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Copyright© 2020 MARTA VIANNA

Revisão: Danny Santos

Diagramação: Jessica Santos

Capa: Thais Oliveira

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Dados internacionais de catalogação (CIP)

NA MIRA DE UM CUPIDO – PAIS ALENCASTRO – LIVRO 1

1ª Edição

1. Literatura Brasileira. 2. Romance. Título I.

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É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma

ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos


xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor
(Lei 9.610 de 19/02/1998). Está é uma obra de ficção, nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor
qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.

Todos os direitos desta edição reservados pela autora.


Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da
Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1º de janeiro de 2009.
SUMÁRIO
SINOPSE

PREFÁCIO

AGRADECIMENTOS

PRÓLOGO

CAPÍTULO UM

CAPÍTULO DOIS

CAPÍTULOTRÊS

CAPÍTULO QUATRO

CAPÍTULO CINCO

CAPÍTULO SEIS

CAPÍTULO SETE

CAPÍTULO OITO

CAPÍTULO NOVE

CAPÍTULO DEZ

CAPÍTULO ONZE

CAPÍTULO DOZE

CAPÍTULO TREZE

CAPÍTULO CATORZE

CAPÍTULO QUINZE

CAPÍTULO DEZESSEIS

CAPÍTULO DEZESSETE
CAPÍTULO DEZOITO

CAPÍTULO DEZENOVE

CAPÍTULO VINTE

EPÍLOGO
Se o cupido tivesse um nome, com certeza seria Danilo.

O filho da diretora, do Colégio Cristo Redentor, parecia um anjo, mas a


candura se limitava apenas a sua aparência, porque o garoto era levado, em

todos os sentidos.

Nós nos conhecemos na minha lanchonete, por acaso, e, depois desse dia,
minha vida mudou completamente. Meu mais novo amiguinho havia cismado
de arrumar um namorado para a mãe e estava disposto a fazer qualquer coisa
para vê-la feliz novamente.

Heloísa era uma mulher jovem, linda e tinha um sorriso encantador, mas
depois da separação que quase destruiu seu coração, ela decidiu arquivar os
sentimentos e dedicar todo o seu tempo ao pequeno terrorista e ao trabalho.

Como eu sei de tudo isso?

Bom, meu nome é Guilherme Alencastro e, eu fui o alvo do tal Cupido


com carinha de anjo.
Talvez eu seja suspeita para falar, porque sou apaixonada pelas
histórias da Marta. São simples, porém tem essência. São histórias que nos
traz o sentimento de esperança, aquecem o coração, o tipo que nos faz voltar
a acreditar que nunca é tarde demais para amar e ser amado, que nos faz

acreditar que esse sentimento (o amor) não é irreal... não está extinto.

Na Mira de Um Cupido foi um trabalho da autora que eu amei


conhecer, a leitura flui fácil, mas não deixa de ser tocante. É sempre bom
lembrar que existe todo tipo de amor, que às vezes um "estranho" vai nos
amar mais do que um parente de sangue; e está tudo bem... O importante é
ser amado e, claro, saber que não precisamos de certas pessoas ao nosso
redor, só porque assim quer a sociedade.
O livro nos reforçar a ideia de que pai é quem cuida, participar, é quem
está presente. E, claro, no meio de todo esse ensinamento, ainda somos

agraciados com a história fofa do casal principal.

No entanto, apesar de ser uma história de romance, é certo que foi o


pestinha, vulgo Danilo, que roubou toda a cena. Ele é o cupido mais arteiro,
fofo e leal que existe no mundo dos livros.

Parabéns a autora por ter criado uma história tão gostosa de se ler.

— Autora Danny Santos.


Antes dos agradecimentos, eu quero falar um pouquinho da Série Pais
Alencastro. Somos quatro autoras, Jessica Santos, A.C Nunes, Thais Oliveira
e eu, Marta Vianna. Eu sou a responsável pelo livro 1.

Na Mira de um Cupido conta a história de Heloísa Cruz, seu filho

Danilo e Guilherme Alencastro. Danilo é uma criança de sete anos que tem
pai, mas ele é ausente em sua vida. Cansado de ver a sua mãe sempre triste,
ele decide bancar o cupido para ela, e é aí que o Guilherme entra na história,
pois o pequeno terrorista se identifica muito com o dono da lanchonete
Delicía’s do chefe, uma lanchonete de hambúrgueres artesanais. E Guilherme
se encanta pelo garoto, pois quando era pequeno, seu pai também foi embora.
Na Mira de um Cupido é uma novela divertida e que nos traz muitos
ensinamentos, um deles é que pai não é quem faz, e sim quem cuida e
participa.

Espero que vocês gostem muito da história!

Quero agradecer o convite das meninas para participar desse projeto


maravilhoso, a parceria deu muito certo; a Danny Santos pela revisão, e a

você, leitor, que sempre ler o que eu escrevo.

Muito obrigada!!
DANILO

— Deixai vir a mim os pequeninos, pois deles é o reino dos céus... — o


padre Estevão falava o versículo e não tirava os olhos de mim.

Como sempre, eu fazia minha melhor cara angelical.

Juntei as minhas mãozinhas e comecei a pedir perdão a Deus por ter


desobedecido à babá, na semana passada, e por ter saído sem que ela tivesse
me visto. A pobrezinha ficara atrás de mim, chorando, achando que alguém
tinha me sequestrado. Depois de uma hora, eu havia voltado todo sujo de
lama. Mas tenho uma explicação: eu tinha ido procurar o meu estilingue que
mamãe jogara no terreno abandonado do outro lado da rua, pois o senhor Ruy
tinha reclamado que eu tinha acertado a sua janela e tinha trincado o vidro.

Eu jurei que não fui eu, no entanto, confessei logo em seguida. Mas juro eu

não queria acertar a janela dele. A dona Violeta, sua esposa, era tão amorosa;
sempre me dava doces quando chegava do mercado. Minhas bochechas
ficavam doloridas de tanto que ela apertava. Não sei por que os idosos

gostam de apertar bochechas.

Era domingo e estávamos na missa, mamãe sempre dizia que devíamos


buscar ao Senhor sempre pela manhã. Eu gostaria muito que fosse à tarde,
mas como o Senhor devia ser velhinho e os velhinhos acordam cedo por isso,
era uma boa hora para buscá-lo de manhã. Só não sei para onde ele ia, pois
nunca foi para casa conosco, talvez não fosse nossa vez ainda de levá-lo.

A oração acabou e voltamos a nos sentar, de longe avistei o senhor Ruy


e dona Violeta. Todo domingo ele sempre usava aquele terno azul que
cheirava a naftalina — eu sabia disso porque o ouvi reclamar com a esposa:

— Esse cheiro de naftalina me faz espirrar, meu bem –– disse


esfregando o nariz.

Assim que ele olhou para trás, fez cara feia por me ver. Eu sorri de
verdade para ele. Dona Violeta olhou feio para o esposo, que rapidamente
colocou um sorriso no rosto.

O padre disse: “Amém”, e todos nós saímos da igreja.


— Bom dia Heloísa — a velhinha disse para a minha mamãe, toda
amorosa e sorridente.

— Bom dia dona Violeta –– mamãe respondeu e olhou para o senhor.


–– Ruy, tudo bem?

O senhor Ruy não disse nada, portanto, foi repreendido pela sua
esposa.

— Está tudo bem sim minha filha, não é Ruy?

O senhorzinho concordou não muito feliz.

O padre Estevão se aproximou de nós.

— Filha, vai começar as novas turmas para o catecismo. Não quer


colocar o Danilo?

Minha mãe olhou para mim, sorrindo. Ela era linda, mas era um pouco
triste desde que ficamos só nós dois — papai resolveu ir embora, eu ouvi
vovó dizendo que ele tinha uma nova família. Às vezes eu a ouvia chorando

de madrugada. Vovó dizia que ela precisava de um namorado para voltar a


sorrir, e minha mente já estava a todo vapor imaginando como iria fazer para
ajudar a minha mãe a voltar a sorrir. Se era pra ela voltar a sorrir, eu iria
ajudá-la a encontrar alguém.

Eu tinha 7 anos e era bem esperto.

— Sim padre, vai ser ótimo para o Danilo, não é filho?


Eu concordei, balançando a cabeça. Mas a minha mente não estava nem
aí para a conversa deles.

— Depois, quem sabe, ele se torne um coroinha e me ajude. Não é,


Danilo? — Ele apertou as minhas bochechas e, em seguida, bagunçou o meu
cabelo.

Nos despedimos de quase todos da igreja e fomos para a casa.

Morávamos na cidade de São José, uma cidadezinha interiorana com poucos


habitantes; mudamo-nos para lá porque mamãe tinha conseguido um trabalho
— ela era a diretora da escola Cristo Redentor. Paramos para atravessar a rua,
quando um carro de som passou por nós anunciando uma inauguração de
uma lanchonete chamada Delícias do Chefe; um rapaz entregou um papel
com o endereço para a minha mãe, e eu peguei de sua mão — eu já sabia ler.
Tinha os seguintes dizeres:

Dia 22 é à inauguração da lanchonete Delícia’s do Chefe.

Quer fazer alguém sorrir novamente? Traga um convidado e o deixe


sorrindo à toa provando dos deliciosos hambúrgueres do chefe.

Olhei para a minha mãe, que estava atenta ao trânsito, e tive uma ideia.
Se o tal hambúrguer fazia sorrir, faria de tudo para ela ir prová-los. Quem
sabe ela não volta a ser alegre como era antes?
HELOISA

Demorei a dormir e ainda acordei agitada, então decidi me levantar.


Olhei as horas no relógio e já passava das cinco da manhã. Era sexta-feira, eu
tinha reunião na escola com os professores para decidir os preparativos da

festa junina.

Lembrei-me que o dia dos pais estava próximo e eu não queria que o
meu filho sofresse com isso, já fora uma luta ter que explicar que o pai não
iria morar conosco em São José, pois estávamos nos separando. Eu disse que
ele sempre iria ligar e, quem sabe, eles passariam as férias juntos. No entanto,
como não aconteceu, e Danilo não era bobo, ele parou de perguntar pelo pai.
Às vezes meu filho me surpreendia por ser uma criança de 7 anos tão
madura para a sua idade. Ele era esperto e, às vezes, um verdadeiro terrorista

— Seu Ruy e dona Violeta que o diga. Entretanto meu filho também tinha um
coração enorme, adorava ajudar as pessoas, era um menino educado e era o
meu orgulho.

Peguei alguns ovos — Danilo adorava ovos mexidos —, fiz suco de

laranja e café. Mal terminei de arrumar a mesa e ouvi passos atrás de mim.
Virei para ver quem era e minha mãe de camisola apareceu na cozinha.
Quando me viu cozinhando, ficou espantada. Coloquei duas xícaras em cima
da mesa e servi o café que havia acabado de passar. Ela se sentou e começou
a tomar o café, em seguida começou a falar:

–– Não conseguiu dormir novamente filha?

Ela sabia das minhas insônias. Minha mãe era a minha amiga e eu
compartilhava tudo com ela.

Suspirei, sentando-me ao seu lado.

–– Fiquei pensando em como as coisas aconteceram tão rápido... Um


dia você é casada, tem uma família linda e, no outro, é separada com um filho
de 7 anos para cuidar e responder porque o pai não liga mais para ele. As
coisas não estão sendo fáceis, não, mamãe, mas eu não posso deixar
transparecer para o meu filho que eu não estou bem. Ele merece uma mãe

forte ao seu lado.

–– Jonas nunca me enganou, Heloísa, só que você estava toda


encantada por ele e grávida do Danilo. Mas agora, filha, você tem que ser
forte, levar a sua vida pra frente, ser feliz. Está mais do que na hora de você
arrumar alguém... Não digo um relacionamento sério, e sim um homem que

te faça sorrir, que te leve ao céu... Você sabe o que eu quero dizer –– disse,
deixando as bochechas coradas.

–– Quem vai levar a mamãe ao céu? E para quê? Não basta todos os
domingos a gente ter que ir à igreja para buscar ao Senhor pela manhã? E ele
nunca vem conosco... Agora um homem tem que levar a mamãe ao céu?

Mamãe me olhou e nós duas começamos a gargalhar. Danilo ficou sem


entender, ele com certeza ouviu a nossa conversa.

–– Acordou cedo amor, ainda nem são 7 da manhã.

–– Benção mãe, benção vó. –– Beijou as nossas mãos e sentou ao nosso


lado.

–– Deus te abençoe meu filho –– respondemos juntas.

–– Filho, nós vamos a igreja buscar ao Senhor, mas é na forma de


adorar, agradecer por termos um dia abençoado, e pela nossa saúde, não para
trazê-lo para casa –– expliquei, e ele deu de ombros, terminando de comer os
ovos.

Depois do café, fomos nos arrumar para ir para a escola, não era longe
e sempre íamos caminhando — a não ser quando chovia, aí íamos de carro.
Mamãe se despediu e entrou no posto de saúde, ela era agente de saúde. A
escola já estava aberta— Seu Rodolfo não atrasava nunca —, as crianças

estavam em filas esperando a hora de cantar o hino nacional.

–– Bom dia seu Rodolfo. Bom dia crianças.

Danilo foi para a fila e eu subi para a minha sala, passei pelas salas dos
professores e todos estavam animados, conversando.

O sinal bateu e cada um foi para as suas salas. Como tínhamos reunião,
os alunos sairiam mais cedo. Pedi a minha mãe que quando ela saísse para
almoçar, passasse na escola para pegar o Danilo. A última vez que eu o

deixei ir só, ele inventou de ir caçar passarinho no meio da mata; fomos


encontrá-lo quase duas horas depois. Por isso ele estava proibido de pegar o
estilingue.

Entrei na sala de reunião e todos já se encontravam me esperando. Fui


direto ao ponto:

–– Eu pensei de a gente arrecadar verba para a festa junina, uma rifa em


que as crianças possam sair vendendo pela comunidade. Mas, claro, com a

supervisão de um adulto. Eu também pensei em cada família trazer um prato

com as comidas típicas para vender nas barracas. O que acham? Alguém tem
mais ideias?

–– Para a arrumação do pátio, poderíamos convidar os pais para ajudar.


Perto da escola tem várias palmeiras; poderíamos pegar palhas para enfeitar,

ir à mata pegar lenha para a fogueira, e as mulheres seriam responsáveis pelos


enfeites, assim economizaríamos dinheiro com a mão de obra – o professor
de Educação Física disse, e todos concordaram.

Depois de tudo acertado, dei a reunião por encerrado. Desejei um ótimo


final de semana para todos os professores e saímos da sala. Antes passei na
minha sala para pegar a minha bolsa.

Saí da escola, o tempo estava quente, abri meu guarda-sol e fui


caminhando para casa. Passei pelo posto de saúde e minha mãe estava

trabalhando, disse que deixou o Danilo em casa e pediu que, de vez em


quando, dona Violeta o olhasse, então me apressei para voltar para casa.

Danilo sozinho era quase um perigo.

Olhei para a nova lanchonete e os trabalhadores estavam limpando as


mesas e lavando o chão. De longe, avistei um homem vestido com avental,
ele percebeu que eu o olhava e acenou para mim, acenei de volta meio que

sem entender o que estava acontecendo. Ajeitei meus óculos e segui o meu

caminho, minha curiosidade me fez olhar para trás e o peguei no flagra me


olhando. Apressei os meus passos e, mesmo assim, sentia que ele estava me
observando ainda.

Quem será esse homem? Por que está me olhando de maneira

diferente? Tantas perguntas Heloísa, mas nenhuma resposta.

Abri a porta de casa e dona Violeta estava cochilando no sofá, Danilo


assistia desenhos na televisão. Quando ela ouviu o barulho, acordou,
procurando quem emitira o som.

–– É você, Heloísa! Pensei que era o Danilo que já ia fugir. –– Sorriu


do seu comentário, em seguida tossiu.

–– Obrigada, dona Violeta, por ter vindo olhar o meu filho. A senhora é

uma ótima vizinha.

Ela sorriu.

–– Não precisa agradecer. Eu gosto e me sinto útil. Em casa não tem


nada para fazer, a não ser ouvir as reclamações do Ruy. –– Tossiu mais uma
vez; fui até a cozinha e peguei um xarope caseiro que a mamãe fez e dei para
ela.
–– É só tomar uma colher 3 vezes ao dia e vai se sentir melhor.

Ela saiu agradecendo. Entrei de volta em casa. Danilo ainda estava de


olho na televisão.

–– Fez a sua lição de casa? –– Ele negou. –– Pois então vá fazer senão
vai ficar sem brincar na rua.

Enquanto Danilo foi fazer seu dever, eu fui tomar um banho. De


repente, aquele homem veio ao meu pensamento, e eu fiquei o dia todo
pensando nele.
GUILHERME

Quando eu decidi me mudar para a cidade de São José, eu não imaginei


que seria tão difícil me adaptar àquela cidadezinha pacata; eu era acostumado
com a cidade grande –– apesar disso, eu não ia a muitas festas, era do tipo

caseiro. Também nunca me casei, achava que a mulher certa ainda não
aparecera. Ou eu ainda não a procurei.

O que eu notei era que o povo ali era acolhedor e curioso ao mesmo
tempo, eles eram gente boa.

A minha lanchonete ficava entre a praça e a igreja — um ótimo ponto


por sinal. Na decoração, eu escolhi algo simples: mesas e cadeiras de
madeira, feitas na marcenaria da cidade; os uniformes foram feitos pela dona

Madalena, a costureira da cidade. Meu carro chefe era o hambúrguer

artesanal, mas tínhamos todos os tipos de salgados, sucos naturais e, para

quem não gostava, tínhamos refrigerantes.

Eu sempre amei a culinária, mas foquei nos doces e salgados; fazia as


massas e as deixava descansando de um dia para o outro, noutro dia, fazia os

pães do hambúrguer, já deixando os salgados prontos para fritar. Montei a


minha equipe com as pessoas que moravam por ali mesmo na comunidade,
treinei alguns deles, pois gostava de dar oportunidades para quem é
esforçado. Atualmente, tinha cinco funcionários.

O dia da inauguração foi um sucesso, a metade da comunidade estava


presente e adoraram a novidade do hambúrguer artesanal.

Não me esqueci de agradecer ao meu primo Alex, por ele ter me


encorajado a mudar de cidade e abrir o meu próprio negócio — eu e ele

sempre fomos amigos e, quando ele foi abandonado pela mulher, eu tentei de
todas as formas fazê-lo seguir a vida, pois ele tinha uma filha recém-nascida.
Graças a Deus, ele superou e, atualmente, a filha dele tinha seis anos — era
uma garotinha bem esperta. Alicia era seu nome.

Filho é uma responsabilidade e tanto, portanto, achava que ainda não


estava preparado para ser pai. Admirava o meu primo, que cuidou sozinho da
sua princesa. Era um exemplo de pai.
Estacionei o meu carro em frente a minha casa. Depois de mais uma
noite de trabalho, eu estava exausto... mas feliz.

Antes de me mudar para lá, decidi que alugaria uma casa não muito
grande, pois era apenas eu e Fred, o meu cachorro e companheiro há dois
anos.

Assim que entrei em casa, ele notou a minha presença e começou a

pular, latindo. Notei que a almofada do sofá já era — estava destruída. Olhei
para ele enquanto juntava o resto do que sobrou.

–– Muito bonito, né seu Fred? Já não deixei bem claro que a almofada
não é comida? Depois fica com dor de barriga... Olha a sua ração toda
espalhada pelo chão.

Fred deitou no chão, esperando que eu fizesse carinho nele; tentei


ignorá-lo, mas sem sucesso. Comecei a fazer carinho em sua barriga. Em
seguida, limpei a bagunça, troquei a água do recipiente e enchi seu pratinho

com ração. Depois de tudo arrumado, tomei um banho e fui para a cama.

Não deixei de pensar na mulher loira, de roupas largas e óculos de


graus, que eu acenei mais cedo enquanto estava na lanchonete ajudando na
arrumação.

Eu era muito bom em reparar às expressões faciais dos outros, e a dela


transmitia que ela era uma mulher triste que mascarava sua dor.
Quem é ela? Adormeci pensando nela.

∞∞∞

Eu gostava de correr pela manhã antes de abrir a lanchonete, pois


muitas pessoas gostavam de ir tomar café. Fred me encarava com o rabo
balançando todo eufórico, querendo que eu pegasse logo a sua coleira.
Alonguei-me, ainda na porta de casa, e comecei a correr devagar, ganhando

ritmo. Fred se distraía com os outros animais da rua.

Acelerei a corrida. Algumas senhoras caminhavam na praça e paravam


para me dar bom dia. Depois de dar mais de dez voltas pela praça, parei a
corrida tentando recuperar o fôlego — Fred corria atrás dos gatos.

De longe, avistei novamente a mulher loira de óculos grande no rosto.


Ela segurava umas pastas nas mãos e a bolsa nos ombros. À sua frente, um
menino corria espantando alguns pombos, que estavam catando algum tipo de

inseto no chão. Parei e fiquei admirando aquela cena. De repente, me peguei


sorrindo com o moleque arteiro.

Passei por eles dois e dei bom dia, parando perto deles. As bochechas
da mulher logo ganharam um tom avermelhado, ela sorriu timidamente e
aquilo mexeu comigo. O moleque parou e começou a falar, notei que ele
fazia aquilo sem nenhuma dificuldade.
–– Ele é o dono da lanchonete mamãe, sei disso porque a chata da
Alicia vive dizendo que ele é tio dela. É verdade? –– perguntou, tirando um

punhado de cabelo loiro que caía em sua testa.

–– Sou primo do pai dela, o Alex; acho que vocês conhecem, ele
trabalha fazendo frete na cidade. Mas me considero o tio da Alicia sim. ––
Ele fez uma expressão de quem não estava nem aí para o que eu tinha

acabado de dizer. Então me virei para a sua mãe.

–– Sou Guilherme Alencastro. –– Sorri, estendendo a mão para ela, que


desocupou a dela para apertar a minha. Antes ajeitou seus óculos, e notei que
ela tinha os olhos lindos. Seu sorriso também era perfeito.

–– Heloísa Cruz, diretora do colégio Cristo Redentor. E esse garotinho


é meu filho, Danilo.

Demorei um pouco segurando a mão dela. Ela limpou a garganta, e

então soltei. O moleque observava tudo com uma expressão pensativa no


rosto, um sorriso escapou de seus lábios.

— Olá Danilo. — Ele me olhou demoradamente, em seguida sorriu. ––


Os dois estão convidados para ir à minha lanchonete qualquer dia, e é por
minha conta.

–– Eu só quero ver a cara da Alicia quando eu contar para ela que


vamos à lanchonete comer de graça. Nós vamos, né mamãe? –– Olhou para a
sua mãe, aguardando uma resposta.

O olhar dela foi de repreensão. Aquele garotinho devia aprontar muito.

–– Depende, Danilo. Se você fizer por merecer, nós iremos sim. Agora
agradeça ao seu Guilherme, estamos em cima da hora. –– Ela me olhou
rapidamente, enquanto o seu filho agradecia.

Os dois seguiram adiante. Fiquei parado tentando absorver que


nervosismo era aquele que eu estava sentindo, minhas mãos estavam suando.

Fred me encontrou e nós voltamos para casa. Eu precisava de um


banho frio com urgência.
HELOISA

Desde que Guilherme, o dono da lanchonete Delicia's do Chefe, nos


convidou para, qualquer dia, aparecer em seu estabelecimento, que o meu

filho Danilo tinha feito seus deveres sem eu precisar mandar, não atrasava
mais na hora do banho, e não teve mais reclamações da professora dele em
relação a sua amiguinha Alicia. Os dois eram como cão e gato, mas no fundo
gostavam um do outro — eu pensava ser implicância de criança.
Era sexta-feira. Depois da escola, decidi passar na igreja antes de ir
para casa. Tinha que matricular o Danilo nas aulas de catecismo.
Eu decidi que, naquele dia, iríamos à lanchonete, mas não disse a ele
ainda.

Enquanto nós caminhávamos até a igreja, eu fiquei pensando no


Guilherme. Ele era um homem muito bonito, tinha a voz grossa, cabelos
claros; era alto, mas não muito forte, seus olhos expressavam o que ele estava
sentindo.

Percebi que nunca mais tinha olhado para outro homem desde que
Jonas havia me deixado, mas Guilherme mexeu com algo em mim que há
muito tempo estava desacordado: o desejo de ter um homem novamente, de
se sentir amada e também sentir as mãos passeando em meu corpo. Afastei
meus pensamentos.

Danilo saiu correndo na minha frente, espantando os pombos, enquanto


seu Honório jogava migalhas para eles. Danilo sentou perto do senhor e ele

logo lhe deu um pedaço de pão para ele jogar também. Ali todos da cidade
eram muito solícitos e gostavam das crianças. Pedi para Danilo se comportar
e entrei na igreja fazendo o sinal da cruz. Padre Estevão, assim que me viu
entrando, se aproximou com o seu sorriso alegre. Eu tinha aquele senhor
como se fosse um pai, sempre me aconselhou quando eu precisei de uma
palavra de conforto. E me ajudava quando Danilo aprontava algo.
— Heloísa, que bom ver você, minha filha. Está tudo bem? Cadê o
Danilo? — Sempre preocupado comigo e meu filho.
— Está tudo bem sim padre. Danilo está lá fora com o seu Honório, eu

vim para matricular ele nas aulas de catecismo. — Sentei-me deixando a


minha bolsa em cima do assento.
— Vamos até a minha sala, lá você preenche a ficha. A madre Maria
que vai ministrar as aulas, eu espero que o Danilo se comporte e aprenda

alguma coisa. Sabe que ele é muito inteligente, mas arteiro também —
concordei ––, às vezes avoado –– completou.
Após preencher a ficha, conversei mais um pouco com o padre.
Convidei-o para ir ao arraial da escola. Padre Estevão disse que eu estava
com um brilho diferente nos olhos — já sabia que nada passava despercebido
por aquele senhorzinho esperto.
Claro que eu não mencionei que conheci o dono da lanchonete, e nem
que ele nos convidou para ir até lá comer um lanche. Tinha certeza que ele

iria dizer que as preces dele foram ouvidas e que eu encontrei alguém.
Despedi-me do padre, procurei pelo Danilo e não o vi em lugar algum.
Seu Honório também não estava mais no banco da praça. Meu coração
acelerou e eu já estava imaginando que ele tinha atravessado a rua, meus
olhos logo se encheram de água. Gritei seu nome, olhando de um lado para o
outro a procura dele, foi quando eu ouvi risadas e reconheci ser a dele.
Atravessei a rua e me deparei com uma cena linda: Danilo estava
sentado em um das mesas da lanchonete tentando negociar a vendas de todas
as suas rifas com o Guilherme, enquanto ele tentava explicar que já tinha

comprado de sua sobrinha, Alicia.


Eu fiquei parada, observando a conversa dos dois. Com a mão no peito
ainda pelo susto.
— Se você comprar as minhas rifas, você vai ficar com mais chances

de ganhar, pensa bem. Vai ter uma cesta de café da manhã, um frango assado,
um bolo de chocolate, e minha mãe que vai fazer o bolo, é o bolo mais
delicioso de todo o mundo.
Lágrimas escorriam dos meus olhos, mas isso não o livraria de uma boa
bronca. Eu disse para ele não sair do lugar.
Aproximei-me e Guilherme me olhou demoradamente; logo Danilo se
virou, arregalando os olhos. Ele sabia que estava encrencado.
— Eu disse para você não sair do lugar de onde eu te deixei Danilo.

Você está de castigo até a próxima semana.


Guilherme se levantou, notei que ele vestia o uniforme da lanchonete.
— Heloísa, me desculpe, mas eu que chamei o seu filho para tomar um
copo de suco. Ele estava sozinho do lado de fora da igreja, ele disse que você
não iria gostar, mas eu insisti. Por favor, não brigue com ele, eu sou o
culpado. — Fiquei admirada com a confissão dele.
Guilherme me estendeu um copo de suco de maracujá, dizendo que ia
me ajudar a se acalmar. Resolvi me sentar, pois estava com as pernas
tremendo.

— Desculpe mamãe, eu não queria te deixar preocupada, eu falei com o


tio Gui que... — Olhei para o meu filho, abismada por ele mal conhecer o
Guilherme e já estar cheio de intimidades com ele. Eu sabia que aquilo era a
falta de uma referência masculina em casa. O que me deixou mais triste

ainda.
— Você ia ficar preocupada se eu saísse do lugar que a senhora disse
pra eu ficar. Mas ele disse que falaria com a senhora, então eu vim com ele.
— Terminou de se explicar.
— Está tudo bem filho, mas, por favor, não faça mais isso sem me
comunicar. Eu fiquei realmente preocupada, e você sabe que já me deu
motivos o suficiente para eu me preocupar com você. Agora termine o seu
suco, precisamos ir para casa.

— Tio Gui, o senhor vai comprar as minhas rifas? — Danilo disse


assim que terminou de tomar o suco.
Ele não era nada bobo, sabia que eu estava ali e, com certeza,
Guilherme não negaria. Às vezes ele me fazia passar cada vergonha...
Levantei-me.
— Claro amiguinho, só me diga quanto que dá. — Ele puxou a carteira
do bolso.
— 60 reais. — Sorri, pois meu filho era muito esperto.
Guilherme entregou o dinheiro para o Danilo, que sorriu. Agradeceu e

desejou sorte. Mas o que mais me surpreendeu foi quando Guilherme disse
que gostaria muito de ganhar o bolo de chocolate. Queria provar se era
gostoso mesmo. Contudo a minha mente me fez entender outra coisa,
entretanto foquei na sua curiosidade de conhecer o sabor do bolo. Ele se

aproximou de mim e eu fiquei nervosa. Já havia completado dois anos que


um homem não se aproximava de mim assim tão perto. Tentei puxar o ar com
força, mas só piorou meu nervosismo.
— Estarei aguardando a sua presença ainda hoje aqui na minha
lanchonete, Heloísa, e não aceito um não como resposta. — Tive a impressão
que ele beijaria a minha bochecha, mas recuou quando ouviu a voz do
Danilo.
— Vamos mamãe?

— Vamos sim, filho! Até mais tarde, Guilherme.


— Até mais tarde, tio Gui. — Danilo saiu correndo na minha frente
quando viu os amiguinhos jogando futebol.
Apesar de não ser muito fã de hambúrguer, eu viria experimentar com
certeza.
GUILHERME

Depois que Danilo e sua mãe foram embora, eu comecei a organizar as


coisas para mais tarde. Fiz a massa dos pães e nem percebi que estava
assobiando alegremente, no tempo que sovava a massa, até que meu

funcionário começou a tirar sarro de mim quando entrou na cozinha. Mas eu


nem liguei, estava me sentindo bem comigo mesmo como há muito tempo
não sentia. Após separar as carnes para temperar e deixar prontas para fritar,
eu as guardei no recipiente.

Quando eu trabalhava em uma das redes de hambúrgueres mais


famosas de São Paulo, eu era considerado um funcionário exemplar — nunca
deixei meus serviços para a última hora —, sendo assim, era sempre

escolhido como o funcionário do mês. Porém eu sempre tive um sonho: eu

queria ter a minha própria lanchonete, e finalmente consegui quando saí do

meu antigo emprego. Investi todo o meu dinheiro no projeto.

Olhei as horas no relógio e já estava na hora de abrir. Tinha cinco


funcionários comigo e todos eles eram muitos responsáveis, chegavam

sempre na hora certa e davam muita força quando eu precisava deles até mais
tarde.

Depois de meia hora, a lanchonete já estava cheia e surgia pedidos de


minuto em minuto. De vez em quando, eu olhava para ver se Heloísa e
Danilo já haviam chegado, mas não os encontrei.

Será que ela não virá mais? Pensei.

Após preparar os hambúrgueres, a garçonete foi servir as mesas. Como


estava muito quente na cozinha, saí para refrescar um pouco e me peguei

sorrindo quando vi o garoto correndo, como sempre, para entrar na


lanchonete. Heloísa estava chamando a atenção dele para ele prestar atenção
e não cair. Nem me dei conta de que havia saído do lugar de onde estava até
parar na frente dela; seus olhos azuis ficaram em um tom diferente quando
me olhou, seus cabelos soltos deixavam seu rosto mais bonito. Aliás, ela era
linda de todo jeito.
–– Boa noite, Guilherme.

–– Boa noite, Heloísa!

–– Oi tio Guilherme, nós viemos lanchar hoje na sua lanchonete. Eu


nem sabia que a mamãe tinha resolvido vir, ela me disse na hora mesmo que
viríamos. –– Nossos sorrisos saíram na mesma hora ao ouvir o garoto levado
falar sem parar.

–– Me deixa levar vocês dois para a mesa, são os meus convidados


mais do que especiais hoje e pode pedir o que vocês quiserem.

–– Eu vou querer um hambúrguer bem grandão com muita batata frita...


Sabia que eu não gosto de maionese? Só de catchup... Tem refrigerante?

A mãe de Danilo baixou a cabeça, envergonhada, e eu sorri, pois o


menino não fazia cerimônia e nem tinha papas na língua.

–– E você, Heloísa? –– Seu nome saiu como uma verdadeira adoração


da minha boca.

Ela me olhou de uma forma diferente, mas tive que quebrar o contato
visual para chamar uma garçonete para anotar o pedido. Tinha que retornar
para a cozinha, pois já tinha acumulado muitos pedidos.

–– Vou deixar que você me surpreenda, Guilherme, mas eu não como


tanto quanto o Danilo. Prefiro suco natural de laranja.

Eu fiquei lisonjeado por ser eu a escolher o que ela comeria. Pedi


licença e fui para a cozinha preparar os hambúrgueres.

Em vinte minutos, voltei e eu mesmo fiz questão de servir os dois.

Quando o garoto colocou os olhos na bandeja, eles mudaram até de cor.


Danilo esfregou uma mão na outra e passou a língua nos lábios, me fazendo
achar graça da forma que ele fazia.

Após servir os dois, me retirei, observando de longe eles comerem.

Voltei para a cozinha agilizando todos os pedidos e deixei Marcos, o


chapeiro, no meu lugar.

O movimento já estava fraco, aproveitei e fui até a mesa dos dois,


ouvindo Heloísa elogiar o hambúrguer, o pequeno comilão concordou
mastigando e perguntou se voltariam no outro dia. Sorri e ela percebeu a
minha presença.

— Estão gostando do lanche? — Puxei uma cadeira e me sentei perto


do Danilo, assim poderia olhar nos olhos de sua mãe quando falasse com ela.

— Eu nunca comi um hambúrguer tão gostoso, tio Gui. É o senhor


mesmo que faz?

Ajeitei-me na cadeira para explicar com maior orgulho que eu mesmo


que fazia os hambúrgueres.

— Faço o pão e tempero a carne. Vi que você comeu tudo, presumo


que gostou bastante. Ainda vou fazer você provar a minha maionese caseira.
— Mamãe também adorou, ela disse que nunca comeu um hambúrguer
tão gostoso. Ela até sorriu, vovó disse que ela precisa encontrar alguém que a

faça sorrir, eu acho que ela já encontrou o senhor tio Guilherme.

A mãe do linguarudo começou a tossir e tomou um pouco mais do


suco. Claro que eu abri um sorriso largo, estava me divertindo com aquele
garoto.

— O senhor sabia que a vovó disse que ela precisa encontrar alguém
que a leve até ao céu e volte novamente para a terra em minutos. Eu não
entendi bem o que ela quis dizer, mas quando eu sair do castigo e puder usar
o meu tablete, vou pesquisar.

Agora eu não aguentei e soltei uma gargalhada alta. A mãe dele


abaixou a cabeça, envergonhada. Eu mudei de assunto:

— Por que você está de castigo?

Ele limpou a boca com o lenço e começou a se explicar:

— Eu quebrei o vidro da janela do senhor Ruy, eu fui desobediente.


Mamãe tinha ido a uma reunião na cidade e me deixou com a filha da dona
Maria, eu esperei ela ir ao banheiro e saí de casa, fui para a beira da mata
caçar passarinho com o meu estilingue, mas eu errei a pontaria e acertei a
janela dele, aí mamãe me pôs de castigo. Eu não posso brincar na rua até
aprender a lição. Eu já disse a ela que já aprendi, mas ela não acredita. Até
pedi desculpas ao senhor Ruy, dona Violeta já me desculpou, ela é uma

velhinha muito boazinha, mas aperta muito a minha bochecha.

Olhei para a Heloísa, que estava sem acreditar no que o filho dizia.

— Você é muito arteiro, Danilo. Não pode sair por aí com um


estilingue acertando as janelas dos outros. Tem que ser mais cuidadoso. Já
pensou se em vez da janela, você acertasse a cabeça do seu Ruy?

Ele ficou pensativo.

— Eu já pedi perdão na missa, não vou mais caçar passarinho, não é


mamãe? Eu prometi. Posso ir ao banheiro?

— Pode sim filho, mas, por favor, não mexa em nada. Quer ajuda?

— Não mamãe, eu já sou homem. Já disse que sei ir ao banheiro


sozinho — ele disse meio chateado.

— Pode deixar que eu irei acompanhar o Danilo, tenho certeza que ele
não achará ruim, não é Danilo?

Ele assentiu e eu o acompanhei.

Como a lanchonete já estava vazia e só tinha Heloísa e mais duas


pessoas, pedi ao Marcos para fechar o caixa e a lanchonete, eu os levaria até a
casa deles. Tinha a impressão que eles vieram andando e já estava um pouco
tarde. Achava que não era bom ela ir sozinha com o filho por aí.
GUILHERME

–– Se me permite, gostaria de levar vocês dois até a sua casa. Creio que
já é tarde para você e seu filho ir andando sozinhos.

Heloísa se levantou, colocando uma mecha do seu cabelo atrás da

orelha. Estava ventando um pouco. Danilo já estava bocejando, agarrado ao


colo da mãe.

–– Não vai te atrapalhar? Danilo dorme cedo e já está cochilando. Mas


posso pegar um táxi se você achar melhor.

–– Não atrapalha. Posso perfeitamente levar os dois, só espere eu falar


com o Marcos, ele sempre fecha a lanchonete para mim quando é preciso.
Não saiam daqui.

Depois de tudo resolvido com o Marcos, peguei a chave do meu carro,


tirei o uniforme da lanchonete e saí, encontrando Heloísa sentada, alisando o
cabelo do filho que dormia em seu colo. Era uma cena linda de se ver, dava
para notar que ela tinha um amor imenso pelo filho. Pela primeira vez, eu
pensei em ter a minha própria família.

Ajudei a colocar o pequeno dorminhoco no banco de trás, ajustando o


cinto de segurança. Abri a porta do carona para Heloísa, que entrou
agradecendo. Em seguida, entrei ligando o carro, dando a ré enquanto ela me
dizia onde morava; era no caminho oposto da minha casa, mas os levaria com
certeza.

Em poucos minutos, já estávamos em frente a sua casa, era uma casa


grande com alguns pés de planta na frente. Enquanto abria a porta, Heloísa
saiu para pegar o filho. Eu ajudei-a, é claro, peguei Danilo no colo enquanto

ela abria a porta da casa.

–– Pode deixar ele aí no sofá mesmo, ele ainda tem que acordar para
escovar os dentes.

Depositei devagar o menino e, em seguida, parei para admirar a casa


por dentro. Na verdade, eu queria ficar mais um tempo perto de Heloísa. Não
sabia qual era a necessidade disso, mas era como se algo me puxasse para
mais perto dela.

–– Obrigada por nos trazer, Guilherme. Sua garçonete disse que eu não
precisaria pagar a conta, mas dei a gorjeta para ela, era o mínimo que eu
podia fazer.

–– Não precisa agradecer, e você pode aparecer lá mais vezes com o


Danilo. Ele é uma criança muito esperta, eu gostei dele.

Ela abriu um enorme sorriso. Quando ia falar algo, uma mulher, muito
parecida com ela, desceu a escada. Quando nos viu, abriu um enorme sorriso
de satisfação.

–– Filha aconteceu alguma coisa? –– perguntou quando viu Danilo


dormindo no sofá.

–– Não mãe. Danilo, depois de encher o bucho de hambúrguer e batata


frita, capotou de sono, e o seu Guilherme, dono da lanchonete, nos trouxe até

em casa. Mas ele já está de saída. Muito obrigada, Guilherme.

–– Não antes de tomar um café, espera só um pouquinho que eu vou


passar um, vai ser rápido. Sente-se –– a mãe dela disse, indicando-me o outro
sofá.

Sem pensar duas vezes, me sentei. Heloísa apenas me olhava sem saber
o que dizer.
–– Quer ajuda para levá-lo para o quarto?

–– Não, eu aguento carregar ele, só vou tirar esse sapato.

–– Deixa-me ajudar –– disse me pondo de pé.

Ela sorriu e me permitiu pegar o seu filho no colo, então andou na


minha frente me guiando. Ele não pesava mais que 30 quilos, logo eu,

acostumado a carregar peso, não me incomodei. Depositei devagar Danilo em


sua cama, ele rolou para o outro lado, falando palavras que eu não entendi.
Parecia brigar com alguém.

–– Ele sempre fala dormindo –– Heloísa disse.

Olhei ao redor do quarto. A arrumação era típica de uma criança


arteira, tinha vários foguetes pendurados no teto. Olhei o porta-retratos que
tinha um homem em pé segurando Danilo, ainda bebê, em seu colo. Supus
ser o seu pai, pois eram muito parecidos um com o outro.

Será que ela é casada e o marido está viajando? Sem ter coragem para
perguntar, fui em direção a porta e a abri, saindo, desci a escada e Heloísa me
acompanhou.

No andar inferior, sua mãe já estava me esperando com o café que


aceitei de forma educada. Eu não era muito fã da bebida, mas não recusaria.

–– Então, seu Guilherme, o senhor é daqui de São José mesmo? Pois


nunca tinha o visto por aqui, olha que eu ando a cidade toda. Sou agente

comunitária, me chamo Margarete. Estou muito alegre por minha filha ter

feito amizades.

–– Prazer, dona Margarete. Eu me mudei tem cerca de cinco meses.


Primeiro vim comprar o terreno e construir a lanchonete. Mas meus primos
moram aqui. Um tem uma fazenda, o Kenny, o outro é mecânico e tem uma

oficina, o Theodoro, e tem o Alex que tem uma empresa de fretagem.

Ela puxou na memória como se estivesse tentando lembrar.

–– Ah! conheço os meninos sim, mas devo lhe dizer que o fazendeiro é
muito ranzinza, vive isolado naquela fazenda. Porém, como eu não gosto de
me incomodar com a vida dos outros, deixa ele para lá. O mecânico é gente
boa, a última vez que o meu carro quebrou, ele foi bem bacana, ainda fez um
precinho camarada. E o Alex nem se fala, mesmo com todas as dificuldades,
criou a pequena Alicia muito bem. E você? Tem filhos? É casado?

–– Mamãe, eu acho que já está tarde, seu Guilherme precisa ir embora


–– Heloísa disse se levantando.

Notei que ela ficou envergonhada com as perguntas da mãe.

–– Está tarde mesmo, amanhã acordo cedo. Muito obrigado pelo café,
dona Margarete. Heloísa, eu espero te ver mais vezes na lanchonete, e pode
levar o Danilo sempre. Boa noite!

Assim que me despedi, Heloísa sorriu e fechou a porta.

Entrei no meu carro, sentindo todo o meu corpo relaxar. Aquela


senhorinha baixinha era um perigo com o tanto de perguntas que ela fazia,
mas era uma boa pessoa.

Cheguei em casa e Fred saiu pela porta assim que abri, foi fazer as
necessidades e eu fiquei esperando, escorado na porta. Com certeza, ele
demoraria porque foi correr atrás do gato da vizinha. Entrei para pegar a
coleira para tentar trazê-lo de volta. Enquanto ele corria pela grama do
vizinho, eu praguejei bem baixinho. Com certeza, pela manhã o seu Honório
viria reclamar.

Fred, Fred... o que eu faço com você?


HELOISA

Era sábado, eu acordava sempre tarde, entretanto, daquela vez foi


diferente. Acordei cedo e fiquei deitada, pensando em tudo o que acontecera

na noite anterior. A minha mãe, com certeza, não tinha filtro; queria encher o
Guilherme de perguntas, e quase não me deixou dormir, fazendo perguntas
sobre ele.

Você viu como ele cuidou bem do Danilo? E a forma como ele olha
para você? Heloísa, você tem que se permitir viver mais, minha filha. Você é
tão nova ainda. Tive que expulsá-la do meu quarto.

Dona Margarete quando gostava de alguém, fazia o impossível para


essa pessoa ser feliz.

Levantei-me da cama, abrindo a janela do meu quarto e notando que o

dia estava lindo, já tinha roupas estendidas no varal no fundo do quintal.


Balancei minha cabeça em negação; Dona Margarete levantou cedo também
e já estava a todo vapor nos afazeres domésticos. Saí do quarto, passei pelo
corredor e, em seguida, entrei no quarto do Danilo, mas ele não estava mais

na cama.

O que aconteceu para esse povo levantar da cama tão cedo? Será que
hoje é alguma data importante e eu esqueci?

Desci a escada e os encontrei em um papo na cozinha.

–– Tio Gui é muito bacana, vovó. Acredita que ele comprou todas as
minhas rifas? – Danilo dizia, tomando um pouco do seu leite.

–– Você gostou dele mesmo, né amor? –– Mamãe perguntou enquanto


terminava de enxugar as louças.

–– Ele disse que podemos ser amigos, eu disse a ele que eu nunca tive
um amigo adulto, ele também nunca teve um amigo que é uma criança. Ele
disse que eu posso ir à lanchonete quando eu quiser. –– Essa parte ele disse
com orgulho.

Fiquei mais uns minutos admirando o meu filho falar do Guilherme


com admiração. Certa tristeza tomou conta de mim, pois o meu filho sentia
falta do pai, o que me fez mais uma vez engolir o meu orgulho para ligar para
o Jonas pela décima vez, cobrando que ele ligasse para o filho e agisse como

um pai. Voltei para o meu quarto e disquei o seu número, ele não atendeu no
primeiro toque, liguei mais uma vez e ele atendeu de forma grosseira.

–– Me ligando uma hora dessas, Heloísa? Espero que alguém tenha


morrido para você me ligar tão cedo.

Contei até dez para evitar uma briga.

–– Não, Jonas, graças a Deus, ninguém morreu. Eu só te liguei para te


lembrar que as férias estão chegando, e você prometeu para o seu filho que
viria buscá-lo para ir para a sua casa. Hoje é sábado e você se esqueceu de
ligar para ele.

Senti quando ele respirou alto.

–– Porra Heloísa, são oito e meia da manhã, o dia nem começou direito
e você já está me cobrando? A última vez que eu liguei para o Danilo, ele

ainda estava dormindo. –– Ele deu uma pausa, mas logo continuou: –– Sobre
as férias de julho, eu irei para Londres com a Melissa para conhecer a família
dela, também tem a questão do bebê, eu não vou ter tempo para dar atenção
para o Danilo. Mas irei ligar para ele, avisando sobre a viagem, e vou mandar
um presente para ele.

–– Não precisa ligar Jonas. Se for para magoar o menino e depois


enviar presente, que ele não faz nem questão de abrir a embalagem para saber

o que é que tem dentro, melhor não dizer nada. Eu irei conversar com ele, só

espero que quando você for procurar por ele para dar uma de pai, não seja
tarde demais. O seu filho está crescendo, ele não vai ter sete anos para
sempre. –– Não o esperei responder; desliguei o telefone, sentindo raiva do
Jonas.

Como ele pôde se esquecer do filho? Não importa quantos filhos eu


irei ter, jamais esquecerei o primeiro.

Depois de ir lavar a minha cara no banheiro, desci novamente para a


cozinha, deixando toda a tristeza de lado e sorrindo para o meu filho, que
estava sentado no sofá assistindo desenho. Quando me viu, levantou e me
abraçou.

Amor não faltaria para o meu filho, eu faria de tudo para ele ser feliz,
por isso resolvi tirá-lo do castigo e deixar Danilo ir brincar na rua com as

outras crianças.

–– Quer ir brincar na praça com os seus colegas, Danilo? –– ele me


olhou como se não acreditasse no que eu tinha acabado de dizer.

–– De verdade, mamãe?

–– É verdade, mas você tem que prometer que não vai sair da praça e
também não vai entrar na mata, ou subir nas árvores. Promete?
Ele uniu as duas mãos como sempre fazia, e prometeu.

Fiquei na porta, observando meu filho correndo feliz para ir brincar

com os amiguinhos. Pouco tempo depois, minha mãe apareceu com a


vassoura na mão, toda suada. Ela estava varrendo o quintal.

–– Não acreditei quando vi Danilo indo à praça para brincar. O que te


deu para tirar o menino do castigo?

Sentei-me no batente e comecei a falar:

–– Jonas não vai mais vir buscar o Danilo nas férias, disse que vai
viajar para Londres para conhecer a família da nova mulher, e também tem o
bebê; ele disse que não vai ter tempo para o Danilo, mas nós sabemos que
isso é mentira, não é mamãe? Jonas nunca deu a mínima para o filho, por isso
tirei Danilo do castigo, pois quando souber que o pai não irá mais vir buscá-
lo, vai ficar triste. –– Suspirei me sentindo culpada por meu filho não ter um
pai que o amasse como ele merecia.

–– Jonas não presta desde sempre, Heloísa. Mas, minha filha, Danilo é
uma criança tão esperta... claro que ele já desconfiou que o pai não quer vê-
lo, ele que não diz nada. O que nos resta é dar amor para ele se sentir muito
amado. Agora, mudando de assunto, o Guilherme é uma ótima pessoa,
Danilo o considera como amigo, não o proíba de se aproximar do Guilherme,
minha filha, ele já não tem uma figura masculina em casa, então deixe os dois
serem amigos.

–– De onde você tirou que eu vou proibir o Danilo de ser amigo do

Guilherme?

–– É assim em todas às vezes; quando você descobre que está se


envolvendo, você afasta a pessoa. Eu te conheço, Heloísa.

Virei rapidamente para ela.

–– E quem disse que eu vou me envolver com o Guilherme, dona


Margarete?

–– Só não vai se envolver se for boba! Um homem lindo que nem ele,
educado… Se fosse outro, teria te deixado vir a pé carregando o Danilo no
colo, mas não, te trouxe e ainda te ajudou a pôr o pestinha na cama. –– Sorriu
toda encabulada.

–– Para com isso, mamãe. A senhora nem sabe se ele é casado ou não,
ou se tem namorada. Eu lá tenho idade para ficar fantasiando historinha de

romance? Eu hein! –– Levantei-me, deixando-a sorrindo da minha cara.

Imagina se eu iria ter algo com o Guilherme, um homem lindo e


educado… Imagina!
GUILHERME

A vida é muito engraçada mesmo! Antes de dormir, fiquei pensando


em tudo que me acontecera na noite anterior. Eu nunca coloquei uma criança

na cama para dormir, aliás, eu nem era próximo de crianças. Tinha uma irmã
mais nova por parte de pai, ela tinha uma filha de dez anos; eu sempre fui o
tipo de tio que envia os presentes no dia do aniversário e, quando tinha
tempo, passava na festinha, bem rápido. Mas aquele garotinho esperto de
cabelos loiros despertou em mim um sentimento que eu nem imaginava que
tinha dentro de mim. E conversando com o meu primo Kenny, ele me contou
das poucas e boas que ele já aprontara pela cidade.
Fui até a fazenda do meu primo para pegar umas frutas, pois Alex teve
que resolver um assunto familiar e não pôde ir buscar. Conversa vai,

conversa vem, ele me contou do dia em que a diretora do Colégio foi pedir
permissão para que os alunos do terceiro ano da sua escola pudessem fazer
um passeio nas dependências da fazenda, ele disse que relutou bastante, pois
quem o conhecia sabia que ele não suportava crianças. Ver a cara dele

contando que, no dia, fez de tudo para não estar na fazenda, me fez ter uma
crise de risos. Ele também disse que não teve jeito, na hora que ele estava
prestes a sair, os pestinhas chegaram.

Kenny disse que o Danilo se afastou dos demais alunos e foi para a área
dos cavalos, ele montou em um pônei e o cavalo saiu em disparada com ele
em cima. Graças a Deus, ele só fez ralar os braços, e serviu de lição, pois ele
nunca mais se aproximou dos bichos quando ia com as outras crianças visitar
a fazenda.

Eu tinha noção da peste que o garoto era, mas tinha mais certeza que o
meu primo estava tentando me colocar medo. Todavia eu dei foi umas belas
gargalhadas, aquele garoto era demais.

Saí dos meus pensamentos quando escutei um grito vindo da pracinha


onde os moleques estavam jogando bola.

Era dia de lavar as cadeiras, mesas e o chão da lanchonete, pois dia de


sábado era o dia que mais lotava e a arrumação tinha que começar cedo.
Joguei a vassoura em um canto e corri até a praça, encontrei Danilo caído no

chão, chorando. Ele segurava o joelho, sentindo muita dor. Em um

movimento rápido, o peguei em meu colo e, sem pensar em nada, sentei-o no


balcão e pedi para ele ficar quietinho enquanto ia pegar a caixa de primeiro
socorros.

As outras crianças chegaram todas preocupadas com ele.

Voltei, limpei a área ralada com água e sabão neutro. Não era nada
preocupante, porém o garoto devia ter medo de ver sangue, pois se assustou.
Em seguida, sequei e espirrei um pouco de mertiolate, que fez Danilo gemer
quando o líquido foi ao encontro do ferimento. Soprei tentando aliviar a
ardência.

–– Pronto, consegue andar?

Ele negou com a cabeça

Resolvi servir um lanche para todos eles, pedi para todos se sentarem e

fui para a cozinha fazer panquecas. Em menos de dez minutos, todos


comiam, dizendo que estava uma delícia. Alguns garotos agradeceram e
foram embora, outros ficaram por ali mesmo correndo atrás de pipa.

–– E você não vai para casa? — perguntei ao Danilo.

Seus grandes olhos azuis me fitaram.

–– Estou com medo, saí do castigo hoje e já arrumei confusão, mamãe


vai me colocar novamente no castigo. –– Abaixou a cabeça, triste.

–– Mas não foi culpa sua rapaz, foi um pequeno acidente.

Ele coçou a cabeça e disse:

–– Vamos comigo então, tio Gui, aí você pode explicar pra ela que eu
caí porque subi no pé de manga sem querer.

Minha vontade era de sorrir da cara de anjo que ele fez. Quem sobe em
um pé de manga sem querer? Inacreditável esse garoto.

–– Então você estava trepando na árvore sem querer e caiu… e se você


tivesse quebrado um braço ou uma perna? Ou pior, batido a cabeça? Já
pensou como sua mãe iria sofrer?

Ele começou a chorar, era um choro sentido de arrependimento. Fiquei


com dó.

–– Vou te levar, mas não posso mentir para a sua mãe, não é certo.
Espere aqui enquanto vou avisar as meninas da limpeza.

Danilo limpou o nariz com a costa da mão, assentindo.

Às vezes eu pensava que o meu primo Kenny tinha razão em não gostar
de crianças, elas dão muito trabalho.

Troquei de camisa, pois aquela estava molhada, por sorte, eu trazia


roupas extras sempre comigo. Peguei a chave do meu carro e fui levar o
anjinho até a sua casa. O caminho todo ele fez em silêncio e aquilo já estava
me incomodando. Parei o carro e abri a porta para ele sair; ainda estava com
os olhos inchados e mancando. Logo a porta da sua casa foi aberta e sua mãe

correu em nossa direção. Danilo apertou minha mão com força.

–– O que foi que aconteceu Danilo?

–– Eu caí mamãe, eu sei que eu prometi que não iria mais subir nas
árvores altas, mas é que o Romário disse que eu era um filhinho de mamãe e

tinha medo. –– Soluçou. –– Aí o tio Guilherme me ajudou, mas não foi nada
de mais não, né tio Guilherme? Eu nem estou com dor –– tentou andar, mas
recuou pela dor no joelho.

–– Eu não sei mais o que eu faço com você, Danilo, quando não é
reclamação do seu Ruy, é você subindo em árvores. E ainda fica dando
trabalho para o Guilherme. Entre, por favor.

Ele não pensou nem duas vezes e seguiu mancando.

–– Desculpe-me por ele ter te dado trabalho, era só me ligar que eu iria

buscá-lo –– disse sem jeito.

–– Não precisa se desculpar e não foi trabalho algum, ao contrário, eu


faria isso por qualquer criança que estivesse correndo risco. Eu só pensei em
trazê-lo em segurança. Não briga com ele, crianças são assim mesmo. Eu me
lembro que eu dei maior susto na minha mãe quando resolvi fritar um ovo
com sete anos de idade, quase coloquei fogo na casa com todos dentro.
Ela começou a sorrir por causa da minha história.

–– Duvido que você não tenha aprontado nada nessa idade, sua carinha

não nega que não foi tão comportada assim! Anda, me conta…

O rosto dela ganhou um tom avermelhado.

–– Se eu disser que nunca caí de uma árvore, ou quebrei a janela do


vizinho, você não vai acreditar; eu sempre fui uma criança curiosa, mas

travessa não. Então Danilo nasceu e tudo o que eu não fui quando criança, ele
é. Agora me deixa ir lá ver o que ele aprontou no joelho, com certeza vai
fazer o maior drama. Obrigada mais uma vez.

–– Não precisa agradecer Heloísa. Eu lavei o ferimento com água e


sabão e só foi um arranhão, não se preocupe. Você me permite entregar um
hambúrguer para ele mais tarde?

Vi que seus olhos lacrimejaram, ela estava emocionada. Então sorriu e


fez o que eu jamais pensei que faria: ela me abraçou e sussurrou um:

“Obrigada” em meu ouvido. Os pelos do meu braço se arrepiaram e o meu


coração bateu descompassado em meu peito.

Eu a apertei em meus braços e olhei em seus olhos, sussurrando que


não precisava agradecer.
HELOISA

Antes de entrar em casa, parei na porta e respirei fundo numa tentativa


de normalizar os meus batimentos cardíacos. Eu tinha abraçado o Guilherme
e tinha sentido algo que nunca senti por homem algum, nem pelo Jonas com

quem fui casada por dez anos.

Minha mãe estava na cozinha olhando pela janela e, quando me viu


entrando, disfarçou indo lavar as louças.

Parei na soleira da porta.

–– Nem começa dona Margarete, apenas agradeci ao Guilherme pelo


cuidado que ele teve com o Danilo.
–– Mas eu não disse nada –– disse, enxugando as mãos no guardanapo.

Balancei a cabeça e segui para o quarto do Danilo.

Abri a porta devagar. Ele estava deitado de peito pra cima, olhando
para o teto. Quando me viu, fez a carinha de sempre como se estivesse
arrependido.

–– Eu estou de castigo de novo, não é mamãe?

Sentei-me na beirada da cama e coloquei a cabeça dele em meu colo,


comecei alisar o seu cabelo; Danilo fungou.

–– Vai adiantar se eu colocar você de novo de castigo? Você vai parar


de subir nas árvores?

–– Me desculpe mamãe, eu sei que eu desobedeci à senhora de novo,


mas eu achei que não cairia da árvore. Eu prometo que não vou mais fazer
essas artes mais, o tio Gui disse que poderia ter sido grave e a senhora iria

sofrer, então ele cuidou do meu joelho ralado e ainda deu um lanche para
todos os garotos. Ele é tão legal, né mamãe? –– disse me olhando.

Eu fiquei sem palavras.

–– Filho, você não está de castigo, mas, por favor, amor, presta mais
atenção no que eu falo. Você não é mais uma criancinha de dois anos, já vai
fazer oito anos, já entende e sabe o que é perigoso.
Ele se levantou.

–– É de verdade mamãe? Eu não estou mais de castigo de novo? –– Foi


só isso que ele entendeu.

–– Não está mais Danilo, mas você entendeu o que eu te disse?

–– Eu não vou mais subir em árvores, mamãe. Eu posso convidar o tio

Gui para ir para o arraial do Colégio?

Agora mais essa.

–– Danilo, o Guilherme é um homem ocupado, ele precisa estar na


lanchonete dele cuidando dos negócios. E meu filho, eu tenho que ter uma
conversa com você sobre o seu pai. — Ele se calou para prestar atenção. Meu
coração já estava doendo. –– O seu pai não vai poder vir te buscar para te
levar para passar as férias com ele. –– Parei e fiquei esperando a sua reação.
Mas ele não teve nenhuma reação, apenas mexia os dedos tocando um no

outro. –– Ele vai viajar… E se você quiser, nós podemos viajar também. O
que acha?

–– Não mamãe, eu não quero viajar, quero ficar aqui mesmo brincando
com os meus amigos –– disse um pouco triste.

–– Mas seu pai vai te ligar filho. Agora vá tomar um banho, mais tarde
vou te levar a aula de catecismo. Tudo bem?
–– Posso jogar um joguinho no meu tablet?

Sorri e me levantei para ir pegar o aparelho. Dei um beijo e um abraço


no meu filho, eu queria que ele soubesse o quanto ele era amado por mim.
Logo retornei, entregando o aparelho para ele que pegou e continuou deitado
em sua cama, saí para ajudar a minha mãe com o almoço. Só que algo me
preocupava, Danilo nem reclamou do pai, todas as vezes que Jonas deixava

de cumprir algo, ele chorava e ficava triste por dias.

–– Filha, até uma criança cansa de esperar pelo pai. Já é a segunda vez
que o Jonas desmarca algo com ele. Ano passado mentiu dizendo que estava
trabalhando muito, mas nós sabemos que ele estava com a esposa grávida e
com certeza não queria que o filho fosse atrapalhar os dois. É duro, mas é a
mais pura realidade –– minha mãe disse depois que contei sobre a minha
conversa com o Danilo.

–– Mas deixa só o Danilo esquecer ele, ou parar de perguntar, pra ver

se ele logo não aparece por aqui com a cara mais lisa. Eu não vou pedir para
o meu filho perdoá-lo, vou deixar que o Danilo escolha o que fazer. Quer
apostar como semana que vem chega um presente aqui em casa? Mais um pra
coleção.

Minha mãe suspirou, concordando. Terminamos de arrumar a mesa e


fui chamar o Danilo.
Já era quase três da tarde quando fui deixar o Danilo na aula de
catecismo, como ele ainda mancava, fomos de carro. Estacionei em frente à

igreja e ele desceu do carro e entrou no local, me dando tchau.

Como já estávamos quase sem produtos de higiene, fui andando até o


outro lado da rua para entrar no supermercado para comprar as coisas.
Resolvi esperar pelo Danilo por ali mesmo, já que as aulas duravam apenas

uma hora.

Depois de fazer as compras, deixei-as dentro do carro e fui até o


carrinho de sorvete do seu Clóvis. Sentei-me, esperando-o ir pegar o sorvete
de casquinha. Assim que me entregou, comecei a provar o sorvete, sentindo o
gosto da minha infância.

Todos os sábados, eu e minha mãe íamos até aquela mesma praça. Eu


perdi meu pai muito cedo, então ela fazia de tudo para que eu não me sentisse
triste.

De repente, senti uma coisa puxando a minha mão. Espantei-me e me


levantei rápido. Seu Clóvis começou a dar risada, pois um cachorro enorme
roubou o meu sorvete e devorou em questão de minutos. Coloquei a mão no
meu coração, pois achei que fosse um assalto. Olhei para o animal, que
lambia o chão limpando as últimas gotas do que sobrou do sorvete. Logo uma
voz grossa o chamou, repreendendo o animal.
–– Eu não acredito Fred, que você fez isso com a moça.

Eu reconheci a voz da pessoa e me virei. Quando ele notou que era eu,
ficou envergonhado, balançando a cabeça. O cachorro abanava o rabo em sua
direção.

–– Heloísa, mil desculpas, ele se soltou da coleira e correu para cá.

Fred não costuma fazer isso, eu estou sem acreditar até agora que ele fez isso.
Esse cachorro malandro!

Eu nem estava prestando atenção no que o Guilherme estava falando, e


sim em seu peito desnudo; ele estava todo suado e com a camisa amarrada na
cabeça. Fiquei sem reação quando ele me pegou no flagra. Notando que eu
estava devorando o seu peito, tirou a camisa da cabeça e a vestiu.

Então comecei a gaguejar:

–– Nã... Não precisa se desculpar, eu só me assustei, pois achei que

fosse um assalto. É difícil, mas acontece.

Senti algo lambendo a minha mão, abaixei os olhos na direção do chão,


era o cachorro lambendo. Comecei a gargalhar, era mesmo um cachorro sem
vergonha.

–– Fred venha aqui. –– O cachorro baixou o olhar e foi em sua direção,


Guilherme colocou a coleira nele. Fred sentou, colocando a língua para fora.
–– Se você quiser outro sorvete, fique a vontade para pedir ao senhor
Clóvis.

–– Não se preocupe, já está dando a hora de pegar o Danilo na igreja, a


aula já deve ter acabado.

–– E por falar nele, como ele está? –– perguntou interessado.

–– Mancando, mas vai ficar bem.

Olhei na direção da igreja e vi Danilo me procurando. De longe me viu


e olhou de um lado para o outro para atravessar a rua, devagar, caminhou em
minha direção. Quando notou o Guilherme, abriu o maior sorriso, mas seus
olhos brilharam quando viu o cachorro. Ele sempre gostou de animais,
quando morávamos na cidade de São Paulo ele tinha um hamster.

–– Oi mamãe. Oi tio Guilherme, esse cachorro é seu?

–– É sim, e você não acredita o que ele fez com a sua mãe ––

Guilherme disse divertido.

–– O que ele fez? Mordeu? –– Preocupou-se, olhando para as minhas


pernas.

–– Ele roubou o sorvete dela, esse cachorro safado.

Fred colocou as duas patas nos olhos como se estivesse com vergonha.
Todos nós rimos dele.

–– Ele é tão fofinho, e ainda toma sorvete. –– Danilo fez carinho em


sua cabeça. O cachorro começou a lamber a mão dele.

–– Posso ter um cachorrinho, mamãe? Acho que se o meu pai me ligar


se desculpando porque ele não quer mais passar as férias comigo, vou dizer

que só desculpo se ele me der um cachorrinho.

Meus olhos se encheram de lágrimas quando meu filho disse aquilo.


Ele sabia que o pai não queria passar as férias com ele. Virei meu rosto,
limpando uma lágrima que desceu. Guilherme percebeu, pois entregou a
coleira do Fred para o Danilo e se sentou ao meu lado. Danilo começou a
andar com o cachorro, mas sempre por perto.

–– Por que você está chorando? Por favor, se eu puder ajudar em algo,
me diga.

Eu não consegui dizer nada, apenas me joguei nos braços do


Guilherme. Ele me abraçou e eu chorei em seu peito, baixinho, sentindo o
cheiro do seu perfume misturado ao suor.
GUILHERME

Sem saber o que dizer ou fazer, somente deixei Heloísa chorar abraçada
a mim. Era um choro baixinho, ela não queria que eu ouvisse, mas não tinha
como não ouvir. Eu senti a sua dor. Supus que o marido, ou ex-marido, era o

responsável.

Ela saiu dos meus braços, envergonhada, olhando em volta para saber
do filho. Era uma mãe protetora. Quando viu Danilo brincando com o Fred,
relaxou. Dava para notar que era uma mãe perfeita, sempre preocupada com o
filho.

–– Desculpe-me, você não deve ter entendido nada, mas muito


obrigada por me dar apoio. Para que você entenda um pouco, eu não gosto de
ver meu filho triste, não sei se você é pai para me entender.

–– Não sou pai ainda, mas te entendo completamente. Acho que os

homens tinham que vir com uma placa de aviso na testa de: “Bom pai”. ––
Sorri sem jeito pelo meu comentário. –– Algum problema com o garoto que
eu possa ajudar? Eu notei a maneira que ele se referiu ao pai, sobre o
desculpar querendo um cachorro. Ele não é presente na vida dele, não é?

Ela assentiu.

–– Desde que nos separamos, ele não tem dado muita atenção para o
filho. Está sempre dizendo que está ocupado, ou que o bebê tira todo o tempo
dele. Danilo pode até ser esperto, mas eu sinto que ele sente falta do pai, e
isso parte o meu coração. Meu filho é a pessoa que eu mais amo no mundo,
eu sinto uma dor tão grande ao vê-lo assim tristinho. –– Ela olhou em direção
ao filho e começou a sorrir, o garoto jogava o graveto e Fred ia buscar. Os
dois já tinham se tornado grandes amigos.

Fred nunca foi um cachorro brabo, era bagunceiro e ia com quem


chamasse ele. Era dócil, na verdade. Os dois voltaram correndo e pararam
ofegante perto da Heloísa e eu.

–– Mamãe, eu posso tomar um sorvete? –– O garoto disse ofegante.

Peguei uma garrafa d’água, que sempre carregava na mochila, e ajudei


Fred beber um pouco.
–– Pode sim, mas, por favor, não se suje.

–– O Fred também quer tio Gui. –– Quando ele me chamava de tio Gui,

eu adorava. Mesmo não sendo tio dele, só o fato de ele me chamar assim
fazia com que eu me sentisse especial.

–– O Fred já tomou, aliás, roubou o sorvete da Heloísa. Se ele tomar


outro, vai ficar com dor de barriga, e não queremos isso, não é Fred?

Ele latiu discordando de mim.

–– Não sabia que cachorro tinha dor de barriga. Eles choram também?
Porque eu choro. Fui até ao médico naquela vez, né mamãe? Tomei injeção
na bunda.

–– Fred também já tomou injeção, porque como ele é safado e come de


tudo, uma vez comeu lixo e teve dor de barriga.

–– Eca, Fred! Não pode comer lixo –– ele disse, fazendo cara de nojo.

Danilo voltou, tomando o sorvete, e se sentou longe do Fred, que

reclamou, gemendo.

Olhei no relógio e já estava quase na hora de ir abrir a lanchonete. Dia


de sábado abríamos mais cedo. Tinha que passar em casa para deixar o Fred e
trocar de roupa, mas antes tinha que ter certeza se Heloísa estava bem ao
ponto de dirigir. Senti que ela ficou um pouco nervosa depois da nossa
conversa.
–– Preciso abrir a lanchonete, mas antes vou passar em casa. Você está
bem para ir dirigindo? Se não estiver, posso deixar vocês em casa.

–– Não precisa Guilherme, eu já estou bem. Vamos filho, pega a sua


mochila.

–– Poxa, nós temos que ir mesmo mamãe? Eu queria ficar mais um


pouco brincando com o Fred. –– Danilo fez uma cara triste.

–– Fred também já vai para casa, Danilo, mas amanhã nós podemos
levar ele para passear um pouco na cidade, o que acha?

Seus olhos ficaram enormes.

–– De verdade, tio Gui? Posso ir, mamãe, com o tio Gui levar o Fred
para passear amanhã?

Heloísa me olhou buscando uma resposta para saber se era sério o que
eu estava falando. Fiz um movimento com a cabeça afirmando que era sério.

–– Pode sim, contanto que se comporte e não faça nenhuma arte. Agora

precisamos ir.

Levei os dois até o carro, passei a mão nos cabelos do moleque,


bagunçado, enquanto ele se despedia do Fred. Virei para me despedir de sua
mãe.

–– Você poderia me passar o número do seu celular, para amanhã eu


ligar avisando a que horas passo na sua casa para buscar o Danilo?
Ela concordou, e eu entreguei meu celular para Heloísa anotar o seu
número. Despedimo-nos e eu fui para casa.

Precisava me reunir com os meus primos para me aconselhar.

∞∞∞

–– Chefe? –– Marcos bateu no meu ombro, o encarei sem entender.

–– O que foi? Aconteceu alguma coisa?

Ele sorriu de forma debochada.

–– Cadê o pedido da mesa três? Tem quase cinco minutos que a Leia
trouxe para o senhor fazer. A moça da mesa já veio reclamar.

Arregalei os olhos.

–– Puta que pariu, esqueci. Leva essa porção de batatas fritas por conta
da casa até que o pedido esteja pronto –– disse.

Ele balançou a cabeça, desacreditando que eu havia esquecido o

pedido.

Sempre tem a primeira vez.

–– Tudo bem chefe, tomara que a fera acalme. –– Gargalhou, saindo.

Depois de fechar tudo na lanchonete, saí e entrei no meu carro.


Algumas das garçonetes iam andando para as suas casas porque elas
moravam perto. Marcos era o único que morava longe, mas tinha moto.
Estacionei o carro e, logo estava abrindo a porta de casa.

Fred dormia, entretanto, quando ouviu o barulho, olhou na direção da

porta, porém permaneceu no mesmo lugar. Ele estava cansado mesmo. Passei
por ele, pegando em sua cabeça para fazer um carinho.

Após o banho, deitei-me para dormir. Estava tão cansado que logo
adormeci, todavia, antes pensei na Heloísa e no seu cheiro doce. Suspirei

tentando, de alguma forma, absorver aquele cheiro delicioso.

Heloísa, disse seu nome baixo, sentindo as minhas pálpebras pesadas,


então caí no sono.
HELOISA

Danilo quase não conseguiu dormir, estava tão ansioso pelo passeio
com o Guilherme e o Fred, que não parava de falar para a avó que o Fred era
um cachorro inteligente, que roubou o meu sorvete sem querer, que ele só

queria descobrir que gosto tinha. Onde já se viu roubar algo sem querer? Só
Danilo mesmo...
Mamãe não parava de achar graça dele tentando proteger o animal da
culpa. Eu estava feliz por meu filho estar contente e não ter ficado triste
porque o pai não iria buscá-lo nas férias.
A minha mente não parava de pensar em Guilherme. Era estranho para
mim esse novo sentimento, mesmo eu sabendo que podia não ser recíproco,
eu me pegava imaginando nós dois.
Depois que me separei do Jonas, eu decidi viver para meu filho e o

meu trabalho, era tudo o que eu queria depois que voltei para São José —
mas as coisas nem sempre saem como queremos. Desde que vi Guilherme,
pela primeira vez, me olhando, meu coração bateu forte. Tinha momentos que
percebia que ele me olhava de forma diferente — não sei explicar bem —,

mas devia ser coisa da minha cabeça.


Após o divórcio, eu nunca mais fui à mesma; passei a usar roupas
largas e voltei a usar óculos em vez das lentes — meus óculos eram grandes
e, pouco me importava. Nem aparentava ter 31 anos, parecia que tinha mais.
Contudo me deu vontade de voltar a usar as lentes em vez dos óculos
enormes e as minhas roupas de antes, sem ser as largas.
Será que alguém vai notar se eu voltar a ser eu novamente? Com esse
pensamento, fui para o meu quarto, desfiz o coque dos meus cabelos

deixando-os caírem livres em minhas costas, tirei os óculos e a minha visão


embaçou um pouco. No outro dia, colocaria as lentes.
Deitei-me na cama, a espera do sono que não veio. O que me restou
fazer foi fechar meus olhos e tentar dormir.
∞∞∞
–– Mamãe, mamãe, já amanheceu. Quero logo tomar meu café e me
arrumar para esperar o tio Gui.
Abri meus olhos e vi Danilo de pé ao lado da minha cama, com os
cabelos bagunçados. Bocejei antes de olhar as horas no despertador.

–– Meu filho são 7 horas da manhã... E o Guilherme disse que ligaria


antes –– disse, prendendo o meu cabelo e procurando os meus óculos.
–– Ainda é cedo, mamãe? Eu só não quero me atrasar porque o tio Gui
pode desistir de me esperar.

Bati no colchão para ele se sentar. Assim que se sentou, eu comecei a


falar:
–– Ele não vai desistir não meu amor, Guilherme tem palavra. Agora
vamos descer para tomar aquele café reforçado e fazer um lanche para você
levar.
Danilo se levantou, animado. Depressa, correu descendo as escadas.
Sorri vendo o entusiasmo dele.
Assim que Danilo foi para o banho, eu arrumei a mochila dele,

colocando alguns sanduíches e suco na garrafinha dele. Mamãe tinha saído


cedo para a cidade, ela tinha ido à casa da tia Marlene, a sua irmã.
Meu celular tocou, atendi quando vi o número desconhecido piscando
na tela. Era Guilherme, só podia ser então atendi.
–– Alô? –– Minha voz saiu baixa e rouca.
–– Bom dia Heloísa, sou eu, o Guilherme. –– Ele estava ofegante.
O que será que estava fazendo?
–– Bom dia Guilherme, tudo bem?
–– Está tudo bem. Eu só liguei para avisar que estou terminando a

minha corrida matinal; vou tomar meu banho e meu café e, dentro de meia
hora estou indo buscar o Danilo. Tudo bem para você?
Ele só estava correndo. Pensei aliviada.
–– Tudo sim, ele já acordou e está todo eufórico com o passeio.

Guilherme?...
–– Sim, Heloísa?
–– Obrigada pelo seu gesto com o meu filho, eu não vou me esquecer.
–– Não precisa agradecer Heloísa, eu gosto do garoto e só quero que
ele fique feliz. Agora preciso de um banho, até breve. –– Assim que ele
desligou o celular, fiquei com o aparelho agarrado ao meu peito. Era uma
sensação estranha, mas boa.
Subi para ajudar o Danilo a se arrumar. Já que ele ia sair com o

Guilherme, eu iria aproveitar para ir ao salão da Andréia, fazia um tempinho


que não aparecia por lá.
Quando ela me olhar vai se admirar. Pensei.
Abri a porta do quarto do Danilo. Ele estava só de cueca, olhando para
as roupas, indeciso.
–– Guilherme ligou filho, ele disse que em meia hora passa aqui para
pegar você. Acho bom você ir de bermuda e camiseta, leva o seu moletom
caso esfrie.
Depois do Danilo se arrumar, Guilherme chegou. Ele estava vestido

casualmente, seus cabelos ainda estavam molhados. Ao nos ver na porta,


caminhou sorridente com Fred na coleira.
–– Bom dia Danilo. Heloísa, tudo bem?
Danilo correu e o abraçou, senti que ele ficou emocionado e sem jeito.

–– Eu já estou pronto tio Gui –– disse, passando a mão na cabeça do


cachorro, que latiu animado.
–– Você não quer vir conosco, Heloísa?
–– Vem mamãe, vai ser tão legal.
–– Vou aproveitar que o Danilo vai com você e vou ao salão arrumar o
cabelo e as unhas.
Ele sorriu parecendo que gostou do que eu disse.
–– Então está tudo certo, nós iremos à fazenda do meu primo Kenny

andar a cavalo e pescar. O que acha Danilo?


Ele arregalou os olhos, não acreditando que ia a fazenda.
–– Eu já fui lá uma vez, no passeio da escola, mas nunca pesquei e
nunca andei a cavalo. Eu até tentei montar em um pequenininho, mas ele saiu
correndo, aí eu caí no chão –– Danilo contou como se recordasse o momento.
–– É por isso que dessa vez você vai ficar longe dos cavalos quando
estiver sozinho, entendeu? Qualquer reclamação do Guilherme, você ficará
de castigo novamente, dessa vez sem televisão –– disse de forma mansa.
Danilo juntou as mãos e jurou, me fazendo sorrir.

Era um traquino mesmo.


–– Vá pegar a sua mochila, coloquei uma roupa extra, seu boné e o seu
lanche.
Danilo entrou, me deixando a sós com o Guilherme.

–– Não precisa de lanches, na fazenda tem muita coisa, além das frutas
das árvores. Não se preocupa que ele não vai subir nas árvores –– disse
apontando para o Danilo, quando ele voltou com a mochila. Antes de ele
colocar nas costas, tirei o sanduíche.
–– Você se comporta, hein Danilo. E obedeça ao Guilherme.
Ele balançou a cabeça.
–– Tchau mamãe.
Abraçamo-nos, beijei sua cabeça, me sentindo feliz por ele ir se

divertir.
Danilo foi em direção ao carro do Guilherme, enquanto ele ficou
olhando para mim. Eu fiquei sem palavras. Mas precisava agradecer mais
uma vez.
–– Mais uma vez, te agradeço. Eu sei que você não quer mais que eu
agradeça, mas é impossível. Espero que o passeio seja maravilhoso e que
vocês de divirtam.
Seu sorriso tímido apareceu nos lábios.
–– Na próxima vez você virá conosco, e eu não vou aceitar um não

como resposta. Agora, deixe-me ir senão o Fred começa a latir. –– Guilherme


abaixou o rosto e beijou minha bochecha.
Tive que disfarçar o formigamento que me deu rapidamente.
–– Até mais, Heloísa.

–– Até mais, Guilherme.


Ele deu as costas, entrando no carro. Danilo estava na janela dando
tchau para mim. Emocionada, eu acenei para o meu filho, vendo o quanto ele
estava feliz. Uma última olhada para o Guilherme, para ele saber o quanto ele
estava me fazendo feliz, mesmo que ele não soubesse diretamente. Fiquei
fora até o carro sumir na estrada.
Com um suspiro emocionado, entrei em casa, agradecendo baixinho
por aquele homem ter aparecido e virado amigo do meu filho.
GUILHERME

–– Tio Gui, o senhor tem namorada? –– Danilo, olhando para mim,


perguntou.

Se eu não tivesse concentrado na direção, com certeza teria falhado na

curva que acabei de fazer para entrar na fazenda do meu primo Kenny.

Aquele menino tinha cada pergunta! A primeira foi se eu tinha filhos,


quando disse que não, ele perguntou o porquê. Mudei de assunto dizendo que
Fred estava com sono e precisava de silêncio para dormir. Ainda bem que ele
não insistiu.

Estacionei meu carro e, em seguida, abri a porta para Danilo e Fred


saírem. Assim que o cachorro desceu do carro, foi logo correndo na direção
dos outros cachorros da fazenda. Ainda bem que eles se conheciam desde
novinhos, senão seria uma brigalhada doida entre eles.

Assim que caminhamos em direção à entrada, avistei Liliana, a


empregada da casa, voltando da horta com a cesta cheia de legumes. Quando
me viu, sorriu alegre, mas seus olhos eram questionadores quando olhou para
o Danilo ao meu lado, segurando seu boné na mão. Teria que explicar muita

coisa, eu sabia que seria vítima de piada engraçada pelo tempo que ficaria ali.

–– Bom dia Liliana –– disse, me aproximando dela.

–– Quando Kenny avisou que vocês viriam, achei que fosse mais tarde.
Bom dia Guilherme. Oi Danilo, tudo bem?

–– Tudo sim tia. Sabia que eu vou pescar? Se eu pegar um peixe


grande, vou te dar pra você cozinhar para gente.

Liliana me olhou, mas evitou perguntar algo perto do garoto.

–– Vamos entrando, seu Kenny já deve ter acordado.

Acompanhamos a Liliana e entramos na casa, o lugar era enorme. Não


sei como o meu primo aguentava viver ali sem sair para outro canto, vivia
enclausurado ali dentro. Por falar nele, ouvi a voz dele vindo da sala, ele
falava ao celular com alguém e parecia não estar de bom humor. Olhei para a
empregada e ela entendeu e chamou o Danilo.

–– Venha comigo, Danilo, preciso te mostrar as árvores que vocês


plantaram quando vieram visitar a fazenda naquela vez, elas já cresceram um
pouco. Depois você volta aqui para a sala.

Danilo olhou para mim e, eu balancei a cabeça dando autorização para


ele ir com ela. Segui para a sala onde o meu primo mal-humorado estava.

–– Bom dia. Já vi que acordou em um péssimo humor.

Ele me olhou, sentando na poltrona ao lado.

–– E você todo animadinho dando uma de pai do filho da diretora do


colégio. Quando me ligou ontem, quase não acreditei no que eu tinha ouvido.
Quem diria? Guilherme Alencastro fazendo uma boa ação para uma criança
órfã de pai vivo. Tenho certeza que você quer a mãe dele em sua cama.

Encarei-o de cara feia.

–– Nem todo mundo tem o coração feito de pedra que nem o seu,
Kenny. Eu me pus no lugar do garoto, você sabe que o meu pai era ausente, e
sempre mentia dizendo que ia me ver aos finais de semana, mas já tinha era

outra família. Eu só não quis que ele sofresse mais do que já sofre, é uma
criança apenas. –– Tentei me defender.

–– Que lindo, soou tão altruísta –– disse ele debochando do meu ato de
bondade.

–– Foda-se você –– retruquei e me levantei. –– Mas falando sério cara,


eu gosto do garoto, ele é muito esperto e me lembra muito eu quando era
criança. Só que também tem o fato da mãe dele, ela é linda –– disse
abobalhado.

–– Linda ela não é, as roupas que ela usa não ajuda e aqueles óculos
enormes também não. Mas é uma mulher simpática. –– Seu sorriso era cínico
quando me olhou.

–– Não tenho culpa se você não gosta da fruta e fica pondo defeitos nas

mulheres. Heloísa é uma mulher linda sim, suas roupas largas, ou seus óculos
grandes, não definem a sua beleza porque ela é uma ótima mãe e uma grande
mulher.

A gargalhada que ele deu... aposto que foi ouvida na cidade vizinha.

–– Você está apaixonado, seu idiota, e ainda não se deu conta –– ele
afirmou.

–– Já disse que estou fazendo isso pelo garoto, mas não nego que a mãe
dela mexe comigo. Só que eu nunca tive um relacionamento com ninguém,

imagina com alguém que tem um filho. Preciso reunir o resto dos caras para
um papo sério, vou ligar para o Theo e o Alex para um chope na minha
lanchonete, e você não me venha com desculpas, pois foi o primeiro a ser
informado.

–– Você está fodido, meu primo, e os outros vão dizer a mesma coisa.
Agora vamos pescar e parar de falar de mulheres e filhos, esses dois assuntos
não se encaixam na minha vida. –– Ele se levantou, indo em direção ao

quarto onde guardava o material de pesca.

Minutos depois, saímos da fazenda. Kenny foi pegar o Jeep, pois o lago
era longe da fazenda. Danilo chegou todo suado e com o rosto corado de
tanto correr com Fred.

–– Tio Gui, o Fred fez cocô perto das vacas, ainda bem que saímos

correndo antes que uma delas corresse atrás da gente –– disse baixo como se
fosse um segredo.

–– Oi tio Kenny.

–– Oi garoto, não apronte nada –– Kenny disse.

Passei as mãos na cabeça do Danilo, sorrindo para descontrair. Danilo


pegou na minha mão, me fazendo prestar atenção nele.

–– Acho que o tio Kenny não gosta de crianças –– disse bem baixinho.

–– Na verdade, eu até gosto, mas elas lá na casa delas, e eu na minha.

–– Seu comentário saiu de forma seca. Era inacreditável como ele nunca
pensava antes de falar.

–– Kenny é um bobo –– disse piscando para Danilo

–– Eu ouvi isso –– Kenny disse, passando na nossa frente.

Assim que chegamos ao lugar, Kenny estacionou o Jeep. Eu ajudei


Danilo a descer e, após, peguei o isopor com as coisas de pesca. Andamos um
pouco até chegar à margem do lago, a vista era linda com tantos pássaros
voando no céu e uma imensa área de mata verde ao nosso redor. Fred correu

quando viu alguns passarinhos nos galhos das árvores baixas. Deixei o balde
no chão com as comidas para os peixes. Kenny, com as duas mãos na cintura,
começou a admirar a vista. Ele herdou a fazenda e, desde o momento que
herdou, ele nunca descuidou do lugar.

–– Caramba tio Gui, olha o tamanho desse mar –– Danilo disse,


arrancando uma gargalhada minha e do Kenny.

–– Isso é um lago garoto, mar não tem fim. Nunca viu o mar?

Ele negou.

–– Um dia, quem sabe, você não possa ir ver o mar, mas agora vamos
pescar. Venha Danilo, vou te ensinar.

O garoto veio correndo na minha direção, sorrindo.

Danilo já estava posto em seu lugar, esperando o peixe morder a isca.

Eu fiquei parado perto dele para o caso de ele não conseguir puxar a linha.
De longe, Fred latia.

–– Esse cachorro não sossega –– Kenny reclamou das latidas do Fred.

–– Tio Gui, eu peguei um peixe, olha só, ele comeu a isca.

–– Isso aí garoto. Puxa.

–– Caramba, garoto, esse é dos grandes. Deixa eu te ajudar.


Puxei a linha e o peixe veio pulando, era grande, com certeza daria um
ótimo assado. Coloquei dentro do isopor, admirado com o tamanho do peixe.

Kenny pegou outro, mas foi menor, então devolveu ao lago. Aproveitei que
estava calor e tomai um banho no lago. Danilo não quis; com certeza o garoto
tinha medo de entrar no lago. Ajudei Danilo a pegar algumas frutas no pé,
em seguida fomos para a fazenda.

Do lado de fora, comecei a limpar o peixe, em seguida, fiz o fogo


enquanto Liliana trazia a panela do arroz. Admirei-me que Kenny comeu
conosco, mas ele não perdia tempo para me zoar, porque me preocupei
tirando a parte da espinha antes de entregar o pedaço de peixe para o Danilo.
Com certeza a minha vez iria chegar e eu não perderia tempo em devolver a
mesma piada que ele fez comigo.
HELOISA

Três semanas se passaram desde que o Danilo foi para a fazenda do


Kenny a passeio com o Guilherme, ele passou uma semana falando do

enorme peixe que pegou, fez até o Guilherme me enviar a foto dele com o
peixe. Claro que ele me fez revelar a imagem e pôr em um porta-retratos, que
ele pôs em seu quarto, todo orgulhoso.

Todas as manhãs, quando ia acordá-lo, ele olhava a foto, pois


Guilherme estava junto com ele.

A última vez que nos vimos, foi na missa de domingo. Guilherme


estava junto com o Alex e, quando me viu sem óculos e com roupas do meu

tamanho, esboçou um pequeno sorriso. Não me passou despercebido Alicia

dando língua para o Danilo e ele retribuindo. Alex, desconfiado, pediu


desculpas pela filha, fiz o mesmo pelo Danilo. Na verdade, ela estava com

ciúmes porque Guilherme e Danilo viraram amigos.

Após a missa, Danilo correu na direção do Gui e, eu tive que ir atrás

dele. Após conversamos um pouco, ficou acertado de irmos à lanchonete


qualquer dia.

No dia seguinte já seria o arraial do colégio, professora Mariana, que


tinha ensaiado com eles, disse que todos estavam prontos. Cada aluno já
estava com a sua roupa de dançar quadrilha, os pais nos ajudaram com a
arrumação e alguns deles ficariam nas barracas. Tinha certeza que a festa
seria muito prazerosa. Kenny doou milhos verdes para vender, queijos e leites
para o mingau. Era certo que tinha dedo do Guilherme no meio, já que ele viu

que estávamos fazendo bingo para comprar os ingredientes para a pamonha.

Depois do banho, fui conferir se Danilo já estava dormindo, em


seguida, fui para o meu quarto, já me deitando na minha cama por sentir o
peso do cansaço me pegar.

∞∞∞
Ouvi o galo da dona Violeta cantando e supus que já tinha amanhecido.
Espreguicei-me, levantando. O cansaço do meu corpo tinha desaparecido.

Primeiro decidi tomar um banho, para depois descer para acordar o


Danilo. Com certeza, ele estaria eufórico por conta da festa junina no colégio.

Contemplei meu rosto no espelho e sorri animada. Durante quase dois

anos em São José, eu nunca tinha tomado a decisão radical de mudar, mas
nessa vida temos que evoluir. Na escola foi tão engraçado quando cheguei de
visual novo, os professores ficaram espantados, mas logo me elogiaram
dizendo que eu estava linda, até o professor de Educação Física me olhou
com admiração.

De banho tomado, desci vestida em um roupão. Passei no quarto de


Danilo, ele estava acordado, sentado no chão brincando com o seu carrinho
de controle remoto.

–– Bom dia filho, já escovou os dentes? –– disse antes de beijar a testa


dele.

–– Já, só não tomei banho ainda, estou esperando a vontade chegar ––


disse sério, me fazendo rir.

Abri a janela do seu quarto deixando o ar entrar no ambiente.

–– Então já que a vontade não chega, vá assim mesmo; vou aproveitar


e ir até a padaria comprar pão quentinho. Vê se não demora nesse banho, viu
seu Danilo?

–– Sim mamãe –– respondeu já dentro do banheiro.

Vesti um vestido básico, prendi os meus cabelos e saí para ir até a


padaria. Não era muito longe, então decidi ir a pé mesmo. Seu Nonato fazia

um pão caseiro que era uma delícia. Entrei no ambiente e um latido me fez
virar para saber de onde vinha, era Fred do lado de fora com Guilherme
segurando a sua coleira; fiquei na dúvida se o cachorro latiu porque me viu,
deve ter me reconhecido.

Peguei o pão no balcão e paguei, saindo em seguida.

–– Bom dia Heloísa. –– Guilherme tinha parado para falar comigo,


estava de óculos escuros e todo suado.

–– Bom dia Guilherme. Não acredito que Fred me reconheceu, ou ele

latiu para algum bicho na rua? –– perguntei abobalhada.

–– Tenho certeza que ele reconheceu você sim. Estava correndo e, de


repente, ele parou. Ainda tentei puxá-lo, mas nada o fez sair do lugar. Esse
cachorro só faz o que quer – disse sorrindo.

–– Ele é muito esperto mesmo. Agora me deixa ir, deixei o Danilo no


banho e a minha mãe não está em casa... Já sabe né? O garoto é bem arteiro.
A última vez, ele colocou todo o xampu dentro da banheira e foi espuma para
tudo que é canto, tivemos que trocar o guarda-roupa do quarto dele porque

estragou.

–– É inacreditável! Se fosse outra pessoa me contando eu não


acreditaria, mas como é você e sei que não mente, eu acredito piamente.
Danilo é um verdadeiro mini terrorista –– disse sorrindo, mas de repente

ficou sério. Suspirou antes de falar: –– Eu gosto muito do garoto, ele me


lembra muito eu quando tinha essa idade, mas nunca tive um estilingue e é
isso que diferencia a nossa historia.

Sorri pela admiração que ele tinha com o meu filho.

–– Pode apostar que ele gosta muito de você. Se dependesse dele, todo
dia iria à lanchonete, ou na sua casa para ver o Fred. Ontem mesmo estava
me aperreando por isso, mas claro que eu não iria te atrapalhar levando ele
até a sua casa.

–– Não atrapalha em nada, Heloísa. Querendo, é só aparecer, mas avisa


antes para eu arrumar a bagunça que esse mini terrorista faz.

Fred reclamou do apelido, rosnando.

–– Tudo bem. Até mais.

–– Até mais tarde no arraial do colégio. –– Sorriu, correndo em


seguida.

Comecei a andar na direção de casa, vi a dona Violeta do portão e


apressei os meus passos.

Será que o Danilo tinha aprontado?

–– Bom dia dona Violeta. Aconteceu alguma coisa? –– Já estava

nervosa.

–– Bom dia minha filha, não aconteceu nada não. Apenas vim aqui
para você me emprestar um pouco daquele xarope. Ruy está tossindo muito,
mas o teimoso não quer ir até o posto de saúde. Bati palmas, mas ninguém
respondeu, então fiquei esperando.

Senti um alivio enorme por ser apenas o xarope.

–– Entra, vou pegar. E não precisa devolver, quando for à cidade,


compro outro.

Entreguei o xarope para ela, que saiu me agradecendo. Chamei Danilo


e ele desceu com os cabelos penteados.

–– Tinha alguém batendo palmas, mas eu estava no banho, ou seja, eu


estava pelado, não poderia sair para atender.

Balancei a cabeça, desacreditada das palavras daquele menino.


Tomamos nosso café e Danilo não parava de dizer que teria que dançar com
Alicia logo mais a noite, que ela pisava no pé dele de propósito, e também

que ela era chata, encrenqueira e feia.

A garota não era nada daquilo, aliás, era uma boneca de tão linda.
Aquilo era implicância dos dois. Tanto ele quanto ela viviam de birra, e a
coisa complicou mais um pouco quando Danilo virou amigo do Guilherme.

Danilo foi assistir desenhos enquanto eu fui lavar as louças do café.


Como sobrou muita comida da janta, resolvi apenas esquentar para o almoço.
Resolvi também trabalhar um pouco em casa.

Quando deu por voltas das cinco da tarde, minha mãe chegou toda
animada, parecendo o Danilo.

Em meia hora, estávamos todos arrumados. Danilo, com o seu chapéu


de palha e roupa de caipira, estava tão lindo que os meus olhos lacrimejaram.

Eu também não poderia deixar de ir a caráter, usava um vestido de caipira


todo florido.

Às dezoito horas, estacionei o carro no estacionamento do colégio. A


música estava bastante alegre e as crianças corriam de um lado para o outro,
divertindo-se. Os pais, que se responsabilizaram, já estavam nas barracas de
comida e, graças a Deus, estava vendendo muito.
–– Tio Gui. –– Danilo correu na direção do Guilherme.

Ainda bem que eu estava de sapatilhas, porque se tivesse de saltos eu


teria me desequilibrado e caído.

