helena só queria fazer tudo certo,
Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida,
distribuída ou transmitida por qualquer forma ou por qualquer meio,
incluindo fotocopias, gravações ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos,
sem a previa autorização por escrito do editor, exceto em casos breves de
citações em resenhas ou alguns outros usos não comerciais permitidos pela
lei de direitos autorais. Este livro é um trabalho de ficção. Todos os nomes,
personagens, locais e incidentes são frutos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com a realidade, pessoas vivas ou mortas, é mera coincidência.
1° edição: 2020
___________________________________________________
Capa: TG Design.
Revisão: Andrea Moreira.
Diagramação: TG Design.
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Oliveira, Thais, Quando te encontrei / Thais Oliveira
ALTAMIRA PARÁ
Ah, eu amo os agradecimentos.
É o lugar onde finalmente vejo que terminei mais um projeto e o
quanto isso é insano. Primeiramente, agradecer a você leitor por dá uma
chance a Theodoro e Sofia, espero que eles toquem seu coração da mesma
maneira que fez com o meu.
A Sofia é uma mocinha sofrida. Escrevi ela em cima de pesquisas e
espero ter retratado ao menos um por cento das dores dessas mulheres que
passaram pelo que ela passou.
Theo é doce, é divertido, debochado, mas também sofre. Eu amo a
força dele apesar de tudo.
Espero que essa história encantem vocês.
Muito obrigada as meninas do projeto pelo convite, foi um prazer
trabalhar com vocês.
A série Pais Alencastro surgiu com o convite da autora Jessica D. Santos em
criar algo diferente para o dia dos pais. Cada livro conta a história de um
Primo Alencastro e todos se passam simultaneamente. São livros
independentes que não precisam ser lidos na ordem, mas os acontecimentos
estão interligados.
O corpinho pequeno pesa sobre meu peito, sorrio ao ver que ele
ressona baixinho. Inspiro fundo, fechando os olhos e pousando a cabeça
levemente no travesseiro. Meus olhos ardem conforme tento segurar as
lágrimas, entretanto, quanto mais faço isso mais impossível se torna.
metade do tempo morando ali, depois do falecimento dos pais – ainda aos
três anos de vida – ela começou a morar com a minha mãe, mas devido ao
emprego dela, Amanda passava metade do tempo aqui em casa.
Hoje, quatro anos depois, ela já não se lembra mais tanto dos pais
biológicos e, desde então, me chama de pai. Eu a trato como filha, mas
deixamos sempre viva a memória de Thales, que merecia estar aqui, vivo,
vendo a filha crescer.
— Sua avó já viajou. Eu tenho que levar você à escola. — Pego o
meu café e bebo um gole generoso quando a adorável gritaria começa ao
lidou com as fases difíceis da neta, mas eu sei que dona Neiva Alencastro
ama aquela garota da mesma forma que eu. Ela é tudo que sobrou da
memória de Thales e Aline.
— Bom dia. — Ela aparece na sala meia hora depois, segurando a
mochila de maneira errada nos ombros, as duas marias-chiquinhas tortas e
um pouco de creme dental na bochecha. — O senhor é péssimo me
acordando.
Ela se senta em meu colo, beijando minha bochecha.
— É um menino?
— Não faço ideia. É modo de falar. Mas pelo show na noite anterior,
deve ser mulher.
adoto...
— Apreciando sua beleza, bebê? — A voz feminina me faz virar
levemente, então vejo Daniele parada na porta, sorrindo de lado e cheia de
insinuação.
apego, e se isso estiver bom para elas, ok, se não, eu parto. Assim evito
grandes sofrimentos.
na mãozinha do garoto.
— Olha, papai, parece um boneco.
— Sua filha? — diz a mulher, rindo.
— Minha sobrinha.
— Ele é meu pai — retruca, brava, como sempre faz quando tentamos
esclarecer às pessoas que não somos pai e filha.
— Sim, ela é minha filha.
— Filha do coração, entendo. — A senhora sorri novamente,
não quero que Amanda me coloque no lugar de ser o homem idolatrado por
ela, pois não me sinto digno o suficiente para isso.
— Claro. Metade calabresa. — Indico, pegando o telefone e discando
o número da pizzaria. — Vá tomar banho que vou arrumar as coisas enquanto
não chega.
Eu a vejo descartar os tênis na sala e a bolsa no sofá, correndo para
dentro de casa. Sua rotina começa cedo e só acaba às seis. Ela vai para a aula,
depois para o balé e, por fim, para o reforço escolar que frequenta por conta
da falta de tempo que temos para auxiliá-la.
perfeito.
Eu era o padrinho, da mesma maneira que aconteceu no casamento.
Nunca vi pessoas que se amavam tanto como eles. Quando Amanda nasceu,
era um pequeno pacotinho loiro idêntico a Aline. Foi ali que percebi que
havia ganhado um novo pedaço do meu coração. Nem era minha filha, mas
eu a amava como tal.
Os anos que passaram foram os melhores desde então, até que eles
precisaram se locomover até a cidade vizinha e sofreram um acidente fatal,
preciso de ajuda.
Noah se afasta do meu seio, me encarando com os olhinhos claros
cheios de esperança. Observo o meu filho por cinco segundos e tenho que
desviar o olhar, não aguento a maneira que dói em meu peito. Encosto a
cabeça no estofado e inspiro fundo algumas vezes.
Noah é fruto de um amor adolescente. Nunca pensei que minha vida
daria um giro daquela forma! Eu amava Nathan, mas ele me quebrou de uma
maneira que nunca pensei que iria fazer.
apenas uma professora da segunda série e minha vida era perfeita, pensava
que quando tivesse um daqueles, eu estaria com alguém que amava. Só que
nada saiu como o planejado.
— Sua sessão começa em uma hora, Sof. Acho melhor se aprontar.
Assinto, me afastando do berço em silêncio. Quase um mês indo de
três em três dias ao psicólogo, tomando remédios e tentando fazer de mim
uma pessoa melhor.
Paro na frente do espelho, inspirando profundamente. Meus cabelos
escuros estão com uma aparência estranha, parecendo uma bucha. Meus
olhos marcados com grandes bolsas embaixo. Movo a roupa folgada em meu
corpo.
— Ah, Sofia... o que está acontecendo com você?
Eu duvido muito que a tal de depressão seja meu real problema. Tinha
passado toda a minha gravidez muito bem, planejando o momento que estaria
com Noah em meus braços, e sonhando com isso. Só que ele chegou. A carga
aumentou. Meus ombros não aguentaram o cansaço. A dor de estar sozinha
com uma criança de poucos dias de vida foi demais para mim.
de casa e fico longe por algum tempo, mesmo que seja para falar sobre o
quão péssima mãe eu sou.
Tomo um banho rápido, escolhendo um vestido leve de flores,
prendendo meu cabelo curto em um rabo de cavalo minúsculo enquanto me
pergunto se tenho ou não disposição para me maquiar. Inspiro fundo algumas
vezes, chegando à conclusão que preciso ao menos de um batom.
Amamentar me deixa tão cansada que, na maior parte do tempo, não
tenho disposição para nada.
térreo.
A cidade de São José não é muito grande, o que faz as pessoas sempre
saberem da vida uma da outra. A maior parte é cercada por áreas rurais. Moro
no centro e gosto daqui, a praticidade deixa a vida mais fácil.
Tento levar uma vida sem grandes escândalos, afinal, fofoca corre
rápido, mas fofoca em cidade pequena corre ainda mais acelerado.
Trabalho na escola municipal da cidade. É um serviço bem-feito pelo
governo, graças a Deus, não falta nada aos alunos daquele lugar. Estou com
táxi de aplicativo que pedi já chegou. Penso em como tudo desmoronou, não
sei se o que sinto é realmente uma depressão pós-parto, mas foram
recomendados remédios e terapia. Porém não me sinto crescendo, não me
vejo melhorar.
susto. Seguro a risada e alcanço o seu braço a tempo de segurar seu pulso,
embora.
— Estou com saudade dela. Não gosto da nova professora — minha
menina sussurra, apertando minha mão.
— Ela é uma professora legal? — Começamos a caminhar para o
carro, então abro a porta para que a garota entre. Encosto-me contra a lataria
e observo Amanda brincar com a barra do uniforme, pensativa.
— É sim. Ela sempre tinha muita paciência.
Isso me faz rir. Sei bem como é ter que invocar a paciência quando se
tem um desses pequenos lado a lado.
— Logo ela volta, acredito.
— Sim, logo ela volta.
Contorno o veículo e entro rapidamente, colocando-o na estrada em
mais viável.
Pego a bolsa de Amanda e a minha, com as compras que fiz durante o
almoço para abastecer a geladeira. Com a garota em casa, sei que tenho que
manter tudo funcionando como se isso fosse a normalidade.
Adoro ter Amanda por perto. Eu a amo como uma filha de verdade.
Só que isso não diminui o fato de que não faço ideia de como lidar com
Amanda, só que continuo tentando, afinal, tenho a chance de aprender,
quando Thales nem pode ver a filha crescendo.
Amanda? — Encara minha filha com carinho, mas ela não obtém resposta,
pois o choro alto e desenfreado vem do apartamento. — E agora? Como vou
acalmá-lo?
Ela não parece estar falando com nenhum de nós. Apenas volta para
dentro, deixando a porta aberta e um convite não dito para que Amanda
invada sua privacidade.
Entro novamente no apartamento ainda sem acreditar que mamãe foi
embora e me deixou sozinha conhecendo bem a minha situação. Ser filha
mais nova sempre permitiu que eu ficasse à margem dos problemas que
Samuel encontrava no caminho, ele sempre era a prioridade.
Adentro no quarto e vejo Noah se debatendo no berço. Foco nas
indico para mamar. Noah o agarra com a boca e suga com força, a picada é
um pouco mais incômoda que o normal.
Eu nem sei por que continua doendo, já deveria ter me acostumado,
mas não consigo.
Amanda toca os fios claros de Noah com carinho e sorri. Noah aperta
o bico do meu seio entre os lábios e eu fecho os olhos, me recordando por
que odeio tudo aquilo. É cansativo. Na noite anterior, ele acordou uma porção
de vezes para mamar, e eu não tinha leite suficiente a maioria delas.
— Está dormindo... — Amanda sussurra.
Eu abro os olhos, vendo que Noah havia voltado a cochilar. Coloco-o
no meio da cama e adiciono alguns travesseiros para impedir que ele caia no
chão.
— Cadê seu pai? — indago, juntando algumas fraldas sujas e
um topete estiloso. Os braços fortes estão cobertos por uma camisa xadrez,
que está aberta, revelando o peitoral com uma camiseta branca.
— Como você acabou morando aqui? Minha outra vizinha era uma
senhora.
correr novamente para o quarto. Chego lá e vejo que Amanda tenta acalmá-
lo, cantando uma música baixinho.
Aproximo-me com cuidado, sem saber o que fazer. Ele já mamou,
será que não foi o suficiente?
— Ele acordou sozinho, eu juro.
Sorrio com a voz amedrontada de Amanda. Pego Noah nos braços e
tento acalmá-lo, mas nada surte efeito. Sinto Theodoro ao meu lado,
observando a situação com calma.
— Por que ele não para de chorar? — ele indaga, confuso.
Um riso nervoso escapa dos meus lábios enquanto balanço meu corpo
de um lado para o outro, de maneira constante. Nem sei por que continuo
deixando Amanda e Theodoro na minha casa, eu não conheço este homem!
Mas talvez minha falta de noção se dê ao fato de que tenho medo de ficar
lo, e isso me deixa sozinha numa luta que nem mesmo sei como vencer.
Estendo o menino em sua direção. Ele tem dois meses e já está todo durinho,
vira o pescoço para tudo ao seu redor.
Theodoro pega o meu bebê nos braços e o encara por alguns
segundos, a cena parece a da coroação de Simba, em O Rei Leão, quando o
macaco o estende no topo da savana.
Sorrio com a comparação, mas meu sorriso some quando o homem
aconchega o corpo pequeno de Noah contra o seu ombro, batendo levemente
em suas costas e cantando baixinho para ele. O choro some. Lentamente. E
não está no quarto. Sofia está sentada na cama, encarando o carpete branco
no chão. — Não se sustenta com meu leite. Eu não sei se o quero em minha
vida e nem ao menos consigo ficar uma hora com ele sem que chore por uma
vida inteira e...
em meu ombro.
— Trouxe o jantar.
Eu me viro lentamente enquanto o observo, não veste mais as roupas
de quando chegamos ao prédio, tem agora uma calça de moletom folgada e
— Como sabe que ele chora a noite toda? — afronto, não querendo
me dar por vencida.
— Eu ouço. Desde que vocês se mudaram para cá — alfineta. Abro a
boca em choque. — Pensei que fosse apenas por ser pequeno, mas parece que
não.
Abaixo a cabeça, movendo uma porção de arroz de um lado para o
outro.
— Ele não pega o seio direito e... — Eu o encaro, a menção dos seios
faz Theodoro descer os olhos para a minha blusa com estampa de Once Upon
a Time, franzindo a testa enquanto observa. Inspiro fundo, sem muita
paciência. — Meus olhos estão mais acima.
Theo ri de lado, safado e sem se abalar.
— Desculpe.
Tenho a sensação de que não é muito sincero em suas desculpas.
— E parece que a quantidade que ele consegue mamar, não o mantém
totalmente saciado — falo, resmungando. Eu o encaro, vendo a indagação
brilhando em seus olhos. — O que foi?
— Sim, você falou sobre o leite e o peito, mas também falou sobre
sua relação com ele. O que está acontecendo? — Levo uma porção do jantar
à boca para me impedir de falar. — Sofia. Desabafar faz bem.
Sorrio e pouso meu maxilar contra meu joelho.
medo. — Estou aqui. Sei que não sou alguém da família, um profissional e
que não confia em mim, mas às vezes só falar ajuda, nem que seja para o
espelho.
Ele se levanta quando não vê nenhuma reação e caminha para a porta,
— Me sinto perdida. Foi tudo que desejei durante muito tempo, sabe?
Aí, quando vi, aconteceu. — Fungo. — Eu planejei, sonhei com cada
momento. Até que ele nasceu e eu estava destruída. Não conseguia nem ao
menos olhar para ele.
— Você já tentou entender por que aconteceu essa mudança?
A lágrima cai e me sinto meio perdida.
— Eu acho que foi por Nathan ter ido embora. Mas também acredito
que seja mais por minha vida toda ter mudado e eu não sei como lidar com
um bebê. — Limpo meu rosto e encaro Theodoro. — Eu sou uma péssima
mãe. Ele chora, eu não consigo controlar. Até um estranho lida melhor com
meu filho que eu e...
Seus braços me puxam e ele me aperta contra o seu peito.
— Você não é uma péssima mãe. Só precisa se encontrar. — Beija
meus cabelos. — Eu não sei nada sobre depressão pós-parto, Sofia, eu não sei
nada sobre mulheres, como eu disse, mas eu posso ajudar no que você quiser.
Estou aqui.
— Por que os remédios não funcionam? Deveria funcionar. Eu já
devia estar melhor e...
— Talvez você precise de algo além de comprimidos — ele me
interrompe. — Olhar para o seu filho, voltar no tempo que você estava feliz
com sua existência... tem que tentar.
— Não vou ficar boa de uma hora para outra — resmungo, fechando
os olhos. — O que me assusta é que isso pode nunca passar. Não posso viver
assim.
Ele se afasta, me encarando.
— Eu acredito que vai passar. E que você vai ser uma ótima mãe para
Noah. — A menção do nome dele se mescla a um chorinho fino vindo do
quarto. — Vou pegá-lo, termine de jantar. — Beija minha testa com carinho e
se afasta.
