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CAPA: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

REVISÃO: INDEPENDENTE

DIAGRAMAÇÃO: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA

ASSESSORIA DE MARKETING: Y3Y ASSESSORIA LITERÁRIA


Sumário

Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Epílogo
Conheça outros trabalhos da autora
Sinopse

Um CEO viúvo que descobre que tem um bebê perdido pelo mundo.

Uma secretária virgem disposta a tudo para cuidar da sobrinha após

a morte da irmã.

Viúvo há quase dois anos, acabei me permitindo uma noite de sexo

sem compromisso. O problema? A mulher era uma golpista e foi embora

pela manhã, levando minha carteira e meu celular. Um ano depois, recebi um

telefonema dela, contando que havia ficado grávida naquela noite. Eu não
teria acreditado nisso, se não fosse uma foto de um bebê com uma marca de

nascença idêntica à minha. Porém a mulher desligou sem me dar mais


qualquer detalhe, sem deixar pistas de onde estaria junto ao meu filho ou

filha.

Desde esse dia, encontrar o meu bebê tem sido a maior missão da
minha vida.

Poucos meses depois, Amanda aparece em meu caminho, para ocupar

a função de minha secretária. Alegre, atenciosa e comunicativa, ela é o meu


mais completo oposto. Apesar de linda, o que me chamou a atenção, em um

primeiro momento, foi o fato de ela ter uma bebê, que, depois de um tempo

descobri que, na realidade, era sua sobrinha e, supreendentemente, tinha uma

marca igual à da minha filha perdida, o que me fez entrar em uma busca pela

verdade e pelo coração das duas.


Prólogo

Já fazia algum tempo que eu acordava com aquela sensação de

ausência total de ânimo. Viúvo já há mais de dois anos, todos os dias, pela

manhã, eu sentia como se fosse um erro eu ainda estar ali.

Afinal, era eu quem dirigia aquele maldito carro naquela igualmente

maldita noite em que o acidente aconteceu. Eu tinha a plena consciência de

que não tinha sido culpa minha, mas ainda me parecia errado que minha

esposa Maria Júlia tivesse morrido e eu permanecido ali.

Sentia como se isso fosse completamente injusto.


E, ainda que eu tivesse vendido a casa onde morávamos juntos – com

um enorme quintal já preparado para receber os filhos que planejávamos ter

– e me mudado para aquele apartamento, eu seguia a sentir a falta de Maria

Júlia em todo aquele espaço.

Mas o trabalho era o que me motivava. Era o CEO de uma empresa de

publicidade que eu tinha criado há oito anos, junto com um amigo, quando

ainda estávamos na faculdade. Antes disso, eu era um cara de classe média,

não era herdeiro de porra nenhuma, mas, modéstia à parte, era esforçado e

muito bom na minha área. Já Fernando, meu amigo, não era tão bom assim,

passava nas provas colando de mim e pedindo para eu colocar seu nome nos
trabalhos que eu fazia. Mas, em compensação, o cara era podre de rico. O

pai dele tinha medo de investir em um negócio para o filho, sabendo da sua

falta de responsabilidade. E foi nessa que eu acabei entrando como sócio,

assumindo a parte do cérebro enquanto ele entrava com o dinheiro.

Deu muito mais certo do que poderíamos imaginar.

Já usando o meu terno, parei diante da parede de vidro do meu quarto.


Do meu apartamento de cobertura, eu tinha uma vista privilegiada da cidade.

Ainda era meio estranho perceber que havia toda uma vida acontecendo lá

fora, enquanto todo o meu foco de vida se baseava no trabalho.


Desde que fiquei viúvo, eu poucas vezes havia saído para tentar me

divertir. Assim como pouquíssimas vezes tinha me permitido estar com

alguma outra mulher. Sempre por insistência do Fernando, que parecia ter
como missão de vida ‘me tirar da lama’.

E todos os esforços dele foram completamente dizimados desde a

noite, há mais de um ano, em que me apresentou a uma amiga, que na

realidade não poderia ser considerada nem mesmo uma conhecida, já que ele

havia sido apresentado a ela naquela mesma noite, apenas uma ou duas horas

antes que eu chegasse ao tal bar onde marcamos. A mulher era bonita,

sedutora, eu tinha bebido demais e estava há mais de um ano sem sexo.

Acabei me permitindo viver aquilo.

A pior merda que eu tinha feito em toda a porra da minha vida.

Não que o sexo tivesse sido ruim. Eu mal me recordava dele, para

falar a verdade. Mas provavelmente não tinha sido bom o suficiente para

valer a raiva que senti em seguida.

Porque eu fui roubado.

Não é uma figura de linguagem. A mulher literalmente me roubou. Foi

embora do hotel levando minha carteira e meu celular. Acordei pela manhã

sozinho, com uma ressaca monstruosa e puto da vida por ter feito papel de

otário.
Ela tinha deixado seu número de telefone com meu amigo Fernando, e

tudo o que consegui fazer foi enviar algumas mensagens desaforadas para o

seu WhatsApp. Até que a filha da puta me bloqueou.

Acabei deixando aquilo de lado. Eu não tinha nada daquela mulher

além de um primeiro nome que eu nem sabia se era real, e num número de

celular no qual ela me bloqueou. Não valia o estresse e, sinceramente, achei

que aquilo tinha sido deixado para trás e que eu nunca mais teria qualquer

notícia daquela mulher.

Até aquela manhã.

Meu celular tocou, sobre a mesa e cabeceira, e eu me afastei da janela


para atendê-lo. Era um número desconhecido.

— Alô — atendi meio impaciente, imaginando que fosse alguma

ligação para propaganda. Poucas pessoas tinham o meu número de telefone

pessoal.

— Thiago? Ainda se lembra de mim? — falou uma voz feminina que

eu, de fato, não reconheci.

— Não sei. Talvez, se me disser o seu nome.

— É a Ana.

Como se aquele fosse um nome muito exclusivo.

— Perdão. Ana de quê?


— Eu nunca lhe disse o meu sobrenome, amor. Nem tivemos muita

oportunidade de conversar naquela noite que nos conhecemos. Estivemos

ocupados em outras coisas mais divertidas durante a maior parte do tempo.

Eu não precisava de outra dica para saber quem era aquela mulher.

Tinha sido apenas uma trepada... ou talvez algumas... com alguém que eu

tinha acabado de conhecer, e eu estava tão bêbado que mal conseguia me

lembrar. Porém, era bem difícil esquecer de alguém que tinha roubado sua

carteira e seu celular, e feito muitas compras no seu cartão de crédito.

Não querendo parecer arrogante, o prejuízo financeiro daquilo era

realmente o de menos para mim. O pior era a sensação de ter sido feito de

idiota.

— O que você quer? — perguntei diretamente. Talvez eu devesse ter

desligado a ligação ou ter dito algumas coisas a ela, mas eu tinha a

curiosidade de saber até onde iria a audácia dela em me ligar depois de

tanto tempo.

— Você me mandou algumas mensagens. Eu estava ocupada demais

para responder na época, mas achei que você merecia um retorno.

— Um ano depois? Não vai me dizer que decidiu me devolver o

prejuízo que me causou.


— Pelo amor de Deus, Thiago, não seja pão duro. Como se o

dinheiro que peguei fizesse alguma diferença para você.

— Então o que quer de mim?

— Eu queria te pedir desculpas. Porque você é um cara legal, e eu

não devia ter feito o que fiz.

Eu quase ri diante daquilo.

— Você está ligando para me pedir desculpas? Sério?

— Não é só para isso, na verdade. Também porque eu achei que


você merecia saber.

— Saber o quê?

— Que eu fiquei grávida. Naquela noite. Não é a melhor forma de


contar isso, mas: parabéns, você é papai.

Eu sequer consegui encontrar coerência naquelas palavras. Lembrei-


me do fato de que, quando nos conhecemos, ela apresentava um

comportamento eufórico que me deixou desconfiado de que ela tivesse feito


uso de drogas. E recordava-se muito vagamente que, já no hotel, notei as

manchas em seus braços que indicavam os furos constantes de agulhas.

Talvez, durante aquele telefonema, ela também estivesse drogada.


Explicaria a total falta de sentido nas suas palavras.
Ou talvez fosse outro o caso...

— O que você quer, afinal? Está planejando algum golpe com isso?

— Estou falando a verdade.

— Impossível. Não tem qualquer possibilidade de eu ter


engravidado você. Eu não faria sexo com uma desconhecida sem usar

camisinha.

— Tem certeza? Você não pareceu nem se preocupar com isso


naquela noite.

Droga. Eu não tinha certeza. Nenhuma, na verdade.

Assim como também não tinha nem um mísero motivo para acreditar
nas palavras daquela mulher.

— O que você pretende? Me chantagear com mentiras?

— Eu não pretendo nada. Apenas acho que você merecia saber que é

pai. Caso você queira se aproximar e fazer um teste de DNA...

— ‘Caso eu pretenda’? Você acha que vou acreditar nisso tão


facilmente? Ouça, se o que diz é verdade, precisamos ter essa conversa

pessoalmente. Diga um lugar onde podemos nos encontrar.

Silêncio. Aquilo me levou a pensar, inicialmente, que ela estava

realmente mentira. Sequer existia criança alguma, muito menos um filho meu.
Contudo, logo veio um novo pensamento: e se existisse, mas ela não tivesse
a real intenção de permitir a minha proximidade?

Oras, aquilo não fazia nenhum sentido. A mulher era uma ladra. Um
filho com um milionário era a melhor oportunidade de se dar bem que ela

poderia sequer sonhar em ter. Se essa criança de fato existisse, ela não
manteria minha paternidade em segredo.

— Acho que te ligar foi uma péssima ideia... — Percebi que o tom

de voz dela tinha mudado. Parecia um pouco ofegante, como se não estivesse
se sentindo bem. — Eu apenas achei que seria justo se você soubesse, mas...

não se atreva a tentar levar o meu bebê. ...Eu preciso desligar, adeus.

E ela desligou. Simplesmente, sem qualquer outra explicação.

Retornei a ligação para o mesmo número. Ninguém atendeu.

Comecei a mexer no meu celular, vagando pela lista de contatos até


encontrar o daquela mulher. Ela tinha me bloqueado, mas usei outro número,

o meu privativo da empresa, para acessar seu WhatsApp. Não havia nenhum
nome registrado ali. Mas havia uma foto.

Uma fotografia de um bebê, aparentemente recém-nascido, enrolado

em uma manta branca. Abri a foto para ampliá-la. Uma das mãozinhas estava
para fora da manta, segurando um dedo de alguém adulto, talvez a própria

pessoa que tirava a foto.


No pequeno braço, pouco acima do pulso, eu consegui identificar

algo que fez com que eu sentisse como se tudo ao meu redor girasse em alta
velocidade, tirando-me todo o equilíbrio e noção de realidade.

A foto era pequena. Eu poderia estar ficando louco ou tendo uma

ilusão de ótica.

Olhei com mais atenção. Não tinha dúvidas, era exatamente aquilo.

O bebê tinha uma mancha no braço. Aparentemente, uma marca de

nascença.

Idêntica à que eu tinha.

-----***-----
Capítulo 1

Cinco meses depois...

— Como uma coisinha tão linda e perfeita como você pode ter sido

fruto de uma noitada entre dois bêbados que mal se conheciam, hein?

Manu emitiu um sonzinho fofo, como se estivesse respondendo aos


meus questionamentos. Sorri.

— Tudo bem, eu não devia fazer esse tipo de comentário com você.

Mas é só enquanto você é pequena demais para compreender tudo o que eu


digo. Ainda vou falar muito com você a respeito da sua mãe, mas... Prometo
tentar focar só nas partes boas. Bem, podemos tentar. Sua mamãe era

divertida. Era também corajosa, destemida, extrovertida e muito bonita.

Talvez ela fizesse muita coisa errada, mas... No fundo, ela era uma boa irmã

e eu a amava muito. Acho que, de alguma forma, ela teria sido uma boa mãe

também.

Manuela novamente não deu muita atenção ao que eu dizia. Os

bonequinhos com os quais brincava sentada no tapete do chão da sala

pareciam muito mais interessantes para ela.

Eu estava especialmente emotiva naquele dia. Primeiramente, porque

era a data em que completava cinco meses desde a morte de Nicole, minha

irmã.

Bem, talvez a maioria das pessoas a conhecessem por outros nomes

diversos. Há apenas três semanas eu tinha criado coragem para mexer nas

coisas dela e separar roupas e calçados para doação, e em meio a isso eu

encontrei dezenas de documentos falsificados, todos com nomes diferentes.

Além de cartões de crédito e vários cadernos com anotações de senhas.

Logicamente, eu incinerei as identidades e os cadernos. Não era algo

que pudesse ser doado, muito menos coisas que eu gostaria de guardar como

lembranças que Manu futuramente teria de sua mãe. Os cartões eu ainda


guardei, na esperança de que, talvez, algum dia, eu pudesse reparar os dados

causados a todas aquelas pessoas.

Só não fazia ideia de como. Tirando a casa, um carro velho e algum

(pouco) dinheiro guardado, Nicole tinha torrado todo o dinheiro que roubou

em viagens, almoços caros e, claro, drogas.

— Sua mãe fazia muita coisa feia, Manu. Mas ela sempre cuidou de

mim. Era uma irmã maravilhosa, no final das contas.

Na verdade, nós nem éramos exatamente irmãs. Em resumo, a mãe dela

tinha se casado com o meu pai, quando eu tinha quatro e ela seis anos. Acho

que não dava para considerar nossos pais como duas pessoas muito legais. A

mãe dela nunca teve qualquer interesse em ser uma figura materna para mim,

nem o meu pai em ser uma figura paterna para ela. Eles eram bem parecidos

na forma meio indiferente de criar seus filhos, de modo com que nem era de

se esperar que fossem super carinhosos com as enteadas. Mas a Nick era

uma irmã para mim. Mesmo com uma diferença de idades tão pequena, ela

cuidava de mim, me protegia na escola e era a pessoa com quem eu


conversava sobre qualquer coisa.

Só que a Nicole também era, paradoxalmente, a pessoa mais

desprovida de juízo da face da Terra. Ela tinha vários nomes bonitos para
tentar descrever seu trabalho, que na verdade eu sabia muito bem como

deveria ser classificado: ela era uma golpista.

Até que ela ficou grávida. E logo no início da gravidez descobriu uma

doença. E eu fui morar na casa dela, para ajudar a cuidar dela e do bebê. Foi

uma gravidez difícil. E Nicole morreu três meses depois de dar à luz a

Manuela.

Minha sobrinha tinha apenas oito meses de vida. Cinco destes vividos
sem a mãe.

O outro motivo de eu estar tão emotiva era que aquele seria o meu

primeiro dia em meu novo emprego.

Eu havia largado o anterior quando Manu nasceu e a doença de Nicole

se agravou subitamente. Sabia que era de formas ilícitas, mas minha irmã

tinha algum dinheiro guardado, o que foi o suficiente para que eu pudesse
ficar algum tempo sem trabalhar fora, dedicada inteiramente em cuidar dela

e de Manu. Este dinheiro estava começando a chegar ao fim, então precisei

procurar por um emprego e, logo que consegui, contratar uma babá para

cuidar de Manu enquanto eu estivesse fora.

— A tia vai sentir tanta saudade de você... — choraminguei.

Manu me olhou e piscou seus olhinhos de forma confusa,

provavelmente percebendo o tom triste na minha voz.


A campainha tocou e me levantei, pegando Manu no colo e correndo

para atender ao portão. Logo que abri, deparei-me com Jéssica, nossa

vizinha. Ela era uma pessoa de muita confiança. Apesar de eu só conhecê-la

há pouco mais de um ano, já a considerava uma grande amiga. Afinal, foi ela

quem me ajudou nos momentos mais críticos da saúde de Nicole, quando

Manuela era ainda menorzinha.

Ela precisava de um trabalho e, eu, de uma babá para poder trabalhar.

Não pensei duas vezes antes de contratá-la. Especialmente porque Manu a

adorava.

— Nossa, mas quanto luxo! — Jéssica brincou, se referindo às minhas

roupas. E confesso que até mesmo eu estranhava tanta formalidade em mim.

Usava um conjunto de calça social e blazer, com uma blusa azul marinho, e

tinha prendido meus cabelos negros em um impecável rabo de cavalo. Um

par de sapatos mocassim com salto complementava o look.

— Era tudo da Nicole — contei. — Só tive que mandar apertar um

pouco a calça, ela vestia um número a mais que eu. Mas nos pés ela calçava

o mesmo que eu.

Ainda era estranho falar da minha irmã no passado. Ela tinha me dado

aquelas roupas quando ainda estava grávida, reclamando que não voltariam
a caber nela. Ela sabia que eu não tinha muitas peças de roupas mais formais

e que precisaria para conseguir um emprego.

— Você está linda, Manda. Vai causar uma ótima primeira impressão.

— Espero que sim. Preciso segurar esse emprego.

— Vai segurar, amiga. Não se preocupe com isso. Agora é melhor

você ir logo, é bom chegar com antecedência no primeiro dia.

Ela tinha razão, mas confesso que no fundo estava tentando enrolar

para não ter que me afastar da Manu. Desde que ela nascera que eu

pouquíssimas vezes tinha passado um longo intervalo de horas longe dela.

Mas eu provavelmente sofreria bem mais do que ela, já que logo

esticou seus bracinhos para ir para o colo da Jéssica.

— Também vou sentir sua falta, Manu... — choraminguei, irônica.

Jéssica riu e me garantiu que tudo ficaria bem comigo, já que sem

dúvidas, para a Manu, estava tudo indo bem demais. Ela adorava a nossa

vizinha, afinal.

Despedi-me das duas e peguei meu carro na garagem, seguindo para o

trabalho.

Aliás, carro que também tinha sido da minha irmã.


Ela não tinha nem de perto enriquecido com seus golpes, mas levava

uma vida relativamente estável, com casa própria, carro e grana para duas

ou três viagens por ano. Confesso que eu não me sentia bem ficando naquela

casa, mas sabia que era o melhor para Manu. Antes de ir para lá, eu dividia

um apartamento minúsculo com uma colega de faculdade, e ela já tinha até

mesmo arrumado outra pessoa para ficar no meu lugar.

A D&F era uma das maiores empresas de publicidade do país, com

escritórios em dezenas de cidades, além de trazer no currículo trabalhos


para grandes marcas e empresas. E a sede principal ocupava três andares

inteiros de um enorme e luxuoso prédio localizado no centro da cidade.


Acabei pegando algum trânsito até chegar lá, o que me deixou bem
apreensiva por medo de me atrasar justamente no meu primeiro dia.

Deixei meu carro no estacionamento subterrâneo no prédio e segui


para o elevador, que para a minha sorte estava parado no térreo. Logo que

entrei, chequei o horário no meu celular. Estava quinze minutos adiantada, o


que era perfeito. A porta começou a se fechar, quando alguém a segurou para

entrar.

Levantei o rosto para responder ao bom dia murmurado por ele, e...
Pelo amor de Deus, aquela imagem diante de mim só poderia ser sinal de um

dia MUITO bom.


O homem usando camisa e calça social, trazendo um paletó pendurado
no braço, era simplesmente lindo. Era bem alto, tinha os cabelos em um tom

bem claro de castanho, quase loiros e olhos azuis estranhamente familiares,


embora eu tivesse certeza de que nunca o tinha encontrado antes.

Porque eu não teria como não me recordar de um cara daqueles.

Quando ele levou a mão ao painel do elevador para apertar o botão do


décimo terceiro andar, eu cheguei a respirar de forma profunda, tentando me

recuperar daquela imagem diante de mim antes mesmo das nove da manhã.

Eu iria para o décimo sexto andar, que era também o último do prédio.
A D&F ocupava os andares catorze, quinze e dezesseis. Pensei que era uma

pena que o bonitão ali não fosse ser meu colega de trabalho.

Não que eu tivesse qualquer pretensão em paquerar alguém. Estava

fugindo de relacionamentos. Afinal, o foco da minha vida no momento era


cuidar da minha sobrinha, tudo mais tinha ficado para depois. Até mesmo a

minha faculdade, faltando apenas um ano e meio para ser concluída. Eu


esperava poder voltar e terminar algum dia.

A porta voltou a se fechar e o elevador iniciou sua subida. Foi assim

por um tempo de apenas alguns segundos até que, em um solavanco, ele


parou. Tudo ficou escuro por um momento, até que uma fraca lâmpada de
emergência se acendesse. Levou ainda mais um segundo até que eu
processasse aquela situação e começasse a entrar em pânico.

— Ai, não... — murmurei, tensa. Dei um passo à frente, indo até o


painel e apertando o botão de emergência inúmeras vezes, antes de começar

a fazer o mesmo com todos os outros.

Era ridículo, eu sei, mas precisava desesperadamente que aquilo


funcionasse.

Era o meu primeiro dia no emprego. Eu não podia me atrasar.

— Calma. — o homem ao meu lado falou, parecendo bem tranquilo

com a situação. — Parece que acabou a luz.

— Como você pode estar tão calmo com isso? — rebati, ainda sem
olhá-lo, continuando a apertar os botões do painel.

— E o que nos resta, além de esperar até que ela volte?

— Um prédio deste tamanho não tem um gerador?

— Ter, tem. Mas eu não contaria com ele. É velho e está sempre dando

problema.

Eu não podia acreditar naquilo. Era ridículo que eu tivesse chegado


até ali para chegar atrasada estando já dentro do prédio.
— Está tudo bem? — o cara me perguntou. Parecia mais curioso do

que propriamente preocupado. Tinha um jeito de falar meio frio e


indiferente. — Você tem claustrofobia ou coisa parecida?

— Não — respondi, também seca. Mantinha-me parada diante do

painel, com os olhos fixos nos botões, torcendo internamente para que eles
se acendessem. — Eu apenas vou me atrasar para o meu trabalho.

— Se o prédio inteiro está sem luz, provavelmente seus superiores vão


compreender o atraso.

— No meu primeiro dia? Duvido muito que sejam tão legais.

— Você estava presa em um elevador.

Eu enfim o olhei, e isso me fez relembrar o tanto que era bonito e isso

quase abalou a raiva que eu sentia naquele momento.

Quase. Porque fazer aquele trabalho dar certo e ter a garantia de um


salário e de poder levar comida para casa e alimentar minha sobrinha eram a

prioridade máxima na minha mente.

— Como se patrões se importassem com isso. Especialmente o meu.

No dia que vim fazer a entrevista com a responsável pelo RH, ouvi um grupo
de funcionários se referindo a ele como um tirano sem coração.

Ele franziu a testa.

— Nossa. Isso é bem ruim.


— É muito ruim. E se esse elevador não voltar agora a funcionar, eu

posso acabar sendo demitida sem sequer iniciar o meu primeiro dia, por
conta do capricho impiedoso de um milionário idiota.

— Só por curiosidade... Para qual andar você está indo?

— Para o último. Da D&F.

— É. Tem razão. Talvez o CEO de lá seja realmente um milionário

idiota. — Ele abriu um meio sorriso e isso fez com que eu sentisse um ranço
enorme por ele.

Ele continuava sendo lindo.

Sorrindo, mesmo que de forma tão sutil, era mais lindo ainda.

Mas era, também, outro idiota por achar graça de uma situação com

aquela.

Balancei a cabeça e desviei os olhos para o nada, tentando me


acalmar – o que não era fácil de ser feito diante de alguém que ria de sua

desgraça iminente. De repente, foi como se o peso de todo o contexto que me


levou até ali despencasse sobre os meus ombros.

Eu tinha vinte e três anos e estava apenas correndo atrás da minha


própria vida. Trabalhava durante o dia como atendente em uma clínica

médica e, à noite, fazia faculdade de Letras. Dividia um apartamento


minúsculo com uma colega de curso e... bem, era basicamente essa a minha
vida. Trabalhar para poder estudar, para poder sonhar com um futuro. Era
uma vida monótona e até difícil em vários aspectos. Mas a única pessoa que

dependia de mim era eu mesma.

Então, veio o telefonema da Nick contando que estava doente. E meu


mundo despencou. Nem pensei duas vezes antes de largar tudo para ir morar

com ela. Para cuidar dela, como ela tinha cuidado de mim quando éramos
crianças e tínhamos os pais mais ausentes do mundo. E aí veio o nascimento

da Manu, o agravamento da doença de Nicole e a sua partida.

Eu tive que cuidar de tudo sozinha. Minha madrasta, mãe de Nicole,

e meu pai disseram que estavam abalados demais e não ajudaram em


absolutamente nada, apenas compareceram ao enterro, fizeram suas cenas de
pais sofridos e foram embora. Provavelmente, todos no enterro tiveram

muito mais pena deles do que de mim, já que eles choraram muito – a mãe de
Nicole, inclusive, de forma absurdamente escandalosa – enquanto eu não

consegui derramar uma única lágrima. Estava anestesiada, agindo


praticamente como um robô para conseguir dar conta de tudo.

E eu precisava dar conta de tudo. Manu só tinha a mim. E eu amava a


minha sobrinha com tanta força, que seria capaz de fazer qualquer coisa por

ela.
— Eu não posso perder esse emprego... — murmurei, sem nem me
dar conta de que tinha falado e não apenas pensado aquilo.

— Parece ser uma vaga que você quer muito — o homem ao meu
lado disse, com certo pouco caso.

— Eu tenho um bebê em casa. Ela depende de mim. E eu não posso

ficar sem emprego.

Ele não disse nada e eu voltei meu rosto em sua direção. Percebi que

ele parecia distraído, vagando os olhos pelo nada, como se algo do que eu
tivesse dito provocasse alguma emoção nele. Pensei que, talvez, ele tivesse

filhos.

Mas não tive tempo de perguntar nada, porque, como se atendendo às


minhas preces, as luzes do elevador voltaram a se acender e, após um

solavanco, ele voltou a subir. Cheguei a soltar um grito de euforia,

esforçando-me para me controlar. Não ia começar a pular dentro daquele


elevador. Deus me livre de ele parar novamente.

Quando chegou ao décimo terceiro andar, ele parou e a porta se


abriu. O bonitão tirou um celular do bolso e acendeu a tela para ver as horas,

comentando comigo enquanto saía:

— Ainda chegará alguns minutos adiantada. O idiota do seu chefe


não terá qualquer motivo para te repreender. Tenha um ótimo primeiro dia de
trabalho.

— Obrigada. Para você também. Quero dizer, não primeiro dia,


mas... um ótimo dia. — A porta já começava a se fechar quando acrescentei:

— E desculpa se pareci uma surtada.

— Sim, pareceu, mas teve motivos para isso.

E a porta se fechou por completo, de modo com que eu não pudesse


mais vê-lo.

Apenas consegui respirar aliviada quando o elevador voltou a parar

já no décimo sexto andar, e eu saí. Como ainda tinha alguns minutos, corri
para o banheiro, para jogar uma água no rosto e tentar me recompor de toda
aquela situação.

Passado o susto, o que ficou forte em minha mente foi a imagem


daquele homem lindo.

Torcia para encontrá-lo mais vezes. Ele era uma visão e tanto.

-----***-----
Capítulo 2

O décimo terceiro andar do prédio onde minha empresa ficava


localizada contava com uma cafeteria, onde eu sempre gostava de passar

logo que chegava para garantir um copo duplo de expresso bem forte. A
cafeína me ajudava a me manter atento pela manhã, especialmente porque

aquele era o horário que costumávamos fazer as reuniões em que meus

funcionários apresentavam os projetos publicitários nos quais vinham

trabalhando.

Minha empresa era contratada pelas maiores marcas do país, e isso só

era possível porque contávamos com um time muito seletivo, composto por

ótimos profissionais.
Embora eles, aparentemente, não se mostrassem muito felizes com o

seu chefe...

— Milionário idiota... Tirano sem coração... — resmunguei, já sozinho


no elevador, com meu copo de café em mãos e a caminho do meu escritório

localizado na cobertura do prédio.

Sabia que eu não era o mais sociável dos líderes de empresa, mas
também não era um tirano...

Ou era?

A porta do elevador se abriu quando ele parou no décimo sexto andar.

Ali, além do meu escritório, ficava também os setores de planejamento e

criação, já que eu gostava de acompanhar de perto a parte de elaboração das

campanhas da empresa. Sentados diante das mesas espalhadas pelo enorme


espaço, os funcionários que já haviam chegado me olharam e

cumprimentaram de um jeito formal, como faziam todos os dias. Luana, a

secretária do setor, aproximou-se, entregando-me uma pasta enquanto

informava, após também me cumprimentar:

— A nova funcionária que vai ocupar a função de secretária pessoal

já chegou, pedi para que o aguardasse em sua sala.

— Fez bem. Qual o nome dela?

— Amanda Santos.
— Perfeito. Ela ficará na sala anexa à minha e todas as minhas

ligações deverão ser passadas antes para ela. A senhorita já pode retornar às

suas funções anteriores

— Certo, senhor. — Percebi que ela soltou um suspiro, como se

aliviada com a notícia. Eu tinha passado algumas semanas sem uma

assistente pessoal, desde que anterior precisou se mudar de cidade por

questões pessoais e, com isso, pediu demissão. Luana vinha quebrando um

galho assumindo a dupla função enquanto o RH agilizava uma nova

contratação.

Eu esperava que o alívio dela fosse pelo trabalho ter se tornado mais

puxado e não por não suportar trabalhar diretamente comigo.

Afinal, ao que tudo indicava, minha fama entre meus funcionários não

era das mais simpáticas.

Abri a porta do meu escritório e entrei. Não posso dizer que fui

exatamente surpreendido por quem eu encontrei ali.

Porém, não poderia dizer o mesmo a respeito dela.

Ela estava de pé ao lado da minha mesa, coluna impecavelmente ereta

e nitidamente tensa. Porém, ao me reconhecer, a tensão deu lugar à confusão.

— O que faz aqui? — ela perguntou, com um tom de voz baixo, quase
como se quisesse me informar que eu havia cometido um erro e entrado na
sala errada.

Eu não era de muitos sorrisos em meu ambiente de trabalho. E talvez

fosse exatamente por isso que eu aparentemente era considerado um tirado

pelos meus funcionários. Porém, aquela já era a segunda vez nos últimos

quinze minutos que aquela mulher trazia um sorriso ao meu rosto.

Caminhei devagar até a minha mesa e coloquei sobre ela o copo de

café e meu paletó. Por baixo dele, estava a minha gravata, que comecei a
prender ao redor do pescoço, dando à minha imagem um ar mais formal

exigido pelo meu cargo.

— Apesar dos contratempos, a senhorita chegou adiantada em seu

primeiro dia. Isso realmente conta pontos a seu favor.

Os olhos castanhos dela se alargaram como se ela tivesse acabado de

descobrir algo impactante.

— Vo... você trabalha aqui? — ela gaguejou. — Achei que fosse

funcionário de alguma empresa do décimo terceiro andar.

— O atendente da cafeteria brinca que sou quase sócio, de tanto que

frequento o local. A ideia não me parece ruim, já que o café deles é ótimo,

mas eu realmente sou apenas cliente do local. E, sim, eu trabalho aqui.

Thiago Ferri, muito prazer.


Terminando de ajeitar o nó da gravata, eu estendi minha mão para ela.

Como se fosse possível, ela arregalou ainda mais os olhos e seu rosto fico

completamente vermelho.

— Ai, meu Deus... — Ela cambaleou e apoiou uma mão sobre a mesa,

como se estivesse prestes a cair. — Você... digo... o senhor é...

— O Tirano sem Coração. Muito prazer.

— Me desculpe... por favor, eu não fazia ideia que... — Parecendo

reparar que minha mão ainda estava estendida em sua direção, ela a apertou,

aflita. — Não me mande embora, por favor.

Eu novamente tive vontade de rir. Mas me controlei dessa vez.

— Não vou demiti-la... Amanda, não é? Ao menos não no momento,

você não fez nada de errado para merecer isso. Apesar do que dizem, eu não

sou tão tirano assim.

Apanhei meu paletó e o vesti, dando a volta pela mesa para me sentar

em minha poltrona. Amanda continuou no mesmo lugar, me olhando de forma

realmente assustada e constrangida.

— Já disse para ficar tranquila, Amanda. Apenas faça o seu trabalho

da melhor forma possível, eu não pretendo te demitir sem motivos. Ao

contrário do que aparentemente te disseram, eu não sou nenhum monstro.

— Perdoe-me por isso...


— Pelo quê? Você apenas repassou o que ouviu.

— Não vai me obrigar a dedurar as pessoas que falaram isso, não é?

Eu estava apenas passando, mal vi os rostos deles, é sério... Acho que até

me confundi no que ouvi, na verdade... Deviam até estar falando de outra

pessoa...

Aquela mulher estava mesmo trazendo leveza para o meu dia. Que
droga, lá estava eu novamente, me controlando para não rir.

— Não, eu não vou te fazer dedurar ninguém. Podemos dar esse

assunto como encerrado. Você ficará na sala ao lado — apontei para a porta

de ligação que levava de uma sala à outra. — Na área de trabalho do

computador você encontrará as planilhas da minha agenda do mês, e

conforme novas coisas forem surgindo, você vai anotando e me repassando

tudo. Você também ficará responsável hoje por atender todos os telefonemas

e remarcá-los. Tenho hoje três videoconferências com clientes de outros

estados e uma reunião importante, então não atenderei ninguém, entendido?

Anote todos os recados. O restante do trabalho você deve ir aprendendo com

o tempo.

— Sim, senhor. Então... eu vou para a minha sala... — Ela apontou

para a porta de ligação, mas não deu sequer um passo, parecendo meio

perdida sobre o que deveria fazer.


— Tudo bem. ...Pode ir.

— Ah, claro... estou indo... com licença...

E ela, enfim, começou a caminhar até a porta. Já começava a abri-la

quando a chamei logo que me recordei de algo:

— Amanda? — Aguardei que ela me olhasse para concluir. — Se um

homem chamado Marcos Sampaio ligar, repasse para mim na mesma hora,

entendido? Hoje ou em qualquer outro dia, eu sempre poderei atendê-lo.

— Sim, senhor. Com licença.

E ela enfim saiu, indo para a sala ao lado.

Pensei que realmente adoraria que Marcos Sampaio, o detetive que eu


tinha contratado para investigar a respeito do meu suposto filho, realmente

desse algum sinal de vida o quanto antes.

Toda aquela falta de novidades a respeito do caso me deixava a cada


dia mais aflito.

Cinco meses já haviam se passado desde o telefonema daquela mulher.


E, pelas minhas contas com base na noite em que nos relacionamos, caso

tivesse sido uma gravidez com o tempo ‘padrão’ de nove meses, meu filho –
se ele ou ela de fato existisse – teria agora sete meses. Talvez oito,

considerando que poderia ter sido um parto pré-maturo.


E eu não estava disposto a permitir que meu filho ou filha seguisse
crescendo longe de mim.

-----***-----

Aquele primeiro dia com minha nova secretária se passou como se ela

não estivesse ali. Passei todo aquele tempo ocupado demais com todos os
compromissos do dia, e como tinha deixado muito claro a ela que não queria

ser incomodado, acredito que ela tenha se focado em anotar os recados,


organizar minha agenda e a tentar entender como seu trabalho funcionaria. Eu

pretendia começar a exigir mais dela apenas no segundo dia.

Mas, de qualquer forma, por mais que fosse minha assistente pessoal,

nós fatalmente não passaríamos tanto tempo juntos. A sala anexa à minha era
justamente para ela poder estar perto sem estar necessariamente no mesmo
ambiente do que eu. Meus funcionários tinham razão em me considerarem um

sujeito não muito sociável. Tinha a consciência de não ser uma boa
companhia para ninguém.

Porém, ironicamente, eu teria a companhia da minha secretária por


mais alguns momentos naquele mesmo dia. Depois que a dispensei, passei

alguns minutos ainda organizando minhas coisas para também ir embora.


Imaginava que ela já tivesse partido quando saí da minha sala. Contudo, tive
a surpresa de encontrá-la diante da porta fechada do elevador, esperando por

ele.

Trocamos um leve aceno e desviamos os olhos, ambos focando o visor

que mostrava os andares por onde o elevador passava. Aparentemente, ele


estava parado no térreo. Alguém deveria estar mantendo a porta aberta, o

que significava que ele ainda demoraria alguns minutos para chegar ali na
cobertura.

Eu não era um homem de puxar assuntos, mas o silêncio entre nós dois

estava começando a se tornar incômodo para mim.

— Achei que já tivesse ido embora... — comentei, sendo sincero. Já

devia fazer quase meia-hora desde que eu a havia dispensado.

— Eu fiquei checando as planilhas, conferindo se as preenchi


corretamente. Como sou nova no serviço, fico com receio de fazer algo

errado.

Assenti, percebendo que ela não pretendia dar maiores explicações. E,

novamente, o silêncio caiu entre nós.

Quando me dei conta, já estava fazendo mais um questionamento


aleatório para quebrá-lo:

— Então, conte-me sobre o seu filho.


Ela me olhou, confusa.

— Como?

— Você me disse que tinha um bebê para sustentar. Conte-me algo


sobre ele.

— Ah... É a Manu, minha bebê. Ela tem oito meses, e... Ah, desculpa,
não acredito que o senhor realmente queira ouvir sobre isso.

— Eu realmente não sou um tirano, Amanda. Acredite, gosto de bebês.

— Sério?

Eu não poderia condená-la por aquela dúvida, já que aquela era uma
frase que, há até alguns meses, eu jamais me imaginaria dizendo com tanta

naturalidade.

Mas a ideia de que eu talvez realmente tivesse um filho perdido pelo

mundo – que, caso realmente existisse, deveria ter o mesmo tempo de vida
da filhinha dela – fazia com que eu realmente passasse a ver crianças de um

modo diferente.

Minha falecida esposa e eu não tínhamos planos imediatos de termos


filhos. Era algo que queríamos, mas dali a uns bons dez anos. Por isso, ser

pai não era algo que eu imaginasse tão cedo para a minha vida, ao menos não
antes de uns trinta e cinco anos, no mínimo. Mas quis o destino que, aos vinte

e oito anos, eu talvez já tivesse um filho em algum lugar por aí.


Podia parecer loucura, já que aquela mulher era uma louca golpista.

Mas a foto daquele bebê tinha me deixado intrigado demais. Poderia ser uma
montagem, mas ela não teria como saber de um detalhe como a mancha de

nascença que eu tinha no braço. Ou melhor, que eu tivera, já que agora ela
não era mais visível, sendo camuflada pela cicatriz de pontos que ganhei no

meu braço esquerdo por conta do acidente de carro que tirou a vida da minha
esposa.

E, desde que eu vi aquela foto, eu decidi que encontraria aquele bebê.


Tinha colocado o melhor detetive particular do país para trabalhar naquela
busca, mas, até o momento, ele não tinha conseguido nenhum resultado.

Porém, como conseguiria, se tudo o que eu tinha era um primeiro nome tão
comum como Ana, que talvez nem fosse o nome verdadeiro dela?

Mas, não importava como... eu a encontraria. E teria meu filho comigo.

Percebi que o visor do elevador mostrava que ele enfim começava a

subir, e pensei que Amanda não diria mais nada.

Mas logo percebi que estava enganado quando ela continuou:

— Eu precisei parar de trabalhar quando a Manu nasceu, e só agora

estou podendo voltar. Na verdade, acho que nunca passei tantas horas longe
dela como hoje. Eu não deveria dizer isso ao meu patrão, mas... Estou

ansiosa para chegar em casa e encontrar a minha bebezinha.


