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Copyright© 2020 - Ivani Godoy

Revisão: Sara Ester e Kátia Regina


Souza
Capa: Babi Dameto
Diagramação digital: Denilia Carneiro

1ª Edição
Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é
entreter as pessoas. Nomes,
personagens, lugares e acontecimentos
descritos são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com
nomes, datas e acontecimentos reais é
mera coincidência.
Esta obra segue as regras da Nova
Ortografia da Língua Portuguesa.
Todos os direitos reservados. É
proibido o armazenamento e/ou a
reprodução de qualquer parte desta
obra, através de quaisquer meios —
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consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil.
A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na lei nº. 9.610/98, punido
pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Sinopse
Prólogo
Alessandro
Capítulo 1
Alessandro com treze anos
Mia com dezessete anos
Capítulo 2
Alessandro
Capítulo 3
Mia
Capítulo 4
Alessandro
Capítulo 5
Madson
Capítulo 6
Madson
Capítulo 7
Madson
Capítulo 8
Alessandro
Capítulo 9
Alessandro
Capítulo 10
Alessandro
Capítulo 11
Mia
Capítulo 12
Mia
Capítulo 13
Mia
Capítulo 14
Mia
Capítulo 15
Alessandro
Capítulo 16
Alessandro
Capítulo 17
Mia
Capítulo 18
Alessandro
Capítulo 19
Mia
Capítulo 20
Alessandro
Capítulo 21
Mia
Capítulo 22
Mia
Capítulo 23
Mia
Capítulo 24
Alessandro
Capítulo 25
Mia
Capítulo 26
Alessandro
Capítulo 27
Alessandro
Capítulo 28
Mia
Capítulo 29
Mia
Epílogo
Mia
Redes Sociais
Sinopse

Alessandro Morelli era o capo da

máfia Destruttore e não temia a nada e

nem a ninguém. Desde criança foi

forjado na escuridão sob o jugo de um

pai autoritário e cruel. Suas únicas

lembranças boas envolviam sua mãe e


seus irmãos, a quem jurou lutar para

protegê-los todos os dias da sua vida.

Entretanto, algumas peças no

tabuleiro do destino vazio e escuro de

Alessandro ousaram modificar a

maneira como ele regia tudo e todos ao

seu redor. Uma pequena e valente

mulher ousou chegar onde ninguém

jamais foi capaz: no coração do capo.


Mia conseguiria destruir as

barreiras que Alessandro ergueu durante


tantos anos? Um homem tão carregado

de traumas seria capaz de se abrir para


o amor?
Prólogo

Alessandro

Mais cedo eu me vi entusiasmado

com os treinos, pois passaria a ser um


membro de verdade dentro da máfia;
lutaria e protegeria a minha família.

Entretanto, depois que entrei na

sala, eu vi o meu pai com um taco na

mão. Meu intestino se revirou. Marco

era o chefe da máfia, nunca um modelo

paterno. Às vezes, me batia.

— Vamos lutar, Alessandro.

Quero que me enfrente como um homem

— ordenou.
Queria dizer que não era um

homem formado ainda, já que tinha


apenas doze anos, mas como desejava

ser um guerreiro forte, eu precisava lutar


para um dia tomar conta de todos como

o capo.

Achei que fosse um treino de luta

com os punhos tal qual via na TV, mas

assim que o taco acertou a lateral do

meu corpo, eu perdi o meu fôlego. Fui


jogado longe; sabia que isso não era

treino, era brutal e desumano.


— Levante-se daí — rosnou,

dando passos até onde eu estava


deitado.

Tentei me levantar ignorando os


protestos das imensas dores em meu

corpo. Lutei, mas fui acertado

novamente, dessa vez nas costas, o que

me fez gritar em agonia.

— Homens não gritam,

Alessandro. Não choram e não gemem


de dor. Eles a toleram. — Fulminou-me.

— Você não passa de um fracote.

Fúria. Era isso que eu estava

sentindo cada vez que ele me atacava e

abria a sua maldita boca.

— Não sou um fracote, e um dia

serei o capo! — rugi.

Todo o meu corpo urrava em

agonia pelos treinos conduzidos para me


tornar um membro da máfia. Sentia as

minhas costelas, especialmente,


protestarem enquanto tentava me

levantar, segurando o lado direito. Se


ficasse no chão seria pior, já que ele

atacaria e terminaria de me quebrar.

Quase ri com essa ideia. Me

quebrar mais do que já estava?

Impossível, só se ele me matasse.


Capítulo 1

Alessandro

com treze anos

Não tenho nenhum problema em


ter nascido na máfia, até gosto do poder,

do fato de todos a conhecerem, da união

da família. Mas minha fascinação mudou

quando tive idade para treinar; achei que

seria uma preparação como a dos

lutadores que eu assistia em filmes. Até

chegava a brincar com Rafaelle dizendo

que ganharia dele quando nos

defrontássemos. Com seis meses de


treinamento, não sabia quantas costelas

e quantos ossos meus foram quebrados


no decorrer dos exercícios; eram tantos

que perdi a conta.


Meu problema se resumia a

Marco, e não à máfia. O cara era um

monstro, não só no sentido de eliminar

alguém, porque já o vira fazer isso, mas

também por maltratar sua esposa, a

minha mãe. Muitas vezes sentia uma


raiva que não podia controlar. Mas

fomos criados para respeitar os pais, e,


além disso, ele era o capo e podia agir

como quisesse. Eu tinha de obedecê-lo

calado.

Fazia tudo para ele, o que

ordenava; batia nos devedores e lutava

como um louco, era forte em relação a

isso. Mas havia uma coisa que me

deixava hesitante: matar. Por isso meu

pai estava furioso.


Respirei fundo, não entendendo o

motivo de ter sido chamado no quarto


dele; só ia lá quando mamãe estava

sozinha, pois ele não gostava de visitas


minhas e de meus irmãos. Não sabia

qual a razão, já que não tinha nada que

fosse proibido ali. O problema dele era

só que preferia controlar tudo.

— Onde está indo? — Rafaelle

perguntou, me acompanhando no
corredor. Ele segurava Jade nos braços,

tão pequena e linda. Estava começando


a arrastá-la para todos os lados.

— Quarto do papai, ele me

chamou. — Sabia que coisa boa não era.

Curvei-me para frente, toquei a

bochecha da Jade e sorri. — Como

anda, minha princesa?

Ela balbuciou sons de bebê e

retribuiu o sorriso.

— Já volto, bonequinha linda.


Depois vou ensiná-la a falar. —

Admirei a doçura dela.


— Acho que ela é nova para isso

— disse Rafaelle. Ele não tinha iniciado


o seu treinamento ainda, mas como não

guardava segredo dele, meu irmão sabia

como a coisa era ruim. Dentro de quatro

anos ele começaria a participar. Queria

poder protegê-lo disso, mas não sabia

como.
— Rafaelle, pegue a Jade e o

Stefano, leve-os para o jardim longe


daqui. Seja lá o que o pai programou

para mim, não será bonito. Posso estar

enganado, mas acho melhor prevenir —

pedi e beijei a testa da Jade. — Até

mais tarde, princesa.

Rafaelle assentiu.

— Seja forte, queria poder ir

junto…

— Papai não ia gostar, ele o


castigaria. — Seria um desrespeito. —

Agora faça o que pedi.


Assim que Rafaelle saiu com a

minha bonequinha, eu bati à porta e


entrei. A cena que vi diante de mim

quase me fez vomitar de repulsa.

Gritei e corri para a minha mãe,

mas antes que chegasse nela senti um

chute contra meu peito que me jogou

longe e tirou o meu oxigênio. Tive de


respirar algumas vezes para tentar

recuperar o fôlego.
— Não toque no meu menino! —

Mamãe estava deitada na cama e


amarrada, vestida apenas de camisola.

Havia dois caras perto dela, um deles


tocava a sua cabeça. Marco, num canto,

tinha um homem ao seu lado, o mesmo

que chutou o meu peito.

— Papai… — Fui cortado com

um soco que ele me deu na boca.

— Sou o seu capo nos treinos!


Agora você decide: lutar até a morte, ou

esses homens vão fazer uma festinha

com a sua mãe — rosnou. — Estou

cansado de você hesitando para executar

os trabalhos necessários.

Segurei meus punhos querendo

socá-lo na cara. Olhei para o homem

que ele indicou; parecia ser um

condenado, pois estava com sua roupa


de cadeia. Meu coração vacilou um

pouco, porque o indivíduo era forte. Eu


tinha treze anos, mas quase um metro e

sessenta; puxei o lado alto de meu pai.


O homem próximo ao capo me deu

duas facas para usar na luta. Briguei

como sempre fiz, mas hesitei em matar

assim que minha lâmina roçou em sua

garganta e barriga.

— Acabe com ele! Vou mandar


esses homens tocarem na sua mãe —

sibilou papai.
Travei ao acompanhar um dos

caras levantando a saia dela. Voltei a


mim e não parei para pensar: lancei

minha faca, que atravessou a sua mão.


— Fique longe dela — rosnei com

fúria.

O homem do meu pai me fitou com

ódio e gritou de dor.

— Marco, por favor, não faça…

— minha mãe começou a suplicar, mas


ele levantou a mão para ela,

intencionando agredi-la, fazendo com

que fechasse os olhos e gritasse: —

Estou grávida, não me bata!

Gelei por dentro, então corri e

entrei na frente dela, levando o soco em

seu lugar. Pelo impacto, machucaria a

mamãe, e ela não podia ser ferida, pois

acarretaria complicações em sua


gravidez — entender o corpo humano e

as suas fraquezas era fundamental em


uma luta.

— Quando vai parar de bancar o


herói? — A fúria do meu pai era tanta

que pensei que me mataria com as

próprias mãos. — Estou farto disso.

Se eu continuasse hesitando, ele

machucaria a mamãe. Nem ela, nem o

bebê podiam sair feridos, eu não


permitiria.

— Vou lutar até a morte, só deixe


mamãe em paz — pedi, não ligando que

me achasse fraco. Por ela e meus irmãos

eu era capaz de tudo.

— Vá logo, tenho mais o que

fazer. — Encaminhou-se para perto da

porta, talvez para impedir que eu saísse

correndo (o que eu não faria, jamais

abandonaria a mamãe; preferia matar

todos naquele quarto).


— Tentarei pegar leve, garoto —

disse o cara que eu tinha que assassinar.


— Não pegue leve — gritou o

meu pai. — Lute como um homem,


Alessandro, ou nunca será um capo de

verdade.

Ignorei sua voz irritante, senão a

minha caça seria ele, e não o cara à

minha frente. Um dia, eu mataria o meu

pai, bastava esperar.


Apertei minha faca na mão e me

lancei para o homem usando o meu pé


para derrubá-lo e as minhas mãos para

esfaquear a sua barriga. Senti-a

entrando, mas ignorei os sons e

continuei. Como ele era forte, foi capaz

de me derrubar no chão. Em seguida,

subiu em cima de mim; eu sabia que se o

deixasse me prender seria tarde demais,

pois ele me mataria.

— Se deixá-lo matar você, a sua


mãe pagará o preço. — A voz de Marco

me enfurecia ainda mais.


Não é hora para medo ou culpa,

Alessandro, foco!, entoei a mim mesmo.


Ergui meu joelho e soquei as bolas do

meu oponente, fazendo-o rugir. Puxei

minha faca e passei em sua garganta de

fora a fora, espirrando sangue sobre meu

rosto.

Empurrei-o, porque não queria o


ver morrer, mas fiquei sem reação,

sentado, chocado olhando-o tentar falar;


não saía nada.

Tudo em mim travou enquanto

assistia àquele sangue tanto no homem

quanto em mim. Sentia minhas costelas e

meu braço direito quebrados. Meu

oponente era forte; se eu não soubesse

lutar bem, não teria vencido. Sorte que

treinava todos os dias.

— É assim que se faz, meu filho.


— Marco parecia alegre. — Vamos

deixar você a sós com sua mãe. Pegue o


morto e o jogue em alguma vala por aí.

Eles saíram. Fui até a mamãe e a


desamarrei. Ao terminar, ela se sentou

na cama, me puxando para os seus

braços. Eu a vi chorar, contudo, não

consegui fazer o mesmo; sentia que algo

fora roubado de mim essa noite.

— Sinto muito, meu amor, por não


poder ter impedido que tudo isso

acontecesse — choramingou.
— Vai ficar tudo bem, mamãe. —

Vê-la assim cortava meu coração. A


partir desse momento, eu não deixaria

mais ninguém saber como eu me sentia.


— Quando eu virar o capo, vou matá-lo.

Esta é a porra de uma promessa.

Eu tinha pureza até o dia em que

meu pai me forçou a matar. Naquele

instante, a minha inocência foi removida

em sua totalidade. O garoto cheio de


sonhos e ferocidade morreu, cedendo

lugar a um assassino frio.

Mia com

dezessete anos

Ser nascida e criada na máfia me


fazia odiar tudo; a porcaria que tinha
consciência de que eles faziam me
anojava. Se pudesse fugir dessa vida, eu

já o teria feito, só o que me segurava ali


era a minha mãe e a minha irmãzinha que

estava para nascer.

Não ligava para o meu pai, Afrim,

que por sinal era um monstro que nem

sequer deveria ter tido filhos. O

desgraçado colocou os olhos em minha


mãe e a trouxe para este país de merda.
Mamãe morava na Itália e seus

parentes também eram de lá, mas eu


nunca pude conhecer o local por ser

prisioneira dessa maldita organização.


Carina e Afrim se apaixonaram, pelo

menos foi assim no começo; ele era um

soldado da máfia albanesa, e ela aceitou

o cortejo. Conforme eu cresci, tudo

desandou, porque meu pai queria que eu

me casasse com o líder da máfia, o


Skender.

Mamãe não aceitou, claro, e então

suas brigas se tornaram constantes.

Presenciei algumas delas. Nessas horas,

eu só queria acabar com esse homem.

Ela achou que viveria um conto de

fadas, mas tudo não passou de um

engano, pois nossas vidas eram o

verdadeiro inferno na Terra. Eu


desejava tirá-la desse lugar, mas não

sabíamos como proceder.


Carina até aceitou fugir após saber

que ele me daria ao seu chefe mesmo


contra a vontade dela. Mamãe estava

com um barrigão, faltavam poucas

semanas para ter a minha irmãzinha. Ela

convenceu meu pai a ficar em uma casa

perto do hospital, alegando que assim

facilitaria na hora do parto. E para não


me deixar sozinha na fortaleza do chefe

mafioso, me levou junto. Antes de


conhecer Afrim, ela era uma enfermeira,

mas depois que se casou virou dona de

casa — na verdade, uma escrava,

porque ele não deixava que saísse nem

se fosse até a esquina. A briga deles

agora era por esse motivo. O fodido do

chefe dele me queria lá, aposto que para

me violentar. Eles faziam muito isso. Se

dependesse de mim jamais seria dele e


de nenhum mafioso desgraçado.

Se um dia me casasse, eu
escolheria um homem bom, nunca um

monstro como Skender. Ele matava


sufocadas a maioria das prostitutas que

fodia.

Estava tudo planejado para

fugirmos mais tarde; mamãe conseguiu

negociar com um italiano amigo dela. À

meia-noite, ele chegaria, e


escaparíamos. Porém, o filho da puta do

Afrim surgiu furioso querendo me levar


para o seu chefe. Acho que ele temia o

cara, no entanto, isto não justificava o

fato de me mandar para alguém

sanguinário assim. Se eu tivesse uma

filha, daria a minha vida por ela, jamais

a entregaria a homens capazes de matá-

la.

— Não toque na nossa garota, já

não basta o que me fez? — Carina


chorou com a mão na imensa barriga.

Olhei para ela, sem entender.


— Mamãe, o que ele fez? —

perguntei com um tremor na voz, mas


não demonstrei. Não deixaria que visse

meu medo, era assim que sobrevivia

nesse mundo.

Afrim, com os punhos cerrados,

deu um soco na boca da minha mãe,

fazendo com que ela caísse no chão.


Gritei e postei-me à sua frente, para

protegê-la.
— Fique longe, seu monstro! Você

não vale nada, sei tudo o que faz nessa


máfia maldita. Todos são asquerosos,

quero que queimem no inferno — sibilei


encarando-o, não ficaria com medo

desse verme desgraçado.

Ser dura e forte na máfia foi um

caminho necessário a se percorrer, não

podia deixar que me colocassem na

pior. Eram eles que não valiam nada.


— Acha que irei com você para

me tornar a vadia do seu chefe? — rugi,


querendo esfolá-lo vivo. — Para mim,

que vão os dois para a puta que pariu.


— Você é uma putinha, igual à sua

mãe. Ela chorou para não ir para a cama

de Skender, mas no final acabou

gostando de ser fodida por ele e todos

os seus homens — disse com a voz

fervendo, não por ter dado minha mãe


como gado, mas por estarmos ali

desobedecendo-o.

O choque estampou meu rosto. Eu

já presenciara atrocidades cometidas

por esses assassinos mafiosos, mas ele

dar minha mãe, a sua esposa, a outros

homens? Não sei como me surpreendo,

afinal, está querendo entregar a filha ,

pensei amarga.
— Nunca serei dele e de nenhum

dos bandidos dos seus amigos


desgraçados. Porra! Eu só tenho

dezessete anos, acha que vou querer um


velho barrigudo e, pior, assassino e

estuprador?

— Deixe a nossa filha em paz.

Assim que tiver o meu bebê, eu me deito

com quem quiser. — Mamãe se

encolheu, e a vi olhando para o relógio.


O amigo dela não demoraria a chegar.

Desconhecia que esse ser


desumano a obrigava a ficar com os

crápulas daquele lugar. Ele a tornou uma

prostituta? Oh, odiava tanto esse merda

que mal podia segurar minha vontade de

esquartejá-lo.

— Está pensando que não sei o

que fazem? Vocês estupram meninas,

como fizeram com a minha mãe —

cerrei meus dentes e falei através deles.


— Você abrirá as pernas para o

meu chefe e obedecerá suas ordens —


mandou.

Antes que eu pudesse dizer que


nem fodendo faria isso, ele me deu um

tapa na cara tão forte que caí longe da

minha mãe. Ignorei a dor, porque o

medo tomou conta de mim quando o vi

apontando a arma para barriga dela, ao

bebê. Paralisei por um segundo, mas não


tinha tempo para isso; me lancei sobre

ele, porém, mesmo assim não pude


impedir que um tiro soasse.

Congelei e gritei, enquanto ele

rugia com a arma apontada na minha

direção. Eu me defendi lançando um

abajur em sua cara, ao que cambaleou.

Em seguida, peguei a cadeira e joguei na

sua mão, fazendo-o perder a arma. Corri

e a segurei. Apontei contra ele.

— Você é um desgraçado fodido


que acabou com a vida da minha mãe!

Hoje será o seu fim. — Ignorei as


lágrimas que desciam pelo meu rosto.

Riu, zombeteiro.
— Vai me matar? Se fizer isso,

todas vocês estarão mortas, pois aqui

quem manda somos nós, e mulher foi

feita para chupar pau de… — Suas

palavras foram cortadas pelo tiro que

dei em sua testa. Devia ter sentido algo


ao tirar sua vida, mas não me comovi.

Não sei se era o choque ou por tudo


acontecer muito rápido. Concentrei-me

em minha mãe, deixei para surtar

depois, agora só precisava arrumar um

jeito de salvá-la. A bala atingira seu

peito…

Corri para ela e me ajoelhei ao

seu lado.

— Vou conseguir ajuda, um

médico… — falei, mas não tínhamos


vizinhos perto, e os poucos eram leais à

máfia que tomava conta desse lugar


maldito.

— Não tenho tempo, meu amor,


sinto que a bala fez um estrago grande.

— Sua voz era baixa; cuspia sangue. —

Precisa tirar a sua irmã de mim ou ela

vai…

— Mãe, eu sinto muito por não

conseguir salvá-la. Tentei arrancar a


arma dele, mas só fez a bala…

— Mia, meu amor, se você não


tivesse feito isso, a sua irmã não estaria

viva agora. — Sua respiração desigual

indicava que a perderia, mas eu não

queria aceitar isso. — Pegue uma faca

na cozinha e me corte. Você precisa tirá-

la antes…

A dor me sufocava tanto que mal

conseguia respirar. Limpei minhas

lágrimas, mas fiz o que minha mãe


solicitou.

— Preciso de algo para desinfetar


a lâmina. — Minha voz estava rouca.

— Não precisa, só a tire de mim.


Coloque a lâmina em cima do antigo

corte que tenho no pé da barriga, foi de

quando tive você. Corte do mesmo

tamanho. Só não afunde muito, para não

correr o risco de machucá-la.

— A senhora sentirá muita dor


sem anestesia — sussurrei encolhida.

— De qualquer forma não vou


sobreviver, meu anjo. — Sua voz falhou

por um segundo.

— Mãe! — gritei.

— Rápido, sinto que não

aguentarei mais. — Seus olhos azuis

como os meus estavam cheios de

lágrimas e agonia.

Puxei o vestido dela para cima,

era hora de fazer aquilo. Respirei fundo


e segui suas orientações. Encolhi-me

com seus gritos, parcamente encobertos


por sua mão na boca. Seria algo de que

eu nunca esqueceria.
Tentei não tremer minhas mãos,

para evitar erros. Não demorou muito e

vi cabelos, então a puxei com cuidado

para não a machucar. Assim que a tirei,

minha irmã chorou.

Enrolei um pano do sofá em volta


dela.

— Precisa cortar o cordão


umbilical — pediu mamãe, quase sem

foco.

Fiz o que mandou e virei-a para

que pudesse ver a filha.

— Tão linda a minha bonequinha

— sussurrou. — Você se chamará

Graziela, que significa “pequena graça

divina”.

— Talvez eu consiga…
Ela me cortou:

— Não, Mia, a partir de hoje o


seu nome será Madson. Graziela será a

sua filha. Peça a Bianco para fazer


documentos que comprovem isso. Agora

você precisa ir.

Tinha tanto sangue no chão que me

fez estremecer.

— Como posso deixá-la assim?

Preciso… — Não sabia o que fazer, mas


não abandonaria a mamãe nesse

estado…
Dentro de mim tudo fora

destruído. Respirar doía, por me sentir


impotente.

— Precisa ir, Mia, antes de eles


chegarem aqui. Alguém deve ter ouvido

o som de tiros, então ande logo, pegue

sua irmã e vá embora — suplicou. —

Skender é o pai de Graziela, ele sabe

disso, então tome cuidado. Queria

acompanhá-las, mas não posso. Não


esqueça do pendrive.

Mais cedo mamãe revelara ter

conseguido algumas informações sobre

os albaneses, mas não me falou a

origem. De qualquer forma, poderíamos

usar isso, caso se aproximassem de nós,

como uma moeda de troca algum dia,

pois não encontraria ninguém forte o

bastante para lutar contra a máfia.


— Mas mãe! — Eu estava

chocada demais. Aconteceram tantas


coisas ao mesmo tempo que não liguei

para essa informação.


— Agora! — gritou com a força

que lhe restava. Eu não entendia como

ela ainda não havia desmaiado. Dizem

que mães têm uma resiliência sobre-

humana em se tratando da proteção dos

filhos; Carina comprovava tal teoria.


Então começou a tossir e mais sangue

saiu. — Precisa atender meu pedido,


pois se ficar aqui eles farão coisas… —

Estremeceu não pela dor, mas pelo seu

passado. — Se ficar, não só você será

entregue ao capo, mas sua irmãzinha

também. Encontre Bianco e parta.

O aperto em meu coração foi forte

ao imaginar a minha irmãzinha sendo

tocada por aqueles animais.

Assenti. Peguei uma bolsa onde


estava tudo dentro, porque tinha

arrumado mais cedo, e coloquei nas


costas. Ajeitei Graziela melhor no pano

e segurei a arma.
— Amo vocês demais, e rezo para

que encontrem a felicidade em seu novo

lar — murmurou, dando seu último

suspiro.

Chorei por ser incapaz de salvá-la

ou mesmo de enterrá-la. Os mafiosos


com certeza esconderiam seu corpo em

um buraco qualquer, e eu jamais saberia


o local.

Deixaria para sofrer mais tarde,

precisava pensar em Graziela dali para

frente. Então fui para a porta lançando

um último olhar à minha mãe.

— Adeus, mamãe. Eu vou cuidar

de Graziela como se fosse a minha filha

e amá-la por nós duas. Irei protegê-la

com a minha vida, se for preciso. — A


dor me esmagava por dentro, eu mal

conseguia respirar.
Não sabia o que seria do meu

destino, mas esperava que sobrevivesse


para fazer a minha irmã feliz longe desse

inferno. Um para o qual nunca mais

queria retornar.
Capítulo 2

Alessandro

Depois de ter matado o meu

primeiro homem, há dezessete anos, eu


me tornei quem meu pai queria: alguém
inapto a sentir remorso ou amar.

Entretanto, uma coisa que ele

nunca conseguiu tirar de mim foi a minha

lealdade aos meus irmãos. Nossa

ligação era inquebrável, principalmente

com Jade e Luna. Por elas, eu era capaz

de tudo, até mesmo de enfrentar meu pai.

Marco preparou uma reunião na

igreja, o que era incomum, ele só fazia


isso quando envolvia uma negociação. O

local era usado para fins lucrativos, e


não para rezar, como muitas pessoas no

domingo faziam — inclusive as minhas


irmãs.

Meus irmãos e eu nos esforçamos

ao máximo para nosso pai deixar a Jade

e a Luna fora do nosso mundo sombrio.

Mas pertencíamos à máfia, e elas não

podiam simplesmente se desligar disso,


porque se tivesse como, eu já as teria

mandado para longe do Marco e de suas


ambições medíocres.

No velório da minha mãe, oito

anos antes, foi difícil controlar o que

sentia; a dor era devastadora dentro de

mim. Eu só queria acabar com tudo, com

a frieza de Marco que nunca ligou para

ela nem para sua condição moribunda.

Perder a mamãe me abalou

demais. Nos dias seguintes a isso, meu


pai preparou outro jogo na intenção de

me tornar uma máquina de matar como


ele gostaria, todavia, agora não usava

mais a minha mãe, e sim Jade e Luna. As


duas eram minha fraqueza — não só

minha, mas de Rafaelle e Stefano

também. Nós três juramos protegê-las

contra tudo e todos, até de nosso pai; na

verdade, principalmente dele.

Por elas, eu me tornei impiedoso,


brutal e letal. Todos diziam que eu não

tinha emoções só por não conseguirem


ver nada na minha expressão fria, mas

isso não era verdade. Eu sentia tudo,

apenas sabia esconder muito bem de

todos, treinei o bastante para não deixar

que ninguém entrasse mais do que o

necessário, assim não seria um alvo.

Embora não sentisse pena dos homens

que matava, pois nenhum deles era bom.

Inclusive esses que estavam na


minha frente. Os Rodins integravam uma

organização da pior espécie, eles faziam


meu pai parecer um herói da bondade.

Esses homens mexiam com tráfico


humano e mercado negro. Meu pai

fechou negócios com eles, e isto me

deixou furioso; não queria me envolver

com essas merdas nas quais meninas

eram levadas e vendidas. Sempre que

aparecia um contêiner cheio delas, eu


me lembrava das minhas irmãs. E se

alguém fizesse o mesmo com elas?


Porra! Este maldito país enfrentaria o

apocalipse, porque eu destruiria tudo.

Faltava alguns anos para eu me

tornar capo, então alteraria as malditas

regras, só assim meu pai não diria nada

ou meteria o nariz onde não era

chamado.

Entretanto, tudo mudou mais cedo,

quando soube o que Marco pretendia.


Na hora, uma fúria me apossou, juro que

o teria matado se ele estivesse na minha


frente.

Marco planejava entregar Jade e


Luna aos Rodins como uma forma de

aliança. Isso não aconteceria, não

enquanto eu estivesse vivo.

Jurei para minha mãe em seu leito

de morte que as protegeria, mas o

ímpeto de proteção não se concretizava


exclusivamente por isso, e sim porque

eu jamais deixaria que machucassem as


minhas irmãs. Se elas fossem dadas a

esses homens, seriam quebradas da pior

maneira possível.

Jade, com toda a sua força,

protetora. Luna, com sua doçura e tão

esperançosa de que um dia o nosso

mundo pudesse ser melhor. Não, nunca

tocariam nelas.

Ninguém sabia disso, mas eu


estava organizando um motim para ir

contra o Marco, apenas não havia


definido quando ocorreria. Muitos não

gostavam da forma como ele dirigia a


máfia, embora o cara tivesse vários

seguidores leais.

Por fim, decidi que a rebelião

contra Marco e seus homens se daria

naquele exato dia, pois fazia tempo que

eu queria matá-los. Chegara a hora de


mandar todos para o inferno.

— Tem certeza disso? — sondou


Viper, um dos meus homens. Ele estava

do meu lado há anos. Era leal.

— Sim, avise a todos para se

prepararem — ordenei.

— Vou avisar… — Ele se

afastou, então o chamei. — Sim?

— Não diga nada a Stefano

quando ele chegar aqui. Deixe-me lidar

com ele. — Meu irmão se transformaria


em uma bomba-relógio, se soubesse o

que nosso pai tramava; seria capaz de ir


para cima dele antes da hora.

Viper assentiu e foi fazer o que


mandei.

— Stefano já está vindo com a

Jade — informou Rafaelle do meu lado.

Stefano ajudava Jade a treinar. Eu

não sabia o porquê de minha irmã

desejar isso, se tomávamos conta dela e


não deixaríamos que nada lhe

acontecesse, mas ela insistiu tanto que


arranjei tudo, assim ela não fugiria e

meu pai não a machucaria ao descobrir.

— Espero que ele se controle logo

que a coisa ficar feia — disse.

— De qualquer forma, fique do

lado dele. — Suspirei, então meu corpo

gelou quando Sage trouxe Luna.

Ela era carinhosa e alegre, uma

armadilha mortal nesse nosso mundo;


não tinha nada de luta nela, não como

existia em Jade, que era feroz, de boca


dura e apanhara muito de Marco por ter

a língua felina.
Jade era como Stefano, não

conseguia apenas ouvir e relevar, tinha

que responder à altura. A criação do

meu irmão foi difícil, pois ele sempre

odiou receber ordens. Eu o protegi o

quanto pude, mas chegou uma hora em


que ele precisou fazer o que era

mandado pelo capo. Ele se tornou uma


máquina, parecia ter prazer em matar.

Luna, por outro lado, puxou mais

ao Rafaelle, que aceitava tudo calado —

do nosso pai, claro; mesmo não

concordando, ele cumpria as ordens do

capo. Fora nomeado há alguns anos

como executor e fazia bem seu trabalho.

— Merda! Ela está com medo —

falou Rafaelle baixinho, mas com a voz


dura. Então Luna nos mirou com aqueles

olhinhos azuis temerosos e confiantes.


— Porra, não podemos deixar que

toquem nela, nem em Jade.


— Não vamos — garanti.

Luna fez menção de vir em nossa

direção, mas Sage apertou seu domínio

sobre ela.

Segurei meus instintos para não

me lançar nele e tirar suas mãos da


menina, mas sabia que o homem recebia

ordens do meu pai. Sage virou a cabeça


para mim por um segundo, assentindo,

acho que para dizer que tomaria conta

dela.

Relaxei; Sage era um dos meus.

Mesmo meu pai sendo capo, alguns

seguiam a minha liderança, e não a de

Marco.

A igreja se encontrava lotada de

assassinos da pior espécie, homens que


não temiam nada. Meu pai era um deles,

ele estava no púlpito como se fosse um


Deus que governava tudo. Este seu

império acaba hoje, pensei.


— Cadê a sua irmã? — rosnou

para mim.

Estava a ponto de dizer algo

quando Stefano apareceu do meu lado,

franzindo a testa para todos ali.

— O que houve? Por que Luna


está aqui? — sondou baixo para o

Rafaelle. — Ele também queria a Jade,


por isso eu a chamei.

— As garotas serão domadas

pelos Rodins — explicou Marco com

um sorriso diabólico.

Cerrei meus punhos, querendo

esculpir um sorriso em sua cara.

Luna arregalou os olhos,

tremendo, e me fitou em busca de algo,

mas não deixei transparecer nada.


Desculpe, pequena, mas é

preciso. Virei para o monstro do capo.


Jade entrou, checando a igreja

lotada de tubarões loucos querendo


colocar as mãos nela —ao menos os da

parte do capo.

Vi o sorriso que Truper deu ao

avaliar o corpo da minha irmã, aposto

que imaginando tudo que faria a ela. Isso

só aconteceria por cima do meu cadáver


(e dos cadáveres dos meus irmãos).

Jade estremeceu ao reparar nos


dois monstros que estavam ali, loucos

para o seu abate. O medo entrou ainda

mais em suas feições quando avistou

Luna encolhida. Depois, ao notar nós

três, a senti relaxar, mas não muito.

Sua confiança aquecia meu

coração morto. Faria de tudo para não a

quebrar.

Ela estava indo até Luna, porém,


meu pai abriu sua boca, proferindo uma

sentença às meninas, uma que eu não


autorizaria:

— Finalmente chegou, garota.


Estou farto de sua provocação e

desobediência. Isto acaba agora — ele

praticamente grunhiu com

aborrecimento.

Jade sempre gostou de atiçar o

pavio de Marco. Ela e Stefano


apanharam muito até serem controlados.

Eu tinha certeza que ela jamais


contaria onde estava e o que fazia.

Preferia encarar tudo a colocar Stefano

nisso também.

Marco foi até ela e desferiu-lhe

uma bofetada. Aquilo doeu demais em

mim, tive de me controlar para não o

atacar.

— Maldito bastardo! — Stefano

rosnou baixo, dando um passo à frente,


imagino que para se declarar culpado e

ser castigado no lugar dela. Rafaelle o


deteve.

Jade não chorou ou gemeu com


isso, mas ela nunca o fez. Seus olhos

furiosos se direcionavam a Marco.

Minha irmã não deixaria que ele levasse

a melhor, por isso era castigada direto.

Até tentei conversar com ela uma vez,

mas a garota disse que não conseguia


ficar calada perante as atitudes de nosso

pai. E isso a despeito de desconhecer o


que passávamos realmente, o que nos

obrigou a fazer quando criança. Se

dependesse de mim, nunca saberia.

— Cansei de vocês duas, não

devia ter tido filha mulher —

desdenhou.

— Oh, eu vou arrancar esse

sorriso do seu rosto maldito — sibilou

Stefano, mortal.
— O lado bom é que agora isso

deve servir para as negociações —


continuou Marco.

— Sim, ele morrerá hoje —


concordou Rafaelle de modo frio.

— Capo, do que se trata a

negociação? — Stefano perguntou.

Meu irmão escondia suas

emoções, somente não como nós,

Rafaelle e eu. Sua raiva era palpável,


como uma mina em uma superfície rasa.

— Fechei uma aliança com


Chavez a respeito da encomenda de que

preciso, e em vez de dinheiro, pagarei

com as suas irmãs — informou.

Precisou muito de mim para

manter o controle, mas minha fúria era

como a de Stefano, não sabia se

conseguiria aguentar mais. Estava

prestes a explodir, mesmo que minha

expressão fosse de puro gelo.


Luna choramingou, encolhida ao

lado de Jade.
— Essa porra não vai acontecer

— a voz de Stefano era baixa e letal.


Ficou pior ao notar as caras dos homens,

agindo como se elas fossem um

banquete.

— Jude e Truper, capangas de

Chaves, treinarão vocês duas. — Sorriu.

— O chefe dos Rodins saberá apreciá-


las.

Aproveite, esse será seu último


sorriso. Eu prometera matar em seu

nome contanto que mantivesse Jade e

Luna seguras, longe de nosso mundo

sombrio. Pelo visto, Marco achava que

me tinha na coleira, contudo, eu provaria

o quanto ele estava errado.

— Por favor, pai, não… — ela

começou a suplicar. Sabia que foi difícil

para ela fazer isso, Jade não era de se


desculpar ou implorar por algo, mas vi o

medo em seus olhos ao virar para Luna.


Sim, tinha que ter sido por alguém. Às

vezes queria enfiar em sua cabeça que


ela também devia pensar nas

consequências que enfrentaria. Isso se

eu permitisse, o que não faria.

Marco deu outro tapa nela, ao que

caiu. Tudo em mim lutava para ir até lá

e esmagá-lo, mas precisava ter certeza


de que todos os meus homens fiéis

estavam ali; não as colocaria em uma


luta da qual pudessem sair machucadas.

— Vocês não respondem mais a

mim. Agora vocês são deles. — Sorriu,

desumano.

Enxerguei a confirmação de Viper

com um leve aceno de cabeça. Era a

hora de me tornar capo e livrar o meu

povo desse ser inescrupuloso, meu pai.

Voltei-me à Luna, ela estava de


olhos fechados, rezando. Eu esperava

que esse Deus em que minha irmã


acreditava nos ajudasse e que saíssemos

inteiros para protegê-las.


— As coisas podem acabar ruins,

não é? — Rafaelle suspirou.

— Se algo acontecer a mim, você

será o capo e protegerá as duas — falei,

completando com um lamento duro: —

Marco é meu.
— Queria ter minha vez com ele

— rosnou Stefano.
— Você cuidará das duas, não

deixe que ninguém as pegue. —


Sinalizei para que Jade se escondesse.

Ela fez o que mandei, indo para trás de


um banco.

— Enquanto isso, eu lhe dou

cobertura. — Rafaelle me olhou de lado.

— Nada acontecerá com você, pois

assegurarei isto.

Sim, eu confiava a minha vida a


meu irmão. Rafaelle sempre me

protegeu, e eu a ele, nos comportávamos

assim desde criança. Tiros soaram lá

fora como se estivéssemos sendo

atacados, mas eram os meus homens

trabalhando e alertando nossa deixa para

começar.

— Vão ver quem é o louco que

ousa me atacar em meu território —


rugiu Marco. Alguns dos seus lacaios

correram para fora, e os meus ficaram,


conforme o plano.

Peguei minha arma. Rafaelle e


Stefano fizeram o mesmo.

— Acho que chegou a hora de me

divertir. — Sorriu Stefano, após Jade

escapar com Luna para uma sala dos

fundos. Truper foi atrás delas.

Stefano seguiu minhas irmãs, e


Rafaelle ficou para me dar cobertura.

Não fiquei tão preocupado, pois


Stefano as protegeria daquele maníaco.

Soube por fontes confiáveis que esse

monstro do Truper gostava de estuprar

sufocando suas vítimas. Minhas irmãs

não chegariam perto dele.

Concentrei-me na luta ali. Alguns

homens do meu pai o resguardavam, se

colocando na frente dele. Levantei a

arma e puxei o gatilho, atirando entre os


olhos dos seus servos, uma coisa que eu

fazia sempre para não correr o risco de


ter sobreviventes.

Papai se espantou diante da


descoberta de que seu inimigo era eu.

— Maldito! Eu lhe dei tudo, e

você provoca essa rebelião! — cuspiu.

Jude, o outro verme dos Rodins,

tinha fugido ou tentado, mas Rafaelle

atirou em suas pernas, levando-o ao


chão. Ele já ia atirar quando Sage

apareceu e chutou a arma de sua mão.


— Eu lhe falei naquele dia em que

me obrigou a matar um homem para


salvar a minha mãe que eu faria tudo o

que quisesse, se não tocasse nela ou em


minhas irmãs. — Na época, eu não sabia

que o bebê era uma menina: Luna.

— Você nunca será o capo de que

esse povo precisa, é fraco demais com

seus sentimentos — sibilou.

Eu estava controlado, embora tudo


dentro de mim fervesse.

— Engano seu. Me preocupar em

protegê-las não me torna fraco, mas sim

forte, porque derrubarei qualquer um

que as toque. — Dei um passo até ele.

— Inclusive você.

— Sou seu pai e capo, me deve

respeito. — Foi pegar sua arma, mas a

tomei, fazendo com que caísse e


quebrasse seus dedos no processo.

Seus gritos ecoavam.


— Você matou muito aqui dentro

da igreja, um lugar sagrado. — Ele


segurou a sua mão no peito.

Dessa vez, eu quis rir, mas só

levantei as sobrancelhas.

— Você nunca foi um pai para

nós, não passa de um carrasco imundo.

— Apontei para o salão. — Este, para


mim, é apenas mais um edifício de

concreto. E outra, você nunca foi fiel a


coisa nenhuma, a não ser machucar e

matar pessoas.

— Vai me matar por elas?

Aquelas meninas estão passando da hora

de se casar.

— Não é decisão sua arrumar

pretendentes a elas. Todos que arranjou,

eu eliminei um por um. Mas hoje você

chegou longe demais ao querer entregar


as duas a esses homens, como se fossem

um pedaço de carne, e não suas filhas.


— Meu tom era duro.

Ele olhou para meus aliados do


nosso lado.

— Não podem acompanhar ele

nessa loucura, sou o capo de vocês,

devem lealdade a mim, e não a esse

ingrato. — Fuzilou-me com frieza.

Como se eu tivesse medo de cara


feia ou de sua fúria. Um dia tive, mas

não mais.
— Eles não vão ouvir você. —

Peguei seu braço e o fiz cair de joelhos


na minha frente. — Pare de conversar,

pois agora você vai para o inferno.


Ele riu.

— Você também irá para lá, não

se esqueça de tudo o que já fez. A sua

alma queimará com o Diabo.

— Não cite nada bíblico. A

crueldade de mafiosos não encontra


redenção. — Levantei a minha arma. —

E quanto à minha alma? Não posso ser

condenado pelo que não temos.

Aprendi há muito tempo a aceitar

quem eu era e o que precisava fazer para

o bem do meu povo. Não dava a mínima

para como morreria ou aonde minha

alma escura iria. Não ligava se

queimaria ali ou no inferno, contanto que


o meu povo e os meus irmãos ficassem

bem.
— Devia ter matado você antes,

quando ajudou aquelas meninas as


entregando ao FBI. Pensa que eu não

sabia quem era o responsável? Pretendia

acabar com a sua raça, mas a vadia da

sua mãe se intrometeu, dizendo que seria

castigada no seu lugar e que conversaria

com você. — Riu, sombrio.


Os músculos do meu corpo se

retesaram. Travei. Lembrava-me da


minha mãe me dizendo para não fazer

nada que chamasse a atenção do meu

pai. Ela ficou acamada coberta por uma

colcha, alegando estar passando mal.

Não estranhei na época, porque mamãe

nunca mentia para mim.

— Você a torturou? — esbravejei

na sua cara, e Marco deitou no chão.

Coloquei meu pé em seu peito, tirando-


lhe o ar.

— Ela gritou muito enquanto eu a


espancava com um cinto. Depois a

tomei…
Na hora fiquei cego pelo ódio; eu

era controlado, mas tudo tinha um limite.

Guardei minha arma e peguei uma faca.

— Vamos ver se você gosta de ser

torturado também — rosnei, enfiando a

lâmina no seu peito e o fazendo gritar.


— O que acha de ser morto pelo

monstro que criou?


— Se soubesse quem se tornaria,

eu não o teria feito. — Marco sorriu


com os dentes cheios de sangue. — Não

será um capo bem-sucedido, os Rodins


vão destruir você e tudo o que ama.

— Dificilmente, já que não amo

ninguém. — Puxei a faca no sentido da

sua garganta, mas parei. Ele merecia

algo brutal, merecia sofrer muito. —

Entretanto, protegerei a minha família e


o meu povo de homens como você.

— Aqui. — Rafaelle me entregou

um vidro de álcool. Ele sabia como eu

gostaria de matá-lo.

Marco arregalou os olhos,

grunhindo pelas feridas.

— Recorda-se disso, Marco? —

Joguei o álcool sobre ele. — Vai ter o

fim que elas tiveram.


— Elas morreram por sua culpa

— gritou.
— Pode ser, mas foi você que

mandou seus homens estuprá-las. Foi


você que mandou seus homens matarem

cada uma. — Tentei controlar a porra da

dor que assolou meu peito. Não pensaria

nas meninas agora, precisava focar no

momento e acabar com esse verme

maldito.
— Não podia salvar aquelas

garotas, Alessandro, era sua obrigação


entregá-las ao mercador. Mas você tinha

que bancar o herói. A culpa é sua. —

Riu, cuspindo sangue e álcool que entrou

em sua boca. — Elas chamaram por

você, para ajudá-las…

Um isqueiro foi jogado nele, e

então a luz bruxuleante emergiu,

engolindo suas palavras, que foram

piores que tiros no meu peito. Seus


gritos eram altos na igreja, mas ninguém

viria ao seu socorro, assim como


ninguém foi até elas.

Poderia ter torturado ele por dias,


mas naquele instante apenas um mafioso

me interessava, o líder dos Rodins.

Precisava descobrir tudo sobre eles e os

negócios conduzidos com meu pai.

Inexistia motivo para perder horas

preciosas com Marco, se não havia


como mudar o que fez conosco e com a

minha mãe. Eu só desejava que ele fosse


morto, e foi.

Eu não era descontrolado como

Stefano. Até pude ver em Rafaelle que

gostaria de ficar com nosso pai por mais

tempo; foi ele quem jogou o isqueiro

para matá-lo. Meu irmão estava lá

quando o monstro incendiou um galpão

cheio de meninas.

— Não podemos. Não quero


correr o risco de aliados dele

aparecerem — respondi a uma pergunta


que ele não fez. Ao contrário dos outros,

eu sabia ler o meu irmão muito bem, e


ele a mim, era o único que fazia isso.

— Teve sorte de morrer rápido,

embora dolorosamente — falou com

asco na voz, direcionado a Marco.

Depois olhou para onde Jade e Luna

foram. — Vou lá ver como andam as


coisas.

Assenti e me virei para meus


homens, que se prostraram sob um dos

joelhos à minha frente. A igreja estava

lotada deles, mas não eram todos os da

máfia, apenas os que se situavam ali em

Veneza.

— Estamos ao seu dispor, mestre

— disse um.

Tratavam meu pai assim, mas eu

não era ele e não queria ser.


— Não precisam se ajoelhar, e

não me chamem de mestre, só de capo


ou Alessandro. Vou respeitá-los e

espero o mesmo de vocês. — Fitei


Marco carbonizado, perdido em meio às

chamas remanescentes. — Este dia

estava para acontecer, as coisas apenas

se anteciparam. Serei o novo capo e

tudo mudará por aqui.

Marquei uma reunião para mais


tarde e fui encontrar meus irmãos.

Antes de entrar no cômodo, eu


ouvi a voz de Jade. Era como se ela

estivesse com medo.

— Me diga que Alessandro está

bem… — Sua voz falhou.

Rafaelle suspirou, mas meu peito

se aqueceu com sua preocupação. Ela

sempre foi assim conosco, já cuidara de

várias das feridas feitas pelo bárbaro do

nosso pai.
— Estou — respondi, entrando na

sala e fechando a porta, pois não queria


ser interrompido.

Jade veio correndo e pulou nos


meus braços. Era bom senti-la assim,

saber que estava segura e que mais

ninguém levantaria as mãos para ela.

Mirei seu rosto, verificando o local em

que ele lhe bateu; estava vermelho.

— Fiquei tão preocupada com


vocês — disse em um sussurro. Em

seguida, olhou para cada um de nós


como se nos checasse, acredito que para

ver se havia ferimentos.

— Luna, querida, não abra os

olhos agora — pediu Stefano com a voz

grossa.

Conhecia meu irmão, matar para

ele era como andar de bicicleta, mas

Stefano não gostava de mostrar para elas

no que se transformara. Nenhum de nós


queria isso.

— Acabou — assegurou Rafaelle,


abraçando Luna.

Luna não suportava violência,


logo, ver algo assim a deixaria em

choque. Queria ter impedido, mas não

pude. O bom era que, a partir daquele

momento, elas estariam livres.

Jade foi até Stefano e o abraçou,

acho que ela entendia o meu irmão,


porque ele ficou tenso ao notar que ela

presenciou tudo o que fez.


— Jade, eu estou… — começou

ele, talvez para alertar que se sujara de


sangue. Ele era muito bagunceiro quando

matava.
— Não interessa. Eu me sinto

muito feliz por estarem bem, os três. —

Jade suspirou e depois falou algo baixo

só para ele.

— Jade — reconhecia esse tom,

parecia aliviado pelo que ela mencionou


em segredo. Agradeci à Jade por isso;

ela era como uma mamãe galinha

cuidando dos pintinhos, mesmo sendo

mais nova que nós.

— O que houve lá fora? — Ela se

virou para mim, ansiosa e temerosa.

— Vencemos — afirmei. Chequei

a sala, não ouvindo nenhum gemido de

Truper. Franzi a testa. — Precisávamos


dele vivo, mas que droga, Stefano! Por

que não se controla?


— O canalha mereceu por falar

aquelas coisas para elas. — Deu de


ombros enquanto limpava sua faca. Em

seguida, a guardou na bota.

Sacudi a cabeça. Não devia me

surpreender.

— Que bom que deixei o outro

vivo — comentou Rafaelle. — Sabia


que esse já era, assim que Stefano veio

para ajudá-las quando Truper as seguiu


para cá.

— Papai? — sondou Jade,

encolhida.

— Morto. — Definitivamente

estava no inferno, pena que não foi mais

cedo.

Luna escondeu o rosto no peito de

Rafaelle e chorou.

— Lamento, princesa, mas não


podíamos deixar que levassem vocês

duas. — Beijou sua testa. — Ele


ultrapassou todos os limites dessa vez.

Por isso teve o que mereceu,


pensei.

— Eu sei. — Sua voz parecia

quebradiça. — Ele não gostava de nós.

— Na máfia não é permitido amar,

isso era sua palavra. — Stefano sacudiu

a cabeça com um grunhido.


— Não ligo para o que ele e a

máfia dizem, porque amo cada um de


vocês — declarou Jade com ferocidade.

— Vocês três enfrentaram o nosso pai

para nos proteger, isso é amor, é o que

uma verdadeira família faz.

— Serei o novo capo e juro pela

minha vida que ninguém nunca mais

tocará em vocês duas.

Demorou, mas eu consegui

cumprir a promessa que fizera à minha


mãe e a mim mesmo — a de que um dia

mataria Marco.
Capítulo 3

Madson

Estar em uma cidade nova não era


uma coisa diferente para mim, não após

minha fuga da Albânia para escapar da


máfia. Não podia ficar muito tempo em
um lugar só, e isto era uma coisa de que

não gostava.

Trabalhar e ser mãe solteira era

difícil, ainda mais para uma menina de

dezessete anos na época. Há sete, eu

vivia fugindo de cidade em cidade,

usando nomes novos e tentando seguir

em frente.

Entretanto, o passado sempre


insistia em bater à nossa porta. Há um

mês estávamos em Veneza e, quando


cheguei na rua de casa, vi a polícia na

nossa vizinha. Na hora achei que fosse


um roubo qualquer, mas segui andando

com o carro e não parei, pois não queria

questionamentos, ou traria problemas

para mim. Fui ao meu trabalho, mas lá

também estava cheio de policiais. Sabia

que algo acontecera, então só parti da


cidade.

Ouvi na rádio local que duas


famílias foram torturadas. Sorte que eu

não deixava nada em casa que mostrasse

onde me encontrar com a Graziela. Mais

vidas foram tiradas, e eu tinha certeza de

que era para saber meu paradeiro.

Chegara a Milão no mês passado.

Morava em uma casa afastada da

cidade, longe demais do serviço. Eu não

deixaria Graziela com um nome e


histórico falsos na escola, então

ensinava tudo a ela, como escrever e ler.


Esperava que em breve pudesse colocá-

la em um colégio com crianças de sua


idade.

No período em que eu trabalhava,

ela tinha aulas em um estúdio de balé;

minha menina amava dançar. Ela ficou

animada para morar ali. Eu torcia para

que ninguém nos seguisse.


Conheci Luna logo quando cheguei

em Milão e comecei a trabalhar nesse


lugar. Ela vinha no café todos os dias, e

criamos um grande laço afetivo de

amizade — inclusive dormia às vezes na

minha casa, e eu na sua. Confiava em

Luna a ponto de deixar minha filha com

ela. A garota era uma doçura de

bondade, uma ruiva linda de cabelos

cacheados; me lembrava a Moranguinho.

Franzi a testa observando Luna


discutir com um cara na mesa em que

estava. Ela se levantou e veio até mim.


— Algum problema? — sondei,

preocupada.
Sorriu, sacudindo a cabeça.

— Nenhum. E espero que você

aceite a minha oferta. — Ela caminhava

na direção do banheiro. — Assim que

voltar, nós retomaremos a conversa.

Eu atendia mesas na lanchonete


vizinha à faculdade onde ela estudava.

Há alguns dias, passara a procurar uma


casa próxima do meu serviço, então

Luna me ofereceu a sua, perto da

universidade, assim faria companhia a

ela. Fiquei de pensar.

Virei para o homem que discutia

com ela antes. Ele era alto e forte; usava

um terno escuro. Seus olhos eram tão

verdes que fiquei hipnotizada por um

segundo. Embora fosse lindo, sua


expressão era fria, não revelava nada.

Entretanto, vi se aquecer quando olhou


para Luna, notei isso antes de ela sair. A

menina tinha dezenove anos, e o cara,


uns trinta, eu acho. O que fazia com uma

garota tão novinha assim?

Quando Luna falou que amava um

rapaz, achei que fosse um jovem, mas ali

estava um homem com quase o dobro da

idade dela. O que não gostei foi como


ele impunha uma ordem. Não ouvi a

conversa, mas os gestos que ele fazia


pareciam pertencer a uma pessoa

autoritária.

Fui até ele e fiquei na sua frente.

Franziu a testa ante a minha

aproximação.

— Não é velho demais para uma

menina como a Luna? — fui direta, já

que não gostava de rodeios quando

queria saber algo.


Um leve divertimento apareceu em

sua face fria.


— Se for casado e estiver usando

minha amiga… — Chequei seu dedo


para conferir sinal de aliança, mas não

vi nenhum. Peguei uma faca na mesa

diante dele e fingi fitar a lâmina. Depois

voltei meu olhar a ele, captando uma

emoção indecifrável em seu rosto. — Se

ousar falar de modo rude com ela de


novo ou tocá-la, farei serventia desta

faca, pode acreditar. Vou adorar cada


segundo.

Esse final foi dito baixo e de

modo convincente, pois assim ninguém

ouviria além de nós dois. Mas eu

precisava ficar longe de problemas. Não

poderia vencer um homem como ele

mano a mano, muito menos ir presa por

esfaquear alguém; minha filha dependia

de mim. Era uma ameaça vazia. Só me


deu raiva vê-lo discutindo com ela.

— O que está acontecendo? —


sondou Luna, se aproximando.

Endireitei-me, trocando a
expressão de raiva por uma inocente.

— Nada. Eu só adverti o seu

namorado no caso de ele ousar brigar

com você de novo. Avisei que faria

serventia desta faca. — Levantei-a

discretamente.
Luna piscou e, depois, desatou a

rir, enquanto se sentava.


— Oh, meu Deus! Você acha que

nós… — Gesticulou para o homem. —


Que nós estamos em um relacionamento?

Avaliei a expressão neutra do


indivíduo. Seus olhos se estreitaram. Ele

era difícil de ler, um enigma.

— Não estão? Achei que ele era

daquele tipo de namorado controlador e

possessivo. Os homens mais velhos

gostam de meninas novas, ainda mais se


for uma como você. — Sorri para ela.

— Esse é Alessandro, o meu

irmão. Ele é protetor até demais. — Fez

um muxoxo de desaprovação.

Examinei-o por um segundo;

olhando bem, percebi algo em comum

neles. Corei por ter insinuado uma

relação entre os dois. Esperei que

dissesse algo, mas ficou calado.


— Lamento por isso. — Coloquei

a faca na sua frente sobre a mesa. —


Não ia atacar você com ela, embora se

realmente fosse como pensei, pudesse


pensar em usá-la.

Uma luz cruzou seu olhar, foi

breve, mas achei ter visto diversão

novamente. Então ele se virou para a

Luna.

— Conversaremos em casa. Mas


acho que, no fim, ela pode acabar

tomando conta de você, já que deseja


morar sozinha. Gostei da tentativa de

protegê-la ao pensar que eu era… —

Ele sacudiu a cabeça, enquanto falava

em inglês, não em italiano. Certamente

era para eu não entender o que dizia,

mas aprendi o idioma online algum

tempo atrás.

— Ela é uma garota legal —

declarou Luna com um sorriso, na


mesma língua.

Fiquei grata por não ter


mencionado Miguel. Luna não queria

que ninguém soubesse que gostava desse


rapaz, o qual eu ainda não conhecia.

Eles conversavam parecendo

terem se esquecido de mim ali. Após,

Alessandro me olhou.

— Parece que sim. — Ficou de

pé. Falou em italiano: — Tome cuidado,


Luna.

— Terei, não fique tão


preocupado ou envelhecerá antes do

tempo — brincou sua irmã, me fazendo

rir.

O tal Alessandro se voltou na

minha direção. Seu olhar frio ganhou um

certo calor, diferente do demonstrado à

sua irmã, e me fez sentir como se eu

estivesse perto de um vulcão.

Tocou a cabeça de Luna e passou


por mim, parando ao meu lado e pondo

o rosto junto ao meu. Sua aproximação


fraquejou minhas pernas e fez borboletas

se apossarem do meu estômago.


Prendi a respiração. Seus olhos

nos meus pareciam ter a capacidade de

me deixar bêbada. Isso era possível?

— Estrela-do-mar, a gente se vê

em breve. — Soava como música, uma

melodia linda, e também sexy.


Antes que organizasse meus

pensamentos fritos, ele se afastou e saiu


do estabelecimento.

Que porra foi isso? Nunca me

senti assim em relação a ninguém,

nenhum homem me chamou atenção ou

fez faltar ar nos meus pulmões só com

sua mera presença.

Ele entrou em um carro escuro e

partiu, mas os dois seguranças que

seguiam Luna ficaram do lado de fora.


Ela me contou que eles eram ricos, por

isso os seguranças, embora ela não


agisse como uma patricinha mimada.

Luna riu, me fazendo olhar para


ela.

— O que foi? — Tentei recuperar

meu fôlego por aquele homem intenso.

— Nada, mas você está vermelha

como um tomate. Ficou a fim do meu

irmão? — Ela parecia ansiosa demais,


como se previsse um romance no

horizonte. Bufei.
— Não tem como me interessar

por um homem que acabei de conhecer,


além disso, eu achava que vocês tinham

um lance. — Sacudi a cabeça.


Fez careta.

— Alessandro é um cara bom,

mas se tornou bastante protetor depois

que perdemos a nossa mãe — sussurrou,

encolhida. — De qualquer forma, eu o

entendo, algumas pessoas podem me


usar para derrubá-lo.

Franzi a testa.

— Ele tem medo que eu a

sequestre ou algo assim? Jamais faria

isso!

Tinha muita coisa em mente, mas

dinheiro era a última delas. Também não

era nenhuma golpista interesseira.

Gostava da Luna por sua simpatia e


doçura.

— Eu sei, não é só você, são


todos. Alguns se aproximam de mim

querendo algo dele e depois me deixam.


Você é a primeira pessoa real que gosta

de mim pelo que sou, uma garota normal

de dezenove anos, e não a filha de pais

ricos com irmãos mais ricos ainda.

Pisquei.

— Pessoas se aproximam de você


por interesse? — perguntei, horrorizada.

— Algumas sim, mas vamos


deixar isso pra lá, o que posso dizer é

que eu ficaria feliz se aceitasse morar

comigo. Meu irmão gostou da ideia. —

Sorriu. — São poucas as pessoas que o

enfrentam dizendo que vão esfaqueá-lo.

— Estava brincando. Só não

posso afirmar que não o faria em uma

situação de real perigo, mas como as

coisas foram esclarecidas… — Dei uma


risadinha. — Eu vou morar com você se

me deixar pagar o aluguel.


Sacudiu a cabeça, teimosa.

— Não preciso de dinheiro, basta


a sua companhia e a de Graziela. —

Luna ficava algumas vezes onde eu

estava morando. Mas lá não tinha lugar

para seus seguranças, a casa era

pequena demais.

— Então doe. Não irei sem ajudar


com algo, não vou me aproveitar de

você como muitos fizeram. — Olhei ao


redor. — Preciso atender as mesas. Que

horas posso me mudar? Quero entregar o

lugar até amanhã para não pagar outro

mês de aluguel.

Bateu palmas como uma criança.

— Oba! Eu vou ajudar com as

coisas que levará. — Colocou-se de pé.

— Tudo bem, assim que sair do

trabalho, nós podemos ir juntas.


Sabia que devia ficar longe, mas

negar algo a essa menina era impossível;


também necessitava de um lugar mais

perto. Esperava que tudo corresse bem e


que ninguém tivesse me seguido até ali.

Tomei cuidado, mas esses mafiosos

eram espertos.

Em todos os lugares que fiquei, eu

utilizei nomes diferentes. Mamãe me

pediu para me chamar de Madson, mas


nunca o usei, pois ele me fazia lembrar

dela. Entretanto, achei que podia


recorrer a ele nessa cidade — melhor

do que Mia, meu verdadeiro nome, já

que esse seria impossível de usar, ao

menos até resolver as coisas.

Tinha acabado de encaixotar tudo

quando um carro parou na frente de


casa. Devia ser o homem que levaria

meus pertences. Não era muito, apenas


roupas e a cama da Barbie de Graziela.

— Deixe que eu o recebo

enquanto você fica com a Graziela —

pedi à Luna.

Ela apareceu minutos antes para

me ajudar. Fiquei grata.

— Tudo bem, mas me esqueci de

avisar que serão meus irmãos que

levarão as coisas. Alessandro cancelou


o cara do frete, já que vou estar aqui, e

ele não queria ninguém estranho. —


Soltou um suspiro. — Me desculpe não

ter dito mais cedo, espero que não fique


brava.

Mirando aqueles olhinhos azuis

parecidos com os de cachorrinhos fofos

era impossível sentir raiva.

— Não estou, mas seu irmão

devia ter falado comigo antes de mandar


cancelar algo que eu pedi, e não ele. —

Dela, pelo menos, eu não guardava


rancor, mas não era certo esse

Alessandro se meter em assuntos que

não lhe diziam respeito.

— Ele é protetor — sussurrou.

— Entendo isso. Só acho que

antes de ele cancelar, precisaria me

avisar de antemão. Seria o certo a se

fazer. — Suspirei. — É ele quem

chegou?
— Não, são Rafaelle e Stefano.

Alessandro estava ocupado. — Virou-se


e fechou uma caixa de boneca. — Sei

que minha família é estranha e um tanto


demais, mas espero que não a afastem

de mim.

Senti vulnerabilidade em sua voz,

nessa hora quis bater nas pessoas que

tentavam usá-la para chegar à sua

família. Não sabia nada sobre eles,


apenas que eram donos de várias boates

no local.
Fui até ela e a abracei, não

querendo magoá-la; depois arrumaria


um jeito de falar com aquele homem

frio.
— Nada me distanciaria da nossa

amizade, Luna — falei a verdade. —

Nem mesmo o robô gelado do seu

irmão.

Ela riu baixinho.

— Obrigada, adoro você. —


Apertou os braços.

— Eu também…

— Ei, se acalmem. Curtiria

presenciar duas mulheres se pegando, se

uma delas não fosse a minha irmã —

disse alguém, divertido.

Na soleira da porta do quarto

estava Stefano Morelli, o irmão mais

novo dela da parte dos homens. Tinha


cabelos negros e olhos escuros. Eu já o

vira antes quando foi na lanchonete e em


uma noite que Luna dormiu na minha

casa.
O garoto era engraçado, deu em

cima de mim algumas vezes, mas não

senti nada, não como com Alessandro.

Também sabia que Luna tinha mais dois

irmãos, Rafaelle e Jade.

— Não seja idiota, Stefano, somos


amigas — declarou Luna, animada.

Sacudi a cabeça.
— Obrigada por vir me ajudar. —

Fui passar por ele, que se colocou na


frente.

Ergui as sobrancelhas.
— Quando sairá comigo? —

perguntou, usando um tom encantador.

Acredito que faria inúmeras mulheres

caírem submissas à sua frente, mas eu

não era uma delas.

— Nunca, garoto, desista! Agora


me dê licença. — Apontei para tirar seu

braço.

Ele fez careta, mas liberou um

espaço pelo qual passei, indo até a sala.

Ouvi-o atrás de mim:

— Nunca levei um fora na vida —

murmurou, acho que para Luna, porque

ela riu.

Também sorri e parei no meio da


sala olhando pela janela que estava

aberta. Lá fora, um homem loiro, de


olhos azuis-cobalto, lindo, tocava os

cabelos de Graziela, agachado na frente


dela.

Ela sorria, com um brilho em suas

íris azuis intensas. Minha garotinha era

especial, se dava bem com todo mundo.

— É o Rafaelle. Não se preocupe,

a princesa está segura com ele — disse


Stefano.

Dos irmãos dela, eu só conhecia o


Stefano e o Alessandro.

— Sim, meu irmão adora crianças

— garantiu Luna. — Agora vamos

colocar as mãos na massa?

— Deixe que os guardas

coloquem, enquanto isso, vocês devem

ir para o carro. — Suspirou Stefano.

— Não sou frágil! Eu não gosto de

ver os outros trabalhando por mim. —


Peguei uma caixa e levei até uma

caminhonete preta.
Estávamos quase terminando

quando Rafaelle se aproximou de mim.


Esperei sentir um pouco do que senti por

Alessandro, mas nada. Além de ele ser

lindo, o resto não me tocou. Isso era

loucura? Por que um homem frio como

Alessandro me fez vivenciar emoções

inéditas?
— Madson, certo? — Escorou no

carro, ajeitando uma bolsa pequena na


carroceria.

Olhei para ele sem entender se era

uma pergunta ou uma declaração.

— Sim… — Endireitei meu corpo

e o fitei de frente. Depois o incitei a

continuar: — E…?

— O que trouxe você a Milão? —

foi direto ao ponto, checando não meu

corpo, mas minha expressão, como se


me lesse.

Ri, sacudindo a cabeça. Por


dentro, estava tensa.

— Essa é sua forma protetora de


sondar se estou indo morar com a Luna

para usá-la ou algo assim? — Meneei a

cabeça de lado.

Sorriu e se virou à Graziela, não

muito longe de nós. Voltou a mim.

— Você não parece do tipo que


enganaria alguém, mas eu precisava

conferir. Luna vê bondade em todos, se


fosse por ela levaria qualquer sem-teto

para morar em casa, assim como faz

com os gatinhos. Eu tive que abrir um

gatil só para não ter mil bichanos na

minha sala.

Ri mais uma vez.

— Sim, ela tem isso. Mas não se

preocupe, eu não a usarei apenas para

ter algo de vocês. Não ligo para o seu


dinheiro ou se são uma família

importante. — Olhei para Luna, que


trazia uma caixa em sua mão, mas

Stefano pegou dela. — Já disse ao seu


irmão mais cedo (o tal que pensei ser

um namorado obsessivo ou algo assim,

cheguei até a ameaçá-lo com uma faca).

Enfim, posso lidar caso alguém se meta

com ela na minha frente.

Stefano gargalhou.
— Mulher, você ameaçou o meu

irmão com uma faca?


Dei de ombros.

— Ele estava discutindo com ela,


além do mais, era mais velho, e eu

desconhecia sua identidade até Luna


dizer. — Franzi a testa. — Ele é sempre

daquele jeito?

— Que jeito? — sondou Stefano e

fechou a cara. — Está interessada no

meu irmão?

Neguei.
— Por que vocês levam as coisas

para esse lado sempre? — critiquei. —


E não estou a fim dele, mal o conheço.

— Houve química, principalmente


quando ele fez isso. — Luna imitou o

gesto de Alessandro com o rosto

próximo ao meu. — “Estrela-do-mar, a

gente se vê em breve”. Depois saiu, mas

juro que vi fogos de artifícios entre eles.

Sorri, dando um empurrão nela


com o ombro.

— Não fale besteira. Vamos

embora antes que escureça. — Mirei

Rafaelle, pensativo e calculista. Stefano

estava de cara fechada. — Obrigada por

virem aqui me ajudar.

Os dois assentiram sem responder.

Deixei quieto, pois não era da minha

conta que eles se chocassem, mas com o


quê? Não sabia se foi pelo que a Luna

falou do irmão deles e eu, embora não


fosse mentira — o homem era um deus

grego fabuloso. Ou talvez significasse


outra coisa.

— Mamãe, nós vamos morar com

a tia Luna? — Graziela veio até mim e

pegou a minha mão.

Sorri, estava animada com o

entusiasmo dela.
— “Tia”, hein? O que faz de mim

o seu tio também, princesa? Diga que


sim ou vai partir o meu coração. —

Stefano soou triste e colocou a mão no

peito em um gesto dramático.

Graziela foi até ele, amável; não

podia ver ninguém triste.

— Você é o meu tio Stefano,

aquele que me faz miojo e diz que vai

chutar qualquer um que tocar em mim.

— Pegou a mão dele e ficou na ponta do


pé, então ele se abaixou, e minha doce

filha o beijou no rosto.


Pude ver que ele engoliu em seco,

emocionado.
— Princesa linda do tio. —

Pegou-a nos braços e a rodou, fazendo-a

gritar de alegria.

Dei um passo a mais para criar

meu caminho ali em Milão e esperava

que tudo corresse bem, pois não queria


acarretar problemas para nenhum desses

irmãos. Se algum perigo surgisse no


horizonte, eu partiria da cidade e da

vida de Luna. Não entendia o porquê,

mas algo me dizia que, se eu fosse

embora com minha filha, nunca mais

seríamos as mesmas.

Não podia pensar em dar errado.

Precisava acreditar e ter fé de que tudo

se resolveria. Seríamos felizes nesse

lugar.
Capítulo 4

Alessandro

No porão havia dois garotos que

eu conhecia muito bem. Pude ver que

eles estavam com medo. Queria dizer


que tudo daria certo, mas conhecendo
meu pai, não tinha certeza.

Não sabia qual sua razão para

me punir, pois fazia tudo o que o velho

asqueroso queria. Ele não podia me ver


agindo diferente que ficava de olho em

mim.

Jairo e Amisteg eram meus

colegas, os salvei algum tempo atrás e


nos tornamos amigos.

— Como eu disse uma vez,


Alessandro: sem laços! Mas aqui está

você fazendo amizade com um pessoal

de fora do nosso círculo social —

começou ele vindo até mim e lançando

um soco tão forte na minha boca que o

sangue desceu.

Não gemi ou emiti som algum; a

dor era algo que fazia parte de mim.

Contudo, nesse momento estava tenso


por vê-los ali, além de Rafaelle
escorado na parede de braços
cruzados; ele fez menção de vir na
minha direção assim que fui
nocauteado. Supliquei com os olhos

para que não viesse ou apanharia

também.

— Preciso que seja um capo um

dia, mas sem emoções para que não

afunde a nossa máfia. — Ele se referia

à nossa organização como máfia, mas


eu chamava de família. Confiava em
muitos dentro dela, sabia quem estava

a meu favor, e não ao dele. Um dia

teria todos do meu lado, e as coisas

mudariam de vez.

— Não desobedeci nenhuma

tarefa sua! Cumpri tudo à risca — falei

em tom calmo, embora tudo em mim

quisesse explodir e acabar com ele.

Riu com desdém.

— Não me lembro de mandar


você fazer amigos — ele praticamente

grunhiu a última palavra. — Hoje essa

sua escolha mudará, você precisa

quebrar os laços de vez.

Gelei. Claro que matava pessoas,

bandidos ou devedores, mas nunca

eliminei um inocente.

Os dois garotos estavam


paralisados, com medo do que

acontecia ali. Fitavam-me com


esperança de que eu fosse tirá-los
dessa, mas como faria isso?

— Mate-os, Alessandro —

ordenou Marco num tom que me dizia

para não desobedecer.

Algo em meu coração parecia

querer rachar; fazia anos que eu havia

trancado minhas emoções, mas ouvir

que teria de assassinar esses garotos

me despedaçou. Às vezes, eu chegava a


pensar que não era humano, acho que
foi por isso que me aproximei deles,

para tentar mudar essa característica.

Peguei minha arma, ao que

arregalaram os olhos e suplicaram —


algo que meu pai odiava, por sinal; ele

não suportava ouvir isso.

Tentei levantar as mãos, mas não

consegui; tinha algo que me impedia de


atirar. Eu não conseguia desviar os

olhos deles, pois via a confiança


depositada em mim.
Meu pai rosnou com fúria. Eu

sabia que eles morreriam, e tudo por

minha culpa, pois se tivesse me

mantido longe, ambos estariam com

suas famílias.

— Seu covarde! Mate-os ou vou

fazer com que se arrependa.

Não era capaz, não pretendia


mudar essa fraqueza.

— Talvez precise de um incentivo


maior. — Olhou para um homem seu,

Gael. — Traga a Jade e a Luna aqui…

Um medo nunca sentido antes se

apossou de mim; soube o que


aconteceria. Antes que eu reagisse,

dois tiros soaram e os garotos caíram

no chão, atingidos no peito.

Pisquei vendo que tinha sido


Rafaelle, que estava de pé, respirando

desigual; suas primeiras mortes, ele


também era avesso a isso. Era para eu
ter feito, e não ele, mas meu pai me
deixou entre a cruz e a espada,

correndo o risco de ele machucar as


minhas irmãs.

Conhecia o motivo de Rafaelle

para puxar o gatilho, não foi só para

proteger Jade e Luna, mas porque

sabia que eu não conseguiria.

Meu pai chutou minhas pernas,


prostrando-me de joelhos. Ignorei a
dor e meu instinto de avançar nele.

Meus olhos estavam nos garotos sem

vida no chão, na lembrança da fé vista

tão logo entrei, como se soubessem que

eu iria salvá-los, algo que não

aconteceu. Tudo culpa desse maldito.

— Eu vou deixar passar só desta

vez, Alessandro, mas na próxima

pagará um preço muito alto. O valor de


suas irmãs. — Saiu do lugar, me
deixando sozinho com Rafaelle e os
cadáveres.

A mão do meu irmão veio no meu

ombro e apertou-o; um pedido de


desculpas silencioso. Tínhamos isso em

comum: não sabíamos nos desculpar

com facilidade, não parecia ser da

nossa natureza.