Observo Theodoro caminhar por meu apartamento como se fizesse
cozinha, descartando a marmita e lavando o rosto. Ela está vestida com uma
calça de moletom que de alguma maneira acentua a bunda arredondada. Os
quadris largos são evidentes. E a camisa escura com um desenho estranho na
frente deixa a visão dos seios empinados.
— Chegamos — aviso, me remexendo desconfortavelmente com a
visão da sua bunda para cima. Ela se vira, encarando Noah com um certo
temor. — Ele só se assustou mesmo. Não parece estar com fome.
— Que bom. — Ela se aproxima lentamente, com os olhos vagando
— Mas se não conseguir acalmá-lo, com toda certeza vou bater à sua
porta.
Agora é a minha vez de sorrir. Diferente do que pensei, isso não será
um problema.
— Estou sempre disponível para ajudar. — Aperto sua mão contra a
minha. — Noah e eu conversamos, ele é um bom rapaz. — Eu me inclino,
beijando suavemente as costas cobertas por uma roupinha de dormir do
pequeno menino e torno a apertar a mão de Sofia, tentando passar confiança.
para a porta.
— Theodoro.
A voz me faz virar.
— Theo — retruco, vendo Sofia parada na sala, ainda com o filho nos
braços.
— Obrigada por me ouvir, Theodoro.
Ela sorri, sabendo que me irrita meu nome completo, mas faz apenas
para se divertir. Não me irrito, afinal, é bom saber que estou sendo o motivo
daquele sorriso.
— Boa noite, Sofia. — Fecho a sua porta e sigo para a minha,
caminhando para o quarto de Amanda e a depositando sobre a cama. Cubro
seu corpo com o lençol e torno a sair para a sala, fechando as portas e janelas
coisa é diferente, é caso de vida ou morte. Aqui fora não é muito diferente, só
alterado para dar a falsa sensação de civilização.
Aprendi que muitas vezes, mesmo em meio ao caos, vamos ter que
ser altruístas e ajudar ao próximo. Nem consigo contar quantas vezes me
Eu me viro e vejo que a criança que dormiu por uma noite inteira sem
me acordar pela primeira vez na vida está adormecida. É estranho pensar que
Theo consegue o acalmar tão facilmente, enquanto eu preciso de uma
verdadeira acrobacia.
Eu o cubro, então o friozinho que entra pela janela não o afeta, e saio
do quarto, juntando algumas roupas sujas e colocando numa bolsa preta e
grande, para levar à lavanderia mais tarde.
Com o nascimento de Noah, comecei a gastar um pouco mais com
coisas extras, como lavanderia, afinal, não estava dando conta nem de cuidar
dele, imagine de me tornar multitarefas.
Paro enquanto coloco o pó de café descafeinado em cima da mesa e
encaro tudo aquilo com uma careta. Odeio o descafeinado, e se Noah tiver
um sono calmo, eu até posso tomar o normal com moderação. Mas Deus me
livre desregular ainda mais seu sono.
Ligo a cafeteira e vejo meu celular vibrando em cima da mesa da
cozinha. O nome de Samuel aparece na tela, apenas abaixo o som para não
acordar meu filho, voltando a mexer na pia.
Preciso deixar tudo organizado antes da rotina de Noah começar,
afinal, ainda tenho que preparar meu almoço. Com a falta de trabalho, eu fico
meio perdida. Antes da gravidez, meu dia começava cedo também, porém, eu
preparava meu café, fazia meu almoço e levava comigo antes de ir para o
colégio.
Como os intervalos entre as aulas eram sempre muito corridos, eu
costumava esquentar minha marmita no micro-ondas da escola e comer em
uma praça próxima.
O celular torna a tocar e inspiro fundo, pegando o aparelho entre os
dedos, sabendo que Samuel nunca irá parar se não for atendido.
— Oi, mana. — Sua voz animada vem até mim. — Duvido você
conseguir adivinhar onde estamos.
precisa se preocupar.
— Que ótimo, Sof! Ela estava mesmo querendo ficar um tempo na
fazenda. — Engulo o gosto amargo de derrota. — Sabe o quanto este local
traz lembranças do papai.
— Sim, eu sei. Beijo, mano, se cuida.
— Você também.
Finalizamos a chamada e eu apenas encaro o nada, pensando sobre
isso. Éramos uma família bem unida, mas desde a morte do papai e minha
— Tia Sofia! Bom dia. — Ela está vestida para a escola, com duas
marias-chiquinhas e a farda. — Vim desejar um bom-dia para a senhora e
perguntar se quer tomar café com a gente.
— Ah, querida, obrigada, mas melhor não. Vai logo, senão vai se
atrasar.
Ela murcha rapidamente.
— Noah já acordou?
— Não, dormindo feito anjo — brinco e vejo quando Theo aparece
atrás da garota, segurando uma bandeja com vários pãezinhos de queijo. Ele
arqueia a sobrancelha.
— Bom dia, vizinha — diz de maneira que não deveria soar sexy, mas
soou. — Aceita um? Acabou de sair do forno.
— Ela disse que não ia merendar conosco — Amanda lamenta.
— Ah, querida, não se preocupe, ela tem mais o que fazer. Temos que
ir rápido para trabalhar, lembra?
Percebo que ele está vestido com uma calça jeans e uma camisa preta,
deixando as tatuagens à mostra. Aceito um dos seus pães de queijo,
algo criminoso — debocha enquanto abro o capo do carro que Alex trouxe.
Ele trabalha com frete na cidade, pai solteiro de uma garotinha de seis
anos, e tem suas marcas da vida.
— E cadê Alícia?
difícil, nunca muda. — E Amanda acordou falando do pai. Não sei lidar com
isso.
— Sinto muito cara, mas e sua mãe?
— Ela viajou. Disse que não podia ficar na cidade de novo nesta
época. Sabe que ela sempre fica devastada nos aniversários da morte dele. —
Esse havia sido o real motivo da fuga dela.
— Bom, tenho certeza que vocês vão superar. — Assinto e volto para
o carro. — Alícia está perguntando quando Amanda irá visitá-la. Só que isso
sozinho com meus pensamentos. Em poucos dias, terei mais um dos dias
infernais desde que Thales se foi.
Pergunto-me se ele estivesse vivo, como seria. Com toda certeza ele
já teria mais um filho, Amanda seria a menina dos seus olhos e ele estaria
— A tia Sandra é legal, mas a vovó sempre diz que ela não é a mulher
certa para o papai.
Franzo o cenho com isso, mas apenas me inclino para colocar a
lasanha preparada no forno. O jantar na noite anterior me deixou agitada para
preparar o prato.
O dia foi tenso da maneira que eu imaginava. A alegria só durou
durante a manhã, Noah e eu voltamos à fase de nos estranhar no início da
tarde. Ele finalmente dormiu a uma hora, depois de passar o dia todo
— Claro que tem! Mas não seria ótimo ter uma mulher para ajudar
nas coisas? Meninas precisam de uma presença feminina. Tanto quanto é
importante uma versão masculina na vida de meninos. Uma via de mão
dupla.
— Sim, mas eu tenho minha vovó. Ela é minha mamãe atual. A outra
foi morar no céu.
O sorriso escapa dos meus lábios.
— E a vovó, onde mora?
deitada sobre o pequeno colchão, explicando o desenho ao meu filho, que não
entende nem mesmo meia palavra.
— Ei, o jantar está pronto.
Ela me encara, fazendo bico.
alguém no telefone!
Engulo em seco e me pergunto se é o momento de desligar e fingir
que nada aconteceu. Ouço algo se movendo através da ligação e finalmente
escuto a voz de Theo.
com alguém e me deixou cuidando da filha dele. Nem sei por que estou
irritada, mas apenas sinto meu rosto esquentando à medida que a vontade de
socá-lo aumenta.
— Tá bom, não demora muito. Tia Sofia fez lasanha e Noah precisa
de ajuda — ela sussurra a última parte, me fazendo sorrir.
Noah claramente se dá bem tanto com o pai quanto com a filha,
enquanto comigo, são raros os momentos que ele tem calma.
— Noah precisa de ajuda? — pergunto assim que ela aparece na
cozinha. Coloco uma porção generosa de lasanha no prato de Amanda
Theodoro sumir para ver a tia da filha. Ou seja lá qual o espaço que ela ocupa
em sua vida.
— Ei, para onde vai? — Visto minha camisa rapidamente, balançando
a cabeça em negação. Não acredito que cai na teia de aranha que Sandra
armou para mim. — Pensei que iríamos...
— Não vamos. — Fecho os olhos. — Não vamos fazer nada. Nossa,
estupidez nível máster vir até aqui. — Ela me encara, magoada. — Sinto
muito por isso, mas acho que estamos levando a nossa relação para um
caminho nada seguro.
— Não entendo o que pode dar errado.— Sandra prende o lençol ao
redor do corpo desnudo.
Havíamos ficado algumas vezes durante o período em que nos
conhecemos, mas quando Thales e Aline faleceram, fiquei muito preocupado
em manter as coisas alinhadas e não atrapalhar nada entre nós, colocando um
fim em tudo que houve no passado.
— Não vou arriscar uma guerra com você, Sandra. Compartilhamos o
jovens e inconsequentes.
— Eu sei o que você quer, Theodoro. — Passa o braço ao redor do
meu pescoço. — E não me importo. Quero você.
Eu me esquivo.
— Prometi a uma pessoa que iria jantar com elas, não posso
decepcionar. Sinto muito. Sinto muito por vir, por dormir com você mesmo
sabendo que não podia. — Eu me sinto um merda por dizer tudo isso, afinal,
não é fácil dar um fora em alguém. Geralmente, quando é sexo casual, as
dormindo.
— Amanda, coloque a coberta sobre ela — peço à minha filha, que
pega o lençol abandonado sobre o colchão e coloca na mulher. Sofia apenas
se remexe e continua dormindo.
bom.
Sorrio com isso.
— Me surpreende que tenha algo de bom nisso. — Volto para as
vasilhas e termino a louça. — Onde encontro a comida que ela fez? Sobrou,
né?
Amanda ri.
— Na geladeira. Ela separou o seu. — Aponta para o freezer.
Eu abro a porta, pegando a vasilha azul de plástico. Dentro dela tem
uma porção de lasanha com arroz. Sento-me à mesa de Sofia e começo a
lavar a louça.
— Trago suas roupas quando secar.
Isso a faz virar a cabeça tão rápido e com os olhos tão arregalados,
que penso ter dito outra coisa.
— Você lavou minhas roupas?! — exclama, assustada.
— Sim, eu fui colocar Noah no berço e vi o cesto. Como sei que dá
muito trabalhar cuidar de uma criança, coloquei para lavar e lavei sua louça.
Não precisa parecer tão surpresa.
Hoje é dia de terapia e não sei o que irei fazer. Não tem ninguém para
ficar com Noah e eu não sei se é uma boa ideia levá-lo.
Pego o celular, depois de colocar o menino dentro de um carrinho de
bebê. Estou conversando com uma moça formada em técnica de enfermagem
e que está em busca de um lugar para ficar na cidade, para tentar conseguir
um emprego.
Ela me disse que tinha entregado inúmeros currículos e ainda não
havia obtido resposta. Pela falta de dinheiro, estava precisando de um lugar
para ficar. Ela foi indicada por uma amiga de trabalho, que disse que ela
fazenda.
Ignoro, focando no agora.
roupas, mas, na verdade, eu não quero encará-lo. Saber que o homem ignorou
meu agradecimento por sexo confirma que tenho que manter distância.
Nenhum homem presta é uma generalização correta na maior parte do
tempo. Theodoro não é diferente.
faz congelar. Theodoro aparece ao meu lado, estendendo os braços para falar
com o menino. — Vem com o tio, querido, vem. — Ele pega Noah em seus
braços sem que eu deixe e o balança, cantando uma canção de ninar
desconhecida. — Saudade de você, pequeno. Andou chorando muito?
no meio da sala.
— Eu fico com o garoto, vá à sua sessão.
Ela abre a boca.
— Não, não vou deixar meu filho com um estranho!
Eu deveria ficar feliz por ela usar o tom protetor com o filho, já que
claramente eles precisam melhorar essa ligação.
— Agora eu sou um estranho?
— Você nunca deixou de ser um estranho! E eu quero minhas roupas
de volta.
— Ah, claro, talvez eu queira fazer macumba com suas roupas
íntimas.
Ela abre a boca, em choque.
de surpresa. Sua boca se abre com isso, então aproveito a chance para
deslizar a minha língua para dentro.
Merda. Merda. Merda. Sofia, com toda certeza, me atraí, só não
pensei que seu gosto fosse tão bom.
Ela tenta se soltar, mas sua língua continua a brincar com a minha,
contradizendo seus gestos. Levanto seu braço com delicadeza e o prendo
acima da cabeça, deslizando a mão livre para segurar sua cintura e puxá-la
mais firmemente contra mim.
Minhas mãos sobem para seu rosto e seguram, aprofundando o beijo.
birrenta.
— Ela me ama, Noah. — Sorrio e me aproximo do garoto, ligando a
televisão, já que vou ter que abdicar de um dia de trabalho por uma coisinha
pequena e gorducha. — Agora somos apenas eu e você.
— Vou deixar uma mamadeira pronta. Você tenta dar caso ele chore,
se não pegar de forma nenhuma, você me liga.
Arqueio a sobrancelha e pego o garoto do berço, caminhando em
direção ao quarto de Sofia, onde a encontro se trocando.
— Sai daqui, Theodoro! — praticamente grita. Saio da porta, me
ombros. — Só que, do nada, Theodoro é melhor com Noah do que já fui nos
últimos meses. Não sei lidar.
— Como aconteceu? Vocês dois — explica.
— Eu e ele estávamos brigando. — Sorrio. — Não faz sentido que eu
confie tanto num homem a ponto de deixá-lo com meu filho, nem nos
vagueio, despejando minhas dores naquela mulher. A terapia podia não estar
surtindo o efeito que eu esperava, mas era bom falar com alguém que não me
julgava.
— Você falou com a pediatra novamente? Acho bom marcar uma
consulta para checar a alimentação dele. — Assinto, aceitando sua dica.
Preciso segui-las, afinal, estou aqui para isso. — Entramos em uma fase
ótima. O medicamento, como eu disse, demora a fazer efeito, mas a essa
altura você já deve estar se sentindo bem melhor.
Ah, Deus, eu nem tenho coragem de encará-lo. Fingi estar brava mais
cedo, mas depois de despejar toda a minha frustação por ter gostado do beijo,
nem sabia como agir.
— Boa tarde, senhora Sofia. — A voz do porteiro me tira do
devaneio. — Deveria entrar, parece que está vindo uma chuva daquelas.
Um carro branco para na entrada do prédio enquanto acato o pedido
do homem e subo a escadaria. Entro no prédio e, em seguida, no elevador.
Aperto o botão do meu andar, mas a caixa metálica para quando alguém a
segura.
Noah. — Amanda passa minha ficha completa e não resisto em dar uma
risada.
— Isso, meu currículo — brinco, desconfortável.
Amanda segue o caminho todo do elevador falando da escola e dos
amigos, enquanto eu respondo de maneira silábica, muito desconfortável.
A porta do elevador se abre e vejo a do meu apartamento aberta.
Theodoro está deitado no chão da sala, assistindo a algo na televisão, sem
camisa e com meu filho sobre seu peito.
Theo, hein?
— Então essa é a mulher com quem você quer se amarrar? — Sandra
fala com um sorriso enquanto se aproxima da bancada da cozinha, bebendo
um gole do vinho que pegou da minha geladeira.