Ouvi-la dizer aquilo me trouxe um misto de sensações. Era estranha a
forma como eu sentia que a compreendia, embora nunca tivesse sequer visto

o meu filho. Ao menos não além de uma foto pequena exibida em um perfil
de WhatsApp. Mas pensei que, se estivesse comigo, se estivesse na minha
casa, esperando por mim, eu talvez sentisse a mesma motivação de voltar

para o meu apartamento todas as noites, depois do trabalho.

O elevador chegou e entramos nele. Apertei o botão para o térreo e

ficamos os dois lá dentro, lado a lado. Percebi que era a minha vez de dizer
algo, já que tinha puxado assunto.

— Ela também deve estar ansiosa pelo seu retorno.

— Olha, a verdade é que, quando eu saí, ela nem pareceu se importar.


Contratei minha vizinha para tomar conta dela, e as duas se adoram, então eu

não devo estar fazendo tanta falta assim.

— Claro que está. Você é a mãe dela. Nada supera isso.

— É... Talvez você tenha razão.

Novamente ficamos em silêncio, até que o elevador chegasse ao


térreo. Mal a porta se abriu e meu celular tocou. Na tela era exibido o nome

do meu detetive particular. Aquele que eu sempre atenderia, não importava o


que estivesse fazendo.
Despedi-me brevemente de Amanda, vendo-a seguir em direção à
porta que levava ao acesso ao estacionamento, enquanto ia para um canto

afastado do hall, atender a ligação.

-----***-----
Capítulo 3

No meu segundo dia de trabalho, eu tinha dado a sorte de o elevador


funcionar corretamente e não parar por nenhuma falta de luz ou coisa

parecida. Desta forma, tinha conseguido chegar ainda um pouco mais cedo
do que no dia anterior e, com isso, aproveitei para passar o tempo tentando

compreender melhor aquelas benditas planilhas.

Meu patrão tinha pegado leve comigo no dia anterior. Porém, percebi

que tinha sido um dia em que ele estava completamente envolvido com
reuniões e videoconferências. Eu não poderia apostar muito que meu

trabalho seguiria naquele mesmo ritmo. Sendo assim, eu precisava tentar

compreender melhor como tudo funcionava para poder dar o meu melhor.

Eu ainda sofria com o medo de ser demitida a qualquer momento.


Eu não costumava ser uma pessoa tão insegura. Porém, era muito

diferente quando se tinha filhos, especialmente quando a criança dependia

unicamente de você.

Ouvi a porta da sala anexa sendo aberta, o que me alertou que meu

chefe havia chegado. Fui até lá para repassar os recados e receber as

orientações de trabalho para o dia.

Ali com ele, eu constatei que seu humor havia decaído bastante desde

o dia anterior. Estava mais seco, mais sério, mais parecido com a descrição

que os outros funcionários faziam dele.

— Tenho uma reunião agora, que não deve terminar antes do horário

de almoço — ele comunicou, enquanto olhava alguma coisa na tela do laptop

que tinha aberto sobre a mesa. Sequer tinha olhado para mim, nem ao menos

para responder ao meu bom dia, coisa que fez de forma seca. — Novamente,

anote todos os recados. Abra o seu e-mail e verifique tudo o que chegou do

setor de finalização, então entre em contato com os clientes e marque

reuniões com eles, de preferência ainda para esta semana.

— Sim, senhor.

— Verifique também os e-mails do setor administrativo. Preciso que

imprima todos os contratos enviados para que eu os assine quando voltar da

reunião. Depois leve-os para o setor responsável, no décimo quarto andar.


— Certo.

— Amanhã precisaremos acompanhar as gravações de uma peça

publicitária. Remarque todas as reuniões que teríamos na parte da tarde e

realoque todas nos horários vagos da semana que vem.

— Farei isso.

Ele digitava algo no laptop e fez uma pausa, olhando-me por cima da
tela, como se me analisasse. Perguntei-me se ele teria dúvidas de que eu

pudesse dar conta das obrigações para aquele dia. Tive a impressão, até

mesmo, que ele continuava a jogar novas incumbências esperando que eu

fizesse alguma objeção.

Ele passou mais umas três atividades, enquanto me observava

atentamente. Movimentei a cabeça para concordar com cada uma delas, mas

confesso que no fundo pensava em que horas eu conseguiria ir embora

naquele dia para conseguir realizar tudo aquilo.

Bem, mas eu cuidava de uma casa, de um bebê pequeno e, durante

alguns meses, ainda de uma pessoa doente. Acho que ele se surpreenderia se

soubesse de quantas coisas eu conseguia dar conta ao mesmo tempo.

— Por enquanto, é apenas isso... — ele declarou, com uma ênfase no

‘por enquanto’.

— Certo. Com licença.


Enquanto ele voltava sua atenção ao laptop, eu segui de volta para a

minha sala, já me apressando para iniciar a lista de tarefas intermináveis

para aquele dia. Ouvi que ele saía da sua sala, certamente indo para a sua
reunião, e não se passou nem cinco minutos até que a porta principal da

minha sala fosse aberta. O rosto de Luana, secretária do setor, surgiu por

uma fresta.

— Ei, sabe se o patrão demora para voltar? — ela sussurrou, como se

fôssemos reféns de algum carrasco.

— Algumas horas, acho. Ele foi para uma reunião.

Ela suspirou, parecendo aliviada, e, então, entrou na minha sala,

sentando-se na poltrona do outro lado da minha mesa.

— Vim ver se você precisa de ajuda.

Dessa vez fui eu quem suspirei, já que eu realmente tinha dúvidas

sobre várias questões daquele trabalho. E, já que Luana se oferecia para

isso, eu a aluguei por quase uma hora, fazendo inúmeras perguntas. E ela foi

extremamente paciente e prestativa para me ajudar em tudo.

— Sei que o trabalho parece difícil no começo, mas você vai pegando

o jeito — ela me tranquilizou ao final das explicações.

— Espero que sim. Não tenho qualquer experiência com empresas de

publicidade. Mas confesso que, em dois dias, já estou achando uma área bem
interessante.

— Ah, e você vai gostar muito da empresa também. O clima por aqui é

ótimo, especialmente no setor de criação e planejamento, é um pessoal bem


descolado. Nosso único obstáculo a um ambiente 100% leve é mesmo o

nosso CEO. O que tem de lindo, tem de antipático. Você pode dar sempre o

seu melhor, mas não espere receber algum elogio dele.

Aquela não era a primeira vez que eu ouvia aquilo. Mas ainda não

conseguia ter uma opinião formada sobre o nosso patrão. Ele tinha sido até

simpático comigo no dia anterior. Ou qualquer coisa perto disso. Bem, ele

tinha sorrido algumas vezes. Poucas, é verdade, e sempre de forma leve e

contida. Mas, realmente, o que predominava nele era aquele jeito mais sério

e uma forma de falar de quem estava constantemente preocupado com algo.

Não resisti em fazer mais perguntas a respeito dele.

— Ele é realmente um tirano como dizem?

— Ah, o povo exagera muito. Não é como se ele fosse daqueles chefes

que fazem assédio moral com os funcionários ou que está sempre demitindo
alguém. Mas digamos que ele não seja a mais agradável das companhias.

Passei alguns dias ocupando a sua função e, pelo amor de Deus, não parei de

torcer o tempo inteiro para que o RH mandasse logo uma nova funcionária.

Repito: a visão daquele homem lindo é ótima. Nem é o meu caso porque
tenho zero interesse em homens, mas, é uma imagem e tanto, né? Ele parece

um ator de cinema. Mas ele sabe ser bem desagradável com o jeitão

arrogante dele.

— Até o momento, eu não o achei exatamente arrogante. Só, talvez,

meio sério demais.

— Não sei se você sabe, mas antes ele não era assim.

— Antes do quê?

— Não te contaram ainda? — ela baixou o tom de voz, como se não

estivéssemos completamente sozinhas ali. — Ele sofreu um acidente de

carro, há, sei lá... uns três anos, acho. Ele quase morreu, ficou semanas em

um hospital. A esposa dele morreu na hora. Eles eram casados há pouco

tempo. Eu a conheci, ela era linda e muito simpática, ele era diferente
também quando estava com ela. Chegava sempre sorrindo, cumprimentava

todo mundo. Depois do que aconteceu, parece que se tornou outra pessoa.

Aquilo me trouxe uma inesperada sensação de tristeza. Naquele

momento, eu senti uma leve identificação com o meu patrão. Eram

circunstâncias diferentes, mas eu também havia perdido alguém que eu

amava muito e... nossa, não havia nada que pudesse descrever aquela

sensação.
Porém, eu tive a Manu para ser a minha força e me ajudar a superar

aquilo.

Esperava que Thiago Ferri também tivesse alguém.

Luana se levantou, anunciando:

— Bem, preciso ir antes que o bonitão mal-humorado volte e ache que

estou aqui para a gente ficar fofocando ao invés de trabalhar.

— Bem, ele não estaria errado com relação a isso.

— É, tem razão. — Ela revirou os olhos e nós rimos. — Mas não fique
com medo. Como disse, ele não é o tipo de chefe que humilha funcionários,

comete assédios ou manda embora por qualquer coisa. Mas alerto que ele é
pouco paciente com novatos enrolados, então, se tiver qualquer dúvida, é só

me chamar.

— Muito obrigada, Luana. De verdade.

Ela sorriu e saiu, deixando-me sozinha para agilizar aquele monte de

trabalho que meu chefe havia me passado.

Porém, enquanto trabalhava, não consegui deixar de pensar em tudo o

que Luana havia me contado com relação a ele.

Logo que ele retornou do almoço, levei, conforme solicitado, os


contratos impressos para que ele assinasse. Ele se mostrou um pouco

surpreso, como se não esperasse que eu fosse tão pontual naquilo. Na


sequência, levei a papelada assinada para o setor administrativo localizado
no décimo quarto andar. Logo que me apresentei lá como a nova secretária

particular de Thiago Ferri, percebi olhares de compadecimento dos


funcionários em minha direção, e tenho quase certeza de que ainda ouvi um

deles murmurar um ‘coitada’.

A imagem sisuda do chefão não era, de fato, das melhores por ali. E eu
me perguntava, a todo momento, se, ao contrário do que Luana tinha me dito,

eu não deveria mesmo ter medo dele.

Retornei para a minha sala e segui nos meus afazeres. Algumas coisas

eram tão novas para mim que tive realmente o receio de que naquele dia
ficaria bem além do meu horário. Contudo, faltavam cinco minutos para as

dezoito horas quando eu finalizava o último dos telefonemas para


remarcação de reunião para a próxima semana.

Foi o tempo de salvar tudo, desligar o computador e pegar minha

bolsa, e eu enfim estava pronta para ir embora, no horário certo, com a


sensação de que tive um dia produtivo e consegui realizar todas as minhas

pendências.

Até que o telefone em minha mesa tocou. Atendi, acreditando que fosse

mais um telefonema destinado ao meu patrão, no qual eu deveria informar


que naquele dia ele não atenderia ninguém. Porém, era justamente ele me
ligando, da sala ao lado.

— Amanda, poderia vir até aqui, por favor? — sua voz, como sempre
séria, dessa vez soava em um tom amedrontador.

Perguntei-me se o jeito de falar dele sempre tinha sido assim, mas eu

não havia percebido com tanta força no dia anterior por ainda não ter ouvido
tantos rumores assim a seu respeito.

— Sim, senhor — respondi, desligando a ligação.

Olhei para a porta de ligação entre as duas salas e respirei

profundamente, sentindo-me tensa com o que estaria para acontecer.

Eu teria feito algo errado? Levaria uma bronca, enfim tendo a maior
das amostras da tirania do meu patrão? Ou ele iria meramente me mandar

fazer mais coisas, ainda que estivesse no meu horário de final de


expediente?

Afinal, isso estava claro no meu contrato de trabalho. Via de regra, eu


seguiria o expediente padrão da empresa, mas teriam ocasiões em que
precisaria exceder meu horário ou mesmo trabalhar nos finais de semana.

Sabia que seria garantido a mim o pagamento das horas extras, e que seria
um dinheiro muito bem-vindo. E que Jéssica também não se importaria em

passar um tempo extra com Manu, especialmente porque isso também


significaria um pagamento a mais para ela. Porém, eu ainda não sentia total

segurança em ficar longe da minha bebê. Não tinha dúvidas de que ela estava
sendo muito bem cuidada, mas... talvez fosse a famosa neurose da mãe de

primeira viagem.

Respirando fundo mais uma vez, eu me encaminhei para a outra sala.


Thiago Ferri digitava alguma coisa em seu laptop e sequer me olhou, por

isso precisei anunciar minha presença ao parar diante da mesa dele.

— Estou aqui, senhor Ferri.

— É, eu percebi. — Ele seguiu a digitar. — Você fez tudo o que eu

pedi pela manhã?

— Sim, senhor. Acabei de finalizar tudo. Enviei para o senhor a

agenda atualizada já com a remarcações das reuniões.

— É, eu acabei de ver. Foi por isso que eu te chamei aqui. Para te


dizer que você fez um bom trabalho.

Espera... aquilo era um elogio?

Um elogio... do tipo que alguns colegas me advertiram que eu não

receberia?

— Eu realmente imaginei que você fosse se enrolar bastante hoje, com


tantas coisas para fazer — ele completou.

Espera... será que ele tinha me enchido de trabalho para me testar?


Bem, caso fosse isso, ficava feliz por, aparentemente, ter passado no

teste. Uma pequena vitória pessoal em cima do suposto CEO arrogante.

— Pode ir. Não vai deixar sua filha te esperando — ele falou.

Pensei que o fato de eu ser mãe, aparentemente, tinha me garantido a

simpatia do meu patrão. Eu continuava a me perguntar se ele também teria


filhos. Sabia apenas que ele era viúvo, mas... teriam ele e a esposa tido um

bebê antes do acidente? Ou talvez ele tivesse um filho de antes do


casamento, ou de alguma relação após a morte da esposa. Luana tinha

comentado que já fazia uns três anos. Já teria dado tempo de ele tentar
reiniciar a vida.

Embora algo no semblante dele me remetesse a certa tristeza, deixando


claro que aquele não era o caso. Havia ali, ainda forte, a melancolia da

perda de uma pessoa amada. Eu sabia reconhecer aquilo, já que sentia o


mesmo pela morte da minha irmã.

Eram relações diferentes. Mas dores semelhantes. Uma dor que

parecia que nunca iria passar e, talvez, realmente nunca passasse. Mas que
era confortada e amenizada por outros amores. No meu caso, minha sobrinha

representava a minha cura.

No caso de Thiago, talvez apenas um novo amor aliviaria aquilo.


— O senhor não vai sair agora? — perguntei, percebendo que ele não
parecia nem um pouco pronto para também ir embora.

— Devo ficar até bem tarde hoje. Muita coisa para resolver.

— Certo. Até amanhã, então.

Ele fez um breve movimento de cabeça, e logo percebi que aquela era
a única resposta que eu obteria.

-----***-----
Capítulo 4

Parecia mentira que já tinha se passado mais de uma semana desde que
eu tinha começado a trabalhar ali. Na verdade, aquele era o meu oitavo dia

na empresa. Ao mesmo tempo, sentia como se já estivesse ali há muito mais


tempo.

Já sentia que dominava bem o trabalho e, na realidade, até gostava

dele. Em um dos dias, acompanhei meu chefe até um set de filmagem onde

estava sendo gravada a campanha publicitária de uma marca de chocolates, e


achei absolutamente incrível ver como as propagandas começavam em

conversas tidas no setor de criação, depois iam para o papel em forma de

palavras e, posteriormente, de gráficos e imagens, até ir parar ali, sendo


representada por atores reais diante das câmeras, até enfim serem finalizadas
e vinculadas na mídia. Acho que, depois daquela experiência, eu jamais

voltaria a ver uma peça publicitária da mesma forma.

E eu também vinha fazendo amigos. Além de Luana, tinha a sua


namorada, Roberta, que trabalhava também de secretária em outro setor.

Tinha o Roger, do financeiro, que costumava ir almoçar com a gente, e a

Carina, do RH.

Todos eles ficaram muito surpresos pela opinião sobre Thiago Ferri

ser a de que ele não era tão antipático assim.

Levaram até um susto por eu dizer que já o tinha visto sorrir – embora
poucas vezes– e que tinha ganhado um ‘elogio’ dele.

Porém, naquele dia em especial, ele estava mais fechadão do que

nunca. Tinha falado ainda bem menos que o normal e parecia até um tanto
distraído. Acho que compreendia por que as pessoas viam aquele jeitão dele

como arrogância, mas eu distinguia outra coisa forte ali: a tristeza. E, neste

dia, isso me incomodou fortemente.

Novamente, realizei todo o meu trabalho e, no horário do final do

expediente, fui até a sala dele perguntar se precisava de mais alguma coisa.

Encontrei-o muito diferente dos outros dias. Não estava, como de costume,

concentrado no trabalho, mas direcionando um olhar vago a um porta-

retratos sobre a mesa – que eu até o momento nunca tinha visto ali. Estava
sem o paletó e com a gravata afrouxada. Se, antes, eu dizia que conseguia

ver alguma tristeza em suas feições, desta vez isso seria nítido a qualquer

pessoa que o olhasse.

Ele sequer pareceu perceber a minha presença ali, obrigando-me a me

anunciar e a arrancá-lo de seus devaneios:

— Senhor Ferri?

Os olhos azuis se desviaram da fotografia sobre a mesa, passando a me

fitar. Ele não disse nada, então eu prossegui:

— Já são dezoito horas. O senhor vai precisar que eu faça mais alguma
coisa?

— Não, Amanda. Pode ir.

Movimentei a cabeça em concordância e murmurei um ‘até amanhã’,

mas não consegui sair do lugar.

Desde criança que eu tinha um enorme defeito: não suportava ver

ninguém triste. Talvez isso pudesse ser considerado uma qualidade, não

fosse a minha necessidade absurda de fazer alguma coisa para mudar a

situação. Nicole costumava dizer que eu me tornava inconveniente com isso.

Mas era mais forte do que eu.

Mesmo ali, diante do homem que pagava o meu salário, eu não resisti

e, quando me dei conta, já estava falando mais do que devia.


— Desculpe, senhor Ferri. O senhor está bem?

Ele tinha voltado a olhar para o porta-retrato e parecia que sequer

tinha me ouvido. Tanto que ainda levou uns três segundos para dizer algo:

— Por que a pergunta?

— É que... Desculpe, eu sei que isso não é da minha conta, mas o

senhor não me parece estar bem.

— Pareço estar passando mal?

— Não. É que o senhor me parece... triste.

Ele novamente desviou os olhos para mim. Desta vez, de forma

curiosa.

— Desculpe... Eu não quis parecer intrometida.

— Não pareceu. Mas é só que... As pessoas não costumam me fazer

esse tipo de observação.

— É que... Talvez o seu posto as intimide. Sei disso porque eu também

não deveria estar fazendo esse tipo de comentário. Olha, me desculpe... Eu

apenas... fiquei preocupada. Se o senhor precisar de algo, pode contar

comigo. Bem, não que o senhor vá precisar da sua secretária para conversar

ou coisa do tipo, mas... Enfim, eu espero que fique bem.


Ele continuou a me olhar e eu desejei que um buraco se abrisse no

chão sob meus pés para que eu pudesse sumir dali.

Até que, enfim, eu pronunciou alguma coisa.

— Receio que você não possa fazer nada por mim, Amanda. Mas eu

agradeço a sua boa intenção. Só estou meio desacostumado a isso.

— Como assim?

— Bem, eu não tenho muita proximidade com os meus familiares, e o

amigo mais próximo que eu tenho costuma lidar com meus momentos ruins

me convidando para beber. É o único meio que ele conhece para resolver

qualquer problema emocional.

— Cada um lida com essas coisas de um modo. A minha irmã, por

exemplo, também sempre achou que podia ajudar as pessoas a superarem a

tristeza forçando qualquer situação extremamente alegre do nada. Uma vez,

quando eu tinha quinze anos, estava muito triste por o meu pai ter brigado

comigo. Ela decidiu que eu ficaria melhor se ela me arrastasse para uma

boate. Tivemos que entrar escondidas por sermos menores de idade, mas
bateu uma fiscalização, fomos levadas para a delegacia e nossos pais foram

chamados. Meu pai brigou comigo de novo, obviamente, muito mais

enfurecido do que antes. Ou seja: o plano dela acabou piorando um pouco

mais a situação. Mas, no fundo, era reconfortante ver que ela se importava,
sabe? Mesmo que, como eu falei, ela lidasse com as tristezas das pessoas de

uma forma completamente inapropriada.

— E como você lida com isso?

— ...Falando sem parar.

Ele piscou algumas vezes, como se processando aquela minha resposta

completamente sincera. Até que, por fim, ele riu.

Novamente, eu tinha conseguido fazê-lo rir, sem ter qualquer intenção

disso. Isso me fazia crer que só existiam duas possibilidades: ou

absolutamente todo mundo estava muito enganado com relação ao mau humor

do chefe, ou eu era uma criatura muito mais palhaça do que eu imaginava ser.

— Eu realmente agradeço a sua preocupação, Amanda. Mas acredito

que você realmente não tenha como me ajudar. Estou apenas em um dia ruim.

É o aniversário de morte da minha esposa. E eu estou, por uma infeliz

coincidência, em um momento turbulento, com a cabeça mergulhada em

alguns problemas pessoais, por conta disso a lembrança da data se tornou um

pouco mais intensa do que deveria.

— Eu entendo.

— Na verdade, eu não acredito que alguém tenha realmente como

entender.
— O meu primeiro dia de trabalho aqui... Foi exatamente no dia em

que marcava cinco meses da morte da minha irmã. Eu juro para o senhor que

não sou de dar surtos em elevadores como fiz quando estávamos subindo,

mas... Mais do que o fato de ser meu primeiro dia no emprego, estou certa de

que o peso da data teve um impacto muito forte naquela minha reação

desproporcional.

— A mesma irmã que te levou para a boate?

— É. Minha única irmã, na verdade. Nós não tivemos pais muito

presentes, então crescemos sendo toda a família uma da outra.

— Bem, então você de fato entende. Presumo que tenha algo para me

dizer que seja mais reconfortante, então?

Senti minha testa se franzir.

— Ah, não... Não existe nenhuma palavra capaz disso. A verdade é

que é uma grande merda... — Dando-me conta da palavra usada, eu tapei


imediatamente a boca. — Ai, meu Deus... desculpe o palavreado.

— Não de desculpe. Você tem toda a razão. É uma grande merda.

— É. A vida é realmente injusta, pessoas boas... — Fiz uma pausa.


Não sabia se ‘boa’ era exatamente a palavra para resumir minha irmã

golpista. — ...pessoas que amamos acabam indo embora cedo demais, e para
a gente que sente as suas faltas, é uma droga.
— ... “Mas...?”

— Ah, não tem ‘mas’. É só isso mesmo.

Ele voltou a rir.

— É o que eu penso também. E sinceramente acho cansativo quando as


pessoas tentam enfeitar a situação com palavras bonitas de conforto, ou

fingir que não está acontecendo nada enchendo a cara ou... indo para boates.

— Exatamente. Às vezes apenas o que faz aliviar um pouco a angústia


é poder assumir que estou angustiada, que estou triste, que estou com raiva

dessa situação... E ter outra pessoa que apenas entenda isso.

— Raiva... É o que eu sinto.

— Porque é injusto.

— Sim. Exatamente isso. É injusto. Eu às vezes penso que eu é que


deveria ter ido no lugar da minha esposa.

— Eu já pensei isso também, várias vezes.

Ele balançou a cabeça em concordância.

— Eu sinto muito, Amanda. Desculpe por achar que você não

entenderia.

— Tudo bem. Pouca gente entende, essa é a verdade. Perder uma


pessoa que amamos é uma dor que, na realidade, acho que a gente nunca
supera por completo.

— É meio difícil encontrar muito sentido nas coisas depois disso.

— Sei que é. Mas sempre penso que minha irmã ia querer que eu
encontrasse. E estou certa de que sua esposa também. E, sobre os outros
problemas... Outra coisa que faço é me perguntar que conselhos minha irmã

me daria se estivesse aqui.

— Acho que... a forma como entrei nesses problemas não seria algo

que eu gostaria que minha esposa soubesse.

— Ela não ia gostar de saber?

— Nem um pouco.

— Bem... Não importa o problema que eu contasse à minha irmã, ela


daria sempre os piores conselhos possíveis e talvez ainda me levasse

novamente a uma boate.

— Então de que adiantaria pensar nos conselhos que ela te daria se


estivesse aqui?

— Talvez para fazer exatamente o contrário.

Eu adoraria que aquilo fosse uma piada, mas era extremamente real.
Ainda assim, fez com que Thiago novamente risse. Dessa vez, de forma um

pouco menos sutil do que nas anteriores, embora ainda se mostrasse muito
discreto nisso e estivesse longe de ser algo como uma gargalhada. Mas eu
também sorri, feliz por ter ajudado a melhorar ao menos um pouco o humor

dele.

— Vejo que tem razão quando diz que lida com pessoas tristes falando
sem parar. Mas isso realmente não é algo ruim.

— É um pouco quando a gente acaba perturbando as pessoas em vez


de ajudar. Ou quando parece que estou sendo uma intrometida em algo que

não é da minha conta. Mas a verdade é que eu apenas não gosto de ver as
pessoas tristes. É um defeito meu.

— Não acho que seja um defeito. Nem que você tenha parecido uma

intrometida. Na verdade, eu diria que conversar com você fez com que eu me
sentisse melhor.

— Sério? — meu questionamento teve um tom incrédulo, já que aquilo


era, realmente, algo difícil de acreditar. Não que ele de fato não parecesse

melhor, mas eu não via como a minha tagarelice até mesmo um tanto
pessimista poderia ter ajudado nisso.

— Sério. E não se preocupe, não vou precisar dos seus trabalhos por

hoje. Melhor você ir logo, sua filhinha está te esperando.

— Tudo bem. Então... Até amanhã.

Virei-me e segui até a porta. Já girava a maçaneta quando ele me

chamou.
— Amanda?

Virei-me novamente para ele.

— Sim?

Ele ainda levou alguns segundos em silêncio, como se ainda hesitasse

a respeito do que queria dizer. Até que, por fim, declarou:

— Obrigado.

— Pelo quê? Eu apenas falei sem parar.

— Você também me ouviu. Ainda que eu não tivesse nada de muito


importante para dizer. Realmente fez com que eu me sentisse melhor.

Sorri.

— Fico feliz por isso. Até amanhã, senhor Ferri.

— Até amanhã, Amanda.

E eu enfim saí. No caminho até o elevador, acenei para os colegas que

permaneciam na empresa. Em minha mente, repassava aquela conversa


completamente inusitada tida com o meu patrão.

E me sentia estranhamente feliz por tê-lo feito sorrir.

------***-----
Capítulo 5

Já fazia mais de dez dias desde o último telefonema recebido por mim
pelo Marcos, o detetive que eu tinha contratado para encontrar Ana e o meu

suposto filho. A única pista que ele tinha para seguir eram imagens delas,

que ele tinha conseguido através de câmeras de segurança do bar, no dia em

que eu a conheci. Eram tais imagens que permitiam que ele cruzasse

informações em busca daquela mulher.

Porém, aquilo aparentemente vinha servindo muito mais para despistá-

lo do que para de fato encontrar algo concreto.

Ele encontrou imagens do rosto daquela mulher junto a inúmeras

denúncias de golpes, furtos e fraudes. Eram a especialidade dela,


aparentemente. O problema é que para cada uma dessas denúncias, existia

um nome diferente. Marcos encontrou pelo menos uns vinte. Nenhum deles

era ‘Ana’. E, provavelmente, este também não era o nome real dela.

Mas esta ainda era a única pista que ele tinha para seguir. Porque, de

resto, a mulher não tinha deixado qualquer rastro. Ela repassou o meu celular

adiante em uma rapidez absurda – ele foi encontrado apenas algumas horas

depois, a venda em uma feira de eletrônicos roubados, em outra cidade

vizinha. Além disso, tinha feito apenas compras presenciais com o meu
cartão, de modo com que eu não tive sequer um endereço cadastrado online

para conseguir rastreá-la. Ela tinha um número de celular no qual usava um

chip pré-pago, cadastrado no CPF de um homem que tinha morrido há cinco

anos. Ainda assim, aparentemente, o número estava completamente


desativado desde o dia em que ela me ligou.

A cada dia que se passava, mais angustiado eu me sentia com relação

àquilo. A ideia de que o telefonema que recebi dela, contando sobre a

gravidez, fosse uma tentativa de golpe era já completamente descartada,

afinal, não fazia sentido que ela dissesse aquilo e depois simplesmente

desaparecesse por tanto tempo.

Sem contar que existia também a foto do bebê. Com uma marca de

nascença idêntica à minha. Ana – ou seja lá qual fosse o nome dela – não

tinha como saber daquele detalhe a meu respeito, já que tal marca não era
mais perceptível em meu braço por causa da cicatriz que ganhei com o

acidente de carro há três anos.

A ideia de que existia um bebê, meu filho ou filha, perdido em algum

lugar daquele mundo, sendo criado por uma criminosa, sem ter o apoio e o

amor que eu estava disposto a dar a ele como pai – e que era um direito dele

e um dever meu, aliás – me deixava completamente sem chão.

Este havia se tornado o maior objetivo da minha vida: encontrar

aquela criança e requerer a sua guarda – não podia permitir que continuasse

vivendo com aquela mulher.

— Senhor Ferri? — a voz da minha secretária chegou aos meus

ouvidos, arrancando-me de toda aquela divagação. Meus olhos estava fixos

na tela do computador, mas minha mente estava bem distante dali.

Levantei o rosto, olhando para ela, que, como todos os dias, no final

da tarde, estava de pé diante da minha mesa, já com sua bolsa a tiracolo,

pronta para me fazer o mesmo questionamento:

— O senhor ainda vai precisar de alguma coisa?

Eu precisava de muitas coisas, na verdade. Mas nenhuma delas estava

sob o poder daquela mulher.

— Não, Amanda. Pode ir. Até amanhã.

— Vai precisar dos meus serviços amanhã?


A pergunta me fez pensar por um instante, para que eu enfim me desse

conta de que já era sexta-feira.

— Perdão. Até segunda. Aproveite o fim de semana com sua filha.

Ela sorriu, parecendo empolgada com a ideia.

— Vou levá-la amanhã à pracinha. É algo simples e bobo, mas que ela

adora e não tenho tido tempo de fazer com ela.

Ainda levei alguns segundos processando a fala, reforçando em minha

mente como Amanda era diferente dos demais funcionários dali. Todos

tinham por mim um respeito meio exagerado – que eu agora sabia que

também era misturado a um medo da minha suposta fama de tirano – o que

fazia com que fosse praticamente inédito que algum deles me contasse

qualquer coisa sobre suas vidas fora dali.

E a naturalidade com que aquela mulher fazia isso era ao mesmo tempo

curiosa e encantadora. Era incrível como ela me fazia ter vontade de sorrir

por comentários tão simples.

— Espero que tenham bons momentos juntas.

— São sempre bons. O senhor tem filhos?

A pergunta súbita me pegou completamente desprevenido. Não deveria

ser algo difícil a ser respondido, afinal. Era algo até mesmo corriqueiro.

Porém, eu estranhamente não sabia como deveria responder.


Não existia uma resposta simples àquilo, afinal.

No entanto, optei por simplesmente responder o que o meu coração

dizia:

— Tenho, sim. Tenho um.

Ela piscou algumas vezes, parecendo surpresa com a resposta. Tive a

impressão de que aquela era uma dúvida que já deveria rondar a mente dela.

— Bem, então o senhor deve saber bem como é — ela declarou,

abrindo mais um sorriso.

Eu não sabia. Mas aquilo definitivamente não era algo que eu teria

como responder.

Apenas concordei com a cabeça, em silêncio, e Amanda se despediu,

virando-se e saindo.

A sala pareceu muito mais vazia quando ela se foi. E era estranho

tentar entender os motivos para isso, mas eu já gostava da companhia

daquela mulher.

Voltei a tentar me focar no trabalho, até que meu celular tocou. Ao ver
quem era, fui seco e direto ao atender:

— Não estou a fim de beber.


Era sempre assim. Todas as sextas-feiras, meu amigo Fernando não

conseguia evitar me ligar para fazer aquele mesmo convite.

— Cara, larga de ser chato! — ele rebateu, fazendo-se de irritado. —

Estou saindo agora da produtora. Hoje foi um estresse seguido do outro.

Pelo amor de Deus, tenha a compaixão de acompanhar seu amigo em um

drink.

Eu conhecia bem aquele papo. Mas já há algum tempo que estava

decidido a não cair mais nele.

A última vez que eu tinha me rendido, aliás, ocasionou toda a situação

que eu estava vivendo atualmente.

Ao contrário de boa parte das empresas de publicidade, que

terceirizavam toda a parte do audiovisual, a D&F tinha a sua própria


produtora de vídeo. Fernando atuava como diretor geral do local, que ficava

localizado em um espaço próprio, a poucas ruas de distância dali.

— Ainda estou na empresa, Fernando. E tenho muito trabalho por aqui,

não tenho nem hora para sair daqui hoje.

— Não existe nada que você tenha para fazer que não possa ficar para

segunda-feira. Vai, cara, vai ser só a gente. Prometo não te apresentar a


nenhuma mulher hoje.
Ele também havia prometido isso daquela última vez. Contudo, eu

acreditava que ele havia enfim entendido uma lição.

Talvez eu devesse dar aquela chance a ele. Talvez eu quisesse mesmo

sair um pouco naquele dia. Beber um pouco, conversar com um amigo, ver

pessoas diferentes, respirar um ar que não fosse o da minha empresa ou o do

meu apartamento. Fazia muito tempo que eu não sentia aquela vontade.

Agora que sentia, acreditei que não deveria desperdiçá-la.

— Daqui a uma hora?

Meu questionamento trouxe surpresa a ele, mas imagino que ele tenha
preferido nem comentar nada a respeito, por receio de que eu mudasse de

ideia.

Sendo assim, exata uma hora depois eu o encontrava, no mesmo bar


onde ele costumava ir todas as sextas-feiras. Aparentemente, ele estava

disposto a cumprir a promessa, já que se encontrava completamente sozinho.

— É o apocalipse! Você veio mesmo!

— Se prosseguir com piadinhas, posso mudar de ideia e ir para casa


— rebati, e ele ergueu as mãos em sinal de rendição.

Sentei-me do lado oposto da mesa e chamei um garçom, fazendo o meu

pedido. O chopp daquele lugar era sensacional, e decidi pedir um para


relembrar os velhos tempos em que eu tinha alguma vida social.
— E então, quais os grandes problemas na produtora? — interroguei,
logo que o garçom se afastou.

— O de sempre, né? Muito trabalho nas minhas costas para eu

resolver.

— É exatamente por isso que se chama ‘trabalho’. Porque é

trabalhoso.

— Somos os donos, deveria ser tudo mais fácil. Mas parece que
ninguém sabe resolver porra nenhuma naquela produtora sem me encherem

de perguntas a respeito.

Apesar dos quase trinta anos, Fernando ainda se comportava como um

adolescente irresponsável. Por isso que, por muitos anos, eu havia assumido
sozinho o controle da D&F. Porém, com a expansão dos negócios e abertura

da nossa própria produtora, ele garantiu que se sentia preparado para


assumir o comando das coisas por lá.

Porém, eu não tinha muito o que criticar. Apesar de reclamar o tempo

todo, ele vinha realmente fazendo um bom trabalho.

— Achei que ser CEO de empresa fosse mais fácil. Não vejo a hora de

ter um filho para passar essa função para ele e curtir minha aposentadoria.

— Olha, essa é a primeira vez que te ouço falando em ter filhos.


— É só uma vaga ideia que passa pela mente às vezes. Mas, quer
saber? Já passou. Por falar em filhos, notícias daquela louca?

Fernando não tinha muito filtro ou delicadeza em tocar em assuntos que


fossem dolorosos para mim. Mas, na verdade, acho que até gostava disso

nele. Era meio chato ser sempre tratado cheio de dedos por todo mundo ao
meu redor.

— Nada de concreto.

— Não seria melhor trocar de investigador?

— O problema não é o detetive, é a falta total de material para ele

poder trabalhar a investigação. Tudo o que a gente tem é a imagem da mulher


e um primeiro nome certamente falso. Ainda acho surreal você ter me
apresentado a mulher como sua amiga, quando na verdade vocês tinham

acabado de se conhecer.

— Mas eu tinha conversado por umas duas horas com ela antes de

você chegar. Poxa, tinha achado ela super gente boa. Ela até falou que torcia
para o mesmo time que eu, ficamos um tempão batendo papo sobre o

campeonato brasileiro.

— Você a achou uma pessoa confiável porque torcia para o mesmo


time que você? Olha, eu espero realmente que você esteja gerindo a nossa
produtora com mais cuidado do que o que tem para confiar em pessoas

aleatórias.

— Eu aprendi a minha lição. Agora me diga, como você está?

— Depende do propósito desta pergunta.

— Essa semana fez três anos. Eu sei que pareço um babaca que não se
importa com nada, mas eu lembrei e fiquei preocupado com você.

Eu sabia que ele se preocupava. Mesmo que ao seu modo.

— Foi um dia ruim, mas... Bem, conversar com a Amanda me ajudou


bastante.

Ele estava tomando um gole do seu chopp, mas quase se engasgou com

o que ouviu.

— Amanda? Quem é Amanda? O que eu perdi?

— Minha nova secretária. Digamos que ela seja bem falante e,

incrivelmente, sabe sempre o que dizer. Em uma conversa rápida ela já fez
com que em me sentisse bem melhor.

— Sei bem desse tipo de conversa aí...

Percebi a maldade na voz dele e tratei de repreendê-lo.

— Não é nada do que sua cabeça imunda deve estar pensando. Já

disse, ela é minha secretária. E sabe que não confundo trabalho com vida
pessoal.

— Teve uma conversa sobre o aniversário de morte da sua esposa com


ela. Se isso não é pessoal, não sei mais como podemos chamar.

— Não entrei em muitos detalhes. Na verdade, eu mais a ouvi do que

falei.

— E que conselhos fabulosos ela te deu?

Ela não tinha dado nenhum, para falar a verdade. E eu tinha gostado
disso. Estava cansado de conselhos vazios do tipo 'você tem que superar
isso' ou 'você precisa recomeçar a sua vida'. Amanda tinha apenas me

entendido. Por ter perdido alguém que amava, ela compreendia a minha dor
e não tentou amenizá-la com discursos sobre a vida continuar, sobre pessoas

que morrem supostamente estarem agora em 'um lugar melhor' ou sobre como
elas iriam querer que estivéssemos felizes. Amanda apenas sabia que aquilo

era uma merda... que era insuportavelmente doloroso, e que o únicos consolo
era saber que, conforme o tempo passava, a dor ficava mais suportável.

— Ela não me deu conselhos. Simplesmente porque não há conselho a


ser dado.

Como eu imaginei, meu amigo fez uma cara que dizia que aquilo não

fazia qualquer sentido, mas não se prendeu a isso e logo voltou o assunto
para o foco que aparentemente, na cabeça dele, era mais importante no
momento.

— Mas então, ela é gostosa?

— Estava demorando para você vir com essa pergunta.

— A mulher conversou com você, não te deu um mísero conselho e fez


você se sentir tão melhor. Só posso supor que ela tenha um belo par de seios

ou de pernas.