Guilherme não tirava os olhos de mim um minuto sequer. Com certeza


o primo, Alex, percebeu, pois sorriu tocando no ombro dele e foi em direção

a pescaria. Ele levou Alicia para ir brincar enquanto Guilherme se


aproximava de mim, com Danilo segurando a sua mão. Parecíamos uma
família, estávamos até combinando no tom das roupas.

–– Você está linda, bem que Danilo disse.

Como assim Danilo disse? Não deu nem tempo dos dois conversarem.
Fiquei sem entender.

–– Desculpe-me te dizer isso agora, mas o pestinha mandou uma


mensagem do seu celular dizendo: ‘‘Eu estou linda’’, só notei que a

mensagem não era sua porque, ao invés da letra N, ele pôs o M na palavra
linda.

Era inacreditável o que eu tinha acabado de ouvir, meu filho servindo


de cupido para Guilherme e eu!

Deixa só chegar em casa, vai ficar de castigo até o fim do mês.


Pensando bem, até o final do ano.
–– Em casa conversaremos, agora já está na hora de você ir até a
professora Mariana, ela já está chamando para se reunir para a dança. Se

comporte e respeite a sua amiguinha, não implique com ela, porque o senhor
já está bem encrencado por hoje. Estamos entendidos?

–– Sim mamãe. –– Ele foi de cara fechada.

Ainda estava sem acreditar no que ele tinha aprontado.

–– Desculpe Heloísa, é que eu achei que você soubesse da mensagem


–– Guilherme disse com pesar, era certo que estava com pena do Danilo.

–– Não se preocupe, hoje é dia de festa. Vou ali na barraca do suco


tomar um copo para relaxar.

–– Vou com você, e pode deixar que eu pago. –– disse ele, colocando a
mão nas minhas costas para me guiar entre as pessoas, que toda hora parava
para falar comigo, elogiando a festa e toda a organização.

Sentamo-nos em uma mesa junto com Alex, ele admirava a filha. Ela e
Danilo dançaram direitinho, não implicaram um com o outro.

Um tempo depois, nós comemos e bebemos, Danilo pescou vários


brindes na pescaria, no tiro ao alvo Guilherme ganhou um urso e me deu,
fazendo meu coração disparar com a sua gentileza.

Era quase 21 horas quando saímos da festa, ainda tive que ajudar a
conferir toda renda da festa e foi mais do que imaginávamos. Com certeza,
iríamos poder dar início à reforma da quadra da escola.

Ao chegar ao pátio, deparei-me com Guilherme. Imaginei que ele


tivesse ido embora com Alex, mas ele estava me esperando.

–– Vamos pessoal? Estou tão cansada, com certeza amanhã nem irei

levantar da cama.

–– Tem que levantar sim, eu convidei o Guilherme para almoçar


conosco amanhã. Estávamos conversando, ele disse que manda bem no
churrasco e como a nossa churrasqueira nunca foi usada, eu o convidei para
estreá-la. Agora vamos, porque amanhã cedinho eu e Danilo vamos ao
mercado comprar as carnes –– minha mãe disse, seguindo para o carro.

Olhei para Guilherme, ele ficou sem jeito.

–– Eu não tive como dizer não, ela mãe me ameaçou –– disse sem

graça.

–– Ameaçou como?

–– Ela disse que se eu não fosse ao almoço, ela iria dizer que comeu
sanduíche estragado na minha lanchonete. Mas eu sei que ela está brincando.
Ou não?

–– Claro que ela está seu bobo. Mamãe não faz mal a uma mosca,
imagina a você.

–– Ufa, que alívio! Até amanhã, Heloísa.

–– Até amanhã, Guilherme.


GUILHERME

Não sei por que eu estava nervoso, era apenas um almoço e estava me
comportando como se eu fosse me casar. O que era mais estranho era que eu
nunca me imaginei casando.

Já tinha acordado tinha mais de duas horas, tinha tomado meu café,
aproveitei e temperei um pouco de carne para fazer hambúrguer assado. Na
hora em que estava temperando, lembrei-me da conversa que tive com os
meus primos, marquei na minha lanchonete depois do expediente, pois tinha
comprando uma caixa de cerveja, eu queria me aconselhar com eles, mas fui
foi alvo de piadas por parte deles a conversa toda. Todos tinham rabo preso
com mulher, mas, mesmo assim, eles me zoaram.

Theodoro disse que eu tomei no cu, definitivamente, por me apaixonar


pela diretora do colégio, que tinha um filho que era pior que o garoto do
filme Dennis, O Pimentinha. Em seguida, foi à vez do Kenny de soltar as
suas grosserias para o meu lado. Ele estava puto porque eu tinha demorado a

entregar a carta que a Liliana tinha deixado comigo. E eu lá ia saber que a


carta se tratava do sumiço dela, deixando uma criança para ele criar?

Bem feito pra cara dele, ela fez foi pouco, o filho tinha que ser gêmeos,
porque só um era pouco demais pra aquele filho da puta de coração de pedra
criar. O único a me dar apoio foi Alex, porque ele também estava na mesma
situação que eu. Se bem que a dele era pior que a minha; o cara foi se
apaixonar por uma mulher que já sofrera violência doméstica — não deve ser
fácil. Tinha certeza que se o diabo não tivesse levado aquele filho da puta

para o inferno, Alex o mandaria na mesma hora que o encontrasse.

Mas voltando a minha situação, os três disseram na minha cara que eu


estava fodido, porém, depois de quase uma hora me xingando, eles me deram
apoio. Disseram que se o Danilo me acertasse a cabeça com o estilingue,
quem sabe eu não voltasse ao normal e fosse o Guilherme de antes.

Entretanto, a verdade era que eu não queria voltar ao normal. Heloísa


foi à primeira mulher que me despertou essa vontade de querer namorar,
casar e, talvez, ser pai. Contudo, claro que eu também estava ciente de que

ela poderia querer apenas a minha amizade, porque eu fazia bem ao filho dela
— dei apoio ao menino quando ele estava triste. Na festa, me deu uma
imensa vontade de beijá-la, entretanto me contive.

Notei que a dona Margarete queria me aproximar da filha. Até Danilo


estava servindo de cupido para nós dois.

Se eu tiver uma brecha no almoço, vou convidá-la para um jantar no


melhor restaurante da cidade. Pensei.

Com tudo em ordem, eu peguei o recipiente com as carnes prontas e


coloquei no carro. Em seguida, Fred entrou e ficou esperando eu fechar a
casa. Depois de quinze minutos, já estava em frente à casa da Heloísa. Saí do
carro, bati palma e Danilo veio abrir o portão.

–– Oi tio Gui. Você trouxe o Fred, que legal! Entra, a mamãe e a vovó
estão nos fundos do quintal. Está tudo pronto para o churrasco. Venha Fred,
vou te mostrar o meu pula-pula.

Assim que cheguei aos fundos do quintal, dona Margarete veio me


ajudar com o recipiente com as carnes de hambúrguer e a sacola com alguns
pães.

–– Nossa, Guilherme! Não precisava trazer nada não, filho –– dona


Margarete disse.

–– Eu quero que vocês provem o hambúrguer assado, é uma delícia.


Tudo bem, Heloísa? — Notei que ela estava um pouco triste.

O que será que tinha acontecido?

–– Está tudo bem sim, Guilherme. –– Sua voz saiu baixa.

–– Está tudo bem mesmo? –– Aproximei-me mais dela.

–– Alguns problemas apenas, mas vamos deixar isso pra lá. Vamos
cuidar do churrasco, pois eu estou morrendo de fome. Quase não durmo
pensando em você. –– Seus olhos tão azuis me fitaram. –– Quis dizer, no

churrasco –– consertou a fala.

–– Eu quase não durmo pensando em você mesmo –– disse sincero.

–– Guilherme não diga isso...

–– Por que não, se é verdade? Eu não sou mais um adolescente para


andar inventando coisas não, Heloísa. Se eu digo que eu quase não dormi
pensando em você, é porque é verdade.

–– Não quis dizer que você mente, é só que nem nos conhecemos
direito. –– Seu rosto ruborizou, deixando-a linda.

–– Não seja por isso, deixe-me apresentar-me. Meu nome é Guilherme


Alencastro, sou dono da lanchonete Delicia’s do chefe, tenho 32 anos, nunca

me casei, e nem namorei pelo que eu me lembro, mas também não sou
virgem. Desde que eu te vi voltando da escola naquele dia, eu fiquei
fascinado por você. Eu adoro o seu filho, ele é como se fosse meu, não gosto
de vê-lo triste e nem decepcionado. Se você quiser me conhecer mais, é só
aceitar jantar comigo no sábado que vem. O que acha?

–– Uau! Vovó venha aqui! O tio Gui convidou a mamãe para jantar
com ele. Eu posso ir também, tio Gui?

Não teve como segurar a risada. Aquele garoto era muito engraçado.

–– Dessa vez não, garotão. É uma conversa de adultos.

–– Conversas de adultos são beijos.

–– Danilo, que conversa é essa? Quem te falou isso? –– Heloísa


repreendeu o filho.
–– Eu vi no filme mamãe.

–– Isso não é conversa para uma criança. Agora vá passear no quintal


com o Fred.

–– Você vai namorar a minha mãe, tio Guilherme?

–– Danilo!

O garoto saiu correndo, Fred foi atrás. Eu comecei a gargalhar, o


garoto era uma peste mesmo.

Depois de tudo pronto, começamos a comer. Heloísa estava mais à


vontade e alegre. Os hambúrgueres assados não sobraram nem um. Já era
quase três da tarde quando me despedi de todos; o pestinha estava dormindo
na rede debaixo da árvore, e Fred embaixo roncando. Estava apenas eu e
Heloísa conversando e nem vimos às horas passando.

Tomamos umas três cervejas cada um, ela ficava linda corada do sol.
Ela me contou um pouco do casamento e da vida que levava em São Paulo
com o ex-marido. Não quis entrar muito em detalhes e mudamos de assunto.
Ela me perguntou da minha família, claro que eu disse que o meu pai era um
irresponsável, por tudo que ele fez conosco, minha mãe morreu quando eu
ainda estava na faculdade, e desde lá me cuidei sozinho. Tinha uma irmã
mais nova, mas não era próximo dela, porque eu transferi a culpa de tudo que

a mãe dela fez com a minha. Mas ela não tinha culpa alguma, nem mesmo a

sua filha, que já tinha 10 anos; mesmo assim, eu não conseguia me aproximar
das duas.

Somente o destino ficaria encarregado de nos unir, quem sabe um dia.

Despedi-me da Heloísa, com a certeza de que, no sábado, iríamos à


cidade jantar e aproveitar para nos conhecermos melhor. Dei um beijo em seu
rosto e entrei em meu carro. Ela acenou e eu dei partida no carro, pegando a
estrada.
HELOISA

–– Tem certeza que esse vestido não está curto demais não, mamãe?
Essa maquiagem e esse penteado que a Andréia fez, ficaram bons mesmo?
Estou achando um tanto chamativo.

Minha mãe revirou os olhos.

Eu estava usando um vestido preto colado ao corpo e sapatos de salto.

–– Deixa de ser boba Heloísa, você está linda. Guilherme vai babar.

–– Por que o tio Gui vai babar na mamãe, vovó? Eca! –– Danilo disse
do sofá, de olho na televisão, mas os ouvidos estavam na nossa conversa.
Eu estava me arrumando para ir jantar com o Guilherme.

–– É uma maneira de dizer que ele vai achar ela linda, Danilo ––
mamãe explicou.

–– Adultos complicam tudo. Por que a senhora não falou logo que ele
ia achar ela bonita, em vez de babar?

Mamãe não aguentou e caiu na gargalhada.

–– Eu acho que você tá muito bonita, mamãe. Vocês vão para um


encontro romântico, né?

Fiquei sem saber o que dizer, não queria dar falsas esperanças para o
meu filho.

–– Vamos nos conhecer primeiro filho. Mas já somos amigos, é o que


importa.

–– Tomara que vocês namorem, porque a chata da Alicia disse ontem


na escola que o pai dela vai namorar a moça que cuida dela. E eu disse que
você também vai namorar o tio Gui, ela saiu mostrando a língua pra mim,
dizendo que era mentira. Eu não minto, né mamãe?

Era inacreditável aquela competição dele com Alicia. Mas eram apenas
crianças.
Guilherme me enviou uma mensagem informando que já estava
chegando. Aconselhei Danilo a ir dormir antes das dez horas, para não me

esperar. Guilherme já estava me esperando do lado de fora. Como estava com


tempo de chuva, achei melhor levar um casaco.

Ao sair pelo portão, ele já estava do lado de fora com a porta do carro
aberta. Entrei, agradecendo, ele deu a volta e entrou também, ele estava lindo

vestido com uma jaqueta preta e calça jeans desbotada, seus cabelos ainda
estavam molhados, senti o cheiro do seu perfume quando ele sentou.
Colocando a mão no volante, olhou para mim com admiração.

–– Você está linda pra caramba, Heloísa. –– Seus belos olhos estavam
brilhando e fixados em meus lábios.

–– Obrigada, você também está maravilhoso. Gostei do cheiro do seu


perfume.

–– Que bom. Se quiser sentir mais de perto, eu prometo que não vou
achar ruim – disse me fazendo sorrir.

Era um brincalhão.

–– Adoraria sentir seu cheiro bem de perto, só que se não sairmos


agora, iremos chegar tarde. Também pode começar a chover. Então vamos
deixar esse negocio de cheiro para depois.
–– Tem razão, mas vou me lembrar dessa promessa depois.

Após mais de uma hora, chegamos. O trânsito estava horrível. Paramos


em frente ao restaurante italiano Ragazzo, era o mais requisitado da cidade.
Para falar a verdade, eu nunca tinha ido ali antes, me deu até um frio na
barriga. Assim que saímos de dentro do carro, Guilherme entrelaçou sua mão
na minha e entramos no restaurante como se fossemos namorados.

–– Boa noite senhor e senhora...?

–– Alencastro –– Guilherme disse. –– Fiz uma reserva em nome de


Guilherme Alencastro.

A hostess olhou em sua agenda virtual confirmando a nossa reserva,


em seguida nos indicou a nossa mesa. Antes de chegar até a mesa, eu fiquei
de olho na decoração do lugar. As paredes eram em um tom de bege e
estavam em um bom estado de conservação, no teto tinha os mais luxuosos

lustres.

Guilherme puxou a cadeira para mim, me sentei, agradecendo. Eu


estava nervosa, mas adorando tudo. Em seguida, ele se sentou ficando de
frente para mim. Nossos olhares eram de puro desejo um pelo outro.

Após, ele pediu um vinho ao garçom, que logo saiu nos dando
privacidade.
–– Gostou do restaurante?

–– Simplesmente adorei. Para falar a verdade, eu nunca tinha vindo


nesse restaurante. Uma vez viemos comemorar o aniversário da minha mãe,
mas fomos ao outro restaurante, o japonês.

–– Se eu soubesse que você preferia comida japonesa, tinha reservado

lá.

–– Não gosto muito, eu fui porque Danilo e minha mãe adoram. Mas
prefiro massas mesmo, sou apaixonada pela culinária italiana e os vinhos
então… Eu amo.

Guilherme prestava atenção na conversa como se eu tivesse contando a


história de um filme romântico, seus olhos até brilhavam.

O garçom serviu o vinho, deixou a garrafa e saiu em seguida. Peguei a


taça e levei até os lábios, provando da bebida deliciosa. Fechei os olhos

quando o líquido gostoso desceu pela minha garganta, senti o gosto doce
invadir meu paladar.

Quando abri os meus olhos, Guilherme estava me encarando com os


olhos claros enormes. Sorri sem graça.

De entrada, pedimos peninis com queijo de cabra e tomates grelhados.


Era de comer gemendo, mas claro que eu não faria isso. Depois de comer
uma garfada e beber mais um pouco do vinho, pedimos o prato principal:
espaguete a bolonhesa. Sinceramente, era de comer rezando.

–– Tinha até esquecido como o gosto dessa massa é delicioso ––


Guilherme disse, limpando a boca com o guardanapo.

Sorri, concordando. A massa estava divina, eu já estava satisfeita. A

garrafa de vinho já estava quase vazia.

O garçom trouxe a conta. Eu queria dividir, mas Guilherme insistiu em


pagar sozinho, alegando que foi ele quem me convidou.

Saímos do local e tivemos o maior susto, estava chovendo muito. Por


sorte, o manobrista trouxe o guarda-chuva. Já dentro do carro, esperei
Guilherme entrar. Estava trovejando muito, mas nada que impedia a gente de
ir para casa. Guilherme dirigia devagar, prestando atenção na estrada, apesar
de estar vazia. Eu estava com frio.

De repente o carro parou, Guilherme tentou ligar, mas sem sucesso, ele
olhou para mim como se dissesse: o carro morreu.

–– Não acredito nisso, não tem nem dois meses que mandei o carro
para revisão na oficina do Theodoro. Fique aqui, vou ver o que aconteceu.

Guilherme tirou a jaqueta e saiu do carro. Se fosse no carro da minha


mãe, teria guarda-chuva, toalhas e, se duvidar, até secador de cabelo. No
entanto carro de homem não tem nada.

Logo Guilherme entrou e, o céu ficou claro com mais relâmpagos. Ele
estava todo molhado.

–– Descobriu o que aconteceu?

Ele pegou a jaqueta para se enxugar.

–– Eu não entendo muito de carros, mas pelo pouco que Theodoro


tentou me ensinar, acho que é o motor.

–– E agora?

Mais um clarão no céu apareceu e mais chuva caiu.

–– Vou ligar para o Theodoro e rezar para que ele esteja acordado, ou
sem a Sofia na cama dele. Porque aquele ali só pensa nela.

Pelo visto Theodoro não atendeu. Guilherme deixou mais de três

recados. Eu já estava pensando em ligar para a minha mãe, mas desisti para
não preocupá-la.

–– Pelo visto, vamos ficar preso dentro desse carro –– ele disse
brincalhão.

–– Não está falando sério, né?

Um estouro foi ouvido e tudo escureceu. Com o susto, eu pulei e me


sentei no colo do Guilherme, agarrando-o pelo pescoço. Era pra ser algo

normal, mas aquele desejo de beijá-lo me tomou por completo.

Passei as mãos em seus cabelos molhados e mirei em seus lábios


carnudos vermelhos e completamente deliciosos. Como se já não fosse o
bastante eu estar no colo dele, Guilherme passou a língua nos lábios e suas
mãos apertaram a minha cintura, trazendo-me mais para frente. Nossos

olhares se tornaram um só, era pura luxúria.

Só por aquela noite, eu seria uma mulher ousada.

Levei os meus lábios até os dele e o beijei. Beijei sem pensar em nada
e, ele me beijou de volta. Devagar, puxei a minha perna e meu vestido subiu,
suas mãos passeavam nas minhas coxas, ora ele apertava, ora acariciava.
Particularmente, eu gostei das duas formas, então comecei a rebolar em seu
colo, fazendo um vai e vem até sentir seu membro endurecer.

–– Heloísa… –– Guilherme sussurrou em meu ouvido. –– Se não parar


de se movimentar dessa forma em meu colo, eu não vou aguentar e vou tirar
a sua roupa.

–– Eu não vou me importar nem um pouco se você quiser tirar a minha


roupa, Guilherme.

Sorrindo, ele abaixou a alça do meu vestido e meus seios ficaram


expostos. Joguei a cabeça para trás, gemendo quando ele abocanhou um

deles.

Meu corpo ardia de desejo. Entreguei-me completamente para ele.


GUILHERME

Lá fora chovia e ali dentro do carro estava pegando fogo.

Devagar, puxei o vestido da Heloísa pelos braços, revelando seu corpo

lindo. Ela desabotoou a minha camisa, tirei e joguei no banco de trás. Heloísa
saiu do meu colo, e eu puxei minha calca jeans, dando o mesmo destino que a
camisa.

Nós fomos para o banco de trás. Lentamente, começamos a nos amar.


Heloísa sussurrava em meu ouvido o quanto estava gostando. Beijei seus
lábios com todo o meu desejo, em seguida, fui descendo, provando o gosto da
sua pele deliciosa. Heloísa tinha um cheiro perfeito que me deixava venerado.
Nem vimos quando a chuva parou, só nos demos contas quando a estrada já

estava toda iluminada. Estávamos com as nossas respirações ofegantes.

–– Eu não acredito que fizemos isso, Guilherme –– Heloísa comentou.

–– Se arrependeu?

–– Claro que não, é que eu nunca tinha feito sexo com alguém no
primeiro encontro.

–– Nós temos que marcar outro encontro para desempatar, eu também


nunca fiz sexo com alguém no primeiro encontro –– disse fazendo-a sorrir.

Ela bateu no meu braço.

–– Você é um mentiroso mesmo. Onde já se viu mentir na cara de pau?

–– Pau? Você disse pau mesmo?

Heloísa soltou uma gargalhada enquanto eu a puxava para o meu colo.


Estávamos nos beijando quando meu celular começou a tocar. Tive que

atender, nós estávamos na estrada no meio do nada. Era necessário atender o


celular.

Olhei no visor, era Theodoro. Atendi antes que ele desistisse.

–– Até que enfim desocupou o pau, né Theo?

O cínico sorriu do outro lado da linha.

–– O que a mocinha indefesa quer uma hora dessas? Levou um fora da


diretora e estava me ligando para chorar as pitangas? Sinto muito por não

atender o celular, meu caro primo, Sofia está aqui em casa, só retornei para

não deixá-lo preocupado – o cínico disse rindo.

–– Não desliga seu idiota. Presta atenção antes que a ligação caia, eu
estou na estrada, o meu carro parou do nada quando eu estava voltando para
casa com Heloísa. Preciso que você venha me buscar, estamos quase perto do

posto de gasolina no quilômetro dezoito. — A ligação ficou muda. ––


Theodoro, você está aí?

–– Estou, mas não devia estar seu pau no cu do caralho, empata foda.
Porra Guilherme, a Sofia e eu precisamos conversar. Eu só vim pegar um
vinho quando resolvi olhar o celular, que besteira eu fiz.

Queria gargalhar, mas ele poderia não vir e eu ficaria ali até de manhã
com Heloísa.

–– A Sofia você conheceu um dia desses, você me conhece desde que

eu nasci... Vai me abandonar no meio do nada?

Um suspiro alto foi ouvido, após, ele chamou a Sofia.

–– Em menos de meia hora estarei aí, seu idiota. Queria ter o coração
de pedra do Kenny, mas meu coração é bom igual o dono dele. Espero que
tenha usado esse tempo livre para agarrar a diretora, para depois não vir
pedir conselhos.
Sorrindo, desliguei o celular.

–– Vocês são tão amáveis uns com os outros, a amizade de vocês é

linda. Apesar dos xingamentos –– Heloísa disse, me fazendo rir.

Ela começou a se vestir, e eu fiquei admirando-a.

–– Já vai vestir a roupa, querida? Achei que teríamos um segundo


round –– disse antes de beijar o seu ombro.

–– Seu primo Theodoro pode chegar a qualquer momento, eu não


quero ser pega pelada em cima do primo dele. Sou diretora do colégio da
cidade. –– Suas bochechas ruborizaram.

–– Tem razão. Vamos nos ver novamente quando?

–– Quem sabe nesse final de semana mesmo. Nós vamos se falando, se


você quiser, é claro.

–– Claro que eu quero Heloísa. Eu quero muito mais.

Enquanto esperávamos Theodoro com o guincho, ficamos namorando


mais um pouco. Eu não me cansava de beijá-la, seus lábios eram deliciosos e
viciantes. Nem sei se aguentaria ficar longe deles por muito tempo. Heloísa
estava se tornando alguém muito especial na minha vida. Queria que ela
soubesse que eu estava apaixonado por ela.

–– Aconteceu alguma coisa? De repente você ficou pensativo.

–– Eu estou pensando em uma maneira de dizer para uma garota que eu


estou me apaixonando por ela, que estou viciado em seus beijos, e que
quando fizemos amor há poucos minutos, foi o melhor de todos que eu já fiz.

–– Olhei para ela, que estava emocionada.

–– Nossa, que garota sortuda! Quem sabe a garota não esteja se


apaixonando também… mas ela tem medo.

–– Medo de quê? Essa garota é tão forte.

–– É que essa garota já foi muito magoada, e teme ser novamente. E


agora ela não é mais sozinha –– ela disse, deitando a cabeça no meu peito.

–– Eu prometo que o garoto não vai magoar a garota, ele só quer uma
chance para provar isso. E ele gosta tanto do pestinha do filho dela. E até a
mãe dela gosta dele.

Ficamos sorrindo que nem dois bobos, até que Theodoro chegou com
cara de poucos amigos. No entanto, quando viu a Heloísa, sorriu de forma
educada.

–– Cara, a estrada está destruída, muitas árvores caíram. Ainda bem


que já estão removendo os troncos da estrada, foi muita chuva que caiu e
ainda vai cair mais. Vamos logo embora antes que complique mais. Não tem
nem dois meses que fiz a revisão do seu carro, e ele já deu problema de
novo? Acho melhor você comprar outro –– Theodoro disse assim que entrou
no caminhão.
–– Não senhor, você vai dar um jeito, esse carro é novo.

–– Pão duro! –– resmungou.

–– Quando se tem um primo mecânico, não precisamos comprar carro


novo.

–– Tem certeza que quer ficar com ele, Heloísa? Ele é muito pão duro.

–– Não me faça ficar na dúvida Theodoro, me deixa ir descobrindo aos


poucos os defeitos do seu primo. Por enquanto eu estou satisfeita.

Theodoro fez uma expressão engraçada que nos fez sorrir. Era uma
expressão de: “Nossa, eu te admiro, mulher!”.

O carro já estava no guincho. Subi no caminhão e, em seguida, puxei a


Heloísa, sentando-a perto de mim. Abracei-a e ela deitou a cabeça no meu
peito, inalei o seu cheiro, me lembrando dos nossos momentos dentro do meu
carro.

A verdade era que eu estava feliz, e eu queria fazer Heloísa e o Danilo

felizes. Eu queria formar uma família. A minha volta para a cidade de São
José não foi em vão, era ali que estava a felicidade que eu tanto procurei.
HELOISA

Um mês tinha se passado desde o meu encontro com o Guilherme e,


desde que ficamos pela primeira vez em seu carro, não nos desgrudamos
mais. O sentimento que tínhamos um pelo outro foi se tornando cada vez

maior, portanto, o pedido de namoro foi inevitável.

Certo dia, Guilherme apareceu em minha casa com um buquê de flores,


surpreendendo-me com um pedindo de namoro. Claro que antes ele teve que
conversar com o Danilo, pedindo permissão para namorar comigo, é lógico
que o meu filho vibrou de felicidade. Minha mãe também ficou muito feliz. A
minha vida estava entrando nos eixos, o que me preocupava era que o Dia
dos Pais estava chegando e na escola iríamos homenagear os pais. Eu sabia
que o Jonas jamais iria; mandou um presente para o Danilo, que deu o mesmo
destino que os outros — Danilo colocou dentro da caixa que ele guardava os

presentes que o pai mandava, ele nem fez questão de abrir a embalagem.

Eu estava esperando Danilo tomar a decisão do que iria fazer com os


presentes enviados pelo pai. Talvez pudesse ficar ou dar para algumas
crianças.

Estávamos em agosto e faltava uma semana para o Dia dos Pais, já


programamos as brincadeiras no colégio, muitas crianças levariam as suas
mães e, desde que me mudei para São José, eu sempre participei com o
Danilo. Mas ele era menor e acreditava que o pai estava trabalhando muito,
agora ele já sabia que o pai não ia porque não queria. Ele não era mais tão
inocente assim, já entendia um pouco da vida. E isso me deixava muito
apreensiva.

O sinal da escola tocou, organizei a minha mesa, desliguei o meu

computador, peguei a minha bolsa e saí. Logo avistei Danilo correndo,


brincando com as outras crianças no pátio.

Aproximei-me mais dele que, ao me olhar, tirou as mechas loiras de


cabelo da testa e parou de correr, indo buscar a sua mochila. Seu Rodolfo
abriu o portão, dei boa tarde ao senhor simpático, que retribuiu
carinhosamente. Saímos da escola, encontramos Guilherme nos esperando
em pé escorado em seu carro. Quando nos viu, sorriu de forma amorosa.
–– Tio Gui. –– Danilo correu até ele, que pegou Danilo e girou no ar.

Achei a cena tão linda.

–– Oi garotão, vim buscar vocês dois para um almoço lá em casa, o que


acham?

–– Oba! Eu aceito, quero ver o Fred. Nós podemos ir, mamãe?

Guilherme me olhou, aproximou-se e me beijou assim que ficamos um


de frente para o outro. Em seguida me abraçou, sussurrando que estava com
saudades.

Sorri que nem uma boba.

–– Vamos amor, eu fiz uma torta de frango que é a minha


especialidade –– disse se achando o cozinheiro.

–– Primeiro iremos passar em casa para tomar um banho e trocar de


roupas. E você, mocinho, irá levar a sua mochila para fazer os seus deveres
de casa.

Depois de tudo acertado, passamos primeiro em casa. Enquanto Danilo


terminava de se vestir, liguei para minha mãe, avisando que iríamos para a
casa do Guilherme almoçar. Dificilmente ela almoçava em casa. Após nós
fomos direto para a casa do Guilherme.

Assim que Danilo entrou na casa e avistou Fred deitado no chão, foi
em direção ao cachorro, abaixando e fazendo carinho em sua barriga. O
cachorro gostou tanto que ficou quietinho recebendo carinho.

–– Fique à vontade, querida, vou esquentar a torta. E Fred, comporte-

se. –– Antes de ir para a cozinha, Guilherme me beijou. Fred latiu


reclamando.

Depois do almoço delicioso, ficamos na sala assistindo a um filme


enquanto Danilo brincava com Fred no quintal. Guilherme me puxou mais

para perto dele e começou a me beijar, estávamos tão despreocupados


namorando no sofá que nem percebemos a chegada de Danilo e Fred, só
percebemos quando o cachorro começou a latir.

–– Eca! Venha Fred, vou fazer a minha tarefa de casa. Eu nunca vou
namorar, tem que beijar na boca e isso é nojento. –– Ele saiu resmungando,
nos fazendo gargalhar.

–– Deixa só ele completar 15 anos, quero ver se ainda vai pensar dessa
maneira. O que acha de nós dois, digo eu e você, irmos até o meu quarto?

Tenho uma coisa para te mostrar –– Guilherme disse, piscando de maneira


sexy. Devagar, ele passou a língua nos lábios, deixando-me excitada.

Eu estava quase aceitado, mas lembrei que Danilo era bastante curioso.

–– Danilo pode aparecer a qualquer momento e me procurar, acho


melhor ficarmos somente nos beijos mesmo. Mas depois do expediente da
lanchonete, você pode aparecer lá em casa. Quem sabe você não dorme por
lá, hum?

–– Dormir é o que não vamos fazer meu bem, nós vamos fazer amor à

noite toda, até o dia amanhecer. Ou podemos ficar trancados o dia todo em
seu quarto.

–– O que vocês vão fazer até o dia amanhecer, tio Gui? Posso fazer
também?

Gui olhou para mim, esperando eu responder a pergunta do Danilo. No


entanto não sabia o que dizer então ele começou a sua explicação de forma
branda:

–– Venha cá, senta aqui.

Danilo se aproximou e se sentou perto dele, atento ao que Guilherme


iria dizer.

–– Têm coisas que só os adultos fazem garotão, você ainda é criança


para entender essas coisas. Na hora certa você vai saber de tudo, não precisa

ter pressa para descobrir as coisas. Já fez a sua lição de casa?

Meus olhos estavam cheios d’águas por ver Guilherme conversando


tão carinhosamente com o meu filho, e ele compreendendo tudo. Era aquilo
que estava faltando em sua vida, uma figura masculina.

–– Fiz sim tio Gui. Será que podemos ir pra casa mamãe? Aqui não
tem nem videogame. –– Meu filho mudava de assunto tão rápido.
–– Vamos sim filho, Guilherme precisar ir para a lanchonete e nós
temos que fazer a janta para a sua avó.

–– Tchau Fred, outro dia eu volto.

O cachorro reclamou, uivando.

–– Tchau tio Gui. Quando você for para a minha casa mais tarde, pode
levar hambúrguer com batatas fritas?

–– Levo sim garotão, pode esperar.

–– Oba! Obrigado tio Guilherme.

–– Não precisa agradecer, você merece por ser esse garoto inteligente.
Apenas obedeça a sua mãe.

Danilo foi buscar a sua mochila enquanto eu e Guilherme nos


despedíamos um do outro com muitos beijos e promessas de que nos
veríamos mais tarde.
GUILHERME

–– Você e Heloísa se conhecem praticamente há um mês e meio, certo?


Confirmei a pergunta do Theodoro.
–– E você quer pedir a mão dela em casamento, é isso? –– Kenny disse

abismado, depois que eu contei que pretendia pedir Heloísa em casamento


para ele, Alex e Theodoro.
–– Qual é o problema? –– Alex questionou, tomando um gole de sua
cerveja. Em seguida se aproximou da mesa.
Estávamos bebendo e comendo churrasco na fazenda do Kenny. Era
praticamente a noite dos homens. Na verdade, eu que pedi aquele encontro.
Meus primos eram os meus melhores amigos e todas as vezes que eu
tinha que tomar uma decisão que envolvia a minha vida amorosa, ou em

qualquer outra área, eles sempre eram os primeiros a saberem e a quem eu

pedia conselhos. No começo, eles sempre me zoavam, mas era só para torrar
a minha paciência, pois me apoiavam sempre.
–– Vocês esqueceram que nós estamos na mesma situação? Olha para
você, Theodoro, nem levou a Sofia para a cama ainda e já está morrendo de

amores por ela –– Alex disse, apontando o dedo na cara do Theo, que ficou
parado, assimilando o que Alex disse.
–– Não levei ainda. Não vou mais contar nada pra você, Alex, depois
você fica jogando na minha cara. E você que mais parece um garoto virgem
com medo de tocar na Jade. Vocês são todos ridículos –– disse, fazendo
Kenny soltar uma gargalha.
Logo todos nós começamos a gargalhar.
–– Jade é diferente, porra. Você sabe que ela tem traumas, mas eu não

me importo de esperar até que ela esteja realmente preparada. Sexo não é
tudo em um relacionamento, seu idiota.
–– Oh, que fofo! Ele está apaixonado –– Theo afirmou, se
aproximando e acariciando o rosto do Alex. Era um puto de um palhaço.
–– Estou mesmo, admito, estou completamente apaixonado pela Jade.
Não sou medroso que nem o Kenny.
–– Podem ir parando por aí, eu não dei confiança para vocês falarem de
mim ou da Daiana. Minha vida amorosa não está em jogo aqui. Nos reunimos
para falar do Guilherme, não de mim –– Kenny disse sério.

–– É verdade –– concordei.
–– Então, o que vocês acham? E se eu pedisse Heloísa em casamento
no sábado? Mas antes quero conversar com o Danilo, quero que ele me ajude.
Tipo, eu vou à cidade com ele, invento uma desculpa para Heloísa liberar o

garoto, e vamos até a joalheria.


–– Cara, você gosta mesmo desse menino, não é? Tem todo o meu
respeito, meu primo. Eu sou pai e sei o quanto somos gratos quando alguém
gosta dos nossos filhos. Eu te dou a minha bênção e o meu apoio, conta
comigo sempre. –– Alex disse e, em seguida, me puxou para um abraço.
–– Eu também estou feliz por você, Gui. Conta comigo pra tudo,
irmão. Às vezes eu sou brincalhão, mas jamais deixaria de te apoiar. Se você
quer ser padrasto do pestinha, quem sou eu para impedir? –– Theo disse, me

abraçando.
–– Eu também estou feliz. Espero que o pestinha não apronte tanto com
você. No que depender de mim, já pode casar. Agora vamos deixar esse
negócio de abraços pra lá, vocês parecem frescos. –– Kenny, como sempre,
quebrou o clima. Mas eu estava me sentindo feliz.
Continuamos a beber e conversar.
Theo, sempre brincalhão, estava gozando com a cara do Kenny sobre
ele não gostar de crianças, e agora estava criando o filho que a empregada
deixou na fazenda. Até ele sorriu do comentário, jogando a lata de cerveja na

direção do Theo.
Relembramos a nossa infância, quando passávamos as férias na
fazenda. Em certo horário, nos despedimos. Cada um entrou em seu carro e
saímos da fazenda em direção as nossas casas.

Como já era tarde, resolvi ir para a minha casa. Sempre dormia na casa
de Heloísa, só que eu fui beber com os caras e não queria que ela dormisse
comigo cheirando a cerveja.
Cheguei à minha casa e o silêncio reinava, Fred se mudou para a casa
do Danilo. O menino se apegou muito ao cachorro e eu resolvi deixar Fred
com ele. Acontece que Fred também queria ficar com o garoto, todas as vezes
que Danilo ia embora com a mãe para a casa deles, Fred ficava triste. Lá
tinha quintal grande, onde ele podia correr com o Danilo. As fotos que Danilo

me mandava sempre pelo Whatsapp eram as mais engraçadas: ele jogando


água com a mangueira no Fred, os dois no pula-pula se divertindo. Foi nesse
dia que eu tive a certeza de que queria todos eles na minha vida, mais do que
já estavam. Queria dar amor de pai para o Danilo, queria ser um marido
maravilhoso para Heloísa... Nunca mais queria ver os dois tristes.
Eu os amava e precisava que eles soubessem disso, por isso levantei da
minha cama, tomei um banho, escovei bem os dentes, coloquei uma bala de
menta na boca e saí de casa com o coração acelerado, as mãos suando.
Como eu tinha a chave da casa, facilitaria muito.

Logo estacionei o carro e, em seguida, saí abrindo o portão. Devagar,


abri a porta, entrando. Fred, deitado na entrada, sentiu minha parecença, mas
pedi a ele que fizesse silêncio colocando um dedo nos lábios, então ele voltou
a dormir. Era um bom cachorro.

Abri a porta do quarto do Danilo, que estava dormindo agarrado ao


cachorro de pelúcia, puxei mais o seu cobertor e passei a mãos em seus
cabelos. Fechei a porta e fui para o quarto do meu amor, abri devagar e lá
estava ela, dormindo tão tranquila... Meu peito transbordou de amor. Fiquei
admirando a beleza dela, mas não aguentei ficar quieto por muito tempo.
Tirei as minhas roupas e me deitei ao lado da Heloísa, puxando-a para
perto de mim, beijei o seu pescoço e sussurrei que a amava. Senti que ela se
assustou e, rapidamente se virou, sorrindo.

–– Você disse que me ama, ou eu estava sonhando? –– disse com a voz


rouca de sono.
–– Não estava sonhando, é real. Eu amo você. Eu sei que estamos
pouco temo juntos, mas hoje estava em casa e não consegui dormir pensando
em você. Meu peito estava sufocando de saudades. Na verdade, eu nunca
senti algo tão forte assim por alguém.
–– Eu também te amo, mas eu estou assustada, porque está tudo indo
rápido demais. Eu tenho medo –– Heloísa sussurrou no meu ouvido, me
deixando excitado.

–– Não precisa ter medo, não vou te magoar, pode confiar em mim.
Começamos a nos beijar e o clima foi esquentando e, daquela vez, foi
diferente. Eu estava amando a minha mulher e ela sabia que eu a amava. E eu
era amado de volta.
HELOISA

Abri os meus olhos, imaginando que tinha sonhado com Guilherme


chegando à minha casa pela madrugada, mas não foi um sonho, ele estava na
minha cama dormindo tranquilamente. Ele tinha dito que me amava, era real,

se eu fechasse os meus olhos ainda dava para ouvir a sua declaração.

Fiquei em silêncio uns minutos, tentando assimilar tudo.

As coisas na minha vida nunca foram dessa forma tão romântica. Ser
surpreendida daquela forma nunca havia acontecido, as coisas com Jonas
eram mornas. Espantei os pensamentos negativos e olhei para o Guilherme
deitado. Aproveitei e fiquei admirando a sua beleza, seu corpo era perfeito, os
músculos estavam em seus devidos lugares, seus cabelos claros estavam
caídos em sua testa, seu peito subia e descia serenamente, seus lábios

entreabertos eram um convite para um beijo; e foi o que eu fiz. Sem pudor

algum, me aproximei e comecei a beijar a sua boca, senti quando ele


despertou e foi logo me beijando, sua língua tocou na minha, suas mãos
agarraram a minha cintura me puxando para cima dele. Em seguida, tocou

meus seios, me fazendo gemer em antecipação.

Daquela vez foi diferente das primeiras vezes, pois havíamos nos
declarados um para o outro, e fazer amor ficou ainda mais prazeroso.

Senti o desejo me consumir quando senti sua língua rodear um dos


meus mamilos, acelerei os movimentos enquanto Guilherme me puxava para
um beijo, senti o orgasmo se aproximando, e logo estávamos ofegantes
sorrindo um para o outro. Olhando-me nos olhos, ele disse novamente que
me amava, eu retribuí da mesma forma com o sorriso largo e o peito quase
explodindo de amor.

–– Bom dia meu anjo –– ele disse sorrindo largamente.

Fiquei boba pela forma como ele se referiu a mim.

–– Bom dia meu amor. Dormiu bem? –– Beijei seus lábios.

Guilherme rolou na cama, sentando logo em seguida. Passou as mãos


nos cabelos, ajeitando alguns fios que caíram em sua testa, depois me olhou
de forma apaixonada, sorriu sem jeito. Eu amava o seu jeito tímido, confesso
que gostava muito quando ele ficava daquela forma comigo.

–– Eu dormir maravilhosamente bem. Confesso que nunca fui

acordado dessa forma antes. Acho que me acostumaria fácil com essa vida.
Vamos tomar um banho? –– Piscou e eu sorri.

Fomos para o banho, demoramos mais do que o esperado, porque


fizemos amor debaixo do chuveiro. Guilherme sempre se preocupava com o

meu prazer em primeiro lugar, uma coisa a qual eu não estava acostumada,
mas estava adorando como ele estava me tratando.

Depois do banho, nós fomos para a cozinha. Deixei Guilherme


preparando o café da manhã e fui acordar o Danilo. Minha mãe já estava no
banho quando passei no quarto dela. Aproveitei e peguei as roupas sujas e
coloquei na máquina de lavar. Como era sábado, praticamente não fazíamos
muita coisa, era o nosso dia do descanso.

–– Bom dia tio Gui, eu nem sabia que você tinha chegado –– Danilo

disse, sentando em seu lugar na mesa.

–– Bom dia garoto. Fiz panquecas e elas estão deliciosas. Você será o
primeiro a provar –– Guilherme disse, colocando uma panqueca no prato do
meu filho.

Danilo jogou mel por cima.

–– Estão deliciosas mesmo tio Gui. Será que você poderia fazer um
hambúrguer com batatas fritas? –– Ele nem tinha acabado o café ainda.

–– Mais tarde eu faço, agora é hora do café da manhã.

–– Tudo bem então. Mas você prometeu hein tio Gui, não se esqueça
de cumprir. –– Danilo realmente não existia.

–– Bom dia pessoal. Que cheirinho delicioso –– mamãe comentou


enquanto colocava café em sua xícara.

–– Bom dia dona Margarete.

–– Tio Gui fez panquecas vovó, e mais tarde vai fazer hambúrguer. Ele
que prometeu.

–– Se ele prometeu, ele vai ter que cumprir. Agora vamos comer ––
mamãe disse, sentando a mesa conosco.

Assim que terminamos o café da manhã, fiquei na cozinha para lavar


os copos, minha mãe foi olhar as roupas na máquina de lavar. Guilherme e
Danilo conversavam na sala animadamente. Só ouvi quando Danilo vibrou de

alegria, o porquê eu não sabia. Mas eles estavam muito misteriosos.

Quando terminei de lavar a louça, entrei na sala. Danilo foi para o


quintal com o Fred, eu e Guilherme ficamos sentados no sofá assistindo o
noticiário na TV.

–– Amor, depois do almoço eu tenho que ir até a cidade pegar uma


encomenda para a lanchonete, pois hoje Alex não está trabalhando. Se eu
deixar pra segunda-feira, eu corro o risco de perder. Eu queria levar o Danilo

comigo, o que acha?

–– Tem certeza que quer levar o Danilo com você? Ele não vai te
atrapalhar?

–– Que nada, vai ser rápido. É para ele sair um pouco de casa.

–– Já te disse o quanto eu te amo hoje? Adoro quando você se

preocupa com o meu filho. Está tudo bem, eu deixo Danilo ir com você, mas
caso ele apronte algo, é para me falar. Vou aproveitar e arrumar o armário
dele, tirar algumas roupas que ele não usa mais para doar; o padre Estevão
está arrecadando doações para as crianças do orfanato.

–– Vou passar em casa para trocar de roupa. Depois do almoço venho


buscá-lo.

–– Achei que ia almoçar conosco –– reclamei.

–– Não fique assim, à noite jantamos juntos –– disse, me beijando.

Logo se levantou para ir, fui até o lado de fora para me despedir.
Algumas vizinhas estavam varrendo a calçada de suas casas, outras estavam
apenas tomando conta da vida alheia mesmo.

Cidade pequena é assim, todo mundo sabe da vida de todo mundo.

Quando eu cheguei ali, ha dois anos, eu era a separada com um filho


para criar sozinha.
Depois que Guilherme saiu, voltei para dentro de casa. Deixei separada
a roupa que Danilo iria usar mais tarde. Peguei a mochila dele e de dentro

dela caiu um pedaço de papel. Resgatei para ver o que era.

Querido Deus, será que o senhor pode fazer o meu tio Gui se casar
com a minha mamãe? Eu acho que ela gosta dele, porque sempre sorri

quando o vê na rua correndo. Então se ele faz ela sorrir, faça com que eles
se casem logo, aí ele vai ser meu pai, e assim poderei levar ele nas festas dos
dias dos pais na escola. Eu fiz essa cartinha porque Alicia disse que o senhor
saber ler. Quando eu for na missa de domingo, deixarei a carta lá para o
senhor. Amém, Danilo.

Limpei as lágrimas grossas que caíram pelo meu rosto, e sorri por
alguns instantes. Apesar dos erros de português, eu entendi direito o que ele

escrevera. Deixei a carta no lugar que encontrei, era apenas um desejo de


uma criança que queria um pai. Eu não iria brigar com ele.

Eu só desejava que o meu filho fosse feliz.


GUILHERME

–– Nossa tio Gui, esse shopping é tão grande! Quando a mamãe e eu


viemos ao cinema assistir ao filme da Liga da Justiça, não foi nesse não. Eu
acho que nunca vim aqui antes. É aqui que está a aliança de vocês?

O garoto era muito curioso.

Quando ficamos na sala sozinhos, depois do café, eu convidei Danilo


para me ajudar a escolher as alianças do casamento, disse que se ele me desse
à mão da mãe dele em casamento, íamos a cidade comprar as alianças e ele
iria escolher. Só não entendi quando ele comentou que nem tinha entregado a
cartinha na igreja ainda e Deus já tinha lido.
Deixei o assunto para depois.

–– Sim, estamos indo na joalheria. Pegou o anel de sua mãe para medir
o tamanho da aliança dela?

Todo contente, ele tirou o anel do bolso e me entregou.

–– Esse é o anel que ela mais usa quando sai. Eu e vovó que

compramos para ela no dia do aniversário dela. Eu sou muito esperto, né tio
Gui?

–– Muito esperto. Espero que você tenha guardado nosso segredo ––


disse olhando para ele, que me encarou todo convencido.

–– Eu só contei para o Fred, e pedi que ele guardasse segredo. Não se


preocupe tio Gui, ele não vai contar nada.

–– Se você está dizendo, eu acredito. Aquela ali é a loja –– disse,


apontando.

Entramos na loja e logo uma vendedora veio nos atender.

–– Boa tarde, sejam bem-vindos. Em que posso lhe ajudar senhor?

–– O tio Gui veio comprar alianças. Sabia que ele vai pedir a minha
mãe em casamento?

A vendedora apertou as bochechas do Danilo, dizendo que a mãe dele


tinha muita sorte. E olhou para mim, sorrindo.

–– Então vocês vieram ao lugar certo, nós temos os melhores modelos


de alianças, uns mais lindos que os outros. Temos com pedras preciosas, e
temos sem também. O senhor tem alguma preferência?

–– Gostaria de ver os modelos.

–– Certo, venha comigo.

Em instantes, a vendedora trouxe os modelos das alianças, todas eram


muito bonitas. Danilo estava encantado com todas; os olhos curiosos dele
vagavam de um lado para o outro.

–– Minha mamãe ia adorar essa daqui, sabia? Ela gosta de pedras.

A aliança era bonita mesmo, tinha uma pedrinha Swarovski muito


delicada, o garoto tinha bom gosto para escolher algo. Eu também gostei,
então comprei. Por sorte, tinha o modelo no tamanho do dedo da Heloísa. Fiz

o pagamento e saímos da loja.

–– Quer milk-shake?

–– Sim, de morango é o meu preferido.

Quando terminamos os nossos lanches, voltamos para a cidade de São


José.
Naquele mesmo dia, pediria a mão da Heloísa em casamento na minha
lanchonete. Queria que as pessoas fossem testemunhas do nosso amor.

Danilo estava mais eufórico do que eu.

–– Se você casar com a minha mãe mesmo, tio Guilherme, o senhor vai
ser o meu pai, né?

Ainda bem que nem tinha ligado o carro.

–– Se você quiser que eu seja... Mas você sabe que você tem um pai,
não é?

–– Eu sei, mas quero que você seja meu pai também. Quando tiver a
festinha na escola, eu vou poder te levar. Meu pai nunca vem –– ele disse
muito convicto.

–– Tudo bem então.

Ele sorriu, me abraçando. Beijei o topo de sua cabeça.

Eu amava aquele garoto como se fosse meu filho.

Chegamos à cidade por volta das cinco da tarde. Antes de deixar o


Danilo em casa, conversei com ele mais uma vez sobre o nosso segredo, ele
continuou firme em não contar nada pra mãe.

Quando abri a porta do carro, Heloísa estava parada em frente ao


portão, de braços cruzados. Assim que nos viu, sorriu.

Danilo desceu do carro e foi logo contando que tomamos milk-shake.


Fiquei apreensivo com o seu entusiasmo, de repente ele poderia soltar sem
querer o nosso segredo, porque tudo que ele fazia era sem querer, querendo.

–– Ele deu trabalho, amor? –– depois de me beijar, Heloísa perguntou.

–– Não, o garoto se comportou direitinho, nada a reclamar. Já pode me


acompanhar sempre que eu for à cidade.

–– A moça da venda sorriu para o tio Gui, mamãe. Eu percebi que ela o
achou bonito. –– O pestinha comentou, arrancando uma gargalhada minha.

Heloísa me fulminou com o olhar.

–– A moça estava apenas sendo simpática, garoto. Não inventa.

–– E ainda apertou as minhas bochechas, quase eu reclamo ––

comentou como se fosse algo importante. –– Agora eu vou me encontrar com


o Fred. Tchau tio Gui, mais tarde nós vamos a sua lanchonete.

Se eu não tivesse testemunhado a piscada dele na minha direção, eu


teria duvidado se alguém tivesse me contado.

Esse garoto não existe.

–– A moça foi apenas simpática querida, não fique assim. Eu te amo.


–– Eu acredito em você, Guilherme. Só não gostei, mas acredito que
isso vai acontecer com frequência, pois você é lindo, maravilhoso... E é todo

meu. Nunca se esqueça disso –– Heloísa disse, enlaçando as mãos em volta


do meu pescoço e, em seguida, me beijou com paixão.

Tive que ir embora pra casa, pois se demorasse mais um pouco, com
certeza não aguentaria e iria entrar com ela para dentro de casa levando-a

para dentro do seu quarto.

Depois de um banho demorado, e de ensaiar o que eu iria dizer para


Heloísa mais tarde, segui para a lanchonete. Meus funcionários já estavam
cientes do meu pedido de casamento e me ajudariam na surpresa. A
lanchonete estava cheia, logo Heloísa e Danilo entraram juntos com a minha
sogra. Alex estava com a minha sobrinha e sua namorada, Jade; Kenny estava
com Daiane, Theodoro e Sofia também estavam presentes. Senti-me feliz por
saber que eles estavam ali para me dar força.

Fui cumprimentar minha namorada, em seguida agradeci pelos caras


terem vindo.

–– Achei que você já tivesse feito o pedido –– Kenny disse baixo.

–– Relaxa meu primo, e vê se vocês registram tudo.

Chamei o Danilo para dentro da lanchonete, eu queria o garoto comigo


nessa hora, ele me passava confiança. Após, saí pedindo para todos fazerem

silêncio e todos me olharam. Meus olhos foram em direção a mulher que eu

amava, senti que ela estava emocionada também.

–– Boa noite a todos, eu e esse garotinho aqui temos um pedido a fazer


para aquela mulher que está bem ali, aquela linda que só me faz bem. Para
quem não sabe, eu nasci e cresci na cidade de São José, mas quando eu fiz

dezoito anos, minha mãe achou melhor nos mudarmos para a cidade por
causa da faculdade. Depois ela faleceu e meu pai sumiu no mundo. Eu me
formei em administração, porém não estava feliz na minha profissão, pois
desde muito novo eu sempre fui fascinado por comidas, inventava muitas
coisas diferentes. Perdi o meu emprego na cidade e decidi investir tudo o que
recebi na minha lanchonete de hambúrgueres artesanais, meus primos foram
a minha base quando eu tive que recomeçar; pode até parecer clichê, mas eles
são e sempre serão os meus melhores amigos.

–– Não vai chorar bobão –– Theo gritou, fazendo todos sorrirem.

–– Cala a boca Theodoro –– Kenny disse.

–– Fala logo Guilherme –– Alex comentou.

–– Eu nunca me imaginei nessa cena, mas me deixa prosseguir. Certa


vez, eu estava com a minha equipe de trabalho, lavando o chão da
lanchonete, quando essa linda mulher passou aqui em frente com muitas

pastas nas mãos, apressada, com seus óculos grandes, seus cabelos

balançando com o vento, e eu a quis pra mim. Isso foi novidade, pois eu
nunca senti nada igual por mulher alguma. Conheci o seu filho e por ele eu
tive um amor de pai. Ele é sim um mini terrorista –– mais risadas foram
ouvidas ––, mas também é um garoto inteligente, super educado e ótimo

pescador. O que eu quero dizer com isso tudo, Danilo?

O pestinha sorriu cúmplice.

–– Mamãe, o tio Gui quer se casar com você. Eu já deixei! Hoje nós
fomos comprar as alianças, eu ajudei a escolher, dá certinho no seu dedo,
porque eu peguei o seu anel, e aí a moça mediu. A moça disse que a senhora
tem muita sorte em se casar com o tio Gui. Aceita, mamãe. –– Além de fazer
os homens gargalharem, ele fez as mulheres chorarem. Inclusive a mãe dele,
que se levantou e veio na nossa direção.

–– Você quer se casar comigo? –– perguntei, estendendo a caixinha


com as alianças.

–– Claro que eu quero, só não precisava fazer isso tudo, eu estou com a
maquiagem toda borrada agora. E você hein Danilo, conseguiu guardar esse
segredo direitinho. –– Ela abraçou e beijou o filho. –– Eu te amo filho, muito
obrigada por me fazer mais feliz hoje. E você, Guilherme, muito obrigada por
ser um pai para o meu filho. Amo você e caso com você quantas vezes quiser.

Depois do sim da Heloísa, nos beijamos. Aplausos foram ouvidos, as


pessoas nos cumprimentaram nos desejando felicidades.

Aquele era dia de comemoração. Oficialmente eu estava noivo, e


queria casar no dia seguinte mesmo.
HELOISA

–– Tia Heloísa, a senhora está muito linda! Parece à princesa dos


desenhos que eu assisto com a minha tia Jade. Sabia que eu já escrevi uma
cartinha para Deus também? Amanhã na missa, vou deixar na igreja, porque

Deus leu a cartinha do Danilo, por isso a senhora está casando hoje. Tio Gui
vai ser pai dele agora, né tia Helô? –– Alicia estava comigo e Danilo dentro
do carro, eles iriam entrar comigo na igreja.

Perguntei ao Danilo se ele queria convidar alguma amiguinha dele para


ser a dama de honra, e ele escolheu Alicia. Fiquei espantada porque eles
brigavam sempre, mas ele me disse que eles fizeram as pazes, pois agora
eram primos e amigos. Meu filho me surpreendia a cada dia.
–– Sim, Guilherme também vai ser pai do Danilo –– disse, fazendo
carinho em sua bochecha.

Alicia era uma criança linda e falante, até demais.

–– Eu também fiz outra carta pra Deus –– Danilo comentou com ela.

–– O que você pediu? –– perguntou Alicia, curiosa.

–– Um irmãozinho –– disse ele, me fazendo tossir.

–– Ai Danilo, você é tão bobo. Os bebês são as cegonhas que trazem,


né tia Helô?

–– Boba é você! Os bebês vêm da mulher e do homem, eu já pesquisei


no meu tablet. –– Muito bom saber disso, seu Danilo. Ficará sem tablet até o
final do ano. Já não disse que assunto de adulto, criança não precisa saber?

Alicia colocou a mão na boca, evitando sorrir.

Até que eu chegasse à igreja, iria estar cheia de cabelos brancos com a
conversa daqueles dois.

–– Mamãe, por favor, não precisa tirar o tablet. Eu prometo não


pesquisar mais nada, eu juro. –– Uniu as duas mãos, prometendo.

Cumprir que é bom, não cumpriria.

Chegamos à igreja. Minha mãe abriu a porta do carro, ajudando as


crianças a descerem; quando olhou para mim, se emocionou.

Danilo e Alicia ficaram na minha frente. Logo Alicia começou a jogar


pétalas de rosas pelo caminho. Minhas madrinhas estavam posicionadas em
seus lugares: Jade, Daiana e Sofia, os padrinhos eram os primos do
Guilherme: Theodoro, Alex e Kenny.

Olhei para o meu amor, que estava emocionado, segurando o choro.


Ele estava mais lindo ainda naquele smoking negro.

Assim que fiquei próxima, entreguei o meu buquê para uma das
meninas.

Guilherme apertou a mão do Danilo, em seguida o abraçou, dizendo


que o amava. Eu nunca me cansaria de assistir aquela cena nunca. Após
sussurrou que me amava também. O padre Estevão já estava aposto no altar.
Ficamos de frente para ele, que logo começou a falar.

–– Estamos aqui hoje para celebrar as melhores coisas da vida: a


confiança e a esperança, o companheirismo e o amor entre esse casal. O
casamento de Heloísa Cruz e Guilherme Alencastro, dois jovens apaixonados
que descobriram junto o amor, teve uma ajudinha do Danilo para que se
tornasse real. Para quem não sabe, o garoto foi o cupido dessa história. Hoje
ele está, com certeza, realizado; uniu os dois como sempre quis. O Que Deus
uniu o Homem não separa. E vocês foram convidados a compartilhar este

momento com eles, porque são as pessoas mais importantes para eles. E a

pergunta que não quer calar... –– O padre olhou para mim e Guilherme de
forma carinhosa, então continuou: –– Heloísa, é de livre e espontânea
vontade que você aceita Guilherme como seu companheiro em matrimônio?

–– Sim –– disse emocionada.

–– Guilherme Alencastro; é de livre e espontânea vontade que você


aceita Heloísa como a sua companheira em matrimônio?

–– Sim –– disse, olhando, em seguida, para mim. Seus olhos claros


brilhavam de emoção.

–– Assim sendo, por favor, deem as mãos, para receber os votos de


amor.

Guilherme e eu enlaçamos as nossas mãos. Olhando dentro dos olhos

dele, disse:

–– Amor, eu não preparei nada porque certamente esqueceria, mas de


uma coisa eu tenho certeza: eu te amo e você foi à melhor coisa que
aconteceu na minha vida. Mesmo não sendo nada meu ainda, você amou o
meu filho e fez dele uma criança feliz, por isso eu vou ser sempre grata por
tudo. Amo você, muito.
–– Heloísa –– Guilherme respirou fundo, então prosseguiu: –– O que
falar para você nesse momento? Eu só quero ser o homem que você merece:

um que te faça feliz diariamente, que esteja ao seu lado em todos os


momentos da sua vida. Quero ser o melhor padrasto do mundo para esse
moleque, quero que ele enxergue em mim um pai que vai estar o
aconselhando na vida, e que ele seja um ótimo irmão. Estarei com você em

todos os momentos, sejam eles bons ou ruins. Eu te amo.

–– Eu vos declaro marido e mulher.

Guilherme colocou a aliança em meu dedo, depois foi a minha vez,


então nos beijamos, selando o nosso amor.

Agora era à hora de jogar o buquê.

–– Eu vou jogar o buquê, vamos mulheradas. Um... Dois... Três... E...


Já!

Olhei para trás e Jade segurava o buquê, emocionada. A pequena Alicia


correu em sua direção, vibrando de felicidade. Theodoro e Kenny deram dois
tapinhas nas costas do Alex, com certeza estavam debochando. Aqueles dois
não tinham jeito.

–– Eu nunca me imaginei dançando novamente a dança dos noivos.


Mas essa é a melhor dança de todas.
–– Olha eu aqui com ciúmes de você porque não fui o primeiro a te
conceder essa dança. Eu sei que é bobagem, mas eu estou com ciúmes ––

Guilherme disse, cheirando o meu pescoço.

–– Para com isso meu amor, o importante é que você será o último.

–– Será que já podemos ir para a parte da lua de mel?

–– Ainda não, mas podemos nos beijar muito.

Dançamos muito, aproveitamos bem a nossa festa.

Danilo estava feliz, meu filho era outra criança, estava mais
comportado, não aprontava mais como antes.

Às duas horas da manhã, desembarcávamos na cidade de São Paulo.


Como eu estava de férias do colégio, decidi sair um pouco de São José. Era
uma vida nova a que eu estava iniciando e queria aproveitar bastante.

–– Gostou do hotel, amor? –– Assim que estacionamos, Guilherme


perguntou.

Eu estava admirando tudo do hotel, era perfeito, de frente para a praia.


Imaginei Danilo correndo atrás do Fred. Mãe é sempre assim, está sempre
pensando nos filhos.

–– Quando você disse que seria surpresa, não imaginei que seria
perfeita a nossa lua de mel. Uma semana nesse hotel maravilhoso e ao lado
do meu marido? É o paraíso.

–– Uma semana trancados dentro do quarto fazendo amor ––


Guilherme sussurrou.

–– Nada disso, quero aproveitar tudo. Hoje não, mas amanhã iremos ao

passeio de lancha, vamos nadar.

Guilherme fez uma expressão sofrida.

Assim que Guilherme abriu a porta do quarto para entrarmos, não


consegui dar nem mais um passo, eu estanquei na entrada. Tinha pétalas de
rosas por todo o quarto, a luz era pouca e uma música tocava bem baixinho.

Como eu não saía do lugar, Guilherme me pegou em seu colo e,


devagar, me depositou na cama. Nossas respirações estavam aceleradas,
estávamos excitados. Logo começamos a nos beijar e, lentamente, Guilherme

foi tirando a minha roupa, me deixando apenas de lingerie. Em seguida, ele


ficou completamente nu.

Eu estava admirando o seu corpo, cheia de desejos, quando ele me


puxou pelo braço, me fazendo ficar de pé. Ele me admirava como se eu fosse
à mulher mais perfeita desse mundo.

–– Você é linda Heloísa, e é minha mulher. Deixe-me tirar o resto de


sua roupa, quero fazer amor à noite toda com você.

Eu não era uma mulher tímida, mas a forma como Guilherme me


olhava enquanto se tocava; deixava-me com o rosto queimando.

Fomos para a banheira, lá tinha uma garrafa de champanhe. Dentro da


banheira, fizemos amor e juramos que nos amaríamos por toda a vida. Logo

após falamos em filhos. Guilherme disse que nunca pensou em ser pai, mas
quando conheceu Danilo a vontade aflorou.

Por enquanto estávamos apenas tentando. Quando chegasse à hora


certa, seríamos pais de novo.

Vesti o meu roupão e fui até a varanda, sentindo o vento frio contra o
meu rosto. A vista era linda, as ondas da praia faziam pequenos barulhos.
Senti duas mãos na minha cintura e um beijo na minha cabeça, era o meu
marido que sentiu a minha falta na cama e veio me procurar. Era quatro da

madrugada.

–– Quando abri os meus olhos e não te vi na cama, achei que tivesse


fugido de mim.

–– Jamais fugiria de você, eu só fiquei sem sono e pensei no Danilo.


Nos falamos ontem e eu já estou com saudades do meu mini terrorista. Será
que ele está aprontando muito?
Ele sorriu, me puxando contra o seu peito. Inalei o seu cheiro, me
lembrando da nossa noite de amor. Guilherme me abraçou, me prendendo em

seu abraço, e eu o abracei de volta, sentindo o quanto era amada por ele.

–– Eu te amo, Heloísa! –– disse olhando em meus olhos.

–– Eu te amo, Guilherme –– ainda olhando dentro dos seus olhos,

disse.

Em seguida nos beijamos, selando mais uma vez o nosso amor.


DANILO
Dois anos depois...

–– Faz um pedido filho –– meu pai Guilherme disse, me encorajando.

Ele era o melhor pai do mundo.

Nós estávamos comemorando o meu aniversário, mas já tinha passado.


Como a minha irmã estava doente, só podemos comemorar naquele dia, que
também era o dia dos pais. Papai resolveu juntar todos os primos, com as
famílias deles, para comemorarmos juntos. Afinal, era o dia dos pais de todos
eles.

Eu já tinha uma irmã de um ano, o nome dela era Giulia. No começo


ela era muito chorona, quando nasceu parecia um joelho enrugado. Agora ela
era linda, mas às vezes ainda era chorona, e sempre queria pegar o controle

do videogame quando eu e o meu pai estávamos jogando. Ela parecia uma


princesa, tinha a cor dos cabelos da minha mãe. Nosso pai dizia que ela

parecia comigo quando eu era pequeno, até nas artes.

Um dia desses, ela quase caiu do berço, mas eu estava lá para protegê-

la, pois é isso que o irmão mais velho faz.

Fechei meus olhos e pedi que Deus enviasse um irmãozinho, pois


sozinho eu não estava dando conta de proteger a Giulia, ela era muito sapeca.
Abri os meus olhos e sorri. Esperava que Deus atendesse o meu pedido, pois
fiz de todo o meu coração.

–– O primeiro pedaço vai pra quem, Danilo? –– Alicia perguntou,


achando que eu iria dar pra ela, só porque éramos primos.

Cortei o pedaço do bolo e, em seguida, entreguei para a minha mãe.


Ela era a pessoa que eu mais amava nesse mundo, ela era quem sempre
estava comigo. Quando eu tinha febre, ela que me dava remédio. Mas dividi
o pedaço do bolo e dei a outra metade para o meu pai Gui, que ficou
emocionado.

–– Para você mamãe. –– Seus olhos se encheram d’água. Ela estava


chorando, mas era um choro de felicidade. –– Para você também papai, por

ter me escolhido como filho e me amar muito. Eu te amo, feliz dia dos pais.

––Ele me abraçou, dizendo que me amava também.

Depois todo mundo começou a se servir. As crianças brincavam no


pula-pula, outras no castelo. A festa estava linda, meus tios estavam fazendo
churrasco.

Fred corria atrás das crianças, ele já estava um cachorro idoso, mas não
sossegava. Eu já tinha um monte de primos, do tio Alex, do tio Kenny...
todos casaram. Quando tinha festa em uma das casas, tinha mais crianças do
que adultos.

Olhei para minha mãe e meu pai, minha avó estava perto deles. Meu
pai pegou a minha irmã do colo da minha mãe e entregou para a minha avó.
Como Alicia e a tia Jade estavam perto dela, resolvi ir até a pestinha para
perguntar o que ela ouviu. Só que ela foi mais rápida e veio até a mim,

correndo.

–– Eu acho que a tia Helô vai ter outro bebê, Danilo.

Nem foi preciso eu perguntar nada, ela sempre foi fofoqueira.

–– Como você sabe? –– perguntei curioso.

–– Sua mãe ficou enjoada, aí a tia Jade perguntou: será que você não
está grávida, Heloísa? Aí a sua mãe colocou a mão na boca e correu para
dentro da casa. Tio Gui e a tia Jade foram atrás dela.

–– Deus ouviu o meu pedido tão rápido.

–– Se você quiser, podemos ficar escondidos para ouvir a conversa


deles.

–– Mas é conversa de adultos, eu não quero ficar de castigo.

–– Que nada, seu medroso, a gente se esconde direito.

–– Se o papai ou a mamãe descobrir, eu conto que a ideia foi sua –– eu


disse.

Ela saiu me puxando para dentro de casa. Entramos e ficamos


escondidos, ouvindo a conversa da tia Jade e da minha mãe.

–– Faz logo o teste Heloísa, deixa de ser medrosa –– tia Jade disse.

–– A Giulia só tem um ano, Jade, eu não posso estar grávida. Como


isso foi acontecer? –– Você quer mesmo que eu te explique isso?

As duas começaram a rir.

Mamãe pegou uma caixinha e foi para o banheiro. Não demorou muito
a voltar e foi logo entregando algo para a tia Jade.

–– Deu positivo, você está grávida Heloísa. –– A tia Jade estava


comemorando.

Eu olhei para Alicia, sorrindo. Saímos devagarinho do nosso


esconderijo.

–– Não te disse que a tia Heloísa vai ter outro bebê? Agora vamos
brincar de esconde-esconde.

Deus ouviu meu pedido muito rápido, eu iria ter mais um irmãozinho.
Tem que ser menino, hein Deus! Pensei entusiasmado.

Avistei a minha mãe sentada com a minha irmã em seu colo, corri em
sua direção, chegando perto, abracei-a dizendo que eu amava muito. Mesmo
minha mãe não sabendo que eu já sabia que ela iria ter mais um bebê, eu
agradeci a ela

Minha mãe era a melhor mãe do mundo.


Se você gostou da história deixe a sua avaliação! Vou deixar aqui as
sinopses dos outros livros da Série Pais Alencastro, e as datas de lançamentos
também.
Pedaços de amor. Livro 2 – Autora Jessica D.
Santos

Lançamento dia 17 de agosto.

Cada ser humano precisa lutar suas batalhas, e de cabeça erguida.

Assim era com Alex, que vivia a dura realidade de ser um pai solteiro
que tinha sido abandonado pela esposa.
Mesmo sob a pressão da responsabilidade, ele se dedicou bravamente à
missão de ser pai solo.
Sua pequena Alícia se tornou a sua única prioridade e ele não tinha

planos de mudar essa equação.

Jade era uma jovem com um passado marcado por violência e muitos
traumas.

Ela não tinha nenhum interesse em se envolver emocionalmente com


alguém, e muito menos chamar a atenção para si. Contudo, seus planos foram
postos à prova quando conheceu a pequena Alícia, uma garotinha de seis
anos, e seu pai encantador.

Sentimentos se afloram, mas Jade se negava a vivenciá-los até ser


capaz de abrir seu coração novamente para o amor.
Quando te encontrei. Livro 3 – Autora Thais
Oliveira.

Lançamento dia 24 de agosto.

Sofia Aguilar tinha uma vida no eixo. Trabalhava com que amava,
tinha o namorado perfeito e esperava seu primeiro filho... só que do nada, as
coisas começaram a sair do controle. E agora ela estava sozinha e com um
bebê.

Theodoro Alencastro é um homem de alma livre, não preocupado em


se apegar ou com o que as pessoas pensam dele. Perdeu o irmão a quatro
anos e isso o fez pai de uma garotinha adorável, Amanda.

Duas pessoas com idealizações e prioridades diferentes, duas almas


distintas que vão ter seus caminhos cruzados pelo acaso.
Amor em dose dupla. Livro 4 – Autora A.C
Nunes

Lancamento dia 31 de agosto.

Desde a morte da mulher, Kenny Alencastro se refugiou do mundo em


uma pequena fazenda no interior da cidade de São José. Cada vez mais
fechado, frio e antissocial, ele nunca permitiu que outra pessoa tomasse o
lugar de sua mulher. Nunca se permitiu ter qualquer sentimento semelhante
por quem quer que fosse. Ele também nunca gostou muito da ideia de ser pai,
e sua aversão por crianças se intensificou depois que a esposa morreu por

causa de uma delas. Entretanto, o abandono de um bebê na sua casa o fará

pedir ajuda a uma pediatra que trabalha na região e que ele simplesmente não
suporta. A convivência com o pequeno Davi e a aproximação com Daiane
despertarão nele sentimentos que tentou evitar por todos aqueles anos.
RECADINHO
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Abraços, e até o próximo lançamento.


Copyright© 2020 JESSICA SANTOS

Revisão: Andrea Moreira

Diagramação: Jessica Santos

Capa: Thais Oliveira

__________________________________________________________

Dados internacionais de catalogação (CIP)

PEDAÇOS DE AMOR – PAIS ALENCASTRO – LIVRO 2

1ª Edição

Literatura Brasileira. 2. Romance. Título I.

__________________________________________________________

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma


ou por qualquer meio eletrônico, mecânico, inclusive por meio de processos
xerográficos, incluindo ainda o uso da internet, sem permissão de seu editor
(Lei 9.610 de 19/02/1998). Está é uma obra de ficção, nomes, personagens,
lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação do autor
qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera coincidência.
Todos os direitos desta edição reservados pela autora.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da


Língua Portuguesa (1990), em vigor desde 1º de janeiro de 2009.
SÚMARIO
Somos quatro autoras, A.C Nunes, Marta Vianna, Thais Oliveira e eu,
Jessica D. Santos. Eu sou a responsável pelo livro 2. Pedaços de Amor, uma
história que apesar de ser curta vai arrancar muitas risadas e trazer muitas
emoções.

Eu adorei trazer Alícia Alencastro, meu bebê lindo, essa menina me


conquistou, haha. Confesso que fiquei nervosa quando comecei esse enredo,

mas no finalzinho eu fui conquistada e me sinto completamente apaixonada


por Alex, Alícia e Jade. Quero pôr os três em um potinho!

Quero agradecer às minhas parceiras, que foram minhas maiores


incentivadoras nesta loucura gostosa que embarcamos. Não só elas, mas Joice
também, amiga para todas as horas! Quero agradecer também a vocês que
tiraram um tempinho para conhecer PDA! Deixo meus agradecimentos
também a Andrea, uma excelente profissional que me recebeu de braços
abertos. Obrigada, Andrea!
Cada ser humano precisa lutar suas batalhas de cabeça erguida.

Assim era Alex, que vivia a dura realidade de ser um pai solteiro que
tinha sido abandonado pela esposa. Mesmo sob a pressão da
responsabilidade, ele se dedicou bravamente à missão de ser pai solo. Sua
pequena Alícia se tornou a sua única prioridade e ele não tinha planos de
mudar essa equação.

Jade era uma jovem com um passado marcado por violência e muitos
traumas. Ela não tinha nenhum interesse em se envolver emocionalmente
com alguém, e muito menos chamar a atenção para si. Contudo seus planos
foram postos à prova quando conheceu a pequena Alícia, uma garotinha de
seis anos, e seu pai encantador.

Sentimentos se afloraram, mas Jade se negava a vivenciá-los até ser


capaz de abrir seu coração novamente para o amor.
ALEX ALENCASTRO

Tantos anos se passaram e na minha memória ficou marcado todo o


aprendizado que tive como pai. Deixei tudo em segundo plano para me
dedicar exclusivamente à minha pequena princesa.

Fomos deixados por minha ex-mulher Danielle, ela tinha a intenção de


viver a vida sem impedimentos, se jogou no mundo e sumiu. Suspeito que

tenha sido com um homem qualquer, pois sempre foi muito dependente e, do
nada, mudou. Começou a agir mal comigo e rejeitou a nossa pequena. A vida
não foi fácil para nós dois, porque eu nada sabia de bebês e ela necessitava de
afeto e alento. Nos poucos minutos que me afastava dela, o choro era certo,
até que aprendeu algumas coisas, e começou a entender que já estava fora da
barriguinha quentinha onde ela foi firmada.
Os primeiros sorrisos e apertos de dedos foram surgindo, depois as
tosses forçadas por ela mesma, em seguida, a curiosidade de sair do lugar e

alcançar seus brinquedos.

Pouco mais à frente, começou a pôr tudo na boca, logo os dentinhos


saíram e ela acelerou os joelhos a correr casa afora. Era uma loucura gostosa
de viver. Minha pequena boneca estava feliz com suas descobertas, mas não

eram só de sorrisos que vivíamos, houve noites que não dormimos porque ela
precisava de carinho e calor do meu corpo.

Eu passava horas com Alícia no colo e nada de ela aceitar a ideia de ser
posta no berço. Dormimos muitas noites por poucas horas, mas eu sempre
agradeço por ter essa experiência de ser “pãe”. Nada paga esse amor, o único
amor verdadeiro.

Hoje a minha menina já está com seis anos e sabe bastante sobre o

mundinho dela, atende pelo seu nome, mantém os horários regrados. Apesar
dos apesares, eu sou feliz e me sinto abençoado por ter uma filha tão incrível
assim.

Alícia é meu mundo e eu sou o dela. Há anos somos somente eu e ela.


JADE TORRES

Lágrimas rolam em meu rosto enquanto passo os dedos em meu lábio


inferior partido e ensanguentado. Coloco uma mecha do meu cabelo atrás da
orelha, a dor constante em meu peito me deixa em choque.

Não acredito. Não acredito que isso esteja acontecendo. Robert


prometeu, e novamente foram apenas promessas vazias.

Viro meu rosto um pouco para o lado e enxergo a marca roxa no meu
olho direito. Soluçando, eu abaixo a cabeça, com vergonha da mulher que me
tornei — fraca. Uma covarde.

Até quando vou suportar viver nessa vida miserável? Eu me faço essa
pergunta todos os dias, desde a quinta vez que ele atingiu o meu rosto com
seus punhos e arrancou sangue de mim.
Quando conheci o meu marido, ele se comportava como bom moço —
é o que todos os homens abusadores fazem, se comportam como anjos até

terem a oportunidade de mostrar quem verdadeiramente são. Robert chegou


de mansinho na minha vida, como se não quisesse nada, e me conquistou
com belos gestos, sorrisos bonitos e, com a lábia que tinha, acabou me
convencendo a largar a minha família para viver com ele em outro lugar.

Perdi o carinho da única pessoa que me amava, minha mãe — que


Deus a tenha —, por um homem com aparência de anjo, mas com uma alma
de demônio.

Após o nosso relacionamento se firmar e começarmos a morar juntos,


ele foi mostrando as garras aos pouquinhos. O homem já não era a mesma
pessoa que conheci no início do nosso namoro, que fora por quatro anos.

Estamos morando como marido e mulher há dois anos. Ele me

machucou fisicamente pela primeira vez assim que começamos a morar


juntos. Ele chegou bêbado e com cheiro de perfume barato, e quando o
questionei por estar chegando em casa duas da madrugada, fui arremessada
contra a parede, sendo atingida por murros no estômago e um tapa, que partiu
meu lábio. Desde então, Robert me bate e depois me pede desculpas, chora e
diz que me ama. Mas quem ama não machuca. Mesmo que eu queira me
libertar dessa prisão que vivo, eu não consigo. Já prestei queixa, mas não
segui adiante, pois ele fez novas promessas e, por ser policial e ter toda a
família envolvida na área, para ele seria fácil se safar também.

— Jade, querida, por que está nesse quarto desde ontem? — Assusto-
me com a voz da minha sogra, que entra em meu quarto sem pedir permissão.

Envergonhada com o que o filho dela fez comigo, eu abaixo a cabeça.

— Ah... Oi, Branca... Só não estou me sentindo bem — falo, minha


voz quase não sai.

Meus sogros estão aqui há três dias, vieram a pedido de Robert, que
nem mesmo respeitou a presença da família e me espancou no nosso quarto
porque briguei com ele por ter exagerado no álcool ontem à noite, no
restaurante.

— Você está bem, Jade? — ela pergunta, se aproximando, e eu me


encolho, nervosa.

Branca é delegada da cidade vizinha, Santa Cruz, e seu esposo, Caio, é


policial aqui na cidade, com Vitória e Robert. Mesmo que a família seja da
lei, eles não têm um pingo de honestidade, todos recebem propinas, chegam
até a ir à periferia acertar com os traficantes.
— Você sabe que não! O seu filho me bate e você vem atrás de mim
como se nada tivesse acontecido? — Soluço, cansada do cinismo dela.

Eu me cansei dessa merda toda. Eles fingem não ver a desgraça que o
“menino de ouro” deles faz comigo, mas, no fundo, sabem que sou o saco de
pancadas de Robert.

— Não grite, estamos com visita! — fala ela, tocando em meu ombro,
fazendo com que eu me afaste bruscamente do seu toque imundo.

Nem tenho coragem de olhar nos olhos desta vaca! Eles vivem de
aparência, mas são todos animais.

— Imagino que essa visita seja tão importante, que ela não pode saber
que a nora dos Almeida apanha como uma condenada! — falo, irônica,
deixando as lágrimas caírem.

Ouço uma risada amarga vindo da mulher.

— Se sabia que Robert era assim, não deveria ter se casado com ele,
querida! — retruca.

Eu me viro para encarar a miserável. Como ela tem coragem de falar


assim comigo? Mulheres deveriam se apoiar, e não apoiar um macho escroto
como o filho dela. Com as mãos trêmulas, eu lanço a ela um olhar magoado.
— É isso mesmo que estou ouvindo, Branca? O que a visita diria ao
ver a nora dos Almeida toda machucada? — Soluço, me contendo para não

avançar nela.

Minha sogra passa as mãos nos cabelos grisalhos e, em seguida, desvia


os olhos em direção ao espelho, que há pouco eu estava olhando os
hematomas que ganhei só por ter aberto a boca para opinar.

— Escute aqui, Jade, meu filho está com visita. Ele é um amigo muito
importante no meio policial, e se você ousar abrir a sua boca, vai se
arrepender! Não sei como Robert ainda insiste em viver com você, uma
mulher problemática e muito sonsa! — Dessa vez ela me olha, seu olhar é
gélido.

Eu não me deixo abalar, cruzo os braços, jogo a cabeça para trás e dou
uma risada alta.

— Não vou discutir com você e nem tentar me defender. Sou o saco de
pancada do seu filho há muito tempo, e vocês nunca fizeram nada para me
livrar das mãos dele! — falo em um só fôlego.

Passando a língua entre os lábios, minha sogra ri.

— Isso é briga de marido e mulher, nem meu esposo e nem eu


devemos nos envolver. E se você apanha do meu filho, é porque faz algo para
merecer. Independentemente de qualquer coisa, ele te ama. — As palavras
dela soam tão hipócritas.

Perturbada, eu levo as mãos ao cabelo e os puxo para trás. Fecho os


olhos e choro, sentindo uma forte dor em meu interior. Gostaria de voltar no
tempo e não ter conhecido Robert, eu jamais teria aceitado viver com ele se
soubesse o monstro que era. Deixei a casa da minha mãe, a cidade em que

nasci, para vir morar com um homem que me prometeu o mundo, mas eu só
recebo tapas, murros e muitos hematomas há anos.

— SAIA DO MEU QUARTO, SUA BRUXA! — Avanço para cima dela.

Mesmo sabendo que posso me arrepender, eu lhe dou um tapa no rosto


e, em seguida, mais um. Por mais estranho que pareça, ela não tenta se
defender, me deixa atingi-la. Com as lágrimas banhando o meu rosto, eu
tento libertar a dor que me consome.

Meu desespero me deixa descontrolada. Eu só quero sumir e nunca


mais ver a cara desses monstros.

— O QUE É ISSO? — A voz do meu marido sai como um trovão. O baque


que ele dá na porta me faz saltar para trás.

Amedrontada, eu dou passos para trás com minhas pernas moles igual
geleia. Meu coração bate descompassado, como se fosse saltar pela minha
boca.

— Filho... Não sei o que deu nela... Está descontrolada a sua mulher.
Eu vim chamá-la para se reunir com a gente, mas, do nada, ela veio para cima
de mim — fala Branca, fingindo um choro.

Sempre soube que ela nunca gostou de mim. A esposa ideal para o

filho dela era a ex, a Verônica. Ela é de família rica, uma empresária na área
de logística.

— Me deixe sozinho com Jade, minha mãe... — ele pede, mas nem
ouso olhar em seus olhos. Posso sentir seus olhos negros queimando a minha
pele como fogo.

— Tudo bem, querido... Mas não faça nada que possa se arrepender
depois — fala ela com cinismo. Os passos dela em direção à saída são tão
apressados, que desconfio que seja uma apreciadora da obra de arte do louco

do filho dela.

Me sentindo desprotegida, eu abraço o meu corpo e respiro fundo.


Acho que dessa vez ele me mata. Cabisbaixa, engulo em seco. Tento falar,
mas nada sai, apenas continuo como estou — calada e submissa.

Quando me tornei isso? Quando me deixei ser tão violada?


— Essa foi a primeira e a última vez que você bateu em minha mãe.

Sinto meu braço latejar com o primeiro murro dado. Solto um grito de
dor, mas nem tenho a oportunidade de dizer nada, porque ele me pega pelos
cabelos e me joga na cama, em seguida, desfere tapas em meu rosto e aperta
meus lábios contra meus dentes, ferindo minha boca com sua mão.

Levo um murro no estômago, outro no olho, depois mais dois na face


e, para acabar de uma vez comigo, ele vira meu corpo e me dá um murro nas
costas. Sem forças, eu tento empurrar o corpo dele para longe do meu, porém,
ele me lança um olhar de ameaça e me manda ficar onde estou ou vou me
arrepender.

Robert sai de cima de mim e ajeita a roupa amassada, logo depois se


levanta e vai em direção à porta e sai.

Quando percebo que estou sozinha, eu volto a chorar mais uma vez. Já

não tenho mais lágrimas, choro tanto que vai chegar um dia que minhas
lágrimas serão de sangue.

Mesmo dolorida, eu me levanto, vou até o closet e abro a caixinha que


escondo debaixo das minhas roupas, tirando um papel com o número do meu
tio, o Padre Estevão, que mora em São José, uma cidadezinha bem afastada.

Estou mantendo contato com ele há alguns meses por telefone, uma
vez que não sabe usar o WhatsApp. Ele diz que é muito velho para tal
“modernidade”.

Robert acha que eu não tenho contato com mais ninguém da minha
família, então mantenho escondido o contato dele, mas o único que pode me
socorrer é o meu tio.

Hoje Robert vai com a família para um coquetel, e sei que não vai me
levar porque me deixou muito machucada, e não vai correr o risco de receber
uma enxurrada de perguntas das pessoas.

É agora ou nunca. Vou fugir desse inferno e nunca mais vou voltar.
ALEX ALENCASTRO

— Papi, posso comer mais uma coxinha? — pergunta Alícia, com as


mãos unidas e fazendo beicinho para mim.

Estamos na lanchonete do meu primo, que fica entre a praça e a igreja


aqui em São José. Quando convenci meu primo a se mudar para cá e abrir um

negócio, de início ele pensou que não se adaptaria tão fácil, mas depois da
inauguração foi um sucesso. Guilherme foi muito bem acolhido, a metade da
comunidade se fez presente, e gostaram bastante do cardápio principal —
hambúrguer artesanal. Contudo há outros tipos de salgados, que são feitos
também pelas mãos dele.

Eu trouxe a minha princesa para lanchar, como havia prometido na


semana passada, mas somente hoje consegui uma folga. Como trabalho com

entregas, a minha semana é sempre corrida. Eu sou meu próprio chefe, e às

vezes sou muito exigente comigo mesmo.

O movimento é um pouco fraco às sextas-feiras, aos sábados que o


estabelecimento tem uma movimentação danada, mas hoje estão fazendo uma
nova pintura e o meu primo abriu uma exceção para minha menina, que adora

os lanches dele.

— Filha, você acabou de comer. Seu estômago é pequeno demais para


aguentar mais uma. — Toco nos cabelos castanhos soltos de Alícia, e ela faz
careta quando aperto suas bochechas avermelhadas.

Dou uma risada ao notar que a minha pequena odeia quando faço isso.
Só sei disso porque ela já me disse. Tem tão pouca idade, mas é uma
garotinha inteligente. Muito sapeca.

— Só hoje, por favorzinho, papai? — Seus olhos castanhos levemente


esverdeados brilham.

Eu balanço a cabeça negando, então, aborrecida, ela bate os pés e


abaixa a cabeça. Coço a minha cabeça e, em seguida, abro um sorriso.

Hoje ela está usando um vestido de crochê amarelo, com a tiara da


mesma cor. Alícia adora esses acessórios, sempre encomendo com a
costureira que mora perto da lanchonete do Guilherme.

— Podemos vir outro dia, mas agora vamos para casa porque o tio
Guilherme está ocupado. — Eu a pego no colo.

Ela abraça o meu pescoço e apoia o rosto em meu ombro, balançando a


cabeça concordando.

— Tá bom, o senhor venceu! Mas agora me deve um montão de


docinhos gostosos e uma coxinha! — exclama, se afastando e dando um beijo
na minha bochecha.

Concordo sorridente. Alícia solta o meu pescoço e bate palmas, toda


animada.

— Pode deixar. — Pisco para ela, que sorri para mim e depois vira o
rosto em direção ao balcão onde Guilherme está conversando com dois
homens que seguram latas de tinta.

— Te amo, papai — fala, seus olhinhos brilhando.

— Eu também, meu anjo. Agora dê tchau para o seu tio, porque já


vamos. — Faço um sinal para Guilherme, que para de conversar e acena para
Alícia e para mim.

— Até mais, tio Gui! — exclama quando eu a coloco no chão.


— Até princesa! — assim que meu primo fala, eu pego a mão dela e
saímos do local.

♥♥♥

Depois de termos passado na casa de dona Madalena para pegar dois


vestidos que encomendei, seguimos para a igreja. Estou indo falar com o

padre Estevão para ver se ele conhece alguém de confiança para cuidar de
Alícia. A moça que cuidava da minha filha vai se casar no fim de semana e se
mudará na segunda-feira com o marido para o Rio de Janeiro. Não posso
esperar até Janice ir embora para procurar outra pessoa para cuidar da minha
filha nos horários em que estou trabalhando.

— Pai, eu não quero demorar muito na igreja se o feio do Danilo


estiver lá! Tô de mal dele — minha filha resmunga de uma maneira tão
engraçada, que eu não seguro a risada.

— Você e ele vivem brigando, deveriam ser unidos, já que estudam na


mesma escola — falo.

Ela para de andar, solta a minha mão e cruza os braços sobre o peito,
fazendo uma careta.

— Papai, Danilo puxa o meu cabelo e me chama de pirralha! Tá vendo


por que não gosto dele? — Alícia faz bico e bate os pés, cheia de birra.
— Depois falamos sobre isso, não quero que se comporte assim,
mocinha.

Ao longe, eu avisto o padre Estevão conversando com uma moça. Ele


parece estar dando um sermão, porque a vejo abaixar a cabeça e assentir
como se estivesse envergonhada.

— Padre Estevão!!! — Alícia grita e corre na direção das duas pessoas


que estavam conversando antes da intromissão dela.

— Filha, cuidado para não cair! — eu a repreendo, indo atrás dela, que
já está pegando na mão da desconhecida e perguntando algo.

Constrangido, eu me aproximo dos dois adultos e da criança, que


continua tocando na mulher cabisbaixa. Vagarosamente, analiso a mulher
quando ela levanta a cabeça e coloca uma mecha de cabelo atrás da orelha.
Sem conseguir disfarçar o meu espanto, arregalo os olhos ao ver que ela está

com o rosto todo roxo, o olho direto inchado, assim como o lábio partido. Ela
parece que foi espancada no dia anterior.

— Bom dia, padre — cumprimento o padre Estevão, sem conseguir


tirar os olhos da moça machucada.

Com mil pensamentos, balanço a cabeça indignado. Tenho vontade de


perguntar o que aconteceu, mas fico calado enquanto a observo.
— Bom dia, filho — ele me responde, sorridente como sempre.

— Tia, por que está chorando? O seu rosto está dodói por quê? —
Minha filha solta as perguntas inocentemente, deixando a moça com o rosto
pálido.

O padre Estevão não consegue esconder a chateação no olhar quando a

mulher abaixa a cabeça e olha para os pés, sem responder as indagações de


Alícia.

— A senhora não fala? — a criança pergunta mais uma vez. Dessa vez
a minha filha cruza os braços e franze a testa, então acho um bom momento
para interferir.

— Alícia, deixe a moça em paz — eu a repreendo e ela levanta os


ombros.

— Filho, essa é Jade Torres, a minha sobrinha. Ela veio morar aqui em

São José comigo, chegou há dois dias — o padre fala um pouco inseguro,
olhando para a sobrinha.

Por isso eu não a vi antes. Achei que o padre nem tinha família, ele
nunca falou sobre isso. Menos ainda sobre uma sobrinha tão jovem.

— Sou Alex. É um prazer, Jade. — Estendo a minha mão em sua


direção, mas ela não a segura, só levanta a cabeça e me encara com um pouco
de receio.

A morena assente, porém, não aceita meu cumprimento de mão e nem


fala uma sequer palavra.

— Papi, ela não fala, eu acho... Mas acho que ela é uma moça muito

bonita, o cabelo dela é lindo! — minha pequena encrenqueira fala.

Eu acabo sorrindo ao analisar a mulher. O rosto oval e expressivo é


marcado de maneira mais intensa pelos olhos cor de esmeralda, que parecem
transmitir uma certa melancolia. Jade é linda, sem nenhuma dúvida, apesar
dos sérios hematomas. Os cabelos castanhos e ondulados estão caindo ao
redor dos ombros como uma cascata. Apesar do rosto estar com hematomas,
eu não deixo de notar a sua beleza, e já sinto ódio só de imaginar que algum
covarde foi capaz de machucá-la. Homens covardes que agridem mulheres

merecem ter uma morte lenta e dolorosa.

Sem jeito por ter demorado tempo demais observando a sobrinha do


padre, eu tento disfarçar quando miro meus olhos no senhor de cabelos
brancos.

— Padre, a Janice não vai mais poder olhar a Alícia porque vai se casar
e vai embora, como o senhor já sabe. Vim aqui pedir uma indicação de
alguém que possa ficar com a minha menina, o senhor conhece alguém
confiável para isso? — Passo a mão na minha barba.

O padre pensa e esboça um pequeno sorriso.

— Meu filho, amanhã te dou uma resposta, preciso conversar com uma
pessoa primeiro — quando ele fala, eu noto que Jade esfrega as palmas das

mãos como se estivesse nervosa, mas nem imagino o motivo.

— Combinado, então — falo e sorrio, notando que Jade me olha de


soslaio, mas logo disfarça ao desviar os olhos para árvore a poucos metros de
distância da gente.

— Tia, a senhora é muda? Não precisa ficar com vergonha, é só sorrir


para mim e assentir com a cabeça! — A insistência de Alícia acaba atraindo a
atenção da mulher, que arqueia a sobrancelha e um sorriso vacila em seus
lábios, mas logo fica séria.

— Alícia! — exclamo, puxando a criança para que fique perto de mim.

— Tio, me desculpe, com licença. — Arregalo os olhos quando Jade se


manifesta, deixando a minha filha elétrica, que dá alguns saltinhos e fala “ela
fala, papai”.

A sobrinha do padre nos dá as costas e corre em direção à igreja, me


deixando um tanto confuso. Tenho uma leve impressão que essa moça fugiu,
as muitas perguntas a deixaram assustada.

Em silêncio, o padre Estevão balança a cabeça como que


desaprovando. Sem entender o que está acontecendo, eu continuo olhando na
direção que a ela foi. Há algo de errado nessa história, a mulher tem um
comportamento estranho... Parecia estar com medo e escondendo algo.

Jade Torres acaba de se tornar um mistério para mim.


JADE TORRES

Há uma semana estou livre das garras de Robert. Faz poucos dias que
estou longe daquela família tóxica e já me sinto mais leve, viva... quase feliz.
Naquele mesmo dia em que meu ex-marido me agrediu, eu coloquei meu
plano em prática. Liguei para o meu tio, mesmo chorando e sentindo muita
dor, conversei com ele, contei que já não aguentava mais viver em um lugar
que a qualquer momento eu poderia ser morta de tanto apanhar.

Tio Estevão havia ficado com tanta pena de mim, que pensou em ir me
buscar e enfrentar os Almeida, mas eu o impedi, jamais me perdoaria se algo
acontecesse a ele por minha culpa. Aqueles monstros tinham influência e
poderiam fazer algum mal a ele.

Quando Robert e seus pais foram para o coquetel naquela noite, eu já


tinha separado meus documentos e os guardado por baixo das roupas, junto

ao meu corpo. Quase vomitei de asco quando o miserável teve a coragem de

se deitar ao meu lado na cama para me beijar e pedir perdão, se justificando


que tinha ficado com raiva e perdeu a cabeça por eu ter batido na mãe dele.
Sem conseguir reagir, eu apenas assenti e quando notei que ele se foi, eu
deixei as lágrimas caírem, mas permaneci firme na ideia de sumir daquela

prisão. E consegui. Usei as minhas economias para chegar até São José e me
manter por alguns dias, mas antes que o dinheiro acabe, eu vou tentar
encontrar um trabalho.