Eu a encaro por cima do ombro, colocando a comida em algumas
vasilhas e, em seguida, sobre o balcão.
caminho para fora do apartamento. São apenas oito da manhã, Sandra ficou
até tarde aqui no apartamento e foi embora em um táxi, já que acabou
ingerindo muito vinho. Ela não tentou avançar e eu agradeci por isso.
Bato à porta de Sofia, aguardando enquanto penso em tudo que
plano?
Eu a encaro pensativo. Um filme passa em minha mente, Thales e eu
sempre fomos próximos. Meus pais sempre cuidaram de nós de maneira
igualitária.
— Não. Éramos muito próximos e meus pais sempre foram justos.
— Fico feliz por vocês terem este tipo de experiência. — Sofia sorri.
—Minha vida não é lá muito justa com isso. — Encara o nada, ainda
embalando seu filho. — Eu e Samuel crescemos com um muro, mamãe o
idolatrava, papai sempre me ajudava. Porém ele sempre se destacou, afinal,
não importava quanto errava, era homem e homem sempre tem a chance de
consertar.
Engulo em seco com suas palavras cheias de mágoa.
— Amo meu irmão, amo minha cunhada, ela é a melhor, sou louca
pelas minhas sobrinhas, sabe? Mas isso não muda o fato de que desde que
papai se foi, nunca voltamos a ser aquela família de antigamente. Mamãe
sempre vai escolher ele, não importa o que Samuel faça.
— Sinto muito — falo, me aproximando. Isso atrai a atenção de Noah
e me faz sorrir.
— Eu me acostumei — responde, cobrindo o seio enquanto seu filho
coloca sua atenção sobre mim.
— Não deveria se acostumar com isso — rebato, pegando Noah em
mas ele volta à tardezinha para beijar sua barriga gordinha, ok?
Sei que provavelmente tenho que deixar de ficar vindo ao
apartamento de Sofia constantemente, afinal, nada de bom sairá disso. Mas
eu gosto tanto de acalmar a alma raivosa de Noah.
— Aqui, mamãe. — Devolvo o garoto para a mãe, me inclinando para
beijar a bochecha de Sofia. Mas ela se vira rápido e antes que possamos
prever, beijo seus lábios. O selinho não dura mais do que segundos. A mulher
pula para trás, assustada.
debochado, livre, mas tem uma grande vontade de ajudar a todos. O máximo
que deve sentir de você é pena. — Suas palavras maldosas não causam nada
em mim.
— Fico feliz que Theo tenha qualidades boas. — Dou um sorriso. —
Ele é realmente um cara altruísta e eu sou grata pela forma que vem me
ajudando. Mas se ele realmente for tudo isso, não deve sentir pena de mim. E
sim saber que todos às vezes precisam de ajuda. — Aperto o painel. — Tenha
um bom dia, Sandra.
Sua expressão desagradável quase me faz rir quando as portas se
fecham. Ela não sabe que esse tipo de coisa não me afeta.
Namorei com o pai de Noah desde a adolescência. Ele sempre foi
lindo, capitão do time de futebol da escola, atraía atenção por onde passava,
tinha toda uma áurea de garoto problemático e isso era como um ímã para as
garotas. Eu tive que crescer em cima do meu sistema autodestrutivo para não
ser pisoteada.
Aprendi muito lidando com garotas malvadas que tinham a
necessidade absurda de se autoafirmarem acima de qualquer situação.
Enquanto eu continuava inatingível em meu relacionamento. Só que não deu
em nada, no final, Nathan se transformou em um filho da puta e não estava
comigo quando mais precisei.
— Ela é uma boba, Noah — resmungo, limpando a baba que cai do
meu filho. — Até parece que vou me sentir mal por causa de Theodoro. Nem
gosto dele. Tudo que sabe fazer comigo é debochar. Tudo bem que ele lavou
nossas roupas — reflito sobre isso. — E me trouxe comida, mas isso não
muda nada.
ser mãe de alguém. — Encara o filho. — Fiquei bem sim. Tive bastante ajuda
psicológica, quando estamos neste tipo de estado, nossa mente pesa. Não
conseguimos seguir em frente.
Fico calada. Ainda balançando Noah em meus braços.
— Agora ele é minha vida, sabe? E eu entendo que o tempo que
passei sofrendo não foi uma coisa que decidi sentir. — Encolhe os ombros.
— Aconteceu. Afinal, somos mulheres, sabemos bem que nosso sistema é
quase uma bomba prestes a explodir. Menstruação. Gravidez. A pressão para
seguir em frente.
Sorrio.
— É um conjunto complicado — completo.
— Sempre é — reafirma.
Isso faz meu coração ficar mais leve. Eu vou ficar bem, igual a esta
mulher, certo?
Abro a porta de casa e encontro mamãe com a Sandra sentadas na
sala. Arqueio a sobrancelha, colocando as chaves de lado enquanto tiro a
minha jaqueta de couro e penduro atrás da porta.
— Oi, querido. Amanda já chegou, eu a peguei mais cedo, espero que
tenha visto a mensagem e não tenha passado na escola.
— Sim, mas sabe que ela adora a casa, pois ela lembra o vovô. —
Aliso seus cabelos. — Mas se quiser ficar, tudo bem. Sabe que sempre pode
ficar comigo.
Ela sorri de orelha a orelha.
— Te amo.
— Também te amo, pequena. No próximo fim de semana, faz quatro
anos que seu pai se foi — começo, enrolando uma mecha do seu cabelo entre
os dedos. — Podemos ir vê-los no cemitério.
— Não gosto daquele lugar, papai. — Ela me encara, chorosa. — Me
faz querer chorar. E o papai Thales sempre aparece nos sonhos e diz que me
ama, mamãe Alice também. Eu não quero ir naquele lugar.
Sorrio e beijo seus fios loiros.
— Ok, meu amor. Não vamos a lugar nenhum. E fale para seu pai em
— Sandra. Ela falou com todas as letras. Não estou dizendo que você
me deve explicação, eu já lidei com muitas garotas malvadas no colégio. —
Ela ri. — Ela pensou que poderia me assustar dizendo que você é dela e tudo
mais. Só que eu sei me defender. Hoje pouca coisa consegue me abalar.
Encaro sua determinação.
— Sandra está louca. Já ficamos, mas não tem chance nenhuma de
sermos alguma coisa. — Ela tenta falar, mas eu a impeço. — E sei que não te
devo explicação, mas eu quero dar. — Noah segura firme meu colar de
— Isso é ótimo, Kah. Espero que faça uma boa entrevista. — Escuto a
campainha tocando e franzo o cenho com isso. — Quem será a uma hora
dessa? — Caminhamos juntas em direção à porta, não são nem oito da
manhã.
— Não vou morder você, Sofia. A não ser que peça... — fala,
sorrindo de lado de maneira quase diabólica. — Tenho cara de lobo, mas
posso brincar de príncipe por uma noite. — Sua mão sobe ao redor do meu
ombro, segurando meus cabelos e levando-os para trás. Sua mão tem toque
delicado e faz minha pele incendiar. — Um encontro. Uma noite. Pode até
chutar minha bunda no final.
— Tenho um bebê, não tenho como ir para encontros.
— Podemos deixar o Noah com mamãe e Amanda. Ela se
voluntariou.
Inspiro fundo com a solução perfeita para ter uma noite com aquele
homem. Mas o medo me domina. E se tudo que vivi com Nathan voltar como
um filme da minha vida destruída em versão 2.0?
— Sim — Sofia finalmente fala, fechando os olhos de maneira
dramática e falando que isso não irá dar certo.
O sorriso se estende em meu rosto enquanto me aproximo para beijá-
la. Ela continua de olhos fechados e só abre os lábios quando os meus cobrem
os dela e puxo sua cadeira mais para a frente, segurando seu rosto com
firmeza enquanto sua boca se abre. Minha língua brinca com a sua de
maneira torturante, sinto meu corpo todo respondendo. Minha pele parece se
aquecer enquanto ela se derrete contra minha boca. Sofia tem gosto de café e
isso é bom para caralho.
Afasto-me, encostando minha testa na dela quando ouço o choro de
Noah ao fundo. Eu a encaro, piscando um olho ao me levantar da mesa.
— Vou pegá-lo. Continue comendo. — Saio da cozinha e sigo para o
quarto. Vejo o menino se movendo sobre a cama. Pego um dos pezinhos
soltar um grunhido com isso. — Bom dia, garotão. Vamos ver a mamãe? —
Eu o pego em meus braços, alisando os fios loiros e desgovernados. — Sim,
tio Theo veio acordar você hoje. Gostou? Amanhã você vai ficar a vovó
Neiva, e eu vou levar sua mamãe para dar uma voltinha de moto.
apartamento.
Merda. Que diabos está acontecendo comigo? Por que Noah se tornou
tão importante para mim? Por que Sofia é uma preocupação constante em
meus pensamentos? Isso não deveria estar acontecendo.
uns dois anos, desde que começou a trabalhar na escola. — Franzo o cenho
com isso. — E Amanda me contou que você tem ajudado bastante a Sofia.
— Sim, Sofia não estava lidando bem com a maternidade.
— Ah, que tristeza. Mas ela parece tão bem.
— Sim, ela está evoluindo — falo com um meio sorriso. Estou muito
feliz com a maneira que ela parece crescer diante dos seus obstáculos.
— Por que não a convida para sair? — indaga, como quem não quer
nada.
— Por que faria isso?
— O quê?! Só por que você não quer se casar eu não posso sonhar
com isso? — Ela se faz de ofendida. — Sempre desejei que você e Thales
tivessem uma boa mulher ao lado. Sei que quando encontramos alguém com
quem dividir a vida e as dores, tudo se torna mais fácil.
— Mas eu não quer...
— Sim, mas não estou falando para você pedir Sofia em casamento.
Você tem trinta e cinco anos, meu filho, me diga se já teve um encontro que
não fosse resumido a sexo? — Paro por alguns instantes. Infelizmente, ela
tem razão. — Não entendo sua mágoa com o amor. Eu não vou viver para
sempre, e Amanda precisa de uma figura feminina em sua vida.
— Ninguém nunca vai ser mais mãe para Amanda do que você ou
Aline.
— Eu sei, mas toda pessoa precisa de um espelho na sua vida. Thales
tinha seu pai, tinha você como inspiração. E vocês fizeram dele um homem
maravilhoso... — Suspira, lembrando-se do filho. — E quero que Amanda
tenha boas referências para crescer uma mulher independente e inteligente.
“Ela ainda é uma criança. E você está ficando velho, precisa de uma
boa mulher ao seu lado. — Mexe na panela por alguns minutos e depois me
encara com intensidade. — Sabe, Theo, a vida não precisa de alguém para
ser completa. Tem diversas formas de sermos felizes... mas quando
encontramos alguém que amamos, com quem podemos dividir o fardo que é
no carrinho. — Theo falou que você não estava lidando bem com a
maternidade, o que houve, querida? Sempre foi muito querida com todas as
crianças. — Coro com isso. — Não precisa se envergonhar.
— Eu fiquei muito sozinha nos últimos meses de gravidez — engasgo
ao falar, bebendo um gole da água que está em minha frente. Theodoro ainda
não havia retornado, segundo dona Neiva, ele tinha ido resolver um assunto
com o primo. — O pai de Noah simplesmente decidiu que não queria mais
fazer parte de tudo e me deixou sozinha. Tive que lidar com a minha família
em cima de mim. Quando ele nasceu, eu não me sentia preparada para tantas
mudanças que começaram a acontecer naturalmente.
— Ah, querida. Sinto tanto que tenha passado por isso. Sua mãe não
está com você? — Sorri.
— Ela foi para a fazenda da família cuidar de uns assuntos do meu
irmão. — Neiva franze o cenho, mas não fala nada. A porta se abre e
Theodoro passa por ela. — Cadê Amanda? — pergunto, notando que a
menina não chegou com o homem.
— Ela ficou na casa de Alex, queria brincar com Alícia.
— É a prima, Sofi. Ela adora a menina. As duas juntas deixam
qualquer um louco. — Isso me faz rir. — Vá tomar banho, filho, vamos para
a mesa. Não demore.
— Ok. Já volto — Theo fala, pendurando a jaqueta no gancho atrás da
porta. Ele passa por mim e eu sinto o cheiro de graxa em seu corpo. — Deixa
só eu dar oi para o meu garotão... — ele fala isso de maneira tão natural, que
deixa todo meu corpo tenso. Theodoro inclina a cabeça dentro do carrinho e
brinca com Noah. — Oi, pequeno. Quase dormindo. — Beija os pezinhos do
meu filho com carinho.
Sinto minha garganta apertar. Noah poderia ter isso sempre se o pai
dele não fosse um canalha.
— Vá tomar banho, Theo. Você está todo sujo, querido.
— Aposto que não estou tão sujo assim. — Ele nos encara, sorrindo.
dos primos que moram nos arredores de São José e conta que eles sempre
estão pela cidade, interagindo com Theodoro.
— A família de vocês é muito grande? — indago, levando um gole do
suco para a boca.
— Sim, somos uma penca de gente. Os Alencastro parecem sempre se
distribuir com muita facilidade. — Ela sorri. — E você?
— Bom, não tenho tios por parte de mãe. Por parte de pai tinha um,
mas ele já faleceu, nem teve filhos. Então de família são apenas minha mãe,
meu irmão, minha cunhada e as gêmeas.
curiosa.
— Cinco.
— O que diabos você fazia na cozinha, Theodoro?
Ele sorri de maneira que não se envergonha.
— Eu era uma criança curiosa.
— Uma criança arteira, ele quer dizer, Sofia — a mãe intervém.
— Tirou as palavras da minha boca, dona Neiva.
— A fé que vocês têm em mim me surpreende.
estampa com honra um batom vermelho chamativo, que me faz desejar borrar
todo em um beijo de tirar o fôlego.
Ela veste um vestido rodado na cor vermelha, com um decote
generoso, o que deixa seus seios evidentes.
— Eu quero saber como é ser uma das garotas na sua garupa, bonitão
— zomba, sorridente.
— Nem deseje isso, princesa — falo, entrando no elevador e
apertando o botão do térreo.
e...
Eu a calo, segurando sua cintura e afundando minhas mãos em seus
cabelos enquanto minha boca se choca sobre a sua. Eu a sinto suspirar contra
mim e me receber sem nenhuma reserva. Minha língua brinca com a sua,
deslizando sensualmente dentro da sua boca ao sentir as batidas do meu
coração todo errado.
Sofia afunda dos dedos em meus cabelos e suga meu lábio inferior, se
afastando levemente para buscar fôlego.
— O q...
— Você não pode desejar ser uma das garotas na minha moto —
sussurro para ela. — Não pode desejar ser como nenhuma mulher que passou
em minha vida, Sofia.
— Por quê? — Sua pergunta vem entrecortada e ofegante.
Ela suspira.
— Você está tentando fazer eu me apaixonar por você?
A risada escapa dos meus lábios.
— Nem que me tornasse um santo iria conseguir esta proeza. Você
merece o mundo. — O elevador se abre e eu me afasto. — E eu não consigo
dar nada disso. A ninguém. — Eu não sei se ela ouve as últimas palavras,
pois não estou encarando-a.
Me aproximo da moto e pego um dos capacetes no guarda-volumes
do nosso prédio, colocando sobre a cabeça da mulher com delicadeza,
perdição tê-la tão perto e não poder tocá-la da maneira que desejo.
e ela continua sentada sobre o banco. — Ah, merda, sabia que você e este
vestido sentada na minha moto seria uma péssima ideia.
Meus olhos descem para as suas coxas desnudas e eu as imagino em
torno da minha cintura enquanto entro nela lentamente, várias e várias vezes,
isso, mas quanto mais faço, mas percebo que talvez só estejamos nos
machucando.