— Você é nojento, Fernando. Além de absurdamente desrespeitoso

Ele revirou os olhos, tomando mais um gole de sua bebida.

— Tudo bem então... vamos colocar a mesma pergunta em termos mais


'respeitosos': ela é bonita?

— Ela tem uma filha, Fernando. Provavelmente deve ter também um


marido ou namorado.

— Eu não perguntei se ela é comprometida, perguntei se é bonita.

— Como se não existisse um propósito nessa pergunta.

— Só se você quiser que tenha. Por enquanto, é apenas uma pergunta

bem objetiva: a mulher é bonita ou não?

Que inferno... Eu não deveria responder aquilo, já que isso envolvia


pensar a respeito da resposta e, dessa forma, permitir que a imagem da
minha secretária viesse à minha mente.

— Ela é. Muito bonita — limitei-me a defini-la assim, quando eu

mesmo sabia que chamá-la de 'bonita' era muito pouco perto do que aquela
mulher era. Seria hipócrita em negar para mim mesmo que ela mexia comigo

e que por vezes provocava em mim pensamentos nada inocentes.

— Certo... Você tem uma secretária gostosa que curte te consolar


depois do expediente. Amigo, só aproveita a situação.

Incomodava-me a forma como ele falava sobre Amanda, mas eu logo


mentalizei que não havia motivos para eu me sentir daquela forma. Afinal,

ela era realmente apenas minha secretária e não estava acontecendo


absolutamente nada entre nós. E nem iria acontecer.

Como eu mencionei a Fernando, Amanda tinha uma filha, e não seria

estranho se o pai da criança fizesse parte da vida dela, sendo seu marido ou

namorado. Ela nunca mencionara nada a respeito de um companheiro, mas...


Poderia existir algum, não é?

E esta foi outra ideia que me trouxe uma onda de incômodo. Pensar que
Amanda saía da empresa e havia um homem esperando-a em casa... Um

homem que a beijava, a tocava, dormia e acordava com ela todas as noites...

Quando me dei conta, meu maxilar doía pela forma como eu o


pressionava. Como se sentisse raiva de algo. Aquilo me deixou confuso.
— De qualquer forma... — Fernando voltou a falar. — Eu realmente
não esperava que você fosse aceitar meu convite para vir aqui hoje.

Especialmente em uma semana como essa. Se conversar com sua secretária


te fez se sentir bem o suficiente para ao menos considerar socializar um
pouco... só posso concluir que, bonita ou não, ela te faz muito bem.

Aquele era um ponto onde eu precisava concordar com meu amigo.

Amanda realmente me fazia muito bem.

-----***-----
Capítulo 6

— Promete que será uma boa menina e vai se comportar direitinho


com a tia Jéssica?

Obviamente, Manu não me respondeu, embora me olhasse como quem

tenta entender aquelas perguntas que sua tia paranoica repetia todas as

manhãs antes de sair para o trabalho.

Sentada no sofá, Jéssica respondeu por ela:

— Manu sempre se comporta, amiga. Mas, se não fosse este o caso,


duvido muito que ela iria mudar por causa do seu pedido. Ela tem oito

meses.

— Nove! - eu a corrigi, animada. — Minha garotinha completa nove


meses hoje. E eu nem vou poder fazer uma comemoração. Prometo que mês
que vem comprarei um bolo lindo para comemorarmos.

— Acho que ela também não se importa com isso.

— Mas eu me importo. Meu bebê merece tudo de mais especial neste

mundo. E a mamãe fará de tudo por isso. — Mal as palavras saíram da

minha boca e me dei conta do que tinha dito, apressando-me em me corrigir.

— A titia fará de tudo por isso. Fico me referindo a ela para as pessoas no
trabalho como minha filha, acho que isso está mexendo com a minha cabeça.

— Amiga, não há mal algum em você ensiná-la a te chamar de mãe.

— Mas eu não sou a mãe dela. Não seria justo com a minha irmã.

— Olha, eu sinceramente acho que Nicole de forma alguma ficaria

chateada por isso. Na verdade, acho que ela ficaria muito feliz pela Manu ter

uma mãe. Aquela cachorra tinha um monte de defeitos, mas ela amava muito

a filha, e também amava muito você. — Apesar do insulto, Jéssica também


amava a minha irmã. As duas eram ótimas amigas, ainda que tivessem

noções tão opostas de ética.

— Mas quero que a Manu saiba sobre a mãe dela. As partes boas, pelo

menos... Minha irmã era toda errada, mas você tem razão em uma coisa: ela
amou muito essa bebê.

— E a Manu vai saber. Você vai contar sempre para ela. Amor nunca é

demais, e sei que Manu terá o suficiente para você e para a mãe biológica
que ela nem conheceu. Aliás, existe mais de uma forma de ser mãe, Manda.

Você não pariu a Manu, mas é inegavelmente a mãe dela. Assim como você e

Nicole não tinham o mesmo sangue, mas sempre foram irmãs.

— Obrigada, Acho que eu precisava ouvir isso. Tenho me sentido

culpada por estar dizendo a todos no trabalho que tenho uma filha. Mas

preciso que todos acreditem nisso. Nicole e eu não éramos legalmente irmãs.

Tenho tanto medo de perder a guarda da Manu.

— Sabe que esta é uma situação que você vai ter que encarar em algum

momento, não é? Você usou os documentos da Nicole quando precisou levá-

la ao pediatra ou para tomar as vacinas, mas até quando vai conseguir fazer

isso sem ter problemas? O que vai fazer quando ela chegar na idade escolar?

— Eu quero adotá-la, mas... E se eu não conseguir? E se um juiz

decidir que é melhor que ela vá para outra família? A pessoa que teria

direito garantido à guarda é a avó dela, mas sabe que aquela mulher nunca se

importou nem mesmo para a filha, quem dirá para a neta.

— Sei que tem medo, Manda... Mas não vai conseguir manter essa

situação por muito tempo. Você está cuidando ilegalmente de um bebê,

imagine o tanto de problema que isso pode te trazer?

— Não vai trazer problema, porque ninguém tem como saber. Só quem

sabe disso é você, além do meu pai e da minha madrasta, mas eles estão
pouco ligando para isso.

— A sua madrasta não vai fazer qualquer questão de reclamar a

guarda dela. Mas já parou para pensar que a Manu tem um pai?

A mera menção a isso me deixava aflita. Ela tinha um pai, embora eu

não fizesse a menor ideia de quem fosse esse homem. Nick só se referia a

ele como ‘um ricaço gostoso e bom de cama’. No dia em que ela foi

internada, ela me contou que tinha ligado para ele e contado que tinha ficado
grávida, mas que não deu a ele qualquer outra informação, porque tinha

começado a passar mal e desligou a ligação. Eu sabia que o certo seria eu

entrar em contato com ele, mas eu não fazia ideia de como fazer isso. Talvez

ela tivesse o número dele salvo em seu celular, mas aquela louca tinha

simplesmente jogado o aparelho em um rio, logo depois de ter ligado para

ele.

De resto, eu não tinha sequer um nome para tentar achar aquele

homem. E no fundo achava que era bem melhor que fosse assim.

Afinal, se o homem fosse mesmo rico como ela tinha me contado, e

se quisesse ter a guarda de Manu, não teria qualquer dificuldade em tirá-la

de mim.

— Não quero pensar nisso agora, Jéssica. Até porque, preciso ir

para o trabalho.
— Vá que seu chefe lindão está te esperando.

Eu não poderia condenar a malícia no tom de voz dela. Afinal, tinha

sido eu mesma que, logo que voltei do primeiro dia de trabalho, contei à
minha amiga sobre meu patrão ser um homem lindo de morrer. Mas agora,

por qualquer razão estúpida, eu achava que era meio injusto considerá-lo

apenas como ‘o chefe lindão’.

— Ele também é bem legal — acrescentei, quase sem me dar conta.

Jéssica sorriu de forma maldosa.

— Cuidado, amiga... Se apaixonar pelo chefe pode ser uma enorme

roubada.

— Caramba, Jess, não é nada disso. Ele só é legal, tipo... Não sei se

posso considerá-lo assim, mas... é quase como um amigo.

— É na amizade que muitas das grandes paixões começam.

— Não é exatamente como se fôssemos amigos. Ele é meu patrão,

afinal. Mas acho que, em qualquer outra situação, ele certamente seria

alguém com quem eu teria uma amizade. Ele parece ser sincero, leal, e... sei

lá, acho que me identifico com ele nessa coisa de ter perdido alguém que

amamos. Gosto de conversar com ele.

— As pessoas por lá não dizem exatamente o contrário? Que ele é

um antipático, caladão, todo sério, meio tirano...


— Ele é sério e calado. Mas o restante é conclusão injusta das

pessoas. Mas acho que é porque não tiveram a oportunidade de conhecê-lo

mais a fundo.

— Como eu disse, é na amizade que muitas das grandes paixões

começam. E o segundo passo é justamente isso daí de conhecer mais a fundo.

— Nem sei por que estou dando assunto para você, Jess. Tchau,
estou indo para o trabalho.

Ela riu e eu, vencida, acabei rindo também. Dei um beijo no rosto

dela, em seguida dando outro em Manu e enfim saindo para o trabalho.

-----***-----

Cheguei novamente antes do início do expediente. Com bastante

antecedência, aliás, já que tinha pegado um trânsito muito bom.

Aparentemente, além de mim e de alguns funcionários da limpeza, ninguém

mais havia ainda chegado para trabalhar.

Na verdade, havia mais uma pessoa, que eu só descobri quando entrei

na minha sala. A porta de ligação com a sala do chefe estava aberta e fui até

lá para fechá-la, me surpreendendo ao ver que ele já estava lá, sentado

diante do computador.
— Senhor Ferri, bom dia... — eu o cumprimentei, surpresa com o fato

de que ele aparentemente já estava ali há algum tempo.

Ele levantou os olhos sobre a tela do notebook, olhando para mim. E

tive a impressão de que seu olhar sobre mim durou mais tempo do que o que

seria necessário, além de também ter tido uma intensidade maior do que

seria recomendável. Senti meu coração bater um pouco mais acelerado, mas

logo meu corpo lutou para reagir a isso quando ele enfim disse algo.

— Bom dia, Amanda. Chegou cedo.

— O senhor também. Algum problema?

— Não. Eu apenas perdi o sono, levantei-me cedo demais, e resolvi

vir para empresa dar uma olhada em um projeto. Minha equipe ainda está
trabalhando nele, mas... Não acho que estejam indo por um bom caminho.

— Bem, se precisar de mim para alguma coisa...

— Na verdade, eu preciso de uma opinião.

Aquela foi mais uma surpresa.

— Uma opinião? Minha?

— É. Você tem um bebê em casa, não é? Estou com as logos de


algumas marcas de fraldas aqui, poderia me dizer se você usa alguma delas?
Embora confusa com relação à pergunta inusitada, eu me aproximei,
parando atrás dele e olhando para a tela do notebook. Observei ali nove

nomes de marcas de fraldas, cada uma marcada por um número ao seu lado.

— Bem... as marcas um e cinco são as minhas favoritas. Uso mais a


um, por ter um preço mais em conta. A três e a nove não são tão boas assim,

mas não são ruins, já usei algumas vezes.

— Certo. E o que me diz das marcas dois, quatro, seis, sete e oito?

— A quatro eu já quis testar, mas são muito caras. A seis, sete e oito

eu já testei e não gostei da qualidade.

— E quanto à dois?

— Vejo sempre ela à venda e tem um preço bom, mas nunca tive
vontade de testar.

— Sabe me dizer por quê?

— Não sei... Acho que as propagandas dela nunca me chamaram a


atenção.

— Obrigado. Era exatamente o que eu precisava ouvir.

Levei ainda um segundo até compreender o tom de desânimo na voz


dele e deduzir a situação.

— Meu Deus... As propagandas são da D&F?


— Infelizmente, sim. E é atualmente o nosso maior caso de clientes
insatisfeitos. Aparentemente, pelo que você me diz, com toda a razão.

Ele apoiou os cotovelos sobre a mesa, descansando o queixo sobre os


punhos unidos e, após uma pausa, continuou a falar:

— Minha equipe está tentando refazer as campanhas, mas a empresa

não apoiou nenhum dos projetos novos até agora. Decidi pegá-los para dar
uma olhada, mas não consigo entender onde estão errando. Esta é a última

tentativa que teremos.

— O senhor mesmo vai fazer a nossa campanha?

— Este não é mais o meu trabalho. Mas... confesso que sinto falta
disso. Sabe, de lidar com algo mais operacional dentro da empresa. Mas só
temos mais dez dias até o final do prazo, eu não terei tempo para isso.

Senti um tom de lamento na voz dele. Mas não com relação à


possibilidade de perder o contrato com a marca, mas por não poder se

dedicar pessoalmente àquilo.

— Podemos remanejar sua agenda durante a semana — sugeri.

Ele levantou o rosto, olhando para mim.

— Tem muito tempo que não faço isso, acho que meus publicitários
fariam melhor.
— Desculpe a sinceridade, senhor Ferri, mas eles não têm feito isso

muito bem nas últimas tentativas. E acho que passar alguns dias trabalhando
nisso poderia ser bom para o senhor.

— Por que acha isso?

— Eu posso estar errada, mas... Acredito que, quando escolheu a sua


profissão, era por desejar trabalhar com isso. Por gostar da área, por ter

afinidade e facilidade com esse trabalho. Talvez ser CEO pudesse ser um
sonho já naquela época, mas acabou sendo uma consequência e não o

planejamento inicial.

— Acho que você está certa. Eu realmente sempre amei o meu


trabalho.

— Então, sempre nos faz bem retornar às nossas origens, não acha?

Em um primeiro momento, ele não disse nada, e apenas ficou olhando


para mim de forma séria, como se analisasse minunciosamente as minhas

palavras.

E confesso que isso me deu um certo medo de que eu tivesse falado

demais. Não seria a primeira vez, aliás. Às vezes eu parecia até mesmo me
esquecer de que aquele homem era meu patrão pela forma com que eu falava

com ele de maneira tão sincera.


Nick costumava dizer que meu excesso de sinceridade era o maior dos

meus defeitos. Segundo ela, as pessoas dizem que gostam de quem é sincero,
mas, na realidade, querem apenas ouvir o que faz bem aos seus egos.

— Sabe de uma coisa, Amanda?

Ele fez uma pausa, o que demonstrava que esperava que eu


respondesse. Novamente, fui sincera com o que se passou pela minha

cabeça:

— Eu estou demitida?

Ele franziu a testa.

— O quê? Não... De onde tirou isso?

— É que eu não estou certa se deveria dar conselhos profissionais ao

meu próprio patrão. Especialmente se for algo tipo 'esqueça que você é o
chefe e volte a fazer o trabalho dos seus funcionários'.

E a reação dele às minhas palavras foi a menos esperada por mim. Ele

riu.

Riu. Não apenas sorriu discretamente como tinha feito outras vezes.

Mas riu. Não foi nada tipo uma gargalhada, foi breve e discreto. Mas, ainda
assim, era a primeira vez que eu ouvia o som do seu riso.

— Tem que parar de achar que eu vou demitir você a qualquer

momento, Amanda. Já te disse que eu não sou um tirano sem coração. O que
eu ia dizer é que você tem toda a razão. Meu lado perfeccionista me diz que,
se eu quero algo bem-feito, eu mesmo tenho que fazer. E meu lado

publicitário sente falta de colocar a mão na massa e trabalhar nos meus


próprios projetos. Mas não conseguirei fazer isso sozinho em um prazo tão
curto. Estou há tempo demais parado, preciso de ao menos uma pessoa com

mais prática para me auxiliar.

— O senhor poderia fazer uma reunião com a equipe de criação.

Analisar as ideias que eles já têm com relação a esta campanha e com isso
escolher alguém para fazer o projeto junto com o senhor.

— Ótima ideia. Faça o seguinte, então: marque uma reunião com a


equipe, para hoje ainda, na parte da tarde, para dar tempo de todos se
organizarem. Se você tiver algum trabalho para hoje, peço para que também

o adiante, porque vou precisar que você me acompanhe.

— Sim, senhor. Vou começar a adiantar tudo, então. Com licença.

Comecei a caminhar em direção à porta de ligação entre as salas e


estava na metade do caminho quando o ouvi dizer:

— Sinceramente, Amanda, eu não sei como consegui viver até hoje

sem ter você como minha auxiliar.

Parei por um instante, um tanto surpresa com aquilo.


Não era o primeiro elogio que eu recebia dele. Mas o tom de voz dele
desta vez estava diferente, deixando evidente toda a empolgação que ele

sentia com a ideia de trabalhar pessoalmente naquele projeto.

Isso fez com que aquele elogio fosse, de fato, especial.

-----***-----
Capítulo 7

Estávamos já há mais de uma hora na sala de reunião, e confesso que


lutava contra o sono diante das ideias tão monótonas apresentadas pela

minha equipe.

Era estranho perceber aquilo, já que a D&F era uma agência com
inúmeras premiações por suas campanhas de publicidade simplesmente

sensacionais. Mas algo parecia atravancar a criatividade do grupo no que

dizia respeito a uma campanha de fraldas.

A empresa contratante tinha deixado claro que queria algo que fosse

capaz de dar um up nas vendas dos produtos, era um investimento pesado

que faziam na tentativa de salvar a marca. Porém, nenhuma ideia apresentada


ali fugia nem mesmo um centímetro de tudo o que já era mais do que

explorado pelas concorrentes. Bebês fofos dormindo ou correndo por um

cenário branquinho, usando apenas fraldas, com uma música divertida ou

emocionante ao fundo, enquanto a voz de um narrador citava as qualidades

do produto...

Claro, existiam algumas variações, alguns elementos a mais ou a

menos, mas nenhum dos publicitários ia muito além disso.

Após todos passarem suas ideias, eu retomei a palavra:

— Eu não sei o que, exatamente, fazer para melhorarmos isso. Sinto


que tem algo faltando, mas não sei exatamente o quê. — Olhei para Amanda,

que estava sentada ao meu lado, com um tablet em mãos, para o qual olhava

de forma distraída, como se também estivesse muito entediada de tudo

aquilo. Voltei a olhar para os demais. — Digam-me uma coisa... Algum de

vocês têm filhos?

Percorri os olhos por cada um deles, vendo-os movimentarem suas

cabeças em uma negação. Insisti na pergunta, questionando por sobrinhos, e

apenas dois deles - um homem e uma mulher - disseram que tinham, mas

ambos contaram morarem longe e não estarem presente no dia a dia das

crianças quando bebês. Sendo assim, só me restou uma sugestão:


— A senhorita Amanda tem uma filha, ainda bebê. Talvez tenha algo

para contribuir conosco.

Ele levantou o rosto, mostrando-se um pouco assustada.

— Eu?

— Sim. Não tem um bebê em casa?

— Tenho, mas... eu não entendo muito dessa coisa de publicidade.

— Mas entende 'dessa coisa' de ter filhos. Poderia dividir um pouco

sua experiência com a gente, como consumidora de marcas de fraldas?

— Eu... Não sei se consigo...

— Você me disse que nunca consumiu essa marca porque as

propagandas dela nunca chamaram a sua atenção, não é? Conte um pouco

para a gente a respeito dos motivos disso.

— Bem... Na verdade os bebês são realmente muito fofos. Mas...


Falaram aqui sobre a ideia de um casal olhando emocionados para seu bebê

dormindo tranquilamente...

— Talvez falte diversidade, é isso? — um dos funcionários a


interrompeu. — Se colocarmos casais diferentes, simbolizando tipos

diferentes de família...
— Não é essa a questão... — Amanda voltou a falar. — É claro que

diversidade é muito importante, mas não é isso o que altera o fato de que...

Como posso explicar?

— Apenas seja sincera, Amanda... — eu a incentivei.

Ela respirou fundo antes de continuar:

— Sabe, é claro que cenas bonitas com bebês tranquilos e famílias

'perfeitas' são inspiradoras. Mas não é a totalidade das pessoas que têm

filhos... Não é a realidade de nenhuma delas o tempo todo, aliás. Nem todo

mundo pode contar com uma rede de apoio. Eu posso, graças a Deus, mas

muitas são as crianças criadas só por suas mães... ou mesmo só por avós ou

tias... — ela fez uma pausa, antes de continuar. — bem... algumas também

apenas por pais. Mas até mesmo as que têm famílias mais numerosas, em

geral seus responsáveis trabalham, seja fora ou dentro de casa. Não sei se

estou conseguindo me expressar bem...

Ela me olhou, como se pedindo ajuda. E eu tentei passar de forma mais

direta o que tinha entendido de sua fala:

— Que nos dias atuais, com as vidas corridas que levamos, muitas

vezes os pais passam menos tempo com os filhos do que gostariam.

— Isso! — ela sorriu, como se feliz por ter sido entendida. Então

continuou, dessa vez falando em primeira pessoa. — Quando eu chego em


casa, já de noite, sinto muito prazer em cuidar da minha bebê. Quero

simplesmente estar com ela o máximo de tempo possível até que ela durma...

E, sim, quero que ela durma tranquila como os bebês dos comerciais,

inclusive porque apenas assim eu também consigo dormir bem. Mas eu quero

ouvir as risadas dela. Quero brincar com ela, contar como foi o meu dia e

perguntar como foi o dela, mesmo que ela ainda não saiba falar para me

responder. Quero poder preparar algo gostoso para ela comer, dar banho

sem pressa, brincando com ela na banheira. Gosto de niná-la, de cantar para

ela dormir... E quero saber que ela está usando uma frauda confortável, que

não vá vazar e fazer com que eu tenha que interromper nosso momento juntas
para limpar um sofá ou um tapete molhado, porque nosso tempo é precioso

demais.

— Tempo precioso... — repeti aquelas últimas palavras.

Amanda prosseguiu:

— Logo ela vai deixar de ser um bebê. Até outro dia ela era uma

coisinha minúscula e toda molinha. Agora já senta no chão sozinha, já

engatinha... Logo estará falando e andando, e logo, também, nem vai mais

precisar de fraldas. E às vezes eu tenho medo de piscar e perder qualquer

uma de suas fases. Porque elas são únicas e especiais. Eu quero ver a minha

Manu deixar de ser um bebê e se tornar uma garotinha... Depois uma

adolescente, uma jovem... E uma mulher adulta feliz, que nunca vai esperar
de ninguém menos do que ela merece, porque terá a consciência de ter sido

muito amada durante toda a sua vida.

Aquilo fez com que eu me distraísse por um momento, preso em meus

próprios pensamentos a respeito daquilo.

Meu filho ou filha já tinha passado de sua fase de ser uma coisinha

minúscula. Assim como a filha de Amanda, ela já devia estar engatinhando, e


eu não tinha acompanhado aquilo. Um aperto tomou o meu peito ao pensar

que eram grandes as chances de eu não o ver dar seus primeiros passos... De

não ouvir suas primeiras palavras... Nem ao menos suas primeiras frases. De

não o ver se tornar uma criança, um adolescente, talvez nem mesmo um

adulto.

Porque a possibilidade de eu nunca vir a encontrá-lo existia. E era

muito maior do que a de eu encontrá-lo.

Isso me corroía por dentro. Especialmente agora, pensando em todo o

cenário que Amanda demonstrara.

Será que meu filho se tornaria um adulto feliz? Será que estava sendo

suficientemente amado e bem cuidado agora, para que isso fosse possível?

E se estivesse passando necessidades ainda maiores?

Aquilo acendeu em mim uma sensação de urgência. Eu precisava

encontrar o meu filho o mais rápido possível. Não poderia me permitir


perder ainda mais do precioso tempo que teríamos juntos.

— A preciosidade do tempo... — falei, percebendo que tinha atraído


todos os olhares para mim. — Esse será o tema de nossa campanha. Com

ela, vamos tocar não apenas na emoção dos que têm filhos pequenos... Mas

nos que já tiveram, que vão se identificar lembrando de suas próprias

experiências. E até mesmo nos que ainda não têm seus próprios filhos, mas

vão se emocionar pensando em suas vivências com seus pais... Vamos criar

um elo emocional com a marca, tornando-a a escolhida não apenas pelos


pais e mães, mas pelas demais pessoas do círculo que formam a rede de

apoio da família para quando forem levar seus presentes em chás de bebês...
E para que se lembrem dela quando tiverem seus próprios filhos. Vamos
trabalhar não apenas em um, mas em uma série de comerciais para todos os

tipos de mídia e refazer toda a identidade visual da marca. É isso. Quero que
trabalhem com ideias em torno disso, e tragam todas amanhã, em uma nova

reunião neste mesmo horário.

Todos se levantaram e começaram a se retirar, com exceção de mim e

de Amanda, que continuamos sentados. Percebi que ela parecia um pouco


tensa.

— Algum problema? — perguntei.


— Eu apenas não estou habituada a falar assim em público. E acho que
disse um monte de besteiras.

— Besteiras? Acho que você salvou a campanha, isso sim. Você nos

deu exatamente o que nos faltava: escutar alguém que faz parte do público-
alvo da campanha.

— Mas o senhor também faz. Tem um filho, não é?

Novamente, aquele questionamento sobre o qual eu não tinha como


responder. Optei, então, por não dizer nada. Provavelmente ela iria deduzir

que eu era um péssimo pai, que deixava toda a criação de seu filho por conta
de babás. Porém, seria melhor que pensasse assim, já que a verdade era algo

meio complicado de ser explicado a qualquer pessoa.

Além do mais... eu não deveria me importar com o que a minha

secretária pensasse a meu respeito.

Não deveria, mas percebi, meio assustado, que me importava.

— Amanda... — eu me peguei falando, sem qualquer planejamento. —

O pai de sua filha é um bom pai?

Percebi uma súbita mudança de expressão no rosto dela, que de

repente adquiriu um ar tenso. Eu sabia que minha pergunta era


completamente desconexa, mas conseguia entender o que eu, na realidade,

queria ter questionado. Minha cabeça já há dias martelava a dúvida sobre se


Amanda tinha alguém, e aquela foi a forma mais estúpida que eu tinha
encontrado de fazer tal questionamento.

— Não existe um pai — ela respondeu, por fim, ainda parecendo um


pouco tensa. — Sou solteira e crio minha filha sozinha.

— Desculpe se soei indiscreto.

— Não... Sem problema. Acho melhor voltar para a minha sala, tenho
alguns telefonemas importantes para fazer. Com licença.

E, sem aguardar por respostas, ela se levantou e saiu da sala


apressada, deixando-me com um misto de sentimentos.

Uma parte de mim estava feliz por ela ter declarado que não tinha

qualquer compromisso. No entanto, havia outra parte incomodada com a


reação que ela teve. Se dar tal resposta fora algo tão incômodo para ela,

talvez significasse que ainda sentia algo pelo pai de sua filha.

Isso não deveria me incomodar.

Na realidade, isso sequer era da minha conta.

E foi repetindo mentalmente este mantra que eu me levantei e, enfim,


segui para a minha sala.

-----***-----
Capítulo 8

Eu às vezes me sentia como uma criminosa.

Porque, sendo bem sincera, era exatamente o que eu era. Afinal, minha
situação com Manuela era completamente ilegal. Eu não tinha a guarda legal

dela, nem nenhum documento que me colocasse como sua responsável


perante a lei. Todas as consultas médicas e vacinas até ali tinham sido feitas

usando documentos de Nicole.

Ironicamente, os documentos verdadeiros dela. Os mesmos que ela há

anos mal usava, já que estava constantemente envolvida em coisas ilícitas.

Eu precisei usá-los naquele dia pela manhã mesmo, já que Manu teve
um pouco de febre durante a noite. Foi apenas uma consulta em uma clínica
particular e pequena, próxima à minha casa, e eu sabia que eles lá mal

olhavam os documentos, contanto que a consulta fosse paga, mas ainda assim

foi uma tensão. De qualquer maneira, a pediatra medicou a Manu e ela logo

melhorou, então a deixei em casa e segui para o trabalho. Cheguei meia hora

atrasada, mas meu patrão não implicou nada com isso.

De qualquer maneira, foi por isso que, quando Thiago Ferri me

perguntou sobre o pai de Manuela, eu entrei internamente em um pequeno

surto. A resposta que eu tinha dado a ele, no entanto, fora cem por cento
verdadeira. Eu realmente era solteira, e Manu realmente não tinha um pai.

Logo, eu não deveria ter ficado tão tensa com aquilo.

Mas eu ficava, pelo medo de que a qualquer momento alguém


pudesse descobrir que ela não era minha filha. Ao menos, não perante a lei.

Entrava em desespero pela mera ideia de que pudessem tirá-la de mim e


levá-la para um abrigo.

Sem contar que eu não via qualquer motivo para que ele me fizesse tal

questionamento. A ideia de que pudesse estar interessado em saber

meramente sobre o meu estado civil era algo completamente descartado pela
minha mente.

De qualquer maneira, os dias tinham se passado sem que ele voltasse a

tocar no assunto. A segunda reunião a respeito do projeto foi bem mais


produtiva do que a primeira, e a equipe enfim apresentou ideias que eu,

como consumidora, vi como muito mais atraentes. A partir daí, como Thiago

tinha dito que faria, ele assumiu o comando da campanha e, desde então,

vinha trabalhando até bem tarde no escritório, todos os dias, para isso, já

que também não podia deixar de lado suas atribuições de CEO.

Era mais um desses dias e já se aproximava do meu horário de saída,

quando, como de costume, fui perguntar se ele precisava de mais algum

serviço meu. Eu sabia que, como sua secretária pessoal, ele poderia solicitar

que eu ficasse além do horário padrão, especialmente em uma semana de

tanto trabalho quanto aquela. Mas ele nunca pedia isso. E, nas vezes em que
eu perguntava se ele não queria que eu ficasse, ele sempre me respondia da

mesma forma: que eu deveria ir para casa, para aproveitar o tempo com a

minha filha.

— Nossa, já são quase dezoito horas — ele percebeu, olhando para o

relógio na tela de seu computador logo que me ouviu perguntar se ele

precisava de mais alguma coisa. — Eu nem senti o tempo passar.

Sorri, pensando que aquilo representava uma coisa muito boa, afinal.

O tempo passa bem mais rápido quando se faz algo que gosta, e era assim

que ele parecia estar com aquele projeto.


— Se o senhor quiser, posso ficar até mais tarde hoje — eu me

ofereci.

Era estranho perceber que, ao mesmo tempo em que estava ansiosa

para ir para casa e ver a Manu, uma parte de mim parecia torcer para que ele

dissesse que queria que eu ficasse.

Porém, não foi o que aconteceu.

— Hoje não, Amanda. Obrigado. Mas talvez eu precise de sua ajuda

com o projeto depois de amanhã, para finalizá-lo.

— Com o projeto? — perguntei, confusa.

— Você tem formação em Letras, não é?

— Não exatamente. Cursei cinco períodos, apenas, e precisei

trancar.

— Por causa da bebê?

Não exatamente. Eu tinha parado bem antes de Manuela nascer, para

cuidar de Nicole. Mas isso era algo que eu não poderia contar.

— É, tranquei durante a gravidez. Mas pretendo voltar algum dia.

— Espero que sim. Muitos dos nossos profissionais, responsáveis

pela revisão final dos projetos, são formados em Letras. Você já mostrou que
tem uma sensibilidade excepcional, o que é um grande diferencial para

alguém na nossa área. Seria interessante te ver crescer dentro da empresa.

— A ideia me parece ótima.

— Mas, enquanto esse dia não chega, gostaria de ter sua ajuda

depois de amanhã. A entrega do projeto aos clientes será em três dias, então

quero entregá-lo à equipe o mais perfeito possível, para adiantar o trabalho

de finalização.

— Certo. Pode contar comigo.

Ele balançou a cabeça, mas não disse nada, e houve um silêncio entre

nós que, em qualquer outra ocasião, eu poderia chamar de constrangedor,

mas ali não representava nada disso. A forma como ele me olhava era

intensa, e... Como descrever?

Talvez... sensual?

Ele me olhava de maneira profunda, como se fosse capaz de enxergar

a minha alma através dos meus olhos. E eu sentia o mesmo com relação a

ele, e simplesmente não conseguia desviar meus olhos dos dele, como se

existisse alguma espécie de magnetismo nos unindo.

Até que ele piscou repetidas vezes, parecendo despertar de um

transe.
— Antes de ir, eu preciso de alguns arquivos impressos. Estão em

uma pasta azul-marinho, dentro do meu armário. Pode pegar para mim, por

favor?

Dito isso, ele voltou a se focar na tela do computador, e eu senti isso

como uma tentativa explícita de cortar aquele contato visual tão intenso que

ocorria entre nós.

Ele estava certo em fazer isso. Mas alguma parte dentro de mim

protestou. Uma parte bem estúpida, na verdade.

No que eu estava pensando? Aquele homem era o meu patrão.

Virei-me e segui até o armário no canto da sala. Deixei minha bolsa

sobre o sofá ao lado e abri as portas, percorrendo os olhos à procura da tal

pasta azul-marinho.

— O senhor tem certeza de que está aqui?

— Acredito que esteja na parte de baixo.

Olhei tudo e realmente não encontrei. Então, retornei dois passos,

olhando para a parte de cima, onde enfim visualizei a pasta em um local

onde eu não alcançaria. Olhei ao redor, vendo uma cadeira de escritório em

um canto da sala, ao lado do sofá, e puxei-a até a frente do armário,

preparando-me para subir.


-----***-----

Mal as minhas próprias palavras foram ditas e parei para pensar a

respeito delas, em dúvida sobre se eu havia mesmo deixado a pasta na parte


de baixo do armário. Levei alguns segundos recapitulando, até me recordar

que, na realidade, eu a tinha colocado na parte mais alta, onde Amanda


provavelmente não alcançaria. Tomei fôlego para dizer a ela para deixar
aquilo de lado, que eu mesmo pegaria a pasta, ao mesmo tempo em que

levantei o rosto e me assustei com o que a vi fazer.

Havia um propósito para aquela cadeira estar em um canto da sala.

Estava quebrada, fora substituída por outra e agora apenas aguardava que
alguém do setor de facilities fosse até lá para recolhê-la. Quando vi Amanda

tirar os sapatos e entendi que ela pretendia subir naquela cadeira, eu me


levantei de súbito, alertando.
— Espere, Amanda. Deixe que eu mesmo pego a pasta.

Achei que ela fosse simplesmente obedecer, mas parecia estar tão
focada em apanhar aquela pasta, que ela simplesmente apoiou um dos pés na

cadeira e deu impulso com o outro para subir.

Não tive tempo para dizer mais nada, apenas agi. Apressei-me em

correr até ela, chegando no exato momento em que o assento da cadeira - que
estava apenas encaixada, tendo uma falsa aparência de estar inteira - tombou

para o lado e o corpo de Amanda iniciou uma queda.

Consegui chegar a tempo de agarrá-la ainda no ar, antes que ela


colidisse contra o chão.

Amanda gritou, assustada, e eu continuei a segurá-la com meus dois


braços enroscados ao redor do sua cintura, tendo o corpo dela colado ao

meu.

— Você está bem? — perguntei, preocupado que ela pudesse ter


virado o pé no início da queda, ou se machucado de alguma forma, ou

mesmo debilitada pelo susto.

Afastei um pouco o rosto para poder olhá-la. Ela mantinha os olhos

fechados com força, com uma expressão de quem ainda esperava por uma
queda.
Talvez eu devesse colocá-la no chão para que ela compreendesse
que estava a salvo, mas simplesmente não consegui fazer isso. Era como se

algo mantivesse meus braços presos ao redor dela. Como se sentir aquele
contato se tornasse algo vital para mim. Algo que eu não admitia perder

naquele momento.

Até que ela enfim abriu os olhos, e... puta que pariu. Esta foi a minha

maior perdição. Porque, se antes, o calor do corpo dela parecia exercer


sobre o meu a força de um ímã, eu sequer poderia descrever o que os olhos

dela faziam.

— Senhor Ferri... — ela sussurrou, de uma forma que fez cada célula
do meu corpo reagir.

Há quanto tempo eu não me sentia daquele jeito? Sabia que Amanda


mexia comigo. Sua beleza chamou a minha atenção desde o primeiro

momento que a vi, juntamente com seu jeito sincero e levemente estabanado.

Porém, encanto, atração, ou seja lá que nome eu poderia dar àquela


coisa que eu sentia, tudo parecia absolutamente controlável.

Até aquele momento...

Eu a desejava, ali, com tanta força, que foi preciso reunir todo o meu
autocontrole.
O que, definitivamente, se tornou mais difícil quando ela aproximou

um pouco mais o seu rosto do meu. Os lábios dela se entreabriram, como em


um convite... ou como um pedido para ser beijada... e suas pálpebras

voltaram a se fechar devagar, completamente entregues.

Ali, não restou mais sequer uma gota de autocontrole em mim. E


quando me dei conta já me apossava de sua boca com a minha, encontrando

o caminho livre para minha língua se juntar com a sua de forma intensa e
urgente. E ela não apenas correspondeu àquilo, como também mostrou estar

tão inebriada quanto eu ao envolver suas pernas ao redor da minha cintura.

Sem afastar meus lábios dos dela, eu desci as mãos pelas coxas

visíveis pela saia que usava neste dia e dei alguns passos, até que as costas
dela encontrassem com uma parede, de forma com que pudesse prensar meu
corpo com mais força sobre o dela. Na posição em que estava – com as

pernas ao redor da minha cintura, ela não tinha como sentir a rigidez sob
minhas calças, mas deixei evidente naquele beijo o quanto estava excitado.

O quanto ela tinha me deixado completamente louco por ela.

Eu não sabia aonde aquilo nos levaria, mas também não queria

pensar a respeito disso. Tudo o que importava era o momento.

E há quanto tempo na minha vida eu não me sentia assim?


Porém, o toque estridente de um celular chegou aos nossos ouvidos.

Eu estava mais do que disposto a ignorar aquilo, mas as mãos de Amanda


imediatamente tocaram o meu peito, exercendo uma leve e hesitante pressão

como em um pedido para que eu me afastasse.

Foi insuportável ter que fazer aquilo.

Quando interrompi nosso beijo, ainda ficamos por alguns segundos

completamente imóveis, com exceção das nossas respirações ofegantes, com


os nossos rostos ainda próximos demais um do outro.

O telefone continuou a tocar e Amanda enfim pareceu despertar


subitamente de um transe e desceu do meu colo, afastando-me e correndo até

a sua bolsa, onde pegou seu celular.

— Alô? — percebi a voz dela um tanto trêmula e ofegante ao


atender, mas não me virei para olhá-la. Permaneci de costas para ela,

respirando fundo na tentativa de dissipar toda aquela tensão sexual explícita


no meu corpo. — Oi, Jéssica, está tudo bem com a Manu? ...A febre voltou?

A menção a um problema de saúde com a criança fez com que eu me


virasse subitamente para olhá-la, preocupado.

Ela foi até onde seus sapatos estavam, começando a calçá-los

enquanto ainda falava ao celular.


— ...É melhor levá-la ao hospital. ...Isso, dê um banho nela, por
favor, estou saindo daqui agora, chego em alguns minutos.

Ela desligou a ligação e parou por um instante, olhando ao redor,

como se confusa sobre o que deveria fazer.

— Algum problema com sua filha? — perguntei.

Ela me olhou por um rápido momento, mas logo voltou a desviar os

olhos, até focá-los em sua bolsa deixada sobre o sofá, indo até ela.

— Ela está com febre. Eu sei que não deve ser nada demais, mas... É

melhor levá-la ao hospital, só por garantia.

— Claro. Eu posso te acompanhar, você não parece estar bem para

dirigir.