Agradeço a Deus, em primeiro lugar, por ter me dado essa segunda


chance, e depois ao irmão da minha mãe, que me acolheu.

Estou morando em uma casinha nos fundos da igreja, mas meu tio
disse que não sabe se vou poder ficar por muito tempo, já que não é
propriedade dele. Mas ter me dado um lugar para ficar já é uma ajuda e tanto,

sei que logo vou arrumar um emprego para me sustentar e reconstruir a


minha vida. Já é um recomeço. São tantas coisas que quero recuperar, que
nem sei por onde começar, mas com calma eu alcanço meus objetivos.

Sentada no banco da igreja, cabisbaixa, penso nos dois últimos anos da


minha vida. Ter encontrado a tão sonhada liberdade me causa enormes
sensações no peito. Nem sei expressar o tamanho da minha felicidade, estar
longe de pessoas que nos faz mal é tão bom, a sensação é única.

Quando conheci Robert e contei a ele sobre a minha família, jamais


mencionei o irmão da minha mãe que virara padre. Eu nunca fui muito
próxima do meu tio, apesar que, desde pequena, a minha mãe me falava que
Estevão tinha decidido se tornar um homem de Deus. Só o vi poucas vezes na
minha infância, e depois que ele veio morar em São José, perdemos o contato

de vez.

Os anos foram passando, e só depois da morte da minha mãe, em seu


enterro, que eu reencontrei o meu tio e pude falar com ele, uma vez que meu
ex não foi.

— Filha. — Levanto a cabeça quando escuto a voz do padre.

— Sim? — respondo, dando a ele um pequeno sorriso.

Apesar de estar em São José há poucos dias, ainda não conheço quase

ninguém, somente a senhora Madalena, uma costureira, um amor de pessoa, e


um senhor que mora ao lado da igreja, o seu Manoel.

Deixo um sorriso escapar ao me lembrar que conheci também a


pequena Alícia, que parece ser uma criança adorável, e Alex, o pai dela.
Confesso que fiquei meio acanhada com a criança me enchendo de perguntas
e me tocando. Por mais que fossem inocentes as suas indagações, eu fiquei
tocada e notei que o pai dela percebeu, pois tentou parar a filha.

Eu só queria ter tido coragem de abrir a minha boca e dizer “está tudo
bem, ela é só uma criança, é normal ser curiosa”, contudo, não fiz isso,
apenas fiquei os observando, enquanto Alex conversava com o padre
Estevão.

Sei que não fui muito educada ao não os cumprimentar direito, mas
espero ter outra oportunidade de vê-los para pedir desculpas pelo meu
comportamento.

— Pensou no que eu te disse semana passada, querida? O Alex está


precisando muito — ele pergunta e eu balanço a cabeça, concordando.

Na verdade, não consegui pensar em nada essa semana, a não ser em


mim mesma. Minha cabeça ainda está tumultuada.

— É... O senhor poderia me dizer como seria esse trabalho, por favor?

— pergunto, envergonhada por não me lembrar direito do que conversamos.

Só me recordo da parte em que ele propôs que eu cuidasse da menina,


disse também que não era para eu me preocupar com Alex, que ele é um
homem honesto e respeitador.

Meu tio se senta ao meu lado e assente.


— Janice cuida da Alícia desde que ela tinha poucos meses, mas agora
está entrando em uma nova fase na vida e o Alex é muito protetor com a

filha, não confiaria dar a menina dele para qualquer pessoa cuidar, por isso
veio atrás de mim pedir uma recomendação. Todos da cidade conhecem esse
rapaz, é um menino de ouro, muito educado e trabalhador. Ele tem uma
pequena empresa de frete — fala e eu escuto com atenção.

Passo a mão no cabelo, depois as coloco no colo e mordo os lábios,


tenho muitas perguntas para fazer, nem sei por onde começar.

— É... A pequena não tem mãe? — Arrisco perguntar, ao desviar meus


olhos para o altar.

— Não sou a pessoa mais indicada para te contar a história da vida


daquele rapaz, mas todos que moram aqui sabem que Alex criou Alícia
sozinho, desde que ela era um bebê. A mãe da menina foi embora e o deixou

sem dar satisfações. O coitado deu a volta por cima e hoje é admirado por
todos nós. Ele é um grande pai e homem.

Meus olhos ardem ao ouvir o meu tio falar. Como alguém é capaz de
abandonar um serzinho indefeso e tão inocente? Não é um ser humano, é um
monstro. Se não queria ter um filho, por que o trouxe ao mundo?

Mesmo com meu desejo louco de ser mãe, eu jamais caí na loucura de
engravidar de Robert. Agradeço por não ter ficado grávida de um animal que
nunca quis ser pai. O tempo todo éramos opostos e eu caí na real tarde

demais, mas no início tudo são flores, só vemos os espinhos depois.

— Ah... Sim. Mas se a moça cuida da filha há anos, talvez ela nem
goste de mim, a parte mais difícil vai ser ela se adaptar comigo. — Coloco
uma mecha de cabelo para trás e pigarreio.

— Alícia é uma criança adorável, é a estrela de São José. Ela fala e


sorri para todos, é a nossa princesinha do bairro.

Dou uma risada depois que ele fala, e meu sorriso aumenta quando me
lembro de ela me chamando de tia.

— Ela realmente é encantadora e bem geniosa, pelo que notei — falo,


sorrindo.

— Viu, filha? Ela faz a gente sorrir até com a sua lembrança. É uma

criança incrível, foi bem criada pelo pai e, como toda criança, faz birra,
porém, Alex é rígido com ela na medida certa, por essa razão todos a adoram
— fala meu tio, todo orgulhoso de seu amigo.

— Tio, estou com receio em relação às pessoas me verem, tenho medo


de ser encontrada... o senhor sabe! Posso até tentar ajudar o senhor Alex, mas
não quero precisar ir às ruas — suspiro profundamente —, nem aos
comércios por um tempo. Até me sentir segura novamente — faço uma pausa
e seco a lágrima em meu rosto —, está tudo muito recente ainda. A maneira

como fui tratada não sai da minha cabeça, a violência psicológica é a pior
parte de curar.

— Eu sei, filha, mas podemos entrar em um acordo com Alex o que for
melhor para Alícia e para que você também se sinta confortável. Ele tem

recursos e pode dar um jeito nessas questões de ir à rua. Tudo pode ser
conversado e organizando — afirma ele, animado.

— Se o senhor garante que ele não vai criar caso, pode ligar para
combinar com ele. Mas eu prefiro que o senhor acerte tudo com ele, não
quero me aproximar muito, espero que o senhor me entenda. — Minha voz
sai embargada.

— O contato com ele será inevitável, mas vou explicar a Alex tudo o

que conversamos e ver se ele está de acordo. A Janice já foi embora e ele está
se virando com a filha, levando-a para o trabalho sempre, e a pobre criança
não dá conta do ritmo do pai — com pesar, ele me informa, e eu me espanto
com a afirmação.

— Nossa, achei que ele já tivesse arrumado outra forma. Tadinha da


pequena menina. — Essa situação me dá mais ânimo para aceitar a proposta,
mas o medo ainda me consome.
Será que darei conta de cuidar de alguém, quando nem de mim eu
soube cuidar? Dar conta de fazer feliz uma pequena menina, quando nem a

mim mesma fui capaz de manter feliz?

— Como te falei, filha, ele é superprotetor com a menina. Na dúvida de


a deixar com alguém que não conhece ou que não seja recomendada por
quem confia, ele prefere a levar. Vou ligar para ele agora, me dê um instante

— fala, pegando o dispositivo e discando para Alex, que prontamente atende.


A chamada é breve e, em poucos minutos, ele deve chegar aqui.

Não sei se vai estar de acordo, mas estou aberta a negativas também.
Seja como Deus permitir.

Sentada na porta de casa nos fundos da igreja, eu ouço a pequena


Alícia chamando o meu tio.

— Padre Estevão! — Ouço o eco de passos correndo pela igreja, então

me levanto e vou até a porta lateral para espiar. Sim, é a pequena Alícia com
toda a sua alegria e curiosidade.

— Oi, pequena princesa, você está animada hoje, hein? — meu tio
afirma, sorrindo assim que a abraça.

— Eu vim animada e bem linda, pois o papai falou que a minha nova
babá estará aqui com o senhor. Eu não quero que ela ache que sou feiosa, né
— fala a menina, dando uma volta completa para que ele veja o lindo vestido
de cetim azul com borboletas cor-de-rosa, todo brilhante.

— Ah, você está animada, então? Será que vai gostar da nova babá? Eu
já vou te avisar que ela não sabe muito bem brincar de boneca, você vai
precisar ensinar a ela. Tudo bem? — sussurrando como se fosse um segredo,
ele fala para a Alícia, que se anima ainda mais.

— Ebaaaa, serei uma ótima professora. Sou mestre em brincar com as


bonecas, padre. Ela vai ficar fera na nossa brincadeira, eu sou a melhor mãe
do mundo, igual meu pai é pra mim — fala ela, sorrindo para o pai antes de
correr para pular no colo dele, que está sentado em um dos bancos, sorrindo
enquanto observa a conversa da filha.

— Verdade, você é a melhor mãe de bonecas — Alex afirma e beija o


rosto da filha, retribuindo o abraço dela.

— Eu aprendi a ser boa nisso com o você, papinho, que é o melhorzão


do mundo inteirinho. Por isso, eu te amo, papito.

Todos riem, e eu permaneço observando-os.

— Tia Jade! — fala ela, vindo em minha direção correndo.

Alícia é realmente muito intensa, amo essa alegria de viver que as


crianças têm. Eu me abaixo para acolher seus braços abertos em minha
direção.

— Oi... Linda, você está uma princesa! — falo assim que a abraço
apertado, e ela se afasta para dar um beijinho no meu rosto.

— Tia, que bom que você fala. Eu ia precisar aprender aquela língua

que usa as mãos pra gente conversar. Já que a senhora não tem amigos, eu ia
te ajudar. — Espontânea, ela dispara e nos faz rir.

— Fica tranquila, a tia fala, amor! Mas me conta, por que você está tão
linda assim? Esse vestido é incrível! Será que eu acho um igual para mim? —
brinco.

— Jade, vou conversar com Alex. Você pode olhar a pequena Alícia
por uns instantes? Não vamos demorar — meu tio pede e eu assinto.

— É seguro? Ela está bem para cuidar da minha filha? Não quero que

ela se sinta incomodada — Alex fala, preocupado.

— Fique tranquilo, senhor Alex, estou bem. Obrigada. Vou mostrar


para a Alícia a fonte que tem ali atrás. Estaremos sentadas na pedra vendo a
água fluir, enquanto ela me conta sobre esse lindo vestido, certo? — finalizo,
enquanto olho para a menina, que sorri para mim.
— Certo! Papinho, por que a tia Jade não pode cuidar de mim? Eu
gostei muito dela, e ela entende de vestidos bonitos. Quer até ter um igual ao

meu. — A garotinha cruza os braços e faz careta.

O homem parece meio inseguro, mas se dá por vencido, por fim.

— Tudo bem, não demoro — fala Alex.

Sorridente, eu me retiro com a menina. Nós nos sentamos na pedra e


ela me conta a história dos seus lindos vestidos e outras muitas aventuras com
suas bonecas e brinquedos. Ela fala também da saudade que sente de Janice e
que entende a ex-babá, mas que precisa de ajuda com uma nova babá para
brincar com ela e suas bonecas.

Pouco tempo depois, meu tio aparece com o senhor Alex, bem na hora
em que estamos brincando de pique-estátua e eu estou igual doida com os
cabelos jogados no rosto, mão virada para trás e pernas tortas.

— Vamos, filha, agora a tia Jade precisa se organizar para o novo


trabalho dela — ele fala gentilmente e sorri, olhando nos meus olhos, antes
de pegar a filha no colo. — Seu pedido foi atendido, ela vai cuidar de você a
partir de segunda-feira. O que acha? — pergunta ele para a menina, que se
remexe e desce do seu colo para correr em minha direção.

— Eba! A senhora vai ser a melhor babá que eu já tive. Eu vou amar te
ensinar a brincar de boneca, já que a senhora não sabe, né!? — fala ela,
espontânea.

— Será um prazer aprender com você, baixinha. A tia vai adorar. Então
nos vemos segunda?

— Sim, tia Jade. Eu não vou conseguir nem dormir hoje. Papai, ela não

pode ir agora com a gente? — pergunta a menina, ansiosa.

— Não, filha, ela precisa descansar um pouco. Você já irá deixá-la


esgotada todos os dias, então dê uma folga hoje.

— Tudo bem, papai. Tia, até segunda! Tô esperando! — adverte a


menina.

— Pode deixar, Alícia, a tia vai estar lá bem cedinho. Agora me dê um


beijo e vá com o papai, ele deve ter compromisso.

Ela assente e nos despedimos. Eu já estou preocupada, ela vai me fazer


pirar, mas é tão doce que vai valer o esforço.
ALEX ALENCASTRO

Dois dias se passaram desde o encontro com a nova babá de Alícia,


hoje vamos começar a nossa nova jornada com uma nova pessoa
desconhecida. Não será fácil, tendo em vista que Janice esteve conosco a vida
da minha filha inteira e, com certeza, ela vai dar um certo trabalho para a

Jade. Ela parece ser bem tímida, nem mesmo quis tratar dos termos comigo,
deixou que o tio falasse e acertasse tudo. Eu a entendo em partes, mas será
inevitável não nos falarmos.

A campainha toca e acredito que seja a moça tímida chegando para


iniciar o dia de trabalho.

— Já vai! — grito, descendo a escada.


Chego à porta e me deparo com a moça. Ela é incrivelmente bonita e
não tem mais as marcas da violência sofrida. Na verdade, mal parece ter

sofrido na vida quando um sorriso tímido aparece em seu rosto ao me


cumprimentar.

— Bom dia, senhor Alex — fala Jade, suas bochechas ficando rosadas.

Dou-lhe uma examinada rápida sem que ela perceba. Seus cabelos
estão presos em um rabo de cavalo e ela veste um vestido azul florido com
detalhes simples. Os olhos verdes que antes não tinham brilho agora têm.
Dou um meio sorriso quando noto que seu nome me lembra a pedra preciosa
“jade”.

Perdido em meus pensamentos, eu só percebo depois que a mulher a


minha frente está com o rosto vermelho de vergonha, acho que passei mais
tempo reparando nela e, certamente, eu a deixei envergonhada. Sem saber o

que fazer, pigarreio e falo:

— Bom dia, Jade... Pode entrar, mas está bem cedo ainda, Alícia entra
às oito na escola, então dorme até às sete. — Sem jeito, dou passagem para a
moça.

Ela passa as mãos no tecido do vestido e assente. Fecho a porta atrás de


mim e faço um sinal para que me acompanhe até o sofá.
— Eu cheguei cedo, pois gostaria que o senhor me passasse mais
informações sobre a pequena Alícia, se não for muito incômodo para o

senhor. Eu quero poder atender às necessidades dela sem que ela sinta muito
a falta da dona Janice. — Jade olha pouco em meus olhos, e eu gostaria de
saber por quê.

Com os olhos fixos no quadro na parede, ela sorri ao ver que é Alícia

vestida de caipira, uma foto que tirei no ano passado, na fazenda do meu
primo Kenny. Naquele dia, ele quase teve um treco quando eu a levei para
tirar essas fotos e passar o dia lá, meu querido primo não gosta de crianças
desde que a esposa faleceu, há cinco anos. Ele é uma boa pessoa, tem um
grande coração, mas parece ter algum tipo de alergia a esses pequenos, ele
não suporta nem se aproximar.

— Ah, isso é bom. Vou passar a jornada dela, mais ou menos, e o


restante vamos ajustando com calma. Tudo bem?

— Sim, sem problemas, senhor.

— É tudo bem simples… — Começo explicando as tarefas fixas de


Alícia, e passo para as obrigações dela, finalizando com o lazer. — O
cronograma dela está todo no mural da cozinha, basta acompanhar os
horários, compreende?
Repassando todas as informações que dei a ela, Jade afirma sua
compreensão até que somos interrompidos com um grito de Alícia.

— Papinho, socorro… eu estou indo.

Subimos correndo para socorrer a minha filha, que está presa no short
da escola. Ela se desequilibrou e agora está apoiada na cama enquanto grita.

— Alícia, não faça isso! Você me assustou! Achei que você estava
machucada ou... sei lá — eu a repreendo pelo ato exagerado, então a baixinha
prontamente se senta e cruza os braços.

— Mas, papinho, eu estava mesmo caindo, daí consegui me segurar um


pouco e agora me sentei aqui pra descansar minhas pernas que estava com nó
de short. — Alícia e sua criatividade! Onde se viu nó de short.

Ouço a risada divertida da mulher que está atrás de mim, mas eu


mantenho a minha postura séria.

— Oi, mocinha. Será que a tia pode ajudar a desfazer esse nó de short?
— Jade aparece na frente dos olhos da minha atriz mirim, que só assim a nota
e abre um sorriso travesso.

— Oi, tia, a senhora sabe desamarrar nó de short? Eu estou presa aqui e


o papinho tá bravo comigo, ele não vai me ajudar — fala, fazendo beicinho e
abaixando a cabeça.

Tão pequena e já sabe fazer um drama enorme.

— Claro que a tia sabe, me deixe te ajudar. Estique as pernas que


vamos dar um jeito nessa bagunça.

Fico surpreso com a maneira carinhosa que Jade ajuda a minha

pequena, que dá um sorriso feliz para a sua nova ajudante.

Como alguém pode mudar do dia para a noite? Ou, talvez, quando ela
nos conheceu tenha se assustado com as perguntas da Alícia e agora parece
estar mais tranquila. Pode ser que o padre tenha conversado com ela.

Observando em silêncio as duas garotas, noto que a minha filha olha


com uma admiração para a Jade que nunca teve para Janice. Um pouco
incomodado com o olhar encantado da minha menina, eu pigarreio para
chamar a atenção delas. Não quero que a minha filha se apegue tanto a uma

pessoa que mal conhecemos ainda.

— Meninas, vou me ajeitar para o trabalho e já volto para te pegar para


levar para a escola. — Dessa vez direciono meus olhos para Alícia, que sorri.

— Senhor, pensei que eu a levaria e buscaria — fala Jade, um pouco


tímida.
— Hoje você fica aqui em casa e tentar se organizar, mas amanhã você
a leva e busca — falo, e ela concorda.

— Daqui a pouco eu volto — aviso, dando as costas para elas e saindo


do quarto.
JADE TORRES

Horas se passaram e eu apenas organizei os brinquedos, as roupas e


tudo da pequena Alícia. Em poucos minutos ela deve estar chegando, então
vou descer e preparar o almoço para que a pequena não fique agoniada por
estar com fome enquanto eu preparo tudo.

Quando eu abro a geladeira, percebo que está tudo etiquetado —


alguns pratos prontos e outros com o horário de preparo. Esse Alex é
organizado, acabo sorrindo com a minha constatação.

Antes de levar a garotinha à escola, ele me avisou que a pegaria


também. Mesmo eu me oferecendo para levá-la, ele recusou.

Eu me concentro no preparo da refeição, e logo a música da minha


playlist favorita, que não ouço há anos, começa a tocar. Eu danço ao me
sentir livre e posso dizer que até feliz, como não me sentia há tempos.

Mexo panelas para um lado e aqueço outras coisas no micro-ondas até


que me dou conta de que tenho uma miniplateia — Alex e Alícia, ambos
sorrindo. Sem conseguir conter a minha vergonha, eu me encolho perto do
balcão da cozinha.

— Tia, você canta bem e dança legal, mas deixa eu te ensinar uns
passos mais legais. Vem comigo. — A pequena me puxa pela mão e me
sacode para entrar no ritmo dela. Acabamos gargalhando, enquanto Alex nos
observa com um sorriso de canto.

Um pouco acanhada, tento conter o furacão que é a menina, mas ela é


tão adorável que acaba me deixando encantada. A felicidade dela é
contagiante.

— Jade, vou voltar ao trabalho e, se precisar, meus contatos estão na


geladeira — fala, tentando chamar a nossa atenção, mas Alícia não me deixa
sair da sua bolha dançante para responder.

Eu balanço a cabeça confirmando para Alex que o escutei antes de ele


sair e me deixar com a sua filha. A garotinha tem uma energia danada.

Pouco depois, Alícia se cansa e decide subir para tomar banho, então
eu a sigo e separo as roupas para ela. Fico aguardando o fim do banho dela
para a vestir e penteá-la.

— Tia, posso comer depois? Estou cansada e quero dormir um


pouquitinho. — Estamos na cama dela, sua cabeça apoiada em meu colo
enquanto passo a mão em seus cabelos.

Essa menina é muito fofa.

— Mas eu preciso te alimentar, criança. — Passo os dedos na


sobrancelha dela, que já está com os olhos fechados.

— Tô com sono. Quando eu acordar a senhora ainda vai estar aqui, né?
Daí eu como, tá bom? — fala, já bocejando.

— Tudo bem — falo baixinho, notando que ela já caiu no sono.

Um sentimento de proteção bate no meu peito e eu me pergunto como

alguém pode ficar apaixonada dessa maneira pela filha de outra pessoa.
Meneio a cabeça para tentar afastar esses pensamentos.

Ajeito Alícia na cama, dou um beijo em sua testa e depois saio sorrindo
do quarto.

♥♥♥

Horas mais tarde, estou distraída sentada na sala zapeando pelos canais
na tevê quando tenho a sensação de estar sendo espionada. De repente, eu me
dou conta que Alex está apoiado na porta, seus braços cruzados sobre o peito,

olhando para mim.

— Oi — falo, muito embaraçada —, que bom que chegou. Quer jantar?


Já está tudo quentinho, só aguardando a Bela Adormecida acordar. Eu não
sabia que o senhor chegaria tão cedo. — Largo o controle no sofá e me

levanto, seguindo para a cozinha, mas Alex me para no caminho.

— Eu vim mais cedo, precisava ver se vocês estavam bem. Para nós, é
uma novidade termos uma pessoa jovem como você no nosso dia a dia —
diz, coçando a barba e dando um meio sorriso.

Eu sabia que Janice tinha trinta e sete anos, talvez ele tenha me
chamado de jovem por isso. A ex-babá da filha dele é doze anos mais velha
que eu.

— Apesar da pouca idade e pouca experiência, eu adoro crianças —


falo.

Os olhos dele iluminam, satisfeito com o que acaba de ouvir.

— É bom saber disso. Onde está Alícia? — Ele me encara com tanta
curiosidade, que me deixa sem reação.
— Ela ainda dorme, não quis almoçar. Depois do banho, a pequena
disse que queria dormir porque estava cansada.

— Ok. Já conheço as manhas dela.

— Hum... o senhor quer que eu coloque o seu jantar? — pergunto,


desviando o olhar para a escada.

— Jade, agora que estamos a sós, eu gostaria de conversar com você.

Engulo em seco quando ele me olha sério. Será que ele não quer mais
que eu tome conta da filha dele? O que eu fiz de errado?

— É... Tá bom. — Esfrego as mãos, nervosa, e ele parece notar.

— Não será uma conversa longa, não se preocupe. — Alex olha bem
em meus olhos e eu me encolho. — É inevitável não pensar no que você
passou para estar tão machucada e isso não sai da minha cabeça. Eu ia

perguntar isso ao padre, mas fui surpreendido quando ele a indicou para
trabalhar para mim. Resolvi esperar e perguntar diretamente a você, se estiver
confortável, é claro.

Arregalo os olhos. No fundo, eu já esperava que esse fosse o motivo da


nossa conversa, mas jamais imaginei que seria tão cedo.

— Senhor Alex, agradeço a sua preocupação, mas ainda não me sinto


pronta para falar sobre isso. Se não se importar... Eu prefiro assim. — Meus
olhos ardem e minha voz fica embargada, então dou alguns passos para trás.

— Desculpe-me, eu não quis ser invasivo. Não se sinta obrigada a


nada, tudo tem seu tempo. Eu não queria te assustar. Vamos jantar? — ele
fala, parecendo estar arrependido ao mudar de assunto.

— Tudo bem. Eu achei que poderia ir para casa assim que o senhor
chegasse do serviço. — Disfarço minhas lágrimas ao passar a mão no rosto.

— Vou chamar a preguiçosa — ele fala, fingindo não ter me ouvido —


e já voltamos — completa, antes de me dar as costas.

Enquanto Alex sobe a escada, eu fico me perguntando se esse homem é


de verdade. Sempre tão gentil, solícito, preocupado com o bem-estar do
próximo, mesmo que esse próximo seja um completo estranho, no caso, eu.

Não sei se posso me abrir para ele ainda, tenho muito medo. Não

consigo confiar completamente, mas eu preciso me libertar desse sentimento


e acredito que vou, mas ainda é cedo. Eu me livro dos pensamentos ruins e
preparo os nossos pratos na ilha da cozinha, fazendo uma decoração fofa com
as batatinhas no prato de Alícia, então eu os aguardo descerem.

Ouço gargalhadas e correria, a alegria dessa menina contagia a todos.


Ela recebe tanto amor, que exala por onde passa.
— Tia, tia, me ajuda! O papinho está com a luva da cosquinha e ele
quer me pegar. Já estou com dor de barriga de tanto rir. Socorro! Eu não

posso rir mais — gritando, ela desce a escada pedindo ajuda enquanto ri da
brincadeira do pai.

— Vem aqui. A tia vai te esconder, princesa, abaixe e fique quietinha.


Shiu.

Ela se abaixa próximo aos meus pés no meio da ilha.

— Onde está minha pequena coelhinha? Estou com minha luva


superpoderosa de cosquinha e vou tirar umas boas gargalhadas dela. —
Sorrindo, ele se aproxima da cozinha.

— Ah, senhor, ela não passou por aqui, acho que essa coelhinha
escapou. — Entro na brincadeira com eles.

— É uma pena. Eu pretendia dar um chocolate para a coelhinha, sei

que ela ama.

Assim que ele acaba de falar, Alícia grita e sai do esconderijo, correndo
na direção do pai.

— Papinho, eu amo chocolate. Você trouxe aquele delicioso branco


com preto? — A menina exibe um sorriso travesso.
— Deixe-me ver? Uma cosquinha e te dou o chocolate! — Alex dá um
sorriso lindo e sincero que eu não havia notado, até agora.

— Só um paizinho... Tô com dor de barriga — reclama a pequena,


passando a mão na barriga e escondendo o sorriso.

— Tá bem. Pegue aqui, mas só pode comer depois do jantar. — O pai

cede.

Alegre, ela salta no pescoço do pai depois de ganhar o chocolate.

— Agora vamos jantar? — eu os chamo, que prontamente se sentam à


ilha.

Alex pede licença e se levanta quando o seu celular começa a tocar,


então sai da cozinha. Alícia para de comer e começa um interrogatório,
olhando para mim com curiosidade. Divertida, eu a espero falar, mas engulo
em seco com uma pergunta.

— Tia, naquele dia que te conheci, você tinha apanhado? Eu vi na


internet um menino todo roxo, ele apanhou da bicicleta dele. Ele disse isso no
vídeo — a menina questiona, me deixando sem alternativas.

Com o coração batendo descompassado, umedeço os lábios e lanço um


sorriso fraco para ela.
— Foi mais ou menos assim com a tia, mas agora estou bem. Não tem
mais machucados. — Passo a mão no rosto, indicando a ela os locais sem

hematomas.

— Mas eu sei que adultos não caem da bicicleta. Seu pai te bateu, ou
sua mãe? — Ela estreita os olhinhos verdes.

Como a inocência é boa! Antes fossem meus pais, e não um troglodita


misógino.

— A tia não tem mais mãe e nem pai, mas era casada e deu uma
resposta que o marido não gostou, então ele ficou bravo. Mas vamos falar da
sua atividade de hoje, na escola, tudo bem? — Tento esconder a vergonha ao
mudar de assunto.

Eu não gosto de mentir, mas Alícia é muito pequena, e algo assim pode
ser muito pesado para ela.

— Uhu, tá certo. Só que eu tenho pena do seu marido, ele vai sofrer
agora porque a senhora está aqui comigo. Mas agora ele não fica bravo e
machuca a senhora, né! — conclui, toda esperta.

Balanço a cabeça, concordando com a pequena.

— Verdade, amor. Agora a tia está segura com você por perto. Agora
me fala como foi a aula de hoje. Você me deixou curiosa, ia me contar, só
que foi dormir e me deixou sozinha. Que preguiçosa, não?! — brinco com

ela, que dá uma gargalhada gostosa e assente.

Ficamos em silêncio e voltamos a jantar sem o Alex por perto. Minutos


depois, terminamos de comer e nada do pai dela aparecer, então guardo a
comida de Alex no micro-ondas e, em seguida, lavo os pratos sujos, enxugo e

os guardo no armário. Faço tudo isso com uma pequena muito curiosa me
observando e cantarolando uma musiquinha que aprendeu na aula de música.

O dia foi bem tranquilo, mas ainda tenho muito para aprender.

— Prontinho. — Solto um suspiro.

Com as mãos no rosto, Alícia olha para mim com uma certa admiração.

— Tia, amanhã vem bem cedo, tá? Não se atrase. Eu quero ir para a
escola com você, o papai é muito sério, acho que ele precisa de uma

namorada para sorrir mais — ela fala baixo, como se fosse um segredo, e põe
a mão na boca para sorrir.

— Aham. Amanhã chego bem cedinho. — Coloco o pano de prato


atrás da geladeira para secar e me sento de novo.

Por um segundo, fico curiosa para saber que fim deu a mãe dessa
garotinha tão carismática, entretanto, só lanço um sorriso para ela.

— Tia, a senhora ouviu o que eu falei do papai?

Balanço a cabeça, como se dissesse sim.

— A senhora poderia me ajudar a arrumar uma namorada para ele. Eu


e a Mandy tentamos muitas vezes nas reuniões da escola, mas meu papai é

muito quieto. Ele fala que esse negócio de namoro não é coisa de criança, e
que tá conversando. Meu papai fica muito bravo e quer me colocar de castigo
— a menina tagarela e eu dou risada.

Acho que estou diante de um cupido muito esperto.

— Estão falando de mim? — Quase pulo com a voz divertida do


homem entrando na cozinha.

Sentindo meu rosto arder, eu abaixo a cabeça, mas rapidamente a

levanto e disfarço um sorriso ao olhar de soslaio para Alícia, que passa a mão
na boca como se estivesse fechando um zíper, pedindo segredo.

— Papi! Eu tava falando que o senhor demorou para chegar, né, tia
linda? — Ela bate os cílios para mim.

Céus, temos uma verdadeira atriz mirim.

— Aham, foi sim. O seu prato está no micro-ondas, se o senhor não


precisar de mais nada... eu gostaria de já ir...

— Sim, senhora — ele me interrompe. — Pode ir pra casa. — Ele bate


continência, fazendo a filha soltar risadinhas.

Qualquer pessoa que observar a interação desses dois nota que aqui é
um lar cheio de amor. Eles são muito felizes, só precisam um do outro para se

sentirem completos. Uma linda família e, só por um instante, eu os invejo.


ALEX ALENCASTRO

Encostado em minha camionete, eu observo Theodoro abrir as caixas


que eu trouxe para ele com as novas ferramentas. As encomendas vieram da
cidade, meu primo me pediu para pegá-las e trazer para ele, em sua oficina.

— Estava mesmo precisando de algumas peças, já estava faltando.


Obrigado, cara — fala, de costas para mim, enquanto tira os objetos das
caixas.

Pensativo, eu batuco na lataria do capô da camionete. Preciso desabafar


com alguém, e mesmo que Theodoro não seja a pessoa mais indicada, ele é
meu amigo e talvez a nossa conversa sirva para alguma coisa para mim.
— Theo, você sabe que estou com uma pessoa nova cuidando da
Alícia, né? — Paro de batucar na lataria.

Theodoro se vira para me encarar e, como sempre, ele carrega um


sorriso malicioso.

— Sei sim, onde moramos é pequeno demais. Os boatos voam por

aqui. — Ele sorri de lado.

Eu reviro os olhos, então, nervoso, pigarreio.

— O nome da moça que está comigo... com a Alícia é Jade. Ela é


sobrinha do padre Estevão — falo. Faço uma pausa quando Theodoro dá uma
gargalhada alta, me deixando puto.

— Desculpe, Alex, mas eu não consegui segurar o meu entusiasmo.


Você parece um bobo falando da Jade, já deram algum beijinho? — O
desgraçado faz chacota.

— Porra — fecho a cara —, você é um filho mãe debochado — rosno,


com raiva.

Theodoro joga a cabeça para trás e gargalha novamente.

— Primo, você só tem trinta anos e já está ranzinza assim? Pobre


Alícia, como atura um pai tão chato? Ela está certa em dizer para a Amanda
que você precisa de uma namorada — fala, entre risos.

Amanda é filha de criação do Theodoro, e é muito amiga da Alícia.


Apesar da minha filha ser um ano mais nova que ela, as duas são
inseparáveis. Elas me deixam doido quando inventam de fazer festinha de
pijama lá em casa, as duas aprontam tanto, que pela manhã estão cansadas
demais para irem à escola.

— Hum, essas duas pimentinhas ficam parecendo cupidos querendo


me arrumar uma namorada. Graças a Deus a Jade ainda não se bateu com a
sua cria. Alícia sozinha já faz estrago, imagina as duas juntas — resmungo,
divertido.

— Coitado de você quando isso acontecer. — Ele larga a caixa na


mesa de ferro, em seguida, puxa um banquinho de madeira e se senta. — Mas
me diga, o que tem essa Jade? Está sentindo algo por ela ou o quê? É a

primeira vez, em anos, que o ouço mencionar uma mulher. O que de fato está
acontecendo?

Theo e meus outros primos sabem que sou superprotetor com minha
filha, que deixei tudo de lado para viver somente para Alícia. Tudo que faço é
para ela, por ela, e estou com receio em relação a Jade. Ela parece ser uma
mulher boa, muito educada, mas preciso saber se não é uma ameaça para a
minha filha. Eu não sei quase nada sobre a vida dela, só que veio de outra
cidade para morar com o tio, aqui em São José.

Sei que o padre Estevão, que é muito querido por todos, jamais
colocaria alguém que pudesse me prejudicar dentro da minha casa, entretanto,
sinto que a sobrinha dele esconde algo. Desde aquela vez que a vi toda
machucada, conversando com ele em frente à igreja, fiquei curioso por saber
quem foi o causador da sua desgraça.

Não consigo tirar da cabeça a pergunta que Alícia fez, pela primeira
vez, sobre a sua mãe. Durante todos esses anos, dei a ela muito amor para que
não precisasse lembrar da mulher que a abandonou. Ontem eu gelei quando a
minha pequena veio até mim, assim que Jade foi embora, perguntar se eu
batia na “mamãe dela” por me desobedecer. Ela até perguntou se esse foi o
motivo da mãe ter ido embora.

Sem saber o que falar para a criança, eu perguntei de onde ela estava

tirando essas coisas, e me surpreendi quando Alícia contou que a “tia” tinha
um marido muito ruim que bateu nela por ter sido desobediente.

— Alex, onde está a sua cabeça? — A voz de Theo me tira dos meus
pensamentos.

Eu passo a mão no rosto e balanço a cabeça, me sinto frustrado por não


conseguir as respostas que quero.
— Eu sei que a vida da babá não é problema meu, mas uma vez que ela
está cuidando da minha filha, eu preciso saber se ela realmente é ou não um

perigo, certo? — Dou ombros.

Theodoro assente, agora parecendo mais sério.

— Fala logo o que está te afligindo, odeio rodeios — ele resmunga.

— Alícia me contou que Jade é casada e foi o marido que deixou os


hematomas no rosto dela. Bem, ela não disse com essas palavras, mas é
basicamente isso. Estou sem saber o que fazer, entende? Crianças fantasiam
as coisas, não posso chegar para a mulher e exigir dela uma verdade que eu
não tenho direito algum de cobrar. A minha filha veio me perguntar se a mãe
dela foi embora por eu bater nela também.

Meu primo arregala os olhos assim que escuta as minhas palavras.


Com a expressão assustada, Theo abre e fecha a boca algumas vezes, noto

que ele está sem saber o que dizer.

— Hoje cedo, quase perguntei para a Jade o motivo de ela falar essas
coisas para a Alícia, que é só uma criança. Mas eu não podia chegar e
perguntar uma coisa tão delicada estando de cabeça quente. — Massageio
minhas têmporas, sentindo minha cabeça latejar.

— Mas você também não pode ficar calado, precisa saber se essa
mulher é realmente confiável para cuidar da sua filha. Nem todo rostinho
bonito tem coração bom, meu primo. — As palavras de Theo me atingem em

cheio.

Danielle é um exemplo. Largou o marido e a filha para curtir a vida


sei lá onde.

Ele está certo. Mas como chegar em Jade e perguntar se foi o marido
dela que a machucou daquela maneira? Acho que ela ainda não me disse o
que aconteceu por ainda não confiar em mim. Quem passa por situações
como aquela precisa de espaço, precisa confiar. Já vi muitos casos e imagino
o quanto deve ser aterrorizante.

Eu não quero agir por impulso, não vou assustar a Jade para saber a
verdade. Acredito que seja algo que só com o tempo ela terá coragem para se
abrir. Mesmo que eu queira confirmar a versão de Alícia, darei espaço para

que a própria Jade me conte o que de fato aconteceu com ela.

— Sim, eu sei. — Engulo em seco.

— Não sou nada bom para dar conselhos, mas pense bem. Se acha que
não deve perguntar, não pergunte, dê um tempo para ela. — Ele coça a barba.

— Pra você ter ideia, eu nem tive cabeça para fazer outras entregas
hoje. Jade deixou a Alícia na escola e.... — Frustrado, fecho os punhos.
— Seja sincero, primo. A sua preocupação não é só com a segurança
da sua filha, não é?

Estreito os olhos ao ouvir a pergunta dele antes de o ignorar com a


expressão fechada.

— Confesse logo que está interessado na babá. Não é pecado algum

você se interessar por uma mulher. Até que demorou para você gostar de
alguém. — Theo dá um sorriso de lado, e eu continuo com o rosto fechado.

Sabendo que ele não vai me deixar em paz, decido me manifestar:

— Jade é bonita, muito mesmo, mas... — Desvio os meus olhos para o


carro desmontado do outro lado da oficina.

— Sem essa de “mas”. Você tem um interesse maior na moça, e sua


preocupação não é só saber se sua princesa está segura com ela — Theodoro
me interrompe, sorrindo.

— Ainda é muito cedo para saber se gosto dela ou não, só a acho


bonita e educada. Nada mais que isso. E quando olho para ela...
principalmente para os olhos dela, eu vejo que Jade precisa de proteção,
cuidado... conforto — acabo falando demais, e fico envergonhado.

— Ihh, cara, você está falando como se estivesse caidinho pela babá.
— Ele sorri e bate palmas, todo animado.

— Não é nada disso — resmungo e reviro os olhos, passando a mão no


cabelo.

— Se você diz! — Theo levanta as mãos em modo de rendição.

— Suas encomendas já estão aí. Vou voltar para a empresa, deixei

Cássio sozinho com as entregas.

Cássio é meu funcionário, ele roda com meu caminhão de pequeno


porte que conquistei há quatro anos. Hoje eu tenho uma caminhonete que uso
para algumas entregas, o caminhão e um carro pequeno. A minha empresa de
frete tem me rendido um bom dinheiro. Faço entregas em algumas cidades e
aqui em São José, até agora sou o único que oferece um serviço de qualidade
e segurança.

Eu entro na camionete e bato a porta, afivelando o cinto de segurança

em seguida.

— Pra que tanta pressa? — Theo se aproxima da janela com a


expressão divertida. — Vai embora sem pegar o seu dinheiro? — Ele enfia a
mão no bolso, tira algumas notas e me entrega.

— Obrigado — agradeço, colocando o dinheiro dentro do porta-luvas.


Ele assente e eu dou a partida no veículo. Ter conversado com Theo
não adiantou muita coisa, mas consegui enxergar que Jade mexe um pouco

comigo, talvez seja por ainda ser um mistério para mim.


ALEX ALENCASTRO

Em pleno sábado, acordo cedo com a princesa gritando para irmos ver
a tia Daiane. Essa é a oportunidade de conversar com alguém que entende
melhor que eu a situação da Jade.

Por ser médica, ela já deve ter ouvido muitos casos de agressão
familiar e pode me esclarecer melhor e ajudar com minhas dúvidas.

Alícia está eufórica, não para de tagarelar um segundo, e eu já não


estou conseguindo entender mais nada.

— Filhotinha, vai devagar, o pai não está entendendo nada. —


Sorrindo, eu a olho pelo retrovisor e vejo que revira os olhos.

— Papinho, você está lento hoje. Até que parte o senhor entendeu?
Vou ter que voltar tudo, desde o começo? — Ela faz careta e cruza os braços
na frente do corpo.

— Ei, mocinha, olha os modos. Eu não gosto quando você é malcriada


— falo, fingindo estar bravo, mas de nada adianta, ela solta uma risada
gostosa.

O que faz meus dias serem coloridos é minha menina, meu sol, ela dá
brilho à minha vida. Alícia é minha calmaria, meu maior tesouro.

— Pai, o senhor não sabe brigar comigo. Você sempre ri. Isso não é
brigar, é brincar de brigar — fala, querendo parecer chateada.

Por uns bons minutos, Alícia fica quieta apenas ouvindo as músicas de
sua playlist. Ela ama música clássica, como a sua mãe, acho que essa foi a
única coisa que a pequena herdou, pois não vejo mais nada da mãe na minha
baixinha.

Com o restante do caminho feito em silêncio, seguimos para a chácara


de Daiane. Levamos quinze minutos até chegar ao local. O modo falante da
minha princesa é ativado assim que paramos, ela desanda a falar sem parar,
então decido ignorar. Não estou entendo nada mesmo. Na frente da grande
casa, somos recebidos por Daiane.

— Olá, Alex. Oi, pequerrucha, como você está? — Ela se agacha para
ficar no tamanho da menina, que já está toda derretida com um sorriso
enorme.

— Olá. — Sorrio para Daiane, mas ela dá total atenção para a Alícia.

— Tô bem, tia linda! Só não muito, porque meu papai é muito chato,
não me entende e eu tenho que ficar conversando sozinha! Tô contando os

dias para chegar logo o dia da Mandy ir pra minha casa para a gente brincar
muitão — tagarela minha filha, emburrada.

Gargalhando, Daiane aperta de leve as bochechas coradas da Alícia.

— Oh, Oh... princesa da tia, não fique assim, seu papai te ama, tá bom?
Agora vamos entrar? — A doutora sorri e a garotinha assente.

Fico admirado o quanto a minha amiga ama as crianças. Ela tem tudo
que é necessário em sua casa para uma criança, mas não tem crianças
morando ali, é apenas para suprir a necessidade de mães da região em caso de

emergência. Confesso que já recorri a ela algumas vezes; quando não sabia o
que fazer com Alícia, eu ficava louco.

O motivo da minha vinda aqui hoje é por conta das perguntas que ela
tem feito sobre a agressão vivida pela nossa babá. Não sai da minha cabeça as
palavras inocentes da pequena questionando se eu era violento com a mãe, se
esse foi o motivo para ela ter ido embora. E como nunca escondi nada da
baixinha, expliquei o que eu sabia, até porque nunca entendi também o
motivo, mas ela pareceu aceitar a minha explicação. Hoje vou ter que pedir

ajuda para a doutora para conseguir lidar melhor com tudo isso, e também
poder ajudar a Jade de alguma forma.

Fico surpreso quando minha filha abraça minhas pernas para me puxar
para dentro. Travessa, Alícia desgruda de mim e vai até a Daiane.

— Tia, já posso ir para a brinquedoteca? Quero ver como estão as


bonecas, se os cabelos estão arrumadinhos, como da última vez — fala, toda
animada, e bate os cílios para a mulher, que balança a cabeça, divertida.

— Ah, não. Antes precisa pagar um pequeno pedágio — fala Daiane, já


se abaixando e sorrindo.

Alícia corre para os braços dela e a abraça, depois dá um beijinho em


seu rosto. Calado, eu só observo a cena. Minha filha encanta todos por onde

passa.

— Que bom que não precisei falar muitas vezes. Agora pode ir. — A
médica se levanta e passa as mãos no cabelo.

— Ah, tia, esse pedágio é bem barato, eu nem ligo de pagar. Vou lá, tá!
— conclui a pequena, com pulinhos e palminhas enquanto disparada para a
brinquedoteca, que fica na sala ao lado, dando assim privacidade para
conversarmos melhor.

De soslaio, eu olho para a doutora, que aponta para o sofá e me pede


para sentar.

— Agora sim podemos conversar melhor. O que está acontecendo com


você? Vejo claramente a angústia nos seus olhos. — A doutora me conhece

muito bem.

Ela se senta no sofá pequeno e cruza as pernas, enquanto me acomodo


na poltrona.

— Eu estou com alguns conflitos... — tento falar, mas não sei como
entrar no assunto sem parecer intrometido. Parece que estou infringindo a
integridade de Jade. Demonstrando nervosismo, esfrego as mãos na minha
calça jeans. — É sobre uma mulher, ela cuida da minha filha. Como você
sabe, a Janice não é mais a babá de Alícia. — Pigarreio, um pouco

incomodado com o rumo que essa conversa pode tomar.

— Já estou sabendo que a moça que cuida dela agora se chama Jade, a
sobrinha do padre Estevão. — Ela me dá um pequeno sorriso e eu balanço a
cabeça, confirmando.

— Sim, ela mesma. — Coço a barba.


— Vamos lá, então. Ela foi estuprada? Violentada? Que situação na
vida dela é tão complicada que você nem consegue dizer?

Com as mãos apoiadas no colo, Daiane me escuta com cautela. Conto


para ela o que Alícia me disse sobre Jade, da mesma maneira que falei com o
Theo, a mulher arregala os olhos e leva a mão à boca, parecendo estar
chocada. Os olhos dela estão úmidos, mas eu continuo falando sobre os

hematomas que vi no rosto de Jade quando a conheci. Engulo em seco e faço


uma pausa, buscando fôlego.

— Meu Deus, se a versão da pequena for verdade, essa moça deve


estar aterrorizada. — A voz da doutora soa embargada.

— Fiquei sem ação quando Alícia me perguntou se eu batia na mãe


dela. Fiquei sem palavras. Cheguei até a pensar que ela ouviu algo assim na
escola, sei lá... Tantas besteiras passaram por minha mente, mas como eu vi a

sobrinha do padre toda machucada, tentei ligar os pontos. — Passo a mão no


rosto.

— Certo, vamos por partes. Vou enumerar cada caso de acordo com
seu grau de sensibilidade ou dor.

Concordo, então ela segue.

— Alex, mulheres que sofrem esse tipo de agressão por anos, quando
se libertam, leva tempo para se recomporem. Não sabemos o tempo certo
para cada pessoa, até porque isso é pessoal. O que a gente pode fazer é cuidar

por fora, de longe, dando espaço e não prendendo na gaiola, como passarinho
com a asa quebrada. Cuidados esses que devem ser consentidos. Uma vítima
de agressão pode se tornar agressiva ou depressiva, ela não nota o processo,
mas existem casos de mulheres que jamais voltaram a se relacionar com outra

pessoa. E casos que somente alguns meses foram necessários para que elas
encontrassem outro parceiro igual ou pior ao anterior. Entende-se que o medo
de ficarem sozinhas é tão grande, que elas buscam alguém tão doente quanto
o parceiro anterior.

“As poucas que se recuperam lentamente podem voltar a ter uma vida
normal? Claro que podem, mas depende única e exclusivamente delas. Não
adianta você oferecer casa, comida e roupa lavada, vai além de bens, é algo
muito íntimo que a mulher precisa buscar para se libertar e permitir sentir

novamente o amor por si e pela vida. Alex, de todo o meu coração, eu acho
que você precisa ir com muita, mas muita calma mesmo. Eu, Daiane, acho
que você está indo muito além do que precisa neste momento. Deixe a
menina respirar e espere o momento certo, tudo na vida tem um jeito e a hora
vai chegar, mas não acredito que seja hoje.”

Ela me olha com seriedade, e eu sinto minha garganta queimar.


— Você tem razão. — Passo a mão no rosto.

— Sabe por que te falo tudo isso? Porque vejo em seus olhos que sua
preocupação com essa moça vai além do que está me dizendo.

Não afirmo nada e nem discordo.

— Ontem o padre me disse que ela não vai mais poder ficar na casinha

no fundo da igreja, em breve terá que sair. Eles deram um prazo para Jade
encontrar um lugar para ficar, até pensei em oferecer a edícula onde Janice
morava na minha casa para ela enquanto não encontra outro lugar para viver,
ou dar outro tipo de ajuda, talvez dinheiro — confesso.

— Em relação a morar na sua casa, eu não concordo muito. Por mais


que você seja um homem honesto, pode ser estranho para ela morar na casa
de um desconhecido. Você ainda é um estranho para ela. A questão de dar
outro tipo de ajuda, como dinheiro, sem ela ter feito nada para merecer, pode

parecer ofensivo. Não sabemos o que ela sente, muito menos o que passa em
sua cabeça. Estude a melhor forma antes de oferecer, veja se não pode ajudá-
la com algo que ela esteja precisando momentaneamente, acho que é mais
sutil e atencioso.

— Está certa. Acho que você deveria largar a profissão de pediatra e


ser psicóloga — falo, dando um pequeno sorriso.
— Por último e não menos importante, cuide do seu coração. Ele não
merece sofrer, ele é bom demais para esse mundo de gente ruim. — Ela sorri

com sinceridade.

— Eu não...

— Só o tempo irá dizer! — Daiane me interrompe e pisca para mim.

Quando vou responder, ouvimos a voz de Alícia.

— Papi, será que o senhor pode arrumar uma merendinha para mim?
Minha barriga tá fazendo barulhinho. — A menina se aproxima e se senta no
sofá.

— Bom, já que estamos conversados, me deixe oferecer a vocês um


bolo delicioso que comprei hoje cedo. — A mulher se levanta e eu a
acompanho.

— Não se preocupe, já estamos indo. Obrigado, Daiane. Vamos, filha?

Alícia balança a cabeça de um lado para o outro e cruza os braços em


seguida.

— Paizinho, onde já se viu negar comida a uma criança? Na igreja, eu


aprendi que temos que dividir o pão, e a tia tá fazendo certo, ela quer dividir
o bolo com a gente. — Ela tenta franzir a testa, mas falha miseravelmente.
A doutora cai na gargalhada.

— Espere um pouco, vou embalar um pedaço para que ela possa levar
para casa. Vamos, acompanhe a tia até a cozinha — Daiane a chama, e Alícia
não pensa duas vezes antes de a seguir.
JADE TORRES

Estou há quase duas semanas cuidando da pequena Alícia, a menina


está sendo meu sol. Ela é encantadora, me faz sorrir com suas invenções de
palavras quando estamos brincando no quarto dela, ou quando decide que

temos que ter uma conversa de garotas.

Essa criança está preenchendo o vazio que eu sentia em meu coração,


simplesmente, faz com que minhas manhãs sejam floridas. Estou terminando
de arrumar a cama quando escuto as batidas, em seguida, a voz infantil me
faz sorrir.

— Tia Jade, abre a porta pra eu entrar com meu papito!


Ainda estou morando na casinha nos fundos da igreja, mas meu tio me
avisou que só poderei ficar mais alguns dias. Ele me falou que tem uma

conhecida que aluga quartos em uma pensão, porém, ainda estou meio
receosa.

Abro a porta e me deparo com Alícia, que tem um sorrisinho leve de


criança sapeca. O rostinho fofo estampa duas pequenas covinhas, enquanto os

fios escuros caem ao redor dos seus ombros. Uma criança adorável.

— É... Bom dia. Minha filha é impossível, quando coloca algo na


cabeça, não quer mais tirar. A missa acabou agora há pouco e Alícia disse
que queria te ver, que não aguentaria esperar até amanhã. — Alex me encara,
meio tímido.

— Bom dia. Sem problemas, senhor Alex. — Dou risada quando a


menina corre e me abraça pela cintura.

— Tia, estamos indo comer hambúrguer enfeitado, na lanchonete do


meu tio. A senhora quer também? Diz que sim! Meu papai e eu não queremos
comer aquele lanche grandão sozinhos. — Ela levanta o rosto e me encara
com os olhos brilhando.

Passando a mão na barba, Alex sorri parecendo sem graça.

Hambúrguer enfeitado? Acho que quis dizer artesanal, como as


crianças são criativas!

— Isso tudo é saudades, princesa? — Passo a mão no cabelo dela e


acaricio suas costas.

— É saudades também, mas eu queria que você provasse o hambúrguer


do meu tio Gui, é o melhor de todos. Se você não gostar, tem coxinha

também. Sabia que é ele que prepara tudo? — A menina se afasta e vai até o
pai.

Sorrindo como uma boba, arqueio a sobrancelha quando Alícia cruza


os braços e olha para o pai.

— Papi, o senhor sabia que não é bonito deixar uma dama esperando?
Ai, papinho... Tô com fome já. — Ela passa a mão na barriga e faz beicinho.

Alex coça a cabeça e depois me olha. Ele parece estar envergonhado,


ou talvez seja impressão minha.

— Jade, gostaria de comer hambúrguer comigo e essa garotinha


inteligente na lanchonete do meu primo? É perto daqui, não vamos demorar
muito — ele pergunta, sorrindo para Alícia, que começa a dar pulinhos ao
ouvir o pai falar.

Nervosa, eu passo as mãos no tecido da calça jeans antes de morder


meus lábios. Será uma boa ideia? Hoje é domingo, não estou trabalhando e
minha obrigação com Alícia é só nos dias de semana, no entanto, não estou

indo a trabalho... É apenas um convite.

— Diz que simmmmmm, tia! Por favorzinho? — A sapeca bate os


cílios e sorri para mim.

Fixo meus olhos em Alex, que espera a minha resposta.

— Ok. Vou sim, pequena — falo, segundos antes de ela gritar “eba”.

— Podemos ir, então? — Alex pergunta, e eu assinto, colocando uma


mecha de cabelo atrás da orelha.

— Sim. — Balanço a cabeça.

♥♥♥

Não demoramos nada para chegar ao local, Alex estava certo, é bem

pertinho. A lanchonete é bonita, aconchegante, e o primo dele é muito


educado. Assim que chegamos, Guilherme nos leva para uma mesa próxima
ao balcão que, segundo ele, é o cantinho preferido da sobrinha.

— Tia, você vai aguentar comer o hambúrguer enfeitado do tio Gui? —


a baixinha questiona.

— Eu não sei, princesa. Ainda não vi e acho que deve ser pequenininho
esse hambúrguer que você está falando — brinco, implicando com ela, que
estreita os olhos.

— Tio Gui, minha tia Jade falou que seu hambúrguer enfeitado lindo é
pequeno. Traz um pra gente, no capricho, por favorzinho. Ela nem vai
acreditar quando pegar nele — finaliza ela, dando um risinho maroto.

— Licinha, tenho certeza que ela vai pedir a sua ajuda para terminar de
comer. Vou trazer o mais enfeitado que temos aqui. Já volto, princesa — fala
o dono da lanchonete e se retira, sorrindo.

— Papinho, meu tio Gui falou que o senhor está rabugento porque
precisa de uma namorada. O senhor já achou uma? — Somos surpreendidos
com uma pergunta bem embaraçosa de Alícia.

— Filha, o pai mal tem tempo de cuidar de você, imagina de uma


namorada — fala Alex, todo sem jeito, sem quebrar o contato visual com a

pequena.

— Tia Jade, a senhora era casada e já não é mais, certo?

Meneio a cabeça em concordância, ela toma fôlego e prepara a nova


pergunta, mas não passa despercebido quando Alex arregala os olhos.

— Alícia! — ele fala em modo de repreensão.


— Que tal a senhora namorar meu pai, então? Ele é muito bonitão, é
educado, é trabalhador.

Alex engasga com a própria saliva e começa a tossir. A menina se


levanta do lugar e vai até o pai, começando a dar tapinhas nas costas dele
como se fosse o ajudar. Cubro meu rosto, escondendo o sorriso.

— Papi! Vou bater aqui atrás para ajudar a passar, calma, tá bom.
Levanta os braços, eu vou bater e vai passar. — Agora ela massageia as
costas dele, que faz careta.

— Filhotinha, que tipo de convite estranho é esse que fez para a tia
Jade? Não se faz esse tipo de pergunta para as pessoas! — Recuperado do seu
engasgo, Alex repreende a baixinha.

— Mas, papinho, seria perfeito. A tia Jade seria sua namorada e eu


teria os dois o tempo inteiro, eu sempre quis ter uma tia que ficasse comigo

sempre e que fizesse você feliz! Você sempre sorri muito quando ela chega.
Eu vejo, tá! — A menina consegue nos deixar constrangidos com poucos
minutos de conversa.

— Me perdoe pelo comportamento da minha filha, Jade, ela não sabe o


que está falando. — O homem nem olha direito em meus olhos.

— Sem problemas... Ela é só uma criança. — Coloco uma mecha de


cabelo atrás da orelha.

— Poxa, por que é tão difícil os adultos levar as crianças a sério? —


Alícia cruza os braços e nos encara, emburrada.

— Vamos mudar de assunto, pequena? A tia não quer deixar o papai


triste e nem você, tudo bem? Essa não é uma boa ideia, vamos pensar em

outra amanhã, pode ser?

Alex suspira, quase que aliviado ao notar minha estratégia de fuga do


interrogatório constrangedor.

Depois de minutos, o dono da lanchonete surge.

— Eu trouxe o melhor da casa, espero que vocês deem conta de


comer tudo isso! — Guilherme se aproxima com uma bandeja cheia.

— Tio, acho que o senhor vai ter que comer com a gente! Olha a cara

de espanto da tia Jade, ela não vai aguentar — conclui Alícia, fazendo os dois
homens rirem.

— Vamos, comam logo para não esfriar. Se não derem conta podem
me chamar que eu venho ajudar vocês. Bom apetite!

Como diz Alícia, o “tio Gui” lança um olhar para Alex, que dá um
sorriso sem graça e, em seguida, olha para mim. Sem entender a troca de
olhares dos dois, eu dou ombro.

— Obrigado, primo — meu patrão agradece e o Guilherme se retira.

Passamos uns bons minutos comendo o hambúrguer, que realmente é


enorme e saboroso, mas deu tudo certo.
JADE TORRES

Essa semana foi tão maravilhosa, que eu não tenho nada a pedir,
somente a agradecer. Parece clichê, mas é a pura realidade. Tenho refletido
demais sobre a minha vida e sobre as migalhas que me permiti receber de um
homem doentio e agressivo. Agora eu acredito que posso ficar em paz, tenho
certeza de que ele não virá atrás de mim, já se passaram três meses e nem um

sinal dele.

Sinto que agora vou poder viver minha vida em paz. Há tantas coisas
que agradeço em minha vida, e a primeira delas é não ter caído no erro de ter
um filho de um monstro. A segunda, é não ter me casado com ele, só
morávamos juntos. Graças a Deus não há nada que me prenda a Robert.

Viajando nos meus pensamentos, uma notícia no telejornal chama a


minha atenção.

“O filho de uma delegada foi brutalmente assassinado”

Tropeçando nos pés, eu vou para a sala e presto atenção na matéria.


Sem acreditar no que vejo, eu não sei se eu choro ou se rio da situação, estou
tremendo, meu corpo dói, parece que apanhei, mas sei que é apenas tensão

por conta da notícia.

As imagens na tevê me dão a plena certeza de que foi uma tragédia. Lá


está a megera, com as mãos na cabeça e os olhos vermelhos, fingindo ser
uma boa pessoa, desejando justiça para o filhinho dela. Deus, sua justiça
nunca falha mesmo, eu jamais desejei mal a ele, mas esse fim foi exatamente
o que buscou.

Com os joelhos trêmulos e o peito subindo e descendo rapidamente, eu


tento controlar meu corpo agitado ao me apoiar no sofá. Sem nem ter notado,

deixo as lágrimas caírem na minha bochecha. Meu soluço alto de libertação


dói em meu peito, meus olhos ardem, meu coração bate acelerado. Meus
lábios tremem enquanto limpo as minhas lágrimas.

Robert morreu.

Ele foi assassinado e agora a mãe chora por justiça. Quer que o culpado
seja punido. Não foco muito em como aconteceu o assassinato, só olho
fixamente para a televisão para ver a matriarca da família Almeida chorando
em desespero.

Eu me assusto ao sentir um toque no meu ombro, então viro o rosto e


me deparo com Alex.

— Jade, o que aconteceu? Por que você está pálida? Não se sente bem?

— Ele coloca a mão em minha cintura e me leva até o sofá para que eu possa
me sentar.

— Eu... Alex... Eu... — As palavras não saem, somente soluços e


lágrimas.

Sou pega desprevenida quando os braços do homem envolvem o meu


corpo. Seu abraço é apertado, como se quisesse passar um recado de apoio do
tipo “eu estou aqui, pode chorar, está tudo bem. Só deixe a dor passar”.

O choro escorre livre, como se uma barragem tivesse acabado de ser

rompida. Meu corpo alivia a tensão que sinto e o calor dos braços de Alex me
traz um pouco de segurança, ele é um homem bom e gentil.

— Pode chorar o tempo que precisar. Vou estar aqui, só vou te soltar
quando você quiser — sussurra, beijando o topo da minha cabeça.

Eu preciso contar a ele tudo o que está acontecendo, mas agora quero
ficar quietinha. Não posso mais ocultar a verdade dele, eu sei que isso diz
respeito à minha vida, mas eu não gosto de esconder as coisas, de mentiras.

Sei também que desde o dia em que nos conhecemos, Alex tem curiosidade
em saber o que aconteceu comigo.

— Senhor, quero te contar algo — falo, com a voz embargada.

— Shhh... Apenas alivie essa dor que está em seu peito. Quando você
se sentir bem, eu quero que vá para sua casa e descanse, tudo bem? Amanhã é
outro dia, pode deixar que eu cuido da Alícia. — Ele me cala e eu assinto.

— Obrigada por tudo — sussurro, sentindo minha cabeça latejar.

♥♥♥

A manhã passou rápido. Mesmo que Alex tenha me mandado ir para a


casa, eu recusei, disse que ficaria para terminar de lavar as roupas de Alícia e
arrumar alguns brinquedos que ela deixou pelo quarto antes de ir para a

escola. Inconformado, o homem aceitou a minha decisão.

Hoje Alícia tem uma festa do pijama para ir, e Alex achou melhor levá-
la e depois a mãe de uma amiguinha a trará. Por hoje, meu trabalho está
finalizado, então me ajeito para ir embora. Ainda são quatro da tarde,
pretendo me deitar e dormir até esquecer tudo que vi na tevê.
— Jade, você ainda está aí? — Alex me chama.

— Sim, senhor Alex, estou sim. Já desço, só um instante. — Termino


de afofar a cama de Alícia, pego a minha bolsa e desço.

Passo as mãos em meu cabelo, que está um pouco bagunçado.

— Desculpe a minha demora, estava arrumando as coisas da baixinha

para ela dormir, assim não precisará arrumar ao chegar. Imagino que ela
estará cansada. — Desço a escada justificando a minha demora.

— Sem problemas, eu poderia arrumar. Eu sei que você não está bem
hoje, deve descansar um pouco, aproveitar que Alícia está fora. A danadinha
só volta às nove da noite. Você está dispensa das suas funções de babá por
hoje, mas eu acredito que você pode me acompanhar em um cafezinho da
tarde — gentil, ele me convida, passando a mão nos cabelos castanhos
levemente puxados para o loiro, que está penteado para cima de maneira

despojada e ao mesmo tempo metódica.

— Eu estou bem estranha hoje. Não sei se serei boa companhia, senhor
Alex... — Fixo meus olhos nos seus esverdeados.

Sou interrompida por ele, que vem em minha direção.

— Me sinto um velhinho quando você me chama de senhor. — Ele


sorri, me deixando sem graça. — Você me ajuda demais com a minha filha,
não precisa dessa formalidade. Apesar de trabalhar comigo aqui, somos

amigos, tudo bem?

Somente assinto em concordância, sem dizer uma palavra.

— Esclarecido isso, tenho uma proposta para te fazer. Não me entenda

mal, tudo bem? Soube que seu tempo na casa paroquial está chegando ao fim
e você ainda não encontrou um local para alugar. — Alex toma fôlego e
conclui. — Então eu pensei em te ajudar. Como aqui em casa tem uma
casinha nos fundos, você poderia ficar lá até achar algo melhor, ou pelo
tempo que quiser. Você é bem-vinda por tempo indeterminado. O que me
diz?

Arregalo os olhos quando ele termina de falar.

— Senh... Alex, nem sei o que dizer. Eu não estou em posição de

escolher muito, sabe, e agradeço imensamente a sua ajuda, desde o princípio,


na verdade. Se a sua confiança no meu tio não fosse tão grande, eu ainda
estaria na amargura, sem dinheiro, em busca de um emprego. E como estou
há mais de dois anos longe do mercado de trabalho, dificilmente conseguiria
algo. — Despejo um desabafo em forma de agradecimento.

Sem querer olhar nos olhos dele por mais tempo, eu viro meu rosto
para o lado.

— O convite está feito, mas não se sinta pressionada — fala, com a voz
mansa.

Eu o encaro e noto a sinceridade em seus olhos.

— Vou pensar com mais calma, tudo bem? — falo e ele assente, me

dando um pequeno sorriso.

Meu coração acelera quando o homem fica perto demais e passeia os


olhos por meu rosto, me deixando envergonhada. Às vezes, seu olhar é tão
intenso que parece que consegue enxergar a minha alma.

Dou alguns passos para trás quando Alex pega as minhas mãos e
entrelaça os nossos dedos. Trêmula, penso em correr, mas mesmo com a
respiração falhando e os olhos arregalados, espero para ver o que vai
acontecer.

Por alguns instantes, ele olha para as nossas mãos unidas e, em


seguida, levanta o rosto e me encara com a expressão séria.

— Jade, eu quero ser seu amigo, te ajudar, assim como você me ajuda
com a minha filha. Mas se acha que não vai se sentir bem morando aqui, não
precisa vir, certo? O convite está de pé, mas fique à vontade se quiser recusar.
— Obrigada, Alex — agradeço, e desço o meu olhar para as nossas
mãos.

— Eu que preciso te agradecer por fazer tão bem à minha filha. Você a
trata muito bem, e faz o mesmo comigo. — Ele sorri e se afasta.

É, todos em São José têm razão, Alex Alencastro é um homem muito

bom. Além de ser um pai incrível para a pequena, é um ser humano com a
alma iluminada.

— Ah, e temos espaço suficiente para três aqui, pode aceitar sem
medo. Você já sabe que seus dias serão de confusão, até quando estiver de
folga — diz num tom brincalhão.

— Ah, seria ser uma confusão gostosa. Sua filha é um amor de criança,
não será nenhum sacrifício. Mas acho que não posso aceitar, não fique
chateado comigo por isso, tudo bem? — informo e ele concorda. — Eu acho

que a privacidade de vocês é o mais importante, e ter uma pessoa estranha em


casa, vinte e quatro horas por dia, vai tirar a privacidade de vocês, entende?

Ele assente.

— Você jamais tiraria a nossa privacidade, mas eu te entendo. — Ele


enfia as mãos no bolso da bermuda.
Sei que é um problema meu, mas não é justo que eu o deixe sem saber
o que aconteceu comigo mais cedo. Ele me deu apoio, foi muito educado

quando me viu desabar no meio da sua sala.

— Antes de qualquer coisa, eu quero te contar por que eu estava


chorando quando você chegou. — Eu o encaro de maneira firme.

— Jade, de verdade, não precisa.

Negando, eu vou até o sofá e me sento, então Alex me acompanha e se


senta ao meu lado. Estou disposta a me libertar de uma vez, e para isso é
necessário que eu abandone os meus medos e viva o presente.

Respiro fundo antes de prosseguir.

— Você viu que estava noticiando na televisão um assassinato de um


policial que era filho de uma delegada?

— Vi sim... — Ele concorda e me incentiva a prosseguir.

— Então... o homem em questão é o meu ex marido. — Uma lágrima


solitária desliza em minha bochecha.

Alex abre e fecha a boca, como se precisasse de mais explicações.

— Mas era ele a pessoa que te maltratava? Era um homem da lei? —


incrédulo, ele me questiona.
— Exatamente. — Confirmo, balançando a cabeça. — E foi por essa
razão que apareci aqui na cidade, do nada, e bastante machucada. — Minha

voz quase não sai. — Meu tio me ajudou a fugir da cidade onde morava com
meu ex e me acolheu. O resto da história você já conhece — concluo e
começo a soluçar.

— Sinto muito por tudo que você passou, Jade. — Sua voz suave

parece me acalmar.

Alex toca em meu ombro e eu acabo olhando para a sua mão antes de
fixar meu olhar em seus olhos claro.

— Eu também sinto por ter me deixado levar por um monstro como


ele.

— Eu não consigo entender como ainda existem homens capazes de


fazerem o que ele fez a você — diz com o olhar carregado de indignação. —

Sinceramente, estou agradecido por você ter conseguido se salvar a tempo.


Tantas mulheres morrem nas mãos dos parceiros agressores por não terem
ajuda ou forças de se salvarem deles. — Um músculo na sua mandíbula se
contrai.

— Eu sei que não deveria, mas estou aliviada por ele ter partido.
Durante todos esses dias, eu temi que ele me encontrasse aqui. — Suspiro e
encolho os ombros.

— Fica tranquila, eu entendi. — Ele respira fundo.

— Espero que entenda que eu tenho muitos bloqueios, e parte do meu


receio de morar com vocês é conviver com um homem, no caso, você. —
Tomo fôlego e continuo. — Mas estar aqui tem sido bom pra mim, me faz

ver que existem pessoas decentes que prezam pelo bem-estar do outro,
mesmo que não sejam parentes. Alex, você é um homem incrível.

Ele apenas me encara com os olhos atentos, de uma maneira que não
consigo decifrar. Eu sinto que ele está me examinando, querendo extrair o
máximo de tudo o que falei.

— Jade, nem sei o que te falar ou como te ajudar para quebrar esse
bloqueio, mas estou disposto a te apoiar da melhor forma possível. Sei que
tudo o que passou está impregnado em sua pele, e preciso dizer a você que eu

também não tive uma vida fácil, e sei que superar é parte do processo de cura.
Se hoje sou essa pessoa que você acha incrível, foi graças a cura que eu
precisei passar para chegar até aqui. — Alex dá uma risada sem alegria.

Atenta, observo suas palavras e noto em sua expressão que realmente


não foi fácil para ele ser abandonado com um bebê para criar. Deve ter sido
terrível.
— Você aceitaria conviver com uma pessoa que às vezes quer ficar
sozinha escondida embaixo das cobertas? — pergunto, expressando um

pouco de diversão na voz. Mas quase perco o fôlego quando ele ri — um


sorriso bonito, alegre.

— Claro que sim. Eu não tive essa opção, mas você tem o privilégio de
se esconder. Estou disposto a te ajudar da maneira que você quiser.

— Obrigada pelo apoio. Apesar de eu ser uma completa desconhecida,


você não se opôs a me ajudar. Eu vivi anos da minha vida sendo indesejada.
Minha sogra me odiava, meu marido me agredia, e a maior parte da família
dele me tratava muito mal. No início, eu era feliz com ele, mas assim que nos
casamos Robert se transformou, ficou irreconhecível. — Lágrimas
involuntárias voltam a rolar em meu rosto.

Alex estende a mão para mim e eu a seguro, aceitando o seu apoio,

aceitando o conforto que sinto com as carícias que ele faz enquanto continuo
cabisbaixa.

— Não precisa falar nada que te machuque, eu não preciso saber agora
— diz, compadecido da minha dor.

Mas ao contrário do que ele me pede, eu fico com ainda mais vontade
de colocar tudo para fora, me livrar dessa dor que senti por anos.
— Não, tudo bem. Falar parece que alivia um pouco o peso em meu
peito. — Respiro profundamente e continuo. — Sofri muitos abusos

psicológicos e físicos, por vezes bastava eu respirar que recebia um tapa ou


soco no rosto. Era terrível. O pior é que ele sempre dizia que ia mudar, e eu
achava que ainda o amava e aceitava tudo. Mas quem vai procurar algo no
fundo quando a superfície está toda suja, né?

Com a feição triste, Alex assente e se mantém calado, apenas


esperando que eu continue desabafando.

— Eu precisava ver a verdade e não consegui, por fim, desisti. Eu


achei que fosse morrer se o deixasse me bater novamente, Robert estava
ficando cada vez mais violento, da última vez fui esmurrada por uma situação
criada pela minha sogra. Parece que todos daquela família tinham prazer em
me fazer sofrer. Mas hoje estou aqui, com vocês, e não tenho pretensão de
sair dessa cidade. Ainda mais agora, que não corro mais o risco de ser caçada

como uma presidiária. — Com uma mão livre, eu limpo meu rosto molhado.

— O tempo de viver em paz é hoje, faça isso por você. Todos somos
especiais, Jade, cada um à sua maneira, e depende de nós a nossa felicidade.
Seja feliz, se faça feliz, você merece.

Engulo em seco quando ele leva a minha mão à sua boca e deposita um
beijo carinhoso.
— Obrigada, Alex, mas agora chega de tristeza, né! Não precisamos
chorar até a próxima semana com tanta coisa passada. O agora é o que

importa. — Abro um sorriso, sentindo-me mais leve.

— Verdade. E acabei de descobrir que já está quase na hora do jantar,


o tempo com você passa rápido demais. Quando a Alícia falou eu não
acreditei, mas acabei de comprovar que ela dizia a verdade.

Noto que ele percebe a minha timidez, então desvio meus olhos dos
dele.

— Eu vou embora para que você possa jantar em paz — falo enquanto
me levanto.

— Eu ia te convidar para jantar comigo, mas...

— Eu agradeço — eu o corto —, mas o meu tio vem me buscar. Ele


me ligou há algumas horas...

— Ah, certo — ele assente, parecendo sem graça antes de coçar a


cabeça. Alex parece querer falar algo, mas desiste por algum motivo
desconhecido.

— Tenha uma boa noite, Alex. — Pego minha bolsa no sofá e caminho
na direção da porta.
— Pense no convite que te fiz. Alícia irá adorar ter você aqui de vez —
ele fala antes que eu saia.

Sem dar uma resposta a ele, saio da casa.

♥♥♥

Assim que chego à rua, vejo meu tio me aguardando. Quando ele me

ligou, disse que estava preocupado que a família Almeida me procurasse e


achava melhor vir me buscar para ter certeza que eu estava bem. É ótimo para
mim, eu me sinto segura com ele.

— Filha, você viu no noticiário que... você sabe, seu ex... foi
assassinado — com cautela, ele me informa.

Eu meneio a cabeça em concordância antes de começarmos a conversar


enquanto caminhamos com calma para longe da casa do meu chefe. A igreja
fica a poucos minutos daqui.

— Sim, eu vi. Parece que Robert estava envolvido com alguma coisa
ilegal e foi pego. A mãe dele disse que era somente suspeita, que tinha
certeza da inocência do filho, que ele tem boa índole. — Suspiro e tomo
fôlego para continuar a falar. — Quando vi minha ex-sogra dando essa
declaração na tevê, quase vomitei de tanto nojo que senti. Como aquela
mulher é ridícula e mentirosa assim? Sendo alguém da lei, ela deveria ser
mais honesta, porém o forte dos Almeida é a mentira, e, geralmente em
grupo, todos são cúmplices.

— Minha filha, eu louvo a Deus por você ter saído daquela família
viva, pois da forma que as coisas iam, você poderia estar sendo notícia na
tevê hoje.

Sim, é a mais pura verdade. Não me sinto bem em ter esse pensamento,
mas a morte de Robert, ao invés de me causar dor, traz uma sensação de paz.
Desde a primeira vez que meu ex-marido levantou a mão para mim, meus
sentimentos por ele mudaram.
JADE TORRES

Amanheceu e nada de conseguir pregar meus olhos, ainda não acredito


que Robert morreu. Apesar do todo o mal que ele fez para mim, no fundo, eu
não o queria morto, apenas longe. Para sempre. Mas Deus sabe o que faz, e
como dizem por aí, aqui se faz aqui se paga.

Eu me levanto e tomo um banho, organizando as minhas coisas em

seguida. Preparo meu café da manhã e pego o meu telefone para verificar os
endereços dos locais onde irei hoje, marcando-os no bloco de notas. Após
organizar tudo que faltava, saio em busca de uma casa onde possa alugar um
quarto para ficar, pois em dois dias terei que sair da casa paroquial.

Mais cedo liguei para Alex e pedi para chegar um pouco mais tarde
porque eu tinha alguns assuntos para resolver. Ele me disse que estava tudo
bem, levaria Alícia para a escola e a buscaria. Quando perguntei a ele quem
ficaria com a menina para que ele pudesse trabalhar, ele me disse que daria

um jeito, que eu não precisava me preocupar. Como se isso fosse possível.

Passo um bom tempo caminhando pelas ruas de São José, e nada de


encontrar o que procuro. Todos os lugares que já visitei foram descartados da
lista que fiz anteriormente. Agora só me resta uma pousada, espero que essa

não esteja cheia, como as outras. Desde a semana passada, meu tio vem
sendo pressionado para que eu deixe a casa paroquial, e não quero trazer
problemas para ele, que só quer e vem me ajudando desde sempre.

Solto um suspiro alto e, antes de entrar no local — a minha última


esperança —, passo a mão na testa para tirar o suor que escorre por meu
rosto. Olho para o nome Pallacios na placa arredondada e, em seguida, para
cima, rogando aos céus que eu encontre uma vaga neste lugar.

Otimista, entro no local e guardo o bloco de notas no bolso. Esfrego as


mãos na calça em ansiedade quando miro meus olhos em uma bonita mulher
negra e elegante do outro lado do balcão de madeira, que parece tão distraída
no celular que nem nota a minha chegada.

— Olá! — Eu me aproximo e aceno com uma mão, tímida.

Não demora para que ela me note e dê um sorriso simpático.


— Bom dia. No que posso te ajudar? — Ela deixa o celular de lado e
espalma as mãos no balcão.

— Gostaria de alugar um quarto para passar uma temporada — falo,


meio receosa. Cruzo meus dedos, esperando que tudo dê certo e ela diga que
tem quartos disponíveis.

— Oh, meu bem, até ontem tínhamos três quartos disponíveis, mas
hoje... — fala, me dando um pequeno sorriso.

Não acredito. Semicerro meus olhos com a minha falta de sorte. Por
que eu não vim antes? Parece que o universo não está conspirando a meu
favor. Três pousadas e nenhuma delas têm um quarto vago. Que falta de
sorte, Jade!

— Ah... Ok, obrigada. — Sem saber o que pensar ou fazer, olho para
meus pés, desapontada com a situação.

— De nada, querida — diz a mulher ao notar a minha frustração —,


mas não desanime. Apesar de São José ser um lugar pequeno, muitas pessoas
daqui são acolhedoras, logo você encontrará um lugar para ficar.

— De qualquer forma, eu agradeço. Com licença — eu me despeço.

♥♥♥
É muito chato você precisar de algo e não conseguir, e nem saber como
resolver. Depois de muito procurar, encontrei uma pensão — que não estava

nas minhas anotações —, mas ela cobrava um valor muito alto e o quarto
ainda seria desocupado. Não sendo possível me manter ali por muito tempo,
tive que descartá-la também.

A única saída que eu tenho no momento é aceitar o convite de Alex,

que não é uma opção válida para mim, porém, eu não posso deixar que o meu
medo seja mais forte do que eu, nem que o meu trauma supere a minha
capacidade de evoluir e mudar. Estou bastante contrariada com essa ideia,
uma vez que terei que ficar perto de Alex muito mais tempo do que antes.
Isso me apavora bastante, apesar de ter percebido que ele é um cara muito
bacana, protetor e cuidadoso.

Não sei se é somente aparência, mas o homem me passa segurança, não


que eu seja parâmetro para avaliar essas coisas, tendo em vista que no

começo do meu relacionamento com o meu ex-marido ele era bem parecido
com Alex. Foi só quando fui morar com Robert que ele passou a ser um
tremendo louco e agressivo, temo o revés das pessoas.

— Como as horas passam rápido. — Bufo quando vejo as horas no


meu celular. Quase meio-dia. Até as seis da tarde decido se vou aceitar o
convite de Alex ou não.
♥♥♥

Volto para casa para tomar um banho e descansar um pouco da minha


caminhada dessa manhã antes de ir para o trabalho. Quando chego à casa do
Alex, eu me deparo com a pequena Alícia abrindo a porta para mim. Ao me
ver, a menina abre um sorriso enorme e seus olhinhos, dar cor dos meus,
brilham. Já notei o quanto ela está apegada a mim, assim como estou a ela.

— Paiiiiiiiiiiiizinhooo, a tia veio. Entra, já estava com saudades. —


Alícia abre mais a porta e eu dou risada, entrando na casa.

Vestido com uma camisa polo branca e uma bermuda azul, e cabelos
claros bagunçados, o homem desce a escada com o notebook em uma mão e
uma xícara preta na outra. Assim que nota a minha presença, um sorriso
aparece em seu rosto.

— Filha, eu já disse que não é para gritar — ele repreende a menina,

que assente e parece murchar, em seguida, ele olha para mim e volta a sorrir.
— Oi, Jade. Pensei ter dito você não precisava vir hoje.

— Aham, disse sim. Mas eu vim para podermos conversar sobre


ontem. — Dou um pequeno sorriso.

— A tia vai morar mesmo com a gente, papi? Diz que simmm? —
Alícia bate os cílios para mim e junta as mãozinhas em modo de oração.
Sem reação, olho para o pai dela, que está vermelho como um
pimentão.

— Filha, vá para o seu quarto pegar os brinquedos que estão no tapete


— ele pede e a menina cruza os braços, ficando emburrada.

— Mas...

— Me obedeça — o pai a corta, e eu os observo em silêncio — ou não


deixo o seu tio Theo trazer Amanda para dormir aqui — conclui em tom
sério.

— Tá bom. — Ela abaixa a cabeça e caminha em direção à escada, mas


antes de sumir do nosso campo de visão, fala: — Tia, não vai embora sem me
dar um beijão, tá bom?

— A tia promete te dar milhões de beijos antes de ir pra casa. —


Sorrindo, pisco para ela, que me dá um sorriso, mostrando as covinhas das

bochechas coradas.

— Tá boomm. Tia? — ela chama a minha atenção, então olho para o


topo da escada, assim como seu pai.

— Oi, meu amor? — Arqueio a sobrancelha, esperando a sua pergunta.

— Eu te amo muitão, igual eu amo meu papai.


Ouvir suas palavras faz meu coração vacilar. Sem saber como reagir,
dou um sorriso bobo para ela, que some do nosso campo de visão. É a

primeira vez que a escuto dizer que me ama. Só então solto a respiração que
nem sabia que estava prendendo.

— Sente-se por favor, Jade, vou até a cozinha e já volto — pede Alex,
fechando a máquina em sua mão e colocando na mesinha de centro no meio

da sala.

Sento-me e cruzo as pernas e, em poucos segundos, ele volta com as


mãos no bolso. Alex se senta no outro sofá, ficando à minha frente.

— Pedi para vir mais tarde porque fui procurar um quarto, mas todas as
pensões que fui estavam todas lotadas. Até encontrei uma, só que não cabe no
meu orçamento... por fim, andei muito para nada — declaro, sem jeito, e me
remexo no sofá, tensa.

— Então decidiu aceitar o meu convite? — pergunta ele.

— Sim... Até que eu consiga juntar um dinheiro e...

— Jade, está tudo bem, não precisa se explicar. Seja bem-vinda. —


Sorri, passando a mão no cabelo bagunçado.

— É... Obrigada. — Desajeitada e um pouco envergonhada, eu me


levanto.

— Quer jantar com a gente? Não aceito um não como resposta dessa
vez.

Suas palavras me pegam desprevenida e acabo balançando a cabeça


enquanto rio, achando graça.

— Adoraria, Alex. — Aposto que a nossa pequena vai amar saber que
vou jantar com eles.

— Hoje vamos comer lasanha, eu vou preparar. Enquanto isso, se


quiser pagar os beijos da Alícia, poder ir — fala de uma maneira engraçada.

Se prometer algo para a pimentinha tem que cumprir, porque é bem


capaz de ela cobrar.

— Os beijos dela dou na saída, me deixe ao menos te ajudar. — Sem

esperar por resposta, porque sei que vai precisar, vou para a cozinha com ele
seguindo os meus passos sem pestanejar.

♥♥♥

A lasanha está pronta e com um cheiro delicioso. Arrumo a mesa e


coloco os pratos e talheres na ilha. Enquanto Alex preparava a massa, eu fiz o
suco de laranja que a menina tanto adora. Quando ela soube que eu ficaria
para o jantar, correu para me abraçar e disse mais uma vez que me amava
demais, e tudo isso sob os olhos atentos do pai.

— Tia, esse cheiro tá muito bom, né? O meu pai é muito bom em fazer
comida, já dá pra casar. Sabia que vocês dois juntinhos é um casal bonito? —
Alícia larga os talheres e nos mede com as mãos, dando um sorriso travesso.

Alex engasga com o líquido, enquanto o mesmo acontece comigo com


a lasanha. Estamos sentados lado a lado e a sapeca de frente para nós.

— Filha, vamos jantar. Agora é hora de comer. — Ele ainda tosse,


tentando se recuperar.

— Mas, papinho, eu aprendi que a boquinha é pra falar, por isso eu


faço muito e não é por mal. É só porque aprendi a falar, daí eu falo sem parar.
— Ela volta a comer, e eu respiro aliviada.

Essa menina ama dar uma de cupido.

O resto da refeição é feita em silêncio, que só é quebrado quando


Alícia pede ao pai para assistir a desenhos. Assim que ele dá a permissão, a
menina abraça as minhas pernas dizendo para ir vê-la antes de eu ir embora.
Nesse meio tempo, Alex pede licença para tomar um banho, e acabo
aproveitando para arrumar a cozinha.
— Jade, trouxe algo para você.

Eu me viro e me deparo com ele estendendo umas chaves em minha


direção.

— Ah, obrigada. — Pego as chaves da casinha dos fundos, onde a


antiga babá morava, e as guardo no meu bolso, sem jeito. — Arrumei tudo,

agora já vou.

— Não precisava, eu ia arrumar. Mas eu agradeço a gentileza, de


qualquer maneira. — Ele sorri em agradecimento e eu devolvo o sorriso.

— Era o mínimo que eu poderia fazer.

— Amanhã, Alícia e eu vamos jantar no restaurante preferido dela,


gostaria de ir com a gente? Assim podemos comemorar a sua vinda para a
nossa casa.

Se iremos nós três, eu não vejo problema. Seria estranho se fosse só eu


e ele, certo? Estou precisando mesmo ver novos lugares, e sei que vou amar
conhecer o restaurante preferido da minha princesa.

— Vou sim, aceito jantar com vocês. — Afinal, amanhã eu vou me


mudar e será bom espairecer um pouco.
ALEX ALENCASTRO

Deixa de paranoia, Alex Alencastro! É só um jantar, além disso, a sua


filha também vai com vocês. É terceira vez que troco de roupa. Já vesti até
um terno, mas desisti da ideia porque inventei de ligar para Theodoro para
pedir opinião e ele fez chacota, dizendo que eu estava parecendo uma
menininha que vai para o primeiro encontro. Decido colocar uma roupa mais
leve, já que a noite está quente. Estou usando uma calça jeans clara, uma

camisa polo preta com um blazer cinza por cima e um par tênis.

Meu celular toca no meu bolso, e pelo horário já sei que é Theo
querendo me perturbar um pouco mais. Tenho a confirmação quando pego o
dispositivo e visualizo na tela o nome do palhaço.

— A princesa já decidiu qual look usar? — Ele faz graça.


— Quanto você ganha para tirar a minha paz? — pergunto a
contragosto, cerrando os dentes.

Theodoro acha graça em tudo. Ele chegou a sugerir que eu deveria


deixar a Alícia na casa dele para brincar com a Amanda, enquanto tentava
conquistar a babá.

— Acho que você está passando muito tempo com o Kenny, está
ranzinza igual a ele, não sabe levar as coisas na esportiva.

— Diga logo o que quer e me deixe em paz — falo, ajeitando meu


blazer.

— Já pensou no que eu disse? Hoje eu posso ser a babá e quando eu


precisar, você...

— Está maluco? — eu o corto. — Se a Alícia não for, é bem capaz de


ela fugir de mim. Jade não está procurando um relacionamento agora.

Infelizmente. Escuto meu subconsciente falar. Mas que merda é essa?


Acho que as conversas com Theo estão mexendo demais com a minha
cabeça.

Pela manhã, Jade chegou sem as coisas dela, pensei que tinha desistido
de vir morar aqui, mas fiquei surpreso quando ela disse que primeiro levaria
Alícia para a escola e depois buscaria as coisas dela. Eu me ofereci para a
ajudar, mas ela recusou dizendo que conseguia trazer tudo sozinha, já que

não tinha muitos pertences. Não querendo ser inconveniente, deixei que fosse
como ela queria.

Trabalhei até as quatro, e quando cheguei em casa me deparei com


minha filha e a babá correndo na sala. Jade parecia uma criança, sorridente, a

expressão leve, estava linda como sempre.

Realmente, meu primo tem razão. Há anos não me interesso por uma
mulher e agora acho que estou atraído por uma que não intenção alguma de
se envolver com um homem tão cedo.

Mas é inevitável não me perder em seus sorrisos tímidos, nos olhares


envergonhados que me lança de vez em quando, achando que não noto.
Talvez seja coisa da minha cabeça, mas acho que três meses convivendo no

dia a dia é tempo suficiente para ela perceber que eu jamais a faria mal a ela,
que não sou nada parecido com seu ex. Danielle decidiu ir embora porque
não prestava, nunca quis ser mãe, eu jamais levantei a mão para a minha ex.

— Porra, cara, você está aí? Vai me deixar falando sozinho? — A voz
irritante de Theo me tira dos meus devaneios.

— O que você disse? — Balanço a cabeça.


— Eu disse que você não precisa pedir a babá em casamento ou
namoro, vocês podem ficar sem precisar desse negócio de relacionamento —

fala, bem-humorado.

Ainda não tive a oportunidade de falar para ele que Jade finalmente
confessou o que estava escondendo, um assunto como esse não deve ser
tratado por telefone. Entretanto não acho certo sair falando de algo que diz

respeito a vida de uma pessoa que confiou em mim o suficiente para se abrir.

— Não sou igual a você que vive de rolos. Sou homem de uma mulher
só, Theodoro, por que acha que estou sozinho há quase seis anos?

— Já está quase virando celibatário. — Ele dá uma risada. — Deixa de


ser careta e arruma outra mulher para trepar, então. Você está muito chato
esses dias!

— Vá se foder, seu imbecil — rosno, impaciente.

— Uauu, você xingando? É uma novidade para mim! Quando quiser


alguns contatinhos me fala, tenho vários. Um homem bonito como você não
pode ficar na seca, qualquer mulher ficaria louca para te pegar — zomba o
idiota.

Sem paciência, eu até penso em desligar na cara dele.


— Não tenho mais idade para ficar de contatinhos, pode ficar com eles.
Já está na minha hora — falo, passando a mão na barba.

— Ah, para com isso. Você só tem trinta anos, cara. Você é um saco.

— Até mais, Theodoro. — Bufo. — Vai procurar algo de útil para


fazer, não enche a minha paciência. — Desligo antes que ele abra a boca para

falar mais merda.

Saio do quarto e me deparo com a minha filha no corredor vindo em


minha direção, toda sorridente.

Alícia está encantadora usando um vestido amarelo com flores


bordadas, um par de sapatilhas combinando e uma tiara cheia de apliques de
florzinha completando o visual. Linda como um raio de sol.

— Paizinho, o que o senhor estava fazendo? Eu e minha tia já estamos


prontas faz um tempão! — Alícia se aproxima, animada.

Arregalo os olhos com a confissão da menina. Jade já está pronta.


Como assim? Eu demorei mais que as garotas? Talvez tenha demorado por
estar nervoso, sei que não é um encontro, mas há anos não saio com uma
mulher. Acho que saber que eu e Alícia teremos uma companhia me deixa
ansioso? Nervoso?
— Uhum, Jade já está pronta? — Esfrego a mão na calça.

— Claro, né, papi, por que eu mentiria? Mentir é feio! Agora vamos
descer pra ver a tia. Ela está tãooooo linda. — Ela pega a minha mão e me
puxa sem que eu tenha a oportunidade de protestar.

Descemos as escadas no ritmo de Alícia — quase tropeçando nos

próprios pés. Eu já disse milhares de vezes que ela deve descer a escada com
cuidado para não cair ou se machucar.

Minha filha solta a minha mão no último degrau e corre para a mulher
que parece impaciente no meio da sala. Engulo em seco e ajeito o meu blazer,
quase perdendo o fôlego com a visão que tenho.

Cacete, estou fodido. Isso é o que meu subconsciente diz. Com os


olhos vidrados na mulher, sinto minha boca ficar seca, disfarço e umedeço os
lábios.

Jade está com um vestido leve e florido com fundo escuro, muito
formal, porém sexy. Seus cabelos estão soltos e ondulados. Ela fica linda
usando qualquer coisa. Eu me lembro bem o dia que ela chegou para
trabalhar aqui em casa, parecia desanimada, com o olhar distante, sem o
brilho nos olhos, mas mesmo assim estava linda.

— Boa noite, Alex.


Nossos olhares se cruzam, por alguns instantes nos perdemos no outro.
Eu poderia ficar a vida toda parado olhando para essa mulher.

— Boa noite, Jade. Você está belíssima. — Eu me aproximo delas,


digo delas porque Alícia já está com os braços ao redor da cintura dela, é
assim o dia todo. Acabo rindo com o meu pensamento.

Corada, a mulher assente e sussurra “obrigada”. Ela está perfumada,


uma fragrância frutal levemente adocicada, maquiagem leve — um batom
rosa-claro e olhos marcados com lápis escuro.

— Pai, não está esquecendo de alguma coisa? — Alícia larga Jade e


me olha, parecendo brava.

Arqueio a sobrancelha, esperando que o cupido dentro dela se


manifeste a qualquer instante.

— Estou? — pergunto, dando um sorrisinho para ela, que rola os olhos.

— O senhor não disse que eu estou bonita. Só elogiou a tia! —


exclama, deixando Jade com os olhos arregalados.

— Sinto cheiro de ciúmes, mocinha — a mulher brinca e cutuca a


menina, que dá um sorriso travesso ao se virar para ela.

— Ah, tia, é porque meu pai, quando está perto da senhora, fica muito
bobo. Ele acha a senhora tão bonita que...

— Alícia! — eu a corto, repreendendo, morto de vergonha.

— Ah, é? E onde andou ouvindo isso? — Jade parece se divertir.

Uma coisa é certa, nunca converse coisas comprometedoras quando


uma criança estiver por perto.

— Ué, eu ouvi meu tio Theo e ele conversando no celular, acho que
meu pai gos...

Antes que essa conversa chegue longe demais, decido intervir.

— Vou tirar o carro da garagem e já volto para buscar vocês. —


Disfarço, saindo às pressas.

Estou me sentindo um adolescente que vai sair para o primeiro


encontro. Theo tinha razão.

♥♥♥

Depois da saia justa que passei e consegui driblar com maestria,


chegamos ao restaurante, ele é bem simples, porém, aconchegante. Tem uma
área reservada, onde ficaremos mais à vontade. Jade prefere não ficar em
meio a muitas pessoas, por isso pedi o melhor lugar e mais reservado para
nos sentarmos.
Decidimos por salada francesa à moda da casa de entrada — que é
deliciosa —, logo em seguida o prato principal, arroz à piamontese com

escalope de carne e chips de batata-doce, o meu favorito. Sugiro à Jade e ela


aceita, e para a Alícia eu peço o que ela mais ama, strogonoff de frango com
chips de batata. Nos deliciamos com a refeição e rimos bastante durante todo
o jantar, é tudo leve, simples e cheio de amor.

Distraído, observo a mulher sorridente, toda carinhosa com a minha


filha. Realmente, Daiane e Theo têm razão, estou gostando dela. Mais do que
eu imaginava ou possa aceitar. Eu a quero comigo, eu a quero para mim.
Será que um dia poderemos ter uma relação em que ela confie em mim e não
viva mais com medo do passado?

Passamos tanto tempo trocando olhares e sorrisos, que eu já nem sei


mais se os sinais que ela me passa são de satisfação ou apenas uma resposta
tímida à minha insistência.