— Eu sei. — Assenti. Dali em

diante, não deixaria mais ninguém


chegar tão perto.
Acordei ofegante devido ao

pesadelo que assombrava meus dias e


minhas noites. Isso se prolongava por

anos, mas sempre sentia como se tivesse


acabado de acontecer. Depois desse

episódio, nunca mais me aproximei de

alguém, exceto Miguel, porém, ele sabia

se proteger.

— Alessandro, eu o ouvi
chamando por eles — disse uma voz ao
meu lado direito.

Nem notei que peguei no sono no

sofá da boate Pacha, acho que devido à

loucura da noite anterior; os malditos


pesadelos não me deixavam dormir. Se

fosse apenas um, eu lidaria, mas eram

muitos. Nessas horas, desejava ter

ficado com Marco mais tempo. Podia ter

matado o bastardo como eu fizera com


Gael, há quase dois anos. Meu “pai”
também tinha culpa pelo que minha irmã
Jade passou, mas quando soube, o verme
já havia morrido.

Protegi-a tanto; enfrentei muitos


para que ficasse segura, e, no final,

ainda acabou sendo ferida da pior forma

possível. Ele a tocou…

— Alessandro… — começou

Rafaelle.

Levantei-me e fui até a mesa


encher um copo de uísque, pois
precisava beber depois de toda essa

merda.

A porra da culpa me corroía mais

do que o remorso. Há muito não sentia


nenhum dos dois, mas após descobrir o

que Gael fez com a Jade, isso me

atormentava.

— Eu… — ele queria dizer que


sentia muito por ter matado aqueles

garotos, mas isso não era necessário.


— Rafaelle, você fez o certo, não

podíamos deixar que ele as machucasse.


Um dia esses pesadelos irão embora. —

Eu não tinha tanta certeza, mas ele não


precisava saber. — Embora isso não

seja o motivo da minha fúria, mas a

porra da impotência, a culpa e essas

merdas. — Tomei um grande gole,

tentando clarear a mente.

— Me sinto culpado também por


não ter protegido a Jade, quando penso

isso me dá vontade de matar o Marco de

novo. — Ele também pegou um copo de

bebida. — O bom é que aquele monstro

não fez mais nada com ela, e agora Jade

está feliz com o seu marido. Devemos

ser gratos por isso.

Jade se casou com Luca Salvatore

há mais de um ano, e estava feliz ao lado


dele, além de fazer o que ama, se
formando em Medicina. Ela seria uma
médica excelente.

— Sim — respondi.

A porta foi aberta. Stefano entrou.

— Não sabe bater? — falei,


sentando-me novamente no sofá.

Sorriu, sem se importar com o

meu tom. Ele me respeitava quando

estávamos na frente dos outros e até


mesmo a sós, mas meu irmão sabia que

não haveria uma repreensão em tudo.


— Você viu a gostosa da amiga da

Luna? Ela está trabalhando aqui esta


noite. — Ele parecia animado, mas com

um tom diferente, que eu não consegui


ler.

Levantei uma sobrancelha.

— Não vi, e não estou a fim de


saber de nenhuma amiga da minha irmã.

— Tomei outro gole.

Uma delas me interessou bastante,


aquela loira fabulosa que me ameaçou

com a faca há quase dois meses. Eu a vi

algumas vezes ao visitar Luna em sua

casa, próximo a faculdade onde ela

insistiu em ficar. Não queria que ela

morasse lá sozinha, longe de nós, então

apareceu essa mulher, tão perfeita. Mas

não foi isso que me fez pensar nela nas

últimas semanas, e nem em sua filha, a


garotinha fofa e meiga. Poderia ter feito

uma investida, porque senti pela forma


que Madson reagia a mim que se

interessara, assim como eu, mas me


mantive longe. Resistir a ela toda vez

que a via era como ignorar um feitiço;

assemelhava-se ao canto de uma sereia.

Rafaelle franziu a testa.

— Não queremos saber com quem

fica. De preferência acharia bom não

pegar as amigas de Luna, pois tem


muitas mulheres por aí. — Estreitou os
olhos — Se for quem eu acho que é,

talvez devesse ficar longe.

Meu irmão sabia do meu interesse

por Madson. Apesar de eu não ter ido


atrás dela, não significava que não a

quisesse para mim. Devia ter dito a

Stefano que acreditava que ele não teria

chances: pelo menos todas as vezes que

reparei, ela deu um fora nele.

Meu irmão riu, se jogando no sofá.


Bem na hora, uma batida soou na porta.
— É ela.

A porta se abriu e por ali entrou

uma loira de cabelos anelados nas

costas, olhos grandes e azuis com tons


de verde, como o céu refletido no mar, e

um corpo fabuloso que me fazia ter

alguns pensamentos — aliás, um monte

deles. Madson, essa mulher, possuía

uma luz que me tocava fundo, por isso a


apelidei de Estrela-do-mar: brilhava tal
uma estrela no céu, mas seus belos olhos

remetiam ao oceano. Fazia tempo que eu

não saía com ninguém; estivera ocupado

demais por esses meses, não liguei

muito para divertimento. Bom, exceto

para ela, que iluminava minhas noites.

Nesses momentos, eu ia até onde ela

morava, mas não entrava, apenas a

observava pela janela. Nunca fui um


covarde com o que desejava, mas todas

as pessoas que se aproximavam de mim


tendiam a morrer ou coisa pior. Madson

parecia querer construir uma nova vida,


por que eu a atrapalharia?

Avaliei a sua postura ao observar

Rafaelle e depois Stefano, fazendo uma

careta; nada de interesse em nenhum


deles. Então seus olhos pousaram em

mim e a vi engolir em seco e respirar

fundo, tentando se recuperar. Era sempre

assim quando me enxergava.


Usava uma saia curta e uma

camiseta amarrada na frente dos seios


— barriga de fora era o uniforme dali.

Sim, muito sexy. Isso sem contar com


sua boca carnuda e avermelhada, duvido

que fosse batom.

— Trouxe as bebidas que pediu.

— Virou-se para Stefano.

Achava difícil uma mulher resistir


ao meu irmão, já que ele tinha várias aos
seus pés. Mas, com Madson, ele não

teria nenhuma chance. Até detectei que

ele não investia de verdade nela.

Significaria que sabia como eu reagia à

garota? Qual era seu ponto com isso?

Ele sorriu e se levantou.

— Coloque na mesa, Madson. —

Enrolou o nome dela, como se fosse


algo prazeroso.

Ela sacudiu a cabeça e fez o que


pediu. Pude notar que estava louca para

sair dali.

— Que horas termina o seu turno?

Podemos nos divertir depois… — sua


pergunta se dirigia a ela, mas seus olhos

estavam em mim. Sim, era um teste,

queria que eu dissesse algo. Meu irmão

sabia que eu estava a fim dela e não

tomara uma atitude. Esse era o jeito de


Stefano de me fazer reagir?

Antes, eu não ligava para meu


irmão dando em cima dela. Mas, com o
passar das semanas, as coisas mudaram.

Algo em mim não apreciava mais isso.

Ela se virou para ele com a cara

séria.

— Olha, garoto, eu não estou a fim

de você e nem de “me divertir”, como se

diz hoje em dia. Tenho mais o que fazer,

inclusive trabalhar. — Suspirou,


parecendo frustrada. — Respeito que
seja irmão da Luna, mas não tem nada

rolando entre a gente, então desencane.

Tenho vinte e quatro, sou mais velha e

mãe de uma menina de sete anos. Por

que não procura uma adolescente

interessada em você? Aposto que há

muitas.

Ri, sacudindo a cabeça. Depois

me espantei comigo mesmo: não


lembrava quando foi a última vez que
sorri naturalmente.
Stefano e Rafaelle se viraram na
minha direção, mas minha atenção

estava na mulher que pegava a bandeja


para sair.

Ela parou com a minha risada e se

voltou a mim, com dificuldade para me

olhar nos olhos — sempre mirava acima

da minha cabeça ou o meu peito.

Colocou uma mecha de cabelo atrás da


orelha, nervosa com nosso silêncio.
Virou-se para sair, mas uma marca em

seu braço me chamou atenção, parecia

ser de um aperto muito forte.

— O que foi isso? — perguntei a


ela.

Deu de ombros.

— Nada. — Esquivou-se e

abaixou o braço, parecendo querer sair

correndo dali. — Posso ir?

Fiquei de pé, pousando o copo de


bebida na mesinha, e fui até a menina.

Havia calor em seus olhos arregalados e

na pele vermelha. Me fez querer saber o

que ela estava pensando.

— Quem a machucou assim? —

Cheguei tão próximo que pude sentir seu

cheiro de lavanda. Precisei de todo

autocontrole para não deixar meu pau

duro. Não era hora, ainda mais


desconfiando que alguém a tocou. — Foi
algum namorado?
Ela estreitou os olhos.

— Não tenho namorado, e como

disse: não é nada. — Deu um suspiro

exasperado. — Só quero que esta

maldita noite acabe logo.

— Preciso saber, afinal, você é

amiga da minha irmã, e não quero

problemas para ela — desconversei. —

Agora me diga a verdade.

O desejo visto alguns minutos


atrás sumiu, dando espaço para o medo.

Foi breve, mas eu enxerguei. Então sua

expressão se tornou de raiva.

— Só vim trabalhar aqui hoje,


mas os homens deste lugar acham que

sou uma vadia qualquer e não aceitam

um não bem-dado na cara. — Passou a

mão no rosto, cansada. — Por isso evito

trabalhar em boates.

— Está me dizendo que alguém


daqui da minha boate a tocou forte dessa
forma? — sondei.

Ela assentiu.

— Olha, eu não quero problemas,

só me deixe terminar a noite. Não


voltarei mais aqui de qualquer maneira.

— Ela foi para a porta, mas peguei seu

braço.

Madson endureceu por um


segundo, mas rapidamente relaxou. Sua

reação mostrava que alguém batia nela,


talvez o pai da sua filha.

— Mostre quem.

— Quer mesmo saber? Foi da

terceira sala VIP, um barbudo, inclusive

disse que se eu não ficasse com ele, o

dono deste lugar me faria pagar —

respondeu com um gosto amargo. —

Não acreditei que vocês fossem


bandidos, Luna alega que anda com

segurança por terem uma fortuna ou


coisa assim.
Ela não sabia quem éramos, este

era outro motivo para me manter longe.

Luna não contou, porque não queria que

as pessoas se aproximassem dela atrás

de algo, ou que se afastassem por medo.

— Tudo bem, pode voltar ao

trabalho. Eu vou lidar com ele. — A

vontade de ficar com a mulher passou;

bom, não realmente, já que ela me


deixava duro. Só acho que seria
covardia investir na garota quando seria

apenas uma foda, ela não parecia ser

dessas. E, no fundo, eu sabia que se

ficasse com ela, iria querer mais.

— Lidar? — Tinha algo ali que

não entendi muito. Eu era bom em ler as

pessoas, mas com essa mulher era

diferente. Às vezes, ela deixava escapar,

como o desejo que vi em seus olhos


instantes atrás. Mas agora? Nada.

— Sim, não aceito esse tipo de


coisa no meu estabelecimento — falei.
— Só vou mandá-lo ir para outro lugar.

Se algo como isso acontecer novamente,


chame os seguranças da boate, eles

estão aqui para isso.

— Tudo bem. — Ela pareceu

aliviada, como se temesse que eu fosse

matar o cara.

Madson saiu, fechando a porta.

— Você só vai expulsar os caras


como disse a ela? — sondou Rafaelle.

Virei para ele.

— Não, você vai lidar com isso.

Cheque as filmagens e veja como tudo

ocorreu. Se ele só estiver bêbado, dê um

recado, mas se descobrir mais coisas,

elimine-o — ordenei, indo até o vidro e

olhando para baixo.

— Vai fazer algo sobre ela? —

perguntou Stefano. — Como ela pode


continuar me chamando de garoto? —

Nesse final, parecia falar consigo

mesmo.

— Ela não tem conhecimento de


quem somos — ignorei a primeira

pergunta, porque não sabia ainda. Tudo

indicava para ficar longe.

— Parece que Luna disse que


somos ricos, e não que pertencemos à

máfia. Acredito que ela não quer ver


todos correndo dela, temendo ser irmã
do capo. — Stefano suspirou. — Não é
vergonha, questionei isso. Luna só quer

ser normal por um tempo, então não


disse nada. Falei a quem sabe para não

soltarem o segredo à Madson e nem à

princesa. Até agora está funcionando.

Normal. Entendia o motivo de

Luna, afinal, viveu anos presa, sem

poder ter amigas.

Observei Madson ir até o bar e


pegar bebidas para entregar em uma

mesa cheia de adolescentes

universitários. Os homens sorriram para

ela, interessados, mas mesmo com esse

incômodo, ela parecia educada.

O que havia nela para despertar

minha atenção? Linda, sem dúvida, ela

era, mas não foi por isso, e sim pelo fato

de ter uma filha e trabalhar duro para


educá-la. A forma como as duas agiam
uma com a outra… elas se amavam
muito. Como podia me envolver com
uma mulher dessas?

Uma garota assim não era para


homens iguais a mim; eu tinha uma nação

nas costas e responsabilidades,

incluindo os Rodins, que estavam

quietos, mas não por muito tempo, pois

sabia que logo entrariam em ação, e eu

tinha de estar preparado. Focaria


somente nisso no momento.
Capítulo 5

Madson

Nem acreditava que fazia três


meses que eu estava em Milão,

trabalhando no Starbucks Coffee em


frente à faculdade.

Nesses sete anos fugindo da

Albânia, não fiquei muito tempo em uma

cidade só, já que não podia correr o


risco de me apegar a algo ou de ser

encontrada com a Graziela.

Não devia ter feito amizade, não

só com Luna e os irmãos dela, mas


também com a Silvia, que trabalhava em

uma boate chamada Pacha. Ela estava


doente e me chamou para ocupar seu
lugar; evitei a qualquer custo e só fui
porque soube que a boate pertencia aos

irmãos de Luna.

Em boates que envolviam a máfia

eu não ficava, por isso fui embora de

Veneza, pois descobri que o lugar era

controlado pela máfia italiana. Ali

parecia ter muito isso, não que alguém

houvesse comentado.

A boate era elegante, com luzes


piscando no teto; ao lado direto, um

vidro que dava para uma sala, da qual,

com certeza, o dono controlava todos.

Conheci os irmãos de Luna. Eles


foram legais comigo e com minha filha,

todos gostavam dela, mas quem não

gostaria? Ela era um amor.

Assim que fui chamada na sala do


chefe, eu me vi nervosa, embora não

fosse trabalhar ali de novo, ainda mais


depois que um cara tentou me tocar por
não aceitar a palavra “não” como
resposta.

Quando entrei, me senti em uma

passarela cheia de modelos elegantes.

Alessandro me avaliava dos pés à

cabeça, sem cerimônia. Experienciei

sensações em lugares que eu nem sabia

existirem. Era sempre assim quando ele

ia visitar sua irmã, eu evitava me


aproximar ou seria pior.
Nessas últimas semanas, eu me

peguei pensando mais nele. Devia


apenas deixar rolar seja lá o que

estivesse acontecendo entre nós? Então


lembrava da promessa que fiz a mim

mesma e me esquecia do assunto, ou

tentava. Alessandro não parecia um

homem que se prenderia a uma mulher, e

isto o fazia não ser certo para mim.

Ele mexia a boca de modo


atraente, tão perfeito. Ao descobrir

sobre o meu braço, precisei contar a

verdade. O cara era hipnotizante e me

levava a revelar tudo, embora eu não

fosse tão fraca assim.

Em todos esses anos, eu nunca

pensei em nada que não a Graziela e

nossa segurança. Namoro ou ficada não

cruzaram minha mente. Mas ao conhecer


o Alessandro, esse meu lado reacendeu
como uma árvore de Natal.
Ele era frio, a expressão em
branco, mas tinha algo queimando. Eu

entendia porque via o mesmo quando me


olhava no espelho. Tentava esconder de

todos a dor que sentia.

Perder a mamãe daquela forma foi

a coisa mais dolorosa pela qual já

passei na vida.

— Madson! — Ouvi alguém me


chamar, então sacudi a cabeça e voltei a
focar no trabalho, e não na dor que me

consumia há muito tempo.

Telma era alta e elegante, uma

morena bonita, também garçonete do


lugar.

— Oi, desculpe por isso. — Sorri

e fui servir as mesas, não podia deixar

uma má impressão ali, pois pegaria mal


para a Silvia quando viesse trabalhar no

outro dia.
Vi Stefano e Rafaelle indo até a

mesa do cara que apertou o meu braço.


Disseram algo que fez os homens

estremecerem, arregalarem os olhos e


saírem sem reclamar.

Franzi a testa. O que estava

havendo ali? Talvez fosse porque tinham

medo de serem indiciados.

Os irmãos Morelli se sentaram na


cabine, e Stefano sorriu para mim, me
chamando. Suspirei. Esse garoto não

tinha jeito. Talvez depois dessa noite

parasse de dar em cima de mim.

— Sim? O que deseja? — fiz a


pergunta errada.

— Oh, eu desejo…

Rafaelle cortou Stefano.

— Só bebidas — informou,

lançando um olhar para seu irmão e


depois para trás de mim.
Forcei um sorriso dizendo que

traria logo e me virei, mas antes levantei


meus olhos para cima. Mesmo através

da pouca luz, eu pude ver Alessandro


checando tudo ali embaixo, ou melhor,

sua atenção estava em mim. Não

entendia o porquê, mas esse homem

tinha mais do que deixava transparecer.

Eu era igual.

Respirei fundo e tentei recuperar a


postura. Mal conhecia o homem, então

por que estava vivenciando sentimentos

estranhos? Bem, “sentimentos” seria

uma palavra forte; vamos chamar de

“sensações”.

Fui sair dali e não prestei atenção,

então topei em um peito duro e quase

caí, mas as mãos pertencentes ao dono

do peitoral me seguraram.

— Cuidado — disse num sotaque


que eu conhecia bem: albanês.
O sangue fugiu do meu rosto. Não

me importando com nada, eu só me

esquivei de seu toque, sem permitir que

visse o meu rosto. Estava a ponto de

surtar, temia que fosse um deles. Por

isso evitava boates, gostava mais de

lugares calmos, onde sabia que não

encontraria mafiosos. Por que vim?

Devia ter rejeitado a oferta.

Ouvi alguém me chamar, mas não


dei a mínima, só saí correndo dali, indo

para o banheiro. Coloquei a mão no

peito, que batia descompassado. Era

loucura reagir dessa forma a todos os

albaneses que visse, mas todo cuidado

era pouco.

Quando isso ia parar? Quando eu

não temeria o pior? Merda! Não podia

viver com medo para sempre, precisava


fazer algo, mas o quê? Como venceria?
Não havia ninguém para me socorrer.
— Mãe, me dê forças. — Agarrei
uma correntinha que tinha no pescoço

com a sua foto e a de Graziela. — Como


posso vencê-los? Isso. Eu preciso ir

embora de Milão agora…

Minha testa estava no mármore da

pia. Eu me sentia ofegante, como se

tivesse corrido muito.

— Por que precisa ir embora? —


A voz rouca de Alessandro me fez pular
com a mão no peito.

Arfei vendo-o de pé do meu lado,

alto e com todo aquele poder exalando

de si.

— Quer me matar do coração? —

Tentei não deixar o pânico que sentia

transparecer; o homem parecia ser um

grande leitor. — O que faz no banheiro


feminino?

— Notei sua reação ao topar


naquele homem, então a segui, e agora

ouço que vai fugir de Milão. — Sua

expressão não mudou, embora o tom

parecesse confuso, além de algo mais

que não consegui identificar. — Do que

está fugindo? Posso ajudá-la.

Isso tinha que parar, não deixaria

que se preocupasse comigo.

— Agradeço a sua bondade, mas

não há quem possa me auxiliar. — Olhei


o relógio no meu pulso. — Preciso ir, já
deu minha hora.

Quanto mais Luna e os irmãos

dela ficassem longe de mim, melhor

seria, assim não sairiam feridos. Mesmo

morando em sua casa, eu não podia

revelar a verdade, para o bem deles.

— Às vezes, fugir não resolve.

Quando lutamos contra algo, devemos

encarar de frente e vencer — disse logo


que passei por ele.
Se Alessandro soubesse com

quem eu tinha de batalhar, não diria


isso. Certamente me aconselharia a fugir

para as montanhas.

Peguei sua mão, ignorando a

reação de meu corpo ao dele — cheguei

a esquecer por um segundo os meus

problemas. Forcei um sorriso.

— Obrigada por oferecer ajuda.


— Sua mão era grossa e parecia
calejada, não de trabalho braçal, mas

como se lutasse bastante. — Isso é muita

bondade sua.

Seus olhos verdes me avaliaram


por um segundo. Não era a primeira que

fazia isso. Tentei deixar minha

expressão longe do que realmente me

preocupava.

— Bondade? — Parecia ter algo

entalado em sua garganta, lhe trazendo


aflição. Então se virou e saiu dali, me
deixando chocada.

Corri até a porta e vi suas costas

no corredor: mesmo de longe, parecia

tenso, com as mãos em punhos.

O que houve com ele? Não disse

nada demais, apenas agradeci sua

preocupação.

Largou seus afazeres para checar


como eu estava, então se preocupou?

Não entendi o porquê de sair assim.


Parei de pensar nesse homem intenso e

um pouco confuso.

Peguei minhas coisas e parti da

boate. Todo o caminho, olhei por cima


do ombro. Não queria ir embora, fizera

amigos ali. Eu só precisava ficar longe

de boates. Porque, um dia, não seria só

um estranho albanês, mas um dos

mafiosos desgraçados.

Dirigi meu carro até uma


lanchonete que ficava aberta vinte e
quatro horas. Precisava comer, mas
também checar se não estava sendo

seguida; não podia levá-los até minha


filha e Luna. Isso não ia acontecer.

“Filha”. No começo foi estranho

chamá-la assim, quando, na verdade, era

minha irmã, mas depois que ela me

chamou de mamãe ainda pequena,

comoveu meu coração. Chorei rios de


lágrimas na hora; minha mãe amaria
estar ali conosco. Parei nesse

pensamento ou seria pior, era doloroso

rememorar o passado.

Comia um hambúrguer com batata


frita quando notei um homem entrando

no estabelecimento, mas fingi não me

incomodar. Talvez fosse coincidência,

não é?

Peguei meu telefone e “liguei”

para alguém imaginário, assim ele não


repararia que eu estava de olho nele.
Olhei para minha bolsa, onde tinha uma
arma; esperava nunca mais ter de usá-la.

Ele pediu sua comida e nenhuma

vez se virou na minha direção. O medo

nos faz temer tudo, e inclusive ver

coisas onde não existe nada. Até quando

conseguiria viver assim?

Comi rápido e saí antes do cara.

Fiquei um minuto no carro checando se


olhava para fora, mas ele parecia mais
interessado em ler um jornal.

Suspirei e parti. Andei por

algumas quadras aleatórias até ir para o

apartamento que dividia com a Luna. Ela


estudava de dia e essa noite cuidou da

minha filha.

Antes de estacionar o carro na

entrada do prédio, um sobrado de dois


andares, vi que o edifício estava em

chamas.
— Oh, meu Deus, não! — O

desespero se apossou de mim. Nem senti


quando o carro bateu no meio-fio. Parei

e corri na direção do lugar. Havia dois


homens mortos na entrada, não pareciam

terem sido queimados, mas baleados no

peito. Eram os seguranças de Luna.

Meu Deus, a minha filha! Fui à

sua procura, rezando para que nada


tivesse acontecido a ela e à Luna.
Ignorei meu medo, mas peguei a

arma em uma mão e, na outra, o telefone.


Tentei o número de Luna, mas não

consegui, então como não sabia o dos


irmãos dela, liguei para a boate, tinha o

de lá.

— Luna! — gritei, indo para a

porta dos fundos. O fogo parecia vir da

frente.

O telefone tocou algumas vezes


até que Telma atendeu.

— Boate Pacha, quem deseja?

— Oh, meu Deus, por favor, vá

aos irmãos Morelli e diga que… —

Como podia dar uma notícia assim? —

Diga que a casa de sua irmã Luna está

em chamas e que os guardas que a

vigiavam foram mortos.

Ela respondeu que daria o recado.

Desliguei e entrei na casa, mas não tinha


jeito de ir mais fundo, as chamas

ocupavam o andar de cima inteiro.

— Graziela! — gritei, sentindo

calor. — Oh, senhor, não, por favor,


não.

Caí de joelhos no chão da cozinha,

gritando e chorando com a dor tomando

meu peito.

Não podia ter perdido a minha

bebê! Não conseguiria lidar com isso.


Se eu não tivesse passado naquela

lanchonete, estaria ali quando as duas

foram atacadas. E se elas não foram

mortas, e sim sequestradas?

Sentia meus pulmões procurando

por ar e o cheiro de fumaça em minhas

narinas. Repentinamente, braços me

ergueram, mas estava entorpecida

demais para ligar. Uma parte de mim me


dizia para me levantar, mas se eu
perdesse Graziela, nada mais neste
mundo teria significado, nada
importaria.

Ouvi vozes grossas, mas não


consegui distinguir, um grito se sobrepôs

aos sons dali. Seriam os vizinhos? Não

liguei. Eu precisava fugir, mas onde

estava mesmo?

— Madson, reaja. — Senti mãos

em meu peito e algo quente na minha


boca. Estaria morrendo? — Ande logo,
droga, sua filha não está morta.

Minha filha! Meu bebê não

morreu? Mas então ela foi levada?

Abri os olhos, observando que

estava deitada no chão com a cabeça

apoiada nas pernas de alguém.

Virei de lado, me deparando com

olhos verdes inconfundíveis.

Alessandro?

— Graziela. — Sentei-me
depressa, fazendo tudo girar. Coloquei a

mão na cabeça, sentindo que a qualquer

momento ela explodiria.

— Ela não está aqui — respondeu


Alessandro, suspirando. — Você está

bem?

Pisquei.

— Como estaria bem com minha

filha sumida ou… — Meus olhos foram

para as chamas e para o corpo de


bombeiro apagando o fogo.

— Elas não estão nas chamas.

Estavam longe daqui com um amigo.

Rafaelle as localizou, as duas estão bem


— disse.

— Jura mesmo? — O alívio e a

dor do meu peito desapareceram.

— Sim, ele as levou para a minha

casa. Vamos até lá.

Pulei com os braços em volta do


seu pescoço.

— Obrigada. — Chorei. — Se

não tivesse aparecido, acho que…

Ele se calou por um segundo, duro

em meus braços, então eu senti uma mão

nas minhas costas.

— Você estaria morta, as chamas

chegaram perto… — Respirou fundo.

Assenti e me afastei dele para me


colocar de pé, mas minhas pernas
pareciam fracas e caíam. Seus braços

permaneciam à minha volta.

— Obrigada — repeti e me firmei,

saindo do seu domínio. Ele me deixava


bamba. — Só quero ver a minha filha.

— Eu a levarei. — Indicou um

carro preto. — Pode ir na frente, já vou.

Eu não reclamaria que estava com

pressa, acho que ele precisava falar com

os bombeiros. O estranho foi que não vi


a polícia no local. Ainda não haviam

chegado?

Não demorou muito, logo

Alessandro dirigia rumo ao centro de


Milão, em uma área onde havia somente

mansões. Ele não falou nada durante o

trajeto, nem eu, mas estava ansiosa

demais, tanto que ficava esfregando as

mãos na saia que usava. A camisa, antes


amarrada, agora se encontrava abotoada,
cobrindo a minha barriga.
— Fechou a blusa para mim? —
Passei a mão nos botões, dando ênfase à

pergunta.

Acenou em positivo. Passou os

olhos sobre a peça de roupa e, depois,

nas minhas pernas de fora, antes de

voltar sua atenção à frente.

— Pensei que você não gostaria

de ficar muito exposta diante dos outros.


— Deu de ombros, pegando um bairro
em que as casas eram mais como

castelos.

— Valeu. — Estava rouca, acho

que gritei demais. — O que houve


depois? Lembro que a dor aumentou e

me ajoelhei no chão da cozinha. Tudo

em seguida é um borrão, até ouvir a sua

voz.

— Recebi uma notificação do

rastreador que minha irmã carrega


consigo, estava se movendo muito
rápido…

Cortei-o:

— Você colocou um rastreador na

sua irmã? — indaguei, confusa.

— Foi preciso. No meu ramo de

trabalho, as minhas irmãs são uma

fraqueza. Qualquer um adoraria colocar

as mãos nelas. De qualquer forma, eu


estava a caminho do local quando recebi

sua mensagem. Enquanto Rafaelle e


Stefano foram atrás delas, eu fui na casa

para ver se você precisava de algo. —

Franziu a testa, parecendo intrigado.

— Por que não procurou sua irmã


primeiro? — sondei, tão incerta quanto

ele.

Ele ficou tanto tempo sem

responder que eu achei que não obteria


uma explicação.

— Luna não corria perigo, um


amigo meu já tinha passado aqui e tirado

as duas antes das chamas avançarem. —

Seu tom saiu sombrio ao final.

— Chamou a polícia? Não vi


nenhum policial lá até sairmos. — Meu

braço doía, então passei a mão no local.

Levantei-o para checar e vi que tinha

uma área vermelha.

— Feriu-se? — Olhou meu braço

também.
— Está tudo certo — falei.

Entramos com o carro em uma casa


parecida com um castelo antigo, linda.

Não chequei muito ao redor. — Minha


filha está aqui?

— Sim, e bem, não se preocupe.

— Tentou me tranquilizar, mas mesmo

sabendo disso, eu precisava pegá-la em

meus braços para ter certeza de que


minha menina estava segura.
Assim que o carro parou, corri na

direção da casa, ignorando o seu grito,


que mais pareceu um rosnado. Talvez

por eu mal ter deixado o automóvel


parar para sair.

Havia homens armados em todos

os lugares, parecia que esse Alessandro

era muito importante. Luna falou que

trabalhavam apenas com boates, mas em


diversos países.
Entrei na sala imensa. Não olhei

para nada, apenas foquei em Graziela,


sentada no sofá e abraçada à Luna. Vi

que tinha mais gente, mas, no momento,


só a minha princesa era importante.

— Mamãe! — gritou, correndo até

mim. Seus cabelos loiros balançavam e,

os olhos azuis, estavam vermelhos; ela

esteve chorando.

Ajoelhei-me no chão enquanto ela


pulava em meus braços. Agradeci aos

céus por estar saudável.

— Meu pequeno presente de Deus

— sussurrei, abraçando-a e chorando


em seus cabelos. Nunca senti tanto

alívio.

Passamos por tudo juntas desde

que fugimos; uma vez chegamos perto de


sermos capturadas, mas conseguimos

escapar antes. Nessa noite, foi por


pouco… quase a perdi de vez.
— Mamãe, eu fiquei com medo de

não ver mais você, mas acreditava que

conseguiria voltar para mim. — Ela

afastou o rosto e levantou sua mão.

Nela, tinha a pulseira que lhe dera no

ano passado. — Nós juramos sempre

estar juntas.

Sorri, limpando as lágrimas, o que

fez meu braço doer mais. Não era a


única parte que doía, a minha cabeça
parecia querer explodir.

— Sim, nós juramos. — Assenti.

Sorriu para mim e depois se virou

para Luna.

— Tia Luna me disse que

podemos ficar aqui, já que não temos

mais casa. — Olhou ao redor. — É

grande demais!

Pude ver os irmãos de Luna


franzindo o cenho para ela. Acho que
eles não concordam, pensei. Mas minha

garotinha era inocente e não via nada de

errado.

— Não podemos, filha, iremos


embora amanhã. — Era hora de ir para

longe da Itália. — Talvez viajar para os

Estados Unidos seja bom.

— Mas mamãe, nós vamos nos


mudar de novo? Gosto do estúdio de

dança — sussurrou.
— Lembra do que juramos? Se as

coisas ficassem feias…

— …continuaríamos sempre

juntas — terminou num tom baixinho e

voltou a se virar para Luna. — Acho que

não podemos morar aqui.

Luna franziu a testa.

— Por que ir embora? O ataque…


não é sua culpa. — Ela sentia raiva, mas

não de mim.
Não podia concordar. Não tinha

como não ser por minha causa, pois


atacaram o lugar onde eu estava

morando, colocando em risco não só a


vida dela, mas da minha filha também.

Talvez topar com aquele albanês

na boate não houvesse sido apenas

coincidência, ele devia estar atrás de

mim. Não entendia por que não me levou


logo, talvez quisesse que eu soubesse do
incêndio, no qual as coisas poderiam

muito bem ter saído piores. Seria a

felicidade do maldito Skender.

Fiquei de pé, mas, de repente,


tudo girou. Senti braços à minha volta

antes que caísse no chão e a escuridão

me arrastasse.
Capítulo 6

Madson

Abri meus olhos tentando me


lembrar do que tinha acontecido.

Recordava-me de ter estado com a


cabeça doendo, e de tudo ficar escuro.

Então eu desmaiei? Porra! Eu não levara

uma pancada ou algo assim, talvez fosse

mesmo uma fraca.

Olhei para um teto branco com um

lustre de cristal e algumas coisas

elegantes no quarto. Arfei ao pensar na

minha filha.

— Graziela! — Virei-me,

sentindo um corpinho ao meu lado, e


suspirei aliviada.
Em seu sono, ela parecia serena,

tão bela como uma flor do campo.

Segurava minha roupa com as mãos

firmes, como se não quisesse me soltar

mais.

Agradeci aos céus e ao homem,

seja ele quem fosse, que tirou tanto ela

como Luna da casa.

— Meu amor, eu vou fazer de tudo

para que fique segura, nenhum deles vai


tocá-la nem que eu morra no processo.

Vou protegê-la com a minha vida —

murmurei.

— Quem você acha que atacou


vocês? — Uma voz surgiu atrás de mim.

Arfei, me afastando de Graziela e

quase caindo da cama, em cima do

homem. Alessandro estava sentado em


uma cadeira todo de preto e com uma

arma na mão; eu a reconheci como sendo


minha. Devia ter esquecido ela no
caminho, pois a prioridade no momento
era encontrar a minha filha.

Fui ficar de pé, contudo, senti uma

pontada na cabeça. Merda! O que é

isso? Coloquei a mão: havia gazes ali;

igualmente, notei que meu braço fora

enfaixado.

— Você levou dois pontos —

disse.

Levantei-me devagar, assim não


doeria tanto, mas fiquei chocada.

Provavelmente me machuquei na hora

em que surtei no incêndio.

Seus olhos vagaram pelo meu


corpo, e vi calor refletido neles,

brevemente, antes da expressão fria

atingi-los de volta. Esse homem era

estranho; às vezes, eu o entendia, mas

em outras, não.

Segui seu olhar e notei que eu


usava uma camisola fina, que poderia
fornecer às pessoas uma boa ideia das
minhas curvas. Arfei, pegando o lençol e

me cobrindo.

Alessandro se levantou e veio

afagar meu rosto. Minhas bochechas

ficaram vermelhas.

— Essa cor é linda em sua pele.

Mas acho estranho uma mulher com uma

filha corar. Seus olhos gritam inocência.


Doce como o pecado.
Tremi ante seu tom. Foco, Mia!

Você não pode se deixar cair por esse


homem lindo e tentador, entoei a mim

mesma como um mantra. Ninguém podia


saber da Graziela; para todos os efeitos,

ela era minha filha e continuaria assim

até o dia em que eu morresse.

Afastei-me de seu toque, com a

região onde encostara já em chamas.

— Quem tirou as minhas roupas?


— perguntei, amedrontada, olhando para

ele.

— Não fui eu, se for esse o

motivo do susto. Mas estou curioso,


você se preocupa mais com o fato de eu

tê-la visto nua do que me enxergar com

uma arma na mão? — Ele a levantou em

um gesto desproporcional, dando ênfase

às palavras.

Esse homem era bom em me ler.


Tentei ficar tranquila, assim não
revelaria os segredos de minha alma.
Seus olhos eram perspicazes e atentos

demais.

Não gostava da ideia de um

homem me vendo nua, esse direito seria

do meu marido quando me casasse.

Aliviei-me ao saber que não foi ele a me

trocar.

— Essa arma é minha. Sei que não


vai me machucar, pois se quisesse isso,
não teria me salvado. — Fui até o sofá e

me sentei, ainda enrolada no lençol. —

De qualquer forma, eu agradeço por

tudo que fez por mim e por minha filha,

mal consigo acreditar que a tenho em

meus braços.

Ele assentiu, mas não disse nada

enquanto olhava para o rosto de

Graziela e depois para mim.

— Agora, reformulando a
pergunta: quem você acha que está atrás
das duas? — Chegou mais perto.

Não podia responder. Se dissesse

que fugia de um ex-marido louco, ele

acreditaria?

— Olha, eu lamento que isso tenha

atingido sua irmã, mas não é da sua

conta — tentei falar de modo educado,

afinal, era grata por seu auxílio.

Algo sinistro apareceu em sua

expressão, mas foi breve, então se


recuperou. Eu estava vendo coisas?

Esse homem não parecia ser mal, só

muito intenso.

— É da minha conta quando


atacam o lugar em que minha irmã

estava. Se não fosse por Miguel, as duas

teriam… — Ele fechou os olhos por um

segundo, como se pretendendo se

controlar. Após, me encarou com sua


normal frieza.

Encolhi-me, porque ele tinha


razão. Sua irmã correndo perigo era
minha culpa.

— Hoje irei embora da Itália para

algum outro país. Não terá mais com o

que se preocupar. — Respirei fundo. —

Sua irmã vai ficar bem e livre de

qualquer perigo.

Esperava mesmo que sim.

Entretanto, tão logo eu fosse embora, os


mafiosos não ficariam por ali e, com
certeza, me rastreariam de novo e de

novo e de novo… Eu poderia ir para

uma ilha deserta qualquer para me

esconder, será que funcionaria? Faria

qualquer coisa para garantir a segurança

da minha filha.

— Isso não mudaria nada, porque

seja quem for que está atrás de você,

pensará que continua aqui e poderá


atacar de novo. — Agora me avaliava.

— Não vão, acredite! Eles são


bons, saberão que escapei e me
seguirão. — Suspirei com melancolia.

Estava tão cansada de fugir; nadava,


nadava e morria na praia.

— Madson — senti um arrepio

percorrer meu corpo ao ouvir meu nome

saindo de sua boca —, preciso saber a

verdade, não deixarei que parta sem me

dizer. Os meus homens morreram lá,


dois deles, e minha irmã quase se foi…
Os malditos que você tanto protege

pagarão caro.

Ri com amargura.

— Protejo? — Fiquei de pé na sua

frente com os punhos cerrados. — Por

mim, que todos ardam no inferno, que

queimem, não dou a mínima! Se não

estou dizendo é para proteger Luna e


vocês, pois com aqueles monstros não

se brinca. Se o fizerem, a sentença é a


morte. Entende? Portanto, fique bem
longe de mim.

Virei-me e corri para o banheiro

com os olhos molhados; pessoas sempre

padeciam ao meu redor. Um vizinho, o

padeiro, conhecidos quaisquer… eram

todos assassinados. Não entendia como

cheguei a cogitar que ali seria diferente.

Coloquei a vida de Luna em perigo

também.

— Tem ideia de quem eu sou?


Pareço ter medo de alguém? — Escutei-

o atrás de mim. — Se não me disser, eu

vou procurar saber de outra forma.

Voltei-me para ele e o senti


endurecer ao ver minhas lágrimas. A

cada passo dado em minha direção,

parecia que Alessandro estava indo

pular de um precipício. Seria loucura ler

algo assim em alguém como ele? Eu era


boa nisso, uma habilidade eficaz no
mundo em que vivia, para descobrir se a
pessoa prestava ou não.

— Alessandro… — comecei, mas

fui cortada com sua boca perto da


minha. Senti seu hálito quente banhar

meu rosto. Minhas mãos largaram o

lençol e me agarrei à bancada de

mármore. Implorei que tivesse força

para resistir a esses olhos verdes

intensos e aos lábios que adoraria


devorar. — Por favor, não me beije.
O canto da sua boca se levantou.

Seria um sorriso? Lembrava-me de tê-lo


visto rir na boate no dia anterior; até

seus irmãos pareceram chocados com


isso, então acreditava que Alessandro

não o fazia sempre.

— Sabe, as mulheres pedem

justamente o contrário, mas aqui está

você me implorando para não a beijar.


Por quê? Posso ver que deseja o mesmo,
a fome está em seus olhos. — Sua voz

me fazia sentir mais quente do que já

estava.

Resistir a esse homem era demais,


como lutar contra um vício.

Sou forte!, entoei a mim mesma.

Não cederia! Só precisava ir embora

dali logo ou seria capaz de fazer uma


besteira. Um dia meu príncipe encantado

chegaria e nos casaríamos, apenas assim


seria dele.
Baixava sua boca para o meu

decote. O que ele pensava em fazer? Era

alguma artimanha para me forçar a

falar? Levei minha mão para trás de mim

e liguei a torneira, em seguida, peguei

um copo que tinha ali e enchi de água.

Joguei em seu rosto, ao que deu um

passo para trás, chocado.

Eu não fiquei para apreciar o meu


trabalho, só corri para o quarto e me pus
de pé perto da cama onde Graziela

dormia. Ele não tentaria nada ali.

Alessandro não me forçaria, não vi isso

nele. Eu que era fraca demais para

resistir, portanto, precisava de um

escudo.

Alessandro apareceu no quarto,

enxugando o rosto, mas havia um sorriso

em seus lábios. Céus, esse homem era


gostoso demais! Deveria ser um crime
ter pessoas como ele andando por aí.
Seus olhos vagaram para Graziela
e eu.

— Uma mulher forte e decidida,

gosto disso. Eu não a obrigaria a fazer…

— Eu sei, mas não confio em mim

perto de você… — Corei. — Seja o que

for que sinto, vai passar quando for

embora hoje.

Seu sorriso lindo sumiu e a

expressão dura e fria voltou. Até pensei


ter imaginado tudo, mas não. Rindo, era

tão lindo que me deixou toda mole e,

meu coração, pulsando mais rápido no

peito.

— Não irá embora até que me

diga quem está atrás de vocês duas. É o

seu homem? — indagou com um ligeiro

desgosto. Sua expressão me lembrava a

de um assassino em série.

Fechei a cara, dando um passo até


ele.
— Meu homem? Acha que sou…

— Parei, porque não fazia sentido me

sentir humilhada ou uma vagabunda por

ele supor que eu tinha transado antes do

casamento. Graziela era minha filha, só

não nasceu de mim.

Havia muitas mães solteiras por

aí, e isto não significava que fossem

vadias só por não casarem. Eu não devia


pensar o mesmo.
Na máfia em que fui criada, eles

não ligavam para isso; as meninas novas


já ficavam com homens de quem não

gostavam. Vi colegas minhas serem


levadas chorando por não quererem ir

embora com aqueles mafiosos. Jurei que

comigo seria diferente, que um dia

encontraria um homem de verdade e me

casaria com ele para ser o seu tudo, e

ele o meu.
Algo dentro de mim me dizia que

eu não deveria me culpar por escapar,


afinal de contas, meu pai mereceu

morrer. Com a mente bagunçada à época


da fuga, fui a uma igreja rezar e

confessar. Frequentava lá na Albânia,

assistia às reuniões e gostava disso,

então continuei fazendo a mesma coisa

nos outros lugares.

Com essa perspectiva, passei a


dormir melhor à noite e a sonhar que um

dia teria o futuro que tanto almejei: ser

uma verdadeira esposa, gerar filhos.

Algo me dizia que esse homem ali na

minha frente não era assim, ele parecia

ser daqueles que só buscavam prazer e,

no momento seguinte, esquecia as

mulheres. Poderia estar julgando errado,

mas duvidava muito.

— Não é assunto seu, Alessandro,


você devia ficar fora disso. Pode ter
grana, mas isso não é suficiente para
lutar com escória como eles. —
Suspirei, passando a mão no rosto num

gesto frustrado. — Só deixe assim e me

permita ir.

— Posso ajudá-la…

Ri, sacudindo a cabeça, fazendo

com que ele estreitasse seus olhos.

— Desculpe, mas esses homens


são monstros da pior espécie e capazes
de tudo, Alessandro. — Fui mais perto

dele, ignorando a reação do meu corpo.

— Também sou um monstro,

Madson, você não me conhece. — Pela


primeira vez, soou de modo estranho.

Parecia dizer a verdade ou querer me

causar medo.

— Não é, pois me salvou de ser


queimada e também ajudou a minha

filha. Monstros não fazem isso, pelo


contrário, eles devastam tudo e todos.
— Estremeci, pensando no que ouvi dos
albaneses.

Ele puxou meu braço são. Bati em

seu peito duro, enquanto sua outra mão

foi parar em meus cabelos, evitando a

área machucada e trazendo meu rosto

para o seu. Arregalei os olhos.

— Não se preocupe, não vou

beijá-la, pois quando o fizer será porque


implorou por isso. — A sua boca foi
para a minha orelha, me arrepiando. —

E Madson, quando esse dia chegar, eu

terei mais do que sua boca, pode

apostar.

Antes que organizasse os meus

pensamentos, porque meu cérebro fritou

como em um curto-circuito, ele se

afastou e foi para a porta.

— Esse dia não vai chegar —

consegui dizer, ofegante. — Como


avisei, irei embora hoje.
Alessandro se virou e esboçou um

meio-sorriso; só o canto de sua boca se

levantou. Tremi ao sentir seus olhos em

cada parte de mim.

— Não sairá daqui até que me

diga a verdade…

— Não pode me obrigar a ficar,

não sou uma prisioneira — rosnei.

Ele checou minha expressão.

— Não, você não é, mas precisa


ter em mente que necessito saber o que

houve, meu pessoal morreu lá. —

Meneou a cabeça de lado. — Mesmo

não me revelando, vou descobrir.

Encolhi-me pensando que

morreram por minha culpa. Se tivesse

partido, teria evitado isso.

— Por favor… — Corri até ele,

pegando seu braço antes que saísse, mas


fui rodopiada e escorada na parede com

seu corpo colado ao meu. Queria alertá-


lo que eu precisava partir para o bem

dele e de seus irmãos.

— Por favor o que, Estrela-do-

mar? Esclareça tudo, porque estou


confuso. — Oh, meu Deus! Sua voz

arrastada me dava calafrios na espinha.

Estrela-do-mar? Era como a

mamãe costumava me chamar, agora ele

também, pela segunda vez? Esse homem


escavaria fundo para procurar saber o
que eu não dizia.

Não omitia por ser ruim ou

egoísta, mas para protegê-los da

monstruosidade que me acompanhava.

Engoli em seco ao sentir algo duro

na minha barriga, assim que chegou mais

perto.

— Alessandro…

Busquei forças em todos os


lugares para resistir a isso, a ele. Seu
toque…

— Mamãe? — Ouvi a voz da

minha filha. Ela tinha o sono leve, e ter

ficado várias horas sem dormir essa


madrugada não ajudou.

Afastei-me de Alessandro e me

virei para ela, mas ele segurou meus

quadris, me deixando à sua frente.


Sussurrou em meu ouvido:

— Preciso de um segundo, não


quero que a criança veja algo que a

traumatize. — Ele pareceu respirar

fundo e voltou sua atenção para a minha

filha. Após um tempo, saiu de trás de

mim e foi para perto da cama.

Evitei olhar para onde não devia,

isso era errado, muito mesmo. Esqueci

as sensações em meu corpo e foquei em

nos arrumar para irmos embora. Mas


antes, precisava ir à estação de trem a
fim de pegar o dinheiro que guardara lá;
como não podia depositar nada em uma
conta com meu nome falso, seria um
problema ir para os Estados Unidos.

— Meu amor, como você está? —

Sentei-me ao lado dela na cama.

Seus olhos brilharam.

— Bem. — Ficou de pé, vestida

em seu pijama da Minnie. — Oi,

Alessandro.

— Oi, princesa. Eu fico contente


que esteja bem, agora quero convencer a

sua mãe a ficar conosco até ela saber o

que realmente fará. — Virou-se para

mim com um olhar que me dizia para

desmenti-lo se tivesse coragem.

Os olhos de Graziela se

iluminaram. Eu me senti horrível por

mais uma vez decepcioná-la.

— Verdade, mamãe? Vamos

continuar na cidade? Não quero sair das


minhas aulas de dança, porque um dia
desejo ser uma bailarina muito boa. —
Animou-se como sempre ao falar das

suas aulas de balé.

— Você faz balé? — Tinha algo

na voz dele que não entendi.

— Sim. Eu adoro ser uma

bailarina. Você já dançou? — sondou

ela, quicando.

O vazio nos olhos de Alessandro

era inconfundível. A dor fincava fundo,


como se o consumisse.

— Não, mas minha mãe amava

dançar… — Ele parou de falar

abruptamente, em seguida, deixou o


quarto sem mais nenhuma palavra.

Franzi a testa.

— O que houve? — Graziela

parecia confusa.

Sorri para não magoar o coração


da minha filha, acho que não foi esta a
intenção de Alessandro. Luna me contou

que a mãe deles morreu, mas eu não quis

pressionar a respeito do motivo, pois

não gostava de falar sobre a minha, nem

sobre a dor que sentia ao me lembrar

dela.

— Não é nada, querida. A mãe

dele se foi, assim como sua avó, ele

deve ficar triste ao lembrar. — Tentei


soar tranquila, embora não me sentisse
assim no momento.
Eu tinha um trabalho a fazer, só
não sabia como sair desse castelo.

Todavia, precisava. Aquele homem era


muito teimoso, não sabia o perigo que

sua família corria com minha presença

ali.

— Grazi, meu amor, sei que

deseja ficar nesta cidade, mas as coisas

se complicaram. Não quero preocupar a


sua cabecinha linda, então tentaremos ir
para um lugar calmo, e a colocarei na

escola de balé de novo. Eu prometo. —

Levantei o dedo mindinho e uni com o

dela em um sinal de juramento.

— Quando esses problemas vão

acabar para podermos ficar em um lugar

só?

Minha filha sabia que tínhamos


problemas, mas desconhecia a extensão

deles. Queria mantê-la desse jeito, pois


seria perigoso demais se soubesse. Não
desejava assustá-la, ela ainda era
pequena para entender.

— Vou fazer de tudo para que

acabe logo, meu anjo. Agora, por que

não vai tomar um banho enquanto vejo

se consigo algumas roupas? — Esperava

mesmo poder cumprir essa promessa.

Eu dispunha de uma arma contra

Skender, o pendrive, mas para quem


entregaria? Ele tinha muitos policiais na
folha de pagamento. Como eu usaria

isso? Não adiantaria entregar para

alguém em que não confiava e que não

fosse capaz de lutar com ele. Quem

conseguiria brigar contra uma máfia?


Capítulo 7

Madson

Já fazia uma semana que eu estava


na casa de Luna. Pensei em sair depois

da minha conversa com Alessandro, mas


Luna chegou e me pediu para ficar com

aquele seu jeito todo meigo. A menina

se culpava, e isto acabava comigo.

Esperava que tudo se resolvesse logo.

Prometi que eu ficaria por duas

semanas, mas estava sendo difícil

compartilhar o espaço com Alessandro.

Era como se ele roubasse meu ar.

Fui trabalhar; já que continuaria

ali, ao menos levaria algum dinheiro.


— Quem é? — Laís, minha

colega, apontou na direção do moço que


entrou.

Os olhos dele estavam em mim

quando elevou o queixo, se

apresentando. Trinquei os dentes.

— Ninguém. — Fui onde um


homem chamado Viper se encontrava.

— O que faz aqui? Garanto que não veio


pela comida.
Ele se recostou na cadeira.

— Sigo ordens, então pegue leve


comigo ou serei eu a pagar o preço. —

Sorriu de um jeito que faria qualquer

mulher abaixar as calcinhas (bom, uma

com poucos neurônios; eu não era

assim).

— Fale para seu chefe que não

preciso dos homens dele tomando conta


de mim — rosnei. — Ligue e dê meu
recado.

— Depois eu ligo — falou,

despreocupado.

Bati minhas mãos na mesa.

— Agora! — rugi, fazendo-o

piscar, mas não de medo, pareceu mais

impressionado.

Ele pegou o telefone e ligou.

— Chefe…

Tomei o aparelho de sua mão, mas


um grito do outro lado me fez

estremecer.

— Viper, eu espero que seja

importante…

— Que grito é esse? — sondei. Os

cabelos da minha nuca se arrepiaram.

Silêncio do outro lado. Então sua

voz surgiu:

— Houve um acidente —
respondeu; não detectei nenhuma
mentira.

Viper parecia divertido com algo,

mas não disse nada.

— Acidente? Alguém se

machucou? — Preocupei-me.

— Você é outra coisa, sabia? —

Soava quase cômico. — Já lidei com

isso. Por que ligou?

Pisquei.

— Você obrigou seus homens a


me seguirem, e eu não preciso disso.

Mande-o ir embora. — Eu não teria

como ir aonde precisava com eles me

acompanhando.

— Não posso. Você escolheu

trabalhar.

Cerrei os dentes.

— Uma ova! A vida é minha e a

escolha também. — Tentei não gritar. —

Por que não cuida da sua e me deixa em


paz?

Desliguei, jogando o telefone na

mesa com força. Fuzilei Viper, que me

observava com ar divertido.

— Seu chefe é um idiota. — Saí

dali me controlando. Deveria aceitar sua

ajuda, mas isso incluía muitos perigos

para ele e sua família.

Alessandro não conseguia

perceber que eu só queria protegê-lo?


Não apenas ele, mas também os seus

irmãos?

Trabalhei aquela manhã sem

pensar em nada exceto fugir dali. Com


esse homem me perseguindo seria

complicado.

Até a hora que saí, Alessandro

não atendera meu pedido, já que Viper


ainda me seguia por todos os lugares.

Mesmo mantendo distância com seu


carro, ele continuava lá.
Dei algumas voltas tentando

despistar, mas o homem era bom.

Cansei de brincar de gato e rato

com ele — não me livraria tão cedo —


e levei meu carro a uma estação de

metrô. Entrei com a chave no bolso e fui

na parte em que ficavam os armários.

Quando abri aquele em que tinha


colocado o meu dinheiro, os passaportes

falsos e os documentos, encontrei-o


vazio.

— Não, isso não pode estar

acontecendo! — Chequei desesperada,

como se fosse fazer as coisas


aparecerem num passo de mágica.

— Não estão aí, o chefe pegou. Se

quiser de volta, mandou buscar com ele

— Viper disse.

Na hora, eu vi vermelho, mas não

ia descontar no segurança. Só tinha um


homem com quem precisava acertar as

minhas contas, e eu iria esganá-lo.

— Onde aquele maldito está? —

tentei falar normal, mas a fúria me


dominava.

— Na mansão, em uma reunião —

respondeu.

Não respondi. Voltei para o carro,

pisando duro por causa da fúria.

Ultrapassei alguns limites de


velocidade torcendo para não ser pega

pela polícia. Assim que entrei na sala da

mansão, ouvi vozes de alguns homens,

mas não enxerguei Luna ou Graziela.

Acho que as duas estavam no quarto,

pelo que agradeci, pois precisava dizer

algumas verdades a um cara controlador

que achava que podia fazer o que ele

quisesse.

— Onde encontro o seu chefe? —


inquiri a um dos seguranças (na hora,
não recordei seu nome).

— No escritório. Mas você não

pode…

Ignorei-o, indo para o lugar que

tinha uma porta grossa de madeira, e

entrei sem bater. Por que seria educada

quando ele não fazia o mesmo? Aliás,

continuava se metendo no que não era da

sua conta.

Ele estava de pé perto de uma


mesa, mas o que me chocou foi ver que

abraçava uma morena. Não exatamente

se abraçavam, porque ela estava com

uma mão à sua volta e, a outra, em seu

peito. Já Alessandro tinha a dele em sua

testa… O momento parecia íntimo, e o

que me espantou foram meus sentimentos

ao observar a cena; algo em meu peito

doeu. Ignorei a sensação, pois não


tínhamos nada. Ele parecia gostar dela.

Assim que a porta se abriu, ele me


olhou, e depois para trás de mim, aposto
que para Viper.

— Desculpe, chefe, ela cruzou


alguns limites de velocidade, isto me fez

ser parado pelos tiras.

Sacudi a cabeça.

— Quero o que você roubou de

volta — pedi, sem deixar transparecer a

irritação.

Não havia apenas os dois ali,


como também mais homens que pensei

já ter visto antes.

Afastou-se da mulher, que me

avaliava. Não liguei, só o fitava.

— Roubei?

— Não só isso, mas a outra coisa

também.

— Outra coisa? — Sentou-se.

Bati minhas mãos na mesa como


fiz na lanchonete. Tal qual Viper,
Alessandro pareceu surpreso com minha

explosão.

— Quer parar de repetir tudo o

que falo? Me dê o que roubou de mim


— grunhi.

— Você roubou dela? — a garota

perguntou.

Ele me avaliava, e isto me tirava

do sério.

— Me dê logo as minhas coisas


ou vou furar os seus olhos com isso. —

Peguei dois lápis na mesa.

Alessandro escorou as costas na

cadeira e riu, coçando a barba. Isso me


fez ver vermelho, então passei pela

mesa e me lancei sobre ele, mas antes

que meus punhos o acertassem, ou os

lápis, ele pegou minhas mãos e trouxe os

meus olhos para perto dos seus.

— Solte-os — ordenou, apertando


meus pulsos, mas não a ponto de me
machucar.

Fulminei-o.

— Não vou largar — rugi em seu

rosto. — Quero o que é meu de volta,


estou cansada de ser trancada aqui e só

poder sair sendo seguida pelos seus

brutamontes.

— Madson. — Seu tom trazia um


aviso.

— O que vai fazer? Me bater?


Não me importo! Eu não sou o seu

capacho, não preciso da sua segurança.

Por que não me deixa em paz? —

sibilei, indo chutá-lo, mas suas coxas me

prenderam na mesa, me impossibilitando

de atacá-lo.

— Uma tigresa para domar o

Alessandro. — Alguém riu, o que me fez

ficar mais furiosa.

Alessandro ignorou a voz do


homem que eu não conhecia e continuou
me encarando com aquela atenção de
sempre.

— Se você me contar a verdade,

eu a deixo ir embora — falou depois de

um segundo. — Entrego tudo o que é seu

também, e nenhum dos meus homens

voltará a segui-la.

Parei de lutar, analisando-o para

ver se podia confiar; não vi indício de


mentira. Depois de um segundo, eu parei
e pensei um pouco. Poderia muito bem

contar a verdade, pois somente assim

ele me deixaria ir. Afinal, por mais que

ele tivesse seguranças, ninguém mexeria

com a máfia. Quem seria tão louco?

Sorri, fazendo com que seus olhos

se estreitassem.

— Por que está rindo? —


Aparentava cautela, apesar de curioso.

Cheguei meu rosto mais próximo


do seu, ao que perdeu um pouco da

postura durona.

— Porque depois que eu contar,

você mesmo me enxotará daqui. —


Franzi os lábios.

— Deixe que eu decido isso.

Conte a verdade.

— Tudo bem, me solte antes —

falar assim perto dele estava me

deixando tonta.
— Vai me atacar de novo? — Sua

sobrancelha teve uma leve contração.

— Não sei dizer, dependerá do

quanto me irritar.

— Estrela-do-mar, eu acho que

posso lidar com isso — disse,

parecendo divertido. Soltou-me, mas


pegou os lápis. — Vou ficar com isso.

Forcei um sorriso.

— Não se preocupe, pois não há


só lápis aqui no caso de eu desejar fazer

de você uma peneira. — Passei por ele

e pela garota de olhos arregalados; notei

que eram verdes. Dirigi-me a ela: —

Prometo deixar aquela parte dele

inteira para você.

Ela piscou e riu, corando.

— Oh, meu Deus! Alessandro é


meu irmão. Eu sou a Jade. — Sacudiu a

cabeça, olhando de Alessandro para um


homem de cabelos escuros e íris negras,
igualmente divertido. Os irmãos de Luna
e outro cara, com barba por fazer e

cabelos castanhos, também riam.

Não a conhecia, parecia que ela

estava nos Estados Unidos, pelo menos

foi isso que ouvi Luna dizer, mas não a

encontrara ainda.

— Meu marido é esse ali. —

Apontou para o homem de fios escuros e


olhos da mesma cor. — Luca…
— Jade — Alessandro disse,

parecendo um alerta.

Franzi a testa, notando que ele

escondia algo. Seja como for, não é da

minha conta.

— Vocês dois estão… — Ela

virava de mim para seu irmão.

— Não, querida, tenho alguns


neurônios em funcionamento. Não seria

louca para sair com um homem que


aposto que não leva as mulheres a sério.

— Era verdade. Eu duvidava estar

enganada quanto a isso, era uma boa

observadora.

— Não deve ser tão esperta,

afinal, teve uma filha com dezessete

anos — apontou o barbudo cheio de

tatuagens, o mesmo que me chamou de

tigresa.

— Por que não se cala? —


Alessandro lançou um olhar gélido a
ele.

— Ninguém convidou você para a

conversa. — Suspirei. Não podia falar

que sempre fui esperta em relação a

homens, pois envolveria explicar a

existência de Graziela, então decidi

mudar de assunto. — Certo, não preciso

saber o motivo dessa trocar de olhares

como se guardassem segredos, pois não


dou a mínima. — Sacudi a cabeça e
encarei Alessandro. — Você é um

homem de palavra? Posso confiar que,

assim que eu disser, me deixará partir?

— Sim — garantiu, sentando de


novo e me indicando uma cadeira em

frente à sua mesa para fazer o mesmo.

Fitei os homens ali e sua irmã,

abraçada com seu marido.

— Não ligue para eles, pois

confio a minha vida a essas pessoas.


Agora me diga: por que acha que o

ataque na casa de Luna foi por sua

culpa? E por que anda armada e com

documentos falsos? Fora aquele valor

exorbitante. Se tem tanto dinheiro, por

que trabalha em uma lanchonete? —

emendou uma pergunta após a outra,

intenso.

— Certo, eu vou revelar, mas


saiba que agradeço pelo que fez por
mim e pela minha filha. Assim que eu
sair, não precisará de tantos seguranças
como vejo aqui. Essa complicação não é
para pessoas como vocês — sussurrei.

— O dinheiro não basta para lutar

contra isso.

— Me deixe ver se estou

entendendo, acha que não podemos lidar

com o que vier? — Stefano sorriu.

— Claro que não, garoto, isso


faria você sair correndo para as
montanhas — expirei.

— Não sou um…

— Stefano! — outro alerta de

Alessandro. — Então me surpreenda,

Estrela-do-mar.

Estreitei meus olhos.

— Meu nome é realmente Madson

— grunhi.

— Será? Há muitos nomes falsos


aqui, qual desses é verdadeiro? —
“Mia” estava junto, esse era o real, mas

não disse nada.

— Não importa, vou embora

daqui a pouco mesmo — falei, dando de


ombros. — Sei que devem ter assistido

ao filme “Os Infiltrados”, que menciona

a máfia. É algo similar. A máfia existe, e

uma delas está atrás de mim. —

Levantei meus olhos para Alessandro;


os dele pareciam maiores, a expressão
de frieza se foi por um momento, mas
logo retornou ao normal. — Agora que
sabe, se for inteligente, não se meterá
nessa história. Só me deixe partir sem se

intrometer.

— Que máfia está atrás de você?

— sondou Luca, num tom que me deu

calafrios na espinha.

Sacudi a cabeça.

— Para que quer saber? Quanto


menos informações tiverem, melhor.
Não assistem a filmes? Mafiosos são

monstros, capazes de fazer coisas… —

Estremeci, não querendo me lembrar.

Os olhos de Alessandro se
transformaram em algo letal.

— Algum deles a tocou? — Sentia

sua voz fervilhando por trás da calma.

— Não da forma que pensa, mas

já vi muito… De qualquer modo, não

vem ao caso. Contei que a máfia me


quer e não vou ficar aqui para que me

ataquem de volta. É mais seguro para a

sua família que eu parta. Luna ficará

protegida, e vocês também. —

Coloquei-me de pé.

— É a máfia albanesa? — Não

parecia uma pergunta, vindo de

Alessandro.

Arregalei os olhos.

— Como você…
— Reparei em seu comportamento

quando aquele homem tombou em você


na boate. Na hora, pareceu ficar com

medo e saiu correndo. São eles, não é?

— Não importa, Alessandro,

deixe isso quieto, essa luta não é sua.

Quando eu me for, vocês não estarão

mais em perigo. — Fui para a porta. —

Ninguém é forte o bastante para lutar


com eles.
— E se por acaso tivesse outra

máfia à sua disposição para enfrentar


esses homens? — sondou Jade.

Virei para ela com o cenho

franzido.

— Por que o faria? Nenhuma

máfia é boa, são todos monstros que


machucam pessoas e estupram mulheres

e crianças. Eu não quero nenhum


envolvimento com isso. — Suspirei,
notando a reação de todos, que

pareceram congelar. Até Alessandro

estava paralisado, acho que eles ficaram

realmente com medo. E deviam ter, pois

todos eram bandidos. — Separe o que

pegou de mim, porque assim que

terminar de ajeitar a Graziela, eu venho

buscar para ir embora. Essa bomba não

cairá sobre vocês. Lamento envolver


Luna nisso. É bom ver esse pavor nos

olhos de vocês, fará com que não se


metam nessa luta.

Saí angustiada da sala. Era para


ter ficado contente por Alessandro

concordar, mas não gostei da sua

expressão martirizada. Tentou mudá-la,

mas não conseguiu.

Entretanto, considerava melhor

que ficassem com medo: a máfia era

algo para se temer, em especial Skender;


o homem era um maldito monstro
assassino.

Não queria pensar naquele cara ou

no que ele faria se soubesse onde

Graziela estava. Skender não nos


buscava por algum instinto paterno, e

sim por provavelmente ter descoberto as

informações que eu guardava contra ele.

Posso apostar isso.

Cheguei ao quarto em que

Graziela dançava balé com Luna ao seu


lado, instruindo cada movimento.
— Mamãe! — Veio correndo, e

me abaixei para beijar sua bochecha.

— Oi, meu amor. — Eu tinha

comprado algumas roupas novas para


ela depois que tudo queimou. — Preciso

que faça as malas, estamos indo embora.

— Mas mamãe…

— Graziela, eu não tenho tempo

para explicar agora, só obedeça. —

Usei meu tom de mãe, um que ela


respeitava sem reclamar. Minha filha

era um amor.

Foi para o guarda-roupa com a

expressão cabisbaixa. Um dia isso


terminaria, eu só não sabia como nem

quando, embora me pegasse pensando

no que Jade falou: apenas uma máfia

venceria outra. Mas se todas eram ruins,

não tinha muito o que fazer, não é?

— Madson… — começou Luna.


— Querida, eu sei que você quer

que fiquemos aqui, mas há coisas que


não contei. Tem pessoas envolvidas no

incêndio que quase matou você e a


Graziela; eles são mafiosos e estão atrás

de mim. Resumindo, me querem morta

ou pior. — Estremeci. — Acabei de

revelar isso aos seus irmãos.

— Máfia? O que o Alessandro


disse? — Seu tom estava estranho.
— Acho que ficou com medo, mas

é melhor assim. Ninguém quer se


envolver com mafiosos. — Suspirei.

Esperava que aonde eu fosse,

conseguisse ficar mais tempo do que

morei ali. Viver correndo e assustada

cansava muito.

— Vou descer um segundo, mas

prometa não ir antes que eu volte, ok?


Não quero que vá, você é a primeira
amiga que tenho em muito tempo —

pediu Luna.

Fiquei curiosa.

— O que vai fazer?

— Só confie em mim. Espere eu

voltar! — suplicou.

Ela saiu correndo do quarto. Eu

não sabia o que poderia mudar, teria de

ir embora de qualquer modo. E, pela


primeira vez, eu me vi desejando evitar
partir com muito mais intensidade do

que das outras vezes. Algo ali me

impedia de ir. Sabia justamente o que

era, ou melhor, quem: Alessandro.


Capítulo 8

Alessandro

Ouvir aquelas palavras da boca


dela torceu algo em meu estômago, me

enjoando. Era um sentimento que eu


pensei ter escondido fundo, mas parecia

estar querendo surgir.

Sabia que era um monstro, nunca

tentei esconder isso de ninguém, até


minhas irmãs aceitavam. Nunca liguei

para o que os outros pensassem. Então

por que me importava com a opinião

dela? Por que senti essa coisa estranha

em meu peito quando escutei sua raiva


direcionada à máfia?

Os albaneses a machucaram de
uma forma que a fazia odiar cada um da
mesma organização. Eu tinha

consciência de que a máfia albanesa era


inescrupulosa, assim como os Rodins —

aliás, descobrira há poucos dias que

estavam trabalhando juntos.

— Porra! Ela pensa que temos

medo dos albaneses? Acha que somos

moles? — rosnou Stefano, ficando de


pé. — Se ela conhecesse o que faço…
Seus punhos estavam cerrados

enquanto olhava para a porta como se


quisesse ir lá agora e revelar toda a

verdade. Se havia uma coisa que


deixava meu irmão louco era o

chamarem de fraco.

— “Faria você sair correndo para

as montanhas” — Miguel disse com um

sorriso, depois me olhou. — Qual é o


próximo passo? Não pode a deixar ir,
ela pensa que os albaneses incendiaram

o lugar, mas não foram eles, e sim os

Rodins que, por sua vez, sabem dela e

da criança.

Ele tinha razão, mas dei minha

palavra e não costumava voltar atrás.

Pela primeira vez não liguei para o que

eu dissera; não podia deixá-la ir.

— O que eles fizeram contra ela

para que odeie todos nós? — sussurrou


Jade com um suspiro triste.
Jade tinha acabado de contar que

estava grávida, e não pude ficar mais

feliz pela minha irmã. Ela merecia tudo

de bom nesta vida.

Expirei baixo ignorando minhas

emoções confusas. Seria saudável

deixar a Estrela-do-mar partir.

Novamente, esse apelido se mostrava

perfeito para ela: brilhava como uma


estrela e seus olhos eram azuis como o
mar, com uma personalidade acrescida

de uma preocupação tocante conosco.

Luca tocou as costas da minha

irmã, confortando-a.

— Não sabemos. Talvez um deles

seja o pai do anjinho, e Madson fugiu de

algo que fizeram — disse Rafaelle. —

Quem sabe por isso estejam atrás dela.

A garotinha era realmente uma

pequena graça divina, isso se eu


acreditasse que existia santidade. Ela

iluminava os ambientes onde passava.

Um minuto na sua presença, e a menina

teria você enrolado em seu dedo.

Seria um sacrilégio uma pessoa

como eu ficar ao lado de alguém tão

inocente e precioso como Graziela. Seu

nome dizia tudo o que ela representava.

— Se eu conversar com ela, posso

tentar fazê-la mudar de ideia — falou


Jade com um suspiro.
— Não acho que consiga. Ela até

atacou o Alessandro no processo. —

Miguel riu. — Uma tigresa. Eu espero

que dome a fera, meu amigo.

Quando estávamos entre nós,

família, não recorríamos a formalidades.

Ignorei seu comentário; por mais

que estivesse atraído por aquela mulher,


eu não faria nenhum movimento, pois ela

não era dessas que usávamos para sexo.


Ainda mais que acabara de descobrir

que possivelmente a tocaram contra a

sua vontade. A dor que vi em seus olhos

retorceu meu intestino. Ela disse que

ninguém a tocou, mas poderia ter optado

por não revelar seus segredos na frente

dos outros, ou na minha. A partir do

momento em que eu a tocasse, estaria

perdido.

— Só abra o jogo sobre quem


somos, Alessandro. Diga que não
somos…

Levantei uma sobrancelha para

Rafaelle.

— O quê? Que não somos

assassinos? Que não mexemos com

coisas ilegais? Ou que não machucamos

ou torturamos algumas pessoas? —

Sacudi a cabeça. — Somos da máfia.

Tudo que é ilegal, nós fazemos.

— Não tudo. Não nos envolvemos


com estupro — ponderou Luca. —

Parece ser algo que ela abomina,

embora os assassinatos também.

Stefano bufou.

— Não devíamos ter vergonha de

quem somos — murmurou, sentando-se

de volta no sofá. — Acho que temos de

contar a verdade… Talvez as duas


fiquem…

Ele tinha razão quanto a isso, mas


algo estava me impedindo de confessar

quem eu era de verdade, ainda mais

sabendo a sua opinião a esse respeito.

— Se contarmos, aí sim partirá.


Neste momento, a segurança delas é o

que importa, depois lido com a mentira.

Temos de arranjar um jeito de

convencê-la a ficar sem que eu precise

trancá-la ou deixar alguém a seguindo.


— Mais cedo Viper ligou bem na hora
em que eu estava cuidando de um cara
dos Rodins, e tive que inventar que
alguém tinha se machucado. Porra! A
garota se comoveu e pareceu realmente

preocupada. Eu não era de ficar

mentindo. Em alguns cenários precisava,

mas não dessa forma.

— Tenho uma solução — disse

Luna, entrando na sala. — Acabei de

falar com Madson e vi que ela não


parece querer ir, muito menos a
Graziela. Ela só teme que alguém nos

ataque de novo e que nos machuquemos

por sua culpa…

— Não foram os albaneses os


responsáveis, e sim os malditos Rodins.

Resolveram voltar à ativa depois de

todos esses anos — grunhiu Stefano. —

Vamos matá-los de uma vez por todas.

Nos últimos dois anos fechamos

alianças com algumas máfias, tudo para


destruir os Rodins. No passado, após
atacarem, o FBI ficou na sua cola, mas
alguns inocentes admitiram a culpa e

Chavez saiu ileso. Isso me dava a


chance de destruí-lo. Alertei-o na última

ocasião em que nos encontramos: ia

destroçá-lo caso entrasse em meu

território. Pelo visto, não deu ouvidos.

— Madson não sabe quem nós

somos, e não gosto de mentir. Então


pensei que pudéssemos dizer uma
verdade. Depois que ela estiver

acostumada conosco, contaremos o

resto. — Luna foi até a frente de Miguel,

que arqueou as sobrancelhas.