— Não — ela praticamente gritou, já jogando a bolsa sobre um dos


ombros. — O senhor tem muito trabalho com a finalização do projeto, e...

Não se preocupe, por favor. Eu... eu preciso ir...

E antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, ela simplesmente saiu

da sala, como um furacão. Eu sabia que estava nervosa com a saúde de sua
filha, mas também era óbvio que não era este o único motivo de sua aflição.

Porque ali, naquela sala, tinha acontecido algo que não poderia, de

maneira alguma, ter acontecido.

E o pior é que eu não me arrependia nem um pouco daquilo.


-----****-----
Capítulo 9

Ao receber o telefonema de Jéssica falando que a febre de Manu


tinha voltado, a ideia de levá-la a um hospital foi direta e clara na minha

mente.

Porém, no caminho da empresa para casa, tive tempo o suficiente

para pensar em toda a problemática daquilo.

Levar um documento falso a uma clínica particular pequena de bairro

para consulta a um pediatra sempre foi algo assustador para mim, mas que eu

sabia que, ao menos na que eu costumava ir, eles mal olhavam os

documentos.

Mas os riscos eram bem maiores levando a um hospital grande, da

rede pública.
A angústia desse conflito mental me atormentou até que eu chegasse

em casa. Entrei correndo, mas parei ao chegar ao quarto e me deparar com

Jéssica de pé, segurando Manu, que aparentemente dormia em seus braços.

Minha amiga fez um gesto com os lábios de quem pede silêncio e falou, com

a voz baixa.

— Ela enfim dormiu. Fique tranquila, a febre baixou.

Soltei um suspiro profundo, aliviado. Mas apenas consegui realmente

me acalmar quando me aproximei e dei um beijo na testa de Manu,

aproveitando para sentir sua temperatura.

— O que você fez? — perguntei para Jéssica.

— Na receita que a pediatra deu com os remédios, tinha o telefone

dela. Liguei e ela me tranquilizou, disse que a temperatura podia parecer


alta, mas para bebês é considerado uma febre baixa. Disse que não é o caso

de preocupação, a não ser que persista. Mas ela me orientou a dar um banho

morno e a febre realmente baixou.

— Obrigada, Jess. Eu nem tinha pensado em olhar a receita para ver

se a médica tinha deixado um número de telefone particular.

— Percebi que pensou logo em hospital, amiga. Seria o certo a ser

feito caso fosse algo realmente grave, mas você sabe que poderia ter

problemas tentando usar documentos falsos lá.


— Eu sei, e estava mesmo aflita com isso. Obrigada por ter

conseguido pensar melhor do que eu em uma solução.

Ela passou Manu para os meus braços e eu ainda a embalei por

alguns instantes, antes de, com cuidado, colocá-la no berço. Ela estava

usando uma camiseta que deixava seus bracinhos à mostra e eu passei

delicadamente a mão pela manchinha que ela tinha em seu braço esquerdo.

Eu costumava associar aquela imagem disforme a um coração, já que tinha

um formato mais ou menos parecido. Dizia que era uma marquinha do amor,

já que amor era exatamente tudo o que aquela garotinha representava na

minha vida. Sorri ao pensar nisso, olhando para o seu rostinho adormecido.

Por um rápido instante, tive a sensação de que os traços de seu rosto

me lembravam de outra pessoa, e isso logo me obrigou a pensar em Nicole.

No entanto, percebi que não era a lembrança da minha irmã que me remetia a
essa familiaridade.

Porém, não pensei nisso por muito tempo e logo me virei, olhando

para Jéssica, que havia se sentado em uma poltrona ao lado do berço. Ela
parecia esgotada.

— Obrigada de novo, amiga. Você foi, novamente, a minha salvação.

— É melhor você se sentar, Manda. Eu tenho outra coisa para te

contar.
Senti a aflição voltando a me dominar e fiz o que ela sugeriu,

sentando-me na beira da cama e olhando-a, à espera de uma explicação.

— Sabe que de tarde eu geralmente levo a Manu lá pra casa, para

agilizar meus trabalhos de casa. — Sim, eu sabia. Jéssica morava com os

pais, que já eram idosos, e cuidava de tudo em sua casa. Era um dos motivos

de ela ter dificuldade em arrumar um emprego em que precisasse se ausentar

por muito tempo. Cuidar da Manu era um trabalho perfeito para ela, ainda

que eu não pudesse pagar um salário tão bom assim, porque ela podia ir em

casa sempre que precisava, tinha dias que passava a tarde inteira lá. Os pais

dela amavam a Manu, aliás. — Então, voltei logo depois que te liguei,

porque tive a ideia de procurar pelo telefone da pediatra na receita, que vi

você deixando em cima da mesa da cozinha. Um cara me abordou no portão.

— Um cara? Que cara?

— Não sei, não o conheço. Mas ele estava revoltado, disse que sabia

que uma tal de Letícia morava aqui.

Suspirei, entendendo do que se tratava.

— Provavelmente mais um dos nomes falsos da Nicole.

— Ele falou que emprestou um dinheiro para ela e queria de volta.

— Ele comentou de quanto dinheiro estava falando?


A pausa dela me indicou que ela sabia que eu não iria querer ouvir a

resposta.

— Oitenta mil reais.

— Certo... Então além de golpista, minha irmã também fazia

negócios com agiotas?

— A Nick não tinha uma gota de juízo.

— É, não tinha... O que você disse a ele?

— A verdade. Que nenhuma Letícia morava aqui, mas se ele estava

se referindo à antiga dona da casa, ela morreu há seis meses. O problema...

ou um dos problemas, o menor deles, na verdade... é que ele não pareceu ter

acreditado. Disse que não se importa se ela está viva ou morta, mas que

alguém vai ter que bancar com o dinheiro dele.

— O menor deles? Tem outro problema ainda maior?

— Tem. A Nicole estava grávida quando pegou o empréstimo. Ele

viu a Manu no meu colo e concluiu que é filha dela.

— Acha que ele pode fazer alguma coisa com a Manu?

— Sinceramente não sei, amiga. Essa gente é capaz de qualquer

coisa. Ele foi embora, mas disse que volta em quinze dias e que quer o

dinheiro dele.
— Eu não tenho onde arrumar todo esse dinheiro em quinze dias.

Talvez, se eu conseguir vender o carro, eu consiga uma pequena parte, e...

Nicole deixou algumas joias... Mas não deve chegar nem perto da metade

desse valor.

— Se conseguir uma parte, talvez consiga negociar com ele.

Negociar com um cara perigoso não era uma coisa que eu


pretendesse fazer da minha vida. Mas... que solução eu tinha, afinal?

Aquele estava sendo um dos dias mais intensos da minha vida, em

que eu havia experimentado uma série de sensações completamente

diferentes. Eu tinha sido beijada pelo meu patrão, no escritório dele, o que

provocou em mim um turbilhão de sentimentos desencontrados. Mas, agora,

isso parecia ter ocorrido há dias e não há apenas uma hora.

Aquele, aliás, era mais um novo problema na minha vida. Eu não

deveria ter beijado o meu patrão, onde diabos eu estava com a cabeça? Mas,

ao mesmo tempo em que a minha mente se forçava a pontuar o quanto aquilo

tinha sido absolutamente errado, alguma outra parte de mim se negava a se

arrepender.

Beijar aquele homem foi... Por Deus, foi a experiência mais incrível

da minha vida.
Eu tive poucos ficantes na adolescência. Meu pai era absurdamente

rígido – embora fosse, também, um completo ausente – por isso eu nunca me

senti segura o suficiente para assumir algum namoro sério. Depois que saí de

casa e entrei na faculdade, tive dois namorados, mas ambos foram

relacionamentos que não duraram muito, porque eu estava focada demais nos

meus estudos. Eu podia, então, contar nos dedos os garotos que eu tinha

beijado na vida. E nada, absolutamente nada se comparava ao beijo de

Thiago Ferri.

Mesmo quando eles tentavam avançar o sinal e apressar as coisas,

mesmo quando seus beijos não tinham nada de inocentes e vinham


acompanhados por mãos bobas e investidas... ainda assim, eles eram apenas
garotos. Com Thiago tinha sido diferente. Eu me sentia, enfim, sendo beijada

por um homem.

A forma segura e intensa com que a língua dele explorava a minha, a

pegada forte de suas mãos segurando minhas coxas, o jeito com que ele me
prensou contra a parede, como se quisesse transformar nossos corpos em um

só...

Apenas pensar em tudo isso fez com que cada célula do meu corpo
voltasse a se arrepiar.
— Ei, Amanda? — ouvi Jéssica me chamar. E, pelo seu tom de voz,
deduzi que aquela não era a primeira vez. Pisquei algumas vezes, forçando-

me a retornar à realidade, e então a olhei. — Menina, em que planeta você


estava?

— Desculpe. Eu me distraí pensando em toda essa situação.

— Você estava sorrindo, Amanda. Duvido que estivesse pensando no


agiota.

Droga! Eu tinha sido traída pelas minhas próprias emoções.

Jéssica era minha amiga, afinal de contas. E eu sentia que precisava


desabafar sobre aquilo com alguém.

— Eu beijei meu chefe.

Ela franziu a testa, confusa.

— O que é isso? O nome de algum livro ou filme de comédia

romântica?

— Não. Isso foi o que aconteceu antes de eu sair da empresa hoje.

Os olhos dela se arregalaram quando ela enfim pareceu entender e

processar o que eu disse.

— Tá brincando comigo?

— Adoraria estar. Não é o caso.


— Você beijou o bonitão do seu chefe? Tipo, beijo mesmo?

— Um super beijo, na verdade. Na verdade, não foi exatamente eu

que o beijei. Nós dois nos beijamos. Rolou um clima, e... aconteceu. E agora
eu não sei o que fazer. Não sei com que cara chegarei para trabalhar amanhã.

— Mas como tudo isso terminou? Vocês não conversaram?

— Não, porque terminou na hora que você me ligou.

— Ai, meu Deus... eu sou uma empata-beijo?

— Foi ótimo que tenha sido assim. Dessa forma pude ir embora sem

precisarmos ficar naquele clima chato sem saber o que dizer. E eu tenho a
esperança de a partir de amanhã conseguir agir como se nada tivesse

acontecido.

— Acha que vai conseguir fazer isso? Você mesma disse que o homem

é uma afronta de tão lindo.

— Ele é. Mas e daí? Sou plenamente capaz de controlar os meus


hormônios.

— Se forem só hormônios, amiga, está tudo certo.

— O que quer dizer com isso?

— Que eu conheço você o suficiente para saber que você é boa nisso

de controle de hormônios. E também é muito profissional e muito centrada.


Se você se permitiu beijar o seu chefe, é porque tem algo agindo em você

que é muito mais forte que os hormônios ou que a razão.

— Do que está falando, Jess? Algo tipo o quê?

— Estou falando, amiga, de sentimentos. Você gosta dele.

Eu ri, de forma um tanto quanto nervosa.

— Sentimentos? Claro que não, Jess... Está louca?

— Você já percebeu o quanto você fala sobre ele?

— Ué, é normal isso, não? Ele é o meu patrão.

— Não é assim que a gente geralmente fala dos nossos patrões,


amiga. O meu último, por exemplo... me fazia chegar em casa todos os dias

xingando-o de todos os piores nomes possíveis.

— Eu não tenho motivo para xingar o meu patrão.

— Sério? Por quê?

— Porque ele é um cara legal.

— E...?

— E só isso. Não tem essa de gostar, Jess. Eu nem posso gostar de


um homem como Thiago Ferri. Além de milionário e um absurdo de lindo,

ele é o meu patrão. E ele pode ter qualquer mulher que queira aos pés dele
em um estalar de dedos.
— E se a mulher que ele quer for justamente você? Se você também

o quer, não seria perfeito?

— Acho que você ainda não entendeu, Jess...

— Você é que ainda não entendeu, Manda. Não entendeu que você é

uma mulher linda e incrível. Preciso ir agora, está na hora do remédio do


meu pai, mas te chamo mais tarde pelo WhatsApp para a gente continuar essa

conversa.

Ela se levantou e veio até mim, dando um beijo na minha testa

seguido de três tapinhas na minha cabeça, como se eu fosse uma criança.


Apenas ri e a observei caminhar para a saída do quarto. Já cruzava a porta

quando eu a chamei:

— Ei, Jess... Você não fica me xingando dos piores nomes possíveis
quando chega em casa, não é?

— Só de vez em quando. Hoje, por exemplo, eu provavelmente farei


isso.

Rimos juntas e ela saiu. Levantei-me e fui até o berço, onde me

debrucei, olhando para Manu. Vê-la dormir sempre me trazia uma sensação
de paz.

Porém, neste dia, isso foi mais difícil de conseguir, devido ao


turbilhão que ocorria dentro de mim.
-----***----
Capítulo 10

Desde a morte de Maria Júlia que eu jamais imaginei me sentir


novamente como naquele beijo.

Eu já havia me permitido viver um momento de luxúria e até mesmo

ido para a cama com outra mulher.

Mas, com Amanda, tinha sido diferente.

A começar pelo fato de que meu desejo por ela não era algo que

havia surgido apenas naquele momento. Eu me senti atraído por ela desde a
primeira vez que a vi, embora tenha sido de forma absolutamente

controlável. Eu a achei muito bonita, e tive também uma simpatia quase que

instantânea por aquela jovem tendo um pequeno surto no elevador parado,

com medo de se atrasar para o primeiro dia de trabalho. Na mesma situação,


veio também um sentimento de empatia pelo fato de ela ter um bebê – assim

como eu também tinha, embora o meu estivesse perdido em algum lugar pelo

mundo.

Porém, logo soube que não existia qualquer possibilidade de eu

deixar que aquilo fosse adiante. Primeiro, porque eu não tinha qualquer

interesse em nenhum tipo de envolvimento com alguma mulher. E, segundo,

porque, ainda que tivesse, Amanda era minha secretária.

Infelizmente, eu não fui capaz de controlar isso. E quando me dei

conta, percebi que minha atração por Amanda só tinha crescido com o passar

dos dias.

Aquele beijo tinha sido a maior prova disso.

Eu a desejava de maneira completamente insana. Naquele dia, se não


fosse aquele maldito celular a nos atrapalhar, estou certo de que teria ido

adiante, e terminado tudo aquilo ali mesmo. No sofá, na mesa de trabalho...

seria capaz de virar a noite fodendo-a de todas as formas, em cada pedaço

daquele escritório.

Mas ela era mãe, a filha dela estava doente, e... que inferno, que

merda eu tinha na cabeça? Eu não podia fazer sexo com a minha secretária!

O problema era que eu não conseguia parar de pensar naquela

mulher.
Porém, ao chegar ao escritório, decidi que a carga de trabalho que eu

tinha para aquele dia era tão grande, que seria fácil manter minha mente

ocupada e evitar tais pensamentos.

Essa ideia foi completamente desmoronada quando, às exatas nove

da manhã, ela abriu a porta de ligação entre as nossas salas, para anunciar

que já tinha chegado.

— Bom dia, senhor Ferri... — ela me cumprimentou, nitidamente se

esforçando para controlar o constrangimento em sua voz.

E como poderia ser diferente, depois daquele beijo tão intenso que

trocamos no dia anterior?

— Bom dia, Amanda — respondi no mesmo tom — E sua filha,

como está? Precisou levá-la ao hospital?

— Ah, não... Graças a Deus, a febre logo passou. Hoje ela acordou
muito bem, aliás.

— Fico feliz. — Apesar da seriedade em meu tom de voz, eu estava

sendo completamente sincero. Realmente tinha ficado preocupado com a


garotinha, embora tivesse deduzido que essa coisa de febre fosse meio que

comum em crianças.

— Alguma orientação para hoje? — ela agilmente retomou o assunto


para o trabalho, e eu entendi aquilo como uma tentativa de fugir da
possibilidade de falarmos qualquer coisa sobre o ocorrido no dia anterior.

Confesso que eu era grato por isso.

— O de sempre. Repasse apenas telefonemas mais urgentes, estarei

hoje focado no projeto, tenho até amanhã para terminar.

— Sim, senhor. Com licença.

E antes que mais qualquer coisa pudesse ser dita, ela se apressou em

sair, retornando para a sua sala.

Deixando-me sozinho, em um silêncio incômodo e solitário.

-----***-----

Foi pouco depois do almoço que ela retornou à minha sala. Por mais

que o meu senso de prudência me alertasse que o melhor a ser feito era me

manter o mais longe possível dela, uma parte de mim ficou feliz com a

presença dela.

Para muito além do desejo físico, eu gostava de tê-la por perto.

Gostava de ouvir sua voz, suas opiniões, gostava do sorriso dela, do jeito de

falar ou de passar a mão pelos cabelos quando estava sem graça, como fez

naquele momento, enquanto se aproximava da minha mesa.


Ela parou diante de mim, estendendo-me alguns papéis.

— São os contratos novos, senhor Ferri. Preciso levar hoje para o

décimo quinto andar.

— Ah... é claro... — Estendi a mão para pegar os papéis. Como eram

contratos-padrões, que eu já tinha lido uma infinidade de vezes, apenas

percorri os olhos por eles rapidamente, assinando cada um e entregando

todos de volta para Amanda.

Ela agradeceu e fez menção de sair, e eu devia ter permitido isso,

porém, por qualquer razão, quando me dei conta já a chamava para pedir sua

opinião.

— Amanda, você poderia dar uma olhada no esboço da campanha de

fraldas?

— Mas eu não entendo nada de publicidade, senhor Ferri.

— Mas entende de bebês mais do que qualquer outra pessoa da

minha equipe. É mãe de um, é justamente o público-alvo que queremos

atingir.

Ela concordou e, de forma tímida, se aproximou, parando atrás da

minha cadeira para olhar a tela do computador. Percebi que ela ficou a

alguma distância de mim, como se temesse que seu braço ou qualquer

pedaço de sua pele se encostasse em mim. Ela provavelmente não imaginava


que não precisaria daquilo para atiçar o meu desejo por ela. Apenas o cheiro

do perfume floral que parecia vir de seus cabelos já me inebriava.

Porém, estava mais do que determinado a não me deixar levar

daquela vez. Sendo assim, apressei-me em passar os slides que descreviam

os detalhes da peça que seria transmitida em comerciais pela TV e pela

internet, explicando a ela cada detalhe de como aquilo funcionaria nas

filmagens. Quando terminei, ela ficou em silêncio por alguns instantes,

pensativa, como se estivesse tendo alguma ideia.

— Poderia voltar àquela parte sobre a flexibilidade do material?

Fiz o que ela pediu, retornando a esta parte. Como era, ainda, apenas

um esboço, muitos trechos ainda não estavam bem definidos.

— Acho que a narração aqui poderia focar na liberdade de


movimento e o conforto do bebê. E nas cenas, poderia ter bebês se

divertindo, fazendo travessuras, brincando, ou mesmo fazendo coisas

simples, tipo... Espere só um minuto... — Ela saiu apressada, indo para a

sua sala, e retornou menos de um minuto depois, trazendo seu celular em

mãos. Olhava para o visor e deslizava o dedo sobre a tela, como se

procurando por algo. Até que me entregou o aparelho. — Tipo isso aqui...

Olhei para a tela do celular, vendo o vídeo que era exibido.


Era um bebê. E, por mais clichê que isso pudesse soar, era a coisa

mais linda que eu já tinha visto na minha vida.

Era uma menininha, que usava uma calça comprida branca e uma

camiseta da mesma cor, com uma estampa de algum personagem infantil que

eu não conhecia. Por cima dela, estava um casaco cor-de-rosa. A pequena

estava sobre um tapete e se arrastava, forçando o corpinho para cima para

conseguir engatinhar. Quando conseguiu, ouvi a voz de Amanda ao fundo,

vibrando, e a garotinha explodiu em uma gargalhada orgulhosa.

Meu Deus, era o som mais contagiante que eu já tinha ouvido na


minha vida. Tanto, que trouxe uma sensação estranha ao meu peito. Uma

sensação boa, uma mistura de felicidade com emoção.

E eu não fazia ideia de porque aquela imagem e aqueles sons faziam

com que eu me sentisse assim.

Na verdade, talvez eu soubesse. Por um momento, foi como se minha


mente tivesse me pregado uma peça, e eu vivesse, ali, a sensação de ver o

filho ou filha que eu não conhecia fazer o mesmo.

A pequena continuou a engatinhar, até que caiu com a barriguinha de

encontro ao tapete. E isso a fez rir ainda mais e girar o corpo, dando uma
volta completa, antes de reiniciar sua aventura de tentar engatinhar.
Senti um calor nos meus olhos e, quando percebi, uma primeira
lágrima começava a descer pelo meu rosto.

Fazia muito tempo que eu não chorava. Talvez, desde a morte da

minha esposa. Quando descobri sobre meu filho, senti raiva, tristeza,
revolta... mas mesmo em meio a tudo isso eu não tinha conseguido derramar

uma lágrima sequer. Sentia como se meus olhos já tivessem secado, como se
estivesse agora incapacitado de colocar as minhas emoções para fora.

Quando o vídeo chegou ao fim, eu apertei o play novamente,


assistindo mais uma vez. Pensei que eu seria capaz de passar horas vendo e

revendo aqueles pouco mais de dois minutos de filmagem, mas a realidade


desabou sobre a minha cabeça, fazendo com que eu percebesse que eu

certamente iria parecer um louco se seguisse repetindo aquilo.

Quando levantei os olhos e estendi o celular de volta para Amanda,


percebi que não era exatamente assim que ela me olhava, mas com um ar de

preocupação.

— Está tudo bem, senhor Ferri?

— Está. Desculpe, talvez eu tenha me emocionado um pouco além da

conta.

— Entendo. Fez com que o senhor relembrasse seu filho nessa

mesma fase? Aliás, quantos anos ele tem agora?


— Ele tem a mesma idade da sua filha — Não era uma resposta
muito precisa. Pelos meus cálculos, meu filho devia ter no máximo um mês a

mais que a filha de Amanda. Porém, poderia ter nascido algumas semanas
antes dos nove meses padrão, então decidi que aquela era a resposta mais

prática a ser dada.

— Ah, então ele também está nesta mesma fase de engatinhar, não é?

Talvez o trabalho o impeça de acompanhar essa fase tão de perto quanto


gostaria, é por isso que se emocionou?

Quem me dera fosse apenas aquilo. Porque estava certo de que

nenhum trabalho no mundo me faria negligenciar o crescimento do meu filho.


Por ele, eu provavelmente não ficaria sempre até tão tarde na empresa todos

os dias.

Se ficava, era justamente para tentar fugir dos meus pensamentos a

respeito de onde e como ele estaria.

— Eu não moro com o meu filho — declarei aquilo que era verdade,
porém sem dar maiores detalhes. — A mãe dele decidiu que queria criá-lo

sozinha e não permitiu que eu assumisse a criança.

Sabia que, contando dessa forma, a coisa parecia ainda mais leve do

que a verdade. Amanda não precisava saber que a mulher em questão era
praticamente uma desconhecida por mim, que eu encontrara em um bar,
passara a noite com ela, e que a filha da puta ainda tinha me roubado ao

desaparecer pela manhã. Eu não tinha sequer por onde começar a procurá-la,
mas, ainda assim, fiz isso logo que descobri sobre o bebê.

E... quanto ao meu filho, eu sequer sabia se era mesmo um menino ou

se era uma menina, qual era o seu nome, nem mesmo se estava bem. Mas
explicar tudo aquilo era complicado demais. E doloroso demais também.

Seria melhor que Amanda deduzisse que se tratava de uma ex-namorada e


que eu sabia ao menos o mínimo a respeito da criança.

— Eu sinto muito por isso, senhor Ferri. Não pode tentar entrar com
um pedido de... Reconhecimento de paternidade, é isso?

— Meus advogados já estão cuidando disso — limitei-me a dizer

aquilo. Era o que eu pretendia realmente fazer logo que encontrasse meu
filho.

O primeiro passo, antes de tirá-lo daquela mulher, que era


completamente incapaz de cuidar de uma criança.

— Eu realmente sinto muito.

— Dessa vez você não vai usar sua técnica de falar sem parar?

— Não sei se dessa vez eu realmente entendo o que está passando.


Eu apenas posso imaginar. Aliás, eu realmente consigo imaginar o quanto

seria desesperador se alguém tirasse a Manu de mim.


— Acho que não existe qualquer chance de isso acontecer, não é?

Você é uma ótima mãe.

Ela esboçou um leve sorriso, mas percebi um ar de tristeza em seus

olhos. Perguntei-me se ela teria algum conflito com o pai da menina com
relação à guarda. Esperava que não fosse o caso. Amanda era, sem dúvidas,

uma mãe maravilhosa.

Não querendo ser indiscreto de fazer qualquer pergunta a respeito


disso, eu retornei ao assunto inicial.

— Vou usar sua ideia no projeto. E, com isso, acho que finalizei a
parte do esboço.

— E está maravilhoso. Tenho certeza de que será uma campanha

muito bonita e emocionante.

— Veremos. Resta ainda saber se o cliente vai aprovar. A nossa

reunião com ele será depois de amanhã, tenho apenas mais um dia para
finalizar tudo.

— Vai dar certo. O senhor tem muito talento para isso, senhor Ferri.

— Posso te pedir um favor, Amanda?

— Claro.

— Poderia parar com isso de senhor Ferri e me chamar apenas de

Thiago?
O rosto dela ficou levemente corado.

— Não sei se seria muito adequado, o senhor é o meu patrão.

Pensei na ironia daquilo. No dia anterior, havíamos ultrapassado

vários limites da relação patrão-funcionária. Ela me chamar pelo primeiro


nome não era absolutamente nada diante daquilo.

Contudo, obviamente, eu não iria fazer qualquer comentário a

respeito disso.

— Na verdade, estou para pedir isso aos demais funcionários

também. Agências de publicidade costumam ter um clima mais informal, mas


acho que, por qualquer motivo, todos por aqui são excessivamente formais

comigo. Não era assim no início, e não quero mais que seja.

— Tudo bem. Se o senhor... Digo, se você prefere assim... Thiago,


então?

Ela sorriu e eu fui tomado por uma sensação boa ao ouvi-la me chamar
daquela forma, apenas pelo meu primeiro nome.

Aproveitei a presença dela para mostrar as demais peças publicitárias.


E ela, agora mais à vontade, logo se empolgou em dar mais sugestões. E
todas eram ótimas, aliás. Para alguém que nunca tinha trabalhado com

publicidade, Amanda levava muito jeito, além de contar com uma


característica muito importante para o trabalho, que era a sensibilidade.
Passamos as últimas horas do expediente daquele jeito, com ela
voltando ao seu modo ‘padrão’ de falar muito, que eu tanto adorava. E todo

o constrangimento pelo ocorrido no dia anterior pareceu desaparecer por


completo e, de repente, era como se fosse natural que estivéssemos tão à

vontade um com o outro.

-----***-----
Capítulo 11

Quando coloquei um anúncio de venda do meu carro na internet,


ainda que por um preço abaixo do que ele valeria, mesmo sendo um carro

usado, achei que fosse demorar muito para obter alguma resposta de alguém
interessado. Mas, para a minha grata surpresa, isso aconteceu bem mais

rápido do que eu poderia imaginar. Por isso, deixei o carro em casa neste

dia, já que Jéssica se ofereceu para mostrá-lo ao interessado, que só teria

tempo disponível para isso no meio da tarde, e fui de ônibus para a empresa.

Esta seria minha rotina dali em diante, já que provavelmente nem tão

cedo eu conseguiria comprar outro veículo. Especialmente porque, mesmo

com a venda do carro e com as joias que Nicole tinha deixado, ainda faltaria
muito do dinheiro que ela devia ao agiota. Em alguns dias ele voltaria para
receber o seu pagamento, e eu precisaria usar de todo o meu poder de

persuasão para convencê-lo a me dar um prazo maior para pagar o restante.

Eu sabia que aquele era o tipo de pessoa capaz de tudo, e não


poderia colocar em risco nem a minha vida nem, especialmente, a de Manu.

De qualquer maneira, mesmo indo de ônibus eu cheguei na empresa

no horário certo. E meu dia, ao que tudo indicava, seria bem movimentado
por lá

E preciso dizer que amei isso.

Eu estava encantada com aquele trabalho de publicidade. E

igualmente encantada pelo clima bom estabelecido entre mim e Thiago.

Eu tinha dito à Jéssica, há alguns dias, que sentia como se ele e eu

fôssemos amigos, e agora essa sensação estava mais forte do que nunca. Ele

atualmente não parecia mais nem a sobra do homem carrancudo do qual


todos na empresa sentiam tanto medo. Ele agora sorria com muito mais

espontaneidade e, também, com muito mais frequência. Estava bem falante,

enquanto discutíamos sobre as possibilidades para a campanha. Nós até

mesmo almoçamos juntos, em um restaurante do próprio prédio, onde os

funcionários costumavam comer.

Esta, aliás, foi uma das partes mais divertidas, porque todo mundo

ficou meio assombrado com a mudança de comportamento do nosso patrão.


Ele aproveitou para pedir para alguns deles, enquanto conversávamos

dividindo a mesma mesa, que o chamassem apenas de Thiago.

—Acho que alguém abduziu o nosso chefe e colocou outra pessoa no

lugar — Luana sussurrou no meu ouvido, sentada ao meu lado, em certo

momento durante o almoço. Eu apenas ri. — Não importa, gosto muito mais

deste do que do outro.

Pensei que aquilo provavelmente era porque este, ao contrário do

outro, era o verdadeiro Thiago Ferri, escondido atrás de um manto de

melancolia, e que agora parecia ter coragem para se mostrar.

Logo depois do almoço, seguimos para o escritório, para dar

prosseguimento ao trabalho no projeto. Tudo parecia estar indo muito bem,

até que ouvimos um estrondo e, na sequência, todas as luzes se apagaram.

— O que foi isso? — perguntei, assustada.

Estava sentada em uma cadeira ao lado da de Thiago, ambos na sala

dele, diante de três monitores de computador, que se apagaram com a falta

de energia.

— Era só o que faltava... — ele resmungou, adquirindo um tom sério.

— Vou tentar descobrir o que aconteceu — comunicou, já se levantando e

saindo da sala.
Como secretária, eu é que deveria fazer aquilo. Mas ele se adiantou,

parecendo aflito demais para conseguir esperar. Também me levantei,

caminhando até a porta que ele deixou entreaberta, encontrando todos os


funcionários do setor agitados, aparentemente também tentando entender o

que ocorria.

— Ei, Lu! — chamei por Luana, que passava por mim no momento.

— É sério que esse prédio não tem um gerador? — Afinal, eu trabalhava ali

há pouco mais de um mês e aquela já era a segunda vez que via o local ficar

sem luz.

Na primeira, tinha sido apenas por alguns minutos. E eu esperava que

agora fosse da mesma forma.

— Está com defeito já há tempos e ninguém conserta essa porcaria.

Espero que ninguém tenha ficado preso no elevador. O pessoal está tentando

falar com o zelador para descobrir o que aconteceu, mas deve ter sido só

uma queda de energia, logo volta.

Concordei com ela, torcendo para que tivesse razão.

Contudo, infelizmente logo descobri que não era o caso, quando

Thiago retornou e chamou pela atenção de todos, que se juntaram ao seu

redor para ouvir o que tinha a dizer.


— A rua inteira está sem luz, aparentemente foi um problema sério,

vai levar horas para ser resolvido. A previsão é de que retorne apenas à

noite.

Iniciou-se um falatório de reclamação. aparentemente, todos por ali

vinham trabalhando com prazos apertados.

Thiago fez um sinal pedindo por silêncio, e logo que todos voltaram

a focar nele, continuou:

— Não vamos ter como fazer nada por aqui hoje. A única solução é

todos irem para casa, para continuar em home office. Luana, pode informar a

ordem aos outros setores? Amanhã tudo estará normalizado, então


poderemos retornar o expediente normal.

Alguns seguiram a reclamar, mas a maioria mostrou-se bem feliz com

a possibilidade de ir para casa mais cedo. Outros tiveram que se organizar

em grupos e combinarem um lugar para irem juntos, já que estavam

envolvidos em algum trabalho em parceria. E eu me perguntava qual seria a

minha situação, enquanto retornava para a sala de Thiago, acompanhada por

ele. Apenas quando chegamos lá, eu perguntei:

— E nós, o que faremos?

— O mesmo que sugeri aos outros. Vamos para a minha casa. Não se

preocupe, fica bem perto daqui. — Enquanto falava, ele organizava as coisas
que precisaria levar.

— Ah... Claro. Pode me passar o endereço?

— Não tem motivo para isso, é só você seguir o meu carro.

— É que... na verdade, hoje eu vim de ônibus. Precisei vender o meu

carro.

Ele parou o que fazia, me olhando de forma preocupada. Mas logo

voltou a atenção ao que fazia e falou:

— Então vamos juntos no meu carro. Não se preocupe, devemos

terminar tudo antes mesmo das seis, então eu te levo até a sua casa.

— Não precisa se preocupar com isso, de lá posso pegar um carro

por aplicativo para ir embora. Mas, de qualquer maneira, só por garantia,

vou mandar uma mensagem para avisar à minha amiga, que cuida da Manu,

que talvez eu me atrase um pouco.

— Vai ter problemas com relação a isso?

— Não, nenhum. Ela é minha vizinha. Passa boa parte do tempo com

a Manu na casa dela, aliás. Só preciso avisar para que ela não fique

preocupada.

Enquanto eu falava, peguei o meu celular, começando a digitar para


Jéssica uma mensagem para informar sobre o ocorrido e sobre a
possibilidade de eu chegar um pouco mais tarde que o normal. Apenas parei

quando fui pega de surpresa por um questionamento de Thiago:

— A D&F tem convênio com uma creche aqui do lado e auxílio para

os funcionários que têm filhos. Não achou interessante colocar a Manu lá?

Eu não tinha direito a tal auxílio, já que Manu não era legalmente

minha filha e, portanto, eu não tinha documentação para declarar isso à

empresa. Agradecia ao fato de minha documentação estar restrita ao setor de


RH e Thiago não ter tido a curiosidade e olhá-la, já que aquilo era algo que

eu não teria como explicar.

Mas talvez tivesse, em algum momento.

Porém, tal momento não era agora.

— A Jéssica é minha vizinha e conhece a Manu desde que nasceu, é


alguém de extrema confiança. Manu ainda é muito pequena, prefiro esperar

um pouco mais de tempo antes de colocá-la em uma creche.

— Entendo... Bem, podemos ir? — Terminando de organizar suas

coisas em uma pasta, ele me olhou.

Concordei em silêncio e, então, saímos juntos.

------***-----
O apartamento de Thiago era algo surreal para os meus padrões. Ele
tinha comentado em determinado momento da viagem até lá que, antes,

morava em uma casa muito maior, mas desde que ficou viúvo decidiu ir para
um lugar menor, já que seria agora apenas ele.

Apenas a sala de estar do tal 'lugar menor' era maior do que toda a
minha casa. O local tinha dois andares, e havia uma grande escada levando

para o segundo andar da cobertura. E subimos por lá, indo até um escritório
que tinha um tamanho similar à sala dele na empresa.

Como previsto, não faltava muito para concluirmos o projeto, de

modo com que, por volta das três da tarde, já estava tudo encerrado. Thiago,
então, me pediu para fazer uma revisão prévia dos textos usados, para que

tudo ficasse já pronto para no dia seguinte ser apresentado ao cliente.


Esperava, de coração, que fosse aprovado.

Usando um notebook para isso, sentei-me em um espaçoso e


confortável sofá do escritório. Thiago se sentou ao meu lado, olhando para a

tela, parecendo observar meu trabalho. Aquilo me deixou um pouco


constrangida e o olhei.

— Acho que isso deve ser meio chato para você. Tudo bem se quiser

fazer outra coisa.


— Ah... não... desculpe, estou te deixando desconfortável? Não é
nada chato para mim, muito pelo contrário... Mas posso parar de olhar se

você preferir.

— Não. Eu só acho que deve ser meio entediante. É só uma revisão

gramatical. É meio chato para a maioria das pessoas.

— Na verdade, Português sempre foi a minha matéria preferida, tanto


na escola quanto na faculdade. Acho muito interessante.

Abri um meio sorriso, analisando-o em silêncio por alguns segundos,


tentando captar se aquilo tinha sido alguma ironia.

— Que foi? — ele também sorriu. — Não acredita?

— É que revisar um texto é um trabalho meio tedioso se comparado à


criação de uma campanha publicitária.

— Acho que nenhum trabalho é realmente tedioso quando se gosta do


que faz.

Eu não apenas concordava com ele, como achava isso muito evidente

na melhora visível do humor dele naqueles últimos dias, desde que começou
a se dedicar ao projeto. E ele também pareceu pensar a respeito disso, já

que logo comentou:

— Eu não fazia ideia do tanto que sentia falta de me dedicar

diretamente ao trabalho como publicitário. Acho que eu precisava disso para


conseguir me reconectar à D&F. Obrigado por isso, Amanda.

— Não tem o que me agradecer. Foi um mérito inteiramente seu.

— Eu não teria conseguido sem você. Não teria sequer tido a ideia
de tentar.

— Eu tive a ideia, mas foi você quem a executou.

— Com a sua ajuda. E com o seu apoio e companhia.

Senti o meu rosto corar pela declaração de que a minha companhia

era importante para ele. Porque, afinal, a dele também era para mim. Tanto
que eu percebi que fazia o meu trabalho da forma mais lenta possível, para

tentar prorrogar ao máximo o tempo em que ficaríamos juntos. Aquilo era


tudo o que tínhamos para fazer naquele dia – estando fora do escritório,

todas as demais funções de secretária se tornavam inviáveis de serem


realizadas. E eu sabia que, ao terminar aquela revisão, eu teria que ir
embora.

E eu simplesmente não queria me afastar dele.

Entretanto, foi inevitável. Eu não tinha mais como enrolar,

especialmente porque não havia muito o que ser corrigido nos textos dele.
Sendo assim, eu logo finalizei.

— Prontinho — anunciei, salvando o arquivo e virando o rosto para

o lado, encontrando Thiago olhando-me de forma fixa e intensa.


Ele definitivamente não deveria me tentar daquele jeito. Pensei em

dizer qualquer coisa para quebrar aquele clima antes que, novamente, algo
acabasse acontecendo entre nós. Contudo, fui surpreendida quando ele

impediu isso, sendo absolutamente sincero e direto:

— Eu quero beijar você, Amanda. Sei o quanto isso é errado, mas

simplesmente não consigo resistir.

Ele tinha razão: aquilo era errado. Era completamente errado. E eu,
como funcionária, era o lado mais frágil, quem mais tinha a perder naquele

jogo que ele me propunha jogar.

Só que eu, também, não conseguia mais resistir. Por isso, quando me

dei conta, já deixava que meus lábios e minha voz traíssem completamente a
minha razão, ao simplesmente responder:

— Então, me beije...

E ele atendeu ao meu pedido.

Acolheu o meu rosto com uma das mãos, aproximando-se devagar e


tomando meus lábios com os seus.

Desta vez, foi bem diferente da primeira, em que parecíamos dois


animais movidos por puro instinto. O beijo de agora foi bem mais delicado,

suave e, ao mesmo tempo, com uma intensidade de sentimentos ao mesmo


tempo tão diferentes do primeiro e tão igualmente bom.
Se o primeiro beijo tinha mexido com meus hormônios e me deixado
completamente louca por um algo mais, este de agora tinha mexido com o

meu coração, fazendo-o transbordar um calor que pareceu se espalhar por


todo o meu corpo.