Ela engole em seco.
— Não quero machucar você. Você é meu amigo, não quero te fazer
mal.
— Também não quero machucar você, Sofia, e você não é minha
amiga. Não pensamos em amigos da maneira que penso em você.
— Que maneira você pensa sobre mim? — Arqueia a sobrancelha e
mim. — Ela se afasta, inspirando fundo. — Não sei o que estamos fazendo.
Meus sentidos gritam para parar, mas não consigo ficar longe de você.
E ela resume tudo em uma única frase. Queremos um ao outro,
mesmo que isso signifique que talvez nos percamos no caminho.
Sento-me contra Theodoro, sentindo seus braços encaixando ao redor
da minha cintura. O vento frio bate em minha pele e vejo quando o rio quebra
contra a areia. O cais de São José está movimentado e os casais vão e vêm a
todo instante, me fazendo observar o movimento da noite. Nem me lembro de
quando foi o último encontro que tive com um homem.
virando as plaquinhas entre os dedos. Vejo dois nomes gravados ali — o dele
e de Thales. — É placa de identificação.
— Thales é seu irmão?
— Sim, quando entrei no exército, ele foi muito a favor de continuar
— Sempre disse que seu irmão o idolatrava, que você o ensinou praticamente
tudo — sorrio —, tenho certeza de que ele aprova a maneira que você cuida
da filha dele, uma vez que ele não pode fazer isso.
As lágrimas que Theodoro seguravam caem e eu limpo com cuidado,
sorrindo.
— Você é incrível.
— Eu sei — brinco, com um sorriso, e isso o faz revirar os olhos.
— Você não era assim, princesa — fala, zombeteiro.
mãos me puxam mais próximo ao seu corpo, enquanto a outra desce ao redor
da minha cintura, apertando minha bunda sobre o tecido fino do vestido.
— Gostosa para caralho! — pragueja contra meus lábios. Meu sorriso
é quase involuntário. — Não posso te tocar demais, senão não consigo me
controlar.
— Não precisamos de controle, Theodoro. — Beijo seu pescoço,
escutando-o suspirar.
— Sim, preciso te levar para casa. Vamos. — Ele se afasta,
estendendo as mãos. Ao perceber o volume crescendo em sua calça jeans,
arqueio a sobrancelha instantaneamente. — Brigue com meu corpo, ele reage
muito bem a você. — Isso me faz rir, pois ele não tem nem a decência de
parecer envergonhado. — Vem, desça daí.
lábios, pois não é nada como eu imaginava como seria um encontro com
Theodoro Alencastro.
Ele foi simplesmente perfeito. Um príncipe com todos os seus
defeitos.
Ele ri.
— Eu não sou convencido, só sei que aprendi muito bem como tratar
uma mulher. — Pisca, se afastando e enlaçando os dedos aos meus. —
Vamos ver nosso garoto, ele deve estar com saudade.
Nem comento o fato de ele estar constantemente chamando Noah de
nosso garoto, afinal, não me incomoda. Apenas me preocupa o fato de que
Theodoro pode sair a qualquer momento da nossa vida, deixando um vazio
enorme se isso for alimentado por muito tempo.
— Ei — eu o chamo. — Tem uma coisa que quero falar. — O homem
dizer que isso é uma má ideia. Guilherme segura a risada enquanto traz mais
uma bandeja para a mesa.
Estamos sentados em uma das várias mesas vazias da sua lanchonete,
sem nenhum cliente por perto. Dificilmente dá para reunir todos nós em um
só espaço.
— Preciso adiantar alguns trabalhos na oficina esta semana, estou
soterrado.
— Ele vai pedi-la em namoro — Alex é o primeiro a declarar.
— Até mudou de assunto — Guilherme completa.
falei que encontrei uma garota legal, não sei se quero sair do mercado. —
Encolho os ombros. — Ela é diferente, ok?
— Hum... se você está dizendo — Alex fala de maneira engraçada. —
Se você checar, ela vai ter os dedos dos pés, das mãos, cabelos e aquele
negócio entre as pernas e...
— Ok, já entendi. — Corto sua fala. — Não estou dizendo nada de
mais. A gente se dá bem, não estou dizendo que vou me casar na manhã
seguinte nem nada do tipo. Só que estou feliz em ver que talvez esteja
— Não, você voltou porque sem Noah na equação você seria o cara
livre de sempre. Voltou achando que agora poderia ter o relacionamento sem
grandes responsabilidades — rebate, cansada. — Leve o Noah para dentro,
Theo, por favor.
— Tem cer...
— Tenho sim, entro em um instante. Obrigada. — Ela sorri
novamente.
Faço o que ela pede e fecho a porta do meu apartamento, continuando
voltar para ele, eu vou perder vocês. — Aliso seu rostinho. — Não quero
perder vocês. São muito importantes para mim, bem mais do que um dia
imaginei que seria.
E o menino abre um sorriso sem dentes.
grito. — Você me deixou com uma criança no ventre e tem a cara de pau de
aparecer pensando que eu te aceitaria apenas por tê-lo perdido? Não. Nem
que estivesse quebrada pela perda do meu filho iria querer você de volta.
Ele se encolhe diante do meu ataque, afinal, nunca me dirigi a ele
dessa maneira, nem mesmo quando ele terminou comigo.
— Noah nasceu. Ele tem o nome que você e eu escolhemos, não
consegui dar outro nome a ele — eu o enfrento. — Mas ele nunca vai
precisar de você para nada.
— Porque já tem outro homem esquentando sua cama? — ele me
afronta.
Isso faz meu sorriso crescer.
— Em qualquer outro momento, eu mentiria e diria que não, mas sim,
já tenho outra pessoa em minha vida. Muito melhor do que um dia você foi
para mim — minto da mesma maneira. — Ele ama meu filho. Ele cuida da
gente. Coisa que você não foi capaz de fazer.
— Eu nunca poderia ser isso.
— Que bom que sabe, pois eu quero tudo isso, sabe? Passei por um
período difícil para lidar com Noah e a maternidade, foi Theo que me ajudou,
me fez ver que posso sim fazer tudo sozinha — eu o enfrento. — E hoje vejo
que quero tudo isso. Mesmo que Noah não existisse, você também não estaria
mais na minha vida, pois eu quero uma família. Eu quero tudo que tenho
direito.
— Está sendo maldosa, Sofia.
Sorrio.
— Você não poupou meus sentimentos quando rompeu tudo, Nathan.
Nunca pensei que seria do tipo vingativa, mas como dizem por aí, a vingança
é um prato que se come frio. — Abro os braços. — Ele é todo seu, querido,
se engasgue.
O homem se aproxima.
— Você está louca.
longe da gente.
— Nenhum de nós se importa com você, Sofia. Nem com aquela
criança.
Sorrio novamente.
— Que bom. Pois tenho uma família que nos aceita.
— Quem? — Ele ri. — A sua? Sua mãe sempre odiou o fato de você
ter engravidado antes do casamento.
Suas palavras trazem à tona o outro fato doloroso em minha vida.
Ficou em choque quando viu que era mentira. E eu gritei tudo que estava
preso em minha garganta há muito tempo. — Sinto seus dedos alisando
minha orelha e jogando os fios para trás. — Eu o mandei embora, pois não
quero uma pessoa que não ame meu filho na minha vida.
— Fico feliz por você. E por Noah. Foi a melhor decisão.
Eu o encaro com um sorriso.
— Eu sei. Obrigada por ajudar.
— De nada. Você está bem? — indaga, solícito.
faria. — Revira os olhos. — Mas não estou nem aí. Quero namorar você.
Quero ser o cara que esquenta sua cama e que cuida de Noah, quero poder ter
uma explicação decente para a Amanda sobre o que somos. Quero que minha
mãe pare de me perturbar sobre o fato de você ser a mulher certa...
entrando em outro.
A esperança de tudo ser diferente é que me faz continuar.
O dia começa nostálgico, e no instante que saio da cama, a vontade de
retornar para ela volta com força. Faz quatro anos desde que Thales morreu e
pensei que em algum momento pararia essa dor dilacerante em meu peito.
Não há ninguém no apartamento, já que mamãe e Amanda estão na
casa delas. A primeira coisa que faço é abrir as janelas do quarto, deixando o
Saio de casa sem pensar muito, correndo em direção à moto assim que
as portas do elevador se abrem no térreo. Subo no veículo e arranco rumo à
direção que desejo.
Os dias têm sido totalmente insanos. Depois da chegada de Nathan,
me senti tão perto de perder Sofia que a pedi em namoro, contrariando meus
pensamentos e agindo de maneira impulsiva, fazendo exatamente tudo aquilo
que meus primos disseram que eu faria.
Sou previsível, claramente previsível.
Não vejo quando estaciono em frente ao enorme cemitério de São
José, encarando a fachada envelhecida do lugar. Desço da moto e enfio a
chave no bolso do moletom, adentrando lentamente enquanto sinto todos os
meus músculos tensos.
que Aline sempre repetia que eu precisava de uma mulher que prestasse ao
meu lado, e não um rabo de saia.
O ar me falta.
— Oi, irmão. Saudade imensa de você. Nem consigo colocar em
palavras o quanto você faz falta. — Toco o pingente com nossos nomes. —
Vai gostar de saber que pedi uma mulher em namoro. — Sorrio com isso. —
É, loucura, eu sei. Aline e você devem estar em choque. Mas Sofia é incrível,
ela com toda certeza amaria conhecer vocês.
Encaro a terra molhada ao redor da lápide.
— Sei que falo sozinho. Na verdade, eu não sei, mas sinto que falo
sozinho. — O vento bate em meu corpo mais rapidamente, a temperatura
começa a descer mais rápido do que previa. — Mas sabe quando aqui é o
único lugar que parece permitir que eu fique triste com sua partida? Eu
poderia ir à fazenda. A queda das águas. Ou a quadra de futebol. Todos os
lugares me lembram vocês, afinal, fazíamos muitas coisas juntos. Só que lá
estão as lembranças felizes e eu não quero estragar nenhuma delas. Aqui são
lembranças tristes de quando enterrei duas partes de mim.
Aline sempre foi muito minha amiga, crescemos juntos e não é à toa a
saudade insana que sinto dela em meu peito.
— Queria que vocês estivessem aqui para dar todos os netos que
mamãe vive me cobrando. Vocês são mais aptos para isso do que eu, com
toda certeza — exclamo. — Amanda não vem hoje. Ela disse que não gosta
deste lugar, e eu a entendo. Está linda, me chama de pai, sabe? E isso me faz
rir, lembra quando eu falei que minha sobrinha iria me amar tanto a ponto de
que iria preferir a mim? A vida é engraçada. De uma maneira mórbida.
Beijo os cabelos de minha mãe sem saber o que fazer. — Quando seu pai se
foi, eu fiquei tão triste, mas tão triste, pois ele era o homem da minha vida.
Mas com Thales é tão diferente. É meu filho, era tão jovem, tinha tanta coisa
para viver e, em um instante, ele não estava mais ali.
— Eu sei. Eu sei.
— Eu tento não passar isso a você, pois sei o quanto sofre com a
partida do seu irmão, mas... está tão difícil não desmoronar hoje.
Seguro seu rosto entre minhas mãos e sorrio.
— Não precisa ser forte o tempo todo, mamãe. Às vezes, cair por um
dia faz bem. — Limpo suas lágrimas. — Thales foi cedo demais. Ele perdeu
uma vida toda ao lado da filha e da esposa, e nunca vamos ficar bem com
isso. Só vai deixar de doer com essa intensidade com o passar dos anos.
— Quando?
— Não sei, mamãe. Quero descobrir com você. — Eu volto a abraçá-
la. — Sempre pode desmoronar comigo.
E sei que essa dor vai ser sempre compartilhada com ela. Não é o tipo
de coisa que eu gostaria de compartilhar, mas como eu disse no túmulo do
meu irmão, a vida tem um humor obscuro e mórbido.
— E como tem sido as coisas? — minha terapeuta indaga enquanto eu
mordo minha barrinha de cereal, meus pensamentos longe. — Sofia, estou
perguntando. — Sorri.
— Desculpe, estava pensando em outra coisa. O que perguntou?
— Como tem sido sua vida? Como vai Noah? Tem avançado?
— Tenho me sentindo muito bem nos últimos dias. Não tem sido nada
tipo bibidi bobidi bu! Não. Ainda tenho aqueles picos de pensamentos que
me fazem questionar todas as minhas decisões de vida.
— Isso é normal.
— Acredito que sim. Mas Noah não tem mais tanta dificuldade em
mamar, na última consulta descobri que ele engordou! Fiquei imensamente
feliz. Estava me sentindo uma mãe meio imprestável por não conseguir
cuidar do meu filho. — Desvio o olhar.
— E Theodoro?
chuva forte caí do lado do fora do consultório e sinto meu corpo todo tenso.
Há dois dias Theo me pediu em namoro, e desde então tudo está meio fora de
órbita.
Ainda nem acredito que estamos mesmo fazendo isso!
Sinto minhas bochechas ardendo.
— O que aconteceu, Sofia? Você está corando, só fica assim quando
algo muito diferente aconteceu.
— Saímos. Ele me convidou para sair e eu aceitei. — Reviro os olhos.
— Eu sei que não deveria, ok? Posso confundir carência com amor, e
realmente não quero me tornar dependente de alguém.
— Mas... você está consciente dos seus limites, Sofia. Saber até onde
deve ir é importante. — Ela me lança um sorriso. — E como foi o encontro?
— Foi ótimo. Fazia mais de um ano que eu não tinha uma coisa
realmente boa. Com Nathan era um relacionamento, mas já estava tudo
desgastado, não tínhamos mais vida. Talvez tivesse acabado desde aquela
época e eu não tinha percebido.
— Sinto muito, querida. Com Theo pode ser mais fácil.
temerosa. — Aprendi que a vida é o que acontece quando você perde tempo
planejando, calculando e com medo. O medo não leva a nada. Ele apenas
deixa você em um espaço limitado e cômodo.
— Obrigada. Você ajudou muito. Voltou a ser minha terapeuta?
Eu a vejo sorrir.
— Agora sim. — Pisca, entrando na sala novamente.
Deixo o ar sair calmamente dos meus pulmões e me distancio, vendo
que o táxi de aplicativo que havia pedido já chegou. Noah e Amanda estão
em casa com Karina.
Dona Neiva passou no apartamento de manhã e pediu para ficar com
a neta dela, já que ela e Theodoro iriam resolver um assunto. Não perguntei o
que era, mas não deixei de ficar curiosa, afinal, não havia falado com ele
à lavanderia.
Encaro o homem se aproximando, está com os cabelos molhados e
um olhar atormentado.
— Desculpe não ter dado notícias nas últimas horas. — Engole em
seco. — Não é um dia bom para nenhum de nós.
— Eu gostaria que me dissesse quando não for dias bons. — Sorrio e
me aproximo mais. — É para isso que essa coisa de namorados serve, para
compartilhar dias bons e ruins.
— Você já fez. Entrou na nossa vida e trouxe Noah com você. Não é
cobrindo espaço. É dando dois motivos que tinham ido embora. Motivos para
ser feliz. — Ele me encara com um sorriso. — Vocês se tornaram tudo,
princesa.
Seguro a risada.
— Não estamos em uma competição, Mandy.
— E não vamos nos casar. Estamos namorando. — Olho de soslaio
para minha atual namorada e vejo que ela está vermelha de tão envergonhada.
tenta contê-la.
— Mas é verdade. Papai já está todo velhinho, tadinho. Desse jeito,
ele vai ficar igual aos homens de filmes, solteirão. — Ela bebe um gole do
suco como se soubesse muito sobre o que é ser um solteirão.