— Papi, podemos comer sobremesa? Nossa, tenho certeza que a tia


Jade está com sede, olha como ela está vermelha. Deve ser calor. — Alícia
surpreende a Jade com a sua observação atenta.

— Filha, acho que a tia Jade está cansada, por isso o rosto dela está
vermelho. Vamos para casa, outro dia comemos a sobremesa daqui. — Tento
disfarçar.
— Eu estou bem — Jade se manifesta. — Vamos tomar um sorvete?
Será que aqui tem sorvete? O calor vai passar rapidinho com um —

brincando com a minha filha, a mulher sorri como uma menina feliz. Deveria
ser assim o tempo todo, mas a sua história de vida diz que não é.

— Papi, olha a música bonita que está passando, sabia que minha tia
gosta dela? O senhor bem que podia chamar a minha tia pra dançar. — A

menina sorri, travessa.

Jade arregala os olhos com a afirmação de Alícia antes de abaixar a


cabeça. Mas eu aproveito a oportunidade e estendo a mão para a moça, que
recusa.

— Filha, a tia Jade é tímida, não gosta de ficar dançando por aí. —
Sutilmente eu a provoco, escondendo o sorriso.

— Ah não, paizinho... ela dança sempre comigo. — Minha filha faz

uma careta engraçada, em seguida, olha para a nossa convidada. — Tia, você
tem que dançar... Por favorzinho...

Muito relutante, Jade se levanta e aceita meu convite, então vamos para
a pista de dança onde estão alguns casais.

Por ser uma música lenta, eu seguro em sua cintura e ela cruza os
braços no meu pescoço, olhando bem em meus olhos. A canção Right To Be
Wrong começa na voz de Joss Stone, a letra me lembra muito a Jade, que
parece emocionada, uma vez que seus olhos estão marejados. O peito dela

sobe e desce calmamente, a respiração é lenta.

I've got a right to be wrong

Eu tenho o direito de errar

My mistakes will make me strong

Os meus erros me tornarão forte

I'm stepping out into the great unknown

Estou avançando no grande desconhecido

I'm feeling wings though I've never flown

Eu sinto que tenho asas, apesar de nunca ter voado

Eu aproximo mais o corpo dela do meu, e em silêncio a mulher encosta


o rosto em meu peito, fechando os olhos em seguida. Subo uma das minhas
mãos enquanto acaricio as suas costas, sentindo o corpo de Jade relaxar em
meus braços. Ela está tão afetada quanto eu. Aproveito e toco a sua nuca,
conduzindo a dança antes de levantar a sua cabeça e beijar seus lábios.
Surpresa, ela se afasta de mim e me olha com o desconforto estampado em
seu rosto. Pálida, Jade semicerra os olhos. Sinto um aperto no peito, o medo
de ela interpretar mal me invade, então dou alguns passos para a frente ao
mesmo tempo em que ela recua.

— Me perdoe, eu... não deveria ter te beijado, acho que... — Passo a


mão no cabelo, frustrado.

— Tudo bem, eu entendo — ela diz, balançando a cabeça. — Com

licença, Alex. — Jade dá um sorriso fraco antes de me deixar sozinho na


pista de dança.

Com raiva por ter sido impulsivo, eu sigo a mulher até a mesa. Já
sentada, Jade acaricia o rosto de Alícia e logo gargalha com algo que a
pimentinha fala.

— Ei, quem disse que podia voltar? A música nem acabou ainda!
Vocês são estranhos. Ser adulto deve ser chato, vocês param as coisas legais
no meio do caminho e fim — brava, Alícia reclama do nosso retorno.

Agradeço mentalmente por ela não ter visto o nosso beijo. Um pouco
desconfortável, eu me sento sem saber mais como agir.

— Oh, lindinha, a tia está com dor nas pernas, acho que é a idade. Não
aguento muito tempo dançando — Jade se justifica.

— Não posso dizer o que tô pensando, porque o papai vai brigar. —


Ela revira os olhos. — Mas isso é mentira, você dança comigo por horas. —
A criança dispara, deixando Jade sem jeito.

Deus. Minha filha só tem seis anos, mas fala como fosse uma adulta.

— Alícia Alencastro, fique quieta agora. Nós conversaremos em casa,


mocinha. Agora vamos para casa, a tia Jade está cansada e você vai ficar sem

a sobremesa. Está de castigo. — Eu me levanto, ajeitando o blazer.

— Poxa, papinho, eu só falei a verdade. Agora isso é errado? —


Cruzando os braços, ela caminha batendo os pés, reivindicando seus direitos.

— Filha, acabou o assunto, por favor. — Minha voz sai firme.

Encolhendo os ombros, a menina me encara com os olhos marejados.

— Tudo bem, papinho. Pode me levar no colo? Estou cansada. — Ela


faz bico e estende os braços para mim, mas eu balanço a cabeça, negando.

— Não, mocinha, nada de colo hoje — afirmo e sou surpreendido com


o olhar de repreensão de Jade.

— Não seja tão duro com ela — fala, parecendo brava. Minutos atrás
estava me ignorando totalmente.

Duas contra um, Alex.


— Vem aqui, baixinha. — Eu a pego no colo, e ela esconde o rosto na
curva do meu pescoço. — Jade, se importa de pagar a conta para mim? O

cartão está aqui, a senha você já sabe. — Tiro a carteira do bolso, pego o
cartão e dou para Jade.

— Certo, eu volto rapidinho — diz e se afasta.

— O senhor pensa que sou boba, papai — Alícia aproveita para


começar a falar. — Eu sei que o senhor beijou minha tia, tem batom aqui, é
bem rosinha — conclui a menina levada, passando o dedinho no canto da
minha boca para limpar.

— É segredo. — Arregalo os olhos. — Promete para mim que você


não vai contar para ninguém. Principalmente para os seus tios. — Estreito os
olhos e ela assente, colocando a mão na boca e soltando uma risadinha.

— Nem para o meu tio Gui ou o meu tio Theo? — indaga, colocando a

cabeça no meu ombro.

— Nenhum dos tios, ok? Posso confiar em você, né? — Olho na


direção de onde Jade foi para ver se já está vindo.

— Pode sim, papinho. Mas promete que vai cuidar da tia? Ela já
apanhou muito do ex malvado dela, e você me falou que é bom e eu acredito,
porque você me ama e não faz maldade nunca pra mim. Só tem amor no seu
coração. Eu que faço bagunça às vezes — a levada fala, me fazendo sorrir.

— Meu amor, o papai nunca vai fazer mal a ninguém. O papai gosta de
ver as pessoas sorrindo, espero poder ver sua tia sorrir para mim como sorri
com você — falo, e ela balança a cabeça.

— Eu acho que pode dar certo isso — fala Alícia assim que Jade

chega.

— Isso o quê? Do que estavam falando? — Jade questiona e a menina


tapa a boca com as mãos.

— É segredo que o meu pai te am... — Alícia fala com as mãos na


boca.

— O que nós conversamos, filha? — sério, eu chamo a sua atenção.

— Depois, você me conta. Agora vamos, baixinha, você está agitada

demais hoje — fala Jade.

Alícia ri e deita novamente a cabeça em meu ombro.


JADE TORRES

A noite anterior foi maravilhosa, mesmo com todos os contratempos e


surpresas não deixou nada a desejar. Preciso confessar que gostei até mesmo
daquele quase beijo repentino que Alex me deu, mas acredito que não seja o
momento, tanto que fugi antes que acontecesse o beijo.

Ainda não sei direito o que fazer, mas vou me deixar levar de pouco

em pouco para ver o que pode acontecer. Descobrir como eu me sinto e se


estou realmente segura. Para ser muito sincera, tudo no Alex me atrai
bastante — ele é gentil, calmo e atraente. E o melhor de tudo, seguro. Ele tem
uma segurança e passa isso para quem quer que esteja ao seu lado, coisa que
eu não sentia há tempos.

É uma segurança de pai, um carinho, um cuidado, um respeito que não


se vê por aí, pelo menos não na minha realidade, não nos últimos anos em
que convivi com pessoas tóxicas, doentes e agressivas.

Estou realmente muito encantada com esse novo momento na minha


vida, que em tão pouco tempo foi totalmente modificada pelo convívio diário
com a família Alencastro. E não somente com a pequena Alícia e o Alex, mas
também com os vizinhos dele que, por sinal, são pessoas incríveis que

conhecem o meu tio, respeitam a sua batina e por consequência me


consideram e respeitam como se fosse uma pessoa da sua própria família.

♥♥♥

O dia correu muito bem e foi tudo muito tranquilo. Depois do jantar,
percebi que Alex ficou um pouco receoso ao falar comigo, e eu também o
evitei de todas as formas possíveis, entretanto, nada de anormal aconteceu.

Hoje as meninas vão fazer uma festa do pijama e Alícia está muito

preocupada comigo, querendo saber se eu estou confortável, se estou bem ou


se quero comer um doce. Acho que ela suspeita de alguma coisa, é uma
garotinha muito esperta. Apesar de muito pequena, é muito inteligente,
observa as coisas e percebe tudo no ato.

Acredito que com a chegada de Amanda, ela vai parar de se preocupar


comigo e começar a curtir um pouco a brincadeira com a prima.
— Tia, acredito que hoje você vai precisar de muita energia, porque a
minha prima Amanda vai vir para cá brincar comigo na festa do pijama, você

topa? — A menina sorri, mostrando as covinhas nas bochechas.

— Claro, amor. A sua prima vai chegar que horas? — Arqueio a


sobrancelha quando ela coloca a mão no queixo parecendo pensativa.

— Ah, tia, eu ainda não sei. Mas ela vai chegar daqui a pouquinho. O
meu tio vai trazer para ela dormir comigo, então a bagunça vai ser a noite
toda. Você vai ver. — Ela me faz sorrir, como sempre. — Você tem energia
para aguentar a gente? Porque ontem você estava muito cansadinha, e nós só
jantamos.

Mordo os lábios enquanto penso em como me explicar para esse pingo


de gente.

— Ontem a tia precisou fazer uma limpeza na casinha, arrumar as

roupas, guardar tudo! Eu fiz bastante coisa ontem, por isso estava cansada,
mas hoje estou muito disposta e vamos brincar bastante, dançar à beça. Eu
quero ver se vocês vão aguentar a minha energia!

— Isso, tia! — A garotinha dá alguns pulinhos para comemorar. —


Assim que eu gosto! Eu quero que você brinque com a gente o tempo inteiro,
porque senão vamos fazer muita bagunça e você vai ficar com bastante dor de
cabeça. É melhor você brincar com a gente para mandar essa carinha de triste
embora, você não parece nada bem. A senhora estava chorando? Os seus

olhos estão meio vermelhos, acho que a senhora estava chorando. É porque
também ama meu pai? — Alícia tagarela sem parar.

— Ei, amorzinho? Que história é essa de que amo seu pai? Como
assim também? Ele disse alguma coisa? — indago, curiosa.

— Ai, tia Jade, só a senhora não percebeu isso ainda... ele está
apaixonado. Ele passa o tempo todo admirando a senhora, fica te encarando e
você nem percebe. Eu acho que você tá precisando usar óculos, porque você
não tá enxergando direitinho as coisas. — Ela balança a cabeça.

— Isso é um absurdo, Alícia, eu enxergo muito bem. Na verdade, eu


não estou muito bem para ter um namorado agora. Lembra que a tia falou
para você sobre aquele problema que eu tive? Então pode ser por isso que eu

não tenha notado. — Vou passar a observar melhor, já que ela está me
dizendo que é uma coisa que todos sabem. — Todos incluem quais pessoas,
você sabe me dizer?

— Todos incluem todas as pessoas, né, tia? — Revira os olhos. — Que


pergunta doida!

De onde saiu essa garotinha? Acabo rindo mentalmente.


— Ei, mocinha, você está folgadinha hoje, tenha um pouco mais de
calma ao responder e ao falar. As pessoas podem interpretar como

malcriação, e eu tenho certeza que seu pai a criou muito bem e não lhe
ensinou a ser assim. Cuidado com as palavras. — Eu a olho com seriedade.

— Desculpa, a senhora não presta atenção nas coisas e eu fico brava


com isso. — Ela encolhe os ombros. — O papinho precisa de uma namorada

nova, tem quinhentos anos que ele não namora, eu acho que não existia nem
a Terra ainda de tanto tempo que faz que ele não namora, então a senhora
precisa me ajudar! Me ajuda, vai? Diz que quer namorar com ele, eu conto
para ele... Aí a senhora não precisa contar, eu digo que a senhora me contou...
Será um segredo e ele vai acreditar. — Ela bate palmas animadamente.

Arregalo os olhos e balanço a cabeça de um lado para o outro.

— Alícia de Deus, o que faço com você e essas suas respostas

automáticas? Você precisa ponderar! — Cruzo os braços.

— Eu preciso do que, tia? Que é esse negócio? Esse “pãodera” é igual


pão?

Gargalho com o questionamento dela em relação a palavra


desconhecida em seu vocabulário. Ela coça o nariz e, em seguida, olha
parecendo um pouco confusa para mim.
— “Ponderar” é pensar nas palavras que serão usadas para responder
uma pessoa. Ter cuidado com o que vai falar quer dizer “ponderar” —

esclareço e pisco para Alícia.

— Ixi, tia, não faço isso nunca. Eu penso e falo, eu sou criança, não
tenho que pensar muito, eu falo o que acho, o papai diz que sou sincera, acho
que funciona, ninguém nunca reclamou comigo, só a senhora que ficou brava

agora, por isso que reclamou — fala em um fôlego só antes de abaixar os


olhos.

Eu a puxo para um abraço e acaricio seus cabelos castanhos, quase


arrependida por ter falado com ela daquela maneira.

— Não estou brava, amor, a tia está só explicando que se você falar
daquela maneira com pessoas que não a conhecem bem, elas podem achar
que você é uma menina que não tem muita educação, e a gente sabe que não

é verdade. Você é muito educada, seu pai faz isso muito bem, ele a educou
muito bem — explico com a voz bem calma.

A campainha toca e Alícia fica eufórica, saindo do meu abraço


rapidamente. Ela sabe quem é a pessoa atrás da porta. A pequena sai correndo
até a porta da sala e fica dando saltinhos enquanto eu me aproximo para abrir.
Assim que a porta é aberta, solto uma risada ao perceber que a sua prima está
da mesma forma, pulando animadamente.
— Essas meninas não são mole. Ah, olá, sou Theodoro, primo do Alex
— fala o homem bonito ao estender a mão em minha direção. — Ele sorri

enquanto observa o surto das duas crianças.

— Ah... Oi! Sou a Jade... — Não consigo segurar a mão dele,


deixando-o sem jeito.

— A babá da Alícia — completa e eu assinto. — Ok. Vi que você não


é muito de conversar, mas sei que minha filha está em boas mãos. — Pisca e
eu sinto meu rosto arder.

— Está sim — concordo.

— Só posso te desejar boa sorte com as duas criaturinhas agitadas —


fala e me dá as costas, deixando-me confusa.

O homem vai embora e eu volto a minha atenção para as duas meninas.


Elas se abraçam, gritam e pulam sem parar antes de subirem a escada, indo

direto para o quarto de Alícia trocar suas roupas e prepararem a festinha do


pijama, que vai ser regada a muitas guloseimas, brincadeira, historinhas,
músicas e danças. A noite vai ser longa, espero que elas fiquem felizes.

♥♥♥

ALEX ALENCASTRO
— Acho que está se preocupando à toa, Alex. — Guilherme me encara
com a expressão divertida.

Fecho a cara para ele, que solta uma gargalhada, chamando a atenção
dos clientes da lanchonete.

— Acha mesmo? — Eu me remexo na cadeira e arqueio a sobrancelha.

Ele tem razão. Mas eu não posso invadir o espaço dela, mesmo que
estivesse louco para beijar de verdade aqueles lábios macios.

— Claro que sim. Eu sei que o que ela passou não deve ter sido fácil,
mas já se passaram meses desde que se separou do maldito, que nem vivo
está mais.

Acabei contando ao Guilherme o que aconteceu com Jade, pois ele me


perguntou o que de fato me impedia de investir pesado na mulher que eu
estou a fim. Depois de anos sem me interessar por alguém, acabo desejando

justamente uma pessoa indisponível emocionalmente. Pelo menos ainda não


a vi disposta a investir em nós. Frustrado, passo a mão no meu cabelo e olho
para o meu primo.

— Faz tanto tempo que não saio com alguém, que já nem sei mais
como paquerar uma mulher. — Dou risada e sou acompanhado por
Guilherme.
Desde que Danielle me deixou, eu vivi para a minha filha e para o
trabalho. Por fim, acabei me deixando de lado, esquecendo que também

precisava viver. Não que eu não aproveite a vida, falo sobre sair e encontrar
uma parceira, namorar e depois voltar para casa. Mas tinha evitado contato
direto com outras pessoas até que encontrei a Jade.

Eu me despeço de Guilherme após uma longa conversa muito

esclarecedora e me encaminho para a minha casa para encontrar as meninas.


Acredito que Amanda esteja lá fazendo a maior bagunça com Alícia,
enlouquecendo a babá.

Poucos minutos depois, eu chego a minha casa e ouço a barulhada que


as meninas ainda fazem. Já passa das nove horas da noite. Assim que abro a
porta, eu me deparo com Jade na cozinha preparando um lanche para as
meninas, acho que para comerem antes de irem se deitar.

Eu a comprimento e subo para verificar o que está acontecendo naquele


quarto. Em frente à porta do quarto de Alícia, eu me deparo com o cômodo
todo revirado, roupas para todo lado, o quarto que um dia foi branco está um
verdadeiro um arco-íris.

Chamo a atenção das meninas e as coloco no banho. Tento organizar


algumas coisas até que Jade me encontra no quarto e arregala os olhos,
desesperada com tudo que está vendo. Ela realmente não entende o que
houve.

— Mas como elas fizeram tudo isso em tão pouco tempo? Eu acabei de
descer para preparar o lanche para que elas. Elas pediram para comer para
depois irem dormir. Eu nem sei o que falar — gagueja a babá, com os olhos
arregalados.

— Jade, não esquenta. As crianças fazem bagunça mesmo, elas são


levadas. As duas juntas são impossíveis, provavelmente queriam chamar a
atenção de alguma forma e acabaram fazendo tudo isto. Mas não tem
problema, eu vou arrumar tudo e vai ficar tudo bem. Pode ficar tranquila —
eu a tranquilizo, a expressão de desespero do seu rosto suaviza um pouco.

— Não se preocupe, Alex, eu mesma farei isso. Eu vou buscar alguns


panos para limpar essas paredes e esses armários, e trocar as roupas de cama,
assim tudo ficará pronto para elas irem dormir também. Acredito que elas não

farão tanta bagunça e nem sujeira dormindo — ela fala e nós rimos.

— Acho a ideia ótima. Eu vou te ajudar a fazer essa arrumação


enquanto elas tomam banho, depois nós as colocamos na cama.

Jade concorda com um meneio de cabeça. Após alguns minutos


organizando todas as coisas do quarto de Alícia, as meninas terminam o
banho e comem o lanche, indo direito para a cama. Jade começa a contar uma
história para elas dormirem, enquanto eu sigo para a sala para aguardá-la.
ALEX ALENCASTRO

Acordo no meio da madrugada e percebo que estou coberto, no sofá.


Provavelmente, foi Jade quem me cobriu. Eu me enrolo na coberta e sigo
para o meu quarto, deitando em minha cama com ela em meus pensamentos.
Desde que a conheci, ela vem tirando as minhas noites de sono, a mulher se
tornou alguém muito especial para mim, não somente pelo seu histórico de

vida, mas por sua doçura e gentileza.

Jade é uma mulher que vale realmente a pena.

O dia amanhece muito ensolarado, mais um dia de trabalho no qual vou


passar pensando na beleza, nos traços, no cheiro, na forma que Jade tem.
Mas, principalmente, vou ter que me desculpar pela encrenca que dona Alícia
aprontou. E será agora, pois ela acaba de abrir a porta e está incrivelmente
linda, como se fosse possível ficar ainda mais linda.

Ela aparece esbanjando beleza, cabelo lavado, short jeans, camiseta


branca e chinelo de dedo. Para o calor que está fazendo hoje, está
perfeitamente confortável. As curvas do seu corpo me enlouquecem... Preciso
parar com esses pensamentos, já está ficando feio para mim.

— Bom dia. Terra chamando, Alex. Você está acordado ou dormindo


de olhos aberto? — Tocando em meu ombro, ela me chama.

Envergonhado por ter sido pego sonhando acordado, eu sorrio para ela.

— Ah... oi, bom dia. Desculpa, estava distraído. — Tento disfarçar.

— Eu notei. Faz quase uma hora que estou te chamando — brinca,


sorrindo.

— Nossa, eu realmente dormi sentado. — Gargalhando juntos.

— Vou preparar o café das meninas antes de elas acordarem para irem
à escola. — Ela passa a mão no cabelo enquanto acompanho seus
movimentos com meus olhos.

— Jade, quero me desculpar com você pela bagunça que Alícia e


Amanda fizeram ontem. De verdade, nunca imaginei que elas pudessem fazer
tal coisa — falo, envergonhado pelos comportamentos das duas pestinhas.
— Alex, elas são crianças. É normal que às vezes façam uma bagunça
um pouco maior do que previsto. Você não tem por que se desculpar, está

tudo certo. Elas queriam brincar, e brincaram — fala docilmente.

Jade dá a volta no balcão da cozinha e fica lado a lado comigo. Eu a


olho fixamente e ao sentir a sua aproximação, eu a tomo em meus braços e a
beijo de uma maneira que gostaria de ter feito por mais tempo no dia do

jantar. Depois de alguns minutos, Jade se afasta e me deixa com a impressão


de ter feito algo errado.

— Me desculpe, não foi a minha intenção ter te atacado dessa maneira


novamente. Mas... eu estou muito atraído, eu a desejo e a quero por perto o
tempo todo. Desculpe por não estar conseguindo me afastar de você.

Jade simplesmente larga tudo na bancada e sai porta afora. Na verdade,


eu não tenho a menor ideia do que vai acontecer agora. Acho que ela deve ter

ido para a casinha e acredito que só vai voltar quando estiver no horário de
Alícia ir para a escola. Eu não posso ir atrás dela sabendo que ela saiu daqui
sem nem conseguir me encarar.

Uma hora depois Jade retorna, como eu tinha imaginado. Ela prepara
as meninas e as leva para a escola. Antes de sair, ela me entrega um bilhete.

“Eu já tomei a minha decisão, por favor, não insista. Tenha um ótimo
dia de trabalho.”

Eu só entendi o que ela quis dizer quando terminei de ler.

“Estou indo embora, não posso continuar trabalhando com você,


ainda não estou preparada.

Fique com Deus.

Jade”

Eu não posso acreditar no que estou lendo. Saio desesperado atrás dela,
mas ela já está longe, levando as meninas para a escola. Frustrando, amasso o
papel e solto um palavrão.

♥♥♥

JADE TORRES

Três semanas se passaram desde que abandonei minhas funções como


babá da família Alencastro. Sinceramente, eu não sei se eu me xingo ou se
me jogo na frente do primeiro carro.

A minha vida estava indo tão bem e eu abri mão de tudo por medo.
Mas medo de quê? De amar e ser amada? De ser desejada? Cuidada? Bem
quista onde estivesse? Eu não tenho ideia do que vou fazer, mas preciso de
um novo emprego, não se vive de brisa.
Já é quase noite, então vou checar se o jantar está servido. Na pensão
que estou hospedada as refeições são servidas no horário, e se me atrasar não

posso mais comer aqui, terei que ir para a rua.

Desço e encontro o jantar servido. Eu me sirvo e sento perto de outro


pensionista, que puxa assunto e comenta sobre a vaga de atendente que está
disponível na padaria. Ele me diz o que é necessário para concorrer à vaga,

então explico que não tenho experiência, mas, segundo o rapaz, não precisa
porque eles fazem treinamento de um dia.

Realmente, Deus está me iluminando, enviando várias pessoas boas na


minha vida. Eu nunca imaginei que alguém pudesse me ajudar, fui humilhada
por tanto tempo, que me esqueci como era ter pessoas querendo o seu bem.
De verdade, nem sei se eu mereço tanto amor de Deus assim, mas eu
agradeço todos os dias por essa proteção.

As provisões são tantas, que eu nem sei enumerá-las. Antes de aceitar


morar na casa do Alex, eu passei por enumeras pensões que não tinham vaga,
mas há três semanas eu consegui um quarto, foi realmente muita sorte. Eu
cheguei e um quarto tinha acabado de ser desocupado. Na mesma hora eu
fiquei com ele dizendo que seria por um mês, e assim que o prazo vencer irei
renovar.

Eu percebo uma pequena agitação na rua. Meu companheiro de jantar,


que já havia terminado, se levanta e corre até a porta para ver o que está
acontecendo. O tumulto é causado por uma garotinha procurando por uma

pessoa chamada Jade. Não pode ser coincidência, meu nome não é tão
comum assim.

Ouço a voz e não me é estranha, porém, continuo comendo até que a


pequena entra na recepção da pensão. As pessoas ficam espantadas por ela

ser tão novinha e estar sozinha em busca de alguém.

— Oi, boa noite. Estou procurando minha tia Jade, alguém viu? Não
tenho uma foto dela, mas ela é bonita, tem o cabelo lindo e um sorriso
também. Ela é um pouco baixinha...

Reconheço a voz de Alícia, que parece embargada. Eu largo o meu


prato e vou até a recepção verificar. Lá está ela.

Milhões de perguntas passam pela minha cabeça, mas uma me

incomoda ainda mais.

O que eu faço agora?


ALEX ALENCASTRO

Algumas semanas se passaram, mas parece que foi uma vida inteira.
Jade deixou apenas um bilhete em minha mão e partiu, não voltou mais
depois de ter deixado as meninas na escola. Eu tive que sair para fazer uma
entrega na fazenda do Kenny e pensei que ela estaria em casa quando eu
voltasse do trabalho. Ledo engano.

Os dias não têm sido nada fáceis, voltei à minha rotina de levar a
baixinha à escola e depois buscar para ficar comigo enquanto trabalho. Ela se
recusa a ter outra babá dizendo que também irá abandoná-la, não quer mais
comer e dormir sozinha. Por alguns dias ela mal dormiu, só voltou a comer
melhor depois que o padre Estevão chamou a sua atenção. Eu precisei de toda
ajuda possível, até pedi que Daiane viesse à minha casa examinar Alícia. Ela
estava muito triste e meu medo era que ela estivesse depressiva. Isso não
seria nada bom, eu passei por isso depois de Danielle e foi muito ruim
superar, não desejo que a minha filha passe por isso também.

— Oi, Alícia é a tia Ane, posso entrar?

— Pode, tia — fala ela com o tom triste.

— Oi, lindinha. Tudo bem?

Não ouço nada, então acredito que Alícia deve ter concordado com a
cabeça.

— Preciso que você me ajude a comer esse lanchinho. Que tal vermos
um desenho enquanto comemos? — a doutora fala carinhosamente.

— Tia, não estou com fome, só com sono e com saudade. — A voz da
minha pequena é chorosa.

— Saudades de quê?

— Da minha tia Jade. Ela foi embora e nem se despediu de mim. Acho
que a bagunça que fiz com a minha prima deixou a minha tia triste, aí ela
parou de me amar e foi embora — pesarosa, minha filha fala.

Eu fico ouvindo atrás da porta, não quero que ela saiba que estou aqui.
Alícia parou de falar comigo desde que Jade se foi.
— Alícia, a tia Jade não deixou de te amar. Acredite, é impossível não
amar você, minha flor. Ela deve ter tido algum problema que a levou a tomar

essa decisão de ir sem se despedir, provavelmente, ela não queria chorar ao se


despedir de você e do papai.

— Será que ela foi ignorante assim, tia?

— Ignorante por quê?

— Ignorante não é aquela pessoa que fica com medo de falar as coisas
e fogem? — Daiane dá uma risada e Alícia fica em silêncio.

— A palavra certa é covarde, não ignorante. Mas acho que ela foi um
pouquinho né, pois não teve coragem de falar com vocês.

— Isso não é nada bonito. Ela deveria ser adulta e não criança, que faz
bagunça e se esconde.

— Nisso você pode ter um pouquinho de razão, mas ela deve ter tido
motivos para ir embora. Eu acho que logo ela volta, mas para isso você
precisa comer, mocinha, e dormir também.

— Mas, tia, eu não tenho fome, só saudade.

— Eu sei, filha, mas precisa ajudar o papai, tudo bem? Posso confiar
que você vai ajudar o papai?
— Sim, tia, eu vou tentar.

— Tudo bem, então. Vou deixar você comer o seu lanche em paz,
daqui a pouco eu volto.

Daiane sai do quarto e me encontra no corredor, então nós descemos.


Ela me diz que Alícia está com um quadro de depressão leve e que preciso

ficar de olho nela, prestar atenção nos sintomas que pode vir a apresentar.

Mais um dia se passou e Alícia continua triste, mas aceitou ir para a


escola depois da ausência em dez longos dias. Eu a deixo na escola e aviso
que voltarei para buscá-la, então me despeço dela com um abraço apertado e
sigo para o trabalho.

Horas depois, retorno para pegar a minha baixinha e fico surpreso ao


descobrir que ela não apareceu na sala de aula. Eu a deixei na porta da escola
e a vi entrar, ela até me deu um “tchauzinho”. Para onde será que ela foi, meu

Deus? Ligo para Guilherme, Kenny e Theo, preciso da ajuda deles para achar
a minha filha.

Desesperado, eu faço uma chamada em grupo e aviso aos meninos do


sumiço de Alícia, que prontamente se dispõem a me ajudar na buscar. As
horas se passam e nada de acharmos minha filha. Eu aviso a todos no bairro
do sumiço dela, que me ajudam na procura também.
Meus Deus, me ajude, ela é tudo que tenho nesse mundo, ela é a única
razão de eu estar vivo hoje, meu único brilho na vida. Não me deixe perdê-la,

eu suplico ao Senhor.

♥♥♥

JADE TORRES

Desço a escada e vejo a garotinha mais linda e encantadora que eu já


conheci, mas agora ela está um pouco suja e descabelada.

— Pequena, o que faz aqui? — pergunto.

Alícia se vira com os olhos chorosos e corre ao meu encontro, me


dando um abraço muito apertado.

— Alícia, fique calma. Cadê o seu pai? Você está aqui sozinha? Como
chegou até mim? — Toco no rosto dela e limpo suas lágrimas. Estou com o

coração apertado.

— Tia, eu fugi pra te achar. O papai tá morrendo de saudades e eu


também. Você está feliz sem a gente? A minha mamãe ficou feliz sem mim,
eu não entendo por que ela não me amava, eu devia dar trabalho pra ela, você
não me ama por isso também? Eu prometo, não, eu juro, juradinho que vou
ser boazinha, assim você vai me amar e ficar com a gente. Prometo, tia,
vamos pra casa comigo. — Ela soluça alto.

Sinto uma vontade absurda de chorar assim que ela para de falar.

— Alícia, a tia te ama assim como você é, levada, sapeca e esperta.


Mas o que você fez hoje, não se faz, o seu pai deve estar muito nervoso por
você ter sumido. Quantos dias você está na rua? — Eu me afasto e me agacho

para ficar no tamanho dela.

A menina me encara com os olhos avermelhados por conta do choro.

— Desde hoje cedo. Eu fugi da escola e fiquei andando, eu andei


muito, tia, aqui é tão longe, mas eu achei a senhora, passei por muitos lugares
até te achar.

— Entendi. Agora vamos tomar um banho, depois vou te levar para a


sua casa. Seu pai deve estar virando a cidade de cabeça para baixo para te
achar.

Ela toca o meu rosto com suas mãozinhas geladas e depois beija minha
bochecha. Agora é a minha vez de chorar.

Como eu pude abandonar esse anjinho daquela forma?


JADE TORRES

Já são mais de onze horas da noite quando chego à casa de Alex. Ao


abrir a porta, ele se depara com a Alícia em meus braços. Abatido, ele a pega
dos meus braços e a abraça com força por alguns minutos antes de fazer o
mesmo comigo. Ele chora de alívio, chora tudo que não deve ter feito o dia
inteiro, então Alícia se junta a ele e também chora.

— Se acalme, está tudo bem. Ela não tem nenhum ferimento, e está
aqui agora. Vamos entrar. — Ainda abraçada a eles, eu os puxo devagar para
dentro da casa.

Assim que passamos pela porta, eu engulo em seco ao ver os três


rapazes — os primos inseparáveis de Alex — e a pediatra de Alícia. Todos se
levantam e ajudam Alex a se recompor enquanto eu me encolho no canto da
sala. Dois primos dele e Daiane abraçam Alícia ao mesmo tempo, enquanto
Kenny fica de lado. Ele é estranho. Todos estão preocupados, e com razão, a

pequena fugiu da escola.

— Oi, Jade, como você está? — Guilherme me cumprimenta ao se


afastar do abraço de Alícia

— Oi, Guilherme, estou bem. Espero que agora todos fiquem bem.
Alícia deu um susto e tanto em todos. — Solto um suspiro.

— Nem me diga, tanta coisa para fazer e essa pestinha foi fugir —
sarcástico, Kenny se pronuncia.

— Kenny, não precisa ser grosso, ela é só uma criança que estava
tentando ajudar. De uma forma bem peculiar, tudo bem, mas ajudar era a
ideia dela — Daiane se manifesta, desaprovando a maneira como o ogro
chamou Alícia.

— Ah, pronto, falou a defensora dos pirralhos oprimidos. Dá um


tempo, Daiane. Quem é apaixonado por crianças aqui é você, eu
simplesmente convivo com elas por falta de opção, e evito sempre que posso.
No caso atual, por ser a minha sobrinha pirralha pentelha. Ela sabe que eu me
importo com ela, mas não me obrigue a ser como você, cheia de mimos e
frescuras — retruca, recebendo olhares feios dos outros rapazes na sala.
— Você é muito grosso e insensível. Seria um cara legal se não fosse
tão babaca. Você não tem respeito nem pelo sentimento dos outros, cara —

Theo se manifesta, parecendo bravo.

— Bom, a baixinha já está em casa, acho que podemos ir agora.


Amorzinho, promete que não vai sumir até amanhã de manhã? O tio precisa
dormir, o dia foi muito difícil procurando você por aí — Guilherme fala com

Alícia, que o abraça e sorri.

— Tio Gui, agora eu não saio pra nada, tenho todos que eu amo aqui
pertinho, não preciso mais sair de casa e nem fugir da aula.

Todos rimos com a baixinha. Os rapazes e Daiane se despedem e vão


embora, deixando apenas Alícia, Alex e eu na sala. Alex volta a chorar e
abraça a filha, que o conforta.

— Papinho, me perdoa por ter fugido? Eu precisava ajudar o senhor,

sabia que a sua tristeza era por não ter a tia Jade por perto. Eu vi o senhor
chorar várias vezes à noite se perguntando por que as pessoas que você ama
te abandonam se você só faz o melhor para elas — Alícia o surpreende com
sua declaração.

— Então foi por isso que você fugiu? Para procurar a tia Jade? — Ele
não consegue me olhar nos olhos, sua atenção está toda na filha.
— Sim, papinho, eu precisava dela pra cuidar de você, porque eu nem
sei cuidar de mim. Mas você é chorão e não sabe fazer nada sem mim e agora

não sabe fazer nada sem a tia Jade — ela fala com tanta graça, que eu acabo
rindo.

Alex fica sério e toca o rosto da menina.

— Obrigado por se preocupar comigo, filha, mas você pensou que


alguém mau poderia ter te sequestrado? — murmura.

— Pai, quem ia querer uma criança? A gente faz bagunça demais,


ninguém quer criança não. Vê o tio Kenny, ele odeia crianças, na rua as
pessoas são iguais a ele, rabugentas! Na rua eu estava segura, e depois que
achei tia Jade, ela me deu banho e a gente veio pra casa. Foi rapidinho,
papinho.

Ela nem imagina o inferno que ele deve ter passado. O coitado está

arrasado, na expressão dele é possível ver isso.

— Certo, menina travessa. Vou pôr você na cama e amanhã espero que
você esteja pronta às sete e meia, em ponto. Nós vamos repassar tudo que
você fez de errado para não se repetir — eu me manifesto, chamando a
atenção da Alícia para mim.

— Isso quer dizer que a senhora vai ficar aqui com a gente?
Yupeeeeeeeh, vou ligar pra minha prima e dizer que ela não pode mais vir
aqui, senão você pode ir embora pra sempre.

Gargalho com a afirmação da pequena enquanto me levanto.

— Se importa se eu a colocar na cama? — pergunto a Alex, que


consente. — Já volto, acho que precisamos conversar, tudo bem?

— Pode deixar, estarei aqui — ele me responde, mais sério que o


normal.

♥♥♥

Minutos se passam até que eu desça e me depare com o homem pelo


qual eu já tenho sentimentos e não estou sabendo lidar com eles. Eu fugi por
ser covarde, fraca, imatura, mas agora eu sei que agi errado, causei dor para
uma das poucas pessoas que se importam comigo. E o resultado disso foi a
fuga de Alícia, levando o pai à loucura.

— Oi... ela estava muito cansada, nem consegui terminar a primeira


página do livro e ela já dormiu — falo ao me aproximar de Alex.

— Que bom. Eu estava tão assustado com o sumiço dela, nem sei o que
eu faria se qualquer coisa acontecesse... Eu pedi tanto a Deus que guardasse
minha filha. — Ele coloca as mãos no rosto.
— Ele guardou. Ela foi até onde eu estava, e não era perto. Ela disse
que foi andando até lá, imagino que tenha tirado força da tristeza que eu não

queria ter visto em seu rosto. — Eu me ajoelho próximo a Alex e acaricio seu
cabelo.

— Posso te dar um beijo? — Ele levanta a cabeça. — Mas promete que


não vai fugir nunca mais da minha vida, eu preciso de você...

Meneio a cabeça e Alex se aproxima e toca meus lábios


carinhosamente. Lágrimas escorrem de seu rosto no meu, então eu o abraço e
acaricio suas costas, afasto nossos lábios e aperto forte meu corpo contra o
dele.

— Me perdoa, por favor. Eu não queria causar dor a ninguém, tão


pouco fazer você sofrer, logo eu que sofri tantos anos em uma relação ruim
em que eu apanhava quase todos os dias. Eu me vi assustada e não sabia o

que fazer, me desculpe por fugir e não conversar. — Encosto meu rosto no
seu ombro e fecho os olhos.

— Te desculpo com uma única condição. — Ele leva a mão ao meu


cabelo e acaricia.

— Qualquer uma, me diga qual e eu aceito.

— Quer passar mais dias e noites ao meu lado? Comer, dormir, viver
comigo todos os dias? Cuidar da nossa família e ser parte de tudo que eu
tenho e que irei conquistar de agora em diante? — Assustada, eu arregalo os

olhos e ele completa. — Talvez eu esteja indo rápido demais, mas quero que
você seja a minha namorada. Se você achar que consegue fazer isso, eu serei
o homem mais feliz da Terra. Prometo que vou te amar todos os dias e farei
de você a mulher mais feliz que o mundo inteiro já viu. Eu não sei mais

seguir a vida sem a sua companhia, então me dê a honra de te chamar de


minha namorada?

Eu me afasto dele e abaixo os olhos. Por alguns instantes, permaneço


calada. Tomo coragem e o encaro, que me olha com atenção enquanto
lágrimas escorrem em meu rosto. Dou um sorrio para Alex, que sorri de volta
lindamente.

— Sim... Aceito — toco em suas mãos —, mas promete que você vai
ser paciente comigo?

— Jade, sou pai da Alícia, não existe homem no mundo mais paciente
do que eu.

Nós rimos juntos e nos beijamos calmamente com todo amor que
precisava ter após esse pedido lindo.
ALEX ALENCASTRO

Acordo cedo e coloco em prática o meu plano de encantar a Jade.


Encomendo flores e um jantar completo para ser entregue aqui em casa,
depois combino com Theo para Alícia passar a noite na casa dele.

Vou a uma loja da cidade e compro um belo vestido de grife, em


seguida, vou ao barbeiro cortar o meu cabelo e reservo um dia de princesa

para Jade no salão. O que ela nem imagina é que esse dia de princesa vai ser
um novo pedido de namoro. Agora um pedido decente, não onde lágrimas de
alívio estavam envolvidas, não um pedido desesperado de um coração muito
apertado com medo de perdê-la, com medo de ter perdido minha filha. Agora
será um pedido digno de uma princesa, de fato, é isso que ela é para mim. E
farei com que ela saiba e se sinta assim todos os dias.
Eu me envolvo nos meus afazeres e envio uma mensagem para Jade
avisando que ela tem um compromisso às três da tarde. Ela só responde

concordando em seguir as minhas instruções.

As horas passam e Jade chega mais linda que nunca. Aviso que deixei
algo para ela no quarto de Alícia, então ela sobe de imediato, enquanto eu
arrumo as coisas que chegaram. Calculo perfeitamente tudo para que nada dê

errado. Jade aponta no topo da escada e me encontra a aguardando no térreo.

— Nossa, que elegância! Para onde vamos? — pergunta ela, com um


sorriso nos lábios e os olhos brilhando.

Sei que está feliz e muito curiosa.

— Vamos jantar — respondo.

A expressão dela deixa claro que não gostou muito da ideia.

— Alex... eu... — gagueja, sem conseguir terminar a frase.

— Não se preocupe, vamos jantar aqui mesmo. Ontem foi tudo foi
muito repentino, então achei que você merecia um pedido decente. E nada
melhor que um jantar a dois para que isso aconteça da maneira correta.

Jade me encontra no último degrau, então estendo a minha mão para


ela, que aceita e agradece. Eu a conduzo até a mesa improvisada no centro da
sala e peço que se sente.

— Obrigada — agradece, um sorriso enorme estampado em seu rosto.

— Jade Torres — pigarreio, o nervosismo deixa a minha garganta seca


e as minhas mãos suando —, eu, Alex Alencastro, sou o homem mais feliz
desse mundo por ter a filha mais linda, e agora a namorada mais incrível.

Quero te pedir novamente em namoro. Eu prometo fazer você sorrir, prometo


te irritar bastante, prometo também te mimar muito, fazer dos seus dias os
melhores possíveis e, principalmente, mostrar o quão importante você é na
minha vida, mesmo que você não goste do cheiro do meu chulé. — Jade ri e
eu continuo.

— Prometo continuar te amando, ainda que você brigue comigo todos


os dias por deixar roupas espalhadas, sapatos para todo lado, ainda assim irei
te amar. Eu te amarei todos os dias que eu respirar, todos os dias ao dormir e

acordar. Você será o meu primeiro pensamento e o meu último de cada dia.
Eu prometo ser fiel, gentil e jamais levantar a voz para você. Prometo que
sempre que estiver errado irei reconhecer e aceitarei a sua crítica. É difícil
reconhecer um erro, mas é muito mais fácil conviver.

“Prometo também que cuidarei de você todos os dias, só farei aquilo


que você me autorizar e não tomarei nenhuma decisão sem antes te consultar.
Serei fiel até para comprar pão, e caso você não goste de pão doce, comprarei
somente o salgado, mesmo que eu ame demais o pão doce. Evitarei ao
máximo te deixar triste e, por último e não menos importante, prometo nunca

me distanciar de você o suficiente para que você me esqueça, mas não estarei
tão perto para te sufocar.”

Ao me ouvir, Jade leva as mãos à boca, sorrindo com minha


declaração. Seus olhos claros estão lacrimejados, claramente emocionada

pelas minhas palavras.

Eu tento recuperar o fôlego por ter falado sem dar uma pausa sequer.
Respiro fundo antes de pegar nas mãos dela e acariciar.

— Se você me permitir, quero cuidar de você mesmo que estejamos a


metros de distância do outro. Poder olhar para você todos os dias vendo que
está sorrindo e que está bem é o mais importante de tudo. — Olho bem em
seus olhos para que ela possa ver a minha sinceridade.

— Alex... Como não aceitar um pedido desse? Eu vou borrar a minha


maquiagem e a gente nem jantou ainda. — Meus olhos ardem. — Mas sim,
sim, sim, sim. Mil vezes sim! Eu prometo retribuir todo esse amor, ser gentil
e presente todos os dias. Tentarei ao máximo fazer de você o homem mais
feliz da face da Terra. Já não me vejo mais um dia sem vocês.

“De todo o meu coração, eu quero viver ao seu lado pelo tempo que eu
puder. Se possível até ficar velhinha! Eu vou amar o seu cheiro e vou sim
brigar pela sua bagunça, mas serei feliz em cada ato, em cada tomada de

decisão, em cada peça de roupa espalhada pela casa. E serei grata por ter
alguém ao meu lado que cuida de mim, que me ama e que, acima de tudo, me
respeita como pessoa. Eu te amo e não vou cansar de dizer, você salvou a
minha vida, me salvou de mim mesma. Você me trouxe à vida novamente, e

eu te amo por isso. Obrigada por ser tão incrível.”

Quando Jade termina de falar, eu a puxo para um beijo cheio de amor e


ternura. É um beijo que completa a minha alma, a parte que sempre faltou, a
parte que eu precisava ter. A parte que eu nunca encontrei em ninguém.

Jade é tudo que eu sempre sonhei, que precisei ter ao meu lado e eu sou
grato por isso. Serei grato todos os dias.

O clima do jantar é leve. Nós nos divertimos, comemos, brindamos ao

nosso amor e planejamos como contar à pequena sobre o nosso namoro.


Certamente, teremos uma festa, mas vamos deixar essa parte para outro
momento. Assim que terminamos de jantar, assistimos a um filme e, em
seguida, vamos dormir. Essa noite não poderia ter um final melhor.

Como começamos a namorar agora, cada um vai para a sua cama, vou
ser paciente, esperarei até ela estar pronta. Não quero atropelar o processo,
sei o que ela passou, conheço a sua história e estou bem ciente das marcas
que Jade tem. Vou ajudá-la a superar essas marcas que foram deixadas na sua
alma.
JADE TORRES

Nunca pensei em passar por tanta emoção na vida, e tudo isso foi em
um pedido de namoro há dois dias. Eu já nem sei mais como é namorar
alguém normal, porém, estou disposta a aprender. Hoje vamos contar para a
Alícia assim que ela voltar da aula. Eu vou preparar o prato favorito dela, e a
sobremesa também. Se ela ficar decepcionada com a ideia do nosso namoro,

uma boa refeição vai fazer isso passar.

— Bom dia, Alex, dormiu bem?

— Bom dia, Jade. Sim, e tive um sonho maravilhoso, acho que ainda
estou nele — ele brinca e sorri.

— Bobo, para com isso. Vou preparar o café e já subo para arrumar as
coisas da pequena — aviso, sorrindo.
— Sem problemas. Hoje eu vou trabalhar mais cedo e depois eu a
busco na escola, assim vou tirar a tarde de folga.

— Ótima ideia. Eu vou precisar de ajuda para as milhões de perguntas


que vou receber — falo, bem-humorada.

♥♥♥

As horas passam e já está quase na hora de ela ir para a escola. Eu


corro para acordar a Alícia e a colocar para tomar um banho. Assim que entro
no quarto, eu já a encontro acordada, então ela vai para o banho e depois que
a pequena se veste, eu faço um penteado lindo. Acho que ela está feliz com a
minha presença em sua casa novamente.

— Tia, sonhei que a senhora estaria aqui, e meu sonho se realizou —


fala animadamente.

— Você foi me buscar, então eu vim. Eu não podia deixar de atender

ao pedido de uma princesa. Sabe como é, né? Nos contos de fadas, as fadas-
madrinhas atendem às princesinhas — sussurro e ela tapa a boca para rir.

— Meu próximo pedido para a minha fada-madrinha é que você e o


papinho se casem, assim nunca mais vou precisar buscar você tão longe. Eu
ainda estou com meus pezinhos quebrados, mas não posso deixar de ir à aula,
né? Fiquei muitos dias longe, e o papai falou que não posso mais faltar. —
Ela faz um biquinho.

— Exatamente, mocinha. Hoje temos que estudar, mas será tão


rapidinho que você nem vai sentir. Preparada? — Com um meneio de cabeça,
ela confirma. — Então vamos rapidinho, o seu café está pronto e você terá
que comer no caminho, já que a Bela Adormecida dormiu demais — brinco.

Na verdade, eu me perdi nos afazeres e a chamei um pouco atrasada.


Quando cheguei ao quarto dela, ela já estava sentada na cama coçando os
olhinhos.

— Tá bom! — Alícia me surpreende com um abraço. Ela encosta a


cabeça na minha barriga, em seguida, fala: — Eu te amo, não me deixe nunca
mais, se a senhora for de novo embora eu vou ficar dodói.

— Prometo não ir mais. Agora vamos, porque já estamos


atrasadíssimas!

A caminho da escola, tudo corre bem. Eu deixo Alícia no portão, que


me dá um até logo e diz te amo, atraindo olhares. Fico mais alguns
minutinhos por ali para me certificar que ela não vai sair.

Só depois que o portão é trancado, com corrente e cadeado, eu vou


embora mais tranquila. Depois de tudo que aconteceu, não posso deixar que
ela apronte outra coisa parecida.
♥♥♥

A manhã passa rápido e como Alex ficou de buscar a filha na escola,


eu aproveito para arrumar o quarto dela, separar alguns brinquedos que ela
não usa mais e serão doados semana que vem.

— Então já podem falar, estou aqui e quero saber o que vocês fizeram

enquanto eu estava estudando — fala Alícia, as mãos na cintura e o pezinho


batendo no chão.

Assim que eles chegaram, Alex a colocou no banho e depois desceram


para o almoço.

— Ah, menina travessa, sente-se e vamos conversar — Alex fala.

Ela corre para a mesa e fica nos observando sentados lado a lado.

— Vocês.... Não, peraí, eu perdi algo ou estou sonhando? Obrigada,

Deus e as fadinhas, eu sempre quis ter uma mamãe e ela chegou — a menina
fala, olhando para o teto e estendendo as mãos.

— Ah, você já sabe, então? — pergunto.

— Está claríssimo, tia! — Ela sorri. — Vocês nunca sentaram nem


perto, agora estão um ao lado do outro com cara de bobos, só podem ter se
beijado. Uhummmmm — fala, toda convicta.
— Filha, nós estamos namorando e a tia Jade não vai mais embora. Era
essa a surpresa que tínhamos pra você, mas a sua esperteza não deixou que

contássemos antes, você descobriu primeiro — fala Alex, fazendo careta para
Alícia, que solta uma gargalhada.

— Papinho, eu sou a aluna mais inteligente da sala em matemática,


sabia? — diz ela, mostrando a covinhas ao sorrir.

— Ah é? E o que isso tem a ver, mocinha? — Arqueando a


sobrancelha, o pai ri e leva a mão ao queixo.

Ela levanta um dedo e depois o outro, logo em seguida nos olha.

— É só juntar um mais um e fica dois, ué!

Dessa vez, nós que acabamos gargalhando. Impossível não ser feliz ao
lado de Alícia, a alegria dela é contagiante.
ALEX ALENCASTRO

Após a missa, peço para conversar com o padre Estevão, comunicá-lo


do meu relacionamento com a sobrinha dele é o certo a se fazer. Tendo em
vista que foi por intermédio dele que achei a mulher da minha vida, preciso
agradecer e pedir a benção dele.

— Alex meu amigo, como você está? E a pequena Alícia? — fala ele

ao se aproximar de mim.

— Está bem, graças a Deus. Hoje viemos agradecer a proteção que ela
recebeu na última trapalhada dela — falo, envergonhado.

— Isso mesmo, meu filho, a tudo daí graças, ainda que seja algo difícil
de acreditar, devemos dar graças — sorrindo e gentil, fala o padre.
— O senhor tem toda razão, mas o motivo de eu ter vindo falar com o
senhor é para pedir a sua benção e agradecer as suas orações. Jade e eu

começamos a namorar e eu gostaria de saber se o senhor se opõe a isso? —


pergunto, temendo a resposta dele.

— Eu? Imagina, estou muito feliz por vocês terem se dado bem. A
pobre menina precisava de uma vida melhor, tranquila e saudável. A maneira

que ela vivia não era fácil. Eu faço votos para que vocês sejam muito felizes.
— Ele me abraça. — Eu vos abençoo e dou meu consentimento. Estou muito
feliz por ser você o novo namorado dela, mas não tardem em se casar. Viver
uma vida reta com Deus é a fórmula mágica do sucesso matrimonial. — Se
afastando do abraço, ele sorri e me benze.

— Pode deixar, padre, assim que Jade estiver confortável, nós


marcaremos o casamento. Na verdade, nem sei se ela vai querer se casar
comigo, mas tenho fé. — Sorrimos.

♥♥♥

O dia transcorre muito calmamente, fizemos uma sessão de cinema —


assistimos a todos os filmes que Alícia mais ama. Até que a noite chega e a
baixinha dorme, então eu a levo para o quarto, em seguida, desço para
encontrar Jade, que já está cochilando no sofá.
Beijo sua testa e cubro seu corpo com a manta. Aproveito enquanto ela
dorme para preparar algo para jantarmos, e assim que ela acorda, eu a

surpreendo com a mesa posta.

— Sabe, Alex, eu ainda estou me acostumando com tudo isso. Às


vezes pode parecer que não gostei, mas estou amando esse carinho todo —
ela fala com doçura.

— Eu sei que é diferente, mas você logo se acostuma. Eu sou assim


com a Alícia, por que não seria com a mulher que me faz sorrir feito bobo
todos os dias? — finalizo, dando uma piscadela, fazendo a morena sorrir.

— Vamos comer? Está com um cheiro delicioso. — Lambendo os


lábios, minha namorada brinca.

♥♥♥

Alguns meses se passaram e nesse meio tempo Jade iniciou tratamento

com uma psicóloga e vem demonstrando grandes melhoras. Já tivemos


alguns dias mais íntimos, porém, ainda não chegamos aos finalmentes.

Estou sendo muito paciente para que ela não se sinta na obrigação de
fazer algo que denigra a sua integridade de alguma maneira. Tenho cuidado
dela o máximo que eu consigo, dando-lhe todo amor e carinho que ela
merece. Em contrapartida, ela tem se mostrado uma tia extraordinária para
Alícia, que por muitas vezes a chama de mãe. É claro que a gente corrige a
informação, mas a baixinha se sente confortável em dizer que Jade é sua mãe.

Assim como eu, ela se sente protegida, amada, cuidada e querida.

Alícia já está em férias escolares e ela ficou de passar uma semana na


casa da prima Amanda, e na semana que vem inverteremos os papéis, as duas
estarão conosco. Eu aproveito essa oportunidade para preparar um jantar à luz

de velas para Jade, a morena merece todo o cortejo que eu puder fazer.
Decido inovar, então eu mesmo preparo o jantar. Separo algumas receitas,
faço uma misturinha e temos hot roll, temaki, huramakis, gohan, yakissoba,
sushi e sashimi.

Eu realmente me empenhei bastante para fazer esses pratos, não são


difíceis, mas requerem um pouco de habilidade. Acredito que não seja algo
que ela coma com frequência, mas acho que agrada o seu paladar. Falamos
algumas vezes em irmos a um restaurante japonês, mas acabamos adiando

muitas vezes, já que a pequena que não gosta de comida japonesa. Como hoje
somos sós nós dois, acredito que ela vai gostar.

Jade chega e eu já estou pronto, como sempre.

— Uauuuu, isso aqui está muito japonês! Você caprichou, hein? Eu


amei, ficou tudo muito lindo. — Ela sorri.
— Que bom que gostou. Eu preparei tudo nos mínimos detalhes para
que você possa desfrutar um pouco da comida japonesa e se sinta um pouco

dentro do ambiente japonês. Vem sentar aqui comigo — eu a chamo,


contente por saber que a agradei.

Jade tira os sapatos e se senta ao meu lado. Ela está com um vestido
branco leve com um pequeno detalhe bordado no decote coração, deixando

assim seus seios ainda mais lindos.

É difícil ter que evitar o contato direto com o corpo dela, eu tenho
desejado essa mulher todos os dias. Ela está me deixando louco de tesão, não
vejo a hora de poder usar essa sensação no corpo dela.

— Nossa, como está cheirosa essa comida. — Com ar de prazer, Jade


morde os lábios antes de passar a língua no seu lábio superior, me fazendo
perder a cabeça.

— Jade... — sussurro.

Roubo um beijo dela e envolvo sua cintura, apertando-a contra o meu


corpo. Jade retribui o beijo e a carícia, me dando liberdade para ir além.
Passo a mão em sua coxa e acaricio sua perna, e como ela não protesta, subo
um pouco mais, até a linha da sua calcinha. Ela abre um pouco as pernas para
que eu possa ter um acesso melhor, então acaricio sua bunda e abaixo a
calcinha gentilmente para tirá-la. Nesse momento, eu me afasto sutilmente
dos seus lábios para tomar fôlego, mas ela protesta e me puxa novamente.

Intensificando o nosso beijo, eu desço a mão delicadamente para o


meio das suas pernas, mas ela trava ao sentir os meus dedos enquanto
mantém seus lábios colados ao meus. Esse é o meu limite até que ela me
libere para algo mais.

Jade vai se soltando mais e pede que eu abra o seu vestido. Ao vê-la se
sentindo mais à vontade, eu me dou conta que ela é toda minha. Ela tira
minha camisa, expondo o meu peito antes de beijar cada parte dele.

Posso sentir o meu membro rígido pulsando sob a minha calça. Jade
desce até a altura do meu umbigo, beijando e lambendo sem parar. Ela me
olha com cara de quem pede consentimento e eu sorrio como forma de
permissão. Jade então acaricia o meu membro por cima da calça e, em

seguida, abre o botão e me ajuda a tirá-la, me deixando apenas com a minha


boxer preta. Totalmente entregue, ela se levanta e pede que eu tire o restante
do vestido, deixando assim o seu corpo nu.

— Alex, eu confio em você e a prova disso é que estou aqui, por inteira
na sua frente. — Ela olha bem em meus olhos e eu assinto.

— Farei o meu melhor, só confie em mim. — Deposito um beijo em


sua testa.

Eu a pego no colo e a coloco sobre as minhas pernas, fazendo com que


o calor da sua boceta fique sobre o meu pau ainda coberto com a cueca, a
sensação é maravilhosa. Jade me beija e ficamos num movimento
sincronizado até que ela começa a se movimentar para frente e para trás,
aumentando assim a minha satisfação. Eu penetro levemente a sua boceta

com meus dedos e sinto o calor que emana dela.

Jade me ajuda a baixar a cueca, então encontro a sua área mais quente.
A cabeça do meu pau está na entrada da sua boceta, quase a penetrando, mas
eu me afasto para pegar um preservativo e deslizá-lo pelo meu comprimento.
Volto rapidamente para a sua intimidade já molhada, facilitando assim a
minha entrada. Deslizando vagarosamente para dentro dela, Jade se contrai,
apertando a extensão do meu membro, dando carta branca para penetrá-la até
o fim.

Com meu membro todo dentro dela, ela geme e crava as unhas nas
minhas costas tamanha a sua satisfação. Ela pede mais e eu não nego, quanto
mais eu ofereço mais ela deseja. Quanto mais fundo eu penetro, mas ela se
contrai, pressionando o meu membro. Jade pede por mais e com mais
intensidade, então mudo a posição dela, estico suas pernas e me deito por
cima sem tirar um centímetro do meu pau de dentro dela.
Com o auxílio das mãos de Jade, eu lambo os seus seios e mordisco os
mamilos, fazendo-a sentir um prazer indescritível ao mesmo tempo em que a

penetro com mais intensidade, levando-a ao delírio. Jade se contorce


loucamente e eu não consigo mais me segurar, gozo plenamente dentro dela
segundos antes de ela chegar ao orgasmo, gritando o meu nome
enlouquecidamente, cravando as suas unhas na minha coxa em um momento

de total luxúria.

Ficamos deitados no chão da sala, o corpo dela apoiado sobre o meu


enquanto acaricio as suas costas. Ficamos em silêncio por alguns minutos, até
que decido quebrá-lo.

— Sei que eu te conheço há pouco tempo, mas é como se eu a


conhecesse a minha vida inteira. Te amo demais, Jade. Amo seus olhos, o seu
sorriso, a sua simplicidade, amo tudo em você. Não sou muito de acreditar
em destino, mas com tudo o que aconteceu em tão pouco tempo, tenho

certeza que ele tratou de me trazer uma mulher incrível, que faz meus dias e
os da minha filha serem os melhores — eu me declaro, não conseguindo
guardar esse sentimento só para mim.

Eu a sinto sorrir contra a minha pele segundos antes de ela levantar o


rosto. Lágrimas escorrem em seu rosto bonito.

— Alex... Eu também amo você, e agradeço a Deus todos os dias por


ter me dado outra oportunidade na vida. Agradeço por ter colocado você e
Alícia no meu caminho, vocês são preciosos demais para mim. Vocês me

curaram. — Ela sorri, e eu fico encantado com o seu sorriso meigo e sincero.

— Eu que devo agradecer por Ele ter te colocado em meu caminho,


meu amor. Te amo e pretendo te amar todos os dias da minha vida. — Olho
bem em seus olhos e neles vejo um brilho de satisfação.

Apesar de ter sido abandonado e já ter amado uma mulher antes, eu


nunca deixei de acreditar no amor. Sempre soube que no momento certo eu
encontraria alguém para ser meu sol. Antes era somente Alícia e eu, há anos
foi assim, mas hoje somos um trio, uma família.

Hoje somos Alícia, Jade e eu.

As garotas que deixam a minha vida completa. Eu sou grato pelas


dificuldades que passei, sou grato por tudo, principalmente por esse amor

puro que bateu à minha porta e que pretendo nunca deixar partir.
JADE TORRES

— Mamãe, acho que meu pai vai amar esse presente. — Alícia entra na
cozinha com uma sacola na mão, e sorri ao me ver tirando a travessa do
forno.

Acordei cedo para fazer a comida preferida dela — escondidinho de


carne seca. Dois anos se passaram e eu estou aqui, vivendo como uma pessoa

normal. Hoje sou mãe de uma garotinha que quando conheci tinha apenas
seis anos, e agora já é uma mocinha de oito anos. Mais inteligente do que
nunca.

— Vai sim, querida — falo, colocando a travessa em cima do fogão.


Tiro as luvas, e a coloco na ilha, em seguida, eu me aproximo dela. — Já
terminou de separar os brinquedos que vai doar? — pergunto.
— Já sim — ela confirma e coloca a sacola de presente que compramos
ontem em cima da ilha, então vem me abraçar.

Alícia passou a me chamar de mãe, de nada adiantava corrigirmos,


então Alex e eu decidimos aceitar, uma vez que é o seu desejo que eu ocupe
essa posição.

Todos os dias têm sido uma benção, e ao lado deles não haveria outra
forma de seguir a vida, senão feliz. Este sim é o lar que eu sempre sonhei,
agora posso dizer com muita tranquilidade que estou em casa, estou no lar
que eu sempre desejei ter, com a filha e o marido que eu sempre quis.

Alex continua sendo o mesmo homem que conheci, não mudou em


nada, ainda é um paizão e um homem maravilhoso para mim.

Eu me casei na igreja há quase dois anos, meu tio realizou o nosso


casamento. O pedido de Alex veio após seis meses do início do nosso

namoro. Fui pega de surpresa em uma manhã, depois de ele ter levado a
nossa menina na escola. Eu pensei que ele fosse para o trabalho, mas me
surpreendi ao ver Alex no meio da nossa sala com um sorriso enorme no
rosto. Ainda me lembro como se fosse ontem.

♥♥♥

Alex foi levar Alícia para a escola, e de lá ele levaria uma encomenda
para Kenny, então saio rapidamente da cozinha assim que ouço a porta
sendo aberta. Congelo ao me deparar com o meu namorado a poucos metros

de distância de mim. Ele está um pouco pálido e com um sorriso lindo, um


daqueles que faz meu coração bater sempre descompassado.

Sem reação e com as pernas parecendo geleias, eu lanço um sorriso


para ele.

— Ah... Oi, amor, pensei que iria direto para o trabalho. — Arqueio a
sobrancelha ao notar o seu nervosismo.

— Sim, eu ainda vou... Mas antes queria te ver — ele gagueja, dando
passos em minha direção.

— Ah, que saudade é essa? — brinco e ele me lança um sorriso sexy.

— Estou há dias procurando uma maneira de pedir a mulher mais


linda de São José para ser a senhora Alencastro. — Alex coloca uma mecha

do meu cabelo atrás da minha orelha, em seguida, ele aproxima a boca perto
do meu ouvido. — Talvez isso seja rápido demais, mas você me causa isso.
Quando estou perto de você, eu fico nervoso e sem saber como agir, querida.
— Ele beija o meu pescoço.

Eu fico toda arrepiada, meu ventre se contorce. Esse homem é tão...


insaciável
— É recíproco, Alex. — Afundo a mão em seu cabelo castanho.

Ele se afasta um pouco e pega as minhas mãos enquanto olha em meus


olhos.

— Para falar a verdade, não acho que estou sendo rápido, até demorei
demais para pedir a mulher que amo para casar comigo. — Ele me dá um

sorriso de lado. — Mas mesmo louco para pedir que se casasse comigo, eu
quis respeitar o seu espaço, então só te pedi em namorado.

Dou um tapinha em seu braço. Palhaço.

— Bobo. — Céus, sou tão sensível que estou prestes a chorar.

Meu namorado se ajoelha à minha frente antes de levar a mão ao


bolso da calça e tirar de lá uma caixinha.

— Alex... — Levo a mão ao rosto, cobrindo os meus olhos.

Não acredito! Ele não estava brincando, vai me pedir em casamento


de verdade.

— Olhe para mim, amor. — Sua voz sai bem-humorada.

Trêmula, afasto as mãos do meu rosto e o encaro, boquiaberta. Acho


que estou me apaixonando por Alex Alencastro novamente. Ele nunca para
de me surpreender, às vezes acho que ele saiu de algum livro de romance.
Eu não acreditava em contos de fadas, nem em príncipes e em
princesas até o encontrar. Hoje eu tenho o meu próprio castelo, e meu papel

não é o da princesa, e sim da rainha, porque a maneira como sou tradada me


faz sentir uma.

— Meu amor, estou há meses escondendo esse anel, tive que pedir
segredo aos meus primos e até a Alícia, aquela danadinha estava doida para

te contar os meus planos. — Ele joga a cabeça para trás e gargalha.

Meus olhos já estão cheios de lágrimas, dou uma risada entre soluços.

— Jade Torres, você aceita casar comigo? Me aceita como seu


esposo? Mas saiba que o pacote vem completo, eu e minha filha — brinca e
eu dou risada, balançando a cabeça.

Já chorando, eu me ajoelho também e pego o objeto da mão dele, em


seguida, levo a mão ao seu rosto.

— Claro que sim, Alex, eu quero você como meu marido e também
quero a pequena Alícia. Quero os dois na minha vida. Aceito ser sua esposa!
— Acaricio sua barba por fazer e depois o beijo.

♥♥♥

Sou uma mulher completamente realizada, tenho somente gratidão pela


vida e por tudo que vivi até aqui.

O dia passa rápido, Alícia e eu já deixamos tudo pronto na sala para a


chegada do pai dela, espero que ele goste do nosso presente.

Principalmente do meu, penso ao passar a mão na minha barriga por


cima do tecido do vestido.

Quando terminei os preparos na cozinha, eu deixei Alícia na sala


enchendo as bexigas que ela cismou em comprar semana passada, quando
fomos à cidade fazer compras. Decidimos que a nossa festinha para
comemorar o Dia dos Pais seria na sala. Assim que Alex entrar em casa vai
dar de cara com a surpresa.

— Ele acabou de guardar o carro na garagem, mãe! — exclama Alícia,


escorada na porta da sala. Ela o espera há quase meia hora, desde que ele
ligou para dizer que estava chegando.

— Filha, ele vai desconfiar — falo, rindo.

Sentada no sofá e com as pernas cruzadas, eu olho para o envelope


branco com um lacinho de presente em cima da mesinha de centro. Eu o
estou guardando desde a semana passada, somente eu e meu tio sabemos da
minha bênção.
— Ah, mamãe, o papai demorou e agora que chegou eu não sei se vou
aguentar por muito tempo! — fala de uma maneira engraçada.

— O que acha de vir se sentar ao meu lado e esperar que ele entre? —
sugiro, e ela nega.

— Ahh, mãe, quero dar um susto nele. Quando ele estiver abrindo a

porta, eu vou...

— Nada disso, mocinha — eu a corto. — Venha se sentar enquanto


esperamos o seu pai entrar.

Sem pestanejar, ela me obedece, sentando-se em silêncio ao meu lado.


Só que não dura muito tempo, Alícia começa a cantarolar a música nova que
aprendeu na escola, mas então ela nota o envelope na mesinha. Curiosa, ela
pega o envelope em uma velocidade absurda e começa a ler.

— Jade Alencastro... — Ela o observa com a sobrancelha levemente

arqueada, depois me olha com os olhos arregalados. — Mamãe... Lembro que


a mãe do Danilo também tinha um papel desse quando contou ao tio Gui que
ele ia ser pai...

Pego o exame da mão dela e a abraço, em seguida beijo sua testa.

— Parabéns, meu amor, você vai...


Não termino de completar a frase, porque a porta é aberta por Alex.

Ele olha para a decoração — bexigas coloridas no ar, uma mesa


improvisada com comida e alguns salgados e doces, o chão cheio de pétalas
de rosas.

— Uau, será que estou na casa certa? — brinca, fingindo sair da casa.

A menina sai dos meus braços e corre para o pai, que já está com os
braços abertos esperando-a. Com as mãos trêmulas, eu coloco o resultado do
meu exame atrás da almofada.

— Deixa de ser bobo, papi.

Alex pega Alícia no colo.

— A sua mãe está te deixando uma porquinha, está muito pesada —


ele provoca, fazendo cócegas nelas.

Descruzo minhas pernas e me levanto para ir até eles.

— Feliz Dia dos Pais, amor, que possamos passar mais anos como este
juntos.

Mesmo com a nossa filha no colo, eu o abraço, ou melhor, os abraço.


Damos um abraço a três.
— Obrigado, amor. — Ele beija meus lábios, então Alícia solta um
“eca”.

— Me coloque no chão, papai! Vou pegar seu presente! — a menina


pede, animada.

Ele a obedece, entretanto, não me deixa afastar dele, rodeia os braços

em minha cintura e me puxa para perto do seu corpo.

— E você não vai me dar meu presente? — Alex beija o meu pescoço
enquanto fala no meu ouvido.

Fecho os olhos e penso “seu presente estou carregando em meu


ventre”. Balanço a cabeça para ele, logo depois viro o rosto para o encarar.

— Daqui a pouco eu te dou. — Beijo sua bochecha.

— Paizinho, a mãe já disse que presente vai te dar? — Alícia chama a

nossa atenção ao balançar o envelope no ar.

— O que é isso? — A voz dele sai divertida.

Faço uma careta para Alícia, que dá uma risadinha para mim.

— A mamãe disse que é segredo, eu não posso contar. — Passa a mão


na boca como se estivesse fechando um zíper.
Sou surpreendida ao receber cócegas do meu marido, que não esconde
a curiosidade.

— Ei... Amor, pare! — Gargalho e ele para.

— Vai me contar que tipo de presente é esse? — Sua voz soa divertida.

Olho para a nossa filha que está nos encarando com admiração. Paro

alguns segundos, pensando no quanto me sinto bem com a minha família.

— Vai, mãe! Conta, porque eu não aguento mais ficar calada. — A


menina cruza os braços, aborrecida.

Ainda abraça com Alex, eu pego suas mãos e levo ao meu ventre, em
seguida, olho para ele e dou um sorriso.

— Parabéns, papai, teremos mais um membro na família. Você vai ser


pai de novo, querido.

Sem dizer nada, ele desce os olhos pela minha barriga, para onde suas
mãos estão. Alex nem pisca direito, só abre um sorriso lindo segundos antes
de seus olhos claros ficarem lacrimejados

— Jade... Eu... Quando soube? — Sua voz sai embargada.

Limpo a lágrima que cai na bochecha dele.


— Já tem alguns dias que descobri. Você se lembra que eu andava um
pouco enjoada? E depois notei que meu ciclo estava atrasado, então chamei a

Daiane para ir comigo até o médico para ter certeza das minhas suspeitas. Eu
estava certa o tempo todo, descobri que estou de dois meses e...

Alex nem me deixa terminar, simplesmente rouba um beijo, que


retribuo na mesma hora, mas somos interrompidos por Alícia.

— Ecaaaaaaaa, bem que o chato do Danilo estava certo... Quando


nossos pais descobrem que vão ter um bebê ficam tão melosos! — Alícia
revira os olhos, mas não demora para se juntar a nós, nos abraçando.

Alex e eu rimos, nossos olhares se encontram e eu sussurro “te amo” e


logo ele sussurra de volta “Não mais que eu”.

— Mãe, pai? — Depois de alguns minutos calados, Alícia quebra o


silêncio.

— Oi — Alex e eu respondemos juntos.

— Eu já posso contar para todo mundo que eu vou ter um irmãozinho


ou irmãzinha? Espero que chegue logo amanhã para eu contar aos meus
coleguinhas da escola que vou ter um irmãozinho, assim o pestinha do Danilo
não fica se achando porque o tio Gui e a mãe darão um irmãozinho a ele... —
ela tagarela, nos arrancando uma risada alta.
Alícia sendo Alícia.

Encosto a cabeça no ombro do meu marido e deixo a sensação de paz


dominar o meu corpo. Feliz, realizada e me sentindo mais amada como
nunca, eu abraço bem forte os amores da minha vida, que agora não são mais
somente Alícia e Alex, porque daqui a alguns meses vem ao mundo o nosso
príncipe ou nossa princesinha.
Quando te encontrei. Livro 3 – Autora Thais Oliveira

Lançamento dia 24 de agosto.

Sofia Aguilar tinha uma vida no eixo. Trabalhava com que amava,

tinha o namorado perfeito e esperava seu primeiro filho... só que do nada, as


coisas começaram a sair do controle. E agora ela estava sozinha e com um
bebê.

Theodoro Alencastro é um homem de alma livre, não preocupado em


se apegar ou com o que as pessoas pensam dele. Perdeu o irmão a quatro
anos e isso o fez pai de uma garotinha adorável, Amanda.

Duas pessoas com idealizações e prioridades diferentes, duas almas


distintas que vão ter seus caminhos cruzados pelo acaso.
Amor em dose dupla. Livro 4 – Autora A.C Nunes

Lancamento dia 31 de agosto.

Desde a morte da mulher, Kenny Alencastro se refugiou do mundo em


uma pequena fazenda no interior da cidade de São José. Cada vez mais
fechado, frio e antissocial, ele nunca permitiu que outra pessoa tomasse o

lugar de sua mulher. Nunca se permitiu ter qualquer sentimento semelhante


por quem quer que fosse. Ele também nunca gostou muito da ideia de ser pai,
e sua aversão por crianças se intensificou depois que a esposa morreu por
causa de uma delas. Entretanto, o abandono de um bebê na sua casa o fará
pedir ajuda a uma pediatra que trabalha na região e que ele simplesmente não
suporta. A convivência com o pequeno Davi e a aproximação com Daiane
despertarão nele sentimentos que tentou evitar por todos aqueles anos.
Jessica Santos, dezenove anos, baiana. Ama livros de romances, é uma
leitora assídua. Ama animais, principalmente cães. Aos quinze anos, escreveu
seu primeiro livro de romance. Logo em seguida, surgiu a ideia da série dos
irmãos KNIGHT, e outros projetos; depois disso não quis mais largar a
escrita.

Minha página no Facebook


https://www.facebook.com/JessicaSantosAutor/

Link do meu grupo privado para falar sobre meus projetos futuros:
https://www.facebook.com/groups/278565765949848/?ref=bookmarks

Meu e-mail - autorajessicasantos@gmail.com

Instagram: jessica_autora

Quer saber mais sobre os próximos lançamentos da série Herdeiros da


máfia? Acesse o site: https://www.wattpad.com/user/AutoraJessicaSantos
KILLZ (Herdeiros da máfia Livro 1)
Tudo que um verdadeiro herdeiro da máfia precisa ter, Killz James
Knight tem.
O mais velho de cinco irmãos, Killz é o chefe da máfia londrina, mas seu
maior interesse pelo cargo mais importante nos negócios ilícitos da sua
família não é o poder, e sim um avassalador desejo de vingança.

Um lobo em pele de cordeiro. É assim que as pessoas que o conhecem o


definem.
Superficialmente calmo e apreciador da prática da boa vizinha. Intimamente.
um verdadeiro monstro autoritário, possessivo e sedento por violência.
Para o azar do rival acusado de matar seus pais e alvo do novo líder dos
Knight, pois Killz tem um plano arquitetado para destruir o temido mafioso e
pretende usar sua filha, a doce e inocente Aubrey, para conseguir o que quer.
Custe o que custar.

De um lado, um homem em busca de vingança. Do outro, uma mulher alheia

às maldades que cercam sua vida. Entre eles, um sentimento desconhecido


para ambos que pode mudar completamente o rumo dessa história.

Em um perigoso jogo de sedução, mentiras e sexo, a máfia inglesa nunca foi


tão excitante.
(+18) Contém cenas de sexo explícito.

Este livro contém palavreados de baixo calão e cenas de violência.

♥♥♥

Coração Implacável | ÚNICO


Um acordo selado, uma rede de mentiras e desejos obscuros. Eles
vivem uma paixão proibida, que pode resultar em erros irreparáveis.

Embora não tenha tido muitas escolhas quando se tornou acompanhante de


luxo, os anos e experiência ensinaram Gisele a querer o melhor que o
dinheiro pode oferecer. A mulher tem todos os aspectos da sua vida sob
controle, até o dia em que conhece o arrogante e misterioso Gabriel, um
homem que a faz desejar ser mais do que o caso de uma noite. Gisele passa a
querer ser somente dele e fará o que for necessário para tê-lo pelo tempo que
desejar.

Discreto e reservado quanto a sua vida pessoal, o milionário Gabriel sabe


exatamente que o fazer para manter-se nas sombras. Tudo muda quando
passa uma noite com a garota que deixa o seu corpo ardendo de desejo e o faz
questionar se não vale a pena arriscar-se em nome dos novos, poderosos e
proibidos sentimentos.

O que você faria em nome de uma paixão?

♥♥♥

NOS BRAÇOS DO CEO (LIVRO ÚNICO)


Para Raul, reputação e prestígio sempre estiveram no topo da lista para
qualquer mulher que estivesse disposta a ocupar um lugar de destaque na
família Montenegro, e Ananda, filha adotiva do seu irmão não se incluía na
longa lista de pretendentes a esposa de seu filho, Douglas. Mas, como o amor

gosta de uma confusão, foi justamente pela prima "postiça" que o coração do
jovem empresário caiu de quatro, deixando o patriarca furioso e determinado
a usar todas as armas que tivesse a sua disposição para acabar com o romance
que poderia jogar o nome da sua família no lixo, caso seu filho insistisse no
romance.
Uma chantagem.
Um segredo.

E enfim, o término.

Depois de todos os sonhos que Douglas planejou realizar ao lado de Ananda,


tudo que sobrou foi a mágoa, a decepção e claro, um vazio profundo deixado
pela mulher que prometeu lhe entregar seu coração.

Alguns anos se passaram, mas o amor de Douglas e Ananda continua tão

forte quanto o preconceito que os separa. Nessa batalha desleal, quem levará
a melhor?

Nos Braços do CEO, promete levar o leitor a um passeio emocionante onde


as mentiras, as traições, a inveja e o preconceito serão apenas os convidados
especiais, pois o protagonismo fica garantido exclusivamente ao Amor.

(+18)

♥♥♥

DAMA SEM HONRA


Dizem que quando o amor é verdadeiro, ele prevalece. Assim pensava
Helena antes de descobrir que o homem da sua vida, que foi o seu primeiro
em tudo, estava prestes a se casar com a sua melhor amiga. Para completar,
ela havia sido convidada para ser a dama de honra do casamento. Não estava
sendo uma tarefa fácil ouvir a amiga elogiar o homem que já esteve em seus
braços, e que a fez milhares juras de amor no passado. Eram decepções em
cima de decepções. Helena só queria esquecer tudo que estava acontecendo

em sua volta, e ingerir álcool naquele momento foi a sua única saída, porém,

ela não imaginava que a bebida poderia levá-la a um beco sem saída.

Uma traição.

Uma gravidez de um homem proibido.

Até aonde o álcool é capaz de afetar? Helena só queria fazer tudo certo,

mas em uma noite ela faz o contrário, mesmo sem querer.

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Sumário
AGRADECIMENTOS
SOBRE A SÉRIE
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO EXTRA
EPÍLOGO
PRÓXIMO LIVRO DA AUTORA
QUER RECEBER NOVIDADES EM PRIMEIRA MÃO?
SOBRE A AUTORA
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incluindo fotocopias, gravações ou outros métodos eletrônicos ou mecânicos,
sem a previa autorização por escrito do editor, exceto em casos breves de
citações em resenhas ou alguns outros usos não comerciais permitidos pela
lei de direitos autorais. Este livro é um trabalho de ficção. Todos os nomes,
personagens, locais e incidentes são frutos da imaginação da autora. Qualquer
semelhança com a realidade, pessoas vivas ou mortas, é mera coincidência.

1° edição: 2020
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Capa: TG Design.
Revisão: Andrea Moreira.
Diagramação: TG Design.
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Oliveira, Thais, Quando te encontrei / Thais Oliveira

1. Romance | 2. Ficção brasileira

ALTAMIRA PARÁ
Ah, eu amo os agradecimentos.
É o lugar onde finalmente vejo que terminei mais um projeto e o
quanto isso é insano. Primeiramente, agradecer a você leitor por dá uma
chance a Theodoro e Sofia, espero que eles toquem seu coração da mesma
maneira que fez com o meu.
A Sofia é uma mocinha sofrida. Escrevi ela em cima de pesquisas e

espero ter retratado ao menos um por cento das dores dessas mulheres que
passaram pelo que ela passou.
Theo é doce, é divertido, debochado, mas também sofre. Eu amo a
força dele apesar de tudo.
Espero que essa história encantem vocês.
Muito obrigada as meninas do projeto pelo convite, foi um prazer
trabalhar com vocês.
A série Pais Alencastro surgiu com o convite da autora Jessica D. Santos em
criar algo diferente para o dia dos pais. Cada livro conta a história de um
Primo Alencastro e todos se passam simultaneamente. São livros
independentes que não precisam ser lidos na ordem, mas os acontecimentos
estão interligados.
O corpinho pequeno pesa sobre meu peito, sorrio ao ver que ele
ressona baixinho. Inspiro fundo, fechando os olhos e pousando a cabeça
levemente no travesseiro. Meus olhos ardem conforme tento segurar as
lágrimas, entretanto, quanto mais faço isso mais impossível se torna.

O trovão corta o céu e reflete na janela do quarto enquanto me


encolho na velha cama de casal, apertando Noah em meus braços com medo
de que ele comece a chorar e tudo novamente vire um caos.
— Eu sabia que não deveria ficar sozinha com um recém-nascido —
murmuro, encarando todas as bolsas que mamãe trouxe da maternidade e
deixou ali antes de ir. Eu queria muito uma ajuda, queria tanto que ela tivesse
ficado ao meu lado, mas nunca pediria isso.
É minha responsabilidade.
Eu tenho que cuidar dele.

E mostrar fraqueza para minha mãe só irá piorar tudo.


Fungo e as lágrimas continuam a cair. Eu já estava nessa há um dia,
levanto quando a necessidade pede, dou comida, banho e volto a me deitar
novamente. É um limbo, parece que não tenho forças para ser eu novamente.

Não entendo meus pensamentos e sentimentos. Só sinto meu corpo


afundando em uma tristeza descomunal, sabendo bem que preciso ser forte
naquele momento.
Mais forte do que precisei ser a vida toda.
Mau humor matinal é comum sempre que eu tinha uma péssima noite
de sono. E, desta vez, não é culpa da bebida, nem das mulheres, muito menos
da minha mãe ou meus primos me ligando durante a madrugada. A culpa é
exclusivamente da pessoa que havia acabado de se mudar para o apartamento
ao lado e tem uma matraquinha que chora a noite inteira, sem pausa.

Inspiro fundo, despejando um pouco mais de pó na cafeteira para


preparar um café mais forte. Caminho em direção ao quarto de Amanda e
abro a porta, vendo-a toda esparramada de maneira inadequada e a boca
aberta, babando. Sorrio, puxo as cobertas e a vejo reclamar.
— Me deixe dormir, papai — sussurra e torna a puxar o tecido.
Eu revido puxando de volta, mas ela não acorda. Coloco o dedo
levemente dentro de sua boca aberta e pincelo os dentes branquinhos, mas
tiro com rapidez, pois ela faz o ato reflexo de mordida.

Já sabendo que Amanda não acordará de maneira nenhuma, decido


pela única coisa que a tira da cama sem resmungar: música. Pego o meu
celular e procuro por uma bem alegre e infantil, escolhendo a sua princesa
preferida que sempre está rodando na minha televisão.

E assim que a melodia ecoa, ela coloca a mão na cabeça e se senta, de


olhos fechados, cabelos loiros espalhados para todos os lados, prestes a
começar a resmungar.
— Bom dia, princesa. Hora de acordar. — Pincelo seu nariz
arrebitado.
Ela boceja alto.
— Está bem, papai — Amanda responde, se jogando para fora da
cama de maneira dramática e deitando sobre o carpete grosso. Ela passou

metade do tempo morando ali, depois do falecimento dos pais – ainda aos
três anos de vida – ela começou a morar com a minha mãe, mas devido ao
emprego dela, Amanda passava metade do tempo aqui em casa.
Hoje, quatro anos depois, ela já não se lembra mais tanto dos pais
biológicos e, desde então, me chama de pai. Eu a trato como filha, mas
deixamos sempre viva a memória de Thales, que merecia estar aqui, vivo,
vendo a filha crescer.
— Sua avó já viajou. Eu tenho que levar você à escola. — Pego o
meu café e bebo um gole generoso quando a adorável gritaria começa ao

lado, no outro apartamento. A nova família tinha se mudado há pouco tempo


e, desde então, nunca mais tive uma noite de sono tranquila.
Como essas coisinhas adoráveis podem chorar tanto? Eu só me
lembro das fases fofas de Amanda. Porém eu só acompanhei mamãe, ela que

lidou com as fases difíceis da neta, mas eu sei que dona Neiva Alencastro
ama aquela garota da mesma forma que eu. Ela é tudo que sobrou da
memória de Thales e Aline.
— Bom dia. — Ela aparece na sala meia hora depois, segurando a
mochila de maneira errada nos ombros, as duas marias-chiquinhas tortas e
um pouco de creme dental na bochecha. — O senhor é péssimo me
acordando.
Ela se senta em meu colo, beijando minha bochecha.

— Bom dia, criança. Eu estou de mau humor. Não dormi à noite.


— Por quê? De novo as namoradas do senhor?
Reviro os olhos. Mamãe sempre fica no meu pé com o tanto de
mulheres que eu saio, diante disso, Amanda pegou todos os trejeitos dela.
— Não. Os vizinhos têm um pequeno terrorista que chora a noite
toda.
— Tem um bebê no prédio?! — exclama, animada.
Sorrio e confirmo.
— Sim, mas não vamos fazer amizade. Ele é muito chorão.

— É um menino?
— Não faço ideia. É modo de falar. Mas pelo show na noite anterior,
deve ser mulher.

Entro na oficina depois de deixar Amanda na escola e começo a


organizar minha bancada de trabalho. Trabalho ali desde que retornei do
exército, depois de cinco longos anos trabalhando naquele lugar.
Inspiro fundo algumas vezes, tenho uma dúzia de encomendas para
entregar ainda hoje, e meu ajudante havia ligado dizendo que não chegaria
antes do meio-dia.
Gosto da liberdade que um trabalho autônomo me dá, depois de anos
seguindo regras e uma lista de restrições enorme, eu finalmente tenho livre-

arbítrio para decidir as coisas em minha vida.


Eu entrei para o exército aos dezoito anos, como qualquer jovem, e
fiquei por mais cinco depois dos doze meses obrigatórios. Gostava do
serviço, porém, como mamãe sempre diz, minha alma é livre demais para
aceitar amarras.
Paro em frente ao pequeno espelho da moto e observo minha imagem
refletida, meus cabelos loiros estão caindo levemente para o lado direito em
uma bagunça charmosa, o sorriso de lado é a típica expressão que sempre

adoto...
— Apreciando sua beleza, bebê? — A voz feminina me faz virar
levemente, então vejo Daniele parada na porta, sorrindo de lado e cheia de
insinuação.

Devolvo o sorriso, chamando-a para entrar. Encosto-me na minha


moto e cruzo os braços, vendo-a se encaixar entre minhas pernas.
— Você me deve uma explicação pelo bolo que me deu ontem. — Ela
passa o braço em volta do meu pescoço, trazendo o decote generoso bem
próximo ao meu rosto.
Inspiro fundo, fazendo minha respiração bater contra sua pele.
— Eu fiquei com Amanda ontem. Mamãe viajou. — Deslizo a minha
mão livre para a base da sua coluna, tocando o espaço de pele que a blusa

vermelha deixa em suas costas.


— Ah, poderia ter me levado junto. Eu adoro a Amanda.
O problema é que Amanda não gosta nem um pouquinho de todas as
namoradas que diz que eu tenho.
— Claro, marcamos outro dia.
Ela ri.
— Você sempre diz isso.
Realmente, eu sempre digo a mesma frase e não me arrependo nem
um pouco. Todas as mulheres em minha vida sabem bem que eu não me

apego, e se isso estiver bom para elas, ok, se não, eu parto. Assim evito
grandes sofrimentos.

Amanda sai correndo na frente, apertando o botão no painel do


elevador do nosso prédio de maneira agitada. As portas de ferro se abrem no
mesmo instante que uma senhora de idade nos alcança, sorrindo em minha
direção e segurando um bebê em seus braços.
O garotinho tem uma toquinha devido ao clima frio que faz em São
José, as bochechas rosadas, o rostinho redondinho e adorável. Me lembro da
primeira vez que vi Amanda e a peguei nos braços, recordando-me da
emoção do meu irmão com o nascimento da filha.
Sorrio em sua direção e vejo quando Amanda se aproxima, pegando

na mãozinha do garoto.
— Olha, papai, parece um boneco.
— Sua filha? — diz a mulher, rindo.
— Minha sobrinha.
— Ele é meu pai — retruca, brava, como sempre faz quando tentamos
esclarecer às pessoas que não somos pai e filha.
— Sim, ela é minha filha.
— Filha do coração, entendo. — A senhora sorri novamente,

compreendendo e tentando impedir que o garoto agarre os fios loiros de


Amanda, que ri também. — Ele quer pegar tudo, arrancar todos os cabelos
que ficam ao seu alcance.
— Qual é o nome dele? — minha menina sussurra, encantada.

— É Noah. Fala oi, querido. — Segura o rostinho do menino,


levantando-o no ar.
— É seu filho? — Amanda indaga, curiosa.
— Não. Sou apenas a avó desta gostosura — fala, beijando a cabeça
do menino.
O elevador para em meu andar, então saímos lado a lado, com
Amanda conversando animadamente. Enfio a chave na porta e a mulher fez o
mesmo na porta ao lado.

— Ah, somos vizinhos! — Amanda exclama, alegre. — Posso ir ver o


Noah, papai?
— Acho melhor não. — Suspiro. — Ele é pequeninho, dá trabalho e,
geralmente, criança assim dorme bastante.
— Pode vir quando quiser, Amanda. Vou fica por alguns dias e Noah
gosta muito de ficar acordado. — Meu sono que o diga, acrescento em
pensamento. — Foi um prazer conhecê-los — fala, balançando a cabeça e
entrando.
Faço o mesmo e deixo que meu corpo caia cansado contra a almofada

confortável. Amanda se senta na mesinha de centro e sorri de maneira que


poderia ser considerada quase angelical.
— O que iremos comer? — indaga, animada. — Amanhã posso ver o
Noah?

Suspiro. Eu não entendo a sua paixão por bebês, mas ela


simplesmente os adora.
— Não, querida. O bebê é novinho, a mãe deve estar se adaptando a
novas mudanças e a família toda deve estar uma loucura com isso tudo. —
Pincelo seu nariz. — Podemos pedir pizza. O que acha?
— Pode ser de frango com catupiry?
Como pai, eu sou um zero à esquerda, tento ser melhor nisso
conforme o tempo passa, mas cozinhar está fora do meu alcance. Entretanto

não quero que Amanda me coloque no lugar de ser o homem idolatrado por
ela, pois não me sinto digno o suficiente para isso.
— Claro. Metade calabresa. — Indico, pegando o telefone e discando
o número da pizzaria. — Vá tomar banho que vou arrumar as coisas enquanto
não chega.
Eu a vejo descartar os tênis na sala e a bolsa no sofá, correndo para
dentro de casa. Sua rotina começa cedo e só acaba às seis. Ela vai para a aula,
depois para o balé e, por fim, para o reforço escolar que frequenta por conta
da falta de tempo que temos para auxiliá-la.

Thales e Aline estavam há mais de cinco anos casados quando


receberam a notícia de que iriam ter um filho. Foi uma alegria imensa, afinal,
meu irmão foi quase considerado estéril. E pelos próximos meses, toda a
família Alencastro ficou atenta a todos os detalhes para que tudo saísse

perfeito.
Eu era o padrinho, da mesma maneira que aconteceu no casamento.
Nunca vi pessoas que se amavam tanto como eles. Quando Amanda nasceu,
era um pequeno pacotinho loiro idêntico a Aline. Foi ali que percebi que
havia ganhado um novo pedaço do meu coração. Nem era minha filha, mas
eu a amava como tal.
Os anos que passaram foram os melhores desde então, até que eles
precisaram se locomover até a cidade vizinha e sofreram um acidente fatal,

deixando conosco uma garotinha para cuidar.


Desvio os olhos para a imagem da família completa de Thales em um
porta-retratos e inspiro fundo. Ah, irmão, sentimos tanto a sua falta! Isso
segue uma ferida aberta.
Abro os olhos enquanto sinto Noah sugando meu seio. Faço careta,
inspirando fundo algumas vezes. Não quero nem dar voz aos meus
pensamentos, eles me fazem sentir uma pessoa horrenda.
Mamãe mexe na cozinha enquanto eu continuo ali, olhando para o
nada. Não me sinto grata por ela estar ali, e ao mesmo tempo eu sei que

preciso de ajuda.
Noah se afasta do meu seio, me encarando com os olhinhos claros
cheios de esperança. Observo o meu filho por cinco segundos e tenho que
desviar o olhar, não aguento a maneira que dói em meu peito. Encosto a
cabeça no estofado e inspiro fundo algumas vezes.
Noah é fruto de um amor adolescente. Nunca pensei que minha vida
daria um giro daquela forma! Eu amava Nathan, mas ele me quebrou de uma
maneira que nunca pensei que iria fazer.

Vejo que o menino adormeceu e me levanto, colocando seu corpinho


dentro do berço móvel no meio da sala. Ele tem exatos dois meses, esse é o
total de dias que fez meu mundo virar de cabeça para baixo.
Sorrio saudosa ao me lembrar de quando nada disso existia. Eu era

apenas uma professora da segunda série e minha vida era perfeita, pensava
que quando tivesse um daqueles, eu estaria com alguém que amava. Só que
nada saiu como o planejado.
— Sua sessão começa em uma hora, Sof. Acho melhor se aprontar.
Assinto, me afastando do berço em silêncio. Quase um mês indo de
três em três dias ao psicólogo, tomando remédios e tentando fazer de mim
uma pessoa melhor.
Paro na frente do espelho, inspirando profundamente. Meus cabelos

escuros estão com uma aparência estranha, parecendo uma bucha. Meus
olhos marcados com grandes bolsas embaixo. Movo a roupa folgada em meu
corpo.
— Ah, Sofia... o que está acontecendo com você?
Eu duvido muito que a tal de depressão seja meu real problema. Tinha
passado toda a minha gravidez muito bem, planejando o momento que estaria
com Noah em meus braços, e sonhando com isso. Só que ele chegou. A carga
aumentou. Meus ombros não aguentaram o cansaço. A dor de estar sozinha
com uma criança de poucos dias de vida foi demais para mim.

— Vamos lá — falo, levantando os braços e puxando a camisa para


fora do meu corpo.
Preciso estar ao menos apresentável para me sentir bem em sair de
casa. As únicas partes boas em ir constantemente para a terapia é que eu saio

de casa e fico longe por algum tempo, mesmo que seja para falar sobre o
quão péssima mãe eu sou.
Tomo um banho rápido, escolhendo um vestido leve de flores,
prendendo meu cabelo curto em um rabo de cavalo minúsculo enquanto me
pergunto se tenho ou não disposição para me maquiar. Inspiro fundo algumas
vezes, chegando à conclusão que preciso ao menos de um batom.
Amamentar me deixa tão cansada que, na maior parte do tempo, não
tenho disposição para nada.