Nesses anos, passei a ver o

interesse dele em minha irmã, mas ele

não me falou nada e não disse a ela

também, pelo que notei. Ele jamais faria

uma investida sem me alertar antes;


Miguel era alguém a quem confiaria
minha vida, e a de Luna e Jade; éramos
como irmãos.

Conheci-o ainda sendo um civil,

mas fiquei longe, pois não queria que o


que meu pai fez com Jairo e Amisteg se

repetisse, mesmo tendo sido Rafaelle a

puxar o gatilho no intuito de me

proteger. No final, eles acabaram

morrendo.

Miguel insistiu me pedindo para


se tornar poderoso, porque precisava
encontrar sua irmã. Foi quando o ajudei

a se tornar chefe do Cartel dos Lobos

Solitários assim que o antigo líder

morreu.

Meu pai ficou longe, sabendo do

seu poder, e isto foi bom.

— O que pensou, Luna? — sondei

curioso, esperando que desse tudo certo


e Madson decidisse ficar.

— Como ela parece ter


sentimentos impróprios em relação à

máfia, talvez pudéssemos dizer que o

cartel as protegerá dos perigos, mas,

para isso, elas precisam ficar aqui. —

Olhou de mim para o Miguel.

— Cachinhos, eu não sei se dizer

sobre o cartel vai melhorar algo. Não

somos diferentes da máfia — disse

Miguel.

Minha irmã era uma ruiva de


cabelos cacheados e olhos azuis
suplicantes. No entanto, ela não devia
suplicar a nós, mas à Madson.

— Eu sei, Miguel. Ela tem receio

da máfia, mas você salvou a Graziela, a

filha dela. Vou apresentar vocês, pois

faz alguns dias que ela deseja conhecê-

lo. Assim talvez aceite sua ajuda. — Ela

parecia esperançosa.

Miguel tinha acabado de chegar a


Milão naquela noite e, em vez de vir me
ver para falar sobre os Rodins, ele foi

até a Luna primeiro. Na hora fiquei

bravo, mas depois que a salvou, eu

agradeci mentalmente, já que meus

instintos me impediram de concretizar

tal gesto. Esperava que os dois se

ajeitassem; ela parecia gostar dele

também.

Uma vez Jade me disse que Luna


tinha uma queda por Sage, um dos
seguranças dela. Como ele tinha levado
um tiro alguns dias antes do acontecido,
estava se recuperando em sua casa,
então não se encontrava com os outros

que morreram no incêndio. Pegamos o

cara e vingamos a morte dos meus

homens, mas ainda faltava o chefe deles.

Acreditei que o interesse dela

passara, porque Sage foi até mim meses

antes para mencionar que gostava de


Luna, e eu falei que não podia dar
permissão para namorarem se minha

irmã não desejasse. Luna não aceitou o

pedido dele. Ali, vendo a forma como

pegava a mão de Miguel para suplicar

por sua ajuda, notei onde estavam os

sentimentos dela.

— Cachinhos, eu espero que não

esteja pedindo para que eu fique…

Luna piscou enquanto algo se

torcia dentro de mim com o pensamento


dele com a Madson.
— O quê? Não estou falando para

conquistá-la! Não sou uma megera.

Além disso, ela parece ter uma queda

pelo meu irmão. — Luna sorriu para

mim.

— Não sei o que ela viu nele que

não tenha visto em mim, sou mais jovem

e mais bonito — arrulhou Stefano,

sorrindo.

Não queria pensar nela com


nenhuma outra pessoa. Madson estava

atraída por mim, notei como reagia

desde quando a conhecera há quase dois

meses e meio. Com ela tão perto, as

faíscas aumentaram — os olhares, o

rosto corado. Não entendia o porquê,

mas ela parecia inocente, ou talvez

tivesse pouca experiência com homens.

Entretanto, mesmo ouvindo sua


súplica para não a beijar, eu senti que
ela queria; recusou porque talvez me
achasse um mulherengo como Stefano.
Claro que eu ficava com mulheres,
embora há meses só ocupasse meu

tempo protegendo o meu povo e fazendo

alianças. Mas com Madson perto essa

semana, as coisas se complicaram; tive


que usar meu maldito autocontrole para

não a procurar.

Como prometi, eu a tocaria apenas


se ela pedisse, e no fundo não queria
que o fizesse. Era impossível conciliar

os dois desejos: tê-la em meus braços

ou protegê-la?

Parei de pensar nisso, porque


estava ficando duro. O bom era que a

mesa impedia que alguém visse.

— Ela parece ser uma mulher

inteligente. — Jade sorriu para Stefano.

— Sua danada! Se não estivesse

grávida, eu a chamaria para um duelo.


— Nosso irmão riu. — De qualquer

forma, a fila anda.

Sacudi a cabeça, pensando nas

palavras de Luna. Ela poderia estar


certa. Talvez Madson ouvisse e quisesse

ficar, aceitando a proteção do cartel.

— Vá chamá-la, Luna. Farei a

proposta e explicarei que, mesmo sendo


um cartel, não é de todo ruim; que não

mexem com muita coisa ilegal.


Luna saiu correndo da sala.

— Acha mesmo que ela vai


aceitar? — Rafaelle me olhou.

— Como se eu soubesse… Aquela

mulher faz tudo ao contrário do que

penso — falei com um suspiro. — Você

é o observador aqui. O que acha?

— Além das faíscas que vejo


saindo de vocês dois? Nada. — Sorriu

para mim. — Mas falando sério, ela é


difícil de ler, a única coisa que peguei

foi o desejo mútuo.

Ele só não me falou para usar isso

de modo a fazê-la ficar, certamente, pois


Jade estava ali. E precisaria de muito

mais do que uma paixão para mudar sua

decisão. Além do mais, eu não enganaria

uma mulher assim dizendo ser capaz de

amar, quando na verdade não era.

Bateram à porta e, em seguida, ela


entrou, avaliando a sala; Graziela estava
do seu lado com uma roupa de bailarina
e sapatilhas. Eu sabia que a bonequinha

era dançarina, ela não falava em outra


coisa quando visitava Luna. Mas vê-la

dançando ali?

O destino era realmente uma

merda. Foi como um soco saber disso;

vê-la treinando em todo canto nessa

casa, uma em que minha mãe esteve e


onde sonhou ser bailarina também…
Seus planos foram interrompidos ao se

casar com o meu pai.

Graziela sorriu para Miguel e

correu até ele antes que Madson pudesse


puxá-la de volta.

— Oi, Miguel! — exclamou ela.

Ele sorriu.

— Como vai, princesa? Treinando

muito? — sondou, sentando no sofá para


ficar da altura dela.
— Sim, mas temos que ir embora.

— Sua voz saiu baixa e triste.

— Graziela! — Era um aviso de

mãe.

A menina olhou para ela e foi

ficar ao seu lado.

— Não queria deixar você

sozinha…

Precisava da Luna ali para ajudar

a convencê-la, mas sabia que ela não


confiava em meus homens com a

bonequinha. Os que estavam ali eram

leais a mim, jamais mentiriam ou me

trairiam.

— Jade, você pode levar a

Graziela para assistir a alguma

apresentação do Cirque du Soleil no

salão de cinema? — Virei-me para ela.

— Cirque du Soleil? — a criança

gritou, animada. Perguntou-me: — Tem


cinema neste castelo?
— Sim, minha irmã irá levá-la. —

Apontei para Jade.

Graziela olhou para sua mãe que,

por sua vez, estava com a testa franzida


em minha direção.

— Posso ir, mamãe?

Era difícil para qualquer pessoa

resistir a alguém falando assim com

tanta doçura, ainda mais para uma mãe.

Ela tentou se recuperar do que pensava e


olhou para a menina.

— Tudo bem, meu amor — falou

um tanto confusa, apesar de eu ter

detectado raiva. Não fui o único a notar


isso ali na sala.

Jade saiu com Graziela, então

Madson me fuzilou, mostrando suas

garras.

— Você prometeu que me deixaria

ir. Ou não é um homem de palavra? —


praticamente cuspiu.

Eu era um homem de palavra, por

isso estava buscando uma oportunidade

de fazê-la mudar de ideia. Se fosse


embora, tanto ela quanto Graziela

seriam mortas. Ou pelos albaneses, ou

pelos Rodins.

— Por que não ouve primeiro


antes de se exaltar? — indaguei. —

Luna?
Minha irmã pigarreou:

— Lembra-se de ter dito que


queria conhecer o homem que nos

salvou do incêndio? — Gesticulou. —

Esse é Miguel. Acho que ele pode

ajudar a proteger você e sua filha.

Madson franziu a testa.

— Por que devo acreditar que ele


é poderoso para lutar contra uma máfia?

— Então arregalou os olhos, dando


passos até chegar próximo a mim. Não

sabia se ela tinha notado o gesto. Sua

atenção estava em Miguel. — Por acaso

você é um mafioso?

Ela disse a palavra “mafioso”

como se fosse algo estragado.

— Não, mas sou de um cartel

mexicano. Por mais que tenha coisas


ilegais em nosso meio, nós não mexemos

com tráfico humano e de órgãos, nem


prostituição infantil — apressou-se em
explicar.

Madson arfou, avaliando-o e, em

seguida, o restante.

— Vocês também são do cartel?


— sondou, não mostrando nada em seu

tom.

Todos se concentravam em mim.

— Não, só o Miguel. Eu o

considero um irmão e confio nele de

olhos fechados — não diria isso na


frente de outras pessoas, só da família.

Bom, e dela, porque precisava

convencê-la.

Não era mentira que não


pertencíamos ao cartel, só combinamos

de não contar toda a verdade.

— Como se conheceram? — ela

duvidava.

Luna suspirou.

— Quando criança — Miguel


disse a verdade. Éramos adolescentes na

época. — Faço parte de sua família

como um amigo, irmão, e agora — ele

fitou eu e meus irmãos com um olhar

significativo —, como namorado da

Luna.

Ele estava mentindo. Mas se

apresentar no papel de namorado

amenizaria o baque e a desconfiança da


mulher.

— Inclusive o cara que atacou a


casa tentava matar a Luna, pois era meu
inimigo. Não foram os albaneses. Eles

sabem da importância dela para mim. —


Seu tom era tão decidido que, por um

breve segundo, até eu acreditei.

Luna arregalou os olhos; não o

desmentiu.

— Beijem-se, então. Porque Luna

não parece ser sua namorada, aliás, ela


parece chocada. — A mulher era
esperta.

Luna não sabia mentir, na verdade,

ela era uma mentirosa horrível, sempre

foi.

Miguel puxou Luna para seu colo,

e eu tive que segurar meus instintos para

não a trazer de volta. Teria feito isso se

soubesse que minha irmã não sentia o


mesmo por ele. Mas se fosse para

escolher um homem, que ao menos ele


tivesse coragem o suficiente para entrar
nas chamas por ela; esse era o Miguel.

Ele colocou a mão em seus

cabelos e a beijou. Pela ânsia de ambos,

eu pude ver a fome, o que me fez rosnar

baixo.

— Chega de pegar a minha irmã

na minha frente — reclamou Stefano.

Luna corou e sorriu. Sim, ela o


amava de verdade. Não era só uma

paixonite.
Madson se virou para mim e se

aproximou para falar baixo em meu


ouvido:

— Você me dá a sua palavra de

que confia nele?

Segurei o estremecimento com o

calor de sua voz na minha pele.

— Se não confiasse, eu não


deixaria a minha irmã com ele. — Foi

somente assim que permiti que Jade se


casasse com Luca há quase um ano e

meio. E seria igual com Miguel e Luna.

Ela assentiu e olhou para Miguel,

que estava sério. Luna permanecia ao


seu lado.

— Não eram os albaneses? Isso

significa que posso ficar na cidade, mas

não precisa ser nesta casa, certo?

Lancei um olhar de alerta ao

Miguel. Ele entendeu o que eu queria


que dissesse a ela.

— Eles sabem sobre você e a sua

filha, então seria mais seguro continuar

aqui. Sei que não quer que nada


aconteça a ela, e ser vigiada é ruim, mas

é necessário, pelo menos até pegarmos

os homens — disse Miguel.

— Você os entregará à polícia?


Ou vai… — Ela engoliu em seco.

Miguel sorriu.
— Não se preocupe com isso, só

foque na segurança sua e de sua filha —


pediu.

Madson mordeu os lábios,

pensativa. Esse gesto me deu ideias de

onde essa boca deveria estar. Merda!

Ficar duro ali de novo não me ajudava.

— Tudo bem, aceito. Apenas

porque você deu sua palavra,


Alessandro. Se você e Luna confiam
nele, eu também.

Minha irmã abaixou a cabeça, um

tanto culpada, mas acho que Madson

pensou que sua pele avermelhara apenas


devido ao beijo.

Ouvir que a mulher acreditaria

nele por minha causa me fez sentir

estranho. Seria culpa? Ela estava


bagunçando meus pensamentos.

Talvez eu precisasse foder


alguém, mas não queria outra, estava

louco por Madson. Como a tocaria sem

que as coisas ficassem estranhas?

Ela foi até Miguel e estendeu sua


mão.

— Obrigada por ter salvado a

minha filha. Não consigo nem pensar o

que faria se tivesse acontecido algo a


ela… — Estremeceu.

Miguel ficou de pé e segurou sua


mão, apertando-a. Madson o abraçou,

pegando-o de surpresa.

Tudo em mim gritou para atacá-lo.

Mas essa emoção era irracional, não


havia sentido fazer isso com meu irmão

e amigo.

Sentia olhos em mim — dos meus

irmãos, de Luca e de Miguel. Mirei o


outro lado, querendo que essas malditas

sensações sumissem.
Miguel se afastou e colocou os

braços na cintura de Luna. Madson


também a abraçou. Entendia que era um

gesto normal de agradecimento pelos


dois terem salvado a sua filha. Por isso

ignorei a minha aversão, embora não

houvesse sido fácil vê-la abraçada com

outro homem.

Madson se virou e veio na minha


direção. Beijou meu rosto.
— Obrigada a você de novo, já

que me salvou aquela noite. Tentou me


ajudar esta semana, e eu fui uma cadela.

Só queria que ficassem seguros — disse


e foi para a porta. — Prometo pegar

leve, devo muito a você.

Saiu, me deixando chocado,

frustrado, desconcertado e com muita

raiva dessa mistura com que eu não


sabia lidar.
Estava completamente ferrado.

Teria que a ver todos os dias e resistir;


me sentia um drogado. Nesse caso, a

minha droga era uma que nem sequer


experimentei. Imagine quando eu

provasse?
Capítulo 9

Alessandro

No último mês se tornara


impossível resistir ao que sentia. A

confiança de Madson em mim


aumentara, algo errado, pois eu não a

merecia. Eu era um assassino, capo da

máfia Destruttore, não um empresário

como ela acreditava.

Era tudo uma farsa. Ela achava

que estava segura comigo, mas não sabia

o que eu fazia quando não estava em

casa.

Eu era um assassino, e gostava

disto. Ao matar ou torturar um inimigo,


eu ficava contente, e não pretendia
mudar. Então por que essa sensação
estranha? Não por fazer o que fazia, pois

disso não me arrependia; aliás, eram


poucas as coisas de que já me

arrependi: a amizade com Jairo e

Amisteg; não ter protegido Jade do

Gael, quando mais nova; não conseguir

salvar a minha mãe das garras do meu

pai; não salvar aquelas garotas; não


demorar na tortura do meu pai como
gostaria.

Mas não estava arrependido de ter

ajudado a Madson, apenas confuso por

não apreciar mentir para ela. A mulher


pensava que mafiosos eram monstros.

No fundo, eu reconhecia isso como

verdade, o que me impedia de revelar

tudo. Ela fugiria assim que eu contasse.

Somente aceitou a ajuda do cartel

porque não viveu nele e só sabia o que


lhe foi contado. Mas a máfia era
diferente, pois ela certamente
presenciou muito lá, então não conseguia

distinguir quem mexia com coisas


erradas ou não.

— Por que está triste? — sondou

uma voz suave. Levantei minha cabeça e

me deparei com a garotinha loira de

olhos tão brilhantes quanto o céu no

verão. Graziela, a pequena graça.

— Não estou — respondi.


Não podia dizer a ela que não

sentia tristeza porque não havia nada em


mim.

— Então por que não sorri? —

Ficou na minha frente. — Minha mãe

sempre diz que, quando a beijo, eu a

deixo feliz. Posso fazer isso com você

também?

“Felicidade” era uma palavra que,


para mim, não significava nada. Antes
que eu tivesse tempo de inventar alguma

desculpa, a garotinha se aproximou e

beijou meu rosto.

— Posso fazer isso todos os dias


para deixá-lo alegre e aquecer o seu

coração, assim nunca ficará triste. — A

animação dela era contagiante.

Eu não tinha um coração


sentimental, apenas um membro que

pulsava e oxigenava meu corpo. Tudo


em mim era negro como ônix, tão
sombrio que inexistia espaço para algo.

A menina sorriu, uma fada, viva e

iluminada como uma estrela. Parecia

não ser certo a manter perto de alguém

como eu, um monstro, um assassino frio,

pois eu matava e não me arrependia.

— Vou ser sua amiga e o farei

sorrir mais vezes. — Entregou-me uma

flor. — Peguei no jardim. Darei uma


para a minha mamãe, e outra para você.
Peguei a planta vermelha e

perfumada. Ela se virou e saiu do meu


escritório tão rápido como apareceu,

não pude devolver.

Podia estar confuso, mas sentia a

escuridão em mim. Ela sempre faria

parte da minha vida.

Olhei para a flor, mais uma

rachadura para me comprometer. Como


manteria tudo trancado? Não havia nada
ali dentro que fosse bom para resgatar

ou tentar me redimir. Mesmo se eu

quisesse ou se minha natureza aceitasse.

Eu precisava lutar! Bater em algo


ajudaria um pouco para tirar essa

frustração, embora o sexo ajudasse. Até

fui à boate para tentar ficar com uma das

dançarinas, mas não achei justo ter

relações com uma mulher pensando em


outra. Sempre que transava era só isso e
pronto, focava no momento, mas as
coisas mudaram. Madson estava
bagunçando tudo, aliás, já o fizera. Não
só ela: a doçura de sua filha também.

Peguei a flor e coloquei na gaveta

em cima da carta que minha mãe deixou.

No casamento de Jade, minha irmã me

entregou essa carta. Nossa mãe escreveu

cinco delas, uma para cada um de nós,

seus filhos, antes de morrer, e guardou


em seu porta-joias. Jade as encontrou e
nos entregou. No verso dizia para abrir

quando fôssemos nos casar. Poderia

abrir antes, mas temia o seu conteúdo.

Casamento não era uma opção,


então a deixei guardada, mesmo assim

me perguntava: quais teriam sido seus

últimos pensamentos?

Eu me levantei. Talvez
encontrasse o Rafaelle ali, mas

duvidava. Ele estava no mercado


checando os negócios, junto a Stefano.
Então só me restava o saco de pancada.

Vesti-me com roupas de treino e

fui para a academia malhar, ou melhor,

lutar.

Estava socando há algum tempo,

descarregando minha fúria, quando ouvi

passos suaves; Luna estava na faculdade

e, Miguel, a vigiando, assim como

Viper.

Ia chamar o Miguel para


conversar sobre o episódio ocorrido na

minha sala, o beijo em minha irmã, mas

não queria estragar tudo entre eles.

Apenas o alertei que se a machucasse,

eu iria castrá-lo, sendo amigo ou não.

Era Madson; a sua presença

provocava várias sensações em meu

corpo, não só vontade de fodê-la.

— O que o saco de pancada lhe

fez? — inquiriu, entrando na sala


grande.
Chute, soco e chute de novo. Essa

era a sequência de movimentos que eu

repetia há algum tempo. Não resolvera

muita coisa.

— Ele? Nada, mas você? Tudo —

rosnei, socando com tanta força que

quase saiu do encaixe.

— Eu? O que fiz? — Parecia


realmente confusa.

Quando ela reagia assim, eu sentia


seu ar inocente, como se nunca houvesse

sido tocada. De que forma, se tinha uma

filha? Geralmente meu instinto a esse

respeito não se enganava. Sempre corri

de virgens; acreditava que talvez só

houvesse ficado com o pai de sua filha

— uma coisa em que eu não queria

pensar (e outra, isso era passado).

Virei para ela e a vi escorada na


parte em que ficavam as barras de ferro,
com o olhar inofensivo. Essa mulher
acabaria me matando, e ela nem tinha
noção disso.

Sacudi a cabeça.

— Melhor se afastar, ou um

desses ferros poderá cair em seus pés

— falei, voltando a chutar.

— Graziela mencionou que ela lhe

deu uma flor, pois você parecia triste.

— Aproximava-se. A porra do meu


corpo parecia estar perto de labaredas.
— Juro que se não ficar longe, eu

vou jogá-la nesse ringue e fodê-la até


não andar mais em linha reta — rosnei,

virando para ela.

— Não sou uma puta — sibilou,

magoada.

— Não disse que era. Estar louco


para possuir o seu corpo não significa

que eu pense isso de você. Pelo


contrário. — Deixei o saco de pancada
e fui em sua direção. — Cada vez que

me olha, eu sinto meu pau endurecer

como rocha, faminto para provar esse

corpinho divino.

Ela engoliu em seco, tendo

dificuldade para olhar para o meu peito

nu. Eu tinha muitas cicatrizes, mas cobri

várias delas com tatuagens de chamas;

como se o fogo saísse de dentro para


fora, tal qual eu me sentia às vezes com
tudo o que houve no passado.
— Sinto o seu desejo por mim.
Agora me diga, Madson: o que a impede

de aceitar esse prazer? Posso ver agora


mesmo a fome em seu rosto. —

Achegava-me. — Se eu tocar em você,

não vou parar.

Ela piscou, dando um passo para

trás.

— Não posso…

Ela parecia quase desesperada


por mim, mas então o que a segurava, se

ambos queríamos? Talvez precisasse de

mais um empurrão. Se por acaso tivesse

algum trauma, eu respeitaria, me

manteria longe, ou trabalharíamos juntos

no problema.

— O que a faz hesitar tanto,

Estrela do mar? Apenas deixe acontecer.

Aposto que está molhada para mim. —


Forcei meu tom para sair baixo e
provocador.
A fome estava ali, estampada em
seu rosto. Segurava a saia como se

tentasse se controlar.

Cheguei perto, e ela piscou,

saindo de um transe, então se virou e ia

correr, mas a alcancei. Segurei-a por

trás, com uma mão em sua barriga,

escorando-a em meu peito, e a outra

arrastando o seu cabelo loiro para o


lado, deixando o ombro direito desnudo
para lhe depositar um beijo.

Seu corpo estremeceu; ofegou com

o meu toque.

— Sente isso? Esse fogo ardendo

entre suas pernas, louco para ser

saciado? Posso resolver para você, se

permitir. — A mão que estava em sua

barriga desceu um pouco mais, fazendo-


a gemer baixo. Esse som nunca me

encantou antes, mas no momento, soava


como música para meus ouvidos.
Esperei que ela retirasse a minha

mão e me impedisse de ir ao lugar

pulsante pelo desejo emanado dela.

Há muito tempo eu queria essa


mulher; a desejava com uma fome

ardente. Nem acreditava que ela estava

ali e me deixando tocá-la.

Meu pau ficou tão duro que achei


que estouraria meu short de ginástica.

Mas esse momento não era sobre mim, e


sim por ela; para fazê-la se soltar mais.

Levei meus dedos por baixo do

vestido e toquei seu centro por cima da

calcinha, fazendo com que ofegasse.

— Alessandro… — sussurrou,

pegando minha mão que circulava seu

ponto pulsante. Achei que ela tiraria

dali, mas só se escorou mais em mim,


jogando a cabeça para trás em meu

ombro.
— Sente esse prazer? Meus dedos

circulando o seu clitóris e fazendo a sua


boceta pulsar? — Arrastei a calcinha

para o lado, peguei seu nervo e o


massageei. Enquanto isso, beijava o seu

pescoço.

— Oh!

— Isso, Estrela-do-mar, goze em

meus dedos. — Passei a língua em sua


veia e trouxe sua boca para a minha.
Meu desejo era beijá-la, mas seus olhos

suplicaram o contrário, então os fechou

assim que a senti estremecer ao chegar

em seu clímax com um grito.

Não entendia sua aversão ao

beijo. Ela queria o mesmo, então qual

era o sentido de sua luta?

Fiquei esfregando sua intimidade


até que ela parasse de tremer em meus

braços. Acreditei que tinha sido um


começo e que estávamos progredindo, já
que ela me deixou tocá-la. Mas algo em
meu peito apertou, uma emoção que

nunca senti antes. Queria penetrá-la sim,


possuir cada parte dela, mas também

queria embalá-la em meus braços e

acariciá-la, mantê-la comigo para

sempre… Como poderia almejar mais

que uma transa? Não era um homem de

casamento! Desejava algo limitado ao


lado sexual, mas não era o caso. A
garota não atravessaria seus limites.

— Você está bem? — Mal escutei

sua voz baixa.

Nem senti que respirava com

dificuldade. Os olhos dela estavam tão

vulneráveis, essa inocência neles me

incomodava. Madson gostava de mim,

não era só luxúria, havia sentimentos.


Era mais do que eu poderia oferecer.

— Merda, isso não pode


acontecer. — Afastei-me dela tentando

recuperar o fôlego.

— O quê? — Ela deu um passo

para trás, como se eu a tivesse batido. O


que vi em seus olhos foi como uma

pancada na boca do meu estômago.

Eles estavam úmidos, como se

fosse chorar, então saiu correndo.

Gostava de ver a dor das pessoas,

espancá-las, fazê-las gritar e chorar.


Mas isso? Meu peito parecia que tinha

levado um tiro, pois pulsava

dolorosamente. Tudo em mim dizia para

deixá-la sozinha, não ir atrás dela ou

tentar explicar nada, assim tudo se

resolveria. Mas só a mera ideia de saber

que chorava contorcia meu intestino.

Dava-me vontade de matar todos que a

fizeram sofrer, incluindo eu.

Saí da academia à sua procura.


Não ia ficar pensando ou jamais
encontraria uma resposta. Ela escondia
algo, porque numa hora me queria, e em
outras hesitava para se entregar, como

se fosse uma virgem imaculada ou coisa

assim. Ela teria de me dizer qual era o

problema, e eu faria o mesmo: diria que


não poderia oferecer o que ela ansiava,

não era esse tipo de homem — poderia

até ser, mas não havia nada em mim que

ela apreciaria se soubesse a verdade.


Ouvi uma música de balé na sala,

com certeza Graziela treinava como


sempre. Estava até me acostumando com

o som, ainda que algumas vezes me


pegasse pensando na minha mãe e no

que ela não pôde ter.

Virei no corredor, indo para o

quarto de Madson. Ao entrar, ouvi a

água caindo, mas tinha outro barulho


também, um soluço fraco.
Corri para o banheiro e o que vi

quase me fez cair de joelhos. Madson


estava sentada no chão com roupa e

tudo, abraçada aos joelhos. Sua cabeça


se apoiava neles, a água caindo sobre

ela. Outro soluço.

Queria me aproximar, mas estava

petrificado, segurando meus instintos

para não ir matar quem a fez ficar assim.


Foi arrebatador vê-la quebrada… O
pior era saber que não foi nenhum

estranho que a deixou nesse estado, e

sim eu.

Ódio, raiva, dor e fúria faziam


parte da minha vida. Sempre gostei de

gerar isso ou, às vezes, até de sentir

também. Mas no momento? Olhar para

essa mulher desgarrada, que não levava

desaforo de ninguém, nem mesmo de


mim, e vê-la nesse estado, foi como um
soco.
Ela levantou os olhos para mim.
Enxerguei a dor refletida ali através das

lágrimas. Dei um passo para trás, até


sentir minhas costas na parede. Mesmo

com a água caindo sobre ela, eu sabia

que chorava.

Queria me desculpar por

entristecê-la. Não achei que fosse reagir

assim, como se eu a tivesse diminuído e


não a desejasse, sendo que era
justamente o contrário: a mulher me

levava à loucura.

Aproximei-me dela, me agachando

e ficando na sua frente. Coloquei dois


dedos em seu coração. Não conseguia

dizer que lamentava, mas quis

demonstrar da única forma que sabia.

Seus olhos seguiam o movimento; não se

afastou.

— Não entendo você, me faz


sentir tão bem em alguns momentos, mas
também me diminui. — Sacudiu a
cabeça, entristecida.

— Não foi essa minha intenção.

— Tirei seu cabelo molhado do rosto,

esquadrinhando sua face. — Acredite

em mim, você é muito desejada, perfeita

demais para alguém como eu, Madson.

Uma chama assaltou seus olhos.

— Não me chamo Madson, meu

nome é Mia! — gritou, mas pareceu


mais um sussurro.

Pisquei.

— Mia? — sondei, desligando a

água, sem tirar minha atenção dela.

— Não podia usar meu nome

verdadeiro — murmurou, encolhida.

— Sim, eu sei disso, mas faz

semanas que está aqui. Por que não me

contou? — Franzi a testa, não gostando


da sensação de ter sido passado para
trás, embora tivesse feito o mesmo ao

não me revelar.

Ela fechou os olhos, escorando a

cabeça na parede.

— Viver na máfia foi um

tormento, pois eu via as meninas sendo

entregues a homens contra sua vontade.

Algumas delas iam porque queriam vida


fácil, já outras eram inocentes, como

minhas colegas no coral da igreja;


ouvíamos a palavra do Senhor e
seguíamos à risca, mas depois que foram
levadas, eu vi como ficaram. — Sacudiu

a cabeça. — Eles as quebraram tanto


que algumas até se mataram.

Sua máfia era tão letal quanto a

dos Salvatores antigamente, antes de

Matteo assumir. O novo capo

transformou tudo.

Skender era um chefe desumano,


bruto, sem um pingo de emoção. Claro
que eu não tinha muita emoção também,

mas não era um tirano igual a ele. Eu

dispunha de princípios e os associava

ao meu poder. Mulheres e crianças

estavam fora de cogitação.

— Jurei que não me entregaria a

nenhum homem se não fosse meu

marido, pois se o fizesse antes, eu me

sentiria como elas. — Expirou fundo,


me fitando. — Então vem você e me faz
quebrar essa promessa feita a mim
mesma desde que era uma garota.

Estreitei meus olhos.

— Você tem uma filha, logo, não a

quebrou antes de mim? — Não quis

ofender, buscava entender seu lado.

Talvez ela considerasse seu antigo

relacionamento um erro e almejasse

fazer diferente.

Sacudiu a cabeça.

— Graziela é minha irmã, não


minha filha. Mas eu a amo como se

fosse. Não quero que ela saiba disso. —

Tocou meu peito bem nas chamas, me

fazendo estremecer. — Por favor, não

conte nada a ela.

Ver pessoas suplicando nunca me

fez sentir algo, apenas se fossem meus

irmãos. Mas a sensação que tinha com

eles se repetia com essa mulher. Não


gostei de a enxergar tão quebrada.

Encontrei seus olhos molhados.


— Não direi nada, mas preciso

que me conte a verdade. Porque mesmo

contando sobre a máfia, eu sinto que

ainda tem mais nisso. Estou tentando

entender tudo aqui. — Limpei seu rosto

molhado.

Finalmente ficara clara a sua

aversão ao beijo e às outras coisas que

ela não queria fazer antes de se casar.


Tentei esconder o que sentia. Eu a
desejava, sim! Queria possuir seu corpo

de todas as formas, mas casamento? Não

tinha pensado nisso.

— Mamãe me protegeu até quando


pôde de todos na máfia. — Colocou a

cabeça em meu pescoço e passou o

braço em volta de mim. A sensação era

enervante, eu estava uma bagunça do

caralho. O que sentia não era só prazer,


tinha algo mais dentro de mim. Pelas
rachaduras, transbordavam emoções.
Apertei meus punhos, expirando
irregular, então devolvi o abraço como

se não tivesse controle dos meus


movimentos. Tocá-la de forma sexual

seria normal e eu ansiava por isso há

meses, mas esse toque ali era mais

pessoal e envolvia sentimentos, o que eu

usualmente evitava.

Vê-la nesse estado só me fazia


desejar embalá-la mais perto e protegê-
la do mundo; matar todos que queriam o

seu mal, dizimar os que tentarem.

— Meu pai e ela se conheceram

aqui na Itália, e então apaixonada como


estava, ela resolveu ir com ele para a

Albânia. O mar de rosas que achava que

iria viver lá não aconteceu. Meu pai

mostrou o verdadeiro monstro que era,

pois a colocou para deitar-se com o


chefe dele. Conforme ia crescendo e me
encorpando, eu percebi que o maldito
chefe do meu pai me obrigaria a casar
consigo. — Ante sua respiração
desigual, eu me apertava mais contra

ela. — Minha mãe estava grávida de

Graziela, íamos fugir naquela noite, mas

houve uma briga, ele atirou nela… o


sangue…

Sua dor cortou algo em meu

coração que achei estar morto. Quis


estraçalhar o seu maldito pai e fazê-lo
sangrar.

— Lutei com ele. Peguei a arma e

atirei… — Sua voz falhou. — Sei que

merecia, mas por um bom tempo, eu não


consegui dormir direito, porque fiz algo

que ouvia ser errado na igreja. “Não

matarás”! É o que está escrito na bíblia.

E eu fiz isso.

— Foi legítima defesa, então não

conta como pecado. — Essa mulher não


foi feita para mim. Era boa demais para
lidar com meu mundo. Assim que tudo
se resolvesse, eu a deixaria livre para

ter a vida que sempre quis.

Ignorei a sensação devastadora em

meu peito com esse pensamento, mas era

o certo a se fazer.

— Sei disso, mas é uma vida… E

tive que fazer o parto de Graziela eu

mesma, ou ela morreria com a mamãe.


Tive de fugir. Nem enterrá-la eu pude,
pois eles me pegariam e me matariam.

— Encolheu-se. — Algum tempo

depois, em Veneza, eu fui localizada. Os

malditos matam quem se aproxima, e

aposto que também torturam para me

encontrar. Jurei não me aproximar de

ninguém; até tentei ficar longe de Luna,

mas a garota é doce demais para isso.

— Afastou-se, e um sorriso se formou


em seus lábios. Tocou meu rosto. —

Então conheci você e, de repente, não


quis mais partir.

Toquei sua testa querendo dizer


que lamentava pelo que sofreu, mas as

palavras não saíam. Foi uma forma de

mostrar o que eu sentia.

Aconcheguei-me mais, e seus

olhos se fecharam, esperando ou

temendo um beijo. Eu não o faria

enquanto ela estivesse fragilizada.


Apenas rocei meus lábios em sua testa.
— Tome um banho e se troque. —

Puxei-a de pé, afastando-me.

Seus olhos pareciam magoados e

confusos, depois deu uma risada amarga.

— Sabia que assim que eu

dissesse isso você se afastaria —

sussurrou. — Você não é o homem certo


para mim… — Nesse final, parecia

falar consigo mesma.

Prensei-a na parede, encostando-


me em seu corpo molhado.

— O que quer que eu diga, Mia?

— Tentei não grunhir. — Não sou quem

você pensa! Não sou homem para casar


ou ter filhos! Não há nada em mim que

seja bom para oferecer a você. Muito

menos o que deseja.

— Você não sabe o que desejo —


retrucou com um ar feroz.

— Sim, eu sei. Um marido que sai


cedo para trabalhar e volta tarde; uma

casa com cerca branca e flores. Eu não

represento isso. — Queria esconder a

verdade para protegê-la, mas às vezes

algumas coisas era preciso dizer. —

Tudo o que há em mim é escuro demais.

Saí dali, deixando-a de boca

aberta e chocada, mas havia algo mais

em seus olhos. Depois de saber os seus


receios e o seu desejo, eu entendi a
porra da verdade contra a qual lutava há
muito tempo, mas tudo se foi. Não iria
mais procurá-la, nem tocá-la.

— Vou querer saber o que faz


saindo do quarto de Madson, molhado e

com uma fúria capaz de devastar a

cidade? — Ouvi Rafaelle de pé no

corredor.

— Não deveria estar trabalhando?

— Controlei as minhas emoções


confusas.
Avaliou-me, e eu soube que tinha

perguntas, mas estreitei os olhos


deixando claro que não queria falar

dessa merda ainda. Ele pareceu entender


e mudou de assunto.

— Parece que temos mais

traidores em nosso povo — disse

Rafaelle.

— Não eliminamos todos? —


Cerrei os punhos.
Alguns anos atrás, logo que matei

o meu pai, eu tive que lidar com vários


traidores que não me aceitaram no

poder, então se aliaram aos Rodins.


Pensei que tivesse pegado todos eles.

— Alguns acham que estamos

chatos demais, sem nenhuma diversão.

— A sua voz fervia ao imaginar a que

tipo de diversão se referiam.

Quando meu pai controlava a


máfia Destruttore, ele mexia com

prostituição infantil e outras coisas,

apesar de eu ter feito o que pude para

interceptar o tráfico de meninas na

época. Havia pessoas trabalhando nisso,

indo atrás de todas que ele vendeu e as

levando de volta às suas famílias.

Poderia ter feito mais antes, mas Marco

descobriria, e minhas irmãs pagariam.

— Vamos acabar com essa merda


e mandá-los para o inferno. Eu estou
louco por uma ação. — Olhei para o
quarto. Sim, eu definitivamente não era
o homem certo para ela e nunca seria.
Capítulo 10

Alessandro

— Precisamos falar do que está o


incomodando tanto — Rafaelle propôs.

Depois que escutei da boca de


Mia que estava se guardando virgem e

imaculada ao seu futuro noivo, tudo em

mim ferveu. Sempre lidei com a raiva,

mas no momento sentia como se tivesse

uma bomba no meu interior.

— Não quero falar sobre isso —

consegui dizer.

Eu só precisava esmagar algo.


Quem sabe assim essa fúria fosse

controlada dentro da minha cabeça?


Sentia tudo girando como um maldito
liquidificador.

Rafaelle ficou calado, mas queria

saber o que se passou.

— Quem descobriu os traidores?


Tem provas quanto a isso? — Decidi

mudar de assunto, porque não queria

falar ou pensar em Mia.

Deu um suspiro duro, mas não


insistiu.

— Foi o El Diablo. Ele nos


informou que alguns dos nossos estão

reunidos em uma capela a alguns

quilômetros daqui. Assim que os

reconheceu, ele me mandou mensagem

falando do lugar; parece que estão lá

agora. — Fervia de raiva.

El Diablo, amigo de Miguel,

executava serviços quando alguém dava

um preço alto. Conhecido como “O


ceifador”, ele tinha uma empresa de
assassinos brutais. Éramos aliados há
algum tempo, já precisei de alguns
trabalhos dele, sua agência era a melhor
nesse departamento.

— Se ele sabe disso, sua

encomenda está no local, certo? A

pessoa que ele deve matar. Preciso que

El Diablo não faça nada até eu chegar

— falei.

— Já cuidei disso — afirmou. —


Vai nos dar duas horas e então concluirá
o serviço.

— Ele pretende eliminar um dos

nossos? Ou melhor, um dos traidores?

— Certamente não foi a mando do


Miguel, ou meu amigo teria dito algo.

— Não. Parece ser o padre que

não é padre, só está disfarçado como

um. Alvares Mendes. O braço direito do


chefe do Cartel de Sangue. — Suspirou.

Estreitei os olhos.
— O Death? — O chefe do Cartel

de Sangue era o inimigo mortal de


Miguel. Irmão do antigo chefe, não

aceitou bem quando Miguel assumiu


como líder dos Lobos Solitários.

— Parece que sim. Miguel disse

que precisava limpar alguns do seu

território, e Death quer se apossar e ter

o que não é dele.

Sorri de modo frio.


— Acho que vou cuidar desse

padre falso para Miguel. Preciso de uma


ação. — Olhei para um casal andando

de mãos dadas no parque enquanto


passávamos com o carro.

Trinquei os dentes; deveria

concentrar minha raiva em outro lugar,

não em mim ou em Mia. Por culpa dela,

estava nessa porra de confusão. Tudo ia


bem antes de conhecê-la naquela
lanchonete e dela me ameaçar com uma

faca. Gostei de sua fibra e garra; era

raro me deparar com pessoas que não

tinham medo de mim. Embora ela não

soubesse quem eu era, eu acreditava

que, mesmo tendo ciência, não abaixaria

a cabeça.

— Não sei se prefiro você sério

ou com esse sorriso de hiena —


comentou Rafaelle com um suspiro.

Não respondi. A minha frieza era


minha armadura. Trancafiara as
emoções no cérebro depois de tantas

perdas por causa desses sentimentos


inúteis.

Mas tudo queria sair ou, de

repente, até saíra, já que eu estava a

porra de uma bagunça. Canalizei

unicamente a raiva para fazer esses

traidores pagarem. Depois lidaria com


os outros sentimentos que me irritavam.
Andamos mais alguns quilômetros

até chegarmos a um vilarejo. Rafaelle


parou o carro logo na entrada. A poucos

metros, uma igreja podia ser vista.

— Vamos esperar os outros

chegarem. — Rafaelle desligou o carro

e avaliou o lugar.

Segui seu olhar e então avistei El

Diablo em cima de uma casa. Se ele não


quisesse, não teríamos conseguido vê-
lo. O homem era muito bom no que

fazia.

Saí do carro, indo para trás, a fim

de abrir o porta-malas. Dentro tinha


algumas armas, mas ignorei e peguei um

pedaço de pau com a ponta cheia de

arame farpado. Sim, tinha chegado a

hora de descarregar minha raiva.

— Que droga, Alessandro! Vamos

esperar os outros… — começou


Rafaelle, mas sacudiu a cabeça assim
que viu que eu não mudaria de ideia. Ele
assinalou para El Diablo nos dar

cobertura.

— Não quero que ele os mate;

todos são meus — rosnei, indo na

direção da igreja.

Rafaelle praguejou, mas eu o

ignorei e continuei. Não tinha carros na

entrada, obviamente para não chamarem


atenção.
— Que porra ele acha que está

fazendo? — sibilou El Diablo,


provavelmente para Rafaelle.

— Não sei, mas eu não entraria na

sua frente. Meu irmão está com um

humor terrível.

Virei a cabeça. El Diablo estava


de pé segurando um rifle nas costas. Ele

era alto, de cabelos loiros até o queixo


barbudo, presos em um rabo de cavalo.
E olhos escuros como a noite, mortos.

Ficou dessa forma depois que toda a sua

família foi massacrada pelo Cartel del

Cali. Vingou-se deles, claro, então

trabalhou algum tempo para a máfia

espanhola, mas há quase sete anos abrira

sua própria agência de assassinos de

aluguel. Tornou-se famoso no submundo.

Uma pena que a vingança não mudava o


que perdeu.

Do mesmo modo, Marco foi


morto, mas as coisas que ele tirou de
mim não voltariam; ficaram apenas as
lembranças do que me levou a fazer. Se

eu não tivesse a minha família, eu

estaria como El Diablo: morto.

Ele estreitou os olhos, como se

soubesse o que eu estava pensando.

— Tranque as portas quando eu

entrar e só abra se eu mandar — ordenei


ao Rafaelle.
— Alvares é meu — apontou El

Diablo.

Dei de ombros.

— Acredito que existam muitos

deles para massacrar e liberar minha

fúria. — Apertei meu taco em uma mão

e a arma na outra. Então entrei chutando


a porta.

— Como ousa adentrar assim

numa igreja? — o padre falso indagou


de cima do altar.

Vi muitos rostos e reconheci

alguns como sendo dos Rodins, e outros

dos meus homens e dos albaneses.

— Isso não é uma surpresa? —

Eles levantaram suas armas, me fazendo

sorrir.

— Atirem e todos nós

explodiremos. Coloquei alguns C-4

abaixo desses bancos, uma mera faísca e


tudo irá pelos ares. — Sorriu El Diablo.

— Sua única chance é nos

enfrentar mano a mano. — Indiquei El

Diablo e meu irmão. — Eles não vão


lutar contra os traidores dos meus

homens. Eu vou. — Gesticulei para os

outros. — Somos três contra vocês, o

que acham?

Dei mais alguns passos na igreja

vendo cada homem ali, louco para


sangrar todos eles.
— Não aqui, na casa de Deus —

disse Alvares. — Isso é uma

abominação.

— Vou dizer o que é abominação:


você. Um homem que estupra jovens

virgens e as vende, não só mulheres,

mas garotos também. Abominações são

todos aqui dentro, conspirando para o

mal. Então estamos fazendo um favor ao


eliminar a escória da Terra. — Acertei
um homem na cabeça; cambaleou para

trás, e só o sangue sobrou. — Hora da

festa. — Virei-me para os dez dos meus

caras ali. — Vocês são ratos imundos, e

eu vou matar cada um.

Um deles inflou o peito.

— Você não serve para ser líder,

seu pai sempre disse isso e, agora,


posso ver. — O verme me encarava.

— Mais alguém deseja dizer o que


pensa? Podem falar, talvez eu seja

benevolente e os deixe viver. — Era

mentira; todos ali morreriam.

— Você matou o Gael por ter


tocado em sua irmã, quando foi ela quem

o seduziu. Um capo de verdade a teria

levado em praça pública e deixado que

tivesse o castigo que merecia — outro

respondeu.

Quando uma mulher do meu


mundo é pega em adultério, ela é levada
diante da corte. Nosso povo a condena
apedrejando-a. Não só adultério, mas

ficar com homens sem se casar implica


as mesmas consequências.

— Mais alguém? — controlei

minha fúria.

— Sim. Agora você leva uma puta

com uma filha para a sua casa, por quê?

Nossos princípios significam nada para


você? Devemos seguir as leis, casar
com uma mulher honrada e pura, e não

uma meretriz… — Oh, eu o esganaria.

Lancei-me contra ele, acertando suas

costas.

Não entendi bem o que aconteceu,

porque me perdi com a fúria. Ninguém

falava mal de minha irmã e Mia; ela não

era uma vadia, a garota nem chegou a

ser beijada, muito menos a fazer sexo.

Via tudo vermelho; meu sangue


parecia queimar, me sentia sobre brasas.
Deixei escapar a junção de meus
sentimentos conturbados naqueles

traidores fodidos.

Ouvi vozes me chamando, mas

pareciam distantes, então escutei um tiro

não muito longe.

Pisquei, expirando irregular, como

se tivesse lutado demais.

Olhei para baixo: havia um

homem ali, mas sua cabeça estava como


geleia no chão. Chequei ao redor,

enxergando todos mortos, decapitados,

sem membros.

Levantei-me e vi que estava todo


coberto de sangue; isso me fez lembrar

das minhas primeiras mortes, em que me

sujava inteiro. Virei para Rafaelle, de

pé perto da porta, os braços cruzados, a

preocupação vincando a testa. Luca,


Stefano e El Diablo permaneciam
próximos, mas havia mais. Os traidores
estavam mortos, assim como os
albaneses e os Rodins.

Soltei o taco no chão tentando


recuperar o fôlego.

— Merda! Sobrou algum? —

Nunca perdi o controle dessa forma.

— Não, tentei pegar um, mas

quase fui decepado. — Rafaelle me

avaliou.

Sacudi a cabeça vendo a igreja


lotada de corpos e sangue. Eu era isso:

um assassino! Não um homem de

negócios à procura de uma esposa e

filhos — tudo o que Mia desejava e com

o que sonhava.

Eu era um assassino frio e não me

arrependi de ter matado ninguém. Ela

nunca aceitaria a minha forma

verdadeira e, se contasse isso,


certamente a faria ir para longe. Seria
um caminho dolorido, porém correto.
Dei as costas e saí da igreja,
evitando perguntas, pois se alguém as

fizesse, eu não responderia por mim.

— Alessandro…

Virei para o meu irmão. Eu podia

ver os outros na porta da igreja, mas

nenhum deles chegou até onde eu estava.

— Agora não, Rafaelle. Cuide de


tudo aí, preciso de um tempo sozinho.

Vou no seu carro, você pode pegar


carona com Stefano ou Luca. — Ele

assentiu e me entregou a chave. Em

seguida, parti sem rumo.

Não sabia quanto tempo dirigi ou


fiquei andando a esmo. Entardecera.

Tinha ido ao clube para tomar um banho

— não podia ir para casa cheio de

sangue, já que isso a afastaria. Mas

então por que estava hesitando em


revelar a verdade? Sim, eu não queria
que ela partisse, assim como a
princesinha.

Quando cheguei em casa já estava

mais calmo, tinha controlado aquela


fúria que sentia mais cedo. Logo teria de

dar adeus à Mia e Graziela, embora não

estivesse preparado para isso. Jamais

estaria.

Ao parar o carro, eu me deparei

com Luna e Grazi em outro automóvel.


Minha irmã desceu, já a princesa ficou.
— Graziela, amanhã nós voltamos

lá e pegamos. Agora a tia precisa


estudar — disse Luna.

— Mas tia, eu tenho que treinar

hoje. Estou errando um passo e não

posso fazer isso sem a minha sapatilha.

— Graziela suspirou. — Não podemos

ir lá buscar?

Podia notar que Luna hesitava,


pois não negaria nada a ela.
— Deixe que a levo — anunciei

antes de trazer as palavras de volta.

Luna virou na minha direção.

— Você? — Ela não poderia soar

mais chocada. — Tem certeza?

Não tinha, mas queria ir, não

podia deixar a criança sem treinar.

Também precisava ficar perto de algo


bom, assim afastaria toda a porra do

medo. Um que nunca senti antes: medo


de que tanto ela quanto sua mãe fossem

embora.

— Sim. Pode fazer o que precisa,

eu cuido disso — falei.

Ela assentiu e afagou a bochecha

de Graziela.

— Cuide-se, boneca.

— Tia, eu já sou grande para ser

chamada de boneca — disse ela, me


fazendo rir.
Luna também riu e entrou na casa.

— Pode deixar que eu dirijo,


Floriano — alertei ao motorista.

Ele acenou em positivo. Dirigi

rumo ao estúdio de balé onde ela

dançava. Segurei a dor em meu peito ao

entrar em um lugar como aquele, pois


isso trazia muitas lembranças que eu

desejava evitar.

— Alessandro? — chamou
Graziela.

Olhei para a menina no banco de

trás através do retrovisor. Seus olhos

brilhantes estavam nublados.

— Sim, princesa?

— Você está triste? Posso beijá-

lo, assim sua alegria voltará —

assegurou.

Sorri em retorno, e foi verdadeiro.


Não sabia o que ela e sua mãe tinham
que levavam toda a fúria embora, assim

como o medo. Medo. Pensar nessa

palavra nunca foi tão ruim; preferia

enfrentar muitos homens, como fizera

recentemente, do que ficar longe das

duas.

— Não estou triste, só pensativo.

Acho que torcendo para que fique mais

lá em casa. — Não era mentira.

Queria que Mia fosse embora,


mas, ao mesmo tempo, não. O que isso
fazia de mim? Um homem que não sabia
o que sentir? Eu a desejava, só não

garantiria fornecer o que essas duas


mulheres necessitavam: um marido e um

pai. Como fazer para não ser igual ao

meu pai?

Ela sorriu com a minha resposta

— sim, por esse sorriso lindo, eu

poderia fazer qualquer coisa.

— Também não quero ir embora.


Mamãe podia namorar você, e então se

casariam; aí eu seria filha dos dois. —

Ela levantou a mão, mostrando uma

pulseira. — Mamãe me deu afirmando

que ficaríamos sempre juntas. Se você

for marido dela, também terá uma, assim

nunca nos separaríamos.

Arregalei os olhos.

— Eu adoraria ter uma pulseira,

mas acho que ficaria melhor um anel. O


que você pensa? — inquiri.
— Vou procurar o anel para você.

— Ela estava animada com a ideia.

— Que tal escolhermos juntos? —

falei depressa ou logo teria de usar algo


rosa. Isso seria muito estimulante para

meus homens.

— Sim. Quando se casar com a

mamãe um dia, aí nós vamos atrás do


anel. — Suspirou. — Minha mãe é

linda, né? Acho que ela gosta de você.


— Sim, muito. Vocês duas são

deslumbrantes. — Sorri para ela. —


Então está tendo dificuldade em alguns

passos? — sondei, mudando de assunto.


Não queria falar de Mia com uma

criança. — Posso ensinar você.

— Sabe dançar balé? — piscou.

— Vamos pegar sua sapatilha e,

depois, mostrarei uma coisa. Acho que


vai aprender mais.
— Eba! — Sorriu.

Chegamos à academia de dança, e


uma mulher nos atendeu.

— Oi, professora! Eu esqueci

minha sapatilha e não poderia treinar

hoje — Graziela informou à mulher.

— Coloquei em cima do banco,

pode ir lá pegar, querida — a senhora


respondeu. Então me olhou, parecendo

surpresa. — Você é o pai dela? Sua


filha é muito especial, esforçada em

aprender.

Poderia dizer que não, mas as

palavras saíram antes de trazê-las de


volta.

— Sim, sou — concordei.

A mulher comentaria algo, mas

Graziela surgiu com a sapatilha rosa.

— Achei, obrigada! — Tão linda


e educada.
Nos despedimos.

— Agora vamos para casa


ensaiar? — Eu a peguei em meus braços

e a levei para o carro.

Assim que chegamos na mansão,

eu fui ao meu guarda-roupa e busquei as

gravações da minha mãe, de quando ela


dançava ainda criança, da idade da

princesa. Levei Graziela para assistir.

— Essa menina é linda — disse,


admirada.

Sim, seus cabelos eram longos,

mas nos vídeos estavam em um coque, e

ela vestia a mesma roupa que Graziela


usava.

— Kélia amava dançar, assim

como você. Me lembro dela dizendo que

deixava o meu avô doido, pois queria


aprender os passos. E aprendeu. Não

desistiu por nada. — Até se casar,


pensei. Marco acabou com seu sonho.
Ficamos algum tempo assistindo

ao seu giro, à sua dança… Aguentei,

mesmo que cada parte de mim doesse

com a lembrança de sua beleza e força.

Não podia mudar o passado, mas

alteraria o futuro: Graziela seria uma

grande bailarina, se assim quisesse.

— Agora que tal treinar na sala?

— incentivei.

— Adoro você. — Beijou meu


rosto.

Mais uma lasca sendo arrancada

do meu coração; a cada dia, a parede

que ergui se desfazia, não só na minha


cabeça, mas em meu peito também.
Capítulo 11

Mia

Mais cedo, depois que Alessandro


saiu daquele jeito do meu banheiro, eu

fiquei devastada. Tive de me abrir com


ele, pois precisava explicar, já que

nossa situação estava indo para um

patamar que eu logo não conseguiria

controlar.

Acreditava que podia confiar nele

com esse segredo, e gostei da sensação

de ser tocada intimamente. Até pensei

que não me queria, mas era inegável:

estávamos atraídos um pelo outro. Bom,


ou ao menos eu estava, já que ele se
afastou tão bruscamente.
Logo depois a culpa veio, não
culpa, porém, jurei que nunca ficaria

com uma pessoa que não fosse o meu


marido. Passei tantos anos com isso na

cabeça, que a mera ideia de fazer o

contrário me deixava em pânico.

Poderia dizer que ia esperar o

Alessandro, mas ele mesmo falou que

não era homem para mim. Além disso,


eu vi o abismo em seus olhos, a dor
estampada em seu rosto.

Queria que se abrisse comigo, mas

não, ele não parecia se comportar assim.

Eu seria capaz de deixar tudo com que


sonhara em anos só para ficar com ele?

Afinal, ele falou que nunca casaria ou

teria filhos.

Quando ouvi isso saindo de sua


boca, algo dentro de mim se retorceu,

porque desejava um dia ter filhos, e não


só Graziela; desejava alguém que a
amasse e a aceitasse assim como me
aceitava. Mas ele quis dizer aquilo.

— Menina, todo dia um homem

diferente aqui. O que anda fazendo? —

brincou Silvia.

Estava na lanchonete no meu

período de trabalho; não ia ficar em

casa, já que não eram os albaneses que

atacaram, mas alguns inimigos do


namorado de Luna.
Na hora que foi dito que Miguel

era do cartel, eu só quis fugir dali com


minha filha, mas depois de vê-lo junto

com Luna e saber que foi ele que salvou


tanto Graziela como a sua namorada,

enxerguei um lado diferente seu. Talvez

não fosse tudo preto e branco, talvez

toda a organização não fosse

inteiramente ruim como os albaneses. Vi

muita coisa lá e pensei que todas eram


dessa forma.

Olhei para onde Silvia apontou.

Até pensei ser Alessandro, já que não o

via desde cedo, depois que sumiu do


meu quarto. Fiquei surpresa ao

identificar Rafaelle sentado ao lado de

Viper, o segurança que era minha

sombra.

— Deixe-me ver o que ele quer.

— Saí em direção à mesa deles. —


Posso trazer algo a você?
Os olhos azuis de Rafaelle

pousaram em mim. Ele me avaliou por

um segundo, não com interesse — até

Stefano parou de dar em cima, isto foi

um alívio.

— Viper, pode ir. Eu tomarei

conta de agora em diante — ordenou.

Viper não disse nada. Só elevou o


queixo para mim e saiu.

— Até mais tarde. — Eu gostava


dos seguranças; eles eram legais.

A ponto de sondar o que estava

acontecendo, ele falou antes:

— Vai demorar a sair?

Precisamos conversar. — Entrei em

pânico. Ele pareceu ler minha

expressão. — Acalme-se, mulher, sua

filha está bem e segura. Não é sobre


isso.

Franzi a testa.
— Então o que é?

— Depois me traga um café sem


açúcar — pediu ele, dispensando-me.

Não insisti, mas fiquei aliviada

em saber que Graziela estava bem.

Entretanto, permaneci curiosa com o

motivo da conversa; deveria ser algo


sério para ter dispensado o seu homem e

ficado no lugar.

Na próxima meia hora as coisas se


tornaram lentas demais, mas Rafaelle

esperou paciente. Esse homem parecia

muito calmo e calado para o meu gosto.

Assim que me troquei, eu fui até


ele.

— Terminei. Agora me diga: o

que houve? Eles apareceram? —

Amedrontei-me.

Suspirou.

— Você precisa controlar a sua


ansiedade, porque notei que quase

quebrou dois copos e deixou um prato

cair. — Ficou de pé na minha frente.

Estreitei meus olhos. Como ele


notou isso se não olhava em minha

direção? Rafaelle era alto, acho que

com um metro e oitenta e nove, mais ou

menos.

Eu o segui até um Maserati prata e

me sentei ao seu lado.


— Você não esconde muito bem

as suas emoções quando está


impaciente. — Seus olhos estavam em

minhas mãos. Eu as mexia num gesto


nervoso.

— Não ligo para as minhas

emoções. — De súbito, uma nova

preocupação me atingiu. — Aconteceu

algo com o Alessandro? É por isso que


está aqui!?
Ele me avaliou, parecendo

esquecer-se da estrada.

— Está realmente preocupada

com ele. — Não parecia uma pergunta.

O homem era bom em ler as

pessoas, ou talvez estivesse evidente em

minha expressão.

— Claro que estou! Por favor, me


diga que ele está bem. — Peguei seu

braço.
Seus olhos foram para onde eu

segurava, então o soltei. Depois, andou


alguns minutos em silêncio. Eu já estava

perdendo minha paciência por sua falta


de resposta.

Ele parou o carro e virou a cabeça

em minha direção de novo.

— O que você fez com o meu

irmão? — Tinha algo indecifrável em


seu tom.
— Não fiz nada. O que

Alessandro disse? — Não acreditava


que ele fosse algum fofoqueiro para sair

por aí contando o que conversamos.


Além disso, eu pedi que não revelasse.

— Nada, esse é o problema. Nós

somos unidos, não temos segredos um

do outro. E mais, meu irmão é sempre

frio, calmo, ninguém o tira do sério, mas


hoje? Parecia uma bomba-relógio, o que
ele fez… — Sacudiu a cabeça, como se

para espantar os pensamentos

desagradáveis.

— O que ele fez de tão ruim


assim? — Eu temia que Alessandro

houvesse entrado em encrenca.

Sacudiu a cabeça.

— Não importa. Mas a forma que

estava reagindo… Eu preciso saber o

que aconteceu, ou vai ficar difícil ajudá-


lo. — Ele parecia legitimamente

preocupado com o irmão.

— Só contei a verdade… —

Encolhi-me pensando em como


Alessandro saiu do banheiro de manhã.

— O quê? Sei que vocês estão

atraídos um pelo outro, só um cego não

vê isso. Mas o que o levou a perder o


controle dessa maneira?

Estava curiosa para saber o que


Alessandro fizera, mas Rafaelle não

parecia querer me contar.

Evitei corar enquanto contava a

ele sobre o que conversei com seu


irmão. Claro que deixei de lado a parte

em que Alessandro me tocou, só disse

que as coisas esquentaram, então eu saí

correndo e chorando.

— Por que chorou? — indagou,

confuso. — Alguém chegou a tocá-la à


força na máfia albanesa? Por isso reagiu
assim? Explicaria muita coisa. —
Parecia falar consigo mesmo.

— Não. Ninguém me tocou, mas…

— Não sabia se podia confiar nele

igualmente, entretanto, ele disse que os

dois não tinham segredos entre si.

Acreditei que Alessandro só não contou

porque eu pedi.

Não falei o que senti ao pensar


que Alessandro se afastou após ter me
tocado, então contei sobre a promessa

que fiz a mim mesma de ficar apenas

com meu marido um dia, e também sobre

Graziela e sua origem. Depois as

últimas palavras do seu irmão antes que

saísse aquela manhã.

— Entendo. — Sua voz era baixa

ao agarrar o volante. — Vou lhe revelar

algo. Espero que entenda suas razões e


não o deixe se afastar.

— Se ele quer se afastar, é porque


não sente nada. Suas palavras foram
diretas quando afirmou não ser homem

para casar ou ter filhos. Eu não sei se


posso desistir de tudo o que sonhei só

para estar com Alessandro — sussurrei.

Claro que não queria isso agora,

afinal, nem o conhecia há muito. Mas um

dia ia querer e, se ficasse próxima dele,

poderia me apaixonar, e isto seria meu


fim.
— Nosso pai não era um homem

bom. Obrigou meu irmão a fazer coisas


com que você nunca sonharia. Mas o que

estou tentando dizer é que Alessandro se


acha um monstro como nosso pai, e

pensa que não merece alguém como

você e sua irmã…

— Filha — destaquei. — Não

importa como ela foi gerada, é assim


que me sinto em relação a ela.
— Sim, eu sei, desculpe. Meu

irmão pensa que não é bom o bastante


para ser abençoado com você e sua

filha. A forma que olha para as duas…


Eu sinto que Alessandro as quer, mas

luta contra. — Ele pegou uma mexa de

cabelo e colocou atrás da minha orelha,

logo se afastou. — Só tome conta dele, e

por mais que sua escuridão seja intensa,

não o deixe a empurrar para longe.


Gostei do carinho direcionado a

seu irmão; parecia amá-lo muito.

— Vou tentar, apesar de não saber

se conseguirei. Para eu poder ajudá-lo,

ele precisa me deixar entrar, e sinto que

guarda algo de mim. Assim fica

difícil…

— Se ele o faz é para protegê-la.

Mas, eventualmente, acredito que


contará. — Ligou o carro e já ia dirigir
para partirmos. — Agora vamos, ou

Alessandro vai perguntar o que se passa.

E Mia? — chamou, olhando em minha

direção. — Vamos deixar esta conversa

aqui, até a hora certa. Esperar que tudo

se desenrole com o meu irmão e outras

coisas.

Assenti. Não era um segredo tão

grande assim para ser considerado


traição não contar ao Alessandro.
Apenas um pedido de um irmão
desesperado para ajudar o outro.

— Também espero que não conte

sobre a Graziela para ninguém. Há uma


coisa que me esqueci de dizer ao

Alessandro. Eu não revelei que ela é

filha de Skender. Ele estuprou a minha

mãe e a engravidou, não quero que ela

saiba disso. — Não gostava de pensar

sobre o assunto, pois a dor que mamãe


sentiu deve ter sido muita.
— Não direi nada. Pode ficar

tranquila. — Havia um juramento ali. —


Gosto daquela garotinha, com ela lá em

casa parece que o ambiente ficou vivo


de novo.

Sorri, apreciando seu carinho por

Graziela. Ela era uma menina que

iluminava todos os lugares em que

passava. Eu jamais iria assombrá-la


com coisas de que não precisava saber.
— Antes de irmos embora, você

pode me levar na escola de balé?


Preciso assinar o pagamento e checar a

apresentação que Graziela terá em


algumas semanas — pedi.

Concordou e virou para uma rua,

seguindo minhas instruções. Mas claro

que ele sabia onde era, o seu segurança

ia ali direto para nos acompanhar


sempre que eu levava Graziela. Mais
cedo, quem a buscara para mim fora

Luna.

— A princesa vai dançar em um

palco? — Sua voz tinha um tom quase


doce ao falar de Graziela.

— Sim, ela está muito animada,

não fala em outra coisa. — Meu coração

batia com orgulho imenso da minha


filha.

Desde quando comecei a fugir,


não pensei que encontraria pessoas

como esses irmãos Morelli, em especial

Luna, uma garota que me recebeu em seu

lugar.

Não sabia como agradecer a todos

eles. Enviavam seus seguranças para nos

darem proteção, não só a mim, mas à

minha filha também.

Assim que chegamos, eu paguei a

mensalidade e chequei sobre a


apresentação.
— No final da performance, as

crianças lerão o poema que fizeram para

o Dia dos Pais. Sua filha parece

animada por isso — informou a

professora de dança. — Ela é uma

menina tão doce e linda. Acredito que o

pai dela ficará emocionado, ele é um

homem que parece amar muito a filha.

Gelei ao ouvir que alguém


apareceu ali fingindo ser o pai de
Graziela.

— Conheceu o pai dela? —

sondou Rafaelle, segurando o meu

braço, como se me pedisse para


controlar minhas emoções. Ele reclamou

disso antes, mas não era tão controlada

quanto ele.

A mulher sorriu, não notando a


minha tensão.

— Claro. A Graziela esqueceu a


sapatilha, então o pai a trouxe aqui para

pegar. Eles saíram há pouco tempo. —

Sorriu para mim e Rafaelle. — Você se

parece com ele, moço, com toda a

certeza devem ser parentes. Só mudam

os olhos, os dele são verdes.

Alessandro estivera ali com

Graziela? Esse gesto tocou fundo meu

peito. Se ele não queria filhos, por que a


tratava tão bem? Podia ter pedido a
outra pessoa para buscar, mas viera
pessoalmente.

Voltamos para o carro.

— Acho que tem mais no seu

irmão do que ele deixa transparecer —

sussurrei.

— Meu irmão é bom em afastar as

pessoas quando quer, mas se deixa

alguém entrar, não há nada que as tire

dele. Nem mesmo ele próprio. — Usava


um tom quase melancólico, como se
tivesse presenciado algo do gênero.

Eu também era assim. Não me

lembrava de alguma vez ter tido uma

amiga de verdade ou alguém que se


preocupasse comigo além de minha mãe,

e agora Graziela. Nesse tempo foragida,

fiquei longe de pessoas que um dia

poderiam ser amigos, mas ali estava eu

com conhecidos que, se eu deixasse, se


transformariam em minha família.

Assim que Rafaelle parou o carro,


eu saí louca querendo abraçar a minha
filha e torcendo para ver Alessandro;

seu veículo estava estacionado, então


deveria estar ali.

Entramos, mas travei no hall com

a cena diante de mim. Rafaelle seguiu o

meu exemplo, parando e fixando os

olhos na sala.

Alessandro estava de pé acenando


com a mão para que Graziela fizesse um
giro nas pontas da sapatilha.

— Isso, pequena graça. Agora

vamos! Você foi excepcional. — Sua

voz era tão macia como nunca tinha


ouvido antes.

Graziela sorriu, orgulhosa, e fez

de novo, mas dessa vez caiu.

— E se eu não conseguir? Se eu

cair na apresentação? — Temia.

Estava a ponto de ir lá para ajudar


minha filha, mas Alessandro foi mais

rápido.

— Minha princesa, você é uma

menina forte como a sua mãe, não é de


desistir fácil. Se cair, levante-se e siga

em frente. Se esforce para fazer o que

gosta. — Tocou sua cabeça. — Nunca

devemos ter medo daquilo que queremos

de verdade, devemos lutar.

Ele deveria seguir esse exemplo,


pensei.
Graziela se levantou e pulou em

seus braços. Ele a ergueu do chão.

— Sua barba faz cócegas. — Riu,

sacudindo a cabeça, e tocou o rosto


dele. — Obrigada. Vai à minha

apresentação? No final, eu quero ler

algo para você.

— Para mim? — Engrossou a voz.

Meu coração balançou por dentro

com esse gesto dela, apesar de ter


notado que tinha algo no balé que trazia

dor ao Alessandro. Acho que sua mãe

era bailarina ou queria ter sido.

— Sim, é o Dia dos Pais. Como


não tenho um, eu escrevi para você. —

Ela parecia tão ansiosa que prendi a

respiração, torcendo para que

Alessandro não quebrasse o coração da

minha filha.

— Por que eu? — Ele se


recuperou do choque.
Estava de costas, então não pude

ler sua expressão.

— Você é bom comigo e gosta da

minha mãe. Acho que podiam se casar, e


então eu seria filha dos dois. — Seus

olhos brilharam.

Segurei a respiração esperando a

resposta dele; se ele negasse isso a ela,


eu o fritaria como um peixe. Claro que

não precisaria ser real, apenas para não


magoar os seus sentimentos.

Rafaelle segurou meu braço, acho

que para me acalmar, assim pensei.

— Adoraria isso, princesa —

respondeu por fim. Nesse momento, eu

quis saber o que ele pensava.

Graziela gritou e beijou seu rosto.

— Oba! Eu não vejo a hora de

mamãe chegar para dizer a ela. — Sua


alegria acelerou meu coração.
Poderia beijar Alessandro só por

ter trazido essa alegria à minha filhota.

— Acabei de chegar. Do que se

trata essa gritaria? — sondei, fingindo

não ter ouvido nada e segurando minhas

emoções e minha vontade de abraçar o

Alessandro.

Suas costas ficaram rígidas, e ele

se virou em nossa direção, colocando


Graziela no chão. Ela correu para mim
com toda a sua alegria.

— Mamãe! — Ser chamada assim

aquecia meu peito, minha alma.

Os olhos dele foram de mim para

o seu irmão, depois para a mão de

Rafaelle em meu braço. Algo perigoso

cintilou ali, mas Rafaelle me soltou e

entrou, indo até seu irmão. Em seguida,


disse algo baixo a ele, que eu não pude

ouvir.
Graziela tagarelava sobre o que

tinha feito com o Alessandro. Relatou


que tomou sorvete de chocolate dado

pelo cara, e que foram buscar a


sapatilha juntos. Disse também que ele a

ensinou a fazer alguns movimentos.

— Querida, por que não sobe e

toma um banho? Amanhã você treina

mais — pedi.

Ela me beijou e foi até


Alessandro, que se abaixou para que ela

fizesse o mesmo com ele.

— Amo vocês dois — disse. A

Rafaelle, que subia a escada, reiterou:


— E você também, tio Rafa.

Rafaelle riu.

— Tio Rafa, hein? — Pegou-a

sobre os ombros e a levou para o andar

de cima, fazendo com que gritasse.

— Tio Rafa, eu sou uma menina


grande para ser levantada assim!

Sacudi a cabeça e me virei para

Alessandro, que estava ali olhando a

escada também, mas logo se voltou a


mim.

— Obrigada por isso. — Cheguei

perto dele e toquei seu braço com os

olhos nos seus.

— Não fiz nada, eu só não… —

Afastou-se do meu toque. Algo em meu


peito apertou forte.

Então me lembrei do que Rafaelle

disse, que não era para deixá-lo me

afastar.

— Não importa, eu agradeço. E

quando quiser conversar ou se abrir,

seja qual for o motivo de seu tormento,

eu estarei aqui. — Toquei seu coração


por um segundo.

Ele riu, amargo.


— Não vai querer saber, é intenso

demais. Você correria sem olhar para


trás. — Saiu da sala, me deixando

chocada.

Certo. Eu sabia que ele achava

que não teria redenção, como o pai dele.

Mas Alessandro não era assim; esse

homem era excepcional, me protegeu e

ainda o fazia.

Deixaria para falar com ele


quando estivesse mais calmo. Mesmo

sua raiva não me faria desistir de nós,

não depois de ver como agia com

Graziela. Alessandro gostava dela, e eu

sentia que de mim também, mas estava

lutando contra isso com unhas e dentes.

Naquela noite, estava quase


caindo no sono quando senti a cama se
movendo; o pânico me tomou e eu estava

a ponto de gritar, mas uma mão cobriu

minha boca, me fazendo lutar.

— Sou eu, não grite. Eu não vou


tocá-la — Alessandro sussurrou em meu

ouvido. — Só preciso ficar aqui.

Ele tirou a mão da minha boca e

se deitou ao meu lado, se afastando, mas


ainda segurando minha mão.

Meu coração se aqueceu ao ouvir


o seu tom quase desesperado.

— Alessandro…

— Não diga nada. — Beijou

minha testa e relaxou no travesseiro. —

Só precisava sentir seu cheiro.

Ele parecia tão cansado que

relaxei, ou tentei; dormir ao lado dele

não ajudaria a aliviar o meu coração. Eu

queria tocá-lo ainda mais, contudo, não

estava pronta.
Capítulo 12

Mia

Completaram-se cinco dias de

Alessandro vindo para a minha cama


sem falar nada; ele entrava, deitava e
dormia. Às vezes, eu ficava ali só

olhando, mas o sono chegava e eu

acabava desistindo. Na manhã seguinte,

ao acordar, ele já não estava mais ao

meu lado. Eu não sabia em que horário

da noite ele ia embora, até tentava

permanecer acordada para ver, sem

êxito.

A cada dia e a cada gesto esse


homem adentrava mais em minha pele.

Com as pequenas coisas como, por


exemplo, receber as flores de Graziela,

e até as grandes como ir ao estúdio de


balé para pegar uma sapatilha.

Entretanto, ele dormia comigo e,

durante o dia, não nos falávamos. Eu até

deixei que tivesse seu momento e ficasse


sozinho por um tempo, mas já estava me

cansando disso. Eu precisava tomar uma

atitude: decidir se lutaria por ele ou o

deixaria ir de vez.
— Madson ou Mia? O que

prefere? — sondou Luna, sorrindo ao


entrar na lanchonete em que eu

trabalhava.