— Nesse caso, eu vou ter que concordar com a Amanda. Você está
tendo pés de galinha e vai ficar solteirão se não casar com Sofia — mamãe
defende a neta, me colocando entre a cruz e a espada.
— E eu que pago o pato, é? — Sofia alfineta, com um sorriso.
— Sim. Você é a única mulher que presta. Papai tem um péssimo
gosto — é minha filha de criação que fala, toda inteligente em seus sete anos
completos.
— Virei chato e velho, tudo em uma noite. — Escondo a cabeça entre
as mãos. — Sinceramente? Não está valendo a pena ter vocês como família.
— Não é para valer a pena — mamãe rebate.
— É para falar a verdade — Amanda completa.
Sei que com essa turma, o assunto de casamento não vai ser esquecido
tão cedo. Passo o braço ao redor do corpo de Sofia e a puxo em minha
direção, beijando seus cabelos.
— Noah tem que crescer primeiro para podermos casar. Ele precisa
entrar com as alianças. — Beijo a ponta do nariz arredondado de Sofia e a
vejo corando de maneira ainda mais intensa. Só percebo o que falei quando a
cabeça para baixo. — Acho que me apaixonei por você no instante que não
me deu bola na escola da Amanda.
— Ser rejeitado te deixa interessado? — Ela ri.
— Não. — Beijo sua boca. — Ser rejeitado por você machuca meu
ego. Mas daí eu olho e vejo que não consigo viver sem sua inteligência, sem
seu nenê chorão e em como consegue fazer todos a amar... — Estamos nos
encarando e sussurrando entre nós. — Aí eu começo a me apaixonar por
todos os seus detalhes.
socorro.
somos humanos, errar é parte da natureza humana. Mas posso prometer evitar
a todo custo e tentar consertar todas vezes que sair do planejado.
Seus lábios tocam os meus e minhas mãos instantaneamente apertam
a carne das coxas.
Oh mulher gostosa...
Noah.
Noah dorme bem ali.
Afasto minhas mãos com esse pensamento.
— Ok. Eu acho que apenas tenho que aceitar que você, Theodoro
Alencastro, entrou na minha vida e me conquistou com comida.
Jogo a cabeça para trás, rindo.
— Isso é verídico. Será que tem algum fato científico que comprova
que mulheres são mais facilmente conquistadas quando ganham comida?
Sofia desliza do meu colo e se deita ao meu lado, jogando as pernas
sobre mim.
— Acredito que seja algo mais do senso comum — brinca, sorrindo,
mas logo isso se vai. — Tem uma coisa que quero falar.
— Sobre?
— Noah. Eu tenho um filho, Theo. Tem ideia da bagunça que você se
mete ao ficar comigo?
— E? Eu tenho uma filha.
— Ele não é seu filho, e eu sei que em algum momento isso vai ser
difícil...
— Eu o amo. Da maneira que amo minha filha. E juro que não existe
alguém que entenda mais de laços do coração do que eu... ganhei uma filha
quando perdi meu irmão. Ganhei mais um quando consegui domar um
chororô sem fim. — Ela sorri de leve. — Sei onde estou entrando. Sei a
obrigação que vem com tudo. E se você e Noah deixarem, sempre terão
minha ajuda, proteção e amor.
Beijo sua testa.
— Sim, ficamos de nos ver na oficina. — Faz uma semana desde que
tivemos aquela conversa. As coisas fluem naturalmente entre nós. Eu estou
sempre em casa por conta do Noah e ele sempre vai almoçar comigo e
Amanda antes de voltar para o trabalho, e só volta no final da tarde.
Minha vida desde então está se dividindo entre meu apartamento e o
dele. Noah está cada vez mais apegado ao homem e isso não me preocupa
mais.
— Ele não cozinha maravilhosamente bem, mas não vai te matar —
dona Neiva me avisa com um sorriso. — Querem que eu fique com Noah
hoje?
— Não é necessário, obrigada. Ele disse que Amanda também estará
lá e não queremos incomodar. Apenas um jantar — falo de maneira
desenfreada, não querendo pensar muito no que pode dar a entender se eu
ficar sozinha com seu filho. É claro que ela sabe. Porém isso não deixa de ser
menos embaraçoso.
— Oh, querida, não fique tão envergonhada. Já fui jovem. — Engasgo
com o ar e Neiva ri, abanando a mão para segui-la. — Theodoro é um homem
bonito e você não fica atrás, claro que um relacionamento envolve sexo.
— Neste momento, eu parei de ouvir, dona Neiva.
A mulher apenas ri.
— Não faça isso.
— Você quer?
— Não sei. Gosto dele, claro que sinto atração por ele. Mas estou
sempre tão cansada da maternidade, que quando ele chega no fim do dia, só
quero dormir.
— Ei, não fique chateada com isso. — Dona Neiva segura o meu
rosto. — E não se envergonhe em me falar isso também. Como disse, todos
nós já fomos jovens, somos humanos e temos necessidades. — Pisca. — Mas
eu entendo essa fase. Passei por isso quando Theodoro nasceu. A gravidez
bagunça a vida de muitas mulheres. Depende muito de cada uma. Você pode
se sentir cansada, pode não desejar no momento, mas se sentir culpada está
fora de opção.
— Mas é um relacionamento... não sei se relacionamentos duram
sem... isso.
— Pela minha experiência, relacionamentos devem sim durar além do
sexo. Sexo é bom, querida, é prazeroso, mantém um casal unido sim. Mas
não é tudo, ok? As conversas, a ligação, o amor. São coisas tão importantes
quanto. Até as brigas importam. — Pisca.
— Não acredito que estamos tendo essa conversa no meio do
supermercado.
— Sou uma ótima psicóloga também — brinca e sorri.
Dona Neiva é tão compreensiva comigo, que a qualquer momento
penso que isso irá sumir e ela será uma pessoa completamente diferente.
Ela tem paciência para me dar conselhos que mamãe nunca chegou a
fazer. Se oferece para me ajudar mesmo eu não precisando tanto assim.
Simplesmente, a mãe que desejei a vida toda.
sorriso de canto.
— Seu carro está pronto, Alex. — Theodoro salta de lá, estendendo a
chave para o primo. — Talvez Alícia precise que você volte agora — fala
sério.
— Bom, talvez seja melhor eu ir. Foi um prazer conhecê-la, Sofia.
Espero te ver em breve. Ah, e você é realmente tão bonita quanto Theodoro
havia mencionado. — Pisca de maneira galanteadora.
— Vai embora, Alex Alencastro! — o outro resmunga de maneira
inquieta. O riso alto escapa do seu primo enquanto ele entra no carro. — Vou
contar para a Jade dessa sua afronta. — Alex já está dentro do carro quando
Theodoro diz, então vejo o sorriso dele sumir.
— Cala a boca, Theodoro! — rebate, antes de ligar o veículo.
Saio do caminho para que ele passe e Theo levanta mais a porta para
liberar a entrada. Assim que Alex se vai, eu me aproximo de Theo, enlaçando
seu pescoço e beijando seus lábios de leve.
— Quer dizer que aquele é um dos Alencastro?
— Sim, um de três.
um ego enorme, leva comia para mim e cuida do meu filho. — Distribuo
beijos ao redor da sua boca, mordendo o lábio inferior ao final.
Theodoro me lança um sorriso safado.
— Eu sou mesmo irresistível.
E sei que não há nada que o faça mudar esse ego.
— Vem, Noah está no carro. Vou te esperar lá fora. — Sua moto está
quebrada e ele tem muito trabalho acumulado para ter tempo de consertar.
— Vai indo. Vou fechar tudo. — Ele dá um tapa na minha bunda
enquanto caminho para fora.
— Safado.
— Isso não é nenhum segredo.
Ela toca minha bochecha e fica na ponta dos pés. — Queria ficar sozinha com
você.
— Pensei que estaria brava pela conversa sobre se mudar para cá.
— Eu estava. Até lembrar de uma conversa com sua mãe sobre um
relacionamento ser construído com suas mãos e que até mesmo as brigas
fazem parte do enlace. — Franzo o cenho. — Aí me lembrei que tem uma
coisinha que nunca incluímos.
Arqueio a sobrancelha enquanto suas mãos pegam as minhas e
colocam ao redor do laço do roupão.
— Faz mais seis meses que estamos enrolando com isso.
— Sexo não vai mudar as decisões que precisamos tomar, Sofia.
— Eu sei. Por isso eu parei de sentir medo e meio que me apossei do
seu apartamento durante essa tarde. Falta decidir o que fazer com todos os
móveis. Karina vai ficar com alguns e com meu apartamento. — Arqueio a
sobrancelha. — Eu só quero ficar com você. Passaram seis meses e eu não sei
se quero perder meu namorado por causa...
— Você nunca me perderia por causa disso. Eu tenho lido um absurdo
de livros e pesquisas sobre depressão, parto, sexo, maternidade, apenas para
entender e fazer meu corpo entender que o limite existe.
Ela ri e segura meu rosto com as duas mãos.
— O que eu faço com você, hein? É perfeito.
meu lado é uma tortura. Mas isso não quer dizer que eu vá avançar em algo
que você não...
Ela me beija tão rapidamente, que o susto faz minha boca se abrir e
sua língua brincar com a minha. As mãos de Sofia se enrolam em meus
cabelos, que estão longos por uma falta de corte, enquanto seus braços
enlaçam meu pescoço e me puxam mais contra ela. Meus dedos descem ao
redor da peça sedosa e passam pelo laço, puxando e deixando que a peça se
abra.
pescoço e isso envia um aviso diretamente para meu pau, que responde de
maneira inquieta na cueca.
São seis meses sem sexo. E eu estou subindo pelas paredes.
Eu me remexo inquieto e me abaixo à sua frente, vendo a maneira que
as peças vermelhas abraçam suas curvas bem delineadas. Os peitos maiores
por conta da amamentação, os quadris largos, a barriga com leves curvinhas
me deixam ansioso para me deleitar com ela em minha cama.
— Tem certeza disso? Não vou conseguir parar quando tocar em
você.
Ela sorri de maneira maliciosa.
— Estava ansiosa por isso. — Coloca as mãos para trás e abre o fecho
do sutiã, segurando-o contra o peito, me deixando ansioso. — Na verdade,
estou muito insegura também, tudo mudou desde a gravidez e isso está me
deixando em pânico.
— Você está gostosa pra caralho! — Toco entre suas pernas,
deslizando pela pele lisa e a encaro.
Sinto Sofia tensionar enquanto meus dedos sobem mais acima,
— Você não abala só meu ego, Sofia. — Passo a mão por sua cintura
e seguro sua perna, esfregando meu membro duro dentro da calça entre suas
pernas. Beijo novamente seus lábios e caminho em direção ao sofá, deitando-
a contra a superfície macia, beijando sua pele, deslizando minha boca até a
base dos seus seios rosados, cheios e perfeitos. Esfrego o bico e o sorriso
perverso sai dos meus lábios quando vejo o leite minando ali. Baixo minha
boca sobre o monte e deslizo minha língua, ouvindo-a suspirar embaixo de
mim. O gosto do leite de Sofia é uma coisa diferente, nunca na vida pensei
que estaria sentindo isso.
— Perfeito.
— Não tem mais a mesma intensidade — sussurra enquanto fecho os
olhos. — Estou gostando, mas não sinto mais como antes.
— Vamos buscar pontos que deixe isso melhor para você, baby. —
Fico entre suas pernas, abrindo um pouco mais para ter a visão dela à minha
frente. Deslizo minhas mãos por entre suas pernas, tocando-a mais acima, até
que meus dedos alcancem sua intimidade. Eu a toco por cima da calcinha e
vejo Sofia prender a respiração. Puxo a peça um pouco para o lado,
deslizando o indicador por entre os lábios vaginais. O gemido escapa
baixinho dos seus lábios, então puxo seus quadris mais para perto de mim,
ficando de joelhos para ter como tocá-la da maneira que desejo.
Deslizo um dos dedos em sua entrada, sentindo-a quente contra minha
Acha que está pronta? — Passo novamente as mãos em seu corpo e a vejo
assentir. — O que houve?
— Ah, pelo amor de Deus... — Ela me encara. — Estou nervosa. —
Sofia dá um sorriso.
do seu corpo enquanto meu pau duro feito pedra brinca entre suas pernas.
Sofia arqueia os quadris em minha direção e sua mão coloca meu
membro dentro de si. Aproveito para deslizar dentro dela, soltando um
gemido com a combinação perfeita entre nós. Caralho. Sua boceta acomoda
Deixo meu peso cair sobre o dela e me apoio de lado, beijando o topo
da sua cabeça com carinho.
— Ei.
— Sim?
— Seis meses, dê um crédito para mim.
— Não estou reclamando. — Ela ri e beija o meu peito. Eu giro de
lado e encaixo seu corpo contra o meu peito. — Temos uma noite sem
crianças. Se recupere, bonitão. — Ela se vira, ficando com o corpo todo em
cima do meu. Sofia é pequena e parece ainda menor em cima do meu corpo
enorme.
— Um instante, princesa. Vou te cansar a noite toda — prometo,
beijando seus cabelos. — Primeiro, eu tenho uma pergunta...
Ela me encara.
— Casa comigo?
— Você está louco. — Ela sorri.
— Não estou. Quero você como esposa. Quero meus filhos de
coração para sempre. Quero uma vida com você.
— Caso com você. — Ela suspira. — Sem chance de deixá-lo solteiro
depois disso. — Ela sorri de maneira adorável, que me deixa ainda mais
apaixonado.
Eu sinto meus músculos todos tensos. O salão à minha frente está
decorado em cores pastéis e sinto meu coração batendo rapidamente em meu
peito. Fecho os olhos e sinto quando uma mão pequena pega a minha.
— Você está bem, tia Sofia?
— Sim, querida. — Sorrio com a voz meiga da minha menina. —
— Obrigada por aguentar meu pai, tia Sofia. — Sorri com isso. — Eu
amo você. E obrigada por me dar um irmãozinho.
— De nada, querida. Eu também amo você.
Ela sorri de maneira angelical pouco antes de ser levada pela
cerimonialista. Tínhamos escolhido um salão bastante conhecido dentro de
São José, de uma amiga em comum, que havia sido decorado de maneira
delicada para aquele momento.
— Você está linda — mamãe diz, atraindo minha atenção. Dou um
sorriso agradecido. Muita coisa mudou, mas ela continua a mesma. — Fico
muito feliz em ver que você superou seus medos, seus obstáculos. — Mas ela
se esforça para ser melhor.
— Obrigada. Fico feliz em saber que veio. — Beijo sua bochecha.
Nunca falamos sobre nossas diferenças, mas eu sei que ela sempre
estará ali do seu jeito meio torto e errado. Só que agora eu tenho a minha
família. Uma família que aceita meus erros e me ama da maneira que eu sou.
Vejo meu noivo no altar, nervoso. E sorrio quando dona Neiva
caminha ao lado do neto postiço. Ela o ama e isso me faz amá-la ainda mais.
ri.
Noah continua em seus braços, fazendo jus a toda sua paixão pelo pai
que o coração deu a ele.
Meu filho é o maior sortudo. Se livrou de um pai que não o merecia e
fazenda de Kenny. Ian corre até os primos e fala algo a Theodoro, com um
tom adorável de uma criança de dois anos. Desço minha mão sobre o ventre e
observo a grande família que ganhei.
Alex está casado com Jade e hoje tem mais uma criança, Ian
Alencastro.
Kenny, todo durão, acabou rendido por Diane, tanto que hoje Davi e
Helena são tudo para eles.