Abro a porta de casa depois de me despedir de mamãe e coloco a


bolsa no ombro. O corredor está vazio e eu nem mesmo havia tido coragem
de explorar o prédio para o qual me mudei há algumas semanas.
A porta ao lado se abre e um homem passa por ela, empurrando a
mulher pelo braço de maneira leve. Ela sorri para ele, passando o braço em
volta do seu pescoço.
— Ei, bebê, pensei que poderíamos almoçar juntos.
— Já disse que não, Fabi. Não estou sozinho e minha mãe me mata se
souber que trouxe mulher aqui.

Arqueio a sobrancelha, e antes que tenha chance de passar


despercebida, ele me encara. O homem é lindo. Do tipo de tirar o fôlego.
Ele sorri e é puxado pela mulher, fazendo o olhar se afastar. Engulo
em seco e caminho para longe, entrando no elevador e apertando o botão do

térreo.
A cidade de São José não é muito grande, o que faz as pessoas sempre
saberem da vida uma da outra. A maior parte é cercada por áreas rurais. Moro
no centro e gosto daqui, a praticidade deixa a vida mais fácil.
Tento levar uma vida sem grandes escândalos, afinal, fofoca corre
rápido, mas fofoca em cidade pequena corre ainda mais acelerado.
Trabalho na escola municipal da cidade. É um serviço bem-feito pelo
governo, graças a Deus, não falta nada aos alunos daquele lugar. Estou com

saudade de me sentir útil e inteligente com algo que faço.


Desde que tive Noah, nada tem feito muito sentido. Eu não consigo
acalmar meu filho. Meus peitos doem tanto desde o primeiro momento que
ele nasceu. O leite às vezes parece não sustentar. É um turbilhão de
sentimentos que nem mesmo sei como agir.
Sei que mamãe veio me ajudar e sei que ela não fala, mas pensa que
estraguei toda a minha vida por engravidar de Nathan. Ela tem certa razão,
afinal, não estou em um dos melhores momentos na vida.
A porta do elevador se abre e caminho para o meio-fio, vendo se o

táxi de aplicativo que pedi já chegou. Penso em como tudo desmoronou, não
sei se o que sinto é realmente uma depressão pós-parto, mas foram
recomendados remédios e terapia. Porém não me sinto crescendo, não me
vejo melhorar.

Na última semana, não consegui nem ao menos olhar para Noah. E


ele é só uma criança pequena e indefesa. Essa insensibilidade crescente
dentro de mim me deixa desesperada.
E se esse sentimento nunca for embora? E se eu passar a vida toda
desejando que aquele menino não existisse? Eu sempre fui essa pessoa
horrível? Por que amei por anos crianças que não eram minhas e quando
tenho uma não sinto nada em meu peito?
Nathan me quebrou a ponto de não conseguir amar meu próprio filho?

Inspiro fundo assim que entro no veículo, desejando uma boa-tarde


baixinho. Preciso entender o que está acontecendo comigo. Se realmente for
consequência da depressão, irei superar. Se eu for essa pessoa ruim, preciso
parar. Evoluir.
Encosto-me no carro enquanto aguardo Amanda sair da escola,
deslizando o dedo pelo visor do celular, visualizando algumas mensagens de
clientes e respondendo uma de mamãe, afirmando que está tudo sob controle,
que não há nada com o que se preocupar.

A porta se abre e alguns alunos começam a passar por ela. Eu acabei


de sair da oficina e estou cansado, meu corpo moído pela quantidade de
trabalho pede um bom banho e comida quente.
Aproximo-me e vejo quando uma mulher distraída caminha em minha
direção enquanto fala ao celular de cabeça baixa, gesticulando de maneira
agitada. Eu não me movo, esperando que ela se dê conta para onde está indo.
Porém acredito que subestimei seu senso de proteção. A mulher bate
em meu peito e cambaleia para trás, deixando o celular cair no chão com o

susto. Seguro a risada e alcanço o seu braço a tempo de segurar seu pulso,

impedindo-a de cair completamente.


Seus olhos se focam em mim arregalados, a boca entreaberta e um
susto evidente. Ela tem os cabelos escuros cortados antes dos ombros, os
olhos castanhos, o rosto redondo e a boca vermelha pelo batom.

Ela é... simplesmente linda. Parece uma boneca de tão delicada!


— Desculpe... — sussurra fora de foco.
Afasto minhas mãos do seu pulso lentamente, tendo tempo suficiente
para sentir a maciez da pele contra meus dedos. Encosto meu braço na
beirada do portão de ferro e a encaro, abrindo um sorriso de canto enquanto
sigo o passo a passo numa conquista.
É sempre um sorriso. Um toque. Uma piscada. E quem sabe, se for
muito arriscado, algumas palav...

— Tia! — A voz infantil de Amanda me faz sair do transe.


A morena se abaixa a minha frente para pegar o celular no chão, o
movimento faz meus olhos correrem pelas pernas torneadas e a bunda
durinha dentro da calça jeans.
Ela é baixinha, mas com curvas nos lugares certos.
— Olha, fiz para a senhora. — Minha sobrinha estende em direção à
mulher a folha de papel.
Arqueio a sobrancelha, enquanto a observo sorrir e aceitar.
— Eu amei, Mandy, é lindo. — Aperta o desenho contra o peito, me

impedindo de ver o que se trata.


Amanda finalmente me encara, sorrindo de orelha a orelha.
— Você conheceu meu papai, tia? — Ela se aproxima, enlaçando sua
mão na minha.

— Não sabia que...


— Ele é meu tio. Mas é meu pai também. Eu tenho dois pais —
explica como se aquilo fosse a coisa mais fácil de ser entendida. — Ela é
minha professora, papai. A tia Sofia.
— Sério? — Arqueio a sobrancelha. Sofia. Combina com ela. Fofa,
delicada.
— É um prazer conhecê-lo, senhor... — fala, estendendo a mão em
minha direção.

— Theo. — Aperto seus dedos finos entre os meus, sorrindo de lado.


—Theodoro Alencastro.
Ela cora de maneira adorável. E eu nem sabia que tinha como uma
mulher ser adorável, os únicos adjetivos que dava a elas eram sexys e
gostosas, até agora.
— Bom, é muito bom revê-la, Amanda. Vemo-nos em breve. — Ela
se abaixa brevemente para beijar a bochecha de Amanda, dando alguns
passos para o lado para se afastar. — Tenham uma boa tarde.
É quase seis da tarde e eu e Amanda ficamos ali, encarando Sofia ir

embora.
— Estou com saudade dela. Não gosto da nova professora — minha
menina sussurra, apertando minha mão.
— Ela é uma professora legal? — Começamos a caminhar para o

carro, então abro a porta para que a garota entre. Encosto-me contra a lataria
e observo Amanda brincar com a barra do uniforme, pensativa.
— É sim. Ela sempre tinha muita paciência.
Isso me faz rir. Sei bem como é ter que invocar a paciência quando se
tem um desses pequenos lado a lado.
— Logo ela volta, acredito.
— Sim, logo ela volta.
Contorno o veículo e entro rapidamente, colocando-o na estrada em

direção ao apartamento e pedindo comida durante o caminho, pois não tenho


pique para preparar o jantar. Trabalho na oficina de segunda a sexta-feira. É
uma boa ocupação, pois mantém meu corpo e mente ocupados, mas devido a
nossa condição de vida, sei que não preciso.
Meu pai foi dono por muito tempo de uma fazenda local, e quando ele
faleceu, ficou tudo para mamãe e os filhos, porém apenas Thales conseguia
dar conta daquele tipo de trabalho. Sempre fui mais fã de ficar na minha, na
cidade, de preferência.
— Vamos jantar o que hoje? — Amanda indaga, curiosa.

— Pedi comida. Do Tio João — falo o nome do restaurante que ela


adora e escuto um gritinho animado.
Em poucos minutos, estaciono o veículo na garagem do prédio. Gosto
mais de usar minha moto, mas quando estou com Amanda, o carro é sempre

mais viável.
Pego a bolsa de Amanda e a minha, com as compras que fiz durante o
almoço para abastecer a geladeira. Com a garota em casa, sei que tenho que
manter tudo funcionando como se isso fosse a normalidade.
Adoro ter Amanda por perto. Eu a amo como uma filha de verdade.
Só que isso não diminui o fato de que não faço ideia de como lidar com
Amanda, só que continuo tentando, afinal, tenho a chance de aprender,
quando Thales nem pode ver a filha crescendo.

— Vem, pequena gafanhoto — brinco, chamando-a enquanto abro a


porta. — Temos que fazer aquela atividade antes de adormecer. — A
professora de reforço disse que precisávamos fazer uma atividade do Dia dos
Pais, um conto sobre família. — Não está cedo para comemorar o Dia dos
Pais?
— Não é comemoração, papai — ela diz, revirando os olhos enquanto
anda ao meu lado. — A professora disse que quanto mais cedo fizermos,
melhor será.
Arqueio a sobrancelha, eu sou do tipo que faz tudo em cima da hora e

está tudo bem.


— Ok — é tudo que digo, entrando no elevador.
Os andares passam no painel enquanto Amanda conta como havia
sido seu dia, crianças de sete anos têm um dom incrível de falarem por horas

e nunca se cansarem. Não sei se é só uma especialidade da idade, ou se minha


filha é apenas muito tagarela.
— Então eu disse que crianças não namoram! Não é, papai? — ela
fala da amiguinha que havia dito que quer namorar um garoto na escola.
— Isso, querida. — Sorrio. — Crianças não namoram. — Enfio a
chave na fechadura e a porta ao lado se abre enquanto eu faço o mesmo,
revelando a mesma senhora que encontrei há alguns dias com um bebê no
elevador.

— Mamãe, para onde a senhora vai? — A voz feminina e conhecida


vem segundos depois, acompanhando-a porta afora. No instante que a figura
aparece à minha frente, minha boca se abre. — A senhora disse que ficaria
um pouco mais e eu preciso de você...
— Tia Sofia?! — A voz de Amanda expressa os meus pensamentos.
— Amanda? — Ela se vira rapidamente, arregalando os olhos em
nossa direção. — O que faz aqui? — gagueja confusa, enquanto a menina
abraça suas pernas.
— Nós moramos aqui! A senhora também? Somos vizinhas? —

tagarela, deixando a mulher com uma expressão confusa.


— Viu, querida? É um prédio bem amigável. Você tem que sair mais
e conhecer seus vizinhos — a senhora fala, tocando os cabelos escuros,
enquanto eu continuo observando a situação. — Você e Noah vão ficar bem.

Prometo que a viagem até seu irmão não vai se estender.


Sofia não parece concordar, pois não fala nada nem a abraça de volta.
— Ah, menina, não veio brincar com Noah, hein? — ela fala, tocando
o rostinho de Amanda, que sorri com isso.
— Papai não deixou. Disse que ele é pequeno demais...
Fico envergonhado diante daquela cena. A porta se bate e denuncia a
volta da professora da minha filha para dentro do apartamento.
— Bom, não se importe com isso, se quiser fazer uma visita. Sofia

adora crianças! — exclama antes de bagunçar os fios loiros da menina. —


Agora eu preciso ir. Tenham uma boa noite.
A senhora se afasta e Amanda me encara pensativa.
— Será que a tia Sofia está bem? Ela parecia triste.
Começo a pensar em como responder isso, pois estou confuso. A
mulher bonita da escola é professora de Amanda, que se chama Sofia e que
mora ao lado da minha casa... E o que Noah é dela? Ele é o garoto que a
senhora segurava no outro dia, certo?
— Isso não é da nossa conta, que... — Não tenho tempo para falar,

pois Amanda já bateu na porta, trocando os pés de maneira nervosa. —


Amanda, deixe-a. Talvez queira...
A porta torna a abrir.
— Está tudo bem. — A voz meiga torna a aparecer. — Deseja algo,

Amanda? — Encara minha filha com carinho, mas ela não obtém resposta,
pois o choro alto e desenfreado vem do apartamento. — E agora? Como vou
acalmá-lo?
Ela não parece estar falando com nenhum de nós. Apenas volta para
dentro, deixando a porta aberta e um convite não dito para que Amanda
invada sua privacidade.
Entro novamente no apartamento ainda sem acreditar que mamãe foi
embora e me deixou sozinha conhecendo bem a minha situação. Ser filha
mais nova sempre permitiu que eu ficasse à margem dos problemas que
Samuel encontrava no caminho, ele sempre era a prioridade.
Adentro no quarto e vejo Noah se debatendo no berço. Foco nas

palavras da minha terapeuta enquanto me aproximo do meu filho, tentando


engolir o nó que se forma em minha garganta. Eu me inclino e o pego nos
braços, balançando de um lado para o outro de maneira constante.
Noah tem os olhos claros, como os de Nathan, os cabelos loirinhos. E
não é a criança mais gordinha do mundo, para seus dois meses era para ele
estar repleto de pequenas curvinhas.
— Eu não consigo nem mesmo sustentar você — resmungo comigo
mesma. Sento-me na beirada da cama enquanto tiro o seio para fora e o

indico para mamar. Noah o agarra com a boca e suga com força, a picada é
um pouco mais incômoda que o normal.
Eu nem sei por que continua doendo, já deveria ter me acostumado,
mas não consigo.

— Olha o bebê! — exclama Amanda, então percebo que deixei a


porta aberta. Ela me observa amamentar o meu filho com curiosidade. Deixei
de trabalhar no quinto mês por algumas complicações, minha gravidez
acabou sendo de risco. Amanda não me viu com barriga de nove meses e eu
nem tinha tanta barriga até o quinto mês. — É seu, né, tia?
— Sim, é meu bebê — sussurro, abobada com a maneira que a frase
sai dos meus lábios. Nem mesmo conseguia admitir há semanas que ele era
meu filho, que havia saído de mim.

Amanda toca os fios claros de Noah com carinho e sorri. Noah aperta
o bico do meu seio entre os lábios e eu fecho os olhos, me recordando por
que odeio tudo aquilo. É cansativo. Na noite anterior, ele acordou uma porção
de vezes para mamar, e eu não tinha leite suficiente a maioria delas.
— Está dormindo... — Amanda sussurra.
Eu abro os olhos, vendo que Noah havia voltado a cochilar. Coloco-o
no meio da cama e adiciono alguns travesseiros para impedir que ele caia no
chão.
— Cadê seu pai? — indago, juntando algumas fraldas sujas e

colocando no cesto de roupas.


Amanda se aproxima de Noah, pousando os braços sobre a cama e
observando-o dormir.
— Está lá fora — responde desapercebidamente.

Saio do quarto e vejo Theodoro parado no meio da minha sala,


encarando-me com a sobrancelha arqueada.
— Você tem um filho? — É a primeira coisa que sai dos seus lábios.
Claramente não reconhece minha versão maquiada da desleixada que viu há
alguns dias na porta do apartamento. — Você é a mulher que topei há alguns
dias?
— Sim. — Sorrio sem humor. — Duas versões de uma mesma
pessoa.

— Mas você estava...


— Feia, eu sei — cansada, eu rebato e esfrego meu rosto. — Não faz
muita diferença, sou a mesma dos dois modos. Só que no momento,
maquiada e vestida de maneira decente.
— Eu não quis dizer feia. Estava diferente. — A risada escapa antes
que consiga conter. Theodoro se senta no braço do sofá e me encara,
analisando-me. Não gosto disso, Theodoro tem cara de homem sem-
vergonha, e claramente me observava de maneira descarada na escola.
Não quero nem mesmo prestar atenção nos fios loiros penteados em

um topete estiloso. Os braços fortes estão cobertos por uma camisa xadrez,
que está aberta, revelando o peitoral com uma camiseta branca.
— Como você acabou morando aqui? Minha outra vizinha era uma
senhora.

— Eu tive que arrumar um local mais espaçoso para o bebê — falo,


cansada. Mudei-me poucas semanas depois de ganhar bebê e ainda não havia
me adaptado com as mudanças.
Observo a calça jeans apertando suas pernas de uma maneira um tanto
provocativa, pois o homem tem as coxas mais grossas que as minhas.
Inspiro fundo, balançando a cabeça.
Não posso me sentir atraída por ninguém no momento, afinal, já tenho
muitos problemas. Noah emite um choro alto, que me faz pular do sofá e

correr novamente para o quarto. Chego lá e vejo que Amanda tenta acalmá-
lo, cantando uma música baixinho.
Aproximo-me com cuidado, sem saber o que fazer. Ele já mamou,
será que não foi o suficiente?
— Ele acordou sozinho, eu juro.
Sorrio com a voz amedrontada de Amanda. Pego Noah nos braços e
tento acalmá-lo, mas nada surte efeito. Sinto Theodoro ao meu lado,
observando a situação com calma.
— Por que ele não para de chorar? — ele indaga, confuso.

Um riso nervoso escapa dos meus lábios enquanto balanço meu corpo
de um lado para o outro, de maneira constante. Nem sei por que continuo
deixando Amanda e Theodoro na minha casa, eu não conheço este homem!
Mas talvez minha falta de noção se dê ao fato de que tenho medo de ficar

sozinha com meu próprio filho.


— Posso tentar? — Ele dá um passo, quando passou tempo demais
com Noah desesperado, recusando meu peito e não se acalmando nem sob
tortura.
Encaro Theodoro com desconfiança.
— Eu ajudei a cuidar de Amanda, não sei muito, mas diante deste
chororô todo, talvez tentar ajude.
E é aí que eu aceito. Não tenho mais mamãe para me ajudar a acalmá-

lo, e isso me deixa sozinha numa luta que nem mesmo sei como vencer.
Estendo o menino em sua direção. Ele tem dois meses e já está todo durinho,
vira o pescoço para tudo ao seu redor.
Theodoro pega o meu bebê nos braços e o encara por alguns
segundos, a cena parece a da coroação de Simba, em O Rei Leão, quando o
macaco o estende no topo da savana.
Sorrio com a comparação, mas meu sorriso some quando o homem
aconchega o corpo pequeno de Noah contra o seu ombro, batendo levemente
em suas costas e cantando baixinho para ele. O choro some. Lentamente. E

eu finalmente posso ouvir o som dos carros novamente.


E o barulho do meu coração se quebrando, afinal, não consigo
acalmar meu próprio filho. Isso é tão triste. Verdadeiramente triste.
O garoto em meus braços para de chorar lentamente enquanto eu
repito a música do Mundo Bita de maneira insistente. Essa é de praxe com as
crianças, sempre funciona. Sofia, como uma professora, deveria saber. Ela se
senta, uma expressão de derrota aparece ao ver que consegui acalmar o
pequeno chorão.

— Papai é o “acalmador” de bebês! — Amanda exclama, sorrindo.


Olho em sua direção, piscando. — Agora ele pode ser babá do Noah.
Só de pensar nisso, o arrepio sobe em minha espinha.
— Eu acho que seu pai tem mais o que fazer, querida. Como você fez
isso? — Sofia abre um sorriso bobo ao ver o filho calmo em meus braços,
mordendo as mãozinhas de maneira constante.
Noah é uma criança pequena, não deve ter mais que dois meses, e está
com seus enormes olhos azuis arregalados, enquanto morde os próprios
dedinhos, descobrindo os primeiros toques.

— Eu acho que deve ser um dom. Funciona com as mulheres, dizem


que crianças e...
Ela revira os olhos, claramente não caindo muito no meu papo. E isso
me faz rir.

— Pode colocá-lo no berço, eu dou conta daqui. Obrigada pela ajuda.


Assinto e me inclino para colocar o menino no berço, mas quando me
afasto, ele volta a chorar, desta vez mais desesperado.
— Ah, pronto, ele amou você.
— O que não é nenhuma novidade... — brinco, me aproximando
novamente e me inclinando no berço. — Ei, garoto — falo, e os olhos azuis
me encaram, arregalando ainda mais. — Sabia que você é o camarada mais
lindão?

Ele esboça um sorriso.


— Sim. Olha que olhos. As garotas vão pirar em você, hein? —
Brinco com os pezinhos que não param quietos segundos antes de o ver
esboçar algumas reações contentes, continuo a falar enquanto se acalma, sem
chorar. Noah só quer atenção.
— Ele só quer cuidado — falo, entre uma pausa e outra. — Você é
professora, deve entender de crianças.
— Eu consigo entender qualquer criança no mundo, menos o que saiu
de mim — ela sussurra em minhas costas e eu a encaro, vendo que Amanda

não está no quarto. Sofia está sentada na cama, encarando o carpete branco
no chão. — Não se sustenta com meu leite. Eu não sei se o quero em minha
vida e nem ao menos consigo ficar uma hora com ele sem que chore por uma
vida inteira e...

O soluço escapa dela. Eu me aproximo, abandonando o menino por


alguns minutos enquanto a puxo para os meus braços. Nem conheço Sofia,
nem sei o que estou fazendo em seu apartamento a essa altura do
campeonato, mas enquanto ela chora contra meu peito, tento descobrir como
tirar dela essas aflições.
— Ei. Calma. Calma. Vai ficar tudo bem. — Aliso suas costas e beijo
o cabelo que tem cheiro de coco.
Sofia aperta minha camisa xadrez entre os dedos e soluça.

— Eles disseram que ia passar. Que os remédios iriam parar de fazer


com que eu me sentisse assim — sussurra, devastada.
Então percebo que encontrei uma alma quebrada. Não sou uma pessoa
sensível nem nada do tipo, mas sei identificar quando alguém sofre.
— Ele é meu filho, por que eu não o amo como sempre amei todas as
crianças? — ela pergunta mais para si do que para qualquer outra pessoa.
— Ei. Fica calma. Ele é seu filho e você o ama, no fundo, sabe disso.
— Por que eu sinto que não? — Ela treme em meus braços.
— Por que a tia Sofia tá chorando? — Amanda reaparece na porta e

Sofia se afasta rapidamente, limpando o rosto ainda de costas.


— Não estou chorando, meu amor — tenta mentir.
Amanda, muito perspicaz, coloca as mãos na cintura de maneira
inquiridora.

— Então por que está toda vermelha? — Ela se aproxima, abraçando


as pernas da mulher. — Não chora, tia. Não chora — pede com carinho,
como sempre faz quando vê a minha mãe chorando.
— Obrigada, meu amor. Eu vou ficar bem.
— Vem, Amanda. Precisamos ir — declaro, indo até o menino, que
está entretido brincando tentando alcançar um ursinho minúsculo. — Tchau,
Noah. Vemo-nos em breve, campeão. — Beijo a mãozinha do garoto antes de
direcionar um olhar amigável para a Sofia. — Fique bem.

— Eu vou ficar. Obrigada. — Sorri forçado enquanto saímos da casa.


Amanda espera a porta se fechar para me dar um olhar pidão.
— Não podemos chamar a tia para jantar?
— Não. Sofia precisa de um tempo sozinha.
Na verdade, eu estava preocupado, a mulher não parecia bem com a
maternidade. Estava toda confusa em suas palavras.
Eu, com toda certeza, sabia zero sobre mulheres e crianças, mas uma
coisa é certa: aquela não é a reação de quem está bem com tudo isso. Porém
não queria preocupar Amanda.

— Vem, vamos tomar um banho e esperar o jantar chegar.


O cansaço de um dia de trabalho havia ido embora, sendo substituído
apenas pela preocupação. Amanda segue para o quarto sem reclamar e logo
ouço o barulho da água correndo. Sento-me no sofá, tirando as botas com

cuidado enquanto pego o celular em meu bolso.


Abro a aba de pesquisa, jogando ali “depressão pós-parto sintomas”.
E logo uma série de informações pipocam na tela. Encontro explicações,
listas sobre o que acontece e o que pode levar a uma depressão pós-parto.
Encaro o nada, entendendo pouco e muito confuso com tudo aquilo.
Será que é isso que acontece em sua mente? O que houve na vida dela para
estar cuidando de uma criança sozinha? E por que sua segurança me
preocupa tanto?

Eu sequer faço o tipo de cara altruísta.


A campainha toca e me levanto, abrindo a porta ao ver que é do
restaurante. Pago por nosso jantar e o coloco em cima da mesa. Havia pedido
três porções, afinal, sempre quero comer um pouco mais. E é bom ter reserva.
Mas dessa vez é diferente. Separo a terceira porção dentro do micro-
ondas, servindo Amanda e a mim enquanto penso no que irei fazer. Meus
ouvidos estão atentos a qualquer movimentação no apartamento ao lado.
Porém nenhum choro é ouvido. Nem passos no apartamento.
E isso é o mais preocupante.
Termino de arrumar a sala vendo que Noah finalmente descansou. Ele
brincou por algum tempo desde que Theodoro conseguiu acalmá-lo e, em
seguida, pediu para mamar. Nisso consegui inserir a mamadeira. Não é
correto uma criança de dois meses tomar leite em mamadeira, mas nada sai
como o planejado, as coisas acontecem como o destino impõe.

Inspiro fundo e me inclino para sentar no sofá quando escuto alguém


bater à porta. O pulo para frente é instantâneo, afinal, pode ser mamãe. Se
Deus for bom comigo, é ela do outro lado.
Abro a porta animada, já pensando que a salvação chegou e... não.
Não é minha mãe.
— O que faz aqui? — Não dou espaço para que o homem entre em
meu apartamento.
Mas Theo apenas coloca seu corpo para dentro, esbarrando levemente

em meu ombro.
— Trouxe o jantar.
Eu me viro lentamente enquanto o observo, não veste mais as roupas
de quando chegamos ao prédio, tem agora uma calça de moletom folgada e

está sem camisa. O que deixa à mostra o peitoral de seis gominhos e um


monte de tatuagens espalhadas por seu corpo. Tento focar no seu rosto,
afinal, não posso ficar babando no pai da minha aluna.
— Eu... — Busco uma desculpa para não ficar em sua presença. —
Não estou com fome.
Theodoro arqueia a sobrancelha de maneira questionadora quando o
vento bate contra a sacola de comida, trazendo o cheiro irresistível de algo
muito, muito bom. Minha barriga ronca em protesto e isso é quase um reflexo

do sorriso vitorioso no rosto do homem.


— Ok, você não está com fome, mas sua barriga parece querer falar
algo — debocha.
Eu franzo meus olhos, brava com isso. É muito injusto que ele seja
tão bonito, com toda certeza deve arrastar um caminhão de mulheres todos os
dias.
Mas... por que diabos acho isso injusto? Talvez seja o fato de que sou
o completo oposto dele. Não ando como se meus ombros estivessem leves,
muito menos atraio homens como formiga e nem tenho esse sorriso incrível.

— Ok, eu aceito. Obrigada. — Estendo a mão, pegando a sacola e


caminhando para o sofá, esperando que ele saia.
Mas em vez disso, ele apenas caminha em minha direção e se senta na
poltrona. Ele cruza os pés levemente sobre a beirada da mesinha de centro

enquanto abro a sacola que ele me trouxe na outra ponta.


Sinto que observa todos meus movimentos e sorrio ao ver a etiqueta
de um restaurante local que tem uma comida maravilhosa. Dentro da marmita
pequena há uma porção de lasanha de frango com arroz, o cheiro está divino.
— Ah, é perfeito. — Meu sorriso vai de orelha a orelha e é o primeiro
sorriso sincero que dou em dias. E isso pelo fato de que tenho a melhor
comida do mundo à minha frente, trazida por um cara que mal sei o nome.
— Bom saber que gostou. — Eu o encaro, sorrindo, antes de sair da

sala para pegar os talheres na cozinha. — Noah dormiu?


— Sim, finalmente — sussurro ao voltar. Sento-me no tapete da sala e
começo a comer.
— Por que ele chora tanto? — Ele franze o cenho.
— Ele é um bebê de dois meses, choram o tempo todo.
— Mas não é normal, sabe. Chorar a noite toda e você não conseguir
acalmá-lo.
Sinto minhas bochechas ardendo de vergonha ao saber que sou uma
péssima mãe.

— Como sabe que ele chora a noite toda? — afronto, não querendo
me dar por vencida.
— Eu ouço. Desde que vocês se mudaram para cá — alfineta. Abro a
boca em choque. — Pensei que fosse apenas por ser pequeno, mas parece que

não.
Abaixo a cabeça, movendo uma porção de arroz de um lado para o
outro.
— Ele não pega o seio direito e... — Eu o encaro, a menção dos seios
faz Theodoro descer os olhos para a minha blusa com estampa de Once Upon
a Time, franzindo a testa enquanto observa. Inspiro fundo, sem muita
paciência. — Meus olhos estão mais acima.
Theo ri de lado, safado e sem se abalar.

— Desculpe.
Tenho a sensação de que não é muito sincero em suas desculpas.
— E parece que a quantidade que ele consegue mamar, não o mantém
totalmente saciado — falo, resmungando. Eu o encaro, vendo a indagação
brilhando em seus olhos. — O que foi?
— Sim, você falou sobre o leite e o peito, mas também falou sobre
sua relação com ele. O que está acontecendo? — Levo uma porção do jantar
à boca para me impedir de falar. — Sofia. Desabafar faz bem.
Sorrio e pouso meu maxilar contra meu joelho.

— Por que desabafaria com um estranho? Mal te conheço. Nem


deveria comer sua comida.
— Eu sou Theodoro Alencastro, tenho uma filha adotiva, perdi meu
irmão, minha mãe é meio doida, sou ex-militar e agora trabalho em uma

oficina. Odeio Theodoro, me chame sempre de Theo. Tenho trinta e cinco


anos e, para os loucos da astrologia, sou do signo de leão. — Ele sorri, tão
fácil como se não tivesse acabado de fazer uma lista da sua vida para mim. —
Agora me conhece e pode desabafar comigo.
— Cadê Amanda, hein? — Mudo de assunto.
— Sofia. — Seu tom parece falar com uma criança e isso me faz
segurar a risada. — Amanda está vendo filme. Eu disse que traria o jantar e
ajudaria com Noah se fosse necessário. Não fuja do assunto.

Inspiro fundo e deixo os talheres de lado.


— Ok, eu não estou bem! Não sei o que está acontecendo.
— Eu não entendo nada de mulheres, mas sou um cara legal e sei
ouvir.
Reviro os olhos com sua resposta.
— Eu faço terapia, não preciso desabafar com você.
— Parece que não está funcionando — alfineta. — Falar não mata,
Sofia. Eu sou a prova viva do que algo emocional pode desgastar a gente.
Deixa nossos corpos e mentes imprestáveis para tudo. — Eu o encaro, com

medo. — Estou aqui. Sei que não sou alguém da família, um profissional e
que não confia em mim, mas às vezes só falar ajuda, nem que seja para o
espelho.
Ele se levanta quando não vê nenhuma reação e caminha para a porta,

puxando-a devagar enquanto sai.


— Dizem que tenho depressão pós-parto. — Eu o vejo parar. — Foi
há pouco tempo que comecei a tratar, os remédios não fizeram efeito ainda,
então não acredito que seja. Afinal, posso apenas ser uma mãe ruim.
Theodoro se vira para me encarar.
— Como se sente sobre a maternidade?
Abro a boca, pensando sobre o assunto. Como me sinto? Flutuando
em um terreno desconhecido e cheio de percalços.

— Me sinto perdida. Foi tudo que desejei durante muito tempo, sabe?
Aí, quando vi, aconteceu. — Fungo. — Eu planejei, sonhei com cada
momento. Até que ele nasceu e eu estava destruída. Não conseguia nem ao
menos olhar para ele.
— Você já tentou entender por que aconteceu essa mudança?
A lágrima cai e me sinto meio perdida.
— Eu acho que foi por Nathan ter ido embora. Mas também acredito
que seja mais por minha vida toda ter mudado e eu não sei como lidar com
um bebê. — Limpo meu rosto e encaro Theodoro. — Eu sou uma péssima

mãe. Ele chora, eu não consigo controlar. Até um estranho lida melhor com
meu filho que eu e...
Seus braços me puxam e ele me aperta contra o seu peito.
— Você não é uma péssima mãe. Só precisa se encontrar. — Beija

meus cabelos. — Eu não sei nada sobre depressão pós-parto, Sofia, eu não sei
nada sobre mulheres, como eu disse, mas eu posso ajudar no que você quiser.
Estou aqui.
— Por que os remédios não funcionam? Deveria funcionar. Eu já
devia estar melhor e...
— Talvez você precise de algo além de comprimidos — ele me
interrompe. — Olhar para o seu filho, voltar no tempo que você estava feliz
com sua existência... tem que tentar.

— Não vou ficar boa de uma hora para outra — resmungo, fechando
os olhos. — O que me assusta é que isso pode nunca passar. Não posso viver
assim.
Ele se afasta, me encarando.
— Eu acredito que vai passar. E que você vai ser uma ótima mãe para
Noah. — A menção do nome dele se mescla a um chorinho fino vindo do
quarto. — Vou pegá-lo, termine de jantar. — Beija minha testa com carinho e
se afasta.
Observo Theodoro caminhar por meu apartamento como se fizesse

parte do local. Busco o ar para que os pensamentos coerentes voltem à minha


mente depois de tudo que despejei sobre o homem. Busco meu talher e volto
a comer, me obrigando a não surtar.
— Tia Sofia? — A voz infantil me faz virar, então vejo Amanda na

porta do meu apartamento, segurando um ursinho e um cobertor. — Meu pai


está aí?
Assinto e ela entra, se sentando no sofá.
— Ele foi pegar Noah.
Ela boceja, sonolenta, e logo volta a dormir no meu sofá. Sorrio
enquanto a observo, comendo lentamente. Estou com saudade dos meus
alunos, mas sei que vai demorar um pouco para que eu consiga voltar para as
aulas.

Nem sei se irei conseguir.


Abro a porta do quarto e vejo Noah se debatendo no berço.
Aproximo-me e seguro seu pezinho com firmeza, então ele abre um sorriso
quando tenta se mover e não consegue.
— Ei, seu chorão — brinco, pegando seu corpinho no meu colo. —
Para de choro, ok? Vamos deixar a mamãe jantar e depois você pode mamar

o quanto quiser. — Eu o balanço em meus braços até que pare de


choramingar completamente. — Vamos ter que mostrar muito o seu amor
para Sofia, hein? Ela tá bem triste com essas coisas. — Encosto a cabeça do
garoto em meu braço e o encaro. Ele tem enormes olhos azuis que me
encaram com atenção. — Acho que coisinhas pequenas como você me
assustariam até pouco antes da Amanda decidir que eu era pai dela...
Ele pisca, observando.
— Só que agora eu sei apenas que tenho que fazer tudo o que você
manda, pequeno príncipe, para que pare de chorar e colocar fogo na casa.

Afinal das contas, você é um pequeno ditador, e seu principal objetivo é


saciar seus desejos fofinhos. — Pincelo seu nariz arredondado. — Vamos ver
sua mamãe.
Saio do quarto e caminho em direção à sala. Encontro Sofia na

cozinha, descartando a marmita e lavando o rosto. Ela está vestida com uma
calça de moletom que de alguma maneira acentua a bunda arredondada. Os
quadris largos são evidentes. E a camisa escura com um desenho estranho na
frente deixa a visão dos seios empinados.
— Chegamos — aviso, me remexendo desconfortavelmente com a
visão da sua bunda para cima. Ela se vira, encarando Noah com um certo
temor. — Ele só se assustou mesmo. Não parece estar com fome.
— Que bom. — Ela se aproxima lentamente, com os olhos vagando

pela criança em meus braços.


— Ele se parece com você ou com o pai? — sussurro, observando os
traços do rosto redondo de Sofia, as maçãs coradas. Ela me encara.
— Ele é idêntico a mim quando nasci — sussurra, sorrindo de lado.
— Percebi há poucos dias, quando vi que seus traços estavam mais definidos.
Aí comparei com uma foto.
— Os olhos dele são...
— São claros. Como os de Nathan. Os cabelos também — fala
rapidamente. Eu me pergunto se ele foi embora no sentido literal ou se algo

aconteceu. — Ele só tem isso do pai, graças a Deus.


— O que houve co...
— Amanda apareceu. Está dormindo no meu sofá — responde,
cortando minha fala. Arqueio a sobrancelha e ela estende o braço para pegar

Noah. — Vamos fazer um experimento.


Sorrio e inclino o menino em sua direção, colocando-o nos braços da
mãe.
Ele a encara fixamente.
Ela devolve o olhar, pensativa.
Então ele sorri.
E Sofia não expressa muita emoção.
— Ele sempre sorri para você?

— Sim. Só que sempre estou muito triste para retribuir.


— Você está triste agora? — arrisco.
— Não sei. Estou com a barriga cheia, acabei de comer muita lasanha.
Noah não está chorando. Eu conversei com alguém desconhecido sobre tudo
que sinto, então eu realmente não sei como estou me sentindo.
Sorrio com isso.
— Ele não merece nem ao menos um sorriso? Pela lasanha. Fiquei
sabendo que essa é a melhor da cidade.
Isso a faz rir.

— Sim. É a melhor. — Encosta o menino contra seu peito e fecha os


olhos. — Obrigada. Eu acho que vamos ficar bem.
— Vocês vão ficar bem. Eu não tenho dúvida nenhuma disso.
Ela me encara.

— Mas se não conseguir acalmá-lo, com toda certeza vou bater à sua
porta.
Agora é a minha vez de sorrir. Diferente do que pensei, isso não será
um problema.
— Estou sempre disponível para ajudar. — Aperto sua mão contra a
minha. — Noah e eu conversamos, ele é um bom rapaz. — Eu me inclino,
beijando suavemente as costas cobertas por uma roupinha de dormir do
pequeno menino e torno a apertar a mão de Sofia, tentando passar confiança.

— Você é um bom rapaz, Noah? — eu a ouço sussurrar para o filho e


paro na entrada da cozinha, vendo-a observando o menino.
Eles trocam olhares intensos. E sei que todas as preocupações de
Noah não são nada comparadas as de Sofia, mas ele claramente reconhece a
mãe.
Ela agora só precisa se reconhecer como mãe.
Saio de vez da cozinha e vejo Amanda adormecida no sofá de Sofia.
Balançando a cabeça em descrença, eu me inclino para pegá-la nos braços,
com cuidado para não acordar. Enrolo o cobertor em meu pescoço e me dirijo

para a porta.
— Theodoro.
A voz me faz virar.
— Theo — retruco, vendo Sofia parada na sala, ainda com o filho nos

braços.
— Obrigada por me ouvir, Theodoro.
Ela sorri, sabendo que me irrita meu nome completo, mas faz apenas
para se divertir. Não me irrito, afinal, é bom saber que estou sendo o motivo
daquele sorriso.
— Boa noite, Sofia. — Fecho a sua porta e sigo para a minha,
caminhando para o quarto de Amanda e a depositando sobre a cama. Cubro
seu corpo com o lençol e torno a sair para a sala, fechando as portas e janelas

com cuidado antes de ir me deitar.


Assim que o travesseiro fofo é sentido em minha cabeça, fecho os
olhos. Inspiro fundo e torno a abrir meus olhos. Sofia tem depressão pós-
parto. Já ouvi sobre isso, mas não sei nada muito concreto.
Busco o celular abandonado em meio aos lençóis e procuro por aquilo
no Google, curioso para saber como posso ajudá-la. Sei que a internet não é o
método mais eficaz, mas não posso ir dormir sem saber ao menos um por
cento do tamanho da sua dor.
Desde que entrei no exército, aprendi uma porção de coisas. Lá a

coisa é diferente, é caso de vida ou morte. Aqui fora não é muito diferente, só
alterado para dar a falsa sensação de civilização.
Aprendi que muitas vezes, mesmo em meio ao caos, vamos ter que
ser altruístas e ajudar ao próximo. Nem consigo contar quantas vezes me

arrisquei com essa visão.


E aqui fora, tenho a mesma sensação de anos atrás. Preciso ajudar
Sofia. Preciso ajudar Noah. Preciso que eles se sintam amados. Afinal, são
uma família.
Noah acaba dormindo novamente durante algum momento, afinal, eu
estou tão cansada que me deito e o coloco contra meu peito, com uma série
de travesseiros ao nosso redor. Pela manhã, acordo sorrindo, não sei se pela
conversa com Theodoro ou é apenas meu humor sendo aleatório. Abro as
janelas do quarto com cuidado e sinto o sol leve da manhã entrando.

Eu me viro e vejo que a criança que dormiu por uma noite inteira sem
me acordar pela primeira vez na vida está adormecida. É estranho pensar que
Theo consegue o acalmar tão facilmente, enquanto eu preciso de uma
verdadeira acrobacia.
Eu o cubro, então o friozinho que entra pela janela não o afeta, e saio
do quarto, juntando algumas roupas sujas e colocando numa bolsa preta e
grande, para levar à lavanderia mais tarde.
Com o nascimento de Noah, comecei a gastar um pouco mais com

coisas extras, como lavanderia, afinal, não estava dando conta nem de cuidar
dele, imagine de me tornar multitarefas.
Paro enquanto coloco o pó de café descafeinado em cima da mesa e
encaro tudo aquilo com uma careta. Odeio o descafeinado, e se Noah tiver

um sono calmo, eu até posso tomar o normal com moderação. Mas Deus me
livre desregular ainda mais seu sono.
Ligo a cafeteira e vejo meu celular vibrando em cima da mesa da
cozinha. O nome de Samuel aparece na tela, apenas abaixo o som para não
acordar meu filho, voltando a mexer na pia.
Preciso deixar tudo organizado antes da rotina de Noah começar,
afinal, ainda tenho que preparar meu almoço. Com a falta de trabalho, eu fico
meio perdida. Antes da gravidez, meu dia começava cedo também, porém, eu

preparava meu café, fazia meu almoço e levava comigo antes de ir para o
colégio.
Como os intervalos entre as aulas eram sempre muito corridos, eu
costumava esquentar minha marmita no micro-ondas da escola e comer em
uma praça próxima.
O celular torna a tocar e inspiro fundo, pegando o aparelho entre os
dedos, sabendo que Samuel nunca irá parar se não for atendido.
— Oi, mana. — Sua voz animada vem até mim. — Duvido você
conseguir adivinhar onde estamos.

Respiro fundo algumas vezes.


— Não faço a mínima ideia, Sam — respondo, colocando uma
quantidade generosa de café em meu copo. Desligo a cafeteira e bebo um
gole, me recostando na beirada da pia.

— Estamos na fazenda! Mamãe ama andar a cavalo.


Franzo o cenho. O que diabos eles fazem na fazenda da família?
— Mas você não tinha um problema urgente?
— Ah, não era tão urgente assim. Só que Hadassa precisava de uma
ajuda com as meninas.
— O que houve com as meninas? — Samuel e Hadassa estão casados
há quase dois anos, eles moravam juntos por mais de sete, e têm duas
meninas gêmeas de cinco anos.

— Elas não estavam se alimentando muito bem, Hadassa estava


ficando louca e pediu ajuda para a mamãe.
Franzo cenho de novo com isso. Duas crianças de cinco anos com
mãe e pai presentes são mais importantes do que me ajudar nesse momento?
Tento não deixar transparecer a minha mágoa para não ficar
parecendo uma criança de cinco anos.
— Ah claro, muito importante. — Mas como tudo na vida, eu tenho a
capacidade de enganar alguém igual a de uma batata, ou seja, zero.
— Não comece, sabe que mamãe exagera e que ela ama as meninas.

Sorrio, sim, sei disso.


— Não disse nada. É claro que é importante que as minhas sobrinhas
se alimentem bem. — Fecho os olhos. — Eu preciso ir, Noah está me
chamando. Fala para mamãe que estamos nos dando bem juntos e que ela não

precisa se preocupar.
— Que ótimo, Sof! Ela estava mesmo querendo ficar um tempo na
fazenda. — Engulo o gosto amargo de derrota. — Sabe o quanto este local
traz lembranças do papai.
— Sim, eu sei. Beijo, mano, se cuida.
— Você também.
Finalizamos a chamada e eu apenas encaro o nada, pensando sobre
isso. Éramos uma família bem unida, mas desde a morte do papai e minha

gravidez, tudo parece estar num buraco.


Samuel e mamãe sempre se deram bem melhor do que comigo. Eu e
papai nos completávamos, ele não acreditava que a vida tinha que ser perfeita
para ser vivida e não implicava com minhas decisões.
Enquanto mamãe não perde a oportunidade de me alfinetar por isso.
Mas tudo mudou ainda mais quando eu fiquei grávida e sozinha, ela tenta me
apoiar e isso é um deslize para me criticar.
Eu agradeço a ajuda que tive dela, mas sei que na minha vida atual,
minha mãe é uma pessoa dolorosa que não me leva para a frente.

Alguém bate à porta de casa, então caminho em direção à saída


segurando a xícara com firmeza. Abro sem olhar, pois se está ali é alguém
conhecido para ter passado pela entrada do prédio.
Vejo Amanda parada com um sorriso enorme nos lábios.

— Tia Sofia! Bom dia. — Ela está vestida para a escola, com duas
marias-chiquinhas e a farda. — Vim desejar um bom-dia para a senhora e
perguntar se quer tomar café com a gente.
— Ah, querida, obrigada, mas melhor não. Vai logo, senão vai se
atrasar.
Ela murcha rapidamente.
— Noah já acordou?
— Não, dormindo feito anjo — brinco e vejo quando Theo aparece

atrás da garota, segurando uma bandeja com vários pãezinhos de queijo. Ele
arqueia a sobrancelha.
— Bom dia, vizinha — diz de maneira que não deveria soar sexy, mas
soou. — Aceita um? Acabou de sair do forno.
— Ela disse que não ia merendar conosco — Amanda lamenta.
— Ah, querida, não se preocupe, ela tem mais o que fazer. Temos que
ir rápido para trabalhar, lembra?
Percebo que ele está vestido com uma calça jeans e uma camisa preta,
deixando as tatuagens à mostra. Aceito um dos seus pães de queijo,

percebendo que é a segunda vez que o homem me oferece comida em vinte e


quatro horas.
— Bom, aposto que estão correndo agora. Então que tal jantarmos
juntos hoje, hein? — Eu me abaixo em frente à Amanda, não tendo gostado

de decepcioná-la. — Prometo fazer uma comida boa.


— Vai fazer aqueles biscoitos que você levava para a escola?
— É claro. — Sorrio com isso. — Vou guardá-los para você. —
Pincelo seu nariz e me levanto. — Obrigada pela ajuda ontem, novamente.
Traga Amanda e jante aqui hoje. Noah é uma companhia chorona, mas
conseguimos dobrar bem.
Ele ri.
— Pode ficar com os pães de queijo. — Pega minha mão, colocando a

bandeja em cima da minha palma. — Tenho mais. — Pisca um olho apenas,


daquele jeito charmoso que me faz ficar levemente boba. O choro de Noah
corta o momento e me faz despertar. — Diga a Noah para ser um bom rapaz
— fala, sorrindo, enquanto fecho a porta e me despeço deles.
Preciso focar em meu filho, não ficar babando em meu vizinho. O
avanço com Noah tem que ser constante, tenho que reter forças para vencer
meus pensamentos.
Abro a porta da oficina com pressa e estaco ao ver Alex parado ali.
Arqueio a sobrancelha enquanto tiro minha jaqueta e a penduro no cabide que
tem no canto. Meu primo está escorado em um dos carros que estou
consertando e mantém um sorriso de lado.
— O que faz aqui tão cedo? — Aproximo-me, jogando as chaves de

lado que deixei sobre a bancada.


— Precisava que você desse uma olhada no carro. — Faço uma careta
e ele ri. — E bom dia para você também.
— Bom dia — sussurro, saindo pelas portas do fundo da oficina por
onde ele entrou. Como o homem sempre foi o mais próximo dos meus quatro
primos, ele sabe bastante sobre minha vida e tem até uma chave reserva da
minha oficina. — Sabe que esse negócio de você entrando na oficina sem
autorização vai acabar chamando atenção da agência de segurança, né?
— Sou bonito. — Ele ri. — Ninguém nunca pensaria que posso fazer

algo criminoso — debocha enquanto abro o capo do carro que Alex trouxe.
Ele trabalha com frete na cidade, pai solteiro de uma garotinha de seis
anos, e tem suas marcas da vida.
— E cadê Alícia?

— Na escola. Está terrível, essa fase é assim mesmo? Elas falam


tanto.
Seguro a risada, lembrando-me de Amanda. Na maior parte das vezes
é assim mesmo, segundo minha mãe.
— Crianças a partir dos cinco anos falam mais que gravador.
— E você se tornou pai de um jeito ou de outro. — Ele ri enquanto eu
arrumo o motor.
— Pois é. Não é justo o fato de Thales ter perdido a chance de ver a

filha crescer — falo com pesar sem conseguir encará-lo.


— Mas ele deve estar orgulhoso de ver o trabalho que faz com
Amanda.
Finalmente olho nos olhos do meu primo.
— Eu nunca vou ser o pai de Amanda. Eu nem sou digno disso. — A
dor me sufoca. — Thales era. Ele era o homem criado e moldado para ser o
pai perfeito.
— Você parece sério hoje. Nunca fala tanto de Thales. — Arqueia a
sobrancelha.

Eu e meus primos – Kenny, Alex e Guilherme – sempre fomos um


grupo, e Thales era parte dele. Quando meu irmão se foi, era como se tivesse
levado um pedaço de nós.
— Está chegando o aniversário de seu falecimento. — É uma época

difícil, nunca muda. — E Amanda acordou falando do pai. Não sei lidar com
isso.
— Sinto muito cara, mas e sua mãe?
— Ela viajou. Disse que não podia ficar na cidade de novo nesta
época. Sabe que ela sempre fica devastada nos aniversários da morte dele. —
Esse havia sido o real motivo da fuga dela.
— Bom, tenho certeza que vocês vão superar. — Assinto e volto para
o carro. — Alícia está perguntando quando Amanda irá visitá-la. Só que isso

me dá pesadelos, pois juntas já conseguiram quebrar um encanamento.


Seguro a risada com a mudança de assunto. Sim, as duas garotas
juntas são um furacão. Uma vez levei Amanda à casa de Alex e elas ficaram
na área, de alguma maneira conseguiram quebrar um cano da pia. Segundo
Alícia, havia se quebrado sozinho!
— Eu acho que para o bem da sociedade, elas devem ficar bem
distantes — declaro e ele ri.
— Com toda certeza.
Finalizo o serviço do meu primo e ele logo se vai, me deixando

sozinho com meus pensamentos. Em poucos dias, terei mais um dos dias
infernais desde que Thales se foi.
Pergunto-me se ele estivesse vivo, como seria. Com toda certeza ele
já teria mais um filho, Amanda seria a menina dos seus olhos e ele estaria

ainda mais apaixonado pela esposa.


Paro, encarando o nada. Não gosto de pensar muito em Thales, isso
sempre me deixa triste.

Amanda corre na frente, animada. Passamos no mercado a caminho


de casa, compramos algumas coisas e aproveitei para comprar um vinho, já
que preciso disso para aguentar os próximos dias. Ela bate no painel do
elevador, pulando de um pé para o outro. O convite de Sofia para jantar com

eles foi totalmente bem-vindo e em ótimo momento.


Melhor do que ficar em casa remoendo a dor.
Entro no elevador com ela falando sobre a aula de hoje enquanto
digito uma resposta rápida para mamãe. Sinto meu celular vibrando e vejo o
nome de Sandra brilhando na tela.
— Oi — atendo, sabendo bem que o temperamento da mulher deixa
tudo em meu corpo em alerta.
— Theo amor. Queria conversar com você hoje! É urgente — fala,

me fazendo franzir o cenho.


Sandra é irmã de Aline e tia de Amanda, sempre tivemos um
relacionamento instável, mas ela criou uma certa expectativa em torno do que
realmente aconteceu entre nós.

— O que houve? Combinei um jantar com uma pessoa, não posso


passar aí agora. — Coço minha nuca.
— Jantar a essa hora? Mas está cedo. Tenho certeza que pode dar um
pulinho aqui. — Ela mora do outro lado da cidade, levarei ao menos uma
hora para chegar em seu apartamento.
— Mas o que aconteceu? Tem a ver com Amanda?
Ela ama a sobrinha, e essa é a ponte que ainda nos liga. Amanda me
encara, curiosa ao ouvir seu nome ser mencionado.

— É sobre Aline e Thales. Eu finalmente decidi retirar os móveis


antigos da minha casa e encontrei algumas coisas que acho que devem ser
entregues a você. — Isso me deixa com uma dúvida correndo, afinal, o que
deveria pertencer à minha família foi entregue há anos, quando tudo se
encerrou.
— Vou passar aí, Sandra. — Mas decido pelo mais fácil, afinal, não
sei o que ela quer de fato. Desligo a chamada e Amanda me encara, pedindo
uma explicação. — Vou deixar você com Sofia e vou ver a sua tia, ela disse
que precisa falar comigo urgente.

Ela confirma, pensativa.


— Minha tia Sandra gosta de você — ela sussurra de repente, me
fazendo arregalar os olhos.
— Ela te disse isso?

— Não. — Amanda balança a cabeça em negação. — Mas eu a ouvi


falando pra vovó Maria que vocês iriam acabar juntos. E que seria uma festa
incrível!
Sorrio com isso, sentindo o nervosismo correr em meu corpo. Pelo
amor de Deus, eu não vou me casar. Nunca.
Abro a porta do apartamento assim que alguém bate nela. Vejo
Amanda ainda com a farda da escola e Theodoro em suas costas. Ele veste as
mesmas roupas que o vi pela manhã e sorri nervoso em minha direção.
— Desculpe pelo horário, será que eu poderia deixar Amanda com

você por umas duas horas enquanto vou resolver um assunto?


Assinto, um tanto confusa.
— Está tudo bem? — Tiro a mochila de Amanda das costas dele e a
deixo entrar no apartamento.
— Sim, é só uma pessoa precisando de ajuda. Volto em breve,
obrigado mesmo! — Ele se inclina, colocando duas sacolas de um mercado
local dentro do apartamento. — Te vejo em breve. — Me lança um último
sorriso enquanto se vai.
Fecho a porta do apartamento e me viro. Amanda está sentada no meu

sofá, virando as páginas do meu exemplar de Poliana, entretida.


— Não sei se gosto do papai indo lá — fala do nada, enquanto
caminho para a cozinha, escutando-a em minhas costas.
— Por quê?

— A tia Sandra é legal, mas a vovó sempre diz que ela não é a mulher
certa para o papai.
Franzo o cenho com isso, mas apenas me inclino para colocar a
lasanha preparada no forno. O jantar na noite anterior me deixou agitada para
preparar o prato.
O dia foi tenso da maneira que eu imaginava. A alegria só durou
durante a manhã, Noah e eu voltamos à fase de nos estranhar no início da
tarde. Ele finalmente dormiu a uma hora, depois de passar o dia todo

acordado comigo tentando acalmá-lo.


Os picos de surto aumentaram gradativamente durante apenas um dia.
— Onde está Noah? — Eu me viro e a vejo sentada em uma das
cadeiras da mesa. Começo a preparar o arroz para acompanhar a lasanha. —
Acha que meu pai vai demorar muito?
— Não. Ele disse que levaria umas duas horas. E quem é Sandra?
Noah está dormindo. — Jogo o alho no óleo com a intenção de fritar por
alguns minutos, mas acabo fazendo esse processo mais rápido com medo de
que uma explosão venha do quarto a qualquer momento.

— É irmã da minha mamãe. Ela gosta do meu pai. — Isso me deixa


levemente pensativa. — Ela sempre fala que seremos uma família. Eu já
tenho uma família.
Sorrio com sua indignação.

— Claro que tem! Mas não seria ótimo ter uma mulher para ajudar
nas coisas? Meninas precisam de uma presença feminina. Tanto quanto é
importante uma versão masculina na vida de meninos. Uma via de mão
dupla.
— Sim, mas eu tenho minha vovó. Ela é minha mamãe atual. A outra
foi morar no céu.
O sorriso escapa dos meus lábios.
— E a vovó, onde mora?

— Ela mora aqui, mas viajou — fala, abrindo o livro novamente.


Theodoro e a mãe criam Amanda sozinhos. O que havia acontecido
com o pai e mãe da garota? Ela havia dito que eles tinham ido morar no céu,
mas como aconteceu?

Sirvo a lasanha na mesa e começo a colocar os pratos, são quase oito


da noite e Theodoro ainda não voltou. Amanda e Noah estão vendo desenho
na sala de estar e me pergunto se já podemos jantar. Saio dali e vejo a menina

deitada sobre o pequeno colchão, explicando o desenho ao meu filho, que não
entende nem mesmo meia palavra.
— Ei, o jantar está pronto.
Ela me encara, fazendo bico.

— Meu pai ainda não voltou.


— Tem o número dele? Posso mandar uma mensagem. — Pego meu
celular no bolso da calça e abro a tela de discagem.
— Tem no meu caderno, tia. — Ela se senta, pegando o caderno
dentro da bolsa abandonada ao lado do sofá.
Amanda me passa o número de Theodoro, salvo e abro a aba de
WhatsApp, checando a imagem do homem. E, Jesus, ele faz jus a toda aquela
beleza em foto. Sento-me no braço do sofá, perdendo tempo observando a

tatuagem no braço que desce para o peitoral definido.


— Meu pai é bonito, né, tia? — A voz infantil me faz fechar a aba.
— É... cla-ro — gaguejo como boba. Eu me levanto e decido ligar da
maneira convencional, já que faz muito tempo que esteve on-line, talvez
esteja sem internet. A ligação chama algumas vezes antes de finalmente ser
atendida. — Theo, desculpe ligar, mas...
— Um instante, vou passar para ele. — A voz feminina me faz
congelar. Fico ali, encarando um seriado americano adolescente que está
passando na televisão. É uma mulher, eu não estava louca. — Querido, tem

alguém no telefone!
Engulo em seco e me pergunto se é o momento de desligar e fingir
que nada aconteceu. Ouço algo se movendo através da ligação e finalmente
escuto a voz de Theo.

— Quem é? — ele indaga, não diretamente ao telefone.


— Não sei, não tem nome.
— Fala com seu pai. — Passo o telefone para Amanda, me
levantando para pegar Noah do chão. Ele me encara com o cenho franzido
um pouco antes de encostar o menino em meu ombro, caminhando para a
cozinha.
— Papai, quando você vem?!
Reviro os olhos. Safado de uma figa! É claro que ele foi se encontrar

com alguém e me deixou cuidando da filha dele. Nem sei por que estou
irritada, mas apenas sinto meu rosto esquentando à medida que a vontade de
socá-lo aumenta.
— Tá bom, não demora muito. Tia Sofia fez lasanha e Noah precisa
de ajuda — ela sussurra a última parte, me fazendo sorrir.
Noah claramente se dá bem tanto com o pai quanto com a filha,
enquanto comigo, são raros os momentos que ele tem calma.
— Noah precisa de ajuda? — pergunto assim que ela aparece na
cozinha. Coloco uma porção generosa de lasanha no prato de Amanda

enquanto balanço Noah, que começa a choramingar.


— Você não consegue fazer tudo sozinha. Precisa de ajuda. — Uma
criança de sete anos consegue ter uma percepção melhor do que a minha
mãe? Uma verdadeira surpresa.

— Obrigada, mas eu tenho que lidar com as coisas. — Apoio a perna


na cadeira e coloco Noah nela, mas ele começa a chorar rapidamente, então
tenho que colocar o suco de Amanda mais rápido. — Vem, jante comigo,
companheira. E desculpe, mas nosso cavalheiro vai chorar o jantar inteiro.
Amanda dá uma risadinha.
— Eu amei ficar com você, tia Sofia. — Ela me lança um sorriso
doce, compensando qualquer decepção por ter preparado um jantar inteiro
tendo que lidar com uma criança chorando boa parte do dia e, no fim,

Theodoro sumir para ver a tia da filha. Ou seja lá qual o espaço que ela ocupa
em sua vida.
— Ei, para onde vai? — Visto minha camisa rapidamente, balançando
a cabeça em negação. Não acredito que cai na teia de aranha que Sandra
armou para mim. — Pensei que iríamos...
— Não vamos. — Fecho os olhos. — Não vamos fazer nada. Nossa,
estupidez nível máster vir até aqui. — Ela me encara, magoada. — Sinto

muito por isso, mas acho que estamos levando a nossa relação para um
caminho nada seguro.
— Não entendo o que pode dar errado.— Sandra prende o lençol ao
redor do corpo desnudo.
Havíamos ficado algumas vezes durante o período em que nos
conhecemos, mas quando Thales e Aline faleceram, fiquei muito preocupado
em manter as coisas alinhadas e não atrapalhar nada entre nós, colocando um
fim em tudo que houve no passado.
— Não vou arriscar uma guerra com você, Sandra. Compartilhamos o

amor de Amanda e não vou colocar isso em risco. — Ela arqueia a


sobrancelha. — O que tivemos não pode voltar a acontecer. Eu não quero um
relacionamento e você sabia disso quando nos envolvemos anos atrás, mas
hoje eu não sei o que acontece... o tempo está passando e não somos mais

jovens e inconsequentes.
— Eu sei o que você quer, Theodoro. — Passa o braço ao redor do
meu pescoço. — E não me importo. Quero você.
Eu me esquivo.
— Prometi a uma pessoa que iria jantar com elas, não posso
decepcionar. Sinto muito. Sinto muito por vir, por dormir com você mesmo
sabendo que não podia. — Eu me sinto um merda por dizer tudo isso, afinal,
não é fácil dar um fora em alguém. Geralmente, quando é sexo casual, as

mulheres com quem eu saio já me conhecem o suficiente, nunca dura mais do


que isso. E quando elas criam expectativas, eu fujo dando meias desculpas.
Com Sandra não posso fazer isso, tenho que falar a verdade.
Pego a chave do meu carro em cima da sua mesinha e saio pela porta
antes que ela tenha chance de dizer algo mais.
Cheguei ao apartamento dela por volta das sete da noite, são quase
nove e eu ainda estou aqui. Quando cheguei, Sandra me entregou uma caixa
com pertences pessoais de Thales e, em seguida, me beijou. A desculpa
perfeita para me ter ali.

Eu sabia que não era o deus do mundo, mas já tive o suficiente de


conquistas para saber o que causava em uma mulher. E uma coisa foi levando
a outra, por fim, acabei me atrasando para jantar com Sofia e Amanda.
Com toda certeza, eu vou queimar no fogo do inferno.

Bato à porta do apartamento ao lado do meu e espero que Sofia abra,


mas quem faz isso é Amanda, que tem um bico do tamanho do mundo em
minha direção. Dou um sorriso amarelo, tentando despistar minha culpa.
— Desculpe a demora, pequena. Cadê Noah e Sofia? — Entro no
local e vejo Sofia cochilando enquanto o menino está colado em seu peito. —
Ela dormiu. — Aponto na direção deles enquanto Amanda se senta em um
colchonete na sala de estar.

Aproximo-me de Sofia e vejo que Noah está dormindo enquanto suga


o seio da mulher. Ah, Deus, se eu não tivesse passado pelo estágio de ver
Aline amamentando Amanda, estaria igual Joey e Chandler quando viram
Carol amamentando Ben, no seriado Friends. Sorrio com isso.
— Vem cá, garotão. — Eu o pego em meus braços e encaixo na curva
do meu braço. Por uma sorte do universo, ele nem mesmo acorda. Pego a
fralda de Sofia e coloco sobre seu seio.
Sento-me no sofá e balanço o menino, ninando-o para que continue

dormindo.
— Amanda, coloque a coberta sobre ela — peço à minha filha, que
pega o lençol abandonado sobre o colchão e coloca na mulher. Sofia apenas
se remexe e continua dormindo.

— Ela fez tudo sozinha. Está cansada — minha filha lamenta,


alisando o rosto de Sofia com carinho.
— Vou colocar Noah na cama — falo, me sentindo um filho da puta
culpado por não ter ficado e a ajudado a fazer o jantar. Coloco o garoto no
berço e cubro seu corpo com cuidado. Vejo um cesto com roupas sujas assim
que saio do quarto, então eu o pego e caminho para fora.
— Para onde vai, papai?
— Vou ao apartamento, ok? Fique aí, e se Sofia acordar, fale que

Noah está dormindo no berço.


— Tá bom.
Saio do apartamento e entro no meu, seguindo para a lavanderia nos
fundos. Começo a separar as roupas infantis das de adulto, peças íntimas para
um lado – mantenho minha atenção em apenas separar roupas para lavagem,
não em observar as rendas delicadas.
Por Deus, acabei de fazer sexo. É demais até para você, Theodoro.
Ligo minha máquina e faço todo o procedimento com calma,
deixando batendo. Retorno para o apartamento de Sofia, que continua

adormecida, então vou para sua cozinha.


Tem pouca louça na pia, então começo por aquilo, lavando e
colocando para escorrer. Sei que essa minha disposição por culpa é ridícula,
mas necessária. Afinal, fiquei brincando com os prazeres da carne enquanto

ela fazia algo legal para mim e minha filha.


— Você está se sentindo culpado. — A voz infantil me faz virar
levemente. Amanda me acusa como se tivesse uma bola de cristal.
— Por que me sentiria culpado, e como você sabe disso?
— Porque não deveria ter ido. Ela queria te agradecer e você nem
ficou para isso. — O gosto amargo pincela meus lábios. — E sei, porque
vovó sempre diz que você é sem-vergonha, mas sempre tem a decência de ser
um homem honrado quando quer. Não sei bem o que é honrado, mas deve ser

bom.
Sorrio com isso.
— Me surpreende que tenha algo de bom nisso. — Volto para as
vasilhas e termino a louça. — Onde encontro a comida que ela fez? Sobrou,
né?
Amanda ri.
— Na geladeira. Ela separou o seu. — Aponta para o freezer.
Eu abro a porta, pegando a vasilha azul de plástico. Dentro dela tem
uma porção de lasanha com arroz. Sento-me à mesa de Sofia e começo a

comer rapidamente. Até que sinto alguém me observando e levanto o olhar,


vendo-a parada na entrada da cozinha.
— Apareceu — começa displicentemente e passa por minhas costas,
pegando algo na geladeira. Bebe um gole de água generoso. — Obrigada por

lavar a louça.
— Trago suas roupas quando secar.
Isso a faz virar a cabeça tão rápido e com os olhos tão arregalados,
que penso ter dito outra coisa.
— Você lavou minhas roupas?! — exclama, assustada.
— Sim, eu fui colocar Noah no berço e vi o cesto. Como sei que dá
muito trabalhar cuidar de uma criança, coloquei para lavar e lavei sua louça.
Não precisa parecer tão surpresa.

— Obrigada. — Ela engole em seco. — Não precisava mesmo, mas


obrigada. — Sorri de lado e se aproxima, ficando ao meu lado e encostando o
quadril na cadeira que estou sentado. Sofia inspira fundo e para, franzindo o
cenho. — Você está fedendo a perfume barato de mulher, Theodoro. — Ela
faz cara de nojo e sai da cozinha antes que eu fale alguma coisa.
Cheiro minha camisa e afasto no mesmo instante. Merda. Ela tem
razão.
Dois dias depois de Theodoro entrar no meu apartamento, colocar
Noah para dormir, lavar minhas roupas, ter a decência de se sentir culpado e
lavar minha louça, eu não o vi mais. E nem mesmo trouxe minhas roupas
como prometera!

Hoje é dia de terapia e não sei o que irei fazer. Não tem ninguém para
ficar com Noah e eu não sei se é uma boa ideia levá-lo.
Pego o celular, depois de colocar o menino dentro de um carrinho de
bebê. Estou conversando com uma moça formada em técnica de enfermagem
e que está em busca de um lugar para ficar na cidade, para tentar conseguir
um emprego.
Ela me disse que tinha entregado inúmeros currículos e ainda não
havia obtido resposta. Pela falta de dinheiro, estava precisando de um lugar
para ficar. Ela foi indicada por uma amiga de trabalho, que disse que ela

poderia me ajudar com Noah enquanto não encontrava um emprego. Achei


uma ótima ideia, e a mulher chega hoje.
— Bom, talvez seja o momento de você e eu termos um passeio no
parque — falo a Noah, que me observa atento. Os dias passavam e parecia

que eu estava imersa em um universo paralelo onde eu tinha que aprender a


acalmá-lo. — Viu como sobrevivemos dois dias sem a vovó? Talvez eu
consiga fazer isso para o resto da vida.
Empurro o carrinho para fora do apartamento e tranco o local. A porta
ao lado da minha está fechada, não ouvi movimentação nenhuma vez nas
últimas quarenta e oito horas. Sigo em direção ao elevador e aperto o botão
do térreo. Tenho algumas mensagens de Samuel em meu WhatsApp com
inúmeras imagens das gêmeas com a mamãe, parecendo felizes da vida na

fazenda.
Ignoro, focando no agora.

Noah acabou dormindo no passeio na praça e enquanto eu espero a


moça na cafeteria a alguns metros do meu apartamento, vejo Theodoro
estacionar a moto no meio-fio. Ela para, tirando o celular do bolso e falando
de maneira energética em seguida.
Em algum momento terei que bater à sua porta para pedir minhas

roupas, mas, na verdade, eu não quero encará-lo. Saber que o homem ignorou
meu agradecimento por sexo confirma que tenho que manter distância.
Nenhum homem presta é uma generalização correta na maior parte do
tempo. Theodoro não é diferente.

— Sofia? — A voz feminina me faz virar. Sorrio ao ver uma moça


franzina, de cabelos loiros e sorriso de lado. — Oi, sou Karina, conversamos
pelo telefone.
— Oi, Karina. Sente-se. — Aponto em direção à mesa. — Espero que
tenha feito uma boa viagem.
— Cansativa, mas boa, graças a Deus. — Sorri. — Este é o Noah? —
Ela se inclina, observando meu filho dormindo.
Hoje ele está todo enrolado em um macacãozinho cor creme que fica

uma lindeza nele.


— Sim. Como conversamos, no momento estou sem trabalhar para
ficar com Noah. — Engulo em seco, omitindo a parte de que não consigo ser
plena na função de mãe. — Mas isso está sendo bem trabalhoso, afinal, eu
não sei nada de bebês recém-nascidos.
Ela ri.
— Seria ótimo te ajudar. Eu continuo distribuindo currículos na
cidade, não sei bem se irei conseguir algo rápido ou se vai demorar muito.
Desvio meu foco ao ver Theo entrando na cafeteria, então abaixo a

cabeça na esperança de que ele não me veja.


— Seria ótimo! Eu sei que é estranho receber uma completa estranha
em sua casa, mas eu tenho muitas referências e, se quiser, pode ligar e saber
mais do meu trabalho e da minha conduta. — Ela estende o papel com um

currículo pronto, cheio de indicações para ligar.


— Claro. Será ótimo. Mas eu confio muito em Francisca, ela nunca
indicaria alguém que não fosse de confiança. — Sorrio. — Se quiser um
lugar para ficar essa noite até oficializarmos tudo, pode ficar comigo, no
apartamento.
— Ah, obrigada! — exclama, alegre.
Noah choraminga alto no estabelecimento, atraindo alguns olhares.
Inclino-me para pegar o menino de dentro do carrinho de bebê e o encosto

em meu ombro, embalando-o de um lado para o outro, mas quanto mais eu o


balanço, mais alto ele chora.
Os olhares de desaprovação começam a me povoar, com pessoas
conversando entre si sobre o barulho de choro de criança que inunda a
cafeteria.
Eu o deito em meus braços e começo a sair do estabelecimento,
balançando Noah na tentativa de fazê-lo parar. Retiro o seio para fora e
ofereço a ele, mas o menino não aceita e volta a chorar.
— Ei, me deixa ver o que meu príncipe tem. — A voz masculina me

faz congelar. Theodoro aparece ao meu lado, estendendo os braços para falar
com o menino. — Vem com o tio, querido, vem. — Ele pega Noah em seus
braços sem que eu deixe e o balança, cantando uma canção de ninar
desconhecida. — Saudade de você, pequeno. Andou chorando muito?

As pessoas observam o homem enorme com o bebê em seus braços


enquanto o acalma. E é como se Theo fosse o calmante para Noah. Ele cala a
boca em questão de segundos.
— Eu nunca vou entender como faço isso — resmunga mais para si
do que para qualquer pessoa.
Sorrio.
— Você é quase um calmante de nervos para ele. — Theo sorri. —
Preciso ir para casa, ele atrai muita atenção. — Aponto em direção ao café,

cheio de gente nos observando.


— Gente bonita atrai olhares. Pegue o carrinho, vou acompanhar
vocês.
— Mas você está de moto, não precisa...
— Pegue o carrinho. Eu pego a moto depois.
Assinto e caminho na direção de Karina.
— Vem comigo? Vou precisar ir embora, Noah é um pouco
temperamental — brinco, não querendo contar que não conseguia acalmá-lo.
— Eu vou comprar algumas coisas e depois eu vou. Pode me passar o

endereço? — Assinto, escrevendo na minha caderneta dentro da bolsa e


estendendo em sua direção. — Obrigada, Sofia, me ajudou muito.
— Eu que agradeço. Te espero — sorrio, saindo dali. Afinal, iríamos
nos ajudar. E só Deus sabe o quanto estou precisando de ajuda...

Sigo para perto de Theo, empurrando o carrinho, e vejo que ele


continua cantando para Noah, caminhando lado a lado comigo na rua. A
imagem atrai olhares curiosos de mulheres, afinal, um homem segurando um
bebê é sempre uma coisa boa de se ver.
A salvação que sempre cai sobre mim em situação de crise me irrita.
Eu sou a mãe, preciso aprender a controlar meu filho. Mas não consigo nem
ao menos fazê-lo parar de chorar.
Noah segura o colar com placa de identificação do exército entre os
dedos, curioso. Ele brinca com os metais os jogando de um lado para o outro.
Observo Sofia de canto de olho e vejo que ela nem mesmo me encara, está
calada o caminho inteiro, e pensativa demais.
Passei os últimos dois dias sentindo pena de mim mesmo. É ridículo

que sempre nessa época eu me torne essa pessoa completamente antissocial.


Não pensava em ver Sofia e Noah enquanto meu mau humor não evaporasse,
mas ela estava toda agoniada tentando conter o filho, que não consegui deixar
de ajudar.
— Pode me dar o meu filho, volte para pegar sua moto. — Ela para,
me encarando. Estamos em frente ao nosso prédio e a mulher veste um
vestido rodado, que acaba no meio das coxas grossas. Os lábios estão em um
vermelho chamativo.
— Vou te levar até lá em cima.

Ela revira os olhos quando desvio do seu corpo e começo a caminhar


em direção à entrada do prédio, entrando rapidamente no elevador. Aperto o
botão do andar que dividimos e ela caminha em minha direção, pegando o
celular que toca insistente dentro da bolsa.

— Oi. Sim. Sim. Não! Não vou poder. — Entra no elevador. —


Mamãe viajou, Iana, não tenho com quem deixar Noah. — Franzo o cenho
com isso. — Eu acho que sessão via internet não é a melhor coisa. Se nem
presencial me ajuda, imagine virtual.
O elevador se abre em nosso andar e ela empurra o carrinho para fora,
enfiando o telefone no bolso.
— Quem era?
— Minha terapeuta.

— Você vai perder a terapia?


Sofia me encara, arqueando a sobrancelha mediante ao meu tom
inquiridor.
— Não tenho com quem deixar Noah, Theo. As coisas não são
simples, um bebê de colo requer mamar toda hora e uma atenção dobrada
devido ao fato de que ama chorar. — Ri nervosa. — Obrigada pela ajuda,
mas eu tenho que aprender a lidar com meu filho quando estiver sozinha. Isso
não pode se repetir.
Entramos em seu apartamento e coloco Noah dentro do berço portátil

no meio da sala.
— Eu fico com o garoto, vá à sua sessão.
Ela abre a boca.
— Não, não vou deixar meu filho com um estranho!

Eu deveria ficar feliz por ela usar o tom protetor com o filho, já que
claramente eles precisam melhorar essa ligação.
— Agora eu sou um estranho?
— Você nunca deixou de ser um estranho! E eu quero minhas roupas
de volta.
— Ah, claro, talvez eu queira fazer macumba com suas roupas
íntimas.
Ela abre a boca, em choque.

— Lá não tinha roupas íntimas! — exclama, batendo o pé. — Ou


tinha? — A pose de Sofia se vai rapidamente e ela parece confusa.
— Claro, uma rendinha vermelha que deve ficar um pecado em você
— eu queria afrontá-la, mas tudo que fiz foi dar uma resposta perversa e
descer meus olhos por todo o corpo da mulher.
Ela cora violentamente, de maneira que a faz parecer uma garota
indefesa.
— Pare com isso! Não estávamos falando disso.
— Sim, estávamos falando do fato de que irei ficar com Noah e que

você vai à sessão. Nem que seja amarrada.


— Você não manda em mim! — exclama, arregalando os olhos ao
fazer isso.
Seguro seu pulso quando ela tenta passar por mim e a puxo

rapidamente. O corpo de Sofia bate contra o meu e o embate faz os seios


redondos ficarem ainda mais evidentes, fazendo meus olhos se atentarem a
esse detalhe.
— O que você pensa que é? Eu te conheço há menos de uma semana
e acha que pode chegar na minha casa e...
— Ah, pelo amor de Deus, cale a boca — retruco.
— Não me mande calar a boca! — exclama, brava.
E antes que pense em algo mais, minha boca já bate na dela e a pega

de surpresa. Sua boca se abre com isso, então aproveito a chance para
deslizar a minha língua para dentro.
Merda. Merda. Merda. Sofia, com toda certeza, me atraí, só não
pensei que seu gosto fosse tão bom.
Ela tenta se soltar, mas sua língua continua a brincar com a minha,
contradizendo seus gestos. Levanto seu braço com delicadeza e o prendo
acima da cabeça, deslizando a mão livre para segurar sua cintura e puxá-la
mais firmemente contra mim.
Minhas mãos sobem para seu rosto e seguram, aprofundando o beijo.

Meu corpo esquenta na medida em que meu sangue responde ao estímulo de


ter aquela mulher colada em mim. Sua resposta apertando minha camiseta e
me puxando mais para perto é o suficiente para saber que corresponde.
Mordisco seu lábio levemente, me afastando para respirar. Encosto a

testa na dela, observando-a, enquanto Sofia mantém os olhos fechados.


— Que diabos você fez?! — Ela tem um tom raivoso que não
combina muito com ela.
— Calei sua boca. Achei um jeito eficaz. — Ela se debate para se
afastar, depois encara Noah, que nos observa com os dois olhos azuis bem
atentos. — Você vai à sessão. Eu não me importo com seu ataque. Precisa ir.
Não pode jogar fora todo um progresso.
— Eu não gosto de você! — Sai, batendo o pé como uma criança

birrenta.
— Ela me ama, Noah. — Sorrio e me aproximo do garoto, ligando a
televisão, já que vou ter que abdicar de um dia de trabalho por uma coisinha
pequena e gorducha. — Agora somos apenas eu e você.
— Vou deixar uma mamadeira pronta. Você tenta dar caso ele chore,
se não pegar de forma nenhuma, você me liga.
Arqueio a sobrancelha e pego o garoto do berço, caminhando em
direção ao quarto de Sofia, onde a encontro se trocando.
— Sai daqui, Theodoro! — praticamente grita. Saio da porta, me

encostando ao lado e esperando que ela termine. — Eu nem vou começar a


falar o quanto estou com raiva de você.
— Raiva? Mas eu sou um anjo.
— Não me faça rir. — Solta uma risada irônica. — Não me beije,

nunca mais. Quer me calar, me dê comida. Eu sou quase um Noah em versão


grande. — Ela ri disso.
Ela realmente achava que eu iria ficar sem beijá-la novamente quando
já tinha experimentado e havia sido muito, muito bom?
Ela só pode ser louca.
Beijar Theodoro foi o que mudou tudo. Eu não deveria — para
começo de conversa — ter gostado do beijo do homem. Mas aconteceu e foi
como uma droga viciante.
— Você está inquieta hoje — Iana fala, me encarando. Inspiro fundo,
meu olhar fixo no vaso pequeno em cima da mesinha, desviando a atenção do

rosto da mulher. — Me diga o que houve.


— Eu beijei um cara. — Eu a encaro e ela segura a risada quando me
vê corando.
— É por isso que você está parecendo uma adolescente?
Suspiro com sua risada, mas me levanto e começo a caminhar em
direção à janela do consultório. Encaro a cidade de São José lá embaixo.
— Isso não deveria ter acontecido. Primeiro, eu sou uma mãe solteira
que tem que focar no filho, em saber como cuidar do filho. — Encolho os

ombros. — Só que, do nada, Theodoro é melhor com Noah do que já fui nos
últimos meses. Não sei lidar.
— Como aconteceu? Vocês dois — explica.
— Eu e ele estávamos brigando. — Sorrio. — Não faz sentido que eu
confie tanto num homem a ponto de deixá-lo com meu filho, nem nos

conhecemos há muito tempo e...


— Talvez não precisemos de anos de convivência para confiar em
alguém. Acredita em destino? Às vezes, algumas pessoas entram no nosso
caminho para ser nossa âncora.
— Se apaixonar quando está tudo desmoronando não é certo, Iana.
— Está dizendo que está se apaixonando?
Fico congelada no instante que ela fala isso. Penso em tudo que sei
sobre Theodoro, em sua conduta, em sua vida e chego à conclusão que...

— Não, não estou apaixonada. Mas não posso confiar em alguém


apenas porque estou carente e desesperada por ajuda.
— Acho você uma mulher inteligente, Sofia, não vai confundir o que
tem com Theodoro com comodismo, com segurança. O que sentiu quando ele
te beijou?
Eu me viro, encarando-a.
— Foi bom. Faz tanto tempo que não tenho alguém, alguém que não
machuque, sabe? Foi arrebatador, só que ele nunca poderá saber disso. —
Reviro os olhos, fazendo-a sorrir enquanto anota algo em seu caderno.

— E como vai seu progresso com Noah?


— Bom, no dia que conversei com Theo sobre minha situação,
consegui me sentir melhor com isso. Só que hoje foi tudo tão chato. Estava
numa cafeteria, meu filho chorava sem parar e eu não soube lidar com ele —

vagueio, despejando minhas dores naquela mulher. A terapia podia não estar
surtindo o efeito que eu esperava, mas era bom falar com alguém que não me
julgava.
— Você falou com a pediatra novamente? Acho bom marcar uma
consulta para checar a alimentação dele. — Assinto, aceitando sua dica.
Preciso segui-las, afinal, estou aqui para isso. — Entramos em uma fase
ótima. O medicamento, como eu disse, demora a fazer efeito, mas a essa
altura você já deve estar se sentindo bem melhor.

Sorrio com isso.


— Consigo encarar meu filho, Iana. Consigo amamentá-lo sem chorar
a cada instante. — Sufoco o gemido. — Só que ainda não consigo sentir toda
aquela felicidade plena em estar ali. Não sei qual é o problema.
— Calma. Você fez dois grandes avanços. Os outros virão com o
tempo, Sofia. Só precisa ficar calma.
Sento-me na calçada em frente ao me prédio. Theodoro mandou uma
mensagem há pouco menos de quinze minutos dizendo que estava tudo sob
controle, acreditei e aproveitei para enrolar alguns minutos antes de seguir
para dentro.

Ah, Deus, eu nem tenho coragem de encará-lo. Fingi estar brava mais
cedo, mas depois de despejar toda a minha frustação por ter gostado do beijo,
nem sabia como agir.
— Boa tarde, senhora Sofia. — A voz do porteiro me tira do
devaneio. — Deveria entrar, parece que está vindo uma chuva daquelas.
Um carro branco para na entrada do prédio enquanto acato o pedido
do homem e subo a escadaria. Entro no prédio e, em seguida, no elevador.
Aperto o botão do meu andar, mas a caixa metálica para quando alguém a
segura.

Uma mulher morena sorri em minha direção e, em seguida, Amanda


aparece, carregando a bolsa da escola e segurando a mão da mulher.
— Tia Sofia! — exclama.
É quase meio-dia e ela não deveria estar em casa.
— Oi, princesa. — Aliso seus fios loiros com carinho.
— Minha tia Sandra me pegou na escola. A aula de reforço foi
cancelada hoje — tagarela.
Lanço um sorriso forçado para a tal Sandra. Ela é a mulher com quem

Theo ficou há duas noites?


Nunca me senti tão desconfortável. Ela tem cabelos escuros, olhos
claros puxados para uma cor de mel, o corpo alto, curvilíneo.
— Ela é minha professora, tia. É minha vizinha também. E mãe do

Noah. — Amanda passa minha ficha completa e não resisto em dar uma
risada.
— Isso, meu currículo — brinco, desconfortável.
Amanda segue o caminho todo do elevador falando da escola e dos
amigos, enquanto eu respondo de maneira silábica, muito desconfortável.
A porta do elevador se abre e vejo a do meu apartamento aberta.
Theodoro está deitado no chão da sala, assistindo a algo na televisão, sem
camisa e com meu filho sobre seu peito.

— Meu pai tá cuidando do Noah!


Ela salta na frente e caminha em direção ao meu apartamento. O som
da televisão está alto, então Theodoro não observa toda a movimentação ao
seu redor. Sandra me lança um olhar de quem não gosta nada da cena e
caminha na frente.
— Ai, meu Santo Deus — resmungo baixinho, fazendo o mesmo.
Entro em minha casa e Theo me encara, sorrindo com todos os dentes
brancos à mostra, mas não se levanta, pois Noah brinca com seu colar, cheio
de interesse no objeto.

— Ei, você voltou. — Amanda se mostra para o pai. — E quem te


trouxe a essa hora, pequena?
— Eu trouxe. — Sandra para à minha frente. — Passei no nosso
restaurante preferido e trouxe comida para almoçarmos juntos. Está livre?

Engulo em seco e peço que ele me entregue Noah. O homem entrega


e se levanta de maneira desconcertada.
— Claro, claro. — Pega a camisa em cima do sofá. — Sofi,
precisando é só chamar, ok?
Inspiro fundo e encaro aquele triângulo inexistente e horrendo.
— Ok, obrigada pela ajuda. De verdade — agradeço antes de Theo,
Sandra e Amanda saírem do meu apartamento. — Oi, meu amor — falo a
Noah, sem pensar bem no que estou fazendo. — Como foi a manhã com o tio

Theo, hein?
— Então essa é a mulher com quem você quer se amarrar? — Sandra
fala com um sorriso enquanto se aproxima da bancada da cozinha, bebendo
um gole do vinho que pegou da minha geladeira.
Eu a encaro por cima do ombro, colocando a comida em algumas
vasilhas e, em seguida, sobre o balcão.

— Não. Eu ajudo Sofia. É diferente.


— Por Deus. — Ela bufa. — Você não faz o tipo bonzinho altruísta.
Eu a encaro por alguns segundos.
— Por que acha isso? Eu posso ser o que eu quiser, inclusive altruísta.
— Eu sei que pode, mas eu nunca o vi sendo assim. — Dá de ombros.
— Sempre teve esse ar de bad boy. E sem falar que Sofia é uma mulher
muito bonita. Claramente rola algo entre vocês.
— Não rola nada, Sandra. Não comece — minto, me lembrando de
quando a beijei.

Sandra não é boba e eu estou me fazendo de sonso.


Passei a manhã em casa com Noah, diferente de qualquer coisa que
fiz nos últimos cinco anos. Com Amanda sempre foi fácil, afinal, tinha
mamãe todo momento comigo. Eu fui o pai que cuidou da parte divertida. O

jogo de cintura quem fez foi a minha mãe.


— Bom, se está dizendo. — Ela dá a volta no balcão, pegando uma
das uvas que tem sobre a fruteira. Sei que o dia vai ser longo com Sandra
aqui, mas não posso ignorá-la.
O telefone toca sobre o balcão, então atendo sem pensar duas vezes ao
ver o nome de mamãe.
— Oi, mãe. Aconteceu algo?
— Não, querido, apenas quero saber como vocês estão? Amanda tem

se comportado? Como vai a escola?


— Vai tudo muito bem. Estamos ótimos, preparando o almoço —
minto.
Mamãe acha melhor sempre comermos comida preparada em casa em
vez de comprar tudo pronto.
— Espero que estejam se alimentando bem. Volto em dois dias, estou
ansiosa para apertar vocês.
Sorrio com isso.
— Querido, toma um vinho. — A voz de Sandra chega até mim,

entregando uma taça de vinho pela metade.


— Não posso beber, não com Amanda por perto. — Estendo em sua
direção e caminho para a varanda, sabendo que mamãe surtará rapidamente.
— O que a Sandra faz aí a essa hora?

Mamãe e Sandra nunca se deram muito bem, e ela sempre tenta me


deixar o máximo possível distante da mulher. O que é divertido, mas não
hoje, quando eu sei bem as intenções da outra.
— Amanda teve a aula da tarde cancelada e Sandra a trouxe. Vamos
almoçar juntos, apenas isso.
— Você acha que ela é apenas uma amiga, querido, e eu sei que
confia nas pessoas, mas intuição de mãe não falha. Fique longe dela.
— Ok, mamãe. — Sorrio. — Vou chamar Amanda para comer —

falo, me despedindo em seguida. Coloco o telefone no bolso e sigo para a


sala, chamando Amanda para comer.
Preciso fazer esse almoço durar o mínimo possível.

Finalmente consigo terminar de dobrar todas as roupas de Sofia.


Acabei não entregando no dia que ficou pronto, pois queria fazer o serviço
completo, mas com o meu estado de espírito, isso se tornou complicado.
Coloco tudo dentro de uma sacola que mamãe sempre deixou ali e

caminho para fora do apartamento. São apenas oito da manhã, Sandra ficou
até tarde aqui no apartamento e foi embora em um táxi, já que acabou
ingerindo muito vinho. Ela não tentou avançar e eu agradeci por isso.
Bato à porta de Sofia, aguardando enquanto penso em tudo que

aconteceu. Ela abre alguns minutos depois e me encara, surpresa enquanto


segura Noah em seus braços.
— Oi — ela me cumprimenta.
Eu me inclino, colocando suas roupas no canto do lado de dentro, e
sinto seu cheiro quando faço o movimento. Sofia cheira a perfume de bebê e
isso rapidamente me faz sorrir de lado.
— Está ocupada?
Sofia arqueia a sobrancelha.

— Só na ocupação oficial do leite — brinca, dando espaço para que


eu entre. Eu a acompanho e não fecho a porta, não posso ficar muito tempo,
afinal, hoje, de um jeito ou de outro, preciso ir para o trabalho. — Realmente
muito obrigada pela roupa. Não precisava, mas ajudou muito.
— Cadê sua mãe? Pensei que ela voltaria rápido. — Eu me sento na
beirada do sofá e a escuto rir.
— Ela está na fazenda, meu irmão teve uma emergência com as
gêmeas e ela decidiu passar uns dias lá — conta, enquanto beija a cabeça do
filho. Sofia nem parece perceber isso, mas continua com o nariz rente aos

poucos fios loiros de Noah, cheirando.


— O que era a emergência?
— Meu irmão tem gêmeas. Elas não estavam se alimentando muito
bem — responde distante.

— Essa era a emergência? — Franzo o cenho. — Você está fazendo


terapia, Sofia, cuidando de um recém-nascido e sozinha em casa. — Ela me
encara, sorrindo com isso. — Por que está rindo?
— Você tem irmãos, Theodoro?
Paro um instante.
— Tinha, ele faleceu — respondo com sinceridade.
— Sinto muito por isso. — Balanço a cabeça em agradecimento. —
Mas já passou por alguma situação onde você sempre esteve em segundo

plano?
Eu a encaro pensativo. Um filme passa em minha mente, Thales e eu
sempre fomos próximos. Meus pais sempre cuidaram de nós de maneira
igualitária.
— Não. Éramos muito próximos e meus pais sempre foram justos.
— Fico feliz por vocês terem este tipo de experiência. — Sofia sorri.
—Minha vida não é lá muito justa com isso. — Encara o nada, ainda
embalando seu filho. — Eu e Samuel crescemos com um muro, mamãe o
idolatrava, papai sempre me ajudava. Porém ele sempre se destacou, afinal,

não importava quanto errava, era homem e homem sempre tem a chance de
consertar.
Engulo em seco com suas palavras cheias de mágoa.
— Amo meu irmão, amo minha cunhada, ela é a melhor, sou louca

pelas minhas sobrinhas, sabe? Mas isso não muda o fato de que desde que
papai se foi, nunca voltamos a ser aquela família de antigamente. Mamãe
sempre vai escolher ele, não importa o que Samuel faça.
— Sinto muito — falo, me aproximando. Isso atrai a atenção de Noah
e me faz sorrir.
— Eu me acostumei — responde, cobrindo o seio enquanto seu filho
coloca sua atenção sobre mim.
— Não deveria se acostumar com isso — rebato, pegando Noah em

meus braços e o encaixando na curva do meu pescoço. — Não devemos


aceitar um amor pela metade, Sofia. De ninguém. Mesmo que seja da família,
mesmo que seja dos seus pais.
Ela sorri e coloca a mão em meu rosto, segurando meu maxilar.
— Obrigada por sempre me ajudar. Nem me conhece e ajuda. —
Limpa a lágrima que cai. — Você é quase um anjo. Só não é um, pois é
muito descarado.
Isso me faz rir, pois ela tem total razão.
— Eu sou um anjo.

— Lúcifer também era um anjo.


Reviro os olhos e me levanto.
— Vem, pequeno, deixa eu me despedir de você. — Coloco Noah na
frente do meu rosto e o vejo sorrir. — Sim, o tio Theo tem que trabalhar hoje,

mas ele volta à tardezinha para beijar sua barriga gordinha, ok?
Sei que provavelmente tenho que deixar de ficar vindo ao
apartamento de Sofia constantemente, afinal, nada de bom sairá disso. Mas
eu gosto tanto de acalmar a alma raivosa de Noah.
— Aqui, mamãe. — Devolvo o garoto para a mãe, me inclinando para
beijar a bochecha de Sofia. Mas ela se vira rápido e antes que possamos
prever, beijo seus lábios. O selinho não dura mais do que segundos. A mulher
pula para trás, assustada.

— Você não pode ficar fazendo isso! — exclama. — Você tem


namorada, não pesa sua consciência? A minha pesa, e muito. — Pula do sofá,
caminhando para longe.
Encaro o nada, com a mente devagar.
— Sofia, eu não...
O celular toca e vejo o número do meu primo na tela. “Vem até a
lanchonete? É meio urgente.” A mensagem de Guilherme me faz suspirar.
— Preciso ir agora. Mas falamos sobre isso quando eu voltar do
trabalho. — Pulo de pé e passo por ela, pois se Guilherme me chamou na

lanchonete, deve precisar. Meu primo tem uma lanchonete no centro da


cidade, vamos sempre lá quando Kenny também está na cidade, afinal, é o
ponto de encontro mais fácil. — Se cuidem. Não façam nada que eu não
faria.

Ela ri com isso.


— Faremos de tudo, então. — A maneira como Sofia debocha de
mim só me faz gostar ainda mais dela.
Parece que estamos em um mundo paralelo onde nos aproximamos
cada vez mais, mesmo sabendo que não podemos.
Theodoro não voltou como falou no dia que saiu do meu apartamento.
Uma semana passou desde então, nesse período fui mais uma vez à terapeuta
e hoje Noah terá uma consulta com o pediatra. Ele parece estar se
alimentando melhor, e por mais que Karina esteja há uma semana morando
comigo, eu e meu filho estamos passando mais tempo juntos.

Abro a porta do apartamento para sair.


— Você volta que horas? — A loira aparece com um sorriso. Ela
segura uma pasta e um notebook.
— Antes do almoço. Você vai sair?
— Não. Vou fazer um curso on-line — explica. — Preparo almoço
para nós. Tchau, Noah. — Ela se aproxima do carrinho. — Boa sorte no
médico. — Beija a bochecha do meu filho, que sorri para a mulher. —
Cuidado, hein.
— Você também — falo, sorrindo.

Ela é bem legal. Estamos interagindo bem desde que começamos a


dividir o apartamento. Ela, formada em enfermagem, sabe muito sobre bebês,
e me ajuda aos poucos com Noah.
Fecho a porta do apartamento.

— Vamos ao médico, Noah. Nem vai ter picadinha nem nada —


aviso, sorrindo enquanto empurro o carrinho em direção ao elevador.
A porta se abre antes que eu aperte e uma mulher aparece. É a mesma
que estava com Amanda aquele dia. Ela claramente nutre certa expectativa
em relação ao Theodoro. E eu tenho minhas dúvidas do nível de
relacionamento dos dois.
— Ah, você é a... Professora. — Olha para o carrinho de bebê.
— E você é a... — Tento me recordar do seu nome.