Eu tinha contado a ela meu nome

verdadeiro. Só eles sabiam, pois

confiava que guardariam o segredo.

— Madson. Alguém poderia ouvir

você me chamando de Mia, e não estou a


fim de trazer problemas à sua família.
— Era a minha hora de almoço, então

comia meu sanduíche.

— Verdade, Miguel me disse que

estão tentando negociar sobre a sua


situação. — Suspirou.

Engasguei-me com o alimento e

bebi um gole do refrigerante para

descer.

— Como assim negociar? — Meu

tom saiu mais alto. Baixei o volume: —


Esse homem é louco? Não quero que o

chefe da máfia venha para cá e nem que

saiba que estou vivendo nesta cidade.

Vou ter que ir…

Ela me cortou:

— Relaxe, este território pertence

ao Miguel. — Eu a vi corar, não soube

dizer se era por falar do namorado. —


Nenhum mafioso albanês entra sem a

autorização dele. Tentar negociar


poderá ajudar você a ficar livre e fazer
o que sonha. Aliás, o que mais deseja?

Além da liberdade? O seu irmão,

pensei. Mas o que disse foi:

— Não sei, passei tanto tempo


fugindo que não pensei no futuro a longo

prazo. Acho que voltar para a escola e

fazer faculdade, me formar em algo.

Gosto da ideia de me tornar uma

professora, porque adoro crianças. —


Franzi os lábios. — Me casar está na
lista; ser uma esposa e mãe de mais

filhos.

— Talvez se case com o meu

irmão. Ele tem aquele jeito frio, mas é


um amor de pessoa. Também entendo

que sua proteção é um pouco demais,

mas é o melhor para nós. — Seus olhos

foram para Viper, meu guarda-costas, e

para um cara chamado Sage, o seu.

— Casar com Alessandro? Será


um pouco difícil, para não dizer
impossível. Ele é complicado, me
empurra toda vez que tento conversar —

murmurei.

— Vejo quando ele sai do seu

quarto de madrugada e vai para o dele.

Ele fica lá olhando para a sua porta,

como se não quisesse a deixar. —

Tomou um gole de sua bebida.

Franzi a testa.

— Como sabe sobre isso? Não


era para estar dormindo a essa hora da

madrugada? — indaguei, curiosa.

Comecei a reparar que seus olhos

traziam orelheiras fundas.

Ela se encolheu.

— Não estou dormindo muito

ultimamente, depois do incêndio e…

— Ele nunca me explicou o que

realmente aconteceu naquela noite, só

que vocês foram atacadas e que


conseguiram fugir. Vou lhe dever por

toda a minha vida. — Era verdade, não

havia nada que eu pudesse fazer além de

ser grata.

— Eu estava dormindo quando

meu telefone tocou. Bem nessa hora,

ouvi passos na sala e um clarão.

Levantei-me depressa e fui para o quarto

da Graziela, mas antes que chegasse lá


um homem me atacou, me jogando no
chão… Com seu corpo sobre o meu e
suas mãos… — Estremeceu, fechando
os olhos por um segundo.

— Oh, Deus! Esse homem…

Sacudiu a cabeça, me fitando.

— Não chegou a fazer nada, mas o

medo era tão grande que nem consegui

gritar. Então Miguel apareceu… —

Respirou fundo. — Enquanto ele lidava

com o cara, eu corri e peguei a Graziela.


Ela acordou confusa, e eu só disse que a
casa estava em chamas.

— O que Miguel fez? Não que eu

me importe, pois por mim que o cara

fosse jogado nas chamas — falei com o


coração doendo por Luna ter passado

por isso. — Lamento pelo que houve,

sempre que não conseguir dormir pode

ir para o meu quarto.

Ela concordou.

— Agora entendo o que minha


irmã sentiu quando o meu pai mandou

um dos seus homens tocá-la. O que Jade

deve ter passado… Esse mal encostou

em mim, e já não consigo tirar aquelas

mãos repugnantes da minha cabeça. Por

mais que eu tome banho, ainda pareço

senti-las — sussurrou.

Arregalei os olhos.

— Seu pai fez o quê? — Fervi. —

É por culpa dele que Alessandro é desse


jeito? Se estivesse vivo, eu acabaria
com o maldito.

— Sim, Marco era horrível. Ele

não gostava de nós, apenas por sermos

mulheres. — O asco era evidente em sua

voz.

— Se não melhorar dos pesadelos

e da insônia, talvez você precise buscar

ajuda…

— Miguel me auxilia. É só ao seu

lado que consigo dormir direito, mas ele


voltou para Dallas. — Entristeceu-se.

— Quando está longe, eu pioro. —

Vendo minha preocupação, pôs um

sorriso no rosto. — Mas prometo que,

se continuar, eu procuro algum

especialista.

Esperava mesmo. Eu sabia o que

um trauma podia causar por dentro. Vivi

assim por muitos anos.

— Jura? Não deixe que se agrave


muito — pedi, esperando que ouvisse.
— Não vou, mas não conte nada a

nenhum dos meus irmãos. Eu pedi o

mesmo a Miguel. — Comeu seu

sanduíche. — Voltando ao assunto

anterior, sobre o meu irmão saindo do

seu quarto…

— Nada acontece. Ele só aparece

lá, se deita, fica em silêncio e nem me

deixa falar. Foi sua rotina durante essa


semana. E ele também faz isto —
coloquei meus dedos em sua testa e seu

coração — toda noite. Alessandro me

deixa confusa. — Enxerguei-o repetindo

o gesto com a Jade certa vez. Também

com a Graziela, sempre que ela dizia

que o amava.

Luna colocou a mão na boca,

parecendo querer chorar ou gritar.

— O que foi? — sondei com o

cenho franzido.
— Isso significa que meu irmão

gosta de você. Alessandro não expressa


o que sente como nós, com palavras. No

começo era frustrante, pois tanto eu


quanto Jade dizíamos amá-lo, e ele não

falava de volta. Quando eu tinha uns sete

ou oito anos, pedi que se ele sentisse o

mesmo, era para demonstrar em um

gesto. — Limpou os olhos úmidos. —

Ele tocou com um dedo em meu coração,


e com o outro na minha testa. Desde

então, fazemos isso sempre.

— É um sinal bonito — falei,

embora não acreditasse que me amava,


só que havia uma atração recíproca.

Conferi o horário. — Passei dois

minutos do meu intervalo. E você

precisa ir para a aula.

— Adoro ser sua amiga, mas vou

gostar mais se for a minha cunhada. —


Piscou, se levantando com um sorriso.
— Não conte muito com isso. Para

lidar com o seu irmão, é preciso ter a

paciência de um santo. — Dei uma

risadinha.

— Você tem o suficiente. Além do

pulso firme, que não a permite ser

levada pelo jeito mandão dele. —

Sorriu novamente. — Seja como for, eu

espero que tudo dê certo.

Revirei os olhos e retomei o


trabalho, não querendo pensar em

Alessandro. No fundo, eu não conseguia

ignorar e acabava voltando minha mente

ao seu modo frio e, paradoxalmente, seu

coração imenso.

Tão logo meu expediente acabou,

retornei à mansão no intuito de chamar

Alessandro para conversar, sem essa de

interrupções e desculpas, saindo assim


que eu entrasse em determinado lugar.

Stefano estava na sala falando


com alguém ao telefone; parecia
alterado.

— Descubra onde ele está ou juro

que vou fazer serventia do meu novo

treino — rugiu.

Estremeci, porque nunca o tinha

visto nesse estado. Era sempre um rapaz

muito carismático e legal. Miguel

também se encontrava na sala, mas não


avistei Rafaelle, Alessandro e Luna.
— Algum problema? —

questionei, preocupada.

Ele desligou e me encarou. Antes

que respondesse alguma coisa,

Alessandro surgiu como uma

tempestade, quase derrubando tudo com

a sua fúria. Certo, eu já o vira com

raiva, mas não como naquele momento;

parecia um tornado que, por onde


passava, acumulava destroços.
— Onde Rafaelle está? — Sua

voz soava diferente e, a expressão, era


letal. Como se não fosse aquele homem

que houvesse dormido na minha cama


nas noites anteriores.

— Alessandro, não é…

— Estou aqui, mas não…

Tal Stefano, Alessandro não


deixou o irmão do meio falar. Só se

lançou sobre ele, derrubou-o de costas


no chão e levantou a mão direita. Ia

lançar o punho depositando toda a sua

força ali.

Pisquei, chocada demais e travada


no lugar, incapaz de gritar, porque se ele

desse aquele soco machucaria o seu

irmão. E como Rafaelle disse: eles dois

não tinham segredos, Alessandro

confiava muito no garoto. Não entendi…


Por que atacar Rafaelle então? Irmãos
não deviam brigar, nunca! Ainda mais
dessa forma.

As costas de Alessandro estavam

tensas; eu tinha de ser rápida. Stefano


amaldiçoou do meu lado. Miguel

praguejou. Fui para tentar impedi-lo,

mas Rafaelle colocou a mão em seu

coração. Esse toque pareceu trazer

Alessandro de onde sua mente se

situava. Ele socou o chão tão forte que


fiquei em dúvida se seus dedos não
haviam quebrado.

Rafaelle nem piscou. Já

Alessandro respirava com dificuldade,

como se corresse bastante e, de repente,


ficasse sem ar devido ao esforço.

Saí do meu transe e fui até ele.

— Você ficou doido? — rosnei.

— Está querendo machucar seu irmão?

Alessandro piscou ao se dar conta


da minha presença.
Virou a cabeça olhando para mim

e, em seguida, se levantou. Rafaelle fez


o mesmo, embora o sentisse encolhido,

acho que pela pancada forte que


recebeu.

Voltei-me a Rafaelle.

— Você está bem? Precisa de um


médico? — Caminhava até ele, mas um

Alessandro mortal entrou na frente. —


Qual é o seu problema?
— O que foi? Anda querendo ser

fodida pelos dois? — Estava esquisito,


bem mais gélido do que quando o

conheci.

— Alessandro, não é…

— Fique fora disso, Rafaelle —

alertou.

Digeri com lentidão suas palavras.


Ao penetrarem em meu cérebro, foi

como se eu levasse um soco.


— O quê? — Pensei talvez ter

ouvido errado. Ele não diria aquilo.

— Você me contou que gostaria

de esperar até seu casamento para

transar, mas anda querendo ir para a

cama com o meu irmão, porra! —

esbravejou, me fazendo dar um passo

para trás, pela primeira vez temendo o

homem diante de mim.

Nunca aceitei cantadas de


Rafaelle. Aliás, ele jamais foi

despeitoso ou mostrou interesse em

mim. Só Stefano o fez no começo, mas

acabou desistindo depois que passei a

morar ali.

— Aqui. — Jogou algumas fotos

na minha direção, que bateram em meu

peito e caíram no chão.

Nelas, eu aparecia com Rafaelle

no carro dele, no dia em que foi me


buscar no serviço e conversamos sobre
Alessandro. A câmera pegou um ângulo
no qual parecíamos nos acariciar (ou

quase). Até tinha uma em que Rafaelle


colocava uma mecha de cabelo atrás da

minha orelha — um gesto sem interesse.

Levantei a cabeça para um

Alessandro furioso. Eu poderia me

solidarizar com seu ciúme, mas suas

palavras me cortaram fundo, pior que


uma faca. Como ele podia imaginar que
eu seria capaz de uma coisa dessas?

— Então você recebeu essas fotos

e, em vez de vir pedir uma explicação

como uma pessoa normal faria, chegou


furioso, atacou o seu irmão e me chamou

de vagabunda? — Cerrei meus dentes.

— Você é um idiota! E não sei por que

razão se importa se eu fico com alguém.

— Não é um alguém qualquer. É o

meu irmão! — sibilou.


Estava ferida e magoada, mas

também puta da vida por sua falta de


confiança. Nem vi a hora em que

levantei a mão e lasquei uma bofetada


no seu rosto, que chegou a virar.

Alessandro me fulminou e segurou

meus braços, me trazendo para perto de

si. O verde dos seus olhos vazios

escureceu.

— Nunca mais faça isso! — Seu


tom era de dar calafrios na espinha, mas

não deixaria me colocar medo.

— O que vai fazer? Me bater?

Então bata, porra! — esbravejei em seu


rosto. Talvez eu devesse temê-lo, mas

estava irada demais.

Ele ficou me olhando por um

segundo, tentando normalizar sua


respiração, mas encontrava

dificuldades.
Logo quando pensei que poderia

dar uma chance a nós. Por ele, até


considerei desistir de algo com que

tanto sonhava.

Sentia os olhares de todos em nós,

mas não liguei para ninguém.

Dei um safanão em suas mãos e


saí do seu domínio. Acredito que só

consegui porque ele permitiu, não teria


força para lidar com um homem do seu
porte físico.

— Hoje você extrapolou todos os

limites. — Fulminei-o. — Não veio até

mim para perguntar, só chegou me


acusando de querer o seu irmão. Quer

saber? Vá se foder, seu imbecil.

Ele deu uma risada mortal.

— Farei isso agora mesmo. Vou

foder cada mulher que eu quiser; você

perdeu a sua chance de conseguir algo


comigo. — A fúria dominava o seu

rosto.

— Por mim, que transe com todas.

Estou indo embora agora e não o verei


nunca mais — bradei.

— Você não vai sair daqui… —

começou a ordenar, mas eu o cortei com

a voz afiada:

— Ninguém manda em mim,

Alessandro. Você não passa de um


estúpido. Não quero e não vou ficar

nesta casa nem um dia a mais.

— Fique na minha até tudo esfriar

— sugeriu Miguel, trocando um olhar


com Alessandro. — Pode confiar, ela

estará segura comigo. Luna pode ir

também. Vocês precisam de um tempo

para se acalmar antes de dizerem mais

palavras de que se arrependerão.

É tarde para isso, pensei.


Contudo, não fiquei para saber sua
opinião; fui pegar minha filha para sair
dali logo, o quanto antes melhor. Quem

ele achava que era para me ofender?

— Bastardo idiota — murmurei

antes de entrar no quarto de Graziela.

Sacudi a cabeça, ignorando a

sensação em meu coração, tanto por ele

ir procurar outras mulheres quanto por

me acusar de algo. Eu poderia dizer que


faria o mesmo, mas Alessandro quase
matou o irmão, então como agiria com

outra pessoa?

Se fosse embora, temia ser

encontrada não só pelos albaneses, mas


também por esses tais Rodins. Aceitaria

a oferta de Miguel, afinal, era ele quem

me protegia mesmo.

Não dava para continuar na casa


daquele bosta. Nossa situação se tornara

insustentável. Era hora de partir; a


despeito de, no fundo, eu não querer,
precisava fazê-lo. Deixar todos eles
significaria arrancar uma lasca de meu

coração, mas se ficasse seria pior, pois


não conseguiria me reerguer de novo, a

queda seria mortal.


Capítulo 13

Mia

Eu estava na casa de Miguel há


dois dias. No início fiquei com raiva,

não querendo ver Alessandro nem


pintado de ouro, mas conforme o tempo

passou comecei a me sentir magoada por

não me procurar para ao menos saber

como eu estava. Amanhecera decidida a

focar em minha filha. Sempre fomos só

nós duas, por que iria querer aquele

idiota?

Uma coisa cortava o meu coração:

Graziela sentia falta dele.

— Mamãe, por que Alessandro


não vem aqui? Ele disse que seria o meu
pai, e os pais visitam os filhos, não é?
— Como eu responderia a isso?

Até esqueci o que eu sentia,

porque sabia que ele estava com

mulheres, deixou claro que o faria;

Alessandro não parecia ser um homem

que falava por falar.

Por que essa pontada aguda surgia

em meu peito sempre que pensava nele


tocando em outra? Era ciúme, tal ele
sentiu comigo ao pensar que eu estava

com seu irmão? Se fosse, o que eu faria

a respeito? Não podia amá-lo, esse

homem acarretava muita complicação

para mim.

— Alessandro está passando por

um momento difícil, mas virá visitar

você amanhã, eu prometo. — Faria com

que isso acontecesse.

Por minha filha, eu seria capaz de


tudo, inclusive ir até ele. Tentei ligar
algumas vezes, mas não atendeu. Então
deixei um recado em seu telefone: “Sei

que você não quer saber de mim, mas


venha ver a Graziela, pois ela sente sua

falta. Eu juro que se não aparecer aqui

amanhã, eu irei para os Estados Unidos

com o Miguel. Não vou permitir que

minha filha se apegue mais a você se vai

ficar longe dela”.

Eu só precisava lidar com as


coisas que pudessem nos colocar em

perigo — não só a nós duas, mas a toda

essa família também. A raiva de

Alessandro não anulava o que ele e seus

irmãos fizeram por mim.

Bati à porta do escritório de

Miguel.

— Entre — falou.

Eu o vi sentado sem expressão,

com a barba por fazer, os cabelos lisos


e as inúmeras tatuagens em seus braços

e pescoço. Como Alessandro, ele me

avaliava com atenção.

— Madson. Ou eu posso a chamar


de Mia? — perguntou, ajeitando-se e

gesticulando para a cadeira à frente da

sua. — Sente-se e diga o que precisa.

— Me chame de Mia, já que sei


que vocês não vão me entregar aos

mafiosos, afinal, estão me protegendo.


Nunca poderei agradecer o suficiente
por isso. — Suspirei. — Luna me disse
que você fica mais em Dallas, não é?

Seus olhos se estreitaram

— Sim, por quê?

— Você me levaria junto para lá?

Eu não consigo mais ficar aqui. —

Ignorei a pontada que senti em meu

coração com a ideia de partir.

— Isso é por causa do

Alessandro? Sei que ele é complicado,


mas não desista. Pensei que você fosse

diferente. — Curvou-se para a frente. —

Achei que fosse forte.

Fiz uma careta.

— Eu sou, mas ele disse coisas…

— Sacudi a cabeça, não querendo

lembrar. — E o pior é que nem veio se

desculpar…

Miguel suspirou.

— Alessandro é complicado. Ele


se arrependeu de ter dito o que disse a

você; as coisas que a magoaram. —

Encostou-se na cadeira. — Vou lhe

contar algo, mas espero que não saia

daqui.

Assenti, curiosa, desejando saber

o que se passou com ele e o que

Alessandro tinha a ver com isso.

— Há alguns anos, eu estava em

Londres, procurando minha irmã que


tinha sido sequestrada quando bebê. Na
época era pequeno, mas nunca desisti
dela, nem a minha mãe, porém ela

morreu antes de encontrá-la. Meu pai


era influente, poderoso, mas não se

importava o bastante para mover uma

palha. — Endureceu. — Fui embora ao

completar idade suficiente para isso.

Estava com fome e precisava de

dinheiro para conseguir localizar minha


irmã, contudo, não arranjava trabalho.
Seu olhar era vazio ao relembrar

sua história de vida.

— O que houve? Encontrou sua

irmã? — perguntei, esperando ouvir um

retorno positivo.

— Sim, mas antes precisei passar

por muita coisa. Numa noite cheguei à


pessoa que queria; me aproximei do seu

carro chique em uma boate, mas o dono


dele me pegou, pois pensou que eu
pretendia roubá-lo. Nós discutimos, não

sei o que houve ao certo, caí e um ferro

entrou em mim. — Respirou fundo.

Arregalei os olhos.

— Com quem discutia? — sondei,

antecipando a resposta.

— Alessandro. Eu já tinha tentado

encontrá-lo antes, mas seja como for, ele

me levou ao hospital e cuidou de mim

enquanto estive lá. Queria sua ajuda


para entrar no cartel, mas ele me

afastava sempre que o procurava.

Pisquei.

— Por que ele o ajudaria com

isso? Alessandro não é apenas dono de

boates? — Minha voz saiu mais alta do

que o normal.

— O pai dele tinha conexões

importantes, conhecia muitas pessoas do

lado ruim. O que estou tentando explicar


é que ele não queria que eu me

aproximasse dele temendo o seu pai,

que, como você sabe, não era flor que se

cheire. Marco era cruel, capaz de tudo,

inclusive matar.

— Esse homem tentou assassiná-

lo? — Eu não conseguia controlar a

curiosidade. Ainda bem que Marco

estava morto.

— Não, porque Alessandro me


mantinha longe dele. O cara não
aceitava que os filhos fizessem amizades
fora do seu mundo. No final, consegui

graças a ele, e para Marco não


descobrir que éramos amigos na época

que entrei no cargo de chefe, falei a

todos que consegui graças a outro

colega, um homem chamado Nikolai.

— Não entendo, se queria a ajuda

de Marco, como ele não podia saber da


amizade de você e Alessandro?
— Marco aceitava que tivéssemos

negócios, só isso. — Seus olhos


mostravam mais do que aquilo que

estava me contando, mas antes que eu


sondasse, mudou de assunto. — Por

muito tempo notei que Alessandro

queria se desculpar pelo acidente,

apenas não conseguia. Mas isso não

significava que não sentia muito…

Como o que fez com você.


Suspirei, triste.

— Luna disse que ele não


expressa o que sente como uma pessoa

normal. Mas se ao menos tivesse vindo

aqui, não sei… falado algo. — Sacudi a

cabeça.

— Alessandro acredita que não


merece você ou sua filha.

— Isso é loucura! O que o faz

pensar assim? Por Deus! Ele é só um


dono de boate, não um assassino em

série. — Estremeci com esse

pensamento. Um assassino não me

ajudaria como ele fez.

Algo mudou na expressão de

Miguel. Foi breve, logo retomou sua

neutralidade.

— Como eu disse: o pai dele era


desumano e o fez acreditar que ele é

também. — Parecia haver algo mais,


mas não insisti, porque quem deveria me
contar sobre isso era Alessandro.

O meu peito doeu por Alessandro

pensar tão mal de si mesmo. Recordei

suas palavras, quando alegou ser

sombrio demais para mim.

— Seja como for, eu não posso

fazer nada se ele não me deixa entrar.

Cada vez que tento, Alessandro me

empurra para longe. Agora isso não está


somente me afetando; Graziela pensa
que ele não a quer. Eu não pretendo

magoar minha filha. Sinto que ele

esconde algo, e eu só queria que

confiasse em mim. É melhor eu partir

com a Graziela — murmurei. — Se

puder me ajudar com isso, eu agradeço.

Lá, minha filha seguiria em frente.

Ele franziu o cenho.

— E quanto a você? Seguirá em

frente? — perguntou. — Mas farei o que


deseja, vou preparar tudo. Como disse:
se desistir dele, então nunca foi a mulher
certa. Não era para eu contar, mas agora

que planejava sumir… Ele vem toda


noite depois que você dorme, e fica a

observando. Vai embora antes de você

acordar. Acredito que precisa empurrá-

lo para que tome uma atitude.

Poderia discutir com ele por me

acusar de ser fraca, a mulher errada. Eu


não achava isso uma fraqueza, apenas
uma forma de precaução. Todavia, não

ia retrucar, ainda estava chocada com a

descoberta de Alessandro vindo me ver

dormir. Então ele apareceu nessas duas

noites?

O que fazer? Se ele ao menos

desse um primeiro passo… Eu achava

difícil.

Despedi-me de Miguel,

agradecendo por ter se aberto comigo.


Até me esqueci de perguntar onde
encontrou sua irmã, porque as novidades
a respeito de Alessandro me

balançaram.

Tomei banho e fui dormir, ou

tentar. Fiquei revirando na cama, e

minha mente, a todo o momento, ia para

ele, o que me dava mais raiva de nós

dois.

— Bastardo, idiota! Por que nada


é fácil com você? — rosnei para o
quarto vazio.

Acho que era quase uma da manhã


quando ouvi vozes alteradas na casa.

Depois escutei praguejamentos,

provenientes de Rafaelle e Stefano. O

que fazem aqui a esta hora?

Saí do quarto em silêncio para não

acordar minha filha e fui ver o que


estava acontecendo. Não me preocupei
em colocar um roupão; depois que

Alessandro começou a entrar no meu

quarto, eu passei a dormir mais


comportada, com short e camisa grande.

Era uma tentação resistir àquele homem

vestida, imagine com camisola? Mesmo

estando na casa de Miguel, fazia isso

ainda.

— Eu quero ir ver minhas garotas


— Alessandro rosnava. — Não as
deixarei partir. Ouviu, Mia? Você não
vai embora!

— Suas garotas estão dormindo

— respondeu Rafaelle em tom baixo.

— Agora por que não se acalma e

fala com elas amanhã? Você pode ficar

no quarto de hóspedes — Miguel

sugeriu.

Um nó se formou em minha

garganta por ouvi-lo nos chamando de


“suas garotas”.

— Pare de me dar ordens. Eu sou

o chefe — grunhiu, autoritário.

Rafaelle bufou.

— Claro que é, mas agora não

está agindo como tal, está alterado,

precisa clarear as ideias e ir dormir sem

acordar a sua mulher e filha. — Rafaelle

parecia calmo, sem nada de raiva ou

ressentimento pelo irmão ter quase


esmagado sua cara há poucos dias.

Virei o corredor, permanecendo

escondida para averiguar a situação.

Alessandro se encontrava escorado na


porta de um dos quartos. Rafaelle,

Stefano e Miguel de frente para ele; os

dois irmãos com os braços cruzados, e

Miguel apenas olhando entristecido para

o amigo.

Suspirou.
— Mulher e filha — Alessandro

repetiu baixinho com adoração, mas


depois seu tom saiu sombrio. — Ele

disse que eu seria com minha esposa


como ele era com nossa mãe. E tudo o

que me obrigou a fazer, eu repetiria com

meu filho…

A dor em sua voz quase me fez

chorar. Como um pai era capaz de tal


atrocidade? Amava a minha menina e
jamais a magoaria desse modo.

Rafaelle deu um suspiro duro,

agora exasperado.

— Acredita mesmo nisso,

Alessandro? Que um dia tocaria em

Mia? Por isso está tão hesitante em

aceitá-la como sua mulher? — Ele não o

esperou responder. — Porra, meu


irmão! Você jamais a machucaria.

— Eu quase machuquei você…


não sabe o que passou em minha cabeça

vendo aquelas fotos dos dois juntos. —

Estremeceu. — Nunca senti nada

parecido como aquilo. Dou minha vida

por você, e não o contrário.

— Também morreria por você! É

assim que somos, Alessandro, nós

protegemos o que é nosso — disse

Rafaelle com ferocidade. — Acredito


que não as tocaria. Imagine tudo o que
nosso pai nos fez. Pensa em você
fazendo o mesmo com Mia ou a nossa
princesinha?

O ar pareceu ter sido sugado dos


pulmões de Alessandro, porque

expirava irregular.

— Sinto meu peito sendo

esmagado ao imaginar alguém

encostando nelas… — Estava tomado

pela dor.

Céus! O que o pai deles fez com


esses irmãos para deixá-los nesse

estado?

— Então você nunca machucaria

as duas ou nossas irmãs — Stefano


assegurou. — Nós as protegemos, não o

contrário, como Rafaelle mencionou.

Não aceito ser como ele. E se um dia me

casar (algo improvável, porque não

serei domado por uma boceta), eu


jamais levantaria um dedo a ela.

Tinha que ser Stefano tentando


animar o irmão! Ele não mentia; esse
garoto ainda quebraria muitos corações

até conseguir a sua mulher ideal. Eu


esperava que estivesse errada, mas, de

qualquer forma, torcia para que

encontrasse sua felicidade no final. Um

amor pelo qual valesse lutar e viver.

— Ouça, nós somos monstros,

sim, fizemos coisas inimagináveis, mas


somos humanos, Alessandro. Nós
cometemos erros, porém nos

levantamos, seguimos em frente e

tentamos melhorar. — Rafaelle tocou o

coração do irmão. — Sempre estaremos

juntos, não importa como. Agora entre e,

amanhã, converse com a Mia.

Alessandro sacudiu a cabeça com

um sorriso triste. Sua expressão abatida

quase me fez cair de joelhos.

— Você não viu o olhar dela?


Feri Mia da pior maneira possível, não
acho que ela queira me ver em sua
frente… No final, isso é bom, pois não

mereço alguém como ela. — Virou-se


para entrar em um quarto de hóspedes.

— Miguel, se as garotas quiserem ir

embora, as ajude. Só se assegure de que

fiquem seguras, não importa como.

Oh, Deus! Parecia quebrado…

tudo graças a mim? Não, foi Alessandro


que me acusou. Então por que me
machucava ver seu estado? Era como se

doesse em mim também.

— Diga a ela o que sente,

Alessandro — instruiu Stefano. — Já


que gosta de Mia, fale de uma vez.

— Dizer o quê? Que a dor que a

infligi foi como um soco no meu

estômago, que a mera ideia dela com


outro homem me faz querer matar todos

do pior jeito possível? Ou que eu


gostaria sim que ela fosse minha esposa
para não termos segredos? Isso é
impossível! Não sou bom. Eu não tenho

a porra de um coração. — Era para ser


um grito, mas saiu em um sussurro

abatido. — Mia deseja alguém que eu

não sou; alguém que nunca serei ou

quero ser. Se eu mostrasse o que está

dentro de mim e o que faço, ela fugiria

sem olhar para trás.

Ele tinha me dito isso antes, mas


na hora achei que estivesse tentando me

afastar. Então era verdade? Alessandro

se achava um monstro e não mostrava

seu eu verdadeiro para mim? O que ele

escondia? Certamente tinha a ver com

seu pai e as coisas que fez a ele, como

Miguel disse.

Uma parte de mim não queria

saber o que estava acontecendo, mas a


outra necessitava descobrir para
enfrentar isso de uma vez. Talvez ao
conhecer a extensão de tudo, eu pudesse
ajudá-lo.

Saí de onde me escondia e andei


na direção deles. Miguel, Rafaelle e

Stefano olharam para mim, mas não vi

surpresa ali. A princípio, Alessandro

não pareceu me notar, ele estava

entrando no quarto, mas parou quando

ouviu meus passos no corredor.

— Então me diga a verdade,


Alessandro! Não seja um covarde! Pare

de me empurrar para longe — rugi. —

Me mostre o seu verdadeiro eu. Mostre

esse monstro que diz ser.

Suas costas enrijeceram e, após

um segundo, se virou para mim. Fitava-

me de olhos arregalados.

— O quê? O gato comeu sua


língua? Não vai mostrar do que é capaz?

— Eu sentia raiva dessa coisa toda.


Seria agora ou nunca! Eu não me
deixaria balançar por um homem que
não me permitia entrar. Se ele não se

abrisse comigo, eu lavaria minhas mãos


e partiria para Dallas.

Seus irmãos ficaram tensos; a

atenção deles estava em Alessandro.

Havia algo naquela relação que eu não

entendia. Eles respeitavam o irmão,

demonstravam ter uma ligação bonita,


mas em alguns momentos o tratavam
como se Alessandro fosse o seu chefe.

— Vai ficar calado? Estou

cansada disso. Você me acusou de

querer seu irmão, saiu para foder outras


mulheres, não apareceu por dois dias

para se desculpar e agora chega aqui

dizendo que me quer, mas não vai fazer

nada em relação a isso? — Cerrei meus

punhos. — Talvez eu também deva


procurar um homem qualquer por aí.

O perigo cintilou em seus olhos.


Já o vira assim algumas vezes, mas ele
tinha escondido melhor a reação. Suas

íris verdes se escureceram, letais.

— Oh, eu gostaria que alguém

tentasse colocar as mãos em você.

Adoraria estripar o maldito. — Não

parecia mentir. Eu jamais transaria com

outro, mas ele não precisava saber

disso. Só ameacei porque queria que


reagisse e saísse de sua concha.
Merda! Será que cutuquei a onça

com vara curta? Meu instinto me


mandava correr, mas não o faria, não

enquanto ele não me mostrasse sua


verdadeira natureza.

— Por quê? Acha que só os

homens têm direito de foderem quem

quiserem? Se você faz isso, eu também

posso. Não me impedirá. — Fechei


novamente as mãos em punhos para não
tremer diante de sua frieza.

Ele deu um passo até mim. Eu me

mantive firme, contrariando minha

intuição.

Antes que eu reagisse, ele se

lançou sobre mim, jogando-me em cima

de seu ombro e me fazendo bater em

suas costas.

— Me coloque no chão, seu

idiota… — Não quis gritar para não


acordar a Graziela.

Alessandro não respondeu, só

entrou no quarto. Em seguida, me jogou

na cama. Arfei com o impacto, mas não


foi forte a ponto de me machucar; ele

tomou cuidado.

— Você quer conhecer o monstro?

Vou mostrar a minha verdadeira face. —


Afastou-se de mim como se temesse me

atacar.
Meus olhos buscaram a porta

aberta, onde seus irmãos e Miguel se


encontravam. Eles iam me deixar ali

sozinha com Alessandro? Bem, algo me


dizia que ele não me machucaria.

— Chegou a hora de provar se é a

mulher que pensei que fosse — Miguel

me disse.

— Lembra do que prometeu, Mia?


— Rafaelle me lançou um último olhar e
fechou a porta, me deixando a sós com o

homem à minha frente, que mais parecia

um leão querendo atacar a sua presa.

Miguel supunha que, se eu não o


enfrentasse para acertar as coisas, eu

não seria a mulher certa para o seu

amigo. Já Rafaelle me fez prometer não

sair correndo por mais que visse o seu

pior — como Alessandro achava que eu


faria. Seria forte para aguentar o que o
homem escondia de mim?
Alessandro fingiu não ouvir o seu
irmão.

— Está com medo, Mia? — Riu,

soturno. — Ainda nem comecei.

Tentei expirar para me acalmar ou

surtaria antes da hora.

— Nada me fará sentir medo de

você, por mais que tente. — Soei firme.

— Veremos. — Sacudiu a cabeça,

ainda com sua expressão fria (exceto


pelos olhos, agora em chamas).
Capítulo 14

Mia

— Quando eu era criança sonhava


em ser um chefe para seguir a linhagem

do meu pai. Mas ao começarem os


treinamentos, as coisas se complicaram,

vi que não era nada como sonhei.

Fiquei confusa. O que ele fez?

Para que treinamentos, sendo que


tomaria conta de boates?

— Fiz tudo o que ele mandou, mas

hesitei em algo, algo que não queria.

Porém, ele me forçou até chegar a um


ponto no qual não tive escolha. Nesse

dia, tudo foi levado de mim, não


restando nada aqui. — Colocou a mão
no peito. — No final, tive de esquecer a
fraqueza, pois ela nos torna vulneráveis,

com as mãos atadas.

— Olha, estou tentando entender,

mas se você continuar falando em

enigmas ficará difícil. — Sentei direito

na cama. — Por que alguém precisaria

treinar para tomar conta de boates? O

que levou você a pensar que é um


monstro?
A máscara da frieza cedera

espaço ao pesar.

— Não sou um empreendedor,

Mia, eu sou um capo. Chefe da máfia

Destruttore. Controlo vários países,

comando muitos homens. Fui treinado

para isso.

M áf i a. Capo. Treinado. Repeti

essas palavras várias vezes em minha


mente para compreender a dimensão do
que ele falava. Assombrada, percebi que

fugi de uma máfia apenas para ser

levada à outra.

— Esse medo que enxergo em


seus olhos é normal; devia mesmo se

manter longe. Mas quero dizer que por

mais que tenha visto coisas horríveis na

máfia albanesa, nós não somos iguais.

Sim, eu gosto de matar, sinto prazer com


isso, a tortura faz parte de quem eu sou.
Fui treinado para ser um bom chefe. No
entanto, não machuco pessoas boas.

Pisquei.

— Você mata… — consegui dizer

entre lábios rígidos. Sabia que deveria

fugir, mas estava paralisada; algo nele

me impedia de sair correndo. Talvez

pelo que ouvi dos seus irmãos minutos

antes.

— …bandidos. Mas ainda são


seres humanos, não é? Apenas não
mexemos com mulheres e crianças. —

Ele me avaliava cada vez que revelava

uma nova bomba. — Sou um monstro

sem coração, Mia, incapaz de mudar. E

mesmo se pudesse, não gostaria. Fui

forjado assim.

Forjado como uma espada e

treinado como uma arma. Foi isso que

o pai dele fez? Se aquele velho


estivesse vivo, eu acabaria com o
desgraçado.
— Você pode…

— Mudar? Largar tudo? —

Sacudiu a cabeça. — Não tenho

pesadelos por matar homens que

deveriam ser mortos, faz parte de mim.

Eu aceitei meu destino. Só me considero

um monstro pelo que meu pai me

obrigou a fazer.

— O que exatamente? —
Precisava entender suas razões para ser
como era.

O meu coração batia muito rápido

e eu não sabia o que pensar. Ele

representava tudo o que eu odiava. Um


mafioso, alguém capaz de tudo. Mas

Alessandro me protegeu, aliás, não só a

mim, como Graziela também. Isso o

fazia ser diferente dos assassinos

albaneses, não? Quem mandaria um


segurança cuidar de mulheres que mal
conhecia, se não uma boa pessoa? Gente
ruim não faria nada disso.

Ele me deu as costas e olhou para

a janela.

— Eram noites turbulentas

naquela época, pelo menos para mim. O

meu primeiro assassinato foi quando

tinha treze anos. Ele me obrigou a matar

ou machucaria minha mãe. Até os

quinze, eu ainda hesitava, embora o


fizesse, já que não tinha escolha. —
Expirou fundo. — Não gostava que

Marco pegasse garotas inocentes e as

vendesse, então organizei para agentes

do FBI que não estavam em sua folha de

pagamento as resgatarem. Meu pai ficou

furioso. Ele não sabia quem interferira

em seus negócios, mas suspeitava. Então

me mandou a um contêiner para que eu

fizesse um acordo com mercadores.

O meu peito queria explodir com a


dor causada por sua triste trajetória.
— Ao chegar lá, vi aquelas
meninas… Acho que tinha mais de vinte,

na faixa de onze a dezesseis anos,


algumas até com ursinhos nas mãos. Eu

me enfureci. Os policiais responsáveis

por interceptar a carga não puderam

comparecer, tudo graças ao Marco. Não

tive escolha: matei os mercadores e as

levei para um lugar que eu considerava


seguro. — Enfureceu-se. — Disse ao
meu pai que fomos emboscados e que,

nesse processo, as garotas tinham sido

levadas. Sabia que duvidaria se eu

voltasse sem nenhum arranhão, por isso

fiz um dos meus homens atirar aqui. —

Ele se virou para mim e abriu os botões

da camisa que usava, indicando um

ponto perto do peito.

Ofeguei com a mão na boca; se


não olhasse de perto, não daria para
notar por causa de sua tatuagem.
— Você poderia ter morrido… —
Pensar nisso cortava algo fundo em mim.

— Raidy era certeiro, jamais me

mataria. Fiquei de cama por uns dias,

apesar de ter saído mesmo não podendo

depois que soube que meu pai encontrou

as garotas. Ele descobriu que eu o traí.

E desobedecer às ordens do capo é um

crime imenso em nosso mundo.

— Oh, senhor! Ele bateu em você


mesmo machucado? — sussurrei,

horrorizada com as atrocidades.

Ele riu, sem vida.

— Bater? Não, Marco sabia que

me encher de pancada não surtiria

efeito. Com alguns anos de treinamento,

eu passei a ter a dor como companheira;

ele não me derrubaria com esse tipo de


violência. Decidiu mexer em algo

diferente. — Passou a mão na cabeça,


fixando seu olhar em um ponto qualquer.
— Ele me chamou para um galpão
abandonado. Algo me dizia que seria

ruim, afinal, tinha pegado as garotas. Eu


estava pronto para morrer lutando por

elas; tinha apenas quinze anos e

enfrentaria muitos homens armados. Mas

tudo mudou assim que cheguei lá e vi as

chamas, além dos gritos…

Ofeguei. Não achei que pudesse


ficar pior. Como poderia existir um
homem assim? Se bem que os crimes

dos albaneses também não ficavam para

trás. Todos eram desumanos.

— E não foi tudo: antes disso, ele


tinha mandado seus homens as

violentarem. Mesmo ferido, eu matei

alguns e teria acabado com muitos mais,

entretanto, meu pai usou a minha

fraqueza contra mim e me inutilizou,


como sempre. — Parecia distante. —
Rafaelle tinha onze anos na época e
estava no chão perto de alguns dos
homens do meu pai; ele não começara a
treinar ainda, então não entendi na hora

o que fazia ali. Escutei Marco dizer:

“Você é um fraco, foi contra as minhas

ordens. A morte dessas garotas ficará na


sua consciência, morreram por sua

culpa. E seu irmão vai pagar por sua

desobediência também”.

Fechara os olhos enquanto dizia


essa última parte. Entendi o fardo que

carregava, mas havia somente um

culpado ali: o pai deles.

— Ficar parado vendo meu irmão


sendo espancado? Isso não aconteceria!

Então falei que estava disposto a pagar

na pele por tê-lo desobedecido. Eram

uns vinte homens, e eu tive que deixar

que me batessem, pois se eu lutasse,


quem receberia o castigo seria Rafaelle.
Aceitei quieto cada soco, chute e
paulada. Meu irmão era pequeno, se
fosse espancado como fui teria morrido.
Depois, comigo quebrado no chão,

Marco me deu um soco na ferida da

bala. Em seguida, apontou para um

corpo que eu não tinha notado antes, era


do Raidy. “Levante-se contra mim de

novo e, da próxima vez, serão suas

irmãs nas mãos dos meus homens”,

jurou.
Alessandro abriu os olhos, me

fitando. Eu estava chocada demais e


com o coração sangrando pelas vidas

das garotas que tiveram um fim horrível.

— Eu sabia que ele cumpriria a

promessa. Então não me meti em seus

negócios, embora quisesse. Durante seu

período como capo, eu marquei os

lugares onde cada menina era levada,


pois quando me tornasse o líder, as
resgataria para entregá-las às suas

famílias. Sou chefe há mais de dois anos

e venho fazendo isso. É um progresso.

— Suspirou, derrotado. — Entende

agora? Matei todas elas.

Sacudi a cabeça, piscando.

— Não foi você, Alessandro, e

sim o monstro do seu pai — tentei


argumentar.

— Se eu não tivesse me metido,


talvez elas ainda estivessem vivas. No

fundo, eu acho que devia ter feito algo

mais, não sei… — Fechou os olhos por

um segundo de novo. — Seus gritos,

meu nome sendo chamado por

algumas…

— Oh, Deus, Alessandro! —

Fiquei de pé no intuito de abraçá-lo e

poder tirar essa dor que ele carregava


consigo. Olhei para o seu peito com a
tatuagem das chamas. — Por isso a
tatuagem?

— Elas queimaram por minha

causa, é assim que me sinto quando


penso nisso. — Apontou para seu

abdômen. — Como se queimasse vivo.

— Você fez tudo o que pôde para

ajudá-las. Não foi sua culpa, você não é

um monstro. O seu pai era um demônio;

é o único a merecer esse título. — Dei


mais um passo até ele.
— Não é só isso, Mia. Não tente

ver algo bom em mim, porque não há


nada. — Afastou-se, evitando minha

aproximação. — Pessoas como você


devem ficar longe de alguém como eu.

Todos que se aproximam de mim

morrem.

Fiz uma careta.

— Isso não é verdade. Seus


irmãos estão aqui com você, não é?
Além disso, o seu pai morreu, então o

único perigo que estou passando agora

vem do meu passado, e não do seu. Se

acontecer algo, não será culpa sua —

destaquei.

Alessandro veio onde eu estava e

tocou o meu rosto com ar feroz.

— Juro que ninguém chegará perto


de você ou da princesa. — Havia um

selo de promessa ali. — Se quiser


partir, agora que sabe a verdade sobre
mim, eu não vou impedir. Mas peço que
pense bem, pois lá fora vocês duas

correriam perigo.

Eu não podia generalizar todas as

máfias dessa forma; havia mais nessa

organização de Alessandro do que

pensei ser possível. Ele mudou muita

coisa depois da morte do seu pai. Céus!

Ele mandou homens atrás das meninas


vendidas. Quem faria isso?
Agora entendia a história de

Miguel. Procurou-o para entrar no cartel


porque Alessandro pertencia à máfia.

Mas Miguel divagou muito ao narrar seu


passado; certamente havia mais

escondido.

— Você me protegeu quando mais

precisei. Ouvindo essa história, eu

acredito que jamais tocaria em mim ou


em Graziela — falei com toda a certeza.
— Nunca as tocaria, mas meus

inimigos podem usar vocês contra mim.


Veja o que as fotos em que você aparece

com meu irmão fizeram comigo… Eles


sabiam de você — disse, alisando meu

cabelo.

— Isso não faz sentido. Como se

uma foto de mim com Rafaelle fosse…

— De repente parei, arregalando os


olhos. — Você quase o matou! Eles
queriam isso?

— Sim. Mas, no fundo, eu não ia

atacá-lo. Somos assim, um protege o

outro. O que ele fez para mim ninguém


faz. — Olhou para si. — Preciso de um

banho, tirar essas roupas.

Ele estava vestido de preto.

Entendi por que queria tirar as roupas:


devia ter passado a noite com várias

mulheres. Com tudo que ouvi, até me


esqueci dessa parte.
— Ei? Não é o que pensa. —

Levantou meu queixo, ao que mirei seu

rosto. — Não fiquei com ninguém desde

que conheci você. Não quero nenhuma

outra.

Meu coração balançou. Mas antes

de fazer algo, eu senti cheiro de sangue.

Como a roupa era escura, eu não pude

ver nada.

— Você estava…
— Tive que descobrir quem ousou

me ferrar. O porquê de enviar as fotos


para mim. Demorei a achá-los, mas os

encontrei hoje. — Afastou-se. — Vou


lidar com isso, Mia, não quero que se

preocupe com nada. Enquanto eu tomo

banho, pense direito no que você quer

— se me aceita como sou ou se prefere

a liberdade para ir. Eu não forçarei você

a ficar.
Assenti, pois precisava mesmo de

um minuto. Assim que entrou no


banheiro, eu me sentei na cama, tentando

decidir que rumo tomar.

Eu sabia que ele era um capo que

governava muitas pessoas. Nenhum

mafioso encontraria redenção pelas

coisas que fazia, porque mesmo não

mexendo com mulheres e crianças,


envolviam-se em diversas atividades
ilegais. Estava disposta a esquecer tudo

e apenas seguir em frente? Aceitaria o

seu trabalho?

Alessandro cuidou de mim; nunca


machucaria eu ou a minha filha. Foi

sempre ele, desde o começo, a me

salvar de ser queimada e a me trazer

para sua casa sob a proteção de seus

homens. Ele não era um monstro. Foi,


pelo contrário, um rapaz jovem capaz de
atirar nele próprio só para tentar salvar
inúmeras garotas; um cara que aceitou
me manter segura quando eu mais
precisei.

— Ainda está aqui. — Ele parecia

surpreso e aliviado.

Virei e o vi vestido com um short,

mas nu da cintura para cima, o que me

fez babar por seu corpo lindo. Usava

uma corrente com um anel pendurado


nela. Fiquei curiosa para saber a quem
pertencia, provavelmente era de sua

mãe, porque Alessandro nunca teve

esposa ou namorada.

— Se continuar me olhando dessa


forma, não perderá a virgindade só no

casamento, e sim nesta noite. — Jogou a

toalha no sofá após enxugar os cabelos.

No final, seu tom saiu provocador,

quase brincalhão: — O que o seu futuro


marido vai pensar?

Tentei limpar minha mente, mas


estava com muita fome. Queria esperar
até me casar, ou ao menos até saber se

ele seria meu marido um dia.

— Pode estar certo, não acho que

meu futuro marido gostaria disso. —

Mordi os lábios, segurando as mãos na

minha camiseta.

— Creio que ele não se importará.

— Veio até onde eu estava e se abaixou


na minha frente. — Mia, eu preciso de
uma resposta sua. Sei que a magoei

dizendo aquelas palavras e não a

procurando, mas pensei ser o certo, pois

você ainda não tinha conhecimento do

que sou. Agora que sabe, eu me sinto

aliviado e prometo que não vai se

repetir.

— Por que não pede desculpas?

— Luna comentara que ele não era de


demonstrar sentimentos, mas eu
precisava de toda a sua sinceridade se
fosse cair de cabeça nesse nosso lance.

Franziu a testa, me avaliando.

Ficou em silêncio algum tempo.

— Isso ajudaria? Se assim deseja,

eu quero dizer que lamento pelas coisas

que disse a você.

Sorri.

— Tudo bem. — Peguei sua mão


enfaixada. — Quebrou alguma coisa?

— Está ficando melhor agora.


Quer dormir aqui hoje? Estou morto e

preciso sentir o seu cheiro.

Concordei. Levou-me para a

cama, e nos deitamos juntos.

— Por que gosta do meu cheiro? É

só lavanda — sussurrei, virando para

ele com o rosto vermelho.

— Porque me faz ter certeza de

que está aqui, e não morta. — Puxou-me

para os seus braços. — Acho que


preciso de você mais perto.

— Mais perto que isso, só se

entrar no meu corpo. — Corei quando

ele riu. — Não me refiro a isso!

Alessandro suspirou.

— Eu não a tocarei…

— Devia parar de dizer isso. Por

que não pergunta o que eu quero? —

retruquei.

Seus lábios foram para a minha


orelha.

— O que deseja então, minha

Estrela-do-mar…? — sussurrou com a

voz arrastada. — Se começar algo,


precisará terminar ou me deixaria louco.

Eu não tinha ideia do que fazer;

sabia sobre sexo e outras coisas, mas

não o que queria. Só um beijo ou mais


que isso? A sensação de suas mãos em

mim da outra vez foi tão…


Ele se afastou, me avaliando.

— Essa hesitação é por não ter


certeza se quer ou por não saber o que

fazer?

Fechei a cara.

— Nem todos têm a sua

experiência no departamento sexual —

rosnei.

Beijou meu rosto.

— Mia, eu sou um homem vivido,


sim. Mas não posso dizer que não gosto

da ideia de ninguém ter tocado nesse

delicioso corpinho; adoro saber que ele

será só meu.

Bufei.

— Não acho que estou pronta.

Passei tempo demais planejando ficar só

com meu marido. A ideia de isso mudar


me faz sentir estranha… — murmurei.

— Você entende que, a partir do


momento em que decidir ficar, eu não a

deixarei partir tão cedo, não é? — Sua

boca foi para o meu pescoço. —

Reformulando, para não soar tão

possessivo: só quero dizer que, se for a

sua vontade, em breve nos casaremos.

Será para sempre minha.

Pisquei, ofegante.

— Vai se casar comigo? Mas

você disse…
— Temia que de algum modo eu

fizesse o que meu pai fez conosco e com


a minha mãe, entretanto, depois de

pensar que estava interessada em meu


irmão, e não a tocando mesmo

enfurecido na hora, percebi que não

seria capaz de feri-la. Só a ideia de

alguém a machucar já me faz querer

massacrar o verme. — Fitou-me com

intensidade. — Preciso beijá-la, minha


Estrela-do-mar, preciso sentir você…

Prometo que não farei nada além, apenas

quando estiver pronta.

— Eu também — mal terminei de


falar, senti seus lábios nos meus; sua

língua abriu caminho e logo passou a me

devorar. O gosto do seu hálito e o calor

de seu beijo me deixaram eufórica.

Uma de suas mãos passeava em

meu rosto, como se o memorizasse, e a


outra apalpava meu corpo. Onde seus
dedos tocavam, uma onda de fogo me
consumia.

Ao sonhar com meu primeiro

beijo, pensei que seria bom, mas esse

com ele fora arrebatador. A fome

tamanha com que nossas bocas

consumiam uma à outra me fez concluir

que logo eu faria tudo o que ele quisesse

sem pensar muito nas consequências.

Gemi, fechando minhas pernas


para saciar o atrito ali sentido.

— Posso tocar em sua boceta? —

Sua voz saiu rouca.

Mal conseguia falar, então assenti.

— Isso, Estrela-do-mar, vou

mostrar que você é unicamente minha.

Só eu irei tocar em cada centímetro

desse corpinho lindo. — Sua língua

invadiu minha boca, enquanto seus

dedos entraram em meu short, chegando


ao seu destino final. — Gema, minha

linda.

Com Alessandro mexendo em meu

clitóris, experienciei uma nova e


prazerosa sensação. Minhas mãos

agarravam forte suas costas e meu corpo

se arqueou, exigindo mais dele. Então

explodi em seus dedos; o que me

impediu de gritar foi sua boca a me


devorar.

A partir desse momento, eu estaria


perdida. Não conseguiria abandonar
esse relacionamento nem se eu quisesse.

Era tarde para voltar atrás e, no fundo,


eu jamais desejaria fugir.

Olhei para ele, mole em seus

braços devido ao êxtase.

— Está tudo bem? — sondou,

preocupado com meu silêncio, acho que

pensando que talvez fosse sair correndo


de novo como da última vez.
— Sim. Isso foi esplêndido —

consegui elaborar.

Ele riu baixinho e, ao notar sua

reação, arregalou os olhos.

— Você sempre parece surpreso

quando sorri. — Toquei seu rosto. —

Seu sorriso é lindo, deveria mostrá-lo


mais vezes.

— Só não o faço muito, mas agora

sinto vontade, às vezes. — Acariciou-


me. — Alguns sentimentos são novos,

como o ciúme e essa dor de quando sou

responsável por magoá-la, além desse

medo de que alguém venha tentar alguma

coisa contra você e Graziela. A fraqueza

não é uma característica admirável para

um homem como eu.

— Na verdade, ela é até certo

ponto. Porque se você tem uma fraqueza,


é sinal de que há motivos para lutar. —
Encostei em seu coração em brasa. —
Um dia, torço para que essas chamas
sejam apenas tinta; que elas não causem
mais dor a você.

Ele não respondeu, mas deixei

quieto. Levaria tempo para que

Alessandro conseguisse lidar com tudo.

Minha atenção foi para baixo,

pensando em lhe dar prazer assim como

me deu. Senti-o endurecer, então


levantei meus olhos para os seus; os
dele estavam escurecidos.

— Mia, você não precisa fazer…

— Você não quer? — Ele já

estivera com muitas mulheres

experientes, diferente de mim, que vira

um pênis apenas uma vez na internet.

— Garota, esse seu ar inocente me

mata, sabia? — grasnou. — Quero tudo

de você, Mia. Tudo.

Relaxei e levei minha mão ao seu


short, puxando-o para baixo. Arregalei

os olhos.

— Puta merda! Grande e grosso,

se comparado ao que vi. — Estava ereto


e saía um líquido da cabeça.

O braço dele apertou a minha

cintura e o senti tenso, então olhei para

cima. Tinha algo de letal ali.

— Essa expressão sua aparece

quando está com raiva ou querendo


matar alguém. — Pisquei, me lembrando

das minhas palavras anteriores. — Não

vi nenhum pessoalmente, só na internet.

Algumas meninas da faculdade disseram

que pênis são bonitos, então pesquisei;

não tinha nada de interessante. Já o

seu…

Deixei de fora o detalhe de que

Luna estava comigo, pois não queria


trazer problemas para ela. Seus irmãos
eram muito protetores com a menina.
— O meu…? — incitou. Tinha um
sorriso na sua voz.

Corei e foquei no serviço. Peguei

seu membro em minha mão.

— Mostre-me como você gosta —

pedi com um suspiro trêmulo.

Afagou minha face com as pontas

dos dedos, e eu senti meu rosto


esquentar.

— Essa cor fica linda em você. —


Corei ainda mais diante de suas

palavras. Ele me instruiu. — Dessa

forma é bom, querida… — Obedeci,

então ele gemeu. — Isso, assim… oh,

porra!

Minhas mãos subiam e desciam,

mas o que me tocou fundo foram os sons

que ele soltava, de puro prazer. Fiquei

contente.

— Linda demais! — sussurrou.


Virei a cabeça em sua direção,

enquanto ele me observava com os olhos


quentes. Acelerei mais os meus

movimentos até que ele rosnou e gozou


na minha mão e em sua barriga.

— Como me saí? — De repente,

me senti nervosa com o que tinha feito.

Sabia que era burrice, mas… Sua mão

veio para a minha nuca, enfiando-se em


meus cabelos e, em seguida, devorou
meus lábios por um segundo.

— Porra, mulher! Você foi

maravilhosa — afirmou. — Acho que

preciso me limpar.

Meu coração balançou sabendo

que ele tinha gostado do meu toque.

— Eu pego um pano molhado,

quero lavar minhas mãos. — Fui até o

banheiro. Coloquei a toalhinha debaixo

da torneira e meus olhos vagaram pelo


lugar para checá-lo. Uma coisa chamou

a minha atenção: no chão do box

estavam as suas roupas e, ao redor

delas, havia o vermelho do sangue.

O sangue de alguém em que ele

bateu ou pior, porque não acreditava que

fosse seu, afinal, viera tomar banho por

isso, e eu não vi nenhum corte nele.

— Mia? — Senti a tensão de

Alessandro.
— Já estou indo. — Não queria

que notasse meu nervosismo, mas


certamente não era boa o bastante para

esconder algo dele.

Eu saía quando Alessandro

apareceu na porta, que estava aberta, e

checou meu rosto para conferir se eu

chorava. Suspirou.

— O que houve? Estou aqui


pensando em um milhão de coisas. —
Ele parecia magoado.

— Nada. — Olhei para baixo,

notando que seu pênis estava tapado;

acho que ele limpou com outra coisa.

— Mia! — começou, mas virou

para o lado, às suas roupas. Depois,

voltou-se a mim. — São as roupas com

sangue? Prometo não trazer mais isso


para casa.

— Só fui pega de surpresa… —


Encolhi-me. — Mas escolhi esse rumo e

vou vivê-lo. Se não tivesse certeza, não

o teria deixado me tocar.

Era verdade. Cansei de correr de


tudo! Chegou a hora de lutar pelas

pessoas ao meu redor. Se eu tinha a

chance de ser feliz ao lado desse

homem, assim seria. Com o meu capo.


Capítulo 15

Alessandro

Três dias dormindo a noite inteira,


sem pesadelos ou insônia. Depois de ver

aquelas fotos da Mia com meu irmão, eu


fiquei tão cego que não consegui frear as

palavras que disse a ela.

Claro que me arrependi, algo

novo, aliás. Mas desde que ela chegou à


minha vida estava sentindo bastante isso

para o meu gosto. Queria ter ido até ela

para revelar a verdade, mas não pude,

apesar de não ter ficado longe: ia toda

noite na casa de Miguel para vê-la


dormir. Tão serena, com tantos sonhos, e
eu impedindo que os seguisse.
Revelando tudo à Mia, senti como
se um peso tivesse saído dos meus

ombros. Naquele dia, ao amanhecer, nós


viemos para a minha casa. Durante três

dias, dormimos juntos; ela deitava

comigo na minha cama, e mesmo não

tendo rolado sexo, foram as melhores

noites da minha vida. Eu a tocava de

outra forma, querendo que se


acostumasse comigo e confiasse em
mim.

Toda manhã, eu acordava não

acreditando que Mia estivesse ao meu

lado. No começo eu temia que não


aceitasse quem eu era, ainda mais ao

saber sobre o seu passado. Tentei ficar

longe, pensando ser o certo. Consegui

por um tempo, foquei no que estava

acontecendo com meus homens.

Após matar todos naquela igreja,


eu fiquei sem opção, afinal, perdi a
cabeça e eliminei todos capazes de
relatar algo. Exceto um dos fotógrafos

que clicou Mia com o meu irmão, como


se eles estivessem íntimos. Eram dois,

pagos por alguém que eu não conhecia;

matei um e deixei o outro nos levar ao

mandante.

Por culpa deles, na hora que vi as

fotos virei uma bomba-relógio, por


pouco não perdi a cabeça contra o meu
irmão… Por mais que a fúria me

dominasse, eu não conseguiria tocar

nele. Se fosse outro homem, estaria

morto. Certamente quem mandou as

fotos tinha isso em mente.

Disse coisas à Mia que ficaram

entaladas; nunca me senti dessa maneira,

sofrendo com a dor em seus olhos. O

ciúme era mais poderoso que qualquer


sentimento. Sempre lidei com o ódio, a
raiva e até a culpa algumas vezes, mas
ciúmes e medo? Não.

Não temi ser espancado pelo meu

pai. O mais perto que cheguei do medo


foi quando ele usou minhas irmãs e meus

irmãos para me obrigar a algo. Agora,

esse pavor de perder a Mia? Era um

sentimento tão desproporcional que me

deixou confuso.

No momento, olhava para a


mulher mais linda que já tive o prazer de
tocar — e o melhor, ela era só minha;

ninguém encostara nela de nenhuma

forma.

Inclinei-me, depositando beijos


em sua barriga e seguindo o caminho

para baixo. Ouvi-a soltar um suspiro,

ainda sem acordar.

Assim que deitamos na noite


anterior, eu pedi que tirasse o short. Só

queria que ela confiasse que eu não


tentaria nada se ela não estivesse pronta.
Mas isso? Eu sabia que ela ia gostar.
Puxei sua calcinha e passei a língua em

seu Monte de Vênus depilado. Nunca vi


nada mais lindo.

Sua respiração engatou logo que

minha língua puxou seu nervo rosado.

Sabia que ela estava acordada, então

retirei minha boca por um segundo e

levantei meus olhos para ela.

Mia me encarava com aqueles


dois globos azuis, como o céu refletido

no mar.

— Se não deseja que eu continue

basta me dizer, tudo bem?

Ela assentiu, mas a esperei

verbalizar sua resposta. Precisava da

confirmação.

— Gostei, a sensação é

maravilhosa. — O rubor atingiu suas

bochechas.
Sorri e voltei ao trabalho. Peguei

sua calcinha e rasguei o tecido, fazendo-


a soltar gracejos. Então abri suas

pernas, dobrando-as para que ficasse


exposta a mim.

— Oh, Deus! — gritou quando

minha língua circulou o seu clitóris.

O mel saindo dela era o meu

alimento, e a coisa toda me deixou de


pau duro. Contudo, o instante pertencia à
Mia. Garotão, ela não está pronta para

você ainda, entoei ao meu membro.

Minha língua entrou em seu

buraco; um dia, seria meu pau ali, mas


no momento me contentaria em degustar

essa boceta que eu já adorava. Antes só

a tocava com os dedos, e ela usava suas

mãos, mas estávamos indo para outro

patamar do nosso relacionamento.

Suas mãos cobriam os lábios para


evitar gritar, certamente para não
acordar a todos.

— O quarto é à prova de som,

grite o quanto quiser. Adoro ser a razão

do seu prazer. — Mordisquei seu nervo

pulsante, e ela gemeu. O dormitório não

era à prova de som, mas ela não

precisava saber disso. Eu só queria

ouvi-la.

Seu corpo estremeceu. Ela estava


perto, então acelerei os movimentos da
minha língua, ao que Mia se desmanchou

debaixo de mim. Senti seu delicioso

gosto.

— Oh, Alessandro, isso é tão


bom! — ela cantarolou, gozando forte.

Não deixei escapar nem um pouco

de seu suco saboroso. Estendi-me sobre

ela e a beijei na boca.

— Bom dia.

Sorriu, sonolenta.
— Acho que vou adorar ser

acordada assim todos os dias por você.

— Oh, eu não me oponho nem um

pouco. — Beijei seu rosto.

Algo nessa mulher me fazia sentir

uma felicidade tremenda.

— Agora eu devo retribuir. —

Pegou meu pênis, me levando à loucura.


Mas em vez de só me fazer uma punheta,

ela começou a se abaixar, na intenção de


iniciar um boquete. — Me ensina?

— Se não quiser, não tem

problema. Não precisa fazer isso agora.

— Esquadrinhei seu rosto.

— Eu quero — disse ela,

decidida. — Quero lhe dar prazer como

me deu.

— Coloque a boca, mas cuidado

com os dentes, essa parte é sensível.

Basta chupar como um pirulito. — Meu


peito inflou ao saber que só meu pau

estaria nessa boca. Um sentimento

possessivo se instalou em mim. Ela era

só minha.

Assentiu e fez o que pedi. A sua

boca envolveu meu membro, conforme

instruí. A língua girava na cabeça

inchada, me fazendo rosnar, feroz.

Coloquei minhas mãos em seus cabelos,


mas não a forcei.

Mia era inexperiente, mas o prazer


que experienciei foi a coisa mais intensa
e maravilhosa do mundo. Cada

movimento me trazia à beira do


orgasmo.

— Se não quiser que eu goze em

sua boca precisa tirar — falei com a

respiração fraca.

Era a última coisa que eu

desejava, mas não a forçaria.

A mulher não parou, só olhou para


mim, corando mais. A visão dela com a

boca cheia do meu pau era fenomenal;

não havia nada comparado a isso.

Fechando os olhos, senti a força com

que fui arrebatado, a ponto de ver

estrelas.

— Mamãe! — Graziela chamou

não muito longe do meu quarto.

Endureci encarando Mia, que

piscou e tirou a boca do meu pênis


flácido pelo orgasmo.
Nós dois miramos a maçaneta da

porta, que começou a girar; não me

lembrava de tê-la trancado.

— Oi, princesa, o que está


fazendo? — Ouvi Rafaelle perguntar,

então a maçaneta parou.

Obrigado, meu irmão, pensei.

Mia pulou da cama pegando o seu

short e o vestindo rapidamente.

Escondeu a calcinha rasgada no bolso.


Puxei o meu para cima, me cobrindo

apenas no caso de a menina realmente

entrar.

— Mamãe não estava no quarto


quando acordei, acho que está aqui com

Alessandro — a criança disse.

Ficar aqueles dias sem essa

pequena foi uma tortura, ainda mais


quando ouvi de Luna que Mia estava

pensando em ir embora, levando-a para


longe de mim. Na hora, andei sem rumo
até que parei na casa de Miguel,
decidido a trazê-las de volta. No dia

seguinte me senti pior ao ver aquela


felicidade estampada em seu rosto só

pela minha presença. Prometi a mim

mesmo que não a abandonaria nunca

mais.

— Vamos descer e tomar café. Se

eles estiverem aí logo vão nos encontrar


lá embaixo — respondeu meu irmão.
— Tudo bem. Acha que os dois

estão namorando? Eles ficam sempre


juntos. — Ela soava animada. — Isso

significa que Alessandro pode ser o meu


papai?

Não ouvi a resposta de Rafaelle,

acreditei que já tivessem descido as

escadas.

— Pelos anjos! — A voz de Mia


saiu estrangulada. — Ela quase nos
pegou… E você disse que o quarto é à

prova de som. Seu irmão deve ter

ouvido tudo, e não só hoje!

Poderia rir, mas ela estava


envergonhada, como se a mera ideia de

alguém saber o que fazíamos a

constrangesse.

Entendia que ela era uma mulher


recatada, pelo menos no quarto, mas não

precisava ficar com vergonha por causa


disso.
Pus-me de pé e a puxei para meus

braços. Beijei sua boca, saboreando

cada canto.

— Se quiser, eu posso falar com


Graziela para esquecer aquela coisa de

pai. — Ela se afastou, me avaliando.

Pai. Essa palavra nunca teve

significado para mim, afinal, o meu


nunca ligou para seus filhos; não

passávamos de objetos a seu ver. Ou


melhor: armas.

Ouvindo da boca de Grazi que ela

me considerava um pai… Queria ser

alguém que a protegesse e desse tudo de


que precisasse.

— Não, gosto do som disso.

Deixe a minha princesinha me chamar

do que ela quiser. — Beijei seus lábios


de leve.

Sorri. Gostei de ver esse brilho


nos olhos dela; se deixasse, não

sairíamos dessa cama tão cedo.

— Vou tomar banho e me ajeitar

para ir ao trabalho. — Ela foi para a


porta e parou. Um tanto vulnerável,

inquiriu: — Somos um casal agora?

Tentava entender suas emoções.

Notei o seu medo de me deixar tocá-la


sendo que no final não iríamos nos

casar. Bom, ela devia pensar isso. Mas


desde que coloquei meus olhos em Mia,
soube que seria minha. Antes, nós nos
tocávamos, mas nada tão íntimo; cada

vez foi ficando mais. Acreditava que era


por isso seu temor.

— Você é minha, Mia, nunca

duvide disso. Desde que me deixou

tocá-la, passamos a pertencer um ao

outro — afirmei, dando mais um beijo

em sua testa.

Eu precisaria provar mais algumas


coisas a essa mulher. Ela em breve seria

minha, assim que eu derrubasse os

albaneses. Isso sem contar os Rodins.

Minha Estrela-do-mar saiu para o


seu quarto, enquanto fui tomar banho.

Estava me vestindo com roupas de

malhar, mas meu telefone tocou antes:

— Chefe, nós temos mais


traidores. Eles desertaram e foram para

os Rodins — avisou Luigi.


Ele se encarregara de seguir o

fotógrafo, o que deixei vivo para ir


direto à fonte.

— Quantos? — Peguei o terno e o

vesti.

— Uns vinte. Mas há mais, e não

só aqui na Itália.

— Logo chego aí. Nikolai e


Matteo estão na cidade, então marque

uma reunião com eles. — Saí do quarto.


— Skender aceitou o meu convite?

Tinha chamado o Skender para

conversar sobre a Mia, já que precisava

desenrolar isso e focar a minha atenção


nos Rodins.

— Sim, chefe. Eles irão nos

encontrar no armazém às seis — disse.

Desliguei o celular e suspirei, não

querendo me preocupar com a Mia.

Ouvia sua voz vindo da cozinha. Uma


música de balé tocava na sala, e pude

ver Graziela treinando. Pretendia ir até

lá quando escutei meu irmão. Franzi a

testa e cheguei mais perto da copa.

— Você está me agradecendo por

fazer o seu irmão perder o controle? —

Mia parecia chocada. — Ele quase

esmagou a sua cara. A julgar pelo

impacto, aposto que seria um grande


estrago.

Rafaelle suspirou, ele sabia que


aquele soco afundaria o seu cérebro.

— Alessandro é bom em boxe.

Seus socos são certeiros — falou com a

voz baixa.

Ela arfou.

— Mesmo assim está

agradecendo? Ficou louco? Além do

mais, eu não tive nada com isso ou com


aquelas fotos. — Parecia sentir raiva,

mas não entendi se direcionada a alguém


específico.

— Mia, o meu irmão não mostra

os seus sentimentos para ninguém há

quase doze anos. Nós vemos algumas


coisas aqui e ali, mas nada na proporção

desses últimos meses com você aqui.

Claro que não somos dados a

sentimentalismo, somos duros e letais

quando precisamos (ou seja, em uma


boa parte de nossas vidas), mas ele
mudou.
— Alessandro se privava de tudo,
exceto de seus sentimentos por nós, os

seus irmãos. — Stefano entrou na


conversa, um tanto irritado.

— Não entendo. Isso tem a ver

com aquelas meninas? — O tom de Mia

era quebradiço como vidro.

Conversar sobre isso me tomara

de dor. E não dor carnal, pois essa eu


tolerava, mas as lembranças de seus
gritos nas chamas… Elas acreditavam

em mim, Raidy também. Todos se foram

por depositarem sua confiança na pessoa

errada. E se no final eu falhasse com a

Mia? Não podia pensar dessa forma;

faria tudo para protegê-la, tanto ela

quanto Grazi, meus irmãos e meu povo,

os que acreditavam em mim. Morte aos

traidores, esses pagarão caro.

— Ele contou isso a você? —


Stefano se surpreendeu.
Não era de comentar as coisas que
me consumiam com ninguém. Nem

mesmo com eles.

— Sim, oh, senhor! Seu pai era um

monstro. Como foi capaz de tamanha

brutalidade?

— E isso não chega nem perto de

ser o mais grave — disse Rafaelle. —

De qualquer forma, ele está no Inferno


agora. Uma pena não conseguirmos
consertar seus estragos.

— Alessandro é um deles… —

Mia sussurrou.

— O que nosso pai fez com

Alessandro foi brutal. O velho o

transformou em uma máquina. “Um capo

precisa ser forte e nada sentimental”,

eram as palavras dele — grunhiu


Stefano.

— O que o levou a se fechar de


vez para suas emoções foi a amizade

com dois garotos que não pertenciam ao

nosso mundo. Uma noite, Alessandro os

viu sendo atacados e os livrou disso,

depois aqueles meninos não o deixaram.

Meu irmão tentou se manter longe, mas a

amizade é um sentimento forte; não tão

poderoso como o ciúme, mas é. — Eu

sabia o quanto custava a ele relembrar o


que houve com Jairo e Amisteg. — Meu

pai chegou em mim e falou que tinha


pegado os amigos de Alessandro, e que

estava cansado de nossa fraqueza. A


dele se resumia ao envolvimento com

pessoas frágeis, e a minha por não ser

tão complacente em matar. Eu estava

iniciando os treinos naquela época. Mas

Marco pegava mais pesado com

Alessandro, porque o sucessor ao trono


é o primogênito homem. — Rafaelle

ficou em silêncio por um segundo.


Queria aparecer e interrompê-lo

para não dizer o que lhe atormentava,


mas não consegui.

— Quando cheguei ao lugar

marcado, eu vi os amigos de Alessandro

em cativeiro. Um deles falou que não

sabia o que estava acontecendo e me

pediu para chamar o meu irmão para

ajudá-los. Meu pai repudiava pessoas


fracas. — Respirou fundo. — Dizia que
puxamos essa aversão a matar de nossa

mãe.

— Ele era um sádico — comentou

Stefano.

— Por favor, me digam que

conseguiram salvar os garotos ou que o

pai de vocês os soltou. — Havia

esperança ali, mas seria exterminada


assim que soubesse de tudo.

— Lembro-me do olhar de
Alessandro quando meu pai mandou que

matasse os garotos (os chamo assim

porque não tinham mais que dezesseis

ou dezoito anos). Meu irmão não

conseguiria, mas nosso pai ordenou que

trouxessem a Jade. Estávamos sem

opções, e eu não podia deixar que a

machucassem. Alessandro também sabia

disso. — Sua voz era letal. — Então


tirei a chance dele, matei os garotos. Foi

o meu primeiro assassinato. Lembro que


vomitei as tripas depois.

— Pelos anjos! — Mia se


horrorizou.

Ouvi a cadeira sendo arrastada e

passos leves; sabia que pertenciam a

ela, pois Stefano tinha passos pesados, e

Rafaelle, geralmente, andava como um

ninja, mal deixando os outros

perceberem a sua presença.