Guilherme e Heloísa perpetuaram o gênio forte de Danilo em duas
crianças. As coisas mudaram muito e, de um jeito estranho, estamos todos
— Sofi, você vai fazer um homem enfartar. Fala logo, mulher — Alex
diz, apontando para Theodoro.
Eu sorrio e seguro as mãos do meu marido.
— Calma, ok? Eu descobri há alguns dias. Você tem que ficar
calmo...
Ele não me deixa falar, apenas me pega nos braços e me joga para
cima, rindo igual a um louco. Theodoro me gira e nisso meu mundo sai de
foco. Assim que me coloca no chão, suas mãos vão para o meu ventre liso.
— Eu vou ser pai. Eu vou ser pai de novo. — Ele me olha, dando um
sorriso bobo. — Quanto tempo?
— Cinco semanas só. — Sorrio e não tenho tempo para falar nada,
pois meu estômago está instável e sinto o café da manhã voltando. Coloco a
mão na boca para impedir a bile e dou passos rápidos para longe.
— O que houve? — Ouço a voz do meu marido.
— Ela provavelmente ficou enjoada com o giro.
— Ah, caralho. Eu vou ser um péssimo pai para acompanhar uma
gravidez.
irmão do meu marido. Eu sei que ele nunca pediria isso. — Ele tem cara de
Thales — digo e sorrio em sua direção.
— Achei perfeito. Thales. Papai e mamãe te amam — meu marido
diz, beijando a mãozinha do garoto enquanto lágrimas descem em seu rosto.
— E seus irmãos estão ansiosos para conhecer você.
E essa é a minha família. Extensa e especial. Da maneira que sempre
desejei.
CAMILLA — SEGUNDO LIVRO DA SÉRIE ENLAÇADOS
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Thais Oliveira é escritora iniciante de romances, estudante de
pedagogia e divide seu tempo entre estudar, trabalhar e escrever. Apaixonada
por clichês, busca sempre isso em seus livros, tentando não deixá-los no
esquecimento. Escreveu seu primeiro livro em 2016, porém, só publicou em
2017, o romance de estreia Nove meses depois, atingindo mais de 250.000
leituras online. Do interior do Pará, acredita que não há males que um bom
Ou clique aqui.
Desde a morte da esposa, Kenny Alencastro se refugiou do mundo
em uma pequena fazenda no interior da cidade de São José. Cada vez mais
fechado, frio e antissocial, ele nunca permitiu que outra pessoa tomasse o
lugar de sua mulher. Nunca se permitiu ter qualquer sentimento semelhante
por quem quer que fosse. Ele também nunca gostou muito da ideia de ser pai,
e sua aversão por crianças se intensificou depois que sua mulher morreu por
causa de uma delas. Entretanto, o abandono de um bebê na sua casa o fará
pedir ajuda a uma pediatra que trabalha na região e que ele simplesmente não
suporta. A convivência com o pequeno Davi e a aproximação com Daiane
despertarão nele sentimentos que tentou evitar por todos esses anos.
O sol ainda não nasceu quando desperto de um sonho ruim, intensificado
pelo meu despertador sobre a mesa de cabeceira. Rolo para o lado, bato a
mão no maldito relógio digital, que apita sem parar, e respiro fundo, tentando
afastar imagens dolorosas da minha cabeça.
Levanto-me e vou tomar um banho frio. Visto uma camisa vermelha
de flanela, calça jeans e botas de montaria. Na cozinha, tomo apenas um copo
d’água. No limiar entre a entrada do cômodo e o lado de fora, observo a
manhã escura começando a ser quebrada pelos primeiros raios dourados.
Desço os três degraus do alpendre e cruzo o quintal até o estábulo.
— Oi, Preciosa — digo, aproximando-me da minha égua e afagando
sua crina.
Ela relincha, mexendo a cabeça, animada com minha presença.
Alimento-a antes de preparar a cela para minha cavalgada rotineira. Quando
ela está pronta, faço o percurso de sempre, sem forçá-la, apenas um trote leve
pelas redondezas da fazenda que ainda dorme.
Como também é de costume, enquanto cavalgo lentamente tento
expulsar de mim péssimas lembranças. Vim parar aqui, nesse fim de mundo
chamado São José, justamente para me livrar de recordações dolorosas,
reencontrar-me, recomeçar, vencer o luto. Isso já faz cinco anos e ainda não
consegui superar. Não consegui aceitar a morte dela.
Nem sempre fui esse tipo de homem. O tipo que acorda antes das
galinhas, que cela o cavalo, que ordenha a vaca e faz trabalhos manuais em
uma fazenda. Até cinco anos atrás, eu tinha outra vida, completamente
diferente desta.
Cavalgo por mais de uma hora antes de deixar Preciosa livre no pasto,
roçando nos arredores da casa principal. Enquanto isso, tiro um pouco de
leite para meu café da manhã triste e solitário, como de praxe.
É por volta de sete e meia quando, estranhamente, ouço um chorinho
de bebê. Não mais que um segundo depois, Liliana chega, carregando a
criança dentro de um bebê-conforto usado que certamente comprou de
alguém conhecido. Ainda estou sentado à mesa, terminando meu café, e a
analiso de cima a baixo, não gostando muito da companhia inesperada que
trouxe para o trabalho.
Não sou rico, mas a pequena fazenda que herdei de um tio materno,
que morreu solteiro e sem filhos, tem algumas cabeças de gado e plantações
que rendem o suficiente para pagar alguns funcionários. Não mais que dez.
Liliana é a única que trabalha na casa principal. Os demais fazem serviços
externos, na grande maioria das vezes.
— Oi, seu Kenny — a menina, que não deve ter mais do que vinte e
um anos, me cumprimenta, parecendo desajeitada. Ela olha de mim para o
filho pequeno, com uns dois meses.
— Pode me explicar o que é isso? — pergunto, indicando a criança
com o queixo.
— É meu filho.
— Sério? Se não tivesse dito, eu não saberia — retruco, impaciente,
engolindo o último pedaço de broa que eu mesmo preparei. Coisas que
aprendi sozinho e meio que na marra desde que me mudei para cá. — Estou
perguntando por que o trouxe para o trabalho. Sabe que detesto criança.
A menina fica rígida no lugar, encarando-me como se eu fosse o pior
monstro da face da Terra. Não sou uma pessoa ruim, não mesmo, mas tenho
trauma desses pivetes. Foi por causa de um deles que perdi a pessoa que mais
amava na vida. Além disso, são serzinhos irritantes, que não param de cagar,
de comer e de chorar. Paciência zero. Bem ChildFree mesmo.
— Desculpe, seu Kenny. É que não consegui alguém para ficar com
ele hoje e…
— Isso não é da minha conta, Liliana — interrompo-a, levantando-me
do meu lugar.
— Mas não tenho com quem deixar ele — sussurra, olhando para o
garoto que está dormindo. — Prometo que o Davi não vai dar trabalho, seu
Kenny. Prometo mesmo. Vou cumprir todas as minhas obrigações e ele não
vai me atrapalhar.
Afago os cabelos, não gostando muito da ideia. Mas é isso ou terei de
dar o dia para ela. Se eu fosse a droga de um bom patrão, eu a dispensaria.
Porra, sou um homem de trinta e sete anos, sei me virar sem uma empregada
doméstica. Mas não sou um bom patrão. Se a liberar por causa do pivetinho,
ela pode usá-lo sempre como desculpa para faltar ao trabalho. Sinceramente,
já foi difícil contratá-la porque a droga dessa fazenda fica longe de tudo do
centro da cidade. Mais de uma hora de carro, se a estrada de terra estiver boa.
Ninguém em sã consciência aceitaria vir trabalhar aqui, não tão longe, onde o
ônibus circular só chega até certo ponto e depois disso são bem umas duas
horas de caminhada. Também não vou me dar ao luxo de ir buscar e levar
funcionário todo santo dia. Gasto desnecessário. E a maioria da população
dessa parte da cidade é aposentada, criança ou agricultora.
Ter contratado Liliana, três anos atrás, foi um achado. A danada até
que demorou a engravidar, levando em consideração como andava se
esfregando nos rapazes das redondezas. O salário livre de qualquer
responsabilidade a fazia gastar desenfreadamente na cidade e nas quermesses.
Os pais dela tinham uma pequena malharia nos fundos do quintal, onde
fabricavam meias, calças, blusas, toucas, cachecóis e luvas; e vendiam para
um cara que revende nas cidades frias da região. Tinham, porque faleceram.
Primeiro foi a mulher, pouco depois de a filha começar a trabalhar aqui.
Apenas um ano se passou para que o velho, talvez com saudade da esposa,
partisse também.
Enfim… a questão é que não posso demiti-la porque seria difícil
encontrar outra para a substituir caso ela se aproveitasse do bebê como
pretexto para faltar ao trabalho. Então, para evitar esse tipo de coisa, não vou
dispensá-la.
— Tudo bem. Mas só hoje, Liliana. Dê um jeito nesse garoto amanhã
— digo.
Não espero por uma resposta e saio da cozinha.
Também tenho trabalho a ser feito.
Chego até onde Liliana mora, uma casa de alvenaria, sem reboco, no
alto de uma colina na região. Estaciono a picape no pé do morro e preciso
terminar de chegar a pé, por conta de uma escada que leva até lá em cima.
Bato na porta, chamando por ela, mas não recebo nenhuma resposta. Forço a
madeira um pouco e vejo que está destrancada.
Entro com cuidado, observando os cômodos pequenos à minha volta.
A cozinha está um pouco bagunçada, tem roupinhas de bebê estendidas na
varanda logo ao lado, e a sala tem dois sofás puídos. Por algum motivo, meu
coração se aperta um pouco. Não tinha muita noção de como Liliana vivia.
Atravesso a sala, indo em direção à porta logo em frente, e me deparo com
um quarto. A cama está bagunçada, tem uma cômoda de madeira, um espelho
pequeno na parede e um berço perto da janela.
— Diacho, garota, onde você se meteu? — resmungo, abrindo uma
gaveta da cômoda.
Por sorte, na primeira já encontro roupas dele. Escolho algumas, sem
me preocupar muito com o que estou pegando. Encontro uma mochilinha
encostada ao pé da cama e enfio tudo dentro dela. Volto para a picape e viajo
até a fazenda, numa última esperança de encontrar a danada lá. Entretanto,
não a encontro. Isso acaba por me obrigar a comprar as coisas que estão na
lista. Inferno. Odeio ir à cidade. Odeio ver gente. Odeio aglomeração. No
centro urbano tem isso tudo. Evito ir lá tanto quanto é possível.
Pondero uma segunda opção, então. Falar com Alex, meu primo. O
cara tem uma microempresa de fretagem. Posso pedir para que compre e me
traga aqui. Aperto a ponte do nariz, pensando que essa maldita lista vai
levantar suspeitas e não estou mesmo a fim de ter que explicar isso. Bem,
penso numa desculpa. Procuro pelas horas e constato que deve chegar em
breve. Hoje é dia de ele vir buscar provisões para a lanchonete do Guilherme,
então vou aproveitar e entregar a lista. Minutos mais tarde, ele chega — ouço
os motores do seu veículo. Vou até o lado de fora, vendo-o descer do carro,
contornar a carroceria e pegar a filha pequena. Pousando-a no chão, caminha
com ela na minha direção, segurando-a pelas mãos, a menina saltitando com
uma mochila nas costas. Alguém faltou à escola, penso. Assim que me vê, ela
vem correndo na minha direção, gritando um “tio Kenny!”. Dou um passo
atrás, como se eu estivesse sendo atacado por um zumbi.
— Não chegue perto, coisinha — digo para ela, antes que se aproxime
demais.
Sinceramente, não sei por que ela está tão feliz em me ver.
Dificilmente sou simpático com crianças (convenhamos, dificilmente sou
simpático com qualquer um) e não entendo por que Alicia insiste em ter
minha amizade. Deve ser porque, tempos desses, ela veio aqui com o Alex
buscar algumas mercadorias e, para que parasse de tagarelar na minha
cabeça, eu lhe dei um docinho.
— Calma, Kenny — Alex adverte, divertido —, é só uma criança. Ela
não morde.
Reviro os olhos e, delicadamente, com a ponta dos dedos, empurro a
menina para longe de mim. Ela faz cara feia e volta para o pai, abraçando-o
pela cintura. Meu primo pergunta se a mercadoria do Guilherme já está
pronta e eu digo que sim. Ele sabe onde fica e por isso vai lá buscar, a menina
não querendo ficar perto de mim e preferindo acompanhar o pai. Depois que
carrega sua caminhonete e paga pelo que comprou, digo:
— Preciso de um favor. — Tiro do bolso de trás da minha calça jeans
a lista que Daiane fez e alguns reais. — Me traga essas coisas. — Estico o
dinheiro e o papel.
Alex pega, desdobra a lista e confere. Vejo quando seu cenho vinca
em confusão.
— Por que você quer esses produtos para bebês? — pergunta, curioso.
Ainda estou elaborando uma resposta quando ele supõe: — Não me diz que
alguma mulher apareceu aqui na sua porta com um bebê dizendo que o filho
é seu?! — Mais uma vez, estou pensando em responder e mais uma vez ele se
intromete: — Danadinho você, hein. Achei que não tivesse saído com mais
ninguém desde a morte da Lena.
Aperto o maxilar, não gostando que mencione minha falecida esposa.
— Sou viúvo, Alex, não celibatário — rebato. A morte de Helena não
me fez entrar em um voto de castidade. Demorei algum tempo até ter uma
mulher esquentando minha cama outra vez, mesmo que de forma casual
porque não permito qualquer conexão amorosa, mas tive. — E também não
sou idiota. Eu me cuido — falo.
Ele dá de ombros, pouco se importando, e ainda esperando uma
resposta minha.
— Olha, isso não é da sua conta, tá? Só me traga o que te pedi. Vou
ficar em casa o dia todo — sentencio. Não espero uma resposta sua. Entro na
minha picape estacionada ali e dirijo de volta à casa de Daiane.
Seu Kenny, sei que nesse momento deve estar querendo me matar,
mas juro que pensei muito nisso antes de tomar essa decisão. Como o senhor
deve saber, Davi não tem pai, e eu só sou uma garota de vinte e um anos que
queria ter ido trabalhar na cidade grande, talvez até estudado, ter saído
desse fim de mundo que é São José e feito minha vida. Mas a gravidez me
impediu disso tudo. E a verdade é que não tô sendo uma boa mãe pra ele. Eu
amo meu filho, seu Kenny, porque ele saiu de mim, mas ainda não servia pra
essa vida, não. Eu sei que o senhor odeia criança, mas não encontrei pessoa
melhor com quem deixar ele. O senhor tem uma boa fazenda e renda, tem
tempo para ele, por favor, pode cuidar do Davi pra mim? Dar tudo o que eu
não poderia dar? Eu fui embora, nem vou te dizer pra onde, e só o que quero
é que cuide do meu filho como se ele fosse seu. O Gui me contou da sua
esposa, do filho que iam ter juntos, tenho certeza que o senhor pode ser um
bom pai pro Davi como ia ser pro bebê da Lena. Os documentos dele tão
tudo lá em casa. A carteira de vacina, certidão de nascimento, até um
RGzinho ele tem. Tá numa pasta, na última gaveta da cômoda. Por favor,
seu Kenny, cuida dele pra mim. Não deixa o Davi crescer num orfanato
quando ele pode ter uma boa vida aí com o senhor. E um dia quando ele tiver
moço, diga que apesar de tudo eu amo ele.
Adeus,
Liliana.
— O que diz na carta? — Daiane pergunta.
Olho-a por cima do papel, piscando uma porção de vezes, ainda
assimilando a porra que foi que acabei de ler.