— Sou Sandra. Namorada de Theodoro — declara, com um enorme


sorriso.
Inspiro fundo rapidamente, abrindo um sorriso e tentando não parecer
afetada, pois é claramente o objetivo.
— Ah, que legal! Bom, eu preciso ir. Tenho hora marcada no médico.
— Aponto para meu filho.
Ela dá espaço no elevador e eu entro na caixa metálica. Faço menção
de apertar o painel, mas sua voz me faz parar.
— Sabe que você é distração, né? Theodoro sempre foi assim. Ele é

debochado, livre, mas tem uma grande vontade de ajudar a todos. O máximo
que deve sentir de você é pena. — Suas palavras maldosas não causam nada
em mim.
— Fico feliz que Theo tenha qualidades boas. — Dou um sorriso. —

Ele é realmente um cara altruísta e eu sou grata pela forma que vem me
ajudando. Mas se ele realmente for tudo isso, não deve sentir pena de mim. E
sim saber que todos às vezes precisam de ajuda. — Aperto o painel. — Tenha
um bom dia, Sandra.
Sua expressão desagradável quase me faz rir quando as portas se
fecham. Ela não sabe que esse tipo de coisa não me afeta.
Namorei com o pai de Noah desde a adolescência. Ele sempre foi
lindo, capitão do time de futebol da escola, atraía atenção por onde passava,

tinha toda uma áurea de garoto problemático e isso era como um ímã para as
garotas. Eu tive que crescer em cima do meu sistema autodestrutivo para não
ser pisoteada.
Aprendi muito lidando com garotas malvadas que tinham a
necessidade absurda de se autoafirmarem acima de qualquer situação.
Enquanto eu continuava inatingível em meu relacionamento. Só que não deu
em nada, no final, Nathan se transformou em um filho da puta e não estava
comigo quando mais precisei.
— Ela é uma boba, Noah — resmungo, limpando a baba que cai do

meu filho. — Até parece que vou me sentir mal por causa de Theodoro. Nem
gosto dele. Tudo que sabe fazer comigo é debochar. Tudo bem que ele lavou
nossas roupas — reflito sobre isso. — E me trouxe comida, mas isso não
muda nada.

As portas do elevador se abrem, então caminho para fora. Quando


vejo a moto de Theodoro estacionar na calçada, decido caminhar mais rápido,
passando por ele antes que tire o capacete e me veja ali. Olho de soslaio para
o homem enquanto me distancio.
É mesmo um absurdo que ele seja tão bonito.
As pernas torneadas cobertas por uma calça de couro chamativa. A
jaqueta de couro cai tão bem nele... paro na esquina que divide o nosso prédio
da loja ao lado para observar o loiro tirar o capacete e bagunçar os fios claros

de maneira que o deixa terrivelmente irresistível.


Inspiro fundo.
Não.
Não.
Não.
Homem muito disputado. Mulher ciumenta. Esse tipo nunca dá certo,
aprendi bem com Nathan ao meu lado para saber que nunca vale a pena
disputar algo que todos querem. Ainda mais quando alguém tem mil chances
de ganhar.

Sandra é mais próxima de Theodoro. Tem Amanda que os liga.


E eu ainda sinto meu coração reclamando por todos os danos que o
pai do meu filho criou dentro de mim. Não tenho nem por que ficar
preocupada com isso! Não mesmo.

Volto a caminhar, sabendo que levarei algum tempo até chegar ao


consultório do pediatra.

— Viu? — falo, balançando Noah de um lado para o outro. Estou


sentada na cadeira de espera do consultório segundos depois de sair da sala.
— Ele disse que você está mais gordinho. Fiquei tão feliz. — E realmente
sinto meu coração meio que explodindo com uma felicidade boba.

— Ele tem quantos meses? — uma moça ao meu lado pergunta,


pegando um garotinho pelo braço e o sentando novamente em seu colo. O
menino se debate, agitado.
— Dois e algumas semanas.
— Estava abaixo do peso? — indaga, curiosa.
— Sim. Ele não estava mamando muito bem — falo. — Bom, acho
que era mais culpa minha. Parecia que não sustentava, sabe?
— Ah, passei por isso com Fabrício. Ele nunca ficava satisfeito.

— Chorava o tempo todo?


— Sim. — Ela ri. — Só parou quando começou a realmente se
sustentar com o leite. Tentei dar alguns suplementos, mas não fazem muito
bem. — Assenti ao me lembrar de que não tinha uma reação muito boa no

Noah. — Passei por um período difícil também durante os primeiros meses


de vida dele.
— O que houve? — não resisti em indagar.
— Depressão pós-parto. Sentia-me tão estúpida. — Encara o nada,
pensativa.
Sinto suas palavras apertando meu peito.
— Você ficou bem? O que sentia?
— Me sentia cansada. Pensava que não ia dar conta da carga que era

ser mãe de alguém. — Encara o filho. — Fiquei bem sim. Tive bastante ajuda
psicológica, quando estamos neste tipo de estado, nossa mente pesa. Não
conseguimos seguir em frente.
Fico calada. Ainda balançando Noah em meus braços.
— Agora ele é minha vida, sabe? E eu entendo que o tempo que
passei sofrendo não foi uma coisa que decidi sentir. — Encolhe os ombros.
— Aconteceu. Afinal, somos mulheres, sabemos bem que nosso sistema é
quase uma bomba prestes a explodir. Menstruação. Gravidez. A pressão para
seguir em frente.

Sorrio.
— É um conjunto complicado — completo.
— Sempre é — reafirma.
Isso faz meu coração ficar mais leve. Eu vou ficar bem, igual a esta

mulher, certo?
Abro a porta de casa e encontro mamãe com a Sandra sentadas na
sala. Arqueio a sobrancelha, colocando as chaves de lado enquanto tiro a
minha jaqueta de couro e penduro atrás da porta.
— Oi, querido. Amanda já chegou, eu a peguei mais cedo, espero que
tenha visto a mensagem e não tenha passado na escola.

Assinto e tiro o sapato, me aproximando para beijar o topo da cabeça


de minha mãe.
— Eu vi sim. Boa tarde, Sandra. — A mulher sorri. — O que faz
aqui? Não é dia de ficar com Amanda.
Ela está rondando muito minha vida desde aquele dia que fui ao seu
apartamento, e isso não me agrada.
— Vim ver sua mãe, claro. Faz tanto tempo que não a vejo.
Mamãe toma um gole do café e me encara por cima da xícara, o que
me faz rir de leve.

— Bom, eu vou dar um oi para Amanda e volto em breve. —


Caminho em direção ao quarto e vejo minha menina sentada no chão. — Ei,
vovó voltou. Quando você vai para a casa dela?
— Não me quer aqui? — Ela me encara, magoada.

— É claro que não, pequena. — Eu me sento à sua frente. — Sabe


que pode ficar o quanto quiser, mas sabe que eu sei zero sobre criar uma
criança.
— Mas você cuida bem de mim. E eu gosto de morar ao lado da tia
Sofia e do Noah. — Ela foi constantemente para o apartamento de Sofia na
última semana. Estive tão ocupado nos trabalhos, que acabei não tendo
qualquer interação com a minha vizinha. — Vovó podia morar aqui com a
gente.

— Sim, mas sabe que ela adora a casa, pois ela lembra o vovô. —
Aliso seus cabelos. — Mas se quiser ficar, tudo bem. Sabe que sempre pode
ficar comigo.
Ela sorri de orelha a orelha.
— Te amo.
— Também te amo, pequena. No próximo fim de semana, faz quatro
anos que seu pai se foi — começo, enrolando uma mecha do seu cabelo entre
os dedos. — Podemos ir vê-los no cemitério.
— Não gosto daquele lugar, papai. — Ela me encara, chorosa. — Me

faz querer chorar. E o papai Thales sempre aparece nos sonhos e diz que me
ama, mamãe Alice também. Eu não quero ir naquele lugar.
Sorrio e beijo seus fios loiros.
— Ok, meu amor. Não vamos a lugar nenhum. E fale para seu pai em

seus sonhos que eu o amo também.


Ela me encara com os olhos claros brilhando pelas lágrimas contidas.
— Eu sempre falo.
E eu nem sei como começar a dizer o quão sortudo sou por ter
Amanda em minha vida.
Levanto-me e caminho para fora. Vejo que está apenas mamãe na
sala, a porta entreaberta e ela segura uma criança em seus braços enquanto
fala com outra pessoa. Curioso, eu me aproximo.

— Ele é uma fofura. Lembra-me do meu menino quando tinha essa


idade. Saudade deles cabendo na palma da minha mão — tagarela. — Hoje
Theodoro é tão atentado que nem entrando na casa dos trinta anos toma juízo.
Vejo Noah encarando mamãe enquanto ela fala com Sofia, que abre
sua porta e coloca as sacolas de compras para dentro. Ela veste uma calça
jeans apertada que evidencia suas pernas e bunda redonda, uma camisa solta
no corpo com algum símbolo estampado, e sorri enquanto mamãe fala.
— Ei, o que está fazendo denigrindo minha imagem para Noah? —
indago, parando ao lado da mamãe. — Sabia que ele me adora? Não quero

que vocês fiquem me difamando.


Sofia me encara com um sorriso e empurra o carrinho para dentro do
seu apartamento.
— Não se preocupe, Noah te adora demais para mudar isso — brinca.

— Que bom, eu sou mesmo irresistível. — Estendo os braços,


pegando o menino. — Foi passear, Noah? Está todo bonitão. Encantou
muitas garotas?
— Fomos ao médico, tio Theo, ele disse que engordei uns quilinhos e
mamãe quase surtou de felicidade. — Encaro a mãe do menino com um
sorriso, e vejo que suas palavras são verdadeiras. Sofia parece radiante. —
Estou quase cantando de felicidade.
— Fico feliz por vocês.

— Vou preparar o jantar. Por que não janta conosco, Sofia?


Adoraríamos ter a sua companhia — mamãe fala como se conhecesse a
mulher há anos.
— Ah, obrigada, dona Neiva. Mas eu vou jantar com a minha
companheira de apartamento, ela o preparou e não posso dizer não.
Franzo o cenho com essa informação.
— Ok, mas me deve um jantar — mamãe cobra e eu a encaro de
maneira desconfiada enquanto ela entra. — Tchau, queridos.
— Tchau! Bom, acho que...

— Companheira de apartamento? — indago, me aproximando e


ficando frente a frente com Sofia, enquanto ainda seguro seu filho em meus
braços. Ela inspira fundo e fecha os olhos por alguns minutos, coçando a testa
de maneira desconfortável.

— Sim, uma enfermeira que conheci. Ela estava precisando de um


lugar para ficar e decidi juntar o útil ao agradável.
— Agora você confia em estranhos em sua casa?
Sofia abre a boca, em choque com meu ataque debochado à sua fala
de que eu era um estranho.
— Não acredito que você ficou bravo por isso.
— Não fiquei. Na hora, fiquei puto, mas você tinha razão. Mas estou
falando isso mais no sentido amplo, ela continua sendo uma estranha.

— Foi uma indicação de uma amiga de confiança. E Karina e eu


temos nos dado bem. — Encolhe os ombros. — Ela me dá muitas dicas de
como lidar com Noah e tem sido ótimo ter uma companhia.
— Não precisa ficar sozinha quando estiver sem companhia. Sabe que
estou sempre na porta ao lado. — As palavras saem mais rápido do que
consigo prever.
Sofia abre a boca, pensativa por alguns instantes.
— Eu não quero problemas, Theodoro. Como disse para Sandra,
adoro que você seja gentil comigo, agradeço por tudo que fez por mim, mas

eu não quero problemas com você e nem com sua namorada.


— Eu não tenho namorada, pelo amor de Deus! — resmungo,
lembrando-me da nossa última conversa. — Quem foi que enfiou essa merda
na sua cabeça?

— Sandra. Ela falou com todas as letras. Não estou dizendo que você
me deve explicação, eu já lidei com muitas garotas malvadas no colégio. —
Ela ri. — Ela pensou que poderia me assustar dizendo que você é dela e tudo
mais. Só que eu sei me defender. Hoje pouca coisa consegue me abalar.
Encaro sua determinação.
— Sandra está louca. Já ficamos, mas não tem chance nenhuma de
sermos alguma coisa. — Ela tenta falar, mas eu a impeço. — E sei que não te
devo explicação, mas eu quero dar. — Noah segura firme meu colar de

identificação. — Afinal, você é minha amiga e eu acho que devemos sempre


ser sinceros.
Sofia força um sorriso.
— Sim. Obrigada por isso. Vou levar Noah para um banho. — Ela
pega o menino. — Foi bom te ver. Noah estava com saudade.
— Só Noah ou você também? — brinco, abrindo um sorrisinho.
— Só Noah, Theodoro — responde usando meu nome completo para
me irritar.
Que merda de gosto amargo é esse em minha boca? Tem cara de
decepção. Acordo cedo na manhã seguinte ainda com essa sensação, o que
não é nem um pouco boa, dado ao fato de que eu tentei enfiar na minha
mente de que Theodoro e Sandra são perfeitos um para o outro. Só que
primeiro ele falou sobre isso nunca acontecer e depois disse que éramos

amigos. Ok, amigos. Somos amigos, certo?


— Nossa, você é ridícula, Sofia! — Encaro o nada enquanto dobro
algumas roupinhas de Noah para arrumar o guarda-roupa.
Termino de fazer isso e sigo para a sala, encontrando Karina no meio
dela, terminando de arrumar os cabelos e vestida adequadamente.
— Recebi uma ligação! Vou ter uma entrevista — praticamente grita
de tão animada.
Caminho para a cozinha sorrindo e me sirvo de uma dose generosa de
café, afinal, estou precisando.

— Isso é ótimo, Kah. Espero que faça uma boa entrevista. — Escuto a
campainha tocando e franzo o cenho com isso. — Quem será a uma hora
dessa? — Caminhamos juntas em direção à porta, não são nem oito da
manhã.

Assim que a abro, sinto o ar indo embora dos meus pulmões


rapidamente. Theodoro está ali e abre um sorriso de canto de boca que o faz
ficar irresistível.
— Oi, bom dia. — Desvia o olhar para Karina, que o observa de
maneira curiosa. Ele levanta a mão no ar. — Trouxe pão de queijo, mamãe
deixou assando e pensei que poderia dividir com você.
A maneira que ele sempre me traz comida com toda certeza é o que
está atrapalhando meu foco.

— Claro, entra. Quer tomar café conosco, Karina? — falo,


percebendo que não havia apresentado os dois. — Theo, está é Karina, está
morando comigo e Noah. Kah, este é Theodoro.
Ela sorri.
— Um prazer conhecê-lo. Preciso ir. Já tomei café, obrigada. — Ela
pega a bolsa em cima do sofá e sai, se despedindo de nós.
Encaro Theodoro com um sorriso de lado enquanto fecho a porta. Não
o esperava tão cedo em meu apartamento, ainda mais depois de ter passado
uma semana desaparecido.

— Não esperava te ver tão cedo. — Caminho para a cozinha com a


xícara de café entre os dedos e coloco a garrafa sobre a mesa. — Senta. Tem
leite aqui. — Pego a jarrinha de vidro com leite que fiz mais cedo e coloco à
sua frente. Ele estende o prato com pãezinhos em minha direção e não perco

tempo, levando isso para os lábios. — Ai, isso é maravilhoso...


Theodoro serve café em uma das xícaras limpas na mesa e coloca
uma quantidade generosa de leite. Fazendo todo o processo em silêncio, o
que não é muito característico do homem.
— Você está quieto, geralmente parece um papagaio debochado. O
que houve?
Ele me encara, segurando a risada.
— Nada.

— Fala logo, Theodoro — rosno em sua direção.


Ele suspira, revirando os olhos.
— É minha mãe.
— O que tem sua mãe? Ela parece ótima.
— E ela é. Só que ela fica colocando ideias na minha cabeça e sei que
é estúpido, mas não paro de pensar nisso. — Quanto mais ele fala, mais
confusa eu fico. — Não está entendendo nada, né?
— Tirando o fato de que você está estranho, não.
— Bom, mamãe sugeriu que eu te levasse a um encontro. — Revira

os olhos. — E talvez eu esteja cogitando essa ideia.


Paro, levando um bolinho redondo e apetitoso aos lábios, observando
Theodoro com sua indignação.
Eu queria que ele me levasse a um encontro?

Pelo amor de Deus, não.


— E quem disse que eu quero ir a um encontro com você? — rebato,
afrontando seu ego. — Primeiro, você é um libertino lascivo. Segundo minha
experiência, nada de bom pode sair do fato de ficar perto de você.
— Ok. — Ele ri. — Essa foi a gota d’água. — E fazendo jus ao
Theodoro que eu conheço, começa a gargalhar.
Fico ofendida ao perceber que está rindo de mim.
— Do que está rindo, idiota? — Bato em seu ombro.

— Libertino? Que diabos de palavra é essa?


— Significa safado, um homem em...
— Eu sei o que significa, Sofia — rebate. — Mas que porra é essa?
De onde você tirou libertino? Direto do século dezoito?
Abro a boca com sua ofensa.
— É uma palavra maravilhosa. Muito melhor do que todos os
sinônimos atuais para ela.
Ele pousa o cotovelo na mesa e o maxilar na mão para me observar.
— Ah, claro, afinal, sempre tem alguém me chamando de libertino

por aí — debocha. — Mas como um bom libertino, eu prometo que vou me


comportar se você for a um encontro comigo.
— Pelo amor de Deus...
— Eu até vou estar vestido adequadamente.

— E como você vai a encontros, Theodoro? Desnudo? — Reviro os


olhos.
— Na maior parte do tempo, não chego na parte de encontros, eles já
começam quase desnudos mesmo. — Arregalo os olhos e isso o faz rir. —
Vai, não seja má comigo.
— Você acabou de dizer que o único encontro que teve na vida se
resumiu a ficar nu com outra mulher, e eu que estou sendo má com você? —
Franzo os olhos de maneira ameaçadora.

Ele se aproxima, tocando a mecha que cai em frente ao meu rosto.


— Sim, afinal, não tem mulher mais perfeita para ter um primeiro
encontro que você... — a maneira que Theodoro fala é sedutora. Na verdade,
tudo neste homem exala sedução, e eu sei que corro perigo ficando ao seu
lado.
— Não sei não. Somos muito diferentes. Eu não combino com você, e
encontro no seu conceito parece algo preocupante.
Ele pensa por alguns segundos até que abre um sorriso de canto de
boca. Se aproxima um pouco mais, ficando com o nariz encostado ao meu.

— Não vou morder você, Sofia. A não ser que peça... — fala,
sorrindo de lado de maneira quase diabólica. — Tenho cara de lobo, mas
posso brincar de príncipe por uma noite. — Sua mão sobe ao redor do meu
ombro, segurando meus cabelos e levando-os para trás. Sua mão tem toque

delicado e faz minha pele incendiar. — Um encontro. Uma noite. Pode até
chutar minha bunda no final.
— Tenho um bebê, não tenho como ir para encontros.
— Podemos deixar o Noah com mamãe e Amanda. Ela se
voluntariou.
Inspiro fundo com a solução perfeita para ter uma noite com aquele
homem. Mas o medo me domina. E se tudo que vivi com Nathan voltar como
um filme da minha vida destruída em versão 2.0?
— Sim — Sofia finalmente fala, fechando os olhos de maneira
dramática e falando que isso não irá dar certo.
O sorriso se estende em meu rosto enquanto me aproximo para beijá-
la. Ela continua de olhos fechados e só abre os lábios quando os meus cobrem
os dela e puxo sua cadeira mais para a frente, segurando seu rosto com

firmeza enquanto sua boca se abre. Minha língua brinca com a sua de
maneira torturante, sinto meu corpo todo respondendo. Minha pele parece se
aquecer enquanto ela se derrete contra minha boca. Sofia tem gosto de café e
isso é bom para caralho.
Afasto-me, encostando minha testa na dela quando ouço o choro de
Noah ao fundo. Eu a encaro, piscando um olho ao me levantar da mesa.
— Vou pegá-lo. Continue comendo. — Saio da cozinha e sigo para o
quarto. Vejo o menino se movendo sobre a cama. Pego um dos pezinhos

redondinhos que cabem na palma da minha mão e mordo de leve, ouvindo-o

soltar um grunhido com isso. — Bom dia, garotão. Vamos ver a mamãe? —
Eu o pego em meus braços, alisando os fios loiros e desgovernados. — Sim,
tio Theo veio acordar você hoje. Gostou? Amanhã você vai ficar a vovó
Neiva, e eu vou levar sua mamãe para dar uma voltinha de moto.

— De moto, é? — Ela aparece na porta do quarto, com um sorriso de


lado.
— Pensei que fosse impressionar você.
Sofia ri. Nem sei que diabos estou fazendo da minha vida querendo
abalar esta mulher, muito menos a convidando para sair.
Só sei que quero.
— Me deixa trocar esse pequeno terrorista — fala, pegando o filho
dos meus braços e levando-o para o banheiro. Sigo Sofia de perto,

observando-a deitar o garoto em cima de um colchãozinho sobre a bancada


ao lado da pia e retirar a fralda. — Você não tem que trabalhar?
Estendo o lenço umedecido, que ela tenta alcançar.
— Claro. Mas posso me atrasar alguns minutos. — Pego a fralda suja
que ela fechou e a observo balançar o filho de um lado para o outro enquanto
enche a banheira. Sofia faz tudo tão naturalmente, que aposto que nem
percebe sua evolução em relação ao filho.
Estendo a toalhinha verde que estava pendurada no gancho quando
ela finaliza o banho de Noah, que parece peixe por água. E ela estende o

menino em minha direção, pedindo que segure.


— Um instante. Vou descartar a água e pegar fraldas novas.
Assinto e encaixo o pacotinho verde e molhado contra meu ombro,
balançando de um lado para o outro, enquanto voltamos para o quarto.

Coloco Noah sobre o plástico que Sofia adicionou sobre o colchão.


— Para que serve isso? — indico, enxugando os cabelos do garoto
com as pontas da toalha.
— Para ele não fazer coisinhas na minha cama. — Sorri com isso ao
se aproximar. — Obrigada. Pode ir, senão vai acabar se atrasando — fala,
parando ao meu lado.
— De nada. Dona Neiva disse que vai preparar o jantar para nós. —
Noah agarra a minha placa de identificação e puxa o meu pescoço para baixo,

então aproveito para beijar a barriga com curvinhas do bebê. — Tchau,


garotão. Eu te vejo mais tarde. No jantar. Amanhã você sai comigo, princesa.
— Não me chame de princesa. — Ela me encara.
— Chapeuzinho Vermelho, então? — brinco, sorrindo de lado.
Ela joga o pacote de fraldas que está em sua mão em minha direção.
Distancio-me a tempo, correndo para fora.
— Tchau, Theodoro! — Eu a escuto gritar com raiva. — Ele é tão
irritante, Noah, não sei como você o ama tanto — fala para o menino
enquanto continuo parado ali, observando a parede branca do seu

apartamento.
Merda. Que diabos está acontecendo comigo? Por que Noah se tornou
tão importante para mim? Por que Sofia é uma preocupação constante em
meus pensamentos? Isso não deveria estar acontecendo.

Pego a chave da moto em meu bolso e saio do apartamento com a


cabeça pegando fogo. Sabia que seguir o conselho de mamãe não seria uma
boa ideia, afinal, ela acha que Sofia pode ser um possível casamento em
minha vida. E só Deus sabe o quanto minha mãe quer que eu case.
— Para onde Sandra foi? — falo, entrando em casa e vendo mamãe
mexendo nas panelas sobre o fogão. — E por que você estava falando com
Sofia como se a conhecesse há anos?
— Para casa. Viu que você não deu bola e se foi. Conheço Sofia há

uns dois anos, desde que começou a trabalhar na escola. — Franzo o cenho
com isso. — E Amanda me contou que você tem ajudado bastante a Sofia.
— Sim, Sofia não estava lidando bem com a maternidade.
— Ah, que tristeza. Mas ela parece tão bem.
— Sim, ela está evoluindo — falo com um meio sorriso. Estou muito
feliz com a maneira que ela parece crescer diante dos seus obstáculos.
— Por que não a convida para sair? — indaga, como quem não quer
nada.
— Por que faria isso?

— Porque é uma garota legal. Tem um bom emprego, vem de uma


família boa e é muito simpática. Bem inteligente também — enumera as
várias qualidades de Sofia. — Seria a esposa perfeita.
— Mamãe!

— O quê?! Só por que você não quer se casar eu não posso sonhar
com isso? — Ela se faz de ofendida. — Sempre desejei que você e Thales
tivessem uma boa mulher ao lado. Sei que quando encontramos alguém com
quem dividir a vida e as dores, tudo se torna mais fácil.
— Mas eu não quer...
— Sim, mas não estou falando para você pedir Sofia em casamento.
Você tem trinta e cinco anos, meu filho, me diga se já teve um encontro que
não fosse resumido a sexo? — Paro por alguns instantes. Infelizmente, ela

tem razão. — Não entendo sua mágoa com o amor. Eu não vou viver para
sempre, e Amanda precisa de uma figura feminina em sua vida.
— Ninguém nunca vai ser mais mãe para Amanda do que você ou
Aline.
— Eu sei, mas toda pessoa precisa de um espelho na sua vida. Thales
tinha seu pai, tinha você como inspiração. E vocês fizeram dele um homem
maravilhoso... — Suspira, lembrando-se do filho. — E quero que Amanda
tenha boas referências para crescer uma mulher independente e inteligente.
“Ela ainda é uma criança. E você está ficando velho, precisa de uma

boa mulher ao seu lado. — Mexe na panela por alguns minutos e depois me
encara com intensidade. — Sabe, Theo, a vida não precisa de alguém para
ser completa. Tem diversas formas de sermos felizes... mas quando
encontramos alguém que amamos, com quem podemos dividir o fardo que é

viver, tudo se torna mais fácil. Mais feliz. Pense nisso.”


E foi nisso que pensei enquanto chamava Sofia para sair.
Dona Neiva apareceu na minha porta às sete horas da noite, me
chamando para jantar. Karina ainda não havia retornado com notícias sobre
seu novo emprego, então deixei um aviso de que estou no apartamento ao
lado, levando Noah comigo.
— Ele é uma fofura — a senhora diz, deitando o menino novamente

no carrinho. — Theo falou que você não estava lidando bem com a
maternidade, o que houve, querida? Sempre foi muito querida com todas as
crianças. — Coro com isso. — Não precisa se envergonhar.
— Eu fiquei muito sozinha nos últimos meses de gravidez — engasgo
ao falar, bebendo um gole da água que está em minha frente. Theodoro ainda
não havia retornado, segundo dona Neiva, ele tinha ido resolver um assunto
com o primo. — O pai de Noah simplesmente decidiu que não queria mais
fazer parte de tudo e me deixou sozinha. Tive que lidar com a minha família

em cima de mim. Quando ele nasceu, eu não me sentia preparada para tantas
mudanças que começaram a acontecer naturalmente.
— Ah, querida. Sinto tanto que tenha passado por isso. Sua mãe não
está com você? — Sorri.
— Ela foi para a fazenda da família cuidar de uns assuntos do meu

irmão. — Neiva franze o cenho, mas não fala nada. A porta se abre e
Theodoro passa por ela. — Cadê Amanda? — pergunto, notando que a
menina não chegou com o homem.
— Ela ficou na casa de Alex, queria brincar com Alícia.
— É a prima, Sofi. Ela adora a menina. As duas juntas deixam
qualquer um louco. — Isso me faz rir. — Vá tomar banho, filho, vamos para
a mesa. Não demore.
— Ok. Já volto — Theo fala, pendurando a jaqueta no gancho atrás da

porta. Ele passa por mim e eu sinto o cheiro de graxa em seu corpo. — Deixa
só eu dar oi para o meu garotão... — ele fala isso de maneira tão natural, que
deixa todo meu corpo tenso. Theodoro inclina a cabeça dentro do carrinho e
brinca com Noah. — Oi, pequeno. Quase dormindo. — Beija os pezinhos do
meu filho com carinho.
Sinto minha garganta apertar. Noah poderia ter isso sempre se o pai
dele não fosse um canalha.
— Vá tomar banho, Theo. Você está todo sujo, querido.
— Aposto que não estou tão sujo assim. — Ele nos encara, sorrindo.

— Estou cheiroso, sabia? Sofia, quer um abraço?


Arregalo os olhos, desviando meu olhar da sua camisa com algumas
manchas para o meu vestido branco impecável.
— Melhor não. Deixa para depois.

— Ah, não, vem aqui. — Ele se aproxima, rindo e abrindo os braços,


então pulo do sofá para longe dele.
— Sai, Theo! Vai manchar meu vestido e...
Ele segura meus pulsos e me puxa para perto, mas não cola nossos
corpos. Sinto seu corpo alto me sondando, me mantendo em torno daquela
áurea sensual que o homem emana.
— Não... não!
— Vou cobrar seu abraço, princesa. — Ele beija a pontinha do meu

nariz antes de me soltar e se afastar com um sorriso largo.


Pensativa, encaro as costas de Theodoro, sabendo que Neiva observa
a interação do filho comigo. Sinto minhas bochechas corando rapidamente e
encaro a mulher, que apenas sorri de maneira cúmplice antes de encolher os
ombros.
— Vamos para a mesa? — é tudo que fala, se levantando e seguindo
para a cozinha.
Respiro aliviada, Neiva não parece se importar muito com a maneira
que o filho interage comigo. Observo que Noah está cochilando, então decido

levar o carrinho comigo para embalá-lo enquanto janto.

Theodoro e Neiva conversam comigo durante todo o jantar. Ela fala

dos primos que moram nos arredores de São José e conta que eles sempre
estão pela cidade, interagindo com Theodoro.
— A família de vocês é muito grande? — indago, levando um gole do
suco para a boca.
— Sim, somos uma penca de gente. Os Alencastro parecem sempre se
distribuir com muita facilidade. — Ela sorri. — E você?
— Bom, não tenho tios por parte de mãe. Por parte de pai tinha um,
mas ele já faleceu, nem teve filhos. Então de família são apenas minha mãe,
meu irmão, minha cunhada e as gêmeas.

— Ah, ele tem gêmeas? Que lindo.


— Bom, a maior parte do tempo elas deixam minha cunhada surtada,
e isso não é lindo.
— Imagino que sim... tive apenas dois, mas Theodoro sempre deu
trabalho por cinco crianças. — Ele abre a boca de maneira ofendida. — Nem
faça essa cara, uma vez quase chamei a polícia pensando que esse menino
tinha sido sequestrado!
Ele ri.

— Lembra de quando você precisou chamar o bombeiro porque botei


fogo na cozinha? — ele fala como se fosse a coisa mais normal do mundo.
— Claro que eu me lembro. Queimou uma porção de coisas.
— Quantos anos você tinha quando incendiou a cozinha? — indago,

curiosa.
— Cinco.
— O que diabos você fazia na cozinha, Theodoro?
Ele sorri de maneira que não se envergonha.
— Eu era uma criança curiosa.
— Uma criança arteira, ele quer dizer, Sofia — a mãe intervém.
— Tirou as palavras da minha boca, dona Neiva.
— A fé que vocês têm em mim me surpreende.

Sorrio, comendo um pouco mais.


— Bom — falo, depois de conseguir engolir. — Eu espero que Deus
interceda por mim e Noah não coloque fogo na casa.
— Você acha mesmo que o anjinho que não me deixava dormir desde
que vocês se mudaram será comportado? — Engulo em seco. — Deve ter
puxado ao pai, arteiro.
— Nathan era muito atentado mesmo — falo, pensativa. — Eu estou
começando a ficar preocupada agora.
— Calma, querida. Até lá, ele ainda tem muitas fases para você se

preocupar. Além do mais, sempre mantenha o número de telefones de


emergência por perto. Compre um extintor, fiz isso quando Theo queimou a
cozinha. — Seguro a risada. — É sempre muito difícil saber quando uma
criança quer fazer de você churrasquinho, mas não impossível.

— Obrigada, dona Neiva. Vou anotar suas dicas — falo, encarando


meu anjinho adormecido. Theo faz o mesmo, sentado ao meu lado com o
carrinho entre nós.
— Com toda certeza eu irei fazer aula com o tio Theo de como deixar
a mamãe louca — fala com voz de bebê, tocando os fios loiros do meu filho.
— E como conquistar a mulherada, afinal, não sou lindão assim à toa...
E sei que de alguma maneira Theodoro virou o tio Theo do meu filho
e não há nada que eu faça para mudar isso.
Remexo-me dentro da jaqueta jeans, estou tão agoniado que parece
que irei tirar a virgindade de alguém ou perder a minha própria. Pior
comparação impossível. Decidi planejar uma noite perfeita ao lado de Sofia,
mas nem mesmo escolher uma roupa legal eu consigo, já que decido tirar a
jaqueta.

— Ei, está pronto? — Amanda aparece na porta do quarto. — Você tá


gato, papai. Tia Sofia vai se apaixonar!
Sorrio.
— Deus ajude que não — sussurro.
Ainda não sei qual é o objetivo de me esforçar tanto para levar uma
mulher para sair, afinal, se eu quisesse sexo, poderia ter isso de maneira mais
fácil. Mas não, planejei todo um encontro para uma mulher que sei que nunca
se deitará comigo de primeira, nem de segunda... talvez nunca.
Sofia é bonita, com toda certeza atraente, mas é boa demais para mim.

— Você e Sofia vão ser um casal? — Amanda indaga, se sentando na


beirada da minha cama.
— Não. Ela está passando por um momento complicado, é legal sair,
ir a lugares bons e descansar a mente — minto, pensando sobre isso.

A dor na boca do meu estômago se intensifica conforme começo a


ficar ainda mais nervoso.
Sofia é boa demais para mim.
Sim, é formada em pedagogia, inteligente, lê livros e fala palavras
difíceis que me faz ficar rindo da sua cara. Enquanto eu sou um ex-militar,
mulherengo, mecânico e com um futuro sem definição. Nem tenho nem como
começar a comparar.
Somos pessoas completamente diferentes.

— Ah, eu queria que vocês se tornassem um casal — minha filha


lamenta.
— Somos apenas amigos — abro um sorriso e falo, mais para ela do
que para mim. Saio do quarto com Amanda em minha cola e vejo que Sofia
entrega à mamãe a bolsa de Noah e o carrinho de bebê. — Ei, pronta? —
falo, fazendo-a me encarar.
Sinto um dorzinha no peito e uma falta de ar repentina que domina
meu ser. Ela está linda demais, radiante. Os cabelos cortados na altura dos
ombros se mantêm ali em um liso alinhado, o rosto não muito maquiado

estampa com honra um batom vermelho chamativo, que me faz desejar borrar
todo em um beijo de tirar o fôlego.
Ela veste um vestido rodado na cor vermelha, com um decote
generoso, o que deixa seus seios evidentes.

— Ela está linda, não é, papai? — Amanda indaga, arteira.


Abro um sorriso com suas palavras.
— A mulher mais linda de todas — falo com toda a sinceridade, e
vejo as bochechas de Sofia corarem de maneira envergonhada. Ah, merda, ela
tem que ser terrivelmente fofa também. — Cadê meu garotão? — Eu me
aproximo do carrinho e vejo Noah me encarando. — Ei, meu menino. Vou
roubar sua mamãe um pouquinho, ok? Te vejo em algumas horas. — Seguro
o pezinho que dá para rechear um pãozinho e beijo com carinho.

Ele me lança um sorriso banguela.


— Esse menino me adora. — Eu me gabo para Sofia, que revira os
olhos. — Vamos. Tchau, família.
— Tchau! — Ouvimos um tchau em sincronia enquanto saímos.
Estou vestindo calça jeans escura, camisa branca e minha jaqueta de
couro habitual.
— Pensei em irmos de carro, você pode não gostar da moto. — Sem
falar que ela usa um vestido, e isso será uma carta entregue para qualquer um
que passe por nós.

— Eu quero saber como é ser uma das garotas na sua garupa, bonitão
— zomba, sorridente.
— Nem deseje isso, princesa — falo, entrando no elevador e
apertando o botão do térreo.

Sofia conversa comigo sobre assuntos banais enquanto minha mente


volta a todo instante para aquele pensamento sobre nunca ser bom o
suficiente.
É sobre isso que mamãe fala? Que a vida que eu levo nunca me fará
digno de ter uma mulher como ela?
— Você está bem? — Sua voz suave me pega desprevenido.
— Sim, sim.
— Está pensativo, Theo. Se não quiser ir, tudo bem, podemos voltar

e...
Eu a calo, segurando sua cintura e afundando minhas mãos em seus
cabelos enquanto minha boca se choca sobre a sua. Eu a sinto suspirar contra
mim e me receber sem nenhuma reserva. Minha língua brinca com a sua,
deslizando sensualmente dentro da sua boca ao sentir as batidas do meu
coração todo errado.
Sofia afunda dos dedos em meus cabelos e suga meu lábio inferior, se
afastando levemente para buscar fôlego.
— O q...

— Você não pode desejar ser uma das garotas na minha moto —
sussurro para ela. — Não pode desejar ser como nenhuma mulher que passou
em minha vida, Sofia.
— Por quê? — Sua pergunta vem entrecortada e ofegante.

— Porque você é boa demais para ser qualquer uma delas.


Ela abre os olhos, me encarando.
— Faz parte do plano de ser um príncipe?
Sorrio de lado com sua indagação.
— Não sei ser um príncipe. Na verdade, nunca serei. Sou todo errado
e você é toda certinha — brinco. — Gosto disso. Gosto que seja toda
certinha, que use palavras antigas e que me chame de Theodoro quando quer
me irritar.

Ela suspira.
— Você está tentando fazer eu me apaixonar por você?
A risada escapa dos meus lábios.
— Nem que me tornasse um santo iria conseguir esta proeza. Você
merece o mundo. — O elevador se abre e eu me afasto. — E eu não consigo
dar nada disso. A ninguém. — Eu não sei se ela ouve as últimas palavras,
pois não estou encarando-a.
Me aproximo da moto e pego um dos capacetes no guarda-volumes
do nosso prédio, colocando sobre a cabeça da mulher com delicadeza,

puxando os fios escuros para trás. Seguro seu rosto e sorrio.


— Com saudade de Noah?
— Estou tremendo inteira pensando que ele pode começar a chorar.
Que dona Neiva fique chateada. Que meu filho se sinta abandonado.

Beijo seus lábios.


— Calma, eu tenho certeza que eles vão ficar bem. Esta é sua noite.
Vamos levar você para se divertir, baby. — Beijo seus lábios novamente
antes de subir na moto e colocar meu próprio capacete. — Suba. — Ela
obedece, passando as pernas por cima do banco e se acomodando contra
mim. Suas mãos prendem minha camisa entre os dedos e seu corpo se
aconchega mais contra o meu.
Sinto todas as curvas de Sofia contra mim, e sei que será minha

perdição tê-la tão perto e não poder tocá-la da maneira que desejo.

O primeiro ponto é um restaurante no centro da cidade. Um dos


melhores que encontrei na cidade de São José. Estaciono com cuidado e
desligo a moto, tirando o capacete.
— Vamos jantar? — Ela me encara, com curiosidade.
— Sim. Conhecendo-a como eu conheço, nada melhor do que
começar a noite com comida. — O sorriso se abre em seu rosto. Saio da moto

e ela continua sentada sobre o banco. — Ah, merda, sabia que você e este
vestido sentada na minha moto seria uma péssima ideia.
Meus olhos descem para as suas coxas desnudas e eu as imagino em
torno da minha cintura enquanto entro nela lentamente, várias e várias vezes,

até que nossos corpos fiquem...


— Deveria ter usado algo mais discreto. — Ela sorri e se levanta com
cuidado para não mostrar nada além da conta. As suas palavras afastam
qualquer pensamento sexual da minha mente. — Você parece mais relaxado.
— Ela me analisa. — Não sei o que foi aquilo que me falou no elevador, mas
se tem uma pessoa que acredito que seja digno de ter uma mulher
maravilhosa é você, Theodoro.
— O quê?!

— Sim, você é safado, debochado e eu amo te irritar chamando de


Theodoro, mas sei que é bondoso, amigo e ama muito sua família. Acho que
seria um pai incrível e um ótimo marido para qualquer mulher. — Ela sorri
de maneira angelical. — Só que diferente de você, eu não sou mais uma
pessoa que pode se envolver com um homem. Agora tenho um filho, tudo se
resume a ele. Se algum dia encontrar o homem que se encaixe em meus
sonhos e ele não amar meu filho, eu vou ter que renunciar ao amor.
Permaneço em silêncio enquanto ela fica na ponta dos pés e deposita
um selinho em meus lábios.

— E o que estamos fazendo, Sofia? — Ela para, me encarando. — O


que estamos fazendo nos beijando e saindo juntos?
— Não sei, você me convidou e eu aceitei.
— Sim, eu sei, na hora não pensei bem nos motivos que me levava a

isso, mas quanto mais faço, mas percebo que talvez só estejamos nos
machucando.
Ela engole em seco.
— Não quero machucar você. Você é meu amigo, não quero te fazer
mal.
— Também não quero machucar você, Sofia, e você não é minha
amiga. Não pensamos em amigos da maneira que penso em você.
— Que maneira você pensa sobre mim? — Arqueia a sobrancelha e

sua curiosidade quase me faz rir.


— Não vai querer saber.
— Eu quero saber, Theodoro.
— Bom — inspiro fundo —, desde o dia que te vi, sua boca vermelha
e chamativa não sai da minha mente. Seu corpo cheio de curvas, e ao mesmo
tempo tão pequeno que parece uma boneca, embaixo do meu enquanto geme
meu nome e... — Fecho os olhos. — Quero muito fazer com que sinta prazer
e gema meu nome de maneira ensurdecedora. Isso não é certo. Porque você é
delicada, doce e eu sou apenas um cara que pensa em mil e uma formas de...

Ela me beija, segurando meus cabelos e puxando-os levemente para


me fazer abrir a boca. Sua língua mergulha na minha e sensualmente faz
nascer novamente todas as imagens que descrevi a ela.
— É bom saber que desperto em você o mínimo que desperta em

mim. — Ela se afasta, inspirando fundo. — Não sei o que estamos fazendo.
Meus sentidos gritam para parar, mas não consigo ficar longe de você.
E ela resume tudo em uma única frase. Queremos um ao outro,
mesmo que isso signifique que talvez nos percamos no caminho.
Sento-me contra Theodoro, sentindo seus braços encaixando ao redor
da minha cintura. O vento frio bate em minha pele e vejo quando o rio quebra
contra a areia. O cais de São José está movimentado e os casais vão e vêm a
todo instante, me fazendo observar o movimento da noite. Nem me lembro de
quando foi o último encontro que tive com um homem.

No fim do namoro com Nathan, as coisas já não eram mais como


quando iniciaram. Não saíamos mais com tanta frequência, não tínhamos
conversas proveitosas e era muito frustrante ficar ao seu lado.
Sinto algo me cutucar pelas costas. Eu me viro e vejo que é o colar de
Theodoro me machucando. Pego o pingente bem expressivo entre os dedos e
franzo o cenho.
— Noah sempre agarra isso — falo, sorrindo. — Para que serve
mesmo?
— É do exército, lembra que eu disse que era militar? — Assinto,

virando as plaquinhas entre os dedos. Vejo dois nomes gravados ali — o dele
e de Thales. — É placa de identificação.
— Thales é seu irmão?
— Sim, quando entrei no exército, ele foi muito a favor de continuar

prestando serviço. Enquanto mamãe e papai tinham medo do tipo de coisa


que eu fazia, Thales dizia que eu era um herói. Sempre fui o herói dele.
Vejo seus olhos brilhando pelas lágrimas.
— Ele faleceu como? — sussurro, curiosa e temerosa. — Não precisa
falar, se não quiser.
— Acidente de carro. Amanda tinha três anos. Ele estava com a
esposa. — Funga. — Saí do exército depois disso. Mamãe já havia perdido
um filho e estava arrasada. Não poderia deixá-la perder outro, apesar de ter

desejado morrer no dia que meu irmão se foi.


— Vocês eram muito próximos.
— Tínhamos uma certa diferença de idade. — Theodoro sorri. — Eu
era o mais velho. Eu o levei à primeira boate, dei conselhos sobre sexo e
primeiro beijo, Sofia. Eu e Thales tínhamos uma conexão inexplicável.
Sempre vi as pessoas falarem sobre esse tipo de conexão quando se tem
irmão gêmeo, e com Thales era isso. Eu sentia quando ele estava mal.
Aperto sua mão, sentindo a dor em suas palavras.
— Sinto muito por sua perda. Nem faço ideia de como se sente.

— E toda vez que Amanda me chama de pai — ele me encara —,


meu mundo vira do avesso, sabe? Thales que deveria estar aqui. Ele era um
pai foda e não pôde ver a filha crescer.
— Acredito que Thales esteja orgulhoso de você. — Seguro seu rosto.

— Sempre disse que seu irmão o idolatrava, que você o ensinou praticamente
tudo — sorrio —, tenho certeza de que ele aprova a maneira que você cuida
da filha dele, uma vez que ele não pode fazer isso.
As lágrimas que Theodoro seguravam caem e eu limpo com cuidado,
sorrindo.
— Você é incrível.
— Eu sei — brinco, com um sorriso, e isso o faz revirar os olhos.
— Você não era assim, princesa — fala, zombeteiro.

— Aprendi com o mais debochado — devolvo e me levanto,


encarando Theodoro por alguns minutos. — Talvez devamos ir. Sua mãe
ainda não ligou, mas estou preocupada.
— Ok. — Ele coloca uma mecha do meu cabelo para trás e se
aproxima, beijando o cantinho da minha boca. Seus lábios descem
sensualmente sobre os meus enquanto seus dedos se embrenham em meus
cabelos, puxando-me em sua direção de maneira que me faz ofegar baixinho
ao deixar a língua do homem brincar com minha boca.
Meu corpo esquenta lentamente e sinto tudo em mim ardendo. Suas

mãos me puxam mais próximo ao seu corpo, enquanto a outra desce ao redor
da minha cintura, apertando minha bunda sobre o tecido fino do vestido.
— Gostosa para caralho! — pragueja contra meus lábios. Meu sorriso
é quase involuntário. — Não posso te tocar demais, senão não consigo me

controlar.
— Não precisamos de controle, Theodoro. — Beijo seu pescoço,
escutando-o suspirar.
— Sim, preciso te levar para casa. Vamos. — Ele se afasta,
estendendo as mãos. Ao perceber o volume crescendo em sua calça jeans,
arqueio a sobrancelha instantaneamente. — Brigue com meu corpo, ele reage
muito bem a você. — Isso me faz rir, pois ele não tem nem a decência de
parecer envergonhado. — Vem, desça daí.

Aceito sua mão estendida e pulo no chão, mas acabo tropeçando no


caminho e meu corpo bate contra o de Theo quando ele tenta me pegar.
Gargalho quando vejo seus olhos arregalados.
— Pensei que iria cair! — exclama.
Isso só me faz rir mais.
— Você me pegou — respondo, alisando os poucos fios rebeldes que
caem no seu rosto.
— Sim, eu peguei você — fala, subindo a mão ao redor do meu braço
e pegando a minha, beijando a palma com carinho. O suspiro sai dos meus

lábios, pois não é nada como eu imaginava como seria um encontro com
Theodoro Alencastro.
Ele foi simplesmente perfeito. Um príncipe com todos os seus
defeitos.

— Você foi um príncipe. — Ele bufa com minha afirmação. — Não


faça isso. Você me levou para um jantar legal, pois sabe que a minha vida
tem sido fraldas e choro há meses. Sabe que eu preciso relaxar, conversar e
fez tudo isso.
— Ainda beijei você. Meus beijos valem um lugar bom nesta lista
sua?
Coro.
— Seus beijos estariam no topo se você já não fosse tão convencido.

Ele ri.
— Eu não sou convencido, só sei que aprendi muito bem como tratar
uma mulher. — Pisca, se afastando e enlaçando os dedos aos meus. —
Vamos ver nosso garoto, ele deve estar com saudade.
Nem comento o fato de ele estar constantemente chamando Noah de
nosso garoto, afinal, não me incomoda. Apenas me preocupa o fato de que
Theodoro pode sair a qualquer momento da nossa vida, deixando um vazio
enorme se isso for alimentado por muito tempo.
— Ei — eu o chamo. — Tem uma coisa que quero falar. — O homem

arqueia a sobrancelha, sentado sobre a moto com os cabelos voando


conforme o vento bate em seu rosto. — Você fica gostoso para caralho nesta
moto!
— Ah, sério? Corrompi você? Quero você falando isso de maneira

bonita, princesa. — O sorriso se expande em meu rosto.


— Nesta motocicleta, Theodoro — falo, me aproximando —, você
fica gracioso de uma maneira que nunca poderei explicar.
— E você vai pedi-la em namoro? — Alex é o primeiro a indagar,
demonstrando a sua surpresa em apenas uma frase.
Bebo um gole do meu café, esfregando o rosto com a mão livre. Nem
quero pensar nas consequências de ter decidido contar sobre Sofia a eles.
Kenny me olhar de soslaio, com toda certeza já prepara mil e um motivo para

dizer que isso é uma má ideia. Guilherme segura a risada enquanto traz mais
uma bandeja para a mesa.
Estamos sentados em uma das várias mesas vazias da sua lanchonete,
sem nenhum cliente por perto. Dificilmente dá para reunir todos nós em um
só espaço.
— Preciso adiantar alguns trabalhos na oficina esta semana, estou
soterrado.
— Ele vai pedi-la em namoro — Alex é o primeiro a declarar.
— Até mudou de assunto — Guilherme completa.

— Você tem certeza disso? É um passo importante — é a vez de


Kenny completar.
Abro a boca em indignação.
— Que diabos? Quem disse que vou pedir a Sofia em namoro? Só

falei que encontrei uma garota legal, não sei se quero sair do mercado. —
Encolho os ombros. — Ela é diferente, ok?
— Hum... se você está dizendo — Alex fala de maneira engraçada. —
Se você checar, ela vai ter os dedos dos pés, das mãos, cabelos e aquele
negócio entre as pernas e...
— Ok, já entendi. — Corto sua fala. — Não estou dizendo nada de
mais. A gente se dá bem, não estou dizendo que vou me casar na manhã
seguinte nem nada do tipo. Só que estou feliz em ver que talvez esteja

maduro o suficiente para saber quando uma mulher me faz bem.


— E quem é essa mulher mesmo?
— O nome dela é Sofia, professora da Amanda. Ela tem um filho.
— Você não podia ter aceitado o pacote pela metade, né —
Guilherme debocha. — Veio completo. — Ele sorri com isso.
— Noah gosta mais de mim do que a própria mãe. O garoto me ama.
— Abro um sorriso de lado. — Afinal, difícil não me amar. — O tapa na
minha nuca vem de Alex. — E olha quem fala, né, Guilherme? O pai postiço
daquele pestinha da cidade, o mesmo garoto que te acertou a cabeça com o

estilingue. Você, meu caro primo, não está em condição de me julgar.


Guilherme revira os olhos, calando-se.
— Não basta estar caidinho por ela, ainda por cima tem um filho —
Kenny acrescenta em negação.

Seguro a risada. Todos eles têm suas histórias de vida. Guilherme é o


único que não tem grandes marcas do passado e é dono da lanchonete de
sanduíches artesanais. Kenny fica recluso em sua fazenda desde que a esposa
faleceu. Enquanto Alex tem seu tempo dedicado à filha, uma vez que foi
abandonado pela esposa.
— Quando vemos naqueles filmes “de mulherzinha” que encontram o
companheiro certo pensamos que é balela, mas não é. Nós sentimos quando
isso acontece.

Eles se entreolham e fazem algo em sincronia: balançam a cabeça em


negação de maneira desacreditada. E sei que vou precisar de mais do meu
discurso bem-intencionado para convencer meus primos.

Abro a porta de casa e vejo um homem parado no corredor, segurando


um celular. Ele levanta a cabeça, sorrindo de lado. Ele veste uma calça jeans
e camisa preta, tem os cabelos loiros bagunçados. Seus olhos azuis me
lembram alguém.

— Boa noite — sussurro, me aproximando da porta de Sofia. Bato


nela e aguardo.
— Acho que não tem ninguém. Bati e ninguém atendeu — o homem
fala. Viro meu rosto tão rápido para encará-lo, que penso que a minha cabeça

desgrudou do pescoço. — Estou esperando a Sofia. Ela mora aqui, certo?


— E quem é você? — Eu o olho de cima a baixo.
— Sou Nathan. Namorado dela. — O homem estende a mão em
minha direção. Não tenho nenhuma reação a princípio, meu corpo está tão
duro que penso que irei desmoronar neste chão. — Estive viajando, queria
vê-la.
E eu quero socá-lo. Enquanto a mulher tinha o filho daquele homem
ele estava viajando?!

O elevador se abre e ela passa por ele, carregando Noah em seus


braços enquanto toma um sorvete com a mão livre, toda desengonçada. Vou
ao seu encontro e pego o menino para ajudá-la.
— Eu ajudo você.
Ela sorri em minha direção.
— Obrigada. Me atrasei na terapia — avisa, mas quando levanta o
rosto, seu olhar encontra o do homem com quem eu falava anteriormente. —
Nathan... — Busca ar, respirando fundo algumas vezes.
— Minha mãe falou que você havia perdido o bebê. — Ele desliza os

olhos para o menino em meus braços.


— Por isso voltou? — O tom dela é decepcionado.
— Sim, voltei para cuidar de você, pensei que poderíamos continuar
juntos. Afinal...

— Não, você voltou porque sem Noah na equação você seria o cara
livre de sempre. Voltou achando que agora poderia ter o relacionamento sem
grandes responsabilidades — rebate, cansada. — Leve o Noah para dentro,
Theo, por favor.
— Tem cer...
— Tenho sim, entro em um instante. Obrigada. — Ela sorri
novamente.
Faço o que ela pede e fecho a porta do meu apartamento, continuando

ali encostado, tentando respirar calmamente enquanto sinto o menino mexer


em meu colar.
Sofia vai voltar para o ex-namorado?
Eu vou perder tudo que mal conquistei?
— Ei, meu garotão. — Beijo os fios loiros do menino enquanto
caminho para o sofá, dando espaço a ela. Eu me sento com meu corpo todo
tremendo com a expectativa de perder tudo. — Merda, Noah. — Ele me
encara com os enormes olhos azuis curiosos. — Eu não queria ser assim,
querido, mas não quero que ela volte para ele. Sei que é seu pai. Mas se Sofia

voltar para ele, eu vou perder vocês. — Aliso seu rostinho. — Não quero
perder vocês. São muito importantes para mim, bem mais do que um dia
imaginei que seria.
E o menino abre um sorriso sem dentes.

O danadinho sabe que tem todo meu coração.


— Sim, Noah. Admito, você me ganhou, seu chorão. — Beijo sua
mãozinha. — Uma coisinha de dois meses venceu todos os muros que
construí a vida toda.
Nathan está aqui. Depois de cinco meses desde que me disse que não
poderia ser o pai que eu queria para Noah, o homem está na minha frente e
tudo que sinto é asco. A raiva me consome, o nojo se junta e sinto um
sentimento de aversão subindo ao redor do meu corpo.
— Não acredito mesmo que esteja ouvindo isso. Você foi embora! —

grito. — Você me deixou com uma criança no ventre e tem a cara de pau de
aparecer pensando que eu te aceitaria apenas por tê-lo perdido? Não. Nem
que estivesse quebrada pela perda do meu filho iria querer você de volta.
Ele se encolhe diante do meu ataque, afinal, nunca me dirigi a ele
dessa maneira, nem mesmo quando ele terminou comigo.
— Noah nasceu. Ele tem o nome que você e eu escolhemos, não
consegui dar outro nome a ele — eu o enfrento. — Mas ele nunca vai
precisar de você para nada.
— Porque já tem outro homem esquentando sua cama? — ele me

afronta.
Isso faz meu sorriso crescer.
— Em qualquer outro momento, eu mentiria e diria que não, mas sim,
já tenho outra pessoa em minha vida. Muito melhor do que um dia você foi

para mim — minto da mesma maneira. — Ele ama meu filho. Ele cuida da
gente. Coisa que você não foi capaz de fazer.
— Eu nunca poderia ser isso.
— Que bom que sabe, pois eu quero tudo isso, sabe? Passei por um
período difícil para lidar com Noah e a maternidade, foi Theo que me ajudou,
me fez ver que posso sim fazer tudo sozinha — eu o enfrento. — E hoje vejo
que quero tudo isso. Mesmo que Noah não existisse, você também não estaria
mais na minha vida, pois eu quero uma família. Eu quero tudo que tenho

direito.
— Está sendo maldosa, Sofia.
Sorrio.
— Você não poupou meus sentimentos quando rompeu tudo, Nathan.
Nunca pensei que seria do tipo vingativa, mas como dizem por aí, a vingança
é um prato que se come frio. — Abro os braços. — Ele é todo seu, querido,
se engasgue.
O homem se aproxima.
— Você está louca.

— Você se lembra de como me deixou? Eu fiquei louca, querido. E a


culpa é sua. Exclusivamente sua, seu filho da puta desprezível! — grito. —
Vá embora, eu não quero te ver. Não quero saber os motivos que levou sua
mãe a dizer que perdi meu filho, mas quero você e toda sua família bem

longe da gente.
— Nenhum de nós se importa com você, Sofia. Nem com aquela
criança.
Sorrio novamente.
— Que bom. Pois tenho uma família que nos aceita.
— Quem? — Ele ri. — A sua? Sua mãe sempre odiou o fato de você
ter engravidado antes do casamento.
Suas palavras trazem à tona o outro fato doloroso em minha vida.

— Não. Mamãe nunca vai aceitar — rebato. — Mas família não


precisa ter seu sangue para te amar, laços de coração às vezes são bem mais
intensos que os de sangue — declaro antes de dar as costas a ele e entrar no
apartamento de Theo, que está deitado no sofá e com o meu filho
sobrevoando seu corpo como um aviãozinho. — Pelo amor de Deus,
Theodoro, ele pode cair!
O homem ri.
— Não, ele é durão, né, meu garoto? — Ele se senta, beijando a
bochecha de Noah, que sorri com isso. — O que ele queria?

Eu me sento ao seu lado e Theo deita a cabeça do meu filho sobre


minha perna, deixando parte do seu corpo sobre as suas.
Aliso os traços de Noah com carinho.
— Ele pensou que eu tivesse perdido o bebê e por isso queria voltar.

Ficou em choque quando viu que era mentira. E eu gritei tudo que estava
preso em minha garganta há muito tempo. — Sinto seus dedos alisando
minha orelha e jogando os fios para trás. — Eu o mandei embora, pois não
quero uma pessoa que não ame meu filho na minha vida.
— Fico feliz por você. E por Noah. Foi a melhor decisão.
Eu o encaro com um sorriso.
— Eu sei. Obrigada por ajudar.
— De nada. Você está bem? — indaga, solícito.

— Sim, melhor do que já estive em muito tempo. — Pego Noah em


meus braços, encarando meu filho. Suas bochechas rosadas. Os olhos
curiosos. Os traços delicados. — Te amo, meu amor. Desculpa por não ter
dito isso antes. — E o levanto no ar, beijando sua bochecha com carinho.
Sinto o beijo de Theo em minha própria bochecha e me afasto, sorrindo para
encará-lo.
— Quer me namorar? — A pergunta me pega desprevenida, abro a
boca diversas vezes com sua indagação. Os olhos dele estão vidrados em
mim. — Merda, eu fiz exatamente o que os meus primos falaram que eu

faria. — Revira os olhos. — Mas não estou nem aí. Quero namorar você.
Quero ser o cara que esquenta sua cama e que cuida de Noah, quero poder ter
uma explicação decente para a Amanda sobre o que somos. Quero que minha
mãe pare de me perturbar sobre o fato de você ser a mulher certa...

Colo nossos lábios e o calo, completamente incapaz de fazer isso de


maneira diferente. Ele se afasta, abrindo os olhos.
— Não me beije, mulher, me dê uma resposta lúcida.
Seguro minha risada com isso.
— Achei que já tinha deixado claro. — Theodoro faz uma expressão
confusa. — É claro que quero namorar você. Mesmo te conhecendo há pouco
tempo. Mesmo com medo do que sinto entre nós. Mesmo sabendo que somos
completamente opostos e...

— Acho que no fim deve se levar em conta o que sentimos, não o


tempo em que aconteceu. Eu nunca namorei ninguém, mas você teve minha
atenção no instante que coloquei os olhos em você. — Ele brinca com meu
cabelo enquanto sento Noah em meu colo. — E eu quero muito fazer parte da
sua vida e de Noah. Mas tem que saber que deste lado daqui também é o
pacote completo.
— Eu sei. — Sorrio. — Acho que vai ser uma viagem alucinante.
— Não há palavra melhor para definir isso. — Ele suspira e beija
minha bochecha. — E tem que aceitar que Noah é meu garoto, ele se

apaixonou por mim e me escolheu. — Ele sorri.


— Bom, eu já o perdi para você desde o primeiro dia mesmo —
aceito, sabendo que não tenho como negar. Theodoro virou tudo de cabeça
para baixo. Faz cinco meses que sai de um relacionamento fracassado e estou

entrando em outro.
A esperança de tudo ser diferente é que me faz continuar.
O dia começa nostálgico, e no instante que saio da cama, a vontade de
retornar para ela volta com força. Faz quatro anos desde que Thales morreu e
pensei que em algum momento pararia essa dor dilacerante em meu peito.
Não há ninguém no apartamento, já que mamãe e Amanda estão na
casa delas. A primeira coisa que faço é abrir as janelas do quarto, deixando o

vento frio adentrar o cômodo. Encaro o nada, com os pensamentos longe.


O silêncio me incomoda e lembro das palavras de Amanda sobre a
visita ao cemitério. Eu realmente não gosto de levá-la até lá, por isso fico
agradecido que não goste de ir, mas eu quero ir.
Não tenho outro lugar para ir hoje e, sinceramente, não sinto vontade
de fazer outra coisa.
Me levanto, trocando meu pijama por uma calça de moletom e uma
camisa fina, pego minhas chaves e escrevo um bilhete rápido, colocando
sobre a mesa da cozinha.

Saio de casa sem pensar muito, correndo em direção à moto assim que
as portas do elevador se abrem no térreo. Subo no veículo e arranco rumo à
direção que desejo.
Os dias têm sido totalmente insanos. Depois da chegada de Nathan,

me senti tão perto de perder Sofia que a pedi em namoro, contrariando meus
pensamentos e agindo de maneira impulsiva, fazendo exatamente tudo aquilo
que meus primos disseram que eu faria.
Sou previsível, claramente previsível.
Não vejo quando estaciono em frente ao enorme cemitério de São
José, encarando a fachada envelhecida do lugar. Desço da moto e enfio a
chave no bolso do moletom, adentrando lentamente enquanto sinto todos os
meus músculos tensos.

A distância entre meu prédio e o lugar é de basicamente quinze


minutos e o clima está instável quando um trovão corta o céu. Não tem
ninguém por perto à medida que adentro corredores e passo por catacumbas,
parando no fim do terceiro corredor e encarando a lápide bem-feita.
A imagem de Thales e Aline está atrás da pequena portinha de vidro
para ser preservada. Sorrio e me abaixo, ficando de joelhos sobre a cerâmica
branca.
— Oi, cunhada. — Sorrio. — Saudade de você, ainda mais sabendo
que você amaria Sofia e faria de tudo para ela ficar comigo. — Eu me lembro

que Aline sempre repetia que eu precisava de uma mulher que prestasse ao
meu lado, e não um rabo de saia.
O ar me falta.
— Oi, irmão. Saudade imensa de você. Nem consigo colocar em

palavras o quanto você faz falta. — Toco o pingente com nossos nomes. —
Vai gostar de saber que pedi uma mulher em namoro. — Sorrio com isso. —
É, loucura, eu sei. Aline e você devem estar em choque. Mas Sofia é incrível,
ela com toda certeza amaria conhecer vocês.
Encaro a terra molhada ao redor da lápide.
— Sei que falo sozinho. Na verdade, eu não sei, mas sinto que falo
sozinho. — O vento bate em meu corpo mais rapidamente, a temperatura
começa a descer mais rápido do que previa. — Mas sabe quando aqui é o

único lugar que parece permitir que eu fique triste com sua partida? Eu
poderia ir à fazenda. A queda das águas. Ou a quadra de futebol. Todos os
lugares me lembram vocês, afinal, fazíamos muitas coisas juntos. Só que lá
estão as lembranças felizes e eu não quero estragar nenhuma delas. Aqui são
lembranças tristes de quando enterrei duas partes de mim.
Aline sempre foi muito minha amiga, crescemos juntos e não é à toa a
saudade insana que sinto dela em meu peito.
— Queria que vocês estivessem aqui para dar todos os netos que
mamãe vive me cobrando. Vocês são mais aptos para isso do que eu, com

toda certeza — exclamo. — Amanda não vem hoje. Ela disse que não gosta
deste lugar, e eu a entendo. Está linda, me chama de pai, sabe? E isso me faz
rir, lembra quando eu falei que minha sobrinha iria me amar tanto a ponto de
que iria preferir a mim? A vida é engraçada. De uma maneira mórbida.

As primeiras gotas de chuva caem sobre mim.


— Eu não sei quanto tempo vai durar a dor de não ter vocês aqui.
Sinto muito, Tha. Muita coisa ficou para ser vivida. — Engulo em seco e me
levanto, todo molhado, pois a essa altura a chuva já cai de maneira torrencial
ao meu redor. Eu me viro e começo a caminhar para longe.
Não sinto minha alma mais leve. Nem confortado ao dizer tudo isso.
Só sinto o aperto no peito se intensificar.
Mas travo ao ver a figura baixa caminhando na mesma direção, com

um guarda-chuva escuro sobre sua cabeça.


— Mamãe? — falo, próximo o suficiente para reconhecer as vestes.
Ela levanta o guarda-chuva para trás e dá a visão periférica do seu rosto. — O
que faz aqui?
Ela sorri de maneira triste e se aproxima, ficando a um passo de mim,
colocando o guarda-chuva sobre minha cabeça.
— Eu não queria vir, mas eu precisei — fala entre soluços enquanto
as lágrimas descem. — Meu filho morreu, Theodoro. Eu nunca mais vou ver
meu filho. — Eu a puxo para meus braços enquanto seu corpo todo sacode.

Beijo os cabelos de minha mãe sem saber o que fazer. — Quando seu pai se
foi, eu fiquei tão triste, mas tão triste, pois ele era o homem da minha vida.
Mas com Thales é tão diferente. É meu filho, era tão jovem, tinha tanta coisa
para viver e, em um instante, ele não estava mais ali.

— Eu sei. Eu sei.
— Eu tento não passar isso a você, pois sei o quanto sofre com a
partida do seu irmão, mas... está tão difícil não desmoronar hoje.
Seguro seu rosto entre minhas mãos e sorrio.
— Não precisa ser forte o tempo todo, mamãe. Às vezes, cair por um
dia faz bem. — Limpo suas lágrimas. — Thales foi cedo demais. Ele perdeu
uma vida toda ao lado da filha e da esposa, e nunca vamos ficar bem com
isso. Só vai deixar de doer com essa intensidade com o passar dos anos.

— Quando?
— Não sei, mamãe. Quero descobrir com você. — Eu volto a abraçá-
la. — Sempre pode desmoronar comigo.
E sei que essa dor vai ser sempre compartilhada com ela. Não é o tipo
de coisa que eu gostaria de compartilhar, mas como eu disse no túmulo do
meu irmão, a vida tem um humor obscuro e mórbido.
— E como tem sido as coisas? — minha terapeuta indaga enquanto eu
mordo minha barrinha de cereal, meus pensamentos longe. — Sofia, estou
perguntando. — Sorri.
— Desculpe, estava pensando em outra coisa. O que perguntou?
— Como tem sido sua vida? Como vai Noah? Tem avançado?

— Tenho me sentindo muito bem nos últimos dias. Não tem sido nada
tipo bibidi bobidi bu! Não. Ainda tenho aqueles picos de pensamentos que
me fazem questionar todas as minhas decisões de vida.
— Isso é normal.
— Acredito que sim. Mas Noah não tem mais tanta dificuldade em
mamar, na última consulta descobri que ele engordou! Fiquei imensamente
feliz. Estava me sentindo uma mãe meio imprestável por não conseguir
cuidar do meu filho. — Desvio o olhar.
— E Theodoro?

— O que tem ele? — Meus olhos se arregalam rapidamente.


— Você parou de mencioná-lo na sessão, pensei que poderia ter
acontecido alguma coisa.
Engulo em seco de maneira nervosa, pensando no que falar a ela. A

chuva forte caí do lado do fora do consultório e sinto meu corpo todo tenso.
Há dois dias Theo me pediu em namoro, e desde então tudo está meio fora de
órbita.
Ainda nem acredito que estamos mesmo fazendo isso!
Sinto minhas bochechas ardendo.
— O que aconteceu, Sofia? Você está corando, só fica assim quando
algo muito diferente aconteceu.
— Saímos. Ele me convidou para sair e eu aceitei. — Reviro os olhos.

— Eu sei que não deveria, ok? Posso confundir carência com amor, e
realmente não quero me tornar dependente de alguém.
— Mas... você está consciente dos seus limites, Sofia. Saber até onde
deve ir é importante. — Ela me lança um sorriso. — E como foi o encontro?
— Foi ótimo. Fazia mais de um ano que eu não tinha uma coisa
realmente boa. Com Nathan era um relacionamento, mas já estava tudo
desgastado, não tínhamos mais vida. Talvez tivesse acabado desde aquela
época e eu não tinha percebido.
— Sinto muito, querida. Com Theo pode ser mais fácil.

— Ele me pediu em namoro, pelo amor de Deus! Eu aceitei. — Jogo


tudo de uma vez e ela arregala os olhos. — Novamente, sinto da minha
cabeça aos pés tremendo em ansiedade. Não sei o que estou fazendo da
minha vida, preciso de conselhos. Preciso da realidade.

Encaro minha terapeuta em busca de resposta, mas nada vem.


— Tenho certeza que as respostas vão vir de dentro de você, Sofia —
é tudo que diz. E sei que ela não vai me dizer o que devo fazer, o que me
deixa furiosa, mas aceito mesmo assim.
Termino a sessão falando novamente sobre maternidade e como me
sinto em relação a isso. Estou quase saindo quando Iana me segue para fora.
Ela retira o jaleco branco e deixa os óculos sobre a mesa, me encarando quase
de maneira amigável.

— Agora posso dar um conselho. — Arqueio a sobrancelha. —


Esqueça que sou psicóloga, terapeuta ou qualquer coisa do tipo. Oi, sou Iana,
tenho trinta e cinco anos, dois filhos e um marido que me irrita todo santo
dia. Sou sua amiga. — Estende a mão de maneira confusa e aceito isso.
— Oi...
Ela ri.
— Não tenha medo do que sente, Sofia. Eu sei que sua vida está
confusa, que você teve uma experiência frustrante no passado. Que na
maternidade as coisas não têm saído às mil maravilhas. — Eu a encaro,

temerosa. — Aprendi que a vida é o que acontece quando você perde tempo
planejando, calculando e com medo. O medo não leva a nada. Ele apenas
deixa você em um espaço limitado e cômodo.
— Obrigada. Você ajudou muito. Voltou a ser minha terapeuta?

Eu a vejo sorrir.
— Agora sim. — Pisca, entrando na sala novamente.
Deixo o ar sair calmamente dos meus pulmões e me distancio, vendo
que o táxi de aplicativo que havia pedido já chegou. Noah e Amanda estão
em casa com Karina.
Dona Neiva passou no apartamento de manhã e pediu para ficar com
a neta dela, já que ela e Theodoro iriam resolver um assunto. Não perguntei o
que era, mas não deixei de ficar curiosa, afinal, não havia falado com ele

desde a noite anterior.

Abro a porta de casa e jogo as chaves no aparador. Vejo que Amanda


está sentada no sofá ao lado de Karina, Noah está no colo da minha
companheira de quarto. Sorrio com isso e adentro o local.
— Ei, cheguei. Desculpem a demora, o clima está terrível. Caindo um
rio do céu — brinco, tirando meus sapatos molhados e meu casaco ensopado.
Passo por eles e sigo para a cozinha, mas paro ao ver Theodoro parado na

beirada do fogão, com Dona Neiva ao seu lado.


Os dois sorriem em minha direção e minha atual sogra se aproxima,
pegando as roupas úmidas da minha mão.
— Eu cuido disso, querida. Se enxugue — ordena, saindo em direção

à lavanderia.
Encaro o homem se aproximando, está com os cabelos molhados e
um olhar atormentado.
— Desculpe não ter dado notícias nas últimas horas. — Engole em
seco. — Não é um dia bom para nenhum de nós.
— Eu gostaria que me dissesse quando não for dias bons. — Sorrio e
me aproximo mais. — É para isso que essa coisa de namorados serve, para
compartilhar dias bons e ruins.

Ele sorri e me abraça, beijando meus cabelos.


— Vai ter que me ensinar muito.
— O que tem hoje?
— Faz quatro anos que ele faleceu. Ele e ela. Amanda fica sensível
neste dia. — Eu o ouço fungar contra meu ombro. Sinto que Theodoro está
aqui, todo frágil falando sobre a morte de duas pessoas importantes em sua
vida.
— Sinto muito. Queria poder fazer alguma coisa para ajudar vocês.
Seu nariz brinca com a pele sensível do meu pescoço.

— Você já fez. Entrou na nossa vida e trouxe Noah com você. Não é
cobrindo espaço. É dando dois motivos que tinham ido embora. Motivos para
ser feliz. — Ele me encara com um sorriso. — Vocês se tornaram tudo,
princesa.

— Você se tornou tudo para nós também. — Fungo. — Todos vocês.


— Fico na ponta dos pés e beijo seus lábios com suavidade. — Vou trocar de
roupa e dar amor para Amanda. Meus alunos sempre disseram que eu era boa
nisso.
— Você é sim. Faça isso. Vai ficar resfriada — diz, beijando a
pontinha do meu nariz e se afastando para mexer na panela sobre o fogão.
Suspiro e sigo para o quarto, tirando as roupas molhadas e
descartando no cesto vazio para colocar na lavadora mais tarde. Agora

preciso aproveitar o momento e tentar despistar as dores de um dia ruim.


Mesmo sabendo que quando se trata da perda, não tem como ir embora tão
fácil.
— Então quer dizer que vocês estão namorando — mamãe aponta a
colher entre nós dois e isso provoca um silêncio sepulcral na mesa.
Karina arqueia a sobrancelha em nossa direção, Amanda abre tanto os
olhos que quase caem do seu rosto e Noah... bom, ele continua com a mesma
expressão sentado em meu colo.

— É. Meio que sim — Sofia diz, corando.


— Estamos sim — rebato. — Não sei para que o meio. Não tem como
estar meio namorando, Sofia. — Eu a encaro, arqueando a sobrancelha.
— Isso é estranho. — Ela ri.
— Não. Não é. — Eu me inclino, beijando seus lábios.
Mamãe sorri e Amanda coloca as mãos sobre os lábios.
— Vocês vão se casar?! — pergunta, cheia de animação. — Que
legal! Alícia vai ficar com inveja quando eu disser que meu pai vai casar e o
dela ainda não.

Seguro a risada.
— Não estamos em uma competição, Mandy.
— E não vamos nos casar. Estamos namorando. — Olho de soslaio
para minha atual namorada e vejo que ela está vermelha de tão envergonhada.

O dia foi insano, depois da manhã e do encontro com mamãe no


cemitério, voltamos para casa um pouco mais unidos. Entramos no
apartamento de Sofia para pegar Amanda, e mamãe decidiu ficar para o
almoço quando soube que a mulher ainda não havia voltado da terapia.
— Mas vão casar, né? Meu pai precisa casar, tia Sofia. Olha como ele
já está ficando velhinho! — Aponta em minha direção.
— Eu não estou velho, Amanda. Pelo amor de Deus, estou na flor da
idade.

Ela me olha com uma expressão de puro deboche.


— Tá não, papai. Você já tem até pés de galinha — fala, passando o
dedo indicador ao redor dos olhos.
— Como você sabe o que é pés de galinha, menina? — Coloco a mão
no rosto e reviro os olhos de maneira indignada.
— A vovó que fica falando “estou cheia de pés de galinhaaa” — fala
de maneira dramática e coloca as costas da mão sobre a testa, jogando a
cabeça para trás. Isso causa risadas em todos à mesa.
— Amanda, não é para você ficar contando essas coisas. — Mamãe

tenta contê-la.
— Mas é verdade. Papai já está todo velhinho, tadinho. Desse jeito,
ele vai ficar igual aos homens de filmes, solteirão. — Ela bebe um gole do
suco como se soubesse muito sobre o que é ser um solteirão.

— Nesse caso, eu vou ter que concordar com a Amanda. Você está
tendo pés de galinha e vai ficar solteirão se não casar com Sofia — mamãe
defende a neta, me colocando entre a cruz e a espada.
— E eu que pago o pato, é? — Sofia alfineta, com um sorriso.
— Sim. Você é a única mulher que presta. Papai tem um péssimo
gosto — é minha filha de criação que fala, toda inteligente em seus sete anos
completos.
— Virei chato e velho, tudo em uma noite. — Escondo a cabeça entre

as mãos. — Sinceramente? Não está valendo a pena ter vocês como família.
— Não é para valer a pena — mamãe rebate.
— É para falar a verdade — Amanda completa.
Sei que com essa turma, o assunto de casamento não vai ser esquecido
tão cedo. Passo o braço ao redor do corpo de Sofia e a puxo em minha
direção, beijando seus cabelos.
— Noah tem que crescer primeiro para podermos casar. Ele precisa
entrar com as alianças. — Beijo a ponta do nariz arredondado de Sofia e a
vejo corando de maneira ainda mais intensa. Só percebo o que falei quando a

cozinha inunda com um silêncio sepulcral novamente.


— Você vai assustar a sua mãe e a mim.
— Oras, em algum momento isso vai acontecer — falo a mim
mesmo, aceitando o fato de que Sofia entrou na minha vida e virou tudo de

cabeça para baixo. — Acho que me apaixonei por você no instante que não
me deu bola na escola da Amanda.
— Ser rejeitado te deixa interessado? — Ela ri.
— Não. — Beijo sua boca. — Ser rejeitado por você machuca meu
ego. Mas daí eu olho e vejo que não consigo viver sem sua inteligência, sem
seu nenê chorão e em como consegue fazer todos a amar... — Estamos nos
encarando e sussurrando entre nós. — Aí eu começo a me apaixonar por
todos os seus detalhes.

— Tem só duas semanas, Theodoro.


— Eu sei. Mas às vezes o que acontece rápido é mais intenso do que
algo que demorou a vida inteira para se construir.
— Eu sei bem disso. — Ela suspira e se inclina, beijando o canto da
minha bochecha.
— Eles vão mesmo se casar, vovó! — a exclamação vem de Mandy,
que coloca as mãos sobre as bochechas e sorri de maneira extasiada. — E
Noah vai ser meu irmãozinho!
— Isso só o tempo dirá, querida — mamãe fala, vindo ao nosso

socorro.

— Você não pode ficar falando isso na frente de Amanda. — A voz

de Sofia me faz virar. Eu a vejo colocando Noah no berço e caminhando de


volta para a cama. Sobe no colchão se arrastando. Os cabelos negros estão
presos no alto da cabeça e o rosto desprovido de maquiagem. Veste um baby-
doll branco de seda que cai ao redor das suas curvas como uma luva.
— Vem cá — eu a chamo e ela se senta em meu colo, encaixando
nossos sexos enquanto minhas mãos enlaçam sua cintura. — Posso sim. —
Jogo uma mecha do cabelo para trás. — É a verdade.
— Nos conhecemos há pouco tempo, Theodoro.
— Me fale quanto tempo você ficou com Nathan?

— Quase dez anos. — Ela suspira.


— Ele está aqui agora?
— Não.
— Viu? O tempo não diz nada, Sofia. Os sentimentos que dizem.
Quando você quer estar com alguém, fica. Não importa se são dez dias ou
dez anos. Quando você se importa, você fica. — Aliso sua bochecha. — Eu
sei que é cedo, mas não estou dizendo que precisamos nos casar amanhã, mas
quero dizer que quando eu a pedi em namoro era sério. Nunca fiz isso. E se

fiz é por ser sério.


— Eu sei. — Ela sorri. — Só que me deixa toda nervosa entrar nisso e
mais a frente ter que me reconstruir novamente.
— Não posso prometer não machucar. Acho impossível quando

somos humanos, errar é parte da natureza humana. Mas posso prometer evitar
a todo custo e tentar consertar todas vezes que sair do planejado.
Seus lábios tocam os meus e minhas mãos instantaneamente apertam
a carne das coxas.
Oh mulher gostosa...
Noah.
Noah dorme bem ali.
Afasto minhas mãos com esse pensamento.

— Ok. Eu acho que apenas tenho que aceitar que você, Theodoro
Alencastro, entrou na minha vida e me conquistou com comida.
Jogo a cabeça para trás, rindo.
— Isso é verídico. Será que tem algum fato científico que comprova
que mulheres são mais facilmente conquistadas quando ganham comida?
Sofia desliza do meu colo e se deita ao meu lado, jogando as pernas
sobre mim.
— Acredito que seja algo mais do senso comum — brinca, sorrindo,
mas logo isso se vai. — Tem uma coisa que quero falar.

— Sobre?
— Noah. Eu tenho um filho, Theo. Tem ideia da bagunça que você se
mete ao ficar comigo?
— E? Eu tenho uma filha.

— Eu sei, mas Amanda é de coração. Tem toda aquela regra social de


que mulheres não devem ter filhos fora do casamento e...
Coloco o indicador sobre seus lábios.
— O corpo é seu. A vida é sua. Esqueça as regras. — Sorrio. — Não
sou ninguém para julgar o que você fez antes de me conhecer, Sofia, e
mesmo que fosse, não poderia. Afinal, meu passado me condena. — Olho
para o berço à nossa frente. — E não tem como não ficar apaixonado por uma
coisinha pequena e chorona.

— Ele não é seu filho, e eu sei que em algum momento isso vai ser
difícil...
— Eu o amo. Da maneira que amo minha filha. E juro que não existe
alguém que entenda mais de laços do coração do que eu... ganhei uma filha
quando perdi meu irmão. Ganhei mais um quando consegui domar um
chororô sem fim. — Ela sorri de leve. — Sei onde estou entrando. Sei a
obrigação que vem com tudo. E se você e Noah deixarem, sempre terão
minha ajuda, proteção e amor.
Beijo sua testa.

— Você não existe.


— Realmente. Sou quase um anjo.
— E não há nada mais inabalável que seu ego. — Sofia bufa.
Dona Neiva coloca mais um pacote de arroz no carrinho enquanto eu
mantenho Noah adormecido no canguru apertado em meu peito. O mercado
está relativamente vazio enquanto caminhamos pelo corredor extenso.
— O Theodoro disse que iria fazer o jantar para vocês hoje. — Ela
sorri com isso.

— Sim, ficamos de nos ver na oficina. — Faz uma semana desde que
tivemos aquela conversa. As coisas fluem naturalmente entre nós. Eu estou
sempre em casa por conta do Noah e ele sempre vai almoçar comigo e
Amanda antes de voltar para o trabalho, e só volta no final da tarde.
Minha vida desde então está se dividindo entre meu apartamento e o
dele. Noah está cada vez mais apegado ao homem e isso não me preocupa
mais.
— Ele não cozinha maravilhosamente bem, mas não vai te matar —
dona Neiva me avisa com um sorriso. — Querem que eu fique com Noah

hoje?
— Não é necessário, obrigada. Ele disse que Amanda também estará
lá e não queremos incomodar. Apenas um jantar — falo de maneira
desenfreada, não querendo pensar muito no que pode dar a entender se eu

ficar sozinha com seu filho. É claro que ela sabe. Porém isso não deixa de ser
menos embaraçoso.
— Oh, querida, não fique tão envergonhada. Já fui jovem. — Engasgo
com o ar e Neiva ri, abanando a mão para segui-la. — Theodoro é um homem
bonito e você não fica atrás, claro que um relacionamento envolve sexo.
— Neste momento, eu parei de ouvir, dona Neiva.
A mulher apenas ri.
— Não faça isso.

— É sério, não vou falar com você sobre sexo.


— Por que não? Fiz dois filhos. E garanto que não foi a cegonha que
os trouxe.
— Theodoro e eu nunca... — engasgo novamente e fecho os olhos.
Meu Deus, que merda de situação constrangedora. — Nun-ca...
— Nunca fizeram sexo? — ela indaga, vendo que não irei conseguir
concluir minha frase. Apenas balanço a cabeça, pegando um pacote de açúcar
e colocando no carrinho para não encará-la. — Ahh, mas falaram sobre isso.
— Não — decreto em voz baixa.

— Você quer?
— Não sei. Gosto dele, claro que sinto atração por ele. Mas estou
sempre tão cansada da maternidade, que quando ele chega no fim do dia, só
quero dormir.

— Ei, não fique chateada com isso. — Dona Neiva segura o meu
rosto. — E não se envergonhe em me falar isso também. Como disse, todos
nós já fomos jovens, somos humanos e temos necessidades. — Pisca. — Mas
eu entendo essa fase. Passei por isso quando Theodoro nasceu. A gravidez
bagunça a vida de muitas mulheres. Depende muito de cada uma. Você pode
se sentir cansada, pode não desejar no momento, mas se sentir culpada está
fora de opção.
— Mas é um relacionamento... não sei se relacionamentos duram

sem... isso.
— Pela minha experiência, relacionamentos devem sim durar além do
sexo. Sexo é bom, querida, é prazeroso, mantém um casal unido sim. Mas
não é tudo, ok? As conversas, a ligação, o amor. São coisas tão importantes
quanto. Até as brigas importam. — Pisca.
— Não acredito que estamos tendo essa conversa no meio do
supermercado.
— Sou uma ótima psicóloga também — brinca e sorri.
Dona Neiva é tão compreensiva comigo, que a qualquer momento

penso que isso irá sumir e ela será uma pessoa completamente diferente.
Ela tem paciência para me dar conselhos que mamãe nunca chegou a
fazer. Se oferece para me ajudar mesmo eu não precisando tanto assim.
Simplesmente, a mãe que desejei a vida toda.

Estaciono meu carro em frente à oficina de Theodoro e saio do


veículo, colocando a chave no bolso. Noah está adormecido na cadeirinha,
então faço o caminho mais rápido para não o deixar muito tempo sozinho.
Vejo que tem um homem sentado na bancada de trabalho do meu
namorado enquanto ele conserta algo no carro. Bato na porta de ferro meio
aberta e atraio a atenção de ambos.

— Boa tarde. — Sorrio. Theo me encara, chamando-me enquanto


limpa as mãos. — Ei, pensei que já tivesse acabado.
— Trabalho de última hora. Os Alencastro nunca sabem qual o
horário que eu trabalho — alfineta o homem e o encaro. Ele é alto, tem
cabelos claros penteados de forma alinhada e veste um terno escuro.
— Foi culpa do carro, juro. — O homem pula da bancada e caminha
em minha direção. — Sou Alex. Primo de Theodoro.
— Muito prazer. Sou Sofia. — Aperto sua mão.
Ele arqueia a sobrancelha em direção ao meu namorado.

— A mãe do Noah, certo? — brinca.


— Sim, exato. — Coro. — Pelo visto, fiquei famosa como mãe do
Noah.
— É, meu primo conseguiu divulgar você muito bem. — Ele abre um

sorriso de canto.
— Seu carro está pronto, Alex. — Theodoro salta de lá, estendendo a
chave para o primo. — Talvez Alícia precise que você volte agora — fala
sério.
— Bom, talvez seja melhor eu ir. Foi um prazer conhecê-la, Sofia.
Espero te ver em breve. Ah, e você é realmente tão bonita quanto Theodoro
havia mencionado. — Pisca de maneira galanteadora.
— Vai embora, Alex Alencastro! — o outro resmunga de maneira

inquieta. O riso alto escapa do seu primo enquanto ele entra no carro. — Vou
contar para a Jade dessa sua afronta. — Alex já está dentro do carro quando
Theodoro diz, então vejo o sorriso dele sumir.
— Cala a boca, Theodoro! — rebate, antes de ligar o veículo.
Saio do caminho para que ele passe e Theo levanta mais a porta para
liberar a entrada. Assim que Alex se vai, eu me aproximo de Theo, enlaçando
seu pescoço e beijando seus lábios de leve.
— Quer dizer que aquele é um dos Alencastro?
— Sim, um de três.

— Todos eles são bonitos assim? — brinco, me mantendo séria.


Vejo Theodoro franzir os olhos de maneira ameaçadora em minha
direção.
— Eu sou o mais bonito de todos eles.

— Jura? Alex é um colírio.


— Sofia! Porra, assim não dá.
Gargalho diante de sua raiva e ele tenta se afastar. Seguro seu rosto e
forço meus lábios contra os seus, enfiando meus dedos entre seus cabelos e
puxando-o levemente. Theodoro geme com o ato e aproveito para afundar a
língua em sua boca, beijando-o da maneira que estive desejando durante todo
o dia. Ofegantes, nós nos separamos.
— Alex não é o homem que eu desejo, seu bobo. O que eu quero tem

um ego enorme, leva comia para mim e cuida do meu filho. — Distribuo
beijos ao redor da sua boca, mordendo o lábio inferior ao final.
Theodoro me lança um sorriso safado.
— Eu sou mesmo irresistível.
E sei que não há nada que o faça mudar esse ego.
— Vem, Noah está no carro. Vou te esperar lá fora. — Sua moto está
quebrada e ele tem muito trabalho acumulado para ter tempo de consertar.
— Vai indo. Vou fechar tudo. — Ele dá um tapa na minha bunda
enquanto caminho para fora.

— Safado.
— Isso não é nenhum segredo.

Suspiro, não é mesmo.


Abro a porta do apartamento, tirando a bolsa do ombro. Estou um
pouco impaciente desde que conversei com Sofia durante o almoço. Estamos
há seis meses juntos e ela insiste em continuar morando em seu apartamento,
quando vivemos no meu a maior parte do tempo. As coisas de Noah estão
espalhadas pela sala com os brinquedos de Amanda, e sinto que as coisas

começam a avançar cada vez mais rápido.


— Ei. — A voz feminina me faz virar rapidamente, dando de cara
com Sofia no meio da sala, enrolada em um robe vermelho de seda. Ela sorri
de lado. — Boa noite. Estava te esperando.
Percebo algumas velas espalhadas pela sala de maneira estratégica. O
local cheira bem.
— Cadê Noah? E Amanda?
Ela se aproxima devagar, um sorriso nervoso em seu rosto.
— Talvez eu tenha mandado os dois para ficarem com a sua mãe. —

Ela toca minha bochecha e fica na ponta dos pés. — Queria ficar sozinha com
você.
— Pensei que estaria brava pela conversa sobre se mudar para cá.
— Eu estava. Até lembrar de uma conversa com sua mãe sobre um

relacionamento ser construído com suas mãos e que até mesmo as brigas
fazem parte do enlace. — Franzo o cenho. — Aí me lembrei que tem uma
coisinha que nunca incluímos.
Arqueio a sobrancelha enquanto suas mãos pegam as minhas e
colocam ao redor do laço do roupão.
— Faz mais seis meses que estamos enrolando com isso.
— Sexo não vai mudar as decisões que precisamos tomar, Sofia.
— Eu sei. Por isso eu parei de sentir medo e meio que me apossei do

seu apartamento durante essa tarde. Falta decidir o que fazer com todos os
móveis. Karina vai ficar com alguns e com meu apartamento. — Arqueio a
sobrancelha. — Eu só quero ficar com você. Passaram seis meses e eu não sei
se quero perder meu namorado por causa...
— Você nunca me perderia por causa disso. Eu tenho lido um absurdo
de livros e pesquisas sobre depressão, parto, sexo, maternidade, apenas para
entender e fazer meu corpo entender que o limite existe.
Ela ri e segura meu rosto com as duas mãos.
— O que eu faço com você, hein? É perfeito.

Beijo a pontinha do seu nariz com carinho.


— Não sou perfeito e sabe disto. Eu só entendi, depois de muito ler,
que algumas coisas não funcionam mais da mesma forma que antes de uma
gravidez. — Toco seu rosto. — Eu quero você. Inferno, dormir com você ao

meu lado é uma tortura. Mas isso não quer dizer que eu vá avançar em algo
que você não...
Ela me beija tão rapidamente, que o susto faz minha boca se abrir e
sua língua brincar com a minha. As mãos de Sofia se enrolam em meus
cabelos, que estão longos por uma falta de corte, enquanto seus braços
enlaçam meu pescoço e me puxam mais contra ela. Meus dedos descem ao
redor da peça sedosa e passam pelo laço, puxando e deixando que a peça se
abra.

— Escolhi para você — fala, ofegante, enquanto minhas mãos tocam


seu corpo, deslizando pelas curvas bem delineadas. Ela veste um conjunto
vermelho com espartilho que faz os seios parecerem ainda maiores no sutiã
meia-taça.
— Ah, caralho.
— A atendente da loja disse que é o melhor modelo. Não sabia bem o
que escolher, estava nervosa.
— Poderia ter vindo pelada, eu não sou um cara exigente — brinco,
descendo minha boca ao lado da sua cabeça, beijando delicadamente o lóbulo

da orelha e seguindo para o pescoço. Sofia cheira a flores e é espetacular a


maneira que sua pele macia está quente e ansiosa por mim.
— Eu bem que pensei nisso — fala, deslizando as mãos por minha
jaqueta e puxando o tecido para trás. Sua boca beija um ponto abaixo do meu

pescoço e isso envia um aviso diretamente para meu pau, que responde de
maneira inquieta na cueca.
São seis meses sem sexo. E eu estou subindo pelas paredes.
Eu me remexo inquieto e me abaixo à sua frente, vendo a maneira que
as peças vermelhas abraçam suas curvas bem delineadas. Os peitos maiores
por conta da amamentação, os quadris largos, a barriga com leves curvinhas
me deixam ansioso para me deleitar com ela em minha cama.
— Tem certeza disso? Não vou conseguir parar quando tocar em

você.
Ela sorri de maneira maliciosa.
— Estava ansiosa por isso. — Coloca as mãos para trás e abre o fecho
do sutiã, segurando-o contra o peito, me deixando ansioso. — Na verdade,
estou muito insegura também, tudo mudou desde a gravidez e isso está me
deixando em pânico.
— Você está gostosa pra caralho! — Toco entre suas pernas,
deslizando pela pele lisa e a encaro.
Sinto Sofia tensionar enquanto meus dedos sobem mais acima,

tocando-a nos quadris ao mesmo tempo em que me aproximo mais dela.


Beijo um pouco acima do cós de sua calcinha e vou subindo lentamente,
deslizando a língua por sua pele delicada, observando os poucos pelos em sua
barriga se eriçando.

Eu a beijo entre os seios e fico cara a cara com ela, encostando os


lábios nos dela enquanto puxo minha blusa para fora do meu corpo, deixando
a peça cair no chão. Enlaço as costas de Sofia em seguida, encostando os
seios fartos contra os meus.
— Puta que pariu — sussurro.
— O que foi? — Ela me encara.
— Eu acho que vou morrer.
— Você é dramático, senhor Alencastro. — Sofia ri.

— Você não abala só meu ego, Sofia. — Passo a mão por sua cintura
e seguro sua perna, esfregando meu membro duro dentro da calça entre suas
pernas. Beijo novamente seus lábios e caminho em direção ao sofá, deitando-
a contra a superfície macia, beijando sua pele, deslizando minha boca até a
base dos seus seios rosados, cheios e perfeitos. Esfrego o bico e o sorriso
perverso sai dos meus lábios quando vejo o leite minando ali. Baixo minha
boca sobre o monte e deslizo minha língua, ouvindo-a suspirar embaixo de
mim. O gosto do leite de Sofia é uma coisa diferente, nunca na vida pensei
que estaria sentindo isso.

— Perfeito.
— Não tem mais a mesma intensidade — sussurra enquanto fecho os
olhos. — Estou gostando, mas não sinto mais como antes.
— Vamos buscar pontos que deixe isso melhor para você, baby. —

Fico entre suas pernas, abrindo um pouco mais para ter a visão dela à minha
frente. Deslizo minhas mãos por entre suas pernas, tocando-a mais acima, até
que meus dedos alcancem sua intimidade. Eu a toco por cima da calcinha e
vejo Sofia prender a respiração. Puxo a peça um pouco para o lado,
deslizando o indicador por entre os lábios vaginais. O gemido escapa
baixinho dos seus lábios, então puxo seus quadris mais para perto de mim,
ficando de joelhos para ter como tocá-la da maneira que desejo.
Deslizo um dos dedos em sua entrada, sentindo-a quente contra minha

pele. Passo a língua em sua boceta, beijando, chupando e degustando


conforme sinto seu gosto em minha boca. Puta que pariu. Eu a toco com mais
intensamente, vendo que Sofia geme e se derrete em minha boca, ficando
cada vez mais excitada.
— T-he-o...! — o grito entrecortado corta o local, então me afasto ao
ver que ela está prestes a gozar. Eu a encaro, buscando seu olhar. — Por...
que.... parou?
— Quero que goze no meu pau. — Sorrio e abro a carteira, buscando
uma camisinha. Abro o pacote e deslizo meus dedos pelo botão da calça. —

Acha que está pronta? — Passo novamente as mãos em seu corpo e a vejo
assentir. — O que houve?
— Ah, pelo amor de Deus... — Ela me encara. — Estou nervosa. —
Sofia dá um sorriso.