Talvez, mais do que simplesmente me sentir atraída pelo meu chefe,

eu também verdadeiramente sentia algo por ele.

Como aconteceu da outra vez, fomos novamente interrompidos pelo

toque de um celular.

Sempre um maldito celular!

Desta vez, no entanto, era o dele. E, quando ele se afastou e olhou

para a tela, percebi pelas suas feições que deveria ser algo muito importante.

Pedindo licença e dizendo que já voltava, ele se levantou e saiu do


escritório, indo atender no corredor. Contudo, acabou deixando a porta

entreaberta, de modo com que, mesmo sem ter a intenção, eu pudesse ouvir
sua voz alterada. Não estava exatamente nervoso, parecia muito mais...

apreensivo, talvez?

Aproveitei para salvar novamente o arquivo e desligar o notebook,

fechando-o e o colocando sobre uma mesa de centro que ficava de frente


para o sofá.

Passei as mãos sobre os lábios, sentindo ainda o calor dos dele ali.
Meu coração acelerou ainda mais enquanto eu refletia sobre aquele
caminho que nós dois estávamos seguindo.

------***-----
Capítulo 12

Não haveria mais nada naquele momento capaz de me fazer deixar

Amanda e interromper aquele momento que vivíamos.

Nada além de uma coisa. Uma única coisa. Existia apenas uma única

pessoa que me faria parar absolutamente qualquer coisa para atendê-lo. E


este alguém era Marcos Sampaio, o investigador particular que eu havia

contratado há seis meses.

Seis longos meses e quase nenhuma notícia que me fosse realmente

animadora. Porém, eu sabia que ele não me telefonava a não ser que tivesse

descoberto alguma pista, algo no qual se guiar.


E eu acreditei que fosse meramente isso. Meu lado racional até mesmo

me forçava a não ter tantas esperanças assim, já que, assim como nas outras

vezes, poderia ser apenas uma pista vazia. Foi por isso que levei um baque

com as palavras que ele me disse logo que atendi a ligação:

— Se esta mulher realmente teve um filho seu e se o parto foi feito

nesta cidade, ainda hoje eu descobrirei a identidade dela.

— Do que está falando, Sampaio. Por favor, explique.

— Temos apenas quatro hospitais com maternidade em toda essa

região. Duas delas na nossa cidade, uma pública e uma particular. As


chances de a ‘Ana’ ter dado à luz em uma dessas duas é grande.

— Levar uma foto dela lá e perguntar se algum médico a atendeu é um

tanto quando contraproducente, não acha?

— Acho. E é por isso que eu mesmo vou verificar isso. Os dois


hospitais adotaram recentemente um sistema totalmente informatizado, mas

sem conexão com qualquer rede de internet, o que torna impossível o

hackeamento.

— Se não há como hackear, como vamos ter acesso a isso?

— Nada que alguns subornos aos funcionários certos – ou errados,

como você preferir – não resolva. Os valores foram altos, aliás. Vou te

enviar os recibos para o senhor fazer o meu ressarcimento.


Fiz uma pausa, processando aquela informação.

— Está dizendo que conseguiu acesso às fichas de mulheres que deram

à luz nos dois hospitais?

— Não de todas, seria impossível checar tudo isso. Calculei, a partir

da data em que você me informou que manteve relações com a mulher, um

período de trinta e três a quarenta e duas semanas, para cobrir a

possibilidade de ter sido um parto prematuro ou tardio. Todas as fichas têm

fotos. Claro, depois do momento que obtivemos as imagens dela pela câmera

de segurança, ela pode ter mudado o cabelo ou feito procedimentos

estéticos. Mas acredito que, ainda assim, se a ficha dela estiver dentre as

centenas que tenho aqui, vou conseguir identificá-la. Vou antes fazer uma

filtragem por mulheres com idade entre vinte e trinta anos, já que o senhor

me disse que acredita que ela tenha algo entre vinte e dois e vinte e oito. Isso
vai facilitar um pouco mais as coisas.

— Em quanto tempo acha que consegue ver isso?

— Dê-me apenas algumas horas.

Algumas horas...

Era até mesmo difícil de acreditar que, depois de seis meses de

angústia, a informação que eu tanto ansiava levaria apenas algumas horas

para chegar.
Sampaio, no entanto, me advertiu:

— Não é algo certo, senhor Ferri. Pode ser que eu não encontre nada.

A mulher pode ter dado à luz em outro município, outro estado, até outro

país. Pode não ter sido em um hospital, mas em casa. Ou, o senhor sabe, essa

criança pode sequer existir.

— Ela existe — confirmei. Eu não tinha motivo algo para acreditar nas

palavras daquela mulher, mas ver aquela foto daquele bebê trouxe uma
certeza em meu coração, de que ele ou ela existia, e que era meu filho.

— Tudo bem. Senhor Ferri. Mas existem as outras possibilidades que

citei. Vou começar agora a trabalhar no reconhecimento das fotos das fichas.

É muito possível que ainda hoje eu traga uma resposta. Mas reforço que a

resposta pode não ser satisfatória.

— Vou ficar aguardando o seu retorno, Sampaio.

Trocamos mais meia dúzia de palavras e encerramos a ligação. Ainda

precisei ficar ali no corredor por algum tempo, sozinho, tentando me

recompor de tudo o que eu tinha acabado de ouvir.

Senti um calor em meus olhos e logo percebi, perplexo, que depois de

tanto tempo, pela segunda vez em um espaço de poucos dias eu estava

novamente chorando.
-----***-----

A conversa dele ao telefone levou mais de meia hora e, quando

retornou, percebi que ele estava com os olhos vermelhos. Tinha chorado?

— Thiago, está tudo bem? — perguntei, preocupada.

Ele se sentou ao meu lado e seus olhos percorreram o nada por

alguns instantes, como se ele estivesse refletindo sobre a conversa e

processando alguma informação em sua mente.

— Está... tudo muito bem, na verdade. Tudo ótimo. — Ele me olhou e

sorriu. — Eram notícias sobre o meu filho. Notícias ótimas, que indicam que

tenho uma enorme chance de tê-lo de volta.

— Ah, meu Deus... isso é incrível...

— É mais do que incrível. É a melhor notícia que já recebi na vida.

E agora estou à espera de outra notícia, que muito provavelmente será ainda
melhor. Eu não vou medir esforços até ter o meu filho comigo!

Sem pensar muito sobre minhas atitudes, segurei a mão dele com a

minha em cima do sofá. O sorriso no rosto dele aumentou um pouco mais

com aquele contato.

— Sabe, Amanda... É muito bom poder conversar sobre isso com

alguém. Eu sei que isso pode parecer muito inapropriado pelo fato de você
ser minha secretária, mas... Eu me sinto muito bem quando estou com você.

Você acabou se tornando uma amiga para mim.

Talvez, para qualquer mulher que sentisse por um homem o mesmo

nível de atração que eu sentia por Thiago, poderia ser um tanto

decepcionante ser comparada a uma amiga, como se isso fosse algo menor

do que ser vista como uma mulher. Mas a minha sensação diante daquelas

palavras foi completamente oposta a isso. Porque eu também já sentia

Thiago dessa forma, como uma pessoa próxima a mim, como alguém em

quem eu estranhamente confiava. E saber que ele me via da mesma forma

era... Nossa, era sensacional.

E, ao mesmo tempo, ainda tinham os outros sentimentos que se

somavam àquilo. Ele provocava reações no meu corpo que, até então, eram

desconhecidas por mim. E, de alguma forma, eu sabia que provocava isso


nele também. A forma como ele me beijara, tanto há alguns dias no escritório

quando há poucos minutos, naquele mesmo sofá, deixara isso muito claro.

Havia a amizade. E havia a atração. Porém, se fosse apenas isso,

talvez fosse mais fácil de administrar. De tentar sufocar a parte da atração.

Só que, para o meu desespero, existia, ainda, um terceiro ponto.

A presença de Thiago... ou meramente pensar nele trazia um estranho

calor ao meu coração, junto a algo que parecia cócegas no meu estômago.

Algo tão bom de sentir... Mas que eu não podia saber se ele também

sentia.

Lembrei-me, neste momento, de uma conversa que tive uma vez com

minha irmã. Na ocasião, eu tinha quinze e ela dezessete anos. Porém, mesmo
a pouca diferença parecia significar um mundo de experiência a mais. Eu
tinha acabado de dar o meu primeiro beijo, e minha irmã já tinha uma lista

de garotos que tinha levado para a cama. Eu mal saía de casa, reprimida
pelo meu pai, enquanto ela, totalmente negligenciada pela mãe, frequentava

todos os tipos de festas, bebia, fumava, e já havia usado drogas algumas


vezes. Na escola, eu era taxada de 'bobinha', mas Nicole me defendia com

unhas e dentes quando alguém tentava me humilhar por isso.

O que eu achava mais maravilhoso na minha irmã é que ela era vista

por todos como uma garota legal. E ela me tratava, também, desta mesma
maneira. Eu podia conversar com ela sobre absolutamente qualquer coisa, e
ela sempre me ouvia com paciência e atenção. Por mais que minhas questões

pudessem soar meio bobas para ela.

Lembrei-me justamente do dia que contei a ela que tinha beijado


alguém pela primeira vez. E de ter perguntado como eu fazia para saber se

estava apaixonada. Então ela contou sobre a tal sensação de como se eu


sentisse um monte de borboletas voando de forma desencontrada dentro do

meu estômago.

Bem, ela também tinha mencionado um calor no meio das pernas,

mas enfatizou que, se eu sentisse apenas isso, não queria dizer que eu estava
apaixonada, apenas que eu queria dar para o cara. Para ser paixão, era
preciso ter as duas coisas: o calor e as borboletas.

Acho que o que eu sentia com Thiago realmente se parecia com as


tais borboletas.

E, definitivamente, o calor no meio das pernas existia também.


Analisando bem, acredito, inclusive, que ele veio ainda antes das
borboletas, logo na primeira vez que o vi, sozinhos dentro daquele elevador
parado.

— Essa história sobre o meu filho não é algo que eu conte para
muitas pessoas — ele voltou a falar.

— Eu agradeço muito pela confiança.

— Você foi digna dela.

Eu não sabia se era, na verdade. Já que eu tinha um segredo grande

demais e que escondia também dele.

E foi parecendo ler a minha mente que ele fez um comentário que
remeteu a isso.

— Isso me fez lembrar uma coisa. Vou ver amanhã com o RH para
aumentarem o valor do seu auxílio-creche. Você não utiliza a creche

conveniada com a empresa, mas provavelmente tem um gasto alto com uma
babá em tempo integral.

— Ah... não... Não precisa...

— Claro que precisa. Especialmente porque terão dias que você vai
precisar passar mais tempo na empresa, e é justo que sua amiga, que cuida

da Manu, receba também um adicional por isso.

— Por favor, Thiago... não precisa mesmo.


— Amanda, isso não é um favor. É apenas justo.

— Não... por favor, não faça isso.

Acho que falei com um tom de desespero evidente na minha voz, já


que ele me olhou de forma desconfiada.

Ali eu percebi que não teria mais como esconder aquilo. Ao menos,
não de Thiago.

— A Manu não é minha filha. Ela é minha sobrinha, na verdade. Mas

sou eu quem cuido dela, desde que minha irmã morreu.

Ela parecia com medo da revelação que fez, mas eu não conseguia
compreender o propósito daquilo. Não fazia diferença se ela biologicamente

não fosse mãe da Manuela. Se a criança estava sob tutela dela, ela teria
todos os direitos trabalhistas com relação a isso. E foi o que tentei explicar.
— Não acredito que tenha aberto mão do seguro creche por isso,

Amanda. É seu direito, é você quem cuida da menina.

— Eu não tenho a guarda dela. Não de forma legal e oficial.

— Você é tia dela, isso é muito simples de conseguir.

— É um pouco mais complicado do que você pensa, Thiago. A


Nicole não era minha irmã de sangue, nem por adoção. Nossos pais foram

morar juntos, nós crescemos juntas e nos amamos como irmãs, mas
legalmente não temos nenhum parentesco. Quem tem direito à guarda da

Manu é a minha madrasta, mãe da Nick. Mas ela não se importa a mínima
para a neta... não ligava nem mesmo para a filha. Tenho certeza de que ela

mandaria a Manu para um abrigo.

Por um instante... um instante completamente insano, passou-se


rapidamente pela minha mente uma hipótese completamente surreal de que

Nicole poderia ser o verdadeiro nome de Ana. Afinal, Manu tinha, em


média, o mesmo tempo de vida que meu filho teria.

Porém, tão logo aquilo veio à minha cabeça, eu me esforcei para


afastar. Porque era simplesmente absurdo. A forma com que Amanda se

referia à irmã deixava claro que esta era uma boa pessoa, não uma criminosa
como Ana. Sem contar que eu me recordava de em determinado momento da

conversa que tive com Ana, antes de irmos para a cama, que ela mencionou
sobre ser completamente órfã, tanto de pai quanto de mãe. Sei que poderia
ser uma mentira, como as tantas outras que ela contou, mas tinha me chamado

a atenção, naquele momento, um traço de emoção visível nos olhos dela ao


contar aquilo. Parecia ser real.

Mas e se fosse uma figura de linguagem? Amanda mencionou sobre

sua madrasta ter sido uma péssima mãe para Nicole.

Balancei levemente a cabeça, forçando-me a deixar de pensar

naquilo. Seria uma coincidência grande demais, do tipo que só acontecia em


histórias de ficção, ou em uma a cada mil histórias reais.

Percebi que os olhos de Amanda começaram a transbordar, e senti

como se algo dentro de mim se partisse com aquela visão.

Ao mesmo tempo, agora eu entendi que Amanda e eu tínhamos muito

mais em comum do que eu poderia supor a princípio. Ela não exagerara


quando dissera que era capaz de imaginar o quanto sofreria caso alguém

tirasse sua filha dela. Aquele era realmente um medo que pairava sobre sua
cabeça.

Para mim, mais do que um medo, aquilo era a realidade. Mas se a

dor que eu sentia por ser privado de conhecer o meu filho já era algo
insuportável, eu podia imaginar o tamanho do medo dela de vir a perder a

criança que ela já conhecia tão bem.


— Como você tem feito com relação à saúde da menina?

— Sempre que precisa de um pediatra, eu a levo a uma clínica

pequena, próxima à minha casa. Eles mal olham os documentos, e eu


apresento uma identidade sem foto de Nicole como se fosse minha. Ela era

apenas dois anos mais velha que eu, então até o momento ninguém
desconfiou.

— Mas e sobre creche, escola... e se precisar de um atendimento em

um hospital maior, como achou que precisaria quando ela estava com febre?

— Eu penso nisso todos os dias. E fico em pânico com relação a

isso. É algo que em algum momento eu precisarei encarar, mas... Por


enquanto, sou covarde demais para isso, e estou apenas adiando.

Segurei o rosto dela com as duas mãos, fazendo com que ela me

olhasse. Fitando no fundo dos seus olhos, declarei:

— Não diga mais isso, Amanda. Você não é covarde. O que está me
contando agora só prova que é a pessoa mais corajosa que já conheci na
vida.

Ela não disse nada, apenas sustentou o meu olhar. E, quando me dei
conta, eu novamente unia meus lábios aos dela em mais um beijo.

Ela foi inclinando aos poucos o corpo para trás, até deitar
completamente as costas no sofá. Ali, pude explorar melhor sua boca,
deixando-a em alguns momentos para beijar seu pescoço, descendo até seus
ombros e subindo novamente até voltar a encontrar seus lábios. As pernas

dela envolveram as minhas costas, puxando-me para mais perto de si, de


modo com que eu tinha certeza de que ela conseguia sentir o meu pau
endurecido como uma rocha por baixo da minha calça, de encontro com sua
coxa. O contato a fez arfar, tendo um gemido sufocado pela minha boca, que
se mantinha devorando a dela.

Nenhum de nós tinha planejado aquilo, mas parecia natural que fosse
acontecer. O que soava como um absurdo, já que não tínhamos qualquer
relacionamento um com o outro, além de uma relação de patrão e
funcionária.

Ao mesmo tempo... era como se já tivéssemos tanto...

Sentia como se Amanda estivesse presente já há tanto tempo na


minha vida. Sentia como se ela já me conhecesse e compreendesse melhor
do que qualquer outra pessoa. E, sobre os nossos beijos... quantos tinham
sido, antes daquele? Apenas dois... Mas era como se tivessem sido muito

mais.

Porque o gosto dela já me era familiar. O cheiro dela, o toque de


suas mãos... a sensação de deslizar as minhas sobre sua pele... tudo já me era
conhecido. Acolhedor.
E a necessidade de estar dentro dela era como se fosse apenas um
caminho natural a ser seguido.

Ela usava uma camisa com botões na parte da frente, e comecei a


desabotoá-los um a um, sem deixar de beijá-la por sequer um instante.
Deslizei uma das mãos por seus seios, ainda cobertos pelo sutiã, arrancando
dela mais um gemido, que me deixou ainda mais louco de tesão.

Sabia que era um caminho sem volta. Que nada seria capaz de me

fazer parar.

Ou, ao menos, eu achava isso. Porque houve uma coisa que fez com
que eu parasse. Desta vez, não foi o toque do telefone, mas a voz dela,
tímida, sussurrada próxima ao meu ouvido em um momento em que deixei

sua boca para voltar a beijar seu pescoço.

— Thiago... Eu nunca fiz isso antes.

Travei, sentindo-me paralisado, enquanto minha mente girava a mil


por hora, tentando processar aquelas palavras.

Eu esperava que ela ainda se referisse à criação de uma campanha


publicitária.

-----***-----
Capítulo 13

— O que, exatamente, você quer dizer com isso? — Eu ainda tentava

encontrar uma explicação.

— Isso que estamos prestes a fazer.

— Mas... Você tem uma filha.

— Acabei de te explicar sobre ela, Thiago. — Ela ergueu as


sobrancelhas, parecendo me julgar como um grande idiota por aquela minha

reação.

Bem, de fato, era como eu soava.

Levantei-me subitamente, dando uma boa olhada ao nosso redor. O

escritório da minha casa. Um local frio, impessoal... de forma alguma eu


podia permitir que Amanda tivesse sua primeira vez daquela forma.
Eu não tinha qualquer experiência com virgens. Mas me recordava de

minha falecida esposa ter me contado sobre o quanto se arrependia de sua

primeira vez, porque tinha sido com um cara meio idiota, que não deu

qualquer importância aos sentimentos dela e ao quanto significava, para uma

mulher, a sua primeira vez.

Bem, ali, com Amanda, acho que eu é que estava sendo o idiota da

vez. Talvez isso fosse ainda acentuado pelo fato de eu ser o patrão dela.

Ela se sentou no sofá. A camisa, ainda aberta, deixava os seios

cobertos por um sutiã branco de renda à mostra, e aquela era uma imagem

que tornava tudo ainda mais difícil. Que inferno!

— O que aconteceu? — ela perguntou, com uma expressão confusa

no rosto.

— Disse que é virgem? Foi isso mesmo que eu entendi?

— Disse. Algum problema nisso?

— O problema é que... Amanda, eu não posso fazer isso...

O rosto confuso dela deu lugar a uma expressão que mesclava

tristeza e decepção. Ela começou a fechar a blusa, enquanto se levantava.

— Tudo bem, o senhor está certo... Isso é completamente

inapropriado, e peço que me desculpe por isso, senhor Ferri.


De novo aquele inferno de ‘Senhor Ferri’? Achei que tivéssemos

superado essa etapa.

Ela pegou sua bolsa que estava sobre uma cadeira, apanhando o

celular dentro dela.

— O que está fazendo, Amanda?

— Vou chamar um carro de aplicativo para ir para casa. Acho que já


terminamos o trabalho, não é?

— Não. Digo, terminamos, mas você não tem que ir embora agora,

e... ainda que fosse, eu disse que iria te levar.

— Não precisa mesmo, senhor Ferri, eu posso muito bem ir sozinha.

— Amanda... Amanda... olha pra mim. — Ainda com o celular na

mão, ela fez o que eu pedi, mas era evidente o tanto que estava chateada. —

Ouça, já pedi para não me chamar de senhor Ferri. Depois de tudo o que

aconteceu entre nós, isso nem faz sentido.

— O senhor ainda é meu patrão, não? A não ser que esteja

planejando me demitir.

— É claro que não estou planejando isso. Você ainda é minha

funcionária, mas é meio evidente que nós dois passamos um pouco dos

limites do estritamente profissional.

— Se preferir fingir que nada disso aconteceu, está ótimo para mim.
— Não está para mim. E, para ser bem sincero, eu duvido muito que

esteja para você. Porque muita coisa aconteceu. E eu não me refiro apenas à

parte física da coisa, mas... Amanda, eu sinto por você algo que acho que
não imaginei que fosse voltar a sentir por qualquer pessoa. Achei que tudo

tinha acabado para mim, mas a verdade é que... eu estou apaixonado por

você.

Ela piscou algumas vezes e percebi um brilho de emoção em seus

olhos. Aquilo me trouxe um desejo louco de abraçá-la, e não consegui

reprimir isso. Envolvi meus braços ao redor das costas dela, trazendo seu

corpo para junto do meu.

Ela retribuiu e eu não sabia que precisava tanto daquele abraço até

recebê-lo.

Após alguns segundos em silêncio, ela falou, de forma tímida.

— Achei que você não me queria...

Eu quase ri daquela suposição. Amanda tinha aquele poder de me

fazer sentir vontade de sorrir, mesmo que minha mente estivesse

completamente tomada pelo caos.

Pressionei meu corpo contra o dela com um pouco mais de pressão, e

sei que ela podia sentir a minha ereção contra o seu ventre.

— Por acaso parece que eu não quero você? — sussurrei.


Ela soltou mais um gemido baixo e... puta que pariu, isso tornava as

coisas ainda mais difíceis para mim.

— Disse que não podia fazer isso. Acha que eu vou te exigir algo, é
isso? Eu também... eu também estou apaixonada. Nunca me senti assim com

ninguém antes. Mas eu entenderia se, para você, isso fosse apenas uma transa

sem compromisso.

— E você quer uma transa sem compromisso?

— Claro que eu não quero que seja sem compromisso, mas... Eu

quero tanto que minha primeira vez seja com você... eu desejo tanto isso,

com tanta força... Eu não sou uma boneca de porcelana que vai se quebrar.
Não sou uma romântica sonhadora que vai entrar em depressão por sua

primeira vez não ser com alguém para a vida inteira... Eu posso superar isso,

porque... eu estou apaixonada por você, mas eu também te desejo... Minha

irmã falava sobre esse tal calor no meio das pernas e, pelo amor de Deus, eu

não estou suportando mais isso.

Dessa vez, foi impossível controlar o riso. Eu adorava quando

Amanda entrava em seu modo de falar sem parar, especialmente pela sua

sinceridade sem freios nesses momentos.

— Amanda... eu não estou certo se realmente entendi o que você quis

dizer com tudo isso. Poderia traduzir de uma maneira mais clara e direta?
Ela fez uma breve pausa, como se em dúvida sobre se deveria ser tão

clara e direta assim.

— Que eu quero dar para você?

Mais uma vez eu ri, completamente encantado com toda aquela

sinceridade e falta de delicadeza. Por mais que fosse difícil, eu me afastei

um pouco, segurando-a pelos ombros e olhando-a nos olhos.

Ali eu tive ainda mais certeza de que estava apaixonado por aquela

mulher.

— Só para deixar muito claro: eu também quero você. Porra,

Amanda, você nem faz ideia do quanto desejo estar dentro de você, e... —

Fechei os olhos por um momento, respirando fundo. — Mas o fato de você

ser virgem muda muita coisa. É a sua primeira vez. Quero que seja especial.
E, principalmente, que você tenha certeza disso.

Ela piscou algumas vezes, até que, lentamente, um sorriso surgiu em

seu rosto.

— Você é de verdade mesmo?

— Eu estava pensando em perguntar a mesma coisa para você.

— Eu disse que estou certa de que quero... dar este passo a mais com

você. Talvez eu tenha dito isso de uma forma um pouco mais chula, com

aquilo de calor entre as pernas, mas... Já que não estamos no escritório, isso
não pode ser considerado vocabulário inadequado no ambiente de trabalho,

não é?

— Não sei se você percebeu, mas... Nada até aqui foi muito

adequado. Acho que podemos contar o dia de hoje como algo fora do

expediente.

— Melhor assim. Bem, eu estou certa do que quero, mas... Eu não

estou certa de que vou superar tão bem assim caso seja apenas uma transa
sem compromisso. Sei que disse que está apaixonado, e eu também estou,

mas... Acho que o meu bom senso pede para que a gente espere um pouco
mais e veja até onde isso vai nos levar.

Depositei um beijo na testa dela.

— Acredito que o seu bom senso seja extremamente sábio.

— Mas se quiser me dar mais beijos, eu juro que não vou me

incomodar.

Ela não precisaria pedir novamente. Segurei o rosto dela com ambas

as mãos e a beijei.

Quando dei por mim, estávamos novamente no sofá e aquela foi a


maior sessão de autocontrole que já precisei praticar na vida. Porque foram

muitos beijos. Não apenas em sua boca, pescoço e ombros como antes, mas
logo a camisa dela estava novamente aberta, e distribuí toques, beijos e
lambidas em sua barriga e no que estava amostra de seus seios cobertos pelo
sutiã, que me esforcei para manter no lugar. Deliciei-me com cada suspiro

dela, com a forma como ela arfava a cada toque mais intenso.

Também disse coisas em seu ouvido... sobre como ela era linda,
deliciosa, e do quanto a desejava.

Toda essa brincadeira durou mais de uma hora, até chegar o momento
em que precisei me forçar a parar, ou nenhum de nós conseguiria manter

autocontrole.

— Já são quase seis da tarde... — ela falou, visivelmente também


tentando evitar que perdêssemos o controle. — Acho que já pode me levar

embora. Se não precisar mais dos meus serviços.

Acho que eu precisava demais dela ali. Mais do que conseguiria

mencionar. Porém, ela tinha razão. Seria melhor eu levá-la para casa.

Pedi a ela apenas alguns minutos para conseguir me recompor e,


então, saímos do meu apartamento e eu a levei para casa.

Confesso que me senti meio frustrado com o fato de ela não morar
tão longe assim, já que a viagem durou pouco menos de vinte minutos. No

entanto, no caminho fomos conversando de forma tão leve e tão fluida, e


sobre tanta coisa... Que parecia que o tempo, ao mesmo tempo em que curto,

tinha durado muito mais. Falamos sobre a campanha, sobre questões da


empresa, rimos juntos relembrando o dia que nos conhecemos, presos no
elevador. E, é claro, ela falou sobre seu assunto favorito, que era a sua filha.

Eu ficava a cada dia mais encantado com tudo o que ouvia a respeito
daquele bebê.

— Quando você estiver com a guarda do seu filho, ele e a Manu vão
poder brincar juntos — ela sugeriu. E eu achei a ideia simplesmente

maravilhosa. Pensar naquilo era quase como um sonho.

Ela me indicou qual era a sua casa e eu parei com o carro em frente à
calçada. Ela tirou o cinto de segurança e eu quase pedi para que ela não

saísse daquele carro. Que ficasse um pouco mais ali comigo. Mas antes que
eu dissesse qualquer coisa, ela comentou:

— Aliás, você não me contou qual é o nome dele.

E eu, novamente, não soube o que dizer.

Ela havia confiado em mim para contar o seu segredo, sobre não ser

mãe biológica da Manu e não ter legalmente sua guarda. Sabia que aquilo era
algo que poderia trazer complicações gigantescas à sua vida, mas ela tinha

confiado em mim para aquilo.

Aliás, eu pretendia ajudá-la com toda a questão jurídica. No dia


seguinte mesmo já pretendia entrar em contato com meus advogados para

conversar a respeito daquilo e ver o que poderia ser feito. Não me


importava que futuro aquela nossa relação teria, era algo que eu queria fazer

por ela. Porque Amanda, mais do que ninguém, merecia isso.

Diante disso, achei que eu deveria, também, contar a ela sobre a


minha real situação. Dizer que eu não sabia absolutamente nada a respeito do

meu filho. E cheguei a tomar fôlego para isso, mas nesse momento o meu
celular apitou, anunciando a chegada de uma mensagem.

Aquilo acendeu em mim o alerta de que eu estava esperando por


notícias de Sampaio.

Quando peguei o telefone e abri o aplicativo de mensagem, foi

exatamente o nome dele que vi em uma notificação de mensagem recebida.


Abri e senti que parava de respirar por um momento enquanto lia as palavras

escritas ali.

Eu a encontrei. Tenho um nome e um número real de identidade,

já chequei os dados e são verdadeiros, é realmente ela. Estou no


momento em um cartório, onde tenho alguns amigos. O expediente aqui

já acabou há algum tempo, mas eles me deviam um favor e estou


cobrando agora. Acho que logo terei em mãos os dados da certidão do

seu bebê.
Li e reli aquilo uma dúzia de vezes em um espaço de segundos. Foi o

tempo que demorou para que chegasse mais uma mensagem.

Aliás, as informações na ficha dela no hospital indicam que ela teve uma

menina.

Uma menina...

Puta que pariu... eu era pai de uma menininha?

— Olha quem está ali! — A voz de Amanda chegou aos meus

ouvidos, arrancando-me de todos aqueles pensamentos.

Olhei para a direção em que ela apontava e vi uma mulher saindo da


casa ao lado da dela, trazendo um bebê nos braços.

— Vem, Thiago. Entra um pouco e vem conhecer a Manu.

Sem aguardar por respostas, ela abriu a porta e saiu do carro,

encontrando na calçada com a amiga, que lhe entregou a bebê. As duas


trocaram algumas palavras e a outra mulher voltou para a sua casa.

Amanda voltou até a porta do carro, mostrando-me a criança pela

janela.

— Anda, Thiago, vem. Entra um pouco.


Fiquei sem reação por alguns instantes, sem conseguir tirar meus
olhos daquele bebê.

Ela era... como descrever?

Uma coisinha tão pequena, mas, ainda assim, tão perfeita.

Eu já tinha visto fotos e vídeos dela, e já tinha percebido o quanto


era linda, mas nada se comparava a vê-la pessoalmente. Seus olhinhos me

fitavam de forma curiosa, e seus pequenos lábios em formato de coração


formavam um bico que a deixava ainda mais fofa.

Foi quase hipnotizado que tirei meu cinto de segurança e saí do


carro, seguindo Amanda para dentro da casa.

Passamos por um quintal que, embora pequeno, era muito bonito,


com o chão gramado e uma casinha de boneca ao lado de um balanço, ambos
aparentemente colocados especialmente para quando aquela garotinha

estivesse um pouco maior para poder brincar ali.

Atravessando uma varanda, Amanda abriu a porta e chegamos a uma

sala. Pequena, mas também muito bem-organizada, ainda que tivesse alguns
brinquedos no chão, sobre um tapete.

O lugar parecia um lar. Algo que meu apartamento, com todo o seu

luxo, sequer chegava perto.


Amanda foi até um sofá, onde colocou a menina sentada e fez um
sinal para que eu me sentasse também. Fiz aquilo sem sequer pensar muito a

respeito. Meus olhos ainda se mantinham fixos naquela garotinha, como se


ela exercesse algum estranho encanto sobre mim.

— Vou pegar um pouco de água para mim, você aceita? — a voz de


Amanda chegou aos meus ouvidos, mas eu sequer a olhei.

— Aceito, obrigado... — Eu não estava realmente com sede. Mas

apenas respondi qualquer coisa, por puro reflexo.

— Pode dar uma olhadinha nela enquanto vou à cozinha buscar?

— Claro...

Ela falou mais alguma coisa, enquanto se afastava, provavelmente


indo para a cozinha, mas não consegui prestar mais qualquer atenção. Estava

hipnotizado por aquela garotinha e, aparentemente, ela também estava

curiosa a meu respeito, tanto que não parava de me olhar.

Os olhos dela, azuis, me pareciam incomodamente familiares.

Lembrava demais os olhos da minha mãe.

O que, por consequência, fazia com que fossem muito parecidos com
os meus.

Eu sequer pensei a respeito daquilo. Não existia qualquer razão

nisso, mas... que se foda a razão, a lógica ou as chances de algo assim estar
realmente acontecendo na minha vida. Com a mão trêmula, eu peguei o
bracinho esquerdo dela e, devagar, levantei a manga da blusa que ela usava.

E foi como se o mundo ao nosso redor tivesse parado de girar.

Ali estava, a marca idêntica à que um dia eu também tive no meu


próprio braço.

Ela era a minha filha.

-----***-----
Capítulo 14

— Thiago? ...Thiago? — A voz de Amanda chegou aos meus


ouvidos, fazendo com que eu enfim desviasse os olhos do braço de Manu,

que eu ainda segurava, e olhasse para ela.

Estava parada a pouco mais de um metro de mim, com um copo de

água na mão, olhando-me de forma preocupada.

Por alguns instantes, eu não consegui pronunciar uma única palavra.

Minha mente parecia dar mil voltas por segundo, tentando processar todas

aquelas informações e uni-las para que fizessem sentido.

Eu não tinha qualquer dúvida de que estava diante da minha filha.

Porém, algo dentro de mim precisava ter mais certeza daquilo, afastar a

possibilidade de tudo ser um conjunto muito cruel de coincidências.


— A sua irmã... — enfim consegui pronunciar alguma coisa, olhando

para Amanda. — Eu preciso ver uma foto da sua irmã.

— O quê?

— Amanda, por favor, eu preciso de uma foto da sua irmã.

Meu tom aflito de voz fez com que ela não fizesse mais perguntas e
apenas atendesse ao meu pedido. Deixou o copo de água sobre a mesa de

centro e foi até o outro sofá, onde tinha deixado sua bolsa, pegando seu

celular de dentro dela.

Deslizou o dedo sobre a tela, provavelmente percorrendo sua galeria

de fotos, até encontrar algo. Então, ela se aproximou e me entregou o

aparelho.

Quando o peguei e olhei para a fotografia, não tive mais qualquer

dúvida.

Amanda estava ali, em uma selfie, abraçada com outra mulher cujo

rosto ainda assolava os meus pesadelos onde ela sempre fugia, levando meu

filho para longe de mim.

Minha filha... Agora eu sabia. Eu era pai de uma menina.

Nesse momento, meu próprio celular apitou no bolso da minha calça.

Soltei o de Amanda sobre o sofá e peguei o meu, abrindo um arquivo

enviado por Sampaio.


Era uma foto. De um documento. Um registro de nascimento.

Manuela Silva Rodrigues

Filiação: Nicole Silva Rodrigues

— Thiago, o que está acontecendo? — Amanda perguntou, voltando

novamente minha atenção para ela.

— Você sabia disso? — Apesar do tom de pergunta, aquilo era

praticamente uma acusação.

— Se eu sabia do quê?

— Sabe do quê. Armou tudo isso... Entrou na minha empresa, se

aproximou de mim, querendo me fazer de idiota, como sua irmã fez?

Ela tomou fôlego para dizer alguma coisa, mas deteve-se por um

momento, seus olhos se alargando em uma expressão de confusão, mesclada

a um súbito entendimento, como se processasse várias coisas e chegasse a

uma conclusão.

Seus olhos se alternaram, indo de mim para Manuela, focando-se por

um instante na mancha no pequeno braço que eu ainda segurava. Então, ela

voltou a me olhar.
— O filho que você buscava a guarda... — ela sussurrou. — Não...

Isso é impossível... Não...

De repente, aquela reação dela me fez repensar a minha acusação.

Talvez ela não soubesse... Talvez não fosse uma golpista como a irmã.

Eu não sabia. Não sabia no que pensar.

Quando me dei conta, já começava a contar tudo:

— Há mais de um ano eu transei com uma mulher que eu sequer

conhecia, em um momento de insanidade e uma tentativa de tentar recomeçar

a vida depois da morte da minha esposa. A filha da pu... — Calei-me a

tempo. Não sabia se era em respeito à criança ou para não soar tão ofensivo

com a memória da irmã de Amanda. Mas que inferno, eu sentia tanto ódio

daquela mulher, que mal conseguia me controlar. — Ela foi embora enquanto

eu dormia e me roubou. Fiquei furioso, mas não me prendi a isso, sequer fiz
questão de localizá-la para que ela pagasse pelo crime. Mas um ano depois

ela me ligou, disse que ficou grávida naquela noite, e não falou mais nada.

Tentei mandar uma mensagem pelo WhatsApp dela... centenas de mensagens,

aliás, por inúmeros telefones diferentes. Ela nunca me respondeu, nem nunca

mais apareceu online. Mas a foto de perfil dela tinha um bebê, com uma

mancha no braço... uma mancha de nascença igual a...


Desabotoei o pulso da camisa e puxei a manga. Havia uma cicatriz

no meu antebraço inteiro, causada pelo acidente de carro três anos antes. Ali

já não era mais possível visualizar a marca de nascença, mas era quase

como se eu ainda pudesse vê-la.

— Igual a que eu tinha, e que acabou sendo camuflada por essa

cicatriz. Aquela mulher não tinha como saber desse meu sinal, não teria

como forjar algo assim para me enganar. Desde então, o maior objetivo da

minha vida é encontrar esse bebê, e... — Voltei a olhar para Manuela — Eu

nunca imaginei que ela poderia estar tão perto de mim.

— Então você... Você é... — Ela falou, uma expressão de pânico

surgindo em seu rosto.

Então, em um impulso, ela avançou em direção a Manuela e a

agarrou em seus braços, tirando-a do sofá. Então recuou alguns passos,

segurando a menina com força, como se tentasse protegê-la de algo.

E esse algo aparentemente era eu.

Se antes eu cheguei a duvidar da sinceridade dela e a acreditar que


soubesse desde o início de tudo e que estivesse armando algo contra mim,

agora tive a confirmação de que não era nada disso. O desespero nos olhos

dela era bem real.


Tanto nos olhos quanto na voz, quando ela me pediu, já com algumas

lágrimas descendo pelo seu rosto:

— Por favor, não tire ela de mim.

Aquilo me desestabilizou ainda mais.

Eu não sabia o que fazer. Não sabia como agir.

Eu não sabia, sequer, o que pensar.

Voltei a me focar em Manu, que virou o rostinho em minha direção.

Os olhinhos azuis curiosos e confusos. Afinal, eu era um completo

desconhecido para ela.

Se ela pudesse sequer fazer ideia do tanto que eu já a amava.

— Vá embora, Thiago, por favor... — Amanda pediu, com um pânico

crescente em sua voz.

Percebi que forçar minha presença ali naquele momento não

adiantaria de nada.

Não era daquela forma que eu planejava meu primeiro encontro com

o meu bebê. Eu queria poder abraçá-la e dizer, mesmo que ela não fosse

ainda capaz de compreender, o quanto que procurei por ela e o tanto que eu a

amava.
E eu sentia esse desejo. Sentia esse amor. Mas, ao mesmo tempo, eu

também sentia um ódio sufocante por aquela mulher. Ana, Nicole, seja lá

qual nome tivesse. Por ter afastado nós dois daquele jeito. Sentia um ódio

que me cegava a tal ponto de eu também sentir raiva de Amanda, pela

imagem tão bonita que ela pintava da irmã. Por não ter me contado desde o

início que a menina não era realmente sua filha. Quem sabe, se fizesse isso,

eu teria tido alguma desconfiança antes. Eu tinha chegado a cogitar aquela

hipótese horas antes, quando ela enfim me contou a verdade, mas a


informação tinha chegado de forma tão recente que sequer tive tempo de

juntar as peças para poder transformar aquilo, dentro da minha mente, em


uma hipótese real.