Umedeço os lábios, sentindo meu coração acelerado. Espio Davi
sobre a mesa, e, de repente, sinto uma pontada no peito. Sinto… por ele. Por
ter sido abandonado e rejeitado pela própria mãe.
— Kenny? — a pediatra insiste.
— A Liliana… — digo, um pouco estarrecido — abandonou o
menino. — Arregalo os olhos quando, numa fração de segundos, recordo-me
das suas palavras na carta e me dou conta da responsabilidade que aquela
desmiolada deixou nas minhas mãos. — E quer que eu cuide do Davi.
A expressão no rosto de Daiane me representa, e não sei pelo que
mais ela está surpresa: pelo abandono do bebê ou por aquela criatura
irresponsável dos infernos querer que eu cuide do pirralho dela.
— O que você vai fazer? — pergunta, dando uma espiada no
garotinho.
Sigo seu olhar e noto que ele está desperto agora. Quando nossos
olhares se cruzam, ele abre outro sorriso para mim, que me balança de um
jeito que não deveria. Levanto-me da minha cadeira imediatamente e fico de
costas para os dois, caminhando até a pia e me apoiando nela. Diviso meu
terreno no lado de fora através do vitrô e solto:
— Eu é que não vou assumir esporro de outro.
— Kenny! — Daiane me adverte severamente. Dou de ombros, sem
coragem de me virar, tentando realmente não me importar.
Mas acontece que, lá no fundo, estou me importando. Como pode?
Mal tem vinte e quatro horas que esse pivetinho está comigo e ele já está
conseguindo me fazer me preocupar como nunca me preocupei com nenhuma
criança antes. O mais próximo de uma criança que tenho alguma ligação é a
Alicia, filha do Alex. Quando me mudei para São José, meses depois da
morte de Lena, a garota tinha pouco mais de um ano, e sempre mantive certa
distância quando nos encontrávamos. Nem mesmo tendo conhecimento que a
desnaturada da mãe dela tinha ido embora no ano anterior eu tive qualquer
tipo de sentimento como estou tendo agora. Por bem ou por mal, a
pimentinha tem o pai. Ao contrário do Davi…
Deve ser por isso que estou tão…
… tocado?
— Você é um idiota, sabia? — ela ralha.
Viro-me na sua direção, inconformado com esse xingamento sem
noção.
— Idiota? Idiota eu seria se aceitasse cuidar desse moleque, pelo
amor de Deus. Daiane, olha bem para mim e vê se eu tenho cara de pai
adotivo?
— Realmente, você não tem cara de ser pai. Nem adotivo, nem
biológico, porque é um ogro sem sentimentos — diz, toda inconformada,
pegando na alça do bebê-conforto. — Nem sei como foi capaz de amar a sua
esposa.
Quando ela menciona isso, me aproximo da mesa em apenas uma
grande passada, parando perto dela. Perto demais. Sinto o aroma de perfume
e shampoo que exala dela penetrar minhas narinas e me desorientar por um
instante.
— Nunca mais fale da minha mulher nesse tom — repreendo-a, e a
desgraçada apenas empina o nariz.
Mas, um segundo depois, seus olhos se suavizam diante de mim.
Talvez tenha se dado conta do absurdo que deixou seus lábios, ou de como é
ainda mais absurda a responsabilidade que Liliana deixou nas minhas mãos.
Assim, sem mais nem menos. Um homem que não tem ligação nem afeto
nenhum com o menino, um homem que odeia crianças. Aquela garota é
completamente surtada, só pode ser.
— Me desculpe — pede, com um tom mais ameno.
Ela solta a alça do cadeirão e pega Davi no colo, sem nenhum motivo
porque ele não chora nem resmunga. Vejo-a embalá-lo carinhosamente, e
isso outra vez me dá aquela balançada esquisita.
Deus, o que está acontecendo comigo?
— Tudo bem — digo.
— Tem ideia do que vai fazer?
Passo a mão pelos cabelos e balanço a cabeça em negativo. Sei o que
é o mais correto a se fazer nesse momento. Entregar Davi para o Conselho
Tutelar e lá eles que se resolvam com o garoto. Mas a minha maldita
consciência não está me deixando tomar essa decisão. Liliana me pediu para
cuidar dele, para não o deixar ir para um orfanato porque ele pode correr o
risco de crescer sem uma família ou ficar pulando de uma para outra.
O senhor tem uma boa fazenda e renda, tem tempo pra ele, por favor,
pode cuidar do Davi pra mim?
…tenho certeza que o senhor pode ser um bom pai pro Davi como ia
ser pro bebê da Lena.
Suspiro pesadamente, tentando ignorar as palavras dela da carta, de
como pareciam impregnadas de súplicas. Não posso simplesmente aceitar
essa loucura toda. Não mesmo.
— Acho que devíamos esperar — digo, umedecendo os lábios. — A
Liliana pode ter agido meio… impulsivamente, sabe? Talvez se arrependa,
talvez reconsidere, sinta falta do menino e retorne para casa.
— Sim… — Daiane concorda, com um mover ligeiro de cabeça,
ainda balançando o menino. — Bobagem alarmarmos, assim,
precipitadamente, não é? — sussurra essa última parte, a voz saindo com um
tom carinhoso enquanto seus olhos estão presos no menino.
Minha resposta, por um instante, é só um balançar de cabeça. É então
que me dou conta que eu quem vou precisar cuidar dele por esse tempo —
que nem sei quanto é —, e Deus do céu! Não tenho ideia de como vou fazer
isso. Ao menos não sem uma ajuda decente.
— Devíamos esperar uma ou duas semanas — Daiane sugere. Ela
pega a fralda presa na chupeta e coloca perto do rostinho dele. O cheiro
parece agradá-lo.
— Se Liliana não voltar nesse período, vamos procurar o Conselho
Tutelar. — murmuro. Ela concorda com um único mover de cabeça,
enquanto sorri e balança o menino. — Você… hã… — Limpo a garganta. —
Pode me ajudar a cuidar dele, durante esse tempo?
Ela ergue o olhar na minha direção, mostrando um sorriso bastante
convencido. Reviro os olhos, sentindo meu orgulho sendo ferido ainda mais.
— Só se você me pedir por favor e com jeitinho — a danada propõe.
Cruzo os braços, semicerrando os olhos na sua direção.
— Vai me ajudar ou não, Daiane? Porque se não for, encontro alguém
disposto.
— Ah, é? E quem mais além de mim vai suportar esse seu humor
horroroso? Sabe que nem seus amados primos, Gui, Alex e Theodoro, te
suportariam por muito tempo com um bebê.
Maldita.
Fico quieto por longos segundos, recusando-me a ser educado nesse
nível. Ela segue me encarando com seu olhar e sorriso convencido. Bufo,
impaciente, e desvio os olhos. Não vou ceder!
— Vamos, Kenny, eu te ajudo — a desgraçada debocha. — Se diz
assim: “Daiane, por favor, você pode me ajudar a cuidar do Davi?”. Mas tem
que ser com jeitinho — diz, segurando uma risada. — Vai, repete comigo.
“Da-i-a-ne, por fa-vor…”
— Ai, cala a boca! — rechaço, impaciente com esse silabar dela,
como se eu fosse alguma criança sendo alfabetizada. — Tudo bem, diaba de
jaleco! Eu peço por favor. Quer que me ajoelhe também?
Ela ri, devolvendo Davi, que agora dorme, no cadeirão.
— Com jeitinho, Kenny. Não adianta pedir por favor sendo um cavalo
dessa maneira!
Resmungo, irritado. Inspiro fundo, tomando ar para os pulmões.
Encontrando uma paciência e simpatia que não tenho, peço:
— Daiane, por favor, você pode me ajudar a cuidar do Davi?
A pediatra se dobra de rir da minha cara, mas pelo menos aceita me
ajudar.
Inferno!
Volto pouco depois das oito da noite. Após minha conversa com
Daiane, decidi me isolar no escritório e trabalhar durante parte da tarde, até
receber uma ligação de Guilherme querendo que me encontrasse com ele na
lanchonete após o expediente. Parece que convocou Theo e Alex também. Já
estava de ante aviso com essa convocação. Semanas atrás, ele veio aqui com
Danilo — o pirralhinho filho da diretora do colégio — passar um dia na
fazenda, e comentou alguma coisa por cima. Fui, apesar de não querer, e a
pediatra ficou cuidando do menino para mim. O desgraçado só queria chorar
suas pitangas porque realmente se apaixonou pela Heloísa. De brinde, ganhou
um mini terrorista. Fiquei por pouco tempo, sem muita paciência para as
choradeiras amorosas dele, até porque já estava irritado demais com o fato de
ele ter demorado a me entregar a maldita carta, e vim embora. Não sem antes
roubar duas cervejas do engradado dele como recompensa por aguentá-lo
falando do que está começando a sentir pela tal diretora, mas também não
deixando de apoiá-lo em qualquer que seja sua decisão sobre a mulher.
Quando chego, Daiane está na minha cozinha, tentando fazer o
menino se acalmar. Ele chora estridentemente, aos berros.
— O que está acontecendo? — pergunto, jogando as chaves do
Wrangler sobre a mesa.
— Eu acho que ele está precisando de um banho — diz, cheirando o
corpinho do garoto.
— Por que ainda não deu um banho nele?
— Porque não tenho uma banheira aqui, ou algo que pudesse colocá-
lo. Já limpei com fralda úmida e água morna, mas não é a mesma coisa.
Estava esperando você chegar.
A última parte me pega de surpresa.
— Para quê?
— Para dar banho nele. No chuveiro.
Meu coração dá um salto enorme no peito. Não compreendo
exatamente o que quer dizer com isso, mas, de qualquer maneira, um frio
sobe pela minha espinha.
— Como?
Daiane o ajeita no bebê-conforto e começa a tirar a roupa dele, que se
esgoela e bate mãos e pernas.
— É só segurá-lo debaixo do chuveiro, Kenny. Não tem segredo
nenhum. — Ela ergue o olhar para mim. Estou assustado demais com sua
sugestão para reagir. Jesus amado, ela quer que eu segure um bebê de dois
meses debaixo de um chuveiro? E se esse pestinha escorregar dos meus
braços e se machucar? — Olha, eu mesma teria feito isso, mas não tenho
liberdade na sua casa e, além do mais, não tenho roupa limpa aqui. Você tem.
Então, por favor, vá abrir o chuveiro e deixar a água amornar que já levo ele
lá.
— Daiane… — Tento protestar.
— Eu vou te ajudar — garante, pegando o menino de volta, agora
peladinho.
— VOCÊ VAI O QUÊ? — esganiço, quase sem nem perceber.
— Te ajudar — reafirma. — Vou te ajudar a segurá-lo debaixo do
chuveiro e a dar banho nele. Vá, fique só de cueca e deixa a água aquecer.
Arregalo os olhos, não só com sua ideia absurda, mas com a
naturalidade que me fala para ficar seminu na frente dela. Por conta disso,
fico estacado no lugar, sem mover um músculo, até que, um segundo depois,
consigo dizer:
— Não vou ficar só de cueca na sua frente!
Ela revira os olhos.
— Ai, Kenny. Por acaso você tem alguma coisa entre o vão das
pernas que não um pênis?
— Não! — respondo, um pouco indignado com sua pergunta.
— Está vendo? Não tem aí nada que eu não tenha conhecimento. Vai
fazer o que te pedi. O Davi está desesperado querendo um banho! — protesta,
balançando o menino que não para de chorar.
Cheio de raiva, cedo e caminho para o banheiro. Arranco toda a
roupa, deixando apenas a peça íntima escondendo meu sexo, e abro o
chuveiro. A água escorre e esquenta. Não demora muito para Daiane aparecer
com o menino e me entregá-lo.
— Segure-o com cuidado. Assim. Isso. Assim — diz, ajeitando-o nos
meus braços.
Pego-o com toda cautela do mundo, sentindo meu interior estremecer
tanto de medo de machucá-lo que nem me importo muito com ela no meu
banheiro me vendo seminu. Consigo segurá-lo como ela me instrui, de pé,
estabilizando a coluna, seu rostinho contra meu ombro. Daiane confere a
temperatura da água antes de me instruir a entrar no box. Davi se acalma
quase instantaneamente e fica quietinho nos meus braços.
— Esfregue as costinhas dele, Kenny — instrui.
Meio hesitante, eu faço. Minha mão parece grande demais contra sua
coluna e procuro uma delicadeza que não tenho enquanto esfrego sua pele
macia.
— Aqui — ela diz. Viro-me na sua direção e vejo que me entrega um
sabonete próprio para bebês que estava na sua lista de compra. — Ensaboe
ele.
Pego o sabonete e deslizo pela sua pele. Quando faço isso, Davi solta
um resmunguinho, como… uma risadinha, feliz com o ato. Isso me
desestabiliza um pouco e, ao mesmo tempo, arranca um sorriso de mim.
— Lave o bumbum dele. — A voz de Daiane me traz de volta. Faço o
que ela manda. — Atrás da orelha e nas dobrinhas do pescoço, Kenny. As
partes íntimas também.
Faço tudo o que manda, não querendo admitir que esse momento com
Davi é…
… especial?
Engulo em seco e, em um ato primitivo e instintivo, eu o abraço.
Daiane segue me dizendo o que fazer. Lavo os cabelinhos cor de areia dele
com um pouco do shampoo especial para bebês; espalho na sua cabecinha e
esfrego com cuidado. Por todo tempo, Davi fica quieto, apenas aproveitando
a água quente.
Diabinho esperto.
— Já está bom, Kenny. Podemos tirá-lo. Onde tem uma toalha? —
Daiane pergunta.
— No armário, parte de baixo.
Ela pega uma toalha branca e a abre, pedindo o menino. Olho-a por
um longo instante, relutando em entregá-lo. Não vou mentir e dizer que esse
banho não me agradou. É com muita dificuldade que assumo que estou
gostando desse momento com Davi.
— Me deixa mais cinco minutos aqui com ele — peço. A mulher me
fita, assustada, mas ignoro o ponto de interrogação nos seus olhos. — Por
favor.
Daiane suspira e acena, afastando-se alguns passos. Ela diz que vai
aproveitar para escolher uma roupinha para ele e aquecer uma mamadeira.
Fecho os olhos e aperto Davi contra meu peito, tentando não deixar que ele
me afete, de alguma maneira.
Por fim, entrego o bebê para Daiane. Ela o enrola na toalha e volta
para o quarto, para trocá-lo. Fico aqui mais um instante antes de arrancar a
cueca molhada e circundar uma toalha no quadril. Estendo alguns minutos a
mais no banheiro, tentando afastar qualquer sentimento bobo por esse menino
que mal conheço e que não tem ligação nenhuma comigo. No quarto, vejo a
pediatra inclinada sobre a cama, conversando com ele enquanto o troca. Paro
no umbral da porta e a observo — outra vez — por um minuto que parece
longo demais e que mexe comigo de uma forma que nunca permiti desde
Helena. Meus olhos correm pelo seu corpo enxuto acomodado dentro de um
jeans simples, camisa cambraia e o casaco longo. Os cabelos castanho-
acobreados soltos, que ela coloca vez ou outra atrás da orelha, emolduram
seu rosto. Adentro mais o quarto, seus olhos vindo aos meus. Ela os desce
discretamente para meu torso despido e o desejo nas suas íris verdes é
como… se tivesse me vendo assim pela primeira vez, como se só agora
realmente reparasse em mim.
Ignoro-a e sigo até minha cômoda, e ela torna a terminar de vestir o
pequenino. Puxo uma gaveta e pego uma camisa branca. Sobre o tampo, vejo
os produtos que Alex comprou e que Daiane provavelmente arrumou aqui.