Toco seu rosto, depois estendo a mão em sua direção.


— Vem cá... — Ela se levanta e fica à minha frente. A calça cai ao
redor dos meus pés e eu fico apenas de cueca. — Você tem que se acalmar,
princesa. — Seguro seu rosto e beijo seus lábios, sentindo-a se encostar
contra mim.
Puxo Sofia para cima e deixo que suas pernas se enrolem em torno da
minha cintura para só então caminhar em direção ao nosso quarto. Ela
continua me beijando e deslizando as mãos ao redor dos meus ombros. Eu a

deito sobre a cama, ficando entre suas pernas.


— Sabe que eu amo você, né? Você não vai sair da minha vida tão
fácil.
— Também amo você. E você que lute com Noah também
apaixonado por você. Afinal, ele se apaixonou primeiro. — Ela sorri.
Eu a beijo, deslizando meu corpo contra o seu, sentindo suas mãos
deslizando pelo cós da minha cueca e a puxando para baixo. Eu me afasto o
suficiente para descartar a peça, aproveitando para nos proteger. Volto para
cima dela, colando meus lábios nos seus, minhas mãos deslizando ao redor

do seu corpo enquanto meu pau duro feito pedra brinca entre suas pernas.
Sofia arqueia os quadris em minha direção e sua mão coloca meu
membro dentro de si. Aproveito para deslizar dentro dela, soltando um
gemido com a combinação perfeita entre nós. Caralho. Sua boceta acomoda

meu pau com perfeição, sugando lentamente enquanto me movo, mantendo


meus pensamentos lúcidos para não enlouquecer, completamente enfeitiçado
por essa mulher.
O gemido escapa dos meus lábios e eu sigo me movendo, sentindo
nossos corpos se batendo, se conectando, se moldando em busca do nosso
prazer. Sofia joga a cabeça para trás, chamando meu nome com os olhos
fechados. Sinto seu corpo estremecendo, gozando contra meu pau pouco
antes do meu corpo seguir o dela, tremendo enquanto gozo e fecho os olhos.

Deixo meu peso cair sobre o dela e me apoio de lado, beijando o topo
da sua cabeça com carinho.
— Ei.
— Sim?
— Seis meses, dê um crédito para mim.
— Não estou reclamando. — Ela ri e beija o meu peito. Eu giro de
lado e encaixo seu corpo contra o meu peito. — Temos uma noite sem
crianças. Se recupere, bonitão. — Ela se vira, ficando com o corpo todo em
cima do meu. Sofia é pequena e parece ainda menor em cima do meu corpo

enorme.
— Um instante, princesa. Vou te cansar a noite toda — prometo,
beijando seus cabelos. — Primeiro, eu tenho uma pergunta...
Ela me encara.

— Casa comigo?
— Você está louco. — Ela sorri.
— Não estou. Quero você como esposa. Quero meus filhos de
coração para sempre. Quero uma vida com você.
— Caso com você. — Ela suspira. — Sem chance de deixá-lo solteiro
depois disso. — Ela sorri de maneira adorável, que me deixa ainda mais
apaixonado.
Eu sinto meus músculos todos tensos. O salão à minha frente está
decorado em cores pastéis e sinto meu coração batendo rapidamente em meu
peito. Fecho os olhos e sinto quando uma mão pequena pega a minha.
— Você está bem, tia Sofia?
— Sim, querida. — Sorrio com a voz meiga da minha menina. —

Onde está Noah? — sussurro, alisando seus fios delicados.


Faz exatamente um ano que Theodoro e Amanda entraram
definitivamente em minha vida, e eu ainda não acredito que estou aqui, a
caminho do altar.
O vestido branco esvoaçante delicado está solto ao redor do meu
corpo. Uma pequena coroa de flores enfeita os meus cabelos, que agora estão
um pouco mais curtos do que quando conheci Theo.
— Está com a vovó. — Aponta na direção de dona Neiva, que segura
meu filho nos braços.

Mamãe se aproxima na outra extensão, sorrindo em minha direção.


— Ei, pronta? Amanda já vai entrar — diz a cerimonialista.
Toco o rosto da minha enteada, que me chama com a mão. Eu me
abaixo à sua frente e ela segura o meu rosto, beijando minha bochecha.

— Obrigada por aguentar meu pai, tia Sofia. — Sorri com isso. — Eu
amo você. E obrigada por me dar um irmãozinho.
— De nada, querida. Eu também amo você.
Ela sorri de maneira angelical pouco antes de ser levada pela
cerimonialista. Tínhamos escolhido um salão bastante conhecido dentro de
São José, de uma amiga em comum, que havia sido decorado de maneira
delicada para aquele momento.
— Você está linda — mamãe diz, atraindo minha atenção. Dou um

sorriso agradecido. Muita coisa mudou, mas ela continua a mesma. — Fico
muito feliz em ver que você superou seus medos, seus obstáculos. — Mas ela
se esforça para ser melhor.
— Obrigada. Fico feliz em saber que veio. — Beijo sua bochecha.
Nunca falamos sobre nossas diferenças, mas eu sei que ela sempre
estará ali do seu jeito meio torto e errado. Só que agora eu tenho a minha
família. Uma família que aceita meus erros e me ama da maneira que eu sou.
Vejo meu noivo no altar, nervoso. E sorrio quando dona Neiva
caminha ao lado do neto postiço. Ela o ama e isso me faz amá-la ainda mais.

Dona Neiva é uma segunda mãe.


Meu filho sorri quando o padrasto bate palmas de maneira silenciosa e
sorri de orelha a orelha. Noah dá um saltinho no ar. Meu filho chama o
padrasto de pai, e todo instante está atrás de Theo.

Nem sei explicar o quão apaixonado ele é por aquele homem.


As lágrimas brotam em meu rosto e não consigo controlar. Nem em
um milhão de anos pensei encontrar alguém como ele. Theodoro é tudo que
eu preciso. Debochado, irritante e com um ego que não cabe em si. Mas ele
sempre é a parte que acalma, que me dá a mão e que me diz que tudo vai dar
certo.
Theo pega Noah nos braços e, em instantes, a macha nupcial inicia.
Chegou o meu momento. Dou alguns passos para a frente e a porta se abre

totalmente, me dando a visão completa do salão. Encaro o meu futuro marido


e sorrio de orelha a orelha enquanto caminho em direção ao altar,
completamente sozinha.
Eu estou fazendo isso sozinha como fiz muita coisa em minha vida. A
única pessoa que eu quero ao meu lado é meu pai, mas ele não está mais aqui.
Alcanço Theodoro e abro um sorriso ainda maior. Estendo a mão em sua
direção.
— Preparado para nunca mais ter paz na vida?
— Estou sempre preparado quando se trata de vocês, princesa. — Ele

ri.
Noah continua em seus braços, fazendo jus a toda sua paixão pelo pai
que o coração deu a ele.
Meu filho é o maior sortudo. Se livrou de um pai que não o merecia e

ganhou um que é tudo para ele.


Sorrio em direção aos convidados sentados nas fileiras da igreja e
vejo ali toda a família Alencastro. Os primos sorriem ao ver mais um deles se
enlaçando em um relacionamento.
Afinal, o amor está no ar...
Três anos depois
Theodoro corre em direção a Noah a tempo de impedir que ele pegue
o isqueiro sobre a pia da cozinha. Davi observa o primo com atenção,
enquanto morde um pedaço de melancia.
Toda a família Alencastro está ao redor da enorme mesa na área da

fazenda de Kenny. Ian corre até os primos e fala algo a Theodoro, com um
tom adorável de uma criança de dois anos. Desço minha mão sobre o ventre e
observo a grande família que ganhei.
Alex está casado com Jade e hoje tem mais uma criança, Ian
Alencastro.
Kenny, todo durão, acabou rendido por Diane, tanto que hoje Davi e
Helena são tudo para eles.
Guilherme e Heloísa perpetuaram o gênio forte de Danilo em duas
crianças. As coisas mudaram muito e, de um jeito estranho, estamos todos

cercados por pequenos pestinhas.


— Tenho uma coisa a dizer — nervosa, falo ao me levantar.
Vejo todos me encarando rapidamente. Estive pensando na melhor
maneira de falar isso, e aqui estou eu, sem preparar nada.

— Está grávida! — Guilherme fala alto, do nada.


Meus olhos quase saltam do rosto. Theodoro me olha tão rápido, que
pensei que seu pescoço fosse deslocar da cabeça. Ele nega, balançando a
cabeça.
— Não, ela não tá grávida. Eu saberia. — Ele vem tentando me
convencer a ter um bebê há muito tempo. Já temos três anos de casados e
mesmo assim o medo de passar pela maternidade novamente ainda me
assombra. — Ou está? Não sei. Mulheres grávidas emitem algum sinal?

— Elas geralmente comem mais — Kenny é o primeiro a dizer.


— Elas ficam emotivas.
— Ok, chega. Vocês são péssimos falando sobre gravidez —
intervenho, sorrindo. — Como pode ter certeza que estou grávida?
Guilherme sorri de lado, cheio de si.
— Vi você passando a mão na barriga várias e várias vezes enquanto
observava Theo e Noah.
— Quem está grávida? — Jade aparece na porta, sorrindo.
Coro e vejo Theo deixar Noah de lado e se aproximar com uma

expressão cheia de medo.


— A Sofia!
— A tia Sofia está grávida? — Amanda e Alícia vêm correndo de
dentro da casa, acompanhadas de Danilo.

— Sofi, você vai fazer um homem enfartar. Fala logo, mulher — Alex
diz, apontando para Theodoro.
Eu sorrio e seguro as mãos do meu marido.
— Calma, ok? Eu descobri há alguns dias. Você tem que ficar
calmo...
Ele não me deixa falar, apenas me pega nos braços e me joga para
cima, rindo igual a um louco. Theodoro me gira e nisso meu mundo sai de
foco. Assim que me coloca no chão, suas mãos vão para o meu ventre liso.

— Eu vou ser pai. Eu vou ser pai de novo. — Ele me olha, dando um
sorriso bobo. — Quanto tempo?
— Cinco semanas só. — Sorrio e não tenho tempo para falar nada,
pois meu estômago está instável e sinto o café da manhã voltando. Coloco a
mão na boca para impedir a bile e dou passos rápidos para longe.
— O que houve? — Ouço a voz do meu marido.
— Ela provavelmente ficou enjoada com o giro.
— Ah, caralho. Eu vou ser um péssimo pai para acompanhar uma
gravidez.

Entro no banheiro do lado de fora da fazenda e coloco para fora todo


o café da manhã. Cansada, eu suspiro e me escoro na parede mais próxima.
Sorrio de lado, sabendo que Theodoro será um ótimo pai para a criança em
meu ventre, da mesma maneira que é para Amanda e Noah.

— Caraio! — A voz fofinha do meu filho corta meus pensamentos.


Ouço a porta do banheiro se fechado e sinto a mão de Theodoro em
minhas costas, me ajudando a levantar.
— Você realmente tem que parar de xingar. — É tudo que eu digo
enquanto ele me levanta e me ajuda a lavar o rosto. Assim que termino, suas
mãos enlaçam a minha cintura e ele beija o topo da minha cabeça.
— Eu amo você. Obrigado por mais um presente.
— Também amo você. Obrigada por ter me encontrado.

Oito meses depois


O cansaço avança sobre meu corpo de maneira esmagadora. Sinto
meus olhos pesados e o sono ameaça me dominar. Tudo dói. É aquela batalha
mais árdua da vida de uma mulher. E estou passando pela segunda vez.
— Cheguei, mamãe.
A voz do meu marido me faz abrir os olhos e encontrar o pequeno
pacote embrulhado em um lençol branco se aproximando. Theodoro inclina o

nosso bebê em minha direção e sorri.


— É um menino.
Passamos oito meses inteiros sem saber qual o sexo do nosso bebê. A
família toda enlouqueceu e agora está aqui. Nem o nome escolhemos. O

pequeno está de olhos fechados, só um tufo de cabelos castanhos na cabeça.


Aproximo minha mão e toco seu rostinho. É lindo. Nosso terceiro filho é a
coisa mais perfeita do mundo.
Sim, terceiro. Amanda é minha filha de coração, sempre será. Noah é
meu amor, que me fez renascer.
E agora tenho ele. Minha segunda chance.
— Thales Alencastro — sussurro, focando em sua bochecha. Não é
nada programado, mas desde que fiquei grávida, imaginei homenagear o

irmão do meu marido. Eu sei que ele nunca pediria isso. — Ele tem cara de
Thales — digo e sorrio em sua direção.
— Achei perfeito. Thales. Papai e mamãe te amam — meu marido
diz, beijando a mãozinha do garoto enquanto lágrimas descem em seu rosto.
— E seus irmãos estão ansiosos para conhecer você.
E essa é a minha família. Extensa e especial. Da maneira que sempre
desejei.
CAMILLA — SEGUNDO LIVRO DA SÉRIE ENLAÇADOS

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Thais Oliveira é escritora iniciante de romances, estudante de
pedagogia e divide seu tempo entre estudar, trabalhar e escrever. Apaixonada
por clichês, busca sempre isso em seus livros, tentando não deixá-los no
esquecimento. Escreveu seu primeiro livro em 2016, porém, só publicou em
2017, o romance de estreia Nove meses depois, atingindo mais de 250.000
leituras online. Do interior do Pará, acredita que não há males que um bom

romance não afaste.


Ele se fechou para o amor. Quando
menos esperava, o recebeu em dose dupla.
Playlist
Sinopse
Capítulo Um
Capítulo Dois
Capítulo Três
Capítulo Quatro
Capítulo Cinco
Capítulo Seis
Capítulo Sete
Capítulo Oito
Capítulo Nove
Capítulo Dez
Epílogo
Agradecimentos
Livros Anteriores
Outras obras
Contato
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Spotify no seu celular, selecionar “buscar” e depois clicar na câmera e
posicioná-la no code abaixo.

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Desde a morte da esposa, Kenny Alencastro se refugiou do mundo
em uma pequena fazenda no interior da cidade de São José. Cada vez mais
fechado, frio e antissocial, ele nunca permitiu que outra pessoa tomasse o
lugar de sua mulher. Nunca se permitiu ter qualquer sentimento semelhante
por quem quer que fosse. Ele também nunca gostou muito da ideia de ser pai,
e sua aversão por crianças se intensificou depois que sua mulher morreu por
causa de uma delas. Entretanto, o abandono de um bebê na sua casa o fará
pedir ajuda a uma pediatra que trabalha na região e que ele simplesmente não
suporta. A convivência com o pequeno Davi e a aproximação com Daiane
despertarão nele sentimentos que tentou evitar por todos esses anos.
O sol ainda não nasceu quando desperto de um sonho ruim, intensificado
pelo meu despertador sobre a mesa de cabeceira. Rolo para o lado, bato a
mão no maldito relógio digital, que apita sem parar, e respiro fundo, tentando
afastar imagens dolorosas da minha cabeça.
Levanto-me e vou tomar um banho frio. Visto uma camisa vermelha
de flanela, calça jeans e botas de montaria. Na cozinha, tomo apenas um copo
d’água. No limiar entre a entrada do cômodo e o lado de fora, observo a
manhã escura começando a ser quebrada pelos primeiros raios dourados.
Desço os três degraus do alpendre e cruzo o quintal até o estábulo.
— Oi, Preciosa — digo, aproximando-me da minha égua e afagando
sua crina.
Ela relincha, mexendo a cabeça, animada com minha presença.
Alimento-a antes de preparar a cela para minha cavalgada rotineira. Quando
ela está pronta, faço o percurso de sempre, sem forçá-la, apenas um trote leve
pelas redondezas da fazenda que ainda dorme.
Como também é de costume, enquanto cavalgo lentamente tento
expulsar de mim péssimas lembranças. Vim parar aqui, nesse fim de mundo
chamado São José, justamente para me livrar de recordações dolorosas,
reencontrar-me, recomeçar, vencer o luto. Isso já faz cinco anos e ainda não
consegui superar. Não consegui aceitar a morte dela.
Nem sempre fui esse tipo de homem. O tipo que acorda antes das
galinhas, que cela o cavalo, que ordenha a vaca e faz trabalhos manuais em
uma fazenda. Até cinco anos atrás, eu tinha outra vida, completamente
diferente desta.
Cavalgo por mais de uma hora antes de deixar Preciosa livre no pasto,
roçando nos arredores da casa principal. Enquanto isso, tiro um pouco de
leite para meu café da manhã triste e solitário, como de praxe.
É por volta de sete e meia quando, estranhamente, ouço um chorinho
de bebê. Não mais que um segundo depois, Liliana chega, carregando a
criança dentro de um bebê-conforto usado que certamente comprou de
alguém conhecido. Ainda estou sentado à mesa, terminando meu café, e a
analiso de cima a baixo, não gostando muito da companhia inesperada que
trouxe para o trabalho.
Não sou rico, mas a pequena fazenda que herdei de um tio materno,
que morreu solteiro e sem filhos, tem algumas cabeças de gado e plantações
que rendem o suficiente para pagar alguns funcionários. Não mais que dez.
Liliana é a única que trabalha na casa principal. Os demais fazem serviços
externos, na grande maioria das vezes.
— Oi, seu Kenny — a menina, que não deve ter mais do que vinte e
um anos, me cumprimenta, parecendo desajeitada. Ela olha de mim para o
filho pequeno, com uns dois meses.
— Pode me explicar o que é isso? — pergunto, indicando a criança
com o queixo.
— É meu filho.
— Sério? Se não tivesse dito, eu não saberia — retruco, impaciente,
engolindo o último pedaço de broa que eu mesmo preparei. Coisas que
aprendi sozinho e meio que na marra desde que me mudei para cá. — Estou
perguntando por que o trouxe para o trabalho. Sabe que detesto criança.
A menina fica rígida no lugar, encarando-me como se eu fosse o pior
monstro da face da Terra. Não sou uma pessoa ruim, não mesmo, mas tenho
trauma desses pivetes. Foi por causa de um deles que perdi a pessoa que mais
amava na vida. Além disso, são serzinhos irritantes, que não param de cagar,
de comer e de chorar. Paciência zero. Bem ChildFree mesmo.
— Desculpe, seu Kenny. É que não consegui alguém para ficar com
ele hoje e…
— Isso não é da minha conta, Liliana — interrompo-a, levantando-me
do meu lugar.
— Mas não tenho com quem deixar ele — sussurra, olhando para o
garoto que está dormindo. — Prometo que o Davi não vai dar trabalho, seu
Kenny. Prometo mesmo. Vou cumprir todas as minhas obrigações e ele não
vai me atrapalhar.
Afago os cabelos, não gostando muito da ideia. Mas é isso ou terei de
dar o dia para ela. Se eu fosse a droga de um bom patrão, eu a dispensaria.
Porra, sou um homem de trinta e sete anos, sei me virar sem uma empregada
doméstica. Mas não sou um bom patrão. Se a liberar por causa do pivetinho,
ela pode usá-lo sempre como desculpa para faltar ao trabalho. Sinceramente,
já foi difícil contratá-la porque a droga dessa fazenda fica longe de tudo do
centro da cidade. Mais de uma hora de carro, se a estrada de terra estiver boa.
Ninguém em sã consciência aceitaria vir trabalhar aqui, não tão longe, onde o
ônibus circular só chega até certo ponto e depois disso são bem umas duas
horas de caminhada. Também não vou me dar ao luxo de ir buscar e levar
funcionário todo santo dia. Gasto desnecessário. E a maioria da população
dessa parte da cidade é aposentada, criança ou agricultora.
Ter contratado Liliana, três anos atrás, foi um achado. A danada até
que demorou a engravidar, levando em consideração como andava se
esfregando nos rapazes das redondezas. O salário livre de qualquer
responsabilidade a fazia gastar desenfreadamente na cidade e nas quermesses.
Os pais dela tinham uma pequena malharia nos fundos do quintal, onde
fabricavam meias, calças, blusas, toucas, cachecóis e luvas; e vendiam para
um cara que revende nas cidades frias da região. Tinham, porque faleceram.
Primeiro foi a mulher, pouco depois de a filha começar a trabalhar aqui.
Apenas um ano se passou para que o velho, talvez com saudade da esposa,
partisse também.
Enfim… a questão é que não posso demiti-la porque seria difícil
encontrar outra para a substituir caso ela se aproveitasse do bebê como
pretexto para faltar ao trabalho. Então, para evitar esse tipo de coisa, não vou
dispensá-la.
— Tudo bem. Mas só hoje, Liliana. Dê um jeito nesse garoto amanhã
— digo.
Não espero por uma resposta e saio da cozinha.
Também tenho trabalho a ser feito.

Pouco depois do almoço, preciso ir até o posto de saúde da região.


Semanas atrás, Margarete, uma assistente social, esteve aqui em casa e fez
perguntas habituais. Normalmente minto nessas entrevistas, que acontecem
apenas uma vez a cada dois ou três meses, só para que ela vá embora logo e
pare de tomar meu tempo. Acontece que, nessa ocasião em específico, acabei
deslizando e mencionei alguns sintomas que vinha sentindo. A mulher me
aconselhou a fazer um exame sanguíneo na cidade porque eu provavelmente
estava anêmico. Não teria ido, mas a desgraçada veio me atazanar o resto da
semana sobre isso e acabei cedendo. Depois de tirar uma amostra de sangue,
fui informado que o exame com o resultado chegaria na minha unidade de
saúde.
Ontem à tarde, Margarete veio me informar que meus testes já
chegaram tem uns dias, mas que estava esperando abrir uma vaga para
aproveitar e marcar uma consulta com o clínico-geral para mim. Então, vou
só para que não tenha que aturar a visita da mulher pelo restante da semana
me cobrando por isso.
Estaciono a picape no gramado do posto de saúde — uma antiga casa
em estilo colonial — e caminho até a recepção do lugar. A mocinha que
trabalha aqui pega minha ficha e me dá um número para esperar na fila, onde
tem mais meia dúzia de pessoas esperando para serem atendidas, entre
crianças e velhos. Passo pela triagem. A enfermeira mede meu peso, pede
minha carteira de vacina, tira a pressão, faz perguntas habituais. De mau
gosto, respondo todas elas. Leva mais de uma hora para que, finalmente, eu
seja atendido. O clínico-geral abre o exame e confirma as suspeitas da
assistente social.
Estou anêmico, mas não é nada grave.
Ele me passa um tratamento com suplementos e me pede para que, se
possível, eu faça um acompanhamento com um nutricionista para que minha
rotina alimentar seja corrigida. Pode esperar sentado que vou seguir seu
conselho, sim, doutor. Saio do consultório carregando a receita. Assim que
entrar na picape, vai para o lixo. Não estou nem um pouco disposto a ir à
cidade só para comprar um frasquinho de sulfato ferroso, pelo amor de Deus.
No corredor entre o consultório e a recepção, acabo esbarrando em
alguém que está deixando uma sala logo em frente. Estou abrindo a boca para
pedir desculpas quando noto de quem se trata e desisto na mesma hora. Ao
me reconhecer, a mulher também fecha a cara.
— Olha só quem saiu da toca — provoca do seu jeito ácido e
debochado, referindo-se ao fato de que prefiro viver isolado do resto do
mundo e saio só em casos muito excepcionais.
Todo mundo conhece esse meu jeito solitário e antissocial.
Comportamento que rende muitas fofocas, comentários e teorias, como eu ser
um milionário que perdeu tudo em casas de prostituição e por isso vivo tão
amargurado na fazenda que herdei.
Franzo o cenho, estranhando a presença dela aqui. Não deixando sua
provocação barata, respondo:
— Está trabalhando na prefeitura, agora? Talvez para complementar
sua renda e comprar suas coisas sem precisar dar o cano em ninguém, não é?
Vejo seus olhos faiscarem na mesma hora ao mencionar o episódio
que causou nosso desentendimento e, consequentemente, o ódio mútuo que
sentimos um pelo outro. Ela aponta o dedo na minha cara e está abrindo a
boca para retrucar quando a única enfermeira do lugar a chama:
— Daiane, posso chamar sua próxima paciente? É uma recém-nascida
que está com refluxo.
Ela me fuzila por mais um longo segundo antes de dizer que pode
trazer a criança e entrar no seu consultório batendo a porta.
Mulher doida.
— Seu Kenny? — Liliana chama, batendo ligeiramente na porta do
meu escritório.
Tiro minha concentração de alguns papéis e ergo o olhar na sua
direção. Só então percebo, dando uma conferida rápida na janela ao lado da
minha mesa, que já entardeceu. O sol está se pondo no horizonte e esfriou
ligeiramente — algo que só sinto por causa da corrente fria que adentra pela
porta aberta.
— Meu horário está quase acabando. O seu jantar já está pronto, é só
aquecer depois e…
— Liliana — interrompo-a, sem paciência para sua tagarelice atípica.
Ela nunca tagarela desse jeito porque sabe que odeio interações sociais. Ela
me informa apenas o necessário e se despede. — Vá direto ao ponto e pare de
me fazer perder tempo, por favor.
— Sim, claro — diz, parecendo meio sem jeito. Ela fica no umbral da
porta, torcendo a barra da camisa, meio hesitante. — Queria saber se o senhor
pode me fazer um favor, sabe.
Ergo uma sobrancelha, curioso e surpreso com o pedido dela. Solto a
caneta entre meus dedos e encosto-me à minha cadeira, analisando-a de cima
a baixo, tentando adivinhar que tipo de favor é esse. Espero que não seja
adiantamento de salário porque a data do vale já passou tem poucos dias.
— Que tipo de favor?
Rubor toma conta das suas bochechas brancas.
— Preciso ir na cidade comprar fralda pro Davi. O João da Dona
Marcinha vai me levar lá de moto e não tenho com quem deixar o menino. O
senhor… o senhor poderia dar uma olhadinha nele pra mim?
Por longos dez segundos, encaro a menina como se ela fosse uma
nova espécie descoberta. Explodo em uma gargalhada meio histérica,
perguntando-me o que ela tem na cabeça para querer confiar o ranhentinho a
mim. Só pode estar com titica de galinha no lugar do cérebro.
— Você perdeu o juízo, Liliana? — pergunto, rude e indignado com
esse pedido.
Ela move a cabeça de um lado a outro, freneticamente.
— Não, seu Kenny. Não pediria isso se eu não tivesse precisando
muito. Eu acabei de colocar a última fralda nele. Ainda hoje o pobrezinho
não vai ter o que vestir. Por favor, prometo que vou e volto logo, logo. Ele já
mamou e tá dormindo. Só vai acordar agora mais de noitezinha. Davi não vai
incomodar.
Levanto-me de trás da minha cadeira e me viro de costas para ela,
olhando através da janela alta e estreita. Não deveria aceitar, não mesmo.
Agora por acaso tenho cara de babá? Mas é capaz de ela faltar amanhã com
algum pretexto que envolva o pivete. Suspiro, virando-me para ela,
arrependendo-me dessa decisão muito antes de tomá-la.
— Ele não vai acordar? Certeza disso?
A menina garante com um gesto de cabeça.
Se ele continuar dormindo enquanto ela vai e volta da cidade — que
de moto é bem mais ligeiro do que de carro —, então não vejo muito
problema. Reviro os olhos.
— Tudo bem. Esteja aqui em duas horas, no máximo, me entendeu?
— Sim, seu Kenny. Muito obrigada mesmo — ela diz.
Meio minuto mais tarde, a menina retorna com o bebê-conforto. O
rapazinho está mesmo dormindo, enrolado em uma manta azul, bastante
batida a contar pelo tecido gasto, com uma chupeta na boca e uma fralda de
pano amarrada na argola. As mãozinhas agarram o pedaço de pano contra o
rosto, como se o cheiro ali impregnado fosse a coisa mais gostosa do mundo
para ele.
Pego o bebê-conforto e digo para ela ir logo de uma vez. Liliana deixa
um beijo carinhoso na testa do filho antes de partir. Assim que ela se vai,
coloco-o na mesa do meu escritório e o observo, de longe, como se Davi
fosse alguma ameaça grandiosa, e não apenas um bebê indefeso.
Lembranças que não gostaria de ter retornam com toda força e preciso
me esforçar para não ceder às emoções descabidas. Esse menino na minha
frente não tem culpa nenhuma da tragédia que se abateu sobre mim. Foi outra
maldita criança, mas não foi ele.
Inspiro fundo e vou até a cozinha, sentindo meu coração
descompassado. Tomo um longo copo de água e como uma banana. Volto
para o escritório. Ele continua dormindo. Confiro as horas. Cinco e meia da
tarde. Sento-me atrás da minha mesa outra vez e me concentro no que preciso
fazer. Meu estômago ronca, mas decido que só vou comer algo que sustente
quando o pivetinho não estiver mais aqui. Por algum motivo, não vou
conseguir comer.
Liliana tinha razão quando disse que o menino não me daria trabalho.
Constato isso quando termino meu trabalho sem que ele tenha dado um único
resmungo. Saio do meu lugar e olho no relógio. Assusto-me quando me dou
conta que já são oito da noite. A mãe do menino já deveria ter voltado. Um
leve desespero me acomete. Onde é que ela se enfiou, afinal? Dou uma
espiada no bebê, ainda no mesmo lugar. Para intensificar ainda mais esse
pesadelo, noto que ele está acordado.
Inferno.
Tudo bem, não é motivo para entrar em pânico.
Tudo bem, não é motivo para entrar em pânico.
Tudo bem, não é motivo para entrar em pânico.
Repito a frase mentalmente, como um mantra a ser seguido. É só uma
criança e a mãe dele já deve estar chegando.
Inspiro fundo, procurando por um pouco de calma, enquanto meus
olhos assustados encontram os pequeninos olhos dele, curiosos, analíticos,
que ora estão em mim, ora estão observando e absorvendo tudo à sua volta.
Aproximo-me com cuidado e acho minha atitude patética. É só um bebê, pelo
amor de Deus.
— Oi, coisinha — digo, com uma pitada de desdém. Onde é que fui
me meter? — Se comporte, viu? Sua mãe deve estar chegando.
Davi me olha, a chupeta agora fora da sua boca. Fico aliviado por um
segundo. Aparentemente, ele realmente não vai me dar trabalho. Pego o bebê-
conforto e o levo até a cozinha. Coloco-o sobre a mesa e vou até a porta,
procurando na escuridão algum indício de que Liliana está chegando. Os
sapos já estão coaxando, os grilos cantando, vaga-lumes voando para lá e
para cá, enquanto mariposas rodeiam as luminárias no meu jardim.
— Droga, garota, onde foi que você se meteu? — sussurro, varrendo a
extensão escura.
O bebê começa a resmungar. Viro-me para ele, que se remexe no
lugar, fazendo uma careta. Leva só um segundo para que o resmungo se
transforme em um choro baixo e agudo. Aproximo-me rapidamente, sem
saber o que fazer. Olho para a criaturinha batendo as pernas e mãos enquanto
o choro aumenta gradativamente.
Pego a chupeta e coloco na boca dele. O menino suga o bico com toda
força e, por um mísero segundo, fico aliviado, achando que consegui resolver
problema. Acontece que, na terceira sugada, Davi cospe a chupeta, tornando
a chorar. Enfio outra vez na boca dele, que suga com força no primeiro
segundo, mas cospe outra vez, intensificando o choro. Insisto mais um pouco,
e, desta vez, ele nem mesmo pega o bico. Vira o rostinho, chorando e
esperneando.
Mas que inferno, viu.
Coço a nuca, pensando no meu próximo passo. O chorinho agudo dele
vai entrando no meu cérebro e me deixando em um estado que é uma mistura
de desespero, irritação e pânico. Não sei o que fazer! Nunca tive de lidar com
uma criança antes e não tenho ideia do porquê de ele estar chorando. Talvez
seja fome? Olho ao redor, perguntando-me o que uma criança de dois meses
consome. Leite. Certo. Mas leite materno. E o único leite materno que tenho
aqui é de uma das minhas vacas, Estrela.
Olho de novo para o garoto, contorcendo-se enquanto chora.
Pego o bebê-conforto e começo a balançá-lo, em uma tentativa de
fazê-lo dormir de novo. Quem dorme não sente fome. Improviso alguma
canção idiota de ninar, que só parece deixar o menino ainda mais irritado. Ele
berra mais alto, quase estourando os meus tímpanos, e tenho a maldita
impressão de que vai acordar a droga da fazenda inteira.
— “Ele não vai dar trabalho” — repito as palavras dela, mal-
humorado, enquanto sigo o chacoalhando. — Imagina se fosse dar!
Desisto de fazê-lo dormir e coloco-o de volta sobre a mesa. Caminho
até a porta, na esperança inútil de que Liliana esteja chegando e dê uma teta
para esse pivete chorão. Já estou ficando doido com essa choradeira toda.
Uma ideia meio absurda surge na minha cabeça, mas pode ser a solução
desse problema que a menina jogou sobre meu colo. Abro a porta do meu
armário e pego um pote cheio de mel natural. Nada de coisa industrializada.
Quem o produziu, aliás, foi um apicultor que mora a uns três quilômetros
daqui. Mergulho o bico da chupeta no doce e coloco na boca do garoto.
Melzinho na chupeta. Literalmente.
A choradeira cessa. O silêncio que ronda a casa é divino. Davi suga o
bico com vontade, estalando a boquinha. Por um minuto inteiro, fico com
meus olhos presos nos dele, observando-o se deliciar com o néctar. Alguma
coisa se remexe dentro de mim, mas não sei o que é. No passado, eu tinha
feito planos de ser pai, embora a ideia pouco me agradasse. Mas era um
sonho da Helena, desde que nos conhecemos, e teria feito isso por ela.
Qualquer vontade de cuidar de uma criança morreu dentro de mim quando
ela morreu.
Nunca vi qualquer futuro sem minha esposa. Qualquer plano que eu
fizesse que não a incluísse não fazia sentido para mim. E isso incluía ter um
filho. Ter um filho significa duas coisas.
A primeira, que eu, provavelmente, teria de arrumar uma esposa. Só
que nunca me vi deixando outra mulher tomar o espaço que sempre foi de
Helena. Nunca me vi apaixonado por outra como sempre fui apaixonado por
ela. Simplesmente não conseguia — e ainda não consigo — conceber a ideia
de me apaixonar de novo. Nem sei se isso é possível. Meu amor por Helena
sempre foi sincero demais e tenho minhas dúvidas se sou capaz de amar outra
vez com tanta intensidade.
A segunda coisa é que, mesmo que eu opte por uma adoção ou uma
barriga de aluguel, a ideia de um filho vai me trazer essas lembranças
dolorosas das quais sempre tento fugir. Uma criança alegrando a casa e
tomando conta de toda a nossa rotina era um sonho de Helena, não meu. Não
vou conseguir criar um filho de forma decente se não sou capaz nem mesmo
de superar o meu luto.
Desde a morte dela, eu me isolei. Deixei a cidade grande — onde eu
era sócio de um escritório de contabilidade com um amigo — e vim me
refugiar aqui. Meu tio faleceu e me deixou essa fazenda poucos meses antes
da partida de Helena, como se ele adivinhasse que eu precisaria do lugar para
me segregar do restante da sociedade na minha bolha particular e solitária.
Afastei-me de tudo e de todos, nunca deixei ninguém entrar.
Absolutamente ninguém.
Mulheres, amigos, bebês.
Ninguém.
O choro de Davi interrompe meus pensamentos e volto ao mundo
real. Então me dou conta que a chupeta caiu da sua boca. Pego-a e mergulho-
a mais uma vez no pote de mel antes de inseri-la na sua boquinha de novo.
Enquanto o bebê suga o bico, acalmando-se, retorno para a porta principal,
procurando por Liliana.
Começo a ficar preocupado. É impossível não me perguntar se
aconteceu alguma coisa de ruim com a mãe do menino. Um arrepio diferente
sobe pela minha coluna. E se ela sofreu um acidente de moto? Se ela morrer,
com quem o menino vai ficar, visto que não tem avós, e o pai… o pai ela nem
sabe quem é? Olho para trás, imaginando o diabinho indo para um orfanato,
que é provavelmente o que vai acontecer se ficar órfão.
O mel acaba outra vez, e o choro retorna. Mais alto. Mais forte. Mais
agudo. Mais irritante.
Tapo os ouvidos, não aguentando mais essa berreira.
Passo a mão pelos cabelos, pensando nas minhas próximas opções. Já
são oito e meia. Faz três horas que aquela desnaturada saiu para comprar
fraldas. Tento pensar que ela apenas é uma irresponsável, e não que está
morta.
Deixo a cozinha e me tranco no escritório. O choro aqui é mais
afastado. Uma hora ele terá de parar de chorar. Por mais que eu tente ignorá-
lo e ser frio com o fato de que essa criança está com fome, com muita fome,
não consigo. Se fico cinco minutos dentro desse escritório é muito. Volto lá
para a cozinha e molho a chupeta pela terceira vez. O menino cala a boca.
Eu preciso de alguém que me ajude, essa é a verdade que concluo.
Uma mulher, de preferência que tenha criança pequena, algum leite, mesmo
que aqueles em pó indicados para a idade dele, talvez alguma fralda. Penso
nos moradores da vila, tentando me recordar se alguém se encaixa na
descrição. Ponto negativo de ser antissocial: quando você precisa conhecer
alguém, você não conhece.
O menino volta a berrar.
— Pelo amor de Deus, cala a boca — digo, como se fosse adiantar
alguma coisa, com um suspiro cansado.
De repente, me recordo de uma mulher que tem três filhos. O mais
novo nasceu dia desses. Ela pode me ajudar. Cato o garoto chorão e as chaves
da picape. Acomodo-o no banco da frente, dou a partida e começo a dirigir. A
viagem é relativamente longa. A mulher de quem preciso mora a uns cinco
ou seis quilômetros da fazenda. Ao meu lado, Davi vai chorando.
Minha cabeça dói e estou no meu limite. Estaciono a picape de
qualquer maneira na beira da estrada e desço, descarregando a raiva com uns
chutes no pneu do veículo. Juro por Deus, quando Liliana chegar, se estiver
viva e bem, eu vou matá-la!
Inspiro e expiro profundamente, erguendo o rosto para o céu. Preciso
ficar calmo. Mal andei dois quilômetros. Quando estou de volta ao controle
das minhas emoções, decido tornar a dirigir até a mulher. Antes que eu possa
por um pé dentro da picape, por cima do teto, dou de cara com uma casa do
outro lado da estrada.
Situada em uma pequena chácara, conheço bem a criatura desprezível
e diabólica que mora ali. Sou tentado a pedir a ajuda dela. Daiane é pediatra,
trabalha em uma grande fazenda ao sul da vila. O lugar é enorme, quase
como uma cidade dentro da cidade, com milhares de cabeças de gado de
corte, vacas leiteiras, avicultura, suinocultura, além de diversas plantações,
principalmente de café. Por conta disso, ele tem inúmeros funcionários — e
muitos deles têm filhos pequenos. O homem conta com uma estrutura na
fazenda para atender todas as necessidades dos empregados. De escolas a
postos de saúde. Daiane trabalha lá, atendendo as famílias trabalhadoras.
Como pediatra, ela deve saber o que fazer com esse menino que não para de
chorar. Deve até ter alguma coisa para dar para o garoto comer.
Balanço a cabeça em negativo, afastando a ideia da cabeça. Não vou
pedir a ajuda dela. Sou orgulhoso demais para isso. Ela me desaforou mais
cedo e me desafora sempre que tem a oportunidade. Não vou pedir a ajuda
dela.
Entro na picape, determinado a percorrer os quilômetros que faltam
para a casa daquela mãe que vai me ajudar. Mas o choro desesperado da
criança me faz reconsiderar. Diacho!, praguejo enquanto viro o volante e
embico a picape frente à porteira da chácara. Abro-a com facilidade, coloco o
carro dentro da propriedade e volto para fechar a porteira. Avanço pela
entrada até a casa principal da chácara — a uns dez metros de distância desde
a estrada — e estaciono. Mantenho os faróis ligados, pego Davi no banco da
frente e vou até a porta da sala.
Bato duas vezes.
— Daiane, sou eu — chamo-a, notando que a casa está bem quieta.
Pela fresta, vejo que tem luz acesa. O menino segue chorando
estridentemente. Eu não aguento mais. Leva apenas dez segundos para que
ela atenda a porta, enrolada em um roupão ridiculamente rosa. Ela me olha,
espantada, e então se desvia para Davi, o Chorão. — Preciso da sua ajuda.
Esse moleque não para de se esgoelar.
— Onde foi que você arrumou esse bebê, Kenny? — Daiane pergunta,
tomando o bebê-conforto das minhas mãos.
Ela caminha rapidamente para dentro da casa, enquanto tenta acalmar
o menino, e eu a sigo até a cozinha. A mulher também o coloca em cima da
mesa, avaliando-o.
— A mãe dele o deixou comigo para ir à cidade comprar fralda, mas
até agora não voltou.
A pediatra aperta o vão das pernas do menino, fazendo uma careta.
— Ela perdeu juízo confiando o filho dela a você? — pergunta,
desamarrando Davi do bebê-conforto e o pegando no colo, ninando-o.
Tento não me sentir ofendido com suas palavras, irritado com a
choradeira dele que só aumenta. O rapazinho agora está se esgoelando mais,
muito alto, que chega a perder o fôlego e a ficar vermelho. Isso me deixa
agonizado. Está bastante claro que ele está com fome.
— Olha, só faz o Davi calar a boca, tá bom? Tem alguma coisa aqui
que possa dar para ele comer?
Vindo até mim, ela o joga nos meus braços, pedindo que eu o segure.
Meu corpo trava na mesma hora, e não sei que reação ter por um segundo
inteiro. Olho para o pirralhinho chorão e sinto algo diferente. Ela me instrui
como segurá-lo melhor — atitude que tomei quase sem perceber — e se
afasta, abrindo uma porta do seu armário. Vejo que ela pega uma fórmula
para bebês e começa a prepará-la. Enquanto Daiane faz a refeição do garoto,
meus olhos se desviam para ele, no meu colo. Engulo em seco, querendo que
esse momento acabe logo. Não tenho jeito com crianças. E Davi é tão…
pequeno. Indefeso. Vulnerável? E se eu o machucar? Ele parece tão
desajeitado nos meus braços grandes. Tenho a impressão de que vai quebrar a
qualquer momento.
— Acalma ele, Kenny! — Daiane pede, e só então me dou conta de
que ele continua berrando no meu colo e tudo que estou fazendo é olhar para
ele, divagando nos meus próprios pensamentos.
— Não sei como fazer isso — confesso. Ela me olha, segurando uma
mamadeira pequena. — Meus instintos paternais não são os melhores —
defendo-me.
A mulher suspira e termina o preparado, vindo até mim novamente e
pegando o garoto no colo. Ela o ajeita no cadeirão de volta e coloca o bico da
mamadeira na boquinha dele. Davi suga o leite com toda vontade, finalmente
ficando quieto.
— Graças a Deus — digo, aliviado.
Daiane dá uma risadinha e fica olhando para o menino, acariciando
seu rostinho branco. Meus olhos fixam-se nela por um segundo, pegando
detalhes dela que ainda não havia pegado, o formato do rosto, o nariz um
pouco empinado, as bochechas rosadas. Os cabelos castanho-acobreados
estão amarrados de qualquer maneira, com fios revoltos e ondulados soltos
por toda parte. Sou pego a observando quando ela me olha, de repente.
Desvio rapidamente, tentando disfarçar, mas sei que devo ter fracassado.
— Segura aqui — pede, apontando para a mamadeira. — Vou ver se
encontro uma fralda do tamanho dele e roupinhas. Esse menino está
encharcado de xixi.
Outra vez sinto aquela sensação esquisita de… perigo. Com cuidado,
eu me aproximo e seguro a mamadeira. O menino foca em mim, calmo,
inocente. Por algum motivo, também não consigo tirar os olhos dele. Daiane
se afasta, deixando-me sozinho com a criaturinha. Puxo uma cadeira e me
sento de frente para ele. O contato visual entre nós é intenso. Davi até abre
um sorriso enquanto chupa o bico, o que faz um pouco de leite escorrer pela
lateral da sua boca.
— Babão — digo, limpando o leite com a gola da camisa que ele usa.
O menino abre um sorriso ainda maior.
— Olha só quem estão se dando bem — Daiane diz, ressurgindo com
uma fralda, um pote de lenço umedecido, fita crepe, pomada e um par de
roupas que parecem grandes demais para ele, além de uma manta amarela
melhor que a dele.
Ela retoma a mamadeira para si e cedo meu lugar para ela. A mulher
sussurra um agradecimento e termina de amamentar o garoto, conversando
com ele e brincando com sua barriguinha enquanto eu apenas fico aqui,
vendo a pequena interação entre os dois. Quando o menino termina sua
refeição, ela o pega no colo e o faz arrotar. Só então começa a trocá-lo.
— Você tem filhos? — pergunto, mesmo que eu acredite que a
resposta seja não, vendo-a limpar os órgãos sexuais do bebê com o lenço
umedecido e depois aplicando uma pomada contra assaduras.
Não faz muito tempo que Daiane mora nas redondezas. Pouco mais
de um ano. Nunca a vi com qualquer criança. Sempre me pareceu ser uma
mulher sozinha.
— Não, por que a pergunta? — Quer saber, lançando-me um olhar
rápido enquanto ajusta a fralda um pouco grande no menino.
— Porque você tem coisas de bebê aqui — respondo, dando de
ombros.
Convenhamos, é esquisito uma mulher sem filhos ter artigos para
bebês.
Ela ajusta as laterais largas da fralda, dobrando-as para contornar o
corpinho de Davi e prendendo-a com pedaços da fita crepe.
— Sou pediatra em um bairro rural, Kenny. Gosto de ter algumas
provisões em caso de alguma mãe ter alguma emergência. Como você acabou
de ter. Minhas pacientes sabem que tenho essas coisas por aqui e se elas
precisam, vêm buscar e depois me pagam. Com o dinheiro, trago mais.
Aceno em positivo, achando lógicas e válidas suas intenções.
Observo-a colocar a roupinha limpa e seca em Davi, enrolando-o em
seguida na manta amarela por cima da azul, para que fique mais aquecido.
Com toda delicadeza do mundo, ela começa a balançar o bebê-conforto para
fazê-lo dormir.
— Você tentou ligar para a mãe dele? — indaga, com um sussurro.
O menino está quase dormindo.
— Não tenho o telefone dela.
Daiane fixa os olhos no menino por um tempinho antes de virar-se
para mim.
— Esse menino deve ter apenas uns… dois meses. Por que a mãe dele
já voltou a trabalhar, Kenny?
Não gosto da acusação no seu tom de voz.
— Ela voltou porque quis, Daiane — explico, cruzando os braços na
frente do tórax. — Alguma coisa sobre precisar do dinheiro porque a licença-
maternidade era pouca.
A mulher semicerra os olhos na minha direção, como se esforçando-
se para acreditar em mim. Dou de ombros, porque é verdade e não faço
questão de convencer ninguém a nada. A mulher volta a observar o bebê, que
agora está completamente calmo e dormindo. Ela permanece em silêncio,
apenas de olho nele por longos segundos, e eu a acompanho na quietude.
Procuro pelas horas em um relógio na parede e me dou conta de que são nove
e meia da noite.
— O que vai fazer agora que o bebê está calmo? — ela pergunta.
E pela primeira vez, penso a respeito. Se o levar embora, o garoto
pode acordar molhado ou com fome. Mesmo que eu peça algumas provisões
para Daiane, ainda não saberia colocar a fralda nele ou preparar o leite. A
menos que ela me instrua como fazer isso e… Espera, espera. Por que
mesmo estou pensando em cuidar desse pivete? Eu deveria era mesmo ir à
polícia e notificar o sumiço da mãe dele, entregá-lo para o Conselho Tutelar e
viver a minha vida. Isso. É isso.
— Preciso procurar a polícia e entregá-lo às autoridades competentes.
— A essas horas da noite?! — indaga, assustada, os olhos se
desviando para o relógio na parede.
Dou de ombros.
— Eu é que não vou cuidar dele, Daiane. Nem de criança eu gosto,
para início de conversa.
Ela balança a cabeça de um lado a outro, inconformada.
— Você é mesmo tudo o que as pessoas dizem, Kenny — menciona,
levantando-se do seu lugar.
Ergo uma sobrancelha, curioso com o que ela disse. Ligo muito pouco
para o que os moradores da região falam a meu respeito e sei de uma coisa ou
outra. Passo tanto tempo isolado na minha fazenda, trabalhando ou
chafurdando no meu luto, que acabo ou não dando trela para comentários, ou
não sabendo o que falam de mim.
— E o que é que as pessoas dizem, Daiane? — pergunto, curioso.
— Que você não é um bom homem.
A informação me atinge de um jeito que me perturba. Veja lá, eu vivo
na minha, sempre antissocial, isolado, na maioria das vezes mal-humorado,
por vezes mal-educado, mas não sou uma pessoa ruim. Então, por que
exatamente as pessoas têm essa visão de mim? Será pela vez que me recusei a
devolver a bola de uns pestinhas que quebraram o vidro da minha picape
quando invadiram meu quintal para jogar futebol? Ou pela vez que me
recusei a receber uma novena na minha casa porque eu simplesmente não
tenho religião nenhuma? Mas o motivo deve ser mesmo pela vez que um cão
morreu nas minhas terras e eu fui enterrá-lo na beira da estrada. Um bando de
pivetes passou por mim e perguntou o que tinha acontecido com o pobre
cachorrinho. Mal-humorado como sempre, e irritado pela pergunta estúpida,
eu disse que tinha o matado a pauladas.
Deus, eu disse que tinha o matado a pauladas!
É claro que as pessoas vão fazer mau juízo de mim.
— Elas estão erradas — digo, por fim, em minha defesa.
— Será que estão? Ouvi histórias sobre você e eu mesma já presenciei
uma das suas ruindades.
Desencosto da pia e dou um passo à frente, ficando a vinte
centímetros dela. Daiane parece segurar a respiração, olhando-me nos olhos.
Ela tenta recuar, mas tropeça nos próprios pés quando percebe que, se dá um
passo para trás, eu dou dois adiante.
— A ruindade a que você se refere é pelo que fiz no seu Jeep por
causa da nossa discussão, meses atrás?
A desgraçada empina o nariz.
— É.
Afasto-me um passo dela, decidido a não dar corda a esse assunto.
Talvez ela esteja com um pouco de razão, mas não tanto assim. Posso ter
passado um pouco dos limites quando pichei a carroceria do Jeep dela com
um “caloteira” bem grande. Ora, ela saiu devendo produtos da minha
fazenda e se fez de sonsa, dizendo que já tinha pagado. Pedi o recibo — que
sempre entrego para evitar esse tipo de coisa — e ela não tinha. Logo, não me
pagou. E se eu tivesse entregado, também teria riscado no meu caderno de
controle. O nome dela continua lá até hoje, escrito com caneta vermelha que
é para não me esquecer de nunca mais vender um poncã para essa mulher.
— Olha, isso pouco importa agora. E pouco me importo com o que as
pessoas pensam ou falam de mim — falo, pegando na alça do bebê-conforto.
— Vou até a cidade entregar esse menino e…
Sem que eu espere, Daiane dá um tapa na minha mão.
— Você que não se atreva a tirar esse menino daqui, Kenny!
Fico assustado com sua reação, como se ela fosse uma leoa
protegendo o filhote. Solto a alça rapidamente, e ela lança um olhar rápido ao
menino, certificando-se de que ele continua dormindo. Daiane inspira fundo e
me olha, atentamente.
— Está tarde e a mãe do menino pode voltar. Não há necessidade de
fazermos alarde, não é? Se não quer cuidar do menino, pode deixá-lo aqui, eu
cuido. Amanhã pela manhã, decidimos o que fazer.
Sinceramente, se ela fosse qualquer outra pessoa, eu não hesitaria em
aceitar sua proposta. Deixava esse pirralho aqui e voltava para minha casa
para dormir com a consciência limpa, bem tranquilo. Mas eu lá quero deixar
o menino sob sua responsabilidade para depois ela sair por aí me difamando,
dizendo o quão ruim sou? Não mesmo. Além disso tudo, já engoli demais
meu orgulho vindo pedir ajuda de Daiane. Não vou engolir de novo
permitindo que cuide de Davi quando essa função foi dada a mim.
— A Liliana confiou em mim para cuidar do menino, então eu vou
cuidar do menino — digo, bem birrento mesmo.
Daiane me olha de um jeito muito irônico, cruzando os braços na
frente do tórax.
— Você não sabe nem mesmo trocar uma fralda, Kenny. Como
pretende cuidar dele?
A pergunta me acerta como um chute no saco. Um homem de trinta e
sete anos que não sabe cuidar de um bebê. Pelo amor de Deus. Agarro firme a
alça do bebê-conforto, decidido.
— Vou dar meu jeito, tá bom? Só me arruma um pouco de fralda e de
leite que eu me viro com o resto — falo, não acreditando que estou realmente
me oferecendo para cuidar de um bebê. Um bebê!
— Nem se eu fosse louca — diz, obstruindo meu caminho. — Para de
ser orgulhoso, homem, e aceite minha ajuda. Posso cuidar do Davi para você.
Não tem que se preocupar.
Balanço a cabeça em negativo, teimoso feito uma criança.
— Eu não vou deixar ele com você, Daiane. Ele é minha
responsabilidade.
— Você é orgulhoso, isso sim! Tá aí, todo se doendo porque veio
pedir ajuda para a caloteira. Sabe que eu cuidaria do menino melhor do que
você!
Raiva ferve nas minhas veias.
— Só me arruma a porra das fraldas — cuspo, perdendo a paciência
com essa mulher.
— Não. Se quiser fralda e comida pro Davi, vai ter que deixá-lo aqui!
— insiste.
Mulher dos diabos!
Cheio de ódio, pego o bebê-conforto e volto pelo caminho que
cheguei. Ouço a porta bater nas minhas costas conforme atravesso o terreno
da chácara, em direção à minha caminhonete. Passadas que vão diminuindo à
medida que vou me dando conta da besteira que estou prestes a cometer.
Olho para baixo, mal podendo ver o garoto dormindo, e minha ficha vai
caindo com a decisão estúpida que tomei.
Eu aceitei cuidar de um bebê.
Eu. Aceitei. Cuidar. De um. Bebê.
Sem ter uma mamadeira de leite.
Bato a mão na testa, sentindo raiva de mim mesmo. O orgulho que
engulo desce como arame farpado enquanto volto e bato outra vez na sua
porta, depois de ter desligado os faróis da caminhonete que deixei acesos. A
desgraçada me atende com um sorrisinho convencido quando estico o garoto
na sua direção. Ela o pega e sorri para ele de um jeito muito maternal que
fisga minha atenção por um segundo.
— Muito bem — sussurra, erguendo os olhos para mim. — Amanhã,
se a mãe dele ainda não tiver voltado, decidimos o que fazer.
Ela está fechando a porta quando coloco o pé no limiar, impedindo-a.
— Se o Davi fica, eu também fico — determino.
O sorrisinho convencido em Daiane some imediatamente.
Maldito sofá duro. Será que essa mulher ganha tão mal que não pode
comprar um estofado mais confortável, não? A noite aqui não foi fácil. A
começar que Daiane relutou a aceitar que eu ficasse aqui. Mas bati o pé
dizendo que não deixaria o chorãozinho com ela sem que eu ficasse junto
porque, bem… de certa forma eu é que estou com a responsabilidade de
cuidar dele. A pediatra aceitou, a contragosto, e mesmo que eu tenha visto
uma segunda porta na sua casa — que considerei ser um quarto — a maldita
me fez dormir no sofá mesmo.
Minhas costas que lutem.
Depois, ouvi Davi chorar praticamente a noite inteira. Ela andou para
lá e para cá com o menino, mas fingi que estava dormindo. Eu hein, ela não
quis cuidar do garoto? Que cuidasse então. Eu já estava dormindo mal, não ia
mesmo me sacrificar ainda mais. Tratei de apertar o travesseiro contra meus
ouvidos e tentar ignorar o máximo que consegui. Depois, em algum momento
perto das três da manhã, todo o choro era um choro abafado.
Acordo e ainda está amanhecendo, como de costume. Calço minhas
botas, tentando ignorar o fuzuê que ela faz na cozinha quando nem são seis da
manhã ainda. Acostumei-me tanto ao silêncio da minha solidão que essa
bateção de panela está me dando nos nervos. Vou até lá e a vejo dentro de
um jeans justo e camisa xadrez, os cabelos amarrados em um rabo de cavalo
bem-arrumado. Está testando a temperatura do leite em uma mamadeira na
palma da mão. Davi está no seu bebê-conforto, quietinho com a chupeta na
boca.
— Ei, Chorão — digo para ele, mantendo certa distância. O menino
abre um enorme sorriso para mim, como se eu tivesse o elogiado. Daiane se
vira na minha direção, e vejo bolsões abaixo dos seus olhos verdes. — Noite
ruim? — zombo, encostando-me ao batente da porta.
— Ha-ha-ha. — Finge uma risada. — Acho que ele está sentindo falta
da mãe — diz, sentando-se de frente para o garoto em cima da mesa. Ela
coloca a mamadeira na boquinha dele e me encara. — Você teria ficado
doido se tivesse ido embora. Ou não, né? Porque não moveu um músculo
naquele sofá. Como consegue dormir feito pedra dessa maneira?
— Na verdade, eu ouvi tudinho — digo, cínico. — Quase fiquei doido
do mesmo jeito.
Daiane semicerra os olhos na minha direção.
— Você viu que o Davi estava inquieto, me viu a noite toda tentando
acalmá-lo e não foi oferecer uma ajuda?
Dou de ombros, sem sair do lugar.
— Você quem insistiu para ele ficar, não foi?
Ela entreabre os lábios, incrédula, e depois balança a cabeça de um
lado a outro.
— Onde tem um banheiro aqui? — pergunto.
De má vontade, ela diz que no fim do corredor. Vou para lá, urino,
lavo as mãos e o rosto, faço um bochecho com água e pasta de dente e escovo
os cabelos com os dedos. Encaro-me frente ao espelho redondo e pequeno,
perguntando-me por que fui me comprometer. Maldito orgulho. Suspiro e,
por algum motivo, dou uma olhada no seu ambiente. A pia dela é organizada,
pequena e redonda, em cuba. Tem alguns poucos itens sobre a bancada que
imita mármore, mas sei que não deve ser, como produtos de higiene bucal,
maquiagem e essas coisas.
Afasto-me, voltando para a cozinha.
— O que vamos fazer? — pergunto, parando na porta outra vez.
— Você quer café? Passei um fresquinho agora há pouco —
responde, enquanto a assisto terminar de trocar a fralda do menino, usando
uma grande como no dia anterior. Aceito a oferta e vou até sua garrafa
térmica sobre a pia, servindo uma dose em uma xícara que pego no
escorredor de pratos. — Vamos esperar, talvez a mãe dele apareça. Talvez até
já esteja no bairro, foi para sua casa e não te viu lá e está desesperada atrás do
filho.
— Vou dar um pulo na fazenda e conferir — digo, assoprando o
líquido preto quente. — E na casa dela. Se ela voltou, deve estar em um
desses lugares.
Ela balança a cabeça em positivo, terminando de trocar o garoto.
— Se ela não estiver em lugar nenhum, vamos aguardar vinte e quatro
horas para só então acionarmos a polícia. A que horas ela saiu da sua casa?
— Umas cinco e meia.
— Certo. Se até cinco e meia de hoje essa menina não aparecer,
procuramos a polícia. Vá ver se por acaso ela já não está na fazenda —
manda, em um tom que não me agrada. Cruzo os braços e permaneço no
lugar, arqueando uma sobrancelha. Ora, quem ela pensa que é para falar
comigo dessa maneira? — Se não estiver em lugar nenhum — prossegue —,
vai precisar ir à cidade e comprar algumas coisas. Uma fórmula específica
para a idade dele, porque essa minha não é, e fraldas que caibam nele. Ah, e
tenta achar umas roupinhas na casa dele, senão vai precisar comprar também.
Daiane cospe essa montoeira de ordens como se eu fosse a droga de
um criado. Permaneço no lugar, encarando-a, sem que note porque está
concentrada no menino, conversando com ele. Um segundo mais tarde, a
mulher me olha, curiosa com minha falta de respostas.
— O que foi?
— Por que eu é quem tenho que ir comprar as coisas para esse
pirralho?
Ela parece ponderar um segundo. Levanta-se e diz, colocando a
mamadeira vazia na pia:
— Quer ficar aqui, no meu lugar, e cuidar dele você? Aí eu vou na
cidade e compro tudo o que ele precisa.
Um arrepio sobe pela minha coluna só de imaginar em ficar com
Davi. Suspiro, vencido. A desgraçada tem razão.
— Me faça uma lista.

Chego até onde Liliana mora, uma casa de alvenaria, sem reboco, no
alto de uma colina na região. Estaciono a picape no pé do morro e preciso
terminar de chegar a pé, por conta de uma escada que leva até lá em cima.
Bato na porta, chamando por ela, mas não recebo nenhuma resposta. Forço a
madeira um pouco e vejo que está destrancada.
Entro com cuidado, observando os cômodos pequenos à minha volta.
A cozinha está um pouco bagunçada, tem roupinhas de bebê estendidas na
varanda logo ao lado, e a sala tem dois sofás puídos. Por algum motivo, meu
coração se aperta um pouco. Não tinha muita noção de como Liliana vivia.
Atravesso a sala, indo em direção à porta logo em frente, e me deparo com
um quarto. A cama está bagunçada, tem uma cômoda de madeira, um espelho
pequeno na parede e um berço perto da janela.
— Diacho, garota, onde você se meteu? — resmungo, abrindo uma
gaveta da cômoda.
Por sorte, na primeira já encontro roupas dele. Escolho algumas, sem
me preocupar muito com o que estou pegando. Encontro uma mochilinha
encostada ao pé da cama e enfio tudo dentro dela. Volto para a picape e viajo
até a fazenda, numa última esperança de encontrar a danada lá. Entretanto,
não a encontro. Isso acaba por me obrigar a comprar as coisas que estão na
lista. Inferno. Odeio ir à cidade. Odeio ver gente. Odeio aglomeração. No
centro urbano tem isso tudo. Evito ir lá tanto quanto é possível.
Pondero uma segunda opção, então. Falar com Alex, meu primo. O
cara tem uma microempresa de fretagem. Posso pedir para que compre e me
traga aqui. Aperto a ponte do nariz, pensando que essa maldita lista vai
levantar suspeitas e não estou mesmo a fim de ter que explicar isso. Bem,
penso numa desculpa. Procuro pelas horas e constato que deve chegar em
breve. Hoje é dia de ele vir buscar provisões para a lanchonete do Guilherme,
então vou aproveitar e entregar a lista. Minutos mais tarde, ele chega — ouço
os motores do seu veículo. Vou até o lado de fora, vendo-o descer do carro,
contornar a carroceria e pegar a filha pequena. Pousando-a no chão, caminha
com ela na minha direção, segurando-a pelas mãos, a menina saltitando com
uma mochila nas costas. Alguém faltou à escola, penso. Assim que me vê, ela
vem correndo na minha direção, gritando um “tio Kenny!”. Dou um passo
atrás, como se eu estivesse sendo atacado por um zumbi.
— Não chegue perto, coisinha — digo para ela, antes que se aproxime
demais.
Sinceramente, não sei por que ela está tão feliz em me ver.
Dificilmente sou simpático com crianças (convenhamos, dificilmente sou
simpático com qualquer um) e não entendo por que Alicia insiste em ter
minha amizade. Deve ser porque, tempos desses, ela veio aqui com o Alex
buscar algumas mercadorias e, para que parasse de tagarelar na minha
cabeça, eu lhe dei um docinho.
— Calma, Kenny — Alex adverte, divertido —, é só uma criança. Ela
não morde.
Reviro os olhos e, delicadamente, com a ponta dos dedos, empurro a
menina para longe de mim. Ela faz cara feia e volta para o pai, abraçando-o
pela cintura. Meu primo pergunta se a mercadoria do Guilherme já está
pronta e eu digo que sim. Ele sabe onde fica e por isso vai lá buscar, a menina
não querendo ficar perto de mim e preferindo acompanhar o pai. Depois que
carrega sua caminhonete e paga pelo que comprou, digo:
— Preciso de um favor. — Tiro do bolso de trás da minha calça jeans
a lista que Daiane fez e alguns reais. — Me traga essas coisas. — Estico o
dinheiro e o papel.
Alex pega, desdobra a lista e confere. Vejo quando seu cenho vinca
em confusão.
— Por que você quer esses produtos para bebês? — pergunta, curioso.
Ainda estou elaborando uma resposta quando ele supõe: — Não me diz que
alguma mulher apareceu aqui na sua porta com um bebê dizendo que o filho
é seu?! — Mais uma vez, estou pensando em responder e mais uma vez ele se
intromete: — Danadinho você, hein. Achei que não tivesse saído com mais
ninguém desde a morte da Lena.
Aperto o maxilar, não gostando que mencione minha falecida esposa.
— Sou viúvo, Alex, não celibatário — rebato. A morte de Helena não
me fez entrar em um voto de castidade. Demorei algum tempo até ter uma
mulher esquentando minha cama outra vez, mesmo que de forma casual
porque não permito qualquer conexão amorosa, mas tive. — E também não
sou idiota. Eu me cuido — falo.
Ele dá de ombros, pouco se importando, e ainda esperando uma
resposta minha.
— Olha, isso não é da sua conta, tá? Só me traga o que te pedi. Vou
ficar em casa o dia todo — sentencio. Não espero uma resposta sua. Entro na
minha picape estacionada ali e dirijo de volta à casa de Daiane.

Por algum motivo que só Deus é capaz de compreender, sinto um


certo temor quando não encontro Daiane na chácara. A casa está trancada, o
Jeep dela não está estacionado em lugar nenhum. Eu deveria mesmo me
sentir aliviado que ela deu um fim no pivete, mas não consigo sentir alívio
nenhum com isso. Só consigo me perguntar onde diabos se meteu com o
garoto e ficar…
… preocupado?
Aperto os olhos e balanço a cabeça em negativo, dizendo a mim
mesmo que não estou preocupado nada. Só quero mesmo saber onde ela se
meteu com o menino porque tecnicamente ele é minha responsabilidade.
Certo. É isto.
Volto para a picape e penso por mais um segundo. Manobro-a no
terreno e sigo até a fazenda onde ela trabalha. A viagem dura bem uns vinte
minutos, porque é relativamente longe e a estrada é ruim. Estaciono o veículo
na porteira da grande propriedade, que é ladeada por uma guarita. Abaixo o
vidro, encarando o funcionário do outro lado. Pergunto por Daiane, a
pediatra. Ele faz alguns contatos e libera minha entrada, orientando-me como
chegar até a desgraçada.
O percurso é rápido e paro a picape de frente para uma casa comum
de alvenaria. Lá dentro, tem uma recepção simples. Há um grupo de umas
cinco mulheres circulando uma mesa, emitindo sons típicos de pessoas
idiotas que falam com bebês e cães. Não demoro a notar que as madames
estão paparicando Davi. Pigarreio, alto, chamando atenção das senhoras. O
círculo em torno do menino — que tem um sorriso enorme e está
gargalhando baixinho — se desfaz. Daiane está sentada atrás da mesa,
sorrindo abertamente e brincando com a mãozinha dele. Um balançar
diferente acontece dentro de mim diante a imagem. O sorriso dela tão…
genuíno, bonito, retribuído pelo menininho. Quando ela me olha, me recordo
do motivo de ter vindo aqui.
— Por que surripiou o menino? — pergunto, severo.
Ela me encara seriamente, a cara de quem está surpresa com meu tom
de voz e meu questionamento.
— Não surrupiei ninguém, Kenny. Eu precisava vir trabalhar e tive de
trazer o Davi comigo. Ou queria que o deixasse sozinho? — devolve,
venenosa. Não gosto da sua resposta atravessada, mas também não digo nada.
— Você já comprou tudo o que te pedi?
— Odeio ir na cidade. Deleguei alguém. Logo chega. As roupinhas,
trouxe as que peguei na casa dele.
Daiane se levanta e pega o bebê-conforto, vindo até mim e me
entregando-o. Pego, no automático, sem entender sua atitude, ainda mais
quando se agacha e pega uma mochila, também me entregando.
— O que diabos pensa que está fazendo? — pergunto.
— Ué, preciso trabalhar. Já conversei com meu patrão e vou ficar até
o horário do almoço. Se precisarem de mim, vão me ligar. Depois, vou te
encontrar. Vai estar na sua fazenda, né?
Fito Daiane como se ela tivesse ficado completamente louca. Talvez
tenha. Ela está sugerindo que eu… cuide do pivete? Sozinho? Pelo amor de
Deus, ela tem merda na cabeça? A mulher começa a tagarelar uma porção de
coisas, metralhando-me com mais informação do que posso receber, ainda
mais considerando que meu cérebro parou de funcionar direito no instante
que entendi sua sugestão de cuidar do moleque.
— … a medida da fórmula está na lata e tem que colocar duas em
água morna. É bom conferir a temperatura e depois fazê-lo arrotar, assim —
diz, pegando uma boneca atrás de si e me mostrando como devo fazer. — A
fralda não é difícil…
— Dá para você calar a porra da boca — rechaço, cansado da sua
faladeira.
A mulher para de falar imediatamente, olhos arregalados, e fica muda
por um segundo. Logo em seguida, aponta o dedo na minha cara, pronta a
não levar desaforo para casa, mas não a deixo começar a jogar os cachorros
em mim.
— Você quer que eu cuide desse moleque, sozinho? — Minha
pergunta sai mais rude e mal-humorada do que ponderei. Ouço burburinhos
atrás de mim e os ignoro.
— Kenny, é só uma criança. Você vai sobreviver pelas próximas
quatro horas cuidando dele até eu conseguir me organizar aqui. Pouco depois
do almoço já estarei na fazenda.
Olho para Davi no cadeirão, que está me encarando de volta, com
seus olhinhos bem redondos, aveludados, os cílios longos, concentrado em
mim com curiosidade e até uma pitada de ingenuidade. Engulo em seco. É só
uma criança.
— Tudo bem, você não dá conta, né? — pergunta, já esticando os
braços para pegar Davi de mim. Tiro-o de seu alcance como se fosse um leão
protegendo o filhote. Nada me tira tanto do sério quanto duvidar da minha
capacidade.
Provavelmente não dou conta mesmo de cuidar de um bebê, mas sou
orgulhoso demais para admitir isso. Além do mais, que raio de homem eu
seria se não conseguisse cuidar de um serzinho que só come, dorme e caga?
— Vou cuidar dele — digo, incisivo.
Daiane me dá um sorriso de quem sabe que me ludibriou.
Desgraçada.
Coloco Davi sobre a mesa assim que chego em casa. Ele está
quietinho enquanto me olha, sugando a chupeta. Daiane amarrou uma fralda
na argola e a ponta solta está contra seu rosto. Tiro as mochilas do meu
ombro e as apoio também no tampo de madeira. Reviro a que a pediatra me
deu e encontro a fórmula de leite. Tem algumas instruções no verso de como
preparar o leite e o faço assim que o menino começa a resmungar de fome
outra vez. Deixo a água amornar e misturo o pó. O menino já começa a se
esgoelar quando me aproximo. Coloco o bico na sua boca. Davi suga, mas o
faz resmungando.
— Não está gostoso? — indago, como se ele realmente pudesse
responder.
Ele mama e chora ao mesmo tempo, o que me irrita. Tiro a
mamadeira da sua boca e avalio a situação. O choro do garoto aumenta por
ter tirado seu leite. Desprendo-o do bebê-conforto e o pego no colo, tentando
acalmá-lo. Davi para de chorar um pouco, imediatamente. Mas que diabinho
esperto.
— Era isso que você queria, espertinho? — falo, arrumando-o nos
meus braços, desajeitadamente.
Demoro até encontrar uma boa posição. Consigo segurá-lo com um
braço só, minha palma no seu bumbum, sua cabecinha na curva do meu
braço. Pego a mamadeira e coloco em sua boca de novo. Agora, mais calmo,
ele toma seu leite, os olhinhos sempre fixos em mim, como se estivesse…
criando uma conexão comigo.
Distancio-me desses pensamentos absurdos e me concentro para
amamentá-lo direito. A última coisa da qual preciso é de ele se engasgando.
Como diabos eu desengasgaria uma criança? Numa pessoa adulta a gente dá
um socão nas costas, mas num bebê de dois meses…
Aos pouquinhos, conforme suga o líquido quente, o pequeno vai se
rendendo ao sono. Os olhinhos dele se fecham, as sugadas diminuem em
ritmo e constância, até que sua boquinha para, mas o bico da mamadeira
continua ali. Tiro-a vagarosamente, conferindo que ele tomou tudo, até a
última gota. Outro daquele balançar estranho acontece dentro de mim quando
fixo minha atenção nele, no modo como o rostinho dele se vira contra a curva
do meu braço, acomodando-se ali. Consigo sentir sua respiração calma e
quentinha contra a pele do meu bíceps forte.
Como se eu tivesse levado um choque de realidade, decido que
preciso me livrar dele. No caminho até meu quarto, contudo, me recordo de
Daiane dizendo que preciso fazê-lo arrotar. Puxo no fundo da minha memória
as instruções daquela diaba de jaleco e, da melhor maneira possível, coloco-o
de pé. Seguro suas costinhas e o pressiono contra meu peito, mantendo sua
coluninha estabilizada. Dou batidinhas de leve, o mais leve que consigo, e,
ainda assim, acho que estou sendo bruto demais. Não leva muito tempo para
Davi arrotar. Aliviado por ter feito tudo certo, coloco-o na minha cama. Jogo
uma coberta em cima dele e me afasto, avaliando-o. Ando até a janela e fecho
as cortinas, mergulhando o quarto em uma escuridão parcial.
Tudo isso para que ele fique mais…
Droga, inferno!
Ando de um lado a outro, perguntando-me por que estou me
importando tanto com esse pivetinho a ponto de querer lhe dar um pouco de
conforto. Obrigo-me a ficar calmo e me sento na cama. Pela primeira vez no
dia hoje, desde que acordei, sinto fome. Mas o cansaço é maior. Olho Davi
por cima dos ombros, cochilando bem tranquilo, e suspiro. Não dormi bem
essa noite. Ele chorou muito e aquele maldito sofá também não me ajudou.
Preciso só… de quinze minutos de cochilo. E nada mais. Deito-me, de bota e
tudo, ao lado do menino, e me aconchego, quase sem perceber, bem pertinho
dele. Meu nariz perto do seu, sentindo sua respiração quente que vai me
embalando…
— Olha lá, veja se não é uma graça. — Ouço uma voz no ambiente e
desperto aos poucos, tentando me localizar.
— Sim, nem parece que é um ogro — uma voz masculina responde,
dando uma risadinha em seguida.
Mas o quê?, penso, abrindo os olhos devagar. Vejo-me deitado de
lado e encontro os olhinhos amendoados de Davi. O menino sorri outra vez
para mim, inocente. Ao me virar na cama, dou de cara com Daiane e Alex
parados no umbral da porta, lado a lado, rindo da minha cara e da situação
patética em que me encontro. Levanto-me num salto, ainda meio zonzo de
sono, e os encaro seriamente.
O maldito do Alex está dando um sorrisinho cínico, e Daiane não
esconde a vontade desesperada de rir de mim. Olho para trás, para o menino
na cama, agora atento a alguma coisa no meu forro de eucalipto, e
compreendo o motivo de deboche desses dois. Resolvo ignorar que estão
tirando uma onda comigo e olho para meu primo.
— Trouxe tudo o que te pedi? — pergunto, mal-humorado.
Ele indica com a cabeça em direção à cozinha.
— Está tudo em cima da sua mesa.
Abano a cabeça uma única vez.
— Todo o dinheiro que te dei foi suficiente ou ainda te devo alguma
coisa?
— Não me deve nada.
— Ótimo. Suma daqui — ralho, e o desgraçado ri, dizendo que
precisa mesmo ir, pois tem que buscar a filha que ficou sob os cuidados de
alguém.
Ele se despede de Daiane, com quem, noto, tem certa intimidade. Eu a
deixo sozinha no quarto com Davi e vou para o banheiro. Lavo o rosto e me
concentro um minuto inteiro na minha imagem refletida no espelho antes de
voltar para lá. O quarto está vazio, assim como a cama onde o molequinho
dormia. Sons vêm da cozinha e sigo para lá. A pediatra, toda invasiva, está
preparando uma mamadeira para o menino, resmungando no cadeirão sobre
mesa. Ela cantarola e conversa com ele, como se para acalmá-lo e distraí-lo.
Paro no limiar da porta, observando-a outra vez. É o modo carinhoso e a
atenção genuína que dá ao menino que me fazem… admirá-la de um jeito
diferente.
Meu estômago ronca alto, chamando atenção da mulher de costas para
mim. Ela se vira na minha direção e não deixo de ficar ligeiramente
envergonhado. Só então me dou conta de que não comi nada até agora. Nem
me lembro quando foi minha última refeição.
— Davi não deu muito trabalho, não é? — pergunta, de um jeito até
meio debochado. — Até conseguiu dormir. E pelo jeito que você roncava,
dormiu e não foi pouco.
— Eu não ronco! — protesto, um pouco indignado.
Ela ri da minha cara, colocando o bico da mamadeira na boca do
menino.
— Só não roncou mais que seu estômago agora.
Reviro os olhos e caminho até o fogão. Preciso mesmo comer alguma
coisa. Destampo as panelas, que estão praticamente vazias. Inferno. Não tem
nada pronto agora. Procuro pelas horas e noto que passa pouco do meio-dia.
Abro a geladeira, atrás de alguma coisa rápida para comer. Roubo alguns
pedaços de queijo e os jogo na boca.
— Preciso de comida de verdade — resmungo, encostando-me à pia.
Daiane não diz nada. Está ali, apenas amamentando o menino, sentada de
frente para a mesa, toda carinhosa com Davi.
Engulo em seco, dando-me conta do quão ingrato e mal-educado
estou sendo por até agora não ter dito nem mesmo um “muito obrigado,
diaba de jaleco”. Ela está me ajudando, e eu deveria ao menos ter agradecido.
— Você já almoçou? — pergunto de repente, em um tom calmo
demais até para mim.
O olhar que ela me lança diante à minha oferta é o mesmo que eu
daria a mim mesmo se estivesse no seu lugar. Pisco um par de vezes,
questionando-me por que realmente considerei, por um mísero segundo,
convidá-la.
— Ainda não — responde cuidadosamente, como se também
estranhasse o surto de educação que me acometeu.
E agora, Deus, o que eu digo? Era para essa desgraçada ter dito “sim,
obrigada”, porque daí frustraria essa ideia absurda e insana de querer
convidá-la para almoçarmos juntos. Mas claro que ela precisava fugir do
roteiro. E isso me deixa numa maldita situação complicada aqui. Se a
convidar, vai dar um pane no seu cérebro, certeza. Se eu apenas der de
ombros, vai soar de uma rudeza que é demais até para um cara como eu.
— Estou cheio de fome — assobio, como quem não quer nada. — E
tô pensando em ir na lanchonete no meu primo comer alguma coisa porque
não tem nada pronto aqui. Então… ahn… — murmuro, parecendo uma
pessoa com meio cérebro porque não consigo completar uma sentença
simples.
— Fico com o Davi, não tem problema. Pode ir sossegado — diz,
remexendo-se na cadeira. Se faz de sonsa, a diaba, porque pelo modo como
fica sem-graça, dá para notar que compreendeu que estou tentando convidá-la
a ir comigo.
Eu também deveria me fazer de doido e deixar isso para lá. Ir à
lanchonete do Guilherme e evitar as piadinhas idiotas que surgiriam se
aparecesse acompanhado de uma mulher e um bebê. Acontece que não
consigo deixar isso para lá. Por qualquer motivo que seja, quero que vá
comigo.
Pigarreio e cruzo os braços, na minha melhor pose despretensiosa.
— Não, não é isso. Você tá me ajudando muito, acho que nada mais
justo que te pagar um almoço, sabe? O Gui abriu uma lanchonete lá
na cidade tempinho atrás e trabalha com hambúrguer artesanal e é muito
bom. Deveria experimentar.
— Eu vou lá com frequência — diz, apoiando a mamadeira vazia na
mesa. Com cuidado, ela pega Davi no colo e o coloca para arrotar. — Adoro
aquele lugarzinho e a comida do Gui. — Ela olha para o menino e limpa a
boquinha dele quando regurgita. — Podemos ir quando você quiser.
Peço apenas um minuto para tomar um banho e trocar de roupa —
que é a mesma desde ontem —, e ela assente, dando-me um sorriso
simpático. Quinze minutos depois, estou pronto e podemos ir. Davi está no
bebê-conforto no banco de trás do meu Jeep Wrangler — é melhor para uma
viagem mais rápida até o centro urbano —, quietinho com a chupeta na boca,
e Daiane acomodou-se no banco do passageiro. Durante o trajeto que dura
não mais que quarenta minutos — obrigado tração nas quatro rodas e chassi
alto —, ela conversa comigo, pela primeira vez sem qualquer troca de farpas
entre nós. Eu nem pedi, mas a mulher desembestou a falar da sua vida, de
como saiu da cidade e veio parar aqui. Não sei se ela me contou por querer
tagarelar pura e simplesmente, ou se estava tentando me incentivar a contar
mais sobre mim. De qualquer forma, ouvi cada maldita palavra dela sem me
sentir de saco cheio com isso. O que é estranho, muito estranho.
A lanchonete está movimentada quando chegamos. Encontro uma
mesa mais aos fundos, contra a parede. Daiane se senta em uma ponta, eu me
sento em outra, e Davi fica na cadeira na lateral, entre nós dois. Demora
cinco minutos para escolhermos o que comer. Opto por um lanche de
hambúrguer artesanal com queijo, presunto, alface e tomate, fritas e
refrigerante. Daiane quer suco natural de laranja e lanche de frango no pão
integral. Assim que decidimos, vou fazer o pedido.
Meu primo está aqui, atrás do balcão, com um sorriso caloroso,
camisa branca, jeans e avental. Torci para que ele não estivesse na lanchonete
porque sei que, assim como Alex, o maldito vai fazer alguma piada com o
fato de eu estar com um bebê. Uma mulher e um bebê. Mas ele está aqui,
trabalhando, como sempre. Maldição.
— Olha só, quem é vivo sempre aparece — o cara debocha, limpando
as mãos em um pano de prato.
— Diz como se eu não viesse aqui com alguma frequência —
respondo, apoiando o cotovelo contra o balcão. Odeio vir à cidade, já disse
isso, e uma das poucas exceções é para vir comer na lanchonete do Gui. —
Anota meu pedido, vai, Guilherme — digo, querendo parar de jogar conversa
fora.
O cara ri e tira do bolso do avental um bloquinho e caneta. Passo o
pedido para ele e informo a mesa. É claro que o fato de eu pedir coisas em
dobro chama a atenção do cara e ele olha por cima do ombro. Um sorriso vai
surgindo na boca cretina que ele tem.
— A pediatra, é? Sei que estava passando da hora de arrumar um
encontro, primo, mas justamente com uma mulher que adora crianças? —
diz, dando batidinhas da caneta no papel, sem me olhar. — Bom, talvez
aquele bebê amoleça esse coração de pedra. Aliás, de quem é essa criança?
— Da vadia da sua irmã, babaca — respondo, do meu jeito mal-
humorado e grosso. Guilherme só faz rir, sem se sentir ofendido porque está
acostumado com minhas grosserias e ele nem é tão próximo da irmã por parte
de pai que tem. — Traga logo meu pedido antes que eu morra de fome.
Estou me retirando quando Guilherme me chama outra vez.
— Tenho uma coisa para você. Espera aí. — Ele vai até os fundos da
lanchonete e volta segundos depois, trazendo um envelope branco nas mãos.
— A Liliana te deixou isso aqui e me pediu para que te entregasse — diz,
esticando-o para mim.
Franzo o cenho, confuso e curioso, e pego o envelope.
— Quando ela te entregou isso?
— Ontem. Eram quase sete horas. Pediu que eu entregasse pro Alex,
pra ele te levar hoje cedo, quando fosse buscar as mercadorias para mim.
— É mais de meio-dia, cara. Por acaso não aprendeu a ver as horas?
O homem ri, balançando a cabeça de um lado a outro.
— Te liguei cedinho, pra avisar sobre a carta e dizer que não
consegui encontrar o Alex a tempo, porque cara saiu mais cedo que o
comum, mas você não atendeu o telefone fixo.. — Seus olhos claros miram
acima dos meus ombros, logo atrás de mim. O desgraçado balança as
sobrancelhas na minha direção. — Entendi por quê. Não dormiu em casa e já
até sei onde passou a noite.
— Ah, vá se foder, Guilherme — retruco, dando-lhe as costas e
voltando ao meu lugar.
Caio na cadeira e olho fixamente para o envelope.
— O que é isso? — Daiane pergunta, limpando a boquinha de Davi
com a fralda.
Reviro os olhos, impaciente com a pergunta.
— É um envelope, não está vendo?
— Meu Deus, Kenny… — reclama. — Ao menos uma única vez
pode ser mais gentil?
Molho o lábio inferior e suspiro, baixando um pouco a guarda. Passo
o envelope entre meus dedos, concentrado nele, com medo do que possa estar
escrito aqui. O que Liliana tinha a me dizer que teve de fazer isso em uma
carta e me entregá-la por terceiros?
— Você não vai abrir? — pergunta, um pouco cautelosa, talvez já
esperando por alguma resposta atravessada.
Dessa vez, porém, decido realmente ser um pouco mais gentil.
— Vou, mas não agora. O que quer que tenha escrito aqui, pode
esperar. Vamos comer primeiro.
Ela me dá um sorriso bonito, de compreensão, e acena em positivo,
voltando sua atenção ao pequeno garoto outra vez. Daiane conversa com ele
— de um jeito normal agora —, brincando com sua barriguinha, fazendo
cócegas nele, enquanto aguardamos nossos pedidos chegarem. De repente,
penso em Helena, naquele dia fatídico que ela morreu. Até anos atrás,
pensava nisso todos os dias. Depois, fui me habituando e bloqueando esse
tipo de lembrança dolorosa. Minha mente vai da morte dela para o desejo que
ela tinha em ter um bebê, como isso foi bruscamente interrompido. Olhando
para Daiane agora, uma tristeza diferente da que sinto normalmente me abate.
Não é apenas a falta que ela me faz. Não sei explicar direito o que sinto
diante dessa diaba de jaleco branco toda amorosa com o menino, com uma
aura maternal que…
… me emociona?
Suspiro e desvio os olhos, tentando afastar pensamentos e
sentimentos. Um segundo depois, Guilherme surge, ele mesmo vindo
entregar o pedido para ter o prazer de me lançar um sorrisinho debochado.
Troca alguns cumprimentos com a pediatra, brinca com o espertinho no
cadeirão e se retira. Começamos a comer em silêncio, eu me sentindo mais
mal-humorado do que de costume.
— O Theodoro me disse que nem sempre você foi rabugento dessa
maneira — Daiane menciona, limpando os lábios com um guardanapo de
papel. — Quer dizer, ele me contou que é bem do seu feitio ser chato e
antissocial, mas que… seu jeito piorou por causa da…
— E por que é que você anda especulando minha vida com o
Theodoro? — interrompo-a, erguendo uma sobrancelha.
Também pego alguns guardanapos e limpo os dedos engordurados.
— Não estava especulando nada — ela rebate, com um ar de
ofendida. — Fui levar o Jeep para trocar o óleo, e o Theo perguntou o que
achei do serviço do funileiro que ele me indicou para limpar a bagunça que
você fez — explica, fechando a cara imediatamente ao mencionar o episódio
em que pichei seu carro.
Dou de ombros, como sempre pouco me importando por ter passado
do limite, e bebo um gole do meu refrigerante.
— E? — indago, gesticulando para que continue me contando.
— E aí eu reclamei desse seu atrevimento, da sua falta de educação e
da sua rabugentice. O Theo comentou que seu humor piorou desde que sua
esposa faleceu, mas que, antes disso, até que você era um cara legal.
Desvio os olhos outra vez, engolindo um pedaço grande demais de
hambúrguer. Preciso de outra dose do meu refrigerante para ajudar a descer.
Theo tem razão. Nunca fui lá o cara mais simpático do mundo, mas com a
morte de Lena fiquei insuportável. Não consegui mais conviver direito com
as pessoas, sempre descontando nelas minhas dores, usando-a como pretexto
para ser um babaca. Por isso, pouco meses depois que ela se foi, vim me
isolar. E prefiro ficar assim, na maioria das vezes.
— O que aconteceu com ela, Kenny? — Daiane pergunta, com
cuidado.
Dou uma risada amarga. Penso em não contar, mas a morte da minha
esposa não é segredo para ninguém. Se eu não contar, um dos meus primos
boca-grande vai.
— Ela morreu afogada, tentando salvar uma criança — conto,
sentindo um nó entalado na minha garganta. — Estávamos no litoral, em lua
de mel…
— Ai, meu Deus — murmura, estarrecida.
Abano a mão, tentando amenizar a informação.
— Não tínhamos acabado de nos casar, não precisa fazer essa cara.
Tinha bem uns dois anos. Esperamos um tempo depois do casamento para
viajarmos. Ela estava focada em terminar os estudos, eu estava focado no
meu escritório de contabilidade na época que nos casamos. Juntamos algum
dinheiro durante um tempo para só então termos nossa lua de mel.
Ela acena, limpando a garganta, e toma um pouco do seu suco. Inspiro
profundamente antes de continuar:
— Uma criança estava se afogando, e a Helena foi a primeira a notar.
Ela deveria ter pedido ajuda, só que… resolveu entrar no mar por conta
própria e também começou a se afogar.
Engulo em seco, fazendo uma pausa necessária.
— Sinto muito, Kenny — sussurra, muito sincera. — Você não
conseguiu fazer nada?
Balanço a cabeça em negativo.
— Eu tinha me afastado, ido comprar água de coco em um quiosque.
Quando me dei conta, ela já estava pulando no mar. Eu… corri para Helena
na mesma hora, enquanto outras pessoas também tentavam ajudar. Um cara
chegou primeiro do que eu, mas ele não conseguiu socorrer os dois, e a
Lena… — Suspiro, soltando todo o ar dos pulmões. — Priorizou a menina.
Consegui nadar até ela e tirá-la do mar, só que era tarde demais.
Há um longo silêncio entre nós. Daiane parou de comer, e meu lanche
também ficou pela metade, porque perdi a fome completamente. De repente,
sem que eu espere, ela arrasta sua mão até a minha, acariciando-me em um
ato de consolo. O toque me pega desprevenido, mas não recuo. Olho para ela,
que me dá um olhar de compaixão, e depois encaro seu toque. Por algum
motivo, esse simples gesto mexe comigo.
— Na autópsia — continuo, minha voz saindo falha —, descobriram
que ela estava grávida. Não sei se Helena queria me fazer uma surpresa ou se
não sabia da gravidez.
— Isso foi terrível — diz, em um tom complacente. — Sinto muito
por tudo.
Dou-lhe um sorriso fúnebre e não dizemos mais nada um ao outro.
Olho para Davi cochilando no bebê-conforto, e um calor diferente toma posse
do meu coração. Tento imaginar como seria se Helena ainda estivesse aqui.
Aquela criança hoje teria uns quatro anos. Pergunto-me se eu teria sido um
bom pai, porque minha esposa com toda certeza teria sido a melhor mãe de
todas.
— Vamos? — pergunto quando começo a notar que Davi está
causando um efeito diferente em mim, despertando sentimentos e desejos que
não deveriam existir.
Daiane assente, e vou pagar a conta. Ela quer pagar pelo seu
consumo, mas não a deixo. Guilherme está do outro lado da lanchonete e me
lança sorrisos e olhares cínicos quando começo a deixar o local carregando o
maldito bebê-conforto ao lado da pediatra. Como se ele próprio não estivesse
se amarrando pelas bolas com a diretora do colégio da cidade. Idiota.
De volta à fazenda, eu me sento ao redor da mesa de madeira, com o
envelope nas mãos e o encaro por um longo instante. Daiane se senta de
frente para mim, como sempre colocando Davi no tampo e zelando por ele
como se fosse sua própria mãe.
Abro o maldito envelope e tiro a carta de lá de dentro. Foi escrito em
uma folha pequena de caderno, de caneta preta, com uma letra feminina e
arredondada.