Senti raiva, principalmente, porque eu já estava tão apaixonado por

Amanda, que me corroía o peito vê-la assustada daquele jeito.

E, parecendo perceber o medo da tia, Manu também se assustou e

começou a chorar, de uma forma que destruiu por completo o meu coração.

Eu não suportava mais aquilo.

Com isso, não vi alternativa que não fosse obedecer ao pedido de

Amanda e sair dali.

Quando entrei no meu carro, soquei o volante com força. Uma, duas,

três vezes... tentando descontar um pouco do ódio que me corroía por dentro.
Então, quando me dei conta, sentia novamente lágrimas descendo
pelo meu rosto.

-----***-----

Eu não parei desde que ele foi embora.

Na verdade, cheguei a parar apenas por um minuto, quando peguei

meu celular e mandei uma mensagem para Jéssica. Sabia que ela talvez
demorasse um pouco para ver, já que naquele horário deveria estar

preparando a janta para os pais. Mas eu não poderia perder tempo


telefonando para ela e tendo que responder perguntas ou dar explicações

mais complexas.

Não havia tempo para isso.

Uma sensação de urgência dominava o meu peito, e apenas gritava

que eu deveria ir embora dali.


Manu e eu deveríamos ir embora dali.

Não sabia como – já que agora nem um carro eu tinha mais. Não

sabia para onde, porque sequer tinha um familiar a quem pudesse recorrer.
Mas nós não poderíamos continuar ali.

Não se eu quisesse que ela continuasse comigo.

Foi assim, sem pensar direito em minhas atitudes, que abri uma mala
no chão, começando a jogar dentro dela algumas roupas minhas e de Manu.

Apenas o mais necessário. Embora eu sequer fosse capaz de raciocinar


sobre o que seria exatamente este necessário, sendo que não sabia nem

mesmo para onde nós iríamos.

Enquanto fazia isso, eu a deixei sentada na cama. Ela não parava de


chorar, por isso eu às vezes parava para beijar sua testinha e garantir que

tudo ficaria bem.

Mas quem poderia garantir algo assim para mim mesma?

A campainha tocou, mas eu ignorei completamente. Segui terminando


de jogar as roupas na mala. Abaixei-me para fechar o zíper dela no momento
em que ouvi a porta da minha casa sendo aberta, seguida por passos

apressados. Aquilo me assustou, mas logo respirei aliviada ao reconhecer a


voz que chamava o meu nome.

— Amanda? Manda, o que está fazendo?


Virei-me em direção à porta do quarto, vendo que Jéssica tinha

parado ali, olhando para mim de forma aflita.

Não tinha dúvidas de que ela tinha lido a minha mensagem.

— Eu preciso ir embora daqui... — falei.

— Está louca, Amanda? Ir embora para onde?

— Eu não sei. Eu só não posso continuar aqui, ou... — Apenas


formular aquela frase em minha mente já fez com que minha garganta se

fechasse, e precisei respirar fundo para segurar o choro e conseguir colocá-


la para fora em palavras. — Ou ele vai tirar a Manu de mim.

Jéssica suspirou. Então, veio até mim e segurou os meus braços,


fazendo com que eu me levantasse.

— Primeiro respira, Amanda. Você e a Manu não vão a lugar algum,

certo? Precisa colocar sua cabeça em ordem.

— Vou colocar, logo que estiver bem longe daqui, com a Manu.

— Longe quanto, Amanda? Mesmo que vá para o outro lado do

mundo, acha que um homem como Thiago Ferri não conseguiria te encontrar,
caso quisesse? Só vai piorar as coisas se fizer isso.

Ela tinha razão. Era horrível admitir aquilo, mas, nem mesmo se
quisesse, eu seria capaz de fugir de Thiago Ferri. O homem era um

milionário, não demoraria nada para me encontrar. Ao contrário de Nicole,


ele sabia o meu nome. Seria uma questão de dias, ou mesmo horas, até que

qualquer investigador particular fosse capaz de me localizar.

Mas, então, o que eu deveria fazer?

— Ele vai tirar a Manu de mim... — falei, rendendo-me de vez ao

choro.

Jéssica me puxou até a cama, onde fez com que eu me sentasse,

sentando-se ao meu lado. Manu ainda chorava, e eu agradeci mentalmente


quando minha amiga a pegou no colo para acalmá-la, sendo que eu,

obviamente, não teria como fazer aquilo, já que apenas conseguira assustá-la
ainda mais com o meu choro.

— Ele disse que vai fazer isso? — Jéssica perguntou, com a voz

baixa para não assustar ainda mais a Manu.

— Não depois de descobrir. Mas antes ele me contou que tinha um

filho e que a mãe da criança tinha afastado os dois. E que não mediria
esforços para ter a guarda do bebê. Como eu podia imaginar algo assim,

Jess? Achei que tinha sido uma ex-namorada, achava até que ele conhecia o
filho.
— Não dava mesmo para saber, Manda. O que a Nick nos contou
sobre o pai da Manu? Que tinha sido um cara qualquer com quem ela

transou.

— Quando ela foi internada, antes de ser sedada e entubada, ela me


contou que ligou para ele para falar da Manu. Mas disse que ele achou que

fosse mentira dela, e que ela começou a se sentir mal e então desligou. —
Jéssica não sabia ainda dessa história. Da segunda parte que contei a seguir,

ela já tinha conhecimento. — Isso minutos antes de ela dar a louca e jogar o
celular dela no rio. Eu nem tive como ir atrás do cara. Quando Thiago me

contou sobre ter um filho... deduzi de cara que fosse um menino. E quando
Nick falou que contou a ele sobre a Manu, deduzi que tivesse dito que era

uma menina. É por isso que essas duas informações nunca se cruzaram na
minha mente para eu sequer desconfiar que esses homens pudessem ser a

mesma pessoa.

— Até porque... quais as chances de uma coincidência dessas,


Manda? Parece até que o destino trabalhou o tempo todo para unir vocês

dois.

Eu não sabia se acreditava no destino. Mas não fazia qualquer

diferença. Minha cabeça apenas dava voltas infinitas em torno da ideia de


que Thiago queria sua filha de volta.
Um simples exame de DNA provaria que Manu era filha dele. Um
olhar mais atento nos dois já dava dicas claras disso. Perguntei-me como

não tinha percebido o motivo de os olhos de Thiago sempre me parecerem


tão familiares...

Já eu... não tinha nada a meu favor. Absolutamente nada. Eu era irmã
de criação da mãe dela, um parentesco que nunca foi oficializado, porque

nossos pais sequer casados legalmente eram. Tudo o que eu tinha por aquela
garotinha era um amor maior do que qualquer coisa que eu já tivesse sentido
na vida. Isso deveria ser o suficiente para qualquer juiz. Mas eu sabia que

não era assim que as coisas funcionavam na prática.

Especialmente pelo fato de o pai biológico dela ser um milionário e

eu ser apenas uma secretária. Juiz algum sequer pensaria antes de dar a
guarda para ele.

— Você não entende, Jess? Eu sei que fugir não adianta, mas... O que
eu posso fazer? Ele vai tirar a Manu de mim.

— Se fugir com ela, você vai estar cometendo um crime. E não vai
ser atrás das grades de uma cadeia que você vai conseguir lugar pela sua

filha. Além do mais, você não sabe se ele vai mesmo fazer isso.

— Ele disse que queria o bebê dele. Que iria tirá-lo da mãe.
— Isso foi antes de ele saber que você é a atual mãe. Vamos
combinar, Manda... a gente amava a Nick. Mas tente se lembrar dela sem

essa aura de amor. Você confiaria a criação de uma criança a ela?

— Ela mudou com a doença. E com a maternidade.

— Mudou. Mas aquele homem não tem como saber disso. Para ele,
ela é apenas uma louca drogada com quem ele passou um a noite.

— E que o roubou antes de ir embora...

— ...Dessa parte eu não sabia.

— Eu também não. Mas também não me surpreende.

— Então... era meio óbvio que ele quisesse tirar a criança de uma
mãe assim. Mas não de você, Amanda. Você é um mãe incrível, e tenho
certeza de que ele já percebeu isso.

— Acha que ele vai levar isso em consideração?

— Eu não sei. Nem você sabe. Talvez, nesse momento, com a cabeça

quente e todo esse caos de revelações, nem ele próprio saiba o que vai fazer.
O jeito é esperar até amanhã e conversar com ele.

Esperar...

Eu não sabia se conseguiria fazer aquilo.


Porque passar uma noite inteira sentindo toda aquela angústia seria
algo insuportável.

Mas não tive outra saída. E a noite foi ainda muito mais longa do que
eu poderia imaginar.

-----***-----
Capítulo 15

Dentro do meu carro, parado na garagem do prédio da empresa, eu


ouvia atentamente a cada palavra dita pela minha advogada. Estava em

contato com ela já desde o dia anterior, depois que cheguei em casa, tomei
um longo banho e passei ainda algumas horas repassando toda aquela

história em minha cabeça.

Cheguei a pensar em ligar para Amanda. Mas, pela forma como me

expulsou de sua casa, sabia que ela não iria querer me atender. Decidi,
então, falar com a advogada e ela me deu muitas orientações.

Neste dia, ainda pela manhã, ela me repassou mais algumas. Já havia
passado do horário do início do expediente, e eu sempre chegava com
antecedência. Desta vez, decidi fazer uso dos meus privilégios enquanto

patrão.

— Reforço, senhor Ferri, que isso não será algo difícil de


conseguirmos. Preciso que o senhor me encaminhe toda a documentação o

mais rápido possível. Ainda não tem um teste de DNA, não é?

— Ainda não — respondi, tamborilando os dedos sobre o painel do


carro. — Mas providenciarei isso ainda hoje.

— Faça isso. E comunique a senhorita Amanda sobre a sua decisão.

Esperamos que ela concorde e torne as coisas mais fáceis.

— Estou certo de que ela fará isso.

Após mais algumas palavras trocadas, encerramos a ligação e eu saí

do carro, seguindo para o elevador.

Enquanto subia os andares do prédio, não consegui evitar relembrar

do dia em que conheci Amanda, naquele mesmo elevador, e do quanto ela de

cara chamou a minha atenção.

Primeiramente, lógico, pela sua beleza, mas acredito que apenas isso

não teria sido o suficiente para me fazer sair dali com os meus pensamentos

focados nela. Foi o jeito dela que me encantou desde o início. A forma

sincera e estabanada como falava a respeito do seu chefe, sem sequer fazer

ideia de que estava diante dele. E, especialmente, quando falou que


precisava daquele emprego porque tinha um bebê que dependia inteiramente

dela.

Nem nos meus mais loucos sonhos eu poderia fazer ideia de que o

bebê ao qual ela se referia era justamente o meu bebê. A minha filha.

O elevador parou no último andar e eu saí, cumprimentando os

funcionários do setor pelos quais eu passava. Eu achava que as opiniões

deles a meu respeito haviam melhorado significativamente nos últimos dias,

já que tinha se tornado comum que sorrissem em seus cumprimentos,

mostrando um ar mais leve. No entanto, o clima neste dia parecia pesado.

Eu sabia que minha expressão não devia estar das melhores.

Provavelmente eu estava com o rosto cansado devido à noite passada em

claro. Porém, tive a impressão de que todos pareciam também um tanto

tensos, como se soubessem de algo que eu ainda viria a descobrir.

E logo percebi o que era, quando abri a porta da minha sala e me

deparei com Amanda. Ao contrário dos demais dias, ela não usava roupas

sociais, mas um conjunto básico de camiseta e calça jeans, com um par de


tênis nos pés. Informal demais para um dia de trabalho, o que me dava uma

dica que não pretendia trabalhar naquele dia.

Pela expressão cansada em seu rosto, ela também não havia dormido

aquela noite. Isso não era nenhuma surpresa para mim.

— Eu pedi a minha demissão — ela informou logo que eu fechei a

porta. Tinha medo de que ela dissesse isso, mas não poderia dizer que não

era o previsível que ela fizesse.

Respirei profundamente, sentindo-me esgotado de tudo aquilo. Mas

não pude deixar de reparar em como, apesar de vestida de forma tão

despretensiosa e com olheiras visíveis embaixo dos olhos, ela continuava

linda.

— Nós precisamos conversar, Amanda...

— É, precisamos...

Tomei fôlego antes de começar:

— Eu entrei em contato com uma advogada especializada na área de

família. Ela é uma das melhores do país. E...

Ela fechou os olhos e abaixou a cabeça, levantando a mão em um

sinal para que eu parasse. Fiz isso, temendo que ela estivesse passando mal.

— Está se sentindo bem? — Eu sabia que aquela era uma pergunta

meio estúpida. Nenhum de nós dois estava bem, afinal.


Ela levantou o rosto, voltando a me olhar.

— Antes que você conte sobre o que seus advogados caríssimos vão

fazer, eu quero que me escute.

Balancei a cabeça em concordância e ela ainda tomou fôlego antes

de começar o que logo entendi que seria mais uma de suas sessões de

discursos sinceros.

— Tudo o que eu sabia a seu respeito era que você era um 'ricaço

bonitão' que minha irmã conheceu em um bar e que passou a noite com ela.

Achava que era mais um louco irresponsável como ela, porque... Com

exceção da Jéssica, este era o perfil de todos os amigos, conhecidos,


namorados ou casos passageiros dela. Eu sempre tentei me convencer de

que, se tivesse o seu número de telefone, teria te ligado depois que a Nicole

morreu para te contar que você teve uma filha, porque era um direito seu

saber disso. Mas a verdade é que, mesmo se tivesse o seu número, talvez eu

tivesse medo de fazer isso. Eu não poderia permitir que um total

desconhecido, com grandes chances de ser um mau caráter, tirasse minha

filh... minha sobrinha de mim.

Movimentei a cabeça em concordância. Porque, por mais que eu

esperasse desesperadamente por aquele telefonema, eu sabia que ela estava

com toda a razão. Até porque, não era fácil para ela admitir que sua falecida
irmã era uma pessoa com caráter muito contestável. Ela estava certa em

temer que o pai de Manuela fosse alguém com as mesmas características, e

que teria todo o respaldo da lei caso decidisse ficar com a filha.

Ela voltou a falar:

— De qualquer maneira, a verdade é que isso nem foi uma escolha

para mim, porque eu não tinha como te encontrar.

— Eu sei disso, Amanda. Realmente acredito em você. Mas eu quero

que você entenda que...

— Eu ainda não acabei! — ela me interrompeu, enérgica. — A Manu

foi um sopro de esperança na vida da minha irmã. Ela descobriu um tumor

bem no início da gestação, e quando a Manu nasceu... algumas semanas antes

do previsto e muito pequena, mas com saúde... aquilo foi uma explosão de
felicidade em meio a tanto caos. A Nicole sabia que ia morrer e sua luta foi

toda em prol de conseguir levar a gestação até o final. Ela conseguiu, a Manu

nasceu saudável, e Nicole ainda se sentia bem, aquilo nos encheu de

esperança. Mas ela só conseguiu ver a filha chegar aos três meses, e antes de

morrer me fez prometer que cuidaria da nossa bebezinha...

Ela fez uma pausa e fechou os olhos por um momento. Era visível

toda a dor que sentia naquele momento e o quanto relembrar tudo aquilo era

doloroso. Por isso, quis evitar que sofresse ainda mais.


— Não precisa relembrar tudo isso, Amanda...

— Eu preciso, Thiago. Por favor, apenas me escute... — Ela voltou a


abrir os olhos. — Ela não precisava me pedir isso. Porque a Manu é... É

agora toda a família que eu tenho. Ela foi a minha força para superar a morte

da minha irmã. Ela é tudo, absolutamente tudo para mim. Quando eu cheguei

aqui dizendo que ela era minha filha, não era apenas para enganar as pessoas

e manter em segredo o fato de eu estar criando uma criança de forma ilegal.

Mas porque é isso o que ela é para mim. Ela não tem o meu sangue, mas ela
tem todo o meu coração. Eu faria tudo por ela. Eu fiz, faço e farei tudo por

ela. E se isso não faz de mim uma mãe, eu sinceramente não sei qual o real
sentido dessa palavra. Nicole e eu fomos criadas pelo meu pai biológico e
pela mãe biológica dela, e nenhum deles nunca foi pai ou mãe de verdade

para nós. Você não pode chegar agora e achar que seu sangue pode superar
tudo o que Manu e eu temos uma com a outra. E é por isso que não vim te

pedir nada, Thiago. Eu vim afirmar que você não pode tirá-la de mim. Não
importa o que as leis digam, eu sou a mãe dela.

— De acordo.

— E além do mais... — Ela se calou de repente, só então parecendo


processar o que tinha acabado de ouvir. — O que disse?
— Que estou de acordo. Que concordo com cada palavra do que
você disse.

— Eu disse que não vou admitir que você tente tirar a Manu de mim.

— E eu em momento algum disse que pretendo fazer isso.

Ela piscou algumas vezes. As lágrimas, bravamente contidas até

aquele momento, começaram a descer pelo seu rosto. Aquilo me fez sentir
vontade de sorrir.

Aquela mulher conseguia ser adorável até mesmo quando estava

furiosa.

— Você disse que entrou em contato com uma advogada...

— Eu disse, mas você não me deixou explicar para o quê.

Caminhei devagar até Amanda, parando diante dela, a menos de um


passo de distância. Com suavidade, levei uma das mãos ao rosto dela,

secando uma lágrima. Ela estremeceu com o contato.

— Sim, eu procurei uma advogada. Estou em contato com ela desde


ontem, aliás. Eu vou pedir um exame de DNA e, com ele, entrar com um

processo de reconhecimento de paternidade. E eu vou precisar, também, de


todos os seus documentos. Quero também tudo o que comprove a sua relação

com a Nicole. Fotos de vocês crianças, vídeos... tudo o que mostre que
foram criadas como irmãs. Também quero fotos suas com a Manu. Acha que
sua amiga poderia testemunhar para comprovar que você cuidou da Manu
desde que ela nasceu? Isso também ajudaria.

— Eu não entendo, Thiago. Para que você quer tudo isso?

— Se você não tivesse entrado no seu modo de 'falar sem parar' e me


ouvisse, não precisaria ter abalado tanto o seu emocional, Amanda. —

Brinquei, dessa vez sem conseguir conter o sorriso. — Eu vou, sim, entrar
com um pedido de guarda da Manu. Mas eu não vou tirá-la de você. Vamos

entrar também com um pedido de adoção para que você se torne mãe dela
perante a lei... e assim você vai poder parar de usar documentos de outra

pessoa para levá-la ao médico. E então, nós vamos pedir uma guarda
compartilhada. Ela será minha filha e sua filha.

Como seu fosse possível, a quantidade de lágrimas que escapavam


de seus olhos aumentou. Ela tentou dizer algo, mas pareceu se engasgar no

próprio choro. Então precisou respirar algumas vezes, antes que conseguisse
pronunciar algo.

— Você não vai tirá-la de mim, então? É isso?

— Eu quero ser o pai dela, Amanda. Mas de maneira alguma


permitiria que te tirassem o direito de ser mãe. Eu devo a vida da minha

filha a você. Ela perdeu a mãe aos três meses de vida. Poderia ter ido parar
em um abrigo, ter ficado completamente desamparada. Mas você cuidou
dela. Você a alimentou, a protegeu do frio... Você deu amor a ela. Quando

você me mostrou aquele vídeo dela, eu sequer fazia ideia de que ela poderia
ser a minha filha, mas eu disse a mim mesmo que ela era a criança mais linda

que já vi na vida. Porque o rosto dela transborda felicidade e amor. E isso é


graças a você.

Ela balançou os ombros.

— Acho que a genética ajuda também.

— Ah... Então quer dizer que nisso o meu sangue é importante, não
é?

Ela esboçou um leve sorriso, antes de se jogar em meus braços. Eu a


abracei de volta, dando um beijo no topo de sua cabeça.

— Achou mesmo que eu fosse tirá-la de você, Amanda? Eu não faria


isso. Nem com você, nem com ela. Sei o quanto vocês se amam.

— É que ontem você parecia furioso...

— E estava. Mas não com você. Por um momento cheguei a pensar


que você pudesse já saber de tudo, mas logo percebi que não era o caso.

Mas será que você consegue imaginar tudo o que eu vivi nesses últimos
meses? Coloquei um investigador particular para tentar encontrar esse bebê,
mas eu sequer sabia o nome verdadeiro da sua irmã.
— Agora você a encontrou. Mas... nem conseguiu conhecê-la direito

ontem. Vai ver que ela não apenas é linda, mas também é a bebê mais
simpática, cativante e doce do mundo.

— Foi você que a criou, como ela poderia ser diferente? Você
consegue ser simpática, cativante e doce até mesmo quando está irritada. E

eu quero muito conhecê-la melhor. Quero poder conviver com ela. Mas para
isso eu preciso que você confie em mim. Que, ao contrário do medo que

você tinha, eu vou ser um bom pai. E eu nunca vou afastar vocês duas.
Nunca.

Ela levantou o rosto, olhando-me nos olhos.

— Eu confio. E não tenho qualquer dúvida de que será um pai


maravilhoso.

Tê-la tão perto de mim fez com que eu não resistisse em tomar os

lábios dela com os meus.

A cada vez que nos beijávamos, era como se subíssemos uma nova

etapa. Começando por aquele primeiro beijo, que era movido por puro
desejo carnal. Depois, novos sentimentos foram se somando cada vez mais.

E acho que nada podia se comparar com o de agora.

Eu a desejava. Eu a tinha como minha melhor amiga. Eu estava


apaixonado. Nós tínhamos uma filha.
E acho que eu já a amava.

-----***-----
Capítulo 16

Naquela sexta-feira, eu não trabalhei. Primeiro, porque sequer tinha


ido à empresa com uma roupa apropriada para isso. Segundo, porque o

próprio Thiago pediu para que eu fosse para casa, para descansar depois da
noite em claro e de todo aquele tumultuo de emoções.

E terceiro, e talvez mais importante: porque eu tinha, realmente,


pedido a minha demissão.

Tinha feito isso no calor do momento, achando que Thiago fosse

realmente tentar tirar a Manu de mim. Então, era óbvio que não haveria
qualquer condição de eu continuar trabalhando para ele. Porém, agora,
mesmo com tudo já esclarecido, eu ainda pensava em se deveria pegar o meu

cargo de volta.

Afinal, existia algo acontecendo entre Thiago e eu. Um algo que


ainda não possuía nome. Quando tinha sido apenas um beijo, achei que

pudéssemos tratar isso como um acontecimento isolado, e seguir com

profissionalismo, fingindo que nada tinha acontecido. Mas depois de tudo o

que vivemos no escritório do apartamento dele, sabia que tínhamos entrado

em um rumo sem volta.

Eu não estava certa de que seria capaz de trabalhar ao lado dele sem

precisar ficar o tempo inteiro reprimindo a vontade de que ele arrancasse a

minha roupa e me jogasse sobre a mesa e fizesse...

Bem... que fizesse tudo o que o meu corpo sentia que precisava ser

feito, mas que eu não saberia descrever exatamente. Obviamente, sabia como

tudo funcionava em teoria, mas na prática sabia que existiam várias formas

diferentes.

O combinado foi que no dia seguinte, um sábado, Thiago fosse para a

minha casa, para passar o dia comigo e com a Manu. Eu não sabia se estava

preparada para toda a emoção que aquele encontro dos dois iria me causar.

E quando aconteceu, eu percebi que não... eu não estava nadinha

pronta.
Ele chegou cedo, conforme prometido, pouco antes das oito da

manhã. Em geral, a essa hora Manu já estava acordada. Porém, justamente

neste dia ela decidiu que queria dormir um pouco mais. E eu logo soube que

era bem melhor que tenha sido assim. Manu costumava ficar assustada se

alguém chorasse perto dela, e acabava chorando também. Thiago apoiou as

mãos sobre a grade do berço e, em silêncio, chorou enquanto a olhava


dormir. Eu parei ao lado dele e o abracei, chorando junto.

Ficamos assim por algum tempo, até que ele enfim conseguisse dizer

alguma coisa.

— Eu não consigo lidar com o tanto que ela é linda. É tão perfeita.

— Ela é.

— É estranho pensar que eu a conheci há pouco mais de vinte e

quatro horas... Mas que já a amo com tanta força, que chega a doer o meu

peito?

— Não, não é. Você já a amava antes mesmo de conhecê-la.

— Acha que ela vai gostar de mim também?

— A Manu gosta muito fácil de qualquer pessoa.

— É muito bom saber disso. Aumenta as minhas chances.

— ...Mas... eu tenho certeza de que ela logo vai entender que você

não é qualquer pessoa. É o pai dela. E ela vai sentir isso.


— Tomara que sim. Porque... Sabe, eu acho que não sei exatamente

como devo me portar.

Aquilo me fez rir.

— Como assim se portar?

— Sabe, para ela não me achar bobo demais... ou sem graça

demais... ou sério demais...

— Thiago, ela não tem nem um ano de vida. Acho que ainda não

chegou na fase de fazer esse tipo de julgamento.

— Mas eu quero ser um pai legal, sabe? E eu sequer tenho

referências disso. Sabe, meu pai não era muito presente.

Percebi que era a primeira vez que ele falava sobre sua família.

— Ele morreu?

— Não. Está bem vivo. Mas tem outra família. É até hoje casado

com a amante com a qual traiu a minha mãe quando eu tinha... sei lá, uns

doze anos.

— Eu sinto muito. ...E sua mãe?

—Ela morreu quando eu estava na faculdade. Mas nós também não

éramos emocionalmente próximos. Ela se fechou muito depois que meu pai

foi embora.
— Eu realmente sinto muito. Mas, se servir de consolo... Eu nem me

lembro da minha mãe, ela morreu quando eu era muito pequena. Meu pai foi

e ainda é um péssimo pai, e se casou novamente com uma mulher tão megera

quanto ele, que nunca teve nenhum papel maternal na minha vida. Ainda

assim, mesmo não tendo tido as melhores referências de pais... acho que

estou me saindo bem com a Manu.

— Está se saindo bem demais.

— Você vai se sair bem também. E não vai estar sozinho. —

Percebendo que ele poderia interpretar mal o que eu tinha dito, apressei-me

em emendar: — Afinal, vamos compartilhar a guarda, não é?

— Eu achei que seria o homem mais feliz do mundo se tivesse a

chance de poder criar o meu bebê. Mas agora vejo que essa possibilidade

não faria de mim o homem mais feliz. O que me faz é o que tenho agora: a

chance de criar o meu bebê junto com a mãe e mulher mais maravilhosa que

já conheci.

Aquilo fez com que eu sentisse uma vontade louca de beijá-lo. E

teria feito isso, se, nesse momento, Manu não tivesse se mexido dentro do

berço, chamando nossas atenções para ela. Seus olhinhos se abriram devagar

e ela bocejou, daquele jeitinho que derretia o meu coração.


E, ao que tudo indicava, não apenas o meu. Thiago inclinou o corpo

um pouco mais para frente, olhando-a mais de perto, começando a falar

baixinho:

— Oi... Bom dia, Manu. Nós já nos vimos antes, mas eu ainda não

me apresentei. Você pode me chamar de papai. Isso, é claro, quando você

aprender a falar. — Ele olhou para mim, confuso. — Ela já sabe falar

alguma coisa?

Eu ri.

— Não. Ela apenas balbucia algumas sílabas. Mas tem apenas nove

meses, tem tempo ainda para desenvolver isso.

— Então eu vou poder acompanhar quando ela começar a falar?

— E a andar também. Por enquanto ela apenas engatinha.

Manu emitiu um sonzinho de início de choro e eu a peguei do berço,

levando-a para a cama. Aquele quarto era de Nicole, e ela o decorou todo

para receber o bebê logo que descobriu a gravidez. Como a casa tinha

apenas dois quartos, eu fiquei com o outro, mas dormi ali com ela por muitas

noites, especialmente nos seus últimos meses, para conseguir cuidar dela e

da Manu.

Depois que ela morreu, eu ainda segui dormindo ali por muitas

noites, para ficar mais próxima de Manu


— O que ela tem? Está passando mal? — Thiago me perguntou,

aflito.

— É só uma fralda suja. Resolvo isso em um minuto.

— Será que eu poderia fazer isso?

Eu o olhei, fingindo um tom de desconfiança.

— Não acredito muito que Thiago Ferri saiba trocar uma fralda.

— Passamos dias trabalhando em uma campanha exatamente disso.

Conheço todas as instruções do produto.

— Ah, claro... conhece as instruções. Vamos ver então como você se

sai com isso na prática. — Afastei-me, deixando-a com ele, enquanto ia até
o armário do quarto, apanhar as fraldas, pomada e lenços umedecidos. —

Aliás, como foi ontem a reunião com o cliente?

Ele ainda levou um instante até parecer processar a pergunta, já que


estava concentrado demais olhando para a filha.

— Ah, foi ótima. Eles amaram as novas campanhas, foram todas


aprovadas e muito elogiadas. Você receberá um bônus por elas, aliás.

— Eu?

— Todos os publicitários envolvidos nas campanhas aprovadas


recebem. É política da empresa.
— Mas eu não sou uma publicitária.

— Bem, você trabalhou como uma. É justo que receba por isso.

Fui até ele, sentando-me na beira da cama e colocando sobre ela as

coisas que tinha buscado no armário.

— Sobre isso, eu tomei uma decisão. Não vou mesmo voltar para a

empresa.

Ele me olhou, surpreso.

— Como assim?

— É meio complicado manter o profissionalismo depois de tudo o

que aconteceu entre nós. Todo mundo por lá já me olha de um jeito maldoso
desde que comecei a chamá-lo pelo primeiro nome, e já ouvi algumas

insinuações sobre você estar com um humor muito melhor desde que cheguei
na empresa. Logo saberão também sobre termos uma filha.

— Amanda, não tem que se preocupar com o que outras pessoas vão
falar. Você é uma ótima profissional. É a melhor secretária que já passou

pela D&F.

O elogio profissional, confesso, mexeu levemente com o meu ego,


deixando-me feliz.

— Ainda assim, eu prefiro não misturar as coisas. Posso continuar


por mais alguns dias, enquanto você não encontra alguém para assumir a
função.

— E você vai ficar sem emprego?

— Estou certa de que meu patrão vai me dar uma boa carta de
recomendação para me ajudar a conseguir outro.

— Olha, conversamos sobre isso depois, tudo bem? Agora preciso

mostrar que sei trocar a fralda dessa garotinha aqui. E vou fingir que não vi
que você compra a marca concorrente.

— Ah, isso foi antes das novas propagandas.

— E só mais uma coisa, Amanda. Disse que é complicado manter o


profissionalismo depois de tudo o que aconteceu entre nós. Acredite, nada

aconteceu ainda entre nós. Nada perto de tudo o que ainda quero fazer com
você.

Como ele podia dizer algo como aquilo e, como se não fosse nada
demais, simplesmente voltar a sua atenção para Manu, conversando e

brincando com ela?

Será que ele fazia alguma ideia de o que palavras como aquelas
provocavam em mim?

Logo me concentrei em não pensar mais a respeito disso e o auxiliei


com a questão da troca de fralda. Como alguém que nunca tinha feito aquilo
na vida, ele se mostrou meio atrapalhado, mas até que se saiu bem, no fim

das contas.

Tomamos café da manhã juntos, e Thiago não parava de fazer


perguntas sobre Manu. O que ela gostava de comer, do que gostava de fazer,

qual era a sua rotina e seus hábitos, quais os seus brinquedos favoritos...

Além das perguntas, ele também conversava com ela. O tempo todo.

Manu era uma criança simpática e que não costumava ter problemas para
gostar das pessoas, mas a conexão dela com Thiago pareceu extrapolar tudo

que eu tinha visto até então. Ela sorria o tempo todo. Às vezes balbuciava
algo, interagindo com as coisas que ele falava. Em um momento, ela levou

sua mãozinha ao rosto dele, fazendo carinho, e eu percebi os olhos dele


rapidamente se encherem de lágrimas com aquilo.

Ele perguntou o que costumávamos fazer aos sábados, e contei que

gostava de levar Manu à pracinha do bairro. Então, foi decidido que iríamos
para lá depois do almoço.

Thiago se ofereceu para me ajudar com a comida, mas pedi para que
ele apenas cuidasse de Manu enquanto eu preparava algo especial para nós.

Depois do almoço, demos um banho na Manu e seguimos para a

praça, onde passamos uma tarde simplesmente incrível.


Era um programa tão simples. Especialmente, eu imaginava, para os

padrões de Thiago. Entretanto, ele parecia realmente se divertir, assim como


a Manu. E, quanto a mim... eu sentia uma felicidade que eu não me recordava

de ter sentido antes. Era como se eu estivesse em família.

Ainda que fosse meio errado me sentir assim. Afinal, nós dois

éramos a família da Manu, mas não dava para dizer que éramos um para o
outro. Tínhamos trocado uns beijos, uns amassos, algumas declarações e

insinuações, mas nada além disso. Não tínhamos dado um título à nossa
relação. Éramos um chefe e uma secretária tendo um caso? Amigos que se
pegavam sem compromisso? Toda aquela falta de definição me deixava

levemente angustiada.

Porém, tentei não me focar nisso, e apenas aproveitamos a tarde

juntos. O sol já começava a se pôr quando decidimos ir embora. De volta


para a minha casa, demos mais um banho na Manu, preparei uma comidinha

rápida para ela – Thiago e eu tínhamos lanchado na praça e não sentíamos


fome – e passamos mais algumas horas brincando com ela no tapete da sala,

até que ela começasse a dar os primeiros sinais de sono. Thiago quis colocá-
la para dormir, e eu o vi, novamente, se emocionar quando fez isso.

Logo que a colocou no berço, ele se virou de frente para mim, que o

observava sentada na beira da cama.


— Obrigado — ele disse simplesmente.

— Pelo quê?

— Por tanta coisa. Por cuidar tão bem da Manu, por amá-la tanto... e

por me permitir fazer parte da vida dela. Confesso que tive medo de que
você fugisse com ela, temendo que eu a tirasse de você.

— E eu confesso que essa ideia se passou bem forte pela minha

cabeça.

— Obrigado por não ter seguido adiante com ela. — Ficamos em

silêncio por alguns instantes, em uma troca de olhares, até que ele enfim
disse algo. — Já é tarde, eu preciso ir.

Minha reação foi mais rápida do que eu previa.

— Não precisa ir. Amanhã é domingo. Por que não dorme aqui?

Ele fez uma expressão provocativa, que causou um arrepio por todo

o meu corpo.

— Está me convidando para passar a noite com você?

— Na verdade, é um convite para passar a noite na minha casa, não

necessariamente comigo. Eu fico aqui com a Manu, e você pode dormir no


meu quarto.
— Bem... vou então me iludir, focando que este foi um convite para
eu passar a noite na sua cama. — Ele realmente não deveria me provocar

daquela forma. — Mas acho que vai ficar para outra ocasião. Depois de um
dia inteiro rolando na grama da praça com a Manu, acho que eu precisaria de

um banho e roupas novas antes de me deitar na sua cama.

— Bem... Não seja por isso.

Levantei-me e fui até o guarda-roupas, abrindo uma das portas, onde

peguei um pijama masculino, composto por calça comprida e uma camiseta.


Pelo tamanho, deduzi que pudesse caber nele.

Quando voltei a olhá-lo, ele tinha uma expressão confusa no rosto,


então expliquei:

— Antes de eu vir para cá, Nicole estava sempre recebendo algum...

amigo... para passar a noite com ela. Alguns acabavam sempre deixando

alguma coisa por aqui. Tem uma gaveta inteira apenas com peças de roupas
masculinas esquecidas. Preciso tirar um dia para separá-las e doá-las,
acredito que ninguém volte depois de tanto tempo para pedir a devolução.

— Bem... espero que pelo menos não volte nesta noite.

Sorri, entendendo aquilo como uma aceitação ao meu convite.

Guiei-o até o meu quarto, mostrando a ele o pequeno banheiro da


suíte e separando para ele toalhas, sabonete e uma escova de dentes nova.
Deixando-o ali sozinho, separei algumas roupas para mim e fui para
o banheiro do quarto de Manu, onde também tomei um banho um pouco mais

demorado do que de costume. A água morna caía sobre o meu corpo


enquanto eu repassava na minha mente todas as imagens daquele dia tão
perfeito. Sentia que ainda estava cedo para que ele chegasse ao fim.

Porque eu queria que aquela noite fosse, também, perfeita.

Após o banho e depois de me secar, passei um hidratante bem

perfumado no corpo e coloquei a roupa que separei, da qual logo me


arrependi por não ser nadinha sensual. Era apenas um baby-doll simples, por
cima de uma calcinha branca, de renda. Nem ao menos um sutiã eu tinha
separado, já que minha intenção inicial era apenas dormir.

Porém, aquilo tinha que servir. Eu não teria nada mais sexy, no fim

das contas.

Tomando coragem, saí, parando no corredor, diante da porta do meu


quarto, onde ele passaria a noite.

Respirei fundo e bati na porta.

-----***-----
Capítulo 17

A roupa que Amanda tinha arrumado para mim não me cabia tão bem
assim. Eram peças de dormir, feitas com o propósito de ficarem largas no

corpo, mas para mim pareciam sob justa medida, especialmente a camisa, de

onde os músculos do meu braço e do meu peitoral pareciam querer saltar.

Por sorte, não estava tão frio assim, então decidi que poderia dormir

sem camisa. Pela manhã, eu vestiria minhas próprias roupas.

Deixei a camisa no mesmo lugar onde tinha deixado minhas roupas –

sobre uma poltrona em um canto do quarto – logo que saí do banheiro, e

passei a analisar o ambiente ao redor. Apesar de simples, o local era tão

adorável quando a sua dona. Havia uma estante pequena, completamente


amontoada de livros, e me aproximei para olhar os títulos - quase todos de

romances. Alguns objetos de decoração ajudavam a compor o móvel. Ao

lado da cama, havia uma mesa de cabeceira e, sobre ela, um porta-retrato,

com uma foto em que estava ela, a Manu, e mais uma mulher que demorei a

reconhecer, pela forma como estava debilitada, provavelmente pelo estágio


avançado da doença. Imaginei que provavelmente era difícil guardar uma

lembrança da irmã daquele jeito, mas que certamente Amanda queria ter ali

uma foto delas três juntas.

Voltei a deixar o porta-retrato sobre a mesa e a olhar o restante da

decoração ao meu redor, até que ouvi batidas na porta.

Preocupado que pudesse ser algum problema com Amanda ou com


Manuela, eu me apressei em abri-la, sem sequer me recordar do fato de que

estava sem camisa.

Mas o olhar que Amanda lançou sobre meu peitoral e abdômen me

lembraram bem desse detalhe. Ela aparentemente gostava da visão que tinha.

E, bem... eu também não poderia reclamar da minha.

Ela estava descalça, com os cabelos molhados, caindo de forma

displicente sobre os ombros, e usava um conjunto de dormir composto por

um short curto e uma blusa de alça. Eram peças simples, aparentemente de


algodão, e na cor branca, mas... puta que pariu... deixavam Amanda

incrivelmente sexy.

Não consegui evitar descer os olhos sobre as peças que moldavam

perfeitamente as curvas daquele corpo. Por baixo do tecido fino da blusa, os

mamilos em evidência pareciam um convite para mim.

Subi os olhos de volta até o rosto dela, ao mesmo tempo em que ela

fazia o mesmo. Nossos olhos se encontraram ao mesmo tempo, e eu tinha

certeza de que os meus exprimiam tanto desejo quanto os dela.