— Lamento pelo que teve de fazer


— ela murmurou. — Obrigada por

poupá-lo disso.

Virei no hall e a vi abraçada com

Rafaelle, mas o ciúme não veio dessa


vez, porque sabia que ela gostava de

mim e que meu irmão jamais me trairia

dessa forma. Naquele dia, eu estava

agindo irracionalmente depois de sentir

isso pela primeira vez, mas comecei a


entendê-lo e estava tentando controlar.

— Ele faria o mesmo por mim se


estivesse no meu lugar — respondeu
Rafaelle.

Entrei na sala. Quando me

notaram, seus ombros endureceram. Mia

chorava ainda, abraçada ao meu irmão.

— Sim, eu faria — respondi ao

me aproximar deles.

Ela saiu dos braços dele e se


virou para mim de olhos arregalados.

— Seja o que for que estiver


pretendendo fazer ou dizer, pense antes

— alertou, colocando-se na frente de

Rafaelle para protegê-lo.

Essa mulher! Ela tinha o dom de


deixar até um homem como eu de

joelhos.

Seu movimento não passou

despercebido por ele, que a fitou


encantado pela coragem. E eu concordo,

pensei. Passei a gostar mais dela por


amar meus irmãos como se fossem seus.
Já sentia o mesmo pela Luna, e agora
com os outros.

— E se por acaso eu quiser uma

reprise do que aconteceu mais cedo no

quarto? — falei, aproximando-me de

Mia.

Ficou vermelha, a cor que passei a

achar linda nela. Não era uma

característica que me atraía em mulher


alguma antes.
Sorri para aliviar sua vergonha.

— Relaxe, eu estou sob controle.


Como disse: confio em meus irmão e em

você. — Puxei-a para meus braços,

inspirando seu cheiro. Uma mulher que

agradecia ao meu irmão por ter feito

algo ruim só para que eu não precisasse.

Ela se derreteu em meus braços.

— Se for ficar todo mole assim,

eu vou desafiá-lo a um duelo — disse


Stefano, sorrindo.

Rafaelle bufou.

— Você não teria chance alguma.

— Ele pegou seu café e tomou, mas

trocamos um olhar, através do qual eu

agradeci por tudo que fez por mim.

Lutar sempre foi algo que eu

adorava fazer, já que tirava um pouco da

minha fúria adquirida em anos. Então me

tornei eficaz nisso.


Mia se afastou, ainda corada, mas

riu da careta de Stefano. Ele era um bom


lutador, apenas não o fazia muito, pois

sua especialidade era matar. E ficou


pior depois de saber o que houve com

Jade, apesar de não tocar em ninguém

sem eu mandar; só suas táticas de tortura

ficaram mais descontroladas.

— Não gosto desse olhar. — Ele


apontou, me observando, depois sorriu,
escondendo sua verdadeira expressão.

Deixei quieto. Se saísse do

controle, eu teria de conversar com ele.

E eu também precisava me controlar,


diferente do que aconteceu na igreja.

Mas acreditava que melhoraria; aquilo

se deu pela nova descoberta de

sentimentos com que eu não soube lidar

no início.

— Que olhar? — sondou Mia,


confusa.
— Nada. — Sacudiu a cabeça.

Mia suspirou.

— Me diga uma coisa: agora que

o pai de vocês morreu, por que não sai

dessa vida, já que não gosta de matar?

— Ela parecia confusa. — Poderia

deixar tudo isso para trás.

Só podia ser ela mesmo,

preocupada conosco.

— Mia, eu admito que, no início,


matar foi barra-pesada, mas hoje não, já

faz parte de mim. É quem eu sou, e não

ligo mais. Fui moldado assim. — Eu não

mentiria. Se me aceitasse, seria assim.

Mia assentiu e olhou para meus

irmãos.

— Digo o mesmo, cunhada, então

não pense em nos salvar, por que não

teremos redenção. — Piscou Stefano. —


E nem quero.
Sacudiu a cabeça, contrariada.

— O pai de vocês era um demônio


— rosnou.

— Concordo. — Stefano mudou

de assunto: — Então agora vocês estão

juntos de verdade? — Piscou, chocado.

— Ainda é inquietante saber que tem


uma namorada.

Olhei para Mia; até eu custava a

acreditar no que estava acontecendo.


— Mamãe, vocês estão

namorando! — gritou Graziela, correndo


até nós e pulando, animada. — Isso

significa que será o meu pai?

Ela estava vestida com um collant

rosa, meia-calça e saia, e seus cabelos

loiros presos em um coque. Quicava de

empolgação. Seus olhos, fixos em mim,

brilhavam mais forte que o Sol.

Afastei-me de Mia, que ainda


parecia em choque, e de meus irmãos

calados. Eu a peguei em meus braços.

— Serei o que você quiser que eu

seja, princesa.

Seria um pai diferente do que o

meu foi. Eu a protegeria, inclusive de

mim.

— Oba! Hoje você me verá

dançando? Consegui fazer aquele passo

que não estava dando certo. Foquei em


meu objetivo, como me ensinou. Olha.

— Ela se me mexeu para descer, então a

coloquei no chão, onde fez um giro

gracioso.

Mamãe ia gostar de saber que

nessa casa tinha uma garotinha com o

mesmo sonho que o seu. Eu faria de tudo

para que Graziela o seguisse.

— Muito bom, princesa, será um

sucesso essa noite — afirmei.


Ela sorriu, iluminando o recinto.

— Vai ser às sete horas. Leremos


nossas mensagens aos pais antes da

apresentação. Seria depois, mas a

professora mudou. — Ela franziu o nariz

bonitinho. — Não sei o porquê.

— Estarei lá, eu prometo. — Eu


cumpriria essa promessa; não faria nada

para desmanchar sua animação.

Beijou meu rosto, o de sua mãe e,


em seguida, o de cada um dos meus

irmãos.

— Vocês também vão, né? — Ela

olhava de Rafaelle para Stefano.

— Não perderíamos por nada —

assegurou Stefano.

— Sim, estaremos lá. — Rafaelle

trocou um olhar comigo.

Mia reparou.

— Querida, por que não vai


desligar o som?

Graziela assentiu.

— Quero treinar mais um pouco,

mamãe — disse e saiu correndo.

A mulher me fuzilou.

— Se não vão estar lá…

Cortei-a:

— Irei, como prometi. — Peguei


sua mão. — Às seis, terei uma reunião

com Skender. Deve terminar cedo.


Ela ofegou.

— Ele está na cidade? Preciso…

Coloquei minha mão em seus


cabelos e puxei seu rosto de leve para o

meu.

— Nada acontecerá a vocês, só

precisa continuar aqui dentro. Sei que

quer ir trabalhar, mas hoje fique


conosco, para sua proteção. Ele não

ousaria entrar na minha casa. Luna e


Jade estão vindo para cá também, como

as esposas de alguns capos. — Suspirei.

— Acabarei a tempo da apresentação.

Stefano vigiará vocês junto aos homens

dos outros líderes.

Ela concordou. Sua confiança em

mim aqueceu o meu coração morto.

— Esses capos são bons?

Ri, negando.

— Nenhum capo ou chefe da


máfia é bom, Mia, mas são aliados em

que confio, pois estão de acordo com as

nossas regras. Não somos diferentes. —

Nikolai era letal, assim como Matteo,

Luca e Alexei, mas nenhum se envolvia

com tráfico de mulheres e crianças.

— Eu sei, confio em você. Não

sairei daqui hoje. O que acha que vai

acontecer nessa reunião? — Apertou


meu braço e disse baixo: — Esqueci de
mencionar, mas antes de minha mãe
morrer, ela falou que Graziela era filha
de Skender. E se ele exigir o seu direito
de pai…

— Ser paternal não faz o estilo

dele. Se o fizer, será para tentar algo

contra nós. — Sorriu Stefano. — Estou

louco por uma ação, mas não posso

reclamar de ficar tomando conta das

mulheres.

— Espero que se controle com as


esposas de Nikolai, Matteo e Alexei.

Eles não são benevolentes em relação a

elas. — Rafaelle ficou de pé.

— E por acaso o são em se


tratando de alguma outra coisa? —

Divertiu-se. — Vou me comportar,

apesar de Rayssa me dar muito o que

imaginar.

— Stefano! — avisei num tom de

chefe. — Não me arrume problemas.


Alexei rasgaria você, o gênio dele é
igual ao seu, muito explosivo. Fique
longe de todas elas. Só as proteja. —

Depois que ele acatou, eu me virei para


Mia. — É um terreno novo, não sabemos

como tudo vai se desenrolar, mas espero

que bem. Nós estamos em maior

número, e na minha cidade. Prometo a

você: ninguém levará a princesa.

Ninguém. — Pegaria os traidores e o


próprio Skender, se ele resolvesse não
se afastar.

Uma guerra estava para acontecer,

e eu faria de tudo para que minha família

e meu povo ficassem seguros.


Derrubaria todos ou morreria tentando.
Capítulo 16

Alessandro

— Está ciente do que vai fazer?


— perguntou Matteo. — Não me

oponho, claro, longe disso, mas as


coisas podem ficar feias nessa noite.

Estávamos em uma área deserta,

fora da cidade; não queria os albaneses

perto do meu território. De um lado,


tinha Matteo, o chefe da máfia

Salvatore. Do outro, Rafaelle. Além de

Luca, Nikolai e Alexei.

Conversávamos sobre eu tentar


negociar com os albaneses para o bem

geral.
— Todos são traiçoeiros como

serpentes, não vale a pena uma aliança


— assinalou Nikolai. — Não vou me

envolver com ninguém da raça deles.

— Não é essa a nossa intenção.

Não nos tornaríamos aliados — objetou

Rafaelle.

— E essa mulher que Skender

acha que daremos a ele, a mãe da


criança… — começou Alexei. Pude ver
que ele tentava não rir. — Vocês dois

estão juntos? Tipo um casal?

Ele era alto e loiro, de olhos

azuis, assim como seu irmão Nikolai.

— Não é da sua conta! — rosnei.

No fundo, encontrava-me controlado.

Pensei que ao sentir essas novas

emoções por Mia e Graziela eu fosse


ficar como Stefano, mas ali estava eu,

calmo, frio e preparado.


Alexei riu.

— Merda! Eu não achei que isso


fosse possível, alguém como você

apaixonado.

Amor? Eu seria capaz de sentir

isso algum dia? Sabia que a queria, a

desejava e mataria qualquer um que


colocasse as mãos sobre ela. Mas amar?

Não achava que fosse possível. Será que


Mia me aceitaria dessa forma? Ela
ficaria comigo mesmo eu não sendo

capaz de amar?

Parei de pensar nisso, já que tinha

uma batalha a ganhar.

— Não dou a mínima para a sua

opinião. — Olhei para Matteo. — Isso

não envolve apenas afastar o Skender de

uma vez por todas, mas limpar os


traidores do meu povo.

— Acho que o aviso que deu da


outra vez não foi claro o suficiente,

porque ainda restam alguns — apontou

Nikolai.

— Desta vez vou deixar o alerta


evidente para quem ousar me trair —

jurei. — Acredito que terei de fazer

como com Gael, enviando pedaços dos

traidores aos demais.

Luca tremeu ligeiramente.

— Skender pensa que traremos a


garota… Acredito que tudo explodirá

antes de abrirmos a boca. — Suspirou

Nikolai. — Deveríamos tê-la trazido

conosco.

Virei-me na sua direção, e por um

momento desejei enfiar uma bala em sua

testa só por ter sugerido isso.

O rosto de Nikolai ficou como


pedra, espelhando o meu. Dois machos

alfa em uma contenda. Seria difícil


vencê-lo, mas não impossível, até
porque eu não lutava de modo justo.

Senti a tensão de todos ao nosso

redor. Luca, como sempre, tentou

apaziguar a situação, mas meus olhos

estavam fixos no mafioso loiro.

Só de imaginar Mia ou Graziela

perto de Skender eu tinha vontade de

derrubar essa maldita cidade.

— Certo, gente. Vamos retomar o

assunto anterior — Luca sugeriu. —


Capo, eu sei que as coisas estão

confusas aí — ele apontou para a minha

cabeça —, mas segure esse instinto de

rasgar Nikolai. Foi um comentário

impensado, ele não pretende isso de

verdade.

Absorvi as palavras do mafioso

russo, me esforçando para interpretá-las

como Luca disse. O instinto protetor que


antes era dirigido apenas às minhas
irmãs agora estava sendo direcionado a
mais duas pessoas que entraram na
minha vida. Eu não deixaria que nada e
nem ninguém as levassem de mim.

Todos ficaram em silêncio acerca

da discussão, e isto foi bom, pois eu

ainda não sabia pôr rédeas nos meus

sentimentos.

— Eu ouvi que ele só quer a

criança — Nikolai comentou com mais


leveza, mas ainda o sentia rígido.
— Algo que não vai acontecer,

ninguém tocará na princesa — assegurou


Rafaelle.

Era uma promessa que eu e meus

irmãos cumpriríamos até o dia em que

morrêssemos.

O plano que deixei vazar foi que


eu traria a Mia para a negociação,

largando Graziela em uma cabana não


muito longe dali. Como Skender viria
nos encontrar, certamente os traidores se

encaminhariam para onde acreditavam

que minha garota estivesse.

— Espero que essa emboscada


seja um sucesso. Não quero me demorar

com essa guerra, tendo outra no

horizonte. Os Rodins precisam ser

detidos. Saíram do topo da lista do FBI,

portanto, cabe a nós acabar com eles. —


Os olhos de Matteo se apertaram. —
Atacaram ontem à noite duas das nossas
instalações.

— Estão começando a incomodar

de novo. — Assentiu Nikolai. — Vamos


cortar o mal pela raiz.

— Nosso infiltrado lá disse que

Chavez se aliou a Skender, ontem

mesmo tiveram uma reunião de portas

fechadas. Não foi relatado o teor da

conversa — contou Rafaelle. — Com


certeza estão preparando um ataque,
agora só precisamos descobrir onde.

— E quando. Assim, tomaremos

providências — destacou Alexei.

— Estou cuidando disso. Só não

posso pedir muito a ele ou descobrirão

seu disfarce. Acredito que logo teremos

notícias. Saber de antemão sobre o

ataque seria de grande ajuda. — Pelo


menos eu teria como proteger minhas

garotas. Todas as quatro.


— Falando nisso… Achei

estranho os nossos territórios serem


atacados, mas não os de vocês. —

Nikolai olhou para mim. — Excetuando


o incêndio, mas eles não são homens de

parar em um ataque. Enquanto isso, nós

já fomos atingidos algumas vezes, e isto

só neste mês.

Até ele comentar, eu não tinha


pensando no assunto. Por que os Rodins
evitavam o meu território? Medo não

devia ser, já que nenhum deles sabia o

significado disso. Qual era o motivo?

— Uma estratégia. Acredito que


eles nos querem focados nos atentados

contra vocês, afinal, somos aliados.

Assim, deixaríamos os nossos

descuidados, e invadiriam com

facilidade — disse Rafaelle. — Hoje


mesmo pode ser uma armadilha.

— Creio que esteja correto até


certo ponto. Eles não invadiriam nosso
território; não seriam tão loucos. —

Estreitei meus olhos com a ideia. — De


qualquer forma, nós ficaremos alerta.

Carros surgiam à distância.

— Descobriremos logo o que

planejam — falei, observando os

veículos se aproximarem.

— Seis carros. Provável que com

quatro homens em cada, totalizando


vinte e quatro. — Alexei pegou sua

arma, e assim fizemos todos. — Vamos

esperar para ver.

Estávamos em maior número,


cinquenta no total. Na linha de frente, só

os chefes, e o restante escondido ao

redor.

Os carros deles pararam e, em


seguida, vários homens saíram. Alexei

estava certo sobre a quantidade de


servos. Aparentemente, não carregavam
armas — ao menos nada visível a nós.

Fizeram uma frente única de

guardas, então se afastaram como se

para abrir caminho ao chefe. Skender

apareceu, vestido como um rei com uma

capa escura. Ele era alto, com cabelos

negros e olhos da mesma cor. Com

certeza, Graziela devia ter puxado à

mãe, pois se parecia muito com a Mia.


Graças aos céus.
Alexei bufou baixo.

— Estiloso, não?

Skender passou os olhos em todos


ali, pousando-os em mim e Rafaelle.

— Os filhos traidores de Marco

Morelli… O homem que matou o pai

para tomar seu lugar! — Parou a seis

metros de nós.

Já tinha ouvido coisas piores;

claro que todos que disseram isso


estavam mortos. E alguns pensavam,

mas não revelavam nada a mim, temendo

que eu os mandasse para o Inferno.

— Marco teve o que mereceu. E


você também terá, se continuar enviando

seus homens em meu território — fui

direto. Eu tinha uma hora para estar na

apresentação de Graziela. Não faltaria,

nem que para isso precisasse derrubar


todos ali.

— Vai depender de você — disse


um cara qualquer. — Nos devolva a
puta da Mia…

A sua fala foi cortada quando

lancei minha faca e acertei entre os seus

olhos.

Todos os homens de Skender

puxaram as armas.

— Sabia que ia dar nisso —


Rafaelle resmungou baixo, apenas para

mim. — Controle-se. Sei que é difícil,


mas é preciso.

Não conseguia. Ele mereceu por

ter falado mal da Mia; ninguém ousaria

chamá-la dessa forma, não na minha


frente.

Skender olhou para o morto,

depois para mim.

— Alessandro, mais conhecido

por Ghiaccio. Não parece nada gélido a

meu ver. Então quer dizer que minha


sobrinha o tem em suas mãos? Ou posso

dizer em sua cama? — Riu.

Suprimi minhas emoções e me

concentrei na situação. Uma coisa que


ele disse chamou a minha atenção:

lembrava-me de Mia mencionar que seu

pai era um servo de Skender, Afrim, seu

braço direito.

— Ela não era a sua sobrinha, mas

filha de um capacho seu — falei,


avaliando sua expressão. Precisava
dimensionar onde eu estava me metendo.
Obviamente sabia do que os albaneses

eram capazes. Se fosse sobrinha dele,


por que Mia não me contou? Ela mentiu

de propósito? Não achava possível.

— Afrim? Aquele idiota não

passava de um bajulador incompetente,

que só serviu para matar o meu irmão,

Skim. E, em troca, eu deixei que ficasse


com a mulher dele, a minha cunhada. —
Sua voz não denotava sentimento algum.

— Eu jamais me esforçaria tanto para

encontrar a filha de um simples servo.

— Você está dizendo que esse


Skim é o pai de Mia? — Precisava de

uma resposta.

Mia nunca mentiu. A mulher era

fiel aos seus. Ela certamente ia gostar de


saber que seu pai era outro, e não o

maldito verme que acabou matando.


— Sim, portanto, a garota é minha

sobrinha. Eu tenho direitos sobre ela. —


Sua expressão se fechou. — Mia matou

Afrim e sua mãe, e fugiu com a bebê que


tirou da barriga de Carina. Seu castigo é

a morte na minha máfia. Temos provas

de que escapou com a criança. Sem

contar que Mia tem algo que me

pertence.

— Na minha organização, Mia é


minha noiva e matou o pai por legítima

defesa ao defender a mãe de um marido

que, por sua vez, atirou nela grávida da

filha dele — joguei esse final para

descobrir se ele realmente sabia que

Graziela era sua. — Para salvar a bebê,

Mia teve de tirar a criança. Não a

julgamos por isso.

— As duas pertencem a mim,


minha sobrinha e filha. Pensa que eu
desconheço que a puta de Carina
esperava um filho meu? Eu a tinha a
hora que quisesse — praticamente
cuspiu. — Afrim a matou sem a minha

ordem. Se estivesse vivo, eu mesmo

acabaria com o maldito.

— Mais maldito é você, que a

estuprava — desdenhou Matteo

Salvatore.

Skender riu, zombeteiro.

— Justo você me dando lição de


moral? Sua família sequestrava crianças

e as mantinha em cativeiro para entregar

a homens aleatórios. E, com certeza,

você deve ter feito o mesmo.

Lorenzo, o antigo capo Salvatore,

pensou que a filha dele — hoje esposa

de Nikolai — tivesse morrido. Então

surtou e começou a sequestrar meninas e

levá-las para uma fazenda nos arredores


de Chicago. Lá, quando elas
completavam dezenove anos, eram
dadas aos homens em uma espécie de
ritual doentio. Eram pedófilos e tiveram
o que mereceram quando os membros do

MC Fênix invadiram o local e acabaram

com todos. Lorenzo morreu, e Matteo

ocupou seu lugar. Mas ele era diferente


do pai, assim como Luca.

Portanto, Matteo ficou sombrio

diante da acusação descabida. Antes que


ele soltasse as facas na direção do
Skender, eu precisava saber de uma

coisa.

— Onde enterrou o corpo de

Carina? — perguntei. Mia disse que


sofria por não ter dado um enterro

legítimo à sua mãe.

— Bom, capo — pronunciou o

título como se fosse algo desagradável


—, não direi nada se não me entregarem

as duas. Da próxima vez que nos


encontrarmos, eu atacarei e o matarei.
Vou adorar esculpir um sorriso nessa
sua cara fria.

— Elas não pertencem a você!

Mia é minha noiva, e Graziela será a

minha filha. Ao contrário de você, eu as

protegerei. — Esse homem me dava

repulsa.

Mia me contou que Afrim

desejava que ela se casasse com o rei,


ou seja, Skender, o tio dela. Só de
imaginar, revoltava-me e queria matá-lo.

— Levarei a minha filha comigo.

E se Mia for esperta, virá junto, ou

nunca mais verá a garota que a conhece


como mãe, não é? — Sacudiu a cabeça,

desgostoso.

— Tentei ser civilizado, mas acho

que não vai funcionar com você.

— Civilizado? Não sabe o que é

isso. Acha que eu viria ao seu território


desprotegido? Só com esses poucos

homens? — zombou, então estalou os

dedos.

— Você não precisa delas


realmente, Skender, deixe isso de lado

— pediu Rafaelle. — O que Mia tem

que lhe pertence?

Skender gargalhou.

— Poderia considerar a ideia, se

me cedessem parte de seu território. —


Virou-se para um dos seus homens. —

Milão, Veneza e alguns outros.

Se ele achava que eu lhe daria

meu território, estava enganado. Só por


cima do meu cadáver.

— Isso está fora de questão. —

Notei que ele não respondera à pergunta

de meu irmão.

— Oh, capo, as garotas me

pertencem. Não são vocês que


valorizam a honra? A julgar por isso, o

certo seria as entregarem a mim. — Deu

um passo à frente. — Ou a paixonite por

Mia mudou seu coração frio?

Dessa vez, soltei uma risada

sombria, sobrepondo minha voz ao som

de um helicóptero que passava à

distância — provavelmente algum

turista sobrevoando a cidade.

— Chega de enrolação! Você não


as tocará. Se tentar, derrubarei todos. —
Fulminei-o. — Agora precisa parti…

Cortou-me:

— Não saio daqui sem elas. Mas

sei onde estão e, neste momento, há


homens meus lá.

Decerto, ele estava falando da

emboscada que organizara para meus

homens traidores. Viper e Luigi


coordenariam outros caras de minha

confiança para lidar com eles. Mas se


ele descobrira a armação, eu estava com

sérios problemas.

— Você não tocará nelas —

repeti, perdendo minha paciência.

Sorriu.

— Tarde demais! O estúdio de

dança está lotado. Achou que me

enganaria? Logo, logo terei as duas

comigo. Farei a Mia pagar comendo

aquela boceta e, depois, a darei para


cada um dos meus homens. — Olhou

para os meus aliados. — Suas esposas

estão lá também.

Não tive tempo de soltar a minha


fúria: o helicóptero se aproximara. Não

carregava civis, e sim o pessoal dele.

— Porra! São atiradores.

Protejam-se — gritou Matteo, correndo


para se esconder atrás de um carro.

Tudo aconteceu ao mesmo tempo.


O helicóptero chegou e os guardas da

linha de frente começaram a atirar em

nós. Assim também fizeram os meus

soldados de tocaia.

Segurei o meu medo por pensar

que alguém pudesse tocar em uma delas;

precisava acabar com isso e ir atrás das

minhas garotas. Podia ver que todos

pensavam o mesmo.

Atirei nos homens que protegiam


Skender. Ele tentou fugir, mas os pneus
haviam sido furados. O merda correu
para trás de seu carro. Quem estava no

helicóptero começou a soltar fogo sobre


nós.

— Maldição! Assim vamos

morrer — gritou Alexei, quando a

metralhadora nos meteu uma saraivada

de tiros. — Temos que derrubar o

helicóptero. Porra! Alguém tem um


canhão escondido no bolso?
— Me deem cobertura e deixem

que cuido dessa parte — falou Rafaelle,


indo para o nosso carro. Com certeza

pegaria o rifle que tinha ali; sempre


carregava consigo para emergências.

Meu irmão era o melhor atirador que eu

conhecia, certeiro.

Atingiu seu objetivo e passou a

atirar nos inimigos, tanto os do céu


quanto os da terra.
— Skender é meu. Não o quero

morto agora — avisei. — Temos que


andar logo enquanto ainda temos visão,

porque depois que escurecer ficaremos


cegos. — Sinalizei para Luca. — Me

cubra. Eu vou chegar a Skender. Matteo,

dê cobertura ao meu irmão, e o resto

pode mandar fogo.

Levantei minha arma na frente do


rosto e segui abaixado atrás dos
veículos. Tiros cruzavam perto de nós,

mas nenhum nos acertou. Torcia para

que continuasse assim.

Vi Skender escondido atrás de seu


carro; acertei os que estavam perto, e

Luca fez o mesmo com os outros. Eu

precisava cuidar para não ser baleado

de cima. Cadê Rafaelle que ainda não

derrubou essa merda?

— Você teve uma oportunidade


para aceitar isso sem lutar. Mas aqui
estamos nós — gritei.

Pulei quando uma de suas balas

passou perto da minha cabeça, batendo

no carro blindado. Revidei, acertando o

seu braço.

— Vou adorar matar você. — Eu

estava indo até ele, mas um estrondo

proveniente do céu me distraiu por um

segundo.

— Feito! Agora nós vamos acabar


com todos — rosnou Alexei.

Corri e chutei o peito de Skender

antes que recarregasse a sua arma.

— Como disse: você é meu! —

Chutei sua mandíbula, contudo, não a

tempo de impedir que sua faca

deslizasse pela minha barriga. Senti a

hora em que fui cortado.

— E você é meu, capo. — Ficou

de pé, me chamando para a luta.


Avançou sobre mim, mas lhe dei

um murro no rosto, fazendo-o


cambalear. Com o cano da arma, eu

acertei o seu rosto e o vi cair


desacordado.

— Boa. Lidaremos com ele

depois. — Luca atirou em um cara que

pretendia me acertar.

Voltei-me a ele, agradecido, e


assenti. A luta continuou. Alguns dos
albaneses tentaram fugir depois que a

aeronave caiu não muito longe de onde

estávamos.

Chequei os carros em condições


de rodar.

— Agora só preciso saber como

estão as meninas. Se era um blefe ou

não.

— Elas estão protegidas. Stefano,

Miguel e os outros cuidarão delas até


chegarmos. — Colocou a mão no meu

ombro, me levando a encará-lo. — Às

vezes, sentir medo é bom, pois significa

que estamos vivos.

Sabia que ele não se referia ao

episódio de minutos atrás, mas ao pavor

que parecia consumir tudo de mim. Eu já

o sentia antes com Jade e Luna, mas

aumentara com a chegada de Mia e


Graziela.

Depois de dez minutos,


conseguimos estabilizar o cenário.
Tivemos perdas severas, mas ganhamos

a batalha.

— Merda! Levar um tiro não era o

que eu tinha em mente hoje — grunhiu

Alexei, segurando seu braço.

Os líderes e seus homens de

confiança estavam bem, na medida do

possível. Fora Alexei, que levou um tiro


no braço, Matteo na perna, e eu…
— Você está ferido. Qual a

extensão? — sondou meu irmão,


puxando minha camisa e checando. Em

seguida, praguejou: — Fundo. Você


precisa ser costurado ou terá uma

hemorragia.

— Vamos embora daqui. Quero

checar a minha esposa. — Todos

concordaram com Luca.

Sim. Eu também iria para a minha


mulher e filha.
Capítulo 17

Mia

A mansão do castelo estava cheia


de esposas de capos e chefes de máfias.

Irina era uma loira deslumbrante,


forte e destemida, casada com o capo

Salvatore e irmã de Nikolai e Alexei

Dragon, dois chefes da máfia russa. Ela

era mãe de uma garotinha chamada

Sandy.

Dalila, mais conhecida como

Samira, era a esposa de Nikolai e irmã

de Matteo. Por anos foi tida como morta,

e seu pai, para se vingar, pensando que a


culpa era dos Dragons, mandou matar os
dois. No final, ela estava viva e se
apaixonou pelo filho daqueles que seu
pai assassinou.

— Desculpe dizer isso, mas ele


merecia a morte. Que apodreça no

Inferno — falei à Samira. Notei que ela

gostava de ser chamada assim, mais do

que pelo nome verdadeiro. Minha

reação se deu ao descobrir que Lorenzo,

o pai dela, raptava meninas novas e as


mantinha em cativeiro para serem
entregues a abusadores.

Ela sorriu.

— Não ligo. Um dia, ele foi um

pai, mas isso mudou com suas atitudes

desumanas. Não me importo com aquele

homem. Não existem sequer boas

lembranças dele. — Samira olhou para

o filho no braço. Ela tinha Nikolas, de


dois anos e meio, e a bebê Sasha.

— Passei quase a vida toda


odiando o meu pai, mas, no fundo, ele só

queria encontrar a minha mãe que tinha

sido vendida pelo meu tio — comentou

Rayssa. A garota era uma mulher muito

doce e linda com aqueles cabelos

anelados. Mãe de Aristov, um bebezinho

loiro belíssimo.

Os homens estavam longe demais

para conseguirem ouvir. Havia um cara


chamado Cielo, guarda de Samira;
Samuel, de Irina; e Olege, segurança de
Rayssa e do filho dela. Os nossos, de
Jade, Luna e eu, eram Stefano e Miguel,
tão letais quanto os outros.

Rayssa era filha de Pietro, um

antigo chefe da máfia russa, que tinha

morrido há alguns anos, deixando-a

como herdeira.

— Você toma conta da máfia? Faz

tudo? — Arregalei os olhos.

Piscou, exasperada.
— O quê? Não! Jamais poderia

cuidar disso. As coisas que eles


fazem… — Estremeceu. — Precisei

lidar com o título porque não tive


escolha, mas conheci o Alexei, ele me

protegeu a pedido de meu pai. Nos

apaixonamos, e agora quem toma conta

de tudo referente à linhagem Petrova é

ele. A maioria das vezes nem sei o que

acontece, pois ele me mantém fora dos


negócios mais sombrios. Acho bom.

Melhor do que saber o que rola.

— Luca faz o mesmo. Sei que eles

não são santos, longe disso, mas todos


morreriam por nós — assegurou Jade,

olhando Stefano, que conversava com

Miguel. — Meus irmãos também.

— Onde fui criada, a máfia era


horrível. Os chefes tomavam as meninas

que queriam e faziam o que desejassem


delas. Eu só fui excluída disso devido à
minha mãe ter ocupado o meu lugar. Era
passada de mão em mão… — Expirei

com os dentes trincados. — Juro que


não sabia disso até o dia em que fugi. O

que ela deve ter vivido para me

proteger…

Não tinha poder para mudar o

passado, isto doía demais. E, se

conseguisse voltar no tempo, não sabia o


que poderia ter feito de diferente.
Talvez fugir mais cedo? De qualquer

forma, eu não a deixaria naquela vida

miserável.

— Temia a máfia porque assumi


que todas fossem cruéis. Mas então

conheci a Luna. — Olhei para ela,

sentada ao lado da irmã. — Tudo

mudou. Alessandro me salvou do

incêndio, e Miguel resgatou a Luna e a


minha filha. Depois vim para cá e, desde
então, eles nos protegem. Agora estão lá
tentando negociar com os albaneses por
minha causa, mesmo tendo inimigos
próprios, os Rodins.

— Esses Rodins bem que

poderiam morrer, não é? — sibilou

Irina. Percebendo nossos olhares

assustados, ela acrescentou: — Qual é,

gente? Alguém aqui pensa diferente?

— Claro que merecem! Eles


dizimaram muitos dos nossos — falou
Samira. — Há quase dois anos,

deixaram Nikolai uma pilha de nervos.

— Matteo não ficou atrás, pois

atacaram eu e meu irmão em um


aeroporto na frente de civis, quando eu

voltava de Dallas. — Irina sacudiu a

cabeça, enraivecida. — Alexei levou um

tiro e quase morreu para me proteger

daqueles imundos. Então, para mim, já


viveram tempo demais.

— Lembro que Alessandro ficou


furioso com tantos atentados, até fez uma
aliança com os Salvatores. Foi uma

época turbulenta. — Jade alisou sua


barriga. Mais cedo, ela revelara a todas

as meninas sobre sua gravidez,

alegrando o grupo.

— Tive que ficar mais de um mês

sozinha, sob a proteção de Miguel. —

Suspirou Luna. — Na hora, odiei, já que


não gostava dele, e sim de Sage.
Sage estava na sala também. Tinha

os olhos nela o tempo todo, mas minha


amiga não parava de fitar Miguel.

— Garanto que sua paixão surgiu

ali. — Jade sorriu para a irmã. — Bom,

Miguel a merece, nenhum outro homem

que não enfrente os nossos irmãos é

digno. Luca encarou Alessandro de

frente, sem medo.

— Menina, aquele seu irmão é um


tanto sombrio, hein? Ficar perto dele me

dá arrepios, e nada a ver com sua

beleza. — Rayssa estremeceu.

— Alessandro sabe ser frio


quando quer, apesar de que, nesses

últimos meses, eu o vejo diferente. —

Sorriu para mim. Sabia que lá vinha

coisa. — Vejo que estão juntos, então

devem estar namorando.

— Vocês se amam? Não consigo


imaginar aquele homem sentindo isso.
— Irina falou em tom baixo. — Mas
Matteo também era frio quando o

conheci, só não tanto quanto esse capo.

Elas me miraram com entusiasmo,

como se eu tivesse uma grande história

de amor para narrar. Não sabia o que

sentia. Claro que Alessandro me atraía,

adorava estar com ele, e nós

afirmávamos que nos casaríamos, mas


amor?
— Não sei se ele é capaz disso.

Mas conheço um lado que não mostra a


ninguém, tem mais nele do que veem por

fora. — Suspirei.

O que Alessandro fez por aquelas

meninas, mesmo não saindo conforme

queria… o importante era que se

esforçou ao máximo para salvá-las.

— Como, por exemplo, o quê? —


sondou Rayssa.
Não acreditava que ele gostaria

que isso vazasse, então eu não diria


nada.

— Deixe pra lá. Eu não posso

contar em detalhes, mas há um coração

imenso por trás daquela fachada. —

Escorei-me no sofá.

— Ele é bom de cama, pelo

menos? — inquiriu Irina, sorrindo. —


Acredito que seja. Que tamanho tem o…
— Por Deus! Eu não quero saber

o tamanho da… coisa do meu irmão. —


Luna praticamente pulou do sofá,

falando um pouco mais alto do que o


normal.

Irina riu.

— “Coisa”? Agora pênis é coisa?

— O que está acontecendo? —


perguntou Miguel, nos avaliando,

especialmente a Luna, que parecia um


pimentão vermelho.

— Nada preocupante. — Decidi

salvar a garota, embora estivesse

igualmente corada. Depois emendei


baixo a elas: — Não vou falar sobre

isso com vocês.

Irina deu um suspiro duro.

— Fica chato assim. Eu não posso

falar do tamanho de Matteo, porque

Samira é irmã dele; nem ela ou Rayssa


podem fazer o mesmo comigo, porque

Nikolai e Alexei são meus irmãos —

reclamou. — Jade não pode falar de

Luca, porque Samira é prima dele. E

agora não podemos falar de Alessandro,

porque Luna e Jade são irmãs dele.

Ri, sacudindo a cabeça.

— Não foi muita coisa, não


ficamos juntos de verdade — resumi.

— Por quê? Parece que realmente


gosta do meu irmão. — Jade me olhou.

— Claro, responda sem muitas

explicações da vida sexual de vocês.

— Não transamos, então nem se


quisesse poderia dizer algo. — Omiti

que havíamos feito outras coisas. —

Sempre sonhei em me casar em uma

igreja, pertencer a somente um homem

na minha vida. Então veio o Alessandro


e bagunçou tudo.

— Bagunçou de um jeito bom ou


ruim? — Samira quis saber.

— Não acho que seja ruim. Ele só

me tirou daquilo que sempre sonhei,

mesmo tendo dito que nos casaríamos…

— Vocês vão se casar? — Jade

praticamente gritou, gesticulando como

se tivesse acabado de fazer um gol. —

Não acredito nisso!

Dessa vez, Stefano saiu do seu

lugar e veio até nós, sendo seguido por


Miguel.

— Que tanta gritaria é essa? —

perguntou com os olhos estreitos.

— Alessandro vai se casar! —

soltou a bomba.

Tanto Stefano quanto Miguel me

encararam. Corei com toda aquela

atenção.

— Casar? — Stefano praticamente


cuspiu a palavra; não por não me
aceitar, mas por sua aversão a

casamentos.

— Quando ele pediu a sua mão?

— indagou Luna, animada.

Sacudi a cabeça, ficando de pé.

Precisava deixar uma coisa clara ali.

— Alessandro não me pediu em

casamento de forma normal. Suas

palavras foram mais ou menos “Você

será a minha esposa, porque se alguém


mais tocar em seu corpo, eu o

estraçalho”. Então parem de histeria.

Não sei o que vai acontecer, deixarei

para pensar nisso depois que tudo isso

acabar.

Miguel desatou a gargalhar, sem

cerimônia.

— Isso é a cara do Alessandro.


Não vai conseguir um pedido diferente

vindo dele. — Tentou parar de rir.


Nesse ponto, ele tinha razão.

Alessandro não parecia um homem de


pedir a mão de uma mulher ajoelhado e

com um buquê de flores. Eu adoraria se


fosse, mas não era hora para isso,

tínhamos problemas mais importantes.

— Meu irmão pode mudar se ele

ama a Mia — retrucou Luna para

Miguel.

Ele arqueou as sobrancelhas.


— Oh, sim, Cachinhos, todos

podem mudar, mas alguns são como são.


Ou a pessoa aceita, ou parte para outro.

— Não achei que estivéssemos mais


falando de Alessandro. No final, sua voz

tinha um toque sombrio.

Luna fez careta, mas não

respondeu. O que será que estava

acontecendo ali? Depois procuraria


saber a respeito do que a incomodava.
— Mamãe, eu preciso me arrumar

ou vamos nos atrasar — disse Graziela,


correndo até mim.

— Claro, minha linda. Por que

não sobe e vai começando? Já apareço

lá. — Precisava sondar o que estava

acontecendo com eles no tal encontro.

— Meu papai estará lá? —

questionou ela, ansiosa.

— Vai. — Céus! Eu esperava que


sim, ou não sabia o que seria dela.

— Agora vou ficar bem bonita.

— Você já é linda, meu amor —

declarei.

Ela beijou o meu rosto, depois o

de Luna, Jade e, por último, os de

Miguel e Stefano.

— Tio Stefano? Não se esqueça

do meu presente. — Sorriu.

— Acho que o presente vai


demorar um pouco, princesa, mas

prometo que darei em breve e em grande

estilo. — Ele a pegou nos braços,

beijando ambas as bochechas dela.

— Tudo bem. Podemos ir todos

juntos. — Animou-se e subiu as escadas.

Todas as garotas olharam para

Stefano, que franziu o cenho.

— O quê?

— Você parece se dar bem com


crianças — apontei. — O que prometeu

a ela?

— Me dou bem com crianças e

mulheres. — Piscou para Rayssa,


Samira e Irina.

— Que tal parar de ser

engraçadinho, garoto? Os maridos delas

acabarão com você se tentar algo —


avisei. — Eles são chefes da máfia.

— Eu posso fazer o mesmo


estrago neles, cunhada, e tudo isso

sorrindo. — Por mais que estivesse

rindo, eu podia ver que ele falava sério.

— Se comporte, Stefano — Jade


ralhou, levantando-se. — Preciso me

arrumar, não quero perder a

apresentação de Graziela.

— Acho isso errado, devíamos


ficar todos aqui, e não sair para nenhum

espetáculo — Miguel reclamou, seus


olhos fixos em Luna.
— Não tem como. Não viu a

animação daquela garotinha? Isso

acabaria com ela — disse Stefano. —

Estaremos protegidos na ida até lá e

analisaremos todos que entrarem.

Ninguém suspeito passará, pode

acreditar.

— O que está acontecendo nessa

reunião? Alguma notícia? — Eu me


sentia ansiosa para saber se eles
estavam bem. — Se for perigoso irmos à

apresentação, eu posso falar com

Graziela. Ela é muito esperta, vai

entender.

— Não há nada com o que se

preocupar — assegurou Stefano. — Foi

tudo providenciado. Ninguém chegará

perto de nenhuma de vocês hoje.

Um nó subiu em minha garganta,

por sua preocupação.


— Obrigada por nos protegerem.

Passei tanto tempo fugindo sozinha e


confiando somente em mim mesma, que

agora que tenho alguém para lutar por


mim, me dá vontade de chorar. —

Abracei Stefano, o qual enrijeceu por

um segundo. — Valeu, garoto. Agradeço

a você, Miguel e todos os outros.

— Não sei lidar com lágrimas de


mulher — alertou, mas passou os braços
à minha volta. — Só espero que meu

irmão não chegue aqui e me veja desta

forma, porque pode querer me matar

como pretendia com Rafaelle.

Ele brincou, porém, no fundo,

fiquei preocupada e me afastei,

limpando meus olhos molhados.

— Espere: Alessandro tentou


matar Rafaelle? — indagou Jade,

horrorizada.
— Somos irmãos, ele não pode ter

feito algo assim — Luna sussurrou de


olhos arregalados.

— Foi um mal entendido. Alguém

tirou fotos de nós dois dando a entender

que Rafaelle e eu estivéssemos íntimos,

mas era uma armadilha, não sei. De

qualquer maneira, foram parar nas mãos

de Alessandro, e ele ficou… — Pensei


na sua reação na hora. — Nunca o vi
daquele jeito. Derrubou o irmão, achei

que fosse acontecer o pior, mas ele só

esmurrou o chão.

— Oh, senhor! — Jade se


encolheu e fitou Stefano. — Ele nunca

perdeu a cabeça, apenas quando revelei

sobre Gael.

Uma sombra surgiu na expressão


de Stefano, como aquela que, às vezes,

eu via no irmão dele.


— Alessandro é um homem leal,

fiel à sua palavra, amigo e companheiro.


Ele não mede esforços para servir,

apesar de ser complicado por não


mostrar o que sente. É uma armadura. —

Miguel pousou os olhos em mim. — Ele

nunca deixa ninguém entrar. Acredito

que tudo está confuso dentro dele agora

pelos sentimentos novos, mas meu amigo

vai se dar conta disso.


— Espero que sim. Tenho mais

medo do que Skender fará depois dessa


conversa deles; aquele homem é um

monstro — murmurei, encolhida. — Não


aceita ordem de ninguém.

Stefano me deu um sorriso

sinistro, me lembrando hienas.

— Cunhada, não se esqueça de

que também somos letais, bem piores


que o mafioso albanês. Não preocupe
essa cabecinha linda e foque apenas na

apresentação da princesa. Tomaremos

conta do resto.

Eu não conseguia não me


preocupar com eles e minha filha. Mas,

por ora, rezaria para que não

acontecesse nada nessa reunião.


Capítulo 18

Alessandro

Tinha ligado para Stefano e


checado tudo; nenhum intruso conseguiu

entrar no lugar onde aconteceria a


apresentação. Fiquei grato por isso.

Conversei com Viper e Luigi, e

como o esperado, ninguém apareceu,

certamente suspeitaram que seria uma


emboscada, ou pensaram que Skender

sairia de lá vivo. De qualquer forma o

plano de pegar todos eles falhou.

— Alessandro, eu preciso
costurar você ou não vai parar de

sangrar — Rafaelle disse.


— Necessitamos de um plano bom

para pegar todos os traidores. —


Estávamos no carro, indo para a cidade.

— Eu sei, mas neste momento a

sua saúde é prioridade. Mortos não

lutam — falou com amargor.

Ele tinha razão. Tirei minha


camiseta e me arrumei no banco de trás,

enquanto Luca dirigia. Nikolai, Matteo e


Alexei foram em outro carro.
Eu estava furioso, porque muitos

dos meus homens fiéis padeceram, e


quem deveria morrer escapou. Quando

eu colocasse minhas mãos em Skender,


eu o faria pagar caro.

— Termine logo, tenho que ir à

apresentação de Graziela.

Meu irmão estreitou os olhos.

— Não pode estar falando sério!

Você precisa de um médico, porque


mesmo comigo dando pontos, ainda vai

faltar muito a ser feito — rosnou.

— Não há tempo. Graziela está

esperando por mim. — Precisava


garantir a segurança de minha família.

Mas como? O que podia fazer para

pegar os traidores? Acreditei que

houvesse feito isso no passado, mas

estávamos sendo traídos de novo.

Não podia deixar isso assim;


Graziela e Mia careciam de liberdade.
Minhas irmãs também. Eu lidaria com os
traidores e os Rodins de uma vez por

todas.

O que fazer? Então olhei para a

minha ferida, sendo suturada por meu

irmão, e uma ideia se formou em minha

cabeça. Não era das melhores, porque

faria as pessoas próximas a mim

sofrerem, mas eu precisava pensar na


sua segurança.
— Acho que preciso morrer — as

palavras praticamente saltaram da minha


boca.

Tanto Rafaelle quanto Luca me

olharam como se eu tivesse perdido a

cabeça.

— Espero que não seja fraco a


ponto de desejar a morte por causa de

uma ferida de faca. Ouvi que suportou


muito mais do que isso — observou
Luca.

— O corte não é grave, não

atingiu nenhum órgão vital — disse

Rafaelle, me avaliando. Mas ele me


conhecia bem. — Não é disso que você

esteja falando, certo?

— Não, pense… Eu não sei quem

está me traindo. É alguém que conhece o


que meu pai fazia. Eu poderia torturar

todos e buscar essa informação, mas não


levaria a nada, só me tomaria tempo. E é
uma coisa que não temos contra os
Rodins. — Soltei um suspiro duro. — O

maldito Chavez colocou infiltrados na


minha organização, assim como fizemos

com ele.

— O que você ser dado como

morto tem a ver com isso? — inquiriu

Luca.

Rafaelle suspirou.

— Não estou gostando do rumo


disso. — Terminou o trabalho e me deu

uma faixa de tecido para pressionar o

lugar.

— É o melhor, não entende?


Comigo morto, Rafaelle será o novo

capo. — Enrolei o pano e limpei o

sangue que escorria pela minha barriga.

— O que eu posso fazer como


capo que você não pode, Alessandro?

Não estou entendendo, explique melhor.


— Você pode dizer que fingia ser

o irmão bonzinho, porque não tinha


escolha, mas que sua vontade sempre foi

reinar e repetir tudo o que nosso pai


fazia.

— Eles não vão acreditar nisso.

— Não, eles não vão, portanto,


você terá que provar, fazendo o que eles

gostam mas nós proibimos. Com isso, os


traidores sairão das sombras, e quem
não aprova tentará esconder o seu

desapreço. Viper e Rabel bolarão um

plano para derrubar você; eles ficarão

do lado do bem, ou seja, vão se opor.

Luigi e Saul o ajudarão com isso; eles

tentarão chegar aos traidores dizendo

que só me seguiam por ser o capo, mas

que agora aprovam o novo líder.

Rafaelle se manteve calado, assim


como Luca. Eles sabiam que o plano era
bom.
— Nenhum deles vai acreditar que
eu o odiava. — Rafaelle me olhou. —

Tudo que passamos juntos…

Expirei, ignorando a dor do corte,

mas tinha outra ali ao dizer as palavras

seguintes:

— Sim, mas é comum haver

traições quando uma mulher está

envolvida — dizer essas palavras


arranhou meu cérebro e minha garganta.
— Mulher? — falou baixo, em

tom frio. — Não está querendo insinuar


que eu…

— Sim. Assim que eu me for, ou

eles pensarem que eu morri, você será

capo e tomará a Mia como noiva. Fale a

todos que sempre a quis e que foi um

alívio eu ter saído do seu caminho. —

Coloquei a mão no peito, sentindo-o


doer muito.
— Não tocarei nela.

Sorri frio.

— Não, porque ela é minha. — Só


de imaginar alguém encostando naquele

corpinho, onde só eu tive o prazer de

tocar, sentia vontade de derrubar todos,

incluindo o meu irmão. Mas isso era


algo que eu não queria fazer.

— O plano é bom, mas tem uma

coisa aí em que eles não acreditarão.


Que nós, os seus aliados, fomos todos

para o lado de Rafaelle — disse Luca.

— Pensei nisso. Rafaelle romperá

as alianças, tanto com você quanto com


Matteo e Nikolai. Estará sozinho nisso.

— Eu esperava que desse certo para

conseguirmos eliminar todos os ratos.

— É um risco que teríamos de


correr. Pode funcionar, assim como não

acontecer do jeito esperado. — Rafaelle


finalmente assentiu. — É um plano que
levará tempo. Acha que pode fazer isso?
O que acontecerá com nossas irmãs, Mia

e a princesinha? Não agir como um


mafioso sem coração e continuar

protegendo elas.

Luca tremeu.

— Jade vai embora com Luca

para Chicago. Luna vai para Dallas com

o Miguel. Queria poder mandar Mia e


Graziela para longe, mas…
— Vou precisar delas aqui para o

plano funcionar — concluiu Rafaelle.

— De Mia nós necessitamos, mas

e a Graziela? Podemos deixar ela com a

Jade e eu — sugeriu Luca.

— Conheço Mia, ela não deixará

a filha longe, ainda mais em outro país


— ponderei.

— Se mentir para Mia, ela pode

não perdoar você quando voltar. As


mulheres tendem a ficar irritadas ao

serem enganadas. Além do mais, nós

precisamos que ela saiba o que está

acontecendo ou parte disso, pois não vai

aceitar ser minha falsa noiva —

Rafaelle comentava. — O que fará?

Imaginar Mia sofrendo apertava o

meu peito; não podia fazer isso. Teria de

incluí-la na história.

— Revele a verdade somente


depois do enterro, assim ela
demonstrará sofrimento real, porque se
souber antes, ninguém vai acreditar…

Cortei Luca:

— Não só ela, mas Luna e Jade…


— Segurei minhas emoções, pois não as

deixaria tomarem conta de mim ou nunca

protegeria aqueles que eu amava. Jurei à

mamãe que manteria minhas irmãs

seguras, e faria isso. Mas não só elas:


Mia, Graziela e também o meu povo.
Precisava pensar como um capo, e não

como irmão ou homem que queria

proteger sua mulher e filha.

— Não vou mentir para Jade. —


Fulminou-me. — Isso pode fazer mal

para o bebê, e eu não quero que ela

tenha complicações na gestação.

Ele tinha razão; eu não suportaria


que minha irmã perdesse o bebê por

causa de um plano para eliminar todos


os desgraçados traidores. Seria uma
escolha difícil, exigia muito
planejamento, ou seja, demoraria

bastante para se concretizar; isso


acarretaria problemas na gestação.

— Tudo bem. Como Jade está

grávida, nós podemos dizer que passou

mal para evitar ir ao enterro. É fodido,

fazê-las sofrerem. Mas é melhor do que

deixar um deles chegar até elas, sem


sabermos de que lado estão, e nossas
garotas serem feridas ou coisa pior.

Jade está segura com você. — Olhei

para Luca através do retrovisor. — E

quanto à Luna, Mia e Graziela?

— Como pretende fazer isso? —

perguntou Luca, assim que entramos na

cidade.

— Acho que para a encenação


ideal, você precisa pedir a mão de Mia

na frente de todos. Assim, acrescentará


algo a mais no seu status ruim de chefe;
ter um gesto de fraqueza por uma
mulher. — Rafaelle guardou a caixa de

primeiros socorros. — Também me


acusar de obrigar Mia a ficar comigo.

Eles vão presenciar isso e, quando ela

aceitar a sua mão e no cemitério ao

sofrer por você, todos acharão que sou

duro o suficiente para obrigar uma

mulher a ser a minha noiva; posso falar


que ameacei matar a princesa… —
Senti-o estremecendo.

Ele tinha razão. Era uma estratégia

que machucaria muitos, mas, no final, eu

faria todos pagarem pelas lágrimas


derramadas de Luna e Mia assim que

soubessem que morri.

— Hoje, na apresentação, eu

chegarei e farei isso, pedirei a mão da


Mia em casamento. Depois direi que

vou a uma negociação e, a caminho de


lá, serei atacado. Como você vai
precisar de provas de que estarei morto
— gesticulei para meu irmão —,

acontecerá uma explosão no meu carro.


Botaremos um corpo do meu lado, o

Skender. Todos assumirão ser eu.

Ninguém liga para DNA e essas merdas.

Mas se insistirem, eu cuidarei disso, não

preocupem.

— Você ficará sozinho? Onde


estará? — sondou Luca.
Sacudi a cabeça.

— Melhor não saber. Mas vou


ficar de olho em tudo, saberei de cada

coisa que acontecer aqui fora, como

dentro de nossa casa — frisei, fazendo

Rafaelle rir, mas não parecia ofendido.

— Como se eu fosse tocar em sua


mulher. — Balançou a cabeça. —

Acredito que o plano dará certo, não é


ruim. Bem eficiente, tirando a parte de
não podermos dizer a verdade para as

nossas irmãs, ou uma delas.

— Além de nós, quem saberá da

armação? — inquiriu Luca.

— Jade, porque não podemos

deixá-la de fora devido à situação da

gravidez. Stefano, porque se ele pensar

que fui morto de verdade a porra toda


explodirá e será capaz de ir atrás dos

Rodins sozinho. Não quero que nada


saia de errado, muito menos que meu
irmão seja assassinado no processo.
Miguel também.

— Quanto à Mia? — Luca

perguntou.

Passei a mão nos cabelos.

— Depois do enterro, eu dou um

jeito de chegar até ela para falar todo o

plano e pedir que colabore.

Luca riu.

— Tome cuidado para que não


haja nenhuma arma no local, pois

conhecendo aquela mulher, com certeza

será capaz de matar você.

Nisso ele tinha razão. Mia contava

com um gênio forte, mas torcia para que

ela pudesse entender o porquê de

estarmos fazendo isso. Seria doloroso

para as minhas irmãs, mas era preciso.

— Uma dúvida. Como vocês vão


voltar a fazer as coisas que o Marco

fazia? Porque isso inclui sequestrar


crianças, certo? Pretendem entrar no

jogo deles sem fazer isso de fato? —

Luca estreitou os olhos.

— Os homens certos as pegarão,


aqueles em quem eu confio, e não as

machucarão. Depois irão vendê-las a

uma determinada pessoa, que será nossa

também. Deixaremos as meninas

escondidas até tudo acabar, e depois as


devolveremos para suas famílias. Vou
indicar as pessoas ideais para isso.

Rafaelle sabe de alguns que eu tenho

certeza que nunca me trairiam. Vou usar

minhas cartas na manga. — Esperava

que tudo corresse bem.

— Boa. Eu não estava gostando da

ideia de machucá-las de verdade. —

Suspirou Luca.

Dessa vez, eu envolveria

inocentes em meus planos, então


precisaria tomar cuidado para que
ninguém se ferisse. Minha mão direita
foi para a tatuagem de chamas em meu

peito. O que houve no passado não


poderia se repetir.

— Em vez de sequestrar

inocentes, nós poderíamos apenas pegar

prostitutas que queiram ganhar um

dinheiro; aquelas com cara de novas e

virgens. Sei que alguém fotografará,


porque era isso que eu faria caso
estivesse buscando provas do novo capo

ser diferente do anterior. — Não

gostaria de abduzir crianças; não

conseguiria fazer isso. Não depois do

que houve naquela época.

— Tudo bem. O plano foi

elaborado, agora vou checar algumas

pontas soltas e encaixar outras para que

fique melhor — disse meu irmão. —


Nesta noite, vamos nos concentrar na
apresentação, já que não vai para o
hospital onde devia estar indo.

— Já lidei com cortes piores. Não

há nada que me impeça de chegar à


Graziela. Não viu a ansiedade dela?

Não posso magoá-la, ela conta comigo

lá. — Um nó desceu por minha garganta.

— Depois que tudo vier à tona, peça

para Mia não dizer nada para ela. Falar

à minha princesa que estou morto seria o


seu fim. Não quero que ela sofra. Posso
contar com você em relação a isso, não

é?

Rafaelle assentiu.

— Sim, vou deixar Stefano

encarregado de proteger as duas, e as

manterei na mansão. Assim, eu poderei

dar a desculpa de que estão presas sob

meu domínio, ou Mia fugirá — ele


falava tão sério que, se eu não o

conhecesse ou soubesse do plano,


acreditaria.
Fomos criados dessa forma, para

esconder o que sentíamos em

determinados momentos. Exceto que eu

trancava em todos os segundos da minha

vida. Tudo só veio à tona após conhecer

a Mia e a Graziela.

Chegamos em frente ao

estabelecimento onde aconteceria a

apresentação.

— Acho que precisa trocar de


roupa. — Meu irmão gesticulou para

mim.

Ele me entregou uma muda que

estava no carro. Coloquei uma camisa e


um terno, a calça deixei, já que era

escura. Saindo do veículo, senti uma

leve tontura.

— Alessandro, talvez… — Havia


preocupação na voz do meu irmão.

— Vamos acabar com isso. Não


conte a ninguém que estou ferido até

tudo terminar. — Lidei com dores

piores, então podia suportar essa

também. — Pegue uma das injeções de

adrenalina para mim. Acho que vou

precisar hoje.

Rafaelle fez o que pedi. Apliquei-

a. Nós entendíamos de algumas coisas

relacionadas a ferimentos, afinal,


éramos machucados direto.

O lugar estava apinhado, mas não


tinha glamour como os eventos da
sociedade de Milão. Fiquei grato por

isso, porque não esperava ver nenhum


socialite ali essa noite. Era sobre minha

princesa e sua alegria de ser bailarina.

Um sonho que foi da minha mãe.

Uma vez, a levei em um estúdio de

dança, escondido do meu pai; lembrava-

me do sorriso dela por poder dançar


mais uma vez, foi gratificante. Naquele
momento, eu desejei matar o meu pai só

para que ela fosse livre, mas mamãe não

deixou, dizendo que ele era a minha

família e que eu deveria respeitá-lo. Às

vezes, odiava as nossas tradições.

Segurei o aperto em meu peito ao

entrar em um lugar desses de novo sem

ela. Compensava para ver a minha

menina.

Rafaelle suspirou, mas não disse


nada, só permaneceu do meu lado. Luca
foi estacionar o carro, depois nos
acompanharia.

Assim que entrei no estúdio, eu vi

que tinha um palco na frente com uma

pessoa apresentando algo, acho que

parabenizando os colaboradores.

Varri meus olhos pelo mar de

gente e enxerguei as esposas de Nikolai,

Matteo e Alexei, mas nenhum deles


estava ali. Deduzi que provavelmente
não demorariam a chegar para ficarem

com elas; acho que Alexei e Matteo

precisariam ir a um hospital, ou se

fossem iguais a mim, viriam para suas

mulheres sem ligar para os ferimentos.

Mulher! Procurei-a, mas não a

encontrei perto das outras, e sim na

primeira fileira com vários casais; o

lado dela estava vago e, seus olhos,


ansiosos para o palco e para a entrada
da frente.
Ela estava esperando por mim?
Entrei pelos fundos porque precisava

falar com Stefano, que checava cada


canto. Ele me viu e me conferiu,

estreitando os olhos.

— O que foi? Parece todo torto.

Tive notícias de que pegamos os

albaneses — falou, assim que cheguei

perto dele. — Isso é bom. Mia estava


preocupada com vocês dois.
Ela estava? Meu coração negro

pareceu se aquecer mais um pouco.

— Sim, Skender está sendo

levado ao calabouço agora. Depois lido

com ele. E como anda tudo aqui? —

Olhei para as pessoas. — Checou

todos?

— Quem você acha que eu sou?

— Bufou. — É uma merda que não


conseguimos pegar os traidores.
— Bolamos um plano, Rafaelle

vai explicar direito a você. — Minha


atenção se voltou ao palco, onde as

meninas tinham acabado de entrar.


Ficaram alinhadas, viradas para nós.

— Que plano? — perguntou,

sério.

Graziela, com seus cabelos loiros

presos, procurou sua mãe sentada na


frente e sorriu. Logo a felicidade sumiu
ao não me achar. Aqueles olhos tristes

foram como um soco no meu estômago.

Em suas mãos, tinha um papel.

— Antes da apresentação, as

nossas belas bailarinas farão uma

homenagem aos pais, afinal, hoje é o dia

deles — disse o cara com o microfone.

— A primeira é a doce Graziela. Ela irá


nos transmitir uma pequena mensagem.

Venha, minha jovem.


A garotinha parecia querer chorar;

a sua dor fez minhas entranhas se


retorcerem.

— Ela pensa que não apareceu —

Rafaelle disse com a voz baixa. —

Porra! Ainda bem que veio, ou isso a

faria sofrer. Agora vá lá antes que ela

comece a chorar.

Assenti com o peito pulsando e o


sangue bombeando de forma rápida,
mais que o normal. Saí dos fundos onde

estava e segui o corredor do meio.

Graziela caminhara até o homem

de cabeça baixa. Notei Mia com os


olhos molhados, querendo consolar a

filha.

Assim que minha princesa

levantou a cabeça, os seus olhos úmidos


pousaram em mim. Prendeu a respiração

por um segundo e, logo depois, respirou


aliviada. O brilho refletido em seu rosto
era mais poderoso que o Sol, as
estrelas, aliás, a constelação inteira. Era

o esplendor, tão forte quanto o Universo.

Ela sorriu, deslumbrante. Mia

seguiu seu olhar e me viu, mas minha

atenção estava na garotinha ali naquele

palco, que parecia ter ganhado o seu

maior presente com a minha presença.

Graziela pegou o microfone.

— Me chamo Graziela e, em
primeiro lugar, eu gostaria de dizer que

minha mãe foi pai e mãe depois que meu

pai morreu e foi para o Céu antes que eu

o conhecesse.

Oh, anjo, ele ainda vai morrer,

mas não será para o Céu que irá.

— Amo a minha mãe com todo o

meu coração, mas fiquei tão feliz quando


conheci o homem pelo qual está

apaixonada, o seu namorado.


Podia sentir os olhos azuis de Mia

me encarando, certamente pelo que


minha princesa disse sobre ela estar

apaixonada por mim. Não sabia se seria


possível corresponder ao sentimento,

não tinha certeza se era capaz de amar.

Mas a sensação de confirmar que Mia se

apaixonou fez com que eu me sentisse

realizado. Apesar de não ter sido ela a

dizer, reconhecia a verdade em seu


olhar.

— Alessandro nos protegeu, e eu

o amo. Hoje, neste Dia dos Pais, eu

agradeço por ele ter aceitado ser o meu.


Esta dança será para você, papai —

declarou com fervor. — Amo você para

sempre.

Parei de pé perto do banco de


Mia, mas não me sentei, meus olhos

arregalados estavam na menininha linda


que chegou ao meu coração sem esforço
nenhum.

Havia muitos fotógrafos ali, mas

não queria ninguém postando nada em

revistas para expor a minha princesa; se

saísse na mídia, os traidores saberiam

que as duas eram preciosas para mim. O

lado bom era que, depois que eu

aparecesse morto, Rafaelle poderia

noivar com a minha mulher e isso


reforçaria sua deslealdade.
Tinha que ter em mente que eles

ficarem juntos como casal seria apenas


fingimento, logo voltaria para as duas e

conseguiria a minha vingança: matar


quem ousou me trair.

Deixei de pensar nisso e foquei na

minha princesa ali, com um sorriso

imenso, maior que a Lua.

— Esta cartinha mostra o quanto


significa para mim, papai. — Levantou o
papel na minha direção.

Obriguei meus pés a darem passos

para a frente; não queria que ninguém

notasse que eu estava a ponto de


desmaiar devido ao sangue perdido com

a facada.

Subi no pequeno palco e fui até

ela, forçando meus olhos a ficarem


atentos. Merda! Não deixaria essa porra

de dor tomar conta de mim. Era mais


forte do que isso, pois já tinha aturado
coisa pior e continuava ali.

Antes que me aproximasse, ela

correu até mim com a intenção de pular

em meus braços. Mas eu não queria

manchar sua roupa rosa, então me

abaixei. Logo ela estava ali, com um

impacto que roubou metade do oxigênio

dos meus pulmões, mas não liguei.

— Pensei que não viesse —


sussurrou no meu ouvido com uma
pontada de dor. — Porque não o vi.

— Por mais que eu esteja longe e

pense que não vou voltar, acredite que

sempre retornarei para você, minha


princesa linda — declarei, emocionado.

Afastei-me com um sorriso. — Tenho o

maior privilégio do mundo em ser seu

pai, pequena graça.

Houve aplausos da plateia

enquanto eu ficava de pé, com


dificuldade.
— Te amo, papai. — Sorriu e foi

para onde as outras meninas estavam.

Peguei a cartinha e guardei no

bolso. Dirigi-me à Mia, mas antes


troquei um olhar com Rafaelle que dizia

que partiria para o plano, um que eu não

estava nada confortável em executar.

Declarar carinho em público era


uma fraqueza, pois mostraria para meus

inimigos o meu ponto fraco. Mas minhas


meninas estariam a salvo; eu cuidaria

dessa parte. Nada, nem ninguém, as

tocaria, nunca mais.

— Alessandro, isso foi tão lindo


— Mia me disse, assim que eu me sentei

ao seu lado.

— Não foi? Ela é uma princesa —

falei baixinho.

— Obrigada por tudo, por fazê-la

feliz. Por um momento, eu achei que não


viesse. — Encolheu-se.

— Não faltaria por nada no mundo

— afirmei, ouvindo mais declarações de

crianças a seus pais.

A homenagem terminou, e chegou

a vez da minha pequena dançar.

— Alessandro, você está bem?

Parece rígido, como se sentisse com dor

— perguntou ela com preocupação.

Peguei no colar a aliança que


guardava ali, da minha mãe, Kélia; havia

sido um presente que ela me deu antes

de morrer. Isso fazia parte do plano, mas

o pedido seria verdadeiro, eu queria

isso. Queria que Mia fosse a minha

esposa depois que tudo acabasse.

— Estou bem. Só vamos apreciar

a nossa princesinha. — Ela

movimentava o corpo com uma leveza


que mais parecia a de uma fada, girando
com uma perna e dançando na ponta dos
pés, como treinou durante a semana. Isso
era a sua paixão. Ela realizaria esse
sonho, e nada mudaria ou impediria de

acontecer.

A apresentação chegou ao fim. Ela

se curvou, agradecendo às pessoas, e o

mesmo fizeram as outras meninas, mas

eu só tinha olhos para a minha pequena

graça. Sorriu para nós e jogou beijos


antes das cortinas se abaixarem. A
plateia inteira aplaudiu em pé.

Também fiquei de pé por um

segundo, mas precisei me sentar. Olhei

para Mia, que estava muito feliz. Seu


sorriso era radiante ao ver a filha

seguindo o seu sonho.

Notei fotógrafos nos clicando,

então seria o momento perfeito.

Fiquei de joelhos perante Mia e

levantei o anel.
— Mia, minha Estrela-do-mar, eu

estou aqui diante de todos para pedir


que se case comigo. Eu prometo ser fiel

e respeitá-la até o meu último fôlego. —


A intenção era verdadeira. No entanto,

se não fosse pelo plano, pediria sua mão

em outro lugar, um só nosso, sem

ninguém por perto.

Mia arfou com a mão na boca,


olhando ao redor e depois para mim.
Pude ver que ela queria, mas havia

indecisão ali.

— Espero que aceite o meu

pedido, minha doce Mia. — Aproximei-


me dela, cochichando em seguida: —

Afinal, eu levei uma facada por você.

Arquejou, mirando meu corpo à

procura do ferimento. Depois sorriu.

— Aceito. — Pegou o anel, mas

não colocou no dedo. Não sabia se me


sentia contente com isso, porque

gostaria que ela fosse minha da maneira

certa, ou indignado por ela me rejeitar

mesmo tendo dito sim. — Depois vamos

conversar sobre esse pedido de

casamento. Não sei o que há, mas pedir

a mão de uma mulher em público não

parece ser uma atitude comum para você

— falou baixo no meu ouvido. — Isso


faz parte de algum plano?

— Minha. Você será minha. —


Sabia que não podia esconder nada dela.
Essa garota era muito esperta, foi feita
para mim.

Estava prestes a responder que

queria que ela confiasse em meu pedido,

pois tudo daria certo, mas a escuridão se

apossou do meu corpo.


Capítulo 19

Mia

Ainda estava entorpecida, na


cadeira, olhando para o anel que

Alessandro me deu, enquanto ele se


encontrava na cama após ser examinado

pelo médico da família.

Fiquei feliz por Alessandro ter

aparecido na apresentação de Graziela


antes de minha filha ler o que escreveu a

ele. Na hora, meu coração parecia

querer explodir com emoção.

Depois ele me pediu em


casamento, mas eu não sabia o que

pensar; não era isso que esperava, além


de achar que estava indo rápido demais.
Rafaelle apareceu na minha frente,

sentou-se ao meu lado em uma cadeira e

pegou minha mão. A mesma que estava

com o anel.

— Era de nossa mãe, Alessandro

passou a carregar sempre consigo

depois de sua morte. Se meu irmão lhe

entregou isso, significa que o sentimento

é real — disse em um tom baixo. —


Algo acontecerá em breve, mas quero
que saiba que estaremos unidos, meu

irmão vai precisar de você.

Fitei-o confusa e limpei os olhos.

— Não entendo…

Sorriu um pouco e ficou de pé.

— Não precisa entender, apenas

permaneça com ele agora, porque dias

sombrios virão. — Deixou-me ali, de

boca aberta. Pretendia sair do quarto,


mas primeiro parou e disse: — Meu
irmão é forte, vai conseguir ganhar mais

essa.

Antes que eu respondesse, ele

saiu.

— Não ligue para Rafaelle. Mas é

verdade que, ao lhe entregar esse anel,

significa que o sentimento é real. Não

importam os motivos que me levaram a


pedir sua mão no meio daquele monte de

gente. — Escutei a voz que achei que


não ouviria de novo, não depois de tê-lo
visto desmaiado e sangrando.

Quando Alessandro caiu

inconsciente, Rafaelle e Stefano vieram

correndo nos alcançar e o levaram de lá.

O meu coração ainda estava

acelerado com tudo. Só me tranquilizei

depois que o doutor afirmou que não era

grave, pois não atingiu nenhum órgão

vital.

— Então teve um motivo para


pedir a minha mão ali? Não era por que

queria? — Não fiquei com raiva; se ele

o fez, tinha algo a ver com Skender. Mas

o quê? Se fosse para pegar o canalha, eu

não ligaria em colaborar com o disfarce;

a segurança da minha filha vinha em

primeiro lugar.

— Claro que quero! Não vou

mentir para você… eu precisava propor


casamento em público para o que vai
acontecer a seguir. Eu estou cercado de
ratos e tenho um plano, mas não posso
revelar agora, só peço que confie em
mim, tudo dará certo. — Levantou as

mãos e limpou uma lágrima que descia.

— Vi seu desespero quando desmaiei, o

meu estado de inconsciência oscilava a


cada segundo, e em um desses lampejos,

eu percebi o seu medo.

— Claro que estava com medo,


você sangrava tanto! Achei que fosse…
— Estremeci.

Sorriu fraco e foi se levantar, mas

o segurei firme.

— Fique quieto! Você foi

esfaqueado, o corte era grande. Eu vi os

pontos. — Sacudi a cabeça, não

querendo pensar nisso.

— Estou bem, minha Estrela-do-

mar — tentou me tranquilizar.

— Confio em você. Não sei qual é


o plano, mas estarei do seu lado, eu

prometo — assegurei com ferocidade.

O homem foi à luta por mim, levou

uma facada só para tentar negociar com


um criminoso e me manter longe dele.

Sua mão pegou a minha cabeça e

puxou para ele, até seus lábios estarem

perto dos meus. Beijou-me por alguns


segundos.

— Sua confiança vale muito para


mim. Queria a manter informada, mas é

melhor assim. Como Rafaelle disse:

dias sombrios virão. Mas eu farei o

possível para derrubar todos apenas

para que você, Graziela e minhas irmãs

fiquem seguras. Assim como o meu

povo. Há traidores no meio deles, mas

também muitos que confiam em mim.

Franzi a testa, esforçando-me para


entender do que ele estava falando.

— Você e seus irmãos vão ficar


bem? Se for arriscado, eu posso ir
embora… — Só de me imaginar longe

dele, o meu coração apertava de medo e


desespero.

Algo brilhou em seus olhos,

parecia quase um pesar, mas foi breve.

— Não vai adiantar você partir,

pelo contrário, só fará as coisas ficarem

piores. Eu preciso que fique aqui e não


tente fugir por nada neste mundo, tremo
ao imaginá-los colocando as mãos em

você. — Beijou minha testa.

Não sabia o que ele planejava,

mas confiava em Alessandro.

Afastei-me com os olhos estreitos.

— O que houve no encontro com

Skender? Seu irmão não quis contar

nada. — Estava ansiosa com isso. Até

me esqueci de entregar a arma que tinha

contra a máfia do Skender; antes não


havia ninguém forte o bastante para usá-

la, mas Alessandro seria suficiente.

— Skender está preso. Depois eu

lido com ele, porque isso não é o mais


importante agora, mas sim os traidores

dentro da minha família. Eu não sei em

quem confiar, além dos meus irmãos,

Viper, Rabel, Sage e Luigi. Todos os

outros são suspeitos, e como não posso


colocar sua vida, a das minhas irmãs e a
de Graziela em perigo, eu preciso
eliminar o mal de uma vez por todas. —
Pegou minha mão e sentou. Tentei fazer
com que ficasse deitado, mas ele

insistiu.