Seu Kenny, sei que nesse momento deve estar querendo me matar,
mas juro que pensei muito nisso antes de tomar essa decisão. Como o senhor
deve saber, Davi não tem pai, e eu só sou uma garota de vinte e um anos que
queria ter ido trabalhar na cidade grande, talvez até estudado, ter saído
desse fim de mundo que é São José e feito minha vida. Mas a gravidez me
impediu disso tudo. E a verdade é que não tô sendo uma boa mãe pra ele. Eu
amo meu filho, seu Kenny, porque ele saiu de mim, mas ainda não servia pra
essa vida, não. Eu sei que o senhor odeia criança, mas não encontrei pessoa
melhor com quem deixar ele. O senhor tem uma boa fazenda e renda, tem
tempo para ele, por favor, pode cuidar do Davi pra mim? Dar tudo o que eu
não poderia dar? Eu fui embora, nem vou te dizer pra onde, e só o que quero
é que cuide do meu filho como se ele fosse seu. O Gui me contou da sua
esposa, do filho que iam ter juntos, tenho certeza que o senhor pode ser um
bom pai pro Davi como ia ser pro bebê da Lena. Os documentos dele tão
tudo lá em casa. A carteira de vacina, certidão de nascimento, até um
RGzinho ele tem. Tá numa pasta, na última gaveta da cômoda. Por favor,
seu Kenny, cuida dele pra mim. Não deixa o Davi crescer num orfanato
quando ele pode ter uma boa vida aí com o senhor. E um dia quando ele tiver
moço, diga que apesar de tudo eu amo ele.
Adeus,
Liliana.
— O que diz na carta? — Daiane pergunta.
Olho-a por cima do papel, piscando uma porção de vezes, ainda
assimilando a porra que foi que acabei de ler.
Umedeço os lábios, sentindo meu coração acelerado. Espio Davi
sobre a mesa, e, de repente, sinto uma pontada no peito. Sinto… por ele. Por
ter sido abandonado e rejeitado pela própria mãe.
— Kenny? — a pediatra insiste.
— A Liliana… — digo, um pouco estarrecido — abandonou o
menino. — Arregalo os olhos quando, numa fração de segundos, recordo-me
das suas palavras na carta e me dou conta da responsabilidade que aquela
desmiolada deixou nas minhas mãos. — E quer que eu cuide do Davi.
A expressão no rosto de Daiane me representa, e não sei pelo que
mais ela está surpresa: pelo abandono do bebê ou por aquela criatura
irresponsável dos infernos querer que eu cuide do pirralho dela.
— O que você vai fazer? — pergunta, dando uma espiada no
garotinho.
Sigo seu olhar e noto que ele está desperto agora. Quando nossos
olhares se cruzam, ele abre outro sorriso para mim, que me balança de um
jeito que não deveria. Levanto-me da minha cadeira imediatamente e fico de
costas para os dois, caminhando até a pia e me apoiando nela. Diviso meu
terreno no lado de fora através do vitrô e solto:
— Eu é que não vou assumir esporro de outro.
— Kenny! — Daiane me adverte severamente. Dou de ombros, sem
coragem de me virar, tentando realmente não me importar.
Mas acontece que, lá no fundo, estou me importando. Como pode?
Mal tem vinte e quatro horas que esse pivetinho está comigo e ele já está
conseguindo me fazer me preocupar como nunca me preocupei com nenhuma
criança antes. O mais próximo de uma criança que tenho alguma ligação é a
Alicia, filha do Alex. Quando me mudei para São José, meses depois da
morte de Lena, a garota tinha pouco mais de um ano, e sempre mantive certa
distância quando nos encontrávamos. Nem mesmo tendo conhecimento que a
desnaturada da mãe dela tinha ido embora no ano anterior eu tive qualquer
tipo de sentimento como estou tendo agora. Por bem ou por mal, a
pimentinha tem o pai. Ao contrário do Davi…
Deve ser por isso que estou tão…
… tocado?
— Você é um idiota, sabia? — ela ralha.
Viro-me na sua direção, inconformado com esse xingamento sem
noção.
— Idiota? Idiota eu seria se aceitasse cuidar desse moleque, pelo
amor de Deus. Daiane, olha bem para mim e vê se eu tenho cara de pai
adotivo?
— Realmente, você não tem cara de ser pai. Nem adotivo, nem
biológico, porque é um ogro sem sentimentos — diz, toda inconformada,
pegando na alça do bebê-conforto. — Nem sei como foi capaz de amar a sua
esposa.
Quando ela menciona isso, me aproximo da mesa em apenas uma
grande passada, parando perto dela. Perto demais. Sinto o aroma de perfume
e shampoo que exala dela penetrar minhas narinas e me desorientar por um
instante.
— Nunca mais fale da minha mulher nesse tom — repreendo-a, e a
desgraçada apenas empina o nariz.
Mas, um segundo depois, seus olhos se suavizam diante de mim.
Talvez tenha se dado conta do absurdo que deixou seus lábios, ou de como é
ainda mais absurda a responsabilidade que Liliana deixou nas minhas mãos.
Assim, sem mais nem menos. Um homem que não tem ligação nem afeto
nenhum com o menino, um homem que odeia crianças. Aquela garota é
completamente surtada, só pode ser.
— Me desculpe — pede, com um tom mais ameno.
Ela solta a alça do cadeirão e pega Davi no colo, sem nenhum motivo
porque ele não chora nem resmunga. Vejo-a embalá-lo carinhosamente, e
isso outra vez me dá aquela balançada esquisita.
Deus, o que está acontecendo comigo?
— Tudo bem — digo.
— Tem ideia do que vai fazer?
Passo a mão pelos cabelos e balanço a cabeça em negativo. Sei o que
é o mais correto a se fazer nesse momento. Entregar Davi para o Conselho
Tutelar e lá eles que se resolvam com o garoto. Mas a minha maldita
consciência não está me deixando tomar essa decisão. Liliana me pediu para
cuidar dele, para não o deixar ir para um orfanato porque ele pode correr o
risco de crescer sem uma família ou ficar pulando de uma para outra.
O senhor tem uma boa fazenda e renda, tem tempo pra ele, por favor,
pode cuidar do Davi pra mim?
…tenho certeza que o senhor pode ser um bom pai pro Davi como ia
ser pro bebê da Lena.
Suspiro pesadamente, tentando ignorar as palavras dela da carta, de
como pareciam impregnadas de súplicas. Não posso simplesmente aceitar
essa loucura toda. Não mesmo.
— Acho que devíamos esperar — digo, umedecendo os lábios. — A
Liliana pode ter agido meio… impulsivamente, sabe? Talvez se arrependa,
talvez reconsidere, sinta falta do menino e retorne para casa.
— Sim… — Daiane concorda, com um mover ligeiro de cabeça,
ainda balançando o menino. — Bobagem alarmarmos, assim,
precipitadamente, não é? — sussurra essa última parte, a voz saindo com um
tom carinhoso enquanto seus olhos estão presos no menino.
Minha resposta, por um instante, é só um balançar de cabeça. É então
que me dou conta que eu quem vou precisar cuidar dele por esse tempo —
que nem sei quanto é —, e Deus do céu! Não tenho ideia de como vou fazer
isso. Ao menos não sem uma ajuda decente.
— Devíamos esperar uma ou duas semanas — Daiane sugere. Ela
pega a fralda presa na chupeta e coloca perto do rostinho dele. O cheiro
parece agradá-lo.
— Se Liliana não voltar nesse período, vamos procurar o Conselho
Tutelar. — murmuro. Ela concorda com um único mover de cabeça,
enquanto sorri e balança o menino. — Você… hã… — Limpo a garganta. —
Pode me ajudar a cuidar dele, durante esse tempo?
Ela ergue o olhar na minha direção, mostrando um sorriso bastante
convencido. Reviro os olhos, sentindo meu orgulho sendo ferido ainda mais.
— Só se você me pedir por favor e com jeitinho — a danada propõe.
Cruzo os braços, semicerrando os olhos na sua direção.
— Vai me ajudar ou não, Daiane? Porque se não for, encontro alguém
disposto.
— Ah, é? E quem mais além de mim vai suportar esse seu humor
horroroso? Sabe que nem seus amados primos, Gui, Alex e Theodoro, te
suportariam por muito tempo com um bebê.
Maldita.
Fico quieto por longos segundos, recusando-me a ser educado nesse
nível. Ela segue me encarando com seu olhar e sorriso convencido. Bufo,
impaciente, e desvio os olhos. Não vou ceder!
— Vamos, Kenny, eu te ajudo — a desgraçada debocha. — Se diz
assim: “Daiane, por favor, você pode me ajudar a cuidar do Davi?”. Mas tem
que ser com jeitinho — diz, segurando uma risada. — Vai, repete comigo.
“Da-i-a-ne, por fa-vor…”
— Ai, cala a boca! — rechaço, impaciente com esse silabar dela,
como se eu fosse alguma criança sendo alfabetizada. — Tudo bem, diaba de
jaleco! Eu peço por favor. Quer que me ajoelhe também?
Ela ri, devolvendo Davi, que agora dorme, no cadeirão.
— Com jeitinho, Kenny. Não adianta pedir por favor sendo um cavalo
dessa maneira!
Resmungo, irritado. Inspiro fundo, tomando ar para os pulmões.
Encontrando uma paciência e simpatia que não tenho, peço:
— Daiane, por favor, você pode me ajudar a cuidar do Davi?
A pediatra se dobra de rir da minha cara, mas pelo menos aceita me
ajudar.
Inferno!

Volto pouco depois das oito da noite. Após minha conversa com
Daiane, decidi me isolar no escritório e trabalhar durante parte da tarde, até
receber uma ligação de Guilherme querendo que me encontrasse com ele na
lanchonete após o expediente. Parece que convocou Theo e Alex também. Já
estava de ante aviso com essa convocação. Semanas atrás, ele veio aqui com
Danilo — o pirralhinho filho da diretora do colégio — passar um dia na
fazenda, e comentou alguma coisa por cima. Fui, apesar de não querer, e a
pediatra ficou cuidando do menino para mim. O desgraçado só queria chorar
suas pitangas porque realmente se apaixonou pela Heloísa. De brinde, ganhou
um mini terrorista. Fiquei por pouco tempo, sem muita paciência para as
choradeiras amorosas dele, até porque já estava irritado demais com o fato de
ele ter demorado a me entregar a maldita carta, e vim embora. Não sem antes
roubar duas cervejas do engradado dele como recompensa por aguentá-lo
falando do que está começando a sentir pela tal diretora, mas também não
deixando de apoiá-lo em qualquer que seja sua decisão sobre a mulher.
Quando chego, Daiane está na minha cozinha, tentando fazer o
menino se acalmar. Ele chora estridentemente, aos berros.
— O que está acontecendo? — pergunto, jogando as chaves do
Wrangler sobre a mesa.
— Eu acho que ele está precisando de um banho — diz, cheirando o
corpinho do garoto.
— Por que ainda não deu um banho nele?
— Porque não tenho uma banheira aqui, ou algo que pudesse colocá-
lo. Já limpei com fralda úmida e água morna, mas não é a mesma coisa.
Estava esperando você chegar.
A última parte me pega de surpresa.
— Para quê?
— Para dar banho nele. No chuveiro.
Meu coração dá um salto enorme no peito. Não compreendo
exatamente o que quer dizer com isso, mas, de qualquer maneira, um frio
sobe pela minha espinha.
— Como?
Daiane o ajeita no bebê-conforto e começa a tirar a roupa dele, que se
esgoela e bate mãos e pernas.
— É só segurá-lo debaixo do chuveiro, Kenny. Não tem segredo
nenhum. — Ela ergue o olhar para mim. Estou assustado demais com sua
sugestão para reagir. Jesus amado, ela quer que eu segure um bebê de dois
meses debaixo de um chuveiro? E se esse pestinha escorregar dos meus
braços e se machucar? — Olha, eu mesma teria feito isso, mas não tenho
liberdade na sua casa e, além do mais, não tenho roupa limpa aqui. Você tem.
Então, por favor, vá abrir o chuveiro e deixar a água amornar que já levo ele
lá.
— Daiane… — Tento protestar.
— Eu vou te ajudar — garante, pegando o menino de volta, agora
peladinho.
— VOCÊ VAI O QUÊ? — esganiço, quase sem nem perceber.
— Te ajudar — reafirma. — Vou te ajudar a segurá-lo debaixo do
chuveiro e a dar banho nele. Vá, fique só de cueca e deixa a água aquecer.
Arregalo os olhos, não só com sua ideia absurda, mas com a
naturalidade que me fala para ficar seminu na frente dela. Por conta disso,
fico estacado no lugar, sem mover um músculo, até que, um segundo depois,
consigo dizer:
— Não vou ficar só de cueca na sua frente!
Ela revira os olhos.
— Ai, Kenny. Por acaso você tem alguma coisa entre o vão das
pernas que não um pênis?
— Não! — respondo, um pouco indignado com sua pergunta.
— Está vendo? Não tem aí nada que eu não tenha conhecimento. Vai
fazer o que te pedi. O Davi está desesperado querendo um banho! — protesta,
balançando o menino que não para de chorar.
Cheio de raiva, cedo e caminho para o banheiro. Arranco toda a
roupa, deixando apenas a peça íntima escondendo meu sexo, e abro o
chuveiro. A água escorre e esquenta. Não demora muito para Daiane aparecer
com o menino e me entregá-lo.
— Segure-o com cuidado. Assim. Isso. Assim — diz, ajeitando-o nos
meus braços.
Pego-o com toda cautela do mundo, sentindo meu interior estremecer
tanto de medo de machucá-lo que nem me importo muito com ela no meu
banheiro me vendo seminu. Consigo segurá-lo como ela me instrui, de pé,
estabilizando a coluna, seu rostinho contra meu ombro. Daiane confere a
temperatura da água antes de me instruir a entrar no box. Davi se acalma
quase instantaneamente e fica quietinho nos meus braços.
— Esfregue as costinhas dele, Kenny — instrui.
Meio hesitante, eu faço. Minha mão parece grande demais contra sua
coluna e procuro uma delicadeza que não tenho enquanto esfrego sua pele
macia.
— Aqui — ela diz. Viro-me na sua direção e vejo que me entrega um
sabonete próprio para bebês que estava na sua lista de compra. — Ensaboe
ele.
Pego o sabonete e deslizo pela sua pele. Quando faço isso, Davi solta
um resmunguinho, como… uma risadinha, feliz com o ato. Isso me
desestabiliza um pouco e, ao mesmo tempo, arranca um sorriso de mim.
— Lave o bumbum dele. — A voz de Daiane me traz de volta. Faço o
que ela manda. — Atrás da orelha e nas dobrinhas do pescoço, Kenny. As
partes íntimas também.
Faço tudo o que manda, não querendo admitir que esse momento com
Davi é…
… especial?
Engulo em seco e, em um ato primitivo e instintivo, eu o abraço.
Daiane segue me dizendo o que fazer. Lavo os cabelinhos cor de areia dele
com um pouco do shampoo especial para bebês; espalho na sua cabecinha e
esfrego com cuidado. Por todo tempo, Davi fica quieto, apenas aproveitando
a água quente.
Diabinho esperto.
— Já está bom, Kenny. Podemos tirá-lo. Onde tem uma toalha? —
Daiane pergunta.
— No armário, parte de baixo.
Ela pega uma toalha branca e a abre, pedindo o menino. Olho-a por
um longo instante, relutando em entregá-lo. Não vou mentir e dizer que esse
banho não me agradou. É com muita dificuldade que assumo que estou
gostando desse momento com Davi.
— Me deixa mais cinco minutos aqui com ele — peço. A mulher me
fita, assustada, mas ignoro o ponto de interrogação nos seus olhos. — Por
favor.
Daiane suspira e acena, afastando-se alguns passos. Ela diz que vai
aproveitar para escolher uma roupinha para ele e aquecer uma mamadeira.
Fecho os olhos e aperto Davi contra meu peito, tentando não deixar que ele
me afete, de alguma maneira.

Por fim, entrego o bebê para Daiane. Ela o enrola na toalha e volta
para o quarto, para trocá-lo. Fico aqui mais um instante antes de arrancar a
cueca molhada e circundar uma toalha no quadril. Estendo alguns minutos a
mais no banheiro, tentando afastar qualquer sentimento bobo por esse menino
que mal conheço e que não tem ligação nenhuma comigo. No quarto, vejo a
pediatra inclinada sobre a cama, conversando com ele enquanto o troca. Paro
no umbral da porta e a observo — outra vez — por um minuto que parece
longo demais e que mexe comigo de uma forma que nunca permiti desde
Helena. Meus olhos correm pelo seu corpo enxuto acomodado dentro de um
jeans simples, camisa cambraia e o casaco longo. Os cabelos castanho-
acobreados soltos, que ela coloca vez ou outra atrás da orelha, emolduram
seu rosto. Adentro mais o quarto, seus olhos vindo aos meus. Ela os desce
discretamente para meu torso despido e o desejo nas suas íris verdes é
como… se tivesse me vendo assim pela primeira vez, como se só agora
realmente reparasse em mim.
Ignoro-a e sigo até minha cômoda, e ela torna a terminar de vestir o
pequenino. Puxo uma gaveta e pego uma camisa branca. Sobre o tampo, vejo
os produtos que Alex comprou e que Daiane provavelmente arrumou aqui.
Fralda, pomada contra assadura, lenços umedecidos, algodão. Ouço os
risinhos dele e passo a camisa pela cabeça. De costas para Daiane, arranco a
toalha e seguro uma risada maior quando a ouço engasgar. Subo uma cueca
preta pelas pernas e visto uma calça de moletom.
Quando me viro de novo, a pediatra está sentada na cama, com ele
nos seus braços, segurando a mamadeira. Davi suga o bico, enchendo a
barriguinha, e segura o indicador dela. Não sei por que essa imagem continua
mexendo comigo.
— Você vai ficar, não é? — pergunto, encostando-me à cômoda atrás
de mim.
Ela acena em positivo.
— Sim. Vou colocá-lo para dormir e então vou em casa tomar um
banho e buscar algumas… — Daiane para de falar imediatamente, erguendo
os olhos na minha direção. — Ah, não — reclama.
Levanto uma sobrancelha.
— O que foi?
— Acabei de me lembrar que minha chave de casa ficou no
consultório da fazenda. Está tarde para ir buscar. Já está tudo fechado e o
responsável pelas chaves mora na cidade.
— Pode tomar um banho aqui, Daiane — ofereço, de bom-grado.
— Como, se não tenho uma peça de roupa?
Dou de ombros e giro nos calcanhares, abrindo mais duas gavetas, de
onde tiro uma camisa de botões e uma calça moletom de cordinha. Dobradas,
coloco-as delicadamente na cama, perto da pediatra.
— Pode usar para dormir. Amanhã cedo você busca as chaves e vai
para sua casa vestir algo melhor.
Ela olha de mim para as roupas dobradas sobre a cama. Tenho a
impressão de ver um sorrisinho nascer no seu rosto bonito. Daiane acena,
aceitando a oferta, e acomoda Davi na minha cama, cobrindo-o. Anuncio que
vou pedir uma pizza, porque não sou doido de me arriscar a cozinhar para
ela, enquanto vai tomar seu banho. A pediatra apaga as luzes assim que saio,
deixando o bebê confortável no escuro, e leva o par de roupa consigo para o
banheiro.
Sentado à mesa, deslizo meu celular pelo tampo quando encerro
minha ligação para a pizzaria na cidade, que informa que o pedido vai
demorar um pouco mais para chegar por causa da distância. A taxa de entrega
é quase uma facada no estômago, mas é isso ou morrer de fome. Minutos
depois, ouço um pigarreio atrás de mim e me viro para vê-la dentro da minha
calça e camisa, os dois largos demais no seu corpo compacto, os cabelos
úmidos ligeiramente desgrenhados. Engulo em seco, um pouco…
desorientado com a visão.
— Davizinho vai dormir a noite toda agora. Ou assim espero —
sussurra, parada no seu lugar, no portal que separa a cozinha da sala.
Abro um sorriso pequeno e me levanto, gostando, por algum motivo,
do apelido carinhoso.
— Obrigado por aceitar ficar e me ajudar com ele — agradeço, com
um tom ameno que não é muito de mim. — A pizza já vai chegar — informo.
— Enquanto isso, vou preparar um lugar para você dormir.
Retiro-me, indo até meu quarto. Acendo as luzes e o vejo ali,
dormindo feito um anjinho, os dois bracinhos para cima, a respiração calma e
ritmada, a boquinha sugando o bico da chupeta calmamente. Aproximo-me
dele a passos vagarosos, com um misto de medo, ansiedade, talvez um pouco
de afobação. Agacho-me na sua altura e o observo por alguns segundos. Até
demoro a notar que estico o indicador dobrado na sua direção e acaricio seu
rostinho. Parece um choque quando me dou conta do que estou fazendo.
Afasto-me dele, e pego coberta e travesseiro para Daiane. Volto à sala e
acomodo tudo no sofá. Daqui, vejo-a terminando de ajeitar a mesa. Paro por
um instante e espio seu pequeno zelo. Daiane esticou uma toalha — deve ter
encontrado no armário — na mesa, colocou copos, pratos e talheres, dobrou
guardanapos de papel. Tudo muito… delicado. Feito com carinho. Isso me
lembra dos meus dias com Helena. Minha mulher também gostava de
arrumar a mesa para nossas refeições. Desde sua morte, simplesmente não me
importo com nada disto. A atitude de Daiane, contudo, aquece meu coração
de uma forma boa.
Ela nota minha presença e sorri, olhando de mim para a mesa e então
de volta para mim.
— Arrumei o sofá para você.
O sorriso nela vai sumindo aos poucos.
— Você… vai dormir na cama com o Davi, então?
Um sorriso convencido e debochado nasce em mim. É claro que não
quero passar a noite com o pivetinho, além disso… acho que tenho medo de
esmagar o coitadinho. Talvez eu nem durma direito por causa disso,
preocupado em machucá-lo. Mas eu não perderia a chance de me vingar
dessa diaba de jaleco por ter me dado um sofá desconfortável para dormir
quando tinha um segundo quarto na sua casa.
— Sim — respondo, por fim. — Mas não se preocupe, meu sofá é
muito mais confortável do que o seu.
Ela cruza os braços e me encara com uma fúria comedida nos olhos
verdes.
— Tudo isso então é só porque dormiu no meu sofá noite passada?
Como você é pirracento, Kenny.
— Não. Tudo isso é porque me deixou dormir naquele sofá duro
quando tinha um quarto de hóspedes — respondo, cruzando os braços.
Daiane revira os olhos e dá um passo na minha direção, decidida,
furiosa.
— De onde tirou essa ideia absurda? Eu não tenho um quarto de
hóspedes! — Ela pensa por um segundo, que tento aproveitar para dizer que
vi a segunda porta, mas Daiane parece notar primeiro que é exatamente disso
que estou falando e completa: — Seu idiota. Aquilo era a porta do meu
escritório!
Abro e fecho a boca um par de vezes, sabendo que fiz um papel
ridículo aqui. Cruzo os braços e suspiro, desviando os olhos. Escoro-me ao
batente do portal, tentando manter minha pose mais despretensiosa.
— Tudo bem, posso reconsiderar o sofá e arrumar o quarto de
hóspedes.
Vejo um sorriso convencido surgir nela. De repente, Daiane está aqui,
perto de mim, e o aroma dos seus cabelos molhados outra vez mexe comigo.
Engulo em seco, sentindo um nó diferente na garganta por causa dessa
mulher, por causa dessa… proximidade. Sem que eu espere, o indicador dela
está batendo contra meu tórax, em um gesto muito descontraído, como se
realmente tivéssemos intimidade para isso.
— Viu só, não dói ser gentil.
Travo o maxilar e abaixo os olhos para seu toque. Daiane parou de
bater o dedo na minha direção, mas ele continua ali, repousado contra a
minha pele. A pediatra ficou estranhamente quieta, fixa na faixa de pele à
mostra pela abertura da camisa. Algo dentro de mim se remexe. Já faz muito
tempo desde que uma mulher me tocou, e a excitação que sobe pelo meu
corpo agora é reflexo desse celibato no último quase um ano. Mas tinha que
ser justamente por essa diaba de jaleco? Pego seu punho, na intenção de
afastá-la de mim, mas por algum motivo não consigo. Aperto-a com força
comedida, moendo com tanta força o meu maxilar — indignado que eu esteja
realmente atraído por ela — que tenho a impressão de que meus dentes vão
partir.
Rodeando seu punho, ao invés de afastá-la, eu a trago para mim. Seu
tórax se choca contra o meu, e é como se uma faísca de tensão sexual
chispasse entre nós com esse pequeno ato. Seus olhos verdes encontram os
meus, e tem um pouco de tudo neles. Medo, hesitação, surpresa, excitação. E
tudo isso combina com o ritmo desregulado da sua respiração. Em um ímpeto
incompreensível, inclino-me na direção de Daiane e a beijo.
Ela não reluta nem mesmo por um segundo, retribuindo no instante
em que nossas bocas se chocam. É um beijo firme e desesperado. Agarro sua
nuca, arrastando-a mais para mim, e forço mais seus lábios, exigindo mais
espaço. Daiane cede, facilmente, derretendo-se nos meus braços. Amparo-a,
contornando sua cintura com o braço livre, e nos giro, trocando nossas
posições. Coloco-a contra o umbral, esmagando seu corpo com o meu, e
deslizo minha mão por todo seu corpo, subindo-a por dentro da minha camisa
que ela veste.
Afasto-me da sua boca, ofegante, e encaro suas pupilas dilatadas, a
ponta dos meus dedos a um centímetro dos seios soltos sob o tecido. Seu
pescoço esguio, branco e delicado me chama, e é questão de fração de
segundos até que minha língua esteja ali, com a mesma firmeza e desespero
de quando esteve na sua boca. Mordisco o lóbulo da sua orelha enquanto
meus dedos, ávidos, começam a abrir os botões da camisa. Meus lábios se
deslocam pelo seu ombro direito e descem para o colo, parando bem pertinho
dos seios acesos. Distancio-me apenas o suficiente para brincar com os
mamilos duros por um instante. Ela geme e se contorce sob meu toque,
afetando-me de um jeito… que não sei expressar em palavras.
Daiane me fita com determinação quando afrouxa a cordinha da calça
de moletom, que cai aos seus pés. Prendo a respiração quase sem perceber, o
espaço na minha cueca tornando-se apertado demais. As mãos dela apoiam-se
na minha cintura por um instante antes de baixar o moletom, junto com a
peça íntima.
Não aguento ficar longe demais dela, ainda mais quando a vejo
morder o lábio inferior de um jeito safado demais. Puxo-a na minha direção
e, com um impulso, coloco-a no meu colo, suas pernas rodeando-me no
mesmo instante. Escondo-me contra a curva do seu pescoço quando a penetro
devagar, sentindo o calor dela, sua umidade, seus músculos se contraindo ao
meu redor, os gemidos baixos dela contra meu ouvido. Até demoro a me dar
conta da minha completa falta de responsabilidade em transar sem nenhuma
proteção.
Ela finca suas unhas nas minhas costas e sussurra no meu ouvido,
pedindo mais forte e mais rápido. É a porra da minha perdição. Quase sem
perceber, estou estocando na velocidade e na intensidade que ela pediu. Já faz
algum tempo desde que estive dentro de uma mulher, e gozar com auxílio da
mão direita não é a mesma coisa, por isso não leva muito tempo para que eu
anuncie meu orgasmo.
Daiane vem junto comigo.
Desencosto-a do batente e me afasto, um pouco de constrangimento me
acometendo. Subo minha calça, ela faz o mesmo com a dela, colocando uma
mecha do cabelo acobreado atrás da orelha.
— Eu… — começa, um pouco desajeitada. — Se importa se eu tomar
outro banho? — pergunta.
Movo a cabeça em negativo. Daiane some do meu campo de visão, e
vou para meu escritório, ainda sentindo o calor dela ao meu redor, seus
fluidos impregnados em mim, tentando ignorar o modo como me sinto em
relação a ela. Fico aqui pelos próximos minutos, fingindo trabalhar, e já deixo
separado o dinheiro do motoboy. Um bater na porta me desconcentra de uma
foto minha ao lado de Helena sobre a mesa, em que fixei os olhos sem quase
ter percebido. Daiane pergunta se pode entrar, e aceno. Pigarreio e pego um
caderninho de anotações apenas como modo de ter o nque fazer para não
precisar encarar seus olhos verdes.
— Você não quer ir tomar outro banho? — indaga, parada na minha
frente, ainda em pé. — Deveria ir, antes que a pizza chegue.
— Sim, tem razão — concordo, agradecendo por ela não estar
constrangida. Ou está e sabe disfarçar muito bem.
Deixo meu escritório, sem me importar que ela fique aqui, e vou
atender sua sugestão. Demoro um pouco mais do que o comum, passando
muito tempo cabisbaixo sob a água, pensando naquela diaba de jaleco, no
sexo rápido e incrivelmente bom de minutos atrás. Visto a mesma roupa e
volto para a cozinha. Daiane não está aqui. Vou até o escritório e a encontro.
A mulher está sentada atrás da mesa, com meu caderninho nas mãos,
folheando-o com um crispar na testa.
— O que está xeretando aí? — pergunto, um pouco mais rude agora,
descontente com sua intromissão.
— Por que meu nome está nesse caderno, em vermelho? Pela legenda,
são os que te devem.
Reviro os olhos.
— Porque você me deve.
Ela balança a cabeça em negativo, em um tom inconformado.
— Não te devo coisa alguma. Tudo que comprei com você, eu paguei.
Moo o maxilar, começando a perder a paciência com essa insistência
dela.
— Talvez seja necessário te refrescar a memória, Daiane. Você pagou
pelas laranjas, os limões, alguns litros de leite e cachos de banana. Mas nas
últimas férias, o seu sobrinho veio aqui buscar ovos caipiras, doces de leite
no pote e queijos.
Daiane pisca diversas vezes e se levanta, saindo de trás da mesa. Vem
na minha direção, indignada, e diz:
— Pelo amor de Deus, Kenny, eu nem sobrinho tenho!
Dou uma risada cáustica, impressionado com como é dissimulada.
— Agora vai negar que tem um sobrinho que veio aqui buscar essas
coisas no seu nome?
Ela abre a boca para dizer alguma coisa, mas, então, inesperadamente,
explode em uma gargalhada, cheia de humor, como se tivesse acabado de
ouvir uma piada muito engraçada. Cruzo os braços e fecho a cara, procurando
a maldita graça no que disse.
— Você foi tapeado por uma criança, Kenny — diz, ainda aos risos.
— Eu não tenho sobrinhos e não pedi para ninguém vir comprar alguma coisa
de você. — Daiane volta a rir, descontroladamente. — Um garoto de o
quê…? Uns doze anos? Te passou a perna!
Aos poucos, vou me dando conta de que ela pode estar certa. Afinal,
Daiane nunca realmente ficou me devendo qualquer coisa. Sempre que
comprava algo comigo, pagava à vista. Nunca no fiado. Quando aquele
moleque apareceu dizendo que a pediatra queria algumas coisas para pagar
mais tarde, vendi confiando que me pagaria.
Ela está rindo demais. Por um segundo, continuo com a cara fechada,
mal-humorado, principalmente por ter sido feito de idiota por um pivetinho
desgraçado. Mas a alegria com que ri, o som contagiante da sua risada… vai
me desarmando pouco a pouco e, quando noto, estou rindo junto.
Rio como há muito tempo não ria.
E, porra, é libertador.

A pizza chega logo depois disso. Encontro uma garrafa de vinho


perdida na minha cozinha e nos sirvo, enquanto Daiane serve as fatias nos
pratos. Sentamos um de frente para o outro, sem nada de constrangedor nem
ressentimentos entre nós. A confusão sobre meses atrás foi esclarecida, mas
não me desculpei. Deveria ter me desculpado, eu sei. Só que isso significaria
alimentar o ego dela, e não estou disposto a lhe dar esse gostinho.
Comemos enquanto ela me conta um pouco do seu trabalho. É nessa
conversa que descubro que está fazendo um trabalho voluntário uma vez na
semana na unidade de saúde daqui a região, por isso que a vi ontem por lá.
É uma atitude muito honrada, preciso admitir.
— Amanhã, pode levar o Davi no meu consultório na cidade? Estarei
lá depois do almoço e quero providenciar uns exames e pesá-lo, saber se está
saudável.
A sugestão me deixa desgostoso. Odeio desentocar. Mas ela tem
razão. Se o menino vai ficar conosco pelos próximos dias, é bom que
saibamos se está tudo bem com ele. Por isso, facilmente cedo.
— Tudo bem.
Ela me instrui a ir à casa do menino e pegar os documentos dele,
como certidão de nascimento e carteira de vacina. Aceno, pensando que ele
vai precisar de outra coisa também. Um berço. Vi que tem um na sua casa,
mas pelo que me lembro, está bastante judiado. Talvez… talvez… eu compre
um novo, ou eu mesmo monte um. Só sei que não pretendo dividir minha
cama com o pivetinho pelos próximos quinze dias.
Daiane faz menção de se levantar quando ouvimos o chorinho do
bebê, mas eu não deixo. Ela já está fazendo demais me ajudando. Caminho
até o quarto e acendo a luz.
— Por que esse escândalo, diabinho? — pergunto, aproximando-me
dele. Agacho-me na sua altura e noto que a chupeta escapou da sua boca.
Coloco-a de volta e ele vai se acalmando. Um sorriso desponta em
mim e outra vez, quase sem perceber, estou acariciando seu rostinho. Mais do
que isso. Com cuidado, pego-o no colo e me sento na cama, encaixando seu
corpo pequenino no meu braço forte. Olho para Davi por longos instantes,
deixando que essa sensação de acalento, essa sensação boa no coração, vá
tomando conta de mim. Uma sensação que não sentia há muito tempo.
Começo a niná-lo, bem devagar, cantarolando uma canção que meu
pai costumava cantar para mim. Sem saber exatamente por quê. O ranger da
porta principal me faz erguer os olhos e dar de cara com Daiane. Ela entra
devagar, com um sorriso gostoso, e para a dois metros de mim.
— Era só a chupeta — explico, sem tirá-lo dos meus braços.
É estranho não conseguir me afastar.
Sinto o colchão afundar um pouco e, um segundo depois, ela está aqui
do meu lado. Encaro-a por um instante rápido. Os olhos verdes sob a luz
fraca do ambiente mexem comigo daquela forma estranha e diferente.
— Para quem odeia crianças… — murmura, em um tom brincalhão.
Sorrio um pouquinho e volto a observar Davi, enroladinho no meu
braço. Levanto-me e o devolvo no centro da cama, cobrindo seu corpinho
pequeno.
— Você pode ficar aqui com ele — digo, virando-me para Daiane. —
Morro de medo de dividir a cama e esmagar o pobre diabinho. Eu vou para o
quarto de hóspedes.
— Está bem — concorda, sem resistência alguma.
Uma troca de olhar meio… tensa acontece entre nós por um ou dois
segundos. Ela parece ter alguma coisa para dizer, e eu também tenho alguma
hesitação em ir. Mas, por fim, forço minhas pernas, desejo boa-noite e deixo
o quarto.

— Acha mesmo que consegue? — Daiane pergunta, parada na porta


da cozinha, vestida com suas roupas de ontem.
Mal são seis da manhã e já estamos em pé. Ela tem que trocar de
roupa para começar o turno na fazenda, mas antes precisa buscar as chaves da
casa que esqueceu por lá. E eu… bem, não tenho nada para fazer a não ser
ficar com Davi.
Ficar com Davi!
Um arrepio diferente sobe pela minha espinha ao imaginar que vou ter
de passar praticamente o dia todo com ele antes de ir à cidade levá-lo para a
consulta que ela quer realizar no pequeno. Aceitei essa doideira porque,
afinal, não me havia muitas opções. Daiane me deu outras instruções e achei
que realmente ia ser fácil, mas agora, perto de ela ir embora, pergunto-me se
sou mesmo capaz.
— Ora, claro que consigo, Daiane. Não sou nenhum incapaz —
resmungo, mais por eu mesmo ter duvidado da minha capacidade do que ela.
A mulher suspira e revira os olhos, resmungando alguma coisa sobre
“é mesmo um ogro sem sentimentos”, e se aproxima outra vez do menino, no
seu bebê-conforto sobre a mesa como de costume. Ela conversa com o
menino e deixa um beijinho no rosto dele antes de partir, sem nem mesmo
olhar ou se despedir de mim.
Maldita diaba de jaleco!
Pego o cadeirão e o levo até o escritório. Davi está amamentado e
trocado — coisas que a pediatra fez antes de sair —, por isso fica quietinho
pelas próximas horas. Ele dorme e conversa sozinho (aquele som típico de
bebês) durante algum tempo, e aproveito cada segundo para colocar meu
trabalho em dia.
Estou no meio de um cálculo importante quando o diabinho começa a
chorar. Massageio as têmporas, irritado porque vou ter que parar com meu
trabalho. Saio de trás da mesa e vou até ele. Mal me aproximo e já sinto o
cheirinho forte. Franzo o cenho, meio enojado. Puta que pariu, Daiane não
me instruiu a como trocar o pirralho todo cagado.
Tudo bem, sem motivos para me estressar ou surtar. Vou levá-lo para
o quarto, tirar a fralda suja, descartá-la, limpá-lo e vestir uma nova. Sem
segredo. Assim que minhas mãos contornam sua cinturinha fina, meus dedos
afundam em uma coisa quente e escorregadia. Um resmungo alto e forte,
cheio de raiva, escapa de mim quando noto que o cocô vazou na roupa dele.
Inferno. Mil vezes inferno.
Como se eu tivesse contado uma piada, Davi ri e chora ao mesmo
tempo. Ah, seu diabinho! Ele olha para mim, a boquinha sem dentes,
olhinhos lacrimejados, e as gargalhadas em meio aos resmungos. Pego-o, mas
o mantenho longe do meu corpo, e o levo até meu quarto. Empurro a porta
com os pés, porque minhas duas mãos estão ocupadas, e só então me dou
conta que vou sujar toda a cama se colocá-lo nela nessa situação. Giro meu
corpo, a ânsia pelo cheiro subindo na minha garganta, e procuro alguma coisa
que possa colocar sobre a colcha antes de deitá-lo.
— Para um serzinho que só toma leite, você caga muito fedido, Davi
— resmungo, conseguindo puxar com os dentes uma toalha de banho
estendida na minha janela. Enrolo-a no corpo do pivetinho e o deito na cama.
Começo a despi-lo, meio desajeitado, e pego sua calça com a ponta
dos dedos. Tem uma grande mancha marrom na parte da bunda. Coloco-a
dentro de uma sacola plástica que encontro e torno para ele. Davi está quieto,
talvez percebendo que vou tirar seu desconforto, e me olha todo inocente, as
mãozinhas na boca que sorri cada vez que me encara. Tirar a fralda é como
abrir a Caixa de Pandora. É um caos e tem bosta para todo lado. Na bunda,
nas costas, nas pernas, está até quase chegando na nuca do moleque!
Avalio a situação, ponderando que só limpá-lo com lencinhos
umedecidos não vai adiantar. Esse menino precisa é de outro banho. Engulo
em seco, hesitante nessa decisão. Leva uns dez segundos até que decido. Tiro
a roupa e corro até o banheiro, ligando o chuveiro. Testo a água e separo duas
toalhas limpas. Termino de despir o diabinho e o levo para o banho. Entro no
box com cuidado, pouco ligando para o fato de que toda a merda dele está no
meu tórax, e o aperto mais firmemente contra mim. Davi fica quietinho
enquanto o limpo, os bracinhos encolhidos, seu queixinho no meu ombro.
Lembro-me de ontem à noite e repito alguns movimentos, lavando-o com o
sabonete especial para bebês que ainda está aqui. Também lavo seus
cabelinhos cor de areia, massageando bem suavemente sua cabeça, o mais
cuidadoso que um cara como eu consegue ser.
Nesse momento, outra vez, sinto aquela conexão sendo criada entre
nós. Uma conexão que não deveria existir, mas que começa a surgir aos
poucos. Deus, não posso me apegar ao Davi. Permita que eu não me apegue a
ele. Permita que não derrube minhas barreiras, que me conquiste… Porque
uma hora ele vai embora.
E não sei se aguento perder outra pessoa importante para mim.

Davi ri gostoso enquanto bate as perninhas, pelado sobre minha cama,


o sol entrando pela janela e o aquecendo.
— Isso, ria de mim, diabinho esperto — falo, tentando encontrar o
lado certo da fralda, já completamente vestido. Confesso que não dei muita
atenção a essa parte da instrução de Daiane. — Dane-se — digo, dando de
ombros, escolhendo um lado qualquer. Estou para pôr nele quando a voz
daquela mulher vem na minha cabeça com um “não esqueça da pomada”.
Afasto-me um pouco e pego a maldita pomada. Espalho na área
íntima dele, que agora parou de gargalhar e apenas me olha, soltando seus
múrmuros de bebê como se… estivesse chamando minha atenção. Limpo os
dedos na toalha e tento ajeitá-lo debaixo da fralda.
Estou prendendo a fita quando o sinto agarrar no meu indicador. Com
toda força. Olho por um instante para sua mãozinha em torno do meu dedo e
ergo os olhos para ele. Davi está me estudando com toda atenção do mundo,
quietinho, curioso. Ignoro o bater errático que meu coração dá e continuo o
trocando. Pego-o no colo quando termino e vou até a cozinha. Preciso de
algum malabarismo para conseguir preparar o leite dele e segurá-lo, uma vez
que o cadeirão está cheio de merda. Droga, ainda tem mais isso. Como diabos
vou levá-lo para o consultório? Preciso resolver isso depois.
Sento-me no sofá quando o leite está pronto, acomodo-o no meu
braço e coloco o bico na sua boca. Davi leva as duas mãozinhas na
mamadeira, por cima das minhas, e suga sem tirar os olhos de mim. Da
mesma maneira, não consigo tirar os olhos dele, perguntando-me o que vai
ser desse menino se a desnaturada da Liliana não se arrepender e não voltar.
Sinto uma pontada esquisita no coração quando penso na possibilidade de
entregá-lo para o Conselho Tutelar dentro de uns dias.
Afasto os pensamentos na cabeça e me atento ao momento, ao
pequeno Davi no meu colo, mamando e começando a se render ao sono,
agarrado no meu indicador outra vez, apertando com uma força que parece
demais para um bebê tão pequenino e frágil como ele, e em como estou me
conectando com essa criança de uma forma repentina que não deveria estar
acontecendo.

— Você está parecendo um verdadeiro pai — Daiane debocha quando


apareço na porta do seu consultório na cidade.
Seguro minha língua para não soltar uma grosseria. Ela se aproxima
para pegar Davi, deitado no cadeirão que seguro na mão direita e que
consegui limpar e pôr para secar antes de virmos para cá. Odeio concordar,
mas estou mesmo parecendo um pai com essa maldita mochila azul
transversal — que encontrei na sua casa quando passei lá para pegar os
documentos dele — no meu corpo grande e carregando esse moleque cagão
para cima e para baixo com fralda e mamadeira para todo lado.
— Trouxe todos os documentos dele? — pergunta, liderando o
caminho para dentro da sua sala.
Adentro o local, atento ao meu redor. É uma sala bem simples e bem
arejada. Fica no quinto andar de um prédio comercial. É ampla, com uma
janela basculante que dá para a movimentada avenida lá embaixo. O
ambiente é todo decorado com temas infantis. Tem adesivos de dinossauros
no teto acima da maca, uma girafa na parede sul que serve para medir os
pivetinhos e uma balança pediátrica em uma mesa separada da que ela atende
os pequenos diabinhos… digo, pacientes. Também tem um armário de metal
logo atrás da sua cadeira, notebook, impressora, diploma e certificados
emoldurados aos montes na sua parede.
— Sim, está na bolsa — respondo, jogando-a na cadeira.
Daiane já deitou o moleque na maca e está tirando a roupinha dele
para iniciar os exames. Enquanto examina o menino, tiro os documentos que
trouxe e coloco sobre sua mesa. A pediatra confere seu peso, medidas, analisa
seus olhos, os ouvidos e dá batidinhas na barriga que fazem o menino sorrir
para ela.
Não leva muito tempo para ela terminar de examiná-lo e o menino
estar nos meus braços outra vez, eu sentado atrás da mesa, Daiane de frente
para mim, montando um prontuário para o garoto, como se eu realmente
fosse o pai desse pirralho e estivesse em uma consulta de rotina.
Meu Deus do céu, onde foi que me meti?
— Ele está com uma vacina atrasada, mas já vou providenciar que ele
tome — diz, olhando para a carteira de vacina do rapazinho.
Sem que eu espere, me vejo perguntando:
— Todo o resto, está tudo bem?
A mulher ergue o olhar na minha direção, como se não acreditando no
meu súbito interesse no garoto. Dou de ombros, fingindo que isso também
não me surpreende. Eu não sou de todo ruim, convenhamos. Não sou o
melhor homem com crianças, nem o mais paciente, mas também não sou esse
monstro sem sentimentos.
— Davi está perfeitamente saudável.
Aceno em positivo, vendo-o deitadinho em mim, olhando-me como se
isso fosse a coisa mais interessante do mundo todo, observando-me com seus
olhos amendoados e curiosos. Isso está começando a me incomodar. Diacho,
o que tem de tão interessante em mim que esse pimentinha não consegue
olhar para outra coisa?
— Ótimo — murmuro, sem desfazer o contato visual com ele. —
Quero entregá-lo com saúde para quando Liliana voltar.
Um segundo de silêncio paira sobre a sala.
— E se ela não voltar, Kenny?
Fecho os olhos, atingido pela pergunta e pela resposta que vem com
ela: entregá-lo às autoridades competentes.
— Vou fazer o que tem que ser feito — respondo, virando-me na sua
direção, por fim. Nem noto a leve hesitação que acompanha minhas palavras.
É o correto a se fazer, mas a pergunta que fica é: eu quero fazer isso?
E outra pergunta é: por que diabos eu não ia querer? Por que raios
não quero abrir mão desse menino quando só tem dois dias que ele está
comigo, pelo amor de Deus? Estou doente. É a única explicação. Não pode
ser que em apenas dois dias esse moleque chorão e cagão esteja me
conquistando a ponto de decidir ficar com ele, como Liliana pediu.
Devo ter batido a cabeça noite passada. Será que estou com febre?
Talvez até seja alguma demência.
— Claro. — É tudo o que diz com um sussurro.
Ela termina o prontuário do menino, faz mais algumas anotações e
vamos nós três até o centro de saúde para aplicar a vacina atrasada. Dói meu
coração mais do que me deixa irritado quando Davi se esgoela por causa da
picada da agulha. Mas olha só, um homem de trinta e sete anos que odeia
crianças não aguentando ver uma ser vacinada. Belo bundão você é, Kenny.
Belo bundão você é.
A pediatra fica com ele pela próxima meia hora enquanto vou até uma
loja de bebês e compro um berço novo. O dele realmente não tem condições
alguma. Coloco o móvel na carroceria da picape e volto para o consultório
buscar o pimentinha. Daiane me instrui a ficar de olho se ele vai ter reação à
vacina, receita remédio para baixar febre e aliviar a dor caso surjam sintomas
e aconselha fazer compressa com água fria na região da coxa para ajudar.
Amarro Davi no cadeirão, ajusto-o no banco de trás e volto para a fazenda,
com a promessa de que ela deve chegar umas sete da noite para me ajudar
com o menino.
Odeio admitir que espero cada segundo para que Daiane apareça. Não
porque preciso desesperadamente da ajuda dela. É só porque…
Merda.
Simples e puramente porque quero a presença dela.
Mas que inferno!
Acho que nunca fiquei tão nervoso e atento na minha vida inteira. Quero
saber quem foi o idiota que inventou vacina para bebês com reação para eu ir
lá e dar um socão no desgraçado, porque — meu Deus! — não sei como
ainda não enlouqueci com esses choros e berros de Davi, que cada vez que
mexe a perna chora mais e mais alto.
Fiz tudo que Daiane me aconselhou: administrei Tylenol para dor e
febre, fiz compressa para aliviar o desconforto do rapazinho, mas ele ainda
chora muito, inclusive quando dorme. Aquelas resmungadas e suspiros
profundos que partem meu coração em dois. Nem consegui comer porque ou
estive ocupado demais tentando acalmá-lo, ou quando ele finalmente dormiu
— mesmo chorãozinho — fiquei o tempo todo de vigia, preocupado,
nervoso, atento. Mas aproveitei os poucos minutos que ele conseguiu cochilar
e montei o berço no quarto, deixando-o ao lado da minha cama.
Agora ele acordou, e não sei se chora de dor ou de fome. Talvez dos
dois, porque Davi suga o leite enquanto lágrimas escorrem dos seus olhinhos.
Chegou a ignorar o leite algumas vezes.
— Ele está com dor? — Daiane pergunta, chegando do consultório.
Abano em positivo, saindo do lado dele. Davi está deitado na minha
cama, eu do seu lado, segurando a mamadeira.
— Isso que vocês fazem é crueldade, sabia? — digo, entregando o
objeto para ela, que se prontifica imediatamente a assumir meu lugar.
Estralo as costas e giro o pescoço.
— É proteção, Kenny — responde, emitindo um “shhhh” logo em
seguida, amaciando os cabelinhos claros dele.
— Não podiam desenvolver algo indolor e sem reação? — resmungo.
Não a espero responder e vou até a cozinha. Preciso comer.
Precisamos comer. Decido preparar o jantar, torcendo para que Daiane
consiga engolir a minha comida. Olha, não sou um desastre total na cozinha,
mas também não sou nenhum chef. Estou em alguma categoria de “dá para
engolir e matar a fome”. Cozinho o feijão, o arroz e grelho alguns filés de
frango. Lavo umas folhas de alface e pico uns tomates. Por algum motivo,
pela primeira vez em anos, quero arrumar a mesa para jantar — como a diaba
de jaleco fez noite passada — e assim faço. Ainda tem vinho de ontem, para
nossa sorte.
Estou refogando o feijão quando ela aparece, elogiando o cheiro da
comida e dizendo que Davi está melhor.
— Que macumba você fez? — pergunto, desligando o fogo.
Ela dá uma risadinha e se senta à mesa.
— Nada. Acho que o Tylenol e a compressa começaram a fazer
efeito. Ele está dormindo agora, mas não se anime. Não vai ser uma noite
fácil.
— Obrigado pela motivação — digo, esticando um prato na sua
direção. — Jante, tome um banho e vá descansar. Trouxe roupa hoje, não
trouxe?
Daiane me olha por longos segundos até por fim acenar em positivo.
Ela pega o prato e começa a se servir. Faço o mesmo. Comemos por alguns
minutos, em silêncio.
— Quer falar sobre ontem? — a pediatra pergunta, cortando o filé.
Do outro lado da mesa, de frente para ela, ergo os olhos na sua
direção.
— Temos algo para falarmos?
— Bem… — diz, com um ar despretensioso, ficando o garfo no
pedaço de frango que cortou — você gozou dentro de mim sem camisinha.
A informação me acerta como um grande tapa na cara. Acho que
nunca fui tão irresponsável na vida. Tudo que consigo fazer nesse instante é
encará-la, enquanto Daiane me pergunta se meus exames estão em dia e
depois afirmando que o dela estão e que não devo me preocupar.
— Sim, Daiane, meus exames estão em dia. Fiz um no ano passado,
após uma relação desprotegida, e o resultado foi negativo. Depois disso, você
é a primeira mulher com quem tive relação sexual.
— Nem mesmo sexo oral? Porque é transmissível também, se não for
feito de forma segura. Sexo não é só penetração.
— Não sou idiota, Daiane, sei disso. E não, nem mesmo sexo oral.
Não é como se eu saísse por aí chupando qualquer uma.
Ela fica vermelha, não sei se de vergonha ou de raiva pela minha
grosseria habitual. A mulher está abrindo a boca para dizer alguma coisa, mas
a interrompo:
— Estamos despreocupados com doença. E gravidez? — pergunto,
um pouco nervoso. — Pelo amor de Jesus Cristo…
Daiane ri e abana a cabeça.
— Não se preocupa. Eu faço uso de métodos contraceptivos.
Suspiro, um pouco mais aliviado agora. Não temos mais com o que
nos preocupar.
— Certo.
Ela sorri e termina de comer. No final, Daiane se prontifica a lavar a
louça, e eu — inesperadamente — vou dar uma espiada no diabinho
dorminhoco. Paro à porta e o observo de longe, seu rostinho meio marcado
pelo desconforto na coxa. Quando me viro para ir arrumar o quarto de
hóspedes e dormir, dou de cara com a pediatra. Meu coração dá uma
balançada e não é pelo encontro repentino. É por causa do modo como essa
mulher me olha agora.
— Somos adultos, Kenny. E adultos fazem sexo. — Encosto a porta,
escorando-me contra a madeira. Cruzo os braços e espero que ela termine seu
raciocínio. — E o sexo de ontem… — Ela molha o lábio inferior, desvia os
olhos e engole em seco. — Você é um ogro idiota, sem sentimentos e
orgulhoso… Mas tinha mesmo que transar bem à beça?
Um sorriso pequeno vai nascendo no meu rosto, e quase não percebo
que ela se aproxima de mim, tocando meu tórax, olhando-me de baixo para
cima por conta da diferença de altura. Sua mão repousa sobre meu coração,
que dispara quando noto a proximidade dessa mulher.
— Então você gostou — murmuro, fixo nos seus lábios pintados de
rosa.
— Mais do que deveria admitir.
Nossos olhos se encontram.
— Confesso que… foi bom para mim também. Muito bom.
As mãos dela deslizam pelo meu peito, em direção a uma área
perigosa. Minha respiração fica desregulada.
— Acho que foi um erro o que fizemos ontem — sussurra, sem
coragem de me olhar. — E não quero cometer esse erro de novo. — Leva um
ou dois segundos para que me encare. — Mas se você quiser, eu também
quero.
Enlaço sua nuca, trazendo-a para mais perto de mim, quase fundindo
seu corpo no meu, e paro minha boca a centímetros da sua. Consigo sentir
sua respiração quente contra meu rosto, os lábios entreabertos que emitem
um chiado de desejo lascivo.
— Só mais hoje — determino.
Ela assente.
— Só mais hoje — repete.
Daiane mal termina de falar e eu a puxo para mim, afundando meus
lábios nos seus. É questão de segundos para estarmos na cama do quarto de
hóspedes, ela por cima de mim, cavalgando como uma valquíria.
Paro no limiar do portal entre a sala e a cozinha, observando a
imagem que se forma na minha frente. Daiane está aqui, terminando de
passar o café, enquanto Davi está em um carrinho de bebê — algo que ela
arrumou dia desses —, “conversando” com ela. Raios solares incidem através
do vitrô sobre a pia na direção da pediatra, criando uma áurea bonita em
torno dela. Fico em silêncio, apenas assistindo à interação médica-bebê,
pensando em como estou terrivelmente familiarizado com essa imagem. Já
tem dez dias que Liliana evaporou da face da Terra. Desde então, a médica
tem me ajudado com o pequeno Davi e passado as noites aqui. Se o
pirralhinho usa o berço que comprei? Dificilmente. Ele prefere dormir na
mesma cama que a pediatra.
Diabinho esperto.
Ela também tem pousado aqui para me ajudar, porque ainda sou meio
desajeitado para isso, embora esteja aprendendo.
As últimas sete noites foram muito tranquilas. Davi logo melhorou da
reação da vacina, e, tirando a primeira noite, as demais foram de sono leve e
profundo. Eu me habituei relativamente bem à nova rotina da última semana.
Ainda vivo colocando a fralda do lado errado, erro na temperatura do leite —
sempre para menos, e não para mais —, sou um desastre para limpar bosta, as
roupas sujas dele estão empilhando na lavanderia, e o espertinho quer colo o
dia todo, se deixar. Daiane também acabou por reajustar a própria rotina.
Conseguiu diminuir a carga de trabalho na fazenda e fechou, por esses dias, o
atendimento no consultório da cidade. Os atendimentos voluntários
continuam, mas também os diminuiu para meio período.
Agora, enquanto a vejo terminar o café da manhã, penso na nossa
rotina, que de fato parece a de um casal comum, e isso causa um efeito
estranho no meu peito. Uma sensação de sufocamento, tristeza, injustiça e
traição. Não parece certo nem justo com Helena essa minha “relação” com
Daiane. Ela cuida do menino pelas primeiras horas da manhã, vai trabalhar, e
eu fico com ele pelo restante do dia, até ela voltar, começar a preparar o
jantar enquanto tomo banho com Davi nos meus braços. Então conversamos
sobre nossos dias, passamos um tempo com um bebê; eu o faço dormir
enquanto ela toma banho e depois…
… transamos.
O “só hoje” não ficou no “só hoje” e temos trepado regularmente
desde a primeira vez. No dia seguinte, é como se nada tivesse acontecido,
como se fosse um hábito comum, algo natural entre nós. Como se fôssemos
mesmo a porra de um casal. Engulo em seco, tentando afastar o sentimento
de culpa que me toma. Só tem pouco mais de uma semana que essa diaba de
jaleco se tornou mais próxima de mim, e tudo o que temos feito é sexo sem
compromisso, e ela já… já está sendo capaz de derrubar minhas defesas.
— Oi — ela diz, virando-se com a garrafa térmica na mão,
terminando de rosquear a tampa. — Achei que ia precisar te chamar.
Forço um sorriso e me aproximo, sentando-me à mesa que ela
arrumou. Tem algumas frutas frescas, leite, pão no cesto, geleia e queijo.
— Você já está indo para a fazenda? — pergunto.
Ela balança a cabeça em negativo.
— Estou de folga. — Daiane me dá uma xícara e se senta na minha
frente, servindo-se com café e passando a garrafa em seguida para mim. — E
ia te pedir um favor.
Coloco um pouco de café na minha xícara e ergo os olhos na sua
direção.
— O quê?
— Preciso levar o Jeep no Theo para trocar a bateria. Eu fico com o
Davi e você leva. Pode ser?
Engulo um pedaço de pão seco, que desce rasgando minha garganta,
segurando minha vontade de ser um idiota ingrato. Ora, por que ela mesma
não leva? Mas a maldita está me ajudando há dias com o garoto, e é minha
hora de retribuir essa ajuda. Coloco um pouco de leite no café e bebo um gole
para ajudar a descer outro pedaço de pão.
— Tudo bem — concordo.
Ela sorri — de um jeito muito misterioso, como de uma criança
peralta — e diz que Theodoro já está sabendo que vou levar o Jeep lá. Às
dez. Termino de comer e vou fazer esse favor. O veículo demora um pouco a
pegar — provando que precisa mesmo de uma nova bateria —, e rumo até a
oficina do meu primo, na cidade.
O homem está com alguns carros para trabalhar e dá atenção
especialmente a um, verificando alguma coisa no motor, pedindo para o
motorista acelerar. Ele não demora para notar minha presença. Pede um
segundo ao cliente e vem até mim, com um sorriso educado, limpando as
mãos em um paninho velho.
— O Jeep da pediatra — diz, cumprimentando-me com um rápido
aperto de mão, olhando para o carro atrás de mim.
— É, ela me pediu para trazer para trocar a bateria.
— Sim, sim, estou sabendo. Daiane me pediu na semana passada e eu
encomendei com o Alex para buscar na cidade vizinha a marca que ela
queria. O puto me entregou ontem.
Procuro pelo cliente do seu carro.
— Vai demorar ali?
— Um pouco, mas vou te passar na frente. É coisa rápida. Espera
aqui.
O homem se afasta, troca meia dúzia de palavras com o cliente e
some. Retorna não muito tempo depois com a bateria nova. Abro o capô do
veículo e apenas espero que ele faça o serviço.
— A mãe daquele menino apareceu? — pergunta, desconectando os
polares da bateria.
— Nem sinal de vida da desgraçada — resmungo.
Theo ri baixinho e abana a cabeça de um lado a outro.
— E você tem cuidado dele desde então? Dando uma de papai? —
debocha, puxando a velha bateria para fora. Mas que inferno. Esses putos
agora vão todos tirar onda da minha cara, é? — Talvez até brincando de papai
e mamãe com a Daiane?
— Por que você não cala a porra da boca e faz seu serviço, Theodoro?
— rechaço, sem paciência para essas piadinhas.
O maldito ri mais um pouco, encaixando a nova bateria no lugar para
ligar os polares. Leva só mais uns dois minutos para terminar e pedir para eu
ligar o carro. Faço, e está tudo em ordem. Serviço rápido, como ele mesmo
disse. Theo diz que vai buscar a garantia da bateria e me pede para esperar.
— Aqui — diz, esticando o papel para mim. — Com a mão de obra,
fica em quinhentos reais.
Acho estranha a sua informação.
— Daiane não pagou?
— Ela disse que você ia pagar — afirma com um tom que denota que
ele também está confuso com esse diálogo.
— Como é?! — exclamo, assustado.
— É — Theo reafirma. — Alguma coisa sobre você dever a pintura
da lataria do Jeep, uns meses atrás. E ela não tá errada, Kenny. Foi muito
vacilo da sua parte pichar “caloteira” no carro dela. Então, como vai fazer o
pagamento?
Trinco o maxilar, não acreditando que Daiane fez isso. Maldita diaba
de jaleco!
— Vou pedir pro Alex te trazer o dinheiro. Não tenho um puto no
bolso aqui — digo, de má vontade, segurando o desejo de voltar para a
fazenda e soltar os cachorros em cima daquela abusada.
Ele acena, rindo. Deixo o idiota rindo sozinho e giro a chave na
ignição, começando a dar a ré. Estou terminando de sair quando Theo grita:
— Tá de quatro pela pediatra, Kenny. Só falta admitir.
Mostro o dedo do meio, engato a primeira e acelero.

Decido ignorar o deboche na cara dela quando retorno para casa.


Decido não ser um babaca grosseiro porque, bem… ela tem razão. Eu achei
que ela me devia, fiz aquela babaquice, ela teve de gastar com funilaria para
limpar a bagunça e nada mais justo do que eu ter pagado.
Ela garante que vai cuidar do Davi e que posso pôr meu trabalho em
dia, já que está todo atrasado por causa da mudança brusca na minha rotina.
Passo o dia todo quase no escritório, parando apenas para comer e me
hidratar. Tiro algumas horas para resolver algumas poucas questões nos
arredores da fazenda. Quando dou por mim, são nove da noite e estou
exausto.
Tomo um banho e vou até a cozinha, que está silenciosa e escura.
Acendo as luzes e vou até a geladeira, onde tem um bilhetinho da Daiane
informando que tem um prato de comida para mim e é só aquecer. Isso me
desarma completamente. Aqueço a comida no micro-ondas e janto, sozinho.
Eu me habituei à minha solidão, mas agora, depois desses dias todos tendo
companhia para jantar, estar sozinho me incomoda. Vou até o quarto, onde a
encontro terminando de trocar o menino, que está chorando um pouco.
— Precisa de ajuda? — pergunto, baixo, notando que Davi está mais
irritado que o comum. — Ficou com ele o dia todo e…
— Você estava ocupado, Kenny. E está com uma cara de quem
acabou de vir da guerra.
Rio um pouco e aceno.
Davi fica quieto.
— Obrigado pela comida — agradeço, encostado ao batente da porta.
— Não foi nada. Eu fui te chamar para comer, mas você estava tão
concentrado em uns papéis no escritório depois que voltou do campo que não
quis te interromper.
Aceno uma única vez. Ela diz que tem tudo sob controle e que posso
ir descansar. Eu me afasto, tiro quase toda a roupa, ficando apenas com
camisa e cueca, e me deito. Viro de um lado a outro, sem conseguir dormir,
mesmo que esteja muito cansado. Por algum tempo, consigo ouvir os
chorinhos de Davi daqui e fico preocupado. Penso em levantar e ver o que
está acontecendo, mas Daiane aparece antes, batendo levemente à porta, o
garoto se esgoelando com força nos seus braços.
— Kenny — ela diz, com cuidado, balançando o menino.
— Ele está com dor? — pergunto.
— Não. É algo mais simples de resolver.
Um segundo paira sobre nós.
— Por que ele está chorando assim, Daiane? — indago, um pouco
perturbado com o choro dele.
— Davi não consegue dormir porque… — diz, se aproximando de
mim. Ela me entrega o garoto, e, como num passe de mágica, o menino fica
quieto, fungando o narizinho na pele do meu braço, como se inspirando meu
cheiro. — Ele está sentindo a sua falta.
— Como assim, sentindo a minha falta? — pergunto, um pouco assustado,
fitando Daiane por um segundo.
Volto os olhos para Davi, seu rostinho delicado contra meu peito, a
respiração calma, o sono tornando-se tranquilo, nem parecendo o menino
irritado de segundos atrás. Ouço um suspiro apaixonado dela, e a encaro. A
maldita tem um sorrisinho.
— Aparentemente, o menino se apegou a você, Kenny — diz, e isso,
por algum motivo, me dá um desespero enorme.
Não, não, não, não! Isso não pode estar acontecendo. Não comigo!
— Como pode? — sussurro, procurando pelo pivetinho outra vez. —
Só tem uns dez dias que estou com ele, Daiane.
A pediatra se aproxima, ficando a um centímetro de mim. Ela me
encara por um instante rápido, com um sorriso pequeno, complacente, os
olhos um pouco brilhantes. Sem que eu espere, a mulher toca meu braço
direito, onde repousa o corpinho de Davi, e acaricia seu rostinho,
suavemente.
— Você tem cuidado dele nos últimos dias. É natural que o menino
tenha se apegado.
Engulo em seco e volto minha atenção ao pequeno, sentindo-me um
pouco de coração mole com o garotinho, ignorando que a aproximação dela e
seu toque suave, despretensioso e sem nenhuma conotação sexual, também
me balançam. Tento não pensar muito no assunto agora e me concentro em
fazê-lo dormir, o que não é muito difícil. Demora apenas uns cinco minutos
até o rapazinho estar em sono profundo. Levo-o para o berço, mas é só
ameaçar colocá-lo lá que o espertinho resmunga.
— Dorme com ele essa noite — Daiane sugere com um sussurro,
parada atrás de mim.
Olho para ela, um pouco assustado com a sugestão.
— Sou capaz de virar por cima dele e esmagar o coitadinho.
A pediatra deixa uma risadinha gostosa escapar.
— Outro dia você já dormiu com ele, lembra? Quando o Alex veio
trazer as coisas para cá? Tenho certeza que não vai “esmagar o coitadinho”.
Avalio um pouco a situação, estudando o rostinho sereno dele,
sugando tranquilamente a chupeta. Por fim, cedo e o coloco no centro da
minha cama, deitando-me ao seu lado. Daiane se despede, alegando que vai
dormir no quarto de hóspedes, mas eu a impeço, pedindo:
— Dorme aqui.
Ela se vira para mim, noto isso pela visão periférica, porque meus
olhos estão atentos em Davi e porque não tenho coragem de ver a reação no
seu rosto com o meu pedido. Não sei onde é que estou com a cabeça em fazer
esse convite. Certamente em cima do pescoço que não é. A verdade é que a
pediatra vem mexendo com meu juízo desde o primeiro dia, naquela primeira
transa insana e irresponsável na semana passada. Não sei como posso estar
me deixando ser enfeitiçado por esses dois em tão pouco tempo, de uma
forma tão intensa, rápida e profunda.
— Você tem certeza? — pergunta, hesitante.
Não, penso em responder, mas apenas assinto. Sinto-a se aproximar e
se deitar do outro lado, de frente para mim. Nossos olhos se encontram por
um segundo. Corto esse contato visual e me direciono para Davi, chegando
mais perto dele, envolvendo seu corpinho pequeno com meu braço enorme.
Roço o nariz na sua bochecha e na curva do seu pescocinho, inspirando fundo
seu cheiro de bebê. Não fazia ideia de como o cheiro dele me desestabiliza e
aquece meu coração.
Em algum momento, pego no sono.

É madrugada quando acordo e passo Davi para o berço. Dessa vez,


ele fica quietinho no seu lugar, sem resmungar, e eu posso voltar para minha
cama. Meu coração dispara quando dou de cara com ela ali, dormindo feito o
anjo, de frente para mim. Minha respiração falha quando a diaba de jaleco
abre os olhos lentamente. Ela procura pelo diabinho esperto entre nós e eu
explico que o pus no berço.
Mal noto quando me arrasto sobre o colchão, ficando mais perto dela,
seus olhos atentos nos meus. Daiane também chega mais perto de mim, seu
rosto a um centímetro do meu, sua respiração contra meu rosto, e meus
desejos tomando forma. Ela mexe comigo, de um jeito que não deveria
permitir. De um jeito que nunca me permiti além de Helena. Isso me
confunde, me frustra e causa um amargor na minha boca.
Devaneio por um segundo e nem percebo que ela vem mais na minha
direção, na intenção de me dar um beijo. Quando percebo, não recuo. O beijo
é delicado e úmido, mas não por muito tempo. Giro sobre seu corpo,
devorando-a, sentindo a necessidade imensa que essa mulher me causa.
Daiane arqueja, curvando as costas para trás e erguendo o quadril na minha
direção, esfregando o vão das pernas na minha ereção. Ela quer acabar com o
juízo que me resta. É isso.
Abro sua camisa do pijama, desabotoando-a rapidamente, e caio de
encontro ao seu par de peitos, desesperado pelo calor dela ao meu redor.
— Aqui não — sussurra, empurrando-me um pouco quando estou
dando atenção à curva do seu pescoço. — O Davi… — Sua frase fica no ar,
mas compreendo a preocupação.
Nada de sexo perto do garoto. Todos esses dias transamos longe dele
e não vai ser agora que faremos nossa indecência no mesmo quarto. Levanto-
me e a trago junto, suas pernas rodeando meu quadril, e atravesso a casa toda
até a sala. Coloco-a no sofá e recaio sobre seu corpo outra vez, tornando a
venerá-lo como ela merece. Começo com um beijo safado na boca e vou
descendo, alcançando o queixo. Chego ao colo, detenho-me um instante nos
meus peitos, e sigo me enveredando para baixo, até sua boceta de pelos
aparados. Seguro-a firmemente pelas pernas e a chupo forte, sugando com
toda vontade, ora penetrando-a com a língua, ora circundando-a no clitóris
sensível.
— Sinta o gosto da sua boceta — digo, voltando para ela e beijando
seus lábios, com o mesmo desespero de sempre. Ávido, sôfrego e ansioso por
ela. Daiane geme contra meus lábios, agarrando-se nos meus cabelos e me
prendendo a ela como se eu estivesse a ponto de partir.
Antes que eu tenha tempo de notar, ela me empurra e troca de posição
comigo, mantendo-me por baixo. A diaba se senta sobre mim, esfregando-se
contra meu pau duro feito pedra. Apoiando-se aos meus ombros, ela gira o
quadril, mordendo o lábio inferior, sem cortar nosso contato visual. A
desgraçada sabe que tem uma influência absurda sobre mim, minha mente e
meu corpo e faz questão de provocar.
Aos poucos, ela vai se abaixando até ficar entre minhas pernas. A
expectativa me toma por inteiro e me deixa ainda mais excitado. Daiane tira
minha calça, abaixando-a até meus calcanhares, e vejo sua boca salivar
quando meu pau pula diante dos seus olhos. Ela me toma nas suas mãos
macias, masturbando-me lentamente. Jogo a cabeça para trás, extasiado com
a maciez da sua pele na minha.
— Porra, mulher — solto, quando, sem avisar, ela simplesmente me
abocanha, levando-me até o fundo da garganta e voltando.
Torno a olhá-la, e o desejo refletido nos seus olhos enquanto me
chupa é a coisa mais genuína que vi em muito tempo. E tem algo mais neles.
Não é só a parte sexual da coisa toda. Tem mais. Algo que me diz que esse
momento não é só uma trepada sem sentido. Talvez signifique alguma coisa
para ela, assim como tem significado para mim e eu me recuso a admitir, a
aceitar.
Sem aguentar mais, eu a puxo para cima e a faço se sentar em mim.
Gememos juntos, um gemido gostoso e ofegante. Aperto sua cintura quando
Daiane começa a cavalgar, devagar, até que a intensidade aumenta e estou
completamente fora de mim. Fico ainda mais fora de mim no instante que ela
me olha, com aquele mesmo brilho que me diz que isso entre nós tem um
significado muito maior. O problema não é notar que nossa relação colorida
está tomando proporções maiores para Daiane, significando muito mais do
que apenas sexo casual.
O problema é notar que eu me sinto da mesma maneira.
Meu Deus, estou tão fodido. No bom e no mal sentido.
Inferno.

Suspiro alto, encostado à pia da cozinha, enquanto vejo Daiane descer


do Jeep e desamarrar o menino do cadeirão. Penso em ser um pouco
cavalheiro e ir ajudá-la, afinal a mulher tenta carregar o bebê, uma porção de
sacolas nos braços e o que me parece ser um bolo redondo pequeno, mas
permaneço no meu lugar, apenas observando, pensando na decisão que tomei
pela manhã, assim que ela saiu com Davi para levá-lo à cidade e vaciná-lo
Não tive estômago para ir junto dessa vez.
— Você pode me dar uma mão? — pergunta, parada à porta de
entrada.
Sem dizer nada, apenas me viro e pego o menino, que fica
animadinho ao me ver, sorrindo e batendo as perninhas. A felicidade dele me
comove, mas sufoco todos os sentimentos e expressões que viriam junto com
isso. Sigo impassível e o amarro no carrinho.
Daiane descarrega as sacolas, retirando algumas coisas que comprou
no supermercado. Como supus, ela trouxe um bolo redondo, pequeno, só para
nós dois. Acho completamente desnecessário, mas resolvo não dizer nada.
— Comprei três velinhas pequenas — conta, animada, mostrando as
velas minúsculas que representam os três meses de Davi.
Nem parece, mas já tem um mês desde que aquela desmiolada da
Liliana foi embora e deixou o menino sob meus cuidados. Sei que disse que
ia tomar as devidas providências se a garota não aparecesse com duas
semanas de sumida, mas quando o prazo venceu, eu simplesmente não
consegui fazer nada. Estava apegado demais ao menino, relutando em abrir
mão da rotina que criei com o garotinho.
Logo eu, que nunca fui muito fã de crianças, me vi cuidando de um
bebê, amarrado a ele, encantado com cada desenvolvimento dele, as
descobertas, em como parecia crescer a cada dia e ficar mais esperto. Até
acostumei o diabinho a dormir comigo, na mesma cama, antes de passá-lo
para o berço. Então vieram as dores no meio da noite, ou as fraldas vazadas
de xixi ou cheias de cocô. A fome às três da manhã, ou seu despertar junto
comigo, bem antes do sol nascer. Habituei-me a levá-lo até a cozinha
cedinho, colocá-lo no carrinho, preparar uma mamadeira e depois o café.
Habituei-me ainda mais à presença da pediatra, que se mudou para cá no
último mês, mesmo que eu tenha pegado o jeito de como cuidar do menino,
ficado um pouco mais paciente, aprendido a dar banho nele e perdido o medo
de segurar seu corpinho pequeno e frágil nos meus braços sob a água do
chuveiro.
Eu simplesmente me deixei levar por esses dois e a verdade é que
estou apegado a Daiane e a Davi, hesitante em abrir mão dessa relação entre
nós três, que nem nome tem. Cuido do bebê, mas não sou nada dele. Nenhum
grau de parentesco. Durmo com Daiane e me enfio entre suas pernas todas as
noites, mas ela não é minha mulher, nem namorada. Não é nada. E mesmo
assim o vínculo que criei com esses dois foi tão rápido que tem me assustado.
— Você está bem? — ela pergunta, puxando-me de volta ao mundo
real.
Pisco duas vezes e me viro na sua direção, nem percebendo que voltei
para a pia e fiquei aqui, olhando para a fazenda através do vitrô.
— Estou. Só… não estou animado como você, Daiane. É ridículo
comemorar o mêsversário do menino — digo, colocando um pouco de
desprezo no termo ridículo que criaram para definirem a idade de um bebê
que ainda não completou seu primeiro ano. Pelo amor de Deus, mas quem foi
o idiota?
— Ih… — ela murmura de volta. — Por que você está mal-
humorado?
— E é da sua conta? — retruco, enquanto minha consciência acusa “É
sim e você sabe que é! Você não conversou com ela sobre sua decisão,
babaca imbecil!”.
— Grosso!
Abro um sorriso cínico.
— E grande também, querida, sabe disso.
Daiane me fuzila com os olhos, ao mesmo tempo que suas bochechas
coram, adoravelmente. Imagens das nossas últimas noites no sofá, no quarto
de hóspedes, na cozinha, no banheiro, em cada canto dessa casa, rodopiam na
minha mente, trazendo à superfície sentimentos que tenho sufocado desde
que admiti para mim mesmo que estou apaixonado por ela, o que aconteceu
dez dias atrás, quando essa diaba de jaleco confessou o mesmo para mim,
enquanto subia e descia no meu pau.
— Você é um idiota — resmunga, indo até Davi. — Não é mesmo,
Davizinho? O tio Kenny é um idiota, mas vamos comemorar seus três meses
de vida mesmo assim. Não liga para esse velho rabugento.
Velho rabugento!
— Eu não sou velho, Daiane!
Ela ri, olhando para mim e balançando a cabeça de um lado a outro.
Um momento descontraído paira sobre nós, até que decido acabar com ele.
Preciso contar para Daiane. Ela também se apegou ao menino e não é justo
que seja pega de surpresa.
— Aproveite as últimas horas com ele.
A pediatra ergue o olhar na minha direção quase imediatamente, e o
sorriso vai sumindo do seu rosto.
— Como assim?
Travo o maxilar. Meu coração acelera.
— Liguei para o Conselho Tutelar. Vão vir buscar o garoto amanhã
cedo.
Ela me olha de um jeito como se eu tivesse jogado óleo quente em um
cachorro.
— Quando tomou essa decisão? — pergunta, a voz baixa e
ligeiramente trêmula.
— Hoje pela manhã, logo depois de ter saído.
— Por que decidiu isso sozinho, Kenny? Por que não me contou…?
Abano a mão no ar, em um gesto de desdém, e me viro novamente
para o vitrô da cozinha, preferindo ver o dia lá fora a ter de encarar seus olhos
julgadores e cheios de raiva. Fiz o que tinha de ser feito.
— Eu disse que ia esperar quinze dias para aquela desmiolada da
Liliana voltar, e ela não voltou em um mês. Esperei até demais, mulher. Fiz o
que disse que ia fazer.
— Decidiu pelas minhas costas! — Ouço-a dizer, entredentes.
Giro nos calcanhares, sem muita paciência.
— Não era uma decisão sua, Daiane. Você não tinha o que opinar ou
palpitar nesse assunto. Davi está sob meus cuidados e não é como se
fôssemos a droga de um casal decidindo em que escola ele vai entrar. Então
me poupa do seu drama desnecessário.
— Só queria que tivesse me comunicado da sua decisão, Kenny, não
que quisesse meu consentimento. Eu realmente achei que você estava se
apegando e…
Dou uma risada ácida, sem humor, interrompendo-a outra vez.
— Me apegando ao pirralho? — desdenho, tentando fingir que ela
está completamente errada. — Olha, eu cuidei dele, nunca gastei tanto em um
mês como foi com esse menino, dormi noites terríveis e aguentei choro dele.
Mas é só isso, Daiane. Você pensou o quê? Que eu ia adotá-lo? Davi não é
minha responsabilidade e nem quero que seja.
Ela não diz nada. Só me encara como se eu fosse a pior pessoa da face
da Terra. O olhar de decepção dela me corta o coração e dói na alma, porque
não quero o desprezo dela, mas quero e preciso afastá-la.
— Assim que ele for, você também deve ir — falo, esforçando-me
para não parecer que me arrependo de cada palavra. — Qualquer relação
entre nós só começou por causa dele e vai acabar quando ele finalmente for
embora. Chega de você perambulando pela minha casa, preparando o jantar,
dormindo na minha cama, trepando comigo. Você não é a porra da minha
mulher, entendeu?
— Sempre soube que não sou e nunca quis ser, não se preocupe.
Aliás, vou embora agora mesmo — sentencia, piscando diversas vezes, como
se para segurar lágrimas teimosas.
Ela me dá as costas, indo em direção ao quarto buscar a droga das
roupas dela que estão no meu armário. Olho para Davi, que está com sua
atenção em mim, quietinho e com os olhinhos brilhando. Meu peito dói ao
saber que ele vai embora amanhã, e sei que vou sentir falta dele.
Sei que vou sentir falta da pediatra também. Sentir falta dela
perambulando pela minha casa, preparando o jantar, dormindo na minha
cama, trepando comigo. Como se fosse a porra da minha mulher.
Vou sentir falta e me corta ter que sufocar a verdade que me nego a
admitir: que eu quero Daiane e Davi na minha vida.
— Ei, mocinho — sussurro, parado no limiar da porta do banheiro com uma
toalha amarrada na cintura, vendo os olhinhos amendoados de Davi pelas
frestas do berço, três metros longe. O rapazinho abre um sorriso preguiçoso
para mim, a chupeta escapando da sua boca. Sorrio junto dele e me aproximo.
— Acordou mais cedo hoje — digo, conferindo o relógio, que mal marca seis
da manhã.
O bebê me olha atentamente e começa a resmungar, talvez de fome.
Visto-me rapidamente e o pego no colo, levando-o até a cozinha junto
comigo. Ajeito-o no carrinho e faço sua mamadeira, ignorando o choro
desesperado dele. Quando coloco o bico na sua boca e ele fica quietinho, noto
que não fiquei irritado com ele, nem incomodado. Eu simplesmente…
terminei de preparar seu leite, sem me sentir ranzinza com isso.
— Você vai embora hoje, Davi — digo, baixinho, fingindo que isso
não causa uma pontada no meu coração. — É o melhor para nós dois,
entende? Vou sentir sua falta, Chorão.
O menino apenas suga o leite, concentrado em mim, piscando
lentamente, inocente e alheio à minha conversa descabida. Suspiro e desvio o
olhar dele, pensando na diaba de jaleco. Ela foi embora ontem à tarde, depois
da minha grosseria, e não a vi mais desde então. Mas ouvi. Ela ligou umas
duas vezes, perguntando se estava tudo bem, e eu garanti que estava. Ontem
foi a primeira noite que passei com ele sozinho. Virei-me como pude, é
verdade, e preciso admitir que fui melhor do que achei que seria. Troquei
fraldas, dei banho e mamadeira. Deitei-me e o coloquei sobre meu tórax,
cantarolei músicas de dormir e fiquei acariciando seus cabelinhos cor de areia
até que ele dormiu sobre meu peito. Passei longas horas nessa posição com
Davi, relutando em me levantar e colocá-lo no berço. Só o fiz quando me
levantei para tomar banho.
— É difícil admitir que me apeguei a você, Davi — continuo
conversando com o bebê. — Até mês passado, eu era um velho rabugento
que queria distância de criança, mas aí você… você… — Pauso. Suspiro. —
Merda, você derrubou todas as minhas barreiras. — Volto meu olhar para ele,
ainda mamando. — Mas eu não posso. Não posso fazer isso sozinho. Não
sem a Helena aqui. Um bebê sempre foi o sonho dela, não o meu.
Paro de falar e começo a me sentir um idiota por conversar com um
bebê de três meses. Davi termina seu leite e eu o coloco para arrotar. Só então
o levo de volta ao quarto e troco sua fralda, agora encontrando o lado certo
com mais facilidade. Prática, né, meu filho. Abro a janela e deixo que a luz
do sol entre no quarto. Os raios adentram pela janela e incidem sobre a cama
desarrumada. Coloco o corpinho de Davi justamente ali, o rosto na sombra
para não o incomodar. O diabinho, só de fralda, calça e camisa fininhas, curte
o calor bom contra sua pele.
Enquanto Davi aproveita seu banho de sol, eu termino de arrumar o
pouco dos pertences que ele tem. Os documentos, as roupinhas — inclusive
as novas que comprei nas últimas semanas —, alguns itens para bebês, apesar
de saber que o Conselho Tutelar vai providenciar isso de qualquer maneira, e
coloco tudo dentro de uma bolsa azul que Daiane me fez comprar ainda na
primeira semana que o diabinho estava comigo porque a dele estava meio
gasta. Engulo em seco ao passo que fecho o zíper, meu coração ficando cada
vez mais apertado com a proximidade da nossa despedida. Sobre a cômoda,
tem uma foto minha com ele no colo, que a maldita pediatra tirou de surpresa
e depois mandou emoldurar. Eu estava de pé, encostado ao batente do portal
entre a sala e a cozinha, segurando Davi nos meus braços e olhando para ele.
Não reconheço o Kenny da foto, o Kenny que segura um bebê. O olhar de
amor e admiração que esse Kenny dá ao pequeno, o sorrisinho estampado nos
lábios desse homem… É um sorriso que há muito tempo eu não via.
Baixo a moldura, escondendo a imagem.
O conselheiro tutelar deve chegar por volta das dez da manhã. Ainda
tenho algumas horas com Davi e decido aproveitá-las. Assim que o sol
esquenta um pouco mais, levo-o para fora, ajeito uma manta no gramado e
deito com ele ali. Converso com o menino, brinco com sua barriguinha,
fazendo-o gargalhar, o que me faz rir junto. Essa casa sempre foi silenciosa,
desprovida de alegria. Tudo que houve nela por todos esses cinco anos foi
luto, solidão e tristeza. Davi trouxe luz a esse lugar tão mórbido. E a pediatra
trouxe um pouco de companhia. Habituar-me de novo à minha antiga vida vai
ser a coisa mais difícil do mundo. Sentirei falta dos choros e risos dele, da
voz de Daiane conversando com o menino, distraindo-o enquanto prepara o
leite. Dou uma volta com ele pela fazenda até que o sol esquenta demais e
retorno para a casa principal. Davi toma outra mamadeira e tira um cochilo
no carrinho. Levo-o para o berço, onde ele pode dormir mais confortável.
Quando retorno à cozinha, encontro Daiane. Ela está parada no meio
do cômodo, dentro de jeans, camisa cambraia e botas de montaria. Os cabelos
castanho-acobreados amarrados em um rabo de cavalo frouxo.
— Ele já foi embora? — pergunta.
O relógio na parede marca quase dez horas.
— Ainda não.
— Vim me despedir dele. Posso?
Aceno e indico o quarto. A pediatra vai até lá. Não a sigo. Sirvo uma
xícara de café e me sento à mesa, perguntando-me se minha decisão foi
realmente a melhor delas. Eu sei que foi. Preciso me convencer disso. Mas se
tomei a atitude certa, por que sei que vai doer — já está doendo — a
despedida dele? E, com isso, a partida de Daiane também? Por que não
consigo me convencer de que é o melhor para todos?
— Ele está dormindo feito um anjinho — Daiane sussurra.
Giro o pescoço, encontrando-a na minha sala.
— Sim. — É tudo que consigo dizer.
Um momento esquisito paira sobre nós. A pediatra assente, diz que
precisa ir. E quando ela começa a sair, um desespero enorme me acomete. A
ideia de perdê-la — de perder essa relação disfuncional, esse vínculo
deturpado que criamos — me deixa apavorado. Eu a vi partir ontem e doeu
feito o inferno. Não quero vê-la partir de novo. Não se ela vai pensando que
sou um homem terrível. Um ogro sem sentimentos. Compreendi por que quis
afastá-la, por que reneguei o carinho que desenvolvi por Davi e até por ela.
Compreendi e preciso pôr isso para fora.
A mulher já está alcançando a porta quando confesso:
— Eu me sinto sujo.
Daiane para e se vira para mim. Ela me estuda por um segundo,
primeiro com raiva, mas depois suaviza a expressão, como se compadecesse
do trapo humano que estou agora; de como, pela primeira vez em muito
tempo, estou expondo o que sinto sem ser através do mau humor, da
impaciência ou grosseria.
Aos poucos e com cuidado, ela se aproxima, sentando-se de frente
para mim. A pediatra não diz nada. Só… espera.
— Deixei você e o Davi entrarem — sussurro, engolindo em seco. —
E eu nunca deixei ninguém entrar. Não desde a morte da Lena.
— Kenny… — Tenta dizer, mas não deixo.
— Levei algum tempo para amar minha esposa de todo o coração,
sabe? Praticamente um ano desde que a conheci. Começamos com sexo sem
compromisso, depois ela me pediu em namoro — digo, abrindo um sorriso
leve, lembrando-me disso pela primeira vez em muitos anos. — Eu aceitei
porque gostava mais do sexo dela do que dela, propriamente dizendo. A Lena
foi me conquistando aos poucos, e só notei que realmente a amava muitos
meses depois.
— Não estou entendendo onde você quer chegar — diz, suavemente.
Molho o lábio inferior e baixo os olhos por um segundo, apertando a
xícara entre minhas mãos antes de admitir:
— Eu amo você. — Ergo os olhos na direção dela, esperando ver
qualquer reação de surpresa à minha declaração, mas não tem nada disso. —
Aprendi a amar em apenas um mês. E eu me sinto sujo por isso, porque…
parece que diminui a importância e a intensidade que Helena teve na minha
vida. — Balanço a cabeça de um lado a outro. — Parece que foi tão
insignificante e…
Sinto um rastro quente e úmido no meu rosto e demoro a notar que
estou chorando. Timidamente, mas chorando. A última vez que chorei foi no
velório da minha mulher. Daiane aperta minha mão, com força.
— Não foi, claro que não foi insignificante. Você amou a Helena, e
sei que ainda ama, e… me amar não diminui a importância que ela tem pra
você. Não existe um parâmetro ou uma regra de tempo para amar outra
pessoa, Kenny. A vida tem disso, os sentimentos têm disso. Não se culpe
tanto por… só viver a sua vida.
Aperto seus dedos nos meus, digerindo suas palavras. Daiane sai do
seu lugar e vem até mim, sentando-se ao meu lado no banco. Ela me olha,
segurando-me pelas duas mãos.
— Eu não quero tomar o lugar da Helena. Sei que ela tem um lugar
especial no seu coração que sempre vai ser só dela. E fico feliz que eu tenha
conquistado um espacinho nesse coração de pedra que você tem — diz,
arrancando uma risada sem-graça de mim em meio a algumas lágrimas que
ainda descem. Daiane encosta sua testa na minha, uma mão acariciando meu
rosto —, porque você também conquistou um espacinho especial no meu,
Kenny. Eu também aprendi a te amar em pouco tempo.
Sem que eu espere, Daiane cola seus lábios nos meus, o gosto da sua
boca misturando-se ao salgado das minhas lágrimas. Correspondo quase na
mesma hora, sentindo um alívio diferente no peito. Eu me agarro à pediatra,
aprofundando o beijo, parando de renegar meus sentimentos ou de me sentir
culpado. Ela está certa em tudo o que me disse.
— Fica comigo — peço, com um sussurro. — Perdoa as asneiras que
falei ontem e fica comigo, Daiane.
Ela sorri, acariciando minha barba, vasculhando meus olhos.
— Eu fico — diz de volta, no mesmo tom.
— Quero ficar com Davi também. Ser o pai que ele não tem. Eu…
realmente me apeguei àquele pivetinho. E quero fazer tudo certo, Daiane.
Garantir que ele seja meu filho legalmente. Deus me livre a Liliana aparecer
do nada e querer tirá-lo de mim.
Ela acena em positivo com um sorriso de orgulho e me beija de novo.
— Você tem todo meu apoio nessa decisão — diz, abraçando-me.
Refugio-me nesse pequeno ato, sentindo-me acolhido como não me
sentia há bastante tempo. Quando o conselheiro tutelar chega, comunico-o da
minha decisão e não deixo que o levem de mim. Sei que o processo não vai
ser fácil, que vai levar tempo, e que antes de realmente conseguir adotá-lo
vão analisar se ninguém mais da família do menino quer ou pode ficar com
ele. Pelo que pouco que sei da sua vida, não tem avós; o pai, a desmiolada da
mãe dele nem sabe quem é e nunca mencionou o nome do dito-cujo. Ainda
assim, estou disposto a enfrentar o que for preciso para manter o diabinho
esperto comigo.
Para que ele seja o meu diabinho esperto.
Eu vejo o meliante encolhidinho debaixo da mesa do bolo, com as duas mãos
na boquinha, como se segurando uma risadinha para não denunciar sua
posição e a do seu cúmplice e comparsa. A três metros de Davi e Noah, estou
apenas observando os dois diabinhos roubando os docinhos da mesa, antes
dos “parabéns”. Davi completou quatro anos mês passado, mas parece que foi
ontem que o pirralhinho chegou trazendo luz à minha escuridão.
Hoje é Dia dos Pais, mas é também o primeiro aniversário da minha
filha Helena. Então resolvemos fazer uma única comemoração, juntar toda a
família na fazenda, que agora está cheia de crianças e esposas. Nenhum de
nós achou que nossa vida estaria assim hoje, mas aqui estamos.
— Davi e Noah! — esbravejo, cansado de vê-los surrupiando os
docinhos na mesa.
Meu filho se assusta e dá um pulo, batendo a cabeça na mesa. Noah
abafa uma risadinha e sai correndo, como um fugitivo, em direção a
Theodoro, abraçando as pernas dele. O desgraçado ri em vez de adverti-lo.
Sofia, segurando o irmãozinho de Noah, pelo menos tem o senso de dizer ao
menino que pare de fazer peraltices.
— Venha cá, mocinho — digo para Davi, chamando-o com o dedo.
Ele vem, dentro do seu conjunto Adidas, mãozinhas para trás, olhinhos
baixos. Agacho-me na sua altura. — Os docinhos são para depois, lembra?
Quando cantarmos os parabéns para a Helena?
— Sim, papai. Mas eu só queria unzinho, sabe? — diz, todo inocente,
e bota as mãos na barriga. — Por que minha barriguinha tá roncando de
fome.
Rio um pouco e balanço a cabeça de um lado a outro.
— É por isso que estamos grelhando a carne. Vá pedir um pedaço
para o tio Alex, vai — falo, dando um tapinha na sua bunda.
Ele fica emburrado, mas vai. Alex dá um pedaço pequeno a Davi, que
se senta no gramado e come bonitinho e comportado. Minutos depois, todas
as crianças estão reunidas, fazendo baderna. Davi, Noah, Giulia, Júnior,
Amanda, Danilo e Alicia. Daqui uns dias, Helena e Thales — filho do Theo
— vão se juntar aos pimentinhas também.
Deixo as crianças sob a supervisão do Guilherme e volto lá para a
cozinha. Jade e Heloísa estão ajudando no restante do almoço, enquanto
Daiane está amamentando. Sento-me ao seu lado, beijo seus lábios e depois
os cabelinhos de Helena. Um ano.
— Me lembro bem do susto que tomei quando me contou que estava
grávida — digo, ainda acariciando minha filha.
— É porque você não viu meu estado quando eu descobri.
Rio baixinho. A gravidez de Helena foi completamente inesperada e
pegou nós dois no susto. A danadinha nasceu segurando o DIU da Daiane.
Essa queria vir ao mundo de todo jeito. Davi adorou a notícia e tem um amor
pela irmã fora do comum. Aliás, tudo na nossa família é fora do comum.
Um mês depois que pedi para Daiane ficar na minha vida, nós nos
casamos. Foi ela quem me pediu, aliás, porque queria participar da adoção,
ser a mãe do garotinho. Dois meses depois, para termos melhores chances de
adotarmos o rapazinho, nos mudamos para a cidade grande. Ela começou a
trabalhar no hospital e eu voltei com a sociedade no escritório de
contabilidade. A fazenda, contudo, é nosso refúgio. É para onde vimos aos
finais de semana, férias e feriados. Apenas dois anos depois de Davi aparecer
na minha vida, Daiane inesperadamente engravidou. Fiquei zonzo e pálido
quando soube, porque ainda estávamos construindo nossa vida juntos,
gastando horrores com os cuidados com o menino, ainda em processo de
adoção, e já era difícil conciliar trabalho e a criação de uma criança, imagina
de duas. Quando o susto passou, só consegui me sentir feliz. A sugestão do
nome, quando a diabinha nasceu, também foi da minha esposa. Ela achou que
seria uma homenagem justa à minha falecida mulher. E eu aceitei, cheio de
amor no coração.
Ergo os olhos para Daiane. Ela está agora conversando com as
meninas, rindo de alguma coisa que pouco dou atenção, os olhinhos de
Helena presos na mãe enquanto mama, sua boquinha se abrindo em um
sorriso gostoso por causa da felicidade que emana da mulher que a gerou.
Então, eles vêm aos meus, e o seu sorriso aumenta. Seguro na sua mão, e ela
aperta meus dedos.
Fazemos contato visual por longos segundos, e vejo nos olhinhos dela
todo o significado da minha vida. Não seria quem sou hoje sem Davi, Helena
e Daiane. E sou imensamente grato por serem minha família, por me
renascerem em um novo homem. Um homem mais paciente, menos mal-
humorado, mais feliz.
E, acima de tudo, um homem com algum propósito de vida, porque
não há nada que eu não faça todos os dias que não seja pensando no bem-
estar e na felicidade da minha família, que é minha base, o motivo dos meus
estresses, mas também alegrias, minha luz em meio à escuridão, a ordem em
meio ao caos que, por vezes, ainda sou.
Meu lar não é um lugar específico, mas pessoas específicas, e minha
casa será onde eles estiverem.

FIM
O projeto Pais Alencastro surgiu de uma brincadeira despretensiosa e
acabou por ganhar meu coração. Guilherme, Alex, Theo e Kenny vão sempre
ter um lugarzinho especial na minha vida.
Um agradecimento especial às autoras do projeto, Marta Vianna,
Jessica D. Santos e Thais Oliveira; à Jessica por ter topado logo de cara e
“intimidado” as outras duas a participarem, e à Marta e Thaís por terem
aceitado o convite. Foi uma experiência que eu gostei demais. Nossas
conversas, as trocas de ideias, as risadas. De verdade, meninas, muito
obrigada. Espero que possamos firmar outras parcerias assim, no futuro.
Mais um obrigado à Thais, pela capa maravilhosa.
Não posso me esquecer da minha revisora, Victoria Gomes, que como
sempre faz um trabalho incrível no original. Obrigada pela paciência e tempo
disponibilizado.
Por último, e não menos importante, obrigada a você, leitor ou leitora,
que chegou até aqui. Esse livro não teria nenhum sentido se não fossem
vocês. Obrigada pela espera e paciência pelo último livro da série. Sei que
muitos de vocês estavam ansiosos esperando pelo lançamento. Espero que
tenham se divertido com Kenny, Daiane e Davizinho.
Beijos e até a próxima.
Conheça os livros anteriores da série.

Na mira de um cupido (Livro 1 – Guilherme e Heloísa) -


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Sinopse: Se o cupido tivesse um nome, com certeza seria Danilo.
O filho da diretora, do Colégio Cristo Redentor, parecia um anjo, mas
a candura se limitava apenas a sua aparência, porque o garoto era levado, em
todos os sentidos.
Nós nos conhecemos na minha lanchonete, por acaso, e, depois desse
dia, minha vida mudou completamente. Meu mais novo amiguinho havia
cismado de arrumar um namorado para a mãe e estava disposto a fazer
qualquer coisa para vê-la feliz novamente.
Heloísa era uma mulher jovem, linda e tinha um sorriso encantador,
mas depois da separação que quase destruiu seu coração, ela decidiu arquivar
os sentimentos e dedicar todo o seu tempo ao pequeno terrorista e ao
trabalho.
Como eu sei de tudo isso?
Bom, meu nome é Guilherme Alencastro e, eu fui o alvo do tal
Cupido com carinha de anjo.

Pedaços de amor (Livro 2 – Alex e Jade) – https://amzn.to/2Fl7Fr9


Sinopse: Cada ser humano precisa lutar suas batalhas de cabeça
erguida.
Assim era Alex, que vivia a dura realidade de ser um pai solteiro que tinha
sido abandonado pela esposa. Mesmo sob a pressão da responsabilidade, ele
se dedicou bravamente à missão de ser pai solo. Sua pequena Alícia se tornou
a sua única prioridade e ele não tinha planos de mudar essa equação.
Jade era uma jovem com um passado marcado por violência e muitos
traumas. Ela não tinha nenhum interesse em se envolver emocionalmente
com alguém, e muito menos chamar a atenção para si. Contudo seus planos
foram postos à prova quando conheceu a pequena Alícia, uma garotinha de
seis anos, e seu pai encantador.
Sentimentos se afloraram, mas Jade se negava a vivenciá-los até ser capaz de
abrir seu coração novamente para o amor.

Quanto te encontrei (Livro 3 – Theodoro e Sofia) – https://amzn.to/3aRV1eO


Sinopse: Sofia Aguilar tinha uma vida no eixo. Trabalhava com o que
amava, tinha o namorado perfeito e esperava seu primeiro filho... só que, do
nada, as coisas começaram a sair do controle. E agora ela está sozinha e com
um bebê.
Theodoro Alencastro é um homem de alma livre, não preocupado em
se apegar ou com o que as pessoas pensam dele. Perdeu o irmão há quatro
anos e isso o fez pai de uma garotinha adorável, Amanda.
Duas pessoas com vidas e prioridades diferentes, duas almas distintas
que vão ter seus caminhos cruzados pelo acaso.
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