Quando me dei conta, já nos atirávamos um sobre o outro e eu

envolvi minha mão em sua nuca, trazendo seus lábios para junto dos meus em

um beijo possessivo. Foi dessa forma que eu a trouxe para dentro do quarto

e, quando percebi, já estávamos sobre a cama dela, com as costas dela

deitadas sobre os lençóis.

Subi a mão por baixo da blusa, encontrando seus seios. Ela arfou

com o contato e eu, ansiando por ouvir mais daquele som, precisei deixar

seus lábios por alguns instantes e descer minha boca de encontro a um dos

mamilos, usando a mão para estimular o outro.

— Thiago... Isso... Isso é tão gostoso...


Por baixo daquela maldita calça de pijama, meu pau doía, sufocado

pelo desespero de se enterrar naquela mulher. Os gemidos dela me deixavam

a cada instante mais enlouquecido.

Terminei de tirar a blusa dela e alternei dedos e boca entre os

mamilos, certificando-me de deixá-la bem molhada, totalmente preparada

para mim.

Foi então que, como um estalo, um fato desabou sobre a minha


cabeça.

Ela era virgem. Eu precisava ir com calma e suavidade naquilo.

E suavidade, no sexo, nunca tinha sido o meu estilo.

— Amanda... — sussurrei. Segui estimulando seus seios com as

mãos, mas levantei o rosto, olhando-a nos olhos. A expressão de puro

deleite no rosto dela, com os lábios entreabertos e as bochechas coradas

quase acabou comigo. — Você tem certeza disso?

— Tenho cara de quem está em dúvid... — a pergunta dela foi

interrompida por um gemido, no momento que meus polegares exerceram um

pouco mais de pressão sobre seus mamilos.

Não resistindo, eu voltei a beijar sua boca e, em seguida, garanti:

— Talvez doa um pouco, mas eu prometo que será bom. Farei com

que seja inesquecível.


— Já está sendo... — Ela garantiu.

Voltei a descer meus lábios devagar, em uma trilha de beijos

passando por seus seios, barriga... até chegar ao cós do short, o qual agarrei,
abaixando-o devagar. Amanda levantou os quadris do colchão para me

ajudar a livrá-la daquela peça de roupa. Ali embaixo surgiu uma calcinha

branca, e eu distribuí beijos por cima da renda do tecido, sentindo as

nuances da mudança na respiração de Amanda com aquele contato, ainda que

por cima da peça íntima.

Já não aguentando mais o desejo de prová-la, eu puxei aquele

pequeno pedaço de tecido para baixo. Afastei delicadamente suas pernas,

distribuindo beijos em sua pele, até começar a prová-la com a minha língua.

O gemido que ela soltou desta vez foi mais alto, embora um tanto contido e

claramente tímido.

Mas eu não a queria tímida. Queria ela completamente solta,

aproveitando cada momento, explorando sua própria sexualidade.

Levantei o rosto, olhando-a novamente com as bochechas rosadas e

os lábios entreabertos. Percebi um tom de frustração em seus olhos ao notar

que eu tinha parado.

— Amanda, você costuma se tocar?

Como se fosse possível, o rosto dela ficou ainda mais vermelho.


— Às vezes... — ela respondeu nitidamente tímida.

— Faz para eu ver?

— Thiago... Eu... Eu não...

Peguei a mão dela, levando seu dedo médio à minha boca e

lambendo-o com vontade, em seguida posicionando-o sobre seu clitóris,

voltando a olhá-la nos olhos.

— Vai... Faz isso para mim.

De forma tímida, ela iniciou um movimento com o dedo. Comecei a

deslizar minhas mãos e língua pelo restante de seu corpo, ajudando a excitá-

la ainda mais e, dessa forma, deixando-a mais solta e menos inibida para se

dar prazer. Quando ela já estava mais à vontade, eu me levantei e, sem

deixar de olhá-la, fui até a poltrona no canto do quarto, onde tinha deixado

minhas roupas e minha carteira. Peguei lá um preservativo, e tive ainda a

precaução de conferir se ainda estava dentro do prazo de validade, tendo em

vista o tempo em que o tinha colocado ali. Nicole tinha sido minha única

tentativa de voltar a ter uma vida sexual depois que fiquei viúvo e, depois da

decepção de ter sido feito de idiota por ela, os preservativos na carteira não

tiveram mais qualquer serventia.

Agora, no entanto, eu estava um grande passo além de um mero

retorno a uma vida sexual. Eu tinha voltado a sentir algo por alguém.
Amanda era especial e eu queria que sua primeira vez fosse inesquecível.

Terminei de me despir e notei os olhos de Amanda se fixando em


meu membro, e a mera visão dele pareceu ter deixando-a ainda mais

excitada, começando a aumentar o ritmo com que se masturbava.

Coloquei o preservativo e voltei até ela, segurando sua mão e

fazendo-a parar quando percebi que estava a ponto de chegar ao orgasmo.

— Thiago... — meu nome foi dito em um choramingo de protesto.

— Vai valer a pena esperar um pouco mais, meu amor... eu garanto

que vai.

Devagar, usei um dedo para penetrá-la, e ela arqueou as costas.


Iniciei devagar um movimento de vai e vem e testei mais um dedo, que

também encontrou facilidade, de tanto que ela estava molhada. Fiz isso sem
deixar de olhá-la, aumentando a velocidade das estocadas ao notar que ela

estava gostando e, assim como fiz quando ela mesma se tocava, parei
subitamente no momento em que percebi que ela estava quase alcançando o

clímax.

Ela novamente choramingou, a respiração pesada, um olhar de quem

implorava por mais.

E meu pau também já estava mais do que implorando. Meu corpo


inteiro ansiava pelo dela.
Deitei-me por cima dela, beijando seus lábios enquanto posicionava
meu membro em sua entrada. Sem deixar de beijá-la nem por um segundo, eu

comecei a penetrá-la.

Eu não estava acostumado a meter com toda aquela suavidade. Isso,


junto ao tanto que eu desejava aquela mulher, fez com que eu precisasse

reunir todo o meu autocontrole para conseguir ir devagar. E mais


autocontrole ainda para parar quando os lábios dela se afastaram dos meus e

ela jogou a cabeça para trás, soltando mais um gemido. Desta vez, era de
dor.

Passei uma das mãos pelo rosto dela.

— Está tudo bem?

Ela movimentou a cabeça em confirmação.

— Está doendo um pouco.

— Se quiser que eu pare...

Dessa vez, a mão dela é que tocou a minha face.

— Não, eu não quero que pare.

Então, eu continuei. Ainda devagar, ao mesmo tempo estimulando


seus seios com uma das mãos e voltando a beijá-la. A tensão no corpo dela

foi aos poucos se dissipando e logo eu a senti novamente relaxada sob mim.
Ainda lento, comecei a me mover dentro dela, sentindo que o tom de dor em
seus gemidos aos poucos foi dando lugar ao prazer.

Gemidos estes que foram ficando mais altos conforme eu seguia as


estocadas, agora mais fortes e profundas.

Senti as unhas dela se cravarem com força em minhas costas e minha

boca deixou a sua para se fartar em seu pescoço, enquanto eu me deleitava


com a voz dela em meu ouvido, gemendo meu nome em meio a palavras que

eu sequer conseguia discernir.

Já completamente louco de prazer, eu já a estocava de forma mais

bruta e rápida, e ela movia os quadris de um jeito adoravelmente estabanado


e inexperiente, tentando acompanhar o ritmo, provavelmente sendo tomada

por um prazer completamente novo.

Segurei-me o quanto pude, até sentir que ela chegava a um orgasmo.


Dessa vez, eu não a privaria disso. Ela novamente jogou a cabeça para trás,

ao mesmo tempo em que soltava um grito de êxtase. Suas costas arquearam e


seu corpo inteiro tremeu. Então, eu me permiti a segui-la naquele prazer.

Deitei-me de costas ao lado dela, ambos ofegantes. Após alguns


segundos, eu a puxei para junto de mim e ela se aconchegou sobre o meu

peito, sendo envolvida pelos meus braços.


-----***-----
Capítulo 18

Um mês depois...

— Senhor Becker, esta é Amanda Santos, minha namorada. Ela é a


mente responsável pela criação da campanha.

Eu sentia um orgulho bobo de mim mesma ao ser apresentada daquela

maneira ao CEO da marca de fraldas na qual trabalhamos juntos na

campanha. Tinha um orgulho profissional, por ter feito parte da criação de


algo tão incrível quanto aquela campanha, junto a um orgulho pessoal pela

forma como Thiago me apresentava para as pessoas.

Como sua namorada...


Aquilo era absolutamente incrível. Assim como tudo o que vinha

acontecendo na minha vida naquelas últimas semanas.

Eu estava naquele dia de volta à D&F, apesar de não trabalhar mais


ali. Conforme eu havia decidido, continuei por apenas mais uma semana, que

foi o tempo que demorou para que Thiago contratasse outra pessoa.

E, assim como eu tinha suspeitado, o nosso rendimento no trabalho


tinha caído consideravelmente naqueles dias. Era muito difícil, para Thiago

e eu, mantermos nossas mãos, e nossos corpos em geral, longe um do outro.

Em uma semana, acho que tínhamos feito sexo em todos os cantos tanto
da sala dele quanto da minha, e até mesmo nos banheiros de ambas. Não

havia mais volta para uma relação estritamente profissional entre nós dois.

Depois disso, realizei várias entrevistas em outras empresas e, graças


à carta de recomendação muitíssimo elogiosa do meu ex-chefe nada

imparcial, eu tinha sido aprovada em algumas delas. No entanto, acabei

optando por outra em que, de certa forma, Thiago ainda seria meu patrão.

Mas, dessa vez, fisicamente bem mais distante. Ele e seu sócio Fernando

tinham também uma produtora de audiovisual, que era um braço da D&F

para a produção das campanhas. Os principais motivos da escolha eram

dois. O primeiro, é que eu tinha me apaixonado por aquela área de

publicidade e queria continuar trabalhando em um lugar assim. O segundo,


era que o prédio da produtora ficava bem ao lado de uma faculdade, onde eu

pretendia, no próximo ano, retomar os meus estudos.

Eu começaria no novo trabalho já no dia seguinte, em uma terça-feira.

Naquela segunda, eu ainda tinha um último compromisso profissional

na D&F, que era comparecer à uma reunião com os responsáveis pela

empresa de fraldas. Thiago fazia questão de me apresentar a eles, que

estavam muito felizes com aquele último trabalho.

Fui muito elogiada naquele dia. Tanto, que fiquei até mesmo sem

graça.

Ao término, todos deixaram a sala de reunião, ficando apenas Thiago e

eu. Segurando minha mão por cima da mesa, ele falou:

— Ouviu o que eles disseram, não é? Nossa empresa não pode deixar

escapar uma funcionária tão espetacular quanto você.

— Vocês não estão me perdendo. Estou apenas mudando de prédio,

mas ainda trabalharei prestando serviços para a D&F.

— O outro prédio é longe demais. Vou precisar inventar muitas

reuniões por lá para poder te ver.

— Meu Deus, como é dramático! Como se não fôssemos passar todos

os fins de semana juntos.


— Até parece que isso é grande coisa. Estava acostumado a te ter

todos os dias, durante a maior parte do meu dia.

— Não vai ter muito tempo para sentir a minha falta. Deixamos

acumular trabalho demais neste último mês, você estará bem ocupado.

Dando um selinho nos lábios dele, eu peguei a minha bolsa e me

levantei.

— Preciso ir. Tenho que fazer umas compras antes de ir para casa.

— Como eu queria te acompanhar.

— Precisa trabalhar. Ou vai acabar falindo a empresa que um dia será

da sua filha.

— É um forte argumento. Você e a Manu vão lá para casa na sexta, não

é?

A ação de guarda conjunta ainda estava em andamento, mas Thiago já


tinha conseguido o reconhecimento de paternidade da Manu e eu estava com

uma guarda temporária. Nosso acordo até tudo estar devidamente legalizado,

era que Manu continuaria comigo durante a semana – já que ela já estava

habituada com a Jéssica e não queríamos ter que contratar uma nova babá

que pudesse trabalhar no apartamento dele. Os finais de semana eram

alternados entre nós. Mas, na prática, o que se alternava era apenas a casa.
Em um final de semana, Thiago ia para a minha e, no seguinte, Manu e eu é

que íamos para a dele.

Vinha funcionando muito bem.

— Vamos, sim. Você vai nos buscar?

— Claro que vou. Mas você não acha que vou esperar até sexta para

ver vocês, né? Vou continuar te levando e te buscando do serviço.

Desde o início oficial do nosso relacionamento, que foi também na

mesma época em que ele ficou sabendo que eu estava sem carro, ele passava

todos os dias na minha casa, pela manhã, para me buscar e, depois do

trabalho, me levava de volta, e assim sempre aproveitava para ver a Manu

— Não faz mais sentido você fazer isso, Thiago. Não vamos mais

trabalhar no mesmo lugar.

— O que não faz sentido e eu ter que esperar uma semana inteira para

ver vocês. Está combinado, amanhã cedo passo para te buscar.

Sem querer discutir, eu apenas concordei, e me inclinei novamente

para beijá-lo mais uma vez. Era para ter sido apenas um selinho, mas Thiago

me segurou, fazendo com que fosse um beijo mais demorado.

Sabendo que aquilo poderia nos levar a algo a mais, desta vez na sala

de reuniões, onde outra pessoa poderia entrar a qualquer momento, eu me


forcei a me afastar e me despedir para, enfim, ir embora, rindo dos pedidos

brincalhões de Thiago para que eu voltasse.

Em pensar que, quando cheguei ali, disseram-me que meu chefe seria

um tirano antipático...

-----****------

No dia seguinte, pela manhã, eu já esperava por Thiago. Jéssica não

iria para a minha casa neste dia, o combinado era que eu levaria Manu à

casa dela.

Um pouco mais cedo que o habitual, a campainha tocou, e eu peguei

Manu no colo, indo com ela abrir o portão, imaginando que só poderia ser

Thiago, indo mais cedo para poder brincar um pouco com a Manu antes de

seguirmos para os nossos trabalhos.

Quando eu abri o portão, no entanto, não foi Thiago que encontrei, mas

um homem que eu nunca tinha visto antes. Tomei fôlego para perguntar o que

ele desejava, mas ele discretamente levantou a barra camisa, mostrando uma

pistola presa ao cós da calça.

Sentindo o meu sangue gelar, agi por impulso e dei um passo para trás.

O homem aproveitou o espaço para entrar em meu quintal, parando em minha


varanda.

— Pode fechar o portão, moça, não vamos querer plateia para a nossa
conversa.

Apesar do tom tranquilo na voz, era evidente que aquilo era uma

ordem e não um pedido. Sendo assim, encostei o portão, segurando Manu

com mais força contra o meu corpo.

— Quem é você? — perguntei, embora já suspeitasse de quem se


tratava.

— Pode me chamar de Tony, é como todo mundo me conhece. A dona


Letícia, ou seja lá qual era o nome de verdade daquela pilantra, devia um

dinheiro para mim. Avisei à moça aqui do lado que eu ia voltar para buscar.

— A ‘Letícia’ morreu. Essa dívida não é minha.

— Tô ligado. Andei sondando com alguns vizinhos. Parece que você é

irmã dela, não é isso? E a coisinha bonitinha aí é filha dela, né? Acho que é
justo vocês duas arcarem com a dívida. Eu não vou ficar com esse prejuízo.

Ele tinha um jeito muito calmo de falar, que, ao mesmo tempo, era

assustador. E eu não estava disposta a correr riscos, nem muito menos a


colocar Manu em perigo batendo boca com um criminoso armado. Por isso,

apenas pedi que ele aguardasse ali e entrei em casa, indo até o meu quarto e
pegando embaixo da cama uma sacola com bolos de notas do que eu havia
conseguido juntar com a venda do carro, de algumas joias e outros objetos
da casa, além de todo o dinheiro que eu tinha conseguido guardar – o que

não era muito.

Voltei à varanda e entreguei a sacola a ele, que se sentou no degrau,


começando a, sem pressa, contar. Quando terminou, ele me olhou, parecendo

levemente irritado.

— Eu tenho cara de idiota, dona? Aqui tem quarenta e cinco mil. Sua

irmã me devia oitenta. E eu ainda estou sendo muito legal de nem ao menos
contar os juros destas últimas semanas.

— Isso é tudo o que eu consegui juntar. A dívida não era minha, eu

nem sabia da existência dela até você aparecer aqui outro dia cobrando.

— Isso já tem mais de um mês.

— De qualquer maneira, foi muito pouco tempo e isso é tudo o que eu


consegui juntar. Preciso de mais um prazo.

— Já dei prazo demais. Acha que sou algum idiota? Eu não vou ser

feito de otário, dona. Ou você me paga o que deve, ou as coisas não vão
terminar bem por aqui.

— Amanda, algum problema? — a voz familiar chegou aos meus


ouvidos trazendo-me uma onda de alívio por eu perceber que não estava

mais sozinha com aquele homem.


Olhei para o portão, que tinha ficado entreaberto e o qual Thiago
apenas empurrara, olhando para aquele estranho ali e parecendo entender

que havia algo errado e que aquela não era uma simples visita.

Passado o primeiro instante de alívio, logo o medo voltou à tona

quando eu me lembrei que Tony estava armado. Ele olhava para Thiago de
forma desconfiada e eu tive medo de que simplesmente sacasse o revólver e

atirasse.

Porém, ele logo voltou a olhar para mim e um estendeu um cartão que
só agora vi que estava em sua mão. Peguei-o com a mão trêmula.

— Volto outro dia, moça. Me ligue ainda hoje para combinar dia e
horário, senão vou aparecer de surpresa, e isso pode não ser nada bom. E é

bom que esteja com o restante do que me deve.

Ele enfiou a sacola com o dinheiro em uma mochila que trazia em suas
costas e começou a caminhar em direção ao portão. Parou diante de Thiago,

observando-o de forma intrigada.

— Seu rosto me é familiar, tenho certeza de que já te vi em algum

lugar.

— Mas eu estou certo de que nunca te vi em lugar algum. Pode me


dizer quem é você?
— Sou só um amigo da moça ali. Tínhamos assuntos pendentes... que

seguem meio pendentes. Volto em outra ocasião. Boa dia para vocês.

Dito isso, ele saiu. Thiago o seguiu com os olhos, desconfiado, logo
voltando a me olhar.

— O que aconteceu aqui, Amanda? Quem é aquele homem?

Não consegui responder, porque meu corpo inteiro começou a tremer e


senti que iria cair. Percebendo que eu não estava bem, Thiago correu até

mim e pegou Manu do meu colo, guiando-me até o degrau onde aquele
homem estivera há até alguns instantes, onde me sentei, com ele se sentando

ao meu lado.

— Amanda... Pelo amor de Deus, me conta o que aconteceu.

Eu não queria envolver Thiago naquilo. Mas não ia conseguir encarar


tudo sozinha.

— A Nicole fez uma dívida com ele. Um empréstimo ou sei lá o quê.

Ele suspirou, tenso.

— Então foi por isso que você vendeu o carro?

— E vendi várias outras coisas. Mas só consegui cobrir pouco mais da

metade do que ela devia.


— Ele estava armado? Ameaçou vocês? Ele fez alguma coisa com

vocês? — A voz dele era carregada de ódio.

— Não, ele não chegou a fazer nada. Mas, sim, estava armado e fez

ameaças. Ele quer o restante do dinheiro, ou pode acabar fazendo algo


contra a Manu.

— Precisamos ir para a polícia.

— Não, Thiago. Nada de polícia. Essa gente é perigosa e vingativa. Se


chamar a polícia, ele pode tentar algo antes que chegue a ir preso.

— E o que sugere? Dar dinheiro a um criminoso?

— Que alternativa eu tenho?

— Certo. De quanto dinheiro estamos falando?

— Agora faltam trinta e cinco mil.

— Tudo bem. Amanhã pagaremos isso a ele. Ou melhor... — Ele pegou


o cartão da minha mão, olhando para o número de telefone escrito ali a

caneta. — Eu pessoalmente cuidarei disso. Não quero que este homem


chegue sequer perto de vocês de novo.

Senti meus olhos começando a transbordar e o primeiro soluço veio à

tona, logo explodindo em outros, em um choro aflito que misturava raiva e


medo. Thiago me puxou para perto dele e me abraçou.
— Fique calma, Amanda. Nada vai acontecer a você ou a Manu. Não
enquanto eu estiver aqui para protegê-las.

-----***-----
Capítulo 19

Diante do computador na minha nova mesa de trabalho, eu


simplesmente não conseguia me concentrar. Thiago tinha me deixado na

produtora há pouco mais de meia hora, e de lá seguiria para o lugar onde ele
tinha combinado de encontrar o agiota para lhe entregar o restante do

dinheiro.

Eu não queria que ele fosse sozinho. Especialmente por o local

marcado ser um galpão abandonado em uma área praticamente deserta da


cidade. Mas ele não permitiu que eu fosse junto e me deixou no meu novo

trabalho.

Sabia que as horas iriam se arrastar até que ele entrasse em contato

comigo contando que tudo tinha sido resolvido e que ele estava bem.
— Algum problema, Amanda? — a voz de Fernando, meu novo chefe,

chegou aos meus ouvidos, arrancando-me de meus pensamentos.

— Ah... não... Desculpe, estava apenas um pouco distraída, mas


prometo que não vai acontecer de novo.

— Espero que esteja tudo bem.

— Não se preocupe. São alguns problemas, mas coisas pessoais.

Prometo que não vão atrapalhar o meu rendimento na empresa.

— Não é com o seu rendimento que estou preocupado. Thiago me deu


ótimas recomendações a seu respeito. Apesar de o envolvimento de vocês

ser algo que evidentemente torna a opinião dele um tanto quanto imparcial,

ele contou sobre suas ideias para a campanha. Nós vamos filmá-la essa

semana, aliás, seria ótimo ter a sua presença.

— Claro. Vou adorar acompanhar. — Apesar de a afirmação ser


verdadeira, estava certa de que não tinha conseguido passar isso no meu tom

de voz. Por mais que tentasse, não conseguia deixar de pensar em Thiago se

encontrando com aquele criminoso.

Fernando, no entanto, não pareceu perceber isso e continuou a falar:

— Ainda acho incrível a história de vocês dois. Ele contratou um

investigador para procurar pela filha... e ela estava há tanto tempo tão

próxima dele, através de você.


— Foi tão incrível, que foi até difícil acreditar em tudo quando

descobrimos a verdade.

— Você faz muito bem ao Thiago. Eu não o via sorrir assim há anos.

— Ah, não sou eu. Foi encontrar a filha que devolveu a felicidade a

ele.

— Talvez a felicidade completa. Mas ele já estava mudado antes


mesmo de descobrir sobre a filha. Desde que conheceu você. Bem, eu tenho

uma reunião daqui a pouco, e preciso parar de atrapalhar o seu trabalho, não

é? Nos vemos mais tarde.

Dito isso, Fernando se afastou, deixando-me sozinha com meus

pensamentos. Agora, também a respeito do que ele tinha dito.

Eu era muito feliz com Thiago, mas às vezes eu ainda me perguntava se

a decisão dele de rotular a nossa relação como um namoro tinha sido


realmente espontânea, ou se tinha sido movida pela vontade de dar uma

família para Manu. Afinal, a gente se dava muito bem, éramos amigos, o

sexo era incrível e eu sabia que ele gostava muito de mim, mas... Ele nunca

tinha dito que me amava.

Forcei-me a parar de pensar nisso. Precisava me focar em meu

trabalho.
E foi o que eu tentava fazer, quando meu celular tocou. Era Jéssica.

Atendi achando que fosse algo corriqueiro, como ela me pedindo para

comprar algo no mercado no caminho para casa.

Mas, para o meu horror, não era nada nem parecido com isso.

— Amanda! — ela praticamente gritou. Sua voz me indicava que

estava chorando. — Eu precisei ir à padaria e estava levando a Manu

comigo, mas um carro parou na frente da calçada... Ele estava armado,


Amanda, e tirou a Manu de mim...

— O que você está dizendo, Jéssica?

— Levaram a Manu.

Foi como se meu coração tivesse parado de bater, paralisado pelo

pânico daquela informação.

-----***-----
No horário marcado, eu estava lá, levando uma bolsa contendo os

trinta e cinco mil restantes da dívida de Nicole. A ideia de negociar com um

criminoso não me era nada agradável, mas era algo que eu precisava fazer

pela segurança de Manuela e de Amanda.

O local combinado era um antigo galpão abandonado, que já tinha

abrigado uma empresa há uns trinta anos e que, desde então, era apenas um

lugar onde eventualmente pessoas se reuniam para usar drogas, casais

utilizavam como motel para encontros sexuais ou, mais raramente, alguém

via como o lugar perfeito para se largar um corpo após um assassinato

(lembro de ter lido notícias disso ter ocorrido umas duas vezes no decorrer

da minha vida).

E agora eu descobria um uso novo para aquele galpão. Aparentemente,

também era o point perfeito para outros tipos de encontros ilegais, como

pagamentos a agiotas.

Achei que fosse ser algo simples. Eu chegaria com o dinheiro,

entregaria a ele e poderia ir embora. Mas tudo já me pareceu estranho

quando cheguei ali e não havia ninguém. Fiquei por cerca de vinte minutos

dando voltas pelo local, incomodado com aquele atraso. Quando fui conferir

o horário no celular, descobri que estava sem sinal de telefonia, o que

deixava ainda mais nítido o tanto que aquele lugar era afastado da parte
habitada da cidade. E o quanto que deixava vulnerável uma pessoa que fosse

sozinha até ali.

Mas eu não tinha medo daquele sujeito. O fato de ele andar armado,

sinceramente, não me intimidava. Mas não conseguia deixar de pensar que,

se eu não tivesse chegado a tempo na casa de Amanda no dia anterior, ela

poderia não ter me contado nada e acabar, em algum momento, ela própria

marcando um encontro ali com aquele bandido.

Já estava desistindo, achando que ele não iria, quando ouvi passos

vindo da entrada do galpão. Estava de costas e virei-me.

Então, pela primeira vez naquele dia, eu realmente senti medo.

O filho da puta não estava sozinho. Segurava minha filha com um dos

braços, enquanto a outra mão balançava um revólver para que eu visse.

Quando Manu me viu, inocentemente, ela abriu um enorme sorriso e

estendeu os bracinhos em minha direção. Contudo, aquele homem parou a

alguns metros de distância de mim, deixando claro que não tinha planos de

me entregar minha filha tão facilmente.

— Um milionário como você devia cuidar melhor da segurança da

família da sua namorada.

Eu não sabia como ele sabia sobre eu ser um milionário, mas pelo seu

comentário entendi que não sabia sobre Manuela ser minha filha.
Provavelmente, em seus questionamentos aos vizinhos de Amanda, tinha

descoberto que ela era tia de Manuela e deduzido que, por frequentar muito a

casa, eu era o namorado dela. Eu não havia contado a ninguém – além de

meu investigador, de meus advogados e de Fernando – sobre ter uma filha,

justamente para manter Manuela segura. Provavelmente a notícia se

espalharia depois que eu conseguisse judicialmente a guarda compartilhada

dela, junto a Amanda, mas eu tinha planos de, até lá, pedir a mão de Amanda

em casamento para que elas fossem, as duas, morar comigo, onde estariam
sempre seguras.

— De onde tirou isso de milionário? — blefei, fazendo todo o esforço


do mundo para não me descontrolar. Ele sabia que usar um bebê para
chantagear alguém já era algo com um apelo e tanto. Porém, provavelmente

se sentiria ainda mais forte com aquilo se fizesse ideia de que ela era minha
filha.

— Eu disse que seu rosto era familiar. Voltando para casa, olhei meu
histórico da internet para descobrir onde eu tinha visto você antes. Foi em

uma matéria de um jornal local, que falava sobre empresas da cidade que
vêm gerando muitos empregos nos últimos anos ou qualquer bobagem desse

tipo. Tinha uma foto sua lá. Sou um bom fisionomista.

— Bem, você não precisava sequestrar uma criança. Eu trouxe o


dinheiro, conforme combinamos ontem pelo telefone.
— Você só pode estar de brincadeira comigo, né? Tu é uma porra de
um milionário. Acha que vou me contentar com uma miséria de trinta e cinco

mil reais? Você pode melhorar isso, amigo. Você me ajuda e eu te ajudo. Não
vai querer machucar a garotinha aqui, né? A tia dela vai ficar chateada com

você se isso acontecer.

Mentalmente, xinguei aquele homem de todos os piores nomes que eu


poderia pensar, mas cerrei os dentes com força, controlando-me para não

dizer qualquer coisa que poderia descontrolar aquele sujeito.

— De quanto dinheiro está falando?

— Um milhão e eu deixo você e sua mulher em paz.

Ele só podia estar de brincadeira.

— Me dê um prazo para levantar esse valor. Não é algo que eu possa

te repassar tão facilmente em uma única transferência bancária.

— Só se você quiser um prazo para ter a menina de volta.

— Não tem nem sinal de celular aqui, não tenho como fazer qualquer

transferência pelo aplicativo do banco.

— Quem falou em banco e em transferência, amigo? Eu só trabalho


com dinheiro vivo.

Mas em que bosta de mundo aquele traste vivia?


— Acha que eu, ocasionalmente, tenho um milhão de reais em dinheiro
vivo na minha carteira?

— Eu imagino que não. E é por isso que vou te dar o prazo de três
horas para ir até o seu banco, sacar o dinheiro, e trazer para mim. Acho que

não vai caber nessa sua bolsa aí, por isso trouxe algo maior para te ajudar.

Ele tirou uma mochila das costas, que aparentemente estava vazia, e a
jogou em minha direção. Ela caiu no chão a poucos passos de mim.

Aquele ainda não era um pedido fácil. Não pelo dinheiro, porque eu
pagaria qualquer valor, daria absolutamente tudo o que eu tinha para livrar a

minha filha daquele risco. Mas pela situação que expus a seguir:

— Não é um procedimento simples chegar em um banco e sacar um


milhão de reais de uma única vez, em dinheiro. Nenhum banco autoriza na

hora um saque de um valor assim.

— O que você vai fazer para levantar esse dinheiro realmente não me

interessa. Você tem três horas. E se trouxer a polícia ou voltar acompanhado


por qualquer pessoa, eu atiro na menina. Não tenho pena de machucar

criancinhas.

Como se entendesse o que era dito, Manu choramingou e voltou a


sacudir os braços em minha direção. O que eu mais queria era ir até ela e
arrancá-la daquele filho da puta, mas o revólver na mão dele deixava muito

claro que ele não tinha a intenção de deixar aquilo ocorrer tão facilmente.

— Então é isso, você tem três horas para conseguir o dinheiro e voltar.
Vou ficar aqui esperando por você, junto com a garotinha.

Antes que eu pudesse responder qualquer coisa, fui interrompido pela


voz feminina que vinha da porta do galpão:

— Deixe que ele a leve. Eu fico no lugar dela.

Virei o rosto para lá, torcendo para que eu estivesse ouvindo coisas,
ou que tivesse me enganado e confundido aquela voz com a de Amanda.

Mas não havia engano algum. Era ela quem estava ali, ofegante,
visivelmente tensa, mas olhando de forma determinada para Tony.

— Amanda, o que está fazendo aqui? — perguntei, perplexo.

Ao ver a mãe, Manu ficou ainda mais agitada, agora balançando os


braços para ela. Como aquele homem não deu qualquer sinal de que iria

soltá-la, ela começou a chorar.

O agiota mostrou-se incomodado com aquele choro, mas tentou ignorar


e respondeu a Amanda:

— Já que você decidiu se juntar a nós, tudo fica ainda mais perfeito.
— Ele apontou a arma para ela. — Ande, chegue mais perto. Agora tenho

duas reféns ao invés de uma.


— Não precisa fazer isso — falei, tentando controlar o desespero na

voz. — Eu vou trazer o dinheiro, você tem a minha palavra.

— Palavras não valem porra nenhuma. — Voltou a olhar para Amanda,

ainda apontando a arma para ela. — Venha logo. Segure essa coisa e faça
com que pare de chorar.

Amanda obedeceu sem sequer parecer pensar a respeito daquilo. Ela

praticamente correu até ele, apressando-se em pegar Manu no colo. Eu


queria, mais do que tudo, ir até elas, mas aquele filho da puta mantinha agora

ambas sob sua mira.

Eu qualquer outra circunstância, Manu teria se acalmado ao ir para o

colo da mãe, mas provavelmente, mesmo sem compreender o que acontecia


ao seu redor, todo aquele clima a deixava em alerta de que havia algo

errado, e ela continuou a chorar, agarrando-se com força ao pescoço de


Amanda.

— Já disse para fazer essa coisa calar a boca! — Tony falou, agora

mais alto, mostrando um descontrole emocional que eu não tinha visto nele
até então.

— Ela está assustada, não vai parar. E deve estar com fome também —
Amanda informou, abraçada fortemente à filha. — Por favor, deixe Thiago
levá-la com ele. Eu fico como sua refém. Três horas de espera serão muito
longas ouvindo uma criança chorar o tempo todo.

Aparentemente, ele pensou sobre o argumento dela. O choro de Manu

parecia irritá-lo demais.

— Tudo bem. Leve a menina e deixe-a no chão a um metro de distância

dele, então volte para perto de mim. Se qualquer um dos dois tentar qualquer
gracinha, eu atiro, sem me importar com em quem eu vou acertar.

Amanda deu um beijo no rosto da filha e eu a ouvi sussurrando ao seu

ouvido algo como 'vai ficar tudo bem, meu amor'. Então, fez o que aquele
homem ordenou, caminhando devagar em minha direção e deixando-a

sentada no chão a cerca de um metro de distância de mim. Manu não queria


soltá-la e seu choro se tornou ainda mais intenso quando Amanda conseguiu

se afastar dela, voltando para perto daquele homem que a ameaçava o tempo
inteiro com um arma.

Apenas quando ele autorizou foi que pude correr até a minha filha e
pegá-la no colo. Ela se agarrou a mim, mas manteve seus olhos na mãe e

continuou a chorar.

— Vá logo, 'senhor Ferri' — o filho da puta ordenou, puxando Amanda


para a sua frente e apontando a arma para sua cabeça. De forma repulsiva,

ele afastou os cabelos dela de um dos lados do pescoço, jogando-o para o


ombro do lado oposto. — Se não voltar em exatas três horas, eu não apenas
vou matar a gostosinha aqui, como, antes, vou me divertir um pouquinho com

ela.

— Filho da puta... Não ouse encostar um só dedo nela! — gritei, em

fúria. No meu colo, Manu se assustou e seu choro se intensificou.

O desgraçado riu.

— Para você ficar tão furioso assim, é porque ela deve mesmo valer a

pena. É melhor ir logo. Seu tempo já começou a correr.

-----***-----
Capítulo 20

Ter que sair de lá e deixar Amanda sozinha com aquele homem foi a
pior coisa que já tive que fazer na vida. E Manu parecia se sentir da mesma

forma, porque logo que saímos do galpão, o choro dela se tornou mais

intenso. No momento em que entrei com ela no carro, ela esticou as

mãozinhas em direção da janela e pronunciou, aflita, aquela que era a sua

primeira palavra:

— Mama... Mama...

Senti que meu peito estava prestes a explodir em um misto de tristeza e

ódio. Era a primeira palavra da minha filha. Era um momento que Amanda e

eu deveríamos comemorar juntos. Mais do que ninguém, ela é que deveria


estar ali para ouvir que a primeira palavra de nossa pequena era um

chamado por ela.

— Eu vou trazer a mamãe de volta, filha. Eu prometo.

Mas, antes, eu precisava tirar Manu dali.

E tinha três horas para conseguir burlar todas as burocracias possíveis


para levantar o valor de um milhão de reais em dinheiro vivo.

Não tinha tempo a perder. Por isso, dei partida no veículo e saí de lá.

-----***-----

Pouco mais de duas horas tinham sido o suficiente para eu conseguir

levantar aquele montante. Logo que consegui sinal de telefonia, ainda na

estrada, consegui ligar para Fernando e pedi para que conseguisse tirar tudo
o que fosse possível em dinheiro vivo das empresas. Explicando

rapidamente a situação a ele, pedi que ele também me conseguisse tudo o

que fosse possível de suas contas pessoais. O restante eu consegui com os

gerentes dos bancos onde eu tinha conta. Também passei em casa e peguei

um valor que guardava em um cofre.

Marquei de me encontrar com Fernando em frente à casa de Amanda e

ele levaria uma mala com todo o valor que conseguira. Juntando tudo, eu
havia conseguido o que aquele desgraçado exigira.

Saindo do meu prédio, segui para a casa de Amanda. Na verdade, para

a casa ao lado da dela.

Jéssica estava na calçada quando cheguei. Eu não tinha avisado que

estava indo para lá, mas ela certamente estava ali há horas à espera de

notícias de Manuela. Quando saí do carro e tirei Manu junto comigo, ela

correu até mim, pegando a bebê em meu colo e abraçando-a de forma aflita.

— Graças a Deus, Manu. Meu amor, graças a Deus que está bem. —

Ela me olhou com preocupação. — Cadê a Manda?

— Estou indo buscá-la agora. Pode cuidar da Manu para mim,

enquanto isso?

— Buscá-la? Meu Deus, onde? Aquele monstro está com ela?

— Eu vou trazê-la de volta em segurança, Jéssica. Apenas cuide da

Manu por mim enquanto isso, por favor.

Olhei para a rua e vi, ainda um pouco distante, um carro vindo em uma

velocidade maior do que aquela rua residencial, lotada de quebra-molas,

permitia. Deduzi que era Fernando, trazendo o restante do dinheiro.

Jéssica balançou o meu braço, de forma aflita.

— Pelo amor de Deus, Thiago, onde a minha amiga está? Ela está

ferida?
— No galpão abandonado daquela empresa de embalagens que faliu.

— Aquele lugar é horrível, nem celular funciona, é completamente

deserto.

— Eu sei. E é por isso que já estou voltando para lá. — Suspirei,

sentindo-me esgotado. Sabia que Jéssica não estava me fazendo aquele tipo

de cobrança, mas, ainda assim, senti a necessidade de desabafar aquilo em

voz alta, para que eu próprio acreditasse. — Eu não tinha o que fazer. Ele
estava armado, estava ameaçando as duas. Eu não podia arriscar tentar

desarmá-lo, ou ele poderia feri-las. Amanda conseguiu que ele liberasse a

Manu, e eu precisava tirá-la daquele lugar e conseguir o dinheiro que aquele

filho da puta me exigiu.

— Você fez o que tinha que fazer, Thiago.

— Porra, não! Eu não podia ter deixado a mulher que eu amo sozinha
com aquele desgraçado.

— Estou certa de que tudo o que Amanda mais queria era que você

tirasse Manu de lá.

— Eu tirei. E agora vou voltar para resgatá-la.

O carro enfim parou diante da calçada, confirmando ser de Fernando,

que saiu do veículo e veio me entregar a mala com o dinheiro. Após me

entregar, ele me deu um abraço e perguntou se queria que ele fosse comigo.
Sabia que Fernando era medroso demais para se dispor a enfrentar

alguém armado. Contudo, também sabia que, mesmo com medo, ele seria

capaz disso para me ajudar, caso fosse necessário.

— Não, ele mandou eu ir sozinho. Mas fique com a Manu, a Jéssica e a

família dela, por favor. Cuide para que fiquem em segurança até que tudo

isso tenha terminado.