Sabia que quando ele dizia

“lidar”, na verdade, significava matar.

Mas eu não temia por Skender: ele era

cruel, e eu vi as coisas que fez. Assisti

aos vídeos daquele pen drive; senti asco


pela crueldade do mafioso albanês. Por
isso odiava as máfias e pensava que

todas eram iguais.

— Ninguém nunca tocará em

vocês, de nenhum modo. — Com a mão


boa, a que não recebia a transfusão de

sangue, ele acariciou meu cabelo.

— Obrigada. — Agradeci,

beijando seu peito, não no sentido


sexual, mas agradecendo por estar vivo.

— Quando acontecerá tudo? O seu


plano…
— Estrela-do-mar, não pense

nisso. Foque apenas em cuidar de nossa

menina, deixe que me responsabilizo

pelo resto. — Alisou meu cabelo.

— Acho que tenho algo que pode

ajudar você nesse plano secreto. Talvez

consiga usar como arma para arrancar

algo dos albaneses. — Olhei para ele.

Esse homem estava fazendo de

tudo para limpar o seu povo de alguns


que não queriam viver sem raptar

meninas e vendê-las. Isso gerava muito

dinheiro no mercado negro. Ficava grata

que Alessandro e seus irmãos não

pensassem assim, diferente dos

albaneses.

— Confio em você com todo o

meu coração — declarei com firmeza.

— Espero que isso acabe logo.

— Eu também. — Ele parecia


cansado.
— Por que não se deita? Perdeu

bastante sangue — pedi.

— Essa merda deve ter algum

remédio — rosnou, olhando o sangue


indo para sua veia. — Não quero apagar

agora…

— Precisa descansar, Alessandro.

— Sorri, beijando sua testa assim que se


deitou na cama. Estávamos no quarto

dele.
Eu pegaria o pen drive, pois

talvez os ajudasse com os albaneses,


embora não tivesse nenhuma solução

contra os traidores do seu povo.

— Me espere, eu já volto. — Saí

correndo do quarto dele e desci as

escadas, passando por Rafaelle e

Stefano, que checavam um papel sobre a

mesa.

— Aonde vai? Aconteceu algo


com meu irmão? — Rafaelle perguntou.

Parei na porta.

— Não, mas acho que tenho a

coisa certa para pegar todos os

albaneses — comentei, já indo para

fora.

— O que…

Depois eu explicaria tudo.

Cheguei ao meu carro e abri o porta-


malas. Então procurei o item escondido
ali. Fazia anos que dispunha dessa arma

contra Skender, mas nunca usei, porque

não tinha como vencer sozinha.

Tentei arrancar o assoalho, mas a


coisa era dura, além disso, havia um

pneu em cima.

— Droga. — Passei a mão no

rosto, tirando o suor pelo esforço.

— Adoraria ficar a noite inteira

olhando para você nessa posição, uma


linda bunda para apreciar. — Uma

risada divertida veio de trás de mim, me

fazendo pular e bater a cabeça na lataria

do carro.

— Mas que merda, Stefano! —

rosnei, me ajeitando, porque a posição

era esquisita. — Por que em vez de

observar o que não lhe pertence, você

não me ajuda a tirar esse assoalho


debaixo do pneu?

Ele estava de braços cruzados


com um sorriso idiota.

— Depois de me dizer o que veio

fazer aqui — sondou, sério dessa vez.

Suspirei e apontei.

— Preciso de uma coisa que está

debaixo deste assoalho, mas é duro.

Pode tentar arrancar e, se não conseguir,

vou pegar uma faca.

— O que aqui ajudaria no nosso

plano? — Ele tirou o pneu e pegou uma


faca na bota. Em seguida, rasgou o

assoalho. Puxou algo e se virou para

mim com o cenho franzido. — Tudo isso

por uma caixa?

Peguei de sua mão e voltei para

dentro, mas dessa vez andando, e não

correndo.

— Não vai me dizer, cunhada? —


retrucou atrás de mim.

— Venha comigo e saberá. —


Subi as escadas e entrei no quarto onde

Alessandro estava de pé na janela. Ele

se virou para mim e fechou a cara para

Stefano.

— Sem danos! Eu não a toquei

além de apreciar a vista. — Sorriu,

descarado.

Rafaelle bufou.

— Por que não se cala antes de

perder a cabeça? — Alessandro alertou.


Corei, sabendo que estava falando

da minha bunda. Cheguei mais perto de


Alessandro, não querendo que se

estressasse, mas ele parecia calmo.


Deduzi que o ciúme que sentia antes

passou, pelo menos com os irmãos.

Além disso, Stefano era brincalhão e

não estava dando em cima de mim. Ele

me respeitava.

— O que tem dentro da caixa? —


sondou Alessandro com um suspiro

duro.

— Deite que eu conto a você. Está

sentindo dor? — Peguei seu braço e o


suporte da bolsa de sangue. Sentou-se,

escorado na cama.

— Agora estou bem. Então me

diga: que coisa é essa que pode ajudar


com o plano? — Ele me avaliava,

embora tivesse algo nos seus olhos que


não entendi.
Abri a caixa, tirei um pen drive de

dentro dela e o levantei para eles.

— Isso aqui tem muita informação

sobre Skender. Não usei antes porque


não achei que ninguém fosse forte o

bastante para lutar contra eles. Não fui à

polícia, pois tinham muitos em sua folha

de pagamento, até aqui na Itália. Talvez

vocês possam usar algo nesse seu plano


secreto. — Dei para Rafaelle. —
Quando assisti às coisas que estão aí, eu

vomitei as tripas, me assombraram por

um longo tempo.

— Claro que sim. — Stefano


sacudiu a cabeça. — Coloque para nós

assistirmos, assim decidiremos se nos

servirá ou não. No final das contas, o

mafioso albanês vai morrer.

Rafaelle ligou a TV e inseriu o

pen drive. Eu me sentei perto de


Alessandro e escorei na cabeceira da
cama ao lado dele, querendo sentir o seu
calor.

— Sim, mas vamos extrair dele as

informações que nos interessam antes.

— Alessandro me envolveu com um dos

braços, como se fosse para me manter

ali para sempre. — Será bom saber

onde estamos nos metendo e bolar um

plano em cima do que já temos.

Rafaelle franziu o cenho para


mim.

— Está tudo bem? Parece verde.

Fiquei de pé.

— Vou sair um segundo. Não


quero ver tudo de novo. — Havia

meninas em contêineres, presas em

casas com homens armados e outras

coisas em que não queria nem pensar.

Assentiram enquanto checavam se


o pen drive tinha fundamento para eles a
fim de bolarem uma estratégia. Fui atrás

de Graziela, que estava dormindo na

casa de Jade. Luna havia ido para lá

também assim que soube que o irmão

estava bom, mas eu acreditava que não

foi essa a razão, mas sim o pedido de

Alessandro. Entendi que, essa noite,

queria arquitetar seu plano secreto. Eu

poderia espiar, mas nessas horas eles


sempre falavam em um idioma que eu

não conhecia. Devia ficar com raiva,


porém, de qualquer maneira, não queria

me meter em seus negócios.

Graziela dormia; minha filhota não

viu Alessandro desmaiado, graças aos

céus. Ela teria ficado louca com ele

machucado.

Peguei o anel no bolso e o girei

entre meus dedos. Não achava justo usar

isso, sendo que não noivara realmente.


Acreditei que seria melhor devolver,
mas, no meu íntimo, o queria para mim.

Voltei ao quarto bem na hora que

Rafaelle e Stefano saíram.

— Organizamos tudo e já sabemos

o que fazer — disse Rafaelle. — Vou

trabalhar nisso esta noite.

— Ele está dormindo? — sondei.

— Estou acordado, entre aqui —

chamou-me lá de dentro.

Rafaelle e Stefano saíram, e eu


entrei no quarto, fechando a porta.

— Devia estar dormindo —

comentei, indo me sentar ao seu lado.

— Pode me entregar aquele anel?

— pediu.

Algo em meu coração rachou,

porque não queria devolvê-lo, mas

percebi que ele se arrependeu de tê-lo

dado a mim. Era só uma fachada

mesmo…
Assenti e entreguei a ele.

— Ao pedir sua mão, eu queria


isso demais, Mia, mas gostaria de

repetir o gesto quando estivéssemos

sozinhos. Como não posso me ajoelhar,

porque estarei apagado em alguns

minutos, eu quero entregar esse anel a

você para pedir sua mão, seu corpo e

sua alma. Prometo que irei protegê-la e


ser fiel a você enquanto continuar vivo.
— Levantou o anel.

Olhei para ele.

— E quanto a amar? Se não sente

isso ou sabe que não poderá sentir, eu

não posso aceitar me casar com você —

falei com um sorriso triste. — Guarde-o

e se um dia realmente sentir que me ama

ou que pode amar, eu aceitarei ser sua


de todas as formas possíveis.

Puxou-me para seus braços.


Tomei cuidado para não machucá-lo.

— Mia… — Havia dor em sua

voz.

Eu precisava de mais do que de

proteção e carinho; precisava acreditar

que um dia ele poderia me amar. Eu

tinha certeza do que eu sentia.

— O que sente realmente por

mim? Me diga a verdade, Alessandro,

pois só assim aceitarei. — Segurei sua


mão. Pensei no que Luna disse sobre ele

não falar de seus sentimentos,

encontrando como solução que os

demonstrasse através de um gesto. Eu

tentaria de uma forma diferente. — Sabe

nos livros, quando o autor descreve o

que a personagem sente? — Esperei ele

assentir e continuei: — Pense que você

é esse protagonista e precisa descrever


tudo. Como começaria?

Ele ficou em silêncio um segundo,


até achei que não fosse responder, mas
explicou:

— Quando a conheci com aquela


marra toda, eu admirei sua proteção com

a minha irmã, sua força e lealdade.

Também achei você atraente e linda

demais para pertencer ao meu mundo. E

mesmo agora, sabendo que viveu na

máfia, ainda assim você não pertence.


Fui muitas vezes à casa onde Luna
morava para tentar dizer que a queria e a

desejava. Nunca precisei ir atrás de uma

mulher como fiz com você. Sabia que

era diferente de todas que vi ou tive. —

Ele ficou em silêncio um instante. —

Poderia deixá-la livre para viver sua

vida longe de tudo isso. No começo, eu

teria permitido se assim quisesse, mas…

— Sua voz saía baixa.

— O que mudou?

— Tudo mudou! A minha cabeça,


o meu coração… Se eu acreditasse ter
uma alma, ela teria mudado também.

Hoje não suportaria que partisse, porque


a mera ideia de você vivendo longe de

mim retorce minhas entranhas. Sei que

sou complicado. — Virou para mim com

um olhar intenso. — Todos esses

sentimentos confundiram a minha

cabeça, mas com eles, eu entendi que


não preciso fechar as emoções para
quem é importante para mim: meus

irmãos, Miguel, você e nossa filha. São

tudo na minha vida, eu andaria no fogo

por vocês, mataria e morreria. Uma vida

sem você e Graziela não tem

significado.

— Alessandro… — Meu coração

batia forte com essa declaração.

— Mia, eu lhe daria o mundo se

ele me pertencesse, mas posso prometer


que serei o marido com que você
sempre sonhou. Não sei se meu coração
é capaz de amar, mas meu corpo e

cérebro pertencem a você. E se me


aceitar assim, eu serei todo seu. — Seu

tom era confiante, mas o notei expirando

irregular.

Não foi nenhum “Eu amo você”,

contudo, entendi o que significava para

ele. O homem acabara de declarar, da


melhor forma possível, que estaria ao
meu lado e me faria feliz. Mesmo com

toda essa bagunça, eu me sentia feliz por

estar ao lado dele.

Levantei meu dedo na sua direção.

— Aceito ser a sua mulher.

Prometo que continuaremos juntos na

alegria e na dor, enquanto vivermos. —

Queria dizer que o amava, mas algo me


impediu. Não sei se era por não ter

ouvido isso dele; seja como for, eu


esperava um dia chegar ao fundo de seu
coração. Nesse momento, seria a mulher
mais feliz do mundo.

Sorriu e colocou o anel.

— Agora você é minha e ninguém


ousará tocá-la. Se tentarem, eu os

mandarei para o Inferno com passagem

só de ida. — Beijou meus lábios.

Ri, sacudindo a cabeça. Em breve


me acostumaria com seu jeito. Quem

mais pediria a mão de uma mulher


declarando que ela era sua e ameaçaria

matar alguém na mesma frase? Só

Alessandro, o meu noivo, o meu capo.


Capítulo 20

Alessandro

Acordei cedo, ignorando a


pontada na barriga. Olhei para Mia

dormindo ao meu lado e percebi que


segurava forte a minha camisa, como se

quisesse me manter ali para sempre.

Beijei seu pescoço, e gemeu

baixo; até poderia fazer mais que isso,


mas eu estava atrasado para colocar o

meu plano em ação.

Era o dia de forjar a minha morte.

Não desejava ver minha família sofrer,


porém, seria necessário.

Mia aceitou se casar comigo, mas


ela não disse que me amava, embora

pudesse ver isso em seus olhos; não

tinha como esconder. Por que razão ela

não me falou? Seria por eu não ter dito a

ela antes? Depois que tudo passasse e eu

pudesse voltar, ela me aceitaria?

Esperava que entendesse as minhas

razões.

— No que tanto pensa? — Abriu


os olhos, encontrando os meus ali,
próximo dos azuis dela.
— Que você é linda demais. —
Beijei seus lábios, mas antes de

aprofundar, ela se afastou. — Não


queria acordar você, mas preciso ir.

— Obrigada. E está ferido, talvez

devesse melhorar antes de ir trabalhar.

— Bem que eu queria… Preciso

conter essa infecção entre meu povo,

não posso deixar que se espalhe. — Era


algo que devia ter sido feito há anos.
— Não gosto da ideia de você

sair machucado assim… — Ela se


levantou, sacudindo a cabeça. — Seja o

que for que planeja, seus irmãos não


podem lidar?

Fui até ela e passei meus braços à

sua volta.

— Ficarei bem, já passei por

coisas piores. Agora venha cá. — Eu a


beijei com intensidade, saboreando sua
doçura.

— Está ferido…

Eu não ligava para a porra de um

corte, só a queria em minha cama. Então

me lembrei de seu desejo de se casar

virgem e freei o meu entusiasmo, a

despeito de estar duro e querendo mais

dessa mulher. Não sabia quanto tempo


ficaria longe, e também não transaria

com ela nesse instante para aparecer


morto no dia seguinte. Seria ainda pior.
— Hora de ir. Deixem para se

pegar depois — Stefano disse do lado

de fora. — Mas com uma bunda dessas,

eu também não ia querer sair da cama.

Oh, eu vou quebrar a boca desse

fedelho, pensei. Não senti ciúmes, não

tinha motivos — meu irmão jamais

avançaria contra ela, e Mia também não

me enganaria —, apenas fiquei irado


com o desrespeito à minha Estrela-do-
mar.

— Eu o castrarei se não se calar

— avisei, me afastando de Mia sem

querer.

Stefano riu do outro lado.

— Isso faria muitas mulheres

chorarem, meu pênis é o que as mantêm

felizes.

Mia fez uma careta.

— Você é um idiota. — Sacudiu a


cabeça. — Vou me trocar.

Ela saiu, e Stefano entrou.

— Isso é um convite? —

provocou.

Dei um soco no ombro dele,

fazendo-o gemer.

— Comporte-se. Eu não quero ter

de matar o meu irmão caçula por não

manter os olhos longe da minha mulher


— rosnei.
Ele sorriu.

— Nunca fui interessado nela, não


quando soube que o tocou. Mas como o

teimoso que é, sei que não ia fazer nada,

então dei um empurrãozinho.

— Por isso a chamou na boate? —

Fui vestir a minha roupa.

— Achei que precisava de uma


foda boa, mas virou mais do que isso.

— Ele lançou aquele sorriso idiota.


— Devo ser grato? — Coloquei

minha arma no coldre e as facas na liga


perto da bota.

— Sim, mas não se preocupe em

agradecer, eu gosto dela e da princesa.

— Ficou sério. — Queria que soubesse

que vou tomar conta das duas. Ninguém

chegará perto o bastante para machucá-

las.

Acenei com a cabeça, mais


emocionado que o normal. Podia confiar

a vida de ambas a ele e Rafaelle.

— Precisamos ir agora. —

Stefano olhou o relógio.

Fiquei de encontrar Skender e El

Diablo para terminar de planejar o que

aconteceria comigo.

Despedi-me de Mia. Deixá-la foi

tremendamente difícil, e ainda pior foi

não poder dizer adeus à minha garotinha.


Porém, controlei os sentimentos;

precisava passar por isso e pegar todos

que ousaram ir contra mim.

Olhei mais uma vez para a mansão


onde Mia estava, de pé no jardim da

frente. Jogou um beijo para mim, o que

aqueceu meu coração. Queria revelar a

verdade, mas seria para o bem delas e

de todos que eu fizesse o que pretendia.

— Vamos passar por isso juntos


— informou Rafaelle. — Deve ser
difícil ficar longe dela, mas é preciso.

— Como sabe? Eu não me lembro

de você se interessando por uma mulher

mais do que para algumas horas de

prazer. — Virei-me, evitando aquelas

emoções.

Rafaelle sorriu.

— Pode ser, mas se arrumasse


alguém como a Mia, eu não pensaria em

nada disso. Não a deixaria escapar. —


Fechei a cara ante suas palavras. — Não

precisa ficar todo enciumado. Você sabe

que não a tocaria, gosto dela como

minha irmã. Ela é família. — Tocou meu

peito. — Mia é a sua mulher e sempre

será. Logo terá tudo o que deseja.

— Se há alguém em que posso

confiar a vida dela e a de Graziela, são

vocês dois. Só por isso estou indo. —


Olhei para ele e Stefano.

— Vamos parar com esse papo de


ser domado por bocetas, está me dando
urticária. — Stefano se coçou.

— Nunca senti nada como isso

antes. Deixá-la é pior do que ser

torturado, como se metade de mim

tivesse ficado para trás. — Coloquei a

mão no peito. — Vê-la toda assustada

por eu estar ferido… isso que não sabe

que não vou voltar tão cedo. O meu


coração parece sangrar por dentro.
— Você se apaixonou — afirmou

Rafaelle.

Sacudi a cabeça, encolhendo-me

por dentro.

— Não sou capaz de amar…

— Besteira — cortou-me. —

Você mal dava atenção a qualquer

mulher que não fosse nossas irmãs. Aí a


Mia aparece e você enfrenta uma máfia,

arriscando outra guerra, sem se


importar. Isso é o que se faz quando se

ama. Você protege a pessoa, deseja sua

felicidade e, quando está triste, sente a

sua dor também.

Pisquei, pensando que sentia tudo

isso por Mia. Então era realmente amor?

Eu me apaixonara por ela? Não parava

de pensar na garota por um segundo,

mesmo com uma luta pela frente. Eu


queria beijá-la e possuí-la de todas as
formas; queria ver aquele brilho em seus
olhos sempre que me fitava.

— Porra! — Arfei. Gostaria de

voltar e dizer isso a ela, mas já não tinha


como. Esperava ter a chance de vê-la

novamente e confessar meus

sentimentos.

— Isso, meu irmão, é amor —

assegurou Rafaelle. — Não é porque

nunca me apaixonei que não entendo


sobre o assunto.
— Quem são vocês e o que

fizeram com meus irmãos? — Stefano


reclamou. — Merda! Depois vou

procurar uma vacina contra esse mal,


quero que passe longe de mim.

Rafaelle riu.

— Sabe… bem que eu gostaria de


ver você domado, só para tirar essa

marra que tem. Essa aversão a mulheres.

— Não tenho aversão às mulheres.


Gosto delas nuas, chupando meu pau, me

dando e recebendo prazer. Passar disso

é besteira. Por que me contentaria com

uma se posso ter quem eu quiser? —

Sorriu, provocante.

Queria rir, mas com a sensação de

que Mia e minha irmã sofreriam com

minha partida, perdi o ânimo. Cada

batida do meu coração doía como um


novo corte por fazer quem eu amava
sofrer. Jade saberia da verdade, mas
Luna e Mia? Elas sofreriam, e eu não
conseguiria mudar esse fato.

Chegamos ao lugar onde Skender


fora aprisionado. Avistei El Diablo

escorado em um Porsche vermelho-

sangue. Miguel não estava junto.

Manteria meu amigo de fora, pois ficaria

com Luna, então não queria a situação

atingindo eles.

Poderia deixar Luna com Jade,


mas embora acreditasse que os homens

de Luca resguardariam minha irmã mais

velha, não pensava o mesmo em relação

à Luna. Além disso, tinha a parte de

confiar em Miguel, e outra: ele gostava

muito dela, iria protegê-la com a própria

vida se fosse preciso. Outra pessoa,

além dos meus irmãos e eu, não o faria.

— Esse homem é irritante —


Stefano disse, saindo do carro assim que
parou.
— Porque vocês têm o mesmo
gênio forte. Controle-se, há um plano a

ser seguido — ordenei baixo. — Ele faz


parte disso, e preciso garantir a

segurança de Mia.

Stefano se calou. Nesse momento,

só uma coisa me interessava. Lancei-me

sobre El Diablo com a faca em sua

garganta. Ele nem piscou, não havia


nada ali.
— Se tocar nela de algum modo,

eu arrancarei a sua pele com você vivo


e presenciando tudo — falei. — E caso

alguém a machuque, eu machucarei você


em retorno, da pior maneira possível.

No dia anterior, nós mudamos um

pouco o plano. No meu enterro,

aconteceria uma rebelião, e Mia seria

dada a Skender, que por sinal seria


controlado por esse homem. El Diablo
tinha todos os dados do pen drive, ou

seja, Skender obedeceria. Aceitei o

plano porque o albanês não chegaria

perto dela; ela ficaria sob os cuidados

de El Diablo.

Tiramos a parte de Mia noivar

com Rafaelle, porque o trunfo em nossas

mãos era melhor que isso. Foi bom, por

um lado; não gostava de pensar nela


pertencendo a outro, mesmo que por
fingimento.
Era egoísta por não contar à Mia,
mas estava agindo como um capo que

precisava pensar no seu povo, depois


em meu relacionamento. Se achasse que

Mia poderia correr algum risco, eu

jamais permitiria. O pior seria vê-la

enlutada por minha suposta morte.

El Diablo sorriu, no entanto, o

gesto não atingiu seus olhos.

— Capo. Vejo que seu


comportamento não mudou desde o

episódio da igreja. — Aproximou o

rosto, fazendo minha lâmina cortar um

pouco sua pele. — Cumpro a minha

palavra e o meu trabalho é bem-feito.

Não precisa me ameaçar.

Tirei a lâmina, deixando uma

trilha de sangue no seu pescoço.

— Ótimo! Sabe o que fazer. Agora

vamos entrar e começar o show. —


Guardei minha faca.
— Certo, capo. — Sorriu,

limpando o sangue com o dedo e o

colocando na boca. — O chefe primeiro.

Ignorei sua provocação, pois não


estava com humor para aturar nada.

— Não entendo. Como alguém

como você permanece vivo até hoje?

Ainda mais sendo conhecido como um


ceifador, El Diablo, um conto para

assustar crianças. — Stefano sacudiu a


cabeça.

Rafaelle bufou.

— Como se uma criança fosse

ouvir a lenda do ceifador sem surtar —

arrulhou.

— Não tem lenda de ceifador

nenhum, apenas o belo conto de fadas

que termina com eu matando quem eu

quiser. — Sorriu para Stefano. — Acho

que poderia começar outra história


agora.

Stefano retribuiu o sorriso de gato

prestes a comer um canário.

— Adoraria ver quem ganharia.

Poderíamos apostar. — Havia

promessas veladas em seu olhar.

El Diablo não ficava para trás.

Ele provavelmente venceria se houvesse

uma luta entre eles, o que não ia

acontecer. Esse homem não se


importava em viver ou morrer; pessoas

assim eram um perigo.

— Stefano, há coisas mais

preocupantes para colocar em prática,


em vez de uma competição para mostrar

quem tem o maior pênis — rosnei.

— É o meu, posso assegurar. —

Meu irmão e El Diablo fizeram menção


de tirar seus membros das calças, mas

eu os impedi:
— Porra! Se continuarem, corto o

pau dos dois.

Eles ficaram em silêncio, o que

foi bom. Era hora de lutar para o bem da

minha família, do meu povo.

Entramos no armazém que

tínhamos, onde deixávamos os presos


para acerto de contas.

— Vou esperar aqui, enquanto

você vai lá e monta o show — falei ao


Rafaelle.

Fiquei em uma sala com um vidro

através do qual podia ver tudo o que

acontecia na cela.

Rafaelle se dirigiu a um Skender

amarrado na cadeira. Estava todo

machucado pelo trato que algum dos

meus homens lhe dera.

— Hora de acordar. — Rafaelle

chutou o móvel; Skender gemeu.


— O que vocês querem? Me

matem logo — rosnou.

— Na verdade, eu estou vindo

soltá-lo — começou meu irmão.

Skender levantou a cabeça, com

um dos olhos meio inchados devido aos

socos.

— Quem o espancou? — sondei


ao Stefano.

— Acredito que foi o Luigi,


seguindo ordens de Rafaelle. Se fosse

eu, ele estaria como um peixe retalhado.

— Ele piscou para El Diablo do meu

lado.

O assassino não ligou para a

provocação; quando ele estava no modo

negócio, realmente não se importava

com nada, exceto fazer o trabalho. Não

era à toa sua fama de ceifador.

— Me soltar? Isso é alguma


piada? O seu capo não me soltaria —
rugiu Skender.

— Ele não, mas eu sim. Vamos

apenas dizer que o meu irmão sofreu um

acidente de carro e morreu carbonizado.

Agora eu sou o capo. — Se eu não o

conhecesse, acharia que estava dizendo

a verdade.

Skender riu.

— Não me venha com essa merda.

Vocês, irmãos Morelli, são unidos


demais para se traírem. — Claro que

estava contando com essa reação, pois

seria igual com todos lá fora. Meu irmão

precisaria provar seu ponto.

Assim que saísse dali, eu iria até

Luigi para forjar a minha morte. Virei-

me para El Diablo.

— Quando soltarmos Skender,


será por sua conta. Espero que não o

deixe fugir antes de eu chegar nele.


— Todo meu trabalho é bem

executado — grunhiu e saiu da salinha.

— Ainda espero lutar com ele —

disse Stefano, ansioso. — Quebrar sua

crista.

— Não quero você lutando com

esse homem, Stefano, ele não teme a


morte. — Suspirei.

— Eu também não…

— Não, você não deseja morrer,


mas ele não se importa. — Voltei-me ao

meu irmão e usei meu tom de capo: —

Quero que fique longe de El Diablo,

ouviu?

— Tudo bem. De qualquer forma,

eu terei outras batalhas para lutar. —

Deu de ombros.

Prestei atenção na sala onde meu


irmão soltava Skender. A minha vontade

era de matá-lo, mas precisava esperar.


O que era seu estava guardado.
— Onde vai ficar? — questionou

Stefano, lamentoso.

— Melhor não saber. Mas estarei

por dentro de tudo. Resolveremos esse


problema logo.

— Tome cuidado. — Ele deu um

tapinha no meu ombro.

Nós não éramos dados a muito

afeto. Apenas nossas irmãs nos

abraçavam e nos beijavam sempre.


— Hora de pegar todos os

traidores e fazê-los queimar no Inferno.

— Pode apostar. — Sorriu em

resposta.

Saí do armazém e fui para uma

rodovia em direção a Bérgamo. Todos

pensavam que eu realizaria uma

transação lá. Seria nesse contexto que

tudo aconteceria.

Estava a alguns quilômetros do


lugar marcado quando notei que me

seguiam. Acelerei, mas os dois carros

fizeram o mesmo; a caminhonete da

frente bateu atrás do meu automóvel.

— Porra! — Enquanto tentava me

manter na estrada, eu apertei o número

do meu irmão e deixei no viva-voz.

— Era para você estar no lugar


marcado…

— Tem alguém me seguindo…


Puta merda! — Havia dois carros atrás

de mim e mais três na frente, me

cercando. Não poderia fugir pelos

lados, pois na direita existia a serra e,

na esquerda, um penhasco. Eles

começaram a alvejar meu carro. Por

sorte, o veículo era blindado.

— Alessandro! — Preocupou-se

Rafaelle.

Antes que eu respondesse, mais


carros surgiram, e eu tive que pisar no
freio, sendo arrastado pelo penhasco.

Deixei minha casa jurando para

mim mesmo que voltaria para Mia, mas

o que era para ser apenas uma armadilha

forjada se tornou real. O que seria da

minha família?

Ouvia os gritos do meu irmão, mas

uma pancada na cabeça me levou para a

escuridão. Para a morte, eu deduzi.


Capítulo 21

Mia

Fiquei com o coração na mão


assim que Alessandro saiu. Não sabia

dizer ao certo o porquê dessa sensação


estranha, talvez não fosse nada. Mas só

a batalha que estava para acontecer já

me dava nos nervos.

Ele era muito teimoso. Por que ia


trabalhar sendo que estava ferido ainda?

Poderia ter deixado os irmãos tomarem

conta por uns dias, mas Alessandro não

era um empresário, e sim o capo que

governava muitas pessoas.

— Mamãe, o papai vai estar em


casa essa noite? — A cada dia Graziela
se apegava mais a Alessandro. Ela
estava triste após ele desaparecer

quando fomos para o Miguel, mas


naquele dia entendia o por que dele se

afastar e me querer longe.

Após voltar para a sua casa e para

ele, eu abandonei meu medo; precisava

confiar que teríamos uma vida juntos.

— Sim, meu amor. — Ao menos


esperava, porque minha menina parecia
ansiosa por isso.

— Ontem, eu não fiquei muito com

ele depois da apresentação, porque logo

fui para a tia Jade, mas papai tinha me


prometido que assistiríamos aos vídeos

da mãe dele de novo. — Ela quicava no

banco do carro enquanto eu a levava

para sua aula de dança.

Pisquei.

— Ele tem vídeos da mãe e


mostrou a você? — Isso significava que

ele estava nos deixando entrar. Meu

peito se aqueceu por dentro.

Sorriu.

— Sim, ela é muito linda, como o

meu pai. Tinha a minha idade quando

dançava com sua leveza. — Graziela

balançava o corpo conforme falava. —


Por que ela foi para o Céu?

— Ao morrermos, é para lá que


vamos. Isso se fizermos coisas boas. —

Sempre fui sincera com Graziela, à

exceção de sobre sua origem. Contaria a

ela no futuro, quando tivesse mais idade.

— Acho que a mãe dele era muito

boa. — Suspirou. — Meu papai fica

triste, às vezes, por falar dela.

— Quando alguém que amamos


parte para sempre é doloroso. Foi assim

com sua avó, até hoje a perda me dói —


expliquei. — Para Alessandro também.
— Não quero perder nenhum de

vocês dois. Nunca — disse com firmeza.

— Nem minhas tias Luna e Jade e meus

tios Stefano e Rafaelle.

— Não vai, meu bem, agora foque

em fazer o que ama — assegurei,

beijando sua bochecha ao deixá-la na

escola de dança.

Perder minha mãe foi doloroso, só

superei tudo graças a essa pessoinha ali,


minha adorável filha.

Tinha acabado de largar Graziela

quando recebi uma mensagem de Stefano

pedindo para ir para a mansão.

Achei estranho, pois ele não

costumava me ligar ou mandar recados.

Sempre aparecia do nada ou enviava

algum dos seus seguranças. O que


houve? Será que a ferida de Alessandro

piorou?, perguntei-me. Pedi que ficasse


em casa, mas o homem era teimoso.
Assim que o visse de novo, eu

brigaria com ele. Mesmo sendo um

capo, precisava descansar e se curar

antes de trabalhar. Droga! O homem era

humano, mas agia como se não fosse.

Cheguei à mansão e fiquei confusa

com tantos caras na entrada. Para quê?

Mafiosos têm seguranças, mas nessa

quantidade? Vi, igualmente, os carros


de Luca, Luna, Stefano e Rafaelle, no
entanto, o de Alessandro não se

encontrava com os outros. Isso não quer

dizer nada, certo? Talvez ele tivesse

vindo com um dos irmãos, afinal, os três

saíram cedo e juntos.

Parei de fazer suposições

infundadas e temer por Alessandro.

Seria sempre assim? Ele era um capo,

corria perigo constantemente. Não havia


como fugir disso, e eu não podia mais
ficar longe dele, então me restava a
opção de rezar para que voltasse para
mim todos os dias.

Entrei na sala, parando ao me


deparar com a família inteira ali. Jade e

Luna choravam, em desespero, como se

suas almas estivessem partidas. Chequei

Luca e Miguel ao lado delas, pensando

ter acontecido algo com os garotos, mas

também se mostravam desolados.

Avaliei-os: o grupo, em geral,


ostentava uma expressão de tristeza.

Stefano, abatido no canto, tinha a cabeça

baixa, mas levantou-a assim que entrei.

Seus olhos encontraram os meus, e o que

enxerguei neles me fez travar no lugar.

Sentira desde cedo que algo não ia

bem. Mas vendo todos como se

estivessem em um enterro…

Chequei cada um na esperança de

encontrá-lo entre eles, porém, não vi


nada.
— Onde está o Alessandro? —

perguntei com uma naturalidade forçada

e meu coração ansioso, porque sabia

que algo acontecera.

Graziela estava bem, tinha

acabado de deixá-la na escola de dança,

ou seja, era com ele mesmo… não!

Alessandro tinha que estar bem, o

médico dissera que aquele corte não o


ameaçava de nenhuma maneira.
— Mia… — Stefano saiu de onde

estava e deu um passo até mim.

Respirei fundo com a dor em sua

voz.

— Não, por favor, me diga que

ele está bem — sussurrei com as mãos

tremendo.

— Lamento, Mia, ele se foi.


Houve um acidente, meu irmão foi

cercado, os homens o jogaram contra um


penhasco. O carro dele explodiu… —

Sua voz falhou no final.

Miguel puxou Luna para ele. Com

as palavras do irmão, ela e Jade


gemeram ainda mais. Luca segurava sua

esposa firme em seus braços. Não

reparei em outros detalhes, pois estava

focada em minha própria dor. Senti o

chão se abrir sob meus pés e caí de


joelhos com o coração sangrando.

Lágrimas escorriam dos meus


olhos. Coloquei a mão no peito,
querendo arrancar a ardência que o

esmagava a ponto de quase me deixar


sem fôlego. Mas não conseguiria.

Nunca pensei que o amor fosse

doer tanto; que fosse ter uma perda

dessas sem ao menos viver todo o seu

potencial. Às vezes, ele perdura, como

achei que seria com o meu por


Alessandro, mas tendo sofrido essa
rasteira da vida, eu já não sabia de mais

nada.

Senti braços à minha volta. Ouvia

gemidos de dor e gritos, provavelmente


meus, mas não me importei com nada.

Tinha vozes ao meu redor, mas pareciam

distantes, vagas. Um mero eco.

Não era capaz de acreditar que


Alessandro, o homem autoritário e, ao

mesmo tempo, tão protetor, aquele que


me salvou, que se feriu por mim e que
me pediu em casamento se fora. Era um
pesadelo do qual eu nunca poderia

acordar.

Não acreditava que logo cedo eu

tivera uma conversa com a minha filha

sobre perdas, até jurei a ela que não

perderia nós dois. Era algo que eu não

poderia ter prometido, porque a decisão

não cabia a mim.

Oh, céus! O que vou dizer à


minha pequena? Isso acabaria com o

seu coraçãozinho, em especial

considerando o seu entusiasmo para vê-

lo essa noite.

Olhei para o anel em meu dedo;

Alessandro o colocara no dia anterior

após se abrir comigo. Eu poderia ter

feito algo… não ter deixado que saísse

mais cedo. Nossos sonhos se foram


antes mesmo de começarmos a vivê-los.

Alguém conversava comigo, mas


eu não sabia quem, pois estava
entorpecida e só queria ficar sozinha.

Corri para o meu quarto e me joguei na


cama, deixando a dor me consumir por

completo.

O sorriso lindo e raro de

Alessandro surgiu na minha mente, me

fazendo gemer em agonia.

Poderia tentar consolar as


meninas, mas como fazer isso se eu não
conseguia nem lidar com a minha dor?

Como ajudá-las estando destruída ?

Achei que tivesse que trabalhar

mais para chegar em seu coração…


Fizemos tantos planos, eu me tornaria

dele para sempre, entretanto, tudo virou

pó. Tudo se foi. Ele sumiu para um lugar

ao qual eu não o seguiria, pois não

podia abandonar Graziela.

Ouvi passos de alguém se


aproximando, mas não olhei para ver
quem era.

— A vida passa tão depressa.

Sinto o ar em meus pulmões, sinto meu

coração bater, mas estou morta. Neste

momento, eu entendi o porquê de nunca

deixar os outros chegarem perto de mim.

Não era só pelo perigo, mas porque

quanto mais gente entra na minha vida,

mais gente parte. Minha mãe foi uma


delas, eu a amava, e ela se foi… —
Minha voz saiu baixa. — Então

Alessandro apareceu e roubou o meu

mundo inteiro com aquele ar frio como

gelo, e seu interior quente como uma

fornalha.

Nunca pensei em morrer e nem

desejei isso, por mais perdas que

houvesse tido, mas então por que doía

tanto?

— Alessandro quebrou essa


barreira, mas não tivemos tempo. —
Virei para cima, encontrando os olhos
escuros de Stefano. — Não cheguei a

dizer a ele que eu o amava. Queria ter


dito, mas… — Sacudi a cabeça. —

Agora ele se foi…

Stefano me abraçou.

— Mulher, desse jeito você acaba

com o meu coração negro. — Alisava

meu cabelo enquanto eu chorava em sua


camisa, mas não reclamou. — Meu
irmão sabia o que sentia por ele.

— E eu sabia que ele não era de

demonstrar o que sentia, então por que

me incomodei pelo fato de ele não falar


um simples “eu te amo”? Ele tinha

acabado de afirmar que andaria no fogo,

mataria e morreria… por mim. Quer

declaração melhor do que essa? No

final, ele partiu antes… — Eu me


encolhi.

Ele passou pelo fogo e morreu…


tudo acabou.

— No fundo, eu pensava que seria

eu a não chegar ao final por causa das

pessoas querendo me matar, mas assumi

que conseguiríamos enfrentar tudo

juntos. Isso é culpa minha, pois se não

tivesse aparecido na vida dele e de

vocês, os albaneses não teriam vindo

atrás da sua máfia. Porém, eu insisti em


ficar com sua família. — Mordi o lábio,
olhando para Stefano. — Por quê?

Devia ter sido eu lá…

— Você tem uma filha que precisa

da mãe — disse, pesaroso.

Minha filha. Sim, ela precisava de

mim, e eu dela. Somente Grazi me daria

forças para passar por isso, mesmo que

não visse uma luz no final do túnel e me


sentisse sem chão e com o coração

partido.
— Como vou viver sem ele? —

Era apenas um sussurro de dor.

— Porra! — Ele parecia em

conflito. — Ver vocês assim é como se

estivessem rasgando minhas entranhas.

Luna está inconsolável com Miguel.

Jade com Luca, e você também aqui

nesse estado.

A parte de mim que ainda podia


raciocinar direito agradecia por ele
estar ali comigo.

— Obrigada por vir até mim. —

Sentei-me e olhei pela janela. Via tudo

cinza lá fora, percebendo como mudou


tanto de mais cedo para esse momento.

— Sempre que precisar de mim,

eu estarei aqui para você e a

princesinha. — Limpou as lágrimas do


meu rosto, mas não adiantava, pois

outras caíam em sequência. — Queria


poder ficar mais… Preciso ajudar o
Rafaelle.

— Ajudar… Onde ele está? —

Não achei que queria ouvir a resposta.

— Meu irmão está tentando


descobrir quem foi o mandante. Vou

auxiliá-lo agora.

Assenti.

— Foram os albaneses?

— Não sabemos ainda. E não


ligue para isso. Nós pegaremos os
responsáveis e os mataremos. Farei com

que paguem do pior jeito possível —

garantiu. Tinha uma promessa ali, mas

não parecia ser para mim. — Vai ficar


bem?

— Não. Mas você não pode fazer

nada, afinal, está lidando com sua

própria dor, mesmo que não esteja

chorando. — Cada um administrava a


dor da perda de forma diferente; isso

não queria dizer que o amasse menos.


— Não choro há uns dez anos,

desde que minha mãe morreu — falava

tão baixo que quase não ouvi direito. —

No seu velório, lembro da angústia ao

perdê-la. Eu estava chorando muito,

então Marco chegou e me deu um soco,

quebrando minha mandíbula, e disse:

“Homens não choram por nada, Stefano.


Eles matam e mutilam”. — Seus olhos

foram para a janela, mas não parecia


realmente vê-la. — Mandei-o ir para o

Inferno e disse que tinha um coração, ao

contrário dele. Fiquei dois dias preso

nas masmorras, sem comer. Teria

passado mais tempo, se não fosse por

Alessandro. Ele me protegeu mais do

que eu sequer sei. Eu o tinha mais como

um pai do que como irmão mais velho.

Devo tanto a ele. Depois disso, eu jurei


nunca mais chorar.

Sua voz parecia distante, como se


a recordação o ferisse demais.

Esse garoto sofreu muito, assim

como Rafaelle e Alessandro. Marco era


um monstro desalmado. Pela crueldade a

que foram sujeitados, era para terem se

tornado piores que o pai. Mas os três

irmãos Morelli tinham coração.

Alessandro me ajudou e me protegeu,

até aceitou uma guerra que poderia ser a


causa de sua morte.
Mesmo não chorando, eu podia

ver a tristeza que assolava Stefano.

— Obrigada por se abrir comigo.

— Peguei sua mão. — Lamento por sua

dor.

— Eu também. — Beijou minha

testa.

— O que será de mim agora?

— Vamos cuidar de você e

Graziela — jurou com ferocidade.


Corei, mas não era a isso que me

referia. Claro que temia o perigo


chegando à minha filha, contudo, a dor

de perder o homem que amava era


insuportável. Como seria para Graziela?

— Eu sei… Quando será o… —

Não consegui terminar a frase, pois senti

faltar ar nos meus pulmões por um

segundo.

— Amanhã. Aviso assim que tudo


for organizado.

Fiquei de pé. Não estava ok, mas

precisava de força para checar Luna e

Jade. Elas também sofreriam em


demasia pela perda.

— Vou até as meninas. Vi ela

passando mal antes, mas na hora estava

tão entorpecida que… Esse estresse


todo pode prejudicar o bebê —

murmurei, encolhida.
— O médico a examinou. Luca o

tinha chamado ao vir lhe dar a notícia.


Ele não quis revelar sem um doutor

presente — disse, levantando-se. —


Minha irmã está bem, na medida do

possível. Vamos, eu a levo até elas.

Nós andamos ao quarto de Luna.

Ao entrarmos, enxerguei Jade sentada

em um sofá com sua irmã ao seu lado.


As duas estavam inconsoláveis. Mesmo
com a ajuda de Miguel e Luca, sua dor

não foi amenizada.

Luna levantou a cabeça assim que

entrei e correu para os meus braços com


os olhos banhados em lágrimas.

— Ele se foi… — Os sentimentos

pesados de nós duas fizeram eu me

encolher.

— Eu sei. Lamento por ter saído

da sala naquele momento, eu só


queria… — não conseguiria ajudar

ninguém antes, nem agora sabia se

poderia, mas tentaria.

— Vamos deixar as meninas


sozinhas — Stefano falou para Luca e

Miguel.

— Não vou abandonar a Jade —

disse Luca num tom firme, olhando


preocupado para a esposa.

— Estou bem, Luca — começou,


mas mudou o rumo ao observar o olhar

duvidoso dele: — Vou ficar. Nosso

bebê está bem.

Ele não queria sair, não obstante,


nos deixou sozinhas. Eu me sentei na

cama na frente dela, me sentindo

devastada e sem forças.

— Não acredito que meu irmão se


foi — Jade balbuciava.

— Também não. Sei que estava se


recuperando da facada que levou, mas o

doutor disse que ele ficaria bem. Então

por que vieram esses assassinos para

matá-lo? O carro, o fogo, o penhasco…

— Luna se encolheu.

Lembrava-me de Alessandro

dizendo que morreria por mim. De fato,

o fez… Partiu para um mundo distante

como o Sol. No entanto, o Sol


poderíamos ver e sentir, já ele não.

— Sei que viver na máfia tem seus


riscos, mas quando acontece com quem
amamos é doloroso… — Luna falhou na

tentativa de completar uma sentença.

Entendia o seu receio.

— Viver esta vida é difícil, mas

sempre temos a esperança de que tudo

dará certo e que eles voltarão para casa.

— Pensava nisso mais cedo naquele dia,

depois que partiu, ainda ferido, para


trabalhar.
— Sentia que Alessandro estava

feliz com você, não imagina a expressão


dele quando falei que você partiria para

Dallas se ele não fosse atrás das duas na


casa de Miguel. Teve medo de perdê-

las, nunca o vi assim. — Ela me olhou

com dor. — Desde o começo, eu quis

que ficassem juntos, pois achei que

formariam um casal lindo. Então o

chamei para ir à lanchonete e vi a forma


que se olharam, até depois quando ele

visitava nossa casa. Então viemos para

cá e, nesses meses, confirmei que tinha

amor ali.

Alisei minha aliança numa

maneira de tê-lo mais perto de mim.

Poderia ficar brava com Luna por

nos aproximar, mas não seria tão


egoísta. Não era só eu que estava

sofrendo. Alessandro me deu muita


raiva no início com a sua teimosia, mas
depois, aprendi a amar cada segundo em
sua presença.

— Estava feliz, porque íamos nos

casar e construir uma vida juntos. Ele

adorava a Graziela… Não sei o que vou

dizer a ela agora, será difícil para a

minha garotinha aceitar. Hoje cedo ela

já estava ansiosa para vê-lo. — Eu

preferia mil vezes sofrer no lugar da


minha filha.
— Ela o ama muito. Enxerguei

ontem quando pensou que meu irmão não


fosse aparecer na apresentação. Ele

também a amava, porque foi até ferido.


— Jade limpou os olhos.

— Não tivemos muito tempo

juntos, mas eu queria ter dito coisas e

ido com ele em vários lugares. Contudo,

agora… — Respirei fundo, tentando


controlar a minha dor. — Estou sem
chão com sua perda, sem rumo.

Ficamos em silêncio, cada uma

perdida em sua própria tristeza.

Achei que houvesse tido a sorte

grande por conseguir o amor daquele

homem. Estava sem rumo. Sabia que

precisava ser forte, mas minha alma fora

destruída.

— Vou esperar uns dias para

contar à Graziela. Até lá, eu saberei o


que fazer. — Limpei meus olhos com as

costas das mãos.

— É bom aguardar, porque isso

vai machucá-la. Talvez um pouco de sua


luz nesta casa melhore a situação. —

Jade se sentou. — Será preciso.

Sim, minha filha era a minha

força, e eu precisava acreditar que um


dia superaria essa perda. Não superar,

mas aprender a lidar com ela, assim


como fiz com a partida da minha mãe.
Eu não estava sentindo ou vendo nenhum
ponto de apoio, mas precisava ter fé de

que me curaria um dia, tal como os


irmãos e as irmãs de Alessandro.

Sem o seu cheiro, o seu toque, os

seus beijos e cada um de seus

carinhos… tudo que podíamos ter tido

foi interrompido e tirado de mim.

Precisava ser forte pelos irmãos


Morelli e por minha filha. Não me
deixaria cair à deriva. Graziela chegaria

logo em casa, e não queria que me visse

desse jeito, estraçalhada.


Capítulo 22

Mia

Passei a noite em claro. Não


conseguia dormir com a dor que sentia

pela saudade de Alessandro. Deitando-


me em sua cama, achei que ficaria um

pouco melhor, mas só o que consegui foi

chorar mais ao sentir seu cheiro nos

lençóis.

Foi difícil levantar cedo sabendo

o que teria de enfrentar. Poderia ter ido

e ficado com ele, mesmo que não

estivesse mais conosco. Mas Stefano

disse que era norma da máfia: o líder


morreu, então só abriria as portas da
igreja no dia seguinte. Eu queria ir lá e
xingar todos, porque Alessandro também
era meu noivo; eu tinha direitos.

Entretanto, estava esgotada, sem


forças para lutar. Ficou pior quando

Graziela perguntou sobre o pai. Eu não

mentia para ela, não com algo tão sério

assim, mas disse que Alessandro tinha

ido viajar. Depois, ela quis conversar

com ele pelo telefone para dar boa-


noite. Na hora, eu chorei; não me
aguentei.

Não sabia por quanto tempo

conseguiria esconder a verdade. No

momento, enquanto eu estava na igreja,


ela ficou com uma mulher chamada

Zaira, uma segunda mãe para Luca.

Como Jade confiava nela, eu também

confiei.

Sentia-me entorpecida, embora

tomada de dor. Seria a última vez que o


veria, não “ver” de fato, porque o
caixão fora lacrado devido às
circunstâncias do acidente. Mas eu sabia

que estava ali, e no meu coração e na


minha alma.

A igreja lotou de homens fiéis,

mas também tinha muitos traidores.

Seriam eles os culpados por tirar o

carro de Alessandro da estrada? Desde

que soube o que aconteceu, eu não


perguntei muito sobre o ocorrido.
Entendia que os responsáveis eram os

Rodins, os albaneses ou os traidores que

Alessandro mencionou antes de sair

naquela manhã. Logo, poderiam ser

alguns desses que estavam ali.

Chequei a multidão, averiguando

cada um, mas eles eram bons em

esconder suas emoções, afinal, todos

eram mafiosos frios e assassinos.

Luna tirou Jade da igreja, porque


ela chorava muito. Havia uma coisa que
não pude deixar de notar: Luca não
andava sozinho, sempre tinha seguranças

com ele, até quando foi embora com sua


mulher. Isso me fez lembrar que toda vez

que Alessandro saía de casa, ele estava

com dois dos seus homens, Luigi e

Rabel. Só andava sem seguranças na

companhia de seus irmãos. Então por

que Alessandro estava sozinho indo


fazer um trabalho, ainda mais um tão
arriscado?

No dia anterior, eu não pensara

nisso, dada a sucessão de eventos

desconcertantes. Mas essa noite sem


dormir fez com que eu considerasse

muitas coisas, e essa era uma delas.

Talvez não fossem pensamentos fúteis.

Poderia perguntar a Stefano, mas


ele foi embora com suas irmãs. Rafaelle

estava num canto conversando com um


homem que eu desconhecia.
Continuei perto do caixão, não

conseguia me afastar, era como se minha

alma se partisse mais. Estava

destroçada, não sei se um dia me

recuperaria. Fiquei pior ao imaginar que

o próprio pessoal de Alessandro fizera

isso. Precisava saber quem tirou o meu

noivo de mim, pois o responsável

pagaria caro.

Nunca aceitei ser da máfia devido


ao que existia nela, porém, após

conhecer Alessandro, tudo mudou.

Nosso relacionamento foi breve, mas

real. Ele me mostrou que no meio da

máfia havia muitas serpentes, umas mais

venenosas que as outras. Aceitei viver

no seu mundo, mas não faria como

muitos, tapando meus olhos para a

verdade. Eram todos traiçoeiros, e um


desses levou o meu noivo de mim.

Alessandro tinha dito que estava


planejando algo para pegar os traidores,

então houve o acidente. Alguém devia


ter descoberto o plano dele e colocado

fim em sua vida. Isso queria dizer que

Rafaelle e Stefano corriam perigo?

Precisava alertá-los e pedir para

tomarem cuidado. Mas depois, aquele

era um momento de despedida, uma que


meu coração e minha alma evitavam.

Vi Rafaelle voltar e ficar perto do


púlpito onde estava seu falecido irmão.

Não liguei, só fitava o caixão com o

coração sangrando.

— Hoje, com a morte de


Alessandro, me tornarei capo da máfia

Destruttore — Rafaelle anunciou.

Minha cabeça se moveu na sua

direção. Não acreditava que nem velaria


direito o corpo de Alessandro primeiro.

Como ousava se intitular capo a uma


hora dessas? O irmão nem foi enterrado!
— Não acho que seja uma boa

hora — comecei.

Seus olhos se voltaram a mim,

diferentes de tudo que presenciei antes;


frios, desdenhosos, letais.

— Cale-se — rugiu, fazendo com

que eu desse um passo para trás.

Não consegui acreditar que falou

dessa forma comigo, ainda mais na

frente de todos.
Talvez estivesse sofrendo,

contudo, não justificava a grosseria. Ele

encarou a multidão ali presente.

— No meu governo, as coisas vão

mudar por aqui — iniciou.

— Soube que foi você que

ordenou a morte do seu irmão. É

verdade? — alguém perguntou.

Olhava entre o irmão Morelli e o

cara barbudo, que ouvi Rafaelle chamar


de Renan; parece que era chefe em

alguma cidade. Pensei que meu cunhado

fosse desmentir essa loucura, mas seu

rosto estava em branco, não mostrava

nada, como se esculpido em gelo.

— Sim. Os Rodins tentaram fazer

o mesmo, mas foram mortos junto com o

antigo capo — falou de modo neutro e

banal.

Oh, meu Deus! Não, só podia ter


ouvido errado, aquele não parecia o
Rafaelle que conheci esses meses, mas
soava sério. Preciso lembrar que isto é

a máfia, todos são


traiçoeiros. Alessandro confiava

cegamente no irmão e foi traído dessa

forma.

O que Luna e Jade sentiriam ao

saber dessa crueldade? Isso as

destruiria, igual eu estava agora, por


confiar nele com a vida de seu irmão.
Tentei me controlar, mas não

podia, não queria viver nesse mundo de


gente inescrupulosa que matava a

família por razões nojentas.

Assim que o velório acabasse,

pegaria minha filha e sumiria. Mesmo

não querendo me distanciar de Luna,

levaria Graziela para longe de toda essa

escória maldita.

Não fui a única a ficar chocada,


muitos na igreja reagiam da mesma

forma. Um coro incrédulo sobreveio o

lugar.

— Como ousa? O capo era seu


irmão, seu sangue — rosnou um cara que

eu não conhecia.

— Isso é a pior traição possível!

— gritou outro, chocado.

— Não queremos você como capo

— mais um se opôs.
— Não é sua escolha, Temmer. —

Fuzilou-o, depois a todos. — Nem de


nenhum de vocês.

— Como isso aconteceu? Não

creio que o fez, eram ligados demais —

um ruivo desconfiou.

— Alessandro não aceitava


algumas coisas, tentei convencê-lo a

entrar nos negócios de tráfico humano,


mas ele não aceitou — respondeu
Rafaelle. — Foi preciso tirá-lo da

jogada.

Eu estava entorpecida no lugar,

incapaz de acreditar no que ouvia.

— Realmente jogou ele do

penhasco? — O ruivo riu, zombeteiro.

— Achei que fossem unha e carne.

— Sou paciente, não ajo por

impulso como muitos. Era uma questão

de tempo até eliminar meu irmão.


A dor e a fúria se apossaram de

mim.

— Como ousa se nomear capo no

velório de seu irmão, o mesmo irmão

que matou… — Chorei, mostrando todo

o desprezo que sentia. — Ele confiava

em você, maldito! Tudo para quê? Por

um título?

O olhar de Rafaelle me causou


calafrios, mas não me importei diante de
tanta hipocrisia. Por sorte o crápula

proibiu armas dentro da igreja, ou eu

seria capaz de pegar a de alguém para

atirar nele.

Se ele não se incomodou em tirar

Alessandro de mim, por que daria

importância para eliminar da Terra um

irmão traidor? Um assassino? Aquele

rosto amigável que eu costumava ver


antes disso tudo acontecer cedeu espaço
para uma carranca sombria.
— Quem é você para dizer algo?
Meu irmão jamais deveria ter se

envolvido com gente do seu tipo. Uma


mulher que não serve para nada, a não

ser voltar para o lugar de onde não

deveria ter saído. — Acenou para

alguém atrás de mim.

Fulminei-o e cuspi nele.

— Você é um assassino
miserável. Deveria estar morto, em vez
de Alessandro. — Não dei a mínima

para quem presenciava. — Todos os

capos não andam sem seguranças, mas

nesse dia ele estava sozinho, aposto que

por confiar em você.

Ouvi uma risada sinistra.

Reconhecendo-a, virei a cabeça. Uma

pessoa em especial estava ali, uma que

me fazia querer matar e morrer ao


imaginar perto da minha filha.

— Eu confiava em você, éramos


uma família. Você se transformou no seu
pai, um monstro. — Guardei minha dor

para mais tarde e foquei na raiva. —


Vou fazê-lo pagar por isso, pode

apostar.

— Sim, uma simples mãe solteira

fugida da máfia albanesa me fará pagar

— ironizou. — E, por sinal, aqui está o

chefe da sua gente. Sou o irmão mais


velho depois de Alessandro, portanto, o
novo capo. — Dirigiu-se, em seguida,

às pessoas ali: — Todos vocês me

devem respeito. Quem não está do meu

lado, está contra mim.

— Quem se levantar contra o

senhor deve ser dizimado. — Um

homem alto sorriu para os que se

opuseram a Rafaelle há pouco. Depois,

voltou-se a mim. — Já essa poderíamos


usar.

Tremi.
— Oh, todos serão castigados. —

Rafaelle gesticulou para um cara alto de

olhos sombrios. — Leve para as

masmorras quem me confrontou,

eliminarei todos eles. Mais alguém quer

se manifestar?

Não acreditava no que escutava.

No fundo, queria estar enganada. Eu o

amava como um irmão…

— E quanto à garota, chefe? —


perguntou um dos caras, esse era loiro.

Com certeza, um dos traidores.

— Ela será castigada. —

Encarou-me com um olhar que gelou


minha alma. — Darei você a ele. —

Indicou Skender, que se aproximou de

mim.

Dois dos homens de Rafaelle


levaram os outros caras que foram

contra ele. Senti-me doente, porque


sabia que só sairiam das masmorras
mortos. E o mesmo destino, ou pior, me
esperava.

Achei que Skender já estava até

enterrado. Alessandro disse que o

mataria, mas não deve ter tido tempo,

pois foi apunhalado nas costas pelo seu

próprio sangue, alguém em quem

confiava.

— Dará ela a mim? Não estava


acreditando nesta cena, mas agora? —
Skender sorriu para o capo. Notei que

estava machucado, como se tivesse

levado uma surra. — Estou adorando

isso. Tenho contas a acertar com minha

sobrinha.

O choque estampou meu rosto, não

entendi o que ele estava falando. Talvez

mentisse, não? Ele era um maldito

desgraçado. Eu não podia ser parente


desse homem. Graziela era sua filha,
mas eu? Não devia ter ouvido direito.
— Não sabia disso? Você é filha
do meu irmão, o mesmo que mandei

matar. Depois de tudo isso, eu dei sua


mãe ao Afrim como uma recompensa

pelo serviço bem-feito. Para a sua

proteção, a vadia da sua mãe guardou

segredo. — Riu com desdém. —

Agradeço por ela estar morta.

A fúria corria por minhas veias,


mas não fiz nada, já que estava chocada
demais para tanto.

Ele olhou para Rafaelle.

— Então vai entregá-la a mim? E

minha filha, a irmã dela?

Rafaelle nem piscou. Eu, sim. Não

podia voltar para a Albânia, seria morta

lá, isso se não acontecesse algo pior…

não. Precisava sair dali, mas como?

Cadê Luna e Jade? Não as via há algum

tempo, nem Miguel ou Luca. Esperava


que estivessem bem.

— Posso entregar essa raposa

esquentada, embora adoraria a ideia de

fazê-la aquecer a minha cama. — Não


acreditei que fosse capaz de dizer isso,

sendo que há não muito tempo eu era do

irmão dele. Rafaelle não passava de um

escroto que não se importava com nada.

— Prefiro morrer a ser sua. — Eu

tinha esse problema: mesmo temendo


pelo meu fim e enfrentando um capo,
não conseguia ver as coisas erradas e
ficar quieta.

— Poderia domá-la e provar o

contrário, mas tenho outras mulheres

para isso. Ocupe-a com um de seus

homens. — Sorriu para Skender, como

se fossem grandes amigos.

— Uma ova que vou ser prostituta

de mafiosos desprezíveis. — Não tinha


a quem recorrer nesse lugar, estava em
uma igreja lotada de cobras.

— Ela é minha! — gritou Skender,

vindo me buscar, mas então foi

interrompido.

Um tiro soou na igreja, fazendo

algumas mulheres saírem gritando e

homens ficarem em alerta, certamente

pensando serem inimigos. Skender caiu


no chão, atingido no ombro.

Foi quando avistei um homem


entrar no lugar carregando duas

metralhadoras, uma em cada mão. Era

alto, loiro, de cabelos presos e olhos

sombrios.

— Nós vamos sair daqui. Espero

que o capo não faça nada ou terão mais

corpos a serem velados, pode acreditar.

— Não parecia um pedido.

Não sabia quem era, mas estava

grata, pois por causa dele Skender não


me tocou, e esperava que não me
levasse com ele, já que precisava pegar
minha filha e ir embora dessa cidade. O

que me mantinha ali era Alessandro, e


eu o perdera. Tinha Luna, Jade e

Stefano, mas nesse momento minha filha

era mais importante; pensaria somente

nela.

— Acho melhor ninguém se meter

nisso ou sobrará para vocês. — Sorriu


para Skender como se o mafioso albanês
fosse um brinquedo que ele adoraria

quebrar. — Indo a algum lugar? Falei

que se sumisse, eu o acharia.

Ouvi algumas pessoas dizerem: “É


o ceifador”, “O anjo da morte”, “O que

ele quer?”, “Espero que nos deixe

vivos”. Continuaram conversando sobre

isso, temendo esse homem e o que

representava.

O cara não pareceu ligar para os


comentários, pois sua atenção estava em
Skender.

— Você invadiu meu território —

rosnou Rafaelle, fuzilando-o.

— Não por opção, eu só vim


pegar a minha presa aqui. Espero que

não cause problemas, ou muitos seguirão

o seu irmão para o mundo das almas-

perdidas. — Sua voz era grossa e sem

emoção.

Estava a ponto de sair correndo,


mas seus olhos escuros pousaram em

mim, me travando no lugar.

— Você vem comigo também,

afinal, é sobrinha dele.

Olhei ao redor, mas ninguém me

socorreria, não ali. O que fazer?

Merda! A minha vida tinha virado do

avesso: além de sofrer pela perda do


homem que amava, eu ainda tinha que

lutar para ficar viva e proteger a minha


filha. Precisava ir até ela.
— Não vou com vocês, estou indo

embora desta maldita máfia — arrisquei

falar, sem fôlego. Eles farejavam medo

à distância, mas não deixaria que

reparassem no meu.

— Ela não me pertence mais. —

Não havia nenhum sentimento na voz de

Rafaelle.

— Ela é de Skender — um cara

disse com a voz dura, mas parecia se


divertir.

— Isso ajuda muito, pois ele é

meu, então sua adorável sobrinha

também. — Sorriu como um animal


prestes a devorar sua presa.

Oh, Deus, o que seria de mim?

Não ia chorar ali. Precisava ser forte

para enfrentar esses homens.

— O único homem a quem eu

pertencia está naquele caixão. Não


ficarei com nenhum de vocês — rugi.

O loiro de olhos escuros arqueou

as sobrancelhas.

— Vou adorar domar essa fera —

disse. Olhou para Rafaelle. — Fez bem

ao eliminar o seu irmão, ele não parecia

um bom líder, acabou com muitas coisas

que Marco aprovava. Acredito que


faremos grandes negócios, assim como

fiz com seu pai.


“Repulsa” definia meus

sentimentos. Como existiam pessoas


assim? Achei que essa máfia fosse

diferente da albanesa, e era, com


Alessandro. Mas ele se foi, e o seu

irmão malvado se apossou do trono.

Chequei ao redor, tentando

encontrar um modo de escapar. Havia

um corredor, mas não sabia aonde


levava. Entretanto, era a minha única
chance. Parecia idiotice querer fugir

com esse bando de mafiosos ali.

Corri, mas não fui longe, pois um

braço me pegou por trás. Lutei contra.

— Controle-se, cabrita, ou terei

que usar a força — murmurou.

Era o tal “anjo da morte”. Eu

estaria acabada em poucas horas ou em

questão de dias; esse cara abusaria de

mim e faria coisas piores que me matar.


— Vá para o Inferno — gritei,

ainda tentando lutar. Ele era forte


demais.

— Um dia, eu vou, mas não será

hoje — disse e suspirou. — Levante-se,

Skender, é melhor ir por bem, porque

nessa bala há um veneno que exigirá um

antídoto em aproximadamente quinze

minutos; senão, já era. Eu prefiro levá-


lo vivo, mas morto também servirá.
Skender trincou os dentes,

segurando o ombro ferido. Fuzilou


Rafaelle.

— Eu me alio a você se matar o

El Diablo — falou.

Dessa vez, El Diablo riu. É cada

nome…, pensei. Ele realmente parecia o


Diabo em pessoa.

— Acha que estou sozinho nisso?

Não sou da máfia, mas tenho muita gente


trabalhando para mim. Se eu não sair

daqui em dez minutos, esta igreja vai

para os ares com todos dentro —

afirmou, acarretando um burburinho. —

Não temo a morte, se ela vier hoje, eu

aceitarei sorrindo. Mas e quanto a todos

aqui? Será que pensam da mesma

forma? Suponho que terão muito a

perder.

Rafaelle se calou por um segundo,


avaliando a situação. Isso me enchia de
fúria, me sentia traída por ele me
entregar a esses monstros como se eu
fosse um maldito pedaço de carne.

Queria saber de Graziela, mas não

levantaria o nome dela no meio dessas

pessoas.

— Considero você um aliado,

Skender. No entanto, seja quem for que

mandou buscá-lo, deve ter um motivo —


começou ele. — Arrume um jeito de
escapar de seus inimigos, e quando o

fizer, eu estarei aqui.

— Talvez eu possa entregar minha

sobrinha a essa pessoa em forma de


aliança — sugeriu Skender, rindo para

mim e para o capo.

— Sim, aposto que o cara

apreciará. — Rafaelle retribuiu o


sorriso frio como o Alasca.

Oh, eu queria estraçalhar esse


merda.

— Se eu sair viva dessa, voltarei

e matarei você, Rafaelle —

praticamente cuspi, lutando nos braços


de El Diablo. Chutei sua perna e

consegui fugir; cheguei a pegar a camisa

do pretenso capo, mas fui puxada de

volta para longe. — Dançarei em cima

de seu cadáver imundo.

Ouvi El Diablo praguejar em


espanhol — ao menos eu acho, porque
não sabia esse idioma. Ele me levaria
para algum lugar onde seria quebrada de

maneira irreversível. Precisava lutar,


mas como?

— Odeio você, Rafaelle! Não

importa o que faça, darei um jeito de

destruí-lo. — Lágrimas desciam pelo

meu rosto. — Vai pagar caro por tê-lo

levado de mim.

Seus olhos azuis pousaram em


mim, refletindo nada além de frieza.

Um pano foi colocado em meu

nariz, e então senti a escuridão me

abraçar. Sim, eu passaria por tudo o que


eles me oferecessem e, no final, faria

Rafaelle pagar com a vida.


Capítulo 23

Mia

Acordei em um recinto composto


por um quarto, uma sala e uma cozinha.

Pensei no ocorrido na igreja, em quando


velava Alessandro… Relembrar sua

perda fez a dor voltar a me assolar.

Precisava aguentar, focar em onde

estava e no que fariam comigo.

Chequei meu corpo: não havia

sinais de abuso.

— Você está intacta. Não é meu

estilo pegar uma mulher à força. — Uma

voz atrás de mim arrepiou os pelos da

minha nuca.
Pulei, saindo da cama e olhando

na direção de El Diablo. Ele estava


sentado em uma cadeira na cozinha,

tomando café.

Lá fora, o Sol irradiava, só não

sabia dizer se nascia ou se punha.

Quanto tempo eu fiquei dormindo?

— Está apagada há dois dias.

Precisava disso para viajarmos até aqui


— comentou como se pudesse ler a
minha mente. — Sente-se e tome café.

Voltei minha atenção a ele.

— Não quero nada. Onde

estamos? O que fará comigo? —

Surpreendi-me por estar inconsciente há

tanto tempo. Queria perguntar sobre

minha filha, mas sem a colocar em seu

radar. Acreditava que estivesse segura


com Jade; ela não era como Rafaelle.

Ao pensar nele, meu coração doía.


Confiava em Rafaelle, e no final, ele nos

traiu da pior maneira possível.

— Não farei nada. Eu fui

contratado para protegê-la caso o antigo


capo morresse. — Comeu seu pão e

fechou a cara por um segundo. —

Embora mantê-la viva e fora de

problemas esteja sendo tremendamente

difícil.

Pisquei com o choque.


— Alessandro contratou você? —

Encolhi-me, pois isso significava que


ele antecipara a traição do irmão.

Talvez suspeitasse que me usaria.

— Sim, portanto, está segura. E se

tivesse veneno na comida, eu não a

comeria.

— Você é algum leitor de

pensamentos? — Soei amarga, mas fui


me sentar em uma cadeira o mais longe
possível dele. Notei um sorriso no canto

de sua boca, mas não disse nada.

— Ninguém consegue esconder de

mim o que sente. Inclusive agora, se


considerar pegar essa faca para me

atacar, as coisas não serão bonitas. Fui

contratado para protegê-la, mas se me

ameaçar, eu a eliminarei. — Suspirou.

Se Alessandro o contratou, talvez

eu pudesse fazer o mesmo para que me


tirasse de onde estávamos. Olhei ao
redor.

— Estamos em Milão?

Negou.

— Em Veneza. Tenho negócios

aqui. — Eu via árvores lá fora, nos

encontrávamos em uma espécie de

cabana. — Nos afastamos da cidade.

Ninguém entra no meu território se eu


não quiser. E se fugir, eles a

encontrarão, então sugiro que permaneça


comigo.

Não conseguia pensar, precisava

de um minuto sozinha.

— Tem um banheiro e roupas

neste lugar? — sondei. Tomar um banho

supervisionado por quem eu não

conhecia não era uma boa ideia, mas eu

carecia de um instante de paz. Estava


sobrecarregada demais com tudo o que

houve.
— Comprei algumas coisas. —

Apontou para uma sacola em uma


cadeira e depois para outra porta. — O

banheiro fica ali.

Peguei a sacola e fui ao toalete,

agradecendo por ter uma tranca —

apesar de que se ele quisesse fazer algo,

teria feito enquanto estive apagada;

mesmo assim, me mantive atenta para


averiguar a veracidade do que me disse.
Após tirar as roupas e deixar a

água cair sobre minha cabeça, caí


sentada no chão, abraçando os joelhos.

Precisava ser forte, mas perdera tudo.


Alessandro se foi e minha filha estava

em algum local desconhecido. Desejava

encontrá-la.

Rafaelle poderia tentar tirar

Graziela de sua irmã. Antes disso, o


máximo de tempo que passamos longe
uma da outra foram dois dias. Precisava

de minha garota, guardaria a dor para

depois, pois era hora de lutar. Por ela,

eu era capaz de tudo.

Ao terminar, vesti a primeira

roupa que peguei sem ligar muito, só

torcendo para que pudesse fazer um

acordo com esse homem.

Saí, todavia, não o encontrei em

lugar algum. Poderia tentar fugir, mas


estava sem telefone. O cara era
profissional, com certeza se livrou dele.

A única solução seria contratá-lo

para me ajudar a pegar a minha filha e ir

para longe de toda essa história de

máfia.

Ouvi um som de algo batendo,

então o segui, chegando em um quintal

plano e cercado de árvores. Havia ainda

uma pequena choupana, acho que de


pesca.
El Diablo lutava com um pau onde

tinha uns troncos, que provavelmente as


pessoas usavam para treinar. Enrolara

seus punhos e suas pernas com faixas


para a sua proteção. Estava sem camisa,

as costas forradas de desenhos que

cobriam cicatrizes.

— Achei que amasse o seu homem

que morreu — resmungou pelo esforço


do treino. — Pela forma que me olha,
não parece.

Fechei a cara.

— Não estou interessada em você.

Sim, eu amava Alessandro e vou

continuar amando — rosnei. Não sabia

se um dia o sentimento findaria. Naquele

instante, parecia impossível.

Ele parou de lutar e me checou, tal

qual Alessandro fazia. Tentei não deixar

que isso me levasse a sucumbir, era a


hora de me fortalecer e ir atrás de

Graziela.

— Quero contratar você — fui

direta. — Preciso pegar a minha filha e


ir embora da Itália.

Arqueou as sobrancelhas, mirando

meu corpo sem interesse.

— Como pretende pagar? E o que

tenho que fazer? Matar o novo capo?

— Não vou dormir com você, não


sou uma puta. — Tentei conter minha

raiva. Só existira um homem que eu quis

dessa maneira, mas ele se foi. Restou um

coração quebrado e nada que pudesse

consertá-lo.

— Por que transar comigo a

tornaria uma puta? Aliás, eu a faria

muito feliz — disse, confiante.

Sacudi a cabeça, focando no que

eu queria.
— Não estou falando disso, mas

sim de dinheiro. Contratarei seus


serviços para me ajudar a resgatar

minha filha. Não sei se Jade e Luna


sabem o que seu irmão fez ou se Stefano

está envolvido. — Trinquei os dentes e

olhei para ele. — Você parecia

concordar com os métodos dele.

— Se não notou, eu estava


tentando a tirar viva de lá. Não viu os
homens naquela igreja? Todos

adorariam ter sua vez com você. — Ele

veio na minha direção, mas segurei o

instinto de correr. Se El Diablo quisesse

me fazer mal, já teria feito, mentalizei

novamente.

Sustentei seu olhar com firmeza.

Não me abateria apenas por ele poder

me matar. Precisava que me ajudasse e o


faria concordar com isso.

— Você tem medo, mas não


demonstra. Gosto disso. — Parou na
minha frente. — Sua filha está bem,

deixe-a lá. Aqui ela correrá muito


perigo, os albaneses invadiram Milão e

estão querendo o chefe deles, esse é um

dos motivos para estarmos em Veneza.