Fralda, pomada contra assadura, lenços umedecidos, algodão. Ouço os
risinhos dele e passo a camisa pela cabeça. De costas para Daiane, arranco a
toalha e seguro uma risada maior quando a ouço engasgar. Subo uma cueca
preta pelas pernas e visto uma calça de moletom.
Quando me viro de novo, a pediatra está sentada na cama, com ele
nos seus braços, segurando a mamadeira. Davi suga o bico, enchendo a
barriguinha, e segura o indicador dela. Não sei por que essa imagem continua
mexendo comigo.
— Você vai ficar, não é? — pergunto, encostando-me à cômoda atrás
de mim.
Ela acena em positivo.
— Sim. Vou colocá-lo para dormir e então vou em casa tomar um
banho e buscar algumas… — Daiane para de falar imediatamente, erguendo
os olhos na minha direção. — Ah, não — reclama.
Levanto uma sobrancelha.
— O que foi?
— Acabei de me lembrar que minha chave de casa ficou no
consultório da fazenda. Está tarde para ir buscar. Já está tudo fechado e o
responsável pelas chaves mora na cidade.
— Pode tomar um banho aqui, Daiane — ofereço, de bom-grado.
— Como, se não tenho uma peça de roupa?
Dou de ombros e giro nos calcanhares, abrindo mais duas gavetas, de
onde tiro uma camisa de botões e uma calça moletom de cordinha. Dobradas,
coloco-as delicadamente na cama, perto da pediatra.
— Pode usar para dormir. Amanhã cedo você busca as chaves e vai
para sua casa vestir algo melhor.
Ela olha de mim para as roupas dobradas sobre a cama. Tenho a
impressão de ver um sorrisinho nascer no seu rosto bonito. Daiane acena,
aceitando a oferta, e acomoda Davi na minha cama, cobrindo-o. Anuncio que
vou pedir uma pizza, porque não sou doido de me arriscar a cozinhar para
ela, enquanto vai tomar seu banho. A pediatra apaga as luzes assim que saio,
deixando o bebê confortável no escuro, e leva o par de roupa consigo para o
banheiro.
Sentado à mesa, deslizo meu celular pelo tampo quando encerro
minha ligação para a pizzaria na cidade, que informa que o pedido vai
demorar um pouco mais para chegar por causa da distância. A taxa de entrega
é quase uma facada no estômago, mas é isso ou morrer de fome. Minutos
depois, ouço um pigarreio atrás de mim e me viro para vê-la dentro da minha
calça e camisa, os dois largos demais no seu corpo compacto, os cabelos
úmidos ligeiramente desgrenhados. Engulo em seco, um pouco…
desorientado com a visão.
— Davizinho vai dormir a noite toda agora. Ou assim espero —
sussurra, parada no seu lugar, no portal que separa a cozinha da sala.
Abro um sorriso pequeno e me levanto, gostando, por algum motivo,
do apelido carinhoso.
— Obrigado por aceitar ficar e me ajudar com ele — agradeço, com
um tom ameno que não é muito de mim. — A pizza já vai chegar — informo.
— Enquanto isso, vou preparar um lugar para você dormir.
Retiro-me, indo até meu quarto. Acendo as luzes e o vejo ali,
dormindo feito um anjinho, os dois bracinhos para cima, a respiração calma e
ritmada, a boquinha sugando o bico da chupeta calmamente. Aproximo-me
dele a passos vagarosos, com um misto de medo, ansiedade, talvez um pouco
de afobação. Agacho-me na sua altura e o observo por alguns segundos. Até
demoro a notar que estico o indicador dobrado na sua direção e acaricio seu
rostinho. Parece um choque quando me dou conta do que estou fazendo.
Afasto-me dele, e pego coberta e travesseiro para Daiane. Volto à sala e
acomodo tudo no sofá. Daqui, vejo-a terminando de ajeitar a mesa. Paro por
um instante e espio seu pequeno zelo. Daiane esticou uma toalha — deve ter
encontrado no armário — na mesa, colocou copos, pratos e talheres, dobrou
guardanapos de papel. Tudo muito… delicado. Feito com carinho. Isso me
lembra dos meus dias com Helena. Minha mulher também gostava de
arrumar a mesa para nossas refeições. Desde sua morte, simplesmente não me
importo com nada disto. A atitude de Daiane, contudo, aquece meu coração
de uma forma boa.
Ela nota minha presença e sorri, olhando de mim para a mesa e então
de volta para mim.
— Arrumei o sofá para você.
O sorriso nela vai sumindo aos poucos.
— Você… vai dormir na cama com o Davi, então?
Um sorriso convencido e debochado nasce em mim. É claro que não
quero passar a noite com o pivetinho, além disso… acho que tenho medo de
esmagar o coitadinho. Talvez eu nem durma direito por causa disso,
preocupado em machucá-lo. Mas eu não perderia a chance de me vingar
dessa diaba de jaleco por ter me dado um sofá desconfortável para dormir
quando tinha um segundo quarto na sua casa.
— Sim — respondo, por fim. — Mas não se preocupe, meu sofá é
muito mais confortável do que o seu.
Ela cruza os braços e me encara com uma fúria comedida nos olhos
verdes.
— Tudo isso então é só porque dormiu no meu sofá noite passada?
Como você é pirracento, Kenny.
— Não. Tudo isso é porque me deixou dormir naquele sofá duro
quando tinha um quarto de hóspedes — respondo, cruzando os braços.
Daiane revira os olhos e dá um passo na minha direção, decidida,
furiosa.
— De onde tirou essa ideia absurda? Eu não tenho um quarto de
hóspedes! — Ela pensa por um segundo, que tento aproveitar para dizer que
vi a segunda porta, mas Daiane parece notar primeiro que é exatamente disso
que estou falando e completa: — Seu idiota. Aquilo era a porta do meu
escritório!
Abro e fecho a boca um par de vezes, sabendo que fiz um papel
ridículo aqui. Cruzo os braços e suspiro, desviando os olhos. Escoro-me ao
batente do portal, tentando manter minha pose mais despretensiosa.
— Tudo bem, posso reconsiderar o sofá e arrumar o quarto de
hóspedes.
Vejo um sorriso convencido surgir nela. De repente, Daiane está aqui,
perto de mim, e o aroma dos seus cabelos molhados outra vez mexe comigo.
Engulo em seco, sentindo um nó diferente na garganta por causa dessa
mulher, por causa dessa… proximidade. Sem que eu espere, o indicador dela
está batendo contra meu tórax, em um gesto muito descontraído, como se
realmente tivéssemos intimidade para isso.
— Viu só, não dói ser gentil.
Travo o maxilar e abaixo os olhos para seu toque. Daiane parou de
bater o dedo na minha direção, mas ele continua ali, repousado contra a
minha pele. A pediatra ficou estranhamente quieta, fixa na faixa de pele à
mostra pela abertura da camisa. Algo dentro de mim se remexe. Já faz muito
tempo desde que uma mulher me tocou, e a excitação que sobe pelo meu
corpo agora é reflexo desse celibato no último quase um ano. Mas tinha que
ser justamente por essa diaba de jaleco? Pego seu punho, na intenção de
afastá-la de mim, mas por algum motivo não consigo. Aperto-a com força
comedida, moendo com tanta força o meu maxilar — indignado que eu esteja
realmente atraído por ela — que tenho a impressão de que meus dentes vão
partir.
Rodeando seu punho, ao invés de afastá-la, eu a trago para mim. Seu
tórax se choca contra o meu, e é como se uma faísca de tensão sexual
chispasse entre nós com esse pequeno ato. Seus olhos verdes encontram os
meus, e tem um pouco de tudo neles. Medo, hesitação, surpresa, excitação. E
tudo isso combina com o ritmo desregulado da sua respiração. Em um ímpeto
incompreensível, inclino-me na direção de Daiane e a beijo.
Ela não reluta nem mesmo por um segundo, retribuindo no instante
em que nossas bocas se chocam. É um beijo firme e desesperado. Agarro sua
nuca, arrastando-a mais para mim, e forço mais seus lábios, exigindo mais
espaço. Daiane cede, facilmente, derretendo-se nos meus braços. Amparo-a,
contornando sua cintura com o braço livre, e nos giro, trocando nossas
posições. Coloco-a contra o umbral, esmagando seu corpo com o meu, e
deslizo minha mão por todo seu corpo, subindo-a por dentro da minha camisa
que ela veste.
Afasto-me da sua boca, ofegante, e encaro suas pupilas dilatadas, a
ponta dos meus dedos a um centímetro dos seios soltos sob o tecido. Seu
pescoço esguio, branco e delicado me chama, e é questão de fração de
segundos até que minha língua esteja ali, com a mesma firmeza e desespero
de quando esteve na sua boca. Mordisco o lóbulo da sua orelha enquanto
meus dedos, ávidos, começam a abrir os botões da camisa. Meus lábios se
deslocam pelo seu ombro direito e descem para o colo, parando bem pertinho
dos seios acesos. Distancio-me apenas o suficiente para brincar com os
mamilos duros por um instante. Ela geme e se contorce sob meu toque,
afetando-me de um jeito… que não sei expressar em palavras.
Daiane me fita com determinação quando afrouxa a cordinha da calça
de moletom, que cai aos seus pés. Prendo a respiração quase sem perceber, o
espaço na minha cueca tornando-se apertado demais. As mãos dela apoiam-se
na minha cintura por um instante antes de baixar o moletom, junto com a
peça íntima.
Não aguento ficar longe demais dela, ainda mais quando a vejo
morder o lábio inferior de um jeito safado demais. Puxo-a na minha direção
e, com um impulso, coloco-a no meu colo, suas pernas rodeando-me no
mesmo instante. Escondo-me contra a curva do seu pescoço quando a penetro
devagar, sentindo o calor dela, sua umidade, seus músculos se contraindo ao
meu redor, os gemidos baixos dela contra meu ouvido. Até demoro a me dar
conta da minha completa falta de responsabilidade em transar sem nenhuma
proteção.
Ela finca suas unhas nas minhas costas e sussurra no meu ouvido,
pedindo mais forte e mais rápido. É a porra da minha perdição. Quase sem
perceber, estou estocando na velocidade e na intensidade que ela pediu. Já faz
algum tempo desde que estive dentro de uma mulher, e gozar com auxílio da
mão direita não é a mesma coisa, por isso não leva muito tempo para que eu
anuncie meu orgasmo.
Daiane vem junto comigo.
Desencosto-a do batente e me afasto, um pouco de constrangimento me
acometendo. Subo minha calça, ela faz o mesmo com a dela, colocando uma
mecha do cabelo acobreado atrás da orelha.
— Eu… — começa, um pouco desajeitada. — Se importa se eu tomar
outro banho? — pergunta.
Movo a cabeça em negativo. Daiane some do meu campo de visão, e
vou para meu escritório, ainda sentindo o calor dela ao meu redor, seus
fluidos impregnados em mim, tentando ignorar o modo como me sinto em
relação a ela. Fico aqui pelos próximos minutos, fingindo trabalhar, e já deixo
separado o dinheiro do motoboy. Um bater na porta me desconcentra de uma
foto minha ao lado de Helena sobre a mesa, em que fixei os olhos sem quase
ter percebido. Daiane pergunta se pode entrar, e aceno. Pigarreio e pego um
caderninho de anotações apenas como modo de ter o nque fazer para não
precisar encarar seus olhos verdes.
— Você não quer ir tomar outro banho? — indaga, parada na minha
frente, ainda em pé. — Deveria ir, antes que a pizza chegue.
— Sim, tem razão — concordo, agradecendo por ela não estar
constrangida. Ou está e sabe disfarçar muito bem.
Deixo meu escritório, sem me importar que ela fique aqui, e vou
atender sua sugestão. Demoro um pouco mais do que o comum, passando
muito tempo cabisbaixo sob a água, pensando naquela diaba de jaleco, no
sexo rápido e incrivelmente bom de minutos atrás. Visto a mesma roupa e
volto para a cozinha. Daiane não está aqui. Vou até o escritório e a encontro.
A mulher está sentada atrás da mesa, com meu caderninho nas mãos,
folheando-o com um crispar na testa.
— O que está xeretando aí? — pergunto, um pouco mais rude agora,
descontente com sua intromissão.
— Por que meu nome está nesse caderno, em vermelho? Pela legenda,
são os que te devem.
Reviro os olhos.
— Porque você me deve.
Ela balança a cabeça em negativo, em um tom inconformado.
— Não te devo coisa alguma. Tudo que comprei com você, eu paguei.
Moo o maxilar, começando a perder a paciência com essa insistência
dela.
— Talvez seja necessário te refrescar a memória, Daiane. Você pagou
pelas laranjas, os limões, alguns litros de leite e cachos de banana. Mas nas
últimas férias, o seu sobrinho veio aqui buscar ovos caipiras, doces de leite
no pote e queijos.
Daiane pisca diversas vezes e se levanta, saindo de trás da mesa. Vem
na minha direção, indignada, e diz:
— Pelo amor de Deus, Kenny, eu nem sobrinho tenho!
Dou uma risada cáustica, impressionado com como é dissimulada.
— Agora vai negar que tem um sobrinho que veio aqui buscar essas
coisas no seu nome?
Ela abre a boca para dizer alguma coisa, mas, então, inesperadamente,
explode em uma gargalhada, cheia de humor, como se tivesse acabado de
ouvir uma piada muito engraçada. Cruzo os braços e fecho a cara, procurando
a maldita graça no que disse.
— Você foi tapeado por uma criança, Kenny — diz, ainda aos risos.
— Eu não tenho sobrinhos e não pedi para ninguém vir comprar alguma coisa
de você. — Daiane volta a rir, descontroladamente. — Um garoto de o
quê…? Uns doze anos? Te passou a perna!
Aos poucos, vou me dando conta de que ela pode estar certa. Afinal,
Daiane nunca realmente ficou me devendo qualquer coisa. Sempre que
comprava algo comigo, pagava à vista. Nunca no fiado. Quando aquele
moleque apareceu dizendo que a pediatra queria algumas coisas para pagar
mais tarde, vendi confiando que me pagaria.
Ela está rindo demais. Por um segundo, continuo com a cara fechada,
mal-humorado, principalmente por ter sido feito de idiota por um pivetinho
desgraçado. Mas a alegria com que ri, o som contagiante da sua risada… vai
me desarmando pouco a pouco e, quando noto, estou rindo junto.
Rio como há muito tempo não ria.
E, porra, é libertador.
FIM
O projeto Pais Alencastro surgiu de uma brincadeira despretensiosa e
acabou por ganhar meu coração. Guilherme, Alex, Theo e Kenny vão sempre
ter um lugarzinho especial na minha vida.
Um agradecimento especial às autoras do projeto, Marta Vianna,
Jessica D. Santos e Thais Oliveira; à Jessica por ter topado logo de cara e
“intimidado” as outras duas a participarem, e à Marta e Thaís por terem
aceitado o convite. Foi uma experiência que eu gostei demais. Nossas
conversas, as trocas de ideias, as risadas. De verdade, meninas, muito
obrigada. Espero que possamos firmar outras parcerias assim, no futuro.
Mais um obrigado à Thais, pela capa maravilhosa.
Não posso me esquecer da minha revisora, Victoria Gomes, que como
sempre faz um trabalho incrível no original. Obrigada pela paciência e tempo
disponibilizado.
Por último, e não menos importante, obrigada a você, leitor ou leitora,
que chegou até aqui. Esse livro não teria nenhum sentido se não fossem
vocês. Obrigada pela espera e paciência pelo último livro da série. Sei que
muitos de vocês estavam ansiosos esperando pelo lançamento. Espero que
tenham se divertido com Kenny, Daiane e Davizinho.
Beijos e até a próxima.
Conheça os livros anteriores da série.