Dito isso, eu me voltei para as duas, dando um beijo na testa de Manu e

sussurrando em seu ouvido:

— O papai te ama muito, meu amor. Eu amo muito você e a sua mãe.

Vou trazê-la de volta para você, eu prometo.

Depois de dizer isso, fui também abraçado pela Jéssica, que, para

mim, já era também uma amiga.

Despedi-me de todos e entrei no carro, seguindo rumo ao galpão.

Torcendo para que a mulher que eu amava estivesse bem.

-----***-----
Eu tinha a nítida sensação de que já tinha se passado um dia e uma
noite inteira desde que fiquei sozinha com aquele homem. Porém, eu sabia

que na verdade não tinha sido mais do que algumas horas.

Tony me deixava a par disso o tempo todo, já que não parava de

verificar as horas, fazendo em voz alta uma contagem regressiva de quanto

tempo havia se passado.

Confesso que tive muito medo de que, ao contrário do que ele disse
que faria, não esperasse pelo término do prazo para tentar algo contra mim.

Especialmente pela forma completamente tarada com a qual me olhava.

Porém, para a minha sorte ele parecia aflito demais para isso. Nitidamente

tinha muita pressa, e volta e meia resmungava um 'tem que dar tempo' ou um

'preciso ir logo para o aeroporto' ou ainda um 'amanhã, a essa hora, estarei

bem longe daqui'.

Eu levantei algumas hipóteses para tais frases, e a conclusão mais

lógica a que cheguei era a de que ele estava querendo fugir. Da cidade, do
estado, ou até mesmo do país. Estaria sendo procurado pela polícia?

— Faltam vinte minutos... Não imaginei que ele fosse fazer isso, pela
forma com que olha para você. Mas parece que o ricaço acha que sua vida

não vale um milhão de reais, moça.

Vinte minutos...

E eu já estava quase aceitando o meu destino.

Por mais que eu acreditasse na integridade de Thiago, também sabia


que aquele pedido era um tanto quanto absurdo. Era um valor alto demais

para ser conseguido dessa forma, existia toda uma burocracia bancária para
saques assim.

Era perfeitamente possível que Thiago tivesse desistido.

Eu já estava conformada com isso. Se existia algo que me confortava


era saber que Manu estava a salvo. E ela agora tinha um pai, que cuidaria

muito bem dela

— Quinze minutos. Eu não vou continuar aqui esperando.

Eu estava sentada no chão, de costas para Tony. Pela luz do sol que

entrava pela porta aberta do galpão, eu podia ver a sombra dele no chão
diante de mim e vi quando ele apontou o revólver em direção à minha

cabeça.

Era isso, então... Era assim que minha vida terminaria?


Senti as lágrimas quentes se avolumando em meus olhos e fechei as
pálpebras, à espera daquele fim que parecia ser certo.

Mas o som que ouvi a seguir não foi a de um disparo, mas a de passos

de alguém correndo enquanto adentrava o galpão, seguido pela voz já bem


conhecida por mim, que ao chegar aos meus ouvidos causou uma intensa

onda de alívio que percorreu todo o meu corpo.

— Abaixe essa arma. Eu trouxe o dinheiro.

Abri devagar os olhos, ainda temendo que aquilo tivesse sido algum

tipo de alucinação minha, ocasionada pelo pânico daquela situação. Vi a


sombra de alguém de fato adentrando o local. Um homem, carregando uma

mochila em uma mão e uma mala em outra. Assim como a voz, eu


reconheceria o contorno de seu corpo em qualquer lugar.

Sentindo-me enfim segura para aquilo, eu virei o rosto para trás, tendo
a visão que confirmava minha certeza: era Thiago.

Ele tinha realmente voltado.

Tinha realmente conseguido – sabe-se lá Deus como – aquele valor


alto em espécie.

Ele estava realmente ali para me salvar.

As lágrimas em meus olhos pareceram aumentar de quantidade. Dessa


vez, pelo alívio e pela sensação de amor que aqueceu o meu peito.
Tony respirou fundo, parecendo também aliviado. Ele claramente
estava em desespero por aquele dinheiro, devia precisar dele para realizar a

sua fuga, ainda que os trinta e cinco mil trazidos antes por Thiago já
estivessem com ele.

— E não é que ele voltou mesmo... — Tony zombou.

— Eu disse que voltaria — rebateu Thiago, parando a alguns metros


de distância dele. — Trouxe todo o dinheiro.

— Abra para que eu veja — ordenou, balançando a arma na mão.

Thiago fez aquilo. Abriu primeiro o zíper da mochila e enfiou a mão lá

dentro, tirando alguns bolos amarrados de notas de cem reais. Deixando a


mochila no chão, ele abriu a mala, mostrando que ela também estava cheia
de maços de notas.

Eu nunca tinha visto tanto dinheiro junto em toda a minha vida, e


acredito que Tony também não, porque quando o olhei, percebi que parecia

maravilhado com aquilo.

— Pode conferir, se quiser — Thiago falou, voltando a fechar a mala.

— Não tenho tempo para isso. Vou confiar em você. Olha, você me

surpreendeu. Se eu soubesse que realmente gostava tanto assim da bonitinha


aqui, teria pedido um valor maior.

— Eu trouxe o combinado. Agora solte a Amanda.


Ele me agarrou pelo braço, puxando-me para que eu me levantasse.

Então, me colocou na frente dele, de frente para Thiago, tornando a encostar


o cano da arma na minha cabeça.

— Vamos fazer a troca, então. Venha até mim trazendo o dinheiro, e eu

te entrego a sua mulher. Mas venha devagar, sem tentar qualquer gracinha.
Qualquer movimento brusco ou se eu sequer desconfiar que está armado ou

que trouxe alguém contigo, eu estouro os miolos dela.

Thiago voltou a pegar a mala com uma das mãos e a mochila com a

outra, e, devagar, veio caminhando em nossa direção. Ele mantinha os olhos


frios – muito parecidos com os do homem que conhecia meses atrás, no

elevador da empresa. Porém, no momento em que me olhou, eu percebi uma


mudança. Era como se ele conversasse comigo através do olhar, me
garantindo que tudo ficaria bem.

Agora, eu acreditava naquilo.

-----***-----
Capítulo 21

Quando mais perto ele chegava, mas forte eu sentia a esperança de que
tudo ficaria bem. Especialmente porque não era apenas segurança que os

olhos de Thiago me transmitiam, mas também amor. Ali eu soube que ele
também me amava.

Ele parou bem à minha frente e estendeu a mão que segurava a mochila

para Tony, que a segurou. Na outra mão, no entanto, aquele monstro seguia a

segurar a arma com a qual me ameaçava e aparentemente não tinha planos de


abaixá-la nem mesmo para pegar a mala com dinheiro.

— Coloque a mala no chão — ele ordenou.

E Thiago obedeceu, estendendo devagar a mão para mim.


— O dinheiro está entregue. Agora baixe a arma e deixe que ela venha

comigo.

Tony obedeceu, mas sabia que não fazia aquilo para honrar sua
palavra, mas porque aparentemente estava mesmo com pressa de ir embora

dali. Logo que o cano da arma se afastou da minha cabeça, eu segurei a mão

de Thiago, devagar, ainda temendo por alguma reação súbita daquele

homem.

Dei o primeiro passo para me juntar a ele. E foi então que algo

inesperado aconteceu. Por aquele lugar ser bem deserto, qualquer carro que

passava pela estrada à frente podia ser ouvido. Dessa vez, não foi apenas

um, e não apenas passaram, como também pareceram entrar na parte da


frente do terreno abandonado. Tinha alguém chegando ali.

E ao perceber isso, Tony pareceu se desesperar e agarrou o meu braço

para me puxar de volta.

Thiago, no entanto, agiu rápido, puxando minha mão e me lançando

para trás dele. Tony tinha baixado a arma para fazer aquele movimento e isso

abriu uma brecha para que Thiago pudesse avançar sobre ele, agarrando sua

mão e conseguindo arrancar seu revólver, que acabou caindo no chão. Tony

reagiu dando um soco no rosto de Thiago e fez menção de correr para


apanhar de volta sua arma, mas meu namorado conseguiu agarrá-lo,

puxando-o de volta e revidando com outro soco.

Em um primeiro instante, senti-me paralisada diante da situação, mas

logo me forcei a me recuperar e corri até o revólver, pegando-o no chão e

segurando-o com as duas mãos trêmulas.

Voltei a olhar para a luta que se seguia à minha frente. Thiago acabou

desviando a atenção por um segundo para me olhar, provavelmente buscando

saber se eu estava bem, e com isso abriu a guarda para que fosse novamente

atingido no rosto. Mas logo conseguiu revidar e, em instantes, já estava

levando a melhor, conseguindo derrubar aquele maldito no chão.

Os sons do lado de fora do galpão continuaram, até que o local fosse

invadido por um grupo de policiais armados.

Assustada e agindo por instinto, eu voltei a jogar a arma no chão e

levantei a mão. Mas logo entendi que eles tinham ido até ali com um alvo

certo, pois foram diretamente até Tony – agora caído no chão – e o

levantaram, algemando suas mãos.

Eles falaram alguma coisa sobre terem recebido uma denúncia de que

Tony estava ali e, conforme eu suspeitei, ele realmente já estava sendo

procurado.
Enquanto os policiais o levavam para a viatura e outros averiguavam o

local, eu corri até Thiago, jogando-me em seus braços, nos quais fui

acolhida de forma aflita.

— Você está bem? Ele fez alguma coisa contra você? Se ele encostou

um só dedo em você, eu vou...

— Eu estou bem... — falei, para acalmá-lo. — Ele não fez nada

comigo. Estava nervoso demais com o horário, certamente pretendia fugir. E


você... você voltou para me salvar.

Ele afastou nosso abraço, acolhendo meu rosto com as mãos.

— Você chegou a pensar que eu não viesse?

— Achei que não fosse conseguir sacar todo esse dinheiro assim, tão

fácil.

— Eu assaltaria um banco se precisasse, Amanda. Eu faria qualquer

coisa para salvar a mulher que eu amo.

Um sorriso bobo surgiu em meus lábios, enquanto mais lágrimas caíam

pelo meu rosto. No entanto, minha atenção logo foi desviada para o

supercílio dele, que começava a sangrar

— Thiago... está ferido.

— Isso não foi nada.


— Foi arriscado o que você fez, ele estava ainda armado.

— Eu levaria um tiro por você, se fosse preciso.

Ok, nós tínhamos acabado de passar por uma situação extrema em que

algum de nós poderia ter morrido e, no entanto, apenas alguns minutos

depois, lá estava eu me derretendo pelas palavras daquele homem que tinha

se arriscado por mim e que eu tanto amava.

Percebi, então, que não tinha dito isso a ele. Apesar de ele ter acabado

de me dizer de forma indireta.

— Eu amo tanto você...

— Eu também te amo. Mas acho que já disse isso, não é?

— Pode dizer quantas vezes quiser, porque eu nunca vou me cansar de

ouvir.

Ainda com meu rosto entre suas mãos, ele se aproximou, depositando

um beijo em meus lábios. Foi uma pena que não tenha durado muito, pois um

policial se aproximou, tossindo alto para chamar nossa atenção para ele.

— Desculpem atrapalhar o momento, mas... nós vamos precisar que


vocês compareçam à delegacia, só para alguns esclarecimentos sobre o

caso. Inclusive sobre a origem de todo esse dinheiro.

— Eu juro que ele não roubou um banco — apressei-me em alertar,

preocupada. Tanto Thiago quanto o policial riram, e este último explicou:


— Estamos cientes da situação, senhora. Sequestro, chantagem, a gente

sabe. Esse sujeito está foragido há um bom tempo, tem nos dado um bom

trabalho. Quando a Jéssica me ligou contando a situação, eu demorei a

acreditar que enfim iríamos pegá-lo. O desgraçado estava até planejando

sair do país.

— Espera... a Jéssica? — indaguei, confusa.

— É. Nós somos amigos, estudamos juntos. Ela me ligou para contar o

que estava acontecendo.

Thiago comentou:

— Eu deixei a Manu com ela, e acho que acabei falando onde você

estava. Estava tão desesperado que nem passou pela minha cabeça que ela

poderia chamar a polícia, senão teria dito para ela não fazer isso, porque
seria arriscado. Mas de qualquer maneira, estou feliz que tenha feito. Esse

homem vai pagar pelo que fez.

— E ele fez muita coisa — o policial continuou. — Vocês nem fazem

ideia. Bem, se puderem nos acompanhar até a delegacia...

— Claro... — nós dois falamos juntos.

O policial se adiantou, seguindo os demais em direção à saída do

galpão. Thiago e eu fomos caminhando atrás, de mãos dadas. Até que ele

comentou, quase que casualmente:


— Aliás, hoje a Manu falou.

Parei de andar, perplexa. Ele também parou, um passo à frente, e se


virou para mim, como se não tivesse dito nada demais.

— Como assim a Manu falou? — indaguei.

— Falando, oras. E adivinha qual foi a primeira palavra dela? Foi um

‘mamãe’.

— Está falando sério? Pelo amor de Deus, Thiago, você filmou para
eu ver, não filmou?

— Não, né, Amanda?

— Como assim não?

— Isso foi quando nós saímos daqui, logo que entrei com ela no carro.

— E daí?

— Eu tinha três horas para conseguir um milhão de reais, Amanda.


Você estava correndo risco de vida. Como acha que eu ia pensar em filmar?

— A minha filha falou 'mamãe', eu não estava perto para ouvir, e você

sequer filmou isso para mim?

Percebendo que meu lado mãe neurótica estava sufocando toda a minha
racionalidade no momento, Thiago fez algo que me desarmaria em qualquer

situação: puxou-me para junto de si e beijou os meus lábios. Um beijo


profundo e intenso, mas bem mais breve do que eu gostaria. Quando os
lábios dele se afastaram dos meus, eu precisei respirar fundo para recuperar

o fôlego.

— Ok... está perdoado... — falei, após um profundo suspiro.

— Ela ainda vai te chamar de mãe muitas vezes. E tem um mundo de

outras palavras para aprender. E estaremos com ela em todos esses


momentos.

Sorri, concordando com ele.

Ainda teríamos muitos momentos incríveis para vivermos juntos.

-----***-----

— Vamos lá, meu amor: mamãe! Ma-mãe...

Sentada bem no meio da cama de Thiago, de frente para mim, Manu

piscou os olhinhos, como se não entendesse aquela minha insistência por


uma palavra.

Mas eu não me dei por vencida.

— Mamãe. Ma-mãe... Ma-mãe...


Ela balbuciou um som que nada tinha a ver com o que eu falava, logo
voltando sua atenção aos bonequinhos que estavam em suas mãos.

Deitado ao meu lado, Thiago riu.

— Amor, ela vai falar de novo quando você menos esperar.

Concordei em silêncio, embora meu coração não se conformasse ainda

com o fato de eu ter perdido a primeira vez que meu bebê tinha falado.

Naquele mesmo dia, tínhamos passado algumas horas ainda na

delegacia e, logo que fomos liberados, seguimos para a minha casa. Jéssica
estava cuidando de Manu e confirmou que tinha ligado para o amigo policial

buscando por ajuda. Eu sabia que aquilo poderia ter acabado mal, mas era
muito grata à minha amiga pela sua tentativa de ajuda. Que, no final das
contas, acabou ajudando muito. Tony agora passaria um longo período atrás

das grades.

Fernando também estava com ela, a pedido de Thiago, que teve medo

de que, após pegar o dinheiro, Tony pudesse fazer algo conosco e voltar até
lá para fazer algo contra Manu. Foi interessante perceber que ele e Jéssica

pareciam ter se dado bem. Ficava um pouco preocupada, já que Thiago


sempre comentava que seu melhor amigo era um galinha. Mas, ao contrário

do esperado, ele não parecia estar dando em cima dela nem nada parecido.
Por passarem aquelas horas juntos, preocupados conosco, eles

aparentemente tinham criado uma relação bem amigável.

E Thiago e eu sabíamos muito bem que, como minha própria amiga


Jéssica dizia, muitas das grandes paixões nascem de amizades.

Então, após tranquilizar a todos e pegarmos Manu, Thiago insistiu para


que nós duas fôssemos para a sua casa e ficássemos lá com ele por pelo

menos alguns dias. Separei algumas roupas minhas e de Manu e seguimos


com ele para lá.

Agora, já de noite, depois de um dia que parecia ter durado duzentas

horas, estávamos os três juntos na cama de Thiago. Eu não conseguia deixar


de pensar no quanto parecíamos uma família.

— Eu nunca senti tanto medo quanto hoje... — Thiago declarou,


fazendo com que eu desviasse os olhos de Manu para olhá-lo. Ele estava

com um curativo acima do supercílio esquerdo e outro hematoma próximo à


boca.

Ainda assim, era o homem mais lindo que eu já tinha visto na vida.

— Primeiro, tive muito medo de perder a Manu, tão pouco tempo


depois de encontrá-la. Depois, com ela a salvo, tive medo de não conseguir

todo o dinheiro a tempo. Tive medo de na minha ausência aquele homem


fazer algo contra você. Medo de falhar e de te perder.
— Você não nos perdeu. Estamos aqui com você.

— E eu quero que continuem aqui, sempre.

— Nós não pretendemos ir a lugar algum, não é, Manu?

— Estou sendo bem literal no que digo, Amanda. Quero que vocês

continuem aqui, mas não apenas na minha vida. Mas aqui na minha casa.

Pisquei, tentando processar aquilo para saber se eu tinha

compreendido da forma correta.

— Nós vamos ficar aqui por alguns dias, não foi este o combinado?

— Não quero que sejam só alguns dias, Amanda. Acontece que... —

Ele fez uma pausa, parecendo pensar no que tinha a falar. — Que droga, não
era para eu estar te pedindo isso agora, nem assim. Eu ia esperar sair a

sentença da ação da Manu. E era para a gente estar em um lugar bonito, e eu


devia estar com um terno, e não largado na cama e de pijama, e devia estar

com um anel, e...

Levei os dedos aos lábios dele, em um pedido para que se calasse.

— Ei... Quem tem a mania de falar sem parar sou eu e não você. Pare

de pensar em como deveria ser e apenas diga.

— Quer se casar comigo? — ele perguntou em um fôlego só.


E eu, aquela que era a que falava muito, precisei de apenas uma
palavra para responder aquilo:

— Sim.

Ele sorriu. Aquele sorriso que, quando o conheci, todo mundo dizia
que era meio raro, mas que eu vi se tornando tão comum com o passar dos

dias.

Então, nós nos beijamos.

Eu não precisava de um anel, de um lugar luxuoso ou que ele estivesse

usando um terno. Tudo o que eu precisava eu tinha ali, no espaço daquela


cama.

Nosso beijo foi interrompido da forma mais doce que eu poderia


desejar. Com a vozinha linda da nossa bebê:

— Mama!

Sorri e chorei ao mesmo tempo, puxando-a para perto de mim e


enchendo-a de beijos. Ela gargalhou, aquele som lindo da sua risada

preenchendo aquele quarto com ainda mais amor.

Thiago nos abraçou e eu tive ainda mais certeza de que ali, nos braços
dele, ambos envolvendo a nossa garotinha, eu estava exatamente onde eu

deveria estar.
-----***-----
Capítulo 22

Dois meses depois.

— Papai. Vamos... Pa-pai... Pa-pai!

Acho que eu deveria parecer um louco, abaixado diante da pequena

aniversariante do dia, que estava sentada em uma cadeirinha própria para


alguém do seu tamanho, diante de uma mesinha redonda que era cercada por

outras três crianças que deviam ter todas entre um e três anos.

De pé, ao meu lado, minha noiva parecia tentar salvar alguma


dignidade em mim:
— Amor, você sabe que não é assim que funciona, não é?

Levantei-me, sem tirar os olhos da minha filha.

— Já tem dois meses que ela falou a primeira palavra. E a segunda, e a

terceira...

— Ela já fala 'tia' para a Jéssica, mas você precisa entender que a
Manu convive com ela desde que nasceu. E antes, eu também me referia a

mim com ela como 'tia', ela foi muito estimulada com essa palavra.

— Eu entendo o 'tia'. Mas depois disso ela já disse outras coisas como
'au-au'.

— Crianças gostam de cachorro.

— Mas nós nem temos um cachorro!

— Talvez seja a forma dela de dizer que deveríamos adotar um.

— E ela com certeza vai aprender a falar o nome dele antes de falar
papai.

Sabia que eu estava parecendo um chato ranzinza. Especialmente

porque estávamos na festa de aniversário de um ano da Manu, realizada em


um salão de festas. Todo o pessoal da empresa estava lá, aliás. Agora eles

não me achavam mais um tirano. Eu tinha até mesmo mudado meu status para

o de um chefe legal.
O processo da Manu ainda estava em andamento. Entretanto, tudo

agora seria mais simples já que Amanda e eu iríamos nos casar em um mês.

Eu já tinha a minha paternidade reconhecida e, como em breve seria minha

esposa, Amanda teria mais facilidade para conseguir a adoção legal da

Manu.

Jéssica chegou nesse momento, acompanhada por Fernando. Os dois

vinham ficando. Nada muito sério, segundo ambos diziam, mas eu não podia

deixar de reparar que meu amigo falava a respeito dela mais do que já falara

sobre qualquer outra mulher com quem tenha tido seus casos sem

compromisso. Eles vieram até nós, indo diretamente falar com Manu,
enchendo-a de beijos. Manu sempre adorou Jéssica, mas agora também

adorava o seu tio Fernando.

E, quem diria, meu amigo tinha jeito com crianças.

Depois, os dois vieram falar conosco. Conversamos por alguns

minutos, até que reparei que Jéssica puxava Amanda para afastá-la de nós.

Inicialmente, não dei muita atenção a isso, imaginei que quisesse


confidenciar algum segredo à amiga. No entanto, em um momento que olhei,

vi Jéssica entregar algo a Amanda, que pegou, apressando-se em esconder

em sua bolsa. Aquilo me deixou intrigado.


Conversei por mais algum tempo com Fernando, até que as duas

retornassem e Jéssica o puxasse para irem cumprimentar outros convidados

que eles conheciam. Ficando a sós com minha noiva, percebi que ela parecia
um pouco apreensiva.

— Está tudo bem, Amanda?

Ela me olhou e piscou algumas vezes, parecendo se forçar a voltar à

realidade depois de ficar presa nos próprios pensamentos.

— Sim. Claro, tudo ótimo. É o primeiro aniversário da Manu e tudo

está perfeito.

— Sabe que você é uma péssima mentirosa, não é?

Ela suspirou.

— É que... a Jéssica veio com algumas ideias. Eu não levei a sério,

mas acho que ela conseguiu me deixar preocupada.

— Preocupada com o quê? Que ideias?

— É que... minha menstruação está atrasada há algumas semanas, eu

comentei ontem com ela, e... Ela decidiu hoje passar em uma farmácia e me

trazer isso aqui.

Ela enfiou a mão dentro da bolsa, tirando de lá uma caixinha. Li a

embalagem. Era um teste de gravidez.


Bem, aquilo também me deixou um tanto desnorteado.

Mas de uma forma boa.

Muito boa, aliás.

— Acha que pode estar grávida?

— Ideias loucas da Jéssica. Atrasos menstruais podem ter diversos

outros motivos.

Claro que podia. Porém, só então eu me lembrei de outro detalhe.

— Ontem você estava reclamando sobre estar enjoada.

— Acho que foi aquela comida que a gente pediu no jantar.

— Eu comi a mesma comida e não senti nada.

— Organismos diferentes reagem de formas diferentes. Não vamos nos

iludir com isso. Não é como se a gente estivesse tentando ter outro filho.

— Mas pode acontecer. E, Amanda... A gente não planejou isso, mas...

seria incrível ter outro bebê.

Ela pareceu pensar a respeito disso e um sorriso surgiu em seus lábios.

— Seria. Sabe, eu sei que a Nicole cometeu muitos erros. Mas ter uma

irmã fez uma diferença incrível na minha vida. Ela era louca, tinha ideias

absurdamente erradas, mas, ainda assim, ela sempre cuidou de mim e sempre
foi a minha melhor amiga. Eu queria muito que a Manu tivesse irmãos para

também poder conhecer esse amor e essa cumplicidade.

Não importava o tempo que passasse, falar de Nicole sempre fazia

com que Amanda se emocionasse. Eu tinha muitos motivos para odiar a irmã

dela, mas eu tinha conseguido perdoá-la, além de ter prometido a mim

mesmo que jamais faria qualquer comentário negativo a ser respeito com

Amanda ou com Manu, que cresceria sabendo sobre ter tido duas mães, e

sobre como ambas sempre a amaram mais do que tudo na vida.

Contornei os ombros de Amanda com um dos braços, trazendo-a para

junto de mim e depositando um beijo em sua cabeça.

— Eu não tive irmãos e não conheci esse amor. Mas quero muito que a

Manu conheça.

— Nós nunca nem ao menos conversamos sobre mais filhos. Você não

está mesmo surtando com a ideia de que eu possa estar grávida?

— A ideia de termos outro bebê me parece maravilhosa. Não é porque

nós não o planejamos que ele não será muito desejado e muito amado.

— Ou amada.

— Certo... a ideia de viver em uma casa com três mulheres me traz um

leve princípio de surto. Mas acho que não apenas sobreviveria a isso, como

seria o homem mais feliz de todo o mundo.


— Notou que já estamos falando como se isso já fosse real? É só uma

hipótese muito remota, eu nem fiz o teste ainda.

— Bem, sendo ou não agora... a ideia de ter outros filhos com você me

soa realmente incrível. Para você não?

Ela levantou o rosto, olhando nos meus olhos.

— A ideia de qualquer coisa com você já é incrível para mim.

Se estivéssemos em outro lugar e não no meio de uma festa infantil,


cercados por crianças, eu teria beijado aquela mulher naquele momento.

Logo mais convidados chegaram e precisamos dar atenção a todos. Foi

uma tarde divertida, embora eu não visse a hora de irmos para casa para que
Amanda fizesse logo aquele teste. Agora, eu não conseguia pensar em mais

nada além daquilo. E já estava tão empolgado com a ideia, que,


provavelmente, caso o teste desse negativo, eu faria a Amanda a proposta de

tratarmos de realmente fazer aquele segundo filho.

Naquela mesma noite, se fosse possível.

Bem, se desse positivo, a comemoração que eu tinha em mente não

seria muito diferente.

Tentei parar um pouco de pensar a respeito daquilo para curtir o

aniversário da minha filha. Manu estava radiante. Divertia-se muito com as


outras crianças e com os animadores da festa.
Até que chegou o horário de cantarmos os parabéns. Ao lado de
Amanda, eu a peguei no colo e logo que a segurei em meus braços, ela, de

forma completamente natural, disse enfim aquela palavra que eu vinha há


meses tentando fazê-la dizer:

— Papá!

Amanda e eu paramos, olhando para Manu, que repetiu a palavra


enquanto olhava para mim e passava sua mãozinha sobre o meu rosto, em um

gesto de carinho.

Senti meu peito transbordar, repleto do mais puro amor que eu poderia
imaginar sentir na minha vida.

Depois da festa, quando enfim voltamos para casa, Amanda fez o teste.
O resultado positivo me fez descobrir que, por mais incrível que isso

pudesse parecer, aquele amor tão arrebatador era capaz de aumentar ainda
mais.

Teríamos mais um filho.

O ano que se seguiu foi intenso, cheio das mais maravilhosas


experiências e conquistas.

Um mês depois, Amanda e eu nos casamos em uma cerimônia pequena,


mas, ao mesmo tempo, perfeita. Fernando e Jéssica foram nossos padrinhos

e, neste mesmo dia, anunciaram que estavam oficialmente namorando.


Mais um mês depois, nós nos mudamos para uma nova casa, com um
quintal enorme para que Manu, nosso bebê e quantos filhos mais

pretendêssemos ter pudessem brincar.

Saiu a sentença da ação de adoção. Amanda agora era legalmente mãe

de Manu.

Amanda retornou à faculdade, parando apenas pelo tempo que durou


sua licença-maternidade, e logo retornando para concluí-la. Ela voltou a

trabalhar para a D&F, mas agora no setor de finalização das campanhas,


atuando como revisora.

E em meio a tudo isso, nossa pequena Nicole nasceu. Linda e


saudável.

E não tínhamos dúvidas de que ela e Manu seriam sempre grandes

amigas.

-----***-----
Epílogo

Quatro anos depois...

Quando abri a porta, fui recebida pelos gritos, latidos e miados que
mostravam que aquele era o quarto de duas garotinhas muito felizes, junto a

dois bichinhos de estimação que tentavam acompanhar o ritmo delas.

— Mas que bagunça é essa aqui? — perguntei, cruzando os braços.

Fazia cerca de dez minutos que tinha mandado as meninas para o

quarto para já irem se preparando para dormir. Mas encontrei as duas

pulando, cada uma sobre sua cama. Manu, abraçada ao seu gatinho, enquanto

Nicole era imitada pelo seu cachorro.


Tínhamos adotado os dois um ano antes. Quando fomos à feira de

adoção, a ideia era voltar com um bichinho para a família. Mas cada uma

acabou se apaixonando por um diferente e, bem... Thiago não conseguia

resistir aos pedidos daquelas duas criaturinhas.

Não que, para mim, isso fosse também uma tarefa simples.

— Por que estão pulando nas camas?

— Foi ideia da Manu, mamãe! — Nick declarou, sentando-se na cama.

Seu cãozinho – um vira-lata pretinho, de porte médio – deitou-se ao seu

lado, fazendo uma expressão de bom garoto igualzinho ao que sua pequena
humana fazia.

— Fofoqueira! — rebateu Manu, também parando de pular para se

sentar.

— Mas o que está acontecendo aqui? — Thiago entrou pela porta,


parando bem atrás de mim. — Meninas, não era para estarem as duas já

prontas para dormir? Vocês têm aula amanhã.

— A gente não pode dormir antes da história, papai! — Manu lembrou

aquela que era a nossa tradição de todas as noites.

— É, só pode dormir depois da história! — Nicole concordou.

Como duas boas irmãs de cinco e três anos, tendo personalidades tão

diferentes, Manu e Nick estavam constantemente brigando. Porém, ao mesmo


tempo, sabiam muito bem os momentos certos de concordarem uma com a

outra e se aliarem por algum objetivo em comum.

Vencidos, Thiago e eu concordamos. Era hora da história.

Fomos até elas, cada um de nós se deitando com uma delas. Neste dia,

eu me deitei com Nicole e Thiago com Manu, mas costumávamos sempre

revezar para não causar situações de ciúme – geralmente protagonizadas

pela nossa caçula, que era ligeiramente mais carente e dengosa que a irmã.

Nós sempre contávamos, juntos, alguma história para as duas. Todas as

noites, religiosamente. Tínhamos começado uma na noite anterior e o

livrinho ainda estava sobre a mesinha que ficava no meio das duas camas.

Peguei-o para assumir a leitura neste dia.

Porém, antes que pudesse começar, Manu protestou:

— Quero uma história diferente hoje.

— Não temos nenhum livro novo, mocinha — Thiago rebateu. —

Precisamos comprar mais, já lemos todos que temos, mais de uma vez.

— Não história de livro — Nicole opinou, deitada ao meu lado, com

seu cãozinho aconchegado aos seus pés. — Uma da cabeça de vocês.

— Da cabeça não! — Manu declarou. — Uma história bem bonita e de

verdade.
— De verdade mesmo? — Thiago falou, pensativo. Quando o olhei, vi

que ele sorria. — Bem, vamos lá então. Era uma vez, um nobre cavalheiro,

que estava à procura de um bebê.

— Pra que alguém quer um bebê? — Manu fez careta.

Rindo, Thiago continuou.

— Era a filhinha dele, que estava desaparecida. Enquanto procurava

por ela, ele enfrentou todo tipo de perigo.

— Lutou contra dragões? — Manu perguntou, parecendo já imersa na

história.

— Sim. Contra dragões e monstros, e todos os perigos que surgiram

em seu caminho. Até que, em suas buscas, ele acabou encontrando uma

princesa.

— Uma princesa bem bonita? — Nicole perguntou, olhando para o pai

com seus olhinhos castanhos transbordando encantamento. As histórias de

princesas eram as suas favoritas.

Manu gostava mais das que tivessem lutas e dragões. Thiago sabia bem

como unir tudo isso.

Ele me olhou e sorriu antes de responder:

— A mais linda de todas as princesas. E essa princesa também tinha

uma filhinha. Um bebê que tinha sido entregue de presente para ela, e que ela
amava de todo o seu coração. Até que um dia, o cavalheiro descobriu aquele

bebê da princesa era, na verdade, o seu bebê.

— E eles brigaram? — Nicole perguntou, nitidamente angustiada.

— Não! Tá, no início eles ficaram um pouquinho chateados um com o

outro, mas logo se entenderam, porque, no fim das contas, eles já tinham se

apaixonado um pelo outro e decidiram que iriam criar juntos o bebê.

— E foram felizes pra sempre! — Nicole vibrou, levantando os

bracinhos.

— Claro que não, Nick! — Manu rebateu. — Antes tem que ter uma

grande aventura.

— E teve mesmo! — Thiago garantiu. — Um monstro muito malvado

sequestrou a bebezinha e a levou para bem longe dos dois. A princesa

conseguiu salvá-la, mas com isso ela é que foi presa por ele.

— O cavalheiro foi salvá-la, não foi? — perguntou Manu, já tensa.

Então, eu decidi tomar a palavra.

— Sim, ele foi. E não foi nada fácil, viu? Ele percorreu um longo
caminho para isso e, quando chegou lá, lutou bravamente contra o monstro.

Até conseguir vencer e salvar a princesa. E aí eles puderam voltar para casa

e reencontrar sua bebezinha. Mas não foi apenas isso. Algum tempo depois,
eles ganharam outra bebezinha de presente. Duas princesinhas lindas. E com

isso os quatro foram, enfim, felizes para sempre.

As duas vibraram com o final da história, e precisamos passar ainda

algum tempo com elas no quarto, com as duas tagarelando sem parar sobre a

trama. Manu falou sobre como achava que o cavalheiro tinha lutado,

inclusive gesticulando para mostrar como imaginava que ele batalhou com

uma espada, enquanto Nick contou sobre como deveria ter sido o vestido que

a princesa usou no casamento. Quando ambas já estavam bem cansadas e

começando a bocejar, Thiago e eu demos um beijo em cada uma e saímos

juntos.

Paramos no corredor, ainda com a porta do quarto aberta, abraçados,

olhando para as duas que já fechavam seus olhinhos para dormir.

Aquele, sem dúvidas, era o nosso felizes para sempre.

FIM
Conheça outros trabalhos da autora

Acordei Noiva do meu Chefe


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Sinopse: Era para ser só uma noite de bebedeira, mas eu acabei na cama
com meu chefe – e noiva dele.

Miguel Marino era o típico homem que poderia ter a mulher que quisesse:

lindo, poderoso, herdeiro milionário de uma empresa de arquitetura


renomada, sexy como o inferno. Só que eu não era o tipo de mulher a me

entregar a sexo casual. Pelo contrário, eu era virgem. Isso até acordar de
ressaca, depois de uma festa, nua ao lado do meu chefe, com uma vaga

lembrança de que até trocamos promessas de noivado.

O que eu não sabia sobre Miguel era que ele tinha uma bebezinha e que

estava lutando pela guarda dela. O fato de termos sido filmados juntos,

bêbados e indo para um quarto de hotel, poderia arruinar sua causa e dar a

vitória de bandeja aos avós da menina.

Tudo o que ele precisava fazer para ganhar a ação era sustentar a imagem de

um homem sério e responsável. Por isso, me fez uma proposta: fingir ser sua
noiva por um tempo, até que as coisas se resolvessem.
Era para ser uma mentirinha de nada, algo inofensivo, mas não contávamos

que o destino daria suas cartas e que o amor entraria em jogo, pronto para

partir nossos corações ou curá-los para sempre.

A babá do Vizinho Milionário


Link: https://www.amazon.com.br/dp/B098GXMJBN

Por um pequeno engano e uma troca de nomes, recebi a herança de um

cliente rico do bar no qual eu trabalhava. Só que minha parte nesse

testamento era um apartamento de luxo em um condomínio caro, com todas

as despesas pagas. Infelizmente, o que eu realmente precisava era dinheiro.


Consequentemente, um emprego.

Mas a sorte parecia estar sorrindo para mim, porque meu vizinho milionário

e viúvo – e gato – precisava de uma babá para seu bebezinho. O maior

problema? Eu não tinha a menor experiência no ramo e pior do que isso: o

vizinho gato era um pé no saco. Amargurado, ranzinza e me odiava. Ou

melhor, ele odiava a pessoa que achava que eu era.

No entanto a convivência forçada entre nós acabou me mostrando o quão

bom pai ele era, além de ser um homem completamente diferente de todos os

que eu conhecia. E eu também precisava provar para ele que não era a

mulher sem coração que por acaso tinha o mesmo nome que eu.
Será que o segredo que eu escondia poderia nos levar a um coração partido

ou o amor que fomos desenvolvendo um pelo outro seria capaz de passar por

cima de tudo?

Corações em Jogo
Link: https://www.amazon.com.br/dp/B08HR5XWWY/

Sinopse: Tudo ia muito bem na minha vida. Era o bem-sucedido CEO de uma
grande rede de lojas e, apesar de ser um homem bem centrado nos negócios,
também sabia como curtir a vida: festas, noitadas, amigos e mulheres. Todas
eu quisesse ter.
E eu queria todas... até ela aparecer.
Foi por uma aposta que a conheci. Uma briga de egos com meu irmão, que
me provocou dizendo que eu só conquistava garotas por causa do meu
dinheiro.
Eu teria duas semanas para seduzi-la, mas ela não poderia saber quem eu
era; não poderia saber que era rico, muito menos que era seu chefe.
O problema era que eu não esperava que Luíza fosse tão especial e que eu
acabasse me apaixonando por ela e por sua filhinha, Sofia, com quem
precisei fazer um pacto muito engenhoso quando descobriu minha identidade
antes da mãe.
O que era para ser apenas uma aposta, acabou tomando rumos diferentes.
Agora, não era apenas uma conquista que estava em jogo... mas também o
meu coração.
Um Encontro do Destino
Link: https://www.amazon.com.br/dp/B08QBM1YNV/

Sinopse: Uma viagem longa de ônibus não era algo que estivesse nos meus
planos. Mas surgiu um compromisso muito importante em outra cidade
distante. Eu poderia ir de avião, mas simplesmente me recusava a entrar em
um.
Sim, era um CEO bem-sucedido, com grana suficiente para ter o meu próprio
jatinho, mas tinha medo de entrar em um avião. Ir de carro seria uma opção,
mas era uma viagem longa e cansativa e, de última hora, não consegui um
motorista disposto a aceitar o trabalho bem nessa época do ano.
Eu não me importava que esse compromisso fosse no dia 26 de dezembro e
essa viagem significasse que eu passaria o Natal sozinho. Esse já era o meu
padrão. Desde garoto, sempre fui um solitário durante todos os dias do ano,
uma data no calendário não tornava as coisas diferentes.
Contudo, tal viagem trouxe algumas surpresas. Umas ruins, como um
imprevisto na estrada que acabou atrasando tudo ainda mais. Outras, muito
melhores do que eu poderia imaginar, como a jovem Laura e seu bebê
Daniel, que foram minhas companhias no assento ao lado.
Talvez aquele Natal fosse diferente de tudo o que eu já tinha vivido até
então.
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