Logo virão atrás de mim.

Arregalei os olhos.

— Onde Skender está? — Tinha


tanta coisa na cabeça que acabei
esquecendo que, antes de desmaiar, El

Diablo saiu da igreja comigo e com

Skender.

— Morto. Eu fiz o serviço para o


qual fui contratado. Agora estão atrás de

mim. — Deu de ombros.

— Você não parece preocupado

com isso. E como sabe que minha filha


continua bem? Preciso dela comigo. Vou

pegá-la nem que seja sozinha — rosnei.


— Morta, você não conseguirá

buscar ninguém — ponderou, indo fazer


flexões no chão da pequena varanda da

cabana.

Estava ficando irritada com sua

frieza.

— Preciso vê-la, falar com ela.


Você disse que faz dois dias que me

deixou apagada com aquela coisa…

— Sonífero — destacou.
— Não importa! Ela deve estar

preocupada comigo, sem notícias. —


Expirei, controlando a dor pela

distância de Grazi.

— Como eu disse: sua filha está

segura, a irmã de Alessandro a levou

para a América…

— O quê? — gritei. Minha voz

ecoou entre as árvores. — Jade não


pode ter levado Graziela sem o meu
consentimento. Não! Eu vou salvar a

minha filha daquela família.

— As garotas não estão

envolvidas com o que presenciou na


igreja, elas nem sabem de nada — disse,

ainda se exercitando; nem parecia

cansado.

— Rafaelle pode…

— A aliança dos Salvatores e

Destruttores foi desfeita. Luca e Matteo


não concordam com o caminho que o

no v o capo decidiu seguir. Os russos,

idem. — Ficou de pé. — Reprisando: a

sua filha está segura. Se deseja falar

com ela, eu tenho um telefone pré-pago.

Pode ligar dele.

Assenti, agradecida. Não sabia

que acabaram com as alianças. Por que

Rafaelle agiu assim? Confiava tanto


nele, mas isso já não importava mais.
Tudo o que sentia era uma imensa raiva
por ele e todos os mafiosos.

El Diablo entrou na cabana e

voltou com um celular.

— Pegue. Mas não diga nada

sobre onde estamos, ou o que houve na

igreja — avisou.

Certamente Luca estava

preocupado com sua esposa, mas não

era para menos, o irmão dela se


transformara em um monstro. Aliás,
deve ter sido sempre assim. Talvez tudo

que Rafaelle me disse sobre salvar

Alessandro tenha sido mentira, para

fazer o irmão se apaixonar e perder a

confiança dos membros da máfia.

— Vou tomar um banho enquanto

conversa. Um pequeno alerta: estamos a

quase cinquenta quilômetros da cidade,

se eu fosse você, não iria a lugar algum;


pode ser morta antes de ter sua filha de
volta — avisou, entrando na casa.
Sentei-me em um banquinho e
disquei o número de Jade. Agradeci por

ter uma boa memória.

Estava com o coração na mão,

ansiosa para ver a minha menina, mas se

ela estivesse segura lá, adiaria um

pouco mais o nosso reencontro e faria

outra coisa que prometi a mim mesma:

acabar com Rafaelle.

— Alô? — atendeu em inglês.


Notei confusão na sua voz.

— Jade, sou eu.

Não sabia o que foi dito a ela,

então tomaria cuidado. Não queria que a

mulher perdesse o bebê por descobrir a

real natureza de seu irmão.

— Mia? Falamos de você ainda

hoje. Graziela está ansiosa para que

venha logo, mas expliquei que você

precisa arranjar um passaporte, porque


quer entrar de modo legal aqui. — Essa

fora a desculpa que deram a ela? Queria

perguntar como levaram a minha filha

então. Com certeza, de forma nada

legal, pensei. Eles eram mafiosos e

podiam tudo.

— Como ela está? Preciso ouvir a

minha pequena.

Ela suspirou.

— Vive querendo falar com você


e Alessandro, se perguntando por que

não ficou com vocês. Eu a escutei

chorando e perguntei a razão. Ela disse

que era por saudades suas e dele. —

Fungou.

O meu coração rachou e, os meus

olhos, umedeceram.

— Oh, Deus! — exclamei,


chorosa. Como dizer que ele não

voltaria mais? — Posso falar com ela?


— Claro, vou chamá-la. Ela está

no quarto. — Mais um suspiro. — Mia?

— Sim? — Aguardei uma

continuação que nunca veio. —

Aconteceu algo?

— Não… — Ela estava estranha.

— Já vou chamá-la. Espero que vocês


fiquem juntas logo.

Também esperava por isso. Assim

que tudo acabasse, eu levaria minha


filha para longe. Adorava Jade e Luna,

mas se continuasse perto delas não me

permitiria esquecer do passado, ou

melhor, do presente, já que sentia

Alessandro no ar que eu respirava e no

sangue bombeado em meu coração.

— Oi, mamãe! — Essa voz me

fazia feliz mesmo em tempos de dor.

— Meu anjinho! A mamãe sente

tanta saudade de você. — Coloquei a


mão no peito.
Ela suspirou.

— Por que não pude ficar com

você e o papai? Onde estão? Posso falar

com ele? — Sua animação fez eu me


encolher.

— Ele… — diria que tinha saído,

porque não havia a mais remota

possibilidade de revelar a verdade a ela


sem estar lá para consolá-la. No entanto,

olhei para dentro da cabana e uma ideia


se formou em minha mente. Um tanto

egoísta, mas não custava tentar. Tão

logo fosse embora com a minha filha, eu

resolveria tudo.

Corri para dentro e me deparei

com o homem só de toalha, mas ignorei

isso — não havia nada para sentir, o

único que me dava arrepios era

Alessandro. Ele arqueou as


sobrancelhas assim que cheguei perto,
sem falar nada de início. Abafei o
telefone para que Grazi não ouvisse.

— Quero lhe pedir que converse

com a minha filha como se fosse o


Alessandro. Se ela estranhar a voz, diga

que está gripado. — O que uma mãe

desesperada não faria por sua garotinha?

Eu inventaria qualquer coisa para que

ela não sofresse.

Algo mudou em seus olhos. Antes,


não demonstrava, mas agora pareciam
arder, não por desejo, mas em completo

tormento.

— Não gosto de crianças. —

Ameaçou entrar por uma porta, acho que


um guarda-roupa, porém, fui até ele.

— Por favor, ela está tão animada

pensando que vai falar com ele. Eu não

posso deixá-la sofrer assim, não quando


não estamos juntas — supliquei.

Comportava-se como se eu
houvesse pedido para que pulasse em

um tacho de gordura quente. O que será

que houve com ele?

— Não…

Coloquei no viva-voz.

— Querida, o seu pai está aqui. —

Não negaria algo do tipo a uma criança.

— Papai! — gritou, contente. —

Estava com saudades de você. De


montão.
Os olhos do homem se fixaram no

celular como se o aparelho fosse uma


cobra venenosa. Supliquei mentalmente

que não a magoasse.

— Papai? — chamou Grazi,

confusa.

Ele respirou fundo, e pareceu


doer, uma dor similar à minha. Teria

perdido alguém? Uma criança, para ser


mais exata.
— Oi… — Sua cabeça se

levantou na minha direção. Sussurrei


para que ele a chamasse como

Alessandro. — Pequena graça, eu


também estou sentindo sua falta.

Ela ficou em silêncio um segundo,

enquanto minha pulsação acelerava

pensando que houvesse detectado que

aquele não era o seu pai.

— Não é a sua voz — enfim


Graziela murmurou. — O que houve?

Está gripado?

Senti-me mal por enganá-la, mas

depois lidaria com isso.

— Sim, o clima aqui não está bom

— respondeu em voz baixa.

— Mamãe conhece um ótimo

remédio para gripe, pois quando fico

doente, ela faz para mim. Peça que faça

para você também, assim ficará bom


logo. — Como meu coração aguentaria

tanta doçura?

El Diablo piscou, me encarando.

— Ela já fez, princesa. Eu vou

ficar bem. — Tinha um toque de ternura

ali.

— Lembra do que me prometeu na

apresentação? — sondou.

Seus olhos foram para mim como


se eu soubesse, mas não me recordava
de nenhuma promessa de Alessandro,

não que eu estivesse perto para ouvir.

— Desculpe, princesa, essa gripe

está me deixando confuso — inventou,


ante o meu desconhecimento do assunto.

— Você me disse que por mais

que estivesse longe, e eu pensasse que

não voltaria, no final, sempre retornaria


para mim. E que ser meu pai é o maior

privilégio do mundo. — Sua voz saiu


baixa. — Vocês dois vão voltar para me
buscar, certo? Quero ficar com os meus
pais.

Lágrimas caíram dos meus olhos,

mas evitei emitir qualquer som para que

ela não notasse. Alessandro a amava

assim como eu. Eu poderia prometer

voltar para Grazi, mas o seu pai nunca

retornaria.

— Sim, nós vamos voltar para


você. Sempre. — Esse homem não
poderia cumprir sua promessa. Jurou

isso só para tranquilizar o coração da

minha filha.

Graziela se animou e começou a


contar tudo que aconteceu com ela desde

que o viu na apresentação. Foi ficando

cada vez mais empolgada por falar com

ele. Notei que isso estava se tornando

demais para o trauma do passado de El


Diablo. Não precisava ser uma
especialista em ler mentes para me dar
conta.

— Meu amor, o seu pai precisa

descansar a garganta, amanhã nos


falamos mais.

— Tudo bem. Melhoras, papai. Eu

amo você — declarou, fazendo meu

coração balançar.

— Eu também a amo — arrastou

as palavras, como se doesse dizê-las.

Tirei o celular do viva-voz e pedi


um minuto a ela assim que ele foi trocar

de roupa, louco para sair dali.

— Obrigada por isso, não suporto

que ela sofra. — Virei de costas


enquanto ele se trocava. — E lamento…

Ele ia saindo pela porta, mas

parou com as costas tensas, sem se

voltar a mim.

— Lamenta pelo quê? Ela ficou

feliz. — Ele mal conseguia esconder seu


sofrimento.

— Pelo que perdeu. Pela dor que

está sentindo. Por eu ter provocado essa

reação. Poderia dizer que um dia vai


passar, mas isso é conversa-fiada. A

única forma de sobrevivermos é

pensando em quem amamos, em quem

continua aqui.

— E quando se perde tudo? —

Ele não esperou uma resposta, apenas


saiu porta afora.
Merda! O que eu causei? Me senti

culpada, mas não era o momento para

me concentrar nisso. Não com Graziela

na linha. Expirei e fiz de tudo para não

preocupá-la.

— Oi, meu amor, estava ocupada

aqui. Seu pai foi dormir um pouco. —

Conversei com ela por mais alguns

minutos e prometi que logo nos


encontraríamos.
— Jura? Eu te amo, mamãe. Você

e o papai. Espero que venham me pegar


logo — sussurrou.

— Eu vou. Agora obedeça à tia

Jade e não faça nenhuma bagunça, tudo

bem? — Se fosse por mim, falaria com

ela por dias, sem me cansar.

Desliguei e fui até a varanda para

procurar El Diablo. Estava mais


aliviada por ter escutado a voz dela,
mas ainda precisava resolver o meu

problema; não podia ficar ali para

sempre. Deveria solucionar esse

negócio dos albaneses, afinal, não

estavam atrás de mim, mas dele.

Encontrei o homem perto da

floresta, olhando um riacho que havia

ali. A culpa me corroeu.

— Quero me desculpar outra vez.

Não o forçarei a isso de novo — disse a


verdade. Até lá, esperava estar com
Graziela.

— Tudo bem. Ela parece amá-lo

— observou, falando consigo mesmo,

aparentemente.

— Sim, ela o ama. — Não queria

pensar nisso. — Preciso saber o que vai

acontecer. Tenho que ir para a América,

mas os meus documentos e tudo o mais

estão na mansão dos Morelli. Não


pretendo entrar com um falsificado e ser
presa. Vai me ajudar?

Torci para que me auxiliasse,

porque não acreditava que houvesse

mais alguém disposto a ir contra a


máfia. Não sabia se ele podia, mas

precisava tentar.

Ele se virou, o rosto já

controlado, embora seus olhos


estivessem em chamas.

— Necessito de uma semana para


resolver uma pendência. E enquanto

estivermos aqui, nada de perguntas

sobre o que presenciou — advertiu.

— Eu também não quero perguntas


a meu respeito. Só preciso ir embora

para a minha filha. — Não questionaria

seus negócios ou o ocorrido com

Alessandro, por mais que estivesse

curiosa. A dor da lembrança era a pior


coisa, e eu sentia isso.

— Fechado. E outra: prometa que


não fugirá, não desejo colocar mais
homens aqui para vigiá-la. Isso atrairia

uma atenção indesejada. Não posso


focar no que tenho de fazer essa semana

se precisar salvá-la porque fugiu.

— Não vou escapar, contanto que

jure me ajudar a reencontrar Graziela.

Esperava que, com o tempo, essa

dor dele e a minha passassem. Um dia


acreditei em milagres, mas essa
inocência se foi. Só tinha uma certeza:

traria Grazi de volta. Ela era a razão

pela qual valia respirar nesse mundo

repleto de angústia.
Capítulo 24

Alessandro

Abri meus olhos e me deparei com


um quarto branco. Um hospital? Tentei

puxar na minha memória para me


lembrar do que houve.

Era tudo um borrão. Consegui

recordar que eu estava sendo seguido

por carros; fui tirado da estrada, mas


por um instinto de sobrevivência, saltei

do meu automóvel e caí em um relevo de

pedras. Fiquei aliviado por não

despencar penhasco abaixo.

O impacto foi doloroso e tudo

ficou escuro. Teria sido um sonho?


Fui me levantar, mas senti minhas

costelas protestarem, fazendo com que


eu perdesse o fôlego. Havia um fio

intravenoso na minha mão e algo no meu


nariz. Pelo jeito, não foi pesadelo, e sim

real.

— Acho melhor permanecer

deitado. Vou chamar o médico — disse

uma voz masculina.

Olhei na direção dele, em alerta.


Era o Flame, um dos homens de El

Diablo. Careca, mas com tatuagens na

cabeça.

— O que aconteceu? — Sentei,


ignorando as dores no meu corpo. — Há

quanto tempo estou aqui?

— Você sofreu um acidente, seu

carro explodiu e despencou de um


penhasco. Para a sua sorte, o terreno era

rochoso, cheio de emendas de pedras.


Ficou em uma delas, inconsciente. Isso
permitiu que sobrevivesse. Porém,
quebrou alguns ossos no processo. Se eu

acreditasse em milagres na vida de


homens como nós, diria que isso foi um.

— Como me acharam? — sondei,

respirando fundo, olhando uma faixa em

meu ombro. O corte de faca que tinha

recebido antes de tudo acontecer

cicatrizara. — Quantos dias fiquei


apagado?
— El Diablo foi para lá assim que

descobriu o que aconteceria. Aquele


cara sabe tudo que há ao seu redor.

Acabou com os miseráveis e pegou um


deles para colocar no carro que

explodiu, para dizer que era você. —

Rumou a uma cadeira e mandou uma

mensagem, certamente avisando a

alguém que acordei. — Está apagado há

dez dias.
Pisquei, chocado, sem acreditar

que quase padeci de verdade. Estava


armando uma mentira, mas a morte veio

antes. Não era a hora: precisava ter um


futuro com Mia e minha pequena graça.

— Todos pensam que morri? —

Algo em meu estômago se retorceu com

isso.

— Até o seu velório, há nove


dias, os seus irmãos achavam que sim,
mas agora não. Suas irmãs e sua mulher

continuam no escuro. — Sorriu. — Mia

bateu no novo capo na igreja, na frente

de vários homens da sua máfia. Ela

pensa que ele é o mandante e jurou

matá-lo.

Orgulhei-me de minha noiva, mas

o meu peito se apertou ao imaginar que

estivesse sofrendo a ponto de querer


matar o meu irmão. E fiquei contente por
Rafaelle seguir o plano; esperava que
tudo desse certo para pegarmos os
traidores.

— Ninguém a tocou, não é? — Se


isso acontecesse, El Diablo pagaria,

pois era sua obrigação protegê-la.

— El Diablo teve que dar um

sonífero a ela para fazê-la calar a boca.

A mulher não parava de dizer que

mataria Rafaelle. Ah, e o chamou de


traidor por ter eliminado você. Até falou
que dançaria em cima de seu cadáver.

— Meneou a cabeça de lado. — O show

que ela fez ajudou os ratos a confiarem

no seu irmão. Mesmo que sua garota não

saiba disso.

— Como tem andado tudo? Se

estou apagado há dez dias, e meus

irmãos descobriram há nove, então eles

ficaram vinte e quatro horas pensando


que eu estava morto. Por que El Diablo
não revelou a verdade aos dois? —
Coloquei-me de pé e tirei as coisas de
mim sem procurar orientação médica.
Não precisava mais disso.

— Terá que perguntar a El

Diablo. Sabe como ele é… sempre tem

um plano oculto e não diz nada a

ninguém, nem para nós — respondeu

Flame. Depois complementou: — Devia

chamar um doutor. Apesar de que, lhe


conhecendo, achará que não é
necessário.

Conhecia Flame há alguns anos,

antes até de El Diablo ou dele entrar

para essa organização Deadly Reapers,


os ceifadores mortais.

— Não preciso de um médico, só

estou com o corpo duro por ter ficado

dez dias apagado nesta cama, sem andar.


Agora quero saber o que está

acontecendo. — Olhei para ele. —


Tenho algumas roupas aqui?
— Sim, na sala ao lado. Vou lá

pegar. — Ele saiu enquanto eu checava

o lugar. Reparando melhor, vi que não

era um hospital como pensei que fosse,

mas uma sala da agência de El Diablo.

Tentei exercitar meus músculos

sem causar mais danos onde estava

fodido — meu ombro e acho que em

uma costela. Eu já tinha aprendido a


lidar com essa dor, mas havia outra
tocando minhas entranhas: o sofrimento

de Luna e Mia. Acreditava que Rafaelle

ou Luca deviam ter contado a verdade à

Jade; não queria que ela tivesse

complicações na gravidez.

Mia. Pensar nela me trouxe

lembranças de seus beijos e seu toque.

Meu coração se apertava, sentindo muito

a sua falta. E de Graziela, a minha


princesinha linda. Estava louco para ver
as duas, mas não faria nada até falar
com Rafaelle e sondar como iam as
coisas.

Flame entrou com as roupas,


porém, não era um terno, mas jeans

escuros e uma camisa com touca. Desde

que pudesse trocar as que eu usava,

estava valendo.

— Tem um telefone do qual eu

possa ligar sem ser detectado? Preciso


conversar com Rafaelle — indaguei, me
vestindo.

— Sim, use o meu. Ele não é

rastreável. — Entregou-me. — Tem uma

coisa de que precisa saber.

Parecia hesitante em contar, então

olhei para cima.

— Flame!

Não tinha paciência nem tempo

para segredos. Se fosse sério, eu


precisava saber.
— Acabei de descobrir pelo El

Diablo que a sua menina fugiu. Ele


tomou conta dela essa semana, mas

estava resolvendo uma coisa quando ela


escapou.

Franzi a testa com o coração na

mão.

— Como sabe que ela fugiu?

Alguém pode… — não consegui


terminar de falar. Não podia nem cogitar
a ideia de colocarem as mãos nela.

— Não. O lugar para onde foi

levada é protegido e vigiado por

câmeras, mas sua garota parece ser


esperta. Ela ficou de olho quando El

Diablo saiu e correu… Bem, não sei se

posso chamar isso de esperteza ou de

burrice. — Pausou mais uma vez.

Trinquei os dentes.

— Desembuche! Aonde pensa que


ela foi? Se alguém a tocar, eu vou

esfolar o seu chefe. — Mia era

inteligente, por que saiu de um local

seguro?

Fez uma careta.

— Ela pegou a arma dele. E, neste

momento, só há uma pessoa que a garota

odeia mais do que tudo (pelo menos, foi


isso que meu chefe comentou). Sua

menina quer vingar a sua morte, por


assim dizer.
Flame mal terminou de falar, e eu

já estava saindo meio torto pela porta.

Eu tinha que chegar a tempo. Mia não

podia matar o meu irmão. Rafaelle

jamais a machucaria, mas e se alguém

visse a Mia? Se colocassem as mãos

nela?

— Merda! Onde vai? —

praguejou. — Devia ter ficado quieto.

— Encontrar Rafaelle. E me diga


que a Mia tem um rastreador. — Virei-

me para ele ao chegar a uma porta com

muitos homens do mesmo porte de

Flame.

Assassinos de aluguel, um ramo

muito bom do mercado.

— El Diablo não achou que seria

possível, afinal, criou um laço com a


Mia…

Minha cabeça foi na sua direção


tão rápido que certamente teria um

torcicolo depois.

— Laço? — Gelei, e a atmosfera

da sala mudou.

— Nada romântico. Aquela

mulher realmente ama você; chora antes

de dormir, fica com aquele olhar vazio.

Sua única alegria é falar com a filha —


disse Flame, fazendo-me arquear as

sobrancelhas. — O lugar é monitorado


por câmeras, como eu disse; fico de
olho na situação, às vezes.

Suspirei, mas estava longe de ser

de alívio. Depois apuraria isso direito.

— Rastreie o anel de noivado de


Mia. Há um dispositivo nele — falei a

um cara que estava no computador. —

Onde acho Rafaelle?

— Deu uma entrevista hoje cedo,


na qual disse que ampliaria os seus

negócios comprando algumas obras de


arte. Bom, aos olhos da sociedade, isso

é legal, mas Mia viu a entrevista e

entendeu na hora do que estava falando.

— Flame sorriu. — Mulher inteligente,

essa que você tem. Ela encaixou as

peças, e assim que El Diablo saiu, fugiu

da cabana.

Sim, eu sabia que ela era

inteligente, mas porra! Mia cogitava


matar o meu irmão.

Os Deadly Reapers tinham sedes


em Nova York e em Veneza. Não acho
que estamos nos Estados Unidos,

porque me recordo deste lugar, então


deve ser Veneza, supus. E só havia uma

galeria onde fazíamos negócios quando

Marco era capo. O dono daquele lugar

comprava caminhões de meninas novas,

Rafaelle devia estar indo para negociar

algo assim. O plano corria bem.

— Está se movendo rápido,


significa que pegou algum veículo. Por

sorte estamos mais perto. Vou contatar

El Diablo para buscá-la — disse o cara

assim que checou.

Assenti e saí rumo à porta da

frente.

— Alessandro, se você aparecer

lá, vai ferrar com todo o plano. Deixe El


Diablo cuidar dela — disse Flame.

Ele tinha razão. Contratei os


serviços dos caras por isso, porque

eram bons no que faziam, e depois

limpavam tudo. Mas não poderia ficar

ali.

— Vamos chegar perto, mas sem

me mostrar. — Segui até um Porsche

que sabia ser dele. Olhei para Flame. —

Você dirige?

Não estava saudável para andar

sozinho. Perderia em uma luta, mas


poderia usar uma arma com
tranquilidade. Embora não precisasse,
porque quem tentaria matar o meu irmão

era alguém que eu jamais consideraria


machucar.

Flame entrou no seu carro, sem

aprovar minha decisão de deixar a

segurança da agência. Eu não dei a

mínima, só queria que os dois ficassem

bem.

— El Diablo realmente gosta dela,


e olha que isso é um milagre, aquele

homem não se dá direito com ninguém,

após tudo o que houve — falou,

dirigindo para o local aonde Mia se

encaminhava.

Bastava um minuto com Mia e

Graziela para você cair aos pés delas.

Não o culpava.

— Gosta? — objetei.

— Não falo romanticamente,


como já disse, mas Mia pediu que ele

conversasse com a filha fingindo ser

você. Acredito que não queria contar de

sua morte com a garotinha longe dela. —

Suspirou. — Isso foi como um soco no

estômago de El Diablo. A expressão em

seu rosto…

El Diablo perdeu sua família,

mulher e filha, então certamente foi


difícil para ele. Agradeci mentalmente
por Mia ter mantido sigilo da minha
suposta morte de Graziela; não gostaria
que minha pequena sofresse.

— Graziela não suspeitou? Minha


voz é diferente. — Segurei meu ombro

que doía.

— Ela ficou em dúvida, mas

achou que fosse uma gripe. Pediu que a

mãe tratasse você, ou melhor, ele,

porque o amava… — Olhou-me de lado.


— Teve sorte, Alessandro, por
conseguir pessoas como elas, leais.

— Tenho, não é? — Meu coração

se aqueceu. — Às vezes, acho que não

as mereço, mas ninguém as protegerá


melhor do que eu.

Ou as amará tanto, completei em

minha mente. Pelas minhas meninas, eu

era capaz de tudo.

Chegamos em frente à galeria de

arte onde Rafaelle iria, isso se já não se


encontrasse lá dentro. Nesse momento,

eu quis que estivesse, pois assim eu

impediria Mia. Ela matou Afrim, mas

naquela ocasião foi para se defender, e

ali seria premeditado. Mia jamais

esqueceria, até porque um dia se

importou com Rafaelle. E, em algum

nível, com certeza ainda se importava, a

despeito da situação. Eu a conhecia.

Ademais, odiaria a sensação de


perder algum dos meus irmãos ou ela.
Flame parou o carro não muito
longe de onde Mia estava de pé, com um

uma bolsa na mão. Será que escondera a


arma ali? Apostava que sim.

Vê-la cortou o meu coração, pois

sabia que ainda não podia me

aproximar. Precisava lidar com o perigo

primeiro.

Minha noiva usava um casaco


grande com um capuz, mas a
identifiquei, atenta aos carros. Ela

reconheceria o do meu irmão, por isso

nem olhou para o nosso. Os de Rafaelle

e Stefano não estavam ali.

— Merda! Cadê o El Diablo? Era

para ele ter aparecido — rosnei com os

dentes trincados.

— Vou checar. — Flame digitou


algo no telefone. Minha atenção estava

nela e, logo depois, no carro de Rafaelle


que parou à sua frente.
Gelei. Não podia deixar que

acontecesse nada daquilo que ela

pretendia.

— Porra!

— O quê? — Olhei para ele.

— El Diablo foi atacado a

caminho da galeria, não chegará a

tempo. Ele não quer trazer o problema

até nós. Esses malditos albaneses. —

Bufou. — Eu cuido disso. Vou tirá-la


daqui antes que alguém a veja ou que

faça uma besteira.

Flame pegou um vidrinho e um

pano, sabia o que era. Eu precisava me


manter escondido, mas vê-la sendo

drogada?

— Só use isso se por acaso ela

ameaçar pegar a arma. — Esperava que


Mia pensasse bem antes de fazer algo

assim. Ela não era uma assassina.


Eles estavam a uns quinze metros

de distância do nosso carro. Saí do


automóvel e, escondido e ansioso

demais, posicionei-me para enxergar


melhor ela e meus irmãos.

Acompanhei o instante em que

Rafaelle notou que estava sendo

observado, então se deparou com Mia,

que pegou a arma mas não a levantou, a


princípio.
— Mia… — começou Rafaelle,

observando os lados. Viu Flame se


aproximando calado, sem que ela o

notasse.

— Cale a boca! Você não merece

continuar respirando neste mundo —

gritou, lamentosa.

Precisávamos estabilizar tudo

logo antes que alguém a visse e Rafaelle


ficasse sem opção… Não! Isso não
aconteceria.

— Ele confiava em você, fez tudo

pela sua família. E você o matou só para

ocupar o seu lugar! — Chorava e tremia


ao levantar a arma. — Levou tudo de

mim. O homem que eu amava e minha

filha.

— Ela está segura com a Jade —


Stefano interferiu, tenso. Foi pegar sua

arma, mas parou. Uma reação instintiva,


pois ele nunca a machucaria.
— Grazi devia estar comigo. Eu

vou pegá-la e sumir da vida de todos

vocês, mafiosos desprezíveis. —

Firmou mais a arma na mão. — Mas

antes, Rafaelle pagará com a vida…

Dei um passo, porque não podia

ficar só olhando ela tentar matar o meu

irmão. Se fosse outra pessoa, já teria

levado um tiro. Mas os dois gostavam


dela e sabiam o que Mia significava
para mim. Tanto Rafaelle quanto Stefano

juraram protegê-la.

Antes que saísse do meu disfarce,

Flame chegou em Mia com uma mão em


seu nariz e a outra na arma. Um tiro

soou, pegando o vidro do carro perto de

Rafaelle. Fiquei aliviado quando vi que

os dois estavam bem.

Não demorou muito e ela apagou.

Flame a segurou e olhou para Rafaelle.


— Diga que você foi atacado

pelos albaneses, eles estão na área —


avisou a ele, afinal, um tiro soou, e logo

estaria cercado de gente.

— Tome conta dela — pediu

Stefano, depois praguejou baixo: —

Merda! Eu não acredito que ela quase o

matou.

— Mia é fiel ao nosso irmão —


disse Rafaelle, calmo. Sabia que
presenciar aquela cena estava sendo

difícil para eles, pois os dois gostavam

dela. — Como Alessandro está?

— Bem. Acabou de acordar, ficou


no carro. Mas acho melhor evitarem a

felicidade agora, foquem apenas nesse

ataque. Vamos lidar com as câmeras do

local. Nosso servidor cuidará disso.

Os dois pareceram aliviados.

Precisávamos acabar com essa merda


para eu ter a minha vida — e minha
família — de volta.

— Depois entro em contato com

ele — assegurou Rafaelle. — Está quase

acabando.

O alívio tomou conta de mim.

Voltei para o carro sem que me

notassem. Mais tarde procuraria saber o

que estava acontecendo.

Assim que Flame a colocou no

banco de trás, nós partimos. Ainda vi


Rafaelle sendo cercado por jornalistas e

vários homens.

— Vamos ter de algemá-la para

não fugir? — inquiriu Flame.

Sentado ao seu lado, coloquei sua

cabeça no meu colo. Mia estava magra,

como se não se alimentasse há dias.

Uma emoção forte abalou o meu peito.


Essa mulher me amava tanto que quase

matou o meu irmão por pensar que ele


me tirou dela.
Eu não podia mais deixar que

continuasse pensando que morri. Era

hora de dizer a verdade. Nem se

alimentando direito ela estava.

— Nada de algemas. Agora, eu

tomarei conta dela. — Alisei seus

cabelos e seu rosto, que eu tanto amava.

Flame nos levou por um caminho


diferente do da sede. Saímos da cidade

e rodamos alguns quilômetros.


— Vou deixá-los na cabana, ela é

protegida. Enviarei para você os pontos


onde El Diablo botou minas — disse

enquanto entrávamos em uma estrada


cercada de árvores. — Vai querer que

as câmeras de dentro da casa sejam

desligadas?

Olhei para ele e franzi a testa.

— Vocês têm câmeras no quarto


dela? — Não gostei de saber que
alguém espionava seu sono. Mas era

para o seu bem, não?

— Nós tivemos que colocar. A

cabana não é exatamente separada por


cômodos… Quartos, sala e cozinha

ficam todos juntos, então não tivemos

opção. Há um estoque de armas debaixo

do sofá, caso sejam atacados. — Parou

o carro diante de uma choupana velha


feita de madeira.

— Para alguém que ganha tanto


dinheiro, eu achei que teria instalações
melhores. — Não que eu me importasse,

desde que Mia ficasse segura.

— Esse é justamente o

pensamento de todos, aqui é só um

disfarce. — Deu de ombros. — Também

temos câmeras nas árvores. Então, se

surgir algo, nós saberemos.

Esperava que não aparecesse


nenhum problema. Só queria estar
deitado perto dessa mulher e sentir o seu

cheiro.

— Desligue as câmeras de dentro

da casa — falei e suspirei. Não achei


que conseguiria carregar Mia, não sem

foder de vez as minhas costelas. —

Pode colocá-la na cama?

Flame obedeceu e foi embora para


ajudar El Diablo contra os albaneses.

No começo, pensei que Mia não


conseguiria lidar com o meu mundo, mas

ali estava ela, forte, decidida e lutando

por aquilo que desejava. Ela foi feita

para mim.

Toquei sua mão: ela ainda usava a

aliança que lhe dei; não tirou mesmo

pensando que eu morrera. Agradeci a

quem me deu uma segunda chance para

estar de volta aos braços de Mia, a


mulher por quem me apaixonei
perdidamente.
Capítulo 25

Mia

Acordei e me deparei com a


cabana de El Diablo. Certamente me

encontrou e acabou me dopando de


novo. Devia me levantar e gritar com

ele, mas só voltei a fechar os meus

olhos, querendo que essa dor fosse

embora.

Prometi ao El Diablo que ficaria

ali em Veneza, pois em cinco dias ele

me ajudaria a ir até a minha filha. Por

um tempo, segui suas orientações, mas

então ouvi que Rafaelle estaria em


Veneza, em uma galeria de arte.

Não era idiota para não saber o


que ele faria lá; não vi nenhum quadro
na sua casa, então como ia fechar

negócios? Pesquisei e soube que o dono


do lugar cometeu alguns delitos contra

ele, mas nada foi comprovado. Minha

raiva aumentou, porque enquanto ele

gozava de grande saúde, Alessandro

estava em uma cova.

Enrolei-me em posição fetal,


tentando esquecer. Queria que ele
pagasse, sim, mas será que consegui

matá-lo? Lembrava-me de ouvir um som

de tiro antes que a escuridão me

tomasse.

Escutei passos, mas não abri meus

olhos. Meus dias ali foram nessa cama.

Mesmo sentindo cheiro de café, eu não

tinha fome. Se ao menos minha filha

estivesse comigo…

— Eu o matei? Uma parte de mim


deseja isso, mas a outra não… porque,
no fundo, eu gostava de Rafaelle e
Stefano, mas não posso perdoá-los pelo

que fizeram. — Expirei para controlar a


dor.

El Diablo não respondeu, e

também não me importei com seu

silêncio.

De repente, o colchão se afundou

do meu lado e uma mão foi para a minha


cintura, me fazendo endurecer.
Durante essa semana, minha

estadia com El Diablo foi boa, na


medida do possível para um coração

quebrado. Em nenhum momento ele


tentou algo ou deu indícios de que

estava a fim. E eu nunca estaria pronta,

não para isso. Tudo que me importa era

Alessandro.

Saí dos seus braços depressa,


caindo no chão duro. Gemi.
— Droga, El Diablo! O que acha

que está fazendo…? — Minha voz sumiu


à medida que me sentei e levantei a

cabeça, me deparando com alguém que


nunca imaginei ver de novo.

Pisquei algumas vezes,

acreditando ser uma miragem, dessas

que a mente conjura só para aliviar a

dor. Mas ele estava ali na minha frente,


sentado na cama.
— Alessandro? — sondei, em

choque, esperando que fosse real.

— Estrela-do-mar, você está

bem? — Era mesmo a sua voz.

Não respondi, apenas subi na

cama para pular em seus braços.

Abracei-o forte, fazendo-o gemer.

— Oh, meu Deus! Eu não acredito


que é você. — Inspirei seu cheiro,

tentando controlar as lágrimas, mas


estava difícil. Deveria sondar o que

houve, mas meu cérebro só queria senti-

lo perto de mim.

Suas mãos alisavam minhas costas


enquanto eu chorava.

— Lamento — sussurrou. — Não

suporto que sofra.

Demorei alguns minutos para

estabilizar a minha respiração e

controlar os meus nervos e a minha


pulsação.

Eu afastei meu rosto e o fitei com

calma dessa vez. Vi que adquirira

algumas cicatrizes. Havia um


machucado no ombro enfaixado e outros

ferimentos mais leves. Afastei-me ao

perceber que montava o seu colo e isso

o deixava ofegante.

— Está ferido!

Parei para pensar. Fiquei


inebriada e feliz por ele estar vivo, mas

tinha muitas perguntas.

— O que houve? — De repente,

arregalei os olhos, pensando ter matado


o seu irmão… Como poderia revelar a

ele o que Rafaelle fez? — O seu

irmão…

— Rafaelle está bem. Mas quase


tive uma síncope quando vi você

apontando uma arma na direção dele e


aquela bala soando… — Sacudiu a
cabeça para expulsar aqueles
pensamentos.

— O seu irmão mandou…

Seu olhar parecia inalcançável;


não queria dizer isso a ele, afinal,

Alessandro amava Rafaelle.

— Ele não mandou me matar, Mia.

Há poucas pessoas a quem confiaria


minha vida neste mundo, e meus irmãos

fazem parte desse grupo seleto. Além de


Miguel e alguns dos meus homens. —

Suspirou. — Mas Rafaelle e Stefano?

Daríamos tudo um pelo outro, e ele

nunca faria o que pensa.

— Ele disse a todos… — Evitava

pensar naquele momento e na dor que

senti. — O que aconteceu com você?

Onde esteve? Todo esse tempo eu fiquei

pensando que tinha morrido…

— Quase morri — assegurou. —


Quem tentou me matar foram os Rodins,
junto com os ratos com que estamos
lidando. Escapei por pouco. Quando

estava quase apagando, pulei antes do


carro cair penhasco abaixo. — Tocou

meu cabelo. — El Diablo me encontrou

inconsciente. Fiquei quase dez dias em

coma ou algo parecido. Não sei ao

certo, porque não falei com o médico.

Estremeci pensando em tudo o que


ele passou; quase morreu! Graças aos
céus estava ali.

— Como saiu do hospital sem

consultar um médico? — As suas costas

estavam machucadas, e eu notava que


ele sentia dor.

— Não era um hospital. Seja

como for, ouvi o que planejava e que

fugiu daqui. Tive que ir atrás de você


com o Flame, um dos homens de El

Diablo. Por sorte, nós chegamos a


tempo… — Apertou minha mão. —
Você e meus irmãos são tudo para mim,
não sei o que faria se algo fatal

acontecesse.

— Como sabe que Rafaelle não

está junto daqueles bandidos? Ele

planejava sequestrar meninas. E na

igreja não vi mentira nos seus olhos. —

Nunca enxergara aquela frieza nele

antes.

— Somos treinados para isso,


Mia. Frios quando nos convêm. Se ele

fez ou disse algo, foi preciso, fazia parte

do plano desde o início. — Ele me

avaliava. — Lembra do plano que

mencionei?

— Sim, mas o que isso tem a ver

com o seu irmão tomando o seu lugar de

capo e jorrando crueldade por onde

passa? — Sentei-me, analisando-o em


retorno.

— Mia, o que vou dizer agora vai


magoá-la, mas é preciso. Eu planejava
forjar a minha morte; estava naquela

estrada para isso. Cruzei alguns limites


de velocidade, assim meu rosto ficaria

gravado nas câmeras e nos radares, mas

fui atacado antes de chegar ao lugar

combinado, e por pouco não morri de

verdade. — Não tirava sua atenção do

meu rosto. — Meus irmãos foram saber


que eu estava vivo na igreja. Rafaelle
daria um bom líder, conduziu

perfeitamente o plano, mesmo pensando

que eu estava morto.

Sacudi a cabeça, tentando


assimilar suas palavras. Ele pretendia

me fazer acreditar que estava morto de

verdade? Como era capaz disso? Não só

comigo, mas com suas irmãs também…

— Não acredito nisso. — Soltei

suas mãos, porém, ele tentou me segurar


de volta.
— Mia…

Não queria seu toque. Precisava

pensar. Eu me sentia, na mesma medida,

feliz por ele estar bem e furiosa pelas


mentiras.

— Você deixaria eu, Graziela,

Luna e Jade pensarmos que morreu e

passarmos por tudo o que passamos


nesses dias, e ia apenas assistir? —

Minha voz se elevou. Fiquei em pé, de


frente para ele.

Alessandro não respondeu, mas

seu silêncio dizia tudo.

— Não acredito nessa merda. —

Soltei uma risada amarga.

Dei as costas para ele, pois não

queria lidar com isso ou seria capaz de

voar na sua direção, sem considerar

seus machucados.

Como alguém podia fazer algo


assim? Era muita crueldade.

Coloquei a mão na cabeça para

controlar meus sentimentos, mas as

lágrimas desceram pelo meu rosto e eu


me senti uma idiota por pensar que, no

fundo, Alessandro me amava ao menos

um pouco. Quem ama não é capaz

disso.

Fiquei tantos meses pensando

nele, desejando estar ao seu lado,


sonhando em conseguir tocar em seu
coração. Ali, concluí que isso seria
impossível. Ele nunca me amaria.

— Mia, tente entender… — ele

me chamou, mas não liguei, só precisava

de um minuto sozinha.

— Entendo, agora entendo. —

Virei-me para Alessandro com os olhos

molhados.

Ele estava na varanda segurando

seu lado direito, mas endureceu ao me


ver nesse estado. Minha dor estampava

todo o meu rosto.

— Sabia que estava lutando uma

luta que nunca venceria, mas insisti e me


deixei levar, pensando que um dia

pudesse chegar perto do seu coração.

Hoje, vejo que é impossível. —

Respirei fundo e olhei para a aliança,

tencionando tirá-la do dedo.

— Não a tire — pediu com um


tom que nunca o escutei usando antes,
quase desesperado. — Você está no meu
coração ou seja lá o que existir aqui.

— Ao pensar que estivesse morto,

além de chorar, eu me senti culpada por

não ter dito que o amava naquela manhã

que saiu e não voltou. Sabia que nunca

poderia dizer. — Olhei o chão e depois

para ele, paralisado. — Pensei: por que

não falei? Se você me assegurou que


andaria no fogo, mataria e morreria por
mim. Queria uma declaração de amor

melhor do que essa? Esperava uma frase

que sei que nunca sairá da sua boca.

Quem ama não deixa ninguém passar

pelo que eu passei nesses dez dias. Sei

que estava inconsciente e essa farsa se

tornou real, mas você pretendia fazer

isso.

— Mia, sou um homem que jamais


pensou em encontrar uma mulher que lhe
daria um motivo para viver ou uma filha
que iluminaria seus dias. E minhas irmãs
também são tudo para mim, assim como
você e Graziela. Comando uma nação

composta por mais de trezentos mil

homens pelo mundo; gente que me

respeita e confia em mim. Eu não posso


só pensar em vocês, a minha família. —

Ele ofegava, acho que devido às dores

em seu corpo. — Soube hoje cedo que

Bernard, um dos chefes do Havaí, teve


sua filha levada por um dos nossos, pois

supôs que poderia confiar neles. Eles a

entregaram aos Rodins e a estupraram

antes de matá-la da pior maneira

possível. Até agora não encontraram o

corpo. Mas é isso que aconteceu e

poderia acontecer com você, ou com

minhas irmãs e Graziela, se eu não

fizesse nada. Eu sou o capo deles e,


diferente do meu pai, protejo o que me

pertence.
Arregalei os olhos ao pensar
nesse pai e nessa família. Estremeci com
a ideia de algum deles tocando em

minha filha. Não sabia o que concluir.

Se ele fosse uma pessoa normal, seu

comportamento significaria que não me


amava, mas ele era um chefe, o capo que

tinha que ajudar a todos. Isso não

ameniza como estou me sentindo

agora: magoada, traída e enganada.


— Pode ficar com raiva por eu ter

planejado algo assim sem me abrir com


você, mas nunca duvide dos meus

sentimentos, Mia. Com toda a maldita


certeza, você não só entrou em meu

coração morto, como ele passou a ser

seu. — Apontou para o peito e depois

para a cabeça. — Está na minha mente,

da mesma maneira. E se eu achasse

possível ter uma alma, esta também


seria sua.

Prendi a respiração com suas

palavras. Uma parte de mim entendia

seus motivos, mas a outra se sentia


diminuída por não confiar em mim.

Antes que dissesse que foi a declaração

de amor mais bonita que recebi, aliás, a

única em toda a minha vida, algo

explodiu.

— Mia! — gritou, enquanto eu


corria até ele. Alessandro pegou o meu
braço e nos protegemos em casa.
Checou-me. — Você está bem?

Tremia porque estávamos sendo

atacados, sozinhos e com meu noivo

ferido.

— Sim, estou. Mas quem será? —

Fui olhar a janela. Alessandro segurou o

meu braço e me levou para a cama.

— Fique aqui, eu vou conferir.

Pisquei de forma dúbia.


— Ficou doido? Está ferido, não

pode lutar contra eles. — Encaminhei-

me até onde El Diablo guardava as

armas, debaixo do sofá, em um buraco.


Eu o vi mexer ali da última vez, mas não

sabia que ele tinha tantas. — Eu não

queria ser inimiga desse cara…

— Pelo que ouvi, vocês se deram

muito bem — respondeu, tomando a


arma da minha mão. — Eu fico com

isso.
Arqueei as sobrancelhas.

— Está com ciúmes? — Sacudi a

cabeça. Mesmo irada por ele me manter

no escuro, isso não mudava o amor que


sentia por ele. — No meu corpo,

coração e alma só há você. O homem

mais teimoso que tive o prazer de

conhecer e por quem me apaixonei

perdidamente, embora, neste momento,


nem tanto.
Colocou as mãos nos meus

cabelos e puxou o meu rosto para o seu,


como se fosse me beijar. Eu queria isso,

a fome estava ali, assim como a saudade


de ser tocada por ele, mas então pensava

no que me fez… não, não poderia.

Afastei-me de seu toque.

— Está com raiva. Vê-la chorar

me dá vontade de matar o responsável,


em especial quando este sou eu. — Deu
um suspiro duro.

— Não vamos conversar sobre

isso agora, e apreciaria se parasse de

falar em morte e você na mesma frase.


Já passamos demais por isso nos

últimos dias. Se não estivesse ferido,

iria chutar seu traseiro. — Fui pegar

outra arma, não querendo pensar na dor

de ser traída. — Estou magoada pelo


que confessou, não é algo banal que
posso esquecer em um piscar de olhos.
Preciso de tempo.

Ele pretendia vir até mim, mas

gemeu, segurando o peito.

— Porra! Estar quebrado é um

porre, embora prefira isso mil vezes a

você se magoando por minha causa. —

Havia raiva em seu rosto, direcionada a

ele mesmo. Pegou a minha arma de

novo. — Você fica escondida perto da


cama, porque ninguém tem visão para
ela pelas janelas. Se estiverem nos

atacando, o El Diablo deve aparecer, há

câmeras em todos os lugares lá fora.

Estamos seguros por causa das minas.

— Minas? — Olhei na direção da

porta, desconhecendo essa informação.

Por isso o barulho diferente de

explosão. Logo, outra mina explodiu,

não muito longe de onde ouvimos a


primeira um minuto atrás.

— Sim, El Diablo colocou.


Deixei para tratar de sua mentira

depois. Precisávamos sobreviver a esse

ataque.

— Quero ajudar. Você está muito


ferido no ombro direito, não conseguirá

atirar, ainda mais de uma distância longa

— comentei.

— Mia, eu estou acostumado com


a dor, já atirei quando estava muito pior

do que estou agora. Além disso, fiquei


furioso por tentarem me matar. Estou

louco para colocar minhas mãos nesses

malditos vermes. — Seu tom era letal e

sombrio.

Houve uma nova explosão. Isso

me deixava com medo.

— Se eles atacarem e quiserem

você… Será que sabem que sobreviveu?


Ou estão atrás de mim?

Ele pegou um telefone e ligou para


alguém.

— Quem está atacando? —

sibilou para a pessoa do outro lado da

linha. — Bem que ele poderia ter


largado algum computador aqui para

checarmos as coisas. Onde encontro uma

arma de longa distância?

Conversou mais alguma coisa e


depois desligou.

— Não sabem que estou vivo. A


sorte é que temos essas minas alertando

sobre sua presença. Agora vou eliminar

uns albaneses. — Ele foi até uma parede

e tirou um quadro grande de lá. Atrás

dele, tinha várias metralhadoras.

— Puta que pariu! Esse homem

não brinca em serviço. Aliás, o que ele

faz? — queria ter perguntado antes, para

mim ele era algum tipo de guarda-


costas. Mas depois de ver tudo isso?

Em nossa estadia juntos, conforme


o combinado, evitei questionamentos.

— É um assassino de aluguel —

respondeu, pegando uma arma grande.

— Ele tem uma agência, pega vários

serviços e sabe o que acontece em todo

o lugar.

Pisquei de forma dúbia.

— Assassino de aluguel? — Fui


para onde pediu. Ele checava lá fora

pela janela, apoiando a arma nela. —


Alessandro… é perigoso ficar aí, você

pode ser atingido.

— El Diablo e sua equipe estão

quase chegando. Nenhum deles vai se


aproximar agora que sabem que há

minas ao redor. — Puxou uma cadeira.

— Não acabou de dizer que

nenhum deles passará? — Fui até ele e


peguei sua mão. — Deite-se um pouco.

Como você mesmo disse: estamos


seguros.
Ele ligou antes para outra pessoa.

Depois disso, deitou-se na cama.

— Não gosto de me sentir

impotente aqui — grunhiu.

— Enquanto esperamos eles

lidarem com tudo, pode conversar com

Graziela. Faz dias desde a primeira vez

que pedi ao El Diablo que falasse em


seu nome. Depois disso, não o fiz de

novo porque era difícil para ele. Acho


que Graziela ficaria feliz em ouvir sua

voz — sugeri.

Peguei o telefone, entreguei a

Alessandro e me sentei em uma cadeira,


por mais que quisesse ficar ao seu lado.

Não conseguiria lidar agora com o que

fez, só desejava que os ataques

acabassem logo e encontrasse minha

filha de novo.

— Também gostaria de ouvir a


voz dela. Vou esperar esse barulho de
bomba cessar. — De vez em quando,
algumas minas explodiam. Esperava que

El Diablo chegasse logo.

— O que acontecerá agora? —

perguntei.

Ele apoiou a cabeça no

travesseiro, sem forças, e me fitou com

tristeza.

— Odeio essa distância entre nós.

— Foi se levantar, então gemeu baixo e


abaixou-se de novo, ofegante.

Corri até ele e me sentei ao seu

lado, assim o deixaria mais calmo.

— Você está bem? — Toquei sua

cabeça.

— Não quero que se afaste de

mim. — Ele ainda respirava de forma

desigual.

Mesmo ressentida, não podia


dificultar sua recuperação. Por ora,
aceitaria a aproximação.

— Entendo os seus motivos para

fazer o que fez, mas não deixa de doer

aqui. — Encostei em meu coração. —


Eu me sinto pior do que se descobrisse

que me traiu com uma mulher. Você

mentiu, me enganou e me magoou, levará

tempo para cicatrizar. Confiava em

você, mas depois disso…

— Ainda pode — sua voz era


baixa —, queria que tivesse havido
outro jeito…

— Mas tinha, sou sua noiva. Da

mesma forma que confia em seus irmãos,

queria que o fizesse comigo. — Expirei

com tristeza, os olhos úmidos.

— Não chore, não é só questão de

confiança, era para sua proteção. — Ele

parecia desesperado. — Quero que

saiba que seguindo o plano em que


fingiria estar morto, não conseguiria
deixar você sofrendo e assistir. Vê-la

chorar acaba comigo, retorce as minhas

entranhas.

Eu o amava tanto… Agora era


para sentir apenas felicidade, mas com

tudo o que houve, meu coração pulsava

dolorosamente.

— Só preciso de tempo. Neste


momento, estou com raiva, me sentindo

traída. — Mudei de assunto para um


rumo menos doloroso. — O que
acontecerá agora?

Senti-o se encolhendo, mas

assentiu.

— Darei seu tempo, mas não vou


desistir de você nunca. — Era uma

promessa. Depois, respondeu à minha

pergunta: — Haverá uma reunião dos

ratos malditos daqui a uma semana, e

será onde tudo acabará. O bom é que já


temos os nomes de todos que ousaram ir
contra mim. — Fervia de raiva.

— Quer dizer que vamos parar de

fugir, e eu terei minha filha de volta…

— Sentia muita saudade dela.

Tiros soaram lá fora, me

assustando.

— São eles atacando os albaneses

— explicou, vendo a minha

preocupação. — Estou com saudades da

minha princesa. Agradeço que não tenha


contado a ela sobre o que houve.

Suspirei.

— Seu plano antes disso tudo era

me separar da minha filha? — perguntei.

— Não. Vocês iam ficar juntas,

mas as coisas se complicaram. El

Diablo, para tentar me salvar, deixou

Skender escapar, então o plano tomou

uma direção alternativa.

— Era sua ideia me dar para


Skender? — Arfei.

— Lembra que tínhamos o pen

drive que me deu? Usamos isso, como

se El Diablo fizesse essas ameaças,


então Skender o obedeceria, e não a

tocaria. Era função dele protegê-la. Não

ia acontecer nada com você, mas após

Rafaelle dizer aquelas coisas, você

queria atacá-lo… — Sacudiu a cabeça.


— Isso sem contar os ataques dos
albaneses em Milão. Meu irmão não
teve opção a não ser deixar Graziela
com Jade.

— Jade sabe? — Apostava que


sim, mas em vez de experienciar alívio,

me senti mais enganada e excluída.

— Ela está grávida, não queria

que o plano acarretasse complicações

— murmurou. — Ao menos o que você

disse ao meu irmão ajudou muito a fazer


meus homens desleais acreditarem nele.
Eu me encolhi pensando na raiva

que senti de Rafaelle por pensar que


matara o irmão, sem saber que tudo

havia sido planejado. Jamais imaginei


que fossem tramar uma morte falsa,

muito menos que tivessem coragem de

me manter afastada disso.

— Merda! Eu quase o matei. —

Estremeci com a lembrança. — Acho


que ele nunca mais vai querer falar
comigo.

— Você não o atingiu. Além

disso, eu conheço o meu irmão, ele

entende que estava sofrendo — disse. —


Nós escondemos a verdade de você.

— Senti raiva por ele se intitular

capo após matar você… Ou pensar que

matou. De qualquer forma, agradeço a


Deus por estar vivo e aqui comigo. —

Pisquei ao me lembrar de uma coisa. —


Os homens que ficaram contra seu irmão
na igreja, recordo que ele os mandou
para a execução. O que houve com eles?

— Rafaelle deve ter mantido

todos escondidos. Foi bom saber que

temos homens leais. — Olhou para o

telefone. — Acho que os tiros cessaram,

chegou a hora de falar com a nossa filha.

Meu coração se aqueceu ao ouvir

seu carinho por Graziela. Ainda estava


chateada por ter escondido a verdade de
mim, mas entendia quem ele era e o que

devia fazer pelo seu povo. Quando

aceitei Alessandro, sabia que precisaria

aceitar sua carga junto. Não era fácil.

Estava bem magoada, torcia para que

passasse logo. Eu o amava e enxergava

em seus olhos que era recíproco.

— Graziela, minha princesa? —

começou, ao que ela gritou de


felicidade. — Estou melhor agora, só
queria escutar sua voz.
Ele falou com nossa menina
animada. Agradeci aos céus por me

darem mais uma chance ao lado de


Alessandro, por o trazerem de volta

para mim, inteiro e vivo, mesmo que

nesse momento meu coração estivesse

aflito por ser enganada.


Capítulo 26

Alessandro

Após sermos atacados pelos


albaneses na semana passada, fomos

para uma casa em Verona. Não podia ir


para nenhuma das minhas, já que ainda

precisava continuar me fingindo de

morto até essa noite, quando aconteceria

a nossa emboscada.

Estávamos sozinhos ali, claro que

fortemente vigiados do lado de fora. Da

parte de dentro, eu tomava conta.

As dores que eu sentia estavam


fracas; a minha recuperação progredira

muito bem. Tive de consultar um médico


ou Mia nunca mais falaria comigo.
Na semana que passou queria

tocá-la a todos os instantes, não havia

nada que almejasse mais. O problema é

que Mia falava comigo e até tomava

conta dos meus ferimentos, mas assim

que eu me aproximava ela se

distanciava. Via dor nos olhos dela por

saber que não a incluí no que pretendia

fazer.

Pretendia forjar a minha morte e


assistir à sua reação. Mas após saber

como ficou, não teria conseguido, na

mesma hora voltaria, isso se não tivesse

quase sido morto de verdade e ficado

em coma.

Sentindo sua distância e mágoa

nessa semana, preferia mil vezes passar

pela dor de ter todos os meus ossos

quebrados a isso. Meu coração


queimava diante de seu sofrimento.

Acordei e olhei para a cama


vazia, era assim desde que chegamos,
Mia dormia no quarto ao lado, disse que

preferia. Isso me matava, a sua tristeza


acabava comigo. Dei o tempo de que

necessitava, mas precisava saber se ela

me perdoaria.

Levantei-me, indo procurá-la, e a

encontrei na cama dormindo, tão serena

e tranquila. Contudo, seu rosto inchado


denunciava que havia chorado de novo.
Vê-la assim me matava por dentro.

Nunca seria capaz de magoá-la mais

uma vez ou esconder algo sério dela.

— Lamento tanto, Estrela-do-mar.


Vê-la nesse estado está me destruindo,

só queria que soubesse que, se estivesse

lúcido no velório, não deixaria que

sofresse tanto. No começo, achei que

conseguiria ficar longe, afinal, era para


o bem de todos, mas após saber da sua
dor, e da de Luna, isso me mortificou.
— Expirei, fechando os olhos. —
Fomos criados assim, para pensar em
estratégias de modo a derrubar nossos

inimigos. Essa era uma que não envolvia

somente nós, algumas pessoas sairiam

feridas. Achei que saberia lidar, mas


não pude.

Toquei seus cabelos loiros,

descobrindo-a acordada. Não abriu os


olhos, como se não quisesse me olhar.
Mais uma facada em meu coração.

— Sinto falta do seu sorriso, do

seu cheiro, tudo que era dirigido a mim

antes dessa merda acontecer. Prometi


que daria o seu tempo, e dei, mas

preciso saber se irá me perdoar. Se

pudesse voltar atrás, faria diferente.

Magoar você é pior que a morte. —

Respirar doía, e não tinha nada a ver


com as minhas costelas recém-curadas.
— Só espero que me perdoe porque,
sinceramente, não sei viver sem você.

Seus olhos lindos se abriram, mas

estavam molhados, isso me cortou


fundo. Esse medo dela me dizer que

estava tudo acabado… E, no fundo, se

ela escolhesse isso, eu a deixaria ir?

Não conseguia nem cogitar essa ideia.

— Se você quiser, posso me

ajoelhar e pedir seu perdão. — Caí de


joelhos à sua frente, não me importando
de estar vulnerável. Não era uma pessoa

qualquer, era a mulher pela qual estava

completamente apaixonado, a única que

me fez tombar de joelhos em todos os

sentidos da minha vida.

— Alessandro… — Sentou na

cama e pegou meu braço, conduzindo-

me para o seu lado. — Não precisa

fazer isso, acredito em você com todo o


meu coração e a minha alma.

— Me mata vê-la chorar. —


Limpei seu rosto úmido.

— Estava magoada, sim, mas não

conseguiria ficar longe de você. Eu o

amo demais — declarou. — Só quero

que me prometa que nunca mais fará

nada desse tipo. Não preciso saber de

todas as suas ações, entendo seu lado

mafioso, mas algo dessa magnitude

sempre precisará compartilhar comigo.


Do contrário, quebrará minha confiança,
e pode acabar até perdendo o meu amor.

Puxei-a para os meus braços,

sentindo o cheiro inebriante de que tanto

senti falta. Como alguém pode estar tão


perto, como ela ao longo da semana,

mas, ao mesmo tempo, tão longe quanto

o Sol?

— Com cada respiração que solto


e cada pulsação de meu coração,

prometo que jamais a farei sofrer dessa


forma. Juro pelo que mais amo neste
mundo, por você e Graziela, que não
repetirei nada dessa dimensão sem

combinarmos antes. — Beijei seu rosto


salgado pelas lágrimas. Cumprirei esta

promessa, custe o que custar.

— Acredito em você — falou

baixo, mas feliz, e me beijou de volta.

— Obrigado, linda. — Joguei-a na

cama, pairando em cima dela.

Mia riu baixinho.


— Não achei que fosse homem de

pedir perdão e dizer obrigado. — Sua


mão foi para o meu coração.

— Apenas você sabe dessa minha

fraqueza, espero que continue aqui. —

Mordisquei seus lábios.

— Seu segredo está seguro


comigo.

— Como senti falta disso —

afirmei, contente. — Seu sorriso é lindo.


Empurrou-me com leveza para

sair de cima dela.

— Deite de costas e feche os

olhos — pediu.

Surpreendi-me, mas acatei. Faria

qualquer coisa por essa mulher.

Senti suas mãos puxando meu

short para baixo, logo depois, algo


quente em mim, me fazendo flutuar.

Abri os olhos e me deparei com


uma visão de que nunca me cansaria,

uma das melhores que já presenciei. Mia

estava com a boca em volta do meu pau,

sugando forte, mas o que aumentou o

meu tesão foi vê-la nua.

Essa era a primeira mulher com

quem eu fazia questão de preliminares;

sempre foi somente sexo duro e pronto.

Nesses meses com Mia, só o oral já


valia a pena. Mas claro, estava ansioso
para adentrá-la e tê-la todinha para mim.
Gemi, não querendo fechar os
olhos, pois amava enxergar sua pele

corada. No entanto, assim que enrolou a


língua na ponta do meu pau, o desejo foi

mais forte e explodi em sua boca. Não

havia sensação mais maravilhosa do que

essa. Gozei chamando o seu nome.

Tomei-a em meus braços,

beijando seus lábios que eu adorava.


Aliás, tudo nessa mulher me fascinava.
Ela riu, se derretendo para mim,

então aprofundamos mais o beijo. Não


demoraria para eu estar pronto de novo,

mas freei a ação.

Mia se afastou com uma careta.

— Por que você sempre faz isso?

— sondou, montando meu quadril.

Franzi a testa, sem entender o que


queria dizer.

— Sempre que estamos em um


clima bom, você para, como se não

quisesse continuar. Notei isso algum

tempo antes dessa loucura acontecer. —

Suas mãos estavam em meu peito nu.

Tentei entender a sua frustração,

usando toda a minha concentração para

desviar o olhar de seus seios — a visão

mais perfeita que tive. Coloquei minhas

mãos em sua cintura e a rodopiei,


depositando-a na cama enquanto pairava
em cima dela. Ignorei algumas ferroadas
nas costas. Ainda demoraria semanas
para me recuperar por completo.

— Estrela-do-mar, eu anseio que


as coisas entre nós avancem para outro

nível, só não quero seguir por um

caminho para o qual não esteja pronta.

— Beijei seus seios e coloquei um na

boca, fazendo-a gemer.

Comecei a chupá-los com força,


deixando-a enlouquecida, mas em vez de
ter a reação que eu desejava, ela parecia

frustrada.

— Mia, se deseja algo, então me

diga que eu farei. — Esquadrinhei meus


dedos em sua pele macia, que se

arrepiou.

— Alessandro, estou pronta desde

que soube que me amava e que vamos


nos casar. Mas então houve tudo

aquilo… Agora, quero pertencer a você


de corpo e alma.
Sorri, mas isso a deixou mais

frustrada.

— Você tem certeza? Passou

tantos anos sonhando em se casar antes


de dar esse passo… Não quero que se

sinta obrigada a fazer algo assim no

calor do momento. — Beijei sua

bochecha. — Fica mais linda quando

está com raiva.

Rosnou, séria.
— Sim, pensava em me casar com

um homem antes de pertencer a ele


dessa forma. Mas após achar que perdi

você… — Tocou meu coração, que


batia por essa mulher. — Notei que

estava sendo boba, porque mesmo que

não estejamos casados agora, vamos

estar em breve, não é? E sei que

pertencemos um ao outro. Não houve

antes e não haverá mais ninguém depois


de você.

A possessividade tomou conta de

mim, não quis pensar em um homem

qualquer tocando a minha deusa.

— Sim, não haverá. Você é só

minha, Mia. — Olhei cada centímetro de

seu corpo. — Todo meu!

Sorriu e me beijou.

— E você é meu — afirmou,


ficando séria. — Sei que nunca
conversamos sobre isso, mas se um dia

me trair, realmente farei uso daquela

faca; acho que posso pegar uma cega e

cortar o seu brinquedo fora.

Gargalhei, sacudindo a cabeça.

Como essa mulher podia tocar cada vez

em uma parte nova do meu coração? Até

parece que eu iria querer outra; só ela

fazia parte de mim.

— Depois de você, não houve e


nunca haverá ninguém. É a única que
importa nesse sentido, Estrela-do-mar.
— Beijei seus lábios, e uma de minhas

mãos foi parar entre suas pernas. Sim,


ela estava molhada para mim.

Suguei novamente um dos seios,

sentindo o prazer que eu amava lhe

garantir. A cada suspiro e gemido, eu

perdia o controle, ou quase. Deixei um e

fui para o outro, esfregando o seu


clitóris.
— Vou começar abrindo caminho

com um dedo e depois dois, tudo bem?


— Olhei para ela, que assentiu. Não

acho que conseguiria falar.

Gostava da confiança que

depositava em mim na cama. Sim, menti

para ela, mas jamais repetiria isso.

Restauraria por completo sua fé em

todas as áreas. Essa linda mulher foi


feita justamente para mim; tudo nela me
atraía. Ela me mantinha com uma

felicidade que nunca imaginei sentir na

vida.

Penetrei um dedo, fazendo-a


estremecer. Circulei seu nervo rosado e

saboroso, e logo ela clamava por mais.

Coloquei o segundo dedo.

— Tão apertada. Eu sinto suas


paredes em meus dedos, não vejo a hora

de ser o meu pau nessa boceta gostosa.


Seus olhos se fecharam devido ao

prazer. Nunca vi nada mais lindo.

Assim que sua boca se abriu para

gozar, eu retirei meus dedos. Ela

protestou, mas me posicionei entre suas

pernas.

— Quero ver seus olhos enquanto


entro em você — falei com a voz baixa

e grossa.

Mia os abriu e corou ao me sentir


em sua entrada. Nunca ficara com uma

garota virgem, mas porra! Eu adorava

isso, pelo menos com a Mia. Era

delicioso saber que ninguém além de

mim tocou em nenhuma parte desse

corpo fabuloso.

Eu queria ir de uma vez, mas

pausava a cada centímetro, atentando-me

à dor em seu belo rosto. Parei na metade


do caminho.

— Porra! Eu queria que houvesse


uma forma de não machucá-la. —
Gostava de infligir dor a certas pessoas,

mas nunca a ela, ainda mais em um


momento assim.

Sorriu e respirou fundo, segurando

meus ombros.

— Só se eu não fosse virgem —

respondeu e riu quando rosnei. Beijou

meus lábios. — Pode continuar, meu


lindo noivo ciumento.
Não gostava de a imaginar com

outro homem. Se ao conhecê-la Mia não


fosse virgem, tudo bem, eu aceitaria.

Mas agradecia por ser, pois só eu teria o


prazer de possuí-la.

— Você é só minha — declarei,

beijando-a. Voltei a empurrar devagar,

mas suas pernas enlaçaram minha

cintura, me fazendo ir de uma vez. Ela


ficou sem fôlego. — Mia…
— Só preciso de um segundo —

pediu, ofegante, respirando irregular.

Paralisei, contrariado com sua

expressão de dor; quanto a isso, não

podia fazer nada, apenas tornar o sexo

memorável tão logo se acostumasse.

Levei meu dedo entre nós e toquei


seu clitóris, beijando-a. Em cada toque,

eu a senti relaxando. Excitava-se, tanto


que senti suas unhas em minhas costas.
— Pode se mover — pediu e

gemeu, se mexendo debaixo de mim.

— Tem certeza? — perguntei.

— Sim. — Seus olhos azuis-

esverdeados me embebedaram por um

segundo. — Você é perfeito.

— Não dá para discutir perfeição

quando estou diante de você. —


Comecei a me movimentar de leve,

checando se havia algum traço de dor,


mas não vi nada. Então acelerei, fazendo

com que ela me apertasse mais. —

Merda! Suas paredes estão espremendo

o meu pau.

Girei o quadril, entrando mais, e

isso a fez gritar de prazer. Esse som era

um que, certamente, eu não conseguiria

ficar sem ouvir.

— Isso, faça de novo —

sussurrou, arqueando o corpo como se


quisesse fundi-lo ao meu.
Eu compartilhava dessa sensação.

Fiz um movimento que a deixou nas

nuvens; ela não demoraria a gozar.

Voltei a acelerar — não tanto quanto

gostava, afinal, não queria machucá-la.

As intrusões, tirando e estocando, nos

levavam ao limite. Senti que não duraria

muito, não com tudo aquilo.

Quando transava, não passava


disso, até achava que nunca sentiria
nada além, mas ali estava o calor no

meu peito, e soube que não conseguiria

mais ficar longe dessa mulher. Ela me

iluminava como o Sol e era tão forte e

valente como uma onda do mar.

— Goze para mim, Mia. Quero

senti-la molhar meu pau — rosnei.

Seus olhos se fecharam e sua boca


se abriu em um som adorável. Se tivesse

uma câmera, reveria esse instante para


sempre. Mas teríamos mais deles,
enquanto eu respirasse nesse mundo.

Senti o meu orgasmo chegando

junto ao dela e gozei com uma última

estocada. Foi enervante soltar meu

esperma em sua boceta tão perfeita.

Sorriu, mole debaixo de mim.

— Sabia que seria excelente, mas

não imaginei que fosse tanto assim. —


Tocou meu rosto. — Obrigada.

Beijei sua testa, extasiado.


— Está me agradecendo pelo

sexo? Acredite, eu também sonhava com

isso. — Saí dela, fazendo-a estremecer.

— Ficou muito dolorida? Tentei pegar


leve.

Corou e olhou entre suas penas,

onde havia uma trilha pequena de

sangue.

— É normal na primeira vez. E eu


não estava agradecendo pelo sexo, mas

por você ter sido tão carinhoso e


delicado comigo. — Ficou de pé. —

Acho que preciso de um banho.

— Delicado, hein? Espero que

não diga isso por aí, ou terei de provar


algo mais a meus homens. — Levantei

também, pegando-a pela cintura e a

levando a gritar. — Vamos tomar um

banho juntos.

Entramos no banheiro, e eu a
ajudei a se ensaboar e lavar entre suas
pernas. Comecei a beijá-la de novo,

pois não havia tido o suficiente.

Uma batida na porta do quarto me

trouxe ao presente. Até esqueci que


meus irmãos viriam para fecharmos a

armadilha dessa noite. O plano estava

pronto, só preencheríamos as lacunas.

Ela pulou e se afastou, olhando


para a porta do banheiro como se

alguém fosse entrar ali a qualquer


momento.
— São meus irmãos e o El

Diablo. Preciso conversar com eles. Por

que não se troca? — Beijei seus lábios

de leve. — Queria passar mais tempo

com você.

Ela assentiu.

— Eu sei, mas precisa terminar

isso logo. Estou louca pela minha vida


de volta — murmurou.

— E a terá. Uma sem os albaneses


a procurando. Nós vamos pegar todos

— jurei.

— Confio em você. — De

repente, ela pareceu preocupada. —


Acha que seu irmão vai me aceitar

agora?

Franzi a testa.

— Aceitar? — Então a

compreensão encheu o meu rosto. —

Não ligue, Rafaelle não é de guardar


rancor. Além disso, ele e eu escondemos

a verdade de você.

Deixei-a tomando banho e vesti

uma muda de roupa. Em seguida, desci.


Ao chegar à sala, vi Rafaelle e Stefano.

Flame e El Diablo estavam lá fora,

podia enxergá-los através dos vidros.

— Achei que não fosse sair do


quarto. Pelos gritos, estavam indo bem.

— Sorriu Stefano e veio me abraçar, me


pegando de surpresa. Ele não era disso,
exceto com nossas irmãs. — Espero que
não faça essa merda de novo.

Sabia do que ele estava falando,

sobre eu quase ter morrido.

— Dificilmente, já que irei me

casar com ela — resolvi brincar e

apertei o seu ombro, querendo dizer que

faria tudo que pudesse para não

preocupá-los novamente.

Ele riu e se afastou.


— Essa menina tem garras. Vimos

pelo modo que defendeu você. —


Parecia impressionado. — Fora a parte

de quase ter matado o Rafaelle.

Meu irmão do meio estava de pé,

a expressão vazia. Eu sabia lê-lo,

percebi o que queria dizer, entretanto,

não era necessário.

— Ela se culpa por quase tê-lo


matado, estava furiosa. Acho que deve
evitá-la. — Um sorriso se formou em

meu rosto.

Rafaelle riu também.

— Foi a primeira mulher a querer

acabar comigo. — Seus olhos foram

para trás de mim. Não precisava os

seguir para saber que era Mia; meu

corpo a sentia.

Virei e a vi parada perto da

escada, em um misto de raiva e medo,


certamente pensando que realmente

poderia ter matado Rafaelle.

— Mia… — começou ele, mas a

mulher o cortou, se lançando na sua


direção antes que meu irmão pudesse

reagir. Socou o seu peito, fazendo-o se

encolher. Eu confiava que ele não a

tocaria.

— Você é um idiota — rosnou,

mordendo o lábio para evitar chorar.


Afastou-se dele e fuzilou nós três. —
Todos vocês são.

— Ei, cunhada…

— Você é outro que merece ser

esmurrado, garoto! E isso acontecerá se


voltarem a fazer algo parecido —

anunciou, indo para a cozinha. Parou e

olhou para Rafaelle. — As coisas

poderiam não ter volta, agradeço a quem

me impediu de matá-lo. E lamento por


isso, apesar de a culpa ser de vocês três.
Stefano piscou, assim que ela

entrou na copa.

— Merda! Ela está com bastante

raiva — murmurou, olhando para onde

Mia desapareceu.

Rafaelle alisava o lugar em que

minha noiva bateu.

— Realmente furiosa —
concordou Rafaelle, me olhando. — O

que recebeu na hora em que revelou?


— Nada. Mas acredito que seja

por estar ferido, isso amenizou sua fúria.


— Não desejava pensar na dor que

sentiu e na distância obtida como


resposta durante a semana. Não a

deixaria fora de algo importante de

novo. Virei para El Diabo e Flame, que

conversavam na varanda, depois aos

dois ali, retomando o plano. — O que

tem acontecido?
— É o seguinte… — Rafaelle

iniciou, indo direto aos negócios.

Chegara o momento de eliminar a

escória que ousou me trair e reocupar o

meu posto de capo.


Capítulo 27

Alessandro

Olhei para o imenso ginásio na


ilha de Torcello, onde reunia todos os

salafrários que conspiraram contra mim


e ousaram tentar me matar. Chavez e

seus capachos, os albaneses e os

traidores dos meus homens. Quando eu

soube a quantidade, me fez querer

esmagá-los logo.

Quinhentos. Cinquenta ali, e os

outros com Viper, Rabel e Luigi. Os

chefes de cada cidade cuidavam dos

seus próprios ratos.

O mentor de tudo era o


responsável por Nova York, Renan.
Sendo chefe, levou muitos a se
colocarem contra mim. Ele estava feliz

com o meu irmão no poder, pois


pensava que Rafaelle compactuava com

suas atrocidades.

Cercamos a ilha, então ninguém

entraria ou sairia dela. Tomamos posse

dos helicópteros e barcos dos presentes;

sua única chance seria nos enfrentar.


Luca e Matteo, assim como seu pessoal,
ficaram com o Norte. Nikolai, com o

Sul. Alexei, com o Leste. Rafaelle,

Stefano, eu e meus homens leais, com o

Oeste, onde seria o leilão de mulheres.

O problema era que não teria nenhuma.

Porém, antes de eles se darem conta, já

os teríamos acertado.

— Estamos prestes a atacar. Não

podemos fazer isso sem que estejam no


lugar marcado — disse Luca.

Nos falávamos através de uma


escuta.

— Entrando agora. Avisaremos ao

chegar — disse.

El Diablo e seus homens foram


atrás dos albaneses. Teria uma grande

dívida com ele, mas valeria à pena. Não

queria nenhum perigo ameaçando Mia e

Graziela. Assim que isso tudo acabasse,

eu me casaria com ela e as manteria


seguras do meu mundo.
Olhei para cada um ali enquanto

íamos para a frente, onde havia os


guarda-costas. Tentaríamos entrar no

lugar em silêncio. Era para estar mais


protegido, mas infiltramos alguns dos

nossos para garantir uma segurança mais

leve, ou seja, não seríamos notados.

— Todo mundo sabe o que fazer.

— Aproximei-me de um cara que


empunhava uma arma. Atirei nele com o
silenciador ativado.

Demorou dez minutos para

chegarmos à frente, e fizemos isto sem

sermos vistos. Conforme o esperado, a


porta estava aberta. O encarregado pela

passagem era nosso aliado.

Ele acenou e nos deixou entrar.

— Para a sua informação, nós

temos garotas de verdade aqui. A carga

acabou de chegar — disse.


Trinquei os dentes e olhei para

Rafaelle.

— Foi preciso — disse com um

olhar significativo, como se me pedisse

para confiar nele. Ao menos não deveria

haver nenhuma criança inocente, e sim

prostitutas que receberiam uma boa

quantia em dinheiro. Entretanto, isso não

anulava o fato de que mulher nenhuma


merecia passar por isso.
Prosseguimos até uma área na

parte de cima da arquibancada, onde


tinha uma cabine, por sorte de vidro

fumê. A única assim. Os outros


bastardos tarados preferiam a primeira

fileira diante de um palco montado; lá

ficariam mais perto das garotas.

— Entramos. Agora podem atacar.

O local está trancado, ninguém sairá. Se


por acaso algum conseguir, atirem antes
e perguntem depois — ordenei pela

escuta a quem nos daria cobertura.

Chequei o lugar, sinalizando para

meus homens infiltrados entrarem em


ação.

— Quantas garotas há aqui? —

sondei.

— Não muitas, apenas o suficiente

para enganá-los. Mas nosso pessoal está

com elas — respondeu Rafaelle.


Observei Chavez, Renan e outro

cara, o braço direito de Skender,


chamado Kaian.

— Esses três são meus, assim

como os ratos. Com o restante, façam o

que quiserem. — Mandei: — Ataquem!

Ao iniciar, Rafaelle e Stefano


foram para ajudar, mas eu fiquei ali, não

por medo, mas para observar de perto o


que eles fariam.
Demorou meia hora para que o

atentado fosse contido, restando alguns


dos traidores vivos.

Eu usava um capuz para cobrir o

meu rosto. Me mostraria apenas na hora

certa.

— Você é um traíra miserável —


rosnou Renan para Rafaelle.

Tanto ele como Skender e Kaian

estavam inutilizados, de joelhos no


palco.

— Está falando de traidores?

Você é o maior deles! Fez muitos dos

nossos nos atacarem e ainda me acusa?


— falou meu irmão de modo frio.

Chavez riu.

— Você é o pior de todos.

Mandou matar o capo, apesar de termos

chegado antes…

— Será mesmo? — Entrei no


lugar, checando cada uns dos malditos e

os vendo ficarem brancos, assim como

Renan. Chavez e Kaian nem tanto. —

Estou aqui e farei vocês pagarem.

— C-como… — gaguejou Renan.

— Sorte? Não interessa. Estou

aqui e para torturá-los de forma bem

lenta. — Olhei para Rafaelle e Stefano.


— Cuidem dos demais ratos, me deixem

com esses três aqui.


Peguei minha faca e fui em

direção a Renan primeiro.

— Confiei em você, e resolveu me

trair por não concordar comigo? —

Chutei seu peito, ao que tombou.

— Suas regras absurdas… —

cuspiu. — Era tudo melhor antes de


você assumir.

— Vamos ver se continua

pensando assim quando eu acabar com a


sua raça. — Enfiei a faca em seu peito,

fazendo-o rugir de dor. — Espero que

grite muito esta noite.

— Você é fraco, Alessandro. Eu


soube da puta que levou para sua casa;

contratei pessoas para tirarem fotos do

seu irmão e da vagabunda para checar a

sua reação a elas. Eu queria provar a

todos que você não merecia o título de


capo, pois está sujeito a quebrar as
próprias regras. Como pode aceitar uma
mulher que não é do nosso círculo
social? — Sorriu. — Levei muitos a
traírem você com isso.

O sangue ferveu ao ouvi-lo

xingando a Mia. Ninguém falava dela e

continuava respirando, mas me

controlei. Ele não merecia uma morte

rápida; com Renan, demoraria horas.

— Vou mostrar a todos os


desgraçados que ousaram ficar contra
mim do que sou capaz — rugi. — Terei

o maior prazer de deixar claro o que

acontecerá com quem tenta. O que houve

com Gael será fichinha perto do que

farei com você.

Ele ficou branco e se esforçou

para se levantar, mas não permiti.

— Oh, não fique com medo.


Brincaremos muito ainda. — Acenei

para um dos meus homens. —


Acorrente-o com as mãos para cima. Já
vou cuidar dele.

Renan começou a me xingar,

certamente querendo que eu o matasse

logo, mas eu não daria esse prazer a ele.

— Vou estripar aquela sua mulher

e filha; rasgarei cada um dos buracos

delas…

— Oh, eu vou massacrá-lo, mas


de forma bem dolorosa. No final,

desejará morrer. — Isso era uma


promessa.

— Me solte! O meu povo se

erguerá a meu favor. Não tenho nada a

ver com suas brigas — rosnou Chavez


com desdém.

Virei para ele.

— Na verdade, não aparecerá

ninguém, porque neste momento seus

territórios estão sendo invadidos, alguns

pelo FBI, outros pelos meus aliados.


Sua organização já era. — Peguei minha

arma e atirei entre os olhos de Kaian.

Não precisava dele ali, minha fúria

estava direcionada aos outros dois.

Chavez e Renan se aquietaram, só

me observando. Renan tinha sido preso

como ordenei, em correntes num ferro

em cima do palco.

— O quê? Não são fortes? Cadê a

vontade para lutar? Achei que eram mais


mortais. — Fui até Renan e tirei minha
faca dele. Em seguida, enfiei-a na
barriga de Chavez.

Podia ouvir gritos ao meu redor.

Luca, Nikolai e Alexei apareceram para

ajudar.

— Eu quero que os ratos tenham

uma morte pior do que a de Gael —

ordenei alto para todos. — No resto,

atirem e mandem para o Inferno. Vamos,


porque temos a noite toda.
O Sol nascia quando terminamos

de eliminá-los. Deixamos Renan e


Chavez para o final.

Ao meu lado, meus homens me

assistiam desmembrar Renan. Com ele,

a tortura foi mais cheia de fúria; pagou

comigo cortando sua língua por ter

falado da Mia e feito o meu povo me

trair. Também comeu o próprio pau por


dizer que tocaria em minhas garotas.
— Ninguém fala mal das minhas

irmãs, mulher e filha e continua inteiro


— rosnei alto para meus homens

naquele lugar.

Rafaelle gravava tudo e exibia ao

vivo a quem não estava ali, de maneira a

mostrar do que eu era capaz.

— Alguém aqui não está de

acordo comigo como capo? Se for o


caso, fale agora e lhe garantirei uma
morte com benevolência. Um tiro de

misericórdia. — Virei para a câmera. —

Assim fará o chefe de vocês onde estão.

Decidam, porque se eu souber que

apunhalaram minhas costas, isto será

fichinha perto do que farei com vocês.

Gesticulei para Stefano, e ele

jogou álcool em cima de Renan e

Chavez, ainda vivos, embora quebrados


e ensanguentados.

Acendi o isqueiro e atirei longe.


— Esses gritos serão os de todos

que ousarem ir contra mim. Agora

decidam.

— Estaremos do seu lado, chefe


— meus homens responderam em coro.

Olhei para a tela de um notebook

carregado por um dos meus caras, onde

via a reação dos líderes de outras


localidades à transmissão online.

— Estou contente por estar vivo e


bem — disse Bial, o chefe de Chicago.

— Nenhum desistente aqui, todos

aceitam você. Sempre o aceitamos.

E assim concordaram
unanimemente o restante.

— Rafaelle, marque uma reunião

com os chefes de cada cidade dentro de

cinco dias — falei. — Vamos apurar


todos os estragos e ditar as novas regras

a serem seguidas. — Virei para meu


irmão.
— Sim, capo, eu farei isso. —

Cortou a transmissão.

— Agora repitam o mesmo com os

miseráveis traidores que continuam


vivos, se é que sobrou algum. —

Apontei para as cinzas de Renan e

Chavez.

— Acredito que você deixou o seu


ponto claro — apontou Nikolai.

Torcia para que sim. O bom era


que eu ainda tinha muitos que confiavam

em mim. Que acreditavam que eu

poderia ser o chefe de que precisavam,

seu capo.

— Assim espero. Ou terei de fazer

pior. — Peguei um pano que um dos

meus homens me entregou e limpei

minhas mãos. Em seguida, joguei em

cima do que restou das chamas.

Alexei riu.
— Estávamos loucos por alguma

ação nesses dois anos afastados dos


Rodins. Ainda bem que pegamos todos.

Agora só preciso de uma era de paz,


sem tantos desmembramentos. — Olhou

ao redor.

Tinha perdido inúmeros homens

essa noite, que entraram nessa luta

confiando em mim. Eles seriam


reconhecidos e, suas famílias,
amparadas.

— Eu também — disse Stefano,

todo vermelho de um sangue que não era

seu. — E acho que preciso foder agora.


— Virou-se para mim. — Ainda

necessita da minha ajuda?

Sacudi a cabeça.

— Não, isso o pessoal da limpeza

resolve. — Também queria ir embora

para encontrar Mia. — Chegou a hora de


retornar à minha casa e ter o que é meu

de volta.

Fui para o nosso helicóptero. Luca

estava do meu lado, como Rafaelle e


Stefano. Os outros iriam depois.

— Como estão a Jade e o bebê?

Contou a ela logo que soube? — sondei

ao meu cunhado.

— Sim, ao descobrir que

sobreviveu. Eu não deixaria que ela


ficasse pior, faria mal aos dois.

Suspirei. Havia chegado a hora de

enfrentar as coisas; as consequências

por pensarem que eu estava morto.


Conversaria com elas no dia seguinte.

Foi difícil conquistar a confiança de

Mia, ficou muitos dias sem se aproximar

de mim. Com Luna, acreditava que não

seria diferente. Esperava nunca mais


precisar fazer algo parecido.

— Samuel e Miguel as trouxeram,


devem aparecer na parte da manhã. —
Olhou para o céu; estava perto de raiar o

dia.

Sentia-me louco para ver as duas

e Graziela. Durante essa semana, eu

falei com ela todos os dias. A

preocupação da minha princesa comigo

era comovente, dizendo que queria estar

ao meu lado e de sua mãe, e não longe.


Agradeci mentalmente a El Diablo por
ter tranquilizado o seu coraçãozinho

enquanto eu estive apagado.

— Vou falar com elas assim que

chegar.

— Miguel contou à Luna — disse

Rafaelle, encolhido. — Parece que ela

não quer conversar com nenhum de nós.

— Precisarei enfrentar outros

obstáculos ao voltar. — Essa batalha

não seria vencida com lutas, mas por


meio do diálogo. Esperava que ela

aceitasse o sacrifício que tive de fazer

para o bem de todos.

— Tomara que não fique com


raiva por muito tempo — resmungou. —

Queria ao menos ter demorado com os

traidores; elas sofreram por culpa deles.

Ele tinha razão. Também desejei


torturar devagar um por um. Todavia,

pensaria apenas que, finalmente, minha


família estava segura.
Luna teria de entender. Ficaria

brava por alguns dias, mas

compreenderia que foi para a segurança

de todos, não só delas, como das

famílias dos meus homens leais.


Capítulo 28

Mia

Acordei ouvindo vozes alteradas


não muito longe; pisquei e me sentei.

Fiquei até tarde esperando Alessandro,


mas como ele não veio, eu acabei por

pegar no sono de roupa e tudo.

Fui ver o que estava acontecendo.

Pensei que alguém houvesse se


machucado de novo, ou… não!

Alessandro me prometeu que tudo ia dar

certo, que nada aconteceria com ele,

nem com ninguém.

Estava prestes a sair do quarto

quando a porta se abriu e minha filha


apareceu por ela, ansiosa demais e me
chamando.

— Mamãe! A tia Luna está

brigando com meu pai e meus tios. —

Seus olhos estavam arregalados.

Pisquei e corri para ela, pegando-

a em meus braços e beijando ambos os

lados de suas bochechas.

Jade tinha ligado na noite passada


avisando que estava saindo de Chicago

e que ia chegar essa manhã.


— Oh, meu amor, eu não acredito

que esteja aqui. — Abracei-a, sentindo


o cheiro que tanto amava; até me esqueci

do que ela falou. Franzi a testa e me


afastei. — Você disse que Luna está

brigando com o Alessandro?

Ela assentiu.

— Sim, não sei o porquê. Parece

que o papai mentiu. Em que ele mentiu,


mamãe? — Graziela parecia confusa.
Suspirei. Eles não deveriam

discutir na frente dela.

— Vou cuidar disso, mas não

deve ser nada — menti e a beijei na

testa. — Fique aqui, darei um jeito de

resolver as coisas. Não vá para a sala

até eu voltar, entendeu?

— Sim, mamãe. — Ela nunca

tinha presenciado alguém discutindo, e


eu esperava que essa fosse a primeira e
a última vez que isso acontecia. Um lar

não seria um lar se isso ocorresse

direto.

Fui para o cômodo onde ainda


podiam ser ouvidas as vozes alteradas, a

de Luna pelo menos. Ela parecia furiosa

demais, mas tinha motivos para tanto.

— Vocês não se importam com o


que eu passei nesses dias. Eu estava

sofrendo por sua morte, Alessandro,


agora descubro que todos sabiam que
você estava vivo — rugiu. — E o pior:
que antes planejava fazer isso.

— Claro que nos importamos…

Ela cortou Stefano:

— Nenhum se importa! Só pensam

em vocês mesmos, ninguém ligou para o

meu estado. Eu fiquei muitas noites sem

dormir ou comer, e enquanto isso todos


sabiam. — Havia raiva e dor em sua

voz. — Até você, Jade! Eu achei que


fôssemos irmãs…

Jade fungou.

— Não fale com ela assim —

rosnou Luca, de modo frio.

— O assunto não é com você! —

gritou Luna. — Todos são egoístas.

Jade saiu correndo para a cozinha,

chorando. Luca a seguiu depois de

fulminar a irmã da esposa, que não


ligou.
— Luna! — Esse era o tom de

Alessandro exigindo respeito, mas só


fez com que Luna se sentisse mais irada.

Cheguei ao último degrau da

escada prestando atenção na sala. Ali

estavam Rafaelle e Stefano. Miguel se

encontrava perto de Luna.

— Que gritaria é essa?

Assustaram a Graziela — falei.

Luna se virou para mim.


— Você também se juntou aos

traidores? — Apontou para todos na


sala. Seus olhos estavam vermelhos

depois de tanto chorar.

— Traidores? — Tentei soar

calma. Adorava essa menina e sua

doçura, mas eles ultrapassaram tudo o

que ela podia aguentar.

— Sabia que Alessandro não


estava morto? — Quando não respondi,
ela soltou uma risada sombria e

dolorida. — Confiava em você e a tinha

como uma irmã. Mas mentiu para mim!

Não me revelou e me deixou sofrendo.

Não omitiria mais nada dela, por

mais que isso a magoasse. Luna merecia

a verdade, assim como eu. Essa merda

foi ruim para todos.

— Luna… — comecei, mas ela

me interrompeu e se lançou para mim.


— Você não passa de uma…

— Agora chega, Luna! — rugiu


Alessandro com um tom que me deu

calafrios na espinha.

A atmosfera mudou na sala, mas

eu não deixaria isso me parar. Entendia

seu lado, não estava com raiva por sua


fúria, mas tudo tinha limites.

— Luna, se controle — pediu

Miguel.
Ela o fuzilou.

— Eu confiava em você, mas


ficou do lado do meu irmão e contra

mim. — Respirou fundo, sem vida.

— Não há lados, era para a

proteção de todos — ele argumentou,

mas ela não parecia interessada em


saber.

— Não. Luca contou para a Jade.

Alessandro contou para a Mia. E você


deveria ter me dito. Mas agora sei que

tudo o que falou foi mentira. — A

traição de Miguel era a que mais doía,

eu podia notar. Foi assim comigo em

relação a Alessandro.

Ele se encolheu. Isso geraria outra

discussão, então chegou a minha vez de

interromper:

— Entendo que esteja sofrendo,

mas isso não justifica os insultos! Para o


seu governo, eu só soube alguns dias
atrás, depois de ter apontado uma arma
contra Rafaelle para tentar matá-lo. —

Seus olhos se arregalaram. — Eu


pensava que ele tinha assassinado o

irmão. Imagina essa dor? Confiava em

Rafaelle, mas na hora, eu só quis vê-lo

sangrar, então peguei uma arma e fui ao

local onde sabia que ele estava. Tudo

em mim gritava para que eu puxasse o


gatilho; não compreende a vontade que
tive de fazer isso. Ele tinha mandado

minha filha embora, enquanto fui levada

por alguém que não conhecia, sozinha,

desolada por achar que quem eu mais

amava estava morto, assassinado por

seu próprio irmão. Isso é dor, Luna, isso

é ser enganada.

Piscou, olhando entre Rafaelle e

Alessandro, chocada demais. Mas


continuei:

— Estou furiosa com os três, sim,


por terem mentido para mim, mas
entendi algumas coisas. Alessandro não

é só o seu irmão, assim como não é só o


meu noivo. Ele é um capo e precisava

enfrentar os inimigos que estavam

machucando inocentes; pegando filhas

dos seus homens leais e dando aos

Rodins para fazerem tudo o que

quisessem. Para estuprarem, quebrá-las


e só então as matarem. — Expirei fundo.
Não queria dizer essa verdade,

mas era algo de que não podíamos fugir.


Ela pertencia a esse mundo e precisava

entender.

— Luna, coloque na sua cabeça:

esses homens eram da pior espécie.

Pense no que eles podiam ter feito com

você e Graziela quando invadiram a

nossa casa e botaram fogo? Se um deles


colocasse as mãos em uma das duas?
Como seus irmãos ficariam? E até

mesmo eu? Seu irmão quase morreu para

limpar o seu povo de gente assim.

Aceito que esteja com raiva agora,

entretanto, espero que um dia possa

entender e se colocar no lugar dele.

Alessandro carrega esse peso nas

costas, e não se preocupa apenas com a

nossa segurança, mas com a de uma


nação inteira. Nação esta que estava

infestada de pessoas capazes das piores


crueldades que nem sequer imaginou ou

presenciou na vida.

Ela se encolheu.

— Lamento por dizer essas

verdades, mas você precisa entender a

extensão das coisas aqui. Todos a tratam

como frágil, mas você não é. Você é

forte e saberá lidar com essa dor que

está sentindo agora. Apenas agradeça


por seus irmãos estarem vivos, porque
nisso tudo, um dos três quase se foi de

verdade, e por minhas mãos. — Eu

tremia. — Peço que agora conversem

em voz baixa, sem discussão. Não quero

minha filha ouvindo palavrões e irmãos

se pegando. Passarei mais tempo com

ela e a tranquilizarei. Enquanto isso, se

entenda com seus irmãos, Luna. Ou

reflita sobre o que contei.

— Não quero conversar com


ninguém. — Correu, subindo as escadas
chorando.

Miguel fez menção de segui-la,

mas o impedi, o que fez com que ele


franzisse a testa. Seu rosto estava

retorcido, como se doesse vê-la nesse

estado.

— Preciso…

Sacudi a cabeça.

— Luna está magoada, sofrendo

pelas mentiras e pelo que passou. Dê um


tempo a ela para que possa digerir tudo

o que foi dito. — Toquei seu braço,

tentando fazer com que entendesse.

Miguel expirou fundo, assentindo


com fúria, mas dele próprio. Em

seguida, saiu da sala. Torcia para que os

dois se entendessem.

Não queria minha família se


distanciando assim; esperava que Luna

nos perdoasse por termos escondido a


verdade dela.
— Vou ficar com minha filha

agora. Nem tive tempo com ela depois

de tudo isso. — Estava subindo as

escadas quando fui parada por alguém:

— Mia? — chamou Rafaelle.

Virei para ele.

— Sim? — Franzi a testa.

— Ouvi o que disse sobre quase

me matar, e não precisa se sentir


culpada. — Veio na minha direção e
ficou na minha frente. — Fizemos isso…

não revelamos a verdade, por tudo o que

acabou de falar. — Seu olhar seguiu

para além de nós, como se mirasse a


irmã no andar de cima. Depois voltou a

mim. — Queria que as coisas fossem

diferentes, não ter dito o que falei.

Meu coração se derreteu. Era o

mais próximo de um pedido de


desculpas que eu receberia.

— É muito reconfortante saber


que não me queria para aquecer a sua

cama, afinal, eu o amo como um irmão.

— Abracei-o forte, deixando o seu

corpo duro por um segundo, mas logo

relaxou e retribuiu.

— Irmão, hein? — Riu, beijando a

minha testa. — Gosto de como isso soa.

— O que eu sou, no fim das

contas? Não mereço um abraço também?


— reclamou Stefano.
Sorri e me afastei de Rafaelle.

— Você também, garoto. Aliás,


são todos a minha família. — Estendi

minha mão para Alessandro, que logo

veio até mim. — Obrigada por tudo.

Ele me abraçou de lado.

— Não há nada para agradecer.

— Suspirou. — Com tudo resolvido,


finalmente podemos nos casar.

— Casar? — A voz de Stefano


saiu alta. — Se não fosse você, eu

jamais deixaria o meu irmão entrar

nessa forca.

Dessa vez eu ri.

— Bom saber, porque desejo que

tanto você quanto Rafaelle me levem ao

altar — pedi. — Não sei se é tradição

ou se podem…

— Não é — declarou Stefano, me

fazendo perder o sorriso. — Mas quem


se importa? Seu marido é o capo, e ele

pode tudo. Se quiserem, podem até se

casar nus.

Gargalhei.

— Não sonhe com isso, garoto. —

Revirei os olhos e beijei os lábios de

Alessandro. — Vou para Graziela

agora. Depois quero saber o que houve


ou o que pode me dizer.

Assentiu.
— Tenho uma ligação com alguns

dos chefes das cidades, mas assim que


terminar, eu vou até vocês duas —

disse. — Antes, eu tentarei conversar


com a Luna.

Assenti e fui à escada, logo me

virando para seus irmãos.

— Posso contar com vocês para

me levarem ao altar? — conferi.

Stefano sorriu.
— Pode apostar, cunhada.

— Comigo também — afirmou


Rafaelle.

Fiquei feliz por saber que me

levariam. Não possuía família ali,

exceto a da minha mãe. Depois

procuraria saber se algum dos meus


parentes continuava vivo.

Voltei para falar com Graziela e

abraçar a minha filha, já que não tive


muito tempo com ela. Mas antes de

entrar no quarto, eu parei ao lado de

uma porta onde ouvi um som de choro.

Luna.

— Luna, querida, eu sei que não

deseja falar comigo agora por estar

magoada. Mas corta o meu coração vê-

la dessa forma. Espero que um dia me

perdoe por tudo. — Não gostava que


sofresse de nenhuma forma, mas nesse
círculo todos nós sofríamos. — Só
queria que soubesse que amo você como
uma irmã, e se me perdoar até o meu
casamento com Alessandro, eu gostaria

que você e Graziela fossem as minhas

damas de honra.

Fungou, mas não disse nada. Não

esperei que o fizesse, pois eu sabia que

ela precisava de tempo para digerir tudo

e nos perdoar pelo que escondemos.

Entrei no quarto, encontrando


Graziela sentada na cama. Quando me

viu, ela correu até mim. Minha filha

sempre foi uma menina obediente, e eu

amava isso nela. Se eu pedia para ficar,

ela ficava.

— Mamãe! Acabaram de brigar?

Papai e tia Luna estão bem? Não quero

que eles discutam — sussurrou.

Peguei sua mão e me sentei na

cama, com ela do meu lado.


— Meu amor, pessoas adultas

discutem às vezes. Mas os dois se


amam, assim como eu amo você. —

Toquei sua cabeça. — Agora que tal me


falar o que fez quando estava na

América?

Precisava arrumar uma forma de

distraí-la, para não preocupá-la. E

realmente queria saber tudo que ela fez.


Ainda não acreditava que esse pesadelo
passara.

Até poucas semanas atrás, eu

pensei que tinha perdido tudo, mas ali

estava eu, com a minha família, uma que


amava demais, que nos acolheu e nos

protegeu.
Capítulo 29

Um mês depois.

Mia
Durante o último mês as coisas

entraram nos eixos (ou quase). Voltamos


para Milão e retomamos nossas vidas,

mas eu já não trabalhava mais na


lanchonete. Alessandro disse que, como

esposa de um capo, eu não poderia me

expor tanto, além disso, eu não

precisava. Se esse fosse o preço para tê-

lo, assim seria.

Graziela voltou para as aulas de


balé, uma coisa que ela amava. E

também estávamos usando nossos nomes

verdadeiros. Eu a coloquei na escola,

começaria em breve.

Alessandro resolveu seus

problemas e não tinha mais traidores.

Esperava que continuasse dessa forma.

Entretanto, algo me deixava triste:


Luna não voltara a falar comigo. Mudou-

se para um quarto na faculdade e mal


vinha em casa, exceto para visitar a
Graziela. Minha filha era a única com
quem conversava.

O meu coração doía pela

distância. Não queria que isso

acontecesse. Até Alessandro tentou

conversar com ela, mas não teve êxito.

Deixei que tivesse seu momento,

mas estava demorando muito. E ainda

mais nesse dia, que queria que ela


passasse comigo, aceitando ser a minha
dama de honra.

— Ela vai aparecer — comentou

Jade, encolhida ao notar minha

preocupação.

Estava na salinha da igreja me

preparando para me casar.

— Não acredito. Nós a magoamos

demais. — Mirei meu reflexo no

espelho uma última vez.

Segundo a tradição italiana, a


noiva não podia se olhar no espelho,

mas eu não acreditava nesse tipo de

superstição. Nada ou ninguém

atrapalharia esse dia.

O vestido de noiva era no estilo

tomara que caia com detalhes em

conchas na região dos seios; pegava

minhas curvas de forma elegante e era

rodado até os pés. Meus cabelos


estavam soltos, mas com uma traça feita
em forma de tiara. Tinha vários clipes
adornando a cabeça.

— Agora vamos para um objeto

novo. — Jade me entregou um broche de


cabelo. — Deixe-me colocar.

O item azul era uma fita amarrada

na cinta-liga. O velho, uma correntinha

que pertenceu à minha mãe — meu

passado não seria esquecido com a

minha nova vida.

— O presente é esse par de


brincos de diamante que foram da minha

mãe. Eu quero que fique com eles. —

Jade os botou em mim.

— Obrigada — agradeci com o


coração aquecido. — Agora só falta

algo emprestado.

— Tenho uma coisa para isso que

vai funcionar — disse uma voz na porta.

Virei-me de olhos arregalados:

Luna estava ali com uma tiara prateada


nas mãos.

— Posso emprestar a você. —

Entrou lentamente na salinha. Seus

olhos, tristes, demonstravam-se


igualmente ansiosos.

Estaquei, chocada por ela falar

comigo. Assenti, muda.

Luna entrou e ficou na minha

frente, parecendo nervosa.

— Posso colocar em você? —


pediu e mordeu os lábios. — Sinto

muito por ter me afastado, mas

precisava muito desse tempo sozinha. Só

lamento por magoar você.

Meu coração se apertou no peito e

fui até ela, chorando ao abraçá-la. Ainda

bem que a maquiagem era à prova

d’água, mas não me importei com isso.

— Também sinto por ter

escondido tudo de você, quero que saiba


que entendo sua necessidade de tempo.
Por isso fiquei longe, mas senti muito a
sua falta — sussurrei.

Ela se afastou e ajeitou a tiara na

minha cabeça.

— Você está realmente de tirar o

fôlego. — Luna sorriu e limpou o meu

rosto. — Acho que me lembro de ter

ouvido que você gostaria que eu fosse a

sua dama de honra, não é?

Ela usava um vestido que batia


nos joelhos, à semelhança do da

Graziela.

— Como você está realmente? —

perguntei, preocupada.

Piscou, mas sorriu, apesar de eu

ter detectado algo ali.

— Bem. Agora chega de falar de

mim. Depois conversamos mais —

esquivou-se.

Poderia ter insistido, mas eu não


queria levá-la para longe de novo.

— E Miguel?

Sua expressão se retorceu.

— Não quero falar sobre ele, ok?


— Era quase um pedido desesperado.

Assenti. Esperava que, assim

como me perdoou, os dois pudessem se

entender de alguma forma. Deixei quieto

por ora.

Uma batida na porta chamou a


nossa atenção, em seguida, Stefano

entrou e piscou ao se deparar com a

Luna.

Ela também não falava com


nenhum deles.

— Luna…

Sua irmã o abraçou e começou a

chorar.

— Ei, pequena, não chore. Isso


acaba comigo — pediu, retribuindo o
abraço.

— Todo casamento tem choro —

Jade disse num tom melancólico.

A princípio Luna não estava

falando com ela também, mas acho que

não quis preocupar a irmã e seu bebê

ainda na barriga.

— Chegou a hora. Por que a

demora? Alessandro está impaciente no

altar… — Rafaelle parou no meio da


frase e piscou: — Luna?

Ela também o abraçou.

— Senti falta de vocês — Luna

choramingou.

— Lamento pelo que fizemos e

pelo que você passou. Mas foi para o

bem de todos. — Alisava sua cabeça.

— Agora entendo — sussurrou e

se afastou, sorrindo para mim. — Mas


não é hora para isso, hoje é o seu dia. O
dia em que se casará com o meu irmão.

Sorri.

— Ainda custo a acreditar que

vou me casar com ele. — Preparei-me.

Jade foi para a igreja e, Luna, ao

corredor. Assim fizemos todos.

— Mamãe, a senhora está linda!

— Graziela anunciou com um sorriso

imenso.

— Obrigada, anjo. — Respirei


fundo com o coração aos pulos e olhei

para Rafaelle e Stefano. — Estão

prontos, meninos?

Luna e Graziela foram à frente


carregando as alianças.

Começamos a andar ao ouvir a

marcha nupcial.

— Espero que ninguém ache

estranho o fato de eu ser levada por

vocês dois — sussurrei.


— Quem liga? — Sorriu Stefano.

— Somos família agora, assim como a


nossa princesa.

Fitei a minha filha com seu

vestidinho rodado e os cabelos soltos

com uma tiara de flores. Linda. Ela era a

nossa felicidade.

A igreja lotada me fez vacilar um

segundo.

— É muita gente — sussurrei só


para eles dois.

— São todos conhecidos. Não se

preocupe, pois ninguém atrapalhará este

dia — prometeu Rafaelle.

Meus olhos foram levados ao altar

onde Alessandro estava, vestido com um

terno escuro combinando com ele. Esse

homem me fazia agradecer aos céus por


tê-lo na minha vida.

Seu olhar estava frio para todos,


como sempre. Mas vi o calor refletido

nele; eu podia sentir também em cada

célula do meu corpo. Meu coração batia

forte no peito. O homem mais lindo do

mundo seria meu, todinho meu. Só de

olhá-lo me dava fome e, ao mesmo

tempo, o amava ainda mais.

— Essa cor em seu rosto significa

que está tendo pensamentos sujos com


meu irmão? — Stefano provocou,
sorrindo, e não foi o único, Rafaelle
também. — Não esquente. Esta noite,
com certeza, haverá mais gritos.

Corei ao pensar no que ele estava


falando. Alessandro disse que

reformaria o quarto para o tornar à

prova de som, assim ninguém ouviria

mais nada.

Foquei minha atenção na igreja e

nas minhas damas de honra, que ficaram


perto do altar. Ainda bem que o espaço
era pequeno, então logo cheguei ao

Alessandro, que checou meu rosto.

Após, olhou para os irmãos e novamente

para mim. Meu noivo tocou a minha mão

e foi como se eu encostasse em um fio

desencapado.

Rafaelle e Stefano se afastaram.

Nesse momento, só existia aquele

homem na minha frente.

— Algum problema? — sondou


baixo, apenas para mim. — A propósito,
você está deslumbrante.

— Não foi nada. Obrigada. —

Apertei sua mão. — Você está muito

lindo.

Ele me disse que ali no casamento

não demonstraria a emoção que estava

sentindo, porque isso seria considerado

fraqueza aos olhos de todos. E ele não

queria que ninguém soubesse a dele.


Aceitei, porque entendia o seu lado; eu
era mulher de um capo, apesar de ele ter

me dito que eu poderia falar qualquer

coisa que eu desejasse.

O padre ministrou nossos


caminhos e nos perguntou se

aceitávamos um ao outro.

— Alessandro, eu não me importo

de dizer na frente de todos o que sinto


por você. Acredito que a maioria saiba

depois do episódio ocorrido aqui no


mês passado. — Foi nessa igreja que
velaram o suposto corpo dele. — A
partir do momento que o conheci por

obra do destino ou do empurrão de uma


amiga — sorri para Luna e para ele —,

você se tornou tudo na minha vida; me

protegeu, não só eu, mas nossa filha

também. Quero dizer que amo cada parte

sua, tanto a luz como as trevas, e que

sempre estarei do seu lado. Serei sua


esposa, mãe de seus filhos, e prometo
amá-lo e respeitá-lo até que a morte nos

separe.

Notei comoção em seus olhos. Ele

queria dizer o mesmo; no lugar, tocou


minha testa. Para muitos, esse gesto não

era nada, mas eu sabia que significava

mais. Meu coração gritou de emoção

sabendo que ele me amava.

— Aceito — respondeu após as

palavras finais do padre. Eu coloquei a


aliança no dedo dele, e em seguida foi a
sua vez de colocá-la no meu.

— Sim. — Minha voz fervia de

emoção.

— Eu os declaro marido e mulher.


Pode beijar a noiva — o padre falou.

Alessandro se inclinou e

depositou um beijo suave em meus

lábios. Então a igreja se encheu de


aplausos, o que me fez me afastar dele e

encarar a todos com o rosto corado.


Nossos amigos nos desejaram

felicidade e nos parabenizaram, até


alguns que eu não conhecia, mas

Alessandro sim. Ficar olhando esse


homem me deixava bêbada.

— Felicidades aos recém-

casados. — Ouvi uma voz divertida.

Levantei a cabeça e me deparei

com El Diablo sorrindo. Pisquei, pois


não o tinha visto desde o dia do ataque.
Depois disso não tive oportunidade para

conversar com ele sobre o fato de ter me

protegido e agradecê-lo.

Fui dar um passo para abraçá-lo,


mas Alessandro apertou minha cintura.

Chequei seu rosto: inexpressivo. Deduzi

que seu ciúme comigo persistia, menos

com seus irmãos.

Virei a cabeça para El Diablo,

que parecia divertido com a reação de


Alessandro.
— Queria agradecer formalmente

por tudo o que fez por mim. — Era

verdade.

— Estava sendo pago pelo


serviço — respondeu, dando de ombros.

— Não por tudo. — Olhei para

Graziela, que correu até nós com um

sorriso imenso.

— Mamãe! Papai! A tia Jade

disse que vou dormir na casa dela.


Alessandro a pegou nos braços.

— Temos que sair esta noite, e no

lugar em que vamos crianças não podem

ir. Mas amanhã bem cedo tomaremos

café onde você quiser. O que acha?

Ela sorriu animada e virou-se para

El Diablo, um pouco pálido.

— Sou Graziela. — Apresentou-


se, estendendo a mão.

— El… — hesitou, mas apertou


sua mão e saiu. Decerto ele não disse o

apelido para não assustá-la. Esperava

que um dia ele se curasse dessa dor que

o queimava vivo.

— Hora de ir para a tia Jade. —

Beijei seu rosto, pois não queria que ela

estranhasse a reação de El Diablo.

Fui jogar o buquê, o que reuniu


muitas meninas solteiras, mas não Luna.

Fiquei em uma posição que facilitasse


para cair na direção dela e, no final,
parou diretamente em suas mãos.

Luna arregalou os olhos, tão linda

com seus cabelos alisados para a

ocasião. Em seguida, voltou-se a Miguel

— ele havia tirado a barba, por algum

motivo —, que estava de braços

cruzados com sua atenção dirigida a ela.

Eu esperava que os dois se acertassem

logo.

— Vamos embora? — chamou


Alessandro, colocando a mão na minha

cintura.

— Sim — assenti, louca para

estar a sós com ele.

Chegamos à mansão depois de nos

despedirmos de todos os nossos amigos

e da nossa família. Mal entramos, e ele

me pegou nos braços, me fazendo rir.

— Estou louco para possuir você

— rosnou, mordiscando meu pescoço.


— Você já me possui de todas as

formas imagináveis — consegui dizer,


sem fôlego.

Levou-me para o quarto, subindo

as escadas comigo em seus braços, mas

em nenhum momento ficou ofegante pelo

esforço.

— Você também me possui. Meu

coração bate por você; minha mente


pensa em você vinte e quatro horas por
dia. Tudo em mim é seu. — Ele me

colocou no chão com um olhar que fez o

meu sangue ferver, mas de uma maneira

boa.

— Vou um segundo ao banheiro e

já volto. Tenho uma surpresa. — Sorri,

beijando seus lábios de leve.

— Surpresa? — Seu olhar varreu


o meu vestido, mas foi como se

estivesse vendo através dele, porque me


senti quente. — Não demore ou eu vou
atrás — avisou.

Sorri. Assim que entrei no

banheiro, eu tirei o vestido de noiva e

coloquei um conjunto de lingerie

vermelha. Corei só de me olhar com o

fio dental e o espartilho, mas seria para

ele. Pus sua camisa, pois queria me

cobrir até a hora certa.

Respirei fundo e voltei para o


quarto me deparando com Alessandro
sentado na cama, com um envelope na

mão.

Franzi a testa.

— O que é isso? — sondei, me

sentando ao seu lado.

Em silêncio, ele mirava o papel

como se fosse brasa que o queimava.

— É uma carta. Minha mãe deixou

uma para cada um de nós, seus filhos,


para abrirmos no dia dos nossos
casamentos. — Sua voz era baixa.

— Podemos ler juntos. Ou posso

deixá-lo sozinho, se assim se sentir

melhor — sugeri.

Ele segurou a minha mão.

— Acredito que ela gostaria que

você estivesse comigo nesse momento.

Afinal, era para quando eu me casasse.

— Abriu a carta e estendeu o papel à

nossa frente para que nós dois lêssemos.


Alessandro, meu menino valente,
fiel e leal àqueles que ama. Eu sei que

sua jornada é árdua e que terá um

fardo pesado para carregar sozinho

como o novo capo, um com o que

ninguém poderá ajudar, muito menos

eu.

Rezo para que Deus envie uma


mulher forte, valente e que o entenda;
que esteja do seu lado em todos os

momentos da sua vida, nas trevas, na

dor e na alegria. Uma mulher que

compreenda o seu pior, meu filho,

porque onde há trevas sempre há luz.

Queria compartilhar esse

momento de felicidade com você,

vendo-os subir ao altar, porque tenho

fé de que você e seus irmãos serão


contentes com suas esposas.

Agradeço a você, meu menino


lindo, por me proteger mais vezes do
que posso contar; queria ter podido

fazer mais, apesar de que, em nosso


mundo, não temos escolha do caminho

que somos obrigadas a seguir.

Proteja e ame a sua mulher como

se fosse da sua carne e do seu sangue.

Acredito que não preciso pedir para

nunca levantar um dedo para ela,


porque eu o conheço e sei que, mesmo
envolto de trevas, jamais faria algo

assim.

Agradeço aos céus por ter um

coração repleto de bondade, mesmo


que ele esteja afundado na escuridão

deste nosso universo. A esperança e a

fé andam juntas na minha vida; rogo

que se façam presentes na sua também.

Adeus. Proteja os seus irmãos e

as suas irmãs, assim como sua esposa e


seus futuros filhos. Dê a eles tudo o
que nunca teve, ensine-lhes o caminho
do amor. Um dia você será o novo capo

e governará diferente do seu pai. Aja


de modo correto, fuja das sombras, se

permita amar.

Seja feliz, meu amado menino.

Sua mamãe o ama demais, para

sempre.

Ele respirava irregular, então


coloquei minhas mãos em suas costas.

— Ela tinha fé que chegaria a esse

momento — sussurrei com os olhos

molhados. — Gostaria de tê-la


conhecido.

Virou a cabeça na minha direção e

limpou os meus olhos.

— Está chorando por alguém que

nunca encontrou?

— Claro! Essa mulher amava


você, assim como eu. Lamento muito —

declarei. — Sua fé e suas orações

valeram à pena. Agora, nós estamos

juntos.

— Minha mãe era uma cristã

devota a Deus, à guisa de Luna e Jade.

Diferente de mim e dos meus irmãos.

Mas agradeço, porque com isso tenho

você, uma mulher valente e que me ama


da forma que sou. Não deseja me mudar
em nada. — Tocou meu rosto. — Não
mereço alguém como você, sou um
bastardo egoísta por não a deixar ir.

— Nem eu quero que faça isso —


assegurei, apertando seus dedos. —

Alessandro, como eu disse na igreja: eu

amo cada parte sua, tanto a luz como as

trevas. Então não ligo para o que faz, fez

ou deixa de fazer, contanto que nunca

levante as mãos para mim nem para os


nossos futuros filhos e Graziela. Apesar
de saber que isso não é algo que eu

precise dizer.

Ficou me olhando com uma

devoção que me faria cair de joelhos se


eu não estivesse sentada. Então, ele

sacudiu a cabeça.

— Porra, como eu amo você! —

declarou, beijando meus lábios


parecendo faminto e desesperado. —

Me mostrou que sou capaz de amar. Meu


coração, que pensei estar morto, agora
bate no meu peito por você.

Comecei a chorar pelo acúmulo

de sentimentos.

— Você me ama! — Eu sabia


disso, mas ouvir suas palavras foi a

coisa mais maravilhosa do mundo.

— Com cada célula do meu corpo,

mesmo as mortas, porque você as fez


reviver. Tudo em mim está vivo graças à

minha esposa linda. A mulher que foi


feita para mim. — Beijou-me, mas me

afastei sem querer, fazendo com que

franzisse a testa.

— O que…

Sorri amarelo.

— A surpresa. — Fiquei de pé na

sua frente e desabotoei sua camisa bem

devagar. Mas então suas mãos

apareceram e, em seguida, ele a rasgou.

Os botões voaram para todos os lados.


Ofegante e necessitada, sentia uma

pulsação entre minhas pernas.

— Oh, Deus! — arfei.

Puxou meu cabelo e, com uma

mordida leve em minha orelha, me

arrepiou.

— O único nome que sairá da sua

boca será o meu, para me mandar fodê-

la mais forte. — Apenas com o som

dessa voz, eu certamente não demoraria


a gozar.

Nossa vida sexual estava às mil

maravilhas durante o mês passado.

Obviamente, isso apenas aumentaria,


mas em nenhuma oportunidade

Alessandro me fodeu com força. E eu

queria que ele fizesse comigo tudo o que

gostava de fazer antes de mim.

Evitei pensar nas mulheres que

teve e só foquei no momento. Ele era


meu, só meu e de mais ninguém.
— O melhor embrulho de presente

que ganhei. — Arrancou o espartilho e a

minha calcinha encharcada. — Agora

fique de quatro na cama — ordenou,

rouco e sedutor.

Arregalei os olhos, mas obedeci.

Faria tudo nesse instante apenas para ter

o seu toque.

Pela visão periférica, eu vi que

jogou a camisa e o terno longe.


— Uma linda vista. — Senti seu

hálito atrás de mim, me fazendo corar e


me remexer. — Posso ver você

pingando, seu sulco está saindo e


escorrendo. Porra! Tão encharcada.

— Alessandro…

— Vou cuidar de você. — Senti


seu dedo alisando o local que latejava.

— O sabor mais maravilhoso do mundo.

Gritei quando senti sua língua


mergulhar em minha intimidade

disponível para ele. Não liguei para a

timidez ou a posição, somente empinei

minha bunda em sua direção querendo

mais dele. Segurei firme nos lençóis

com cada intrusão da língua e dos seus

dedos.

— Adoro esses sons saindo de sua

boca. — Mordeu minhas nádegas


enquanto suas mãos trabalhavam em
mim. Depois se estendeu às minhas
costas, puxando meu cabelo, e seus
lábios foram para o meu pescoço.

— Alessandro! — Estava a ponto


de gozar quando ele tirou os dedos.

Soltei um muxoxo de reprovação. —

Preciso gozar.

Mordiscou minha orelha.

— Você quer? Entende agora

como é querer fazer algo e não poder? A


frustração que sentimos? — Engrossou a
voz, com um toque de raiva.

Abri meus olhos e virei a cabeça,

encontrando seu olhar. O meu estava

confuso.

Deu uma risada me fazendo sentir

calafrios, mas não de medo, nada nele

me fazia sentir isso.

— Você não tem ideia do perigo,

não é? Do caos em que estaríamos agora

caso fizesse o que pretendia. — Seu


pênis entrou em mim, e isto me levou a

gritar. — Não sabe o que senti quando

vi que você queria abraçar o El Diablo.

Arfei de forma dúbia. Ele estava


com raiva disso desde o início? Bem

que o senti estranho depois.

— Mas eu não… — Fechei os

olhos, aproveitando o esplendor de cada


estocada.

— Isso não muda o fato de que


ameaçou abraçá-lo. — Apossou-se de

meus lábios. — Você é minha! Tudo

neste corpo ninguém toca, certo?

Gostava da possessividade, do
seu jeito enciumado. Mas esse

sentimento para um homem como ele não

era bom, e também não havia

necessidade.

— Sim, ninguém nunca irá, porque

eu amo só você — afirmei.


— Também a amo. Sua boceta,

seu sorriso, sua astúcia. Tudo em você,


Mia — rosnou e voltou a me foder com

tanta força que tive de me segurar na


cabeceira da cama.

Cada toque dele me fazia amá-lo

mais; cada gesto e carícia me

consumiam a ponto de gozar duro. Meus

gritos podiam ser ouvidos a


quilômetros. Por sorte não havia
ninguém na casa.

Explodi chamando o seu nome

com fervor e adoração. Ele grunhiu e me

seguiu logo depois.

Caí na cama com Alessandro em

cima de mim, beijando minha nuca de

leve.

Sorrimos.

— Acho que gosto de uma foda


raivosa. Devia enfurecê-lo mais vezes
— brinquei.

Ele saiu de cima de mim e ficou

do meu lado.

— Não brinque, ainda mais

envolvendo outra pessoa. Esse é um

sentimento novo e posso não saber lidar.

— Alisou minhas costas, ao que

estremecei.

— Não estava pensando em fazer

ciúmes. Há outras maneiras de deixá-lo


com raiva — apontei, beijando seus

lábios de leve, que se arquearam em um

meio-sorriso.

Beijou-me de novo, mas de


maneira doce. Em seguida, me puxou

para seus braços.

— Vou adorar cada segundo.

Embora não precise, pois posso fodê-la


de todas as formas que deseja — disse,

trilhando um caminho em minhas costas


com os dedos.
— Contarei com isso. — Inspirei

seu cheiro que eu adorava. — Quer falar

sobre a carta?

Ele ficou em silêncio por um


segundo. Até achei que não fosse

comentar nada.

— Kélia era linda, tão viva e

vibrante. Mesmo com tudo o que Marco


fazia, a minha mãe nunca perdeu as

esperanças. Ela nos amou e nos protegeu


como pôde, mas assim que chegou a

idade de treinar, eu a vi definhar mais e

mais. Nos enxergar feridos por causa

dos treinamentos a matava por dentro.

Tentamos esconder o máximo possível,

dizendo que estávamos a trabalho, assim

ela não veria os estragos. — O quarto

ficou silencioso por um segundo,

inclusive imaginei que tivesse chegado


ao fim. — Eu a protegi como pude para

alguém como eu. Sonhava em ser capo,


assim poderia libertá-la dele, mas então

ela ficou doente…

— Alessandro…

— Eu a vi definhar sem poder

fazer nada. Marco sumia e, quando

aparecia, brigava com ela alegando que

era fraca, como se a culpa fosse dela

por estar naquela situação. Depois

mamãe morreu. — A dor e a distância


em sua voz fizeram eu me encolher. —
Estive com ela nos seus últimos

momentos. Rafaelle e Stefano também.

Ela queria ver as meninas, mas Marco

não permitiu. Então discuti com ele e

isso o levou a quebrar o meu nariz. Não

ligava para a dor física, mas a minha

mãe sofria por causa dele.

— Oh, senhor! — Toquei seu

coração e fiz círculos ali, querendo


arrancar a sua dor com a mão.

— Naquela noite, depois da sua


morte, ele foi ficar com sua amante. Eu
cheguei nele, enquanto dormia na cama,

com uma faca. Tudo em mim gritava


para matá-lo, mas se fizesse isso estaria

perdido, seria distanciado de meus

irmãos e minhas irmãs. Passados alguns

anos, eu conquistei todos na máfia; tirei-

os do lado de Marco e os trouxe para o

meu, o lado certo. Não falo “bom”,


porque na máfia não existe isso. —
Beijou meus cabelos. — Apesar de ter

luz, como minhas irmãs, você e

Graziela. E posso jurar pela minha vida

que ninguém nunca tocará em nenhuma

das quatro. Derrubaria o maldito

Universo por você, meus irmãos e nossa

filha.

Acreditava nele, porque eu faria o

mesmo. Cortava meu coração que


Alessandro tivesse vivenciado tudo
isso, mas agora iríamos construir nosso
futuro juntos. Não seriam sempre
corações e flores, por integrarmos a
máfia, mas confiava em sua proteção

comigo e com Grazi.

Sim, não havia nada mais perfeito

que esse momento… estar ao lado dele,

ser dele. Eu tinha pessoas que amava do

fundo do meu coração. O meu “para

sempre” estava apenas começando. E


não importava o que o futuro preparasse
para nós: eu estaria pronta! Enfrentaria

tudo pela minha família e pelos meus

amigos.
Epílogo

Algum tempo
depois.

Mia
Às vezes, cercada dessas pessoas
maravilhosas, eu me lembrava da minha

mãe e sentia um aperto no coração. Mas


eu tinha certeza de que ela estaria feliz

pela família que conquistei e pela

maneira como eu amava a Graziela e

cuidava dela.

Alessandro triscou no meu braço,


me assustando e me forçando a sair dos
meus devaneios com sua chegada no

quarto.

— O que houve? — Passou o

braço à minha volta, beijando meus


lábios de leve. — Estava distante.

— Há algum tempo venho

pensando em contar a verdade para a

Graziela; sobre a origem dela. Ela vai


completar oito anos em breve, então

entenderá melhor algumas coisas. —


Suspirei com um nó na garganta.
— Parece preocupada. —

Avaliou-me. — Não tema sua reação,

aquela menina venera o chão em que

você pisa.

— Eu sei. Mesmo temendo, eu

tenho que revelar. Não quero que ela

viva cercada de mentiras. Olhe o que

isso fez com a Luna? Ela nos afastou por

um bom tempo. Não quero correr o risco


de Graziela fazer o mesmo só por eu não
ter dito a verdade. Quero que ela saiba

quem minha mãe realmente era.

Luna e eu voltamos a ser amigas e

irmãs; ela nos perdoara no dia do


casamento, mas eu não gostava de

pensar em Graziela agindo assim.

Ele soltou um suspiro.

— Foi para isso que vim — me

informou e levou-me para o sofá no

canto.
Franzi a testa.

— O que foi? — sondei, então


reparei na pasta em suas mãos. — O que

é isso?

— Descobri os parentes de sua

mãe aqui na Itália. Na verdade a sua

avó, a mãe da sua mãe. Não tinha


irmãos, não vivos pelo que soube. Mas

essa senhora não merece que você a


visite, nem a Graziela — resmungou,
furioso.

— Por quê? O que essa mulher

fez? — Nunca pensei realmente em meus

parentes; minha mãe só disse que


existiam, mas eu não me recordava dela

falando de maneira amorosa sobre a sua

mãe. Abri a pasta e chequei o conteúdo.

— A mãe dela é daquelas


mulheres de princípios e valores

deturpados. Quando soube que sua mãe


ficou grávida de um malandro, ela a
colocou para fora de casa. Então o seu
pai a levou para a Albânia. Ele não era

santo, mas amava a sua mãe. De resto,


você já sabe o que houve — contou.

Sim, Skender matou o meu pai e

deu a minha mãe para outro como

esposa. Ainda bem que esse homem

morreu e estava no Inferno.

Meu peito se apertou ao pensar no


que minha avó fez com a filha. Minha
mãe sofreu muito por ter ido embora

para a Albânia, mesmo que houvesse

vivido o seu amor com meu pai, o

verdadeiro.

— Como pode? Jamais faria algo

assim com a minha filha. — Sacudi a

cabeça, enraivecida. Por culpa dela

minha mãe foi levada à Albânia e

passou por tudo aquilo.

— Há pais que não merecem esse


título — proferiu baixo, apertando a
minha mão.

— Verdade — concordei. Pessoas

assim não deveriam ter filhos.

Eu preferiria cortar um braço a


fazer isso com um filho meu ou com

qualquer pessoa que amava. Talvez essa

fosse a resposta: ela não deveria amar

ninguém.

— Tem outra coisa que consegui

descobrir. Você falou uma vez que não


pôde velar a sua mãe depois que fugiu.

Então quando El Diablo pegou o

Skender, ele o fez falar onde a enterrou.

— Alessandro tocou o meu cabelo.

Endureci com a lembrança daquela noite

piscando em minha mente.

Seria uma cena que eu jamais


esqueceria e, no fundo, não desejava,
pois foi minha última imagem da mamãe.

Por isso gostaria de contar à Graziela;

eu queria que ela soubesse o quanto

minha mãe foi valente sobrevivendo

naquele covil de monstros. Claro que

não diria as partes sujas e feias, não

enquanto fosse uma criança. Mas quem

sabe um dia, quando estivesse maior?

— Onde ele a enterrou? — inquiri


com o coração na mão. Depois que a
deixei lá, eu nem pude dizer o que
realmente pensava.

A dor apossava meu peito sempre

que falava nela; a saudade era demais.


Recordava-me dos meus momentos com

ela. Mesmo em meio àquele mundo, ela

me amou e teria amado a Graziela.

— Nenhum deles se deu ao

trabalho de fazer isso. Eles

simplesmente a deixaram na casa. Uma


vizinha, junto ao padre local, a enterrou
— falou, virando a cabeça na minha

direção.

A dor cortou fundo em meu peito,

fazendo com que meus olhos se


enchessem de lágrimas ao pensar que foi

velada sozinha, sem que eu estivesse do

seu lado.

— Queria tanto ter estado lá para


ela. — Coloquei a cabeça em seu ombro

e funguei.
— Lamento por isso, Estrela-do-

mar. — Trilhou minha pele com seus


dedos, tentando me tranquilizar.

— Posso ao menos visitar o

túmulo e me despedir? — sussurrei

esperançosa. Em seguida, eu virei a

cabeça para olhar para ele.

Ele negou, fazendo com que

minhas esperanças se esvaíssem como


uma luz sendo apagada na escuridão.
— Não podemos ir à Albânia

agora, porque mesmo com Skender e o


seu pessoal estando mortos, há outras

máfias no país. Eu não vou arriscar


outra guerra, colocando a vida de todos

em perigo, incluindo a sua. Por isso, eu

trouxe… ela de lá e mandei que a

colocassem no cemitério onde minha

mãe foi enterrada. — Fitou a janela.

Trouxe-a! Eu sabia que ele queria


dizer os… ossos da minha mãe, já que

fazia quase oito anos que se foi.

Alessandro só amenizou as palavras.

Quando achava que não podia amar mais

esse homem, ele vinha e fazia isso. Um

gesto que para muitos poderia não ser

nada, mas para mim era tudo. Um local

onde eu daria adeus à minha mãe.

Alessandro não acreditava que as


pessoas que morriam nos olhassem de
onde estivessem. Já eu supunha que
minha mãe, do Céu, ficara feliz com o
marido que conquistei.

— Como é possível o amar mais


do que já amo? — Meu coração batia

com uma enorme emoção.

Sorriu para mim.

— Sou suspeito para dizer tal

coisa, já que me sinto da mesma forma.

— Beijou minha testa e inspirou como


se adorasse sentir o meu cheiro. — Era
um sentimento que nunca imaginei

vivenciar, mas aqui estou eu loucamente

amando você cada dia mais, minha

esposa.

— “Minha esposa” — repeti suas

palavras. — Gosto disso na sua boca,

meu esposo lindo e gostoso.

— Gostoso, hein? — Riu,


beijando meus lábios. Antes que eu

pudesse corresponder a tamanho vigor,


fomos interrompidos:
— Mamãe! — Graziela chamou

do corredor, então me afastei do

Alessandro. Olhei para a porta assim

que ela entrou. — Precisa dizer ao tio

Stefano que ele não pode ir me buscar

na escola de novo.

— Isso corta o meu coração,

princesa — Stefano afirmou de algum

lugar lá fora.

Arqueei as sobrancelhas.
— Por que ele não deveria ir? —

perguntou Alessandro antes de mim.

Ela parou de falar, notando

Alessandro do meu lado. Em seguida,

enrolou as mãos uma na outra em um

gesto nervoso. Uma reação estranha,

porque minha filha sempre foi solta com

o pai dela. O que estava se passando?

— Fui convidada para dançar, a


professora fez os pares e eu fiquei com
o Benny. Mas o tio Stefano disse que só

vou poder dançar com meninas. — Ela

bateu o pé no chão. — Isso é injusto.

Oh, agora entendi. Ela devia


estar preocupada que Alessandro

pensasse a mesma coisa. Coloquei a

mão na boca não querendo sorrir; a

proteção desses irmãos estava um pouco

demais, e notando a expressão do pai


dela, eu vi que ele não parecia pensar
diferente do seu familiar.
— Não vou ser a única a me
apresentar com outra menina —

resmungou. — Benny é meu amigo, nós


dividimos lanches. E o tio Stefano

passou medo nele, agora ele vai dançar

com a Milan.

— Oh, Senhor! — Desatei a rir e

não consegui parar.

— Papai, eu preciso dançar, por


favor. Agora os dois garotos que eu quis
correram, porque meu tio Stefano os

ameaçou. Pode conversar com eles?

Não posso ficar sozinha — pediu com

aqueles olhos esperançosos.

Virei para Alessandro pensando

no que ele faria. Bastava um olhar doce

de nossa filha para derreter até o mais

duro dos corações.

— Venha aqui. — Estendeu a mão

para ela. Graziela foi até ele sem


hesitar, esperançosa. — Vou conversar
com eles, prometo. Garanto que você
não vai dançar com nenhuma garota.

Pelo seu tom, parecia que

Graziela não dançaria com meninos

também. Oh, queria só ver como ele se

sairia nessa promessa. Conhecendo

Alessandro como eu conhecia, com

certeza tinha algum plano.

Graziela gritou animada, emitindo


luz como uma árvore de Natal.
— Obrigada, papai, eu o amo

muito — disse eufórica e o abraçou


forte por um segundo. Depois se afastou

fazendo uma careta. — Também amo o


tio Stefano, mas ele é muito protetor. Tia

Luna disse que ele era assim com ela, e

que vai passar.

Sacudi a cabeça. Não acreditava

que a proteção dos irmãos Morelli


mudaria. Eles apenas tinham mais uma
pessoa para incluir na lista. E isso que

nem chegara o tempo de ela namorar.

Olhei para a minha menina e notei

sua felicidade ao saber que Alessandro


a ajudaria; ela confiava nele e em mim,

e eu queria que essa confiança

perdurasse quando adulta. Então seria

melhor revelar a verdade nesse

momento.

Esperava que ela entendesse as


coisas e soubesse por que não contei
nada antes. Sentia um nó na garganta só
de pensar em um dia ela descobrindo

por outra pessoa e me odiando por


mentir. Era melhor dizer enquanto estava

ali.

— Graziela. — Peguei sua mão e

a trouxe para perto de mim. Olhei para

Alessandro. — Quer continuar aqui?

Queria que estivesse presente ao revelar


tudo.
— Não pretendia ir a canto algum

— respondeu. — Somos uma família


agora, faremos tudo juntos.

— Mamãe, a senhora é contra eu

dançar com meninos? — Virou a cabeça

na direção de seu pai e depois a mim.

Ela entendeu mal a minha reação. —

Papai deixou.

— Não, claro que não. É só uma


dança de uma menina talentosa que ama
o que faz. — Trisquei seu nariz,

fazendo-a sorrir. Embora acreditasse

que Alessandro impediria, mas sem

magoar os sentimentos de nossa filha.

Coloquei-a sentada na cama e me

sentei na cadeira diante dela.

— Tem algo que preciso revelar a

você, uma verdade que quero que saiba


agora. — Respirei fundo. — Lembra da

sua avó? O que contei sobre ela?


Ela assentiu, ainda sem entender.

— Sim, me falou que ela era


linda, valente e que a protegeu muitas

vezes dos homens maus. — Tocou no

pingente onde guardava uma foto da

nossa mãe. — Queria ter conhecido ela.

— Mamãe era magnífica. Sei que


o que vou dizer agora vai deixá-la

confusa no começo, mas a verdade é


sempre o melhor caminho. — Peguei sua
mão de novo e a fitei: — Carina não é a

sua avó, meu amor, ela é a sua mãe.

Carregou você na barriga e a amava

muito, mesmo antes de ter nascido.

Piscou com aqueles olhos grandes.

— Mas você sempre foi a minha

mamãe… — Sua voz saiu baixa.

— Oh, meu anjo, ainda sou se

assim quiser. Mas a verdade é que eu

sou a sua irmã. Quero que saiba que a


amo como se fosse a minha filha, como

se tivesse saído de mim. — Estava com

o coração na mão pensando que não

entenderia.

Ela mordeu o lábio.

— Igual ao meu pai? — olhou

para Alessandro, sussurrando. — Ele

não é o meu pai de verdade, mas o amo


como se fosse.

Senti Alessandro engolir com


dificuldade por causa da emoção.

— Também sinto o mesmo, minha

princesa. — Ele tocou sua testa e seu

coração como se estivesse declarando


que a amava também.

Nos últimos meses, Alessandro

passou a me dizer sempre essas

palavras; sentia que, devagar, ele estava


deixando as emoções se apossarem dele

e nos permitindo entrar.


— Isso mesmo, anjinho. Eu não

queria mentir para você, ainda é nova,


mas um dia entenderá as coisas. Eu só

não revelei antes porque não queria


contar algo que não compreendesse na

época, mas agora é uma menina esperta.

Inteligente demais. — Toquei seu rosto

lindo. — Saiba que amo você e adoro

ser a sua mãe. Mas também quero que

você ame a nossa mãe como tal, ela era


uma mulher maravilhosa.

Graziela ficou em silêncio por um

segundo, certamente digerindo tudo. Até

cheguei a pensar que revelara o segredo


muito cedo, talvez houvesse sido melhor

esperá-la ficar mais velha. Mas a

mentira tem pernas curtas, e eu não quis

que descobrisse por outra pessoa.

— Eu entendo, mamãe. Posso

continuar a chamando assim? Eu a


considero dessa forma. Vamos ficar
sempre juntas, não é? — perguntou,
temerosa. — Não quero nunca me

afastar de nenhum de vocês dois como


da outra vez, quando fui para a casa da

tia Jade.

Puxei-a para meus braços,

sentindo meu coração dolorido com seu

medo, mesmo sem cabimento. Não

gostava de pensar na época em que


estive longe dela. Jurei que isso nunca
mais iria acontecer.

— Ninguém nunca vai tirar você

de mim. Nunca. Eu a amo mais que a

vida e o Universo juntos. Mais que o céu


e as estrelas — afirmei.

— Jamais, princesa. Você é nossa

filha amada, a menina vibrante que

ilumina tudo que há em mim. — Ele


beijou ambas as bochechas dela. —

Aquela de que ninguém nunca chegará


perto, muito menos a levará para longe.
— Eu o adoro, papai. — Sorriu

para ele e depois para mim. — Também

a amo, mamãe, mesmo que não seja a

minha mãe de verdade. Amo os dois

como se fossem meus pais reais.

Meu coração parecia querer

explodir com ela me aceitando ao saber

da verdade. Minha menina era a pessoa

mais preciosa da minha vida.

— Oh, doce anjo. Eu não


conseguiria viver sem você. — Limpei

meus olhos molhados.

Ela franziu a testa.

— Por que está chorando, mamãe?

— Entristecida, me beijou. — Não

quero que fique assim.

Sorri, beijando a sua testa e

pensando que não podia receber

presente maior da vida que meu doce

anjinho. Como obtive tamanha benção?


Agradecia aos céus por tê-la.

— Oh, meu amor, eu não estou

triste, mas feliz, porque tenho as duas

pessoas que mais amo na vida aqui


comigo. — Abracei ela e Alessandro.

— Não podia pedir mais nada.

— Então, princesa, você vai

mesmo me proibir de levá-la para a


escola? — da porta, Stefano perguntou.

— Isso significa que não gosta de mim?


Olhei para cima e me deparei com

ele de braços cruzados e a expressão


magoada. Eu o conhecia, sabia que isso

era fingimento. Pelo que notei, ele


esperou a nossa conversa terminar para

entrar; não quis interferir. Meu cunhado

ganhou o meu apreço.

Graziela piscou e foi em sua

direção, não gostando de o enxergar


triste.
— Não é isso, tio, mas o senhor é

muito protetor. Não pode xingar os meus


amigos dizendo que os jogará na

privada. — Pegou em sua mão. — E


papai deixou que eu dançasse com um

garoto.

Stefano levantou uma sobrancelha

para o irmão, como se perguntasse se

isso era real. Pisquei com algo que ela


disse.
— Oh, meu Deus! Você ameaçou

as crianças! Não acredito nisso! —


Fiquei de pé.

Bufou.

— Não os machucaria de fato, era

só uma ameaça vazia — defendeu-se. —

Não toco em crianças e jovenzinhas


lindas. — Sorriu para a Graziela.

— Não? Então por que disse? —

Ela parecia confusa.


Stefano a pegou pela cintura.

— Um dia, quando ficar maior,


você entenderá as minhas razões. — Fez

cócegas nela, ao que riram juntos. —

Agora, por que não me mostra aquele

passo novo? Rafaelle está na sala

esperando.

Sabia que ele nunca machucaria

ninguém, não inocentes, crianças e


mulheres. Todos ali morreriam por
minha filha e por mim.

— Acho que meu coração vai

explodir de tanta felicidade — falei

assim que ela riu quando Stefano a levou


para o andar de baixo.

Alessandro me abraçou por trás.

— O meu também. Não consigo

acreditar que tenho vocês duas na minha

vida. Vocês se tornaram o meu mundo

inteiro — declarou com fervor.


Realizada. Era como eu me sentia

nesse momento.

No dia seguinte, depois de revelar

toda a verdade à minha filha, eu a

chamei para visitar a lápide da minha

mãe, a nossa mãe. Uma que só foi


possível graças a Alessandro.

Alessandro nos levou e parou o


carro na frente do cemitério.

— Papai, você não vai entrar? —

chamou Graziela, pegando a mão dele.


— Assim o senhor poderá ver a sua

mamãe também.

— Ela não… — Ele parou no

meio da frase, vendo a ansiedade da

nossa filha. Sabia que ele queria dizer


que sua mãe não estava ali, mas nunca a

magoaria revelando algo desse tipo.


Alessandro não conseguia negar

nada a ela; até na escola prometeu que


não ia interferir sobre ela dançar com

garotos. Mas nessa manhã recebi uma


ligação alertando que as meninas

dançariam sozinhas, separadas dos

meninos. Claro que tinha o dedo dele

nisso.

Graziela não se importou; contanto


que dançasse, para ela estava tudo bem.
Meu doce bebê não conhecia o pai

protetor que arrumou. Eu ficava feliz

pelo seu cuidado, pois isso significava

que ele amava a minha filhota.

— Tudo bem — respondeu por

fim.

Ele não acreditava nesse negócio

de se despedir dos entes queridos em


cemitério; para Alessandro, isso não era

nada. Mas entrou mesmo assim, por


nossa filha. Esse gesto aqueceu a minha
alma.

Fomos a uma lápide feita

recentemente. Meu coração estava

acelerado, porque nunca imaginei que

pudesse me despedir dela como faria

nesse momento. Uma parte de mim não

queria estar ali, pois era doloroso

demais.

Na lápide tinha uma foto da minha


mãe, sorrindo, a mesma foto que estava
na correntinha de Graziela. Cabelos

loiros compridos e olhos brilhantes de

emoção. Foi nesse dia que ela soube que

estava grávida da minha filha.

Olhei para Alessandro com meus

olhos molhados.

— Obrigada. — Engoli o choro.

— Você e Graziela mereciam se

despedir de sua mãe. — Aparou minhas

lágrimas.
Agradeci ao padre e à vizinha,

fossem eles quem fossem; não


morávamos naquele bairro muito tempo

para tê-los conhecido, minha mãe achou


que era mais fácil estar perto do hospital

e por isso nos mudamos. Outro detalhe é

que pensávamos em fugir na época.

Fiquei de joelhos em frente à

lápide e coloquei o buquê de flores


vermelhas, as que ela adorava.
— Mamãe, eu estou aqui com a

Graziela, a nossa filha. — Olhei para a


minha menina ao meu lado.

Graziela também segurava duas

rosas nas mãos. Entregou uma ao

Alessandro, que a pegou, mas não disse

nada.

— Papai? Você também pode

colocar onde sua mamãe está — falou.


— Ela vai adorar.
Tinha contado que a mãe de

Alessandro jazia ali, e Grazi se


empenhara a visitar as duas. Ela

compreendia o conceito de morte,


embora não em sua totalidade. Um dia,

entenderia.

Meu marido não disse nada,

apenas saiu para a direita de onde

estávamos.

— Sinto muito por não a conhecer,


mamãe, eu sou Graziela. Estou feliz com

a mãe que tenho, porque ela me ama

muito, e juramos estar sempre juntas.

Um aperto em meu peito me fez


chorar com a dor da saudade. Sofri por

sete anos. Antes, eu não sabia onde

Carina estava, mas naquele instante

acreditei que ela finalmente descansaria

em paz no Céu.

— Mamãe, obrigada por me dar a


minha irmã e por ela estar sempre do
meu lado me amando e me protegendo.
Sei que, do Céu, a senhora olha por nós

duas e meu papai — disse ela. — Amo


os pais que me deu.

Como eu podia amar ainda mais

uma criatura tão linda e meiga como

essa? Acreditava que Deus cruzou os

nossos destinos; agradecia por essa

minha família maravilhosa.

— Queria que estivesse aqui


comigo, mamãe, porque iria adorar o

homem que tomou o meu coração e a

minha alma. Saber como Graziela o

ama, e como ele a ama também.

Alessandro nos protege e nos adora —

falei, limpando meus olhos, e fiquei de

pé. — Eu a amo. Para sempre.

— Vou cuidar da minha mamãe

por você — declarou minha princesa.

Senti braços à minha volta e


agradeci novamente a Deus e ao destino
por terem me trazido até ali, àquele
homem e à nossa filha.

— Está tudo bem? — sondou

preocupado ao ver o meu rosto molhado.

— Sim, só agradecendo à minha

mãe. É por causa dela que estou aqui

hoje e o conheci. Acredito que Carina

ficaria feliz e nos ajudou de certa forma,

tanto ela como a sua mãe. — Olhei para


ele, que franziu a testa. — Sei que não
crê nisso, mas as duas eram

maravilhosas e estão no Céu agora

olhando por mim, por você e por nossa

filha.

— Seja quem for que as enviou

para mim, eu agradeço, porque são as

coisas mais preciosas da minha vida —

afirmou, voltando-se a mim e à Graziela.

— Não fiz nada para merecê-las, mas


por vocês duas e pelos meus irmãos eu
enfrentaria o Céu e o Inferno.
Tinha consciência de que
Alessandro o faria. Esse gesto me

levava a querer gritar de emoção e


amor. Mesmo que ele não acreditasse

em nada disso, ainda estava ali e viria

conosco mais vezes. Sim, esse homem

foi feito para mim, assim como eu fora

feita para ele. O destino e o Universo

nos uniram, e nada e nem ninguém nos


separaria.
Com ele residia o meu futuro, a

minha felicidade e o meu mundo todo.


Um mundo no qual estava ansiosa para

viver. Era realizada, e tudo graças ao


meu capo e à minha filha.
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